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Nota da Autora
Mais uma vez, vamos iniciar uma viagem mágica pelo mundo
árabe. Agora chegou o momento do Príncipe Sheik Majdan Al Harbi e
de Thara, a “garota Ayad”. MAKTUB!
Este livro é único e independente. Foi escrito para ser
entendido do início ao fim, sem necessidade de ler os anteriores. Pode
ser lido separadamente, ainda que haja nele alguns spoilers de A Única
Esposa do Sheik com Saqr & Kismet e de A Esposa Intocada do Sheik
com Yusuf & Malika. Contudo, estes spoilers não impedem a
compreensão geral dos fatos nem tiram a magia da leitura posterior
dos outros.
É sempre bom lembrar que esta é uma cultura bastante
diferente da nossa, principalmente no que diz respeito a namoro,
noivado e casamento. O Majdan é um infrator de regras e vai quebrar
muitas delas quando o coração for dominado pela paixão.
O nome Thara significa fortuna e acho que ela foi mesmo
uma afortunada ao conseguir domar o Leão de Tamrah. Apesar dos
erros que ele cometeu, Majdan me conquistou profundamente ao
longo do livro. Eu me sinto tão afortunada quanto a Thara, por ter tido
a honra de escrever tudo o que ele tinha para me contar. O livro é
maioritariamente dele e vocês vão perceber isso ao longo da leitura.
Agora vamos falar dos gatilhos. Há menção ao uso de drogas
ilícitas, ao suicídio, à depressão e, logicamente, à violência contra a
mulher. Na Saga da Dinastia de Tamrah, a luta pelos direitos das
mulheres é um tema que estará presente em todos os livros,. mas o
foco central da história será sempre o romance de cada casal.
Esta é a primeira história que escrevo em que o protagonista é
um dependente químico, o que exigiu muitas pesquisas para construir
o caos interior que levou o Majdan às drogas. O que aprendi com ele é
que este é um caminho árduo e solitário, mas o nosso príncipe nos
contará mais sobre isso.
É sempre bom frisar que não há muito consenso na
transliteração do árabe para o português, o que faz com que uma
mesma palavra seja escrita de maneiras diferentes. Ao abordar temas
importantes, como a luta pelos direitos das mulheres, a poligamia e
alguns aspectos da crença deles, não houve qualquer intenção da
minha parte de politizar, polemizar ou criticar o assunto.
Agora chegamos ao grande momento. Está na hora de subir
no tapete voador e conhecer mais uma história de amor que já estava
escrita pelo destino, um romance que tinha de acontecer e que vocês
precisam ler. Fiquem com O Leão de Tamrah e A Garota Ayad em A
ESPOSA DESEJADA PELO SHEIK.
Beijinho no coração de vocês, aproveitem a leitura e avaliem
no final.
Se você está lendo este livro em outro lugar que não seja a
Amazon — Kindle Unlimited, onde ele foi originalmente publicado,
saiba que está colaborando indiretamente com a distribuição ilegal da
obra e deixando de ajudar a autora. Conheça o Kindle Unlimited da
Amazon, um sistema de leitura online onde terá acesso a milhares de
livros por um preço acessível.
Lettie S.J.
Capítulo 1
Londres
Majdan
Depois de caminhar horas no deserto, cheguei a um oásis
paradisíaco, digno de uma das lendas árabes que o meu avô tanto
gostava de me contar quando eu era criança. Até palmeiras verdejantes
existiam nele, rodeando um lago de águas cristalinas e convidativas.
Ansioso por um mergulho, comecei a tirar o thobe1, mas parei
no ato quando vi uma mulher em pé sobre uma pedra no lado oposto.
Ela estava completamente nua e o corpo banhado pelo sol possuía
curvas voluptuosas, feito na medida para dar prazer a um homem.
A mulher sorriu e o convite daqueles lábios era irrecusável.
Terminei de tirar o thobe e já ia mergulhar quando uma outra
mulher surgiu ao lado dela, igualmente deslumbrante e sedutora.
Atônito, observei as duas mergulharem com graça nas águas límpidas,
parando no meio do lago e olhando-me cheias de desejo.
— Vem, Majdan — disseram em uníssono, cada uma delas
estendendo uma mão para mim.
Aquilo era mesmo o paraíso e não hesitei em mergulhar,
nadando até onde elas estavam. Assim que alcancei a primeira, puxei-
a pelos cabelos e beijei a boca que já se oferecia para mim. Ela
enlaçou a minha cintura com as pernas, enquanto a outra mulher
também se aproximava, ambas disputando a minha atenção, os meus
carinhos, a vez de ser possuída antes da outra.
De repente, uma mão grosseira me segurou pelo queixo e
balançou a minha cabeça com vigor.
— Sai dessa viagem, Majdan! Acorda.
A voz masculina fez as gostosas desaparecerem como em um
passe de mágica. Quando abri os olhos, o que surgiu à minha frente foi
a cara feia de Abbas, um dos meus amigos de faculdade, que
continuava sacudindo-me com irritação.
Se ele estava irritado, eu estava furioso. Segurei o pulso dele
com força e o torci, afastando-o de mim com violência e ignorando o
gemido de dor que soltou.
— Ayreh feek!2 Como é que você vem me acordar no melhor
momento, porra?
Dei-lhe um soco que o jogou no tapete ao lado da minha
cama. Quando eu já ia pegá-lo para socar mais uma vez, outro de
meus amigos entrou correndo no quarto. Estava pálido e assustado,
parecendo que tinha visto um fantasma.
— Eu acho que ele morreu! — Umayr exclamou, vomitando
logo depois no mesmo tapete onde Abbas estava. Por pouco não o
atingiu.
— Mas que merda é essa? Olha só o que você fez, ía hemar3?
— explodi com Umayr, sentando-me de mau humor e com a cabeça
começando a latejar. — Por que é que estão invadindo o meu quarto
como dois loucos?
Umayr continuava vomitando e olhei para Abbas, esperando
uma resposta.
— É o Kaliq. Ele está estirado no chão do banheiro.
Franzi a testa ao ouvir o nome do meu melhor amigo. Eu não
perderia o meu sono se o problema fosse com outra pessoa, mas Kaliq
era um amigo de infância que eu considerava como um irmão. Fiquei
preocupado, mesmo aquela não sendo a primeira vez que ele se
excedia na dose e ficava daquele jeito.
— Ele só deve estar chapado, como já aconteceu tantas vezes.
Não estou entendendo o motivo dessa confusão toda!
— Dessa vez é diferente, Majdan! Ele está com uma cor
estranha e tem uma seringa vazia no chão ao lado dele. Kaliq nunca se
injetou.
Aquilo era verdade. Cheirávamos a linha4, mas nunca nos
injetamos.
— Já tentaram acordá-lo?
— Não. Estamos com medo. E se ele estiver morto?
Khara!5
Os dois tinham a minha idade, mas pareciam duas crianças e
não adultos de vinte e quatro anos.
Levantei-me da cama, furioso, e só então me dei conta de que
estava completamente nu. Foi quando a realidade caiu sobre mim e me
lembrei de não ter me deitado sozinho na noite anterior.
Olhei para trás e vi as duas mulheres que dividiam o quarto
comigo, uma loura e outra ruiva. Ambas estavam deitadas sobre várias
almofadas colocadas no tapete macio do quarto, onde passamos a
noite inteira divertindo-nos. Eram duas garotas da faculdade que
vieram com outras mulheres alegrar a nossa noite.
