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Copyright © 2022 Lettie S.J.


1ª Edição | Outubro/2022
Obra registrada na Câmara Brasileira do Livro

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, armazenamento ou transmissão de qualquer


parte desse livro, por quaisquer meios existentes, sem a prévia autorização por escrito da autora.
Esta é uma obra de ficção. Todos os nomes, personagens e acontecimentos descritos são produtos da
imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes, pessoas ou fatos reais é mera coincidência.
Edição Digital | Brasil
___________________________________
Índice
Sinopse
Playlist
Nota da Autora
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Capítulo 53
Capítulo 54
Capítulo 55
Capítulo 56
Capítulo 57
Capítulo 58
Capítulo 59
Capítulo 60
Capítulo 61
Capítulo 62
Capítulo 63
Capítulo 64
Capítulo 65
Capítulo 66
Capítulo 67
Capítulo 68
Capítulo 69
Capítulo 70
Capítulo 71
Capítulo 72
Capítulo 73
Capítulo 74
Capítulo 75
Capítulo 76
Capítulo 77
Epílogo
Biografia e Redes Sociais
Sinopse
Ela era a mulher que o sheik desejava como esposa, mas
era também uma garota proibida para ele.
O SHEIK MAJDAN AL HARBI é o primogênito dos
príncipes Al Harbi. Nasceu para ser o futuro rei e logo recebeu do avô
o apelido de O Leão de Tamrah. Era um homem imponente, arrogante
e violento, desejado pelas mulheres e invejado pelos homens, que
levava uma vida desregrada e cheia de vícios.
Depois de cometer muitos erros e de se envolver em
escândalos que envergonham o nome da família real, ele perde o título
de príncipe herdeiro para o irmão mais novo. É a queda do Leão de
Tamrah, que vai ao fundo do poço.
MAKTUB! O destino começa a agir.
Tentando se reerguer, Majdan vai para uma clínica de
reabilitação e volta de lá um outro homem. Aos 41 anos, acha que não
tem mais idade para o amor, até conhecer uma garota 16 anos mais
nova e viver em um dilema. Afinal, um príncipe que errou muito no
passado, que se envolveu em escândalos e foi condenado por todos,
não podia desejar a filha de um religioso extremista. Uma garota pura,
que vai precisar da proteção do Leão de Tamrah.
THARA AYAD nasceu no interior e foi criada dentro de um
rigoroso controle do pai, um respeitado líder religioso da cidade. Para
não sofrer mais abusos, foge de casa com a ajuda da mãe e pede
abrigo na casa de acolhimento para mulheres vítimas de violência, que
é mantida pela família real. Sem outra alternativa, aceita ser enviada
para a capital, um local onde só havia pecado, segundo o pai sempre
dizia. É em Jawhara que ela conhece o tão malfalado príncipe devasso
dos Al Harbi, despertando o interesse de um homem com o passado
conturbado.
Playlist
The One — Elton John
Derin Özledim — Halil İbrahim
You and I — Scorpions
Maktoub — Mehdi Mouelhi
Wahashtiny — Amr Diab
Hold On My Heart — Phill Collins

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Nota da Autora
Mais uma vez, vamos iniciar uma viagem mágica pelo mundo
árabe. Agora chegou o momento do Príncipe Sheik Majdan Al Harbi e
de Thara, a “garota Ayad”. MAKTUB!
Este livro é único e independente. Foi escrito para ser
entendido do início ao fim, sem necessidade de ler os anteriores. Pode
ser lido separadamente, ainda que haja nele alguns spoilers de A Única
Esposa do Sheik com Saqr & Kismet e de A Esposa Intocada do Sheik
com Yusuf & Malika. Contudo, estes spoilers não impedem a
compreensão geral dos fatos nem tiram a magia da leitura posterior
dos outros.
É sempre bom lembrar que esta é uma cultura bastante
diferente da nossa, principalmente no que diz respeito a namoro,
noivado e casamento. O Majdan é um infrator de regras e vai quebrar
muitas delas quando o coração for dominado pela paixão.
O nome Thara significa fortuna e acho que ela foi mesmo
uma afortunada ao conseguir domar o Leão de Tamrah. Apesar dos
erros que ele cometeu, Majdan me conquistou profundamente ao
longo do livro. Eu me sinto tão afortunada quanto a Thara, por ter tido
a honra de escrever tudo o que ele tinha para me contar. O livro é
maioritariamente dele e vocês vão perceber isso ao longo da leitura.
Agora vamos falar dos gatilhos. Há menção ao uso de drogas
ilícitas, ao suicídio, à depressão e, logicamente, à violência contra a
mulher. Na Saga da Dinastia de Tamrah, a luta pelos direitos das
mulheres é um tema que estará presente em todos os livros,. mas o
foco central da história será sempre o romance de cada casal.
Esta é a primeira história que escrevo em que o protagonista é
um dependente químico, o que exigiu muitas pesquisas para construir
o caos interior que levou o Majdan às drogas. O que aprendi com ele é
que este é um caminho árduo e solitário, mas o nosso príncipe nos
contará mais sobre isso.
É sempre bom frisar que não há muito consenso na
transliteração do árabe para o português, o que faz com que uma
mesma palavra seja escrita de maneiras diferentes. Ao abordar temas
importantes, como a luta pelos direitos das mulheres, a poligamia e
alguns aspectos da crença deles, não houve qualquer intenção da
minha parte de politizar, polemizar ou criticar o assunto.
Agora chegamos ao grande momento. Está na hora de subir
no tapete voador e conhecer mais uma história de amor que já estava
escrita pelo destino, um romance que tinha de acontecer e que vocês
precisam ler. Fiquem com O Leão de Tamrah e A Garota Ayad em A
ESPOSA DESEJADA PELO SHEIK.
Beijinho no coração de vocês, aproveitem a leitura e avaliem
no final.

Se você está lendo este livro em outro lugar que não seja a
Amazon — Kindle Unlimited, onde ele foi originalmente publicado,
saiba que está colaborando indiretamente com a distribuição ilegal da
obra e deixando de ajudar a autora. Conheça o Kindle Unlimited da
Amazon, um sistema de leitura online onde terá acesso a milhares de
livros por um preço acessível.

Lettie S.J.
Capítulo 1

Londres

Majdan
Depois de caminhar horas no deserto, cheguei a um oásis
paradisíaco, digno de uma das lendas árabes que o meu avô tanto
gostava de me contar quando eu era criança. Até palmeiras verdejantes
existiam nele, rodeando um lago de águas cristalinas e convidativas.
Ansioso por um mergulho, comecei a tirar o thobe1, mas parei
no ato quando vi uma mulher em pé sobre uma pedra no lado oposto.
Ela estava completamente nua e o corpo banhado pelo sol possuía
curvas voluptuosas, feito na medida para dar prazer a um homem.
A mulher sorriu e o convite daqueles lábios era irrecusável.
Terminei de tirar o thobe e já ia mergulhar quando uma outra
mulher surgiu ao lado dela, igualmente deslumbrante e sedutora.
Atônito, observei as duas mergulharem com graça nas águas límpidas,
parando no meio do lago e olhando-me cheias de desejo.
— Vem, Majdan — disseram em uníssono, cada uma delas
estendendo uma mão para mim.
Aquilo era mesmo o paraíso e não hesitei em mergulhar,
nadando até onde elas estavam. Assim que alcancei a primeira, puxei-
a pelos cabelos e beijei a boca que já se oferecia para mim. Ela
enlaçou a minha cintura com as pernas, enquanto a outra mulher
também se aproximava, ambas disputando a minha atenção, os meus
carinhos, a vez de ser possuída antes da outra.
De repente, uma mão grosseira me segurou pelo queixo e
balançou a minha cabeça com vigor.
— Sai dessa viagem, Majdan! Acorda.
A voz masculina fez as gostosas desaparecerem como em um
passe de mágica. Quando abri os olhos, o que surgiu à minha frente foi
a cara feia de Abbas, um dos meus amigos de faculdade, que
continuava sacudindo-me com irritação.
Se ele estava irritado, eu estava furioso. Segurei o pulso dele
com força e o torci, afastando-o de mim com violência e ignorando o
gemido de dor que soltou.
— Ayreh feek!2 Como é que você vem me acordar no melhor
momento, porra?
Dei-lhe um soco que o jogou no tapete ao lado da minha
cama. Quando eu já ia pegá-lo para socar mais uma vez, outro de
meus amigos entrou correndo no quarto. Estava pálido e assustado,
parecendo que tinha visto um fantasma.
— Eu acho que ele morreu! — Umayr exclamou, vomitando
logo depois no mesmo tapete onde Abbas estava. Por pouco não o
atingiu.
— Mas que merda é essa? Olha só o que você fez, ía hemar3?
— explodi com Umayr, sentando-me de mau humor e com a cabeça
começando a latejar. — Por que é que estão invadindo o meu quarto
como dois loucos?
Umayr continuava vomitando e olhei para Abbas, esperando
uma resposta.
— É o Kaliq. Ele está estirado no chão do banheiro.
Franzi a testa ao ouvir o nome do meu melhor amigo. Eu não
perderia o meu sono se o problema fosse com outra pessoa, mas Kaliq
era um amigo de infância que eu considerava como um irmão. Fiquei
preocupado, mesmo aquela não sendo a primeira vez que ele se
excedia na dose e ficava daquele jeito.
— Ele só deve estar chapado, como já aconteceu tantas vezes.
Não estou entendendo o motivo dessa confusão toda!
— Dessa vez é diferente, Majdan! Ele está com uma cor
estranha e tem uma seringa vazia no chão ao lado dele. Kaliq nunca se
injetou.
Aquilo era verdade. Cheirávamos a linha4, mas nunca nos
injetamos.
— Já tentaram acordá-lo?
— Não. Estamos com medo. E se ele estiver morto?
Khara!5
Os dois tinham a minha idade, mas pareciam duas crianças e
não adultos de vinte e quatro anos.
Levantei-me da cama, furioso, e só então me dei conta de que
estava completamente nu. Foi quando a realidade caiu sobre mim e me
lembrei de não ter me deitado sozinho na noite anterior.
Olhei para trás e vi as duas mulheres que dividiam o quarto
comigo, uma loura e outra ruiva. Ambas estavam deitadas sobre várias
almofadas colocadas no tapete macio do quarto, onde passamos a
noite inteira divertindo-nos. Eram duas garotas da faculdade que
vieram com outras mulheres alegrar a nossa noite.
Elas continuavam dormindo, apesar da barulheira que Abbas
e Umayr estavam fazendo no quarto. Deviam estar completamente
chapadas depois de tanto snifar6 na noite anterior.
Peguei a minha calça e vesti, saindo do quarto com os meus
dois amigos atrás de mim.
— Kaliq não está no quarto dele! — Abbas avisou assim que
me viu indo para lá.
— Mostrem-me onde ele está! — rugi, irritado com a
incapacidade deles de ajudarem Kaliq assim que o encontraram.
Abbas tomou a minha dianteira, guiando-me.
A festa tinha acontecido na mansão da família de Kaliq em
Londres, onde ele reuniu alguns amigos da faculdade. Espalhadas pela
casa, havia pessoas de todas as nacionalidades, parecendo mais uma
cúpula da ONU. Eu, Abbas, Umayr, Mubarak e o próprio Kaliq,
formávamos o grupo da realeza árabe na faculdade. Éramos cinco
príncipes herdeiros de países que faziam parte da forte Coligação
Árabe que controlava tudo no Oriente Médio. Na liderança da
coligação, estava o meu pai. Talvez por isso os meus amigos ficassem
sempre aguardando que fosse eu a tomar as decisões mais importantes
do grupo.
— Onde está o Mubarak?
Eles trocaram um olhar nervoso.
— Não o procuramos ainda. Decidimos primeiro ir atrás de
você.
Como sempre!
Chegamos a um dos quartos da mansão, mas Abbas e Umayr
não entraram comigo no banheiro. Ficaram do lado de fora e logo
entendi o motivo.
Uma única olhada para o corpo de Kaliq estirado no chão fez
uma premonição estranha me dominar. Preocupadíssimo, ajoelhei-me
ao lado dele e medi logo a pulsação na jugular.
Ele estava gelado e soltei uma imprecação.
Por Allah7! Não é possível que seja verdade!
— Kaliq, não ouse morrer! Está me ouvindo?
De nós cinco, eu podia dizer que Kaliq era o melhor em
caráter. Leal, sempre de bom humor, era o que mais animava as festas
com suas brincadeiras. Era também o mais controlado na hora de usar
a linha. Não encontrar pulsação, batimentos cardíacos ou respiração
nele me desesperou.
Olhei para a seringa completamente vazia largada no chão.
Fosse qual fosse a droga que esteve ali dentro, agora corria livremente
no sangue de Kaliq e já não havia como tirá-la de lá.
— Mas qual foi a merda que Mubarak lhe ofereceu dessa
vez?
Aquela cor azulada no rosto ainda com traços juvenis já dizia
tudo do tempo em que Kaliq estava morto no chão do banheiro.
— Vamos, Kaliq! Reage, amigo! Você consegue.
Eu sabia que era inútil, mas algo em mim não queria desistir
de reanimá-lo e foi o que fiz durante os minutos seguintes, até desistir
e aceitar a realidade, a dura realidade.
Senti as lágrimas caírem ao olhar para o meu amigo morto, a
quem abracei sem acreditar no que tinha acontecido.
— Khara8! Khara! Kharaaa!!! — urrei de frustração, de
raiva e muita dor.
Desde o início acreditei que fosse apenas mais um exagero
dele e não a viagem final.
Umayr começou a soluçar no quarto quando me ouviu
blasfemar alto e foi aquele som que me fez despertar da letargia da
morte de Kaliq. Levantei-me, peguei um dos roupões pendurados na
parede e o cobri com cuidado.
Nunca desejei tanto que aquilo fosse apenas mais uma das
brincadeiras de Kaliq, da qual íamos rir muito depois.
Virei-me para sair do banheiro e vi o meu reflexo no espelho
do lavatório, as lágrimas marcando o meu rosto. Exceto na morte do
meu avô, nunca chorei na minha vida. O príncipe herdeiro de Tamrah
não chorava.
Engoli a tristeza com dificuldade, lavei as mãos, o rosto e me
recompus, olhando pela última vez para Kaliq antes de sair e fechar a
porta.
Abbas estava pálido, mas em pé. Umayr estava sentado na
cama com o rosto afundado nas mãos, soluçando sem parar.
— Ninguém pode saber o que aconteceu até falarmos com o
pai dele. A família vai tomar as providências legais. Finjam que está
tudo bem e coloquem todo mundo para fora desta casa. Procurem o
Mubarak e digam a ele que venha aqui falar comigo. Vou ligar para o
pai de Kaliq.
Antes, eu teria de ligar para o meu próprio pai e contar o que
havia acontecido, o que me fez suspirar pesadamente. Apesar de não
ter culpa na morte de Kaliq, eu me sentia culpado e sabia que todos
em Tamrah iam achar o mesmo por não ter evitado a morte do meu
melhor amigo. Era justo que achassem aquilo, uma vez que eu não era
inocente, já que estava na mesma festa e consumi o mesmo que ele.
Ninguém precisou chamar o Mubarak. Ele entrou no quarto
com a aparência de quem já estava pronto para começar um novo dia.
— Até que enfim o encontrei, Majdan. — Aproximou-se
sorrindo. — Fui atrás de você no quarto, mas apenas as garotas
estavam lá. As duas mais gostosas da festa, diga-se de passagem. Que
noitada você deve ter tido.
Ele parou de falar quando notou a minha cara fechada. Olhou
para Abbas e Umayr, que tinham os olhos vermelhos de tanto chorar.
— Mas que cara é essa a de vocês? — comentou com
divertimento. — Parece até que morreu alguém.
Abbas e Umayr olharam para mim, em tensa expectativa.
— O que você ofereceu para Kaliq ontem à noite? Algo
novo?
Mubarak franziu a testa, estranhando a minha pergunta.
— O de sempre. O mesmo que nós usamos. Por quê? —
Analisou a nossa expressão séria e só então notou a falta de Kaliq no
quarto. — Já percebi tudo. Ele passou mal e está no banheiro. Não se
preocupem, vou falar com ele.
Deixei que entrasse no banheiro, fazendo um gesto para
Abbas e Umayr permanecerem onde estavam. Não demorou muito
para Mubarak voltar ao quarto com o horror estampado na cara.
— Ele está morto!
— O que você lhe ofereceu? — insisti na pergunta. — Não
foi “o de sempre” que fez aquilo com ele.
Mubarak era o único que trazia as drogas para consumirmos,
compradas de um fornecedor que nenhum de nós conhecia.
— Foi o de sempre, juro! Ele pode ter misturado outra coisa
na seringa.
Aproximei-me com duas passadas e o agarrei com violência
pelo colarinho da camisa de modelo ocidental que usava.
— Não minta para mim! — rosnei na cara dele. — Kaliq
nunca se injetou antes e não ia misturar drogas em uma seringa. Nós
nunca nos injetamos, só cheiramos! Você lhe ofereceu algo já pronto.
— Calma, Majdan!
— Calma uma porra! Acabamos de perder um amigo. O meu
melhor amigo! Se tem algo que não estou, é calmo! — Chacoalhei-o
com força. — O que deu para ele?
— Eu... eu não sei... o que tinha na seringa. Já veio pronta —
admitiu a contragosto. — É uma mistura nova que o meu fornecedor
ofereceu, garantindo ser boa e mais fraca até do que cheirar a linha. Eu
mesmo usei uma dose ontem à noite e não aconteceu nada comigo.
Estou muito bem.
Senti uma raiva tão grande diante daquela admissão que
soltei o punho na cara de Mubarak. O golpe o arremessou sobre a
cama, mas nem Abbas nem Umayr se mexeram para o ajudar.
Debrucei-me sobre Mubarak, pressionando o braço contra a
garganta dele e imobilizando-o.
— Kaliq era o que menos cheirava e você colocou a porra de
uma seringa na mão dele? — rosnei, controlando a vontade de o
esganar de vez.
Mubarak tentou afastar o meu braço, mas não conseguiu.
— Ele me disse que aguentava, que queria algo diferente. Eu
não sabia que isso ia acontecer — engasgou-se ao tentar falar,
justificando-se com o semblante preocupado. — Não tive culpa,
Majdan. Somos amigos e você sabe que não tive culpa. Nunca
obriguei nenhum de vocês a usar nada.
Aquilo era verdade e trinquei os dentes para controlar a raiva
por não poder fazer mais nada por Kaliq. Despejar sobre Mubarak a
dor que sentia pela morte do meu amigo não o traria de volta.
Afastei-me dele com brusquidão.
— Preciso comunicar a morte ao pai dele. Deixem-me
sozinho e esvaziem a casa — ordenei com a autoridade de líder do
grupo.
Os três me obedeceram, saindo do quarto. Fiquei sozinho,
respirando profundamente para me acalmar.
Agora, seria quase impossível esconder dos meus pais que eu
consumia drogas, mas tentaria explicar que não era um viciado como
Kaliq. Eu conseguia controlar. Eu tinha o controle.
Capítulo 2
Dezesseis anos depois
Nova York, Clínica de Reabilitação para Toxicodependentes
Majdan
— Não é tão fácil assim ter tudo o que se quer ao alcance da
mão. Talvez quem nunca teve ache que isso é a melhor coisa do
mundo, mas nem sempre é assim. Pelo menos para mim não foi. Junto
com todo o glamour de uma vida de príncipe, veio também um vazio
muito grande, que parecia tão profundo quanto um abismo sem fim.
— Meneei a cabeça, envergonhado de mim mesmo. — Não tenho
nada do que me orgulhar do meu passado, exceto os meus filhos. Eu
me perdi no meio do caminho.
— Não seja tão duro consigo mesmo ou nunca vai conseguir
se perdoar pelo que fez — mestre Takeshi aconselhou com a voz
serena, olhando-me com o rosto magro compenetrado. — Todos nós
erramos. Aprende mais aquele que perdeu o rumo e encontrou o
caminho de volta, do que aquele que nunca se aventurou além dos
seus limites e não conhece até onde pode ir a sua força interior. Somos
seres imperfeitos em busca da evolução constante.
Mestre Takeshi era o meu professor de karatê e mentor
espiritual na clínica de desintoxicação Dawn Light em Nova York. Eu
tinha noção de que o sucesso do meu tratamento se devia mais à
presença daquele homem sábio ali do que à competência dos outros
profissionais. Takeshi Okada era um japonês de corpo magro e olhar
que transmitia serenidade. Tínhamos a mesma idade, mas os meus
quarenta e um anos pareciam pesar mais sobre mim.
— Estou me esforçando para isso, mas já desanimo só de
pensar em voltar para a minha antiga vida fora daqui.
— Você não vai voltar para continuar a sua antiga vida. Nem
pode voltar para ela. Terá de começar uma nova vida.
Sorri com tristeza e desgosto.
— Tudo o que sempre tive vai estar no mesmo lugar quando
eu voltar e garanto que sempre tive tudo, Takeshi. Não precisei lutar
por nada. Qual o prazer de ganhar um Porsche aos dezoito anos, se aos
quatorze ganhei quatro deles de uma única vez, um para cada casa que
tínhamos em Tamrah? Aos dez anos, ganhei o meu primeiro Rolex9 de
ouro, que depois fez parte de uma coleção de relógios exclusivos que
hoje se acumulam no meu closet — desabafei, sem conseguir disfarçar
a frustração. — Com o passar do tempo, passei a ser um colecionador
de carros de luxo, de aviões, de mansões e de mulheres, fosse em
Tamrah ou ao redor do mundo. O preço não importava. Se eu queria
alguma coisa, o dinheiro que vinha do petróleo comprava logo uma
coleção completa e exclusiva. O que eu não comprava, ganhava de
presente das pessoas que queriam me agradar por ser o príncipe
herdeiro do país mais poderoso do Oriente Médio. Eu tenho uma
personalidade compulsiva e sinto que sempre vou procurar um vício
qualquer para satisfazer essa necessidade.
Aquela era a mais pura verdade.
— Controlar esta compulsão faz parte do seu aprendizado na
vida, Majdan. Você é mais forte do que pensa.
— Não! Eu sou um fraco ou não estaria aqui hoje tentando
limpar o meu corpo das drogas. — Reforcei a negativa com um gesto
enérgico de cabeça. — Nunca me senti verdadeiramente feliz com
nada, apesar de possuir tudo. Entrei em um círculo vicioso e obsessivo
de busca da felicidade através de sexo, de álcool e de drogas, mas era
para preencher este vazio que sinto. Eu sou oco por dentro! Não há
nada aqui! — Bati o punho fechado no peito com raiva.
A minha grande verdade oculta de todos era que nada
realmente me fazia feliz e o vazio que eu sentia dentro de mim havia
crescido cada vez mais com o passar do tempo. Eu precisava
preenchê-lo de alguma maneira e mergulhei em um abismo ainda
maior. Achei que havia encontrado a felicidade no prazer momentâneo
que as drogas me proporcionavam, mas elas apenas me fizeram cair
mais rápido e mais fundo.
Sentado à minha frente no tatame, com as pernas cruzadas e a
postura ereta, Takeshi me olhou firmemente.
— E a sua esposa? — perguntou de repente.
— Ex-esposa — esclareci com desprezo ao me lembrar de
Hayat, que agora estava em uma prisão de Tamrah depois de tentar
matar o meu irmão e a esposa. — Nunca a amei, nem ela a mim. O
casamento foi uma obrigação que cumpri para ter filhos. Eles sim, são
a única coisa boa da minha vida.
— Não ama os seus irmãos? — Ele continuou indo fundo
dentro de mim.
— Amo muito. Fui um irmão ingrato para eles, mas nunca os
deixei de amar.
— E os seus pais?
Engoli duro a emoção que travou a minha garganta.
— O meu pai é o meu herói e a minha mãe é uma mulher
extraordinária. Eles dois nunca me abandonaram, apesar de tudo o que
fiz.
Takeshi sorriu, satisfeito.
— Então, afinal, você não é oco por dentro como acabou de
dizer — ele afirmou com segurança, pegando-me de surpresa com
aquela abordagem. — Se não houvesse nada aí dentro, o seu coração
não sentiria saudades dos seus filhos, nem dos seus pais e irmãos,
muito menos do seu país. Vejo claramente o quanto ama a sua família.
Se é capaz de amar, não pode ser um homem vazio. O que acontece
com você é exatamente o oposto disso. Você possui emoções fortes
demais e tem dificuldades de controlar todas elas. A sensação de faltar
algo mais profundo do que tudo o que já sentiu na vida, foi o que
levou você a se iludir com a euforia das drogas. Você estava apenas
em busca de algo mais forte, como o amor verdadeiro.
Franzi a testa, sem entender aonde ele queria chegar.
— Você está sendo contraditório. Primeiro disse que não sou
oco por dentro, já que amo a minha família. Agora vem dizer que
nunca amei verdadeiramente ninguém.
Uma expressão de sabedoria tomou conta do rosto dele.
— Falo do amor verdadeiro por uma mulher, algo que você
não sentiu até agora. Ou já se apaixonou alguma vez na vida?
Pela primeira vez desde que começamos aquela conversa, ri
com gosto, divertindo-me com aquela possibilidade absurda.
— Me apaixonar por uma mulher? Nunca! As mulheres são
boas para... — Pensei bem e travei a língua antes de dizer que eram
boas para foder. — São boas para nos dar prazer ou para nos dar filhos
quando nos casamos com elas.
Se ele me julgou pelo que disse, não deixou transparecer.
— Verá que não é bem assim quando encontrar a mulher
certa e se apaixonar.
Aquilo não tinha nada a ver comigo, nem eu queria que
acontecesse. Neguei, reforçando com um gesto de cabeça o que ia
falar depois.
— Nunca procurei isso. Não almejo esse tipo de amor e tenho
certeza de que não vai acontecer comigo. Não sou mais um garoto
para me apaixonar.
— O amor não tem tempo nem idade.
— Para mim, tem. Se nunca acreditei nessa história de amor
antes, não vai ser agora que vou acreditar. Também não tenho mais
idade para isso.
— Ninguém manda no amor, Majdan. Ele simplesmente
acontece.
— Mas não vai acontecer comigo. Muitas mulheres já
passaram pelas minhas mãos e não senti nada mais além de desejo
sexual momentâneo por cada uma delas. Foram tantas, que nem tenho
como contar. Quando eu disse que participava de orgias, não estava
brincando. — Voltei a ficar sério ao me lembrar das loucuras que fiz
naquela época. — Sou uma vergonha para a minha família e o meu
país.
— Não se recrimine tanto pelo passado. Ninguém é perfeito
nesse mundo. Há um ditado na minha terra que diz que “nós
aprendemos pouco com as vitórias e muito com as derrotas”, e isso é
uma grande verdade. Os maiores ensinamentos vêm dos momentos
mais difíceis pelos quais passamos. Você tem uma intensidade enorme
de emoções aí dentro, que ninguém percebeu até hoje. Nem os seus
pais naquela época, nem você mesmo.
Afundei a cabeça nas mãos, tenso, rígido, impotente,
frustrado. Lembrar dos meus pais era o mesmo que afundar um punhal
em uma ferida aberta.
— A culpa não foi dos meus pais — confessei como se
estivesse diante de Allah assumindo todos os meus pecados. — Eles
sempre me amaram muito, mas eu os decepcionei profundamente com
os problemas que criei, com as minhas atitudes.
— E por que não pediu ajuda a eles?
Ergui o rosto, suspirando pesadamente. Aquela era a primeira
vez que eu realmente me abria com alguém. Desde que cheguei à
clínica, cumpri todo o ritual de conversas terapêuticas com os
especialistas, mas nunca contei para eles nem metade do que estava
contando agora para Takeshi. Ele era muito mais do que apenas um
lutador faixa preta em karatê. O homem seguia uma filosofia de vida
baseada na força espiritual e na disciplina, que o tornavam um
exemplo a ser seguido.
Aquele homem havia conquistado a minha confiança e
admiração.
— Os meus pais estavam preocupados demais em reformar o
país e em serem bons governantes. Nem perceberam que eu estava me
afundando cada vez mais em um caminho sem volta. Quando fui
estudar fora, eles perderam completamente o controle sobre mim. Até
eu mesmo perdi. — Ri com amargura. — Chegou um momento em
que a minha vida se resumia a festas, álcool, drogas e orgias sexuais.
Quebrei regras, infringi leis, desafiei Allah. Fiz tudo o que a minha
cultura condenava, tudo o que era proibido para os outros, mas que
não era proibido para mim nem para os meus amigos, todos filhos da
realeza árabe.
— Vocês nunca foram punidos? Sei que a sua cultura é
bastante rigorosa nisso.
— Um dos meus amigos chegou a ser detido pela polícia na
mansão dele aqui em Beverly Hills, mas pagou a fiança, calou a boca
de todo mundo e ficou livre.10 Perdi o meu melhor amigo para as
drogas, mas houve também o caso de Osman. Ele morreu de overdose
no apartamento onde morava em Londres depois de uma festa11. —
Pela expressão de Takeshi, adivinhei logo o que ia perguntar e me
adiantei na resposta. — Não, eu não estava em nenhuma dessas duas
festas, mas participei de outras igualmente loucas, o que já mostra
como estávamos acima de qualquer lei, de qualquer regra ou punição.
Isso era para o povo, não para nós. O meu círculo de amizades era
composto por príncipes iguais a mim e éramos os donos do mundo.
Tínhamos o poder nas mãos, estávamos rodeados de luxo por todos os
lados e ostentávamos tudo o que possuíamos, mas éramos também um
bando de ociosos. Não fazíamos nada de útil na vida. Tínhamos ao
nosso dispor uma equipe treinada para satisfazer cada um dos nossos
desejos e caprichos, ainda que estivéssemos infringindo a lei. Éramos
da realeza e gozávamos de imunidade aonde fôssemos. Imunidade e
impunidade. Aquele era o poder que os petrodólares nos conferiam e
tínhamos bilhões deles para gastar.
— Os verdadeiros amigos se revelam na adversidade e não
nas facilidades.
— Você está certíssimo. Um dos meus amigos mais próximos
na época era o que mais coisas erradas fazia. Mubarak se aproximou
muito de mim depois que estudamos juntos em Sandhurst12. Quando a
formação militar terminou, não nos separamos, como seria o esperado.
Acabamos entrando os dois no curso de Economia e Política da
mesma faculdade em Londres e foi quando a minha vida realmente
mudou para pior. — Eu odiava me lembrar daquela época e cerrei os
punhos com raiva de mim mesmo, da minha fraqueza. — Tive o
primeiro contato com drogas pesadas em uma das festas que Mubarak
deu na mansão da família dele em Mayfair. Antes, eu só me
aventurava no álcool e em algumas tragadas de cannabis13, mas
quando cheirei a cocaína pela primeira vez, senti como se tivesse
encontrado o que estava procurando há anos. A sensação de euforia foi
maravilhosa. O mundo ganhou novas cores que antes não existiam,
mas era tudo uma ilusão.
Mestre Takeshi permaneceu calado, mas a expressão do olhar
experiente me estimulava a continuar falando, a não parar de exorcizar
tudo o que eu havia guardado há décadas em uma área escura dentro
de mim.
— Passei muitos anos afundado nas drogas. Agora, aos
quarenta e um, tenho a percepção dolorosa de que joguei fora duas
décadas da minha vida. A diferença de sete anos de idade que me
separavam de Saqr também não ajudou muito.
— Ele é o seu irmão mais próximo?
Sorri ao me lembrar de Saqr.
— É sim, e é também o irmão que assumiu o meu lugar como
príncipe herdeiro. Se ele não fosse tão mais jovem naquela época, eu
teria tido um irmão ajuizado ao meu lado que talvez tivesse me
ajudado. Digo talvez, porque desconfio que não era isso o que Allah
queria para mim.
— Eu acredito que nada acontece na nossa vida sem um
motivo. O seu Deus Allah queria que você aprendesse a se tornar um
homem melhor da maneira mais dura possível. O motivo talvez seja
uma missão especial que Ele tenha reservado para você. Só precisa
analisar a sua vida e descobrir qual é.
Apesar de ter me mantido longe de Allah durante tantos anos
da minha vida, eu não havia perdido totalmente a minha fé. Tinha
consciência de que o meu destino sempre esteve traçado. Estava
escrito que eu ia cair no fundo do poço da decadência humana, que ia
agonizar de dor, que ia me sentir sozinho mesmo rodeado de pessoas,
que passaria anos não vendo motivo algum para continuar a viver, que
afundaria na degradação moral, que mataria com as minhas próprias
mãos sob o efeito das drogas sem sentir remorsos, que seria um
monstro que todos odiariam, até eu mesmo.
Estava escrito que eu só voltaria a me erguer se sobrevivesse
a tudo aquilo e me transformasse em um homem de verdade. Eu tentei
uma, duas, três, centenas de vezes. Tentei a cada amanhecer e a cada
anoitecer da minha vida adulta, mas sem nenhum sucesso, até o dia em
que Allah teve piedade e me estendeu a mão.
O motivo, eu não sabia.
— Não me acho digno de nenhuma missão especial de Allah.
O meu pai sim, é um homem com uma missão junto ao meu povo.
Saqr também, assim como Yusuf. Mas eu? — Não consegui conter um
sorriso de desprezo ao falar de mim mesmo. — Sou um pecador,
Takeshi. Não sou digno nem de entrar em uma mesquita, quanto mais
de cumprir uma missão de Allah. Estou me erguendo agora, mas não
sei durante quanto tempo continuarei em pé. Não tenho noção
nenhuma se voltarei a mergulhar no vício quando sair daqui e essa
incerteza me assusta, porque não quero voltar a ser o Majdan de antes.
Se Allah tiver mesmo piedade de mim, vai atender às minhas orações
quando imploro para que isso não aconteça mais.
Tentei não soar tão desesperado quanto realmente me sentia.
— Não se cobre tanto. — Ele colocou a mão no meu ombro
com firmeza. — Um dia de cada vez. Só por hoje. Lembra-se disso?
Manter o corpo limpo “só por hoje” era o que aprendíamos
ali dentro. Pensar a longo prazo era mesmo assustador, por isso
trabalhávamos para nos mantermos limpos e sóbrios um dia de cada
vez.
Parece tão simples, mas é difícil, porra! Muito difícil.
— Estou tentando.
— E está conseguindo.
— Já tive três recaídas — lembrei-o.
Ele sorriu com serenidade.
— Há um ditado no meu país que diz: Se cair sete vezes,
levante-se oito.
Foi impossível não rir também.
— Vejo-me nesse ditado.
Talvez a minha única decisão acertada na vida tenha sido me
internar naquela clínica. Era lá que eu estava aprendendo a superar a
necessidade da droga no meu sangue e a viver sóbrio e limpo um dia
de cada vez.
Só por hoje!
Capítulo 3
Thara
— Acorda, Thara!
Abri os olhos sonolentos na penumbra do quarto, olhando
confusa para minha mãe, que balançava o meu ombro nervosamente.
— O que aconteceu, mãe?
— Levante-se, filha! Seu pai vai levar você hoje para ser
circuncidada14. Precisa ir embora de casa agora, antes que ele e seus
irmãos acordem!
Sentei-me abruptamente na cama, o sono sendo substituído
pelo horror do que havia escutado.
— Tem certeza? — sussurrei, angustiada. — Faz tempo que o
pai não toca nesse assunto.
Ela nem parecia me escutar, ocupada em enfiar os meus
documentos dentro de uma bolsa de pano que jogou sobre o meu colo.
— Os homens se reuniram ontem no majlis15. Como seu
noivo estava presente, me escondi atrás da tapeçaria para escutar a
conversa. Eles acertaram a data do casamento e Musad exigiu que
você fosse logo circuncidada antes da cerimônia.
Eu não sabia se me sentia mais enojada com o fato de terem
acertado a data de um casamento que eu não queria ou com a
exigência desumana de Musad, um noivo imposto pelo meu pai, um
homem que eu detestava e de quem queria distância. Só de imaginar
que a fatídica data do casamento havia sido finalmente acertada e que
eu teria de ser mutilada para satisfazer o desejo de um noivo que
abominava, o medo foi tanto que senti vontade de vomitar tamanha foi
a náusea que senti.
Musad Faez era um homem com muita influência política em
Sakkar, a cidade vizinha, muito maior e mais desenvolvida do que a
nossa. Ele era de uma família rica e comandava os negócios do clã
Faez desde a morte do pai. Tinha cinquenta anos, era viúvo e até bem-
apessoado, mas eu sentia arrepios de medo pelo corpo todas as vezes
que o via.
O meu pai repetia constantemente que Musad tinha tanto
dinheiro, que poderia facilmente ser o dono de toda a região.
Contudo, mesmo que ele não me causasse toda aquela
repulsa, ainda assim eu não queria me casar. Sentia um pavor
incontrolável das obrigações que teria de cumprir na cama do meu
marido. A minha mãe nunca escondeu de mim o quanto de dor
suportava para satisfazer o meu pai. Ela ficava realmente mal no dia
seguinte e eu me revoltava com aquilo, mesmo sabendo que parte da
dor se devia aos problemas que passou a ter depois que foi
circuncidada aos quinze anos.
— Vista-se rápido, Thara! A qualquer momento seu pai ou
seus irmãos podem acordar e impedir a sua fuga.
Levantei-me e comecei a me vestir às pressas, segurando a
súbita vontade de chorar.
— Mas para onde vou, mãe? — perguntei, vestindo a abaya16
preta por cima da camisola. — Também não quero deixá-la aqui
sozinha. Vem comigo!
Ela me abraçou apertado, ninando-me junto ao peito como
sempre fazia desde que eu era criança.
— Eu não posso ir, filha. Se você fugir sozinha, terá mais
chance de escapar do que comigo ao lado. O seu pai pode até renegar
a própria filha, mas jamais vai aceitar que eu o deixe.
Agarrei-me nela com desespero, sem conseguir imaginar a
minha vida longe da minha mãe. Ela era tudo para mim, a única
pessoa que me entendia, que me defendia, que me amava. Éramos as
únicas mulheres em casa e vivíamos oprimidas pelo meu pai e pelos
meus irmãos. Aquilo nos uniu ainda mais e eu não queria abandoná-la,
deixando-a enfrentar sozinha uma vida de opressão. Mesmo sofrendo,
tínhamos uma à outra. O que seria dela sem mim?
A decisão que eu precisava tomar era difícil, mas eu preferia
ser mutilada do que deixar a minha mãe sozinha naquela vida infeliz.
Ela seria duplamente maltratada.
— Eu não quero ir sozinha! — desabafei em lágrimas,
incapaz de me despedir dela. — Ou fugimos juntas ou ficamos as duas
aqui.
Ela se afastou, segurando-me com força pelos braços. Havia
um brilho de determinação nos olhos escuros quando me encarou.
— Você vai na frente e prometo que vou depois.
Limpei as lágrimas do rosto com as mãos tremendo.
— Vem mesmo, mãe?
— Vou, filha! Pode me esperar — garantiu com firmeza e
senti que ela estava mesmo decidida.
Abracei-a, feliz.
— Oh, mãe! Vai dar tudo certo. Allah vai nos abençoar longe
daqui.
— Inshallah!17
Ela me beijou no rosto e pegou o niqab18 sobre a cadeira,
ajudando-me a colocá-lo.
— Para onde vou?
— Para o único lugar onde o seu pai não tem poder algum,
onde apenas a família real manda. A casa de acolhimento das
mulheres. — Ela passou a alça da bolsa pela minha cabeça,
atravessando-a no meu peito. — Eu não sei que horas eles abrem as
portas, mas procure ficar escondida perto da entrada. Assim que
abrirem, peça acolhimento. Depois que colocar o pé lá dentro,
ninguém vai tocar em você. Vou atrasar o seu pai o máximo de tempo
que puder, dizendo que você está indisposta por causa da menstruação
e ainda não se levantou. Assim que ele sair para a mesquita, vou me
encontrar com você.
— E se ele invadir o quarto atrás de mim?
Aquela não seria a primeira vez que o meu pai faria aquilo,
portanto, era uma possibilidade real.
— Vou fingir que estou horrorizada e que não sabia da sua
fuga. Agora vá! Não há mais tempo para conversas.
Calcei as sandálias com uma sensação estranha no peito, um
aperto doloroso que não sabia identificar.
Ela abriu a porta do quarto lentamente e saímos para o
corredor escuro, percorrendo as salas desertas até o jardim. Só faltava
ultrapassar o portão e eu estaria fora de casa.
Parei, olhando-a na pouca luz do alvorecer.
— Eu te amo, mãe.
Abracei-a, sem querer deixá-la nem que fosse por algumas
horas.
— Também amo você, filha! Que Allah a proteja até nos
encontrarmos de novo.
— Que Allah a proteja também.
Foi com o coração disparado no peito que abri o portão e me
esgueirei sorrateiramente para fora de casa. Ainda olhei para trás uma
última vez e ergui a mão em um aceno de despedida, que ela
devolveu.

Tive que pular o muro da casa de acolhimento e me esconder


no canto do terraço até que a primeira funcionária chegasse. Passei um
tempo enorme esperando que o dia amanhecesse, agachada no escuro
na mesma posição. Eu tinha medo até de me mexer e chamar a atenção
de alguém que por acaso estivesse passando pela rua, mesmo sabendo
que a abaya e o niqab pretos ajudavam a me deixar invisível. Nunca
tremi tanto de medo e rezei muito para Allah proteger a mim e à minha
mãe.
Assim que uma mulher abriu o portão acompanhada por um
homem fardado, chorei de alívio. Apavorada com a possibilidade de o
meu pai ou meus irmãos surgirem de repente e me arrastarem de volta
para casa, saí do esconderijo improvisado e me aproximei deles.
— Por favor, preciso de ajuda! — pedi com urgência, sem
conseguir conter as lágrimas que escorriam por baixo do niqab.
Ambos pararam, mas foi a mulher quem veio falar comigo.
— Você está bem? O que aconteceu?
— Podemos primeiro entrar? Tenho medo que o meu pai me
obrigue a voltar para casa.
— Claro que sim!
Ela olhou para o homem, que prontamente abriu a porta da
casa de acolhimento com uma chave. Depois, a mulher sorriu com
compreensão para mim, estendendo a mão.
— Venha, vamos entrar. Estará segura lá dentro.
Acompanhei-a para o interior da casa de acolhimento, sendo
levada para uma sala que devia ser o escritório dela.
— Vamos nos sentar e conversar um pouco.
Ocupamos um sofá de dois lugares no canto da sala, onde me
sentei tentando controlar a ansiedade crescente.
— Sou Rajana Farouq, a diretora da instituição. Vou pedir
que tire o niqab e me conte o que aconteceu com você. Qual é o seu
nome?
Foi com as mãos tremendo que ergui o niqab e o tirei,
notando a surpresa no olhar da mulher assim que me viu. Seria algo
incomum demais que ela tivesse me reconhecido como sendo a filha
do imame19 da cidade. Desde os dez anos de idade que eu só saía de
casa usando o niqab e quase ninguém me conhecia fisicamente. O meu
rosto só era visto pela minha própria família dentro de casa e,
infelizmente, pelo meu noivo.
— Eu me chamo Thara Ayad e fugi de casa para não ser
levada pelo meu pai para ser circuncidada. Foi a minha mãe quem me
ajudou a fugir e ela também precisa de ajuda. Poderia trazê-la para cá,
por favor?
Àquela altura eu já não conseguia controlar os tremores no
corpo, vencida pela madrugada de vigília à porta da casa de
acolhimento, pela tensão das últimas horas e pela preocupação com a
minha mãe.
— Você é a filha de Salim Ayad, o imame?
Pelo tom de voz perplexo, ela realmente não havia me
reconhecido quando tirei o niqab. Teria ficado surpresa então com
algo no meu rosto?
Passei a mão por ele, esperando que não estivesse sujo com
alguma coisa e aproveitei para limpar as lágrimas.
Na casa do meu pai não existiam espelhos onde eu pudesse
me ver com nitidez. Às vezes eu conseguia distinguir alguns traços do
meu rosto e do meu corpo nos vitrais coloridos, mas também nunca
tive muito interesse em saber como eu realmente era. Cresci escutando
o meu pai dizer que eu tinha o pecado no rosto, que a vaidade era uma
falha de caráter que precisava ser duramente combatida.
Segundo ele, as mulheres deviam controlar a tentação de usar
roupas e adereços chamativos. Uma mulher que se arrumasse muito
para despertar a cobiça dos homens tinha que ser punida. As punições
que ele citava durante o sermão familiar eram tão horrendas que eu
agradecia a Allah por usar o niqab.
— Sim, o meu pai é o imame.
Ela respirou profundamente, a fisionomia tornando-se
preocupada.
— Vamos tentar entrar em contato com a sua mãe, mas não
será uma tarefa fácil, Thara.
— Mas ela quer sair de casa!
— Só que não podemos tirá-la de lá. Ela terá que sair sozinha
de casa e vir nos pedir ajuda.
Oh, poderoso Allah!
— Ela disse que vinha se encontrar comigo aqui hoje. Eu só
queria que estivessem atentos à chegada dela.
— Estaremos — garantiu com um sorriso apaziguador. —
Agora se acalme. Vou levar você para o quarto onde vai ficar e depois
falarei com o segurança sobre a sua mãe. Quando eu voltar, nós duas
conversaremos melhor.
Capítulo 4
Thara
Fui deixada em um quarto pequeno, mas confortável. O
problema era que eu não conseguia relaxar, descansar ou me sentir
livre. Ainda me sentia presa dentro da casa do meu pai, angustiada e
sozinha. Sabia que só me sentiria aliviada e feliz quando a minha mãe
estivesse comigo.
Tensa, aguardei o retorno da diretora da casa de acolhimento,
mas o tempo foi passando e nada de ela voltar. Pensei em sair do
quarto para procurar alguém que me desse informações, mas não quis
incomodar o trabalho da instituição. Eu não fazia a mínima ideia de
como as pessoas que viviam de caridade se sentiam, só sabia que eu
não queria ser um estorvo para ninguém, ainda que estivesse
recebendo ajuda de uma instituição de apoio às mulheres.
Sem nenhuma alternativa, ajoelhei-me ao chão e rezei,
pedindo proteção a Allah, mas também resignação para aceitar fosse o
que fosse que estivesse por vir.
A um dado momento, uma agitação dentro da instituição me
desconcentrou da oração. Logo depois, uma batida suave soou na
porta. Fui atender achando que era a diretora, mas quem estava do
lado de fora era uma senhora com ar bondoso.
— Salaam Aleikum20 — ela me cumprimentou com um
sorriso educado, mas notei que estava tensa e parecia ter urgência.
— Alaikum as-salaam 21.
— Sou Mahara e vim a pedido da diretora avisar que não saia
do quarto até que ela venha lhe falar pessoalmente.
Eu já havia decidido não sair mesmo, mas estranhei que a
diretora me pedisse aquilo.
— Aconteceu alguma coisa? — perguntei, desconfiada.
Mal terminei de falar, vozes masculinas alteradas quebraram
o silêncio dentro da casa de acolhimento. Vinham da frente do prédio
e estremeci ao reconhecer uma delas. Era do meu irmão Fouad, o mais
violento de todos.
Arquejei de susto, recuando para dentro do quarto.
— É o meu irmão! — exclamei, horrorizada.
Se o meu irmão estava ali, era porque a minha fuga já havia
sido descoberta e me preocupei logo com a minha mãe. Como ela
conseguiria fugir para a casa de acolhimento se eles sabiam do meu
destino?
Como descobriram tão rápido onde estou?
Enquanto eu paralisava de medo, a mulher parecia ter pressa
de ir embora.
— É por isso que a diretora não quer que saia do quarto.
Assim que ela resolver a situação, virá falar com você. Agora preciso
ir ajudá-la.
A mulher se afastou às pressas e fechei a porta com urgência,
indo para a cama e sentando-me no canto da parede. Tapei os ouvidos,
sem querer ouvir a voz exigente de Fouad.
Allah misericordioso, não deixe que me levem de volta. Tenha
piedade e traga a minha mãe para junto de mim!
Repeti aquela oração por vezes seguidas durante o tempo que
passei aguardando que eles fossem embora. Tive a impressão de que
se passaram horas até uma nova batida soar na porta. Fiquei com
medo de ser alguém para me levar ao meu pai.
— Thara? Sou eu, a Rajana!
Reconheci a voz da diretora e fui abrir a porta. Ela estava
séria, mas o olhar foi caloroso quando me viu.
— Já foram? — perguntei, receosa do que ia ouvir.
— Já, mas desconfio que será por pouco tempo. Não acho
que desistiram. — A resposta não era a que eu queria escutar, mas
agradeci mentalmente a sinceridade dela. — Posso entrar?
— Sim, por favor!
Ela entrou e fechou a porta, sentando-se na cadeira ao lado da
cama, onde me sentei, aguardando.
— Como já sabe, a sua família agora tem conhecimento que
você fugiu. O seu pai veio aqui com um dos seus irmãos para levá-la
de volta para casa.
Arregalei os olhos, mais assustada ainda.
— O meu pai também veio?
Jamais esperaria aquilo dele. O mais certo seria ele enviar um
dos meus irmãos para resolver a situação, mas não ele vir
pessoalmente. Fouad era o mais violento de todos, não saía do lado do
meu pai e intimidava mais facilmente as pessoas.
— Salim Ayad veio e só não houve uma atitude mais violenta
da parte do seu irmão por interferência dele — ela confirmou com o
rosto muito sério e preocupado. — Os dois foram embora, mas por
tudo o que aconteceu, tenho certeza de que vão voltar.
Bismillah!22
— Vocês vão me entregar a ele?
— De jeito nenhum! Você está sob a tutela do Estado e assim
permanecerá. — Aquela afirmação categórica tirou um peso do meu
coração angustiado, mas a diretora continuava com a fisionomia muito
carregada. — Vou ligar para o Ministério da Mulher para reportar o
que está acontecendo e pedir orientações, já que envolve um líder
religioso influente na região.
— E a minha mãe? Tenho muito medo por ela.
Fiquei com a impressão de que ela ficou mais preocupada
ainda.
— Vou ser sincera com você, Thara. Agora que a sua fuga foi
descoberta, vai ser muito difícil conseguir que a sua mãe venha para a
casa de acolhimento, mas vou pedir para Mahara dar uma volta pela
cidade e colher informações. Assim que tiver alguma novidade,
contarei para você.
Passei as mãos pelo rosto, segurando a custo as lágrimas. Eu
precisava ser forte e chorar o tempo todo não me ajudaria em nada.
— Tenho fé que Allah vai nos ajudar a trazê-la para cá —
falei com convicção, respirando profundamente para me acalmar.
— Isso mesmo! Tenha fé. Só Allah poderá libertar a sua mãe
agora, mas faremos a nossa parte. — Ela sorriu pela primeira vez
desde que começamos a conversar. — Agora quero mostrar a casa de
acolhimento para você. Daqui a pouco chegará a hora do almoço e
iremos todas para o refeitório. Antes disso, vamos no almoxarifado
escolher algumas roupas para você. Mesmo com o uso no niqab sendo
muito comum na cidade, você não precisará mais usá-lo, se quiser.
Bastará um hijab23 sobre os cabelos, caso queira. Na capital, muitas
mulheres nem o hijab usam mais.
Fiquei boquiaberta com aquela informação. Como era
possível uma mulher não usar nenhum véu para cobrir pelo menos os
cabelos? Senti-me insegura e receosa com aquele novo mundo fora da
casa do meu pai, ainda mais sem a minha mãe ao meu lado.
— Elas não usam nada?
O sorriso se ampliou no rosto de Rajana Farouq, uma mulher
de meia-idade que usava um hijab preto tradicional sobre os cabelos.
— Não são todas, mas uma grande maioria já não usa. Só em
algumas solenidades ou situações é que o hijab permanece, mas os
tecidos são bem mais leves e coloridos, muito diferentes do que
continuamos usando aqui no interior. O niqab foi praticamente
abolido.
Como eu ia sobreviver em um lugar assim, onde as mulheres
já não tinham mais nenhum pudor? Será que o meu pai tinha razão
quando dizia que o mundo estava transformando-se em um lugar de
perdição e que a sharia24 deveria ser duramente aplicada e os
pecadores punidos? Ele não cansava de repetir que uma mulher muito
exposta aos olhos dos homens cairia facilmente em desgraça e nem
Allah poderia ajudá-la.
Tentei disfarçar o medo que estava sentindo daquele mundo
desconhecido para mim.
— Eu prefiro continuar usando o meu niqab.
Havia compreensão no olhar dela, que não insistiu, mas me
mostrou a falta de praticidade daquele tipo de véu que deixava apenas
os olhos à mostra.
— Não poderá usá-lo quando for ao refeitório.
Mordi o canto da boca, uma vez que ela tinha razão. Eu não
poderia me alimentar com um véu cobrindo todo o meu rosto.
— Aceitarei um hijab preto, igual ao que está usando.
— Muito bem. Vamos escolher um agora.
Capítulo 5
Thara
Quando entrei no refeitório com Rajana, notei os olhares
admirados das outras mulheres em mim. Envergonhada, baixei a vista
para o chão, sem encarar nenhuma delas. Deviam estar curiosas em
conhecer a filha do imame da cidade, principalmente depois da
confusão criada pelo meu pai e meu irmão, tudo por minha causa.
Conformada, fui para a mesa, o hijab escuro prendendo
firmemente os meus cabelos. Em silêncio, sentei-me com o prato de
comida à minha frente, sem sentir o mínimo apetite. Só pensava na
minha mãe, esperando ansiosamente que a mulher chamada Mahara
trouxesse boas notícias quando voltasse do passeio que faria na
cidade.
Aquilo aconteceu no final da tarde, quando eu já estava no
quarto fazendo as minhas orações. Uma nova batida soou na porta e
fui atender, dando de cara com o rosto entristecido da diretora. Um
calafrio percorreu o meu corpo ao sentir que algo não estava bem.
— Ela trouxe notícias da minha mãe? — perguntei logo,
incapaz de conter a ansiedade.
Rajana entrou no quarto e fechou a porta, segurando a minha
mão e levando-me para a cama, onde nos sentamos.
— Mahara trouxe notícias, mas não são boas, minha querida.
Infelizmente, a sua mãe faleceu no início da tarde no hospital de
Rummán.
Levantei-me da cama no instante seguinte, soltando-me com
brusquidão.
— A minha mãe morreu? — sussurrei, respirando
ruidosamente para levar ar aos pulmões na tentativa de tirar aquela
sensação de sufocamento do meu peito. — Eu não acredito nisso!
Deve ser um engano. Nós nos despedimos hoje de madrugada e ela
estava bem. A minha mãe nunca teve nenhum problema de saúde.
A diretora se levantou também, olhando-me com tristeza e
detestei aquele olhar de piedade.
Não, não é possível! Tenha misericórdia, Allah!
— Eu sinto muito, Thara! Sinto muito mesmo. — Ela
meneou a cabeça com seriedade. — A sua mãe faleceu de hemorragia
cerebral causada por um traumatismo craniano. Foi duramente
golpeada na cabeça e não resistiu.
Caí ajoelhada no chão, cobrindo o rosto com as mãos
trêmulas e curvando-me sobre o corpo. Eu me sentia partida em mil
pedaços e as lágrimas rolaram livremente.
— Ele a matou! Ele a matou! — gritei entre soluços, sentindo
o meu coração sangrando de tanta dor. — Mãeee!!! Mãeee!!!
Chamei por ela tantas vezes que fiquei rouca e nem senti
quando Rajana me abraçou no chão, tentando me consolar. Também
não senti quando fui levada de volta para a cama, nem quando me
deram algo para beber que me fez adormecer minutos depois.
Nunca senti tanta dor! Nunca me senti tão sem rumo, tão sem
vontade de viver e sem esperanças em nada na vida. Eu não queria ver
nem falar com ninguém. Queria ir para onde a minha mãe estava,
desaparecendo daquele mundo cruel onde os homens matavam as
mulheres como animais.
Entrei em um estado de letargia, mas aquilo não me impediu
de ouvir vozes alteradas de homens em frente ao prédio da casa de
acolhimento logo no dia seguinte. Aquilo se repetiu dia após dia, em
uma pressão sem igual feita sobre a diretora. Eu sabia que a instituição
possuía dois seguranças, mas até quando eles conseguiriam impedir
que uma turba de homens invadisse a casa de acolhimento para me
arrancarem à força dali?
Entre eles, estava Musad Faez, o meu noivo por obrigação.
Juntos, ele e o meu pai possuíam influência suficiente para conseguir
colocar as duas cidades contra a diretora da casa.
Eu já nem tinha esperanças de ser salva, até que uma mulher
baixinha e emanando uma luz interior incrível entrou no meu quarto.
Ela usava uma abaya em tons verdes e um hijab da mesma cor que a
deixavam muito elegante. Os olhos amendoados espelhavam uma
empatia com o meu sofrimento que não encontrei em mais ninguém
ali dentro. Senti que me entendia verdadeiramente e aquilo fez
renascer a minha fé em algo que nem eu mesma sabia que ainda
acreditava.
Eu estava sentada encolhida no canto da cama com as costas
na parede quando ela se aproximou de mim.
— Salaam aleikun, Thara. Sou Malika Al Kabeer e
represento Farah Al Jaber da família real. Estou aqui para ajudar você.
Eu sabia que ela estava para chegar. A diretora havia
comentado comigo sobre a vinda da princesa Malika de Sadiz, uma
vez que a situação em Rummán estava ficando complicada demais
para ela resolver sozinha. Eu só não esperava vê-la chegar a tempo de
me salvar.
— Alaikum as-salaam, alteza — cumprimentei-a, sentando-
me na beirada da cama.
— Me chame de Malika. — Havia humildade no sorriso que
me deu quando se sentou ao meu lado. — Acho que temos quase a
mesma idade e podemos nos tratar pelos nossos nomes. Quantos anos
tem?
— Vinte e cinco.
— Vou fazer vinte e sete, mas com vinte e quatro o meu tio
me enviou para a prisão, onde sofri horrores. Estar aqui hoje é um
milagre de Allah. Se tiver fé, este milagre pode acontecer com você
também.
— Já não tenho mais a minha mãe. Que milagre posso
querer?
— Sua mãe morreu para que você ficasse livre do destino que
ela teve. Vai se entregar agora? Como acha que ela vai se sentir ao ver
que se sacrificou em vão? Lute por você e por ela, Thara.
Aquelas palavras quebraram a letargia que eu vinha sentindo
nos últimos dias e um choro convulsivo me dominou.
A princesa tinha razão. Eu havia deixado que o medo e a
insegurança me vencessem. No fundo, estava apavorada em enfrentar
o mundo sozinha, sem a minha mãe para me dar apoio. Eu não podia
mais viver na minha cidade, nem em qualquer outra cidade da região
sem que fosse tratada como uma pecadora. Se não morresse pelas
mãos do meu pai ou do noivo que me arranjaram, morreria pelas mãos
de qualquer outro homem que cruzasse o meu caminho. Que destino
uma mulher sozinha e sem família teria em uma sociedade patriarcal
como era a nossa?
— Não se desespere, Thara. Você não está sozinha — a
princesa disse ao me abraçar, parecendo entender todas as minhas
inseguranças. — As casas de acolhimento estão cheias de mulheres
em situações parecidas com a sua ou até piores. Nenhuma de vocês
será abandonada. Podemos nos ajudar mutuamente e lutarmos juntas
para sermos felizes, pelos nossos direitos. Não desista!
Foi assim que ela me conquistou. A princesa Malika podia
ser pequena em tamanho, mas possuía uma grandiosidade inigualável.
Conseguiu trazer alguma luz de esperança para a minha vida quando
eu já não tinha esperança nenhuma.
— O meu pai quer me pegar de volta para me matar também,
igual como fez com a minha mãe.
— Eu não vou deixar.
A resposta foi calma, convicta e confiante, surpreendendo-me
pela força que emanava dela. Pela primeira vez desde que fugi de casa
sem a minha mãe e me refugiei na instituição, senti que realmente
estava protegida. Antes, eu tinha a sensação de que era uma questão de
tempo até o meu pai me arrancar com violência dali.
Foi ainda com lágrimas nos olhos que agradeci.
— Shukran25, princesa!

O meu pai organizou uma manifestação em frente à casa de


acolhimento, exigindo que eu fosse devolvida, mas a princesa o
enfrentou.
Eu sabia que se caísse novamente nas mãos dele, seria uma
mulher morta. Se ele não me matasse, seria apenas por imposição do
meu noivo, que provavelmente ia me querer para ter ele mesmo o
prazer de me castigar após o casamento.
A princesa Malika veio da capital acompanhada por dois
seguranças, que se juntaram aos que já trabalhavam na casa e foram
dispersar os manifestantes. O mais alto e assustador deles tomou a
frente, liderando o grupo.
— As casas de acolhimento do Ministério da Mulher são
instituições intocáveis dentro de qualquer região do país — ele gritou
com uma voz retumbante para todos ouvirem, inclusive eu, que estava
escondida atrás da cortina de uma das salas. — Ninguém,
absolutamente ninguém, pode invadir uma dessas casas sem sofrer as
consequências. Aqui em Rummán, a diretora Rajana Farouq responde
diretamente à Sua Alteza Real Farah Al Jaber e eu faço cumprir as
ordens reais. Se a casa de acolhimento de Rummán sofrer qualquer
tipo de atentado, o príncipe herdeiro Saqr Al Harbi ordenará o cerco à
cidade e os responsáveis serão punidos. Se alguém faltar ao respeito
com a princesa Malika Al Kabeer, responderá diretamente ao príncipe
Yusuf Al Harbi. Quem tiver algo a dizer contra, fale agora para mim!
Estremeci quando o meu pai deu um passo à frente.
— Só quero a minha filha de volta. Como pai, tenho direitos
sobre ela.
— Sua filha saiu de casa de livre e espontânea vontade e não
quer voltar. Já é maior de idade e tem os direitos dela. — O segurança
da princesa foi duro na resposta. — Ela agora está sob a tutela do
Estado e sob a proteção da família real. Aconselho que volte para casa
e reze pela alma da falecida senhora Ayad.
Fouad deu um passo à frente, mas o meu pai o segurou pelo
braço. O segurança da princesa não se abalou, encarando-o. O clima
ficou tenso e respirei profundamente ao pensar que mais pessoas
morreriam por minha causa. Entretanto, o meu pai fez um sinal a todos
e a multidão de homens se dispersou, cada um indo para a sua casa.
Tremendo muito, soltei a cortina e voltei para o meu quarto,
sentando-me na cama. Eu não via futuro para mim ali em Rummán.
Mas para onde vou?
A resposta veio através da princesa Malika. Ela me procurou
minutos depois, os olhos amendoados com um brilho decidido.
— Conversei com Farah e você vai comigo para Jawhara.
Não vou deixar que fique aqui nesta cidade.
— Para a capital? — perguntei nervosamente.
— Sim. A casa de acolhimento de Jawhara tem todas as
condições para acolher você muito melhor do que aqui. Lá você terá
paz e poderá recomeçar a sua vida. Não há mais lugar para você em
Rummán.
Mas era ali que a minha mãe estava, mesmo que enterrada.
Eu sentia como se estivesse deixando-a definitivamente para trás.
Parecia que uma parte de mim ficaria enterrada ali também.
Contudo, no dia seguinte entrei no carro com a princesa
Malika e seguimos viagem para Jawhara. Apesar de aparentar
tranquilidade, eu tremia por dentro. Só Allah sabia do meu destino
daquele momento em diante.
A grandiosidade da capital me assustou muito assim que
chegamos. Os prédios eram enormes, altos e imponentes. As ruas
pareciam nunca estar vazias com o vaivém constante de carros e
pessoas. Pude comprovar que as mulheres se vestiam como a princesa
Malika, com roupas coloridas de tecidos leves e esvoaçantes, muitas
vezes usando os cabelos soltos ou presos em tranças elaboradas.
Tudo o que o meu pai sempre condenou estava ao meu redor
e tentei não demonstrar a apreensão que sentia com o que o futuro me
reservava.
A Casa de Acolhimento Farah Al Jaber era de uma
grandiosidade impressionante se comparada com a de Rummán, muito
mais simples. A princesa Malika me apresentou à diretora Adiva Al
Madini, que me recebeu calorosamente e foi a responsável por me
mostrar as instalações da instituição.
Os meus primeiros dias ali foram de silêncio. A realidade de
tudo o que havia acontecido caiu de uma só vez em cima de mim
quando me vi sozinha dentro do quarto que seria o meu lar por um
tempo indefinido da minha vida.
Foi naquele quarto que me vi nitidamente em um espelho
pela primeira vez.
Abismada, passei a mão no meu rosto, querendo confirmar
que aquela mulher estranha que me olhava era eu mesma. Com
curiosidade, toquei as sobrancelhas bem desenhadas sobre os olhos
escuros que refletiam toda a minha perplexidade. O nariz era delicado
e harmonioso, a única coisa em mim que lembrava a minha mãe.
O que mais chamou a minha atenção foi a boca, que achei
muito grande, com lábios carnudos demais que atraíam imediatamente
o olhar. Apesar de estranhar o tamanho deles, não eram feios e até que
combinavam com o restante do meu rosto.
Sempre achei a minha mãe bonita, mas eu não me parecia
com ela, nem com o meu pai. Eu era diferente e foi exatamente assim
que me senti ao me olhar no espelho pela primeira vez. Agora
entendia o porquê de ela dizer que eu era muito parecida com a minha
falecida avó. Uma mulher que, segundo dizia, chamava a atenção pela
beleza.
Lembrar da minha mãe trouxe de volta a dor da perda. Apesar
de o quarto ser confortável, a solidão que eu sentia no peito tornava
tudo árido à minha volta.
Foi assim que me isolei na minha dor, apesar de ter várias
mulheres ao meu redor, tanto vítimas de violência, quanto
profissionais e funcionárias. O lugar era muito bonito, com jardins
impressionantes, mas demorei muito tempo para ter condições de
apreciar aquela beleza. A verdade era que o trauma de tudo o que
havia acontecido estava entranhado dentro de mim e eu sabia que tão
cedo conseguiria superar o meu passado.
Talvez nunca o superasse.
Capítulo 6
Majdan
A cada dia que eu passava na clínica Dawn Light, mais
acreditava nas palavras de Takeshi quando dizia que Allah tinha algo
reservado para mim. Se era especial ou não, ninguém sabia, só o
próprio Allah.
O primeiro sinal de mudança aconteceu com a chegada do
meu irmão Yusuf a Nova York. Ele veio com a missão de dar
andamento à expansão da empresa da família nos Estados Unidos, mas
acabou por ser o instrumento de Allah para mudar o meu destino.
Nada era por acaso.
Rever Yusuf foi ter de volta as lembranças da minha vida
familiar em Tamrah. Se havia sete anos separando Saqr e eu, com
relação a Yusuf era quase uma década inteira. Eram nove anos de
diferença de idade e eu sempre o vi como um menino que não parava
quieto em canto nenhum, sempre correndo pelo palácio. Agora, Yusuf
era um homem feito, responsável pelos serviços secretos do país e,
também, pela expansão da Global Harbi ali em Nova York.
Ele era muito perceptivo e notou logo as mudanças em mim
quando entrou na área exclusiva que eu ocupava dentro da clínica. Na
Dawn Light, só eram admitidos sete pacientes por vez, o que nos
permitia ter bastante espaço e privacidade.
Achei que Yusuf só veria a transformação física pela qual
passei, já que perdi os quilos a mais que ganhei com a vida desregrada
que levei, mas ele percebeu também a mudança interior.
— Você está em ótima forma física! Estou impressionado.
— Graças a Allah e ao excelente trabalho que fazem aqui. —
Abracei-o, feliz em vê-lo novamente. — Sente-se e me conte
novidades de Tamrah. Como estão os meus filhos?
— Eles estão bem. Apesar de sentirem muitas saudades, os
três têm o hábito de repetir que é preciso tempo para que Allah cure o
pai.
Emocionei-me ao saber daquilo.
— Allah me abençoou com filhos maravilhosos. Sinto
saudades deles.
— Tenho fotos aqui no celular para mostrar a você.
Uma das regras da Dawn Light era o total isolamento do
mundo lá fora e aquele foi o motivo principal que me fez escolher
aquela clínica. Não podíamos usar celular ou internet, nem receber
visitas, principalmente os casos mais graves. E eu fui um caso grave.
No começo, foi muito difícil me adaptar a tantas restrições,
mas consegui. Hoje, nada daquilo me fazia falta, exceto quando
pensava nos meus filhos. E foram justamente eles que trouxeram
lágrimas aos meus olhos quando Yusuf mostrou as fotos e um vídeo
que Hud, Imad e Abia gravaram para mim.
— Papai, sentimos muitas saudades — os três disseram
juntos, sorrindo e acenando para a câmera. — Estamos ansiosos para
tê-lo de volta em casa. Te amamos muito!
Aquele vídeo foi demais para mim. A saudade veio forte e
quebrei totalmente, cobrindo o rosto com as mãos quando as lágrimas
inundaram os meus olhos. Sempre fui duro para chorar, mas não
naquele momento.
— Não fui um bom pai. Fui um péssimo exemplo para os
meus filhos. Para piorar, estou sendo um pai ausente, internado aqui
há tanto tempo.
Sentado ao meu lado no sofá, Yusuf me abraçou pelos
ombros.
— Você pode não ter dado um bom exemplo para eles, mas
foi um bom pai. Sempre amou os seus filhos e se preocupou com eles.
A maior prova é esse vídeo que eles gravaram.
— E a Hayat?
Eu não a queria perto dos meus filhos, principalmente de
Abia. Por ser menina, minha filha havia passado muito mais tempo
com a mãe do que os meus outros dois filhos e sofreu muito quando
Hayat foi presa. Tive a ajuda da minha mãe para explicar à Abia tudo
o que havia acontecido. Ela tinha uma ligação muito forte com a avó e
entendeu tudo, mas o trauma ficou.
Depois da traição que sofri da mulher que julgava ser uma
esposa perfeita, decidi que não voltaria a me casar. Eu já tinha três
filhos que amava muito e não precisava de mais. Também não era
mais o príncipe herdeiro para cumprir obrigações de sucessão.
Para mim, as mulheres agora só tinham uma função: darem
prazer. E mais nada!
— Hayat continua cumprindo pena no presídio feminino,
sempre pedindo para ver os filhos, mas negamos. Estamos aguardando
o seu retorno à Tamrah para decidirmos isso em família. Daqui até lá,
Hayat pode esperar.
— Eles não pediram para ver a mãe?
— Não. Se tivessem tocado no assunto, nossa mãe teria
comentado algo.
Sim, sem dúvida que ela teria dito algo. A minha mãe era
uma leoa quando o assunto era a família.
— Conte como estão as coisas em Tamrah. Sinto-me em
débito com o meu país.
Foi a partir daquele momento que fiquei a par de coisas que
eu sequer desconfiava, o que já mostrava o nível de alheamento que as
drogas me levaram.
Yusuf se surpreendeu com o meu interesse por assuntos que
antes pouco me importavam, como as questões de governo. Apesar de
ter tido uma excelente formação em ciência política, eu realmente
estava em débito com o meu país. Nada fiz de útil para Tamrah nos
últimos anos, talvez na minha vida inteira.
De tudo o que Yusuf me contou, o que mais me preocupou foi
a situação política de Sadiz, o país vizinho ao nosso e que era regido
por Suleiman, o pai de Mubarak. Pelo que tudo indicava, o meu antigo
amigo estava tentando dar um golpe de Estado em cima do próprio
pai. Saber daquilo foi revelador, mas não me surpreendeu tanto. Eu
esperava tudo de Mubarak.
— Decidimos que vamos apenas acompanhar os
desdobramentos do momento político que Sadiz está vivendo — Yusuf
explicou. — Apesar do que Malika disse, não temos como ter certeza,
muito menos provar, que Mubarak realmente está planejando algo
para assumir o poder antes da hora.
Eles até podiam duvidar, mas eu não.
— Mubarak é capaz disso — afirmei com convicção,
sentindo-me cada vez mais preocupado.
A minha verdadeira preocupação tinha a ver com o fato de
Sadiz e Tamrah terem ligações muito próximas, não apenas por minha
causa, que assinei vários acordos comerciais entre os dois países, mas
também por causa do casamento de Saqr com Kismet, uma das
princesas de Sadiz.
— Acha mesmo que ele seria capaz? Até a própria Malika
não tem tanta certeza assim. Depois de tudo o que ela sofreu na prisão,
é compreensível que tenha confundido as coisas ou delirado em algum
momento.
— Ela pode ter dúvidas, mas eu não tenho. Conheço Mubarak
e sei que ele é capaz de planejar um golpe para assumir o poder. Não é
nenhum delírio de Malika.
Malika era ativista política e irmã de Kismet. Ela foi presa
por ordem de Suleiman, mas uma equipe especial comandada por
Yusuf conseguiu resgatá-la. Agora, Malika vivia em Taj Almamlaka, o
palácio real da nossa família.
Pela maneira como Yusuf falava dela, notei logo que estava
emocionalmente envolvido.
— Você gosta dela — comentei, com esperança que ele
negasse.
— Ela é minha noiva!
Khara!26
Aquela informação me preocupou muito mais do que deixei
transparecer. Eu sabia que Mubarak era apaixonado por Malika e não
conseguia vê-lo renunciar a ela para um outro homem, ainda que
aquele homem fosse o meu irmão.
Se Mubarak está pensando em fazer algo contra Yusuf ou
Malika, vai se foder na minha mão. Ninguém mexe com a minha
família enquanto eu estiver vivo!
Consegui disfarçar bem o que estava sentindo durante o
tempo em que Yusuf ficou comigo. Assim que ele foi embora, saí
imediatamente em direção ao prédio principal da clínica.
Entrei na sala da administração, onde uma mulher loura
estava trabalhando concentrada no computador.
— Salaam aleikum27, Sarah.
Ela ergueu o rosto e sorriu ao me ver. O sorriso era íntimo e o
olhar era quente o suficiente para incendiar o corpo de um homem.
Sarah não deveria se envolver com os clientes bilionários da clínica,
mas a mulher não parecia estar preocupada com aquilo. Pelo menos
não demonstrou nenhuma preocupação ao se deitar na minha cama.
— Alaikum as-salaam 28, Majdan! — ela respondeu com um
sotaque carregado.
Sarah havia feito questão de aprender comigo algumas
palavras e frases em árabe. Eram poucas, mas ouvir o meu idioma
sendo falado por outra pessoa dentro da clínica me fez bem, mesmo
sabendo que a motivação por trás do interesse dela havia sido tudo,
menos criar empatia com um dos clientes. Desde o início, desconfiei
que ela se excitava ao imaginar como era ser fodida por um árabe,
seduzida pela aura de pecado que havia por trás da minha cultura.
Sarah não se importou em iniciar um relacionamento sexual
bem debaixo das vistas da rigorosa direção da clínica. Formávamos
um par interessante. Ela gostava de quebrar regras e eu já havia
quebrado todas as regras que pude na minha vida. Foder com a
secretária da Dawn Light foi apenas mais uma delas.
— É tão raro ver você aqui. Está precisando de alguma coisa?
— Estou. Nunca usei aquele direito que conquistei de fazer
uma ligação depois de atingir o segundo estágio do tratamento, mas
agora quero usar. Preciso do meu celular que está no cofre.
Ela me olhou com curiosidade, mas não questionou os meus
motivos.
— Vou providenciar, mas vai demorar uns dez minutinhos.
— Tenho tempo. — Sorri com ironia, uma vez que tempo era
o que mais tínhamos ali dentro.
Ela deu um sorrisinho malicioso, mas foi cumprir sua
obrigação. Dez minutos depois, colocou o celular e o carregador à
minha frente, junto com um papel.
— Vou precisar que assine aqui. É uma declaração simples de
que está recebendo o seu aparelho de volta. Terá de o devolver depois,
se não quiser quebrar as regras da instituição.
Aquela última frase foi dita com a maior inocência do
mundo, como se ela fosse a maior cumpridora de regras ali dentro.
Peguei o papel escrito em inglês e li com atenção para ter
certeza de que era mesmo o que ela havia dito. Só depois assinei.
— Shukran29, Sarah — agradeci, devolvendo a declaração.
Capítulo 7
Majdan
Minutos depois, eu estava ligando para o número de
Mubarak. De todas as pessoas do mundo lá fora, ele era o último com
quem eu queria falar, mas as circunstâncias me obrigavam. O amor
que eu sentia pela minha família me obrigava.
Aguardei que me atendesse, ciente de que falar com Mubarak
era entrar novamente em contato com tudo o que me levou às drogas.
— Salaam aleikum30, meu amigo. Há quanto tempo!
A maneira de falar era a mesma de sempre, alegre e
camarada, só que agora eu também conseguia notar a bajulação no
tom de voz dele, algo que passou despercebido para mim antes.
— Alaikum as-salaam31, Mubarak. É verdade, faz um longo
tempo.
— Tentei ligar várias vezes para você, mas o seu número
estava sempre desligado. Fico satisfeito em saber que ele ainda é seu e
que você está bem.
— Sim, estou bem.
— Mas afinal onde você está? Desapareceu de Tamrah sem
avisar para onde ia. Senti a sua falta, meu amigo.
Era incrível como agora eu conseguia ver em cada palavra
dele um Mubarak totalmente diferente do de antes. Aquele “meu
amigo” nunca me soou tão falso e dissimulado. Eu precisei chegar ao
fundo do poço da degradação humana para enxergar aquele homem
como ele realmente era. Um homem a quem considerei erradamente
como um amigo de confiança durante anos.
Furioso comigo mesmo, bati o punho fechado no peito.
Que idiota que fui!
— Resolvi dar uma volta pelo mundo, mas então fiquei
sabendo de algumas coisas e decidi que estava na hora de falar com
você.
— Você está diferente. Parece outro homem.
Eu entendia a confusão dele, uma vez que Mubarak realmente
nunca me conheceu. O príncipe herdeiro arrogante que o
acompanhava nas farras não mostrava nem um por cento do homem
que eu era.
— Este sou eu, o verdadeiro Majdan. O outro não era nem
metade do que realmente sou. Aquele seu amigo não existe mais.
Mubarak demorou a responder. Ficou perceptível para mim o
quanto o surpreendi ao falar aquilo.
— Mesmo sendo um novo homem, ainda somos amigos.
Prezo muito a sua amizade.
Ele nem conseguiu disfarçar a urgência em me convencer
daquilo. De fato, Mubarak não queria perder a minha amizade, mas
hoje eu sabia o real motivo disso. Não era por gostar de mim e sim
pelas vantagens de ser o melhor amigo do filho primogênito do
poderoso Rashid Al Harbi de Tamrah. Ainda que hoje eu fosse um
príncipe destituído da posição de sucessor do meu pai, continuava
possuindo poder, influência e mais dinheiro do que Mubarak.
Nunca me senti tão endurecido quanto naquele momento.
— Se preza “a nossa amizade”, então me deixe dar um
conselho de amigo, que, inclusive, é o motivo da minha ligação. Não
faça absolutamente nada contra a minha família, Mubarak — ameacei
friamente, surpreendendo-me com a capacidade que sentia ter dentro
de mim de esmagá-lo sem piedade. — Fui seu amigo durante anos,
mas se você ousar agir contra qualquer um deles, garanto que não vai
gostar de me ter como inimigo.
Eu sabia que aquela ameaça havia percorrido a longa
distância que separava os Estados Unidos do Oriente Médio e caído no
colo de Mubarak com um efeito destruidor. Desde que nos
conhecemos, aquela era a primeira vez que eu o ameaçava de uma
maneira tão direta.
— Eu nunca faria nada contra a sua família. Que motivos
teria para isso? — negou de imediato. — Tem certeza de que não
tomou nada que alterou o seu estado de consciência? Costumávamos
ficar chapados anos atrás, mas sempre foi com produto de qualidade.
Acho que o seu fornecedor atual não é bom.
Ri com amargura ao ouvir aquilo, considerando que ele
realmente havia me oferecido drogas da mais alta qualidade, quase ao
ponto de me destruir por completo de tão viciado que fiquei.
Apesar das lembranças desagradáveis que aquela ligação
estava trazendo, ela também estava sendo libertadora. Agora eu
enxergava tudo através da visão de um homem limpo de qualquer tipo
de droga e conseguia ver o Mubarak que se escondia por trás da
máscara.
— Já fui e voltei do inferno várias vezes, mas hoje estou
sóbrio e limpo. Vá se acostumando comigo assim, porque este sou eu.
O outro Majdan não existe mais.
— O que importa é que continuamos amigos. — Ele voltou a
insistir no mesmo assunto da amizade. — Quanto à sua família, não
tenho nada contra nenhum deles. Ao contrário, hoje estamos ligados
por laços familiares. Kismet está casada com Saqr. Malika está noiva
de Yusuf. Com essas duas uniões das minhas primas com os seus
irmãos, a nossa amizade só se estreita ainda mais.
Contraí a boca com cinismo.
— Fico feliz em saber que está satisfeito com o destino das
duas, porque é com os meus irmãos que elas vão continuar. Deixe a
Malika em paz.
— Há muito tempo que torço pela felicidade de Malika, meu
amigo. O meu pai tinha umas ideias erradas sobre a condução dos
conflitos familiares, mas eu não compartilhava da mesma opinião. —
Tentou jogar a culpa no pai, com quem havia aprendido a ser um
manipulador desprezível. — E quando é que você volta dessa viagem
ao redor do mundo? Precisamos nos encontrar um dia desses.
Cerrei o punho em um gesto instintivo, algo em mim
aguardando ansiosamente por aquele dia.
— Ainda não tenho uma data certa. Quando eu voltar à
Tamrah você vai ficar sabendo.
Encerrei a conversa sem me despedir, desligando o celular e
jogando-o sobre a mesa de centro da sala. Levantei-me e saí para o
jardim privativo que circundava os meus aposentos, deixando que o
sol batesse no meu rosto.
As coisas na minha cabeça estavam tão claras quanto aquele
sol. A sensação que eu tinha era de que um véu negro havia sido
retirado da minha frente e que agora eu conseguia enxergar o meu
antigo mundo como ele sempre foi. Escuro, imoral, deprimente,
degradante. Eu via as coisas como elas realmente eram e não como
pareciam sob o efeito das drogas.
Analisando tudo com aquela nova perspectiva, eu tinha
certeza de que Mubarak ia dar um jeito de antecipar o momento em
que assumiria a sucessão de Sadiz.

