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Copyright ©2021 Alessa Ablle

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pela lei nº 9.610/98 e previsto pelo artigo 184 do código Penal Brasileiro.

Título: Xeque-mate
Imagens da capa: Depositphotos.com
Ilustração da capa e Diagramação: Alessa Ablle.
Revisão: Carla Santos e Alessa Ablle.

1ª ed. – Rio de Janeiro: Alessa Ablle, 2021


Série Mafia Lawless; Spin-off

1. Romance | 2. Ficção | 3. Crime Internacional | 4. Erótico | 5. Suspense

Texto fixado conforme as regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto


Legislativo n° 54, de 1995).
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos que aqui
serão descritos, são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com a
realidade é mera coincidência.
Paolo Dal Moli nasceu para ser grande. Um homem importante e estar
à margem de uma das organizações criminosas mais temida e conhecida da
máfia ítalo-americana. Ele sempre soube que teria que ser tão cruel quanto
seu Capo para ser seu conselheiro. Sabia que teria que se comprometer
perante a Famiglia e suas regras.
Seu primeiro casamento foi tático, planejado para se estabelecer em
um mundo regado de tradições. Era apenas para ter uma esposa, dividir sua
cama e ter um herdeiro algum dia. Mas Mia foi a esposa perfeita para ele. O
entendia como ninguém, apesar da grande frustração em engravidar. No
entanto, os acontecimentos se tornaram sombrios novamente por conta da
guerra com a máfia rival russa, a Bratva.
Recém-viúvo, revoltado e com um bebê recém-nascido, ele precisa
novamente arrumar uma companheira e uma mãe para a sua filha e para estar
na sua cama.
Nina Gatti cresceu ciente de que seria dada em casamento por funções
táticas. Filha do subchefe de Seattle, ela era a moeda de troca quando seu pai
precisasse ou o chefe dele. Então ela não foi pega de surpresa ao saber do
noivado. Não até descobrir quem era seu noivo. Um homem quase o dobro da
sua idade e que, em sua futura casa, já teria uma grande responsabilidade
esperando por ela. A pequena e órfã Sophia.
Tudo muito rápido.
Tudo muito sombrio.
As vidas de Paolo e Nina se colidem e o destino dos dois está traçado.
Ele quer apenas cumprir com seu dever, mas Nina quer mais para a sua
vida.
Vamos deixar claro que não compactuo com nenhuma das atitudes
ilegais dos personagens. Não sou favorável a nenhuma perversidade,
maldade, brutalidade ou covardia. Este é um livro de ficção baseado em
estudos sobre a máfia italiana e usando o bom senso da licença poética,
minha criatividade, para criar os cenários e acontecimentos. Não tentem
abolir nenhuma atrocidade aqui para o romântico ou “defensável”. É um
livro. Na vida real é errado.
É sobre a MÁFIA sim! USO O PLANO DE FUNDO DA MÁFIA
ITALIANA DE FORMA ESTRATÉGICA E TÉCNICA ÀS VEZES, MAS É
UM ROMANCE! Temos as maldades, tretas, regras e tradições, porém o
forte é o nosso mocinho (anti-herói) se apaixonar pela mocinha (guerreira), e
vice-versa.
LEIA, É IMPORTANTE :D

meus amores lindos.


Quem diria que Paolo iria passar à frente do livro do Colen e da
Marinne.
Quem diria que ele se tornaria um personagem tão querido por mim e
muitos fãs da série.
(E ME FAZER REFAZER 70% DO LIVRO)
Quem diria, não é mesmo?!
Eu lhes trago nesse livro a redenção na forma mais brutal possível. Ele
era um monstro antes de Mia e apenas se suavizava dentro de casa, perto
dela. Ele era temido por todos e até por Travis, que precisou respirar fundo
para aprender a lidar com Paolo, mas, quando a guerra com a máfia russa
“levou a melhor”, Paolo soltou suas correntes, ele passou a ser pior e era o
fim do jogo. Não tinha mais por que ser contido, embora sua filha fosse uma
preocupação.
Criar Nina para ele foi até fácil, difícil foi vê-la passar pelo que passou
e esperar o dia D para Paolo ver na sua jovem e nova esposa uma amiga e
companheira, não apenas a babá para a sua filha e um corpo gostoso na sua
cama.
Espero de coração que vocês entendam Paolo e que leem até o fim.
Prometo não fazer vocês passarem mal com cenas de abuso físico.
Embora não seja adepta com os abusos verbais e psicológicos também, os
físicos para mim são muito além e eu não curto nem para escrever (por
enquanto e não neste livro).
E, no dia que acontecer, podem crer, eu vou fazer o cara passar o pão
que o diabo amassou após o acontecimento. Eu quero que minhas leitoras
entendam sua força e que se inspirem em cenas românticas, lindas e fortes.
Positivas para a sua vida. Não acho muita graça em criar submissas e
personagens fracas. Eu quero elas livres, fortes e destemidas.
E deixo claro aqui, cada autor tem sua autonomia para criar o que
desejar, mas, eu, Alessa, não gosto desses tipos de personagens para
ESCREVER. Ler até que vai. ;P
Peço que, para o bom entendimento de algumas regras e
acontecimentos do livro, leia o livro Dominados – que tem em conjunto o
livro 1, 2 e o conto do mesmo casal. Não quis ficar me repetindo e por isso
faço essa recomendação, okay?

Quero agradecer primeiramente a Deus pela saúde e boas ideias.


Sempre Ele, por estar em meus dias até quando penso que não está. Se não
fosse Ele, não sei o que seria de mim.
Agradeço do fundo do meu coração as minhas leitoras fiéis, que
pediram arduamente o adiantamento do lançamento e muitos spoilers no
Instagram. Amo esse carinho de vocês!
Agradeço as minhas parcerias, grupos de divulgação e as autoras
amigas.
Desejo uma boa leitura e, se quiser, depois me fala o que achou lá no
Instagram, fique à vontade. Eu estou sempre fazendo LIVE e geralmente uns
dias depois do lançamento de um livro. ;)
Boa leitura!
Baseado na licença poética e em pesquisas.
Esse glossário é tanto para vocês como para mim. Vamos ter essa base em todos os meus
livros de máfia.

Boss: é o CHEFÃO, que toma conta dos Capos. O supremo poder da


máfia. Os Capos aposentados, mas muito perigosos. Sempre os mais
antigos (muuuito velhos) que conquistaram o cargo a duras penas. Os
postos são passados de pais para filhos, por isso eles dão tanta
importância aos filhos homens. As mulheres não assumem cargos
altos e nem de longe podem ser Capo e chefe menor.

Capo: O cabeça chefe de cada território, só deve respeito ao Boss, e


que comanda as Famiglie compostas de: Capo, Testa, Underboss,
Cinistro, Consigliere, Soldados, Associados (os que não tem ligação
consanguínea ou italiana, porém atuam e “trabalham” para a máfia) e
Clãs (as distintas famílias: pais, esposas e filhos).

Testa: Muito respeitado e temido. Homem de extrema confiança.


Serão os irmãos dos Capos.
Underboss: Chefe menor ou gerente do Capo, são incumbidos pelo
Capo, a cuidar e zelar dos territórios dominantes. Aplicam as leias
dos Capos, mas não podem fazer o que quer.

Consigliere: Cada posto principal tem seu próprio conselheiro


(Boss, Capo, Testa e Underboss) para orientar e muitas vezes frear
decisões.

Cinistro: Quem é o braço esquerdo. Muitas vezes incumbido de


fazer a “limpeza”. Mata ou acompanha as ações.

Famiglia: Nome dado aos grupos organizados. Eles se denominam


assim e defendem a ferro e fogo seus homens e suas famílias (clãs). É
a junção das várias organizações criminosas que formam A Máfia
Organizada Italiana, que, com a americana, é a mais importante das
organizações mafiosas do mundo.

Máfia Italiana: As organizações originais da Máfia Italiana, que se


expandiu pelo mundo e nos Estados Unidos, pelas regiões e ganharam
nome, para defender a ordem, comandar o crime organizado e etc.
São as quatro grandes Famiglie: Cosa Nostra, Camorra, ‘Ndrangheta
e a Sacra Corona Unita.

Porém, há outros países com suas organizações criminosas. Irei colocar


as que serão presentes no livro.

Máfia Mexicana: Após uma longa pesquisa não encontrei nada,


então vou usar minha licença poética: Hechos.

Máfia Yakuza: Famosa por muitos filmes de Hollywood, é um


grupo de crime organizado nativo que usa ameaças e extorsão para
obter o que querem. Sua origem data do século XVII. Todos os
membros são marcados com tatuagens, e exigem atos extremos de
dedicação que envolvem a amputação do dedo mindinho quando
algum membro comete um erro. Como uma forma de desculpas.
Máfia Russa: é, talvez, a mais perigosa. Teve origem na extinta
União Soviética e agora possui influência em todo o mundo. Estão
envolvidos em crimes organizados em Israel, Hungria, Espanha,
Canadá, Reino Unido, EUA e Rússia, entre outros. Denominada de
Bratva.

Madman: Os homens que são iniciados na “máfia”. Homem feito.

Grama: Codinome dado pela Lawless para chamar os territórios,


principalmente os que estão com restrições.

Temhota: Tatuagens dos prisioneiros russos. Geralmente denotam o


ranking em que está o criminoso.
Primeiro livro da série Máfia Lawless (Travis & Madeleine)

Travis Lozartan é o mais novo Capo da máfia da Costa Leste dos Estados Unidos,
herdando o cargo de seu pai. Com a fama de “O Cruel”. Mau, impiedoso, frio e calculista,
não mede esforços para derramar sangue de seus inimigos e defender a Lawless. Desde
muito novo sabia que seria o próximo a liderar Nevada e os negócios; e, quando seu pai
morreu, ele ganhou poderes e inimigos. Porém, não esperava ter que honrar um acordo de
anos atrás, que salvou a todos.
Madeleine Beluzzo também foi nascida nesse mundo cruel e insano, mas quando
seu pai, um policial “duvidoso”, decide fazer um acordo com a máfia rival, é introduzida
no lado ainda mais obscuro e perigoso, tornando sua vida um terror; quando ela começou a
atrapalhar os negócios com suas opiniões, foi mandada para longe. Agora está de volta e
terá que se aprofundar nesse caos e na vida do homem que a dominará muito além do que
era o acordo.

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Segundo livro da série Máfia Lawless (Travis & Madeleine)

Madeleine Beluzzo lutou o quanto pôde para não se render à encantadora e


magnética beleza e poder do Capo da Lawless, mas em vão. Em pouco tempo se viu
rendida e o desejando o tempo todo. Agora, ela assumiu o quanto está dominada por ele e o
quanto de sacrifício será capaz de suportar e fazer para tê-lo em sua vida e ficar na dele.
Travis Lozartan quer o domínio do seu território, do seu nome, seu poder e da
mulher que escolheu para ser sua esposa. Ele ainda não se deu por vencido de que, na
verdade, ela é muito mais do que quer admitir, porém seus inimigos o farão enxergar não
só que sentimentos o tornam mais forte, como ainda mais perigoso.
Em “Dominado Por Ela” teremos a redenção das crenças de Madeleine e os
sentimentos de Travis. Iremos presenciar o retorno desse casal, agora unidos, focados e
ainda mais fortes.
E, se separados eles faziam todos temerem e se armarem, juntos eles forçarão todos
a ficarem de joelhos e pedirem arrego.

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Terceiro livro da série Máfia Lawless (Travis & Madeleine)

Nesse livro contém:


Dominada Por Ele + Dominado Por Ela + A Noveleta: Contos da Mafia.

Eles lutaram muito contra seus sentimentos.


Contra seus passados marcados por falta de afeto e tortura.
Contra as escolhas ruins que tomaram e de seus pais.
E lutaram bravamente contra um inimigo incomum.
Quando puderam “respirar” de novo, se perguntaram se os dias que
viriam seriam tranquilos ou tumultuados?!
Se os outros inimigos estão bem atentos para perceberem que o
casamento deles não fora como todos os outros da Famiglia, por estratégia.
Pois era visível para os próximos, que eles se amavam.
A pergunta era: Eles vão precisar esconder a verdade para poderem
manter os inimigos longe ou revelarão ao mundo que o que sentem os tornam
ainda mais perigosos?
Com cenas fofas, passagens de tempo e outros personagens dando seu
ar da graça.
DOMINADOS é um conto rápido e delicioso do primeiro casal da
série Máfia Lawless.

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Sumário
Prólogo
Um
Dois
Três
Quatro
Cinco
Seis
Sete
Oito
Nove
Dez
Onze
Doze
Treze
Quatorze
Quinze
Dezesseis
Dezessete
Dezoito
Dezenove
Vinte
Vinte & Um
Vinte & Dois
Epílogo
C ONHEÇA S EUS O UTROS L IVROS
Curta a playlist que fiz no Spotify para me ajudar a escrever o livro.

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SI=86A0D03588004306
Xeque-Mate,
é uma jogada do xadrez que representa o final da partida. Nesta situação, o rei
não pode ser coberto por nenhuma outra peça nem mover-se para nenhuma
outra casa sem ser tomado por uma peça do adversário.
PARA ELAI!
Talvez sua expectativa tenha me deixado “doente”. Porque quando alguém quer
algo de mim, eu faço o meu melhor. Faço valer a pena. Estou com os dedos cruzados
que você goste.
E SIM! Para os meus leitores fiéis que esperaram muito o livro. Desculpe
demorar um pouco mais.
Espero valer a pena de todo coração.
Prólogo

C om um último suspiro, ela tocou o meu peito e descansou para


sempre. Naquele momento, fechei os olhos controlando o grito que
estava no meio da minha garganta. E a sanidade mortal que sempre
fez parte de mim, precisava estar ativa senão...
Eu a abracei beijando sua testa. Ela foi a única que conseguiu, que
tinha alguma parte boa de mim. Isso sempre pertencerá a ela. Sempre a ela.
Os passos atrás de mim me colocaram em alerta e virando-me vi Luca.
Encontrei seus olhos e vislumbrei a piedade neles. Sem falar nada, peguei
minha esposa – o corpo dela – nos braços e a levei para dentro da igreja.
Parei aos pés do altar, onde ela jurou sua lealdade, fidelidade e seu
corpo. Eu não sabia na época que ela seria tanto para mim. Me ajoelhei,
deitando seu corpo no chão frio do mármore e fechei os olhos batalhando
intensamente com minha luta interna para não explodir de uma vez.
Ainda não estava na hora.
— Ciao, mia bella![1] — murmurei e não aguentando mais, gritei,
abafando minha voz no seu pescoço.
Só parei quando senti a dor diminuir e minha voz falhar. Afastei o
corpo de Mia dos meus braços e, quando respirei fundo, olhando para a
frente, percebi que o padre estava me encarando. Em seus olhos havia
lamentação e pena.
Eu também sentia pena.
Todos sempre falaram e tinham uma pressuposição de quem eu era.
Um homem frio, sem sentimentos e cruel, mas eles não sabiam da verdade,
que eu reservava a única parte humana que tinha para a única pessoa que
merecia. E senti pena do dono da mão que puxou o gatilho que matou a
minha mulher. Ele pagaria com uma morte amarga.
— Os anjos têm lugar reservado no céu — o padre comentou com a
voz baixa e cansada por conta da idade.
Concordei com um aceno de cabeça e me coloquei de pé. Ele sabe
quem nós éramos. O que fazíamos e sabia que as mulheres geralmente são
usadas, algumas uma válvula de escape para as horas pesadas do nosso
mundo. Para ele, a morte da minha esposa foi um alívio. Foi a forma de Deus
encontrar sua absolvição na vida de sombras que ela tinha ao meu lado.
— Talvez o senhor tem razão em suas palavras. Mas um homem como
eu não vai para o céu. Então, assim como no céu e na terra, anjos e demônios
não deveriam conviver no mesmo lar.
— Às vezes, é necessário um pouco de bondade onde só há trevas. Não
se sinta como se não merecesse a felicidade.
— Minha esposa não era minha felicidade, ela era minha redenção. Ela
era tudo que me restava de bom. — Cerrei o maxilar com o ódio percorrendo
meu corpo. — Eu tinha reservado para ela a única parte humana dentro de
mim.
— E agora que ela morreu... — Ele deixa no ar o fim da frase.
Olhei para o corpo de Mia mais uma vez e disse:
— Quando eu me casei, ela foi o meu começo. O começo da minha
redenção. Com a sua morte... é o fim. Talvez eu me segure pela minha filha,
mas de resto não tenho mais o porquê de lutar contra minha fúria brutal e
cega, que sempre foi meu verdadeiro eu. Hoje marca o fim do jogo. Xeque-
mate.
Um

E ntrei em casa e fui direto para o jardim que ficava atravessando o


quintal, onde Mia passava muitas horas do seu dia. Eu já tinha
desistido de entender por que ela não procurava outra coisa para
fazer do que cuidar das roseiras e margaridas. Ela amava flores e era seu
“talento”.
As mulheres da máfia eram muito pressionadas a terem algo especial
como hobbies. Era algo bem parecido com os costumes antigos, onde as
mulheres precisavam ser prendadas. Levando em conta que não podiam
conviver com a sociedade, não como as mulheres de Fora. Ter algo para
ocupar os dias sem ser o marido e os filhos, era bom para elas terem algo a
mais para se ocuparem e fazer. Eu pensava isso, por mais que todos me
rotulassem de carrasco.
O talento da minha esposa era a jardinagem, mesmo eu sabendo que
ela era ótima em suas poesias escondidas nas gavetas do seu escritório.
Largando meu maço de cigarro na mesa da cozinha, Mia odiava que eu
fumasse, saí para o enorme jardim e a vi sorrindo sozinha. Ela estava usando
um vestido azul com flores espalhadas nele todo, um cinto alto branco que
fazia sua barriga protuberante ficar ainda maior. Grávida de oito meses, Mia
era uma visão linda e encantadora mexendo nas suas flores.
Instantaneamente algo dentro de mim se acalmou. Como se eu tivesse
uma ferida e ela fosse meu curativo. Ela nunca saberia que era isso para mim.
Que tinha tanto poder sobre mim e agora mais ainda enquanto carregava
nosso primeiro filho no ventre.
Limpei a garganta e, quando ela me viu, virou o rosto e seu sorriso se
alargou ainda mais. Essa reação dela sempre me pegava de surpresa.
— Você chegou cedo hoje — comentou e esticou a mão para que eu a
ajudasse a descer os degraus do patamar onde ficavam as margaridas.
Dei de ombros como resposta e Mia sorriu para mim. Tirou as luvas,
deixando-as perto dos vasos e virou-se para mim. Ficando perto, ela passou
as mãos no meu peito e mexeu na minha gravata, afrouxando.
— Já se acostumou com a Madeleine?
— Quase — respondi arfando com meu cansaço.
Ela riu e beijou minha boca, que fiz questão de aprofundar um pouco
mais o beijo. Se afastando, limpou seu batom rosa que tinha marcado meus
lábios.
— Você precisa aceitá-la e, sendo sincera, não sei por que a
implicância com a mulher, Paolo.
— Você não a conhece.
— Mesmo assim, não entendo você não gostar dela, eu gosto — disse
rindo.
— Apenas por que eu não gosto muito dela?
— Justamente por ela deixar você assim. Isso prova que é uma mulher
determinada e provoca seus instintos nervosos, que nem eu no começo do
nosso relacionamento.
A confirmação de que talvez ela estivesse absolutamente certa, me
incomodava. Quando Mia surgiu na minha vida, eu não a aceitei de primeira,
mas com o tempo ela se provou ser a mulher para estar ao meu lado e tinha
quase certeza de que Madeleine nasceu para ser a esposa do Capo. Talvez
cuidar de algumas situações que Travis ficava sobrecarregado demais. Ela
podia não ser perfeita, porém estava se mostrando incrível cuidando da casa e
sendo a mulher que faltava entre os Lozartan, que só tiveram uma boa
representante feminina com Giulia, embora ela fosse uma Caputo e sua forma
de lidar com a família fosse fria demais. Por vezes me peguei questionando
onde estava o sangue italiano daquela mulher. Nem eu com toda a minha
fama de “distante”, tratava meus pais e minha esposa como Giulia fazia com
os Lozartan, embora isso não tirasse o mérito de ela ser uma grande líder para
nós.
— Vamos jantar — Mia comentou.
Assenti e entrelacei nossos braços. Caminhamos com calma para
dentro de casa e levei minha esposa até o banheiro onde lavamos as mãos.
Logo seguimos para a sala de jantar. Marta já estava enchendo nossos copos
quando sentamos à mesa.
— Como foi o dia hoje? — perguntei descontraído.
— Tranquilo.
— E a bebê?
Os olhos da minha esposa brilharam ao falar:
— Ela está se mexendo demais. Não vejo a hora dela chegar. —
Suspirou com um sorriso. — E os negócios, como andam? Travis já marcou o
casamento? Ouvi um boato sobre o assunto.
Claro que ela tinha ouvido falar algo. Fofocar era uma tarefa
importante para algumas mulheres da máfia.
— Sim e nós fomos convidados para o noivado, que será semana que
vem no Dia de Ação de Graças.
— Como? — indagou espantada. — Dia de Ação de Graças? Desde
quando eles comemoram esse feriado? Lembro-me muito bem de que, ano
passado, você foi em uma missão que me deixou extremamente preocupada.
Procurei fugir do assunto sobre minhas missões perigosas, que ia
porque gostava da adrenalina. Como conselheiro do Capo, eu não precisava ir
nos confrontos e “negócios” corpo a corpo, no entanto, eu assumia o risco.
— Madeleine deu a ideia de comemorar e fazer o noivado no dia.
Mia abriu um sorriso singelo, engoliu a comida que mastigava e
pegando o suco de uva, que substituía seu vinho, disse:
— Por isso que eu falo que ela consegue irritar você e está provando
que o Travis não resiste a ela também. Eu já a adoro.
— Você não pode adorar ela, já que não a conhece.
— Não conheço porque não tive oportunidade ainda.
— Você sabia que ninguém podia saber que ela estava em Las Vegas e
muito menos na casa do Capo. — Mia sabia dessa informação porque eu
confiava nela, mas nem alguns dos homens próximos de Travis comentavam
sobre Madeleine dentro de suas próprias casas.
— Eu sei disso, mas eu já podia ter conhecido. — Bebericou seu suco
pausando. — Enfim, semana que vem eu vou conhecer a futura senhora
Lozartan.
— Com certeza, você vai.
— Não vou perder de jeito nenhum esse jantar.
Assenti e voltei a comer em silêncio. Mesmo que nossa conversa
estivesse no caminho descontraído, não gostava de conversar com Mia sobre
qualquer coisa que estivesse envolvendo os Lozartan e a Lawless, e sempre
procurava desviar sua atenção, o que fiz sabiamente.
Ela não entendia muitas vezes meu motivo por optar em falar sobre
assuntos que pudesse distrair minha cabeça e que ela não pudesse saber. E,
naquele dia, eu estava quase enlouquecendo com o noivado repentino e
problemático de Travis. A questão não era com quem ele fosse se casar e sim
as implicações sobre as nossas tradições. Travis simplesmente jogou fora
todas as tradições e eu estava com um trabalho do caralho nas mãos para
manobrar as más-línguas.
Eu tinha que fazer meu trabalho, defender e zelar pelo Capo e a
Famiglia, e, como ele ordenou, não me intrometer, tanto na sua relação com
Madeleine quanto conduzia a aliança com a Darkness.
Mas o caos total não era o casamento e sim a contínua investigação
sobre os aliados de Edgar Beluzzo. Eu estava em uma corrida desenfreada
para pegar o maldito traidor que estava por trás dos últimos acontecimentos.
As únicas coisas que me afastavam do tumulto que andava em Las
Vegas eram Mia e o nascimento da nossa filha que faltava muito pouco.
Naquela noite nós fomos para a cama e me deitei atrás de Mia para
poder relaxar minha mão na sua barriga e, às vezes, afagar.
Até eu pegar no sono senti minha filha chutar a barriga da minha
esposa. Não sabia ao certo se o que eu sentia era felicidade, mas era algo que
nunca tinha experimentado com tanta força assim. Algo parecido acontecia
comigo quando estava na presença de Mia.
Fechei os olhos. Eu sabia que não merecia o que tinha.

Uma semana depois, nós estávamos entrando na casa do Capo para o


seu noivado para poucos convidados. Era uma reunião para os que
interessavam na nossa guerra de território e os membros da Famiglia que
tinham algum parentesco ou amizade, como a família do babaca do Orazio
Mancini.
A notícia era para os nossos aliados, Travis Lozartan não estava mais
solteiro e as implicações de formar seu Clã deixava alguns preocupados.
Herdeiros – o futuro da Lawless – começara a estar no jogo. Mesmo sua
união não beneficiando a ninguém, apenas a ele mesmo, todos deveriam
mostrar respeito e honrar com sua presença. Pela tradição era isso que
custava querer os Capos por perto.
Os mais interessados tinham chegado um dia antes surpreendendo
Travis, negativamente. Ele sabia que ouviria coisas que não ia gostar. Eu
avisei. Vincenzo e Giulia não gostavam de apostar para perder e um
casamento sem fins positivos, não era bom aos olhos deles.
Tão logo que dera meus primeiros passos para dentro da mansão, vi o
Boss da Famiglia ao lado da sua estimada esposa; Giulia Caputo, que, com
certeza, poderia afirmar que era o segundo Boss.
Assim que seus olhos me alcançaram e cheguei perto, Vincenzo me
deu um olhar calculista. O cumprimentei com um aperto de mão e dei acesso
para ele falar com minha esposa em um aceno conciso e polido, assim como
Giulia fez para mim.
Para Mia, Giulia deu um beijo no rosto e disse com falsa simpatia:
— Você está muito bonita. É para quando o bebê?
A conversa fiada de sempre.
Quase todo mundo sabia que minha esposa estava grávida em nosso
território. Eu era um dos homens mais importantes da Lawless e saber da
minha vida era como um dever de casa.
— É para o mês que vem. Já estamos nos últimos dias — Mia
respondeu com um entusiasmo totalmente verdadeiro.
— Isso é ótimo. — Giulia abriu um sorriso que quase chegou aos
olhos. Ela estava pouco se fodendo para a minha vida matrimonial. — A vida
de vocês irá mudar totalmente.
Eu assenti, com pouca paciência, enquanto Mia abriu mais o sorriso,
com uma ansiedade mal contida.
— Sim, eu sei e mal posso esperar.
Cansado da conversa, Vincenzo pediu licença e me afastou das
mulheres. Fomos para o canto para conversarmos.
— Travis me comunicou que o senhor chegou ontem, mas não pude vir
para recebê-lo. Tive uns compromissos pendentes para resolver.
— Não se preocupe, Paolo. Eu sei que você faz o seu trabalho muito
bem e nem sempre lhe sobra tempo para bajulações.
Aprumei a postura e concordei. Era uma característica minha não
adular e por isso discutia com Travis como se estivéssemos no mesmo
patamar por muitas vezes. Caralho, eu lhe devia obediência, e ele tinha que
ouvir meus conselhos de vez em quando.
— De qualquer forma, você está aqui agora — continuou —, e queria a
sua palavra sobre um assunto.
— Em que sentido, senhor?
— Você não me informou que Travis estava tendo um caso e que
estava se tornando sério.
Cerrei a mandíbula pela acusação e desviei o olhar por nanossegundos.
Como Consigliere era uma das minhas funções orientar quem eu servia e por
muitas vezes delatar algumas ações, no caso do meu Capo para o Boss, que
era o seu superior. Um Consigliere falava com outro e assim muitas
informações eram passadas de uma Famiglia para a outra, de um Underboss
para outro, e para o Capo ou para o Boss.
O Consigliere também era a ponte que ligava todos os pontos e
repassava informações. Talvez por esta tarefa que, ao longo dos anos, muitos
dos homens que traíram a máfia foram os Consiglieres.
Nós, sucessivamente, fazíamos o trabalho de aconselhar, criar a ponte
para passarmos e obtermos informações, que ficariam entre nós sem correr o
risco de os de Fora ficarem sabendo. Eu tinha as minhas ligações, mas depois
de ter um Capo tão egoísta com a Famiglia e com o ego inflado sobre si
mesmo como Vincenzo Segundo, aprendi que eu deveria ser mais leal a um
Capo como Travis e não confiava no Boss.
Errei em não contar para Vincenzo que Travis, seu neto, estava tendo
um caso com Madeleine, e mesmo toda a história de ele ter a salvado e
trazido para dentro de sua casa. Mas era uma questão da palavra de honra de
um Capo, mesmo morto, de proteger uma mulher para sempre enquanto fosse
líder da Lawless.
— Honestamente, não fiquei contente com a decisão do Capo, mas eu
não pude intervir ou sequer me opor.
— Por qual razão?
— Travis é um homem de palavra e honrado. Madeleine faz parte da
Famiglia e, como tal, assim que eles dois tiveram o primeiro envolvimento e
ele levado a tirar sua virgindade, tomou a atitude de se casar com ela.
Encurtei uma boa parte dessa história porque Vincenzo não gostaria de
saber de tudo, que agora era irrelevante. Travis tomou sua decisão e, quando
ele tomava uma, nada o fazia recuar.
— Mas você não me disse que ela estava aqui.
— Depois que descobrimos todo o aparato dos planos de Edgar e
supostamente soubemos que ele foi capturado pela Bratva e morto, ficamos
muito envolvidos apenas nos ataques que poderiam começar a surgir. Ainda
estamos em total atenção — relembrei-o. — E com Vincenzo Segundo tendo
acabado de morrer, Travis assumiu o posto, depois Edgar desapareceu e a
garota surgiu do nada fugindo do filho de um dos sócios da Bratva, Yuri
Avilov, em uma das boates de Travis, onde ele estava. Foi assim que ele a
capturou, honrando o tratado de cuidar dela sobre a proteção da Lawless. —
Pausei, enfiando as mãos nos bolsos e terminei confiante: — Ele não teve
muita opção e cumpriu com a palavra do seu pai, mesmo morto. Uma palavra
dita por um de nós como um voto, é uma promissória, um juramento.
— Eu sei — disse parecendo ter engolido um limão com casca. — E
eu não estou me opondo a proteger a garota, mas se envolver e trazer para
dentro de casa e agora se casar com ela.
— Madeleine não é de todo mau.
— Pouco me importa. Alguns rumores vão surgir por ele ter quebrado
as tradições do casamento, fora que ela não o beneficia em nada a não ser que
escolheu a boceta com quem vai lidar em casa.
Com certeza ele poria juízo na cabeça de Travis da pior forma se
descobrisse que o Capo estava se casando não por honrar a virgindade e o
que mais fosse, e sim por sentimentos. Eu sabia que Travis estava apaixonado
pela futura esposa antes mesmo de ele tomar consciência deste fato.
Conhecia e ouvia os boatos, por isso fiquei teimando com Travis sobre
sua decisão. Eu não tinha nada contra Madeleine no quesito de ser esposa
dele, mas como nosso líder, ele simplesmente atropelou todas as nossas
tradições. Não quis saber de caralho nenhum. Se tivesse a capturado e depois
feito um noivado, não seria um grande problema e uma novidade entre a
Famiglia.
Mas não, ele teve um caso, um namoro e depois noivou, agora iria se
casar o mais rápido, não que fosse uma novidade. No mundo de Fora isso era
o normal, no nosso levantava suspeitas e eu esperava que Madeleine não
estivesse ou ficasse grávida tão cedo, porque seria muito pior.
Travis possuía o poder de silenciar qualquer um com o simples olhar
ou arrancando a porra da língua, de quem falava mal da sua família e dele.
Tinha deixado bem claro que todos seriam punidos, porém por trás, nos
cantos, no escuro, muitas pessoas continuaram não tolerando Madeleine e sua
suposta crescente de filha de um traidor para esposa do Capo. Luca me
alertou sobre os boatos e fez certo em falar com Travis, que pensara ter
sanado as opiniões. Na verdade, elas ficaram mais baixas, não mudas.
— Eu tentei convencê-lo a voltar atrás, no entanto ele não quis
renunciar a Madeleine. Mas sobre o namoro, apenas os homens leais sabiam
que ela já estava na casa do Capo. Os boatos que rondam têm mais a ver com
o pai dela ser um traidor da nossa causa.
Vincenzo fez um barulho enojado com a garganta.
— Ainda bem que ele acordou uma aliança com a Darkness, mesmo
não confiando que Marinne se casar com o filho de Giovanni irá realmente
nos beneficiar. — Seu olhar ficou distante e calculista. — Travis precisará
andar na linha, porque a Darkness é comandada por Cassio, e aquele velho é
muito mais tradicionalista do que nós. — Encarou-me novamente. — Travis
não deve continuar atropelando e aceitando rebeldias sobre a Famiglia. Isso
colocaria um alvo sobre nós no futuro.
A ordem estava dada e eu aceitei com um aceno, e falei:
— Não se preocupe com isto, senhor.
— Espero que sim.
— Eu sempre respeitei as tradições e as regras. As vezes que tive
alguns conflitos com Travis em relação ao seu envolvimento em ficar com
Madeleine, não fora por ela estar aqui. Reafirmo que ninguém sabia do seu
paradeiro. Ninguém dos que não deveriam saber, e obviamente nem mesmo o
senhor, com todo poder e informação, descobriu.
Ele assente concordando silenciosamente e contrariado.
Travis podia ter errado em várias situações, mas manteve a identidade
e o paradeiro de Madeleine em segredo usando todo seu poder. Ela ter
pintado o cabelo também ajudou bastante. Mesmo que alguns levantassem a
suspeita de que a mulher que acompanhou Travis na festa do Bellagio era ela,
tinha certeza de que ninguém iria levantar essa dúvida em voz alta. Ela agora
iria ser a esposa do Capo.
— Agora, com licença, vou falar com o meu Capo. Depois o senhor e
eu podemos conversar melhor.
— O que devemos conversar?
— Não é o momento para isso — assenti e me afastei não dando
oportunidade para falarmos nada demais perto de alguns ouvidos.
Primeiro minha lealdade era à Travis, depois ao seu avô, que, embora
fosse o Boss, tinha dúvidas se podia confiar nele. Não interessava o sangue,
muitas vezes na família, se precisasse, muitos avós e pais “atropelavam” seus
filhos e netos para se manterem no poder ou crescerem como força. Nós
ainda não sabíamos de todos os detalhes dos que estavam envolvidos com
Edgar.
A viagem desse final de semana de Travis para Colorado tinha o
objetivo de descobrir mais a fundo algumas informações que Luca conseguiu
sobre o Underboss de Denver. Pela premissa sabia que estávamos prestes a
um grande conflito de interesse e muitos traidores na Famiglia. Vincenzo
Segundo não adquiriu muitas estimas dos seus homens ao longo dos anos
como Capo. Ele era um porco nojento que não honrava seu poder.
— Querida, vamos — disse e esperei ela se despedir de Giulia para
sairmos do lobby da casa finalmente.
Atravessando as portas que davam para o jardim, vi Madeleine e
Travis muito perto um do outro conversando e intimamente relaxados, mas
então Madeleine percebeu que tinham pessoas chegando e se afastou
tomando uma postura mais polida e cuidadosa.
Ela amadureceu demais desde que chegou e nem parecia a garota
rebelde que foi capturada naquela boate. Não me restava dúvidas sobre sua
postura como esposa de Travis e até mesmo por suas declarações e
sentimentos, muito visível, que ela se apaixonou por ele e com certeza fará o
que for para deixá-lo vivo e honrá-lo. Ela foi criada como uma de nós e
mesmo afastada por um tempo e tendo um pai de Fora, ela sabia que era o
certo. Sabia das tradições da Famiglia.
Mia e eu nos aproximamos mais e deixei que ela passasse a minha
frente e recebesse o cumprimento de Travis com um aceno de cabeça e o
meio sorriso que ele dava quando tentava ser simpático publicamente.
Abrindo um sorriso verdadeiro, Madeleine me cumprimentou com um
simples aceno e chegou até a minha esposa para trocar um beijo no rosto.
Eu me direcionei para Travis e disse baixo:
— Então ele gostou.
O Capo torceu a boca com desgosto e me cortejou com um olhar
penetrante.
Contive a vontade de rir. Ele entendeu ao que me referi e percebi que
Madeleine também, e ela não gostou do meu comentário. Sempre com a
impressão de que eu não a tolerava. Foda-se.
Elas começaram a falar sobre o bebê, distraídas, quando Travis cortou
nossa distância e esbravejou para mim em voz baixa:
— Pouco me importa se o meu avô gostou ou não da minha decisão.
— Pode não se importar porque você não dá a mínima e não deixa
fazer qualquer diferença a opinião de ninguém sobre seu casamento, mas
você não quer que ela saiba pelo menos.
— É claro que não. Você também protegeria Mia de qualquer falatório
maldoso. Principalmente quando ela não merece.
Assenti, concordando.
Eu amava minha esposa e só além da minha consciência sabia deste
fato. Carregaria esse segredo para o meu túmulo. Nunca maltratei ou deixei
que Mia interpretasse que não sentia nada por ela e eu tinha ideia de que
Travis, como um observador detalhista e maquiavélico, notava que eu era
protetor de Mia assim como ele mesmo estava começando a fazer por
Madeleine.
No início a relação dos dois era cercada de muita possessão e ciúme.
Sempre existiu algo muito primitivo e carnal entre os dois antes mesmo de
começar o relacionamento, se poderia ser chamado assim. Mesmo quando
Travis não percebia, pensava e agia para ela. Ficava enfurecido com a ideia
de ela realmente ir embora para a Itália. Aquele casamento carregava algo
que muitos duvidavam que um Capo pudesse sustentar: o sentimento do amor
e devoção.
O amor era um risco em nosso mundo para um homem como Travis,
um perigo, e por isso um casamento tático teria sido melhor porque Travis
por vezes era descontrolado e violento, radical. No entanto, conseguia parar
seu monstro quando sentia que estava chegando no seu limite.
Eu temia que Madeleine pudesse ser a chave do cadeado para libertar o
monstro que tinha dentro do Capo. Esperava que ela o amasse, honrasse e
oferecesse toda sua devoção, e que não o enlouquecesse. Não provocasse ele
e nem ninguém, porque eu sentia o mesmo em relação a Mia.
Não gostava nem de imaginar alguém tentando fazer algo contra ela e
minha filha. Não ficaria nada bom. Eu não sabia se conseguiria me encontrar
depois. Não tinha nada a perder na vida, apenas elas duas e jurei lutar por
elas.
Dois

C om Travis em Denver, procurando saber de tudo que acontecia por


lá em uma “reunião”, que acabaria em uma retaliação ao Underboss,
que em poucas horas provável que estaria morto. As informações
que Luca conseguiu não restava muitas dúvidas e o Capo foi para colocar um
ponto final. Travis não tolerava traição de forma alguma e vindo de um dos
homens que deveria ser sua presença em uma das suas cidades, estava
enfurecido. Eu estava sobrecarregado.
Quando o Capo se ausentava, eu precisava estar vinte e quatro horas
atento a tudo em Las Vegas, no fundo, antes de Travis, era sempre assim. O
imundo do Vincenzo vivia ausente.
Sendo o braço direito do chefe, minhas funções redobravam e saíam
das diretrizes dos cassinos e bordéis que já cuidava. Eu passava a estar de
olho nas boates, nos sócios que tinham restaurantes e lojas pela cidade sobre
a proteção e vigília da Famiglia. E até mesmo no Balcão para cuidar das
drogas. Enzo fazia um bom trabalho no balcão geralmente e me passava tudo
que era importante por telefone, precisei ordená-lo a continuar no seu posto e
voltar apenas para Las Vegas amanhã para acompanhar Madeleine e
companhia.
Além de cuidar dos negócios precisava cuidar da segurança da família
do Capo. O que estava fazendo naquela hora quando fiquei sabendo que
Madeleine, Marinne e Dario estavam planejando sair com Bárbara Mancini
amanhã. Luigi me informou que iam ver o vestido de noiva de Madeleine e
almoçariam fora.
Madeleine gostava de levar Marinne para passear. Outra que mimava e
cuidava da menina. Ficava aliviado dela fazer este papel tão bem. Sempre
tive preocupação com a menina e com a futura esposa de Travis. Era algo que
passava na minha cabeça, às vezes, e tudo porque Travis não criou a irmã
como irmã e sim como uma filha e sua futura esposa precisaria entender a
forte ligação entre eles dois.
Nunca falei em voz alta que percebia que a menina precisava desse
tipo de interação a vida toda, por mais que Travis se esforçasse para ser tudo
que ela, Colen e Dario precisasse. Mas, porra, uma mãe fazia uma grande
diferença na vida de uma criança, mais ainda de uma menina.
Minha esposa não teve a presença da mãe depois dos oito anos e eu
podia afirmar como ela tinha esse vácuo dentro dela e uma saudade
esmagadora. Com sua gravidez terminando, prestes a dar à luz, ela pensava
muito na mãe. Mia se agarrou nas flores e nos livros para não se sentir tão
solitária. Seu pai não fora um babaca com ela, mesmo assim não foi o
suficiente; e a nova esposa, a madrasta de Mia, não se intitulou com
veracidade como mãe de Mia, a única filha do General de Los Angeles. Que
fora de onde Mia veio para se casar comigo.
— Não deixe de me passar nada e vigie com olhos de águia todos os
ângulos amanhã. Se algo acontecer a eles com Travis longe, ele volta de
Denver e acaba com você — avisei Luigi.
Por obrigação, Luigi era a sombra de Madeleine. Foi designado pelo
Capo para cuidar dela. Enzo os acompanharia para ter mais um homem forte
e capaz de defendê-los sem ser Luigi e Marco, guarda-costas de Marinne.
A Bratva estava de olho em nós e os mexicanos raivosos. Após o
ataque desenfreado de Travis, a Hechos não queria mais diálogo. O maluco
matou todos os mexicanos que estavam num hotel distante de Las Vegas com
facas e machados. Ele não atirou uma única vez. Quando cheguei ao local vi
uma carnificina e por isso alguns chamavam Travis de açougueiro por trás.
Todos os métodos de tortura de Travis não envolvia espancamento,
armas de fogo ou surras. Ele gostava da lâmina na pele dos traidores e
inimigos. Eu não ficava longe disto, no entanto apreciava usar bolas de
chumbo em cordas e acertar os filhos da puta nas bolas e na cara, e outras
coisas. Água sempre era bom.
— Não irei.
— Quando estiverem na rua, me avise para mandar alguns homens
passarem por perto.
— Enzo já ordenou que alguns soldados fiquem por perto no Bellagio.
Fiquei tranquilo de Madeleine ir às lojas do Bellagio. Acreditava que
Travis mexera nos pauzinhos para ela ficar onde seus olhos pudessem ter
mais controle.
— Ótimo. — Desliguei e me levantei da cadeira.
Estava no meu escritório no MGM, que era minha responsabilidade
maior com ou sem Travis. Tudo era do Capo e da Lawless, mas cada homem
tinha algo seu para arrecadar seus próprios fundos e atributos. Metade dos
benefícios do MGM eram meus porque sua conquista foi luta minha. Quem
colocou Travis naquele jogo fora eu.
Saí do escritório e fui para o salão de jogos observar o movimento. Vi
ao longe Gregori Bianco, um dos soldados mais leais a mim e que cuidava de
Mia quando saíamos ou estávamos em perigo. Ele veio até a mim com passos
largos e parou.
— Me informaram de um movimento nas proximidades do bordel
subterrâneo da avenida principal.
— Fique de olho. O Capo está fora da cidade. Quero me poupar de
algum problema enquanto tentamos resolver o problema com alguns
Underboss.
Gregori assentiu e se afastou encontrando mais dois homens no
caminho para fora.
— Senhor — a secretária apareceu ao meu lado, me virei e ela
completou: —, telefonema importante.
Dei-lhe um aceno e segui o caminho do escritório e, quando peguei o
telefone e informei quem eu era, fiquei ainda mais surpreso ao ouvir a voz do
outro lado da linha: Cassio D’Ângelo, Boss da sanguinária e poderosa
‘Ndragheta. Muito em breve, com o casamento entre Marinne e Amândio, ele
seria também nosso Boss diretamente na Itália.

Sem estar nos meus planos, precisei aterrissar em Denver o mais


rápido após o grande entusiasmo de Luca ao relatar como Travis estava
lidando com a traição de Costa e como faria a cerimônia do novo Underboss
que seria o Consigliere. Travis estava fazendo do jeito a formação dos seus
homens, as alianças e mostrando seu total controle e poder sobre a Lawless.
Já se passara um ano do seu comando e muitos ainda não o respeitavam.
Depois de Denver algumas bocas iriam se calar ou perderiam a língua. Ele
tinha dado o recado sobre falar da sua família e agora dera sobre seu
comando.
— Meu pai deixou criar-se homens desleais porque ele era um.
Assenti, concordando totalmente. Las Vegas já teria afundado se
Travis não fosse como o avô desde novo, que mesmo frio com a família e
mais conservador nas tradições da Famiglia, fora um Capo determinado e
firme, e era um bom Boss. Para o bem ou para o mal, a tortura de Costa e a
ascensão de Amauri Rugerri – antigo Consigliere e novo Underboss – e Ugo
Venturana – como um novo Consigliere – faria com que muitos finalmente
respeitassem e colocassem Travis no seu devido lugar, de líder e julgador dos
traidores da nossa causa.
— Estou ficando cansado da falta de respeito, que parece que alguns
homens têm por mim.
— Geralmente é assim mesmo que alguns soldados tendem a
prosseguir quando ganham um novo líder.
Travis mostrou seu desdém com um olhar raivoso para mim, mesmo
assim prossegui porque estava ali para falar, para aconselhá-lo e trazê-lo para
o presente, porque não parecia que ele estava “acordado”.
— Eu sei que você tem muitos problemas com a Lawless para resolver,
mas precisamos falar sobre os mexicanos. O gerente do grupo que fica dentro
de Nevada não pareceu muito feliz quando deixou um dos nossos bares
destruídos. Ele fez questão de ir pessoalmente mandar um recado para nós.
Travis esfregou o rosto impacientemente e levantou da poltrona
começando a andar na saleta que ficava no quarto que se hospedou.
— Estou indo para casa essa tarde. Quando chegar lá vamos fazer um
contra-ataque. Não vou deixar que eles fiquem achando que são melhores.
Balancei a cabeça negativamente e sacodi a perna que estava sobre a
outra. Estava sentado despojado e confortável com um cigarro por terminar
na mão.
— Embora eles tenham começado quando invadiu nosso território, o
que eles estão fazendo agora é o troco pelo que você fez mês passado. Devem
estar putos.
Sem se importar, ele andou até o carrinho com uma bandeja de bebidas
e se serviu de uísque generosamente. Travis não se misturava com drogas, no
entanto gostava de afogar suas frustrações e destilar seu ódio nas bebidas – o
principal era Bourbon – e nos bordéis. Depois de Madeleine, ele parou com
as idas até nossos estabelecimentos e os encontros com Antonela. Os seus
braços e ouvidos na boate favorita, Pandora. Eu sempre soube que ele se
demorava nas reuniões com aquela italiana foguenta por outros motivos e os
tinham pegados fodendo no escritório uma ou duas vezes.
— Travis, eu sei que você não gosta de ser contrariado e não estou
fazendo isso. — Deixei claro que não queria ficar em pé de guerra com meu
Capo o tempo todo. Precisava que ele entendesse que podia confiar em minha
lealdade. — Você está certo em fazê-los entender que existe um novo chefe,
mas não da forma que fez naquela noite e sim com novas alianças.
Um bom jogo de aquisição e poder faria com que Travis aparecesse e
crescesse maior.
— É, você está certo. — Deixou o copo na mesa e ajeitou o colete com
as armas. — Agora eu preciso falar com Amauri e acho que podemos ir.
Levantei e parei perto dele.
— Antes preciso dizer que o Boss da ‘Ndrangheta entrou em contato.
Travis franziu a testa e inflou os pulmões. Era curiosidade, não receio.
— Cassio D’Ângelo ligou?
— Sim e disse que precisa falar com você urgente. Parece que seu
casamento e o noivado de Marinne o interessa bastante.
Ele cerrou os olhos e, ao mesmo tempo, que abriu a boca alguém bateu
na porta. Rapidamente ele caminhou até ela e a abriu. Luca apareceu e disse
urgente:
— Teve um ataque em Las Vegas.
— Explique-se melhor. Sabe que odeio quando fala dessa forma.
— Seus irmãos e Madeleine estavam saindo do restaurante de Giulio
quando atacaram eles.
Baixei a cabeça, não antes de perceber a escuridão macabra perturbar
ainda mais Travis. Puta que pariu! Eu não deveria ter vindo. Tinha que estar
lá.
Peguei meu celular e entrei em contato com Gregori enquanto escutava
Luca dar as informações que tinha. Esperava que nada de grave realmente
tivesse acontecido com nenhum deles. Essa guerra estava indo longe demais,
e rápido.
Ergui a cabeça quando Travis jogou longe o copo que bebia seu uísque
contra a parede. O vidro se espatifou por toda parte.
— Eu vou retornar agora! — Travis disse para mim e olhou para Luca.
— Diz para Enzo que estou chegando e, enquanto isso, que ele já pode
começar o interrogatório.
— Pensei que você ia querer que eu fizesse. — Luca sempre estava à
frente nas torturas. Ele era o pior de todos os homens, os executores. Ele
gostava de brincar com a carne dos traidores como uma criança com
massinha de modelar ou um pizzaiolo com farinha e massas.
Travis não disse mais nada. acompanhei seus passos e saí do seu
quarto antes de ele fechar a porta com toda força. Para Luca, eu cerrei os
olhos e me pus em movimento.
— Precisamos ser rápidos e começar antes do Capo. Ele vai acabar
acertando onde não pode ainda e alertando o verdadeiro inimigo.
— Você tem a mesma dúvida que eu, não é.
Parei nas escadas e encarei Luca.
— Tenho e quero esperar. Comemos massa e gostamos de molho ao
ponto, não seja um japonês e coma cru.
Luca deu sua risada irritante e bateu no meu ombro.
— Enigma legal.
— Não brinque.
— Este não sou eu brincando. — Seus olhos ficaram escuros.
Realmente. Ele só se divertia dentro dos quartos que prendia os
cativos.

Com o atentado a Dario e Madeleine, minha preocupação tinha


redobrado nos últimos dias e, quando Mia começou a sentir as contrações, eu
conversei com ela e nós optamos que nossa filha nascesse em casa.
Providenciei os melhores médicos da cidade e ordenei aos funcionários da
casa que sempre a deixasse limpa e preparada.
E há meia hora meu celular tinha apitado e no momento eu estava
correndo para dentro de casa após finalmente o telefonema de Gregori de que
minha esposa estava sentindo muitas dores e a bolsa rompeu.
— Ela já está no quarto? — perguntei a Marta, que estava carregando
toalhas para o andar de cima.
— Sim, senhor. Ela está lá. — Sua expressão e resposta estavam
carregadas de apreensão.
Respirei fundo e não esperei ela começar a subir as escadas, passei por
Marta e corri para o nosso quarto. Logo que pisei no cômodo vi minha esposa
choramingando e apertando com tanta força as colchas que os nós dos seus
dedos estavam brancos.
— Querida? — disse me aproximando.
Ela abriu os olhos e tentou sorrir, mas senti que estava beirando ao
desespero pelas contrações. Odiei ver a dor em seus olhos. Porra!
— Paolo...
— Sim, querida. — Sentei na beira da cama e tirei o cabelo da frente
do seu rosto. — Os médicos já estão a caminho.
— Uhum — ela resmungou e apertou minha mão que segurava a sua
com muita força e gritou.
Ao seu lado aguardei a nova contração passar. Vi Marta nos pés da
cama rezando. Talvez para a Mia Ele recorresse, porque para mim jamais.
Não merecia benevolência divina o que fosse santo ou bom.
— Já passou. Já passou — Mia repetiu para si mesma e voltou a
relaxar.
Assenti automático e, como ficamos sozinhos, lhe dei um beijo no
rosto.
— O que você está sentindo?
— Dor. Desconforto, mas — seus olhos azuis encontraram os meus —
felicidade. Nossa menininha está vindo.
— É — afirmei e consegui sorrir para ela.
Ela me contagiou muitas vezes durante nosso casamento. Os dez anos
que mais fui maleável, mesmo o primeiro não sendo tão bom.
— Senhor.
Virei-me para a porta e vi Marta.
— Os médicos chegaram.
— Ótimo. Dê a eles toda a assistência e ajuda de que precisar.
— Você não irá vê-los?
Olhei para Mia e franzi a testa.
— Eles logo estarão aqui, não preciso ir até eles agora.
Ela soltou um riso entre um choramingo e beijou minha mão. Era
compreensível que estivesse ansiosa e nervosa. Era o nosso primeiro filho e
teríamos em casa. Não queria que fosse assim, mas era o melhor jeito de
garantir segurança. Senti que estava me agradecendo por permanecer ao seu
lado. Puta que pariu. Ela não percebia mesmo que eu a amava ao ponto de
renunciar ao meu poder, a minha vida.
Eu guardava meus sentimentos dentro de mim por sua segurança, mas
demonstrar respeito a ela naquele momento, era mais do que minha
obrigação. Até nos casamentos sem amor, os maridos estariam ao lado das
esposas, por aparência e para ver o herdeiro. Fiquei por preocupação e para
lhe dar meu apoio. Mostrar que eu estava ali para ela e nossa filha.
— Vai dar tudo certo. Os médicos são bons e vai ficar tudo bem.
— Eu sei que vai, Paolo — murmurou e abriu um sorriso simples, que
logo sumiu.
Apertando minha mão novamente com muita força, quase quebrando
meus dedos, teve outra contração. Esperei passar e ela relaxar o corpo.
— Não estou nervosa por causa disso.
Olhei-a desconfiado.
— É verdade. O que sinto é apenas ansiedade mesmo. — Ela sorriu de
novo e virou o rosto para Marta.
— É normal, senhora — falou nossa governanta passando um pano
molhado na testa da minha esposa. — É seu primeiro bebê e, se não estivesse
ansiosa, não estaria certo.
Mia quase riu e assentiu dizendo:
— Tudo bem...
Olhei para Marta, que acabara de secar a testa de Mia, e peguei o pano
da sua mão.
— Vai supervisionar os médicos, eu vou ficar com ela.
— Tudo bem, senhor.
Marta sempre entendia que eu preferia ficar a sós com minha esposa e
não gostava de demonstração de afeto em público, o que lógico estava
fazendo assim que ficamos confortavelmente sozinhos.
Relaxando um pouco mais na sua presença, passei um dos braços por
trás de Mia. Eu odiava não poder ser mais maleável. Sempre precisava
manter a fachada de frieza.
— Você está bem?
Franzi a testa para a sua pergunta.
— Claro, não sou eu que estou com dor.
Ela riu, finalmente conseguiu rir, e refutou:
— Os pais também ficam nervosos e ansiosos. É comum, sabia?!
— Sim, sabia — soei humorado para ela continuar relaxada.
Com os olhos brilhando da forma mágica que pareciam que acendiam,
sua mão tocou meu rosto.
— Você está feliz com a nossa menina?
— Claro que sim.
— Fico feliz.
— Espero que sim.
— Na verdade, eu amo a nossa vida. Eu amo... — Ela suspirou e eu
nunca senti uma conexão tão grande quanto naquele momento.
Pondo a mão do lado direito do seu rosto, guiei para mais perto e beijei
sua boca suavemente, mas com um toque de desespero. Ela era muito para
mim, sempre fora.
Nos afastando um pouco, vi seu rosto alegre e apaixonado.
— Os médicos — disse e me levantei da cama como se tivesse levado
um choque.
Mia deu uma gargalhada, compreensiva, no mesmo estante que Marta
voltou com os médicos. Os cumprimentei com um aperto de mão firme e fui
até minha esposa.
— Antes de começar tudo, não se esqueça de pegar a roupinha que
vou botar nela.
— Sim, senhora.
Ouvi as duas e parecia estar congelado.
— Está na gaveta da cômoda, na primeira, e pega as outras coisas.
Realmente esqueci.
Piscando rápido, cheguei perto dela, mas encarei a governanta.
— Não precisa, Marta. Eu vou pegar.
— Paolo — Mia tentou refutar.
— Não esquente. Eu posso pegar. — Beijei sua testa. — Eu vou pegar.
Você separou? Está na primeira gaveta, certo?
— Isso mesmo. É a rosinha com os laços de lilás e flores amarelas.
Dando um aceno para ela, me virei e fui até o quarto da nossa filha.
Parei no portal sentindo uma sensação estranha de desconforto. Não entendia
o que se passava comigo e mexi na gaveta, pegando o que Mia pediu, no
automático.
Um grito doloroso me despertou e saí correndo para o quarto.
— Empurre. Empurre com toda a força — o médico pediu.
— Já? — indaguei surpreso.
A enfermeira virou-se para mim e explicou:
— Ela começou a sentir muitas dores e as contrações mais fortes. O
médico foi pedir a dilatação e o bebê simplesmente já estava ali. — Sorriu
animada. — Se eu fosse o senhor, ia ficar com ela.
— Sim, claro.
— Posso ficar com isso? — Ofereceu estendendo os braços.
Olhei para os itens de bebê nas mãos, me sentindo perdido, e olhei a
enfermeira.
— Claro — disse passando tudo para ela e corri para a minha esposa
quando estava com as mãos vazias para poder segurar as suas, que apertaram
as minhas. — Vamos, faça força.

Estávamos vidrados encarando nossa filha. Enrugada e chorosa. Ela


era tão miúda e delicada. Tive medo por ela. Medo do mundo sombrio que
vivíamos e o de Fora. Nenhum dos dois era seguro nos tempos atuais.
Mia parecia pensar diferente com um sorriso apaixonado. As dores e o
choro durante o parto, que não passara nem meia hora, foram esquecidos. Ela
estava em êxtase e provavelmente num mundo cor-de-rosa e com o rosto de
Sophia estampado em toda parte.
— Ela é tão linda — minha esposa disse baixo encarando nossa filha.
Ela não conseguia desviar sua atenção e nem parar de acariciar as bochechas
da bebê, que ficava cada vez mais em seus braços.
— Realmente ela é linda, puxou a você.
Mia negou com a cabeça e murmurou:
— Isso não é toda a verdade. Os olhos dela vão ser cinzas como os
seus.
Cheguei mais perto e encarei os olhos de Sophia e percebi que não
eram azuis como os da mãe e sim cinzas, o que levava a crer que poderiam
ficar idênticos aos meus, mas eu ainda esperava que fossem azuis. Sophia
tinha tudo da minha esposa incluindo os cabelos loiros claros. Eram muito
poucos, muito ralo, que parecia que não tinha nada em sua cabecinha, mas
dava para notar que eram loiros. Suas feições finas e a pele mais clara do que
a minha. Ela era toda a mãe.
— Eu sei que ela vai parecer muito comigo — Mia falou rindo e virou-
se para mim. — Eu sei disso e no próximo filho a gente faz mais parecido
com você.
Dei uma gargalhada forte e afaguei os cabelos de Mia.
— Você fala isso com tanta segurança como se pudesse programar
para que o nosso segundo filho se pareça com quem você decidir.
Erguendo as sobrancelhas loiras, ela deu de ombros e olhou para
Sophia e falou com uma voz doce e brincalhona:
— Eu posso tudo que nem meu marido. — Voltou a me olhar. —
Podemos fazer o que quisermos no nosso mundo.
— Assim parece que sou um super-homem.
— Isso não, mas detém muito poder e respeito, acho que se decidir que
o próximo pareça com você, ele ou ela parecerá.
— Está bem — falei como se ela tivesse ganhado a discussão.
Estávamos nos provocando e apreciando aquele momento de sossego.
Ela torceu a boca, brincando.
— Eu acho que a Sophia só é muito parecida comigo porque você fica
pensando isso, Paolo.
— Então, provavelmente, o próximo filho vai parecer com você
também, porque eu só penso em você, que é muito mais bonita.
Ela riu alto e sacudiu o bebê nos braços. Sophia estava enrolada numa
manta rosa da mesma cor que a camisola de Mia. Eu estava encantado com
aquela visão e me sentindo estranhamente calmo. Sempre tive momentos
calmos com Mia, mas aquele era diferente.
— Paolo, lamento dizer que, então, nosso segundo filho vai com
certeza se parecer com você.
— Por quê?
— Porque nós dois somos bonitos e, para empatar, um parece comigo e
outro com você. fim da discussão.
Rindo, balancei a cabeça. Eu estava rindo sem me importar e tranquilo.
Nós dois estávamos na nossa bolha de felicidade e total alegria pela chegada
da nossa filha. Naquele momento eu até consegui esquecer os conflitos da
guerra a todo vapor na Famiglia. Era aqueles momentos raros com Mia que
conquistou meu coração sombrio. Ela era meu bálsamo e tinha me dado uma
nova pessoa para me trazer um mínimo de paz interna.
Três

A ssisti de longe Mia se despedir, pela quinta vez, de Sophia, que ficara
com meus pais para que nós pudéssemos ir ao casamento do Capo.
Ela estava relutante em deixar nossa filha. Tive que insistir muito para ela
aceitar.
— Ah, minha filha. Não chora — minha esposa disse para a nossa
menina, que parecia entender que a mãe ia sair. — Não vou demorar.
A bebê de duas semanas estava inconsolável e eu poderia falar para
Mia não ir. Ela iria apenas me fazer companhia, não era obrigação dela ir ou
minha de levar minha esposa. O Capo não ligaria e eu pouco me fodia para as
tradições. Ela tinha acabado de dar à luz, caralho.
Eu estava ficando nervoso com Sophia chorando. Dentro de mim, senti
uma forte vontade de dizer para Mia desistir e de jogar todo o meu esforço
para convencê-la de ir junto comigo para o ralo. Mas eu a conhecia muito
bem e sabia que não adiava mais eu falar para ficar em casa.
Fora que prometi que seria rápido. Ela só iria participar da cerimônia
religiosa e voltar para casa em seguida. E olhando bem o seu vestido delicado
rosa, que escolheu com tanto entusiasmo e carinho, não queria pedir para ela
desistir. Mia quase nunca saía, independente da gravidez e o pós-parto.
Queria que ela fosse desde o início, pois vira seus olhos brilharem com a
realização de participar de um evento. A última vez que saiu foi para a
cerimônia de Travis como Capo e na festa comemorativa do Bellagio, ela não
estava se sentindo bem e, com a gravidez no início, optei para deixá-la segura
em casa.
— Minha filha, a mamãe já vai voltar. — Beijou a cabeça com poucos
cabelinhos loiros de Sophia. — Não vou demorar. Meu Deus, ela não para de
chorar.
Minha mãe meneou a cabeça, mas não disse nada. Ela não estava
muito satisfeita em ter que cuidar de um bebê de duas semanas por no
máximo duas horas. Merda. Se algumas pessoas são perversas e ruins,
culpem os pais. Os filhos sempre carregam traços dos pais. No meu caso,
ninguém poderia me acusar de ter o temperamento igual ao dos meus pais.
Meus pais eram pessoas muito frias e nem um pouco prestativos,
principalmente quando não iriam ganhar nada com isso. Cuidar da minha
filha na cabeça deles era “não ganhar nada”. E minha mãe adoraria ir ao
casamento do Capo. Sempre pensando nos status da Famiglia.
— Acha que ela vai se acalmar? — Mia, inocentemente, perguntou a
minha mãe.
— Eu não sei, querida, mas acho ainda que você precisa se apressar.
Daqui a pouco, você estará de volta.
Minha esposa fez uma careta de lamentação e assentiu.
— Vão. Vocês já estão atrasados.
Revirei os olhos e enfiei as mãos nos bolsos tentando não expressar o
quanto minha mãe me irritava. Já sabia que estávamos atrasados e iríamos
chegar com Madeleine entrando na igreja e não me importava. Eu não era o
caralho do noivo.
— Vamos, Mia — disse me aproximando e colocando a mão na altura
da sua lombar.
Ela suspirou, deu um último beijo na testa da nossa filha e foi comigo
para fora de casa. Fiz um sinal para Gregori e ele entrou no carro, já ligando o
motor.
— Ela vai se acalmar, não fique preocupada — falei assim que nos
ajeitamos na traseira do Bentley.
— Eu sei. — Virou o rosto para mim e sorriu.
Um sorriso que não consegui identificar o porquê e estranhamente
fiquei incomodado.
Piscando, peguei sua mão e entrelacei nossos dedos, focando minha
atenção na cabeça loira de Gregori.