Elas continuavam dormindo, apesar da barulheira que Abbas
e Umayr estavam fazendo no quarto. Deviam estar completamente
chapadas depois de tanto snifar6 na noite anterior.
Peguei a minha calça e vesti, saindo do quarto com os meus
dois amigos atrás de mim.
— Kaliq não está no quarto dele! — Abbas avisou assim que
me viu indo para lá.
— Mostrem-me onde ele está! — rugi, irritado com a
incapacidade deles de ajudarem Kaliq assim que o encontraram.
Abbas tomou a minha dianteira, guiando-me.
A festa tinha acontecido na mansão da família de Kaliq em
Londres, onde ele reuniu alguns amigos da faculdade. Espalhadas pela
casa, havia pessoas de todas as nacionalidades, parecendo mais uma
cúpula da ONU. Eu, Abbas, Umayr, Mubarak e o próprio Kaliq,
formávamos o grupo da realeza árabe na faculdade. Éramos cinco
príncipes herdeiros de países que faziam parte da forte Coligação
Árabe que controlava tudo no Oriente Médio. Na liderança da
coligação, estava o meu pai. Talvez por isso os meus amigos ficassem
sempre aguardando que fosse eu a tomar as decisões mais importantes
do grupo.
— Onde está o Mubarak?
Eles trocaram um olhar nervoso.
— Não o procuramos ainda. Decidimos primeiro ir atrás de
você.
Como sempre!
Chegamos a um dos quartos da mansão, mas Abbas e Umayr
não entraram comigo no banheiro. Ficaram do lado de fora e logo
entendi o motivo.
Uma única olhada para o corpo de Kaliq estirado no chão fez
uma premonição estranha me dominar. Preocupadíssimo, ajoelhei-me
ao lado dele e medi logo a pulsação na jugular.
Ele estava gelado e soltei uma imprecação.
Por Allah7! Não é possível que seja verdade!
— Kaliq, não ouse morrer! Está me ouvindo?
De nós cinco, eu podia dizer que Kaliq era o melhor em
caráter. Leal, sempre de bom humor, era o que mais animava as festas
com suas brincadeiras. Era também o mais controlado na hora de usar
a linha. Não encontrar pulsação, batimentos cardíacos ou respiração
nele me desesperou.
Olhei para a seringa completamente vazia largada no chão.
Fosse qual fosse a droga que esteve ali dentro, agora corria livremente
no sangue de Kaliq e já não havia como tirá-la de lá.
— Mas qual foi a merda que Mubarak lhe ofereceu dessa
vez?
Aquela cor azulada no rosto ainda com traços juvenis já dizia
tudo do tempo em que Kaliq estava morto no chão do banheiro.
— Vamos, Kaliq! Reage, amigo! Você consegue.
Eu sabia que era inútil, mas algo em mim não queria desistir
de reanimá-lo e foi o que fiz durante os minutos seguintes, até desistir
e aceitar a realidade, a dura realidade.
Senti as lágrimas caírem ao olhar para o meu amigo morto, a
quem abracei sem acreditar no que tinha acontecido.
— Khara8! Khara! Kharaaa!!! — urrei de frustração, de
raiva e muita dor.
Desde o início acreditei que fosse apenas mais um exagero
dele e não a viagem final.
Umayr começou a soluçar no quarto quando me ouviu
blasfemar alto e foi aquele som que me fez despertar da letargia da
morte de Kaliq. Levantei-me, peguei um dos roupões pendurados na
parede e o cobri com cuidado.
Nunca desejei tanto que aquilo fosse apenas mais uma das
brincadeiras de Kaliq, da qual íamos rir muito depois.
Virei-me para sair do banheiro e vi o meu reflexo no espelho
do lavatório, as lágrimas marcando o meu rosto. Exceto na morte do
meu avô, nunca chorei na minha vida. O príncipe herdeiro de Tamrah
não chorava.
Engoli a tristeza com dificuldade, lavei as mãos, o rosto e me
recompus, olhando pela última vez para Kaliq antes de sair e fechar a
porta.
Abbas estava pálido, mas em pé. Umayr estava sentado na
cama com o rosto afundado nas mãos, soluçando sem parar.
— Ninguém pode saber o que aconteceu até falarmos com o
pai dele. A família vai tomar as providências legais. Finjam que está
tudo bem e coloquem todo mundo para fora desta casa. Procurem o
Mubarak e digam a ele que venha aqui falar comigo. Vou ligar para o
pai de Kaliq.
Antes, eu teria de ligar para o meu próprio pai e contar o que
havia acontecido, o que me fez suspirar pesadamente. Apesar de não
ter culpa na morte de Kaliq, eu me sentia culpado e sabia que todos
em Tamrah iam achar o mesmo por não ter evitado a morte do meu
melhor amigo. Era justo que achassem aquilo, uma vez que eu não era
inocente, já que estava na mesma festa e consumi o mesmo que ele.
Ninguém precisou chamar o Mubarak. Ele entrou no quarto
com a aparência de quem já estava pronto para começar um novo dia.
— Até que enfim o encontrei, Majdan. — Aproximou-se
sorrindo. — Fui atrás de você no quarto, mas apenas as garotas
estavam lá. As duas mais gostosas da festa, diga-se de passagem. Que
noitada você deve ter tido.
Ele parou de falar quando notou a minha cara fechada. Olhou
para Abbas e Umayr, que tinham os olhos vermelhos de tanto chorar.
— Mas que cara é essa a de vocês? — comentou com
divertimento. — Parece até que morreu alguém.
Abbas e Umayr olharam para mim, em tensa expectativa.
— O que você ofereceu para Kaliq ontem à noite? Algo
novo?
Mubarak franziu a testa, estranhando a minha pergunta.
— O de sempre. O mesmo que nós usamos. Por quê? —
Analisou a nossa expressão séria e só então notou a falta de Kaliq no
quarto. — Já percebi tudo. Ele passou mal e está no banheiro. Não se
preocupem, vou falar com ele.
Deixei que entrasse no banheiro, fazendo um gesto para
Abbas e Umayr permanecerem onde estavam. Não demorou muito
para Mubarak voltar ao quarto com o horror estampado na cara.
— Ele está morto!
— O que você lhe ofereceu? — insisti na pergunta. — Não
foi “o de sempre” que fez aquilo com ele.
Mubarak era o único que trazia as drogas para consumirmos,
compradas de um fornecedor que nenhum de nós conhecia.
— Foi o de sempre, juro! Ele pode ter misturado outra coisa
na seringa.
Aproximei-me com duas passadas e o agarrei com violência
pelo colarinho da camisa de modelo ocidental que usava.
— Não minta para mim! — rosnei na cara dele. — Kaliq
nunca se injetou antes e não ia misturar drogas em uma seringa. Nós
nunca nos injetamos, só cheiramos! Você lhe ofereceu algo já pronto.
— Calma, Majdan!
— Calma uma porra! Acabamos de perder um amigo. O meu
melhor amigo! Se tem algo que não estou, é calmo! — Chacoalhei-o
com força. — O que deu para ele?
— Eu... eu não sei... o que tinha na seringa. Já veio pronta —
admitiu a contragosto. — É uma mistura nova que o meu fornecedor
ofereceu, garantindo ser boa e mais fraca até do que cheirar a linha. Eu
mesmo usei uma dose ontem à noite e não aconteceu nada comigo.
Estou muito bem.
Senti uma raiva tão grande diante daquela admissão que
soltei o punho na cara de Mubarak. O golpe o arremessou sobre a
cama, mas nem Abbas nem Umayr se mexeram para o ajudar.