Aquilo tanto era verdade que, semanas depois, a instabilidade


interna de Sadiz se agravou. Yusuf veio me visitar e contou que o
nosso pai ligou várias vezes para Suleiman, mas quem atendia era
sempre Mubarak, dizendo que o pai estava afastado do governo para
tratar da saúde.
— Então, Mubarak finalmente conseguiu se apossar do
governo — rosnei tensamente.
— Tudo indica que sim — Yusuf confirmou com o semblante
carregado. — É muito estranho que Suleiman tenha adoecido
justamente agora, quando Sadiz está praticamente com uma guerra
civil declarada. Nosso pai está preocupado com a escalada da
repressão política de Sadiz e com a tensão cada vez maior na fronteira.
Aquilo seria o mínimo que ia acontecer caso Mubarak
assumisse definitivamente o lugar do pai.
— Ele ainda vai precisar da aprovação do conselho dos
anciões para ser empossado — lembrei a Yusuf. — A menos que dê
um golpe de Estado, se autointitulando como novo governante de
Sadiz.
— Se isso acontecer, ele terá um grande problema para
resolver diante da Coligação Árabe. Não é assim que as coisas
funcionam para a maioria.
— A sede de poder de Mubarak vem de há muito tempo.
Depois que assumir, só sairá de lá morto.
Cruzamos o olhar com seriedade.
— Que seja assim, então — Yusuf afirmou calmamente.
Com o agravamento da tensão política na região, eu sabia que
Yusuf precisaria voltar com urgência para Tamrah, só não esperava ter
de assumir o lugar dele em Nova York.
Quando ele me fez a proposta, tremi nas bases.
— Sei que você disse que ainda não estava preparado para
voltar, mas a cada vez que nos vemos e que conversamos mais certeza
tenho de que está pronto, sim — Yusuf foi muito firme no que disse,
surpreendendo-me ao apostar em mim. — Você é outro homem hoje,
com uma força de caráter que antes não tinha, ou que deixou de ter
durante a sua trajetória como amigo de Mubarak. Tudo o que estou
fazendo atualmente para a expansão da Global Harbi, você sabe fazer
melhor do que eu.
Meneei a cabeça em uma negativa.
— O que fiz foram muitas merdas quando ainda era o
príncipe herdeiro. Tomei decisões erradas que decepcionaram nosso
pai — lembrei-o, determinado a mostrar que eu era a pessoa menos
indicada para aquela missão.
— Isso é um fato, mas um fato do passado. O conhecimento,
a experiência que o cargo exige e a liderança você sempre teve. O que
faltou foi o discernimento para pensar e tomar a decisão certa, algo
que as drogas lhe roubaram naquela época.
Naquela época. E hoje? Será que estou forte o suficiente
para me manter limpo?
— Hoje, sem as drogas, você é dono da sua razão, tem
controle mental e poderá seguramente assumir as últimas negociações
da nossa empresa — Yusuf insistiu, parecendo muito certo do que
dizia. — Allah está lhe dando uma oportunidade de provar a si mesmo
que voltou a ser o verdadeiro Majdan. Já não vejo a arrogância de
outros tempos, mas a humildade de quem caiu e conseguiu se levantar.
O homem que vejo ao meu lado agora é o irmão que conheci na
infância, é o filho primogênito do Sheik Rashid Al Harbi e de Farah
Al-Jaber, é o pai de Hud, Imad e Abia. Todos nós amamos você e
queremos que volte. A família Al Harbi está precisando que se junte a
nós nessa luta. O nosso país precisa de você.
Porra!
Senti a garganta travar de emoção com aquelas palavras de
Yusuf. A minha família nunca me abandonou, mesmo quando fiz
merda atrás de merda, mesmo quando envergonhei a todos e,
principalmente, quando perdi a vontade de viver. Quantas vezes os
meus irmãos me socorreram nas crises de abstinência ou nos surtos
psicóticos das drogas. Eu estava em débito não era só com o meu país,
mas também com a minha família.
Emocionado, abracei Yusuf com força, como se assim
pudesse abraçar a todos eles.
— Pode voltar para Tamrah. Eu assumo as negociações da
Global Harbi.
Allah estava conduzindo novamente o meu destino. A minha
família contava comigo e eu não podia falhar. Não me sentia pronto
para sair de Dawn Light, mas, se Allah achava que sim, só restava me
curvar diante da vontade d’Ele.
Naquele mesmo dia, fui conversar com Takeshi.
— Não me sinto pronto para sair daqui e voltar ao mundo,
ainda mais assumindo logo uma responsabilidade dessas — desabafei
com ele.
— Quem sabe se você está pronto ou não, é Deus. É o seu
Allah. — Ele sorriu com serenidade. — A sua hora chegou, Majdan.
Vou sentir falta do meu amigo.
Emocionei-me com o que ele disse. Takeshi havia passado a
ser um verdadeiro amigo e não apenas um mentor espiritual e
professor de karatê. Era o amigo mais correto que jamais tive na vida.
Abracei-o, emocionado.
— Vá me visitar em Tamrah assim que puder, meu amigo.
Leve sua esposa e filhos.
— Obrigado, Majdan. Irei com prazer. Se precisar de ajuda,
você tem o meu número. Pode me chamar a hora que for.
— Shukran32, Takeshi. Que Allah o abençoe sempre.
Assumir as últimas negociações da expansão da Global Harbi
em Nova York ajudou a que eu reconquistasse a confiança em mim
mesmo. De início, o medo de uma recaída e a insegurança na minha
competência me fizeram duvidar que estivesse preparado para sair da
clínica e voltar a enfrentar o mundo. Contudo, o tempo mostrou que o
“acaso” era, na verdade, a mão de Allah traçando o meu destino.
Havia chegado a hora de provar que eu era merecedor de uma
segunda chance e assumi com determinação o desafio.
Capítulo 8
Majdan
No mesmo dia em que Yusuf embarcou para Tamrah, recebi
uma das piores notícias da minha vida.
Meu irmão voltou para o nosso país, mas deixou em Nova
York o assistente dele para me ajudar. Foi justamente o Adnan quem
entrou na sala do escritório da presidência da Global Harbi para me
informar sobre um atentado à bomba na cidade de Azra, que fazia
fronteira com Sadiz.
— Uma bomba explodiu em Azra? — Levantei-me da
cadeira abruptamente, sem acreditar no que tinha acabado de ouvir. —
Tem certeza de que foi um atentado? Isso nunca aconteceu em
Tamrah.
— Fiquei sabendo agora pelo noticiário, alteza. As cenas que
vi são de um atentado. Aconteceu no acampamento de refugiados.
— Obrigado por me avisar, Adnan. Vou ligar para o meu pai.
Ele me deixou sozinho e peguei imediatamente o celular.
Quando o meu pai atendeu, respirei aliviado ao ouvi-lo.
— Filho! Como é bom receber uma ligação sua depois de
tanto tempo.
Emocionei-me com o amor evidente na voz dele.
— Também estou feliz em falar novamente com o senhor,
pai.
— Você está bem?
— Sim, estou bem, mas preocupado com o que acabei de
ficar sabendo. É verdade esse atentado à bomba? Estou sem acreditar
nisso.
— Infelizmente, é. Foram três bombas que explodiram em
simultâneo — ele me informou, deixando-me realmente perplexo. —
Foi Yusuf quem nos avisou. Aconteceu quando ele ainda estava
sobrevoando Azra de helicóptero para se encontrar com Malika. Saqr
já foi para lá depois de acionar o exército e estou aqui me segurando
para não ir também.
Preocupei-me mais ainda ao imaginar o meu pai correndo
qualquer tipo de perigo.
— Não vá, pai. Saqr e Yusuf vão resolver tudo. Também
temos militares experientes para controlar a situação.
— É o que a sua mãe me disse há poucos minutos, mas estou
com tanta raiva do que aconteceu que só tenho vontade de ir lá. Um
atentado à bomba é inadmissível em Tamrah.
Ele tinha razão. Até eu estava com vontade de pegar o
primeiro avião e ir ajudar os meus irmãos, mas sabia que não podia
abandonar o projeto de Nova York.
— Sei que é cedo para perguntar, mas já descobriram quem
fez isso?
— Ainda não. O esquadrão antibomba está vistoriando tudo e
deve dar um parecer em breve. Daqui até lá, nada mais podemos fazer
além de aguardar.
— A minha mãe, como está?
— Preocupadíssima, mas é uma fortaleza, como você sabe.
Ela agora está dando apoio às duas noras. Malika estava em Azra
quando houve as explosões e chegou há pouco tempo do hospital. Ela
está bem, mas muito nervosa, o que é compreensível. Kismet não está
diferente e inspira mais cuidados por estar na terceira gravidez.
— Então nem vou pedir para falar com a mãe agora. Ligo
novamente à noite.
— Faça isso, filho. Seus irmãos já deverão estar em casa e
conversaremos sobre o assunto. — Ele fez uma pausa, para depois
dizer com a voz emocionada: — Estou muito orgulhoso por você ter
assumido tudo aí em Nova York, Majdan. Como nos velhos tempos.
Engoli duro para tirar o travo de emoção da garganta,
contraindo a mandíbula com força.
— Shukran, pai.
Não consegui dizer mais nada além daquilo. Ainda assim, a
minha voz saiu rouca e engasgada. Ele deve ter notado, mas não
comentou nada. Ainda conversamos por mais alguns minutos antes de
desligar.
Caminhei até a parede de vidro que mostrava o entardecer em
Manhattan e limpei o rosto das lágrimas que caíram. Respirei
profundamente para me controlar, pensando no quanto tudo ao meu
redor parecia estar mudando de uma maneira vertiginosamente rápida,
a começar por Tamrah.
Atos terroristas como aquele nunca haviam acontecido no
meu país. Eu podia ter ficado muito tempo alienado dos assuntos
políticos que envolviam Tamrah, mas se existia algo que podia afirmar
com convicção, era que o terrorismo não fazia parte dos nossos
problemas internos.
Como se não bastasse a tensão política na região, causada
pela instabilidade no governo de Sadiz, havia também o problema dos
milhares de refugiados que estavam fugindo para o nosso país. Se
fosse só aquilo, até que dava para gerir bem, mas quando havia um
bombista no meio dos refugiados, a coisa ficava pior e fugia do nosso
controle.
Foi com relação àquilo que conversei depois com Yusuf
quando ele me ligou dias depois para me manter atualizado sobre a
investigação do atentado em Azra.
— Malika não tem certeza se o homem que viu é mesmo
Hisham Al Amari. — Meu irmão nem conseguiu disfarçar a raiva no
tom de voz. — Mas algo me diz que é ele.
Saber que o suspeito número um do atentado era o chefe
prisional de Thueban, a prisão subterrânea onde Malika ficou
encarcerada, fez com que a minha desconfiança recaísse de imediato
sobre Mubarak, o homem que eu considerava o responsável por todo
aquele caos na região. O problema era a impressão que tive de que
parte do que ele havia me dito durante a nossa conversa era verdade.
Aquilo me irritava, pois hoje tinha consciência do quanto deixei que
Mubarak me influenciasse mal no passado. Fui um idiota ingênuo e
ele um manipular esperto.
Com a visão que eu tinha hoje de tudo o que vivi antes,
conseguia discernir melhor o que era mentira e o que era verdade, mas
ainda não era a hora de ter uma conversa de homem para homem com
o meu antigo amigo. Aquilo aconteceria quando estivéssemos cara a
cara e eu não duvidava que Allah nos conduziria um dia para um
acerto de contas.
Se não fosse a incerteza de Malika com relação a Hisham Al
Amari, eu já teria confrontado Mubarak. Confirmando-se que o
homem que Malika viu era realmente o supervisor prisional de
Thueban, estaria provado que o atentado à bomba foi a mando de
Sadiz. E Sadiz significava Mubarak Al Kabeer, o meu ex-amigo que
hoje eu queria matar, se pudesse.
— Não há mesmo nenhuma pista sobre um outro culpado?
— Não temos pista sobre ninguém. Nem do tal Hisham, nem
de outra pessoa — Yusuf rosnou com raiva. — A sorte é que temos
um homem de Sadiz trabalhando para nós. É o mercenário que nos
ajudou a libertar Malika. Ele foi um militar graduado de Sadiz antes
de abandonar as forças especiais do exército de Suleiman. Assad tem
muitos contatos lá dentro e vai tentar descobrir se Hisham Al Amari
continua em Sadiz. Se estiver por lá, não é o homem que estamos
procurando.
— Avise-me quando descobrir, Yusuf.
— Claro que sim!
Eu tinha todo o interesse em saber se Mubarak estava ou não
por trás do atentado em Tamrah e Yusuf era o responsável da família
por me informar os detalhes da investigação. Às vezes ele passava dias
sem me ligar, o que significava que nada de novo havia sido
descoberto.
Com as reuniões em Nova York intensificando-se, acabei por
me desligar um pouco dos problemas de Tamrah, preocupado em
fechar os contratos importantes para a Global Harbi. Eu não podia
falhar com o meu pai, com os meus irmãos, com o meu país.
As palavras do meu pai, ao dizer que sentia orgulho de mim
por ter assumido aquela responsabilidade, pesavam nos meus ombros.
Havia um lado positivo em tudo aquilo, uma vez que eu era forçado a
dar o melhor de mim para o sucesso da missão. No entanto, não
deixava de ser um peso.
Durante as negociações com os executivos americanos, eu
evitava qualquer evento social fora das salas de reuniões. Ainda não
me sentia seguro para jantares de negócios onde o álcool seria servido
durante as refeições. Se eu provasse um gole sequer, tudo estaria
perdido. Tinha total consciência de que o álcool serviria como um
gatilho para uma recaída.
Enquanto eu era assolado por emoções contraditórias, a vida
continuava em Tamrah. Yusuf e Malika se casaram em uma cerimônia
relâmpago que me pegou completamente desprevenido. Eu sabia que o
meu irmão amava a garota, mas não esperava um casamento do dia
para a noite. Segundo Saqr me informou, foi para evitar que Malika
fosse devolvida para Sadiz.
Como eu não duvidava que havia o dedo de Mubarak por trás
de tudo de ruim que acontecia com Malika, concordei com o
casamento, mesmo às pressas.
Da minha parte, continuei dedicando-me ao trabalho em
Nova York até conseguir fechar os detalhes finais dos contratos que
estavam em andamento. Quando entrei no boeing privado da família
real que ia me levar de volta às minhas origens, o meu coração pulsava
aceleradamente no peito. Agora, sim, havia chegado a minha hora da
verdade.
Eu não fazia a mínima ideia se conseguiria resistir ao vício ao
estar no mesmo ambiente onde tudo começou, se conseguiria manter o
meu corpo sóbrio e limpo de drogas como vinha conseguindo até
agora, mas a única alternativa que tinha era voltar ao mundo real.
Viver escondendo-me dentro de Dawn Light nunca mais seria uma
opção.
A luta contra o vício era diária e busquei dentro de mim tudo
o que havia aprendido com Takeshi e com os profissionais que me
ajudaram nos meus piores momentos na clínica.
Só por hoje vou conseguir. É isso! Se for só hoje eu consigo.
Amanhã é outro dia.
Capítulo 9
Majdan
Apesar da situação militar delicada que estávamos vivendo,
voltar para o meu país foi bem melhor do que pensei a princípio.
Achei que ficaria inseguro ao ter que lidar novamente com o mundo
onde vivi. Uma das recomendações do tratamento era a necessidade de
se afastar dos ambientes onde havia consumo de drogas, mas também
das antigas companhias de farra. Tudo que pudesse servir de gatilho
tinha de ser evitado e pensei se conseguiria resistir às tentações.
Para ter sucesso na minha determinação de ficar limpo, evitei
sair de Taj Almamlaka nos primeiros dias, permanecendo no palácio.
Era na minha ala em Taj que eu me isolava na companhia dos meus
filhos.
— Papai! Não é assim que se pinta! — Abia gargalhou ao ver
o desastre que eu estava fazendo no desenho.
Contive um sorriso, achando graça do tom de reclamação que
ela tentou colocar na voz, mas sem sucesso. Abia agora estava com
dez anos e eu não me cansava de ver como cresceu durante o longo
período do meu tratamento em Dawn Light, após três recaídas. Ela era
uma princesinha doce e delicada, mas sabia ser dura com o pai quando
queria.
— Sou um aprendiz de pintor. Já você, se tornou quase uma
profissional na minha ausência.
Ela ficou encantada com o elogio e me deu um beijo no rosto,
feliz. Estávamos semideitados no tapete do quarto dela, com papéis e
lápis de cor espalhados à nossa frente.
— Eu melhorei muito, mas foi porque Thara me ensinou.
Eu não fazia ideia de quem era Thara, mas deduzi que fosse
alguma professora dela. Depois de passar tanto tempo fora de casa, eu
tinha a sensação de ter perdido momentos importantes da vida dos
meus filhos.
— É a sua professora na escola?
— Não. Thara é uma amiga de tia Malika. Ela é muito
boazinha e brinca comigo sempre que vem aqui.
— Se você gosta tanto de desenhar e pintar, posso encontrar
uma professora de verdade.
Abia fez uma careta engraçada que, a meu ver, só a deixou
mais bonita. Os cabelos castanhos estavam presos em uma longa
trança jogada sobre um dos ombros, destacando o rostinho fino de
nariz arrebitado.
— Eu queria que fosse a Thara, mas ela não pode.
— E por que não pode?
— Ela mora na casa da vovó que ajuda as mulheres. É longe
daqui.
Franzi a testa ao entender que ela se referia à instituição
criada pela minha mãe para acolher mulheres vítimas de violência.
— Esta Thara trabalha lá?
Abia desviou a atenção do desenho que pintava e olhou
pensativamente pela janela do quarto.
— Acho que não. Sei que mora lá, porque fugiu de casa. O
pai dela é um homem malvado.
Olhei desconfiado para ela.
— E como você ficou sabendo disso?
— Eu ouvi tia Malika conversando com a vovó.
— Ouvir a conversa dos adultos é muito feio — chamei a
atenção dela em tom de reprimenda.
— Eu não estava ouvindo escondida. — Abia me olhou com
inocência evidente. — As duas estavam conversando enquanto eu
fazia as tarefas da escola com a vovó. Foi assim que fiquei sabendo
que o pai malvado de Thara veio aqui brigar com o vovô.
Brigar com o meu pai?
Fiquei furioso ao imaginar que alguém ousou sequer discutir
com o meu pai, quanto mais brigar com ele. Eu jamais permitiria
aquilo!
— E onde estava o seu tio Saqr nessa hora?
— Estava com o vovô, brigando com o homem também, que
trouxe outros homens malvados com ele.
Aquela história era tão extraordinária que comecei a duvidar
de Abia, afinal, a minha filha podia estar criando fantasias infantis na
mente dela.
Assim que pude, fui perguntar ao meu pai o que realmente
havia acontecido. Aproveitei a reunião habitual daquela tarde no
majlis dele, com a presença dos meus irmãos Saqr e Yusuf.
— Abia comentou comigo sobre uma discussão que houve
com o pai de uma mulher chamada Thara. Nenhum de vocês
comentou nada comigo. Quem é este homem que ousou discutir com o
senhor, pai?
Os três trocaram um olhar preocupado antes de o meu pai
responder.
— Essa confusão aconteceu antes de você chegar e eu pedi
aos seus irmãos para não comentarem nada, pelo menos até termos a
certeza de que você realmente estava mais controlado. A última coisa
que precisávamos para piorar a situação era você querer matar o
homem só porque ele veio aqui exigir de mim que lhe devolvesse a
filha.
— Exigir? Como um súdito, ele tem que pedir e não exigir,
pai! — lembrei-o, olhando com seriedade para os meus irmãos. —
Agora comecem a me contar tudo o que aconteceu. Garanto que voltei
“mais controlado” e não vou sair daqui para fazer este homem engolir
à força as exigências dele.
Eu não podia negar que sempre fui o filho mais agressivo,
aquele que matou um dos guardas do palácio com as próprias mãos
durante um ataque de raiva e que seria capaz de matar qualquer outro
que ousasse se colocar no meu caminho. No entanto, hoje eu era
diferente. Ainda assim, não seria hipócrita de negar terminantemente
que voltaria a matar, mas não o faria por um motivo fútil.
— Não pense você que eu mesmo não quis fazer isso — Saqr
me disse de cara fechada. — Fui forçado a respeitar a posição dele,
apenas isso. Se fosse outro homem, teria sido arrastado daqui para a
prisão.
— Mas, afinal, quem é o pai dessa mulher?
— Salim Ayad, o imame de Rummán. — Quem respondeu
foi o Yusuf.
Khara! Logo um imame?
Os imames e Majdan Al Harbi estavam em lados totalmente
opostos da vida. Eles eram os defensores da religião, enquanto eu
havia quebrado todas as regras religiosas. Eles prezavam pelos bons
costumes. Eu aproveitei loucamente todos os maus costumes que a
vida de príncipe herdeiro podia proporcionar.
Nas duas últimas décadas, o meu pai teve muita dificuldade
de lidar com a desaprovação dos religiosos ao meu estilo de vida. Eles
condenavam, com razão, os escândalos nos quais me envolvi, fosse
em Tamrah, fosse no ocidente. Segundo eles, eu envergonhava o nosso
país, a nossa cultura, a nossa fé.
Só então entendi o porquê de o meu pai ter pedido para os
meus irmãos não comentarem nada comigo sobre o que havia
acontecido.
— Salim Ayad veio aqui reivindicar o direito de levar a filha
de volta — Saqr explicou. — Usou o poder que tinha de líder religioso
para conseguir isso, mas voltou sem nada.
— O homem matou a esposa por ter ajudado a filha a fugir —
o meu pai completou sem esconder a raiva. — Nada nos garantia que
ele também não fosse fazer a mesma coisa com Thara. A nossa sorte é
que ela já tem vinte e cinco anos e saiu de casa por livre e espontânea
vontade.
Olhei pensativamente para os três, agradecendo a Allah por
não ter estado presente neste encontro. Eu teria dito umas boas
verdades para Salim Ayad, fosse ele um imame ou não.
— Mas ela é só uma garota! — exclamei, revoltado. — O que
ele fez para a filha fugir de casa com a ajuda da mãe?
— Queria circuncidar a filha antes do casamento, a pedido do
noivo — o meu pai esclareceu.
Aquele era um dos costumes bárbaros do meu povo que eu
mais odiava. Se fosse por mim, já teria proibido terminantemente e
punido quem insistisse em praticar a mutilação feminina em Tamrah,
mas o meu pai era diplomático na hora de lidar com os religiosos mais
extremistas. A proibição existia, mas a punição não havia alcançado o
país inteiro. Em cidades distantes da capital como Rummán, ainda
valia a palavra do líder religioso local.
— Esqueça esse assunto, filho. O que importa é que já está
resolvido. — O meu pai abriu uma pasta que estava à frente dele na
mesa. — Precisamos conversar sobre o crescimento absurdo do
número de refugiados que estamos recebendo e sobre a investigação
do atentado à bomba em Azra.
O assunto do imame ficou de lado, mas não esquecido por
mim. Antes de me concentrar nos outros temas que precisávamos
discutir, decidi que a última coisa que queria era a filha de Salim Ayad
dando aulas para Abia.
Quanto mais longe ela ficasse de mim e dos meus filhos,
melhor!
Capítulo 10
Majdan
O Ministério do Turismo de Tamrah colocou em ação um
projeto arrojado de divulgação do polo turístico do país a nível
mundial e acabei assumindo a direção a pedido do meu pai. Ele e Saqr
quase não tinham mais tempo livre depois que estourou o conflito
político e militar em Sadiz, aliado à crise humanitária dos refugiados
que não paravam de chegar.
Eu, Yusuf e Jamal estávamos assumindo o máximo de
compromissos e obrigações que podíamos, para que o meu pai e Saqr
pudessem se concentrar naquele problema maior.
Foi assim que aceitei o ministério, ciente de que a vida social
agitada que tive no passado, enfim, ia servir de alguma coisa em prol
do meu país. Com a experiência, os conhecimentos e os contatos que
eu tinha, seria fácil administrar aquele projeto. Pela primeira vez, eu
faria uma publicidade positiva de Tamrah, sem escândalos envolvendo
o meu nome. Era justo que aquela incumbência ficasse sob o meu
encargo, uma vez que fui o único responsável por manchar a imagem
do meu país no passado.
Passei a ir com mais frequência ao prédio da Global Harbi,
onde ficava o setor de marketing do ministério. Foi lá que me
encontrei com Malika na semana seguinte à minha chegada em
Tamrah. Ela continuava noiva de Yusuf e havia se transformado no
braço direito da minha mãe no Ministério da Mulher.
— Salaam aleikum33, Majdan — ela me cumprimentou assim
que me viu.
Eu havia acabado de sair de uma reunião com a equipe de
publicidade quando nos cruzamos no corredor do vigésimo andar.
— Alaikum as-salaam34, Malika — respondi ao cumprimento.
Ela não estava sozinha. Alguns passos atrás havia uma
mulher parada com o rosto inclinado para baixo e o olhar fixo no chão.
Era mais alta do que Malika, mas aquilo não queria dizer nada, uma
vez que a esposa do meu irmão era uma mulher baixinha.
A desconhecida olhou para mim em um gesto rápido e
fugidio, baixando novamente a vista logo depois. Foi uma fração de
segundo, mas teve o efeito de uma descarga elétrica, acelerando os
meus batimentos cardíacos e fazendo o sangue correr mais rápido nas
minhas veias.
O choque daquela sensação me pegou desprevenido, muito
semelhante ao que eu sentia quando a droga entrava no meu corpo,
causando uma euforia sem igual. Que fosse uma mulher a provocar
aquilo em mim, era algo inacreditável demais e prendi a respiração,
tenso.
Mantive o semblante impassível para disfarçar o quanto
estava abalado, não só pelo impacto direto nos meus sentidos que
aquele olhar causou, quanto pela beleza do rosto dela. As feições não
eram suaves e delicadas, mas marcantes de uma maneira que a
tornavam extremamente sensual. As sobrancelhas eram acentuadas e
tão bem delineadas que pareciam ter sido contornadas à mão.
Contudo, foram os lábios volumosos e desenhados à perfeição que me
atraíram poderosamente, destacando-se no rosto de pele acetinada.
Tudo aquilo, aliado ao olhar que mexeu com os meus
sentidos, deu-me uma certeza muito grande. Eu a queria para mim!
Não sei se Malika notou o meu interesse, mas se virou para a
mulher, apresentando-nos.
— Esta é Thara Ayad, a minha assessora.
Um alarme imediato disparou na minha mente ao ouvir
aquele nome.
Al’ama!35 Ela é a filha do imame de Rummán? Não é
possível!
Só então a mulher ergueu o rosto e voltou a me olhar
diretamente. Trinquei os dentes e enrijeci, sufocando os meus
sentidos. Eu sabia que ela só tinha vinte e cinco anos, mas o rosto
possuía traços tão sensuais que a faziam parecer mais madura.
Ela usava um hijab preto firmemente preso em torno da
cabeça e não dava para saber como eram os cabelos, mas deviam ser
escuros iguais às sobrancelhas. Eu imaginava que, soltos ao redor de
um rosto tão marcante, causariam um furor ainda maior em mim.
Foi naquele momento que tive a certeza de que o noivo dela
havia exigido a circuncisão por medo daquela beleza toda. Ele não se
garantia como homem e achava que tirar com uma lâmina o prazer de
uma mulher era a melhor maneira de se sentir seguro.
O único pecado de Thara Ayad era ser bonita demais para a
filha de um religioso extremista e de um noivo filho da puta.
Por minha vez, estremeci diante daquele olhar ingenuamente
sensual.
Khara! Mil vezes Khara!36
Ela fez uma reverência respeitosa para mim.
— Salaam aleikum, alteza.
— Alaikum as-salaam — respondi com alguma secura,
virando-me para Malika. — É a garota Ayad de Rummán?
Quanto mais eu me referisse a ela como sendo “a garota Ayad
de Rummán” mais interiorizaria na minha mente os dois principais
motivos que a faziam ser proibida para mim. Ela era a filha de um
imame extremista de quem eu queria distância — ou correria o risco
de criar mais confusão ainda para o meu pai —, além de ser também
muito jovem.
O Majdan de antes provavelmente não se importaria com
nenhum daqueles impedimentos. Ao contrário, quanto maior o
desafio, melhor. Naquela época, eu simplesmente tomaria para mim o
que queria. Só que o Majdan de hoje não ia possuir a filha virgem de
um líder religioso problemático, apenas para saciar um prazer
momentâneo. Para aquele fim, existiam muitas mulheres experientes à
minha disposição. Afinal, todas as mulheres eram iguais e serviam
para o mesmo propósito: dar prazer ou dar filhos.
— Sim, é ela mesma — Malika confirmou. — Thara está
trabalhando comigo.
Olhei novamente para Thara. Ela baixou os olhos mais uma
vez, mas voltou a erguê-los no instante seguinte, fixando-os em mim.
Estremeci e era incrível que aquilo acontecesse comigo diante de uma
garota.
Khara!
Se ela fosse minha, eu jamais a deixaria escapar das minhas
mãos e podia jurar que o mesmo acontecia com o noivo dela. A
convicção daquilo me deixou preocupado com a segurança das duas.
— Você está indo para Taj? — perguntei à Malika.
— Sim, terminamos por hoje. Antes vou deixar Thara na casa
de acolhimento e depois sigo para casa.
Eu precisava conversar com Yusuf sobre aquilo.
— Vão na paz de Allah — despedi-me das duas, cruzando
mais uma vez o olhar com o de Thara.
Eu sabia que a garota não fazia de propósito, mas aqueles
olhares fugidios e intensos que ela estava lançando-me eram um
convite quase irrecusável. Quase! Thara Ayad não sabia, mas tinha a
sorte de hoje eu ter mais controle sobre os meus instintos.
— Ma’a salama37 — as duas responderam ao mesmo tempo,
mas foi a voz levemente enrouquecida daquela garota que ficou nos
meus ouvidos.
Sem deixar transparecer no rosto nenhuma emoção, afastei-
me tensamente pelo corredor da Global Harbi.
Al’ama!38
Quando me distanciei o suficiente delas, peguei o celular no
bolso do thobe e liguei para Yusuf. Ele atendeu no terceiro toque.
— Estou na Global Harbi e me encontrei agora com Malika.
Ela estava na companhia da garota Ayad.
— Sim, hoje é dia de Malika trabalhar no escritório. Thara
pediu para ajudar e assumiu como uma espécie de assessora dela — o
meu irmão explicou, mas notei o tom de preocupação na voz dele. —
Estava tudo bem com ela?
— Sim, pode ficar tranquilo. Só liguei para tirar uma dúvida.
Sei que você deve ter montado um esquema de segurança para sua
esposa, mas quis confirmar se é forte o suficiente para quando as duas
estiverem juntas. Só falo isso por causa das exigências que o imame
fez ao nosso pai.
— Nem se preocupe. Os seguranças de Malika estão cientes
disso sempre que Thara está com ela.
E quando Thara está sozinha, que tipo de segurança tem?
— Fico mais tranquilo, Yusuf. Era somente isso o que eu
queria saber. Estou indo para casa agora.
— Venha na paz.
— Shukran, meu irmão. Fique com a paz também.
Assim que entrei na minha sala, peguei o telefone e liguei
para Hamdan, o meu novo assistente. Ele era o substituto de Jafar, o
assistente anterior que foi preso junto com a minha ex-esposa depois
do atentado contra Saqr e Kismet. Naquela época, sofri uma dupla
traição, pois confiava totalmente em Jafar. Eu nunca ia imaginar que
ele e Hayat estavam agindo contra mim, contra a minha família.
Só não o matei na ocasião por saber que precisaríamos dele
vivo para pegar os outros envolvidos. Mas foi por muito pouco que ele
se livrou de morrer nas minhas mãos.
Hamdan assumiu a função quando cheguei de Nova York. Eu
mesmo o escolhi entre os assessores do meu pai, por ser com quem
mais sentia afinidade.
— É um prazer vê-lo de volta, alteza, e também é uma honra
para mim servi-lo — disse quando o escolhi.
Ele tinha a minha idade e possuía bastante experiência nos
assuntos de governo, além de ser de extrema confiança, o oposto de
Jafar. O meu antigo assistente era primo de Hayat. Foi ela quem me
convenceu a contratá-lo e foi Jafar quem me avisou sobre a reunião a
portas fechadas que o meu pai estava tendo com Saqr e Yusuf. Ele deu
a entender que estavam excluindo-me dos assuntos importantes do
governo. Fiquei tão furioso naquele dia, que perdi o controle e acabei
matando o guarda.
Como fui idiota em acreditar em Hayat e Jafar!
Naquela altura da minha vida, eu vivia mais tempo drogado
do que lúcido. Hayat nunca me deu apoio para deixar as drogas,
fingindo ser tão submissa que sequer tinha coragem de tocar no
assunto comigo. Contudo, pelas minhas costas, dizia que eu era um
drogado que não servia para nada.
Sharmouta!39
Hamdan me atendeu de imediato. Em vez de me acompanhar
à Global Harbi naquela manhã, ele havia ficado no palácio para
organizar as correspondências acumuladas durante a minha ausência
de Tamrah.
— Às ordens, alteza.
— Você sabe como funciona o esquema de segurança da casa
de acolhimento aqui de Jawhara?
Nunca me interessei antes pelos assuntos do Ministério da
Mulher, apesar de saber o quanto a minha mãe se dedicava a ele.
Achei melhor não analisar os meus motivos para estar interessado
agora justamente no esquema de segurança.
— São quatro homens armados que fazem a vigilância do
prédio vinte e quatro horas por dia em um esquema de revezamento
dois a dois. Um deles fica na guarita do portão da frente e o outro
circula pela área externa e pelas traseiras do prédio.
Parecia ideal e não entendi o porquê de estar achando que era
pouco.
— Shukran, Hamdan.
Capítulo 11
Thara
Uma das coisas que eu mais temia quando vim para a capital
era entrar em contato com todos os pecados que o meu pai vivia
repetindo que existia fora da nossa cidade. Apesar de desconfiar que a
finalidade daqueles sermões era muito mais assustar as duas únicas
mulheres da casa do que passar a palavra do profeta, acabei por
interiorizar o que ele disse e agora olhava tudo ao meu redor com
receio.
Precisei de algum tempo para perceber que a realidade não
era como o meu pai falava. Havia muita coisa boa na capital e pessoas
também. Para mim, a melhor de todas era a princesa Malika, por quem
me afeiçoei muito. Se eu tivesse que pedir uma irmã a Allah,
certamente seria ela.
Quando a princesa me deixou na casa de acolhimento de
Jawhara, achei que nunca mais fôssemos nos ver. Mas não foi isso o
que aconteceu. Ela passou a me visitar com frequência, sempre
preocupada em saber se eu estava adaptando-me bem à nova vida, se
precisava de algo, como me sentia. Com tanto carinho e atenção
genuínos, seria quase impossível não gostar de alguém como ela.
Demorei a encontrar coragem para pedir que me deixasse
ajudá-la no trabalho que fazia. Eu sentia necessidade de dar às outras
mulheres o mesmo que recebi quando fui socorrida em Rummán e
quase não acreditei quando ela me aceitou como ajudante. Ganhei
roupas novas de presente, que eram tão bonitas e elegantes quanto as
que a própria princesa usava. Assim que as vi, lembrei-me logo do
quanto o meu pai condenava o pecado da vaidade nas mulheres.
Apesar de no começo me sentir envergonhada ao ter de usar
abayas de um tecido tão fino, eu não podia negar que passei a gostar
de estar vestida com roupas bem mais femininas. Ajudava o fato de
quase todas as mulheres usarem o mesmo.
Como assessora da princesa Malika, acabei por conhecer aos
poucos a família real e me surpreendi ao comprovar o quanto eram
acolhedores e atenciosos. O motivo da minha surpresa tinha a ver com
as coisas horríveis que ouvi sobre eles da boca do meu pai. Eram
muitas críticas ao estilo de vida, às roupas, às novas leis e,
principalmente, à devassidão em que viviam.
O mais criticado de todos era o príncipe Majdan Al Harbi e
isso desde a época em que ele ainda era o príncipe herdeiro de
Tamrah. Durante a minha vida inteira, tudo o que ouvi sobre ele era
negativo, pejorativo e assustador. Nunca ouvi uma única palavra
positiva a respeito do primogênito do Sheik Rashid.
Eu ainda me lembrava de como, certo dia, a minha mãe
tentou fazer com que o meu pai tivesse mais cuidado com o que falava
da família real, mas acabou sofrendo as consequências de questionar
as atitudes dele.
— É muito perigoso criticá-los desse jeito, Salim. Se
souberem, você poderá ser punido — ela havia dito durante uma das
refeições em família.
O resultado foi uma bofetada em plena mesa, que só não a
atirou ao chão, porque a minha mãe estava sentada. Engoli um arquejo
de revolta, mas também de medo, com o que o meu pai havia feito.
Infelizmente, a verdade era que ele fazia aquilo com frequência,
estivessem os dois em família ou sozinhos.
Para o nosso desespero, meu e da minha mãe, ninguém o
condenava pelas atitudes violentas. Ao contrário, os meus irmãos
concordavam com tudo e ainda faziam pior.
— Cale-se, mulher! — o meu pai havia gritado. — Eles
deveriam se curvar diante de mim, que represento os ensinamentos do
profeta, enquanto eles só pecam. Tremo só de imaginar que um dia
aquele príncipe herdeiro devasso esteja à frente do país. Majdan Al
Harbi é uma vergonha para o nosso povo. Nenhuma mulher decente
deveria ser obrigada a estar na presença dele dentro do mesmo recinto,
quanto mais tê-lo como governante.
Ficamos caladas, ouvindo-o repetir que o primogênito do
Sheik Rashid vivia em orgias com os amigos, usava drogas, era um
assassino e se deitava com várias mulheres ao mesmo tempo.
— O falecido avô dele deve estar se revirando no túmulo de
desgosto — o meu pai repetia com azedume. — O Sheik Náder Al
Harbi tinha o maior orgulho em exibir o primeiro neto para o povo,
chamando-o de Leão de Tamrah, que hoje não passa de um predador
de mulheres e assassino de homens.
Sempre que eu ouvia aquilo, era obrigada a concordar com o
meu pai. Majdan Al Harbi era realmente assustador. Um homem para
se manter distância. O meu maior receio era um dia ser obrigada pelas
circunstâncias do meu trabalho a estar na presença dele.
Certo dia em que a princesa Malika e eu estávamos chegando
ao prédio da Global Harbi, ela me apresentou ao novo príncipe
herdeiro, Saqr Al Harbi. Ao cumprimentá-lo, senti que estava diante
de um homem honrado e íntegro, apesar de muito sério e até
fisicamente intimidante. Não havia nada nele que justificasse as duras
críticas do meu pai à família real.
— Todos os filhos do Sheik Rashid trabalham aqui no
prédio? — perguntei à princesa quando chegamos à sala da diretoria
do Ministério da Mulher.
— Todos, inclusive a Sabirah, que ajuda Farah aqui no
ministério. Ela e o Jamal sempre dão expediente na Global Harbi
quando estão em Tamrah. Quem vem com mais frequência é o Saqr e
o Yusuf. Acredito que o Majdan também, só que agora ele está
trabalhando em Nova York.
Alhamdu lillah!40

Descobri que trabalhar com a princesa Malika foi uma


bênção de Allah. Não só por estar na presença de uma mulher que era
um exemplo a ser seguido em quase tudo, como também por poder
aumentar os meus conhecimentos.
Na primeira vez que fui com ela à Global Harbi, fiquei
impressionada com a grandiosidade do prédio. Tentei por tudo não
ficar de boca aberta, mas acho que não consegui. Era monumental.
Estávamos justamente trabalhando na Global Harbi quando a
princesa comentou sobre a minha habilidade com os números.
— Você tem um olho certeiro para números. Já pensou em
fazer um curso específico?
Era tudo o que eu queria, mas continuar os estudos sempre foi
um sonho impossível para mim.
— Eu queria muito, mas não tenho como fazer.
Foi ali que descobri que não existiam obstáculos para a
princesa, apenas desafios a serem vencidos.
— Claro que tem como fazer. As faculdades de Jawhara são
excelentes. Kismet está se formando agora em Gestão na Universidade
de Negócios de Tamrah.
— A Universidade de Negócios de Tamrah é muito cara! Só
os ricos do país estudam nela. Não tenho como pagar.
— Terá como pagar a partir de hoje com o salário de
assessora que vai receber.
Por Allah! Eu não acredito!
— Um salário? Mas, mas... eu me ofereci para ajudar, alteza.
Nunca foi com a intenção de receber nada em troca. Já estou muito
agradecida pelas roupas elegantes que me deu para poder acompanhá-
la.
— As roupas foram um presente meu para você. O salário é o
reconhecimento pelo excelente trabalho que tem feito ao meu lado.
Você tem muita habilidade com os números e não vai desperdiçar esse
talento. Quero que se forme para ajudar ainda mais o nosso país a
crescer e o nosso povo a ser feliz.
Foi com lágrimas nos olhos que segurei a mão da princesa e a
beijei, curvando-me diante dela, uma mulher com o coração de ouro.
— Shukran, alteza! Que Allah a abençoe sempre com muita
felicidade.
— Que Allah abençoe a todos nós. Agora, erga a cabeça e
vamos trabalhar, porque tem muitas pessoas precisando da nossa
ajuda.
Horas depois, ela deu o trabalho por encerrado e nos
preparamos para ir embora. No caminho para o palácio, a princesa me
deixaria na casa de acolhimento, onde eu morava.
Assim que saímos da sala, um homem alto e de ombros
largos surgiu no início do corredor à nossa frente, chamando
imediatamente a minha atenção. Desde que comecei a frequentar o
prédio da Global Harbi, já tinha visto muitos homens circulando por
ali, mas aquele em especial era a primeira vez que eu via. Com um
porte elegante que o thobe branco só ressaltava, eu certamente teria
me lembrado dele se o tivesse visto antes.
Era um homem maduro, de porte altivo e imponente,
aparentando uns quarenta anos, com uma barba bem aparada no rosto
bastante másculo. Para minha total estupefação, peguei-me
admirando-o de uma maneira que nunca fiz antes com outro homem.
Mas o que está acontecendo comigo? Será que tenho mesmo
dentro de mim o pecado, como o meu pai dizia?
Sentindo-me envergonhada por ter admirado tão abertamente
um homem, algo bastante reprovável em uma mulher, baixei a vista e
esperei que ele passasse por nós duas, desaparecendo nos corredores
da empresa. Se o homem me pegasse olhando-o daquele jeito, sem
dúvida ia pensar mal de mim.
— Salaam aleikum41, Majdan.
— Alaikum as-salaam42, Malika.
Fiquei tão chocada quando ouvi os dois cumprimentando-se
que paralisei no instante seguinte. Estremeci, a voz grave causando um
alvoroço nos meus sentidos.
Poderoso Allah! Ele é o príncipe devasso?
Olhei-o rapidamente, estremecendo ainda mais quando o
peguei também olhando para mim. A mensagem que vi no olhar
escuro como a noite tirou o meu fôlego. Havia uma intimidade
desconcertante que me deixou atordoada, um calor que me envolveu
de uma maneira inédita. Foram míseros segundos, mas suficientes
para eu sentir como se estivesse sob a força de uma tempestade de
areia. Nada ficou no lugar, bagunçando tudo dentro de mim.
E ele sabe disso!
Baixei a vista num átimo, fugindo do escrutínio dele. Eu não
tinha dúvida alguma de que Majdan Al Harbi sabia do efeito que
causou nos meus sentidos.
O meu pai tinha razão. O primogênito da família real
emanava um poder de sedução que só podia vir de Iblis43.
Que Allah tenha misericórdia de mim!
— Esta é Thara Ayad, minha assessora.
Engoli um gemido de desespero quando a princesa me
apresentou a ele. Não havia como ignorar um dos príncipes de
Tamrah, muito menos um que era conhecido por sua arrogância e
altivez. Só agora que o conheci pessoalmente é que podia comprovar o
quanto a alcunha de Leão de Tamrah combinava com ele.
Inspirei fundo e ergui a cabeça, olhando-o. Podia parecer uma
insensatez da minha parte, mas tive a nítida impressão de que houve
um esfriamento da parte dele quando ouviu o meu nome.
Disfarcei o que sentia com uma reverência.
— Salaam aleikum, alteza.
— Alaikum as-salaam.
O cumprimento foi realmente frio e me deixou confusa.
— Ela é a garota Ayad de Rummán?
A pergunta foi feita à princesa Malika em um tom de voz
muito mais brando do que usou comigo e tirou todas as minhas
dúvidas. Escondi o choque ao perceber que ele já tinha ouvido falar de
mim, que já sabia das exigências que o meu pai fez para me levar de
volta a Rummán. Na ocasião, a princesa Malika não me escondeu
nada, contando tudo sobre a visita do meu pai ao Sheik Rashid.
Pela mudança no tom de voz e na postura do príncipe, notei
logo que ele não havia gostado da visita do meu pai. Talvez, nem da
minha vinda para Jawhara.
A magia havia se desfeito da parte dele.
— Sim, é ela mesma — a princesa confirmou a minha
identidade. — Thara está trabalhando comigo.
Ele voltou a me olhar e estremeci novamente. Sem fôlego,
baixei a vista, mas uma força invisível me fez erguê-la outra vez e me
perdi na intensidade do olhar negro.
O que me atrai tanto nele?
Cada vez mais confusa comigo mesmo, com ele e com aquela
situação toda, observei-o voltar a falar com a princesa.
— Você está indo para Taj?
— Sim, terminamos por hoje. Antes vou deixar Thara na casa
de acolhimento e depois sigo para casa.
— Vão na paz de Allah.
Com aquela despedida, ele seguiu caminho pelo corredor,
ignorando-me completamente. Parecia até que eu não estava ao lado
da princesa.
Estranhei que estivesse sentindo-me magoada, afinal, o que
eu queria que acontecesse? Eu deveria estar agradecendo a Allah por
ter me protegido do príncipe mais perigoso dos Al Harbi.
Capítulo 12
Majdan
O meu maior problema sempre foi ter uma personalidade
obsessiva, com desejos que eram uma verdadeira compulsão. Quando
eu colocava uma coisa na cabeça, ninguém tirava. Quando queria algo,
ninguém me impedia de ter.
Para piorar, descobri que Takeshi tinha razão quando disse
que eu era intenso demais nas minhas emoções e que não as conseguia
controlar. Aquilo era a mais pura verdade. Quando eu perdia o
controle, explodia com a força e a velocidade de uma tempestade de
areia.
Infelizmente, ser daquele jeito favorecia a minha
suscetibilidade ao vício, fosse ele qual fosse. Não era nada fácil
controlar uma ideia fixa quando ela tomava conta da minha mente.
Atualmente, o meu mais novo vício tinha um olhar fugidio, mas
insistente. A garota Ayad estava transformando-se em uma obsessão
para mim, ainda que eu me negasse a admitir aquilo, e a negação era o
primeiro sinal de perigo. Por experiência própria, eu sabia que a maior
dificuldade de um viciado era admitir o vício.
Da maneira mais discreta possível, comecei a procurar
informações sobre ela. Para ser honesto comigo mesmo, a palavra
“investigar” seria mais apropriada. Tentei me convencer de que era
apenas uma preocupação natural da minha parte, considerando que o
pai dela ousou vir à Taj fazer exigências ao meu pai. Fora aquilo, a
minha filha gostava muito da companhia de Thara. Para mim, aqueles
eram dois motivos suficientes para justificar o interesse cada vez
maior que sentia pela garota Ayad.
Assim que os guardas fecharam as portas duplas atrás de
mim, entrei na minha ala e fui direto para o quarto. No caminho, vi
Abia sentada na sala de estudos, concentrada em escrever algo no
caderno. Fazendo-lhe companhia, estava a empregada da casa
responsável por cuidar da minha filha.
Parei, aproximando-me delas com a testa franzida.
— Aguarde lá fora, Keisha.
— Sim, alteza.
Assim que a mulher saiu, sentei-me ao lado de Abia, que
sorriu, mostrando-me o desenho que estava fazendo com o lápis.
— Gosta, pai?
Observei-o com atenção.
— Está muito bonito, filha — elogiei, admirado com o
talento dela, ciente de que eu mesmo jamais conseguiria desenhar um
cavalo árabe com os traços perfeitos que ela havia acabado de fazer.
— Mas o que faz em casa? Pensei que hoje à tarde ia ficar com a sua
avó.
A minha mãe promovia encontros semanais com as mulheres
da família no majlis dela. Muitas vezes, minhas sobrinhas também
vinham e brincavam com Abia.
— Hoje não teve encontro, pai. Vovó estava ocupada com tia
Malika — ela explicou e só então entendi.
O problema com os refugiados de Sadiz estava tomando
bastante tempo do Ministério da Mulher, uma vez que a maioria eram
mulheres fugindo da guerra com os filhos pequenos. Muitos dos
homens estavam ficando para lutar no lado da guerra que achavam o
mais justo: o de Abdullah ou o de Mubarak.
— Achei que Thara poderia ficar comigo hoje, mas ela tinha
aula.
Só de ouvir o nome da garota Ayad, já me esqueci de todo o
resto.
Por que eu tinha de ser a porra de um homem que precisa ter
sempre um vício qualquer? Agora é ela!
— Não sabia que ela estudava.
— Estuda na mesma escola de tia Kismet.
Não era uma escola, mas a Universidade de Negócios de
Tamrah, onde Kismet estava terminando um curso de Gestão de
Empresas. Eu não fazia a mínima ideia de que Thara também estava
fazendo um curso superior e decidi descobrir depois qual era.
— Vou chamar Keisha de volta para ficar com você. Vim só
trocar de roupa para uma reunião na empresa. — Beijei-a nos cabelos,
recebendo um abraço apertado de volta. — Daqui a pouco seus irmãos
chegam da escola para ficar com você.
— Vai dar tempo de jantarmos juntos?
Jantar com os meus filhos era um hábito que eu havia criado
desde que cheguei de Nova York e que não pretendia quebrar.
— Vai dar tempo, sim. Avise aos seus irmãos.
Levantei-me e fui chamar a empregada, despedindo-me de
Abia com um outro beijo antes de ir para o meu quarto. Troquei de
roupa e consultei as horas no relógio de pulso, decidindo que ainda
tinha tempo para fazer uma ligação.
Assim que Hamdan atendeu, pedi informações sobre Thara.
— Você sabe qual é o curso que a garota Ayad está fazendo
na nossa universidade de negócios?
— Sim, alteza. É Gestão Financeira. Ela começou há pouco
tempo, a pedido da princesa Malika. O horário das aulas é flexível, o
que permite que continue assessorando a princesa no trabalho do
ministério.
— Shukran, Hamdan. Era somente isso.
Desliguei e saí do quarto para a reunião na Global Harbi,
surpreendido ao saber que Thara estava fazendo um curso na área
financeira. Na verdade, era algo inacreditável, considerando se tratar
da filha de um imame de mente fechada para tudo relacionado às
mulheres.
Como é que ela conseguiu estudar tendo um pai assim?

Uma semana depois, descobri a resposta.


Cheguei em casa mais cedo e encontrei Abia novamente
envolvida com os seus desenhos, só que desta vez não estava com a
empregada da casa, mas com o fruto da minha obsessão. Thara Ayad
dividia a mesa com Abia, ambas conversando em um tom de voz
muito baixo e concentradas no trabalho que faziam.
Aproximei-me com lentidão suficiente para ter tempo de
admirá-la em silêncio, sem que fosse visto por ninguém. Os meus
olhos deslizaram pelos fios do cabelo castanho, que estavam presos
em uma longa trança nas costas femininas.
Era a primeira vez que eu os via e notei o quanto eram
compridos. Normalmente, ela usava o hijab preso com firmeza ao
redor dos cabelos, como se os quisesse esconder dos olhos de qualquer
homem com quem cruzasse. Contudo, naquele dia, o véu estava
frouxamente jogado sobre a nuca, como se ela mesma tivesse folgado
o tecido ao estar sozinha com uma criança.
Eu podia jurar que ela jamais imaginaria que eu ia chegar em
casa àquela hora.
— Masa al khair44 — cumprimentei, escondendo um sorriso
ao ver o sobressalto dela sobre a cadeira ao ouvir a minha voz.
A garota se ergueu no instante seguinte, ajeitando o hijab
sobre os cabelos e virando-se para mim.
— Masa al nur45, alteza.
Como esperado, ela não sustentou o meu olhar, mantendo a
vista baixa. Eu já estava acostumado com aquilo, mas queria que fosse
diferente. Questionava-me se os boatos que circulavam a meu respeito
não seriam os responsáveis por aquela atitude.
De certa forma, eu até entendia. Afinal, sendo a filha de um
religioso, ela deveria se manter distante do príncipe Al Harbi que mais
havia pecado na vida, que havia desafiado a sharia46, os costumes e
todas as regras de decência do mundo árabe.
Quando Thara me olhava, era sempre um olhar muito rápido
e fugaz, que ela desviava imediatamente depois para o chão. No
entanto, quando achava que eu não estava vendo, o olhar se detinha
demoradamente em mim. Eu sentia muito mais do que via.
Afinal, qual era o motivo de tanto interesse disfarçado?
Exceto por alguns cumprimentos rápidos, ela nunca havia falado mais
do que três palavras comigo.
— Thara hoje veio me ensinar a desenhar, pai. Olha só como
ficou bonito o meu cavalo! — Abia me estendeu o papel com
entusiasmo.
Aproximei-me e o peguei, reconhecendo que estava mesmo
muito bom.
— Você melhorou bastante os traços dele, filha. — Olhei para
Thara, que continuava mais interessada nos meus sapatos do que no
meu rosto. — Agradeço por estar ensinando Abia a desenhar.
Ela teria de me responder alguma coisa e não seria olhando
para o chão que faria aquilo. Aguardei, preparando-me para o impacto
daquele olhar. Quando ela ergueu a cabeça e fixou os olhos em mim,
senti a conhecida descarga elétrica percorrer o meu corpo.
Como é que essa garota consegue fazer isso comigo?
— É um prazer ensinar Abia a desenhar, alteza. Sua filha é
muito talentosa.
Até a voz dela eu achava sensual. Contudo, era aquele jeito
de me olhar que realmente me seduzia.
Indiquei a cadeira onde ela estava sentada antes da minha
chegada.
— Pode voltar a se sentar.
Ela obedeceu, parecendo aliviada. Devia achar que eu ia
embora, mas estava muito enganada se pensava aquilo. Puxei a outra
cadeira no lado oposto da mesa e me sentei de frente para as duas.
Notei como Thara abriu mais os olhos de espanto, desviando-
os depois para Abia.
— Onde você aprendeu a desenhar tão bem assim? —
perguntei a ela, devolvendo o papel para minha filha, que prontamente
continuou a aperfeiçoar o desenho. — Que eu saiba, o seu curso é na
área financeira.
Ela ficou tanto tempo sem responder que estranhei.
— A minha mãe me ensinou. Tínhamos muito tempo livre
em casa e estudávamos juntas.
“O homem matou a esposa por ter ajudado a filha.”
As palavras do meu pai vieram à minha mente e entendi o
motivo da hesitação dela em explicar como havia aprendido a
desenhar.
— A sua mãe devia ser muito talentosa.
Percebi a surpresa dela diante do meu elogio. Sem dúvida não
esperava aquilo de um homem com uma fama igual à minha.
— Sim, ela era talentosa ao desenhar, mas também inteligente
em outras áreas. Me ensinou praticamente tudo o que sei.
Agora que falava da mãe, ela não desviava mais o olhar a
cada palavra, parecendo ganhar mais confiança comigo.
— Inclusive os números?
Ela sorriu levemente e tive dificuldades em desviar os olhos
dos lábios carnudos. A cada momento que passava, eu conseguia
imaginar o tamanho da opressão que ela devia ter sofrido nas mãos
dos homens da família. Thara Ayad era, definitivamente, bela e
sensual demais para ter nascido como filha do imame de uma cidade
no interior do país.
— Sim, inclusive os números. A minha mãe era a filha mais
nova de um comerciante muito próspero da nossa cidade. O meu avô
não teve nenhum filho homem e quando descobriu que ela havia
herdado o talento dele com os números, ensinou-lhe tudo o que sabia,
para que o ajudasse nos negócios. Quando ela foi pedida em
casamento pelo meu pai, o meu avô não pôde negar. Depois do
casamento, todo o conhecimento que a minha mãe tinha ficou perdido.
A tristeza dela era evidente ao falar as últimas palavras.
— Se ela passou tudo para você, não ficou perdido. Talvez
essa fosse a missão da sua mãe, a de transmitir o conhecimento do seu
avô para você. São os mistérios de Allah.
Thara arregalou os olhos com perplexidade ao me ouvir e tive
a certeza de que nunca tinha visto as coisas sob aquele prisma. Ela não
desviou a vista para baixo, nem fugiu do meu olhar. Permaneceu
encarando-me.
Ficamos frente a frente, olhos nos olhos, conectados, ligados.
Enrijeci de tensão, mas também de tesão. Ela me abalava
demais. A vontade que eu tinha era de tirar aquela mesa da minha
frente e agarrar a mulher que me olhava tão profundamente. O sangue
acelerou nas minhas veias e aquela sensação de fissura que a droga
despertava em mim se apoderou do meu corpo. Thara Ayad atiçava a
minha compulsão, o meu vício. Ela era algo proibido que eu não
deveria sequer desejar, quanto mais tocar.
Senti a boca seca e parecia que só ela conseguiria saciar a
minha sede.
Khara! Eu ainda sou a merda de um viciado!
— Filha, preciso ir agora — falei para Abia, que se levantou
e veio dar um beijo no meu rosto.
— A vovó vai chegar daqui a pouco com tia Malika para
levar Thara embora — ela me avisou.
— Falo com a sua avó depois. Agora preciso mesmo ir.
“Afaste-se de tudo que desperte em você o desejo da droga.”
Foi com aquelas palavras de Takeshi na minha mente que me
despedi de Thara com um meneio de cabeça e saí da sala. Em vez de ir
para o meu quarto como pretendia fazer quando cheguei em casa, subi
até o alto da torre onde tinha por hábito me isolar.
Havia sido ali que a minha ex-mulher armou uma emboscada
para matar Kismet e o meu irmão, mas aquele sempre foi o meu
refúgio dentro de Taj Almamlaka. Apesar do terraço da torre ter sido
palco de um momento quase trágico, o lugar não deixou de ser o meu
preferido no palácio.
Dali, eu podia ver o amanhecer, o entardecer, o mar, o
horizonte e ter um contato maior comigo mesmo. Foi ali que orei
muitas vezes a Allah nos meus piores momentos de crise e era para ali
que eu ia toda vez que precisava de paz. O que era estranho, uma vez
que o alto da torre era o lugar mais perigoso onde um drogado em
crise poderia estar.
Eu não ia negar que várias vezes pensei em pular da amurada
e terminar de vez com o meu sofrimento. Porém, quando pensava na
dor que causaria aos meus pais, eu me segurava. Depois, vieram os
meus filhos, e era neles que eu pensava antes de cometer a loucura de
pular do alto da torre.
Em todas aquelas ocasiões, chorei de desespero, ajoelhado no
chão diante de Allah Todo-Poderoso. Implorei por ajuda, pedi
misericórdia, supliquei por paz.
Repetindo o passado, ajoelhei-me mais uma vez, curvando-
me sobre o piso do alto da torre.
Só por hoje eu consigo. Só por hoje!
Capítulo 13
Majdan
“Eu acredito que nada acontece na nossa vida sem um
motivo. O seu Deus Allah queria que você aprendesse a se tornar um
homem melhor da maneira mais dura possível. O motivo talvez seja
uma missão especial que tenha reservado para você. Só precisa
analisar a sua vida e descobrir qual é.”
À medida que o tempo passava, mais eu me perguntava se
Takeshi teria mesmo razão. Se tivesse, que missão especial seria
aquela?
Apesar de estar trabalhando mais ativamente no governo
junto com os meus irmãos, eu não achava que estivesse fazendo nada
de especial. Cuidar do povo de Tamrah era uma responsabilidade que
vinha com o nome Al Harbi. Aquilo era algo que aprendi desde
pequeno e que considerava normal, não especial.
Com o agravar da situação no meu país, fiquei cada dia mais
envolvido com os assuntos de governo, principalmente na caça do
responsável pelo atentado à bomba ocorrido em Azra. De certa forma,
aquilo foi bom para mim, pois me ajudou a desligar de Thara. Eu
agora raramente a via, o que era ótimo para o meu autocontrole. A
última coisa que eu precisava naquele momento da minha vida era
encontrar razões para foder com a minha cabeça.
Controlar os meus instintos era fundamental e comecei a
colocar em prática os ensinamentos que aprendi com Takeshi nas aulas
de karatê. Usar a disciplina para manter a mente focada e a cabeça fria
era a regra número um para alcançar a vitória.
Dias depois, Saqr e eu estávamos analisando um contrato
importante da filial em Nova York, quando o celular dele tocou,
quebrando o silêncio dentro da sala.
Sorri com divertimento quando ele praguejou com a
interrupção e atendeu com um bufado impaciente. Segundos depois,
levantou-se abruptamente da cadeira.
— Tem certeza disso? — rosnou com raiva, largando a caneta
sobre o contrato. — Não o deixe entrar até que eu chegue!
Olhei-o, preocupado, levantando-me também.
— O que foi que aconteceu?
Ele desligou e correu para a porta, fazendo um gesto para que
o acompanhasse.
— Malika está refém de Hisham na casa de acolhimento.
Yusuf está indo para lá agora.
Saqr não precisava me dizer mais nada para eu entender a
gravidade da situação. Hisham era o homem que estávamos
procurando desde o atentado à bomba em Azra, mas era também o
algoz de Malika na prisão subterrânea de Sadiz onde ela foi
encarcerada.
Enquanto Saqr gritava ordens para os guardas no corredor, eu
só conseguia pensar que Yusuf devia estar desesperado ao imaginar a
esposa refém do antigo carrasco. Já eu, estava furioso com Mubarak,
desejando tê-lo ao alcance das minhas mãos para poder socá-lo sem
parar. Aquele cachorro47 havia mesmo infiltrado o supervisor prisional
entre os refugiados para causar o terror no meu país.
Ibn sharmouta!48
Foi em um silêncio pesado que Saqr e eu entramos no veículo
militar que nos aguardava no pátio interno do palácio. Saímos de lá
em alta velocidade, o tempo correndo contra nós.
— Você não vai conseguir impedi-lo de enfrentar Hisham.
— Vou! — afirmou entredentes.
— Não vai e você sabe disso.
Ele praguejou com raiva, mas reconheceu a verdade.
— Preciso tentar.
Eu concordava, mas não apostava muito. Se eu estivesse no
lugar de Yusuf, ninguém me impediria. Se fosse o próprio Saqr no
lugar de Yusuf, ninguém o impediria também. Nós dois sabíamos
daquilo.
Os minutos seguintes mostraram que eu tinha razão. Não
houve argumento algum que fizesse Yusuf desistir de entrar no
depósito de alimentos e tentar salvar ele mesmo a esposa.
— Mas que merda, Yusuf! — Saqr explodiu, agarrando-o
com força pelo braço. — Você sabe que cinco minutos não é nada para
a negociação de um resgate.
Senti que ambos estavam perdendo o controle.
— Esses cinco minutos vão durar uma vida para mim. Não
me peça mais do que isso. O meu único consolo é saber que ela não
está sozinha lá dentro com Hisham, que pelo menos tem a Thara com
ela.
O quê?!
Gelei quando ouvi aquilo, para arder de raiva segundos
depois.
— A garota Ayad? — perguntei, sem acreditar que Thara
também era uma refém.
— Assad me disse que as duas estão presas com Hisham —
Yusuf confirmou o que eu não queria ouvir.
Pela primeira vez, tive dificuldades em disfarçar na frente dos
meus irmãos o que sentia por ela. Fiquei tão abalado que nem prestei
mais atenção à discussão dos dois. Só voltei à realidade quando Saqr
se afastou com o rosto fechado para falar com a equipe de resgate, que
teria apenas cinco minutos para tentar uma negociação antes de Yusuf
entrar no depósito.
Olhei para o meu irmão mais novo e me preocupei com o que
aconteceria com ele lá dentro. Yusuf estava por demais emotivo e não
teria o controle suficiente para lidar com a situação. Um final trágico
poderia acontecer com ele, Malika e... Thara.
Segurei-o com firmeza pelos ombros.
— Você tem cinco minutos para se acalmar e entrar naquele
depósito com a mente fria e focada em aniquilar o seu inimigo. Se
entrar carregado de emoções como está agora, vai ser uma presa fácil
para um torturador experiente.
Yusuf me ouviu atentamente, assentindo durante todo o
tempo em que o alertei sobre o perigo de enfrentar Hisham do jeito
que ele estava.
— Independentemente do que veja quando entrar naquele
depósito, esteja focado. Allah estará do seu lado. Agora, concentre-se,
meu irmão.
Ele se afastou para se concentrar na missão que tinha pela
frente. Uma missão difícil demais para um homem apaixonado.
Um homem apaixonado?!
Inspirei fundo e soltei o ar lentamente, sem acreditar nas
implicações daquilo tudo.
Não! Quem está apaixonado é ele, não eu!
Para mim, mulher era para dar prazer ou dar filhos,
dependendo da posição que ocupasse: de amante ou de esposa por
obrigação. Nada mais além daquilo.
Foi com convicção que afirmei aquilo repetidamente para
mim mesmo.
Quando Yusuf entrou no depósito, eu estava tão tenso que os
músculos até doíam de tão contraídos. Ficar do lado de fora sem saber
o que estava acontecendo era frustrante, terrível e uma grande merda.
Assim que o som do disparo de um tiro veio lá de dentro, dei
um passo para arrombar aquela maldita porta e entrar. Antes que eu
conseguisse me aproximar, Assad arrombou-a no instante seguinte.
A equipe de resgate acabou por entrar à nossa frente, mas os
soldados abriram espaço assim que Saqr e eu entramos logo depois.
Suspirei de alívio ao ver que Yusuf estava bem, mas o meu peito só
descomprimiu mesmo quando vi Thara viva e aparentemente sem
nenhum ferimento. Estava sentada em uma cadeira com as mãos
amarradas às costas e passei à frente de todo mundo para chegar até
ela.
Agachei-me ao seu lado.
— Você está bem?
Thara me olhou com alívio indisfarçável.
— Estou, alteza.
— Vou soltar você.
Inclinei-me sobre ela para desfazer o nó da corda. Aquela era
a primeira vez que ficávamos tão perto um do outro e que eu também
a tocava. Ainda que fossem toques rápidos nas mãos e nos pulsos
delicados, foi o suficiente para despertar em mim a vontade de tocar
em muito mais do corpo dela. Depois de dias conseguindo me manter
afastado, agora acontecia uma situação que nos aproximava mais do
que antes.
Fiquei em dúvida se ela estava sentindo o mesmo que eu, mas
quando me afastei e nossos olhos se cruzaram, tive a certeza de que
sim.
Mas que merda! Assim fica difícil de resistir.
Controlei a vontade de arrebatar aquela garota nos meus
braços e extravasar a tensão que senti desde que soube que ela também
era refém de Hisham. Eu queria protegê-la, cuidar dela, o que era algo
assustador para mim. Desde quando o Majdan de tempos atrás se
preocuparia àquele ponto com uma mulher?
Thara voltou a me olhar e fiquei com a impressão de que
queria o mesmo que eu.
Não é possível!
Desviei o olhar e vi Hisham rodeado pelos militares. O meu
lado prático veio à tona no instante seguinte. Era preciso tirar Thara e
Malika daquele lugar antes que o homem recebesse o que merecia.
Procurei por Yusuf, mas ele já se aproximava com a esposa.
— Majdan, providencie para que as duas sejam levadas ao
hospital.
— Fique tranquilo. Não as deixarei sozinhas até que estejam
em Taj.
Levei-as para fora e dei ordens para que trouxessem a
ambulância de prontidão até o perímetro de segurança montado em
torno do depósito onde estávamos.
Malika não se conformava que o marido tivesse ficado para
punir Hisham e começou a questionar a decisão do meu irmão. Eu
entendia a preocupação dela, só que a minha cunhada teria que
entender que Yusuf não poderia ter tomado outra atitude além daquela.
— Ele tem todos os motivos para dar uma boa lição em
Hisham.
Ela não gostou da minha resposta.
— Eu não quero que ele seja o responsável por tirar a vida de
um homem por minha causa.
Aquilo não era o que eu achava, muito menos o que Yusuf ou
qualquer outro homem que estava ali acharia.
— E quantas vidas Hisham já tirou?
— A justiça é de Allah e não nossa.
Olhei-a com seriedade.
— É Allah que decide quem vai fazer a justiça em nome
d’Ele.
Malika não me contradisse, permanecendo calada, mas eu já
não olhava para ela. A minha atenção estava em Thara, que parecia
não estar se sentindo bem. Observei-a com atenção e foi quando notei
uma mancha avermelhada no queixo dela. A boca de lábios carnudos
que tanto me atraíam, estava com o inferior levemente inchado. Eram
ferimentos que a pouca claridade do depósito ocultou, mas que agora
estavam visíveis.
— O que aconteceu com o seu rosto? — praticamente rosnei,
suspeitando imediatamente de Hisham.
Ela tocou o hematoma.
— Não é nada sério, alteza.
— Quem decide se é sério ou não sou eu. E eu digo que é
sério.
Fui autoritário e até duro no jeito de falar, mas o pouco caso
que ela estava fazendo da agressão que sofreu me irritou.
— Hisham bateu no rosto dela — Malika esclareceu de vez.
Apesar de já desconfiar daquilo, estreitei o olhar sobre o
hematoma de Thara, controlando a vontade de voltar para dentro do
depósito e eu mesmo dar uma lição no homem.
— Já disse que não é nada sério. Passei por coisa pior nas
mãos do meu pai e dos meus irmãos. O golpe daquele homem foi
apenas mais um dos muitos que já levei.
Cerrei os punhos e trinquei os dentes. A raiva que eu sentia
dos homens da família dela se transformou em ódio mortal em questão
de segundos.
Eu podia ter feito muita coisa errada na minha vida, mas
nenhuma delas foi bater em uma mulher. Apesar de gostar de um sexo
duro e de dar umas boas palmadas nas nádegas da mulher que estava
fodendo, nunca fui além disso, apesar de ter consciência de todos os
boatos que rolavam a meu respeito. Eu sabia que falavam muito mal
de mim, aumentando os fatos e inventando coisas que nunca existiram.
Criaram um Majdan que não era eu, mas também nunca me importei
com o que diziam.
Na minha concepção, se os irmãos batiam em Thara, era
porque o pai permitia. Ele era o culpado.
— Você não tinha que estar acostumada com isso. — Malika
se adiantou em dizer exatamente o que eu pensava. — É inadmissível
o que fizeram. Não me arrependo nem um minuto de ter tirado você de
Rummán e trazido para Jawhara.
Com as mãos na cintura e o corpo tenso, olhei fixamente para
Thara, que baixou a vista e evitou me encarar.
Aquele jogo de olhares dela ainda ia tirar a minha razão.
— A ambulância chegou, alteza. — Um dos militares se
aproximou para avisar.
— Já vamos — respondi, dirigindo-me a elas depois. — É
melhor irmos logo para o hospital.
Antes que eu cometa alguma loucura.
Capítulo 14
Majdan
Aquele sequestro desencadeou uma série de mudanças
importantes. A primeira delas foi Thara passar a morar em Taj.
Ainda no hospital, Yusuf me contou os planos de Malika.
— Ela vai convidar Thara para morar no palácio. A garota
não tem ninguém próximo para cuidar dela na casa de acolhimento.
Mesmo com as profissionais que temos lá, Malika não se sente bem
em deixar Thara sozinha no quarto onde mora.
Se eu já tinha um instinto de proteção absurdo com relação
àquela garota, ouvir o meu irmão falar da solidão dela na casa de
acolhimento só fez com que aumentasse ainda mais. O que me
tranquilizou foi saber do convite que Malika ia fazer. Senti parte da
tensão daquele dia evaporar do meu corpo como por milagre.
— Concordo com Malika. — Dei a minha opinião,
disfarçando o quanto o assunto me interessava.
— Eu também, por isso já disse que apoio a decisão dela.
— Acha que a garota Ayad vai aceitar?
— Eu espero que sim ou Malika vai ficar preocupada. Em Taj
ela terá mais assistência e cuidados depois da agressão que sofreu de
Hisham.
Ouvir o nome de Hisham me lembrou que ainda tinha um
assunto importante para resolver naquele dia.
Observei discretamente Malika e Thara conversando em
particular no corredor do hospital. Fiquei torcendo para que a garota
aceitasse o convite. Quando as duas se abraçaram, emocionadas, tive a
certeza de que Malika havia conseguido.
A minha cunhada não sabia, mas tinha acabado de trazer paz
ao meu coração com aquele convite. Saber que a garota agora estaria
em segurança dentro de Taj foi uma das melhores coisas que podia
acontecer depois de um dia tenso e dramático como aquele.
A segunda mudança que o sequestro trouxe foi com relação
ao rumo da investigação do atentado à bomba em Azra. Com a
confirmação da presença de Hisham Al Amari em Jawhara, não havia
mais dúvida alguma sobre quem era o autor do ato terrorista.
Se o supervisor prisional de Thueban era o culpado, quem
estava por trás dele era mais culpado ainda.
Mubarak!
Agora estava mais do que comprovado que Mubarak havia
atacado o meu país, a minha família. Foi com a raiva fervendo dentro
de mim que fiz uma ligação para ele assim que entrei no meu
escritório em Taj.
Aquela era a primeira vez que eu ligava desde que voltei de
Nova York. Se ele achava que íamos conversar sobre os velhos tempos
de farra, estava muito enganado, mas muito enganado mesmo.
— Salaam Aleikum, meu amigo! — ele me cumprimentou
com alegria assim que atendeu. — Que satisfação voltar a falar com
você.
Contraí os lábios para controlar as emoções, ao me lembrar
do perigo que Yusuf correu naquele dia ao entrar sozinho e desarmado
no depósito para enfrentar um terrorista disposto a tudo. Malika podia
estar morta agora, assim como o meu irmão. Ainda havia Thara, uma
garota que não saía da minha cabeça, que parecia estar entranhada
dentro de mim com uma profundidade assustadora. Ela havia se
transformado no meu mais novo vício. Um vício que eu não queria
largar!
Foi a imagem do rosto dela marcado pelo golpe de Hisham
que me fez inspirar fundo para manter a calma.
“Você possui emoções fortes demais e tem dificuldades de
controlar todas elas. Precisa mudar isso e ter mais autocontrole.”
A lembrança das palavras de Takeshi serviram como um
freio, esfriando parte da minha raiva. Em vez de acusar Mubarak sem
chance de defesa, decidi que o mais sábio seria primeiro escutar o que
ele tinha a me dizer.
— Alaikum As-Salaam, Mubarak — cumprimentei-o
friamente, indo depois direto ao assunto, sem perder tempo com
rodeios. — O que Hisham Al Amari faz em Tamrah?
Não amenizei a rispidez da minha voz. Nem que eu quisesse
conseguiria ser mais comedido ou diplomático. Fui ríspido e direto até
doer.
Ele não me respondeu de imediato e eu imaginava que
estivesse refazendo-se do susto. Agora Mubarak sabia que a presença
do homem que ele havia infiltrado entre os refugiados já não era mais
segredo.
— Hisham Al Amari? Pelo nome não me lembro de
conhecer.
Uma porra que não se lembra!
Ele tentou ser convincente, mas a mim já não enganava mais.
— O homem é um ex-militar do seu exército. Você pode até
não o conhecer pessoalmente, mas algum dos seus generais conhece e
o designou para esse trabalho, atendendo às suas ordens.
— Não me acuse sem provas, meu amigo. Este homem está
em Tamrah?
— Ele agora está na prisão e eu avisei a você que não fizesse
nada contra a minha família — lembrei-o ameaçadoramente.
— E não fiz! Dou a minha palavra que não fiz nada.
Se eu não o conhecesse tão bem hoje em dia, até acreditaria
que Mubarak realmente não fez nada. Talvez o Majdan de tempos
atrás acreditasse nele, mas não o Majdan de hoje.
— Não foi o que ele disse quando tentou matar a esposa do
meu irmão.
— Ele tentou matar a Malika? — Mubarak rosnou do outro
lado da linha.
A surpresa e a raiva na voz dele foram tão genuínas que, pelo
menos com relação àquilo, acreditei que estava sendo sincero.
— Exatamente isso.
— Você sabe que eu sempre a quis para mim e não vou negar
isso agora, mas nunca mandaria alguém matar Malika.
Aquilo era um fato e um fato que eu já sabia há bastante
tempo. Mubarak sempre desejou Malika para ele. Não tinha lógica
alguma que enviasse um homem para trazê-la de volta à Sadiz morta.
Ele a queria viva e muito viva.
— Mandar que a torturassem na prisão é o mesmo que
mandar matar.
Deixei bem claro que tinha conhecimento de tudo o que
mandaram fazer com ela.
— Malika foi torturada? Eu não sabia disso!
— Imagino que não, assim como não sabia das outras coisas
— ironizei com a voz dura.
— Estou falando a verdade! Sempre quis Malika para mim e
não ia autorizar que a torturassem. Isso foi obra do meu pai. Ele
mudou Malika de prisão sem me informar nada e deve ter dado ordens
para que a torturassem. Pergunte a ela se não a enviei para Asuid e dei
ordens para que ninguém a tocasse. Não fui eu quem a transferi para
Thueban.
— Então, afinal, você sabe de alguma coisa, já que conhece
Thueban.
— Fiquei sabendo há pouco tempo. Até isso o velho
escondeu de mim. — Ele bufou com impaciência e frustração. —
Afirmo que não mandei esse homem matar Malika em Tamrah.
— Mesmo que ela tivesse se casado com outro?
— Aí é que não faria nada mesmo, ainda mais sendo o seu
irmão o marido dela. Desisti completamente da minha prima quando
soube do casamento.
— Não tente me enganar! Hisham já estava aqui bem antes
do casamento acontecer e você sabe disso, já que o mandou. Ele foi
visto em Azra durante o atentado à bomba e estou sem acreditar que
você também ousou fazer isso com o meu país.
— Mas que droga, Majdan! Eu não fiz isso!
Perdi a paciência de vez, alterando o tom de voz.
— E quem fez, porra? — gritei, enfurecido. — Por acaso vai
dizer que foi o seu pai, que está hospitalizado e afastado do governo?
Tenha muito cuidado, Mubarak. Com as provas que temos, podemos
esmagar Sadiz como se fosse um inseto e ter todos os aliados da
região a nosso favor.
— Reafirmo que não ordenei nenhum atentado à bomba em
Tamrah, muito menos que matassem a Malika. Exijo que esse homem
seja extraditado para Sadiz, onde será sumariamente executado.
Quase ri da cara dele com aquela exigência descabida.
— Você não está em condições de exigir nada. Talvez
devesse pedir misericórdia a Allah para que não seja a sua cabeça a
rolar.
Deixei a ameaça no ar e desliguei.
Mubarak me conhecia bem demais para saber que eu não
ameaçava ninguém à toa, fosse quem fosse.
Todas as vezes que me irritei seriamente com ele no passado,
Mubarak ficava desesperado para reconquistar a minha amizade. Na
época, eu achava que era por realmente gostar de mim como amigo.
Hoje eu sabia que era apenas por interesse político.
Restava saber se ele havia mudado ou se continuava o
mesmo.
Coloquei calmamente o celular desligado sobre a mesa de
trabalho e aguardei. Como esperado, não demorou muito para entrar
uma mensagem.
“Quando você se acalmar, conversamos melhor. Prezo muito
a nossa amizade e jamais agiria contra os Al Harbi.”
Ri com desprezo quando terminei de ler. De nós dois, apenas
eu mudei.
— Você continua o mesmo, Mubarak. Mas eu não.
Apoiei os cotovelos na mesa e cruzei as mãos à frente do
rosto, olhando pensativamente para a mensagem no meu celular.
Analisando tudo friamente, havia uma grande possibilidade de
Mubarak estar sendo sincero quando disse que não mandou Hisham
matar Malika. Quanto a ter enviado o homem para a sequestrar e levar
de volta à Sadiz, já era outra história. Isso eu acreditava que ele fez.
Sendo verdade que não mandou matar a prima, significava
que Hisham tomou a decisão sozinho, por motivações próprias. Por
tudo o que Yusuf já havia me contado sobre a prisão de Malika, eu
acreditava naquela hipótese.
Juntando as peças, se Hisham foi capaz de passar por cima de
uma ordem real no caso de Malika, poderia muito bem fazer o mesmo
com relação ao atentado à bomba de Azra. Pela graça de Allah, o
homem agora estava preso e já não representava mais nenhum perigo.
Quanto a Mubarak, por enquanto não ia condená-lo, mas
também não ia inocentar. No momento certo, Allah me mostraria a
verdade.
Capítulo 15
Thara
— Esse analgésico vai tirar a dor que sente.
Engoli o remédio que a enfermeira Layla me ofereceu com
um copo de água e voltei a me acomodar na cama. Satisfeita, ela
sorriu e saiu do quarto, deixando-me sozinha.
Eu ainda não havia me acostumado com o fato de estar
morando no palácio real. Quase não acreditei quando a princesa
Malika me convidou para morar em Taj Almamlaka. Eu sabia que o
motivo do convite era o carinho que ela tinha por mim e não senti
constrangimento em aceitar. Aquilo não era caridade, mas amizade.
Estar ali agora parecia um sonho. Foi com um sorriso de
felicidade que me aconcheguei melhor nos lençóis macios. A sensação
de segurança que sentia agora compensava todo o desespero de ter
ficado refém de um terrorista. Apesar de o homem ter sido muito
agressivo ao me golpear, nem chegou aos pés do que já sofri na mão
dos meus irmãos.
Eu não esperava ver o príncipe Majdan participando do
resgate.
Mal ele entrou no depósito junto com os outros militares, o
meu coração disparou no peito de felicidade. Era difícil analisar os
sentimentos contraditórios que ele despertava em mim quando
estávamos no mesmo recinto. Eu não fazia ideia do que era aquilo,
mas gostava muito de o ver por perto. Gostava da intensidade com que
ele me olhava, mesmo mantendo o rosto sério e desinteressado.
O antigo príncipe herdeiro me atraía e repelia ao mesmo
tempo. Eu sentia medo, mas também uma atração irresistível que me
puxava para ele. Se alguém me perguntasse se existia algo entre nós
dois, eu não saberia o que responder. Era a falta de uma resposta
negativa que me intrigava.
Os meus primeiros dois dias em Taj Almamlaka foram
passados dentro do quarto, com a enfermeira Layla cuidando de mim.
No terceiro dia, eu já estava ansiosa para voltar às minhas atividades.
— Tenho aula na faculdade hoje e a princesa Malika também
pode estar precisando de mim.
— Com relação à princesa, pode ficar descansada. Ela já me
informou que você ficará de folga do trabalho durante o tempo que
precisar — Layla explicou com um sorriso tranquilo, uma
característica muito marcante nela. — Quanto às aulas, hoje poderá
voltar a estudar, já que não sente mais nenhuma dor que a impeça de
se concentrar nas aulas.
Fiquei feliz com aquela notícia.
— Então já posso voltar a estudar?
— Sim, pode.
A minha felicidade foi tanta que ergui as mãos para o alto,
agradecendo à Allah por aquela bênção.
— E quanto ao trabalho com a princesa?
— Vou avisar que você já está de alta.
Segurei a mão dela com gratidão.
— Shukran, Layla. Você acabou de me dar uma excelente
notícia.
Naquela mesma tarde, um dos carros do palácio me levou à
aula. O motorista era um senhor de meia-idade que me inspirou muita
confiança. Eu estava acostumada a andar pela cidade no carro da
princesa, que ela mesma dirigia, enquanto os seguranças seguiam atrás
em outro veículo. Ter um motorista levando-me sozinha para a aula
fez com que eu me sentisse uma princesa.
Só de pensar naquilo comecei a rir com o inusitado da
situação. Nunca imaginei que um dia teria um motorista só para mim.
Ele me deixou em frente à universidade com uma
recomendação.
— Quando a aula terminar, ligue-me. Estarei aqui perto e
venho pegá-la para levar de volta ao palácio.
— Farei isso. Shukran, Fadi.
Desci e entrei no prédio, ciente do quanto Allah estava
abençoando-me nos últimos tempos. A única mancha na minha
felicidade era a ausência da minha mãe, mas eu acreditava que ela
estava tão feliz quanto eu ao me ver estudando.
Foi pensando nela que entrei na sala de aula.

