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1ª edição

2021
Copyright © 2021 Ivani Godoy

Revisão: Analine Borges Cirne


Capa: Babi Dameto
Diagramação digital: Babi Dameto

_________________________________
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E
PARCIAL DESTA OBRA, DE QUALQUER
FORMA OU POR QUALQUER MEIO
ELETRÔNICO, MECÂNICO, INCLUSIVE POR
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INCLUINDO AINDA O USO DA INTERNET, SEM
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9.610 DE 19/02/1998).
ESTA É UMA OBRA DE FICÇÃO. NOMES,
PERSONAGENS, LUGARES E
ACONTECIMENTOS DESCRITOS SÃO
PRODUTOS DA IMAGINAÇÃO DA AUTORA.
QUALQUER SEMELHANÇA COM
ACONTECIMENTOS REAIS É MERA
COINCIDÊNCIA. TODOS OS DIREITOS DESTA
EDIÇÃO RESERVADOS PELA AUTORA.
Stefano Morelli quando criança
foi forjado um assassino frio da pior
maneira possível. Sob o jugo de um pai
que mais parecia um monstro, cresceu
sabendo que nunca seria feliz, pois isso
foi tirado dele há anos. Marco queria
quebrá-lo e domá-lo, porém Stefano não
lhe deu esse prazer, embora, no fundo, o
pai tenha levado dele algo que nunca
terá de volta, não importa quanto deseje
isso ou quanto sangue derrame para
esquecer.
Stefano acredita que está além
da redenção e no fundo não a deseja. Ele
sabe que o inferno o aguarda e aceita
sua sina. O que ele não aceita é que seu
passado de tormento e tortura recaia
sobre a única mulher que faz com que se
sinta vivo como não esteve em anos. Por
ela, irá ao inferno aonde nunca pensou
que voltaria.
Eles querem ver o monstro que
foi forjado? Que assim seja! E, quando
Stefano terminar, não sobrará nada além
de sangue, ruína e mortes.
Belinda Castilho é uma mulher
capaz e decidida, que está se curando da
perda do pai, determinada a ser forte
pela sua família e amigos. Entretanto,
Stefano parece enxergar sua alma. Ele
vê através da fachada e está disposto a
ajudá-la, até que é tarde demais... para
os dois.
O que Stefano fará para proteger
quem ama? E Belinda aceitará o destino
que foi imposto a ela?
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37
CAPÍTULO 38
CAPÍTULO 39
CAPÍTULO 40
EPÍLOGO
BÔNUS
AGRADECIMENTOS
Estávamos na estrada algumas
horas após Marco e eu sairmos do avião
assim que pousamos em Bangkok. O
lugar parecia distante do aeroporto.
Ele não me contou por que
tínhamos ido ali. Estranhei, pois, sempre
que íamos para um país diferente, meus
irmãos estavam juntos. No entanto,
daquela vez eu estava sozinho em um
lugar desconhecido.
Não tinha medo. Na máfia,
descobrimos logo cedo que devemos ser
fortes e encarar as coisas com a cabeça
erguida, nunca desistir. Foi isso o que
Alessandro me ensinou. Ele me treinava
do seu jeito, evitando que meu pai
levasse o meu treino a um novo patamar,
embora nós dois soubéssemos que meus
irmãos não poderiam me proteger para
sempre. Logo eu teria que fazer o que
tanto abominava.
Meu pai achava que nossa
aversão a matar, tanto minha como dos
meus irmãos, era uma fraqueza que ele
repudiava e que tínhamos herdado da
nossa mãe.
Minha mãe era tudo para mim.
Eu a adorava com cada fibra do meu ser
e não me importava de ter herdado a tal
“fraqueza” dela. O que me incomodava
era o fato de o meu pai a usar
frequentemente para que meus irmãos
fizessem o que ele queria. Eu esperava
que isso nunca acontecesse comigo.
― Aonde estamos indo? ―
perguntei a Marco após andarmos alguns
quilômetros.
Ele não respondeu, e não insisti;
sabia que seria pior caso o fizesse.
Andamos mais meia hora, saindo
de Bangkok, e entramos em uma estrada
de terra em um campo aberto. Nele tinha
um helicóptero com vários homens
tailandeses.
Eu não estava gostando disso,
mas controlei o que estava sentindo, por
mais que quisesse desaparecer da vida
de Marco. Poderia fugir, mas não o
faria; eu não era um covarde que se
esconde dos outros, lutava de cabeça
erguida. Era claro que sentia medo,
como qualquer ser humano, mas nunca
deixava meu pai saber, ou ele usaria
isso contra mim.
Nas últimas semanas, Marco
estava me testando, colocando-me para
cobrar dívidas de seus devedores junto
a Rafaelle. Meu irmão fazia o trabalho
duro, e eu ficava lá apenas olhando, com
o coração doendo. Não gostava de ver
aquela crueldade sendo feita a nenhum
ser humano, não importando se aqueles
homens eram bandidos.
Por ter nascido na máfia, eu
deveria ser como meu pai, mas
agradecia aos Céus por não ser; já tinha
visto coisas que me enojavam,
principalmente a forma como seus
inferiores e comparsas se aproveitavam
de garotas novas. Quando eu via isso,
tinha vontade de colocar uma bala na
cabeça deles. Nessa hora, eu sentia que
era capaz de matar, ou talvez fosse a
natureza humana, e eu evitava seguir
esse instinto.
Parei de pensar nisso e foquei no
presente; assim saberia aonde estávamos
indo.
A viagem de helicóptero durou
mais uma hora, então olhei para baixo e
vi um lugar que parecia um presídio,
com cercas elétricas e cercado por
guardas.
Por que ele me trouxe aqui?,
pensei. O que quer que fosse, não devia
ser algo bom; nada que vinha de meu pai
era.
― Aqui é onde farei de você um
homem de verdade ― disse Marco. ―
Bem-vindo à Arena da Morte.
Arena da morte? Ele pensa em
me colocar para lutar com alguém?
Meu corpo inteiro tremeu diante
disso, e o medo começou a se apossar
de mim, mas me controlei. Não sabia
nada sobre aquele lugar, mas só o nome
dizia tudo que eu precisava saber.
Após aterrissarmos e entrarmos
na propriedade, passamos por celas
onde havia vários garotos da minha
idade presos. Seus olhos pareciam
mortos. Essa última palavra descrevia
tudo. Eu só podia imaginar o que tinham
visto naquele lugar para se mostrar
assim, sem um pingo de alma.
Meu pai lidava com tráfico
humano, algo que eu abominava e me
enojava, mas eu sabia que não podia
fazer nada para mudar isso. Esperava
que um dia Alessandro fizesse a
diferença e mandasse Marco ao inferno,
onde ele tinha um lugar à sua espera.
Naquele dia, descobri que meu
pai lidava com lutas clandestinas
também. O que me chocou foi ver que
ele não usava homens, e sim crianças.
Alessandro não vai gostar disso,
pensei. E quem gostaria? Não alguém
que tivesse um coração. Meu pai não
sabia o significado dessa palavra.
Contive a raiva e o medo,
embora tudo em mim gritasse para eu
sair logo dali. Contudo, era-me
impossível fazer isso.
Os garotos nos seguiam com o
olhar, e percebi neles um brilho de ódio
direcionado a Marco. Bem-vindos ao
clube!, pensei, pois eu também sentia a
mesma coisa.
Entramos em uma arena imensa
que mais parecia um estádio de futebol,
com arquibancadas onde, ao seu redor,
uma multidão aplaudia garotos lutando
em uma gaiola. Essa gaiola tinha o
tamanho de um ringue de luta normal,
mas era completamente envolvida por
grades para evitar que os garotos
saíssem. O chão estava coberto de
sangue.
Meu estômago se embrulhou ante
o que eu estava vendo, porém me
mantive no controle. Esperava que
continuasse assim.
A forma como os garotos
lutavam me chamou a atenção; eram
rápidos e letais a cada golpe de suas
armas brancas. Um deles parecia mais
brutal com seu cutelo; o outro possuía
uma faca. Não havia dúvidas sobre
quem ganharia ali. Um dos competidores
me olhou com nada além de vazio e
fúria por um breve segundo e, no
momento seguinte, voltou à luta.
Meu estômago se embrulhava a
cada soco que eles davam e a cada
rasgo que as lâminas faziam em seus
corpos. Meu coração estava acelerado e
angustiado. Era aquilo que Marco queria
que eu fizesse?
― Como anda tudo aqui? ―
perguntou meu pai a um dos homens que
controlavam o local.
― As coisas estão indo bem,
chefe, os garotos estão ganhando muito
dinheiro. ― O maldito sorriu.
Cerrei meus dentes, querendo
socar todos ali, mas me contive; não
seria páreo para eles. Meu pai
provavelmente me deixaria apanhar e
assistiria a isso sorrindo.
Bastardo fodido!, pensei com
amargura. Repudiava toda aquela
escória.
― Que bom. Agora quero que
treine meu filho como os melhores
lutadores que temos aqui ― ordenou
Marco.
Encarei-o de olhos arregalados.
― Você só pode estar brincando!
― exclamei furioso.
Eu tinha um temperamento
explosivo, algo que meu pai odiava.
Fuzilou-me.
― Basta, Stefano. Você vai fazer
o que eu digo ― rosnou com os olhos
ardendo de fúria, depois encarou o
homem barbudo. ― Leve-o e treine-o,
não importa que tenha que quebrá-lo
para que isso aconteça.
Eu o odiava cada vez mais.
Mesmo com o medo me controlando,
não conseguia implorar para ele não me
deixar com os lutadores. Eu treinava luta
com Alessandro e Rafaelle, mas naquela
arena as lutas eram mortais e brutais,
algo que eu nunca tinha feito.
Olhei para o homem que se dizia
meu pai, porém desconhecia tal palavra;
nunca fora presente em nossas vidas,
minha e dos meus irmãos. Não sabia
fazer nada além de nos obrigar a fazer
coisas que não queríamos.
Estava na ponta da minha língua
mandá-lo para o inferno, quando a
plateia rugiu em aplausos.
Olhei para a arena, e o garoto
que havia me encarado minutos antes
agora retalhava seu oponente, não
ligando para o sangue que respingava
em seu rosto, deixando-o todo vermelho.
― O Número 10 ganhou! ―
Uma voz soou num alto-falante. ―
Ninguém é páreo para ele!
Aquela porra ficava cada vez
pior. Então os desgraçados fodidos não
davam nomes a eles? Era como se não
merecessem, como se fossem apenas
mercadoria.
― Vocês são todos fodidos! ―
cuspi.
O crápula ao lado do meu pai riu
como se eu fosse uma mera mosca que
ele desejava massacrar. Eu sabia ler as
pessoas muito bem para perceber
aquilo.
Marco pegou meu braço em um
aperto insuportável, fazendo com que eu
me encolhesse, mas não emiti som
algum; não daria esse gostinho a nenhum
deles.
― Estou farto da sua boca
malcriada, Stefano! Vamos ver até
quando vai continuar assim! ― grunhiu
no meu rosto e me empurrou para o cara.
O seu fantoche pegou o meu braço no
mesmo local que Marco tinha apertado
antes. Eu apostava que teria marcas,
embora isso fosse fichinha perto do que
aconteceria comigo naquele lugar.
― Leve-o da minha frente ―
ordenou Marco. ― Kanon, faça o que
precisar para devolvê-lo dócil e
obediente.
O filho da puta sorriu com
expectativa.
― Posso fazer com ele tudo que
faço com os outros? ― sondou com
entusiasmo. O sujeito parecia um sádico
fodido.
Meu intestino se retorceu de
pavor com suas palavras, mas escondi
isso deles. Se ele achava que iria me
tocar, eu provaria para todos que o
inferno congelaria antes.
Marco o fuzilou.
― Em relação às lutas, sim, mas,
se ousar tocar nele de outra forma, tanto
você como qualquer outro, irão se
arrepender. ― Sua voz saiu letal, dita
sem poder de recusa.
O gelo se apossou de minha
alma. Eles estavam falando de abuso
sexual? Então todos ali eram malditos
pedófilos? Isso me amedrontou. Embora
o aviso do meu pai me deixasse um
pouco aliviado, eu tinha certeza de que
ele não tinha feito isso por seu maldito
coração negro ter alguma emoção
paterna. Não, eu apostava que ele não
queria manchar seu nome ao ter um filho
molestado. Eu o conhecia e sabia o
quanto era preconceituoso, mas ele não
impedia seus homens de fazerem aquilo
com outros que não seus filhos.
Só em pensar nisso, eu ficava
ainda mais puto, não só com Marco, mas
com todos que tinham ido ali presenciar
aquela porra toda.
Kanon ficou branco, mas
assentiu.
― Sim, chefe. Vou prepará-lo
como deseja ― garantiu, embora sua
voz tremesse, mesmo tentando esconder.
― Ótimo. Agora leve-o para
ficar com os prisioneiros nas celas ―
disparou, com um gesto da mão.
― Você me enoja como pai ―
desdenhei.
Kanon pigarreou antes de Marco
dizer ou fazer algo, tomado pela fúria.
― Senhor, o que acha de o
colocarmos na jaula? Isso iria quebrar
sua petulância de menino marrento. ―
Ele parecia eufórico por isso ou para
que eu morresse na arena.
Marco olhou para mim como se
quisesse me esfolar vivo. Eu não
entendia por que nunca o tinha feito. Ele
encarou a arena um segundo e depois a
mim com um sorriso.
Eu não queria lutar com aqueles
garotos que tiveram a infelicidade de
entrar no caminho de Marco. Poderia
implorar para ele não fazer aquilo e
dizer que o respeitaria e seria obediente,
mas o orgulho falou mais alto; eu não
conseguia me rebaixar. Não sabia se era
só o meu gênio ou se eu era um completo
estúpido. Acho que os dois, pensei com
um suspiro baixo.
― Leve-o, mas mande que seus
cães não o matem ― avisou Marco.
Como ele podia chamar aqueles
garotos assim? Jurei a mim mesmo que,
no dia em que saísse dali, iria arrumar
um jeito de ajudá-los de alguma forma.
Mas como? Eu era só uma criança a
caminho da adolescência. Talvez
Alessandro tivesse alguma ideia e me
ajudasse, porém eu não queria pensar
naquilo no momento; primeiro precisava
sobreviver àquele lugar.
― Meus animais só fazem o que
eu mando. ― O verme parecia
orgulhoso desse fato.
Ele me puxou para a arena,
aonde um garoto loiro de cerca de uns
15 anos foi levado após a luta do
Número 10, que tinha ido embora sem
que eu visse. Esse era o Número 16,
estava cravado na sua pele como marca
de gado.
O rapaz sorriu de forma tão
sinistra que me provocou um arrepio na
espinha. Segurava facas e me olhava
enquanto eu entrava.
― Você aprenderá a fazer o que
eu digo e me obedecerá como um
cãozinho ― disse Kanon.
― Você não passa de um
capacho e cão do meu pai ― sibilei com
um sorriso sarcástico.
Kanon trincou os dentes e cerrou
os punhos. Percebi que queria me socar.
Aquele lixo provavelmente não ouvia
“não” todo dia, não sem devolver o
troco.
― Vou adorar domesticá-lo. ―
Sorriu frio e me empurrou para dentro
da gaiola, acenando para o garoto ali
parado, ainda sem se mover, como se
fosse uma máquina assassina. ― Lute
com tudo de si, só não o mate, ou irá
para o inferno logo atrás dele.
O garoto me encarava sorrindo
de um modo que parecia um louco que
tinha acabado de sair do hospício,
embora não houvesse emoção alguma
em seu sorriso. O que eles faziam com
aqueles meninos? Pareciam zumbis
assassinos sanguinários.
― Dê uma faca a ele! ― gritou
Marco do lado de fora da jaula.
― Senhoras e senhores, hoje
temos um novo integrante que irá lutar
com o 16! ― ouvi o locutor dizer. ―
Quem sobreviverá?
Eu vou fazer de tudo para sair
deste lugar, não lhes darei o prazer de
fazer o que eles querem!
Foram-me entregues duas
lâminas, mas permaneci parado no lugar.
Respirei fundo, segurando as facas com
força, uma em cada mão. A minha
vontade era matar outro adversário, não
aquele em minha frente.
Eu sabia lutar bem, mas como
sobreviveria sem dar o que Marco
queria? Se eu lutasse e matasse alguém,
o único beneficiado seria ele. Poderiam
me chamar de tolo, mas eu não queria e
não faria aquilo.
― Não precisa lutar... ―
comecei a falar, mas me calei; se ele não
fizesse aquilo, com certeza seria
castigado. Eu não queria isso.
Ele não respondeu, só sorria
como se eu não tivesse falado nada ou
não se incomodasse em abrir a boca.
― Essa luta não é mortal ―
disse o locutor. ― Que vença o melhor!
Provavelmente não serei eu.
Então a luta começou. Eu só me
esquivava dos ataques de meu oponente,
não revidava. Sua lâmina atingiu meu
braço, fazendo um corte grande.
Encolhi-me, mas não gritei. Não queria
dar esse prazer aos animais que
assistiam à luta, incluindo o pior deles.
Fui jogado no chão de costas, o
que roubou meu oxigênio por um
momento.
― Lute, Stefano! ― gritou
Marco.
Olhei para ele e sorri. Se o
bastardo achava que me domesticaria a
ponto de eu ser o cão de alguém, estava
redondamente enganado. Eu podia lhe
obedecer por ser o chefe, mas ser o seu
capacho e aceitar tudo calado? Isso
jamais aconteceria.
Outro golpe me acertou, fazendo-
me cerrar os dentes, mas permaneci
quieto. Ninguém sabia o quanto isso me
custava, meu instinto era revidar, tanto
que meus ossos doíam com essa
vontade, mas, se eu cedesse, Marco
venceria. Se eu vencesse e fizesse tudo
que ele tinha mandado, tinha certeza de
que me submeteria àquilo novamente.
A cada golpe, eu sentia como se
meus ossos estivessem prestes a se
quebrar.
― Não vai lutar? ― O garoto
aproximou seu rosto do meu. Seu olhar
não revelava nada além de loucura.
― Ao contrário de você, não
serei o cão de ninguém ― rosnei. ―
Prefiro morrer.
A fúria tomou seus olhos, e ele
levantou a faca para me golpear, mas
não me desviei por nenhum segundo,
sabendo o que aconteceria. Algumas
pessoas pensavam que não tinha honra
na morte, mas eu discordava; dependia
da forma que se morria. Mesmo se eu
me rendesse naquela luta, ainda iria
partir de cabeça erguida.
― Se quer acertar, faça agora,
pois será a sua única chance ― avisei.
Eu tinha checado seus
movimentos enquanto lutávamos e sabia
que podia lidar com ele. Eu treinara
muito para enfrentar adversários à
altura, gostava de competir e era bom no
que fazia, mas Marco não sabia disso, e,
se dependesse de mim, nunca saberia.
Para ele, eu era mais um garoto fraco
que precisava ser consertado. Não
acreditava que venceria o lutador
Número 10, pois ele era ainda mais
brutal, nada de humanidade fora deixada
nele, mas era capaz de dar conta do
Número 16.
Antes que o garoto fizesse mais
um movimento, foi afastado de mim e
jogado longe com um baque.
O rosto do homem que eu mais
odiava no mundo surgiu em minha frente.
― Lute, porra, ou pagará o
preço! ― Sorriu frio. ― Ou ela fará por
você.
Uma sensação gelada desceu por
meu corpo com suas palavras. Segui seu
olhar, e meu corpo se sacudiu como se
tivesse levado um choque. Com certeza
eu preferiria isso à cena diante de mim.
Sabia que tudo estava muito
fácil; nada envolvendo aquele homem
era assim. Marco sabia que eu não seria
domado tão rápido, mesmo me trazendo
àquele lugar. Por isso o maldito
resolveu usar a minha fraqueza contra
mim. Eu estava à mercê dele, pois faria
qualquer coisa por aqueles que amava.
Já havia sido espancado ao
ponto de ter costelas fraturadas,
apanhara com chicotes e até com cabos,
tudo porque ele não conseguia me
controlar de fato. Eu não era daqueles
que via injustiças e simplesmente ficava
quieto. Jade, uma de minhas irmãs, era
igual a mim nesse quesito.
Alessandro e Rafaelle
escondiam melhor o que sentiam, mas eu
tinha vontade de explodir Marco. Não
me importava com ele ou com o que
fizesse comigo, não seria domesticado
como um cão.
Entretanto, ali estava eu, de
mãos atadas, vendo aquele monstro usar
minha mãe contra mim.
A sala acima da arquibancada
era envidraçada, e, atrás do vidro,
estava minha mãe com um homem
segurando-a por trás com a mão em sua
garganta como se fosse para mantê-la
imóvel. Outro apontava a arma para a
cabeça dela, que chorava olhando para
mim com impotência, a mesma que eu
sentia naquele instante.
― Não a machuque! ― Não me
incomodei por suplicar a ele. Naquele
momento meu orgulho era o menor dos
problemas.
― Infelizmente, você não
merece que eu faça isso. ― A voz dele
saiu letal. ― Agora se levante e lute, ou
sua mãe vai arcar com as consequências.
Eu não me importava em ser
ameaçado, mas não ela, não a minha
mãe, a quem eu adorava mais que a
vida.
― Vou lutar, mas não a
machuque, por favor... ― Odiava
implorar qualquer coisa a ele, era pior
que beber veneno e morrer aos poucos
ou andar sobre brasas.
Ele assentiu, entregando-me uma
das facas; a outra, colocou-a em minha
garganta, mas nem pisquei, não
desviando meus olhos do seu olhar
assassino.
Qualquer garoto da minha idade,
ao se deparar com algo assim, sairia
correndo e chorando, mas a morte me
visitara mais vezes, todas através
daquele homem que se dizia meu pai. Eu
acreditava que aquela não seria a
última, mas era a pior delas até o
momento.
Enfim percebi que eu não me
importava em matar alguém, como
achava antes. Eu não era como meus
irmãos, embora nunca tivesse matado,
mas lutei, bati e até cheguei a torturar
pessoas que não mereciam respirar na
Terra. O que me incomodava de verdade
era eliminar alguém quando Marco
ordenava. Ele era o capo, e eu devia
respeitá-lo, mas o desgraçado não fazia
jus a qualquer esforço de minha parte
nesse sentido.
― Por que sempre ousa ir pelo
caminho mais difícil, Stefano? Seus
irmãos aceitaram quem são, mas você
sempre arruma um jeito de retrucar tudo
que eu mando fazer. Fique aqui e
aprenda como ser um homem obediente,
ou tiro tudo com que você se importa,
sua mãezinha e seus irmãos.
Não havia mentiras em suas
palavras. Eu sabia que Marco era capaz
disso e de muito mais. Ele não dizia
palavras vazias, tudo que prometia,
cumpria. Obviamente o verme não era
um homem honesto, longe disso; tudo de
ruim aquele cara asqueroso fazia.
Eu queria dizer que nunca mais
retrucaria suas ordens, mas estaria
mentindo, pois jamais seria como
aqueles garotos ali, um fantoche
daqueles abutres. Não pensaria mais
nisso agora; só faria o que ele me
ordenou para minha mãe não ser ferida.
― Vou fazer o que quer, mas não
a machuque ― pedi de novo.
Seus olhos se estreitaram.
― Pede pela vida dela ―
apertou a faca ainda mais em meu
pescoço ―, mas não pela sua? Eu podia
matá-lo agora.
Não respondi, pois sabia que ele
tinha esse poder sobre mim, mas não
dava a mínima para o que pensava ou
não.
― Essa fraqueza que você e seus
irmãos têm me enoja! ― cuspiu como se
tivesse ingerido veneno.
Ele saiu de cima de mim, então
fiquei de pé, ignorando as dores em meu
corpo.
― Porém, vou ensinar você a
quebrar esse laço agora ― Marco
continuou, parecendo exultante.
O medo se instalou em minha
alma. Todo o meu corpo tremeu de
pavor de que minha mãe fosse ferida.
Antes que eu pudesse implorar,
pois sabia que ele ia fazer algo, só não
sabia o quê, Marco estalou os dedos na
direção da minha mãe.
― Você será o assassino perfeito
que precisa ser. Se para isso eu precisar
quebrar esse laço, que assim seja.
O homem que a segurava
assentiu e bateu em minha mãe, fazendo
com que ela caísse no chão. Eu não
conseguia mais vê-la direito, mas o
outro cara lhe apontou a arma.
― Não! ― gritei, correndo e
agarrando as grades da gaiola. De
qualquer modo, mesmo que eu
conseguisse sair dali, não poderia ir até
aquela sala antes de o maldito puxar o
gatilho.
― Mamãe! ― chamei,
sacudindo as grades, não me
incomodando se machucasse minhas
mãos.
Fui em direção à saída, mas o
garoto entrou na minha frente.
― Saia do meu caminho, porra!
― Não queria perder tempo; o pavor me
consumia por dentro, pior do que já
sentira algum dia.
Minha mãe caiu de joelhos e
depois desabou no chão.
― Ela morreu, Stefano! ― falou
Marco, parecendo gostar do meu
desespero.
Depois disso, eu me perdi. Não
soube o que aconteceu, mas, quando
voltei a mim, estava no chão tomado de
dor, uma dor carnal que aliviava a outra
que eu sentia.
Ao meu lado, o garoto jazia sem
vida em uma bagunça sangrenta, morto.
Essa palavra era o eco do tormento que
eu estava sentindo.
Se Marco queria me quebrar,
conseguiu, pensei em meio ao torpor.
Ouvia vozes, mas pareciam distantes.
Da escuridão em que eu me encontrava,
não havia ninguém que pudesse me
trazer de volta.
― O que faço com ele? ―
alguém perguntou.
― Tudo que quiser ― respondeu
o homem que me levou tudo.
Por que não fiz o que me
mandou logo? Assim ele não teria feito
aquilo, pensei em lamento. A culpa me
corroía profundamente, pior do que meu
coração sangrando.
Eu deveria sentir pavor por estar
prestes a entrar no inferno, mas nem
liguei, pois quem eu mais amava no
mundo se fora para sempre.
As vozes ficavam cada vez mais
distantes. Quem dera no final fosse só
um pesadelo, mas eu iria aceitar o que
estivesse preparado para mim, pois no
fundo era pouco pelo que eu tinha feito à
minha mãe. Por minha culpa ela havia
morrido.
No final, a escuridão me levou
para um abismo de dor e tormento.
A dor perfurava meu peito como
um corte feito por uma navalha cega. Eu
estava esperando por isso e, no decorrer
dos meses que se passaram, tentei lidar
com o fato de que perderia meu pai. No
entanto, ele levou um pedaço de mim
consigo. Fazia algum tempo que
tínhamos descoberto sobre a sua doença,
e fiz de tudo para ser forte, mas não
sabia mais se conseguiria ser.
Diante daquele túmulo ainda
fresco, de joelhos eu chorava sem ligar
para a pessoa que tinha vindo comigo.
Fraqueza era uma coisa que fui ensinada
a não demonstrar, ainda mais após tudo
que me aconteceu. Então me sentir
devastada assim na frente de alguém que
não fosse da família era terrível, mas
não dei a mínima, pois a dor me
consumia dos pés à cabeça,
principalmente meu peito, que latejava
como uma ferida aberta.
Fiquei chocada quando Stefano
se ofereceu para me acompanhar. Os
meus irmãos estavam fazendo a acessão
de Fabrizio a chefe, então nenhum deles
podia estar comigo.
Eu não era contra seguir as
regras da nossa família, era um desejo
do papai. O ruim era fazer isso no dia
do enterro dele, embora, para cumprir as
vontades do nosso pai, Fabrizio era
capaz de tudo.
Eu sabia da responsabilidade
que ele tinha agora, e meu irmão se
sairia bem, por esse motivo quis ficar
sozinha sem que eles me vissem daquela
forma, por isso aceitei a proposta de
Stefano de me levar ao cemitério. Meus
irmãos ficavam pior ao me ver triste
assim, então decidi sair. Estava ali havia
horas, sabia que devia ir embora para
casa, tinha tentado me levantar algumas
vezes, mas sempre voltava a ficar no
mesmo lugar.
― Papai, é tão difícil suportar
sua partida. Sei que preciso ser forte
como pediu, mas como? ― Minha voz
falhou.
Suspirei, não querendo sair dali,
porém precisava retornar. Já era bem
tarde, e Stefano devia ter outras coisas
para fazer em vez de agir como minha
babá.
― Sei que preciso ir, mas estou
sem forças para sair daqui ― sussurrei,
inspirando fundo, mas doía ao fazê-lo.
― Me deixe ser sua força hoje.
Um dia Alessandro e meus irmãos foram
a minha. ― Ele estendeu a mão para
mim. ― Vou fazer você se distrair para
não chorar.
Pisquei, estreitando os olhos em
seguida.
― Não precisa me olhar assim,
não é bebedeira, ou sexo, ou algo assim
― disse como se lesse minha mente.
Stefano parecia enxergar dentro de
minha alma. Eu não gostava disso, talvez
fosse por isso que brigássemos tanto. O
único dia em que não brigamos era
aquele, provavelmente devido às
circunstâncias.
Olhei mais uma vez para o
túmulo e sabia que precisava ir, afinal
tinha certeza de que papai não iria me
querer ali sofrendo. Seu pedido tinha
sido que eu fosse forte, e eu seria.
― Te amo demais. Estou indo
agora, mas saiba que jamais vou
esquecê-lo ― prometi e aceitei a mão
de Stefano, que estava estendida em
minha direção. ― Vou ser forte por
aqueles que precisam de mim.
Eu me sentia tão pesada como
chumbo a cada passo que Stefano me
levava para longe dali.
― Vou ajudá-la assim como
Alessandro fez comigo ― ele falou,
apertando minha mão.
― Você o ama muito. ― Não era
uma pergunta, mas uma declaração.
― Somos uma família tão unida
e forte como a sua ― assentiu.
Stefano não era de mostrar e
falar de sentimentos, muito menos os
dele. Eu podia aceitar isso, também era
dessas que não se abre muito, só com
Santiago, um dos meus irmãos. Com ele
eu tinha até segredos que meus outros
irmãos desconheciam. Santiago me
ajudava a esconder alguns. Não era nada
tão sério, ou ele jamais os guardaria.
Eu percebia que Stefano amava
os irmãos, assim como eu fazia com os
meus. Foi bom termos isso em nossa
vida na máfia. Eu gostava de pertencer à
minha família, não a trocaria por nada
no mundo.
Stefano tinha ficado todo aquele
tempo ao meu lado sem dizer nada,
apenas me deixando despedir-me do
meu pai. Normalmente, homens como
ele não acreditavam nisso, achariam
bobagem ir até ali em plena madrugada
ver alguém que não estava mais entre os
vivos.
― Ele era minha força. Não sei
se consigo lidar com isso.
Sua mão apertou a minha
delicadamente. Eu estava tão
entorpecida que quase não notei.
― Você é uma das mulheres
mais fortes que conheço, Belinda,
obstinada e valente. ― Mesmo ao meu
lado, a sua voz parecia distante.
― Eu pensava isso antes, mas
agora? Me sinto oca, exceto pela dor em
meu peito. ― Coloquei a mão livre
sobre o coração, querendo arrancar o
que estava sentindo. ― Não parece que
vai ter fim tão cedo.
Sabia que era recente, afinal ele
tinha sido enterrado naquele mesmo
dia... mesmo assim era insuportável
sentir tudo aquilo.
― A dor nunca passa, só
precisamos conviver com ela. Um dia
fica suportável ― ele comentou,
embora, pelo seu tom, não parecia
realmente ter superado o que quer que
tivesse sofrido.
― Jura? Não é o que parece
pela sua voz ― apontei. ― Seja
sincero, não preciso que minta só para
me fazer bem. O que sente com a partida
de sua mãe?
Seu olhar estava distante,
embora eu pudesse ver um brilho ácido
nele através da pouca claridade das
lâmpadas dos postes que margeavam as
alamedas dentro do cemitério.
― A verdade? ― inquiriu.
― Sim, por favor ― assenti.
Quando perdi minha mãe, eu era
pequena. Não me recordava muito dela,
então não doeu tanto como a perda de
Lorena e a de papai. Era uma dor
insuportável, porque sempre fui apegada
ao meu pai.
― Não fui ao velório da minha
mãe, só a vi morrer em sua cama, algo
parecido com o que aconteceu com seu
pai. Marco me expulsou do quarto logo
depois ― sussurrou. ― Quando eu o
xinguei por não me deixar perto dela, me
levou para o calabouço que tinha em
nossa antiga casa em Veneza, onde
morávamos antes de nos mudar para
Milão recentemente.
― Não o deixou se despedir de
sua mãe? ― indaguei de forma dúbia.
Nada do que eu ouvia falar de
Marco me surpreendia.
― Não, para Marco não existia
despedida. Se fosse por ele, não
teríamos laços. Isso era uma fraqueza
que ele repudiava.
― Deve ter sido difícil lidar
com tudo sendo uma criança na época.
― Mesmo eu tendo sido criada na
máfia, fui cercada com bastante amor.
― Faz mais de 13 anos, e ainda
sinto a perda ― sussurrou. ― Não pude
ir ao seu enterro, pois, como disse,
Marco me deixou preso por um tempo.
Eu estava tão furioso que socava as
grades do lugar e nem ligava para o fato
de minhas mãos estarem em carne viva.
Ele ficou em silêncio um
momento.
― Só parei quando Alessandro
entrou e me impediu de continuar. A dor
era excruciante. Isso ajudou um pouco a
aliviar a outra dor que eu sentia no
momento, a emocional.
― É por isso que toda vez que
você entra em um ringue se deixa ser
abatido primeiro, mas depois revida e
vence? Sei que daria conta e venceria de
boa, mesmo assim deixa seus
adversários socá-lo no começo. É por
isso? ― Franzi a testa. Será que isso
ajudaria a aliviar essa dor que estou
sentindo?
― Não! Não vá por esse
caminho. Posso ver as engrenagens
girando em sua mente ― ele se apressou
a dizer.
― Por quê? Acha que só você
pode fazer isso? ― No fundo, eu não
pensava em me ferir. Era assistente
social e gostava da minha profissão, de
ajudar, principalmente os meus meninos
do orfanato. Muitos chegavam lá
sofrendo, e eu os ajudava a encontrar
lares estáveis em que fossem bem
tratados.
― Não é isso. É que é um
caminho sem volta; ao menos não teve
uma para mim. ― Sua respiração ficou
aguda no final. ― Não foi só o que
aconteceu com minha mãe que
desencadeou isso.
― O que aconteceu? ― Ali
estava o verdadeiro Stefano, sem as
camadas que ele usava para tentar se
esconder de todos.
Seus olhos se fecharam por um
momento. Eu não sabia se não queria
pensar no que aconteceu ou se queria
evitar que eu lesse a agonia neles.
Mesmo assim, eu a vi antes que os
fechasse.
― Não posso dizer ―
finalmente falou após ficar em silêncio
por vários minutos. ― É fodido
demais...
Fosse o que fosse que tinha
acontecido com ele, deixara marcas
profundas. Ele era incapaz de permitir
alguém ultrapassar as barreiras que tinha
construído, talvez com o tempo, mas,
para isso, precisava deixar alguém
entrar.
― Você teve sorte de ter tido um
pai como o seu ― finalmente disse, mas
não me olhou; encarava a penumbra ao
redor.
Ouvi a dor em sua voz, como se
ele vivesse em tormento. O que será que
aconteceu? Fiquei tentada a perguntar,
mas não queria aprofundar o assunto e
gerar mais sofrimento.
― Paolo não era só meu pai, era
um amigo, confidente, que esteve ao meu
lado sempre, embora soubesse ser duro
quando precisava. ― Suspirei,
encolhida com as lembranças que,
mesmo felizes, ainda doíam demais.
― É bom ter isso nessa nossa
vida. Eu já não posso dizer o mesmo de
mim. O meu pai era um demônio que
destruía tudo que tocava. Sei que sou um
monstro e aceito isso, mas ele... ―
Sacudiu a cabeça como se quisesse
expulsar os pensamentos ruins. ― Sei
do que sou capaz e do que qualquer
homem criado na máfia é...
Eu sabia que ele estava se
abrindo mais do que era preciso só para
eu não enlouquecer com meus
sentimentos. Era grata a isso. Pude ver
que havia muito mais por trás de sua
personalidade do que ele mostrava a
todos. Stefano era provocador quando
lhe convinha, e algumas vezes me fez
sentir tanta raiva que quis matá-lo.
Passei a conhecê-lo um pouco
após esses meses que ele ficou em
minha casa. Ele podia esconder de
todos, mas eu via por trás daqueles
olhos mortos. O único que eu conhecia
assim era El Diablo, que teve uma perda
imensurável que o destruiu.
Eu sabia que Stefano tinha
perdido a mãe e que essa perda levou
um pedaço dele. Sabia disso porque
sentia o mesmo agora, mas, assim como
ele apontou, não foi só isso que o levou
a agir da forma que o fazia. O que seria
pior do que perder alguém que
amávamos? Para mim, nada, pois essa
dor que estava em meu peito era mais
forte que tudo que já tinha sentido, tanto
que eu não sabia como lidar.
Seria pior se Stefano não
estivesse ali comigo. Eu sabia que nos
enfrentávamos muito, acreditava que
agir daquele jeito fosse nossa armadura.
Talvez no fundo eu o havia deixado ficar
porque sabia que ele era honrado – ou o
quanto honrado um homem pudesse ser
na máfia.
Papai nos ensinou a ver através
das pessoas, a ler o semblante de
alguém, dessa forma saberíamos se
estávamos sendo enganados ou não,
assim como fui enganada uma vez por
um cara que dizia se importar comigo.
O desgraçado queria me usar
para chegar ao papai, mas meu pai
descobriu e o matou. Por isso o irmão
de Gazo sequestrou minha irmã,
estuprou-a e a assassinou. Foi por
vingança por papai ter matado o irmão
dele.
Por anos me senti culpada por
ter gostado de Gazo, por ter sido cega e
não visto quem ele era a tempo. Amava-
o, era nova e iludida, tanto que me
entreguei a ele antes de me casar, algo
proibido em nossa família, pois, nela, a
mulher foi feita para se casar, era criada
pensando assim desde criança. Ao
menos o verme estava no inferno, tanto
ele como seu maldito irmão, que me
tirou uma pessoa que eu amava.
No final, Gazo foi morto, e perdi
minha irmã Lorena. Valentino foi ferido
por minha causa. A culpa me corroía,
mas papai me ensinou a ser forte e a não
me culpar.
Depois disso, não me aproximei
mais dos homens nem lhes dei meu
coração. Para que fazer isso? Só para
ele ser esmagado como carne moída ou
jogado em um triturador? Então, se
dependesse de mim, não iria me casar
tão cedo. Sabia que a lei da nossa
família mandava que as mulheres se
casassem antes dos 25 anos, ou seja, eu
estava quase lá. Precisava arrumar um
jeito de evitar isso.
Às vezes pensava que deveria
ter deixado Gazo me usar; assim ele
nunca teria ido até minha irmã. No final,
papai teria sofrido de qualquer jeito.
― Ele nunca me julgou, sabe?
― Já tinha revelado tudo ao Stefano
sobre o que aconteceu comigo e o que
Gazo fez.
― Não foi sua culpa, então não
havia nada para perdoar. Seu pai sabia
disso. ― Trincou os dentes. ― Os
culpados foram os filhos da puta que
fizeram isso. Espero que estejam no
inferno.
― Meu pai os mandou para lá, e
foram tarde. ― Respirei fundo. ― Nada
muda o que eles nos tiraram.
― Penso da mesma forma.
Quando eliminamos Marco foi
prazeroso, mas não mudou nada do que
ele nos fez ou nos tirou. Isso, jamais
teremos de volta. ― Sua voz soou letal
no final. ― Por isso deve ficar feliz e
agradecer por ter um pai que a amou e a
protegeu.
Ele tinha razão. Meu pai tinha
sido meu protetor desde sempre.
Assenti.
― Papai lutou até o fim por nós
e por nossa felicidade. ― Limpei os
olhos. ― Embora, nesse momento, ser
feliz parece quase impossível.
― Queria ser a pessoa que diz
“tudo passa”, mas não é bem assim. O
que sinto ainda está vivo e cru dentro de
mim.
― Tenho que ser forte, meus
irmãos precisam que eu seja. ― Eu
sabia que era recente e que aquela dor
ainda era muito crua, como disse
Stefano. ― Obrigada por ter ficado
comigo.
― Deve estar doendo dizer isso.
― Piscou, sorrindo para aliviar o clima.
Entendi o que ele quis dizer com
sua provocação. Na verdade, eu não era
muito de pedir desculpas, não a pessoas
de fora da minha família.
― Sinceramente, prefiro você
aqui a meus irmãos. Eles iriam sofrer
mais por meu estado, e você nem tanto.
― Não queria dizer com isso que ele
não se sentiria mal, porque qualquer um
com emoções teria o mínimo de empatia,
e com Stefano não era diferente.
― Na verdade, não me traz
sentimentos bons estar aqui ― comentou
em voz baixa. ― Não venho a um
cemitério desde que minha mãe morreu.
Pisquei, pensando ter ouvido
errado.
― O quê? ― Franzi a testa. ―
Se não gosta, por que veio então?
― Não é que eu não goste,
porque creio que ninguém o faça, é só
que, na última vez que estive em um, não
guardei lembranças boas. Quando saí do
castigo, fui ao túmulo de minha mãe e
fiquei lá por quase dois dias. Se não
fosse por Marco ter ido me buscar à
força, não teria saído tão cedo. ― Sua
voz parecia distante como as estrelas,
embora elas brilhassem, e os olhos dele
pareciam um vácuo de escuridão. ― Ele
me deu umas porradas e me quebrou
algumas costelas quando eu não quis ir.
Se não fosse por Alessandro, acredito
que eu o teria deixado me matar naquele
momento.
― Seu pai era um escroto. ― Eu
soube que Alessandro matou o pai deles
porque Marco queria dar as filhas, Jade
e Luna, a um grupo de malditos
assassinos estupradores. Meus irmãos
iriam tentar resgatar minha meia-irmã,
Luna, mas Alessandro foi mais rápido e
eliminou a escória.
― Essa palavra não descreve
nem um pouco do que ele era, mas não
vamos perder tempo falando em alguém
que não merece que gastemos saliva
momento algum.
Durante todo aquele tempo ali,
notei que ele estava alerta ao nosso
redor. Antes de chegarmos ao nosso
carro, senti um arrepio, o que me fez
olhar cada canto do cemitério à procura
de uma ameaça, mas não vi ninguém.
― O que foi? ― Seguiu meu
olhar, e o notei ainda mais alerta.
― Não sei. Sabe aquela
sensação de que alguém está nos
observando? Senti isso agora há pouco.
― Sacudi a cabeça. ― Devo estar louca
ou me tornando uma.
Stefano levou a mão ao coldre,
mas não tirou a arma, só varreu os olhos
minuciosamente por cada canto e me
puxou mais rápido para o carro. Não
havia outros seguranças, por isso sua
preocupação.
Chequei ao redor de novo, mas
não vi nada além de túmulos.
― Não deve ser nada, devo só
estar imaginando coisas ― comentei,
embora papai tivesse nos ensinado
muito bem a lidar com situações como
aquela.
― Seja como for, vamos para
um lugar mais seguro. Se quiser retornar
aqui amanhã, traremos mais seguranças.
― Ele parecia realmente preocupado.
― Stefano... ― comecei, mas
ele parou subitamente a alguns passos
do nosso carro, e trombei nele.
― Desculpe. ― Tentei passar
por ele, mas não permitiu, como se me
cobrisse com seu corpo. ― O que foi?
― Entre no carro ― pediu
baixo, fuzilando algo que estava atrás do
veículo.
Tentei olhar o que ele tanto
encarava e descobrir o motivo de o seu
corpo ter ficado tenso daquela forma.
Porém Stefano frisou com mais urgência
só para mim:
― Belinda...
Na mesma hora, os faróis de um
automóvel se acenderam, e não pensei
duas vezes. Aprendi que, quando se diz
respeito a segurança, é bom seguir
ordens, mesmo eu não gostando disso.
Entrei no carro blindado e olhei
para o veículo a alguns metros atrás do
nosso. Os faróis ainda estavam acesos,
mas ele não tinha dado a partida.
Stefano entrou no carro e o ligou,
mas notei seus olhos a cada segundo no
retrovisor.
― Pode não ser ninguém
interessado em nós, talvez esteja
esperando alguém ― sugeri.
― Pode ser, mas, por via das
dúvidas, pegue. ― Entregou-me sua
arma. ― Sei que sabe usar uma, afinal é
a melhor aluna de tiro ao alvo.
Lembrei-me de ter dito isso a ele
havia algum tempo, quando pensei que
ele quisesse machucar meu pai. Eu disse
que fritaria suas bolas caso ele tentasse.
― Acha que vai nos seguir? ―
Destravei a arma, preparando-me para
atirar.
― Só há uma maneira de saber.
― Saiu da rua do cemitério. ― Coloque
o cinto. Vou precisar correr e despistá-
lo caso ele nos siga.
― Devo ligar para meus irmãos?
― Eu não gostava de ser seguida e não
podia nem pensar em ser levada. Minha
família não aguentaria outra perda.
― Não, parece que não vai nos
seguir. ― Suspirou aliviado. ― Merda,
eu não devia ter baixado minha guarda.
― Ei, você permaneceu alerta o
tempo todo. Notei isso. ― Toquei sua
perna, e seus olhos seguiram o gesto,
então percebi o que estava fazendo e
retirei a mão.
Antes de chegarmos a outra rua
do Centro, um veículo apareceu atrás do
nosso cantando pneus. Não era o mesmo
que estava no cemitério, esse era uma
van branca.
― Porra! ― rosnou Stefano,
virando uma esquina de uma vez e
fazendo com que nossos corpos
balançassem. ― Segure firme, esse
maldito não vai nos pegar!
― Acho melhor irmos logo para
casa. ― Eu estava com raiva por não
poder ir visitar o túmulo do meu pai sem
ser atacada. Deviam ao menos respeitar
esse momento. Quase ri. Como se um
bandido fosse ligar para algo assim.
Provavelmente se aproveitaram para nos
atacar pensando que estávamos
vulneráveis.
Eu estava com medo de ser
sequestrada, mas não podia deixar esse
sentimento me dominar naquele instante.
Stefano precisava que eu estivesse
alerta e focada em ajudá-lo para sairmos
daquela situação.
― Não vamos para a sua casa,
iremos ao meu apartamento. ― Olhou
pelo retrovisor; o condutor do veículo
que nos perseguia tentava se aproximar
do nosso a todo custo.
― Por que não a minha casa? ―
sondei. Não deviam ter homens do meu
irmão lá, deviam estar na acessão, mas a
casa era segura.
― Porque, seja quem for que
esteja atrás de nós, eu os quero longe de
Luna, das gêmeas e de Vincenzo. ―
Suspirou. ― Pegue meu telefone no meu
bolso da frente e ligue para Alessandro;
ele deve estar na mansão.
Eu ia colocar a mão em seu
bolso, mas na hora fizemos outra curva,
então fui empurrada para ele, e minha
mão caiu em suas calças, melhor
dizendo, em seu pau.
Notei a sua respiração desigual
quando isso aconteceu, ou talvez fosse
pela nossa fuga do nosso perseguidor.
Não olhei para ele quando
peguei o seu celular o mais rápido
possível, temendo tocar outra parte de
novo.
― Não precisa temer, ele não
morde ― brincou para aliviar a tensão
em que estávamos. Acho que tensão era
eufemismo.
― Não, mas o dono dele sem
dúvida o faz. Aliás, dá um bote como
uma serpente ― falei enquanto
procurava o contato do seu irmão. ―
Por que não ligar para os meus irmãos?
Suspirou.
― Eles estão ocupados na
reunião ― respondeu com tom estranho.
Antes que eu comentasse algo,
Alessandro atendeu.
― Stefano...
― Sou eu. ― Não disse meu
nome, achei que reconheceria minha
voz, mas por via das dúvidas resolvi
acrescentar, mas ele falou antes de mim:
― Belinda? ― No começo, seu
tom saiu confuso, depois, preocupado.
― Meu irmão está bem? Vocês saíram
juntos, e agora você está com o celular
dele.
― Hummm... ― Olhei para o
carro ainda atrás de nós. Seria ele
comparsa do outro no cemitério? Ou era
só coincidência? ― Tem um carro nos
seguindo.
Coloquei no viva-voz.
― Atrás de vocês? Onde estão
agora? ― Parecia que ele estava se
locomovendo.
― Indo para Vergana ―
respondeu Stefano. ― Mas ele não
atacou nem nada, só está nos seguindo.
― Alguém de Fabrizio? ―
sondou Alessandro com tom nada
amigável.
― Não, não é nenhum dos carros
dele, além disso está muito veloz. ―
Então Stefano lhe contou sobre o sujeito
no cemitério.
― Estou a caminho, só se
mantenha com o foco em seu destino. ―
Ele parecia furioso. Eu tinha até pena do
coitado que se deparasse com aquela
fúria.
― Não avise a Miguel, não
quero que Luna saiba. Miguel não
guarda nenhum segredo dela. ― Stefano
suspirou.
― Pode não ser nada... ― tentei
dizer, embora não acreditasse muito
nisso.
― O cara ainda está seguindo
vocês? ― Seu tom saiu duro como uma
rocha.
― Sim, mas...
Interrompeu-me:
― Então não é nada. Estou a
caminho ― repetiu ele e desligou.
― Receptivo ele, né? ― Sacudi
a cabeça e ajeitei a arma na mão. ―
Não entendo por que só nos seguir nessa
velocidade e não nos atacar.
― Suspeito que esteja querendo
que a gente saia do Centro, assim não
chamaria tanta atenção, mas nos segue,
pois não quer nos perder de vista.
― Como sabe disso?
― Simples. Se eu quisesse
encurralar alguém, era o que teria feito.
Mas não vou facilitar para ele. ― Virou
a esquina, indo para a via mais
movimentada.
― Isso não faz sentido.
Estávamos em um cemitério. O que pode
ser mais isolado que isso? Por que não
fez nada lá?
― Acredito que quem estava
naquele carro não tinha nada a ver com
esse, talvez fosse só coincidência
mesmo, mas esse aqui não é. Essa
pessoa que nos segue quer nos pegar
ou...
― Nos matar ― terminei a frase
por ele.
Antes de chegarmos à avenida, o
perseguidor cansou de nos seguir e
começou a bater na traseira do nosso
veículo, querendo nos fazer capotar.
― Acho que ele resolveu partir
para a ação ― disse Stefano com um
rosnado. ― Segure firme.
Sentia-me dentro de um carro de
corrida, mas não por diversão, por
querer a adrenalina; lutávamos pelas
nossas vidas, e eu faria isso até o fim.
Desistir não existia no meu vocabulário.
O carro mais uma vez tentou nos
tirar da estrada, mas não teve êxito. Por
enquanto. Stefano era melhor ao
manobrar contra suas investidas.
Peguei meu celular.
― Para quem está ligando? ―
perguntou.
Antes que eu respondesse, vimos
um carro parado em frente ao nosso, e,
encostado nele, estava um homem com
uma arma apontando para nós.
― Aquilo é uma RPG? ―
indaguei com a voz alterada. ― Puta
merda, vamos morrer!
O que essa nova perda causaria
à minha família? Não, eu não podia
aceitar isso! No entanto, o que eu podia
fazer? Apenas rezar para não sermos
mortos.
Stefano não disse nada, só
diminuiu a velocidade do carro, o que
me fez olhar para ele.
― Stefano... ― Seus olhos
pareciam estar vendo um fantasma, tanto
que ele não me ouviu chamá-lo algumas
vezes, até eu gritar seu nome de novo.
Piscou, parecendo sair de um
transe. Ele conhecia o homem que estava
a ponto de nos explodir com uma arma
tão potente como aquela? Se sim,
deveriam ser inimigos.
Stefano não disse nada,
encarando o homem da frente, com a
arma, e o de trás, que nos seguia, mas
nosso perseguidor parecia querer fugir,
pois virou o carro, entrando em um
parque. Porém, Stefano parou o nosso.
Antes que eu reclamasse por não
tentarmos fugir dali, o cara com a arma
mudou seu alvo, direcionando a arma ao
que fugia e disparou. Tudo se dissolveu
em luz na escuridão, fazendo o carro do
perseguidor explodir.
― Vamos fugir enquanto ele está
atacando o outro carro! ― sugeri a
Stefano.
Ele não pareceu me ouvir, só
ficou ali, parado como uma estátua.
― Mas que porra! Se não vai
agir, me deixa dirigir e nos tirar daqui!
― rosnei.
Stefano suspirou.
― Não dá. Não podemos fugir
caso ele queira nos matar agora. ― Sua
voz parecia letal e um tanto assombrada.
Não me parecia ser com sua morte.
― Você o conhece? É seu
inimigo? ― Se for, estamos mortos,
pensei amarga.
― Sim para a primeira pergunta
e não sei quanto à última. Até hoje
achava que ele estivesse morto.
Morto? Seria então atrás de
vingança que o homem tinha vindo? O
que acontecera entre aqueles dois?
Fosse o que fosse, não era o momento de
tentar saber; eu só queria viver e faria
qualquer coisa por isso.
― O que vamos fazer?
O homem se virou para nós
ainda com sua arma e a apontou para
nós.
Fechei os olhos um segundo,
pensando que nunca mais veria a minha
família de novo. Seria assim que minha
irmã havia se sentido quando estava
prestes a morrer? Era claro que o que
aconteceu com ela foi pior do que
morrer explodida. Eu preferia assim. Só
lamentava pelas pessoas que eu amava
terem de sofrer com minha partida.
Adeus, pensei.
Porra! O que vou fazer? Estou
como naquele ditado, “se correr o
bicho pega e se ficar o bicho come”!
De qualquer jeito, seria o fim se assim
ele quisesse.
Eu podia ver Belinda de olhos
fechados, como se estivesse se
despedindo. A família dela tinha
acabado de perder o pai e não merecia
aquilo. Além disso, eu não gostava da
ideia de algo acontecer a ela. Alguma
coisa parecia apertar em meu peito.
Poderia culpá-la por estarmos
naquelas condições, afinal banquei o
bom samaritano e a levei ao cemitério
no meio da noite sem nenhuma proteção,
só a minha. Devia ter sido mais esperto
e alerta, afinal alguém poderia querer
usá-la para chegar aos seus irmãos por
alguma represália. No nosso mundo, o
que mais tínhamos eram inimigos.
― Não vou deixar que nada
aconteça a você. ― Peguei sua mão e a
apertei delicadamente. Essa promessa,
eu faria qualquer coisa para mantê-la. Já
tinha feito promessas antes e fiz de tudo
para cumpri-las, só teve uma que não
pude, e eu me arrependia amargamente,
mas ao menos tentei. Apenas não fui
rápido o bastante. Agora cumpriria
minha promessa.
Ela abriu os olhos com medo e
suspirou, dando um aperto em minha
mão também.
― Se eu morrer, meus irmãos...
― Ela mordeu o lábio, não conseguindo
terminar.
Percebi que o seu medo era que
os irmãos sofressem com sua partida.
Ela não pensava no que algum monstro
poderia lhe fazer?
Peguei seu rosto entre minhas
mãos e olhei nas profundezas de seus
lindos olhos cor de chocolate. Aquela
não seria a última vez que eu os veria.
― Juro que você vai ficar bem.
Naquele dia vi uma parte de
Belinda que ela não mostrava muito a
ninguém, a parte vulnerável. Ela era
sempre forte, ajudava a todos, mas me
revelou quem era de fato.
Belinda assentiu. Meu peito se
aqueceu com algo desconhecido por ela
confiar em mim. Esperava não a
decepcionar e cumprir o que tinha
prometido.
― O que vai fazer? Ele vai... ―
foi interrompida com meus lábios nos
dela. Aproveitei sua boca aberta e
mergulhei minha língua, desfrutando do
beijo, algo que eu estava com vontade
de fazer havia meses.
Uma de minhas mãos foi até seus
cabelos macios e sedosos, e com a outra
a puxei contra mim. Se eu fosse morrer
naquele dia, que ao menos realizasse
aquele desejo. Fazia meses queria beijá-
la, não naquelas condições, mas poderia
não ter outra chance.
O problema era que, quanto mais
a beijava, mais não desejava parar,
ficou impossível de resistir após ouvi-la
gemer baixo. Isso me deixou com
vontade de matar quem agora me queria
levar consigo ou me matar.
Ouvi barulho de carro, o que me
fez afastar dela sem querer a fim de
tentar salvá-la de algum modo. Fosse o
que fosse, Lyn queria a mim, e não a ela.
Belinda ficaria segura e logo voltaria à
sua família.
Lyn... Eu tinha prometido salvá-
lo do lugar onde estávamos presos,
quando ele era conhecido apenas como
o Número 10, mas Marco me fez crer
que ele estava morto. Quando tive a
chance, voltei ao local para salvar os
demais garotos, mas o lugar tinha sido
detonado junto a todos os meninos
dentro dele. Seria por isso que ele
queria me matar? Então por que não
tinha vindo antes? Haviam se passado
quase 14 anos, e eu não soube nada dele,
não até aparecer ali do nada. Devia ter
uma razão para isso.
Belinda piscou, encarando minha
boca, mas, antes de eu poder avaliar
qual sua reação ao que fiz, notei a quem
pertencia o carro que acabava de parar
cantando pneus.
― Maldição! ― rosnei e me
virei para ela. ― Não saia do carro por
nada! Te fiz uma promessa e vou
cumprir.
Ela arregalou os olhos.
― Pensa em ir lá fora? Esse
cara vai matá-lo... ― Sua voz falhou no
final.
― Pode ser, mas vou dar um
jeito de deixar você fora disso. ― Dei
de ombros e me virei para sair.
Ela pegou meu braço. Voltei-me
para ela e encarei aqueles olhos lindos.
Belinda começou a abrir a boca, mas eu
não podia perder mais tempo. Se
demorasse um segundo, meu irmão e
meu melhor amigo iriam se matar, e eu
não queria isso.
― Seja o que quiser falar,
espere caso eu sobreviva. ― Com
certeza ela iria me xingar por tê-la
beijado, embora eu pudesse ver que ela
gostou tanto que ficou embriagada.
Eu poderia ter rido com essa
vitória, porque nunca conheci uma
mulher tão difícil quanto aquela.
Todavia, naquele dia, após ela se abrir,
pude ver qual a razão para se distanciar
de todos. Eu deveria ter ficado longe e
não a ter beijado.
Saí do carro, não querendo
pensar nisso, e sim focar no que estava
acontecendo. Esperava convencer Lyn a
não machucar ninguém ali. Ele estava de
arma abaixada, mas a levantou quando
meu irmão saiu do carro com sua pistola
apontada para ele. Com sua arma mais
potente, Lyn fritaria todos nós em
segundos.
― Não! ― Entrei na frente do
meu irmão, segurei sua mão da arma e a
abaixei.
― Stefano, que porra! ― rosnou
Alessandro. ― O que acha que está
fazendo?!
Olhei para Lyn, que me encarava
com aqueles mesmos olhos vazios e
mortos. No passado, eu ainda conseguia
ver certo lampejo de luz ali, mínimo,
mas atualmente eu não via nada além de
um abismo.
― Se quer matar alguém, é a
mim, não a eles. ― Suspirei, tentando
convencê-lo. ― Faço o que você quiser,
só os deixe vivos. Vou para onde você
quiser.
Usei essas palavras uma vez com
Marco, e o que aconteceu depois levou
um pedaço de mim que não podia ser
trazido de volta. Era uma coisa que eu
gostaria de esquecer. Era uma pena não
ser possível arrancá-la do meu cérebro.
Foquei no presente e não no
passado, ou sucumbiria ali. Precisava
manter meu rosto neutro.
― Stefano! ― Podia ouvir a
ordem de Alessandro, que agia naquele
momento como chefe, mas não era hora
para isso. Eu precisava manter tanto a
ele como Belinda vivos, e se para isso
tivesse que ir com Lyn, que assim fosse.
― Preciso resolver isso ―
disse ao meu irmão e depois voltei a
olhar para Lyn, que não disse uma
palavra. ― Vamos conversar.
Ele estreitou seus olhos,
avaliando-me, depois ao meu irmão, que
segurou meu braço quando dei um passo
para ir até Lyn, então olhou para
Belinda, que tinha saído do carro e
apontava a arma para ele. Mas que
maldição! Por que ela não faz o que a
gente pede só uma vez?
Ele abaixou sua arma, não
parecendo se preocupar com a garota.
― Chamei meus irmãos. Todos
estão a caminho agora, e eu poderia
desejar que eles o matassem, mas
Stefano se importa com você, então tem
dez minutos para nos matar ou ir embora
― disse ela.
É claro que ela não podia ficar
de fora, pensei amargo. Se ficasse, não
seria a Belinda.
― Eu poderia fazer as duas
coisas e ainda matar seus irmãos ― Lyn
finalmente respondeu com um sorriso
frio.
Essa era a coisa errada a se
dizer. Ele podia brigar e até discutir
com ela, mas não envolvesse seus
irmãos, pois a mulher virava uma leoa a
ponto de atacar. Belinda era capaz
disso, embora pudesse provocar a morte
de todos ali. Eu sabia que, se ela abrisse
a boca, tudo estaria acabado, porque eu
não podia deixar que ele a machucasse.
Estaria eu preparado para matar um
amigo?
― Você quer me matar? Se
quiser, o faça ― falei, cansado de tudo
aquilo.
Seus olhos ficaram gelados.
― Ao contrário de você, eu
cumpro minhas promessas ―
praticamente cuspiu e deu as costas, não
porque confiava que não fôssemos
atirar, mas porque não temia a nada,
muito menos a morte. Aquela era a vida
que levávamos, ela levava cada pedaço
nosso, não restando nada. Eu havia me
apegado aos meus irmãos, e mesmo
assim muita coisa foi tirada de mim.
Suas palavras foram como um
soco no estômago, tanto que tive
dificuldade de respirar por um momento.
― Ao sair daquele maldito
lugar, ele realmente achou que você
tivesse sido morto. Voltou depois para
ajudar os outros, mas só encontrou
cinzas ― respondeu Alessandro. Acho
que ele notou que eu não podia respirar
direito.
Meus irmãos sabiam que eu tinha
sido levado para a arena, só não de fato
tudo o que acontecia lá dentro. Eu nunca
havia contado a ninguém. Era algo que
pretendia levar para o túmulo.
Lyn me avaliou de novo por um
momento. Tentei esconder minha
expressão, mas acho que não fui rápido
o suficiente.
― Não devia abaixar sua guarda
nunca. Esqueceu a lição que aprendeu?
E outra coisa, não vim matar você. Se o
quisesse morto, teria feito isso há anos
― me informou, colocando a arma no
carro. Foi quando notei que era o mesmo
do cemitério.
― Quem estava querendo me
matar e como você soube do ataque? ―
sondei.
― Não é da sua conta e já foi
resolvido. ― Entrou no carro, dirigiu
até próximo a mim e parou rapidamente.
― Devia limpar os quatro corpos no
cemitério que deixei lá. E vigie sua
retaguarda.
Depois disso, Lyn partiu, e fiquei
ali tentando pensar em quem queria me
matar e em como ele sobreviveu à
explosão no lugar onde tinha estado
preso. Por que resolvera aparecer?
Eram muitas perguntas que só ele podia
responder.
― Porra! ― Coloquei as mãos
nos cabelos em um gesto exasperado. ―
Preciso encontrá-lo! ― Virei-me para
meu irmão. ― Você pode tomar conta de
Belinda e levá-la para casa?
― Você não vai a lugar nenhum,
Stefano. Hoje mesmo vamos voltar para
Milão ― ordenou categoricamente. ―
Não ouse ir contra mim.
― Stefano, ouça seu irmão. Se
for atrás dele, pode ser que repense e o
mate. Ao que parece, tem rancor contra
você ― disse Belinda com um suspiro.
― Ele não vai me matar. Se
quisesse, teria feito no cemitério, mas
ele tem razão quanto a uma coisa. ― Eu
não gostava de admitir, mas tinha pisado
na bola.
― O quê? ― indagou ela,
chegando mais perto de onde eu estava,
e me entregou a minha arma.
― Não posso baixar a guarda
como fiz hoje. ― Não só ao meu redor,
mas também em relação aos meus
sentimentos, como quando beijei
Belinda. Era melhor me manter longe
dela para sua própria segurança.
― Não vou embora com seu
irmão! ― contestou Belinda, pondo-se
ao meu lado. ― Vou ficar com você.
Nem ouse dizer o contrário.
Notei que ela não iria fazer isso
mesmo. Ainda não confiava em
Alessandro. Isso queria dizer que em
mim confiava? Pois bem, eu a deixaria
em casa e depois resolveria aquele
problema.
― Stefano, falo sério. Você não
vai procurar esse cara ― frisou
Alessandro.
Ele tinha razão. Se Lyn
conseguiu ficar no escuro todo aquele
tempo, então não seria fácil achá-lo. De
qualquer modo eu tentaria, só não podia
ir contra Alessandro, ainda mais na
frente dos outros.
― Ele nos salvou. Era ele que
estava no cemitério ― comentou
Belinda. ― Não entendo. Por que não
veio até nós naquela hora?
Lyn ao menos deveria ter nos
alertado do perigo que estávamos
correndo, principalmente pela minha
dificuldade em proteger Belinda. Ele
disse que havia corpos no cemitério.
Isso significava que o inimigo tinha
chegado perto de nós. Isso serviria
como referência futura, para eu prestar
mais atenção ao meu entorno.
― Sim, era ele. Não o vi lá
porque o farol atrapalhava. Seus irmãos
estão chegando? Acho que devem entrar
em contato com os tiras na folha de
pagamento deles para esconder isso. ―
Indiquei o carro que Lyn explodiu para
nos salvar, que ainda pegava fogo.
Ele também havia me salvado no
cemitério. Eu poderia jurar que não
tinha notado ninguém se aproximando,
talvez devido aos momentos em que
revivi lembranças dolorosas.
― Não os chamei. Você pediu
que eu não o fizesse, e eu não queria
preocupá-los, embora, depois disso, não
acho que possamos esconder deles. ―
Ela deu um suspiro baixo.
Antes que eu comentasse sobre
sua mentira para Lyn, ato que eu lhe
agradecia, embora não achasse que
fosse isso que o fizera ir embora, carros
vieram em nossa direção. Antes que eu
ficasse tenso pensando ser mais
inimigos, reconheci os veículos dos
irmãos de Belinda.
Fabrizio saiu do carro seguido
por Valentino, Santiago e Benjamin.
Todos vieram na direção da irmã.
Santiago a abraçou forte.
― Você está bem? ― ouvi a
preocupação na voz dele, assim como vi
na expressão dos irmãos.
Em seu lugar, eu estaria da
mesma forma caso fosse com minhas
irmãs. Dava graças aos Céus por tanto
Luna como Jade estarem seguras na
mansão dos Castilhos.
― Eles não chegaram perto de
você? ― Benjamin checou cada
centímetro de Belinda.
Valentino estava parado meio em
choque. Aquilo devia trazer-lhes várias
lembranças do que aconteceu a ele e sua
irmã Lorena.
― Sim, estou. ― Ela foi até
cada um, abraçou-os e os tranquilizou.
Valentino foi o último. ― Estou bem,
nada aconteceu comigo nem vai.
Ele assentiu, beijando sua testa,
e inspirou como se tentasse se controlar
e expulsar lembranças ruins.
― Não nos mate do coração
assim de novo. ― Sua voz estava grave,
então ele pigarreou.
― Não vou fazer isso ― ela
prometeu e depois suspirou. ― Como
sabia do que aconteceu se não ligamos
para vocês?
― Sabemos tudo que acontece
em nosso território ― informou
Benjamin.
― Nada fica escondido aqui por
muito tempo ― Santiago assentiu com o
rosto duro.
Claro que sabiam, pensei. Não
havia nenhum segredo acerca da
perseguição, eu só não os queria em
cima de Lyn, pois ele nos salvou, e isso
devia contar alguma coisa.
― O que aconteceu? ―
perguntou Fabrizio avaliando o lugar e o
carro pegando fogo.
Belinda ficou em silêncio por um
momento e me olhou, dando-me a chance
de explicar. Seria por não ter certeza de
que eu não gostaria que eles soubessem
de Lyn? Fosse como fosse, eu era grato a
ela por isso.
― Fomos atacados quando
vínhamos...
― De um passeio, e na volta
fomos abordados. ― Interrompeu-me
Belinda.
Ela não queria que soubessem
que tínhamos estado no cemitério? Seria
difícil esconder deles os corpos que
estavam lá, mas percebi pelo olhar dela
que me pedia segredo. Se Belinda não
queria revelar o local aonde tinha ido,
eu que não o faria.
― Como aquele carro explodiu?
― sondou Fabrizio, indo até perto do
veículo.
― Foram vocês? ― indagou
Benjamin parecendo impressionado.
― Não fomos nós, alguém nos
salvou ― respondi. Não iria mentir
quanto a isso, só não queria dizer o
nome do nosso salvador. De qualquer
forma, descobririam logo.
Fabrizio arqueou as
sobrancelhas.
― Alguém? Quem foi? ―
indagou, voltando sua atenção para mim.
― Alguém do meu passado que
achei que estivesse morto. ― Não
queria falar muito sobre Lyn. Na
verdade, não havia muito a dizer sem
que as lembranças me atormentassem e
me fizessem sucumbir.
― Esse alguém tem nome? ―
inquiriu com os olhos estreitos. ― Essa
ameaça foi do seu passado também? Se
for, preciso saber.
― Não sei sobre isso. ― Todos
do meu passado que mereciam morrer
estavam no inferno, eu não conseguia
pensar em ninguém. ― A pessoa que nos
salvou não quis dizer. Talvez não tenha
sido por vingança. Preciso falar com ele
antes.
Ouvi sirenes ao longe, então era
a nossa deixa para sairmos. Eu deixaria
Fabrizio tomar conta de tudo ali, pois
tinha mais coisas para fazer.
― Vai dizer o nome da pessoa
que o salvou? ― frisou Fabrizio.
Merda! Esse homem não
desiste! O seu jeito me lembrava muito
Alessandro, sem rodeios e sem aceitar
ficar sem respostas. Por um segundo,
imaginei o que ele faria se eu dissesse
que não ia contar nada. Apostava que
não gostaria disso e que teria
repercussões, algo que eu não queria.
― Lyn. ― Esse era seu apelido,
que significava raio, pois ele era muito
veloz nas lutas na gaiola.
― Lyn? ― indagou Valentino,
piscando. ― Tem certeza de que é esse
nome?
Fechei a cara.
― Acho que tenho, afinal o
conheço há quase 14 anos, embora
achasse que estivesse morto. ―
Suspirei. ― Por quê? Você o conhece?
― O cara é uma lenda. Ninguém
sabe seu nome real, só El Diablo, que
descobriu, pois está querendo recrutá-
lo. É conhecido como o Fantasma no
submundo ― respondeu Valentino um
pouco impressionado.
― Fantasma? ― indaguei, pois
tinha ouvido falar sobre um dos
assassinos mais letais rondando por aí,
embora não soubesse que se tratava de
Lyn.
― Ouviu falar sobre ele? ―
sondou Fabrizio e continuou assim que
assenti: ― Se ele os salvou, é porque se
importa com vocês. Pelo que descobri, o
homem não se importa com nada ou
ninguém, só faz seus trabalhos, e
ninguém sabe quem é ele, só conhecem a
assinatura que deixa em seus
assassinatos.
Eu tinha ouvido isso acerca do
Fantasma também, e não era de fato
mentira; Lyn não se importava com nada,
os únicos que o faziam sentir alguma
emoção era eu e Jet, talvez porque nos
viu agir de modo diferente naquele
inferno. No fundo, Lyn sentira alguma
emoção ao me salvar. Eu apostava que
tinha feito isso para cumprir a promessa
que fez a mim e ao nosso amigo.
Como assinatura em suas mortes,
o Fantasma deixava um origami. Por que
não juntei as peças antes? Devia ter ao
menos suspeitado o que significava
aquela assinatura, embora não houvesse
como, pois tive provas de sua morte. O
que eu podia fazer?
― El Diablo quer recrutá-lo? ―
indaguei de olhos arregalados.
― Sim, mas não está com muita
sorte. O Fantasma gosta de trabalhar
sozinho e, por sinal, faz o trabalho bem-
feito, sem deixar rastros. Nunca mostra
de fato seu rosto quando mata ―
confirmou Valentino.
― Vou apurar os fatos e entrar
em contato com El Diablo ― Fabrizio
me informou. ― O que ele usou no carro
para explodi-lo dessa forma?
― Um lançador de foguetes
portátil especializado em abater tanques
― respondeu Belinda.
Ela entendia muito de armas, ao
que parecia.
― Puta merda! ― Benjamin
piscou. ― Não é de me surpreender
vindo dele.
― Depois vemos isso. Agora,
Santiago e Benjamin, levem Belinda
para casa enquanto resolvemos as coisas
com os tiras ― ordenou Fabrizio.
Assim que eles partiram, fui em
direção ao meu carro, mas Fabrizio me
chamou:
― Stefano?
― Sim? ― Parei onde estava e
o fitei. Esperava que não perguntasse
mais sobre Lyn. As lembranças em
minha cabeça me atormentavam, e eu
não estava a fim de discutir com ele.
― Onde vocês estavam quando
foram perseguidos?
― Por que acha que não foi
como Belinda disse? ― Franzi a testa.
― Conheço minha irmã. ― Deu
um suspiro duro. ― E, por mais que seja
boa em esconder as coisas, sei que está
mentindo.
Dei de ombros. Não admitiria
nada se Belinda não queria que eu
falasse.
― Terá que perguntar a ela ―
falei e abri a porta do meu carro.
― Estavam no cemitério, não é?
― Não parecia uma pergunta.
Maneei a cabeça em sua direção.
― Você que está dizendo.
― Aonde está indo? ― sondou
Valentino vindo na minha direção.
― Vou limpar o lixo que Lyn
deixou para trás.
― Vou com você ― informou,
abrindo a porta do carro, depois olhou
para seu irmão. ― Mande a limpeza
enquanto checo se alguém viu algo.
― Stefano, lembra do que
conversamos? ― interveio Alessandro,
alertando-me.
Assenti. Jamais o desrespeitaria.
Eu só encontraria outra forma de achar
Lyn.
― Manterei em mente. ― Entrei
no carro e parti. Era uma pena que não
estava sozinho, mas ao menos Valentino
não era daqueles que conversam muito.
Chegamos ao cemitério, onde
provavelmente os quatro corpos
estavam.
― Ela veio aqui, então? ―
finalmente Valentino falou, checando ao
redor com o olhar vazio.
― Sim. Acho que Belinda se
sente mais perto do seu pai neste lugar.
― Sabia que o Céu existia, assim como
o inferno, para onde eu iria um dia.
― Obrigado por protegê-la hoje
e por ficar com ela ― agradeceu-me
quando achamos os corpos atrás de uma
moita. ― Eles chegaram muito perto. ―
Seus olhos fitaram o local onde seu pai
foi enterrado.
― Fiquei um pouco de guarda
baixa na tentativa de fazê-la esquecer
aquela dor, e por pouco isso não nos
matou. ― Trinquei os dentes. ― Teria
acontecido se não fosse...
― Lyn ― concordou, parecendo
tão grato quanto eu. ― Vai tentar achá-
lo? Se o encontrar, diga que temos uma
dívida com ele. Qualquer coisa que
quiser, é só dizer.
― Preciso encontrá-lo. Tenho
algumas coisas que quero que ele saiba,
e assim resolveremos o nosso assunto
pendente.
Escondemos os corpos. Todos
tinham recebido um tiro certeiro na testa
ou na nuca.
― Deixe que eu passo o recado,
embora seja mais fácil ele entrar em
contato com você do que comigo.
― Se precisar de mim, estarei
aqui ― Valentino me disse. ― Não só
eu, mas meus irmãos também.
― Valeu.
Gostei do fato de ele não ter me
perguntado nada, mesmo estando
claramente curioso por eu conhecer Lyn.
Imaginei que ele agia daquela forma por
ter sido sequestrado e torturado, e sabe-
se lá o que mais foi feito a ele. Eu
percebia que isso levou um pedaço dele,
assim como o que passei levou algo de
mim que eu nunca teria de volta.
Abaixei-me perto dos corpos,
checando cada um deles, puxando suas
roupas.
― O que está procurando? ―
Ele ficou ao meu lado, agachando-se
também.
― Algum sinal de quem sejam
eles. ― Muitas organizações eram
conhecidas por suas marcas, símbolos
que mostravam quem eram, outras não;
essas eram mais difíceis de ser
reconhecidas.
― Usam ternos caros, então o
que fazem é lucrativo, mas parece que
não têm tatuagem... ― ele se
interrompeu assim que rasguei a
camiseta e paletó de um deles e achei o
que procurava. Em sua pele tinha o
número 15.
― Que porra é isso? ― Piscou,
parecendo chocado, e checou os outros.
A mesma marca estava ali, uma que eu
conhecia muito bem. ― São marcados
como gado. Quem aceita isso em seus
corpos? É fodido até para nós.
― Eles não aceitam, apenas não
tiveram escolha, não foi dada a nenhum
deles. ― Trinquei os dentes, furioso
com quem os tornara daquela forma.
― Conhece essa organização?
― Sua cabeça se ergueu na minha
direção. Parecia aturdido.
― Lyn era de uma parecida. ―
Não falei sobre mim, não queria pensar
nisso agora.
― Isso não explica por que
vieram atrás de você.
― Essa é a resposta que
pretendo descobrir. ― No entanto, para
isso precisava encontrar meu amigo.
Eu só conhecia uma pessoa que
também estava atrás de Lyn e que podia
me ajudar a encontrá-lo. El Diablo.
Já estava havia uma semana
enjaulado como um animal, mas não me
importava muito. Nada era pior do que
ter visto minha mãe sendo morta na
minha frente. Eu poderia ter lutado mais,
mas por que, se minha mãe não estava
mais presente?
A dor ainda era profunda e
sempre seria. Eu não acreditava que
passaria algum dia. Além da dor
espiritual, meu corpo também doía, pois
eu tinha acabado de ser torturado no
ringue. Digo torturado porque me
recusava a lutar. Minha mãe se fora,
então por que eu devia viver?
O maldito Kanon me jogara na
jaula para lutar nos últimos dias, disse
que era treinamento. Eu não dava a
mínima para isso ou para a forma como
meu físico era maltratado. Era isso que
dizia a mim mesmo, mas meu corpo
protestava, pois não aguentava mais
tantas pancadas e cortes das lâminas dos
meus oponentes.
Havia muitos garotos ali que eu
me recusava a matar. Kanon não podia
tirar minha vida, mas queria que eu o
fizesse com outros meninos. Marco
deveria ter deixado minha mãe viva,
assim eu teria feito o que ele mandasse,
mas agora eu não tinha mais motivos
para lhe obedecer.
― Você precisa resistir, ou não
vai durar mais um dia ― disse o garoto
da cela do lado esquerdo, o Número 8.
O Número 10 estava na do outro lado.
Nunca tinha dito uma palavra desde que
cheguei ali.
Eu estava encolhido no chão
frio, com vários ferimentos, tanto por
fora quanto por dentro. O lugar possuía
um médico só para não deixar os
lutadores melhores morrerem, afinal
dependia deles para ganhar dinheiro.
Porém não fui medicado como castigo
por não ter feito o que o infeliz queria.
― Não dou a mínima para isso.
― Estremeci ao ajeitar o corpo em outra
posição, mesmo assim não era boa.
― Por que resiste tanto? Todos
que são trazidos aqui resistem no
máximo um dia, logo estão fazendo o
que são mandados, mas resistir por uma
semana? Sorte sua ainda estar vivo. ―
Suspirou o garoto sardento. Era melhor
chamá-lo assim do que por um número.
Todos tinham nomes, mas eram
proibidos de mencioná-los. Embora não
tivesse ninguém ali nos vigiando, ainda
assim obedeciam.
― Se me matassem, seria um
alívio. ― Era verdade. Sem minha mãe,
viver para mim não tinha sentido. A
cada dor que me tomava, eu sentia que a
merecia, por ser o responsável pela
morte dela.
― Queria pensar assim, mas
quero viver para sair deste lugar um dia.
Não quero morrer aqui sendo uma
putinha desses vermes imundos. ― Sua
voz saiu amarga como fel.
Outra coisa que me enojava ali
era o fato de, duas vezes na semana, os
responsáveis pelo local fazerem festas e
convidarem homens pedófilos para
violentarem os garotos, que não tinham
poder para evitar isso nem podiam dizer
uma palavra sequer.
O único que não tinha sido
levado a essas festas naquela semana, na
quarta-feira e no sábado, foi o Número
10, o garoto de olhos mortos. O Sarda
me explicou que, quando um dos garotos
era campeão, não era obrigado a fazer
nada, só lutar.
― Quero matar todos eles. ― O
ódio estava presente em cada palavra do
ruivo.
― Te ajudaria com isso com o
maior prazer, jogando todos em uma
coivara de fogo ― anunciei.
― Incluindo seu pai, que o
trouxe aqui?
― Seria o primeiro, e vou fazer
isso assim que tiver uma chance. Se ele
acha que vou me rebaixar e deixar me
domarem como um animal, está
enganado. Prefiro morrer. ― Fechei os
olhos, ignorando as dores. Parecia que,
a cada movimento que eu fazia, elas me
cercavam por todos os lados.
― Se sabia do que ele era
capaz, por que nunca o matou? ― Ele
parecia curioso.
Aquele garoto estava no lugar
errado. Era legal demais para ser um
assassino treinado de 15 anos. Todos ali
não mereciam estar naquele lugar,
fazendo coisas que não gostavam só
porque Marco queria ganhar dinheiro.
― Por meus irmãos e... ―
respirei fundo ― minha mãe, que o
miserável matou.
Não o matei antes porque tinha
um propósito, mas agora isso não
importava mais. Assim que eu o visse de
novo, eu o eliminaria de uma vez por
todas.
― Eles gostam desse monstro?
― indagou, incrédulo.
― Não, todos o odeiam. O
problema é que, se um de nós o matar,
meu irmão mais velho, que será o capo
no futuro, perderá o direito, pois nenhum
dos sujeitos seguidores de Marco irá se
submeter a Alessandro. Tínhamos um
plano, buscar aliados para o nosso lado,
e, quando a hora certa chegasse, iríamos
mandá-lo para o inferno, mas...
― Você vai matá-lo por ter
assassinado sua mãe. ― Não era uma
pergunta.
― Pode apostar. Assim que eu
sair daqui, ele já era, o farei se
arrepender amargamente. ― Era uma
promessa que eu cumpriria.
Ele suspirou.
― No começo, achei que você
tinha aversão a matar. Muitos de nós
temos no início, por isso não fazemos
amigos, pois, na próxima luta, podemos
ter de matá-los. ― Sua voz soou triste
no final.
Era uma vida deplorável, uma
que eu achava muito injusta, e tudo por
culpa daquele demônio. Marco
precisava morrer.
― Aversão a matar? Até pouco
mais de uma semana, eu achava que
tinha, mas descobri que não ligo de fazer
isso se a pessoa merece estar morta.
Mas tirar a vida de inocentes? Isso não é
para mim, e é ainda pior ser obrigado a
fazer isso, especialmente por meu pai.
Não vou dar esse gostinho a ele, não
mesmo. ― Coloquei a mão no peito,
tentando me livrar da dor que me
esmagava a cada respiração.
― Você é um idiota ― rosnou
uma voz grave vinda da parede de grade
ao lado.
Pisquei, pois não podia acreditar
que Olhos Mortos estivesse falando
comigo.
― Você é patético se permitindo
ficar nesse estado. ― Olhos Mortos se
sentou. Antes estava deitado em um
colchonete. Eu também tinha um, mas,
como xinguei Kanon, o fodido o havia
tirado de mim.
― Como se eu tivesse pedido
sua opinião... E tão certo como a merda
que não me importo com ela. ― Ignorei-
o.
― Precisa entrar em cena se
quiser eliminar seu pai. Ficar parado
aqui deixando que o arrebentem não irá
ajudar ― rosnou, fuzilando-me. ― Lute,
porra! Ou seja um covarde. Aqui. ―
Jogou-me uma faca pela grade da cela.
― Pegue e corte seus pulsos, ninguém
chamará ajuda.
Peguei a faca no chão, e tudo em
mim queria enfiar a lâmina em meu
coração, mas então pensei em meus
irmãos. Todos sofreriam. Jade e Luna...,
pensei, com uma nova dor só com a
ideia de não as ver mais. Já bastavam
ter perdido nossa mãe. Eu não podia
fazer isso com eles.
― Não faça isso! ― O Sarda
fuzilou o Olhos Mortos e depois a mim,
que hesitava com a faca na mão. ― Seja
o que for que o esteja impedindo de
fazer tal coisa, se apegue a isso e deixe
essa faca. Não vale a pena. Temos que
sobreviver, é isso que importa. Penso
nisso todo momento quando aqueles
homens estão me violentando.
Pisquei, pois eu estava sendo
realmente um covarde. Eles passaram
por coisa pior e ainda estavam de pé. Eu
não podia me sujeitar a me deixar levar
assim. Eu ainda tinha os meus irmãos.
Precisava arrumar um jeito de sair dali
por eles e para ajudar todos aqueles
meninos. Não sabia o que iria fazer, mas
tentaria salvá-los de alguma forma.
Deixei a faca cair no chão e me
sentei com a mão na barriga, ignorando
as fisgadas de dor.