Debrucei-me sobre Mubarak, pressionando o braço contra a
garganta dele e imobilizando-o.
— Kaliq era o que menos cheirava e você colocou a porra de
uma seringa na mão dele? — rosnei, controlando a vontade de o
esganar de vez.
Mubarak tentou afastar o meu braço, mas não conseguiu.
— Ele me disse que aguentava, que queria algo diferente. Eu
não sabia que isso ia acontecer — engasgou-se ao tentar falar,
justificando-se com o semblante preocupado. — Não tive culpa,
Majdan. Somos amigos e você sabe que não tive culpa. Nunca
obriguei nenhum de vocês a usar nada.
Aquilo era verdade e trinquei os dentes para controlar a raiva
por não poder fazer mais nada por Kaliq. Despejar sobre Mubarak a
dor que sentia pela morte do meu amigo não o traria de volta.
Afastei-me dele com brusquidão.
— Preciso comunicar a morte ao pai dele. Deixem-me
sozinho e esvaziem a casa — ordenei com a autoridade de líder do
grupo.
Os três me obedeceram, saindo do quarto. Fiquei sozinho,
respirando profundamente para me acalmar.
Agora, seria quase impossível esconder dos meus pais que eu
consumia drogas, mas tentaria explicar que não era um viciado como
Kaliq. Eu conseguia controlar. Eu tinha o controle.
Capítulo 2
Dezesseis anos depois
Nova York, Clínica de Reabilitação para Toxicodependentes
Majdan
— Não é tão fácil assim ter tudo o que se quer ao alcance da
mão. Talvez quem nunca teve ache que isso é a melhor coisa do
mundo, mas nem sempre é assim. Pelo menos para mim não foi. Junto
com todo o glamour de uma vida de príncipe, veio também um vazio
muito grande, que parecia tão profundo quanto um abismo sem fim.
— Meneei a cabeça, envergonhado de mim mesmo. — Não tenho
nada do que me orgulhar do meu passado, exceto os meus filhos. Eu
me perdi no meio do caminho.
— Não seja tão duro consigo mesmo ou nunca vai conseguir
se perdoar pelo que fez — mestre Takeshi aconselhou com a voz
serena, olhando-me com o rosto magro compenetrado. — Todos nós
erramos. Aprende mais aquele que perdeu o rumo e encontrou o
caminho de volta, do que aquele que nunca se aventurou além dos
seus limites e não conhece até onde pode ir a sua força interior. Somos
seres imperfeitos em busca da evolução constante.
Mestre Takeshi era o meu professor de karatê e mentor
espiritual na clínica de desintoxicação Dawn Light em Nova York. Eu
tinha noção de que o sucesso do meu tratamento se devia mais à
presença daquele homem sábio ali do que à competência dos outros
profissionais. Takeshi Okada era um japonês de corpo magro e olhar
que transmitia serenidade. Tínhamos a mesma idade, mas os meus
quarenta e um anos pareciam pesar mais sobre mim.
— Estou me esforçando para isso, mas já desanimo só de
pensar em voltar para a minha antiga vida fora daqui.
— Você não vai voltar para continuar a sua antiga vida. Nem
pode voltar para ela. Terá de começar uma nova vida.
Sorri com tristeza e desgosto.
— Tudo o que sempre tive vai estar no mesmo lugar quando
eu voltar e garanto que sempre tive tudo, Takeshi. Não precisei lutar
por nada. Qual o prazer de ganhar um Porsche aos dezoito anos, se aos
quatorze ganhei quatro deles de uma única vez, um para cada casa que
tínhamos em Tamrah? Aos dez anos, ganhei o meu primeiro Rolex9 de
ouro, que depois fez parte de uma coleção de relógios exclusivos que
hoje se acumulam no meu closet — desabafei, sem conseguir disfarçar
a frustração. — Com o passar do tempo, passei a ser um colecionador
de carros de luxo, de aviões, de mansões e de mulheres, fosse em
Tamrah ou ao redor do mundo. O preço não importava. Se eu queria
alguma coisa, o dinheiro que vinha do petróleo comprava logo uma
coleção completa e exclusiva. O que eu não comprava, ganhava de
presente das pessoas que queriam me agradar por ser o príncipe
herdeiro do país mais poderoso do Oriente Médio. Eu tenho uma
personalidade compulsiva e sinto que sempre vou procurar um vício
qualquer para satisfazer essa necessidade.
Aquela era a mais pura verdade.
— Controlar esta compulsão faz parte do seu aprendizado na
vida, Majdan. Você é mais forte do que pensa.
— Não! Eu sou um fraco ou não estaria aqui hoje tentando
limpar o meu corpo das drogas. — Reforcei a negativa com um gesto
enérgico de cabeça. — Nunca me senti verdadeiramente feliz com
nada, apesar de possuir tudo. Entrei em um círculo vicioso e obsessivo
de busca da felicidade através de sexo, de álcool e de drogas, mas era
para preencher este vazio que sinto. Eu sou oco por dentro! Não há
nada aqui! — Bati o punho fechado no peito com raiva.
A minha grande verdade oculta de todos era que nada
realmente me fazia feliz e o vazio que eu sentia dentro de mim havia
crescido cada vez mais com o passar do tempo. Eu precisava
preenchê-lo de alguma maneira e mergulhei em um abismo ainda
maior. Achei que havia encontrado a felicidade no prazer momentâneo
que as drogas me proporcionavam, mas elas apenas me fizeram cair
mais rápido e mais fundo.
Sentado à minha frente no tatame, com as pernas cruzadas e a
postura ereta, Takeshi me olhou firmemente.
— E a sua esposa? — perguntou de repente.
— Ex-esposa — esclareci com desprezo ao me lembrar de
Hayat, que agora estava em uma prisão de Tamrah depois de tentar
matar o meu irmão e a esposa. — Nunca a amei, nem ela a mim. O
casamento foi uma obrigação que cumpri para ter filhos. Eles sim, são
a única coisa boa da minha vida.
— Não ama os seus irmãos? — Ele continuou indo fundo
dentro de mim.
— Amo muito. Fui um irmão ingrato para eles, mas nunca os
deixei de amar.
— E os seus pais?
Engoli duro a emoção que travou a minha garganta.
— O meu pai é o meu herói e a minha mãe é uma mulher
extraordinária. Eles dois nunca me abandonaram, apesar de tudo o que
fiz.
Takeshi sorriu, satisfeito.
— Então, afinal, você não é oco por dentro como acabou de
dizer — ele afirmou com segurança, pegando-me de surpresa com
aquela abordagem. — Se não houvesse nada aí dentro, o seu coração
não sentiria saudades dos seus filhos, nem dos seus pais e irmãos,
muito menos do seu país. Vejo claramente o quanto ama a sua família.
Se é capaz de amar, não pode ser um homem vazio. O que acontece
com você é exatamente o oposto disso. Você possui emoções fortes
demais e tem dificuldades de controlar todas elas. A sensação de faltar
algo mais profundo do que tudo o que já sentiu na vida, foi o que
levou você a se iludir com a euforia das drogas. Você estava apenas
em busca de algo mais forte, como o amor verdadeiro.
Franzi a testa, sem entender aonde ele queria chegar.
— Você está sendo contraditório. Primeiro disse que não sou
oco por dentro, já que amo a minha família. Agora vem dizer que
nunca amei verdadeiramente ninguém.