Morar no palácio estreitou a minha amizade com as mulheres


da família real, a ponto de todas insistirem que eu deixasse de usar o
tratamento “alteza” quando falasse com elas.
— Desde que nos conhecemos em Rummán, pedi que me
chamasse pelo nome e não por “alteza” — a princesa Malika me
lembrou.
— Perdoe-me por isso, alte... Malika. — Fiz uma careta ao
ver que já ia chamá-la de alteza. — É difícil para mim, mas prometo
que vou tentar.
Ela riu, achando graça da minha confusão.
— Vai me deixar muito feliz quando conseguir. Não só a
mim, mas também à Kismet e Farah.
Daquele momento em diante, tentei várias vezes, mas
confundia tudo. Tinha hora que chamava pelo nome e depois voltava a
chamar de alteza. Ríamos muito e agradeci em silêncio por elas serem
tão compreensivas comigo.
Estar morando em Taj Almamlaka também me deixava mais
próxima do príncipe Majdan do que antes, mas aquilo não significava
muita coisa. O palácio era tão grande que podíamos passar meses sem
nos encontrarmos. Ainda assim, o destino parecia encontrar maneiras
de nos colocar perto um do outro.
Foi Abia, a única filha dele, que acabou por nos aproximar.
Eu a conheci bem antes de ir morar no palácio. Naquela
época, não sabia quem era o pai dela. Aconteceu no primeiro dia em
que participei de um dos encontros de mulheres no majlis de Farah, a
convite de Malika. Abia estava afastada das outras crianças, sentada
sozinha em uma mesa própria para a idade dela e concentrada em um
desenho que fazia no papel.
Alguma coisa nela chamou a minha atenção, talvez o brilho
triste no olhar quando ela observava a movimentação dentro do majlis.
Enquanto as outras crianças corriam pelo grande salão, brincando e
divertindo-se, ela permanecia no seu canto.
Algo no meu peito foi tocado pela solidão que vi nela. Pedi
licença à Farah e à Malika, que conversavam sobre os refugiados, e fui
para onde a menina estava.
— Salaam aleikum. Sou a Thara — apresentei-me, sentando-
me no chão ao lado dela.
— Alaikum as-salaam, Thara — ela me cumprimentou com
educação. — Eu me chamo Abia.
— Posso ver o que está fazendo, Abia?
— Pode, sim. — Ela virou o papel para mim. — É um
cavalo.
Os traços do desenho ainda eram infantis, mas já mostravam
um certo talento da parte dela.
— Você desenha muito bem. Quantos anos tem?
— Acabei de fazer dez.
— Para quem tem apenas dez anos, o seu desenho está ótimo,
mas se você puxar um pouquinho mais essa pata dele para trás, o seu
cavalo ficaria com um ar mais imponente.
Ela analisou o desenho com um olhar crítico.
— Você tem razão. Vou mudar.
Na hora seguinte, fizemos os ajustes no desenho sem nem
notarmos o tempo passar. Só quando Farah e Malika se aproximaram
de nós duas foi que me dei conta do quanto já era tarde.
Levantei-me do chão, notando o olhar intrigado de Farah em
nós duas.
— Vovó, olha como o cavalo está ficando bonito.
Fiquei surpresa ao descobrir que a menina era neta de Farah.
— Mas ficou lindo! Está bem melhor do que antes.
Abia sorriu com prazer, o que transformou o rosto antes triste
em alegre.
— Foi Thara quem me ajudou a deixá-lo bonito assim.
Recebi um olhar indecifrável de Farah.
— Shukran, Thara — ela me agradeceu, virando-se depois
para Abia. — Vamos para casa agora. Daqui a pouco o seu pai chega.
Notei o entusiasmo da menina ao ouvir falar do pai. Ela
arrumou tudo dentro de uma bolsa que estava no chão e se levantou
obedientemente, segurando a mão de Farah.
— Ma’a salama49, Thara — Abia se despediu de mim.
Depois daquele dia, a menina sempre me chamava para ver
seus desenhos quando nos encontrávamos no majlis e passávamos um
bom tempo juntas.
Foi o olhar insistente de Farah sobre nós duas que disparou
um alerta dentro de mim.
Será que ela não está gostando de me ver perto demais de
uma de suas netas?
Naquele mesmo dia, resolvi esclarecer tudo com Malika
quando saímos no final do encontro.
— Errei ao me aproximar de Abia? Fiquei com a impressão
de que Farah não gostou muito.
Um sorriso de compreensão curvou os lábios dela.
— Não tem nada a ver com isso, mas com o fato de Abia ter
se isolado muito depois do que aconteceu com a mãe dela.
Franzi a testa, sem entender nada.
— A mãe dela morreu?
— Não, não é isso. Eu não posso contar muita coisa, mas a
mãe dela está na prisão e provavelmente não vai sair de lá.
Cobri a boca com a mão para abafar uma exclamação de
choque.
— Presa? Eu não sabia disso.
— Todos nós gostaríamos que não fosse verdade, mas
infelizmente é.
Agora eu entendia a personalidade retraída da pequena Abia.
— Notei mesmo que ela tinha um ar triste — comentei,
lembrando-me da primeira impressão que tive da menina. —
Identifiquei-me muito com ela, admito.
— Eu entendo. Abia é tímida e retraída por natureza, mas
estas características dela ficaram mais fortes depois do que aconteceu.
Esse foi o motivo da reação de Farah. Ela não esperava que a neta
deixasse você se aproximar tanto.
— Agora me sinto mais próxima de Abia do que antes. Ficar
longe da mãe não é fácil.
Malika sorriu com compreensão.
— Abia pelo menos agora tem o pai por perto. Desde que
Majdan voltou de Nova York notamos que houve uma mudança
positiva nela.
O príncipe Majdan?!
— Ela... ela é filha do príncipe Majdan?
Tentei esconder o susto que levei com aquela revelação.
— É a única filha dele, a mais nova dos irmãos.
Por Allah! Ele é casado?
— Então a esposa dele está presa? — sussurrei em choque.
— Ex-esposa — Malika corrigiu, sem saber o quanto de
alívio trouxe ao meu coração angustiado. — Majdan a repudiou e
pediu o divórcio depois do que houve, claro. Não posso contar tudo o
que aconteceu, porque este é um assunto muito íntimo da família, mas
como você vai conviver mais tempo aqui com todos, é bom que saiba
de alguma coisa pelo menos. Já que Abia gostou tanto de você, saberá
melhor como lidar com ela nas próximas vezes em que se
encontrarem.
Foi daquela maneira que a menininha de olhar triste me
conquistou de vez. Mesmo sabendo que Abia era filha do príncipe
Majdan, continuei conversando com ela em todas as ocasiões que
surgiam.
A matriarca dos Al Harbi me recebeu de braços abertos no
palácio e me incluía em todos os eventos que organizava. Assim,
acabei aproximando-me cada vez mais da menina, e também do pai
dela.
O que ia acontecer no futuro, só Allah sabia.
Capítulo 16
Majdan
Andei pelo corredor luxuoso e abri a porta do quarto, o som
da música alta que tocava no térreo chegando até o andar de cima. O
cômodo estava cheio de homens e mulheres enroscando-se uns nos
outros com os corpos nus em uma dança erótica conjunta.
Passei pelo meio deles, sendo acariciado por uma mulher que
se pendurou depois no meu pescoço. A sensação era boa demais,
porém, havia algo muito melhor esperando-me mais à frente.
Ultrapassei aquela massa de gente em êxtase sexual e cheguei
ao canto do quarto, onde havia um conjunto de sofás e poltronas
dispostos em uma área restrita. Um único homem estava sentado de
costas para mim.
Aproximei-me, sem acreditar na maravilha que vi sobre a
mesa de centro. Duas linhas de pó branco contrastavam com o
castanho escuro da madeira. Parei, respirando fundo para controlar a
ansiedade, o meu olhar sendo atraído para a brancura daquelas linhas.
Eram mais atraentes do que as curvas de qualquer mulher.
Uma fissura incontrolável de cheirar me dominou. Senti o
coração disparar, as mãos suarem, a respiração acelerar em tensa
expectativa.
Eu quero e é agora!
Sentei-me no sofá sem ver mais nada além daquelas duas
linhas brancas como a neve.
Não! Sou outro homem agora. Não posso fazer isso!
— É tudo para você, Majdan — o homem que estava sentado
ao meu lado falou pela primeira vez. — Pode cheirar à vontade.
Eu estava tão fascinado que nem prestei atenção nele. Só
queria cheirar aquela maravilha. Inclinei-me sobre a mesa, peguei o
aspirador que estava ao lado, tapei uma das narinas e aspirei
profundamente uma das linhas inteira.
Aaah, que maravilha! Como eu precisava disso.
— Cheire a outra linha agora.
O êxtase era tanto que até me esqueci de que havia alguém
ali. Olhei-o, arregalando os olhos quando vi quem era.
— Kaliq! Mas o que faz aqui?
— Estou aqui para dar o que você precisa, Majdan. Cheire! É
tudo seu.
Levantei-me em choque. A droga só podia estar tendo um
efeito reverso dentro de mim. Não havia outra explicação para Kaliq
estar ali.
Ele morreu! Não pode estar aqui, exceto se morri também!
— Cheire.
— Não!
Ele sorriu com tristeza.
— Agora é tarde demais para voltar atrás, meu amigo.
Cheire!
Não!
— Cheire, Majdan! — Outras vozes se juntaram à de Kaliq.
Olhei à minha volta. As pessoas que antes dançavam, agora
nos cercavam com os rostos assustadoramente sérios. Pareciam
zumbis e não seres humanos. Até o Kaliq tinha aquela expressão no
rosto.
— Cheire! Cheire! Cheire!
Aquelas palavras repetidas no mesmo ritmo da música que
tocava, ficaram martelando na minha cabeça depois que abri os olhos
na escuridão do meu quarto em Taj. Quase sem fôlego, sentei-me na
cama, recostando-me pesadamente contra a cabeceira.
Apesar da angústia que sentia no peito, o alívio veio junto ao
ter a plena noção de que tudo não passou de um pesadelo. Mais um
pesadelo entre muitos que já tive em que cheirava novamente a
cocaína.
Afundei o rosto nas mãos e respirei fundo várias vezes até as
batidas do coração voltarem ao normal.
Alhamdu lillah!50

Passei o restante da madrugada sem conseguir pegar no sono


outra vez. Quando o sol raiou, eu já estava de pé há muito tempo,
caminhando pelo jardim privativo da minha ala e tentando me
esquecer do pesadelo que havia tido.
Eu tinha acabado de voltar para dentro do quarto quando o
meu celular tocou em cima da mesa de cabeceira. Estranhei a hora e
fui ver quem era.
Mubarak!
Atendi, perguntando-me o que ele queria comigo daquela
vez.
— Preciso da sua ajuda, meu amigo! — ele disse com uma
certa urgência depois dos cumprimentos.
Fiquei logo desconfiado do que seria.
— De qual ajuda precisa?
— O meu tio Abdullah liderou um golpe de Estado durante a
madrugada para tomar o governo das minhas mãos.
O quê?!
Até duvidei de ter ouvido bem o que ele disse.
— Um golpe de Estado de Abdullah?
— Ele mesmo. Preciso que me ajude, colocando-se do meu
lado nesta guerra, Majdan. Sempre fomos amigos. Você me disse
várias vezes que jamais deixaria de me ajudar se eu precisasse.
Aquilo era verdade. Fiz muitas promessas na época em que
éramos amigos para o que desse e viesse. Hoje em dia, eu tinha mais
cuidado ao fazer promessas, fosse ela qual fosse.
— Muita coisa mudou de lá para cá, Mubarak. Não vou
apoiar nenhuma guerra em Sadiz que você criou. — Fui muito firme
na minha resposta.
— Mas a culpa não é minha, é dele! Foi Abdullah quem deu
um golpe de Estado.
— O que você queria que acontecesse, idiota? — Perdi a
paciência com aquela tentativa patética de me convencer que ele era a
vítima. — Você mesmo criou essa situação a partir do momento em
que tentou se apossar do governo antes da hora. Você deu um golpe de
Estado no seu pai antes de Abdullah dar um golpe de Estado em você!
— Mas eu sou o príncipe herdeiro, o sucessor do meu pai!
Assumir no lugar dele uma posição que já era minha não é golpe de
Estado.
Khara! Mubarak enlouqueceu de vez!
— Isso é o que você pensa, mas não é o que pensam os
governantes dos países-membros da Coligação Árabe. Nenhum deles
vai reconhecer você como governante de Sadiz. Você, mais do que
ninguém, conhece as regras da coligação.
Ele soltou uma imprecação do outro lado da linha, mas não se
deixou vencer.
— Você precisa me ajudar a combater o meu tio, Majdan.
Fale com o seu pai e convença-o a apoiar a minha causa. Você sempre
teve bastante influência junto ao Sheik Rashid. Omarih já está me
dando apoio, mas eles não têm o poderio militar de Tamrah. Se vocês
hoje se pronunciarem a meu favor, Abdullah vai desistir e poderei
assumir novamente o governo. Ninguém vai ter coragem de se opor a
mim.
— Não é assim que as coisas funcionam e você também sabe
disso. Pare de fingir que não sabe de nada — alertei-o duramente. —
Tamrah não vai se envolver nesta briga familiar de vocês. Se quiser a
minha ajuda, será apenas para intermediar este conflito. Podemos falar
com Abdullah e negociar a paz.
— Só há um lugar no poder e ele é meu! — Mubarak afirmou
com agressividade. — Não haverá paz em Sadiz enquanto o meu tio
não baixar as armas. Tenho metade do exército comigo aqui no Sul do
país. A outra metade ficou com ele no Norte.
Meneei a cabeça com reprovação.
— Você dividiu o seu país em duas partes, Mubarak. O povo
de Sadiz não merece isso.
— Nada vai acontecer com o meu povo se vocês me
ajudarem.
— Vou falar com o meu pai, mas não garanto nada.
— Eu sei disso. Shukran, meu amigo.
Finalizamos a ligação e caí sentado na cama, cogitando a
possibilidade de aquele ser um outro pesadelo. Eu só podia estar
sonhando. Era inacreditável demais que tudo fosse verdade.
Quando o tempo passou e não me acordei, tive a certeza de
não ser um pesadelo, mas a dura realidade de Sadiz.

Logo no início da manhã, o meu pai convocou uma reunião


familiar de urgência para discutirmos o assunto.
Já era do conhecimento de todos o que estava acontecendo
em Sadiz. Os noticiários da televisão não falavam de outra coisa,
informando que os bombardeios haviam começado desde a madrugada
e foram iniciados por Mubarak. Por enquanto, ele estava atacando
apenas as bases militares estratégicas do Norte, comandadas agora por
Abdullah, mas eu não duvidava que daqui a pouco os alvos seriam
civis.
Eu sabia que Kismet e Malika ficariam muito abaladas
quando soubessem que o país delas estava em guerra. Malika seria a
que mais sofreria, por ter consciência de que a população de Sadiz é
que sairia perdendo, inclusive as próprias vidas.
— Os bombardeios de Mubarak a bases estratégicas do
exército aliado de Abdullah começaram há poucas horas — Saqr
informou quando já estávamos todos reunidos.
— E como vão ficar os civis? — Malika se preocupou logo.
— Há informações de civis atingidos pelos bombardeios?
— Por enquanto os alvos são militares — Yusuf tranquilizou-
a. — Mas não sabemos até onde Mubarak pode chegar.
— Mubarak é capaz de tudo. — Achei melhor deixar aquilo
bastante claro. — Ele aguardou durante muitos anos para ter o
controle do país nas mãos e não vai desistir facilmente. Antes de
entrarmos nesta reunião, ele me ligou.
Todos olharam para mim com surpresa, o que era
compreensível. Afinal, eu não havia contado para ninguém sobre as
ameaças que fiz para Mubarak.
— Ele ligou para você? — o meu pai perguntou com a testa
franzida.
— Sim, ligou. Mubarak veio me pedir ajuda para combater
Abdullah. Ele quer o apoio de Tamrah para reassumir o governo de
Sadiz. Alega que Omarih não tem o nosso poderio militar para acabar
de vez com os rebeldes, que é como chama o lado da família que apoia
Abdullah.
— Saqr também foi procurado com a mesma finalidade, mas
por Abdullah.
Khara! Agora estávamos mesmo bem no meio do conflito.
Todos olharam para Saqr com a perplexidade no rosto, até eu.
— Abdullah me ligou para pedir o mesmo que Mubarak
pediu à Majdan, o que nos coloca em uma posição delicada no meio
dessa guerra — Saqr explicou com o semblante preocupado. — Desde
o começo das tensões internas em Sadiz que venho dizendo ao meu
pai que não deveríamos nos envolver caso a guerra eclodisse. Ajudar
diplomaticamente, sim. Apoiar militarmente, não. Esta é a minha
opinião.
Um por um, todos concordamos com a opinião dele. Faltava
apenas o meu pai dar a palavra final como governante máximo de
Tamrah. Ele ficou pensativo por um longo tempo, enquanto
aguardávamos a decisão que ia tomar.
— Saqr fica encarregado de aconselhar Abdullah na gestão
política da guerra, tentando fazer com que ele negocie a paz com
Mubarak. Abdullah é o mais velho e experiente dos dois, deve partir
dele a diplomacia — ele decidiu com autoridade, olhando depois para
mim. — Majdan vai fazer o mesmo com Mubarak, tentando colocar
juízo na cabeça dele. Quero que vocês dois trabalhem juntos para pôr
um fim a essa guerra, deixando bem claro para os envolvidos que não
entraremos com apoio militar, só diplomático.
Saqr e eu trocamos um olhar de entendimento. Trabalhando
juntos, talvez conseguíssemos evitar uma catástrofe na região.
Capítulo 17
Thara
Eu gostava de tudo o que fazia como assessora de Malika,
mas o que realmente me dava prazer era cuidar das crianças nas casas
de acolhimento. Elas eram o lado mais frágil da violência contra as
mulheres que tinham filhos.
Depois que a guerra eclodiu em Sadiz, o nosso trabalho
aumentou bastante. Eram muitos refugiados vindo para Tamrah e eu
ficava pensando como é que conseguiríamos ajudar a tanta gente.
O aumento de trabalho não foi apenas nosso. Eu notava o ar
mais carregado dos homens da família desde que a guerra foi
verdadeiramente declarada em Sadiz. Os dois países tinham ligações
muito fortes, não apenas por causa do casamento de Kismet e Malika
com os príncipes Saqr e Yusuf, mas também pela ligação que o
príncipe Majdan tinha com o país vizinho.
— Majdan foi muito amigo de Mubarak durante anos —
Malika comentou comigo certo dia. — Assim que a guerra foi
declarada, Mubarak ligou pedindo ajuda militar a Majdan.
Eu não sabia daquilo, mas imaginava que o tal Mubarak fosse
um dos amigos do príncipe que o meu pai vivia condenando por serem
um grupo de pecadores.
— Então vocês vão apoiar a causa do príncipe herdeiro de
Sadiz?
— De jeito nenhum! O Sheik Rashid já orientou os dois
filhos mais velhos para intermediarem uma negociação de paz. Não
haverá ajuda militar, só diplomática.
Fiquei mais aliviada quando ouvi aquilo. Eu não tinha nem
ideia do que realmente acontecia nos bastidores daquela guerra, mas
torcia para que acabasse logo. Sentia-me entristecida toda vez que
assistia aos noticiários na televisão e via tantos refugiados sendo
obrigados a abandonar tudo para trás no desespero de fugir da guerra.
As mulheres refugiadas de Sadiz foram todas alocadas em
uma casa de acolhimento específica para elas, que recebeu o nome de
Casa de Acolhimento Malika Al Kabeer, em uma justa homenagem à
princesa.
Era nela que estávamos semanas depois que fomos
sequestradas pelo terrorista Hisham. A prisão do homem trouxe alívio
para todos, principalmente para Malika, que era o alvo principal dele.
Sem a ameaça de um novo atentado à bomba ou de novas tentativas de
sequestro, passamos a visitar com mais frequência as mulheres
refugiadas de Sadiz.
Das crianças que viviam agora na casa de acolhimento, Zaíra
era aquela que mais tocava o meu coração. Ela tinha leucemia e estava
sempre nas minhas orações. Eu rezava todos os dias para Allah a
abençoar com a cura.
A tranquilidade de saber que não havia mais nenhum perigo
nos rondando era enorme. Podíamos ir e vir sem tanta tensão.
— Thara! Você veio hoje!
Zaíra acelerou os passos assim que me viu parada do lado de
fora da sala de aula. Todas as casas de acolhimento tinham uma escola
para os filhos das mulheres asiladas pelo governo, onde as crianças
podiam continuar os estudos e terem uma vida o mais normal possível,
esquecendo-se do horror da guerra.
Vim pegar Zaíra na escola naquele dia, para que a mãe dela
pudesse conversar com Malika sobre a quimioterapia que a menina
estava fazendo.
Agachei-me no chão e ela se atirou nos meus braços.
— Eu já estava com saudades de você — falei, emocionada
com o carinho da menina.
— Eu também!
Sem resistir, peguei-a ao colo, apertando-a com carinho junto
ao peito. Com sete anos, Zaíra era magrinha e não pesava muito.
Recebi um beijo no rosto e fui abraçada pelo pescoço. Fiz o
mesmo com ela, beijando o rostinho delicado.
— Você vem me pegar na escola amanhã também?
Eu gostaria de dizer que voltaria todos os dias para vê-la, mas
tudo dependia da agenda de Malika.
— Se não acontecer nenhum imprevisto que mude a nossa
agenda, amanhã estarei aqui de novo.
Zaíra sorriu, feliz. Assim que chegamos ao pátio, uma outa
menina veio correndo para onde estávamos. Era Nuria, a melhor
amiga de Zaíra na casa de acolhimento. Coloquei-a no chão e observei
com emoção a alegria das duas abraçando-se.
Eu queria muito ser mãe, mas ficava com medo quando me
lembrava das dores horríveis que a minha mãe sentia quando cumpria
a obrigação de dormir com o meu pai. Eu não fazia a mínima ideia do
que acontecia nessa hora para ser tão ruim e doloroso. Ficava mais
confusa ainda quando via a expressão de felicidade de Malika e
Kismet na presença dos maridos. Elas não pareciam achar que dormir
com eles era uma obrigação dolorosa.
Deixei que Zaíra e Nuria brincassem um pouco antes de
voltarmos para o quarto que ela ocupava com a mãe na casa de
acolhimento. Quando chegamos, a menina correu para dar um beijo
em Malika.
— Princesa Malika! — exclamou com a mesma alegria de
quando me viu.
Sem cerimônia alguma e com a naturalidade das crianças, ela
se jogou nos braços da princesa, que prontamente a colocou no colo.
Ainda ficamos um pouco com as duas até chegar a hora de
irmos visitar outras refugiadas.
Naquele dia, encerramos o nosso trabalho mais cedo do que o
normal. Malika sentiu-se mal antes do almoço e notei que estava
particularmente cansada durante a tarde.
No caminho para o palácio, cruzamos com um comboio de
ambulâncias e veículos militares em disparada.
— Céus, o que será que aconteceu? — perguntei,
acompanhando com o olhar o trajeto deles pela longa avenida.
— Isso é tão incomum — ela comentou com a fisionomia
preocupada, dirigindo-se depois ao segurança que conduzia o carro. —
O que está acontecendo?
— Ainda não sabemos, alteza. Mas acabamos de receber
ordens para levá-las o mais rápido possível para o palácio.
Nós duas trocamos um olhar de apreensão. Ela ainda tentou
ligar para o marido, mas sem sucesso.
— Estou preocupada.
— Não há de ser nada muito grave. Alguém no palácio saberá
dizer alguma coisa.
Assim que chegamos em Taj, fomos direto para a Ala do
Falcão do príncipe Saqr. Kismet nos aguardava logo na entrada. Ela
era linda, mas naquele momento o rosto de beleza excepcional só
refletia preocupação.
— Aconteceu um outro atentado à bomba.
Por Allah, como isso é possível? O terrorista está preso!
— Eu não acredito! — Malika trocou um olhar horrorizado
comigo. — Mas quem fez isso? Hisham já está preso e nunca mais
houve nada em Tamrah.
— Pelo jeito o homem mentiu quando disse que veio sozinho.
O certo é que tem um terrorista solto lá fora e voltamos a entrar em
alerta vermelho.
Aquelas palavras de Kismet causaram um mal-estar estranho
dentro de mim. Eu não sabia identificar o que era, mas um aperto no
peito me fez sufocar por instantes. Respirei fundo, tentando disfarçar o
que sentia.
— Onde foi o atentado dessa vez? — Malika perguntou,
trazendo-me de volta à realidade.
— Infelizmente, foi na sua casa de acolhimento.
Abafei uma exclamação de susto, mas não consegui conter as
lágrimas ao me lembrar de Zaíra.
Oh, não! Não pode ser onde estão as crianças.
Aquilo doeu tanto em mim que já nem ouvia mais o que elas
duas diziam. Na minha mente, só vinham as imagens de Zaíra, de
Nuria e das outras crianças. Elas conseguiram fugir da guerra para
ficar em segurança, mas a maldade alheia as perseguia.
E o pior era que não podíamos fazer nada naquele momento
para ajudar, exceto sofrer pelo destino trágico daquelas vítimas
inocentes.
— Eu quero ir para lá! — Malika disse de repente,
levantando-se do sofá. — Quero ficar com elas, ajudar. Devem estar
assustadas.
Levantei-me também. Se Malika fosse, eu iria junto!
— Não podemos ir — Kismet informou. — Yusuf e Majdan
já estão à frente de tudo no local do atentado.
Disfarcei a emoção ao ouvir o nome do príncipe Majdan.
Saber que ele estava no local confortou o meu coração, pois eu sabia o
quanto era um bom pai. Sem dúvida que ajudaria a salvar as crianças.
O perigo que todos corriam lá era grande e fiquei preocupada
com ele. E se existissem outras bombas que explodissem depois?
Misericordioso Allah, protege o príncipe e a todos os outros
que estão no local.
— Podemos rezar. Quando não podemos fazer nada, Allah
faz por nós — lembrei-as com tristeza.
— Sei disso, mas está sendo difícil aceitar essa situação.
Eu daria tudo para estar lá agora e salvar as mulheres e
crianças, mas se não podia, conformava-me em ajudar rezando.
O mesmo não acontecia com Malika. Para o nosso desespero,
ela desmaiou segundos depois bem à nossa frente.
— Allah misericordioso! — exclamei assustada, segurando-a
com força antes que caísse no chão.
Kismet estava grávida e não ia aguentar sustentar a irmã. Fui
eu quem a segurei como pude, colocando-a deitada sobre o sofá.
— Malika? — Kismet se debruçou sobre a irmã,
preocupadíssima. — Malika, está me ouvindo?
Ela parecia tão atordoada, que fiquei com receio que também
passasse mal, ainda mais estando grávida.
— Vou chamar a enfermeira Layla.
Não recebi resposta e resolvi assumir o controle da situação.
Peguei o meu celular na bolsa e fiz a ligação para Layla.
— A princesa Malika desmaiou — informei assim que ela
atendeu. — Estamos na Ala do Falcão com a princesa Kismet.
— Estou indo!
Nunca os minutos pareceram passar tão lentamente enquanto
aguardávamos Layla. Contudo, pouco tempo depois que ela chegou,
Malika voltou a si.
Layla decidiu fazer uma coleta de sangue para ter certeza de
que Malika estava bem, no que concordei. Eu não achava normal que
ela tivesse se sentindo mal duas vezes no mesmo dia, ainda que as
circunstâncias fossem propícias àquilo.
No início da noite, Kismet e Malika receberam ligações dos
maridos, informando que tudo estava bem e que não houve mortos na
casa de acolhimento. Saber daquilo trouxe paz ao meu coração e
agradeci a Allah com lágrimas nos olhos.
Por volta das nove horas da noite, fui embora com Layla,
deixando-as sozinhas. Era para eu passar a noite em um aposento da
Ala do Falcão, mas assim que entrei nele o meu celular tocou na bolsa.
Surpreendi-me quando vi que era Farah.
— Em que posso ajudar? — perguntei depois dos
cumprimentos.
— Estou com os meus netos agora, os filhos de Majdan —
explicou, fazendo o meu coração falhar uma batida só de ouvir o nome
dele. — Preciso me reunir com Rashid e não quero deixá-los sozinhos
com a empregada. Se Sabirah não estivesse em Londres, cuidaria deles
para mim. Os três ficaram muito nervosos com este novo atentado,
ainda mais sabendo que o pai está lá agora. Se você não estiver muito
cansada, poderia ficar com eles? Abia está muito assustada e sei que
ela gosta de você.
— Posso ir, alteza.
— Shukran, minha querida. Agradeço a Allah todos os dias
por você ter conquistado a afeição da minha neta.
— Também gosto muito dela e vai ser um prazer ficar com
eles. Onde estão?
— Na casa deles. Venha para a Ala do Leão.
Capítulo 18
Thara
Assim que os guardas fecharam a porta dupla atrás de mim,
caminhei pelo jardim interno que levava ao grande hall de entrada da
ala que o príncipe Majdan ocupava no palácio. Eu sabia que daquelas
portas em diante não havia câmeras de vigilância, uma vez que a
estrutura das quatro torres de Taj Almamlaka era idêntica.
Como eu já conhecia a Ala do Falcão e a Ala do Guepardo,
sabia que ali, na Ala do Leão, as coisas funcionavam da mesma
maneira. A única diferença era que, na ala destinada ao filho
primogênito do Sheik Rashid, havia mais opulência do que nas outras
duas torres que conheci. Tudo ali era mais espaçoso também.
Ainda me lembrava de como me surpreendi quando entrei ali
pela primeira vez a convite de Abia. No pátio interno onde ficava o
jardim, existia um pequeno lago cercado de fontes, algo que não
existia nas outras alas.
Ultrapassei o hall de entrada e fui à procura da área reservada
às crianças, onde encontrei Hud, Imad e Abia sentados em um grande
sofá, assistindo a um filme na televisão na companhia de Farah e
Amira, a governanta da Ala do Leão.
Quem primeiro me viu entrar foi Abia. A menina se levantou
e veio correndo para perto de mim.
— Thara!
Ela estava com os cabelos negros soltos e vestia um hijab
infantil que a deixava parecendo uma bonequinha. Fui efusivamente
abraçada pela cintura e me inclinei para dar um beijo no alto da cabeça
dela.
— Salaam aleikum, Abia.
— Alaikum as-salaam, Thara! Você veio para ficar com a
gente?
— Vim, habibti51. — Acariciei os cabelos dela. — Sua avó
precisa sair e vou ficar aqui com vocês.
— O papai ainda não chegou e não sabemos a hora que ele
vai chegar.
Notei a tristeza na voz dela.
— Não se preocupe que Allah vai trazer o seu pai de volta
sem nenhum arranhão. — Segurei-lhe a mão. — Agora vamos para
junto dos outros.
Fomos para onde todos estavam. Os dois meninos me
cumprimentaram com um sorriso, mas estavam mesmo interessados
era no filme. Amira ocupava uma poltrona mais ao fundo e Farah se
levantou com uma expressão de alívio no rosto.
— Agora que Thara já chegou, vou deixar vocês com ela
enquanto converso com o vovô — informou aos netos.
Farah se despediu dando um beijo em cada um deles e depois
me segurou pela mão, fazendo-me acompanhá-la até a porta.
— Agradeço muito que tenha vindo. Vou mais tranquila
agora.
Emocionei-me com a confiança que ela depositava em mim.
— É um prazer cuidar das crianças.
— Não sei a que horas Majdan e Yusuf vão chegar desse
novo atentado, mas rezo para que seja logo e com boas notícias.
— Acredito que Allah vai ouvir as nossas preces.
Ela me abraçou com carinho e me comovi com o jeito
maternal de Farah. Para quem sentia tanto a falta da mãe como eu,
aquele gesto tinha um significado especial.
— Se você precisar de qualquer coisa, não hesite em me ligar
a hora que for, caso Majdan ainda não tenha chegado.
— Farei isso.
Ela sorriu, satisfeita, despedindo-se de mim e indo embora.
Voltei para perto das crianças, sentando-me no lugar de
Farah. Com um sorriso tímido, Abia se aproximou de mim,
encostando-se no meu braço. Eu sentia nela uma carência materna
muito grande e aquilo me conquistava.
Abracei-a, aconchegando-a junto a mim.
— Que filme é esse? — sussurrei no ouvido dela.
— É um filme chato que os meus irmãos gostam de assistir
— ela sussurrou de volta e segurei a vontade de rir.
— Vou assistir um pouco e depois digo se concordo com
você.
Ela riu, cobrindo a boca com a mãozinha.
Após dez minutos, tive de concordar com Abia. O filme era
realmente chato, mas eu entendia que aquelas corridas de carros
velozes interessassem aos dois meninos. Quando fui dar a minha
opinião para Abia, ela já havia adormecido nos meus braços.
Decidi não a acordar, deixando primeiro que o filme
terminasse para poder colocar os três na cama. Tão logo chegou ao
fim, troquei um olhar com Amira. Ela fez um gesto afirmativo e se
levantou.
— Agora vamos todos dormir — comuniquei aos meninos.
— Mas o meu pai ainda não chegou — Hud, o mais velho,
reclamou logo. — Podíamos assistir outro filme enquanto ele não
chega.
— Quando ele chegar vai querer ver os três na cama. Amanhã
tem aulas.
Hud suspirou, conformado.
— Tudo bem, vamos.
O mais novo parecia estar esperando aquilo para se levantar
também.
— Pode desligar a televisão, Amira — autorizei.
Com a agitação dos irmãos, Abia se acordou.
— Já vamos dormir? — perguntou com os olhos sonolentos.
— Vamos. O filme terminou e está na hora de se deitarem.
Ela olhou ao redor com a testa franzida.
— O papai chegou?
— Ainda não, mas deve estar para chegar e vai querer ver
vocês três dormindo. — Ajudei-a a se levantar do sofá.
Saímos todos da sala e fomos para os quartos. Amira se
encarregou de colocar os meninos para dormir no quarto deles e eu fui
cuidar de Abia, que dormia sozinha em outro quarto.
— Você vai ficar comigo, Thara?
— Vou ficar até você dormir. Juro que não saio daqui.
Abia comprimiu os lábios como se estivesse segurando-se
para não chorar e o meu coração se apertou ao vê-la daquele jeito. Ela
parecia estar lutando para ser forte e achei aquilo demais para uma
menina de apenas dez anos.
— Por que você está assim? — sondei com suavidade,
esperando que se abrisse comigo.
— Eu... eu tenho sonhos ruins e me acordo assustada.
— E desde quando tem isso?
— Faz pouco tempo. — Ela segurou a minha mão com uma
força nascida do desespero. — Não vá embora. Fica comigo.
Eu jamais conseguiria negar um pedido como aquele, mas
achei sério o que estava acontecendo com Abia. Farah não comentou
nada comigo, o que significava que talvez não soubesse.
Assim que pudesse, conversaria com ela.
— Fique tranquila. Não vou embora.
— Jura?
— Sim, eu juro.
Ela prontamente se afastou para o canto da cama, batendo
com a mão no espaço que ficou vago no colchão. Igual a todas as
outras camas que eu já tinha visto na Ala do Falcão e do Guepardo, a
cama de Abia era enorme, em nada parecida com as camas simples
que existiam na casa do meu pai.
— Dá para você dormir aqui.
— Vou só ver se os seus irmãos estão bem e volto para
dormirmos juntas.
Ela assentiu com um meneio de cabeça e fui para o quarto de
Hud e Imad. Assim que entrei, encontrei-me na porta com Amira, que
já apagava as luzes antes de sair.
— Tudo bem por aqui? — sussurrei para ela.
— Sim, já estão deitados e não devem demorar a dormir —
ela respondeu no mesmo tom de voz. — Abia já dormiu?
— Ainda não. Vou voltar para ficar com ela.
Amira me olhou com compreensão, porém, não comentou
nada.
— Vou para o meu quarto, mas se precisar de algo pode me
chamar.
— Acredito que não vou precisar. Pode dormir tranquila.
Voltei para o quarto de Abia, que me aguardava sentada na
cama. Não me passou despercebido o olhar ansioso dela, muito menos
o longo suspiro de alívio que soltou ao ver que não fui embora.
Deitou-se de novo, aguardando-me.
Aproximei-me da cama e comecei a me preparar para dormir.
Apaguei a luz principal e deixei um abajur ligado para o quarto não
ficar às escuras. Se Abia tinha pesadelos, a escuridão devia assustá-la
ainda mais.
Tirei o hijab e soltei os cabelos, descalçando as sandálias
depois sobre o tapete macio.
Assim que me deitei ao lado dela, Abia veio para os meus
braços sem cerimônia alguma. Aquela mistura de carência e afeto me
emocionou a ponto de sentir lágrimas nos olhos.
— Durma tranquila, habibti.
Ela adormeceu quase de imediato, mas eu demorei a pegar no
sono. Fiquei pensando em como era a vida dela na época em que a
mãe ainda morava ali.
Eu, mais do que ninguém, sabia o que era perder a mãe de
uma hora para outra. Se para mim foi traumático, mesmo tendo vinte e
cinco anos, para uma menininha de dez deve ter sido muito pior, ainda
mais considerando o que a mãe dela havia feito.
Por outro lado, eu me sentia estranha em estar dormindo ali,
justamente na ala do príncipe Majdan, um homem que mexia com as
minhas emoções. Parecia tão íntimo estar deitada em um quarto
próximo de onde ele dormia.
Quando atendi ao pedido de Farah, aquela possibilidade
jamais passou pela minha cabeça. Achei que cuidaria das crianças até
a hora de irem para a cama e que depois poderia voltar para o meu
quarto na Ala do Guepardo, onde eu morava desde que vim para Taj.
Respirei profundamente, sentindo-me confusa e sem saber
como lidar com aquelas sensações estranhas que me assolavam.
Como sempre acontecia quando eu me sentia meio perdida,
rezei. Fechei os olhos e rezei fervorosamente a Allah para me ajudar a
entender tudo aquilo.
Por que o príncipe Majdan me atrai tanto? Por quê?
Eu queria ter alguém com quem conversar sobre o que sentia,
mas me via sozinha. Apesar da minha amizade com Malika, eu jamais
teria coragem de confessar o que sentia pelo cunhado dela.
Como explicar a alguém o que nem eu mesma entendia?
Capítulo 19
Majdan
Eu não estava em Tamrah na ocasião em que houve o
primeiro atentado à bomba em Azra. Na ocasião, tudo o que vi foi
através dos noticiários da televisão e dos jornais de Nova York. Agora,
parado em frente aos destroços do que antes era o escritório da casa de
acolhimento, eu estava estarrecido com a real dimensão da tragédia
que aquilo significava. Estarrecido e enfurecido!
Eu queria pegar quem fez aquilo e matar com as minhas
próprias mãos, o que era um retrocesso na minha determinação de
mudar. Eu havia prometido a mim mesmo que não voltaria a matar
ninguém, muito menos com os punhos. Contudo, estar diante daquela
cena trágica fez o antigo Majdan voltar.
Era ali, naquele escritório destruído por uma bomba, que
Thara trabalhava com Malika. Se não fosse a bondade de Allah, que
fez com que elas voltassem mais cedo para casa, as duas agora
estariam mortas entre os escombros.
Só de pensar naquela possibilidade, o meu sangue fervia.
— Ayreh feek!52 — rosnei quando parei diante do que restou
da sala. — Eu matava sem remorso algum o desgraçado que fez isso.
— Agora você entende o que senti quando presenciei o
atentado de Azra — Yusuf disse com raiva ao meu lado, enquanto
aguardávamos o esquadrão antibomba vistoriar o local. — Lá foi
ainda pior do que aqui. A única coisa igual é o objetivo. Já é a segunda
vez que o alvo é o escritório onde Malika trabalha.
Infelizmente, aquela evidência confirmava que o alvo era
mesmo ela.
— Mas quem fez isto? Hisham está preso e insiste que veio
sozinho.
— Até o momento, esta é uma pergunta sem resposta, mas
garanto que vou encontrar o filho da puta que fez isto.
Abracei-o pelos ombros, dando todo o meu apoio. Eu
também queria pegar o responsável.
Pela graça de Allah não houve nenhuma vítima mortal,
apenas danos materiais e a incerteza sobre um terceiro atentado.
Precisávamos colocar a mão no autor daquele crime antes que ele
agisse novamente.
Permanecemos no local até tudo estar sob controle, com as
equipes especializadas trabalhando em conjunto para devolver a
normalidade à casa de acolhimento.
Horas depois, o meu celular tocou com uma ligação de Saqr.
— Convocamos uma reunião de emergência com os
comandantes da unidade de contraterrorismo e precisamos que vocês
dois estejam presentes.
— Vou avisar ao Yusuf para voltarmos.
Só conseguimos sair de lá cerca de trinta minutos depois.
Quando chegamos em Taj, a reunião já havia começado e se estendeu
até depois das onze horas da noite. Era frustrante saber que não
tínhamos nenhuma pista do culpado. Com Hisham preso e Mubarak
envolvido em uma guerra civil, a possibilidade de ser alguém de Sadiz
perdia força.
Foi com um suspiro cansado que voltei para casa ao fim da
reunião. Entrei no salão principal, iluminado apenas por um abajur de
canto. Àquela hora, os meus filhos já estavam dormindo, ainda mais
que tinham aulas no dia seguinte. O hábito me levou ao quarto deles,
para ter certeza de que estavam bem.
Hud e Imad dormiam profundamente e sorri comigo mesmo
ao comprovar mais uma vez o quanto tinham crescido na minha
ausência. Allah realmente havia me abençoado com filhos amorosos.
Mesmo com tudo de errado que fiz na vida, eu sentia que ainda era o
herói deles, principalmente de Hud, o mais velho. Ele tinha uma
personalidade muito forte e assertiva, parecida demais com a minha,
enquanto Imad era mais calmo e ponderado. Eram opostos, mas se
davam muito bem juntos. Completavam-se sem conflitos, o que muito
me agradava.
Eu me preocupava muito mais com Abia do que com eles
dois. Ao contrário dos irmãos, minha filha se tornou carente, tímida e
insegura com o passar do tempo. Sempre achei aquilo estranho. No
meu entendimento, era para ser o contrário. Por conviver tanto com a
mãe, Abia deveria ter se tornado uma menina segura e confiante,
como aconteceu com a minha irmã. Sabirah tinha uma personalidade
forte e com certeza ia dar trabalho ao homem com quem se casasse.
Só de me lembrar que Mubarak propôs se casar com Sabirah
e eu aceitei, o sentimento de culpa por tudo o que fiz de errado voltava
com força total. Onde eu estava com a cabeça para concordar com
essa loucura? Nem o vício nas drogas justificava tamanha idiotice da
minha parte.
Saí do quarto dos meus filhos em silêncio, fechando a porta
com cuidado para não os acordar. De lá fui para o quarto de Abia, ver
como ela estava. Eu gostaria de ter tido mais uma filha para que ela
não ficasse tão sozinha. Apesar de se dar bem com os irmãos, eu
achava que Abia seria mais feliz se tivesse uma irmã ao lado. Ela
estava sempre sozinha, até na hora de dormir.
Abri a porta do quarto com cuidado. Hayat sempre reclamava
que a filha tinha o sono leve e muitas vezes passava a noite acordada,
ficando chorona no dia seguinte.
Ao contrário do quarto dos meninos, que estava
completamente na penumbra, ali o abajur de canto estava aceso,
iluminando com suavidade o ambiente. A claridade, mesmo tênue,
deixou evidente que a minha filha não dormia sozinha. Havia alguém
dividindo a cama com ela, o que era visível pelo volume de um corpo
adulto debaixo dos lençóis.
Inspirei fundo quando a raiva me dominou e avancei com os
punhos cerrados para estraçalhar a socos o filho da puta que ousou se
aproveitar dela.
O tapete abafou os meus passos, mas nada conseguiu abafar a
exclamação de surpresa que soltei quando vi quem era. Parei, atônito.
Por Allah, o que ela faz aqui?
Apesar de Hayat dizer que Abia tinha o sono leve, minha
filha continuou dormindo profundamente, sem sequer se mexer com o
barulho que fiz. Mas o mesmo não aconteceu com Thara, que abriu os
olhos, fixando-os em mim com o medo refletido neles.
Rápida, ela soergueu o corpo sobre Abia e cobriu a própria
cabeça com um braço, protegendo as duas.
Só então percebi que Thara não me reconheceu. Ela achava
que eu era um invasor, da mesma maneira como achei que o invasor
fosse ela.
Baixei o punho erguido e me afastei.
— O que faz aqui?
Thara baixou o braço assim que me identificou pela voz e se
virou para mim.
— É o príncipe?
— Sim, sou eu.
Ela prontamente se levantou da cama e ficou de pé à minha
frente, fazendo uma leve reverência.
— Peço desculpas, alteza. Não o reconheci contra a luz —
sussurrou para não acordar Abia.
Paralisado, só consegui olhar para ela. A luz que incidia por
trás de mim a iluminava totalmente e pude ver os cabelos soltos ao
redor do rosto que me seduzia cada vez mais. Era a primeira vez que
eu a via daquele jeito e fiquei extasiado. Thara vivia com o hijab
firmemente preso sobre os cabelos trançados, sem deixar nenhum fio
solto. Agora, os fios castanhos despenteados da cama, davam um
toque selvagem à aparência dela. Eram compridos, batendo quase na
linha da cintura esbelta.
Perdi o fôlego, perdi o controle do meu corpo e senti o meu
pau pulsar de desejo.
Percebi o momento exato em que ela se lembrou de que
estava com os cabelos soltos à minha frente. Os olhos se arregalaram e
as mãos prenderam os fios nervosamente. Thara segurou-os com
firmeza sobre um dos ombros e baixou a vista para o chão,
envergonhada.
— Peço desculpas mais uma vez, alteza. Não estou
apresentável como deveria estar.
Contraí a mandíbula com força para conter a vontade de
exigir que ela soltasse os cabelos de novo. O desejo por Thara só
crescia dentro de mim e eu me perguntava até quando conseguiria me
controlar.
Como se não bastasse a força de vontade que eu precisava ter
para vencer o vício das drogas, agora eu tinha que lidar também com a
vício obsessivo por aquela garota.
— O que faz aqui? — repeti, ignorando a rouquidão da minha
voz.
— Vim cuidar das crianças a pedido de Farah. Abia não
queria dormir sozinha e me pediu para ficar com ela. É por isso que
estou aqui até agora e peço desculpas por ter ficado sem autorização.
Não foi minha intenção desagradar Vossa Alteza.
Estranhei que Abia tivesse feito aquele pedido à Thara.
— Não me desagradou. Apenas fui pego de surpresa ao ver
que tinha alguém deitado na cama com a minha filha. Ela sempre
dormiu sozinha.
— Abia agora está dormindo profundamente e não vai se
acordar. Se quiser, posso ir embora.
— Não! Você fica.
Fui tão autoritário que ela se sobressaltou, olhando-me com
espanto. Respirei fundo antes de me justificar com um tom de voz
mais controlado.
— Já é tarde demais para você andar sozinha pelo palácio até
a ala do meu irmão. Estará mais segura se ficar aqui.
— Tem guardas nos corredores ao longo de todo o caminho.
Tivesse ela razão ou não, eu não a deixaria voltar sozinha
àquela hora.
— Sei que tem, mas ainda assim não permito.
Thara baixou novamente a vista para o chão, para depois
erguer o olhar outra vez e me desestruturar por completo. Por fim,
desviou-o de novo para baixo e fez uma segunda reverência.
— Sim, alteza.
Acompanhei aquele jogo de olhares sentindo-me tenso como
uma corda prestes a arrebentar.
Essa garota não tem noção alguma do desejo que pode
despertar em um homem.
Para não cometer a loucura de agarrá-la ali mesmo no quarto
da minha filha e levá-la para o meu quarto, causando mais um
escândalo envolvendo o meu nome, forcei-me a ir embora.
— Tesbahi al khair53 — despedi-me tensamente.
— U inta bkhair54, alteza.
Virei-me e fui para a porta, pensando como conseguiria
dormir sabendo que o meu mais novo vício estava debaixo do meu
teto.
— Vossa Alteza está bem?
A pergunta repentina me fez parar com a mão na maçaneta da
porta. Thara sabia que eu tinha ido ao local do atentado e havia uma
preocupação genuína na voz dela.
Aquilo me tocou profundamente.
— Sim, estou bem. Shukran.
Saí do quarto o mais rápido possível, antes que fraquejasse na
minha determinação de ser um homem melhor.
Capítulo 20
Thara
Ainda sem acreditar no que havia acabado de acontecer,
observei o príncipe Majdan sair do quarto de Abia. Pasma, cobri o
meu rosto com as mãos. A minha pele parecia arder onde o olhar
profundo havia passado.
Eu jamais ia imaginar que ele viria ao quarto da filha quando
chegasse ou teria me deitado com o hijab. Na verdade, nem teria me
deitado, quanto mais dormido na cama de Abia.
“Uma mulher só deve ficar de cabelo solto na frente do
marido!”
Até estremeci ao me lembrar do meu pai dizendo aquilo.
Apesar de ver muitas mulheres em Jawhara com os cabelos soltos e
sem usar o hijab, inclusive ali no palácio, eu não me sentia pronta para
dar aquele passo. Ainda estava tentando me adaptar a tudo de novo
que existia na capital. Eram muitas mudanças de comportamento de
uma só vez para mim.
Suspirando, voltei a me deitar ao lado de Abia, que dormia
tão tranquilamente que sequer acordou com a presença do pai no
quarto.
Eu estava afeiçoando-me cada vez mais à menina... e ao pai
dela também. Saber que o príncipe estava em casa trouxe um sorriso
involuntário aos meus lábios. Mesmo com tudo de negativo que tinha
ouvido sobre ele, eu não conseguia deixar de o admirar em segredo.
Apesar de aquele ter sido um dia de tristeza por causa do atentado, eu
agora me sentia feliz e adormeci sem nem perceber.
Quando acordei no dia seguinte, a primeira lembrança que
tive foi do encontro com ele ali no quarto. Eu estava ansiosa para vê-lo
de novo, mas não podia me esquecer do trabalho com Malika.
Decidi me levantar e foi quando Abia se acordou, bocejando.
Assim que me viu, sorriu.
— Sabah al khair55, Thara!
— Sabah al nur56, Abia. Dormiu bem?
— Sim e sonhei que estávamos em Jazira. Eu, Hud, Imad, o
papai e você!
— Eu também?! — exclamei, rindo muito. — Nem sei o que
é Jazira.
Ela se sentou na cama de pernas cruzadas, parecendo muito
entusiasmada.
— Jazira é um haras que o papai tem. Eu adoro ir para lá e
andar a cavalo. Tenho uma égua só minha. Foi o papai quem me deu.
Você sabe andar a cavalo? Se não souber, eu ensino. Você vai gostar
de lá.
Ri ainda mais. Nunca imaginei que Abia se acordasse tão
tagarela, muito menos que me incluísse nos passeios da família. A
inocência dela era encantadora.
— Obrigada pelo convite, mas não faço parte da família para
conhecer este haras do seu pai. Imagino que seja um lugar muito
bonito e tenho certeza de que você cavalga muito bem.
— Foi o papai quem me ensinou. — Levantou-se da cama e
correu para a porta. — Ele já deve estar em casa!
Antes que eu pudesse evitar, ela saiu correndo do quarto,
provavelmente para ir atrás dele.
Sem outra opção, levantei-me, peguei o hijab e cobri os
cabelos. Desamassei a abaya o melhor que pude, calcei as sandálias e
saí do quarto à procura de Amira. Encontrei-a no corredor que levava
ao jardim interno.
Depois dos cumprimentos, informei que estava indo embora.
— Abia foi atrás do pai assim que se acordou.
— Ela sempre faz isso quando ele está em casa — explicou
com um sorriso. — O príncipe já está acostumado.
— Fico mais aliviada. Agora preciso mesmo ir. A princesa
Malika pode me procurar e estranhar a minha ausência.
— Vá na paz, Thara.
Despedi-me dela e voltei para o meu quarto na Ala do
Guepardo, tentando não imaginar como seria ver o príncipe Majdan
acordando-se de manhã. Senti o meu rosto arder de vergonha com o
pensamento pecaminoso que tive.
Que Allah me proteja das tentações que ele desperta em mim!

Uma das primeiras coisas que eu queria fazer naquela manhã


era falar com Farah sobre Abia. Como na noite anterior ela me deixou
à vontade para ligar se precisasse de alguma coisa, peguei o celular e
liguei para ela.
— Salaam aleikum57, Thara. Já ia ligar para saber como foi a
noite com Abia. Soube por Amira que você dormiu lá.
Aquilo não me surpreendia, considerando tratar-se de Farah.
— Alaikum as-salaam58. Era justamente sobre Abia que eu
queria falar.
— Aconteceu alguma coisa?
— Ela ontem me pediu para dormir com ela por ter pesadelos
à noite. Disse que faz pouco tempo que isso começou a acontecer e
fiquei sem saber se já é do conhecimento de vocês.
Fiquei com a impressão de que Farah soltou um longo suspiro
antes de falar.
— Sim, eu já sabia, mas pensei que ela tivesse superado essa
fase. Começou depois que a mãe foi embora, mas desapareceu quando
o meu filho voltou para casa. Acho que o atentado de ontem deixou
Abia mais assustada do que pensei. Saber que o pai estava no local
onde a bomba explodiu colaborou para que ficasse mais nervosa.
— Fiquei preocupada com ela, por isso resolvi contar o que
aconteceu. — Hesitei antes de perguntar. — O príncipe Majdan sabe
disso?
— Sabe, sim. Conversei com ele quando voltou de Nova
York. — Foi a vez de Farah hesitar, como se pensasse se deveria me
contar mais alguma coisa. — Abia não teve uma mãe muito amorosa e
a situação de Majdan na época também não ajudou muito. Quando a
minha neta se viu sem os dois, não queria ficar com mais ninguém
além de mim e de Sabirah.
Saber daquilo me fez entender melhor todo o drama que Abia
estava passando.
— E Sabirah foi estudar em Londres — falei mais para mim
mesma do que para Farah.
— Isso mesmo, minha querida. Agora imagine o quanto
fiquei preocupada como a minha neta. — Deu para notar a tristeza na
voz de Farah. — Mas Allah é tão piedoso que enviou você. Notei
como ela está se aproximando cada vez mais, o que me deixou feliz.
Tenho muitas obrigações e nem sempre posso ficar com Abia. Espero
que isso não seja um problema para você.
— De jeito nenhum, Farah. Senti um carinho especial por ela
antes mesmo de saber que era sua neta.
E filha do príncipe Majdan.
— Isso não me passou despercebido, Thara. Sou muito atenta
e acompanhei a primeira aproximação de vocês duas. Minha neta se
transformou em uma menina introvertida e carente, que guarda muitos
traumas. Apesar de ter os irmãos e o pai, ela sente falta de uma figura
materna que realmente a ame.
Senti as lágrimas inundando os meus olhos ao ouvir aquele
relato sobre a menina. Se eu já sentia uma ligação especial com Abia,
saber da história dela me conquistou de vez.
— Pode contar comigo para o que precisar. Terei o maior
prazer em ajudar a fazer com que Abia se sinta amada.
— Que Allah seja louvado por isso, minha querida.

Como a princesa Malika ainda não havia me chamado


naquela manhã, resolvi ligar para a casa de acolhimento. Falei com
Tamiris e Zaíra, tranquilizando-me quando disseram que estavam bem
apesar do susto e do medo que sentiram no dia anterior.
Depois da ligação, aproveitei para colocar em dia as matérias
do meu curso de Gestão Financeira. Fiquei tão concentrada que nem
senti o tempo passar. Quando dei por mim, já era hora do almoço.
Achei melhor ligar para Malika e saber se estava tudo bem.
Depois do mal-estar na casa de acolhimento e do desmaio na Ala do
Falcão, preocupei-me que ela estivesse com algo sério.
— Salaam aleikum, Thara! — ela me cumprimentou com um
tom de voz tão feliz que me tranquilizei na hora.
— Alaikum as-salaam. Liguei para saber como está se
sentindo e se vamos trabalhar hoje.
— Estou muito bem. Venha que tenho uma notícia
maravilhosa para lhe contar.
A primeira coisa que pensei foi que conseguiram uma pista
sobre o autor do atentado.
— Vou agora mesmo.
Fui rápido para lá, cheia de expectativa. Quando entrei, a
expressão de felicidade no rosto de Malika era contagiante.
— Estou ansiosa para saber o que é!
A princesa soltou uma risada e bateu com a mão no espaço
vago ao lado dela no sofá.
— Sente-se aqui, Thara. Se você for como eu, precisa estar
sentada para receber esta notícia.
— Por Allah, o que aconteceu? — perguntei, sentando-me.
— Estou grávida!
Arregalei os olhos e fiquei momentaneamente sem ação, tal
foi o meu espanto. Ela riu muito ao ver a minha cara atordoada.
— Eu não disse?
Comecei a rir também, sentindo-me tão feliz quanto ela.
— Que Allah seja louvado! Um bebê é uma benção para um
casal. Mabruk!59
Ela me abraçou com um sorriso radiante de felicidade.
— Obrigada, Thara! Sinto-me realmente abençoada.
— O príncipe já sabe?
Notei o leve rubor nas faces dela e soube da resposta antes de
ela falar.
— Sim, já sabe e está muito feliz.
Eles dois se amavam muito e eu não esperaria outra reação do
príncipe.
— Ainda vamos trabalhar hoje? Talvez seja melhor descansar
de todo o estresse de ontem — sugeri, mesmo sem ter noção alguma
do que era mais indicado para uma grávida.
— Não aguento ficar sem fazer nada, Thara. Vamos trabalhar,
mas será aqui no palácio. Hoje de manhã Yusuf me pediu para ficar
em Taj por alguns dias enquanto a investigação avança. Ele está
preocupado com a minha segurança.
— Concordo, alteza. Se o alvo é a princesa, precisa estar
protegida.
— Eu sei disso, mas é difícil para mim trabalhar à distância.
Você sabe que gosto do contato com as mulheres e crianças.
Eu sabia daquilo e imaginei que seria um período difícil para
ela. A sorte era que Malika era uma mulher forte, que não se deixava
abater facilmente por nada.
Nos dias seguintes, o príncipe Yusuf providenciou tudo o que
a esposa precisava para trabalhar no palácio. No início funcionou bem,
mas depois ela começou a se impacientar com as restrições à medida
que o tempo passava e o autor dos atentados não era preso.
— Não vou aguentar isso por muito tempo. Já estamos presas
aqui há semanas!
— Calma, alteza. Pense no bebê!
Eu vivia repetindo aquilo. Já havia notado que era a única
coisa que a fazia se conformar em não poder sair do palácio. Durante
quanto tempo mais ela ia aguentar, só Allah sabia.

Estar mais tempo no palácio me aproximou mais de Abia.


Espantei-me quando, certo dia à tarde, o meu celular tocou com um
número que eu não conhecia. Era ela.
— Vovó me deu o seu número, mas fui eu quem pedi —
esclareceu depois de me cumprimentar com muita educação,
mostrando o quanto era uma verdadeira princesinha.
— E fez muito bem, Abia. Pode me ligar sempre que quiser.
— Shukran, Thara. Eu terminei o desenho do cavalo e queria
que você visse se ficou bom.
Abia tinha o poder de me sensibilizar com aquele jeitinho
tímido dela.
— Vou adorar ver. Consegue trazer o desenho para o majlis
hoje?
À tarde aconteceria a reunião semanal das mulheres no majlis
de Farah e Abia frequentemente participava.
— Sim, eu levo!
O entusiasmo da resposta me fez sorrir.
— Nos vemos lá, então.
Ela chegou com Amira e trazendo a bolsa da escola nas
costas. Assim que me viu, correu para me abraçar.
— O primeiro beijo não é mais meu? — Farah perguntou
fingindo estar triste.
Abia não se abalou com o drama da avó. Foi para os braços
dela depois de me beijar.
— Vó, você é a primeira em tudo e sabe disso.
— Agora já me sinto melhor.
A cena arrancou risadas das mulheres e a reunião continuou
no clima de festa de sempre.
A primeira vez que participei de uma daquelas reuniões, fui
trazida pela princesa Malika e me senti deslocada no meio de tanta
alegria. Elas dançavam, cantavam, faziam brincadeiras e se divertiam
umas com as outras. Kismet, mesmo estando com a gravidez
avançada, era uma das que mais dançavam, sempre charmosa e muito
elegante ao executar os passos da dança do ventre.
Quando eu ainda vivia em Rummán, nada daquilo existia. A
minha mãe e eu ficávamos juntas quase o dia inteiro, mas sempre
sozinhas, sem a companhia de outras mulheres. Só depois de participar
dos encontros de Farah foi que vim perceber o quanto éramos isoladas
de tudo na minha cidade.
Abia me puxou pela mão assim que pôde, levando-me para a
mesa que costumava ocupar quando vinha ficar com a avó. Em meio à
cantoria das mulheres, sentamo-nos e pude ver o desenho do cavalo.
Ela não só havia terminado de desenhar, como também de pintá-lo. O
resultado final foi um belo garanhão negro.
— Ficou lindo, Abia! Estou impressionada com o seu talento.
Ela sorriu, feliz.
— O meu pai disse a mesma coisa. Ele me perguntou o que
você tinha achado, por isso trouxe hoje para você ver. Agora posso
dizer a ele que você também achou lindo.
Completamente pasma, não consegui acreditar no que tinha
ouvido.
— Tem certeza de que era para mim que ele queria que você
mostrasse o desenho? — perguntei em dúvida. — Você não me
confundiu com outra pessoa?
Abia franziu a testa, parecendo confusa, como se não tivesse
me entendido.
— Ele falou o seu nome.
E será que ele sabia o meu nome? O príncipe Majdan não me
chamava de Thara, apenas de “a garota Ayad”. Eu me entristecia com
aquilo, apesar de disfarçar na frente dele e dos outros.
Aparentemente, ele se lembrava de mim apenas como a filha
do imame Salim Ayad de Rummán, e nada mais.
Capítulo 21
Majdan
Depois daquele encontro com Thara no quarto de Abia, dei
um jeito de não ver mais a garota de novo. Usei com ela as mesmas
regras que aprendi para evitar uma recaída nas drogas: não ver, manter
distância, esquivar-me de lugares e situações onde a pudesse
encontrar.
Apesar de parecer fácil, não era. A minha mãe passou a
considerar a filha de Salim Ayad como se fosse parte da família. Em
quase todos os eventos familiares a garota estava presente para tirar o
meu juízo.
Como se não bastasse a minha mãe, havia também Abia, que
volta e meia falava o nome dela. Um nome que eu me negava a
pronunciar, por ser tão proibido para mim quanto o de uma droga.
A solução passava por ter várias atividades que ocupassem a
minha mente o máximo de tempo possível. Foi assim que mergulhei a
fundo na investigação dos dois atentados à bomba. Quando não estava
trabalhando neles, estava treinando karatê com Yusuf. Com a mente e
o corpo ocupados com outras coisas, não havia espaço para tentações
que ameaçavam a minha sanidade mental.
Apesar de estarmos investigando os atentados com afinco, o
tempo passava sem que descobríssemos nada.
Certo dia, Yusuf estourou em plena reunião, surpreendendo-
nos.
— Al’ama!60 Será que nunca mais vamos pegar quem fez
isso?
Foi o Saqr quem se adiantou em uma resposta.
— Não sei se você percebeu, mas é isso o que estamos
tentando fazer. Perder a cabeça agora é que não vai nos levar a lugar
nenhum.
— Já não aguento mais esta indefinição. Qualquer dia desses
Malika pega o carro e sai em alta velocidade de Taj, e com o apoio da
nossa mãe.
— Bem-vindo ao clube dos maridos desesperados.
Recostei-me contra a cadeira, acompanhando a conversa dos
dois. Eu entendia a situação de Yusuf e não queria mesmo estar no
lugar dele. Quanto à Saqr, ele vivia eternamente tenso por causa da
terceira gravidez de Kismet. Vendo-os naquele drama, eu só tinha a
agradecer a Allah por não ter nenhuma esposa com a qual me
preocupar, ainda mais esposas complicadas como as deles.
— Boa sorte para vocês dois. É muito drama para mim.
— Sei — Yusuf respondeu de mau humor. — Isso até entrar
no clube também e vir chorando nos pedir ajuda. Já aviso logo que
vou deixar que sofra bastante antes de ajudar.
Ri tanto que enchi os olhos d’água, divertindo-me muito com
a praga que ele rogou.
A cara de Yusuf ficou mais azeda ainda.
— Que sorte a minha, então. Não vou mesmo precisar dos
seus conselhos.
Saqr fez uma bola de papel e arremessou no meu peito.
— Está pensando que vai ficar solteiro o resto da vida?
— Penso exatamente isso. Já tenho três filhos que me enchem
de orgulho, para que vou me casar de novo? Esposa, nunca mais.
Sofram sozinhos.
— Não sabe o que está perdendo.
Gargalhei ainda mais.
— Pela cara de vocês dois, sei o quanto estou ganhando.
Yusuf só faltou rosnar de tão irritado que ficou. Encarei-o,
adivinhando o tamanho da raiva dele.
— Você está com vontade de meter um soco na minha cara.
— Acertou. Por enquanto a mesa me impede.
— Parem, vocês dois! Se a nossa mãe souber que se
esmurraram no meio de uma reunião, vão os dois colocar o rabo entre
as pernas de medo.
— E você não colocaria? — provoquei-o.
— Não nego. — Ele riu. — Prefiro enfrentar um exército.
Caímos os três na risada. Até Yusuf relaxou um pouco da
tensão, divertindo-se com o comentário de Saqr.
Durante os anos em que vivi drogado, raramente passávamos
tempo juntos como acontecia agora. Antes, eu vivia no meu mundo e
eles no deles. Éramos irmãos, mas sem a camaradagem que tínhamos
hoje em dia. E, sinceramente, eu não trocaria nada do que vivi com os
meus amigos no passado pelo que estava vivendo agora com eles.
Yusuf se levantou, parecendo mais controlado.
— Alguém quer um qahua61?
Aproveitei a oportunidade para o abraçar pelos ombros.
— Calma, meu irmão. Ainda vamos colocar as mãos neles.
— InshAllah!62