O casamento ocorreu como esperado e foi rápido e bonito. Mia ficou


emocionada por várias vezes, os hormônios da gravidez ainda estavam
presentes e deixando-a muito sensível a tudo. Dei um olhar para Vincenzo e o
vi sair primeiro da igreja com seu Consigliere. Ele parecia satisfeito e Giulia
também, o que era esperado. Embora Travis tenha jogado fora muitas
tradições, na cerimônia ele respeitou todas elas.
— Te vejo lá fora — falei para Mia.
— Tudo bem. Eu vou acompanhar os noivos.
— Eu fico com ela — Marinne falou aparecendo ao lado de Mia e deu
o braço a minha esposa.
Assenti satisfeito.
Marinne era uma das únicas pessoas que conheci ao longo da minha
vida, que conseguia extrair bons sentimentos de mim. Ela era a caçula dos
Lozartan e sendo criada por Travis, que assumiu a irmã como sua
responsabilidade antes mesmo de saber quem era, tinha uma elegância e
educação que queria para a minha filha.
Virei as costas e saí da igreja junto com todos que estavam se dirigindo
ao salão de festas, que seria no Bellagio. Do lado de fora acompanhei todos
sumirem e poucos ficarem para ver Travis e Madeleine sair, que não se
dirigiram para as escadas. Primeiro eles tiraram umas fotos.
Mexi no celular para falar com Enzo, do outro lado das escadas,
quando ouvi um grito:
— Corre!
Virei-me na direção que a mulher olhara apavorada, com minha mão
na arma dentro do paletó. Vi carros parando no final da escada e movimentos
de homens vestidos de preto com a merda de uma faixa roxa no braço
esquerdo da Bratva.
Eles saíram com fuzis, metralhadoras pistolas para fora. Amaldiçoei
tudo que podia e logo percebi que não era capaz de evitar o ataque.
Os tiros começaram e tentei proteger todos por perto e procurei Mia
entre os convidados apavorados e correndo para todo lado.
Sem garantia de nada, corri para tentar evitar mais danos do que
aconteceria. Era inevitável naquele momento não acontecer feridos e mortos.
Puta que pariu!
Porra! Eu deveria saber que eles iriam atacar quando nós menos
esperássemos. Embora eu tivesse falado para Travis que existia uma
possibilidade de eles usarem o casamento e, à vista do público, para um
escândalo. Eu não precisei saber quem mandou eles. Tinha as roupas dos
malditos russos e um dos soldados de Ivon Avilov.
Ordenei que atacassem rapidamente, e os soldados se colocaram em
movimento. Como já tinha presumido, falado com o Capo, existia um traidor
entre nós e claro que tinha sido ele que entregou o casamento. Esperou um
momento que só restasse Travis e sua família.
Merda! Ainda bem que os membros das outras Famiglie já tinham ido
e seu avô com seu Consigliere. Algo martelou minha cabeça e era pelo
código de honra, que só iria poder fazer algum tipo de acusação quando
tivesse provas.
Correndo e atirando nos filhos da puta russos, dei graças a Deus que
minha filha ficou com os meus pais.
Os tiros cessaram e os russos fugiram quando Gregori comandou os
homens da Lawless a irem atrás deles.
— Fiquem atentos! — ordenei e corri escada acima.
Vi Travis bem e perto dos irmãos, agachados para não serem atingidos,
mas Luigi logo falou para eles correrem para os fundos da igreja.
Os soldados iam cada um para o seu canto, protegendo a família do
Capo e Luca ficara atrás de mim. Fui direto para a minha esposa. Ela estava
em frente à Madeleine, segurando o buquê e falando com Marinne.
— Querida — chamei-a nervoso.
Mia não deveria estar de pé no meio dessa loucura, desamparada.
Lentamente Mia se virou para mim e meu mundo desabou quando vi
uma mancha vermelha no meio do seu peito, que se alastrava e manchava o
seu vestido rosa claro cada vez mais.
— Paolo. — Ela sorriu e então caiu no chão.
Nada mais me importava naquele momento.
Fui até ela imediatamente na tentativa de deter que batesse a cabeça.
— Mia! Olha para mim — pedi e me senti desesperado como nunca
me senti na minha vida.
Ela abriu os olhos claros que tanto adorava. Me fitou e senti
profundamente que estava a perdendo. E como nunca senti na minha vida,
percebi meus olhos queimarem e arderem com a presença da dor que me
dilacerava de dentro para fora.
— Mia, olha para mim. Você vai ficar bem — menti porque eu mesmo
não acreditava. Não podia aceitar perdê-la.
— Paolo... está tudo bem? Se machucou?
Não respondi. Nada me interessava naquele momento.
Assisti minha esposa levantar a mão e tocar meu rosto tão gentilmente.
Ela sempre foi gentil. A única luz de alegria e pureza na minha vida. As
lágrimas escorreram pelos cantos do seu lindo rosto e, quando ela pronunciou
outra palavra, tossiu. Ela tossiu a porra do sangue.
Merda!
— Eu sempre... — pausou pegando fôlego. — Eu sempre soube que
você me amava.
Concordei com a cabeça, mas não disse nada. Ela derramou mais
algumas lágrimas, mesmo com um sorriso doce nos lábios. O maldito sorriso
do carro, que me atormentou.
— Eu também te amo — sussurrou bem baixinho. — Eu sempre vou te
amar.
— Mia, por favor. Fica quieta.
— Você precisa... — Fez outra pausa, tossindo. — Você precisa cuidar
da Sophia. — Em seus olhos havia apenas dor e saudades. — Ela precisa de
você forte... cruel e protetor. Eu confio em você para cuidar da nossa
menininha.
— Por favor — pedi baixo.
Ela sorriu um pouco grogue. Perdendo a cor e o brilho que era só dela.
— Você precisa encontrar uma mãe para ela — os lábios tremiam — e
eu quero que você... seja feliz.
— Eu nunca mais vou ser. Sem você não.
Ela fechou os olhos, apertando-os com força e vi em seu rosto um
misto de tristeza e dor. Talvez saudades. E, quando ela voltou a fazê-los
encontrarem com os meus, eu me preparei para a ruína da minha vida: a
despedida.
— Obrigada... pela vida... que você me deu. Pela nossa filha. — Tentei
sorrir. — Diz para ela... — Tossiu e engoliu em seco. — Diz para a Soph...
que eu a amava. Que ela foi o presente mais incrível que eu ganhei. Eu...
adoraria viver... até ela ficar mocinha... Linda com os lindos olhos do pai
dela. Esses olhos cinzas que eu amo. Eu te amo! — Havia um desespero no
fim da sua frase.
— Eu também. Por favor... Mia, por favor. Fica comigo. — Eu estava
implorando.
Ela abriu um sorriso tão doce, que me jogou direto no limbo. A minha
doce redenção tinha partido para sempre. Se foi.
Com um último suspiro, ela tocou meu peito e descansou. A mão foi
escorregando em mim até bater em seu peito sangrento.
Fechei os olhos controlando o grito que estava no meio da minha
garganta. A sanidade mortal que sempre fez parte de mim, precisava estar
viva.
Eu a abracei beijando sua testa. Ela foi a única que conseguiu, que
tivera alguma parte boa de mim. Isso sempre pertenceria a ela. Sempre a ela.
Os passos atrás de mim me colocaram em alerta e vi Luca. Encontrei
seus olhos e enxerguei a maldita piedade. Sem falar nada, peguei minha
esposa nos braços e a levei para dentro da igreja.
Parei aos pés do altar, onde ela jurou sua lealdade, fidelidade e seu
corpo dez anos atrás. Eu não sabia na época que ela seria tanto para mim.
Ajoelhei-me, deitando seu corpo no chão frio do mármore e fechei os olhos.
— Ciao, mia bella![2] — E como não aguentava mais, gritei abafando
minha voz no seu pescoço. — Mia!
Só parei quando senti a dor diminuir e minha voz falhar.
Afastei o corpo de Mia dos meus braços e, quando respirei fundo,
olhando para a frente, percebi que o padre estava me encarando. Em seus
olhos havia lamentação e pena.
Eu também sentia pena. Todos sempre falavam e tinham uma
pressuposição de quem eu era. Um homem frio, sem sentimentos, mas eles
não sabiam da verdade, que eu reservara a única parte humana que tinha para
a única pessoa que merecia. Eu sentia pena. Pena do dono da mão que puxou
o gatilho que matou a minha mulher.
Eu o encontraria.
— Os anjos têm um lugar reservado no céu — o padre comentou.
Concordei com um aceno de cabeça e me coloquei de pé. Ele sabia
quem nós éramos, o que fazíamos e que as mulheres geralmente eram usadas.
Algumas uma válvula de escape para as horas pesadas do nosso mundo. Para
ele, a morte da minha esposa fora um alívio. Fora a forma de Deus encontrar
sua absolvição da vida de sombras que ela tinha ao meu lado. Mas Mia nunca
sofreu.
Eu sempre a tratei com respeito, antes mesmo de me apaixonar por ela.
Eu nunca abusei de mulheres, nenhuma.
E sempre cuidei e protegi Mia, até aquele maldito dia. Eu falhei
miseravelmente assim como lhe confessar que a amava antes de me despedir.
Eu nunca tive coragem de dizer que ela era a única parte boa da minha vida.
Que eu não conseguia quebrá-la, porque sua luz era forte demais. Se fosse
possível um ser como eu ter algo do tipo, ela que me curou.
— Talvez o senhor tem razão em suas palavras. Mas um homem como
eu, não vai para o céu. Então, assim como no céu e na terra, anjos e demônios
não deveriam conviver no mesmo lar.
— Às vezes, é necessário um pouco de bondade onde só há trevas. Não
se sinta como se não merecesse a felicidade.
— Minha esposa não era minha felicidade, ela era minha redenção. Ela
era tudo que me restava de bom. — Mordi o maxilar com ódio. — Eu tinha
reservado para ela a única parte humana dentro de mim.
— E agora que ela morreu... — Ele deixou no ar o fim da frase.
Olhei para o corpo dela e disse, com meu corpo todo trêmulo pelo
furor:
— Quando eu me casei, ela foi o meu começo. O começo da minha
redenção. Com a sua morte — encarei o padre — é o fim. Talvez eu me
segure pela minha filha, mas de resto não tenho mais o porquê de lutar contra
minha fúria brutal e cega, que sempre foi meu verdadeiro eu. Hoje marca o
fim do jogo. Xeque-mate.
Quatro

E u senti os passos atrás de mim e vi quando os olhos do padre


demonstraram muito além de respeito. Sabia que era Travis antes de
ele parar ao meu lado e ficar encarando meu perfil em silêncio.
Tive mil coisas para descarregar em cima dele, mas o bolo na minha
garganta não permitiu e ele disse primeiro:
— Paolo?
Virei meu rosto para ele e esperei. Não tinha vontade de nada. Queria
correr com o corpo de Mia, enterrar, ver minha filha, levar para casa e achar o
desgraçado que matou minha mulher.
— Você precisa conversar? — Travis disse.
— Não.
— Paolo?
— O que é, Travis... — Virei meu corpo para ele e estremeci pela
cólera. — Eu a perdi. Fim da história.
— Eu sei e queria ter podido evitar.
— Todos nós falhamos para ela. Não foi culpa sua. Estamos em guerra
e não esperávamos que seríamos atingidos dessa forma. Quer dizer, eu seria
atingido. — Me corrigi a tempo.
Eu estava sendo condescendente com meu Capo naquele momento. Foi
culpa dele, foi culpa minha. Do pai morto dele. Culpa de todos que não
pensaram com a merda do cérebro.
— Você acha que eu não me importo? — Travis elevou a voz e fechou
a cara. — Eu gostava da sua esposa, a respeitava e todos da minha família
sempre a trataram bem.
— Obrigado. — Fecha os olhos, atormentado com a ausência de Mia,
ainda. — Não vamos falar disso, por favor.
— Tudo bem — ele afirmou.
— Vamos focar na retaliação desses filhos da puta. E já adianto, eu
não vou jogar limpo. — Deixei claro minhas intenções. — Vou atingi-los
onde mais pode doer. Quero que sintam o mesmo que eu e peço a sua
permissão para usar qualquer tipo de estratégia nessa guerra. Não vou me
conter, Travis.
— Você acha que eu quero? — Vi em seus olhos o mesmo ódio que
sentia. — Pode ordenar os homens da forma mais brutal. Pode fazer o que
quiser nesse jogo. Queime esses malditos. Eu não queria essa guerra, mas, já
que eles pediram, iremos fazer com que viremos lenda no sentido de
vingança.
Nós estávamos selando um acordo de vingança contra todos que
estavam envolvidos, e ele mal sabia que minhas suspeitas poderiam atingir
sua família no topo. Se eu estivesse certo, Travis teria que aguentar a
consequência de que seu avô não estava tão bem amparado assim. Foda-se!
Minha esposa estava morta e merecia que eu a vingasse.
— Travis!
Escutamos o grito e viramos avistando Madeleine correndo em nossa
direção pelas portas da igreja. Seu vestido de noiva estava manchado de
sangue. O sangue da minha esposa. Ela parecia arrasada, tremendo e
começou a chorar. Pensar que ela odiava tudo sobre nós e ter um casamento
como este, deve tê-la deixado arrasada e Travis preocupado com as
consequências.
— Vai ficar tudo bem.
Quando o chefe segurou o rosto da esposa e jurou que estaria tudo
bem, baixei os olhos querendo dizer o mesmo para a minha.
— Eu estou aqui e nada vai te atingir.
— Oh... não.
Ergui o rosto e vi Madeleine encarando Mia no chão, morta. Ela
colocou as mãos na boca e tentou, realmente se esforçou, para não
desmoronar. Travis envolveu seus braços e a afastou.
Sozinho, virei as costas para eles e liguei para os meus pais para saber
como estava a minha filha. Merda! Que droga de dor era aquela no meu
peito?!

Tinha encerrado a ligação com meus pais há dez minutos quando senti
novamente uma pessoa se aproximando. Já sabia que poderia ser Travis ou
Luca. Eles eram os únicos que permiti se aproximar, e apostaria minha casa
que o Capo não permitiria mais ninguém ver o corpo de Mia, agora
escondido por um lençol branco que o padre colocou.
— Oi.
A voz de Madeleine me surpreendeu e virei o rosto para ela esperando
o motivo de ela estar ali.
— Eu... queria dizer que sinto muito — disse com a voz baixa e notei
que queria chorar. — Sinto muito mesmo. Ela... estava na minha frente e eu...
— pausa segurando o soluço.
— Não se culpe. — Girei meu corpo por completo. — Não foi você
que apertou o gatilho.
— Mas ela morreu no meu lugar.
— Ela morreu porque era uma boa pessoa. Tenho certeza de que, se
acontecesse de novo, ela não mudaria o que fez. Mia era assim.
Era isso. Minha esposa era muito boa e mesmo não sabendo o motivo
da bala ter atingido-a invés de Madeleine, tinha certeza da sua pureza e
proteção a quem gostava.
— Um anjo — murmurou Madeleine e suas lágrimas escorreram. —
Eu não a conhecia há muito tempo, mas o pouco que estive em sua presença
me encantei e... não consigo me conformar. Não está certo.
A mulher na minha frente soluçou e era muito frágil. Nem um pouco
parecida com a pessoa determinada que era geralmente. Nem quando viu
Travis parecendo partido ao meio, ela ficou assim.
Dei um passo mais perto e disse:
— Madeleine, eu sei que as mulheres são emotivas e agradeço seu
carinho por Mia, porém você precisa ser forte. Essa guerra não está no fim.
Ela acenou que sim e limpou os olhos.
— Travis não pode lidar com seus sentimentos agora e, na verdade, ele
vai precisar de você em algum momento. Está apenas no começo, e vingança
sempre leva algo de nós. — E já tinha levado uma parte de mim. — Não
quero que seja sua determinação, que, convenhamos, foi muito boa e irritante
também — falei para ela despertar da sua dor e eu voltar ao foco.
— Pensei que você tinha apenas reclamações sobre mim.
— Não, mas entenda — me aproximei mais um pouco —, é meu dever
testar os limites. Ver as falhas, enxergar o perigo e os inimigos. Não podia
ficar sorrindo para você e não espere que eu faça agora. O que estou lhe
dizendo é para o bem da Famiglia. Nenhum de nós pode ficar neutro agora.
É preciso muita garra para saber lidar com uma vingança.
Concordou com um aceno silencioso e seus olhos fugiram para o corpo
de Mia. Alguns pensamentos passaram por sua cabeça e refletiram em seu
rosto. Era visível que tentava encontrar o equilíbrio de manter a tranquilidade
e a raiva. As mulheres tinham o senso de humanidade diferente dos homens.
Engolindo em seco, ela enrijeceu a postura, me encarou e disse:
— Seja cruel e continue cuidando do meu marido. Sei que não tenho
direito de te pedir nada, mas preciso que prometa que irá fazer de tudo e
proteger a retaguarda de Travis.
— Farei tudo o que estiver ao meu alcance, Sra. Lozartan — dei minha
palavra.
Assisti Madeleine se afastar, indo até Travis, que a protegeu com um
braço nos seus ombros.
Sentindo um peso no peito, vi Gregori entrar na igreja e chegar até a
mim. Ele não disse nada quando olhou para o corpo de Mia e fez o que pedi
quando soube que estava voltando.
— Não se preocupe. Vou cuidar de tudo — disse ele.
Assenti e dei-lhe as costas e saí dali. Eu precisava respirar.
Gregori levaria Mia, o corpo de Mia, para o nosso necrotério e
começaria a preparar tudo para o velório e eu não precisava me preocupar
com muita coisa.
Sem dizer nada, saí da igreja. Do lado de fora, ignorei a mancha de
sangue nos degraus, passei por cima, e fui até meu carro do outro lado da rua.
Liguei o motor e corri. Simplesmente corri até pegar a estrada e não parei.
Cheguei no Balcão, deixei o carro de qualquer jeito.
— Paolo, o que está fazendo aqui?
Ignorei Carlo e entrei na quadra de treinamento. Alguns homens
estavam lutando e pararam para me ver caminhar até a sala à prova de som.
Sem falar uma única palavra, peguei uma pistola e comecei a atirar na porra
da folha com um alvo enorme que eu apenas atingi o meio doze vezes.
Acabei com um cartucho e usei outro, depois mais outro e depois de dez
cartuchos, larguei a arma em cima do balcão.
Meu peito doía. Sentia meu coração parecendo estar aberto e sendo a
merda de um alvo num papel. As lágrimas queimaram meus olhos pela
primeira vez na minha vida. Eu nunca, jamais, chorei na vida e estava prestes
a fazer porque doía. Eu sentia uma dor que também nunca sentira. Eu sentia
uma ausência dolorosa dentro de mim que apenas a fúria conseguia abafá-la.
Saindo do gabinete que estava, entrei no do lado e disparei com a arma
carregada gritando a plenos pulmões:
— PORRAAAAAAAAAA!

Esfreguei meus olhos com uma puta dor na nuca que, mesmo
recorrendo a um comprimido de dor que minha mãe arrumou, nada adiantou.
Eu sentia como se tivesse um caminhão de chumbo em minhas costas.
Ajeitando meu paletó, peguei um cigarro no maço no bolso da frente, já o
guardando para não perder, e acendi.
— Nunca vi você fumar tanto como agora.
A voz de Colen veio do fundo da sala da capela. Virei-me e
acompanhei ele caminhar até a mim com passos marcados. Tinha um ar
pesado em seus olhos. Ficando cara a cara comigo, apertou minha mão com
firmeza. Não teve sentimentalismo, mas entendi que ele estava me dando
seus pêsames, que não fez anteontem. Eu fugi de todos desde que saí da
igreja e deixei Gregori cuidar do corpo de Mia. Vi Travis e Enzo por algumas
horas para podermos começar o plano de retaliação, mas, fora isso, não
mantive contato com ninguém. Ainda nem entrei em casa.
— Pode contar comigo — Colen disse soltando minha mão e dando
um passo para trás. — Eu vou fazer questão de honrar sua esposa no que
você precisar de mim.
Assenti e deixei que ele saísse. Colen era pavio curto quando estava
nervoso. Diferente de Travis, ele não esperava nem uma palavra sequer para
uma tentativa de defesa. Colen era fatal. Todos os Lozartan não toleravam
mentira. Nascidos e criados por um homem ególatra, eles não gostavam de
ser adulados mais.
Não fiquei muito tempo sozinho. Logo vi uma sombra pelo corredor e
novamente me surpreendi com Madeleine. Ela estava toda de preto, pela
primeira vez desde que a conheci, e neutra. Não consegui ler seu rosto, nem
quando parou na minha frente. Travis apareceu atrás dela logo em seguida.
— Como você está? — ela perguntou.
Franzi a testa e encarei as rosas brancas em suas mãos.
— Como você acha que estou?
— Com raiva — disse e Travis colocou a mão no seu ombro.
— Querida, me deixa a sós com Paolo.
Ela assentiu e baixou a cabeça. Parecia querer falar algo.
— Ela está preocupada com você e sua filha.
Minha filha. Eu nem a vi ainda.
— É evidente. Diz para ela relaxar.
— Isso não vai acontecer, não — falou balançando a cabeça,
incomodado. — Todos nós estamos querendo saber como você está lidando
com isso.
— Todos nós? — repeti numa interrogação.
— Eu sei que você, e todo mundo, acredita que eu sou frio ao ponto de
não sentir a morte de alguém, mas você é meu braço direito e com isso só vou
te perguntar uma coisa. Você chegou em casa? Você, por acaso, dormiu,
Paolo?
— Travis... — Cerrei a mandíbula.
— Não! — ele me interrompeu. — Paolo, responde, merda. Você
dormiu ou bebeu e fumou o dia todo? Porque está na cara que você está
esgotado e não posso ter você assim ao meu lado.
Joguei o cigarro no chão e pisei para terminar de apagar a ponta, e
ergui a cabeça para perguntar:
— O que você quer dizer com isso?
— Você tem uma filha de menos de um mês para cuidar e sozinho.
Não dá para os seus pais, que são velhos, cuidarem dela para sempre.
Quis meter uma bala na cabeça dele e me controlei para não mandá-lo
se foder.
— Eu estou enterrando minha esposa hoje e você está pensando em
arrumar outra mulher para mim, como se fosse a coisa mais simples. —
Respirei profundamente. — Se Madeleine tivesse morrido, você ia arrumar
outra esposa no dia seguinte?
— Se eu tivesse um filho pequeno para cuidar e ninguém para me
ajudar, talvez sim.
Balancei a cabeça e escolhi fitar o teto.
— Eu vou deixar você passar o seu luto — Travis continuou. — No
momento, não temos como focar em nada a não ser na retaliação com a
Bratva, mas pense a longo prazo que vou retornar a esse assunto. Eu não
posso ter você cansado e sem foco ao meu lado.
Minhas entranhas se reviraram e torceram pela cólera. Olhei para o
meu Capo.
— Você quer que eu mostre meu foco?
— Não estou falando de vingança e seu poder de destruir. Não estou
falando de você destruir Ivon Avilov ao meu lado. Você é meu cérebro e a
opção tática. Eu não quero você cansado.
Engoli a saliva com força. Minha garganta estava travada. Eu sentia
um gosto de ferro na boca.
Apesar de sentir uma raiva mortal por ele estar dando aquela ideia no
funeral da minha esposa, sabia que estava certo. Não podia viver na tristeza
acompanhada de cansaço e raiva para sempre. Uma das últimas palavras de
Mia fora encontrar uma mãe para Sophia. E eu iria fazer, porém depois de
matar dolorosamente o desgraçado que matou ela. Ele iria se arrepender de
fazer parte da Bratva, de apertar aquele gatilho.
— Está na hora — minha mãe disse aparecendo no corredor.
Sem dizer mais nada, Travis passou por ela, que baixou a cabeça sem
encontrar seus olhos, e saiu. Eu fui em seguida com minha mãe.
— Ele pediu para você se afastar dos seus serviços por enquanto?
— Não, por que pediria?
— Você acabou de perder sua esposa e tem que cuidar da sua filha.
Merda de gente imprestável!
— Não se preocupe com Sophia. — Parei para ela me olhar. — Marta
pode cuidar dela até eu resolver os assuntos.
Meu pai se juntou a nós quando ela falou:
— Você precisa encontrar outra mulher. Uma mãe para ela, que é
apenas uma bebê. Não pode perder seu posto ao lado do Capo.
— Minha mulher está sendo enterrada hoje, porra! — Abafei meu grito
na garganta fazendo minha voz sair estrangulada, mas minha mãe entendeu o
recado.
Ela se afastou e foi ficar ao lado da minha tia Izolda, outra
inconveniente. Só sabiam fofocar e cuidar da vida dos outros.
— Sua mãe tem razão, Paolo — meu pai falou com a voz baixa. —
Você não pode cuidar dos seus afazeres como Consigliere e da sua filha
pequena. Precisa encontrar alguém e a Famiglia espera de você uma decisão
sensata. Não verão com bons olhos você sozinho com uma filha recém-
nascida e ao lado de Travis. Ele também não vai querer — completou seu
pensamento como se tivesse ouvido o Capo falando comigo há alguns
minutos.
— Não estou me negando — repliquei com um gosto amargo as
palavras. — Mas hoje não quero falar sobre isso e nem é momento para
pensar em um casamento.
— O que quer dizer com isso?
— O foco agora é pegar Ivon e seus aliados.
Meu pai assentiu e apertou meu ombro.
— Você é sensato e tomará a decisão certa quando precisar tomar.
Ainda bem que ele pensava assim, porque estava cansado de todos os
olhares de pena e dúvida em minha volta.
O funeral terminou poucos minutos depois e eu esperei todos jogarem
suas flores no buraco de terra no cemitério para eu fazer o mesmo. Joguei
margaridas brancas e rosas que Mia adorava e me despedi. A vontade de
derramar lágrimas não reapareceu e eu dei as costas assim que o começaram
a jogar a terra em cima do caixão. Dei as costas para uma vida tranquila, que
sempre tive ao lado de uma mulher que merecia muito mais do que teve. Dei
as costas para o meu lado compassivo e me preparei para o que viria à frente.
Cinco

Final de Julho de 2012

Mia tinha um sorriso lindo e contagiante enquanto caminhava para


mim. Seus braços estavam ocupados com um buquê enorme de margaridas.
Eu acenei para ele e esperei que se aproximasse, mesmo caminhando a
passos lentos até ela.
— Vamos entrar.
Assenti em silêncio e a acompanhei junto até em casa. Observei-a
deixar as flores em cima de um banco e, quando ela se virou para mim, abriu
o sorrisinho envergonhado. Nunca me acostumava com seu sorriso.
— Tudo bem com você, Paolo? — perguntou para nos descontrair.
— Sim — respondi sem entender sua dúvida.
Mia meneou a cabeça e se aproximou para tocar meu peitoral. E
quando se afastou, eu vi Sophia em seus braços. Nossa filha estava grande e
vestida igual a ela. Um vestido branco com flores azuis e amarelas.
Eu pisquei e estava sozinho no quarto da nossa filha.
— Mia? — Girei no quarto procurando o sinal dela. — Mia.
— Papa!
Virei à procura daquele som e vi minha filha no chão sozinha e com
Mia ao seu lado vestida com um lindo vestido de festa rosa. Eu já tinha visto
ela com ele.
Assim que me aproximei, uma mancha de sangue surgiu no meio do
seu peito e seus olhos deu um último brilho. Dor e saudade refletiam em seu
semblante.
— MIA!

C omo um rompante, eu desperto de mais um pesadelo e sento-me no


meio da cama. Respiro fundo sentindo um peso no peito como se
tivesse um caminhão sobre. Passo a mão no rosto como uma
tentativa ridícula de expulsar os fragmentos dos últimos segundos e solto a
respiração.
Fecho os olhos e natural como respirar, lembro de Mia. Seus olhos
tristes e dolorosos dando seu último suspiro e. quando abro os meus, fito o
lado da cama vazio. O seu lado da cama e a angústia me consome.
— Porra! — brado e jogo as cobertas para longe me levantando da
cama.
Entro direto no chuveiro e deixo a ducha tentar tirar a nuvem de
sentimentos de mim. Eu nunca fui um homem fraco. Fui criado para ser o
braço direito de um grande líder. Meu pai me forçou e ensinou a tudo, menos
a ser fraco e desistente. O que leva meus dias adiante agora é a Lawless e
Sophia.
Como o Consigliere do chefe, preciso sempre estar concentrado e
firme, mas estou sobrecarregado de ódio e vingança. Eu quero fazer todos
pagarem. Inclusive eu.
Já se passaram sete meses desde que Mia morreu e muita coisa
aconteceu. Muito estrago, sangue e mortes. Muitos problemas por causa de
Travis, que ficou cego de ódio quando descobriu os motivos, e eu consegui
matar todos que pude. Ainda carrego a vingança e o ódio dentro de mim.
Parece que nada consegue diminuir a sensação de luta e perda.
A realização de que tudo que eu faço, nunca vai conseguir me trazer
alívio, porque o que quero não tem como eu conseguir, que é a Mia de volta e
sua companhia, sua presença, seu sorriso. Isso me consome, então ainda
procuro a raiva como companhia.
Finalizando o banho, saio me enxugando. Enrolado com a toalha na
cintura vou me vestir porque tenho uma reunião com Travis. Ele disse que
precisa falar comigo urgente e não tenho comparecido muitas vezes depois
que fizemos a emboscada e exterminamos o verdadeiro traidor da Lawless,
meu caminho foi reservado para o cassino que tomo conta e para casa. Nem
mesmo no Balcão tenho aparecido nas últimas semanas.
De calça e camisa de linho preta, coloco meus sapatos e visto o coldre
com minhas armas e o paletó preto por cima. E não me esqueço o maço de
cigarro quase terminado em cima da cômoda.
Eu diminuí um pouco o consumo do cigarro, mas ainda fumo bastante
em comparação de quando Mia era viva. Nunca tinha percebido como era
obediente em relação ao desgosto da minha esposa sobre eu fumar até
perceber que um maço durava uma semana e, desde que ela morreu, um maço
é o que uso em um dia. Ela realmente odiava o cheiro e eu não queria
desagradá-la. Agora estou diminuindo porque Marta falou que Sophia respira
com dificuldade e espirra muito por causa do cheiro forte da nicotina. Não dá
para ser um filho da puta a este ponto e não com minha filha. Mia não ficaria
feliz de saber que “parece” que eu não ligo, pelo menos, para a saúde da
nossa filha.
Saio do meu quarto fechando a porta e vou direto para o quarto da
minha filha. Como são sete horas da manhã, Sophia ainda está dormindo e eu
sorrio olhando para ela, que está abraçada com o ursinho de pelúcia que ficou
muito apegada desde que Madeleine deu de presente.
O conflito com a Bratva causado por conta das armações de Ivon
Avilov chegou ao fim literalmente há duas semanas quando fomos na casa do
traidor em potencial dentro da Lawless.

Travis me deu a ordem de começar a finalizar com esse desgraçado,


mas agora com a arma na cara dele estou relutante se não vou matá-lo de
uma vez mesmo que merece a pior das torturas. Eu já o arrebentei na
porrada. É uma mistura de sangue e lama para todos os lados.
Cerro a mandíbula e espero, apenas espero. E finalmente Travis entra
na casa. Seu sobretudo está todo sujo de sangue e ele está suando.
Nitidamente lutou com algum dos soldados desse verme na minha frente.
— Olá, Lucian.
— Travis — o filho da puta cospe sangue porque Luca chegou
primeiro que eu e distribuiu muitos socos na boca do seu estômago. Ele deve
estar com uma hemorragia interna.
— Parece que estava esperando minha visita — Travis o provoca
como sempre, com seu ar irônico e ácido na hora de dar fim a um traidor.
— Na verdade, eu estava esperando o comunicado do velório, mas não
tem como confiar nesses russos idiotas.
Me controlo para não apertar o gatilho e fazer um buraco na sua
testa.
— E, por acaso, você está em vantagem agora? Parece que você
também é um idiota.
Ele solta uma gargalhada alta, no entanto fraca e tosse de novo.
— Eu consegui muita coisa antes de você descobrir que fui eu.
Travis desembainha uma faca atrás do coldre preso em meu peito,
pega a mão do traidor e enfia a lâmina em seus dedos. Assisto o indicador e
o anelar caírem no chão enquanto um grito é disparado de seus pulmões
fracos e, com certeza, ensanguentado.
— Seu filho da puta lunático!
O Capo solta uma risada macabra.
— É apenas a prova da sua morte.
Travis recua e vira-se para mim. Com minhas mãos enfaixadas com
fita de boxe para acomodar o soco inglês, acerto um golpe seco no queixo de
um dos homens responsáveis pela morte da minha esposa. A cabeça dele vai
para trás e Luca, o Cinistro mais feroz da Lawless, segura a cadeira para ele
não cair e eu perder o ponto exato para lhe acertar de novo. Não vou me
segurar. Não vou me poupar. Ele vai pedir para morrer antes de eu me sentir
satisfeito.
Eu me perco dentro de mim na confusão de ira e dor. Acerto seu rosto,
estômago, ombros e costelas, desenfreado sentindo a fúria me dominar.
Como se, neste momento, pudesse exorcizar a dor que foi a perda da minha
esposa. Eu quero que sua morte leve a impotência que sinto a cada dia que
vivo e sei que também fui responsável por uma alma inocente morrer em
meus braços.
Pegando-o pelos cabelos, jogo no chão e chuto várias vezes. Perdi o
controle. Mia está morta – essas três palavras são como veneno em minhas
veias e meu inferno pessoal estar vivo e respirando.
Continuo a tortura em socos e chutes, então amarro suas mãos e o
puxo, arrastando até fora de casa.
— Coloca esse filho da puta sentado e amarra a bola nos seus pés! —
ordeno a Luca, que acata com seu sorriso sinistro.
Enquanto ele é amarrado como quero e colocam a bola de chumbo
presa em seus pés, tiro a faixa e o soco-inglês. Estalo meus dedos, um pouco
doloridos e arrebentados. Bater também causa ferimentos e isso só me faz
bater mais. Tiro meu coldre vendo que restou apenas eu e Luca, Travis foi
buscar Madeleine para ter a honra de empurrar o filho da puta para sua
morte, termino de libertar meu lado torturador. Meu coração está acelerado
encarando o rato traidor.
— Me passa o Surujin.
Eu gosto muito de finalizar as torturas com o Surujin (duas bolas
pesadas nas pontas de uma corda de três metros), pois me possibilita de
acertar lugares aleatórios e sensíveis como os sacos desse infeliz e no olho.
Isso quando não uso pesos com dentes que se agarram a pele que ao puxar
para acertar de novo o torturado, tira pedaços e faz uma cagada. Sangue
para tudo que é lado.
Com a corda eu me esbaldo ouvindo gritar e implorar. Acerto-o
muitas vezes na cara e nas pernas. Não sei quanto tempo fico assim, mas
paro sentindo uma mão no meu ombro e viro.
— Deixe para ela — Luca sugere e eu aceito.
Respiro fundo e deixo o Surujin cair no chão enlameado de sangue e
terra molhada. Olho fixamente ele quase morto. Os passos atrás de mim e o
fato dos homens baixarem a cabeça dá o sinal de que Madeleine veio com
Travis.
A esposa do Capo para ao meu lado e encara o mesmo que eu: o rato
traidor. Ele geme baixo em completa agonia. Eu ficaria por muito mais
tempo aqui até ele acabar morrendo de tanto apanhar, mas a honra é dela e
no seu estado, grávida de sete meses, não é correto deixá-la mais tempo fora
da segurança de casa.
O Capo apenas permitiu que ela estivesse aqui e finalizasse essa
tortura, porque ela implorou para fazer algo. Implorou ser parte do fim do
último inimigo. Implorou por vingança. Eu a entendo perfeitamente.
— Quer ajuda? — Travis pergunto baixo a ela.
— Não.
O babaca ergue a cabeça e abre um sorriso nojento para ela. Se me
irritar, eu dou um tiro na cara dele até ver seus olhos se espremerem para
fora.
— Ele vai mesmo deixar você fazer o serviço sujo? — ele fala fraco.
Madeleine surpreende dando um chute na boca do estômago dele.
— Sua vadia! — Tosse sangue.
Vejo Travis ir para cima, mas a esposa detém colocando a mão no seu
peito.
— Deve estar me confundindo com as suas putas — Madeleine
profere.
— Você é abusada.
— E você é um homem morto. — Suas palavras são acompanhadas do
seu pé empurrando a bola de aço que afunda com facilidade e rapidez na
piscina funda que tinha na casa desse rato. O barulho da corrente me causa
tamanha satisfação. Parado assisto-o se afogar. Vejo-o ter sua morte
derradeira e não sinto alívio algum por sua morte. É apenas mais um homem
morto. Um homem que foi responsável por Mia morrer, mas eu também fui
culpado.

Desde aquele dia não voltei a ver o Capo. Não tem nada acontecendo
comigo, apenas quero ficar sozinho e trabalhando nos meus negócios. Sophia
também toma muito da minha atenção e tempo, mesmo Marta ajudando como
ela consegue. Fiquei sabendo que Travis se encontrou com o Pakhan da
Bratva, que deu sua palavra – como se pudéssemos confiar no que esses
porcos russos falam – que não tinha nada a ver com Ivon. Mas, dessa vez, é
verdade. Todo o conflito foi gerado porque Edgar – pai de Madeleine – era
um caçador de poder.
O importante é que o Pakhan, que reside no Texas não deu sinal de
que está puto com o ataque que a Lawless fez com os homens de Ivon.
Continuamos em conflito de interesse e das drogas, mas sobre aquele assunto,
morreu. E ele disse que os homens e mulheres, que são da Bratva e morram
em Las Vegas, não irão causar problemas. Ainda temos muitos russos entre
nós. Não me agrada, contudo, precisei aceitar a ordem de Travis que alguns
podem frequentar a cidade. Dinheiro nunca é bom negar e ele quer mais que
os miseráveis enterrem seus dólares em nossos cassinos e puteiros.
Voltando minha atenção para Sophia em seu berço com o cachorro de
pelúcia que Madeleine deu quando veio aqui nas muitas vezes para cuidar da
minha filha – ela até amamentou quando descobriu que estava grávida e se
tornou a ama-de-leite de Sophia – fico imaginando como não andou sua
cabeça essas duas semanas. Espero que participar da morte daquele rato não
tenha mudado ela. Seria lamentável vê-la ficar insensível ou fria como os
Homens Feitos.
O filho do Capo deve nascer mês que vem e todos estão vigilantes. Seu
herdeiro é um alvo desde que vazou a gravidez de Madeleine. Algum
linguarudo conseguiu espalhar a notícia até a Sicília. Eu queria encontrar esse
idiota e fazê-lo engolir o caralho do negativo das fotos.
Hoje sinto uma grande necessidade de proteger Madeleine. Ela foi a
única pessoa, sem ser Marta – minha governanta, que se vira para ser babá –
que cuida da minha filha sem pedir nada em troca. Tudo bem que Marinne
vem algumas vezes, mas ela é uma criança. Minha mãe ficou doente e com a
guerra preferiu estar em Reno, em sua casa, a ficar por sua única neta em Las
Vegas. Eu pedi que cuidasse de Sophia pelo menos nos preparativos do
ataque a Ivon há duas semanas, e minha resposta foi: “não posso me envolver
nisso, Paolo. Você precisa de uma esposa. Uma mãe para essa criança, não
ficar pedindo ajuda a todos”. Eu quis mandá-la se foder. Imprestável.
Inspirando com força, estico minha mão e afago a barriga de Sophia.
Ela se mexe erguendo as perninhas gordinhas e o urso lentamente.
— Até mais tarde, querida — digo e me viro.
Saio do seu quarto, desço as escadas e sinto o celular vibrar. Leio a
mensagem de Travis:

Estou esperando no Bellagio. Não se atrase.

Movo as sobrancelhas estranhando ele estar no cassino quando pensei


que não sairia da cola de Madeleine prestes a dar à luz. Ele é obsessivo com a
esposa e não confia em ninguém. Pensei que o escritório que estava se
referindo na primeira mensagem era no escritório de casa.
Respondo que estou a caminho e guardo meu celular no meu bolso.
— Bom dia. Senhor — Marta me cumprimenta vindo do corredor que
leva para a cozinha. — Acordou cedo.
Assinto e ela devolve com um aceno simples e passando por mim, sobe
as escadas com a mamadeira de Sophia e um cesto com roupas de camas
limpa.
— Eu tenho uma reunião — aviso quando ela está no meio da escada e
para, me dando atenção. — Devo chegar um pouco mais tarde hoje. Qualquer
coisa você me liga.
— Tudo bem. — Aceno num cumprimento respeitoso.
Gregori vai ficar em casa, como sempre, porque não sei que horas vou
voltar e preciso que cuide da segurança da casa e da minha filha. Ele era a
minha sombra. Meus ouvidos e olhos pela cidade, mas o designei para ser a
sombra da minha filha depois de tudo. Não quero parecer escroto, mas perdi a
governanta para ser a babá e meu soldado para ser guarda-costas. Perdi os
dois para Sophia porque, sozinho, não dou conta. Tem dia que me sinto muito
esgotado. Mia faz uma falta muito grande além da emocional para mim. É
física, brutal e visceral.

Com uma paciência que não é meu normal, espero uma pequena
multidão se dissolver na frente do Bellagio. Parece até que essa porra está
com promoção. O que jamais seria.
Finalmente passo pelas pessoas e atravesso o hall de recepção. O
escritório de Travis fica na área do hotel. Noto que a movimentação de
hóspedes está muito grande devido ao feriado. Isso é bom para os bolsos, mas
fico em alerta. É sempre uma ótima forma de fingir ser uma pessoa comum.
As máfias rivais e os inimigos em comum, gostam de aprontar nos cassinos
ou mandar algum filho da puta que não tem medo de morrer fazer merda.
Com um aceno de cabeça, ordeno que abram as portas duplas que leva
ao corredor onde fica as salas de contagem de dinheiro, câmeras de vigilância
para ver se não tem nenhum espertinho contando cartas e etc., e a sala do
Capo, que alcanço rapidamente.
Lawrence, o novo encarregado de proteger o chefe, cerra os olhos,
surpreso por me ver aqui. Não lhe devo satisfação e abro a porta do
escritório.
— Pensei que você fosse me fazer ir até o MGM ou à sua casa.
Inclino a cabeça e fico em silêncio.
Sinto muita raiva o tempo todo e tento não direcionar ao meu líder. Ele
pode confiar em mim e esperar que eu seja leal, que tome boas decisões para
a nossa Famiglia. Por isso que baixo a cabeça.
— Sente-se, Paolo! — ordena Travis.
Sento-me na cadeira, em frente à sua mesa e pego um cigarro, acendo e
dou uma tragada.
— Você me chamou aqui para que?
— Já está de mau humor e eu nem abri minha boca. Geralmente quem
faz isso sou eu.
Respirando fundo, cruzo a perna apoiando sobre o joelho e trago mais
uma vez.
— Fala logo o que é. Eu não ando dormindo direito e há um mês
piorou.
— Sua filha não deixou você dormir? Achei que, quanto maior ela
ficasse, daria menos trabalho.
Eu também esperava que isso acontecesse, mas a verdade não é essa.
— Sophia está com uma pequena hérnia umbilical.
Travis franze a testa.
— Ela está bem?
— Sim, já está saindo, mas ela está chorando muito.
— Eu sei como é.
— É, eu sei. — Travis criou a irmã mais nova desde o começo.
A Sra. Lozartan estava num grau de depressão e revolta muito grande
quando Marinne nasceu e Vincenzo, o Capo anterior, nunca ligou para a
filha. Travis, como sempre tão concentrado em cuidar da família, na verdade
os irmãos, tomou Marinne como sua responsabilidade, o que foi bom quando
a mãe se jogou do apartamento e morreu espatifada no asfalto.
Ele cuidou da irmã bebê e arrumou as melhores babás, e completo o
resto dos meus pensamentos em voz alta:
— Mesmo que eu esteja numa outra forma de sofrimento sobre o
mesmo tema, convenhamos.
Travis concorda com um aceno e fala:
— Por isso mesmo que o chamei aqui. Rocco Gatti me ligou.
Meu cigarro acaba, jogo o resto no cinzeiro e acendo outro encarando-
o. Relaxo um pouco mais meu corpo na cadeira porque sinto como se minhas
pernas fossem dois troncos de árvores pesados e duros. Afrouxo minha
gravata e me permito dar uma tragada forte. Cigarro, eu fumo mais
livremente fora de casa porque fico perto demais de Sophia e não quero que
ela se acostume tão cedo como eu cheiro a esse vício maldito. Eu estou
cansado, esgotado, minha coluna dói e quase não durmo. Mesmo com a ajuda
de Marta, quando ela vai embora e os empregados, fica só eu e é muito
diferente cuidar de um bebê tão pequeno comparando com qualquer outra
função que já tenha feito na vida.
— O que tem o Underboss de Seattle? Algum problema com ele?
Travis nega com a cabeça e cruza as mãos na frente do corpo em cima
da mesa.
— Não, nada de errado com Rocco.
— Então, qual o problema?
— Paolo — faz uma pausa, o que sempre me irrita, e simplesmente
solta: —, você precisa se casar de novo.
— O quê? — Franzo a testa e apago o cigarro no cinzeiro. — Do que
você está falando?
— Você precisa se casar de novo para a sua filha ter uma mãe para
cuidar dela. Lhe dar toda atenção e...
— Não me lembro — interrompo-o — de lhe dar o mesmo conselho
quando você tomou a decisão de criar sua irmã recém-nascida.
— Não é a mesma coisa — fala com fúria e bate na mesa. — Minha
mãe tinha acabado de se suicidar e eu quis cuidar da minha irmã porque ela
não tinha ninguém, nem pai. Eu não era o pai dela e nunca precisei de uma
mulher para criar Marinne.
— Não é isso que eu acho. A menina sempre precisou de uma figura
materna.
Ele esfrega os olhos e respira fundo.
— Eu não tinha a obrigação de criar meus irmãos. Tomei a
responsabilidade deles para mim porque alguém precisava. Uma mãe nunca
foi necessária para cuidar deles. Marie Rose e Rosália sempre fizeram um
excelente trabalho e eu me casaria em algum momento. Não estava na hora
ainda. Agora, você... — pausa e se levanta. — Você foi casado. Você teve
sua filha num matrimonio e, infelizmente, perdeu sua esposa. Não foi a
mesma coisa comigo. Se na época que eu tomei Marinne como minha total
responsabilidade fosse casado e, por alguma circunstância perdesse minha
esposa, teria que me casar de novo como todo Madman faz na Famiglia.
Tinha que honrar minha casa, meus irmãos e filhos.
— Seu pai não se casou de novo quando sua mãe se matou.
— Você quer mesmo se comparar ao que um Capo faz?
Engulo a resposta que me levaria à morte e aperto a mandíbula
reprimindo minha raiva.
— Eu tenho Marta assim como você teve Marie Rose e Rosália.
— Paolo, não me contrarie. Você é meu braço direito e eu preciso de
você focado. Quer que eu dê um grande motivo para você se casar e logo?
É uma pergunta com imposição. Ele não espera minha confirmação.
— Você está cansado, desfocado e abatido. Eu não quero meu
Consigliere pela metade. Se optar em continuar com sua vida como está há
quase oito meses, eu vou precisar substituí-lo.
Aperto o maço de cigarro no bolso da frente do meu paletó e engulo a
saliva com força, que parece ser uma bola de futebol.
— Não pode continuar na sua casa, tentando, de alguma forma, ajudar
a criar sua filha e depois trabalhar apenas no cassino. Você não está dando
tudo de si em nenhum dos dois. E sabe que terá novos dias pesados e de
guerra. Se algo acontecer com você, ela estará com quem? Seus pais são
velhos e, mesmo assim, não acredito que vão querer assumir sua filha. Minha
esposa pode cuidar dela, mas não posso deixar. Você sabe das regras. —
Respira fundo. — No fim, ela ficará sozinha se você morrer.
Baixo a cabeça, fito meus sapatos marrons engraxados. A vertigem me
atinge forte. Não quero falar em voz alta que tudo que ouvi é verdade.
Minha causa, a causa da minha família sempre foi a Lawless. Vim de
uma longa linhagem de Consiglieres, que representou com estruturas
guerrilheiras nossa Famiglia, e agora, que tamanha decepção seria se eu
desonrasse meu sobrenome, meu Clã, permitindo que o Capo me exonere do
posto de ser seu braço direito. O homem que ele mais confia e escuta para
guiar seu território.
Engulo meu orgulho e a dor da perda Mia, a raiva que ainda é tão
presente dentro de mim, e ergo a cabeça. Eu jurei que faria todos pagarem sua
morte. E o que seria pior para mim do que conviver com uma nova mulher
na casa onde era dela? Eu não iria torturar minha nova esposa, mas seria
apenas um casamento tático. Um simples e infeliz casamento por estratégica.
— Você tem razão.
— Tenho — afirma com soberba e a postura implacável. — Apesar de
eu ser muito defensor da família e querer o bem da sua filha, quero sua
presença quando preciso — enfatiza a palavra engrossando a voz — e, talvez,
eu esteja pensando no bem da sua filha até mais do que você.
Desvio meus olhos e aperto meus lábios.
— Ela vai precisar de uma mãe. É uma menina e precisa de uma figura
materna. Você tocou na questão da Marinne e, mesmo que nossa situação
seja diferente, o que você falou não é tudo mentira. Minha irmã precisou sim
de uma mãe, de uma mulher que se encarregaria de cuidar, ensinar e educá-la
porque era seu dever, não porque era paga. Porém, eu não tinha me casado e
não exigiam de mim essa tarefa. Eu dei tudo de mim para que ela não sentisse
tanto a falta de uma mulher enquanto crescia, mas olha que ironia. Quando
ela mais precisou de uma mulher, uma figura materna, foi quando Madeleine
apareceu e eu assumi aquela mulher. Hoje ela é minha esposa e cuida muito
bem da minha irmã. Então... — faz a pausa pensativo — por acaso, você
pretende encontrar outra mulher? Me responde com sinceridade. — Junta as
mãos na frente do corpo, sobre a mesa, e encara-me sério. — Pretendia, sem
a minha intromissão, se casar de novo para que sua filha tivesse uma mãe?
— Não — respondo seco e com senso. — Eu não tenho por que
mentir, Travis. Eu não estava pensando em me casar de novo, mas... — olho
para longe — confesso que cuidar de Sophia está sendo a tarefa mais difícil
da minha vida. — Olho para ele de novo. — Não pense que eu quis me
comparar a você e seu pai, e não tem como. Um Capo se precisar se ausentar
ou não comparecer, tem o seu Consigliere. Tem o seu homem de recado e
negócios. E esse alguém sou eu, que não posso ser substituído e recolocado
no lugar. Não existe lacuna para alguém como eu tirar folga ou se ausentar.
— Se a questão fosse por pouco tempo, sabe que eu posso fazer.
— Sim.
Ele assente.
— E você não falou o mais importante. A Famiglia espera que homens
na nossa idade tenha o seu Clã e sejam casados. Eu fiz a minha parte e agora
você precisa fazer a sua.
O que ele diz é a mais pura verdade. Pelas nossas tradições, homens
com nossos postos e nossas idades, já devem estar casados e gerando
herdeiros para o sobrenome se fortalecer e vigorar. Mesmo sem Madeleine
aparecer na vida dele, Travis se casaria logo. Ela surgir e o fazer desejá-la
como esposa, foi o útil ao agradável.
Sobre criar um bebê, é claro que ele sabe do que fala com tanta certeza,
afinal cuidou de todos os irmãos sozinho sem a figura da mãe.
Marinne é o retrato da menina que é forte demais, mas quebrável
porque não teve o lado materno por perto. Giulia Caputo era só apenas a avó
que vinha de vez em quando visitar, ou Travis ia com os irmãos até Carson
City ficar com os avós. Era muito breve e a menina precisava de uma figura
feminina sim. Madeleine pode ter chegado um pouco tarde, porém ainda bem
que está aqui agora. Inclusive, por conta do noivado dela com apenas quinze
anos.
— Olha, Travis. Eu com concordo que preciso tomar uma atitude, mas
não quero me casar agora.
— Infelizmente, essa situação me compete de alguma forma e eu já
entrei em contato com alguns Underboss para saber se tinha alguma mulher
para casar. Algum com filha com idade para casar ou...
— Como assim? — interrompo-o sem acreditar nos meus ouvidos. —
Você quer me casar com uma jovem?
— Você quer se casar com uma viúva? Geralmente uma mulher, que já
fora casada, já tem filhos. Você quer uma mãe solteira? Quer dividir atenção
da sua filha bebê com outra criança, que não tem nada a ver com vocês, e
sem saber se a mulher pode rejeitar a sua filha e querer apenas cuidar do seu
próprio filho.
— Se pensou nisso tudo, também pensou ou imaginou que uma mulher
solteira e com idade para casar vai ser muito mais nova. Eu provavelmente
serei o dobro da sua idade.
— Então quer uma mulher que foi casada?
Solto a respiração sem vontade.
— E você quer que eu case com uma menina nova e virgem, que
provavelmente acabou de terminar a escola. Vou ser quase o dobro da idade
da garota. — Levanto-me da cadeira e, puto, caminho de um lado para o
outro na frente da sua mesa. —Você é louco, Travis. Não vou me casar com
uma criança.
— Ou é isso ou uma viúva. Você precisa se casar. Sophia precisa de
uma família, de uma mãe.
Paro e o vejo chegar até a mim.
— Você não pode continuar do jeito que está. Sozinho vai ser
derrotado e não pode confiar que seus pais podem ajudar e continuar a
sobrecarregar Marta. A maior diferença de você pedir a ela para ajudar e eu
deixar Marinne com Marie Rose, é a idade. Marie Rose tinha dezenove anos
quando cuidava da minha irmã bebê. Marta já tem quarenta e cinco. Ela não é
mais tão jovem.
Respiro fundo, engulo – pela milionésima vez – em seco e digo:
— Por acaso, você já encontrou?
— Uma mulher?
— Sim — responde assentindo. — Ela é filha do Subchefe de Seattle.
O rapaz que ela iria se casar, um soldado qualquer, saiu do jogo. Nada
importante.
— Claro — resmungo e vou me sentar nos sofás.
— Ela ainda não tinha sido compromissada oficialmente e, mesmo
assim, sempre passo à frente de qualquer acordo de boca.
— Você tirou uma noiva de alguém simplesmente porque queria que
ela fosse minha?
Assente com simplicidade. Que ordinário!
— Fique contente. A menina é muito inteligente e acredito que vai ser
uma boa companhia para você e ainda mais para a Sophia.
— Quantos anos ela tem? — Minha voz é baixa demonstrando minha
insatisfação apenas em saber da idade dela.
— Vinte. Acabou de completar.
Franzo a testa sem entender.
— Vinte e ainda não tinha se casado. Tem algum problema com ela?
— Não. O que aconteceu é que o noivo, o soldado, está na Itália
fazendo o treinamento especial de conhecimento da área de lá e porque sua
família toda reside na Sicília ainda. Alguns dos homens precisam aprender de
verdade a nossa cultura. Você sabe disso.
Assinto e comento:
— E você aproveitou que ele estava longe para roubar a noiva dele.
— Era um acordo de boca — responde e anda até o bar servindo-se de
uma boa dose de uísque. Toma um grande gole e vira-se para mim. — Como
disse, eu posso desfazer qualquer acordo que não tenha quebrado nenhuma
regra. E o pai dela achou muito mais interessante casar a filha com meu braço
direito do que com um simples soldado.
Realmente eu sou uma escolha muito melhor do que um simples
soldado.
— Mesmo assim, você fez algo incomum. Nunca um Capo se
intrometeu num casamento.
Travis respira fundo erguendo o queixo.
— O que interessa é que foi uma interferência bem-sucedida embora
incomum. O pai dela não achou nada de ruim.
Assinto e troco as pernas de posição deixando a direita sobre a
esquerda.
— Se você já acordou todo o processo acredito que o pai dela está
apenas esperando a minha resposta, certo?
— Não. Eu disse que você ligaria para ele confirmando e supostamente
marcaria uma visita à sua casa.
— Quer que eu vá à Seattle? Quando?
— O mais rápido possível. Espero que, depois do casamento, você
fique mais atento e presente aos negócios. A guerra com a Bratva causada por
Ivon foi encerrada e os traidores da Lawless também, mas temos os
mexicanos e os motoqueiros. Fora que meu filho nasce agora e preciso
manter em segredo sua existência até quando puder, e com isso vou precisar
da sua mente brilhante — soa com ironia, mas, no fundo, é verdade.
— Okay. Vou ligar para Rocco Gatti.
— E dizer que está tudo bem — ordena com seu tom de
questionamento invasivo. — Vai ligar para marcar o casamento, certo?! —
Meneia a cabeça do jeito autoritário e convincente.
Assinto e me levanto.
— Pode deixar comigo e agora vou para o MGM. Como você mesmo
disse, não estou dando tudo de mim e quero hoje, pelo menos, comparecer a
todos os lugares que são da minha responsabilidade.
— Falando nisso — diz se pondo de pé e ficando cara a cara comigo.
— Você precisa encontrar alguém para gerenciar o MGM. Quando fizemos o
acordo que seria metade meu e seu, não pensei que você, em algum
momento, fosse se enfurnar lá dentro. Então, agora estou pensando
seriamente em colocar alguém para cuidar do MGM.
— A única pessoa que eu confiaria para isso está cuidando da
segurança da minha filha.
— Um novo soldado leal para cuidar da sua família, nós podemos
encontrar. Podemos ir testando e preparando ele. — Enfia as mãos nos
bolsos. — E você está falando do Gregori para cuidar do MGM?
Nada, absolutamente nada, escapa de Travis e é óbvio que sabe que o
meu braço direito é Gregori.
— Ele mesmo.
Travis faz um som pensativo e se encaminha para a sua mesa,
sentando-se na sua majestosa cadeira.
— Encontre um nome para substituí-lo e depois conversamos sobre a
promoção de soldado a gerente de um dos meus hotéis e cassinos.
— Certo — concordo. — Agora já estou indo. Se precisar de mim,
apenas me ligue.
— O que preciso de você já disse agora.
Porra! Odeio o modo babaca dele.
Meneando a cabeça em sinal de respeito, lhe dou as costas e saio do
escritório.