Uma expressão de sabedoria tomou conta do rosto dele.
— Falo do amor verdadeiro por uma mulher, algo que você
não sentiu até agora. Ou já se apaixonou alguma vez na vida?
Pela primeira vez desde que começamos aquela conversa, ri
com gosto, divertindo-me com aquela possibilidade absurda.
— Me apaixonar por uma mulher? Nunca! As mulheres são
boas para... — Pensei bem e travei a língua antes de dizer que eram
boas para foder. — São boas para nos dar prazer ou para nos dar filhos
quando nos casamos com elas.
Se ele me julgou pelo que disse, não deixou transparecer.
— Verá que não é bem assim quando encontrar a mulher
certa e se apaixonar.
Aquilo não tinha nada a ver comigo, nem eu queria que
acontecesse. Neguei, reforçando com um gesto de cabeça o que ia
falar depois.
— Nunca procurei isso. Não almejo esse tipo de amor e tenho
certeza de que não vai acontecer comigo. Não sou mais um garoto
para me apaixonar.
— O amor não tem tempo nem idade.
— Para mim, tem. Se nunca acreditei nessa história de amor
antes, não vai ser agora que vou acreditar. Também não tenho mais
idade para isso.
— Ninguém manda no amor, Majdan. Ele simplesmente
acontece.
— Mas não vai acontecer comigo. Muitas mulheres já
passaram pelas minhas mãos e não senti nada mais além de desejo
sexual momentâneo por cada uma delas. Foram tantas, que nem tenho
como contar. Quando eu disse que participava de orgias, não estava
brincando. — Voltei a ficar sério ao me lembrar das loucuras que fiz
naquela época. — Sou uma vergonha para a minha família e o meu
país.
— Não se recrimine tanto pelo passado. Ninguém é perfeito
nesse mundo. Há um ditado na minha terra que diz que “nós
aprendemos pouco com as vitórias e muito com as derrotas”, e isso é
uma grande verdade. Os maiores ensinamentos vêm dos momentos
mais difíceis pelos quais passamos. Você tem uma intensidade enorme
de emoções aí dentro, que ninguém percebeu até hoje. Nem os seus
pais naquela época, nem você mesmo.
Afundei a cabeça nas mãos, tenso, rígido, impotente,
frustrado. Lembrar dos meus pais era o mesmo que afundar um punhal
em uma ferida aberta.
— A culpa não foi dos meus pais — confessei como se
estivesse diante de Allah assumindo todos os meus pecados. — Eles
sempre me amaram muito, mas eu os decepcionei profundamente com
os problemas que criei, com as minhas atitudes.
— E por que não pediu ajuda a eles?
Ergui o rosto, suspirando pesadamente. Aquela era a primeira
vez que eu realmente me abria com alguém. Desde que cheguei à
clínica, cumpri todo o ritual de conversas terapêuticas com os
especialistas, mas nunca contei para eles nem metade do que estava
contando agora para Takeshi. Ele era muito mais do que apenas um
lutador faixa preta em karatê. O homem seguia uma filosofia de vida
baseada na força espiritual e na disciplina, que o tornavam um
exemplo a ser seguido.
Aquele homem havia conquistado a minha confiança e
admiração.
— Os meus pais estavam preocupados demais em reformar o
país e em serem bons governantes. Nem perceberam que eu estava me
afundando cada vez mais em um caminho sem volta. Quando fui
estudar fora, eles perderam completamente o controle sobre mim. Até
eu mesmo perdi. — Ri com amargura. — Chegou um momento em
que a minha vida se resumia a festas, álcool, drogas e orgias sexuais.
Quebrei regras, infringi leis, desafiei Allah. Fiz tudo o que a minha
cultura condenava, tudo o que era proibido para os outros, mas que
não era proibido para mim nem para os meus amigos, todos filhos da
realeza árabe.
— Vocês nunca foram punidos? Sei que a sua cultura é
bastante rigorosa nisso.
— Um dos meus amigos chegou a ser detido pela polícia na
mansão dele aqui em Beverly Hills, mas pagou a fiança, calou a boca
de todo mundo e ficou livre.10 Perdi o meu melhor amigo para as
drogas, mas houve também o caso de Osman. Ele morreu de overdose
no apartamento onde morava em Londres depois de uma festa11. —
Pela expressão de Takeshi, adivinhei logo o que ia perguntar e me
adiantei na resposta. — Não, eu não estava em nenhuma dessas duas
festas, mas participei de outras igualmente loucas, o que já mostra
como estávamos acima de qualquer lei, de qualquer regra ou punição.
Isso era para o povo, não para nós. O meu círculo de amizades era
composto por príncipes iguais a mim e éramos os donos do mundo.
Tínhamos o poder nas mãos, estávamos rodeados de luxo por todos os
lados e ostentávamos tudo o que possuíamos, mas éramos também um
bando de ociosos. Não fazíamos nada de útil na vida. Tínhamos ao
nosso dispor uma equipe treinada para satisfazer cada um dos nossos
desejos e caprichos, ainda que estivéssemos infringindo a lei. Éramos
da realeza e gozávamos de imunidade aonde fôssemos. Imunidade e
impunidade. Aquele era o poder que os petrodólares nos conferiam e
tínhamos bilhões deles para gastar.
— Os verdadeiros amigos se revelam na adversidade e não
nas facilidades.
— Você está certíssimo. Um dos meus amigos mais próximos
na época era o que mais coisas erradas fazia. Mubarak se aproximou
muito de mim depois que estudamos juntos em Sandhurst12. Quando a
formação militar terminou, não nos separamos, como seria o esperado.
Acabamos entrando os dois no curso de Economia e Política da
mesma faculdade em Londres e foi quando a minha vida realmente
mudou para pior. — Eu odiava me lembrar daquela época e cerrei os
punhos com raiva de mim mesmo, da minha fraqueza. — Tive o
primeiro contato com drogas pesadas em uma das festas que Mubarak
deu na mansão da família dele em Mayfair. Antes, eu só me
aventurava no álcool e em algumas tragadas de cannabis13, mas
quando cheirei a cocaína pela primeira vez, senti como se tivesse
encontrado o que estava procurando há anos. A sensação de euforia foi
maravilhosa. O mundo ganhou novas cores que antes não existiam,
mas era tudo uma ilusão.
Mestre Takeshi permaneceu calado, mas a expressão do olhar
experiente me estimulava a continuar falando, a não parar de exorcizar
tudo o que eu havia guardado há décadas em uma área escura dentro
de mim.
— Passei muitos anos afundado nas drogas. Agora, aos
quarenta e um, tenho a percepção dolorosa de que joguei fora duas
décadas da minha vida. A diferença de sete anos de idade que me
separavam de Saqr também não ajudou muito.
— Ele é o seu irmão mais próximo?
Sorri ao me lembrar de Saqr.
— É sim, e é também o irmão que assumiu o meu lugar como
príncipe herdeiro. Se ele não fosse tão mais jovem naquela época, eu
teria tido um irmão ajuizado ao meu lado que talvez tivesse me
ajudado. Digo talvez, porque desconfio que não era isso o que Allah
queria para mim.
— Eu acredito que nada acontece na nossa vida sem um
motivo. O seu Deus Allah queria que você aprendesse a se tornar um
homem melhor da maneira mais dura possível. O motivo talvez seja
uma missão especial que Ele tenha reservado para você. Só precisa
analisar a sua vida e descobrir qual é.