Saqr e eu vínhamos fazendo diversas reuniões por


videoconferência com Abdullah e Mubarak para negociar a paz em
Sadiz. Não apenas sozinhos com eles, mas também os quatro juntos,
tentando um acordo que terminasse com a guerra civil.
Se a animosidade entre os dois era visível nas
videoconferências, eu imaginava como seria quando se encontrassem
pessoalmente na reunião de negociação pela paz que estávamos
organizando em Tamrah.
Abdullah ainda tentava ser diplomático nas
videoconferências, mas Mubarak estava sempre irredutível na sua
certeza de ser o único com o direito de governar Sadiz. Eu o conhecia
muito bem e sabia que ele não tinha remorso algum em ter dado um
golpe de Estado no próprio pai para tomar o poder.
Quando era confrontado com aquilo, Mubarak repetia para
todos que apenas substituiu o pai doente que já não conseguia
governar direito o país. Apenas para mim admitiu que tomou o poder
antes da hora.
Não foi fácil convencê-lo a participar de uma reunião
presencial com Abdullah para ambos negociarem a paz de uma vez
por todas. Ele só concordou em “pensar no assunto” por me considerar
um grande amigo.
— Eu não tenho nada mais para conversar com Abdullah.
— Venha e apresente as suas condições para um cessar-fogo.
O que você pretende, Mubarak? Governar um país destruído? Porque
é assim que Sadiz está ficando.
— A minha única condição para um cessar-fogo é o meu tio
Abdullah reconhecer oficialmente que sou o príncipe herdeiro de
Sadiz, o sucessor do meu pai e o único na família com direito de
governar o país.
— Ninguém está contestando o fato de você ser o príncipe
herdeiro e sucessor de Suleiman, mas você sabe que a sucessão em
Sadiz depende da aprovação do conselho de anciãos. Lembre-se com
quem está falando, Mubarak. Eu sei que você manipulou a situação
para tomar o poder antes da hora.
— Porra, Majdan! O velho já estava doente e amolecendo o
coração. Isso era tudo o que Abdullah queria para tomar o poder. Eu
apenas me antecipei ao que o meu tio já pretendia fazer. Fiz primeiro,
antes que fosse tarde demais. Garanto que agora eu seria um homem
morto se não tivesse feito o que fiz.
— Se é assim, então venha para a reunião e defenda a sua
verdade diante da Coligação Árabe. Você não vai conseguir governar
Sadiz se não for reconhecido por todos os outros líderes como o
governante do país. Viverá isolado, tendo o apoio apenas de Omarih,
um país pequeno e que depende de acordos comerciais para
sobreviver. Assim como Sadiz.
— Você é meu amigo e não vai deixar que Sadiz seja isolado
pela coligação.
Ele apostou errado se contou com naquilo.
— Posso ser seu amigo, mas não mando na coligação.
— Tamrah lidera a coligação! O que vocês disserem será
apoiado pelos outros.
Ainda que aquilo fosse uma verdade, eu não mexeria um
único dedo para evitar a catástrofe anunciada que seria o governo
tresloucado de Mubarak.
— Somos um grupo forte e coeso, regido por estatutos que
beneficiam a todos os integrantes. Se você resolve se opor, tem de
aguentar as consequências.
— Khara! — ele urrou de raiva ao telefone. — Vou pensar
sobre esta negociação de paz, mas só porque é em Tamrah. Não me
arriscaria a sair daqui e ser assassinado pelo meu tio em outro lugar.
— Abdullah não vai fazer isso. Ele está disposto a negociar a
paz. Tamrah é um território neutro para esta negociação e nada vai
acontecer, nem com você nem com ele. Ambos estarão seguros aqui.
Capítulo 22
Thara
Poder trabalhar novamente fora do palácio foi um alívio para
a princesa Malika, mas também para mim. Apesar de gostar de ter
mais tempo para ficar com Abia, eu sentia falta de Zaíra, de Nuria e
das outras crianças das casas de acolhimento que visitávamos.
Como existiam muitos refugiados vindos de Sadiz, era na
instituição destinada a eles que nós duas passávamos a maior parte do
nosso tempo.
Fui pega de surpresa no dia em que a princesa me informou
que voltaríamos a trabalhar em campo.
— Já encontraram o responsável pelos ataques?
— Ainda não, mas Yusuf disse que já posso voltar ao meu
trabalho normal nas casas de acolhimento. Claro que iremos cercadas
de seguranças.
E foi assim mesmo que aconteceu. Para onde fôssemos, havia
seguranças ao nosso redor. Se antes da gravidez o príncipe Yusuf já
era excessivamente preocupado com a proteção da esposa, agora era
muito mais.
Quando chegou a quarta-feira daquela semana, a casa de
acolhimento ficou mais movimentada do que o normal. Era o dia em
que os homens podiam visitar suas mulheres que estavam na
instituição. Enquanto o governo não conseguisse reagrupar a família
inteira em uma única casa, os homens ficavam em um local separado
das mulheres e crianças. Era nas quartas-feiras que eles se
encontravam.
— Registre a profissão do marido dela para colocarmos no
sistema depois — a princesa me pediu durante a conversa que estava
tendo com Yusra, uma garota de dezenove anos cujo marido era
jornalista e estava para chegar.
— Acabei de fazer isso.
As duas continuaram conversando e fui fazendo outras
anotações no notebook. Assim que uma batida soou na porta, Yusra
levantou-se de imediato, visivelmente ansiosa para rever o marido.
Malika trocou um olhar cúmplice comigo diante do
entusiasmo da garota, mas o meu sorriso congelou nos lábios quando
vi quem era o homem que havia acabado de entrar no quarto que a
refugiada ocupava na casa de acolhimento.
Mustafa!
Que Allah tivesse misericórdia de mim. Eu tinha os minutos
contados para continuar viva!
Mustafa era um dos meus quatro irmãos. O mais velho era o
Marzuq, que seguia os passos do meu pai como um religioso
extremista. Fouad era o mais violento de todos, uma espécie de
executor das ordens do meu pai. Logo depois vinha o Mustafa, muito
inteligente e engenheiro eletrônico, mas não menos violento. Por fim,
o mais novo era o Jihad, que tentava ser diferente, mas acabava sendo
igual.
Pela lógica, era para ser o Fouad ali, mas me lembrei a tempo
que ele seria facilmente identificado pelas forças de segurança, já que
esteve presente na manifestação em frente à casa de acolhimento de
Rummán.
Malika ficou horrorizada quando viu Mustafa empurrar Yusra
com força, derrubando-a no chão, mas eu não me surpreendi com
nada. Sabia o que cada um dos meus irmãos era capaz de fazer.
Mustafa faria muito mais e pior.
Revoltada, a princesa se ergueu da cadeira, enfrentando-o
com coragem, o que era um perigo.
— O senhor não pode fazer isso com sua esposa!
— Esse não é o meu Khoury, alteza! — Yusra gemeu do
chão, arrastando-se para longe dele.
Antes que qualquer uma de nós pudesse reagir ou gritar
pedindo ajuda, meu irmão abriu o casaco e mostrou o cinturão com
explosivos que trazia preso ao corpo. Tremi como há muito tempo não
tremia. Na verdade, desde que fugi de casa e vim parar na proteção da
família real.
— Se alguém aqui dentro gritar, o prédio inteiro vai aos ares
— ele avisou friamente.
Foi naquele exato instante que a realidade se abateu sobre
mim. Mustafa era o bombista responsável pelos atentados. Para minha
grande vergonha diante da família real que tão amorosamente me
acolheu, o meu irmão era o autor dos ataques à bomba.
Eu só não entendia por que o alvo foi Malika e não eu.
— Como... como conseguiu entrar com isso aqui? — ela
perguntou a Mustafa.
Ele a olhou com arrogância.
— Arriscamos colocar cada componente separado dentro dos
sacos de farinha dos mantimentos. Só precisei montar o artefato e
garanto que vai explodir no instante em que eu quiser.
— O que você quer?
Eu!
Estremeci violentamente quando Mustafa fixou o olhar que
destilava ódio em mim. Eu me sentia a ponto de desmaiar de tanto
medo.
— Chega aqui, Thara! — ordenou com aquele tom autoritário
que eu tão bem conhecia, apontando com o dedo para o chão aos pés
dele.
Vou morrer agora!
Malika me segurou pelo braço.
— Não. O que quer com a Thara?
— Já se meteu demais em nossas vidas, princesa. Mantenha-
se calada!
Eu precisava protegê-la, evitando que respondesse a ele.
Mustafa a mataria se fosse desafiado.
— É um dos meus irmãos — informei, para que ela
entendesse a gravidade da situação e não o enfrentasse. — Mustafa é
engenheiro eletrônico.
— Chega de conversa! Aqui, Thara!
Soltei-me da princesa e segui em frente, esperando que ele
ficasse satisfeito ao me matar e a deixasse em paz, assim como todas
as outras pessoas que estavam agora na casa de acolhimento. Que
Allah impedisse o meu irmão de detonar aquela bomba.
Assim que dei o primeiro passo, lembrei-me do príncipe
Majdan, a quem nunca mais eu veria.
Pelo menos tive a benção de o conhecer antes de morrer.
Quando me teve ao alcance da mão, a primeira coisa que
Mustafa fez foi me esbofetear com tanta força que o mundo girou ao
meu redor. Nem tive tempo de me recuperar e já estava recebendo
outro bofetão no rosto, seguido de um soco na barriga. Curvei-me de
tanta dor e desabei no chão. Levei chutes e pontapés nas costas e onde
mais ele conseguia me atingir.
— Ía kalbi!63. Você envergonhou a família inteira!
Senti uma dor aguda no meio das costas e fiquei com
dificuldade de respirar. Rezei para perder logo a consciência e não
sentir o golpe final que tiraria definitivamente a minha vida.
Tudo escureceu e agradeci a Allah por me levar logo para
perto da minha mãe.
Pensei que já havia morrido, mas ainda conseguia ouvir a voz
de Malika e do meu irmão discutindo. Eu não entendia o que diziam,
mas sabia que ela e o bebê corriam perigo.
Depois de tudo o que a princesa fez por mim, depois de ter
me salvado em Rummán, eu não podia abandoná-la à própria sorte.
Precisava salvá-la, como ela havia feito comigo.
Forcei-me a não perder a consciência. Implorei a Allah para
me manter viva o tempo necessário para salvar Malika.
— Cubram o rosto inteiro com o hijab e vamos sair daqui
agora. Levante-se, Thara!
A voz exigente de Mustafa serviu para me trazer de vez à
consciência. Allah me deu forças para me apoiar na cama e me erguer
com dificuldade, apesar da dor que dilacerava as minhas costas.
— Deixe a princesa — consegui falar. — Ela não tem culpa
de nada.
— Ela é a culpada de tudo! A nossa vergonha foi maior por
causa dela! Se tivéssemos pegado você em Rummán, já teríamos
lavado a nossa honra há muito tempo.
É tudo minha culpa! Minha culpa!
Nunca me senti tão mal na vida. Como se não bastasse a
minha mãe ter morrido por minha causa, agora existiam também as
outras vítimas dos atentados. Se eu não fizesse nada, a princesa e o
bebê seriam as novas vítimas, assim como todas as pessoas que
estavam na instituição.
Quantos já morreram por minha causa? Quantos ainda
morreriam?
Esqueci a dor que sentia e peguei com dificuldade o hijab,
cobrindo o meu rosto ferido com ele. A princesa fez o mesmo e veio
logo depois para o meu lado, ajudando-me a sair do quarto com
Mustafa. Se não fosse o apoio dela, talvez eu nem conseguisse andar
sozinha.
A única coisa que eu queria era sair logo da casa de
acolhimento para diminuir o número de vítimas mortais, caso o meu
irmão mudasse de ideia e detonasse o cinturão de explosivos.
Muitas pessoas circulavam pela casa de acolhimento e nos
misturamos no meio delas. Ultrapassamos os portões sem que nenhum
segurança ou militar nos interceptasse.
Mal chegamos do lado de fora, gemi de desespero ao ver que
Mustafa não estava sozinho.
— É Jihad, o meu outro irmão — sussurrei angustiada para
Malika.
Era o fim! Não havia como fugir.
— Entrem! — Mustafa ordenou quando chegamos ao carro.
Fomos para o banco de trás, onde me sentei contendo um
gemido de dor diante da pontada aguda que senti nas costas. O meu
irmão amarrou os nossos pulsos com uma fita adesiva grossa e se
sentou no banco do passageiro.
— Desarme logo essa bomba! — Jihad ordenou e notei o
quanto estava nervoso.
Ele normalmente não era tão estourado quanto Mustafa e
Fouad, sendo menos extremista também. Ainda assim, obedecia
cegamente ao meu pai.
Comecei a rezar com fervor, ciente de que não havia
conseguido salvar Malika. Para o meu consolo, pelo menos as pessoas
que estavam na instituição foram salvas.
Senti uma vertigem tão forte que fez o mundo girar com uma
rapidez impressionante. As vozes dos meus irmãos discutindo
pareciam vir de muito longe, a dor que oprimia o meu peito
aumentando cada vez mais.
Acho que vou morrer! Mãe, vem me buscar.
Segurei as mãos da princesa, sentindo necessidade de pedir
perdão enquanto ainda estava viva.
— Perdoe-me por tudo isso. Nunca pensei que um dia eles
chegariam a esse ponto — sussurrei no ouvido dela, olhando
significativamente para Mustafa. — É um religioso extremista.
— Vocês duas parem de cochichar aí atrás! — ele gritou.
— O pai sabe disso? — Encontrei coragem para perguntar,
desviando a atenção dele da princesa, para quem sempre olhava com
ódio.
— O pai está de cama. Ficou doente depois da vergonha que
você nos fez passar. Ele não sai mais de casa, para não ter que ver as
outras pessoas na rua. Quando eu chegar com o seu corpo e jogar no
meio da praça, todos vão voltar a nos respeitar na aldeia.
A náusea que senti foi tanta que quase vomitei ali mesmo.
Por mais que tentasse me manter consciente, não conseguia.
Os meus olhos se fecharam sem que eu conseguisse evitar e a
escuridão começou a me envolver cada vez mais.
Perdoe-me, Malika. Não aguento mais.
Eu não queria deixá-la sozinha, mas fui perdendo os sentidos
aos poucos. Primeiro deixei de ver, depois parei de sentir algumas
partes do corpo. As minhas mãos já não respondiam ao comando do
cérebro, nem as pernas. A sensação era de estar pesada, paralisada.
— Eles vão conseguir prendê-los.
Era a voz de Malika no meu ouvido.
— Mas estaremos vivas?
— Já passei por coisas piores e sobrevivi. Confiei em Allah e
você tem de confiar também.
Eu sabia que tinha de confiar, só que não me achava
merecedora do perdão de Allah depois de tantas pessoas inocentes
terem morrido por minha causa. Sabia também que Mustafa detonaria
a bomba antes de se entregar.
— Allahu akbar! Allahu akbar! Allahu akbar!64 — A voz
inexpressiva dele chegou aos meus ouvidos e chorei.
O momento havia chegado. Era o nosso fim!
Capítulo 23
Majdan
Saber que existiam terroristas em Tamrah era algo com o qual
eu não conseguia me conformar. Sendo sete anos mais velho do que
Saqr, vivi mais tempo do que ele ajudando o meu pai a liderar um país
em tempos de paz. Que hoje estivéssemos vivendo em um estado de
guerra era surreal demais para mim.
Surreal e enraivecedor!
— Nunca pensei que um dia teríamos terroristas atuando em
Tamrah — comentei na reunião convocada pelo meu pai para
tomarmos decisões sobre a segurança interna do país e sobre a externa
também, devido à guerra em Sadiz. — Isso é tão surreal que às vezes
me pergunto se está mesmo acontecendo.
O semblante do meu pai ficou mais carregado ainda. Notei o
quanto ele aparentava estar cansado, o que me deixou preocupado.
Talvez tudo aquilo estivesse sendo demais para ele, ainda que fosse
um homem forte e determinado.
— E eu nunca pensei que chegaria o dia em que veria Sadiz
em uma sangrenta guerra civil, que me obrigasse a escolher um lado
para apoiar e ainda gerir uma crise de refugiados — ele desabafou
com o rosto muito sério. — Mesmo com todos os indícios de
instabilidade no governo de Suleiman, eu esperava que o conflito
armado fosse evitado.
— Temos dois problemas grandes para resolver. Um interno e
o outro externo. — Saqr tomou mais um gole de qahua65. — Mas me
preocupo muito mais com o que está acontecendo aqui dentro.
Passamos os minutos seguintes discutindo sobre os dois
atentados à bomba. Yusuf estava preocupado com o fato de Malika ser
o alvo, enquanto eu me preocupava com Thara, que estava sempre nos
mesmos locais que a minha cunhada.
Não era fácil para mim ter de admitir aquilo, mas era a pura
verdade. Eu estava mais envolvido com aquela garota do que gostaria.
Hoje, era impossível não me preocupar com ela.
Depois de muito pensar sobre aqueles atentados, cheguei à
conclusão de que o motivo de quererem matar Malika devia estar
relacionado ao trabalho que ela desenvolvia à frente do Ministério da
Mulher. Apesar de todos os defeitos de Mubarak, eu acreditava nele
quando dizia que jamais mandaria matar a prima que tanto desejava.
Saqr foi o primeiro a colocar aquela possibilidade em pauta,
no que eu apoiei, apesar da incredulidade de Yusuf.
A discussão continuou até tocarem no nome de Thara.
— O caso mais sério que Malika teve no ministério foi o de
Thara, mas esse o senhor mesmo resolveu, pai.
— Sim, ficou tudo resolvido com o pai dela. Senti que Salim
Ayad no final aceitou bem a situação, mesmo a contragosto.
— O que nos faz voltar à estaca zero.
Algo me fez discordar daquilo. Talvez não tivéssemos
voltado à estaca zero, mas encontrado o cerne da questão.
— Contem-me direito essa história da garota Ayad — pedi,
tentando aparentar naturalidade. — Só sei que o pai queria a
circuncisão e que ela fugiu, sendo trazida depois para Jawhara por
Malika.
Foi o Yusuf quem me explicou tudo.
— Eu estava em Nova York na ocasião e não acompanhei
tudo de perto, mas pelo que Malika e Assad me contaram depois, não
foi tudo tão simples assim. Houve uma verdadeira confusão na casa de
acolhimento de Rummán. Thara estava prometida a um líder local, que
queria a circuncisão dela, assim como o pai. Ela fugiu de casa com a
ajuda da mãe, que acabou pagando por isso com a própria vida.
Depois, o pai, um dos irmãos e o noivo foram atrás de Thara na casa
de acolhimento, exigindo que a devolvessem. Malika se negou, eles
foram embora, mas depois voltaram com mais homens e fizeram uma
manifestação em frente à instituição. A situação só não fugiu ao
controle, porque havia o reforço de Assad e do outro segurança que
sempre o acompanha. Acabou por ser o Assad a resolver tudo. Malika
conversou com a nossa mãe sobre o que estava acontecendo e pediu
autorização para tirar Thara da cidade, trazendo-a para Jawhara. O
restante você já sabe.
Eu sabia, mas desconhecia totalmente sobre a presença do
noivo ao lado do pai dela. O normal seria que ele desistisse de Thara
ao saber que fugiu de casa. Muitos maridos repudiavam as esposas por
causa disso. Sendo ele apenas um noivo, com certeza nem quereria
mais vê-la. Entretanto, o homem foi atrás dela, insistiu, expondo-se
diante da comunidade onde viviam.
— Acho essa situação muito séria — comentei, preocupado
com as implicações do caso de Thara. — Qualquer noivo ficaria
furioso ao ver levarem a sua futura esposa para longe do seu alcance,
ainda mais se considerarmos que a garota Ayad é muito bonita. Eu não
descartaria a possibilidade e o investigaria, junto com o pai e os
irmãos dela. São os únicos que poderiam ter alguma coisa contra
Malika, a menos que tenha ocorrido algum outro conflito por causa da
luta dela a favor das mulheres.
— É comum haver um conflito ou outro, Majdan. Nem todos
os homens aceitam perder o controle sobre suas mulheres quando elas
procuram ajuda nas casas de acolhimento — Yusuf esclareceu. —
Malika conversa muito comigo sobre isso e sei que já houve outros
casos, o que me fez reforçar a segurança em torno dela. Mas, até onde
sei, este caso da Thara foi o mais sério e que ganhou maior
repercussão no país, já que o pai dela é um líder religioso muito
respeitado naquela região. Tanto, que foi preciso a intervenção do
nosso pai para os ânimos se acalmarem.
Senti a tensão crescer dentro de mim. Tudo aquilo que eu
estava ouvindo agora era muito sério e tentei não demonstrar o quanto
estava irritado por não terem me contado aqueles detalhes assim que
cheguei. Eu entendia que eles quiseram apenas evitar que eu tivesse
uma reação exagerada quando soubesse que um imame veio fazer
exigências ao meu pai, mas teria analisado aqueles atentados sob outro
prisma se soubesse da verdade desde o início.
No final da reunião, todos concordaram comigo em investigar
a família e o noivo de Thara. O que eles não sabiam, era que eu
investigaria tudo sozinho ainda que eles não tivessem concordado.
— Vou ver isso agora. — Yusuf levantou-se para dar início à
investigação.
Fiz o mesmo.
— Vou com você. Quero me aprofundar mais nesse assunto.
Fomos para o escritório dele. Assim que nos sentamos em
frente ao computador, o meu irmão digitou o nome do pai de Thara no
banco de dados. A partir dele, chegamos aos irmãos e ao noivo dela.
Foi até fácil demais. Um dos irmãos de Thara era engenheiro
eletrônico.
— Acho que estamos mesmo diante dos culpados — Yusuf
comentou.
— Um engenheiro eletrônico conseguiria facilmente construir
uma bomba — deduzi, olhando para a foto de Mustafa Ayad no
computador.
— Hoje em dia qualquer um com um mínimo de
conhecimento eletrônico e as orientações certas conseguiria construir
uma bomba, mas não iguais às que explodiram nas duas casas de
acolhimento. O coordenador do grupo antibomba me passou um
relatório sobre a análise dos artefatos usados e a conclusão é que foi
feito por um profissional.
— Pelo que vi na casa de acolhimento de Malika, acredito
que tenha sido feita por um especialista.
— Temos como descobrir isso. — Yusuf voltou a digitar com
rapidez. — Desde que aconteceu o primeiro atentado em Azra,
estamos usando a tecnologia do reconhecimento facial para monitorar
todas as pessoas que entram nas casas de acolhimento. Vou colocar a
foto dos homens da família Ayad no sistema e cruzar com o que já
temos, para ver se algum deles consta no banco de dados.
Acompanhei em tensa expectativa o sistema procurar as
informações. O resultado que surgiu no monitor foi justamente para
Mustafa Ayad.
Bati com o punho fechado na madeira da mesa.
— Pegamos ele!
Yusuf parecia em choque.
— Por Allah, Majdan! Ele está agora mesmo na casa de
acolhimento onde Malika foi trabalhar hoje.
Senti um aperto no peito e uma necessidade urgente de entrar
em ação.
— Tem certeza? — rosnei, controlando a custo a raiva que
sentia.
— Tenho!
Ayreh feek!66
Se o irmão dela estava lá, era para pegar Thara de volta. Eu
não duvidava que ele estivesse disposto a matar quantas pessoas fosse
possível para colocar as mãos na irmã.
Yusuf acionou imediatamente um plano de emergência para
prenderem Mustafa Ayad na casa de acolhimento. Ele ligou depois
para Malika, querendo avisar sobre o que estava acontecendo, mas ela
não atendeu.
Cerrei o punho de frustração quando ele não teve sucesso.
— Vamos manter a calma, Yusuf. Eles vão conseguir proteger
as duas a tempo. — Tentei acalmá-lo, mas me sentia tão no limite
quanto ele. — Khara! Suspeito que queiram pegar a irmã deles
também.
Apesar dos esforços do meu irmão para impedir que Mustafa
Ayad agisse, a informação que recebemos logo depois foi que o
homem já estava com elas.
— Quero agora mesmo que patrulhem por terra e por ar todo
o perímetro até Rummán para os localizar — Yusuf ordenou no
celular. — Vou pegar um dos helicópteros e participar pessoalmente.
— Vou com você — avisei assim que ele desligou.
Capítulo 24
Majdan
— Dois homens na frente e duas mulheres atrás. Elas estão
deitadas sobre o banco — o copiloto do helicóptero nos informou ao
verificar com o imageador térmico67 um carro que seguia logo abaixo
de nós.
Estávamos sobrevoando a estrada que levava a Rummán e
aquele foi o primeiro carro que encontramos no caminho pouco
movimentado.
— Interceptação imediata com snipers68 a postos — Yusuf
ordenou pelo intercomunicador. — Mantenham o perímetro de
segurança. Há perigo de explosão.
Passei a mão nervosamente pela barba, sem acreditar que
aquela merda estava mesmo acontecendo. O desgraçado do Mustafa
Ayad havia causado o terror no meu país com dois atentados à bomba
e agora estava prestes a matar um membro da família real, além da
garota que eu queria para mim.
Porra! Eu a quero para mim!!!
Eu não estava preparado para perder Thara daquela maneira.
Uma coisa era desistir da garota para o próprio bem dela e outra
totalmente diferente era perdê-la para a morte.
Os dois helicópteros cercaram o carro, forçando-o a parar no
meio da estrada. O nosso ficou na parte de trás, enquanto o que levava
os homens da força especial ficou na frente do veículo. Foi mantida
uma distância de segurança, considerando o risco de explosão.
Os motores foram desligados e militares desceram com os
rifles apontados para o carro. Yusuf e eu descemos também,
acompanhando a movimentação da equipe.
— Desçam devagar com as mãos na cabeça!
A ordem foi dada pelo comandante da operação através do
alto-falante, mas não houve movimentação dentro do carro. A tensão
era quase palpável à medida que os ponteiros do relógio avançavam e
nada acontecia.
— Snipers de prontidão? — Yusuf perguntou pelo
intercomunicador.
— Motorista na mira, senhor! — Ouvi um deles responder.
— Passageiro na mira, senhor! — Era o segundo atirador.
— E as reféns?
— Continuam fora da mira.
Eu não sabia se aquilo era bom ou mau. Elas já podiam estar
mortas dentro do carro e eles estarem apenas levando os corpos sem
vida para um lugar onde as enterrariam.
Pareceu demorar horas até a porta do motorista se abrir e um
homem descer com as mãos na cabeça. Havia um outro homem no
banco do passageiro, mas aquele continuou no mesmo lugar. A minha
intuição dizia que era o tal Mustafa Ayad, que eu queria que fosse
capturado com vida para poder pegá-lo depois, ainda mais se ele
machucou a Thara.
Que Allah me perdoasse por não conseguir ser um homem
melhor, mas era impossível para mim permanecer indiferente diante
de um monstro. Ele havia mexido com a família errada!
— Peço permissão para abater, senhor! — A voz do atirador
soou firme.
A minha tensão chegou a um nível máximo ao ouvir aquilo.
— O que ele está fazendo? — Yusuf perguntou tão tenso
quanto eu.
— Aposto a minha vida que está rezando antes de explodir o
carro.
Khara!
— Autorizado!
Se o meu irmão não tivesse ordenado aquilo, eu ordenaria!
Apesar de querer Mustafa Ayad vivo, ninguém podia ir contra a
vontade dele de morrer. Só que morreria sozinho, sem levar Thara e
Malika junto.
Foi com satisfação que acompanhei o homem ser abatido.
— Alvo abatido, senhor! — o sniper confirmou.
Yusuf e eu corremos para o carro. A primeira coisa que vi foi
Malika deitada sobre o corpo de Thara. Ao contrário da minha
cunhada, que prontamente se sentou assim que Yusuf abriu a porta,
Thara não se mexeu para nada, permanecendo imóvel. Senti um aperto
no peito ao perceber que ela estava inconsciente.
O meu irmão foi rápido em retirar Malika do carro, mas ainda
assim achei que demorou muito, tamanha era a minha urgência de
confirmar o estado em que Thara se encontrava.
Quando pude me debruçar sobre o corpo desfalecido, rangi os
dentes de raiva ao ver os hematomas que inchavam o rosto dela.
— Thara! — chamei-a, tocando-a em uma das faces.
Ela não reagiu e resolvi tirá-la logo dali. Eu não sabia qual
era a extensão dos machucados que tinha no corpo, mas imaginava
que não fossem poucos. Com cuidado, consegui retirá-la do carro.
Thara era mais leve do que pensei e segurei-a nos braços com
um poderoso sentimento de posse.
Rápido, levei-a ao colo até o helicóptero. Yusuf me ajudou a
colocá-la deitada sobre o banco traseiro da aeronave, que levantou voo
logo a seguir em direção ao hospital. Durante todo o percurso, Malika
não saiu do lado dela, muito menos eu. Nem que quisesse conseguiria
fingir que não estava preocupadíssimo.
— O que ele fez com ela? — perguntei à Malika, mesmo com
o barulho das hélices dificultando qualquer tipo de diálogo.
Eu não aguentaria esperar até chegarmos ao hospital para
saber o que havia acontecido.
— Mustafa deu uma surra tão grande nela como nunca vi na
minha vida. — Malika limpou as lágrimas do rosto, segurando uma
das mãos de Thara. — Ele parecia estar batendo em um homem e não
em uma mulher. Foi horrível.
Contraí a mandíbula para controlar a vontade de gritar de
raiva. Eu queria que ele ainda estivesse vivo, só para ter o prazer de
mostrar a diferença entre lutar contra um homem e bater em uma
mulher indefesa.
Fizemos o restante do trajeto em silêncio. Quando o
helicóptero pousou no heliponto do hospital, já havia uma equipe
médica aguardando, alertada pelo meu irmão. Thara foi levada em
uma maca e não pude mais acompanhá-la.
Yusuf ainda conseguiu entrar com a esposa, mas eu fiquei
sozinho na sala de espera, rezando para Thara resistir.
Ela é forte e vai conseguir!
Foi horrível ficar ali sem notícias dela. Também havia Malika
e o bebê. O trauma do sequestro poderia ter afetado a gravidez da
minha cunhada, o que seria um duro golpe para o meu irmão.
Tive a sensação de que se passaram horas até Yusuf aparecer
para me dar notícias. Assim que o vi entrar na sala, levantei-me, tenso.
— Malika e o bebê estão bem, graças a Allah.
Aquela era uma notícia abençoada e o abracei, aliviado.
Faltava apenas a Thara.
— E a garota Ayad?
— Está muito machucada, mas vai se recuperar.
Alhamdu lillah!69
O meu corpo inteiro descomprimiu da tensão e quase me
ajoelhei ali mesmo para agradecer a Allah por aquela benção. Nunca
pensei na minha vida que um dia sentiria uma ligação tão forte com
uma mulher como acontecia com Thara.
O olhar estranhamente atento de Yusuf disparou um alerta
dentro de mim e me controlei, mantendo uma aparência mais normal.
Ele se sentou no sofá e fiz o mesmo.
— As duas vão ser liberadas ainda hoje? — Tentei não soar
muito interessado.
— Vou levar Malika assim que a médica lhe der alta, mas o
estado de Thara é mais sério e ela precisará ficar internada alguns dias.
Só espero convencer Malika a voltar comigo para Taj. Desconfio que
ela vai me pedir para permanecer aqui e aguardar que Thara volte à
consciência.
Aquela era a oportunidade que eu precisava para não ser
obrigado a voltar para Taj e ficar longe de Thara. Estando ali, ficaria
responsável por ela e seria o primeiro a ser chamado quando voltasse a
si.
— Se quiser, fico aqui para saber notícias dela. Assim que
Thara voltar à consciência, aviso.
— Isso pode demorar, meu irmão.
Fiz um gesto de pouco caso com os ombros.
— Fico em um dos quartos assistindo às notícias. Hoje o
mundo vai ficar sabendo que pegamos os terroristas dos dois ataques à
bomba. — Ri com satisfação. — Ninguém se meta com os Al Harbi.
Bem mais relaxado depois de saber que a esposa e o filho
estavam bem, Yusuf riu junto comigo, abraçando-me com uma
expressão de vitória no rosto.
Merecíamos aquele momento de descontração depois de
meses tentando descobrir quem era o desgraçado que andava
aterrorizando o nosso país.
— Só sinto por Thara. Ela adora Malika e Kismet e deve
estar arrasada com o que os irmãos fizeram.
Yusuf tinha razão. Eu mesmo já havia pensado naquilo, mas
caberia a nós convencê-la de que não tinha culpa dos erros da família.
Não só dos irmãos, mas também do pai. Possivelmente, do noivo
também. Eu não conseguia acreditar que ele havia desistido
completamente dela.
— Ainda precisamos descobrir quem mais da família está
envolvido — lembrei-o.
— Saqr já providenciou que todos fossem presos para
interrogatório. A cidade de Rummán deve estar em polvorosa hoje
com a chegada dos militares.
— Está óbvio para mim que os irmãos de Thara viram na
entrada dos refugiados uma oportunidade para atingirem Malika,
colocando a culpa nos rebeldes de Sadiz.
— Nunca pensei que o trabalho de Malika em favor das
mulheres fosse despertar tanto ódio de um grupo de homens com a
mente fechada.
— Thara vai se sentir culpada.
Yusuf me jogou um olhar tão surpreso que estranhei.
— Esta é a primeira vez que você não chama Thara de “a
garota Ayad”.
Fiquei sem reação com a merda que fiz, sentindo-me mais
surpreso do que ele.
Al’ama!70
— Nem reparei nisso — admiti.
— Mas eu reparei. Malika já tinha comentado comigo que
Thara não entendia por que você era o único que a tratava assim.
Então ela notou!
— Ela disse isso para Malika?
— Disse e acho que não gostava muito.
Disfarcei a satisfação ao ouvir aquilo. Afinal, apesar de
aparentar indiferença, ela se incomodava.
— Demorei a decorar o nome dela — menti descaradamente.
— Já o pai, o Salim Ayad, é um homem difícil de esquecer depois das
exigências que fez.
Não só o pai dela, mas o noivo também.
Capítulo 25
Majdan
— Quero ser avisado imediatamente assim que Thara Ayad
voltar à consciência. Providencie que ela esteja devidamente vestida
para que eu possa entrar no quarto. Quero comprovar pessoalmente
que ela está bem.
— Sim, alteza.
Não tive remorso algum em usar um tom de voz bastante
autoritário com a médica responsável pela equipe que estava tratando
de Thara. Mesmo não sendo mais o príncipe herdeiro, eu ainda era o
primogênito do Sheik Rashid. Ainda era aquele que, bem antes de
Saqr deixar de usar fraldas, já comandava muita coisa em Tamrah.
Pouco me importava se a minha fama atual ajudava a que as
pessoas tivessem medo de mim. O importante era estar ao lado de
Thara quando ela abrisse novamente os olhos.
Fui para a minha suíte no andar do hospital reservado à
família real. Thara estava no mesmo andar, só que ocupando a ala
feminina, onde eu não poderia entrar se as circunstâncias fossem
outras. Contudo, quebrar regras era a minha especialidade. Uma a
mais, uma a menos, não faria diferença na minha vida cheia de
escândalos.
Peguei um dos thobes limpos que ficavam à nossa disposição
na suíte e fui tomar um banho. Logo depois, liguei para minha mãe.
Ela cuidaria dos meus filhos.
— Não quero que Abia saiba do que aconteceu, pelo menos
por enquanto — pedi assim que ela atendeu.
— Concordo, filho. Ela é muito apegada à Thara e ia ficar
abalada. Nenhuma notícia ainda?
— Até agora, não. Aviso assim que souber de algo.
— Estamos todos rezando por ela. Thara vai se recuperar,
com a graça de Allah.
— Inshallah!
Demorou cerca de três horas para ela voltar a abrir os olhos.
Eu estava assistindo o noticiário na televisão quando o telefone da
suíte tocou. Era a doutora Bushra Nabi.
— Thara voltou à consciência, alteza. Poderá vê-la em dez
minutos.
— Como ela está?
— Um pouco confusa ainda, o que é normal, mas fisicamente
bem. Já estou com o resultado dos exames. Thara fraturou uma das
costelas, mas não houve perfuração do pulmão nem comprometimento
de outros órgãos. Tem diversos hematomas pelo corpo e já está
medicada, mas deverá ficar em observação aqui no hospital pelos
próximos quatro dias. — Notei o tom firme que ela usou, como se
quisesse me dizer que não tentasse ir contra as recomendações
médicas. — Thara se lembrou da princesa Malika e quis saber como
ela e o bebê estavam. Já informei que estão bem e foram para casa.
— Ela sabe que estou aqui?
Eu não queria que Thara achasse que todos foram embora e a
deixaram sozinha no hospital. Se ela realmente estivesse sentindo-se
culpada pelo que os irmãos fizeram, certamente acharia que estávamos
culpando-a também.
— Ela sabe, alteza. Thara perguntou se alguém da família
havia ficado no hospital.
Era o que eu imaginava. Ela queria ter a certeza de que o
carinho que sentíamos por ela não havia mudado.
— Opôs alguma resistência que eu a visse?
— Não.
Aquilo me emocionou mais do que gostaria.
— Dez minutos — lembrei-a do tempo antes de desligar.
Foi exatamente em dez minutos que entrei na ala feminina do
nosso andar. A própria doutora Bushra me aguardava e conduziu para
o quarto onde Thara estava internada.
— Peço apenas que não demore muito, alteza. Ela precisa
descansar.
Não confirmei nem neguei, entrando sozinho no quarto.
Demorei alguns segundos para assimilar o impacto de ver
Thara deitada com o corpo ligado a várias máquinas. Em um suporte,
um soro pela metade estava sendo injetado no braço dela. Thara estava
coberta até o pescoço com o lençol, ficando apenas o rosto à mostra.
Os cabelos castanhos soltos sobre o travesseiro contrastavam com a
brancura do tecido da fronha.
Estava de olhos fechados, mas deve ter me ouvido entrar,
porque os abriu e fixou em mim. Aproximei-me, o hematoma
arroxeado em um dos lados do rosto chamando a minha atenção.
— Como se sente?
Thara não respondeu, apenas me olhou com tristeza.
— Perdoe-me, alteza — sussurrou com dificuldade.
Era o que eu temia. Ela se sentia responsável pelo terror que
os irmãos infligiram ao país.
— Não tem do que pedir perdão, Thara — chamei-a
firmemente pelo nome, para que tivesse plena noção do quanto a
valorizava como pessoa, como mulher, ainda que fosse tão mais nova
do que eu. — Você não tem culpa do que os seus irmãos fizeram, da
mesma forma como os meus irmãos não têm culpa de tudo o que fiz
de errado na vida. A responsabilidade é sempre de quem comete o erro
e não dos outros. Allah sabe o que existe no coração de cada de um
nós.
Não havia comparação melhor para ela perceber que não
tinha do que se culpar, muito menos do que pedir perdão.
Algumas lágrimas escorreram dos olhos dela e os lábios que
eu tanto queria beijar se comprimiram para conter o choro. Thara
ergueu a mão que estava livre do soro para secar o rosto.
— Shukran, alteza. Que Allah abençoe a todos os Al Harbi.
Não resisti à emoção do momento e sequei eu mesmo uma
das lágrimas que caíam até os cabelos dela, aproveitando para sentir
no dorso da mão a maciez de alguns fios.
Nossos olhares se encontraram e perdi a noção de tudo,
exceto dela. Thara tinha aquele poder sobre mim, um poder que eu
ainda não entendia e contra o qual não conseguia lutar.
Eu estava obcecado por ela, completamente viciado!
Ciente dos meus problemas, afastei a mão, cerrando os
punhos ao lado do corpo e longe do olhar dela.
— Como se sente? — insisti na pergunta.
— Bem, mas muito cansada.
— É compreensível depois de tudo o que sofreu. Procure se
esquecer do que aconteceu e descansar.
— A princesa e o bebê estão mesmo bem?
Sorri ao me lembrar do alívio de Yusuf horas atrás quando
pôde levar a esposa de volta para a segurança de Taj.
— Os dois estão bem, mas é óbvio que Malika vai precisar de
repouso igual a você. Provavelmente não poderá vir ao hospital visitá-
la, mas ligará, com certeza.
— Eu entendo. Ela precisa cuidar do bebê. — Thara baixou a
vista fugindo do meu olhar e adivinhei logo que algo a incomodava.
— A doutora disse que ainda ficarei aqui uns quatro dias.
Aquilo foi o suficiente para eu perceber que ela estava
insegura com relação ao próprio futuro, achando que não poderia
voltar a morar no palácio.
Se dependesse de mim, Thara nunca mais sairia de lá.
— Não ficará sozinha no hospital. Estarei aqui com você até
que receba alta e possa voltar comigo para Taj.
Ela ergueu o olhar rápido, sem conseguir disfarçar a surpresa,
muito menos a alegria.
— Isso não vai atrapalhar Vossa Alteza? Sei que deve ter
coisas mais importantes para fazer.
— Se eu não quisesse estar aqui, teria encarregado outra
pessoa de ficar no meu lugar. Ninguém me obriga a fazer nada que eu
não queira. — O tom de voz que usei já dizia tudo sobre aquilo. —
Caso eu precise me ausentar para alguma reunião, avisarei a você, mas
voltarei depois.
— E as crianças? Abia vai sentir falta do pai em casa.
Olhei-a com divertimento ao me lembrar da minha filha.
— Garanto que Abia vai ficar muito feliz quando souber que
estou aqui para cuidar de você. Ainda vai me pedir para vir também.
Thara riu, mas notei que estava emocionada ao se lembrar do
quanto a minha filha gostava dela.
— Ainda assim posso voltar sozinha, se o motorista que me
leva para as aulas puder vir me pegar.
Fiquei sério ao ouvir aquela sugestão.
— Não, ele não pode — neguei com autoridade. — Terá de
se conformar comigo.
Achei que ela fosse se sentir intimidada com o que eu disse,
mas Thara me surpreendeu ao disfarçar um leve sorriso.
— Sim, alteza.
Quem acabou ficando desconcertado fui eu, um homem
experiente de quarenta e um anos... e por uma garota.
— Vou deixar que descanse agora ou a médica ainda vai
surtar comigo.
Daquela vez Thara riu mesmo e fiquei olhando-a, extasiado.
— Também preciso avisar à minha família que você acordou
e está bem — completei, sufocando a necessidade que sentia de não
sair do lado dela. — Estou em um quarto no mesmo andar. Me chame
se precisar de mim, mas virei vê-la sempre que puder.
— Sim, alteza.
Eu queria ouvi-la gemendo “Sim, Majdan” no meu ouvido
enquanto eu a penetrava e não aquele “Sim, alteza” tão obediente. Se
Thara Ayad imaginasse as fantasias sexuais que despertava em mim,
fugiria correndo de Taj, em vez de querer continuar morando lá.
Capítulo 26
Thara
Ouvir o príncipe Majdan chamando-me de Thara e não de
“garota Ayad” deu mais resultado na minha recuperação do que todos
os remédios que tomei para tirar a dor da costela quebrada. A equipe
médica que me atendeu era excelente, mas nada se comparava à
companhia, aos cuidados e à atenção do príncipe.
Parecia estranho dizer que foram quatro dias maravilhosos,
considerando que estava internada em um hospital, mas eu estaria
mentindo se dissesse o contrário.
A única coisa ruim era não poder me movimentar como
antes. Dependendo do movimento que fizesse, o peito doía e eu sentia
dificuldades de respirar. Aprendi alguns exercícios respiratórios com
uma fisioterapeuta, que também me ensinou a manter a postura correta
quando estivesse deitada, sentada ou até mesmo andando. Nada de
gestos bruscos ou atividades cansativas. Eu teria de ficar em repouso
por alguns dias e depois voltar aos poucos à minha antiga rotina de
vida.
Na manhã do dia seguinte em que falei com o príncipe
Majdan, ele voltou a me visitar com o celular na mão.
— Se eu não colocar você para falar com Malika, ela vai
enlouquecer o meu irmão querendo sair de Taj para vir aqui — ele
informou, sentando-se na poltrona ao lado.
Eu já me sentia bem melhor naquele dia. A cabeceira da cama
estava mais elevada e as dores eram menos intensas, sinal de que os
remédios estavam fazendo efeito. O fato de não estar totalmente
deitada na cama também ajudava a que me sentisse mais à vontade
com o príncipe.
Ainda pensei em pedir à enfermeira um hijab para cobrir os
cabelos quando ele viesse me visitar, mas depois achei melhor não
abusar demais dos cuidados que estava recebendo da equipe médica
que atendia a família real. Eu era apenas Thara Ayad, a irmã de um
bombista, e não uma princesa Al Harbi.
Para minha sorte, consegui erguer os braços o suficiente para
fazer uma trança nos meus cabelos sem sentir muita dor. Ficou
malfeita, mas era melhor do que nada.
O príncipe Majdan fez a ligação para Malika no celular dele e
me passou depois.
— Salaam aleikum, princesa — cumprimentei-a, sentindo-me
feliz em poder falar com ela.
— Alaikum as-salaam, Thara! Como é bom ouvir você!
Fiquei tão preocupada quando Majdan trouxe você inconsciente do
carro até o helicóptero. Como se sente?
Foi ele que me retirou do carro de Mustafa?
Eu não sabia daquilo e o meu coração acelerou só de
imaginá-lo tocando-me, colocando-me ao colo, apertando-me contra o
peito, mesmo sem eu sentir.
— Estou bem.
— Soube que fraturou uma costela.
— Sim, é verdade, mas não se preocupe comigo —
tranquilizei-a. — E como está a princesa e o bebê?
— Estamos ótimos e com saudades. Só não fiquei mais
preocupada, porque sabia que o Majdan estava aí cuidando de você.
Inclusive, ele me disse que vai trazê-la para casa quando receber alta,
o que me deixou mais tranquila ainda. Abia vive perguntando por
você.
Sorri ao ouvir aquilo.
— O príncipe já me contou isso. — Olhei para ele, que me
observava atentamente da poltrona, deixando-me envergonhada. —
Acho que hoje vou poder falar com ela quando chegar da escola.
— Ela vai adorar!
Nós duas ainda conversamos por mais alguns minutos e
depois desligamos. Devolvi o celular para ele.
— Shukran, alteza. Foi muito bom conversar com a princesa.
Ele guardou o celular no bolso do thobe.
— Se foi bom conversar com ela, por que está envergonhada
desse jeito?
Eu ainda não havia me acostumado totalmente com a maneira
direta e meio crua com que ele às vezes falava. Senti o meu rosto arder
duas vezes mais.
— Me sinto meio constrangida por estar dando tanto trabalho
a Vossa Alteza. Sou apenas a assessora da princesa.
— Acho que você precisa se valorizar mais, Thara. Você não
é apenas a assessora de Malika. Sei que a minha cunhada a considera
como uma amiga, assim como Kismet. Isso sem falar da minha mãe,
que a trata como uma filha. E da minha filha, que a trata como uma
mãe — afirmou em tom solene.
Fiquei pasma que ele me colocasse, ainda que em sentido
figurado, na posição de mãe de Abia. Uma emoção indescritível
tomou conta do meu coração.
— Me perdoe por não ter visto tudo isso antes, alteza — pedi
com a voz embargada. — Não consigo me esquecer de todo o mal que
a minha família causou ao país, nem dos mortos e feridos nos dois
atentados. Sei que já me disse que não sou culpada pelos erros dos
meus irmãos, mas fico achando que não mereço tanta consideração de
vocês.
O príncipe me olhou com o semblante sério e extremamente
grave.
— Não exija tanto de si mesma em tão pouco tempo, nem
fique se cobrando por ainda não ter conseguido superar o sentimento
de culpa. É tudo muito recente para você conseguir esquecer já no dia
seguinte. Tente vencer a culpa um dia de cada vez. Quando se acordar
de manhã, pense: “Só por hoje não vou me sentir culpada pelo que os
meus irmãos fizeram. Só por hoje”.
Ele falou com a profundidade e a sabedoria de quem havia se
utilizado daquilo consigo mesmo e foi quando me lembrei que o
príncipe foi usuário de drogas durante anos. Fiquei com vergonha de
estar entregando-me ao desespero em pouco mais de quatro horas.
Sorri, sentindo-me verdadeiramente aliviada.
— Tem razão, alteza. Farei isso.
Ele aparentava estar muito à vontade na poltrona, com o
corpo relaxado sobre o encosto, mas notei a tensão nos braços fortes
que o tecido do thobe não conseguia esconder. O olhar percorreu o
meu rosto com uma atenção desconcertante. Até pisquei, aturdida.
O príncipe se levantou lentamente com uma expressão tão
decidida no rosto que pensei que fosse me tocar. Contudo, ele parou,
afastando-se.
— Preciso ir agora. Tenho uma reunião na empresa, mas
voltarei depois do almoço. Se você precisar de algo, peça que me
liguem. Hamdan vai trazer o seu celular à noite e poderá me ligar mais
facilmente.
— Sim, alteza.
Assim que me ouviu, ele inspirou fundo, fazendo o tórax
amplo ficar mais largo ainda. Desviei o olhar antes que ele percebesse
que estava admirando-o.
— Até mais tarde, Thara.
— Ma’a salama71, alteza.

No segundo dia de internamento, eu já conseguia andar


sozinha pelo quarto sob o olhar atento da fisioterapeuta e de uma
enfermeira. O inchaço dos chutes e pontapés que levei de Mustafa
haviam diminuído um pouco, mas os hematomas continuavam feios.
Até me assustei na primeira vez em que me olhei no espelho do
banheiro.
Tentei não pensar que era aquela imagem que o príncipe via
quando vinha me visitar. Achei a minha aparência tão deprimente que
cheguei até a sentir vontade de usar um niqab para cobrir o meu rosto.
O príncipe me entregou o celular que Hamdan havia trazido e
pude conversar com Abia quando estava sozinha, sem precisar usar o
aparelho dele.
— O papai disse que você não poderá fazer muito esforço
quando chegar, por isso já combinei com a vovó para eu ir até o seu
quarto.
Segurei o riso, imaginando a conversa que ela teve com
Farah.
— Acho que o príncipe exagerou. Posso andar, ainda que
lentamente e a uma pequena distância.
— Não. Se o papai disse que você precisa descansar, então é
porque precisa mesmo. Precisa ficar boa logo para aprender a andar a
cavalo comigo em Jazira.
Abia vivia insistindo naquilo, o que eu achava adorável nela.
Restava saber o que o príncipe Majdan acharia daquele convite
quando descobrisse tudo.
No quarto dia, recebi autorização para voltar à Taj. A doutora
Bushra me deu alta, mas recomendou que voltasse com quinze dias
para fazer uma consulta de acompanhamento.
— Eu a trarei — o príncipe se comprometeu com a médica.
— Mais alguma recomendação, doutora?
— Não, alteza. Layla fará o restante no palácio, inclusive a
assistência durante a fisioterapia e os exercícios respiratórios. Lembro
apenas que o tempo médio de recuperação de uma fratura dessa
natureza é de um a dois meses. — Ela olhou para mim. — Estarei
sempre aqui se precisar de alguma coisa.
— Shukran, doutora.
Apesar de toda a atenção que recebi dela e da equipe médica,
foi com um suspiro de alívio que saí do hospital com o príncipe.
Fomos para o estacionamento privativo da família real e paramos ao
lado de um SUV.
Ele abriu a porta do passageiro para mim.
— Sente-se com cuidado. Não há pressa.
Demorei mais do que o normal para me sentar no banco. Só
tive dificuldade na hora de pegar o cinto de segurança, mas o príncipe
o pegou para mim. Ele se inclinou sobre o meu banco para me
entregar, nossos dedos tocando-se levemente.
Senti o impacto daquele toque, mas fingi que estava tudo
bem, agindo normalmente.
— Consegue prendê-lo? — ele perguntou com a voz
enrouquecida.
— Consigo — respondi com a vista baixa, sem coragem de o
olhar.
Ele permaneceu de pé ao meu lado e só fechou a porta
quando eu consegui finalmente prender o cinto. Ofegante, observei-o
dar a volta ao carro, admirando-o como sempre.
O príncipe Majdan entrou, mas antes de ligar o motor
conferiu se o meu cinto estava mesmo bem preso.
— Vamos devagar — informou quando já estávamos saindo
do estacionamento.
Lá fora, reconheci um dos SUVs que faziam a segurança da
família real, que passou a nos seguir pelas ruas de Jawhara. Aquela era
a primeira vez que eu andava no carro dele e me peguei admirando
disfarçadamente as mãos fortes que seguravam com firmeza a direção.
Foram aquelas mãos que me tocaram quando ele me
desamarrou da cadeira depois do sequestro de Hisham e quando me
retirou do carro de Mustafa. Tudo nele atraía o meu olhar e acelerava
o meu coração.
— Sente-se bem?
A pergunta repentina me pegou de surpresa de tão distraída
que eu estava observando as mãos dele.
Por Allah! Será que ele notou?
— Sim, estou bem. O dia hoje está tão bonito.
Só depois notei que o céu estava acinzentado e quase gemi
alto de vergonha. Aquela era a época do ano em que algumas
tempestades de areia do deserto atingiam a cidade, deixando o céu
com aquela cor.
— Gosto das tempestades de areia. Lembram-me o poder de
Allah sobre a natureza — completei, tentando disfarçar o meu
constrangimento.
Ele riu, mas achei que foi um riso de divertimento.
Pode rir de mim!
— Faz uns dois dias que o tempo está assim — ele
esclareceu, parando o carro em um sinal de trânsito. — A previsão é
que melhore no fim de semana.
— Esses dias no hospital me deixaram desinformada. Houve
alguma mudança na guerra de Sadiz?
O príncipe ficou sério, perdendo a descontração de antes.
— Houve mais bombardeios no Norte do país. Mubarak está
irredutível e não quer negociar. Estamos tentando marcar uma reunião
de negociação entre ele e Abdullah aqui em Tamrah, um campo
neutro.
— Acha que vão conseguir?
O sinal abriu e ele voltou a atenção para o trânsito.
— Abdullah está disposto a vir, mas Mubarak ainda não
confirmou. Estou tentando convencê-lo.
— Acontecerá o que Allah determinar. Tenho fé que um dia
haverá a paz.
— Inshallah.
Capítulo 27
Thara
Voltar para Taj Almamlaka foi como realmente voltar para
casa. Nunca pensei que fosse ter aquele sentimento tão forte dentro de
mim com relação ao palácio e à família real, mas foi exatamente como
me senti. Voltar com o príncipe Majdan tornou tudo ainda mais
intenso.
Malika me aguardava na entrada da Ala do Guepardo e veio
logo me abraçar.
— Não a abrace com força.
Foi a primeira coisa que o príncipe disse ao meu lado,
fazendo a princesa parar de repente, surpresa. Ela me olhou de um
jeito estranho, mas depois agiu tão normalmente que pensei se tinha
imaginado coisas.
— Foi bom me avisar. Eu já ia fazer exatamente isso,
Majdan. Ia dar um abraço bem apertado em Thara.
Recebi um abraço, mas foi bastante leve e cuidadoso, além de
dois beijos no rosto.
— Obrigada por ter ficado com Thara no hospital — Malika
agradeceu.
Virei-me de frente para ele e agradeci também.
— Shukran, alteza.
— Foi um prazer. — Apesar do rosto impassível, havia
sinceridade na resposta. — Agora preciso ir. Tenham um bom dia.
— Que a paz o acompanhe — respondemos em uníssono.
Observei-o se afastar com sua postura altiva, até perceber que
podia estar chamando a atenção da princesa com o meu interesse por
ele.
— Vamos entrar, Thara. Você precisa de repouso.
— Sinto-me muito bem.
Aquela era a mais pura verdade. Depois de passar quatro dias
na companhia do príncipe Majdan, as dores que eu sentia ficaram em
segundo plano.
Fomos para o meu quarto, onde Layla aguardava com um
sorriso de boas-vindas. Achei que Malika ia embora depois de me
deixar aos cuidados da enfermeira, mas não foi o que aconteceu. Ela
aguardou Layla terminar o trabalho e sair para ficarmos sozinhas.
Aproveitei para perguntar sobre o bebê.
— Ele está muito bem. Só não voltei a trabalhar ainda por
causa de Yusuf. Seria exagero dizer que estou cansada de descansar?
Ela começou a rir e foi impossível não fazer o mesmo.
— É um alívio para mim saber que estão todos bem depois do
que os meus irmãos fizeram. Me sinto um pouco responsável por tudo
o que aconteceu.
A princesa me interrompeu com um gesto de mão.
— Não fique. Cada pessoa é responsável pelos próprios atos
e você não tem que assumir a responsabilidade pelos erros dos outros,
ainda que sejam da sua família. Esqueça isso, por favor.
— O príncipe Majdan me disse a mesma coisa. Tenho que
trabalhar mais isso dentro de mim.
— Ele fez bem em lhe dizer isso. — Olhou-me de um jeito
curioso. — E por falar em Majdan, fiquei surpresa quando ele se
prontificou a permanecer no hospital com você. Lógico que gostei
muito da atitude dele, mas foi algo inusitado.
Resolvi agir normalmente para não levantar suspeitas sobre o
que eu sentia por ele.
— Também estranhei, mas acho que foi uma maneira de
ajudar todos vocês a ficarem tranquilos aqui no palácio.
— Sim, claro. Espero que você tenha se sentido à vontade
com ele.
— Não foi tão difícil quanto pensei. Ele foi muito educado e
me deu bons conselhos sobre a culpa que eu sentia pelo que os meus
irmãos fizeram.
Ela sorriu.
— Ele tem aquela aparência fechada, mas é uma boa pessoa.
Quando o conheci, a sensação que tive era de que Majdan tinha uma
energia tão forte de caos ao redor dele que o desconectava do mundo.
Ainda me lembro da noite em que ele chegou em Taj depois de um
evento de carros que houve em um dos hotéis internacionais mais
badalados da cidade. Parecia estar a ponto de explodir. Desconfiei que
tivesse consumido alguma coisa, nem que fosse álcool.
Arregalei os olhos, admirada.
— Mas o álcool não é proibido?
— É, mas não nos hotéis internacionais onde os turistas
ocidentais se hospedam. Teoricamente é o único local onde é
permitido, mas é claro que não são só os turistas de fora que
consomem — ela explicou acomodando-se melhor na poltrona ao lado
da minha cama. — Naquela noite, um gatilho qualquer deixou Majdan
no limite. Até Abia ficou com medo de ir embora com ele, o que é
algo raro nela. Você já deve ter notado o quanto a menina ama o pai e
é apegada a ele.
Sim, eu já havia notado, o que me deixou mais atônita ainda
ao saber que Abia sentiu medo do pai.
O meu carinho pela menina aumentou ao ter conhecimento
daquilo. Ela amava muito o pai e não deve ter sido mesmo nada fácil
vê-lo alterado pelas drogas.
— Por tudo isso que me contou, é uma bênção de Allah que
hoje ele esteja recuperado.
— Sim, é uma verdadeira bênção. A família inteira esperava
ansiosa que isso acontecesse.
Ela se calou e ficou olhando-me pensativamente, como se
estivesse analisando se me contava ou não alguma coisa. Não
perguntei nada, mesmo ansiosa para saber tudo sobre ele.
— Venho notando como Abia tem se apegado cada vez mais
a você e por isso vou lhe contar algo sobre Majdan que é muito sério,
mas que poderá ajudar você a dar apoio à menina quando ela precisar.
Peço que guarde este segredo com você.
O tom de confidencialidade me deixou preocupada, uma vez
que só podia ser realmente algo muito sério.
— Majdan perdeu o controle um dia e matou um dos guardas
do palácio. Eu não estava aqui quando aconteceu e o que sei foi o que
me contaram, mas o pobre homem foi socado até morrer.
Oh, Allah! Então é mesmo verdade!
Arquejei horrorizada ao imaginar a cena. O príncipe Majdan
não era tão alto quanto os irmãos Saqr e Yusuf, mas era encorpado,
bem mais largo nos ombros e parecia bastante musculoso por baixo
dos thobes e túnicas que usava. Bater em um homem até a morte não
parecia algo muito difícil para ele.
Nunca acreditei totalmente no meu pai quando ele falava que
o primogênito do rei era um assassino. Contudo, ali estava a verdade.
Só que aquilo não era um segredo de família como Malika
deu a entender.
— O meu pai tinha o hábito de comentar isso nas refeições
sempre que dava sermões em casa sobre o pecado. Não acho que seja
um segredo, princesa.
— Eu sei que não é, mas é algo que não devemos comentar
com ninguém de fora. O que saiu do palácio foram informações
imprecisas feitas por um ou outro funcionário que ficou sabendo do
caso, mas nós não devemos colaborar para disseminar o assunto fora
do círculo restrito da família que reside no palácio.
— Sim, eu entendo e jamais comentaria com ninguém.
Confesso que já ouvi do meu pai muita coisa ruim sobre o príncipe
Majdan e até sentia medo dele. Depois que o conheci pessoalmente,
deixei de sentir.
— Muita gente sente medo dele, o que até compreendo. Só
para você ter uma ideia, eram poucos os empregados do palácio que
gostavam de trabalhar na Ala do Leão. Ninguém sabia quem seria o
próximo a ser assassinado ou qual seria o dia em que Majdan teria
uma crise por causa das drogas e mataria outra vez. Mesmo
recuperado, ele ainda é um homem a quem devemos evitar que perca o
controle. É como se fosse um barril de pólvora.
Quanto mais ela falava, mais vontade eu tinha de me
aproximar dele e ajudar. O medo do passado havia se transformado em
uma atração irresistível.
— Que situação mais triste. Não deve ser nada fácil para ele
lidar com isso.
— E não é mesmo. A dependência química destrói
emocionalmente a pessoa por dentro. A depressão pode levar muitas
vezes ao suicídio e Majdan já teve depressão suficiente para isso.
Lembro-me que ele não era deixado sozinho nem por um minuto. De
manhã era Farah quem ficava com ele. À noite era o Yusuf.
— E onde ficavam as crianças?
— Nunca deixaram de morar com o pai. Às vezes passavam a
noite com Farah, mas não foram afastadas dele. Majdan precisava se
sentir amado pela família para superar aquela fase da depressão e os
filhos eram importantes nesse processo.
— Dá para notar que ele é um bom pai e que os filhos o
adoram. — Olhei para Malika com carinho. — Obrigada por me
contar tudo isso com tantos detalhes. Agora consigo ver tudo o que
aconteceu de uma maneira diferente da que ouvi do meu pai.
— Sinto que contei para a pessoa certa, que pode ajudar
muito Majdan e as crianças.
Inshallah!
Passei os dias seguintes em ritmo lento, seguindo as
orientações médicas. Layla também não me deixava esquecer dos
cuidados que deveria ter para que a recuperação fosse mais rápida, o
que eu queria que acontecesse logo. Estava sentindo falta de
acompanhar Malika nas visitas às casas de acolhimento. Em
compensação, eu tinha mais tempo livre para ficar com Abia, que
cumpriu o prometido, vindo me visitar sempre que podia.
Apesar de ainda não poder trabalhar ou ir às aulas, nada me
impedia de estudar em casa. Aproveitei para fazer várias pesquisas
sobre o uso da cocaína, querendo entender melhor tudo o que o
príncipe Majdan passou. Descobri coisas que sequer imaginava e que
muito me surpreenderam, como a falta de racionalidade e confusão
mental. Dependendo da pessoa, podia prejudicar seriamente a
memória.
Foi em um desses dias que estava fazendo pesquisas no
notebook, que apareceu uma reportagem sobre o crescimento do setor
turístico de Tamrah. A manchete chamou logo a minha atenção por ter
uma foto do príncipe Majdan descendo do carro em frente à Global
Harbi.

O príncipe mais cobiçado dos últimos tempos volta a


ser visto em público durante evento publicitário do
seu país.
Tamrah é o destino turístico de luxo mais
procurado do momento. Cerca de 18 milhões de
pessoas se hospedam anualmente na capital Jawhara,
sendo que 80% são em hotéis de cinco estrelas.
Por trás desse sucesso estrondoso está um
dos homens mais cobiçados pelas mulheres nos
últimos tempos. O príncipe Majdan Al Harbi é o filho
primogênito de Sua Majestade o Sheik Rashid bin
Mohammed Al Harbi e durante muitos anos foi
presença marcante nas festas mais badaladas do jet
set internacional.
Agora, depois de um período sabático em
que permaneceu longe dos holofotes, o príncipe
Majdan Al Harbi retorna em grande estilo. Ele é o
responsável pela campanha publicitária que vem
colocando Tamrah à frente dos destinos turísticos
tradicionais que todos nós já conhecemos.
O príncipe é um amante dos esportes, em
especial o hipismo e as corridas de cavalos. Aos
quarenta e um anos, ele tem conseguido atrair para o
seu país o investimento de grandes cadeias de hotéis
e de restaurantes, além de eventos esportivos
importantes, como o circuito do Grande Prêmio de
Fórmula 1.
Visite Tamrah e conheça a sua capital
Jawhara, a joia da coroa.

Suspirei pesadamente quando terminei de ler a reportagem.


Ver o príncipe Majdan sendo chamado de “o príncipe mais cobiçado
pelas mulheres nos últimos tempos” fez uma tristeza dolorosa pesar no
meu coração. Um homem como ele devia ser constantemente
assediado pelas mulheres e não havia espaço nenhum ali para “a
garota Ayad”, como ele gostava de me chamar.
Fechei a reportagem e dei continuidade aos meus estudos,
tentando tirá-lo da cabeça.
Os dias se sucederam sem nenhuma novidade, até que de
repente amanhecemos com uma surpresa. A princesa Kismet entrou
em trabalho de parto antes da hora e causou um alvoroço no palácio
com a chegada de Fhatima.
A família inteira foi para o hospital e fiquei em Taj com as
crianças. Além de Hud, Imad e Abia, estavam também Zayn e Náder,
os filhos mais velhos do príncipe Saqr e de Kismet. Lina, uma das
babás que cuidavam deles, ficou comigo.
— Eu queria ter ido também. Já sou grande! — Hud
comentou, chateado.
— Você queria ser grande, mas não é. — Abia jogou um
olhar engraçado para o irmão, como se dissesse para ele se olhar no
espelho. — Só ia atrapalhar o papai.
Imad soltou uma risadinha enquanto fazia os cálculos da
tarefa da escola que eu estava ensinando.
Hud não gostou e senti que ia replicar. Achei melhor intervir
antes que os ânimos se exaltassem.
— Quando um bebê está para chegar, os adultos ficam
nervosos e muito preocupados. Pode demorar horas até Fhatima nascer
e você ficaria cansado de esperar tanto tempo. Não tem nada para se
distrair no hospital, exceto uma televisão com os noticiários. Quando o
seu tio Saqr e Kismet chegarem com Fhatima, sem dúvida haverá
muita festa para todos vocês se divertirem.
Aquilo foi o suficiente para os cinco comemorarem e para
Hud se conformar em não ter ido com os adultos. Troquei um olhar de
entendimento com a babá, que sorriu aliviada ao ver tudo resolvido.
Capítulo 28
Majdan
Tudo o que eu não queria era ficar igual aos meus irmãos,
que eram completamente dominados pelas mulheres que amavam. No
caso deles, pelo menos existia a vantagem de serem casados com elas.
Assim, podiam compensar tanto estresse com uma boa noite de foda.
No meu caso, havia o estresse, mas não existia nenhuma boa noite de
foda. Ao contrário, o que eu tinha era uma frustração sexual fodida.
Atualmente, Yusuf era o caso mais deprimente dos homens
Al Harbi. Antes era o Saqr, sempre estressado com a gravidez de
Kismet, porém, depois que Fhatima nasceu, ele se transformou em
outro homem. Conseguia sorrir mais e até fazia algumas piadas de vez
em quando. Quanto a Yusuf, tão cedo teria paz. Malika estava no
início da gravidez e o meu irmão fazia tudo o que ela queria.
O maior exemplo foi o aniversário de trinta e três anos dele.
Yusuf não queria uma grande festa, mas Malika queria e encontrou
uma aliada à altura: a nossa mãe. Logicamente que as duas
conseguiram obrigá-lo a aceitar e eu ri muito quando ele nos contou.
Saqr deu-lhe um abraço que parecia mais de condolências do
que de felicitações e só faltei gargalhar.
— Quem ri por último, ri melhor — Yusuf me disse certo dia
com irritação.
— Coincidentemente, sou o último a rir.
Claro que eu o provocava sempre que podia, para ver se ele
reagia àquela dominação toda, mas parecia um caso perdido.
A hora da vingança de Yusuf chegava quando treinávamos o
karatê na academia de musculação que havia no palácio. Era no tatame
que ele me vencia, mesmo que eu me esforçasse muito para ganhar. Eu
já entrava no tatame sabendo que tinha vinte por cento de chance de
vencer, o que era uma estatística muito baixa. Apesar de termos quase
a mesma altura, Yusuf era mais magro do que eu, o que lhe conferia
mais agilidade.
Sempre fui o mais encorpado dos quatro filhos da minha mãe
e ainda ganhei bastante peso durante os anos de vida desregrada que
tive. Só recentemente foi que consegui recuperar o meu antigo peso,
graças ao tratamento na Dawn Light e aos treinos físicos com Takeshi.
Mesmo assim, continuava sendo aquele que tinha a compleição física
mais larga e mais pesada dentre os meus irmãos, o que me tornava
lento diante de Yusuf, mas não o mais fraco. Era na força física que eu
ganhava, mas ele se esquivava com uma rapidez impressionante.
Naquele dia em especial que estávamos treinando, aproveitei-
me de um raro descuido de Yusuf e consegui jogá-lo ao chão com um
chute certeiro.
— Hááá! — soltei um kiai72 com a minha vitória.
Porra, até que enfim!
Aquela era a primeira vez que eu derrubava Yusuf e merecia
uma comemoração à altura. O meu irmão era faixa preta em karatê,
além de exímio lutador de artes marciais, enquanto eu tinha pouco
tempo de treinamento. Para completar, ele era nove anos mais jovem.
Eu não ia deixar passar uma oportunidade daquelas de
provocá-lo. Bati com os punhos fechados no peito em uma imitação
perfeita de um gorila, urrando igualzinho. Depois, ergui os braços para
o suposto público que estava assistindo a luta, que, na realidade, era
apenas Saqr rindo bastante com a minha encenação.
Outra risada se juntou à dele. Era do Yusuf ainda estendido
no chão. O olhar de surpresa dele ao ser derrubado havia se
transformado em divertimento.
— Você acabou de entrar para a história — Saqr comentou
com os braços cruzados no peito.
— Pena que este momento de glória não foi filmado. Queria
mostrar para os meus filhos a vitória do pai deles e a vergonha do tio.
— Aproximei-me de Yusuf e ofereci a mão para ele se levantar. —
Não vale mais tentar me derrubar hoje. Saio do tatame como vencedor.
— Só hoje — ele disse, segurando a minha mão e
levantando-se, sem imaginar o quanto aquela frase havia se
transformado em algo importante para mim.
— É só por hoje.

Fomos para as máquinas de musculação, onde nos


encontramos com o Jamal. Com vinte e seis anos, o meu irmão mais
novo estava ganhando massa muscular mais rápido do que pensei,
diminuindo a aparência de nerd que vivia com a cabeça enfiada nos
livros.
— Ouvi um grito daqui. Alguém morreu no tatame? — ele
fez troça.
— Consegui uma vitória inédita em cima de Yusuf e tive de
comemorar.
Ele olhou para Yusuf.
— Você perdeu hoje? Não acredito!
— Pois acredite — afirmei antes que Yusuf respondesse
alguma coisa, continuando a provocá-lo. — Saqr é testemunha e não
foi subornado. O leão hoje foi mais rápido do que o guepardo.
— Eu estava distraído — Yusuf se justificou, preparando o
peso para o treino de bíceps.
— Sei — provoquei-o. — A corrente na coleira do guepardo
estava curta demais. Levou um tombo feio quando correu muito. Sorte
que não quebrou o pescoço.
Desviei-me da toalha que Yusuf jogou na minha direção,
enquanto os meus irmãos riam.
Ficamos cerca de uma hora nas máquinas de musculação, até
Saqr ir embora para uma reunião que teria no ministério. Minutos
depois, Jamal foi o próximo a se despedir.
Fiquei sozinho com Yusuf, um ajudando o outro a aumentar o
peso nos aparelhos. Terminamos o treino exaustos, mas satisfeitos.
Estávamos descansando antes de irmos embora quando ele
me surpreendeu ao tocar repentinamente no nome de Thara.
— Malika comentou algo comigo sobre você que me fez
pensar.
— Sobre mim? — Olhei-o com curiosidade. — Não imagino
o que seja.
— Na hora, eu disse a ela que estava enganada, mas fiquei
com aquilo dando voltas na minha cabeça, pensando em conversar
com você quando tivesse uma oportunidade.
— Fale logo o que é. Esse suspense todo não combina com
você. Parece coisa de mulher fofoqueira.
Ele achou graça e riu, sem se ofender.
— Tem a ver com a Thara — esclareceu, ficando sério.
A tensão me dominou só de ouvir o nome dela associado a
algo que Malika havia falado sobre mim.
— E o que tem ela? — Tentei soar desinteressado.
— Malika cismou que sentiu um clima entre vocês dois
quando chegaram do hospital. Ela disse que você estava cheio de
cuidados com Thara, preocupado com a saúde dela e todo
superprotetor.
Comecei a rir com a maior naturalidade que consegui.
— Preocupado, sim. Superprotetor é exagero. — Minimizei o
que Malika havia dito. — Recebi orientações médicas no hospital
sobre os cuidados que a garota precisava ter com a costela fraturada.
Só fiz repassar para Malika o que os médicos disseram.
— Foi o que pensei quando ela falou comigo. Só que acabei
ficando cismado também e passei a observar melhor vocês dois.
Khara!73
A última coisa que eu precisava era de Yusuf observando o
meu comportamento quando estava perto de Thara.
— E o que deduziu da sua observação? — Meneei a cabeça
em um gesto de pouco caso, como se estivesse divertindo-me muito
com as desconfianças dele e de Malika.
— Que aparentemente não existe nada.
Quase suspirei de alívio.
— Deduziu acertadamente.
— O problema é que sempre tive uma intuição muito grande
e ela fica me dizendo que as aparências enganam.
— Siga a sua intuição, mas pelo caminho certo. O engano
está em você achar que existe algo. Se eu soubesse que vocês dois iam
pensar isso, não teria me oferecido para ficar no hospital.
— Então você não está interessado em Thara? — ele
perguntou de maneira bem direta, mas nem me deixou responder. —
Porque se estiver, aviso logo que tenha cuidado. Essa garota é adorada
por todas as mulheres da nossa família e você vai se ver em maus
lençóis se a magoar. Além de Malika e Kismet considerarem Thara
como uma amiga, ainda tem a nossa mãe e Sabirah.
Sabirah havia voltado de Londres e se tornado uma das
companhias constantes de Thara. As duas criaram uma forte amizade e
eram vistas juntas em quase todos os lugares.
Yusuf não precisava me avisar para ter cuidado. Eu sabia
muito bem o quanto Thara era amada por todas as mulheres da
família, inclusive pela minha própria filha.
— Sou eu quem aviso para vocês dois terem cuidado. —
Perdi a paciência e olhei-o com seriedade. — Espero que Malika não
tenha comentado nada com qualquer outra pessoa da família além de
você. Pense o constrangimento que seria para a garota se isso
acontecesse. Vocês seriam responsáveis por acabar com a reputação
dela ao associarem os nossos nomes. Com a fama que tenho, a garota
estaria marcada para sempre.
Ele soltou um longo suspiro.
— Não se preocupe. Pensei nisso e alertei Malika no mesmo
dia.
— Ótimo! Da minha parte, garanto que não há “clima” algum
com relação à garota Ayad.

O aniversário de Yusuf seria a minha primeira festa desde que


saí de Dawn Light e voltei para o meu país. Recusei educadamente
todos os convites que recebi dos meus antigos amigos de farra, e não
foram poucos. Evitar o álcool e as drogas podia parecer algo muito
fácil de fazer, mas não era. Só quem experimentou e se tornou um
dependente químico sabia o quanto era difícil, por vezes até
impossível. O vício podia nos acompanhar durante a vida toda e não
nos largar até à morte.
Apesar das restrições ao consumo de álcool na nossa cultura,
ele não era de todo inexistente. Podia ser consumido nas boates e
bares dos luxuosos hotéis internacionais que recebiam os ocidentais.
Logicamente que também estavam disponíveis para os moradores
locais com alto poder aquisitivo. O consumo em festas privadas ou
mesmo em casa também era possível, bastava ter dinheiro para
comprar a bebida que se quisesse. E não era apenas o araq74 que
abundava nestas festas, mas também as marcas ocidentais.
Um dos meus grandes erros no passado foi acreditar que tinha
força de vontade suficiente para deixar o vício mesmo continuando a
frequentar festas onde o álcool e as drogas abundavam. Talvez outros
viciados conseguissem, mas eu não.
Olhei-me no espelho do closet onde havia acabado de me
arrumar para o aniversário do meu irmão. Passei as mãos nos cabelos
e na barba, sorrindo com ironia ao ver os fios grisalhos que se
misturavam aos poucos com os pretos. Eles haviam se multiplicado
depois dos meus quarenta anos e me enchiam de orgulho por um único
motivo: nunca pensei que sobreviveria para comemorar aquela idade.
Houve momentos na minha vida em que pensei que tinha os
dias contados e que morreria. Na verdade, eu me senti morrer muitas
vezes durante aqueles anos de vício. Morri e renasci, para depois
morrer e renascer de novo, parecendo um ciclo sem fim.
Talvez eu devesse me considerar um vitorioso, mas ainda não
conseguia. A sensação de fracasso que sentia em vários aspectos da
minha vida era muito grande para agora eu afirmar que era um
vencedor.
Sinto-me mais um sobrevivente do que um vencedor!
Coloquei o celular dentro do bolso do thobe e saí do closet,
indo direto para a sala onde os meus filhos me aguardavam para irmos
juntos à festa.
Obviamente que o meu primeiro teste de sobriedade tinha de
ser o pior possível! Eu estaria em Taj com a minha família presente,
com os meus filhos ao meu lado. Seria desastroso perder o controle na
frente deles.
Mesmo não existindo ali no palácio o ambiente típico das
festas que eu frequentava com os meus amigos, ainda assim não
deixava de ser uma festa.
Só por uma festa eu consigo!
Entrei na sala com determinação.
— Estão prontos?
Abia foi a primeira a se levantar do sofá e correr para mim.
Estava linda! Uma verdadeira princesa.
— Papai, como você está bonito!
Soltei uma risada, abraçando-a.
— Estava pensando o mesmo de você, princesinha.
Ela riu, beijando-me no rosto.
— Quem escolheu esta abaya para mim foi tia Sabirah e
Thara. Gostou mesmo?
Sabirah e Thara andavam juntas para todo lado, mas tinham
em Abia uma companhia fiel. A minha filha sempre foi muito apegada
à Sabirah, que dividia com a minha mãe os cuidados com ela. Agora,
ambas tinham a ajuda de Thara, que havia se tornado uma presença
constante ao meu redor.
Às vezes, eu tinha a impressão de que, quanto mais tentava
evitar a companhia da garota, mas ela me cercava.
— Gostei muito da sua abaya. Você está linda e vai encantar
a todos na festa.
— A festa vai acabar se ficarmos aqui elogiando Abia —
Hud disse, aproximando-se para me abraçar também.
Ela fez uma careta para o irmão e contive o riso, acostumado
com as provocações entre eles. Apesar daquilo, amavam-se. Caso
alguém dissesse qualquer coisa sobre os irmãos que Hud não gostasse,
ele era capaz de entrar em uma briga séria, como um verdadeiro Al
Harbi faria.
Imad era mais calmo e fez pouco caso da pressa do irmão,
vindo me abraçar antes de sairmos. Eles seriam a desculpa perfeita
para eu deixar a festa mais cedo, caso a situação ficasse insustentável
para mim.
Capítulo 29
Majdan
Fazia muito tempo que eu não via tantos parentes juntos em
Taj. A minha mãe havia convidado familiares que eu não via há anos,
além de muitos amigos íntimos e pessoas mais próximas do governo.
O salão de festas principal do palácio resplandecia de cores
vibrantes, de música alegre e de dança. Eu mesmo já havia dançado
um dabke75 ao lado de Yusuf, de Saqr e de Jamal, acompanhados pelas
palmas de quem estava mais próximo do círculo onde acontecia a
apresentação dos dançarinos profissionais que a minha mãe contratava
para alegrar a festa, causando euforia nos mais jovens.
Os mais velhos estavam reunidos no lado oposto do salão,
assim como parte das mulheres e das crianças mais novas.
Era lá que Thara estava desde que havia chegado à festa com
Sabirah, e era para lá que eu olhava constantemente, sem conseguir
acreditar que ela tinha vindo sem o hijab. Os cabelos castanhos
estavam soltos, emoldurando aquele rosto marcante com uma beleza
sensual de contorcer as entranhas de qualquer homem, e foi aquilo que
não gostei.
Assim que a vi de cabelos soltos em plena festa, fui
dominado por emoções turbulentas demais para a minha paz de
espírito. O homem moderno e acostumado com a cultura do ocidente
que havia em mim, aplaudiu a atitude dela, mas o homem árabe
tradicional não gostou tanto assim, o que me surpreendeu. Eu não
esperava me sentir daquele jeito, afinal, sempre achei que ela deveria
parar de usar o hijab. Então, por que agora não estava gostando?
Além de estar linda com os cabelos soltos, Thara usava uma
abaya em tons azulados que a deixavam simplesmente irresistível. O
azul era a minha cor preferida e assentava muito bem nela, como se o
destino estivesse concentrando em uma única mulher tudo o que eu
mais gostava, mais desejava e queria para mim.
Para não ter de analisar os meus sentimentos, achei melhor
me manter o mais afastado possível. O lado oposto do salão era o
lugar mais seguro.
— Quem é ela?
Eu estava tão distraído pensando em Thara, que a pergunta
repentina me pegou de surpresa. Virei-me para o homem que havia se
aproximado de mim sem que eu sequer percebesse.
Era o meu primo Fouad com um brilho de interesse no olhar.
Se havia alguém na família com potencial para herdar o meu
título de “rei dos escândalos”, sem dúvida era ele. Fouad tinha vinte e
nove anos e havia adotado um estilo de vida muito parecido com o
meu de anos atrás. Sempre nos demos muito bem e ele realmente me
admirava. Inclusive, eu até desconfiava que servi de exemplo para ele.
Na verdade, um péssimo exemplo.
— Ela quem?
Havia tantas mulheres no salão que era difícil saber de quem
ele estava falando.
— A garota de azul que está ao lado da sua filha. Ela não é da
família ou eu saberia.
Enrijeci de tensão quando entendi que Fouad estava falando
justamente de Thara, o alvo da minha obsessão.
— E por que quer saber? — Fui ríspido na pergunta.
Ele ergueu os ombros tentando aparentar pouco caso, mas o
interesse nos olhos o desmentia.
— Curiosidade. Vi que você estava olhando muito para lá,
parecendo preocupado com a sua filha. Só então notei a mulher ao
lado dela.
Não gostei que ele tivesse notado a minha insistência em
olhar para onde Thara estava. Por sorte, a presença de Abia ao lado
dela justificava o meu interesse.
— É uma amiga das minhas cunhadas e da minha irmã.
Aconselho que a sua curiosidade se satisfaça com isso e não se
aproxime dela.
Fouad não insistiu, mudando completamente de assunto.
— Nunca mais o vi nas festas de Imran. Ele até me perguntou
por você na última em que participei. — Aproximou-se mais e baixou
o tom de voz com um sorriso malicioso. — Ele trouxe umas garotas
novas que são uma loucura!
Imran Kashif era o quinto filho do sheik Mashhur Kashif,
mas era também o maior organizador de orgias que eu conhecia.
Frequentemente, ele mandava um avião pegar garotas na França e
trazer para Tamrah, hospedando-as em um palácio especial nos
arredores de Jawhara. Eu não fazia a mínima ideia de onde elas
vinham, mas deviam ser agenciadas por alguém que as enviavam para
qualquer lugar do mundo onde existissem homens com dinheiro para
pagar. Imran já chegou a trazer em um único voo mais de cem
prostitutas de luxo para seus convidados ilustres, que podiam escolher
qualquer uma delas ou várias.
Muitos deles podiam até apontar o dedo para mim por causa
dos escândalos que envolveram o meu nome, mas eu conhecia a
podridão de todos que frequentavam as festas de Imran. Era óbvio que
existia um pacto de silêncio sobre o que acontecia nelas, e,
principalmente, sobre quem eram os príncipes que participavam.
— Quando você vai voltar a participar?
Nunca mais.
Voltar a frequentar aquelas festas, era voltar também ao uso
das drogas. Seria o mesmo que um suicídio.
— Há coisas sérias acontecendo em Tamrah e não tenho
tempo para festas.
— Aí é que você deveria ir mesmo, para esquecer um pouco
desses problemas e relaxar. Aquilo é que é diversão a sério.
Ele olhou ao nosso redor e notei que estava comparando as
duas festas, o que me irritou demais. Encarei-o duramente,
esquecendo-me de que ele era um dos primos de quem mais gostei no
passado.
— Se as festas em Taj com a família não são divertidas para
você, é só me avisar que corto o seu nome da lista. Garanto que não
será mais convidado para nenhuma de nossas festas “sem diversão a
sério”.
Fouad arregalou os olhos, chocado com o que eu disse.
Encarei-o tranquilamente, deixando bem claro que ele estava por um
triz de ser banido de Taj.
— Eu não quis dizer isso! Tia Farah é a melhor organizadora
de eventos que já conheci na vida e é uma honra para mim participar
das festas dela.
— Da próxima vez, não se esqueça que a palavra é prata e o
silêncio é ouro.
Afastei-me, antes que o expulsasse de Taj naquele exato
momento. Ele que fosse se divertir nas festas de Imran.
Capítulo 30
Thara
Relutei bastante em ir para a festa de aniversário do príncipe
Yusuf sem usar o hijab, mas fui vencida pela insistência de Sabirah. A
jovem princesa era de uma determinação incrível quando colocava
alguma coisa na cabeça. Só sossegava quando conseguia o que queria.
— Você já devia ter deixado de usar isso há muito tempo.
Tem os cabelos tão bonitos!
— Não estou acostumada. Comecei a usar o niqab quando
completei dez anos. Antes disso, usava um hijab preto. Não me
lembro de usar os cabelos soltos fora do meu quarto na casa do meu
pai. Já me adaptei a muita coisa desde que vim para Jawhara, mas
ainda não consegui deixar de usar o véu.
— Por Allah! Já está mais do que na hora de você mudar isso,
Thara. Livre-se desse véu preto. Não vou deixar que vá à festa do meu
irmão com ele.
Eu quase dizia que já estava pensando mesmo em não ir, mas
sabia que Malika ficaria triste se soubesse que não fui.
Depois de horas escolhendo a roupa que ia usar, Sabirah se
deu por satisfeita com uma linda abaya em tons alegres de vermelho e
dourado, que caía muito bem nela.
Satisfeita, virou-se para mim.
— Agora vamos escolher a sua roupa.
— Não precisa. Eu já tenho.
Ela me olhou em dúvida.
— Mas é de festa?
Fiquei até com receio de responder, mas não havia
escapatória.
— Não é de festa, mas é muito bonita.
Sabirah colocou as mãos nos quadris com a fisionomia
decidida.
— Mostre-me. Aviso logo que sou especialista em roupa de
festa.
Soltei um suspiro de derrota antecipada no caminho para o
meu quarto. Apesar de muito bonita, a abaya que eu havia separado
não era de festa.
Quando a coloquei sobre a cama, Sabirah fez um gesto
negativo com a cabeça.
— É realmente muito bonita, mas não é adequada para a
ocasião. Sorte que ainda temos tempo de encomendar uma abaya de
festa para você.
Nada do que eu disse foi capaz de fazê-la mudar de ideia.
Cheguei a achar que receberia o apoio de Malika e de Farah, mas não
foi o que aconteceu. As duas concordaram com Sabirah e desisti.
A abaya que encomendaram para mim era realmente linda
em tons de azul, mas a falta do hijab fazia com que eu me sentisse
exposta demais. Junto com a vergonha, havia também uma certa
ansiedade em me encontrar com o príncipe Majdan estando vestida
daquele jeito e com os cabelos soltos.
Foi em uma excitante expectativa por causa daquilo que fui
para a festa, mas ele nem sequer se aproximou de onde eu estava. Eu
tinha certeza de que me viu entrar com Sabirah, porque senti o olhar
intenso sobre mim, mas nada aconteceu.
Abia já estava na festa brincando com outras meninas da
idade dela e veio correndo nos abraçar assim que entramos. A primeira
fui eu.
— MashAllah!76 Como você está linda, Thara!
— E eu não estou? — Sabirah perguntou, fingindo-se de
ofendida.
Abia riu com gosto, visivelmente feliz com a festa de
aniversário do tio.
— Você está mais linda ainda! — a menina elogiou Sabirah,
abraçando-a.
— Agora já me sinto melhor.
Foi entre risos e brincadeiras que começamos a circular pelo
salão, até que o meu olhar bateu nas costas largas dele. Eu o
reconheceria facilmente em qualquer salão apinhado de homens.
Agora, porque aquilo acontecia comigo, eu não fazia a mínima ideia,
mas o meu coração sempre saltava no peito quando nos
encontrávamos.
À medida que a festa avançava noite adentro, mas eu me
resignava com o desinteresse do príncipe em falar comigo. Sinal de
que a mudança no meu visual não o afetou de modo algum.
Decidi aproveitar a festa e a companhia de Sabirah era a
ideal. Com Farah, Kismet e Malika revezando-se para dar atenção aos
convidados, restou à Sabirah a iniciativa de me apresentar a vários
familiares.
A uma certa altura, ela me puxou para o lado mais agitado do
salão.
— Você sabe dançar o dabke?
Achei engraçado demais que ela pensasse que eu sabia dançar
alguma coisa.
— Claro que não! — Comecei a rir. — Nem o dabke, nem
nada.
— Que pena! Podíamos ir dançar com eles.
Com os homens?
Definitivamente, ela não tinha juízo.
— Dançar com os homens?
— Isso mesmo! — confirmou alegremente. — As mulheres
ficam de um lado e os homens ficam do outro.
Meneei a cabeça, pasma.
— Eu não vou, mas você pode ir, se quiser.
Ela me segurou pela mão com o olhar decidido.
— Eu vou, mas você vem junto para olhar e aprender.
Fui levada até o espaço onde os dançarinos se apresentavam
sob as palmas dos convidados mais jovens que estavam na festa. Só
então pude ver o que realmente acontecia ali naquela parte do salão.
Vários homens dançavam lado a lado, abraçando-se pelos
ombros e formando uma espécie de corrente. Os movimentos
vigorosos que faziam eram sincronizados, com batidas firmes dos pés
no chão.
Eu nunca tinha presenciado nada parecido. Não existiam
festas na minha antiga vida, muito menos como aquelas. O meu pai
diria que homens e mulheres em uma mesma festa era um convite ao
pecado, ainda mais se visse as roupas coloridas e de tecido leve que as
mulheres usavam, assim como os cabelos livres de hijab ou de
qualquer tipo de véu.
Observei-os, entre chocada e encantada. Entre os homens que
dançavam, vi o príncipe Majdan ao lado dos irmãos. O príncipe Yusuf,
como aniversariante, estava na ponta da corrente de homens, enquanto
um outro que eu não conhecia puxava a fila, fazendo malabarismos
impressionantes com as pernas.
No lado oposto, uma linha de mulheres fazia o mesmo, mas
com passos mais comedidos.
Apesar de estar encantada com tudo, os meus olhos não
conseguiam se desviar do príncipe Majdan. Era tão raro vê-lo
divertindo-se daquele jeito, completamente relaxado e feliz, que fiquei
fascinada.
— Salaam Aleikum, Sabirah. — Um homem surgiu ao nosso
lado, cumprimentando-a. — É a primeira vez que a vejo desde que
voltou de Londres.
Eu conhecia Sabirah o suficiente para notar o desagrado dela
e estranhei aquela atitude.
— Alaikum as-salaam, Fouad.
Ele olhou para mim e só então entendi parte da reação dela.
Havia um brilho estranho no olhar daquele homem que me
incomodou. Pela primeira vez desde que entrei na festa, senti
realmente falta do meu hijab.
— Não vai me apresentar? Acho que não a conheço.
Foi com relutância que Sabirah fez as apresentações.
— Esta é Thara, uma amiga da família. — Dirigiu-se a mim
depois. — Fouad é um dos meus primos.
Cumprimentei-o com um meneio educado de cabeça,
pensando se seria obrigada a travar algum tipo de conversação com
ele. A maneira insistente com que me olhava era constrangedora.
— Dê-nos licença, mas já estávamos voltando para junto das
crianças. — Sabirah voltou a me segurar pela mão. — Aproveite a
festa.
Antes que o primo dissesse alguma coisa, saímos da área da
dança.
— Mas você não ia dançar o dabke?
— E vou! Mas antes disso quero deixar você bem longe de
Fouad. Ele sabe ser asqueroso quando quer — cochichou no meu
ouvido. — Os meus irmãos tentam esconder as coisas proibidas de
mim, mas sempre acabo sabendo de um jeito ou de outro. Fouad
passou mal em uma festa de tanto que bebeu e aposto que não foi de
tomar araq77. O meu tio veio pedir ajuda ao meu pai, já que o Majdan
tinha o mesmo problema.
Só quando ela citou o príncipe Majdan foi que realmente
entendi do que se tratava o problema do primo dela e preferi não
comentar nada. Assim que chegamos ao local onde estávamos antes,
decidi que o melhor era ficar com as crianças enquanto Sabirah
dançava com as outras mulheres.
— Pode ir. Ficarei bem.
— Volto logo!
Animada, ela foi embora e me sentei no sofá de brocado no
canto da parede. Abia veio logo falar comigo.
— Estou ficando cansada.
Só então notei o quanto já era tarde para ela, mas não sabia se
deveria simplesmente levá-la embora sem avisar a ninguém.
— Deixe Sabirah voltar e veremos como levar você para
casa.
Ela pareceu conformada.
— Vou brincar mais um pouco.
Fiquei observando-a brincar com as outras meninas, mas sem
conseguir me esquecer do que havia acontecido quando Sabirah me
apresentou ao primo. Mesmo com tudo de errado que o príncipe
Majdan fez na vida, eu não conseguia compará-lo com Fouad. Nunca
senti aquela energia ruim nele, nem fiquei com medo ou receio. Desde
o dia em que o vi pela primeira vez na Global Harbi e fomos
apresentados por Malika, o que eu sentia por ele era um interesse
muito grande, além de uma enorme admiração. Eu assumia sem drama
algum os meus pecados íntimos ao admirar o príncipe tão
ardentemente.
— Você não gosta de dançar?
Sobressaltei-me com a pergunta e me surpreendi ao ver o
primo asqueroso de Sabirah de pé ao meu lado. Levantei-me de
imediato, recriminando-me por estar tão absorta pensando no príncipe
a ponto de não ver Fouad chegar.
— Eu não danço.
O olhar insistente percorreu o meu rosto sem esconder o
interesse e só então percebi o porquê de ele me incomodar tanto.
Fouad me olhava da mesma maneira como Musad me olhava quando
o meu pai e irmãos não estavam vendo.
A lembrança macabra do meu ex-noivo me fez mal, mas o
que ouvi de Fouad logo depois fez muito pior.
— Estou extasiado com a sua beleza. — Ele olhou
ostensivamente para os meus lábios, deixando-me inquieta. — Você é
muito bonita e sensual.
Oh, bismillah!78
Paralisei, horrorizada com a ousadia dele. Fouad mal me
conhecia e aquela atitude era imprópria demais, para não dizer
desrespeitosa. Um homem não deveria abordar daquela maneira tão
íntima uma mulher que havia acabado de conhecer.
Abri a boca para responder exatamente aquilo, mas emudeci
quando a figura imponente do príncipe Majdan surgiu ao meu lado.
Apesar de me sentir surpresa com a presença dele, não contive um
suspiro de alívio.
Só então notei como os dois homens se encararam
tensamente.
— Não costumo falar duas vezes a mesma coisa, Fouad. É
melhor você ir rápido para onde está o seu pai.
O príncipe falou de um jeito tão duro e autoritário como
nunca o vi falar antes com ninguém. Fiquei sem ação e aparentemente
Fouad também. O homem ainda se virou para mim com a intenção de
se despedir, mas nem teve a chance de abrir a boca.
— Não fale com ela. Apenas vá.
Foi exatamente aquilo o que Fouad fez, obedecendo sem
questionar à ordem do príncipe.
Ele então se virou para mim e os olhos intensos percorreram
o meu rosto e os meus cabelos com um brilho tão ardente que tirou o
meu fôlego. Passei a noite inteira esperando que aquele momento
chegasse, mas agora que estava acontecendo não sabia como agir.
— Shukran, alteza.
O agradecimento saiu de uma maneira tão instintiva que nem
consegui controlar. Entretanto, nada mais veio à minha cabeça que
pudesse dizer.
— Ele ofendeu você? — O tom de voz era calmo, mas o
semblante de traços fortes estava endurecido e a postura do corpo
tensa.
Ele está com raiva!
Mesmo sem conseguir analisar as motivações dele, perceber
aquilo causou um furor dentro de mim. Contudo, também me alertou
para uma possível explosão da parte do príncipe que eu deveria evitar.
Malika tinha razão quando o comparou com um barril de pólvora que
poderia explodir a qualquer momento se fosse provocado.
Achei melhor não alimentar a raiva dele.
— Não me ofendeu, mas incomodou.
— Ele não vai mais lhe incomodar — o príncipe garantiu
com uma firmeza tão grande que não duvidei daquilo. — Se algum
outro homem importunar você, fale comigo.
Ele estava sendo extremamente protetor, o que eu não
esperava, uma vez que era o príncipe Yusuf quem normalmente
cuidava dos meus interesses a pedido de Malika.
— Sim, alteza.
Ficamos nos olhando em silêncio enquanto a festa continuava
ao nosso redor. Podia ser ilusão minha, mas tive a sensação de que
estávamos em um mundo só nosso, apesar de cercados de gente.
— Está gostando da festa?
A pergunta dele me surpreendeu e respondi com sinceridade.
— É diferente de tudo o que vivi até hoje, mas estou
gostando.
— Você nunca foi a festas — deduziu acertadamente.
— Não, nunca. Muito menos a uma tão grandiosa e animada
como essa. Estou impressionada.
Ele me analisou atentamente.
— E assustada também.
Não havia como esconder a verdade diante da percepção dele.
— Sim, confesso. Tantos homens e mulheres juntos na
mesma festa é algo estranho demais para mim.
O príncipe riu com uma certa ironia.
— É estranho ou é um pecado?
Eu entendi o motivo da pergunta. Nunca ia me esquecer do
meu pai dizendo que o príncipe Majdan gostava de desafiar as nossas
leis.
— É estranho para mim e um pecado para o meu pai.
Se ele ia comentar alguma coisa, ficou por dizer. Abia viu o
pai e correu para onde estávamos, abraçando-o pela cintura.
— Papai!
— Está se divertindo, filha?
— Estou, mas começo a ficar cansada.
Abia fez a mesma queixa para ele e achei melhor esclarecer
que já sabia.
— Eu estava esperando Sabirah voltar da dança para
perguntar se podia levar Abia para o quarto. Não quis sair da festa
com ela sem autorização.
— Está autorizado, caso não se importe em levá-la. Posso
chamar Amira para vir pegar Abia.
Aquela era a desculpa perfeita para eu ir embora da festa e
não ia perdê-la. Além do mais, gostava realmente da menina e a
levaria para a ala do príncipe com o maior prazer.
— Eu a levarei, alteza.
Ele me olhou pensativamente.
— Vou chamar o motorista.
— Preciso avisar Sabirah.
— Eu a avisarei.
Acariciou os cabelos da filha agarrada nele e tirou o celular
do bolso, providenciando tudo.
— Hud e Imad ficam? — perguntei assim que ele finalizou a
ligação.
— Os dois aguentam bem a festa inteira. Voltam comigo. —
Olhou-me com atenção. — Já é muito tarde. Se quiser, pode dormir
com Abia, mas também posso pedir ao motorista que leve você
depois.
Fiquei feliz que ele sugerisse aquilo. Para mim, era
importante que o príncipe gostasse da minha presença na casa dele.
— Dormirei com ela, alteza.
Abia veio logo me abraçar assim que me ouviu. Do príncipe,
recebi um olhar indecifrável.
Capítulo 31
Thara
Pedi que o motorista parasse na Ala do Guepardo, para que
eu pudesse pegar uma roupa para dormir e outra para vestir no dia
seguinte. Foi com prazer que coloquei um hijab sobre os meus
cabelos.
— Você estava tão bonita com os cabelos soltos — Abia
disse ao meu lado.
— Deixei de ficar bonita? — brinquei com ela, pegando a
bolsa com as coisas que eu ia levar.
Sentada na minha cama, Abia riu da minha provocação.
— Não, mas podia ficar mais.
— Agora quero ficar menos, já que não estou na festa. — Fiz
uma contagem mental de tudo o que estava levando e me dei por
satisfeita. — Podemos ir embora.
Voltamos para o carro, que nos levou para a ala do príncipe
Majdan. Amira aguardava no hall e sorriu assim que nos viu chegar.
— Que bom que também veio, Thara.
— Ela vai dormir comigo, Amira! O papai mesmo sugeriu.
O meu rosto ardeu de vergonha e torci para Amira não notar
nada. A última coisa que eu queria era que alguém descobrisse o que
sentia por ele.
Se Amira desconfiou de alguma coisa, não demonstrou.
Abraçou-me com carinho e nos acompanhou até o quarto. Cerca de
trinta minutos depois, eu já estava deitada na cama e olhando para o
teto, enquanto Abia dormia tranquilamente ao meu lado.
Eu não conseguia parar de pensar no príncipe Majdan. A
minha mente ficava lembrando e relembrando cada momento do que
aconteceu na festa. Eu não conseguia me esquecer da maneira como
ele veio em minha defesa, como não conseguiu disfarçar a admiração
ao me ver de cabelos soltos, como o olhar intenso parecia me prender,
puxar-me para ele.
Por Allah! O meu pai estava com a razão. Eu tenho o pecado
dentro de mim!
Cobri o rosto com as mãos, sem saber como lidar com aquilo.
A cada dia que passava, eu me via desejando mais e mais a companhia
do príncipe, ansiando por vê-lo nem que fosse de longe, querendo
ouvir a sua voz, saber como estava.
Eu tinha consciência de que não podia me iludir achando que
ele sentia o mesmo por mim, mas sonhava com aquilo. Dormia
pensando nele, acordava pensando nele, passava o dia pensando nele.
Suspirei, resignada. A única coisa que podia fazer era rezar
para que Allah tivesse piedade de mim e me ajudasse a não sentir mais
nada pelo príncipe.