Pegando o último cigarro, acendo e logo dou uma tragada forte e


continuo de cabeça baixa, como muitas vezes mantendo minha postura
passiva e a presença quase nula, observando de longe Luca falar suas
besteiras de sempre com Enzo, que está reclamado da proposta de Travis, que
parece ter virado um casamenteiro nos últimos tempos.
Orazio Mancini é o novo Underboss de Los Angeles e tem uma filha
em idade de casar solteira e Enzo tem futuro na Famiglia para além de ser um
simples Capitão. O Capo lhe ofereceu o antigo posto de Orazio, de General,
e como ele precisa representar nossas tradições, um casamento o fortalecerá
como uma pretensão de uma linhagem.
Há algum tempo, Travis pediu para Enzo conversar com Orazio e fazer
o pedido de casamento com Bárbara tagarela Mancini.
Eu ficaria preocupado com um casamento entre Bárbara e Enzo, na
verdade com qualquer homem escolhido para a garota.
Ela é uma linha de pólvora para os ânimos tensos e Enzo não é um ser
de meias palavras. Eu confio na decisão do Capo em quase tudo e espero que
esse casamento se saia bem. Não cairia bem para a Lawless ter um problema
de suicídio matrimonial tão cedo. Vincenzo está de olho no neto e é bom ele
não errar.
Fora que Cassio D’Ângelo também está de olho em nós. Como a
Famiglia mais tradicional, os D’Ângelo gostam de tudo muito certinho. Foi
assertiva a aliança com a Darkness, porém nos obriga a não fazer mais
merdas.
— Cazzo! — esbraveja Enzo em italiano e se levanta da cadeira onde
estava e sai da sala pegando seu celular no bolso do casaco. — Fala, mãe.
Não passou despercebido que as mulheres da Famiglia já estão cientes
do assunto do casamento de Enzo, e a mãe dele está no seu pé desde a
confirmação e agora espera poder começar os preparativos.
O casamento não podia demorar muito porque Bárbara se mudou para
Los Angeles e Enzo fica em Las Vegas. A união era para ter ocorrido um
pouco depois do casamento do Capo, porém depois do atentado justamente
no casamento dele, a cerimônia de Enzo foi adiada para este setembro, nove
meses depois, e todos esperam ansiosos esse casamento.
Honestamente não sei o motivo. Eu ficaria louco se Travis me fizesse a
proposta de me casar com Bárbara hoje. Não conheci ainda a filha de Rocco
Gatti, mas não sendo a desbocada e tagarela Bárbara, ficará tudo bem.
Estou na área de reposição de drogas no Balcão. Nosso lugar secreto
no meio do deserto de Nevada, uns bons quilômetros longe de Las Vegas e
dos olhos curiosos, numa antiga fábrica que a Famiglia tomou posse para as
transações de armas e drogas.
Após a reunião com Travis mais cedo e a cobrança da minha presença
nos negócios da Lawless. Precisei aparecer por aqui. Enzo sempre está no
Balcão e Luca parece ter me substituto nos últimos dias.
Soltando a respiração, levanto-me, ajeito meu sobretudo porque está
um frio do caralho e esfrego meu rosto com força tentando expulsar o sono.
— Você parece cansado — diz Luca depois de cheirar uma linha de
cocaína sobre um espelho pequeno que ele carrega dentro de uma latinha
quadriculada. Qualquer um pensaria que é um porta-remédio; ou para mulher,
porta-batom.
Esse aí só vive doidão. Dentro dele só deve ter fumaça e pó.
— Estou bem.
— Não parece que dormiu. — Ele franziu a testa e balançou a cadeira
onde estava sentado apoiando apenas os pés de trás, um pé no chão e o outro
na cadeira à sua frente, que sua bota está cagando tudo de lama. Tinha
chovido a tarde toda.
Quando penso em responder, meu celular toca. Vejo pelo identificador
de chamada quem é e logo atendo ficando preocupado.
— O que você quer, Gregori?
— Eu sei que fiquei na sua casa para eventuais problemas, mas a
questão é que a Marta está um pouco desesperada.
— Por quê? — indago sentindo meu interior vibrar de agonia e fúria.
— Sua filha não para de chorar deve ter... uns trinta minutos. Marta
pediu para não falar nada com você, que ela conseguiria manobrar a bebê,
mas sendo bem sincero não sei não. Estou pensando em chamar o médico.
Espero que ele não tenha pensado em chamar um médico antes de falar
comigo porque eu jamais gostaria que alguém entrasse na minha casa sem eu
estar lá.
— Não se incomode, já estou indo para aí — digo e encerro a ligação
colocando o celular no bolso. Viro-me para Luca. — Toma conta de tudo,
amanhã eu volto.
— Sua filha está bem? — ele pergunta.
Geralmente Luca não é muito interessado na vida de ninguém a não ser
a dele mesmo e acatar ordens do Capo. Mas percebi que, depois que ele viu
minha esposa morrer na porta da igreja, ficou um pouco sentimental – pelo
menos para o meu lado. Sentimento é uma forma muito razoável de falar algo
sobre Luca. Ele quer apenas ser útil sobre isso, mesmo não sendo capaz.
— Ela estava com um pouco de febre há uns dias e agora está
chorando. Vou para casa ver o que é.
— Certo. Espero que ela fique bem e Paolo... — ele me chama quando
estou virando para sair.
— O quê? — Encaro-o.
— Você precisa de uma esposa, uma mãe jovem ou que, pelo menos,
tenha capacidade de cuidar da sua filha melhor do que a Marta ou Gregori.
Qualquer coisa melhor que eles, seria muito bom para uma criança.
— Você não tem nada a ver com a minha vida.
— Engraçado que, quando cheiro uma carreira de cocaína, você se
mete.
— Já mandei você se foder hoje — digo e saio de uma vez.
Eu sei que preciso me casar. Preciso de uma mãe para Sophia. Babás
não são coisas reais na máfia. Um homem precisa de uma esposa, um Clã e o
meu está em desfalque.
Seis

C omo todas as manhãs depois que terminei a escola, eu acordo, tomo


um banho morno, coloco um dos meus vestidos confortáveis, passo
um pouco de maquiagem e penteio meus longos cabelos. Realmente adoro
que eles sejam tão longos, mesmo dando muito trabalho.
Pronta, eu faço minha oração matinal para proteger meu pai dos
inimigos e que nada acontece a nós. Mesmo crescendo num mundo obscuro
da máfia, eu fazia questão de me ajoelhar todas as manhãs e pedir proteção
Divina. Se Deus ainda nos ouve sendo criminosos. Eu não sou diretamente,
mas meu pai é e num nível alto. Ele é um subchefe.
Quando dá oito horas, tomo meu café da manhã com minha mãe, que
hoje não está à mesa.
— Mamãe saiu, Léa? — pergunto a empregada.
— Não, senhorita. Ela está conversando com seu pai no escritório.
— Hum... estranho — penso em voz alta e dou de ombros. — Se ela
me procurar, estou lá fora.
— É claro.
Sorrio e me levanto da mesa terminando de tomar meu suco de laranja.
Não gosto de tomar café de manhã, apenas no lanche da tarde.
Corro para o banheiro escovar os dentes e depois vou disparada para as
minhas flores. Jardinagem é o meu hobby. Eu já tentei fazer outras coisas e,
na verdade, sou muito boa também em culinária e, às vezes, me arrisco em
fazer bolos e tortas. Papai adora, mas mamãe odeia porque gosta que
mantemos nosso porte e papai descobriu que está diabético. Ironia do destino.
Ele pode morrer com um tiro pela Bratva, um policial, outra máfia rival e
todos os inimigos, e minha mãe se preocupa que ele possa morrer por conta
do açúcar. Ah, pelo amor de Deus!
E não me aprimoro mais na cozinha porque não tenho muita paciência
para esperar as coisas acontecerem. Não sei como eu gosto tanto de flores, já
que tenho, preciso, esperá-las desabrocharem e ficarem lindas. Contudo, eu
gosto das minhas flores.
Cantarolando, eu fico aqui, justamente fazendo o que mais amo.
Cuidando das minhas flores. Cortando, podando e regando.
Depois que terminei a escola passo muito dos meus dias na estufa e no
jardim, raras as vezes passo na biblioteca, sabendo que meu tempo de ficar
por aqui está contado.
Com meu noivado feito há três anos, eu só espero mesmo meu noivo
voltar da Itália. Apenas em pensar nisso e morar com alguém que eu mal
conheço, me causa um frio na barriga. Ter que me casar com alguém que eu
conheço menos do que meus seguranças.
Papai disse que Augusto é muito bom e eu acredito muito no que ele
fala. Ele não é um dos piores pais da Famiglia. Minha melhor amiga, Elvira,
apanha do seu quando está zangado. Tenho muita pena dela.
Fazendo minhas dancinhas bobas e cantando para mim mesma, rego
mais um vaso de rosas quando sinto uma presença se aproximando e logo me
viro para ver minha mãe caminhar até a mim.
— Boa tarde, Nina.
Aceno em cumprimento respeitosamente perguntando-me quanto
tempo estou por aqui.
— Já terminou?
— Não ainda — digo baixo. — Falta aquele canto. — Indico as
margaridas.
— Assim que terminar, entre, lave-se e vai até o escritório do seu pai.
Ele quer falar com você.
Um frio em meu interior me deixa gelada. Sinto um frio na barriga que
faz meu coração acelerar e meus pelinhos até se arrepiarem.
Assinto e mordo meu lábio.
— Por favor, pare com essa mania! — mamãe me recrimina. — Você
já não é mais uma criança. É feio morder os lábios.
— Tudo bem, mamãe. — Baixo a cabeça. — Desculpa.
— Termine isso logo e entre.
Assinto, mais uma vez, e a vejo ir embora. Como um soldado. É o jeito
que ela me trata desde criança.

Depois que finalmente termino de cuidar das minhas flores, sigo até o
meu quarto e tomo um banho rápido. Quando minha mãe diz para se limpar,
quer dizer: tome banho, troque de roupa e pare de se vestir como uma
criança.
São tantas regras, às vezes, que eu fico me perguntando se, em algum
momento da minha vida, vou ser livre. Eu nem sei o que é isso: liberdade.
Sinto-me como um dos soldados da Lawless, só que não do meu pai e
sim da minha mãe na luta de me fazer o melhor feito da sua vida. Ela é muito
frustrada por não ter tido mais filhos, e eu ser a primeira e do meu irmão ser
um tanto rebelde. Sinto falta dele, que está na Itália no mesmo treinamento
que Augusto.
Apesar de eu odiar ter que usar roupas neutras, coloco um vestido
preto com uma simples faixa lilás na bainha e um cinto branco combinando
com os meus sapatos sem saltos.
Papai acha que eu ainda sou uma criança, então preciso me vestir como
uma linda donzela. Ele disse que o momento de usar saltos, roupas mais
coladas ao corpo, mais ousadas, será quando eu me casar.
Às vezes, por mais que me dê muito medo em conviver em uma casa
com um homem estranho, anseio fervorosamente com o meu casamento,
mesmo sabendo dos boatos que existem alguns homens que estupram,
maltratam e batem nas esposas.
Eu acho que uma mulher da máfia, de verdade, nunca alcança nada
além da miséria. Acho que as que têm um pingo de sorte, conseguem um
marido que não bate, porém são frios como uma pedra de gelo.
Com os meus cabelos em uma trança de lado, desço até o escritório do
meu pai. Agora está quase na hora do jantar e é estranho ele estar em casa.
Deve ter acontecido alguma coisa para não ter saído hoje em nenhum horário.
Segurando a respiração por nanossegundos, bato na porta e espero que
ele permita que eu entre. Assim que estou dentro do escritório, escuto sua
voz:
— Fecha a porta e sente-se.
Não digo nada e faço um aceno de cabeça respeitosamente. Fecho a
porta e vou me sentar em uma das cadeiras em frente à sua mesa pomposa.
Ele tira os óculos de graus, deixando-os sobre a mesa e me encara
sério.
— Queria falar com você sobre o seu casamento.
O frio na barriga volta com força. Eu não digo nada. Não tenho
permissão.
— Augusto ainda não voltou da Itália e eu acho que a gente está
esperando por muito tempo.
— O que o senhor quer dizer com isso, papai? — pergunto em voz
baixa para não parecer que estou sendo abusada.
— Eu consegui outro marido para você.
Engulo em seco e torço meus dedos no tecido do meu vestido.
— Conseguiu outro marido para mim?! Assim tão rápido?
— Ele é um pouco mais velho que você — responde sem se alterar —
e é muito mais interessante se casar com ele.
— Em que sentido? Desculpa lhe perguntar.
— Augusto era apenas um soldado, Nina. Você ou seus filhos nunca
seriam nada além de simples membros da Lawless. Nunca alcançaria um
grande posto, a não ser que Augusto fosse tão bom que o futuro Capo, que no
caso será o filho de Travis, faça seu marido ou seu filho ser um Capitão ou
General. Mesmo assim nunca um Underboss ou Consigliere, por exemplo.
— Aham — digo baixinho.
— Então, Augusto não lhe traria frutos tão bons afinal de contas. E
você é filha de um Underboss.
— Eu sei, papai, m-mas... você disse que não tinha ninguém melhor.
— Não tinha — sorri de lado maliciosamente — até oito meses atrás
quando a esposa de Paolo Dal Moli morreu.
Esse nome não me é estranho, mas continuo calada esperando mais
informações, e obviamente permissão para falar alguma coisa.
— Paolo está viúvo e procurando uma esposa nova. Eu entrei em
contato com o Capo e disse que eu tinha uma filha solteira numa idade
razoável para se casar com um homem que já foi casado e consideravelmente
mais velho.
Franzo o cenho. Mais velho?
— Como assim, consideravelmente mais velho? — Me atrevo a
questionar.
— Paolo tem trinta e sete anos e uma filha sem mãe e precisando de
atenção. O casamento já foi acordado e ele está vindo para conhecê-la
amanhã à tarde.
Fiquei tão abalada, que não tive o que dizer depois que ele falou que o
homem tem trinta e sete anos e uma filha. Ou seja, ele é um viúvo, solteirão e
velho. Vão me casar com um homem velho.
— Eu acredito na sua boa escolha, papai, e... de qualquer forma, eu
não posso falar nada sobre.
— Ainda bem que você sabe o seu lugar.
Escuto de cabeça baixa.
— Eu só lhe chamei aqui antes de amanhã chegar para não ficar tão
surpresa e com essa cara de espanto e amedrontada na frente do seu futuro
marido.
Assinto e o encaro.
— Não se preocupe porque Paolo não tem fama de tratar as mulheres
com crueldade.
Como se isso fosse algo superlegal da parte dele. Uma benfeitoria. É
mais do que obrigação um homem tratar uma mulher com dignidade. Já que
as mulheres são obrigadas a serem submissas e tratá-los como reis, os
homens deveriam fazer o mesmo. Tratar as mulheres como rainhas, então
quando eu escuto: “Ah, mas ele não bate na mulher. Não estupra e não
tortura”, eu fico um pouco indignada. Parece um grande feito. É mais do que
obrigação.
— Tudo bem, papai.
— Amanhã, ele deve chegar mais ou menos um pouco depois do
horário do almoço e espero que você esteja dentro de casa e arrumada,
esperando, e não que esteja suja de terra e no seu jardim. Hoje você nem
almoçou, Nina.
— Me desculpa. É que, às vezes, eu fico...
— Distraída — ele me cortou. — Saiba que, quando você se casar, terá
uma grande responsabilidade e não só com seu marido. Existe um bebê que
precisará da sua atenção. Então, pare com essa palhaçada de flores e assuma
seu lugar como uma mulher adulta.
Agora eu sou uma mulher adulta? Penso torcendo meu interior,
esmagando meu fígado.
— Paolo é um homem mais velho — continua e eu presto atenção —,
por isso você tem que se vestir do jeito que está agora. Neutra e comportada,
nada de flores, cabelos soltos e já pode começar a usar salto alto. Como eu
disse a você, quando casasse teria permissão de usar saltos e estou lhe dando
agora. Se for da sua preferência, pode sair amanhã cedo com a sua mãe e
fazer compras.
— Não precisa. Eu ganhei de presente de Natal da vovó — assinto
falando, estou tremendo. — Eu tenho um salto alto, obrigada.
— Que seja. Agora, me dê licença e espero que não precise falar de
novo amanhã tudo que eu te orientei hoje, certo, Nina?
— Sim, senhor, papai.
Levanto-me e inclino meu corpo com os olhos baixos e saio.
É realmente muito difícil me controlar ao ponto de caminhar
lentamente e chegar até as escadas como uma dama. Estou alcançando os
degraus quando escuto alguém me chamar.
— Sim, o que deseja?
— A senhorita não vai jantar hoje? — Léa pergunta.
Respiro fundo e, ainda encarando o chão, respondo:
— Estou sem fome. Obrigada por se preocupar.
Ela assente como se entendesse o que estou sentindo.
— Eu vou guardar um pouco para a senhorita e deixar um leite com
canela morno no micro-ondas. Depois a senhorita esquenta mais um
pouquinho.
— Obrigada.
— De nada. Boa noite.
Com um aceno, finalmente corro pelas escadas acima e com toda a
força de vontade que tenho, fecho a porta do meu quarto sem bater e corro
para a minha cama, onde me sento e solto um suspiro alto. Sinto meu coração
acelerado.
Talvez eu esteja apavorada à toa. Eu nem conheço o meu futuro
marido e, mesmo que nossas idades sejam tão distantes, será um choque
conviver com ele e ele comigo, ainda tendo um bebê para cuidar.
Talvez não seja tão ruim quanto a vida que eu já levo. É extremamente
triste pensar assim. Que a minha única saída da tristeza, que é ter um pai e
uma mãe tão frios e maquiavélicos, seja um casamento arranjado, com um
homem mais velho e com um bebê sem mãe.
Antes de sair do quarto, para poder esperar o meu futuro marido na sala de
estar, eu paro em frente ao espelho e encaro a mim mesma com um vestido
marrom sem graça, os ombros são fofos e ordenados como se fosse feito de
glacê, a saia é pregada e estou usando o sapato que a vovó me deu de Natal. É
um salto preto sem nada demais, apenas uma fivela quadrada na ponta com
pequenos strass.
Meus cabelos estão penteados para trás e alisados porque quando eu os
deixo soltos, ao normal, que ficam quase cacheados criando muito volume,
papai não gosta. Minha maquiagem é um pouco mais pesada do que
geralmente gosto de usar. Estou usando lápis de olho, bastante rímel e um
batom cor de cereja.
Olhando-me no espelho, me daria vinte e quatro anos, mas, por dentro,
agora eu me sinto com uma criança no meio de uma praia deserta vendo o
mar revolto e prestes a me engolir.
Ontem eu estava confiante, pensando que esse casamento poderia me
salvar da vida horrível que é conviver com meu pai com a minha mãe, mas e
se não for?
Acordei chorando, desesperada, ansiosa e com o coração acelerado.
Martelando dolorosamente até. Engolindo o soluço, limpo com cuidado
embaixo dos olhos as lágrimas e tomo um fôlego.
Saindo do meu quarto, fico parada no topo da escada procurando
coragem necessária para descer os degraus. Respiro fundo, assumindo
bravura e finalmente desço até o lobby da casa. Ninguém está e com isso vou
até a sala de estar, depois de jantar, e, por fim, vou para a cozinha e encontro
mamãe, que logo me vê e fala:
— Não acha que está arrumada muito cedo? E, por acaso, você não vai
almoçar?
Suspiro baixinho e respondo:
— Eu não estou com fome. Tomei um café reforçado e papai disse que
ele deve chegar daqui a pouco.
— Quando ele falou isso se não está em casa?
— Ele me disse ontem, que o... Paolo... vai chegar um pouco depois do
almoço.
— Se é assim, então está ótimo. Fique arrumada mesmo e espere
sentada na sala de estar.
— Sim, senhora, mamãe.
Com um aceno de cabeça, me viro e saio.
Mesmo que ela não tivesse falado, eu viria me sentar na sala de estar e
esperar a excelência, que é a forma que tratamos papai, chegar. Pensei em
trazer um livro comigo para me fazer companhia, mas aí papai não ia gostar.
Quando eu estou me sentando no sofá maior perto das janelas, escuto a
porta de casa abrir. Prendo a respiração e meu coração acelera loucamente.
— Boa tarde, senhor. Não pensei que viria essa hora hoje — Léa fala e
com isso eu sei que é meu pai.
Até mesmo porque ele responde falando alto e grosseiramente:
— Eu disse que tinha um encontro depois do almoço e espero que a
casa esteja limpa e organizada para receber uma visita importante.
— Está sim, senhor. Todos os dias limpo.
Fico revoltada com a forma como ele fala com os funcionários da casa.
— A casa está limpa e pronta para receber qualquer pessoa, não se
preocupe, senhor. Com licença.
Fecho os olhos e consigo visualizar perfeitamente ela fazendo a
referência de curvar levemente para a frente e olhar para o chão, se virar e se
afastar dele. Todo mundo aqui parece tratar meu pai como um rei e minha
mãe rainha. Isso me irrita bastante. Como eles são pedantes!
Quieta, abro os olhos e tento relaxar, mas vai por água abaixo quando
vejo a sombra do seu corpo no chão enquanto chega na sala de estar. Espero
que esteja ao alcance dos meus olhos para poder olhá-lo. Ele me olha de cima
a baixo e me levanto para ver direito como eu estou.
Depois de um longo silêncio, ele se pronuncia:
— Essa roupa está boa e o cabelo também. O salto poderia ser um
pouco melhor. Você deveria ter ido ao shopping, mas está apresentável. —
Olha para o seu relógio. — Paolo disse que já está a caminho.
Aceito sem dizer nada porque eu me sinto, como se tivesse algo na
minha boca tampando qualquer tipo de pensamento que eu possa ter agora, e
meu pai me traz um certo medo. Sempre foi assim. Sou um pouco
aterrorizada pelos seus olhos intensos sempre mal-humorado. Ele pode não
me bater, mas certos olhares doem mais do que um soco.
— Eu vou tomar um banho e trocar de roupa. Enquanto isso, você fica
aqui. Não sai daqui de jeito nenhum até eu voltar.
Ele não espera que eu faça nada ou nenhum cumprimento, muito
menos que fale. Ele deu sua palavra e sai me dando as costas.
Sete

C om o rosto erguido para a frente, não focando em nada realmente,


espero papai voltar. Nem sei quanto tempo já estou aqui.
Provavelmente uns bons dez minutos já e sem a possibilidade de
me levantar.
E se eu tiver vontade de fazer xixi?
Ele quer mesmo que eu fique aqui até ter vontade de comer ou ir ao
banheiro e esperar ele voltar ou coisa pior, fazer nas calças. Ele nem vai ligar.
Ele faz coisa muito pior na vida. Deixar-me aqui, me fazer ficar com vontade
de ir no banheiro, é uma tortura leve. Realmente não é nada que se compare
as atrocidades cometida pela Famiglia.
Engulo em seco e inquieta começo a bater com meus pés no tapete que
a minha mãe ama. Ela mata um se fizer algo nele. Uma vez meu irmão
deixou cair macarrão, graças a Deus não estava com molho, e ela bateu nele
como se tivesse feito algo absurdo.
Às vezes, eu tenho inveja do meu irmão por estar longe deles. Com
certeza está melhor do que eu, mesmo passando por algumas torturas e tudo
que um Homem de Honra tem que passar para se fortalecer. Mas ele está
longe do papai e da mamãe.
Eu fico me perguntando se sofrer e apanhar de pessoas estranhas dói
menos do que se for do seu pai e da sua mãe. Eu espero que não.
Arregalo os olhos. Espero nunca concluir isso na minha vida, porque a
única forma que eu posso comparar se dói menos é com meu futuro marido
me batendo. E eu realmente não quero ser uma dessas esposas que apanha do
marido. Acho que a minha conta de maus-tratos já está fechada.
A campainha toca e meu coração parece que sai pela boca. Meu Deus!
A única pessoa que está para chegar é Paolo e papai está lá em cima tomando
banho e trocando de roupa.
Eu fico quieta, na minha, esperando que alguém apareça e logo mamãe
vem. Ela trocou de roupa. Quando? Eu nem percebi.
Ela ajeita os cabelos e passa as mãos no vestido preto que colocou
como se fosse sair para um casamento. Até os sapatos vermelhos chiques que
tem ciúmes, está usando. Se meu pai queria que eu ficasse assim, foi um
sonho. Eu ia aparentar ter trinta anos e se me incomoda tanto a minha idade,
ele não deveria ter aceitado me casar com um homem mais velho. Ele deveria
então ter recusado e arrumado um homem da minha idade. E o mesmo serve
para Paolo. Assim eu não teria que ficar tentando forçar parecer mais velha.
— Boa noite, Paolo. Seja bem-vindo.
Reviro os olhos pela forma doce que minha mãe fala com ele. Ridículo.
E é ele mesmo. Ele chegou. Meu Deus!
— Pode entrar.
— Boa noite. — Eu escuto a voz dele e fico curiosa. Não parece uma
voz de um velho barrigudo com a barba nojenta e cheirando a charuto como
meu pai.
Meu pai tem quarenta e dois anos, é uma idade próxima a de Paolo,
então na minha cabeça eu só posso imaginar ele assim; como meu pai. Até
porque eu não vejo muitos homens. Meu segurança tem trinta e cinco, meu
irmão tem dezesseis, fui educada em casa e eu não posso olhar para cima
quando estou andando na rua. Tenho que ficar olhando pra baixo, só olho
para cima quando é para ver alguma roupa e isso com orientação da minha
mãe, que sempre vai junto.
Sei que se alguém soubesse disso, ouvisse eu falando, acharia que é
mentira ou exagero. Porém, infelizmente, eu não tenho necessidade de mentir
em meus pensamentos e nem nas orações; pois peço todo dia a Deus que esse
inferno acabe, mesmo não sabendo se existe algo melhor do que eu já tenho
no mundo que nasci.
Ouço passos cada vez mais próximos e veja os sapatos vermelhos da
minha mãe perto dos meus pés. Espero que ela me ordene a fazer algo.
É sempre assim. Eu sou um soldado.
— Querida, levante-se e cumprimente Paolo educadamente — ela pede
com a sua voz mais falsa do mundo.
Sentindo minhas pernas tremerem, com a sensação de que elas são
gelatinas, pisco algumas vezes e me coloco de pé. Erguendo minha cabeça
lentamente para encontrar seu rosto, admiro suas pernas compridas, o tronco
largo e as mãos grandes. Ele não tem tatuagem, pelo menos não nas mãos
como muitos soldados. Ele é grande e parece ser musculoso e é magro.
Graças a Deus, ele é magro, porque a impressão de ele ser gordo é
como se eu fosse me casar com o meu pai, realmente. Essa diferença já é
muito boa. Então... quando meus olhos registram seu rosto, fico chocada.
Eu realmente estava esperando um homem feio, velho, gordo, barbudo
e cansado pela vida. Mas ele é... bom para os olhos. É... atraente.
Ele é bonito. Tem uma barba por fazer com alguns pelos grisalhos
assim como seus cabelos, que nas laterais são mais grisalhos do que no topo,
como se tivessem reflexos no cabelo castanho. O rosto é bonito com um
queixo quadrado e o nariz também. Ele é sério e seus olhos têm quase que
uma placa de: “pare de encarar”.
Paolo está usando um terno preto, assim como a gravata e o colete de
dentro, mas a camisa é branca. O que me surpreende.
Notando que estou o admirando, enfia suas mãos dentro dos bolsos da
calça e por educação, provavelmente, ele estende uma para mim.
— Boa tarde — digo, com a voz baixa e tentando ser educada.
— Nina — ele murmura e solta minha mão, dando um passo para trás.
— Boa tarde também.
— Eu espero que você tenha feito uma boa viagem até aqui — mamãe
fala com toda simpatia que ela não é.
— Foi sim.
— Meu marido está no banho, mas deve estar descendo logo. Quer se
sentar e tomar um chá? Você toma chá?
— A não ser que a senhora vá tomar agora, eu tomo também.
— Então está bom. Vou mandar a Léa fazer... quer dizer, querida —
vira-se para mim e manda, já que as regras não permitem que eu fique
sozinha com um homem —, vai até a cozinha e peça para a empregada fazer
um chá para nós. Maçã ou canela? — pergunta para Paolo.
— O que a senhora for tomar — ele diz sem entusiasmo.
Eu estou me corroendo por dentro de alegria pela sua expressão fria e
distante dele perto dela, mesmo com sua tentativa de proximidade. Os lábios
dele estão em uma linha reta, duros e sem qualquer humor. Ainda dando
umas respostas afiadas assim para a mamãe. Estou adorando. Eu queria ter só
um pouquinho do seu poder para fazer isso com quem me intimida.
— Então faça de canela, querida — ela acaba falando.
— Com licença — eu peço me curvando de leve e saio da sala de estar.
Nos últimos passos para adentrar a cozinha, dou uma corridinha e
chego até Léa.
— Você não deveria correr com esses saltos e mesmo assim vai
estragar sua maquiagem. — Afaga meu rosto.
— Podemos não falar da minha maquiagem agora. — Sem ser grossa,
me afasto dela e cruzo os braços. — Mamãe pediu para você fazer um chá
para o convidado.
— De quê?
— Faz de canela e um de maçã. Acho que nem todo mundo gosta de
canela. Mesmo que ele tenha sido educado falando que tomaria o que a
mamãe tomasse.
— Você é muito atenciosa — Léa comenta e olha para os meus
cabelos e depois o meu rosto. Algo peculiar cruza seu olhar. — Pode me
esperar na sala que eu levo para você.
— Não precisa ir levar. Eu prefiro ficar aqui.
— Mas eu prefiro que você respeite seu pai e vá para a sala.
— Tudo bem.
Solto uma respiração exasperada e saio, voltando para sala de estar.
Mamãe está conversando algo idiota. Conversa fiada e eu chego quase
que ao mesmo tempo que meu pai.
— O que você está fazendo? — pergunta com o semblante fechado. —
Eu não mandei você ficar na sala de estar até eu voltar? Que menina teimosa!
Eu me encolho toda e olho para o chão.
Mamãe se aproxima e ergo o rosto para ver quando encosta a mão no
ombro do papai.
— Ela foi pedir a Léa para fazer um chá para nós.
— Mulher, isso é hora de você tomar chá?! — esbraveja papai.
E bem neste momento, Paolo aparece, do nada, por atrás da minha
mãe, mas mantendo distância. Então meu pai muda de postura e diz como se
estivesse brincando:
— Mil vezes tomar café, não concorda, Paolo?
Meu futuro marido não diz nada.
— Porque todos tomam café — continua papai com um sorriso
congelado e mentiroso. Olha para mim, forçando a paciência. — Volte para a
cozinha e peça para fazer um café também! — ordena como se eu fosse um
dos empregados.
— Sim, senhor.
— Não, querida — mamãe intervém. — Deixa que eu vou. — Ela
chega até mim e sussurra: — Vai ficar perto do seu futuro marido e deixa que
eu vou pedir para fazer o café. E se comporte. Sente-se direito.
Assinto e espero o papai deixar. E ele faz assim que mamãe fala algo
no seu ouvido.
— Vai! — ele manda.
Piscando sem jeito, aceno com a cabeça em sinal de respeito. Meu pai
me observa ir sentar-me de novo no sofá. Paolo se aproxima dele e o
cumprimenta finalmente com um aperto de mão. Sorrio, por educação, e olho
para baixo. Não quero me intrometer entre eles, que se sentam no sofá de
frente para mim.
— Você chegou mais cedo do que eu pensava. Tive que tomar um
banho. Precisei sair agora há pouco, mas nem demorei.
Nunca vi papai dar satisfação de nada até hoje.
— Tudo bem, não tem importância isso.
— Essa é minha filha, Nina. Creio que já foram apresentados.
— Sim — concorda sem esboçar alguma emoção.
Se ele me cumprimentar, é uma apresentação, eu estou por fora do que
é ser apresentada a alguém.
— Você veio aqui para a gente marcar o casamento, certo? — A voz
de papai me captura para o presente de novo.
— Eu vim aqui para conhecer Nina e falar com você sobre os
preparativos do casamento e entregar isto a ela. — Paolo tira do bolso alguma
coisa.
De longe, eu enxergo tem uma caixinha de anel. No caso, a minha
aliança. Eu seguro a respiração.
— Você me permite entregar para ela?
— Sim, é claro — responde rápido demais. — Eu vou até a cozinha
ver se o café está pronto. — Papai se levanta e sai tão rápido quanto o suspiro
que eu dou.
É sério que ele me deixou sozinha com um homem estranho que eu
nunca vi na vida? É incrível como suas regras morrem quando é para
beneficiar ele.
Nervosa, me mantenho sentada, congelada, basicamente a estampa do
sofá. Paolo levanta-se e se aproxima de mim. Pisco rápido registrando seus
movimentos quando escolhe se sentar ao meu lado. No mesmo sofá?
— Eu acredito que o seu pai falou que eu viria aqui hoje e que pediria
a sua mão em casamento? — Sua voz é segura e distante.
— Sim, ele me disse. — A minha voz é baixa.
— Você pode, por favor, olhar para mim?
Fico confusa se foi uma ordem ou um pedido. No entanto, eu faço o
que me pede. Encontro os seus olhos, que, por alguma razão, e tão rápido
quanto um piscar de olhos, vejo um lampejo de melancolia nos seus olhos
cinzas tão claros quanto um cubo gelo. Será que seu coração é tão gélido
quanto seu olhar?
— Seu pai também lhe disse que eu tenho uma filha pequena?
— Sim, ele me falou e... que você perdeu sua esposa. Eu sinto muito.
— Sou sincera.
— Nosso casamento está marcado para o mês que vem. Dia quinze de
agosto — comunica como se não tivesse me ouvido talvez falar da sua
esposa. Como se ela fosse um assunto proibido.
Registro com cuidado essa informação preciosa que ele me deu sem
uma única palavra dita. Sinto que seu olhar tem mais poder do que as
palavras. Não é igual meu pai que precisa humilhar e subir o tom da voz para
se engrandecer.
Não pensei que o casamento fosse tão cedo, mas não comento sobre
isso.
— Está tudo bem para você dia quinze de agosto?
— Está ótimo — murmuro.
— Okay.
Ele abre a caixinha e retira o anel de dentro. Um frio na minha barriga
me causa náuseas.
— Sua mão, por favor — pede e, quando eu não faço, ele questiona: —
Você sabe qual é a mão que fica o anel de noivado, não sabe?
Ele está exasperado e nervoso. E não sei o porquê.
— E-Eu... sei, s-sim. Me... d-desculpe. — gaguejo e levanto minha
mão, tremendo.
— Espero que caiba e você goste — ele comenta enquanto coloca o
anel no meu dedo.
Um diamante solitário adornado por um fio de ouro assim como o anel.
É simples e muito bonito. Elegante.
Finalizando, Paolo me surpreende colocando a caixinha na palma da
minha mão quando a vira para cima. Fito seu rosto.
— Para quando você quiser tirar para dormir.
— Ah — solto, ficando de boca aberta, mas logo me recupero do
choque de gentileza dele. — Obrigada, é muito bonita.
Ele faz um aceno simples e solta minha mão.
— Você espera um casamento grande?
— Acho que, pelo tempo, não vai ter como.
— Eu posso resolver isso — diz isso com tamanha autoridade e
segurança.
Tento procurar na minha mente quem ele realmente é na Lawless. A
pergunta ficou na minha cabeça a noite toda ontem.
Papai disse que ele é maior do que um soldado, que ele é um
Consigliere, mas de quem? Todo Underboss tem o seu conselheiro, e o Capo
e o Boss também. E eu não sei o nome de todos. Não conheço todos os
Madman. Piada. Eu nem tenho permissão para saber dos negócios da
Famiglia.
— Pergunte o que você quer, por favor — Paolo decreta, mas não tão
grosseiramente como meu pai fala comigo. E se ele consegue enxergar em
meus olhos a curiosidade, imagina quando convivermos.
Engulo em seco.
— Papai disse que você é um conselheiro e... eu não conheço todos os
homens da máfia. Nem quem eles são. Isso não me compete. É... só
curiosidade em saber...
— Eu sou o Consigliere do Capo Travis Lozartan — me detém de
continuar a gaguejar ridiculamente.
Arregalo os olhos e me mexo inquieta no sofá.
— Você sabe quem é ele, não sabe?!
Eu fico com a boca aberta sem saber o que dizer.
Minha nossa!
Para ser o conselheiro do nosso Capo, um homem tem que ser
destemido, estrategista e tão aberto a jogos de poder e manipulação como o
próprio Capo, ou até pior já que ele vai aconselhá-lo.
Eu não estava com medo de Paolo até agora, e se ele perdeu a esposa...
Será que ele a matou? Ou ela se suicidou?
Eu não escutei nada sobre a morte de ninguém importante, e quando
isso acontece é porque fazem de tudo para calar a boca dos fuxiqueiros.
Embora eu saiba que estávamos em conflito algum tempo atrás, mais ou
menos uns cinco meses atrás, não soube de nada. Teve uma grande guerra em
Las Vegas, mas eu não sabia da extensão de certos assuntos e principalmente
que o conselheiro perdeu a esposa. Será que foi por isso?
Seguro minhas mãos no meu colo para ele não ver que estou tremendo.
— Qual é a outra pergunta que você quer fazer?
— Não quero fazer... mais pergunta nenhuma. Não quero perguntar
nada não.
— Então, se é só isso. Vou esperar seu pai voltar e confirmar que o dia
do casamento vai ser quinze de agosto.
Concordo com um aceno.
— O casamento será em Las Vegas porque depois disso iremos para a
minha casa. Você se incomoda?
— Não — nego com a cabeça. — Não, de forma alguma e eu sempre
quis conhecer Las Vegas.
— Agora você vai morar lá.
Essa frase na boca de qualquer pessoa soaria com humor, mas não com
ele. Nada é suave saindo da sua boca enquanto ele não esboça uma reação a
nada. parece que é feito de gesso.
— E aqui está o café — papai fala chegando até nós e para. Vejo em
seus olhos a raiva por eu estar sentada ao lado de Paolo.
Oras, ele que me deixou sozinha com ele.
Acompanho papai colocar a bandeja sobre a mesa de centro e
oferecendo biscoito, café ou chá. Paolo aceita só um café e volta a se sentar
do meu lado.
Fico nervosa porque, pelo protocolo, era para ele se sentar em outro
sofá, não do meu lado. Mamãe olha para nós dois e não diz nada, nem papai.
Encarando o tapete chego a seguinte conclusão. Agora eu entendo o
porquê meu pai cede tanto a Paolo. Ele é o Consigliere do Capo. Ele é mais
perigoso do que papai, mesmo sem ser o próprio Capo.

Ainda estou com as pernas como gelatina, sentada no sofá da sala.


Paolo e papai foram para o escritório conversar o que eu não posso ouvir. É
óbvio que papai não ganhou apenas uns pontos com o Capo dando sua filha
para o conselheiro dele. Ele deve ter pedido algo.
— Levante-se e vá comer algo. Você vai acabar desmaiando! —
mamãe ordena.
Confesso que estou com fome e faço o que pediu depois que respiro
fundo e percebo que não vou cair ao levantar. Quando estamos com câimbra
e nos levantamos, a perna parece que não existe. Eu vi isso num seriado
médico – Grey’s Anatomy – de quando a pessoa não tem mais o membro e
ela o sente mesmo assim e tenta mexê-lo ou sente dor. Se chama membro
fantasma. Parece que estou com duas pernas fantasmas.
No caminho para a cozinha, eu escuto vozes vindo do corredor e, como
não tem ninguém comigo, me aproximo mais para entender o que estão
falando. Percebo que na verdade só tem uma voz, a de Paolo. Ele está ao
telefone com alguém e acaba de dizer a frase:
— Eu não acredito nisso, Gregori.
Ele não acredita no quê?
— A menina... É isso, ela é uma menina. A porra de uma criança.
Travis disse que ela tinha vinte anos. Vá à merda ele! Ela parece ter
dezesseis.
Ele está falando de mim. A porra de uma criança!
— E o pai dela provavelmente a forçou a se vestir e colocar uma
maquiagem ridícula que não tem nada a ver com ela. A foto que você me
conseguiu dela, não tem nada a ver com o que eu vi hoje.
Ele tinha uma foto minha?
Como conseguiu uma foto minha?
E quem é esse tal de Gregori?
— Não, tudo bem. Eu já dei o anel para ela. Não tem como voltar
atrás.
Ele pensou mesmo em voltar atrás e não se casar comigo?
Eu sou tão indigna de ser sua esposa, assim?!
— Eu vou conversar com o pai dela agora. O cara é um babaca. Ele e
a esposa tratam a menina de uma forma terrível.
Ele me chamou de menina de novo?
Como é que a gente vai ser marido e mulher, se ele me vê como uma
criança? Eu não o vejo mais como um velho. Ele não tem nada a ver com o
que eu imaginei.
— Tudo bem. Eu já estou voltando. Vou sair daqui direto para o
aeroporto pegar o jatinho. É claro que sim.
Depois de tudo que eu escutei, não tenho mais vontade de ouvir nada.
Cabisbaixa e zangada por ele me chamar de menina, criança, não ouvi
mais o que ele pensa sobre mim, entro na cozinha e Léa logo vem até a mim.
— O que que há com você? Parece triste, criança?
— Não me chama assim! — esbravejo jogando minha ira nela sem ter
culpa. — Me desculpe, Léa. Eu só não quero mais que você me chame assim.
— Tudo bem, senhorita. Eu a chamava assim porque pensei que você
gostasse.
— Eu gostava, mas... vou me casar agora, então não posso mais ser
uma menina, uma criança. Quem pensaria que uma esposa é uma criança?
Ela estica a mão e afaga meu rosto, me dando um carinho que minha
mãe nunca foi capaz. Não é capaz.
— Não se preocupe. Vai dar tudo certo e eu espero que seu casamento
seja feliz. Faça valer a pena, mesmo que você tenha medo em algum
momento. É normal. A gente faz da vida o que esperamos que ela seja. É
como a frase: Faça do limão uma limonada. E tenha cuidado para não espirar
nos olhos.
Sorrio para ela e agradeço quando me abraça.
— Obrigada pelo carinho e eu vou sentir muito a sua falta.
— Aposto que deve ter outra Léa por lá.
Sorrio em agradecimento e me afasto para pedir a ela que prepare um
prato de macarronada com almôndegas para mim.
— Você quer me ajudar?
— Não! Ela não pode te ajudar, Léa. — A voz da mamãe corta a
alegria assim que sobrepuja o ambiente. — Ela precisa comer rápido porque
nós vamos sair.
Viro-me para mamãe.
— O que vamos fazer?
— Vamos ver seu vestido de casamento. Então, é melhor você andar
logo. E seria bom prender este cabelo, porque vai ser assim que você vai estar
no seu casamento. — Ela chega até a mim, segura meus cabelos para o alto e
coloca um pedaço para o lado, no meu ombro direito. — Vou colocar um
arranjo de flores no meio dos cabelos. Não pode ser à toa eles serem tão
grandes. Agora, vai servir para um belo penteado de princesa no seu
casamento. — Ela dá seu sorriso congelado de dama da sociedade.
Eu detesto esse sorriso. Espero que nunca tenha que fazer.
Concordando, assinto. Eu realmente não tenho voz para dizer nada a
ela.
Algumas meninas têm liberdade porque os pais os honram tanto quanto
seus filhos os obedecem, mas os meus são terríveis. Deus me perdoe, mas eu
odeio os meus pais. E morro de medo dos meus filhos um dia pensarem assim
de mim. A filha... do Paolo. Minha nossa! E se pensar isso de mim? Afinal de
contas eu vou ser uma madrasta. As madrastas nos filmes da Disney não são
muito boas e ninguém gosta delas. Mas eu vou tentar ser legal, ser uma boa
mãe e espero que ela goste de mim.
— Ande logo com isso. Eu vou trocar esses sapatos e já volto. — Ela
sai me deixando sozinha sentada no balcão.
Olho para Léa, que balança a cabeça e diz:
— Coma com paciência, Nina. Deixa sua mãe para lá.
— Como se eu pudesse fazer isso! — resmungo.
Oito

M inha cabeça está um ciclone de pensamentos. Esfrego meu


rosto sentado no banco de trás do carro e respiro fundo. Toda a
viagem de volta para Las Vegas não parei de pensar naqueles
olhos meigos e tão bonitos, e dentro de uma criança. Merda! Eu vou ter uma
conversa muito séria com Travis. Ele me disse que ela tinha vinte anos. Ela
pode ter no papel, mas a figura que Nina tem é de uma menina. Ela é uma
doce menina ingênua, virgem e maltratada.
Às vezes, a nossa idade não corresponde com o que vivemos. O que
realmente somos. E estava na cara que dela que não é bem tratada em casa,
que é muito jovem e não tem experiência. Acredito que nenhuma.
Como que puderam me dar a garantia de que ela será uma boa mãe
para minha filha? Eu mal consigo imaginar ela nua. Reivindicar sua boceta,
será uma tortura. Puta merda. Ela na minha cama parece errado.
Talvez eu me surpreenda. Espero que sim. Eu estou cansado e não
trabalho como antes e esse casamento é só por isso. Estou sendo a metade do
homem que sempre fui e preciso de ajuda com Sophia. Preciso de uma esposa
para ser a mãe da minha filha. Não pretendo nada com esse casamento além
disso.
E mesmo longe, agora fico com a imagem dela na cabeça. Os cabelos,
o rosto e mesmo que não tenha sorriso, mal tenha falado comigo e estava
consideravelmente nervosa, com medo ao meu lado quando eu entreguei a
aliança, eu vi o quanto era bonita e, caralho, ela lembra Mia de uma forma
que dói dentro de mim.
Loira, muito branca quase parecia pálida e doente, mas não era. E o
jeitinho dela. Delicada ao falar, mesmo com os pais babacas. A voz dela
baixa. Eu vou me sentir um velho com ela meu lado. Espero que a sensação
passe logo.
— Chegamos, senhor — Filippe informa.
Eu saio do carro, entrando logo em casa. porra! Vejo Marta dormindo
no sofá, a cabeça pendurada e uma flanela no ombro. Deve ter colocado
Sophia para dormir e acabou pegando no sono por aqui. São onze e meia da
noite agora. Ela deve estar cansada.
Vou até ela e encosto no seu ombro, acordando-a.
— Marta.
— Oh, senhor. — Desperta toda atrapalhada. — Me desculpa. Eu devo
ter pego no sono.
— Não precisa se desculpar. Está tudo bem
— A Sophia já está dormindo — ela explica levantando-se e ficando
na minha frente.
— Deixa comigo agora. Pode ir para casa. Peça para Filippe levá-la.
— Sim, senhor — assente concordando. — E o senhor, conheceu a sua
futura esposa?
— Conheci, sim.
Abre um sorriso cansado, porém feliz.
— Espero que tenha ocorrido tudo bem. Boa noite, senhor.
— Boa noite.
Espero ela se virar e seguir o caminho para os fundos da casa, e sigo
meu caminho.
Arrependido, cansado e com um peso maior do que eu realmente posso
carregar nas costas, subo e vou até o quarto da minha filha. Eu a vejo
dormindo agarrada ao ursinho que a Madeleine deu a ela. Sempre grudada
nesse cachorro de pelúcia.
— Oi, minha querida — digo baixo não querendo acordá-la.
Passei o dia inteiro longe dela e é incrível como eu sinto sua falta
quando estou longe. Tenho preocupação de ela se tornar uma pessoa triste ou
fria. Não quero que seja assim. Quero que ela seja forte, audaciosa e alegre. E
vou fazer de tudo para acontecer isso. Nina pode ter me assustado com sua
juventude, mas com certeza sua jovialidade será bem recebida por Sophia.
— Durma bem, princesa. Até mais.
Saio do quarto dela e caminho até o meu. Tomo um banho quente e
rápido, respondo Travis de que amanhã vou fazer os meus afazeres e estarei
ao seu lado para conversar sobre a retaliação aos mexicanos e a conversa com
os MCs. Respondo outras mensagens que mandaram enquanto estava no voo
e deixo o celular na cabeceira junto com minha arma. Encaro a babá
eletrônica que está do lado e rio.
Eu rio para a babá eletrônica, rio para a minha cama vazia, o espaço
vazio. E sinto como meu peito também estivesse vazio. Eu me sinto assim
todas as noites que apago as luzes e mais um dia se passa.
Jogo-me na cama e me cubro pensativo.
Vou me casar porque eu preciso, contudo, meu coração... ele foi
enterrado com Mia. Um homem da máfia não deveria se apaixonar porque
sua paixão se torna obsessão. E é muito perigosa. Nada que supere a lealdade
a nossa Famiglia pode ser bom.
— Eu percebi, pela sua voz ontem no telefone, que não estava feliz,
mas não achei que estivesse tão insatisfeito — Gregori fala sentado na minha
frente no meu escritório de casa depois que eu conto tudo sobre Nina.
— A garota é uma menina e os pais dela são uns babacas. Eu tive que
me segurar muitas vezes para não ceder ao meu impulso violento. O cara
tratava a menina como se fosse um lixo, nem parecia que era filha dele. Eu
jamais faria isso com Sophia.
— É porque você guarda um pouco de decência ainda.
— Pode ser isso ou não. Não estava certo falar com ela daquele jeito.
Faltou realmente pouco ontem para eu mandar Rocco Gatti calar a
boca. Ele tratava Nina horrível e eu sentia como ela estava com medo dele.
Provavelmente ela pensa assim de todos os homens. Que todos tratam as
pessoas, principalmente as mulheres, daquela forma. Mas nem a mãe dela
ficava longe do pai na forma de tratamento. Os dois se completam porque
maltratam a menina da mesma forma. Talvez Nina seja a válvula de escape
para eles deixarem de ser frustrados. Quantas pessoas não fazem isso na vida.
Abusam de outras pessoas para se sentirem satisfeitas na vida de merda que
tem.
— Eu pensei que você ia cancelar o casamento depois de tanta
reclamação no telefone.
Levanto o meu olhar para Gregori em um aviso silencioso.
— Mas aí você disse que deu a aliança.
— Se eu não confiasse tanto em você e precisasse no momento, eu ia
meter uma bala na sua cabeça.
Ele solta uma gargalhada e levanta-se.
— Você precisa relaxar. Talvez uma boceta nova vai fazer você ficar
feliz.
— Ela vai ser minha esposa. Olha o respeito.
— Ah, que isso. Todo mundo sabe que os homens velhos que se casam
com as menininhas ficam mais joviais. Talvez isso vai ser bom para você tirar
um pouco desse estresse.
— Gregori!
— Já estou indo — ele fala e sai do escritório.
Não tinha deixado de pensar isso. Não passou despercebido que a
idade dela seria boa para as eventuais noites que eu quiser foder.
Eu amava Mia, amava transar com ela. Nós nos satisfazíamos e muito
bem. Ela era perfeita, mas eu tenho que parar de me lembrar dela, dos
momentos com ela e nas vezes que a gente trepava nessa mesa do escritório.
Até acho que fiz minha filha por aqui mesmo.
Droga! Esquecer Mia vai ser muito difícil. Agora vai fazer oito meses,
assim como nossa filha completa oito meses dia dez de agosto. E a dor que
sinto parece que foi ontem que ela morreu.
Levantando-me, pego o meu paletó e visto, depois o meu sobretudo. O
clima está frio e não consigo entender. Estamos saindo do verão e indo para o
outono agora. Deve ser uma frente fria.
Chego na porta de casa e avisto Marta com Sophia no colo, que
resmunga suas palavras incompreensíveis. Decido ir até ela antes de sair.
— O que que ela está falando aí?
— Se eu conseguisse entender, senhor — Marta diz com um sorriso
doce. Um carinho de avó.
Não é porque um Homem de Honra é frio que não consegue
reconhecer sentimentos nos outros.
— Me dê ela um pouco — peço e Marta coloca minha filha nos meus
braços.
Faço carinho nas suas bochechas, na sua mãozinha que toca meu rosto
e nos seus cabelos, que estão crescendo loiros e macios. Assim como os olhos
azulados, ela é toda a mãe.
Talvez não só a minha futura esposa será o fantasma de Mia como
também a minha filha. Eu vou ter que aguentar para o resto da vida dois
retratos da mulher que eu me apaixonei sem nem perceber e nunca disse que
a amava.
Meu maior erro na vida não foi amá-la e deixá-la morrer, foi nunca ter
tido a competência de dizer o que eu sentia. Assim que minha filha começar a
entender, eu vou dizer o quanto eu a amo, porque eu amo a minha filha.
Espero que ela não só me respeite. O amor também é importante, talvez mais
forte do que quaisquer sentimentos.
Vendo o horário, eu deixo Sophia nos braços de Marta.
— Mantenha-a agasalhada. Está muito frio.
— Sim, senhor.
— Até mais — digo e sacudo a mão de Sophia, que grita.
Ela me deixa animado e feliz, mesmo por muitas vezes cansado.
Isto está no fim. Em breve, estará tudo melhor.

Como uma miragem, eu vejo Travis entrar no meu escritório no MGM.


Ele quase nunca vem aqui. Deixa essa responsabilidade para mim.
— Alguém me contou que você está nervoso, isso é verdade, Paolo?
— É verdade!
Balanço a cabeça e me levanto da minha cadeira, contorno a mesa e
fico de frente para ele.
— Você me disse que a menina tinha vinte anos, mas se esqueceu de
mencionar que ela tem cara de dezesseis.
Travis continua com seu rosto passivo e ignora-me, dá as costas e
senta-se em uma das poltronas perto do sofá, onde passei muitas noites
dormindo já que em casa não consigo.
Ele cruza as pernas e deixa os braços sobre os braços do sofá e diz:
— Você ainda queria que eu soubesse como a menina aparenta? Por
Deus, Paolo. Eu arrumei uma solução para você e agora está sendo ingrato.
— Eu não estou sendo ingrato — devolvo.
— Pretende anular o noivado?
— Nem se eu quisesse eu poderia já que entreguei a aliança.
— Então por que ainda estamos falando sobre esse assunto? Já marcou
a data do casamento?
— Vai ser dia quinze de agosto. Quis dar um tempo para a menina pelo
menos conseguir um vestido bonito. — Enfio as mãos nos bolsos pausando.
— Eu posso estar com pressa, mas é diferente para ela. Será seu primeiro
casamento. Eu não sou tão babaca assim.
— Eu sempre soube que você tinha um coração.
Balanço a cabeça, ignorando suas palavras e vou sentar-me na outra
poltrona e acendo um cigarro.
— Espero que você pare de fumar um pouco depois de se casar. Eu
não quero que você morra pelos inimigos e nem de câncer de pulmão, Paolo
— recrimina de cara amarrada.
— Agora você vai ficar ligando para isso?
— Eu sempre me importei com esse tipo de coisa. Não fode.
— Então por que não fala pro Luca parar de fumar? Por que você não
fala para ele parar de cheirar tanto? Eu posso morrer de câncer de pulmão e
ele de overdose.
Travis respira fundo e cerra a mandíbula, nitidamente irritado.
— Eu preciso que você tenha sanidade, para o Luca, nem tanto. E não
confunda você com Luca. Ele é para mim como um cão feroz que eu
mantenho na coleira deixando fumar carreiras de cocaína, agora com você,
não. Então não faça essa comparação. Eu, às vezes, mando ele parar de
cheirar, mas não sou a mãe dele, assim como não sou seu pai. E você nunca
me escutou sobre o cigarro, diminuiu há um tempo, mas desde que Mia
morreu você vive fumando.
Concordo com um aceno e dou uma tragada.
— O líder dos MCs de Chicago entrou em contato comigo — fala
calmamente, sem se alterar.
Franzo a testa ouvindo-o.
— Na verdade, ele me ligou essa madrugada.
— Ele entrou em contato com você? Isso é peculiar. E o que que ele
queria?
— Dar informações em troca de um contêiner de armas.
— Informações sobre o quê? O que temos a ver com Chicago?
— Vito Malvez — solta sua risada perversa. — As coisas não andam
muito bem por lá. O cara só anda fazendo merda e parece que Cassio não está
satisfeito com a forma como a sua Famiglia, a extensão da ‘Ndrangheta, está
sendo organizada.
— Seja mais específico sobre as merdas acontecendo por lá porque em
Las Vegas as coisas também desandaram no comando do seu pai.
— Você reclama que ultrapassamos as regras. Que eu não respeito as
tradições da família. Então imagina se a Bratva estivesse dentro da minha
casa, comendo na mesma mesa. Se irmãos pudessem ficar juntos, se os casais
não tivessem que honrar a data de casamento. É tudo uma balbúrdia que está
acontecendo na Blood Hands. O controle das drogas e das armas não existe
mais. O líder dos MCs falou que eles querem as armas porque os mexicanos,
os russos e até mesmo os japoneses, estão entrando em conflito pelo território
de Chicago.
— Então a Blood Hands está indo de mal a pior?
— Essa merda basicamente não existe mais. Está ficando sem território
e é óbvio que Cassio vai surpreender a todos e fazer alguma coisa definitiva e
monstruosa. E todos sabem que ele corta o mal pela raiz.
— Será que Vito não tem um plano para melhorar?
— Que plano, Paolo? Ele é o nosso inimigo direto, a Darkness não
quer saber dele e a Diabolos, não fede nem cheira nesse jogo. Está cada dia
mais perdendo espaço e cidades. A gente ainda vai chegar ao ponto de a
Diabolos ser distribuída em pedacinhos. Um pouco para cada Famiglia.
Serão menos italianos desonrados para nos preocupar. Talvez seja melhor
assim no futuro.
— O que você disse para o líder dos MCs?
— Que eu ia conversar com você e ver o que poderíamos fazer, mas
que não iria entrar numa guerra agora com Vito Malvez.
— Ele quis saber o porquê? — E concluo: — Porque eu também quero
saber.
— Eu disse que eu acabei de limpar a casa. — Dá seu sorriso de lado
insolente. — E que eu não quero um conflito agora. Não no momento; e se eu
entrar lá, vou matar o Vito da pior forma e não vai ficar bom. Afinal, eu
acabei de fazer um acordo com a Darkness, que é um acordo com o Cassio
D’Ângelo e não preciso brigar com ele agora. E as merdas que estão
acontecendo lá não estão afetando a gente, ainda. Na verdade, estão
favorecendo.
— Mas você vendeu as armas — afirmo e cerro os olhos.
— É claro que sim. Eu quero mais é que se matem.
— E outro motivo de você não querer entrar nessa briga é por causa do
seu filho, não é?
— É. — Muda a postura, partindo para a defesa. — Como disse a
você, eu quero que a gente consiga pelo maior tempo possível esconder a
existência do meu filho. Madeleine já é um alvo, antes mesmo de todo o
conflito com o Ivon. E agora os inimigos não precisam saber que ela está
grávida. Quase parindo, pra ser exato.
— Entendi e a gente pode resolver esse problema. E sobre os MCs, não
garanto que eles vão ficar quietos. Eles geralmente entram em contato porque
estão precisando e vão insistir. Você sabe disso.
— Eu sei, mas já dei meu ultimato. Não vou voltar atrás. — Algo
passa em sua mente. — E vou ligar para o Cassio, para dar a informação.
— Está querendo ser amiguinho dele?
— Melhor amigo de Cassio D’Ângelo do que inimigo. Se você pensa
que eu sou um lunático, que gosta de conflitos; um psicopata que gosta de
sangue; não sei qual seria a descrição exata para Cassio D’Ângelo.
Concordo balançando a cabeça e termino o cigarro. Realmente ter uma
briga indireta com a Darkness não é bom. Mesmo que Cassio seja o Boss da
‘Ndrangheta e não o verdadeiro líder de Nova York, interfere e muito Travis
se envolver na briga com a Blood Hands.
— Será que Giovanni está sabendo?
— Eu acredito que sim. Chicago fica ao lado e eu vou dar a
informação para o Cassio mesmo sabendo que o filho já falou com ele.
— Com certeza será bom mostrar sua lealdade a Cassio.
Ele assente e se levanta.
— Estou indo para o Balcão e depois para casa. — Ajeita os botões do
paletó. — Madeleine anda com contrações. Passe depois no Bellagio e no
Mood-Night. Teve algum problema por lá. Veja o que houve.
Levanto-me também.
— Pode deixar.
Sem dizer mais nada, me dá as costas e sai da mesma forma que surgiu
aqui: como um fantasma. Com tantos inimigos, o Capo precisa ser mais
rápido que sua sombra, que no caso se torna eu. Eu sou a sombra do chefe.