Apesar de ter me mantido longe de Allah durante tantos anos
da minha vida, eu não havia perdido totalmente a minha fé. Tinha
consciência de que o meu destino sempre esteve traçado. Estava
escrito que eu ia cair no fundo do poço da decadência humana, que ia
agonizar de dor, que ia me sentir sozinho mesmo rodeado de pessoas,
que passaria anos não vendo motivo algum para continuar a viver, que
afundaria na degradação moral, que mataria com as minhas próprias
mãos sob o efeito das drogas sem sentir remorsos, que seria um
monstro que todos odiariam, até eu mesmo.
Estava escrito que eu só voltaria a me erguer se sobrevivesse
a tudo aquilo e me transformasse em um homem de verdade. Eu tentei
uma, duas, três, centenas de vezes. Tentei a cada amanhecer e a cada
anoitecer da minha vida adulta, mas sem nenhum sucesso, até o dia em
que Allah teve piedade e me estendeu a mão.
O motivo, eu não sabia.
— Não me acho digno de nenhuma missão especial de Allah.
O meu pai sim, é um homem com uma missão junto ao meu povo.
Saqr também, assim como Yusuf. Mas eu? — Não consegui conter um
sorriso de desprezo ao falar de mim mesmo. — Sou um pecador,
Takeshi. Não sou digno nem de entrar em uma mesquita, quanto mais
de cumprir uma missão de Allah. Estou me erguendo agora, mas não
sei durante quanto tempo continuarei em pé. Não tenho noção
nenhuma se voltarei a mergulhar no vício quando sair daqui e essa
incerteza me assusta, porque não quero voltar a ser o Majdan de antes.
Se Allah tiver mesmo piedade de mim, vai atender às minhas orações
quando imploro para que isso não aconteça mais.
Tentei não soar tão desesperado quanto realmente me sentia.
— Não se cobre tanto. — Ele colocou a mão no meu ombro
com firmeza. — Um dia de cada vez. Só por hoje. Lembra-se disso?
Manter o corpo limpo “só por hoje” era o que aprendíamos
ali dentro. Pensar a longo prazo era mesmo assustador, por isso
trabalhávamos para nos mantermos limpos e sóbrios um dia de cada
vez.
Parece tão simples, mas é difícil, porra! Muito difícil.
— Estou tentando.
— E está conseguindo.
— Já tive três recaídas — lembrei-o.
Ele sorriu com serenidade.
— Há um ditado no meu país que diz: Se cair sete vezes,
levante-se oito.
Foi impossível não rir também.
— Vejo-me nesse ditado.
Talvez a minha única decisão acertada na vida tenha sido me
internar naquela clínica. Era lá que eu estava aprendendo a superar a
necessidade da droga no meu sangue e a viver sóbrio e limpo um dia
de cada vez.
Só por hoje!
Capítulo 3
Thara
— Acorda, Thara!
Abri os olhos sonolentos na penumbra do quarto, olhando
confusa para minha mãe, que balançava o meu ombro nervosamente.
— O que aconteceu, mãe?
— Levante-se, filha! Seu pai vai levar você hoje para ser
circuncidada14. Precisa ir embora de casa agora, antes que ele e seus
irmãos acordem!
Sentei-me abruptamente na cama, o sono sendo substituído
pelo horror do que havia escutado.
— Tem certeza? — sussurrei, angustiada. — Faz tempo que o
pai não toca nesse assunto.
Ela nem parecia me escutar, ocupada em enfiar os meus
documentos dentro de uma bolsa de pano que jogou sobre o meu colo.
— Os homens se reuniram ontem no majlis15. Como seu
noivo estava presente, me escondi atrás da tapeçaria para escutar a
conversa. Eles acertaram a data do casamento e Musad exigiu que
você fosse logo circuncidada antes da cerimônia.
Eu não sabia se me sentia mais enojada com o fato de terem
acertado a data de um casamento que eu não queria ou com a
exigência desumana de Musad, um noivo imposto pelo meu pai, um
homem que eu detestava e de quem queria distância. Só de imaginar
que a fatídica data do casamento havia sido finalmente acertada e que
eu teria de ser mutilada para satisfazer o desejo de um noivo que
abominava, o medo foi tanto que senti vontade de vomitar tamanha foi
a náusea que senti.
Musad Faez era um homem com muita influência política em
Sakkar, a cidade vizinha, muito maior e mais desenvolvida do que a
nossa. Ele era de uma família rica e comandava os negócios do clã
Faez desde a morte do pai. Tinha cinquenta anos, era viúvo e até bem-
apessoado, mas eu sentia arrepios de medo pelo corpo todas as vezes
que o via.
O meu pai repetia constantemente que Musad tinha tanto
dinheiro, que poderia facilmente ser o dono de toda a região.
Contudo, mesmo que ele não me causasse toda aquela
repulsa, ainda assim eu não queria me casar. Sentia um pavor
incontrolável das obrigações que teria de cumprir na cama do meu
marido. A minha mãe nunca escondeu de mim o quanto de dor
suportava para satisfazer o meu pai. Ela ficava realmente mal no dia
seguinte e eu me revoltava com aquilo, mesmo sabendo que parte da
dor se devia aos problemas que passou a ter depois que foi
circuncidada aos quinze anos.
— Vista-se rápido, Thara! A qualquer momento seu pai ou
seus irmãos podem acordar e impedir a sua fuga.
Levantei-me e comecei a me vestir às pressas, segurando a
súbita vontade de chorar.
— Mas para onde vou, mãe? — perguntei, vestindo a abaya16
preta por cima da camisola. — Também não quero deixá-la aqui
sozinha. Vem comigo!
Ela me abraçou apertado, ninando-me junto ao peito como
sempre fazia desde que eu era criança.
— Eu não posso ir, filha. Se você fugir sozinha, terá mais
chance de escapar do que comigo ao lado. O seu pai pode até renegar
a própria filha, mas jamais vai aceitar que eu o deixe.
Agarrei-me nela com desespero, sem conseguir imaginar a
minha vida longe da minha mãe. Ela era tudo para mim, a única
pessoa que me entendia, que me defendia, que me amava. Éramos as
únicas mulheres em casa e vivíamos oprimidas pelo meu pai e pelos
meus irmãos. Aquilo nos uniu ainda mais e eu não queria abandoná-la,
deixando-a enfrentar sozinha uma vida de opressão. Mesmo sofrendo,
tínhamos uma à outra. O que seria dela sem mim?
A decisão que eu precisava tomar era difícil, mas eu preferia
ser mutilada do que deixar a minha mãe sozinha naquela vida infeliz.
Ela seria duplamente maltratada.
— Eu não quero ir sozinha! — desabafei em lágrimas,
incapaz de me despedir dela. — Ou fugimos juntas ou ficamos as duas
aqui.
Ela se afastou, segurando-me com força pelos braços. Havia
um brilho de determinação nos olhos escuros quando me encarou.
— Você vai na frente e prometo que vou depois.
Limpei as lágrimas do rosto com as mãos tremendo.
— Vem mesmo, mãe?
— Vou, filha! Pode me esperar — garantiu com firmeza e
senti que ela estava mesmo decidida.
Abracei-a, feliz.
— Oh, mãe! Vai dar tudo certo. Allah vai nos abençoar longe
daqui.
— Inshallah!17
Ela me beijou no rosto e pegou o niqab18 sobre a cadeira,
ajudando-me a colocá-lo.
— Para onde vou?