Não sei como consegui adormecer, mas quando voltei a abrir


os olhos já estava amanhecendo. Pela claridade que entrava através
das cortinas da varanda, ainda era cedo, mas eu já me sentia
completamente desperta.
Sem ver motivo algum para permanecer na cama, decidi me
levantar. Abia estava em um sono pesado e nem se mexeu quando me
sentei. Peguei a minha bolsa e fui para o banheiro trocar de roupa.
Minutos depois, já vestida e pronta para um novo dia, fui até
a varanda, puxando levemente a cortina para ver sol lá fora. Admirei a
beleza criada por Allah, agradecendo por ter sido tirada de Rummán
com vida e por estar agora no seio de uma família amorosa onde todos
me tratavam com respeito e consideração. Eu tinha recebido uma nova
vida de Allah e fazia aquele agradecimento em todas as minhas cinco
orações diárias.
Em silêncio para não acordar Abia, abri a porta e saí do
quarto dela, disposta a encontrar Amira. Como a festa de aniversário
do príncipe Yusuf tinha acontecido no dia anterior, hoje
provavelmente todos da família acordariam tarde. Com o dia livre, eu
poderia fazer o que quisesse, sem me preocupar com o horário de
trabalho no Ministério da Mulher.
Encontrei Amira na cozinha organizando o café da manhã
junto com as outras empregadas.
— Sabah al khair79 — cumprimentei a todas.
Elas sorriram ao me ver chegar.
— Sabah al nur80, Thara — responderam com sorrisos de
boas-vindas.
— Você se acordou cedo. Pensei que ia dormir até tarde,
cansada da festa — Amira comentou.
— Não estou acostumada a me acordar muito tarde. — Olhei
ao redor, notando que quase tudo já estava pronto. — Vim ajudar com
a refeição, mas acho que cheguei atrasada.
— Não precisava se incomodar em vir nos ajudar. Devia ter
descansado mais tempo.
— A festa foi boa? — Keisha não escondeu a curiosidade. —
Imagino que o aniversário do príncipe Yusuf deve ter sido muito
divertido.
— Houve dança e tudo estava lindo demais. O tempo que
fiquei lá foi divertido. — Preferi não entrar em detalhes, generalizando
a resposta e desconversando depois. — O palácio deve ficar em ritmo
lento hoje.
— Sempre fica quando tem festa ou eventos importantes —
Amira informou, apontando para uma cadeira na mesa ao lado. —
Vamos tomar o nosso café da manhã e depois cuidar das crianças. O
príncipe saiu logo cedo e só deve voltar depois do almoço.
Surpreendi-me ao saber que ele já tinha se levantado e saído,
considerando que havia ficado na festa até o fim.
Para disfarçar a surpresa e o interesse no assunto, sentei-me
com elas, conversando sobre a rotina do palácio.
Quando chegou a hora de acordar as crianças, Amira foi para
o quarto dos meninos e eu fui para o quarto de Abia, que exultou de
felicidade ao me ver.
— Você ficou hoje!
— Resolvi passar a minha manhã de folga com vocês.
Ela me abraçou pelo pescoço, carinhosa.
— E eu também! — A voz de Sabirah soou da entrada do
quarto, pegando-nos de surpresa. — Pensavam que iam se livrar fácil
de mim?
Caímos na risada, olhando-a parada com as mãos nos quadris
e uma falsa cara de ofendida.
— Você dormiu ou veio direto da festa? — brinquei com ela.
— Dormi muito bem e me acordei feliz como nunca. — Ela
se sentou na cama com um sorriso de satisfação. — Vocês duas saíram
cedo e me deixaram sozinha, mas ainda assim a noite foi maravilhosa!
Abia olhou para mim com um ar desconfiado.
— Até parece que ela dançou a noite inteira com um príncipe
encantado — falou de um jeito tão engraçado que foi impossível não
rir.
— Quase isso! — Sabirah confirmou com um ar de mistério.
— Mas não vou contar nada para vocês. É o castigo por terem me
abandonado ontem.
Com Sabirah não havia lugar para tristeza. Ela era dona de
uma alegria contagiante e entendi perfeitamente o motivo de Abia ser
tão apegada à tia mais nova.
Passamos a manhã inteira juntas com os filhos do príncipe,
que não apareceu nem depois do almoço. Fiquei sem saber se ele
estava em casa ou não, mas achei melhor não perguntar a ninguém. A
Ala do Leão era grande o suficiente para não cruzarmos um com o
outro caso não quiséssemos.
Resolvi não pensar mais nele e aproveitar a companhia de
Sabirah e Abia, já que Hud e Imad estavam concentrados no
computador. Nós três fomos passear pelo jardim interno da ala, bem
maior do que o existente na ala do príncipe Yusuf.
— MashAllah!81 Como é lindo!
Sabirah olhou ao redor, como se só naquele momento
estivesse vendo a beleza do lugar.
— Estou tão acostumada que às vezes até deixo de notar
esses detalhes.
— É compreensível, já que você sempre morou em Taj. Das
quatro alas, a única que não conheço é a do príncipe Jamal. As alas do
Falcão e do Guepardo são muito bonitas, mas percebi que a do Leão é
diferente e bem maior.
— É por ser do primogênito. Majdan perdeu o título de
príncipe herdeiro, mas não perdeu nada do que tinha antes. Também
não tinha lógica que esta ala passasse a ser de Saqr. O meu avô batizou
cada uma das quatro torres com o nome do animal dos netos. Ia ficar
estranho Saqr morando na Ala do Leão e Majdan na Ala do Falcão. Se
você prestar bem atenção, vai ver que aqui existem leões esculpidos
em todo lugar, desde as maçanetas das portas às estátuas no centro do
jardim.
Eu concordava totalmente com o avô deles quando escolheu
o leão para representar o neto primogênito. Combinava muito com o
príncipe Majdan.
— Papai nunca vai deixar de ser o Leão de Tamrah. — Abia
veio logo em defesa do pai com a voz cheia de orgulho dele.
A garotinha enterneceu o meu coração com aquela atitude.
— Só há um único Leão de Tamrah e isso ninguém pode
mudar — tranquilizei-a, olhando significativamente para Sabirah.
— Claro que não há outro! E ai de quem quiser mudar isso. O
meu avô é capaz de ressuscitar do túmulo só para dar um soco na cara
do pobre coitado.
Ainda estávamos rindo quando vi uma mulher aproximando-
se de onde estávamos no jardim. Estava ricamente vestida, usando um
hijab branco sobre os cabelos e cheia de joias. Pela aparência, devia
ter uns quarenta anos.
Assim que a viu, Abia se escondeu atrás de mim, o que
estranhei.
— Salaam aleikum — cumprimentou-nos com um sorriso
que pretendia ser simpático, mas o olhar frio a entregava.
— Alaikum as-salaam — respondemos, mas notei o tom
igualmente frio de Sabirah.
— O que faz aqui, Beyda? — ela questionou a mulher com
altivez.
— Vim falar com o seu irmão e ver os meus sobrinhos. —
Olhou para Abia escondida atrás de mim. — Não vai falar comigo,
Abia?
Sabirah se adiantou um passo à minha frente, escondendo
Abia mais ainda.
— Ela só vai falar com você se o meu irmão autorizar, e, até
onde sei, ele não autorizou.
Eu não sabia quem era aquela mulher, mas a hospitalidade era
uma característica muito forte na nossa cultura e a atitude de Sabirah
me deixou chocada.
Analisei Beyda com atenção, tentando imaginar o que ela
havia feito de errado para ser tratada daquele jeito.
A mulher crispou os lábios com amargura e o olhar se
desviou de Sabirah para mim. Eu sequer a conhecia, mas tive a
impressão de que não gostou da minha presença ali. O que era até
compreensível, considerando que Abia me usava como escudo para
não ser vista por ela.
— Vou falar sobre isso agora mesmo com o príncipe.
Então, ele está em casa?
Como o príncipe não havia aparecido para falar com os
filhos, achei que ainda estivesse ausente.
A mulher deu meia volta e se dirigiu de queixo erguido para
dentro do palácio.
— Quem é ela? — perguntei assim que tive a certeza de que
não poderia ser ouvida.
— Beyda é irmã de Hayat, a ex-esposa de Majdan.
Arregalei os olhos, surpresa.
— Eu não quero falar com ela — Abia disse atrás de mim.
Virei-me para a garotinha, que foi imediatamente abraçada
por Sabirah.
— O seu pai não vai permitir isso, tenho certeza. Ele vai
colocar Beyda para correr daqui.
Capítulo 32
Majdan
— A única coisa que a minha irmã está pedindo é que Vossa
Alteza tenha piedade de uma mãe saudosa e a deixe ver os filhos. Ela
está há muito tempo na prisão sem os ver. Se pudesse vê-los, o
sofrimento seria menor.
Observei friamente Beyda parada à minha frente. Foi na casa
dela que encontrei Hayat com as malas prontas para fugir de Tamrah
depois de tentar matar Saqr e Kismet grávida. O destino era Paris,
onde a cachorra tencionava pedir asilo político para fugir da punição
que a aguardava, alegando que eu era um marido abusivo.
Eu nunca ia me esquecer do que Kismet havia confidenciado
ao meu irmão depois do atentado. Ela achava que estava sozinha com
o marido, mas cheguei a tempo de ouvir tudo.
“Hayat o despreza muito. Disse até que era um drogado que
não servia para nada.”
Por estar muito próxima de mim, Hayat era uma das pessoas
da família que me ajudavam nas crises de abstinência, dando-me apoio
para superar o vício. Saber que na verdade ela me achava um drogado
sem serventia alguma foi um golpe muito duro, que fez com que a
minha raiva chegasse a proporções assustadoras.
Como a quis matar!
Hayat estava viva, mas não era porque fui piedoso com ela.
Se não fosse o pedido de Saqr para que a deixasse viva, eu a teria
matado na ocasião.
— Não apele a uma piedade que não tenho, Beyda — avisei
sombriamente à irmã dela. — Hayat continua viva e isso é motivo
suficiente para ela estar feliz e não em sofrimento. Ela que se dê por
satisfeita por estar esquecida na prisão. Sua irmã deveria se preocupar
é se eu me lembrar de mais dela.
— Sim, ela está muito agradecida à Vossa Alteza por tê-la
deixado com vida e nós da família também! — Beyda se apressou em
dizer. — Vossa Alteza foi piedoso, apesar do grave erro que ela
cometeu.
— Um erro punido com a morte — lembrei-a, caso tivesse se
esquecido. — Tentar matar um membro da família real é assinar a
própria sentença de morte e foi isso o que Hayat fez. Ela que agradeça
todos os dias a Allah por ter sido deixada viva... até agora.
Beyda ergueu os olhos do chão ao ouvir o “até agora” que
falei propositadamente. Eu não estava disposto a ouvir apelos de
natureza alguma, muito menos permitir que Hayat visse os meus
filhos.
— Minha irmã está muito arrependida do que fez, alteza.
Acredito nela quando diz que a culpa foi de Jafar. Foi ele quem a
forçou a cometer tamanha barbaridade.
— Chega! — interrompi com grosseria, sem paciência para
ouvir mais nenhuma palavra. — Se continuar por esse caminho, você
corre o risco de fazer companhia à sua irmã na prisão.
Beyda se jogou de joelhos no chão, curvando-se diante de
mim.
— Pela misericórdia de Allah, não faça isso comigo, alteza!
Só vim trazer um pedido da minha irmã para ver os filhos. Ela tem
saudades deles, principalmente da pequena Abia.
Cerrei os punhos de raiva só de imaginar Hayat perto de
Abia.
— Os meus filhos não têm mãe! — rosnei, começando a ficar
realmente enfurecido com aquela visita. — Saia agora de Taj e
agradeça por você e o restante da sua família continuarem vivos. Se
insistir muito, vou começar a achar que todos vocês conspiraram
contra a família real.
— Oh, Bismillah!82
Beyda se levantou rápido e saiu da sala no instante seguinte.
Assim que fiquei sozinho, peguei o celular no bolso do thobe e liguei
para Hamdan.
— Beyda está saindo daqui agora. A partir de hoje, sempre
que ela ligar pedindo uma audiência, recuse. Não autorizo mais a
presença dela no palácio.
— Sim, alteza.
— Quero ela e a família vigiados. Espero tudo deles.
Hayat vinha de uma família abastada e tradicional. Sempre
teve tudo na vida e nada justificava querer matar o meu irmão só para
Hud não perder o direito à sucessão que herdaria de mim, caso eu
voltasse a ser o príncipe herdeiro.
— Providenciarei isso agora mesmo.
Depois que desliguei, fiquei andando de um lado para o outro
do meu escritório como se fosse um leão enjaulado. Só quando me
acalmei foi que consegui voltar a me sentar, olhando pensativamente à
minha frente.
Eu não me sentia minimamente culpado por não permitir que
Hayat se aproximasse dos meus filhos. Tive uma conversa franca com
os três na época e sabia que nenhum deles queria ver a mãe de novo.
De início, achei que Abia não aceitaria ficar longe dela, mas me
enganei. Aparentemente, Hayat dava pouca atenção à filha,
preocupando-se mais com Hud, o meu primogênito e sucessor.
Uma batida na porta interrompeu os meus pensamentos e foi
justamente Hud quem apareceu.
— Posso entrar, pai?
— Claro, filho. Sente-se aqui comigo.
— Soube que a tia Beyda veio aqui hoje.
— Como ficou sabendo?
— Abia comentou que ela apareceu no jardim quando estava
passeando com Sabirah e Thara. Pelo que entendi, foi assim que
chegou.
Saber que Beyda tentou falar com Abia antes de me perguntar
se podia, só aumentou a minha determinação de manter a família
inteira de Hayat longe do palácio e sob estreita vigilância. Também
não gostei que Beyda tivesse visto Thara. O meu instinto de proteção
com relação àquela garota era forte demais, ainda que ninguém
desconfiasse dos meus sentimentos por ela.
— O que tia Beyda queria, pai?
— Tentar me convencer a deixar Hayat ver vocês.
Ele fechou a cara.
— Não quero, nem os meus irmãos.
— Sei disso e foi exatamente o que falei para sua tia. —
Analisei-o com atenção. — Se você não queria vê-la, por que veio
aqui assim que ela saiu? Podiam ter se cruzado no corredor.
Hud contraiu os lábios como se estivesse chateado consigo
mesmo por ter sido pego fazendo algo errado.
— Assim que soube que ela estava aqui, vim para ter certeza
de que não faria nada contra o meu pai. Não confio nela.
Fiquei emocionado com o cuidado do meu filho comigo. Hud
estava perto de completar quatorze anos, mas agia como um
verdadeiro homem Al Harbi.
— Você agiu corretamente, filho. — Abracei-o pelos ombros,
encostando-o no meu peito. — Eu faria o mesmo no seu lugar.
Ele também me abraçou com força e senti que estava
emocionado. Hud era muito jovem para ter vivido tantos dramas
familiares, muitos deles causados por mim.
— Você é mais forte do que pensa — disse-lhe, beijando-o no
alto da cabeça.
— O senhor também.
Definitivamente, Hud tirou o dia para me emocionar.
— Somos ambos fortes, então — brinquei um pouco para
disfarçar a emoção. — Mas deixe eu lhe dizer uma coisa, filho. Você
não precisa ser forte o tempo todo. Sempre vai existir um momento na
vida de um homem em que ele vai fraquejar e isso não o tornará
menos homem. Ao contrário, aumentará a sua força interior e o
deixará mais resistente.
— Já aprendi isso e o senhor foi o meu maior exemplo. Sinto
que voltou mais forte de Nova York, o que só aumentou a minha
admiração pelo meu pai.
Abracei-o com mais força.
— Obrigado por não ter deixado de me admirar apesar de
tudo.
— Nunca! O senhor é o meu herói, um Al Harbi tão forte
quanto o meu avô, mesmo que não seja mais o príncipe herdeiro. Não
vou deixar que ninguém diga o contrário.
A maneira como ele falou fez soar um alarme na minha
mente.
— E alguém disse o contrário?
Hud voltou a contrair os lábios, suspirando com resignação
ao ver que havia falado de mais.
— Disse, mas eu o calei com um soco — admitiu com uma
expressão de desafio no rosto.
Contive um sorriso para não dar a entender que aprovava a
atitude dele. Apesar de eu mesmo ter feito aquilo várias vezes na
minha vida, não queria que Hud se acostumasse a resolver tudo com
os punhos. Ainda assim, ele me enchia de orgulho pelo que fez.
— Quem foi que disse e onde?
— Foi o Mamede na festa de aniversário do tio Yusuf.
Fiquei perplexo. Mamede era um dos meus vários sobrinhos,
mas o que me espantou mesmo foi saber que o meu filho havia
enfrentado um primo mais velho.
Olhei para Hud e daquela vez não deu para esconder o
sorriso.
— O Mamede tem dezoito anos!
Hud sorriu com autoconfiança.
— Ele é mais velho e maior, mas eu sou melhor lutador.
Eu estava realmente perplexo.
— Alguém viu vocês?
Era estranho que ninguém tivesse me contado nada sobre essa
briga em plena festa de Yusuf.
— Não. Estávamos sozinhos e fora do salão. Foi um assunto
que resolvemos entre nós dois, de homem para homem.
Ele me olhou desconfiado, mas quando me viu rindo muito,
acabou rindo também. Voltei a abraçá-lo, sem acreditar que o meu
filho havia socado o próprio primo para defender o pai.
— Você se machucou?
— Não, mas ele sim.
Caímos na risada em perfeita comunhão de pai e filho.
Contudo, apesar de estar rindo com o que havia acontecido, era
preciso orientar Hud.
Olhei-o com seriedade.
— Você sabe que não vai poder socar todo mundo que falar
alguma coisa sobre a perda do meu título de príncipe herdeiro.
— Eu sei disso, pai. Mamede foi o primeiro que me provocou
com isso e achei melhor cortar o mal pela raiz. Agora dificilmente ele
vai abrir a boca para falar merdas.
O meu filho mais velho estava transformando-se rapidamente
em um homem e o meu coração se encheu de orgulho. Hud saberia
cuidar dos irmãos na minha ausência, caso um dia eu não estivesse ao
lado deles.
Capítulo 33
Thara
Nós três ainda passamos um tempo no jardim, mas a verdade
era que o aparecimento de Beyda havia tirado parte do prazer do nosso
passeio. Dez minutos depois, Sabirah sugeriu que entrássemos e
percebi que era uma estratégia para manter Abia segura com os irmãos
na sala de estudos enquanto a tia estivesse na Ala do Leão.
Só quando chegamos no arco do pátio foi que notei que Abia
estava sem o lenço que havia usado para enfeitar os cabelos.
— Onde está o seu lenço?
Ela colocou a mão na cabeça, virando-se para trás e olhando
o caminho que fizemos.
— Acho que caiu no jardim. Vou lá pegar.
— Não! — Sabirah a segurou com firmeza antes que corresse
de volta para o jardim. — Vamos as três.
— Não é preciso. Eu vou lá pegar e vocês duas entram —
sugeri, olhando significativamente para Sabirah. — Nos encontramos
na sala.
— Combinado. Vamos, Abia.
As duas seguiram pelo corredor e voltei ao jardim para
procurar pelo lenço.
Demorei a encontrá-lo. Estava longe do local onde estivemos
passeando, provavelmente empurrado pelo vento. Ele não chegava a
ser um hijab. Era apenas um lenço colorido para proteger Abia do sol.
Com ele em mãos, voltei para dentro do palácio, tendo o
cuidado de evitar o caminho que levava ao escritório do príncipe. Eu
não fazia a mínima ideia se Beyda ainda estava com ele, mas preferi
evitar o provável trajeto que ela faria quando a conversa terminasse.
Cumprimentei algumas empregadas da casa que encontrei
pelo caminho, sentindo-me feliz por já conhecer quase todas elas.
Quando virei o corredor em arco que ladeava o pátio interno, estaquei
bruscamente ao reconhecer Beyda parada mais à frente.
Não acredito!
Bufei, chateada, observando a maneira arrogante com que ela
erguia o queixo. Tive tanto cuidado para evitar a mulher e agora ela
estava a alguns metros de distância de onde eu deveria passar.
Eu estava pensando se continuava o meu caminho ou se
voltava atrás, quando notei que ela não estava sozinha. Em uma
atitude subalterna, Keisha ouvia atentamente o que a ex-cunhada do
príncipe dizia.
Fui acometida por uma sensação estranha ao vê-las no que
parecia ser uma conversa muito particular. Pelo pouco que percebi da
reação de Sabirah, a visita de Beyda não era algo considerando
agradável para a família Al Harbi.
Que assunto a irmã da ex-mulher do príncipe teria para tratar
com uma empregada da casa?
Tentei não criar fantasias na minha cabeça, afinal, muitos dos
empregados da Ala do Leão conviveram durante anos com Hayat,
recebendo ordens dela e atendendo a todos os seus desejos. Não seria
tão estranho assim que a irmã dela também possuísse algum tipo de
autoridade sobre eles, ainda mais sendo Beyda uma mulher que
esbanjava tanta prepotência.
Para que as duas não me vissem, recuei para a esquina do
corredor, onde estaria protegida dos olhares da duas.
Talvez ela esteja perguntando sobre os sobrinhos, querendo
saber se estão mesmo bem.
Achei melhor não fazer mal juízo do que estava vendo, sem
saber dos reais motivos daquela conversa. A minha mãe sempre dizia
que a maledicência era um dos piores defeitos do ser humano e tinha
razão. Só Allah podia julgar e julgava sempre acertadamente.
No momento em que decidi ir embora, Amira surgiu na outra
ponta do corredor e se aproximou das duas. A aparição dela me fez
parar mais uma vez. Se houvesse algo de suspeito na conversa entre
Beyda e Keisha, certamente que Amira saberia.
Ela cumprimentou Beyda com deferência, mas era notório o
quanto falava com mais segurança do que Keisha no trato com a rica
visitante. Trocaram rápidas palavras, despediram-se e a mulher foi
embora.
Amira olhou ao redor, como se quisesse ter certeza de que
ninguém tinha visto a conversa, e me escondi rápido atrás da parede
com o coração aos pulos. Algo me dizia para não deixar que me
vissem, uma sensação que não tinha nada a ver com o receio de
acharem que eu estava espionando-as.
Com o lenço de Abia firmemente preso entre as mãos, saí dali
o mais rápido que pude, dei a volta no pátio e peguei outro caminho
para a sala de estudos dos filhos do príncipe.

— Você não achou estranho?


Sabirah cruzou as mãos sobre o colo, tamborilando os dedos
pensativamente assim que terminei de contar o que havia presenciado.
Estávamos sozinhas no quarto dela, para onde fomos depois que
saímos da Ala do Leão.
— Para mim, tudo que envolve a família de Hayat é estranho,
mas acho que Beyda estava apenas tentando saber como estavam os
sobrinhos para poder contar à irmã. Pelo que sei, ela nunca deixou de
visitar Hayat na prisão. As duas sempre foram muito unidas desde
crianças. Beyda é a mais velha e sempre cuidou de Hayat como se
fosse uma filha. É normal que se interesse em levar informações para
ela.
De certa maneira eu entendia a situação de Beyda, afinal, os
meus irmãos também haviam participado de uma conspiração contra a
família real e foram punidos. Se era difícil para mim aceitar aquilo,
devia ser muito mais para ela, que aparentava ser uma mulher bastante
arrogante de sua posição social.
— Você tem razão, Sabirah. Acho que fantasiei muito o que
vi — assumi com um meneio de cabeça. — Você acredita que cheguei
a pensar em contar tudo para o príncipe Majdan? Graças a Allah que
falei com você antes.
Ela me analisou com um olhar de curiosidade e repreendi a
mim mesma por ter falado aquilo.
— Já notei que você e o meu irmão têm um relacionamento
muito bom — ela comentou despretensiosamente.
— Sim, é verdade, mas é por causa de Abia. Ele é um pai
muito preocupado com o bem-estar dos filhos e acabou por aceitar
mais facilmente a minha presença na casa. Ele parece ter uma certa
reserva em autorizar que empregados novos circulem por lá.
Sabirah entristeceu visivelmente.
— Aconteceram umas coisas muito sérias com o meu irmão
no passado que o fizeram não querer gente nova na casa dele. A minha
mãe não gosta que falemos muito nisso.
Adivinhei logo o motivo.
— Se for por causa da morte do guarda, isso eu já sei.
Ela me olhou atônita.
— Quem lhe contou?
Não achei que devesse esconder a verdade dela, por isso fui
sincera.
— Malika me contou quando percebeu que Abia estava se
apegando muito a mim, e eu a ela. A princesa quis que eu entendesse
melhor todos os problemas pelos quais os filhos do príncipe e ele
mesmo passaram, já que eu ia ficar muito tempo com Abia. Foi um
voto de confiança de Malika que muito me emocionou.
Sabirah sorriu de alívio.
— Sinto-me melhor em saber disso. Às vezes é difícil
guardar um segredo quando estamos com alguém de quem gostamos,
como você. Ainda mais quando noto o apego de Abia. Há algo nela
que enternece o meu coração.
— É exatamente o que sinto. Abia me conquistou com aquele
jeitinho carinhoso e carente ao mesmo tempo.
— Você sabia que nunca passei tanto tempo na casa de
Majdan quanto tenho passado desde que você chegou? Normalmente,
Abia é quem ia até o nosso encontro, meu e da minha mãe. Era muito
raro eu ir até a Ala do Leão para ficar com ela.
— E por que não ia?
Ela ergueu os ombros e fez uma careta engraçada, como se
não soubesse explicar.
— De todos os meus irmãos, Majdan sempre foi o que menos
se aproximou de mim. Não sei se era por causa da vida louca que ele
levava, se pela nossa diferença de idade ou se por eu ser a única irmã
que ele tinha, mas nunca senti interesse dele por mim. O Yusuf sempre
foi o mais preocupado de todos em saber como eu estava. Sei que o
Majdan me ama, mas é como se eu estivesse no fim da fila, sabe? Hoje
sinto uma aproximação maior dele comigo.
Fiquei feliz por ela e por ele. Ambos mereciam ter um
relacionamento melhor.
— Pelo que ouço todo mundo dizer, o seu irmão mudou
muito depois que voltou de Nova York. Eu não o conhecia antes para
poder comparar, mas sinto que é um bom pai, um bom filho e um bom
irmão. Ele realmente ama a família.
Ela me abraçou com o sorriso acolhedor de sempre.
— Você é maravilhosa, Thara. Que bom que está morando
aqui e convivendo conosco. Allah seja louvado por ter trazido você
para Taj.
Quem tinha de agradecer era eu, não apenas por ter o carinho
de todos, mas, principalmente, por ter conhecido o príncipe Majdan.
Capítulo 34
Thara
A rotina da família Al Harbi voltou ao normal depois da festa
de aniversário do príncipe Yusuf. Agora que Sabirah havia regressado
definitivamente de Londres, passei a trabalhar mais com ela do que
com Malika, cuja gravidez avançava. Com o passar dos meses, as
visitas às casas de acolhimento mais distantes da capital deixaram de
fazer parte da agenda dela.
— Por mim eu continuava, mas Yusuf não ia sossegar um
minuto sequer de tanta preocupação — ela me contou com um sorriso
que era uma mistura de divertimento e resignação.
— Eu concordo com ele. Há outras pessoas que podem fazer
isso, como eu. Se autorizar, farei as visitas sozinha.
Ela meneou a cabeça em negativa.
— Sozinha, não. Estive conversando com Farah e ela disse
que Sabirah pediu para colaborar mais nos trabalhos do ministério. Ela
poderá me substituir, acompanhando você.
Nem consegui disfarçar o quanto fiquei feliz.
— Ah, vou adorar!
Malika soltou uma risada quando viu o meu entusiasmo.
— Eu sabia que você ia gostar da ideia. Vocês duas não
largam mais uma da outra — brincou, alisando a barriga proeminente
em um gesto habitual. — Desconfio que ela veja em você a irmã que
nunca teve.
— Allah me abençoou com três irmãs, com uma nova mãe e
uma filha de coração — confessei, referindo-me a ela, Kismet,
Sabirah, Farah e Abia.
Malika segurou as minhas mãos com força e me olhou com
um sorriso de sabedoria nos lábios.
— Ele também ainda vai abençoar você com o amor.
Senti o meu rosto corar de vergonha.
— Inshallah!

Entretanto, surpresa maior tive nas vésperas da nossa


primeira viagem para o interior do país.
Fui passar a tarde com Abia, para avisar que ficaria fora por
dois dias.
— Você vai viajar? Eu também queria ir!
Achei graça da animação dela.
— Quando você terminar os estudos, poderá trabalhar no
Ministério da Mulher e nos ajudar.
— Eu vou, sim! Quero fazer o mesmo que você, vovó e
minhas tias fazem.
— Então, avise logo ao seu pai. Assim ele já vai se
acostumando.
Pela maneira como Abia olhou para um ponto às minhas
costas, adivinhei logo que não estávamos mais sozinhas.
— Devo me acostumar com o quê?
A pergunta no tom grave da voz dele me fez suspirar. Sem
escapatória, virei-me para a entrada da sala. Como sempre acontecia
quando o via, o meu coração disparou no peito. O impacto era sempre
o mesmo, fosse onde fosse.
— Se acostumar com o meu trabalho no Ministério da
Mulher, papai. Thara vai viajar e eu queria ir com ela, mas ainda não
posso.
Vestindo o tradicional thobe branco que parecia aumentar a
largura dos ombros dele, o príncipe se aproximou da mesa onde
estávamos. O olhar prendeu o meu o tempo todo.
— As viagens não estavam suspensas por causa da gravidez
de Malika?
Pelo tom de voz, ele não parecia nada satisfeito.
— Estão suspensas para ela, mas não para mim, alteza.
— Pois deveriam estar suspensas para você também. Para
onde vai?
— Para Ktab.
O príncipe franziu a testa mal falei o nome da cidade.
— Vai viajar sozinha pelo interior do país?
— Eu não vou sozinha. Sabirah vem comigo, substituindo
Malika.
A fisionomia dele ficou mais preocupada ainda.
— Com Sabirah? Ela não tem a experiência de Malika para
lidar com situações difíceis.
— Mas eu tenho.
— Sei que tem, mas precisa de um apoio mais eficaz caso
surja alguma dificuldade. Não acho que devam ir.
Definitivamente, eu não estava entendendo aquela atitude do
príncipe.
— A viagem foi decidida em uma reunião de Farah com
Malika — comuniquei, assim ele ficava ciente de que havia sido algo
autorizado pela própria mãe. — Já está tudo acertado.
Um músculo pulsou na mandíbula contraída, tornando a
expressão dele mais carregada ainda.
— Quem montou o esquema de segurança?
Só então entendi que ele devia estar preocupado com a
segurança da irmã.
— Acredito que tenha sido o príncipe Yusuf. A única coisa
que sei é que iremos com Hakim Numan.
Ele pareceu relaxar, o que deixou mais evidente para mim
que o tal Hakim devia ser mesmo bom. Ainda assim, o príncipe não
suavizou a tensão no rosto barbado.
— Vou falar com Yusuf. — Olhou para a filha, cujos cabelos
acariciou. — Você um dia também vai trabalhar no ministério, mas
primeiro tem que concluir os estudos.
— Eu posso um dia viajar com Thara e Sabirah só para ver
como é?
— Claro que pode, mas tem que ser em uma cidade aqui
perto e eu mesmo vou montar um esquema de segurança.
Abia olhou para mim com um sorriso de felicidade no rosto.
— Ouviu, Thara? Vou poder acompanhar vocês.
— E eu vou aguardar ansiosa por este dia.
O nosso entusiasmo não foi compartilhado pelo príncipe, que
continuou sério.
— Você tem o meu número? — ele perguntou de repente.
Quem, eu?
Escondi o assombro o melhor que pude.
— Não, alteza.
— Está com o seu celular aí?
Ainda sem entender o que estava acontecendo, confirmei.
— Sim, estou.
Ele tirou o celular do bolso e fez uma ligação. Quando o meu
número tocou, dei um pulo na cadeira.
— Registre o meu número no seu celular.
Nunca imaginei que algum dia teria o número dele. Ainda em
choque, registrei nos meus contatos, pensando que nunca teria
coragem de lhe ligar.
Ele pareceu ler os meus pensamentos.
— Ligue-me de imediato se precisar de alguma coisa. De
qualquer coisa.
O que dizer quanto àquilo?
— Ligarei, alteza.
Capítulo 35
Majdan
— Cancelar a viagem de Sabirah? — A minha mãe me olhou
com a estupefação estampada no rosto. — E qual motivo eu teria para
fazer isso?
Estávamos sozinhos na biblioteca dos aposentos dela, para
onde fui assim que fiquei sabendo da viagem de Thara.
Sentado em uma das poltronas, tentei aparentar naturalidade
para que a minha mãe não notasse o quanto aquela garota havia se
tornado importante para mim.
A pergunta que ela fez era esperada e eu já havia pensado na
resposta que ia dar. Não era de todo uma mentira, mas também não era
o verdadeiro motivo.
— Não acho seguro que elas viajem pelo interior do país.
Mesmo que Rummán continue sitiada e a família de Thara permaneça
sob vigilância, considero sempre a possibilidade de um novo ataque.
As duas estarão mais protegidas se trabalharem na capital.
A minha mãe era uma mulher extremamente intuitiva e me
escrutinou com um olhar atento. Não desviei o meu, nem vacilei. Eu
sabia como lidar com ela.
— Então o problema é com a Thara e não com a Sabirah —
afirmou com convicção.
— Com ela e com a Sabirah. Preocupo-me com as duas.
— Sei que você ama a sua irmã, mas nunca se preocupou
com a segurança dela antes. Por que agora?
Eu sabia aonde ela queria chegar, mas me mantive
impassível.
— Claro que nunca me preocupei antes. Só recentemente
tivemos atentados à bomba em Tamrah e um bando de loucos
atacando a nossa família. Sabirah também nunca viajou para o interior
representando o Ministério da Mulher. Sempre esteve protegida em
locais seguros. Mesmo quando foi estudar, estava em uma cidade
moderna e com uma equipe inteira cuidando dela. Londres não tem
nada a ver com o interior de Tamrah, onde temos uma grande
resistência às mudanças.
— As duas vão viajar com um rigoroso esquema de
segurança montado por Yusuf. Além disso, o “bando de loucos” da
família de Thara não existe mais. O irmão que participou do sequestro
está preso e os outros permanecem vigiados vinte e quatro horas por
dia, mesmo nada tendo sido provado contra eles. Vivem praticamente
em uma prisão domiciliar com o pai. Não vejo perigo algum para a
viagem de Sabirah e Thara.
Inclinei-me na cadeira em direção a ela, olhando-a
gravemente. O assunto era muito sério para mim.
— Penso em Abia, mãe. Como acha que ela ficaria se
acontecesse alguma coisa com Sabirah, com Thara ou com as duas ao
mesmo tempo? A minha filha é muito apegada a elas e ficaria
traumatizada, mais do que já está com a merda de mãe que teve.
Falar em Abia fez a determinação no rosto dela diminuir.
— Eu não tinha visto a situação por esse ângulo, confesso. —
Suspirou pesadamente. — Pensar nisso implicaria também pensar que
algo de ruim aconteceria com Sabirah e Thara, o que para mim é
inconcebível.
— Esta é a última coisa que qualquer um de nós gostaria de
pensar, mas nunca vai deixar de ser uma possibilidade, seja lá onde
estivermos. Na nossa posição, não podemos desconsiderar situações
que nos ponham em perigo iminente. Cancele a viagem, mãe.
— Não posso fazer isso, Majdan. Precisamos atender às
solicitações de ajuda que chegam das diversas casas de acolhimento
espalhadas pelo país. Muitas delas têm à sua frente mulheres simples
das localidades, que necessitam de orientação e apoio em casos
difíceis que surgem. Não podemos ignorar quando recebemos um
pedido de ajuda. Foi assim que salvamos Thara em Rummán.
Eu sabia daquilo, mas não a queria tão longe assim de onde
eu estava. Depois de a ver quase morrer nas mãos dos irmãos, não me
sentia tranquilo com ela viajando pelo interior do país, mesmo
sabendo que a família inteira seguia sendo vigiada.
— Nomeie outras mulheres para fazerem este trabalho. Há
outras tão competentes e experientes quanto Thara. Sabirah ainda está
aprendendo e pode fazer isso nas cidades próximas de Jawhara.
— Não podemos trabalhar limitadas desse jeito. Thara gosta
de ajudar outras mulheres do interior como ela mesma foi ajudada. Vai
ficar triste por não poder fazer isso. Sabirah está determinada a ir com
ela.
Trinquei os dentes.
— Há muitas mulheres que Thara poderá ajudar se continuar
viva. Quando vocês vão perceber que ela é uma mulher marcada para
morrer no interior do país? — Perdi a paciência de vez.
A minha mãe emudeceu diante daquela verdade. Sabíamos
que os costumes tradicionais eram fortes demais no interior para serem
vencidos pela modernidade. Era preciso mais tempo para mudar
aquilo, se é que um dia conseguiríamos mudar totalmente.
Ela fez um gesto com a mão pedindo calma.
— Tamrah voltou a ser um lugar seguro depois que os
culpados pelos ataques à bomba foram descobertos. — Tentou me
convencer mais uma vez. — Continuamos em alerta máximo e o
sistema apertado de segurança não foi amenizado. Yusuf continua tão
rigoroso quanto antes e ainda vai mandar o homem de confiança dele
para acompanhar as duas.
— Cancele a viagem! — Fui intransigente, sem dar mais
motivo algum.
— Me dê um motivo melhor, Majdan! — ela exigiu com
seriedade.
A minha mãe estava sendo tão intransigente quanto eu.
Normalmente, ela era mais diplomática ao lidar com assuntos de
família. Desconfiei que estivesse forçando-me a admitir para ela o que
eu não queria admitir nem para mim mesmo.
Decidi que estava na hora de colocar em causa o Conselho Al
Harbi, um procedimento instituído pelo meu pai para resolver
conflitos familiares. Se um membro fosse contra a decisão do outro, o
conselho teria de se reunir para deliberar sobre o assunto, que iria a
voto. Nada seria feito até que a maioria vencesse.
— Eu não autorizo essa viagem e ponto final. Não sei o que o
meu pai e os meus irmãos acham disso, mas eu não autorizo. Vou
levar o assunto ao conselho.
Ela arregalou os olhos, atônita com a minha decisão.
— Eu não acredito que você vai fazer isso com um assunto
do meu ministério, Majdan! Se o problema é a Sabirah, posso cancelar
a ida dela e designar outra funcionária do ministério para acompanhar
Thara.
Al’ama!83
Se eu insistisse, ficaria óbvio demais o meu interesse por
Thara, mas não havia escapatória.
— Sinto muito, mas se o meu pedido de cancelamento dessa
viagem não for atendido agora, o assunto será votado no conselho,
mãe.
Ela comprimiu os lábios, chateada.
— É só uma viagem até Ktab com um rigoroso esquema de
segurança.
— Ktab fica na mesma região de Rummán.
Recebi um olhar avaliador.
— É impressão minha ou você está muito interessado na
segurança de Thara?
— É impressão sua. Lógico que simpatizo com a garota
Ayad, mas estou interessado mesmo é no bem-estar de Abia. Sei o que
é ter a cabeça fodida e não vou fazer isso com a minha filha agora. Já
basta o que fiz de errado no passado.
Ela me olhou pensativamente durante tanto tempo que pensei
se descobriria o que estava por trás de tudo aquilo. Claro que existia a
preocupação com Sabirah e o cuidado excessivo que eu tinha com
Abia, mas o verdadeiro motivo era manter Thara protegida. Eu não
confiava totalmente na desistência dos homens da família dela de a
pegarem de volta para matar.
— Vamos para o conselho, então.
Eu sabia que a minha mãe estava contando com o poder de
influência que tinha sobre o meu pai. Restava saber se os meus irmãos
ficariam do meu lado.
Capítulo 36
Thara
— A viagem foi adiada? — Dizer que eu estava surpresa com
a ligação de Malika era pouco. — Mas por que assim de repente?
— Farah me avisou agora e ainda não sei o motivo. Acho que
o adiamento será apenas por um ou dois dias — ela explicou, mas
parecia mais confusa do que eu. — Assim que souber de algo, avisarei
a você.
— Sabirah já sabe?
— Farah disse que sim.
Pelo jeito eu estava sendo a última a ser informada.
— Tudo bem, ficarei aguardando.
O que mais eu podia fazer, se eram elas que tinham o poder
de decisão no Ministério da Mulher? Resolvi esperar pacientemente
pelas orientações seguintes, mesmo sem entender nada do que estava
acontecendo.
Resignada, desliguei o celular e voltei a me concentrar na
matéria que estava estudando do meu curso. Como eu ia passar alguns
dias fora em viagem, quis adiantar os assuntos da próxima avaliação
que teria.
Não demorou nem um minuto para o meu celular tocar
novamente. Daquela vez era a Sabirah.
— Já lhe avisaram que a nossa viagem de amanhã foi
cancelada?
— Malika acabou de me avisar, mas ela disse que foi adiada e
não cancelada.
Pelo suspiro que ela soltou, percebi que o cancelamento era o
mais provável.
— Vai acontecer uma reunião do conselho agora à tarde no
majlis do meu pai e isso só acontece quando o assunto é sério e precisa
da votação de todos. Não me disseram o motivo, mas desconfio que
seja a nossa viagem.
— A nossa viagem? Que coisa mais estranha.
— Também achei.
— Fiquei curiosa, não nego. Você faz parte desse conselho?
— Faço e estou ansiosa para saber o que está acontecendo.
— Se for sobre a viagem, pode me contar depois? Malika
também ficou de me dizer alguma coisa mais tarde.
— Conto, pode deixar. Ligo quando a reunião terminar.
Foi difícil me concentrar nos estudos quando desliguei.
Consegui com algum esforço, mas não demorou para estar com a
mente tão focada nos cálculos que nem senti o tempo passar. Até me
assustei quando Sabirah entrou esbaforida nos aposentos que eu
ocupava na Ala do Guepardo.
Ela fechou a porta e se sentou às pressas em um sofá de dois
lugares no canto da minha sala de estudos.
— A nossa viagem para Ktab foi mesmo cancelada e não
adiada!
Inspirei fundo diante daquela confirmação. Aturdida, larguei
imediatamente a caneta sobre o caderno e fui me sentar ao lado dela.
— Mas o que foi que aconteceu?
— Aconteceu que Majdan foi contra a nossa viagem.
Hã?!
Fiquei boquiaberta, sem conseguir articular uma única
palavra. Ainda naquela manhã, ele havia me dado o número do celular
dele para que eu ligasse caso precisasse de algo durante a viagem.
Como é que agora fazia aquilo?
— Como a minha mãe não cedeu à pressão que ele fez para o
cancelamento da nossa ida à Ktab, Majdan levou o assunto ao
conselho e ganhou. Saqr, Yusuf e Jamal votaram a favor dele e contra
a minha mãe e eu, apesar de pedirem mil perdões a ela. Vê se pode
isso? — Ela bufou, exasperada. — Os meus irmãos são
superprotetores demais com as mulheres da família.
— Mas... mas o que é que a nossa viagem tinha de tão mal
assim para o príncipe Majdan agir dessa maneira?
Ela permaneceu pensativamente calada.
— Eu não posso contar tudo o que aconteceu no majlis do
meu pai. As reuniões do conselho familiar são confidenciais e não
posso quebrar a confiança que eles depositam em mim. — Ela
suspirou tristemente. — Eu entendi os motivos de Majdan no que diz
respeito à Abia e até concordo com ele, mas me sinto frustrada
também.
Olhei-a sem entender nada.
— O que Abia tem a ver com a nossa viagem?
Sabirah sentou-se de frente para mim no sofá com um olhar
muito sério.
— Você já deve ter notado o quanto Abia se apegou a você
ultimamente e o quanto ela também é apegada a mim. Agora imagine
como minha sobrinha ficaria se acontecesse algo com nós duas
durante a viagem.
Só então entendi tudo.
— Vendo por esse lado, realmente é compreensível a
preocupação do príncipe, mas íamos viajar com seguranças treinados.
Ainda me lembro que Malika chegou em Rummán com apenas dois
homens e eles foram suficientes para conter a rebelião que o meu pai
estava armando na cidade para me pegar de volta.
— Me desculpe pelo que vou dizer agora, mas isso foi antes
dos seus irmãos decidirem fazer aqueles ataques à bomba. De lá para
cá, os meus irmãos consideram que é pouco ter apenas dois seguranças
em uma viagem pelo interior do país.
Calei-me diante daquele fato. O sentimento de culpa por ter
sido a causa de tanta desgraça tirou as palavras da minha boca.
— Não fique triste por isso. — Sabirah me abraçou,
compreendendo o que eu estava sentindo. — A culpa sempre será
deles, nunca sua.
O que ela disse me lembrou o que o príncipe Majdan havia
dito no hospital sobre viver um dia de cada vez superando o
sentimento de culpa.
Lembrar-me dele, também me lembrou da viagem cancelada.
— Se a nossa viagem foi cancelada, quem vai dar apoio à
casa de acolhimento de Ktab?
— Minha mãe vai conversar com Malika para escolher duas
funcionárias do ministério para fazerem esse trabalho.
— Mas eu posso ir sozinha com uma delas. Não sou da
família e você ficará em segurança com Abia em Taj.
— Sinto muito desiludir você, mas Majdan não quer que
nenhuma de nós duas vá para Ktab. E se Majdan não quer, Majdan é
atendido. É isso! — ela explicou para a minha total estupefação. —
Ele deixou de ser o príncipe herdeiro, mas não perdeu a majestade de
primogênito do meu pai, muito menos a influência de irmão mais
velho sobre os meus irmãos. Voltou mais maduro do que nunca de
Nova York e vem reconquistando o respeito de todos. Está voltando a
ser o Leão de Tamrah.
Incrivelmente, Sabirah riu, meneando a cabeça em um gesto
de incredulidade, enquanto eu só conseguia ouvir.
— Pode parecer um absurdo o que vou dizer agora, mas tudo
indica que a fama de mau que ele ganhou no passado está ajudando a
que hoje seja mais respeitado do que nunca. Majdan sempre foi de
uma força impressionante, talvez por isso tenha conseguido sobreviver
a tudo o que passou. Se ele fosse um fraco, teria sucumbido de vez há
muito tempo — comentou com sabedoria, analisando a personalidade
do irmão mais velho. — Apesar da mudança que sofreu, continua
sendo um homem imprevisível, o que faz com que seja tão temido
quanto antes. Eu mesma já tive muito medo de Majdan no passado,
principalmente quando tinha as crises de abstinência. Era horrível!
Hoje rezo muito para que ele realmente tenha conseguido se curar.
Imagina a decepção monumental que seria para todo mundo se ele
tivesse uma recaída?
Não consegui permanecer calada ao ouvir aquilo.
— Isso não vai acontecer. Allah vai dar forças para ele se
manter firme.
— Inshallah! Ele merece um pouco de paz depois de anos de
luta. — Ela juntou as mãos em posição de oração. — Majdan está
quase convencendo Mubarak a vir participar de uma reunião aqui em
Tamrah para negociar a paz com o Sheik Abdullah, o pai de Kismet e
Malika. Ele e Saqr estão trabalhando duro para conseguir acabar com
a guerra civil em Sadiz. Acho que Majdan é a única pessoa que o
louco do Mubarak escuta hoje em dia.
Baixei a vista para Sabirah não perceber o quanto ouvir falar
dele daquele jeito me abalava.
— Isso quer dizer que nós duas nunca poderemos visitar as
casas de acolhimento?
— Poderemos, se for próximo de Jawhara, mas não no
interior do país. Yusuf já combinou com Majdan de passar o esquema
de segurança para ele aprovar antes da viagem.
Não havia mais nada que eu pudesse fazer além de aceitar. Eu
era apenas uma funcionária do Ministério da Mulher e tinha de acatar
ordens superiores, fosse de quem fosse da família real. Ainda assim, a
minha cabeça dava voltas para entender a atitude do príncipe Majdan.
Na conversa que tivemos naquela manhã, em nenhum momento ele
deu indícios de que ia pedir o cancelamento da viagem.
Talvez tenha sido por estarmos na presença de Abia.
— Vou deixar você estudar agora. Depois conversamos
melhor. Provavelmente a minha mãe vai nos chamar para uma reunião
com Malika para decidirmos quais serão as casas de acolhimento que
poderemos visitar.
Quando ela saiu, foi a vez de Malika me ligar como havia
prometido, mas não acrescentou nada de novo sobre a reunião. Apenas
disse que a viagem havia sido mesmo cancelada e que depois nos
reuniríamos para decidir os próximos passos.
Voltei a ficar sozinha, olhando fixamente para o celular
pousado à minha frente sobre a mesa. Passei vários minutos naquela
posição, até consultar a minha lista de contatos e encontrar o número
do príncipe Majdan.
“Ligue-me de imediato se precisar de alguma coisa. De
qualquer coisa”.
Aproximei o dedo do ícone de discagem, pensando se estava
fazendo a coisa certa. Hesitei, o meu dedo tremeu, mas quando dei por
mim já tinha feito a ligação.
— Thara? — ele atendeu notadamente surpreso, talvez
achando que eu nunca teria coragem de lhe ligar. — Você está bem?
Não, eu não estou bem! Quero saber o que há em você que
me atraí como um ímã.
Sem poder expressar o que sentia, fechei os olhos, deixando o
som da voz grave penetrar nos meus ouvidos. Depois travei a emoção
e encontrei voz para falar.
— Por que... por que fez tudo isso para cancelarem a viagem?
— Fui direto ao assunto, esquecendo-me do protocolo ao tratar com
ele.
— Fiz isso para proteger você. — A resposta foi imediata e
muito firme, sem tentativa alguma de esconder a verdade.
A maneira como ele falou fez disparar o meu coração.
— Conversamos hoje de manhã e não me disse nada. Fui
pega de surpresa agora.
— Sei que pode parecer algo arbitrário da minha parte por
não ter conversado antes com você, mas acredite quando digo que foi
para a sua segurança. Poderá viajar a trabalho para localidades
próximas de Jawhara, mas não para a região onde fica Rummán.
Aquilo me deixou com uma dúvida.
— Se vou estar aqui perto, não devo mais usar o seu número?
— Deve, sim! Vai usar sempre que quiser e precisar falar
comigo.
Contive um sorriso de prazer ao ouvi-lo.
— Sim, alteza.
Ele ficou em silêncio por instantes antes de se despedir e
desligar.
Capítulo 37
Thara
Demorou apenas duas semanas para uma nova viagem ser
marcada, daquela vez para uma cidade próxima da capital.
Descobri que visitar as casas de acolhimento com Sabirah era
uma aventura divertida, além de um trabalho gratificante. A jovem
princesa tinha uma energia admirável e conquistava todo mundo com
a sua alegria e jeito bastante direto de falar.
Como eu não dirigia, era ela quem conduzia o carro, sob o
olhar carregado do homem que comandava o nosso esquema de
segurança e que nos acompanhava aonde fôssemos. Eu o reconheci
assim que o vi. Era o gigante que havia ido com a princesa Malika até
Rummán e enfrentado o meu pai. Eu não sabia qual era o nome dele,
mas não era um homem para ser esquecido com aqueles olhos azuis
intimidantes e a aparência truculenta que impunha respeito a qualquer
um. Apesar daquilo, parecia ser o segurança preferido das princesas.
As três só tinham elogios a fazer sobre ele.
— Pode viajar tranquila com o Assad. Vocês estarão tão
protegidas como se estivessem dentro de Taj — Malika disse na
reunião que convocou para acertar os detalhes da viagem e do
afastamento definitivo dela naqueles últimos dois meses de gravidez.
Franzi o cenho, confusa.
— Assad? Quem é ele? — Olhei para Sabirah ao meu lado.
— Você me disse que íamos com um homem chamado Hakim Numan.
As duas riram muito da minha cara.
— Assad e Hakim são o mesmo homem — Malika explicou
contendo o riso. — São nomes diferentes que ele usa, mas confesso
que tenho dificuldades de chamá-lo de Hakim.
— Malika vive desmascarando o disfarce dele. — Sabirah riu
tanto que encheu os olhos de lágrimas.
— E por que ele precisa se disfarçar aqui dentro do palácio?
Não estou entendendo nada.
— Foi ele quem me tirou de Thueban, a prisão para onde o
meu tio me mandou. Assad abandonou as Forças Armadas de Sadiz e
se tornou um mercenário, lutando contra o governo do meu tio. Ele era
tão bom no que fazia, que Yusuf o convidou para trabalhar aqui em
Tamrah depois do meu resgate.
— O meu irmão e Assad acharam melhor inventar um outro
nome para apagar o passado dele. — Foi a vez de Sabirah explicar. —
Surgiu então o Hakim Numan.
— Como foi que você ficou sabendo desses detalhes? —
Malika perguntou a ela, sem esconder a surpresa. — Até onde sei, isso
é um assunto confidencial.
— Ele mesmo me contou. — Sabirah informou com
naturalidade. — Foi a primeira coisa que perguntei quando ele chegou
em Londres. Yusuf o chamou de Assad, depois disse que era Hakim.
Eu precisava saber como chamar o homem que ia cuidar da minha
segurança.
— Fez bem. Eu faria o mesmo.
Olhei de uma para a outra.
— E eu? Como devo chamá-lo?
— De Hakim, que é como os outros seguranças o conhecem.
E foi assim que passei a chamar o segurança de Hakim,
mesmo ficando novamente confusa quando Sabirah perdia a paciência
com ele e o chamava de Assad na frente de toda gente. Eu não sabia se
ria ou se ficava chocada.
O gigante de olhos azuis não reagia, permanecendo calmo e
focado no trabalho de nos proteger, enquanto ela fumaçava de raiva.
Comentei aquilo uma vez com Malika, que apenas riu.
— Eles dois são assim mesmo. Com o tempo você vai se
acostumar.
Realmente me acostumei, apesar de achar estranho que
Sabirah aceitasse ser protegida por um homem com quem se irritava
tanto.
— Por que você não pede para trocá-lo? — perguntei certa
vez.
— Porque ele é o melhor.
A resposta foi tão séria que não insisti.
— Ah, então está explicado.
Não estava nada explicado, mas diante daquilo, calei-me.

Nos meses seguintes, Sabirah e eu ainda fizemos mais quatro


viagens, todas elas sob um rigoroso esquema de segurança. Eu achava
um exagero, mas nunca comentei nada.
Com o afastamento de Malika, acabei por assumir as
obrigações dela na Global Harbi. Pelo menos três vezes por semana,
eu dava expediente no escritório do Ministério da Mulher, sempre com
Sabirah ao meu lado. Ela estava aprendendo rápido tudo sobre o
trabalho que desenvolvíamos, conciliando as atividades com os
estudos. Em vez de retornar à Londres para dar continuidade ao curso
de Direito, Sabirah havia resolvido concluir os estudos em Tamrah,
onde ficaria perto da família.
— Não vou sentir saudades de Londres — ela me disse certa
vez.
— É tão ruim assim?
— Talvez para outras pessoas seja bom, mas para mim não
foi.
A mim ela nunca disse o motivo, nem eu perguntei,
respeitando o silêncio que impôs sobre o assunto. Contudo, eu
agradecia a Allah por ter trazido Sabirah de volta à Tamrah. Das três
princesas, ela era aquela que havia se transformado na irmã que
sempre desejei, mas que nunca tive.
Quanto ao príncipe Majdan, não surgiu mais nenhuma
ocasião em que precisei ligar para o número dele. Nós nos
encontrávamos com frequência nos corredores da Global Harbi e os
dias da semana em que eu trabalhava lá passaram a ser muito
aguardados por mim. Mesmo que ele não me visse, mas eu a ele, já me
sentia feliz. Admirava-o em silêncio, a atração que sentia crescendo
mais a cada dia.
Sempre que podia, eu fazia pesquisas na internet para
acompanhar de perto as notícias sobre ele. Certo dia, li a reportagem
de uma famosa revista feminina que me deixou chocada com a
ousadia das ocidentais.

Durante quanto tempo o príncipe mais sexy do


mundo árabe vai continuar solteiro?
Desde que voltou a ser visto em eventos
sociais que promovem o turismo do seu país, o
príncipe Majdan Al Harbi não assumiu o
relacionamento com nenhuma mulher, apesar das
beldades internacionais que circulam ao redor dele
quando vão visitar Tamrah, o destino turístico mais
procurado da atualidade.
Ele já foi casado uma vez, mas hoje está
solteiríssimo e no topo da lista dos homens mais
sexys e desejados do mundo. É bom que as
interessadas saibam que ele pode ter até quatro
esposas, mas a primeira será sempre a mais
importante delas. As candidatas que lutem!
Atenção para uma informação importante.
O príncipe é conhecido pelo estilo hardcore84 entre
quatro paredes e não estou falando de música.
Entenderam? (risos).
Para quem ainda não o conhece, fica uma
pergunta: Em qual planeta você estava nos últimos
anos? (mais risos).
Abaixo uma galeria de fotos exclusivas
dele para nos deliciarmos com este príncipe das
arábias.

Fiquei sem saber o que queriam dizer com hardcore entre


quatro paredes e fui pesquisar o significado. A primeira coisa que
apareceu foi uma reportagem que me deixou horrorizada só com o
título.
“Saiba a explicação científica que fazem muitas mulheres
fantasiarem com sexo hardcore (sexo puro e duro com o
consentimento dos envolvidos).”
Arregalei os olhos, o meu coração disparando no peito.
Allah tenha misericórdia! É disso que elas estão falando do
príncipe?
Eu sentia vergonha só de pensar na palavra sexo, quanto mais
em ler aquela reportagem sobre um assunto censurado na minha
cultura. Fechei-a rapidamente e a página voltou para a notícia anterior,
que mostrava a galeria de fotos com o príncipe Majdan.
Cliquei nas imagens com um certo receio, vendo diversas
situações e épocas da vida dele. As primeiras imagens eram de quando
ainda frequentava as festas ocidentais proibidas que o meu pai tanto
condenava e doeu vê-lo com uma mulher diferente em cada uma delas.
Era para eu desistir de seguir em frente ali mesmo, mas a
curiosidade venceu. As próximas fotos eram recentes e mostravam o
príncipe no hotel internacional mais luxuoso de Tamrah, onde se
hospedavam os turistas mais ricos que visitavam o país. Na grande
maioria das imagens, ele usava o tradicional thobe branco, mas em
uma delas o príncipe estava de óculos de sol na varanda da suíte
presidencial usando um elegante terno ocidental. A postura imponente
mostrava um homem de poder em seus domínios, o que combinou
bastante com ele.
Aquela mistura de fotos em lugares do ocidente e do oriente
médio, mostrava exatamente o que o príncipe Majdan era. Um homem
que sabia unir o moderno e o tradicional, representando muito bem o
nosso país. Ele equilibrava com perfeição a cultura árabe com a
cultura ocidental dentro de si mesmo, por ter vivido muito mais tempo
nestes dois mundos do que os irmãos. Era o único da família que tinha
aquele poder de união.
A foto final era dele com duas mulheres deslumbrantes
dentro da Global Harbi. Segundo a legenda, elas eram supermodelos
de uma agência americana contratada para os comerciais de Tamrah.
Com um suspiro de tristeza, fechei tudo, desistindo
definitivamente de continuar pesquisando sobre ele.
— O que os olhos não vêem, o coração não sente, Thara.

A novidade daquele fim de ano foi o nascimento do filho da


princesa Malika. O nome escolhido foi Sharif e o dia do nascimento
foi uma festa. Era mais um Al Harbi que chegava ao mundo.
Eu podia dizer que nunca vi o príncipe Yusuf tão feliz quanto
naquele dia, mas desconfiei que fosse também pelo alívio de não se
preocupar mais com a gravidez da esposa. Com o tão esperado filho
nos braços, ele era a imagem do orgulho.
Sharif era um bebê calmo que não dava trabalho algum.
— Que diferença de Zayn! — Kismet comentou rindo muito
quando as mulheres se reuniram ao redor de Sharif no quarto de
Malika. — O meu primeiro filho nasceu tão exigente quanto o pai e
reclamava de tudo aos berros.
Foi impossível não rirmos junto com ela, que havia feito a
descrição perfeita de Zayn.
— Eu não estava aqui quando ele nasceu, mas posso dizer
que hoje Zayn é assim mesmo — concordei com ela. — Exigente
como só ele sabe ser.
Kismet riu ainda mais.
— Se estivesse aqui na época, você ia sair correndo com dor
nos ouvidos, Thara. A impressão que eu tinha era que Zayn só se
calava quando estava mamando ou dormindo.
— Ele é uma cópia fiel de Saqr — Farah relembrou o passado
enquanto ninava o mais novo membro da família. — Já o Náder,
incrivelmente, lembra muito o bisavô. É até estranho que os dois
tenham o mesmo nome.
— O meu avô era um excêntrico, mãe. Se o Náder for igual,
aí sim devemos estranhar.
Mal terminou de falar, Sabirah levou um beliscão de Kismet
na cintura.
— Ai, Kismet! — ela reclamou de brincadeira e segurei o
riso.
— Ninguém vai estranhar nada no meu filho. Pelo que Saqr
me falou do avô, ele era um visionário no seu tempo. Adorava os
netos e foi quem apelidou cada um com o nome de um animal.
— E isso não é excentricidade? — Sabirah insistiu.
— Não. É originalidade.
— Vocês duas parem com isso ou vão incomodar o meu
netinho aqui — Farah não cansava de embalar Sharif.
— Que nada! Ele está é gostando de ver tantas mulheres ao
redor dele — Malika brincou, olhando para mim depois. — Não quer
pegar nele, Thara? Assim já vai se acostumando.
Senti o meu rosto arder de vergonha.
— Quem, eu?
— Sim, você! Um dia vai se casar e ter os seus filhos
também. Sei que adora crianças, mas acho que nunca a vi segurar um
bebê antes.
— É verdade. Nunca segurei um.
Farah lançou um olhar indecifrável para mim, que me deixou
mais vermelha ainda.
— Então está na hora de segurar.
Aproximou-se e colocou Sharif nos meus braços. A sensação
foi maravilhosa, ainda mais que ele era um bebê adorável de tão
tranquilo.
— Ele parece mais lindo ainda quando está no colo —
expressei o que sentia, olhando-o, embevecida. — MashAllah!85
Capítulo 38
Sete meses depois

Thara
— MashAllah! Como esse lugar é lindo!
Sabirah estacionou o carro bem em frente a Noor, a mansão
que o príncipe Yusuf tinha em Intisaar.
Logo atrás, estacionaram os veículos da escolta que nos
acompanhou até a propriedade. Era lá que iríamos passar os próximos
dias, comemorando o aniversário de Sabirah.
Abia soltou uma risada, parecendo ansiosa para descer.
— Você ainda não viu nada, Thara. Aqui tem uma praia linda.
Virei-me para o banco de trás onde ela estava sentada,
olhando-a, admirada.
— Uma praia? Ah, não acredito! Eu nunca vi uma na minha
vida!
Foi a vez de Sabirah rir, desligando o carro e pegando a
bolsa.
— Tinha me esquecido que você veio do interior e nunca viu
o mar. Assim que puder, iremos à praia.
— Vamos nos divertir muito na praia. — Abia estava mais
entusiasmada do que eu. — Você vai adorar! O tio Yusuf tem cavalos
aqui. Vamos cavalgar juntas!
— Eu? — Caí na risada. — Não sei montar, Abia.
— É tão fácil! Eu ensino.
Ri ainda mais.
— Fácil vai ser você me ver caindo no chão, em vez de em
cima do cavalo.
Caímos na gargalhada. Foi quando notei o SUV do príncipe
Majdan estacionado do outro lado do pátio em forma de arco. Ele
havia chegado antes de nós, trazendo o irmão Jamal e os filhos Hud e
Imad.
Quem estava à nossa espera no hall de entrada era Kismet
com Fhatima ao colo.
— Até que enfim a aniversariante chegou.
— Cheguei e já vou pegar nesta fofinha aqui. — Sabirah fez
cócegas em Fhatima, que deu risadinhas encantadoras.
Sem nenhuma cerimônia, ela passou para os braços da tia,
deixando Kismet livre para me dar um abraço e em Abia.
— Vamos entrar. Os homens estão na sala de jogos e
poderemos conversar à vontade no terraço da cobertura. A vista de lá é
esplendorosa!

Por ser em Intisaar, o aniversário de Sabirah seria bem mais


íntimo do que o aniversário do príncipe Yusuf em Taj.
Todos da família ficaram surpresos quando ela disse à mãe
que não queria uma superfesta, justificando que preferia ficar sozinha
com os pais, os irmãos, as cunhadas e os sobrinhos em um lugar
tranquilo, sem os demais familiares que lotaram a festa do irmão.
Eu adorei que ela preferisse algo mais íntimo. Apesar de ter
gostado da festa do príncipe Yusuf, sentia-me mais à vontade com
menos agitação.
Eu estava ansiosa para conhecer a praia de Noor, mas só tive
oportunidade de ir no dia seguinte à nossa chegada.
— Malika e Kismet não vão hoje. Preferem ficar em casa —
Sabirah comunicou entrando no quarto onde eu me arrumava com
Abia. — Pelo jeito, ninguém mais vai. Seremos só nós três.
Contive um suspiro de alívio quando a ouvi. Pelo menos eu
não passaria vergonha na frente do príncipe Majdan caso ele também
fosse. Apesar de estar ansiosa para ver o mar pela primeira vez, eu
desconfiava que não conseguiria subir em cima de um cavalo.
— E se eu não conseguir montar? — expus a minha
insegurança.
— Consegue, sim. É fácil! — Abia afirmou pela segunda vez
desde que chegamos em Noor.
— É fácil para vocês que sabem montar. Eu nunca cheguei
nem perto de um cavalo, quanto mais montar em um.
— Há sempre uma primeira vez para tudo e hoje você terá
duas experiências inéditas na sua vida. Montar e ver o mar. — Sabirah
tentou me motivar. — Vou escolher uma égua mansa para você. Se
ainda assim não conseguir montar sozinha, poderá montar comigo. De
qualquer maneira, iremos de carro pela estrada de terra que leva à
praia. Só montaremos quando estivermos na areia. Garanto que você
não vai deixar de ver o mar hoje!
Fiquei mais tranquila e confiante com a possibilidade de
irmos de carro. Se eu não conseguisse subir no cavalo, ficaria
esperando no veículo enquanto elas cavalgavam pela praia. A última
coisa que eu queria era estragar o prazer delas.
Usando túnicas curtas sobre calças largas, fomos de carro
para o estábulo, um lugar amplo e com mais cavalos do que imaginei.
Não cheguei perto de nenhum deles, mas mesmo de longe achei-os
enormes e meio assustadores. Um garanhão negro que estava sendo
escovado em uma das baias por um rapaz aparentando uns dezoito
anos, parecia tão selvagem e arisco que fiquei mais nervosa ainda.
O animal pareceu sentir o cheiro do meu medo à distância. As
narinas dele se dilataram e o relincho zangado que soltou me assustou.
Sobressaltei-me, aproximando-me mais de Sabirah, achando
ameaçador o jeito como ele me olhou.
Por Allah! Isso não é um cavalo. É um monstro!
Nervosa, ouvi Sabirah falando com o responsável e pedindo
para trazer as éguas que normalmente ela e Abia montavam, além de
uma terceira para mim.
— A mais mansa que tiver.
— Vou trazer Swar, alteza. Ela é a mais mansa que temos.
— Ótimo! É ela mesma.
Eu não conseguia me ver montada em nenhum daqueles
cavalos, ainda que fosse a égua mais mansa do Oriente Médio.
Assim que o homem se afastou, cochichei no ouvido dela.
— Não vou conseguir montar. Podemos ir à praia de carro?
Eu fico olhando vocês cavalgarem.
Olhando de longe!
— Você não vai desistir antes de tentar. Vai ver que é muito
bom.
— Por favor, Thara! — Abia pediu, segurando a minha mão.
— Os cavalos do tio Yusuf são bonzinhos.
Olhei para o monstro na baia.
— Até aquele?
As duas seguiram a direção do meu olhar.
— Diablo é do papai e não do tio Yusuf. Ele chegou ontem do
nosso haras. Papai só gosta de montar os cavalos dele.
— Diablo? Nunca um nome caiu tão bem como esse.
Sabirah riu, achando graça do que eu via como algo sério.
— Coisas do meu irmão.
— Papai é um exímio cavaleiro e já ganhou medalhas em
muitos torneios. Conhece muito bem os cavalos — Abia o defendeu.
— Diablo não é tão mal quanto parece.
Olhei-o, sem acreditar naquilo. O animal se agitou na baia,
parecendo adivinhar que eu falava mal dele.
Definitivamente, Abia era de uma ingenuidade comovente.
Que o príncipe Majdan gostasse daquele garanhão pavoroso, nem me
surpreendia tanto. Eu tinha de reconhecer que a potência do animal
combinava com ele.
O responsável pelo estábulo voltou trazendo um cavalo
castanho pelas rédeas. Atrás dele, um homem mais jovem trazia outros
dois cavalos. Fiquei tentando adivinhar qual deles seria a égua mansa
que eu ia montar. Na minha opinião, nenhum parecia manso o
suficiente para mim.
— Esta é Swar. — O homem indicou o cavalo castanho que
trazia, aproximando-0 de mim.
De perto, eles eram maiores ainda e respirei fundo para
encontrar coragem.
— Nem consigo imaginar como vou subir nessa égua —
sussurrei para Sabirah.
— Nós ensinamos — ela disse, confiante que eu aprenderia
rápido. — Lá fora tem o lugar ideal para a sua primeira experiência de
montaria.
Abia segurou a rédea de um dos cavalos, levando-o para fora,
e Sabirah fez o mesmo com os outros dois. Fui atrás delas com o
coração aos saltos.
O “lugar ideal” ficava nos fundos do estábulo, onde havia
uma grande área circular delimitada por cercas de madeira branca.
— Abia, amarre as nossas éguas enquanto ensino Thara a
montar em Swar.
Abia fez o que ela pediu com uma naturalidade incrível,
considerando que era uma menina de dez anos conduzindo dois
animais que eu achava enormes.
— Você agora precisa criar uma ligação com Swar — Sabirah
explicou, fazendo um gesto para eu me aproximar. — Ela precisa
conhecer você. E você a ela. Pode passar a mão no pescoço dela sem
medo, Thara.
Fiz o que me orientou, acariciando o pescoço da égua. Até
que gostei da sensação, mas quando o animal mexeu a cabeça e agitou
a crina, assustei-me.
— Não precisa ter medo. Ela está gostando e acho que
simpatizou com você.
— É mesmo? — duvidei.
— Garanto que sim.
Tentei acreditar naquilo. Nos dez minutos seguintes, aprendi
a segurar as rédeas e a fazer os movimentos para o cavalo andar.
— Vou montar para você ver como é. Depois, é só fazer
igual.
Com uma agilidade impressionante, Sabirah colocou o pé
esquerdo no estribo e içou o corpo, passando a perna direita sobre a
égua e sentando-se na sela.
— Sente-se no centro da sela e com a coluna reta. Só a ponta
do pé fica no estribo e o calcanhar tem que estar para baixo. Se enfiar
muito o pé, poderá ficar com ele preso no estribo e ser arrastada pelo
cavalo caso aconteça algum acidente. E que Allah nos proteja sempre
disso.
Oh, bismillah!86
— Você tinha que falar isso? Até perdi a coragem.
— Esta é uma regra básica de sobrevivência que você
precisava saber. — Ela desceu da sela com elegância. — Agora é a sua
vez. Vou ficar ao seu lado para ajudar.
Engoli em seco e me aproximei novamente da égua,
posicionando-me para montar. O estribo parecia alto demais e me
estiquei toda para conseguir encaixar o pé nele. Segurei-me na sela e
fiz força para subir.
Fiquei longe da elegância de Sabirah ao montar, mas
consegui.
— Perfeito! Como se sente? — ela me perguntou.
— Sinto um frio na barriga. Estou pensando se dessa vez vou
quebrar todas as costelas quando cair no chão.
Notei que Sabirah conteve o riso, mas a voz estava séria
quando falou comigo.
— Isso não vai acontecer. Agora faça Swar andar.
Pressionei a barriga da égua com as minhas pernas, mas ela
não saiu do lugar.
— Tente de novo.
Só na terceira tentativa foi que Swar deu dois passos e
começou a andar lentamente. Sabirah não saiu do lado, acompanhando
tudo de perto.
— Ótimo! Agora faça ela parar, mas não puxe as rédeas de
maneira brusca.
Foi o que fiz, respirando aliviada quando a égua parou.
— Você está pronta para irmos à praia — ela comunicou
satisfeita.
— Já?!
Sabirah fez pouco caso da minha insegurança. A um sinal
dela, Abia trouxe as outras éguas e as duas montaram, deixando-me no
centro.
— Agora vamos, porque a praia nos espera!
Capítulo 39
Thara
Fomos à praia em passo lento, o que nos permitiu conversar
bastante durante o caminho. Noor era uma propriedade magnífica, mas
nada me preparou para a praia que surgiu à nossa frente.
— Não acredito! — exclamei, admirada com a imensidão de
água diante dos meus olhos. — Quanta água!
— A praia é privativa e hoje é só nossa — Sabirah festejou.
— Yalla!87
Elas aceleraram o passo e fiquei sem saber como fazer Swar
ir no mesmo ritmo. Contudo, a égua imitou as outras duas e foi atrás.
Chegamos rapidamente na areia e logo estávamos na beira da água.
O mar azul parecia um espelho que refletia o céu, quase sem
onda nenhuma, apenas pequenas marolas que se quebravam
suavemente na areia.
Sabirah e Abia desmontaram, tiraram os sapatos e correram
para água.
Puxei as rédeas de Swar, que parou obedientemente.
— Muito bem. Agora fique quietinha para eu descer.
Achei mais fácil montar do que desmontar. Já no chão,
quando tirei o pé esquerdo do estribo, senti-me uma vitoriosa por ter
vencido o medo e montado em um cavalo pela primeira vez na minha
vida.
Livrei-me dos sapatos e fiz como elas, correndo para o mar.
Ao primeiro contato da água com os meus pés, suspirei de felicidade e
ergui o olhar para o céu, agradecendo a Allah por ter permitido que eu
vivesse para chegar àquele dia. Depois de tudo o que eu havia
passado, era uma benção.
Agachei-me, juntando as mãos em concha e trazendo uma
boa quantidade de água para o rosto, molhando-o. Era salgada, mas
muito refrescante.
— Thara! — Abia gritou mais à frente, com a água batendo
na cintura. — Yalla!
— Vamos molhar a roupa toda!
— Secamos depois.
Entrei com roupa e tudo, juntando-me a elas. Sabirah já havia
mergulhado e estava toda molhada. Assim que me viu entrar, riu
muito.
— Você nem tirou o hijab.
Surpresa, coloquei as mãos na cabeça, rindo também.
— Fiquei tão boba vendo o mar que me esqueci. Mas como
não vou molhar o cabelo, não faz mal.
As duas trocaram um olhar cúmplice.
— Ah, não vai molhar o cabelo? Isso é o que você pensa!
Elas vieram para cima de mim e caímos as três dentro d’água.
Fiquei molhada da cabeça aos pés.
— Olha o que vocês fizeram! — Tentei colocar um tom de
reclamação na voz, mas no fundo estava rindo tanto quanto elas.
— Eu avisei que hoje ia ser o dia das suas primeiras vezes.
Agora está completo!
Sem escapatória, tirei o hijab. Quando voltei a mergulhar
com os cabelos totalmente soltos, a sensação foi tão boa que agradeci
mentalmente por ter sido obrigada a retirar o véu molhado.
Entre brincadeiras, conversas e silêncios relaxantes, passamos
um bom tempo dentro d’água, até sairmos. A roupa até pesava de tão
encharcada que estava.
— Vamos voltar molhadas para o palácio.
— Em um instante seca, não se preocupe. Vamos caminhar
um pouco pela praia. Cada uma traz a sua égua pelas rédeas.
— Posso ir até as pedras a galope? — Abia perguntou
esperançosa.
— Pode, mas não vá muito rápido — Sabirah autorizou.
Abia aproveitou logo a oportunidade. Calçou os sapatos e
montou com habilidade na égua, partindo a galope pela praia.
— Não é perigoso? Acho Abia tão nova para lidar com um
animal desse tamanho.
— Ela monta melhor do que eu e até do que os irmãos.
Majdan fez questão de ensinar os filhos a montar desde cedo e Abia é
excelente nisso.
— Sou mesmo uma vergonha comparada a vocês duas. — Ri
de mim mesma. — Morri de medo de andar a cavalo aos vinte e cinco
anos. Montei, mas ainda sinto medo.
— A sua vida foi diferente da nossa. Muita gente tem medo
de cavalos, não é só você. — Sabirah riu, abraçando-me pela cintura.
— Dos meus irmãos, Majdan sempre foi o mais apaixonado por
cavalos. Quando era mais jovem, ele participou de muitos torneios
internacionais de hipismo. Até hoje não entendi por que deixou White
Star morrer. Ele era lindo! Tinha uma marca branca na testa em
formato de estrela, por isso o batizamos de White Star88. Majdan
amava aquele garanhão.
— O cavalo morreu de quê?
— Uso de substâncias proibidas para melhorar o desempenho
nas corridas. A dose foi excessiva e o cavalo não aguentou. Foi um
escândalo na época. Um dos vários escândalos envolvendo o nome do
meu irmão.
Era tão difícil para mim associar aquela imagem antiga do
príncipe Majdan com o homem que eu conhecia. Pareciam pessoas
diferentes. Se ele amava o cavalo, eu tinha certeza de que devia ter
sofrido muito com a morte dele.
Será que alguém considerou isso durante o tal escândalo?
Provavelmente, não.
Eu não tinha dúvida alguma de que o príncipe havia
escondido de todos o que sentia.
Suspirei, vendo o quanto era difícil me esquecer dele com
Sabirah falando o tempo todo do irmão mais velho.
— Os seus outros irmãos também gostam de cavalos? —
Desviei o assunto.
— O Saqr também gosta muito. Já o Yusuf gosta mesmo é de
carros velozes. O Jamal não se interessa nem por um nem por outro. A
paixão dele são os livros.
— E você, do que gosta?
Daquela vez foi Sabirah quem riu de si mesma.
— Não sei. O tempo que passei em Londres mudou muita
coisa na minha cabeça. Ainda estou tentando colocar as ideias de volta
no lugar.
— Sei bem o que é isso.
Ela ficou calada e seguimos andando lentamente com as duas
éguas, admirando a beleza ao nosso redor.
— Você já se interessou por algum homem na sua vida?
A pergunta repentina me pegou de surpresa e inspirei fundo,
nervosa.
Bismillah!89 Será que ela notou alguma coisa?
— Não, nunca. Por que a pergunta?
— Por nada. É só curiosidade.
Olhei-a de lado e notei que parecia pensativa.
— Você já se interessou por alguém?
Ela suspirou, demorando a responder.
— Sei que posso confiar em você, mas de qualquer maneira
vou pedir que nunca comente com ninguém o que vou lhe contar
agora.
— Eu nunca faria isso. Pode confiar em mim.
Ela sorriu, voltando a me abraçar.
— Obrigada por ser minha amiga.
— Sempre.
Sabirah olhou ao longe, onde Abia já se aproximava das
pedras no fim da praia, como se calculasse o tempo que a menina
levaria para voltar até onde estávamos.
— Acho que estou apaixonada por alguém. Pensei que seria
maravilhoso quando acontecesse, mas é tão ruim. Vivo pensando nele
o tempo todo, mas tenho certeza de que o mesmo não acontece com
ele — confessou.
Sabirah nem imaginava o quanto eu a entendia. A minha
situação era idêntica. Eu também gostaria de confessar que estava
apaixonada, mas corria o risco de ela desconfiar que o homem em
questão era o irmão mais velho dela.
O que a simples Thara Ayad poderia esperar de um príncipe
como Majdan Al Harbi? Nada. Absolutamente nada além de
consideração.
— Ele era de Londres?
Ela soltou uma risada triste.
— Nunca senti interesse algum pelos ocidentais. Ele é da
nossa terra.
Então tudo ficava mais fácil.
— Tem certeza de que ele não sente o mesmo por você?
— Infelizmente, tenho. Queria que fosse diferente, mas não
vejo futuro para o que sinto.
Nem eu vejo para mim!
Solidarizei-me mais ainda com Sabirah. Se eu já não gostasse
tanto dela, certamente gostaria depois daquela confissão.
Emocionada, abracei-a.
— Nem sei o que dizer. Não tenho experiência alguma nessa
área para ajudar você, exceto dizendo que estou do seu lado sempre.
Ela sorriu, abraçando-me apertado também, mas deu para
notar que estava com lágrimas nos olhos. Quando se afastou, ela
respirou fundo e olhou para onde Abia estava.
— Ela já chegou às pedras.
Abia agitava as mãos no ar, chamando a nossa atenção.
— É melhor irmos para onde ela está. Vou ajudar você a
montar.
Daquela segunda vez foi mais fácil subir na sela de Swar.
Sabirah fez o mesmo na outra égua e seguimos em passo lento.
— Se quiser galopar, pode ir. Vou no meu ritmo.
Se ela estivesse sozinha, eu sabia que teria galopado com
Abia em vez de ficar comigo.
Sabirah me olhou, preocupada.
— Você não se importa?
— De jeito nenhum! Pode ir.
Ela sorriu e logo estava galopando com rapidez, os cabelos
soltos esvoaçando com o movimento. Swar resfolegou e mexeu a
cabeça, como se estivesse em dúvida se devia fazer o mesmo.
Sustive a respiração com receio de ela sair em disparada.
— Você fica aqui quietinha comigo, Swar. Nem pense em
correr.
A égua pareceu me entender e relaxei. Contudo, ela só deu
uns cinco passos até o som de cascos de cavalos chapinhando a água
chegar aonde estávamos, fazendo Swar bater as patas na areia
nervosamente.
Virei-me na sela e olhei para trás, surpreendendo-me com o
que vi. Três cavaleiros vinham em disparada na nossa direção,
espalhando água para tudo o que era lado. Reconheci Hud e Imad nos
cavalos da frente. Um pouco mais atrás deles, o príncipe Majdan vinha
montado no garanhão negro, o pavoroso Diablo.
Por Allah!
Capítulo 40
Thara
Nem tive tempo de reagir, muito menos conseguiria fazer
algo mais além de olhar para os três. Tudo aconteceu com uma rapidez
tão grande que me vi incapaz de controlar a súbita agitação de Swar. A
égua ficou mais nervosa do que eu com a aproximação dos outros
cavalos. Patinou na areia, mexeu as orelhas, relinchou e temi que
disparasse pela praia.
Por um milésimo de segundo antes da catástrofe, lembrei-me
do responsável pelo estábulo afirmando que ela era a égua mais mansa
de Noor.
Hud e Imad passaram por nós duas em alta velocidade, como
se apostassem uma corrida.
Daquela vez, Swar não ficou parada, começando a galopar
atrás deles. Com o movimento brusco, as rédeas escaparam das
minhas mãos e só tive tempo de pensar que deveria tê-las segurado
com mais força. Pega de surpresa, quase caí da sela, onde me agarrei
desesperadamente.
Tentei pegar as rédeas de volta, mas a minha inexperiência
era um entrave seríssimo. Se eu caísse, ia quebrar o pescoço e não
apenas as costelas.
Allah tenha piedade de mim!
Quando pensei que aquele seria o meu fim, o garanhão negro
emparelhou com Swar e fui arrancada da sela por um braço forte que
envolveu a minha cintura. Suspensa no ar, gritei apavorada ao ver a
égua disparar pela praia enquanto eu me sentia voar, até ser colocada
sentada de lado à frente do príncipe Majdan.
Sem acreditar no perigo que havia acabado de passar, agarrei-
me nele com o coração aos pulos no peito.
Diablo ainda galopou por alguns metros até parar sob o
comando do príncipe.
— Você está bem?
A voz não veio para responder. Só consegui confirmar com
um gesto de cabeça, agarrada nele com a força nascida do desespero
que havia sentido. O meu corpo estava tremendo, o coração disparado
e a respiração ofegante. Prometi a mim mesma que nunca mais
montaria em um cavalo.
— Fique calma. O perigo já passou.
O braço que me envolvia se firmou com mais força em minha
cintura e foi quando tive a total noção do quanto estávamos próximos.
Nunca tive tamanho contato físico com um homem e estava
descobrindo que a sensação de estar abraçada com o príncipe era
muito boa, mas muito boa mesmo.
Apesar do forte vento da praia, eu conseguia sentir o aroma
do perfume masculino. Era inebriante, assim como ele.
Constrangida por estar agarrando-o com tanta intimidade,
afastei-me, mas sem o soltar totalmente. Ainda estávamos sobre o
cavalo e o medo de cair persistia.
Olhei-o, perdendo o fôlego ao ver o rosto másculo tão perto
do meu.
— Shukran, alteza — sussurrei, atordoada com a
proximidade dele.
O príncipe passou tanto tempo olhando-me com profundidade
que fiquei sem saber como agir. O vento soprou, jogando os meus
cabelos no rosto e só então me lembrei que estava sem o hijab. A
minha aparência devia estar horrível, toda despenteada e com os
cabelos ainda úmidos da água do mar.
Envergonhada, baixei o olhar.
— Sente-se melhor?
Ergui a vista, cruzando o olhar novamente com o dele.
— Sim, alteza.
O peito amplo se expandiu quando o príncipe inspirou fundo,
soltando o ar lentamente pela boca entreaberta. Hipnotizada, fixei os
olhos nos lábios dele, até desviá-los, constrangida com a minha
ousadia.
— Vossa Alteza está bem? — perguntei para disfarçar,
tentando soar com um tom de voz normal. — Não machucou o braço
ao me tirar do cavalo em movimento?
— Conheço o peso do seu corpo. Já peguei você ao colo
antes.
A maneira como falou foi tão íntima que senti um calor se
espalhar pelo meu corpo. O rosto ardeu, enrubescendo.
— Me esqueci disso. Não estava consciente naquele dia.
— Tem razão. Não estava.
Arrisquei erguer a vista e me senti presa com a expressão que
havia nos olhos dele. Esqueci-me do mundo inteiro naquele instante
que parecia mágico para mim.
Eu estava completamente apaixonada pelo príncipe. O meu
príncipe.
— Eles estão vindo. Vou colocar você no chão.
O encanto se quebrou com o aviso dele e só então me lembrei
que não estávamos sozinhos na praia. Virei o rosto e vi Sabirah
galopando à frente de Abia e dos irmãos. Era Hud quem trazia a minha
égua pelas rédeas.
O príncipe desceu de Diablo, que permaneceu quietinho, nem
de longe assemelhando-se com o garanhão irrequieto que vi no
estábulo.
Fui pega pela cintura para ser colocada no chão.
Instintivamente, apoiei as mãos nos braços dele, sentindo a dureza dos
músculos sob o tecido da túnica curta que usava sobre a calça.
Fiquei impressionada com tanta força física, mas também
afogueada diante do prazer que senti. Era maravilhoso.
“Você tem o pecado no corpo. Cubra-se, Thara!”
Quase gemi de tristeza ao me lembrar das palavras do meu
pai. Infelizmente, eu devia ter mesmo o pecado dentro mim, porque
não conseguia deixar de admirar o príncipe nem de sentir prazer em
tocá-lo daquele jeito.
Fui colocada no chão com muito cuidado. Ele não me soltou
de imediato, nem eu a ele. As mãos masculinas permaneceram na
minha cintura e também continuei segurando-o pelos braços. Olhei-o,
tão mais alto do que eu, o corpo largo e forte elevando-se diante de
mim.
Foi o som dos cascos dos cavalos aproximando-se a galope
que o fez me soltar. Fiz o mesmo, afastando-me.
Sabirah foi a primeira a chegar, desmontando rápido e
aproximando-se de mim com o rosto preocupado.
— Você está bem, Thara? Levei um susto enorme quando vi
Swar galopando com você na sela.
— Estou bem, graças a Allah e... ao príncipe, que me ajudou.
Ela olhou para o irmão.
— Allah seja louvado por você estar perto na hora. Thara
teria caído se você não a tivesse retirado da sela a tempo.
— Você errou em tê-la deixado sozinha — ele repreendeu a
irmã com severidade.
— A culpa não é de Sabirah — adiantei-me em defendê-la.
— Eu disse que ela podia galopar à minha frente. Só não esperava que
a égua se rebelasse ao ver os outros cavalos.
— Me perdoe, Thara — Hud pediu, aproximando-se depois
de desmontar às pressas. — Nunca imaginei que isso fosse acontecer.
Ele olhou para o pai com um pedido de desculpas também,
mas notei que a expressão do príncipe continuou severa.
— Eu estava tentando avisar a vocês duas que eles vinham
atrás — Abia esclareceu e só então entendi os movimentos com as
mãos que ela havia feito de longe.
— Entendemos tudo errado — Sabirah desabafou, segurando
a minha mão. — Me perdoe. Sei que já estava com receio de andar em
Swar.
Abracei-a com carinho.
— Estou bem, isso é o que importa. Eu adorei o passeio e não
me arrependo de ter andado a cavalo.
— Mas consegue voltar montada na égua? — o príncipe quis
saber.
Não havia como esconder a verdade.
— Não. Prefiro voltar a pé. Sei que é um pouco longe, mas
não me importo.
— Você pode voltar comigo, Thara — Sabirah sugeriu. —
Assim vai se sentir mais segura.
Antes que eu negasse, o príncipe resolveu a situação ao tirar o
celular do bolso.
— Ela volta de carro — decidiu com autoridade, calando
qualquer insistência da irmã.
— Então peça para enviarem alguém que possa levar os
nossos cavalos. Eu e Abia voltamos de carro com Thara.
— Não é preciso — protestei. — Sei que vocês gostam de
andar a cavalo.
— Gostamos mais de você! — Abia me abraçou e notei o
olhar satisfeito do príncipe.
Ele fez a ligação e depois se dirigiu aos filhos, Hud e Imad.
— Podem ir cavalgar pela praia. Vou atrás de vocês quando
elas tiverem ido embora.
Os dois não esperaram nem mais um minuto para se
despedirem e instigarem os cavalos a saírem a galope.
O príncipe pegou as rédeas de Diablo e começamos a andar
lentamente para o início da praia privativa de Noor. Ele ficou no meu
lado direito, Sabirah no esquerdo e Abia na outra ponta, trazendo Swar
pelas rédeas junto com a égua que ela havia montado.
— Tomaram banho de mar? — ele perguntou de repente.
A pergunta era desnecessária, uma vez que ele devia ter
notado a minha roupa e os cabelos ainda úmidos.
— Tomamos, papai — Abia respondeu com entusiasmo. —
Foi o primeiro contato de Thara com o mar e não podíamos deixar de
aproveitar a água.
Ele me olhou com interesse e notei o leve brilho de
cumplicidade que havia naquele olhar.
— Gostou de ver o mar pela primeira vez?
— Sim, gostei muito, alteza. Esta praia é linda e agradeço a
Allah por ter tido a minha primeira experiência com o mar aqui em
Noor.
— Noor é mesmo uma excelente propriedade — ele
concordou. — Yusuf teve sorte em ficar com ela.
— Ela é linda, mas prefiro Alqamar — Abia expressou a
preferência dela, deixando-me curiosa.
— Onde fica?
— Alqamar é uma das propriedades de Majdan — Sabirah
explicou, antecipando-se aos dois. — É realmente linda, mas em um
estilo diferente de Noor. Acho que você ia adorar se conhecesse.
Abia ficou eufórica com a sugestão.
— Podemos levar Thara à Alqamar, papai?
— Se ela quiser.
O tom de voz estava tão desinteressado que nem parecia do
mesmo homem que havia me olhado com cumplicidade antes.
— Você gostaria de ir, Thara? — Abia nem disfarçou a
ansiedade.
— Gostaria muito, se não for incomodar ninguém.
— Não incomoda. — Foi ele mesmo quem garantiu com
firmeza. — Combinaremos um dia.
— Você também vai, Sabirah?
— Claro que vou! Eu jamais perderia esta oportunidade.
Fiquei aliviada com a confirmação dela.
Minutos depois, chegamos ao local da praia onde existia o
caminho de terra que levava à mansão. Já era visível o carro
estacionado que estava nos aguardando.
Sem o meu hijab, que havia desaparecido no meio da
confusão, passei as mãos nos cabelos e fiz rapidamente uma trança,
prendendo-os.
O príncipe Majdan foi conversar com os dois homens e pegou
a chave do carro, que passou para Sabirah. Entramos nele, deixando os
cavalos sob a responsabilidade deles.
— Nos vemos mais tarde — o príncipe se despediu.
Achei que prendeu o meu olhar por segundos a mais do que o
normal e fiquei pensando se eu estava vendo coisas que não existiam.
Coisas que eu queria que acontecessem, mas que não eram a realidade.
Capítulo 41
Thara
O príncipe agiu tão normalmente comigo quando nos vimos
de novo durante o jantar em Noor, que aceitei definitivamente o fato
de não haver nenhum interesse dele por mim. Era sempre educado e
preocupado com o meu bem-estar, mas só.
No dia seguinte, aconteceu a festa de aniversário de Sabirah.
Apesar de não ter convidados, apenas a família, foi muito animada.
Os homens dançaram um dabke90 improvisado, inclusive com
a participação do Sheik Rashid, o que muito me surpreendeu. O Jamal,
mesmo não tendo a mesma habilidade dos irmãos mais velhos, sabia
todos os passos e os executava com segurança, assim como Hud e
Imad. Só os pequenos não estavam na fila de homens. Zayn, Náder e
Sharif pareciam mais preocupados em brincar. Fhatima era a única que
não desgrudava os olhos da dança.
Eu tentava não olhar muito fixamente para o príncipe
Majdan, mas a minha força de vontade era sempre vencida pela
atração que sentia por ele. Eu gostava quando ele ria daquele jeito
descontraído, contrastando com a seriedade habitual que tinha.
Foi o príncipe Yusuf quem chamou as mulheres para se
juntarem à dança. Farah e as princesas foram de imediato, formando
uma fila em frente a eles. Eu e Layla, que estávamos só observando
em um canto afastado, acabamos sendo puxadas por Sabirah para o
meio do salão.
— Vocês duas não vão ficar só olhando. Yalla!
— Mas eu não sei dançar. — Ainda tentei me esquivar.
— É só seguir os nossos passos. Não há segredo.
Sem escapatória, juntei-me às mulheres, tendo como único
consolo ver que Layla parecia mais envergonhada do que eu.
Apesar de errar vários passos, acabei divertindo-me mais do
que pensei a princípio. Naquela noite, por insistência de Sabirah, eu
havia deixado o hijab de lado, mas fiz uma trança elaborada nos meus
cabelos para não ficar com eles totalmente soltos.
A melhor parte da dança foi quando os filhos de Kismet
abandonaram a brincadeira e entraram no meio do círculo, tentando
imitar os adultos com passinhos engraçados que nos fizeram rir muito.
Sabirah estava radiante e com razão. Eles eram uma família
muito unida, sendo visível o quanto se amavam verdadeiramente.