― Vou lutar e juro que vou
arrumar um jeito de tirar vocês daqui
assim que eu sair. ― Não sabia como
conseguiria, mas meus irmãos poderiam
me ajudar se eu pedisse a eles.
Quando eu lhes contasse sobre
aquele antro, garantia que se enojariam
assim como eu. Ninguém merecia uma
vida daquelas, ainda mais garotos tão
jovens.
― Pode fazer isso? Realmente
vai nos ajudar? ― O ruivo parecia
esperançoso.
Se eu dissesse que sim e depois
não conseguisse fazer nada, iria me
sentir culpado.
― Farei tudo que eu puder para
isso acontecer. ― Era só o que podia
prometer. ― Quero esses filhos da puta
mortos, de preferência, com muita dor.
― Isso se o seu pai não o matar
antes ― disse o garoto sombrio.
― Se fosse por ele, eu nunca
sairia deste inferno, mas, se me deixasse
aqui por muito tempo, meus irmãos
revidariam, e as coisas ficariam feias
demais. Marco não quer isso, seu
objetivo é ganhar, e precisa que o meu
irmão seja o chefe que ele acha que vai
ser um dia.
― Esse seu irmão devia matar o
seu pai logo e esquecer essa coisa de
líder. ― O Sarda suspirou. ― Aquele
ser desprezível mantém este lugar
ganhando dinheiro à nossa custa.
― Acredito que, quando ele
souber do que Marco fez com nossa
mãe, as coisas mudem, e quero que isso
aconteça, quero eliminar aquele maldito
demônio de uma vez por todas.
Rafaelle e Alessandro tinham
ido para a América por dois meses. Eu
me encolhia só em imaginar ficar
naquele inferno todo esse tempo.
― Vamos focar em sua melhora
logo, pois terão mais lutas, e dessa vez
você precisa esconder essa fraqueza que
tem, a recusa a matar um dos garotos
daqui. Somos assassinos frios. A partir
do dia em que fomos trazidos para cá,
nossa humanidade ficou lá fora. Precisa
deixar a sua também se quiser um dia
sair daqui vivo e ter sua vingança ―
Olhos Mortos me disse sem qualquer
emoção.
― Se lembram de algo da vida
de vocês? ― Era melhor falar sobre
isso a pensar em não sair daquele lugar
infernal e na dor que eu estava sentindo.
Aqueles monstros não queriam
que os meninos falassem sobre quem
eram, mas nenhum estava ali no
momento para nos ouvir e nos castigar.
― Lembro que eu estava num
orfanato, na Austrália, em Sidney... Sabe
o que é mais estúpido? Eu reclamava
por estar preso lá após perder meus pais
e ficar sem família. Queria sair sem
destino, sem ter ninguém me dando
ordens. Eu achava que conseguiria ao
vir para cá...
Arfei, mas me controlei para não
chamar a atenção dos guardas do lado
de fora.
― Vocês sabiam que vinham
para cá? ― indaguei, não acreditando
que isso fosse possível.
― Não tecnicamente aqui.
Apareceram uns caras no orfanato
disfarçados de guardas que nos disseram
que tínhamos uma saída para sair de lá e
ganhar muito dinheiro. Isso foi há quatro
anos. ― Riu baixo e amargo. ― Nada
indicava que era um lugar como este. O
pior é que eles continuam fazendo isso
lá fora com garotos como nós. Acho que
pensam que, como não temos família,
ninguém vai ligar para o que aconteça
com a gente no final.
― Isso não chama a atenção de
ninguém, ao contrário do que
aconteceria se sequestrassem garotos
por aí. ― Faziam esse tipo de coisa
também com garotas, enganando-as,
inventando que as transformariam em
modelos, mas transformando-as em
prostitutas, até que ficavam em dívida
com a máfia, o que era como fazer um
pacto com o diabo. Ao menos com
Marco era assim.
― No dia em que chegamos
aqui, eu e mais dois colegas meus, Radir
e Said... ― O ruivo fechou os olhos
como se quisesse tirar os pensamentos
ruins da cabeça.
― O que aconteceu com eles?
― Pela sua expressão de dor, eu
imaginava que não tinham resistido.
― Radir não conseguiu lidar
quando aqueles monstros... ― Sacudiu a
cabeça. ― Ficou tão arrasado, sabe?
Tirou a própria vida. Na verdade, se
deixou ser morto, pois queria se livrar
deste lugar.
― E Said?
― Um dos caras que o
violentava o matou na hora... ― Sua voz
soou mortal. ― Um dia quero sair deste
lugar e o matar, tanto esse cara como
todos que nos forçam a fazer essa porra
nojenta.
O garoto de olhos mortos estava
calado, enquanto o ruivo, que era o mais
conversador ali, falava. Gostei de ver a
sua esperança de sair daquele lugar. Eu
também tinha, embora, se fosse pela
vontade de Marco, iria apodrecer ali.
― Quem são eles? Me diz, que,
assim que eu sair daqui, vou dar um
jeito neles. ― Eu sabia que ainda era
um garoto, mas também sabia o que era.
Crianças no meu mundo se tornavam
adultas rápido, e eu era uma delas, já
não tinha mais inocência, ainda mais
naquele lugar. Se eu ainda tinha alguma
ingenuidade antes, ali tinha ido pelos
ares. Esperava que, no final, me tornasse
humano de novo ou ao menos não me
perdesse como o Sarda. Nele tinha
alguma luz que eu não via no Olhos
Mortos e em outros garotos ali.
Ele me falou os nomes dos caras,
e pisquei ao saber de alguns que eram
casados, mas gostavam de garotos. Eu
conhecia alguns deles, outros, iria
descobrir onde moravam e dar-lhes o
fim que mereciam. Mostraria para
Marco o monstro em que me transformei
assim que enfiasse a minha faca em seu
coração e o arrancasse do seu peito.
― E você? ― indaguei, olhando
o garoto de olhos frios. ― Aliás, quais
seus nomes verdadeiros?
― O meu é Jet ― respondeu o
ruivo. ― Mas aqui não somos nada além
de objetos para esses fodidos.
― E você? ― insisti com o
outro garoto, que não queria me
responder e só me olhava. ― Não
precisa dizer se não quiser.
Seus olhos não mostravam nada
além de um vácuo que absorvia tudo.
― Você deve ser mais duro aqui,
ou não vai aguentar mais um dia. Não
somos amigos para contarmos histórias
sombrias uns aos outros. Foque em ficar
vivo ― disse, deitando-se e encarando
o teto.
― Lyn é duro, mas ele tem seus
motivos, embora esteja certo. Se você
continuar evitando lutar, jamais sairá
daqui. Agora pegue isso e mastigue. ―
Jogou algo para mim. Foi quando notei
serem comprimidos.
― O que é isso? ― Não queria
me drogar naquele lugar. Se algo
acontecesse, eu precisava estar
totalmente consciente.
― Para não deixar essas feridas
infecionarem ― falou baixinho. ― Nem
todos neste lugar são filhos da puta
loucos e pedófilos.
Era bom saber disso. Talvez,
com a ajuda dessas pessoas, eu
conseguisse resgatar todos os garotos
presos ali depois.
― Valeu. ― Enfiei o remédio na
boca e o mastiguei. Estava com sede,
mas ninguém ali me daria água, então
nem pedi.
Ouvimos passos e ficamos em
silêncio fingindo estar dormindo.
Naquele lugar não se dormia; cada
passo dado ali me tirava o sono.
Contei os passos da pessoa que
caminhava no corredor. Da porta do
pavilhão onde estávamos até ali eram 20
passos de dois guardas e 25 de Kanon
por ser baixo. Agora eram os seus
passos, mas não parecia estar sozinho.
Nunca mostrei meu medo quando
ouvia alguém andando no corredor;
agora não seria diferente. Isso acontecia
direto, sempre levavam garotos, mas
poucos deles retornavam, e os que
voltavam estavam sempre cobertos de
sangue.
A porta da minha cela foi aberta,
e abri meus olhos, encarando um homem
de pé me olhando e sorrindo de modo
cruel e perverso.
Ainda bem que eu ainda estava
com a faca que Lyn me entregara antes.
Se aquele cara tentasse algo comigo, eu
iria fazer boa serventia dela.
― Ele é todo seu. Pode brincar
essa noite, e nossa dívida será paga ―
disse Kanon.
O homem mexeu o pescoço como
se estivesse se preparando para iniciar
um trabalho.
― Vão para o inferno! ― rugi,
sentando-me e ignorando os protestos do
meu corpo.
Não deixei o pavor me dominar.
Tinha chegado a hora de eu lutar e o
faria com quem precisava ser extirpado
desse mundo e mandado ao inferno com
passagem só de ida.
― Vou saborear cada segundo.
Gosto de garotos que lutam comigo. ―
Ele olhou para a cela do Jet, que estava
de costas fingindo dormir, mas percebi
que estava tenso. ― Assim como o
Número 8. Foi preciso muito para
amansar essa putinha.
Cada vez que ele falava me fazia
ficar mais irado. Então aquele ser
desprezível abusava de Jet? Como
prometi que eliminaria todos que o
machucaram, era melhor começar com
aquele.
O sujeito veio para cima de mim,
empurrando-me de costas no chão e
montando em meu corpo. Eu sabia que,
se o deixasse pegar meus braços, estaria
dominado, e preferia morrer a deixar
que aquele verme fizesse qualquer coisa
comigo. Enfiei minha mão embaixo de
mim e relaxei meu corpo. Se ele curtia
garotos que lutavam, veríamos como
reagiria àquilo.
― Oh, achei que fosse lutar,
pelo que eu soube de você, mas já está
se rendendo? ― Sua voz me enchia de
fúria, ainda mais com Kanon assistindo.
Esse era outro em cujo coração eu
amaria enfiar minha faca.
Seu hálito quente e desprezível
banhou meu rosto, e virei a cabeça,
fazendo sua boca tocar minha garganta.
Segurei minha ânsia de vomitar ali
mesmo.
― Isso, manso como um
cordeiro também é bom ― disse contra
meu pescoço.
Apertei a faca e a levei direto
até sua garganta, fazendo-o arfar.
― Que sua alma apodreça no
inferno! ― Cuspi o sangue dele, que
respingou sobre meu rosto.
Seus olhos focaram em mim, e
suas mãos tentaram conter o sangue que
saía pelo buraco que minha lâmina tinha
feito. Dei graças aos Céus por tê-la, ou
eu estaria ferrado. Até poderia lutar,
mas estava muito ferido e com certeza
perderia.
Daquele dia em diante, eu não
me deixaria ser ferido de novo.
Precisava me manter forte, reerguer-me
e eliminar todos que tentassem me
derrubar.
Empurrei-o para sair de cima de
mim, e o cara caiu de costas. Montei
nele e enfiei a lâmina em seu coração,
girando-a, não desviando o olhar um
segundo de seus olhos.
― Isso é por todos os garotos
que abusou. ― Puxei a faca e a desferi
de novo e de novo, até seu peito ficar
mole e parecendo uma peneira.
Minha respiração estava aguda
com o esforço. Sentia fúria e nojo de seu
cheiro repugnante em meu corpo.
Olhei para Kanon, que me
olhava parecendo feliz com o resultado
que causei.
― Sempre vi potencial em você.
Agora isso se provou certo, mas não
explica onde conseguiu essa faca. ―
Apontou para o objeto em minha mão.
― Um dia será você assim, e,
quando a hora chegar, irei dançar em
cima de sua carcaça desprezível ―
prometi, limpando a lâmina em um
pedaço de roupa sem sangue do homem
sob mim. O chão da minha cela estava
coberto pelo sangue do cadáver.
― Pela desobediência ao me
responder e por ter escondido a faca, irá
para a solitária. ― Indicou que seus
homens viessem me pegar. Eu poderia
ter lutado, mas estava tão machucado
das lutas anteriores que sabia que não
iria conseguir. ― Onde conseguiu a
faca? Se me disser, posso pensar em
deixar você ficar aqui.
Jamais iria dedurar Lyn. Ele
poderia ser castigado, e eu não queria
isso.
― Acha que ligo de ir para a
solitária? ― Marco tinha me deixado
mais vezes do que eu podia contar em
masmorras que ele só criava para nos
castigar. Não seria nada diferente.
― Vai ligar de ir para essa.
Os seus guardas me pegaram
pelo braço e levaram dali praticamente
arrastado, pois eu mal conseguia andar.
Não olhei para Jet ou Lyn, assim
nenhum deles seria castigado comigo.
Quando achei que estava no
inferno, percebi que aquilo que eu tinha
passado até o momento era fichinha
perto do que estava por vir, quando
minha alma seria levada de vez.
Acordei suando e com meu
coração pulsando forte, mesmo estando
em um clima frio.
Os pesadelos com aquele lugar
nunca me deixariam? Queria ao menos
esquecer aquilo por um segundo. Os
únicos momentos em que eu o fazia era
quando lutava e quando estava perto de
Belinda. Tinha algo nela que não me
deixava voltar ao passado. Eu não sabia
se era porque, quando estava ao seu
lado, focava em não a deixar cair,
primeiro em razão do seu sofrimento
com a doença de seu pai e agora com
sua perda recente, ou se era apenas por
sua presença, da qual passei a gostar.
Após o reaparecimento de Lyn,
fiquei um pouco longe de Belinda, pois
não queria que os caras que nos
atacaram se aproximassem dela, mas me
reaproximaria, pois teria que voltar à
casa dos Castilhos para descobrir se lá
era seguro ou não, como Alessandro
pediu.
Eu ajudava Belinda a lidar com
sua perda não por ser um homem bom,
porque, convenhamos, eu não era assim,
nunca seria nem queria ser. Eu o fazia
porque entendia aquela dor, a havia
sentido um dia e, no fundo, ainda a
sentia tão crua quanto antes.
Meus irmãos me apoiaram,
assim como eu sabia que os dela
também o fariam, mas a menina era
muito cabeça-dura, fingia-se de forte na
frente deles. Contudo, eu sabia o quanto
doía tudo aquilo.
Naquelas duas semanas, não
falamos sobre o beijo que trocamos.
Fazia três dias que eu havia voltado a
Milão para resolver minha estada
definitiva ao menos por mais um mês na
Espanha com os Castilhos.
Não comentei sobre o beijo
porque não queria que ela tivesse
esperança de algo que eu nunca poderia
lhe dar, não o que ela merecia, mas não
precisei explicar que foi um erro fazer
aquilo, pois a garota reagiu como se não
tivesse gostado nem gasto um minuto do
seu dia pensando no assunto. Suas
atitudes mostravam isso, o que foi um
golpe na minha autoestima, pois sempre
tive qualquer mulher que queria. A única
que não consegui foi ela, pois era lisa
como uma cobra.
Uma parte minha queria deixar
assim, mas outra queria conquistá-la e
provar que eu podia tê-la. Estava
forçando-me a continuar com a primeira
opção, principalmente se minha
presença pudesse trazer algum perigo a
ela.
Então foquei em localizar Lyn
para perguntar quem tentara nos matar,
mas não tive sorte. Era como se tivesse
desaparecido do mapa. Até El Diablo
não conseguiu achá-lo, e esse homem
sabia de tudo, tinha olhos em todo canto.
El Diablo disse que Lyn não
queria ser encontrado e que ele era bom
em se manter no escuro. Ao menos,
depois daquela perseguição, não houve
outros ataques. Enquanto eu estivesse
em Milão, Serena e Belinda ficariam
trancadas, afinal ninguém sabia o motivo
da investida que quase levou à nossa
morte, se não fosse por meu ex-colega
de cela.
Parei de pensar nisso, não queria
voltar ao passado e me assombrar ainda
mais do que acontecia com os pesadelos
que eu tinha diariamente.
Passos suaves como uma pluma
estavam chegando à porta do meu
quarto. Eu sabia de quem eram, conhecia
todos os passos das pessoas ali.
Sentei-me na cama, sabendo que
não conseguiria dormir. Não tinha ideia
de quando tinha tido uma noite de sono
decente. Isso só acontecia quando eu
estava no meu apartamento em
Barcelona, onde ficava sozinho no meu
andar. Na casa de Alessandro sempre
ouvia passos no corredor que me
impediam de dormir.
Passei a mão no rosto, querendo
tirar todas aquelas imagens fodidas da
minha cabeça.
Ouvi uma batida na porta, e um
segundo depois, a maçaneta foi aberta.
Meu anjinho dourado entrou no quarto.
― Tio Stefano, teve outro
pesadelo? Ouvi você gritando do
corredor. ― Não era a primeira vez que
Graziela aparecia em meu quarto quando
eu gritava.
Recordei-me de Rafaelle. Ele
tinha o mesmo problema, e foi resolvido
por Mália. O meu também só seria
resolvido se eu conseguisse uma
mulher? Se fosse assim, eu estava
ferrado.
Graziela veio até mim e se
sentou ao meu lado, pegando minha mão.
Seus olhos estavam tristes por me ver
daquela forma.
Cortou meu peito ver sua
expressão, então coloquei minha
fachada, que usava como uma máscara,
assim ninguém descobriria o que havia
por trás dela.
No fundo, Marco teve o que
sempre quis. Era um monstro frio e sem
alma, incapaz de amar. Era uma pena
que não pude fazer o que imaginava
assim que saísse daquele inferno na
Terra. Por mais que meu coração negro
pulsasse, eu podia sentir que não havia
nada ali para ninguém além da minha
família e a princesinha do tio. Graziela,
com sua graça, trouxe um novo colorido
para a minha vida, que antes era só
trevas. Enfim eu podia ver uns
frangalhos de luz em razão dela e de
minhas irmãs.
― Estou bem, anjinho ― menti e
depois acrescentei: ― Nenhum desses
pesadelos pode me machucar mais.
Não fisicamente, pelo menos,
apenas na minha cabeça, pensei.
Odiava que aquele filho da puta
tivesse esse poder sobre mim mesmo
depois de anos, quando ele estava
apodrecendo no inferno.
― Estou com você. ― Beijou
meu rosto e colocou os braços à minha
volta. ― Te amo muito, tio Stefano.
Meu peito morto se aqueceu um
pouco.
― Oh, minha princesa, eu lhe
agradeço por me amar. ― Beijei a
cabeça dela.
Graziela afastava um pouco a
minha escuridão. Antes apenas minhas
irmãs tinham esse poder, mas agora elas
tinham suas vidas e filhos, então eu só
tinha minha boneca e... ela... Belinda. Eu
devia continuar ao seu lado só para ter
um pouco de paz?
Provavelmente por isso aquela
garotinha me conquistou logo que
chegou àquela casa. Sua doçura tocou
fundo algo que pensei estar morto havia
muito tempo.
― Agora que tal ir dormir? Está
um pouco tarde para andar por aí. ―
Olhei o horário no despertador. Era
quase 1h da manhã. ― O que faz
acordada a essa hora?
― Também não consegui dormir
― sussurrou ela com as mãos no colo e
olhando para baixo.
Franzi a testa.
― Por quê? ― Fiquei curioso
por ela perder o sono, não era natural.
― Pode me contar, que resolvo qualquer
coisa.
Ela parecia nervosa mexendo no
pijama da Barbie com suas mãos.
― Querida... ― Eu estava
começando a ficar preocupado.
Respirou fundo.
― Acha que meu pai ainda vai
me amar quando o bebê nascer? ―
finalmente disse.
Pisquei meio aturdido.
― Por que dia... ― interrompi-
me e respirei fundo, pois percebi que
ela temia a resposta. ― É claro que ele
sempre irá amá-la. De onde saiu essa
dúvida?
Alessandro adorava Graziela,
tanto que a assumiu como sua filha,
então seu medo não tinha fundamento.
― É que não tenho o sangue
dele, mas o bebê que vai nascer, sim ―
murmurou. ― Aconteceu isso com
minha coleguinha. Ela não era filha do
marido da mãe dela, e, quando o bebê
chegou, o homem começou a desprezá-la
e deixá-la de lado. Até a mãe dela não
ligava muito para ela.
Os pais daquela menina eram uns
idiotas por fazer essa merda. O que a
criança não estaria passando?
― Acha que Alessandro e Mia
fariam isso com você? ― inquiri e
continuei antes que respondesse: ― Eles
adoram o chão que você pisa e a amam
de verdade.
― Sei que Mia é minha irmã,
mas a amo como uma mãe... É só que
fiquei com medo de ela... não sei, gostar
mais do bebê do que de mim, igual
fizeram com a Lainy. Não sou egoísta e
não quero a atenção deles só para mim,
mas queria ficar em seus corações como
agora. ― Respirou fundo.
― Acha que a chegada de
Enrico vai mudar algo? Se fosse assim,
minha mãe amaria mais a Luna por ter
sido filha do único homem que ela amou
na vida, mas para ela não teve diferença,
nos amou igual...
― Mas todos vocês eram filhos
dela. ― Graziela estava realmente
insegura em relação a isso. Alessandro e
Mia deveriam tem uma conversa com
ela sobre aquele assunto.
― Está bem, deixa eu te contar
algo. ― Ao falar sobre isso, eu sentia
como se estivesse comendo sal. ― Uma
vez tive dois amigos. Um tinha o sonho
de ser jogador de futebol, sabe? Ele até
pensou em fazer mil origamis para
alcançar esse desejo. É da cultura
japonesa acreditar que os origamis
realizam desejos. ― Embora onde
estávamos não tínhamos direito a isso.
Era possivelmente por isso que Lyn
usava origamis como assinatura em seus
assassinatos, como uma homenagem ao
Jet. Seria alguma promessa que ele tinha
feito a si mesmo após a morte de nosso
amigo, que não conseguiu alcançar seus
sonhos?
― Origamis realizam desejos?
― Ela piscou.
― É cultura do Japão. Não
podemos desmerecer suas crenças, mas
eu não acredito nisso. Vai de pessoa
para pessoa. ― Eu não queria que ela
acreditasse naquilo e resolvesse fazer a
promessa para pedir algo que já
acontecia, que o meu irmão a amasse
como filha.
― O outro era fechado, não era
de se abrir muito, mas fizemos um pacto
de que, quando saíssemos de onde
estávamos, iríamos nos tornar irmãos.
Nós éramos ali, mas eles sabiam dos
meus irmãos de sangue. Jet temia que
nossa aliança não fosse suficiente, por
isso juramos continuar irmãos. ―
Respirei fundo para me controlar.
Pensar no passado arrancava lascas do
meu peito. ― O que eu quero dizer é
que não importa o sangue, mas o que
sentimos uns pelos outros.
Eu não queria abrir muito o jogo
sobre como fomos criados. Ainda não
era hora disso. Eu sabia que um dia ela
precisaria saber, mas caberia a
Alessandro e a Mia contar-lhe a
verdade.
― O que temos aqui ― apontei
para seu coração ― é o que importa.
Nenhum de nós três tinha o mesmo
sangue, mas eu os considero irmãos e
sempre será assim.
Nós juramos proteger um aos
outros, e no final não consegui cumprir
essa promessa, mas minha princesa não
precisava saber dessa parte sombria da
minha vida.
― E mesmo que você não tenha
nosso sangue, iremos amá-la para
sempre. ― Dizer isso para ela era fácil,
mas para outras pessoas era difícil
mostrar meus sentimentos. Seria por
medo de me machucar no final? ― Você
é a baixinha mais importante para mim.
Fiquei de pé e estendi minha
mão para ela.
― Vem, me deixa te mostrar uma
coisa. ― Assim que peguei sua mão,
levei-a até a sacada do meu quarto.
― O que vamos fazer, tio? ―
Ela estremeceu com o vento gelado
assim que abri a porta que dava para a
sacada. Peguei a coberta e cobri seus
ombros.
― Olha para o céu agora. ―
Essa foi a frase que minha mãe usou
comigo uma vez, quando pensei que
tinha perdido tudo. ― O que está
vendo?
― Vejo milhares de estrelas
brilhantes.
Segurei a dor que as lembranças
me trouxeram, aliás, duas delas, essa e a
do Jet...
― Isso. Você é assim para Mia e
Alessandro e para cada um de nós. Uma
estrela que ilumina nossas vidas. Sem
você há apenas escuridão. ― Eu sabia
que todos pensavam a mesma coisa.
Ela ficou em silêncio um
momento admirando as estrelas e depois
se virou para mim, abrindo aquele
sorriso que eu amava.
― Obrigada, tio Stefano, você
também faz minha vida brilhar. ―
Abraçou-me pela cintura. ― Te amo
muito.
― Oh, querida, também te amo.
― Respirei de modo mais tranquilo,
com meu peito se sentindo um pouco
melhor. ― Agora vamos para dentro
para você não correr o risco de ficar
doente.
Entramos, e fechei a porta.
― Posso dormir com você? ―
ela pediu assim que me sentei na cama.
Por mais que eu estivesse
esgotado pelas últimas noites sem
dormir direito, não pretendia voltar a me
deitar, pois estava longe de pregar os
olhos.
Precisava socar alguma coisa, só
assim conseguiria relaxar após tantas
lembranças que me atormentavam. Além
dos pesadelos, ainda tive que me abrir
com Graziela para fazê-la entender que
seu medo não existia. Lutar seria bom,
assim eu soltaria tudo que estava
ameaçando explodir dentro de mim.
― Claro que pode, mas por que
não vai aos seus pais? Ainda pensa que
eles não se importarão com você depois
que Enrico nascer? ― Olhei para ela.
Graziela sacudiu a cabeça.
― Não, acredito que os dois vão
sempre me amar, assim como você faz
com seus amigos. E, por falar nisso,
onde eles estão agora? ― Ela se sentou
na cama.
Eu não esperava essa pergunta.
Era algo de que eu não queria falar,
ainda mais agora, que as janelas das
lembranças tinham sido abertas.
― Um deles morreu. O outro, eu
achava que também estava morto, mas
acabei de saber que está vivo ―
finalmente respondi após expirar fundo.
― Oh, esse que morreu está com
minha mãe então. ― A mãe de Graziela
e Mia morreu quando deu à luz a
pequena após Mia fazer o parto, mas não
foi isso que a matou, mas sim o tiro que
levou do traste do marido dela.
Eu não achava que Jet estivesse
no Céu, não após tantas mortes que
cometeu, mesmo não querendo. Talvez
tivesse conseguido ser absolvido no
final devido ao seu coração generoso.
― Pode ser ― menti.
― Posso conhecer o que está
vivo? Ele ainda é seu irmão, não é? ―
Aqueles olhos azuis brilhantes me
suplicavam. Era impossível negar algo a
ela.
― Vou ver o que posso fazer. ―
Não sabia o que tinha acontecido com
Lyn em todos aqueles anos e, até ter
certeza, não o queria perto de Graziela.
Ainda esperava que fôssemos irmãos,
afinal ele salvou minha vida.
Uma vez juramos sempre estar
juntos, e no final essa promessa foi
quebrada por mim, mas achei que
estivesse morto, por isso nunca fui atrás
dele.
― Mas me diz, por que não vai
para seus pais? ― voltei a perguntar.
― Mamãe passou mal antes de
dormir, então não quero acordá-la agora,
que a dor passou ― sussurrou. ― Coisa
de grávida, como ela diz.
Sorri, porque ela tentou imitar a
voz de Mia.
― Vão passar logo esses enjoos.
― Eu não entendia muito do assunto,
mas achava que isso só acontecia no
começo da gestação.
― Sim. ― Ela parecia distraída.
― Não quero acordá-la nem ao meu pai.
Achei que pudesse ficar aqui.
Escorei-me na cabeceira da
cama e bati ao meu lado.
― Pode ficar, sim. Deita aqui e
dorme um pouco, ou, se quiser, ligo a
TV. ― Meu quarto era grande, uma TV
imensa ocupava parte da parede da
frente.
― Não, eu vou dormir. ―
Bocejou, fazendo-me rir. ― Amanhã
tenho treino.
Ela ficava cada dia melhor no
balé, um sonho que minha mãe também
tinha, mas não pôde realizar.
Graziela se deitou, e puxei a
coberta sobre seu corpinho, afinal era
uma época fria. Ajustei o ar quente para
deixá-la aquecida. Não demorou muito
para minha princesinha adormecer.
Eu estava longe de pregar os
olhos, então sairia do quarto esperando
encontrar uma luta e expulsar tudo que
estava me consumindo.
Lutar fazia parte da minha vida
havia muito tempo. No começo, era um
esporte que eu até adorava, mas, quando
fui aprisionado naquele lugar e obrigado
a lutar com garotos, passou a não me
agradar. Aliás, eu repudiava, embora as
surras que levei me ajudavam a lidar
com a dor emocional que me impedia de
ser completo.
Quando Belinda pensou em fazer
a mesma coisa, não a incentivei a isso,
afinal, para mim talvez aquele
sofrimento não tivesse retorno, mas para
ela, sim. Além disso, uma parte minha
não queria vê-la ferida. Não era porque
eu atuava assim que queria que outras
pessoas agissem da mesma forma.
Talvez se eu saísse me ajudasse
a não pensar. Eu sabia que nenhum
daqueles vermes estava mais vivo,
mesmo assim isso não mudava as cenas
vívidas na minha cabeça.
Porra! O que eu devia fazer?
Estava tão cansado disso que buscava
formas de poder ao menos palear o
tormento em meu interior.
Graziela estava dormindo, então
só me restava outra pessoa, afinal eu não
queria incomodar minhas irmãs.
Fui para a academia enquanto
discava o número do telefone dela, da
outra pessoa que não me deixava pensar
muito nos meus problemas. Percebi o
horário e acreditei que ela devia estar
dormindo, mas, antes que eu desligasse,
Belinda atendeu.
― Stefano? ― Ouvi confusão
em sua voz, afinal eu não era de ligar
para ninguém, muito menos uma mulher.
Quando queria sexo, eu o
buscava, e isso aliviava a minha tensão,
embora, quando eu estava atormentado
daquela forma, preferia não me
aproximar de ninguém. Aconteceu isso
com Luca uma vez. O meu cunhado
quase matou uma mulher, e eu não queria
arriscar fazer o mesmo. Então meu
caminho era lutar e liberar aquela
batalha que havia dentro de mim.
Ouvi uma voz do outro lado da
linha, ao fundo. Era de um homem, mas
não dos irmãos dela. Quem Belinda
estava vendo àquela hora da noite?
― Quem é que está aí com
você? ― A pergunta saiu antes que eu
pudesse trazê-la de volta.
Por que me incomodava com
quem ela estivesse? Não era da minha
conta. Mesmo eu dizendo isso a mim
mesmo, um desejo furioso de mutilar o
indivíduo, fosse quem fosse, me
acometeu.
― Por que se importa? ―
indagou ela com tom estranho. ― Por
que me ligou?
Boa pergunta, disse a mim
mesmo. Eu não devia me incomodar com
ela ou com quem estivesse.
― Não me importo, e não era
nada, pode continuar seja lá o que esteja
fazendo. ― Encerrei a ligação, com
raiva de mim mesmo por me importar.
Pediria ao Alessandro que
mandasse outra pessoa investigar os
Castilhos, assim eu não precisaria vê-la
mais.
Subi no ringue, ignorando meu
telefone, que começou a tocar. Sabia que
era ela, mas não queria pensar nisso, já
tinha muitas coisas na cabeça para me
preocupar com essa merda.
Ouvi passos, e só podia ser
Alessandro. Rafaelle tinha passos
suaves, eu quase nem podia ouvi-los,
além disso, ele não estava ali naquele
momento.
― Não vai atender? ― indagou
meu irmão entrando no cômodo. ― Não
está tarde para treinar?
Sacudi a cabeça.
― Não para as duas perguntas
― respondi, socando o saco de
pancadas, mas percebi que isso não
ajudaria naquele dia. Pela forma como
eu estava, precisaria de algo mais, como
uma luta de verdade.
Alessandro deu um suspiro ao
ver quem ligava na tela do celular, que
estava no chão.
― Ela é o motivo para você
estar assim? ― Apontou para mim.
Quem dera fosse isso... No
fundo, eu preferia que fosse, mas não
era. Eu não acreditava que tivesse
solução para o que me acometia.
― Não. ― Eu não queria muito
conversar naquele instante, então mudei
de assunto para um que não me causasse
dor. ― O que faz acordado a essa hora?
Não parecia que ele sairia a
serviço, pois usava short de dormir e
camisa.
Deu um suspiro duro. Devia ter
notado que eu não ia falar.
― Estou procurando Graziela. A
Mia me pediu que desse uma olhada
nela, mas não a encontrei em seu quarto.
Estava indo à sala de estar para ver se
ela está lá, dançando ― respondeu por
fim.
Toda vez que Mia acordava,
mandava-o ver Graziela, quando ela
mesma não ia. Devia ser difícil parar
com o costume que tinha antes de
conhecer meu irmão. Foram anos
lutando para sobreviver sozinha junto à
irmã caçula.
― Ela veio até meu quarto me
pedindo para ficar comigo, pois não
conseguia dormir. ― Suspirei, parando
de lutar e olhando para ele.
Franziu a testa.
― Não conseguia dormir? ―
Deve ter pensado o mesmo que eu. O
que faria uma criança da idade dela
perder o sono? Em casa não corria
perigo algum, todos os seguranças eram
confiáveis e protegeriam nossa menina
com a vida deles se fosse preciso.
― Acho que você e Mia deviam
conversar com ela. Acredito que anda
pensando que, após o nascimento de
Enrico, vocês não vão amá-la como
filha, não como o fazem agora, por ela
não ser filha de verdade dos dois.
Ele piscou parecendo chocado.
Eu também fiquei na hora com essa ideia
estúpida.
― Parece que aconteceu isso
com uma coleguinha da escola, mas o
medo dela é por não ser filha de sangue
de vocês.
― Preciso falar com ela. ― Fez
menção de sair dali, mas o detive.
― Agora ela está dormindo, mas
a fiz entender que isso não seria
possível. Porém acho que depois vocês
dois devem frisar só no caso de ela
ainda ter alguma pontada de dúvida.
Acho que ela gostaria de ouvir isso de
vocês. Pode deixá-la dormir no meu
quarto, não conseguirei adormecer de
qualquer forma. Provavelmente ficarei
aqui até o amanhecer.
― Notei que sua insônia tem
piorado nos últimos meses. O que está
acontecendo com você? ― sondou,
avaliando-me.
Alessandro era bom em
descobrir as coisas, por isso eu me
esforçava ao máximo para ninguém
saber do que estava acontecendo
comigo. Ninguém precisava saber dos
meus demônios.
― Nada com que precise se
preocupar. Vou ficar bem ― menti.
Ele não caiu nessa.
― Besteira. Tem algo que vem te
atormentando há anos, e agora, com a
descoberta do que nossa mãe passou,
ficou pior. ― Ele sacudiu a cabeça.
Falar sobre isso doía ainda mais,
como se meu coração fosse apunhalado
com uma lâmina cega. Eu só queria
esquecer, mas como?
Antes da Mia e da Graziela
aparecerem na vida do meu irmão,
Alessandro também não dormia bem. Eu
percebia o quanto ela o tinha ajudado.
Outro também que tinha noites péssimas
antes da Mália entrar em sua vida era
Rafaelle. Finalmente meus irmãos
pareciam o próprio sol de tão
iluminados.
Além da insônia, eu não
conseguia fazer sexo sem que as garotas
estivessem amarradas, assim elas não
tocariam onde não deviam. Só em
pensar no que aconteceu, eu sentia
repulsa de mim mesmo.
Fazia poucos meses que eu havia
ajudado Rafaelle a lidar com seu
problema em dormir ao lado de outra
pessoa, assim ele não machucaria Mália,
principalmente pelo fato de que ele
dormia armado. Durante nossa viagem
em busca de Sultão e Tomaso, passei a
dormir ao seu lado. Às vezes ele
acordava me dando socos, e eu retribua,
cada um com seus demônios para
enfrentar. Era tão bom o fato de que meu
irmão enfim estava lidando com seus
traumas. Quanto a mim, não podia dizer
o mesmo. Não achava que conseguiria
lidar com aquela porra.
― Algum dia você precisará se
abrir com alguém. Antes eu não achava
que isso ajudasse, mas, com a chegada
de Mia, vi outro fundamento nisso. Pode
ajudar, Stefano. Não precisa ser comigo,
pode ser com ela. ― Indicou o celular,
para o qual Belinda vinha ligando até
pouco tempo. ― Alivia o fardo que
carregamos.
Ele me avaliava de forma
cuidadosa. Por isso passei a esconder
tudo que sentia. No fundo, não queria
preocupá-lo, mesmo sabendo que estive
no inferno. Meus irmãos não tinham
conhecimento do que passei na arena. Eu
sabia que, se ouvissem a verdade, iriam
se culpar, e nada do que aconteceu era
culpa deles. Se eu tivesse aberto minha
boca, Alessandro teria esquartejado
Marco no mesmo instante e não teria
alcançado sua posição atual na
hierarquia, como o capo que foi
destinado a ser, leal e fiel ao seu povo.
Apenas eu precisava lidar com minhas
merdas.
Sorri, não querendo me
aprofundar nas minhas lembranças
pavorosas.
― Não tenho uma Mia em minha
vida ― provoquei-o.
Ele subiu no ringue e veio na
minha direção. Meu corpo ficou tenso,
mas não demonstrei. Sabia o que
aconteceria. Era outra coisa que tinha
mudado nele: antes, Alessandro não era
de demonstrar o que sentia, mas agora
não parecia ter esse problema. Eu
poderia chegar àquele patamar algum
dia?
― Mas tem a mim e Rafaelle e
nossas irmãs. Sabe que pode abrir o
jogo conosco, que tentaremos resolver.
― Tocou meu ombro, fazendo meu
corpo inteiro sacudir, mas não reagi.
Essa porra de toque me fazia imaginar
toques que eu repudiava, por isso
deixava as mulheres presas durante o ato
sexual, assim eu não surtaria e as
machucaria.
Eu sabia o que ele estava
dizendo, mas não gostava de pensar
nisso. Já bastavam os pesadelos que eu
tinha à noite. Era como no filme Freddy
versus Jason; se estivesse dormindo,
morreria, e acordado também, embora
no meu caso não fosse a morte literal,
mas da minha alma em razão dos
pesadelos e pensamentos atormentados.
― Eu sei, mas agora vá cuidar
de sua filha e sua mulher. ― Fugi do
assunto. ― Vou precisar sair agora e
conseguir participar de uma luta em
algum lugar.
O treino não estava me ajudando
em nada, eu necessitava de algo mais
forte. Sangue e porrada, era isso que eu
desejava naquele momento.
― Não está treinando aqui? ―
Arqueou as sobrancelhas.
― Sim, mas preciso de algo
mais pesado do que socar esse saco. ―
Os sacos não revidam os golpes do
jeito que preciso agora, pensei. ―
Estão acontecendo algumas lutas de rua
no submundo de Milão. Vou entrar em
uma delas.
Seus olhos se estreitaram.
― Acho que está lutando muito
esses últimos meses, ainda mais após
saber sobre o que nossa mãe passou ―
comentou cruzando os braços.
Esse era outro assunto do qual eu
não queria falar, ou ficaria mais puto do
que já estava. Sabia que ela tinha sido
feliz com Paolo, embora por pouco
tempo. O pior era saber que, por nossa
causa, nossa mãe não foi feliz pelo
tempo que lhe restou. Eu preferia mil
vezes enfrentar o inferno que vivi a
deixá-la infeliz e longe do homem que
amava, tudo por culpa de Marco.
Quando eu pensava naquele ser
horrendo – porque nem podia chamá-lo
de homem –, sentia a ira me dominar. Eu
até podia lidar com o que ele me fez,
mas descobrir sobre o que ele tentou
fazer com Jade, mandando um dos seus
homens tocá-la, assim como a bomba
sobre Luna não ser filha dele e minha
mãe amar outro cara e só não ter sido
feliz por culpa nossa era demais, e para
piorar soube que Marco a machucou e a
violentou por ela ter ajudado Rafaelle.
Tudo isso estava me consumindo
por dentro, a ponto de eu parecer uma
bomba-relógio que a qualquer momento
explodiria. O que ele fez comigo me
repugnava, mas com minha mãe e minhas
irmãs era pior. A impotência acabava
comigo. Pensar no passado era um
desperdício, eu sabia, mas não mudava a
forma como me sentia.
― Preciso descarregar minha
raiva em algo, e não me vejo fazendo
isso em um saco de pancadas. ― Matar
foi o que fui criado para fazer. Não me
arrependia disso, era o que eu era, um
assassino, mas apenas porque fui
obrigado a fazer, ou seja, não foi minha
escolha. O sentimento de culpa tinha ido
embora havia muito tempo.
― Você lutou mais cedo e matou
seu oponente ― Alessandro enfatizou.
― Ele era escória, não passava
de lixo que não podia continuar
respirando nesse mundo. ― Todos os
oponentes com quem eu lutava, escolhia-
os conforme seu passado. Quanto mais
fodido o adversário era, mais prazeroso
era para mim sua passagem para o
inferno. Alguns eram assassinos de
mulheres e crianças, outros eram
pedófilos. Esses últimos morriam
lentamente.
― Eu sei. O que quero dizer é
que, se você for lutar da forma como
está acostumado, matará o opositor, e a
luta de hoje não envolve mortes no final.
― Afastou-se de mim um pouco e
indicou o ringue. ― Vamos, vou lutar
com você.
― Não acho uma boa ideia. ―
Da maneira como eu me sentia, era
capaz de ele ver o verdadeiro monstro
que eu não revelava muito. Além disso,
temia machucá-lo. Sabia que podia
encontrar um inimigo e eliminá-lo, mas
jamais faria algo pelas costas do meu
irmão. Ele não queria me ver perdendo
o controle direto ao matar meus
oponentes.
Alessandro esboçou um sorriso,
tirando a camisa.
― O quê? Está com medo? ―
provocou-me. ― Acha que não pode
lidar comigo?
Bufei, revirando os olhos. Uma
coisa que eu nunca fazia era não cumprir
um desafio, ainda mais se insinuassem
que eu era fraco; se alguém me lançasse,
eu sempre o aceitava. Meu irmão sabia
disso.
― Vamos começar. ― Pôs-se
em minha frente. ― Solte tudo que está
preso.
Eu não podia fazer isso, mas
lutaria para aliviar aquele redemoinho
que estava sentindo e me deixando
louco. Ataquei-o, e ele me bloqueou,
acertando-me do lado direito, porém não
foi forte, não tão forte como eu sabia do
que era capaz. Se tivesse me atingido da
forma como normalmente fazia com seus
adversários, eu teria uma costela
quebrada.
― Se vai lutar, lute para valer,
não se segure. Não preciso disso! ―
rosnei. Não estava com paciência para
lutas suaves, queria era sentir dor e
muita dela.
Ele estreitou os olhos, mas fez o
que pedi. Dessa vez o soco foi forte,
mas ainda não com toda a sua potência.
― Que porra de soco foi esse?!
― Querendo que ele reagisse, acertei
seus rins tão forte que ele chegou a se
encolher, mas teve o efeito contrário,
pois Alessandro parou de lutar.
― Sei o que está fazendo. Se
quiser lutar para espairecer e limpar a
cabeça, estou aqui, mas não vou enchê-
lo de pancada só para você sentir dor.
― Suspirou, parecendo frustrado. ―
Porra, Stefano, isso precisa parar! A dor
física não o fará esquecer o que tanto te
atormenta e que está te comendo vivo.
Não, essa dor carnal ajuda a
enfraquecer a outra, que consome
minha alma. É disso que preciso,
pensei.
― Não quero falar, mas lutar! ―
Respirei com dificuldade. ― Se não vai
lutar comigo, vou sair.
― Não vai! Da forma como
você está, vai acabar matando alguém.
― Desde quando se importa com
essa porra?! Pelo que sei, você é um
assassino como eu, e nada vai mudar
isso! ― Voltei ao saco e comecei a
esmurrá-lo. Pelo visto, era só o que eu
teria.
― Não, não vai mudar, mas não
é por isso que vou sair por aí liberando
meu ódio sobre todos! ― Aproximou-se
de mim.
Bufei.
― Não mato quem não precisa e
sem seu consentimento ― retruquei.
― Jura? Quem mandou matar
Elvian? Não me lembro de ter dado essa
ordem a você! ― Fulminou-me.
― Você me mandou ir aos
mercados fazer a coleta. O bastardo
pegou uma criança e a fez de escudo. ―
Eu falava enquanto socava. ― Teria
feito diferente?
― Não, mas o problema é que
você perde o controle rápido como uma
bomba-relógio ― afirmou com um
suspiro duro. ― Precisa manter o
controle, ou tudo estará perdido.
Parei de socar o saco e o fitei
com o cenho franzido.
― Por que não para de rodeios e
vai ao que interessa? ― Conhecia meu
irmão muito bem e até tinha uma
suspeita de qual era o seu medo.
― Daqui a dois dias irá ficar
com os Pachecos e, se continuar assim,
irá fazer algo estúpido.
Ergui as sobrancelhas.
― Acha que vou matar algum
deles? ― Voltei ao meu treino. ― Eu
não faria isso com Luna. Ela ainda se
recupera da morte de Paolo.
Ela passou todo o resto do tempo
em que ele esteve vivo ao lado dele, e
fiquei lá também, assim como Miguel,
para caso algo lhe acontecesse. Eu
jamais os machucaria, pois minha irmã
sofreria, além de Belinda.
― Não é só isso. Tem a garota
esquentada. ― Alessandro pegou meu
telefone, cuja tela mostrava notificações
de mensagens dela, e me entregou. ―
Aposto que são dela por você não
atender suas ligações.
Sorri, abrindo as mensagens.
― Belinda... ― A garota tinha
algo que me fazia sorrir de verdade e
não só fingir. Havia vários recados dela
me xingando e dizendo que eu era um
idiota, estúpido e outras denominações.
Se eu fosse outro tipo de cara, ficaria
irritado, mas sabia do seu gênio e
gostava dele.
― É disso que estou falando.
Você diz o nome dela como se fosse algo
saboroso. ― Alessandro parecia
irritado com alguma coisa.
― E não é? Aquela mulher tem
um dos corpos mais perfeitos que já vi.
― Preferi não falar que a havia beijado.
Isso o deixaria mais puto.
Toda vez que eu estava ao lado
dela, tinha que lutar com minha ereção
como um adolescente na puberdade.
Nenhuma mulher me chamara a atenção
como aquela. Tudo que é proibido é
mais gostoso, ao menos é esse o ditado.
Além disso, eu gostava de um desafio, e
essa menina era um.
― Um corpo que você não irá
tocar a não ser que esteja apaixonado
por ela ― avisou, segurando o saco, que
eu ainda socava. ― Estou falando sério,
Stefano. Não estou a fim de arrumar
guerra com os irmãos dela só por você
ter tocado na irmã deles.
― Relaxa, não vou tocar nela.
― Eu teria que continuar recitando
mentalmente um mantra fodido só para
manter o controle. Só não pude me
conter quando a beijei com a desculpa
de achar que morreríamos, mas na
verdade não foi por isso.
― Bom. ― Virou as costas para
sair e olhou por cima do ombro. ― Não
acho que preciso dizer, afinal ela não
caiu em suas garras. Acho que realmente
tem cérebro.
― Isso é um desafio? ― Sorri
provocante.
Ele fechou a cara.
― Não, justamente o contrário.
Não a toque se não a amar ― avisou.
― Então pode ficar tranquilo,
pois sou incapaz de amar alguém. ―
Minha vida era escura demais para tal
ato. O amor era algo que eu não era
capaz de sentir... nem queria.
― Lembra que eu dizia a mesma
coisa? E hoje estou aqui, casado com
uma mulher maravilhosa e pai de dois
filhos, o homem mais feliz e realizado
desse mundo.
Assenti. Estava feliz por meus
irmãos terem encontrado alguém. Seria
eu capaz disso? Ajudaria com tudo que
eu estava sentindo?
Meu irmão saiu quando eu não
disse nada. Eu não queria mais pensar
nisso, então olhei novamente as
mensagens de Belinda.
“Me liga e agora não atende?”
“Quer saber? Vá se foder!”
“Não me ligue mais, seu idiota!”
Sacudi a cabeça, sorrindo. Só
essa mulher era capaz disso. Ao menos
aquele peso em meu peito ficou menor.
“Você estava ocupada, eu não
queria atrapalhar”, enviei. Na verdade,
queria esmagar o cara cuja voz ouvi.
Sorte dele que eu estava em outro país.
Era bom, assim eu tinha tempo de pensar
antes de agir. Pelo menos eu sabia que
Belinda não era dessas que fodiam por
aí, por mais durona que parecesse. Eu
sabia que tinha um motivo para ter
ouvido a voz masculina no outro lado da
linha. Como estava furioso na hora, isso
me impediu de enxergar a verdade.
Não achei que ela fosse
responder minha mensagem, aliás,
pensei que, por ser tão tarde, ela
estivesse dormindo, mas logo o celular
voltou a vibrar.
“O que eu falei sobre não me
ligar?”. Se ela estivesse falando, teria
rosnado. Eu a conhecia bem o bastante
para saber disso.
“Ainda bem que não estou
ligando, e sim mandando uma
mensagem”. Isso era algo que eu nunca
tinha feito.
Deitei-me no tatame e escrevi
antes dela.
“Sobre foder, prefiro fazer isso
com você”. Suspirei, depois sacudi a
cabeça. O que eu estava fazendo? Era
para fugir de qualquer aproximação com
Belinda, assim como prometi ao meu
irmão.
“Vai sonhando, Foguete. Sabe
quando isso vai acontecer? Quando o
inferno congelar.”
Bufei com uma risada.
“Posso resolver isso”,
provoquei. “Senti no nosso beijo que me
queria também.”
Ela mandou uma bonequinha
gargalhando com a mão na barriga.
“Essa sou eu rindo por você
achar que gostei daquele beijo. É melhor
esquecermos que isso aconteceu”. Ela
mandou a mensagem e se desconectou.
Franzi a testa e tentei ligar para a
Diabinha, mas foi a vez de ela não
atender. Era para eu estar com raiva,
mas no fundo isso foi bom, mesmo sendo
um golpe no meu ego.
Era melhor focar só em
descobrir se os meios-irmãos da Luna
eram confiáveis e depois voltar para
casa como se nada disso nunca tivesse
acontecido. Tudo voltaria ao normal,
exceto pela escuridão que sempre
habitaria em mim.
Era difícil de lidar com todo
esse tempo longe do meu pai. Tive que
focar no trabalho e nos treinos que fazia
na academia e no clube de luta, assim
não pensaria muito.
Lutar também liberava minha
raiva de um certo arrogante que uma vez
me beijou e depois fingiu que não
aconteceu. Isso me deixou furiosa. Se
Stefano não tocaria no assunto, eu que
não o faria, ainda mais se fosse para ele
dizer que não tinha significado nada.
Na noite em que ele me ligou, eu
estava treinando com um dos alunos da
academia. Por um instante, achei que
fosse tocar no assunto do beijo, mas ele
ficou furioso com alguma coisa que não
me contou. Quando telefonei para
perguntar, o idiota me ignorou, então
desisti. Não vou cair aos seus pés como
as outras mulheres, pensei amarga.
Nas mensagens, ele falou do
beijo, mas então saí por cima. Sabia,
pelo pouco que conhecia Stefano, que
ele ia dizer que nada tinha acontecido.
Pelo visto, era o que ele realmente
pensava, pois, depois que eu sugeri que
não havia gostado, o infeliz não ligou
mais nem mandou mensagens. Isso já
fazia quatro dias. Não que eu estivesse
contando.
Soube que ele tinha voltado para
a Espanha havia dois dias, mas ainda
não o tinha visto. Achei que andava me
evitando. Fosse como fosse, eu não dava
a mínima.
Peguei meu oponente no rinque
da academia e o derrubei no tatame
como fui treinada por Santiago.
― Precisa colocar um pouco de
raiva no treino, ou seus socos não serão
tão bons ― disse uma voz conhecida.
Ergui meus olhos do meu
adversário, encontrando os de Stefano,
que entrou no ringue. Ignorei a reação
que sua presença causou em meu corpo,
que parecia estar perto de uma fornalha.
― O que foi? Nunca viu uma
mulher derrotando um homem? ― Dei
um sorriso torto. ― Posso chutar sua
bunda em dois segundos e nem preciso
estar com raiva.
Stefano riu.
― Faço isso com vocês dois em
meio segundo. ― Olhou de mim para
meu colega no chão, onde o derrubei. ―
Mas o que ganho com isso?
Estreitei meus olhos. Fazia
tempo que queria lutar com ele, via a
sua forma de lutar nos ringues, era feroz
e determinado, embora eu percebesse a
sua brutalidade em algumas das lutas.
Ele se aproximou de mim sem
tirar os olhos dos meus.
― Você quer lutar comigo, posso
ver que adora um desafio e me acha um.
Porém não luto com garotas. Você não
devia estar aqui, mas fazendo as unhas
ou qualquer coisa que as mulheres fazem
para passar o dia ― falou como se eu
fosse uma menina sem cérebro, o que me
deu vontade de chutar suas bolas.
Não que eu pensasse que
mulheres que preferiam cuidar de sua
aparência fossem burras. Aquilo só não
era a minha praia. Foi o modo como ele
me disse.
― Quer saber? Foda-se,
imbecil! ― Cerrei os punhos e me
lancei contra ele preparada para quebrar
seus dentes.
― Podemos fazer isso depois
que eu derrotá-la.
Aquele seu sorriso metido me
fez ficar mais puta da vida.
― Quando eu terminar com
você, suas bolas não vão prestar para
nada ― grunhi, preparando-me. ― Vou
te mostrar do que sou capaz, Foguete.
Ele sorriu quando o acertei na
boca e o sangue escorreu pelo canto dos
lábios.
― Vai ficar apanhando feito um
covarde? ― zombei. ― Achei que os
Morellis tivessem bolas, mas acho que
isso entre suas pernas não serve para
nada além de foder.
― Sabe como se caça uma
raposa? Jogando uma isca... ― Antes
que eu pensasse sobre o que ele disse,
lançou-se para mim, jogando-me no
chão, mas amorteceu minha queda com o
braço. Montou em mim, segurando
minhas mãos acima da minha cabeça.
― Saia do meu aperto. ―
Abaixou o rosto próximo ao meu.
Por um segundo, foquei em
respirar, porque fui tomada de surpresa.
O cara parecia uma lebre. Deixou-me
furiosa só para me desconcentrar e me
atacar.
Pensei em minhas chances.
Minhas mãos estavam presas,
impossibilitando-me de usá-las para me
soltar. O que restava eram minhas
pernas. Levantei uma delas para acertar
suas bolas, mas ele bloqueou o ato com
facilidade.
― Livre-se dele, Belinda ―
ouvi Santiago perto do ringue. Não o
tinha visto antes, devia ter chegado
naquele instante. ― Você consegue. Se
lembre do que treinamos.
Sim, eu havia treinado para sair
de situações assim, mas tudo que eu
tentava, Stefano bloqueava.
― Você é fraca para lutar com
alguém como eu ― zombou, depois
alertou: ― Sempre tem que estar
preparada, pois agora eu poderia fazer
qualquer coisa que quisesse e ainda
matá-la.
Eu não gostava de saber que ele
estava certo e não lhe daria esse prazer.
O homem era convencido demais para o
meu gosto. Então só me restava uma
coisa.
Olhei bem dentro dos seus olhos
e sorri doce e sexy, o que o fez estreitar
os olhos, mas não pensei muito no que
fazia, ou me arrependeria depois. Eu não
me importava com a luta, só não
deixaria que ele saísse por cima. De
qualquer modo, eu venceria.
Mordi o lábio inferior e relaxei
meu corpo, o que o fez sorrir, talvez
sabendo o que eu estava fazendo. Como
meu rosto estava próximo ao dele,
beijei-o, mergulhando minha língua em
sua boca, mas não fechei os olhos. Ele
também não o fez. A princípio, não achei
que ele fosse retribuir, e sim me enxotar.
Porém fiquei surpresa quando se
apossou de minha boca, devorando-a
como se estivesse faminto. Seu gosto de
menta me inebriou, não me deixando
pensar com clareza. A forma como
tomou minha boca, como se conhecesse
cada canto dela, fez-me fechar os olhos
e retribuir com um gemido baixo.
Por um segundo, esqueci-me do
lugar em que estávamos e de quem nos
assistia, mas foquei minha mente turva a
voltar a raciocinar. Não me deixaria
levar por gostar dos beijos dele, do seu
calor e de sua fome.
De repente seu corpo relaxou e
desprendeu seu domínio sobre mim. Ele
também devia ter se esquecido do lugar
em que se encontrava ou não se
importava. Eu também não; só o que me
importava era vencer, e foquei nisso
assim que minha mente se iluminou.
Girei a minha língua em sua boca
ao mesmo tempo em que levantei meu
joelho direito. Dessa vez, acertei suas
bolas, fazendo-o gemer. Abri meus
olhos, encontrando os seus. Algo
perigoso piscou ali, mas foi breve.
Mesmo recebendo uma joelhada
na virilha, ele não me soltou. Senti-o
apenas retesado.
― Boa escolha, embora eu tenha
uma dúvida. Vai beijar todos os seus
sequestradores para se soltar? ― Sorriu
com dificuldade e ficou de pé ainda
encolhido.
Mesmo com certeza sentindo
dor, seu rosto não demonstrava. Ele
também não gritou. Stefano soube
controlar sua raiva. Tinha algo perigoso
por trás de sua aparente tranquilidade
que ele não deixou sair. Por um segundo,
achei que fosse me matar. Seria aquilo
que eu tinha visto em suas lutas
anteriores? Como se ele tivesse um
monstro adormecido dentro de si?
Minha respiração estava arfante
com o seu toque e seus beijos. Fiquei
assim também na outra vez que ele me
beijou. Maldição, por que sinto isso
justamente por ele? Merda! O que achei
estranho foi o fato de eu não ter gostado
de machucá-lo. Por que seria?
― É isso aí, Belinda, chutou a
bunda do Morelli! ― gritou um dos
recrutas que eu achava que logo estaria
pronto para entrar em ação.
Stefano o fuzilou, e aquele olhar
perigoso cintilou novamente, agora mil
vezes pior. Percebi o que ele ia fazer e
pulei de pé na frente dele assim que deu
um passo na direção do garoto.
― Se controla, macho alfa ―
pedi, colocando a mão em seu peito e o
impedindo de prosseguir. Seu corpo
inteiro se sacudiu com o toque, mas não
me afastei, ou ele faria uma besteira. ―
Ele não disse por mal, só fala demais.
― Por que não vai procurar o
que fazer? ― Santiago sugeriu ao
Barcelo, que estava paralisado no lugar,
encarando um Stefano ameaçador. ―
Um aviso para o futuro: fique fora das
vistas dele.
O garoto de 17 anos foi para os
vestiários enquanto Stefano o seguia
com os olhos como se fosse um
predador que estava deixando a presa
escapar.
Notei que meu irmão estava
tenso como se temesse ter que parar
Stefano, mas não por medo dele. Para
Santiago, seria difícil lutar contra ele. A
única que sairia machucada seria Luna,
e nenhum dos dois queria isso.
― Acho que eu não beijaria
todos que tentassem me pegar, ainda
mais se fossem feios ― falei para
distrair Stefano e expulsar aquela
expressão assassina de seu rosto.
Não deixaria que ele chegasse
mais perto de mim. Eu tinha consciência
de que era uma mulher e que não
conseguiria vencer alguns homens, como
Stefano, meus irmãos e outros do mesmo
porte deles. Eu aceitava isso. O que não
aceitava era me rebaixar sem lutar, por
isso não reclamava da segurança que
meus irmãos me impunham.
― Embora, se eu tivesse a
chance, fritaria as bolas dos meus
oponentes, adicionaria pimenta e os
faria comê-las ― continuei a tentar
acalmá-lo.
Eu tinha certeza de que não havia
sido só o comentário do garoto que o
deixara assim, mas também a forma
como bati nele. Ou teria algo mais que
eu não sabia capaz de deixá-lo a ponto
da ruptura?
Seus olhos deixaram o seu alvo e
pousaram em mim, mas eu não o temia,
embora pudesse sentir meu irmão ainda
tenso nos observando. Por alguma razão,
ele e os outros confiavam em Stefano.
No fundo, eu também confiava. Uma
pessoa que matava só assassinos de
crianças e mulheres nunca poderia tocar
em uma.
― Ou os estriparia com uma pá
― continuei, porque notei que ele estava
se acalmando. Sua respiração estava
voltando ao normal. ― Poderia tratá-los
com seu próprio remédio.
Com isso, ele sorriu. Soltei um
suspiro aliviado e me afastei, também
querendo normalizar minha respiração.
O seu sorriso tanto me deixava de
pernas bambas como às vezes me
irritava bastante, a ponto de ter vontade
de socá-lo.
― Gostaria de ver algo assim,
embora eu ache bom você ficar longe de
homens dessa natureza. Nem sempre a
defesa contra eles é a mesma que você
está acostumada. Podem ter outros tipos
de arma.
― Também acho bom. Mas não
gostei daquele beijo. ― Santiago fez
uma careta.
Se fosse outro homem que
tivesse me beijado, estaria morto no
chão. O que tornava Stefano diferente
para meus irmãos a ponto de me
deixarem sair com ele? Depois eu
perguntaria a todos se havia um motivo
por trás dessa liberação. Ou talvez fosse
algo da minha cabeça, e eles tivessem
apenas aceitado que eu me tornara
adulta.
― O que queria que eu fizesse?
― Pulei para fora do ringue. ― Não
deixaria o Foguete ganhar nem que para
isso tivesse de usar qualquer arma que
eu tivesse.
― Espero que não se torne um
hábito, ou terei que matar alguém ―
Santiago avisou sombrio.
Ri sacudindo a cabeça. Por um
momento, ali, esqueci minha própria
dor. Senti-me mal por esquecer papai,
mas voltei a sorrir, ficando alegre
mesmo que fosse por algo tão banal.
― Vou tentar. Agora preciso
tomar um banho e ir trabalhar.
Saí logo, não querendo que
ninguém visse minha expressão.
Papai iria gostar disso, não?
Ele mesmo me pediu para continuar a
viver. Eu só não queria esquecê-lo.
― Juro, papai, que isso nunca
vai acontecer ― prometi, apertando a
correntinha com a foto dele e da minha
mãe no pingente.
Após tomar banho e enxugar meu
corpo, enrolei-me na toalha e saí do
boxe do banheiro. Quando eu estava no
vestiário, nenhum dos homens entrava.
Ninguém era louco a esse ponto, por
isso não me preocupei que alguém
abrisse a porta.
Fui pegar minha roupa na bolsa.
Foi quando senti um arrepio, o mesmo
do cemitério. Então olhei para o lado e
encontrei os olhos frios do amigo de
Stefano.
― Não grite, não quero matar
ninguém, mas farei isso se alguém
aparecer ― alertou com uma arma na
mão, mas estava abaixada, embora isso
não deixasse as coisas menos
ameaçadoras.
Apertei mais minha toalha contra
o corpo, temendo o pior. Provavelmente
não escondi o terror que estava sentindo,
pois ele falou:
― Não vou violentá-la, pode
ficar tranquila, não é meu estilo.
Eu poderia gritar, mas não queria
que ninguém saísse machucado, muito
menos aquele rapaz, com quem Stefano
se importava.
― O que você quer? ― Respirei
mais aliviada, mas nem tanto.
― Fique longe dela ― rosnou
Stefano da porta, entrando em dois
segundos, sem tirar os olhos do amigo.
Eu não sabia se ainda mantinham a
amizade, mas esperava que sim.
Lyn estava à minha direita, e
Stefano, à esquerda, e eu no meio dos
dois, mais perto de Lyn do que gostaria.
― Venha para mim, Belinda ―
Stefano me estendeu a mão, mas não me
movi, apenas olhei para o amigo dele.
Temia ir, e, em represália, Lyn matar
Stefano e as pessoas fora do vestiário.
O homem elevou o queixo, uma
rápida emoção cruzando seu rosto ao
encarar Stefano com os olhos vazios.
Não pensei duas vezes,
aproximei-me mais de Stefano e peguei
sua mão, apertando-a, agradecendo-lhe
por estar comigo. O gesto não passou
despercebido ao intruso, ainda mais
quando Stefano colocou o braço em
minha cintura.
Eu sabia que jamais venceria em
uma luta com aquele cara. Não era louca
para enfrentar alguém que não temia a
nada, nem a morte.
― Eu não ia machucá-la ―
disse ele sem mostrar um pingo de
emoção.
Stefano estreitou os olhos.
― Não é o que parece, afinal a
encurralou sozinha neste lugar ―
contradisse Stefano.
― Só vim alertá-la de que corre
perigo ― avisou e foi até um cômodo
que tinha no vestiário onde ficavam
materiais de limpeza.
Em todas as nossas propriedades
tínhamos um túnel secreto para o caso
de o lugar ser atacado e termos de sair
às pressas. Entretanto, a entrada deles
geralmente ficava no escritório, não no
vestiário. Como Lyn tinha entrado? Teria
sido pelo duto de ar? Lá cabia uma
pessoa tranquilamente. Era a única
explicação para ele entrar sem ser visto.
― Perigo? Que tipo de perigo
Belinda corre? É por minha causa? ―
indagou Stefano, colocando-me atrás de
si e dando um passo até seu amigo.
Eu estava mais confusa que ele.
Alguém queria me usar para atacar meus
irmãos? Se fosse, eu não permitiria, não
de novo. Não perderia mais ninguém por
minha causa.
― Não tem nada a ver com
você, mas com ela, que não consegue
manter o nariz fora dos assuntos dos
outros ― informou o cara.
Franzi a testa. Tinha a ver
comigo?
― Mas não me lembro de
ninguém cuja vida andei bisbilhotado ―
sussurrei mais para mim mesma.
― Não é o que parece. ―
Fuzilou-me com nada além de vazio em
seu olhar e depois se voltou para o
Stefano. ― Se você se importa com ela,
a mantenha segura e fique esperto. Há
muitos nas sombras.
Ele entrou no cômodo antes que
pudéssemos dizer algo.
― Lyn! ― Stefano foi atrás dele,
mas o lugar estava vazio. Encarou o duto
de ar aberto. ― Mas que porra!
Pisquei de olhos arregalados.
― Será que ele machucou
alguém quando entrou?
― Não creio. Ele não quer
confusão com seus irmãos. Talvez tenha
apagado alguém. Era o que eu teria feito.
― Meus irmãos vão vê-lo pela
câmera, não há como esconder isso.
― Não. Lyn tem um hacker muito
bom, pois tentei localizá-lo esses dias,
mas não o encontrei. Até El Diablo não
conseguiu. Ele disse que seja quem for
que o mantém no escuro é bom demais
até para a hacker dele. ― Deu um
suspiro duro e se virou para mim. ―
Você está bem? Ele... ― Sua voz tinha
um tom amargo.
― Não acho que ele me
machucaria, só veio me alertar, mas não
entendo. Quem estou cutucando a ponto
de querer minha morte? ― Tentei
procurar na minha cabeça, mas não
consegui pensar em nada ou ninguém.
― Seja quem for, vamos
descobrir antes que essa merda exploda.
― Trincou os dentes e depois respirou
fundo. Pôs-se em minha frente,
colocando a mão em meu rosto. ― Você
ficará segura. Cuidarei disso.
Aproximei-me mais, como se
não conseguisse controlar meu corpo.
Era como se ele tivesse vida própria e
quisesse aquele homem. No fundo, eu
queria mais de sua boca. Já havia
beijado antes, mas o beijo de Stefano
era viciante, como um beijo da morte.
Eu poderia rir dessa analogia, mas não o
fiz, só o beijei e tentei colocar minhas
mãos à sua volta, mas ele me rodou e me
encostou na parede, erguendo minhas
mãos e as prendendo com uma das suas.
Ofeguei, encarando seus olhos e
sua boca.
― Não sabe no que está se
metendo ― anunciou ele, aproximando-
se tanto que eu senti seu hálito quente
banhar meu rosto.
― Sei que quero a sua boca. Seu
beijo é viciante ― finalmente confessei.
Ele sorriu, e agora notei suas
covinhas sexy.
― Você estava sozinha em uma
sala com um assassino e ainda pensa
nisso? A maioria das mulheres teria
gritado e estaria histérica.
― Precisa mais do que isso para
me abalar. Outra coisa, seu amigo não é
mau. Se me quisesse morta, o teria feito
naquela noite, e hoje veio me alertar
sobre o perigo que estou correndo. ―
Dei um suspiro. ― Se não estiver a fim,
me solte, que vou vestir minhas roupas.
Devia estar mesmo louca por
querer os beijos daquele cara. Tudo nele
gritava para eu me afastar, mas então por
que eu não conseguia fazer isso?
Tentei me soltar, mas ele só
prensou ainda mais seu corpo contra o
meu e beijou de leve o canto da minha
boca.
― Impaciente... Não sabe o
quanto estou faminto por você. ― Então
se apossou da minha boca, degustando
cada canto dela.
Derreti-me, devolvendo com
tamanho vigor que sentia a pulsação
entre minhas pernas. Gemi quando ele as
abriu e tocou com o joelho bem onde
latejava. Levantei uma das pernas para
me expor mais, não me incomodando
com qualquer pudor. Só queria que
aquele desejo fosse apagado, que o fogo
que me consumia fosse extinto.
― Esse gemido é um dos sons
mais lindos que ouvi. ― Levou uma de
suas mãos até entre minhas pernas e
circulou meu clitóris, fazendo-me gritar,
mas abafou o som com um beijo. A outra
ainda segurava minhas mãos juntas. ―
Tão sensível.
Nada disso era como meus
vibradores. O toque dele era o nirvana e
me fazia flutuar no Espaço Sideral com
cada esfregão e puxão em meu nervo
sensível.
Eu tinha feito sexo uma vez,
quando perdi a virgindade com o traste
do Gazo, mas mesmo com ele não sentia
essas sensações, e eu o amava na época.
Eu não sabia o porquê daquilo, mas
nada era como o que eu estava sentindo
agora. Gazo só ficou comigo por um
jogo de poder e se vangloriou aos meus
irmãos por ter me desonrado, quando foi
morto. Depois disso, fechei-me e não
quis mais ninguém daquela forma.
Stefano era diferente, não temia
me tocar, jamais diria algo ou se
vangloriaria por isso, sem contar a
sensação que exercia em meu corpo e
meu peito. Só em olhar para ele me fazia
sentir sem fôlego, acelerava o meu
coração.
― Isso, se desmancha em meus
braços, Diabinha. Tão perfeita ―
arrulhou, tirando-me dos meus delírios.
Abri meus olhos, encontrando os
dele quentes e cheio de luxúria, mas
tinha algo mais ali que eu não queria
decifrar. Apenas me deleitei com esse
momento.
Ele rodou meu nervo, e minha
boca se abriu em um “oh” silencioso.
Fechei os olhos de novo.
― Abra os olhos. Quero vê-los
quando gozar em meus dedos ―
ordenou.
Eu não sabia se conseguiria
mantê-los abertos, mas tentei. Queria
encontrar a liberação que só ele podia
me dar naquele instante.
― Isso, goza para mim! ―
Rodou meu clitóris mais rápido e deu
um puxão, não para doer, e sim para o
meu prazer. E o êxtase veio com tanta
força que eu gritaria, mas seus lábios me
impediram.
Nossos olhos estavam
conectados como ferro e imã. Eu me
sentia incapaz de me mover enquanto
meu corpo tremia com o orgasmo. Juro
que poderia mergulhar naqueles olhos
castanhos. Observando-os de longe, eu
jurava serem negros, mas via de perto
que eram castanhos.
Ele me beijou até eu parar de
tremer e ficar mole contra a parede.
Minha toalha tinha caído em algum
momento, mas nem percebi. Minha
mente estava em outro lugar.
Sorri.
― Isso foi espetacular, melhor
do que meu vibrador ― informei,
tentando normalizar a respiração.
― Usa um vibrador? Eu não
podia esperar outra coisa de você. ―
Ele deu uma risada.
― Não é porque não sou virgem
que eu saio por aí fodendo adoidado.
Fiz sexo apenas uma vez e foi o maior
erro da minha vida. Por sorte o
desgraçado está queimando no inferno
agora, ou eu mesma o mandaria para lá.
― Tentei me afastar do seu toque, mas
Stefano não deixou.
Achei que ele não acreditaria em
mim por eu ser daquela forma,
espontânea e sem papas na língua, mas
por que me importava com sua opinião?
― Isso faz de mim um sortudo
por me deixar tocá-la. ― Beijou de leve
meus lábios. Foi casto, nada sexual.
― Sorte sua que seu toque é
melhor do que todos os vibradores que
tenho ― falei, suspirando. Ele nunca
reagia da forma que eu imaginava,
sempre fazia o contrário.
― Que bom que gosta do meu
toque. Saiba que não fizemos nem um
terço do que quero fazer com você. ―
Ele soltou meus pulsos, que tinham
marcas vermelhas, e acariciou minha
pele. ― Está doendo?
― Não. Minha pele é branca,
fico marcada com facilidade. ― Olhei
para sua calça e o vi duro. ― Posso
cuidar disso para você.
Riu parecendo deliciado.
― Vai me dar sua boca ou
vamos foder? Seja qual for das duas
coisas, aceito. ― Seu tom era
provocante.
― Nenhum dos dois, mas posso
lhe dar minha mão ― informei,
abaixando-me e pegando a toalha.
Não achava que estava pronta
para transar ainda. Não tinha uma boa
recordação da última vez que eu tinha
feito sexo, mas só precisava de tempo.
Enquanto isso, podíamos curtir um ao
outro.
― Nossa, não lembro quando
recebi uma punheta de alguém. Acho que
foi quando eu era novo. ― Ele parecia
falar consigo mesmo.
Ergui as sobrancelhas.
― Talvez devesse procurar
alguma mulher lá fora. Acredito que
tenham bocas experientes, capazes de
dar o que você quer. ― Eu poderia me
insultar com isso, mas não era do tipo
ciumenta. E ter ciúmes de alguém como
Stefano seria desperdiçar energia; o
homem trocava de mulher mais do que
trocava de roupas. Eu não seria uma
delas.
Seu humor foi embora. Ele
estreitou os olhos sobre mim, avaliando-
me. Fazia muito isso. Todavia, não o
deixei ver nada. Também era boa em
esconder o que sentia.
― Vou ficar com a sua mão ―
informou e a pegou, não antes de dar
uma olhada em todo o meu corpo. ―
Fabuloso! Eu queria mais do que isso,
mas não posso. Já estou quebrando a
promessa que fiz ao meu irmão tocando-
a dessa forma.
― Podemos continuar, não
precisa contar a ninguém o que estamos
fazendo. ― Eu devia estar louca por lhe
propor algo assim, mas adorei ser
tocada intimamente por ele. ― Afinal
não vou me casar agora.
Precisava arrumar um jeito de
burlar as ordens dos anciões. Não
queria me casar, não por ora. Ainda não
tinha encontrado o amor, não de
verdade. O único homem nos últimos
tempos por quem cheguei perto de sentir
algo foi Stefano, e não acreditava que
ele um dia se casaria.
Algo perigoso cruzou suas
feições, mas foi breve e incapaz de ser
decifrado.
― Tem certeza de que você quer
só minha mão?
Eu ainda era inexperiente com
sexo oral e queria aprender mais com
filmes e vídeos para lhe dar o mesmo
prazer que ele me proporcionou, pois
tinha certeza de que Stefano devia ter
tido muitas mulheres experientes, e eu
não ficaria atrás delas.
― Sim. Depois podemos fazer
outras coisas, mas Alessandro não pode
saber, e acredito que os seus irmãos
também não, ou sairei daqui direto para
o necrotério, isso se fizerem o favor de
me levar até lá. ― Ele me puxou para si
e me deu um beijo delicioso.
Sorri.
― Que bom, será nosso segredo
sujo. ― Mordi o lábio. Sabia da
enrascada em que estava me metendo. O
que eu devia fazer era fugir para longe.
― Vou adorar sujar você ―
disse malicioso.
Deixei a toalha de lado e
desabotoei sua calça, puxando para
baixo tanto ela como sua boxer. Então
dei de cara com um pau duro e grosso.
Nele tinha um apadravya. Não fiquei
surpresa; era a cara do Stefano ter um
piercing.
― Surpresa? ― Sua voz estava
rouca.
― Foguete, já vi pênis antes,
mas não estou surpresa sobre o piercing.
― Peguei seu pau, alisando a sua crista,
de onde saía pré-sêmen.
― Isso é algo que não preciso
saber ― comentou em um tom amargo
ao pronunciar as palavras.
Levantei as sobrancelhas para
ele.
― Ciúmes não combinam com
você. Nós temos um acordo. ― Voltei à
minha tarefa, não querendo pensar em
Gazo, embora eu não tenha reparado
muito no corpo dele. Quando transamos
no acampamento, era noite, então não vi
quase nada.
O corpo de Stefano se sacudiu
com uma risada.
― Para sua informação, não
tenho ciúmes.
― Que bom que somos
parecidos. Também não tenho. ―
Circulei a coroa do seu pênis. ― Achei
que tivesse uma tatuagem nele.
― Não ia tatuar meu pau. ― Fez
uma careta.
― Bom, pretendo fazer uma na
minha boceta. ― Estava pensando nisso
havia algum tempo.
― Vai ficar linda. ― Seu olhar
vagou para lá. ― O que pretende fazer?
― Não sei dizer ainda. ―
Comecei a fazer uma punheta nele, o que
me deixou quente de novo. Levei minha
mão até entre as minhas pernas.
― Está com tesão de novo? ―
Assenti, e ele me puxou para um banco,
deitando-me de costas. ― Vou cuidar de
nós dois.
Minhas pernas se abriram. Meu
corpo começou a latejar ansiando pelo
toque dele, que se posicionou entre
minhas coxas. Por um segundo, desejei
seguir em frente, mas não faria isso
agora. Precisava de mais um pouco de
tempo.
― Relaxa, não vou entrar,
prometo ― informou-me com a cabeça
de seu pênis roçando entre minhas
pernas. ― Jamais faria algo para o qual
você não esteja pronta.
Encontrei seus olhos, sentindo-
me aliviada e grata por ele entender.
― Confio em você. ― E no
fundo confiava mesmo. Sabia que não
devia deixar rolar aquilo entre nós, mas
eu gostava de descobertas e adorava
aquelas sensações quando estava com
ele.
Quando Stefano começou a
esfregar meu clitóris com sua coroa,
achei que estivesse flutuando. Era mil
vezes melhor do que com seus dedos.
Mantive minhas mãos para baixo,
mesmo querendo tocá-lo. Parecia que,
quando ele era tocado, sofria. Isso
também acontecia com Valentino. O que
será que houve...
Meus pensamentos sumiram
quando o piercing tocou meu clitóris.
Tudo em mim vibrou, e meu corpo se
sacudiu, arqueando-se.
― Merda, isso é muito bom! ―
consegui dizer meio sem fôlego.
Ele sorriu com os olhos quentes
e capturou meus lábios.
― Estou feliz por satisfazê-la.
― Sua voz saiu baixa e ofegante.
Meus olhos se fecharam, e deixei
aquele turbilhão de sensações se
apossar de mim. Fosse o que fosse que
aquela escolha me trouxesse, esperava
estar pronta para as consequências.
Porém não pensaria nisso no momento,
só queria desfrutar daquele êxtase
transbordante, quando vi milhares de
estrelas mesmo sendo de dia.
Olhei seu rosto, que se
encontrava com os olhos fechados. Seu
corpo estava tenso. Eu sabia que ele
estava gozando. Tinha algo no modo
como ele se deleitava em seu orgasmo
que o fazia sexy e muito lindo.
Caiu em cima de mim com a
respiração desigual.
― Obrigado ― disse-me em voz
baixa. Pelo seu tom, parecia que não
estava agradecendo-me só pelo
orgasmo. Talvez também fosse por eu
não o ter tocado quando estávamos
juntos.
― Você me proporcionou dois
orgasmos impressionantes, tanto que
estou atrasada para o trabalho. ―
Empurrei-o um pouco para sair de cima
de mim.
Podia sentir seus olhos me
sondando. Não sabia o que ele pensava
e no fundo não queria saber.
― Belinda, o que aconteceu...
Fui até a cabine para tomar
banho. Precisava de outro após tudo
aquilo.
― Stefano, estou ciente sobre
tudo que aconteceu aqui. Sei que é só
diversão. Se está preocupado que irei
me ajoelhar em sua frente e pedir você
em casamento, pode ficar aliviado. Só
estamos nos divertindo. E, se não quiser
fazer de novo, é só dizer. Não vou
implorar, isso não é da minha natureza.
― Olhei para ele, que estava levantando
as calças, mas parou diante de minha
indiferença.
O que ele tinha achado? Que eu
seria como as outras e rastejaria aos
seus pés?
Antes que ele respondesse, meu
irmão me chamou da porta:
― Belinda, você está bem?
― Estou, por quê?
Eu deveria ter pensado em se
alguém resolvesse ignorar as regras e
entrar ali, mas o único que quebrou essa
regra foi Stefano. Eu não podia esperar
outra coisa dele.
― Têm dois guardas meus
apagados. Preciso checar o que está
acontecendo. Pode ficar aqui até eu ver
isso? Javier e Alonso vão ficar do lado
de fora, bem como mais alguns dos meus
homens ― respondeu com um suspiro
duro.
― Tudo bem, eu fico.
Então Lyn realmente não havia
machucado nenhum dos guardas. No
fundo, eu sabia que ele não faria isso.
― Você viu Stefano? ― sondou
Santiago.
― Não, deve estar fodendo
alguém por aí. ― O que não era mentira.
Meu irmão só não sabia que era eu a
foda do momento.
Ele bufou.
― Vou procurá-lo, preciso dele
― informou-me, e ouvi seus passos ao
longe.
― Que bom que estamos na
mesma sintonia então ― comentou
Stefano parecendo ter comido limão.
Antes que eu dissesse algo, saiu porta
afora com uma fúria capaz de derrubar
uma cidade inteira.
Franzi a testa. Por que ele estava
reagindo daquele modo? Foi ele que
disse para não contarmos a ninguém, ou
seja, eu seria o seu segredo sujo. Seria
melhor acabar com tudo antes mesmo de
começar? Merda, estou fodida de toda
forma, pensei amarga. Mas é bom não
sentir dor ao menos por um tempo.
Eu estava mais preocupada com
quem estava querendo me eliminar.
Precisava contar aquilo aos meus
irmãos. Iria focar nisso e não em meus
desejos carnais.
Fazia dois dias que eu não via
Stefano. Poderia ligar para ele, mas, por
mais que eu pegasse o telefone para
fazê-lo, não conseguia prosseguir. Eu
era teimosa, e ele também, então ficaria
difícil um dar o braço a torcer. Por isso,
foquei no meu trabalho.
Eu tinha ido checar três garotos
que foram adotados havia alguns meses.
Era para os pais adotivos manterem
contato, e não o faziam já havia um mês,
por isso fiquei encarregada de ir
conferir se existia algum problema.
Rolander e Alonso, os meus
seguranças, vieram comigo, assim eu
não ficaria desprotegida caso houvesse
um ataque. Era para eu ter dito aos meus
irmãos sobre o fato de que alguém
queria me matar, mas, se o fizesse, eles
não me deixariam trabalhar, eu acabaria
confinada em casa. Isso não podia
acontecer, eu enlouqueceria sem ter nada
para fazer.
― Senhorita, não devia entrar
antes de checarmos o lugar ― rosnou
Alonso.
Não liguei muito para ele e
Rolander. Sabia que nenhum dos dois
gostava de ficar de guarda, mas eles não
tinham escolha, pois seguiam à risca as
ordens antes do papai... agora do
Fabrizio.
― São pessoas normais...
― Está nos chamando de
anormais? ― indagou Rolander com os
dentes cerrados.
― Se a carapuça serviu. ― Dei
de ombros.
Eu não gostava de, quando fazia
meu trabalho, que eu amava, alguém
ficar ao meu lado de mau-humor.
― Por que não ficam no carro e
me deixam cuidar de tudo? Não se
preocupem, não direi aos meus irmãos
que não estão fazendo seu trabalho
direito. ― Toquei a campainha,
ignorando seus rosnados. Se eles
continuassem assim, eu iria chutar suas
bundas.
― Já te disseram que você tem a
capacidade de fazer o sangue de
qualquer pessoa ferver? Até da pessoa
mais calma que existe. ― Ouvi a voz de
Stefano atrás de mim.
Virei a cabeça em sua direção e
o vi parado perto da marquise da casa,
de braços cruzados e esboçando um
sorriso. Seu humor havia demorado dois
dias para mudar? Logo após sair do
vestiário naquele dia, ele foi lutar num
ringue clandestino, e, pelo que eu soube,
a coisa não foi bonita. Santiago relatou
que Stefano parecia puto, para não dizer
outra palavra. Achei que ele precisava
se acalmar para conversarmos melhor e
eu entender sua reação. Talvez não fosse
só por mim, mas pelo seu amigo
também, que não queria falar com ele.
― Quem disse que você é
calmo? ― bufei com escárnio, voltando
a tocar a campainha, mas ninguém
atendeu. ― Você parece um vulcão
prestes a explodir, não há um segundo
em que não perca o controle. Aposto que
não fica um dia sem querer estrangular
alguém.
Não vou sair daqui sem que eles
me recebam!, pensei. Podia jurar que
estavam lá dentro, mas não queriam me
receber.
― Não tem ninguém aí ―
informou Alonso. ― Fizemos o nosso
trabalho vindo aqui.
― Você é tapado? Devia ser
melhor vigilante, ou vai morrer logo ―