— Para o único lugar onde o seu pai não tem poder algum,
onde apenas a família real manda. A casa de acolhimento das
mulheres. — Ela passou a alça da bolsa pela minha cabeça,
atravessando-a no meu peito. — Eu não sei que horas eles abrem as
portas, mas procure ficar escondida perto da entrada. Assim que
abrirem, peça acolhimento. Depois que colocar o pé lá dentro,
ninguém vai tocar em você. Vou atrasar o seu pai o máximo de tempo
que puder, dizendo que você está indisposta por causa da menstruação
e ainda não se levantou. Assim que ele sair para a mesquita, vou me
encontrar com você.
— E se ele invadir o quarto atrás de mim?
Aquela não seria a primeira vez que o meu pai faria aquilo,
portanto, era uma possibilidade real.
— Vou fingir que estou horrorizada e que não sabia da sua
fuga. Agora vá! Não há mais tempo para conversas.
Calcei as sandálias com uma sensação estranha no peito, um
aperto doloroso que não sabia identificar.
Ela abriu a porta do quarto lentamente e saímos para o
corredor escuro, percorrendo as salas desertas até o jardim. Só faltava
ultrapassar o portão e eu estaria fora de casa.
Parei, olhando-a na pouca luz do alvorecer.
— Eu te amo, mãe.
Abracei-a, sem querer deixá-la nem que fosse por algumas
horas.
— Também amo você, filha! Que Allah a proteja até nos
encontrarmos de novo.
— Que Allah a proteja também.
Foi com o coração disparado no peito que abri o portão e me
esgueirei sorrateiramente para fora de casa. Ainda olhei para trás uma
última vez e ergui a mão em um aceno de despedida, que ela
devolveu.
Thara
— MashAllah! Como esse lugar é lindo!
Sabirah estacionou o carro bem em frente a Noor, a mansão
que o príncipe Yusuf tinha em Intisaar.
Logo atrás, estacionaram os veículos da escolta que nos
acompanhou até a propriedade. Era lá que iríamos passar os próximos
dias, comemorando o aniversário de Sabirah.
Abia soltou uma risada, parecendo ansiosa para descer.
— Você ainda não viu nada, Thara. Aqui tem uma praia linda.
Virei-me para o banco de trás onde ela estava sentada,
olhando-a, admirada.
— Uma praia? Ah, não acredito! Eu nunca vi uma na minha
vida!
Foi a vez de Sabirah rir, desligando o carro e pegando a
bolsa.
— Tinha me esquecido que você veio do interior e nunca viu
o mar. Assim que puder, iremos à praia.
— Vamos nos divertir muito na praia. — Abia estava mais
entusiasmada do que eu. — Você vai adorar! O tio Yusuf tem cavalos
aqui. Vamos cavalgar juntas!
— Eu? — Caí na risada. — Não sei montar, Abia.
— É tão fácil! Eu ensino.
Ri ainda mais.
— Fácil vai ser você me ver caindo no chão, em vez de em
cima do cavalo.
Caímos na gargalhada. Foi quando notei o SUV do príncipe
Majdan estacionado do outro lado do pátio em forma de arco. Ele
havia chegado antes de nós, trazendo o irmão Jamal e os filhos Hud e
Imad.
Quem estava à nossa espera no hall de entrada era Kismet
com Fhatima ao colo.
— Até que enfim a aniversariante chegou.
— Cheguei e já vou pegar nesta fofinha aqui. — Sabirah fez
cócegas em Fhatima, que deu risadinhas encantadoras.
Sem nenhuma cerimônia, ela passou para os braços da tia,
deixando Kismet livre para me dar um abraço e em Abia.
— Vamos entrar. Os homens estão na sala de jogos e
poderemos conversar à vontade no terraço da cobertura. A vista de lá é
esplendorosa!
Majdan
“Eu acredito que nada acontece na nossa vida sem um
motivo. O seu Deus Allah queria que você aprendesse a se tornar um
homem melhor da maneira mais dura possível. O motivo talvez seja
uma missão especial que Ele tenha reservado para você. Só precisa
analisar a sua vida e descobrir qual é.”
Eu analisei e encontrei a resposta. Depois de tanto sofrer
como dependente químico, descobri qual era a verdadeira missão que
Allah havia reservado para mim.
Ter consciência de que só não me recuperei antes por ter sido
atraiçoado durante anos, fez-me pensar no que Takeshi disse quando
eu estava em Nova York. Não demorei muito tempo para tomar a
decisão de abrir em Jawhara uma clínica de reabilitação para
toxicodependentes.
Apesar de a minha mãe ter sugerido que eu colocasse o meu
nome na clínica, de início eu não quis, por achar que passaria a
imagem de uma instituição criada só para um seleto grupo de pessoas
com altíssimo poder aquisitivo. Eu queria alcançar todas as classes
sociais e ajudar o maior número possível de dependentes químicos que
existissem no meu país e até fora dele.
Foi em uma conversa com Thara que mudei de ideia.
— Se você fizer uma boa campanha publicitária para a
clínica, acho que tendo o seu nome vai dar bastante credibilidade ao
trabalho desenvolvido lá dentro. Não há melhor caso de sucesso do
que o seu. — Havia orgulho na expressão do rosto dela. — Você será
um exemplo a ser seguido para inúmeros jovens que estão passando
pelo mesmo problema.
Foi assim que nasceu a Clínica de Reabilitação Sheik Majdan
Al Harbi, que atualmente contava com uma equipe multidisciplinar
completa de profissionais especializados.
Para me ajudar naquele projeto, convidei o homem que me
mostrou o caminho para a cura e que hoje eu considerava como o
exemplo de melhor amigo. Takeshi Okada.
Quando liguei para ele, foi sem esperança alguma de que
aceitasse o meu convite.
— Sei que tem a sua vida estabelecida em Nova York com a
família há muito tempo, mas não consigo imaginar outra pessoa para
ser o meu sócio neste desafio. Você estaria interessado em entrar
comigo neste projeto, Takeshi? Esta é a missão que Allah estava
reservando para mim.
— Como fico feliz em saber que você descobriu a sua
missão, Majdan. É uma honra para mim receber este convite. — Ele
começou e já fiquei esperando pela negativa que viria a seguir. —
Ainda há alguns dias, comentei com a minha esposa que estava
precisando de um novo desafio na minha vida. Acho que o seu Deus
Allah já estava me preparando para aceitar o seu convite.
Passei uma mão na barba e me recostei contra o espaldar da
cadeira, dividido entre a emoção e a incredulidade. Comecei a rir logo
depois, verdadeiramente feliz com a resposta dele.
— Será um desafio e tanto, meu amigo. Temos muito
trabalho para fazer aqui.
— Trabalharemos um dia de cada vez. Só por hoje, lembra-
se? — ele repetiu com um tom de voz risonho.
Comecei a rir também, ciente da sabedoria daquelas palavras.
— Lembro-me, sim. Só por hoje.
A minha agenda de trabalho vivia lotada, mas reservei um dia
na semana para dar expediente integral na clínica de reabilitação.
Lá eu não era um príncipe. Era apenas alguém que dava apoio
a quem precisava, participando das conversas, ouvindo os relatos e
aconselhando aqueles que me procuravam em busca de inspiração
para vencer o vício.
Havia tantos profissionais experientes na clínica que pensei
que ninguém se interessaria em praticar karatê e meditação comigo,
mas me enganei. Eu não parava um minuto no único dia em que ia
para lá.