E u estou nervosa desde a hora que acordei. Não consigo tirar da


mente que amanhã é o meu casamento. O tempo passou muito
rápido e basicamente nem senti, mesmo minha mãe me forçando a
estar presente em todos os preparativos do casamento – embora não pudesse
opinar em nada.
Era como se eu não estivesse no ambiente: na sala vendo revistas de
noiva, na loja de vestido. O corpo que experimentou o vestido
definitivamente não foi o meu.
Mas eu preciso erguer a cabeça e pedir a Deus que tudo dê certo. Não
pode ser tão ruim quanto a vida que já levo. Vou fazer o que Léa me disse.
Vou fazer valer a pena.
Até li uns livros de bebês porque, pelo que eu entendi, a filha de Paolo
é pequena. Só que ninguém me deu uma informação exata. Não sei quantos
anos ela tem. Isso me irrita porque eu vou ser a madrasta dela. E eu poderia
ter um pouco mais de informação. Queria poder comprar um presente para
ela, qualquer coisa para a gente fazer uma amizade. Mas mamãe nem liga
sobre isso, nem pergunta. Não questiona e nem chega para mim e fala:
“Querida, você está preocupada de cuidar de uma menina que não é sua
filha?” ou “Querida, você quer um conselho de mãe?”.
Definitivamente, meus pais eram para ter cachorros ou gatos, não
filhos.
— Está de cara feia de novo? — mamãe pergunta entrando no meu
quarto.
Viro-me para ela, ainda sentada em minha cama, e respondo:
— Eu só acordei agora. — Não que isso seja mentira.
Acordei há uns vinte minutos e fiquei olhando para o teto, depois me
virei e encarei meu abajur cor-de-rosa e virei para o lado, para as portas da
varanda.
Parece que a minha cabeça vai explodir de pensamentos e dúvidas.
Estou agoniada e com medo. Eu me sinto muito sozinha e, mesmo que Paolo
tenha demonstrado que não será muito acessível, talvez a filha dele seja e os
nossos futuros filhos também.
Meu Deus. Filhos! Esse futuro pode estar muito perto agora que eu vou
me casar.
Será que ele vai querer ter um filho comigo? Ter mais um filho sendo
que já tem uma idade um pouco avançada. Meu pai e minha mãe tentaram ter
outro bebê depois de mim, tentando diminuir um pouco o desgosto e a
vergonha por eu ser menina, mas então papai desistiu quando fez quarenta
anos.
— Se levante e vista uma roupa bonita. Vamos para Las Vegas em
trinta minutos.
— Mas... eu não iria só amanhã de manhã?
— Acho melhor você chegar lá hoje para termos mais tempo de cuidar
de você e fazer o penteado.
— Tudo bem, então.
— Todas as suas coisas de noiva já estão no carro e sua mudança já foi
desembarcada mais cedo. No seu armário agora só resta a roupa para ir
embora.
Franzo a testa sem entender.
— Mas tem um monte de roupa no meu armário ainda.
— Suas roupas infantis? — pergunta mal-humorada e solta uma
gargalhada. — Você não vai levar isso nem sobre o meu cadáver, Nina. Você
não é mais uma menina para ficar usando aquilo e pare de ficar mordendo o
lábio e fazer maria-chiquinha. Você quer que seu marido a veja como uma
criança?
Ele já me chama de criança – penso de cabeça baixa.
— Responde! Eu estou falando com você. — Ela chega mais perto e
levanta meu rosto segurando meu queixo com suas unhas finas e a mão
gelada. — Você quer que ele a veja como uma criança?
— Não, senhora.
— Então pronto. — Ela me solta, vira as costas e caminha decidida até
a porta do meu quarto para ir embora. — Coloque a roupa que eu deixei para
você vestir no armário e deixa as outras ali. Se você pegar qualquer uma, eu
vou queimar na sua frente.
— Está bem, mamãe.
Eu a espero sair e fechar a porta, para deixar meu corpo cair na cama e
colocar um travesseiro no meu rosto enquanto grito de desespero e choro.
Esse inferno está acabando, Nina.
Talvez eu seja feliz com Paolo. Eu vou fazer de tudo para ser feliz em
Las Vegas. Não aguento mais sofrer, ser maltratada, escorraçada e
humilhada. Eu vou esquecer meus pais quando chegar em Las Vegas. Minha
vida nova começa amanhã. Mesmo incerta, é nova. Eu posso fazer valer a
pena.
Nove

N nunca fiquei congelado na minha vida. Em nenhuma ação que já


fiz, seja qual for, sempre sou rápido e atento. Não paro para
pensar quando estou em ação, diferente de quando estou
pensando nas estratégias.
Agora estou em ação porque o momento de planejar, foi três semanas
atrás, quando fui até a casa de Rocco Gatti e lhe informei que aceitei sua filha
como minha nova esposa. Que eu dei a aliança para Nina. Quando já tinha
afirmado o casamento com outra mulher e, porra, aqui estou eu parado,
apenas respirando e encarando a porta do quarto de hotel.
O casamento tinha que ser pelo menos memorável para Nina. Eu posso
ser um canalha em jurar internamente que nunca vou amá-la, porque é muito
difícil esquecer minha ex-esposa. Mas não era justo fazer um casamento
simples.
Solto a respiração e depois de girar pela milionésima vez o anel... a
minha antiga aliança no meu dedo, eu retiro e deixo sobre o aparador que fica
no corredor da porta.
O único que tem noção de como realmente eu estou é Gregori. Na
verdade, ele entende mais ou menos o que se passa na minha cabeça. Os
outros soldados e membros da Famiglia pensam que estou mais retraído por
raiva, querendo vingança pela morte da minha esposa.
Posso ainda estar com sede de sangue, mesmo que já tenha me vingado
dos principais. Peguei todos que pude menos o desgraçado que apertou o
gatilho. Esse ainda não me conheceu.
Virando-me para o espelho, ajeito minha gravata e meu paletó. As
aparências precisam ser mantidas e vou continuar sendo um homem frio e
calculista. O braço direito do meu Capo, o pai protetor da minha filha.
Conferindo meus bolsos com uma faca pequena e a aliança, eu saio do
quarto. Dou de cara com Filippe, que está comigo desde que mandei Gregori
ficar com Sophia.
Pego o caminho para o elevador e ele fala:
— Me informaram que a garota está pronta para descer.
— Quem está com ela?
— O guarda-costas dela. Um tal de Alcide.
— Por que não é nenhum dos nossos? Messi estava disponível.
Esse tinha acabado de fazer o juramento da Lawless e não tinha sido
designado para ninguém. Poderia vigiar Nina.
— O pai dela não permitiu.
Solto um som resmungo alto e aperto com força demais o botão do
elevador.
— Como se aquele gordo babaca desse a mínima para a filha.
Filippe baixa a cabeça, mas vejo quando sorri. Deve ter ouvido algo ou
visto. Eu juro que se eu pegar Rocco ou a esposa, que não fiz questão alguma
de saber o nome, tratando Nina mal de novo na minha frente, eu vou comprar
uma guerra com Travis, mas estou pouco me fodendo. Ele vai aprender a
falar com a minha esposa direito.
Chego no hall do salão de festa 1 do hotel e ando sem pressa até o altar
que armaram no fim do espaço. Ainda está vazio, os convidados estão
aguardando no salão que ocorrerá a festa, esse é para a cerimônia. Está tudo
arrumado com um gosto que não parece de uma jovem mulher. Cores muito
escuras e sem graça. Nina tinha um ar tão elegante e sofisticado, mas
moderno. Ela não escolheria copos de leite e marfim para o casamento.
— Está tudo do seu gosto, Paolo?
Escuto a voz atrás de mim e me viro para ver a mãe de Nina.
— Foi Nina que escolheu?
— É... é...
— Eu dei três semanas e reservei este salão para fazer um casamento
para ela.
— E foi ela que escolheu.
Mentira não é a melhor arma que uma mulher sabe usar. E essa mulher
é intragável.
— Que seja. Vou para o meu lugar. — Com isso espero que ela tenha
entendido que precisa ir para o lugar dela, sentada em frente ao altar e calada.
O casamento não é dela.
Parado no meu lugar, aprumo a postura vendo as portas se abrirem e
vendo os convidados entrarem e pegarem seus lugares no salão, que não terá
muitos convidados.
Eu espero todos os convidados entrarem. Meus pais, que não parecem
felizes. Alguns soldados com suas esposas e filhos de Las Vegas e Seattle, os
mais próximos obviamente. O Underboss de Denver, que veio porque fui
naquele encontro peculiar de Travis. Ele veio porque sabe que sou o único
que pode tentar barganhar as decisões do Capo. O Underboss de Reno e de
Carson City, o próprio Boss, Vincenzo Lozartan não veio.
Enzo veio com a mãe e a irmã. Luca está em missão no casamento, não
convidado e outros soldados também. Os Consiglieres de Rocco e Orazio,
que veio com a família. Ele tem umas dívidas comigo e nada mais justo vir
ao meu casamento.
Franzo a testa impressionado, e não é fácil me deixar surpreso, vendo
entrar no salão Amândio D’Ângelo, que comparece ao casamento. Ele está
representando a Darkness. Agora ele que aparece em todos os eventos para
representar a Darkness. Giovanni não comparece em mais nada.
Logo todos os lugares estão ocupados e completa com Travis, que
chega um pouco atrasado com Madeleine. Ela nem era para estar aqui. Não
precisava ter vindo, mas veio e chega até a mim, aperta a minha mão. Sempre
quebrando os protocolos.
— Eu só vim porque queria ver você tentar ser feliz de novo.
— Eu não posso te prometer nada, senhora.
— Não fala assim comigo — reclama com um sorriso.
— Tudo bem.
— Onde está a Sophia? — pergunta toda feliz, com os olhos brilhando.
Eu não poderia ter escolhido uma madrinha melhor.
— Está ali com a Marta.
— Eu vou ficar um pouquinho com a minha afilhada.
— Fique à vontade.
Sorrindo, faz um cumprimento e se afasta. Travis aperta minha mão,
sem dizer nada e segue a esposa. Não tem outra pessoa mais feroz para
protegê-la do que ele.
Mais uma vez, eu ajeito meu paletó e olho meus sapatos. Respiro
fundo e então a música começa. Ergo minha cabeça e fito as portas do salão.
Minha nossa! Ela está linda e não é porque não sinto nada por ela e é
um casamento estratégico, que não posso me sentir atraído. Eu vou precisar
dormir com essa mulher.
Nina está muito bonita, embora eu não goste muito do vestido. Está
aparecendo muito o decote, chega a ser indecente, que é segurado por duas
finas listras que não posso chamar de alça. Tem muito strass e a saia é colada
no corpo. Ela não parece confortável e não tem nada a ver em se casar com
alguém sem amor. Não tem nada a ver por ser um casamento estratégico.
Nunca erro no que penso e tenho quase certeza de que foi a mãe dela
que arrumou tudo e não deixou a menina optar em nada. É ridículo o buquê
que ela segura. Copo-de-leite? Horroroso é pouco!
A melodia matrimonial pega um ritmo mais acelerado, o que faz Nina
colocar-se em movimento. Mesmo de longe, eu consigo ver o pai dela
apertando seu braço. Ele estava a fim de tomar uma facada no meio da
jugular dele.
Quando ela está muito perto de mim, baixa os olhos de novo para o
chão. Eu chego perto, pego sua mão e dou um aperto de leve, para ver se ela
levanta a cabeça e olha para mim. Ela faz e o que eu enxergo em seus olhos
me traz uma fúria. É medo e timidez.
Mia me olhou quase assim no dia do nosso casamento, mas não era tão
horrorizada. Talvez porque seus pais eram bons. Eu poderia contar com eles
para cuidar da minha filha se não estivessem mortos.
E de novo Mia preenche meus pensamentos. Eu tenho que arrumar um
jeito de parar de fazer isso.
Será que a minha nova e jovem esposa conseguirá apagar Mia?
E u não tinha escolhido nada para o meu casamento. Nem o buquê de
flores, o penteado e muito menos o vestido. E entrando na igreja de
cabeça baixa e encarando minhas unhas feitas pintadas de
vermelho, que detestei, fico me perguntando se esse casamento é meu ou da
minha mãe?
Todavia, estou tão desesperada para que eu possa me livrar dos meus
pais, que aceito qualquer coisa. Aceitaria até minha mãe pendurar um bode na
minha cabeça. Eu aceitaria qualquer coisa para me casar logo e morar bem
longe dela.
Deus! Ainda bem que Seattle não fica do lado de Las Vegas para ela
não ficar vindo me visitar, para fingir interesse na minha vida.
Ela nunca esteve interessada em mim. A não ser quando me obrigava a
ir aos eventos da Famiglia, para mostrar status. Sua proximidade sempre foi
por algum motivo, menos por interesse genuíno pela minha vida, como uma
mãe comum. Eu não precisava que ela me amasse, mas, como minha mãe, me
desse um pouquinho de valor real.
Com a marcha nupcial, eu caminho até o altar, para encontrar Paolo
depois que papai aperta o meu braço, me chamando atenção.
— Olha para a frente e mostre respeito. Não me faça passar vergonha
agora, Nina. Não é o momento para as suas gracinhas.
Nada digo e continuo a minha caminhada.
Na frente do altar, Paolo logo chega perto de mim e segura minha mão,
e dá um aperto de leve. Não é igual ao que papai fez. Não me machuca.
Eu olho para ele e não sei exatamente como me comportar. Eu não
estava nervosa até ontem. Talvez seja a presença do meu pai tão perto de
mim.
A única vez que papai ficou do meu lado assim, foi quando dançou na
minha festa de dezoito anos. Geralmente ele é muito distante e frio. E ele
estar agora com o braço cruzado comigo, eu estou quase implorando para o
meu... marido me puxar para os seus braços. Para me livrar do meu pai e da
minha mãe.
— Espero que você seja feliz, Paolo. Minha filha é uma moça muito
prendada e educada.
Paolo olha para ele por um longo tempo sem dizer nada.
— Vou fazer o meu melhor. — Então eu estou nos seus braços.
Solto um suspiro. Dessa vez, o meu braço está cruzado com o do meu
marido... meu futuro marido. Que seja! Daqui a alguns minutos vai ser meu
marido mesmo. Não preciso ficar me corrigindo.
Paolo me guia até o altar tão bonito, porém sem vida. Enquanto escuto
o padre começar a cerimônia, olho um pouco melhor para Paolo.
Ele está penteado. Cortou os cabelos, dá pra ver porque as laterais
estão mais para dentro. A barba feita e muito cheiroso. Ele tem cheiro de
couro, sabonete e, claro, o aroma do cigarro. Eu notei que ele fuma quando
foi me visitar há três semanas.
E ele está de branco. Sério?!
Como um homem que tem a dureza no andar, a amargura na voz, a
violência nos olhos e sangue nas mãos, se casa de branco? Paolo é um
enigma como qualquer homem da máfia, porém ele é o mais profundo. Só
não sei o quanto.
Ele me assusta. Me causa calafrio. Sua distância me incomoda. Em
seus olhos enxergo apenas a placa de: mantenha distância. Até quando?
Não sei se mamãe e papai vão realmente ficar satisfeitos com esse
casamento, ou talvez não se importem de ele ser um monstro no fim das
contas.
Eu ganhei uma vida totalmente nova e enquanto escuto o padre falar,
rezo para que não seja um pesadelo. Que o meu marido, este homem frio ao
meu lado, não se transforme no meu maior medo. No monstro que fica
embaixo da cama de muitas meninas. Comigo ele dividirá a cama comigo.
As palavras do padre voam no passar dos segundos e eu não pareço
estar presente. E logo chega o momento do juramento, que fazemos com
sangue. Quase suja meu vestido. Trocamos as alianças e o padre declara:
— Marido e esposa. Pode beijar a noiva.
O frio na barriga vem forte e prendo a respiração. Paolo fixa seus olhos
cinzas e penetrantes nos meus, fica muito perto e segura meu rosto com as
duas mãos. Eu prefiro fechar os olhos e esperar seus lábios tocarem os meus,
que acontece. Acontece muito rápido e sem vida. É meu primeiro beijo.
F oram mais de dez anos beijando uma única mulher. Foram mais de
dez anos tendo Mia ao meu lado, sendo minha companheira, a minha
esposa. E eu não estive com mais ninguém depois que ela morreu
nos oito meses, que parece que fiquei parado no tempo. Que não dei tudo de
mim em lugar algum. Eu não servi para nada nesse tempo e me esgotei. Esse
casamento é para me salvar de enlouquecer e perder meu posto como
conselheiro e ter uma filha fraca.
Nos oitos meses, eu não pensei em ter outra mulher, nem mesmo para
diminuir meu estresse.
E beijar Nina agora foi surpreendentemente bom.
Seus lábios... são macios e doces e virgens. Lábios nunca tocados. Eu
me sinto um sortudo filho da puta porque ela me atrai, mas não posso ceder.
É como se quebrasse o juramento que eu fiz a Mia. Até que a morte nos
separe. Esse casamento é para Sophia. Para eu manter as aparências.
Caminhando com ela para o salão de festa, fico com os pensamentos
no beijo. Foi um beijo, é fácil de fazer e fácil de dar. É rápido, mas eu vou ter
que manchar os lençóis com o sangue dela quando tirar sua virgindade.
Merda! Mil vezes merda!
Não tem como eu não fazer essa tradição. Eu mesmo cobro tanto de
Travis para respeitar as tradições da Famiglia, então como eu posso chegar e
dizer que não vou fazer a tradição dos lençóis de sangue. Uma tradição mais
antiga do que meus pais.
Irei me sentir um estuprador fazendo isso. Ela pode me atrair, é uma
menina jovem, bonita e com tudo em cima. Os peitos são bonitos, estão
empinados e cheios. Ela ainda tem vinte anos, está na flor da idade. Intocada
como uma flor que acabou de desabrochar. Eu sou uma flor murchando.
Duvido que ela vai querer transar comigo depois de hoje à noite, que é
uma obrigação. Eu espero que ela saiba que devemos consumar o casamento
neste hotel e em poucas horas, e depois apresentar os lençóis.
Poderia ser pela manhã como geralmente os casais fazem, todavia eu
recusei e programei para ser hoje a noite tudo.
É, está certo que vou cumprir com minha obrigação e vou fazer com
que tudo seja muito rápido. Eu quero terminar essa festa e ir para casa, tenho
uma filha pequena. Não posso ficar de palhaçada na rua.
Se eu não posso cuidar da minha filha para cuidar dos negócios, não
posso ficar festejando meu casamento arranjado e a mancha dos lençóis com
o sangue da virgindade da minha nova esposa. Nova demais.
Enquanto eu a faço se sentar no seu lugar, percebo que em seus olhos
tem uma dúvida me perguntando se eu também vou me sentar. Encosto em
suas costas, sentindo a sua pele macia. Um calafrio percorre seu corpo e não
sei se é de frio ou outra coisa. Será medo de eu tocá-la? Se for, vai ser difícil
manchar os lençóis. Porra!
— Eu vou fumar e já volto.
— Tudo bem — murmura acanhada.
— Coma um pouco. Você não parece ter comido.
— Eu estou bem.
— Você que sabe — digo e me afasto.
Vou para o lado de fora, para a varanda do salão. Pego um cigarro e
acendo e na penumbra da noite com poucas luzes para romantizar o ambiente
do casamento, a chama do cigarro é um alaranjado na minha cara.
— O que você está fazendo aqui fora?
Termino de tragar e olho para o lado, dando de cara com Colen.
— O que você está fazendo aqui?
— É o seu casamento e eu jamais perderia — responde com
simplicidade e seus olhos me registram de cima a baixo. — Você não parece
estar muito satisfeito. Porra, Paolo! A garota é bonita, por que não está feliz?
Vai ter uma bocetinha apertada e virgem hoje à noite.
Cerro a mandíbula, puto.
— Eu não sei por que está com essa cara de comeu e não gostou. —
Colen dá uma risada. — Na verdade, não tem como você estar com cara de
comeu e não gostou, já que não comeu ainda.
— Colen, o meu limite não é muito grande.
Ele estende a mão, pedindo um cigarro e lhe dou. ele acende e nós dois
tragamos juntos e soltamos. A fumaça dele faz três círculos no ar. Sempre
fazendo graça com tudo.
— Eu sei que o meu irmão obrigou você a se casar — começa, olhando
para longe — e que você está contrariado. É muito nítido, Paolo. Esse
casamento vai ser bom para você. Embora ainda sinta falta da sua primeira
esposa, o tempo sempre apaga os momentos.
Encaro seu perfil e não digo nada. Não querendo cortar o seu momento
de desabafo. Ele está distante e pensativo.
— Tem algo que você queira me falar, Colen.
— Nada demais.
— Tem certeza? — insisto.
— Só se você puder me responder com sinceridade também. — Ele
vira o corpo para mim e respira fundo.
— É verdade que Cássio está de olho em nós?
Jogo meu cigarro no chão e termino de apagar.
— Está falando sobre Cássio D’Ângelo estar de olho em todos nós em
questão das vezes que seu irmão quebrou as tradições? Se for isso, sim está e
até porque nós fizemos uma aliança com a Darkness e precisamos honrar a
Cosa Nostra e a ‘Ndrangheta. Você sabe como elas são mais rigorosas sobre
as tradições.
— É, eu sei.
— Agora, me fala por que isso? Por que esse assunto? Você fez
alguma coisa que quebre as regras, Colen?
— É só porque isso não me cheira bem.
Ele não me convenceu, mas prefiro que o tempo me responda. Colen
não é muito bom com as palavras e sim com ações, não nas dele e sim de
qualquer pessoa que precise da sua presença.
— E você, por que não está satisfeito com o casamento? A Nina
realmente é uma mulher bonita. Não é tão mais nova que você. Tem vinte
anos. Pior se tivesse dezoito. Ia ser bem pior. É bom pegar uma virgem de
vez em quando e, com certeza, se você é tão rigoroso com nossas tradições,
não deixará de cumprir uma das mais nojentas, porém necessárias, inclusive
em um casamento estratégico.
— Sim, eu sei e não vou deixar de fazer, embora, como você disse. me
causa repulsa.
— Mas não tem como abrir mão. É a única garantia de que o
casamento vai prosseguir. — Faz uma expressão engraçada. — Já pensou...
duas famílias fazem um acordo de um casamento e a filha se casa e vai
dormir com o novo marido, mas no dia seguinte o cara anula o casamento
porque não gostou da mulher. Essa garantia é mais para a mulher do que para
o homem, apesar de fazê-las passarem vergonha. É a única forma, a única
assinatura real, entre um acordo de sangue. Um acordo de casamento
arranjado.
— Eu sei disso, Colen.
— Então, larga dessa carranca e vai dançar com a sua esposa.
Aproveite ela um pouco e... — torce a boca com nojo — foi o beijo mais sem
graça que eu já vi em todos os casamentos da Famiglia.
Aperto seu ombro para calar a boca, mas aprecio sua presença.
— Apesar de tudo, eu estou satisfeito, se você quer saber. Eu pareço
ter livrado a menina de dois monstros. — Mesmo que eu seja um – completo
meus pensamentos.
— Está falando do Rocco Gatti? Ele sempre foi um babaca e eu não o
matei porque meu irmão não permite, mas ele é muito cruel com seus
soldados. O filho dele, você acha que o garoto está na Itália por quê. Por que
preferiu ser treinado por estranhos do que pelo pai? É claro que não, ele se
refugiou na Itália.
— A Sicília sempre é o nosso berço.
Colen dá uma gargalhada e bate no meu ombro.
— Eu desejo que você seja pelo menos tranquilo, não posso estimar
que você encontre a felicidade, mas talvez a tranquilidade, Paolo. Eu gosto de
você com os olhos no presente, não no passado e você precisa estar aqui.
Ele se afasta e me deixa com meus pensamentos. Eu posso ser o
Consigliere do Travis, mas se algo acontecesse comigo, tenho certeza de que
Colen seria um perfeito conselheiro para o irmão.
Dez

U m tempo depois, Paolo volta para a nossa mesa, onde tive uma
conversa amigável e legal com Madeleine, a esposa do Capo, que
também está na mesa, mas não está. Travis Lozartan ficou recluso
conversando com alguns homens ao longe. Assim como meu marido, que foi
para fora.
Com os olhos baixos, vejo-o se sentar no seu lugar e pegar uma taça de
champanhe quando o garçom passa. Ele bebe todo o líquido de uma vez.
— Você comeu? — Paolo pergunta olhando para o meu prato e a taça
de vinho cheia.
Na verdade, não. Meu estômago está revirado com o nervosismo de ter
que sair daqui e ir para a casa dele para sempre. Na máfia, o fim dos
casamentos é apenas a morte. Não tem outra opção. E não sei por que estou
pensando isso. Ficar no meio dos leões muda tudo.
— Não estou com fome.
Ele limpa a garganta, fita meu prato de novo e depois seus olhos
encontram os meus.
— Seria bom comer. Não quero que você passe mal. — Chega o rosto
mais perto do meu e murmura: — Também não estou feliz, mas você não me
verá ficar bêbado para compensar isso. Então, coma!
É uma ordem. E eu aceito. Qual a outra escolha? Acontecer o que ele
acha terrível e eu ser punida em casa. Melhor não. Nunca gostei de apanhar e
não será dele que vou aceitar.
Papai não me batia diretamente, ele fazia o típico pai que mandava a
mãe fazer o trabalho de punir, e tanto faz. Eu não gostava de apanhar, nem de
leve e nem forte, mas aguentava em silêncio e, principalmente, quando
desrespeitava as regras. Céus! Eu cresci cercada de tantas regras que me
questionava se respirava da forma como papai achava aceitável.
Mesmo assim, eu cresci forte e complacente. Eu sou a filha do meu pai
e se me tornasse fraca seria uma desonra por tudo o que ele representa em
Seattle como Subchefe de Travis. Eu não posso quebrar justamente essa
regra: a de esposa perfeita. Ele mandou eu respeitar e honrar meu marido.
— Deixe esse prato aqui. — Escuto Paolo e viro-me para ver. —
Coma! — ele ordena colocando o prato na minha frente e eu encaro o
macarrão ao molho branco.
Assinto e pego os talheres, encho a primeira garfada e o vejo comer
também. Ele olha de soslaio para mim e sorrio de canto de boca. Quero ser
agradável, fazer valer a pena.
— Está bom — comento.
— Você está com fome, por isso acha que está bom.
Solto uma risada e tampo a boca correndo para não ser deselegante.
Não antes de capturar os olhos de Paolo arregalados. Ele parece surpreso. Por
que eu ri?
S eu riso resgatou algo dentro de mim, que não sei o que foi. Alguns
meses atrás, eu pensei que ela nunca sorriria perto de mim e gostei
dela se permitir relaxar ao ponto de rir de algo que eu disse. Rir de
verdade. Mesmo eu dificultando as coisas.
Nós terminamos de comer em silêncio e eu peço uma taça de vinho
para ela e uma para mim depois que comemos. Quando estou relaxando do
seu lado e percebendo que ela também não está mais nervosa, o mestre de
cerimônia comunica que está no momento da dança dos noivos.
Eu me levanto, abotoo meu paletó de volta e estendo a mão.
— Vamos dançar?
Ela concorda com um aceno, aceita minha mão e se levanta. Seu olhar
está compassivo. Eu realmente esperava que se encolhesse na minha presença
às vezes, porém ainda bem que isso é bem distante do que ela faz.
Eu a guio até o meio do salão para podermos fazer a nossa dança, e
forço os pensamentos a ficarem trancafiados em algum lugar obscuro em
minha mente. Não quero ficar pensando na primeira dança que tive com Mia
ou na última, que foi num casamento da Famiglia.
Coloco minha mão na sua lombar e a outra junto com sua mão direita.
Tudo que nos resta enquanto dançamos é a música diante do silêncio que se
estabelece entre nós.
Olhando para os seus cabelos, ignorando a semelhança com minha
falecida esposa, tudo aquilo que Colen acabou de falar para mim e até mesmo
Gregori, martela na minha cabeça, pois eu preciso que tenhamos um bom
convívio como marido e mulher. Não tive ainda um filho homem e
provavelmente muitos esperam que ela me dê esse filho, ou mais filhos. Não
importa, se for outra menina, eu vou amá-la do mesmo jeito. Eu sempre vou
adorar todos os meus filhos.
Continuamos dançando por uma segunda música e uma força maior do
que eu pede para ela erguer o rosto e olhar para mim.
— Você está muito infeliz?
— O que você quer dizer?
— Com esse casamento. Você está muito infeliz?
A surpresa em seus olhos é brilhante. Ela chega a arregalar seus olhos
e depois franze a testa.
— Eu não tive escolha, Paolo, e seria muito mal-educada se falasse que
estou infeliz. Embora não tenha sido planejado, até agora você não me tratou
mal.
— E eu não pretendo fazer. Não vou lhe prometer nada além de
respeito e companhia. E assim eu quero sua lealdade e que cuide da minha
filha.
— Eu vou cuidar dela e... — Prende a vontade de rir mordendo seus
lábios doces e macios. — Eu adoraria conhecê-la.
Ela é uma ninfeta fazendo esse gesto e, por pouco, não me esqueço dos
protocolos, e a beijo bem agora.
O que está acontecendo comigo?
— Ela já foi embora para casa — replico retomando meu raciocínio.
— Você vai conhecê-la mais tarde.
— Tudo bem — ela assente.
— Daqui a pouco, depois que você dançar com seu pai e o meu pai e o
Capo, nós iremos subir para finalizar a cerimônia.
Seus olhos arregalam, agora de pavor.
Ela sabe do que estou falando e isso me dá um certo alívio. Iria
detestar ter que explicar para ela o que acontece nos casamentos, ou nos
quartos depois do casamento.
— Não fique com medo. Isso só piora as coisas.
Ela nada diz, apenas concorda balançando a cabeça mais uma vez.
— Agora é a minha vez de dançar. — O pai dela aparece, nos
interrompendo.
Dando um olhar protetor a Nina, eu me afasto e vou dançar com a mãe
dela.
Não troco uma palavra com ela, porque é uma mulher intragável. Eu a
cumprimento, dançamos e depois me afasto. Danço com minha mãe e
Madeleine, enquanto Nina dança com Travis.
— Faça valer a pena, Paolo — Madeleine fala e eu viro meu rosto para
ela. Com Travis, eu não preciso me preocupar em deixar Nina.
— Ela parece ser uma boa menina e educada. E, acima de tudo,
complacente. É raro ter meninas assim.
— O problema é esse, Madeleine. Ela é uma menina e isso me
incomoda.
— O tempo vai fazer essa impressão passar. — Abre um sorriso suave.
— Olha que estranho, Travis e eu somos quase dez anos de diferença, e nós
nunca tivemos essa conversa. — Franze a testa como se lembrasse de algo.
— Não sentimos a distância das nossas idades em nenhum momento porque
nos conhecemos, curtimos a mesma coisa e compartilhamos momentos.
Acredito que, quando a gente se abre, as coisas acontecem.
— Eu espero que você tenha razão.
— Acho que, dessa vez, você vai ter que dar o braço a torcer para mim
— diz fingindo soberba, e fica séria. — Eu espero de verdade que você fique
mais calmo e que, talvez, encontre a felicidade. Eu não quero que você
esqueça a Mia, talvez isso nunca vá acontecer, Paolo. — Faz uma pausa. —
Mas você pode ser feliz de novo com a Nina e eu sei que você era feliz com
sua esposa. Você sorriu e a tratou bem quando eu nunca vi você fazer isso
com ninguém, a não ser com Marinne. Eu sei que esse seu coração de gelo
não está todo congelado, então tente.
— Você tem o mesmo ar de persuasão do Travis.
Ela deixa escapar uma risada relaxada e feliz.
— E é por isso que eu sou a esposa dele.
— É por isso que todo mundo chama você agora de “O Capo de saia”.
Ela ri, mais uma vez, e se afasta quando a música acaba.
— Então, o seu Capo está pedindo para você tentar ser feliz dentro de
casa — enfatiza a palavra casa. — Ninguém precisa saber. — Pisca o olho e
se vira para ir até Travis.
Minha esposa está nos meus braços, mais uma vez, e ela me dá um
sorriso tímido. Mas logo some quando todos gritam para que eu tire a liga.
Eu faço, tentando não encostar muito na sua pele. É sacanagem. Não quero
assustá-la.
— Lençóis! Lençóis!
Nina franze a testa porque sabe o que eles querem dizer e eu aperto sua
mão.
Eu aceitei me casar com uma mulher nova, quando todas as vezes que
fecho os olhos enxergo minha ex-esposa. Homem de honra só jura a
verdadeira lealdade a Lawless e ao seu Clã nada mais. O que é um
passatempo e uma forma de garantir que seu sobrenome se estenda por
muitos anos quando os filhos carregam seus nomes. Não temos piedade e
nossas morais são bem contraditórias, sobre esperar o casamento, quando
fazemos coisas tão bárbaras. Porém para mim, consumar este casamento será
uma tortura.
— Está na hora. Vamos subir?
Novamente ela apenas concorda com a cabeça. Eu espero que ela pare
com isso. Quero ouvir sua voz, não só suas expressões de obediência.

N ão é porque sou virgem que nunca ouvi as histórias sobre as


primeiras noites dos casais, marido e mulher. Que as mulheres eram
colocadas de cara no colchão e os maridos batiam nelas até o fundo.
Nunca entendia essa parte, mas se sangra, é porque não é uma coisa boa.
O elevador para no andar do quarto e Paolo me empurra de leve, com
sua mão na minha lombar, para fora. Não como se eu não fosse andar. O
problema são meus pés que congelaram.
— Qual o problema? — pergunta assim que estamos no corredor e o
segurança dele se afastou de nós.
— É... — Olho para os meus pés.
— Seus sapatos estão incomodando?
— Não! — Olho para ele. — É que não estou acostumada a andar de
saltos.
— Uhum... — Está na cara que não acreditou na minha mentira.
Chegamos à porta do quarto, espero ele passar a chave e abrir espaço
para eu entrar.
— Fique aqui fora. Vigie o corredor.
— Sim, senhor.
Ele fecha a porta e, quando se vira, esbarra em mim.
— O quê? — diz surpreso e agarrando meus ombros para eu não cair.
— Ele vai ficar ali enquanto nós estamos aqui dentro?
— O quê? — repete e me solta.
Cambaleio para trás e seguro a respiração.
— Filippe não vai ouvir nada. Quer dizer... — Ele se atrapalha também
e anda para a parte que parece uma sala.
Eu vou atrás dele e o vejo tirar o paletó e a gravata, que joga no canto.
Ele está com um dos coletes que comporta armas como meu irmão usava, só
que ao invés de ter armas, tem duas pequenas facas. E eu o vejo tirar esse
colete também e parar de repente. Se vira para mim e franze a testa.
— Qual o problema agora? Já falei que Filippe não vai fazer nada.
Balanço a cabeça que sim.
— Nina — resmunga, fechando os olhos e chega até a mim. Segura
meu rosto e fita meus olhos. — Fale! Abra essa boca de vez em quando. Eu
não estou acostumado com esse silêncio todo. Essa obediência toda. Sou seu
marido, não seu chefe.
— É... é...
— Eu sei. — A interrompo. — Seus pais criaram você assim. Eu
percebi, mas agora chega. Fale. Se expresse. Não fique o tempo todo muda e
apenas concordando. Você não é meu soldado, porra!
Engulo em seco e, quando vou assentir, falo:
— Vou tentar... falar mais.
— Acho bom. — Me solta, se afasta e seus olhos passam pelo meu
corpo todo. — Não vai querer se preparar?
— Como assim?
— Sua mãe não lhe orientou para a noite de núpcias?
— Me orientou a fazer o quê?
— A se preparar. Tomar um banho, colocar uma lingerie. Nada?
— Não — respondo baixo e nervosa.
— Puta que pariu! — resmunga.
Ele anda de um lado para o outro esfregando a cabeça. Parece nervoso.
— Vem aqui — disse pegando minha mão.
Ele me leva para o quarto. Eu me controlo para não ficar nervosa. E
fico quieta quando me deixa dentro do banheiro. Agora estou confusa e
assustada.
— Tira o vestido. Tira essas flores do cabelo, o sapato e pode tomar
um banho.
— Tomar um banho? Por quê?
— Porque nós vamos transar. Algumas mulheres gostam de se
sentirem limpas — explica, um pouco rude.
Desvio meus olhos do seu rosto.
— Não fica com vergonha de mim. Sou seu marido e já que a sua mãe
não lhe deu orientação, eu vou ser obrigado a fazer. — Ele me dá as costas e
resmunga para si mesmo, mesmo assim eu escuto: — Era por isso. Eu sabia
que era um erro me casar com uma menina tão jovem.
— Eu não sou uma menina.
— Como você não é uma menina? — Ele se altera e nem ligou por eu
ter ouvido seus pensamentos em voz alta. — Você não sabe nem o que a
gente vai fazer agora. A sua mãe não teve a competência — ele parece bem
irritado e não é comigo — de explicar o que um homem e uma mulher fazem
dentro de um quarto na noite de núpcias. Nós vamos transar, Nina. Você acha
que o lençol de sangue... — Pausa me encarando. — Pera aí. Você já viu um
lençol de sangue?
— Claro que já. Eu tenho vinte anos. Desde os meus dezesseis eu
participo do momento onde apresenta-se o lençol.
— Então você sabe o que acontece?
— Não sei o que acontece. Eu sei que tem o sangue e provavelmente é
algo bruto. Eu sempre escutei alguns boatos sobre os homens “baterem” —
faço aspas com os dedos — nas mulheres com força e fazer elas ficarem de
cara no colchão. Essas coisas...
Eu me distraio puxando o fio do meu vestido.
— Nina, olha para mim.
Eu faço e ele se aproxima, segura minhas duas mãos.
— Um homem e uma mulher dentro do quarto ficam nus, fazendo
sexo. O... meu pênis não vai entrar dentro do seu... orifício... Dentro da sua
boceta.
Minhas bochechas ficam vermelhas e eu tenho uma forte vontade de
soltar uma gargalhada. E isso pelo menos faz ele quase rir também, mas é
muito rápido.
— Não ria! — ele manda mesmo com a cara nada séria. — Porra,
Nina! Não ria porque fica bem pior a situação. Isso mostra a sua imaturidade.
— Me desculpe — falo mais calma e baixo o rosto. — A culpa não é
minha que ninguém nunca me deu essa orientação. Eu prometo que vou... ser
legal.
Ele fecha os olhos, por breves segundos, e fica mais perto de mim. Fita
meus olhos e tira o cabelo do meu rosto.
— Você é muito bonita e atraente, eu lhe daria mais tempo se pudesse,
mas não posso. Não podemos. Precisamos manchar aquele lençol de sangue.
Não fique com medo de mim, assim como eu não vou ter medo da sua
inocência.
— Você fica assustado comigo também? — Eu não acredito nos meus
ouvidos.
— É claro que sim. As mentes inocentes é um território fértil. Não sei
o que que vai passar na sua mente.
— Quer que eu fale? — sussurro.
— Você está me perguntando se eu quero saber o que você está
pensando agora? — Ele franze a testa, e a sua máscara tão compenetrada
morre. Eu consigo ver que está surpreendido comigo.
— É! Você quer saber o que eu estou pensando?
— Quero. Fale. Eu pedi para você falar, certo?!
— Certo — aceno concordando e mordo a boca rápido e solto. Tomo
coragem e digo: — Eu acho que, já que eu não sei o que a gente tem que
fazer, você podia me ensinar. Podia falar o que você espera que eu faça. Eu...
O que uma mulher faz com um homem?
Ele fica em silêncio me encarando.
— Quer que eu te ensine?
— É. Você tem mais experiência do que eu. E... — Desvio meus olhos
— hoje quando você me beijou... Foi o meu primeiro beijo. — Olho para ele
de novo. — Meu primeiro contato com um homem, de verdade.
Vejo os seus olhos ficarem negros e ele fica mais perto. Segura meu
rosto com as duas mãos.
— Eu vou te ensinar. — Sua voz está rouca e eu acho sexy.
Em vez do frio na minha barriga, eu sinto como tivesse formigas no
meio do meu peito e fico quente. Minhas mãos anseiam em tocá-lo.
— Você quer me tocar?
— Eu quero. Eu posso?
Em vez de ele responder, pega minha mão e coloca no seu peito, já que
estava abrindo alguns botões. Ele pega minha outra mão e coloca perto da
outra, e ordena:
— Termina de abrir minha camisa.
— Aham! — Concordo.
Com as mãos tremendo, eu termino de abrir sua camisa e depois a tiro
quando ele ajuda. eu fito seu peitoral forte e com poucos pelos. Ele tem
várias cicatrizes e algumas tatuagens, inclusive uma com o símbolo da
Lawless. Todo Homem de Honra tem.
Sentindo-me corajosa, toco seu corpo e, quando vejo, Paolo abraça o
meu corpo e leva para mais perto da cama. Sua boca está na minha. Eu solto
uns suspiros sentindo suas mãos nas minhas costas e sua língua na minha
boca. Fico carente quando se afasta, mas é para uma boa causa. Ele abre meu
vestido e o retira de uma vez.
Fico só de calcinha e sutiã na sua frente. Acho que agora é aquele
momento que ele disse que as coisas acontecem, e eu só espero.
— E agora?
— Continue relaxando — ele diz.
Fecho os olhos quando suas mãos acariciam minha pele. É uma
sensação boa e eu tento só me concentrar nisso. Ele tira meu sutiã e eu me
arrepio toda. Estou nervosa, mas no sentido curioso e não medroso. Sua boca
está no meu pescoço, passando de um ombro para o outro e suas mãos
descem, encontrando as laterais da minha calcinha. Então ele retira junto com
os meus sapatos. Ele beija minhas coxas e olho para baixo.
— Você tem uma pele macia e cheirosa.
— E eu nem tomei o banho que você disse. — Essa parte sai mais
rápido do que eu consigo pensar.
— É, você nem fez — ele replica de um jeito simpático, não irritado.
Quando está voltando a ficar de pé, as pontas dos seus dedos acariciam
minha pele e logo suas mãos enormes seguram meus peitos, acariciando a
ponta dos meus mamilos, que estão duros. Eu aperto com força o tecido da
sua calça, enfiando os dedos onde o cinto passa.
— Isso! Aproveite.
— Aham — escapa da minha boca em meio a um gemido.
Ele continua por um bom tempo dando atenção para os meus peitos.
Beija o meu pescoço e segurando meu rosto, do seu jeito doce e bruto, me
beija arrancando o fôlego.
— Deite-se — ele ordena.
Eu faço porque, na verdade, minhas pernas não estão mais firmes.
Enquanto espero ele se juntar a mim, me sinto cada vez mais quente e
curiosa.
O que é que acontece agora?
Seguro a respiração sentindo Paolo perto das minhas pernas. Abro os
olhos e encaro-o no meio das minhas pernas. Ele as abre e olha para o meu
sexo. Engulo em seco envergonhada.
Ele parece que está relutante, pensativo, então sua mão acaricia o vale
dos meus seios até os meus pelos pubianos. Eu quero fechar a perna, fugir e
pedir para ele parar, mas as regras impedem isso. Ele tem que honrar a
tradição e consumar o casamento. Mostrar os lençóis.
Por reflexo fecho de leve as pernas e ele diz:
— Assim fica difícil. Não faça assim. Complica, Nina.
— Do-do... quê?
Ele se apoia nos braços e olha dentro dos meus olhos.
— Tenta relaxar. É isso que a gente faz. Aprecia esse momento.
— Okay — murmuro.
Escolho fechar os olhos e esperar. Suas mãos afagam as laterais do
meu corpo, sua boca toca minha barriga, perto do umbigo e logo sinto-o abrir
mais minhas pernas e seus dedos estão acariciando o meu clitóris.
Solto um gemido gostando disso. Seus dedos, às vezes, ficam mais
rápidos, então ele coloca sua boca na minha boceta.
— Oh, meu Deus — sussurro e agarro os lençóis.
— Você precisa ficar molhada para ser mais fácil. — Escuto sua voz,
mas não registro nada.
— Okay.
Seus dedos aceleram as carícias no meu clitóris e sua boca chupa e
lambe meu sexo. Eu arqueio meu corpo sentindo uma onda de desejo. Abro a
boca e sinto como se descesse da montanha-russa. Uau!
Paolo posiciona o corpo para a frente do meu e abro os olhos
respirando com dificuldade. Fica cara a cara comigo e pisco rápido. Eu vejo
seus olhos, quase prateados.
— Continua relaxada.
Assinto e engulo em seco.
Mordo os lábios quando sinto ele colocar a ponta do seu membro no
meu calor. Ele segura meu olhar e, mesmo que não consiga ler o seu rosto,
fico calma. Então ele empurra para dentro de mim e é involuntário jogar
minha cabeça para trás e abrir mais minhas pernas. É uma sensação diferente.
Abro a boca. Isso não tem nada a ver em sentir sua língua passar no meu
clitóris e como ele me chupou.
Ele entra mais um pouco e sua mão desce para brincar com o meu
clitóris. Gemo jogando a cabeça para trás e de olhos fechados, esqueço e só
quero sentir a sensação.
Paolo acelera e se enfia todo dentro de mim. Sinto uma dor aguda e
rápida. Ele para e eu abro os olhos.
— Você está bem?
— Estou — balbucio.
Ele balança a cabeça que sim e me beija, voltando a se mexer. Eu
assumo o controle das minhas ações e ponho as mãos nos seus ombros e tento
acompanhar seus movimentos. A dorzinha ainda está presente, mas muito
pouco. E parece que enquanto ele acelera, um nó dentro de mim se aperta
tanto que é bom. Não imaginei nunca que fosse tão bom transar.
Paolo acelera, fazendo um barulho enquanto me estoca, e eu
simplesmente fecho os olhos e agarro as suas costas. Sinto o nó se desfazer
ferozmente. É tão gostoso, tão bom.
Sinto seu corpo se mover ainda e abro os olhos quando ele afasta o
corpo e sua mão segura minha perna pela coxa e me abre, continua entrando
em mim.
Abro a boca, pois estou sem fôlego e, por mais que eu tente, não
consigo desviar meus olhos do seu rosto tenso e de olhos fechados.
Sinto um calor terrível. Ele abre a boca soltando o ar e encosta sua
bochecha na minha.
— Porra... Mi... — Ele para de acelerar.
Abro a boca porque sua investida dói.
Agarro-o pelos ombros e procuro o próximo ponto de prazer. Sei que
vou gozar de novo. Dentro de mim, ele me preenche e alarga. É bom e
excitante. Meus pensamentos se perdem. Sinto um líquido entre nós e deve
ser minha virgindade. Já aconteceu, não é?!
Ele está rápido e mantém um ritmo que não me machuca agora. Eu
volto a sentir a sensação, aquele nó e antes quando eu gozei, ele me beijou.
Eu quero que me beije de novo.
Mas ele nunca faz. Seu rosto continua colado ao meu, distante. Minhas
mãos nos seus ombros e relaxo para poder me livrar do nó e ele gozar. Ele
precisa gozar, eu acho, mas parece perdido. Se seu membro não estivesse
dentro de mim, era como se ele não estivesse aqui.
Não demora muito e ele goza finalmente. E se afasta. Se afasta muito
rápido. Ele se levanta da cama e entra no banheiro batendo a porta. E eu fico
estirada na cama encarando o teto, tentando compreender tudo.
Me cubro sentindo vergonha. Pensei que ele fosse ficar comigo.
Parecia que estava tentando ser legal. Talvez eu tenha entendido errado.
Onze

E u não deveria me sentir fora de casa, porque, se eu me casei com


Paolo, essa casa é minha agora. Mesmo assim, me sinto
extremamente deslocada. Cheguei ontem por volta das onze e meia,
após Paolo e eu transarmos, tomarmos banho e levarmos o lençol para todo
mundo ver. Ele fez tudo quase que correndo e o ouvi falar para o homem que
nos acompanhou, Filippe, que ele queria queimar o lençol.
Respiro fundo encarando meu reflexo no espelho e me sinto pronta.
Escolhi um vestido leve já que o tempo está bom. Eu abri as portas da
varanda do meu quarto, que não é o de Paolo.
O vestido é branco e cheio de margaridas e vai até o pé, leve e com as
mangas para baixo mostrando meus ombros. Acho que causa uma boa
impressão e ele me deixa confortável. Feliz comigo mesma.
Meus cabelos estão soltos e eu até passei maquiagem, sendo que nem
sei o porquê. Eu estou só... tentando não parecer apavorada, mesmo que meus
olhos consigam transparecer exatamente como estou internamente. Morrendo
de medo dessa nova vida.
Caramba, cadê aquela supercoragem? Espero que não tenha ficado
em Seattle.
— Okay, Nina. Está na hora de você tomar uma atitude. Essa casa
também é sua.
Vou direto para a porta, decidida. Só que no corredor o frio na barriga
aumenta. Paolo deve estar lá embaixo e junto com a sua filha porque já são
nove horas da manhã e eu li que um bebê acorda essa hora, no caso. Acorda
pra valer e eu esperei a madrugada toda ela chorar, mas não ouvi. Será que
ela está bem?
Eu ainda não conheci a bebê. Nem vi como ela é, apenas sei que é
pequena, mas não sei de quanto tempo. Se já tem um ou dois anos, por
exemplo, ou mais. Mas acredito que não. Eu vi o berço, mas não vi o bebê
quando passei na porta do quarto ontem.
Desço as escadas, escutando barulho no andar de baixo e desvio minha
atenção do soldado que encontrei na casa quando chegamos. Parece que ele
está aqui para a filha de Paolo. Ele está na porta, sentado numa cadeira e não
olha para mim, mas óbvio que percebe que passo perto dele.
Na cozinha vejo uma senhora mexendo numa panela e sinto um cheiro
maravilhoso de leite quente. Ela vira-se para mim com um sorriso educado.
— Bom dia, senhora. Vai tomar café?
— Er... bom dia. Vou sim.
— Então tem que se sentar na sala de jantar. O senhor Paolo já está lá
com a Sophia.
Sophia?
Deve ser a filha dele. Ai, caramba! Sinto um frio na barriga. Vou
conhecê-la agora.
— Faça um favor, e vá para lá.
Assinto, peço licença e baixo a cabeça para não me fazer sentir mais
errada.
Eu lhe dou as costas e vou para onde ela indica. Encontro meu marido,
essa palavra ainda é muito estranha na minha cabeça, e uma bebê numa
cadeirinha de bebê alta. Ela está batendo as mãozinhas ao lado do prato com
frutas: maçã e banana picadas.
Quase caio para trás vendo o homem frio e distante que se casou
comigo ontem sendo amável com a bebê. Ele fala baixo, com paciência e até
sorri, mas, quando me vê, fecha a cara como um dia ensolarado que fica
carregado de repente com uma trovoada e surge a chuva. É, o tempo fechou.
— Bom dia — digo e fico com a boca aberta como se eu fosse falar
mais alguma coisa, mas resolvo não falar nada.
Será que, em alguma hora, essa sensação de ser inconveniente vai
passar?
— Bom dia — devolve sendo educado.
Sorrio com educação, sentando-me na cadeira perto da menininha de
cabelos loiros. Ela é linda, perfeita. Ela olha para mim com lindos olhos
cinzas. Os olhos do pai. Minha nossa. Ela é linda demais.
— Olá! — Tento ser animada e contagiante para pegar sua simpatia.
— Essa é minha filha, Sophia.
— Ela é muito linda. Você é muito linda, sabia? — Brinco com ela
passando a mão nos seus cabelos, e ela apenas me olha.
— Ela tem nove meses, completou essa semana.
Assinto registrando a informação.
— Ela realmente é muito bonita — digo sem tirar os olhos dela. — Eu
não sabia que era tão nova.
— Tem algum problema ela ser tão nova?
Ela ainda é um bebê, e fofa.
— N-não — gaguejo procurando as palavras certas. Me sento uma
imbecil. — Eu só estou querendo dizer que estou surpresa. Não sabia que ela
era um bebê ainda.
— Se isso for um problema.
— Não, não é.
E o que ele quer dizer com “Se isso for um problema?” Ele vai me
devolver para os meus pais? Vai se divorciar? Eu sinto vontade de rir, mas
bem lá no fundo, porque tenho medo de ele ficar mais distante do que o
momento de ontem após o seu corpo estar tão perto do meu e depois sumir.
Eu tinha seu cheiro, senti a sua mão, sua pele e seu gosto. E depois nada.
— Não tem problema nenhum. É apenas uma novidade.
— Que bom, porque, enquanto eu estiver trabalhando, você vai cuidar
da casa e da minha filha. Sophia não é muito exigente. É obediente e uma
criança boa. Se você precisar de alguma coisa, é só me ligar que eu venho na
hora.
Parece que eu sou a babá da criança, não a esposa dele, e que sou uma
inútil também.
— Se precisar, Marta sempre estará cuidando e limpando a casa. Ela
está encarregada de fazer a comida e você só tem que cuidar da Sophia.
Novamente eu sou a babá da criança.
— Gregori vai ser o seu guarda-costas. Quando precisar sair, ele vai
levá-la e, se você quiser algo da rua, ele pode comprar. Você pode ir na
pracinha, passear com Sophia ou o que desejar, mas sempre tome cuidado.
Eu já sei sobre isso. Segurança.
— Tudo bem. — Sorrio sem jeito, concordando com a cabeça.
— Eu devo voltar para casa quase na hora do jantar, mas não vou dar
certeza. — Ele se levanta, terminando de tomar seu café e coloca as mãos nos
bolsos, fazendo seu paletó ir para trás.
Ele está de terno azul-marinho, a camisa branca e a gravata branca e
cinza com listras. Ele é muito bonito e assustador. A sua diferença de idade
comigo não me assusta mais. Só seus olhos penetrantes e raivosos.
— Você está me ouvindo?
— Sim, eu estou ouvindo.
— Ótimo. Eu vou agora. Meu número está na agenda telefônica ao
lado do telefone.
— Okay. — Eu acho que é a única palavra que posso dizer. É como se
eu não tivesse opção.
Eu sabia que era um casamento com propósito, mas não que eu fosse
ser tratada assim. Estou ficando um pouco irritada e acho que o primeiro
telefonema que eu vou dar, não vai ser para ele e sim para o meu pai. O que
ele tinha na cabeça? Como se ele pudesse fazer, ou se importasse. Ele só
pensa em poder e meu casamento o favorece com status para o Capo.
— Você já pegou um bebê no colo? — Paolo pergunta e eu acordo do
devaneio.
Encarando-o respondo:
— Claro que eu já peguei um bebê no colo.
Meu Deus do céu! Eu tenho vinte anos e não dez.
— Você pode pegar ela, por favor? Eu tenho que ir agora e ela precisa
de atenção.
— Ela parece que ainda está comendo — replico olhando para Sophia
com um pedaço de maçã na boca segurado por sua mãozinha fofa.
— Eu quero ver você com ela.
Ih, que coisa. Sou inútil e não sei segurar uma criança.
— Tudo bem, eu pego.
Paolo dá um passo para perto de mim quando me aproximo da cadeira
de bebê. Sophia me olha com seus olhos enormes e claros, cheia de
curiosidade.
— Oi.
Ela pisca rápido, me encarando, mas não dá sinal de que vai chorar. Eu
consigo tirá-la da cadeira e a aconchego nos meus braços. Ela não é muito
grande. É uma gracinha mesmo. É muito simpática, não se afasta ou reclama.
Ela é leve, cheirosa e agradável. Gostei dela. Parece uma boneca.
Eu sorrio para ela e sussurro de novo:
— Oi, Sophia. Tudo bem?
Ela pisca e toca meu rosto com sua mãozinha melada de maçã, mas
nem ligo. Vejo que ela dá uma risada e eu fico como uma boba olhando-a. Eu
acho que a gente vai se dar bem.
— Eu sou a Nina.
Ela faz um som como se estivesse conversando comigo e eu rio.
Paolo limpa a garganta e eu presto atenção nele. Tinha esquecido de
que estava aqui ainda.
— Espero que tudo dê certo. Agora eu tenho que ir.
— Quer que eu te acompanho até a porta?
— Não precisa. Termine de tomar o seu café. Marta! — ele chama a
governanta e ela aparece de prontidão:
— Sim, senhor.
— Auxilie Nina, não que ela vá precisar. No entanto, até ela se
acostumar com a casa, vai precisar da sua atenção.
Ele se importa, mas é grosso como uma porta.
— Tudo bem, senhor.
— Qualquer coisa, já sabe.
— Sim, senhor.
O que ele quer dizer com “Qualquer coisa, já sabe.”? Talvez seja a
mesma frase para mim. Qualquer coisa me ligue. Aff... Tanto poder, tanto
ego. É difícil não se irritar com essa possessão controladora dele. Cadê o
homem tranquilo que pediu para eu tirar sua blusa. Parece que ele mudou da
água para o vinho de repente desde o momento que se separou de mim na
cama ontem.

A ntes de eu sair com Filippe, paro para falar com Gregori.


— Qualquer coisa, você fala comigo. Hoje é o primeiro dia dela
aqui. Não sei como vai ser.
— Eu acho que vai ficar tudo bem.
— Eu não pedi a sua opinião.
Ele baixa a cabeça e para de falar. Às vezes, funciona; e outras vezes, é
claro que ele tem que dar sua opinião.
— Fique de olho nela. Eu não acredito que ela vai sair, mas pode
acontecer.
— Vai ficar tudo em ordem. Eu sempre cuido de tudo, Paolo, e você se
casou para ter um pouco mais de sossego no trabalho, não para continuar com
essa carranca de mau humor.
— Eu não estou de mau humor.
— Está sim. Desde ontem quando chegou. Acha que não vi que você
foi beber no seu escritório depois que chegou em casa. Parece amargo e
arrependido.
— Eu estava aqui pensando que finalmente você tinha parado de falar.
— Falo para o seu bem. Agora, vai trabalhar. A menina vai dar conta e,
se não der também, a gente ajuda. Eu e a Marta podemos ajudá-la.
Dou-lhe um olhar atravessado, e saio de casa de uma vez.
Eu não queria parecer tão irritado, e nem que percebessem. Esse
casamento tem funções táticas e eu preciso estar confiante de que Nina vai
ser uma boa mãe para Sophia.
Pelo menos, os primeiros momentos entre as duas foi bom. Acho que
razoável. Minha filha não chorou e ainda tocou o seu rosto, fazendo Nina rir,
na verdade as duas riram. Eu nem entendi o porquê.
Mas aquilo foi fácil. Pegar no colo e sorrir para ela. Eu quero saber da
sua competência no geral. E serão os dias que contarão a história delas duas
juntas.
Olhando para o lado de fora da janela do carro, penso que merda deu
na minha cabeça para falar: se não der certo. Porra. É como se eu tivesse
outra opção.
Se não der certo, eu simplesmente vou ter que ficar em casa ensinando
Nina até aprender a cuidar da minha filha, porque Marta tem o seu trabalho
na casa e parece muito cansada. Estou pensando em contratar outra
empregada para ficar no seu lugar e lhe dar férias.
Marta parece tão arrasada quanto eu. As noites maldormidas são uma
merda. Eu não posso me acusar de carrasco. Minha filha acordou três vezes
essa noite e eu não acordei Nina nenhuma. Preferi que sua primeira noite na
minha casa não fosse tão ruim, porém eu sei que hoje ela vai ter a maior e
mais cansativa função de cuidar de um bebê, os horários imprevistos.
Acordar de madrugada mais três vezes.
O trajeto até o Bellagio não demora, principalmente pelo horário e eu
logo estou vendo o hotel.
— O senhor vai querer ficar em qual porta?
— Me deixa na recepção principal. Eu vou passar um olho no hotel
hoje.
— Sim, senhor — responde e pega o contorno para o hotel.
— Eu quero que você vá até o salão de festas e pegue os presentes de
casamento e leve até a minha casa, ou mande outro soldado levar.
Não ligo para essas coisas, assim como abri mão de ter um casamento
pequeno, por eu já ter tido um casamento e esse poder ser rápido e dinâmico,
mas no fim tive uma festa e uma celebração para muitas pessoas. Eu quero
pegar os presente e dar para Nina. Ela vai gostar dessa distração.
Filippe para o carro na frente da entrada principal e logo saio
caminhando para o balcão de recepção.
— Senhor, Paolo, quanto tempo — comenta a gerente.
Eu não venho aqui tem muito tempo e é claro que isso não passaria
despercebido.
— Bom dia, Vera. Está tudo em ordem?
— Está, sim, senhor. O hotel está indo bem e Dimitri me falou que o
cassino não tem nenhum incidente nos últimos trinta dias.
— É quase um recorde.
— É, sim. — Ela me dá um sorriso, concordando. — O senhor Travis
está animado por isso. Sabe que ele não gosta muito de fazer a punição dos
jogadores malandrinhos.
— Sim, eu sei.
Travis detesta ter que bater nos espertos, que acham que pode fazer o
que quiserem. Pensam que, porque temos muito dinheiro, não vamos nos
importar deles roubarem na cara de pau. São tudo malucos achando que vão
contar cartas ou trocar o dado pelo dado viciado deles. Os seguranças do
cassino são treinados para perceber isso e o robô de segurança também nos
ajuda. Quando eles são pegos, muitos correm daqui para o MGM, eles não
sabem que eu estou lá.
— Travis está?
— Não. O Sr. Lozartan não veio hoje. Disse que o senhor viria, então
pediu para eu lhe entregar a pasta.
A pasta com as últimas informações de todo o balanço do hotel e do
cassino. Quem entrou, quem saiu. Quanto faturou, quem saiu devendo, furtos
e roubos, etc. Pasta com senhas, já que o cofre muda de senha todo dia.
Travis confia em Vera, por isso que estava na sua mão. Embora a senha fique
por meio de códigos.
Eu pego a pasta e encaminho para o escritório. Eu senti falta dessa
adrenalina do hotel. O Bellagio é muito grande e requer muita ação e
controle. Não é fácil cuidar desse elefante. Mais tarde vou para o Balcão
recepcionar as novas armas que estão chegando.
Os MCs, depois daquele acordo com Travis, andam pedindo mais
armas e eu não teria dado na primeira vez. Mas o Capo, às vezes, faz as
coisas que acha melhor na hora e não a longo prazo. E é como eu disse, esses
filhos das putas desses motoqueiros ligaram pedindo ajuda e a gente disse
que não. Eles não aceitaram e insistirão até não tivermos outra opção. Eles
poderiam entender que vender as armas já foi uma ajuda. Ninguém faria o
que Travis fez por eles.
Passo pelas portas do corredor das salas e rapidamente estou no meu
escritório. Entro fechando a porta e vou me sentar à mesa. Vou trabalhar para
parar de pensar em Nina e nas suas funções como mãe.
Porra. Eu nem quero pensar na noite de ontem. Não era para ter
gostado tanto ontem de foder com ela, mas eu gostei e por isso precisei me
afastar. Eu não posso ceder. Prometi que não faria isso e fora que Mia ficou
na minha cabeça o tempo todo quando estava com meu pau dentro da minha
nova esposa.
Ela poderia não parecer tanto com a porra da minha ex-esposa?!
Talvez sua idade não me incomode tanto quanto a semelhança com Mia. E
será como Madeleine falou. Não será fácil e, talvez, eu nunca esqueça Mia.
Eu realmente queria tentar ter um bom convívio come Nina e, então,
ela acorda no dia seguinte na minha casa vestida igual a Mia. Eu quase
infarto hoje de manhã vendo-a com aquele vestido comprido cheio de flores.
Eu não quero ser chato e mandar ela mudar o jeito de se vestir.
Minha opção vai ser me afastar porque dói vê-la na minha frente com
os cabelos, o jeito, a voz, a doçura e os vestidos como da minha primeira
esposa. Dói e trazem memórias terríveis. Aqueles olhos tristes de lamento, se
despedindo nas escadas da igreja.
Alguém bate na porta e volto ao presente. Esteja aqui, agora, no
presente. Trago uma nota mental para parar de pensar no passado e
mergulhar no trabalho, o que eu posso ter controle. Em breve irei ter nas
minhas mãos minha encomenda e retomarei meu foco total.