Acordei-me cedo na manhã seguinte, mesmo tendo ido


dormir bastante tarde por causa da festa. Abri os olhos no meu horário
habitual e não consegui mais ficar na cama. Noor era um lugar tão
lindo que eu queria aproveitar ao máximo os dias em que ficaria lá.
Levantei-me disposta a explorar tudo o que pudesse, mesmo
sozinha. Fiz as minhas orações antes de sair do quarto, notando o
quanto tudo estava silencioso. Todos ainda dormiam e tive o cuidado
de não fazer muito barulho.
Eu estava passando por um dos corredores, quando ouvi um
som estranho vindo de uma das salas. Parei de súbito, olhando ao meu
redor e prestando atenção para tentar identificar o que era. O som se
repetiu e descobri que vinha da sala de jogos das crianças.
Franzi a testa, estranhando que houvesse alguém na sala
àquela hora. Era muito pouco provável que fosse uma das crianças,
que certamente ainda estavam dormindo.
Decidida, resolvi descobrir o que estava acontecendo.
Caminhei até a sala e abri a porta com cuidado. Observei o
ambiente com atenção, vasculhando tudo com o olhar assim que
entrei.
Para a minha total estupefação, quem estava lá dentro era o
príncipe Majdan. Sentado na cadeira de uma das mesas, ele parecia
absorto na contemplação de um dos desenhos que Abia havia feito no
dia anterior.
O olhar tempestuoso se ergueu assim que entrei na sala e se
fixaram em mim. Estremeci diante das emoções que vi refletida nos
olhos do príncipe. Era uma mistura de tristeza, raiva e caos interior.
Lembrei-me logo da princesa Malika dizendo que havia uma
energia de caos ao redor do príncipe quando o conheceu. Tive a
impressão de que aquela energia ainda estava lá dentro, apesar de ele
disfarçar para todo mundo.
Perplexa, notei que continuava com a mesma roupa que usou
na festa de Sabirah. Aparentemente, ele sequer havia dormido.
— Peço desculpas por ter entrado, alteza. Ouvi um barulho e
quis me certificar de que estava tudo bem.
Ele se levantou lentamente, aproximando-se de mim em
silêncio até parar à minha frente e fechar a porta da sala, deixando-nos
sozinhos lá dentro.
Confusa com aquela atitude, olhei-o. Bem mais alto do que
eu, tive de erguer o rosto para ver melhor o rosto severo.
— Nada está bem. Está tudo mal, muito mal. — A voz grave
ressoou com uma seriedade preocupante dentro da sala.
Allah misericordioso! Qual foi a desgraça que aconteceu
enquanto eu dormia?
Pelo semblante carregado do príncipe, só podia ser algo
muito ruim. A primeira coisa que veio à minha cabeça foi um novo
ataque terrorista causado pelos meus irmãos.
— O que aconteceu, alteza? — Tive até medo de perguntar.
Ele cravou o olhar duro em mim.
— Aconteceu você, Thara. Você!
Pela maneira como falou, parecia estar culpando-me de algo.
Assustada, arregalei os olhos e inspirei fundo tamanho foi o susto que
levei.
— Eu?! — sussurrei, incrédula.
— Sim, você!
Aquelas duas simples palavras tiveram o efeito de uma
acusação gravíssima. Olhei-o, assustada.
— Mas... mas o que fiz de errado?
Foi a vez de ele inspirar profundamente, o peito largo
expandindo-se por baixo do thobe de festa que usava. O príncipe deu
mais um passo, deixando-nos tão próximos quanto ficamos na tarde
anterior sobre a sela de Diablo.
Inclinei mais a cabeça para o olhar e perdi o fôlego ao vê-lo
tão perto de mim, mesmo com aquela energia de uma bomba prestes a
explodir. O corpo estava enrijecido e a tensão que o dominava era
evidente demais.
Apesar de parecer assustador, eu me sentia segura com ele.
— O que você fez de errado? — rosnou aquela pergunta com
raiva. — Me fez desejar você, Thara. Me fez querer o que não posso
ter. Colocou uma droga potente na frente de um viciado. É isso! Estou
desejando você como um louco!
Oh, Bismillah!
Perdi completamente o fôlego, arquejei de ansiedade,
paralisei de susto, mas também me senti feliz como nunca.
Não é possível que ele sinta tudo isso por mim!
— Já fiz coisas que a fariam sair correndo daqui se soubesse,
por isso é melhor que se mantenha longe de mim ou vou saciar a
minha vontade, doa a quem doer.
Ele falou de uma maneira crua, deixando vir à tona um lado
rude e dominador que nunca mostrou para mim.
Se o príncipe fosse outro homem, sem dúvida que eu sairia
correndo. Na verdade, eu nem teria entrado na sala, indo embora assim
que o vi sozinho ali dentro. Só que eu não queria ir embora. Ao
contrário, sentia vontade de ficar e descobrir mais sobre aquele
homem que tanto me atraía. Eu tinha consciência de que estaria
correndo um sério risco se estivesse sozinha com outro homem, mas
com o príncipe era diferente. Eu confiava nele, mesmo considerando o
passado sombrio que teve e parecendo tão assustador.
Foi aquela confiança que me deu coragem. Baixei a vista,
incapaz de confessar o que sentia olhando-o diretamente no rosto.
— Eu... eu o admiro desde que o conheci — admiti em um
sussurro, controlando a vergonha e a timidez. — É algo que não sei
definir, mas me sinto muito atraída por Vossa Alteza.
Ele soltou um rugido que parecia mesmo o de um leão,
afastando-se de mim quase que de imediato. Aquela reação me fez
erguer o rosto, pasma. O príncipe estava de costas, com as duas mãos
segurando a cabeça baixa e o corpo retesado. A posição em que ele
estava me deu uma visão impressionante da força que tinha, mas
também do quanto lutava para se controlar.
Será que eu não devia ter falado nada?
A reação brusca e tensa dele me fez duvidar da decisão que
tomei de confessar o que sentia. Era óbvio que um príncipe não ia
querer nada sério com uma empregada como eu. Quando ele falou que
me desejava, devia ser um desejo pecaminoso, daqueles que o meu pai
tanto falava.
Senti o rosto arder de vergonha.
— Peço perdão pelo que falei agora, alteza.
Ele baixou os braços e aprumou o corpo.
— Majdan. — A voz séria e grave me pegou de surpresa.
Pisquei, olhando atordoada para as costas largas.
— Não entendi, alteza.
— Majdan — ele repetiu, virando-se para mim. — Me chame
de Majdan.
Em choque, paralisei por completo, observando-o se
aproximar novamente, sem acreditar que o príncipe estava
autorizando-me a chamá-lo pelo nome.
Ele parou à minha frente e o olhar já não parecia conter o
caos lá dentro. A turbulência havia amainado, mas a expressão
continuava séria.
— Mas, alteza... eu não posso.
— Majdan — insistiu roucamente. — Repita.
Vacilei apenas um instante, antes de fazer o que ele estava
praticamente ordenando.
— Majdan — repeti, sentindo-me subitamente ofegante com
a sensação de intimidade que me dominou.
Cruzamos o olhar e havia tanto ardor no dele que ofeguei
ainda mais.
— Você pode sair daqui agora ou ficar, Thara. Se for embora,
vou entender e nada vai mudar entre nós dois. Se ficar, só vai sair
depois que eu beijar você. É livre para decidir, mas saiba que quero
muito que fique.
O meu coração saltou no peito, assolado por emoções
contraditórias. Sentia vergonha só de me imaginar sendo beijada por
ele, mas sentia também um calor estranho se espalhar pelo meu corpo.
Tudo nele me atraía, desde o timbre da voz, ao brilho ardente do olhar
e à postura do corpo imponente.
Eu podia não saber nada sobre o relacionamento de um
homem com uma mulher, mas tinha certeza de que havia algo muito
especial entre nós dois.
Passaram pela minha cabeça mil motivos para ir embora, mas
fiquei.
Allah, por favor, não me condene por isso!
Permaneci onde estava, sem fazer um único movimento que
fosse para sair da sala. Apenas o olhei, deixando clara a minha
decisão.
Vi um músculo pulsar no rosto barbado antes de ele se
aproximar de mim.
— Tire o hijab, Thara.
As minhas mãos tremiam levemente quando tirei o hijab,
deixando os cabelos à mostra. O príncipe segurou uma mecha que
estava ao lado do meu rosto, esfregando os fios entre os dedos como
se estivesse sentindo a textura.
Sem que eu esperasse, enroscou a mão nos meus cabelos,
prendendo-me na altura da nuca. Recebi um beijo no alto da cabeça
que me fez fechar os olhos com a sensação. O aroma do perfume
masculino me envolveu e me senti arrebatada por uma emoção muito
forte.
Os lábios do príncipe deslizaram dos meus cabelos para a
testa, o toque quente arrancando um suspiro da minha garganta.
Aquilo tudo era tão íntimo e bom que não podia ser pecado.
Ele foi contornando lentamente o meu rosto com os lábios, a
barba roçando a minha pele de uma maneira muito leve, mas intensa.
Parou no canto da minha boca e foi quando senti a mão grande segurar
com mais firmeza os meus cabelos.
— Não sei... o que fazer — admiti, envergonhada.
— Eu ensino.
Logo depois, veio o primeiro contato dos nossos lábios. Eu
tinha certeza de que nunca ia me esquecer da sensação de ser beijada
pela primeira vez e pelo meu príncipe. Achei que ele fosse apenas
roçar os lábios nos meus, mas não foi o que aconteceu. Surpreendi-me
quando ele me sugou e saboreou como se estivesse provando uma
tâmara muito doce.
Os lábios dele eram macios, mas firmes, e o sabor era muito
bom.
Com a outra mão, segurou o meu rosto e me fez erguer a
cabeça em uma posição que o ajudou a aprofundar o beijo. O príncipe
provou dos meus lábios com uma sofreguidão tão grande que me
surpreendeu pelo arrebatamento.
Foi com determinação que a língua dele abriu caminho entre
os meus lábios e entrou na minha boca. Arquejei de perplexidade, sem
nunca imaginar que um beijo fosse um ato assim tão íntimo e tão
prazeroso.
Fosse pecado ou não, eu estava adorando cada momento.
Apesar da minha total inexperiência, correspondi instintivamente,
fazendo com ele exatamente o que ele estava fazendo comigo.
Quando retribuí pela primeira vez, ouvi um gemido escapar
da boca do príncipe.
— Thara! — O meu nome foi dito roucamente, quase como
um grunhido em meio ao beijo. — Me perdoe por isso.
De início não entendi o porquê de ele estar pedindo-me
perdão. Um príncipe não deveria pedir perdão a uma mulher simples
como eu, mas depois entendi o motivo quando ele me arrebatou nos
braços com ansiedade indisfarçável, colando nossos corpos um ao
outro. Fui praticamente arrancada do chão e prensada contra uma
parede de músculos.
Por Allah!
Os meus seios se encostaram no peito largo e senti algo duro
contra a minha barriga, chocando-me.
Aquilo era indecente demais e segurei-o pelos braços para o
empurrar. Só que não consegui. Quando toquei os músculos rígidos
por baixo do thobe, perdi a noção da decência e acabei por acariciá-lo
em vez de afastá-lo.
O beijo, o calor, o contato dos nossos corpos grudados um no
outro foram demais para mim. Eram muitas sensações arrebatadoras
ao mesmo tempo e me senti extasiada com todas elas.
— Alteza... Majdan — corrigi-me a tempo.
Ele interrompeu o beijo, os braços fortes estreitando-se ao
redor da minha cintura. Olhei-o e me deparei com o semblante sério.
— Sei que estou errado e que não deveria estar fazendo isso,
mas precisava sentir você por inteiro. Não tenha medo, confie em
mim. Não vou além disso.
— Eu confio — não hesitei em dizer.
Apesar de ele continuar sério, fiquei com a impressão de que
se emocionou com o que eu disse.
Recebi um outro beijo na boca, só que mais suave, sem o
arrebatamento anterior. Abracei-o pelo pescoço, retribuindo os
carinhos, provando dos lábios dele, sugando e sendo sugada.
Fascinada com tudo aquilo, acariciei os cabelos escuros, adorando
sentir na palma das mãos a maciez dos fios.
O beijo diminuiu de intensidade e olhamos um para o outro
por longos segundos. Um leve sorriso curvou os lábios dele e era
possível ver a calmaria depois da tempestade no olhar que se fixou em
mim.
— Não sou nada convencional, não é? — O sorriso
enigmático se ampliou. — Ainda não consigo ser.
— Talvez eu também não seja tão convencional assim. Podia
ter ido embora, mas escolhi ficar.
— Está arrependida?
— Não. Tomei a decisão certa.
Ele ficou sério de repente.
— Sou muito mais velho do que você.
Estranhei que tocasse naquele assunto. Talvez me achasse
imatura demais, sem a confiança que uma mulher madura teria ao se
relacionar com um homem como ele.
— O fato de ser tão mais nova o incomoda?
— A questão não é essa, mas o contrário. Você se incomoda
por eu ser tão mais velho?
Fiquei chocada que ele pensasse aquilo de mim, quando era
eu quem me achava inadequada por ser mais jovem e fora do padrão
exigido para um príncipe.
— De jeito nenhum. Isso nunca me incomodou.
Ele voltou a estreitar o abraço, mas daquela vez não me
beijou. Afundou o rosto nos meus cabelos, ficando quieto por longos
instantes naquela posição até me colocar no chão.
— Vou tentar cortejar você, em vez de agarrá-la de qualquer
jeito na sala de jogos da casa do meu irmão — disse em tom solene,
como se fosse uma promessa que fizesse a si mesmo. — Agora é
melhor que vá antes que os empregados comecem a circular pela casa.
Depois que você sair, irei para o meu quarto tentar dormir um pouco.
Aquilo confirmava as minhas suspeitas de que ele ainda não
havia dormido.
— Por que ficou acordado até agora? A festa continuou
depois que saí?
Ele sorriu, mas era um sorriso com um leve traço de tristeza.
— Tinham coisas demais na minha cabeça para eu conseguir
dormir. — Deu um leve beijo na minha testa. — Agora vá, Thara.
Conversamos melhor depois.
Assenti com um meneio de cabeça e abri a porta para ir
embora.
— Espere. — Ele pegou o meu hijab no chão e me entregou.
Senti o rosto corar de vergonha por sequer ter percebido que
ia sair da sala sem o hijab. Logo eu, que só deixava de usá-lo quando
Sabirah insistia muito.
A grande verdade era que estava sentindo-me tão extasiada
com tudo o que havia acontecido entre nós dois, que nem senti a falta
do véu.
— Nem acredito que ia sair sem ele — peguei-o, surpresa
comigo mesma.
O príncipe encostou um ombro na parede e cruzou os braços
no peito com um sorriso divertido nos lábios, observando-me colocar
o hijab sobre os cabelos.
— Não ria de mim.
Apesar do que disse, quem já estava rindo era eu.
— Eu devia ter deixado você sair sem ele, mas os seus
cabelos estavam despenteados demais e mudei de ideia.
Trocamos um olhar cheio de cumplicidade e nunca me senti
tão feliz na vida.
— Vá, antes que eu volte atrás na minha decisão. — A voz
grave não deixava dúvidas sobre o que ele realmente queria fazer. —
Não sou bom em seguir regras.
Eu não queria ir embora, mas fui. Saí da sala e segui pelo
corredor de volta para o meu quarto, sentindo necessidade de ficar
sozinha para pensar depois do que havia acontecido.
Entrei nele e me encostei contra a porta. Suspirei, sem
conseguir conter o sorriso de prazer ao me lembrar de tudo o que
havia sentido nos braços do príncipe.
Ah, mãe! Eu me sinto tão acalorada que não pode ser tão
ruim assim cumprir as obrigações de esposa.
Se senti tanto prazer com um único beijo, não era possível
que sentisse dor quando cumprisse a minha obrigação de esposa.
Esposa?!
Parte da minha felicidade se desvaneceu ao ter consciência de
que nada do que aconteceu implicava em casamento. Eu sabia que era
pecado um homem e uma mulher terem intimidades sem serem
casados, mas não me arrependia do que fiz.
Talvez eu tenha mesmo dentro de mim a semente do pecado
como o meu pai vivia repetindo.
Ainda que tivesse, o que eu sentia pelo príncipe Majdan era
muito forte. A idade dele não era um problema para mim. O homem
com quem eu seria obrigada a me casar tinha cinquenta anos e eu o
abominava. Nunca foi a idade de Musad que me fez detestá-lo e sim o
nojo que sentia dele. O príncipe Majdan era mais novo do que ele, mas
o que importava para mim era a forte atração que eu sentia.
Apesar de não saber definir o que era aquele calor todo, eu
podia afirmar com convicção que era muito bom. Sentia-me tão feliz
que tinha até receio de as pessoas perceberem o motivo da minha
felicidade.
Lógico que aquele era um medo bobo da minha parte.
Ninguém ia notar nada de diferente em mim, nem descobrir o nosso
segredo.
Capítulo 42
Majdan
Tentei controlar o sorriso bobo que curvou os meus lábios
enquanto ia para o meu quarto, mas não consegui. Eu me sentia feliz e
a felicidade me fazia sorrir como um adolescente apaixonado.
Pela primeira vez na minha vida, eu estava realmente
apaixonado por uma mulher.
Uma mulher, não. Uma garota dezesseis anos mais nova do
que eu!
Aquilo era uma verdadeira loucura, mas uma loucura da qual
eu não queria ficar curado nunca mais na minha vida. Por mim,
morreria louco e apaixonado por Thara.
Entrei no quarto e fechei a porta, apertando o meu pau com a
mão por cima do thobe. Ainda estava excitado!
Nunca me senti tão cheio de energia, de força e vigor. Eu
estava eufórico e conhecia muito bem aquela sensação. Thara era a
droga mais potente que já provei na minha vida. O cheiro dela me
embriagou, os lábios doces me viciaram, a paixão com que
correspondeu aos meus beijos me excitou de uma maneira tão potente
que foi impossível não ficar duro contra o corpo macio que abracei.
Estou perdido! Completamente perdido.
Eu tinha noção de que podia estar viciando-me muito mais
agora do que me viciei no passado. Uma dependência poderosa
demais para largar, que lá na frente poderia me destruir
completamente, caso um dia Thara se decepcionasse comigo e
desistisse de mim.
A responsabilidade de não ter uma recaída pesava mais sobre
os meus ombros. Antes, era por causa dos meus filhos. Agora,
continuava sendo por eles, mas também por ela. Eu não podia falhar!
Despi a roupa no caminho para o banheiro. Completamente
nu, deixei que a água escorresse pelo meu rosto, molhando depois o
meu corpo inteiro. Fechei os olhos e segurei o meu pau ereto, duro e
ainda excitado por ela. Foi pensando em Thara que bati uma punheta
vigorosa, arquejando de tesão à medida que o prazer aumentava.
Estremeci, rosnei, trinquei os dentes quando explodi em um orgasmo
possante.
Enquanto os espasmos do gozo me arrebatavam, eu
imaginava o tamanho do prazer que sentiria quando aquilo
acontecesse dentro dela, depois de possuir a garota que havia se
transformado na minha obsessão.
Se apenas em beijá-la eu estava daquele jeito, como não
ficaria quando pudesse provar o corpo delicioso por inteiro? A minha
boca se encheu d’água só de imaginar Thara completamente nua na
minha cama, com as pernas abertas, só me esperando provar a doçura
do sexo intocado.
Porra, eu a quero muito!
Apesar da força do desejo que sentia por ela, eu estava mais
do que decidido a me controlar quando estivéssemos juntos. O beijo
descontrolado e o abraço íntimo que havia dado em Thara na sala de
jogos foi algo completamente fora do padrão para uma garota como
ela. Eu tinha total noção que ultrapassei o decoro exigido ao lidar com
uma mulher da minha cultura, mas não consegui conter a paixão que
vinha segurando com pulso firme nos últimos meses.
Fraquejei, mas não me arrependo.
Se não tivesse fraquejado, continuaríamos desejando um ao
outro em silêncio, sem nos declararmos. Agora não havia mais
barreiras entre nós dois, muito menos segredos guardados.
— Foi só um beijo. Hoje não consegui me controlar, mas
amanhã conseguirei. Foi só hoje que fraquejei.
Thara merecia ser cortejada e eu faria exatamente o que ela
merecia. Não ia ser fácil resistir à tentação, mas eu estava disposto a
me esforçar ao máximo.
Satisfeito depois de gozar, mas também frustrado por não ter
sido da maneira como desejava, terminei o banho e fui depois para a
cama. Por mim, dormiria nu, mas evitava fazer aquilo por causa de
Abia. Depois que a mãe foi presa, a minha filha havia criado o hábito
de entrar no quarto para me acordar de manhã, forçando-me a também
criar o hábito de dormir vestido. Eu desconfiava que ela queria ter
certeza de que eu estava vivo e bem, o que só aumentava o meu
sentimento de culpa pelo que fiz no passado.
O remorso era um sentimento perigoso. Tanto podia libertar
quanto aprisionar a pessoa para sempre.
— Vou esquecer o passado e vencer! — Deitei-me de costas
na cama, olhando para o teto. — Um passo de cada vez. Se for só por
hoje, eu consigo.

Acordei por volta das onze e meia da manhã, admirado por


ter conseguido dormir tanto tempo. Pela hora em que me deitei, achei
que só cochilaria um pouco e logo estaria me levantando.
Abia não veio me acordar, o que significava que devia estar
muito ocupada, provavelmente fazendo alguma coisa mais interessante
com Thara e Sabirah.
Sorri ao me lembrar do carinho evidente que existia entre a
minha filha e Thara, algo que eu só tinha de agradecer a Allah. Seria
muito difícil para mim apresentar para Abia uma mulher como futura
esposa de quem ela não gostasse.
Futura esposa?!
Soltei uma risada de felicidade no quarto. Quem diria que eu
ia pensar novamente em casamento depois do que aconteceu com
Hayat. Saí daquele casamento determinado a permanecer solteiro para
o resto da minha vida, apenas aproveitando o prazer que as mulheres
tinham a me dar, sem jamais pensar em me casar novamente. Agora,
poucas horas depois de beijar Thara, eu já pensava nela como uma
nova esposa.
A ideia me agradava profundamente.
Sim, eu a quero como esposa, como mulher, como amante e
tudo mais que ela puder ser para mim.
Levantei-me, sentindo-me extremamente bem-disposto. Na
verdade, estava ansioso para vê-la outra vez.
Arrumei-me com mais esmero do que o normal, rindo de
mim mesmo por estar preocupado em impressionar Thara com a
minha aparência. Nunca tive dificuldades em chamar a atenção das
mulheres. Eu sabia que ainda era considerado um dos homens mais
cobiçados do mundo e não era apenas por causa da fortuna
incalculável dos Al Harbi. Em Londres, as mulheres caíam aos meus
pés antes mesmo de saberem quem eu era.
Foi com tristeza que me lembrei de como Kaliq me
provocava naquela época, sempre brincando com o meu poder de
sedução sobre elas. Mesmo depois de tanto tempo da morte dele por
overdose, eu ainda sentia saudades. Kaliq tinha sido mais do que um
amigo. Ele foi o irmão que não tive durante muitos anos.
Só depois da morte de Kaliq foi que me aproximei mais de
Mubarak. Quanto a Abbas e Umayr, ainda nos víamos
esporadicamente, mas eles nunca foram mais do que amigos
secundários.
Olhei-me no espelho, observando com atenção os fios
grisalhos que já apareciam em meio aos fios escuros dos meus cabelos
e da barba. Ainda eram poucos, mas visíveis a um olhar mais apurado.
Por mais incrível que pudesse parecer, eu estava achando-me
mais bonito naquela manhã do que nos dias anteriores. Seria o efeito
de estar apaixonado?
“A sensação de faltar algo mais profundo do que tudo o que
já sentiu na vida, foi o que levou você a se iludir com a euforia das
drogas. Você estava apenas em busca de algo mais forte, como o amor
verdadeiro.”
As palavras sábias de Takeshi vieram à minha mente e me
encarei seriamente pelo espelho. Naquela ocasião em que
conversamos na clínica em Nova York, eu ainda acreditava fielmente
que as mulheres só serviam para foder ou para ter filhos. Agora que
havia conhecido Thara e estava apaixonado, precisava admitir que o
meu mentor tinha toda a razão.
“O amor não tem tempo nem idade. Ninguém manda no
amor, Majdan. Ele simplesmente acontece.”
— Aconteceu para mim, Takeshi. Que Allah seja louvado!

Só voltei a ver Thara durante o almoço. Achei que fosse


encontrá-la na sala de jogos com as crianças, que era onde ela e
Sabirah ficavam a maior parte do tempo quando não estavam
passeando por Noor. Contudo, só Hud e Imad estavam lá com os meus
sobrinhos, todos sob a supervisão de Layla e das babás.
— Onde está Abia?
Eu sabia que onde ela estivesse, Thara também estaria.
— Foi passear com Sabirah e Thara — Hud me informou,
vindo me abraçar com Imad. — Devem estar para chegar. Disseram
que voltavam antes do almoço.
— Sabe dos seus tios?
— Estão no majlis com vovô.
— Vou falar com eles.
Beijei-os no alto da cabeça e saí para o majlis. Assim que
entrei, senti o cheiro delicioso do qahua91 e foi quando notei o quanto
estava com fome.
— Vocês se acordaram cedo — comentei, servindo-me de
uma xícara cheia.
— Já você parece que dormiu como um bebê — Yusuf
comentou com azedume.
Olhei-o com atenção, notando o ar cansado no rosto dele.
— E você parece que não dorme há dias. O que aconteceu?
— Sharif se acordou durante a madrugada cheio de energia
para brincar e não dormiu mais. Ficamos a noite inteira acordados.
— Ser pai tem dessas coisas.
Sentei-me, observando o olhar divertido de Saqr para Yusuf.
— Ele está assim e só tem um filho. Imagine como vai ficar
quando tiver três, como nós.
Yusuf bufou, mas não respondeu. O meu pai bocejou
ostensivamente.
— Aquele dabke me deixou quebrado — queixou-se ao se
espreguiçar. — Não tenho mais idade para isso.
Tomei um gole do qahua92 observando a aparência
descansada do meu pai. Ele não parecia quebrado coisa nenhuma.
Escondi um sorriso, que não passou despercebido a Jamal,
sentado à minha frente.
— O próximo aniversário é o meu e vai demorar, pai — o
meu irmão mais novo disse, piscando-me um olho. — Terá tempo de
se recuperar.
— E ainda vai liderar o dabke, fazendo acrobacias
impressionantes iguais às que fez ontem — completei.
Todos riram, pois havia sido exatamente aquilo o que o nosso
pai fez na festa de Sabirah.
— Já estou vendo que você se acordou de muito bom humor
hoje.
De repente, passei a ser o foco dentro do majlis. Senti o olhar
de todos em mim e pensei se estava deixando transparecer o motivo do
meu bom humor. O mais atento era o Yusuf, o que não me
surpreendia. Ele já havia me alertado sobre Thara e talvez
desconfiasse de algo.
— Estou feliz, apenas isso.
A satisfação no rosto do meu pai me fez pensar no que ele
acharia se soubesse que eu estava apaixonado por Thara e era
correspondido.
— E podemos saber o motivo dessa felicidade? — Yusuf
perguntou com aparente desinteresse.
Sentado displicentemente em uma das poltronas, ele cruzou
as pernas esticadas e aguardou a minha resposta.
— Claro que pode. Decidi que vou me casar de novo.
Yusuf aprumou o corpo de imediato sem esconder a
perplexidade. Na verdade, todos me lançaram olhares atônitos.
— Vai se casar de novo, filho? Mas você tinha dito que nunca
mais ia querer outra esposa.
— Tem razão, pai. Eu disse, só que mudei de ideia. — Não ia
entrar em detalhes sobre os meus sentimentos, dizendo que havia me
apaixonado. — Peço apenas que não comentem nada com ninguém
ainda. Se as mulheres souberem, Abia pode ficar sabendo também e
quero conversar sozinho com os meus filhos antes de oficializar o meu
noivado.
— Quem é ela?
Eu já esperava aquela pergunta de Yusuf e entendia a
preocupação dele com Thara. Contudo, muito em breve ela seria uma
preocupação apenas minha. Estaria sob a minha proteção e seria tão
intocável como qualquer uma das princesas Al Harbi.
— Não posso dizer, porque ainda não fiz o pedido a ela. Mas
assim que fizer, vocês serão os primeiros a saber depois dos meus
filhos.
Apesar de surpreso, o meu pai se levantou e veio me
parabenizar como se o casamento já estivesse com a data marcada.
Levantei-me também, recebendo o abraço dele.
— Parabéns, filho. Sinto que você tomou esta decisão porque
está gostando muito da sua escolhida. É claro que estou curioso para
saber quem é, mas respeito a sua decisão de não falar nada antes da
hora.
Saqr seguiu o exemplo do meu pai e veio me parabenizar
também. Se fosse em outros tempos, ele teria lançado um olhar de
preocupação para o meu pai, deixando evidente a sua desaprovação
com as minhas decisões matrimoniais. O fato de hoje vir me
parabenizar com sinceridade, mostrava o quanto o nosso
relacionamento de irmãos havia evoluído.
Recebi dele um abraço e palmadas nas costas.
— Você tem sorte da nossa mãe não estar aqui. Ela jamais ia
deixar você sair dessa sala sem dizer quem é a sua futura esposa.
— Dessa vez ela vai ter de aguardar.
Ele se afastou, dando a vez ao Jamal.
— Prepare-se para o interrogatório depois — o meu irmão
mais novo completou, referindo-se à nossa mãe.
— Você vá se preparando também. Em pouco tempo será o
único solteiro e vai ficar na mira dela.
Ele riu bastante, tranquilo na posição de homem que ainda
não se apaixonou na vida.
— Não estou preocupado. Falta tanto tempo para isso
acontecer que ela nem vai se lembrar mais.
O último a me cumprimentar foi o Yusuf e não sorria como os
outros. O olhar estava sério quando me abraçou.
— Se ela for quem estou pensando, espero que saiba onde
está se metendo — sussurrou no meu ouvido, aproveitando-se que o
meu pai comentava com Saqr e Jamal sobre a reação da minha mãe
quando soubesse.
— Na hora certa você vai saber quem é.
Ele suspirou profundamente, abraçando-me com força.
— Boa sorte. Torço por você.
Capítulo 43
Majdan
Durante o almoço em família, tentei disfarçar o meu interesse
por Thara. Como eu já havia comunicado as minhas intenções de
casamento para o meu pai e irmãos, ficaria óbvio para eles a
identidade da mulher caso me pegassem olhando insistentemente para
ela. O Yusuf seria o primeiro a confirmar as suspeitas que tinha.
Thara, por sua vez, agiu normalmente, mas notei que se
manteve mais quieta do que o habitual. Ela se sentou ao lado de
Sabirah e longe de mim. Como era no lado oposto de onde eu estava
sentado, conseguia vê-la facilmente na outra ponta da mesa.
Estava linda com as faces rosadas do passeio na praia e
usando uma abaya em tons pastéis, que marcava com delicadeza as
curvas do corpo que tive nos braços naquela manhã. Um hijab branco
cobria os cabelos sedosos, mas o tecido era tão diáfano que pouco
escondia, servindo mais como um adorno.
Notei que ela evitava me olhar. Apesar de saber que aquela
era uma atitude correta, comecei a me questionar se Thara havia se
arrependido de alguma coisa. Talvez achasse que fui muito ousado,
desrespeitando-a, e tenha decidido se afastar de mim.
Nunca fui um homem inseguro com relação às mulheres, mas
me peguei pensando como um. Contudo, na única vez em que nossos
olhares se cruzaram, toda a minha insegurança foi abaixo. Tudo o que
ela sentia por mim estava refletido naquele olhar e a garra que
começava a oprimir o meu peito desapareceu como por encanto,
aliviando a pressão e acalmando-me.
Thara desviou o olhar e eu também.
Para disfarçar o que sentia, tomei um gole do meu jellab93 e
olhei para Yusuf. Ele estava concentrado em uma conversa com Saqr e
não havia notado nada.
Quando o almoço terminou, fomos todos para a sala de jogos
onde as crianças podiam se divertir à vontade. Thara ficou em um
canto conversando com as mulheres e eu permaneci ao lado do meu
pai e irmãos, discutindo sobre a guerra em Sadiz.
Apesar de estar concentrado na conversa, também não
deixava de prestar atenção nela. A vontade de ter Thara de novo nos
braços só crescia, mas eu havia prometido a ela e a mim mesmo que a
cortejaria, em vez de agarrá-la em lugares furtivos para saciar o desejo
louco que me consumia.
Permanecemos ali por cerca de uma hora, até Malika avisar
que ia subir para descansar no quarto. Yusuf foi com ela, aparentando
ser o mais cansado de todos depois da noite sem dormir direito.
Aquele foi o sinal verde para o esvaziamento gradativo da sala. Saqr o
imitou, subindo com Kismet. O meu pai foi logo depois com a minha
mãe.
Dos meus irmãos, só o Jamal e a Sabirah ficaram comigo,
mas se juntaram a Hud e Imad em um jogo de xadrez no canto da sala.
As outras crianças estavam entretidas nas brincadeiras, sob o olhar
atento das babás. Deitada sobre o tapete, Abia se debruçava sobre um
caderno de desenho, rodeada de lápis coloridos. Sentada ao lado dela,
Thara observava a minha filha desenhar.
Eu não sentia sono algum, apesar de ter dormido pouco. O
que queria era uma chance de ficar perto de Thara, de conversar com
ela, sentir pelo menos o cheiro do perfume suave que usava.
Decidido, levantei-me e fui para onde as duas estavam.
Thara ergueu o olhar surpreso assim que me aproximei,
observando nervosamente todos que continuavam na sala, como a
dizer que eles nos veriam juntos e desconfiariam de algo.
Sentei-me calmamente ao lado delas, mas tendo o cuidado de
ficar o mais perto possível de Thara dentro do que era socialmente
aceitável.
— O que está desenhando agora, filha?
Abia me mostrou o desenho de dois cavalos na praia, o que
não me surpreendeu. Desde cedo, eu havia notado o quanto ela era
apaixonada por cavalos, aprendendo a montar melhor do que os
irmãos.
— Este é o Diablo e esta é a Swar — explicou com um
sorriso.
Daquela vez a minha filha me surpreendeu mesmo, ao
colocar o meu garanhão ao lado da égua que Thara havia montado.
Notei como Thara arregalou os olhos, tão surpresa quanto eu.
— E por que os dois estão juntos?
— Porque estão namorando, claro! — Ela riu ainda mais,
como se fosse algo óbvio demais para eu não ter percebido.
Thara me encarou, mas depois desviou o olhar, sem esconder
o quanto estava atordoada. Por mais incrível que aquilo pudesse
parecer, considerando o tema da conversa, comecei a rir diante da
imaginação da minha filha.
— O que é que Diablo pensa dessa namorada que você
arranjou para ele? Eu não estou sabendo de nada.
— Ontem na praia notei que ele gostava dela.
Parei de rir, pensando seriamente se a minha filha estava
referindo-se a nós dois e não aos cavalos. Observei-a com atenção,
mas Abia mantinha a expressão ingênua de sempre.
Achei melhor agir normalmente, brincando com a história
que ela havia criado na mente de menina romântica.
— Eu não notei nada. Ao contrário, acho que Swar estava
mais assustada do que apaixonada.
— Ela não demonstra o que sente porque é muito tímida, mas
sei que gosta dele. Diablo aparenta ser mau, mas é bonzinho e está
conquistando Swar.
Fiquei sem palavras, completamente emudecido com a
comparação perfeita do meu relacionamento com Thara.
Quem salvou a situação foi justamente ela, que apontou com
o dedo para a cara de Diablo no papel.
— Se ele é bonzinho, você precisa suavizar estes traços da
boca do cavalo. Do jeito que está, ele parece zangado.
Abia analisou o desenho com um ar crítico.
— Você tem razão. Vou mudar.
Ela se concentrou em corrigir o desenho e cruzei o olhar com
o de Thara.
— E você, gostou do passeio de hoje na praia?
Tentei que a pergunta soasse sem outra pretensão que não
fosse iniciar uma conversa trivial com ela, mantendo o tom de voz
baixo para que a nossa conversa não fosse ouvida por mais ninguém
além de Abia.
Aquele era um cuidado talvez desnecessário, considerando o
barulho dentro da sala, não só das crianças pequenas, como também
de quem jogava o xadrez. Eles riam e comentavam cada uma das
jogadas.
— Gostei muito, alteza. A praia de Noor é linda demais.
“Alteza”. Eu queria ouvi-la chamando-me de Majdan
novamente e não de alteza.
— Isso é porque você não conhece Alqamar. — Abia não
perdeu a oportunidade de falar do lugar onde ela adorava passar as
férias da escola.
Thara se inclinou para acariciar os cabelos da minha filha,
ficando ligeiramente mais perto de mim. Aspirei o perfume dela,
controlando a saudade de beijar aqueles lábios que agora sorriam para
Abia.
— Você fala tanto de Alqamar que estou começando a ficar
curiosa.
— Papai já prometeu que vai nos levar para lá assim que
puder. Nem vou dizer o que tem em Alqamar, assim não tiro a
surpresa.
A risada de Thara mexeu comigo e não resisti à tentação de
segurar discretamente a mão com que ela apoiava o corpo no tapete.
Senti o quanto ficou tensa ao me olhar de relance. Ainda tentou puxar
a mão, mas não deixei. Posicionei o meu corpo de um jeito que
ninguém veria que estávamos com as mãos unidas.
Depois de resistir um pouco, Thara relaxou, deixando-me
acariciar a palma macia. Ela segurou a minha mão com força, como se
quisesse aproveitar ao máximo a sensação daquele toque.
Durante o tempo em que ficamos conversando junto de Abia,
mantive a mão dela na minha. Só a soltei quando a partida de xadrez
acabou e Sabirah fez menção de se levantar da cadeira. Por precaução,
afastei-me ligeiramente, pegando o celular no bolso do thobe.
Jamal desafiou minha irmã para uma nova partida e Sabirah
voltou a se sentar. Aproveitei que estava com o celular na mão e
digitei uma mensagem para Thara, mostrando-lhe o que havia escrito.
“Quero ficar sozinho com você. Diga-me depois se podemos
nos ver no jardim antes de você dormir.”
Ela inspirou fundo quando terminou de ler e meneou a cabeça
em uma discreta negativa. Senti que estava com receio de alguém nos
ver, o que a colocaria em uma situação delicada.
Continuei escrevendo na mesma mensagem.
“Confie em mim. Vou proteger você sempre e em qualquer
situação.”
Enviei a mensagem logo depois para o celular dela. Quando
pudesse, Thara me responderia. E eu só esperava que fosse uma
resposta positiva.
Apesar de ter decidido pedir Thara em casamento apenas
quando estivéssemos em Jawhara, a vontade de antecipar o pedido
começava a crescer dentro de mim. No entanto, só na capital poderia
escolher uma aliança, um anel de noivado e todas as joias que quisesse
comprar para enfeitar Thara da cabeça aos pés, oficializando para
todos o compromisso que assumia com ela. Ninguém teria nada a
dizer contra, nem nenhum dedo para apontar à minha futura esposa.
Só que aguardar parecia algo sem lógica em momentos como
aquele, em que sentia o quanto ela estava insegura com um simples
encontro no jardim.
No tempo certo, Thara vai ter a certeza de que as minhas
intenções são sérias. As mais sérias que jamais tive na minha vida
com mulher alguma.
Capítulo 44
Majdan
— Vou descansar um pouco até a hora do jantar — Sabirah
se aproximou, desistindo do jogo de xadrez. — Vocês ficam?
A pergunta era para Thara e Abia. Desde que chegaram em
Noor, as três andavam sempre juntas. Era muito raro encontrar Thara
sozinha. Ela sempre estava acompanhada de Sabirah, de Abia ou de
alguma das outras mulheres.
Aguardei tensamente a resposta dela. Caso quisesse se livrar
de mim, aquela seria a oportunidade ideal.
— Vou ficar, mas talvez Abia queira descansar também.
A sugestão funcionou. A minha filha se sentou, esquecendo
os desenhos.
— Se eu for, você guarda os meus desenhos, Thara?
— Claro que guardo. Vá descansar com Sabirah.
Abia deu um beijo em Thara, depois deu um em mim e
levantou-se para ir com Sabirah. As duas se despediram e foram
embora.
Thara começou a juntar os papéis espalhados pelo tapete e me
encarreguei de pegar os lápis de cor.
— Achei que você também fosse.
Ela sorriu com timidez.
— Sei que aqui não estamos sozinhos como estaríamos se
fôssemos nos encontrar no jardim, mas pelo menos podemos
conversar com alguma privacidade.
Eu tinha de ser sincero. Cruamente sincero.
— Não era só conversar com você que eu queria — admiti
baixando mais ainda o tom de voz. — Quero beijar você de novo.
Ela arfou e o rosto já rosado da praia ficou ainda mais
ruborizado. Os papéis foram colocados sobre o colo e arrumados com
exagerada atenção.
— Você não quer? — questionei-a. — Não gostou dos meus
beijos?
— Gostei muito, alteza.
— Majdan — lembrei-a de me chamar pelo nome.
Thara olhou rapidamente para o outro lado da sala, onde
Jamal e os meus filhos estavam, além das babás com os meus
sobrinhos pequenos.
— Ninguém vai ouvir se você me chamar de Majdan.
— Fico com a sensação de que elas vão achar estranho que eu
esteja conversando por tanto tempo com um príncipe, principalmente a
Lina.
Só de imaginar aquilo, irritei-me. O antigo Majdan que ainda
existia em mim ameaçou voltar, mas me controlei a tempo.
— Eu converso com quem quiser e durante o tempo que
quiser. Não devo satisfações a ninguém, muito menos aos empregados.
— A minha voz soou mais dura do que pretendia. — Se elas
comentarem alguma coisa, no instante seguinte estão demitidas, no
mínimo.
Thara colocou os papéis com os desenhos de Abia ao lado
dela no tapete e me olhou sem disfarçar o espanto.
— Você faria isso mesmo? É que acho normal que elas
estranhem a nossa conversa. Se eu estivesse no lugar delas, talvez
também estranhasse.
— Sinto muito se estou decepcionando você, mas eu faria
exatamente o que disse. Demitiria sumariamente. Para conviver no
ambiente íntimo da minha família, tem que ser de confiança. Se não
for, é demitido.
Ela me olhou de um jeito estranho. Achei que fosse me fazer
alguma pergunta, mas depois baixou a vista e permaneceu calada.
Fiquei com a sensação de que era alguma coisa relacionada ao meu
passado.
O meu maldito passado!
— O que foi, Thara? Você ia me perguntar algo e desistiu.
Não se cale, mesmo que seja sobre escândalos que envolveram o meu
nome. Pergunte e responderei com a verdade.
— Não sei se você sabe, mas me disseram que nem todos os
empregados do palácio gostavam antigamente de trabalhar na Ala do
Leão por causa da sua intolerância e agressividade. Eu não estava aqui
naquela época para saber como as coisas realmente eram, mas consigo
compreender os dois lados. Tanto o seu, quanto o deles — ela explicou
e foi quando entendi o que estava por trás daquele medo dos
empregados.
Eu não me orgulhava do que fiz no passado, mas também não
podia esconder de Thara os erros que cometi. Ela tinha o direito de
saber onde estava se metendo ao ficar comigo.
Mesmo ciente de que corria o risco de perdê-la, fui em frente.
Thara precisava aceitar não apenas o homem que eu era hoje, mas
também quem fui no passado. O meu passado me acompanharia para
sempre.
— Matei um dos guardas em um acesso de fúria durante uma
das minhas crises de onipotência causada pela droga. Fui mal
aconselhado pela minha ex-esposa e achei que o meu pai e os meus
irmãos estavam me deixando propositadamente de fora de assuntos
importantes do país. Coloquei na cabeça que me escondiam coisas,
que estavam me descartando, o que possivelmente acontecia mesmo.
Eu não estava bem para nada, muito menos para tomar decisões de
governo. Um dos guardas tentou me impedir de entrar na sala onde
eles estavam reunidos e aquilo foi a gota d’água para mim, que já
estava furioso por ter sido deixado de fora da reunião. Fiquei cego de
raiva e o agredi. Só parei de bater nele quando Saqr e Yusuf
conseguiram me segurar, mas já era tarde demais. Eu não sabia que os
empregados tinham ficado com medo de trabalhar para mim, mas é
compreensível que não queiram. Ainda assim, exijo que sejam de
confiança.
Para minha surpresa, senti um alívio enorme ao fazer aquele
desabafo e contar tudo para Thara. Sentada ao meu lado em meio às
almofadas que forravam o tapete, ela não desviou os olhos dos meus
nem por um instante, ouvindo com atenção cada uma das minhas
palavras.
— Soube dessa morte há muito tempo, mas sem os detalhes
que me contou agora.
Franzi a testa, estranhando que ela soubesse. O meu pai
tentou abafar o caso o máximo possível.
— Como ficou sabendo?
— O meu pai vivia repetindo que você era um assassino, mas
nunca explicou o motivo. Talvez nem ele soubesse tudo, apenas ouviu
os boatos e repetiu, por já criticar o seu estilo de vida.
Trinquei os dentes só de ouvir falar no pai dela. Se eu já o
odiava por tudo o que fez com Thara e pelo que representava no
tradicionalismo que ainda existia no interior do país, passei a odiar
ainda mais.
— E você não sente medo de se envolver comigo depois de
ouvir tantas coisas abomináveis a meu respeito?
Um leve sorriso curvou os lábios que eu não conseguia deixar
de admirar. Thara respondeu com uma outra pergunta.
— Eu deveria sentir medo?
— Nunca. Jamais machucaria você.
O calor que brilhou no olhar dela fez arder o meu corpo por
inteiro.
— Eu tinha medo de você antes de o conhecer pessoalmente.
Deixei de ter quando o vi pela primeira vez na Global Harbi. Ao
contrário, senti uma atração tão grande que até me assustou.
Inspirei fundo e soltei o ar lentamente, tentando controlar a
ânsia de agarrá-la ali mesmo.
— Mais um pouco e vou beijar você agora, na frente de todo
mundo.
Ela arregalou os olhos de espanto.
— Você não faria isso!
— Faria, sim. Mudei muito, mas ainda sou um homem que
quebra todas as regras sem remorso algum. Quero muito você e vou
passar por cima de tudo o que for preciso para ficarmos juntos.
Thara ficou vermelha de vergonha, adoravelmente
ruborizada.
— Não fale isso aqui! Eles podem ouvir.
Ela realmente ainda não me conhecia profundamente.
Mas vai conhecer.
— Os meus sobrinhos gritam tanto que acho difícil alguém
me ouvir — comentei com um sorriso divertido.
Ela também riu, olhando com carinho para onde Zayn, Nader,
Fhatima e Sharif brincavam com as babás. Eu já havia percebido o
quanto ela gostava de crianças. Não apenas por causa da afeição
visível que sentia por Abia e pelos meus filhos, mas pela maneira
como tratava todas as crianças, inclusive as das casas de acolhimento.
Ela seria uma excelente mãe quando tivesse os próprios
filhos.
Os meus filhos com ela.
Um grito de vitória de Imad chamou a nossa atenção para o
jogo de xadrez. Tudo indicava que havia sido ele o vencedor da
partida contra Hud, o que muito me agradou. Imad se colocava muito
à sombra do irmão mais velho e eu gostava de vê-lo se destacar em
atividades que realmente lhe davam prazer.
Não demorou muito para ele vir me contar a novidade, como
se eu já não tivesse percebido. Abracei-o, parabenizando-o pela
vitória, surpreendendo-me ao saber que ele tinha vencido não apenas
Hud, mas também o Jamal. Com apenas doze anos, o meu filho mais
novo começava a adquirir confiança para mostrar os talentos que
possuía.
Com a chegada deles, a minha conversa com Thara foi
interrompida. Minutos depois, ela pediu licença, alegando que ia subir
para também descansar.
Observei-a afastando-se em direção à porta, cada vez mais
apaixonado.

Voltamos a nos reunir em família durante o jantar, que Malika


organizou no terraço da cobertura. A lua cheia brilhava no céu e
iluminava o mar à distância, proporcionando uma vista magnífica de
Noor.
Com todos reunidos, não houve oportunidade de conversar a
sós com Thara. Como de costume, ela ficou perto das mulheres,
porém, nada me impedia de admirá-la à distância sempre que podia,
tendo o cuidado de não chamar muito a atenção dos outros.
Eu ainda tinha esperanças de me encontrar com ela no jardim,
quando voltaria a beijá-la. Estava obcecado, tinha de admitir.
Quando a noite avançou, Abia veio se despedir de mim.
— Estou com sono, papai. Vou dormir.
Recebi um abraço e um beijo no rosto.
— Que Allah a abençoe enquanto dorme, filha.
— Eu também não recebo um beijo? — o meu pai fingiu que
estava triste, arrancando uma risadinha de Abia.
Ela correu para abraçar e beijar o avô. Depois fez o mesmo
com os tios, para só então voltar para perto de mim.
— Quem vai levar você?
— Vou com a Thara. Ela também está cansada da praia.
Forcei-me a continuar impassível.
— Tesbahi al khair94, papai.
— U inta bkhair95, filha.
Observei-a voltar para onde as mulheres estavam. Thara se
levantou e ambas saíram discretamente da sala.
Daquele momento em diante, fiquei atento ao meu celular,
esperando que ela confirmasse o encontro no jardim. Demorou quase
quarenta minutos para a mensagem chegar.
“Não poderei ir.”
Apesar de ficar chateado, no fundo eu já esperava por aquilo,
uma vez que conversamos bastante durante o tempo em que ficamos
na sala de jogos à tarde. Mesmo assim, não desisti de um encontro
sozinhos. Ainda passaríamos três dias em Noor e eu não ia aguentar
tanto tempo sem poder sequer beijá-la outra vez. Queria tê-la nos
braços, sentir as curvas do corpo macio contra o meu, tocá-la, provar
dos lábios carnudos que me enlouqueciam desde que a conheci.
“Amanhã cedo na praia. Mesmo que apareça acompanhada,
estarei lá esperando. Você vai?”
Esperei ansioso pela resposta e só respirei aliviado quando a
li.
“Darei um jeito de ir.”
Capítulo 45
Majdan
Acordei cedo, bem antes da Salat Fajr96. Fiz as minhas
orações, como sempre agradecendo a Allah por ter me dado mais uma
oportunidade de recuperação. Depois de três recaídas no tratamento de
desintoxicação, eu sabia o quanto era frágil o equilíbrio que havia
conquistado. Aquele era o maior período que já consegui me manter
sóbrio desde que me tornei efetivamente um dependente químico.
Eu podia dizer que nos meus primeiros anos usando a cocaína
ainda conseguia controlar a dependência. Foi depois dos trinta anos
que tudo piorou e de uma maneira tão rápida que sequer notei.
Que Allah me dê forças para resistir por mais um dia.
Saí do quarto com verdadeiro desejo de cavalgar pela praia e
não apenas por ser uma oportunidade de me encontrar com Thara.
Galopar em Diablo era uma maneira de também exorcizar os próprios
demônios que eu tinha dentro de mim.
Fui para o salão onde era servido o café da manhã. Duas
empregadas organizavam a refeição e me cumprimentaram
respeitosamente. Escolhi uma das mesas de frente para o jardim e me
sentei, aguardando que me servissem.
Eu estava na metade da refeição quando Abia entrou no salão
e correu para me abraçar.
— Sabah al khair97, papai!
— Sabah al nur98, filha. Você acordou cedo hoje.
Ela soltou uma risada, esbanjando alegria.
— É que combinamos ir à praia mais cedo hoje.
— Vocês vão à praia? Eu também estou indo.
Ela comemorou batendo palmas e ganhou um outro beijo
meu por estar tão entusiasmada em ter o pai presente no passeio.
— Vamos juntos, então! Vai ser muito bom.
— Quem vai hoje?
— Thara e Sabirah estão descendo daqui a pouco. Das
mulheres, acho que vamos só nós três. Vovó nunca vai e as tias Kismet
e Malika disseram que vão amanhã.
Ela se sentou na cadeira ao meu lado no mesmo instante em
que Thara e Sabirah entraram no salão rindo e conversando.
Levantei-me, cumprimentando-as.
— O papai também vai à praia! — Abia anunciou em alto e
bom tom.
Sabirah ergueu as mãos aos céus.
— Pelo menos um dos meus irmãos vai nos acompanhar.
Saqr e Yusuf ficaram preguiçosos depois que se casaram.
Troquei um olhar cúmplice com Thara. Puxei a cadeira em
frente à minha para ela se sentar e fiz o mesmo para Sabirah, que se
sentou à minha direita.
Apesar de já ter tomado metade do meu café da manhã,
diminuí o ritmo para aguardar por elas. A minha intenção era
realmente sairmos juntos para o passeio.
— Você foi em Swar ontem, Thara? — perguntei, curioso.
Quando marquei com ela na praia, não me lembrei de
perguntar como Thara chegaria lá.
Ela soltou uma risada que retorceu as minhas entranhas,
ficando mais linda do que já era.
— Sou uma covarde assumida. Ainda não encontrei coragem
para voltar a montar em Swar.
— Fomos de carro ontem — Sabirah explicou, servindo-se de
mais pão. — Mas hoje estávamos pensando em levar pelo menos dois
cavalos para eu poder cavalgar um pouco com Abia. Thara disse que
nos espera no início da praia.
— Já disse que vocês podem ir à vontade — Thara
confirmou. — Não vão deixar de montar a cavalo por minha causa. Eu
não me importo de esperar.
— Você poderia dividir a sela comigo ou com Abia —
Sabirah propôs.
Thara mastigou pensativamente um pedaço de queijo,
parecendo em dúvida.
— Prefiro não arriscar — decidiu, por fim, mostrando que
realmente havia ficado com medo.
— Concordo com Thara. — Apoiei a decisão dela. — Se não
se sente segura, não deve insistir.
Definido aquilo, terminamos a refeição e fomos de carro até o
estábulo, onde Sabirah me deixou com Abia. Enquanto ela e Thara
seguiam em direção à praia, montei em Diablo e saí acompanhado por
minha filha, puxando o cavalo que Sabirah ia montar.
Quando chegamos à praia, as duas já passeavam pela areia,
molhando os pés na água. Notei como Thara se afastou do caminho
dos cavalos, colocando-se atrás de Sabirah.
Desmontei, trazendo Diablo pela rédea. Aproximei-me delas
e me dirigi à Sabirah.
— Pode ir cavalgar com Abia. Eu fico com Thara até vocês
voltarem. Vou depois.
Os olhos de Sabirah brilharam de alegria, mas antes de ir
pediu uma confirmação de Thara.
— Tudo bem?
— Claro que sim. Pode ir.
Sabirah montou em um piscar de olhos e saiu a galope com
Abia.
— Ela estava ansiosa por isso — Thara comentou, rindo.
— E eu estou ansioso por isso.
Coloquei Diablo à nossa frente e abracei-a sem aviso algum.
Eu era alto demais para que o cavalo me escondesse, mas ignorei
aquilo. Beijei com avidez os lábios doces que só havia provado uma
única vez, mas que me viciaram.
Pega de surpresa com a minha atitude, Thara colocou as mãos
nos meus ombros como se fosse me afastar, mas mudou de ideia logo
depois. Abraçou-me também, mostrando que o desejo era maior do
que o receio de sermos vistos.
Saboreei aqueles lábios que me tentaram durante o dia
anterior inteiro, sentindo os meus batimentos cardíacos acelerarem de
imediato. O sangue corria vigoroso pelo meu corpo, aumentando o
meu desejo.
— Elas... podem nos... ver — sussurrou entre os meus lábios.
Eu sabia daquilo, mas já estava no modo “foda-se o mundo”.
Só importava o prazer de ter nos braços a mulher que desejava
loucamente, de poder saciar a fome que sentia dela, de aliviar parte do
tesão que me consumia. Thara tinha sobre mim o efeito de uma droga
potente que tratamento nenhum curaria.
— Majdan — ela insistiu, mas gemeu logo depois quando
enfiei a língua na boca macia.
Thara a abriu para mim, deixando-se invadir pela minha
língua, mas fez o mesmo comigo a seguir. Grunhi roucamente,
soltando a rédea de Diablo e abraçando-a melhor. Completamente em
chamas, pressionei-a contra o meu pau, que já endurecia.
Ela arfou, ficou tensa, mas não se afastou. Ao contrário,
esfregou-se nele, querendo descobrir como era o corpo de um homem.
Thara era uma mulher ardente e voluptuosa, ainda que não
tivesse consciência alguma de ser assim, ainda que não soubesse o
quanto era cheia de paixão. Mas eu sabia, eu sentia e enlouquecia só
de imaginar o que poderíamos fazer juntos, o prazer que poderíamos
dar um ao outro quando nada nos impedisse de amar livremente.
Não interrompi o beijo, devorando com ânsia a boca
deliciosa. Perdi o controle, mordiscando os lábios tentadores, quando
na verdade queria mordê-la toda, cada pedacinho.
Rocei os lábios pela mandíbula suave, sugando o lóbulo da
orelha delicada. Thara inspirou fundo, fincou as unhas nos meus
ombros, gemeu alto e arquejou, visivelmente excitada. Eu tinha
certeza de que ela estava toda molhada e rangi os dentes por não poder
sentir aquela umidade com os dedos, com a língua, com o meu pau.
Thara, entretanto, afastou-se e cobriu o rosto ruborizado com
as mãos, escondendo-o de mim.
— Por Allah! — O sussurro saiu abafado. — Isso é pecado!
Trinquei ainda mais os dentes, mas foi de raiva do pai dela.
Só ele poderia ter incutido na filha a crença de que aquilo era pecado.
Inspirei fundo para me acalmar e segurei-a pelos braços.
— Olhe para mim, Thara. — Usei um tom de voz firme.
Ela hesitou, mas baixou as mãos e me olhou com uma
expressão consternada.
— Nada do que fizemos é pecado. Nunca amei uma mulher
para entender o que é o amor, mas tenho certeza de que o sentimento
que temos um pelo outro é algo muito próximo disso. Não tenha
vergonha do que sente nos meus braços. Gosto que se entregue a mim
desse jeito tão espontâneo e não a julgo mal por isso. Ao contrário,
agradeço a Allah por você ter tanta paixão aí dentro. — Acariciei as
faces rosadas de vergonha. — Ultrapassei os limites e peço que me
desculpe por isso. Tentarei me controlar.
— Também ultrapassei os limites. Não assuma sozinho.
Sorri, cada dia mais apaixonado por ela.
— Ultrapassamos juntos, então.
Capítulo 46
Majdan
Voltei a segurar a rédea de Diablo, trazendo-o para o lado
oposto dela.
— Venha, vamos caminhar um pouco. — Olhei para Sabirah
e Abia, que continuavam galopando em direção às rochas. — Elas não
nos viram. Ainda nem chegaram ao fim da praia.
Começamos a andar e segurei a mão dela.
— Sente-se mais calma?
Ela passou a outra mão pelo rosto e riu, mas parecia estar
rindo de si mesma.
— Acho que exagerei — comentou, envergonhada.
— Não acho. São experiências novas que você está vivendo e
é normal que se assuste. Só não desista de nós dois por causa disso,
como fez depois que se assustou com o galope repentino de Swar.
— Você tem razão. Desisti de montar depois do susto que
levei.
— Pode tentar de novo a hora que quiser. Eu ensino você a
montar.
Diablo virou a cabeça para o meu lado, esfregando o focinho
no meu ombro. Eu sabia que ele queria galopar, mas teria de esperar.
Thara estava em primeiro lugar.
Acariciei o pescoço vigoroso, acalmando-o. Quando me virei
para ela, notei que me olhava pensativamente.
— Você tem um jeito tão especial de lidar com os cavalos.
Por que permitiu o doping daquele que morreu?
Senti um aperto no peito ao me lembrar de White Star. Nem
perdi tempo perguntando como ela ficou sabendo daquilo. Não me
interessava o nome da pessoa que contou, mas sim o que Thara pensou
de mim ao ter conhecimento da morte do garanhão premiado.
— Você acreditaria em mim se eu dissesse que não me
lembro de ter autorizado o doping do cavalo?
Thara franziu a testa mostrando incredulidade e confusão, o
que eu entendia perfeitamente.
— Você não se lembra?
Sorri com tristeza, decidindo contar para ela o que nunca
contei para ninguém. Eu corria o risco de perdê-la ao mostrar um lado
meu do qual não me orgulhava, mas uma das coisas que aprendi com
Takeshi era que deveria evitar os comportamentos típicos dos
dependentes, entre eles, a mentira para justificar os erros.
— Sei que isso parece surreal, mas a verdade é que não me
lembro. Eu tinha graves lapsos de memória quando estava no auge da
dependência química, mas nunca disse nada para ninguém e este foi o
meu maior erro. Como príncipe herdeiro, eu precisava tomar decisões
importantes para o país e deveria ter contado ao meu pai o que estava
acontecendo comigo, mas preferi esconder em vez de admitir. O pior
de tudo é que sempre achei que estava bem e muito lúcido. Na maior
parte do tempo eu não me sentia confuso ou mentalmente
desequilibrado. Só passei a duvidar de mim mesmo quando
começaram a dizer que fiz coisas que eu não me lembrava de ter feito.
Uma delas foi autorizar o doping de White Star.
Thara me encarou com preocupação.
— Mas isso é muito sério, Majdan. Não teria sido melhor se
tivesse contado a verdade? Acho que justificaria muitas das suas
atitudes para todo mundo.
— Não havia como justificar a morte do cavalo, Thara.
Lembrando ou não o que fiz, a verdade é que tomei uma decisão sob o
efeito da droga. Conversei com Mubarak e ele me garantiu que
tínhamos tratado do assunto durante uma das festas na casa dele.
Como sempre consumíamos naquelas ocasiões, para mim ficou claro
que aprovei o doping quando estava drogado.
— Vocês ainda são amigos? — Senti a preocupação na voz
dela. — Me desculpe o que vou dizer, mas não considero um amigo
que consome drogas como sendo um amigo de verdade. Acho que é
uma má influência que pode levar você de volta ao vício.
Apertei a mão dela com firmeza, para que tivesse a certeza do
que eu ia dizer.
— Eu não o considero mais como um amigo, mas ele ainda
me considera. Tenho deixado que pense assim pelo bem do povo de
Sadiz, já que como amigo posso conseguir influenciá-lo a desistir da
guerra. Também não posso jogar toda a responsabilidade do que fiz de
errado na vida em cima dele. Mubarak pode ter me oferecido cocaína,
mas eu consumi de livre e espontânea vontade.
— Por que consumiu? Você sempre teve tudo. Seus pais são
maravilhosos, a sua família é unida e nunca lhe faltou nada.
Lembrei-me de Takeshi dizendo que apenas o amor
verdadeiro preencheria o vazio que eu sentia no peito. Só quando
conheci Thara foi que realmente entendi o que ele quis dizer.
— O dinheiro e o poder sempre foram tão grandes quanto a
solidão que eu sentia. Sei que os meus pais me amam, mas cresci
sozinho e fiquei sozinho durante décadas. Eles estavam muito
ocupados reformando o país, modernizando tudo, lutando contra o
tradicionalismo que oprimia o povo, principalmente as mulheres.
Quando Saqr e Yusuf entraram na adolescência, eu já estava perdido
no mundo das festas e drogas.
— Mesmo com todas as obrigações do Sheik Rashid e de
Farah para com o país, acredito que teriam ajudado você se tivesse
contado tudo.
— No início não contei por arrogância. Eu realmente achava
que controlava o vício, mas era o contrário. Depois me calei por não
querer assumir diante do meu pai que deixei a cocaína acabar comigo.
Seria o mesmo que admitir que era um fraco, algo que eu não aceitava
naquela época. Sempre me gabei dizendo que nunca seria um
dependente químico, que consumia apenas em momentos de diversão.
Quando reconheci para mim mesmo que havia perdido o controle,
passei a mentir para a minha família, dizendo que estava muito bem e
no controle de tudo, mesmo quando tinha crises violentas.
Parei de andar, ficando de frente para ela.
— Você disse que eu tinha tudo, mas eu procurava a
felicidade nas coisas que tinha e não encontrava. Quando cheirei a
cocaína pela primeira vez, achei que aquilo era a felicidade, mas foi a
minha desgraça. Nunca fui verdadeiramente feliz. Os meus momentos
de felicidade eram raros, como quando os meus filhos nasceram.
Thara passou a mão pelo meu rosto em um carinho simples,
mas que fez surgir um travo de emoção na minha garganta.
— Que Allah seja louvado por ter lhe dado uma nova vida.
— Posso dizer que tive sorte.
— Não foi sorte. Foi Allah.
Sorri diante daquela verdade simples.
— Sim, foi Allah. — Cobri a mão dela com a minha. — Vai
desistir de mim agora que sabe o homem que fui?
— E por que desistiria? Tive medo de você por causa do que
ouvi da boca dos outros, mas isso não me impediu de admirá-lo
quando o conheci pessoalmente. Agora que me contou os seus
motivos, admiro-o ainda mais. Continuo tão apaixonada quanto antes,
se não mais. É preciso muita força interior para conseguir superar tudo
isso e muita coragem para admitir os próprios erros e fraquezas. Penso
quantos homens que se acham fortes e invencíveis conseguiriam
realmente vencer décadas de dependência química como você
conseguiu, Majdan. A sua força é admirável e acho que só tem
motivos para se orgulhar de si mesmo.
Porra!
Ela podia admirar a minha força, mas eu me sentia tudo
naquele momento, menos um homem forte. A emoção trouxe uma
súbita vontade de chorar e me senti frágil, exposto e necessitando de
consolo.
Fiquei à frente dela e de costas para onde a minha filha e
Sabirah estavam, em uma tentativa de esconder Thara com o meu
corpo. Arrebatei-a nos braços, emocionado demais para falar. Não a
beijei, apenas abracei, precisando de amor, de compreensão, de
companheirismo. Ao lado dela não existia aquela solidão que me
matava por dentro, aquela sensação de faltar algo importante na minha
vida que me transformasse em um homem totalmente feliz.
Thara tinha tudo o que eu precisava. Era perfeita para mim,
como se tivesse sido feita por Allah na medida certa e destinada a ficar
comigo.
Ficamos abraçados por um bom tempo, até que me senti mais
controlado e me afastei. Trocamos um olhar profundo e cheio de
cumplicidade antes de recomeçarmos a andar.
Dei uma palmadinha no pescoço de Diablo, que soltou um
relinchar suave.
— Diga a ele que não se chateie comigo por prender você
aqui — Thara brincou, mas notei que o olhava com desconfiança.
— Não demonstre medo nem fique na defensiva. Os cavalos
são muito sensíveis às mensagens corporais que enviamos para eles.
Thara não pareceu acreditar muito no que eu disse.
— As mensagens corporais que ele envia para mim também
não são nada boas. Parece sempre irritado e ameaçador.
Ela estava enganada. Diablo só tinha de mau o nome que lhe
dei.
— Lembra-se do que Abia disse dele? Aparenta ser mau, mas
é bonzinho.
A risada de Thara foi gostosa e me fez sorrir também.
— Abia é tão doce que vê doçura em tudo.
Parei de andar, segurando o pescoço de Diablo.
— Venha cá, Thara. Está na hora de vocês dois se
conhecerem melhor.
Ela parou abruptamente, chocada.
— Eu, me aproximar dele? Nunquinha.
Ofereci-lhe a mão, insistindo.
— Confie em mim.
Pensei que fosse negar de novo, mas ela segurou a minha
mão e se aproximou. A atitude defensiva não mudou, ficando em uma
posição que protegia o corpo com o meu.
Segurei a mão delicada e fiz com que acariciasse o pescoço
de Diablo, enquanto conversava com ele para o acalmar.
— Ele é enorme se comparado com Swar.
— Swar é uma égua pequena. Acho que a menor de todas que
há no estábulo de Noor.
À medida que Thara ganhava confiança, consegui trazê-la
para mais perto de Diablo. O garanhão resfolegou suavemente e virou
a cabeça para o nosso lado.
Thara sobressaltou-se e deu um pulinho para trás,
encostando-se em mim.
— Calma. Ele está gostando.
— Não me pareceu.
— Mas está — afirmei com convicção. — Se ele realmente
não gostasse de você, nem teria deixado que se aproximasse.
Ela sorriu enigmaticamente, surpreendendo-me.
— Acho que Abia tem razão em comparar você com Diablo.
São iguaizinhos.
Me fiz de desentendido.
— Abia fez isso? Não notei.
Ela riu ainda mais e olhou para o fim da praia.
— E por falar nela, as duas já chegaram nas pedras.
— Quer cavalgar comigo até lá?
Mantive a expressão séria mesmo quando ela me olhou com
assombro.
— Você realmente gosta de quebrar regras.
Gargalhei, sentindo-me feliz como nunca.
— Você só percebeu isso agora?

Sabirah e Abia voltaram minutos depois. Só então montei em


Diablo e me afastei a galope, deixando Thara com as duas.
O garanhão estava precisando da adrenalina do esforço físico
tanto quanto eu, que me sentia em êxtase com a evolução do meu
relacionamento com Thara.
Inclinei-me sobre o pescoço de Diablo, incitando-o a dar tudo
o que tinha naquele galope livre pela praia de Noor. Vencemos os
quilômetros até as pedras em tempo recorde e o parabenizei pela
corrida perfeita. Se a morte de White Star não tivesse banido todos os
meus cavalos das competições internacionais da federação de hipismo,
hoje Diablo estaria colecionando prêmios.
O sentimento de culpa era enorme sempre que a imagem de
White Star surgia na minha mente. Mesmo sem me lembrar de ter
autorizado aquela atrocidade com o meu melhor garanhão da época,
era impossível não me sentir culpado.
Mais uma culpa entre as muitas que eu tinha.
Capítulo 47
Thara
Se eu já tinha interesse em pesquisar tudo sobre a
dependência química de cocaína, as revelações que Majdan fez
estimulou duas vezes mais a minha necessidade de conhecimento.
Agora, eu compreendia perfeitamente tudo o que ele havia
passado. Só que compreensão não era suficiente. Eu queria também
ajudá-lo a nunca mais ter recaídas, como as três que eu sabia que já
teve.
Nas pesquisas que eu já havia feito, descobri que na maioria
das vezes as esposas não aguentavam o vício do marido e desistiam do
casamento, pedindo o divórcio. Todos os casos que encontrei eram do
ocidente, como se no Oriente Médio nunca houvesse existido um
único caso, o que não era verdade. O próprio Majdan e os amigos dele
já mostravam que o problema existia também na nossa cultura, mas
não era divulgado.
Ficamos na praia até próximo do horário do almoço. Voltei de
carro com Sabirah, enquanto Majdan e Abia voltaram a cavalo.
Fui o caminho inteiro admirando a postura confiante dele
montado sobre Diablo, cujo pelo negro parecia reluzir com os raios do
sol. Eu tinha de admitir que o cavalo era bonito, mas ainda não
conseguia me sentir à vontade ao lado dele, mesmo depois da tentativa
de Majdan de nos aproximar.
Observei-o conversando com Abia durante o trajeto,
mostrando o quanto o relacionamento de pai e filha era abençoado por
Allah. Majdan era um excelente pai, ainda que achasse que tinha
errado com os filhos no passado.
Fomos direto para o estábulo, onde os dois iam deixar os
cavalos. Fiquei no carro conversando com Sabirah até que voltassem.
Assim que os viu, ela abriu a porta para descer e segurei na maçaneta
para fazer o mesmo.
— Não precisa descer, Thara. — Ela segurou o meu braço,
impedindo-me de abrir a porta.
— Mas foi você quem veio na frente com o seu irmão. Eu
vou atrás com Abia.
— É só daqui até em casa. Não se preocupe. Majdan não vai
se importar que você fique no meu lugar.
Achei melhor não insistir demais ou ficaria estranho. A
última coisa que eu queria era que ela desconfiasse de algo.
— Se ele não se importa — comentei, soltando a maçaneta.
Ele realmente não comentou nada quando entrou no carro,
manobrando-o pelo caminho que levava à mansão de Noor. Abia
tagarelou animadamente durante o percurso até o pai estacionar o
SUV no pátio frontal.
Assim que entramos, Majdan se despediu.
— Nos vemos no almoço.
— Até mais tarde.
Observei-o distanciando-se pelo amplo hall e foi quando
notei Lina, a babá que veio para cuidar de Abia, aguardando-nos em
um canto. Abia também notou e dispensou-a.
— Hoje vou ficar com Thara. Não preciso que me ajude.
Achei engraçado o jeito de mocinha com que ela falou.
— Pode deixar, Lina. Eu cuido dela — tranquilizei a babá,
que sorriu para mim e foi cuidar de outros afazeres com as demais
empregadas.
Subimos ao andar onde ficavam quartos.
— Vou dormir como um bebê depois do almoço. Acordamos
muito cedo hoje. — Sabirah bocejou, acenando em despedida quando
entrou no próprio quarto.
Olhei para Abia.
— O seu ou o meu?
— Vou pegar uma roupa no meu e vamos para o seu. Pode
ser?
— Claro que sim.
Foi o que fizemos.
No meu quarto, deixei-a tomando banho e me sentei em uma
das cadeiras da varanda, relembrando cada momento que tinha vivido
com Majdan na praia. Os beijos quentes, o corpo forte que me
dominava de um jeito que me deixava acalorada, o prazer que sentia
nos braços dele, mesmo sendo aquele um toque íntimo demais para
uma mulher solteira ter com um homem.
A cada novo contato físico que tínhamos mais eu me
questionava sobre as dores horríveis que a minha mãe sentia ao
cumprir a obrigação de esposa na cama do meu pai.
Há alguma coisa errada na história da minha mãe. Será que
estou tão apaixonada que só vejo rosas onde também existem
espinhos?
Eu só descobriria aquilo se um dia me casasse. O problema
era que não tinha esperança alguma de vir a me tornar a esposa de
Majdan, o único homem que eu queria como marido.
A desconhecida Thara Ayad, esposa de um príncipe Al
Harbi? Só nos meus sonhos mesmo.
Fechei os olhos e toquei nos meus lábios que ele havia
beijado. Suspirei, apaixonada.
Será que ele quebraria mais uma regra por mim?
— Terminei, Thara.
Assustei-me quando a voz de Abia desfez a magia do
momento, trazendo-me de volta à dura realidade. Abri os olhos e sorri
para a menina parada na entrada da varanda.
— Vou tomar o meu banho.
Levantei-me, peguei a abaya que escolhi para usar naquela
tarde e fui para o banheiro.
Desde que conheci Majdan, passei a me preocupar mais com
o que vestia, com a maneira de pentear o cabelo, com a maquiagem
que usava nos olhos. As mulheres da família Al Harbi andavam
sempre elegantes, mas eram discretas, e me acostumei a seguir o
exemplo delas.
Malika foi a primeira a me convencer a mudar de visual,
oferecendo abayas lindíssimas para eu usar durante o meu trabalho de
assessora. Contudo, foi Sabirah quem mais me transformou,
começando por exigir que não usasse mais o hijab em algumas
ocasiões, até me ensinar como maquiar os olhos. Depois de tantas
aulas que ela me deu, aprendi a fazer tudo sozinha e passei a gostar da
maneira como hoje me arrumava, principalmente quando notava o
olhar mais demorado de Majdan sobre mim ou a maneira como ficava
admirando-me à distância.
Uma distância que hoje não existia mais, pela graça de Allah.
Contemplei a minha imagem no espelho do banheiro,
notando como os meus olhos pareciam mais brilhantes e a pele do
rosto mais viçosa. Observei os meus lábios e o desenho da boca,
lembrando como a achei grande quando me vi em um espelho de
verdade pela primeira vez. Agora, mais consciente da minha beleza do
que nunca, tinha de reconhecer que o tamanho da minha boca
combinava com o meu rosto e era muito bonita. Tanto Malika quanto
Sabirah já me disseram a mesma coisa e não havia como achar o
contrário.
Olhei-me pelos olhos do príncipe e agradeci a Allah por ter
me feito bonita. A expressão no meu rosto era de felicidade e eu sabia
muito bem o motivo de estar assim.
“A vaidade é uma falha de caráter na mulher que precisa ser
duramente combatida.”
Inspirei profundamente, negando-me a deixar que as palavras
do meu pai roubassem a minha felicidade.
Decidida, saí do banheiro e voltei para o quarto, onde Abia
me esperava sentada na cama com o celular na mão. Assim que me viu
entrar, ela largou o aparelho e sorriu, batendo palmas.
— Como você está linda! O papai vai gostar.
Hã?!
Paralisei completamente no meio do caminho, tão chocada
que nem consegui disfarçar.
— Desde... desde quando o seu pai... quer dizer, o príncipe...
Sua Alteza Real nunca me olhou...
Calei-me, incapaz de falar com coerência.
Oh, mil vezes Bismillah!99
Eu só estava piorando a minha situação. Em vez de negar
tudo com segurança e até brincar com a situação, estava gaguejando
como uma culpada.
Inspirei fundo e me sentei na cama ao lado dela, tentando
aparentar normalidade.
— O príncipe Majdan não tem que achar nada da minha
aparência, Abia. Nem gostar nem desgostar. Tanto ele quanto os
outros príncipes me tratam com o respeito que se deve a uma
funcionária do palácio.
— Você não é uma funcionária. É uma amiga íntima das
minhas tias, uma mãe para mim e para os meus irmãos, e uma
namorada para o papai.
Allah Todo-Poderoso, o que aconteceu com Abia?
Cheguei a achar que ela havia tomado muito sol na cabeça e
estava delirando.
— Por que está insistindo nisso? Se repetir para alguém o que
acabou de me dizer, vai me deixar em uma situação complicada dentro
da sua família, inclusive com o seu próprio pai.
Abia escondeu o riso com as mãos, mas os olhos sorridentes e
alegres não escondiam o quanto estava divertindo-se com o meu
constrangimento.
— Eu vi você com o papai.
Estou perdida!
Pela maneira como ela falou, parecia ter visto muito mais do
que devia.
— Claro que viu. Passamos todos a manhã na praia —
desconversei, erguendo os ombros em um gesto de pouco caso. — O
seu pai inclusive tentou me convencer a ser amiga de Diablo. É claro
que só consegui fazer um carinho rápido no pescoço dele e mais nada.
— Não vi você tentando ser amiga de Diablo, mas vi você
beijando o papai na boca.
Fiquei literalmente de queixo caído, enquanto a princesinha
faceira ria da minha cara de apalermada.
Eu não acredito que ela viu! Não é possível.
— Não precisa ficar nervosa, Thara. Eu não vou contar para
ninguém o que vi, porque amo muito o papai e estou feliz que você
esteja namorando com ele.
Daquela vez fui eu quem cobri o rosto com as mãos,
sentindo-me envergonhada diante de uma menina de dez anos.
Abia me abraçou e deu um beijo no meu cabelo.
— Tive muito trabalho em desviar a atenção de tia Sabirah
para ela não ver nada. Eu estava torcendo para vocês dois ficarem
juntos e olhei várias vezes para trás, ansiosa para acontecer algo. Vi o
papai segurando a sua mão quando estávamos ontem no salão de
jogos. Ele gosta de você.
Baixei as mãos do rosto e olhei-a, admirada com a esperteza
de Abia.
— Você nos enganou direitinho.
O sorriso dela se alargou.
— Allah atendeu aos meus pedidos quando trouxe você para
Taj. O papai era um homem triste e agora já não é mais.
— Ele passou por momentos muito difíceis, mas é forte e
ama muito vocês. Admiro-o desde que o conheci.
A minha voz estava meio embargada tamanha era a emoção
de falar abertamente sobre ele.
— Você ama o papai, não ama?
— Amo muito, muito mesmo. Acho que me apaixonei por ele
desde que o vi pela primeira vez.
Abia se sentou no meu colo sem cerimônia alguma, com a
confiança de uma criança que sabia ser amada. Abracei-a junto ao
peito, amando ainda mais aquela menina.
— Os meus irmãos vão adorar a novidade, mas não vou
contar para ninguém até que vocês digam que eu posso falar.
— Não conte. Namorar é algo expressamente proibido para
nós.
— Eu sei, mas acredito que Allah escolhe quem pode
namorar ou não. Vocês podem — afirmou com uma convicção. — Só
tenham cuidado. Foi por pouco que tia Sabirah não viu vocês hoje.
— Shukran, habibti. Você é a melhor filha do mundo.
— E você é a melhor mãe que Allah poderia me dar.
Contive as lágrimas, abraçando-a com amor.
Capítulo 48
Majdan
“Abia sabe. Estamos descendo.”
Quando li a mensagem de Thara no meu celular, cheguei a
achar que ela estava falando de algo que não tinha nada a ver com o
nosso relacionamento. Depois, caí na real e recriminei a mim mesmo
por não ter sido mais cuidadoso ao beijar Thara na praia. Melhor
ainda, por não ter conseguido resistir à tentação de beijá-la.
Os planos que fiz de contar tudo para os meus filhos com
calma, explicando com cuidado que havia escolhido Thara para ser
minha esposa, foram por água abaixo. Agora, pelo menos com relação
à Abia, aquilo era desnecessário.
E justamente ela!
— Volto já — avisei aos meus irmãos, interrompendo a
conversa e levantando-me da cadeira no terraço da sala.
Apesar de termos tirado aqueles dias de férias em Noor para
comemorar o aniversário de Sabirah, nossas reuniões diárias para
discutirmos assuntos de Estado continuavam.
Fui para a escada aguardar que as duas descessem. Quando
Thara apareceu de mãos dadas com Abia, até perdi o fôlego diante da
beleza feminina em uma abaya azul florida. Os olhos se destacavam
no rosto sensual e cruzaram com os meus assim que me viu.
Percebi o leve sorriso nos lábios carnudos que insistiam em
me tentar mesmo depois de tanto os beijar. Thara parecia tranquila e
deduzi que a minha filha havia reagido bem à descoberta do nosso
relacionamento. Lembrei-me que Abia voltou da praia alegre e falante,
um forte indício de que aceitava a minha escolha.
De qualquer maneira, eu precisava confirmar aquilo.
Assim que me viu, Abia fez cara de inocente. Não veio
correndo me abraçar como costumava fazer, permanecendo de mãos
dadas com Thara. Quando as duas desceram o último degrau, ergui a
minha filha nos braços, deixando-a na minha altura.
— Está feliz ou chateada? — Fui direto na pergunta.
Ela me abraçou pelo pescoço e sorriu, apesar de parecer
envergonhada.
— Estou muito feliz, papai. Era tudo o que eu queria.
Abia era espontânea e jamais diria aquilo se não fosse
verdade. Relaxei na hora.
— Eu ia conversar com você e seus irmãos quando
chegássemos em casa, mas você já descobriu tudo antes de eu abrir a
boca.
Ela soltou uma risadinha e veio cochichar no meu ouvido.
— Vocês precisam ter mais cuidado. Quase que tia Sabirah
viu! Se continuarem assim, todo mundo vai descobrir.
Segurei o riso, sentindo o amor pela minha princesinha
aquecer o meu peito.
— O papai vai ter mais cuidado.
Cruzei o olhar com o de Thara, pensando como conseguiria
ter cuidado quando a queria tanto.
— Não comente nada com os seus irmãos ainda.
Conversaremos com mais privacidade quando estivermos em casa.
Depois eu conto para o restante da família.
Abia colocou o dedinho sobre os lábios em um gesto de
silêncio.
— Não vou contar para ninguém.
— Muito bem. Agora vamos nos reunir com os outros.
Coloquei Abia no chão, aliviado com a aceitação dela.
Troquei um olhar intenso com Thara, controlando a vontade de dizer o
quanto ela estava linda com aquela abaya e os cabelos castanhos
soltos.
Deixei que as duas entrassem na minha frente, aguardando
um tempo antes de entrar sozinho. Ninguém notou nada e voltei a me
reunir com os meus irmãos.