avisei, fulminando-o. ― Tem gente
espionando lá dentro, vi uma sombra. Só
não quer abrir.
― O que vai fazer? Não pode
entrar sem uma ordem judicial ― disse
Stefano.
Sorri com as sobrancelhas
levantadas.
― Não achei que fosse
cumpridor da Lei ― provoquei-o. ―
Talvez devesse deixar de ser um
mafioso e se tornar policial.
― Estou bem onde estou. ― Deu
de ombros com um sorriso desafiador.
Revirei os olhos e peguei um
grampo de cabelo, curvando-me para
abrir a porta. Sabia que ninguém
chamaria a polícia, isso era certo.
Vamos ver se não vão nos receber.
Ouvi o som de um soco, e logo
depois alguém gemeu atrás de mim.
Endireitei-me; não queria brigas, muito
menos naquele momento.
― Mas que porra! ― praguejou
Alonso tentando recuperar o ar.
Franzi a testa e olhei para
Stefano, que o fuzilava como se o
segurança fosse um inseto que ele queria
esmagar.
― Procure outro lugar para
olhar ― sibilou, vindo até mim e
pegando o grampo da minha mão. ―
Deixe-me fazer isso, é melhor do que
você se curvar e esses idiotas comerem
sua bunda com os olhos.
Eu poderia ter rido disso, mas
Stefano já havia aberto a porta e
entrado. Perguntei-me se ele estava com
ciúmes, mas o cara não era disso, não
devia nem saber o que a palavra
significava. Eu podia estar sendo
arrogante ao julgá-lo, mas não
acreditava que ele sentisse ciúmes, ao
menos não de mim.
― Não podem invadir minha
casa! ― O senhor Ramoni veio em
minha direção furioso. ― Vou processar
você e todos no lugar em que trabalha!
Antes que ele chegasse a mim,
Stefano entrou na frente.
― Acho melhor controlar sua
fúria, porque, se encostar nela, esse
chão estará manchado de vermelho
sangue em dois segundos ― avisou.
― Foram emitidas várias
intimações para o senhor comparecer ao
Conselho Tutelar, mas não apareceu.
Agora, quando precisei vir, estava aqui
dentro e não queria abrir a porta.
Preciso verificar Yago, Neto e Paco. ―
Os três irmãos estavam sob a guarda
provisória daquele homem e da senhora
Ramoni, e eu era a assistente social que
os monitorava.
― Eles não estão ― respondeu
o homem. Foi então que notei o cheiro
de álcool.
Fechei a cara.
― Vá buscá-los, pois sei que
estão aqui. Deve estar com medo desse
seu bafo de gamba! ― cuspi.
Ele se lançou em minha direção.
― Olha aqui, sua vadia... ― foi
interrompido quando Stefano deu um
soco em seu rosto, quebrando seu nariz.
― Vou processá-los por invasão de
propriedade e agressão!
― Falei para ficar longe dela ―
grunhiu Stefano.
― Segure as pontas aqui, herói.
― Dei um tapinha em seu peito. ― Vou
procurar os meninos. A vizinha disse
que não viu nenhum dos três sair há dias
para brincar.
― Vou com você. Suas
sentinelas cuidam desse idiota ― avisou
Stefano.
― Vamos ver se achamos a
senhora Ramoni.
Subi a escada com ele.
Procuramos em todos os quartos, que
estavam organizados demais.
― Está notando o mesmo que
eu? ― sondei ao Stefano.
― Parece como se não tivesse
ninguém aqui há muitos dias.
Assenti. Continuamos a checar
todos os cômodos, tanto do térreo
quanto do andar de cima, e realmente ali
não tinha nada, nenhum sinal dos
meninos.
― Onde alguém poderia
esconder o que não quer que ninguém
veja? ― falei comigo mesma, temendo o
pior.
Pisquei ao mesmo tempo em que
Stefano exclamou:
― O porão! Tudo de ruim pode
acontecer em um.
Perguntei-me se estava se
referindo a si mesmo, se tinha sofrido
em um. Não duvidava.
― Como alguém que parecia tão
simpático se transforma nesse tipo de
pessoa? ― Quando os Ramonis foram
adotar as crianças, mostraram-se
pessoas decentes que precisavam de
uma família grande e que adoravam
crianças.
― Muitos fazem isso, não
querem filhos, os adotam só para
maltratá-los... ― ele se interrompeu
assim que comecei a correr temendo que
os meninos estivessem feridos. ―
Espera, maldição! ― chamou-me,
praguejando atrás de mim.
Ignorei-o, correndo escada
abaixo com meus saltos, esperando não
cair.
― Falei que eles não estão aqui!
A puta da Grenda os levou com ela ―
disse o homem do sofá.
Algo me dizia que aquilo não
tinha acontecido. A vizinha dos Ramonis
disse que fazia dias que as crianças e a
esposa não saíam, e ela não os vira indo
embora. Era o tipo de vizinha que
monitora a vida dos outros.
― Onde fica o porão? ―
perguntou Stefano.
O homem ficou branco e tentou
fugir, mas Alonso o empurrou no lugar,
mantendo-o quieto.
― Fique onde está e responda à
pergunta dele. É melhor, porque, se ele
tiver de perguntar de novo, será
doloroso para você ― avisou Rolander.
O homem engoliu em seco
enquanto Stefano levantava a camisa e
pegava uma faca. Eu sabia que, ante
aquele ato, o homem tinha visto sua
arma.
― No corredor à direita ―
respondeu por fim, com a voz tremendo.
Fui na direção indicada, e, no
final do corredor, tinha uma porta, mas
estava trancada.
― Deixa que resolvo isso. ―
Stefano saiu, talvez indo à procura da
chave.
― Meninos, estão aí? Sou eu,
Bella, a assistente social, e vim saber se
vocês estão bem ― falei, tentando ouvir
algum som vindo lá de dentro. Bati. ―
Tem alguém aí? Só quero protegê-los, se
estiverem com problemas.
Ser assistente social era o que eu
amava fazer, mesmo disfarçando-me ao
trabalhar no orfanato, pois não queria
que meus colegas e empregadores
soubessem que eu pertencia à máfia, ou
não me aceitariam. Talvez eu estivesse
errada, mas não queria pagar para ver e
acabar tendo de abandonar algo que eu
tanto gostava.
― Neto está machucado... ―
Ouvi uma voz fraquinha do outro lado.
Os pais dos três morreram em
um acidente de carro, e eles não tinham
outros familiares, por isso acabaram no
sistema.
― Oi, meu amor. Estou aqui
para levá-lo ao médico e tomar conta de
vocês. ― Meu coração doía pelos
garotos.
― Cheguei. ― Stefano portava a
chave. Notei sangue em sua roupa. Acho
que sei como ele a conseguiu...
― Meu bem, se afaste da porta,
que vamos abri-la, tá?
Ouvi passinhos lá dentro.
Yago tinha 15 anos, Neto, 10, e
Paco, 5. Os irmãos foram jogados no
mundo muito cedo.
Stefano abriu a porta, e senti o
odor pútrido do lugar.
Paco estava ajoelhado ao lado
de Neto, mas eu não via Yago em lugar
nenhum. O chão tinha sangue por todo o
lugar.
― Oi, Neto... ― Abaixei-me
para checar seus danos. Pelo visto, tinha
levado uma pancada na cabeça, mas
aquela hemorragia toda não parecia ser
dele. Então de quem era? Virei a cabeça
e vi a senhora Ramoni caída em meio ao
sangue.
― Porcaria! Será que ela... ―
Stefano se interrompeu, olhando para o
garotinho, que estava com os olhos
vermelhos de tanto chorar. Foi checar a
pulsação de Neto, mas Paco começou a
gritar de medo dele.
― Ei, querido, ele não vai
machucar seu irmãozinho. Stefano só
quer ajudá-lo ― falei com doçura. ― Já
o chequei. Está com pulso, mas acho que
ele precisa de um médico. Chame a
polícia também.
― Preferia não fazer isso, pois,
quando a polícia chegar, não vai ter
sobrado nada do verme que está lá em
cima. ― A voz dele soou dura.
Paco gemeu baixinho.
― Ei. Paco, certo? ― Stefano se
abaixou para ficar da mesma altura do
garotinho. O menino assentiu. ― Só
queremos ajudar seu irmão. Agora, que
ele está doente, você é o homem forte da
casa. Precisa ser corajoso, está bem?
Pode deixar a gente ver se tem mais
machucados nele?
O menino fitou Stefano um pouco
mais e assentiu, levantando-se. Estava
descalço e com os pés manchados de
sangue, assim como a sua roupinha.
Aquele garotinho teria muito com o que
lidar. Era desumano o que tinha aturado
logo cedo.
Stefano checou Neto, e parecia
que ele realmente tinha sofrido uma
pancada na cabeça, mas também estava
com algumas costelas fraturadas.
― Anjinho, onde Yago está? ―
perguntei ao Paco.
― O homem mau o levou ―
sussurrou, chorando. ― A senhora
Ramoni também está machucada.
― Vamos cuidar dela também ―
prometi.
Tentei tirar Paco dali, mas o
garotinho não queria sair. Fui até
Stefano, que tinha acabado de checar a
mulher.
― Não sobreviveu ― disse
baixo para o garotinho não ouvir. ― Os
policiais estão chegando. Chamei os que
estão na folha de pagamento do seu
irmão, embora minha vontade seja matar
aquele verme.
― A minha também, mas preciso
detalhar tudo ao meu chefe. Não posso
simplesmente jogar o que aconteceu
debaixo do tapete, pois os meninos têm
que voltar para o orfanato. ― Eu estava
furiosa com tudo aquilo. ― Pode
descobrir onde Yago está? Quem é esse
homem que o levou?
― Vamos conseguir localizar o
garoto. Vou tirar a informação do cara
antes que a polícia chegue.
― Os outros policiais não
podem vê-lo todo estourado depois. ―
Eu desejava o contrário, mas naquele
momento teria que seguir a Lei ou ao
menos parte dela, assim não traria
problemas para o meu chefe.
― Tem tortura que não deixa
sequelas visíveis, fique tranquila. ― Ele
parecia animado com isso.
Quinze minutos depois, a
ambulância chegou e levou Neto e Paco
para o hospital. A polícia prendeu o
infeliz do Ramoni. Eu esperava que ele
apodrecesse na cadeia, mas duvidava
muito. Só havia um caminho a se seguir,
mas depois eu resolveria isso.
Informei ao meu chefe o
acontecido e onde Yago poderia estar.
Stefano tinha feito um bom trabalho com
o verme.
Nessas horas, meu trabalho era
difícil, porque eu queria ajudar, mas
quase nunca nada podia fazer. Meu peito
se apertou, sensibilizando-se com
aqueles garotos. Muitos dos meninos
que estavam sob minha responsabilidade
no orfanato passavam por situações de
maus-tratos como aquela.
Após a prisão de Ron Ramoni,
fomos ao hospital atrás de notícias dos
meninos. Os policiais pegariam o
depoimento deles no dia seguinte, e eu
teria que estar junto, pois eram menores.
― Como eles estão, doutor? ―
perguntei assim que o médico veio até
nós.
― Paco está desnutrido, mas não
tem ferimentos graves, já Neto tem
algumas fraturas. Acordou agora há
pouco, mas não corre risco de vida.
Assim que o pediatra liberou, fui
vê-lo. Estava ansiosa demais. Stefano
me acompanhava. Ele não me deixou
nenhum segundo e não reclamava, como
faziam os homens do meu irmão. A cada
dia eu percebia algo em Stefano que me
fazia entendê-lo mais e gostar do que
descobria. Ele era muito diferente de
sua fachada arrogante e provocadora.
Entramos no quarto, e avistei
Neto deitado na cama e encolhido. Ao
seu lado, Paco dormia.
― Foi a senhorita que nos
achou? ― sondou ele.
― Sim. Como está se sentindo?
― Era uma pergunta tola, mas eu queria
ouvir dele.
― Eles me deram remédios,
então estou sem dor.
Paco se mexeu e apertou o braço
do irmão como se não quisesse soltá-lo
nunca mais.
― Agora eu quero saber o que
aconteceu e o que houve com Yago ―
pedi, sentando-me em uma cadeira.
Queria conferir se a versão batia
com a de Ron Ramoni só para conferir
se ele tinha mentido, embora achasse
difícil mediante a tortura que Stefano lhe
administrou.
― Estava tudo indo bem após a
adoção, a senhora Ramoni era boa e
gostava de nós, mas o marido dela
jogava muito, sempre ouvíamos os dois
discutindo, mas hoje foi pior. O senhor
Ramoni chegou com dois homens para
nos levar como forma de pagamento de
uma dívida, mas, quando souberam que
tenho asma, não me quiseram, e Paco era
pequeno demais, então... ― Ele respirou
fundo, tentando controlar a dor na voz.
― Só restou Yago ― terminei a
frase por ele. ― Sabe para onde o
levaram?
Ron Ramoni não sabia o local
exato, só disse que os empregados do
cassino para o qual devia falaram que a
dívida seria paga se os homens fossem à
casa deles para pegar os garotos.
― Enquanto eu estava caído,
eles acharam que eu estava inconsciente
e disseram algo sobre um barco zarpar
às 8h da noite. ― Piscou, contendo as
lágrimas. ― Vão levar meu irmão com
eles?
― Vamos trazer Yago de volta
― prometeu Stefano antes de mim.
Meu coração balançou ante isso.
Lancei-lhe um olhar agradecido por ele
estar comigo.
― Sim. ― Eu esperava
realmente que sim. ― Agora preciso ir,
mas descanse. Volto para vê-los depois.
― Obrigado por aparecer lá e
nos salvar, senhorita ― agradeceu-me.
Toquei seus cabelos negros e
depois os de Paco.
― Faria qualquer coisa por
vocês. ― Era verdade. ― Assim como
vou fazer tudo para ajudar Yago a voltar
para o seu lado.
Saímos do quarto para deixá-los
descansar após tudo que sofreram. Eu
queria ficar com eles, mas precisava
encontrar Yago. Os policiais ainda não
tinham ido à procura dele, e eu não
sabia por qual razão.
Só sei de alguém que pode me
ajudar a achá-lo e fazer com que todos
os envolvidos paguem caro por
ousarem tocar no meu garoto, pensei
amarga.
― Belinda, vamos. Vou levá-la
para casa... ― disse Stefano.
― Os policiais não foram checar
o porto ainda. Isso significa que seja
quem for que pegou Yago pagaram a
eles, né? ― Eu estava puta da vida com
aqueles seres desprezíveis.
― Acredito que sim. Acho que
seus irmãos precisam saber disso caso
alguém esteja fazendo negócios em seu
território. ― Puxou-me para o carro.
Ele tinha razão. Como eu mesma
não podia ir salvá-lo, meus irmãos
fariam o serviço.
― Vai dar certo ― Stefano me
garantiu assim que entramos no carro e
saímos do hospital.
― Faltam menos de duas horas
para as 8h da noite! ― exclamei
impaciente. Não podia deixar que
levassem Yago para qualquer lugar que
fosse. Peguei meu telefone.
― Para quem está ligando? ―
Stefano deu partida no carro.
― Meu irmão. Você está certo,
ele precisa saber de tudo e me ajudar.
Não posso ficar aqui parada sem fazer
nada.
Fabrizio atendeu no segundo
toque.
― Belinda...
― Preciso de sua ajuda. Um dos
meninos que cuido foi sequestrado e vai
ser levado em um navio que sai hoje do
porto! ― Minha voz soou alterada. ―
Por favor, me ajuda...
Meus olhos estavam molhados.
Temia chegar tarde para impedir que
Yago fosse levado para longe dos seus
irmãos. Cumpriria a promessa que fiz a
Neto.
Recordei-me do meu pai. Era
para ele que eu normalmente pedia
ajuda, embora nada dessa magnitude.
Uma vez ele me auxiliou com o caso de
um casal que resolveu usar a criança
adotada como saco de pancadas, como
em outros casos parecidos. Papai
sempre lidava com tudo.
― Belinda, respira fundo e me
diz tudo que aconteceu. ― Relatei o
acontecimento a ele nos mínimos
detalhe. ― Vou cuidar disso. Agora
volte para casa...
― Mas, Fabrizio, eu...
― Você vai ficar de fora e
deixar que eu resolva isso ― ordenou.
― Com quem está?
― Stefano ― murmurei. Queria
ajudar, mas, se eu fosse com eles,
poderia atrapalhar meus irmãos quando
agissem.
― Me deixe falar com ele ―
pediu.
― Ele está dirigindo, mas vou
colocar no viva-voz.
― Pode falar ― disse Stefano.
― Mantenha Belinda segura e,
por tudo de mais sagrado, a faça ficar
longe dos píeres. Vou encontrar seja
quem tenha levado o garoto.
Eu acreditava em meu irmão
cegamente, então me tranquilizaria.
― Vou tomar conta dela ―
Stefano prometeu.
― Faça-os pagar ― pedi. Minha
vontade era estar junto deles, mas
ficaria e esperaria.
― Ah, eles vão pagar ―
assegurou e desligou.
E se tivessem matado Yago? O
garoto era tão gentil, ajudava-me várias
vezes quando eu levava muitos papéis
para o orfanato. Nas festas que tínhamos
lá, ele e seus irmãos sempre me
ajudavam a organizar as coisas.
― Ei, vai ficar tudo bem. Eles
vão conseguir pegar o garoto. ― Stefano
colocou a mão na minha perna, que se
mexia impacientemente. ― Vamos
esperar.
Eu esperava que sim, ou Paco e
Neto iriam ficar destruídos por perder
alguém que amavam. Eu bem sabia o
quanto isso era difícil, a dor nos
seguiria para sempre.
― Estava pensando... E se o que
Lyn disse tiver envolvimento com o que
você faz? Ao trabalhar como assistente
social, talvez esteja mexendo em um
ninho de vespas e não sabe. ― Stefano
me olhou de lado um segundo. ― Quem
mais você está checando? Há algum
caso suspeito em que esteja
trabalhando?
― Esse eu nem suspeitava.
Como não notei? Sou bem perspicaz
nesses casos ― sussurrei.
― Faz quanto tempo que foram
adotados? ― questionou ao virar uma
esquina.
― Logo depois que meu pai
ficou doente ― murmurei.
― Por isso não prestou atenção,
sua cabeça não estava boa, Belinda, e
com razão. Você amava seu pai e queria
ficar ao lado dele. Então nada disso é
culpa sua. ― Pegou minha mão com uma
das suas enquanto dirigia com a outra.
Ele tinha razão quanto àquilo. Eu
estava de licença para ficar com meu
pai. Mesmo assim, sentia-me culpada
por aqueles meninos terem sofrido tanto.
― Conseguiu falar com Lyn? Se
o achasse, poderíamos perguntar a que
perigo ele se referia. ― Por mais que eu
pensasse, não conseguia lembrar-me de
nenhum caso que envolvesse alguém
perigoso, que pudesse querer me matar.
― Não, desapareceu de novo.
― Deu um suspiro duro. ― Procurei-o
esses dias, mas não consegui localizá-
lo.
― Achei que você estivesse me
evitando. ― Olhei para ele. ― A última
vez que nos vimos não acabou bem.
Você parecia com raiva.
― Raiva? ― Franziu os lábios,
meio desgostoso. ― Acho que é
eufemismo. Não estou acostumado com
garotas me dizendo o que você me disse.
Levantei as sobrancelhas.
― Ficou com raiva daquilo?
Stefano, você esmagou um homem no
ringue logo depois. Não creio que fosse
só isso, deve ter tido algo mais. Foi por
minha causa? ― O rapaz era uma
explosão.
― A minha vida não gira em
torno de você ― rosnou, tirando a mão
da minha e apertando o volante.
Um aperto em meu peito me
impediu de respirar um segundo. Estava
a ponto de responder, quando meu
telefone tocou, e respirei fundo.
― Bella, pode dar uma passada
aqui? ― pediu Jared Calixto, o meu
chefe.
― Aconteceu alguma coisa? ―
indaguei preocupada, mas, se tivesse
acontecido algo com Yago, meus irmãos
teriam dito.
― Não, mas você precisa
assinar alguns papéis sobre o caso dos
filhos adotivos dos Ramonis.
― Estou a caminho ― garanti e
desliguei. Depois pedi a Stefano: ―
Pode passar no orfanato?
― Acho que devemos ir para
casa...
― Não ligo para o que você
acha, só me deixa lá ― rosnei, perdendo
a paciência.
Ele parou o carro bruscamente.
Ainda bem que eu estava usando cinto
de segurança.
― Ficou louco? ― grunhi,
recuperando o fôlego.
Fuzilou-me.
― Eu, louco? Não, estou puto da
vida! ― Enfiou uma das mãos em meu
cabelo e me puxou para si, apossando-se
da minha boca com tamanho vigor que
eu apostava que ficaria inchada depois.
Lutei, empurrando-o a princípio,
mas depois desfrutei de seus beijos,
porque era algo que eu estava querendo
também desde a última vez. Eu poderia
ficar ali desfrutando por mais tempo
daquilo, mas estávamos no meio da rua,
além disso eu estava preocupada com
Yago.
― Stefano ― sussurrei em sua
boca ―, não é bom a gente ficar aqui.
Ele me deu mais um beijo casto
nos lábios.
― Sim, vamos para sua casa...
Interrompi-o:
― Meu chefe...
Cortou-me também:
― Cuido disso. ― Pegou meu
telefone e discou, mas o tirei da sua mão
e mandei uma mensagem a Calixto
dizendo que eu assinaria os papéis no
dia seguinte. Ele respondeu
concordando.
― Resolvido. Satisfeito? ―
provoquei-o.
― Sim. ― Deu-me outro beijo
de leve e voltou a dirigir. ―
Combinaremos uma coisa. Vamos deixar
rolar isso entre nós, mas será sem
compromisso. Não posso me envolver
com alguém e não quero magoar você.
Uma parte de mim ficou triste
com suas palavras, mas era o certo a se
fazer. Stefano não era um homem com
quem eu pudesse me estabilizar, e, de
toda forma, eu não queria sossegar com
um cara só, embora tivesse que fazer
aquilo por causa da regra de nossa
família. Eu só tinha um ano para me
decidir e escolher um noivo, ou meu
irmão faria isso por mim.
― Tudo bem. Vamos nos ver às
escondidas, pois não quero que meus
irmãos saibam e o obriguem a se casar
comigo. Eu mesma quero escolher meu
noivo daqui um ano. ― Suspirei. ―
Acha que El Diablo daria um bom
marido? Ele é um gato.
Suas mãos apertaram mais o
volante. Fiquei surpresa de não ter
quebrado o objeto.
― Vamos deixar uma coisa clara
aqui: enquanto estivermos juntos, você
não deve se referir a outro homem dessa
forma. ― Trincou os dentes.
Franzi a testa.
― Stefano, eu não perguntei com
quantas meninas você transou depois
que me tocou naquele dia. No fundo, não
me importo com quem foda. ― Dei de
ombros, indiferente.
Contudo, era mentira. Eu não
gostava de pensar nele tocando outras
mulheres, mas não deixaria que
soubesse. Afinal, ele não era meu.
― Então não fica incomodada
que eu diga que fodi uma mulher ontem?
― Avaliou-me.
Fiz de tudo para manter meu
rosto neutro.
― Não, mas vou fazer um ponto
e igualar o placar com você. Se ficou
com alguém, agora é minha vez de ficar
com outra pessoa e empatar, não acha?
― Coloquei a mão no queixo, pensativa.
― Hummm... quem vou escolher...? El
Diablo é um deus sarado...
― Mas que porra! ― rosnou
parecendo um leão assassino. ― Não
fodi ninguém, então pare de escolher
homens com quem foder!
Aproximei minha boca da dele.
― Não sou ciumenta, Stefano,
mas você é. Vejo isso toda vez que
menciono outro homem. Noto a fúria que
nasce em seu peito, a ponto de ficar
louco para esquartejar alguém.
― Não gosto de pensar em outra
pessoa tocando você ― sibilou. ―
Muito menos El Diablo. Só de pensar
nele... ― Sacudiu a cabeça como se não
quisesse pensar nisso. ― Sinto vontade
de matá-lo.
― Então vamos fazer assim:
enquanto estivermos nos vendo, não
vamos ver outras pessoas, e, se você
quebrar essa promessa, terá o troco que
merece, porque sou daquelas que
acredita no ditado “aqui se faz, aqui se
paga” e com juros. ― Sorri, recostando-
me no banco.
― Vingativa, né? ― Ele riu,
parecendo deliciado com isso. ― Certo,
não quebrarei minha promessa. Nunca
faço isso.
Suas palavras chamaram minha
atenção. Parecia que ele realmente
cumpria o que prometia. Seria por que
tinha quebrado alguma promessa antes e
isso o machucava? Uma vez quebrei a
minha com Lorena, por isso fazia de
tudo para cumprir o que jurava.
― Combinado ― assenti.
Meu telefone tocou quando o
carro estava chegando em casa, e atendi,
porque era meu irmão.
― Fabrizio! E aí, conseguiram
encontrar Yago? ― Estava impaciente
no banco.
― Achamos o garoto. Ele está
bem, não houve danos. O levamos ao
hospital para ficar com os seus irmãos.
Franzi a testa.
― Tem mais alguma coisa? ―
Sua voz estava estranha, para não dizer
letal.
― Tinham mais garotos no local,
entre 10 e 15 anos. Nós os libertamos
também. ― Ele estava furioso.
― Essas pessoas os queriam
para quê? ― Se fossem garotas,
provavelmente seria para vendê-las.
Ainda bem que minha família não lidava
com isso, aliás, todos nós repudiávamos
prostituição infantil e escravidão sexual.
Eu sabia que tínhamos prostitutas
trabalhando nos clubes de nossa família,
mas elas eram maiores e não eram
forçadas.
― Não sei. Vou descobrir e
fazer pagar quem ousou entrar em meu
território e pensar em cometer tal ato.
Eu confiava que assim seria
feito.
― Os outros garotos vão ser
levados para suas famílias? ― sondei.
― São todos de orfanatos.
Acredito ser uma rede de corrupção que
os tenha pegado. ― A fúria estava em
cada palavra sua. ― Vou precisar ir
para confirmar essa suspeita. Depois
nos falamos.
Desligou, mas fiquei encarando
o telefone.
― O que aconteceu? O que
Fabrizio disse?
― Encontraram Yago. Ele não
estava ferido e agora está com os
irmãos.
― Então por que você está
assim? Não era para ficar feliz? ―
Franziu a testa.
― Foram encontrados mais
garotos no local. Meu irmão vai buscar
saber mais sobre o assunto. O que me
incomodou foi saber que são residentes
de orfanatos. ― Quem faria algo tão
terrível? Para que os queriam? O que os
obrigariam a fazer?
Stefano ficou paralisado, mudo,
e tive de sacudi-lo até ele sair do seu
transe.
― O que foi? ― sondei.
Ele tentou disfarçar, mas percebi
que algo naquela história o atingia, pois
eu jamais tinha visto o mesmo terror em
seus olhos. Ele parecia estar
consumindo-se em chamas.
Todo o meu corpo tremeu ao
saber que os garotos eram de orfanatos.
Isso me lembrava dos meninos que
estavam presos naquele inferno havia
tantos anos. Todos eram órfãos e não
tinham ninguém a favor deles, por isso
aquela quadrilha cometia aquela
atrocidade. Achei que tivessem
encerrado a porra toda, mas, pelo visto,
não, era como um câncer criando
ramificações.
― Stefano, o que está
acontecendo? ― sondou Belinda ao meu
lado.
Eu tinha estacionado em frente à
casa dela havia alguns minutos, mas não
saí do carro. Precisava checar como
andavam as coisas e ir ao cativeiro onde
os bandidos provavelmente estavam
presos. Certamente Fabrizio deixara uns
vivos para descobrir a verdade. Eu
precisava estar lá agora para descobrir
quem estava por trás disso. Lyn devia
saber, mas ele tinha sumido. Isso me
deixava ainda mais furioso. Poderia ao
menos me revelar a verdade.
― Você devia entrar. ― Indiquei
a casa, mas Belinda não saiu do lugar,
só cruzou os braços. Isso era bem típico
dela, a tenacidade, algo que eu adorava,
mas agora, nem tanto.
― Me diz o que está havendo!
― exigiu. ― Não saio daqui antes de
saber.
Eu não queria revelar tudo sobre
mim, mas precisava ao menos lhe dizer
algo para fazê-la me deixar ir.
― Não gosto de nenhum tipo de
rapto envolvendo crianças. Isso me
deixa irado. Quero participar da tortura
que seus irmãos certamente estão
fazendo neste momento ― anunciei,
revelando um pouco da verdade.
Meus pensamentos turbulentos
me incomodavam um pouco. Não queria
ficar longe dela, pois era a única que
aquietava um pouco o que eu sentia.
― Então dê meia-volta, pois vou
com você. E nem adianta me dizer o
contrário ― frisou decidida.
― Belinda...
― Chega de papo! Se você for
lá, vou junto. Quero ver os malditos que
ousaram pegar meus garotos! ― rosnou.
― Se meus irmãos deixarem, quero ter
minha vez com eles.
― Seus garotos? ― Ri. Só ela
me faria rir da forma como eu estava me
sentindo.
Liguei o carro e saí da
propriedade. Sabia para onde eles
levavam os miseráveis que deviam ser
torturados.
― Cuido deles há algum tempo.
É minha função encontrar um lar em que
sejam bem-cuidados e amados. ―
Suspirou triste. ― Só me descuidei com
os meninos Laions, mas não vou fazer
isso de novo.
Respirei fundo.
― Não é sua função cuidar de
tudo. Você é só uma assistente social,
Belinda, embora uma diferente, que abre
a porta de uma família com um grampo
de cabelo para salvar meninos
maltratados. ― Olhei-a de lado,
admirado pelas suas qualidades. ― Ou
que pede para os irmãos resolverem
quando os garotos do seu orfanato
sofrem com maus tratos.
Aquela agonia em meu peito
estava passando pouco a pouco enquanto
conversávamos.
― Meus superiores não podem
saber disso. Eles nem sabem quem sou
realmente, e vamos deixar assim.
Sempre procuro pesquisar o passado
dos candidatos à adoção, só vacilei,
como sabe, com esses meninos devido a
tudo que passei. ― Olhou para as mãos
no colo, triste.
― Eles vão ficar bem, vamos
fazer de tudo para que fiquem. ― Eu
cumpriria essa promessa.
― Sim, nós iremos, mas estou
preocupada com os outros garotos. Por
que sequestram meninos? Será tráfico
humano? Sexual, não acho provável,
acredito que seja mais para venda de
órgãos. É um mercado muito lucrativo.
Muitas máfias faziam esse tipo
de “negócio”. Ainda bem que a da minha
família, bem como a máfia Pacheco, não
concordavam com aquilo. Eu não queria
responder afirmativamente ao
comentário de Belinda, pensava a
mesma coisa, embora não tiraria a parte
sexual da coisa toda. A prostituição
infantil não envolvia apenas meninas. Se
o que estava acontecendo fosse o que eu
acreditava, abusos sexuais podiam estar
acontecendo, então precisávamos cortar
o mal pela raiz.
― Vamos esperar que não seja
isso. ― Peguei sua mão. ― Seus irmãos
não vão gostar de vê-la lá.
― Como se você ligasse para o
que eles pensam. ― Revirou os olhos.
― Você tem razão. ― Conversar
com ela aliviava minha tensão.
― É bom ter ao meu lado
alguém que não borra nas calças com
medo dos meus irmãos.
― O que a faz pensar que não
tenho? ― De fato, eu não temia ninguém,
só tinha medo de algumas situações,
como perder pessoas com as quais me
importava.
― Stefano, estamos tendo um
caso. Sabe qual dos homens do meu
irmão faria isso? Nem Javier me quis
por temer perder a cabeça! ― Ela riu
com isso.
― Javier? ― Ele era o executor
da máfia Pacheco, assim como
Valentino. Belinda teve algo com aquele
homem? Por que será que não gostei?
Bem, isso faz parte de seu passado,
pensei.
― Sim. Eu tinha uma queda por
ele, mas o tapado falou que não ia me
tocar se eu não me casasse com ele. ―
Bufou, parecendo tão linda. ― Se fosse
por mim, nem existiriam casamentos, só
curtição, mas os anciões e suas regras
estúpidas... De qualquer forma, foi ele
que perdeu.
― Com certeza perdeu. Azar
para ele, sorte para mim. ― Eu o
entendia. Para tocar naquela mulher,
precisaria ter muitos colhões, e mesmo
um executor teria de seguir as ordens do
líder. Ainda bem que Fabrizio não era
meu chefe. Quanto ao meu irmão, ele
podia ficar puto comigo, mas jamais me
mataria, como Fabrizio faria com Javier.
Se ele soubesse que eu a havia tocado e
que pretendia fazer com ela mais ainda
do que já tinha feito, com certeza eu
estaria morto, assim como o desgraçado
do “ex” dela.
― Talvez eu aceite sua mão no
final. ― Ela parecia triste com essa
ideia.
― Não deve se casar com quem
não quer, Belinda. ― Eu achava isso
uma merda. Ninguém deveria ser
forçado a fazer coisa alguma. Aqueles
estúpidos! Bem que os irmãos dela
poderiam fazer alguma coisa e mudar
aquela lei.
― Vou seguir as regras da minha
família, jamais irei contra elas, mas vou
aproveitar esse tempo de solteira que
me resta. ― Sorriu para mim, colocando
a mão em minha calça e dando uma leve
apertada. ― Adorei tudo que fizemos.
Porra, ela era tão sexy e
tentadora como o pecado, como uma
deusa encantadora que enfeitiça os
homens. Uma sereia. Isso, Belinda tinha
o encanto de uma sereia. Graziela me
obrigou a ler para ela um livro com
esses seres míticos. Aquela mulher ao
meu lado no carro tinha o mesmo poder
das sereias, pois enfeitiçava qualquer
um.
Eu não gostava de pensar nela
com outros homens, fossem quais
fossem, mesmo seu futuro e hipotético
noivo. Ainda assim, quando terminasse
o que tinha ido fazer na Espanha, iria
embora, e tudo que vivíamos seria uma
mera lembrança. Eu não podia ficar com
ela, então desejava que o homem com
quem ela se casasse a fizesse feliz.
Merda, então por que meu
intestino está torcido? Era como se
algo estivesse dando nós dentro de mim.
― Belinda... ― Ela acariciava
meu pau por cima do jeans, fazendo-me
gemer.
― Se concentra na estrada, que
eu cuido de você. ― Abriu meu zíper
antes que eu pudesse pensar direito. ―
Nunca chupei um pau. Estou curiosa
para saber qual é o sabor.
― O que você... ― Meus
pensamentos fritaram assim que a
Diabinha abaixou a cabeça e abocanhou
meu pau, sua boca macia e quente
levando-me à loucura.
O carro dançou na estrada. Tive
que lembrar que estava dirigindo para
manter a mente sã. Merda, mas era
difícil. Como eu manteria o controle,
quando seus lábios agarraram a coroa e
a sugaram firme, da forma que eu
gostava?
― Porra! ― praguejei, dirigindo
para uma rua mais deserta, não muito
longe do local onde os irmãos dela
estavam. Mesmo com os vidros escuros,
não queria que ninguém a visse daquela
forma. Era uma visão somente para mim.
Estacionei e segurei seus
cabelos, mas não a forcei a ir mais
fundo.
― Isso, aperta e chupa mais ―
rosnei, levantando meus quadris para lhe
dar mais acesso.
Eu já havia tido muitos boquetes
desde que era novo, meu pai mandou
prostitutas até mim, dizendo que eu
precisava virar homem. Tentei evitar
esses pensamentos, porque não queria
estragar aquele momento. Entretanto, era
impossível a comparação com as outras
mulheres, porque o boquete de Belinda,
a forma sedutora como ela fazia, seus
sons, tudo era tão perfeito.
Sua língua triscou no meu
apadravya, e fechei os olhos, tomado de
desejo.
― Se não quiser que eu goze em
sua boca, precisa tirar. ― Merda, essa
era a última coisa que eu queria, mas
não desejava que ela fizesse nada para o
qual não estivesse pronta.
Belinda não só não tirou meu pau
de sua boca, como também acelerou
mais os movimentos de sua língua e seus
lábios, fazendo justamente como eu
disse para ela fazer antes. Parecia uma
profissional, embora eu soubesse que
nunca tinha feito aquilo, e eu lhe
agradecia isso, porra!
Nunca gozei tão forte e rápido
como naquele instante, e não era só por
não ter ficado com ninguém fazia algum
tempo, essa minha atração por Belinda
me tornava cada vez mais louco por ela.
Eu a queria para mim. Não podia, mas
era egoísta demais para me afastar
depois que a havia tocado. Parecia que,
quanto mais a tocava, mais desejava.
Ela afastou a boca com um
sorriso sensual.
― Está satisfeito? ― provocou,
lambendo os lábios. ― Assisti a muitos
vídeos ontem para aprender.
Eu ri.
― Excepcional. Merda, nunca
gozei tão rápido. ― Coloquei a mão em
seu cabelo e a puxei para mim, tomando
conta de seus lábios. Eu nunca me
cansaria de beijá-los.
Ela gemeu em minha boca.
― Chupar meu pau te deixou
com tesão? ― perguntei, mordiscando
seu lábio inferior.
Ela sorriu.
― Não faz ideia ― declarou,
abrindo suas pernas. ― Quer conferir?
Tão molhada que estou toda encharcada.
― Com o maior prazer. ― Levei
minha mão até entre suas pernas, mas,
antes que eu a tocasse, uma buzina nos
fez pular. ― Maldição! Vou matar seja
quem for por atrapalhar esse momento.
Olhei para o retrovisor buscando
qualquer perigo, mas não vi nenhum.
Mesmo durante nossos “amassos”, eu
checava cada canto, mas, pelo visto,
fiquei inebriado demais durante o
orgasmo. Só aquela mulher tinha esse
poder sobre mim.
Havia atrás de nós um Porsche
vermelho que eu conhecia bem. Isso não
me ajudou em nada. Abotoei rápido a
minha calça, enquanto Belinda ajeitava
o seu cabelo, que eu tinha amassado.
― Acho que a parte de matar vai
ter que deixar para outro dia ― ela
brincou. ― Deixa que eu invento uma
desculpa para estarmos parados aqui,
assim ele não pensará que estávamos
ficando um com o outro.
No fundo, queria que ele
soubesse, mas então me recordei do que
prometi ao Alessandro, uma promessa
que estava quebrando, e não gostava de
quebrar nenhuma. Entretanto, era
incapaz de ficar longe daquela mulher,
ainda mais após tocá-la.
― Pode tentar, mas duvido que
ele vá acreditar. Valentino é muito
perspicaz. ― Suspirei e abri a janela
assim que ele se aproximou com a
expressão tão sombria como a noite.
― Posso saber por que estão
parados aqui? ― indagou de forma letal,
fuzilando a mim e depois à irmã. ― E
você não devia estar em casa?
Belinda saiu do carro e ficou na
frente do irmão.
― Posso falar a sós com você?
― perguntou e o puxou antes que ele
respondesse.
Franzi a testa. Por que ela não
podia falar na minha frente? Que tipo de
desculpas inventaria?
Ela disse algo e apontou na
minha direção, então Valentino me olhou
por um segundo e depois assentiu.
Qualquer coisa que ela falou, pareceu
acreditar nela. O que aquela Diabinha
estava aprontando? Nada vindo dela era
bom. Eu não duvidava nada que
estivesse falando algo de mim que eu
não gostaria.
Belinda entrou no carro de
Valentino, e ele indicou que eu
prosseguisse sozinho. Não parecia
furioso ou querendo arrancar meu
pescoço. Eu não acreditava que o
venceria em uma luta, acho que
empataríamos. O homem era muito bom,
assim como Razor, o irmão de Mália.
Não discuti, mas estava curioso
com o que ela disse para ele. Depois
descobriria.
Respirei fundo, sentindo o cheiro
dela, que ficou no carro. A menina me
deu um boquete excepcional, e eu nem
pude retribuir. Percebi o quanto ela
estava com tesão. O idiota do irmão
dela estragou o clima.
Agora eu focaria em fazer
aqueles malditos pagarem caro. Depois
iria para ela, Belinda, a única que me
fazia sentir como se estivesse perto do
Sol.
Chegamos a um clube de stripper
chamado Fuego. Um dos locais para os
quais os Pachecos levavam os inimigos
para serem torturados era o porão
daquele clube, o mais perto do píer. Ali,
aqueles monstros iriam se arrepender do
que fizeram.
Saí do carro e fui até Valentino e
Belinda, que já estavam me esperando
para entrarmos no local.
― Belinda não deveria estar
aqui ― recriminou-me ele.
― Você deve dizer isso a ela. ―
Suspirei. ― Sua irmã é muito teimosa.
― Eu estou aqui, pessoal, não
falem como se não estivesse ― ela
rosnou. ― Se não quer que eu participe
da tortura, posso ficar me divertindo na
pista de dança.
Olhei seu corpo. A mulher faria
um sucesso com aquela roupa rosa justa,
uma saia e um top, um estilo diferente
para uma assistente social em trabalho
de campo.
― Você vai ficar com Santiago
em uma das salas VIP. Não queremos
que presencie algumas coisas lá
embaixo ― falou Valentino decidido.
― Sabe que nada do que eu
visse lá me faria mal. Aliás, quero que
eles paguem por ter sequestrado Yago e
os outros garotos. ― Ela foi sincera.
Isso foi o que mais me chamou
atenção nela desde o começo. Belinda
era uma mulher que não temia nada, não
se sentia mal quando via sangue. Se
fosse qualquer outra garota, estaria em
casa chorando traumatizada. Já ela
decidiu ir ali participar da tortura dos
miseráveis sequestradores e, de bônus,
ainda me deu um boquete impressionante
no caminho, um que me deixou até o
momento de pernas bambas.
― Farei o que você “pediu”,
ficarei na sala VIP, embora quisesse ir
para lá. ― Ela entrou mal-humorada no
lugar agitado.
Valentino deu um suspiro duro e
a seguiu. Fiz o mesmo, com minha
atenção no local, checando a minha
retaguarda. Enfim meu cérebro estava
funcionando.
Senti como se fosse observado,
então olhei ao redor acuradamente, mas
não vi nada. Não era a primeira vez que
eu sentia isso. Aconteceu o mesmo no
cemitério, mas ignorei a sensação e, por
isso, quase fui morto e levei Belinda
comigo.
Eu sabia que ela não queria que
ninguém soubesse do que Lyn nos
avisou, mas eu precisava revelar tudo
aos seus irmãos. Não era seguro guardar
deles aquele tipo de informação, embora
eu não quisesse quebrar sua confiança
em mim revelando tudo sem que ela
permitisse.
Depois eu iria conversar com ela
e Alessandro sobre o assunto. Poderia
ter feito isso durante os dias em que
fiquei com raiva de Belinda após sua
indiferença, mas estava irado demais
para tal ato durante aquele tempo.
Belinda foi até onde Santiago e
Benjamin estavam.
― Sabia que ela o dobraria para
trazê-la aqui. ― Santiago sacudiu a
cabeça, desgostoso.
― Se não fizesse, não seria a
Belinda. ― Benjamin deu um suspiro
cansado.
Ele tinha razão, embora a
Diabinha não tenha me dobrado, não de
certa forma. Eu quis trazê-la após ela
insistir, sua presença me fazia bem.
― Vocês me conhecem. ―
Sorriu travessa, entrando na área VIP
com seu irmão.
Deixei isso de lado enquanto
seguia Valentino pelo corredor, indo
para os fundos do estabelecimento.
Depois entramos em um elevador e
descemos.
Meu telefone tocou, fazendo-me
franzir a testa, pois não reconheci o
número.
― Alô?
Valentino ergueu as
sobrancelhas, mas não disse nada,
embora eu soubesse que estava alerta.
― Vocês estão com os homens
que sequestraram os garotos e os
levaram ao porto. ― Não era uma
pergunta feita com a voz que eu
reconheceria em qualquer lugar, mas
uma declaração.
― Sim. O que sabe sobre isso?
― sondei, com meus pelos eriçando-se.
― Não precisa saber os detalhes
agora. O que importa é que necessito
que extraia uma informação deles para
mim. Eu mesmo poderia invadir o local
e descobrir, mas você se importa com
essa família, então deixarei que faça o
serviço. ― Lyn parecia um pouco tenso,
o que era estranho da parte dele, pois
não mostrava suas emoções para
ninguém.
Eu poderia retrucar por ele não
me revelar muito, mas estava curioso
sobre o que ele queria saber.
― O que é?
― Pergunte quantas Prometheus
existem e onde ficam. Extraia essa
informação como foi criado para fazer.
Sabe que eles não vão falar facilmente,
pois não se importam se vão viver ou
morrer. Só há uma maneira de fazê-los
falar qualquer coisa.
― Eu... ― Executar um animal
daqueles não me incomodava, mas
extrair informações da forma como ele
pediu? Eu seria capaz de fazer aquilo
sem que as lembranças me
consumissem? Esperava que sim, mas e
se não... Não queria pensar naquilo no
momento, precisava confiar que tudo
daria certo.
― Você consegue. Esses lugares
para o qual estão levando os garotos são
iguais àquele em que fomos treinados
como assassinos. Preciso saber onde
eles ficam para poder resgatar mais
meninos que foram levados para lá. ―
Soltou um suspiro.
― É isso que esteve fazendo
todo esse tempo? ― sondei, querendo
que me dissesse mais.
Eu também sempre procurava
algo do tipo para poder desarmar a
merda toda. Os que encontrei não eram
iguais, não tão pavorosos, até achei um
parecido, mas que já tinha sido
desativado, mas, pelo que percebi, não
pesquisei fundo o suficiente.
― Sim. Esse é o motivo para eu
não ter ido até você antes, mas depois
nos falamos. Agora você precisa
conseguir essa informação deles.
― Vou fazer isso ― finalmente
prometi e desliguei com um suspiro
frustrado.
― Quem era? ― perguntou
Valentino.
― Lyn. ― Não achei necessário
mentir. Além disso, estávamos perto, ele
devia ter ouvido algo.
― O que ele queria?
― Me pediu para extrair
informações que os crápulas aqui têm.
― O que você poderia fazer que
nós não podemos? ― Bufou com
escárnio.
― Não é só torturar com
pancadas e outros métodos conhecidos.
Precisa ir mais fundo que isso e saber
perguntar as coisas certas. Deixa
comigo, que sei como fazê-los falar. ―
Saí do elevador assim que ele parou no
porão.
O lugar fedia a sangue e
alvejante, embora isso em breve
pudesse mudar um pouco, pois eu teria
que deixar o monstro em mim sair para
executar o que precisava ser feito.
Havia dois dos caras ainda
vivos. Os outros estavam mortos.
Alguém tinha começado a tortura antes
que chegássemos.
Fabrizio estava enrolando as
mangas da camisa. Eu podia ver o
sangue nelas.
― O que descobriu? ― indagou
Valentino.
O chefe dos Pachecos me olhou
com os olhos estreitos.
― Nada ainda, mas vamos ver o
quão bons eles são em ficar mudos ―
disse a ele e depois a mim. ― Não era
para a minha irmã estar em casa agora?
― Não vou forçá-la a fazer o
que não quer e nem sei se consigo. Sabe
a irmã que tem. ― Indiquei os caras. ―
Posso ter um deles? Estou precisando
me exercitar após toda essa merda.
Fabrizio assentiu. Não falou
mais sobre Belinda. Ele a conhecia,
embora soubesse que, se o irmão desse
a ordem, ela teria ficado. A única coisa
que ele ordenou para ela foi que não
ficasse longe de mim.
― É todo seu, pode escolher.
Chequei os dois e fui ao da
direita, no qual notei um pouco de medo,
embora ele se esforçasse para não
demonstrar.
― Valentino, pegue-o e o
coloque de bruços sobre a mesa ― pedi
enquanto ia até os objetos de tortura
pegar o que eu precisava.
O cara arregalou os olhos.
Alguém já devia ter feito aquilo com
ele; Valentino, no entanto, não
demonstrou nada, só fez o que eu pedi.
― Prenda as mãos dele para
cima. ― Peguei uma barra de aço
parecida com um taco de golfe, mas essa
tinha vários grampos como se fossem
dentes de tigre metálicos.
― O que você pensa que vai
fazer... ― o cara começou a falar, mas o
ignorei.
― Prenda as pernas dele e
rasgue suas roupas de baixo. ― Fiquei
na frente do homem enquanto Valentino
fazia o que eu pedia sem reclamar ou
perguntar os motivos.
― Mas que droga acha que vai
fazer?! ― gritou o infeliz ao ver o que
eu tinha na mão.
― Se recorda disso? ―
Levantei o objeto. ― Isso vai ser
colocado atrás de você caso não me
diga o que eu quero saber. Seu dono
deve ter feito essa mesma coisa, não é?
Não com um objeto com aqueles
dentes de aço, ou eles não teriam
sobrevivido para estar ali.
― Não tenho dono! ― Cuspiu
sangue.
Sorri frio.
― Não? Esse número em seu
peito comprova o contrário ― indiquei.
Era o número 8. Esse número me trouxe
lembranças que eu não queria no
momento.
Foquei no agora, pois eles eram
bons em ler as pessoas, e eu não queria
que tivessem vantagem sobre mim.
― Como sabe sobre isso? ―
questionou o outro homem encolhido.
Alguém certamente tinha “brincado”
com eles.
Os monstros daqueles lugares
eram doentes e muito perspicazes em
inventar coisas que matavam o interior
dos garotos aos poucos, até não restar
nada além de um corpo ambulante.
― Fiquei dois meses em uma
prisão parecida com a sua e acredito
que passou mais coisas do que passei e
presenciei, mas aprendi muito lá,
incluindo os medos dos garotos. ― Fui
para trás dele. ― Sei o que todos mais
temem em um inferno como aquele.
Eu não gostava de pensar em
fazer aquilo. Sentia-me tão sujo como
aqueles malditos.
― Valentino e Fabrizio, façam a
mesma coisa que eu fizer com o outro ―
mandei, focado no presente e
expulsando as lembranças atormentadas.
Os dois indivíduos começaram a
se apavorar.
― Só há uma chance de não
fazermos isso, que é nos dar o que
queremos ― rosnei.
― O que é?! ― gritou assim que
abri suas pernas com um chute entre as
canelas.
― Quantas Prometheus são e
onde ficam? ― Pedi mentalmente que
me dissesse, assim eu não faria o que
Lyn pediu.
Naquele inferno, ninguém temia
a morte, mas sim ser abusado. Todos
queriam ficar no topo nas lutas, assim
não seriam obrigados a sofrer aquela
atrocidade.
― Não vão escolher? Bom,
então não me resta outra opção. ―
Respirei fundo, preparando-me.
Tinha que haver outra forma de
extrair informações deles, mas qual? Se
não fizéssemos aquilo, jamais
saberíamos onde mais garotos estavam
sendo mantidos presos e torturados.
― Vocês não sabem com quem
estão lidando! ― o cara que estava com
Valentino disse após ser dobrado sobre
outra mesa.
― Vocês é que não sabem do
que somos capazes, mas vamos estripá-
los, aí terão uma dose de seu próprio
remédio ― rosnou Fabrizio.
― Não tenho uma barra de ferro,
mas acho que isso vai servir. ―
Valentino pegou um taco de beisebol
com arame farpado na ponta.
Os olhos dos miseráveis se
arregalaram. Eu poderia me solidarizar
com eles por terem tido uma vida ruim,
mas no final temos escolhas a fazer, o
lado certo ou o errado. Pelo visto, eles
foram para o errado, sequestrando mais
meninos inocentes como um dia eles
próprios foram para levá-los para um
inferno da mesma proporção daquele em
que viveram.
― O que vai ser? ― inquiri,
colocando a arma em suas costas e o
deixando ainda mais tenso. ― Dez
segundos. Assim que eu descer esse
ferro, ele não sairá mais, embora eu
deva te mostrar a proeza dele, o estrago
que faz.
Apertei o botão do objeto, então
ele gritou após receber um choque.
― Pouquíssima voltagem, mas,
lá dentro, será no limite. Então vão
querer que façamos isso ou morrer com
honra como em uma batalha? ―
Precisava que tomassem a decisão certa.
Não era só chegar socando, mas induzi-
los a fazer o que os honrariam em sua
morte, não agirem mais de modo fraco
como foram criados até se tornarem o
que eram.
― Onde ficam as Prometheus?
― repeti a pergunta algumas vezes.
Sabia que não podia demorar mais, ou
ele acharia que eu não conseguiria fazer
aquilo. Porém Valentino não parecia tão
avesso a prosseguir.
Alguns minutos depois,
estávamos com o nome de um dos
locais, pois os caras só sabiam na hora,
quando fossem levar os garotos ao lugar.
― Celulares? ― Virei-me para
Fabrizio.
― Criptografados. É incapaz de
nós os rastrearmos ― respondeu com a
expressão sombria.
― Deviam ter escolhido outro
caminho, mas, ao invés disso, vocês
levam garotos para terem o mesmo
destino que o seu. ― Minha fúria
ultrapassava o auge.
― Não temos escolha! Você
passou um tempo no inferno, como
disse, mas esse é pior! Não levam só
nossa humanidade, mas também nos
deixam como zumbis. Agora têm o que
querem, então façam o que têm de fazer.
A morte é mais prazerosa do que o
castigo naquele inferno. ― Essas
palavras foram ditas pelo Jet havia
muitos anos, antes de ser morto...
Agora têm o que querem, então
façam o que têm de fazer. A morte é
mais prazerosa do que o castigo
naquele inferno, entoei em minha mente.
Meu sangue fervia e meus ossos
doíam. Tudo se tornou nebuloso. Eu
ouvia vozes, mas achava que a
escuridão era demais para ser arrastado
de volta. Não havia ninguém que
conseguisse...
As lembranças me sufocavam.
Eu sentia como se o ar estivesse me
faltando.
― Stefano... ― Aquela voz
calma e tranquila... Seria ela capaz de
me trazer daquele tormento sem fim?
Algo como calor me tocou,
depois a escuridão me levou para um
caminho sem pesadelos, mas e quanto à
luz? Iria conseguir me alcançar algum
dia?
Tinham se passado alguns dias
após o episódio no porão dos meus
irmãos. Eu estava com Santiago e
Benjamin, mas os convenci a me deixar
ir lá embaixo.
Não esperava a cena que vi.
Corpos mutilados, sim, mas não Stefano
preso no chão por Fabrizio e Valentino e
alguns dos homens que os estavam
ajudando. O lugar estava destruído,
como se um furacão tivesse passado por
lá. Um furacão chamado Stefano.
Seus gritos eram tão torturantes e
enervantes que rasgaram um pedaço de
mim. Na hora corri até ele, ignorando o
alerta dos meus irmãos.
Tentei chamá-lo e tirá-lo do
tormento que estava vivendo, mas não
consegui, então Santiago injetou um
remédio em seu braço que o fez apagar.
Depois disso, não o vi mais.
Soube então que tinha uma luta
reservada para ele no clube de meus
irmãos mais tarde. Tentei ligar, mas não
recebeu minhas ligações, então achei
que precisasse de tempo.
Ninguém falou da sua crise
depois. Eu nem sabia se ele se lembrava
de algo, pois não conversamos. Fiquei
preocupada, mas meus irmãos disseram
que ele estava bem.
Eu queria arrumar uma forma de
ajudá-lo, mas como? Para fazer isso, era
preciso ele me deixar entrar, o que não
parecia ser a sua intenção. Além disso,
eu queria mesmo me envolver com ele
mais do que já estávamos? Seria capaz
de lhe dar meu coração só para ele
quebrá-lo no final?
Respirei fundo e olhei para o
ringue de lutas clandestinas no
submundo de Barcelona. Ali era onde
todos faziam apostas altas por um
vencedor. Auxiliar minha família ali,
cuidando para que as regras fossem
cumpridas, ajudava-me a manter a mente
ocupada. Trabalhar evitava que eu
pensasse tanto na perda do papai, que
ainda me machucava como uma navalha
cortando meu peito, como em Stefano,
pelo que ele devia ter passado. Eu não
sabia o que aconteceu com ele para ter
aquela crise, mas a coisa não devia ter
sido bonita.
Nesse momento, Stefano e outro
cara estavam no ringue. Ele tinha
vencido algumas lutas na noite passada e
na anterior, mas não vi essas porque
estava no trabalho no orfanato.
― Se continuar assim, vamos
ficar sem lutadores ― praguejou
Gideon, trazendo-me dos meus
pensamentos.
Ele era o homem que organizava
as lutas.
― O que aconteceu? ― Encarei
o ringue, onde Stefano estava detonando
um dos lutadores.
― Toda vez que ele entra no
ringue, o seu oponente sai morto,
embora eu não ligue, pois ele só escolhe
lutar com seres da pior espécie, mas
existem lutas que não são mortais. Logo
ninguém vai querer enfrentá-lo de
verdade. Ele ao menos devia deixar
alguns vivos, quebrados, mas vivos.
― Por que não o impede que
mate mais? ― indaguei com um suspiro.
Sacudiu a cabeça.
― Valorizo minha vida ―
respondeu, dando as costas e saindo
para checar os próximos lutadores.
Inspirei e fui até Santiago, que
estava de braços cruzados encarando
Stefano, imóvel e sem dizer nada para
impedir que ele esmagasse o seu
oponente. Eu sabia que não era por
medo. Às vezes sentia que meus irmãos
me escondiam algo, eu só não tinha ideia
do que era. Algo me dizia que era sobre
Stefano, por isso ele fazia o que bem
queria e ninguém dizia nada.
Não acreditava que fosse pelo
surto de Stefano, afinal sentia que me
escondiam algo antes disso. Depois iria
apurar o assunto e descobrir se era só
coisa da minha cabeça.
― Vai ficar aí só olhando,
vendo-o eliminar todos os lutadores? ―
indaguei irritada. ― Ele não pode matar
o seu oponente se as lutas não forem
mortais.
― Os espectadores estão
gostando, e estamos ganhando muito
dinheiro com isso. ― Olhou-me de lado
com um meio-sorriso. ― Se isso for
demais para você, pode ficar no
vestiário ou no escritório.
Não era porque eu sabia o que
acontecia na máfia e o que faziam que eu
gostava de presenciar mortes. Sempre
que havia lutas mortais, não assistia a
elas, embora não saísse do local. Não
queria que as pessoas me achassem
dócil demais, porque eu não era.
Com Stefano no ringue, podia se
esperar tudo. O homem parecia um
vulcão prestes a entrar em erupção.
― Não vou sair. ― Cruzei os
braços, encarando a cena.
Stefano era veloz, brutal,
encarando seu oponente, que tinha um
corte na boca e estava meio torto. Seu
olhar era provocativo, mas tinha algo
neles que parecia vazio, morto. Eu via
esse olhar direto em Valentino. Seria por
isso que Stefano tinha ficado louco
naquele dia? Não, não era loucura. Ele
estava tomado de dor e tormento.
Ele estava ali naquela noite para
descontar nos seus oponentes tudo que
sentia, isso era um fato, mas percebi
que, no início das lutas, deixava-se
levar algumas porradas. Eu o conhecia e
sabia que podia se defender, mas não o
fazia. Isso me fez lembrar do que ele me
disse no cemitério sobre gostar de sentir
dor. O que ele estava sentindo era assim
tão ruim a ponto de querer sentir dor
para aliviar? O meu coração doeu
querendo ajudá-lo de alguma forma, mas
como, se ele não me deixava entrar? Eu
não permitiria que Stefano se deixasse
ser abatido só para sentir dor.
― São sempre assim as lutas
dele esses dias. Ele bate um pouco, se
deixa apanhar e depois vai com tudo,
eliminando o adversário como se
esmaga uma barata. ― A voz de meu
irmão soou sombria.
― Vou acabar com essa
palhaçada! ― rosnei para ele.
― Se alguém pode fazer alguma
coisa, é você. Acredito que seja a única
nesse momento capaz de lidar com ele
sem que Stefano faça alguma coisa.
― Não achei que você tivesse
medo dele. ― Pisquei, chocada com
isso.
Santiago sorriu.
― Não é medo, só o respeito
por não deixar sua cara ser esmagada no
ringue. Ainda por cima, tem a Luna. Se
eu lutasse com Stefano nesse estado não
iria ser bom. Além disso, Fabrizio
mandou que eu o deixasse libertar seja o
que for que esteja sentindo. ― Deu de
ombros. ― Se lembra de Valentino?
Eles se parecem nisso. Só agora que
nosso irmão deu uma folga nas lutas.
Acho que é uma válvula de escape.
― Sentir dor não é escape. ―
Sacudi a cabeça, revoltada, não com
Stefano, mas com o monstro do pai dele,
que o tornou assim. ― Vou impedi-lo
que se deixe ser machucado só para
sentir dor e impedi-lo de matar seu
oponente no ringue quando não é
preciso. Se ele quebrar as regras de
novo, quem vai chutar a bunda dele com
esses saltos serei eu.
― Belinda, não se aproxime
muito do ringue ― disse Santiago a
meia-voz com um sorriso. ― Mas, se
for chutá-lo, me avise, que quero
presenciar esse fenômeno.
Nós dois sabíamos quem
ganharia caso eu enfrentasse Stefano.
Lutava disfarçada com o meu
pseudônimo, o Mascarado. Só Santiago
e Benjamin sabiam, eles me ajudavam a
encobrir de Valentino e Fabrizio. Esses
dois eram mais rigorosos e não
deixariam que eu competisse. Fazia
tempo que eu não entrava no ringue. Era
boa nisso, tive os melhores professores,
meus dois irmãos caçulas.
Quando eu queria lutar, Santiago
lutava primeiro com os oponentes a fim
de saber se eu conseguiria vencê-los,
então, dependendo do resultado, eu
competia. Se eles percebessem que eu
não conseguiria vencer, não me
deixavam lutar. Foi a regra para
permitirem que eu subisse ao ringue.
Não reclamei, pois sabia que existiam
homens fortes que eu nunca derrotaria no
mano a mano. E eu sabia que, num
combate contra Stefano, não conseguiria
vencer. O homem era uma máquina.
Santiago só me provocou porque
sabia que ele nunca iria lutar comigo da
forma como fazia com os seus
oponentes. Naquele dia na academia,
durante o treinamento, tive um pequeno
exemplo. Ele só me jogou no chão e não
deixou que eu me libertasse.
Lutar era maravilhoso. A
adrenalina consumindo meu corpo e o
sangue bombeando nas minhas veias era
de outro mundo, embora eu lutasse
poucas vezes. Não era fácil esconder
dos meus irmãos mais velhos e dos meus
colegas de profissão as manchas roxas.
Eu usava base e corretivo, mas nem
sempre ajudava.
Enfrentar Stefano não era só
lutar contra sua força física, mas com
sua mente sombria, pois era como se ele
combatesse vendo no oponente quem o
machucara. Só assim para explicar tanta
raiva. Mesmo assim, eu daria tudo para
lutar com ele nem que fosse uma vez.
Talvez, se eu usasse meu disfarce,
Stefano não saberia quem eu era.
― Nem pense nisso ― disse
Santiago, perdendo o sorriso.
Eu não sabia que tinha dito
aquilo em voz alta e que ele ainda
estava perto de mim.
― Foi só uma ideia. ― Pisquei
de modo inocente para tranquilizá-lo. ―
E você me viu lutar com ele antes.
Sacudiu a cabeça, chegando mais
perto de mim.
― Não, Stefano não estava
lutando, e você sabe disso. Ele estava só
provocando-a. ― Suspirou. ― Estou
falando sério. Quando luta, Stefano é um
predador cujo foco é só um, sua caça
sendo abatida. Ele destrói seu oponente
e faz isso sorrindo, como você mesma
viu algumas vezes.
Sim, eu me recordava do porão.
O que ele fez lá foi bem sinistro, faria
qualquer mulher correr para as
montanhas, mas eu não era uma delas.
― Se você lutasse daquela
forma com ele, as coisas poderiam
seguir por outro rumo, ir por um
caminho no qual você acabaria
machucada, e ele, morto, pois matamos
qualquer um que a toque. Isso resultaria
em uma guerra entre os Pachecos e os
Destruttores, pois os irmãos deles não
deixariam barato ― alertou-me sério.
― Papai não ia querer isso, não quando
a Luna sairia ferida no processo.
― Eu sei. ― Pigarreei, não
querendo pensar na ausência de papai.
Isso me faria sofrer mais. ― Não vou
fazer nada, prometo.
Assentiu, parecendo relaxado.
― Ótimo.
Aproximei-me do ringue, onde
Stefano dava um gancho de direita,
fazendo seu adversário cair contra as
cordas e se agarrar para se apoiar.
― Stefano, olhe as regras! ―
gritei para ele, pois os espectadores
pareciam apoiar aquele nocaute e
berravam.
Ele ainda não tinha feito nada, só
se deixara apanhar um pouco, mas eu
sabia como aquilo terminaria e não
queria que se machucasse nem que
saísse por aí matando a torto e a direito.
Minha função naquele trabalho era fazer
com que todos seguissem as regras,
incluindo Stefano. Se ele queria matar
alguém, que o fizesse em outro lugar,
menos no meu ringue.
Ele estava indo até o homem
como um leão prestes a dar um bote em
sua presa, mas parou e olhou para mim.
Por um segundo, vi a escuridão
ali. Eram órbitas negras que absorviam
tudo. Tão breve a expressão surgiu ali,
no segundo seguinte desapareceu como
um relâmpago.
― Siga as malditas regras! ―
repeti, caso ele ainda não tivesse
ouvido.
Antes que Stefano falasse algo,
porque ele era desses, não deixava nada
barato, a multidão gritou para que a luta
prosseguisse, mas não me importei. Meu
foco estava nele e no seu oponente, que
me fuzilava.
― Cale-se, vadia! Não se meta!
― rosnou o infeliz, endireitando-se e
fuzilando Stefano. ― Ninguém se mete
nesta luta! Vou matar esse bastardo!
Agora era eu que queria quebrar
sua cara estúpida.
― Estou salvando sua vida,
babaca! ― grunhi com os dentes
cerrados.
Stefano o encarava como se não
tivesse um homem ali, mas um inseto
repugnante.
― Eu pedi? Mulheres como
você só servem para chupar paus!
Espere, que depois que eu acabar com
esse fedelho podemos fazer isso. ―
Sorriu, mostrando os dentes cheios de
sangue.
O homem era um idiota. Poderia
eu mesma resolver isso, mas
atrapalharia no prosseguimento da luta.
Não queria trazer problemas para meus
irmãos e fazê-los perder dinheiro.
― Nem se eu estivesse bêbada
ou drogada colocaria a boca em seu pau
mole cheio de herpes ― sibilei e olhei
para Stefano. ― Faça o que tem que
fazer. Foda-se esse imbecil.
― Sua luta é comigo, não com
ela ― ouvi a voz de Stefano. Eu tinha
dado um passo para sair, então me virei
e vi que o infeliz estava furioso como se
quisesse me matar e tinha se
aproximando mais do limite do ringue.
― Estaria morto antes que a tocasse de
qualquer modo.
Ao mesmo tempo, Santiago veio
para o meu lado com o rosto duro como
rocha. Eu não sabia se, em sua última
frase, Stefano estava se referindo a si
mesmo ou ao meu irmão. Pelo visto,
aquele homem morreria naquela noite,
ou pelo Stefano ou por Santiago. De
qualquer forma, seu destino foi selado
assim que abriu a boca para me insultar.
― Vamos. ― Santiago me puxou
dali enquanto a luta continuava. ― Você
está bem? ― Ele estava tomado de
fúria.
― Sim, não é nada que eu não
tenha ouvido antes, sabe disso. ―
Alguns caras que não sabiam quem eu
era muitas vezes me diziam palavras
ofensivas, mas se davam mal, porque eu
revidava com vigor, e, quando não dava
conta, Santiago fazia o serviço.
Nunca apareciam imagens
minhas e de Serena nas manchetes das
colunas sociais. Papai determinou isso
para ninguém ficar de olho em nós, igual
aconteceu com Lorena, então muitas
pessoas não sabiam quem éramos e a
que família pertencíamos.
― Eu poderia dizer que adoraria
ter minha vez com o infeliz, mas,
conhecendo Stefano, duvido que sobre
algo dele. ― Santiago respirou fundo,
tentando se controlar.
― Eu sei. Ainda tentei ajudar,
mas ele foi estúpido demais para notar
ou se importar. Arrogante! ― Dei um
suspiro frustrado.
― Sua arrogância vai ser sua
morte ― concordou meu irmão, de olho
na luta.
Eu também ia tornar a olhar
Stefano, mas meu telefone tocou.
― Já volto, preciso atender.
― Quem ligaria a essa hora? ―
sondou com o cenho franzido.
― Jared. ― Fiquei preocupada
por ele ligar naquele horário. Teria
acontecido algo com os garotos? Paco,
Neto e Yago estavam bem, eu tinha ido
visitá-los no dia anterior. Acreditava
que em alguns dias estariam de volta ao
orfanato.
Santiago fez uma careta.
― Esse homem está a fim de
você ― indicou.
― Não acredito. O cara gosta de
mulheres elegantes, não como pareço em
meu disfarce lá. ― Usava roupas
folgadas e óculos com lentes
transparentes, mas sem grau. ― Ele é
meu chefe, nada mais.
― Conheço os homens, irmã,
para saber que ele arrasta um caminhão
por você. ― Sorriu.
O único homem naquele
momento que me fazia sentir algo era
Stefano, mas ele não daria o braço a
torcer. O cara me procurava, e
ficávamos juntos, então acontecia algo
que o fazia surtar e depois ele sumia,
não ligando ou recebendo mensagens. Eu
poderia buscar uma explicação, mas não
estávamos em um relacionamento para
eu cobrar nada do que ele andava
fazendo ou com quem tinha estado
durante esses dias.
― Não estou à procura de
namorados, além disso não conheço
homens com bolas suficientes para
enfrentar meus irmãos.
O único que me namorou foi
Gazo, mas só fez isso para humilhar
minha família. Eu não gostava de pensar
nesse assunto, pois me sentia suja por
tê-lo deixado me tocar.
Depois teve uma época da minha
vida em que eu quis sentir algo
diferente, fazer sexo sem estar
apaixonada. O único que eu quis foi
Javier, mas ele não quis tocar-me sem
que nos casássemos por respeito ao meu
pai e aos meus irmãos, afinal era melhor
amigo de Santiago. Então deixei quieto.
No entanto, apareceu Stefano
como um furacão em minha vida. Não
sei o que me chamou atenção nele,
provavelmente sua tenacidade, sua
coragem ou o fato de ele não ter medo
de nada ou ninguém. Talvez fosse a
escuridão que havia nele, que eu tinha
vontade de iluminar, mesmo não
podendo fazê-lo.
Santiago riu.
― Se esse homem escolhido não
conseguir lidar com nós quatro, como
vai lidar com você? Porque você, minha
irmã, é osso duro de roer.
Revirei os olhos enquanto o
telefone continuava a tocar.
― Me deixa atender, pode ser
importante. ― Fui para o escritório,
onde só era permitido entrar a mim e
meus irmãos. Lá era sossegado e eu não
ouviria o barulho da multidão de
espectadores.
O lugar não era grande, tinha
uma porta à direita onde ficava um
banheiro privativo. Meu irmão o fez
para eu não usar o masculino.
Assim que entrei, peguei um
copo de água, fui para a sacada do lugar
e me sentei em um banquinho, olhando a
Lua no céu. Ela estava brilhante.
― Oi, Jared ― finalmente
atendi. ― Desculpe, estava longe do
celular.
― Oi. Vou precisar fazer uma
viagem para a Rússia e gostaria que
você ficasse tomando conta do orfanato
por uma semana. Sei que não faz parte
de suas atribulações, mas confio em
você. Além disso, os garotos que foram
adotados pelos Ramonis vão voltar, e eu
gostaria que você ficasse de olho neles,
em seu estado após tudo que sofreram.
― É claro! ― Estava lisonjeada
com o convite. De repente pensei no que
Santiago disse sobre Jared ter uma
queda por mim. ― Mas por que eu?
Maitê é mais especializada no assunto.
― Ninguém gosta mais desses
garotos do que você, por isso a escolhi.
Ficarei um dia para auxiliá-la antes de
viajar. ― Ele parecia aliviado por eu
ter aceitado.
― Não tem problema, adoro os
meninos.
Ele ficou de 10 a 15 minutos
conversando sobre o que eu teria de
fazer.
― Explicarei mais amanhã ―
avisou e parecia que ia dizer algo, mas
um gemido sensual veio de trás de mim,
fazendo-me pular.
Pisquei, dando de cara com
Stefano sorrindo travesso à porta do
banheiro do escritório e de banho
tomado. Vestia só uma toalha, que cobria
seus quadris perfeitos. Como eu não o
tinha visto entrar ou ouvido o barulho do
chuveiro? Devia ter ficado entretida
demais com o pedido de Jared para
notar algo mais.
Stefano tinha seis gominhos no
abdômen que o deixavam mais lindo e
sexy e me davam água na boca. Eu tinha
vontade de lambê-lo todo.
Ele chegou bem próximo de
mim, que podia sentir seu cheiro de
sabonete. Meus olhos foram atraídos
para aquele espetáculo de homem. Uma
gota de água escorria por sua barriga,
indo rumo ao V perfeito e tatuado dele.
Meu corpo foi tomado por uma sensação
abrasadora, como se eu estivesse perto
de um vulcão.
Eu tinha sentido sua falta
naqueles dias em que ele esteve longe,
mas não queria demonstrar isso, pois
podia afetar o que tínhamos. Stefano era
daqueles que corria quando a situação
pendia para o lado sentimental. Era
como se eu o conhecesse havia anos e
não só alguns meses, ou no fundo era
parecida com ele.
O calor entre minhas pernas
aumentava, deixando-me pulsante,
incômoda, louca para saciar aquele
desejo.
Ele gemeu de novo, caprichando,
como se estivesse fazendo sexo. E meus
olhos se desviaram de sua anatomia
perfeita para seu rosto provocativo e
pervertido.
― Bella, o que está fazendo? ―
Tinha algo na voz de Jared que não
consegui identificar, aliás, tinha me
esquecido de que ele estava na linha.
Meus pensamentos fritaram com a
presença de Stefano ali quase nu.
― Deixa esse telefone e vamos
continuar de onde paramos. Estou
faminto por saborear seu corpo de novo.
Adoro seu gosto.
Pelos deuses, esse homem sabia
ser tentador demais! Era capaz de fritar
cada pensamento meu.
― Bella...
Cortei Jared:
― Amanhã a gente se vê. ―
Encerrei a ligação e entrei no escritório
depois, fuzilando Stefano, que tinha me
seguido. ― O que acha que está
fazendo?
Embora seu sorriso travesso
deixasse claro. Ainda bem que sua
expressão sombria tinha sumido.
― Apenas batendo a real para
aquele engomadinho. Agora ele sabe que
você tem um homem. ― Deu de ombros.
Ri, sentando-me no sofá e
colocando o telefone de lado, depois
peguei a toalha dele, jogando-a longe.
Mordi o lábio pensando no dia em que
fiz um boquete nele. Adorei chupá-lo e
quis fazer mais depois, mas ele
desapareceu. No fundo, eu não buscava
explicação desse sumiço, pois o
entendia.
― O que sente, Diabinha? Posso
ver a fome estampada em seu rosto.
Quer me provar de novo? Pode fazer,
sou todinho seu. ― Sua voz saiu rouca.
― Ele necessita de você.
― Por que acha isso? Com
certeza deve ter sido cuidado por
alguma mulher por aí. ― Levei meus
olhos aos seus.
Ele esboçou um sorriso.
― Está com ciúmes? ―
provocou.
― Não me faça rir. Tudo que
você tem, qualquer homem tem. ―
Indiquei seu pênis duro. ― Se você
ficar com outra, posso fazer o mesmo...
― Acha que aquele
engomadinho é melhor do que eu? Posso
fazer você gozar várias vezes em uma
noite e juro que não pensará em nada a
não ser no meu pau em sua boceta. Não
andará em linha reta por semanas ―
gabou-se.
Bufei e me levantei.
― Quem disse que vou deixar
seu pau entrar em minha boceta? Posso
deixar isso para o meu futuro marido. ―
Queria rir do ciúme dele por mim e
Jared.
Sua respiração ficou pesada com
minhas palavras, mas o que tínhamos era
bom do jeito que estava. Essa coisa de
ciúmes estava me deixando nervosa, não
só os dele, mas os meus também ao
pensar nele com outra.
Stefano deu as costas para mim a
fim de se recuperar – supus – de minhas
palavras. Não foram ditas para magoá-
lo, só para deixá-lo avisado sobre o que
tínhamos. No fundo, eu só queria que
transássemos sem nada de sentimentos
no meio.
Pisquei diante de sua tatuagem,
ainda mais impressionada com ela do
que com sua bunda perfeita. A tatoo
tomava suas costas inteiras, toda em
vermelho vivo e azul-marinho. Era
formada por uma corrente em forma de
círculo, tendo em seu interior, na parte
de baixo, dois revólveres apontando
para fora em direções opostas, e, na
parte de cima, três balas, sendo a do
meio maior. Na parte externa do círculo,
em ambos os lados, havia uma asa
aberta, como se saísse da própria
corrente, e, na parte inferior, duas
adagas com os cabos cruzados, tendo, ao
lado da lâmina de ambas, um raio. Além
disso tudo, a tatuagem também era
composta por quatro estrelas, todas na
parte exterior da corrente. Era duas de
tamanho mediano, cada uma entre o cabo
de um dos revólveres e uma das balas
menores, uma pequena entre as lâminas
das adagas e uma grande entre os cabos
cruzados delas.
O que será que a tatuagem
significava? Fiquei tentada a sondar,
mas não queria trazer-lhe dor caso fosse
algo significativo. Podia não ser, mas e
se fosse?
― O que temos é bom, Stefano.
Não vamos deixar os sentimentos
entrarem, pois no final sairemos
machucados. Eu não quero isso e aposto
que nem você ― finalmente disse o que
precisava ser dito. ― Você mesmo falou
isso, lembra?
Ele estava prestes a se virar para
me encarar, quando me aproximei pelas
suas costas e coloquei minha boca em
seu ouvido.
― Podemos satisfazer um ao
outro enquanto meu prazo não termina...
― interrompi-me pela sacudida que seu
corpo deu, como se tivesse levado um
choque. A princípio pensei que fosse
pelas minhas palavras, mas logo percebi
que foi a minha aproximação do seu
ouvido. Seria ele traumatizado com
aquilo, assim como era com o toque? A
sua respiração estava aguda, dando a
entender que sim, e, antes que eu
pensasse sobre o assunto, fui prensada
na parede com minhas mãos para cima.
Estava a ponto de sorrir pelo
movimento, mas algo em seu rosto me
disse que ele não estava bem. Lembrei-
me da noite no porão. Sua expressão era
parecida com a de agora. O tormento
estava em cada linha da sua face.
Minhas palavras e meu toque tinham
sido o gatilho? Eu não tinha feito por
mal.
― Stefano ― chamei-o assim
como fiz no porão. Lá não consegui
alcançá-lo, tanto que meu irmão
precisou dopá-lo. Seria capaz de
conseguir agora?
Meus instintos me diziam para
fugir, mas eu não queria alertar ninguém
lá fora. Stefano não iria querer que o
vissem assim de novo, parecendo frágil,
um menino perdido, embora ainda letal e
perigoso. Se alguém podia ser as duas
coisas ao mesmo tempo, era ele.
― Stefano, sou eu ― tentei de
novo. Parecia que ele estava preso em
um pesadelo.
Eu podia me defender dele, mas
temia que sua escuridão fosse demais e
ele me machucasse sem querer. Isso
provocaria a ira dos meus irmãos, e
Stefano se sentiria culpado.
Tentei conversar sobre temas
banais do dia a dia só para ver se ele
voltava a reagir, mas não teve nenhum
efeito. Então aprofundei os assuntos,
contando-lhe mais sobre alguns segredos
meus.
― Teve uma vez na escola em
que eu estava em dúvida sobre a minha
sexualidade, então beijei uma garota e
notei que não gostei. Não era minha
praia. Aí beijei um garoto que estudava
comigo e adorei. Foi uma pena que
Santiago atrapalhou ― grunhi a última
frase.
Na hora, fiquei furiosa por meu
irmão ter chutado a bunda do coitado do
garoto. Talvez, se eu tivesse ficado com
ele, não teria conhecido Gazo... Bem,
não queria pensar naquele imundo filho
da puta agora.
― Uma vez fiquei curiosa em
saber a sensação de dar a parte de trás e
tentei usar um vibrador, pois os homens
perto de mim correm dos meus irmãos,
além disso eu não sentia nenhuma
química com eles, e Javier não me quis.
Por isso não tinha ninguém que me
ajudasse a saciar essa curiosidade.
Depois pensei que podia fazer sozinha,
sem precisar de um homem, mas, após
colocar o vibrador um pouco, não
gostei. ― Dei de ombros. ― Não sei,
pareceu sem graça. Desde então uso
apenas na frente todas as noites.
Continuei a procurar fazê-lo
voltar à realidade.
― Se um dia um cara enfrentar
todos os meus irmãos e ganhar, saberei
que ele tem bolas. Eu poderia passar a
vida toda satisfazendo-o tanto na cama
como fora dela.
O brilho nos olhos dele estava
voltando, então continuei a divagar:
― Uma vez tentei seduzir Javier.
Você sabe que eu tinha uma queda por
ele, o achava lindo, e ele é mesmo. Mas
ele não quis, disse que gostava de
respirar e que o que podia fazer era se
casar comigo. ― Bufei, encarando o
teto. ― Casamento é só um pedaço de
papel, não simboliza fidelidade ou
comprometimento. Não tem muito isso
em nosso mundo. Todos os homens que
pediram minha mão traíram suas ex-
namoradas, por que comigo seria
diferente? Por que eu iria querer alguém
infiel? Para no final eu mesma ter que
cortar o pau dele e fazer o maldito
comer? Por isso rejeitei todos os
candidatos. Deve ter alguém fiel em
algum lugar para quem eu seja o
bastante, só o que preciso fazer é
esperar.
Embora estivesse sem tempo,
mas arrumaria alguma coisa para burlar
as ordens dos anciões, só não sabia
exatamente o que ainda. No fundo,
queria me apaixonar, mas para isso não
precisava envolver casamento. Ao
menos eu queria escolher se desejava
isso, não queria que fosse imposto pelos
outros.
― Queria foder sem sentido um
cara sem ter precisão de carregar um
anel dele. ― Dei um suspiro duro.
― Gosto da parte do foder sem
sentido ― Stefano finalmente disse.
Meus olhos foram para seu rosto,
que agora esboçava um sorriso maroto.
Embora a escuridão ainda vincasse sua
face, parecia que ele estava se
controlando.
― Podemos resolver esse
problema se você não temer morrer nas
mãos dos meus irmãos. ― Eu estava
aliviada por ele estar melhor.
Stefano me soltou, e me sentei no
lugar em que estava antes. Queria sair
dali antes que ele me fizesse perguntas
sobre tudo o que revelei, mas o infeliz
não deixou.
― Então tentou fazer anal sem
precisar de um homem? ― Pelo seu
sorriso, ele parecia divertido.
Droga! Pelo visto, ele não
deixaria aquilo barato. Eu não devia ter
dito nada, na hora só queria distraí-lo.
Por que ele não podia ser uma pessoa
normal, que podia se entreter falando
sobre música, dança ou saltar de
paraquedas? Stefano não era normal ou
só estava querendo me provocar.
― Por que precisaria de um
homem se os vibradores fazem um
trabalho melhor que eles? ― Ao menos
eu pensava assim antes de ser tocada
pelo Stefano.
― Acha que enfiar um pau de
silicone te satisfaria mais do que o de
um homem? ― Dessa vez ele riu. ― E
quanto à sensação de ter sua boceta
lambida e seus seios chupados? Por
acaso um vibrador faz isso?
― Não posso dizer nada, afinal
minha boceta não foi chupada ainda. ―
Mordi o lábio inferior, varrendo os
olhos sobre sua nudez perfeita. Seu pau
ficou ereto com o peso do meu olhar.
― Podemos resolver isso agora.
― Veio até mim com um olhar faminto.
Ao menos um vibrador não faz o
que um homem é capaz, partir o
coração feminino em milhões de
pedaços... Era isso que eu temia
envolvendo-me com Stefano, mas como
ficaria longe dele? Adorava o seu toque.
― O que está esperando,
Foguete? ― Eu não sabia se ele estava
pronto para isso, mas não disse nada,
deixando-o decidir sozinho, pois, se eu
falasse algo, poderia levá-lo para
aquela escuridão de novo.
Peguei sua mão e o levei para o
banheiro. Enquanto isso, tirava as
minhas roupas. Logo estávamos ambos
nus, e ele capturou minha boca,
deixando-me inebriada. O cara
conseguia fazer isso só com um beijo,
imagina se fizéssemos sexo? Eu queria
experimentar a sensação de tê-lo dentro
de mim. Apostava que iria adorar.
O chuveiro foi ligado ao nosso
lado, assim o som abafaria os sons caso
alguém viesse ali, mas eu duvidava.
Stefano me escorou na parede e
levantou minhas mãos.
― Segure nesse ferro e não solte
― ordenou.
Nesse momento, eu não me
incomodei em receber ordens dele, pois
faria qualquer coisa só para ter sua boca
em meu corpo e matar a necessidade que
eu estava sentindo.
― Vou te mostrar a sensação de
ter seus seios chupados. ― Abocanhou
um enquanto amassava o outro.
Meus olhos se fecharam com o
turbilhão de sensações ainda melhor do
que quando me tocou antes. Cada toque