T omando café reparei que Sophia é uma criança doce e não exige
nada. Fiquei surpresa que, depois que ela comeu, Marta a pegou na
cadeirinha. Eu fui atrás para saber o que iria acontecer e vi a mulher
colocar a bebezinha num bercinho baixo e com alguns brinquedos.
— Ela vai ficar aí?
— É onde ela fica — a mulher responde olhando para mim com a testa
franzida. — O que a senhorita esperava? Desculpa, o que a senhora esperava?
Eu não sei se ela falou de propósito ou é porque a minha cara não
parece de uma senhora.
— Não. É... porque, ela fica o dia inteiro aí?
— Depois que ela come o seu café da manhã, eu coloco no
chiqueirinho para ela brincar com seus ursos de pelúcias.
— Mas ela não anda? Ela não engatinha? — questiono confusa e triste
pela criança. — Sendo sincera, nem sei se ela está engatinhando. Ela tem
nove meses e qualquer criança nessa idade já está engatinhando, quase
andando.
— Como você sabe disso? Você tem irmão pequeno?
— Não.
— Sobrinho pequeno?
— Não.
— Então como é que você sabe?
— Porque eu li num livro.
Os olhos de Marta se arregalam surpresos, porém irritados.
— Você leu num livro?
Ergo meu rosto, aprumando a postura e explico:
— Eu li vários livros sobre bebês e crianças. Não sabia a idade certa
dela, então queria me preparar como podia, já que ninguém me deu uma
única informação.
— Você não sabia que ele tinha uma filha pequena?
— Eu sabia que Paolo tinha uma filha, mas não que era um bebê tão
pequeno. Achei que tinha um ano e meio, ou dois anos.
— Mesmo que fosse essa idade, iria continuar dependente de você.
— Eu não estou dizendo isso. Estou falando que é errado ela ficar o
tempo todo dentro do berço.
— Olha, ela fica aí porque eu não tenho muito tempo para nada. Eu
estou cansada. Aproveita a sua energia de uma garota jovem e gaste com ela
ensinando a andar, brincar e tudo o que você leu nos seus livros. Eu agora
vou finalmente conseguir limpar a casa e preparar uma comida decente. Se
precisar de ajuda, é só me chamar — diz e me dá as costas sumindo feito
fumaça. Parece irritada comigo.
Pelo amor de Deus! Ela não percebe que está errada e a culpa é minha
ainda.
Suspirando, me aproximo de Sophia, que olha para mim cheia de
expectativa. Ela está agarrada a um cachorro de pelúcia muito bonitinho.
— Oi, anjinho. Que tal a gente hoje sair desse quadradinho e explorar
sua casa toda, hum?!
Eu a pego no colo, não esquecendo do urso que ela estica a mãozinha
pedindo desesperada para pegar. Vou me sentar sobre o tapete no meio da
sala com ela.
Sei que o quarto dela é grande, consegui perceber mesmo ainda não
entrando lá. Provavelmente tem várias outras coisas para bebês, mas a gente
está aqui.
No tapete, estico minhas mãos para ela tocar e ela bate com suas mãos
gordinhas. Caramba! Eu tenho vontade de morder de tão gostosa.
— Hoje a gente vai vê se você consegue engatinhar, que tal? —
Converso com ela, mesmo achando um absurdo a situação. — Você já era
para estar andando. É quase uma mocinha.
Ela faz sons confusos e joga para longe o urso. Acho que tentou jogar
para mim. Me estico e pego o urso e jogo para o alto, agarro e entrego para
ela. Sophia dá um grito, um meio sorriso, mostrando suas gengivas sem
dentinhos. É fácil se apaixonar por ela, diferente do pai. Ela é simpática,
agradável e exige nossa atenção, não tem vergonha disso.
— Eu espero que você goste de mim tanto quanto eu já estou gostando
de você.
Encarando-a, uma ideia passa pela minha cabeça vendo ela toda
melecada.
Então me levanto, a pego no colo e vou até a cozinha, onde encontro
Marta resmungando sozinha.
— Com licença — peço sentindo-me uma intrusa.
— Sim, senhora? — Ela vira-se para mim.
— Ela já tomou banho hoje?
— Creio que não pelo horário. O senhor Paolo não deu banho na filha
e, se você quiser dar, não precisa pedir para mim.
Uau. Ela é grossa sempre assim? Ou eu fiz algo que ela não gostou?
— Tudo bem, então eu vou dar um banho nela.
— Faça o que a senhora bem entender.
Caramba! Eu vou parar de falar com ela. Vou ignorar que não fazia
com minha mãe e com ela é mais fácil, já que eu sou a patroa dela.
Com um aceno de cabeça, saio da cozinha o mais rápido possível e
subo para o quarto de Sophia.
— Acho que a tia Marta não gosta de mim.
A bebê não entende, óbvio, e sorri.
— Isso. Ria da minha desgraça. Eu sou uma piada pra você?
Ela ri mais alto e agarra meus cabelos, mas não puxa.
— Por favor, não. Isso machuca a Nina.
Tiro suas mãos dos meus cabelos quando a deixo sobre uma cômoda
com um colchãozinho. É o trocador. Eu vi isso num filme. E passei as últimas
três semanas lendo livros de crianças e bebês, e assistindo filmes. Eu espero
que comer cocô por acidente ou deixar ela cair do canguru, não aconteça. Eu
vou comprar um canguru depois e vou cuidar para que não deixe Soph cair
dele.
— Vamos tomar banho.
— Aaaah! — ela grita e bate as mãozinhas.
— Você gosta de banho ou...
Ela não me deixa terminar e grita de novo.
Eu dou uma gargalhada e termino de tirar sua roupa.
— Banho?
— Ba-ba-ba...
Ai, que alívio. Ela gosta de banho.
Doze

H á muito tempo que eu não trabalhava até tão tarde e estive


ocupado o dia todo por isso. Ninguém ligou de casa e muito
menos eu liguei para casa. Fiquei enfurnado no trabalho. Esqueci
completamente dos problemas de casa, Sophia e Nina, no caso. Tinha muita
coisa para resolver, então é óbvio que eu iria chegar em casa nesse horário.
São meia-noite e estou entrando em casa. Observo que provavelmente
estão todos dormindo e o estranho é que meia-noite Sophia sempre acorda. É
o primeiro choro da madrugada.
Subindo, vou até o meu quarto para deixar o sobretudo e o paletó.
Depois vou ao quarto de Sophia, e a imagem que eu vejo é extraordinária.
Nina está dormindo na cama e Sophia está no berço quietinha, porém
acordada.
— Oi, princesa — falo com minha filha primeiro.
E me aproximo de Nina e vejo que ela trocou de roupa. Está usando
uma saia pregada cinza e uma blusa rosa, parece que está de uniforme.
O que me incomoda nem é isso, e sim que ela ergueu uma das pernas
enquanto dorme e eu consigo ver a sua bunda com a calcinha, que, por mais
comportada que seja, me traz memórias que não precisava ter agora.
Ela está de barriga para baixo, seu rosto tranquilo e a boca aberta.
Chega a babar dormindo e o urso que Sophia adora está com ela, na sua mão
do braço que está pendurado para fora da cama.
— Nina — eu chamo a primeira vez. — Nina — chamo a segunda
mais alto e, como minha filha está acordada, não me incomodo de falar um
pouco mais alto chamando-a pela terceira vez. — Nina!
Ela leva um susto e fica sentada na cama, agora eu vejo a calcinha na
parte da frente. Ótimo.
Quando me vê, senta-se direito e ajeita os cabelos.
— Desculpa. V-Você... — ela gagueja, então para. — Ainda está
acordado? Quer dizer, você chegou.
— Sim, eu cheguei.
— Está bom.
— Eu cheguei e você estava dormindo enquanto minha filha está
acordada.
— Sophia não está acordada.
— É mesmo? — digo e olho para a minha filha.
Nina corre até ela.
— Soph.
Soph? Ela chamou minha filha de Soph. Porra. Eu a acusaria de estar
fazendo de propósito se tivesse a possibilidade de ter conhecido Mia, mas ela
não conheceu.
— Querida, por que você não chamou? Não fez barulho gugu, dadá.
Isso faz Sophia soltar uma gargalhada e esticar os braços pedindo colo
para Nina. Essa imagem me deixa feliz, confesso que também sinto um
pouco de ciúme porque minha filha só fazia isso para mim até agora.
— Sophia está acordada agora porque quer mamar — explico para
Nina, porque me sinto na obrigação de comunicar isso a ela. — Ela acorda
meia-noite pra mamar; às duas da manhã, só para chorar mesmo; às quatro,
para trocar a fralda; e às seis horas da manhã, para mamar de novo. Então,
quando levanto às oito, a pego e levo lá para baixo para tomar café junto
comigo. Depois ela dorme um longo tempo e acorda, e dorme e acorda de
novo. Eu percebi que o mecanismo dela basicamente é esse.
— Isso está errado — minha jovem esposa solta e eu franzo a testa.
— Está errado?
— Eu li num livro que as crianças precisam ter atividades e a Sophia
fica dentro daquele bercinho, que fica lá embaixo, o dia todo. Isso não é
certo. Ela acordar e dormir sem a mínima atenção. A Marta não dá atenção
para ela e tudo bem. Ela ainda tem nove meses. A gente consegue reverter
essa situação.
— Reverter essa situação?
Ela está falando do quê e por quê com tanta propriedade. Ela é outra
criança.
— É, Paolo. A Sophia nem engatinha e ela tem nove meses. Já era para
estar quase andando. Mas se ela continuar no berço, fica difícil. Ela não
ganha força nas perninhas e nem equilíbrio. Alguém precisa dar essa atenção
a ela.
Eu não sei a palavra certa para descrever esse monólogo dela. Estou
em choque, mas com certeza estou surpreso. Não demonstro isso e cruzo os
braços.
— Vou para a cozinha agora, fazer o mamar. Você quer me
acompanhar?
— Eu vou trocar de roupa e depois desço.
— Tudo bem.
Ela sorri parecendo sem jeito.
Nós dois saímos do quarto de Sophia, a deixo passar na frente e ela
segue para um lado e eu para o outro.
Entrando no meu quarto, fecho a porta e vou tomar um banho rápido.
Enquanto a água cai no meu corpo limpando toda a sujeira do Balcão, as
fuligens de poeira e pólvora de quando descarreguei a arma no alvo, me
limpo de todo o estresse do dia e fico pensando na minha jovem mulher.
Ela é prestativa e não mede esforços para fazer as coisas certas. Não é
querendo agradar ninguém, ela só quer fazer as coisas darem certo.
Saindo do banho, me seco e visto apenas uma calça de flanela, porque
vou direto para a cama quando sumir.
Desço para encontrar elas duas e chegando perto da cozinha, paro
escutando Sophia conversar com Nina no seu dialeto de bebê. Acho graça
dela fazendo uns sons altos.
— Eu sei, Sophia, mas agora você vai mamar e aí a gente vai fazer
essas perninhas gostosas, ficarem fortes para andar muito pela casa.
Sinto meus lábios curvarem-se em um sorriso. Ela pode me irritar em
muita coisa, inclusive por parecer tanto com Mia, mas não posso não me
sentir satisfeito e até mesmo orgulhoso por ter acertado em aceitá-la. Tem
apenas um dia e ela já tomou várias decisões. Parece também que Sophia
gosta dela.
Minha filha continua gritando e fazendo sons engraçados, o que faz
minha jovem esposa dar várias gargalhadas e imitar Sophia.
Voltando a ficar sério, entro na cozinha e Nina para imediatamente,
olhando para mim com um sorriso travesso, que logo desaparece totalmente.
Seus olhos passam pelo meu peitoral e vai até o limite da calça, então voltam
para os meus olhos.
Ela abre a boca como se fosse falar algo, mas desiste e depois volto
atrás:
— Você tomou banho.
— Tomei e?
Ela suspira assentindo automaticamente e me dá as costas.
— Você quer leite quente também? — Estende uma xícara com leite
com canela para mim.
Respiro fundo pelo nariz porque outras coisas passam pela minha
cabeça quando ela pergunta isso. Puta que pariu, Paolo! Que mente
pervertida! Sua filha está na sua frente. Limpo a garganta e digo:
— Não, eu estou bem. Só vim fazer companhia para vocês.
— Tudo bem e eu queria te perguntar uma coisa.
— Fala.
— Durante a noite não tem ninguém vigiando a casa?
— Tem, mas eles ficam na guarita e nos fundos observando as
câmeras.
— Têm câmeras na casa?
— Têm câmeras em volta da casa.
— E dentro da casa?
— Dentro da casa fica desligada, só liga se acontecer alguma
emergência.
— Que tipo?
Caralho, como ela pergunta!
— Se invadirem a casa, as câmeras ligam para podermos ver no quarto
secreto.
— Ah, sim. Na minha casa também tem.
— Na sua casa também tem?
Suas bochechas ficam vermelhas e ela se corrige rápido.
— Quero dizer, na minha antiga casa tinha e na minha nova casa agora
tem. — Nem ela aguenta com o quem fala e solta uma risada.
Balanço a cabeça e vou até a geladeira pegar água. Eu sinto seus olhos
em mim novamente e me virando com um copo d’água, encaro-a
intensamente e olhando bem suas pernas, digo:
— Você não acha essa saia muito curta, não?
— Você achou? — devolve.
— Eu achei — respondo e olho de novo para as suas pernas. — Parece
que ela é de uma criança e você não é mais uma criança, Nina.
Ela respira profundo e as bochechas ficam ainda mais vermelhas, então
ela foge das minhas vistas, escondendo o rosto virando para o lado.
— Minha mãe não deixou eu trazer muitas roupas, só o que ela achou
que seria apropriado e queria.
Coloco copo na pia da cozinha, para não quebrar de tanto apertar e
chego perto dela.
— Olha para mim e responde. Explica isso, Nina.
Ela ajeita a mamadeira nas mãos de Sophia sentada no banco ainda e
explica sem olhar para mim. Talvez se sinta envergonhada por isso.
— A minha mãe acha minhas roupas ridículas, sempre achou. Então
quando ela soube que eu ia me casar, não deixou eu trazer as minhas. Ela que
escolheu os looks e colocou na minha mudança.
— E ela achou que essa saia seria legal?
— Eu não sei responder a isso. — Suspira e, por fim, olha para mim.
— Eu gosto dessa saia e sei que já deve estar um pouco pequena. Comprei
quando tinha dezessete anos, mas o meu corpo não mudou muito.
— Se você está dizendo... — Não concordo porque suas pernas e a
bunda são uma boa visão.
— É sério! — exclama. — Mas se você não quiser, não vou usar mais.
— Eu não disse isso. Só comentei porque está um pouco curta. Se for
para sair, quero que você coloque meias-calças escuras.
— Mas é claro que sim— fala como um insulto. — A moda é colocar
as meias.
Respiro pelo nariz, mais uma vez, e ergo a sobrancelha. Reprimo a
vontade de rir. Ela é realmente sem filtro e tão jovem.
— Se você quiser, pode fazer compras amanhã.
— Hoje, porque já passou da meia-noite. A não ser que você esteja se
referindo à segunda-feira.
Balanço a cabeça e desisto. Lhe dou as costas, saindo da cozinha e falo
sobre os ombros:
— Só me informe se você for.
— Tudo bem e boa noite, Paolo — ela fala alto.
— Boa noite, Nina.
Estou alcançando as escadas quando a sinto perto.
— A Soph não vai ganhar um beijinho?
Paro para escutar sua voz baixa e viro-me para ver elas duas atrás de
mim.
— Ela já acabou de mamar?
— Já sim e eu acharia que você deveria dar um beijinho de boa noite
nela.
— Okay.
Eu pego minha filha nos braços e dou um beijo na sua testa e afago
suas costas. Decido subir com ela para o seu quarto enquanto Nina vai para a
cozinha fazer sei lá o quê.
— Você gostou dela? — pergunto para a minha filha sentando-me na
cama e apoio seus pés nas minhas pernas. — Ela vai ser sua mamãe. — Me
traz um gosto amargo na boca dizer essas palavras. — Ainda bem que você
não entende, querida. Não entende as coisas terríveis que a vida nos faz
passar e sentir.
— Desculpa eu ter sumido.
Vejo Nina aparecer com as mãos molhadas, que seca na blusa. Que
merda.
— Eu fui lavar a mamadeira. Coloquei de molho como o livro
orientou.
— O livro de bebê?
— Isso, esse livro.
— Eu fiquei muito curioso. Depois você deixa eu ver?
— Deixo, claro — responde com entusiasmo, com um sorriso
orgulhoso por ter lido um livro para cuidar da minha filha.
Fico aliviado. Pelo menos mostra interesse da sua parte.
Me levanto e fico de frente para ela.
— Agora, passa ela para mim. Vou fazê-la arrotar e depois dormir.
Você pode descansar. Tem problema eu dormir aqui?
— Você quer dormir nessa cama?
Olhamos para a cama que eu estava sentado e a peguei dormindo
quando cheguei.
— Quero, acho melhor. Eu não vou perder muito tempo se ela chorar e
eu não gosto de babá eletrônica. Prefiro ver ou escutar o choro dela de
verdade.
Eu fico sem resposta para dar.
Concordo balançando a cabeça que sim e entrego minha filha para ela.
Nina abre um sorriso enorme para Sophia. Parece até que eu lhe dei um
brinquedo de Natal.
— Ela é uma doce menina. Quase angelical. Ela só chora de fome e
porque a fralda está suja e por mais motivo nenhum. — Minha jovem esposa
vai se sentar na cama, falando ainda. — Eu ia enlouquecer se fosse aquelas
crianças que choram por tudo. Ah, não! — resmunga preocupada.
— O que houve, diga?
— Deixei o ursinho lá embaixo. O cachorrinho de pelúcia.
— Tudo bem, fica aqui que eu vou pegar.
Ela concorda e balança a cabeça, ninando Sophia nos braços, que está
quase pegando no sono.
Desço rápido para pegar o urso e vejo que Nina deixou a pia da
cozinha limpa. Lavou até o copo que usei. Quando estou saindo, vejo um
bilhete na porta da geladeira e chego mais perto. São recomendações sobre o
que fazer para a minha filha comer; e do lado, outras recomendações sobre
nutrição de bebês. Isso foi coisa de Nina, é claro. Essa garota ainda vai me
surpreender muito.
Como os pais dela a tratam tão mal e sem a mínima compostura para
disfarçar na presença de estranhos. Talvez para eles, tratar os filhos dessa
forma é o ideal e eu sou igual a eles. Corto minhas bolas antes de fazer minha
filha se sentir inferior e com necessidade de se curvar às pessoas.
Treze

C omo uma semana passou rápido, eu não sei. E nesses sete dias, eu
aprendi muita coisa sobre bebês e Paolo. Sophia é como eu percebi
no primeiro dia de convívio, calma e fofa. Já o pai dela. Eu mal o
vejo em casa e não acho que ele está fazendo de propósito. Deve estar com
muito trabalho. Eu vejo quando ele chega, parecendo bem esgotado, porque
todas as noites vai falar com Sophia no bercinho, menos comigo. Não tem
problema. Uma hora, ele vai se acostumar.
É óbvio que eu não quero ser apenas Nina, sua esposa estratégica para
cuidar da sua filha. Quero mais. Almejo ser feliz com ele e Sophia. Mas ainda
está cedo e eu o entendo estar relutante. Ele repete tantas vezes que a minha
idade o incomoda, que estou pensando em amadurecer. Vai ser bom para ele
e para mim. Não posso ser uma boboca cuidando de uma criança.
Nessa semana que passou fiquei pensando na nossa noite de núpcias.
Fiquei curiosa se ele gostou como eu. Ouvi tantas histórias sobre perder a
virgindade e como os maridos tratavam as esposas no Dia D, que fiquei
confusa. Não foi como eu esperava e eu queria experimentar mais. Quando o
vejo sem camisa, que ele sempre dorme sem, fico com vontade de tocar seu
peitoral musculoso. Ele é forte e um afrodisíaco para os meus olhos.
Como nos filmes que eu assisto e nos livros que eu leio, eu podia ser
legal com ele, me aproximar e ser sua amiga. Talvez isso o faça querer ficar
perto de mim também. Só não vou insistir nisso. Eu não sei quanto tempo ele
está viúvo e talvez é por isso que não quer ficar perto de mim ainda. Foi
pouco tempo, levando em consideração que Sophia tem nove meses.
— A senhorita deseja mais alguma coisa?
Acordo do meu devaneio e olho para Gregori. Ele me ajudou a colocar
uma manta no gramado para poder brincar com Sophia no quintal, que é
enorme e repleto de flores. Mesmo mortas e maltratadas, eu percebi que tinha
um lindo jardim por aqui. Talvez eu possa fazer algo sobre isso.
— O urso dela. Eu esqueci.
Ele abre um sorriso.
— Você nunca esquece ele.
— Ela não me deixar esquecer.
Ele assente e volta para dentro da casa. Me viro para Sophia e ajeito o
chapéu de verão que coloquei nela. Estamos iguais. Vestido florido e chapéu
de palha. Ela está uma gracinha.
— Você está uma mocinha.
— Boh! — grita batendo as mãos nas perninhas. — Boh!
— Boh?
Estico minha mão para ela, que é empurrada.
— Boh! Boh... Boh... — continua e seu rostinho fica tristonho de
repente.
— Oh, amor, não.
— Acho que ela quer isso.
Olho para Paolo vindo de dentro da casa com o cachorrinho de pelúcia
na mão. Ele chega até nós e se agacha, sentando-se nos calcanhares. Entrega
o urso para Sophia e ela grita:
— BOH!
— Boh é o urso? Eu não sabia. Estou há uma semana aqui e não sabia.
Paolo sorri olhando para a filha.
— Eu também não sabia.
Suspiro e admiro-o na minha frente. Eu realmente sinto uma atração
maluca por ele. É tão bonito e não parece ser tão velho. Definitivamente não
sei nada sobre aparentar a idade que temos. Será que tenho mesmo cara de
dezesseis.
— Que cara é essa? Está se sentindo bem?
Pisco rápido e o encaro.
— Eu tenho cara de dezesseis?
Paolo cerra os olhos, desconfiado e fica me encarando como se fosse
um bicho em extinção.
— Por que a pergunta?
— Porque você não parece ter trinta e sete.
Um som estridente sai da sua garganta e ele se levanta.
— Vamos entrar. Vim buscar você para fazer compras.
— Minhas roupas te incomodam também?
— Você pergunta demais, Nina. Vamos. — Estende a mão para mim.
Sem minha resposta, aceito sua mão e fico de pé e, quando estou quase
cara a cara com ele, porque ele é muito mais alto que eu, seu rosto fica perto
do meu e engulo em seco com a intensidade dos seus olhos.
— Não incomoda não. — Se afasta, muito rápido e manda: — Agora,
pegue minha filha e vamos sair.
Sua filha. Sempre sua filha. Tudo bem. Ela não é minha, mesmo.
Ignorando minha irritação, me agacho e pego Sophia, que estava com
os braços esticados pedindo atenção.
— Vamos, minha princesa. — A ajeito no meu colo e arrumo sua
franjinha. Seu cabelo cresce rápido. — Vamos passear com o papai.
Virando-me para Paolo, o flagro olhando para mim com uma
expressão estranha.
— Aonde vamos? No shopping?
— Melhor.
— O que é melhor do que o shopping?
— Você não pode esperar, não?
— Não é isso. Eu posso esperar. Só estou curiosa.
— Isso eu já percebi — fala com sarcasmos.
Prendo a vontade de rir porque ele está tranquilo hoje e parece que
aconteceu alguma coisa que o deixou leve. Geralmente é tão fechado e
distante. A placa de “Não olhe para mim”, hoje está fora das suas vistas. Em
vez disso, ele está se permitindo. Não quero estragar o clima.
Eu o sigo para dentro de casa com Sophia nos braços agarrada ao urso
e batendo quase no meu rosto. Eu não ligo. Ela é uma graça.
— Você vai levar o urso com a gente?
Olho para a mão de Soph e para Paolo.
— Eu acho melhor não — ele recrimina.
— Qual o problema de levar o urso de pelúcia?
— Se ela perder, eu não sei se Madeleine pode achar outro igual e não
quero Sophia chorando por besteira.
— Madeleine? — indago franzindo a testa.
— A esposa do Capo. Ela deu de presente para Sophia nas vezes que
veio ajudar.
— Posso fazer uma pergunta?
Ele me olha com desconfiança como se não tivesse a fim de responder.
Porém, eu sou eu e faço a pergunta:
— Há quanto tempo sua esposa morreu?
— Não quero falar da minha esposa.
— Da sua ex-esposa — corrijo.
— Não estrague o dia, Nina — fala seco e sai pela casa entra no
corredor, que eu sei que fica o seu escritório.
Parabéns, Nina. Conseguiu deixar o seu marido de novo no modus
operandi de distância. Está feliz agora? Meu inconsciente zomba de mim.
— Eu acho que não posso falar da sua mãe — comento para Sophia.
— Mama.
— Isso. Mamãe. Você a conheceu? Será que conheceu?
— Se eu fosse você, não ficava fazendo esse tipo de pergunta.
Eu me viro para a voz atrás de mim, Gregori.
— Paolo é fechado, como você consegue ver, mas nem sempre foi
assim e a sua esposa era uma das únicas pessoas que fazia ele relaxar.
— Sua ex-esposa.
— Você compreendeu — sentencia rudemente. — O que eu estou
querendo dizer. — Ele se aproxima com sua expressão séria. — Se casar com
você foi porque ele estava muito cansado para cuidar da filha sozinho. Sophia
precisava de uma mãe e ele de alguém para ajudar. De alguém para ser sua
parceira. Não fica fazendo esse tipo de pergunta se deseja uma boa vida com
ele.
— Mas eu não perguntei nada demais.
— Falar da ex-esposa de Paolo é tudo que vai fazê-lo ficar mais
distante de você.
— Então você pode me responder?
— Ela morreu quando a Sophia tinha quinze dias de nascida.
Satisfeita?
Meu coração para e meus olhos enchem d'água. Quinze dias, então ela
quase não conviveu com a filha e o Paolo ficou esse tempo todo sozinho
cuidando de um bebê recém-nascido.
— Isso quer dizer...
— Que Sophia vai ter você como a mãe dela, mais ninguém. Não
acredito que ela vai conseguir se lembrar de Mia. Com certeza, não.
— Ele se casou comigo para eu ser a mãe dela?
— É isso mesmo. Por que você está surpresa?
— Não é isso. Teria sido mais fácil e eu não ficaria insistindo às vezes,
nem falaria sobre ela ou tentaria descobrir.
— Você não está toda errada. O certo era as pessoas lhe dar
informações, mas quase ninguém sabe da situação.
— Qual era o nome dela?
— Mia.
Mia? Eu ouvi Paolo falar esse nome um dia desses. Ele parecia estar
falando sozinho no escritório e eu não entrei porque não me sinto à vontade
ainda para me aproximar dele. Eu não quero insistir. Prometi a mim mesma
que não iria me rebaixar a ele. Prometi que nessa vida nova, eu iria dar tudo
de mim para as pessoas gostarem do que eu sou, não do que elas esperam que
eu seja. Eu não quero ser uma mulher que fica se arrastando para o homem.
Estou me esforçando e sendo uma mãe muito legal para a Sophia
nesses dias. Atenciosa e fazendo muito mais do que qualquer um já tenha
tentado. A criança nunca nem deve ter visto aquele jardim. Mas se ele estava
falando com a esposa morta, quer dizer que ele ainda a ama. Que sente a falta
dela.
Meus olhos enchem d'água e eu sinto uma dor no peito.
Será que ela vai ser uma sombra entre nós. Um fantasma do que ele
viveu.
Eu não quero isso. Eu não mereço isso.
— Por que você quer chorar? Está triste pela morte dela? Realmente
foi terrível.
— Como ela morreu? Foi complicação do parto?
— Não. Foi um atentado da Bratva no casamento do Capo.
— Então é por isso que a esposa dele vem cuidar da menina.
— Madeleine veio cuidar da Sophia algumas vezes porque se sente
culpada, sim. Mia estava na sua frente quando tomou o tiro, no lugar dela.
Mesmo que Paolo e Travis não gostem de falar sobre isso, é bom que você
nunca mencione que eu falei isso. Eu gosto da minha vida.
— Minha boca é um túmulo. E eu fico feliz que você esteja falando.
Eu preciso que alguém me esclareça algumas coisas. Odeio ficar no escuro.
— Eu vou falar só o que eu acho que você precisa saber. Nada além
disso.
— Agradeço.
— Madeleine também é madrinha de Sophia e, por isso, ela vem visitar
a menina. Melhor do que Marta, ela cuidou do Sophia muitas vezes, mas
você está fazendo um bom trabalho. Continua assim que Paolo vai lhe dar o
devido respeito. Sinceramente, tenha paciência. Talvez ele se acostume com
você. Ele vai precisar de um filho homem.
Oh, meu Deus!
Agora eu fiquei mais aliviada ainda. Ele vai me procurar para transar
para eu engravidar do filho dele, apenas isso. Sou a mãe incubadora jovem.
— Podemos ir? — A voz de Paolo chega até nós.
Me afasto de Gregori, virando-me para o meu marido, que está de testa
franzida olhando de mim para o segurança.
— Qual o problema?
— Nenhum — respondo rápido demais e me arrependo. — Gregori só
foi... Eu pedi a ele para tirar as coisas do jardim. Não quero que suje. A
colcha ainda está limpa.
— Está bem. Agora, vamos.
— Só vou pegar minha bolsa e Gregori...
— Sim, senhora.
— Pegue o carrinho da Soph nos quartos dos fundos.
— Sim.
Subindo correndo as escadas, passo pelo quarto de Paolo e vejo as
portas abertas. Ele dividia o quarto com Mia ou ela também tinha seu próprio
quarto?
Duvido. Ele a amava. Pior que superar o ódio de alguém é substituir
um amor. Pessoas especiais ficam para sempre marcadas em nós. As que
odiamos têm tempo para nos fazer lembrar delas.

G regori me ligou dizendo que minha mulher estava no jardim com


Sophia, e algo inquietante me fez vir em casa. Quando cheguei e
vi as duas sentadas numa manta branca com roupas iguais, flores,
foi como se estivesse enxergando Mia e nossa filha ali.
Então, quando fui chegando mais perto e realmente consegui enxergar
Nina, a visão de algum jeito me agradou ainda mais. Porra. ela vestiu a minha
filha igual a ela e ainda botou um chapeuzinho de palha idêntico ao seu.
Pareciam mãe e filha.
Eu quis tirar uma foto delas duas juntas ali no meio do jardim que Mia
tanto amava, agora morto e sem vida.
Parei de ligar para o jardim e sua estufa no quarto mês após sua morte.
Primeiro, que não tinha tempo. Marta também não e, com a guerra, foi sendo
esquecido. Agora o verde do gramado está mais para amarelo, mesmo assim
continua bonito. Preciso arrumar alguém pra cuidar dele. Mia iria gostar que
eu fizesse isso por ela.
Eu vou tentar resgatar o jardim para a minha filha ter um lugar para
brincar com Nina.
E o convite para fazer compras, não sei o motivo de fazer isso.
Foi a coisa mais improvisada que já fiz na minha vida e nem estou com
tanto tempo livre assim. No entanto, aqui estou eu passeando pelo corredor
do Bellagio e Nina com os olhos brilhando de admiração para as lojas de
grife.
— Eu posso mesmo entrar em uma dessas lojas e comprar o que eu
quiser?
— Pode, Nina — respondo pela terceira vez a mesma pergunta.
Eu não sei o que que se passou na cabeça dos pais dela. Como
conseguiram ser tão rudes com uma pessoa tão doce. Ela é tão passiva. Até
quando eu sou grosso, ela é doce comigo.
— Você vai comprar alguma coisa para você também?
Olho para ela e nego com a cabeça.
— Não preciso de nada.
— Tem certeza?
— Tenho certeza, Nina. Entre logo e compre alguma coisa. — Eu tento
soar não tão grosseiramente. Foda! Nem sei mais como não ser grosso com as
pessoas. É involuntário.
— Está bem. Eu vou comprar. — Chega perto de mim e estica a mão.
—Cadê o dinheiro?
Ela é inacreditável.
Pego da minha carteira e entrego o meu cartão platino, mesmo que não
tenha necessidade. Eu sou o gerente do Bellagio e o Consigliere do chefe
dessa máfia, que é o dono desse hotel e comanda todas essas lojas e a cidade
de Las Vegas. Qualquer membro da sua Famiglia ou que ele permite fazer
extravagância por aqui, simplesmente entra, compra e coloca na conta do
Travis. Ou na minha, no caso.
— Você pode não precisar, mas eu vou te dar o cartão para você se
sentir mais à vontade.
— E qual é a senha?
Merda. É o aniversário de Mia.
Eu esqueci de trocar, mas ela não vai saber. São quatro números. Isso
só me fez lembrar que é mês que vem.
— 0509.
— Está bom. Obrigada — Nina agradece e entra com Sophia no
carrinho em uma das lojas.
Fico do lado de fora e detenho a vontade de acender um cigarro. Esses
dias trabalhar e esquentar a cabeça com as coisas da Famiglia tem feito eu
fumar menos. Qualquer pessoa acharia isso estranho, porque normalmente o
estresse faz as pessoas fumarem mais. A minha cabeça está tão cheia de
trabalho e de Nina, que não me lembro de fumar.
Nina com seu avental rosa florido pela casa.
Nina conversando com a minha filha de madrugada.
Nina fazendo mamadeira e derrubando as coisas na cozinha e fazendo
eu me levantar de madrugada.
Nina vestida igual a Mia.
Nina e sua bunda linda, que está sendo muito difícil resistir.
Estou quase cedendo e transando com ela de novo. Porra, ela é minha
esposa. Não me casei com ela só para ser uma babá para a minha filha. Casei-
me para foder quando tiver vontade e uma hora gerar outros filhos. Não sentir
nada por ela é diferente de não me sentir atraído por ela.
Ela sai da loja com uma sacola. Chega perto de mim e estica a mão.
— O que que foi? — Olho para a sacola e para ela.
— É um presente para você.
— Por quê?
— Porque no nosso casamento, você me deu um presente, lembra? Me
deu aquela pulseira de cristal e eu comprei um presente para você agora. —
Sorri envergonhada. — Não sei se meu pai deu alguma coisa, mas eu acho
que seria educado devolver e aqui está.
Estou, de novo, sendo surpreendido por ela. Mais uma vez.
Eu pego o presente, tiro da sacola vendo que é um relógio e abro a
caixinha de veludo encarando o Rolex com a pulseira de couro marrom e o
relógio de ouro.
— Muito obrigado. Eu gostei.
— Gostou mesmo? Se quiser pode trocar.
— Não, eu gostei — afirmo guardando o presente no lugar. — E você,
não vai comprar nada para você?
— Não aqui. Não tinha nada que eu gostasse. Não sou chegada a joias.
É bom eu registrar isso.
— Vamos! Eu quero ir naquela loja de brinquedos.
— Vai comprar presente para Sophia? E para você?
— Calma, Paolo. — Mostra seu sorriso jovial para mim. — Eu tô
passeando. É bom ficar olhando. Não é simplesmente entrar nas lojas e sair
comprando. Gosto de passear no shopping, ou nesse corredor chique de lojas,
e então vou olhar algo que eu goste e vou experimentar, e talvez compre.
Ela quase fala cantando e, por força maior, eu me lembro de que ela é
muito jovem. Não pensa em nada, apenas no hoje e no agora. Não se
arrepende, não se incomoda e eu espero que ela não guarde remorso das
vezes que sou tão estúpido.
— Tudo bem. Vamos passear.
Ela sorri assentindo e me surpreende cruzando seu braço no meu.
Olho para onde nós estamos conectados e percebo que ela parou de
respirar quando encontro seus olhos.
— Você quer que eu me afaste?
— Não, tudo bem. Pode ficar.
Eu me casei com ela. É minha esposa e é normal andar de braço
cruzados.
Empurramos o carrinho, eu com uma mão e ela com a outra. Nunca fiz
isso com Mia. Não tive oportunidade.
Odeio ter que pensar nela o tempo todo. Odeio ter esses pensamentos
de que eu nunca vou experimentar com ela nada sobre a nossa filha.
Eu preciso me concentrar nessa esposa aqui. Nessa doce e jovem
esposa. Minha faladeira.
— Ali está a loja que eu falei.
Nós paramos e entramos numa loja de brinquedos, que eu nem sabia
que existia no Bellagio.
— Olha!
Faço o que pede.
— É igual o urso da Sophia.
— Ele é maior.
— Mas é igualzinho. Vou comprar para ela. Para ser o irmão do Boh.
— Irmão?
Nina congela e vira-se para mim lentamente.
— Falando nisso...
Eu sabia que ela vinha com uma pergunta.
— Pode falar.
Não sei porque eu ainda tento mandar ela cala a boca, se eu falei para
ela falar. Acho que nos vinte anos que ela conviveu com os pais, não falou. E
aí ela vai passar vinte anos falando comigo, só vai parar de falar com
quarenta. E depois? Será que vai calar a boca de novo?
Esse pensamento é perturbador e, ao mesmo tempo, idiota.
O que está passando na minha cabeça?
— Eu estava pensando se você vai querer...
— Que a Sophia tenha irmãos? — completo sua pergunta. — Claro
que sim. Mas não agora. Ela é muito pequena ainda. Concentre-se em fazê-la
andar, falar e comer sozinha. Depois a gente pensa nisso, está bom. Espero
que você esteja usando o controle de natalidade.
— Estou usando sim. Uso desde os meus dezoito porque eu tenho um
cisto no ovário. Então eu tinha que tomar, mas antes de nos casarmos, eu fui
ao médico para ver se estava tudo okay.
— Você tem um cisto no ovário? E pode engravidar?
Como alguém me vende um material com defeito?
Puta que pariu, Paolo, pensar isso é horrível. Quero cortar o meu
cérebro ao meio nesse momento. Eu acabei de chamar minha esposa de um
produto defeituoso.
— Não. Já acabou. Quando o médico receitou a pílula, sumiu. Eu
posso engravidar e. mesmo assim, muitas mulheres engravidam com cistos.
— Ah, sim. Tudo bem.
— Não se preocupe, eu vou poder dar um filho para você. Mas não
agora — ela completa ficando séria e vira-se empurrando o carrinho para
longe de mim.
Ela é muito engraçada e até mesmo eu que sou difícil de achar graça
nas coisas, tenho que dar o braço a torcer. Madeleine iria adorar saber que
estou sendo torturado pela graça da minha esposa.
— Ela fala pra caramba. — Escuto o Gregori falar atrás de mim e olho
para ele.
— Eu pedi para ela falar. Acho que ela passou a vida toda sem falar em
casa e agora irá passar a vida toda falando comigo.
— Eu espero que você fique feliz. É horrível quando a gente convive
com pessoas que guarda segredos e não se comunicam.
Eu focalizo bem o seu rosto, tentando descobrir por que ele disse isso.
— Quer me contar alguma coisa?
— Não, senhor. Foi só um comentário aleatório. — Dá de ombros. —
Eu gosto dela. Está se esforçando. Meu medo era que ela fosse retraída perto
de você e uma completa idiota com a Sophia, mas eu só sirvo agora de
segurança. Com a Marta, muitas vezes eu tive que cuidar da sua filha.
Desculpe falar isso agora.
— Por que não falou antes?
Ele vem para a minha frente e olha para mim.
— Você já estava com muita coisa no seu prato para lhe dar mais isso.
Não precisava. Mas agora isso acabou. Nina é uma ótima mãe, mesmo que
ainda não consiga se situar como tal. Com o tempo vai se acostumando, e a
própria Sophia.
— Não acha estranho?
— O quê?
— Sophia ter se acostumado tão rápido com ela.
Gregori franze a testa me olhando estranho e se aproxima mais.
— Você acha que ela se apegou rápido a Nina porque lembra a Mia?
Porque se fosse... Senhor... sendo bem honesto. não acredito nessa hipótese.
Até porque a Sophia se dá muito bem com Madeleine e Marinne, e óbvio
com a Marta. Sophia gosta da Nina porque a Nina é impossível de odiar.
Mesmo que ela tire a paciência de vez em quando, por falar além da conta,
ela devia ter um botão de pausa.
Mesmo achando graça, fecho a cara para ele.
— É da minha esposa que está falando.
— Me desculpe. Eu vou atrás dela para ver se está precisando de ajuda.
— Não precisa, eu vou. Se eu vir junto, posso fazer companhia. É
minha esposa e a minha filha lá dentro. Eu posso ir ficar perto delas?
— Claro, senhor. — Ele se afasta e eu entro na loja.

Finalmente chegamos em casa e Gregori ajuda a levar as compras para cima


com Nina, e Sophia está amarrada a ela no canguru. Minha esposa fez
questão de comprar e fazer a vendedora ensiná-la a prender minha filha
direito nela. Deu tudo certo e ela passou o final do passeio com minha filha
grudada nela e falando seu dialeto de bebê.
Ela também comprou um monte de roupas para Sophia, brinquedos e
roupas de cama com muitas flores. Percebi que ela gosta e, mesmo trazendo
memórias, eu só fiquei olhando e gostando dela sorrindo e se divertindo com
Sophia. Parecia que eu via aquela cena desde o início. Como se os oito meses
que passei sozinho não existisse mais.
Para ela, comprou saias, vestidos, algumas blusas com babados nos
ombros, porque está na moda. Ela fez questão de vestir todas as roupas para
mim e dar voltinhas para eu ver como ficou.
Porra. Eu sou um homem forte, criado para ser determinado e
perspicaz. Estar à frente dos inimigos, e essa garota me deixa com as pernas
fracas com coisas que não espero, como: o presente, as gracinhas e o jeito
doce com minha filha.
E assim foram só, apenas, cinco horas fazendo compras.
Eu poderia me sentir arrependido se não tivesse gostado de ficar perto
de Nina. Não posso agir como um estranho com ela por muito tempo. Não
podemos ser estranhos para sempre. O andamento do casamento arranjado é
isso. Somos obrigados a nos conhecer e conviver quando já somos casados e
temos a obrigação de nos aceitar e tolerar.
No meu escritório, dou alguns telefonemas e vejo que está tudo em
ordem. Por eu ter trabalhado essa semana que nem um condenado, pude tirar
um tempinho hoje para a minha família. Travis disse que é importante.
Ele pode ser um babaca muitas vezes, mas sobre família, ele honra,
quase como nenhum outro Capo, como chamamos nossa organização
criminosa italiana: Famiglia. Ele tem muito respeito aos seus homens, as
pessoas leais a ele e espera que seus homens honrem seus Clãs. Talvez ter
tido um pai e uma mãe que não fizeram nada por ele e seus irmãos, fez dele
um líder preocupado com o refúgio dos seus homens, que é sua família, sua
esposa e filhos.
Eu volto para a sala esperando Nina, mas vejo o Gregori descer apenas.
— Cadê elas?
— Nina disse que vai tomar um banho e dar em Sophia também.
— E quem é que vai ficar olhando Sophia?
— Elas vão tomar banho juntas. Disse que você pode tomar alguma
coisa enquanto a espera para o jantar.
Sem dar uma resposta, subo e entro no quarto de Sophia. Como não
vejo ninguém, vou para o de Nina. Eu bato na porta, apenas por educação, e
adentro o cômodo.
— Nina — eu a chamo.
— Estou aqui! — ela grita do banheiro. — Paolo?
— É claro que sou eu. Se Gregori entrar no seu quarto enquanto você
está tomando banho, eu corto os olhos e as bolas dele fora.
Ela dá uma gargalhada e eu abro a porta do banheiro. A vejo
completamente nua debaixo da água esperando a banheira encher. Sophia
está nos seus braços brincando com a água, que cai do chuveiro. É uma
imagem graciosa e eu tento expulsar a parte que acho deliciosa. Sua pele
quase intocada ficando molhada é tentador.
— Quer se juntar a nós?
— Não. Nunca. Eu jamais tomaria banho com a minha filha.
— E se ficar de cueca?
— Não insiste, Nina.
— Eu estou brincando. Você tem que rir um pouco.
E eu rio, um riso que não consigo conter e baixo a cabeça para ela não
ver. Não quero que ela pense que ganha tão rápido esse jogo.
— Eu esqueci de pegar a toalha da Sophia. Você pode ir lá buscar?
Está no quarto dela no banheiro.
— Eu já volto.
Vou rapidamente pegar a toalha e, quando volto, elas duas estão dentro
da banheira. Sophia brinca batendo em cima dos peitos de Nina. E eles são
lindos.
Para com isso, Paolo!
— Ela não pode ficar muito tempo no banho. Não quero que fique
resfriada. Você pode pegá-la. Vou terminar rapidinho.
— Fez isso de propósito?
— Fiz o quê de propósito? — Ela arregala os olhos.
— Você entrou no banho com a minha filha só para eu vir aqui e te
ajudar?
— Na verdade, não. Eu estava pretendendo ter um banho rápido, mas,
como você está aí, pode me ajudar. A não ser que você não queira pegar sua
filha nua, pequenininha e fofinha. É só pegar ela. Eu vou vesti-la e colocar a
fralda.
— Já troquei a fralda dela mais vezes do que qualquer homem já tenha
trocado a fralda de algum filho. Não é o problema. Eu dou banho nela, só
nunca vou tomar banho junto com a minha filha. Eu acho que é... ridículo.
— Tudo bem. Já entendi — sussurra e olha para a minha filha. —
Vamos acabar com esse banho, Soph — fala animada para Sophia, que bate
na água. — Isso! Água. Fala: água. Água!
— Bah, Bah.
— Água.
— Bah!
Nina dá uma gargalhada, balançando a cabeça.
— Está bom. Já que você chama o seu cachorrinho de Boh, agora a
água vai ser Babah.
— Bah!
— BAH? Então vai ser Bah.
Eu suspiro e espero. Nina termina de tirar o sabão de Nina e se levanta
com Sophia nos braços.
— Agora pega e a seque. Pode colocar a roupa se você quiser.
— Vou fazer — digo ignorando meu desejo de olhar para os seus
peitos, sua barriga lisa e os pelos pubianos, que são loiros como seus cabelos.
E ela fica muito bonita com os cabelos presos todo para o alto.
Respiro fundo, ignorando a ereção que está quase por vir, e levo minha
filha para o seu quarto.
— Você vai ter uma mãe meio doidinha. Sinto muito.
— Ni.
— Nina?
— Ni!
Será que ela está tentando dizer Nina. Assim tão rápido?
— Papai?
— Papa.
— Você disse papai?
— Papa.
Ela disse papai.
— Sim, meu amor. Eu sou o papai e você vai ter uma mamãe louca.
— NI!
— Isso, meu anjinho. Sua mãe. Você vai ter duas mães, uma aqui e
outra no céu.
Depois que eu visto minha filha, a coloco no bercinho e mais forte do
que eu, minhas pernas me levam para dentro do quarto de Nina. Para o seu
banheiro.
A vejo se esfregando com a esponja. E estou tirando da sua mão. Ela
leva um susto e vira-se para mim.
— O quê?
— Sou eu
Ela fica de boca aberta, surpreendida e solta a respiração.
— Vira de costas para eu esfregar você.
— E-Está bom. Se... você insiste.
— Você podia falar um pouco menos.
— Você disse para eu falar — me responde malcriada. Está me
provocando.
Esfrego suas costas até ver que ficou branca de espuma, sua pele é
alva. Escuto quando ela geme e a vejo apertar as mãos. Deslizo minha mão
para a frente do seu corpo, toco sua barriga e subindo, toco os seus seios. Ela
deixa o corpo vir para trás, encostando no meu peito, molhando meu paletó.
Eu fecho os olhos sentindo o perfume do seu pescoço. Toco seus mamilos,
estão duros, e apalpo o seio esquerdo.
— Isso é frio?
— Não — geme. — A água está quente — diz e eu acho que nem se dá
conta.
Solto a esponja, que cai na água da banheira fazendo uma bagunça e
minha outra mão pega o seu peito direito. Massageio seus seios e escuto Nina
suspirar alto e me dá mais acesso jogando seu pescoço para o lado, que eu
beijo e chupo a pele perto do seu ombro.
— Você está comendo sabão.
Pelo amor. Como ela pode?
Rio e seguro seu rosto pelo queixo, fazendo-a olhar para mim.
— Então eu vou comer outra coisa. — Assim que eu digo isso, minha
boca está na sua.
A beijo num beijo barulhento e excitado. Eu estou de pau duro desde
que a vi dormindo com aquela saia na cama do berçário mostrando sua
bunda. Nas vezes que ela aparece na minha frente de manhã com a camisola
branca. Quando dá seis horas, todos os dias, ela vai até o quarto de Sophia
para vê-la acordar e me dá um bom-dia e volta dormir. Ela está decidindo
entre dormir no seu quarto e no quarto de Sophia. Hoje, eu quero que ela vá
para outro lugar.
— Quando a gente acabar de jantar, eu quero que você vá para o meu
quarto — digo ainda segurando seu rosto pelo queixo.
Ela assente devagar, atônita.
— Tudo bem.
Dou um beijo estalado na sua boca e me afasto. Nina geme e vira-se
para mim sem um mínimo pudor e tenta me tocar.
Recuo e provoco:
— Mais tarde.
Saio do seu banheiro e vou para o meu quarto trocar de blusa e depois
até a Sophia, que está resmungando.
— Já vamos descer. Papai está morrendo de fome.

Como esperado, nós dois jantamos, em silêncio. Comemos um prato muito


gostoso que Marta fez por recomendação minha. Porém, noto que Nina não
está comendo.
— Não gostou da comida?
— Eu gostei. — Levanta o rosto para mim. — Só não sou muito
chegada a carne. Prefiro frango ou peixe. — E completa com afobação, como
se estivesse com medo: — Mas não estou reclamando, não. Está uma delícia.
— Tudo bem, Nina. — Tento tranquilizá-la.
E, de repente, ela estica a mão dizendo:
— Tem uma coisa na sua boca. — Ela limpa o canto da minha boca.
— Obrigado — peço estranhando a sua delicadeza comigo.
Mia foi a única que me deu bondade. A única que não fez questão do
monstro que sou. Não esperava mais de ninguém o mesmo, mas aqui está
Nina. Eu deveria gostar, mas odeio ela ser como Mia. Tão parecida em tudo.
Baixo a cabeça, desviando minha atenção dela e continuo a comer.
Estranho como meia hora atrás, eu estava quase devorando ela na sua
banheira, e agora estou me estressando de novo. Ela não para de olhar para
mim e isso está me incomodando. Esses olhos cheios de juventude com
braveza do mundo, achando que a vida é fácil.
Eu quero transar com Nina porque passei oito meses sem ter um
mínimo contato com mulher alguma, e qualquer pessoa que já tenha perdido
a virgindade, sente vontade de vez em quando de trepar. Por mais que eu
tenha mergulhado em cuidar da minha filha e tentando ser o Consigliere de
Travis, e focar na vingança, tive vontade de foder, só não queria ir para a
cama com uma prostituta. Isso era desonrar demais a memória da minha
esposa.
Nenhum homem de honra trai ninguém, principalmente a mulher que
confia para dormir ao seu lado na cama com ele. E para mim, quando fez três
meses que Mia morreu, ela era viva demais para eu ir para cama com
qualquer outra mulher.
Eu me senti a traindo quando tirei a virgindade de Nina, e ainda me
sinto um desgraçado, sendo um maldito filho da puta, em desejar minha
jovem esposa. Mas eu sou homem, porra! Eu tenho necessidades e essa
mulher na minha frente, com esses olhos azuis esperançosos e curiosos, é
minha esposa. Eu posso tê-la nos meus braços essa noite. Tê-la embaixo de
mim gemendo. Espero que, dessa vez, seja melhor do que a primeira.
Tirar a virgindade é uma merda. Não sei como o Colen falou aquilo
que, de vez em quando, é bom pegar uma virgem. Vou ter uma conversa
muito séria com Travis sobre as virgens que o irmão dele deflora.
Sophia faz um barulho e joga longe o talher de plástico, que ela estava
tentando comer o purê de batata, com Nina a ajudando.
— Acho que ela não quer mais comer e, por mim, tudo bem. Eu vou
subir e ficar com ela.
— Okay. Daqui a pouco, eu subo também.
Dando um sorriso sem graça, Nina se levanta. Limpa sua boca com o
guardanapo de pano, faz o mesmo com Sophia, e depois a pega no colo.
Ficar sozinho nessa mesa me traz lembranças muito ruins.
Eu passei oito meses aqui, depois de botar minha filha para dormir ou
mamar, o que for. Eu comi sozinho por muito tempo, e espero não comer
mais. O que aconteceu agora foi um imprevisto. Nina não fez de propósito.
Talvez esteja nervosa e posso adiar o meu tesão por ela.
Vou demorar aqui embaixo para dar chance de ela dormir e não
precisar me recusar.
Quatorze

A verdade é que não sei o que esperar quando o Paolo pediu para eu
ir para o quarto dele. Eu ninei e troquei a fralda tão rápido, para
Sophia dormir logo, que me sinto até culpada. E já tem dez
minutos que estou sentada na ponta da cama dele. Eu estou no quarto dele.
Não tinha entrado aqui ainda, diferente dele que entrou três vezes no
meu quarto. Uma delas foi para brigar comigo porque eu estava demorando
para voltar.
Sophia tinha acabado de tomar banho e ele achou que eu estava
enrolando para ir ver a bebê. Eu jamais faria isso com Sophia. Ela é a minha
princesinha.
Será que ele vai querer transar comigo hoje de novo. Eu espero que
sim. Honestamente fico esperando-o me tocar de novo desde aquele dia, e
hoje ele esfregou minhas costas, tocou meus peitos e foi maravilhoso. Delirei
e queria que ele colocasse a mão lá embaixo porque sinto um vazio nas noites
que penso nele.
Será que é normal ficar assim?
— Meu Deus. Eu estou suando.
Vou até o banheiro, correndo, para ver se ainda estou apresentável.
Penteio meus cabelos com uma escova que tem na pia e confiro meu vestido.
É simples, preto, colado ao corpo e deixa acentuado todas as minhas curvas,
os meus peitos. Parece que Paolo gosta deles.
— Eu sabia que ela não viria.
Escuto e saio do banheiro. Dou de cara com Paolo. Ele arregala os
olhos e toma uma respiração aguda.
— Onde você estava?
— No banheiro. Fui... fazer xixi — minto.
Eu deveria falar isso em voz alta?
De vez em quando eu não tenho filtro e ninguém é obrigado a tolerar
as coisas que sai da minha boca.
Ele caminha em minha direção e seguro a respiração. Sua mão voa
pegando meus cabelos e está em cheio por trás da minha cabeça, que eu deixo
cair um pouco para trás. Nossos olhos se encontram e os dele estão negros.
Famintos. Um animal feroz.
O arrepio se espalha pelo meu corpo e sinto meus mamilos
endurecerem, pressionando o sutiã de renda que coloquei de propósito.
Comprei hoje porque a moça da loja disse que empina os peitos.
— Você está linda com esse vestido.
— Obrigada. Foi você que me deu hoje.
Vejo seus lábios estremecerem e logo sua mão, que estava livre, toca
minha cintura. Ele respira com força e fecha os olhos por breves segundos.
— Você está cheirando a canela.
— Eu escovei os dentes.
Assente e seus lábios estão nos meus, furiosos. Não sei por que, mas
sinto como se estivéssemos numa corrida desenfreada. Será que ele ficou
preocupado de eu não querer que nós tivéssemos outro contato depois da
noite de núpcias. Eu apenas não queria, e não quero, ficar me jogando para
ele. Já passei vinte anos de humilhação. Não quero mais um segundo.
— Vou fazer tudo aquilo que você permitir.
Toco seu peito e franzo a testa.
— Eu quero.
— Você quer transar comigo?
— Eu quero tudo — respondo subindo minhas mãos no seu peito e
começo a abrir os botões da camisa e do colete.
Ele está perigosamente atraente. A camisa dele e o colete com suporte
de armas ficou. Ele tirou o paletó porque provavelmente molhei no banho.
Isso me deixa eufórica.
— Você fica bonito assim. Assustadoramente bonito.
Sua expressão é tentadora e gananciosa. Eu nem reconheço meus
pensamentos, meus desejos. Eu era apenas uma Nina, noiva de um soldado
que está na Itália e que gostava de flores e era supermaltratada pelos pais.
Agora sou esposa e a mãe de Sophia. Não mais uma menina. Esse
pensamento me causa ansiedade em tudo. Até de ser a mulher dele.
— Sou sua mulher — sussurro encarando.
— Sim, você é — ele reafirma.
Agarra minha cabeça de novo entrelaçando seus dedos nos meus
cabelos e me beijando até tirar o fôlego. Sua língua dança com a minha e
adoro. Corajosa também, enfio meus dedos por seus cabelos grisalhos. Eu
realmente gosto dos cabelos dele. Esse ar de maturidade o torna mais sexy.
Depois que paramos de nos beijar, nos afastamos para poder tirar as
nossas roupas. Desabotoo todos os botões da sua camisa e o colete. Ele deixa
cair no chão e me agarra, vira de costa. Abre o zíper do meu vestido e desliza
pelas minhas pernas apalpando meu corpo em todos os lugares que anseio por
seu contato. Ele quase arrebenta meu sutiã, mas eu o advirto porque comprei
hoje.
Ele tira minha calcinha e me abraça por trás, como estava na banheira.
Sua boca está no meu pescoço, lambendo até meu queixo e uma das suas
mãos toca meus peitos e desce. Seus dedos dedilham até o vale dos meus
pelos pubianos. Passa a ponta do dedo nos lábios e logo está massageando
onde formiga: a ponta do meu clitóris.
— Você está molhada — sussurra no meu ouvido e parece surpreso.
Eu não digo nada e junto minha mão com a sua, forçando-o a continuar
a me acariciando ali. Mordo o lábio sentindo uma quentura e gemo alto, sem
vergonha.
Ele continua brincando com meu clitóris, incansável. Eu estou quase
caindo porque minhas pernas viram gelatina, até que ele para. Me vira de
frente para ele, como se eu fosse uma boneca, e me beija segurando meu
rosto. Ele sempre faz isso. Essas mãos enormes e brutas seguram meu rosto e
seus lábios devoram a minha boca. Eu me sinto pequena em seus braços de
uma forma sexy. Ele é tão quente, alto, forte e musculoso. Eu toco seus
braços, sentindo os músculos e as varizes, os pelos no meio do peito. Pelos
grisalhos.
Quando foi que o grisalho ficou tão sexy?
— O que que foi? — Afasta meu rosto, ainda segurando com suas
mãos e me encara. — Te incomoda?
— Não. Eu só acho... que combina com você.
— Meus pelos grisalhos combinam comigo?
Prendo meu sorriso mordendo minha boca.
— Você combina com você mesmo. — Toco seus ombros. — Não
consigo imaginar você sendo outro homem.
Seus olhos brilham e algo passa por eles que não consigo identificar.
— Como você me imaginava?
Eu poderia não falar, mas faço.
— Gordo, sem graça, um pouco parecido com meu pai e fedendo a
charuto.
Paolo ri, pela primeira vez para mim, e afaga minha bochecha com o
polegar.
— Ainda bem que eu não sou nada disso. E eu fumo cigarro.
— Percebi que está fumando menos. Está tentando parar? Seria bom
para viver mais.
Ele não responde e me dá um beijo. Gemo quando aperta minha bunda
e eu me agarro a ele. Dou um pulinho e consigo abraçá-lo, enlaço minhas
pernas em sua cintura e meus braços em seu pescoço. Ele continua me
beijando e sinto que anda.
Logo sinto o colchão macio e o cheiro bom das colchas quando ele me
deita, e não se afasta. Paolo mantém o contato me beijando, passando as
mãos na minha cintura, na minha bunda, nas minhas coxas e, quando para de
beijar minha boca, lambe meu queixo, meu pescoço e dá atenção para os
meus seios. Ele chupa um de cada vez.
Me agarro às colchas sentindo um prazer me enlouquecer e fecho os
olhos. Quase morro quando o sinto passar a barba no meu umbigo. Uau! Sua
boca está na minha boceta, me lambendo.
Ele parece gostar muito de fazer isso. Me chupar. Dá um beijo bem no
centro do meu calor, que envia um arrepio eletrizante por cada parte do meu
corpo. Me sinto eletrocutada. Sinto-me queimar e incendiar.
Paolo desce mais o corpo, se acomodando na cama para poder agarrar
minhas coxas, abrindo minhas pernas e começa a me chupar de verdade. Eu
abro a boca, sentindo meus olhos lacrimejar. Por que é tão bom?!
Se tivessem me contado antes que, quando a gente se casa tem isso, eu
teria aceitado ontem e com um sorriso. Mas será que, se não fosse Paolo,
seria assim? Não quero pensar nisso porque estou adorando demais isso que
ele faz com a língua na minha boceta.
Como Léa me falou brincando, mas agora comprovo: “Panela velha
que faz comida boa”. A experiência de Paolo é sexy e eu espero que um dia
ele ache o mesmo da minha juventude. Acho que nunca vou me cansar de
sexo.
Um gemido solta do meu peito, como se fosse uma corda que arrebenta
dentro de mim.
— Oh! — grito e ele levanta a cabeça.
— Não faz isso. Vai acordar a Sophia.
— Me desculpa. Me desculpa.
Ele sorri e vejo que seus lábios estão molhados. Não tem visão mais
sexy do que essa. Eu nem consigo pensar.
Por impulso, me sento, fazendo ele ir para trás e agarro seu rosto. Lhe
dou um beijo ardente.
— Eu não quero sua mão, nem sua boca. Eu quero você — murmuro
olhando-o nos olhos.
Fica me encarando e acho que vai fazer algo quando um choro
estridente atravessa a casa inteira e nós congelamos.
— Sophia — digo com a voz fraca. — Ela acordou.
Paolo fecha os olhos, parece se sentir derrotado e se afasta.
— Eu vou ver como ela está. Fica aí.
— Mas e se ela...
— Ela só quer atenção. Me espera aqui.
Eu tenho não outra opção porque estou nua e não sinto minhas pernas.
Eu quero que ele volte logo.
F ico arrependido de ter atrapalhado nosso momento. Na verdade, eu
não atrapalhei nada, foi Sophia que acordou e ela podia ter esperado
um pouquinho mais para pedir atenção. Mas é um bebê e não
entende as coisas.
Estou parado, observando Nina dormindo na minha cama. Ela se
aconchegou e se cobriu deitando-se do meu lado da cama. Parece que tem
alguma voz extraordinária na cabeça dela que está aconselhando a fazer todas
as coisas certas para me convencer ou conquistar, de que ela foi a escolha
perfeita.
Me aproximando, eu cubro seus ombros e ela resmunga. Vou até o
banheiro tomar banho, bater uma punheta. Não tenho outra opção, porque
minha esposa pegou no sono e fiquei com vontade de foder. Que sorte a
minha.
Depois coloco minha calça de flanela e vou me deitar do seu lado, mas
paro.
Eu podia pedir para ela colocar a roupa ou ir para o seu quarto, no
entanto, em algum momento ela vai vir dormir comigo. Só não quero que seja
tão rápido. Não quero que pareça muito rápido que ela está substituindo Mia.
Com esse pensamento, vou dormir no quarto da minha filha, que
realmente só acordou e chorou pedindo atenção.
— Não é, minha querida?
Olho para Sophia dormindo agarrada ao pelúcia novo: um cachorrinho
de pelúcia um pouco maior do que o que Madeleine deu, que ela ainda está
agarrada. Suas duas mãos estão ocupadas agora. Uma gracinha.
— Talvez você queira que o papai se comporte — penso em voz alta e
me sento na cama.
Depois que pego uma coberta no armário, me deito e olho para o teto
porque se eu virar para o lado, vou sentir o cheiro do xampu de Nina, que
está impregnado na merda do travesseiro.
Ela já está ficando em cada canto dessa casa. Como ela pode apagar
tão rápido todas as memórias de Mia? Será que um dia eu vou esquecer que
ela existiu, assim como seu cheiro já sumiu da casa?