Dos meus irmãos, Yusuf era o que mais aparecia. Depois que
conheceu Takeshi, o amor pelo karatê fez com que os dois criassem
uma grande amizade. Thara ficou encantada com a serena sabedoria
do meu mentor, amigo e agora sócio.
— Este, sim, é um verdadeiro amigo, Majdan — ela disse
assim que entramos no carro para voltar à Taj depois de visitar a
clínica e o conhecer.
Sorri, feliz, concordando totalmente com ela.
Era na clínica que eu estava quando Thara entrou em trabalho
de parto. No dia anterior, havia dito a ela que faltaria para ficar em
casa.
— Estou achando que a sua barriga hoje está mais baixa do
que o normal. Prefiro ficar em casa para o caso de Ibrahim chegar.
— Não precisa, Majdan. Não sinto nada que indique que a
hora chegou.
— Mesmo assim, acho que vou ficar.
Ela me abraçou antes de nos deitarmos, a barriga dilatada
entre nós dois.
— Não se preocupe. Dizem que o primeiro trabalho de parto
é demorado. Mesmo que você esteja na clínica, vai ter tempo de sobra
para chegar.
Ela tanto insistiu que fui para a clínica, mas só depois que
Layla se comprometeu a ficar em casa com Thara o tempo inteiro.
Passei o dia trabalhando normalmente ao lado de Takeshi e só
no fim da tarde recebi uma ligação de Thara. Eu tinha acabado de
tomar banho depois das aulas de karatê quando o celular tocou.
— Você está bem? — Foi a primeira coisa que perguntei.
— Estou, mas você pode vir para casa?
O controlado tom de desespero que ela tentava disfarçar me
deixou alarmado.
— Claro que posso! — Já comecei a arrumar minhas coisas
para sair o mais rápido possível da clínica. — O que aconteceu? Você
e o bebê estão bem?
— Estamos bem, só que o trabalho de parto começou há
algumas horas e descobri que estou com medo — admitiu em um tom
de voz constrangido. — Queria você aqui comigo.
Respirei aliviado ao saber que os dois estavam bem e que ela
precisava apenas da minha presença para se sentir mais confiante.
— Estou indo para casa agora, habibti. Layla está com você?
— Está, sim. Ela, Farah e as princesas.
Descomprimi da tensão ao comprovar que o problema era a
insegurança de primeira gravidez de Thara. Ela estava bem assistida.
— Fique tranquila, já estou saindo da clínica.
Fui me despedir de Takeshi.
— Então chegou a hora de mais um príncipe chegar — ele
comentou com um sorriso, abraçando-me. — Parabéns, meu amigo.
Vá para o lado de sua esposa.
— Darei uma festa para comemorar a chegada dele e quero
você e sua família presentes.
Ele fez uma leve reverência com a cabeça em agradecimento.
— Será uma honra para nós.
Aquela não seria a primeira vez que ele, a esposa e as duas
filhas estariam presentes em um evento em Taj. Eu já os tinha
convidado outras vezes e todos da minha família haviam adorado os
Okada.
Fui para casa e encontrei Thara cercada de assistência. Havia
tantas mulheres no quarto que parecia mais uma das reuniões no
majlis da minha mãe. Sentada na cama, Thara segurava com força a
mão de Kismet com o rosto contraído de dor.
— Respire fundo mais uma vez — a minha cunhada dizia.
Assim que todas me viram entrar, abriram caminho para eu
chegar até ela. Kismet se levantou e ocupei o lugar ao lado de Thara.
— Majdan! — Alívio e dor se misturaram no seu tom de voz.
Segurei-lhe a mão, que ela apertou com força para suportar a
contração. Com tanta gente no quarto olhando para nós dois, não
podia abraçá-la e beijá-la do jeito que queria, mas eu continuava sendo
um homem que não tinha freio quando as regras me impediam de
fazer o que desejava.
Abracei os ombros de Thara, apoiando-a no meu peito, e
beijei os cabelos presos em uma longa trança. Ela se recostou
pesadamente contra mim.
— Faz muito tempo que começou?
— Assim que você saiu — respondeu, ofegante.
Meneei a cabeça em uma carinhosa repreensão. Ela sabia que
eu amava cada momento que passava na clínica com os pacientes
internados e não quis me privar daquele momento.
— Devia ter me chamado logo. Vocês são mais importantes
para mim. — Olhei para a minha mãe. — Não está na hora de irmos
para o hospital?
— Estávamos esperando você chegar.
Ou seja, deixaram para me chamar no último instante.
— Então, vamos agora.
Assim que chegamos na maternidade do hospital, fiquei com
a impressão de que se passaram horas até ouvir o primeiro choro de
Ibrahim, mas na prática não foi tanto assim. Ele nasceu às dez horas
da noite, cheio de energia e deixando-me emocionado.
Aquele era o primeiro filho que eu via nascer dentro de uma
sala de parto e foi uma das melhores experiências da minha vida. Não
entendi por que a minha mãe fazia tanto alarde para não estarmos
presentes, alegando que desmaiaríamos igual ao meu pai quando
nasci.
Se eu soubesse que era tudo tão gratificante, teria
acompanhado de perto o nascimento de Hud, Imad e Abia. Em vez
disso, acatei as ordens da minha mãe. Na época, fiquei aguardando
com os outros homens na sala de espera.
Talvez tenha me submetido tão facilmente e sem reclamar,
por não ter uma ligação afetiva com Hayat. No caso de Thara, o amor
era profundo, eterno, único e eu jamais a deixaria sozinha em um
momento tão importante para nós dois. Ter ficado ao lado da mulher
que eu amava, estreitou ainda mais os laços que nos uniam.
Se o nosso amor antes era eterno, agora era também
inquebrável.
— Aqui está Ibrahim Al Harbi, o mais novo príncipe de
Tamrah — a minha mãe anunciou orgulhosamente, erguendo o neto
nas mãos para nos mostrar assim que ele saiu do ventre de Thara.
Sentado ao lado dela e segurando uma de suas mãos, ri como
um bobo ao ver o meu filho todo cheio de secreções chorando a pleno
pulmões. A tensão do parto se desvaneceu na hora e relaxei, passando
uma mão no rosto enquanto o olhava.
— Allah seja louvado! Como ele é lindo, Majdan! — Thara
exclamou entre as lágrimas.
Ignorei todo mundo na sala, segurei o rosto dela com um
gesto bastante possessivo e me inclinei para dar um beijo profundo,
mas rápido, nos lábios da mulher da minha vida. Pega de surpresa, ela
ainda olhou constrangida para as outras mulheres que estavam na sala,
mas depois correspondeu.
— Majdan Al Harbi, mantenha a decência! — A minha mãe
reclamou.
Virei-me para elas.
— Peço perdão, senhoras, mas eu tinha que agradecer à
minha esposa de uma maneira especial pelo filho lindo que acabou de
me dar. Agradeço também a todas vocês por terem ajudado ele a
chegar. Fizeram um excelente trabalho.
A médica, a pediatra e as duas enfermeiras ficaram
visivelmente lisonjeadas. Da minha mãe, recebi um olhar de quem se
enchia de paciência para as minhas rebeldias de conduta.
Thara recebeu Ibrahim nos braços e me esqueci do resto do
mundo ao admirar, completamente embevecido, a cena marcante da
minha mulher com o meu filho nos braços. Ela olhou para mim com
um sorriso naqueles lábios que destruíam o meu autocontrole e nunca
a achei tão bela. Thara estava radiante de felicidade e me senti
orgulhoso de ser o homem que ela amava.