Passamos mais dois dias em Noor antes de voltarmos para


Jawhara. Acabamos saindo tarde para seguir viagem e chegamos
quase à noite em Taj. Igual como na ida, Abia quis voltar no carro de
Sabirah e Thara. Deixei que fosse com elas, mas segui atrás com o
meu SUV, onde trazia Hud, Imad e Jamal.
Sabirah dirigia com muito cuidado e o ritmo era lento, mas
não me impacientei com aquilo, ao contrário de Hud, que queria mais
velocidade.
— Temos mesmo que seguir atrás delas? — ele perguntou
pela terceira vez em menos de dez minutos.
— Temos.
— Já tem tantos seguranças escoltando tia Sabirah que acho
desnecessário fazermos o mesmo.
— Seus tios também estão seguindo atrás e na mesma
velocidade.
— Mas eles têm bebês no carro.
Olhei-o seriamente pelo espelho retrovisor.
— Começo a achar que eu também tenho um.
Imad soltou uma risadinha e Hud se calou.
A viagem seguiu sem mais reclamações da parte dele, mas
notei que ainda estava chateado quando chegamos em Taj. Abia
desceu do carro de Sabirah e veio para o meu e nada mais pude fazer
além de me despedir de Thara com um olhar. Havíamos combinado
nos ver no dia seguinte, mas faltava definir a hora.
Deixei Jamal na casa dele e fui para a minha com os meus
filhos. A conversa que eu queria ter com os três ficaria para o dia
seguinte, quando Hud estivesse mais bem-humorado.
Amira nos recebeu no hall e se encarregou de levá-los para o
quarto. Fui para o meu, pensando que precisava resolver rápido a
minha situação com Thara. Eu a queria perto de mim, morando na
minha casa e dormindo na minha cama.

Um dos melhores hábitos que criei em Dawn Light foi me


acordar cedo. Agora, raramente dormia até tarde como antigamente,
levantando-me sempre antes da Salat Fajr100.
Como eu sabia que os meus filhos iam se acordar tarde,
cansados da viagem, resolvi tomar o café da manhã no escritório de
casa, onde pretendia trabalhar naquele dia, em vez de ir à Global
Harbi. Thara havia dito que trabalharia no palácio com Sabirah e eu
queria estar em casa quando ela pudesse aparecer.
Assim que terminei de me arrumar, liguei para Amira.
— Vou trabalhar em casa hoje. Sirva o meu café da manhã no
escritório e me avise quando os meus filhos acordarem. Quero
conversar com eles antes do almoço.
— Vou providenciar, alteza.
Vinte minutos depois, já no escritório, coloquei como
prioridade naquele dia comprar as alianças e o anel de noivado de
Thara. Depois de conversar com os meus filhos, o passo seguinte seria
pedi-la em casamento.
Tomei o restante do café e coloquei a xícara de lado.
De repente, tive a sensação de receber uma sobredose de
energia. Senti que estava duas vezes mais forte e com capacidade de
vencer qualquer obstáculo. Eu era o Leão de Tamrah e ninguém ia me
impedir de nada! Absolutamente nada!
Os meus sentidos ficaram mais aguçados, os batimentos
cardíacos aceleraram e o mundo ao meu redor explodiu em um
caleidoscópio de cores impressionante, como se eu estivesse dentro de
um arco-íris. Uma mistura de euforia e excitação me dominou, dando-
me um prazer indescritível.
Inspirei profundamente e o cheiro da cocaína entrou pelos
meus pulmões. Inspirei de novo e a vontade cresceu. Eu precisava de
mais, muito mais. Tinha de encontrá-la em algum lugar e ninguém ia
me impedir.
Levantei-me da cadeira e foi quando parei.
— Não! Eu não posso!
“Pode sim, Majdan. Vá atrás!”
A voz feminina soou como se a mulher estivesse sussurrando
no meu ouvido, mas eu estava sozinho. Segurei a cabeça com as mãos,
enterrando os dedos nos cabelos.
— O que está acontecendo comigo?
Eu sabia o que estava acontecendo, mas não queria acreditar
naquilo. Não agora, quando tinha conseguido manter o meu corpo
limpo durante tanto tempo e estava feliz, reconstruindo a minha vida.
Inspirei fundo para tentar me controlar, mas o que senti foi o
cheiro do pó novamente.
Apoiei as mãos na mesa, tenso. Uma parte da minha mente
resistia, mas a outra se entregava à alucinação. Eu sabia que algo de
errado estava acontecendo, mas naquele momento tudo parecia muito
certo. E se eu tinha a certeza de algo, era que precisava snifar101 nem
que fosse só uma vez.
— Mubarak tem!
Tirei o celular do bolso com mãos frenéticas, mas os números
se embaralharam diante dos meus olhos e eu não conseguia ligar para
ele. As teclas pareciam pular, mudando de lugar como se fosse uma
brincadeira de criança.
— Khara! Khara! — gritei, enfurecido, atirando o celular
com violência para o outro lado do escritório.
A raiva me dominou e empurrei tudo o que estava em cima
da mesa. Os papéis, o suporte de canetas de ouro, a xícara de café, o
monitor do computador, o telefone. Tudo, absolutamente tudo foi ao
chão, causando um estrondo enorme dentro da sala.
“Vá, Majdan. Vá atrás!”
A voz voltou a falar comigo e marchei decidido para o local
onde havia jogado o celular. Antes que eu o encontrasse, uma batida
soou na porta.
— Alteza, está tudo bem? — Alguém perguntou do lado de
fora.
— Deixem-me em paz! — vociferei, indo à caça do meu
celular.
Só o encontrei, porque ele começou a tocar. Eufórico, tive a
certeza de que era o Mubarak.
Localizei o celular atrás de uma das poltronas que estavam
encostadas à parede. Ele ainda tocava e o atendi às pressas.
— Mubarak, até que enfim ligou. Eu preciso de...
— Sou eu, o Yusuf! Por que está me chamando de Mubarak?
Passei uma mão no rosto.
— Porque preciso de ajuda — admiti, sentindo-me derrotado.
Capítulo 49
Majdan
— Khara102! Acredite em mim, Yusuf. Eu não consumi nada!
Já deixei faz tempo e estou com o meu corpo limpo.
— Olhe ao redor, Majdan! Quando foi a última vez que você
fez isso? — Ele apontou para o estrago que fiz na sala. — Nós
sabemos a resposta.
Irritei-me com ele por não acreditar em mim.
— Não consumi nada, porra! — gritei, apesar de me sentir
mais calmo e controlado.
— Se não quiser assustar os seus filhos, é melhor parar de
gritar.
Inspirei fundo e daquela vez não senti cheiro de cocaína no
ar, o que só comprovava que tive uma das conhecidas alucinações que
o consumo da droga causava. Meneei a cabeça com desânimo, sem
acreditar no que havia acontecido comigo.
— Devo ter tido algum efeito tardio da abstinência. Fui
avisado na clínica que isso podia acontecer. A cura completa pode
demorar anos, décadas. Posso, inclusive, nunca ficar totalmente
curado e passar a vida inteira tendo lembranças vívidas de quando me
drogava. Só preciso resistir para não ter uma recaída.
— Resistir? Você estava em vias de pedir cocaína a Mubarak,
Majdan. Ou pensa que não entendi tudo depois?
Não respondi, nem ele comentou mais nada. Yusuf parecia
tão em choque com o que havia acontecido quanto eu.
— Se você ainda está consumindo, precisa admitir.
— Eu não estou. — Praticamente soletrei para ele, mas sem
gritar.
Apesar do que disse, aquele episódio parecia ter disparado
um gatilho dentro de mim. Eu não me sentia bem e conhecia aquele
pensamento fixo na droga.
Sentado no sofá, apoiei os antebraços nas coxas e cruzei as
mãos com força, tentando me controlar.
— Não deixe os meus filhos me verem desse jeito... —
vacilei no que ia dizer, mas continuei —, nem a Thara.
Yusuf me olhou com seriedade.
— Afinal, era ela.
— Era, mas não será mais se eu continuar assim. A última
coisa que quero é uma segunda esposa achando que sou um drogado
inútil e sem serventia para nada. Ela também não merece viver no meu
inferno.
Ele praguejou e fechei os olhos, lutando para manter o
mínimo de dignidade e não fraquejar por completo. Eu estava
sentindo-me um fracassado, quando antes me sentia confiante com a
vida que estava reconstruindo aos poucos ao lado dos meus filhos e de
Thara.
A imagem de Takeshi veio à minha mente e trinquei os
dentes com força ao me lembrar de tudo o que ele me ensinou. Foi
engolindo a tristeza que recitei o lema do dia.
“Só por hoje não vou me sentir um fracassado.”

Yusuf providenciou que o escritório fosse limpo e arrumado


antes dos meus filhos acordarem. Quanto aos empregados, talvez
desconfiassem do que havia acontecido, talvez não. De qualquer
maneira, se eu não tivesse cuidado, em breve o palácio inteiro saberia
que tive uma crise de abstinência, ou, pior ainda, achariam o mesmo
que Yusuf: que eu continuava consumindo, mas mentia dizendo que
não.
Os meus filhos saberiam, os meus pais saberiam, os meus
irmãos, a família inteira, o país e o mundo. Seria o retorno do príncipe
Majdan Al Harbi às manchetes de escândalos.
Por fim e mais doloroso: Thara saberia. Só de imaginar ficar
sem ela, uma dor atroz corroía o meu peito.
— Não seria melhor fazer um exame de sangue ou de urina?
— Yusuf propôs e entendi perfeitamente aonde ele queria chegar.
Precisei inspirar fundo várias vezes antes de responder com o
mínimo de calma.
— Por que devo fazer isso se tenho certeza de que não
consumi nada?
— Me desculpe por insistir, mas tem certeza mesmo? Não
consigo ver outra explicação para o que aconteceu.
Olhei-o duramente.
— Você acha que estou mentindo.
— Acho que talvez esteja tão dependente que a sua própria
mente se recuse a admitir isso. Assim não precisa parar, entende? Se
acredita que não consome, nunca vai se tratar. Vai continuar
consumindo e enganando a si mesmo em um círculo vicioso.
Al’ama103, eu não estou louco a este ponto!
— Por Allah, eu não estou fazendo isso! Se você não acredita
em mim, não é a pessoa certa para me ajudar.
— Como posso acreditar? Você devia se olhar no espelho,
Majdan! Está com as pupilas dilatadas. Não se esqueça que já cuidei
de você antes e sei dos sinais. O que mais está sentindo? Suor em
excesso? — Ele consultou o relógio no pulso. — Estamos aqui há
quase uma hora e você sabe que o efeito da droga dura cerca de trinta
minutos, no máximo quarenta. O pior já passou, mas os sinais ficam.
Aquilo me abalou mais do que deixei transparecer, mas ainda
assim não duvidei de mim mesmo. Eu sabia que se usasse uma única
vez depois de um longo tempo de abstinência, o efeito seria mais forte
do que se estivesse consumindo com frequência, mas também tinha
plena consciência de que não estava consumindo nenhuma substância.
O meu corpo estava limpo desde que tomei a decisão de deixar de ser
um dependente químico e fazer uma desintoxicação em Dawn Light.
Eu acreditava muito mais em uma crise tardia de abstinência do que
naquela merda que o Yusuf estava falando.
— Chame Hasan. Vou fazer os exames que forem necessários
e provar que não estou consumindo, mas você vai prometer não contar
a ninguém sobre Thara. Nem à Malika. Como ninguém sabe sobre ela,
a reputação de Thara ficará protegida de qualquer mancha que o
envolvimento comigo poderia acarretar.
— Vocês dois chegaram a...
— Não! — Interrompi, contraindo tensamente a mandíbula.
— Ela continua tão virgem quanto antes de me conhecer.
Ele se sentou ao meu lado e me abraçou pelos ombros com
força.
— Vou ajudá-lo, meu irmão. Você vai superar esta fase e ficar
com a mulher que ama.
Apesar do que ele disse, eu não tinha mais tanta certeza
assim.

Quando voltei para o meu país depois do tratamento de


desintoxicação em Nova York, achei que nunca mais precisaria dos
cuidados de Hasan, o enfermeiro-chefe do setor médico de Taj. Ele era
um profissional experiente de cinquenta e seis anos que havia me
acompanhado diversas vezes no passado. Era uma merda que agora
fosse me atender de novo pelo mesmo motivo.
Depois que forneci o material para ele providenciar o exame
toxicológico, ainda fiquei alguns minutos conversando com Yusuf no
escritório. Senti que ele estava sem querer me deixar sozinho, o que
fez pesar duas vezes mais a sensação de fracasso que já me dominava.
Eu me sentia completamente derrotado. O tempo parecia ter
voltado para trás, levando-me à época das antigas crises, obrigando os
meus pais e irmãos a me vigiarem vinte e quatro horas por dia para
que eu não cometesse nenhuma loucura, como me matar ou matar
alguém.
— Você já pode ir, Yusuf. Vou para o meu quarto descansar.
Já me sinto bem, só estou cansado.
Ele permaneceu calado, mas percebi o quanto estava indeciso
sobre o que fazer. Sem poder contar para ninguém o que havia
acontecido, ele teria de lidar sozinho com os meus problemas, sem
receber conselhos ou ajuda dos meus pais ou de Saqr.
— Vá tranquilo — insisti com firmeza. — Eu ligo se precisar
de alguma coisa.
Levantei-me, determinado a mostrar a ele que realmente
estava bem. Não tinha lógica nenhuma que Yusuf ficasse o dia inteiro
ao meu lado.
Abracei-o com emoção.
— Obrigado por ter vindo tão rápido me ajudar.
— Vou embora, mas se prepare para atender todas as dezenas
de ligações que vou fazer para saber se continua se sentindo bem.
Ainda consegui rir com aquele aviso.
— Só não atenderei se estiver dormindo.
— Tenho uma reunião nos serviços secretos no início da
tarde, mas depois voltarei para Taj e passarei logo aqui.
Saímos do escritório e acompanhei-o até o hall de entrada.
Estávamos nos despedindo no pátio frontal quando a porta dupla que
dava acesso à minha ala foi aberta pelos guardas e Thara entrou. O
acelerar do meu coração foi instantâneo, mas me mantive impassível.
Havia chegado o momento mais difícil de lidar.
Yusuf também a viu e suspirou pesadamente. Entretanto,
sorriu quando ela se aproximou.
— Sabah al khair104, altezas — ela cumprimentou com um
sorriso discreto, dirigindo-se primeiro a Yusuf e depois a mim.
Ela nunca me olhava diretamente quando estávamos na
companhia de alguém da família, dando mais atenção aos outros do
que a mim, para que ninguém desconfiasse de nada.
— Sabah al nur105, Thara — Yusuf respondeu por nós dois.
Só então ela me olhou.
— Combinei pegar Abia hoje para passarmos o dia juntas —
justificou a presença em minha casa. — Não sei se ela já está
acordada, mas achei melhor vir cedo.
— Fique à vontade para ir ao quarto dela.
— Shukran, alteza.
Ela se despediu e entrou, enquanto eu soltava o ar que parecia
preso nos pulmões.
— Boa sorte, meu irmão — Yusuf me deu um aperto de
ombros e foi embora.
Entrei em casa e voltei para o escritório, esperando não me
encontrar com Thara no meio do caminho. Eu não me sentia com
forças para lidar com ela agora. O que sentia era uma fragilidade
assustadora e um medo absurdo de ser obrigado a renunciar à mulher
que amava.
Capítulo 50
Thara
— Você pode vir aqui agora? — Abia me pediu ao celular.
Consultei as horas e franzi a testa ao ver o quanto ainda era
cedo. Pensei que ela se acordaria tarde por causa da viagem.
— Sim, claro que posso. Mas aconteceu alguma coisa? É tão
cedo ainda.
— Conto quando você chegar. Só vem logo, mas não diz a
ninguém que fui eu quem chamei.
Achei aquilo tão estranho.
— Nem para o seu pai?
— Principalmente para ele.
Fiquei preocupadíssima ao confirmar que ela queria esconder
do pai que me chamou.
— Por que isso, Abia?
— Só vem, por favor.
Definitivamente, algo de muito estranho estava acontecendo e
fui rápido para a casa de Majdan. A pressa foi tanta que só no meio do
caminho notei que não havia colocado o hijab.
Assim que os guardas me deixaram entrar, surpreendi-me ao
vê-lo no pátio com Yusuf. Ambos estavam com uma expressão
carregada no rosto e deduzi logo que algo de muito sério realmente
havia acontecido.
Apesar dos cumprimentos habituais, notei que Majdan estava
diferente comigo. A frieza com que me tratou não tinha nada a ver
com disfarçar para o irmão o relacionamento que tínhamos.
Fingi que estava tudo bem e entrei para falar com Abia. Ela
era a pessoa mais indicada para esclarecer o que estava acontecendo.
Encontrei Amira, Keisha e mais duas empregadas saindo do
corredor que levava ao quarto de Majdan. Pareciam apressadas, como
se estivessem atrasadas na limpeza da casa.
Cruzamos quase em frente aos quartos das crianças.
— Salaam aleikum.
— Alaikum as-salaam, Thara.
O sorriso de Amira foi tenso e as outras permaneceram sérias.
— Combinei pegar Abia hoje para passarmos o dia juntas —
repeti o mesmo que havia dito para Majdan e o príncipe Yusuf. — Não
sei se ela já está acordada, mas achei melhor vir cedo.
— Ainda não tivemos tempo de ver as crianças, mas como
não nos chamaram, devem estar dormindo.
— Vou dar uma olhada em Abia.
— Sim, faça isso.
Observei-as caminhando rápido pelo corredor até
desaparecerem e só então entrei no quarto de Abia. Ela estava sentada
na cama, mas se levantou de imediato assim que me viu. Mal tive
tempo de fechar a porta e já estava sendo abraçada com força.
— Thara! Que bom que já chegou.
Fiquei preocupadíssima ao ver que ela chorava.
— Por Allah! O que foi que aconteceu para você estar
chorando?
— É o papai, ele não está bem. Tenho medo por ele.
Uma angústia enorme apertou o meu peito ao ouvir aquilo. O
que ela disse tinha tudo a ver com o que eu havia sentido ao encontrá-
lo lá fora.
Levei Abia para a cama, onde nos sentamos.
— Me conte tudo — pedi, limpando as lágrimas do rostinho
dela.
A menina soluçava e demorou a se acalmar o suficiente para
falar.
— Eu me acordei cedo e fui procurar o papai no quarto, como
estou acostumada a fazer. Ele não estava mais lá e desci atrás dele.
Quando estava passando perto do escritório, eu o ouvi gritando com
muita raiva. Depois veio um barulho horrível, como se muitas coisas
estivessem sendo atiradas ao chão. — Ela voltou a chorar, esforçando-
se para falar. — Eu... eu conheço isso. Ele antigamente agia assim
quando usava aquilo.
Apesar de Abia não ter falado o nome da cocaína, entendi que
se referia a ela. Só que eu não acreditava que Majdan tivesse usado a
droga de novo, ainda mais depois de voltar de Noor e estarmos tão
felizes juntos.
— O seu pai não usa mais nada disso, Abia. Eu tenho certeza
que não. Deve ter acontecido alguma outra coisa que o deixou muito
irritado e ele perdeu o controle.
Ela comprimiu os lábios com força e negou com um gesto de
cabeça.
— Eu corri e chamei Amira. Ela pediu a um dos empregados
para bater na porta e o papai gritou para o deixarem em paz. Estava
furioso e tenho medo quando ele fica assim — admitiu, fazendo o meu
coração sofrer por ela. — Me escondi atrás da cortina e vi tudo. Os
empregados não sabiam o que fazer, até que o tio Yusuf chegou às
pressas e se trancou lá dentro com o papai. Eu já vi essa cena várias
vezes, Thara. Eu sei do que estou falando.
Oh, Poderoso Allah!
Até eu estava com vontade de chorar agora, não só pelo
sofrimento de Abia, como também pelo de Majdan. Quis falar com ele
e ajudar de alguma forma, mas a maneira fria com que me tratou
voltou à minha mente.
— Escute, Abia. Sei que viveu momentos terríveis no
passado que a deixaram traumatizada, mas eu acredito firmemente que
o seu pai não usou nenhum tipo de droga. Há alguma coisa errada
nessa história e temos de descobrir o que é. Só assim poderemos
ajudá-lo.
— Você acha isso mesmo? — perguntou, esperançosa.
— Tenho certeza. Eu conheço o seu pai e sei que ele não
queria usar mais nada. Estava determinado a permanecer limpo para o
resto da vida para cuidar de vocês e ser feliz. Acredite nele como eu
acredito.
Ele respirou fundo e um soluço trêmulo escapou junto com o
ar.
— Eu acredito no papai. O que podemos fazer para ajudar?
Respirei aliviada.
— Precisamos descobrir o que realmente aconteceu no
escritório. Vou falar com ele agora mesmo, mas fingindo não saber de
nada, assim o seu pai não vai desconfiar que você me contou.

Fui decidida até o escritório de Majdan e bati na porta,


esperando que me atendesse. Nada aconteceu e bati de novo, pensando
se ele realmente estava lá ou se tinha saído com Yusuf.
Girei a maçaneta para abrir a porta e forcei várias vezes, mas
ela estava trancada à chave. Suspirei, desanimada.
Eu já estava indo embora para perguntar à Amira se sabia
onde Majdan estava, quando a porta se abriu com tanta brusquidão que
me assustei.
— Quero ficar sozinho! — ele rosnou entredentes, até parar
de falar quando me viu.
Por instantes fiquei sem ação, apenas olhando-o. Ele também
não reagiu de imediato, parecendo travar uma batalha interior sobre o
que fazer.
— Podemos conversar?
O peito amplo se expandiu em uma inspiração profunda e
desconfiei que ia negar.
— Agora estou ocupado com o trabalho e preciso me
concentrar.
Era a primeira vez que ele me dispensava desde que nos
conhecemos. A sensação era péssima e tive realmente vontade de ir
embora. Se fosse antes de Noor, provavelmente eu iria mesmo, mas
depois de tudo o que havia acontecido entre nós dois lá, eu ia insistir.
— É rápido. Não vou demorar.
— Não é adequado que fique sozinha comigo no escritório.
Tentei não ficar boquiaberta na frente dele, uma vez que eu
estava diante de um homem acostumado a quebrar regras, como ele
mesmo gostava de dizer.
Encarei-o com firmeza.
— Já quebrei algumas regras antes e posso quebrar mais uma
agora.
Majdan demorou tanto a responder que só comprovou para
mim que algo de muito sério havia acontecido. Restava saber se era
relacionado a ele ou a mim, já que parecia não querer falar comigo.
Fosse o que fosse, eu ainda não acreditava que ele tivesse consumido
cocaína de novo.
— Entre, Thara — autorizou, afastando-se para o lado e
deixando-me entrar.
A porta foi fechada e ficamos sozinhos. Se fosse antes, ele já
teria me abraçado e beijado apaixonadamente, aproveitando aquela
oportunidade de estarmos juntos. Agora, mantinha-se rigidamente
distante à minha frente.
— O que aconteceu? Você está me tratando diferente.
— Hoje não é um dia bom para conversarmos sobre nós dois.
A maneira como falou foi tão dura que quase concordei com
ele.
— E tem dia bom para isso? Achei que tínhamos uma ligação
especial que dispensava “dias bons”.
— Tínhamos, mas as coisas mudam.
Bismillah!106 Só falta dizer que não existe mais nada entre
nós.
— E o que mudou de ontem para hoje?
— Muita coisa e ao mesmo tempo nada. Tudo continua igual
como sempre foi. — A resposta era enigmática e veio em um tom
cansado.
Não poder falar nada do que Abia havia me contado era
frustrante e limitava a conversa. Como ajudá-lo se eu não podia ir
direto ao assunto?
O que faço, Allah? Me ajude!
Sem saber como levar aquela conversa tensa adiante e fazer
com que ele desabafasse comigo, resolvi seguir o meu coração.
Aproximei-me, ficando a um palmo de distância. Ergui a cabeça para
o encarar diretamente.
A posição era tão íntima que eu sentia a respiração dele no
rosto.
— Majdan, você ainda gosta de mim?
Um músculo pulsou na mandíbula enrijecida e percebi o
esforço que fez para se controlar. O meu coração dizia que ele já teria
acabado com tudo de vez se não sentisse nada mais por mim.
Fui ousada e coloquei a mão sobre o músculo que pulsava na
mandíbula forte, acariciando a face barbada. O meu olhar desceu para
os lábios firmes que me beijaram com tanta paixão em Noor.
Eu o amo!
Antes mesmo que tivesse tempo de piscar, fui abraçada e
beijada de uma maneira tão súbita que ofeguei de surpresa. De
repente, já estava sendo arrebatada nos braços fortes e quase retirada
do chão com o ímpeto do beijo.
Fechei os olhos e me entreguei, correspondi, beijei-o com a
mesma intensidade. Gemi extasiada quando fui pressionada contra o
peito largo, as mãos grandes percorrendo as minhas costas de alto a
baixo com urgência e possessividade, em uma carícia cheia de paixão.
Abri a boca e deixei que a língua dele tocasse a minha, que
me saboreasse como se eu fosse o melhor dos doces. E foi o que ele
fez, devorando-me com sofreguidão cada vez maior.
Majdan parecia totalmente fora de controle e inspirei fundo
quando as mãos firmes subiram pelo meu corpo até tocarem os meus
seios. Arquejei, sem acreditar que estávamos tendo um contato tão
íntimo. Era bom, mas também proibido.
— Majdan! — exclamei, dividida entre o prazer e o medo de
algo que nunca havia feito com ele antes.
Ele não disse nada, muito menos parou. Ao contrário, passou
a estimular um dos meus seios com os dedos por cima da abaya
enquanto investia o quadril contra o meu corpo. Insegura e meio
assustada com tanta paixão descontrolada, segurei-o com força pelos
ombros, que estavam enrijecidos, tensos, duros.
Ele mergulhou o rosto no meu pescoço, roçando a barba na
pele sensível e arrancando um novo gemido da minha garganta.
Quando os lábios quentes envolveram o lóbulo da minha orelha,
mordendo-o levemente, arqueei o corpo contra o dele, suspirando de
prazer.
Tudo estava acontecendo de uma maneira vertiginosamente
rápida e, ao mesmo tempo, intensa demais. Fui erguida pela cintura na
altura exata para ele mergulhar o rosto nos meus seios por cima da
abaya. Fiquei tão chocada que paralisei, para depois jogar a cabeça
para trás e gemer alto quando senti os dentes dele mordendo o meu
mamilo. Mesmo com o tecido da abaya e o sutiã, estremeci de prazer
com o toque íntimo e poderoso.
Segurei-o pelos cabelos, incapaz de descrever o
arrebatamento que me dominou, o calor que me aqueceu e fez a minha
intimidade pulsar.
— Oh, Majdan!
Eu estava sentindo-me tão bem que ficaria nos braços dele
para sempre se pudesse, mas sabia que era errado o que estava
sentindo e o que estávamos fazendo. Aquilo era algo que eu só deveria
fazer com o meu marido e Majdan nunca havia falado de casamento
comigo, muito menos feito um pedido para me tornar esposa dele. Ao
contrário, quase havia me dispensado minutos atrás.
Se o que estávamos fazendo deixasse de ser um segredo só
nosso, eu estaria marcada para sempre. Nada tiraria a mancha da
minha reputação e seria tratada por todos como uma prostituta que
vivia para dar prazer aos homens. A amante do príncipe.
— Majdan, por favor. — Foi a única coisa que consegui dizer
em meio a tantos prazeres recém-descobertos.
Ele parou com as carícias nos meus seios, mas não me soltou.
Continuou com o rosto afundado neles e abraçando-me fortemente
naquela posição íntima. Tinha a respiração ofegante, o corpo tenso e
rígido.
Baixei a cabeça e os meus cabelos caíram sobre nós dois,
aumentando a sensação de intimidade.
— Ana bhebak107, Majdan.
A declaração saiu da minha boca sem que eu conseguisse
segurar as palavras, de uma maneira instintiva e ditada pelo coração.
Fui abraçada com mais força, quase desesperadamente, como
se ele tivesse medo de me perder. Senti a angústia dele como se fosse
minha.
— O que está acontecendo? Converse comigo, por favor.
Aquilo foi o suficiente para ele me colocar no chão e virar as
costas, afastando-se para o outro lado do escritório.
— Saia, Thara. Saia antes que eu cometa uma loucura. Se
ficar, não vai sair daqui virgem.
A voz enrouquecida estava dura e seca, mas muito firme. Ele
havia feito o mesmo comigo quando nos beijamos pela primeira vez
em Noor. Naquela ocasião fiquei e ele cumpriu o que disse, beijando-
me. Se eu ficasse agora, não duvidava de que Majdan faria o mesmo,
tirando a minha virgindade.
Fui corajosa em Noor, mas naquele momento me acovardei,
com medo de ficar.
Se a intenção dele era me assustar para que fosse embora,
conseguiu. Majdan estava sob muita pressão, no limite do que podia
controlar de si mesmo e eu não sabia se conseguiria lidar com tudo
aquilo.
Fui para a porta e saí do escritório. Do lado de fora, arrumei a
abaya e os cabelos despenteados para não voltar ao quarto de Abia
daquele jeito.
Não dei nem três passos e ouvi a chave girando na fechadura.
Parei, olhando para trás com pesar.
Ele havia se trancado novamente no escritório e o meu
coração doeu por deixá-lo sozinho daquele jeito.
Cuida dele para mim com a Tua misericórdia, Allah.
Apesar dos momentos de intimidade que compartilhamos
instantes atrás, estávamos ambos sofrendo. Eu não sabia o motivo que
o deixou daquele jeito, mas estava disposta a investigar e descobrir
tudo, antes que Majdan desistisse completamente de nós dois, quando
eu sentia que ele me amava.

Foi com determinação e passos rápidos que voltei para o


quarto de Abia. Estava subindo as escadas quando uma voz feminina
me chamou.
— Thara, espera!
Virei-me para Sabirah, que havia acabado de chegar. Estava
sorridente, mas ficou séria assim que se aproximou.
— Por Allah, o que aconteceu? Você está com uma cara de
funeral.
Segurei-a pela mão.
— Vem comigo e não fala nada.
Puxei-a para o quarto de Abia. Assim que entramos, a menina
se levantou com o rosto angustiado e ansioso.
Sabirah olhou dela para mim.
— Morreu alguém e não estou sabendo? O meu irmão e
sobrinhos estão bem? Digam-me alguma coisa ou vou começar a
surtar!
— Sente-se, Sabirah. Vou contar tudo o que posso.
— Tudo o que pode? De jeito nenhum! Quero saber toda a
verdade.
Troquei um olhar com Abia. Eu não ia quebrar a confiança
que ela tinha em mim.
Ela assentiu discretamente e só então contei para Sabirah
tudo o que sabíamos. Quando terminei, Sabirah estava tão séria quanto
nós duas.
— Se Yusuf veio, concordo com Abia. Infelizmente, acho que
Majdan teve uma recaída.
— Eu não acredito. O seu irmão não faria isso — defendi-o,
tentando não deixar evidente o relacionamento que tínhamos.
— Eu também queria acreditar nisso, mas as evidências
mostram o contrário.
— Não! Tem algo de errado nessas evidências. Desde que
conheci o príncipe, o comportamento dele é normal, sem nenhum
indício de alteração por causa do uso de drogas. Vocês devem ter
percebido isso também!
— Sim, é verdade — Sabirah admitiu.
— Então, agora pense! Chegamos ontem de um convívio
familiar maravilhoso, em que ele se mostrou calmo e controlado o
tempo inteiro. Tem alguma lógica que chegue em casa e já no dia
seguinte se drogue tanto a ponto de quebrar o escritório?
— Thara tem razão — Abia concordou. — Mas se o papai
não usou nada, como ficou com os mesmos sintomas de quem usa?
— Talvez tenha tomado algo que teve um efeito parecido —
sugeri. — Vocês sabem se ele toma remédios para controlar o vício?
— Sei que tomou na clínica. Ele mesmo disse quando voltou
— Sabirah explicou. — Mas foi só no início do tratamento. Depois
conseguiu ficar sem tomar nada, superando a síndrome de abstinência
com aulas de karatê, de pilates e muita meditação. Disse que tinha um
mentor japonês que o ajudou muito com a filosofia oriental.
— Vê? Tudo isso mostra que ele não se drogou hoje.
Abia suspirou, triste.
— Ficamos na mesma.
— Vamos confiar que Allah um dia vai nos mostrar o
caminho. Tenho fé que ainda vamos descobrir o que realmente
aconteceu.
Capítulo 51
Majdan
Yusuf ligou todas as dezenas de vezes que disse que ia ligar.
— Como está se sentindo?
— Bem, não se preocupe.
Não era mentira, mas também não era verdade. Nunca pensei
que Thara ia me procurar no escritório minutos depois de chegar para
ver Abia. Ela notou a maneira diferente com que a tratei, sem se
deixar iludir que era por causa da presença de Yusuf, e quis saber o
que havia de errado comigo.
Aquela conversa não era para ter acontecido hoje, um dia em
que o mundo parecia estar caindo ao meu redor. Para piorar, excedi-
me, perdi o controle, ultrapassei os limites e quase tirei a virgindade
dela.
— É difícil não me preocupar, meu irmão. — A voz de Yusuf
estava séria. — Hasan deu notícias sobre o exame?
— Até agora não. Estou aguardando.
Havíamos pedido urgência no resultado. Quanto à
confidencialidade, eu mesmo fiz questão de dizer que apenas eu,
Yusuf e ele teríamos conhecimento daquela informação. Mais
ninguém.
— Cancelei a reunião nos serviços secretos e vou passar aí
mais cedo.
Khara!
— Por que fez isso? Não há necessidade de parar tudo por
minha causa.
— Não foi por sua causa. Saqr tem um assunto urgente para
tratar comigo e pediu que estivesse à tarde em Taj.
— É algo muito sério?
— Não faço ideia. Ele estava em uma reunião quando me
ligou e não disse o que era. E você, vai trabalhar hoje?
— Vou trabalhar aqui em casa. Pelo menos até receber o
resultado do exame.
— É uma boa decisão. Depois que falar com Saqr passo aí
para conversarmos.
Eu esperava estar com um resultado negativo em mãos
quando ele chegasse, mas acabei vendo o Yusuf bem antes do previsto.
Hamdan ligou no início da tarde para informar os
compromissos da semana, depois de se reunir com os assistentes dos
meus irmãos. Os quatro costumavam combinar nossas agendas de
acordo com as necessidades do meu pai e da função que ocupávamos
no governo e na Global Harbi.
— A reunião de amanhã com o príncipe Saqr sobre a
negociação de paz em Sadiz foi cancelada. Ele não vai ter tempo de
conversar hoje com o Sheik Abdullah por causa da reunião de
urgência com os líderes da região de Rummán. Como Salim Ayad vai
estar presente, o príncipe transferiu todos os compromissos que tinha à
tarde para amanhã.
Cerrei o punho quando ouvi o nome do pai de Thara.
O que Salim Ayad está fazendo aqui?
— Tem certeza que Salim Ayad vai estar presente? —
Controlei com dificuldade a raiva na voz para ele não perceber nada.
— Tenho, alteza. Foi a primeira coisa que Esmail me
informou. A reunião vai começar daqui a vinte minutos.
Por que eles não me disseram nada?
Tentei não foder a minha cabeça com aquilo, mesmo com a
dolorosa sensação de que me deixaram propositadamente de fora.
Ainda procurei justificar a atitude de Saqr dizendo a mim mesmo que
foi uma urgência que surgiu, mas então me lembrei que ele teve tempo
de avisar o Yusuf sobre a reunião e de o chamar para participar, mas
não fez o mesmo comigo.
— Em que sala vai acontecer a reunião?
— No majlis do Sheik Rashid.
Com o meu pai!
Não era uma reunião de Saqr com os representantes de
Rummán, mas de todos os príncipes Al Harbi com eles. Todos, menos
eu!
Khara!
— Falamos depois, Hamdan — despedi-me dele sem ouvir o
restante da minha agenda de trabalho.
Liguei imediatamente para Thara. Ela me atendeu no segundo
toque.
— Onde você está?
— Ainda estou na sua casa. Na sala de estudos.
Parte da minha tensão desapareceu ao saber que ela estava
ali.
— Vou aí.
Levantei-me e saí do escritório, indo para a sala de estudos
onde encontrei Thara e Keisha com os meus filhos. Assim que entrei,
Abia veio correndo me abraçar.
— Papai! — Ganhei um beijo e um abraço. — Terminou de
trabalhar?
— Não, filha. Vim me despedir antes de ir para uma reunião.
Falei com Hud e Imad, para só depois chamar Thara para
conversar longe deles.
— Está tudo bem? — perguntou-me preocupada.
— Sim, está. Vou para uma reunião agora, mas não quero que
você saia daqui antes de eu voltar.
Ela olhou para Abia, que tinha voltado a atenção para os
estudos.
— Nós duas combinamos ir ao majlis de Farah daqui a uma
hora.
— Não vão mais. Quero que fiquem aqui.
Ela franziu a testa.
— Por que não podemos ir? Não estou entendendo.
Pela confusão dela, não devia estar sabendo da presença do
pai em Taj.
— Ninguém lhe contou que o seu pai está aqui?
O medo ficou visível nos olhos arregalados e trinquei os
dentes ao vê-la assustada daquele jeito. Thara recuou um passo, como
se assim pudesse evitar de se encontrar com o pai dentro do palácio.
— Não estou sabendo de nada — sussurrou, abraçando a si
mesma em um gesto defensivo.
Quis que fosse eu a abraçá-la, mas a presença de Keisha me
impediu. Contudo, olhei-a firmemente.
— Não tenha medo. Eu já disse que vou proteger você
sempre e em qualquer situação.
Ela pareceu mais preocupada ainda.
— Essa reunião para onde você está indo agora é com ele?
— É e quero estar lá sabendo que você está protegida aqui
dentro.
Ela fez um gesto na minha direção, mas depois parou,
lembrando que não estávamos sozinhos.
— Tenha cuidado, por favor. Ele nunca o aprovou.
Torci a boca com cinismo.
— Sei disso. — Despedi-me dela com um meneio de cabeça.
— Fique tranquila, Thara.
Fui falar com os meus filhos mais uma vez e depois saí para a
reunião. Possivelmente chegaria atrasado, mas o importante era estar
presente.
Assim que me aproximei, notei duas mulheres usando niqabs
pretos ocupando um dos sofás da antessala do majlis. Elas estavam tão
rigidamente sentadas que sequer ergueram os olhos à minha passagem.
Segui em direção às portas duplas fechadas, onde dois
guardas estavam de prontidão do lado de fora, fazendo a segurança do
majlis principal onde o meu pai recebia as lideranças do governo e
atendia as pessoas que o procuravam.
Foi impossível não me lembrar de uma outra ocasião anos
atrás, em que também me senti excluído de uma reunião que o meu pai
fez com Saqr e Yusuf. Naquele dia, acabei matando a socos o guarda
que me impediu de entrar.
Respirei profundamente, o pesar pelo que fiz no passado
servindo de alerta para o que faria a seguir.
Notei o olhar receoso com que os guardas acompanharam a
minha aproximação.
— Abram! — ordenei com autoridade.
Se pensaram em dizer algo contra, desistiram. As portas
foram imediatamente abertas e entrei no majlis.
Todos pararam de falar e olharam para mim em um silêncio
surpreso.
— Masa al khair108 — cumprimentei-os educadamente. —
Peço desculpas pelo atraso, mas só consegui chegar agora.
Caminhei calmamente para um lugar vago ao lado dos meus
irmãos, sentindo o olhar preocupado de Yusuf. Encarei-o com firmeza,
deixando bem claro que não perderia o controle durante a reunião.
Além dele e de Saqr, Jamal também estava presente e foi ao
lado dele que me sentei.
Só eu fiquei de fora da reunião.
Cruzei um olhar sério com o meu pai por ter me excluído. Ele
teria muito o que me explicar depois.
Desviei a minha atenção para os outros ocupantes do majlis.
Reconheci imediatamente o Grão-Mufti109 Sheik Isam Hussein de
Jawhara. Ele era o mais proeminente religioso do país, um dos poucos
que eu respeitava.
Fora ele, cinco homens também estavam sentados na longa
mesa de reunião. Dois deles eu nunca vi antes, mas os outros três eu
conhecia por ter lido o relatório de investigação que os serviços
secretos fizeram da família de Thara. Eu já esperava pela presença do
pai dela, Salim Ayad, assim como do filho mais velho, Marzuq Ayad.
Contudo, fui pego de surpresa ao identificar Musad Faez ao lado
deles, o ex-noivo por obrigação de Thara.
Os cinco homens da comitiva de Rummán olharam para mim
como se estivessem em choque. Pela expressão no rosto deles,
dividiam-se entre o fascínio, o desprezo e o medo de estarem diante do
tão “mal” falado primogênito do Sheik Rashid, o maior pecador do
mundo, o homem que foi ao inferno cumprimentar o diabo e ganhou a
simpatia dele, afinal, conseguiu voltar à terra.
O único que me olhou de uma maneira um pouco diferente
foi Musad Faez, o que fez disparar um alarme dentro de mim. Ele era
um homem de cinquenta anos, magro, com uma barba longa que
tocava o colarinho do thobe e olhos pequenos, que pareciam feitos
daquele tamanho para esconder sua verdadeira essência. Antipatizei
imediatamente com ele e não era por ser o antigo noivo de Thara, mas
por ter a certeza de que não era um homem de confiança.
Encarei a todos muito diretamente.
— Podem continuar.
Quem voltou a falar foi um dos homens que eu não conhecia
da comitiva de Rummán.
— Como eu estava dizendo, sou um conhecido de longa data
da família Ayad e tenho em Salim um grande amigo. Como Vossa
Majestade sabe, moramos em uma região rural onde as pessoas ainda
preservam muito da cultura secular do nosso país.
No meio do discurso dele, entrou uma mensagem no meu
celular. Só fui ler por achar que podia ser de Thara, mas era de Yusuf.
“Você só não foi chamado por envolver os religiosos. Nosso
pai está tentando evitar conflito com eles.”
Li, mas não respondi nada. Apesar de entender o ponto de
vista do meu pai com relação aos religiosos do país, ele poderia pelo
menos ter me informado do que ia acontecer, em vez de fazer a
reunião às escondidas. Logicamente que nada me faria desistir de
participar, mas ele não precisava saber daquilo.
Voltei a guardar o celular no bolso e prestar atenção ao que o
homem dizia.
Ao meu lado, Jamal começou a escrever no bloco de papel e
o colocou à minha frente com discrição.
“Este é o mufti Misbah Ziad da cidade de Nbtun. O outro é o
imame Uthal Nasi da cidade Adat.”
110

Ou seja, todos eram religiosos de cidades da região de


Rummán, com exceção de Musad Faez, o que continuava a me
intrigar.
— Nosso povo é muito tradicional, mas também estamos
abertos às mudanças — o homem falou como se o povo da região
fosse dele e não dos Al Harbi, o que me fez contrair a mandíbula para
ficar calado. — Agradecemos todos os dias a Allah pela modernidade
que Vossa Majestade conseguiu trazer para o país, além de toda a
riqueza do petróleo, mas é a vida simples e pacata do interior que nos
faz feliz. Seguimos a sharia111 com grande louvor ao profeta.
Com tão pouco tempo de reunião, eu já estava perguntando-
me quando ele terminaria aquela bajulação toda e tocaria no assunto
que realmente trouxe todos ali.
— O meu amigo Salim Ayad é um imame respeitadíssimo em
nossa região e fora dela também. Os habitantes de Rummán ainda
estão consternados ao ver a cidade cercada por tropas militares.
Sentem-se confusos e inseguros por continuarem sitiados mesmo
depois de tantos meses e não lhes tiro a razão. Este é o motivo
principal de termos pedido para Vossa Majestade nos receber hoje.
Estamos representando vários líderes da nossa região rural neste pleito
para o fim do cerco a Rummán. O responsável pelos atos hediondos e
condenáveis contra o nosso país já está preso.
O meu pai olhou para Saqr, autorizando-o a falar como
Ministro da Defesa.
— O cerco permanecerá durante o tempo que o Ministério da
Defesa achar necessário para a segurança do país — ele informou com
o devido respeito aos religiosos, mas usando um tom de voz bastante
sério. — Este é um assunto militar que está restrito às Forças Armadas
de Tamrah.
O mufti Misbah não se deu por vencido, voltando a se dirigir
ao meu pai.
— Eu entendo, mas Vossa Majestade há de convir que uma
família respeitadíssima na região como a família Ayad, cujo patriarca
é um homem de sessenta e cinco anos que se dedicou a vida inteira
para que a nossa fé e costumes fossem respeitados, não pode ser
condenada em praça pública por causa de um único membro que agiu
errado.
Naquele momento, o mufit olhou de esguelha para mim,
como a dizer ao meu pai que ele também tinha um filho que agiu
errado e que os outros Al Harbi não foram condenados por causa dos
erros que cometi.
O pior de tudo era que eu nem podia me defender dizendo
que as duas situações eram diferentes, lembrando-o que Mustafa e
Jihad eram assassinos. Afinal, eu também havia matado um homem e
só não recebi nenhuma punição por ser um dos príncipes Al Harbi.
Ainda assim, fosse o homem um mufti ou não, ele jamais
deveria dizer aquilo ao meu pai, o Rei de Tamrah.
— Lembro a todos que estão diante de Sua Majestade o Sheik
Rashid bin Mohammed Al Harbi — falei friamente.
Eu pouco me importava com o que achassem de mim, mas na
minha frente ninguém ia desrespeitar o meu pai ou questionar o poder
de governante dele. Quem quisesse, era só acrescentar mais um ponto
negativo para mim na lista de pecados cometidos.
Nem o meu pai nem os meus irmãos disseram nada em
contrário, permanecendo tão sérios quanto eu, sinal de que
concordavam comigo.
O mufti Misbah olhou nervosamente para o meu pai,
inclinando a cabeça em respeito.
— Mil perdões, Majestade. Não me expressei direito.
— Este pleito não será atendido — o meu pai decretou com
sua voz de trovão, dando o assunto por encerrado. — O que mais os
trouxeram ao palácio real?
Durante cerca de uma hora, vários assuntos foram
apresentados, desde disputas por heranças até incentivos fiscais. A
reunião passou a ser igual a todas as outras que aconteciam no majlis
com os diversos líderes locais e eu me perguntava o que estava por
trás daquilo tudo. Para o que eles vieram tratar, era desnecessária a
presença importante do Grão-Mufti de Jawhara na reunião.
A resposta chegou pela boca de Musad Faez.
— Tenho um assunto pessoal muito importante a tratar,
Majestade. Sou amigo de Salim Ayad há bastante tempo. Anos atrás,
tive a honra de receber a benção dele para me casar com a sua única
filha. Vim pedir a Vossa Majestade que também abençoe o meu
casamento com ela, permitindo que Thara Ayad seja minha esposa.
Nunca!!!
Capítulo 52
Majdan
Antes que eu pudesse dizer alguma coisa, Yusuf se adiantou
rápido em uma resposta para Musad Faez.
— Thara já disse que não quer esse casamento.
— A minha filha é muito jovem para decidir o próprio futuro.
— Salim Ayad se dirigiu ao meu pai. — Dei a minha palavra a Musad
que ele teria a honra de se casar com Thara. Assinamos o contrato de
casamento, o dote foi pago e todos os compromissos assumidos entre
nós dois. Vossa Majestade sabe o quanto isso é importante.
— Thara tem o direito de escolha e respeitamos a decisão
dela. — O meu pai não cedeu, no que agradeci em silêncio.
— Sei que ela está sob a vossa tutela, o que me tranquiliza
como pai, mas Thara é minha filha e tenho o direito de encontrar um
bom marido para ela. Se eu estiver errado, o Grão-Mufti dirá agora e
me calarei em respeito à sabedoria dele, mesmo sofrendo como pai por
não poder cuidar da minha única filha.
Enrijeci de tensão ao ouvi-lo pedir o apoio do Grão-Mufti
Sheik Isam Hussein. Agora eu sabia o real motivo de ele ter sido
convocado para aquela reunião. A presença do religioso mais
respeitado de Tamrah estava explicada.
— Como pai não está errado — o Grão-Mufti confirmou com
serenidade. — Ao contrário, um pai tem a responsabilidade de garantir
o futuro de sua filha com um bom casamento.
Aquele apoio era perigoso. Eu não ia deixar que o meu pai se
visse obrigado a aceitar o casamento de Thara.
— Ela fugiu de casa para não se casar — lembrei-os, mas
sem deixar de encarar Salim Ayad.
— Thara só fugiu por ter medo de fazer a circuncisão. Ela
nunca se negou ao casamento.
Nunca vou permitir que façam isso com ela!
— Já estávamos noivos há meses. Se Thara não quisesse se
casar comigo, teria fugido antes e não fez isso — Musad se apressou
em explicar, reforçando o discurso do pai dela.
— A minha falecida esposa incutiu em Thara o medo da
circuncisão, mas todas as mulheres da minha família fizeram e
nenhuma nunca se queixou de nada. Se Thara não tivesse sido retirada
de Rummán e trazida para Jawhara, hoje estaria casada e feliz na sua
posição de esposa de Musad.
Isso jamais!
— Temos uma lei que proíbe a circuncisão das mulheres em
Tamrah — o meu pai rugiu com severidade antes que eu mesmo
dissesse aquilo. — Não deve ser praticada em nenhuma cidade do
país.
— Mantemos a nossa cultura ancestral em Rummán com a
benção de Allah, Majestade — Salim Ayad tentou se justificar.
— Estão infringindo uma lei nacional. — Saqr se encarregou
de informá-los. — Já se esgotou o prazo que demos para as cidades do
interior se adaptarem à nova lei.
— A sharia é a nossa lei máxima. Peço que me perdoe,
Majestade, mas uma lei nacional não pode estar acima da lei islâmica.
Salim Ayad acabava de trazer à tona um problema crucial do
governo do meu pai, que tentava há anos fazer com que os religiosos
aceitassem as leis nacionais como sendo as leis máximas do país.
Eu não sabia durante quanto tempo aguentaria ficar calado.
Um pouco mais e eu diria o que realmente achava de homens que
precisavam circuncidar uma mulher para se sentirem seguros.
O Grão-Mufti fez um gesto pedindo moderação à comitiva de
Rummán.
— Este é um assunto muito sério que já venho conversando
há bastante tempo com Sua Majestade, o Sheik Rashid, e ainda não
chegamos a um acordo. Ambos sabemos que as novas leis que forem
criadas não podem entrar em conflito com a sharia, mas nem sempre
isso será possível. Este é um dos casos.
Apesar de ele estar sendo bastante diplomático, por aquele
comentário o mufti principal de Tamrah deu a entender que não era
totalmente contra à prática da circuncisão das mulheres que ainda
acontecia no interior do país.
— Não vai haver conflito algum sobre nada no meu país! —
O meu pai foi taxativo e nada diplomático ao se referir à Tamrah como
país dele e não do povo. — Esta lei foi criada para proteger nossas
mulheres e crianças. Não estamos criando nada que seja prejudicial ao
povo de Tamrah. A lei que proíbe a circuncisão feminina vem atender
a um pedido das próprias mulheres para que a prática seja abolida.
— As mulheres da nossa região não se opõem à circuncisão,
Majestade. — O mufti da cidade de Nbtun voltou a falar. — No
interior mantemos a cultura ancestral acima de tudo. Os líderes
religiosos recebem dezenas de pedidos de pais para circuncidarem
suas filhas.
Que crime!
Só de ouvir aquilo, eu me sentia ferver de raiva. Certos
costumes tribais bárbaros que existiam há milênios, como a
circuncisão feminina, deveriam ser abolidos permanentemente da
sociedade moderna. As mulheres tinham os mesmos direitos de sentir
prazer com o sexo que nós homens tínhamos. Eu entendia o meu pai
por tentar ser diplomático para não entrar em choque direto com os
religiosos, mas aquele assunto ultrapassava a minha capacidade de
diplomacia, que já não era muita.
— A circuncisão mantém a mulher pura e longe do pecado.
Como minha futura esposa, quero que Thara seja circuncidada —
Musad se pronunciou e quase que o agarrei pelo colarinho do thobe
para socá-lo bastante.
Cheguei ao meu limite!
— Thara não vai ser circuncidada nem nunca será sua esposa
— disse-lhe secamente, encarando-o de maneira cortante. — Assunto
encerrado.
O clima pesou dentro do majlis e senti o olhar preocupado do
meu pai em cima de mim. Contudo, continuei encarando Musad Faez.
— Por que fala com tanta convicção, alteza?
Porque Thara é minha!
Foi por milésimos de segundos que não respondi exatamente
o que pensei.
Yusuf interferiu.
— Majdan está dizendo o que Thara não cansa de repetir para
a minha esposa. — Apressou-se em contornar a situação. — Apesar
do que vocês disseram sobre Thara ter fugido por medo da circuncisão
e não do casamento, ela sempre disse à Malika que fugiu pelos dois
motivos. Não há casamento forçado em Tamrah se uma das partes não
quiser.
Musad sequer olhou para o meu irmão, continuando a me
encarar.
— Acho que todos aqui notaram a maneira como o príncipe
Majdan se referiu à minha noiva. Gostaria de uma explicação, alteza.
Naquele momento, esqueci-me de todos os motivos que tinha
para ficar calado. Esqueci-me da crise de abstinência que tive de
manhã, do resultado do toxicológico que ainda não havia saído e, mais
importante do que tudo, de que podia estar trazendo Thara para o meu
inferno pessoal de dependente químico que nunca ia se curar
completamente.
— A explicação é simples. Thara vai ser minha esposa e não
sua.
Todos dentro do majlis ficaram em choque, com exceção de
Yusuf, que já sabia de tudo, mas que sem dúvida alguma ficou fodido
com a minha admissão em um momento tenso como aquele.
Musad Faez ficou de pé com os olhos chispando de raiva.
— A filha de um religioso casada com um príncipe envolvido
em todo tipo de escândalo, inclusive sexuais?
Fiquei de pé também, encarando-o do outro lado da mesa.
— Eu mesmo, o Príncipe Sheik Majdan bin Rashid bin
Mohammed Al Harbi. Thara será minha esposa e estará sob a minha
proteção.
— Quero ver a minha filha agora! — Salim Ayad disse de
repente, levantando-se também com indignação. — Sei que Thara está
sob a tutela da família real, mas ainda é minha filha e não vou admitir
que seja desrespeitada.
— A honra de Thara está em causa. — Musad Faez apoiou
Salim Ayad. — Exijo uma prova de que ela continua virgem.112
Ibn sharmouta!!!113
Aquele pareceu ser o sinal verde para os quatro religiosos
presentes se manifestarem a favor do pedido de Musad, inclusive o
Grão-Mufti. Todos se ergueram, falando ao mesmo tempo e criando
uma balbúrdia dentro do majlis.
A indignação dos meus irmãos por eles colocarem em causa a
honra dos Al Harbi não se comparou à minha raiva quando notei a
satisfação no rosto de Musad Faez ao ver o conflito armado.
Inclinei-me sobre a mesa no instante seguinte, pronto para
arrancar aquele sorrisinho da cara dele.
Uma mão firme me segurou pelo braço.
— Não faça nada! — Yusuf sussurrou entredentes, puxando-
me para longe da mesa. — Não vê que é isso o que ele quer?
Àquela altura, todos já haviam se levantado das cadeiras. O
Grão-Mufti Sheik Isam Hussein levou o meu pai para um canto
reservado do majlis, tentando convencê-lo da legalidade do pedido de
Salim Ayad e Musad Faez, que se mantinham distantes com a
presença de Saqr entre eles.
— Esse cachorro merece um bom soco na cara — grunhi,
enfurecido.
— Nosso pai vai ficar furioso se você fizer isso e justamente
com o Grão-Mufti presente. Todo o esforço que ele vem fazendo há
anos para conseguir o apoio dos religiosos vai por água abaixo.
Respire fundo e pense antes de fazer alguma merda, meu irmão!
— O que querem fazer com Thara é um abuso e não vou
permitir. Ninguém vai tocar nela!
Ele respirou fundo.
— Calma, Majdan. Nosso pai não vai permitir isso.
— “Eu” não permito!
— O que você vai fazer é ficar calado para não prejudicar
Thara mais ainda, isso sim! Nada vai acontecer com você, mas são
capazes de exigir que ela seja condenada por zinah114 e punida, caso
achem que você é contra o exame por já ter feito algo com ela. Do
jeito que estão indignados e são retrógrados, as cem chicotadas para
casos de fornicação serão poucas para eles. Vão querer apedrejá-la em
praça pública.
Rangi os dentes, furioso.
— Ninguém vai tocar em Thara! — repeti, disposto a
enfrentar todas as leis e quebrar todas as regras para protegê-la.
Fomos interrompidos por Jamal, que se aproximou com o
rosto muito sério.
— Ficou decidido que Thara vai ser examinada por nossa
mãe e pelas tias dela que estão lá fora.
Quase não acreditei no que ouvi.
— As duas mulheres lá fora são tias de Thara? Então eles
vieram preparados para exigir o exame!
— Nosso pai desconfiou que elas não vieram a passeio, mas
como ficaram apenas aguardando, não questionou nada. Agora já
sabemos que o motivo da vinda delas foi esse. Nossa mãe vai levá-las
ao quarto de Thara onde ela será examinada.
Olhei para Yusuf.
— Avise à nossa mãe que Thara está com Abia. Façam o
exame na minha ala, onde Thara ficará depois que terminarem.
Yusuf concordou.
— Vou pedir para Malika estar presente. Serão duas contra
duas na comissão do exame.
Ele pegou o celular e se afastou. Também me afastei, tirando
o meu celular do bolso e fazendo uma ligação para Thara.
— Terminou a reunião? — Foi a primeira coisa que ela
perguntou quando atendeu com a voz ansiosa.
Senti-me frustrado por não poder dizer que já tinha terminado
e que ela continuava protegida.
— Ainda não acabou e preciso que me escute com atenção.
Minha mãe vai procurar você daqui a pouco para fazer um exame de
virgindade com as suas tias que estão aqui em Taj. É uma exigência do
seu pai e de Musad Faez.
Ouvi o arquejo de susto que ela levou.
— Bismillah! Musad também está aqui?
— Está, mas nenhum deles vai ver você, muito menos tocar.
— Como puderam exigir isso? É ultrajante!
— Fui obrigado a assumir o meu interesse por você.
Senti o choque de Thara como se ela estivesse à minha frente.
— Allah Misericordioso! Você fez isso, Majdan?
— Fiz e peço que me perdoe por ter colocado você nessa
situação constrangedora.
— A culpa não é sua, é deles.
— Se eu não assumisse o nosso relacionamento, Musad Faez
conseguiria autorização para se casar com você e isso eu não ia
permitir que acontecesse.
— O meu pai deve estar furioso.
— Garanto que também estou e bem mais do que ele —
cerrei o punho, ainda tentando me controlar.
— Não faça nada, por favor.
— Farei o que for preciso para proteger você.
Thara ficou calada. Quando voltou a falar, notei a
insegurança na voz dela.
— Eu não entendo muito bem o que vão fazer comigo nesse
exame, mas acha que as minhas tias podem se aproveitar da situação
para me circuncidar?
Sim, era possível e até tremi de raiva ao imaginar a cena.
— Vou falar agora com a minha mãe e me certificar de que
estará atenta a isso. Malika também vai. Elas não vão deixar que suas
tias lhe façam mal.
— Oh, que bom que Malika vem! Já me sinto mais tranquila.
— Confie em mim e seja forte, Thara.
— Confio e serei forte. — Aquela resposta só aumentou o
meu amor por ela. — Malika já está me ligando.
Desligamos e fiz logo outra ligação às pressas, daquela vez
para a minha mãe.
— Você depois vai me contar tudo em detalhes, Majdan! —
Foi a primeira coisa que ela disse com severidade. — Agora estou
ocupada com a confusão em que nos meteu.
— Só quis alertar para que esteja atenta, mãe. Estas duas
mulheres que eles dizem ser tias de Thara podem ser “cortadoras”
tradicionais que vieram dispostas a fazer uma circuncisão nela. Não
permita que isso aconteça.
Ouvi um suspiro profundo da minha mãe.
— Já pensei nisso, filho. Fique tranquilo. Eu e Malika
estaremos atentas a todos os movimentos que elas fizerem.

O tempo pareceu se arrastar dentro do majlis enquanto


esperávamos que o exame de virgindade de Thara terminasse. Na
maior parte do tempo, o meu pai ficou conversando em privado com o
Grão-Mufti, enquanto fiquei com meus irmãos. A comitiva de
Rummán se isolou em outro canto do majlis.
A um determinado momento, o meu pai se aproximou e veio
falar comigo. Apoiou um braço nos meus ombros e me levou para um
canto reservado.
— Então ela é a mulher que escolheu para ser sua nova
esposa.
— Sim, pai. A mulher de quem falei é a Thara e não vou
deixar que um criminoso que mutila mulheres tire-a de mim.
— Pois saiba que eu também não vou deixar que isso
aconteça.
— E por que me excluiu da reunião?
— Para evitar conflitos como esse que está acontecendo
agora. Tento evitar ao máximo que você esteja em reuniões que
envolvam os religiosos.
— Poderia pelo menos ter me contado o que ia acontecer, em
vez de me deixar de fora.
— Assumo a minha culpa nisso. A reunião foi de urgência e
combinei com Saqr que eu mesmo contaria a você, mas não tive
tempo. Antes tivesse deixado que ele lhe contasse. — O meu pai deu
um leve sorriso. — Thara foi uma boa escolha, filho. Ela também quer
o casamento?
— Ainda não oficializei o pedido, mas sei que ela me ama e
deseja o casamento tanto quanto eu.
O sorriso dele se ampliou.
— Fico muito feliz. Só não sei por que Allah deu sogros
terríveis para os meus filhos.
Apesar da tensão que eu sentia, ainda consegui rir.
— Para mim, Thara é órfã. Nunca vou considerar Salim Ayad
como meu sogro.
Ainda ficamos alguns minutos conversando até um dos
guardas entrar no majlis para avisar que as mulheres estavam
aguardando na sala ao lado. O meu pai e o Grão-Mufti foram falar com
as quatro e voltaram com o veredito final.
— A virgindade de Thara foi comprovada pelas tias dela, pela
minha esposa Farah Al Jaber e pela minha nora Malika Al Kabeer.
O anúncio do meu pai foi feito com autoridade, sem abertura
para contestações. Agora ninguém teria nada a dizer contra Thara,
muito menos exigir que fosse punida por fornicação.
— O pedido de Musad Faez para se casar com Thara Ayad
não será atendido. Ela se casará com o meu filho Majdan e será minha
nora, ficando sob a proteção do nome Al Harbi. — O meu pai
continuou com austeridade. — Salim Ayad ficará com o dote que
recebeu pelo casamento, mesmo ele não tendo acontecido. Musad
Faez receberá uma compensação financeira em dobro do meu filho
Majdan. O Grão-Mufti Sheik Isam Hussein acompanhará todos os
trâmites para que se cumpram as minhas decisões, sem direito de
contestação por nenhuma das partes. A reunião está encerrada.
Capítulo 53
Majdan
Quando os participantes da reunião foram embora e voltamos
a ficar sozinhos em família, os meus irmãos vieram me dar os
parabéns.
— Agora tenho certeza de que você vai desempatar e me
passar à frente no número de filhos — Saqr comentou bem-humorado,
lembrando-se da comparação que fiz quando Fhatima nasceu.
— Eu nunca ia imaginar que era Thara — Jamal me abraçou
com entusiasmo. — Ela estava o tempo todo debaixo do nosso teto e
eu achando que era alguém que nem conhecíamos. Até apostei com
Yusuf.
— Foi mesmo?
Olhei para o Yusuf, que fez cara de inocente.
— Apostamos, mas perdemos os dois. Afinal, era a Thara.
— Vamos brindar com um qahua115. — O meu pai sorriu,
satisfeito. — Depois de uma reunião dessas, um homem merece
relaxar com os filhos.
Vinte minutos depois entrou uma mensagem no meu celular.
Era de Thara.
“Estou na Ala do Guepardo. Farah disse que agora não
posso mais ficar sozinha na sua casa com as crianças. Sabirah ou
outra mulher da família tem que estar presente.”
Regras! Eu concordava que eram necessárias em muitas
situações, mas eram completamente desnecessárias em outras. Se
respeitei Thara durante aquele tempo todo que ela morava em Taj, não
ia ser agora que a desrespeitaria.
“Procuro você na ala do meu irmão.”
Assim que a nossa comemoração no majlis terminou, cada
um seguiu o seu caminho. Yusuf olhou intrigado para mim ao me ver
acompanhá-lo.
— Vou falar com a Thara. — Antecipei a explicação antes
que perguntasse algo.
Ele me lançou um olhar de compreensão, mas com um brilho
de divertimento.
— Você agora vai sentir o poder de Farah Al Jaber.
— Ela deve estar com o sermão na ponta da língua só me
aguardando chegar.
Yusuf riu ainda mais.
— Talvez ela não esteja mais lá.
— Duvido muito.
Ele parou de rir e me olhou com seriedade.
— Nada do resultado ainda?
— Não e nem sei como vou conseguir lidar com tudo isso
que está acontecendo ao mesmo tempo.
Yusuf me deu um aperto de ombros enquanto caminhávamos.
— Com a graça de Allah vai dar tudo certo no final, meu
irmão.
— Inshallah!116
A primeira coisa que ouvimos quando entramos no saguão da
casa dele foram vozes femininas. Àquela distância não dava para
entender o que diziam, mas seguimos o som até chegarmos a uma das
salas, onde encontramos nossa mãe conversando com Malika e
Kismet. Elas pararam de falar assim que nos viram.
— Salaam aleikum — cumprimentei-as, olhando depois para
a minha mãe. — Vim falar com a Thara.
Minhas cunhadas se levantaram no instante seguinte. Yusuf
beijou nossa mãe e depois os três saíram, fechando a porta da sala e
deixando-nos sozinhos.
— Agora quero saber tudo aos detalhes — ela exigiu com as
mãos nos quadris. — Fui obrigada a lidar com duas almas retrógradas
sem estar preparada nem ter sido prevenida do que ia acontecer. Estou
no limite da minha paciência.
— Onde está a Thara?
— No quarto, ainda traumatizada com o que passou.
A raiva enrijeceu o meu corpo.
— Magoaram-na de alguma maneira? Eu pedi que estivesse
atenta, mãe!
Ela fez um gesto pedindo calma.
— Não aconteceu nada do que você está pensando, Majdan.
Thara não sofreu nenhum dano físico, mas não digo o mesmo do
psicológico e emocional. Ela tremia visivelmente, o que é
compreensível. Thara foi forçada pelas circunstâncias a se submeter a
algo vergonhoso e traumatizante para qualquer mulher. Sei que ela me
considera como uma mãe e à Malika como uma irmã, mas não é fácil
para uma virgem ficar exposta daquele jeito para quatro mulheres
durante um exame íntimo. Estou revoltada por ter sido obrigada a
aceitar um procedimento abusivo desses dentro de Taj sem poder fazer
nada para impedir. Este foi o maior desafio da minha vida como
defensora das mulheres.
— Quero ver a Thara, mãe. Quero falar com ela agora!
— Não sem antes me dizer por que manteve esse
relacionamento de vocês em segredo. Quando autorizei a vinda de
Thara para o palácio, assumi a responsabilidade de cuidar dela, de
zelar pela virtude de uma garota que passei a considerar como uma
filha. Imagine o susto que levei hoje quando o seu pai me colocou a
par de tudo e mal tive tempo de respirar antes de organizar esse exame
abusivo. Se o Grão-Mufti não estivesse presente, acho que eu entraria
naquele majlis para dizer aos homens de Rummán o que penso deles.
— Talvez devesse ter feito isso e quebrado as regras que
sempre me acusaram de infringir. Acho que tenho a quem puxar.
Ela me olhou, surpresa.
— Não tente me ganhar com isso, Majdan. Por que escondeu
de mim que estava interessado em Thara?
Suspirei pesadamente, toda a tensão das últimas horas caindo
sobre mim de uma única vez.
— Porque não me julgo bom o suficiente para ela e achei que
não deveria me envolver com a filha de um imame. Allah é
testemunha que tentei não me apaixonar. Resisti o quanto pude até não
aguentar mais e perder o controle em Noor. Foi quando me declarei e
ela correspondeu — contei tudo de uma maneira muito direta. — Eu
pretendia pedi-la em casamento quando chegássemos em Taj, mas
então aconteceu tudo isso.
Tentei não me lembrar da crise que tive naquela manhã,
muito menos que havia desistido de Thara horas atrás. Agora,
estávamos praticamente de casamento marcado.
O olhar da minha mãe suavizou e notei que estava
emocionada.
— Então você está apaixonado por ela, Majdan?
— Desde que a vi pela primeira vez — admiti sem problema
algum. — Nunca amei mulher alguma na minha vida e já conheci uma
infinidade delas, mas amo muito a Thara.
A minha mãe juntou as mãos em oração e fechou os olhos,
baixando a cabeça.
— Todo louvor a Allah por isso! — De súbito, abraçou-me,
pegando-me desprevenido. — Orei muito para você encontrar o amor,
meu filho. Abençoo vocês dois. Que tenham muitos filhos, frutos
desse casamento.
Abracei-a, emocionado ao vê-la feliz por nós dois.
— Obrigado, mãe.
— Sempre notei que vocês dois se davam muito bem, mas
jamais desconfiei que estavam apaixonados.
— Estamos. Agora me ajude a ficar sozinho com Thara para
que eu saiba como ela está.
Notei a dúvida no rosto dela.
— Isso é contra as regras, Majdan. Não posso deixar vocês
dois sozinhos depois de assumir o compromisso de guardiã da virtude
de Thara até que o casamento seja realizado.
Fodam-se as regras!
— Estou acostumado a quebrar regras. Deixe-me sozinho
com ela. Thara está precisando de mim agora e estou precisando dela
também.
Ela me encarou pensativamente.
— Vou chamar Thara e deixar que conversem, mas ficarei na
sala com vocês.
Eu não acredito nisso!
— Olhe para mim, mãe! Não tenho mais idade para isso, nem
nunca me adequei a tantas regras. Se Thara tivesse medo de mim, do
meu jeito de ser e de todas as coisas erradas que fiz no passado,
garanto que teria se afastado no dia em que disse que ia beijá-la pela
primeira vez.
A minha mãe arregalou os olhos, atônita.
— Vocês já se beijaram na boca?
Quase fizemos mais do que isso.
— Já. Agora me diga: vai deixar que ela seja açoitada até
morrer por causa disso?
— Claro que não!
— Então finja que não contei que já nos beijamos e saia da
sala. Se Thara continua virgem até hoje, não vai deixar de ser agora,
só porque vamos conversar sozinhos.
Ela ficou com a expressão ainda mais determinada.
— Ficarei aqui. É isso ou nada, filho.
A minha mãe não cedeu e inspirei fundo para me controlar.
— Faça como quiser. Só aviso que não deixarei de agir do
meu jeito. Agora vá chamar Thara.
Observei-a se afastar e sair da sala. Passei as mãos no rosto,
pensando o que mais aconteceria naquele dia para testar os meus
limites.
Eu só esperava que Thara não estivesse tão traumatizada a
ponto de se negar a falar comigo. Do jeito que eu estava sentindo-me,
seria capaz de invadir o quarto dela!
A porta se abriu minutos depois e olhei com ansiedade para
ver se Thara tinha vindo.
A minha mãe entrou e logo atrás estava ela, cabisbaixa e com
o olhar fixo no chão. Apertava com força as mãos entrelaçadas à
frente do corpo. O cabelo estava escondido pelo hijab preto
firmemente preso ao redor da cabeça e usava uma abaya também
escura e de tecido grosseiro, muito diferente das coloridas que
normalmente vestia.
Thara parecia um reflexo apagado da garota que conheci e me
senti enfurecido ao entender o tamanho do trauma que havia sofrido
ao ser examinada pelas avós. Eu tinha certeza de que era daquele jeito
que ela se vestia quando morava em Rummán com o pai.
Ela permaneceu rigidamente parada ao lado da minha mãe e
sequer ergueu o rosto para me olhar.
— Venha aqui, Thara — chamei-a com suavidade, tentando
não transparecer na voz a raiva que estava sentindo.
Ela negou com um gesto de cabeça, continuando no mesmo
lugar.
— Não tenha receio só porque a minha mãe está na sala. Ela
não vai julgar mal você por isso. Você está em Taj e não na casa do
seu pai em Rummán. Venha aqui.
Só então ela ergueu os olhos, que estavam vermelhos de tanto
chorar. Enquanto a raiva crescia dentro de mim, Thara olhava
nervosamente para a minha mãe.
— Se quiser, pode ir — a minha mãe autorizou.
Thara voltou a olhar para mim e estendi a mão, chamando-a.
Ela caminhou para o meio da sala onde eu estava e notei como olhou
assustada para a minha mão estendida, dando a entender que não ia
segurá-la na frente da minha mãe. Parou a um metro de distância,
fazendo um meneio quase imperceptível de cabeça.
Foi com firmeza que mantive a mão estendida e o rosto muito
sério.
— Venha.
Foi com receio que ela colocou a mão na minha. Segurei-a
com determinação e puxei Thara para mim. Pensei que ela fosse
resistir, mas fez o contrário, atirando-se nos meus braços e envolvendo
a minha cintura com força. Começou a chorar no instante seguinte, o
som dos soluços angustiados enchendo a sala.
Abracei-a contra o peito, trincando os dentes para controlar a
vontade de blasfemar alto contra os homens da família dela. Cruzei o
olhar com o da minha mãe, sem esconder a raiva que estava sentindo.
Ela sabia que eu estava no meu limite e que não ia aceitar que
ninguém viesse agora me falar sobre regras de comportamento.
Enfurecido, virei-me de costas para ela, escondendo Thara e
dando-lhe o mínimo de privacidade para se livrar do ultraje que devia
estar sentindo.
— Não chore, Thara — sussurrei, beijando-a na testa. — Já
passou e não vai se repetir.
Ela apertou mais os braços ao redor do meu corpo, as mãos
agarradas com desespero no meu thobe.
— Estou... me sentindo... suja — murmurou entre os soluços.
Fechei os olhos, comprimindo os lábios com força ao
entender em profundidade a humilhação que a consumia.
— Não se sinta suja. Você continua a mesma de sempre e o
seu corpo também. A pureza que tem é na alma e isso ninguém vai
tirar de você. Não deixe que eles roubem a sua alegria. — Acariciei as
costas esguias, sentindo-me mais calmo ao tê-la protegida em meus
braços.
— Eles vão me chicotear?
Nunca! Sou capaz de matar quem ousar fazer isso!
— Ninguém vai tocar em você! Eu jamais permitiria isso,
nem que precisasse colocar você em um avião e levar comigo para
Nova York. — Apertei-a mais contra o peito. — Você está comigo e
eu estou com você, Thara.
Ela assentiu e os soluços foram diminuindo aos poucos, até
cessarem.
— Vou aguardar lá fora — a minha mãe disse de repente,
surpreendendo-me ao sair logo depois.
Assim que ouvi o som da porta fechando-se atrás de mim,
soltei o hijab preto dos cabelos de Thara. Ela não opôs nenhuma
resistência, deixando-me tirá-lo. Foi com um prazer enorme que enfiei
os dedos pelos fios sedosos.
— Não use mais essa cor. Se quiser usar o hijab, prefira os
coloridos de tecido macio. Você fica linda de azul.
Ela manteve os olhos fechados enquanto eu a acariciava, a
expressão angustiada sendo substituída pela serenidade. Não resisti e
beijei-a na boca. Fui correspondido no mesmo instante, a entrega
imediata de Thara acabando com a minha resistência. Eu a queria
muito, mas muito mesmo.
Saboreei com prazer os lábios carnudos, provando com a
língua o gosto delicioso que ela tinha. O que me faz parar foi o fato de
saber que a minha mãe estava do lado de fora daquela porta e que
podia entrar a qualquer momento. A última coisa que eu queria era
que ela me visse excitado depois de beijar Thara.
Interrompi o beijo, mas não a soltei.
— Sente-se melhor agora?
— Sim, estou bem melhor.
— Então vamos nos sentar para conversar. — Segurei-a pela
mão e levei para o sofá, onde nos sentamos. — Aquelas duas mulheres
eram mesmo suas tias? Elas estavam de niqab e ele esconde quase
tudo. Você as reconheceu?
— Reconheci apenas uma delas, a única que falou durante o
exame. A outra ficou calada o tempo todo e não sei quem é. Mas eu
também estava com tanto medo de ser circuncidada, que nem prestei
muita atenção aos detalhes.
— A minha mãe e Malika não iam deixar que fizessem isso
com você.
— Eu sei que não, mas a minha mãe me contou que as
cortadoras agem muito rápido. Quando foi a vez dela, só percebeu que
havia sido circuncidada por causa da dor aguda que sentiu. Naquela
época, foi sem anestesia ou remédio para dor. Colocaram apenas
poções que elas mesmas fazem para cicatrizar. Por sorte a minha mãe
não morreu, mas sentia dores terríveis quando... quando ficava com o
meu pai.
Bando de cachorros!
— Isso nunca vai acontecer com você. Será a minha esposa e
vou mostrar o quanto de prazer podemos dar um ao outro.
Thara arquejou, ficando ruborizada. Sorri, ao vê-la arrebatada
daquele jeito e abri o coração sem medo algum.
— Ana bhebik117, Thara. Se aceitar ser a esposa de um
homem quebrado que ainda está se reconstruindo, quero que se case
comigo.
Ela arregalou os olhos, visivelmente atônita com a minha
declaração e com o meu pedido de casamento. Nada estava
acontecendo da forma que planejei fazer quando chegássemos em
Jawhara, mas era o que o meu coração queria dizer naquele momento.
Apesar de todas as indicações que eu já havia dado à Thara
do que sentia por ela, percebi que foi pega desprevenida e estava sem
acreditar no que tinha ouvido.
— Sua esposa? Mas... pensei que só tivesse falado em
casamento na reunião para evitar que Musad conseguisse me forçar a
casar com ele e não porque quisesse mesmo. Hoje de manhã você...
Coloquei um dedo sobre os lábios dela, impedindo que
falasse sobre a maneira como quase terminei tudo no escritório.
— Voltei de Noor determinado a pedir você em casamento
quando chegássemos em Taj, mas aconteceram algumas coisas hoje de
manhã que me fizeram duvidar de estar fazendo a coisa certa. Achei
que você merecia um homem melhor do que eu. — Fui honesto com
ela. — Sendo bem sincero, ainda acho isso, mas Allah me mostrou que
não consigo renunciar a você. O que falei na reunião é o desejo do
meu coração, Thara. Quero que seja a minha esposa.
— Não posso ser a esposa de um príncipe Al Harbi. Sou uma
mulher do povo, vinda de uma família marcada pela desgraça.
— Você é a única mulher que entrou no meu coração e me
conquistou. É a esposa que desejo para mim. — Me aceita?
Notei a emoção no rosto dela, mas Thara não disse que
aceitava.
— Posso estar em uma posição delicada perante todos que já
sabem de nós dois, mas não quero ser uma de suas várias esposas. Já
me contaram que você escolheu Kismet como sua segunda esposa,
mas foi Saqr quem se casou com ela quando assumiu o título de
príncipe herdeiro. — Ela me surpreendeu ao tocar naquele assunto. —
Mesmo depois do casamento de Kismet com o seu irmão, você
continuou procurando por uma segunda esposa. Não é isso o que
quero para mim.
— Não vou negar que já quis ter quatro esposas igual ao meu
pai. Cresci achando que deveria seguir todos os passos dele, que
sempre foi o meu herói. Como também nunca me apaixonei por
nenhuma das mulheres que conheci, para mim ter uma ou quatro
esposas era indiferente. Desde que me apaixonei por você, já não vejo
as coisas desse jeito. Preciso do que você tem, de quem você é, da
maneira como me trata, do que sente por mim. Não quero outra
mulher, porque amo você, Thara. Me aceita mesmo sendo tão
problemático?
Ela cobriu as faces com as mãos e sorriu. Vi felicidade e
amor no olhar que me envolveu.
— Sim, claro que aceito!
Soltei o ar preso nos pulmões, abraçando-a novamente e
beijando os lábios rosados.
— Ana bhebak118, Majdan — sussurrou sensualmente,
arrancando um grunhido apaixonado da minha garganta.
— Thara, Thara — murmurei contra a boca deliciosa, cuja
língua tocou a minha com uma timidez excitante. — Eu quero só você.
Enrosquei os dedos nos cabelos volumosos para aprofundar o
beijo, mas fui obrigado a me afastar quando uma batida soou na porta.
Thara imediatamente aprumou o corpo, mantendo-se a uma distância
respeitável de mim. Arrumou os cabelos e pousou as mãos sobre o
colo, enquanto eu grunhia de frustração.
A minha mãe ainda aguardou alguns instantes antes de abrir a
porta e entrar.
— Faz de conta que não saí daqui nem por um segundo.
Thara deu um sorriso envergonhado, mas o olhar refletia
gratidão.
— Shukran, Farah. Que Allah a abençoe por ser assim.
— Que Ele abençoe a todos nós.
Capítulo 54
Majdan
Deixei Thara aos cuidados de Malika e fui para casa, ciente
de que, a partir daquele dia, a minha mãe ia dar andamento aos
preparativos do casamento.
Apesar de a reunião no majlis ter sido tensa, no final saí de lá
como o vencedor. Consegui não matar Musad Faez de socos e
consolidei o meu relacionamento com Thara. Agora, o que sentíamos
um pelo outro não era mais segredo para ninguém e ela seria a minha
esposa, tornando-se intocável e inalcançável fosse para quem fosse.
A única coisa que ainda me preocupava, e muito, era o
resultado do toxicológico.
Assim que cheguei em casa, tranquei-me no escritório e
liguei para o enfermeiro Hasan.
— O resultado saiu?
— Eu já ia ligar agora mesmo para avisar que estou com ele,
alteza.
— Traga-me aqui.
Enquanto esperava, fiquei andando de um lado para o outro
no escritório, cerrando e descerrando os punhos de tensão. Tentei
relaxar, mas estava ansioso demais para conseguir me acalmar.
Quando o enfermeiro bateu na porta, inspirei profundamente
e me preparei para o que viria.
— Entre.
Ele fechou a porta e me entregou o envelope lacrado.
— Quer que eu fique, alteza?
Olhei-o gravemente.
— Se está perguntando isso é porque acha que vou precisar
de você. Deduzo que o resultado foi positivo.
— Sim, alteza. Foi positivo para cocaína.
Porra!
Apesar do que ouvi, abri o envelope às pressas e li o
resultado.
— Eu não acredito nesta merda! — rosnei com raiva,
amassando o papel nas mãos. — Deixe-me sozinho.
Ele pareceu hesitar.
— Não precisa de ajuda, alteza?
— Por enquanto, não. Pode ir.
Assim que fiquei sozinho, caí de joelhos no chão, cobrindo o
rosto com as mãos. Curvei-me sobre o corpo, sentindo-me devastado.
Devo estar ficando louco! Perdi a sanidade mental, não há
outra explicação!
A cocaína havia fodido de vez com a minha cabeça. A
sensação que eu tinha agora era que tudo o que vivi desde que voltei
de Dawn Light não passou de uma alucinação.
Só em imaginar que estaria colocando Thara no meio do
pandemônio que era a minha vida de dependente químico, toda a
felicidade que senti ao tê-la nos braços como minha futura esposa se
desvaneceu como em um passe de mágica.
Eu me iludi quando achei que havia me recuperado o
suficiente para não ser mais assolado pelos sintomas nefastos da
síndrome de abstinência, que exigia o consumo a qualquer preço.
Enganei-me. Um engano desolador que agora estava dilacerando-me
por dentro.
As lágrimas molharam as mãos que cobriam o meu rosto.
— Allah, sou um pecador, sei disso, mas tenha piedade de
mim.
Não sei durante quanto tempo fiquei prostrado de joelhos no
chão até ouvir a porta do meu escritório abrindo-se. Eu me sentia tão
apático, que pouco me importei com quem estivesse entrando.
— Majdan!
A voz de Yusuf entrou pelos meus ouvidos e alcançou a
minha mente, mas o meu corpo não reagiu à presença dele. Continuei
na mesma posição.
Um braço rodeou os meus ombros e me forçou a erguer o
tronco do chão.
— Você está bem? Venha, sente-se aqui.
Ele se sentou ao meu lado sobre o tapete com as costas
apoiadas no sofá.
— Já vi que Hasan correu para lhe contar sobre o resultado.
— Fui atrás dele e o ameacei se não me dissesse o resultado.
Obriguei o coitado do homem a passar por cima da ética profissional.
— Você não devia ter feito isso.
— Não me arrependo. — Senti o olhar preocupado dele. —
Então deu positivo.
Ri com amargura.
— E você deve estar achando que sou um mentiroso, que
ainda estou viciado a ponto de esconder de todo mundo que continuo
consumindo.
— Se quer mesmo que eu diga, não sei nem o que pensar
disso tudo. Desde que o visitei na clínica em Nova York, notei o
quanto havia mudado para melhor. Mesmo aqui em Tamrah, não senti
em momento algum que você estivesse consumindo. — Ele voltou a
me olhar com atenção. — Quero acreditar em você, mas esse resultado
positivo é incontestável.
O pior de tudo era que ele tinha razão.
— Não tenho lembrança alguma de ter consumido, Yusuf. Eu
queria afirmar categoricamente que não voltei a usar nada, mas é
como você disse. Esse resultado é incontestável.
Ficamos sentados em um silêncio tenso e sombrio. Eu me
sentia esgotado, como se toda a energia do meu corpo tivesse sido
arrancada de uma única vez.
— Estou tentando entender como é possível que você não se
lembre do que fez.
— Não é a primeira vez que isso acontece — admiti com
desânimo. — Fiz coisas no passado que não me lembro de ter feito,
mas que disseram que fiz. Nunca quis admitir isso para vocês, mas
passei a ter lapsos de memória com o uso constante da droga.
Eu me sentia tão abatido que nem me importei com o que ele
pensasse de mim ao saber daquilo.
— Como assim, lapsos de memória? — Yusuf mudou de
posição, sentando-se de frente para mim com as pernas cruzadas. —
Que coisas foram essas que fez e que não se lembra?
— Várias, mas me calei para ninguém saber que eu já não era
dono da minha razão. Preferi que me achassem um arrogante
desprezível do que um príncipe herdeiro mentalmente incapaz de
governar. Sempre tive a esperança de melhorar, mas a coisa só
piorava. Foi justo perder o título para Saqr.
— Você deveria ter contado, nem que fosse para nossa mãe.
— O problema era ela acreditar em mim e não achar que eu
estava dando uma desculpa esfarrapada para justificar os meus erros.
Nem você está acreditando em mim agora.
Ele ficou pensativamente calado, só me analisando.
— Talvez se você me contar o que fez, eu consiga entender e
acreditar.
Ergui os ombros com indiferença, dando a entender que
pouco me importava agora se ele acreditasse em mim ou não.
— Disseram que forcei sexo com duas mulheres em uma
festa que aconteceu em Londres. Saiu em todos os tabloides e foi mais
um escândalo envolvendo o meu nome, mas não me lembro de ter
feito isso. O número de mulheres que caíam em cima de mim naquela
época era tão grande, que eu viveria fodendo vinte e quatro horas por
dia se pegasse todas elas. Eu não me lembrei nem da cara das duas
mulheres que me acusaram, quanto mais do que fiz com elas. Como o
caso foi arquivado, deixei passar a minha falta de memória.
Yusuf estava de testa franzida quando terminei de falar.
— Acha que elas inventaram aquela história para conseguir
dinheiro?
— Na época eu tinha certeza disso, mas depois vieram outros
esquecimentos da minha parte que me fizeram duvidar. O caso de
White Star foi um deles. Como não lembrava de jeito nenhum de
sequer ter discutido com Mubarak sobre o doping, quanto mais
autorizado, vi logo que o esquecimento foi por causa da droga. Mais
uma vez, preferi não admitir para vocês que não me lembrava de nada.
Naquela época, passou várias vezes pela minha cabeça que estava
desenvolvendo Alzheimer.
— Chegou a fazer algum exame?
— Fiz em Nova York e não foi confirmado.
— Estou me sentindo mal agora. Condenei muito você por
causa da morte de White Star. Nunca ia imaginar que a droga pudesse
ter esse efeito sobre você.
— É uma das consequências do uso contínuo, apesar de não
afetar a todos do mesmo jeito e com a mesma intensidade. Óbvio que
sempre achamos que vai acontecer com os outros, mas não com a
gente.
— Fiquei furioso quando soube da punição que recebemos da
federação de hipismo. Você escondeu a carta e nem disse nada.
Ficamos sabendo pela imprensa internacional.
Passei as mãos pelo rosto, inspirando fundo para controlar a
sensação de impotência que me dominou.
— Eu nem sabia que a merda daquela carta tinha chegado,
Yusuf. Só dias depois foi que a encontrei no meio dos documentos que
estavam parados na minha mesa, mas já era tarde.
— Mubarak sempre foi um péssimo amigo. O envolvimento
dele em doping de cavalos de corrida só comprovou o caráter
desprezível que tinha.
Olhei para o porta-retratos na estante atrás da minha mesa de
trabalho, onde havia uma foto minha com White Star, a estrela branca
destacando-se no pelo castanho da testa.
— A morte de White Star foi a gota d’água para mim em
muita coisa com relação a Mubarak. Ajudou o fato de logo depois eu
perder o título para Saqr. A desintoxicação em Dawn Light abriu de
vez os meus olhos, mas também me mostrou uma perspectiva mais
profunda dos lapsos de memória. Até hoje de manhã eu afirmaria com
convicção que nunca mais tive nenhum episódio de esquecimento,
mas agora já não tenho tanta certeza. Achei que estava vivendo cada
dia da minha nova vida com muita lucidez. — Ri de mim mesmo. —
Tudo indica que me enganei.
— Isso é muito sério, Majdan. Você poderia ter colocado
Tamrah em uma situação complicada com esses esquecimentos.
— Eu sei disso. Sei de todos os meus erros. — Esfreguei o
rosto várias vezes, querendo apagar o meu passado da mente, mas
aquilo era impossível. — Sou um inútil mesmo.
— Não diga isso! Você está fazendo um excelente trabalho no
Ministério do Turismo. A campanha publicitária que está sob a sua
responsabilidade foi um sucesso. Tamrah nunca teve um fluxo tão
grande de turistas ocidentais como está tendo agora. Isso atraiu novos
investidores internacionais, que decidiram abrir filiais no nosso país.
Estamos crescendo acima do esperado. Aqueles modelos que
contratamos para os comerciais ajudaram, mas foi a sua imagem que
realmente fez crescer o nosso turismo.
— E o que vai acontecer quando eles descobrirem que não
passo de um drogado sem cura?
— Al’ama!119 Isso não vai acontecer — ele praticamente
rosnou entredentes, mas sabíamos que a possibilidade existia.
— Não sei do meu amanhã e me preocupo demais por estar
trazendo Thara para o caos que a minha vida se transformou. Eu não
contava com o que aconteceu hoje de manhã, nem com o resultado
desse exame. Acho que estou perdendo a sanidade mental, meu irmão.
— Não! — ele negou categoricamente.
A reação dele foi emocional e não racional. Yusuf sabia tanto
quanto eu que aquela possibilidade existia. Cruzamos o olhar e notei o
esforço que ele fazia para conter as emoções.
Acabamos por nos abraçar com força. Não contive as
lágrimas, muito menos ele.
— Allah não vai permitir isso — ele disse com a voz
embargada. — Você vai superar tudo. Tenho fé nisso.
— Se acontecer algo comigo, prometa que vai cuidar de
Thara e dos meus filhos.
— Cala a boca, Majdan! Nada vai acontecer com você!
Eu queria acreditar naquilo, mas era preciso ter vivido na pele
tudo o que vivi para saber que a possibilidade de algo incontrolável
acontecer era grande.
Sentia-me cansado de decepcionar a minha família, os meus
filhos. Para se juntar a eles, agora existia também a Thara.
— Depois do que aconteceu hoje no majlis, quero uma
investigação completa sobre Musad Faez. Investigue tudo, Yusuf.
Quem são os familiares dele, que tipo de negócios tem, o que faz da
vida. Não confio nele e quero saber de todos os detalhes possíveis.
— Farei isso, não se preocupe. Assim que estiver pronto,
envio para você.
Eu precisava proteger Thara. Se no futuro eu não estivesse
mais ao lado dela, os meus irmãos precisavam saber de quem ela
precisava ser protegida.