Às cinco da manhã, saio de casa. Um horário mais cedo do que o normal.


Acredito que nunca saí tão cedo para trabalhar. Ir para trabalhar no cassino e
no hotel, não fazer emboscada e viajar para uma reunião para algum estado
substituindo Travis.
Um pouco depois das sete, meu celular toca e não reconheço o número.
— Paolo Dal Moli — atendo da mesa do MGM.
— Sou eu. — A voz de Nina soa baixa e nervosa.
— O que aconteceu? Alguma coisa com Sophia?
— Não, é... — Faz uma longa pausa. — Você saiu tão cedo que nem te
vi. Está tudo bem?
Na medida do possível, estou bem.
— Está sim. Deseja alguma coisa?
— Vai vir jantar em casa?
— Não conte com isso.
— Ah... tudo bem. Vou desligar. — E ela desliga.
Fico encarando o celular. Eu sou um babaca. Não tinha necessidade de
tratá-la dessa forma. Ela não tem culpa por eu não conseguir enterrar minha
esposa.

Gregori mandou a mensagem não faz muito tempo. Pela primeira vez
eu o mandei se ausentar por algumas horas de vigiar Sophia e Nina. Sua
missão hoje tem outros fins. Ele conseguiu o que eu lhe pedi há nove meses.
Entro no local que ordenei ele trazer a encomenda e desvio dos
cascalhos de ferros enferrujados, peças de carros e motos destruídos. É um
lixão de peças que foram apreendidos, que usamos para desovar corpos ou
automóveis que a polícia descobriu o chassi. Algumas vezes trazemos uns
desgraçados para matar aqui e abandonar.
Virando uma pilha de carros amassados, vejo-o.
Todo o meu corpo entra em alerta. Adrenalina e fúria me consomem.
Ele está pelado e molhado, amarrado a uma cadeira de ferro perto de
Gregori com uma arma para a cabeça dele, mas creio que não usou, e sim
facas e punhos pela quantidade de sangue no chão.
Cerrando o maxilar controlando-me para não atirar na sua boca e
explodir sua cabeça. Paro na sua frente e encaro sua cara destruída. Eu
mandei meu soldado trazê-lo para cá pronto para eu lhe dar o último golpe,
assim como ele fez.
— Eu deveria lhe dar uma morte rápida. — Chego mais perto e
Gregori ergue sua cabeça puxando seus cabelos, para que ele possa me
enxergar. — Mas ela agonizou pelo menos por um minuto. Eu vou fazer
melhor.
Calmamente tiro um cigarro do meu bolso, acendo com meu isqueiro e
dou uma tragada.
Eu esperei esse momento por longos meses. O casei por todo o Estados
Unidos. Como um fodido de merda, ele estava debaixo do meu nariz,
escondido num hotel de lixo no fim da estrada que sai de Reno. Eu deveria
ter ouvido Luca e procurado nas redondezas. Gastei tempo e dinheiro à toa.
Ratos ficam nas espreitas dos esgotos.
Niklo Petronov é, não; foi, um soldado da Bratva, a serviço de Pyotr
Smirnov, um capitão do grupo do sul dos russos filhos da puta. Ele entrou no
meio do conflito de Ivon Avilov com Travis Lozartan, e perdeu muitos
homens no dia que atacaram a igreja e no decorrer da guerra declarada da
Lawless com Ivon. Niklo e outros soldados conseguiram fugir, e Pyotr deu a
desculpa de não querer mais estar em guerra conosco. Morreu mesmo assim.
O capturamos uns dias depois de resgatarmos Travis.
Se eu fosse humano quando se trata dos meus interesses e dos negócios
obscuros da Lawless, eu lamentaria matar um soldado de quatorze anos que
servia ordens se questionar. Porém, lhe darei o mesmo que a Bratva faria se
pegasse um dos nossos soldados.
— Xeque-mate, Niklo! — Pronuncio em russo.
Vejo seus olhos aterrorizados brilharem no momento que solto o
cigarro. A chama acessa cai lentamente no chão e recuo assim que a explosão
acontece. Quando a faísca viva toca a gasolina caída em torno dele.
Com satisfação escuto seu grito quando a chama começa a lamber seu
corpo. Recuo dois passos quando o fogo quase alcança meu sapato italiano
brilhantemente polido. Enfio as mãos no sobretudo e assisto ele agonizar por
longos minutos, talvez horas.
— Gregori, vai embora. Vai cuidar delas — falo em italiano.
Os ouvidos dele, mesmo queimando, podem ainda funcionar. Não
quero que ele saiba das minhas fraquezas.
Ninguém nunca mais chegará tão perto do meu ponto fraco.
Não alcançará minha família.
Sozinho, dessa vez confortável em estar sozinho, aprecio ele morrer na
minha frente. Seu corpo queimar e virar carvão.
Espero a real satisfação e lamentavelmente não tenho, mas eu me
vinguei. Eu mantei o penúltimo homem responsável pela morte de Mia. O
último eu preciso conviver quando me encaro no espelho e terei que aguentar
o meu purgatório vivo e castigando-me com a ausência da felicidade que
destruí.
Quinze

Q ueria saber o que eu fiz de errado para o Paolo não querer falar
comigo. Ficou bem evidente no telefonema de mais cedo, que não
está com vontade nem de me ver. Poxa, ontem à noite pensei que nós
íamos engatar em um convívio harmônico de marido mulher.
Ele parecia com tanta vontade de querer transar comigo. Me preparei
toda para o momento, psicologicamente quero dizer, porque fiquei do jeito
que estava. Mesmo colocando aquele vestido para provocar, a calcinha e o
sutiã, não foi realmente para ele.
Eu queria demais, não só transar com ele, mas sua aproximação.
Ontem foi um dia incrível. Nós saímos como uma família na rua: eu, ele e
Sophia. Então ela chorou.
— Eu amo você, querida, mas você podia não ter chorado — comento
olhando para os seus olhos inocentes.
Vim para o jardim hoje de novo, dessa vez disposta a curtir o espaço.
Estou pensando em podar as pequenas árvores, regar os cantinhos que têm
flores quase mortas também e cortar as pontas dos roseiras que não vão
crescer mais.
Flores são que nem cabelo; se a gente tirar as pontas que estão podres,
elas se renovam e crescem mais fortes e mais bonitas. Tem até o lance de
cortar pela estação da lua que está na semana. Eu realmente quero cuidar
desse jardim.
Pegando Sophia no colo, dou uma caminhada com ela pelo jardim,
então vejo uma porta dupla francesa pintada de azul, desbotada por falta de
manutenção como todo o lado de fora da casa.
Do lado direito do jardim, no canto, tem treliças em volta da porta e
das duas pequenas janelas. É muito fofa e parece ter saído de um filme da
Disney.
— Você sabe o que é aquilo? — indago para Sophia, que olha para
onde estamos indo, quietinha.
Quando eu abro as portas, arregalo os olhos. E abro também um
sorriso. É uma estufa. Paolo tem uma estufa em casa. Por que ninguém nunca
me disse?!
Vendo que não tem perigo de nada cair em cima de mim e nem de
Sophia, entramos na estufa e observo que as flores cultivadas eram bem
cuidadas.
Cada uma está no seu respectivo vaso. Existia muitas margaridas, de
todas as cores, mas agora não tem mais nada. As que restaram nos galhos
estão desbotadas, e mortas. A única coisa que tem como salvar aqui é o
espaço. Qualquer flor que já existiu aqui morreu.
Na ilha, que fica no meio da estufa, tem uma árvore. Uma pequena
árvore e em torno dela colocaram como se fosse um poço e ladrilharam de
azul e lilás. É um lugar bonito.
— Será que era da sua mãe?
— Era sim. — Escuto a voz de Gregori, que tinha sumido mais cedo, e
viro-me para ele. — Não sei se Paolo vai gostar de ver você mexendo aqui.
— Por quê?
— Eu já disse que ele gostava muito da esposa e esse lugar era como...
Era o santuário dela. Não sei se ele vai gostar.
— Mas e se eu for cuidar? — Ergo o queixo, sendo – tentando –
arrogante. — Faz um teste e liga para ele. Podemos contratar um jardineiro
para cuidar do jardim. Não é só essas flores aqui que morreram. — Ajeito
Sophia no colo porque ela está ficando pesada e dando câimbra no meu
braço. — Só fala para ele que vai vir alguém cuidar do jardim e das flores lá
de fora. Eu vou cuidando daqui sem ele saber.
— Acha que ele não vai perceber? E se, em algum momento, tiver
vontade de entrar aqui e ver que todas as flores voltaram a viver. Sendo que
você consegue enxergar perfeitamente que nenhuma delas estão boas para
salvar. Todas morreram.
— Olha, você não me conhecia antes. Eu não quero mexer nessas
flores para incomodar alguém. Para desonrar a memória da esposa dele.
Sempre gostei das flores e eu posso cuidar delas melhor do que um jardineiro
qualquer que possa vir aqui. Como eu tenho que cuidar da Sophia, de vez em
quando a minha mente fica vazia. Ela dorme, descansa e eu não tenho
vontade de dormir. Fico sem fazer nada.
— Então leia um livro. Vai ler mais livros sobre bebês.
Fecho minha cara para ele e cruzo os braços.
— Você não tem capacidade de me dar ordens, Gregori. Você não é
meu marido, nem meu pai e nem nada que possa mandar eu fazer ou não
fazer algo. Não fale assim comigo.
— Você pediu para eu te ajudar e estou tentando fazer isso. Se você
não quiser me ouvir, não posso fazer nada. Depois não reclama se o Paolo
brigar com você.
Ele tenta embora, mas eu me apresso e paro na sua frente.
— A questão não é essa. Eu preciso de alguma coisa para me distrair e,
mesmo que eu saiba cozinhar, não sou muito boa. Eu quero mexer nessas
flores porque... esse jardim está horrível. Quero dar um pouco de vida para
esse lugar.
— Por que você não inventa de pintar um muro então?
— Porque eu não sei pintar, merda! — Eu tapo os ouvidos de Sophia
quando grito o palavrão. — Não me irrita. Eu vou fazer o que quero e eu
quero cuidar dessas flores. Quero cuidar desse espaço tão bonito que foi
abandonado. Pelo que eu percebo, Mia era uma mulher muito boa e legal,
então eu acho que ela não ia gostar do jardim dela estar desse jeito. Eu
duvido.
Gregori baixa a cabeça e parece se lembrar de algo. Quando volta a
olhar para mim, está mais relaxado.
— Eu vou te ajudar, mas você vai prometer — aponta o dedo para mim
— que eu nunca estive aqui. Que eu nem sabia que você estava mexendo na
estufa dela. Paolo não vai gostar disso, Nina. Eu estou te avisando.
Dou de ombros e concordo que pode dar em confusão. Paolo pode
ficar zangado comigo e até me colocar de castigo, só que não pode me
mandar embora. Não vai dar em nada. Eu literalmente estou mexendo em
espinhos.
E sse dia podia passar sem eu perceber. Não estava nos meus planos
me lembrar dessa merda, mas, como um imbecil que sou, eu me
esqueci de retirar do calendário que hoje era o aniversário de Mia.
Dia cinco de setembro. Tenho vontade de jogar o celular longe, mas não sou
um completo babaca.
— Você está bem?
Levanto os olhos para Vera. Estamos em uma reunião sobre o hotel,
fazendo o balanço da festa de aniversário do Bellagio, que eu vim sem Nina.
Eu vim porque Travis não pôde comparecer com o filho recém-
nascido. O homem está mais protetor com a esposa do que nunca. Se todos
temiam em mexer com a família dele antes de ele se tornar pai, é bom não
testar agora se ele é tão mortal quanto alguns tem a sorte de comprovar sem
morrer.
— Estou apenas conferindo esses números agora.
Vera opta em não se meter nos meus pensamentos, nos meus assuntos
e foca no trabalho. Ela é a escolhida para gerenciar o hotel e não é à toa.
Como filha de um general da Itália, ela conquistou seu espaço em Roma e em
Las Vegas sozinha. Não é por conta do seu sobrenome ou seu pai. Ela tem
uma mente brilhante, uma fera e mesmo que Travis e eu não confiamos em
ninguém, nela nós acreditamos o suficiente para estar no posto que está.

Chego em casa cansado e estressado. Os MCs não param de insistir


com o apoio da Lawless para conseguir derrotar Vito Malvez. Eu queria dar
um troféu a Travis pela péssima escolha que fez quando vendeu as malditas
armas para os filhos da puta dos motoqueiros. Foi uma decisão maldita.
Jogando meu paletó e o sobretudo em cima do sofá da sala de estar,
caminho até a cozinha. Encaro vendo um bolo de chocolate confeitado de
flores e dou as costas. Que grande merda.
Ainda odeio tudo o que tem a ver com ela, porque tudo me lembra
Mia. Estou a evitando há três semanas direto porque não consigo permitir que
ela substitua alguém que nunca deveria ser substituída.
Todas as vezes que a vejo pela casa, pela merda do jardim de Mia,
que ela está cuidando agora, eu quero arrastá-la para fora e levá-la até Seattle
de volta.
Eu nunca odiei Travis por nenhuma decisão, mas sobre essa... Sobre a
merda da minha vida, a indicação da minha esposa... eu tenho vontade de
enfiar um charuto na goela dele.
— Senhor — Marta me chama a atenção e eu viro-me para ela.
— O quê?
Ela se sobressalta pela brutalidade da minha voz e olha para o berço na
sala de estar, perto de mim. Nem notei que vinha para cá.
— Pode olhar a menina enquanto vou à cozinha?
Franzo a testa e pego a minha filha no colo.
— Onde está Nina?
— No banho, senhor. Ela pediu para cuidar da bebê enquanto toma
banho, mas preciso ver o frango no forno.
Meneio a cabeça com desdém e espero Marta se afastar.
Com Sophia subo as escadas, vou direto para o seu quarto, onde entro
e me deparo com minha jovem esposa saindo do banheiro. Ela está enrolada
numa toalha branca e seus cabelos em uma toalha enrolada cor-de-rosa.
Como a merda do meu pau não se controla, fico excitado e para não me
render, esbravejo:
— Você pode ir mais rápido? Marta não é babá!
Nina arregala os olhos, corre até onde estou e pega Sophia dos meus
braços. Seu perfume me perturba e eu viro as costas antes de saber o que
diabos vai resolver da vida dela. E como um babaca que eu estou sendo o dia
inteiro, ela não ficaria fora no meu rastro.
Nada fez eu esquecer que hoje é aniversário da Mia.
Entro no meu quarto, bato a porta, e no banheiro, tiro minha roupa e
tomo um banho. Eu poderia não ser um adolescente e bater uma punheta, mas
faço sem arrependimento. Faço com força e para machucar de propósito. Alta
flagelação era algo que condenava quando descobria que alguns soldados
praticavam, mas logo que Mia parou de respirar, passei a praticar. Parei um
pouco antes de casar me com Nina, no entanto, me masturbar com raiva ainda
faço às vezes. Foda-se! Eu não sou homem de arrependimento. Isso é coisa
de babaca.
Quando estou vestido, com uma calça jeans escura e camisa preta, meu
coldre com minhas armas por baixo. Não dá para confiar no acaso. Saio para
ir jantar e vejo Nina. Ela está de brincadeira usando um dos malditos vestidos
rosas e floridos, que parece que arrancou do guarda-roupa da minha esposa
morta.
— Vai ficar assim?
Ela olha para si mesma, ajeitando Sophia nos braços.
— Assim como?
— Com esse vestido. Não tinha nada melhor para vestir.
Eu achei os pais dela uns babacas na forma que a trataram e acabo de
agir da mesma forma.
— Esquece, fique como desejar.
Nina suspira e baixa a cabeça caminhando do meu lado para o andar de
baixo. E continua da mesma forma quando senta-se à mesa depois que coloca
Sophia na cadeirinha de bebê.
O jantar é silencioso, não tanto porque minha filha aprendeu que gritar
e bater com sua colher de plástico chama a atenção de Nina, que não come
direito devido a atenção maçante que dá a Sophia.
— Deixa ela pra lá e coma. Vai esfriar.
— Não tem problema, Paolo. Ela só quer minha atenção.
— Você podia ensiná-la que, na hora de comer, ela precisa comer e
não pedir atenção.
Nina não diz nada e nem tenta fazer o que falo. Continua brincando
com Sophia na mesa, como se não ligasse para a sua própria fome. Com isso,
eu foco em terminar de comer e, assim que acabo, me levanto.

O sono não parece algo que vai acontecer fácil para mim hoje. Então
vim fumar na sala de livros e jogar xadrez sozinho. Não tem muita graça.
Estou querendo distrair minha cabeça enquanto o sono não vem. Não dormir
é algo comum para mim, mas a questão não é apenas dormir. É tesão
acumulado.
Eu não posso continuar ignorando Nina. Talvez eu tenha que tomar
uma postura mais fria para conviver com ela. Vou procurá-la às noites e,
quando for necessário, precisarei tê-la como companhia. Temos um
casamento, o de Enzo, para ir semana que vem. Tenho que estar falando com
ela. Não dá para eu ir a um evento com tanta visibilidade sem estar falando
com minha esposa. Principalmente porque Nina é muito transparente. Ela não
é o tipo de pessoa que consegue esconder o que está sentindo. Seus olhos são
o espelho do que se passa dentro dela.
Levanto-me e vou pegar mais uma dose de conhaque. E após me sento
na poltrona de couro do canto. Desisto do xadrez. É horrível jogar sozinho,
tão ruim quanto não ter controle sobre as coisas que Nina faz. Ao mesmo
tempo que quero ela longe, não consigo deixar de olhá-la.
Olhar suas pernas, seus seios apertados nos vestidos. Sua bunda
moldada pelas calças de algodão que usa. Ela parece uma modelo retro. E
tenho que ver seu sorriso, que parece não sair do seu rosto.
Esfrego meu rosto sentindo-me esgotado.
De repente, alguém bate na porta, baixinho. Nina coloca sua cabeça
loira para dentro do cômodo, me procurando. Fito seu rosto e ela me dá um
sorriso tímido.
— Eu queria falar com você.
— Então fala.
Sua cabeça sobe para então terminar de abrir a porta e entrar. Ela
aperta o robe que está vestindo ficando na minha frente.
Ainda estou sentado na poltrona e olho para ela de cima a baixo. Está
com uma sandalinha cor-de-rosa que usa em casa, a tentadora camisola
branca e, por cima, o robe rosa claro, que não ajuda muito eu não ver a renda
da camisola. Os cabelos estão amarrados em um coque improvisado que não
consegue realmente segurar. Ela tem muitos cabelos. E seu rosto está sem
maquiagem. Ela parece sofisticada e, ao mesmo tempo, jovem demais.
Aperto o braço do sofá sentindo o quanto gostaria de arrancar essa
camisola e lambê-la todinha. Imagino eu a comendo em cima da mesa de
jogos de tabuleiro. Derrubar as peças de xadrez, comer sua boceta e depois
foder até ela perder os sentidos.
— Você está me ouvindo? — pergunta inclinando a cabeça para o lado
e as bochechas ficando vermelhas de vergonha.
— Estou — respondo, mesmo que não tenha prestado atenção em nada
que estava falando. Sei que tinha alguma coisa a ver com o jardim.
— Eu estava pensando hoje, depois de regar o jardim, que você podia
providenciar produtos para cuidar um pouco melhor dele e... das roseiras.
Escuto-a, apático.
— Eu podia cortar, limpar e realmente cuidar do jardim todo lá de fora.
— Abre um sorrisinho. — Eu sempre gostei desse tipo de coisa, mas...
preciso de material apropriado para fazer funcionar.
— Basta você pedir para o Gregori comprar.
— Mas... será que eu posso arrumar um lugar para cuidar de
margaridas, por exemplo? — continua como não tivesse me ouvido. — Eu
gosto muito de margaridas.
Quando ela diz o nome dessa flor, eu acordo da minha admiração.
— Margaridas?
— Sim, eu gosto delas. Flores são meu hobby — explica-se. — Em
casa, era o jeito de fugir de meus pais.
Soltando ar pela boca, esfrego meu rosto e levanto-me. E, quando
passo por ela, sinto seu cheiro.
Ela podia gostar de outra coisa, menos flores. Porque até nisso ela tem
que parecer com minha esposa.
— Faz o que você quiser.
— Mas a casa é sua.
Minhas vistas se perdem no quadro na parede. A fotografia pintada de
Fontana di Trevi. Mia e eu fomos lá uma vez. Ela jogou uma moeda pedindo
que engravidasse e segurasse o bebê. Depois de três abortos espontâneos, ela
tinha começado a ficar com medo de nunca gerar um filho.
Pisco, voltando para o agora, e digo:
— Nina, fique à vontade. — Giro-me e olho para ela. — A casa é sua
também, não diga isso e... se cuidar das flores vai fazer você se sentir mais
em casa, tudo bem. Apenas não se esqueça de cuidar da minha filha.
— Eu cuido da sua filha! — exclama sendo malcriada. — Mas, às
vezes, eu fico entediada sem fazer nada. Enquanto ela dorme, fico sem nada
para fazer. Não sou obrigada a acompanhar esse momento. Algumas
mulheres têm, mas são quando são as mães de verdade e ficam cansadas de
amamentar e cuidar, mas eu não.
Assinto. Eu sei como fiquei acordado nos primeiros meses de Sophia.
E realmente ela não consegue ficar parada e se cuida de verdade das flores e a
minha filha, principalmente da minha filha, ela pode fazer o que quiser
quando estiver com tempo livre.
Pelo relatório que Gregori me passava, ela está fazendo um papel
muito bom com Sophia, e Marta não fica mais rabugenta ao redor dela. Marta
é rabugenta por natureza, mas tem parado de torcer a cara para a minha
jovem esposa.
— Você estava jogando sozinho?
Como ela é observadora. Na verdade, muito curiosa.
— Sim, eu estava.
— Como você consegue jogar xadrez sozinho? Acho que é um dos
jogos que não dá para jogar sozinho, que nem dama ou pôquer.
— Você sabe jogar pôquer?
— Sim, aprendi na internet a jogar um monte de coisa — fala se
aproximando de mim.
Seu perfume maravilhoso, que vem dos seus cabelos, chega no meu
nariz. Ela tem um cheiro tentador.
— Por que ninguém nunca jogou com você? Seu irmão não é muito
mais velho que você.
— Sim, meu irmão tem dezesseis anos. Vai fazer dezessete mês que
vem.
— Então ele já deve estar voltando da Itália.
— Eu espero que não — comenta nervosa. — Espero que ele fique
para sempre lá.
— Não gosta do seu irmão?
— Eu amo meu irmão e por isso acho que ele tem que ficar lá.
— Você realmente não gosta dos seus pais.
— Você também não gostaria deles.
— Eu não gosto.
— Que bom que temos mais alguma coisa em comum.
— O que seriam as outras coisas, Nina?
— Nós dois amamos a Sophia, jogos e livros e eu... peguei hoje livros
de romance erótico.
— Você está falando sério? — pergunto surpreso.
— Mesmo que você não estivesse falando comigo. Esteja — se corrige
— falando comigo esses dias. Eu fiquei curiosa sobre sexo e sabia que no
momento que você me desculpasse, por alguma coisa que eu fiz, nós
poderíamos continuar o que estávamos fazendo aquela noite.
Como ela é incrível.
Chego mais perto dela, toco o seu rosto e levanto.
— Eu não estava zangado com você. Estou com muito trabalho.
— Mas em casa você não pode relaxar? Sempre foi assim, você
trabalha o tempo todo? A gente não precisa necessariamente conversar — diz
calmamente. — Nós podemos ficar nessa salinha e jogar, assistir um filme.
Você pode brincar com a Sophia. Qualquer coisa. Não precisa falar comigo,
mas você está chegando muito tarde. Só te vejo de manhã saindo e quando
chega.
Me pergunto como, já que chego e a casa está silenciosa, e passa das
duas da manhã muitas vezes.
— Você sempre está acordada quando eu chego? Por quê?
— Porque eu espero você.
— Você me espera?
— Sim, para ver se está bem. — Baixa o rosto e murmura: — Nós
vivemos em um mundo cheio de perigos e inimigos. Não temos, de fato,
segurança de que vai ficar tudo bem. — Olha para mim de volta. — Você é o
conselheiro do nosso Capo e é altamente arriscado. Os inimigos sempre
querem pegar os homens mais poderosos. Assim como meu pai é um
Underboss. Eu fico com medo de acontecer algo com você.
Uma satisfação me envolve em ouvi-la falar isso, porque, mesmo
sendo um babaca com ela e forçando nossa distância, ela se preocupa
comigo.
Dando o último passo que nos sapara, seguro seu rosto com as duas
mãos. Seus olhos estão ansiosos enquanto espero que ela fale o que anseio
ouvir.
— O que é?
— Quero ouvir da sua boca.
Nina morde a boca, nitidamente excitada e sussurra:
— Eu quero que você me beije. Você vai me beijar?
— Eu vou.
— Aonde? — ela devolve e suas mãos estão no meu cinto.
Ela está querendo saber se eu vou beijá-la lá embaixo. Chupar e lamber
sua doce boceta.
— Primeiro eu vou beijar aqui — dou um selinho na sua boca —, e
depois — desço minha mão, abro o seu robe, subo sua camisola e espalmo
minha mão por cima da sua calcinha — eu vou te lamber todinha aqui. Vou
chupar sua boceta até você gozar na minha boca.
— E depois?
Sinto meus lábios se curvarem em um sorriso cínico, por causa de sua
audácia.
— Depois eu vou te colocar naquela mesa. — Indico com meus olhos a
mesa de jogo de tabuleiro. — Vou abrir suas pernas e te comer por trás.
Seus olhos se arregalam. Acho que entendeu errado.
— Eu vou comer sua boceta, não se preocupe. — Chego minha boca
no seu ouvido. — A gente ainda tem tempo para explorar outras coisas, se
você quiser.
Ela assente freneticamente e parece óbvio que já leu alguma coisa
sobre sexo anal. Ela é espetacular.
— Eu vou poder te chupar também?
Ela me deixa sem fala. Porra! Enfio minhas mãos em seus cabelos,
fazendo seu rosto inclinar mais para mim e mordo seu lábio inferior porque
sua boca está levemente aberta. Está respirando com dificuldade.
— Se você quiser.
— Você gosta? — questiona ousada.
— Quando é bem feito, eu gosto sim.
— Então eu vou tentar fazer direito. Você me diz se estou acertando?
Porque é tão sexy a possibilidade de ensiná-la a como me agradar na
cama e fazer ela gostar do que eu gosto. É tudo muito novo para mim, porque
com Mia nossas primeiras interações não foram assim.
Eu nunca tive esse tipo de conversa com Mia. Ela era solista e acabava
gostando das coisas que eu fazia, e nós não transávamos loucamente. Fora
que depois de um tempo, com tantas tentativas de engravidar fracassadas,
acabávamos mais indo para a cama para tentar de novo e apenas isso. Era o
amor que sustentava qualquer coisa no nosso casamento. Mas esse casamento
com Nina, me traz outras sensações, como o sex appeal da minha jovem
esposa. Ela parece querer explorar várias formas de prazer e eu quero
também. Talvez eu largue o cigarro e ela se torne meu novo vício.
Eu estava tentando com todas as forças não ceder, não me aproximar,
mas, quando dou por mim, estou com ela nos meus braços. Com sua doce
boca colada a minha. Eu não resisto. Eu não resisti, merda!
Ninguém nunca pôde me acusar de ser um homem que não sabe se
controlar. Só perco o controle quando é mais forte do que minhas convicções
ou alguma ética. Essa mulher nas minhas mãos consegue derrubar todas as
minhas barreiras.
Beijo sua boca ruidosamente e me perco no seu gosto doce, no seu
cheiro suave e no sabor de canela que ela tem. Sigo perdendo meu controle
ao redor dela.
Pensei que ela ia me recusar, afinal são dezessete anos de diferença e
jurava que teria nojo. como muitas jovens esposas têm dos seus maridos
velhos, mas ela parece ansiar pela minha presença, pela minha boca, pelo
meu pau dentro dela. Então hoje vou satisfazer sua vontade.
Continuo provocando-a com meus beijos querendo deixá-la molhada
com a forma que eu chupo sua língua. Meus lábios acariciam os dela e minha
língua move-se com fúria na sua boca. Beijo-a cheio de tesão e desejo.
Enrosco a língua na dela, sorvendo seu sabor.
Afasto-me e ela se agarra a minha roupa para não cair quando
cambaleia para trás. Satisfeito com o efeito que meu beijo lhe causou, passo o
polegar sobre seus lábios inchados. Fito suas coxas escondidas por baixo da
sua camisola branca. Nina respira fundo e recua dois passos e abro o robe.
Com os olhos fixos nos meus, ela puxa a camisola por cima da minha cabeça,
ficando só de calcinha na minha frente.
Como um animal eu vou até ela. Espalmo minhas mãos nas suas costas
e chupo seus seios. Nina deixa o corpo cair para trás extasiada com minha
devorando seus seios.
— Paolo! — ela chama meu nome.
É a primeira vez que ela faz e sinto meu pênis ficar mais duro por sua
voz carente pedindo mais.
Pego-a, espero que me agarre para eu conseguir levá-la para a mesa.
Eu prometi que ia comer sua doce boceta aqui. Com um pouco de
dificuldade, consigo jogar as peças do xadrez no chão e coloco-a em cima da
mesa. Me afasto, encaro seu rosto e digo bem sério, porque é muito sério o
que eu vou prometer agora.
— Depois que eu lhe dei esse beijo e agarrei seu corpo, você é minha
essa noite — digo olhando nos seus olhos. — Hoje, mesmo que Sophia
chore, você vai me esperar. Eu vou ver minha filha. Ver o que ela precisa e,
enquanto isso, você se toca me esperando porque hoje eu como essa boceta.
Nina me dá um sorriso nervoso e agarra meu casaco.
— Eu espero sim! — Lambe minha boca. — Eu também fiquei
frustrada e esperei que fosse me procurar depois, mas você me ignorou na
manhã seguinte e... até hoje.
— Chega disso. Não vamos falar mais.
— Feito — sussurra com sua voz safada.
— Feito.
Promessa feita, acaricio o seu corpo com as pontas dos meus dedos e
encontro o tecido da sua calcinha. Peço a ela para erguer a bunda só para eu
poder passar a calcinha. Ela faz e jogo o tecido para longe ficando chocado
quando vejo sua boceta.
— Você se depilou?
— Fiquei curiosa e tirei um pouco mais dos pelos. Você gostou?
— Se eu gostei?
A respondo segurando suas coxas e enfiando minha cabeça no meio
das suas pernas e com urgência dou uma lambida nos lábios inferiores do seu
sexo mais aparente. Agora restou poucos pelos. Não está como a sua primeira
vez, e a segunda que fracassou. Está melhor para chupar e sei que ela fica
mais sensível também.
Passando a ponta da língua mais para baixo, toco seu clitóris e isso a
faz gemer. Porra. Es estava duro quando cheguei em casa. Ficar vendo sua
bundinha no vestido que ela estava usando na hora do jantar e agora isso.
Estou dolorosamente com uma ereção no meio das pernas.
Eu não resisto e continuo chupando e solto um gemido lá no fundo da
minha garganta. Passo longos minutos chupando seu grelo, enfiando meus
dedos e fazendo-a ficar cada vez mais dilatada. Consigo enfiar três dedos e
dobro.
Nina gosta e chama meu nome perdida e goza.
Recuperando o fôlego, esfrego minha barba dos seus lábios inferiores
até o umbigo, porque eu sei que ela gostou da última vez. Ela se arrepia toda
e abre os olhos quando pairo sobre seu rosto. Ela agarra meu rosto e nós nos
beijamos de língua.
Ela não se importa se acabei de chupar sua boceta. Isso é tão sexy.
Agarra meu cabelo, me querendo no mesmo lugar e se esfrega em mim, no
meu cinto. Me afasto e detenho-a de continuar seu beijo desenfreado
segurando-a pelos cabelos.
— Calma. Eu estou aqui.
Ela puxa meu cinto.
— Eu quero mais.
— Eu sei, minha linda, mas calma. — Fitando seus olhos, desço minha
mão e massageio seu clitóris.
Ela geme de boca fechada, o som saindo da sua garganta. Sexy como o
diabo e rebola me ajudando a massageá-la onde quer.
— Eu quero te chupar — ela diz.
Caralho.
— Prometo fazer direitinho. Só... quero experimentar — murmura
como se estivesse pedindo desculpa.
Ela não entende direito meu silêncio. E limpando a garganta, dou-lhe
um selinho.
— Eu vou ter que te soltar.
Choraminga e me agarra de novo, se esfregando em mim. Minha mão
escorrega para a sua cintura e puxo seu cabelo, inclinando sua cabeça para ela
me enxergar.
— Para você me chupar, vou ter que me afastar — digo encarando seus
olhos.
— Está bem. Está bem.
Dou outro beijo na sua boca e me afasto de Nina. Ela está sentada na
mesa me olhando, parecendo atordoada. Nem consegue fechar as pernas. A
visão dela de pernas abertas na mesa de tabuleiro, seus olhos brilhando de
excitação. Está me deixando com as bolas roxas e o pau mais duro que já tive
na vida.
Recobrando os sentidos, me dispo das minhas roupas e tiro os sapatos
também. E não espero e a vejo pular da mesa e me agarrar. Ela me abraça e
beijo sua boca. Eu a comeria agora contra a parede se não quisesse sentir seus
lábios virgens no meu pau.
Lhe dou um beijo, só para ela tentar se acalmar. Seus olhos estão
arregalados e ela passa as mãos no meu peitoral.
— Eu me sinto como... — pausa, perdida. — Eu quero saber... Eu me
sinto vazia. Isso é loucura?
Aperto sua bunda e dou um beijo rude nela e mando:
— Me chupa logo para eu poder te comer. Outro dia, a gente faz um
69. — Deslizo as mãos até seus peitos. — Eu te chupo e você me chupa, mas
agora — belisco seus mamilos — estou por um fio, Nina.
Ela concorda e se afasta e cai de joelhos na minha frente. Eu olho para
baixo quando ela segura a minha base e. Senhor...
Não estou preparado quando enfia a ponta na boca de uma vez. Não
consigo desviar os olhos dela me chupando de olhos fechados e como se
estivesse chupando um sorvete. Agarro seus cabelos e jogo minha cabeça
para trás me controlando para não gozar antes do momento. Eu não sou um
adolescente.
Porra!
Me controlo para não impulsionar para a frente e acabar engasgando-a.
Não quero assustá-la na primeira vez que faz oral em mim e ela parece
poderosa.
— Você está satisfeita de me chupar?
Nina abre os olhos e me encara.
Quase gozo e, quando concorda com um som da garganta, é demais.
— Garota gulosa — digo dando-lhe um sorriso de tubarão.
Ela faz de novo o som com a garganta. E sou obrigado a puxar seu
cabelo.
Caralho.
Ela volta a fechar os olhos e eu fico hipnotizado vendo-a como está me
saboreando, adorando. Ela toca minha coxa, descansa a mão e com a outra
punheta meu pau. Para de chupar e lambe tudo.
Não. Não. Eu vou gozar.
Paro ela, para não conseguir gozar, recuando. Afastado, vejo que ela
continuaria até me fazer perder a cabeça. Feroz, eu a pego e é minha vez de
beijar sua boca sem me importar com meu gosto nela. Nós soltamos sons nos
beijando e parando, nossos lábios fazem barulhos se separando. Seguro seu
rosto com as duas mãos.
— Vou fazer você ver estrelas hoje.
Ela geme e morde os lábios fitando-me.
— Você vai gozar com meu pau dentro de você.
E como imaginei e prometi, coloco-a na mesa virada de costas para
mim. Sua bochecha fica pressionada no jogo de xadrez. Pego suas mãos,
puxo para trás, afasto suas pernas com meus pés e guiando meu pau com a
mão, coloco no seu calor molhado.
Nina geme alto, desprende suas mãos das minhas e se agarra à mesa.
Vejo-a mordendo a boca e vou mais para dentro. Ela está tão molhada que
não acredito que vai se machucar se eu não for com tanta calma. Não sei se
consigo.
— Se doer me fale.
— Por que vai... doer? — questiona sem entender.
— É a sua segunda vez, pode doer.
— Ah... Tudo bem. Vai logo.
Solto uma risada rouca e meto mais um pouco dentro dela, e ela parece
se adaptar rapidamente ao meu tamanho.
É claro. Sou eu que estive aqui.
Fecho os olhos e engulo em seco. Minha boca seca, a garganta arranha
conforme engulo a saliva e respiro. Meu coração está acelerado demais. Que
tesão louco. Ela vai me fazer enfartar e eu sou velho. Ela é novinha.
Não, Paolo! Volta aqui.
Pego-a pelo quadril e puxo seu corpo para mim, forçando para dentro e
tiro devagar. Nina geme e eu impulsiono para dentro, forte e seco. Ela solta
uma risada como se estivesse extasiada e eu olho para ela. Baixo meu corpo,
tiro seu cabelo da frente e beijo suas costas até o pescoço. Escuta-a gemer de
novo.
É tão sexy e linda. Sinto seu cheiro, cheiro de sexo. Dou uma lambida
no seu lóbulo. Ela grita e agarra ainda mais a mesa, com os dedos ficando
brancos.
Entrelaçando minha mão direita com a dela, a esquerda levo até a sua
abertura molhada. Nina tenta arquear o corpo. Esfrego seu clitóris
vagarosamente e num movimento de entrar e sair, percorro meu orgasmo.
Chego a soltar um som estranho como um rosnado. Ela é tão macia. Ela geme
e chama meu nome.
Meu orgasmo está gritando e com uma imagem na cabeça, saio de
dentro dela, ouvindo-a protestar alto e rebelde:
— O quê?!
— Cale a boca, Nina — digo virando-a para mim.
Colocando em cima da mesa, mas de frente para mim, pego meu
membro e acaricio seu clitóris. Ela sorri e entrelaça os dedos atrás do meu
pescoço e olha para baixo, para onde meto meu pau de uma vez.
Sua boca se abre soltando uma lufada de ar mistura a um gemido. Eu
respiro fundo e acelero porque é demais. Agarro sua bunda e encontro uma
posição boa para bater meus quadris nela e ela me segurar. Num vaivém,
continuo até senti-la gozar e com isso, vou junto. Ainda mais porque ela
morde meu ombro e joga a cabeça para trás. Vejo seus olhos molhados. Eu
me sinto do mesmo jeito. Terrivelmente satisfeito. Foi um sexo feroz.
Definitivamente, tirei o atraso essa noite.
Sinto minhas pernas como borrachas e não sei como consigo nos levar
para o sofá, ainda conectados. Ela deita no meu peito, mole e cansada. Não a
abraço e olho para o teto. Como eu vou me afastar depois disso?
Dezesseis

E ntediada, estou parada no sofá. Bato com a caneta no meu dedo


incessantemente, pensando no que eu mais posso fazer. Agora são
sete horas da noite. Paolo disse que não vai voltar para casa cedo,
então nem posso imaginar que nós vamos transar. Com certeza é uma
atividade que eu adoro.
Sophia está dormindo e eu não vou mexer no jardim aessa hora. Eu já
tive muito trabalho por lá hoje. Tirei muitas das flores que estavam mortas
dos vasos na estufa e plantei de novo. Amanhã vou terminar o outro lado.
Mia era organizada, pois todos os vasos tinham o nome das flores que
ficavam, então foi fácil replantar. recolocando-as exatamente onde estava.
Pensei em mudar um pouco para o Paolo não levar um susto e eu resgatar a
memória da esposa morta dele, mas ela deixou de um jeito que lembra um
arco-íris. Então não quis. Vai ficar como ela deixou.
Estou feliz com essa atividade extra. Eu nunca pude ter uma estufa de
verdade. O que eu tinha no quintal para mexer nas minhas flores, de longe era
uma estufa igual a dela. Mamãe jamais me daria uma. Ela odiava minhas
flores. Com certeza, já destruiu meu cantinho.
Aqui, Mia tinha todos os produtos: tesoura, pesticidas, adubo,
fertilizantes e várias sementes. Descobri que, mais para os fundos do jardim,
tinha uma plantação de alguma coisa que morreu também. Uma pena. Ela
levava a sério seu hobby de cuidar do jardim.
Eu me sinto tão bem ali, como não me sentia há muito tempo. Mesmo
morrendo de medo de quando Paolo descobrir. Quando falei com ele, não
parecia me ouvir e logo transamos naquela mesa. Foi uma noite louca, que
adorei, mas ele não me ouviu.
Acho que posso jogar na cara dele que a culpa não foi minha. Que eu
avisei e ele que não ouviu. Tô louca. Ele vai querer me amarrar no sótão.
O importante mesmo é que eu estou amando fazer paisagismo de novo.
Sophia gasta os meus dias e horas. Eu a amo, não tem como não amar.
Porém, sinto-me bem e diferente em mexer em algo que fiz a vida toda.
Cuidar das flores é um jeito de eu me sentir mais em casa e, quando Sophia
tiver idade, vou ensiná-la a cultivar as flores também.
Levanto-me do sofá e vou até a sala de tevê que fica ao lado do
escritório e da sala de jogos.
Na sala de tevê tem uns armários que provavelmente tem álbuns de
retratos. Vou ver se tem alguma foto da Mia. Tenho muita curiosidade de
saber como ela era.
Entro na sala e fecho a porta. Como uma ladra, olho para os cantos e
vou fuxicar os armários. Primeiro, os de cima; depois, os de baixo; e, neles,
encontro três álbuns de retratos interessantes. Um deles é do primeiro
casamento de Paolo.
O meu álbum não chegou ainda e nem quero ver. Eu odiei aquele
vestido. Joguei fora na segunda semana aqui. Nada contra o casamento e
Paolo. Eu aprendi a gostar dele e da sua máscara cruel e distante – mesmo
depois daquela noite. Contudo, eu continuo odiando o vestido da minha mãe.
Aquele vestido não era meu. Se Sophia perguntar um dia sobre ele, vou dizer
que as traças comeram.
Levo os três álbuns comigo para o sofá branco e confortável, que fica
em frente a uma televisão enorme que assisto com Sophia. Assisto desenhos
irritantes que ela mostra suas gengivas, com dois dentinhos agora, que não
consigo nem mexer no controle remoto. Ela me tem nas mãos
completamente.
Sentando-me, pego o álbum do casamento e coloco em cima das
minhas pernas e abro, e viro estátua. Eu esperava tudo menos isso.
Mia tinha os cabelos loiros, o rosto doce e sorridente. Elegante e magra
e as roupas dela... Vestidos floridos. Ela... Eu lembro ela.
Eu limpo meus olhos com o bolo na minha garganta e uma pressão no
peito dolorosa.
Por quê?
Será que foi de propósito? Paolo me escolheu de propósito porque eu
sou tão parecido com ela?
É por isso que Sophia tem os cabelos loiros e os seus olhos estão
ficando azuis. Ela é o retrato da mãe e vai... parecer comigo quando crescer.
Muitas pessoas vão achar que ela é minha filha. É claro que sim. Eu pareço
com a mãe dela.
Eu pego o álbum com força e boto para o lado. Longe de mim.
A imagem da foto da antiga esposa de Paolo me assombra quando
fecho os olhos. Dentro de mim, uma avalanche começa a se formar. As
lágrimas brotam e esmaga meu coração. Eu sempre soube que era uma ideia
ruim em casar com um homem como o Paolo. Velho, viúvo e pai solteiro.
Droga! Droga! Droga!
Meus lábios trêmulos se abrem escapando uma respiração afoita.
Levanto e caminho até o armário. Querendo quebrar tudo, resolvo desbravar
a verdade de uma vez. Preciso saber como ela era.
Encontro uma fita de vídeo escrito: Mia. Talvez eu queira sofrer hoje e
coloco para rodar a filmagem. Ela está caminhando pelo jardim. Sorri, dá um
giro fazendo seu vestido comprido e leve voar. As margaridas parecem vivas
no tecido.
Paolo a chama e ela abre mais o sorriso. Um sorriso apaixonado e corre
para dentro de casa. Ele que estava filmando?
É... tão bonita. Tão angelical. Sophia. Sophia é ela. Eu sou ela.
— Meu Deus! — Coloco a mão na boca.
Vendo esse vídeo, eu sei. Sempre serei a memória da esposa morta,
porque até eu posso confessar. Sou muitas coisas que ela fora. Eu gosto de
flores, tenho a cor dos cabelos iguais, e eles são compridos também. Isso quer
dizer que temos vaidade com cabelo. Nossos olhos, mesmo os dela parecendo
serem mais azuis, são azuis como os meus. Gostamos do mesmo estilo de
roupa. Gostamos de vestidos leves e de mangas fofas. De deixar os ombros à
mostra. Sorrimos demais, mas ela é mais velha, e claro que era mais madura.
Talvez, quando eu tiver meus trinta e poucos anos, vou lembrar ela
ainda mais do que agora. Eu sempre vou lembrar ela. Sempre serei sua
sombra. Sou uma boba por pensar que terei tudo dela. Não vou.
Posso ser igual na aparência e ter tudo que foi dela, menos, talvez, o
amor de Paolo. Como se eu realmente tivesse pensado que fosse possível ele
sentir algo por mim. Essa criança tola. Sou uma substituta.
Assistindo a filmagem, vejo o jeito que ele filma, fala e a faz sorrir. As
fotografias. É óbvio que ele a mimava, dando tudo para que suas flores
fossem bem cuidadas. Ele a ama. Por isso Gregori falou para não mexer na
estufa. Talvez eu não devo mesmo mexer na estufa. Ele vai ficar com raiva de
mim.
— O que você está fazendo aqui?
Levanto-me e giro para ver Paolo com a mão na porta de correr da sala
de tevê.
— Eu te perguntei o que você está fazendo aqui? — ele fala de novo.
Congelada, o vejo caminhando com passos largos até a televisão e
desligar com tanta brutalidade que pensei que fosse jogar no chão.
— Você está surda? — Vira-se para mim e grita: — O que você está
fazendo aqui?!
— Eu só... fiquei curiosa.
— Você é muito curiosa para o meu gosto. — Vem para cima de mim
e segura meu braço, mas não machuca. — Vai para o seu quarto.
— Eu não sou a sua filha.
Se ele pode descontar sua raiva em mim, porque talvez é isso que
esteja dentro dele. Ele não se conforma que mataram a esposa. Eu posso jogar
nele também o fato de eu ser idêntica a ela.
Afasto-me dele, puxando meu braço e fecho a cara.
— Foi de propósito? — pergunto sentindo meus lábios tremerem e
meus olhos se encherem d'água. Tanta água que não consigo enxergar direito
e tenho que limpar. Droga de choro!
— Foi de propósito o que e por que você está chorando?
Tenta se aproximar, mas recuo. Então ele respeita e fica parado.
— Eu sou tão parecida com ela — falo baixo, que nem sei se ele me
ouviu.
Mas quando resmunga, é evidente que ele me ouviu. Respirando
fundo, me acalmo e o encaro.
— Foi de propósito que você me escolheu?
Colocando as mãos na cintura, jogando o paletó para trás, parece
indignado.
— Quer dizer que, na sua cabeça, eu preferi me casar de novo e com
uma mulher identicamente a minha esposa.
— Sua ex-esposa! — esbravejo chorando e vou para a frente dele. Bato
no seu peito com meu dedo indicador. — Sua ex-esposa porque a nova.... —
Eu pauso soluçando. — A nova sou eu. A sua esposa sou eu!
E desencadeio a chorar. Não consigo mais falar nada.
Depois de uma longa pausa, ele responde estático e segura meu pulso,
que meu dedo continua no seu peito.
— Não. Eu não escolhi.
Nossos olhos se encontram.
— Não foi de propósito.
Soluçando e tremendo, me afasto dele e limpo meu nariz na minha
blusa mesmo. Não estou ligando para nada. Levanto meu rosto e encontro os
seus olhos, que estão tão tristes. Ele não liga mais que eu veja sua fraqueza.
— Eu sinto muito... por mexer aqui, eu só queria... conhecer a casa.
— Não precisava mexer nisso — diz feito um robô. Fala por falar.
— Eu sei.
— E não precisa chorar.
— Não consigo — fungo e me preparo para perguntar: — Você a ama?
— Pauso e reformulo: — Você ainda a ama?
Paolo parece perder uma batalha antes de responder:
— É complicado. Foram muitos anos juntos. Mais de dez anos e não
tem como apagar em nove meses.
— E nem mesmo comigo, não é? — Meus lábios tremem. — Eu estou
dificultando.
— Não sei se é isso. — Ele vira-se e senta-se no sofá e encara os
álbuns de retratos que eu estava vendo. — Não sei se você está piorando eu
esquecer minha ex-esposa — enfatiza as palavras olhando nos meus olhos. —
Eu não falo que ela é minha esposa querendo magoar você ou porque não
esqueço, é porque...
— É força do hábito — concluo. — Tudo bem, eu entendo.
Ficamos em silêncio parecendo não saber o que falar ou fazer.
Sentindo ainda meu coração esmagado, pergunto:
— Você quer que eu pinte o meu cabelo?
— O quê? — Ele se levanta e chega até a mim e segura meu rosto. —
Por que você quer pintar o cabelo, Nina?
— Porque... aí você vai esquecer ela e, então, talvez consiga me
enxergar.
— Pouco tempo, Nina! — exclama como quisesse enfiar na minha
cabeça a frase. — Não se magoe dessa forma. A gente está casado tem uns
trinta e poucos dias e você quer que eu...
— Eu queria que você tentasse, que parasse de fugir. Que do nada me
trate friamente. Não é minha culpa. — Soluço o resquício do choro, preso na
garganta ainda. — Eu estou fazendo tudo que posso para ser uma boa esposa
e uma boa mãe para a Sophia, mesmo que eu nunca queira apagar a Mia da
memória dela.
Sua expressão fica como uma folha em branco.
— Ela não lembra. — Me solta. — Ela nunca vai lembrar da mãe.
Tinha quinze dias. É impossível.
— Se ela virou um anjo, a Sophia pode conhecê-la nos seus sonhos.
— Pode ser, mas eu... — Cerra mandíbula. Parece que sente dor. —
Não se preocupe com isso. E não precisa pintar o seu cabelo. — Seus olhos
me olham com reverência e sua mão afaga meus cabelos para trás e os
polegares limpas meus olhos. — Eu não quero ser rude com você, Nina.
Você não tem culpa e eu ainda me pergunto, por que você tem que ser tão
parecida com ela? Se isso é bom ou ruim.
— Eu também não sei. — Meneio a cabeça que não. — Não sei se
parecer com ela é bom. Assim, a Sophia não vai estranhar porque vai parecer
comigo e com seus irmãos. E para você... também acaba sendo mais fácil
conviver comigo. Ou pode ser ruim porque assim você não se esquece dela.
— Eu posso esquecer, lhe garanto — diz com muita certeza. — O
cheiro dela... não está mais aqui. Agora, tudo tem o seu cheiro e as memórias
também têm a ver com cheiro.
— Eu sei — sussurro.
— Não se preocupe. — Limpa meus olhos de novo. — Ver você
chorando agora me deixou com raiva. Não quero que sofra aqui comigo da
forma como, provavelmente, sofreu em casa com seus pais.
— Como você sabe? — Isso toca meu coração.
— Eu vi como você se retraía com eles e como eles te tratavam. Nem
ligavam de eu estar presente.
— Aquilo ali foi gentileza. Eles eram bem piores.
— Eu não quero também que você pinte o cabelo por isso. — Toca
meus cabelos de novo. — Parece que a vida toda você teve que agradar aos
seus pais. Eu jamais vou pedir para você fazer nada para me agradar.
Somente seja você e vai ficar tudo bem. — Respira fundo e assente para si
mesmo. — Você não pode se identificar a ninguém. Por mais parecido que
nós somos de outra pessoa, temos nossas próprias características e manias. —
Para aliviar o clima, ele diz: — Por exemplo, Mia era mais silenciosa e
comportada. Você quer saber de tudo e é curiosa. Fala sem parar.
— Você que pediu — fungo e limpo meus olhos. — Você disse para
eu falar.
— É claro que sim. Na sua casa, você não falava com seus pais, aqui
você pode. Eu quero que você fale, que seja presente.
Sorrio agradecida e aceito sua mão quando ele me oferece. Saímos da
sala apagando as luzes e subimos. Vamos para o quarto de Sophia, que está
em pé no berço olhando para a porta.
— Oi, querida — digo e me aproximando dela, pego-a no meu colo. —
Você acordou e nem falou nada?
— Boh.
— Cadê o Boh?
Ela estica a mão indicando o urso, mas desiste olhando para trás de
mim e grita:
— Papa!
Me viro e olho Paolo. Ele se aproxima de nós e pega a filha nos braços.
— Papai. — Beija sua testa. — Oi, princesa.
Eu olho para ele com admiração e volto a chorar. Ele franze a testa e
vem limpar meu rosto.
— Está chorando por que agora?
— Você... As pessoas falam tantas coisas de você e eu acho que não
faz jus de verdade quem você é.
— Isso acontece mais do que o previsto. Muitas pessoas que falam
algo de você, não sabem quem realmente você é. — Ele chega mais perto de
mim e toca o meu rosto. — O que eu posso fazer para você parar de chorar?
— Eu não sei. — Penso e solto: — Eu quero te contar uma coisa.
— Fala — pede do seu jeito “delicado”.
— Estou mexendo na estufa da Mia.
— Você o quê?
— Eu amo flores, você sabe e — abro um sorriso honesto para ele
enxergar que é real, não estou manipulando — elas eram o meu refúgio dos
meus pais. Tirar espinhos era como arrancar cada palavra rude deles. Cada
vez que limpava as roseiras, me sentia leve. Eu amo flores e eu encontrei a
estufa lá fora. Me apaixonei por ela. Se você não quiser que eu cuide...
— Pode cuidar — fala simplesmente. — Eu ia pedir a alguém para
fazer isso. Acho que a Mia não ia gostar de ver o jeito que acabei deixando
seu lugar preferido. Mas não sei mexer e não tinha como eu trabalhar, cuidar
da Sophia e das suas flores.
— Eu vou cuidar com todo amor assim como cuido da Sophia.
— Eu sei que vai. — Acaricia meu rosto. — E você podia gostar de
chocolate, não de flor?
Dou uma gargalhada e fico perto até ele passar o braço em mim. É um
abraço estranho porque ele está com Sophia no colo, mas é bom porque eu
posso abraçar os dois, e encosto minha cabeça no seu peito.
— A gente pode ser uma família, Paolo.
— Nós iremos ser. Estamos em crescimento ainda.
— Somos uma mudinha.
Ele ri e ergue meu rosto pelo queixo para me enxergar.
— Você sempre tem que comentar.
— Eu não sei calar a boca.
P or conta dos motoqueiros, estou com muito trabalho. Eles não estão
querendo aceitar que para nós não dá para brigar com a Blood
Hands, e agora estou fazendo de tudo para que eles não comecem
um ataque contra a Lawless. Travis não quer se juntar a eles.
Trabalhando pra caralho em todos os setores, estou maluco, mas depois
da conversa com Nina na semana passada, passei a me esforçar para chegar
em casa cedo e tentar fazer companhia para ela. Até transamos anteontem,
mas ela continua no seu quarto.
Não estou pronto para dividir a cama com ela, mesmo satisfeito pelo
seu entusiasmo e esforço de querer que nós nos tornemos uma família de
verdade, é cedo demais. Mesmo assim, estou deixando-a chegar mais perto e
parece até que Sophia entende.
Hoje o dia começou com muito trabalho e as grosserias que estou
fazendo com todo mundo, não tem nada a ver com meus problemas em casa
ou os motoqueiros, é apenas uma coisa singular e simples que não tenho o
mínimo controle. Qualquer um poderia aturar esse incômodo, mas ninguém
está na minha cabeça e no meu coração.
Amanhã é o casamento de Enzo e aquele idiota poderia ter escolhido
qualquer lugar para fazer a cerimônia religiosa, e teve justamente a brilhante
ideia de aceitar o pedido de Bárbara, que pediu para o seu casamento ser na
mesma igreja que Travis e Madeleine se casaram. Elas são melhores amigas.
Eu não tenho nada contra igrejas, mas esse é um problema. Eu nunca
mais entrei naquela igreja depois que Mia morreu na porta. Escadas longas
que ficaram manchadas pelo sangue da minha esposa. Da minha ex-esposa,
me corrijo rapidamente, pois eu preciso cumprir com a promessa que fiz a
Nina de que pararia de chamar Mia de esposa.
Não sei como vou reagir amanhã ao entrar na igreja e subir aqueles
degraus. Não quero fazer uma cena. Vai ser ridículo para mim, fora que levar
Nina e Sophia serão outras preocupações na minha cabeça do que a mim
mesmo.
Uma mensagem chega no meu celular e rapidamente confirmo que é
de Gregori.