seu era uma descoberta maravilhosa. Eu
temia me viciar e não saber ficar sem.
― Estou amando tanto que minha
boceta está pingando e não tem nada a
ver com a água. ― Gemi com um
chupão que deu em meu seio direito.
― Vamos ver, então. ― Caiu de
joelhos no chão em frente a mim e
colocou uma perna minha em seu ombro,
abrindo-me para ele. ― Cheiro
maravilhoso.
A água caía ao lado, mas não em
nós dois. Era só para abafar os sons que
estávamos soltando.
― Agora irei prová-la, algo que
eu devia ter feito há alguns dias, antes
de o seu irmão nos interromper no carro.
― Triscou a língua em meu clitóris.
― Vamos ver se é tão bom como
você diz. ― Olhei para ele, com o rosto
enterrado em meu centro.
― Vou estragar você para todos
os homens. Você vai querer só o meu
toque após eu terminar de saborear
minha sobremesa. ― Antes que eu lhe
desse um comentário esperto, sua boca
me possuiu. Juro que eu me sentia
vibrando como se usasse um vibrador
potente.
Sua língua girou em meu nervo
pulsante, e me senti perdendo as forças.
Suas mãos apertaram minha bunda, e um
dos seus dedos circulava ao redor do
meu ânus.
― Um dia quero possuir aqui e
provar a você o quanto é prazeroso,
tanto que não vai mais querer ficar sem.
― Analisou o meu buraco enrugado,
depois seguiu para a frente. ― Por
agora ficarei com essa boceta cremosa.
Você será todinha minha, cada
centímetro desse corpo.
Eu estava inebriada demais e
muito fascinada com as sensações
maravilhosas para discordar dele. Não
era virgem, mas fiz uma promessa a mim
mesma de não fazer mais nada por
impulso. Era claro que, na primeira vez,
estava apaixonada, e agora não. O
estranho era que o que eu tinha com
Stefano era mil vezes melhor do que tive
com Gazo. Estaria eu errada ao seguir
aquele desejo? Poderia aproveitar e não
deixar os sentimentos tomarem conta?
Esperava não me arrepender depois,
pois, após fazer sexo com ele, seria
tarde demais.
― Vamos foder agora, depois
posso pensar sobre o anal, embora meu
futuro marido não vai... ― interrompi-
me quando seus dentes puxaram meu
clitóris, fazendo-me gritar, então cerrei a
boca.
― Não fale de outro homem
quando estou comendo essa boceta
deliciosa ― praticamente rosnou,
circulando mais rápido com a língua
meu nervo pulsante.
Eu faria qualquer coisa que ele
dissesse naquele momento só para que
não parasse de usar sua língua. Sentia-
me flutuando em algum lugar do espaço.
Era tudo tão intenso e arrebatador que
me segurei estoicamente para não deixar
o grito de desejo sair conforme queria.
― Isso, goza para eu engolir
tudo e não deixar nada! ― Sua voz foi o
que bastou para o êxtase transbordar
quando tudo em mim se dissolveu em
prazer.
Minhas forças se acabaram, e, se
não fosse ele ali, eu teria caído no chão.
Minha respiração estava acelerada, meu
coração trovejava.
― Puta merda! Realmente os
vibradores não chegam nem perto disso
― finalmente comentei após poder
respirar de modo normal de novo.
Sorriu endiabrado e me beijou.
― Prova a si mesma e me diz se
não tem um gosto bom. ― Realmente era
um sabor diferente, não era ruim. ― O
melhor que já provei.
― Não posso dizer o mesmo, já
que não provei nenhuma boceta para
comparar os sabores. Quem sabe um dia
eu prove ― provoquei-o.
― Espero estar junto. Não há
nada mais prazeroso do que ver duas
meninas fodendo. ― Piscou, parecendo
realmente querer ver algo assim.
Peguei seu pênis duro, fazendo-o
gemer.
― Chegou a minha vez de
brincar.
― Ele está sentindo falta dessa
sua boca. Porra, só de imaginar, fico
mais duro ― rosnou.
Ajoelhei-me em sua frente,
pegando seu membro. Estava muito
ereto, pronto para mim. De sua coroa
escorria o pré-sêmen, mas não o deixei
cair, tracei minha língua, degustando seu
sabor.
― Seu gosto é tão bom...
Também senti falta dele. ― Apertei seu
pau, fazendo Stefano soltar um assovio
por entre os dentes. ― Vamos ver se vai
pensar em ficar com outra pessoa depois
de mim, e, se ficar, vai se lembrar de
mim.
Não queria imaginá-lo fazendo
aquilo com outras. Outra vez as emoções
interferindo. Expulsei esses
pensamentos, só pensei em aproveitar e
ajudá-lo a se livrar de todo o estresse
que devia ter sentido nos últimos dias.
Tomei-o em minha boca e o suguei. O
que não coube, segurei com uma das
mãos, enquanto a outra acariciava suas
bolas.
― Porra! ― Fechou os olhos
tamanho o êxtase.
Queria vê-lo domado e mole,
assim como ele me deixou. A cada
avanço que eu fazia, saíam mais sons de
sua boca, e eu jurava que esses gracejos
iriam ficar comigo por muito tempo
quando tudo aquilo acabasse.
Ignorei o aperto em meu peito
com essa ideia. Não queria pensar nisso,
só aproveitaria qualquer segundo, pois
estava adorando cada carícia tanto dele
em mim como as que eu fazia nele.
Tirei a boca de seu pênis e
chupei suas bolas enquanto batia
punheta.
― Puta que pariu! ― O cara
perdeu o fôlego, como eu queria. Voltei
a colocá-lo em minha boca. ― Merda,
você me deixa louco!
Quanto a mim, nem se fala! Eu
só sabia que estava amando cada
segundo daquilo.
― Eu vou gozar! ― Sua mão
pegou meu cabelo, mas não me forçou a
tomar mais dele. Aproveitei para deixá-
lo mais louco do que já estava.
― Goze em minha boca. Quero
engolir tudo que sair de você. ― Levei-
o mais profundamente em minha
garganta, até que senti seu aperto em
meus cabelos, mas não me machucou.
Então senti quando ele gozou. Só parei
de chupá-lo quando não restava mais
uma gota.
Levantei-me, vendo-o mole
escorado na parede, olhando-me, mas
não consegui ler sua expressão e, nesse
momento, não achei que gostaria de
saber.
Stefano me puxou para seus
braços, beijando-me e nos levando para
debaixo do chuveiro.
― Você é perfeita, gostosa
demais... Eu poderia fodê-la aqui, mas
quero que façamos isso em um lugar
diferente, onde seus irmãos não possam
entrar e querer cortar meu pau.
Ri.
― Você não fica atrás, Foguete
― provoquei-o com um sorriso. ― Mas
agora vamos nos vestir, antes que... ―
olhei para ele pelado ― você acabe
perdendo seu brinquedo. Seria bem
ruim, porque gosto dele.
Stefano deu uma risada
divertida. Por um segundo, ela me
distraiu, deixando-me de boca aberta e
com o meu peito quente.
Não, isso não pode acontecer!
O que temos é só sexo e será só isso!,
pensei como um mantra.
Após nos vestirmos, estávamos
prontos para sair, quando Stefano me
chamou.
― Sim? ― Olhei para ele, que
agora estava sério.
Eu tinha certa sensação do que
ele queria falar comigo, mas deixei que
tomasse seu tempo. Se quisesse se abrir,
eu estava pronta para ouvir.
― Você não me perguntou sobre
o que aconteceu comigo, o transe em que
fiquei. ― Observava-me com o cenho
franzido.
Suspirei.
― Não é assunto meu para
discutir. Se você quisesse me dizer, teria
dito.
Eu entendia um pouco sobre
traumas. Às vezes encarar o que se sente
é bom. Conversar ajuda muito, mas eu
não queria que ele fizesse isso se não
estivesse pronto.
― Sim, mas você ajudou
conversando comigo. ― Sua voz soou
baixa.
― Não sei o que aconteceu, mas
deve ter sido sério, pois vi a forma
como você ficou tanto no porão como
aqui. São sintomas de trauma. Seja o que
você tenha passado, deixou uma cicatriz
profunda. ― Olhei para ele. ― Não
precisa falar comigo, mas devia se abrir
com um psicólogo. Isso ajuda.
― Psicólogo? Não preciso
disso. ― Sacudiu a cabeça. ― Se eu
abrisse o jogo com um, aposto que ele
vomitaria as tripas, isso para não dizer
outra coisa.
― É função deles aceitar e ouvir
seja o quer for. Não precisa decidir
agora, só pense no assunto. Te ajudaria a
dormir à noite e a evitar ter crises iguais
às que vem tendo. ― Queria de alguma
forma ajudá-lo. ― Os traumas
psicológicos acontecem quando alguém
vivencia uma situação ou experiência
negativa, como dissemos, mas não
consegue esquecer ou trabalhar as
emoções despertadas no evento. A
lembrança do fato é angustiante para a
pessoa.
― Ao pensar no meu passado,
me sinto como se estivesse queimando
vivo. Não dá. ― Respirou com
dificuldade. ― Muito menos falar do
assunto com um estranho.
― Hummm... ― Franzi os
lábios. ― Acho que conheço alguém
com quem você pode se abrir sem medo.
― Belinda...
― Só vai lá. Se não quiser, não
precisa dizer nada até estar pronto ―
pedi, aproximando-me dele e pegando
sua mão. ― Lorrany é reservada, assim
como todos os psicólogos, mas, como
somos da máfia, além de manter tudo
entre paciente e especialista, ela não
distingue quem quer que seja por suas
ações.
Lorrany era minha avó, mãe da
minha mãe, e morava a poucos
quilômetros do orfanato, perto da praia.
Eu ia para lá quase todo final de
semana. Ela não pertencia à máfia,
assim como minha mãe não o fazia
quando se casou com meu pai. Era uma
psicóloga brilhante, boa no que fazia.
Por sua causa, eu queria ser psicóloga,
ia muito com ela a orfanatos quando era
nova e gostaria de ser uma quando
crescesse. No final, optei pela
Assistência Social, um ramo que eu
amava.
― É uma mulher? ― indagou de
forma dúbia. ― Não acho que isso daria
certo, a maioria das mulheres são
frágeis e...
― Valentino foi até ela, que o
ajudou. Ao menos ele parou de lutar da
forma insana que fazia. ― Dei-lhe um
sorriso para aliviar a tensão. Se ele
pensava que vovó era dócil, teria uma
surpresa. A mulher era pior do que eu.
Tive a quem puxar, porém houve uma
época em que eu não era assim. As
dores me fizeram crescer e fortalecer.
― E você não faz o tipo dela,
pode ficar tranquilo. ― Pisquei.
Ele me encarou um segundo
parecendo em choque.
― Leve seu tempo. ― Dei mais
um aperto em sua mão e me virei para
sair, quando um estrondo fez tremer o
chão, como se uma bomba tivesse sido
jogada.
Stefano correu até mim e segurou
meu braço, puxando-me para o fundo do
escritório.
― Maldição! Esqueci minha
arma no vestiário antes da luta ―
praguejou.
Antes que eu respondesse, meu
telefone tocou. Atendi ao meu irmão.
― Santiago... ― comecei a
sondar o que estava havendo, mas fui
interrompida por ele:
― Onde você está?! ― inquiriu
com preocupação, então ouvi tiros.
― Estou no escritório ―
sussurrei. ― Você e Benjamin estão
bem?
O telefone sumiu da minha mão
antes que ele me respondesse. Quis
chutar Stefano, mas me controlei.
Primeiro precisava saber se todos
estavam bem.
― O que está acontecendo?
Estou sem uma arma aqui ― perguntou
Stefano. ― Tomarei conta dela ―
prometeu e fez uma pausa para ouvir. ―
Sim, acho que sei. Vou fazer isso. Pode
detonar esses malditos.
Ele me entregou o celular e
correu até um quadro que tinha na
parede. Ali tinha um cofre cuja senha ele
tinha, pois o abriu. Meu irmão devia ter-
lhe dado. Dentro do cofre havia várias
armas.
― Santiago, o que está
acontecendo? ― perguntei com o pânico
crescendo, especialmente por temer pela
vida de meus irmãos. ― Benjamin e
você estão...
― Estamos bem. Agora fique
com Stefano e faça tudo que ele disser.
Logo vejo você. Ele sabe aonde levá-la.
― Parecia furioso. ― Me deixa
resolver aqui. Depois Stefano lhe conta
o que está acontecendo.
― Fiquem seguros. Amo vocês
dois demais ― declarei antes de
desligar. Estava aliviada por meus
irmãos estarem bem. Eu confiava que
tudo daria certo, e não queria atrapalhar
a luta deles com quem estava invadindo
o nosso estabelecimento. Fui até
Stefano, que colocava uma arma no
coldre e outra na bota e ficou com uma
em sua mão.
― Aqui, pegue. ― Entregou-me
uma pistola. ― Só no caso de precisão.
― Stefano, sabe quem está
atacando?
― Não faço ideia. Vamos
descobrir depois. ― Ele parecia com
raiva enquanto colocava um pacote de
C4 na porta do escritório enquanto ainda
estávamos dentro do cômodo.
Pisquei.
― O que pensa que está
fazendo? Vai nos explodir aqui?
― Não, vamos sair pela saída
secreta. Se alguém abrir a porta pelo
lado de fora, vai ser explodida ― falou,
abrindo uma porta muito bem
disfarçada. ― Seu pai foi esperto ao
fazer um túnel, e temos sorte por
estarmos aqui na hora do ataque. ― Ele
pegou meu braço, e entramos no
elevador por trás da porta. Ele ia dar no
subterrâneo, onde havia um túnel
secreto.
Saímos do elevador, e Stefano
abriu um alçapão.
― Eu vou pular, você vem logo
atrás ― orientou-me, olhando para o
elevador, talvez com medo de virarmos
carvão caso um dos inimigos entrasse lá
em cima. Pulou e estendeu os braços
para mim. ― Pula, que seguro você.
Bufei com um revirar de olhos.
― Sei pular, não sou uma
criança que precisa ser amparada ―
rosnei e saltei, mas o bastardo me pegou
mesmo assim.
― Você é uma coisinha linda,
sabia disso? ― Antes que eu pudesse
retrucar, deu-me um selinho. Foi suave e
nada sexual.
Afastei-me, não querendo
proximidade.
― Eu sei que você não é uma
criança, posso ver muito bem isso. ―
Stefano piscou para mim para aliviar a
tensão. ― Ainda mais com essa bunda
perfeita que tem.
― Só você para me fazer rir a
essa hora. ― Ri sacudindo a cabeça. ―
Espero que não ande por aí pegando
mulheres que pulem em seus braços.
― Na verdade, faço isso de vez
em quando. ― Ele começou a andar.
Segui-o enquanto meu peito se apertava
e o sorriso sumia.
Estava ali de novo a sensação.
Eu quis grunhir, não para ele, mas para
mim mesma por me importar.
― Fiz uma casa na árvore para
Graziela, então, quando vou lá, ela pula
nos meus braços para eu colocá-la lá em
cima. Está inacabada, ainda precisando
de escadas. Assim que tiver tempo, vou
construí-la.
Graziela era a filha de
Alessandro e Mia. Eu ainda não a havia
conhecido, mas, pela forma como
Stefano falava, parecia adorar a criança,
sua sobrinha, embora não de sangue.
Por que será que meu peito se
aliviou após saber disso? Na verdade,
eu sabia, mas era algo em que não
queria pensar.
― Você parece gostar muito
dela. ― Mesmo sem o vínculo genético,
ele a amava como se ela fosse de sua
família, e era isso o que contava.
― Graziela é especial ―
começou a dizer enquanto andávamos
pelo corredor do túnel iluminado.
Provavelmente Stefano tinha ligado as
luzes ao abrir o alçapão, eu apenas não
notei. ― Ela entrou em nossas vidas
como um sol, resplandecendo tudo.
― Me senti assim com a
chegada de Carmen e Kélia. Até pedi a
Luna que me desse as meninas ―
sussurrei. Sentia uma falta danada das
minhas fadinhas.
Ele riu.
― Miguel deve ter adorado isso.
― Revirou os olhos, por certo pensando
na reação do nosso cunhado, que não foi
nada boa. Eu estava brincando sobre
adotar as crianças, mas, se tivessem
permitido, era claro que eu não teria
dito não.
― Achei que fosse pular no meu
pescoço. ― Sorri, pensando naquele
dia. ― Espero ver minhas bonequinhas
em breve. Sinto muita falta delas e de
Luna.
― Me fala quando, que apareço
lá e a protejo de Miguel. ― Piscou
provocativo.
Bufei.
― Não preciso de sua proteção,
sou capaz de lidar com meu cunhado.
Andamos por mais algum tempo,
o equivalente a dois ou três quarteirões,
então encontramos uma escada, que
levava ao lugar secreto. Subimos e
entramos em um cômodo. Parecia um
quarto ou sala, eu não saberia dizer. Não
tinha janela, só uma porta.
― Puta merda! ― arrulhou
Stefano.
Pisquei chocada, pois havia uma
parede lotada de armas brancas e de
fogo de todo tipo, incluindo um RPG
igual ao que Lyn usou.
Fui até ela, peguei uma faca e a
prendi na faixa em minha bota.
― Seus irmãos são preparados
― comentou ele um tanto
impressionado.
― Vocês não são? ― retruquei
com as sobrancelhas erguidas. ― Ouvi
muitas coisas dos Morellis. Se for tudo
mentira, ficarei desapontada.
― Nós somos. O que aconteceu
hoje aqui não aconteceria em nosso
território. ― Ele parecia orgulhoso ao
dizer isso. Em seguida recebeu uma
mensagem e suspirou de modo sombrio
após ler. ― Conseguiram controlar a
situação no clube de luta.
― Santiago disse o que
aconteceu? Ouvi tiros, mas não entendo
como entraram. E aquela explosão? ―
Sacudi a cabeça. ― Como entraram com
armas lá dentro?
― Parece que alguém entrou
carregando uma bomba. O lado direito
da arquibancada foi destruído, assim
como as pessoas que se encontravam no
local. Outros aproveitaram para entrar
armados. ― Sua voz soou letal.
― Pessoas morreram? ―
indaguei com o peito apertado. Eu temia
só em pensar que Santiago e Benjamin
poderiam ter sido feridos também.
Graças a Deus que não foram. ― Acha
que esse ataque está relacionado ao
perigo que Lyn nos disse que estou
correndo? ― Tinha chegado a hora de
contar à minha família. ― Eu deveria ter
contado aos meus irmãos. E se eu não
ter falado foi o motivo da morte
daquelas pessoas?
Stefano tocou meu rosto.
― Não é sua culpa nada disso.
Se entraram no ringue armados, foi
porque alguém os deixou passar. ― Sua
voz saiu sombria.
― Acha que temos algum
infiltrado? ― Arquejei, não querendo
pensar no que houve na última vez que
tivemos um em nossa família. Ele nos
levou alguém de cuja perda fomos
incapazes de nos recuperar direito.
A porta foi aberta antes que
alguém comentasse algo mais, e Stefano
levantou a arma na direção dela. Javier
levantou a dele.
― Gente, estamos do mesmo
lado. ― Tentei acalmar os ânimos.
― Será? Ninguém ousaria nos
atacar assim, a não ser alguém que
conheça o nosso local ― acusou Javier,
fuzilando Stefano. ― Só conheço
alguém que está em nosso meio e que
poderia fazer tal coisa e fingir que não
foi ele.
― Se está me acusando, é
melhor ser homem e dizer na cara. ―
Stefano deu um passo até ele, mas
segurei seu braço e o firmei no lugar.
― Stefano, se controla ― pedi e
olhei para Javier. ― E você fique na
sua. Confio nele.
― Jura? Não é só porque vocês
andam fodendo... ― Suas palavras
foram cortadas pelo punho de Stefano
em sua boca. O sangue escorreu.
― Controle sua maldita boca
antes de dizer merda sobre Belinda, ou
juro que nenhuma plástica vai consertar
seu rosto, isso se eu não o mandar para
o inferno. ― Eu percebia que Stefano
estava tentando controlar sua fúria e não
colocar suas palavras em prática. ―
Você teve uma chance com ela e a
desperdiçou, agora aceite isso, ou
vamos ter um grande problema.
Pisquei. Achei que eles estavam
se desentendendo porque um não
confiava no outro a respeito de traição e
não porque Javier estava com despeito.
Como disse Stefano, ele teve sua chance
e não a aproveitou.
― Escuta aqui, seu idiota, se eu
estivesse fodendo com Stefano ou algum
outro, não seria da sua conta. O que faço
da minha vida é problema meu, não seu.
― Cerrei os punhos para não socar sua
cara estúpida.
Javier me fuzilou.
― Ele vai quebrar seu coração
em milhões de pedaços ― rosnou.
Sorri de modo frio.
― Se isso acontecer, não será
para você que vou chorar, pode ficar
tranquilo. Posso afogar a dor em
qualquer braço ou cama, menos com
você, não depois do que acabou de dizer
― sibilei, virando-me para sair.
― Belinda... ― Ele segurou meu
braço, o que foi a coisa errada a se
fazer, pois Stefano se lançou sobre ele,
colocando uma faca em sua garganta.
Javier ia revidar, mas peguei o braço de
Stefano.
― Parem com isso, ou vou
chutar a bunda dos dois ― grunhi, meus
olhos relampejando. ― Vamos embora
daqui. Ou deixo vocês se matarem e vou
sozinha.
Dois machos alfas se encarando,
assassino versus assassino. Os dois
eram letais. Eu não sabia quem venceria,
mas provavelmente seria Stefano. Havia
muita fúria reprimida dentro dele.
Não esperei que respondessem,
só virei as costas e saí do cômodo cheio
de armas. Eles que tomassem a decisão
de vir comigo ou se matar. Há coisas
mais preocupantes no momento do que
dois homens brigando para ver quem
tinha o pau maior, pensei amarga.
Entretanto, embora eu não quisesse
admitir, as palavras de Javier sobre
Stefano quebrar meu coração estavam
arrulhando em meu cérebro.
Seria possível? Eu devia
terminar tudo antes que fosse tarde
demais? Por que meu coração ficava tão
apertado com a mera menção dessa
ideia?
No íntimo, eu acreditava que era
tarde demais para me afastar dele.
Tudo em mim fervia, pois fiquei
vulnerável na frente de Belinda por um
momento. Impressionou-me o fato de ela
ter me ajudado a voltar a mim.
Os pensamentos me
atormentaram assim que ela me tocou.
Não consegui trancá-los em meu
inconsciente. Tudo era fodido demais,
por isso oscilei com a sua sugestão de
eu me consultar com uma psicóloga de
seu conhecimento.
Fiquei de pensar sobre o
assunto, mas fomos atacados por alguém
que explodiu quase todo o
estabelecimento da máfia Pacheco. Seria
realmente alguém atrás de Belinda? No
entanto, isso não fazia sentido. Os
homens que nos perseguiram no dia em
que fomos ao cemitério eram assassinos
profissionais, não do tipo que usavam
atentados a bomba e feriam pessoas que
nada tinham a ver com o alvo.
Para mim, parecia que aquilo
tinha o dedo de algum infiltrado ou
inimigo dos Castilhos. Se Belinda não
estivesse comigo, poderia ter sido uma
das vítimas. Eu temia só em pensar
nisso.
Essa merda não podia ficar mais
fodida, ainda mais quando Javier
apareceu. Eu não gostava dele nem um
pouco, ainda mais após perceber que ele
gostava de Belinda. Poderia matar o
infeliz, mas a segurança de Belinda era
mais importante.
No momento, estávamos em um
apartamento dos Castilhos sobre o qual
poucos tinham conhecimento, apenas os
mais próximos deles.
Belinda tinha ido para o quarto
falar com a sua irmã e depois tomar um
banho. Eu queria estar com ela naquele
instante e sentir seu cheiro, pelo qual
estava viciado.
Na sala, estavam Benjamin,
Santiago, Valentino e Javier, menos
Fabrizio, que estava para chegar.
― O que descobriram? ―
questionei. Não estava gostando de ficar
parado, sem fazer nada. Apreciava ação,
mas não deixaria Belinda sozinha com
Javier ou qualquer outro homem. Todos,
exceto seus irmãos, podiam ser traidores
em potencial.
― Não sabemos quem foram os
responsáveis pelo ataque. Os
envolvidos foram mortos. Seja quem for,
a sua intenção foi fazer um belo estrago.
Um deles tinha a bomba no corpo,
enquanto o outro atirava contra nós. ―
Valentino se serviu de uma dose de
uísque e tomou um gole generoso.
Franzi a testa.
― Isso é estranho. Quem
atacaria suas instalações só com dois
homens, sendo um deles suicida? ―
Sentei-me no sofá. ― Não faz sentido. E
como conseguiram passar armados pelos
seguranças?
― Acredito que não estejam
relacionados a nós. ― Olhou-me. ―
Não nos atacaram diretamente.
― Pareceu aleatório ― disse
Santiago com o cenho franzido. ― O
que me lembra dos guardas
inconscientes na academia. Nenhum foi
morto. Não descobri nada nas câmeras
naquele dia.
Lyn não faria aquilo, não era seu
estilo. Eu podia estar havia muitos anos
sem saber dele, mas o cara jamais
explodiria um monte de gente
“inocente”. Ele era do tipo que preferia
um único tiro na testa ou tortura
dependendo de sua intenção.
― Descobriu alguma coisa nas
câmeras hoje? ― Elas deviam ter
gravado algo. Se alguém tinha mandado
aqueles dois atacarem o local, estaria de
olho em tudo.
― Não descobri nada. As
imagens pareciam normais, mas, após
avaliar bem, notei que foram mexidas.
Quem fez isso, é bom demais ―
destacou Benjamin. ― Tem gente nossa
tentando localizar a fonte das alterações.
Não era mesmo coisa de Lyn,
disso eu tinha certeza. Ele não nos
avisaria do perigo que Belinda estava
correndo e depois nos atacaria. Além
disso, sua assinatura não estava nas
mortes. Se um origami tivesse sido
encontrado, Valentino e os outros
saberiam.
― O que não se explica é
porque atacaram e sumiram com as
imagens e depois simplesmente não
fizeram mais nada, apenas se deixaram
ser mortos. Se fosse um ataque de uma
gangue rival, mais homens teriam
participado ― destacou Santiago,
sentando-se também.
― Positivo ― assenti. ― Talvez
tenha sido apenas para checar os seus
negócios. Mas ainda penso que não tem
fundamento eles terem conseguido entrar
armados.
― O segurança da porta de
entrada foi morto a alguns quarteirões
do clube ― disse Fabrizio, entrando
com Sage, que varreu os olhos em todos,
focando por último em mim.
― Stefano. ― Curvou a cabeça
em um cumprimento.
Eu não gostava dele. Se fosse
por mim, estaria morto por ter nos
enganado. Tínhamos confiado no filho
da puta, e ele nos traíra.
― Controle esse olhar
assassino, Foguete ― disse Belinda
também adentrando na sala. Usava um
robe e tinha os cabelos úmidos, tão sexy
e perfeita como sempre.
― Também não gosto desse
olhar ― Santiago rosnou.
Ela se sentou ao meu lado. Seu
cheiro recendeu em minhas narinas,
impedindo-me de focar no assunto que
eu estava tratando com os irmãos dela.
Foquei em prestar atenção na conversa e
ignorar a tentação que era aquela
mulher.
― Por que não veste uma roupa?
― Benjamin estreitou os olhos.
Eu concordava com ele, embora
não achasse que minha opinião
importasse.
― Não tem nada aqui para eu
vestir. ― Ela suspirou. ― Agora chega
de falar da forma que estou vestida.
Pegaram quem atacou o clube?
Olhei para Belinda, querendo
dizer-lhe que precisávamos falar com
seus irmãos sobre o perigo que corria,
mencionado por Lyn. Esperava que ela
entendesse meu olhar. Não queria ser
mais claro, ou seus irmãos
desconfiariam, e eu não queria falar sem
que ela concordasse.
― Não descobrimos nada ainda.
― Então Fabrizio relatou sua busca por
pistas, enquanto pegava uma bebida. ―
Por ora, você e Serena vão ficar na
mansão até descobrirmos o mandante.
Razor está trazendo-a.
― Não posso ficar presa dentro
de casa! ― Levantou-se em um salto. ―
Fui convidada para tomar conta do
orfanato por uma semana no lugar de
Jared, que precisa viajar. Não posso
deixar passar essa oportunidade.
― Isso está fora de questão. Não
sei quem é o responsável por esse
ataque e vou precisar de todos em quem
confio realmente. Não vou deixá-la
desprotegida no orfanato ― Fabrizio
frisou, encontrando os olhos dela.
― Precisamos ficar de olho em
vocês duas. Não gosto da ideia de
inimigos as tocando... ― Valentino
colocou as mãos nos cabelos em um
gesto tenso.
Belinda pegou sua mão e se
sentou ao meu lado de novo, puxando o
irmão para se sentar no outro lado.
― Ficarei bem. O orfanato tem
guardas, acho que podem dar conta do
recado ― insistiu ela. ― E ninguém lá
sabe quem sou realmente.
― Belinda...
― Ah, vamos lá, gente! Alonso e
Rolander vão estar comigo! ― começou
a suplicar.
Eu não gostava da ideia de ela
ser vigiada por outras pessoas, não
confiava em nenhuma delas, apenas nos
irmãos, que se importavam com Belinda
e a amavam a ponto inclusive de dar sua
vida por ela. Eu sabia disso porque faria
o mesmo pelas minhas irmãs.
― Vou precisar deles. Como
disse, só vou deixar os que mais confio
com vocês duas. Alonso e Rolander
vigiarão Serena, e por isso quero você
lá junto a ela. ― Fabrizio tinha a
expressão sombria.
― Preciso me manter ocupada.
― Seus lábios tremeram. ― Ou ficarei
louca.
Contive o instinto de confortá-la.
Isso estava passando do limite. Eu não
podia me envolver. Então por que não
conseguia ficar longe?
― Tudo bem ― concordou
Fabrizio por fim.
― Fabrizio... ― começou
Valentino, não concordando.
No fundo eu estava de acordo
com ele, não queria que Belinda fosse,
mas a conhecia e sabia que ela não
ficaria presa em casa, sua mente
precisava de distração.
― Stefano vai tomar conta de
mim e me manter segura, e posso ficar
naquela casa que tem próxima ao
orfanato. Com o meu disfarce, ninguém
que esteja atrás de nós me seguiria e
atingiria quem está no orfanato. ―
Belinda levantou as sobrancelhas,
desafiando-me a dizer o contrário na
frente dos seus irmãos.
― Eu... ― comecei a falar que
não ia fazer aquilo, mas me detive,
porque, se ela fosse, eu a seguiria. Não
ficaria bem sabendo que ela podia
correr perigo.
― Ele vai fazer isso. ― Belinda
sorriu para todos e depois para mim. ―
Você me deve, Foguete, ou os Morellis
não têm palavra?
Aquela Diabinha me levaria à
loucura. Sabia que, ao dizer a última
frase, ela estava apenas me provocando
e não cobrando realmente uma dívida.
Belinda nunca cobraria por ter me
ajudado em meu surto.
― O que ele fez para dever algo
a você? ― inquiriu Santiago com os
olhos estreitos.
Fiquei tenso imaginando o que
ela diria, mas era uma reação exagerada,
pois Belinda jamais diria nada que não
devesse, embora eles tivessem me visto
em um momento difícil, quando surtei
em seu porão. Eu lhes agradecia por
ninguém ter tocado no assunto.
― Me impediu de esmagar o
oponente com quem ele estava lutando
quando o cara sugeriu que eu chupasse o
pau dele ― ela respondeu com um
grunhido. Sorriu para mim, levantando o
copo que tinha pegado da mão de
Valentino como se estivesse brindando.
― Por isso me deve. Além disso, você
não tem muito o que fazer aqui. Lá terá
mais coisas interessantes para fazer.
Imaginei as coisas boas que
podíamos fazer juntos. Uma delas
envolvia comê-la todinha. Expulsei esse
pensamento; ficar duro ali com os
irmãos dela presentes não seria sábio.
― Espera. Um dos lutadores a
tratou com desrespeito? ― indagou
Fabrizio. Olhou para Santiago e
Benjamin. ― Não estavam de olho nela?
― O cara estava no ringue com
Stefano, então teve o que mereceu. ―
Santiago suspirou, falando: ― Pena não
ter sido eu a fazer o serviço.
Matar o bastardo foi muito
prazeroso. Ele tinha a língua muito
afiada e falava muita besteira,
principalmente o que disse que ia fazer
com Belinda. Isso me deixou puto. O
verme não merecia respirar o mesmo ar
que ela. Escolhi lutar com ele porque o
maldito tinha batido em sua “ex” a ponto
de deixá-la em coma havia alguns anos e
saído ileso. O destino dele estava
selado antes mesmo que abrisse a boca
para insultar Belinda.
― Ótimo ― assentiu Fabrizio
para mim. Vi respeito em sua expressão
e outra emoção que não identifiquei, não
rápido o bastante antes que a fachada
voltasse ao seu rosto. ― Vai tomar conta
dela enquanto estiver no orfanato? Acho
que deve levar mais duas pessoas. Sage
e Javier irão com vocês dois, caso
aceite.
Eu acreditava que Alessandro
não se oporia, mesmo que preferisse que
eu ficasse perto dos irmãos para saber
se eles eram confiáveis. Eu acreditava
que eram, afinal, se não fossem, jamais
aceitariam deixar uma de suas irmãs sob
a minha proteção.
― Sage precisa tomar conta de
sua esposa e de sua filha ― interveio
Belinda antes que eu respondesse. ―
Por que tanta hesitação, Foguete? Está
com medo de ficar sozinho comigo? ―
Pelo tom de sua última frase, ela estava
com raiva. ― Se Stefano não quiser ir,
Fabrizio ― virou-se para ele, e percebi
que eu não gostaria do que ela diria ―,
se estiver com medo, você pode chamar
El Diablo. Ele é lindo, e posso acabar
me apaixonando...
Meus punhos se cerraram tão
forte que não sei como as juntas não se
quebraram na época. Levantei-me,
saindo de perto dela, uma vez que não
queria que visse minha reação. Eu tinha
lhe pedido que não falasse de nenhum
cara enquanto estivéssemos nos vendo.
Só a mera ideia de aquele idiota
tocando-a acabava comigo, ou melhor,
deixava-me louco para acabar com o
verme.
― Ele não é para você, Belinda.
― A voz de Fabrizio soou alta e dura.
― Há demônios demais nele, incapazes
de você lidar.
Demônios... eu também tinha
muitos, tanto que não sabia se um dia
seria feliz ou se poderia fazer alguém
feliz. Se os irmãos de Belinda achavam
que ela não podia lidar com El Diablo,
então não gostariam que ficasse com
alguém como eu.
― Preciso consultar Alessandro.
― Não queria ser o guarda-costas de
Belinda, pois não poderia sair de perto
dela caso eu surtasse novamente.
Quando meus demônios me comiam
vivo, eu sumia por uns dias, mas, no
orfanato, estaria com ela 24 horas por
dia.
Bem que Alessandro poderia me
livrar daquilo e me mandar voltar.
Chega de ficar de olho nos Castilhos e
lidar com uma Diabinha que me faz ao
mesmo tempo querer tomá-la e nunca
mais vê-la!
― Stefano... ― começou ela.
― Falei que vou conversar com
Alessandro! ― Saiu praticamente um
rosnado.
Saí antes que ela pudesse me
chamar de volta. Não estava com humor
para aturar mais de suas gracinhas. Fui à
sacada a fim de ligar para o meu irmão.
Vi notificações de mensagens,
mas as ignorei. Não estava com humor
para ver nada naquele instante.
― Stefano? Aconteceu alguma
coisa para ligar a essa hora? ― sondou
Alessandro assim que atendeu.
― Houve um ataque no clube de
luta dos Castilhos. Explodiram metade
do lugar ― informei.
― Ataque? De quem? ― Ouvi-o
dizendo algo e depois uma porta
batendo.
― Não sabemos.
Contei-lhe tudo que aconteceu.
― Então não sabem quem fez?
― Não, Fabrizio vai investigar.
― Suspirei. ― De qualquer forma, fui
encarregado de proteger Belinda. Ela
vai tomar conta do orfanato onde
trabalha essa semana.
Ele ficou em silêncio um
segundo.
― Deve ir fazer o que lhe foi
pedido ― disse por fim.
Encarei a escuridão da noite.
― O quê? Achei que não fosse
aceitar por preferir que eu ficasse aqui
observando todos.
― Não, Rafaelle vai para aí,
assim como Razor. Os dois podem
resolver isso junto aos irmãos Castilhos.
Só tome conta da garota.
Franzi a testa.
― Acho que eles são confiáveis
e confiam em nós, afinal vão me deixar
cuidar de sua irmã, então posso encerrar
aqui e ir embora. Todos são sinceros e
realmente adoram a Luna. ― Notei isso
durante o tempo que passei com eles e
gostei.
― Não, fique aí por mais um
tempinho, afinal pode ter traidores, e
preciso saber disso. ― O tom soou
estranho para Alessandro.
Por que a insistência em que eu
ficasse ali e ainda tomasse conta
daquela Diabinha que fazia meu sangue
ferver?
― Tem algo que está me
escondendo? ― perguntei. ― Algum
outro motivo para eu estar aqui?
― Não, só faça isso, mas se
lembre: não faça nenhuma besteira ―
advertiu.
― Isso não vai acontecer. ― Eu
poderia ter-lhe dito que a havia tocado,
assim ele me chamaria de volta para
casa, mas não era de desistir de uma
luta. Se aquela Diabinha gostava de
mexer com fogo, eu a faria se queimar
debaixo de mim.
― Ótimo. Só foque em protegê-
la ― pediu e desligou.
Não detectei mais nada ali, mas
ele era bom em esconder as coisas. Meu
instinto me dizia que algo não cheirava
bem naquela história. Percebia isso
desde que tinha chegado ali.
Estava a ponto de voltar para a
sala, não querendo mais pensar nas
minhas dúvidas sobre aquilo tudo e mais
controlado em relação a Belinda,
embora não menos furioso, mas
notificações sonoras de mensagens
começaram a vir uma atrás da outra.
Resolvi checar o celular.
“Lamento... Só disse aquilo
sobre El Diablo porque Santiago estava
desconfiado de algo”. Essa foi a
primeira mensagem de Belinda, antes de
eu ligar para meu irmão.
Pisquei e olhei através da porta
de vidro para a sala, onde a vi sentada
no mesmo lugar. Seus olhos se voltaram
em minha direção, e vi que ela estava
sendo sincera.
Saber disso tirou um peso que
nem notei que estava em meu peito.
Li as outras mensagens:
“Por que não me respondeu?”
“Não devia ser ciumento assim.
Quem falou que não tinha ciúmes?”
“Se prometi que não tocaria no
nome de outro enquanto estávamos
juntos, então devia acreditar em mim e
não ficar puto da vida e me ignorar.”
Era uma mensagem atrás da
outra, e eu sentia que a cada uma ela
ficava mais irritada.
“Quer saber? Vai à merda! Se
não acredita em mim, que assim seja!”
Depois disso ela passou um
tempo sem mandar outra mensagem, até
a última, um minuto atrás.
“Você é um idiota, estúpido,
tapado e teimoso como uma mula!”
Dessa vez eu ri com tantas
palavras sinônimas. Ela estava mesmo
furiosa.
“Você mencionou outro cara. O
que queria que eu fizesse? Lesse sua
mente? Sou algum telepata?”, escrevi e
enviei.
Notei que ela estava
respondendo, mas enviei outra
mensagem antes:
“Você me faz querer dobrá-la em
meus joelhos e encher essa sua linda
bunda de palmadas.”
Observei sua reação através do
vidro e a vi se remexer no sofá como se
estivesse se sentindo incômoda.
“O quê? Minha mensagem fez
essa sua linda boceta pulsar? Está
molhada para mim? Estou faminto para
comê-la, contando as horas para
ficarmos sozinhos e provar desse mel
que se tornou meu vício”, mandei.
Eu poderia tê-la fodido mais
cedo, mas vi hesitação em seus olhos.
Ela tentou esconder, mas não conseguiu.
Além disso, eu não queria ter de ser
rápido. Quando possuísse aquele corpo
delicioso, planejava passar horas
desfrutando dele.
― De quem são essas
mensagens? ― sondou Santiago.
Eu quis rir quando sua cabeça
voou na direção dele. Foi tão rápido que
não sei como não teve um torcicolo.
Entrei na sala de olho nela, que
estava com a respiração desigual.
― Serena ― mentiu,
recuperando-se.
Santiago franziu a testa. Antes
que ele comentasse algo, chamei a
atenção dos Castilhos informando que já
tinha minha resposta. Assim Belinda não
precisaria mentir mais, embora eu
adoraria ouvir o que diria.
― Então? ― sondou Fabrizio.
― Tudo certo, mas vou tomar
providências quanto à segurança de
Belinda. Não confio em seus homens até
ter certeza de que não estão envolvidos
no ataque. O guarda do clube de luta
com certeza foi comprado antes de ser
morto, só assim para deixar que eles
entrassem armados, então pode haver
mais traidores. ― Olhei para Sage e
Javier.
Esse último se eriçou.
― Está nos acusando? ―
rosnou. ― Poderia ser você.
Sorri de modo frio.
― Se fosse eu, não explodiria o
local, matando pessoas que não conheço
― falei com um sorriso sombrio para
Sage. ― Eu iria atrás daqueles que
quero e os torturaria por horas,
demorando para mandá-los ao inferno.
Sage sorriu com ironia.
― Como você quer fazer
comigo? Estou aqui. Por que não faz? ―
inquiriu, mas no final parecia mais
curioso que provocativo.
― Ele estaria morto antes que
tentasse algo ― disse Benjamin.
― Mas teríamos que explicar o
sumiço dele a Luna ― interveio
Santiago, parecendo falar consigo
mesmo.
― Não tenho medo da morte. ―
Ignorei os dois, continuando a fitar Sage.
― Só há uma razão para eu não ter dado
fim à sua vida: porque, de algum modo,
Luna tem amizade por você e sofreria
com isso.
Sage não disse nada, mas não
parecia com medo.
― Chega de tanto querer matar
um ao outro. ― Belinda se pôs de pé e
ficou entre mim e Sage. Eu não o
atacaria, embora vontade não me
faltasse. ― Se a reunião acabou, acho
melhor irmos dormir. Amanhã terei que
acordar cedo.
Dormir... Eu não sabia quando
havia tido uma noite de sono decente.
Poderia sair para espairecer, mas não
adiantaria; naquele momento, só queria
ficar ao lado de Belinda.
Após ela ir se deitar, fiquei na
sala mais um pouco a fim de resolver
tudo antes da sua estada no orfanato.
― Quem vai chamar para ajudar
você a protegê-la? ― sondou Fabrizio.
Só estávamos nós dois ali, os
outros tinham saído para checar alguns
dos negócios após a reunião.
― Viper e Lyn. ― Ao menos eu
esperava conseguir a ajuda dele.
― Lyn? O assassino fantasma?
― sondou. ― Achei que ele não
quisesse vê-lo.
― Sim. Tem algo que preciso
dizer, mas Belinda não pode saber que
contei. Ela pediu segredo, porém a sua
segurança vem em primeiro lugar. ― Eu
não me sentia mal por não cumprir a
promessa. O irmão dela tinha que saber.
A expressão de Fabrizio se
fechou, parecendo não gostar do que
estava ouvindo.
― O que Belinda esconde de
mim? Falei com ela tem pouco tempo, e
não disse nada. ― Sua voz soou dura.
― Aqueles homens não foram ao
cemitério por mim. Eles queriam a
Belinda ― informei.
Ele se levantou parecendo o que
era realmente, um assassino cruel.
― O quê?! Ela não pensa em me
dizer? ― Sacudiu a cabeça ― Por que...
― Porque, se fizesse, você não a
deixaria trabalhar mais, e Belinda
precisa disso. ― Suspirei. ― Ela
esconde a dor que sente de todos. Às
vezes a vejo rir, mas por dentro isso a
consome aos poucos.
― Porra! ― exasperou-se.
Era difícil ver aquele homem
calmo e frio perder o controle.
― Lyn apareceu há algumas
semanas para alertar sobre isso. Disse
que ela estava metendo o bico onde não
era chamada. No começo, não achei
nada que a relacionasse a quem quer que
fosse, mas...
― Após o que aconteceu com os
meninos do orfanato, acha que tem a ver
com a profissão dela?
― Suspeito que ela descobriu
algo, mas não sabe, e a consideram uma
ponta solta.
Ele suspirou.
― Você acha que vou deixá-la ir
para aquele lugar depois disso? ―
Cerrou os punhos.
― Ela precisa focar no trabalho,
e vamos protegê-la, vou me certificar
disso ― prometi. ― Além disso, pode
não ser nada relacionado ao instituto,
mas às crianças que ela vai verificar
após as adoções, já que faz o
acompanhamento dos casos. Talvez
apenas tenha relação com os meninos
sequestrados, e, como os libertaram,
ninguém tenha mais nada contra ela.
Arqueou as sobrancelhas.
― Acredita mesmo nisso?
― Não, mas Belinda tem que
trabalhar. Ficar parada em casa vai
consumi-la. Deixa que eu tomo conta da
segurança dela. Ficarei ao seu lado 24
horas por dia. Viper nos seguirá fora do
estabelecimento, e, se eu conseguir
ajuda de Lyn, ele pode nos vigar de
longe.
― Ficará sob sua
responsabilidade a segurança dela, e, se
acontecer algo à minha irmã, você estará
morto. Está ciente disso? ― Não era
uma ameaça vazia. Eu sabia que ele
faria exatamente isso.
― Fechado ― falei com
tranquilidade. Nem parecia que
estávamos falando da minha morte. Em
uma época de minha vida, eu temia isso,
mas fazia muitos anos que não mais. ―
Se eu não conseguir a ajuda de Lyn,
estava pensando em chamar El Diablo.
― Você não parece gostar dele
― observou, checando-me.
Dei de ombros. Tinha certa
antipatia por ele, ainda mais após saber
que Belinda o achava um deus grego ou
fosse lá o que fosse essa merda.
― El Diablo é profissional. Sei
que sua linha de trabalho são
assassinatos, mas ele é bom com
proteção também. Fez isso com a Mia e
deu muito certo. Pode funcionar com
Belinda, independentemente do que eu
sinta em relação a ele. ― Asco, pensei.
Ele assentiu.
― Acha que o ataque no clube
tem relação a Belinda? ― Serviu-se
uma bebida.
― Não creio. Quem fez isso
parecia querer espionar alguma coisa,
ao contrário daquele dia em que
tentaram nos matar. Aqueles homens são
treinados em um lugar que leva tudo de
você e não deixa nada. Acredito que
seja para um lugar desses que iam levar
o garoto que Belinda toma conta. ―
Levantei-me, querendo sair logo dali.
― Prometheus?
― Sim. Não sei bem sobre isso,
mas parece ser uma rede de corrupção
de lutas clandestinas. As crianças são
forçadas a isso e a coisas muito piores.
― Eu não estava me sentindo muito bem
falando sobre o assunto.
Por um momento, achei que ele
fosse perguntar como eu sabia disso,
mas não o fez. Agradeci-lhe
mentalmente.
― Tem gente minha procurando
informação sobre esse nome ―
informou-me.
Assenti.
― Vou tomar conta dela, e você
encontre também quem explodiu o seu
estabelecimento. ― Virei-me para sair,
mas ele me chamou. Voltei-me em sua
direção. ― Sim?
― Mãos para si enquanto estiver
com Belinda ― avisou, letal. ― Ela não
é algo que você pode pegar e descartar
em seguida. Minha irmã tem um futuro
com alguém que morreria por ela, que
daria sua vida para salvá-la. Se você
não vai ser esse homem, não a toque.
― Certo. ― Saí, porque não
queria falar do que eu estava sentindo
por Belinda. Na verdade, queria não
sentir nada, mas não achava possível
evitar.
Belinda tinha a capacidade de
conquistar qualquer um. Ao mesmo
tempo em que era valente, era altruísta,
adorava ajudar os outros, como aqueles
meninos sem pais e família.
Eu faria qualquer coisa para
ajudá-los a se livrar dos malditos
sequestradores. Não sabia se havia
mais, mas, se aparecessem, impediria
que os levassem.
Como não conseguia dormir e
não ia mandar mensagem para Belinda,
pois devia estar dormindo, resolvi ir até
ela. Só Fabrizio estava no apartamento.
Os guardas se encontravam do lado de
fora.
Entrei no quarto dela sem que
ninguém me visse e me sentei no sofá ao
lado da cama. Ela dormia
tranquilamente, então não a acordei.
Ficar ali, perto dela, ajudava a afastar
aquela ansiedade do meu peito.
Queria me deitar ao seu lado,
mas temia machucá-la caso eu acordasse
de um dos meus pesadelos, então me
contentei em vê-la dormir, pois, pelo
visto, era só isso que eu seria capaz
aquela noite.
Peguei sua mão e a segurei sem
que acordasse. Respirei fundo seu
aroma no quarto. Pensei nas palavras de
Fabrizio e no que Belinda merecia.
Estaria eu estragando sua vida? Poderia
ir embora agora... mas só pensar nessa
ideia retorcia meu intestino.
― Não vou deixar ninguém tocar
em você. ― Essa era uma promessa que
eu cumpriria custasse o que custasse.
Moveria o Céu e o Inferno para mantê-
la.
Estávamos no carro a caminho
do orfanato após deixar nossas coisas na
casa em que ficaríamos por aqueles
dias. Passei a noite observando Belinda
dormir. Sempre que fazia isso, sentia-me
muito bem, até pegava no sono. Só
acordei pela manhã, ainda cedo, com ela
despertando-me antes que seus irmãos
me vissem no quarto dela.
Fiquei chocado ao perceber
quanto dormi. Não tinha uma noite assim
havia muitos anos. O que mais me
impressionou foi não ter notado a hora
em que ela me cobriu com um cobertor,
pois a qualquer mero toque, eu acordava
assustado e fora de mim. Nem sequer
ouvi seus passos. Seria Belinda a causa
disso? Eu não sabia, mas descobriria
durante aquele tempo em que ficaríamos
juntos.
A sensação de dormir sem
interrupções foi maravilhosa. Eu
esperava que acontecesse de novo.
Muitas pessoas com insônia como eu se
entupiam de remédios, álcool e drogas,
mas eu não era fraco a esse ponto. Um
homem entorpecido pelas drogas fica
impotente, e eu jamais estaria assim
novamente.
― Obrigada por ter vindo
comigo ― agradeceu Belinda assim que
virei à direita na rodovia.
― Não foi nada. Não confio
muito nos homens dos seus irmãos nesse
momento.
Não queria deixá-la sozinha, por
isso estava ali e prepararia tudo para
sua segurança. Viper já tinha ido para o
local e me esperava lá, porém não
consegui localizar Lyn, portanto tive que
chamar El Diablo mesmo.
― Por isso não aceitou nenhum
deles aqui? ― indagou ela com o cenho
franzido.
― Não posso focar em sua
segurança se não confio neles, não é?
Além disso, seus irmãos não sabem que
aqueles caras no cemitério queriam você
e não a mim ou a eles ― menti. ―
Vamos checar cada um no orfanato, pois
acredito que tenha um infiltrado nesse
lugar. Só assim para saberem dos
garotos adotados. ― Tirei uma das mãos
do volante e peguei a dela.
― O maldito do Ramoni deu os
meninos para pagar uma dívida de jogo.
O que isso tem a ver com o orfanato?
― Neto disse que as coisas
estavam indo bem, mas então Ramoni
começou a jogar. Pelo que descobri
naquele dia, ele recebeu um telefonema
dizendo que seria morto se não fosse ao
cassino, e ali começou a perder e ficou
em débito com o estabelecimento. O
idiota foi um frouxo por amar mais a
vida dele do que a mulher. ― Era cada
tipo de homem que não devia existir... O
bom era que agora ele estava no inferno.
Consegui que ele saísse da cadeia,
eliminei-o e tive muito prazer com isso.
― Então você está pensando que
tem alguém dentro do orfanato que
informa onde os meninos estão para que
sejam sequestrados? ― Ela trincou os
dentes.
― Tem outra forma de levar
garotos. ― Contei a ela sobre o que vi
no cemitério.
― Numeram os meninos como
gado? ― Sua voz se elevou duas
oitavas.
― Sim. Havia números nos
corpos dos indivíduos no cemitério e até
nos dos que estavam no cativeiro dos
seus irmãos. Essas pessoas têm o intuito
de convencer as crianças e adolescentes
a ir com elas, falam de coisas que os
meninos querem, e então eles são
surpreendidos com o inferno que
encontram no lugar para o qual são
levados. É isso que vou checar aqui
também. ― Tinha um gosto amargo em
minha boca.
― Não acredito que meus
garotos queiram ir embora para algum
lugar ― sussurrou ela.
Belinda não perguntou como eu
sabia tanto sobre esse assunto. Poderia
imaginar que descobri na tortura dos
caras, mas, pelo seu olhar, eu sabia que
não acreditava nisso. Ela sabia que tinha
algo que eu não estava contando, mas,
como sempre, não perguntou nada,
mesmo que estivesse curiosa.
― Belinda, eles vivem em um
orfanato. Com certeza querem ser livres
e, quando têm uma proposta tentadora,
caem em cima. Conheço isso. Presenciei
coisas assim, e no final, quando caem no
inferno, é tarde demais. ― Sacudi a
cabeça, com a mente nebulosa.
― Não faz sentido. O sumiço de
uma criança em um orfanato teria que
chamar a atenção de assistentes sociais
e vários outros profissionais, além da
polícia.
― Verdade. Isso me faz pensar
que existe uma rede de corrupção de
menores, envolvendo pessoas que
trabalham no setor, e não devem ser
poucas. Tem que ter muita gente
envolvida. ― Quando colocasse minhas
mãos nelas, eu as faria pagar caro.
― Stefano, se a gente se deparar
com algo assim, você conseguirá lidar?
Se for demais para você, é melhor
deixar só com Viper e El...
― Não, vou lidar com qualquer
coisa que esteja lá dentro. Só o que você
tem que fazer é ficar diante das minhas
vistas. Eu te protejo de perto, enquanto
Viper e El Diablo defendem nossa
retaguarda caso surja algum perigo.
― Obrigada mesmo por estar
aqui. ― Apertou minha mão. ― Lorrany
vai ao orfanato três vezes por semana,
caso queira vê-la.
Meu coração acelerava toda vez
que pensava em contar a alguém não só
o que passei naquele lugar, mas o que
presenciei, enquanto não podia fazer
nada.
― Eu...
― Como eu disse, tome seu
tempo, mas precisa ir a um profissional
nem que seja para não dizer nada ao
menos no início. Depois acredito que
vai ter força para se abrir. ―
Aproximou-se de mim, beijando meu
rosto. ― Estarei com você sempre que
precisar.
Esse gesto tocou fundo meu
peito. Nós nos beijávamos, mas num
contexto diferente. Belinda não aceitava
muito carícias fora dos nossos
momentos íntimos. Isso me pegou de
surpresa, aliviando a sensação enervante
em meu peito.
Como eu não disse nada, ela se
afastou. Não foi porque eu não queria,
simplesmente não conseguia verbalizar
as palavras; ficaram entaladas em minha
garganta.
Estar próximo a alguém daquela
forma era algo novo. Seria daquela
maneira que meus irmãos se sentiram?
Se sim, era certo deixar aquele
sentimento fluir? Não, nada que havia
em mim permitiria a aproximação de
alguém, não daquele jeito. Estávamos
nos divertindo, mas eu esperava que não
passasse disso.
― Então o que vamos fazer
quando chegar lá? ― perguntou ela com
tom estranho, como se se sentisse
desconfortável após suas palavras e
gesto.
Uma parte de mim queria que ela
sondasse o que eu estava pensando, mas
eu teria dito? Não acreditava nisso,
porque não sabia o que estava rolando
de verdade entre nós. Só me sentia
confuso e desejava aquela mulher a cada
dia mais.
― Aja normalmente enquanto a
sigo como seu novo segurança para não
levantar suspeitas, assim vai ficar mais
fácil pegar os infelizes. ― E, quando
isso acontecesse, eu lhes ensinaria o que
era bom. Eu os faria pagar caro.
― Estou ansiosa por essa
semana, não só porque será bom para
minha carreira, mas porque quero que os
meninos se sintam bem no orfanato, que
não queiram fugir de lá. ― Ela suspirou
parecendo triste, mas se alegrou de
repente. ― Vou fazer alguma coisa para
deixá-los animados!
Nunca Belinda ficava para baixo
por muito tempo.
― Vamos focar em descobrir se
há perigo lá, depois resolveremos isso.
― Era melhor assim. Eu não estava
muito com humor para festas.
Parei o carro no estacionamento
do edifício imenso, que parecia uma
escola.
― Vou observar todos os
funcionários, assim teremos certeza de
quem está envolvido e quem não está,
embora saiba de uma coisa: nada
acontece em um lugar desses sem que o
diretor saiba. ― Desde a primeira vez
que vi Jared, não fui com sua cara, e
isso não tinha nada a ver com o fato de
ele ter uma queda por Belinda.
― Jared? Não, isso...
― Não é possível? ― zombei
com escárnio. ― Deve checar com
quem anda, Diabinha, mas isso só vai
aprender com a vida.
Sua expressão se fechou.
― Já aprendi. ― Tinha um toque
de dor em sua voz. Ela tentou esconder,
mas eu percebi.
Pensei em minhas palavras e no
que ela deu a entender, então me lembrei
do ex-namorado que a enganou e, por
causa disso, ela acabou perdendo a sua
irmã.
― Não foi isso que eu quis dizer
― apressei-me em explicar. Não me
dava bem com lágrimas, além disso não
queria que ela se culpasse, pois era isso
que fazia.
― É o que é ― sussurrou.
Virei-me para ela.
― Belinda, o que aconteceu não
foi sua culpa. Nunca acredite nisso, tá?
Agora pare de pensar no passado. Lá
dentro, não deixarei que fuja das minhas
vistas.
― Não acho que meu chefe vai
concordar com isso...
― Não dou a mínima para o que
pensam. A única coisa que farei será
protegê-la ― destaquei, interrompendo-
a.
Ela esboçou um sorriso.
― A única coisa que fará? Achei
que teríamos momentos juntos.
Eu ri.
― Também estou ansioso por
isso, mas será à noite. ― Estava mesmo
louco para me apossar do seu corpinho
lindo, só não podia me distrair do que
tinha que fazer ali.
Saímos do carro, e senti alguns
olhares em nós. Só podiam ser El
Diablo e Viper, que estavam em algum
lugar nos vigiando. Não ousei procurá-
los.
― O bom é que eles não sabem
quem sou. Todos pensam que sou assim
― ela apontou para seu corpo. ― Só
sabem que pertenço a uma família rica e
poderosa, mas nem imaginam que
mafiosa.
Belinda vestia um vestido largo
de vovó e usava óculos, que ficaram
bonitos sobre seu nariz arrebitado.
― Mesmo vestida assim,
continua sexy ― comentei com um
sorriso.
― Se comporte! ― ralhou,
dando-me um tapinha.
Olhei para a marquise, sob a
qual avistei o diretor do lugar sorrindo.
Esse homem me fazia querer apagar
aquele sorriso idiota de sua cara.
― O engomadinho parece feliz
em te ver ― grunhi com os punhos
cerrados.
― Somos amigos, e espero
continuarmos sendo se ele não for um
dos desgraçados que estão atrás dos
meus garotos. ― Ela não parecia
acreditar que aquele cara de cabelo
lambido fosse um criminoso.
― Veja por esse lado: se ele for,
vou adorar esculpir o sorriso do
Coringa nele. ― Respirei fundo, ficando
ao lado dela.
― Relaxa. Jared nunca tentou
nada comigo, além disso ele vai para a
Rússia a negócios. É por isso que estou
ocupando o lugar dele.
Eu ligaria para Nikolai Dragon,
o chefe da máfia russa. Ele era casado
com a prima do meu cunhado. Pediria
algumas informações sobre o que aquele
homem faria de fato lá. Eu era bom em
ler as pessoas e sabia que ele não era
flor que se cheirasse. Por trás daquele
sorriso de menino meigo e doce,
carregava algo escuro. Eu só precisava
descobrir o que era.
― Sei justamente por que ele fez
isso ― resmunguei com tom amargo.
Ela me fuzilou.
― Acha que não sou boa no que
faço para merecer ocupar o cargo de
diretora substituta?
― Justamente o contrário. Você
ama o que faz, e ele está se
aproveitando, mas veja por esse lado: o
idiota pode querer algo que não
consegue ter, e por isso lhe deu essa
responsabilidade, para ganhar pontos,
mas mostre o quanto é boa no que faz e
que jamais dará uma chance ele.
Sua expressão relaxou.
― Não estou me vendendo, não
é? ― Olhou para o idiota e depois a
mim. ― Não penso em ficar com ele,
jamais me rebaixaria a esse ponto.
Quero conquistar as coisas por mim
mesma.
― Está aproveitando uma
oportunidade, que vai assumir e se sair
bem. ― Aproximei-me mais dela.
― Obrigada. Não achei que
você fosse assim tão bom em dar
conselhos, achei que fosse dizer para eu
paquerar o cara e estava prestes a
aceitar a dica. ― Apressou-se em dizer
assim que fechei a cara e sorriu
travessa: ― Relaxa, estou brincando.
Nesse momento só quero você.
Dei um sorriso após relaxar e me
aproximei, falando em seu ouvido:
― O único que estará com a
boca entre suas pernas e o pau em sua
boceta serei eu, não esse trouxa nem
qualquer outro cara. ― Afastei-me
quando sua respiração ficou pesada.
Jared saiu do seu lugar e veio em
nossa direção com uma expressão
fechada a princípio, mas logo deu
aquele seu sorriso falso.
― Se comporte, Foguete ―
arrulhou ela assim que rosnei baixo.
Nenhum chefe viria buscar uma
funcionária no estacionamento. Aquele
cara estava louco para entrar em sua
calcinha, algo que não aconteceria. Eu
suspeitava que ele estava aprontando
alguma coisa, só não sabia o que ainda,
mas iria descobrir.
― Oi, Bella, que bom que veio!
― Aproximou-se como se fosse beijá-la
no rosto, mas a puxei para longe dele, o
que o fez me olhar com o cenho
franzido. ― Outro segurança?
― Sim, o outro está doente ―
mentiu ela. ― Esse é...
― Stefano. ― Não sabia se meu
sobrenome tinha poder em Barcelona,
por isso achei melhor não o dizer, assim
ele não nos ligaria à máfia. Esperava
que baixasse a guarda ao imaginar que
eu fosse um mero segurança. E resolvi
acrescentar: ― E sou namorado da
Bella.
Como suspeitei, detectei uma
surpresa nítida em seu olhar. O que ele
achava? Que ela não teria um
namorado? Vi fotos dele com mulheres
que não pareciam nada com a Belinda
naquele disfarce. Então o que ele queria
dela se não estava interessado?
― Sou Jared, o diretor do
orfanato ― apresentou-se, parecendo
orgulhoso disso.
Quase ri de sua pompa. Como se
eu me importasse com quem ele era ou o
que fazia....
― Não é novo demais para
exercer esse cargo? ― Eu o avaliava.
Acreditava que tinha quase a
mesma idade de Belinda. Devia ser só
um pouco mais velho, quase da minha
idade.
― Meu pai se aposentou e me
deixou o cargo. Esse legado passou de
geração para geração ― respondeu ele e
se virou para ela. ― Seu namorado ―
ele forçou as palavras a sair, notei isso
― pode se acomodar no refeitório
enquanto mostro a você tudo que precisa
fazer em minha ausência.
Notei que o infeliz queria ficar
sozinho com ela e não gostei disso.
― Na verdade, vou ficar com
Bella, se não se importa ― emendei
esse final por causa do olhar aguçado de
Belinda, embora eu não desse a mínima
para o que aquele engomadinho
pensasse ou deixasse de pensar. Não ia
pedir autorização a ninguém, muito
menos àquele imprestável.
Fui ao carro pegar minha
mochila, sem a qual eu não ficava, ainda
mais se houvesse a necessidade de usar
o que estava em seu interior.
O cara puxou Belinda para trás
de uma árvore, provavelmente para eu
não ouvir, mas escutei suas palavras,
mesmo aos cochichos.
― Bella, ele não pode seguir
você o tempo todo ― comentou o
maldito. O engomadinho estava de
costas para mim, então não me viu
aproximando-me. ― Esse é um ambiente
de trabalho.
― Eu sei, mas vou fazer o meu
trabalho, e ele, o dele. ― Ela suspirou
falsamente. ― Não quero que ele perca
o seu trabalho.
Ah, esse infeliz vai acabar
morto com um tiro na testa! É isso que
vai acontecer se não tirar a mão do
braço dela.
Belinda me lançou um olhar que
ordenava que eu ficasse quieto. Essa
mulher parecia me enxergar por dentro e
por fora. Isso não era bom.
― Vamos fingir que ele não está
aqui ― pediu ela com um sorriso,
desvencilhando-se do toque dele.
Oh, Diabinha, vamos ver se vai
mesmo ser capaz disso. Eu poderia
dizer uma resposta espertinha, mas
estávamos em seu trabalho, e eu devia
respeitá-lo.
― Ele precisa estar comigo,
ordens dos meus pais. Stefano gosta de
fazer o trabalho bem feito.
― Imagino ― ele resmungou
baixo, quase inaudível, depois falou alto
para Belinda: ― Eu vou na frente e
encontro você lá.
Ela assentiu enquanto ele entrava
no orfanato.
― Acha que ele está...
― Querendo entrar em sua
calcinha? ― Sabia que ela não ia
perguntar isso, mas resolvi brincar. Não
queria que Belinda pensasse nos
problemas, ou as coisas podiam ir de
mal a pior, afinal ela podia querer
investigar, e o infeliz resolver machucá-
la.
Bufou.
― Pode querer isso, mas não
chegará perto de lá. ― Fez uma careta.
Coloquei a mochila nas costas e
a puxei para trás da árvore, assim, se
alguém olhasse da casa, não conseguiria
nos ver. Beijei sua boca.
― Stefano, eu tenho que...
― Eu sei que precisa ir, mas se
lembre, quando estiver lá com o
engomadinho, de que o único a ter essa
boceta e todo seu corpo serei eu ― falei
em seus lábios.
Ela riu deliciada.
― Ficarei atenta a isso. ―
Sacudiu a cabeça e se afastou. ― Não
precisa ficar todo tempo comigo aqui,
sou capaz de lidar com alguém que
queira me fazer mal. Enquanto isso,
tome esse tempo para checar ao redor, ir
aonde os garotos estão e tentar descobrir
algo.
― Farei isso. ― Sabia que
Viper e El Diablo estavam de olho nas
câmeras que tinham instalado do lado de
fora do orfanato. Dentro, eu tomaria
conta. Se houvesse um problema, eles
me diriam. Seria bom se tivéssemos
câmeras dentro do local, mas não
queríamos estragar o disfarce.
― Esses meninos tiveram uma
vida sofrida, passaram por coisas
terríveis que os deixaram sem
esperança. Não será fácil se enturmar
com eles, mas conheço você, Stefano,
sei que pode fazer qualquer coisa. ―
Ela parecia ter tanta confiança nisso...
― Sou fácil de fazer as pessoas
me amarem ― brinquei com um sorriso
jocoso.
― E quanto a você? É fácil amar
alguém? ― sondou parecendo curiosa.
― Só há quatro mulheres pelas
quais daria a minha vida ― disse a
verdade, embora acreditasse que estava
entrando uma quinta pessoa na equação.
Contudo, não lhe disse isso, porque
aquele sentimento me fazia temer. Eu
não queria amar mais ninguém. Quanto
mais uma pessoa entrasse em minha
vida, maior era o risco de perdê-la.
Achei que Belinda iria perguntar
quem eram as mulheres, mas, como
sempre, não fazia nada do que eu
pensava que faria. Embora eu achasse
que ela tinha uma noção após nossa
conversa pelo túnel.
― Sorte delas então. ― Não
parecia se importar ou escondeu bem,
depois entrou no prédio antes que eu
pudesse dizer algo.
Queria entender o que ela
pensava e o que estava sentindo em
relação a mim. Às vezes sentia que ela
pensava em nós mais do que como um
simples caso, mas então, em outros
momentos, a sentia tão fria. Seria esse o
jeito dela ou realmente não tinha nenhum
sentimento por mim?
A pergunta que não queria calar
era: por que eu me importava com isso?
Era melhor focar no trabalho a pensar
naquilo agora, porque logo tudo
passaria, assim que eu fosse embora.
No começo, achei que seria fácil
me enturmar com os garotos, porém se
provou o contrário. Eu sentia a tensão
neles sempre que um dos guardas
passava perto.
Notei dois deles, um alto e outro
mais baixo. Eles lançavam olhares de
alerta aos meninos sempre que alguma
das funcionárias do local se
aproximava.
Peguei meu telefone, tirei uma
foto de ambos discretamente e mandei
por mensagem para El Diablo investigá-
los.
“Cheque esses dois homens para
mim. Pela forma como estão agindo, são
suspeitos.”
“Farei”, foi a mensagem que
veio de volta.
Assim que ele o fizesse, me
mandaria o resultado. Era melhor saber
com quem estava me metendo. Eu não
estava gostando do medo nos olhos
daquelas crianças. Já tinha visto isso
antes, algo que não achei que
presenciaria de novo, ainda mais em um
lugar como aquele.
Enquanto o que pedi não viesse,
iria colocar em prática o meu plano. Fui
até uma das mesas no refeitório na hora
do café da manhã. Nela havia quatro
garotos cuja faixa etária variava de 10 a
15 anos. Pela forma como reagiram,
sabiam o que estava acontecendo e
estavam envolvidos.
― Posso me sentar com vocês?
― Enrolei as mangas da minha jaqueta,
mostrando algumas tatuagens. Isso
geralmente chamava a atenção dos
garotos. Esperava que daqueles também.
Foi assim comigo no passado, quando vi
meus irmãos com suas tatuagens.
Quatro pares de olhos se
voltaram na minha direção, alguns com
expressão dura, outros, curiosa. Havia
várias outras crianças e adolescentes às
mesas pelo salão.
― Claro ― disse um dos
meninos, que tinha uns 12 anos.
Notei, do outro lado, um dos
guardas ficar tenso com minha
aproximação dos garotos, embora não
veio ao local onde eu estava. Bom para
ele.
Elevei meu queixo em sua
direção, um cumprimento para mostrar
que eu não tinha medo dele e de seu
comparsa.
― O que significa? ― um dos
garotos, o mesmo que me permitiu
sentar-me à mesa, questionou. Indicava
uma das minhas tatuagens, no braço
esquerdo, um espaço em preto com um
pião girando no cento.
Eu não queria dizer o
significado, mas, se não o fizesse,
demorariam para se abrir comigo.
― Durante um tempo, estive em
um buraco-negro, era pião nas mãos dos
outros ― respondi finalmente. ― Até
que dei um basta e lutei pelo meu
próprio caminho.
Após dizer isso, me arrependi.
Queria que os garotos ficassem ali, não
que saíssem por aí atrás de seu destino,
então me apressei em explicar o
significado para que entendessem.
― Embora eu tivesse tudo e
pessoas que se preocupavam comigo,
queria viver aventuras pelo mundo, e
onde achei que encontraria o paraíso,
me tornei isso. ― Apontei para o pião.
Na verdade, tornei-me coisa pior, mas
eles não precisavam saber daquilo.
Uma parte do que eu disse era
verdade, sobre ter pessoas que se
importavam comigo, minha família – ao
menos parte dela. Todavia, não era
verdade que eu quis fugir e viver coisas
novas. Jamais teria deixado meus irmãos
e minha mãe.
Os meninos não disseram nada,
mas percebi que minhas palavras
mexeram com alguns deles. Outros
continuaram a comer desconfiados,
principalmente um deles, o de cabelos
ruivos, cuja expressão era a mais dura e
parecia ser o líder do pequeno grupo.
O curioso foi que o menor deles
calou a boca após perguntar sobre a
tatuagem depois do olhar de advertência
do suposto líder.
― Podem me dizer o nome de
vocês? ― inquiri olhando cada um com
meu sorriso divertido.
― Por que quer saber? ―
indagou um deles com a testa franzida.
Pelo visto eu precisaria de mais
do que meros sorrisos amigáveis para
fazer aqueles garotos se abrirem. Era
claro que levaria tempo.
Dei de ombros enquanto comia.
― Me chamo Collen ― disse o
menor, que parecia mais conversador.
Ele me lembrava muito o Jet.
Parei nesse pensamento, ou não
conseguiria continuar falando com os
meninos. A minha função era descobrir a
verdade por trás daquele lugar.
Os outros disseram seus nomes.
O único que não o fez foi o líder deles.
― Antônio ― informou Collen,
indicando o de cara fechada.
Podia sentir olhos em mim, não
só os dos dois guardas. Devia haver
mais ali, mas só liguei para um olhar, o
de Belinda. Ela estava perto do
refeitório falando com outra mulher.
Sorri, pegando meu copo de café
e o levantando em um cumprimento,
encontrando seus olhos. Ela retribuiu e
disse algo à sua companhia.
― É namorado da senhorita
Bella? ― perguntou Collen ao seguir
meu olhar.
Notei que os outros meninos
estavam curiosos com isso, mas não
verbalizaram nada.
Namorado? Não, mas tínhamos
um lance que eu não queria que acabasse
tão cedo. Eu disse aquilo ao chefe de
Belinda porque não queria que o infeliz
arrastasse asa para ela.
― Sou segurança dela ―
informei.
― Ela é muito boa. Vou sentir
falta dela... ― interrompeu-se como se
falar aquilo lhe trouxesse dor.
Percebi o garoto Antônio
chutando-o por debaixo da mesa, mas
fingi não notar, embora isso tenha me
dado o que pensar. Ou ele seria adotado,
o que eu duvidava muito, ou eles
estavam pensando em sair. Seria por
isso que os guardas estavam tão tensos?
Eu podia checar alguma coisa com eles,
mas isso geraria a suspeita de todos ali.
Precisava ir com calma, afinal não
podia torturá-los por respostas, mas
podia fazê-lo com um dos guardas.
― Sim, Bella é perfeita. ―
Mesmo com aquela roupa feia ela era
sexy. ― Obrigado, garotos, por me
deixarem ficar aqui e fazer companhia a
vocês. ― Fiquei de pé. ― Agora vou
falar com Bella. A gente se ver por aí.
Saí antes que dissessem algo,
deixando claro que eu não queria saber
de nada que não estivessem prontos para
contar. Iria ter minhas respostas de outro
jeito, um no qual eu era bom.
Cheguei ao local em que Belinda
estava com sua colega.
― Oi, moças ― cumprimentei-
as sorrindo.
― Stefano, meu novo segurança
― disse ela à mulher, depois a mim: ―
Essa é Sully, uma das cuidadoras daqui.
A loira olhou para Belinda e
depois para mim com um sorriso.
― Esse segurança é mais
agradável que o outro ― comentou.
Realmente Javier não era de
sorrir muito. Até eu podia ver por que a
mulher disse aquilo.
― Posso falar com você? ―
pedi a Belinda.
― Claro ― assentiu.
A mulher saiu, deixando-nos a
sós. Ela se aproximou mais de mim.
― Descobriu...
― Em casa conversamos ―
cortei-a, só no caso de alguém estar
ouvindo. ― Mas esse processo é lento.
Não posso ir direto, ainda mais com
olhos sobre mim.
Ela suspirou, checando o salão.
― O que foi? ― sondei,
notando-a estranha.
― Tem algo que Jared disse que
está me incomodando ― sussurrou.
― O quê? ― questionei. Talvez
eu descobrisse algo com sua resposta e
associasse ao que já tinha visto e
ouvido. Acreditava que a maioria era
paga para manter a boca fechada, pois
tinham garotos tensos com a
aproximação dos guardas, outros com os
punhos machucados, como se tivessem
socado algo, ou seja, podiam ter sido
testados ou estar treinando. O estranho
era que não havia como fazerem isso
sem ser notados.
― Me perguntou se conheço
alguém que pertence à máfia. ― Olhou-
me. ― Acha que ele desconfia de quem
eu seja?
― Não creio. Mesmo com
aquela fachada de bom moço, ele teria
tentado eliminá-la. Acho mais provável
que saiba que a máfia interceptou a
entrega dos garotos, e eles devem estar
se perguntando como integrantes da
máfia sabiam disso. Ao menos eu ficaria
curioso se estivesse em seu lugar. Vamos
ficar de olho.
― Certo, vou ficar mais atenta,
afinal você não pode estar comigo 24
horas.
― Falei que ia ficar de olho em
você e vou manter essa promessa ―
disse com firmeza. ― Assim que
chegarmos em casa, quero conversar
sobre algo que descobri.
Não queria falar ali. Varri meus
olhos pelas proximidades e notei
Antônio indo até um dos guardas que me
observaram quando eu estava à mesa
dos garotos.
Eu não sabia o quê, mas algo
estava rolando ali. Só precisava
descobrir o que era.
― Vamos esperar que não seja o
que estamos pensando. ― Ela tinha
esperança, isso porque não sabia o que
eu havia presenciado.
Depois disso, Belinda voltou ao
trabalho, e fiquei de olho tanto nela
como no orfanato.
Era bom que ali havia muitas
formas de os meninos se divertirem,
como basquete, natação e outros
esportes. Mesmo assim, eles queriam
fugir. O garoto Antônio tinha saído após
eu vê-lo mais cedo no refeitório.
No final da tarde, Belinda se
aproximou de mim com sua maleta e um
sorriso imenso.
― Posso saber a razão desse
sorriso lindo? ― Queria puxá-la para
mim e me apossar de sua boca, mas
estávamos em público e no trabalho
dela.
Por que eu tinha esse desejo?
Era algo mais do que sexual, e eu não
estava pronto para isso. Queria só
terminar o que tinha ido fazer na
Espanha e partir.
― Você está bem? ― indagou
ela quando chegamos ao carro. ― Não é
ruim se sentir mal se essa porcaria tiver
infestado este lugar.
Mudei minha expressão, porque
ela parecia enxergar através de mim.
― Esses garotos passaram por
tanta coisa para chegar aqui, onde
deveria ter algo para eles, mas o que
encontraram? Toda essa corrupção. ― A
fúria que me tomava era enorme. Era
melhor descobrir quem eram aqueles
malditos do que ficar pensando no que
eu não podia ter.
― Verdade, mas vou fazer tudo
que puder para ajudá-los. ― Eu gostava
do modo confiante dela; se algo estava
errado, Belinda sempre dava um jeito de
conseguir remediar.
― Eu sei que vai. ― Sorri
enquanto entrava no carro. ― Então qual
o motivo de sua felicidade antes de
pensar no problema que temos aqui?
Ela se sentou no banco do carona
e se virou para mim animada.
― Yago e Paco foram visitar o
Neto junto a outra assistente social
daqui, a Pam, e a psicóloga. Ele está
bem e amanhã ou depois vai ser trazido
para cá. ― Belinda estava eufórica.
― Por que não foi você que os
acompanhou? ― sondei curioso.
― Jared me queria aqui para me
mostrar o que devo fazer em sua
ausência. ― Ela deu um suspiro.
― Logo você vai estar com eles.
― Parti com o carro, mas antes, por
instinto, dei mais uma olhada no
orfanato. Antônio estava escorado na
parede com seus amigos, mas encontrou
meus olhos por um segundo. ― O que
sabe sobre ele?
Aquele garoto parecia mais
maduro do que era de fato, seus olhos
duros mostravam que ele tinha visto
coisas terríveis na vida. Eu conhecia
esse sentimento.
Ela seguiu meu olhar e sorriu
para Antônio, acenando com a mão. Ele
desviou os olhos de mim e a observou,
mas sua expressão não mudou, depois
focou nos seus colegas.
― Ele é muito fechado, chegou
aqui alguns meses atrás após perder sua
avó, que tomava conta dele. Não tem
familiares, então o caminho foi entrar no
sistema. ― Perdeu seu sorriso lindo. ―
Tentei me aproximar, mas...
― O quê? ― Belinda teria
notado algo nele, assim como eu?
― Não sei, não queria forçá-lo.
― Franziu a testa, encarando a janela.
― Tem algo que a preocupa
sobre ele?
― Sabe aquela sensação de que
ele passou por mais do que ter sido
criado por uma avó amorosa? Embora
eu saiba que uma perda pode fazer
alguém sentir como se tivesse sido
privado da alma. ― Ela levou a mão ao
peito como se quisesse tirar sua dor.
― Ei. ― Coloquei a mão em sua
perna para distraí-la. ― Senti a mesma
coisa acerca de Antônio. A forma como
nos olha é diferente, é igual... ― Pisei
no freio, fazendo nós dois irmos para
frente. Por sorte, estávamos com cinto
de segurança.
― Stefano!
― Puta que pariu! ― Não, isso
não pode estar acontecendo! Mas só
pode ser isso! Não há outra explicação
para essa merda fodida...
O dia foi promissor. Tudo
caminhou bem, e fiquei atenta a tudo,
mas não consegui descobrir muita coisa.
Apesar disso, estava feliz por Yago,
Paco e Neto estarem se recuperando.
De repente, o carro sacolejou e
fui lançada para frente. Praguejei, assim
como Stefano, mas provavelmente não
foi pelo mesmo motivo.
― Puta que pariu! ― Seus olhos
estavam arregalados, e por um breve
segundo pensei que ele fosse surtar
novamente.
― Stefano ― chamei-o. ― O
que está acontecendo?
Estávamos falando de Antônio,
um dos garotos que tinha chegado havia
algum tempo no orfanato. Eu adorava
meus meninos, tanto os antigos quanto os
novos, mas aquele adolescente tinha
algo em seu olhar e comportamento que
eu não conseguia entender. A forma
como agia era como se ele fosse um
robô ou tivesse treinado muito para não
mostrar seus sentimentos. O que isso
significava? Pela sua postura, parecia
que Stefano sabia a resposta.
― Posso estar errado, mas agora
sei como eles convencem os garotos a
cooperarem a fugir. ― Ele ainda parecia
aturdido, mas depois uma sombra cruzou
suas feições. ― Como não suspeitei
antes?
― Stefano, dá para dizer o que
há em sua cabeça? O que descobriu?
Porque está me deixando louca ― frisei,
tentando me controlar.
― Sabe aquele menino Antônio?
Não é um garoto qualquer. Acredito que
infiltraram nos orfanatos meninos que
foram treinados em arenas Prometheus.
Isso explica o olhar de Antônio. Não é o
de alguém que sofreu vendo um pouco
do inferno, é de quem viveu em um. ―
Olhou para trás, para o estabelecimento.
Stefano estacionou na margem da
rua. Tínhamos avançado poucos
quilômetros.
― Está dizendo que aquele
garoto de 15 anos é um assassino
profissional? ― indaguei de forma
dúbia.
Eu só podia estar ouvindo
errado. Não podia ter um assassino entre
os meninos que eu cuidava.
― Posso estar errado, mas tudo
indica que não estou. ― Sua expressão
se tornou sombria. ― É um plano
perfeito para eles. O diretor e os
guardas cuidam para não ser acionada
uma investigação, enquanto esse
infiltrado entre os garotos os convence a
fugir.
A fúria cresceu dentro de mim
após saber disso. Deu-me vontade de ir
até lá pegar aquele fedelho, mas, se ele
tinha sido criado igual a Lyn, era
perigoso. Podia atacar as outras
crianças e machucá-las. Eu não deixaria
que isso acontecesse!
― O que vamos fazer? Não
podemos deixá-lo lá! ― Virei-me para
Stefano.
― Vou checar. Um dia desses,
faça com que todos vão à piscina. Diga
que é uma competição entre eles ou que
estão comemorando a volta de Neto ou a
recuperação dele, qualquer coisa, mas
preciso ver Antônio sem camisa para
conferir. ― Deu um suspiro duro. ―
Embora ele deve ter coberto a tatuagem.
Ao menos eu teria feito isso.
― Está dizendo que ele foi
numerado igual os homens do cemitério?
― Eu estava puta da vida com aqueles
vermes que faziam algo assim com
crianças.
― Sim. ― Voltou a dirigir. ―
Se ele for quem acredito que seja, vai
ter uma tatuagem ou uma cicatriz de
remoção no lugar em que ela deveria
estar.
Sacudi a cabeça.
― Esses malditos vermes
imundos! ― Cerrei meus punhos. ―
Minha vontade é ir lá acabar com aquele
fedelho.
― Não podemos mostrar que
suspeitamos de algo. É preciso ter
certeza. Vou dar um jeito nisso.
Arqueei as sobrancelhas.
― Vai matar um garoto? Mesmo
sendo ele quem é? ― indaguei curiosa.
Ele não respondeu, o que já era
uma resposta. Stefano era contra maus
tratos de crianças, assim como eu, mas
tinha algo a mais nele. Casos assim
pareciam trazer-lhe memórias de algo
que viveu.
Marco não era um pai amoroso.
O monstro fez coisas terríveis com ele e
seus irmãos. Eu recordava de nossa
conversa no cemitério e da dor que ouvi
em sua voz.
― Não tenho a menor ideia. O
pior é que, no fundo, não é culpa deles
serem assim. Foram treinados para não
se importar, só seguir ordens. ―
Trincou os dentes. ― Quero mesmo é
quem está por trás dessa escória
maldita. Seu chefe é um deles.