Majdan
A risada de Thara ecoou pela praia ao ver Ibrahim agitando
as perninhas dentro da água.
— Ele nada melhor do que eu!
— Vai se transformar em um leão marinho desse jeito —
brinquei, arrancando uma outra risada dela.
Vestida com uma túnica curta na altura dos joelhos, ela
segurava o nosso filho pela cintura enquanto ele movia os braços e as
pernas em uma tentativa de nadar.
Era a primeira vez que Ibrahim conhecia o mar e parecia estar
divertindo-se muito. Os gritinhos estridentes competiam com as
risadas da mãe.
Duas tendas estavam montadas na praia. A nossa e uma outra
para os meus filhos e Sabirah, que nos acompanharam dessa vez. Os
quatro tinham ido passear a cavalo, enquanto eu e Thara resolvemos
aproveitar o início da manhã para o banho de mar do nosso filho.
Como Ibrahim ainda era muito pequeno, daquela vez não
usamos o helicóptero para fazer a viagem até Alqamar. Preferi vir de
iate e Thara ficou encantada quando o viu, sem sequer imaginar que
teria uma surpresa.
Eu reconhecia que estava cada dia mais viciado em
surpreendê-la com pequenas e grandes coisas. Qualquer esforço valia
a pena para ver a felicidade dela.
— Ele é enorme, Majdan! Nunca pensei que um dia entraria
em um desses.
— É novo e menor do que os outros que tenho. Comprei no
mês passado especialmente para essa viagem e só escolhi esse
tamanho por ser o único que caberia na marina de Alqamar.
Notei o quanto ela estava abismada quando olhou para mim.
— Você tem maiores do que esse?
Ri, achando graça da expressão do rosto dela.
— Tenho, mas quase não uso. Esse vou usar muito para levar
Ibrahim outras vezes à Alqamar, por ser mais seguro para ele. Vai
demorar para o nosso filho poder viajar de helicóptero.
No meu colo, Ibrahim se agitou ao ouvir o próprio nome e
tentou tirar os óculos de sol que eu estava usando. Segurei-o a tempo,
compensando a frustração dele com um beijo na testa.
Sabirah surgiu no convés e fez sinal com o braço no ar.
— Ei! Durante quanto tempo vocês dois vão ficar
conversando aí fora?
— Já vamos subir! — avisei a ela, que voltou a entrar no iate.
— Acho que é melhor irmos.
— Ainda não. — Segurei Thara pelo braço e coloquei-a em
uma posição onde visse a lateral do iate. — Não notou nada aqui?
Ela demorou a ver o que eu queria, até que os olhos se
abriram mais ao ler o nome do iate: Thara. Cobriu a boca com a mão,
perplexa, e se virou para mim.
— É o meu nome!
Ri de pura satisfação ao ver que ela estava agradavelmente
surpresa.
— Sim, é o seu nome. Comprei pensando em você.
Thara olhou para os lados. Como não viu ninguém nas
proximidades, ficou na ponta dos pés e deu um beijo rápido nos meus
lábios.
— Eu amei a homenagem e estou mais ansiosa ainda para o
conhecer por dentro.
Nossa viagem foi tranquila e feita com lentidão, como pedi
ao comandante. Era a primeira experiência de Thara e eu queria que
ela aproveitasse bastante.
A verdade era que não tínhamos pressa em chegar. Cada
momento juntos tinha um sabor especial, estivéssemos aonde fosse.
Assim que Alqamar surgiu no horizonte, Thara me abraçou,
soltando um suspiro de prazer ao admirar a paisagem.
— Ela é mais linda daqui do que vista de helicóptero —
elogiou a ilha que eu tanto amava.
— Alqamar sempre foi um lugar importante para mim, um
refúgio paradisíaco que me trazia paz nos momentos de caos. Depois
da nossa lua de mel, passou a ter um valor inestimável.
Thara me puxou pelo pescoço, esticando-se para me dar um
beijo nos lábios. Foi um beijo leve, mas cheio de significado.
Agora, o Iate Thara estava ancorado na marina da ilha, junto
com as outras embarcações dos moradores locais e dos militares.
Viemos para passar o mês inteiro, uma vez que as férias dos meus
filhos havia chegado. No fim de semana seguinte, o restante da família
chegaria para nos isolarmos um pouco do mundo. Com todos os Al
Harbi reunidos em Alqamar, a ilha ficaria cercada de militares e dos
seguranças da guarda real, mas ainda assim teríamos privacidade na
baía particular onde ficava a minha casa.
Foi com um orgulho bobo que admirei a beleza de Thara
sentada na parte rasa da praia com Ibrahim nos braços. Contemplei,
embevecido, os cabelos longos soltos ao vento que se espalhavam
pelas costas e ombros dela, o corpo delineado pelo tecido molhado da
abaya, os lábios perfeitos que sorriam de felicidade, os olhos
castanhos que brilhavam de amor toda vez que cruzavam com os
meus.
A cada dia eu me acordava mais apaixonado por ela e vivia
declarando-me como um idiota. Daquela vez foi não diferente.
— Ayouni174.
Ela pareceu ficar subitamente envergonhada e baixou a vista
para Ibrahim. Olhou-me outra vez e estremeci com aquele jogo de
olhares, um reflexo dela mesma, que misturava ousadia com pudor.
Uma mistura poderosa que me fascinava.
— Omry175 — A voz suave tocou fundo no meu coração.
Incapaz de me conter, trouxe-a para o meu colo com Ibrahim,
colocando os dois entre as minhas pernas.
— Majdan! — reclamou, olhando para a tenda. — Sabirah e
as crianças podem chegar.
— Se chegarem, vão nos ver abraçados na praia com o nosso
filho e nada mais. Prometo que não vou me excitar, mesmo com estas
nádegas deliciosas me tentando.
Ela não conseguiu segurar o riso com a minha provocação.
Recostou-se contra o meu peito e relaxou.
Acariciei os cabelos escuros do meu filho.
— Depois temos que tentar trazer uma irmãzinha para Abia.
— Eu queria muito ter uma menina, mas acho que vai
demorar — ela me preveniu. — Pelos meus cálculos, com tantos
homens na família, vamos ter que tentar várias vezes até conseguirmos
uma menina.
Não consegui deixar de provocá-la de novo.
— Ouvi dizer que se a fecundação acontecer em uma noite de
lua cheia sob as estrelas a probabilidade de nascer uma menina é
maior.
Ela virou o rosto para me olhar, desconfiada.
— Nunca ouvi falar disso.
Fingi seriedade.
— É algo que só os homens sabem.
Thara meneou a cabeça com divertimento ao entender tudo.
— Ah, sei.
— É verdade. Por coincidência, hoje é noite de lua cheia.
A risada que ela soltou encheu o meu coração de paz.
Thara voltou a se apoiar no meu peito e fechei os olhos,
agradecendo a Allah por tê-la trazido para mim e me dado uma nova
chance de ser feliz.
Anos atrás, quando eu estava no fundo do poço, nunca pensei
que chegaria o dia em que estaria com o meu corpo completamente
limpo das drogas, apaixonado pela mulher que era a metade da minha
alma, com um novo filho nos braços e vendo a minha família crescer.
Depois que a conheci, deixei de viver “só por hoje”. Passei a
colecionar “só mais um beijo”, “só mais uma noite”, “só uma vida
inteira”.
Hoje, só a eternidade parecia pouco ao lado dela.
FIM
Próximos livros da Saga da Dinastia de Tamrah:
Sabirah & Assad
Jamal & Shamsa
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