Nós estamos no Bellagio. Nina está comprando um vestido para ir


amanhã ao casamento.

Vestido de casamento. Porra. Queria poder falar para ela para não usar
nada rosa claro como Mia usou no casamento de Travis e Madeleine, e
morreu naquelas escadas. No entanto, eu prometi que não iria impor nada a
ela, nem mesmo uma interferência para a minha sanidade mental e para não
descontar minha frustração nela.
Se eu pudesse encontrar com ela nessas compras no Bellagio e vê-la
experimentar e fazer uma cara feia para algum vestido rosa que ela
supostamente escolhesse, se seria mais natural e fácil, ela não ficaria zangada.
Se fosse ontem esse passeio... Hoje não tenho tempo para nada e vou
chegar em casa muito tarde. Estou no Balcão recebendo nossas remessas de
materiais para cocaína e maconha. Mais tarde chega novas armas. Não tem
como eu me encontrar com ela.

Eu não vou poder ir até vocês. Estou no Balcão e vou chegar tarde
hoje. Tome conta delas.

Sim, senhor.

Se Gregori está com Nina, é óbvio que Sophia está junto. Nina não sai
sem ela para nada, primeiramente com aquele bebê canguru.

Me avisa quando estiver voltando para casa.

Envio e desligo o aplicativo de mensagem que nós usamos, que a


própria Famiglia fez há anos. Não tem como rastrear e quem pode usar é os
homens da máfia, tanto para falar com a Itália e ao redor do mundo.
Estão tentando novamente achar algo que possa incriminar as Famiglie
de uma investigação policial e estamos tomando muito cuidado nas
comunicações, mas está ficando cada vez mais difícil; e se acontecer, a
Lawless será a primeira a cair.
Colen ter feito faculdade em Cambridge e agora estar de férias,
passeando pelos Estados Unidos, e principalmente em Nova York, não está
sendo inteligente da parte dele.
Amândio, que está assumindo o lugar do pai em negociações entre as
Famiglia, mandou um recado esses dias para Travis, dizendo que seus
homens estão de olho no irmão dele. A Darkness é muito controladora e evita
problemas com jurisdição. Não gosta de policiais metendo o nariz onde não
deve, e preferem não os matar e sim colocar na folha de pagamento. Nem
sempre é uma tarefa fácil subornar policiais. Alguns vestem a farda.
Levantando-me, saio da sala onde contam as caixas de encomenda e
vou até o pátio aonde os homens lutam no tatame e fazem musculação na
academia improvisada com pesos de ferros e pneus. A imagem de um seriado
de prisão americana. Não gosto muito e geralmente não venho malhar aqui.
Faço musculação no MGM logo que chego por lá. Faço para manter os
músculos e a força.
Paro de braços cruzados no pátio e assisto os idiotas lutarem.
— Se você quiser, pode ir. — Enzo aparece do meu lado.
Dou uma olhada atravessada para ele.
— Por que que você está aqui ainda se o seu casamento é amanhã?
— O noivo só tem que chegar.
— Você consegue estar mais feliz do que eu no meu casamento —
ironizo.
— Não tem nada a ver.
— Apenas não estou no clima. Amanhã talvez eu fique. Para fazer o
papel direito.
— Enzo, por que você não está pelo menos satisfeito? A garota gosta
de você, está apaixonada.
— Isso é coisa da sua cabeça.
— Não é coisa da minha cabeça. — Pego um cigarro e acendo. —
Quantas vezes já fui com você na casa de Travis e Bárbara estava lá, porque é
amiga de Madeleine. Aquela garota só falta beijar o chão que você passa. Ela
nem liga se alguém percebe que está olhando para você e, enquanto isso você
está de cara emburrada por ganhar uma esposa apaixonada. Isso vai facilitar
e, com certeza, ela vai te obedecer, fazer suas vontades e querer te agradar.
— Por acaso, a sua jovem esposa não faz isso.
Foco nos homens lutando.
— Nina é sim muito compreensiva. A adolescência dela é bem-vinda.
— Nossas esposas vão ter a mesma idade.
— Ela ainda não é sua esposa.
— É basicamente. Não tem como reverter esse acordo.
Respiro fundo pelo nariz e encaro-o novamente.
— Você precisa mudar esse teu jeito. Não faça a garota sofrer porque
você não está a fim de se casar. É até sacanagem. É preferível uma noiva
sorrindo entrando na igreja do que uma chorando. Quantas não assistimos
chorando e preferindo se suicidar a se casar com um de nós? Você consegue
uma que é apaixonada por você e está resmungando que nem um bebê
chorão. Estou dando um conselho para você de graça. — Apago meu cigarro
jogando no chão.
— Por que que você ficou sentimental? — Enzo olha para mim
mordendo o maxilar. — Parece que, depois que sua esposa morreu, um novo
Paolo nasceu.
Ele não deveria ter falado isso.
Vou para cima dele prendendo seu corpo com uma chave de braço,
empurrando seu queixo para cima, o enforcando quando chegamos na parede.
— Nunca mais tenha a ousadia de falar algo parecido para mim. —
Aperto mais seu pescoço. — Eu estava ali conversando e você vem com essa
palhaçada.
Enzo tenta falar, mas não consegue porque o estou sufocando. Afrouxo
o braço.
— Me desculpe. Não foi minha intenção.
— Eu espero que não. — Ainda não o solto. — Eu não nasci de novo,
estou apenas mais consciente do que nós somos, dos nossos deveres e nossas
honras. E se uma mulher consegue nos dar bondade e paixão, sabendo que
nós somos assassinos, nós devemos ser capazes de dar-lhes respeito e honra.
Espero que nunca mais fale uma merda dessas para mim. Porque eu posso
matar você, ao contrário não. — O solto e dou as costas porque essa é a lei.
Sou mais do que ele. Eu posso matá-lo, matar qualquer um que me
desrespeitar ou as tradições, que Travis não faria nada. Ele barganharia com
seu poder de fazer as pessoas verem o que ele quer, mas nenhum dos homens
pode me matar. Eu sou o braço direito do Capo del capi.
Jogando meu paletó pelo canto, ergo minhas mangas e tiro o meu
colete, as armas junto. Entro no tatame e o homem mais arrebentado sai. E
começo a lutar com o que sobrou. Estou enxergando sangue e golpeio o
soldado sem parar.
Sinto-me bem em estar no controle e bato no homem. Preciso lutar
para não voltar e matar o noivo de Bárbara tagarela Mancini. Enzo é muito
imaturo ainda para conseguir controlar a língua. Vou ensiná-lo a nunca mais
falar algo parecido para mim ou qualquer membro que mereça seu respeito.
Dezessete

D ou outra conferida no meu vestido. Andei muito ontem até


encontrar algo que fosse revelador para Paolo. Ele com certeza
ficará de boca aberta quando me ver usando esse vestido vermelho
sangue colado ao meu corpo e deixando meu decote sexy. Quase não me
reconheço e isso é legal. Me torna imprevisível.
Mordo meu lábio e ajeito meus cabelos antes de sair do quarto. Nós
vamos hoje para o casamento de Enzo, um soldado que conheci quando fui
ao Bellagio.
Ele é um homem muito bonito. A mulher que se casará com ele tem
muita sorte. Eu não a conheço, como não conheço quase ninguém aqui. Fico
muito em casa e não ligo. Sophia é uma ótima companhia, mas eu poderia
visitar alguém quando fizer amizade.
Paolo diz que Madeleine não está podendo vir aqui em casa como
costumava fazer porque está de com um bebê recém-nascido. Ela se esforçou
muito para ir ao nosso casamento. Seu bebê agora vai fazer dois meses, assim
como o meu casamento. Ela podia vir aqui ou eu posso ir lá. vou ver se
posso. Gostei dela, parece ser uma mulher equilibrada e educada. Ela não tem
nada a ver como muitas mulheres na máfia são.
A maioria gosta de saber da vida dos outros e de espalhar mentiras sem
se importarem com as consequências, porque são apenas fofocas. E como eu
não tenho o hábito de cortar o cabelo e faço as unhas eu mesma, não tenho o
convívio de nenhuma dessas mulheres aqui em Las Vegas, que certamente se
concentram em salões de beleza e lojas.
Quando eu saio, sempre vou com Sophia e sempre ao Bellagio fazer
compras. Gregori me levou para conhecer alguns pontos turísticos e onde
Paolo fica mais tempo trabalhando, no MGM Grand e me contou que o
Miragem também pertence a Travis. muito dinheiro, muito poder e domínio.
Entrando no quarto de Sophia, encontro Paolo ajeitando a gravata
borboleta e falando com ela, como se fosse entender. Ele é muito gentil com a
filha. Paro na porta e sorrio assistindo-os.
— O que você acha? O papai está bonito? Acho que nós vamos
combinar muito bem.
Sinto um formigamento estranho no meio do meu peito. Meu coração
quase transborda. Eu gosto dele, mesmo não me deixando chegar tão perto.
Desabafar na semana passada foi preciso e eu ainda estou morrendo de medo
de ser a sombra da esposa falecida dele. E o que posso fazer é dar o melhor
de mim.
Sei que sou boa. Mesmo sendo tratada como lixo pelos meus pais, me
ignorando; eu sei que sou boa e mereço colher os frutos da minha
generosidade, da minha bondade, da minha paciência e da minha passividade.
Uma hora vai chegar esse momento.
— Mama.
Eu olho para Sophia e fico congelada. Paolo vira-se para mim e seus
olhos estão arregalados de surpresa. Ela quis dizer mama... de mamadeira?
— Está com fome, querida? — pergunto me aproximando dela.
— Mama! — Ela estica os braços. — Mama. Mama — ela repete.
Não quero sujar meus olhos. Vou borrar minha maquiagem.
— Ela não está pedindo comida, Nina. Ela está te chamando.
Eu fito o rosto dele, controlando meus batimentos.
— Não pode ser.
— Por que não?
— As crianças... — pauso e olho para Sophia e pego sua mãozinha,
que ela não deixa de esticar para mim. — As crianças repetem o que a gente
fala e eu nunca... ensinei. — Vou para perto dela. — Eu não te ensinei a me
chamar de... mamãe. — Meus olhos ficam cheio d'água e sinto meus lábios
tremerem. Faço carinho no seu rosto. — Eu sou a Nina, não mamãe.
— Mama.
Sinto as mãos de Paolo nos meus ombros e, por fim, me abraça. Seu
rosto está colado no meu, já que se inclinou.
— Talvez foi instinto porque você cuida muito bem dela — ele fala
baixo no meu ouvido.
— Por que ela não chama a Marta assim então? Ficou mais com ela do
que eu.
— Eu não sei. Como é que eu vou te responder isso?
— Eu não sei — murmuro sentindo-me perdida.
— Mama.
Meus olhos estão quentes e molhados. Eu vou ter que retocar a
maquiagem, não tem jeito.
Deixo o meu rosto pertinho do dela, encarando seus olhos azuis iguais
aos do pai. Toco seu narizinho e vejo como a minha mão está tremendo, e
provavelmente Paolo também percebe, porque ainda não se afastou de mim.
— Eu não a ensinei a me chamar assim. — Me viro para ele, fazendo-o
finalmente se afastar. — Eu juro que não ensinei. Me desculpe.
— Está se desculpando por quê?
— Porque ela me chamou de mãe.
Ele segura meu rosto.
— Você é a mãe dela. Qual outra ela vai ter?
— Mas... — olho para Sophia — como pode?
— Podendo e você aceitando. Talvez não seja questão de... — Olha
para mim. Ele pega meu queixo e vira meu rosto para ele. — Talvez não seja
questão de ela poder ou não, mas de você aceitar a escolha dela. E é verdade.
A Marta cuidou dela durante muito tempo, mas por poucas horas. Sophia me
reconhece e chama de pai também e nunca ensinei.
— Talvez seja a Marta ou o Gregori.
— Eu não sei e com você pode ser também um dos dois... ou é instinto
natural. Você passa o dia inteiro com ela, o tempo todo e vai para cima e para
baixo. Não se cansa. — Seu polegar move-se numa carícia suave na mão que
ele segura. — A Marta era como uma avó e você não porque passa mais
tempo do que qualquer pessoa com ela. E por isso ela só reconhece você
como mãe.
— Eu não quero desonrar a Mia.
— Você não está desonrando. — Ele segura meu rosto com as duas
mãos e seus polegares limpam embaixo dos meus olhos. — Não fica
pensando isso porque eu não estou.
— Não?
— Não. — Balança a cabeça. — Porque se eu tivesse, lá atrás,
preocupado de que minha filha um dia fosse chamar outra mulher de mãe
sem ser a Mia, eu não teria me casado. Eu sabia que isso ia acontecer e meu
medo era que a mulher que eu casasse não fosse o suficiente, e tive medo
quando soube da sua idade, mas você me surpreende o tempo todo.
Sorrio emocionada.
— Esquece e confia na sua filha. Ela confia tanto em você que está te
chamando de mãe.
Eu assinto concordando e me agarro a ele esvaziando meus olhos.
Chorando tanto como se tivesse uma torneira aberta em meus olhos. Eu choro
tentando aliviar a emoção.
E quando fico mais calma, viro-me para Sophia e pego-a nos meus
braços.
— Mama — ela fala de novo.
Ela me chamou de mãe mesmo? Ela me chamou de mãe! E depois do
choque, me dou conta de que eu sou a mãe dela. A mãe que ela terá.
— Eu sou... a mamãe e eu te amo, querida. — A abraço bem forte e
evito olhar para Paolo.

Depois da surpresa agradável de Sophia me chamar oficialmente de


mãe, eu nem acredito ainda. O sorriso no meu rosto não consegue mais
sumir. Estou muito feliz, afinal de contas ela é a minha filhinha que amo
muito.
Paolo está em silêncio ao meu lado, polido e distante, mas, dessa vez,
eu não tenho nada a ver com isso. Estamos no carro a caminho da igreja.
Tento encontrar algo para fazê-lo relaxar, mas duvido. Nem Sophia
puxando seu dedo, em cima das suas perninhas, consegue capturar sua
atenção. Ele olha para a frente e para os lados o tempo todo. Um vigilante
possessivo.
— Você gostou do meu vestido? — pergunto baixo.
— Está bom.
Ele nem olha para mim. Rio baixinho e balanço o pé de Sophia.
— Estamos lindos, não é, filha?
— Boh!
— Está em casa, meu amor.
Ela parece ter entendido e franze a testa zangada. A pego no colo e a
distraio antes que chore, bem a tempo do carro parar. Paolo sai primeiro,
ordena seus homens a ficarem nas pontas e me ajuda a sair pegando Sophia.
— Fica com ela e não teima comigo se eu mandar fazer algo.
Assinto e, quando ele me guia para ficar a sua frente, me protegendo
enquanto subimos as escadas, suspiro. A igreja que vai ser o casamento de
Enzo e Bárbara é linda.
Estamos a passos de entrar quando me dou conta do que Gregori me
contou daquela vez. Que Mia morreu num ataque da Bratva nas escadas de
uma igreja. Então, paro no meio do caminho e olho para o chão.
Paolo vira-se para mim e indaga:
— Qual o problema? Seu sapato estragou?
— Não, eu... — Entrelaço nossos braços. — A igreja é muito bonita —
comento para não dizer besteira, mas ele não se mexe e continua me
encarando.
— O Gregori te falou alguma coisa?
— Sobre o quê? Ele não falou nada não. — Sou uma péssima
mentirosa porque sempre falo rápido demais quando estou escondendo algo.
— Você não sabe mentir, Nina. Fala o que que ele te disse.
Envergonhada, olho para o chão.
— Ele me contou que a sua esposa morreu aqui. Eu sinto muito. —
Olho para ele de novo. — Eu sinto muito que você tenha que vir aqui hoje.
Se você quiser, a gente pode ir embora mais cedo ou podemos ir para o salão
de uma vez. Você não precisa assistir à cerimônia religiosa.
— O Capo não vai vir e eu preciso estar aqui. Faz um favor e anda.
Vamos sair daqui.
Ele me carrega para dentro da igreja e nós vamos nos sentar no canto
onde conseguimos ver todos e não estamos muito visíveis.
— Quer mesmo ficar aqui?
Paolo solta o ar pelo nariz.
— Eu preciso, já que o Capo não vai estar.
— Por que que o Capo não vai vir?
— Acho que pelo mesmo motivo que eu não gostaria que você
estivesse comigo e Sophia.
— Poderíamos ter deixado em casa.
— Sabe quando você não consegue confiar em nada. Não sei o que é
pior. Ela aqui ou em casa vou me preocupar.
— Não vai acontecer nada. — Coloco a mão no seu peito, sobre o seu
coração. — Sei que deve ser difícil. Eu nem sei mensurar o que você está
sentindo e tudo que passou, mas vai ficar tudo bem.
— Só me faz o favor e não tente ser heroína de ninguém, salvar
ninguém. Se você ver que alguém vai tomar um tiro, foda-se!
Ele fala isso por causa da suposição que Madeleine que era para ter
recebido o tiro e Mia estava na frente dela. Será que ele se ressente?
— Pode deixar. Vamos nos sentar?
Ele indica a cadeira no canto e olho para ela e depois para ele.
— Só tem uma cadeira.
— Justamente para você sentar e colocar a Sophia no seu colo.
— Você vai ficar de pé?
— Eu prefiro ficar de pé.
Não querendo irritar mais ele, vou me sentar.
Meu coração está apertado de como ele deve estar se sentindo. Até
mesmo amando ou não amando a falecida esposa, ainda deve ser difícil. Ele
deve estar preocupado. Nós poderíamos ter ficado em casa.
Sophia balança os braços enquanto eu a sacudo com a minha perna,
fazendo um cavalinho. Ela faz vários sons que ecoa pela igreja, que tem uma
acústica muito boa. As pessoas param para olhar para ela e eu balanço sua
mãozinha, sacudindo, e uma dessas vezes vejo Travis e Madeleine. Franzo a
testa sem entender.
Paolo vai até eles empurrando a mão na minha direção como se pedisse
para eu ficar no meu lugar. O Capo e ele trocam um aperto de mão. Vejo
Madeleine sorrir e vir até a mim.
— Finalmente eu consegui te ver de novo. Olha como está linda.
— Você está falando isso para Sophia ou para mim?
— Pode ser para as duas — ela comenta com o seu sorriso sofisticado
e o vestido preto elegante. Ela é muito bonita e espontânea. Não é uma
mulher-troféu.
— Posso pegá-la?
— É claro que sim. — Levanto-me e dou Sophia para ela segurar.
Madeleine a abraça, dando um beijinho no seu rosto e Sophia também
faz um som feliz e bate nas bochechas da esposa do Capo.
— Ela gosta de você.
— Que bom porque eu gosto muito dela também. Não é, minha
princesa? Cadê o cachorrinho?
— O Boh? — indago.
— Boh?
— Foi o nome que ela deu para ele.
— Ah, sim.
— Eu achei um igualzinho, só que maior.
— Eu sei, tem na loja do Bellagio, foi onde eu comprei o cachorrinho
para ela. Estava passeando lá um dia e... — Seus olhos ficam distantes, mas
logo some e ela volta a ser polida.
Ela sabe muito bem usar a máscara que a máfia faz a gente precisar.
— Vocês vão ficar aqui?
— Paolo separou essa cadeirinha para mim.
— Ele deve estar nervoso. É normal, falei para ele que a gente poderia
vir e, então, ele não tinha necessidade de substituir Travis.
— Paolo disse a mesma coisa.
— Eu sei, mas a Bárbara é minha melhor amiga. Não tinha como não
virmos.
— E o bebê? — pergunto baixinho.
— Ele está em segurança. Obrigada por perguntar.
— Queria conhecê-lo.
— Pode ir lá em casa quando quiser e leve Sophia, claro. Marinne
sente saudade dela.
— Marinne é sua filha?
— Marinne é irmã de Travis. A caçula. São quatro irmãos; Travis,
Colen, Dario e Marinne. E eu me casei, obviamente, com o mais velho e mais
bonito.
Eu assinto e registrando a informação.
— Você parece bem.
Parecia mesmo bem diferente de muitas das esposas que eu conheci ao
longo dos eventos da Famiglia.
— Quer dizer que eu sorrio e sou simpática de verdade? Bem, se fosse
para casar para ficar infeliz e de cara amarrada, não tinha casado.
— E tem como?
— Se casar por amor, você quer dizer? — ela devolve e sacode Sophia
nos braços. — É possível acontecer e a gente precisa se esforçar para termos
uma vida melhor do que nossos pais tiveram por destino ou escolha. A
evolução quer dizer isso. Nós superarmos as dificuldades e os traumas dos
nossos pais, quaisquer que sejam as lutas.
— Se você está dizendo que é possível...
— É sim, por exemplo: hoje a minha melhor amiga vai se casar
apaixonada.
— Eles se relacionaram?
— Na verdade, eu mexi meus pauzinhos — ela murmura e olha o
marido.
Eu nunca estive perto dele de novo depois do meu casamento, e ele
está caminhando para cá.
O homem é lindo. Alto, largo, musculoso, realmente forte. O
sobretudo, por mais largo que seja, fica um pouco acolhedor no seu corpo
grande. Vejo que ele está com um terno preto, a camisa de dentro branca e a
gravata vermelha da cor do vestido da esposa, que é muito parecida com a cor
do meu vestido. Seus olhos são penetrantes, azuis-escuros, e os cabelos
formam leves ondas nas pontas.
Chegando até a mim, estende a mão e me cumprimenta com um leve
beijo nas costas da mão. Ele tenta ser solicito com as pessoas.
— É um prazer revê-la de novo, Nina.
— O prazer é todo meu, senhor.
— Paolo disse que vocês vão ficar aqui reclusos. Está confortável com
isso?
— Eu acho que assim a Sophia não vai chamar tanta atenção. Ela já
está fazendo muito barulho.
Olha para a neném nos braços da esposa e por breves segundos, tão
rápidos que mal consigo ver, um carinho atravessa seu olhar. Mas ele logo
olha para mim.
— Se você se sentir melhor, pode sentar comigo e Madeleine.
Ficaremos na última fileira. Mais confortável do que isso aqui.
— Eu vou ver se Paolo permite.
— A gente pode ir com eles. — Paolo surge do meu lado colocando a
mão na minha cintura. — Não tem problema nós ficarmos com eles.
— Eu tenho que concordar com você.
Parece que Paolo e Travis gostam de se alfinetar.
— Vamos! — Travis ordena como um bom líder.
Nós quatro e Sophia vamos nos sentar na última fileira do lado direito,
para dentro da igreja, em frente ao altar. São apenas quatro fileiras e
geralmente aqui sentam as pessoas importantes da família e padrinhos. No
caso da máfia são os que tem patente alta.
— Se Madeleine é a madrinha dela, Travis também é? — pergunto
para Paolo.
— Não era necessário, mas acabou sendo.
— E ele não pega ela no colo?
— O Capo não faz gestos afetivos em público.
— Ah, entendi. Ele precisa manter a pose de durão que nem você.
— Precisamos manter o respeito.
— E quem disse que, quando você sorri, consegue-se perceber se você
está sério ou não. Por trás de um sorriso existe raiva e melancolia também.
— Você tem que parar de ler esses livros, Nina, e vamos parar de falar.
Ele me faz passar pelo corredor e sentar ao lado de Madeleine com
Sophia.
Ficamos em silêncio, tirando as vezes que Sophia grita e assistimos a
cerimônia. Como Madeleine informou, enquanto o noivo está de cara
fechada, e não sei se é porque ele precisa manter o respeito como o Paolo
acabou de dizer – a famosa máscara da frieza ou ele não gosta tanto da noiva
tanto quanto ela –, ela chega a derramar lágrimas de felicidade enquanto
entra. Está bem diferente das mulheres entrando na igreja chorando que já vi
nos casamentos.
Bárbara parece feliz e, enquanto chora e sorri de emoção de verdade, o
padre os declaro marido e mulher, e Enzo a beija.
O beijo mais rápido que eu já vi na minha vida. Mais rápido que o
beijo que Paolo me deu. Será que ele gostava de alguém e é difícil para ele se
casar com a ruiva?
Ela é muito bonita. O cabelo realça sua cor pálida e seus olhos verdes.
É linda.
— Os filhos deles vão ser realmente encantadores.
— Também acho.
Só depois do comentário de Madeleine que noto que falei isso em voz
alta.
— Você fala muito em voz alta? — indaga me encarando. — Porque
se for, é um risco muito grande. Tem que falar mais baixo.
— Na verdade, não falo muito meus pensamentos em voz alta não.
— Ela fala é muito mesmo.
Madeleine ri olhando para o marido, que continua compenetrado e
sério, mesmo com esse comentário sarcástico.
Quando é oficializado o casório, nós começamos a sair dos nossos
lugares para ir embora da igreja. Cumprimentamos os noivos rapidamente.
Paolo pega Sophia dos braços de Madeleine e entrega para mim.
— Vamos sair pelos fundos da igreja.
— Tudo bem — aceito concordando.
— Iremos com vocês — Travis fala.
Nós pegamos um caminho por dentro da igreja que um coroinha nos
guia. Uma vez ouvi falar que a igreja é muito envolvida nos negócios da
Famiglia, porém nunca pensei que eu fosse ao ponto de ter uma saída secreta
nos fundos da igreja. É, de alguma forma o dinheiro da máfia tem que se
esconder melhor do que em empresas e contas fantasmas. O que seria melhor
do que em “caridade” para a igreja.
Chegamos nos fundos da igreja e um carro estava esperando por nós.
Eu não reconheço o motorista, mas ele tem uma cara agressiva e irônica.
Acho que ele estava no meu casamento.
— O Luca virou motorista, Paolo? — Travis comenta.
— Na verdade, ele está aqui em missão. Pode pegar o carro aí.
Luca faz um aceno e vai para um dos carros idênticos, que estavam nos
esperando, que apenas noto o outro quando vai para ele.
Travis, Madeleine, Paolo e eu com Sophia, entramos no outro carro,
que quem dirige é Filippe e no carona é Gregori.
— O seu motorista está no outro carro, na esquina — Paolo informa a
Travis.
— Você preparou tudo mesmo.
— Quando você disse que estava chegando.
Ele não disse para mim que não podia ir embora porque o Capo não
viria. Será que foi a coisa mais improvisadamente rápida que ele arrumou
tudo a tempo. A minha resposta vem quando nós saímos, e vejo o outro carro,
que vai para outra direção, e ele é diferente. Foi a improvisação em cima da
hora.
Chegamos no salão de festas, muito grande, bonito e chique. Nos
sentamos na mesma mesa e ficamos nela durante a noite toda.
Madeleine vai dançar com Sophia, que, graças aos meus esforços,
agora tem força nas perninhas para quando a madrinha fica fazendo-a pular
no mesmo lugar. Eu ainda a quero ver andando antes de completar um ano
inteiro.
— Quer dançar? — Paolo oferece e eu aceito.
Ele se levanta e estende a mão para mim.
Nós dois vamos para a pista de dança. É uma valsa melódica, o que faz
ficarmos juntos enquanto valsamos para lá e para cá.
— Você não disse que o Capo não viria?
— Ele me disse que estava a caminho quando entramos na igreja —
respondo o que eu realmente quero saber.
— Ah... Você foi rápido.
— Fui o mais rápido possível.
Preciso concordar que sim.
Fica olhando seu rosto até ele olhar para mim.
— O que você quer?
— Nada, eu estou olhando. Você fica bonito de gravata borboleta.
— Você fica bonita com esse vestido — ele diz com tanto entusiasmo.
Algo estala na minha cabeça. Mia não gostava de vestidos como esse,
colado ao corpo, acentuando todas as curvas. Meus peitos estão sendo
emoldurados pelo decote e Paolo parece apreciar. Essa noite ele está vendo
quem eu sou.
— Você gosta que eu vista vermelho?
— Eu gosto que você vista o que você gosta de vestir.
Fico séria porque preciso me comportar em público.
— Não precisa fingir que você não achou engraçado.
— Eu tenho que ficar séria para o meu marido.
— Se você quiser.
— Por que você gosta de me contrariar? Depois você reclama —
admiro Sophia no colo de Madeleine e Travis balançando a sua mãozinha, e o
vejo sorrir pela primeira vez. É rápido, mas estava lá.
— Parece que ele é capaz de sorrir para a Sophia.
— Travis gosta de criança.
— É sério? — indago arregalando os olhos para Paolo.
— Ele gosta sim. É muito bom com elas.
— Com aquela cara de mau, ele não parece que é bom com ninguém.
— Travis tem um jeito peculiar de reservar suas emoções para as
pessoas que ele acha que deve, ter qualquer tipo de compartilhamento de
afeição. É difícil de explicar.
— É tipo que nem você?
Paolo finalmente desce os olhos para mim.
— Você acha que eu reservo meu sorriso para quem?
— Para Sophia.
— Eu rio quando você fala besteira.
— Mas não muito. — Balanço a cabeça e dou de ombros. — Você ri,
só não muitas vezes.
— Eu só vou rir, se achar engraçado mesmo, não porque tem que rir.
— Está querendo dizer que eu rio à toa?
— Não, Nina. Por que tudo você tem que transformar numa discussão
entre nós?
Dou uma risada e ajeito sua gravata com minha mão, que está no seu
ombro.
— Estou querendo te descontrair.
— Não se preocupe. Você fez isso muito bem hoje. Agradeço a
tentativa.
Eu fixo meus olhos nos seus. Estou hipnotizada. Queria poder beijá-lo,
mas em público não pode. O que eu quero fazer também não pode em
público.
— Chega — ele diz parando de dançar e me carrega para a nossa
mesa. — Está na hora de ir para casa — comenta. — Sophia deve estar
cansada.
— Então vamos. — Travis se levanta com a esposa, que passa minha
filha para mim.
Pelo mesmo esquema que saímos da igreja, fazemos ao sair do hotel,
que foi a festa. Dessa vez o Capo e sua esposa vão num carro e nós no nosso.
No caminho para casa, comento:
— Não sei por que tem aquela necessidade do lençol de sangue?
— É preciso fazer.
— Você vai ver o deles?
Enzo e Bárbara subiram para o seu quarto logo em seguida que nos
despedimos deles.
— Sim, vai ser feito de manhã. Terá uma pós-festa.
— E você vai vir?
— Sozinho, não precisa vir comigo.
— Se você quiser, eu venho.
— Não, está tudo bem. Virei para conferir o lençol e logo voltarei para
casa.
Concordo e dou um beijinho na testa de Sophia, que está aconchegada
nos meus braços.
— Ela ficou cansada da festa. É a primeira vez que ela sai em
público?
— Sim.
— Ela se comportou muito bem — falo com admiração.
— É porque ela tinha você e Madeleine entretendo.
Sorrio com carinho e toco sua coxa.
— Você também faz ela se comportar.
Paolo chega a mão até a minha e entrelaça seus dedos nos meus, e
aperta. Não diz nada, olha para a frente até chegarmos em casa. Talvez um
dia eu consiga de verdade tirar todas as camadas que têm sobre ele. Quebrar
seu coração de gelo.

T oda vez que Nina se aproxima demais, é doce comigo e abre seu
sorriso, Eu quero fugir. Fugir da tentação de “aceitar” o que ela está
querendo me dar. O casamento era apenas para Sophia ter uma mãe,
não para eu ter outra esposa.
Hoje ela estava tão bonita com aquele vestido de festa. Eu todo
preocupado com sua escolha e ela me aparece toda sexy de vermelho. Me
surpreendendo mais uma vez. Eu nem me importei com seus peitos
parecendo que iam pular do tecido.
O mais interessante da noite mesmo foi o fato de ela se preocupar
comigo na porta da igreja. Talvez Gregori não devesse ficar falando da minha
vida, mas ele deve ter feito porque Nina não para de perguntar e tira a
paciência de qualquer pessoa. E foi bom ela saber, assim conseguiu
compreender que eu estava nervoso e que precisava que ela fosse rápida.
Termino meu conhaque e me levanto. Subo as escadas me arrastando,
meu paletó pendurado no meu ombro e, quando estou virando para o meu
quarto, vejo Nina saindo dele.
— Eu estava te procurando — murmura.
Meus olhos vagueiam por suas pernas, os braços e peitos.
— Ainda está com o vestido — comento meus pensamentos para ela.
— Eu estou. — Chega até a mim e afrouxa minha gravata, puxa
devagar e abre três botões da minha camisa. — A gente podia aproveitar a
noite. Sophia acabou de dormir.
— Você sempre tem tanta energia.
— Você também. — Estica a mão num convite. — Só vem comigo.
E não é que ela tem razão? Eu fico mais enérgico perto dela.
Sendo evidente que ela está me seduzindo, enfio minhas mãos nos seus
cabelos e beijo sua boca.
Eu sei o que ela quer me dar.
E mesmo que essa possibilidade de ter outro coração para cuidar não
seja viável, Não sei se consigo mais me apegar. Pego-a nos meus braços e
carrego para o meu quarto. Fecho a porta quando vejo que ela deixou a babá
eletrônica na cabeceira da cama.
— Você é tão esperta — digo assim que a deixo no chão.
Nina ri e dá de ombros.
— Eu não quero que Sophia nos interrompa, mas se acontecer, eu não
vou desistir. Pais precisam se prevenir e improvisar.
Algo extraordinário acontece no meu coração ouvindo-a falar isso. É,
nós somos pais. Marido e mulher, companheiros.
Eu estava considerando subir e dormir de uma vez. Estava realmente
sentindo-me esgotado e ela acabou com meus planos. Tendo ela me
esperando na porta do quarto, sexy e linda, não tenho uma alternativa melhor
que não seja devorá-la essa noite.
Não me demoro em ficar beijando e provocando-a. Tiro seu vestido e a
jogo na cama. Enquanto Nina, descaradamente se toca quando eu mando, tiro
minha roupa e então vou para cima dela.
Fecho os olhos sentindo suas mãos tocarem meu corpo e como ela
gosta disso. Ela aperta meus músculos, arranha minhas costas e suas mãos
estão na minha bunda, quando estou entrando no seu calor. Estoco para
dentro dela com força e a escuto gemer jogando a cabeça para trás.
Afasto meu rosto para ver seu rosto e Nina segura meu rosto com as
duas mãos. Nos provocamos lambendo nossos lábios até que enfio minha
língua na sua boca, lhe dando um beijo profundo.
Abraçando seu corpo, viro de costas deixando-a por cima. Seus olhos
se arregalam e mesmo querendo me seduzir, ela ainda não fez todas as
posições comigo.
Por isso seguro sua cintura e ordeno:
— Quero que me cavalgue essa noite. Que monte em mim.
Ela solta um riso nervoso. Coloca as mãos no meu peito e começa a se
mexer lentamente. Respiro pelo nariz e a admiro toda gostosa rebolando em
cima de mim. Seus olhos sorriem e a puxo para mim. Junto minha boca na
sua, minhas mãos nos seus cabelos e na bunda, sentindo o vaivém do seu
corpo. Estou muito duro e, quando ela se contrai toda por dentro, fico
maluco. Aperto seus cabelos por reflexo e empurro para cima.
Meu pau está duro de uma forma dolorosa. Nina resmunga com a boca
na minha e diminuo o ritmo.
— Porra, Nina! — falo quando nos afastamos para respirar.
Ela joga a cabeça para trás e solta um “Paolo”, como se estivesse
delirando de olhos fechados.
Bato para cima, indo mais fundo e ela deixa o rosto cair no vale do
meu pescoço e ombro. Pegamos um ritmo bom e seguimos ele. Caralho, eu
vou gozar! Mordo seu ombro. Sinto a maciez da sua boceta, a quentura e
como está molhada. Uma ansiedade me corrói e passa freneticamente por
meu corpo. Bato meus quadris para cima e Nina respira fundo deslizando
para fora e voltando a me “engolir”.
— Caralho, Nina!
Ela faz um som afirmativo e segura meus cabelos. Colocando minhas
mãos na sua lombar, detenho-a de se afastar e acelero de verdade. Nina junta
a sua boca na minha, mas não nos beijamos. Trocamos o mesmo ar, perdidos
no coito.
— Paolo — sussurra com sofreguidão.
Corro uma das mãos nas suas costas, entrelaço meus dedos nos seus
cabelos e afasto seu rosto até seus olhos encontrarem os meus. E assim não
paro até que ela goze. Meus batimentos estão muito rápidos e estou sem
fôlego. Puta que pariu! Meus músculos estão tensionados e quero gozar.
Respiro fundo e quase no mesmo momento, ela também. Então grita,
arfando com força e apertando meus ombros quando bato nela. Ela é
apertadinha e deliciosa.
Impulsiono o quadril para cima e dou um tapa na sua bunda. Ela sobe,
ficando sentada e desce o corpo, deslizando. Os movimentos estão cada vez
mais rápidos. Nina rebola em cima de mim, procurando fricção. Se esfrega
em um vaivém enquanto me cavalga. E ela escorrega e encosta a testa na
minha. Me beija gemendo e arfando.
Seu núcleo me aperta forte e fica cada vez mais quente. Ela está
incrível. Está no controle e eu não me importo, nem um pouco.
— Minha — digo separando meus lábios brevemente dos seus.
— Sua — replica sem voz.
Abraço sua cintura e remexo dentro dela com força, e quando ela
geme baixinho agarrada a mim, gozamos juntos.
E pela segunda vez sinto-me exorcizando aquele sentimento ruim que
se estalou dentro de mim nos pés da igreja.
Dezoito

N ão sei o que fez Paolo deixar eu dormir no seu quarto hoje, mas
gostei. Ele até me abraçou enquanto dormia. Ficamos de
conchinha. Meu Deus. Ele foi tão bom ontem, ainda consigo senti-
lo dentro de mim. Embora o sexo mais selvagem que fizemos foi na sala de
jogos, ontem foi o mais excitante. Ficar por cima foi novidade.
Sinto quando ele desperta e me solta. Se mexendo na cama, me viro
para ele.
— Bom dia — digo encolhendo-me nas cobertas.
— Bom dia. Vou tomar um banho — ele informa e se levanta.
Sem beijo, sem abraço.
Será que ele se arrependeu de deixar eu dormir aqui? Aqui era o quarto
dele com a Mia, assim como o meu quarto era dela também, por mais que ela
não usasse para dormir, suas coisas ficavam lá. Gregori me contou.
Ele me conta tudo e não sei se ele faz de propósito ou é muito
linguarudo mesmo. Espero que seja a primeira opção, senão é um péssimo
soldado.
Não demora muito tempo, Paolo, sai do banheiro já vestido porque o
closet fica embutido ao lado.
Ele está cheiroso e todo bonito. De terno cinza escuro, a camisa preta,
e a gravata pelo visto hoje vai ficar em casa. Parece mais jovem, o que é
loucura da minha cabeça.
— Eu tenho que ir.
— Tudo bem. — Dou um sorriso amarelo para ele e, quando o vejo
saindo, corro até ele. — Paolo.
Ele gira para ver o que é. Toco o seu rosto, dando um beijo e não
recusa, na verdade aprofunda o beijo. Quando nós soltamos, estamos sem
fôlego.
— Ontem à noite foi incrível. Obrigada.
— Não precisa agradecer. Eu também gostei.
Assinto e mordo meu lábio, nervosa.
— Volte a dormir — fala passando uma mecha do meu cabelo atrás da
minha orelha. — Antes de eu sair, vou trocar a fralda da Sophia e dar a
mamadeira. E, provavelmente, hoje vou chegar muito tarde.
— Deixa que eu faço. Pode ir.
— Eu ainda vou tomar café.
— Então por que eu não posso acordar com você?
— Porque... você estava dormindo tão bem, pensei que estivesse com
sono.
— Eu durmo depois de tarde quando Sophia dormir.
— Está bem, então.
Saio com ele do quarto e vamos ver Sophia, que está dormindo
profundamente.
— Ela ficou cansada mesmo de ontem. Acho que eu não quero acordá-
la. — Fito seu rostinho fofo perto do ursinho que ela agarra, ainda o ursinho
da Madeleine.
— Vamos tomar café ou, se quiser, volte a dormir. Eu tomo café no
hotel.
— Tem certeza? — pergunto olhando para ele.
— Tenho, sim. Pode ficar.
— Então eu vou dormir aqui com ela.
Também concorda, me dá um beijo na testa e se vira para ir embora.
Dessa vez não vou atrás, mas fico no corredor vendo-o caminhar até as
escadas e sumir das minhas vistas.
Aquele formigamento no meu peito está crescendo, junto com um
calor estranho. Talvez eu goste dele.
Ele disse que eu sempre o surpreendo, mas é ele que faz tudo ser
perfeito. Na minha cabeça ele seria distante para sempre e não está. Cada dia
vejo que está se esforçando e estamos cada vez mais unidos.
Suspirando, me deito e volto a dormir querendo sonhar com a noite de
ontem, que foi espetacular. Mais ainda dormir com ele a noite toda no seu
quarto.

Como prometido estou na casa de Madeleine após o seu convite no


casamento de Bárbara e Enzo. É uma senhora casa, muito bonita. Uma
mansão e tanto. Gregori está comigo, mas de cara amarrada. Eu não estou
entendendo.
— Por que que você está com essa cara?
— Porque não vou poder entrar com você. Vou ter que ficar do lado de
fora.
— Você acha que eu corro perigo lá dentro? É a casa do Capo. Duvido
que exista um lugar mais seguro do que esse.
— Mas não me sinto à vontade em não ter você nas minhas vistas.
— Eu sei que você me ama, mas não precisa tanto.
— Você sempre leva tudo na brincadeira, Nina.
Ignoro ele e saio do carro quando para em frente as portas. Logo uma
senhora muito simpática aparece e me ajuda a tirar Sophia. Gregori contorna
o veículo e pega a bolsa de bebê na mala e me passa.
— Você deve ser a Nina, a nova esposa do Paolo.
— Sim, sou eu.
— É um prazer conhecê-la pessoalmente. Eu sou Rosália, a governanta
da casa dos Lozartan.
— Ah, que bom. Espero não dar muito trabalho, na verdade, Sophia é
um amor.
— Eu sei. Ela veio algumas vezes aqui. — E quando olho para a minha
filha, ela está sorrindo para a senhora, que pega sua mãozinha e balança.
— Olá, Sophia. Quanto tempo? Que legal, você agora tem uma
mamãe.
— Mama. — Sophia olha para mim e bate nos meus peitos.
— Que bonitinha. Ela já chama você de mãe.
Eu dou de ombros, sem graça. Não sei o que dizer. Todo mundo sabe
que eu não sou a mãe dela de verdade. Sou a mãe de coração, é o que
importa.
— Não fique assim. Você é a mãe dela e mãe é quem cria. Não se sinta
envergonhada.
— Eu vou tentar. Na verdade, ainda é tudo muito novo para mim.
— Eu imagino. Agora vamos entrar. A senhora Madeleine está
esperando no jardim com o menino Dante.
— Dante?
— É o nome do filho da Sra. Lozartan. Ela falou que a senhora ia
conhecê-lo hoje, então não me incomodei de falar o nome dele.
— Eu não trouxe presente. Acabei esquecendo.
— Não se incomode, depois você traz ou manda alguém trazer.
— Está bem — concordo.
Finalmente entro na casa, que é um espetáculo. Toda iluminada com
mármore, vidros e parece que o lustre da sala de estar, que apenas passamos,
é de ouro. Chegamos às portas que leva para o imenso jardim, que é tão
grande que parece um minicampo de golfe. Tem uma piscina gigante.
A minha casa não é pequena, é uma casa muito boa, mas não chega aos
pés dessa daqui. Uma digna mansão para o Capo.
Madeleine se levanta da cadeira de ferro numa mesinha com guarda-
sol, e quando vira-se para mim, vejo que está com um bebê no colo. Meus
olhos brilham mesmo vendo-o de perto. É um bebê lindo.
— Você chegou. Pensei que tinha desistido.
— Não, eu só demorei um pouco. Sophia teve que trocar a fralda de
emergência.
— Eu sei como é. — O jeito que ela diz isso é cheio de carinho.
Sorrindo ela apresenta: — Esse é meu filho, Dante. — Existe muito orgulho
na sua fala.
Eu não sei por que, mas fazendo as contas sobre o tempo que ele
nasceu e ela se casou com Travis, é bom não tocar nesse assunto. Porque eu
sempre quero meter o bedelho onde não devo. Eu vou acabar morrendo.
— Quer se sentar com Sophia aqui na mesa? A gente pode preparar um
piquenique no jardim também.
— Não, tudo bem. Ficamos aqui na mesa mesmo.
— Que bom. Preparei um carrinho extra de quando ela ficou aqui.
— Ela tinha um carrinho aqui?
— Na verdade, no quarto de hóspedes tenho umas coisas de bebês para
Sophia. Ela veio algumas vezes para cá, mesmo eu indo mais na casa do
Paolo. — Sorri com pesar. — Travis não me deixava sair muito, mas eu
tentava. Foram meses difíceis depois que a Mia morreu. Nós estávamos em
guerra. Queria ter feito mais por Sophia.
— Pelo que todos dizem, você fez demais, mesmo não tendo
obrigação.
Ela parece agradecida, mesmo triste. Nos sentamos e ela ajeita o filho
nos braços e eu faço o mesmo com Sophia nas minhas pernas.
— Eu sei que parece muita coisa o que fiz, porque muitas mulheres da
máfia só podem cuidar das suas próprias vidas e dos seus próprios filhos,
menos quando é para fazer intriga. Parecem que nenhuma delas tem um
coração suficiente para estender a mão quando precisam. Ele precisava de
alguém e, quando também precisei, Paolo me protegeu. E... me senti culpada
durante muito tempo. — Ela engole em seco e desvia o olhar. — Mesmo que
não tivesse como prever, não teve como não me sentir culpada pela morte
dela.
Fico sem graça e não sabendo o que dizer, abro meu sorriso amarelo.
— Não vamos falar sobre isso. Eu quero saber da Sophia, de como
você está se adaptando e se esse Paolo tratava você bem. Pode me contar. Ele
não vai fazer nada comigo.
— Você se garante demais no seu marido.
A minha boca não tem filtro?
— Eu não me garanto no meu marido, me garanto em mim mesma —
diz cheia de si. — Mas obviamente que sendo esposa do Capo, eu tenho...
passe diplomático para fazer certos comentários.
Dou uma gargalhada e concordo.
— Deve ser muito bom ser esposa do chefe.
— É bom e não é. Ser alvo dos inimigos vinte e quatro horas e ter que
esconder meu filho é a parte ruim.
— Você é como a primeira-dama.
— Eu sei — diz rindo. — Mas e você, o que tem feito?
— Eu cuido da Sophia e das flores.
— Das flores?
— Eu gosto de paisagismo.
— Hum, deve ser legal.
— Você tem algum hobby?
— Fiz faculdade e estou tentando convencer Travis de que eu posso
ajudar com o meu diploma. Não é tão perigoso mexer com os números.
— Você fez faculdade de quê?
— De contabilidade.
— Uau! Você realmente gosta de números.
— Números são fáceis de lidar e quase ninguém tem dificuldade com
eles, como a língua. Ou qualquer outro tipo de matéria. Números são legais.
— Nem sempre. Eu não era muito boa em matemática.
— Era boa em que artes?
— Eu era boa em português e eu poderia ser professora de criança, se
nós pudéssemos ter esse tipo de chance.
— Oras, você pode ter a chance de educar Sophia em casa.
— É uma boa ideia — digo com uma lâmpada acendendo na minha
cabeça.
E nós levamos esse assunto descontraído, falando nada com nada. Uma
conversa como duas mães com seus bebês. Pego um pouco Dante nos braços
e Madeleine pega Sophia, e fica brincando com sua afilhada quase andando.
Ela cambaleia e mexe as perninhas conforme Madeleine suspende-a pelos
braços.
Sophia aprendeu a engatinhar não tem muito tempo, então ela tem
medo até mesmo de tentar movimentar os pés a segurando-a.
Dante é uma graça. Tão lindo, parece aqueles bonecos que vendem.
Bebê Reborn, de tão lindo e perfeito. Com um pai e uma mãe como ele tem,
fica difícil não nascer lindo. Os dois são tão parecidos simetricamente.
Brancos, altos, magros, olhos azuis, mesmo em tons diferentes, cabelos
negros e o sorriso amplo e branco. Mesmo que não tenha visto o sorriso do
Travis, eu consigo notar como ele é tentador de todos os jeitos.
Quando vejo são cinco horas da tarde e tenho que me despedir.
— Vou esperar você para a próxima e Paolo pode vir junto.
— Eu não acho muito provável isso, mas espero que da próxima vez eu
consiga conhecer a Marinne.
A irmã mais nova de Travis está na escola. Ela só volta na sexta-feira
de tarde. Coitada da menina em estudar num colégio interno.
— É só mais esse semestre. Ela começará a estudar em casa os dois
últimos anos. Por mim já estava em casa.
“E depois ela vai se casar com um homem que não conhece”, completo
com os meus pensamentos. A máfia e seus casamentos arranjados.
Dando um tchauzinho para Madeleine, entro no carro com Sophia
batendo no vidro, chamando a atenção da madrinha, que dá tchau para ela
que as duas mãos. Porque, como uma mãe preocupada e sabendo que é um
alvo, deixou o filho dentro de casa. Deu para perceber que eles querem
manter no sigilo o nascimento do primogênito do Capo por muito tempo.
Será que vão conseguir?
— Você vai para casa agora, certo?
— Eu poderia passar para ver o Paolo.
— Você não vai gostar de saber onde ele está agora.
— O que você quer dizer com isso? — Cerro os olhos.
— Nem sempre Paolo está no Bellagio, Nina, e o outro lugar, nenhuma
mulher tem autorização para ir — Gregori responde colocando o carro em
movimento, pegando a avenida para casa.
Eu não vou entrar em questão sobre onde Paolo fica e nem o que faz.
Sei que ele não me trai. Estou apenas preocupada de saber onde ele fica sem
ser no Bellagio e no MGM Grand.

Estou vendo Sophia brincar no tapete na sala de estar com seus


ursinhos, quando, de repente, ela se levanta e tenta caminhar até a mim do
outro lado do sofá, mas congela. Meu coração para e escorrego para sentar no
chão.
— Você quer andar? — pergunto tentando não assustá-la.
Lentamente vou até ela, fico na sua frente e estendendo minhas mãos
para ela encostar.
— Vem, querida, anda. Vem com a mamãe.
— Mama!
— Mamãe — assinto fazendo cara de boba. Nem preciso de um
espelho na minha frente para ver. — Tenta. Vem devagarinho.
A porta de casa se abre e um Paolo vestido todo de preto, elegante,
sexy, poderoso, congela vendo a cena que estou presenciando com muito
amor.
— Ela andou?
— Está tentando — respondo só mexendo a boca como se isso fosse
impedir Sophia de cair ou desistir. — Não faça movimentos bruscos para não
assustá-la.
— Vou tentar — diz sorrindo para mim. Está com cara de orgulhoso.
Paolo termina de fechar a porta, tira o paletó, coloca sobre o sofá e
vem lentamente ficar perto de nós. Sophia olha para o pai com os olhos
enormes e esbugalhados.
— Papa! — grita e estica os braços.
— Oi, princesa — Paolo fala lentamente. — Você quer andar?
— Papa.
— Vem. — Ele se ajoelha do meu lado e estica as mãos como eu.
— Se ela for para você, vou ficar triste. Estava aqui primeiro.
— Eu acredito que não. Ela vai vir para nós dois, não seja ciumenta.
Tapo minha boca para não rir alto e chamar a atenção de Sophia com o
barulho.
Ela faz uma expressão séria e devagarinho dá mais dois passinhos,
balança um pouco e, como estou segurando suas mãos, ela não cai.
— Devagar. Anda devagarinho. Mamãe está aqui.
— Mama! — ela grita e depois: — Papa!
— Isso, meu bem. Vai com a sua mãe devagarinho.
Eu quase choro porque ele fala essa frase. Mas engulo o choro e me
concentro em Sophia. Ela continua vindo na minha direção e logo está nos
meus braços. Dou vários beijinhos nela.
— Minha princesa está andando — digo erguendo-a no ar. — Vamos
tentar de novo?
— Então eu vou ficar aqui e você vai para lá.
Faço como Paolo sugeriu e fico numa ponta do tapete e ele na outra.
Passamos longas horas fazendo nossa filha andar para lá e para cá.
Quando terminamos, sentamo-nos os três no sofá e ele passa um braço nos
meus ombros. Eu deito minha cabeça no seu peito, Sophia olha para nós dois.
— Ela é minha filha também, não é?
— É claro que é — ele responde se afastando para conseguir ver meu
rosto. — Que pergunta é essa?
— Eu não sei. A gente ainda não conversou sobre isso.
— Será que vou ter que escrever em um papel que Sophia também é
filha da Nina. É claro que ela é sua filha. — Tira o cabelo do meu rosto. —
Ela é a nossa filha.
Eu concordo, com meus olhos enchendo d'água e abraço Sophia. Ela
me empurra e vai para o colo do pai.
— Acho que ela não gosta de ver você chorar.
— Engraçado, porque eu a aturo chorando o dia todo.
Paolo dá uma gargalhada e, por mais que eu quisesse que ele sorrisse
mais, é estranho. Ele fica mais bonito sério. No entanto, pouco me importo se
ele está rindo ou não. Sei que aquela sombra em seus olhos, o peso nos seus
ombros e a voz é amarga, cada vez mais desaparece. Ele é um marido muito
bom e um pai excelente.
— Obrigada por essa família que você me deu.
— Ela não seria o que é sem você. — Passa o polegar na minha
bochecha. — Vai ficar tudo bem.
— Eu sei que vai.
Limpo meus olhos e deito minha cabeça no seu peito de novo,
agradecendo mentalmente por finalmente ter valor e ser feliz por ser
escolhida. Não tem nada tão valioso na vida quanto as pessoas quererem
você, por quem você é. Amarem você e enxergarem você. Dar valor por mais
que erramos. Eu não tive isso por muito tempo e agora parece que que minha
vida transborda de amor e carinho.
Dezenove

C hego em casa às dez e meia da noite. Fecho a porta e noto um


silêncio na escuridão e estranho. Passo na cozinha para tomar um
copo d'água e subo direto para o quarto de Sophia. A encontro
dormindo, respirando suavemente, o que quer dizer que tem muito tempo que
ela está dormindo.
Saio do quarto dela e vou para o meu. Há um mês ela está dormindo
comigo todas as noites. Me acostumei a dormir com ela e o cheiro de canela.
Nina não está no meu quarto, então vou para o dela.
Abrindo a porta, escuto sua voz.
— Oi.
— Tudo bem? — pergunto baixo.
Observo com atenção que está descabelada, toda agasalhada, coberta
até em cima dos ombros e têm vários papéis higiênicos descartados em cima
da cama, transbordando de um saco de plástico. Ao seu lado na cama, na
cabeceira, um copo, uma garrafa d'água, uma xícara, um prato com uma
colher sujos.
— Você está bem? — pergunto só por perguntar. A prova de que ela
não está bem, está evidente.
— Não — ela diz com a voz cansada e fraca. — Acho que estou
ficando doente.
— Ficando doente. Tem certeza?
Ela parece pensar e sorri sem jeito.
— É. Estou doente. — Tenta se sentar, mas o que quer que seu corpo
tente fazer, ela volta a ficar do jeito que estava, deitada e fala: — Estou com
dor no corpo. Estou resfriada e queria ver a Sophia, mas estou com medo de
deixá-la doente. Sinto muito.
— Está pedindo desculpa porque ficou doente?
— Porque eu não vou poder cuidar da Soph.
— Está tudo bem. — Chego perto dela, e sento-me na beira da cama.
— Eu queria ver como ela está.
— Está tudo bem, Nina, acabei de vê-la. — Coloco a mão na sua
perna. — Daqui a pouco você fica bem e fica com ela. Sophia vai ficar bem.
Você quer alguma coisa?
— Eu tô com fome, mas não consigo levantar.
— Pego para você. O que você quer?
— Tem sopa no fogão, é só esquentar e tem que dar mamadeira para a
Sophia. A Marta disse que ia vir, mas não sei se ela se lembrou.
— Eu dou a mamadeira para a minha filha e pego a sopa para você. Só
espera eu me trocar de roupa.
— Está bom. Está bom — responde de olhos fechados e grogue.
Deixando-a descansar de novo, vou para o meu quarto e tomo um
banho. Troco de roupa e desço para a cozinha. Ligo o fogo para aquecer a
sopa e coloco a mamadeira no banho-maria. Mando uma mensagem para
Marta para ela não vir. Eu posso ficar em casa e cuidar da minha esposa e da
minha filha. Não será a primeira vez.
Alguns minutos depois, subo com a mamadeira de Sophia na bandeja
com a sopa e um copo de suco de laranja para Nina. Como não vi remédio,
mandei Gregori comprar também. Vou primeiro para o quarto de Nina.
— Sua sopa e remédios.
— Oh! — ela resmunga e sai de baixo das cobertas, que entrei e
apenas vi seus cabelos.
Ela toma o remédio primeiro e ajudo-a a preparar os travesseiros sobre
as pernas, coloco a bandeja com o prato.
— Consegue comer sozinha?
— Hum... acho que sim.
Sorrio e afago seu rosto.
— Vou pegar Sophia, espera um pouco.
— Vai trazer ela para cá?
— Vou sim.
Sem mais conversa, vou até o quarto da minha filha e a pego no colo.
Troco a fralda e levo até Nina, que tenta tomar a sopa. Ela está muito fraca.
— Espera, Nina — advirto.
Escutando seu resmungo, deito Sophia no meio da cama, sobre as
cobertas e longe de Nina – até ela melhorar, é claro – e entrego nas suas
mãozinhas a mamadeira. Ela segura direitinho e come sem se sujar. Minha
garota esperta.
— Papai está aqui.
Ela arregala os olhos. Vigiando-a vou ficar perto de Nina e lhe dou a
sopa.
— Está com gosto de nada, mas vai passar minha fome.
Ergo as sobrancelhas e espero ela abrir a boca e enfio a colher.
— Obrigada por trazer a sopa para mim — diz depois que engole.
— Não há de quê.
Nina fica quieta comendo e eu de vez em quando olho Sophia. Elas
terminam de comer quase no mesmo momento. Coloco a bandeja em cima da
mesa que tem no quarto, empurrando as margaridas que ela colheu esses dias
pela casa. Volto até a cama e pego a mamadeira vazia.
Sophia se vira e engatinha para Nina balbuciando:
— Mama!
Eu não posso negar como a minha filha é bem agarrada a ela e foi uma
péssima ideia trazê-la aqui. Minha esposa choraminga com uma expressão
tristonha.
— Não, princesa. A mamãe não pode pegar você.
— Mama! — ela grita e quase chora.
— Calma, vem com o papai.
Pego-a no colo e vou me sentar na cama, apoiando as costas na
cabeceira. Sophia estica a mão e Nina depois de limpar com álcool em gel,
deixa a filha segurar seu indicador.
Como coloquei uma calça confortável e um casaco, e em Sophia, seu
pijama que deixa apenas as mãos e a cabeça para fora, vamos ficar por aqui.
Ligo a tevê num desenho e relaxo. E não demora para as duas dormirem.

Passa das duas da manhã quando Sophia se mexe, despertando.


— Shhh... Vai acordar a mamãe.
Ela pisca olhando para mim e para de se mexer. Olha para Nina, que
está dormindo de frente para nós, e estica a mão. Afago sua barriguinha por
cima do pijama e ela move as perninhas e os braços para o alto, fazendo
barulho.
— Você tem que dormir.
— Ela sempre acorda a essa hora.
Levanto a cabeça e noto que Nina parece melhor.
— Como está se sentindo?
— Bem. Você é magico?
— Não, mafioso.
Ela ri balançando os ombros e Sophia vai para cima dela.
— Soph, vai ficar doente.
— Nah! — Socou as mãos como se estivesse brigando com a mãe e
senta nas pernas dela. — Mama. — Bate nos peitos de Nina.
— Está bem. Sua mamãe. — Minha esposa afaga os cabelos da filha.
Olhando para elas duas e como eu me sinto em relação a Nina como
mãe de Sophia. Como ela sendo filha de Nina. Acho extraordinário como me
acostumei rápido e como parece certo ela aqui.
Sua idade não foi problema, por poucas vezes foi presente ao ponto de
eu me incomodar. Nina tem algo que prezo em qualquer pessoa: esforço. Ela
quis ser uma boa mãe, e se esforçou para ser. Ela quis me dar espaço e ao
mesmo tempo conquistar o dela, e conseguiu. Não posso negar mais que ela
tem o espaço do lado da minha cama. Eu a espero todo dia ali e seu sex
appeal me deixa maluco. Não me vejo mais sem ela e nem consigo imaginar
Sophia perdê-la. Minha filha é dela.
E olhando ela agora, mesmo cheia de sono e cansada, com a mão
esticada fazendo carinho em Sophia lentamente e de olhos fechados, queria
poder escondê-las de todos. Para que nada, jamais, alguma coisa acontecesse.
Seu otimismo, alegria e o jeito que enxerga a vida sempre com
esperança. O fato de ela ter renovado por completo toda a beleza do jardim lá
fora e cuidar da minha filha também. Me sinto confuso sobre os meus
sentimentos.
Pego-me questionando se é muito cedo para deixá-la realmente ficar
tão próxima, e eu não estou falando sobre dormir na minha cama.
Cobrindo mais os braços de Nina, acomodo Sophia perto dela, que
pegou no sono, e me deito virado para elas.
Eu queria fugir do seu corpo, do tesão que ela me causa, mas mandei
um foda-se e me entreguei ao prazer. Nunca fodi com tanta vontade como nas
vezes que transamos. Ela me seduz com muita facilidade. Agora preciso fugir
dos pensamentos que surgem na minha mente quando ela sorri para mim do
jeito que está agora.