Escorei-me no banco, encarando
a estrada.
― Custo a acreditar que Jared
esteja envolvido. É sua função proteger
todos aqueles garotos. ― Queria eu
mesma esganar o desgraçado. Só não
havia chutado sua bunda ainda porque
precisava focar no plano.
― Não tem como ele não estar
envolvido. Sem sua ajuda, já teriam
descoberto a tempos essa quadrilha.
Não é só ele, mas juízes e outros que
trabalham no ramo. ― Semicerrou os
olhos. ― Isso me diz que todos devem
participar de Prometheus.
A sua fúria ultrapassava o auge.
Eu teria até pena dessas pessoas caso
Stefano as descobrisse e resolvesse
fazer justiça.
― O que acontece de fato nesses
lugares? ― Temia a resposta, mas, pela
forma como Stefano agia, ele tinha
ficado em algum lugar parecido ou
presenciara alguma atrocidade. Só assim
para ter essa veemência, esse ódio que
sentia. O que me levava a crer que era
uma das razões de ele não suportar ser
tocado em algumas áreas de seu corpo,
como pescoço e orelha, ou ser abraçado
por trás.
Meu estômago se embrulhou com
a suspeita de que alguém o tocara ou
tinha chegado perto de fazer isso. Eu não
queria perguntar, afinal, se estivesse
pronto para falar, ele o faria.
Com minha questão, a dor tomou
suas feições belas. Como eu não queria
trazer-lhe lembranças ruins, mudei de
assunto. Já tinha uma ideia do que
acontecia no inferno que deviam ser as
arenas Prometheus.
― Será que Lyn sabe sobre isso?
― Após verbalizar, tive certeza de que
ele sabia, afinal me alertou que eu
estava me metendo em algo que não era
da minha conta.
Stefano me fitou com perguntas
em seus olhos, mas não fez nenhuma,
embora eu tenha visto gratidão em sua
expressão por eu ter mudado de assunto.
― Acredito que sim. Só queria
uma forma de falar com ele. ― Encarou
a estrada, mas percebi sua respiração
ofegante.
Ficamos em silêncio um
momento, ele com seus pensamentos
longe, e eu querendo arrumar uma forma
de ajudá-lo a superar seus traumas.
Além disso, estava preocupada com os
meninos do orfanato. Focaria nisso.
Depois conversaria com Stefano.
Quase ri. Por que iríamos
conversar, se o que tínhamos não
passava de um caso? No começo, achei
que isso fosse bom, mas não sabia
mais... pois todo passatempo tem um
fim, e o nosso podia acabar a qualquer
momento.
Pensar nisso fez algo se retorcer
dentro de mim. Seria mais prudente
terminar tudo então?
― Terminar o quê? ― indagou
ele, trazendo-me dos meus pensamentos.
Nem tinha notado que disse isso
em voz alta. Recuperei a compostura,
não querendo falar sobre aquele assunto
naquele instante. Aproveitaria enquanto
eu o tinha.
― Nada. ― Olhei ao redor,
notando que já estávamos na casa que
era minha fachada, a casa de Bella
Stewart.
Stefano não disse nada, e eu não
soube se acreditou, o que eu duvidava.
Ele às vezes parecia me conhecer mais
do que eu mesma. Talvez apenas também
não quisesse conversar sobre aquilo.
Fugia quando o assunto se voltava para
o lado emocional, assim como eu. No
final, teríamos que conversar sobre o
que havia entre nós, se daríamos um
nome à relação ou se seria só sexo
casual.
― Belinda, o que está te
incomodando? ― perguntou ele assim
que entramos na casa. ― Temos de
resolver essa merda antes que seja
jogada no ventilador.
O imóvel não era grande como
uma mansão, mas era gostoso ficar ali.
Eu já tinha permanecido algumas vezes
no local, afinal a casa da minha avó na
cidade não era longe da propriedade.
― Eu sei que temos. ―
Precisava de um tempo sozinha para
pensar no que devia fazer em relação a
nós, e ficar perto dele não me deixava
pensar com coerência.
― Preciso conversar com El
Diablo, Fabrizio e Alessandro. ―
Stefano me puxou para seus braços e
beijou minha testa.
― Enquanto isso, vou tomar
banho. ― Quando ele me tocava, eu
perdia todas as minhas forças.
Ele sorriu.
― Minhas ligações serão
rápidas. Logo me junto a você. ― Eu
ouvia sua fome em cada palavra.
Subi as escadas assim que ele
foi dar o resumo do que aconteceu no
dia aos nossos irmãos e El Diablo. Um
arrepio tomou meu corpo. Adorava a
ideia de tomar banho com Stefano. Por
que eu não podia ficar longe dele? Sabia
a resposta para essa pergunta, mas não
queria aceitar. Nosso relacionamento,
que antes era só sexual, vinha se
tornando algo mais forte, tanto que a
mera ideia de tudo acabar fazia meu
interior se retorcer.
Tomei banho e fiquei sentada na
cama encarando a janela sem nada ver
realmente.
― Belinda, o lugar está pegando
fogo ― ouvi Stefano dizer e o vi na
minha frente, estalando os dedos.
― O quê?! ― Levantei-me em
um salto, olhando para os lados,
buscando o perigo. Foi quando notei que
ainda estava enrolada na toalha e que
não havia perigo algum.
Stefano suspirou.
― Estou te chamando há uns dez
minutos. ― Sentou-se ao meu lado e
pegou minha mão. ― O que está
acontecendo? Sei que não é só sobre os
garotos. Se fosse apenas isso, você
estaria furiosa e não pensativa assim.
Olhei para ele e fiquei tentada a
contar o que eu realmente sentia, mas,
conhecendo Stefano, isso o faria correr
para longe, e eu não podia perdê-lo, não
agora. Precisava dele comigo. Queria
dizer que era só para me ajudar, mas não
era. Sendo realista, queria mais tempo
com ele. Talvez até começasse a gostar
de mim também.
Não respondi, não queria falar
sobre aquilo, só aproveitar o momento.
Beijei-o, tomando sua boca e o montei,
fazendo o possível para não tocar em
nenhum lugar, exceto seus braços.
― Belinda... ― sussurrou na
minha boca.
― Não quero conversar, só
vamos transar. ― Se eu conversasse
naquele momento, iria me perder, ou
melhor, iria perdê-lo, porque ele me
deixaria, eu tinha certeza disso.
Stefano me observou, mas mudei
minha expressão, não querendo que ele
soubesse o que eu andava pensando.
― O que foi, Foguete? Não
queria que ficássemos a sós para a gente
aproveitar? ― provoquei-o, tentando
afastar sua desconfiança sobre os meus
pensamentos.
Ele retribuiu alguns segundos
depois, e me perdi em seus braços.
Colocou-me na cama, pairando sobre
mim, não deixando de me beijar,
enquanto eu desfrutava de um turbilhão
de sensações. Nós já havíamos nos
tocado antes, mas naquele instante o que
eu estava sentindo era mais profundo.
Fitei seus olhos, que estavam
abertos me observando, e não conseguia
desviar o olhar. Podia um dia ter amado
Gazo, mas, com Stefano, era diferente de
tudo que eu já tinha sentido. Meu
coração estava acelerado como nunca.
― Quer que eu tire sua roupa ou
você mesmo tira? ― Merda, por que
minha voz está estranha? Pigarreei.
― Belinda, o que está havendo?
― Afastou a boca da minha, seus olhos
estreitos.
― Nada ― menti.
― Besteira. ― Afastou-se,
deixando-me nua na cama. ― Tem algo
em sua cabeça, sinto isso. Vamos falar
sobre o assunto e depois fazemos o que
você quiser.
Ficou sentado aos pés da cama,
encarando-me. Eu sabia que ele não ia
fazer nada se eu abrisse o jogo, por isso
não contaria, não agora. Só queria
aproveitar e esquecer que cometi a
mancada de deixar acontecer o que jurei
nunca fazer novamente.
― Tudo bem, eu resolvo meu
problema sozinha. ― Abri minhas
pernas, e, de onde ele estava, tinha uma
bela visão.
Levei meus dedos à minha
boceta e trisquei meu clitóris. Enquanto
isso, levei a outra mão aos meus seios
com um gemido.
― Vai ficar só olhando ao me
ver fodendo sozinha? ― Não me desviei
de seu olhar um segundo.
― Belinda... ― Sua voz soou
rouca.
― Gosto de me tocar, mas
preferia sua boca em mim. A sensação
dela chupando meu nervo pulsante é de
outro mundo... ― Puxei o bico do seio,
dando-me mais prazer. Abri mais minhas
pernas, deslizando os dedos pelos
lábios íntimos, e enfiei o indicador
dentro de mim profundamente, depois o
tirei molhado e o levei à minha boca,
gemendo novamente.
Seus olhos estavam abrasadores
e famintos.
― Quero sentir seu pau entrando
todinho em minha boceta... ― Chorei de
necessidade.
Ele tirou suas roupas com
rapidez nada elegante e as jogou longe,
sentando-se em frente a mim. Peguei seu
pau e o atraí para a minha boca.
― Me deixa saboreá-lo... ―
Estava ereto e pronto. ― Não acho que
eu posso viver sem isso. Acho que estou
apaixonada pelo seu pau ― provoquei.
O cara era realmente gostoso (ou apenas
gostei de chupá-lo).
Stefano riu deliciado enquanto
eu o levava à minha boca e fechava os
olhos. Circulei meu clitóris, mas então
minha mão foi afastada, e a sua tomou o
lugar dela. Só o mero toque dele fazia
meu corpo quase entrar em combustão.
― Muito melhor sua mão do que
a minha, Foguete. ― Sorri e voltei a
chupá-lo com toda a fome que eu estava
sentindo.
― Porra, você é linda demais!
― Arfou. ― Também acho que adoro
sua boceta.
Ele enfiou um dedo em mim e
circulou meu clitóris, enquanto seu
quadril empurrava para frente em minha
boca, mas não me forçou a ir mais
fundo, nem quando sua outra mão
agarrou meus cabelos.
Suas palavras sujas estimulavam
ainda mais o meu prazer. Na verdade,
Stefano em si me provocava uma
combustão. Apertei mais sua coroa com
os lábios, a língua triscando o
apadravya, fazendo-o rosnar.
― Por mais que eu ame sua
boca, não quero gozar nela, não hoje. ―
Puxou seu pau para fora e abaixou o
rosto até o meu centro. ― Quero sentir
seu gosto, que amo, antes de me enterrar
em você.
Meu coração martelou com essa
palavra, “amor”. Era tão simples, mas
podia trazer um grande estrago. Era
desse estrago que eu não sabia se iria
me recuperar algum dia, assim que tudo
findasse.
― Está esperando o quê,
Foguete? Minha boceta também está
louca para ter sua boca. ― Era melhor
falar a pensar.
Ele soprou meu centro,
deixando-me mais eufórica por suas
carícias, e logo me devorou de forma
faminta.
Isso! Essa sensação era melhor
que a outra. Com a luxúria, com o
prazer, eu podia lidar, mas com o amor?
Estaria pronta para dar esse passo?
Poderia até estar, mas Stefano não
poderia ser aquele a quem eu entregaria
meu coração. Como fui me deixar cair
assim?
Ele parou o que estava fazendo e
pairou em cima de mim.
― Belinda, o que está
acontecendo? Se não estiver pronta,
podemos esperar. ― Ali estava ele,
deixando a decisão em minhas mãos.
Tão diferente de Gazo, que me disse
que, se eu o amasse, teria de ficar com
ele, e no fundo fiquei para provar isso.
Como eu era ingênua e estúpida! Era
isso que o amor fazia, deixava as
pessoas vulneráveis e tolas. Ao menos
eu me tornei assim. Achei que tinha
aprendido a lição, mas, pelo visto, não
tinha.
Eu confiava em Stefano a
respeito do sexo e estava pronta para
dar aquele passo por mim mesma, sem
ser na base da coerção. Não era isso que
me incomodava, mas deixaria que ele
pensasse que sim. Era melhor do que a
verdade.
― Estou pronta, quero isso ―
assegurei com firmeza. ― Quero você
dentro de mim.
Ele me avaliou um segundo.
― Stefano, se eu não estivesse,
não estaríamos aqui, pode ter certeza
disso. ― Deixei o rosto o mais tranquilo
que pude, assim não estragaria o
momento.
Então ele me beijou, e coloquei
minhas pernas à sua volta. Senti-o
pronto e necessitado por mim, logo
estava me preenchendo. A sensação foi
maravilhosa, de total prazer e plenitude.
― Merda, sinto suas paredes
apertarem meu pau... ― rosnou em meus
lábios enquanto começava a se mover.
― Isso, me fode com força,
Foguete! ― Fechei meus olhos,
balançando meu corpo conforme a
intrusão.
Cada estocada dele me levava
ao limite do prazer. Essa sensação
prazerosa era tão diferente da outra
experiência que tive. Antes, para mim,
sexo devia ser tudo igual, mas enfim
percebia que não. Ao menos com
Stefano não se comparava a nada, a não
ser o nirvana.
Nossos olhares se conectaram
assim como nossos corpos já estavam
coesos. Com a forma como ele me
fitava, parecia enxergar minha alma,
assim como eu a dele. Esse sentimento
tomou posse de mim como mágica.
Resplandecia como o sol. Eu me sentia
flutuando não só de prazer, mas com
algo em meu peito que tomava conta e a
cada dia ficava mais forte.
Fechei minhas pálpebras,
rompendo o contato, pois era um
sentimento que eu não queria sentir
naquele instante; só queria desfrutar do
prazer e da luxúria.
― Você é gostosa demais! ―
Apossou-se da minha boca enquanto
batia fundo em mim.
Ele não ficava atrás enquanto me
fodia duro. Digo duro porque ouvíamos
nossos corpos batendo em sincronia
perfeita, como se fôssemos feitos para
nos encaixar assim.
Não, isso é só foda e mais
nada!, entoei ao meu cérebro, assim não
correria o risco de cair ainda mais
profundamente naquele espiral de
emoções e sair com o coração partido.
Algo me dizia que seria uma queda pior
do que a de um arranha-céu.
Minhas mãos apertaram o lençol
forte, querendo tocá-lo, mas me segurei.
Não queria estragar o momento e, pior,
levá-lo a sentir aquele tormento que já
tinha visto antes em seu rosto.
Uma de suas mãos foi parar entre
minhas pernas, circulando meu clitóris.
― Abra os olhos. Quero vê-los
quando você gozar em meu pau. ― Sua
voz crua me enchia ainda mais de tesão.
A sensação era boa demais para
eu sequer abrir os olhos. Além disso,
queria evitar pensar na turbulência em
meu peito.
― Belinda. ― Parou de se
mover, fazendo-me gemer de frustração,
pois estava chegando perto... ― Eu sei o
que está fazendo.
Finalmente encontrei os olhos
dele.
― Se sabe, deveria querer o
mesmo, Foguete. Agora se mexa, ou
terei que fazer sozinha? ― provoquei,
não querendo tocar no assunto, não
agora.
Ele me avaliou por um instante,
mas, após suspirar, voltou a me beijar e
a se movimentar. Era melhor dessa
forma, assim ninguém sairia machucado.
Cada impulso que ele dava me
levava à porta do paraíso, o que eu
estava amando. Os movimentos de seus
dedos em meu clitóris aceleraram, o que
me fez gritar, mas sua boca abafou o
som, engolindo meu orgasmo alucinante.
Juro que eu via um turbilhão de luz
através das minhas pálpebras fechadas.
― Isso, goza em meu pau! O
quero branco com meu orgasmo e o seu!
― Logo em seguida, apertou-se contra
mim com força. Eu sabia que ele estava
gozando. Seu corpo ficou tenso e deu
mais duas estocadas, então se deteve
com um gemido sexy.
Ficamos ali, parados, até nossas
respirações se restabelecerem, então o
que ele disse me veio à mente, e pisquei,
empurrando-o.
― Mas que porra! Você não usou
camisinha! ― Tentei sair dos seus
braços, mas ele não deixou.
― Relaxa...
― Relaxa? ― grunhi,
empurrando-o de novo. Enfim me deixou
ir, e me levantei, fuzilando-o. Tive que
me firmar, pois minhas pernas estavam
bambas.
― Você usa pílula ― declarou.
Não era uma pergunta.
Estreitei os olhos.
― Como sabe? ― Eu usava
anticoncepcionais para controlar meu
período. ― E isso não me impede de
pegar alguma doença, afinal sei de sua
fama, maior que a torcida do Barcelona.
― Nunca transei sem camisinha
― afirmou sério.
― Por que quis fazer comigo? E
como sabe que uso controle de
natalidade? ― perguntei novamente,
mentindo, pois não era esse o propósito
das pílulas.
― Vamos dizer que entrei no seu
quarto quando fiquei na sua casa. ―
Não parecia arrependido.
― O que foi fazer lá?
― Não conseguia dormir e,
como Luna estava dormindo na época e,
quando fico assim, converso com ela,
Jade ou Graziela, fui ao seu quarto para
conversar, mas você estava dormindo
profundamente. Seu telefone tocou na
gaveta do criado-mudo. Foi lá que vi a
cartela. ― Deu de ombros, sentando-se
na cama.
― Você saiu logo depois? ―
pela forma como ele falou, eu tinha
certeza que não, mas achei melhor
checar.
― Não, me sentei no sofá e
fiquei lá por horas. ― Ele olhava para
seus pés. Não parecia arrependido, só
confuso, como se não entendesse por
que tinha estado lá. Talvez fosse por
isso que tinha ido novamente ao meu
quarto na noite anterior.
Eu poderia ficar puta, mas sabia
sobre sua insônia devido aos pesadelos.
Ouvi-o gritar uma vez, mas ninguém
pareceu ouvir. Acho que todos estavam
focados na doença de papai. Só escutei
porque passava em frente ao quarto de
hóspedes na hora. Bati com força na
porta para acordá-lo e me escondi atrás
do grande vaso com uma planta no
corredor. Vi-o sair e procurar o
responsável no corredor. Sua expressão
me fez sentir mal por ele por semanas. A
dor vincava sua expressão como se ele
estivesse andando sobre brasas.
― Não vou chutar sua bunda por
ter feito isso ― provoquei, não
querendo que ele se voltasse de novo
para sua mente repleta de dor.
Stefano me olhou um momento,
talvez tentando ver se eu estava com
raiva, mas realmente não estava.
― Aposto que eu venceria,
embora seja ruim, afinal você tem uma
bela bunda sexy ― continuei, sorrindo.
― A sua que é completamente
sexy.
Ele me puxou para seus braços,
beijando-me. Quando percebi, era tarde
demais para fugir daquele sentimento,
ele já estava ali, em meu peito. Não
havia nada que eu pudesse fazer para
mudar isso. Estava completamente
apaixonada por Stefano.
Eu sentia que Belinda andava
estranha desde a nossa primeira transa.
No começo, achei que tivesse se
arrependido, mas não foi isso, não após
termos transado três vezes.
Suspeitava que fosse o mesmo
problema que eu tinha, o fato de não
conseguir parar de pensar nela nenhum
segundo, a vontade de ficar sempre ao
seu lado, algo que não era possível. Não
quando eu não podia fazê-la feliz.
Olhei para a vasta piscina, onde
os garotos do orfanato estavam reunidos.
Neto era o único que não se encontrava
lá, pois ainda se recuperava em um dos
quartos. Após tudo que aconteceu com
os três irmãos, deixei alguém tomando
conta dele enquanto estava
hospitalizado, no caso de as pessoas que
o queriam voltarem.
Na borda da piscina, Belinda
estava falando com Yago e Paco.
Chamava minha atenção com sua
elegância e carisma, pois ela era assim,
amigável com todos naquele lugar.
Algumas pessoas realmente gostavam
dela, mas outras não eram tão
simpáticas. Não a tratavam mal, porém a
olhavam de modo desgostoso. Essas
com certeza eram os miseráveis que
estavam fazendo daquele
estabelecimento um abatedouro ao levar
os garotos embora.
Após falar com El Diablo,
confirmamos que realmente não existia
nenhum Antônio Hardy. A informação
estava tão bem escondida que, se a
hacker que ele usou não fosse boa, não a
teria conseguido. Aquele garoto não era
quem dizia ser. Era para termos agido
antes, mas achamos melhor esperar o
momento certo para o desmascarar.
Desde que entrei no orfanato
naquela manhã, não tirei meu foco dele.
Queria saber o que realmente fazia ali.
Se seu objetivo fosse machucar os
meninos, teria eu coragem de matá-lo?
Seria capaz de matar qualquer um, mas
um garoto, ainda mais quando ele viveu
tantas atrocidades, assim como eu um
dia?
Antônio encontrou meus olhos, e
vi quem realmente era. A fachada caiu,
talvez quisesse que eu visse. Em um
segundo, era um simples garoto, e no
outro, um assassino sem qualquer
emoção.
Indicou com o queixo a direção
do vestiário. Foi tão sutil que quase não
notei, mas eu era bom observador.
Segui-o. Tinha chegado a hora de
descobrir a verdade sobre ele.
No começo, achei que aquele
rapaz queria levar todos os meninos,
mas, após observá-lo naquele dia, notei
que Antônio, ou fosse qual fosse seu
nome, não trabalhava para os malditos.
Ele tinha ido para o orfanato com a
intenção de espionar ou proteger as
crianças. Em certo momento, enquanto
observava todos se divertindo, percebi
saudade em seu olhar. Isso me deu muito
o que pensar. Entretanto, uma coisa era
certa: ele era um assassino.
Cheguei ao vestiário e o encarei
do outro lado do cômodo. A princípio,
minha intenção era desmascará-lo, mas
já tinha visto a sua verdadeira face, o
que realmente fazia. Só não sabia o
motivo de ele estar ali.
― Você tem um segundo para
dizer quem é antes que eu derrame seu
sangue nesse chão. ― Apontei a arma
para ele.
Suas mãos estavam relaxadas ao
lado do corpo e não pegaram nenhuma
arma.
Antes que ele respondesse, um
telefone no banco próximo a mim tocou.
― É para você ― disse o
garoto, indicando com o queixo o
celular.
Estreitei os olhos, mas peguei o
aparelho e o comprimi na orelha sem
desviar a atenção do meu alvo.
― Fique parado, ou estouro seus
miolos. ― Esperava realmente não ter
de fazer aquilo.
Ele não retrucou, ficou ali
parado, de olho em mim.
― Quem é? ― perguntei direto,
assim que atendi. ― É melhor ter uma
boa explicação, ou seu amiguinho aqui
vai voltar para você aos pedaços.
― Pelo que eu soube, você não
mata crianças, mesmo sendo uma delas
uma assassina ― disse a voz da pessoa
que eu estava à procura havia um bom
tempo.
― Lyn. ― Suspirei. ― Por que
mandar um garoto vir aqui disfarçado de
órfão?
Tinha uma vaga suspeita, mas
queria uma resposta para confirmar.
― É minha função encontrar
esses vermes, e a maneira mais fácil que
achei foi infiltrando nos orfanatos
garotos que resgato. É uma quadrilha
bem articulada, então preciso ser
cauteloso, pois são muitos espertos,
embora eu seja mais ― me disse com
aço na voz. ― Você, no entanto, indo
parar aí foi uma surpresa com que eu
não estava contando.
― Desde quando sabe sobre este
lugar?
― Alguns meses atrás, logo
quando enviei Jacob para se infiltrar aí.
Foi quando eu soube de sua garota. Até
consegui mantê-la no escuro por um
tempo, e a sua ausência devido à doença
do pai ajudou, mas as coisas se
complicaram com a adoção dos irmãos
Laions. O perigo começou a cercá-la
logo que retornou ao trabalho, e foi
quando vi vocês dois juntos.
― Desde quando sabe quem ela
é? Porque aqui todos a conhecem como
Bella.
― Já há algum tempo, mas não
ligo para seu disfarce. O que quero
saber é qual o seu plano, já que tem El
Diablo e outro cara de olho no lugar.
― Conhece El Diablo? ― A
pergunta deveria ser se ele já tinha
ouvido falar de El Diablo, porque eu
acreditava que não tinham se conhecido
pessoalmente. ― Ele tentou localizá-lo.
Acho que quer você trabalhando em sua
agência.
― Quem não o conhece? ―
Bufou. ― Trabalho sozinho, não preciso
de uma agência. Agora me diga, o que
fazem aí?
Como sempre sem enrolação.
Ele sempre era assim, ia direto ao
ponto.
― Achávamos que seu garoto
convencia os meninos a fugirem daqui, e
os guardas acobertavam, assim como o
diretor do local.
― Eles não são tão inteligentes
para bolar esse plano. Sorte para mim.
― Suspirou.
― O que vai acontecer agora?
― Preciso saber os nomes dos
locais onde mais Prometheus estão
instaladas, por isso coloquei Jacob aí.
Os guardas são pagos para conseguir
garotos e treiná-los para, quando forem
supostamente adotados, já terem
serventia ao ser levados para a arena,
como ia acontecer com o garoto Laion.
― Veneno escoava de sua voz.
― Se sabe quem são os guardas,
por que ainda estão vivos? ― Nessa
semana, eu pensava em pegar um deles e
torturá-lo, mas, como suspeitei do
garoto infiltrado, sabia que havia um
plano ali, então precisava descobrir
antes de tomar uma decisão. Só não
contava que quem estava por trás dele
fosse Lyn.
― Porque eles não sabem onde
as arenas ficam, só são pagos para fazer
o serviço, além disso, não quero só uma
localização, como você descobriu com
aqueles caras que torturou. Quero mais
localizações, e o cara que dá ordens ao
diretor do orfanato sabe onde estão. ―
Ele estava puto da vida.
― Sabe quem é ele, mas não o
pegou ainda? Quem é?
― Como disse, não quero uma
ou duas localizações, quero todas. O
cara é convidado para as lutas e já foi a
algumas em várias Prometheus. E, antes
que pergunte por que não o torturei para
descobrir as outras localizações, Jair
Calixto só sabe os locais em cima da
hora, e, nos últimos meses, já foi a sete
dessas arenas ― falou com um suspiro
duro.
― O juiz da suprema corte? ―
Ele era tio de Jared Calixto. Os dois
estavam envolvidos naquela organização
maldita.
― Sim, esse mesmo, mas não
faça nada. Quero saber de mais
localizações, e amanhã vou saber onde
fica outra Prometheus.
― Como sabe os dias das lutas,
mas não tem conhecimento dos locais
em que acontecem?
― Ele vai sempre às quintas e
sábados ― informou-me. ― Então, seja
o que estiver planejando, peço que
espere um pouco mais.
Não era pedir muito, afinal eu
queria que aqueles malditos pagassem
com juros por tudo que faziam.
― Vou deixar como está por
enquanto, mas, se respingar em Belinda,
vou massacrar todos. E quero estar junto
quando você for acabar com os
malditos. ― Não podia ficar de fora
daquilo, estava contando com a
possibilidade de fazê-los pagar.
― Fechado. Só preciso localizar
o cabeça dessa organização, não os
peões...
Fomos interrompidos por tiros lá
fora. Corri com o telefone na orelha e a
arma pronta para atirar.
― Vocês estão sendo atacados!
― ouvi-o dizer. ― Controle a situação.
Vou ver o que posso fazer.
Encerrei a chamada. Meu foco
era Belinda, ela não podia sair
machucada. Meu intestino se retorcia só
em imaginar essa hipótese.
Corri para a piscina, mas não a
avistei, assim como Paco e Yago. Havia
outras crianças no local, mas não eles.
Meu coração estava acelerado, o que
piorou quando não a vi.
― Bella, onde ela está?! ―
perguntei a uma mulher escondida num
canto tomando conta de um grupo de
garotos pequenos.
― Ela foi com Yago e Paco para
o quarto de Neto. Falei para não irem,
pois chamei a polícia, mas Bella não me
ouviu. Disse que não podia deixar Yago
ir sozinho à procura do irmão.
Tinha que ser a Belinda! Ela não
podia ser aquela que se esconde em
algum lugar até o perigo passar, mas sim
a que vai para a batalha enfrentar a
todos. Porra! Aquela mulher me deixaria
de cabelos brancos ainda jovem.
Fui até Jacob, o verdadeiro
nome de Antônio.
― Mantenha as crianças
protegidas, leve-as a algum lugar
seguro. Não confie em ninguém aqui,
atire antes e pergunte depois se a pessoa
parecer suspeita ― falei com urgência.
Não o vi com alguma arma, mas devia
ter uma em algum lugar e, mesmo se não
tivesse, saberia lidar. ― Vou tomar
conta de Belinda e dos irmãos Laions.
Esse ataque não foi aleatório.
― Aposto que querem aparar as
pontas soltas ― disse e foi até o grupo
de crianças que a mulher estava
mandando ficar abaixado.
Mais tiros soaram na parte
externa. Eu apostava que El Diablo e
Viper estavam revidando. Corri
enquanto ligava para El Diablo.
― Estou ocupado aqui, se não
percebeu! ― foi seu cumprimento.
― Quantos são? ― ignorei seu
tom irritado.
― Uns 12 homens. Abatemos
cinco, mas alguns passaram por nós. Vai
ter que cuidar deles você mesmo.
Praguejei baixo ao desligar e
corri para o andar de cima. Sabia onde
ficava cada quarto. O dos irmãos era no
final do corredor à esquerda.
Ouvi um choro de criança e
depois um grito. Esse era de Belinda.
Apressei meus passos, indo em direção
a esses sons.
― Os deixe ir e fique comigo!
― ouvi a voz dela lá dentro. Essas
palavras significavam que um deles
tinha passado e chegado até eles.
Alguém gemia de dor, o que significava
que havia sido ferido. ― Por favor, não
os machuque mais! Faço qualquer coisa!
Belinda não suplicava por
qualquer motivo. Isso mostrava que
estava sem opção.
Andei devagar e silenciosamente
e cheguei à porta do quarto. Vi Yago
sangrando com um tiro que parecia ter
sido no ombro, pois o sangue minava
daquela região. Ele e Belinda estavam
na frente de Neto e Paco, protegendo-os.
Gostei daquele garoto e de sua ligação
com os seus irmãos. Tinha ido ali só
para tomar conta de Neto e foi
sequestrado antes só para deixar os
caçulas seguros. Lembrava-me muito
meus irmãos e a mim.
― Vamos matar os garotos, mas
podemos nos aproveitar dessa gostosa
― disse um cara. Não ouvi resposta,
então supus que estivesse falando por
escuta.
O terror invadiu os olhos de
Belinda, que ainda não tinha me visto. A
cada vez que o homem mencionava o
que ia fazer, a fúria tomava posse de
mim a ponto de me deixar cego.
Ah, vou fazer esse verme pagar
caro!
Em minha cabeça, imaginei tudo
que faria a ele.
― E eu vou estripá-lo. ―
Poderia dizer mais coisas que lhe faria,
mas Paco estava ali, chorando baixinho.
Eu não queria traumatizar ainda mais os
garotos.
O infeliz se virou para me olhar,
mas, antes que pudesse me ver, atirei no
seu ombro e me lancei sobre ele,
derrubando-o no chão. Não o queria
morto agora, precisava obter
informações. Além disso, não queria que
os meninos presenciassem.
― Poderia te matar agora, mas,
por enquanto, isso vai servir. ―
Nocauteei-o com a coronha da arma,
fazendo-o apagar.
― Stefano! ― Belinda se
colocou de pé e veio me abraçar,
colocando os braços em torno do meu
pescoço. ― Não o encontrei em lugar
nenhum! Estava preocupada.
Meu corpo se sacudiu com o
toque nessa região. Isso me fazia ter
lembranças que não queria.
― Desculpe... ― Afastou-se,
talvez sentindo como meu corpo ficou
tenso.
Nós nunca conversáramos sobre
isso, mas eu sabia que ela desconfiava
de que algo havia acontecido, só não
tinha ideia da atrocidade cometida.
― Estou bem. ― Não queria
falar sobre isso agora nem acerca do
que descobri sobre o chefe dela. Quando
fôssemos embora, eu lhe contaria tudo,
exceto a parte do que vivi. ― Temos
cobertura.
Olhei para os meninos. Ela se
virou para eles também. Era melhor isso
a pensar no meu tormento vivo.
Ademais, meu coração estava na mão
por ter temido chegar muito tarde até
Belinda.
― Vocês estão bem? ― sondou,
indo até os três irmãos.
― Sim, estamos bem ― disse
Neto com a respiração difícil.
Fui até ele, peguei-o e o
coloquei na cama. Ele ainda estava
ferido em suas costelas, devia ter se
machucado mais durante a invasão.
― Pode ficar aqui, ninguém mais
vai entrar.
― Obrigado por nos salvar ―
agradeceu Yago, levantando-se. Ele
tinha quase a minha altura. ― Acha que
os outros meninos estão bem?
― Creio que sim. Antônio e uma
mulher de coque está com eles.
― A senhorita Arminda. Ela é
legal ― falou Neto enquanto Paco se
deitava na cama com ele.
― Precisa cuidar disso, Yago.
Vamos ao banheiro para eu dar uma
olhada. ― Belinda o levou para o
banheiro, que ficava não muito longe.
― Enquanto isso, vou ficar na
porta. Ninguém vai entrar aqui. ― Essa
era uma promessa que eu não quebraria.
Levou alguns minutos para
conseguirem neutralizar o ataque. Eu
queria ter participado da ação, mas não
deixaria nem Belinda nem aqueles
garotos desprotegidos.
Como tudo foi empurrado para
debaixo do tapete e saímos como
vítimas, ninguém suspeitou de quem
éramos. A polícia se desculpou pela
demora em chegar informando que só
souberam tarde da invasão ao orfanato.
A desconfiança deles era de que tinha
sido uma disputa entre gagues. Quase ri
quando ouvi essa ladainha vinda de um
dos policiais ao explicar a morosidade
aos funcionários do estabelecimento.
― Bando de hipócritas... ―
falei baixo para Belinda.
Nós estávamos mais afastados
de todos, pois já tínhamos dado o nosso
depoimento.
― Esse com certeza trabalha
para quem está envolvido nesse ataque
― sussurrou de volta e suspirou ao
olhar para Yago e Neto, que estavam
sendo levados por uma ambulância.
Paco chorava por não querer deixar os
irmãos.
― Vou pegá-lo. ― Avisei a ela e
fui até o menino, que parecia perdido e
assustado enquanto via seus irmãos
serem levados. Os dois estavam bem,
era só rotina, afinal um levou um tiro no
ombro, e o outro já tinha fraturas antes
de aquela merda acontecer.
Belinda veio até mim e se
abaixou na frente dele.
― Oi, homenzinho. Seus irmãos
vão ficar bem, só precisam ser
hospitalizados, mas logo vão estar aqui
― ela disse tocando sua cabeça.
― Queria ir com eles ―
murmurou. ― Mas Yago pediu que eu
ficasse.
― Eu sei, meu anjinho. Que tal
eu ficar aqui com você até que eles
voltem?
Franzi o cenho. Mesmo que ela
tivesse ficado no lugar do diretor, não
podia fazer nada sem o miserável
permitir.
O garotinho olhou para Belinda
como se ela fosse seu anjo da guarda.
― Vai me levar para ver Neto e
Yago depois? ― perguntou com os
lábios tremendo.
― Sim, eu vou, mas amanhã,
prometo. Hoje dormirei aqui, e nada irá
se aproximar de você.
― Bel...la ― Ia dizer o nome
dela, quando me lembrei de quem ela
era ali. ― Acho que precisa de
autorização para ficar aqui, ou não?
― Falei com Jared quando
relatei que o orfanato foi invadido. Até
lhe comuniquei que deveríamos levar as
crianças para outro lugar até sabermos
mais sobre a invasão, mas ele disse que
vai enviar seguranças, então não preciso
removê-las.
― Aposto que ele não gostou
nada disso. ― Respirei fundo para não
grunhir.
Apesar de tudo, achei bom
Belinda ficar; assim os meninos não se
sentiriam sozinhos. Esperava que Lyn
tivesse descoberto a outra arena para a
qual o tio de Jared foi, pois eu estava
louco para matar o desgraçado.
Paco ficou olhando para
Belinda.
― Vai ficar tudo bem, garotão.
Vamos tomar conta de você ― prometi.
Eu tinha certeza de que Jared
tinha mandado gente para matar Yago e
seus irmãos. Tinha gente de El Diablo
cuidando dos outros garotos no hospital,
nada chegaria até eles, enquanto
tomávamos conta de Paco, não só pela
promessa que fiz a Yago de manter o
irmãozinho a salvo, mas também porque
o menino parecia perdido.
Belinda deu um sorriso radiante
para o garotinho.
― Vai ficar mesmo comigo,
senhorita? ― sondou ele com esperança
na voz.
― Sim, meu anjo. Vamos para
um dos quartos, onde dormirei ao seu
lado. ― Pegou a sua mão e depois me
olhou. ― Vai ficar comigo?
Sacudi a cabeça aquiescendo.
― Não vai ficar fora da minha
vista. ― Segui-a para dentro.
Meia hora depois, estabilizamos
as coisas no orfanato, e os seguranças
que Jared disse que mandaria chegaram.
Devia ter feito isso para não parecer
suspeito, mas eu não confiava em
nenhum deles. Mandei mensagem para
El Diablo descobrir quem eram. Ele
disse que checaria e me informou que
havia câmeras no orfanato colocadas
por Jacob. Com elas, eles estavam de
olho em todos os lugares.
Quando tudo estava resolvido,
queria levar Belinda para nossa casa...
Nossa? Devia estar mesmo louco por
pensar em ter uma casa e uma mulher
como ela, tão bondosa, fingindo-se de
forte na frente de todos.
O que aconteceu naquele dia
provava que eu não estava pronto para
um relacionamento. O medo que senti de
chegar tarde demais não era normal.
Não podia deixar ninguém entrar em
meu coração cheio de trevas.
Olhei-a colocando Paco para
dormir. O menino não dormia sozinho
após tudo que presenciou na casa dos
Ramonis, ficava sempre com Neto ou
Yago. Em sua situação, esse medo de
estar só era normal, afinal vinha
passando por muita coisa desde que
perdeu seus pais.
Deixei os dois e fui ao fundo do
corredor a fim de ligar para El Diablo,
que atendeu ao segundo toque.
― Stefano. ― Foi seu
cumprimento.
― Sabe de Lyn? ― Precisava
falar com ele. Não esperaria mais para
derrubar aquela maldita escória.
― Está comigo agora.
― Me deixe falar com ele.
― Vou passar. Mas antes quero
que saiba que os meninos estão
protegidos. Arrow e Knife estão de olho
neles. Nada os alcançará. Vou passar
para Lyn agora.
― Eles chegaram muito perto
hoje. Encontrei um deles com os garotos
e Belinda. ― A raiva me consumia tão
forte que fazia minha boca amargar.
― Foi um erro. Achávamos que
eles arrumariam um jeito de tirar os
garotos daí de outra forma, não imaginei
que fossem atacar para eliminar um
alvo. ― Lyn suspirou. ― O bom é que
isso prova que eles não sabem sobre
você e sua garota.
― Já deu essa merda toda.
Espero que tudo seja resolvido hoje, não
vou deixar Belinda ficar nesse antro
infestado de vespas.
― O juiz e seu sobrinho, o
diretor do orfanato, vão a uma das
Prometheus que fica em uma ilha não
muito longe daqui. Esse é um novo
local. Estou preparando meu pessoal
para atacar as instalações amanhã, assim
que estiverem lá.
Eu sabia que o infeliz não estava
na Rússia! Nikolai me ligara no dia
anterior avisando que Jared não tinha
pisado lá.
― Deixe Jared vivo. Quero ter
minha vez com aquele maldito, assim
como com o homem que quase matou os
meninos. ― Quando os policiais
chegaram ao orfanato mais cedo, só se
depararam com os corpos do lado de
fora. Não matei o que queria eliminar os
irmãos Laions. Esse, Jacob tinha levado
consigo para Lyn.
― Fechado. Depois dou um jeito
de descobrir mais lugares. ― Ele deu
um suspiro duro.
― Posso te ajudar com isso ―
ofereci, querendo entrar naquela guerra.
― Não está ocupado protegendo
sua garota?
Minha garota... Por que meu
coração balançava sempre que ouvia
isso? A sensação era boa, como se eu
merecesse ter alguém como ela, mas não
merecia. Meu destino era ficar sozinho e
pagar por tudo que fiz.
― Se eu eliminar toda essa
escória, ela ficará bem. ― Por que
parecia que meu peito tinha sido
esmurrado?
― Tem certeza de que quer ir
por esse caminho? Não vamos terminar
logo. Estou nisso há anos e nem cheguei
perto de acabar.
O aperto em meu peito ficou
insuportável após tomar minha decisão.
― Sim. Limpe o orfanato, que
depois vou com você ― respondi e
suspirei.
― Tudo bem ― concordou e
depois ficou em silêncio por um tempo.
― Stefano, se não estiver pronto para
isso, você...
― Estou pronto ― garanti,
querendo arranjar uma forma de ajudar
todos aqueles garotos que tiveram o
mesmo caminho que nós. Ninguém
merecia aquela porra fodida.
― Ok, então vou resolver tudo
essa noite. ― Desligou.
Respirei fundo, discando outro
número que precisava ser notificado
sobre o ocorrido naquele dia.
― Stefano? Ligando a essa hora,
suponho que tenha acontecido algo ―
disse Alessandro.
― Sim. ― Contei a ele tudo o
que aconteceu no orfanato. ― Essa
merda é fodida.
― Sim, é. Ainda mais porque
não descobrimos quem atacou o clube
de luta dos Castilhos. Pareciam ser
membros de gangues comuns, mas por
que o suicídio? Tem algo aí que não faz
sentido. ― Ele estava frustrado. ―
Pergunte isso ao Lyn quando falar com
ele. Talvez saiba.
Eu tinha me esquecido de
perguntar aquilo ao meu amigo, mas,
como ficaria com ele por um tempo,
acreditava que saberia caso ele tivesse
conhecimento do caso.
Contei meus planos para
Alessandro.
― Então vai deixar a menina
Castilho? Achei que estivesse se
envolvendo com ela.
Eu conhecia meu irmão e sabia
exatamente o que ele pensou que iria
acontecer.
― Eu só vim ficar com os
Pachecos para espioná-los para você,
Alessandro...
Um ofego me fez virar e
encontrar os olhos de Belinda
arregalados de dor e traição.
Porra, esse dia não podia ficar
pior, pensei amago.
Eu tinha acabado de colocar
Paco para dormir e de receber uma
ligação do hospital dizendo que os
meninos estavam bem. Estava feliz por
todos termos saído vivos e, naquele
momento, só queria desfrutar dessa
felicidade e alívio com Stefano, mas,
após ouvir suas palavras, meu corpo
parecia que tinha recebido uma descarga
elétrica dos pés à cabeça. Não, aquilo
não podia ter acontecido de novo... Eu
devia ter ouvido errado.
― Belinda... ― ele começou a
dizer dando um passo até mim, mas dei
um para trás, não querendo seu toque
naquele instante.
― É verdade? Você se
aproximou da minha família para
espioná-la? ― Que não seja isso, por
favor!, pensei, mas a forma como ele me
olhava dizia que eu estava certa.
Stefano respirou fundo.
― Sim, eu...
― Seu desgraçado! Como pôde
fazer essa merda?! ― Ri com desdém.
― Como fui estúpida de cair nessa
porra duas vezes? Ser usada por
canalhas!
Estava puta da vida com Stefano,
porém mais comigo mesma por ter caído
em sua ladainha. Tanto que jurei que não
cairia de novo, e no final acabei traindo
minha promessa.
― Não me compare com aquele
lixo do seu “ex”. ― Uma sombra
atravessou sua expressão.
― Na verdade, vocês dois são
iguais. Acharam que eu era idiota e me
usaram para chegar aos meus irmãos. ―
Tentei controlar a dor que estava
sentindo.
― Belinda, eu não usei você...
― começou a falar, mas eu não quis
ouvir seus motivos.
― Quero que vá embora agora.
― Indiquei a porta. ― Te dou duas
horas para sair do território dos meus
irmãos até contar a eles que você é um
espião de merda. Tanto que se enfureceu
com Sage por se infiltrar na sua
família... Ao menos ele estava
protegendo Luna, ao contrário de você,
que me usou para chegar aos Pachecos.
Se eu contasse imediatamente,
ele seria morto, e no fundo eu não queria
isso. Poderia desejar sua morte, afinal
me usou, mas não suportava a ideia de
ele ser machucado. Outrossim, Luna
sofreria com aquilo.
― Belinda, me deixa explicar.
Não usei você...
Fuzilei-o.
― Não acredito em nada que
saia dessa sua boca. Você mentiu para
mim, me usou, me fez me apaixonar por
você, tudo porque queria algum tipo de
informação dos meus irmãos ― sibilei.
Seu olhar ficou entre o pesar e o
pavor. Algo em minhas palavras o
deixou assim, e eu sabia justamente o
que era.
― Você não pode me amar...
Cortei-o, com dentes trincados:
― Não se preocupe, vou
arrancá-lo do meu peito. Fiz isso uma
vez, faço de novo. ― Entretanto, dessa
vez seria pior, porque o que eu sentia
por Stefano era tão forte que eu não
sabia se um dia o esqueceria.
― Sinto muito ― sussurrou.
― Não preciso de sua pena.
Agora desapareça da minha frente ―
rosnei.
Estava contente comigo mesma,
que não estava chorando em sua frente,
mesmo com aquela dor insuportável.
― Tem duas horas para sair de
Barcelona, ou estará morto, e você não
quer ver Luna machucada, então sugiro
que vá agora. ― Indiquei novamente a
porta.
― Não vou deixá-la sozinha
aqui ― disse em voz baixa.
― Não se preocupe, estou
correndo mais perigo ao lado de alguém
como você, um desgraçado fodido e
manipulador de merda, que usa as
pessoas sem se importar com seus
sentimentos. ― Cerrei os punhos.
Ele não se moveu, então me
lancei sobre ele, socando-o no peito.
Stefano não revidou. Foi quando me
lembrei de que ele gostava de sentir dor,
então parei de atingi-lo.
― Só vá, Stefano ― pedi sem
alterar a voz para não acordar Paco e as
outras crianças no andar de baixo. ―
Por favor, se um dia se importou
comigo, vá embora. ― Não queria me
sentir vulnerável naquele momento. ―
Mande El Diablo ficar aqui até meus
irmãos chegarem. Só não quero ver você
de novo nunca mais.
Quando Gazo me usou para
atingir meus irmãos, fiquei neutra ao ver
seu ódio, o que me impediu de suplicar
por sua vida. Com Stefano, eu o via
perdido e atormentado. Ele não pensava
em me fazer mal; talvez à minha família.
Eu não podia pensar em alguém
que queria destruir todos que eu amava.
Não entendia o motivo de os
Destruttores terem feito aquilo. No
fundo, não dava a mínima; nada
justificava ele me usar da forma como
fez.
Achei que Stefano fosse dizer
alguma coisa, mas apenas virou as
costas e saiu. Entrei em um dos quartos
vazios e caí de joelhos no chão ao lado
de uma cama.
O meu peito estava esmagado
com aquela descoberta, que não
esperava. Estava contente com o que
tínhamos e até temia ter me apaixonado.
Tive a certeza naquele dia, durante o
ataque, quando temi perdê-lo e soube
que tinha ido mais fundo naquela relação
do que gostaria.
No fundo, achei que ele sentisse
o mesmo, porque via a forma como
reagia a mim, mas me enganei. Quem se
importa e ama não mente e usa da forma
como ele fez comigo.
Lembrei-me das palavras de
Javier, que disse que Stefano me
quebraria. Eu estava despedaçada, mas
não ficaria assim por muito tempo.
Sairia por cima, como já tinha feito uma
vez. O pior seria dizer aos meus irmãos
que fui enganada novamente, e tudo para
alguém se aproximar deles.
Não soube quanto tempo fiquei
ali, sentada e chorando, mas devia ter
sido muito, porque ouvi as vozes dos
meus irmãos ao meu redor.
― Ei, Belinda, o que foi? ―
perguntou Santiago.
― Cadê Stefano? Não era para
ele estar aqui com você? ― sondou
Benjamin.
Pisquei e levantei a cabeça,
encontrando os olhos dos meus irmãos.
― Belinda! ― Valentino me
checou dos pés à cabeça. ― Alguém a
tocou?
Percebia o medo na sua voz,
então me forcei a controlar-me e guardar
a dor por enquanto, embora não fosse
fácil. É impossível, pensei amarga.
Limpei os olhos e me sentei na
cama.
― Não fui machucada. ― Não
fisicamente, pelo menos, mas a dor que
eu sentia era pior. Preferia ter levado
uma surra.
― Belinda ― ouvi a
preocupação na voz de Fabrizio ―,
onde Stefano está? Não o vi quando
chegamos aqui.
Olhei para o relógio no meu
pulso. Naquela hora, ele já devia ter
partido, ou seja, meus irmãos não o
machucariam por ter se infiltrado em
nossa família. Idiota era eu, sabia, ainda
mais por me importar.
Não respondi. Não conseguia
dizer que tinha sido usada novamente.
Não queria ver a confiança que meus
irmãos tinham em mim desaparecer, bem
como sua dor, afinal prometi a todos que
não me deixaria cair assim outra vez,
que seria esperta e descobriria qualquer
intenção antes... o que não foi o caso. Se
não ouvisse da sua boca, ele jamais teria
me contado a verdade.
― O que Stefano fez para deixá-
la nesse estado? ― insistiu Valentino.
Não conseguia encontrar seus
olhos, só abaixei a cabeça.
― Não quero falar sobre isso.
Vou lavar meus olhos. ― Fugi para o
banheiro antes que ele comentasse algo.
Não queria que Stefano estivesse
ali naquele momento, ou seria seu fim.
Valentino era pior que Stefano em seus
momentos perturbados. Preferiria mil
vezes sair machucada sozinha a dar esse
desgosto a meus irmãos. O que papai
sentiria se estivesse vivo? Era em seus
braços que eu chorava sempre que algo
assim acontecia. O que eu faria agora?
Sentia-me tão perdida.
Estava a ponto de voltar para o
quarto e tentar estabilizar as coisas, mas
me detive ao ouvir a voz de meu irmão.
― Tínhamos um acordo, e você
não honrou seu lado ― sibilou Fabrizio.
Não ouvi resposta, então ele devia estar
falando com alguém ao celular. ― Se eu
pegar Stefano em meu território, vou
matá-lo ― rosnou ele. ― Não ligo para
suas ameaças, Alessandro. Ninguém usa
minha irmã e fica por isso mesmo, ou
vai me dizer que não faria o mesmo
pelas suas irmãs?
Fabrizio riu sombrio.
― Devia ter pensado nisso
antes. Vou fazê-lo pagar caro se o vir
algum dia. ― Eu podia sentir a fúria do
meu irmão. ― Não me lembro de ter
dado autorização para ele foder minha
irmã. Você quebrou sua palavra ao não
controlar seu irmão. Era só para ele ter
ficado aqui e os dois começarem a
gostar um do outro, não para ele a tocar
e a deixar logo depois... ― ele se
interrompeu assim que ofeguei de olhos
arregalados.
Pisquei, chocada demais. Ele
estava falando que foi tudo armado entre
eles para eu conhecer Stefano e me
apaixonar por ele? Como meus irmãos
podiam ter feito isso comigo? Estava
entorpecida diante de sua discussão com
o outro capo. O solavanco que recebi
com suas palavras foi pior que um tapa.
― Você e o irmão de Stefano o
mandaram se aproximar de mim para me
conquistar? ― Não conseguia acreditar
que tinha ouvido isso.
― Stefano não sabe do plano.
Era para ele ter ficado aqui com a
desculpa de nos espionar. Dessa forma,
vocês se envolveriam um com o outro.
Confiei na palavra de Alessandro de que
seu irmão não a tocaria se não se
importasse com você, mas ele foi
embora, não foi?
A dor em meu coração ficou pior
com a traição dos meus irmãos.
― Todos vocês sabiam desse
plano? ― Seu silêncio disse tudo. ―
Não acredito que me usaram a esse
ponto! Por que fizeram isso? Não
pensaram que eu poderia sair com o
coração partido dessa porra toda?
― Belinda, era preciso. Os
anciões tinham dado um ultimato ao
papai. Ele só tinha mais um ano para
esperar pelo seu casamento e nos deixou
com a missão de procurar um marido
para você. Como eu não queria obrigá-
la a fazer isso, achei que você e Stefano
podiam acabar gostando um do outro. ―
Respirou fundo. ― Vi a forma que ele
agia com você, parecia se importar...
Ri com desdém.
― Se importava mesmo, tanto
que foi embora. Agora quero que vocês
também saiam daqui. ― Eu não
conseguiria ouvir mais nada naquele dia.
― Belinda... ― começou
Fabrizio.
― O respeito como irmão e
chefe, mas, agora, quero ficar sozinha.
Vocês mentiram para mim, me usaram
assim como Stefano. Ele pode não saber
que era mentira seu papel de infiltrado,
mas pensava que era verdade, ou seja,
não muda o fato de ter se aproximado de
mim com um motivo baixo. ― Apontei
para cada um dos meus irmãos, que me
olhavam paralisados. ― Agora querem
fazê-lo pagar caso volte aqui? Vocês
quatro e o irmão idiota dele são
responsáveis por isso. Nós dois não
passamos de peões em suas mãos.
― Não é assim. Só queríamos
que escolhesse com quem quer...
Cortei as palavras de Santiago:
― Com quem queria me casar?
Bom, agora vou ter que casar-me com
um homem que vocês escolherem,
embora esteja apaixonada por outro.
Quanta ironia, não é? Tentaram “ajudar”
e só atrapalharam. ― Limpei meus
olhos. ― Preciso que saiam.
Nenhum se moveu do lugar,
então saí do quarto e corri para onde
Paco ainda dormia. Tranquei a porta,
escorando-me nela até sentar-me no
chão e cobri minha boca para os soluços
do choro não saírem. Naquele dia, meu
coração foi partido de várias maneiras,
tanto por Stefano quanto por aqueles que
eu pensava estarem sempre do meu lado.
A dor me perfurava por todos os
lados, deixando-me em agonia. A minha
respiração estava aguda e pesada
demais, parecia que tinha algo
prensando meu peito.
A escuridão cercava o lugar nas
masmorras para onde eu havia sido
trazido havia dias. Não poderia contar
quantos, pois desmaiei algumas vezes de
sono e cansaço. Só saía dali para a
arena na hora de lutar e depois era
trazido de volta. Eles jogavam comida
por debaixo da porta. Eu sentia um gosto
de remédio na comida, mas não era
veneno, afinal eles nos queriam matar
lentamente. Certo dia vi um recado na
vasilha, debaixo da comida, explicando
que tinham esmagado comprimidos e
misturado ao alimento. Isso ajudou na
recuperação dos meus ferimentos.
Recordei de Jet dizer que nem todos ali
eram maus.
No dia em que me trouxeram,
torturaram-me para obter a resposta de
quem era a faca que eu tinha usado para
matar aquele pedófilo. Era claro que não
o fizeram apenas pela resposta, mas
porque me recusei a contar. Isso era
visto como desobediência e desrespeito
naquele lugar.
Que todos se fodessem. Eu não
podia dedurar Lyn, não quando ele já
tinha passado por tanto sofrimento ali.
Apesar de tudo, a dor me
mantinha vivo e são, porque ficar preso
naquele antro deixaria qualquer um
louco. Até cheguei a ver minha mãe
sorrindo e pedindo para eu ser forte, que
logo sairia dali. Acreditei que estava
delirando. Eu não podia enlouquecer,
precisava ver meus irmãos e irmãs. Só
por eles e por Jet e Lyn eu ainda lutava
para divertir aquela corja.
Um dia, bem depois de eu ser
trazido para lá, Jet e Lyn também
vieram. Jet se recusou a matar, e Lyn
disse que a faca que foi encontrada
comigo era dele, então ambos foram
castigados.
Eu até esperava isso de Jet, mas
a atitude de Lyn me deixou surpreso.
Sabia o que fizeram, não queriam me
deixar sozinho naquele lugar. Eu tinha
ganhado dois amigos naquele inferno na
Terra.
― Eles estão demorando muito
― sussurrei.
Jet e Lyn tinham sido levados
havia algum tempo, e as lutas já deviam
ter acabado. Então por que a demora?
Eu estava fora de sintonia com o tempo.
E se fosse sexta-feira? Teriam levado os
dois para os malditos que vinham abusar
deles? Merda! Só em pensar nisso, eu
sentia ainda mais repúdio de todos ali.
De repente a porta da cela foi
aberta, clareando subitamente a
escuridão em que eu estava imerso. Tive
que piscar para firmar a visão. Havia
dois homens carregando um corpo mole
e outro cambaleante.
― Fique com essas putinhas
como companhia ― disse um deles
sorrindo e jogando Jet sem roupas no
chão. Ele estava machucado e
sangrando.
Depois o corpo inconsciente de
Lyn, vestido, mas ensanguentado, foi
arremessado na cela.
Enquanto as portas eram
fechadas, corri até eles e me abaixei,
mesmo com meu corpo protestando
contra as dores causadas pela luta
anterior.
― Jet! ― Forcei a vista naquela
escuridão e o vi com os olhos fechados
e gemendo de dor. ― Por favor, não
morra! Fique comigo!
O meu coração martelava só em
imaginar o que fizeram com eles para
ficarem naquele estado. Tentei controlar
meus nervos, pois precisava ajudá-los.
― Stefano... ― finalmente ele
sussurrou em uma voz quebradiça. ―
Preciso que faça algo por mim.
Respirei fundo.
― O que é, Jet? Que eu me
vingue de todos? Vou fazer isso,
prometo! ― Meus olhos estavam
molhados por vê-los naquela situação
sem poder fazer nada.
― Sim, eu sei que fará, mas
agora quero que me mate.
Após ouvir suas palavras,
ofeguei de pavor.
― O quê?! Não vou fazer isso,
não posso! Vou tirar vocês dois deste
lugar, e iremos os três matar todos esses
vermes! ― Esperava cumprir essa
promessa.
Tirei a camisa suja que usava e a
coloquei sobre sua nudez. Nem parecia
aquele garoto cheio de esperança de
quando eu havia chegado ali.
― Stefano, não dá. Não posso
voltar mais para lá e deixar que eles...
― Não vai voltar, não vou
deixar! ― No entanto, como eu poderia
cumprir essa promessa? ― O que
aconteceu para você e Lyn serem
machucados dessa forma?
Quando essa brutalidade
acontecia, era porque aparecia alguém
que gostava de provocar dor, mas Lyn
era um vencedor, então não devia ter
sido abusado. Além disso, uma das
punições da arena era não tratar os
ferimentos dos meninos.
― Eles queriam que eu fizesse
com os novos recrutas a mesma coisa
que fazem comigo. Não pude, então fui
castigado com... ― Sua voz falhou.
Eu podia imaginar a crueldade
que ele tinha vivido e que ainda podia
acontecer, tudo por culpa de Marco.
Como podia existir um verme como ele?
Era fodido até para integrantes da máfia.
― Vamos sair desse inferno
maldito. ― Eu tinha que manter a
esperança. Se ao menos meus irmãos
chegassem mais cedo, poderiam nos
ajudar. ― E Lyn? Eles queriam que
fizesse a mesma coisa?
Nossa amizade durante aqueles
dias ali tinha crescido bastante. Podia
ser pouco tempo, mas um dia naquele
inferno era como se fosse meses do lado
de fora, durava a passar. Nossas dores
nos uniram, era a única coisa boa
naquele lugar esquecido por Deus.
― Um dos homens que assistia à
luta gostou dele, e o maldito verme do
Kanon o deu ao cara, mas Lyn se
defendeu na hora, decepou o pau desse
escroto e matou seus guardas. Kanon não
gostou e o castigou o açoitando. ―
Suspirou. ― Suas costas estão todas
feridas.
― Me sinto tão impotente por
não fazer nada por vocês ― admiti com
o coração doendo.
― Nada disso é culpa sua. Seu
pai e esses malditos são os únicos
culpados ― me disse baixinho.
Sentei-me escorado na parede,
coloquei a cabeça de Lyn em um de
minhas pernas e a de Jet na outra e
fiquei ali, de mãos atadas.
― Nenhum de vocês deveria ter
vindo ficar comigo na solitária ―
sussurrei, limpando meus olhos
marejados.
Lyn gemeu, virando-se de lado.
― Você se deixou vir para cá
para não me entregar. Não gosto de
dever a ninguém.
Olhei para ele.
― Lamento por tudo ―
murmurei. ― Queria que meus irmãos
soubessem o que está acontecendo aqui
para nos tirar deste lugar.
― Acho que isso ajuda. ― Lyn
tirou um telefone do bolso e me
entregou.
― Onde você...
― O dono não vai se importar,
está mais preocupado com o pau dele no
chão. ― Tinha um tom amargo em sua
voz ao dizer isso.
Meu coração se iluminou um
pouco com a chance de sair dali.
Disquei o número de Alessandro.
― Alô? ― Ele parecia confuso
ao atender.
― Sou eu, Stefano. ― Esclareci
por que sussurrava: ― Preciso de ajuda.
― S...
― Não diga meu nome, só ouça,
não tenho muito tempo. Papai mandou
vocês para fora só para me trazer para a
Indonésia, a uma espécie de presídio. ―
Expliquei o que acontecia naquele lugar,
as atrocidades cometidas, tudo que vi do
aeroporto até ali.
― Filho da puta! ― ele rosnou.
― Vou dar um jeito de ir resgatá-lo.
― Estou esperando. ― Minha
garganta se fechou. ― Obrigado. Não
sabe o quanto é bom ouvir sua voz.
― Você está chorando?! ― Ele
parecia louco.
Respirei fundo. Não queria
contar como eu me sentia naquele
momento, ainda mais o que tinha
acontecido com nossa mãe.
― Não, é só que... ― Minha
garganta travou novamente. ― Venham o
mais rápido que puderem, tenho dois
amigos feridos.
― Aguente firme, Stefano.
Estaremos aí ao amanhecer.
― Valeu, irmão. ― Eu não
queria desligar, mas não podia correr o
risco de os guardas lá fora me ouvirem e
castigarem ainda mais o Lyn. Eu não
achava que ele sobreviveria.
― Vocês parecem se amar muito
― observou Jet com saudade em seu
tom de voz.
― Somos uma família, irmãos
de verdade. Nós três podemos ser isso
lá fora, como irmãos postiços, se vocês
não se importarem de eu pertencer à
máfia.
― Seu pai deixaria? ― indagou
Lyn. ― Duvido muito. E, se eu o vir, irei
matá-lo.
― Não tiro sua razão. ―
Suspirei. ― Me diz uma coisa: se podia
conseguir um celular, por que não pediu
ajuda?
― Para quem iríamos ligar? Se
chamássemos a polícia, não resolveria.
Sabe quantos policiais vêm aqui? Além
disso, nem sabíamos onde estávamos até
você chegar aqui ― disse Jet. ― Fomos
trazidos desacordados.
― Não temos ninguém que se
importe conosco e que viria até nós ou
que seria capaz de enfrentar esses
malditos. ― Lyn respirou com
dificuldade.
― Coloque a mão aqui. ―
Levantei a minha perto do rosto dos
dois. ― Vamos jurar ajudar um aos
outros quando estivermos em perigo e
que seremos irmãos para sempre.
Jet levou a sua mão até a minha.
― Nunca tive um irmão, mas
tinha amigos e gostava dessa sensação.
Acredito que com irmãos a ligação é
mais forte, né? ― Sorriu para mim. ―
Tem certeza de que não vai mudar de
ideia lá fora, quando estiver com seus
irmãos de verdade?
― Eles podem se tornar seus
irmãos também. Acredito que Rafaelle e
Alessandro gostariam de vocês. ― Sorri
também. ― Então, Lyn, quer ser nosso
irmão?
Ele me olhou um segundo com
seu jeito sem expressão.
― O que eu estaria perdendo?
― Colocou a mão sobre as nossas.
― Vou nos tirar daqui ― jurei
com esperança, embora me preocupasse
com a forma como faríamos isso sem
Marco saber.
― Você não mencionou ao seu
irmão o que seu pai fez com sua mãe ―
observou Jet com a respiração aguda.
― Acha que eles sabem? ―
sondou Lyn. A sua respiração também
estava difícil.
― Não. Se soubessem,
Alessandro teria me dito, e com certeza
Marco estaria morto. ― Respirei fundo.
― Não queria preocupá-los mais.
A dor me consumia, mas não
deixei que tomasse conta de mim, e sim
o ódio e a ira. Eles me davam mais
força para sair daquele lugar. Lá fora, eu
choraria por todo o sofrimento
enrustido; ali, lutaria e mataria todos
aqueles vermes.
― Essa sensação é pior do que
qualquer sentimento. Prefiro aturar tudo
que passei só para não pensar nessa
perda ― disse Lyn com a voz sombria.
Ele era fechado, não contava
muito sobre o que acontecera em sua
vida.
― Quer nos dizer quem perdeu?
Agora somos irmãos, fizemos um pacto.
― Queria que ele se abrisse. Quem sabe
assim aliviaria o que o estava
oprimindo.
Ele ficou em silêncio por um
tempo.
― Meu pai era um bêbado
fodido, chegava em casa e enchia minha
mãe e a mim de pancada. ― A dor
estava em cada palavra. ― Nós
morávamos à beira-mar em Skagen, na
Dinamarca.
― Você tem sotaque de lá ―
apontei.
― Acho que isso não se perde
nem mesmo aqui ― comentou e depois
suspirou. ― Minha mãe ficou grávida de
Ella, e, ao passar dos anos, ele também
queria bater nela, mas eu entrava na
frente e impedia que acontecesse.
― E sua mãe? ― A minha
morreria por nós, o que, no fundo,
acabou acontecendo.
― Ela tentava impedir, mas
apanhava junto. Isso durou anos. ― Sua
voz agora soava baixa. ― Quando eu
tinha 14 anos, e Ella 10, já tinha
encorpado e lutava sozinho para dar
conta delas e defender minha mãe e
minha irmã. Tínhamos um barco de
pesca, mas só eu trabalhava, afinal ele
vivia mais bêbado que sóbrio. Estava
voltando da lida para casa, quando ouvi
os gritos de Ella. Ao chegar lá, minha
mãe... estava morta no chão. E meu pai
pelado, tentando tirar as roupas de Ella.
Perdi a cabeça e o matei ali mesmo,
manchando tanto ela como a mim de
sangue. A bagunça foi feia.
― Ele mereceu ser morto ―
afirmou Jet.
― Sei que sim, mas não deveria
ter feito isso na frente dela. ― Ajeitou-
se no chão, buscando uma posição
melhor, embora fosse impossível
naquela superfície dura e fria. ―
Depois disso fui preso, e ela foi levada
para uma tia nossa nos Estados Unidos.
― Foi julgado? E sua tia não o
ajudou a sair da cadeia? ― inquiri.
― Não, ela sumiu com Ella, e eu
fui trazido para este lugar. Eles não
procuram só órfãos, mas também garotos
que foram condenados ou estão para ser,
como foi o meu caso.
― Sua tia devia ter procurado
sua mãe, sei lá, tê-la ajudado de alguma
forma. ― Escorei a cabeça na parede,
esgotado.
― Pode ser, mas ela não dava
conta nem dela. É isso que me deixa
louco, não saber o que aconteceu com
Ella enquanto estou preso neste antro.
― Assim que sairmos, você
pode ir ao encontro dela ― assegurei.
― Ela me viu matando um
homem, o nosso pai, na sua frente. Sabe
o que isso faz com uma criança? Ainda
ouço seus gritos. ― Estremeceu.
― Pode ser, mas ela vai
entender que você a estava protegendo
do seu pai. ― Ao menos era o que eu
esperava.
Ele não respondeu. Eu não sabia
se tinha acreditado nisso ou não, mas
tinha esperança de que tudo daria certo.
Precisava disso após tanto sofrimento.
― Veja por esse lado, Lyn, ao
menos vocês dois têm alguém. Eu não
tenho ninguém me esperando lá fora. ―
Jet deu um suspiro triste.
― Terá a nós dois. Lyn e eu
estaremos com você ― jurei, apertando
sua mão.
― Obrigado, Stefano, por cuidar
de nós ― sussurrou Jet.
― Descansem um pouco, vou
tomar conta de vocês ― prometi. ― Até
o amanhecer, meus irmãos estarão aqui.
Não deixaria que mais nada
acontecesse aos dois. Logo estaríamos
longe daquele inferno.
Sacudi a cabeça para expulsar as
lembranças atormentadas que não me
deixavam em paz dormindo ou
acordado.
― Elas nunca vão embora, não
é? ― Lyn estava sentado em frente a
mim no helicóptero.
Nós estávamos indo para uma
ilha vizinha ao local onde Jair e Jared
estavam. Os homens de El Diablo e os
de Lyn estavam lá, apenas nos
esperando.
― Não. ― Ele tinha mais
demônios do que eu, afinal fiquei
algumas semanas lá, enquanto Lyn
permaneceu por quase dois anos. Se eu
me sentia atormentado, podia imaginar o
que acontecia em sua alma. ― É pior
quando estou longe de Belinda.
Pensei no tempo em que estive
com ela. Dormia a noite toda, ainda que
nem na mesma cama dormíssemos
juntos. O dia passava sem eu nem
mesmo ter lembranças ruins. Só a sua
presença me trazia paz. Agora sentia a
escuridão se alastrando em mim como
erva-daninha.
― Você está sendo um idiota por
deixá-la ― disse El Diablo. Ele estava
sentado do outro lado.
Deixar Belinda foi a pior coisa
que me aconteceu. Meu peito estava
vazio, exceto pelo aperto que sentia, a
dor, melhor dizendo. Pelo menos eu
entraria em ação, o que me ajudaria a
tentar não pensar na dor nos olhos dela.
Eu poderia ter voltado e dito que não a
havia usado, que não era como seu “ex”,
aquele desgraçado fodido. Porra, pensar
nisso ainda me fazia querer voltar e
explicar, mas era melhor assim.
Esse não sou eu. Preciso lutar
para aplacar essa agonia de estar longe
dela. O tal do amor não é para mim, pois
fui forjado para lutar e destruir e não
amar. Mas como me manter longe,
quando só o que faço é querer estar com
ela? Possuir todo seu corpo e também
sua alma? Preciso lutar para limpar
minha mente e lembrar quem sou.
A partir daquele dia, eu iria por
um caminho do qual não sabia se
voltaria inteiro, não só física, mas
mentalmente. Sabia que presenciaria
coisas que me fariam perder a razão,
embora precisasse fazer isso. Queria
ajudar os garotos que estavam passando
pelo que Lyn passou e eu presenciei e
até vivi em alguns momentos naquela
época fodida.
― É o certo. Belinda merece
alguém completo, que não tenha tantos
demônios. ― Olhei para o oceano
banhado na escuridão. A única luz era a
da lua brilhante no céu. Tudo brilhava,
menos a minha vida.
Fabrizio estava certo ao afirmar
que El Diablo não era homem para ela
em razão de tudo que ele carregava, e o
mesmo se estendia a mim.
― Acredito que ela não vá achar
isso no mundo em que nasceu. A família
dela pertence à máfia, Stefano. Todos
com quem ela convive possuem
demônios ― disse El Diablo.
― Logo ela vai me esquecer e
seguirá em frente sem mim. ― Enquanto
eu continuaria naquele caminho tortuoso
e escuro no qual prosseguia havia tanto
tempo.
― Bem, é bom que tenha dado
adeus a ela, pois agora você não poderá
pisar no território dos Pachecos. ―
Ergueu o telefone. ― Fabrizio colocou
sua cabeça a prêmio caso pise aqui de
novo. Seu irmão está louco procurando
você.
Amaldiçoei, pois deixei meu
telefone no modo silencioso.
― Eles romperam a aliança? ―
Assim que pousássemos, eu ligaria para
Alessandro. Ele devia estar puto da
vida.
O que Belinda tinha falado aos
seus irmãos? Que eu me infiltrei para
saber se eram confiáveis? Quem não
gostaria da quebra da aliança seria
Luna.
Havia mais de vinte ligações
perdidas dela, bem como várias de Jade,
Rafaelle e Alessandro, porém nenhuma
de Belinda. Quase ri. Ela não era mulher
de correr atrás de alguém, e eu a
machucara profundamente, o que tornava
ainda mais firme sua decisão.
Merda! Sorte minha que eu
socaria muito naquela noite, assim
lidaria com tudo que estava dentro de
mim, sufocando-me.
― Acho que não chegou a tanto,
só que você é um homem morto se andar
por aqui. ― El Diablo suspirou. ―
Devia ir embora antes que saibam que
ainda está em seu território e o matem.
Morrer nunca pareceu mais
prazeroso, mas eu não permitiria que
isso acontecesse. Nem quando estava
naquele inferno tive vontade de fazê-lo.
Minha mãe me fez jurar que, por mais
que estivesse em completa escuridão,
nunca tiraria minha vida ou sequer
pensaria no assunto.
― Não vou partir até terminar o
que viemos fazer. ― Não iria a canto
algum enquanto não eliminasse todos
aqueles malditos. Sentia-me como um
animal que precisava ser alimentado
com sangue.
Ninguém respondeu. Era bom o
fato de que nenhum deles era daqueles
que davam conselhos. Eu não queria
nada além de detonar toda aquela
escória.
Assim que pousamos na ilha,
mandei uma mensagem aos meus irmãos
dizendo que eu estava bem. Não ia ligar
porque não tinha tempo, mas depois
conversaria com eles.
Pegamos uma lancha para rumar
à ilha em que tinham construído a arena;
não queríamos chamar atenção ao chegar
ao local.
― Temos uma pessoa lá dentro
que nos ajudará ― informou Lyn.
― Achei que não soubesse quais
eram os locais ― comentei.
― Nós seguimos Jair há um
tempo. Se ele recebe uma chamada ou
mensagem para ir a algum local,
sabemos também, nosso infiltrado
trabalha nisso todo o tempo. Existem
outros de quem suspeito também, mas
Jair é o frequentador mais assíduo desse
ambiente.
O verme enriquecia à custa dos
meninos levados a infernos como
aqueles. Quando colocasse minhas mãos
nele, eu o faria pagar caro.
Desligamos o motor da lancha
alguns quilômetros antes da costa e
prosseguimos remando até perto do
local, depois pulamos no mar armados
com automáticas à prova d’água.
Nadamos até a praia, onde avistamos
alguns guardas, contra os quais abrimos
fogo com silenciadores, abatendo-os.
― Vamos nos dividir. Vou com
Stefano. El Diablo pode ir com os
outros para o outro lado. Vamos limpar
ao redor e cercar o local. Não deixem
que atirem para não chamar atenção ―
orientou Lyn. ― Só vamos avançar
quando eu der o sinal.
Prosseguimos pela esquerda,
entrando na mata, enquanto El Diablo foi
para a direita.
― A coisa vai ficar feia lá
dentro. Está preparado? ― sondou Lyn
ao meu lado.
― Para matar esses pedófilos
imundos? Com certeza.
Fiquei imaginando como ele
encarava tudo que tinha acontecido
consigo. Aquilo me fazia muito mal,
tanto que devia seguir o conselho de
Belinda e procurar ajuda.
― Como lida com tudo que
aconteceu? Às vezes sinto uma raiva tão
imensa que é capaz de explodir as
coisas ao meu redor.
― Nossos sentimentos são
iguais, mas por motivos diferentes. Cada
pessoa reage de uma forma. Meu foco é
localizar cada rede de tráfico infantil e
resgatar os garotos, porque não há
ninguém por eles além de mim ― disse
baixo. ― Sei o que é viver naquele
lugar sem esperança de resgate.
Respirei fundo, mas doeu.
― Lamento por não o ter
salvado. Achei que estivesse morto,
senão eu teria voltado, aliás, nem teria
saído de lá sem você ― assegurei.
― Eu sei, Stefano, você não
podia fazer muita coisa na época. Ao
menos seus irmãos vieram por você. ―
Havia uma tristeza latente por trás de
sua frieza.
― A porra foi fodida demais. Eu
só queria esquecer tudo, mas é
impossível. Quando fecho os olhos, vejo
tudo. ― Minha respiração ficou
desigual.
― Stefano, queria ser aquele que
diz coisas para melhorar, mas, como
disse, as pessoas são diferentes. A
minha salvação pode ser ajudar outras
pessoas. Isso me mantém são. A sua
pode ser outra coisa.
Franzi a testa para a escuridão.
― Como pode saber? ― Minha
garganta se fechou.
― Me diz uma coisa: como se
sentia ao lado da sua garota? Pense no
que sentia quando estava com ela e no
que sente agora. ― Sentou-se,
escorando-se em uma árvore.
Quando eu estava com Belinda,
tudo melhorava, tudo ganhava um novo
colorido em meu peito escuro, fazia-me
sorrir de verdade, sem a falsidade de
sempre. Meu coração, que eu achava
estar morto, aquecia-se com o sorriso
dela, sua risada, a forma como protegia
os outros, sua tenacidade. Tudo nela
resplandecia em meio à escuridão que
tomava conta de minha alma.
― É isso que estou falando ―
apontou após meu silêncio. ― O que eu
faço pode me ajudar a lidar com tudo.
Em seu caso, talvez seja ela a salvação.
― Não sou bom para ninguém,
muito menos para Belinda. ― Suspirei,
encostando-me em outra árvore. ― O
que posso dar a ela? Nem dormir na
mesma cama eu posso.
― Ao menos você consegue
transar, ao contrário de mim, que
repudio sexo.
― Você não...
― No começo tentei, sabe? Mas
não consegui. A um pequeno toque,
vomitava até as tripas e corria para
tomar banho depois, com as imagens
sujas povoando minha mente, então
deixei quieto. Hoje tenho outro objetivo.
― Mirou além das árvores. ― Resgatar
meninos que passam pela mesma
experiência que passei.
Senti-me egoísta por ter aqueles
traumas, por me atormentar, quando o
que vivi não foi tão grave quanto o que
ele suportou.
― O que acontece quando os
liberta? ― sondei, porque os garotos
eram assassinos sem emoções. Eu me
sentia assim quando achei que tinha
perdido tudo.
― Tenho um lugar onde os deixo
até conseguirem lidar com tudo e
estarem preparados para sair sem querer
derramar o sangue de todo mundo. ―
Olhou-me. ― Acho que sabe a
sensação, não sabe?
Sim. Quando fui resgatado do
inferno em que vivia, mesmo respirando,
estava morto por dentro, não ligava para
nada, embora ainda visse os rostos das
vítimas que eliminei, cada uma delas,
bem como de quem me fez mal. Eu não
conseguia esquecer desses por mais que
tentasse.
― Se não fosse meus irmãos e
minha mãe, não sei se eu conseguiria ser
trazido daquele lugar onde estava. ―
Respirei fundo. Não era só o lugar,
minha mente estava imersa nas
lembranças.
― A família ajuda muito.
Entendo a sensação. Senti esse amparo
com você e agora com esses garotos que
resgato. ― A verdade estava em cada
palavra.
― E com sua irmã, não é? ―
Ela morava na América, era uma
advogada.
― Agradeço por tomar conta
dela enquanto pensava que eu estava
morto.
― Era o mínimo que eu podia
fazer. ― Tinha dado uma bolsa de
estudos para ela, de forma anônima,
claro. Nunca me aproximei de Ella, para
não a envolver em nosso mundo. ― Foi
visitá-la?
― Não, ela está melhor sem
mim, é uma advogada que coloca
criminosos na cadeia. O que acha que
faria comigo? ― Suspirou parecendo
desolado. ― O bom é que ela está bem
e feliz.
Ela poderia ficar melhor com
ele, mas Lyn estava certo, não era fácil
uma pessoa de fora aceitar alguém do
nosso mundo, assassinos, traficantes.
Mudei de assunto.
― Me diz uma coisa: como
escapou daquele lugar? Fiquei algumas
semanas lá após perder Jet e não vi você
em lugar nenhum. Marco disse que você
estava morto.
Antes que ele respondesse, seu
telefone bipou uma mensagem.
― Vamos ter que deixar essa
conversa para outro dia. Chegou a hora.
― Levantou-se.
Também me ergui, focado no que
tinha vindo fazer ali. Depois resolveria
meus problemas com Belinda. Lyn tinha
razão, ela podia ser minha salvação,
pois eu percebia a diferença entre o que
sentia ao estar com ela e o vazio que me
tomava agora, fora a dor em meu peito.
Assim que aquela merda acabasse, iria
até ela e diria como eu me sentia. Agora
focaria em massacrar aqueles malditos.
Entramos na mata escura,
abatendo os guardas que encontrávamos
até chegar à porta da propriedade.
Tínhamos dois atiradores de elite, Knife
e Cowboy, dando-nos cobertura.
Após limparmos a entrada,
adentramos. Havia uma pessoa lá dentro
tomando conta das câmeras, mas um dos
hackers de Lyn tinha invadido o sistema
e trocado as imagens ao vivo por
gravadas.
Caminhamos pelo corredor,
eliminando os que víamos em nossa
frente. Podíamos ouvir gritos na arena
dos espectadores vibrando com as
lutas... ou algo mais.
Lyn pegou meu braço, detendo-
me.
― Essa arena é diferente de
onde ficamos. Aqui é pior. Se não
estiver preparado... Eu soube do surto
que você teve naquele dia ao torturar
aqueles homens.
Franzi a testa.
― Estou preparado seja para o
que for e vou matar todos ― rosnei,
dando um passo rumo à arena.
Travei, minha respiração aguda e
imagens querendo entrar em minha
cabeça. O meu estômago estava tão
embrulhado que, se tivesse comido algo,
teria vomitado até as tripas.
Havia meninos presos em
correntes pelas mãos e pés, e os
malditos homens... tudo isso na frente de
uma plateia aplaudindo aquela
atrocidade.
Perdi minha cabeça e me lancei
contra todos com uma fúria da força de
um tornado. Não sei bem o que houve,
só sentia meus punhos socando algo até
virar gelatina, molhando-se com algo
que certamente era sangue.
Fui consumido pela escuridão
antes que pudesse ter consciência do que
fazia e queria: o sangue dos malditos
derramado e todos indo para o inferno.
Fiquei esperando meus irmãos a
noite toda, não sabia havia quantas
horas, mas já devia estar amanhecendo.
A porta foi aberta subitamente
por Kanon, que estava enfurecido, ainda
mais ao se deparar com os meninos
inconscientes e com a cabeça no meu
colo.
― Seu desgraçado! Você foi
deixado aqui para se tornar um
assassino frio, não um molenga
sentimental! ― rosnou e acenou para
seus guardas. ― Leve o Número 10.
Esse bastardo irá se arrepender pelo que
fez a um dos nossos clientes.
― Você não passa de lixo
humano ― cuspi, cerrando os punhos.
Lancei-me contra os guardas
quando tentaram pegar Lyn para
machucá-lo.
― Vou ensiná-lo a não ser
malcriado. Estou farto de sua rebeldia.
― Kanon me empurrou com tanta força
que caí, batendo a cabeça no chão duro,
o que embaçou minha visão por uns
segundos.
Os guardas pegaram Lyn. Tentei
impedir de novo, ignorando a dor na
cabeça, mas Kanon me empurrou
novamente, aproveitando que eu estava
meio desorientado. Segurou minha
cabeça e a bateu no chão. Dessa vez
ofeguei de dor enquanto tentava
recuperar o fôlego.
― Seu pai me mandou não tocar
em você, mas precisa disso para saber
quem é que manda. ― Ele me virou de
bruços, montando em mim e se
curvando. Colocou a boca em minha
orelha e a mordeu, com certeza deixando
uma marca.
― Seu desgraçado! ― gritei,
lutando contra ele.
― Aprecio garotos que resistem
a mim. ― Passou a língua na lateral do
meu pescoço, deixando-me enojado,
depois levou suas mãos nojentas até
minha calça. Senti a lâmina de sua faca
em minhas costas.
Não podia deixar que ele me
tocasse daquela forma, não sem lutar,
mas minha cabeça estava estourando de
dor pela pancada, a ponto de me deixar
desorientado.
O medo me consumia, e não
podia permitir que ele fizesse aquela
atrocidade comigo. Então outro
empurrão me deixou mole e sem fôlego
por um instante. Queria lutar, mas estava
fraco demais.
― Gosto de meninos que lutam
enquanto os estou fodendo... ― A faca
foi passada de leve em meu pescoço,
cortando-o, logo depois ele passou a
boca pelo ferimento.
Por favor... Pensava em suplicar
para ele não fazer o que estava
pensando, quando terminou de cortar
minhas calças com a faca, e então senti
seu pau imundo em minha pele, o que fez
meu corpo gelar. Eu não podia me
entregar! Se Lyn tinha lutado, eu também
tinha que fazê-lo!
Antes de aquele desgraçado
conseguir me penetrar com seu órgão
imundo, ouvi um baque surdo, e Kanon
saiu de cima de mim, caindo de lado,
meio mole com um chute na cabeça que
Jet lhe deu. Então meu amigo estava
sobre ele.
Eu podia estar aliviado com o
fato de aquele filho da puta não ter
concluído o ato, mas seu cheiro
repugnante estava impregnado em minha
pele, deixando-me nauseado. Entretanto,
não era hora de surtar, e sim de fazê-lo
pagar caro com a mesma moeda.
― Vou te matar por querer tocar
em meu irmão! ― gritou Jet enfurecido,
socando Kanon.
Tentei me levantar, mas todo o
meu corpo doía.
― Já que não me deixou ensinar
uma lição a esse moleque, vou ensiná-la
a você! ― rosnou Kanon, subindo em
Jet da mesma forma como fez comigo.
― Stefano, a faca! ― meu amigo
gritou, trazendo-me de volta do meu
pesadelo vivo.
Pisquei, olhando para a faca do
maldito caída enquanto Jet lutava com o
infeliz, mas levou um soco que o deixou