Hoje faz uma semana que Nina ficou muito doente e com isso fui
obrigado a estar em casa. Dei folga para Marta e Gregori ficou longe da
minha esposa para não pegar o resfriado. Por sorte, Sophia tem uma
imunidade muito boa e não ficou doente, mesmo agarrada a mãe.
Nina foi muito forte e teimosa, achando que iria ficar boa de um dia
para o outro, como toda pessoa jovem tem costume de pensar. Que fica boa
de um resfriado tão rápido quanto o pegou. Tive muito trabalho para colocar
na cabeça dela que o repouso e o remédio eram as duas coisas que a ajudaria
a ficar boa mais rápido.
Agora são quase uma da manhã e chego em casa, subo direto para o
quarto de Sophia e a encontro dormindo sozinha. Nina deve estar no quarto
dela ou no meu. Ela voltou a dormir comigo anteontem quando se sentiu
melhor para dividir a cama.
Indo direto para o meu quarto, abro a porta e logo a fecho rápido.
Mesmo que minha filha não possa andar ainda, de vez em quando
Gregori anda pela casa vigiando os corredores. Não entra nos cômodos, mas
fica por aqui, e minha mulher está pelada no meio da minha cama, sentada de
pernas abertas com uma gravata no pescoço.
— Que é isso. Posso saber?
Sorrindo, ela se levanta e caminha até a mim. Tira o paletó da minha
mão, jogando na poltrona que tem no canto do quarto e começa a abrir os
botões da minha camisa. Estou sem gravata, que de uns tempos para cá não
quero mais usar. Estão falando que é o efeito de Nina e quero ficar mais
jovem. Não sei o que ela tem a ver com isso.
— Isso aqui é o meu jeito de agradecer você por ter cuidado de mim.
— Você quer me agradecer com sexo?
— Na verdade... não só isso — sussurra.
Ela continua tirando minha roupa e eu permito. Ela tira meu coldre,
colocando com cuidado junto com o paletó. Tira minha camisa, o cinto e se
ajoelha na minha frente. Ergo as sobrancelhas e a vejo tirar meus sapatos, as
meias e puxa minha calça. No fim, vai tirar minha cueca, que eu mesmo tiro e
me abaixo para poder pegá-la nos braços. Suas pernas abraçam meus quadris
e os braços meu pescoço. Eu beijo sua boca pintada de vermelho.
Nina estremece com meu beijo e se esfrega em mim. Sinto seu fluido
erótico molhar minha virilha quando a pressiono na parede devorando sua
boca. Me afasto para olhar seus olhos.
— Você quer fazer o quê?
— Me coloca no chão.
Faço o que pede, ela puxa-me para ficar perto da cama e olha dentro
dos meus olhos. Espalma as mãos no meu peito e vai descendo até estar de
joelhos na minha frente.
Eu sei o que ela quer.
Enfio meus dedos nos seus cabelos e puxo de leve fazendo ela gemer e
me enxergar.
— Eu tive uma ideia melhor.
— O quê? — pergunta visivelmente excitada.
— Vou te dar aquilo que te prometi da outra vez.
Dando um sorriso safado, ela levanta e segura meu rosto. Me beijando
com força e eu agarro seu corpo, levo-a para a cama. Passamos um bom
tempo nos beijando, até que giro na cama e fito seus olhos dizendo:
— Gira o corpo e vai chupar meu pau, que eu vou chupar você.
— Seu pedido é uma ordem, marido.
Ela me dá um selinho, vira o corpo e logo agarra meu pau. Fecho os
olhos com força quando abocanha a cabeça do meu pau e chupa apertando
meu comprimento. As mãos descem e apertam minhas bolas.
Passo um bom tempo aproveitando e, quando começo a perder a
cabeça, com a visão dela molhada e aberta na minha cara, dou um beijo e
assopro fazendo-a gemer alto.
Sinto minhas pernas começarem a tremer e Nina a engolir até o fundo,
sinto sua garganta. Eu fecho os olhos, respiro e dou um tapa na sua bunda em
cheio e trago sua boceta para a minha cara. Dou uma lambida e belisco com a
ponta dos dentes a ponta do seu clitóris e começo a chupar na mesma
velocidade que ela dá atenção para o meu pau. Meto dois dedos dela e ela
geme fazendo aquele estremecimento com a garganta. Não demora muito e
sinto que vou gozar. Ela gira a língua na ponta da cabeça.
— Porra.
Aperto os olhos sentindo meu orgasmo e trabalho na sua entrada com a
minha língua, metendo e tirando. Aperto sua bunda e seguro-a quando
começa a gozar e faço o mesmo, não permitindo afastar a boca.
Ainda duro, com um movimento rápido, a tombo para a cama e giro
meu corpo. Abro suas pernas e meto meu pau até o fundo. Nina abre a boca e
arranha minhas costas gritando meu nome.
— Você vai acordar Sophia.
— É... você que... está fazendo eu gritar.
Faço o movimento de sair e entrar mexendo só a pélvis, e murmuro:
— Então, grita baixinho.
Ela abre os olhos e agarra meus pulsos, com minhas mãos ao lado dos
seus ombros.
— Ensina-me a gritar baixinho — ela me provoca.
Abaixo meu corpo e a permito gritar na minha boca enquanto agradeço
seu "agradecimento" fodendo-a até perder o raciocínio.
Quando terminamos, ficamos agarrados no meio da cama e poderíamos
ficar por mais tempo, se Sophia não fosse nos atrapalhar.
Dou um beijo no seu rosto e pergunto:
— Quer tomar banho?
— Só se for de banheira — responde de olhos fechados e manhosa.
— Está bom, mas não podemos demorar. Sophia deve acordar logo.
— Uhum. — Nina sorri e levanta a cabeça do meu peito. — Você anda
com muita energia.
— Deve ser porque tenho uma esposa jovem.
— E eu um marido velho com energia de garotão — debocha.
— Garotão?
— Eu acho que dentro de você na verdade tem dois de vinte.
A abraço e rio.
Não consigo lembrar de um momento que estive relaxado nesse ano.
Quase três meses casados e ela está se tornando magnífica.
Acho que não estou mais com raiva do meu Capo.
E u posso estar sendo iludida, mas sinto que Paolo está começando a
gostar de mim de algum jeito. Ele aprecia a minha companhia,
principalmente na cama, e eu também. Ele gosta de me fazer o rir, e
eu também. Agora estamos na banheira depois de eu ter o plano de agradecer,
porém parece que foi ele quem me agradeceu. Estou muito grata, e inchada.
— Acho que... estou... — Respiro fundo e completo: — Eu gosto de
você.
Paolo me encara por longos e intensos segundos.
— Não deveria.
Franzo a testa sem entender. Ele é meu marido e, por ordem do destino
e da convivência, gostar dele era mais do que o esperado. Muitos homens e
mulheres se casam por obrigação, mas começam a se gostar e talvez até amar.
Por que eu não deveria gostar dele?
— Por quê?
O que mais quero é tirar todo o peso que ele carrega, que está lá
dentro. A luta interna de querer ficar comigo. Ele precisa cuidar da sua filha,
protegê-la e deixá-la feliz. Ele é um homem criado para ficar dentro de um
casco de força e brutalidade. Não é para ser sensível e chorar, sentir saudade
e pesar, mas ele sente e como sente.
— Não sei se estou pronto ainda.
Ele está nos dando uma chance e quero saber até quanto. O que ele
pode me oferecer.
Viro-me de frente para ele e toco seu rosto.
— Não precisa me dar nada, só... se permita.
Ele assente e me beija. Um beijo profundo e desesperado.
Posso nunca ter o seu coração por completo, Mia sempre terá uma
parte dele. No entanto, sei que no fim o que importa é que eu sou dele.
Aprendi a ser dele e mesmo não tendo seu coração por inteiro, eu sei que
tenho algo sim. Que ele me sente.
Vinte

M inha cabeça está como no dia do meu casamento. Porém, dessa


vez é até pior. Não sei o que faço. Ou não faço. O problema é
que não posso chegar e perguntar a Paolo. Tenho medo de ferir
seus sentimentos, mas eu não acho que deveria passar em branco.
Chateada, coloco as luvas em Sophia, porque o tempo está cada vez
mais frio. O inverno chegou, estamos em dezembro e hoje é dia nove, um dia
antes do aniversário da Sophia. Meu bebê vai fazer um ano e estou aqui sem
ter feito nada ainda. E é horrível isso. É o primeiro aniversário dela.
— Que tanto você está pensando aí? — Gregori indaga. Ele já me
conhece muito bem e aprendeu a conviver comigo desde agosto.
— Amanhã é aniversário da Sophia.
— Eu sei — diz neutro.
— Você acha que eu devo fazer alguma coisa?
— Do que vale a minha opinião, você sempre faz o que quer. Mesmo
quando eu mando você ir para a direita, vai para a esquerda. Falo para cima e
você vai para baixo. Mando parar e você continua, então não faz diferença o
que eu penso.
Reviro os olhos.
— Está de ovo virado hoje?
— Não. Não é isso — fala parecendo sem paciência e para na minha
frente.
Estou sentada no balanço de ferro que tem no jardim, que comprei para
Sophia se divertir. É daqueles balanços que as cadeiras uma fica de frente
para outra e nós impulsionamos a movimentar com o pedal.
Sophia está no outro balanço e amarrada com o cinto. Sou neurótica
com ela e tenho medo dela cair. Com suas mãozinhas, ela bate nas pernas
pedindo para continuar balançando.
Gregori fica atrás de Sophia e o balanço bate em suas mãos sempre que
chega perto. Ele fala que é turrão e faz essa cara de mau dentro dessas roupas
pretas e o sobretudo preto, mas faz muitas vontades de Sophia.
E quem melhor do que ele para me responder se eu faço festa de
aniversário para ela amanhã. Gregori é o braço direito de Paolo e o nosso
segurança. E cuidou muito de Sophia quando não tinha mais ninguém, a não
ser Paolo e Marta. Sempre está com nós duas, a não ser um único dia.
— Eu acho que tinha que fazer. — Finalmente fala, o rosto indiferente.
— Está falando isso para me provocar?
— Não, estou falando a verdade, é o primeiro aniversário dela.
— E se Paolo ficar bravo comigo?
— Eu não acredito que vai ficar não.
— Mas será que isso não vai deixá-lo zangado?
— Está perguntando isso pelo fato da Mia estar morta? — Coloca as
mãos nos bolsos e me encara. — Se você ficar nessa, é mais fácil não fazer
mais nada, nem respirar. Tudo que você faz aqui pode ser profano à imagem
dela, mas não é. Ela morreu e você é a nova esposa, é a nova mãe da Sophia.
Você é a mãe da Sophia. — Vem para perto de mim. — Sendo bem rude,
Sophia não teve outra mãe a não ser você. Quinze dias com a Mia nunca vai
estar na lembrança dela. Sua mãe sempre será apenas você.
— Eu sei — murmuro.
— Você não pode viver para o resto da vida com essas dúvidas e
deixando de comemorar todos os dias especiais. Aniversário, Natal e...
— Meu Deus. O Natal! — Boto a mão na cabeça porque em uma das
conversas descontraídas com Madeleine, descobri que seu casamento foi dia
vinte e três de dezembro. Véspera da véspera de Natal.
Não sei se fazer o Natal vai ser bom. No dia vinte e cinco, Paolo estava
enterrando a esposa.
— Nina — Gregori chama minha atenção batendo no balanço com seu
anel, no dedo mindinho. — Preste atenção.
— Estou prestando.
Respiro fundo e o encaro.
— Se você ficar nessa, não vai fazer mais nada. Não vai comemorar
seu casamento, seu aniversário, aniversário do Paolo. Natal, Quatro de Julho.
Todos os tipos de comemoração. De aniversário da Sophia a Páscoa. Dias
que criança gosta.
— Mas o Natal...
— O Natal não pode ser assim. É lamentável a Mia ter morrido, mas já
acabou. Paolo tem que superar e você tem que jogar isso em cima dele. Se ele
casou de novo e para você ser a mãe da Sophia, você tem que fazer o que
acha melhor para a sua filha.
Concordo com um aceno.
— E o que você acha que ela tem que ter amanhã? Me responda.
Responde na sua forma arrogante:
— Eu acho que ela tem que ter uma festinha de aniversário. É o seu um
aninho. Acho que ela tem que passar o Natal com uma árvore enorme na sala
e com vários presentes, com músicas e só não vou fazer o Papai Noel porque
acho exagero. Mas eu quero que ela curta esse dia até o momento que não
acreditar mais no bom velhinho.
— Então?
— Eu vou fazer.
— Mas vai falar com Paolo.
Fecho a cara para ele.
— Por que você faz isso?! — digo zangada com ele. Desamarro
Sophia do balanço e saímos dele. Vou para a frente dele. — Você acabou de
me dar um conselho e manda eu pedir para o meu marido.
— Pedir o quê para mim?
— Ai, que susto! — Coloco a mão no coração e viro-me para Paolo.
Ele deve ter uma ligação astral com universo. Sempre chega nos piores
momentos.
— Gregori — giro para o meu segurança —, me dê licença e, por
favor, leve a Sophia para dentro.
Sem uma palavra, ele pega Sophia e leva para dentro. Acompanho seus
passos e fico de frente para o meu marido, que se aproxima de mim enfiando
suas mãos nos bolsos do sobretudo. Ele me fita intensamente. Ajeito a minha
touca e me abraço com frio. Meu casaco não esquenta muito.
— O que você tem para falar comigo?
— Amanhã é aniversário da Sophia.
Ele continua neutro mesmo ouvindo isso e eu deveria parar, porém
continuo:
— Eu quero fazer uma festa de aniversário para ela. Um bolo, enfeitar
a casa e convidar a Madeleine, Travis e Marinne, já que ela gosta da Sophia.
Gregori vai vir de qualquer forma e não sei mais quem. Seus pais...
— Eles não virão — me conta.
— Por que não? São os avós dela.
— Meus pais são frios.
— Você também e mesmo assim...
— Deixa pra lá, Nina.
— Eles não gostam da Sophia? — Sinto muita raiva só de pensar.
— Esquece isso.
— A gente pode tentar convidar eles, meus pais. Vai ser uma coisa
simples.
— Tudo bem — responde tranquilo.
— E está tudo bem para você?
— Está perguntando isso por causa da Mia?
— Não sei se você ficaria chateado.
— Eu não fico triste.
— Mas você fica puto e eu não quero que você fique assim comigo.
— Eu não vou ficar. Não estou e você pediu, não com essas palavras,
para eu esquecer a Mia, mas você lembra mais dela do que eu.
— E-Eu...
— Escuta, essa não é a questão. — Segura minhas mãos. — Se você
morresse e deixasse sua filha e ela ganhasse uma mãe tão legal e que a
amasse tanto quanto você ama a Sophia, ia querer que ela vivesse no
passado? Que não fizesse nada pela filha dela? Acho que a Mia não gostaria
que você não fizesse nada pela Sophia.
— Acho que não. Acho que ela gostaria que eu fizesse, porque eu
também esperaria isso de uma mãe dos meus filhos. — Sinto-me emocionada
em falar sobre isso.
— A resposta está dada.
— Eu só não quero magoar você.
— Não vou ficar. — Coloca as mãos em meu rosto e me beija de leve.
— Não fica se importando comigo. Faça o que você quiser. O que achar
melhor. Você já está fazendo tudo muito bem até aqui, não vai ser uma festa
que estragará.
— E o Natal?
Paolo engole em seco e fecha os olhos por breves segundos. Quando os
abre, estão cheios de emoção e agradecimento também.
— Ela vai fazer um ano de morta e nós iremos comemorar o Natal com
a nossa filha. Vamos enfeitar a casa toda. — Faz uma pausa e parece lembrar-
se de algo. — Mia adorava o Natal. Eu quebrei tudo quando cheguei em casa
depois do velório, porque não vim para casa no dia que ela morreu. Passei
dois dias para cima e para baixo.
Imagino como deve ter sido horrível.
— Se ela estivesse viva, Sophia ia ver luzes de Natal pela casa toda.
Papai Noel, guirlanda, árvore de Natal e muitos enfeites, tudo que tem a ver
com o Natal. Música, ela realmente adorava cantá-las.
Limpo meus olhos imaginando ela grávida sonhando com a filha
brincando com os presentes debaixo da árvore de Natal.
— Se você quiser fazer, vai ter que comprar tudo novo. Quebrei tudo
mesmo.
É incontrolável e choro. Paolo limpa meus olhos.
— É muito bonito esse sentimento que você tem da memória dela sem
tê-la conhecido. Eu fico agradecido — assente, afirmando suas palavras. —
Qualquer outra em seu lugar, teria muita raiva.
— Eu não tenho. — Engulo o soluço. — Lamento de verdade sua
morte, mesmo que tenha me dado a Sophia e você.
Seus olhos ficam negros e ele me beija profundamente como se eu
fosse sumir. Fosse seu balão de oxigênio e estivesse precisando respirar.
Quando afasta o rosto e fita meus olhos, diz:
— Pode fazer o Natal que você quiser. Fique à vontade. Essa casa é
sua. Essa filha é sua e... esse marido aqui é seu.
— Nós podemos mandar rezar uma missa para ela. Qualquer coisa
assim.
Ele me agradece me abraçando. E eu agradeço a Deus por me permitir
ter essa família.

D ia dez de dezembro foi um dos dias mais felizes da minha vida,


embora assustadores. Eu vi Mia sofrer com as dores do parto, suas
lágrimas do sofrimento pelas contrações e depois lágrimas de
alegria quando escutou o primeiro choro de Sophia. O medo dela ir para o
hospital. O parto improvisado em casa, morrendo de medo que desse alguma
merda, mas fomos sortudos naquele momento.
Realmente, eu pensei que tinha uma vida perfeita. Tinha controle sobre
tudo.
Estava feliz e realizado, e mesmo meu pai odiando e não ter aceitado
Mia nunca ter me dado um filho depois de anos casados; e, quando
aconteceu, foi uma menina. meu pai não aceitou. Tinha repulsa por Mia
engravidar de uma menina.
Ele não consegue aceitar até hoje e, por mais que Nina tenha feito tudo
com tanto carinho, em tempo de não dar nada certo, pois esperou a minha
permissão para começar a fazer a festinha para Sophia, hoje está tudo lindo, e
meus pais não virão.
Nós vamos ter um dia bom e feliz com nossos amigos, menos nossos
pais. Rocco Gatti e esposa não virão porque para eles a honra é só quando ela
tiver um filho homem, que vai levar o meu sobrenome, o título de
Consigliere e Sophia não é filha biológica dela.
Eu não quero matar meu pai, que é uma das maiores traições. Matar a
família. Então é bom que ele não venha e se for para ficar de cara feia, que
não venha assim como os pais de Nina.
Eu não gosto deles por perto. Não fede e nem cheira a presença, mas
minha esposa ficou triste porque eles não vão vir. Sempre tratando a filha
cruelmente como se ela fosse um soldado e merecesse a tortura deles. A mãe
dela disse:
“Sophia não é sua filha. Não acho que devo me importar e nem você.
Guarde o entusiasmo para os seus filhos de verdade.”
Cheguei no exato momento em que saiu essa frase maldita da boca
daquela filha da puta, que fez minha esposa chorar que nem criança. Eu tirei
o telefone da sua mão e desliguei sem falar nada. Existe um alto risco de eu
matar os pais dela e os meus, então que eles não venham.
O que importa é quem se importa conosco. Enzo e Bárbara já
chegaram, com um presente enorme. Percebo como ele fica distante da garota
o tempo todo, enquanto ela quase se atira em cima dele.
É outro que está merecendo umas porradas, mas não vai ser eu que vou
dar. Não consigo apenas castigar. Eu vou matar ele e ficaremos sem capitão
de novo.
Agora só falta, Madeleine, Marinne, Dario e Travis. Só acredito vendo
Dario na minha casa. Ele está recluso depois de tudo que passou nas mãos da
Bratva. Travis não falou ou fez nada, mesmo preocupado. Disse que deixará
o tempo abrir sua boca.
A família Lozartan vem com todo cuidado e preocupação. O engraçado
foi Nina ter o disparate de perguntar se trariam Dante. Só balancei a cabeça
pedindo para ela calar a boca.
É óbvio que não. Travis não arriscaria trazer o filho para fora do casulo
de casa. A segurança é tanta que Luca, o Cinistro do Capo, o Executor mais
cruel, que ficou tomando conta de Dante. Ninguém mais mortal do que Luca
para cuidar do filho do chefe.
Dando um olhar de aviso para Gregori, subo para o quarto de Sophia,
para ver se Nina já terminou de aprontar ela.
Com a festa temática de Frozen, porque minha jovem esposa
simplesmente pensou: “Estamos no inverno, que tema mais apropriado do
que Frozen?”, E mesmo que eu odeie a musiquinha desse desenho, ficou
bonita a arrumação da casa.
Está tudo azul e como se tivesse neve para todos os cantos. Ela
colocou algodão, neves temáticas de papel e jogou purpurina. Está cheio de
bichinhos da Frozen. Não sei se tudo vai para o quarto de Sophia depois ou é
lembrança da festa.
Eu deixei o cartão preto, sem limites, com ela e nunca mais vi. Eu não
me importo. Ela se diverte e compra muitas coisas para Sophia.
Bato na porta para chamar sua atenção e ela vira-se para mim. Sophia
está nos seus braços. As duas estão de azul, com um vestido com brilho e as
mangas parecem de algodão. Os cabelos em uma trança de lado e Nina cortou
um pouco sua franja para ficar igualzinho a boneca do desenho. Elsa, colada
na porta de casa com dois metros.
Ela é muito especial e o medo que eu tive dela ser tão infantil para
cuidar da minha filha, não existe mais. Ela é perfeita.
— Por que que você não está vestido de Olaf?
— Quem é Olaf?
— É um boneco de neve, não é? — Dá atenção a Sophia.
— Olaf! — Minha filha solta o nome engraçado perfeitamente.
— Ela acabou de falar o nome do boneco direito?
Nina dá de ombros.
— As crianças tem a tendência de aprender as coisas que não presta,
mais rápido do que mamãe e papai.
— Mama! Papa! — Só para contrariar, Sophia repete do seu jeito.
Nina dá um beijo no seu rosto e vem até a mim. O contraste da minha
roupa, calça social preta e suéter cinza escuro. Nina que escolheu e eu deixei.
É gritante quando ficam perto de mim.
— Pega ela, por favor. Está muito pesada.
— Você podia comer mais um pouco e assim ficaria forte para pegar
ela.
— Isso tudo é para não pegar ela no colo? — Ela cerra os olhos para
mim e mexe no vestido de Sophia.
— Estou recriminando que você está muito magra.
— Mas eu como. Você é terrível.
Não falo mais nada e ela me ignora. É provocação velada.
Nós dois saímos do quarto, com Sophia animada. Parece que sabe que
é o seu aniversário. Quando chegamos na sala de estar, damos de cara com
Marinne e Madeleine e o embrulho de presente gigante. Madeleine joga para
Travis, que segura e vem pegar a Sophia do meu colo.
— Meu Deus! Ela está tão linda de Elsa — diz toda feliz. — Eu não
estou linda, madrinha? — Madeleine brinca com Sophia, mexendo nos seus
pés e Marinne chega e toca as mãos da minha filha.
— Está muito bonita essa menina.
Vejo Nina rindo e a encaro. Minha casa tem sorrisos. Tem gargalhadas
de novo, tudo graças a ela. Fico do seu lado e entrelaço nossos braços. Ela
ergue o rosto para mim e sorri.
— Obrigada.
— É você que tem que agradecer?
— Se você soubesse quantas vezes quis algo e não tive. — Sua
expressão está consternada. — Você me deu direito de falar e optar. Me deu
uma filha linda e respeito. É claro que preciso agradecer.
Cubro sua mão com a minha sobre meu braço. Não há necessidade de
falar mais nada.
Não consigo sair do seu lado a festa toda. Parece que nós dois tivemos
motivos para casar muito maiores do que aliança de sangue. Arranjado ou
não, temos um casamento de verdade agora. Eu lhe dei a primeira regra para
uma casa se manter de pé: respeito; e ela deu a segunda: confiança. Nós
vamos ficar bem.
Vinte & Um

P aolo me deu carta branca e fiz tudo que tive vontade para hoje. Hoje
é véspera de Natal e nossa casa está pronta para receber o Papai
Noel para Sophia. O dia de lamentar e de luto, foi há um ano. Cada
dia que passa vou me convencendo de que Mia precisa estar morta. Precisa
estar num cantinho dessa casa sem influenciar em nosso casamento e na
criança de Sophia.
E eu decidi que Mia será as flores nessa estufa, que eu agora rego.
Infelizmente, pela estação fria não estão muito bonitas. Estou fazendo o meu
melhor.
O que importa é isso. Que eu faça o meu melhor.
Desde que aceitei o casamento, desde que disse sim para Paolo no
altar, eu prometi dar o meu melhor. Dar tudo que eu poderia ter de bom e eu
faço. Inclusive para ela.
Paolo não sabe, ontem quando eu vim regar a estufa mexi em alguns
vasos que estavam no canto mais escondido. Tinha terra neles e nada
brotando ali. Eu, sempre curiosa, resolvi tirar a terra deles e colocar nos vasos
que tem flores. Mexendo neles, encontrei uma carta.
Eu não sei como, me pergunto até agora, como ela sabia que ia morrer,
que ia acontecer alguma coisa com ela porque na sua carta ela diz coisas
como se soubesse que não estaria aqui para Sophia e nem para Paolo.
Tenho o costume de rezar porque acredito em Deus, mesmo no mundo
obscuro da máfia. O fato da violência existir não quer dizer que Deus não
existe. Eu acredito mesmo num mundo obscuro. Deus não deixa de estar
nunca. Ele não está ausente, tudo tem a permissão d’Ele.
É difícil manter a fé quando sabemos de mulheres torturadas, de
homens que estupram crianças, que vendem órgãos, que trocam suas filhas
por drogas, que matam seus pais, que fazem tudo por dinheiro. Que a
ganância é tão poderosa.
Obviamente perguntamos como Deus permite. Bem, a presença de
Deus não significa que só teremos bênçãos. Andar com Ele não significa que
nada irá nos acontecer. Talvez seja o contrário. A fé fica mais forte quando
nós mais precisamos. Deus fica mais forte quando nós estamos passando pelo
fogo, quando estamos sendo torturados, estamos sofrendo.
Por mais que eu tenha ficada zangada em descobrir minha semelhança
com Mia da pior forma, depois que li sua carta e rezei, sentei-me na estufa e
encarei todas as flores nos vasos e a aliança em minha mão.
Será que não foi obra de Deus me colocar na vida de Paolo? Talvez
não por ele, mas por Sophia. Talvez não por ele, por mim mesma.
Se não fosse Paolo, eu nunca saberia o que é ter voz, fazer o que eu
quero, realizar minhas vontades. Ele pode ser um monstro fora de casa,
temido por todos. Ele pode não me amar, talvez nunca e já assumiu isso.
Mesmo assim, essas coisas não me impedem de amá-lo. Amar o que ele faz
por mim, amar o jeito que ele cuida da filha dele.
Será que nós não somos realmente obra do destino?
Ele se casar com uma mulher parecidíssima com a sua esposa falecida.
E novamente, não sou idêntica a ela, mas meus traços, meus gostos, é claro
que é assustador. Não pode ser por acaso. Nosso mundo é apavorante, mas
pode acontecer milagres e, por sorte, eu tenho um marido que não me bate.
Tenho um marido que não maltrata a filha, que a trata com carinho e com
honra, dignidade. Não menospreza porque nasceu menina como tantos
Madman fazem.
Não tem como negar, tive a sorte de ficar no lugar de uma pessoa tão
espirituosa que deixou uma carta. Não entendi direito algumas partes, mas
guardei as importantes na cabeça.

Quero que cuide da minha filha. Sophia precisa de atenção e uma mãe
generosa e firme. Entenda que o silêncio de Paolo quer dizer muito. Trate
bem minhas flores.

Irei continuar a cuidar de tudo feliz e cheia de vida.


— Não está com frio? — Escuto a voz dele.
Suspiro sentindo sua presença mesmo de longe. Abrindo um sorriso,
viro-me para ele.
— Estou de casaco.
— Mas está mexendo em água. Não está com frio?
— Não estou não.
— Está bom.
Ele fica do lado de fora, com as mãos dentro dos bolsos. Soltando o
regador, pego o paninho e seco minha mão. Caminho até ele e olho seus pés
no limite dos pisos e do gramado. Me mantenho dentro da estufa e olho-o
desconfiada.
— Você não entra aqui nunca?
Ele balança a cabeça que não.
— Eu acho que existe limites, Nina, e não tem nada a ver sobre sentir
saudade dela. Não é mais sobre isso.
— Você quer impor um limite para si mesmo sobre ela?
— Você disse que esse lugar sempre vai ser dela. — Faz uma pausa.
— Eu não quero ficar mais perto. Eu tenho uma nova vida com você... e a
Sophia, e é isso que me basta. Não merecia tanto depois de ser responsável,
de alguma forma, pela morte dela.
— Não foi você que matou ela. Por que fala isso?
Desvia os olhos e, depois de um tempo, responde baixo:
— Ela podia ter ficado em casa. Nem sempre as esposas precisam
acompanhar os homens. Eu insisti que ela fosse e não consegui tirar isso da
cabeça dela. — Olha para mim. — O que você tem de curiosa, Mia tinha de
teimosia. E ela foi e eu fiquei em adrenalina naquele momento. Quando os
filhos da puta russos chegaram e começaram a atirar em todo mundo, eu não
me toquei e, se a minha filha não estivesse com meus pais, eu teria perdido as
duas. E não teria mais motivo para viver.
— Você estava ocupado. Não foi sua culpa e aposto que ela ficou com
raiva.
Depois da sua carta, eu tenho certeza de que ela não ficou, ou tem
raiva, dele.
— Acredita mesmo que existe o céu e o inferno? — ele pergunta como
se eu pudesse dar essa resposta. E espera que eu dê.
— Eu não sei, porém a gente não pode ignorar o fato da coincidência,
do acaso, do destino de ter feito você se casar comigo. Sou tão parecida com
ela.
Ele toca meu rosto com reverência.
— Realmente não me importo com isso. Não aprendi a gostar de você
e a conviver com você porque lembra a Mia. Não se diminua a esse ponto. Se
dê valor. Sei que seus pais não fizeram, mas eu dou e você precisa fazer o
mesmo.
Sorrio profundamente com suas palavras.
— Por isso que eu gosto de você e vou continuar gostando, mesmo que
você não queira. O fato de você criar a Sophia do jeito que faz não tem preço,
Paolo. Você dá para ela todo seu amor e respeito. E não existe coisa mais
importante no mundo do que o respeito. Não precisa amar, o respeito é mais
forte. Você me deu respeito e eu... — pauso sem coragem de dizer que o
amo. — Eu agradeço.
Aperto sua mão, ele olha para a minha mão e diz:
— Que mãos frias. — Ergue o rosto. — Você não está com frio
mesmo?
Ele quer fugir, mudar de assunto e por mim tudo bem.
— Vem, vamos entrar.
— Eu... só vou terminar de molhar uma plantinha ali e já vou.
— Está bom. Eu vou começar a cortar o peru para almoçarmos e você
era para estar lá dentro. Hoje é Natal.
Assinto e espero ele se afastar. Me encosto no batente da porta,
olhando o jardim de dentro da estufa.
— Foi fácil, não é?! Você se apaixonar por ele. E pode deixar que eu
vou cuidar para sempre dele e da Sophia.
Vinte & Dois

S ophia anda muito dengosa desde o seu aniversário e pede colo com
mais frequência que o normal. O problema é que não é o meu colo.
Ela quer o colo de Nina, que está demorando muito.
— Sua mãe está se vestindo. Para de chorar.
Tento acalentar Sophia para ela parar. Como ela vai conosco, se não
para de chorar? Que merda! Vamos à festa de Natal na casa de Travis, que
Madeleine organizou. Ela não me convidou formalmente porque me respeita
demais e pensa que estou sofrendo hoje. Honestamente, não. Mesmo vendo
Nina dentro da estufa, o que senti foi incômodo.
Não quero que ela abandone, ela gosta do lugar. No entanto, depois
que ela afirmou que lá seria onde Mia ficaria em nossas vidas, eu não quero
mais chegar perto. Depois de matar Niklo e me permitir realmente viver com
Nina, quero Mia onde deve estar. Nas memórias do passado.
Eu preciso me concentrar em Nina. É nela que preciso pensar, desejar e
amar. Não sei como aconteceu, mas eu me apaixonei pela minha jovem
esposa. Com seu jeito falante e esforçado, ela me conquistou.
— Por que não para de chorar, querida? — Coloco a mão na testinha
de Sophia para ver se ela não está ficando doente. — Está normal.
Não entendo por que que ela está chorando.
— Você não está ficando doente, querida. O que que houve?
Ela faz uma careta de choro e deita a cabecinha no meu peito. Eu afago
suas costas. Acho que ela não vai sujar minha roupa. Nina que escolheu o
terno preto, camisa de linho branca e a gravata champanhe.
Estou tentando consolar Sophia quando vejo Nina descendo as escadas.
Engulo em seco porque ela está linda. Me aproximo depois que me levanto
do sofá e ajeito Sophia no colo.
Nina está usando um vestido champanhe, igual a minha gravata, com
as alças finas com brilho. Os cabelos loiros e compridos estão soltos em
ondas e sua maquiagem é leve, mas sofisticada. Eu nunca a forcei a vestir
nada e não me incomodo mais com seu jeito jovial. Na verdade, nossa
diferença de idade passa despercebida agora.
Porém, hoje com essa roupa, ela parece uma esposa ideal para mim.
Uma mulher de uns vinte e cinco. Ainda jovem.
Ela abre um sorrisinho e para nos pés da escada. Parece mais madura,
mais mulher e mais bonita. Dizem que a minha convivência com ela fez eu
rejuvenescer. As roupas e o humor. Acho que ela amadureceu.
— Está me olhando assim por quê?
Vou mais para perto vendo-a de cima a baixo. Ela coloca a mão na
cintura e tomba o rosto para o lado, desconfiada.
— O quê?
— Porque você está linda. Não pode olhar?
Ela dá uma gargalhada.
— É claro que pode — responde e, de repente, fica séria. — O que que
houve com a Sophia?
— Ela não para de chorar.
A preocupação cruza seu rosto e ela acaba de descer as escadas. Não
tem mais provocação.
— Será que ela está ficando doente? — Toca nas costas da filha.
— Acredito que não, mas não tenho certeza.
— Me dá ela aqui.
Eu entrego nossa filha e ela imediatamente para de chorar. Abro a boca
indignado. Eu tenho um exército de homens cruéis que se curvam para mim e
minha filha não.
— Encontramos o remédio para a Sophia — resmungo.
— Mamãe.
Nina beija sua cabeça e a aconchega nos braços.
— Tudo bem, meu amor. A mamãe vai junto e a Sophia também.
Por algum motivo não me sinto bem vendo Sophia chorar desse jeito e
se agarrar a Nina. Se eu tivesse ouvido todas as vezes que meu instinto
acendeu um alerta de perigo como um alarme, e ficado em casa.
E então eu não teria ela. Não teria essa mulher maravilhosa cuidando
da minha filha.
Essa é minha esposa. Meu presente.
— A gente pode ficar em casa? — dou a ideia. — Ou você quer muito
ir?
Nina desvia sua atenção de Sophia e olha para mim.
— Você não quer ir à festa?
— Quero ficar em casa com vocês. — Dou um passo e coloco a mecha
do seu cabelo para trás. — Eu prefiro ficar em casa na lareira, tomar um
whisky e ver você dançando com a Sophia. Talvez assistir um filme de Natal,
qualquer coisa.
Ela tomba a cabeça para o lado, pensativa e assente com um grande
sorriso.
— Eu ia falar isso, mas fiquei sem jeito. — Sacode os ombros. —
Estava terminando de me arrumar agora e pensei que queria ficar em casa.
— Podia ter falado.
— É a festa do Capo. A gente não deveria ir?
— Eu sou o Consigliere dele, não sua sombra. Eu posso não ir em
alguns lugares e eventos. E hoje eu quero ficar em casa com a minha família.
Ela dá um sorrisinho e concorda de novo.
— Então, vamos.
— Ainda bem que sobrou comida.
— É claro que sobrou comida, Nina. Você fez um banquete para nós
três e era só para almoçar. Você é muito exagerada.
— Mas o Papai Noel vai chegar. — Ela olha para Sophia. — Não é,
filha? Ele não vai chegar e encher sua pança de peru e panetone?!
Sophia solta uma gargalhada, com o humor recuperado. Era a Nina que
ela queria.
Minha esposa passa por mim e anda até a sala de estar, onde montou
uma árvore gigante de Natal com muitas luzes. Tem uma guirlanda na nossa
porta e várias luzes do lado de fora, mas ela não exagerou muito. Talvez ela
goste do Natal, porém não tanto quanto Mia gostava. Ela botava guirlanda em
todas as portas da casa, tantas luzes de Natal que eu ficava preocupado de
pagar multa por ofuscar o quarteirão.
Chegando na sala vejo que ela colocou Sophia perto da árvore e
entregou o urso. O famoso urso de Madeleine.
— Eu acho que nunca vou superar esse ursinho. Nenhum brinquedo a
faz soltar ele — Nina comenta tirando os sapatos, deixando-os no canto para
Sophia não pegar e vem para mim.
Eu seguro o seu rosto, beijo sua boca.
— Vamos dançar?
— Quer dançar? — Um sorriso surge no seu rosto. — Mas não tem
música.
— Eu coloco a música. Não seja por isso.
Me afasto e vou até o aparelho de som. Escolho uma música diferente,
uma de 1993 – Crep. E volto dançando para ela, que me espera no lugar.
— Você bebeu hoje? — Põe as mãos na cintura.
— Só porque estou dançando?
— Não — ela responde rindo.
Pego suas mãos, faço-a dar um giro para fora da sala, indo para o hall.
Então abraço o seu corpo e dançamos no ritmo da música.
— Essa música foi feita quando você nasceu?
Rio e aperto sua bunda, provocando-a.
— Com certeza não foi quando você nasceu, espertinha.
Ela abraça minha cintura e deita a cabeça no meu peito. Vamos para lá
e para cá. Nós dois olhamos para Sophia, que levanta as mãozinhas quando
chega no refrão.
— Olha! Ela gosta de música velha.
— E a mãe dela de homem.
Nina joga a cabeça para trás, rindo. A risada dela me deixa feliz.
O que eu faria se perdesse de novo?
Eu não posso ser hipócrita e dizer que nunca senti o que sinto com ela.
Esses dias mágicos. Claro que tem a novidade da sua idade, que a torna
confiante e esperançosa, e tem o acréscimo de Sophia. Tudo é novo para
mim, mesmo assim eu já estive aqui e nunca mereci. Eu destruir da outra vez.
Deus tirou de mim, ou o diabo. E tenho medo de perder de novo.
Fecho os olhos e encosto meu nariz nos seus cabelos, não querendo
pensar nisso. Escuto Nina cantar a outra parte do refrão e se afastar de mim.
Giro-a erguendo meu braço de novo e quando a vejo sorrindo desse jeito é
demais para mim.
Ela me fez esquecer de sentir raiva.
Ela me fez esquecer meu maior arrependimento.
Abraço seu corpo dançando e tento relaxar.
Ela está aqui. Sempre estará. Nina.

P aolo beija minha testa devagarinho e se afasta. Para a música e se


vira para mim. Estico minhas mãos, que ele pega e, apertando de
leve, me puxa para ele. Vamos nos sentar no sofá perto de uma
Sophia dormindo no chão. Dançamos tanto, que perdemos o limite do tempo.
Ao seu lado, me aconchego nele, que deixa o braço para eu me
encaixar e deito minha cabeça no seu peito. Fecho os olhos quando começa a
acariciar minhas pernas.
— Você é feliz? — ele pergunta, com a voz distante.
Afasto-me e franzo a testa.
— Que pergunta é essa?
— Responde.
— Sou sim — digo assentindo repetidas vezes. — Por quê? Você é
feliz?
— Sou — quase não o escuto.
Sorrio de leve e pego sua mão. Ele está usando o relógio que dei a ele.
— Eu perdi a minha primeira esposa — ele murmura e eu o fito —,
sem realmente dizer o quanto eu a amava.
Eu não quero isso. Sinto meu coração se apertar. Será que está
lembrando dela. Ele a enterrou um ano atrás.
— Eu nunca disse para ela — continua —, posso ter demonstrado.
Cuidando, protegendo-a, afinal de contas. — Ele faz uma pausa.
Posso perceber que ele está lembrando os momentos ou do momento.
O único momento que importa.
— Quando ela morreu, me disse que sabia que eu sempre a amei. — O
que fala agora me parte ao meio. — Eu não queria me casar de novo, mas
estava cansado e me sentindo como um caminhão. Como se carregasse uma
carga muito grande e meus pneus não aguentassem mais.
Assinto e faço carinho nos seus cabelos grisalhos, que aprendi a amar.
E ele olha para mim intensamente.
— Eu não quero isso de novo, Nina.
— Não... quer o quê?
— Não quero viver me enganando. Mentindo para quem eu não devo.
— O que você quer dizer?
— Eu nunca disse para a Mia abertamente “eu te amo”. Que eu me
preocupava demais em morrer e deixá-la. Porque o nosso normal são os
maridos serem mortos primeiro.
Engulo com força.
— Que eu não ligava dela ter demorado tanto para gerar um filho
nosso.
Ele pega minha mão de casada e mexe na aliança, girando-a.
— Escuta, eu não quero isso de novo.
— Tudo bem — falo baixinho ainda sem compreender.
E ele me agarra de surpresa nos seus braços, deitando-me sobre suas
pernas e segura meu rosto com as duas mãos. Ficamos cara a cara.
— Viu, você está que nem ela. Ela não sabia da verdade.
— Então me diz — sussurro, quase sem voz de nervoso — o que é que
você quer falar.
Meus olhos ficam quentes.
— Eu quero dizer... — Afaga meu rosto com o indicador. — Eu quero
dizer que eu te amo.
Meus lábios se abrem, os olhos enchem d’água e minha respiração fica
suspensa.
— Eu me apaixonei por você. Por esse seu jeito engraçado, doce,
aventureiro e cuidadoso. — Limpa meus olhos. — Eu não sei como você era
antes. Como era sua vida. Você deixa escapar de vez em quando como era
tratada pelos seus pais e... eu... — cerra o maxilar com raiva — tenho
vontade de meter a bala na cabeça do seu pai e da sua mãe por todas as vezes
que trataram você mal.
— Não precisa. — Balanço a cabeça e toco seu peito. — As pessoas
ruins de coração recebem tudo o que elas fazem em algum momento na vida.
A vingança não é realmente necessária, porque as pessoas vão ter sempre
aquilo que fazem. Elas colhem o que plantam.
— Então é por isso que você vai receber meu amor. — Sua voz me
deixa quente. — Vai receber a minha dedicação, meu carinho e proteção. Eu
sempre vou tentar fazer de tudo para que você seja feliz. Eu vou ser um
pouco obcecado com a sua segurança... porque eu não posso perder você.
Não posso ficar sozinho de novo.
— E você não vai. — Passo a mão no seu rosto. — Eu acho que Mia
que mandou para mim, de algum jeito.
Ele limpa meus olhos e nega com a cabeça.
— Não seria ao contrário? Ela mandando alguém bondoso para ficar
comigo, mesmo eu não merecendo. Eu tenho um anjo para eu cuidar.
— Para cuidar de você também. — Beijo rápido a sua boca. — Eu sei
que todos nós somos condenados e, mesmo assim, eu amo você também e
quero cuidar de você de alguma forma. Eu sinto uma grande necessidade.
— Eu agradeço e pare de chorar.
Fungo, rindo e limpo meus olhos.
— Sabe, eu nem a conheci, mas queria muito... muito ter conhecido.
Ela parecia ser tão boa e generosa.
Ele não se altera quando fala:
— O padre disse que pessoas como ela têm lugares no céu. Eu espero
de verdade que sim, mesmo que eu nunca mais vá vê-la e mesmo que quando
eu morrer, e chegar a sua hora também. Nunca mais vou te ver.
— Talvez eu consiga passe livre e posso ir te visitar.
— Você precisa dizer alguma coisa que é a cara dela?
Rio e o abraço bem forte.
— Eu te amo, Paolo. Assustador ou não. Velho ou não. Viúvo e pai
solteiro ou não. Te amo muito.
— E você falando demais ou não. — Afasta minha cabeça, me beija e
completa: — Eu te amo, Nina Dal Moli.
Epílogo

C uidar de Sophia foi muito fácil, levando em consideração o que


passo agora. Não pensei que estar grávida fosse tão cansativo e eu
fosse ficar faminta. Agora estou deitada enquanto a mão de Paolo
acaricia minha barriga e Sophia, acordada a meu lado, brinca com o cachorro
de pelúcia. Viro o rosto e fito a expressão do meu marido, que não está
tranquila. Então coloca minha mão na sua bochecha, para chamar sua
atenção.
— Qual o problema?
— Nenhum.
— Você não parece tranquilo.
— Apenas preocupado com o bebê. Não é nada. É bobagem.
— Conta essa bobagem para mim.
Ele solta uma risada que ficou tão comum entre nós. Paolo ri muitas
vezes perto de mim e da filha. Fora de casa, é o mesmo. E depois dos MCs
aparecerem na nossa porta no mês passado, ele ficou muito nervoso. Ouvir
sua risada agora é bem-vindo.
— Será que Sophia vai se dar bem...
— Com ele? — completo seus pensamentos. — Eu acredito que sim.
Ela se dá bem com todo mundo.
— É verdade.
E ele continua sério, então eu insisto.
— Me fala o que que é logo, Paolo.
— Você ficou linda grávida.
— Fiquei linda e cansada.
— Eu estou feliz.
— Isso é bom. Então por que esta cara?
— A última vez que estive feliz assim...
Coloco a mão na sua boca.
— Por favor, não fique me agourando e para com que esses
pensamentos.
— Hum... — Faz, a expressão voltando a ficar tranquilo.
Viro e abraço seu pescoço.
— Eu sei que é difícil, mas é diferente agora e eu vou ficar bem.
— Não posso te perder.
Ele anda nervoso demais com os problemas da Lawless. Eu fico
tentando aliviar o clima, porém está complicado, então deixo-o falar para
tentar esvaziar sua mente.
— Você não vai. Nunca. Vai viver até cento e dezessete anos.
— Eu vou fazer muito esforço para isso, porque quero viver muitos
anos com você.
Rio e beijo sua boca.
Isso é uma promessa de verdade. Paolo está se cuidando mais, parou de
fumar e está evitando fazer extravagância com sua vida e se tornou mais
perigoso. Não gosto do que escuto sobre ele, às vezes. Mas se isso garante ele
chegar em casa, finjo não me incomodar.
São dois anos juntos e eu me sinto mais feliz, mais amada e sortuda.
Eu tenho um homem incrível e não poderia ter nada melhor na vida do que
essa família. Vamos ter um bebê para completá-la. Sophia está ansiosa para
ser a irmã mais velha.
Nesses anos, nossas diferenças foram sumindo cada vez mais. Nos
encaixamos como peças de quebra-cabeça. Sophia é uma filha maravilhosa e
Paolo não pode ficar mais bonito. É como vinho. Quanto mais velho fica,
melhor.
Aposto que não encontraria um marido tão bom quanto ele é para mim.
Sou apaixonada por ele. E se Mia não tivesse morrido, eu não teria a minha
família. Eu lamento com um gostinho de agradecimento. Assim como
agradeço Travis, que descobri que insistiu para Paolo se casar, meu pai que
aceitou na hora e meu antigo noivo. O destino se encarregou de me dar algo
muito melhor.
Mesmo sendo um casamento arranjado, você pode ser feliz. Tem que
fazer valer a pena. E na máfia. Valer a cada dia, nunca se sabe.
C hego em casa colocando a caixa de presente na sala. Hoje Sophia
completa quatro anos. Subo para o seu quarto e me deparo com ela
sentada na poltrona com o irmão nos braços. Tiro uma foto. Eu
aprendi a dar valor às pequenas coisas, que se tornam memoráveis. Preciso
registrar todo momento com a minha família. Sinto uma mão nas minhas
costas e me viro para ver minha esposa. Seguro seu rosto e dou um beijo na
sua boca.
— Chegou cedo — Nina comenta.
— Hoje é aniversário da Sophia. Claro que cheguei cedo.
— Está bem, vou pegar Dimmi dos braços dela antes que ela veja
você. Espera um pouquinho.
Nosso filho tem um aninho e é como uma vez Nina pensou: que nossos
filhos seriam idênticos a Sophia. Ninguém nunca poderá pensar diferente
sobre eles serem irmãos da mesma mãe. Ele nasceu num hospital e foi
tranquilo. Foi bom uma experiência diferente. Me esforço muito para fazer
tudo realmente novo.
Com cuidado, Nina pega nosso filho do colo da nossa filha e eu entro
no quarto; e, claro, Sophia me vê e pula do sofá correndo.
— Papai! — Sophia exclama correndo até a mim.
Eu a pego e a suspendo no ar.
— Feliz aniversário, minha princesa.
— Cadê o presente?
— Sophia! — Nina ralha com ela e eu a deixo de volta no chão.
Nina teve uma mãe muito rígida, mas na questão da educação dos
nossos filhos é rigorosa e brincalhona. Está sempre disposta a fazer nossos
filhos rirem e ficarem animados. Ela é incrível.
— Está lá embaixo. Vamos lá ver?
— Vamos.
Esperando Nina com Dimmi, nós descemos até a sala de estar e Sophia
logo acha o embrulho e destrói tirando de dentro um urso novo. Um cachorro
gigante de pelúcia.
Já se passaram quatro anos e ninguém supera o urso que a madrinha
dela deu. Eu não consigo entender o que aquela mulher fez. Esse urso e
minha filha são inseparáveis. Até hoje ela dorme com ele. Está ficando
surrado. Nina já costurou algumas vezes e Dimmi parece gostar dele, mas
Sophia morre de ciúme. Então evitamos que ele encontre o Boh.
— Eu gostei. É lindo, papai.
— Como é que se diz, Sophia?
— Obrigada. — Nossa filha agradece e sai correndo com o presente
novo pelas escadas.
— Você ainda quer superar o urso da Madeleine?
— Talvez um dia eu consiga.
Pego o Dimmi dos seus braços. Ele é um bebê fofo, pequeno e lindo.
Sua carequinha tem poucos fios loiros. Os olhos são bem azuis, muito
parecido com os de Nina. Nunca vou ter um filho parecido comigo, mas não
tem problema.
Com minha esposa sempre animada, vamos passear pelo jardim,
literalmente de inverno, juntos. E admiramos sua obra de arte em paisagismo.
Fiquei com raiva durante muito tempo. Queria vingança e entender
onde errei. Guardei raiva de mim mesmo e nem conseguia perceber o que
estava fazendo. Chogando a minha saúde e a minha felicidade fora.
Foram oito meses difíceis, mas os quatro últimos meses daquele ano,
quando Nina chegou, foram meu bálsamo e minha redenção. Mia ficaria feliz
por eu ter cumprido o seu último desejo: encontrar outra pessoa para amar e
ser feliz. E a melhor mãe para Sophia.
Jurei nos pés daquela igreja que minha vida tinha acabado. Que fora o
fim de jogo, xeque-mate. Mas, quando eu disse sim para Nina naquele altar,
iniciei um novo jogo. E nesse eu irei vencer. Essa vida é minha e vou
defendê-la. Estarei sempre um passo à frente. Ninguém nunca mais dará a
jogada final.
Alessa Ablle já sabia o que queria desde criança: deixar um pedacinho
dela no mundo. Sempre sonhadora pensou até em ser astronauta (risos), mas
aprofundou-se na dramaturgia e suas infinitas possibilidades. O teatro foi sua
primeira paixão e logo depois vieram os livros, que se tornaram seu escape da
realidade após conseguir superar sua depressão. Escrever não é apenas sua
terapia favorita como também a sua melhor forma de superar sua dislexia,
dando exemplo para muitas pessoas de que não será uma deficiência que irá
pará-la.
Seu primeiro lançamento na Amazon, Ensina-me o prazer, alcançou o
ranking em primeiro lugar e teve mais de um milhão e meio de leituras on-
line nas duas primeiras cenas. Tem mais de 20 mil e-books baixados e 2 mil
exemplares vendidos em todo o Brasil. Seu segundo lançamento também
alcançou o ranking no top 5, Profundamente Apaixonado, e hoje a Saga
Profundamente já bateu mais de 24 milhões páginas lidas pelo Kindle
Unlimited. Hoje Alessa já tem mais de 4 mil exemplares vendidos, dos livros
publicados em físicos, e mais de 40 milhões em páginas lidas na Amazon.
É uma legítima geminiana, carioca, que vive ainda na Cidade
Maravilhosa com sua família e seus amados cachorros. Falante, animada,
adora fazer LIVEs em suas redes sociais. Aberta ao público e humorada.
Conhecida por sua sinceridade e palhaçadas.
Para conhecer mais dessa autora regada a humor, siga-a em suas redes
sociais:

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Minha Lojinha: www.alessaablle.tumblr.com
C ONHEÇA S EUS O UTROS L IVROS

Tudo que foi quebrado, um dia esteve perfeito. E talvez para Adam Stella é
exatamente assim que ele se sente. Após uma terrível tragédia ter abatido sua família e
principalmente a ele, Adam sente-se imperfeito. Há seis anos sua vida sofreu uma
reviravolta e o garoto mais querido e cheio de amigos, o neto mais amado, o filho mais
aclamado por seus dotes e inteligência nos próximos segundos depois do acidente deixou
de existir. Se ruiu por entre as chamas. Ele deixou tudo para trás em cacos. Adam se tornou
um homem estilhaçado, quebrado. Vivendo cada dia após o acidente com culpa.
Sua família não suporta mais vê-lo viver desta forma, então sua mãe em uma nova
tentativa encontra uma nova forma de salvá-lo de si mesmo. Colocando a menina curiosa
de olhos azuis em sua vida. Tão quebrada quanto ele, mas cheia de vontade de viver,
Belinda o fará ver o lado ruim de ter deixado a vida para depois.
Será que Adam vai conseguir aproveitar essa nova chance e colar as partes que ele
deixou-se perder pelos anos de culpa?

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Nascida em berço de ouro, Victoria Colton carregava em seu coração muito mais
que sonhos. A “pobre menina rica” rodeada por holofotes, inseguranças e uma vingança
gerada por um segredo guardado há muitos anos, contava os dias para se livrar do medo e
dos traumas de sua infância.
Ethan Brown nunca pôde reclamar de sua boa vida. Nada nunca lhe faltou e
aprendeu cedo demais que o dinheiro tinha seus prós e contras. Após anos longe de casa,
retorna com ambições para com sua carreira, mas logo de cara algo entra em seu caminho e
ele precisará saber o que é mais importante.
Totalmente opostos um do outro, deixam as diferenças de lado, quando após um
reencontro – nada convencional –, não conseguem mais ficar separados. Mas eles
precisarão de muito mais do que sentimentos para ficarem juntos.

HTTPS://AMZN.TO/31O3C2S
Eles não esperavam que fossem se apaixonar tão profundamente. Victoria e Ethan
se tornaram inseparáveis, e ficar longe um do outro é um desejo que não almejam. O
intenso e profundo amor que construíram, sofrerá altos e baixos, e sustos que colocará em
prova seu futuro juntos e o desejo de viver o “felizes para sempre”.
Victoria vem determinada a lutar com Ethan, que está ainda mais apaixonado e
profundamente envolvido por sua princesa, focado em destruir o inimigo, na continuação
da história de amor épica, que ficará para sempre na sua cabeça.
Um reencontro que marcou a vida dos dois.
Uma aventura que se transformou em amor verdadeiro.
Um amor que durará a vida toda?
QUEM SABE?!

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No terceiro volume da Saga Profundamente, Victoria viverá seu pior pesadelo e
verá seu mudo sofrer grandes perdas e um grande choque.
Ethan enfrentará todos os demônios para viver ao lado da mulher que ama. E terá
que fazer coisas que apenas esteve em seus piores pensamentos e precisará descobrir um
jeito de trazer Victoria de volta para ele.
Agora o inimigo é o tempo e a mente, onde ninguém pode corromper.
E mesmo um homem profundamente apaixonado, terá seus momentos de desespero
e arrependimento enquanto sua amada não sabe o que é real ou fantasia.
Novamente o mais forte salvará os dois de cair no mais profundo abismo.
Um amor tão profundo que ultrapassa todas as barreiras. Que enfrenta o medo.
Uma promessa de amor eterno.
Mas será que, depois de tudo, ainda restará algo além de estilhaços?

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Agora parece que todos os problemas já estão resolvidos, que os traumas foram
deixados para trás e só lhes restam viver e serem felizes.
Victoria ultrapassou todos os obstáculos que apareceram em sua vida. Foi forte,
confiante e corajosa, mas claro que nada seria a mesma coisa sem seu príncipe
“encantado”. A sua vida é um verdadeiro milagre e ela quer mais do que nunca viver
intensamente a segunda chance que teve.
Ethan deixou totalmente seu passado para trás e se transformou em um homem de
sucesso e maduro. A felicidade está batendo em sua porta, finalmente. E só resta aproveitar
essa jornada com sua princesa.
Mas será mesmo que todos os espinhos foram retirados de suas vidas?
Não perca o desfecho desta história linda e profundamente apaixonante.

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Cecillia Romanoff é uma jovem nerd, conhecida por ser muito curiosa. Uma de
suas maiores curiosidades é, justamente, sobre algo que nunca fez: sexo.
Henry Frinsheens tem uma vida agitada, porém responsável. É um jovem que
possui um currículo ótimo, é estudioso e amigável. Diferente do típico cara babaca de
faculdade. Em uma aula de Biologia, por força do destino, os dois se esbarram. Dois jovens
diferentes, mas iguais em um sentido: são solitários e buscam algo que os complete.
Quebram a velha (e ultrapassada) rixa entre nerd e playboy e viram amigos de
verdade. Vencidos pela forte química que existia entre eles, os dois se rendem a uma noite
que os envolvem ainda mais e poderia mudar tudo. Talvez tenha sido um tremendo erro e a
amizade tão sólida correria perigo. Eles sabem que seus sentimentos estão indo além de
carinho e, no meio dessa relação, vão perceber que um precisa do outro muito mais do que
podem admitir.
No final, qual será a escolha certa a se tomar?

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Um relacionamento que começou sem pretensão de ser alto mais do que amizade e
realmente os transformaram em grandes amigos, mas os sentimentos mudaram e
cresceram. Henry e Cecillia aprenderam a não saber viver um sem o outro. De uma
amizade nasceu um amor verdadeiro.
Os anos se passaram, a vida seguiu seu curso perfeitamente e eles estão a passos de
dizer o sim mais importante da vida deles e começar sua própria família. Até que uma farpa
do passado volta e dá um choque de realidade em suas vidas.

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Amanda Frinsheens, ou Mandy para os íntimos, é uma garota determinada,
sonhadora e uma Frinsheens. O que a torna sensível. Assim como seu irmão Henry, foi
cursar sua faculdade de Medicina em Massachusetts, na aclamada Cambridge. Ela ama sua
rotina, que intercala em estudar e curtir sua juventude.
Maximus Smith é um médico dedicado e, mesmo com trinta e três anos, é um
molecão que vive apenas para o trabalho. Talvez o que lhe ocorreu anos atrás tenha
deixado cicatrizes maiores do que possa admitir.
Logo de cara, Mandy e Max sentem uma forte atração, que agora terá que ser
enfrentada no mesmo ambiente de trabalho, já que por destino ela fará residência no
hospital em que ele é cirurgião.
Será que Mandy vai conseguir manter o profissionalismo perto dele?
E Max, será que vai conseguir ficar longe da irmã do seu melhor amigo, agora sua
aluna também?

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Se puder ou quiser, deixe sua avaliação aqui mesmo na Amazon ou no
Skoob. O feedback é muito importante para eu continuar a amadurecer,
melhorar ou saber o quanto vocês amaram (tenho que ser otimista, né?) o
livro.
Fique à vontade também para falar comigo via Facebook ou
Instagram. ;)
Ou, se quiser, manda um e-mail para ALESSAABLLE@GMAIL.COM e
até ganhe mimos se mandar a avaliação ou leitura ou compra do livro. Eu
adoro agradar meus leitores.
[1] Tchau, minha linda.
[2] Tchau, minha linda.

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