atordoado por um momento.
― Vocês precisam ser mais
exemplares e obedecer! Estou farto de
tanta rebeldia!
Só ouvir sua voz me enojava e
me deixava enraivecido.
Puxei minhas calças enquanto
voava para a lâmina, ignorando as dores
em meu corpo. Kanon tinha se abaixado
para beijar Jet ou mordê-lo, como fez
comigo, deixando sua bunda fodida nua
voltada para a minha direção.
Apertei o cabo da faca
firmemente e me lancei contra Kanon,
enfiando-a até o punho em sua bunda,
fazendo-o gritar assim que a puxei de
volta, causando um grande estrago.
― Também gosto de enfiar facas
em homens como você ― cuspi.
Jet deu um rasteira nele, que caiu
de bunda, gritando ainda mais e
chamando os guardas.
Não mesmo, esse miserável vai
morrer hoje.
Fui até ele e peguei seu pau,
cortando-o, depois subi em cima dele,
que ainda tentava lutar, mas Jet o
segurava para mim.
― Gosto das minhas vítimas
assim, sem forças para lutar. Agora vou
fazer você comer esse pau miserável
que estuprou vários garotos neste lugar.
― Coloquei-o em sua boca ao mesmo
tempo em que enfiei a faca em seu peito,
atingindo seu coração maldito. ― Você
tentou roubar algo de mim hoje, então
agora vou roubar sua vida em troca.
Espero que tenha valido a pena tentar
me destruir dessa forma e maltratar
meus amigos.
Ele arregalou os olhos,
encarando-me sem arrependimento. Isso
me deixou ainda mais furioso. Era uma
pena que eu não podia prolongar sua
morte.
Ele estava prestes a morrer
quando ouvi um tiro, deixando-me
petrificado por um segundo.
Meus dedos tremiam tanto pela
fúria em razão do que quase aconteceu
como por medo ao ouvir aquele som.
Olhei para cima, quando me
deparei com Marco com uma arma na
mão e dois dos seus homens ao seu lado.
Contudo, o que me fez paralisar foi ver
Jet cair no chão com um tiro no tronco e
sangue por todos os lados.
A ira que eu sentia de Marco e
Kanon ultrapassou o auge. A dor
perfurou meu peito, fazendo-me
esquecer meu próprio amargor.
― Não! ― gritei, indo até Jet e
caindo de joelhos ao seu lado. ― Por
favor, não morra!
Saía sangue de sua boca.
― É melhor, sabe? Ele terá o
que quer, então faça o que tem de fazer.
A morte é mais prazerosa do que o
castigo que é viver neste inferno. ―
Respirou fundo. ― Viva por mim e faça
tudo que não pude fazer lá fora.
Sacudi a cabeça, chorando.
― Não! Viva comigo, e vamos
sair deste lugar juntos! ― De repente fui
arrastado de perto dele por um dos
guardas da arena, não um do meu pai.
Era o mesmo que trouxe Jet e Lyn mais
cedo e o chamou de “putinha”. Eu
ensinaria a ele quem era uma puta logo,
logo. Seu toque repugnante me provocou
um arrepio de terror e raiva ao mesmo
tempo.
― Você ainda é fraco por se
importar com esses animais! ― cuspiu
Marco.
― O único animal aqui é você,
que deixa seu filho neste lugar para seu
séquito tentar violentá-lo! ― Cuspi no
chão, mostrando o quanto ele me
enojava, embora Marco não se
importasse com isso de qualquer modo.
Entretanto, não era hora de
enfrentá-lo, de sequer lidar com a dor
do que quase fora tirado de mim, e sim
focar em salvar Jet.
Marco apontou a arma para ele
novamente, mas olhando para mim, para
o guarda que me segurava e para o
corpo ensanguentado de Kanon.
― Vocês colocaram a mão nele
dessa forma, quando dei ordens
específicas para que não fizessem isso?
― sibilou.
Ele não se importava com o fato
de eu ter sido abusado ou não, e sim
com sua ordem ter sido ignorada. Eu
percebia isso, conhecia-o muito bem
para saber a verdade. Para ele, a minha
vida e minha segurança não tinham
qualquer importância. Eu não sabia por
que não me matava de vez. Apostava
que não o fazia por temer a retaliação
dos meus irmãos.
― Não, chefe... ― O guarda
tremia atrás de mim.
― Mentiroso! Na minha cela,
naquele dia, foi um teste para saber se
eu mataria o homem que enviou, para eu
reagir e lutar ao ser pego à força. ―
Empurrei minha cabeça para trás,
acertando seu nariz e me desvencilhando
de suas mãos. ― Mas hoje Kanon só
não o fez porque o matei antes. E você
também tentou algumas vezes.
O guarda grunhiu enfurecido.
― Ele está mentindo...
― Stefano pode ser tudo, menos
um mentiroso. Aliás, ele é verdadeiro
até demais. ― Marco apontou sua arma,
antes em Jet, para o guarda. ― Dei uma
ordem a vocês, e não cumpriram. ―
Seus olhos espelhavam pura frieza,
assim como sua voz. Eu tinha razão.
Aquela era a razão de sua fúria, sua
ordem ter sido desobedecida. Era
justamente por isso que eu estava
naquele lugar que tomou tudo de mim.
O infeliz do guarda teve a
ousadia de me usar como escudo. Eu
tinha mentido ao dizer que ele tentara
algo comigo, mas vi a forma como agiu
com Jet mais cedo. Era um cara que se
aproveitara do meu amigo, e eu o faria
pagar.
― Acha que ele vai me poupar
para não te matar? Não seja estúpido. ―
Eu poderia ter rido, se não estivesse
com medo tanto por Lyn, que foi levado
para onde eu não tinha ideia, como por
Jet, ainda sangrando no chão. O tiro não
devia ter atingido seu peito, senão ele já
teria... Não, ele ficaria bem. Eu só
precisava arrumar uma forma de sair
daquele lugar. Se ao menos Alessandro
e Rafaelle chegassem, poderiam
neutralizar as coisas.
― Stefano, ele é um dos que
você me prometeu que mataria por... ―
sussurrou Jet olhando para o guarda.
Ah, eu teria prazer com sua
morte.
― Quem te deu permissão para
falar, animal? ― Marco o fuzilou como
se Jet fosse um inseto. Foi na direção
dele para terminar o serviço. Eu podia
ver a intenção estampada em seu rosto.
O medo tomou conta de mim, e
corri para proteger Jet.
― Não o machuque mais ―
pedi, controlando minha fúria. Estava
contando que Alessandro viesse a
qualquer momento.
― Ficou aqui todo esse tempo, e
não aprendeu nada. ― Ele estava puto,
mas eu também estava. ― Vou cuidar de
você mais tarde. Agora me diz como
conseguiu o telefone para ligar para
Alessandro?
Eu não podia contar que tinha
sido através de Lyn. Aliás, nem queria
que soubesse da minha amizade com ele,
ou Marco o machucaria da mesma forma
que havia feito com Jet.
Então pisquei aturdido ao enfim
perceber que ele sabia que eu tinha me
comunicado com meu irmão. Eles tinham
sido descobertos? Outro tipo de medo se
instalou em meu peito, o de que ele
tivesse sido machucado.
― Onde Alessandro está? ―
questionei com a voz trêmula.
Marco estreitou os olhos.
― Chegou a minha hora de
quebrá-lo, Stefano. Se para isso eu tiver
que me livrar do laço entre você e seus
irmãos, que assim seja, pois a perda de
sua mãe não foi suficiente ― desdenhou,
pondo-se na minha frente. ― Vou tirar
tudo de você, incluindo esses animais
aqui, e acabar com o que resta de
sentimento.
― Meus irmãos! Onde estão?!
― Lancei-me contra ele, mas fui
chutado para longe. Marco era um
homem grande, forte, lutava muito, ainda
estava em forma para destilar crueldade
por onde passava. Eu sabia que não o
venceria no mano a mano.
O pavor se instalou em mim,
bem como a dor causada por suas
palavras acerca de minha mãe,
deixando-me paralisado por um
momento. O meu peito estava acelerado,
pois me sentia impotente. Mesmo com
ele estando tão perto, aquele homem
parecia intocável, porque o verme sabia
usar seus jogos contra seu adversário.
― Foram fazer companhia para
sua mãe ― respondeu, indo até Jet,
puxando-o pelos cabelos e colocando
uma faca em sua garganta. ― Assim
como seu amigo irá.
Tentei me levantar, mas mal
respirava pelo impacto que levei. Não
podia deixar aquilo acabar assim! Por
que não conseguia pensar em uma saída
naquele instante?
― Por favor, o deixe em paz, e
faço qualquer coisa que você quiser! ―
Eu faria mesmo. Tanto por Jet e Lyn
quanto por meus irmãos, eu seria capaz
de tudo.
― É essa sua fraqueza que me
enoja, o modo como é capaz de dar sua
vida por esses vermes e pelos seus
irmãos. ― Soou frio como o Alasca. ―
Vou lhe ensinar que minhas ordens
devem ser cumpridas.
― Está tudo bem, Stefano, é
melhor assim. ― Jet manteve o olhar em
mim, entregando-se.
Ele era um lutador. Para
sucumbir assim, devia ter cansado de
viver daquela forma. Eu não via mais
um lampejo de esperança em seu olhar.
Queria dar-lhe isso, mas não sabia
como.
― Por favor... ― Chorei. ―
Sinto muito! Me perdoe...
Marco deslizou a lâmina na
garganta de Jet antes que ele pudesse
comentar alguma coisa. O sangue
escorreu caudalosamente, e vi quando
sua vida foi ceifada.
Antes que eu pudesse sair do
transe ao vê-lo sem vida caindo no chão,
Marco disse de modo letal:
― Quem mais você precisa
perder para se tornar o que é de
verdade? Perdeu sua mãe, seus amigos e
seus irmãos. Quem mais falta? Acha que
eu não descobriria que Alessandro e
Rafaelle estavam se preparando para vir
resgatá-lo?
O sangue fugiu do meu rosto.
Não queria acreditar no que ele tinha
acabado de dizer.
― Isso mesmo, seus irmãos e
irmãs estão mortos ― disse sem um
pingo de emoção. ― Inclusive aquele
garoto que foi levado daqui. Sem laços.
― Não acredito em você. ― Eu
não podia ter perdido toda a minha
família. ― Luna e Jade...
― Se foram com seus irmãos.
Como eu disse, sem laços. ― Pegou seu
celular e me mostrou um vídeo de uma
casa pegando fogo enquanto ao fundo se
ouviam os gritos das meninas, depois
exibiu a manchete de um jornal
revelando a morte dos meus irmãos, de
cada um deles, inclusive das minhas
princesinhas.
O chão se abriu sob meus pés,
fazendo-me cair de joelhos. Era uma
pena que ele não podia me engolir. A
dor se apossou de mim, pior do que tudo
que eu já havia sentido antes, pois eu
não tinha perdido só uma pessoa que
amava, mas todas, não me restando nada
além de dor e vazio.
Cerrei meus punhos e tentei
socar Marco, só para ser derrubado no
chão com impacto, o que roubou meu ar
e me encheu ainda mais de dor, mas o
sofrimento físico não era nada
comparado ao emocional.
― Estou farto de você tentar me
atacar! ― rosnou Marco, prensando-me
no chão.
― Vou matar você. Então é bom
que atire na minha cabeça agora ―
sibilei.
― Vamos fazer assim: você quer
me matar, mas, se tentar de novo,
morrerá e não alcançará seu objetivo,
mas, se ficar aqui e se tornar quem eu
quero que seja, no final vou lutar com
você, e terá sua chance de tirar minha
vida. Passe algumas semanas aqui
fazendo o que eu preciso que faça, não
apenas lutando; quero sangue, mortes e
frieza, Stefano, que se torne alguém sem
emoção alguma.
― Não vou ser abusado por seus
malditos homens ― sibilei, tentando me
soltar.
― Ninguém tocará você dessa
forma. Eles me obedecem ― garantiu-
me.
― Como se eu pudesse acreditar
em sua palavra... Afinal Kanon e seu
guarda tentaram, e seguiam suas regras.
― Só disse isso porque queria o animal
morto.
Uma parte minha queria matar
Marco, mas o desgraçado tinha razão.
Se eu tentasse agora, seria morto
sozinho, enquanto ele continuaria a
gozar de saúde para destilar sua
crueldade pelo mundo. Se no final
daquilo pudesse ter minha vez de levá-
lo comigo para o inferno, que assim
fosse.
Por ora me contentaria com o
guarda. Queria cumprir a última
promessa que fiz ao Jet. Olhei para ele
ali, no chão, e a dor me sufocou, mas a
acorrentei dentro de mim. Não podia
deixá-la controlar-me, não quando eu
tinha de fazer o que precisava naquele
lugar para ter uma chance de me vingar
de Marco.
Como um homem podia estar tão
perto de mim e ao mesmo tempo tão
longe? Seria tão fácil matá-lo, mas eu
não conseguiria, estaria morto antes de
ao menos tentar. Precisava aprimorar
minhas habilidades em luta para vencer
o maldito no final.
― Pode ter o guarda, como
prova de que todos que desobedecem às
minhas ordens acabam mortos. ― Saiu
de cima de mim e foi até a porta, depois
olhou para um dos seus homens. ―
Desarme Dray e entregue uma faca ao
Stefano.
A que eu usava antes tinha ficado
no peito de Kanon. Nem tive tempo de
pegá-la.
― Chefe, por favor...
― Não haverá clemência, assim
como não houve para nenhum desses
meninos enquanto os violava ― rosnei
para ele.
― Essa é a última emoção que
deixarei que você sinta, Stefano ―
informou Marco e saiu do cômodo, mas
seus guardas ficaram.
Eu queria que ele ficasse ali,
assim eu teria uma chance de tentar
enfiar em seu peito a lâmina que o
guarda, Gael, me entregou. Todavia, o
bastardo não ia facilitar para mim. De
qualquer forma, eu teria minha vez com
Marco um dia.
Respirei fundo e enfrentei Dray.
― Chegou sua vez de ir para o
inferno ― grunhi.
― Acha que vou perder para um
moleque como você? ― Sorriu para
mim. ― Te venço até desarmado.
Não me importei com suas
palavras, só voei para cima dele, que se
defendeu, mas eu sabia lutar, e Dray era
daqueles covardes que gostavam de se
aproveitar de indefesos, não tinha muita
habilidade como lutador.
Deixei minha fúria, minha dor e
tudo mais que estava sentindo ao lutar
com aquele ser da pior espécie me
dominar. Cada soco, cada buraco que eu
abria nele com minha lâmina era
prazeroso. Ele merecia aquilo por tudo
que fez a cada um naquele lugar, a cada
garoto que maltratou, abusou e até
matou.
Eu respirava com dificuldade
quando acabei e olhei para a poça
sangrenta que estava sob meus pés.
― Jogue a faca para mim ― um
dos guardas pediu da porta.
Apertei o cabo da faca e a joguei
para ele. Foi rápido, incapaz de ele se
desviar, acertando entre seus olhos.
― Está aí, é só pegar.
Levantei-me, fui até Jet e me
sentei ao lado de seu corpo.
Gael não disse nada, mas meu
pai, que estava do lado de fora sem que
eu soubesse, sim. Entrou e checou o
lugar todo manchado de vermelho,
dando-me um sorriso frio.
― Era disso que eu estava
falando. Ele não será o último que você
matará.
― Você será o último cadáver
que eu enviarei ao inferno ― falei sem
olhar para ele.
― Para isso você precisa
eliminar esses seus sentimentos,
inclusive por esse cadáver aí no chão.
― Adeus, meu amigo. Obrigado
por me salvar. ― Vou cumprir a
promessa que fiz a você. Matarei todos
que um dia o tocaram.
Naquele dia, perdi tudo que
importava para mim, meus amigos,
minha família e minha honra, então a
morte seria bem acolhida, mas eu não
iria para o inferno sozinho. Marco iria
comigo.
O vazio se estendia em minha
alma, não restando nada. Amor, paz,
remorso e felicidade passavam longe de
mim. Quando cheguei ali, sentia tudo
isso, mas perdi tudo que tinha alguma
importância para mim.
Só via dor, sofrimento,
escuridão, vazio e muito sangue, tanto
que podia encher uma piscina,
derramado por mim. Cada rosto que
matei, cada expressão, cada último
fôlego ficaria comigo para sempre.
Uma parte minha dizia que eu
tinha ficado sem emoções, mas no fundo
eu sentia algo, só que estava tão
enraizado e profundo que não conseguia
puxar para a superfície.
Os dias passavam lentamente,
como uma tortura. Eu não sabia ao certo
havia quanto tempo estava naquele lugar.
Não deviam ser nem dois meses, mas a
sensação era de anos, como se eu
estivesse em um purgatório. No começo,
foi difícil; agora, eu não me importava
mais. Só queria algo, minha vingança, e
por ela faria qualquer coisa. Com as
lutas constantes, aprimorei-me ainda
mais, e finalmente tinha chegado o dia
em que eu, com toda certeza, venceria
Marco. Logo me juntaria aos meus
irmãos e amigos no inferno. Era uma
pena que não poderia ir para o Céu,
onde estavam minhas irmãs e minha
mãe... Parei de pensar nelas, porque
sentia como se meu peito estivesse
sendo rasgado.
As lembranças de Luna e Jade
sorrindo, abraçando-me e dizendo que
me amavam acabavam comigo. Eram tão
pequenas e tiveram suas vidas ceifadas
tão cedo.
Na solidão da masmorra, às
vezes eu as ouvia me chamando. Tinha
ficado naquele lugar solitário e vazio
como eu estava por dentro. Essas
alucinações deviam ser prova de que eu
estava enlouquecendo, mas eu não
poderia me importar menos. Precisava
ficar são apenas para derrotar Marco.
Ele já estava ali, eu o vi quando
havia lutado mais cedo e notei o sorriso
do maldito, o orgulho de ver o monstro
que eu me tornara. Eu iria esculpir um
sorriso de Coringa nele com minha faca;
queria só ver se ainda teria vontade de
sorrir.
Naquela hora fitei seus olhos,
deixando estampado em meu rosto o
aviso: “logo será você”. Eu só vivia
para cumprir essa promessa, do
contrário não estaria mais ali, não
mesmo.
Ele não disse nada, mas notei
que estava orgulhoso. Seu sorriso estava
diferente das outras vezes que me viu
lutar. E, se não fosse aquela maldita
jaula, eu teria jogado meu machado em
seu pescoço e decepado sua cabeça.
Ignorei o alvoroço após a luta e
fui direto para a cela na masmorra,
como fazia sempre, mas, antes que eu
chegasse lá, estanquei com a visão dos
meus irmãos e minha mãe no corredor.
Era claro que eu sempre
alucinava com eles, mas era um de cada
vez. No entanto, naquele momento os
três faziam parte do meu delírio. Eu os
amava tanto antes de os perder, ou
melhor, de eles serem tirados de mim.
― Stefano ― disse Alessandro,
observando-me.
Eu fazia o mesmo com todos.
Estaria louco ao ponto até de ouvir suas
vozes?
― Oh, meu menino, o que
fizeram com você? ― Minha mãe
chorava.
Suas lágrimas foram como um
soco no meu estômago. Não queria isso.
Minha respiração ficou aguda, e aquelas
emoções queriam sair, mas por que eu
não permitia? Seria por temer que
aquela miragem se dissipasse e eu
descobrisse que eles não estavam ali?
A alucinação estava diferente.
Antes, só aconteciam à noite, quando eu
ficava tanto tempo na escuridão daquela
cela ou quando estava muito ferido. Na
verdade, sabia que não era alucinação
alguma, mas então por que não
conseguia me mover? Ou até abrir a
boca para dizer algo?
Mamãe deu um passo até mim,
mas Rafaelle a segurou pelo braço,
como se a estivesse protegendo do que
eu tinha me tornado.
Franzi o cenho e cerrei meus
punhos, segurando meus instintos de
impedi-lo que evitasse a aproximação
dela.
Seus olhos avaliavam cada
movimento meu.
― Meu amor... ― Ela se afastou
de Rafaelle e veio até mim, abraçando-
me enquanto chorava.
O solavanco em meu peito foi
tão alto que juro que poderia ser ouvido
a quilômetros.
― Lamento tanto, meu menino,
por tudo que passou... ― gemia,
apertando-me mais em seus braços.
Aquele sentimento enterrado
estava ali em algum lugar. Eu podia
sentir sua dor, era como se fosse em
mim.
― Mamãe! ― Coloquei meus
braços à sua volta e respirei seu cheiro,
que eu tanto amava e que pensava nunca
mais sentir de novo. ― Está realmente
aqui!
Quantos dias e noites chorei por
achar que a tinha perdido para sempre, e
agora a via ali.
― Estou, sim, nunca o abandonei
― sussurrou, beijando meu rosto.
― Mas eu vi você caída e
depois eles... ― Não consegui terminar
de falar.
― Desmaiei na hora... Quando
acordei, estava em casa sem saber o que
aconteceu com você. Quis fazer alguma
coisa, mas... ― Sua voz falhou.
― Não foi sua culpa, mãe. ―
Olhei para os meus irmãos. ― Pelo
visto, ele forjou a morte de todos. ―
Minha voz se elevou: ― Jade e Luna?
― Elas estão bem, estão em um
hotel. Eu não as queria aqui. ― Minha
mãe me tranquilizou.
Pensando bem na forma como
tudo aconteceu, eu não a havia visto
morrendo, mas na hora não suspeitei que
fosse uma encenação, assim como não
desconfiei das falsas mortes dos meus
irmãos. Deveria ter sido mais esperto e
não ter caído nas mentiras de Marco.
Ele era manipulador e gostava de fazer
jogos mentais. Em minha defesa, naquele
lugar qualquer pessoa não conseguiria
pensar com clareza.
Minha fúria por Marco aumentou
exponencialmente.
― Teríamos vindo assim que
você ligou, mas ficamos presos até hoje
cedo. ― Alessandro trincou os dentes.
― O bastardo grampeou meu celular.
― Não queríamos que pensasse
que nós o deixamos, mas, quando
chegamos aqui, soubemos que você
pensava que nós tínhamos... ― Rafaelle
suspirou duro. ― Maldito Marco!
― Vou matá-lo ― afirmei.
Estava ansioso para fazer isso. ― Ele
me prometeu que, se eu me tornasse o
que ele queria, no final lutaríamos até a
morte.
― Não pode matá-lo ―
murmurou Rafaelle, olhando
desconfiado para cada canto ao seu
redor.
Fuzilei-o, controlando o instinto
que me consumia. Ele é meu irmão, não
meu inimigo, entoei a mim mesmo.
― Além de me fazer pensar que
perdi toda minha família, ele matou dois
amigos meus. Um deles morreu ao me
proteger. ― Evitei contar o que Kanon
quase tinha feito comigo. Não queria
pensar naquele maldito. Por culpa dele,
eu tinha pesadelos e sentia nojo só em
pensar no toque de qualquer pessoa.
― Se matá-lo agora, o
Alessandro não vai poder ser capo um
dia ― Rafaelle se aproximou de mim e
sussurrou. ― Conseguimos o apoio de
alguns, mas ainda é pouco para uma
rebelião. Nesse momento ele ainda tem
muitos seguidores fiéis.
― Meu amor, sei o quanto sofreu
neste lugar, mas vamos embora. Depois
você faz o que tem que fazer ― pediu
minha mãe. ― Não quero perdê-lo de
nenhuma forma.
Antes que eu respondesse, ouvi a
voz do homem que mais odiava na vida.
― Vejo que a reunião familiar
acabou em choro. ― Fechou a cara para
minha mãe e depois para mim.
― Você mentiu sobre eles
estarem mortos! ― cuspi com ódio letal.
― Precisava que você
alcançasse essa sua versão, um
assassino frio e sem alma ― rebateu e
olhou para minha mãe. ― Embora
acredite que sempre terá uma fraqueza.
Só acabaria com ela realmente morta.
Queria mandá-lo ir para o
inferno, mas o aperto da minha mãe me
impediu de fazê-lo.
― Acabaria, mas isso terminaria
com o respeito dos seus filhos, e,
logicamente, teríamos que honrar a
família a todo custo ― disse Alessandro
sem um pingo de emoção.
― Vou ficar bem, meus filhos ―
mamãe nos disse, depois se voltou para
Marco: ― Podemos ir embora agora ou
vai precisar deles aqui?
Eu sabia que ela estava louca
para me tirar de perto dele, pois me
encontrava a ponto de fazer algo, e
minha mãe queria evitar. Eu não queria
ir contra sua vontade. Sempre tinha feito
e faria tudo por ela. No fundo, sabia que
mamãe tinha razão, mas minha vontade
de acabar com ele era tanta que chegava
a doer.
― Tenho que estar na Itália
amanhã cedo para começar a trabalhar e
colocar Stefano para fazer algo também.
― Eu notava, pela voz do meu irmão,
que ele não queria ficar mais tempo
naquele lugar. Eu muito menos.
― Vão. Vou ficar para ver a
próxima luta, podem ir embora sem mim
― Marco disse e se virou para partir
com seus seguranças. Um deles era o
mesmo que vi batendo em minha mãe a
ponto de deixá-la inconsciente.
Coloquei minha mão no coldre
de Alessandro e peguei uma faca.
Percebi o alerta em seus olhos. Pedi,
também com o olhar, que confiasse em
mim.
― Pai? ― chamei Marco,
embora levasse tudo de mim para
chamá-lo assim, quando eu só queria
fazê-lo sangrar como um porco.
Ele se virou. Arregalou os olhos
assim que joguei a adaga. Pude ver que
o bastardo fodido pensou que eu o
mataria. Isso bem que se passou em
minha mente. Infelizmente, meu alvo
agora era o desgraçado que tinha
machucado minha mãe.
Marco olhou de mim para o
homem, que morreu com a adaga enfiada
em sua testa.
― Achei que fosse me atingir.
― Marco me avaliava. ― Já está com o
coração mole.
― Não tenho um coração. Você
fez com que morresse tudo que havia
nele ― falei de modo frio.
― Nem tudo, ao que parece. ―
Olhou para meus irmãos e minha mãe e
depois para mim. ― Vou deixar passar
dessa vez o fato de ter matado alguém
sem que eu mandasse.
Eu queria rir de escárnio, mas
não demonstrei sentimento algum ao
devolver seu olhar duro.
― Ele feriu minha mãe, então
merecia morrer. E não pense nem por um
segundo que eu fraquejaria ao matá-lo,
porque não o faria. Aprendi uma coisa
neste lugar, que meu destino é matar
qualquer que entre em meu caminho.
Uma sombra atravessou sua
expressão. Sabia que ele queria retalhar
minha boca grande. Não que eu fosse
mudar por causa dele, mas não queria
que ferisse alguém só para me atingir.
― Alessandro tem razão,
devemos honrar nossa família, incluindo
você, pai. ― Porra, dizer isso estava me
matando, mas eu não queria que
suspeitasse dos nossos planos para sua
queda no futuro.
Com isso, sua expressão sombria
sumiu, e ele sorriu parecendo orgulhoso.
― Ótimo, embora você devesse
continuar aqui. ― Ainda me avaliava.
Não revelei nada do que estava
pensando.
― Já passei muito tempo aqui,
quero ver como anda lá fora ―
assegurei.
Ele assentiu.
― Não vai querer vingança por
aqueles animais desobedientes?
Todo o meu corpo tremeu, mas
meu rosto ficou neutro. Nesse momento,
o aperto da minha mãe em meu braço
ficou ainda mais firme. Eu sabia que
Marco estava me provocando para eu
perder o controle facilmente como antes.
Na verdade, só me controlei por causa
da presença dela.
― Eles estão melhores onde
estão agora. ― Foi minha resposta.
Dizer isso me matou um pouco
mais, embora no fundo fosse verdade.
Morrer era melhor do que permanecer
naquele inferno. No entanto, eu preferia
os meus amigos vivos e saindo daquele
lugar comigo, como juramos fazer. Eu
finalmente iria sair, mas sozinho.
― Devemos ir, as meninas estão
sozinhas no hotel com os seguranças. ―
Mamãe puxou meu braço para sairmos
dali.
Nem me incomodei em trocar a
roupa cheia de sangue. Por sorte, era
preta.
Antes de entrar no carro, olhei
mais uma vez para aquele inferno e
recordei tudo que tinha vivido lá. O pior
foi tudo que tive de fazer até estar
naquela escuridão sem fim.
Sair daquele antro não teve o
prazer que eu esperava ao partir dali
com Jet e Lyn. Eu estava indo embora
sem os dois, e isso me deixava com o
peito despedaçado.
Eu não queria partir sem tirar
todos aqueles garotos dali e proteger
cada um deles do que quase havia me
acontecido e de tudo que os meus
amigos passaram e viveram lá.
― Vamos, filho ― chamou
minha mãe, puxando-me para o carro.
Assenti e entrei no veículo,
sentindo-me esgotado, afinal tinham sido
muitas noites sem dormir direito, pois os
pesadelos não permitiam. A cada vez
que eu fechava os olhos, lembrava-me
da voz asquerosa daquele ser
desprezível. Isso deveria ter passado,
afinal Kanon estava morto, mas não,
esse porra ainda fodia minha cabeça.
Era noite, o céu estava estrelado,
a lua, brilhante, mas eu ainda me sentia
na escuridão.
― Stefano...
Percebia que Alessandro queria
falar algo, eu o conhecia bem.
― Não precisa dizer nada. Sei
que, se pudessem ter ido me pegar antes,
vocês teriam. ― Respirei fundo, não
querendo pensar no que tinha acontecido
lá. ― A única coisa que está acabando
comigo é ter deixado Marco vivo após
tudo que fez com meus amigos.
E o fato de, por culpa dele, eu
não ser mais o mesmo ao sair daquele
maldito inferno.
― Lamento por isso, meu amor.
― Minha mãe segurou minha mão e a
apertou, chorando. ― Me sinto tão
impotente por não poder proteger vocês
dele.
― Não chore, mãe. Vamos reunir
mais pessoas do nosso lado, então o
eliminaremos. ― Eu estava contando os
dias para que chegasse logo esse
momento. Queria fazê-lo pagar por todo
o sofrimento que passei lá dentro, não só
eu, mas cada criança, muitas das quais
ainda estavam presas, sem esperança de
sair.
― O faremos pagar e seremos
livres dele e de tudo que faz e que
abominamos ― disse Rafaelle
sombriamente.
― Porra! Eu não sabia que ele
mexia com coisas fodidas como isso ―
Alessandro rosnou.
― Prostituição infantil é tão
ruim quanto isso, e faz parte dos
“negócios” dele. ― Rafaelle trincou os
dentes.
― Vou resgatar esses garotos. Só
preciso arrumar uma forma de fazer isso
sem Marco saber ― murmurei.
― Vou ajudá-lo com isso ―
garantiu Alessandro.
Assenti e fiquei calado enquanto
seguíamos para o hotel. Assim que
chegamos, fui para um dos quartos. Não
queria que minhas princesas me vissem
todo sujo e coberto de sangue. Até
manchei a roupa da minha mãe, mas ela
não pareceu se incomodar.
Entrei no banheiro e, debaixo do
chuveiro, deixei que toda aquela sujeira
e o sangue de garotos inocentes
escorressem. Era uma pena não poder
lavar minha alma também e deixá-la
como antes.
O remorso era um sentimento
que eu tinha deixado enterrado por um
tempo em meu peito, mas agora se
liberava de repente, com força. Seria
porque eu tinha o amor de minha
família? Neles eu enxergava bondade e
respeito, uma força que nos ligava mais
forte do que a ira de Marco.
Sentei-me na cama e respirei
fundo, com meu peito sufocando por não
ter salvado os outros meninos, por não
ter escapado antes de levarem uma parte
de mim. Mesmo sendo tarde, eu não
sabia se conseguiria dormir.
Ouvi passos do lado de fora do
quarto, depois uma leve batida na porta.
― Posso entrar? ― Era minha
mãe, cuja cabeça apareceu no vão ao
abrir de leve a porta.
― Claro, mãe. ― Eu podia ver a
preocupação em seus olhos. ― Eu estou
bem.
Ela entrou e se sentou ao meu
lado.
― Nunca diga que está bem
quando não é verdade. Sei que está
destruído por causa de seus amigos, se
sente culpado por não conseguir salvá-
los.
Ela me conhecia bem, embora
meu sofrimento não fosse só por aquilo.
Eu apenas não queria preocupá-la com
meus demônios.
― Naquele lugar fiz coisas,
mãe... ― Vivi coisas, pensei. ― As
imagens estão na minha cabeça. Não sei
se um dia vou conseguir esquecê-las.
Havia só crianças presas lá, elas eram
obrigadas a matar umas às outras...
Mamãe me interrompeu:
― Você também foi obrigado a
fazer isso. Foi mantido naquele lugar
contra sua vontade.
― Pode ser, mas tive chances de
me matar lá... Não queria ser como
Marco. Cada vida que tirei... ― Fazer
aquilo tinha levado uma parte da minha
alma, até não restar mais nada. Ainda
assim, algo me impedia de tentar o
suicídio, como cortar os meus pulsos ou
simplesmente me deixar ser morto na
arena.
Ela pegou meu rosto e capturou
meu olhar com o seu intensamente.
― Nunca pense em tirar sua
vida, por mais que a escuridão seja
profunda ou os tormentos sejam demais.
― Senti a dor em sua voz, tão potente
como eu a via em seu rosto.
― Mãe... ― Eu preferiria sofrer
a ela. Se pudesse resguardá-la disso
seria bom, mas não podia e precisava
dela para lidar com tudo.
― Somos uma família, e não vou
deixar Marco quebrar nenhum de vocês
a esse ponto. Ele pode lhes ensinar toda
a maldade que faz, mas nenhum de vocês
puxou a ele aqui. ― Colocou a mão em
meu peito. ― Seu coração é bom,
Stefano, por isso a culpa. Se você fosse
igual ao seu pai, estaria se vangloriando
neste momento. No entanto, aqui está o
meu menino, sofrendo.
― Estava perdido naquele lugar.
Foi pouco tempo, mas um dia lá é como
um ano em um purgatório. ― Eu teria
preferido isso, um purgatório; ao menos
sofreria sozinho e não levaria pessoas
comigo. ― O Jet... Ele tinha tanta
esperança, mãe. ― Levantei-me,
sentindo minha garganta fechar, inquieto,
louco, querendo explodir algo. ― Ele
queria tanto sair, mas sofreu ao ponto de
acabar me pedindo para matá-lo. Dá
para imaginar alguém que fez tudo para
continuar vivo por anos, enfrentou toda
aquela porcaria só para desistir no
final? O que isso lhe custou? ― O meu
peito estava esmagado.
― Teria gostado de conhecê-lo.
Tanto a ele como ao seu outro amigo.
― Eles estavam machucados
demais após aqueles malditos os
torturarem. ― Encolhi-me com a
lembrança deles no chão. ― Quando
liguei para Alessandro, pude ver a
esperança surgindo neles de novo.
Fiquei tão feliz que juramos ser irmãos
quando saíssemos, que nossa amizade
seria eterna.
― Meu bem... ― Seus olhos
estavam molhados. ― Lamento tanto,
querido.
Os meus olhos também
lacrimejavam, mas não derramavam
lágrimas. Devia ser pelo tanto que
chorei naquele lugar abandonado por
Deus e pelo mundo.
― Então um dos homens do meu
pai chegou para levar Lyn ― continuei.
Contei o que aconteceu com os dois
quando chegaram machucados. ― Lutei
com Kanon devido ao que fez, mas ele...
Não consegui contar o que quase
me aconteceu. Não queria que nem ela
nem meus irmãos sofressem e se
sentissem culpados. Ninguém poderia
ter feito nada, só Marco – que não fez,
por sinal.
― Esse homem abusou de você?
― O terror estava em sua voz e em seus
olhos arregalados. ― Marco jurou que
ninguém te tocaria assim.
― Quase ― resolvi não revelar
muito. Preferia sofrer sozinho com os
meus demônios a deixar que se
culpassem por algo que não estava em
suas mãos. ― Se não fosse por Jet... Ele
me salvou, então Marco entrou e atirou
nele. ― Sacudi a cabeça, não querendo
pensar em seus olhos sem vida.
― Querido...
― Os dois morreram sem eu
poder fazer nada, e agora aquele
desgraçado ainda respira neste mundo.
E, pior, se vangloria do monstro que
criou.
― Você não é um monstro. ―
Ficou de pé e pegou minha mão. ―
Nunca pense isso.
― Fiz coisas imperdoáveis,
mãe. ― Tirar uma vida nunca tinha me
incomodado tanto. Eu não gostava de ser
obrigado a matar, como acontecia na
arena. Lá machuquei crianças; mesmo
sendo assassinas, ainda eram crianças.
― Venha comigo. Quero te
mostrar o quanto você significa para
mim e seus irmãos.
Não discuti, só a segui para a
varanda.
― Olhe para o céu agora. ―
Apontou para cima. ― Me diga o que
vê.
Fiz o que pediu, mas sem
entender. Comentei:
― As estrelas brilham na
escuridão. ― Menos a minha vida.
Aliás, tudo em mim eram sombras e
tormentos.
― Sim, são brilhantes e
iluminam a escuridão. É assim você em
nossas vidas. Se um dia eu o perdesse,
minha vida seria um buraco-negro,
porque, sem meus filhos, não teria
nenhum sentido viver. ― Virou-se para
mim. ― Quero que me prometa que
nunca tirará sua vida nem sequer
pensará em fazer tal coisa. Mesmo se um
dia eu não estiver mais entre vocês,
sempre terá as meninas e seus irmãos.
Eles precisam de você.
Meu coração se apertou com a
ideia de perdê-la. Eu não podia passar
por isso de novo. Só eu sabia o quanto
foi doloroso pensar que a havia perdido
para sempre. Marco era perigoso, não
era normalmente o tipo de atirar antes e
perguntar depois. O maldito preferia
acabar com a maior parte das pessoas
primeiro psicologicamente. Foi isso que
fez comigo ao dizer que eu tinha perdido
tudo.
― Juro nunca mais pensar nisso.
― Cheguei a pensar lá, mas não o fiz,
pois queria vingança contra Marco, e no
final não consegui nem uma coisa nem
outra. Bem, suicídio agora estava fora
de cogitação. Antes estava sozinho e
cercado de sangue e morte; agora tinha a
minha família de volta.
― Obrigada, meu amor. Agora
por que não vamos ver as meninas? Elas
sentiram falta de você durante sua
ausência. ― Mamãe apertou minha mão
enquanto seguíamos para dentro do
quarto. ― Eu te amo muito, meu filho.
Nunca se esqueça disso.
― Eu também, mãe, por isso foi
doloroso pensar que jamais a veria de
novo. ― Era uma emoção que eu não
queria sentir nunca mais.
Fomos para o quarto ao lado.
Antes de entrar, mudei minha expressão
para uma divertida. Não queria que as
meninas me vissem atormentado.
― Stefano! Estava com
saudades! ― Luna correu para mim e me
abraçou.
Beijei sua cabeça.
― Também, pequena. ―
Respirei fundo, adorando estar com
minha família.
― Me diz o que papai fez, que
vou xingá-lo ― rosnou Jade de braços
cruzados.
Ela tinha oito anos e era muito
valente. O que tinha Jade de valentia,
tinha a Luna de doçura.
― Jade, o que falei sobre não
enfrentar Marco? Você vai acabar sendo
castigada ― disse minha mãe.
― Ele é um escroto filho da...
― Olha a boca! ― ralhou
mamãe. ― É muito feio para uma
mocinha dizer palavrões.
Ela fez uma careta.
― Stefano diz o tempo todo.
Sorri de verdade e me senti
estranho. Fazia tempo que não me sentia
dessa forma.
― Isso é porque sou homem, e
não é tão feio quanto uma garota
xingando ― provoquei-a.
― Garotas podem chutar bundas
tanto quanto homens ― apontou ela,
obstinada.
― Que tal parar de falar em
chutar coisas? ― pediu mamãe. ―
Encomendei pizza, ainda está quente.
Nossa... Eu não sabia havia
quanto tempo não ingeria comida de
verdade.
― Vem aqui, sua danada. ―
Puxei Jade para os meus braços. Ela
batia no meu peito.
― Também senti sua falta ―
declarou. ― Ninguém me disse onde
estava.
― Em um lugar que não merece
ser lembrado. ― Elas não mereciam ter
aquela imagem em suas cabecinhas.
Era bom estar em casa com
minha família, com pessoas que dariam
tudo por mim, assim como eu faria por
elas. Eu não sabia o que seria dali para
frente, mas desejava estar sempre com
cada um deles. Esperava que um dia eu
pudesse esquecer tudo que fiz e vivi e
ter aquela luz que minha mãe disse que
eu era para ela.
Voltei a mim e olhei para o chão
ensanguentado da arena em que tínhamos
acabado de entrar e presenciar aquela
monstruosidade. Sentia minha
respiração aguda, e minha raiva ainda
não tinha passado, nem depois de ter
matado todos.
A plateia me olhava coberto de
sangue, chocada com a cena dos
miseráveis desmembrados e sem vida.
Sorri de modo maníaco para os
espectadores, segurando-me para não
acabar com todos.
― O que foi? Não queriam
sangue, seus malditos vermes? Como
podem sentir prazer com essa porra
fodida?! ― Olhei para Lyn, que estava
sem expressão. ― Alguém saiu enquanto
eu estava desmembrando esses insetos?
Era até um crime comparar um
inseto com pessoas que gostavam de
participar e assistir àquela abominação.
― Não, o local está fechado.
Ninguém sairá daqui.
Assenti e me virei para os
garotos, uns dez mais ou menos, mas eu
sabia que havia mais nas celas. Aqueles
eram os lutadores, provavelmente os
perdedores. Fosse como fosse, agora eu
daria uma diversão a mais a eles, uma
de verdade.
― Querem entrar nessa festa? ―
Fui até cada um, tirando suas algemas.
Ao se libertarem, puxaram suas calças
para cima. ― Todos precisam do mesmo
remédio que deram a vocês.
Eles aquiesceram, fuzilando a
multidão de homens e mulheres.
― Vamos fazer essa arena
estrondar com os gritos que realmente
merece ― falei, pulando do ringue na
frente de Jared e Jair, que em algum
momento tinham sido imobilizados por
Arrow. ― Meninos, esses dois são meus
e de Lyn. Vocês podem escolher
qualquer um na multidão.
Os garotos correram, pegando
suas armas e atacando cada um que
aparecia na sua frente. Pela forma como
agiam descontroladamente, estavam
muito putos da vida. Enfim eu percebia
por que Lyn deixava os jovens
resgatados em algum lugar até
conseguirem controle sobre si mesmos,
para que não atacassem ninguém quando
estivessem enfurecidos. E havia muita
fúria naqueles meninos. Lyn os ajudava
a canalizá-la para quem merecesse em
vez de qualquer um. Eu entendia a
sensação. Se não fosse minha mãe e
irmãos, eu não estaria ali, teria me
tornado um psicopata fodido.
Os olhos de Jared estavam
arregalados enquanto viam os garotos se
divertindo.
― Não me mate... Te dou o que
quiser, por favor... ― ele começou a
rogar.
Não me importei com suas
súplicas nojentas.
― Ouviu quando alguns deles
imploraram para que não os tocassem?
― Aproximei-me mais dele e de seu tio.
― Pare de implorar e honre as
bolas que tem ― rosnou Jair para o
sobrinho.
― Não se preocupe, logo Lyn te
fará suplicar por misericórdia. O bom é
que não somos misericordiosos. ―
Movimentei minha faca entre as mãos.
― Você é, Lyn?
― Não. ― Foi sua resposta
decidida.
― Vocês não passam de escória
e não merecem respirar nem mais um
segundo.
― Bella sabe do que você faz ou
está incluída nesse jogo? Se aquela... ―
Jared se interrompeu quando soquei sua
boca, fazendo o sangue escorrer.
Minha fúria estava me deixando
um tanto cego, a ponto de acabar
terminando logo com aquilo, mas
precisava manter meu foco. Era melhor
brincar com ele, pois eu precisava de
uma luta.
― Não ouse dizer o nome dela
com sua boca fodida ― sibilei,
socando-o de novo, dessa vez no
estômago, o que o fez ofegar. ― Nunca
nem sequer pense nela.
― Quem, maldição, são vocês?
― grunhiu Jared, tentando se afastar.
― Alguém que veio para
destruir seu império maldito. ―
Manejei minhas facas.
Jared olhou para o lado, onde, na
plateia, muitas pessoas gritavam pelo
ataque dos garotos.
― Não ligue. Eles estão
recebendo o que lhes é cabível. Tudo o
que os meninos estão fazendo é pouco
em vista do que já fizeram a todos aqui e
em outros lugares. ― Movimentei uma
de minhas facas rapidamente e abri um
corte no peito do maldito, mas não muito
fundo, porque não queria que morresse
logo.
Ele gritou.
― Maldito seja! ― Fuzilou-me.
― Podemos entrar em um acordo! Quer
dinheiro...
― Cale a boca, Jared. Eles são
mafiosos, não precisam de dinheiro ―
disse Jair.
Pelo visto, Lyn teria um pouco
de dificuldade para quebrá-lo.
― Isso, grite, pois é a única
coisa que fará hoje. ― Sorri para ele e
depois para meu amigo e irmão. ― Lyn,
fique com o tio salafrário dele. Pode
obter as informações que deseja.
― Ah, com certeza conseguirei.
― Ele ficou em frente a Jair. ―
Principalmente quais as instalações
Prometheus que você conhece.
― Jared é todo meu. Vou adorar
me divertir com ele, assim como aposto
que fazia com os garotos daqui. ― Só
em pensar nisso, eu ficava ainda mais
enfurecido.
― Eu não os fodia, meu negócio
é mulher! ― revelou, parecendo
esperançoso. ― Pode me deixar ir, não
conto nada do que vi aqui nem sobre
vocês.
Ri zombeteiro.
― Não mexia com eles, mas os
trazia para cá, alterava seus documentos
para que todos pensassem que foram
adotados. Não pensou no que eles
passariam aqui, na dor que sofreriam
neste maldito lugar? ― rosnei. ― Era
sua responsabilidade protegê-los, e não
jogá-los em um ninho de víboras!
Foquei em meu objetivo e deixei
Lyn cuidar do dele. Finalmente eu faria
aquele filho da puta pagar caro.
― Não sei nada sobre onde
ficam as... ― Grunhiu quando o soquei.
― Você se aproveita só porque estou
preso ― cuspiu, tentando se soltar das
mãos de Arrow. ― Não é homem para
me enfrentar no mano a mano!
Meneei a cabeça para os lados,
pensando em sua provocação. Estúpido
de merda... Se ele soubesse o que eu
tinha preparado, iria desejar que eu o
matasse naquele instante. Ele se daria
conta disso eventualmente.
― Bem, se está reclamando
quanto a isso... ― Olhei para Arrow e
indiquei: ― Solte-o. Vamos ver o
quanto ele é homem lutando comigo.
O assassino não reclamou, só o
soltou, dando um empurrão nele em
minha direção.
― É todo seu ― disse.
― Valeu! ― Se aquele babaca
achava que podia me vencer, eu lhe
ensinaria o contrário. ― Olhe ao redor.
― Apontei para o sangue e os corpos
despedaçados na arena. ― Logo será o
seu sangue derramado aqui.
Lyn segurou Jair e o puxou para
ficar fora do caminho da minha luta. Eu
poderia só matar Jared, mas precisava
de mais; a dor de receber alguns socos
aliviaria o sofrimento que eu estava
sentindo naquele momento, um para o
qual não havia cura. Apenas uma pessoa
podia aliviar aquele tormento vivo, mas,
como eu era idiota, a deixei escapar.
Foquei no presente para acabar
logo com aquilo e ir até Belinda, mesmo
correndo o risco de ser morto pelos seus
irmãos.
― Vamos acabar logo com isso
― Lyn declarou, indo fazer seu trabalho
com o tio daquele miserável.
― Você está armado, e eu não ―
apontou Jared.
Nessa hora ri, porque, se fosse o
contrário, ele teria me matado, mas,
como eu queria brincar um pouco e
soltar aquela fúria que me consumia,
deixei que desse as cartas. Por enquanto.
Logo ele veria a verdade.
Joguei uma das minhas facas
para ele, que a pegou com habilidade,
então imaginei que talvez ele fosse bom
com lutas armadas, mas não era páreo
para mim.
― Agora estamos quites. ―
Preparei-me. ― Chegou a hora de
brincar.
Ele se lançou para mim,
acertando-me no braço e abrindo um
corte. Não me esquivei, o que trouxe um
sorriso ao seu rosto. Deixei que
pensasse que tinha me acertado por ser
um bom oponente.
A dor era meu refúgio havia
anos, ela me fazia de certa forma pagar
por não ter conseguido salvar Jet e Lyn,
quando eu achava que Lyn estava morto.
Naquele dia, queria senti-la por ter feito
Belinda sofrer.
A cada golpe que eu recebia,
pensava em seu olhar triste. Mesmo que
ela não tivesse chorado na minha frente,
eu sabia que o faria após eu ter saído de
lá, no dia anterior. Ela se manteve forte
ao menos até o momento em que fui
embora, mesmo com o coração partido.
― Porra, Stefano! Se você
deixar ele te cortar mais uma vez, eu
mesmo vou terminar o serviço! ― ouvi
Lyn grunhir em algum lugar perto de
mim.
― Deixar? ― Jared zombou. ―
Ele não passa de um fracote que não
serviu nem para aquecer a cama da
Bella. Não se preocupe, vou cuidar
disso quando eu foder todos os buracos
dela, e, acredite, ela vai gostar.
Meu sorriso sumiu. Fui tomado
por uma fúria tão imensa que senti meu
rosto quente.
― Vou te mostrar quem é o
fraco. E o único buraco que você vai ter
fica a sete palmos do chão ― cuspi e me
lancei contra ele, chutando-o após
acertar suas costelas com a faca.
Jared caiu no chão, mas não lhe
dei tempo para que se levantasse antes
de subir nele e enfiar a lâmina em seu
peito. Ao mesmo tempo, senti a dele no
meu ombro.
― Você não devia ter falado em
Belinda com sua boca imunda ― rosnei,
mexendo a faca, fazendo-o se engasgar
com o sangue que brotava em seus
pulmões e subia à sua traqueia. ―
Agora vou te enviar para o inferno com
uma passagem só de ida.
Ele cuspiu sangue.
― Você também vai... ― Tentou
enfiar a lâmina novamente em mim, mas
segurei sua mão, não permitindo. Não
podia deixá-lo me ferir mais, precisava
ir até Belinda. Estava irado demais para
ter me protegido e evitado o golpe.
― Não hoje. Um dia nos
encontraremos lá. ― Puxei a faca para
baixo, rasgando sua barriga. ― Isso é
pelos garotos que você ajudou a colocar
neste lugar com a ajuda de seu tio.
Não demorou muito para ele dar
seu último suspiro. Era uma pena eu não
ter prolongado a situação e me divertido
mais, mas estava ansioso para ver
Belinda.
― Maldição, por que não se
defendeu antes de levar uma facada? ―
grunhiu Lyn, ajudando-me a ficar de pé
após aquela bagunça.
― Não vi o golpe, estava com
muita fúria na hora.
― Sente-se aqui. ― Colocou-me
na arena. ― Deixe-me ver o estado
disso.
Após conferir os danos
causados, Lyn amaldiçoou.
― Precisamos de pontos, isso se
não for necessária uma cirurgia,
dependendo do que foi destruído com a
facada. Não foi só o ombro. ― Apontou
para o meu braço.
― Então dê os malditos pontos.
Deve ter algum material médico neste
lugar. Não vou para o hospital. Preciso
ir até Belinda.
― Devia ir a um médico, que
sabe lidar melhor com esse tipo de
coisa.
― O helicóptero está aqui ao
lado. Podemos levá-lo agora ―
informou El Diablo.
Após alguns minutos, entramos
na aeronave, onde me escorei no banco.
Tinha colocado um pano para estacar o
sangue até alguém dar os pontos
necessários.
― Só temos um problema.
Estamos no território dos Pachecos.
Eles já devem estar cientes do que
aconteceu e devem estar a caminho. ―
El Diablo estava ao meu lado direito, e
Lyn, ao esquerdo. ― Talvez devemos
repensar em mantê-lo num dos
territórios deles.
― Acho que minha morte vai
chegar antes disso ― murmurei,
sentindo que estava piorando. ― Mas
não ligo se me matarem, vou até a irmã
deles.
― Stefano, você vai a um
hospital ― Lyn frisou.
― Não vou. Só vou dar os
pontos, depois quero ir para ela... ― Eu
odiava hospitais, evitava-os a qualquer
custo. Não ficaria impotente a esse
ponto.
Fechei os olhos, ansioso para
estar ao lado de Belinda o quanto antes
e pedir que me desculpasse. Esperava
que me aceitasse e me perdoasse,
porque eu não viveria sem ela.
De repente senti cheiro de
clorofórmio, então abri os olhos,
encontrando os do meu amigo.
― Lamento. ― Foi tudo que
ouvi, quando a inconsciência me tomou.
Fazia alguns dias que eu tinha
descoberto a traição dos meus irmãos e
Stefano. Dizem que o tempo cura, mas
não, eu ainda sentia o meu peito
sangrando como no dia em que descobri.
Tentei me manter focada no trabalho
para aquela dor não me derrubar, mas
não estava conseguindo.
Santiago vinha ao orfanato direto
tentar falar comigo, mas eu não queria
ouvi-lo. Javier assumiu o posto de meu
segurança, e as coisas só pioraram, pois
eu via a pena nos olhos dele. Talvez eu
estivesse vendo coisas, mas, de
qualquer forma, precisava sair dali.
Por isso, fui para a casa da vovó
e fiquei com ela durante alguns dias. Só
pude voltar ao orfanato após saber que
Jared e seu tio foram capturados por
Lyn. Soube que Stefano estava com ele,
mas, quando meus irmãos chegaram à
ilha, já tinha ido embora. Fiquei
aliviada por isso.
Era para aquele idiota ter
partido do nosso território, mas Stefano
só podia ser um tapado que vivia em
busca de adrenalina. Foi bom que meus
irmãos não o encontraram.
Não procurei saber o que mais
tinha acontecido; a minha cabeça não
estava muito boa para nada.
Os irmãos Laions estavam de
novo no orfanato, protegidos enfim por
uma pessoa que realmente se importava
com eles e tomava conta do local.
Entrei na sala da minha avó, que
assistia ao noticiário sobre uma chacina.
“Jared Calixto e Jair Calixto
mantinham meninos presos na ilha,
onde os fazia lutar até a morte. Os dois
foram encontrados torturados e
mortos. Acreditamos que o caso tenha a
ver com o atentado ao orfanato alguns
dias atrás”, dizia a âncora.
O pai de Jared foi preso, após a
polícia achar provas de que fazia parte
da quadrilha. Havia filmagens dos
meninos lutando e várias pessoas
assistindo, políticos e muitas pessoas
poderosas. Os vídeos não vazaram na
mídia; eu só soube deles porque
obriguei Javier a me mostrar.
Nunca tinha visto algo mais
horrendo do que os garotos algemados e
os homens... Na hora corri para o
banheiro e vomitei, enojada com aqueles
demônios malditos. Contudo, gostei do
massacre. Lyn e Stefano fizeram um belo
estrago no local... Parei de pensar nele,
porque, toda vez que o fazia, sentia
vontade de chorar e muitas vezes
sucumbia, só não na frente de alguém.
“As crianças prisioneiras não
foram localizadas. Tudo indica que, de
algum modo, escaparam e
massacraram todos que assistiam às
lutas. Agora esses meninos assassinos
estão soltos. O que esses adolescentes
devem estar enfrentando aqui fora,
quando só o que sabem fazer é
matar?”, voltou a dizer a apresentadora.
― Bando de hipócritas! Falam
das crianças como se fossem bichos
perigosos que escaparam do zoológico
― ouvi minha avó murmurar.
― Por um lado, eles estão
certos, vó. Assisti ao vídeo deles
naquela arena lutando com correntes nos
pés. Se fossem soltos, com aquela fúria
toda, não restaria nada, mas os meninos
estão bem. Tem alguém que toma conta
deles até poderem voltar à sociedade.
― Lyn cuidaria de todos e lhes ensinaria
outras coisas além de matar. Se Jacob
tinha conseguido, os outros também
poderiam.
Por falar em Jacob, ele
desapareceu no dia seguinte após o
massacre. Ninguém sabia dele.
Possivelmente não precisavam mais de
sua presença no orfanato.
― Sabe para onde foram
levados? Acredito que precisarão de
psicólogos, por tudo que viveram ―
sondou.
― Não sei, mas estão sendo
bem-cuidados, ou o quão bem-cuidados
podem ser no nosso mundo. ― Sentei-
me no sofá ao seu lado.
― Foram meus netos a
massacrar aqueles crápulas? ― Ela não
pertencia à máfia, mas não se importava
com o que meus irmãos faziam. Amava-
os o suficiente para ignorar isso.
― Não, foram outras pessoas ―
sussurrei. ― Mas Stefano estava lá.
Com certeza fez um belo estrago. Ele
não suporta que crianças sejam
maltratadas.
― Você sabe o que aconteceu
com ele no passado? Ele lhe contou
alguma coisa sobre isso?
― Não, Stefano não se abre
muito, mas presenciei algumas atitudes
dele. Ele tem trauma de ser tocado em
algumas áreas do corpo. Temo que, de
algum modo, alguém tenha abusado dele
ou chegado perto disso. ― Quando eu
pensava na possibilidade, minha raiva
por ele ter me usado diminuía um pouco,
mas não tanto para perdoá-lo. Ele não
viera atrás de mim, sinal de que nada do
que tivemos havia significado para ele.
― Uma pessoa que passa por
traumas profundos pode desenvolver
dois tipos de transtorno. Primeiro,
Transtorno de Personalidade Borderline.
Esse é persistente e prejudica as
relações. A pessoa é instável e pode
desenvolver automutilação por não
conseguir lidar com as emoções e se
sentir “vazia”. E pode adquirir
Transtorno de Estresse Pós-Traumático.
Esse faz com que a pessoa tenha um tipo
de ansiedade em relação a situações que
a lembrem da situação traumática. A
pessoa pode ter pensamentos
persistentes sobre isso e não consegue
viver normalmente, tendo pesadelos,
insônia e crises de pânico.
― Ele não se automutila, mas se
deixa apanhar no ringue para sentir dor
física. E às vezes surta em alguns
momentos, como com algumas cenas que
acho que são parecidas com algo que
viveu ou viu. Também tem insônia e
pesadelos. Até o aconselhei a vir falar
com você em busca de ajuda, mas então
descobri seus motivos para estar
comigo, iguais aos de Gazo ― sussurrei,
encolhida por pensar que Stefano me
usou e não se importou em nenhum
segundo com os meus sentimentos.
― Meu amor, durante tudo o que
viveram, você não sentia que ele a
queria, mesmo não dizendo as palavras?
Nem todos sabem dizê-las, ainda mais
alguém como ele, que se machucou
muito. ― Desligou a TV e se virou para
mim. ― Quanto ao Gazo, ele agia de
modo perfeito demais. Ninguém é assim.
Até cheguei a comentar isso com você,
mas estava apaixonada e não enxergava,
ou no fundo soubesse, só não queria
aceitar.
― Fui idiota. Por isso perdemos
Lorena. ― Meu peito sangrava quando
eu pensava na culpa que sentia.
― Não pense assim, meu amor.
― Aproximou-se mais de mim. ―
Aquilo foi uma fatalidade, não é culpa
de ninguém além das pessoas que
fizeram isso com ela.
― Stefano disse a mesma coisa.
― Coloquei a mão no peito. ― Me sinto
tão destroçada, vovó. Me apaixonei
tanto por ele que não sei se vou
conseguir lidar com a perda. Tentei ser
forte, mas me sinto tão vazia, exceto por
essa dor que me impede de dormir e
comer direito. Não me senti assim
quando perdi Gazo.
― Isso, meu bem, é porque no
fundo sabia o homem que ele era. E
Stefano não é assim, não é? Você deve
saber disso, por isso ainda o ama, só
está magoada por ele não ter vindo se
desculpar. Com o que me contou sobre
ele, sei que deve estar perdido e com
medo, por isso fugiu. Se ele realmente
amá-la, vai voltar para você, acredite.
― E se não me amar? ― Sentia
que gostava de mim quando ficávamos
juntos, que não era fingimento, mas me
enganei uma vez, podia acontecer de
novo, exceto que agora eu sabia ler
melhor as pessoas, não era mais uma
menina ingênua, que acreditava em tudo
que me falavam.
― Então seguirá sua vida. Não
será fácil, você é digna de alguém que
lhe dê tudo que merece e muito mais. ―
Apertou minha mão. ― Estou aqui para
qualquer coisa.
― Eu sei que está. Agradeço por
estar ao meu lado. ― Abracei-a por um
momento e me afastei quando ouvi o
barulho de um carro chegando. Levantei-
me. ― Se for Santiago ou um dos meus
irmãos, não quero vê-los.
― Precisa desculpá-los,
Belinda. Eles não fizeram por mal, só
queriam que escolhesse alguém por si
mesma. ― Ergueu-se também. ― Pense
no que eles têm que fazer para seguir
essas regras, filha, no quanto se
preocupam em ter que decidir com quem
você deve se casar.
― Estou muito chateada com
eles ― murmurei.
― Eu sei. Só se coloque no
lugar deles, vivendo sem opção quanto a
isso e outros assuntos da máfia. ― Vovó
suspirou. ― Me diz a verdade: se não
fosse assim, você teria deixado alguém
entrar realmente em seu peito?
― Acho que não ― sussurrei.
― Não deixaria, pois o que
aconteceu com você roubou sua
confiança nos homens, mas nem todos
são como Gazo, querida. Precisa se
entregar às vezes, não tema amar alguém
ou até se decepcionar. É algo da vida.
― Não faça isso, ou vai acabar
com o coração partido ― disse Serena,
entrando na sala com os olhos
marejados.
Pisquei. Não era Santiago quem
tinha chegado, mas minha irmã.
― O que aconteceu? ― inquiri.
― Mariano é um estúpido! Disse
que não pode ser nada além de meu
amigo. Como se eu quisesse ser amiga
dele! Estou tão cansada disso! Por anos
sofri sozinha, me culpando por tudo, mas
papai estava certo, não posso viver
assim, preciso seguir em frente. Achei
que ele fosse a pessoa que me ajudaria
nisso, mas não. ― Riu amarga e foi
servir uma bebida para si. ― Não quero
entrar na zona da amizade.
Ela normalmente não era
explosiva, sempre guardava o que
sentia. Isso me pegou de surpresa.
― Sabe o que podíamos fazer
em vez de chorar por homens idiotas que
não nos querem? ― Fui até ela e peguei
seu copo. Ela era muito fraca para
bebidas. Tomei um gole.
― O quê? ― questionou
limpando as lágrimas.
― Belinda, não acho uma boa
ideia...
― Vovó, só vamos nos divertir
em uma boate qualquer. Aposto que os
seguranças vão estar conosco. ― Beijei
seu rosto. ― Jamais nos colocaríamos
em perigo, só precisamos disso em vez
de ficar chorando pelos cantos.
― Bom, estou precisando disso,
uma noite de irmãs. ― Serena olhou
para mim. ― Acho que precisa se
arrumar.
Chequei meu pijama e o cabelo
bagunçado.
― Acho que sim. Só um minuto.
― Assim que terminei, voltei à sala. ―
Estou pronta.
As duas piscaram.
― Nossa... Stefano é realmente
um idiota por perder você. ― Minha
irmã sorriu.
Eu vestia uma calça de couro
justa, um top deixando a barriga de fora
e botas de cano longo.
― Você deveria usar algumas de
minhas roupas e deixar esse vestido de
lado. Vai ficar sexy. ― Nós tínhamos o
mesmo tamanho.
― Vou ficar bonita?
― Você é linda. Se Mariano não
é capaz de ver isso, é um estúpido, mas
não vamos pensar nisso agora. ― Puxei-
a para o quarto e escolhi sua roupa. ―
Vista.
Ela não reclamou, mas, assim
que trocou de roupa, fez uma careta.
― Não está curto demais?
― Nada que não devesse
mostrar. ― A saia de couro que separei
não estava tão curta, e ficou ótima com
um espartilho. ― Está perfeita. ―
Peguei o celular e a fotografei.
― O que está fazendo? ―
sondou enquanto saíamos do quarto.
― Mostrando a Mariano o que
ele perdeu. ― Enviei a foto para o
imbecil. ― Agora vamos?
― Juízo, meninas. ― Vovó
sorriu.
Fomos à varanda. Quando
Alonso e Javier nos olharam, abriram a
boca. Estavam acostumados a me ver
assim, mas não Serena.
― Aonde pensam que vão? ―
indagou Javier para mim.
― A alguma boate relaxar. ―
Dei de ombros ao passar por eles, mas
Javier pegou meu braço.
― Não acho uma boa ideia...
― Não ligo para o que você
acha. Só nos siga até lá. ― Sei que fui
rude, mas estava nervosa com cada
olhar de pena dele. Eu não precisava
dessa merda. Mostraria a todos que
sairia por cima e não ficaria chorando
pelos cantos por causa de um homem
que me usou e não me queria.
Chegamos à boate dos meus
irmãos. Eu queria ter ido a outra, mas
não nos colocaria em perigo só para
provocá-los, mesmo estando chateada
com eles. Alonso e Javier nos seguiam,
um na frente e outro atrás, observando
cada canto.
Quando estacionei, avistei
Santiago à porta nos olhando. Estava
sendo uma cadela por não falar com
eles? Ainda me sentia traída pelo que
fizeram. Eu os amava demais e sabia
que logo iria perdoá-los, só precisava
de tempo, pois sua traição me pegou
desprevenida.
O telefone de Serena não parava
de tocar.
― Me dê isso! ― Peguei o
aparelho de sua mão antes que ela
pudesse atendê-lo e o coloquei na
orelha.
― Recebi a foto que Belinda me
enviou. Onde vai vestida assim, Serena?
― Razor praticamente rosnou.
― Oh, agora se preocupa com o
que ela veste? ― provoquei-o. ―
Amigos não deveriam se importar.
― Belinda? ― cuspiu. ― Onde
Serena está?
― Você é um idiota. Minha irmã
passou anos apaixonada por você, e
agora vem dizer que só quer ser amigo
dela? Sabe onde enfiar essa amizade,
não é? Hoje ela vai encontrar um homem
de verdade, um que queira fodê-la sem
sentido...
O telefone sumiu da minha mão;
Serena o tinha pegado e encerrado a
ligação.
― Por que disse isso? Não
quero transar por aí ― sussurrou
vermelha.
― Ninguém está pedindo que
faça isso. Nem tudo que dizemos que
faremos quer dizer que realmente iremos
executar ― tranquilizei-a. ― Só vamos
nos divertir. E ele merecia ouvir
algumas verdades.
― Devo ligar para Stefano e
dizer o mesmo? ― sondou sorrindo.
― Na verdade, não precisa,
falei tudo a ele quando foi embora.
Agora só quero esquecer que um dia o
conheci. ― Suspirei.
― Conversei com a Luna. Ela
estava preocupada com você, pois não
recebeu nenhuma das ligações dela.
― Não queria ouvir nada sobre
ele e sabia que ela acabaria tocando no
assunto ― sussurrei, depois emendei:
― Mas vou ligar para ela amanhã.
― Que bom. Ainda custo a
acreditar que temos outra irmã. ―
Suspirou feliz.
― Sinto falta dela e das minhas
princesas. Podíamos ir visitá-la, o que
acha?
Seria bom sair da cidade por um
tempo, embora o vazio e a dor não
passariam não importasse o lugar em
que eu estivesse. Não havia para onde
fugir.
― Podemos marcar, sim. ―
Pegou minha mão. ― Lamento por tudo
que aconteceu a você e Stefano.
― Eu também, mas não vamos
ficar falando sobre isso, vamos nos
divertir. ― Sorri, mesmo que meu
coração estivesse destroçado.
Saímos do carro, e logo Javier e
Alonso apareceram para nos rebocar.
― Eles sentem sua falta. Devia
lhes dar uma chance ― disse Serena
olhando nosso irmão em frente à boate
nos esperando.
Antes que eu comentasse que iria
falar com eles no dia seguinte, a boate
explodiu em chamas, e vi em câmera
lenta Santiago ser jogado pelo impacto
da explosão, cair em cima de um dos
carros e depois no chão.
― Oh, meus Deus! ― gritei,
dando um passo para ir até ele, mas
Javier me segurou. ― Os outros
estavam...
Não podem estar lá! Benjamin,
Valentino e Fabrizio... Oh, Deus, não
os deixe estar lá dentro!
― Não... ― Foi interrompido
por carros parando não muito longe e
atirando em nós, acertando-o no peito.
― Oh, Senhor! ― Serena
chorava agachada atrás de um carro.
Corri e me abaixei ao seu lado,
ignorando o sangue de Javier em mim.
Não podia surtar agora. Segurei sua
mão; eu também estava com medo.
― Fiquem aí! ― gritou Alonso.
Javier estava caído. Eu não
sabia se estava morto, mas não parecia
estar respirando.
― Não devíamos ter vindo! ―
Minha irmã chorou ainda mais. ―
Nosso irmão! Ele...
― Precisamos ser fortes agora.
Vamos acreditar que ele esteja bem ―
sussurrei, evitando transparecer meu
medo, assim ela não ficaria tão
preocupada. Eu não podia pensar
diferente, ou entraria em pânico.
Precisava arrumar uma forma de
sairmos de lá. ― Deite-se debaixo do
carro. Consegue entrar? ― pedi a ela.
Estávamos muito expostas ali.
― Sim, consigo, mas e você? ―
sussurrou.
― Preciso checar Santiago...
― Você não pode ir lá...
― Sei lutar, e você não sabe ―
eu lhe lembrei.
― Eles estão armados, não acho
que terá uma luta ― retrucou.
― Certo, não vou, então, mas
preciso me esconder debaixo de outro
carro. Agora faça o que pedi. ― Não
queria chorar de dor pelo meu irmão,
confiava que ele ficaria bem.
Alonso veio até nós e pegou
nossos braços antes que Serena fizesse o
que pedi.
― Vamos correr assim que os
seguranças atirarem nos miseráveis...
Vão nos dar cobertura para sair daqui.
― Íamos nos esconder debaixo
de carros ― informou Serena.
― Eles vão procurá-las. ― Sua
voz soou amarga.
― Nós? ― indaguei. ― Achei
que não éramos o alvo, afinal foi a boate
que explodiu.
Meu coração se apertou
pensando nas pessoas lá dentro, que
tiveram suas vidas ceifadas. O atentado
foi igual ao do clube de luta. Achei que
aquilo tudo tivesse acabado, então ri
com amargura. Como eu saberia, se não
estava falando com meus irmãos?
Por culpa dessa escolha,
Santiago podia... Não, eu não podia
pensar nisso, e tinha que arrumar um
jeito de salvar a vida de Serena e a
minha.
― Parece que a casa da sua avó
estava grampeada, por isso sabiam onde
vocês estariam. A explosão foi só uma
distração para poderem sequestrá-las ―
respondeu Alonso.
Corremos rumo a um beco. Algo
não cheirava bem. Como a emboscada
tinha acontecido, quando não fazia muito
tempo que decidimos sair? Mesmo que a
casa estivesse grampeada, armar um
atentado daquele porte levaria horas, se
não dias. Além disso, só havíamos
escolhido a boate durante o percurso, no
carro. Não fazia sentido, a não ser que
alguém tivesse nos traído. Olhei para
Alonso à nossa frente, sem nenhum
arranhão. Por que todos saíram
machucados, menos ele?
Fingi tropeçar, e Serena parou
para me ajudar.
― Merda, esses saltos! ―
rosnei.
― Vamos! Precisamos chegar ao
beco logo, alguém vai nos apanhar ―
apressou-nos Alonso.
― Vou tirar os saltos para ficar
melhor de andar ― falei para ele, não
demonstrando minha desconfiança.
Ele estava alguns metros à frente
e não olhava nossa retaguarda, o que só
provava minha teoria. Se ele fosse
mesmo um dos nossos, estaria prestando
atenção em tudo. Lembrei-me de
Stefano, da forma como ele agia quando
saíamos.
― Preste atenção ― pedi
baixinho a Serena. ― Não demonstre
reação ao que eu vou dizer. Assim que
eu mandá-la correr, faça, sentido à
esquerda e não olhe para trás. Acho que
ele é um traidor. Vou lutar com ele
enquanto você foge.
Ela arregalou os olhos e arfou, o
que fez Alonso olhar para nós.
― Vou tirar os sapatos também,
preciso correr. ― Serena se recuperou,
dizendo aquilo a ele para que não
desconfiasse de nada.
Alonso assentiu e ficou olhando
para o beco, não muito longe de nós. Se
entrássemos lá, estaríamos ferradas.
― Preciso que corra não
importa o que aconteça ― sussurrei.
― Não vou deixar você ―
lamentou.
― Posso vencê-lo, logo
acompanho você ― menti. Tinha
treinado com Alonso e não sabia se
poderia derrotá-lo, mas ao menos
salvaria minha irmã.
Tiramos nossos sapatos e os
deixamos no chão. Olhei para ela,
assentindo, depois me lancei para
Alonso, pegando-o desprevenido com
um chute nas costelas enquanto Serena
corria, mas parou e me olhou. Eu sabia
que ela ia mudar de ideia!
― Corra! ― gritei. ― Agora!
Então finalmente fez o que pedi.
― Mas que porra! ― Alonso
praguejou, fechando a cara para mim e
olhando para a direção onde Serena
correu. ― Volte aqui!
― Seu traidor filho da puta!
Como pôde fazer isso?! ― rosnei,
preparando-me para lutar.
Ele riu.
― Você é esperta, sabia que me
daria problemas. Eu não queria sua irmã
mesmo, mas você.
Pisquei.
― Por quê? Meus irmãos...
― Eles não têm nada a ver com
isso, e eu realmente não queria envolvê-
la, mas foi preciso.
― Não entendo. ― Estava
confusa. Se eles haviam explodido
pessoas para chegar a mim, achei que
fosse por vingança contra os meus
irmãos, como aconteceu com Lorena,
mas...
― Stefano é o meu alvo, não
meu, mas de uma pessoa que o quer
bastante ― declarou.
Minha respiração ficou aguda.
― Stefano? Mas não temos mais
nada ― murmurei. ― Ele não se
importa comigo a ponto de ir me salvar
― menti, pois sabia que, mesmo que não
me amasse, ele se preocupava comigo.
― Então você vai se dar mal,
pois a sua única forma de continuar viva
é se ele for ao seu encontro. ― Pegou
meu braço em um aperto de aço e me
puxou para o beco.
Eu não iria sem lutar, não
mesmo. Não queria Stefano perto de
quem quer que desejasse sua presença.
― Belinda, sabemos quem vai
ganhar se lutarmos. Facilite as coisas.
Não quero machucá-la, mas eu vou se
precisar. ― Deu um aperto insuportável
no meu braço.
― O que você é dessa pessoa? E
o que Stefano fez para ela querer tanto
sua presença? ― Precisava saber onde
estava me metendo e não pensar no
medo que estava sentindo. ― Quanto ela
pagou para você nos trair? ― Devia ser
muito, afinal meus irmãos pagavam bem.
― Por que não para de falar?
Estou farto disso! ― grunhiu sombrio.
― Me deixa ver... Não pode ser
dinheiro. Talvez uma chantagem ―
chutei, mas, pela forma como Alonso
ficou nervoso, acertei.
― Cale a boca! ― sibilou.
― Espero que esse segredo
valha sua vida, porque não a terá mais
quando meus irmãos o pegarem ―
ameacei com uma fúria homicida. ―
Você machucou Santiago!
― Era preciso, e não foi eu
quem colocou os explosivos. ― Deu de
ombros. ― Efeito colateral.
― Seu desgraçado! Não vou
com você ― grasnei, chutando o
maldito. Não iria com ele sem lutar.
Mesmo sabendo que não conseguiria
vencê-lo, atingi seu tórax com o
cotovelo. Ele me acertou na barriga,
derrubando-me no chão.
― Eu não queria fazer isso, mas
não me deixa escolha ― gralhou.
Chutei suas bolas, fazendo-o cair
e aproveitei para subir em cima dele e
socá-lo na boca e olhos. Tentei pegar
sua arma no coldre, mas ele me socou no
peito, roubando metade do meu
oxigênio. Ao menos consegui pegar uma
faca dele e fiquei de pé, firmando-a na
mão.
― Porra! ― praguejou, ainda
com dificuldade de respirar.
― Vou fazê-lo se arrepender, seu
cretino! ― Eu deveria ter corrido, mas
estava muito irada com o que ele fez
com Santiago para deixar por isso
mesmo. Faria aquele desgraçado pagar
caro.
― Você está pedindo por isso.
― Pegou uma faca em uma capa na
canela e se posicionou. ― Se quer
dificultar as coisas, por mim tudo bem.
Ele se lançou para mim,
acertando meu braço, mas não fiquei
atrás. Dei um chute nele ao mesmo
tempo em que lancei minha faca à frente,
atingindo seu peito e rasgando sua
camiseta, mas eu soube que cortou a
pele, porque o ouvi rosnar.
Coloquei naquela luta tudo que
aprendi com meus irmãos durante todos
aqueles anos. Não cairia sem o levar
junto. Desistir não estava no meu
sangue.
― Maldição! ― ele grunhiu,
colocando a mão na região do corte.
Não lhe dei tempo para se
recuperar, chutei suas costelas. Ele
estava a ponto de voar para cima de
mim, quando senti uma mão na minha
boca e nariz, mas não era só isso. Senti
um cheiro estranho. Estava sendo
dopada? Merda, por que não chequei
minha retaguarda antes?
― Idiota, apanhando de uma
garota? ― zombou uma voz que parecia
familiar, mas não consegui distinguir de
quem era enquanto minha visão
embaçava.
Antes que eu pudesse tentar lutar
ou ver quem tinha me pegado, a
escuridão me tomou. O meu último
pensamento foi para minha família e
Stefano, não sabendo se um dia voltaria
a vê-los.
Acordei, deparando-me com um
teto branco, então me recordei do que
aconteceu, a facada que Jared me deu
antes de morrer e a ida ao helicóptero,
seguida por Lyn me dopando. Filho da
puta!
― Finalmente! ― ouvi uma voz
ao lado da cama. Por mais que eu
adorasse essa voz, não era a que eu
estava louco para ouvir.
Virei-me, encontrando os olhos
verdes do meu irmão. Aliás, estavam
todos ali, as meninas chorando ou com
os olhos vermelhos.
― Estou bem ― tranquilizei-as,
mas olhei para Alessandro. ― Mas que
porcaria! Não era para me apagarem!
― Você precisava, afinal odeia
hospital ― disse Jade, chegando mais
perto de mim.
― Não teria ficado aqui um
segundo, mesmo precisando por causa
desses cortes ― sussurrou Luna
chorando.
Meu peito se encolheu com a dor
delas.
― Lamento por isso, mas agora
estou bem, foi só no ombro. ― Na
verdade, eu sentia dor, mas nada com
que não pudesse lidar.
― Eu sei, o médico só o deixou
assim para se recuperar e porque
Alessandro pediu. Sabia que você não ia
se deixar ser curado ― ela me disse
fungando.
Estreitei os olhos.
― Se sabia que eu ia ficar bem,
então por que está chorando?
Todos se entreolharam,
deixando-me nervoso. Meu instinto me
dizia que eu não ia gostar da resposta.
― O que está acontecendo,
droga?! ― Tentei me sentar, ignorando a
dor.
Luna segurou meu ombro bom
para me manter no lugar. Eu podia ver a
dor em seus olhos. Os meus irmãos
pareciam tristes, até Jade, mas Luna
estava arrasada.
― Luna ― pedi com a
respiração aguda, pois minha intuição
me dizia que algo sério tinha sucedido.
― Aconteceu alguma coisa com
alguém?
Todos os meus irmãos estavam
ali, não devia ser algo com eles, mas
com quem?
― Sim, aconteceu ― respondeu
ela, chorando ainda mais, o que fez
Miguel abraçá-la.
Ele parecia estar sentido, mas
não destruído, então as minhas
bonequinhas estavam bem.
Só havia algo que deixaria Luna
destruída, mas não meus outros irmãos.
Por certo eles sentiriam, mas não como
ela.
― Com quem? ― Meu peito
estava acelerado, tanto que os monitores
apitavam freneticamente.
Belinda estava bem, não? Não
podia ter acontecido nada com ela. Eu
estava indo até ela antes de apagar.
― Santiago está no hospital
inconsciente ― respondeu encolhida.
Suspirei de alívio por não ser
Belinda, mas Luna não tinha acabado de
falar, pela forma como me olhava ainda
chorosa.
― Aconteceu uma explosão na
boate de meus irmãos. Santiago estava
esperando Belinda e Serena do lado de
fora. Quando elas chegaram, o lugar
explodiu...
― Onde Belinda está? ―
Sentei-me, logo arrancando os cateteres
e sensores do meu braço e peito.
― Stefano, você precisa se
cuidar ― pediu Jade.
― O que preciso saber é se
Belinda está bem ― retruquei,
respirando de modo irregular.
― Não sabemos! ― respondeu
Luna, chorando.
Arregalei os olhos com o
solavanco no meu peito.
― Como diabos não sabem?! ―
esbravejei, colocando a mão no tórax.
― Abaixe a voz ― rosnou
Miguel.
― Não estou gritando com ela,
mas enfurecido com os idiotas dos
irmãos dela por não a terem protegido!
― Fuzilei a todos. ― O que aconteceu?
― O que sabemos é que Serena
e Belinda fugiram na hora do confronto.
Javier morreu, e restou Alonso para
protegê-las, o que foi um erro, pois o
cara era um rato. Belinda conseguiu que
sua irmã fugisse, prometendo que daria
conta de Alonso, mas no final ela
desapareceu ― respondeu Alessandro.
Claro, tinha que ser a Belinda
salvando todos! Ela sabia que não podia
vencer Alonso, eu já o tinha visto lutar,
e o cara era forte. Eu apostava que ela
só disse aquilo para salvar a irmã.
― Quando tudo aconteceu? ―
Levantei-me respirando com
dificuldade, não só pelo ferimento, mas
por temer o pior.
― Por volta das 8h da noite
passada. Agora é de manhã. ― Rafaelle
suspirou.
― Não mantiveram contato
pedindo algo? ― Minha vontade era
socar alguma coisa e deixar aquela
porra fodida sair do meu peito.
Medo, eu já o sentira antes, mas
nada daquela magnitude. Por dentro,
meu coração estava acelerado e
temeroso, mas eu não podia me deixar
fraquejar, precisava encontrá-la.
― Não. Os irmãos dela estão
tentando localizá-la, mas até agora nada.
Saí porta afora, não me
importando em estar sem camisa e com
pontos.
― Stefano, você está
machucado! ― Jade veio atrás de mim,
assim como Luna.
― Os meus irmãos estão
tentando achá-la ― disse Luna. ― Então
se recupere, ou os pontos podem abrir.
Virei-me para elas, que estavam
preocupadas.
― Acham que ligo para o que
acontecer comigo se ela não voltar? ―
Sacudi a cabeça, tentando manter o
controle. ― Eu só preciso achá-la.
Algumas pessoas passavam pelo
corredor do hospital, mas não dei
atenção a elas, só me virei para sair
logo dali e revirar o mundo à procura de
Belinda, mas Alessandro pegou meu
braço.
― Stefano, você não pode ir ―
ordenou meu irmão.
Desvencilhei-me do seu toque,
prensando-o na parede com o rosto
próximo ao dele.
― Dessa vez não posso
obedecer a você, porque, se acontecer
algo a ela, não haverá nenhum sentido
em respirar nesse mundo para mim ―
falei com a garganta apertada. ―
Aceitaria a morte sorrindo.
― Oh, Céus! ― Jade exclamou
chorando. ― Não posso perder você!
Olhei para as minhas irmãs e
respirei fundo, não querendo preocupá-
las mais.
― Não vai, mas preciso ir atrás
de Belinda e encontrar quem a levou
nem que seja no inferno ― tentei
acalmar as duas e depois encarei
Alessandro. ― Preciso encontrá-la.
Ele colocou sua mão em meu
ombro.
― Vamos achá-la. Só não quero
você no território dos Pachecos. Eles
ainda não mudaram de ideia sobre te
proibir de cruzar sua região sem matá-
lo. ― Sua voz fervia, embora não
mostrasse, mas eu notei.
― Não me importo, e, seja o que
for que queiram fazer comigo, vocês não
devem interferir ― pedi.
Seus olhos se estreitaram.
― Isso está fora de questão. Se
você cruzar o território deles, e o
machucarem ou fizerem coisa pior, eu os
destruirei. ― A resolução estava em
cada palavra.
― Alessandro! ― Eu percebia o
medo na voz de Luna. Ela amava todos
nós, tanto os Morellis como os
Castilhos, então era uma situação difícil.
― Não haverá mortes. De
qualquer modo, eu estava indo falar com
eles mesmo. ― Embora pensasse que a
situação seria diferente. ― Agora
preciso de uma camisa e sair daqui.
Antes que alguém respondesse,
ouvi uma voz suave.
― Tio Stefano? Meu irmãozinho
nasceu! ― Minha princesa estava
animada.
Graziela se encontrava ao lado
de Mia, e um pacotinho embrulhado em
tecido azul estava nos braços da minha
cunhada.
― Quando nasceu? ― Fui até
eles e olhei o rostinho de porcelana de
Enrico. Cabelos da cor dos de Mia,
embora um pouco mais escuros e os
olhos do meu irmão.
― Ontem de manhã. Estávamos
aqui quando a bolsa estourou ―
explicou ela tristonha. ― Como está?
Soube de Belinda. Sinto muito.
Assenti, tocando o rosto do
bebê.
― Eu sei. Vou trazê-la de volta.
― Entretanto, preocupava-me e temia a
forma como ela voltaria. Não podia
pensar naquilo, ou ficaria louco antes da
hora.
― Mas está ferido...
― Vou com ele ― respondeu
Rafaelle. ― Não fui banido ou
rompemos a aliança.
― Meu irmão está lá, na cidade.
Posso pedir que ajude a controlar a
situação ― ofereceu Mália ao lado dele.
Fiquei grato por estarem do meu
lado, mas eu não queria ficar muito
tempo ali. Quanto mais tempo
desperdiçasse, mais Belinda poderia
sofrer.
Despedi-me dos meus irmãos,
exceto Rafaelle, que veio comigo, e
pegamos o jatinho para Barcelona.
Quando pensei em fazer esse trajeto
antes, imaginava-me ansioso para ver
minha Diabinha raivosa. Agora me
sentia tão oco por dentro, exceto pela
dor que me perfurava com uma navalha
cega.

Assim que pousamos, fomos


direto para a mansão dos Castilhos. Eu
não sabia se eles tinham ideia de que eu
estava a caminho, mas, fosse como
fosse, não dava a mínima, só precisava
saber o que eles descobriram e se
podíamos fazer algo. Só precisava de
uma luz no final da porra do túnel.
O meu peito martelava cada vez
mais à medida que nos aproximávamos
da casa deles, mesmo sabendo que
Belinda não estava lá. Porra, por que eu
a deixara naquele dia? Fui fraco e
estúpido por correr como um idiota
assustado achando ser o certo.
― Stefano, seja o que for que
acontecer lá dentro, deixe que eu falo.
Você não está em condições de lutar. ―
Rafaelle me olhou assim que paramos
junto ao portão.
Não respondi, não querendo
prometer-lhe nada. Estava puto da vida
com eles por não protegerem Belinda,
mas estava mais com raiva de mim, pois
suspeitava que eles tivessem um rato
infiltrado na organização e, mesmo
assim, fui embora, deixando-a.
Saímos do carro assim que o
guarda nos deixou passar após ver
Rafaelle. Ele não me viu, o vidro era
escuro, ou, se viu, me deixou entrar
desejando que eu fosse morto lá dentro.
De qualquer modo, eu não me importava
nem um pouco.
Mal saí do carro, quando os
Castilhos vieram em minha direção.
Valentino foi o primeiro, seguido por
Benjamin e Fabrizio logo atrás, todos
com a expressão destruída, assim como
a minha após saber do sequestro de
Belinda.
― O que faz aqui?! ―
esbravejou Valentino, lançando-se
contra mim.
Rafaelle entrou na frente.
― Fique na sua ― avisou letal.
― Não vai tocá-lo, ele está machucado.
― Não dou a mínima! Por causa
dele, minha a irmã ficou destruída por
dias e não quis falar com nenhum de
nós! Agora ela está... ― Benjamin
sacudiu a cabeça como se quisesse
afugentar os pensamentos ruins.
― Se minha irmã estivesse em
casa, talvez não teria acontecido nada,
mas foi para uma boate no intuito de
esquecê-lo! Agora ela foi levada... ―
Valentino me fuzilou.
Encolhi-me como se tivesse
levado um soco, mas se fosse atingido
doeria menos. Teria preferido ser
atingido fisicamente a ouvir aquelas
palavras.
― Não sejam mesquinhos
jogando a culpa apenas em Stefano.
Vocês mentiram para ela também ―
rosnou meu irmão fuzilando cada um. ―
Ela não quis falar com vocês por terem
armado para que ela e Stefano ficassem
juntos.
― Espere... o quê? ― Minha
cabeça se voltou em sua direção, e
pisquei chocado. ― Como assim
armado?
― Alessandro e eu armamos
para você vir para cá e, assim, você e
Belinda criarem um laço um com o outro
― respondeu Fabrizio, falando pela
primeira vez, avaliando-me. Ele era
muito observador. ― No entanto, ela foi
a única a criar esse laço, suponho.
― Porque você a deixou naquele
estado! ― Benjamin se encolheu.
Eu poderia perguntar mais sobre
seu complô para me unir à sua irmã e os
motivos por trás disso, mas naquele
momento só queria encontrar Belinda, a
minha menina linda e vibrante. Esperava
que quem a tivesse levado não a
machucasse de nenhuma forma e que
pedisse logo o que queria. Não
importava o que fosse, eu lhe daria.
― O que sabem sobre quem a
levou? ― Fui direto ao ponto; deixaria
para acertar as contas com meu irmão
depois.
― Procuramos em todos os
lugares, mas não conseguimos localizá-
la. Aqui, em nosso território, ela não
está. Tem gente procurando em cada
canto. ― A voz gelada de Fabrizio
parecia quebradiça como vidro.
Dois carros pararam na entrada,
e deles saíram El Diablo e Lyn e Vlad e
Arrow.
― Alguma notícia? ― sondou
Valentino a eles. ― Acabei de verificar
nosso território, e ela não está aqui.
― Estou checando os caminhos
de Alonso. Quem sabe não descubro
algo? ― disse Benjamin.
― E vocês tiveram uma luz?
Porque estou a ponto de ficar louco. ―
Minha voz estava falha.
Suas expressões não eram nada
boas. Porra, eu não vou aguentar essa
merda!
― Sim. Sabemos quem a levou
― respondeu Lyn com um suspiro duro.
― Então por que estão aqui e
não indo resgatá-la?! ― inquiri com
minha voz elevando-se.
― Porque as coisas não são
simples assim. ― El Diablo parecia
enfurecido.
― Não dou a mínima para onde
ela esteja! Eu vou encontrá-la nem que
seja no inferno! ― rosnei.
― Bem, acho que seu desejo se
tornará realidade, então, porque é
justamente lá que ela está ― respondeu
Lyn.
― Desembucha! ― grunhi.
Estava exasperado e temeroso demais
para ser educado e agradecido a eles
por estarem ajudando-me.
― Não me importa onde ela
está, só a quero de volta e vou ao fim do
mundo para trazê-la para nós ― rosnou
Benjamin.
― O quão perigoso é esse lugar?
― A voz de Valentino estava em um
completo martírio enquanto ele sacudia
a cabeça. ― Não posso passar por essa
merda de novo!
O gelo se apossou de mim ao
pensar na irmã dele que foi sequestrada,
violentada e morta. Não, Belinda ficaria
bem! Eu tinha que acreditar que ela
sobreviveria naquele lugar até eu chegar
para tirá-la de lá.
― Vamos entrar e organizar tudo
― chamou Fabrizio. ― Assim vocês
nos explicam onde ela está e podemos
planejar como resgatá-la. Não importa
quem a levou, vou destruí-los no
processo.
Eu estava com ele nisso, não
ficaria amedrontado só porque Lyn tinha
falado daquele lugar como se fosse
inalcançável. Nada era impossível, não
para trazer a mulher que eu amava para
casa.
Amor... Nunca pensei que fosse
capaz desse sentimento, mas ali estava
eu, loucamente apaixonado por aquela
morena valente e forte. Por isso tinha fé
nela, que viveria para voltar para todos
nós. Se tinha um Deus no Céu, Ele a
salvaria. Eu não merecia nada d’Ele,
pois não tinha redenção e, no fundo, não
queria ter, mas ela, sim, merecia cada
coisa boa desse mundo.
Tinha acordado havia algumas
horas pensando estar em um pesadelo,
mas, após ver a cela em que me
encontrava, o sangue fugiu do meu rosto.
Não foi só por estar em um lugar
terrível, mas por estar cercada de
garotos que eram prisioneiros como eu.
Estava em uma jaula que parecia
com aquelas de zoológicos, mas em um
lugar fechado. A única claridade ali
vinha das lâmpadas velhas, que viviam
piscando como se não fossem demorar a
queimar. O lugar tinha um odor
desagradável de podridão e sangue.
Ao meu lado tinha um garoto de
uns 13 anos mais ou menos. Estava
encolhido e chorando. Em frente tinha
um com a expressão parecida com a de
Lyn. Havia mais ao redor, mas esses
eram os mais próximos.
― Lágrimas não vão resolver
nada neste lugar ― disse o garoto em
minha frente ao menino loiro ao meu
lado. Sua língua era... Estávamos na
República Tcheca? ― Eles adoram te
ver fraco.
― Olha para essa garota. Não a
vejo gritando, e deveria, pois isso é
normal em todas as mulheres ―
respondeu outro escorado na grade. A
cela desse era vizinha à do menino em
frente a mim.
Eu estava tremendo de medo por
estar ali, temendo o que viessem a fazer
comigo, mas também furiosa por aqueles
meninos estarem presos. Enfim eu tinha
uma vaga noção do que Stefano havia
passado em sua infância.
Não demonstraria medo ou
choraria; precisava arrumar uma forma
de sair dali.
Desde que acordei, ninguém
tinha vindo àquele lugar para dizer nada,
só guardas andavam pelo corredor. Isso
me deixava nervosa e aliviada ao
mesmo tempo, por não ter sido tocada
enquanto estava inconsciente. Ainda
estava vestida como na noite anterior.
― Não sou frágil como pensam
― respondi aos meninos no mesmo
idioma deles. Chequei ao redor cada
coisa ali que pudesse usar como arma,
mas não via nada além de jaulas e
garotos.
― Estou vendo ― disse um dos
guardas, aproximando-se e me olhando
de cima a baixo.
Segurei-me para não tremer de
medo diante de seu olhar excitado.
Mantive-me controlada, embora tive que
fazer um grande esforço para isso.
― O que foi? Nunca viu uma
mulher na vida? ― Trinquei os dentes.
Devia manter minha boca fechada, afinal
estava em uma posição nada boa.
― Deveríamos ter trazido
aquela irmã dela. Ao menos seria mais
mansa, como um cordeiro ― ouvi outro
guarda dizer ao que me encarava. ―
Essa parece selvagem demais.
― Gosto de mulheres selvagens,
elas são um vulcão na cama. ― Sorriu
para mim como se fosse um gato prestes
a comer um canário.
Ele pegou a chave com a clara
intenção de entrar na jaula onde eu
estava, o que me fez preparar-me para
lutar, mesmo com um corte no braço.
Tinha enrolado um pedaço de pano nele
assim que abri os olhos para evitar que
infeccionasse ou que tivesse uma grande
hemorragia.
― Tome conta lá fora enquanto
aproveito esse momento ― o infeliz
disse ao outro.
― Se a tocar sem as ordens do
chefe, ele vai matá-lo ― aconselhou o
homem, dando de ombros. ― Mas a
vida é sua.
Ele saiu, deixando-me com o
cara que queria me violentar.
― Vou ver o quanto é selvagem
ao ser fodida...
― E eu vou arrancar seu pau
mole e fazer com que você o coma ―
sibilei, pronta para resistir.
― Fique longe dela ― ordenou
outro guarda, interrompendo-o.
Pisquei ao ver aquele loiro, mas
não foi por ser bonito que fiquei
chocada, mas por estar me defendendo.
Não achei que houvesse alguém ali que
ligasse para o que acontecesse comigo.
― Não se meta nisso, Ondrej!
― rosnou o cara, fuzilando-o como se
fosse um mero inseto, depois continuou
abrindo a fechadura como se nada
tivesse acontecido. Aquele homem era
um idiota.
Então o silêncio reinou lá,
ninguém parecia respirar além de mim.
De repente, do nada, Ondrej veio por
trás dele como um raio e amassou sua
cabeça na grade, fazendo um estalo soar.
O homem gritou, enquanto o sangue
escorria por seu rosto.
Fiquei chocada, mas não disse
nada, afinal estava grata por Ondrej me
proteger. Achei estranho, embora não
fosse reclamar, mesmo estando pronta
para me defender.
― Quebrou meu nariz! ―
grunhiu o rato, prestes a pegar sua arma.
― Toque nessa arma, e vou
matá-lo ― avisou Ondrej. ― O chefe
disse sem tocá-la, não antes de ele ter o
que quer. Agora por que não vai
procurar outra coisa para fazer?
Achei que fosse sair, mas o
infeliz abriu a cela do menino que
chorava e o arrastou para fora.
― Ah, eu vou foder alguém, mas
não se esqueça, Ondrej, vai pagar por
isso ― sibilou, limpando o sangue com
a manga da camisa.
O menino chorava, implorando.
Pela forma como agia, devia ser novo
ali. O medo era evidente nele, diferente
dos outros, que pareciam estar mortos.
O vazio e a crueldade gritavam em todos
ali.
A raiva se instalou em mim ao
ver aquela cena horrível. Sabia o que
ele faria com aquele menino e morreria
antes de deixar que aquela merda
acontecesse.
Não pensei no que iria me
acontecer, só olhei para Ondrej, que via
a cena, mas permanecia imóvel. O
desgraçado não ia fazer nada, porque
não se importava, mas eu, sim.
Como ele estava próximo à cela,
que o infeliz estuprador tinha aberto, não
pensei, só agi, pegando a arma na
cintura de Ondrej e chutando a porta da
cela, abrindo-a e acertando-o.
Ondrej rosnou, fuzilando-me,
mas não parei, assim ele não tentaria me
impedir. Minha luta não era com esse
cara, mas com o ser abominável que
ainda puxava o menino, mas parou ao
ouvir o barulho e me olhou.
― Você não vai tocá-lo... ―
sibilei quando ele fitou de olhos
arregalados a arma na minha mão.
― Sua cadela! Você não vai
atirar e me matar, não é capaz disso! ―
zombou, apertando o menino, que ainda
chorava, em sua frente, como um escudo.
― Vou foder esse garoto e depois a
você e a vadia de sua irmã.
Cada palavra que ele dizia me
deixava mais puta, a ponto de ver tudo
vermelho.
Não temia atirar nele, tinha boa
pontaria, mas temia que machucasse a
criança para me atacar.
Lembrei-me de o meu pai
dizendo que, se um dia eu tivesse que
matar alguém, pensasse nas coisas ruins
que o indivíduo tinha feito, então não
iria fraquejar e me salvaria. Era quase a
mesma situação, embora fosse o menino
que precisasse ser salvo.
Sabia que não tinha muito tempo
antes de ser impedida por Ondrej ou
outro guarda qualquer.
― Vou mostrar quem é vadia,
seu estuprador de merda! ― Minhas
mãos se tornaram firmes com a visão
dele forçando aqueles garotos.
― Atira nele! Ele merece
apodrecer no inferno! ― pediu um dos
meninos.
Logo havia um coro de garotos
pedindo a mesma coisa, alguns com
mais fúria, eu supunha que eram aqueles
que tinham sido violados.
― Sua puta... ― Foi
interrompido quando atirei entre seus
olhos da mesma forma que papai me
ensinou. Aquele ponto e o coração eram
certeiros, mas eu não queria arriscar que
a bala atingisse o menino, que estava à
sua frente.
A arma foi tirada da minha mão
ao mesmo tempo em que o homem caía
sem vida no chão. Seus olhos estavam
vagos, encarando-me sem nunca mais
poder me ver.
Eu sabia que tinha sido
impulsionada pela adrenalina de salvar
o garoto e minha fúria, mas isso me
provocaria pesadelos por muito tempo,
seus olhos vazios...
Ouvi muitos assovios dos
meninos, mas meu corpo parecia
congelado, tremendo.
“Matar não é fácil para quem
nunca não o fez”, eram essas as palavras
de papai. “Espero que nunca precise
fazer isso. Farei qualquer coisa para
impedir que aconteça.”
Chutei Ondrej, que me segurava.
― Entre na cela, ou o garoto
pagará as consequências ― avisou-me
de modo frio.
O meu coração sangrou enquanto
eu fazia o que ele pedia. Não podia
deixar que o machucasse.
― Eu vou matá-lo também ―
garanti a Ondrej.
― Pode ser, mas não será agora.
― Trancou-me e mandou o menino
entrar em sua cela, fechando-o também.
― Merda, essa porra não era
para acontecer ― ouvi Ondrej rosnar
baixo em algum lugar perto de mim.
O menino encolhido em sua cela
finalmente parou de chorar. Suspirei de
alívio por ele estar bem, mas ao mesmo
tempo a recordação do que eu tinha
acabado de fazer me deixava trêmula.
Eu não podia surtar por ter
eliminado alguém. O verme merecia.
Era hora de enfrentar todos os perigos e
sair viva. Meus irmãos não podiam
perder mais ninguém... Não em
cativeiro. A última vez nos destruiu.
Santiago... O meu coração se
encolheu ao pensar em meu irmão. Tinha
que pensar positivo, que ele estava bem.
À minha mente vinham direto
lembranças da forma como ele caiu e
não voltou a si. Estava só
inconsciente... dizia isso como um
mantra em meu cérebro.
― Que porra aconteceu aqui?!
― Era a voz fria de alguém, ainda mais
letal e brutal.
O homem que chegou era
barrigudo e tinha bigode. Porcaria!
Santiago tinha mostrado a Serena e a
mim a maioria dos homens do submundo
para que assim, se alguém se
aproximasse de nós, fôssemos capazes
de reconhecê-los. Aquele era Marek, um
dos piores.
Aquele homem tinha comprado
um dos nossos só para me levar até ali.
Falando em Alonso, eu ainda não o tinha
visto em lugar nenhum, nem o outro que
me dopou. Não consegui reconhecer sua
voz, talvez devido ao produto que
usaram para que eu desmaiasse.
― Quem matou Matej? ― Olhou
para o defunto e depois para Ondrej, na
frente da minha cela. ― Quem lhe deu
ordem para matar alguém?
Achei que ele fosse revelar
quem era a assassina, mas ficou em
silêncio. Aquele homem era estranho.
Na hora em que peguei e arma e atirei
em Matej, Ondrej certamente teria sido
capaz de me impedir, mas não o fez,
embora, ainda que não se importasse
com o homem, deveria ter me impedido
em lealdade ao seu chefe.
― Estou fazendo uma pergunta!
― O barrigudo Marek chegou mais
perto de Ondrej, que não fez menção de
se movimentar ou falar qualquer coisa.
De repente um pensamento me
tomou. E se ele fosse um infiltrado? Isso
fazia sentido, não ter deixado que eu
fosse estuprada, sua falta de ação em me
impedir de matar um dos homens do seu
chefe. Agora estava ali, a ponto de ser
morto para me salvar. Eu devia deixar,
mas não era assim, afinal era a
responsável pela morte de Matej.
― Eu o matei. ― Fui até o meio
da cela, não tirando a atenção de Marek.
Sua cabeça se voltou na minha
direção.
― Oh, sim? Posso saber como
fez isso, já que não possui uma arma? ―
Seu tom não demonstrou nada além de
frieza e ironia.
― O filho da puta abriu a cela e
veio para cima de mim, me arrastando
para fora daqui...
― Foi quando ela conseguiu
pegar a arma dele e atirar. ― Ondrej
indicou a arma em sua mão.
Eu não sabia que ele tinha
pegado a arma do morto, então aquele
homem realmente não era um dos
homens de Marek, mas era infiltrado de
quem?
― E você estava onde? ―
perguntou a Ondrej.
― Vim checar por causa dos
gritos. Foi quando a vi atirando nele.
Não deu para impedi-la, senhor, a não
ser que eu atirasse nela e a matasse ―
respondeu, não demonstrando que
mentia. ― Acredito que o senhor não ia
querer isso.
Marek me fuzilou e veio até
perto da minha sala. Então fez algo que
eu não estava esperando. Achei que
fosse me espancar ou fazer algo pior. No
entanto, o bastardo riu.
― Você é realmente filha do seu
pai ― apontou. ― Paolo a criou bem.
― Sei que ele o fez e, se me
deixar, irei mostrar isso a você,
deixando-o igual ao seu homem ali. ―
Indiquei o cadáver.
Não demonstrei tristeza ou
medo, mas por dentro tremia não só por
temer o que ele faria comigo, mas
também por causa do que fiz. Não queria
pensar naquilo agora. Depois lidaria
com a morte que cometi e poderia
registrar o acontecido.
― Você tem uma boca esperta,
não é? ― Seus olhos se tornaram letais.
― Vamos ver se vai rir depois de saber
que seu irmão está morto.
O solavanco me atingiu tão forte
que me senti sendo socada bem na boca
do estômago. Tropecei para trás até
sentir minhas costas contra a parede, a
única que havia ali; as laterais eram
formadas por grades.
― Não, você está mentindo! ―
Funguei, tentando não chorar, mas o
medo de ser verdade e a dor eram fortes
demais.
― Problema seu se não
acreditar, mas é verdade. ― Olhou para
Ondrej. ― Prepare-a para levá-la.
A dor me perfurava como lâmina
afiada, quente como brasas. Um buraco
se estendeu em meu peito, deixando-me
desolada. Não, ele tinha que estar bem!
Eu não podia perdê-lo!
― Vou matá-lo igual fez ao meu
irmão! ― gritei, indo até a grade e o
fuzilando. ― Vou arrumar uma forma de
derramar seu sangue maldito!
― Vamos ver se vai sobreviver
na arena para depois dizer isso. Talvez
nela se junte ao seu irmão ― disse e
saiu.
Chorei dessa vez, não me
incomodando com quem visse. Não era
por ter de ir para uma arena de luta, mas
pela dor e o vazio que se estendiam em
meu peito. Custava-me acreditar que eu
tinha perdido Santiago para sempre. E o
pior era que ele se foi pensando que eu
não o tinha perdoado, sem saber o
quanto eu o amava.
Talvez a morte seja bem-vinda,
pensei chorando.


Nem pude lidar com o buraco em
meu peito pela perda do meu irmão,
porque fui tirada da cela para ser levada
à arena, que, por sinal, era no local onde
eu era mantida presa. Eu nem sabia
quanto tempo tinha passado enquanto
estava encolhida chorando por Santiago,
só sabia que era noite, pelo que ouvi um
dos guardas mencionar não havia muito
tempo.
Estava contando que meus
irmãos viessem me salvar antes de eu ter
de lutar, porque não queria matar mais
ninguém. O único que mataria de novo
sem remorso era o maldito Marek.
Não temia enfrentar um bando de
marmanjos, já disputara com piores em
minhas lutas como o Mascarado.
Entretanto, nenhum deles deveria ser tão
letal como aqueles garotos enjaulados.
Eles eram brutais até o âmago,
implacáveis. Foram criados para
suprimir as emoções. Eu esperava não
ter de combatê-los.
― Com quem vou lutar? ―
sondei, não demonstrando emoção
alguma, escondendo-as. Primeiro iria
tratar de sobreviver até meus irmãos
chegarem.
― Será uma surpresa, não fique
ansiosa por isso ― respondeu um dos
guardas.
O lugar estava lotado de pessoas
gritando, ansiando pelas lutas.
― Vocês são um bando de
abutres! Não vou lutar com um garoto
para satisfazê-los! ― rosnei quando
entramos no local.
Não era uma arena de gaiola,
mas de vidro transparente, como uma
cúpula quadrada, mas do tamanho de um
ringue normal. O vidro devia ser à
prova de bala ou de qualquer impacto,
senão os meninos teriam tentado matar
todos aqueles vermes. Eu o teria feito se
estivesse no lugar deles.
Ondrej estava ao meu lado,
calado, não demonstrando nada. Não dei
atenção a ele; estava com raiva de todos
por compactuarem com aquela merda.
― Todos vão adorar vê-la
lutando, não vão, Mascarado? ― Sorriu
um indivíduo cujo nome eu não sabia,
mas que tinha cabelos escuros, do
séquito de Marek.
Então tinham descoberto o
pseudônimo que eu usava nas lutas.
Antes que eu pudesse dizer algo, fui
empurrada para dentro da arena, melhor
dizendo, da cúpula.
O medo ficou ainda maior
quando me trancaram lá dentro, não por
ter de lutar, porque eu era boa nisso,
mas pela possibilidade de meu oponente
ser um daqueles garotos e eu ser
obrigada a matá-lo. Não podia fazer
isso.
Cerrei os punhos quando
fecharam a gaiola de vidro.
― Hoje temos uma participante
diferente em nossa arena, mas não
menos letal ― disse Marek a todos. Ele
estava do lado de fora da arena.
Olhei para a multidão de
espectadores sentados em seus lugares
na arquibancada, todos com expressões
eufóricas e ansiosos para ver mais
brutalidade.
― Vamos ver essa gatinha soltar
as garras. ― Sorriu frio para mim e
depois acenou para um dos seus homens.
― Temos uma adversária à altura.
Adversária? Então era uma
mulher? Ela era uma lutadora? Isso me
deixou mais aliviada.
O homem assentiu e puxou
alguém encapuzado, empurrando-o para
dentro da arena e o fechando comigo. A
pessoa caiu no chão soluçando como se
estivesse chorando. Ela sussurrava
parecendo estar orando. Merda, ela não
era lutadora, não merecia estar ali!
Corri até ela, abaixando-me ao seu lado.
― Não tenha medo, vamos sair
daqui juntas. ― Esperava cumprir essa
promessa.
Tirei o capuz de seu rosto,
deparando-me com uma menina de
cabelos castanhos e olhos violeta, mas
não tivemos tempo de nos apresentar,
pois a cúpula se abriu, e nela entrou um
garoto de uns 16 anos mais ou menos.
Seu rosto não demonstrava nada,
nenhuma emoção, só frieza e
brutalidade.
― Agora a luta vai ficar
interessante! ― Marek disse à plateia,
depois se voltou para o garoto que tinha
entrado na arena. ― Agora comece, mas
não as mate. Preciso delas vivas para o
que planejo, mas pode brincar à vontade
com as duas.
Coloquei-me de pé, mantendo a
menina atrás de mim. Menina, não,
mulher. Ela devia ser da minha idade ou
um pouco mais nova.
― Vocês são uns miseráveis que
deveriam ser queimados vivos e
lançados no inferno! ― gritei para
todos.
A garota fungou às minhas
costas.
― Vamos morrer, não é? ―
sussurrou ela.
― Não, vamos sobreviver ―
garanti. ― Os meus irmãos vão nos tirar
daqui.
Ela olhava para todos os lados e
para o garoto, que sorria de modo frio.
Eu não sabia a razão de Marek levá-la
até ali, mas, pelo jeito, aquela garota
não era do nosso mundo, aliás, não
devia sequer conhecer algo daquela
magnitude.
― Chegou a hora de brincar. ―
O sorriso do garoto me lembrava um
tubarão prestes a comer sua presa, ou
seja, nós duas.
Talvez matar gente imunda assim
não fosse tão ruim. Como meu pai disse,
era só pensar no que ela gostava de
fazer e meter bala. Nessa hora passei a
entender a fúria de Stefano ao massacrar
tantos naquela ilha.
Meu adversário segurava duas
adagas, relaxado, mas eu percebia que
estava prestes a dar o bote.
Ao meu lado havia dois punhais
que eu não tinha notado antes. Abaixei-
me e os peguei, apertando os cabos em
minhas mãos. Não dei um deles à
menina, porque, pela forma como ela
tremia, pensei que não fosse capaz de
nada.
― Não precisa ir por esse
caminho. ― Tentei uma abordagem
diferente para ganhar tempo. Sabia que
meus irmãos chegariam a qualquer
momento. Eu confiava nisso... embora
também tivesse confiado que Santiago
estava bem, quando o perdi.
Ele sorriu feroz e
impiedosamente, sem um pingo de
emoção.
― Acabe com elas! ― gritou
alguém da plateia. ― Queremos luta!
Eu sabia que não podia
convencê-lo. Havia algo nele que estava
além da redenção, eu não podia alcançá-
lo onde sua mente estava.
Preparei-me, ficando em posição
de luta quando ele veio para cima de
mim como um leão faminto à procura do
meu sangue. Chutou-me forte, tanto que
voei e bati no vidro, que nem sequer
rachou. O ar foi tirado de mim por um
momento, a dor me perfurou quando sua
lâmina atingiu minha barriga. Não foi
fundo, mas rompeu a pele. A dor me fez
trincar os dentes, mas eu não ia me
deixar ser vencida tão fácil. Sabia que
não conseguiria derrotá-lo sem dar tudo
de mim, mas não queria matá-lo...
embora declinar da vitória não estivesse
no meu sangue.
Chutei sua canela, fazendo-o cair
e aproveitei para passar uma de minhas
lâminas em sua pele, fazendo o sangue
escorrer pelo chão da arena. Ele nem
gemeu ou se encolheu com a dor, mas a
fúria homicida estava em seus olhos.
De repente, a menina gritou,
caindo de joelhos. Ele tinha acabado de
lançar uma de suas facas contra ela,
acertando seu braço e tornando o chão
ao redor dela vermelho vivo. Seus gritos
podiam ser ouvidos de longe, eram
desesperadores e atormentados. Seus
olhos se fecharam com força, e ela
encostou a cabeça no vidro da cúpula
como se quisesse banir todos os
pensamentos ruins.
Corri até ela, mas, quando a
toquei, ela surtou ainda mais.
Não tive tempo de ajudá-la, pois
o infeliz do garoto veio caminhando em
nossa direção com aquele olhar
assassino, pronto para nos ferir ainda
mais.
Postei-me na frente da garota de
forma protetora. Não deixaria que ele a
machucasse.
Lancei alguns golpes em meu
oponente, mas ele revidou na mesma
proporção. Tentava levá-lo para bem
longe da menina. Se focasse sua atenção
em mim, ele não iria até ela.
Meu corpo doía por seus socos,
chutes e cortes, mas o infeliz, mesmo
com a mesma proporção de ferimentos,
não parecia se incomodar. Devia estar
familiarizado com a dor. Contudo, ele
era humano, então seu corpo tinha um
limite. Eu esperava derrotá-lo antes que
eu chegasse ao meu.
Não sabia havia quantos minutos
lutávamos. O pior era que a maldita
plateia estava gostando daquilo. Isso me
deixou mais puta da vida, com vontade
de eliminar a todos.
Ele me deu uma rasteira,
roubando meu fôlego, e logo montou em
meu corpo, mantendo aquele seu sorriso
frio.
― Vou fazer você engolir esse
sorriso de merda! ― rosnei, levantando
minha perna e acertando-o nas bolas, o
que o fez me soltar por um momento.
― Não a machuque! ― gritou a
menina, pulando em suas costas como
um macaco-aranha.
Merda! Eu não esperava por
isso, mas ela me ajudou a me livrar do
infeliz.
Ele foi para trás rapidamente,
batendo com força as costas da garota na
parede de vidro e a fazendo gritar de
dor. Fui para cima dele, chutando-o na
barriga.
Ele grunhiu parecendo um felino,
mas não me importei e apertei o cabo do
punhal, preparando-me para atingi-lo,
mas ele bloqueou o golpe, acertando
meu estômago. Caí de joelhos.
O garoto jogou a menina para
longe. Ela bateu a cabeça no vidro e
apagou.
Meu coração estava acelerado,
temendo que ela tivesse se machucado
demais. Como estava prestando atenção
nela, mal percebi quando ele enfiou a
faca em minha perna.
― Por favor, pare! ― implorei,
não querendo lutar mais e ter de matá-lo.
Como estava prestando atenção nela,
mal percebi quando ele enfiou a faca em
minha perna.
Estava tão cansada de lutar, o
meu corpo doía em todos os lugares.
Santiago... Ele não desistiria se
estivesse ali, nem meus irmãos, então eu
não podia me deixar vencer. Aguentaria
lutar até chegarem? E se não viessem a
tempo?
Olhei de lado para a menina,
ainda inconsciente. Se eu não o
vencesse, aquele garoto poderia matá-la,
e eu não podia deixar isso acontecer.
Não confiava em Marek, mesmo ele
tendo ordenado ao meu oponente que
não nos matasse. O sorriso do infeliz ao
me ver toda ensanguentada era um que
eu adoraria tirar.
Respirei fundo, preparando-me
para os momentos finais daquela
batalha. Antes, eu não tinha lutado com
todo o vigor, porque estava me
resguardando, afinal era só um garoto
que fora treinado como um assassino
sem sentimentos. Todavia, chegava a
hora de lutar com todas as minhas forças
e deixar as emoções de lado.
De repente, meus olhos foram
atraídos para uma pessoa que tinha
acabado de entrar na arena, levando
minhas esperanças, porque o fato de ele
estar ali significava apenas uma coisa: a
sua morte.
Assim que entramos na mansão
dos Castilhos, encarei Lyn e El Diablo.
― Me diz o que estamos
esperando para ir atrás dela? ― Estava
muito ansioso e furioso. ― Por que a
levaram? Eles querem algo dos
Castilhos? Vingança?
― Não, isso não tem nada a ver
com eles, mas comigo ― respondeu Lyn.
― Eles me querem e a estão usando
contra mim.
Franzi a testa.
― Por que iriam pegar Belinda
para chegar a você? ― Isso não fazia
qualquer sentido.
― Quem é essa pessoa? ―
grunhiu Valentino.
― Seu nome é Marek Kudela...
Interrompi-o, arfando:
― Está me dizendo que a porra
da máfia tcheca a pegou?! ― Minha voz
se elevou.
Marek Kudela era chefe da máfia
situada em Praga, na República Tcheca.
Ele e seu irmão, Borek, se
desentenderam havia alguns anos, e a
família tinha se separado. Marek se
tornou o chefe da organização, enquanto
Borek foi para a Eslováquia, onde criou
sua própria máfia junto aos seus homens,
que partiram com ele. Marek ficou com
a minoria dos seguidores, embora não
menos letal. O cara era o demônio em
pessoa com sua crueldade e brutalidade.
Borek Kudela foi morto pelo
irmão havia alguns meses. Isso teve
bastante repercussão no submundo do
crime.
― Ele não a machucou e não irá,
ao menos não até ter o que quer e...
Valentino o cortou:
― Como pode ter certeza disso?
É a porra da máfia tcheca! O que sei
desse cara não é nada bom... ― Sacudiu
a cabeça.
― Tenho um infiltrado lá dentro
desde que consegui tirar a informação
sobre o local de Jair Calixto. Ele está
constantemente perto de Belinda desde
que ela chegou lá ontem ― Lyn me
informou. ― Está presa em uma cela.
― Eles não a machucaram? ― O
medo me fez engolir em seco. ― Temos
que tirá-la de lá!
― Nós vamos fazer isso essa
noite ― informou-me com um olhar
furioso.
― Não vou esperar tudo isso.
Praga não é tão longe, pouco mais de
duas horas de voo. Se partirmos agora,
nós a tiramos de lá em poucas horas ―
reclamei, sentando-me. Não queria
forçar muito aqueles malditos pontos,
precisava estar bom na hora da ação,
por isso trouxe uma injeção de
adrenalina comigo para ajudar. ― Só
peça para seu infiltrado nos dizer as
coordenadas de onde ela está, que
cuidamos do resto.
― Stefano, conheço Marek há
anos e sei que ele não vai tocar nela
correndo o risco de não conseguir o que
quer. Sei de sua crueldade e brutalidade,
mas ele quer muito a mim para correr o
risco de machucá-la e eu não ir até lá.
― Você? ― indaguei.
― Sim, mas não é só isso. Ele
quer o império do irmão na Eslováquia,
que Borek deixou sob meu poder.
― Você vai entregar isso a ele?
― Uma parte de mim queria que não o
fizesse, mas a outra lhe agradecia por
ajudar a salvar a minha menina.
― Haverá um torneio em um dos
clubes de luta dele no subterrâneo de
Praga. Marek vai estar lá, e vou resolver
tudo. ― Olhou-me. ― Esse lugar é
fortemente protegido, não tem como
alguém de fora entrar à força. Alguém de
dentro tem que abrir as portas.
― Você tem um infiltrado; use-o
― apontei. ― E como saberemos se
Belinda estará lá também? ― Só tinha
sentido algo parecido com aquele aperto
no peito quando perdi minha mãe.
Lyn hesitou.
― O que não está me contando?
― inquiri, trincando os dentes. ― Conte
a porra da verdade!
― Sua garota fala demais. E não
ficou só nisso, ela matou alguém.
Todos arfamos na sala.
― Matou? ― indaguei, a
impotência me oprimindo. Eu gostava do
que fazia e não me arrependia de estar
onde estava, de matar e mutilar meus
inimigos, apreciava vê-los sofrendo, era
quem eu era. Entretanto, não queria que
ela tivesse que ter feito isso.
― Quem ela matou? ― sondou
Fabrizio.
― Um dos homens tentou tocá-
la, e na hora o meu infiltrado lá dentro
impediu, mas o cara pegou um dos
garotos no lugar, afinal Andreas impediu
que ele tomasse Belinda. Ela não deixou
barato, aproveitou uma distração de
Andreas e pegou a arma dele, atirando
no bastardo e impedindo que ele
machucasse o menino. ― Lyn parecia
orgulhoso daquilo. Eu também estava até
certo ponto. Esperava que o que ela
tinha feito não a atormentasse no futuro.
― Seu homem deixou isso
acontecer? ― Trinquei os dentes.
― Ele não podia ter feito nada.
Se a impedisse, o infeliz teria
violentado o garoto, e acho que você
conhece sua garota. Mas isso não é o
pior...
― O que pode ser pior?! ― Não
acreditei que ainda havia mais naquela
merda.
― Ela vai lutar no ringue essa
noite. ― Observava minha reação. A
dele era fria, mas notei uma centelha de
raiva em seus olhos.
― Lutar? Com quem diabos fará
isso? ― rosnou Benjamin. ― Faz dias
que não treina!
― São lutas com crianças, mas
temos um problema, são garotos
sanguinários, e hoje é luta mortal.
― Ela nunca machucaria uma
criança ― comentei. ― Como você
mesmo disse, Belinda matou alguém
para salvar um deles.
― Por isso vamos essa noite,
antes que aconteça o pior.
― Achei que você tivesse
fechado todas as arenas Prometheus. ―
Respirei fundo, tentando me controlar.
Como estaria em uma batalha àquela
noite, precisava de energia. Não
morreria antes de achar Belinda, nem
que fosse a última coisa que eu fizesse.
― Sempre haverá uma por aí
enquanto o chefe da organização, Marek,
viver, então tenho que cortar a cabeça da
serpente ― rosnou com aço na voz.
― Por que ele quer matar você?
Não parece ser só por querer seus
negócios e por você ter destruído a
maior parte de suas arenas. ― Rafaelle
serviu uma bebida para si e me ofereceu
uma.
Aceitei-a, pois precisava.
― Borek me resgatou e me
treinou para agir como o Fantasma ―
respondeu Lyn. ― Marek matou meu
chefe, e eu acabei com alguns negócios
dele, mas você está certo, não é por isso
que ele quer me matar, e sim porque tirei
alguém que era importante para ele.
Agora ele quer tirar alguém com quem
me importo.
― De novo, por que a Belinda?
Você não tem nenhuma relação com ela.
― Eu estava a ponto de estourar. ―
Além disso, por que não foi até sua
irmã? Era mais provável ela, pela
ligação entre vocês.
― Ninguém sabe dela, só você.
― Olhou para os outros na sala. ― E
agora todos nesta sala.
― Não diremos nada ― afirmou
Benjamin.
― Eu me mantive longe dela
para nenhum dos meus inimigos a usar
contra mim. Nem ela sabe que eu existo.
Marek não sabe meu nome verdadeiro,
ninguém sabe. O único que sabia era
Borek, e ele apagou meus dados. Sou
uma pessoa que nunca existiu, por isso o
apelido.
Se ele tivesse se aproximado
dela, eu saberia; tinha alguém vigiando a
garota para mim.
― Então por isso ele veio até
minha irmã? ― A voz de Valentino
falhou.
― Estamos perdendo tempo,
enquanto deveríamos ter ido até lá. Se
alguém a tocar... ― Benjamin se
encolheu.
Eu não podia ficar parado
discutindo enquanto algum infeliz a
machucava.
― Por que ele a quer? ― repeti,
com meu coração encolhido com o
mesmo medo dos irmãos dela.
― Não é ela que ele quer ― Lyn
me olhou ―, mas você. Ele a pegou
para atraí-lo até lá.
― Você não disse que Merek o
queria? Por que a mim também? Por que
me atrair para lá, e não a você? Não faz
sentido algum. ― Sacudi a cabeça.
― Após eu ser levado da cela
naquela noite... lembra? ― Esperou que
eu assentisse, mesmo eu não querendo
recordar aquilo. Ele prosseguiu: ―
Marco achou melhor não me matar, pois
eu ganhava muito dinheiro para ele,
afinal era o melhor lutador ali, então
resolveu me levar para outra arena, na
República Tcheca. Lá me disse que você
estava vivendo sua vida e que não dava
a mínima para mim, que nem ao menos
tentou me resgatar.
― Acreditou nele? ― indaguei,
respirando de modo irregular. Se eu
sequer pensasse que Lyn estava vivo,
teria ido até ele, aliás fui até os outros,
mas era tarde demais.
― No começo, sim, pois o
infeliz mostrava fotos suas com seus
irmãos, e você parecia feliz. ― Deu de
ombros. ― Ele me disse que você tinha
matado Jet.
― Maldito desgraçado! ―
sibilei. ― Acha que eu o mataria, ainda
mais após ter me salvado?
― Sei que não. No entanto,
aquele lugar mata sua fé em Deus e nas
pessoas. E foi assim, desacreditado, que
Borek me resgatou, não só a mim, mas a
outros meninos também.
― Ele fazia o que você faz hoje?
― Era uma pergunta retórica, afinal ele
disse que o homem o havia ensinado.
― Sim, resgatava meninos em
nossa condição e os ajudava a seguir em
frente. ― Sua voz soou baixa e
emocionada. Parecia que Lyn realmente
o amava. ― Os outros garotos seguiram
suas vidas após se ajustar, mas eu não
queria, precisava fazer algo de útil,
como resgatar mais crianças indefesas
das mãos de homens iguais ao seu pai.
Então ele me treinou e me tornou quem
sou.
― Foi isso que gerou a
inimizade e ruptura entre os dois
irmãos?
― Marek tinha opiniões
distorcidas, usava o seu poder para
promover lutas e, quando viu que
ganharia muito mais grana sequestrando
e aprisionando meninos para lutarem,
igual a Marcos, aderiu a isso e criou a
organização Prometheus.
― Ele era aliado da máfia
Destruttore. Nós rompemos a aliança
após Marco ser morto ― afirmou
Alessandro.
― Um irmão promovia essa
atrocidade, e o outro queria acabar com
isso. Foi essa a razão de eles se
separarem e cada um seguir seu
caminho. Mas, alguns meses antes de eu
vir para cá, soubemos de algumas arenas
que promoviam lutas de crianças
espalhadas pela Europa, então fiquei de
checar aqui, em Barcelona, onde sua
garota trabalha, enquanto Borek ia
verificar na Sibéria. Dias depois, eu
soube que era uma armadilha; ele foi
para sua morte. ― A raiva estava em
cada palavra.
― Por que não vingou a morte
dele? ― Rafaelle o avaliava. ― Afinal,
parece se importar com Borek.
― Ah, eu me vinguei através de
quem Marek mais gostava e se
importava, o seu namorado. Ele me tirou
alguém, e eu fiz o mesmo. ― Inspirou
fundo. ― Por anos não me aproximei ou
me apeguei a ninguém, pois sabia que
ele iria destruir a pessoa, mas, depois
que eu te salvei naquela noite no
cemitério, de alguma forma Marek soube
e agora quer usar você para me atingir.
― Eram homens dele no
cemitério? ― inquiriu Fabrizio.
― Sim, eles queriam apagar
Belinda em razão do seu trabalho como
assistente social, cuidando dos garotos
que desejavam atrair para a Prometheus,
mas, quando protegi vocês, de alguma
forma ficaram sabendo de nossa ligação,
Stefano.
― Por que ele não veio
diretamente a mim ao invés de ir aos
Castilhos? ― indaguei confuso.
― Ele soube que você estava
inconsciente após a luta na ilha e sabia
que não teria como atacar os Morellis
agora, com a máfia Destruttore reerguida
e com tantos aliados.
― E ele acha que somos fracos?
― sibilou Benjamin.
― Ele pensa que, como Fabrizio
acabou de se tornar chefe e com a morte
do pai de vocês, estão mais vulneráveis.
Além disso, Alonso lhe contou sobre o
dilema que vocês e Stefano estavam
tendo em relação a Belinda, que, em
primeiro lugar, Marek já queria morta.
Ele resolveu sequestrá-la e esperar para
matá-la, assim conseguiria o que quer,
Stefano e, consequentemente, a mim. ―
Lyn olhou para Fabrizio. ― Para ele,
você não é tão esperto como Paolo.
Foram essas as palavras de Marek aos
seus homens.
― Vou mostrar para ele quem
está vulnerável quando o pegarmos ―
rosnou Fabrizio letal. ― Pagará com a
vida por ter ousado tocar em minha
família.
― Ainda não entendo por que
ele usa homens-bomba, como fez no
clube de luta e na boate dos Pachecos.
Isso não faz sentido. Quem se mataria
para ajudar a máfia? ― Coloquei a mão
no ombro. A merda estava começando a
doer.
― Não é voluntário. Marek
sequestra suas famílias e as mata se eles
não fizerem o que os obriga. ― Lyn se
aproximou de mim. ― Precisa tomar
remédios para tirar essa dor.
― Não é a dor que me preocupa,
mas o medo de não salvar Belinda. ―
Inspirei fundo. ― Como você sabe tudo
isso?
― O meu infiltrado revelou, mas
não soube a tempo. Quando me disse,
era tarde demais, sua menina tinha sido
levada. Se eu soubesse logo, a teria
salvado.
― Eu sei. É só que não consigo
ficar parado sem fazer nada, enquanto
ela...
― Até o fim dessa noite, tudo
ficará bem. Vamos conseguir tirá-la de
lá antes de que algo aconteça ― tentou
me tranquilizar.
― Eles mexem com meninos! O
que não fariam com uma mulher? ―
Céus, que nada tenha acontecido a
Belinda! Não a quero com demônios
igual a mim...
― Pode ser, mas ela está bem,
Andreas está tomando conta dela, foi
encarregado disso.
― Você deveria ter colocado
câmeras na boate após seu clube ter sido
explodido ― apontou Rafaelle a
Fabrizio.
― Todos os nossos
estabelecimentos têm, mas não
podíamos revistar todo mundo que
entrasse; isso pegaria mal para os
negócios ― Valentino respondeu antes
do irmão, colocando as mãos nos
cabelos exasperado. ― O que isso nos
custou...
― Eles entraram com as bombas
presas ao corpo? ― questionou El
Diablo.
― Colocamos detectores para
alertar, mas alguém os deixou entrar.
Saberíamos mais se as gravações não
tivessem explodido junto ao local, o que
é estranho, pois deviam ter sido salvas
no servidor. ― A voz de Fabrizio soou
letal.
― Algum dos seus homens que
estava na boate sobreviveu ao impacto
ou saiu minutos antes? ― sondou
Rafaelle. ― Se um deles deixou que os
caras de Marek entrassem, com certeza
sobreviveu.
― Santiago estava com
Rolander na boate ― informou
Benjamin. ― Ele tem apenas alguns
arranhões, enquanto meu irmão teve
várias costelas quebradas.
Fabrizio se virou para Sage.
― Traga-o aqui para termos uma
conversa. ― Ele estava puto. Não era
para menos, quando tinha tantos ratos em
sua organização. Eu me lembrava bem
da época em que tivemos de lidar com
essa merda.
Sage assentiu e saiu enquanto
Razor entrava na sala.
― Pela cara de vocês, sabem
onde Belinda está e o que farão com ela
essa noite ― comentou.
― E como você soube? ―
indaguei.
― Tenho um infiltrado lá.
― Também deveríamos ter
colocado alguém, mas não achei que
Marek fosse perigoso para nós. Pelo
visto, estava errado ― comentou
Fabrizio.
― Então vamos organizar tudo
para essa noite e ir para algum lugar
perto do local. Não quero correr o risco
de não chegar a tempo. ― Sequei a
bebida do meu copo.
De repente Serena desceu
correndo a escada, chorando.
― Belinda! ― gritou ela com o
telefone na mão. ― O cara na linha
disse que vai matá-la se...
Antes que eu pudesse correr para
pegar o maldito aparelho, Fabrizio foi
mais rápido.
― O que você quer?! Aqui é
Fabrizio Castilho. ― Foi direto ao
ponto. Pediu-nos silêncio com os olhos
e colocou no viva-voz.
― Marek. Eu sei quem você é.
Agora por que não me deixa falar com o
Fantasma? Sei que ele está na sua casa.
Eu o tinha visto uma vez, quando
Marco estava no poder. Se soubesse que
no futuro ele seria uma ameaça, eu o
teria matado naquele tempo.
As palavras do bastardo me
diziam que ele mantinha os olhos sobre
a máfia Pacheco. Era claro que
manteria, ele não era um líder idiota. O
cara orquestrava uma linha de tráfico de
crianças e criara uma organização que
as forçava a lutar. Não tinha criado uma
ou duas arenas Prometheus, mas
inúmeras. Por isso era perigoso, embora
não soubéssemos que ele era o
responsável até Lyn nos dizer.
― Estou aqui ― revelou Lyn. ―
Agora me diga o que você quer. Por que
levar uma garota com quem não me
importo nem um pouco? ― Sua voz não
tinha nada de emoção, tão gelada que,
por um segundo, acreditei em suas
palavras.
― Realmente? Deseja que eu
mostre a vocês do que sou capaz? ―
zombou.
O gelo se apossou de minha
alma, e me levantei em um átimo, com
ganas de que ele estivesse na minha
frente para estraçalhar o desgraçado.
― Não ouse machucá-la, ou vou
matá-lo ― sibilei.
Ele ficou em silêncio um
momento. Não ouvi gritos ao fundo, o
que talvez significasse que ele não a
tinha tocado, embora não bastasse para
aliviar o meu peito angustiado.
― Esse deve ser Stefano? ―
Riu. ― Eu me lembro de Marco dizer
que era um menino explosivo, até
cheguei a ver suas lutas na gaiola. Devo
dizer que gostei do que presenciei.
Rafaelle segurou meu braço,
alertando-me com seus olhos para não
mandar Marek para o inferno. Engoli
minha fúria e respirei fundo para me
acalmar.
― Fico lisonjeado que minha
forma de lutar lhe tenha agradado ―
ironizei. ― Por que está com minha
mulher? Se a tocar...
― Não tocarei em um fio de
cabelo dela, a não ser que Lyn não venha
hoje à noite, assim como você, Stefano.
― O que fez com ela? Belinda
está bem? ― Minha voz falhou no final.
― Nada, mas não sei por quanto
tempo isso vai continuar. Vai depender
de Lyn e de você... e de que ela
mantenha sua boca fechada e suas mãos
longe dos meus homens. Matou um
deles.
Meu peito estava apertado e
sangrando por dentro com medo de não
a ver mais. Belinda provocava a ira de
qualquer um. Eu não sabia se
conseguiria se manter calada.
― O que você quer? ― Lyn
sabia, mas não demonstrou nada ao
perguntar. ― Vá direto ao ponto antes
que eu perca a cabeça.
― Se fosse pela lógica, eu
deveria castigá-la, mas, como o quero
aqui, vou esperar. ― Sua voz se tornou
um grunhido: ― Quero que você pague
por tudo que me fez.
― Onde nos encontramos? ―
Fingiu não saber do clube de luta em
Praga.
Marek disse o nome do local que
já sabíamos.
― Espero vocês dois aqui ―
repetiu, parecendo muito ansioso.
― Stefano não precisa estar aí,
mas eu vou ― retrucou Lyn, o que me
fez estreitar os olhos. Se ele achava que
me deixaria de fora, estava enganado. Se
tentasse me dopar novamente, eu
quebraria a cara do infeliz.
― Como vou me vingar de você
sem que eu tenha algo com o que
ameaçá-lo? ― Dessa vez ele riu, uma
risada gelada. ― Você mesmo disse que
não tem laços com essa menina bocuda,
mas sei que tem com ele.
― Não tenho, mas nunca quebrei
uma promessa. Se eu falo que vou estar
aí, eu vou.
― Os dois aqui à noite, ou a
mando aos pedaços para vocês após
cada um dos meus homens se fartar dela.
― Desligou antes que pudéssemos dizer
algo mais.
Minha ira ultrapassou o auge,
fazendo-me socar a mesinha de centro
de vidro, que se despedaçou, cortando
minha mão. Caí de joelhos, com dores
por todo o corpo, mas a pior delas, a
mais intensa, estava dentro do meu
peito.
Eu podia ouvir vozes, mas era
incapaz de alcançá-las, estava preso
entre o torpor da dor e uma raiva que me
rasgava por dentro lentamente.
Belinda... Eu nunca quis deixá-la
entrar, mas, durante aqueles meses, ela
fez morada em meu coração negro, fez-
me amá-la, mesmo eu achando que não
era capaz disso. Enfim, quando tinha a
chance de tê-la, alguém a tirava de mim.
Eu poderia morrer naquela noite,
mas mostraria a todos o verdadeiro
monstro que estava adormecido em meu
interior e aniquilaria aqueles que a
levaram de mim. Não sobraria nada
além de pó e ruínas.
― Respire fundo, vai dar certo
― Lyn pediu assim que nos
aproximamos da Prometheus.
Estávamos em um lugar deserto,
um galpão cercado de mato, mas eu
sabia que a organização era subterrânea,
então devia ter algum elevador dentro da
estrutura.
Tínhamos formado um plano. Lyn
e eu entraríamos no lugar, e, assim que
estivéssemos com Belinda, os
infiltrados de Lyn e Razor iriam abrir as
portas para nossos amigos, assim
atacaríamos o local e massacraríamos
todos, como fizemos com a outra arena
na ilha.
Rafaelle não queria me deixar
entrar sem ele, mas, como Marek só
queria Lyn e a mim, eu não queria correr
o risco de ele se irritar e machucar
Belinda. Ele só permitiu quando joguei
em sua cara que ele teria feito o mesmo
por Mália.
― Se algo acontecer comigo,
quero que a proteja. Ela é a prioridade
aqui ― pedi a Lyn antes de chegarmos à
porta do galpão.
― Eu sei, mas nada vai
acontecer com vocês dois. Assim que
estiver com ela, quero que saia e me
deixei para trás; vou distraí-lo ― disse,
desligando o carro.
― Nem fodendo! ― rosnei. ―
Te deixei para trás uma vez; isso não vai
acontecer de novo.
― Você pensava que eu estava
morto ― lembrou-me. ― Não foi sua
culpa.
― Eu sei, foi do Marco, aquele
filho da puta. ― Toda vez que eu
pensava naquele homem, uma onda de
raiva me possuía. ― Me diz uma coisa:
recordo-me de você jurar que, se saísse,
iria matar Marco, mas, após ser
libertado, não foi até ele.
― Na verdade, fui, cheguei
perto de eliminar o desgraçado, mas
então Borek mencionou o seu propósito
e o dos seus irmãos, que estava
conseguindo angariar pessoas para
ficarem do seu lado ao invés do dele. Aí
me lembrei de que era esse seu desejo
antes de tudo. Deu certo. Mesmo eu o
deixando vivo por algum tempo, no final
ele foi morto, e vocês estão no poder
agora, com seu irmão sendo o capo. Era
tudo que você sonhava.
― Você poderia tê-lo matado. O
meu irmão se tornaria chefe de qualquer
jeito, embora teríamos mais traidores;
da forma como foi, limpamos a
organização algum tempo atrás. ― Nem
sabia se conseguiríamos vencer Marco
na época, caso Lyn tivesse ceifado sua
vida, afinal nem alianças tínhamos, não
como as de atualmente.
― Por isso não o fiz. No final, o
infeliz foi para o inferno. ― Suspirou.
― Agora vamos focar em sair desse
lugar vivos.
― Vamos, então, acabar com
isso. ― Meu peito se apertava toda vez
que eu pensava em Belinda e no que ela
devia estar passando.
Saímos do carro e fomos à
entrada do galpão, onde alguns guardas
nos esperavam.
― Marek está nos aguardando
― Lyn falou a um dos dois homens que
estavam à porta. Havia mais ao redor,
além de vários carros e um helicóptero
não muito longe dali.
― Mãos para trás. ― Ele
segurava dois pares de algemas.
― Não vou ser algemado! ―
grunhiu Lyn.
― Isso ou vaza. Vamos ver
quanto tempo a garota vai aguentar no
ringue. ― O maldito sorriu.
Ah, eu vou arrancar esse
sorriso dele ou esculpir um igual ao do
Coringa em sua cara!
― Lyn. ― Em minha voz havia
um pedido. Não podia deixar Belinda
lutar, não com aqueles garotos. Não
queria que ela tivesse em sua
consciência a morte de um deles. Fosse
um homem adulto, quem sabe, como ela
já tinha feito, mas um garoto foderia sua
cabeça, eu tinha certeza.
Lyn suspirou e se deixou ser
algemado. Eu sabia o quanto devia ser
difícil para ele se sentir impotente de
novo. Agradecia-lhe por estar ao meu
lado e me ajudar a salvar minha menina.
― Nos acompanhem ―
respondeu o guarda após nos algemar e
revistar, não encontrando nada.
Tínhamos deixado nossas armas,
afinal podíamos matar sem a
necessidade de uma, e, na hora de uma
possível luta, eu poderia muito bem
conseguir uma com uma das sentinelas.
Não deixarei com que Marek vencesse e
nos derrubasse nem mesmo estando
algemado. Usávamos grampos de escuta.
O meu estava em um dos meus piercings,
e Lyn tinha o seu em um relógio. Assim
nossos amigos saberiam a hora certa de
atacar.
Seguimos por um corredor e
depois entramos em uma grande sala
onde havia bastantes homens armados.
Controlei o instinto de matar a todos.
Descemos por um elevador para
o local onde supostamente Marek
estava. Não falamos nada, só reparamos
nos detalhes, estudando formas de sair
dali.
Não demorou muito até
entrarmos em uma arena rodeada por
arquibancadas cheias de espectadores
eufóricos com a luta em questão. O
ringue em que os lutadores estavam era
cercado de vidro.
― Desgraçados! ― sibilei,
enfurecido com a cena na gaiola de
vidro.
Belinda estava ferida, havia
muito sangue manchando sua pele e suas
roupas. Em compensação, o garoto que
ela combatia estava bem machucado
também. Tinha mais alguém encolhido
no chão da arena, não dava para ver
muito bem quem era, principalmente por
estar de costas para nós.
Antes que eu pudesse dizer algo,
Marek se aproximou de nós acenando
para seus homens, que nos empurraram
para ficarmos em frente a ele.
― Finalmente tenho você aqui
― disse para Lyn, socando sua boca em
seguida.
Cerrei meus dentes para não
revidar, ou as coisas ficariam piores. Eu
estava de mãos atadas enquanto Belinda
estivesse vulnerável na maldita arena.
Lyn não gemeu ou grunhiu; não
havia ninguém mais tão familiarizado
com a dor quanto nós dois, ele ainda
mais do que eu. Eu não conseguia nem
imaginar o que passou em seu tempo
como prisioneiro.
― Olá, Marek, é bom vê-lo de
novo. É uma pena que não da forma que
eu queria. ― Lyn cuspiu o sangue no
chão.
― Está aqui como desejei desde
que tirou Milion de mim! ― rosnou,
apontando a arma para Lyn e depois
para mim. ― Vou levar todos com quem
você se importa até não lhe restar nada
além de ruína.
Fiquei tenso pensando que ele
iria atirar em Belinda, mas ela não era
tão importante para ele quanto eu.
― Consegui alguém que você
protegeu e escondeu tanto para eu não
encontrar, mas não teve jeito. ― Sorriu,
indicando a arena. ― Ela é uma garota
muito linda, eu poderia fazer serventia
dela.
No começo, achei que Marek
pensava que havia algo entre Belinda e
Lyn, mas ele apontava para a pessoa
caída no chão. Então era uma mulher?
Quem... Não, não podia ser ela... Olhei
para Lyn, que fitava a menina com os
olhos arregalados. Se fosse mesmo Ella,
então o guarda que mantive de olho nela
devia estar morto. Miseráveis
desprezíveis!
― Seu filho da puta! ― Lyn se
enfureceu, indo para cima de Marek e
acertando sua cabeça na dele uma vez.
Tentou fazê-lo de novo, mas um dos
homens de Kudela o impediu, dando-lhe
uma coronhada na cabeça com a arma.
Isso o deixou meio tonto.
Chutei o estômago do infeliz por
bater em meu amigo e irmão. Nesse
ínterim, Lyn se desvencilhou dos outros
homens que o seguravam e foi para cima
de Marek novamente, acertando-o com
um chute também. Ele não parecia se
importar com as muitas armas apontadas
para si, seu foco estava em sua irmã. De
algum jeito, conseguiu chegar até a
cúpula de vidro, perto de onde Ella se
encontrava.
Belinda segurava um dos braços,
olhando para nós, assim como fazia o
garoto. Encontrei os olhos dele, não
vendo nada ali além de um abismo pior
do que aquele que eu via em Lyn. Eu
tinha de fazer algo, ela não ia aguentar
mais, eu precisava agir.
― Acho que chegou a hora. ―
Essa era a senha para que os outros
entrassem, mas falei olhando para
Marek, assim ele pensaria que eu estava
falando consigo.
― Não adianta, Lyn, todos que
você ama irão morrer. ― Apontou sua
arma para mim e acenou para alguém do
outro lado da arena, que apertou um
botão. Logo depois uma espécie de gás
que parecia fumaça começou a ser
expelido dentro da arena pelo teto de
vidro, fazendo Belinda tossir e se
abaixar perto de Ella, tentando se
proteger.
― O que você fez?! ― gritei,
com o coração acelerado, pronto para
lutar.
De repente, ouviu-se um
estrondo na arena. A parede de vidro no
canto oposto onde as meninas estavam
trincou.
Virei a cabeça, vendo um cara
loiro com uma metralhadora antiaérea
norte-americana Browning ponto 50. A
arma era capaz de furar a blindagem de
carros-fortes e aeronaves e media 1,68m
e pesava 38kg. Disparava de 400 a 600
tiros por minuto, tendo uma precisão que
alcançava 1,5km.
O garoto dentro da arena chutou
onde o vidro estava rachado para tentar
fugir do lugar.
― Matem o traidor! ― gritou
Marek, indo para cima de Lyn, que ainda
encarava a irmã inconsciente.
Desvencilhei-me dos guardas
que me seguravam, acertando-os com
chutes. Era difícil lutar sem as mãos,
além de com o ombro machucado.
― Lyn! ― gritei. Não podia
tomar conta de Marek, pois tinha que
proteger as meninas. ― Eu cuido delas!
O estranho era que boa parte dos
homens de Kudela não tentava nos
matar; a maioria parecia estar do nosso
lado. Isso me recordou de quando eu
estava preso. Havia pessoas dentro da
máfia que eram contra o que Marco
fazia. Aquilo devia acontecer na
organização de Marek também.
Lyn se voltou para Marek.
Aquela luta era dele. A minha era
resgatar minha menina e a irmã do meu
amigo.
A multidão desesperada tentava
sair da arena, mas não tinha para onde; a
maior parte dos elevadores não estava
funcionando, Andreas tinha cuidado
disso. Só estavam ativos três deles, por
onde os meus amigos desceriam.
Avistei o cara que prendeu
nossas algemas e tentei lutar com ele,
mas de mãos atadas era uma porcaria.
Derrubei-o, passando minhas pernas em
seu pescoço e as apertando até ele parar
de tremer e dar seu último suspiro.
Era difícil procurar as chaves
em seus bolsos assim.
― Deixa eu te ajudar ― pediu
um rapaz de cabelos castanhos e olhos
verdes.
― Valeu ― agradeci assim que
meus pulsos estavam livres. ― Dê as
chaves a Lyn também.
― Vou fazer isso. Quer cuidar
daquilo ou vai deixar comigo? ―
apontou para a cúpula. Metade da
parede de vidro tinha caído, fazendo a
fumaça se dissipar. Talvez alguém
também tivesse desligado o dispositivo.
O garoto assassino estava indo
até Belinda e Ella, ainda inconsciente.
Belinda se colocou de pé, pegando a
faca e se pondo na frente da menina.
Dava para perceber que ela se encolhia
devido às suas feridas. Como alguém
assim, capaz de proteger uma estranha
mesmo estando machucada, lidaria com
a culpa se matasse uma criança? Ela não
conseguiria e não iria matá-lo, mas eu,
sim.
Corri, passando pelo espaço
formado pelo vidro quebrado e subi no
ringue, ficando entre ele e Belinda. O
menino parou e me observou.
― Me dê a faca, eu assumo a
partir daqui ― pedi a ela sem tirar a
minha atenção do meu adversário. ―
Fique abaixada para não ser atingida por
nenhuma bala perdida.
Belinda não se insurgiu,
entregando-me o punhal e se abaixando,
ainda protegendo Ella. Algumas balas
ricocheteavam no vidro, mas, sem a
arma certa, era impossível atravessá-lo.
Enquanto Lyn lutava com Marek,
o lugar era tomado pelos meus amigos e
meu irmão, que tinham acabado de
entrar.
― Stefano... ― ouvi a voz que
tanto adorava, da minha garota. ― Se
for demais para você, eu posso...
― Não permitirei que você tire
mais uma vida. ― Respirei fundo,
concentrando-me ali e não nas imagens
do passado, quando eliminei tantos
garotos. Jurei a minha mãe que nunca
faria aquilo de novo, mas agora estava
ali, prestes a cometer algo que prometi
não fazer mais.
― Aquele cretino merecia
morrer ― ela sussurrou. ― Esse aqui
também; não há como trazê-lo de volta.
― Por isso você não pode
acabar com ele. Não deixarei sua alma
ser manchada assim. Ainda há salvação
para você, mas não para mim. De
qualquer forma, não quero redenção ―
falávamos em espanhol, e notei que ele
não entendia a língua.
Belinda continuaria a discussão,
era nítido por sua postura e expressão.
― Tome conta de Ella. Logo
tirarei as duas daqui ― prometi, dando
um passo à frente para lutar.
Matar não me incomodava, mas
eliminar garotos mexia comigo.
Contudo, não era hora para pensar
naquilo, mas para salvar as duas e tirá-
las daquele lugar antes que a coisa
ficasse feia. Deixei o ódio tomar conta
de mim, assim eliminaria o que estava
me incomodando.
Ele veio para cima de mim com
sua faca, mas me defendi socando-o na
boca e ao mesmo tempo acertando um
chute em sua barriga. O garoto me
acertou no ombro ferido, fazendo com
que eu me encolhesse. Merda! Não
podia continuar lutando com aquele
braço praticamente inutilizado.
Percebendo meu ponto fraco, meu
oponente veio com tudo contra mim, e
caímos no chão.
Se eu não estivesse machucado,
teria lidado tranquilamente com aquilo.
Ou inconscientemente estava hesitando
adiar o inevitável?
Soquei sua mandíbula e o
estômago, tirando-o de cima de mim.
Esquivou-se de alguns dos meus socos,
mas consegui acertar alguns.
― Merda! ― Levei a mão ao
ombro, que sangrava. Os pontos tinham
estourado.
― Stefano! ― ouvi Belinda
chamar. ― Está machucado! Me deixe
lutar!
Sem chance de eu permitir que
ela derramasse mais sangue. Se tinha
alguém a fazer aquilo, seria eu.
Sinto muito, mãe, por
descumprir a promessa e matar mais
um garoto, pensei.
Ele sorriu sem vida ao ver minha
hemorragia. Não havia nada em sua
expressão, havia escuridão demais nele
para ser alcançado por qualquer luz. Se
ele fosse outra pessoa, já estaria morto
por ter tocado em Belinda, mas, mesmo
que eu estivesse com raiva, sabia que
ele era só um garoto que foi obrigado a
perder tudo, inclusive sua humanidade.
Nenhum daqueles meninos tinha opção.
Porém eu estava de mãos atadas, não
podia permitir que ele vivesse. Estava a
ponto de desferir meu punhal, e dessa
vez seria um golpe fatal, quando ele caiu
no chão.
Arregalei os olhos ao perceber o
dardo tranquilizante em suas costas.
― Deixa que tomo conta disso
― disse o loiro que explodiu a arena.
― Você toma conta das meninas.
Uma parte de mim estava
aliviada por não precisar matá-lo. Havia
muitos ali para eu descontar minha fúria.
― O que fará com ele, Ondrej?
― sondou Belinda. Não vi raiva em
seus olhos; no fundo, ela entendia por
que aquele garoto agia daquele jeito. ―
Vai matá-lo?
― Na verdade, meu nome é
Andreas. Lyn cuidará dele ― respondeu.
Essa palavra podia ter vários
significados, mas não era hora para eu
me preocupar com isso. Olhei para Ella,
ainda desmaiada.
― Como ela está? ― Chequei
seu pulso, que ainda estava batendo.
Isso era um alívio.
― Respirando. Ele a jogou
contra o vidro, e ela bateu a cabeça. ―
Suspirou e se escorou na parede
transparente, fechando os olhos.
Fui até ela e toquei seu rosto.
― Abra os olhos ― pedi
preocupado. Ela devia ter perdido muito
sangue. Tinha vários cortes em seu
corpo, o que me deixou puto. Fuzilei o
garoto inconsciente, pensando que
realmente deveria tê-lo matado.
― Vou tirá-lo daqui. ― Andreas
pareceu adivinhar o que se passava em
minha mente. Talvez devesse ter ficado
claro em meu rosto. Pegou o garoto, que
também estava muito ferido, e o levou
dali.
― Estou tão cansada ―
sussurrou Belinda abatida.
― Eu sei, vou cuidar de você.
― Alisei seu rosto. ― Lamento por
você estar aqui.
― Não foi sua culpa. ― Abriu
um pouco os olhos, encontrando os
meus. ― Merda, essa porcaria dói...
Eu não sabia se estava se
referindo aos ferimentos ou ao que fiz a
ela. Antes que eu pudesse falar alguma
coisa, ela apagou.
― Belinda! ― chamei-a,
colocando o rosto em seu pescoço. ―
Por favor, abra os olhos.
― Me deixe dar uma olhada
nela. Tenho treinamento em primeiros
socorros ― pediu Andreas, que acabava
de voltar após ter levado o menino para
algum lugar.
Eu não queria me afastar, mas
era preciso, para ele fazer o check-up.
Aquele era o meu maior medo.
Preferiria tudo àquilo, a vê-la
inconsciente e sofrendo com ferimentos.
Trinquei os dentes, com uma fúria
ofuscante me tomando.
― Eu era como ele, sabe? ―
comentou Andreas. ― Demorei meses
para me tornar um ser racional de
novo... ou o que podemos ser no nosso
mundo. Lyn me salvou de mim mesmo,
evitou que eu me tornasse um psicopata
com desejo de atacar a todos.
Olhei para Lyn, que socava
furiosamente Marek, que não era mais
que uma geleia no chão.
― Sua menina ficará bem, mas
precisa de cuidados. O helicóptero está
esperando lá fora.
Peguei Belinda em meus braços,
encolhendo-me, meu ombro explodindo
de dor.
― Merda! ― praguejei,
escorando-me no vidro.
A luta tinha cessado, mas eu
ainda ouvia os gritos das pessoas na
arena tentando sair do local. Eu poderia
ficar e desfrutar ao fazê-los pagar, mas
Belinda era minha prioridade.
― Deixe que eu fico com ela. ―
falou El Diablo, surgindo ao meu lado.
― Ajudo-os a chegar lá em cima. Você
está muito ferido.
― Não, você pega Ella ― disse
Andreas. ― Um dos irmãos de Belinda
pode ajudar Stefano.
Levantei meus olhos, deparando-
me com Benjamin, Valentino e Fabrizio
ali perto.
― Por que não faz você? ―
inquiriu El Diablo.
― Tenho que ajudar Lyn com os
meninos presos. Os caminhões estão
esperando lá em cima para levar todos
― respondeu.
― Ela está bem? ― perguntou
Benjamin, tirando Belinda dos meus
braços e beijando sua testa. Assim a
cumprimentaram Valentino e Fabrizio.
― Sim, mas foi bastante ferida.
― Eu não queria deixá-la ir, não quando
a tinha em meus braços. Só deixei que
ele a pegasse para irmos logo ao
hospital e assim eu poder cuidar dela.
― Você precisa de cuidados
também, seus pontos devem ter
estourado ― informou Rafaelle, ao meu
lado.
El Diablo se abaixou e pegou
Ella. Algo cruzou seu rosto ao encarar a
face da garota. Ver uma mulher
ensanguentada devia trazer-lhe
lembranças perturbadoras.
Assim que estávamos chegando
ao elevador, Lyn se aproximou de nós,
coberto de sangue.
― Ella! Como ela está?
― Foi ferida, mas nada grave. A
maior desse sangue é de Belinda e de
Cade. Ela vai ficar boa ― disse
Andreas. ― Por via das dúvidas, é
melhor fazer uns exames.
Eu nunca havia visto aquele
olhar em Lyn, nem mesmo direcionado a
mim. Era amor. Lyn amava sua irmã,
assim como eu amava Belinda. Era claro
que era um amor diferente, mas não
deixava de ser amor.
― Tome conta dela. ― Encarou
os olhos de El Diablo. ― Seja o que for
que você queira depois, será seu.
Eu sabia o que El Diablo queria,
que Lyn trabalhasse para ele.
― Ela estará segura ― garantiu.
Entramos no elevador, e varri
meus olhos mais uma vez na arena antes
que as portas se fechassem.
― Façam todos pagarem ―
grunhi, escorando-me na parede da caixa
metálica.
― Pode esperar que nós vamos.
― Fabrizio encarou com uma expressão
assassina a multidão de espectadores.
Sim, ele faria aquela plateia
fodida se arrepender por ter assistido
àquelas atrocidades sem fazer nada.
― Assim que terminarmos aqui,
irei ao hospital de um conhecido meu na
cidade. O piloto vai levá-los até lá ―
disse Lyn, tocando o rosto da irmã. ―
Ficará bem, princesinha.
Saíram do elevador para
podermos subir, restando dentro dele
apenas eu, Benjamin, El Diablo e as
meninas nos braços deles.
― Porra, estava com tanto medo
de não vê-la mais! ― Benjamin puxou
uma respiração profunda.
Ele não era o único que temia
isso desde que soube o que aconteceu.
Ainda bem que agora Belinda estava
comigo. Eu não permitiria mais que
nenhum perigo caísse sobre ela. Eu a
protegeria com a minha vida se fosse
possível.
Abri meus olhos, sentindo um
ligeiro incômodo. Estava em uma cama
em um local que parecia um quarto de
hospital. Olhei para o meu corpo e notei
cabelos que eu conhecia muito bem.
Stefano estava dormindo sentado em
uma cadeira, com a cabeça apoiada em
meu tórax e a mão descansando em meu
quadril. Dormia tão sereno que parecia
até um castigo acordá-lo, mas eu estava
apertada para ir ao banheiro.
Seu rosto perfeito estava tão
sereno, nem parecia que explodia fácil e
que eu já tinha presenciado suas
insônias e pesadelos. Temia acordá-lo, e
ele se assustar e acabar me machucando.
Isso seria difícil para ele.
Chequei-o, mas não vi nenhuma
agulha enfiada em seu braço, como tinha
no meu. Havia manchas rochas em sua
pele e uma faixa na parte superior do
braço até o ombro. Sua camisa estava
aberta, então eu podia ver claramente.
Levantei a mão do braço que não
estava conectado ao cateter e
esquadrinhei suavemente seu rosto sem
acordá-lo. Precisava tocá-lo para saber
que era real, que finalmente estava ali
comigo, embora por pouco tempo. Tinha
vindo até mim por se sentir mal por não
me amar? Depois ele fugiria, e eu ficaria
com minha dor, pior do que aquela que
eu sentia agora em meu corpo
arrebentado?
O pior era que eu já sentia uma
dor que estava esmagando meu peito por
perder meu irmão. Lágrimas rolaram
pelos meus olhos, molhando o rosto de
Stefano. Ainda me custava acreditar que
tinha perdido Santiago. Essa sensação
penosa me dilacerava, era tão
excruciante que me roubava o ar, mas
tentei estabilizar meus batimentos
cardíacos e minha respiração, mesmo
que minha alma estivesse rasgada.
Perder minha mãe, Lorena, papai
e agora meu irmão era a pior coisa que
havia me acontecido. Respirei fundo,
limpando o rosto. Precisava vê-lo, dar
adeus a ele.
Stefano se assustou, sentando-se
e me olhando.
― Machuquei você? ― indagou,
com a preocupação vincando suas
feições.
― N-não... ― Minha voz falhou
devido ao choro.
― Merda, eu fiz, não foi? ― Sua
voz... parecia tão devastada.
― Stefano, não foi você. Estou
assim pelo meu irmão. ― Tentei
estabilizar a voz para não o preocupar.
Não queria que pensasse que aquela
tristeza era culpa sua, quando não era.
― Seu irmão? ― Franziu a testa.
― O que houve com ele? Com qual
deles, aliás?
― Santiago. ― Não entendia sua
confusão. Por que ele não me dizia logo
o que havia acontecido? Seria porque
estava tentando me proteger da verdade
que me deixaria sem chão?
― Ele está bem ― informou,
suspirando. Parecia relaxado agora.
Pisquei.
― Bem? Mas Marek disse que
ele tinha... morrido.
Uma sombra cruzou suas feições,
e ele se deitou ao meu lado, puxando-me
mais para si, como se não quisesse me
deixar nunca mais.
― Seu irmão está bem, só com
algumas costelas fraturadas, mas nada
grave ― tranquilizou-me.
Soltei o ar de uma vez. Nem
sabia que o estava prendendo. Meu peito
se aliviou como não o fazia desde que
eu soube da pretensa morte de Santiago.
― Graças a Deus! Estive
sofrendo todo esse tempo ― sussurrei.
― Lamento por você sofrer
dessa forma. ― Esquadrinhou meu
rosto.
O meu coração palpitou devido
ao seu toque.
― E por eu ser um idiota e ter
partido daquele jeito. ― Sua voz soou
baixa e rouca.
― Ninguém é obrigado a amar
alguém, Stefano. ― Dizer isso
destroçava meu coração, mas era
preciso. Eu não queria sua culpa. ― Eu
tinha conhecimento desde o início do
risco que estava correndo.
― Ei, nós dois caímos de
cabeça nisso. Desde a primeira que a vi,
eu a desejei como nunca quis ninguém
antes ― sussurrou. ― Mas eu não sou
digno de ter alguém, minha vida é
sombria demais. Mereço ficar só por
tudo que já fiz.
― O que você fez para dizer
isso? ― sondei, querendo entendê-lo um
pouco.
Virou-se de costas, encarando o
teto, mas sua mente parecia distante.
― É fodido demais. ―
Suspirou.
― Se esteve preso em algum
lugar parecido com o que fiquei, eu
entenderia perfeitamente sua revolta,
mas isso não seria sua culpa, nem
mesmo se alguém tivesse tocado em
você. ― Eu precisava falar com
cuidado para não fazer com que ele
corresse para longe.
Stefano ficou calado, mas estava
ouvindo. Eu podia imaginar o quanto era
difícil para ele se abrir.
― Se não estiver pronto para
falar sobre esse assunto, tudo bem, vou
entender, mas preciso saber se vai nos
dar uma chance, porque, se não puder ou
quiser retribuir o que sinto, eu gostaria
que fosse embora agora. Vai ser
doloroso para mim, porém é o certo a
ser feito.
Meu coração estava destruído só
em imaginá-lo saindo por aquela porta.
― Eu não vou deixar você
nunca! ― Tinha veemência em sua voz
ao dizer essas palavras.
― Preciso de mais do que isso.
Eu amo você como nunca o fiz na minha
vida. Não ligo para o que fez ou faz. ―
Entendia que ele não se sentisse pronto
para revelar o seu passado, mas ao
menos precisava saber se ele me amava
da mesma forma que eu o amava. Tinha
a necessidade de ouvi-lo me dizer.
― O que quer que eu diga? ―
Resfolegou, pondo o braço sobre os
olhos.
Tentei me virar para vê-lo
melhor e tentar desvendar o que ele
estava pensando, mas uma dor perfurou
minha barriga, que já estava doendo
havia algum tempo. O corte não foi
profundo, mas a lâmina fez seu estrago.
Se eu não tivesse me desviado na hora,
teria ficado sem as tripas.
― Merda! ― grasnei,
respirando com dificuldade.
― Ei, você está bem? ―
questionou preocupado. ― Não se
mexa, vai arrebentar seus pontos.
― Vou ficar, não ligue para mim.
― Se ele precisava disso para se manter
livre, que assim fosse.
― Eu sou complicado, eu sei. ―
Virou-se para mim, apoiando-se no
cotovelo bom.
― Isso é um eufemismo ―
apontei e respirei fundo. ― Me diz uma
coisa, quando foi ferido lá na batalha?
― Não fui ferido quando fui
salvar você, mas numa ilha, ao resgatar
os meninos que estavam presos na
Prometheus de lá. ― Ele me avaliava.
― Suspeitei que foi você a
acabar com aquelas pessoas horrendas
que assistiam àquilo.
― Tecnicamente não fui eu, mas
dei esse prazer aos garotos. Lyn e eu
ficamos com os cabeças.
― Essas pessoas mereciam, por
tudo que viam sem fazer nada, na
verdade aqueles seres abomináveis
gostavam disso. Pensei que eu ia ficar
louca por ter matado alguém, mas não
fiquei, ainda mais ao pensar no que
aquele homem fazia lá dentro e ia fazer
com aquele menino. Nenhum deles
merece estar vivo ― relatei a verdade,
esperando que ele fizesse o mesmo.
― Não queria que você tivesse
feito isso. ― Acariciava minha pele,
causando-me arrepios, mas acho que ele
nem notou isso, de tão distraído e
furioso que estava ao dizer aquelas
palavras.
― Eu não podia ficar parada
vendo aquele cretino prestes a machucá-
lo. O que aconteceu com os garotos e
com esse menino especificamente? Não
parecia estar lá há muito tempo.
― O nome dele é Mason, e tinha
chegado fazia dois dias. Ainda não tinha
sido tocado ou posto na arena para lutar.
Ele vai ficar bem. Lyn fez um bom
trabalho. ― Parecia orgulho disso.
― Por que foi me libertar
estando ferido? Por que foi lá hoje
sabendo o risco que correria?
― Na verdade, o ataque foi
ontem à noite ― esclareceu. ― Eu me
feri na luta com Jared quando o matei.
Acho que você vai ter outro chefe logo.
― Se estava ferido, não deveria
ter ido me salvar e encontrar Marek ―
recriminei-o. ― Eu deveria dar uns
socos em você por ter feito essa
estupidez! ― Toquei a área perto de sua
ferida, agradecendo a Deus por ele estar
vivo.
― Marek ligou falando que, se
eu não fosse, você pagaria o preço. ―
Encolheu-se. ― Morri mil vezes
pensando no que ele seria capaz de fazer
com você estando à mercê dele. O medo
que senti foi de outro mundo. ― Chegou
mais perto, respirando meu cheiro.
― Eu estava bem. Contava que
meus irmãos fossem me resgatar ―
sussurrei.
― E quanto a mim? Não estava
contando que eu fosse aparecer? ―
Afastou-se e me avaliou.
― Conhecendo você, sabia que
seria idiota a ponto de ir. Mas não
entendo. Alonso disse, quando me
sequestrou para me levar até Marek, que
o fazia porque ele achava que eu era
importante para você...
Stefano me interrompeu com uma
ferocidade desenfreada em sua voz e
expressão.
― Eu não buscava isso tudo!
Minha vida era do jeito que tinha de ser,
escura como um breu. Mas aí você
apareceu, e tudo que era escuro se
tornou brilhante. Quando estive longe,
fui tomado por uma agonia mil vezes
pior que ser torturado. Preferiria isso a
não estar ao seu lado. Era um sofrimento
sem fim. Sentia essa necessidade de
estar perto de você, pensava o tempo
todo nesse rosto lindo. ― Emoldurou
minha face, enquanto eu o encarava de
olhos arregalados.
― Stefano... ― Minha garganta
se fechou de emoção.
― Você é a coisa mais valiosa
da minha vida. Sem você, não tem
sentido respirar nesse mundo. ―
Abaixou o rosto, aproximando-o mais
do meu. ― Não precisa fazer essa cara
de choque.
― Você me ama? ― Pisquei,
tentando assimilar suas palavras,
embora uma parte de mim soubesse,
afinal só alguém que ama seria capaz de
ir direto ao covil do inimigo para salvar
uma pessoa, correndo o risco de ser
morto.
― Para mim, falar de amor é
fácil, mas, ao mesmo tempo, difícil. Até
pouco tempo, não achava ser capaz de
sentir tal emoção. No entanto, achei que
você soubesse, pela forma como te olho,
te beijo e devoro seu corpo com uma
fome desenfreada. ― Um sorriso lindo
curvou seus lábios perfeitos. ― Eu
nunca disse as palavras, mas meus olhos
com certeza me entregaram antes mesmo
de eu perceber esse sentimento. Acho
que você não notou...
― No fundo, sim, mas achei que
você estivesse me iludindo ― sussurrei.
― Não é ilusão, é verídico.
Adoro sua tenacidade, a forma como se
preocupa com os garotos de quem cuida,
até com aqueles que não conhece, como
Mason. Seu sorriso lindo, sua risada,
seus beijos, seu corpo. ― Beijou minha
bochecha. Eu a sentia dolorida devido à
luta, mas o toque foi tão suave que não
me machucou, fez meu coração
resplandecer ainda mais. ― Amo tudo
em você, inclusive seu cheiro, que leva
os pensamentos ruins para longe.
― Por isso fica me cheirando?
― Alguém devia ter me limpado, pois
eu não estava com sangue manchando
minha pele.
― Sim. Descobri que não posso
mais viver sem você, sem sua presença,
sem seu cheiro. ― Seu olhar amolecia
meus ossos de tão intenso. ― Eu ia
voltar para você após o ataque à ilha,
era esse o plano, mas fiquei inconsciente
por uns dias por ordem do meu irmão,
que achou que eu não ia parar quieto
para me curar.
― Ele tinha razão, afinal você
foi ferido ao enfrentar um mafioso
assassino ― acusei-o.
― Também sou um mafioso
assassino ― assegurou e depois
suspirou. ― Quando me avisaram o que
aconteceu com você, não pensei, só fui
para sua casa enfrentar seus irmãos ou
esganá-los.
― Eles não tentaram te matar?
― Eu era grata aos meus irmãos por
isso.
― Acho que eu corria o risco de
eles tentarem se eu não estivesse ferido.
Deviam estar preocupados demais com
você para pensar em vingança. ―
Stefano não parecia com medo, mas ele
era assim, não temia a nada.
― Acho que esse sequestro teve
um lado bom, afinal. ― Eu tinha
descoberto que ele me amava, e a
tragédia unira nossas famílias. Contudo,
disse isso a ele apenas para aliviar a
tensão.
― Não fale isso. Não posso nem
pensar nessa merda sem querer esmagar
algo. ― Inspirou fundo.
― Desculpe. ― Peguei sua mão.
― Mudando de assunto, eu não entendo
algo. Alonso disse que levou a mim por
ser importante para você. Mas então
quem era aquela garota na arena?
De repente pensei se, de algum
modo, Stefano um dia tivesse se
interessado por ela ou se ainda o fazia.
Minha pulsação contra seus dedos
mostrava minha reação, mesmo eu
tentando esconder. Isso me deu vontade
de arrancar minha mão da dele.
― Sossegue esse coração. ―
Beijou de leve meus lábios. Mesmo com
eles doloridos, senti a ternura com que
me tocou. ― Esse rapto não tinha a ver
comigo, mas com Lyn. Marek queria se
vingar dele por ter tirado alguém que ele
gostava, assim eliminando todos com
quem meu amigo se importava, como eu
e Ella, sua irmã.
O alívio me tomou.
― Ela está bem? ― sondei.
― Sim, vai ficar. ― Ele
arrumou o lençol sobre nós dois. ―
Quis saber sobre você e lhe agradecer,
mas você estava inconsciente.
― O que ela sabe?
― Não sabe sobre quem somos,
então vamos deixar assim por enquanto.
― Respirou fundo, aconchegando-se
mais a mim. ― É tão bom ter você em
meus braços.
― Também acho. ― Entretanto,
como preferi conversar com ele, a minha
bexiga estava difícil de aturar. Empurrei
Stefano um pouco para poder me
levantar.
― Quer que eu saia? ― A sua
voz parecia um pouco temerosa com
essa ideia.
― Não, mas estou apertada para
ir ao banheiro ― comentei.
Ele saiu da cama e veio me
ajudar com o soro.
― Posso saber por que você não
tem essa coisa no braço? Está ferido
como eu. ― Conhecendo-o bem,
duvidava que alguém o obrigasse a
alguma coisa.
― Eu não ia ficar apagado
quando tenho que protegê-la. Esses
remédios que aplicam no soro dão muito
sono. ― Indicou a mesinha ao lado da
cama, sobre a qual havia duas facas e
uma pistola.
― Acho que não estamos em um
hospital convencional ― murmurei. Se
fosse, não permitiriam armas à vista de
todos.
― Não, ainda estamos em Praga,
em uma clínica de um amigo de Lyn.
Quer que eu ajude você?
― Acho que posso lidar com
isso sozinha. ― Gostei do seu
oferecimento, mas, mesmo não sendo
tímida, não queria fazer xixi em sua
frente.
Após fazer minhas necessidades,
encarei-me no espelho, checando minha
aparência. Havia um lábio cortado, a
maçã do rosto direito estava um pouco
inchada e arroxeada, isso fora as partes
do corpo que eu não via, mas sentia
dolorosamente.
― Merda! ― grunhi.
Assim que pronunciei as
palavras, a porta foi aberta e Stefano
entrou, vindo até mim e me checando de
cima a baixo.
― O que aconteceu? ― Tocou
meu rosto.
― Estou horrível. ― Suspirei.
― Aquele garoto realmente me detonou,
não foi?
― Ele não é um garoto qualquer,
é um bom lutador, só o que sabe fazer é
matar. Ainda bem que cheguei a tempo.
― Levou-me para o quarto, e tornamos
a nos deitar lado a lado.
― Eu sei, jamais o venceria ―
assenti. ― Temia continuar lutando e, no
final...
― Não vamos tocar nesse
assunto agora, está tarde.
― Obrigada por estar comigo.
― Entrelacei nossos dedos. ― E por me
dar seu coração.
― É difícil deixar alguém entrar
em meu coração para depois ter que
perder, lutei contra isso, mas foi uma
luta vã ― sussurrou. ― Espero que
você não o quebre, pois tem esse poder.
Meu coração deu pulos de
felicidade.
― Você tem o mesmo poder,
então tomaremos conta um do outro.
― Sim, tomaremos ― prometeu,
beijando-me tão suave e
carinhosamente.
Nesse momento, agradeci aos
Céus por estar nos braços dele e por ter
meu amor correspondido. Eu tinha mais
do que um motivo para ser grata a Deus:
fui solta do cativeiro sem que
acontecesse nada sério comigo; meu
irmão estava vivo; tinha o amor de
Stefano, algo que não achava ser
possível. Não podia pedir mais nada.
Após voltarmos de Praga, fui
levada para casa. Meus irmãos estavam
mais controladores do que nunca, mais
protetores comigo e Serena. Eles não
brigaram com Stefano por ter me
deixado, aliás, todos pareciam gratos
por ele ter ido ao covil de mafiosos para
me salvar mesmo ferido.
Stefano também não me deixava
sozinha um segundo. Eu até gostava
disso, mas estava louca para sair. Não
suportava ficar trancada, e o perigo
tinha passado. No fundo eu os entendia.
Demoraria um pouco para eles pegarem
leve comigo. Com a traição de Alonso e
Rolander – que foi quem me dopou, só
bem depois eu reconheci a voz dele –,
meus irmãos ficaram ainda mais
desconfiados de todos.
Parei de pensar nisso e esperei
um pouco para sair do banheiro, no qual
entrei com a desculpa de que precisava
me trocar para o almoço que teríamos
em família, a minha e a de Stefano.
Tinha deixado a ele e vovó conversando
no quarto. Eu havia pedido a ela para
tentar conseguir alguma informação
dele. Já estava achando que ele não ia
falar nada, e eu não podia ficar ali por
mais tempo. Antes de sair, ouvi-os
conversando enfim.
― Minha neta te ama muito,
nunca a vi assim tão feliz ― disse vovó.
― Eu sei que ela me ama. ― A
voz dele soou baixa. ― Queria ser
alguém diferente para Belinda e preciso
que você me ajude com isso.
Eu entendia que era difícil para
ele se abrir, por isso meu coração foi
tomado por uma emoção forte, porque
ele estava fazendo aquilo por mim.
― Não precisa ser diferente, ela
o ama da forma como você é, mas acho
que necessita ao menos tentar lidar com
isso que te consome. Sei que é difícil,
mas...
― É difícil ― concordou.
― Tome seu tempo. ― Ela era
minha avó, mas parecia diferente quando
precisava agir como profissional, como
naquela hora.
O silêncio se estendeu por tanto
tempo que achei que Stefano não fosse
responder. Eu estava prestes a sair do
banheiro quando ouvi sua voz
sussurrada.
― Eu tinha quase 13 anos
quando meu pai me levou para ficar um
tempo num local parecido com aquele
em que Belinda ficou. Ele disse que
fazia aquilo para me quebrar, para me
domar, melhor dizendo. No entanto, lutei
para não deixar que isso acontecesse. ―
Houve mais silêncio, mas ela não ia
interrompê-lo a não ser que fosse
necessário.
― O que aconteceu mais lá?
Pode me dizer? ― indagou vovó quando
o tempo se estendeu.
― Conheci Lyn, um garoto
calado e sombrio, e Jet, um menino
esperançoso e vibrante. ― Sua voz se
quebrou ao falar deles, especialmente
do último.
Meu coração se apertou, porque
não conheci Jet, e, pela dor em sua voz,
ele estava morto.
― O que houve com ele?
― Jet lutou muito naquele lugar.
Ele sempre tinha esperança... ― sua voz
falhou ― até o dia em que Marco o
matou.
― Eram amigos. ― Não era uma
pergunta. Ficou claro pelo tom da voz de
Stefano.
― Mais que isso, juramos ser
irmãos para sempre, contávamos que
nós três sairíamos juntos, mas no final
Jet não aguentou, e me disseram que Lyn
tinha morrido, quando ele teve de
aguentar mais tempo no inferno. ―
Resfolegou. ― Poderíamos ter
demorado a acabar com Marco; queimá-
lo vivo não foi suficiente.
Eu sabia como o pai dele tinha
morrido e concordava com Stefano; não
foi suficiente apenas a sua morte para
fazê-lo pagar por toda a sua crueldade.
― Desculpe dizer isso assim,
esqueci que você não pertence à máfia
― ouvi-o dizer baixo e rouco, como se
estivesse controlando sua fúria.
― Estou acostumada com os
meus netos. ― Ouvi um sorriso na voz
da vovó, mas, ao falar novamente, ela
estava séria. ― Acha que, se o seu pai
estivesse aqui e você fizesse o que tanto
queria, seriam diferentes todos esses
sentimentos que o atormentam?
― Acredito que sim... ―
Entretanto, não parecia ter certeza. ― O
que acha?
― Isso não é sobre mim, mas
sobre se você tem certeza de que, se
pudesse se vingar como deseja, isso
levaria os pesadelos para longe.
Eu tinha mencionado sobre seus
sonhos atribulados e insônia a vovó.
― Belinda lhe contou sobre
eles? ― Não havia acusação em sua
voz. Isso me deixou aliviada. Só contei
aquilo a ela porque ele não pediu
nenhum segredo e eu queria ajudá-lo.
― Ela precisava saber como
agir para tornar as coisas melhores para
vocês. Assim você não a machucaria
quando dormissem juntos.
― Uma avó não desejaria para a
neta outra escolha de homem? ― Tinha
algo na voz dele que não detectei.
― Belinda faz o que quer, e,
além disso, no fundo eu sei que não a
machucaria. Nunca o fez desde que
começaram a dormir juntos ― apontou.
― O cheiro dela e seu calor me
acalmam ― declarou e depois suspirou.
― Acha que tenho cura?
― Como psicóloga, eu lhe diria
para fugir de tudo que envolve a máfia e
ter uma vida diferente de tudo que viveu.
― Essa opção está fora de
questão ― ele retrucou. ― E não me
traumatiza machucar ou matar alguém
que precise. Isso é quem eu sou e não
vai mudar. Belinda me aceita assim.
Stefano jamais sairia da máfia, e
eu não queria que aquilo acontecesse.
Eu não deixaria minha família por nada
no mundo.
― O que quero saber é se posso
continuar dormindo com ela sem
machucá-la. ― A voz dele falhou. ―
Não suporto a ideia de Belinda ser
ferida, ainda mais por mim.
― Como eu lhe disse antes,
aquele era minha opinião como
profissional. Agora irei falar como avó
dela. O meu aconselho é que converse
com Belinda antes de termos mais
sessões. Se você quiser continuar, claro.
― Não quer ouvir toda a minha
história? ― ele sondou curioso.
― O que conta não é o que eu
quero, mas se você deseja revelar agora.
Quer?
― Não sei...
― Acho que deve contar a
Belinda primeiro.
― Vou fazer isso. Mas digo logo
que quero continuar com as sessões ―
assegurou. ― Falei com Valentino, ele
disse que a terapia o ajudou muito.
Meu irmão passou um tempo
difícil após a morte de Lorena. Para ele
foi pior do que para todos nós, isso
porque ele foi sequestrado e obrigado a
presenciar tudo que fizeram com nossa
irmã sem poder ajudá-la. Nós lhe
dissemos que não era culpa dele, o que
era verdade, e no fundo eu achava que
ele sabia, mas era difícil lidar com os
sentimentos. Por isso ele fazia terapia.
― Cada dia é um aprendizado
― comentou vovó. ― Como avó de
Belinda, estou feliz por ela ter você na
sua vida.
― Obrigado, senhora. Não sei o
que vai acontecer com esse meu
problema, mas não vou desistir de sua
neta por nada.
Ouvi um movimento como se
alguém estivesse se locomovendo.
― Eu sei que a fará feliz, aliás,
já faz.
― Ela me faz muito mais. Essa
escuridão que há em mim fica menor na
presença dela.
― Você criou um vínculo com
Belinda, então se sente confortável com
ela. Acredito que é por isso que não a
machucou e que não o fará. ― Ela
parecia confiante acerca disso, assim
como eu. ― Conte tudo a ela. Isso vai
ajudá-lo a lidar com seus demônios,
porque deixar sentimentos guardados
corrói como um câncer, eles vão
absorvendo e tomando conta de tudo.
Como você me disse que Belinda te
ajuda a lidar com as lembranças, então
se apegue a isso, e tudo dará certo. ―
Vovó suspirou. ― Diga à minha neta que
vou esperá-los lá embaixo.
Eu queria dar pulos de alegria
por Stefano ter resolvido se abrir com
ela. Ainda não tinha contado tudo, e eu
acreditava que o pior estava por vir,
mas pelo menos ele estava me deixando
entrar.
― Aviso, sim. Vou esperar
Belinda sair e já descemos.
Após ouvir a porta bater, eu
soube que vovó tinha saído, então era
hora de eu ir até ele e depois
aproveitarmos juntos aquele dia com
nossa família. Meu irmão tinha saído do
hospital no dia anterior e estava indo
bem. No momento, estava em uma
cadeira de rodas até se recuperar
melhor, o que Santiago estava odiando.
Quando entrei no quarto, Stefano
estava sentado na cama vestido com um
terno sem gravata.
― Lindo! ― elogiei-o, não
demonstrando que eu tinha ouvido sua
conversa.
Ele piscou, checando meu corpo
de cima a baixo. Juro que tudo em mim
se acendeu como uma árvore de Natal.
Cada célula minha vibrou. Eu usava um
vestido verde-água frente única e longo,
mas com uma abertura na coxa direita.
― Porra! Se não estivéssemos
na casa dos seus irmãos, eu a foderia
sem sentido agora. Isso se não
estivéssemos ainda um pouco
nocauteados. ― Sua voz calorosa me
deixou ainda mais quente que seu olhar.
Tudo nele me fazia latejar entre as
pernas. ― Mas posso pensar em outra
forma de “brincar” que não atrapalhe
nossa recuperação... Isto é, se não fosse
seus irmãos lá embaixo. Droga! ― Veio
até mim e me beijou faminto.
Antes que eu pudesse aproveitar
mais, Santiago gritou:
― Belinda, se não descer agora,
juro que saio dessa cadeira e subo essa
escada!
Stefano indagou junto aos meus
lábios:
― Ainda ficaria comigo se eu
quebrasse a cara de seu irmão? ―
Afastou-se sem vontade.
Nessa hora, eu quis chutar a
bunda de Santiago.
― Vamos descer antes que
alguém venha aqui. ― Eu ainda
mancava em razão do ferimento e minha
perna, mas estava me recuperando bem,
graças aos Céus.
Stefano tentou me pegar no colo.
― Nem ouse, ainda está
machucado como eu, não pode pegar
peso ― declarei, afastando-me dele. ―
Estou bem.
O seu corte estava cicatrizando-
se, mas ele não podia extrapolar. O meu
também, além disso o meu braço ainda
doía, mas nada com o que eu não
pudesse lidar.
Descemos a escada e
encontramos todos na sala, meus irmãos,
Luna, seus irmãos e cunhados, filhos e
sobrinhos. As meninas estavam
brincando perto do sofá, e Vincenzo, não
muito longe dali.
Santiago estava perto da escada
com a cara emburrada.
― Está atrasada ― reclamou.
― Você devia arrumar uma
namorada, talvez isso melhorasse seu
humor. ― Sorri provocante.
― Isso está fora de questão, não
penso em me perder nunca. ― Sorriu
provocador também. ― A vida é boa
demais para eu ser amarrado por uma
mulher.
― Se lembra dessas palavras
alguns meses atrás, Stefano? ― Rafaelle
sorriu para o irmão e depois para o meu.
― Veja como ele está agora com a sua
irmã.
Santiago fechou a cara e já ia
pronunciar algo, mas uma menina loira
de uns 10 a 12 anos se aproximou de
nós. Era Graziela.
― Tio Stefano, comprei para
você e Belinda! ― Entregou uma
caixinha para ele.
― Para nós? O que é? ― Ele
abriu o objeto, e dentro dele tinha um
globo de vidro com uma constelação. ―
É lindo, querida, obrigado.
― Você é uma estrela para mim,
assim como sou para os meus pais ―
declarou a garotinha, sorrindo para
Alessandro e Mia. ― Eles me amam.
― Todos a amamos, princesa ―
assegurou Stefano com uma emoção
forte na voz.
― Obrigada, princesinha. ―
Abracei-a.
― Também trouxemos algo para
Belinda em gratidão por ter nos salvado.
― A voz veio da minha direita.
Olhei para o lado, deparando-me
com Paco, Neto e Yago, que foi quem
falou. Sorri quando se aproximaram. Os
mais velhos pareciam nervosos.
― Que surpresa boa estarem
aqui! ― Abracei cada um deles,
pegando o presente das mãos de Paco.
― Obrigada.
― Não é nada grandioso. ―
Neto olhou furtivamente para o presente
que Graziela deu a Stefano, algo que
parecia ter custado uma fortuna.
― Nós três fizemos ― afirmou
Paco animado, sem notar o nervosismo
dos irmãos.
Isso tocou meu coração ainda
mais, deixando-me orgulhosa dos meus
garotos.
― Eu tenho certeza de que vou
amar. ― Abri o pacote, e, dentro dele,
tinha um álbum de fotos com nós quatro
juntos, que tiramos depois do ataque ao
orfanato. ― Nossa, é lindo! Obrigada
aos três, adorei de coração.
Estava emocionada com o gesto
deles.
― Eu não recebo presente?
Estou aqui nessa cadeira de rodas ―
reclamou Santiago, mas eu apostava que
disse aquilo apenas para tirar a tensão
dos meninos.
Os garotos e Graziela olharam
para ele.
― Eu não trouxe nada para você.
Não sabia que estava doente. ―
Graziela, com sua doçura, pareceu triste
por um segundo, mas depois olhou para
Alessandro. ― Podemos ir comprar um
presente para ele, papai?
Percebi a fachada de gelo de
Alessandro se derreter com o gesto da
filha. Aliás, isso aconteceu com todos
ali, incluindo os meninos, exceto Paco,
que era novo demais para perceber.
― Podemos fazer um retrato
para você também ― disse Paco ao meu
irmão.
Santiago era um homem durão,
mas muito mole no que dizia respeito a
sentimentos. Notei que ele ficou
emocionado.
― Vamos deixar para quando
vierem aqui novamente ― finalmente
disse, sorrindo para os meninos e
Graziela.
― Eu vou trazer, prometo. ―
Sorriu a menina.
― Vamos fazer o nosso também
― asseverou Paco.
Graziela se virou para Neto. Os
dois pareciam ter mais ou menos a
mesma idade.
― Podemos brincar no jardim
antes do almoço, tem um labirinto aqui,
é tão lindo ― ela chamou os meninos.
Neto assentiu, pegando a mão de
Paco.
― Adoraria vê-lo ― disse a ela,
depois se voltou para mim. ― Podemos
ir?
― Claro, a casa é de vocês. ―
Sorri no intuito de fazê-los relaxar.
Eles estavam saindo, quando
Stefano alertou, após Graziela pegar a
outra mão de Paco:
― Estou de olho, Neto.
O garoto parou de andar e o
encarou.
― Eu... ― Ele parecia tenso.
Eu entendia que era sua primeira
vez ali, por isso estava nervoso. Devia
pensar que estava fazendo algo errado.
― Não liga, Stefano só está
brincando. ― Sorri para fazer os
meninos relaxarem.
Neto o avaliou por um momento.
Nesse instante, eu quis chutar a canela
de Stefano, mas, em vez disso, dei um
beliscão em uma de suas costelas,
forçando-o a melhorar sua expressão.
― Estou, sim, amigão, pode ir
― afirmou ele.
Neto respirou fundo, parecendo
aliviado.
― Meu tio é ciumento, não liga
― ouvi Graziela dizer enquanto
retornava a caminhar na direção da
cozinha para ir ao jardim dos fundos. ―
Teve uma vez que ele ameaçou o meu
amigo de jogá-lo no vaso sanitário só
para eu não dançar com ele...
A voz dela foi sumindo enquanto
eles desapareciam de vista, e não ouvi o
que Neto respondeu.
― Você ameaçou uma criança?
― Pisquei aturdida.
Ele fez uma careta.
― Não ia fazer nada. ― Deu de
ombros.
Eu sabia disso, Stefano
preferiria cortar um braço a matar um
garoto. Nem aquele que me machucou
ele quis matar, imagina uma criança.
― Vou tomar conta deles ―
garantiu Yago, saindo da sala e indo até
seus irmãos.
― Sorte sua ainda estar se
recuperando, ou eu chutaria sua bunda
― rosnei para Stefano, indo até Mia,
que segurava um embrulho nos braços.
O filho dela tinha nascido enquanto
Stefano estava inconsciente no hospital,
um dia antes de ele acordar, pelo que ele
me disse.
― Belinda, eu não ia fazer nada,
juro. Só não queria que minha princesa
dançasse com aquele garoto ― ouvi
Stefano dizer atrás de mim.
Olhei para ele.
― Se disse isso por causa de
uma simples dança, imagina quando ela
começar a namorar? ― Quis sorrir da
expressão furiosa de Stefano ante essa
ideia.
― Ela não vai namorar nunca ―
sentenciou Alessandro com um grunhido.
Sacudi a cabeça.
― Todos são tolos por pensar
isso. ― Suspirei e me virei para Mia,
que revirava os olhos para o marido.
Toquei o rostinho de porcelana da
criança. ― Como ele se chama?
― Enrico.
― Ele é lindo. ― Sorri para o
bebê.
― Você devia fazer um bisneto
para mim, afinal meus netos estão todos
adultos ― disse vovó.
Ouvi grunhidos na sala vindos
dos meus irmãos.
― Talvez uma menina, assim
arruma um namorado para ela ao invés
de querer arranjar para as minhas filhas
― grunhiu Miguel para mim.
Olhei para ele, ao lado de Luna e
minhas princesas no chão, brincando.
Recordei-me de ter dito isso quando as
meninas ficaram aqui em casa, mas falei
apenas para provocá-lo.
― Nem fodendo que, se
tivermos uma filha, ela vai namorar.
Acho que eu irei alcançar um novo
recorde de velocidade ao tirar os
infelizes de campo, como fiz com Jade e
Luna. ― Stefano parecia estar ansioso
por isso.
Revirei os olhos e me sentei no
sofá, pois meu corpo ainda estava
dolorido, principalmente minha perna.
― Eu deveria reclamar quanto a
isso, mas não vou, afinal tenho Luca ―
disse Jade perto do homem de cabelos
escuros, seu marido.
― Miguel foi o único que
enfrentou meus irmãos por mim ―
apontou Luna.
Nesse ínterim, as minhas
princesas vieram até mim. Carmen ficou
de pé ao meu lado, mas Kélia subiu no
meu colo, fazendo-me arfar quando se
sentou na coxa machucada.
― Tia... ― entoaram as duas.
Stefano se aproximou para tirá-
la do meu colo, e eu permitiria, mas
Miguel e Luna foram mais rápidos, um
pegando Kélia, e a outra, Carmen.
― Sua tia está dodói. Assim que
ela estiver boa, vai pegar vocês duas ―
disse o pai delas.
― Você está bem? ― sondou
minha irmã, preocupada.
― Sim. ― Sorri para
tranquilizar a todos e mudei de assunto
para distraí-los, perguntando a Fabrizio:
― Como conseguiu trazer os meninos?
― O juiz que assumiu a
jurisdição após a morte de Jair é um dos
meus aliados. ― Deu de ombros.
― Obrigada. Fico feliz que eles
estejam aqui. ― Olhei a todos. ― Que
todos vocês estejam... ― Senti a falta de
uma pessoa. ― E Serena? Onde ela
está?
― Já deve estar chegando ―
respondeu Valentino.
Stefano se sentou ao meu lado e
apertou minha mão.
― Queria dizer que estou grata e
feliz por ter conseguido estar aqui hoje.
Ao ficar presa naquele lugar, pude sentir
um pouco do que Lorena e vocês
passaram. ― Olhei para Valentino. ― É
horrível não saber o que acontecerá,
estar à mercê de alguém. Rezei para que
eu pudesse me libertar para ver cada um
de vocês. No final, Deus me ouviu e me
trouxe de volta para minha família.
Levantei-me e abracei cada
parente meu, suspirando por estar em
seus braços, então me sentei de volta.
― Nós também estamos
contentes e imensamente gratos por você
estar de volta sã e salva, meu bem. ―
Vovó suspirou. ― Espero que nada
assim aconteça de novo.
― Não vai ― afiançou Stefano e
Fabrizio ao mesmo tempo. Depois meu
namorado disse: ― Ela vai ficar segura
em Milão.
― Acho que você está se
apressando demais ― apontou Santiago.
― Afinal nem se casaram ainda.
― Estou resolvendo isso ―
Stefano falou.
Pisquei, olhando para cada um
da minha família. Não sabia se
conseguiria deixá-los para ir a outro
lugar, bem como o meu trabalho, que eu
amava fazer, os meninos... Meu peito se
apertou, sem saber o que fazer.
― O que foi? ― inquiriu
Stefano.
― Nada. ― Coloquei uma
fachada em minha expressão, não
querendo que ninguém soubesse o que eu
estava pensando. Fiquei de pé. ―
Vamos almoçar ou não?
Meus irmãos me avaliavam,
assim como Stefano, provavelmente
tentando descobrir o que se passava
comigo, mas eu não ia falar sobre aquilo
por enquanto. Precisava pensar. Queria
estar ao lado de Stefano, mas não dar
adeus a tudo que me importava. Tinha
pensado que poderia ter todos ao mesmo
tempo.

A conversa à mesa se arrastou,
mas não ouvi nada. A minha mente
estava um turbilhão.
Após o almoço, fui para o jardim
e me sentei em um dos banquinhos,
vendo os meninos correrem pelo vasto
espaço.
― Belinda, o que está
acontecendo? ― Stefano se sentou ao
meu lado, pegando minha mão. ― Se
não quiser se casar...
― Não é por isso. Ei, não devia
pedir minha mão antes de anunciar que
vamos nos casar? ― Olhei para ele.
― Vou pedir a você depois,
estou organizando umas coisas para
tornar o pedido perfeito.
Meu coração derreteu.
― Não quero deixar nada disso
― sussurrei, enfim falando o que me
incomodava.
― O quê? ― Ele parecia
confuso. ― Está dizendo sua casa?
― Não a casa em si, mas a
convivência com meus irmãos, os
meninos. ― Olhei para eles, brincando
de bola não muito longe dali. ― O
orfanato, meu trabalho.
― Por que teria que deixar tudo
isso? ― Franziu a testa.
― Você disse Milão...
Entendimento cruzou suas
feições.
― Vem aqui. ― Abraçou-me de
lado. ― Vamos resolver isso, você não
vai perder nada, eu juro.
Não era só isso. Em Barcelona
vivi a minha vida toda, tinha muitas
memórias, ia sempre ao cemitério, e,
caso me mudasse para Milão, não
poderia vir à minha cidade natal
frequentemente.
Coloquei minha cabeça em seu
ombro bom, inspirando seu maravilhoso
cheiro, que me confortava.
― Obrigada. ― Beijei seus
lábios. ― Eu te amo.
Stefano aprofundou mais nossos
beijos. Depois de sua declaração no
hospital, ao confessar o que sentia, eu
não tinha ouvido as palavras de novo.
Embora eu soubesse o que ele sentia por
mim, era bom ouvir de vez em quando.
Deixei de pensar nisso e me
derreti em seus braços.
Após conversar com Belinda na
sua casa no dia do almoço em família,
havia algumas semanas, peguei-me a
pensar no seu medo de deixar tudo para
ir a um lugar desconhecido.
Ela amava trabalhar, o que podia
ser feito em Milão, mas tinha o orfanato
e as crianças, seus irmãos, suas visitas
ao túmulo de seu pai semanalmente. Eu
percebia a sua necessidade de se sentir
nem que fosse um pouco mais próxima a
Paulo.
Então só me restava uma opção,
por isso estava na mansão dos Castilhos,
para falar com o irmão dela após tomar
minha decisão.
Entrei no escritório de Fabrizio.
― Quando vai pedir a mão de
Belinda a ela? ― sondou assim que me
viu.
Eu já tinha pedido a ele e seus
irmãos, só por formalidade, afinal me
casaria com Belinda de qualquer jeito,
só se ela dissesse não, o que eu tinha
certeza de que não aconteceria.
Sentei-me em frente a ele.
― Tenho um problema quanto a
isso. ― Um que eu faria de tudo para
resolver.
― Se vai desistir dela...
Cortei-o:
― Jamais faria algo assim! ―
Suspirei. ― Após o casamento, teremos
que ir embora, mas acho que ela não
quer ir. Belinda ama demais o orfanato e
tudo aqui, em Barcelona.
― Notei isso naquele dia, no
almoço ― comentou. ― Estive
pensando, até falei com os anciões.
― Sim? ― incitei-o a continuar.
― Você tem duas opções. A
primeira, ficar aqui...
― Não posso deixar os negócios
da minha família. Meus irmãos precisam
de mim ― interrompi-o, preocupado.
― Foi o que pensei. ― Fabrizio
assentiu. ― Então resta a outra opção.
Você ter um negócio aqui.
Franzi a testa.
― Está falando para eu trabalhar
para você? Não sou um desertor, jamais
trairia minha família. ― Sair da máfia
não era fácil, e ainda pior era passar a
fazer parte de outra, isso era
considerado traição. Havia uma grande
diferença entre aliança e deserção.
― Não, honro a família e dou
valor a quem valoriza os laços. ― Tinha
respeito em seu tom de voz. ― O que eu
ia sugerir era dar metade de Barcelona a
você para que traga negócios de sua
organização para cá.
― Está dando para mim um
pedaço do seu território? ― Fiquei um
pouco chocado, mas no fundo entendia a
sua razão. Eu faria o mesmo pelas
minhas irmãs.
― Sim, estou pensando em
expandir meus negócios em Praga e
algumas partes da Alemanha, então
perder parte de um território não me fará
mal algum. ― Olhou-me. ― É por
Belinda. Pela família, sou capaz de tudo.
O que acha? Aceita?
― Tenho que falar com
Alessandro, mas acho que vai dar certo.
― Eu estava animado por ele ter
oferecido aquela solução para eu não ter
de levar Belinda para longe.
― Então converse com ele.
Qualquer coisa, marcamos uma reunião
para semana que vem.
― Sei que o que está fazendo é
por Belinda, mas lhe agradeço mesmo
assim. ― Levantei-me, ansioso para
informar a Belinda sobre a decisão de
seu irmão, algo que ela amaria.
Ele assentiu, bebendo um gole de
seu uísque.
― Conseguiu o anel?
― Irei à procura de um hoje,
com ela.
― Se não se incomodar com
minha interferência, tenho a joia certa
para isso. ― Ele pegou algo em uma
gaveta de sua mesa, e logo percebi ser
uma caixinha. ― Era da minha mãe. Ela
me pediu que eu o desse a quem das
meninas se casasse primeiro. Acho que
Belinda vai gostar.
― Obrigado. ― Abri a caixa.
Dentro dela tinha um anel com dois
diamantes corte princesa.
Após sair do escritório, antes de
ir para o quarto de Belinda, parei no
corredor do andar de cima para ligar
para Alessandro.
― Stefano. ― Ouvi gritos do
outro lado da linha.
― Pode conversar agora? ―
Alguém devia estar passando por maus
bocados.
― Sim ― respondeu, depois
ouvi uma porta se fechando, e enfim o
silêncio.
― O que está acontecendo? ―
sondei.
― Algumas pessoas que
achavam que podiam me enganar ―
rosnou. ― Nada sério. Foi resolvido. O
que foi? Stefano, se você desistiu de se
casar, aí, sim, vamos ter um problema,
pois...
Interrompi-o:
― Por que todos pensam isso?
Primeiro Fabrizio, e agora você?
Ele ficou em silêncio por um
momento.
― Então qual é o problema? ―
inquiriu.
― Belinda não quer morar aí,
ela tem tudo que ama aqui. ― Respirei
fundo.
― Então o que você fará? Não
vai se casar? ― perguntou parecendo
curioso.
― Claro que vou! ― declarei
com firmeza. ― Mas vou morar aqui
com ela.
― Não pode fazer isso! Preciso
de você aqui. Você fez um juramento de
lealdade a mim, o seu capo. Além disso,
somos uma família!
― Não vou desertar! ― grunhi.
― Não sou um traidor de merda!
― Eu sei que não é, mas
conheço agora o poder que o amor tem.
Ele nos faz capazes de desistir de tudo
― esclareceu.
― Desistiria do seu cargo de
capo por amor? ― No fundo, eu sabia a
resposta.
― Espero nunca ter que fazer
essa escolha ― finalmente disse. ―
Então o que você quis dizer?
Contei-lhe a minha conversa com
Fabrizio.
― O que acha? ― Estava
ansioso para que ele aceitasse.
― Bem, isso é bem generoso da
parte dele. ― Ficou calado por um
tempo.
― Quer falar o que está
pensando? Esse silêncio está me
deixando à flor da pele!
― Quando não esteve? ― Ouvi
um sorriso em sua voz. ― Acredito que
podemos negociar e fazer funcionar.
Soltei um suspiro de alívio.
― Também acho, foi isso que
Luca fez por Jade. ― Meu cunhado veio
para um dos nossos territórios em Milão
após darmos uma parte da cidade para
os Salvatores.
― Agora os Castilhos estão
fazendo o mesmo pela irmã deles.
Valorizo isso ― disse meu irmão. ―
Vou organizar tudo com Fabrizio.
Assim que desliguei, entrei no
quarto de Belinda, que estava
terminando de fazer uma mala. Íamos
passar o final de semana juntos. Eu
estava preparando uma surpresa para
ela.
― Aonde vamos? ― Ela pegou
a bolsa e a mala, mas as peguei de sua
mão.
― Surpresa.
Saímos da casa e entramos em
meu carro, depois partimos rumo ao
lugar que eu tinha conseguido. Já estava
tudo preparado. Ainda bem que não
precisei parar para comprar o anel.
Com a ajuda de Serena, descobri
algo que Belinda gostava de fazer junto
às irmãs, até que Lorena foi morta.
Depois disso, ela não fez mais, nem
sequer foi ao local. Eu só esperava que
isso não lhe trouxesse lembranças
dolorosas demais.
― Ah, por favor, me diz aonde
vamos! ― implorou no caminho.
― Não vai demorar muito ―
esquivei-me, saindo da cidade e
partindo na direção das montanhas.
Estava nervoso, tanto porque
temia sua reação ao lugar como por eu
ter decidido lhe revelar acerca do meu
passado. Não podia pedir sua mão
havendo segredos entre nós.
As minhas sessões com a sua
avó me ajudaram um pouco, eu só não
me abria muito, pois queria fazer isso
com Belinda primeiro antes de dar
aquele passo. Tinha me preparado a
noite toda, mas provavelmente nada
seria capaz de me preparar para uma
revelação assim. Pensar no que
aconteceu era uma coisa, mas falar
sobre o assunto era outra completamente
diferente.
― O que foi? ― sondou ela,
avaliando-me.
― Nada, só ansioso para
ficarmos sozinhos. ― Não queria
contar-lhe o que estava pensando, não
antes da hora.
Eu não sabia se ela tinha
acreditado, mas não disse nada, então
ficou tensa assim que passei por uma
curva, saindo da rodovia.
― O que estamos fazendo aqui?
― indagou quando parei em frente à
mansão de férias dos Castilhos, que
ficava em cima de uma montanha. A
neve caía ao redor em razão da estação
do ano e da altitude.
― Como você sabe, quero lhe
contar o que aconteceu comigo. Terei
que enfrentar o passado e achei que
você devia fazer o mesmo, mas, se não
quiser, podemos ir para outro lugar. ―
Olhei para ela e depois para fora da
janela. ― Embora esteja nevando muito
para andarmos por aí. Você decide.
Belinda ficou em silêncio,
encarando a casa, a mente cheia de
lembranças. Eu via isso em seu rosto.
― Quer saber? Vamos embora.
― Estendi a mão para ligar o carro de
volta, mas ela colocou a mão sobre a
minha.
― Não. Se vai enfrentar o seu
passado, vamos fazer isso juntos ―
anunciou com firmeza.
Assenti, e saímos do carro. Um
vento gelado banhava meu rosto.
― Vamos entrar antes que nossas
bundas congelem. ― Peguei sua mão e
nossa bagagem, pendurando uma
mochila em um ombro e segurando a
mala dela com a outra mão.
Corremos para dentro da
mansão, que era muito aconchegante.
― Onde fica seu quarto? ―
sondei ao pé da escada. ― Vou deixar
as coisas lá. Enquanto isso pode acender
a lareira para nos aquecermos?
Ela me disse onde ficava a suíte,
então subi e deixei a bagagem no
cômodo, depois desci à sua procura,
encontrando-a sentada no carpete de
camurça diante do fogo, que começava a
crepitar, ainda fraco. Tinha uma garrafa
de vinho no chão ao seu lado.
― Achei que íamos precisar
disso depois. ― Apontou para a bebida.
Aquiesci e me sentei ao seu
lado.
― Este lugar me traz muitas
recordações. Ali ― indicou uma mesa
― Lorena desenhava, enquanto Serena e
eu brincávamos. Eu vivia querendo
levá-la para brincar na neve, mas ela
quase não ia e, quando o fazia, era para
nos desenhar.
Peguei um caderno no chão,
cheio de desenhos.
― Ela era brilhante ― declarei,
colocando de lado o caderno e a
puxando para mais perto. ― Não trouxe
você aqui para chorar, senão vamos
embora.
Ela fungou no meu peito.
― Não estou chorando ―
contestou, fungando. Até naquele
momento difícil ela queria ser forte. ―
E não quero ir embora, vamos ficar. Não
são recordações tristes, são alegres. Só
sinto saudades dela.
― Eu sei que sente, querida. ―
Alisei seus ombros. ― Agora quer ouvir
o que aconteceu comigo?
― Se não estiver pronto, vou
entender ― sussurrou.
― Tenho que estar. Não quero
ter segredos entre nós quando nos
casarmos.
― Seja o que for, estarei ao seu
lado para sempre. ― Afastou-se e me
fitou.
― Obrigado. Fico contente em
ouvir isso. ― Respirei fundo. ― O que
ouviu naquele dia em que falei com sua
avó?
Eu sabia que ela tinha ouvido,
mas não mencionou nada. Acreditei que
queria me dar o tempo que eu precisava.
― Que tinha dois amigos, Lyn e
Jet, que foi morto, e que o monstro do
seu pai te deixou trancado em uma arena
igual àquela em que fiquei.
― Sim. Jet foi meu amigo até o
seu último dia de vida. Me salvou no
final. ― Contei tudo a ela, que pensei
que minha mãe tinha morrido, os dias no
cativeiro. Minha amizade com Lyn e Jet.
Nossas esperanças de sermos soltos. As
atrocidades que aconteciam naquele
lugar. Ela não tinha visto nem metade de
tudo que acontecia naquele tipo de local.
― Alguém abusou de você? ―
Sua voz falhou no final.
― Quase. ― Relatei o que
aconteceu naquele dia com Kanon, o que
ele quase conseguiu fazer comigo,
depois narrei o assassinato de Jet por
meu pai. ― No final, vendi minha alma
ao diabo só para ter uma chance de
matar Marco. Estava louco por pensar
que tinha perdido tudo, meus irmãos,
minha mãe, meus amigos. Não me
restava nenhuma luz naquela maldita
arena.
Ao pensar naquilo, meu coração
cortava fundo em meu peito.
― Matei muitos meninos só para
chegar ao meu pai e destruí-lo, e no final
nem pude matar o infeliz.
― Odeio seu pai ainda mais! ―
Belinda chorava ao final da narrativa,
com a cabeça em meu ombro.
Coloquei meu braço direito em
cima de seu ombro e alisei seus cabelos.
― Marco está queimando no
inferno agora ― falei, mesmo que no
fundo quisesse que ele tivesse primeiro
penado na Terra.
― Pode ser, mas deixou você
com esse abismo de dor e tormento com
que lidar. ― Limpou seus olhos. ― Um
pai não devia permitir esse tipo de
coisa.
― Eu sei. Deixei que ele me
controlasse, fiz o que ele desejava... ―
Encarei as chamas da lareira. ― Não
sinto arrependimento quando mato, gosto
de derramar sangue, ouvir os gritos dos
meus inimigos. Mas o que fiz com
aqueles meninos me consome por
dentro. Podiam ser assassinos sem
emoção, mas eram garotos forçados
àquele tipo de vida.
― Você também era, pensava
que tinha perdido tudo. A dor o
absorveu, e só fez aquilo que achava ser
o certo. Eu fiquei um dia presa lá e quis
matar todos aqueles vermes, imagina
você, preso por semanas ou meses com
os homens do seu pai mexendo com sua
cabeça, a crueldade que havia lá... ―
Ela sacudiu a cabeça com raiva. ―
Então não pense nisso, não foi sua culpa.
― Eu nunca tinha sentido uma
dor daquela magnitude, quando pensei
que tinha perdido tudo de bom que havia
em minha vida. Foi desesperador. ―
Respirei fundo. ― Em busca de
vingança, matei tantos... Seus rostos,
ainda os vejo.
Fechei meus olhos, vendo cada
um deles. No fundo, eu não queria
esquecê-los, pois precisava dessa dor;
era pouco comparado à vida que tirei
deles.
Belinda segurou meu rosto entre
suas mãos.
― Você era uma criança que foi
deixada em um inferno. Lutou lá dentro
para sobreviver. ― Beijou meus lábios
de leve. ― Sei que levará um tempo
para se curar, mas quero que saiba que
estarei sempre ao seu lado seja para o
que precisar.
― O que preciso é do seu amor.
Nada me fará mais feliz do que isso. ―
Fitei seus olhos lindos. ― Nunca pensei
que fosse amar alguém como amo você.
Esse sentimento me faz ter forças para
lutar contra tudo.
― Eu também te amo muito ―
declarou ela.
― Agradeço a quem quer que a
tenha enviado para mim. ― Estava
mesmo grato.
― Acredito que foi nossa irmã,
afinal, se ela não fosse de ambas as
nossas famílias, eu não teria conhecido
aquele garoto marrento e cheio de si. ―
Ela sorriu.
Na verdade, eu achava mais
provável que fosse o pai dela, mas não
queria tocar no assunto para evitar
entristecê-la.
― Vamos agradecer a ela
depois.
Deitei Belinda no carpete e
pairei em cima dela, beijando-a com
fome, com aquela paixão avassaladora
por aquela mulher, que me consumia.
Tirei suas roupas, deixando-a nua para o
meu deleite e prazer. A lareira nos
aquecia, bem como o calor dos nossos
corpos.
― Eu estava faminto por você
― declarei, colocando um dos seios em
minha boca e o sugando.
― Merda, como isso é bom! ―
Sua voz saiu falha.
Por causa de nossos
machucados, ficamos um tempo sem
transar, só fazendo oral. Eu estava louco
para possuí-la de todas as formas que
podia.
― Lembra de uma vez que eu
disse que a tomaria de todas as formas?
― Levei minha mão entre suas pernas,
ao mesmo tempo esfregando seu clitóris
e a penetrando com um dedo.
Ela arfou, arqueando-se contra a
minha mão.
― Sim, você disse que um dia
faria sexo anal comigo e me mostraria o
quanto podia ser prazeroso. ― Ela
ofegou, fechando os olhos.
Sorri, mordiscando seu seio e
acelerando mais os movimentos dos
dedos.
― Sim. Agora me diz, vai me
dar essa parte sua? ― Estava louco de
tesão, mas só faria aquilo se ela
quisesse. Não era todas as mulheres que
gostavam de anal.
― Eu sou sua, pode fazer o que
quiser comigo! ― afirmou apaixonada e
gritou quando a liberação a atingiu.
Não parei, deixei seus seios e
segui com uma trilha de beijos até seu
centro molhado. Inspirei o seu cheiro de
sexo e prazer.
― Estava faminto para comer
essa boceta saborosa. ― Abri suas
pernas, vendo-a tão exposta para mim,
tão perfeita. Coloquei minha boca sobre
ela, tomando seu nervo pulsante entre os
dentes, mas não para ferir, só para gerar
uma mistura explosiva de leve dor e
prazer.
Seus gemidos eram o som mais
maravilhoso do mundo, que passei a
amar. Cada intrusão da minha língua a
deixava mais louca, até que ela gozou de
novo, com um grito.
Afastei-me e tirei minha
camiseta, olhando para ela ali, toda
mole e quente.
― Acho que é minha vez. ― Ela
segurou o cós de minha calça, mas
segurei sua mão. ― O que foi?
Sorri de sua expressão,
colocando a mão no bolso e pegando a
caixinha.
― Quero fodê-la como minha
noiva. ― Entreguei-a a ela. ― Veja se
gosta.
Belinda deu uma risada.
― Nada de “aceita se casar
comigo” ou “prometo que a amarei para
sempre”?
Sorri.
― Posso me pôr sobre um dos
joelhos e pedir, mas sei que vai aceitar
de qualquer maneira. ― Ajoelhei-me
entre seus quadris. ― Quer que eu faça?
― Não ligo para isso, contanto
que seja meu, e eu seja sua. ― Ela abriu
a caixa e arfou.
― Era de sua mãe. Fabrizio me
deu para o entregar a você ― falei,
pegando o anel de sua mão e o
colocando em seu dedo. ― Gostou
dele?
― É lindo. Ele trouxe felicidade
aos meus pais pelo tempo que tiveram
juntos, acredito que trará a nós dois
também. ― Ela sorriu. ― Agora sou sua
noiva. Vai me foder ou ficar parado aí,
me olhando?
Aquela mulher era perfeita para
mim! Mesmo eu não a merecendo, eu a
tinha ali, em meus braços.
― Ah, vou aproveitar cada
segundo desse delicioso corpinho. ―
Tirei minhas calças e sapatos, então me
posicionei entre suas pernas e a
penetrei, enchendo-me de completo
êxtase.
― Achei que quisesse minha
bunda... ― ela falou, logo jogando a
cabeça para trás assim que bati fundo
nela.
― A noite é uma criança.
Podemos fazer mais tarde, ou amanhã,
ou depois. ― A cada palavra, eu a
penetrava mais fundo, até sentir minhas
bolas batendo em sua bunda.
Seus gritos de prazer tomavam
todo o lugar.
― Nesse momento, só quero
comer essa boceta perfeita. ― Tomei um
dos seus seios em minha boca enquanto
a estocava. ― Isso, geme mais, grita,
pois adoro quando faz isso!
A cada estocada, eu sentia que
estava cada vez mais perto da borda,
mas não ia gozar sem que ela o fizesse
antes. Coloquei a mão entre nós e toquei
seu clitóris, fazendo-a se desmanchar de
prazer contra o meu corpo.
― Goza, querida! ― Beijei-a
enquanto ela gritava em êxtase e
alcancei o clímax logo depois dela,
saboreando cada momento.
Fiquei em seu interior até que
ela parasse de tremer em seu orgasmo e
a puxei para os meus braços.
― Agora, sim, é oficialmente
minha noiva. Selamos a promessa com
sexo ― declarei, beijando o anel em seu
dedo.
Belinda riu.
― Selada com sexo, hein? Gosto
do som disso. ― Colocou o queixo em
meu peito e me olhou de modo sério. ―
Sobre onde morar...
― Vamos morar em Barcelona.
― Toquei seu rosto. ― Não vou tirar
você daqui.
― Mas sua vida está em Milão...
― Minha vida está onde você
estiver! ― asseverei com ferocidade.
― Seu irmão aceitou isso? ―
Ela parecia aliviada.
― Sim, vamos abrir um negócio
aqui. Fabrizio nos deu um pedaço do seu
território, então tomarei conta dos
negócios da minha família aqui. ―
Beijei sua testa. ― Não precisará deixar
nada, nem os meninos.
Ela sorriu.
― Eu te amo demais! ―
Abraçou-me, colocando o rosto em meu
pescoço, o que me deixou tenso.
Afastou-se. ― Desculpe.
Minha respiração estava
irregular. Todavia, não ia deixar aquela
merda me foder nunca mais.
― Tudo bem. Eu estava
pensando... Em uma das sessões que fiz
com sua avó, cheguei à conclusão de que
devo deixar que você me toque aí. Não
sei se vai ajudar, mas podemos tentar
cada dia um pouco, até que eu me cure
desse trauma. ― Esquadrinhei seu rosto.
― Quero que a gente seja um casal
normal.
― Somos normais, ou o quanto
podemos ser na máfia, mas podemos
tentar, assim como estamos fazendo ao
dormir juntos. A cada dia, uma
descoberta, um avanço. ― Ela parecia
tão esperançosa.
― Não fiz nada bom para
merecer você, mas lhe agradeço por me
amar. ― Beijei sua cabeça.
― Também lhe agradeço por
você me amar dessa forma, por ter se
arriscado por mim, o que foi uma tolice,
devo mencionar. Graças a isso, estou
viva e me tornei sua noiva, a mulher
mais feliz e realizada de todas.
― Não foi tolice. Se algo
acontecesse com você, para mim não
teria nenhum sentido viver e respirar
nesse mundo. Essa luz que vejo agora,
só a tenho com você ao meu lado. ―
Jamais deixaria que aquela luz se
apagasse.
Belinda era a minha rocha,
aquela que me fortalecia, que fazia meu
coração negro se aquecer como o sol,
deixando-me feliz e radiante.
Tinha chegado o grande dia, e,
olhando para trás, eu via o quanto a
minha relação com Stefano havia
melhorado. Durante aqueles meses ao
seu lado, eu o vinha ajudando a lidar
com os seus traumas. Sabia que levaria
tempo. O bom era que finalmente
estávamos dormindo juntos na mesma
cama. Tive que explicar aos meus
irmãos o motivo, ou Stefano ficaria sem
o pescoço. Mesmo eu não sendo mais
virgem, meus irmãos não eram liberais a
esse ponto.
No começo, às vezes, ele
acordava gritando e pulando da cama,
mas enfim estava evoluindo. Eu
acreditava em Deus que um dia ele
conseguiria superar aquilo, embora
jamais pudesse esquecer. Vovó, assim
como eu, estava ajudando-o.
O toque em seu corpo era outra
situação com a qual ele ainda não
conseguia lidar bem, principalmente em
algumas áreas, mas o praticávamos
todos os dias, mesmo sabendo que lhe
trazia lembranças ruins. No começo, foi
difícil vê-lo sofrer, mas ele pedia que eu
continuasse, então eu o fazia. Para fazê-
lo esquecer o sofrimento nessa hora, eu
o beijava suavemente e dizia palavras
tranquilizadoras, o quanto eu o amava e
que, sem ele, não seria feliz.
Como vovó dizia, tudo tinha de
caminhar ao passo de um bebê, e eu
tinha fé que Stefano ficaria bom.
― Belinda, está quase na hora
― Fabrizio me chamou, trazendo-me
dos meus pensamentos.
Eu estava no corredor, indo ao
encontro do meu noivo, em breve
marido. Era para meu pai me levar até o
altar, mas ele não estava mais entre nós,
o que cortava fundo meu peito.
― Se não quer se casar...
Interrompi-o, arregalando os
olhos por ele achar que eu desistiria de
Stefano, algo que jamais iria acontecer.
― Não é isso. Stefano é tudo
que eu quero, eu o amo. ― Esclareci: ―
Só estava pensando em papai. Era ele
que devia me entregar ao meu noivo e
dar sua benção...
― Eu sei o quanto sua ausência
é difícil para todos. ― Pegou um celular
no bolso do paletó. ― Tenho um recado
dele para você.
― Ele me deixou um vídeo? ―
Meu coração acelerou.
― Sim. Disse para eu lhe dar no
seu casamento. Enfim chegou a hora.
Assenti, pegando o telefone, em
cuja tela já estava o vídeo que meu
irmão tinha mencionado. Dei o play. O
rosto do meu pai apareceu. Tanto que eu
sentia falta dele! Sua pele estava pálida,
ele se encontrava debilitado demais e
respirava de modo irregular. Acreditei
que foi gravado no dia em que ele
partiu, pois estava com a mesma roupa.
“Minha princesa linda, se está
vendo esse vídeo, é porque resolveu se
casar com Stefano. Ele é um menino
que precisa muito de você para ajudá-
lo a lidar com tudo que aconteceu. É o
tipo de genro que eu sempre desejei
para você e sua irmã”. Sua respiração
pesada não impediu que ele falasse.
O peso que eu sentia antes foi
tirado de meus ombros quando recebi a
sua benção.
“Não fui honesto com vocês
dois, mas era preciso para ficarem
juntos. Os dois são teimosos demais
para se dar uma chance. Pude ver a
forma que um olhava para o outro,
mesmo assim não dariam o braço a
torcer. Tenazes demais.” Ele deu uma
risada fraca que o fez tossir. “Acredito
que vão lutar contra o que sentem, mas
confio que o amor prevalecerá.”
Eu queria pedir que ele parasse
de falar, pois estava piorando seu
estado, mas não era possível.
“Se acontecer de você e Stefano
ficarem juntos, desejo que sejam
felizes. Ele fará isso.”
Limpei minhas lágrimas, que
desciam pelo meu rosto. Por sorte a
maquiagem era à prova d’agua.
“Quando li a carta que Kélia
deixou para ele, tive certeza de que, se
Stefano a amasse, iria ao inferno só
para fazê-la feliz. Esse é o tipo de
marido que quero para minhas filhas.”
Ele estava cada vez mais fraco,
esforçando-se tanto para falar aquelas
palavras.
“Não fique tão triste com minha
partida, só viva e seja feliz ao lado das
pessoas que ama. Como presente de
casamento, vou dar metade do meu
território em Barcelona para os
Morellis, porque a conheço, minha
filha. Você não irá embora para
qualquer outro lugar; se fosse, seria
para fazer Stefano feliz, mas no final
você não seria.”. Ele tentou respirar
fundo. “Desde criança, foi a mais
apegada a mim e ao nosso mundo,
enquanto Serena e Lorena viajavam
pelo planeta, antes de tudo acontecer.
Você era a única que preferia um
ringue a viagens e passeios, preferia
estar envolvida nos negócios da família
a qualquer outra coisa, ainda que
tivesse sua profissão à parte, por isso a
conheço, sei que não seria feliz longe
de casa.”
― Oh, papai! ― Chorei ainda
mais.
“Adeus, minha princesinha
linda do pai. Te desejo toda a
felicidade do mundo, você merece. Te
amo e sempre te amarei.”
O vídeo terminou.
― Oh, Deus! ― exclamei alto.
― Foi ideia dele dar o território, então?
― Sim, foi o papai a decidir
fazer isso ― Fabrizio afirmou com a
voz rouca. Ele estava tão emocionado
como eu.
― Mas e se eu não estivesse
com Stefano? ― sussurrei.
― Então não iria assistir a esse
vídeo, mas no fundo ele acreditava que
vocês dois ficariam juntos. Eu também,
até mesmo quando Stefano foi embora.
― Limpou meu rosto molhado. ― Papai
tem razão, Stefano faria e fez tudo por
você indo àquele lugar, arriscando ser
morto só para salvá-la.
― Não quero que ele faça nada
parecido de novo. ― Respirei fundo.
― Eu faria o mesmo por nossa
família. ― Ele sorriu. ― E você
também, mas não é hora de falarmos
disso, agora só seja feliz neste grande
dia e com a benção de nosso pai.
― Eu sou feliz. ― Entreguei o
telefone a ele. ― Me envie o vídeo
depois.
Assentiu.
― Vamos, ou Stefano vai vir
buscá-la. Aquele cara é impaciente. ―
Terminou de limpar meu rosto.
Seguimos e paramos em frente à
porta da igreja. Eu estava mais aliviada
com as palavras do meu pai. Ele podia
não estar ali fisicamente presente, mas
estava comigo em meu coração e aonde
quer que eu fosse.
Peguei o braço do meu irmão
mais velho e respirei fundo quando a
Marcha Nupcial tocou. As portas se
abriram, dando a deixa para entrarmos.
Como os meus costumes e os de Stefano
eram diferentes, pegamos um pouco de
cada. Na Espanha, não era necessário
dama de honra, mas na Itália, sim, então
permitimos. Tantos os matrimônios
italianos como os espanhóis
costumavam ter a troca de alianças,
embora no mundo da máfia espanhola
não fosse preciso, pois os firmávamos
com sangue, então decidi manter os dois.
Isso deixou Stefano louco, mas no final
aceitou após eu insistir que não tinha
problemas com isso.
No corredor entre as fileiras de
bancos, tinha uma guirlanda de flores
dos dois lados, e pétalas de rosas
vermelhas no tapete. Graziela, Tália e
Paco estavam ali, as duas na frente de
mãos dadas, Graziela com um buquê de
flores, e Tália com as alianças. Paco
estava logo atrás delas, segurando uma
corrente, que era o símbolo do elo de
nossa organização.
Quando convidei Paco para esse
papel, ele ficou muito feliz, embora eu
não achasse que ele entendesse o
significado, mas o menino gostava de
ser incluso nas nossas famílias. Os três
meninos Laions faziam parte da minha
família e da de Stefano.
De um lado, estavam convidados
importantes do círculo social da máfia
Pacheco, e do outro, do círculo da máfia
Destruttore. As primeiras filas de
bancos tanto de um lado quanto do outro
foram destinadas às nossas famílias.
Lyn e El Diablo se encontravam
ali também, mas, quando meus olhos
pousaram em Stefano, todos as pessoas
presentes desapareceram, restando só
aquele homem perfeito no altar, com
roupas escuras, tão elegante e sexy.
Meu coração se aqueceu quando,
sorrindo, ele me olhou. Em seu rosto vi
todo o amor que sentia por mim.
Meu pai estava certo, Stefano
faria qualquer coisa por mim, assim
como eu faria por ele.
Obrigada, papai, por me dar
essa oportunidade. Stefano é tudo que
sempre desejei como marido, o homem
que amo, pensei enquanto seguia em
direção a ele, esperando-me com toda
sua glória e perfeição.

Stefano
Eu estava ansioso esperando
Belinda no altar. Andava de um lado a
outro.
― Devia relaxar, ela não vai
fugir do casamento ― comentou
Valentino.
Fulminei-o, cerrando meus
punhos.
― Socá-lo só vai estragar a
cerimônia ― disse Alessandro ao meu
lado.
Ele tinha razão, bem como
Valentino. Belinda não ia fugir e me
deixar. E, mesmo se o fizesse, eu iria
encontrá-la nem que fosse no fim do
mundo.
― Sabe como funcionam os
votos, né? ― Valentino me olhou. ― Se
declara o menos possível. Não
queremos que alguém a use para chegar
a você, igual já aconteceu antes. Ávila
vai ministrar a união entre vocês dois.
Eu nem estava pensando em
declarar amor a ela ali, não conseguiria
fazer isso na frente de todos. Belinda era
a única pessoa para quem eu conseguia
falar de meus sentimentos.
Olhei para um senhor de cabelos
brancos como a neve ladeado por mais
dois. Eles eram os anciões da
organização Pacheco.
De repente, o Hino Nupcial
começou a tocar, e olhei para a frente da
igreja enquanto todos tomavam seus
lugares.
Primeiro entraram as crianças, e
minha princesinha Graziela estava linda
demais. Então Belinda adentrou no
templo, com aquele vestido branco todo
rendado que delineava suas curvas como
uma luva. Ela não usava véu, mas uma
mantilha de renda. Estava deslumbrante,
tanto que roubou meu ar.
Como eu podia ter tanta sorte
por ter aquela perfeição de mulher? Não
falava só de sua beleza, que fazia a
igreja resplandecer, mas também de sua
bondade e gentileza. Mesmo com seu
jeito de durona, eu podia ver através de
sua fachada.
Notei seus olhos vermelhos,
como se ela tivesse chorado. Isso me fez
lembrar-me do comentário do irmão
dela. O que teria acontecido?
Fabrizio me entregou sua mão,
mas, antes, alertou-me:
― Cuide dela com a sua vida se
for preciso. ― Era um pedido, mas em
seu tom havia uma ameaça.
Eu poderia retrucar que não
obedecia às suas ordens, mas o entendia.
Fiz a mesma coisa com os meus
cunhados.
― Sempre ― afirmei.
Ele assentiu e se afastou, e me
aproximei de Belinda.
― O que foi? ― sondei baixo só
para ela ouvir.
― Recebi a benção do meu pai.
― Sorriu feliz, então esclareceu após
perceber minha confusão: ― Ele deixou
um vídeo para esse dia desejando que
fôssemos felizes.
― Seremos ― proclamei.
Ávila chamou nossa atenção
para começar a ministrar a cerimônia.
Nós nos viramos para ele.
― Vamos forçar essa aliança
entre Belinda Castilho e Stefano
Morelli.
Chamou Paco. O menino deu a
corrente a ele.
― A partir de agora, como essa
corrente, será a união de vocês dois. ―
Colocou a corrente sobre mim e
Belinda. ― Forte e firme como aço.
Não haverá nada que a quebre. ― Ele
pegou uma agulha. ― Me deem suas
mãos.
Na hora em que eu soube que
isso aconteceria, fiquei furioso, pois não
queria que nada machucasse Belinda.
Porém ela me tranquilizou dizendo que
era um pequeno furo, como fazer um
exame de diabetes, então permiti. Por
isso, agora, mesmo não gostando do ato,
não interrompi o que o ancião fazia.
― Com sangue é selada essa
união. ― Perfurou nossos dedos, e
unimos as feridas, compartilhando nosso
sangue. ― Nada nem ninguém romperá
esse casamento, só a morte. Agora
repitam comigo.
Fitei os olhos dela assim que ele
pronunciou as palavras.
― Com sangue derramado,
selamos essa união, e só com ele
entornado, será cancelada. ― Eu não
gostava desses votos, jamais mataria
minha esposa só para ficar livre ou
permitiria que ela me matasse. ―
Prometo ser um marido que será leal e te
dará uma vida plena e realizada.
Nada naqueles votos envolvia
amor, mas eu não precisava dizer a
todos o que sentia por Belinda. Ela
saber já bastava.
Belinda disse seus votos, iguais
aos meus, depois trocamos as alianças.
― Eu vos declaro marido e
mulher ― finalmente anunciou Ávila. ―
Pode beijar a noiva.
Finalmente ela é minha!, pensei,
pegando seu rosto e beijando seus
lábios. Quis aprofundar mais o carinho,
mas o lugar se dissolveu em aplausos.
Foi preciso muito esforço para eu me
afastar dela. Entretanto, era preciso dar
atenção a todos.
― Parabéns ― disse Lyn, dando
um tapinha no meu ombro e pegando a
mão de Belinda.
― Obrigada ― agradeceu ela, e
assim eu também o fiz.
Após receber as felicitações de
todos, fomos para o salão onde
aconteceria a festa. Na pista de dança,
dancei com minhas irmãs, Mia e Serena,
enquanto Belinda dançava com seus
irmãos e os meus.
― Minha irmã está feliz, nunca a
vi dessa forma ― afirmou Serena. ―
Vocês ficam bem juntos.
― Obrigado, cunhada. ― Dei
um sorriso provocador. ― Sou
charmoso demais. Só assim para eu
conseguir conquistá-la.
Ela jogou a cabeça para trás e
riu.
― Minha irmã tem bom gosto.
― Recompôs-se um pouco. ― E você
também tem. Belinda é uma força da
natureza.
Antes que eu pudesse comentar
algo mais, Razor parou ao nosso lado.
― Me deixa ter o prazer dessa
dança? ― Tinha aço em seu olhar ao me
fuzilar, mas seus olhos ficaram
calorosos quando ele fitou Serena.
Ela parecia nervosa, mas
assentiu. Eu sabia que eles tinham um
lance, só não tinha ideia de quando
ficariam juntos, pois Razor relutava
contra o que estava sentindo.
― Eu vou procurar minha
esposa. ― Saí, deixando os dois,
embora devesse tê-lo alertado que era
impossível lutar, era uma batalha
perdida. Contudo, Razor descobriria
isso por si mesmo.
Cheguei aonde Belinda tinha
acabado de dançar com Santiago.
― Posso ter minha esposa? ―
Puxei-a para mim antes mesmo que
alguém dissesse algo.
― Sou toda sua ― declarou nos
meus lábios, sorrindo.
― Vamos embora? ― Estava
ansioso para ficar sozinho com ela e
para ler a carta da minha mãe.
Iríamos ficar na mansão dos
Castilhos. A festa prosseguiria até tarde.
Belinda jogou o buquê direto nas
mãos de Serena, que sorriu
envergonhada.
Após nos despedirmos de nossos
amigos e familiares, partimos. Entramos
no quarto, e a peguei nos braços,
levando-a para a cama. Eu a queria
demais, mas estava muito ansioso para
ler minha carta.
― O que está acontecendo? ―
Ela se levantou, olhando-me. ― Sinto
que está inquieto.
Peguei a carta da minha mãe.
― Sabe quanto tempo esperei
por isso? ― Tirei a missiva do
envelope. ― Não achei que um dia
saberia o que minha mãe escreveu para
mim.
Ela sorriu.
― Porque pensava que nunca se
casaria? ― Pegou minha mão e se
sentou ao meu lado.
Ri.
― Sim, mas aqui estou eu,
casado e muito feliz. ― Suspirei e abri
a carta com meu coração acelerado.
― Estou aqui para você ―
avisou.
Eu sabia que ela estava e lhe
agradecia por isso. Passei a ler as
últimas palavras de minha mãe.

“Oi, meu amor,

Se estiver lendo essa carta, é


porque não estou mais entre vocês, e
lamento tanto que eu não possa estar aí
nesse dia tão especial e conhecer
minha nora.
Você sempre foi meu menino
valente, capaz de fazer tudo pelos seus
irmãos e aqueles que precisam. Quando
foi levado para aquele lugar e ficou
preso, eu queria ter feito mais, mas não
pude. Senti-me uma mãe horrível.
Ao ver a forma como você ficou
e o que acontecia lá, as atrocidades,
isso acabou comigo. Até cheguei a
implorar para Marco no intuito de
salvá-lo. No entanto, não deu em nada,
não até mais tarde. Por vocês, faço
qualquer coisa, iria ao inferno se fosse
preciso.
Lamento por ter chegado tarde
demais e não a tempo de impedir o que
você sofreu, a dor, a perda dos seus
amigos, o desespero que deve ter
sentido lá, o que precisou fazer para se
manter vivo.
Só espero que essa pessoa que
escolheu para se casar o ajude a lidar
com essa dor e a nunca pensar em tirar
sua vida de novo. Creio em Deus que o
amor de seus irmãos o manteve forte e
que sua esposa lhe dará força e muito
amor, porque você merece tudo isso,
meu menino.
Uma vez eu lhe disse que você
era minha estrela brilhante, mas não é
só isso que é para mim. Tanto você
quanto seus irmãos são o sol, a lua, o
universo inteiro.
Eu te amo e vou te amar para
sempre.
Fique com Deus. Que Ele o
traga de volta à luz, tirando-o dessa
escuridão em que você costuma viver –
ou costumava, espero.
Seja muito feliz, meu menino
precioso.
Com amor de sua mãe, que te
ama demais.

Fechei os olhos após ler aquelas


palavras. Eu as guardaria para sempre
comigo.
― Ela te amava muito. ―
Belinda limpou os olhos molhados.
― Sim. Eu também a amava
demais. ― O meu coração se apertou de
saudade dela. Não importava quanto
tempo passasse, aquela dor ainda era
viva em meu peito.
― Eu teria adorado conhecê-la.
Aposto que nos daríamos bem.
― Minha mãe teria adorado
conhecer você também. ― Sorri. ― Ela
tinha isso, sabe? O dom de deixar
qualquer pessoa ao seu lado feliz.
― Acho que você puxou isso
dela, então. ― Apertou minha mão.
― Obrigado por estar comigo,
por me amar e por me fazer feliz.
― Acho que devo lhe agradecer
também, não é? ― Beijou meu rosto,
mas o virei e capturei seus lábios.
― Não é necessário. Agora me
deixe tirar esse vestido. ― Ajudei-a a
tirar sua roupa e depois a minha, e logo
estava tomando posse do seu delicioso
corpo.
A forma como suas paredes
prendiam meu pau era de outro mundo.
Sempre achei que, se eu ficasse com
uma mulher mais tempo, enjoaria, mas
enfim percebia que isso não era
verdade. A cada vez que possuía o
corpo de Belinda, queria mais e mais.
Nunca era o suficiente. Seu toque e
cheiro eram meu vício, um que eu amava
ter e do qual não queria me livrar.
― Quero que goze para mim ―
pedi, beijando-a com paixão
avassaladora.
― Eu te amo! ― declarou ela
com os olhos quentes e um gemido.
― Eu também te amo ― afirmei,
estocando cada vez mais rápido dentro
dela.
Coloquei meus dedos entre nós,
fazendo-a gozar, e vim logo atrás dela.
Como era nossa noite de núpcias, aquela
noite ali era só nossa. No dia seguinte
iríamos viajar em lua de mel para uma
praia, onde ficaríamos por um tempo.
Minutos depois, Belinda estava
deitada em meu peito, ainda respirando
de modo irregular após nossa foda.
― Às vezes acho que estou
sonhando e que logo vou acordar e
descobrir que você não é real ―
sussurrei mais comigo mesmo. ― Você é
mais do que mereço.
― Sua mãe tem razão, você
merece tudo, Stefano. Não importa o que
fez, e sim o que faz. Sei que se importa
com os outros, não só com sua família,
mas com todos aqueles meninos que
foram presos. Gente que é ruim não
ligaria para algo assim. ― Tocou meu
rosto. ― Foi isso que me fez me
apaixonar por você, sua proteção voraz
com sua família e com outras pessoas
fora dela.
― Você também possui essa
mesma voracidade ― falei sorrindo. ―
Não acredito em destino, mas, se
acreditasse, pensaria que fomos feitos
um para outro e que nossas vidas
estavam interligadas.
― Por obra do destino ou não,
estaremos juntos para sempre ―
declarou intensamente.
― Sim, estaremos ― concordei,
beijando-a para selar esse juramento,
que eu faria de tudo para cumprir até
meu último dia na Terra.
Eu custava a acreditar que vinha
vivendo todos aqueles anos feliz e
realizada ao lado da minha família.
Eu e Stefano aproveitamos a
amizade e aliança da máfia Pacheco com
o novo juiz e adotamos provisoriamente
os irmãos Laions como nossos meninos.
Concordamos que estariam mais felizes
conosco. No passado, fizemos um
acordo com Yago e Neto, que tinham 15
e 12 anos na época, respectivamente, e
atualmente estavam com 22 e 19 anos.
Combinamos de eles cursarem a
faculdade e, após isso, resolverem o que
queriam fazer de suas vidas. Pretendiam
arrumar um emprego, mudar-se e levar
Paco consigo. Embora agora eu não
sabia se conseguiria ficar longe deles,
pois os amava como filhos. Entretanto,
respeitaria a decisão dos irmãos, mesmo
que cortasse meu coração.
Yago estava acabando de fazer a
faculdade. Ele se formaria em
administração, mas, com o passar dos
anos, notei que o que ele amava mesmo
era lutar.
Olhei para ele no novo ringue do
clube de luta dos Pachecos, reconstruído
após a explosão no passado. Naquela
noite eu estava disfarçada de
Mascarado, mas não ia lutar.
Stefano não sabia que eu estava
disfarçada. Tinha prometido a ele não
lutar mais. Ia a algumas lutas alguns
anos antes disfarçada como Mascarado,
mas, quando voltava roxa para casa, ele
enfrentava Santiago e as pessoas com
quem eu havia lutado. Como eu não
queria suas mortes, deixei aquilo de
lado por enquanto.
Precisava saber o que faria Yago
realmente feliz, como ele se sentia ao
lutar de verdade com alguém. Ele tinha
crescido muito, estava encorpado e
muito bonito, e eu o amava.
Stefano e Yago estavam lutando
não para espectadores, só para a
família. Parecia que tanto meu marido
quanto Fabrizio o queriam lutando para
eles. Eu só não sabia quem meu menino
escolheria.
Ele amava lutar, mas não queria
ser reconhecido como alguém do
submundo por nenhuma pessoa da
faculdade onde estudava. Não era por
ter vergonha de nós, afinal sabia quem
éramos. Tínhamos revelado a verdade a
ele sobre a máfia e nossas famílias e
organizações havia alguns anos, e Yago
aceitou bem, até disse que suspeitava,
mas que éramos gente boa, por isso não
se importava. Acordamos que nem ele
nem seus irmãos sairiam muito nas
mídias sociais, assim ninguém iria atrás
dele para nos atingir, então sua vida
como aluno de faculdade deveria ficar
fora do submundo.
Yago deu um soco em Stefano,
que se esquivou, mas não do segundo
soco, indo parar no chão.
― Está ficando velho, Stefano.
― Subi no ringue, fazendo todos me
olharem.
Ele se pôs de pé em um segundo,
fuzilando-me.
― Não vai lutar com essa
porcaria de roupa ― rosnou. ― Toda
vez que entra em um ringue assim me dá
vontade de matar o seu oponente.
Tirei a máscara e o fitei.
― Vai me dizer que não faz
isso? ― Sabia a resposta. O homem
ainda era uma explosão. ― Meu irmão
teve uma clavícula deslocada porque
deu um soco nele.
Deu de ombros.
― Santiago merecia por deixá-la
lutar no clube de luta ― grunhiu.
Meu irmão ficou quieto,
concordando com Stefano. No entanto,
fui eu que pedi.
― Certo, não vamos discutir
isso de novo. ― Suspirei e me virei
para Yago. ― Acho que tenho a solução
para o seu problema.
― Que problema? ― sondou
Yago.
― Você teme ser reconhecido
nos ringues, e não queremos que seja
também, para a segurança de todos.
Então por que não luta com esse
disfarce? Não acho que eu precise mais
dessas roupas. ― Aproximei-me dele.
― Não achei que você fosse
uma mulher que obedece a um homem.
― Santiago me provocou com um
sorriso.
Fechei a cara para ele.
― Não é isso, tenho uma razão
mais importante. ― Eu não pararia de
lutar por exigência de Stefano. Na
verdade, ele não havia me obrigado a
parar, apenas ia atrás de quem tinha me
machucado de alguma maneira e
acabava com o cara. Voltei-me para
Yago novamente. ― Acho que, se você
lutar com essa roupa, ficaria incógnito,
ao menos até terminar a faculdade. O
que acha?
― Você vai desistir de lutar por
mim? ― indagou ele, rouco de emoção.
― Não é grande coisa, não é
como se eu quisesse que meus
adversários sempre aparecessem em
hospitais ou coisa pior. ― Fechei a cara
para Stefano, que deu de ombros.
― Todos mereceram. A quem
ousar machucá-la, farei o triplo ― falou
decidido.
Eu tinha outro motivo para não
querer me arriscar mais, havia
descoberto naquele dia. Estava muito
feliz com a notícia da gravidez, mas não
diria a eles ainda. Preparara um jantar
para revelar a todos.
― Ele não está errado. Vi alguns
dos seus hematomas ― disse Yago.
Olhei para ele e para os seus
irmãos, não muito longe dali.
― Não pareço ter escolha, não
é? ― Fingi que era esse o motivo de eu
parar. ― Então vai querer usar esse
disfarce, de Mascarado?
Yago olhou de mim para seus
irmãos.
― Eu não sei. Tenho que focar
na faculdade e arrumar um emprego
depois para cuidar dos meus irmãos,
levá-los para morar comigo.
Esse tinha sido o nosso trato
havia tantos anos.
― Vamos deixar Bella? ― Paco
veio até mim e pegou minha mão. Eles
ainda me chamavam assim, mesmo
sabendo que meu nome real era Belinda
e quem na verdade eu era, pois o
apelido pegou. ― Não quero deixá-la,
mas também não quero perder meus
irmãos.
Meu coração se derreteu com
sua declaração.
― Me digam uma coisa, vocês
querem mesmo se mudar após a
faculdade? ― perguntei a Neto e a
Yago. ― Ou só querem ir porque acham
que vai ser melhor para nós, que
queremos nos livrar de vocês?
Yago suspirou.
― Foi esse o nosso acordo...
― Esqueçam o acordo. Quero
saber o que realmente querem. ―
Interrompeu Stefano. ― Porque Belinda
e eu não queremos que vão embora. Na
verdade, queríamos adotar vocês três
definitivamente, registrá-los como
nossos filhos oficialmente, mudar seus
sobrenomes para Castilho & Morelli.
― Sim, já sinto que sou mãe de
vocês há muitos anos. Agora só quero
que se torne oficial, mas só se vocês
quiserem. ― Meu coração estava
batendo forte. ― Não precisam me
chamar de mãe se não quiserem, só não
quero que vão embora.
Minha garganta se fechou.
― Nós vamos ficar, não é? ―
Paco olhava para os irmãos. ― Eu não
quero ir embora, amo Bella.
― Também a amamos ― disse
Neto após assentir para o seu irmão.
Veio até mim e beijou meu rosto. O
garoto estava maior do que eu.
― Se querem que fiquemos,
então vamos ficar ― respondeu Yago,
limpando meus olhos molhados. ― Não
chore, não vamos a lugar algum. Aceito
seu disfarce por enquanto.
Abracei-o apertado e puxei os
outros comigo para um abraço conjunto.
― Amo vocês demais! ―
declarei, beijando o rosto de cada um
deles.
― Também a amamos ―
revelou Paco.
― Estamos felizes que vocês
estejam em nossa família e que queiram
continuar nela. ― Stefano pegou minha
mão.
― Vocês nos mantiveram juntos,
não quiseram nos separar ― lembrou
Paco.
Antes de resolvermos adotá-los
provisoriamente, um casal quis Paco,
mas não os outros dois. Foi nesse
momento que tomei a iniciativa de eu
mesma os tomar como meus filhos, e
Stefano me apoiou, o que me deixou
muito feliz. Assim como eu, ele não
achava justo separar os irmãos.
“Parentes têm que ficar juntos”, foi sua
resposta na época quando lhe disse a
minha resolução.
― Ter vocês comigo foi a
melhor escolha que já fiz ― afirmei com
convicção.
― Me deixa treinar com o
garoto agora ― disse Santiago, pulando
no ringue.
Saímos de lá e ficamos na
arquibancada enquanto Yago e Santiago
lutavam.
No começo, preocupei-me que
assistir àquelas lutas fizesse mal ao
Paco, pois ele precisou de muitas
sessões de terapia, que ainda fazia, em
razão do que presenciou quando era tão
jovem. Claro que aquilo era só um
treino, não o deixávamos assistir a lutas
reais, embora eu achasse que estávamos
lutando contra isso, pois ele me disse
uma vez que se tornaria um lutador, ou
seja, seguiria os passos do irmão. Bem,
eu não me importava com o que eles se
tornariam, só desejava que fossem
felizes nas carreiras que escolhessem.
Stefano apertou minha mão.
― Que tal, enquanto eles
treinam, irmos dar uma volta? ―
sondou.
Pelo seu tom, queria tirar os
meninos dali para a luta se tornar mais
agressiva. Tanto Stefano como Santiago
estavam pegando leve com Yago em
razão de Paco.
― Posso ficar? Quero ver alguns
golpes e treinar também ― pediu Neto.
― Também quero...
― Paco, esses treinos são mais
pesados. Não quero que tenha pesadelos
à noite ― informei. ― Vamos fazer
assim: quando você tiver idade
suficiente, deixamos que veja as lutas e
treine. Podemos pedir para a vovó fazer
mais sessões de terapia com você.
Ele não queria, mas assentiu.
― Gosto da vovó. ― Meu
menino adorava minha avó, que
considerava sua também.
― Se, daqui a alguns anos,
quiser seguir seu irmão, porém com algo
diferente, pode fazer MMA. É luta
também, mas não tão feroz como aqui ―
sugeri. ― Seja qual for sua escolha,
estaremos do seu lado.
― Posso levá-lo para ver um
estúdio de boxe ― propôs Stefano,
pegando a mão dele, e saímos do clube.
Paco assentiu animado. Aquele
menino tinha visto crueldade demais
quando ainda era muito pequeno. Seus
irmãos, assim como nós, o protegiam da
verdade, inclusive que pertencíamos à
máfia, pois ele agora tinha apenas 12
anos. Para ele, éramos uma família rica
dona de várias boates. Essa ideia foi de
Stefano. Dali a alguns anos,
pretendíamos revelar tudo a ele, mas só
quando estivesse pronto.
― Sim, posso ir treinando assim
e, quando ficar mais velho, lutar de
verdade ― declarou com firmeza. ―
Quero fazer vocês orgulhosos, como
também meus irmãos.
Meu coração se derreteu ainda
mais.
― Somos orgulhosos de você,
Paco ― declarou Stefano.
― Sim, é nosso menino e o
amamos. ― Como alguém podia ser
feliz dessa forma? Eu sentia como se
fosse explodir de emoção.
Olhei para o meu marido e vi o
mesmo sentimento estampado em seu
rosto.


Estavam todos reunidos no andar
de baixo esperando pelo jantar que eu
tinha preparado para dar a grande
notícia da gravidez, mas primeiro diria
ao Stefano.
― Vamos descer? ― ele
perguntou. Morávamos em uma casa que
compramos perto da dos meus irmãos.
Nossos quintais eram vizinhos, até os
abrimos para ter acesso à casa deles
sem precisar entrar pela frente.
― Tem uma coisa que eu quero
te contar. ― Estendi o exame para ele.
Tínhamos decidido que eu
pararia de tomar anticoncepcional.
Durante aqueles sete anos, aproveitamos
nossa vida de casados, nossas
profissões e Paco, que só tinha cinco
anos na época. Então, já que ele tinha
completado 12 anos, achamos que seria
um bom momento para eu engravidar.
― Está grávida? ― Stefano
arregalou os olhos e fitou minha barriga
como se quisesse enxergar através dela.
Depois encontrou meu olhar. A emoção
dominava suas belas feições.
― Sim, de oito semanas ―
respondi e dei um gritinho quando ele
me pegou nos braços e me rodopiou.
― Me fez o homem mais feliz
desse mundo! ― Beijou meus lábios.
― Pare de me girar, ou vou
vomitar em você. ― Os enjoos estavam
acabando comigo.
― Não ligo para isso. ― Eu
percebia sua euforia. Enfim ele me
colocou no chão e tocou meu rosto. ―
Obrigado por me proporcionar essa
alegria.
Stefano adorava crianças, eu via
a forma como ele ficava com nossos
sobrinhos e sobrinhas, até com Paco,
então chegamos à conclusão de que um
filho seria uma benção.
― Você me proporcionou a
mesma alegria ― afirmei. ― Agora
vamos contar à nossa família. Vovó vai
surtar.
Ele riu enquanto descíamos para
encontrar nossos familiares, tanto os
meus quanto os dele, que estavam na
cidade. Quando revelamos a notícia a
eles, todos ficaram muito felizes e nos
parabenizaram.
Se, após eu ter perdido minha
irmã e meu pai, alguém me falasse que
um dia eu estaria casada, feliz e
realizada, não acreditaria. Não via
muito sentido na vida, mas, após Stefano
e os meninos Laions entrarem em meu
caminho, aprendi de novo a ter
esperança. Eu era grata a Deus por tudo
que me concedeu.
Construir Stefano foi desafiador.
Uma história intensa, com personagens
marcantes, que conta um pouco mais
sobre o que ele passou e seus traumas,
mas, com a ajuda de Belinda, conseguiu
lidar com o tormento que viveu.
Belinda é uma mulher forte, que
não atura desaforo de ninguém, mas que
tem um coração enorme.
Amei fazer cada personagem
deste livro e espero que vocês tenham
apreciado cada um deles.
Desejo que o casal tenha
conquistado seu coração como
conquistou o meu.
Agradeço à Carol Miranda e à
Ingridy Estefany, que betaram este livro
e fizeram análise crítica. Adoro vocês!
Também à psicóloga Jessika dos
Santos Alves, que me ajudou bastante
com sua opinião profissional, assim
como à assistente social Fabiana da
Conceição Silva, que me ensinou
algumas coisas sobre a profissão de
Belinda.
Não posso deixar de fora minhas
leitoras, que amo de paixão. Um abraço
especial às meninas do grupo Mafiosas
da Ivani Godoy, no WhatsApp, e às dos
grupos do Facebook, Leitoras Ivani
Godoy e Romances Ivani Godoy.
Agradeço de coração aos meus
amados leitores e amigos. Amo cada um
de vocês.

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