Foram as aulas de karatê e a meditação ensinadas por Takeshi


que me ajudaram a superar a dependência química em Dawn Light.
Ciente daquilo, decidi usar o mesmo método para ultrapassar os piores
momentos das crises dos últimos dias. A vontade louca de consumir
acontecia a qualquer hora do dia ou da noite, estivesse eu aonde fosse.
Yusuf me ajudou com o karatê e ainda me ensinou vários
golpes do krav maga120.
— Você é mais encorpado e pesado do que eu, por isso não
consegue ser tão rápido, mas é superior em força física. Se pegar o seu
adversário, poderá liquidá-lo facilmente — ele disse, mostrando-me
como aplicar um dos golpes mais mortais do krav maga.
Quando estava lutando, esquecia-me de tudo e aquilo serviu
para manter a minha mente o mais sã possível dentro das
circunstâncias. A meditação era o oposto da luta, exigindo uma
concentração diferente, mas que também muito me ajudou.
Depois de várias conversas com Yusuf, concordamos que
seria melhor eu trabalhar em casa nos próximos dias.
— Não se chateie com o que vou dizer agora, mas assim
anulamos qualquer possibilidade de você pegar o pó com algum
fornecedor lá fora. Mesmo que tenha algo escondido aqui, em algum
momento dos próximos dias vai se acabar.
Kkara!121
Era cruel demais ouvir aquilo do meu próprio irmão e só não
contestei o que disse por saber que ele tinha razão. Eu conhecia bem
demais os sintomas de uma boa snifada para negar a mim mesmo o
que estava acontecendo comigo.
O que me fez calar foi o meu desespero por estar tendo uma
recaída tão forte. Quando dormia à noite, continuava tendo sonhos
muito reais em que cheirava uma linha inteira. Sentia os efeitos de
uma maneira tão real que acordava confuso no meio da noite, sem
saber se tinha sido realmente um sonho ou uma das alucinações
causadas pela droga que efetivamente havia consumido dentro de casa.
Para piorar, eu sentia uma saudade dolorosa de Thara. Por
causa das convenções, fomos forçados a não nos vermos até o dia do
casamento, o que colaborava muito para o meu descontrole. Eu a
queria ao meu lado e amenizei aquela necessidade com ligações e
mensagens todos os dias.
Era através de Abia que eu ficava sabendo como Thara
realmente estava.
— Ela está bem, papai. Só um pouco ansiosa com a festa que
vovó está preparando.
Infelizmente, não consegui evitar que os meus pais
organizassem um casamento monumental. Na minha opinião, aquilo
era um absurdo, considerando que eu não era mais o príncipe herdeiro,
nem estava me casando pela primeira vez.
— Thara merece um casamento com tudo o que uma noiva
tem direito — a minha mãe justificou, irredutível.
Foi unicamente por Thara que concordei e cedi. Ela
realmente merecia ter a festa de casamento dos sonhos de qualquer
mulher.
Só espero conseguir ser o marido dos sonhos dela.
Capítulo 55
Thara
— Ainda estou sem acreditar que vou ser a única mulher
solteira na família! — Sabirah reclamou, mas foi com o bom humor de
sempre. — Já fiz as tatuagens de henna122 em Malika e agora em você.
Quem é que vai fazer em mim?
— Eu faço! — Abia disse logo, arrancando risadas das
mulheres presentes. — Sei desenhar muito bem e vou fazer tatuagens
lindas em você.
Abia havia conseguido a autorização da avó para participar
dos preparativos da noiva.
— Ora, mas que honra para mim. — Sabirah divertia-se com
a própria situação. — Nem quero pensar no tempo que ainda vai
demorar para isso acontecer.
— Se você não escolhesse tanto, talvez já estivesse casada —
Farah lembrou-a e Sabirah fez uma careta engraçada.
— Não tenho culpa se não consigo me apaixonar — ela se
justificou, mas eu sabia que já estava apaixonada, só não era
correspondida.
— Um dia o seu pai vai fazer pressão para que se case, isso
se não aparecer com um pretendente escolhido por ele.
— Vou negar. Sei que tenho uma mãe que vai me proteger de
um casamento indesejado e me deixar casar por amor — afirmou com
a segurança de filha que conhecia bem a mãe que tinha.
Eu tinha certeza de que Farah não a forçaria a um casamento
indesejado.
— Yusuf vai ficar do seu lado — Malika garantiu com
convicção.
— Saqr também vai apoiar — Kismet juntou-se à irmã. — E
ai dele se ficar contra.
O som das risadas encheu o ambiente.
— Eu ainda não sou a esposa de Majdan, mas não duvido que
vá concordar com os irmãos.
Sabirah lançou um olhar de desafio para a mãe, sorrindo com
um ar de vitória.
— Vê como é bom ter as esposas dos meus irmãos do meu
lado? Eles se acham muito poderosos, mas são elas que mandam.
Malika gargalhou tanto, que chegou a encher os olhos de
lágrimas. Kismet era menos espontânea, mas era notório o quanto se
divertia com a situação. Todas sabíamos o quanto ela tinha influência
sobre Saqr.
Tê-las ao meu lado em um momento tão importante da minha
vida fez a diferença entre o nervosismo e a tranquilidade. Eu me sentia
mais confiante com a presença delas nos preparativos do casamento.
Horas depois, quando me olhei no espelho, vi o reflexo de
uma noiva deslumbrante que nem parecia ser eu, a Thara Ayad que
fugiu de Rummán. Eu era tão feliz em Taj, que nem havia percebido o
tempo passar.
Seguindo o costume da nossa cultura, não me permitiram
mais ver Majdan antes do casamento. As notícias que recebia dele
eram trazidas por Abia, que vinha me visitar na Ala do Guepardo
sempre que podia, contando-me como ele estava.
Foi assim que fiquei sabendo que ultimamente ele vinha
trabalhando mais em casa, indo pouco à Global Harbi. Yusuf aparecia
com frequência e os dois se trancavam no escritório durante horas, o
que me deixava inquieta.
Decidi ter uma conversa particular com Layla.
— Eu não queria ter que lhe pedir isso, mas o que devo fazer
se um dia Majdan passar mal à minha frente por causa de... você sabe.
Ela sorriu com compreensão.
— Faz bem em querer aprender a lidar com uma situação
dessas. Vou ensinar as noções básicas de primeiros socorros e
esclarecer melhor você sobre a reação que a substância causa no
organismo.
Segurei as mãos dela em agradecimento, esperando nunca
precisar colocar em prática nada do que ia aprender.

Eu sentia saudades de vê-lo, de estar perto, de sentir a


presença de Majdan ao meu lado. O único consolo que tinha era saber
que o casamento me permitiria ter tudo aquilo definitivamente.
Podíamos não nos ver, mas as mensagens e os telefonemas
continuaram. Majdan não passava um dia inteiro sem se comunicar
comigo para saber como eu estava.
— Faz uma semana inteira que não beijo você. Wahashtiny123.
O meu coração palpitou no peito ao ouvir o tom de voz
apaixonado dele.
— Albi maak!124
Ele soltou um grunhido do outro lado da linha que fez um
calor gostoso percorrer o meu corpo.
— Já não aguento mais esperar tanto tempo. — A voz estava
grave, com aquele timbre enrouquecido de quando ele me beijava com
paixão.
— Está contando os dias?
— Cada um deles.
Sorri, feliz.
— Já está perto.
— É o que me impede de ir aí.
— Farah ia ficar furiosa se você não respeitasse os costumes
do nosso povo.
Ele soltou uma risada.
— Provavelmente. E o meu pai também. — A voz voltou a
ficar séria. — A próxima vez que ficarmos sozinhos, iremos até o fim
juntos.
Senti o rosto arder de vergonha, mas também de expectativa
com aquele momento. Apesar do receio que tinha quanto à noite de
núpcias, eu queria muito ficar sozinha com ele. Mesmo sabendo das
dores que a minha mãe sentia ao cumprir as obrigações de esposa com
o meu pai, o prazer que eu sentia quando estava com Majdan me dizia
que comigo seria diferente.
Não é possível que haja dor com todo o prazer que sinto
quando estou com ele.
Eu estava ansiosa para aprender tudo o que ele havia dito que
ia me ensinar.

Eu poderia ter aproveitado melhor a cerimônia do meu


casamento se não estivesse tão nervosa. Farah me contou que Majdan
havia dito que queria uma cerimônia íntima, mas ela e o Sheik Rashid
negaram.
— Você merece uma festa completa e é isso o que vai ter. —
Ela foi taxativa ao me contar sobre a conversa que tiveram com
Majdan.
Uma festa completa não era bem o que eu queria, mas não me
achei no direito de negar aos pais dele o casamento que queriam dar
ao filho mais velho. Se Majdan se viu forçado a aceitar, não seria eu a
opor resistência.
Segundo ele me informou depois em uma das ligações, o
Grão-Mufti Sheik Isam Hussein estaria presente para testemunhar que
o casamento foi mesmo realizado e impedir futuros questionamentos
dos religiosos ou do meu pai.
Abia estava tão entusiasmada que enchia o meu coração de
felicidade. De início achei que Imad e Hud poderiam não gostar da
novidade, mas me enganei. Ambos ficaram felizes e cumprimentaram
o pai pela “excelente escolha”, como Abia me contou depois.
O primeiro dia de festa, na verdade, restringiu-se ao
casamento civil. Saí da cerimônia já casada com o meu príncipe.
Depois de passarmos dias separados um do outro, a emoção de estar
novamente com Majdan foi enorme. O meu coração batia
descompassado no peito e nunca me senti tão feliz na vida. Estar
finalmente me casando com ele era ver realizado um sonho secreto
que guardei durante meses só para mim. E como sonhei com aquele
dia.
Apesar de estarmos casados no civil, só ficaríamos juntos
depois do terceiro dia de festa, que aconteceu em um clima de muita
euforia das mulheres. Nunca me diverti tanto. Elas eram realmente a
minha família do coração.
O meu grande momento chegou quando parei na entrada do
salão onde a festa seria realizada. Esperando-me lá, estava o príncipe
irresistivelmente atraente com quem me casei. O meu olhar se prendeu
ao dele e me senti arrebatada.
Acompanhando-me no zaffeh125, as mulheres da família não
cansavam de comemorar com o zaghrouta126, ululando alto junto com
os cânticos que exaltavam para Majdan a beleza da noiva que ele
tinha.
Apesar do som alegre da música que tocava, achei que ele
estava sério quando cheguei, parecendo tenso, mas a expressão do
rosto másculo suavizou quando o olhar profundo me envolveu. Um
leve sorriso curvou os lábios que sempre me beijavam com tanta
paixão, o que me fez relaxar de imediato.
Foi com confiança que caminhei até ele, que veio ao meu
encontro com um sorriso mais largo.
Majdan segurou a minha mão e perdi o fôlego diante do
toque firme. Eu sentia muitas saudades da intimidade que partilhamos
durante as poucas oportunidades que tivemos de ficar sozinhos.
— Você está linda! — elogiou com a voz grave.
Os olhos percorreram o meu rosto e pescoço, enfeitados com
as joias que ele tinha enviado de presente para mim. Como não
podíamos nos ver pessoalmente, quem as trouxe foi a Farah, dizendo
que era para eu usar na cerimônia. Até perdi o fôlego quando abri o
estojo e vi o colar, a pulseira, os brincos e o enfeite de cabeça de
pedras azuis.
Eu não entendia nada de joias e pedras preciosas, mas
Sabirah entendia e soltou um gritinho de admiração.
— MashAllah!127 São safiras com diamantes! O meu irmão
me surpreendeu agora.
— As joias são lindas! Agradeça a ele por mim — pedi à
Farah, já que naquele dia nem por telefone podíamos nos falar.
Um sorriso misterioso curvou os lábios dela.
— Agradeça pessoalmente depois. O meu filho vai adorar vê-
las em você durante a cerimônia de casamento.
Agora, vendo a admiração explícita nos olhos dele, tive de
concordar com Farah. Majdan parecia fascinado.
Entramos juntos no salão, sob os aplausos de todos e ao som
da música alegre, cujo compasso era marcado pelos tambores que o
grupo de dabke tocava e do zaghrouta128 das mulheres.
Ao observar a quantidade de gente no salão, não tive dúvida
alguma de que a festa de casamento organizada por Farah era mais
grandiosa ainda do que o aniversário do príncipe Yusuf.
Paramos diante do sacerdote, que oficializou de vez o nosso
casamento. Senti vontade de chorar na hora em que ele fez os votos
com a voz bastante firme diante de todos os presentes.
— Com a benção de Allah, aceito Thara Ayad como minha
esposa. Deste momento em diante, ela está sob os meus cuidados e a
minha proteção.
Capítulo 56
Thara
Entrei no helicóptero que ia nos levar para Alqamar, onde
passaríamos a nossa lua de mel. Já havíamos trocado de roupa e nos
despedido de toda a família.
Quando chegou a vez de Abia, notei o quanto ela estava triste
por não poder nos acompanhar.
— Eu queria tanto mostrar Alqamar para você.
— Nada impede que você me mostre o lugar em uma outra
ocasião. Tenho certeza de que há cantinhos especiais lá que só você
conhece.
Ela ficou mais conformada, segurando a mão de Sabirah, que
prontamente a distraiu com suas brincadeiras.
Eu estava nervosa, apesar de disfarçar com um sorriso que
esperava ser tranquilo o suficiente para convencer todo mundo. Ao
meu lado, Majdan também se despediu de todos, demorando mais
quando chegou a vez de Yusuf.
O helicóptero levantou voo minutos depois, levando-nos para
Alqamar, um lugar que eu só tinha ouvido falar, mas que estava
ansiosa para conhecer.
Majdan, que agora era o meu marido, segurou a minha mão
durante o voo. Aquele foi o único toque físico que houve entre nós
dois durante todo o trajeto.
Dentro da aeronave, só estavam o piloto e o copiloto, mas
notei que um outro helicóptero de guerra nos acompanhava de perto,
onde eu supunha estivessem os seguranças da guarda real que faziam a
proteção de Majdan.
As duas aeronaves vararam o céu da madrugada e admirei a
belíssima vista noturna de Jawhara. Não sei durante quanto tempo
voamos até eu ver o mar abaixo de nós.
Abismada, apertei a mão dele, chamando a atenção para o
que estava vendo.
— Estamos saindo de Tamrah?
Sentia-me confusa com a direção que estávamos tomando.
Sempre achei que Alqamar ficava em Tamrah e não fora do país.
— Ainda estamos em Tamrah. Alqamar fica dentro do nosso
mar territorial. — Ele apontou para uma área mais escura à frente do
helicóptero. — Já estamos quase chegando. Daqui a pouco você vai
conseguir vê-la.
Curiosa, fiquei olhando para onde ele havia indicado, até
conseguir ver minúsculos pontinhos brilhantes, como se fossem luzes
acesas perdidas no meio do mar. De início, achei que fosse algum
daqueles iates enormes e luxuosos que pareciam transatlânticos.
Descartei imediatamente a hipótese quando a claridade da lua cheia e
a luz frontal do helicóptero iluminou uma longa faixa de areia branca.
Pasma, arregalei os olhos para Majdan, sem acreditar no que
estava vendo.
— Alqamar é uma ilha?
Ele me olhou com a testa franzida.
— Você não sabia? Pensei que minha irmã ou Abia já
tivessem lhe dito que era uma ilha.
— Não, nunca me disseram. Apenas que era um lugar lindo.
Ele sorriu enigmaticamente.
— Acho que elas queriam fazer uma surpresa para você.
— Ah, nem diga isso! Agora entendo por que Abia ficou tão
triste por não poder vir junto.
— Eu só os trago aqui quando estão de férias. Raramente
vêm durante as aulas.
Olhei para a ilha à medida que nos aproximávamos cada vez
mais.
— Daqui de cima parece linda!
— Ela é a única ilha natural de Tamrah e é propriedade do
primogênito de cada geração. Alqamar é minha desde que nasci e será
de Hud no futuro. Não tem a ver com ser o príncipe herdeiro, mas com
ser o primogênito do primogênito. Ela não tem a opulência de
nenhuma das minhas outras propriedades, mas é o meu oásis
particular. Espero que você goste.
— Tenho certeza de que vou gostar!
Dizer que gostei era pouco diante do deslumbramento que
senti ao descer do helicóptero. Mesmo sendo noite, era visível a beleza
do lugar.
Majdan tinha razão quando dizia não haver opulência ali. O
luxo exorbitante de Taj não havia tocado aquele lugar. Em
compensação, as estrelas no céu brilhavam mais do que todo o ouro
que adornava o palácio real e a lua cheia coroava majestosamente as
águas tranquilas que cercavam a ilha.
— MashAllah!129 Estou encantada, Majdan. Que lugar mais
lindo! Nunca imaginei que Alqamar fosse uma ilha tão encantadora.
Está explicado o entusiasmo de Abia e de Sabirah quando falavam
daqui.
Ele sorriu e notei que estava feliz com a minha reação.
— Yalla! Quero apresentar você aos empregados da ilha.
Alguns moram aqui e foram avisados com antecedência da nossa
vinda. Devem estar ansiosos para conhecer minha esposa.
Das cerca de trinta pessoas que conheci, metade morava na
ilha. Os outros só vinham para dar apoio nas ocasiões em que Majdan
ou alguém da família real se hospedava em Alqamar. A governanta
que comandava tudo se chamava Raissa, uma senhora com cerca de
cinquenta anos que possuía um sorriso amistoso e um olhar acolhedor.
A uma ordem dela, todos desapareceram em um piscar de
olhos, deixando-nos sozinhos na casa principal.
Subitamente envergonhada, olhei para Majdan, sem saber
como agir.
Pela primeira vez desde que descemos do helicóptero, ele
voltou a me tocar, segurando a mão onde a aliança e o anel de
casamento brilhavam no meu dedo. Ele os beijou, roçando os lábios
no dorso até o pulso de um jeito tão íntimo que me arrepiou toda.
Um sorriso sensual curvou os lábios dele, como se soubesse o
que eu estava sentindo.
— Agora, a grande surpresa da noite.
Até arquejei com a expectativa.
— Qual é? — sussurrei, afogueada.
Ele me surpreendeu ao me pegar ao colo e começar a andar
pela sala. Achei que fosse me levar para o quarto, mas não foi o que
aconteceu. Majdan atravessou a sala e entrou em um corredor em
forma de arco que nos levou para o lado de fora da casa.
Senti a brisa leve da noite e olhei encantada para o céu,
admirando o brilho das estrelas. Elas pareciam estar tão perto, que eu
até poderia me iludir achando que conseguiria pegar uma delas se
esticasse o braço.
Ele desceu para a areia da praia e o olhei, intrigada.
— A surpresa é um banho de mar?
Majdan soltou uma risada que só o deixou mais atraente aos
meus olhos apaixonados. Eu me sentia feliz ao vê-lo mais relaxado do
que durante a cerimônia do casamento.
— A surpresa não é essa, mas se você quiser, pode ser.
— Eu adorei tomar banho de mar em Noor, mas não sei se
gostaria de fazer o mesmo a essa hora da noite.
— Tomaremos durante o dia. Já estamos chegando perto da
surpresa.
Ele fez um gesto com a cabeça indicando algo à nossa frente
e olhei, mais do que curiosa.
A primeira coisa que vi foi uma fogueira acesa na areia da
praia, que iluminava uma tenda enorme que havia sido armada com a
frente virada para o mar. Uma espécie de terraço coberto por um toldo
estava forrado de tapetes estampados em tons de vermelho. A porta de
entrada era larga e estava com o tecido erguido, mostrando uma sala
grande onde outros tapetes caríssimos forravam o chão. Notei que
tudo lá dentro era decorado com esmero.
À medida que Majdan se aproximava, eu conseguia ver
almofadas coloridas, mantas macias e lanternas acesas completando a
decoração no interior aconchegante.
— Oh, mas o que é isso? — perguntei, encantada com o
clima mágico do lugar.
O sorriso dele se alargou.
— Isso é uma tenda árabe como tem de ser.
Colocou-me de pé sobre o tapete do terraço e rapidamente
tirei os sapatos, pisando na tapeçaria macia. Majdan fez o mesmo e
praticamente corri para dentro, ansiosa para ver tudo.
— MashAllah! — repeti maravilhada assim que entrei.
Inspirei fundo o aroma que o bakhoor130 de Oud131 espalhava
pelo ambiente, sentindo-me transportada para uma daquelas histórias
magníficas das Mil e Uma Noites132 de Sherazade.
No lado esquerdo, uma outra entrada estava aberta. Era um
quarto, onde havia uma cama de casal sobre os tapetes, completamente
cercada de mantas. A decoração exótica me atraiu e fui para lá,
sentindo-me hipnotizada por tudo o que via.
No interior do quarto, apenas uma lanterna iluminava de
maneira muito tênue e romântica o interior.
— Majdan, como tudo aqui é lindo!
— Você também é linda e agora é minha esposa.
Virei-me para ele e parei, perdendo o fôlego.
De pé na entrada do quarto, Majdan me olhava com uma
expressão de desejo indisfarçável. Ele soltou o tecido do que seria a
porta e nos isolou lá dentro. Imediatamente, senti um calor tomar
conta do meu corpo e arquejei, ofegante.
Nervosa, olhei para o tecido grosso que servia de porta.
— Ninguém vai entrar aqui?
Um brilho estranho cruzou o olhar dele.
— Só se quiser morrer.
Com o rosto sério, aproximou-se lentamente com os olhos
fixos em mim, assemelhando-se muito ao animal que o representava.
Senti como se fosse a caça do Leão de Tamrah.
Ele parou bem à minha frente e tocou no colar que havia me
dado de presente.
— É da cor do mar da minha ilha. O conjunto ficou perfeito
em você.
Era para eu agradecer pelas joias, mas não conseguia emitir
nem uma palavra.
Majdan tirou o meu hijab, jogando-o ao chão com
displicência. Passou então a acariciar os meus cabelos daquele jeito
que sempre me deixava com as pernas bambas.
Fechei os olhos e oscilei como uma folha ao sabor do vento,
indo parar nos braços dele.
Os lábios quentes beijaram a minha testa, depois desceram
pelo rosto, ao mesmo tempo em que os pelos da barba faziam o
trabalho de estimular mais ainda os meus sentidos. Quando chegou à
minha boca, prontamente a abri para ele. A língua ousada me invadiu
com lentidão, como se Majdan não tivesse pressa alguma em sentir o
meu sabor.
Fiz o mesmo com ele, acariciando os cabelos escuros e
correspondendo ao beijo no mesmo ritmo.
— Thara — gemeu o meu nome, aprofundando o beijo. —
Sou louco por você, habibti133.
Fui abraçada com mais força a ponto de ficarmos colados um
ao outro por inteiro. Eu já havia ficado naquela posição com ele antes,
mas nunca foi como marido e mulher, nunca foi sem barreiras ou
regras apropriadas de conduta.
Agora não havia mais impedimento algum e aquela situação
inédita no nosso relacionamento me deixou receosa, mas também
ansiosa para ir até o fim.
O que aconteceria dali em diante era algo desconhecido para
mim. O pouco que a minha mãe havia conversado comigo sobre as
obrigações do casamento não era referência para o que haveria entre
nós dois naquela noite.
Foi com uma certa aflição que expressei os meus medos.
— Majdan, vai doer muito?
Ele segurou o meu rosto com ambas as mãos e me olhou
profundamente.
— Pode doer um pouco, mas prometo que vou tentar que não
doa nada. Confie em mim, habibti. Deixe que o prazer de cada toque
comande o seu corpo.
Voltou a me beijar, deslizando os lábios pelo meu rosto até
alcançar o lóbulo da minha orelha, que sugou com a língua. Estremeci,
arquejei, gemi com a sensação inebriante.
— Majdan!
— Gosta disso? — grunhiu no meu ouvido, arrepiando-me
ainda mais.
— Oh, sim! Gosto muito.
Ele repetiu o gesto e me agarrei com força nos ombros largos,
apertando-me contra o corpo dele.
— Isso é prazer sexual, Thara — explicou, esfregando a
barba no meu pescoço e arrancando um outro gemido da minha
garganta. — Isso também. Vou dar tanto prazer a você que só vai
querer parar quando gozar.
Fiquei confusa.
— Gozar? Não entendi.
Foi a vez de ele inspirar fundo, como se estivesse tentando
controlar aquele mesmo prazer que me ensinou a sentir.
— Vai entender quando eu mostrar a você o que é. — A voz
dele estava mais rouca do que antes e a respiração tão ofegante quanto
a minha. — Agora vou tirar o meu thobe, mas não se assuste com
nada.
Pisquei, atordoada com o que ele disse. A minha mãe nunca
havia falado nada sobre o meu pai tirar a roupa.
Será que ela também tirava a dela, mas ficou constrangida
de me dizer?
Senti o rosto arder de vergonha só de imaginar a cena. Foi
quando me lembrei daquele ultrajante teste de virgindade.
— Vou ter que tirar a minha abaya também? — Não consegui
disfarçar o quanto estava horrorizada em ficar nua na frente dele.
Ocupado em tirar o thobe, Majdan não respondeu. Jogou-o ao
lado do meu hijab sobre o tapete e ficou de peito nu à minha frente,
vestido apenas com a calça branca.
Dei um passo atrás, chocada com o que estava vendo. Eu já
havia sentido a força dele em várias ocasiões, mas nunca pensei como
seria o corpo que estava por baixo das roupas sempre elegantes que ele
vestia. Agora, diante dos meus olhos arregalados, estava um Majdan
diferente, com ondulações rijas na parte superior dos braços, no peito
e nos ombros.
Senti uma mistura de medo e curiosidade, mas o que venceu
mesmo foi a vergonha. Prontamente baixei a cabeça, desviando o
olhar para os meus pés e agarrando com força o tecido da abaya.
Majdan se aproximou em silêncio, os pés dele aparecendo no
meu raio de visão e posicionando-se ao lado dos meus. Se eu já estava
envergonhada, fiquei mais ainda ao ver o volume que esticava a calça
que ele usava. Ergui rápido o rosto para não ver mais aquilo e bati de
frente com o peito dele. Não me restou outra alternativa que não fosse
cobrir os olhos com as mãos.
Ouvi sons suspeitos e desconfiei que ele estivesse tirando a
calça também. Fechei os olhos, mesmo que já estivessem cobertos
pelas mãos, e dei as costas para ele.
— Eu acho que não vou conseguir.
Calei-me quando ele me pegou ao colo e começou a caminhar
pelo quarto. Sem dúvida ia me levar para a cama e senti o coração
bater descompassado.
Capítulo 57
Thara
Fui deitada gentilmente e senti que ele se deitou ao meu lado.
— Baixe as mãos, Thara. Em algum momento terá de olhar
para mim.
Eu sabia que ele tinha razão, mas como ultrapassar a
vergonha?
— Não vou conseguir tirar a abaya. — A minha voz saiu
abafada pelas mãos.
— Não acho justo que eu tire a roupa e você fique vestida.
Ofeguei, nervosa.
— Você está nu?
— Quase. — Havia um toque de divertimento no timbre que
usou.
— Está rindo de mim.
— Não estou. Se olhar vai ver que estou sério.
Ele começou a beijar as minhas mãos, a língua insinuando-se
entre os meus dedos de uma maneira estranhamente íntima. A
sensação era boa e o meu corpo respondeu de imediato.
Isso é prazer sexual, Thara.
Eu nunca tinha associado o que sentia quando estava nos
braços dele como sendo prazer sexual, algo considerado pecado,
segundo o meu pai. A mulher que sentisse prazer com o sexo possuía
o pecado no corpo e tinha de ser punida.
— Não tenha medo, Thara. Deixou de confiar em mim?
— Não! Eu confio.
— Então olhe para mim.
Baixei as mãos lentamente e o olhei. Ele realmente estava
sério, muito sério. Suspenso sobre mim, os ombros pareciam maiores
e os braços mais fortes. A posição era íntima, estávamos muito
próximos.
Cruzamos o olhar e havia profundidade no dele.
— Desejo muito você, Thara. Quero amar a minha garota, a
minha esposa. Esperamos muito tempo por esse momento. Agora
quero consumar o nosso casamento, fazendo de você a minha mulher.
Aquela declaração me abalou. Dias atrás, fiquei com muito
receio que ele desistisse de nós dois. Eu tinha certeza de que passou
pela cabeça de Majdan renunciar ao nosso amor. Hoje éramos marido
e mulher e não havia motivo da minha parte para ter medo do que ia
acontecer naquela noite.
Inspirei fundo, tocando os ombros largos com as pontas dos
dedos, sentindo a rigidez do corpo dele. Era quente e macio, apesar da
rigidez da carne. Ganhei coragem e usei as duas mãos para o acariciar
nas costas.
A sensação era boa, muito boa.
Majdan inspirou fundo, fechou os olhos e começou a ofegar à
medida que eu explorava com uma certa timidez o corpo dele. Quando
me olhou de novo, foi para descer a boca sobre a minha, beijando-me
com uma necessidade diferente de antes.
As minhas mãos não ousaram ir além da cintura dele, mas foi
o suficiente para o abraçar, sentindo o aroma do perfume masculino se
misturar com o do Oud que o bakhoor134 soltava no interior da tenda.
Correspondi com a mesma ânsia, arquejando quando o peito
amplo pressionou os meus seios. Mesmo ainda vestida com a abaya,
tudo era íntimo demais e me vi assolada por um turbilhão de emoções.
Contudo, aquilo passou a ser nada diante do que ele me fez sentir
depois.
Majdan envolveu um dos meus seios com a mão e começou a
fazer movimentos circulares no mamilo. Fui pega de surpresa com o
prazer que senti. Era o prazer sexual que ele havia falado e que agora
eu entendia, mas do qual ainda me envergonhava.
Não resisti, ansiando por mais.
— Quero vê-los, Thara — grunhiu no meu ouvido,
continuando os movimentos.
Anos de uma vida de repressão me fizeram calar. Eu não
ousava dizer que sim, mesmo gostando do que ele estava fazendo.
Para minha sorte, Majdan não era homem de esperar e logo
tomou a iniciativa de tirar a minha abaya. Deixei que me despisse,
mas fechei os olhos quando fiquei só de calcinha e sutiã na cama. A
lingerie tinha sido escolhida por Malika, que me presenteou com um
enxoval inteiro. Na hora em que as vi, fiquei dividida entre o espanto e
o encanto. Eram lindas, mas muito ousadas.
Senti que ele estava olhando o meu corpo e fiquei em tensa
expectativa. Respirar naturalmente se tornou algo impossível e
comecei a ofegar à medida que nada acontecia. À minha mente, veio a
imagem das mulheres deslumbrantes com quem ele andou no passado,
fossem árabes ou ocidentais. Eu era apenas a Thara Ayad, a filha
oprimida de um imame extremista.
— Por Allah! Você é mais linda do que imaginei.
Eu conhecia aquele timbre enrouquecido da voz dele e abri os
olhos. Majdan admirava o meu corpo com uma expressão muito séria.
Segurou a minha coxa com a mão e saiu deslizando-a depois até o
quadril, subindo pela cintura até alcançar o mesmo seio que havia
tocado antes. Até suspirei tamanho foi o prazer que senti.
Era a primeira vez que um homem me tocava e agradeci a
Allah que aquele homem fosse Majdan, que eu amava muito. Nem
queria pensar em como me sentiria agora se estivesse casada com
Musad Faez.
Sem amenizar a seriedade da expressão, Majdan me encarou
e percebi que pensava o mesmo. Havia uma agressividade latente nele.
— Vou matar quem um dia ousar tocar em você.
Nem tive tempo de demonstrar a minha perplexidade. Pela
ferocidade com que ele me beijou logo depois, percebi que algum
limite havia se quebrado dentro dele. Majdan me beijou com uma
dureza que eu nunca havia sentido antes. Porém, não deixou de ser
cuidadoso na maneira como soergueu o corpo sobre o meu,
enroscando uma das pernas nas minhas e criando uma intimidade
indissolúvel entre nós dois.
Com uma rapidez impressionante, tirou o meu sutiã e roçou o
tórax largo nos meus seios nus.
Entrei em êxtase, totalmente esquecida da vergonha e do
pudor.
— Majdan!
— Não se assuste com nada do que vou fazer, Thara. Só
quero lhe dar prazer.
Mal terminou de falar, a boca envolveu um dos meus
mamilos, sugando-o de uma maneira tão intensa que senti algo pulsar
dentro de mim. Foi um prazer tão grande que pensei se aquilo era o tal
gozar que ele havia falado. Se fosse, era muito bom.
Agarrei-me nele, ora nos ombros, ora nos cabelos, ora nos
braços fortes. Enquanto isso, a boca insaciável trocava de seio e fazia
o mesmo com o outro, tirando o meu juízo.
Nunca pensei que fosse tão bom. Não tinha nada a ver com o
que a minha mãe havia falado. Não existia dor alguma, só prazer.
O bigode e a barba de Majdan estimulavam a minha pele
tanto quanto os lábios, a língua e os dentes, que ele usava para me
morder muito levemente em várias partes do meu corpo.
Ficar assustada? Só se for comigo mesma!
Eu estava adorando tudo aquilo, descobrindo uma Thara que
antes desconhecia totalmente. Nas mãos de Majdan, uma outra mulher
estava surgindo, cheia de desejo, cheia de paixão e sem nenhum
sentimento de culpa.
Talvez eu tivesse mesmo o pecado no corpo. Talvez.
Fosse o que fosse, Majdan era o meu marido e tínhamos todo
o direito de nos amar livremente.
A boca sequiosa abandonou o meu seio e foi descendo pela
minha barriga, deixando um rastro de umidade onde passava. Na
semiescuridão do quarto iluminado por uma única lanterna, senti a
mão grande entrar por baixo da minha calcinha.
Arquejei, ofegante, a humilhação que senti durante o teste de
virgindade voltando à minha mente.
Instintivamente fechei as pernas e o segurei pelo pulso,
impedindo-o de seguir adiante. Ele era forte e poderia facilmente se
livrar da minha mão e continuar, mas parou, erguendo o corpo até
ficarmos olhos nos olhos, o peito duro contra os meus seios nus.
— Abra as pernas e me deixe tocar em você, habibti. Quero
lhe mostrar uma coisa.
Havia tanto amor naquele olhar que relaxei, soltando o pulso
dele. Majdan uniu nossas testas antes de colocar a mão no meio das
minhas pernas, mas sem tirar a calcinha. Mesmo com o tecido
impedindo que me tocasse diretamente, senti o calor dele em mim.
Sem desviar o olhar do meu, ele começou a roçar o dedo
sobre o tecido e sempre que passava em um determinado ponto, um
calor gostoso se alastrava cada vez mais pelo meu corpo como uma
chama ardente.
— Oh, Majdan! — exclamei, extasiada com a sensação. —
Não é pecado sentir isso?
— Não, não é. Pecado é não sentir por medo. Se Allah nos
deu um ponto de prazer no corpo, é porque é algo bom e abençoado.
— É tão bom.
— Consigo sentir o quanto está molhada — ele grunhiu,
sugando o meu lábio inferior. — Quero provar o seu sabor, Thara.
Não entendi o que ele quis dizer, mas também não conseguia
raciocinar direito para entender nada. Até pensei que coisa alguma no
mundo poderia ser melhor do que aquilo, só que ficou melhor, muito
melhor.
Sem que eu nem percebesse como aconteceu, Majdan
conseguiu enfiar a mão por baixo da minha calcinha e tocar
diretamente a minha pele com o dedo. A sensação foi mil vezes
superior, mais forte, indecentemente real.
Separei mais as pernas sem nem notar o que estava fazendo,
dando total liberdade para ele fazer o que quisesse comigo. E ele fez,
tirando rapidamente a minha calcinha e deixando-me totalmente nua.
No meu corpo ficaram apenas as joias.
Em questão de segundos, voltou a me tocar intimamente
naquele ponto que me dava tanto prazer.
— Era isso o que eles queriam tirar de você, Thara.
Abracei-o pelo pescoço, ofegando na mesma velocidade com
que o dedo dele me estimulava, entendendo por fim o que estava por
trás da circuncisão. Eu me sentia livre de qualquer vergonha por estar
permitindo que Majdan fizesse aquilo comigo e não queria que
parasse.
— Isso é gozar? — perguntei, arfando pesadamente.
— É quase isso, habibti. Quero provar você e vou mostrar
algo melhor.
Com gestos firmes, ele se colocou no meio das minhas
pernas, me segurou pelas nádegas e me beijou, sugou, chupou,
mordeu, enlouqueceu. Não tive tempo de reagir, de pensar, de
impedir... e nem quis fazer nada. Apenas me entreguei às sensações,
abrindo mais as pernas para ele provar do meu sabor, como disse que
queria fazer.
Majdan não só provou, como devorou. O meu coração batia
descontroladamente no peito à medida que o prazer só aumentava e
fiquei desiludida quando ele mudou de posição, parando o que estava
fazendo.
Não reclamei, mas senti que faltava alguma coisa. Eu queria
mais do que aquilo.
Ele me beijou na boca e havia compreensão no olhar que
prendeu o meu.
— Não terminou. Está apenas começando.
Algo quente, macio e grosso voltou a me estimular e olhei
para baixo, curiosa. Majdan me impediu, segurando o meu queixo.
— Olhe só para mim e sinta. Gosta?
Era diferente, mas muito bom.
— Gosto.
Movimentei o quadril para sentir melhor a fricção. Majdan
gemeu, a respiração pesada no meu rosto.
— Envolve a minha cintura com as pernas.
Segurou uma das minhas coxas com firmeza e me mostrou
como fazer. Depois que o envolvi como pediu, ficamos mais
intimamente unidos. Abracei-o pelo pescoço, correspondendo ao beijo
que me deu.
O movimento acelerou e a minha pulsação também. Voltei a
mexer o corpo em busca de mais prazer.
— Não para dessa vez. — Tomei coragem de pedir. — Está
tão bom.
— Não vou parar — sussurrou no meu ouvido. — Só vou
parar quando gozarmos juntos.
Eu não fazia a mínima ideia como é que ficaria sabendo que
havia gozado, mas confiei que Majdan saberia e me diria algo. Ele
voltou a me estimular com o dedo, aumentando o meu prazer a um
nível absurdo. Fechei os olhos e arqueei o corpo, tensionando as
pernas ao redor da cintura dele.
Aquele prazer era algo que jamais imaginei na minha vida.
Era forte e poderoso, a tal ponto que passei a sentir uma necessidade
visceral de ser preenchida.
Oh, é tão bom! Gozar deve ser isso.
No meio de tanto prazer, tive a impressão de ouvir Majdan
blasfemar entredentes, mas eu estava tão entregue àquelas novas
sensações que duvidei do que tinha ouvido. Eu só queria mais, mais e
mais.
De súbito, uma fisgada de dor me fez abrir os olhos.
— Relaxa, Thara — ele pediu, mas notei que estava com o
corpo contraído de tensão.
Tudo aconteceu de uma maneira inesperada para mim. Bastou
Majdan intensificar o movimento do dedo e sugar com força um dos
meus mamilos para eu ver estrelas. Em completo êxtase, arqueei o
corpo em busca de mais, no mesmo instante em que algo grande
invadiu o meu corpo de uma única vez.
A dor me fez agarrar os braços dele com força.
— Majdan?
Ele parou, ofegando mais do que eu.
— Ainda dói? — perguntou com dificuldade.
O que havia entrado em mim era grande e largo. Apesar da
dor inicial, a sensação era boa.
— Agora não.
Ele mexeu o quadril e senti que entrava mais. Apesar de duro,
era também macio e só então entendi o que estava acontecendo.
Cruzamos o olhar e vi um brilho indefinível no dele.
— Está consumado, Thara. Você agora é minha mulher! —
Praticamente rosnou aquilo, voltando a me beijar com voracidade.
Uma emoção poderosa tomou conta de mim diante da paixão
visível nele. Se eu agora era definitivamente mulher dele, significava
que ele agora também era definitivamente o meu marido.
Correspondi ao beijo voraz, sentindo o corpo poderoso entrar
mais fundo em mim, depois sair e entrar de novo, repetindo o mesmo
movimento até alcançar o ritmo perfeito. Os sons que os nossos corpos
faziam ao se chocarem um contra o outro encheu a tenda, junto com
nossos gemidos de prazer e as palavras desconexas que Majdan dizia à
medida que perdia o controle.
A necessidade de ser preenchida agora estava saciada e a
firmeza das estocadas dele dentro de mim estimularam pontos internos
que eu nem sabia que possuía ou que existiam.
Para minha total estupefação, senti o meu corpo estremecer
em espasmos deliciosos quando o prazer alcançou um nível
incontrolável. Fechei os olhos e chamei por ele.
— Majdan!
Ele aumentou o ritmo, levando o prazer a um patamar
superior e logo estremecia dentro de mim, arquejando violentamente
sobre o meu corpo.
Foi quando realmente entendi que tínhamos acabado de gozar
juntos.
Capítulo 58
Majdan
Sexo para mim sempre foi uma das melhores coisas da vida,
ainda que estivesse fodendo mulheres que não alcançavam o meu
coração. Sempre achei o prazer sexual algo incomparável, mas agora
sabia o quanto me iludi a vida inteira.
O que senti antes, ao foder em abundância mulheres lindas,
gostosas e experientes na arte de satisfazer um homem, não se
comparava ao que acabei de sentir nos braços da mulher que eu
amava, uma garota dezesseis anos mais nova do que eu e virgem.
O que faltava de experiência em Thara, ela ganhava em poder
de sedução sobre mim. Com ela tudo foi diferente, mais intenso, mais
violento, mais visceral.
Se eu já era obcecado por Thara, agora estava
irremediavelmente viciado. Ela entrou no meu sangue. Para tirá-la de
lá agora, só arrancando as minhas veias, o meu coração.
Abracei-a com força depois do orgasmo mais poderoso da
minha vida.
Você possui emoções fortes demais e tem dificuldades de
controlar todas elas. A sensação de faltar algo mais profundo do que
tudo o que já sentiu na vida, foi o que levou você a se iludir com a
euforia das drogas. Você estava apenas em busca de algo mais forte,
como o amor verdadeiro.
Foi com respeito que me lembrei de Takeshi. Ele sempre teve
razão.
— Nunca pensei que fosse assim — ela sussurrou com um
suspiro de prazer, a respiração ofegante começando a abrandar.
Eu ainda estava dentro dela, sem querer tirar o meu pau
daquele interior macio e apertado. Thara permanecia envolvendo a
minha cintura com as pernas, agarrada em mim com força.
Eu me sentia drenado de todas as minhas forças e, ao mesmo
tempo, com a energia renovada. Aquilo era uma contradição, mas
nada do que sentia por Thara tinha lógica.
— É exatamente assim e pode ficar ainda melhor.
Beijei-a de leve nos lábios e recebi um olhar curioso.
— Melhor do que fizemos agora?
Sorri levemente diante do interesse espontâneo que ela não
conseguiu disfarçar.
— Sim, muito melhor.
Thara tinha muita paixão dentro daquele corpo voluptuoso.
Fiquei positivamente perplexo quando a vi só de lingerie. As abayas
que ela usava já deixavam evidente que tinha um corpo bem-feito, mas
nada se comprava a vê-la nua.
Os seios que agora estavam grudados no meu peito eram
grandes e firmes, perfeitos. A barriga era lisinha e a cintura fina
destacava o quadril mais largo, bastante sinuoso. As coxas não eram
finas nem grossas, mas na medida certa para enlouquecer um homem.
Para completar tanta perfeição, ela era receptiva demais a qualquer
carícia e se entregava sem reservas, correspondendo com uma
ansiedade que se igualava à minha.
Se eu antes já estava apaixonado, agora me encontrava
rendido aos pés dela, a minha esposa.
— Thara, Thara. Você é a minha perdição.
Ela baixou os olhos, envergonhada, mas mordeu a pontinha
do lábio para disfarçar um meio sorriso tímido de felicidade.
Beijei aqueles lábios naturalmente carnudos que era o sonho
de toda mulher e a fantasia erótica de todo homem. Como esperado,
ela retribuiu o beijo, acariciando os meus cabelos com aquele jeito
único que me cativava.
Eu estava perdido de amor e feliz como nunca estive antes.
Foi com cuidado que saí de dentro dela e me deitei ao lado,
abraçando-a contra o peito. Notei o rápido olhar que Thara lançou ao
meu pau, desviando a vista logo depois.
— Pode me olhar à vontade. Sou o seu marido.
Ela fechou os olhos.
— Tenho vergonha — admitiu, sem esconder o que sentia.
— Não tenha. Você precisa se acostumar com o meu corpo.
— Aproximei-me e beijei o lóbulo da orelha delicada, provocando-a.
— Não gostou do que viu?
Ela arquejou, arrepiando-se toda. Eu já havia percebido que
aquela era uma das zonas mais erógenas do corpo dela. Thara se
excitava facilmente com qualquer estímulo naquela área.
Ela abriu os olhos.
— Me assustei quando você tirou o thobe, mas gostei do que
vi.
— Está assustada agora?
— Não mais.
— Então me olhe por inteiro. Vamos repetir várias vezes o
que fizemos hoje e de maneiras diferentes.
Os olhos castanhos se arregalaram.
— Diferentes como?
Ela não parecia assustada, apenas muito curiosa. Fui incapaz
de controlar o sorriso malicioso, porém, decidi não ser demasiado
explícito.
— Há outras posições que dão tanto prazer quanto essa de
hoje. — Afastei-me ligeiramente dela. — Conheça o meu corpo.
Eu não estava mais com uma ereção completa, o que seria
menos chocante para ela. Quando o olhar de Thara chegou na minha
virilha, ela soltou uma exclamação de surpresa, voltando a me encarar.
— Oh, mas parecia tão grande e... duro!
Não contive uma risada, sentindo-me verdadeiramente feliz.
Todo o drama que vivi nos últimos dias ficou esquecido.
— Sempre fica menor quando acaba. Ele cresce e endurece
quando estou excitado, mas diminui depois de gozar.
— Mas... mas como isso é possível?
Dei a única resposta que havia.
— Allah.
Beijei-a na ponta do nariz e levantei-me para pegar dois
roupões de banho. Vesti um e entreguei o outro para ela.
— Vamos tomar o ghusl janabat135.
Ela se sentou na cama, vestindo-se e olhando-me com
apreensão.
— Vamos sair da tenda assim?
— O banheiro fica aqui ao lado. — Levantei-me e ergui o
tecido nos fundos da tenda, abrindo uma passagem para o exterior. —
Esse lado da ilha é só meu, Thara. Os seguranças e os funcionários
estão no lado oposto. Eles só vêm para cá quando eu chamo.
Ela já estava de pé e peguei-a ao colo. Thara me abraçou pelo
pescoço, encostando a cabeça no meu ombro.
— Está cansada?
— Um pouco.
Ela devia estar era muito cansada e não pouco. Além da festa
do casamento, ainda houve a viagem de helicóptero e a primeira
experiência sexual. Thara merecia descansar, assim como eu.
— Não vamos demorar muito no banho.
Saí da tenda para o corredor cercado de painéis de
muxarabis136. Os lampiões pendurados iluminavam o caminho, mas
não tiravam a beleza da claridade que vinha da lua no céu.
— É tudo tão lindo aqui, Majdan.
— Quer continuar na tenda ou prefere ficar na casa?
— Eu amei a tenda. Podemos ficar nela mais um pouco?
— O seu desejo é uma ordem, habibti.
Ela riu de uma maneira muito sensual.
— Vim sozinho para cá diversas vezes no passado para tentar
vencer a dependência química. Melhorava muito e achava que estava
recuperado, mas quando retornava para Taj as crises voltavam e a
necessidade da droga aumentava. Confesso que teve uma época em
que pensei em vir morar aqui de vez, mas tinha os meus filhos. Eles
precisavam estudar, eu precisava deles e também não podia fugir para
sempre da minha realidade de dependente químico.
Ela deu um beijo na minha barba.
— Eu te amo muito.
Ouvir aquela declaração depois de desabafar uma fraqueza
que tanto me atormentava, teve um significado muito importante para
mim.
Apertei Thara com mais força nos meus braços e engoli duro
para conter a emoção.
— Eu também te amo.

Levei-a de volta à tenda depois do ghusl janabat. Vestida


com o roupão, ela parou na entrada do quarto.
— Não tenho o que vestir para dormir.
— Vamos dormir nus.
Joguei uma manta limpa sobre a cama e segurei-a pela mão,
levando-a para o lado da cama onde ia dormir, antes que ficasse mais
constrangida do que aparentava.
— Onde guardo as joias?
— Coloque em cima da mesa de cabeceira. Amanhã
guardamos no quarto da casa.
Ela tirou o conjunto de safiras, despiu o roupão e entrou
depressa por baixo das cobertas, mas relaxou quando me juntei a ela,
abraçando-a.
— Nunca dormi sem roupa. É tão estranho.
— Vamos dormir assim muitas vezes. — Beijei-a na testa. —
Não pense em mais nada, habibti. Apenas durma tranquila.
Com a benção de Allah, dormiríamos o resto de nossas vidas
daquele jeito.
Thara pegou no sono quase que de imediato, mas eu demorei
um pouco mais a adormecer. Antes, agradeci a Allah por ter me dado
uma outra oportunidade de ser feliz.
Eu tinha consciência de que aquela era a minha última chance
de redenção e não queria perdê-la, apesar de saber que o fim da nossa
lua de mel em Alqamar poderia significar para mim o começo de uma
nova e árdua luta contra o vício.
Quando fechei os olhos para dormir, tendo Thara comigo na
cama, o meu peito se encheu de paz. Ela era a minha cura.
Tive uma noite de sono sem sonhos de espécie alguma,
acordando-me quando o sol já estava alto no céu. O canto dos pássaros
nas palmeiras que rodeavam toda a ilha alegrava o dia, trazendo com
eles a esperança.
Eu estava deitado de bruços com um braço rodeando a cintura
de Thara e uma das pernas enroscadas nas dela. A garota que agora era
minha esposa também estava deitada de bruços com o rosto virado
para o outro lado, deixando perto do meu rosto os longos cabelos
castanhos espalhados pelas costas esguias.
O lençol cobria o corpo dela da cintura para baixo e o volume
pronunciado das nádegas foi a primeira coisa que chamou a minha
atenção. Não tive como vê-las na noite anterior, nem na hora do
banho. Thara ainda não se sentia totalmente à vontade em ficar nua na
minha frente e se banhou o mais rápido que pôde. Para não forçar
demais o pudor dela logo na primeira vez, agi o mais naturalmente
possível, respeitando o tempo que ela precisava para se adaptar à
intimidade do casamento.
Agora, vendo a voluptuosa curva das nádegas cheias, não
hesitei em puxar a coberta. À medida que a manta deslizava, eu
prendia a respiração e controlava o tesão. Se eu já a achava
deliciosamente tentadora com tudo o que vi na noite de núpcias, agora
podia dizer que Thara era imoralmente gostosa para a filha de um
imame.
Tive de reconhecer que não estava preparado para tudo
aquilo. As abayas que ela usava, mesmo recatadas, já mostravam
bastante as curvas acentuadas do corpo dela, mas nada se comparava a
vê-la sem roupa.
Só de imaginar aquele filho da puta do Musad Faez
colocando as mãos em Thara, eu me sentia ferver de raiva. Nem quis
pensar em quantas vezes ele fantasiou com o corpo dela, desejando a
filha do amigo religioso. Eu não duvidava que a desejou quando Thara
ainda era uma garotinha.
Ibn sharmouta!137
Dei um beijo muito leve em uma das nádegas de Thara,
forçando-me a cobrir de novo aquela tentação com o lençol. O tesão
estava crescendo rápido junto com um sentimento de posse absurdo.
Thara havia perdido a virgindade há poucas horas e eu não era o
animal sexual que muitos pensavam. Quando ela se deitou na noite
anterior para dormir, estava tão cansada que nem notou o lençol
manchado de sangue, mas eu notei e fiz com que se deitasse no lado
oposto. Só depois joguei outra manta limpa por cima e me deitei para
dormir com ela.
Com a benção de Allah, teríamos tempo para aproveitar
juntos todos os prazeres do sexo.
Capítulo 59
Majdan
Levantei-me com cuidado para não a acordar e vesti o
roupão. O thobe cerimonial que usei no casamento ainda estava
jogado sobre o tapete e o peguei, tirando o celular do bolso.
Saí do quarto, passei pela sala e fui para o terraço da tenda,
admirando a água azulada do mar à minha frente. Era quase uma
piscina natural de águas rasas que chegavam pouco acima do meu
peito. As ondas eram mínimas e Thara ia gostar.
Foi pensando nela que fiz uma ligação para Raissa, pedindo
que servisse todas as refeições daquele dia na tenda.
— Vou mostrar a ilha para minha esposa depois do café da
manhã. Aproveite nossa ausência para organizar tudo aqui.
— Sim, alteza. Vou providenciar tudo.
Quando preparei aquela surpresa para Thara, nunca pensei
que ela fosse gostar tanto da tenda a ponto de preferir ficar lá, em vez
de usufruir do luxo bem maior que havia na casa.
Desliguei e voltei para dentro. Thara estava sentando-se na
cama no momento em que entrei no quarto. Parou, puxando os lençóis
com rapidez e cobrindo-se até o queixo.
— Sou eu.
Ela soltou um suspiro de alívio quando me viu contra a luz
forte que vinha de fora.
— Estava me perguntando onde você estaria.
— Fui fazer uma ligação lá fora para não acordar você.
Sentei-me na cama ao lado dela, admirando os cabelos soltos
e despenteados que lhe caíam pelos ombros.
— Sabah al khair138, minha esposa.
Ela sorriu com evidente prazer.
— Sabah al nur139, meu marido.
Dei-lhe um beijo rápido nos lábios.
— Sente-se bem depois de ontem à noite?
Ela baixou a vista, subitamente envergonhada. Quando voltou
a me olhar, estava mais confiante.
— Sim, estou bem.
— Acabei de pedir que sirvam o café da manhã aqui na
tenda. Vamos até a casa para nos vestir. Quero mostrar a ilha para você
depois.
O sorriso dela se ampliou e os olhos brilharam de expectativa
pelo passeio.
Demoramos cerca de trinta minutos para voltarmos à tenda de
mãos dadas, deixando separadas as roupas que Raissa traria mais
tarde. Assim, evitávamos ter de voltar lá toda vez que precisássemos
nos trocar.
Na tenda, encontramos a sala aberta para o mar com o café da
manhã já disposto sobre a mesa baixa. Sentamo-nos no tapete e
começamos a nos servir.
Notei o apetite com que Thara começou a comer, mas fiquei
calado.
— Nunca pensei que estivesse com tanta fome — ela
comentou, mordendo mais um pedaço do pão com queijo de cabra que
tinha no prato.
— Sexo dá fome.
Como eu esperava, ela me lançou um rápido olhar de
esguelha.
— Oh, é mesmo? — tentou fingir naturalidade.
Eu achava encantadora a maneira como ela ficava
constrangida quando falávamos de sexo. Não consegui segurar o riso.
— Aumenta o apetite. Gastamos muita energia durante um
orgasmo e precisamos repor depois.
Thara franziu a testa, sem entender o que eu havia dito. Eu
sabia que estava com dúvidas, mas não expliquei nada, deixando que
fosse ela a me perguntar. Eu queria que ganhasse confiança e perdesse
sozinha a vergonha de conversar comigo sobre sexo, sobre a nossa
vida íntima e sobre o que mais quisesse.
Ela continuou mastigando pensativamente e comecei a perder
a esperança. Talvez fosse cedo demais.
— O que é um... orgasmo?
Disfarcei a satisfação tomando um gole do meu qahua140
antes de responder.
— Ter um orgasmo e gozar é a mesma coisa.
— É tão estranho ter dois nomes para a mesma coisa.
— Orgasmo é um termo mais técnico, diferente de gozar.
Ninguém diz “estou tendo um orgasmo”, mas sim “estou gozando” ou
“vou gozar”. Você vai me ouvir dizendo isso muitas vezes e quero que
me diga também.
— Eu?! — Ela parecia dividida entre o choque e o horror. —
Não vou dizer nada!
O tom de voz foi categórico e me senti desafiado a mostrar o
contrário. Limpei a boca com o guardanapo e olhei-a muito
diretamente.
— Por que não? Quero que me avise quando estiver gozando.
— Para quê?
Inclinei-me e encostei os lábios no ouvido dela.
— Para gozarmos juntos como ontem à noite — sussurrei,
beijando o lóbulo da orelha sensível e aspirando o perfume delicioso
dela.
Thara estremeceu com a carícia, deixando escapar um
gemidinho excitante.
— Ai, Majdan! Para de falar nisso assim. — Tentou ser
firme, mas soou quase como um pedido para eu ir em frente.
— Nisso o quê? Em como é bom gozar dentro de você?
Thara deu um beliscão na minha cintura.
— Oh, você está fazendo isso de propósito para me deixar
envergonhada!
Comecei a rir, dando-lhe um beijo rápido na boca.
— Claro que estou — admiti, segurando com as duas mãos
aquele rosto de traços tão sensuais. — Não quero que tenha vergonha
do que fazemos juntos.
— Eu não tenho, mas ainda preciso me acostumar com tudo
isso.
— Eu sei. — Suspirei profundamente. — Me perdoe se estou
forçando você demais.
— Não está. O problema sou eu. Passei a minha vida inteira
ouvindo do meu pai que eu tinha o pecado dentro de mim, que deveria
me cobrir com o niqab para que ninguém visse o meu rosto ou o meu
corpo, caso contrário seria severamente castigada por Allah.
Reconhecer que senti ... prazer com você logo na primeira vez, mesmo
sendo o meu marido, está mexendo muito com a minha cabeça. Ontem
à noite foi mais fácil aceitar. Hoje de manhã não está sendo tanto.
Comecei a achar que tenho mesmo o pecado no corpo.
Tentei não demonstrar a raiva que estava sentindo do pai
dela. Não errei quando deduzi que os homens da família Ayad, junto
com o cachorro do Musad Faez, perceberam o quanto ela era sensual.
O niqab, a circuncisão e os sermões sobre o pecado tinham como
finalidade massacrar a natureza apaixonada de Thara.
O meu instinto de proteção veio à tona com força total. Sem
me controlar, peguei Thara e coloquei sentada no meu colo. Ela me
abraçou com força.
— Sentir prazer nos meus braços não é pecado, Thara.
Estamos apaixonados desde que nos conhecemos. Nós nos amamos há
muito tempo. É normal que este amor seja expresso em um ato físico
que dê prazer, mas este prazer tem que ser para nós dois e não apenas
para mim, entende? Você tem todo o direito de sentir o mesmo que eu.
— Olhei-a com seriedade. — O que temos é algo abençoado por Allah
e não condenado por Ele. Se existe algum pecado em você, garanto
que é o pecado que eu preciso!
Beijei-a apaixonadamente, enfiando a mão no meio dos
cabelos volumosos que eu havia pedido para ela deixar soltos durante
o passeio. Eu a amava com uma intensidade tão grande que já nem
conseguia me ver sem ela.
Thara se agarrou em mim com força.
— Apenas ontem à noite foi que entendi o sofrimento da
minha mãe. Ela só falava de dor, mas eu só senti prazer. É tão cruel o
que fazem com as mulheres — desabafou com tristeza, referindo-se à
circuncisão.
— Mesmo que a sua mãe não fosse circuncidada, poderia
sentir dor. Se o homem não sabe, ou não quer, dar prazer à mulher,
fatalmente será uma experiência dolorosa para ela.
Preferi não dizer que qualquer mulher sofreria nas mãos do
pai dela e de homens iguais a ele.
— Se antes eu já lutava com Malika para ajudar as mulheres,
agora vou lutar muito mais. O que me consola é saber que a minha
mãe está feliz ao me ver casada com um homem como você. O
homem que amo.
Emocionei-me com o que ela disse e beijei-a com devoção.
Thara era um pedaço de mim que faltava. Só me sentia
completo quando ela estava comigo.
Levamos o restante da manhã passeando por Alqamar. Thara
ficou abismada quando viu o haras.
— Como foi que trouxeram esses cavalos para a ilha?
Eu entendia a surpresa dela, considerando que estávamos
bastante afastados do continente.
— O meu avô sempre foi um apaixonado por cavalos e
decidiu ter uma criação própria aqui em Alqamar para podermos
cavalgar na praia sempre que quiséssemos. Naquela época, os cavalos
escolhidos para darem início à criação foram transportados em barcos
apropriados. Eles se reproduziram naturalmente, mas sempre com um
controle rigoroso para não ultrapassarem um número condizente com
o tamanho da ilha. Acabei criando um pequeno haras aqui de cavalos
selvagens que passei a chamar de Jazira.
Ela arregalou os olhos, admirada.
— Oh, então aqui é Jazira? Abia me falou algumas vezes
desse haras.
Lembrei-me com amor da minha filha.
— Abia adora vir para cá e cavalgar livremente pela ilha. Ela
nasceu com o amor pelos cavalos no sangue, igual a mim.
— Agora entendo o entusiasmo dela e de Sabirah com
Alqamar. — Thara riu, meneando a cabeça. — Tinha mesmo que ter
cavalos aqui.
— É mal de família.
— Já percebi que vou ser sempre a estranha no ninho. Nunca
vou gostar de montar.
Olhei-a sentada ao meu lado no carro, com os cabelos sendo
açoitados pelo vento. Thara não sabia, mas em breve ia gostar de
montar, mas era em cima de mim.
— Quando você aprender, nunca mais vai querer deixar de
montar.
Ela soltou uma risada divertida, sem sequer imaginar do que
eu estava falando.
— Quem, eu? Duvido muito que goste.
Preferi não dizer nada, mas a minha imaginação galopou mais
rápido do que qualquer garanhão puro-sangue.
Voltamos para a tenda bem antes do horário do almoço.
Raissa só serviria a refeição quando eu a chamasse e dava tempo de
Thara conhecer de verdade a praia privativa que tínhamos à nossa
frente.
Em vez de levá-la para o interior da tenda, segui em direção à
água.
— Está na hora de você provar o melhor de Alqamar.
Ela olhou para a roupa que estava usando.
— Essa abaya tem um tecido tão delicado para molhar no
mar. Vai se estragar toda. Em alguns minutos eu troco por outra.
Tentou soltar a mão, mas não deixei.
— Vamos agora. Eu compro uma coleção de abayas iguais a
essa para você. Estamos cheios de poeira do passeio e um banho de
mar vai nos ajudar a relaxar.
Tirei a túnica que estava usando e joguei na areia. Quando
comecei a tirar a calça, Thara olhou nervosamente para os lados.
— Você vai ficar nu no meio da praia?
— A praia é nossa. Raissa só vem aqui quando chamo. —
Tirei a calça, mas permaneci com a boxer. — Não vou ficar nu.
— Eu não vou tirar nada! — avisou logo, como se achasse
que eu ia sugerir aquilo.
Coloquei-me de frente para ela com o rosto muito sério.
— Eu jamais exigiria isso de você. Se tem algo que respeito
muito é o seu pudor. Agora tire as sandálias e vamos aproveitar.
Ela fez o que pedi e segurou a minha mão. Mal nossos pés
tocaram na água, Thara soltou um gritinho de entusiasmo.
— Ah, que delícia! — Chutou a água como se fosse uma
criança.
— Você vai adorar ver os peixes nadando mais ao fundo.
— Vou ficar aqui no raso. Não sei nadar.
— Temos quilômetros de água rasa.
Levei-a até onde era possível ver peixes coloridos nadando
próximo aos nossos pés.
— Por Allah! A água é tão cristalina que conseguimos vê-los!
— Eu não lhe disse? De vez em quando arrisco pescar aqui só
para relaxar.
— Ah, que maldade, Majdan. São tão lindinhos.
— Não são esses que pesco. Os maiores ficam mais longe e
vou de barco. — Observei que a água havia chegado na altura dos
seios dela e parei. — Até aqui está bom para você.
Thara mergulhou na água, emergindo depois com os cabelos
molhados. Passou a mãos pelo rosto para tirar o excesso de água e
sorriu para mim, enquanto eu só conseguia olhar para ela como um
idiota.
— A água está ótima. Não vai mergulhar?
— Vou nadar um pouco, mas volto logo.
Mergulhei e fui nadando para a parte mais funda, antes que o
desejo ganhasse a luta contra a minha determinação de dar mais tempo
à Thara de se recuperar da noite anterior.
Procurei não me afastar muito do lugar onde ela estava,
voltando lentamente depois. Quando já estava perto, vi Thara
agachada quase na margem como se estivesse procurando alguma
coisa dentro d’água.
Já estava raso demais para nadar e comecei a andar na
direção dela.
— Tudo bem? — perguntei alto, preocupado.
Thara olhou para trás e sorriu ao me ver chegando.
— Achei uma coisa.
Continuou vasculhando a areia e se levantou com algo nas
mãos. Sequer olhei para ver o que era, de tão fascinado que fiquei com
as nádegas salientes totalmente visíveis sob o tecido molhado da
abaya, que grudava no corpo dela como uma segunda pele.
Que Allah seja louvado!
O desejo que eu havia conseguido controlar ao nadar até o
fundo, voltou com força total, se não redobrado.
Thara se virou de frente para mim e agitou no ar uma enorme
concha branca.
— Olha o que achei!
Exibiu o objeto com entusiasmo, sem imaginar que exibia
também o corpo voluptuoso. Tudo estava visível demais para os meus
olhos famintos, que se fixaram nos seios por baixo do sutiã de renda,
na cintura afilada, nos quadris mais largos e, por fim, nas coxas firmes
delineadas pelo tecido colado ao corpo.
Eu queria me enterrar nela e não era mais tarde. Era naquele
exato momento.
Capítulo 60
Majdan
— Não é linda, Majdan? Está perfeita, olha!
Linda e perfeita era ela e eu não tinha olhos para mais nada.
Amava aquela garota de uma maneira insana.
— Você está praticamente nua assim!
Ela seguiu a direção do meu olhar e emitiu um “oh” de susto,
percebendo pela primeira vez o quanto o próprio corpo estava sendo
revelado. Envergonhada, agachou-se na água para se esconder.
Sem emitir uma única palavra, agarrei Thara pela cintura e a
ergui, passando um braço por baixo das nádegas tentadoras e
mantendo-a firmemente presa ao meu corpo. Segurei os cabelos
molhados na altura da nuca e tomei os lábios volumosos em um beijo
ávido, invadindo a boca macia com a língua.
Pega de surpresa, Thara correspondeu, agarrando-se nos
meus ombros.
— Majdan! Alguém pode nos ver — alertou entre os meus
lábios.
A possibilidade não existia, mas eu entendia os receios dela.
Comecei a caminhar para fora da água com Thara nos braços.
— Está com a sua concha?
— Sim, está comigo.
— Vamos entrar.
Saí da água e coloquei-a no chão, mas Thara se escondeu
atrás de mim. Peguei a minha túnica na areia e me virei para ela.
— Levante os braços. — Ajudei-a a vestir a túnica, que
cobriu totalmente o seu corpo. — Sente-se melhor agora?
— Muito melhor. E você?
A minha intenção era voltar de cueca, mas acabei vestindo a
calça só para agradar Thara.
— Mostre-me a concha.
Sorrindo, ela me entregou a concha, que ocupou metade da
minha mão.
— É realmente muito bonita, mas talvez parte desse brilho
desapareça um pouco quando a água do mar secar.
— Não vai deixar de ser bonita. É especial para mim.
Abraçou-me pela cintura enquanto caminhávamos para a
tenda, em um gesto espontâneo que aqueceu o meu peito. Passei o
braço pelos ombros dela, atraindo-a para mais perto.
— Vamos dar a volta por fora para não sujarmos lá dentro.
Contornamos a tenda e fomos para o banheiro contíguo.
Comecei a me despir, observando Thara lavar a concha na água da
fonte que havia no centro dele.
Completamente nu, aproximei-me por trás dela, afastando os
cabelos molhados para o lado e beijando a curva do pescoço até
alcançar o lóbulo delicado da orelha. Thara inspirou fundo e
estremeceu, soltando a concha dentro da fonte.
— Majdan!
As mãos seguraram o braço que cruzei logo abaixo dos seios
dela para atraí-la contra o meu corpo, realizando a fantasia de encostar
aquelas nádegas polpudas contra o meu pau que enrijecia.
Esfreguei-me contra elas, endurecendo mais ainda.
— Vê o que faz comigo?
Ela virou o rosto para mim de olhos arregalados.
— Você está ficando... — Calou-se, sem coragem para
continuar.
— Grande e duro — completei para ela. — E você já deve
estar ficando molhada.
Olhamo-nos com intensidade e vi que tinha razão. Thara
estava molhada à minha espera e pensei se deveria esquecer o tempo
que ela precisava para se recuperar da perda da virgindade, esquecer o
mundo inteiro e voltar a possuir aquela mulher que tirava o meu pouco
juízo.
— Quero amar você — expressei muito seriamente o meu
desejo. — Acha que consegue?
— Acho que sim.
Ela tentou se virar de frente para mim, mas a impedi.
— Ainda não.
Comecei a erguer a minha túnica que ela vestia, tirando-a e
jogando ao chão. Fiz o mesmo com a abaya dela, trincando os dentes
de tesão reprimido quando as nádegas perfeitas surgiram diante dos
meus olhos. Uma calcinha de renda branca mal escondia o que eu
queria ver.
O meu pau pulsou de ansiedade, mas me controlei. Aquela
era a segunda vez de Thara e eu não ia fazer um sexo duro com ela,
ainda que quisesse muito.
Soltei o sutiã, libertando os seios firmes e me agachei para
tirar a calcinha dela. Thara me ajudou, sem saber que ao se inclinar
ligeiramente para a frente colocava diante dos meus olhos, e do meu
pau, uma imagem eroticamente irresistível.
O pouco que consegui ver na noite anterior com a fraca
claridade do único lampião que havia no quarto da tenda, agora
aparecia nitidamente à minha frente.
— Se inclina um pouco sobre a fonte, Thara. — Tentei pedir,
mas acabei exigindo.
— Majdan?
Ela estava insegura. Incapaz de renunciar ao que queria,
insisti.
— Faz o que estou pedindo, por favor. Confia em mim.
Thara confiou e surtei de tanto tesão. Ajoelhei-me no piso e
beijei uma das nádegas dela. Suguei, mordi.
— Ai, Majdan! — ela reclamou, mas notei pelo tom de voz
que foi de prazer.
— Gosta assim? — Rocei a barba na pele sensível notando
como ela instintivamente se inclinou mais.
— Gosto.
Repeti o gesto na outra nádega, tocando quase com
reverência o clitóris que tanto quiseram tirar dela. Thara gemeu e
intensifiquei o estímulo, vendo e sentindo a umidade crescer e escorrer
pela abertura rosada.
Enquanto o som dos gemidos dela enchia o banheiro, a minha
resistência quebrava e o meu pau exigia uma penetração urgente.
Enfiei a língua na entrada macia, sorvendo tudo o que tinha direito.
— Oh, Majdan!
— Se entrega, habibti. — Mordi a parte interna de uma das
coxas roliças. — Quero dar prazer à minha esposa.
Thara abriu mais as pernas e satisfiz o meu tesão de chupá-la.
Ela se excitava rápido demais e aquilo era algo que me agradava
muito. Quando se entregava ao prazer, Thara era quente, ousada e sem
nenhum pudor.
Levantei-me, segurei o meu pau e coloquei-o na abertura
úmida e apertada, entrando levemente.
Engoli em seco com a visão erótica, em dúvida se conseguiria
me controlar.
— Dói? — A minha voz saiu rouca de tanto tesão reprimido.
— Não — ela negou de imediato, mostrando o quanto estava
ansiosa.
Segurei a vontade de penetrar de um golpe só e continuei
lentamente, voltando a estimular o clitóris já inchado. A própria Thara
fez o movimento que me introduziu completamente nela e trinquei os
dentes com o prazer que senti.
Ela vai me fazer gozar antes da hora!
Comecei a estocar com o máximo de cuidado, mas Thara
estava definitivamente disposta a tirar o meu controle. Sem que eu
esperasse, aquela garota inexperiente que havia perdido a virgindade
na noite anterior, rebolou os quadris, jogando as nádegas cheias contra
a minha virilha.
Fechei os olhos para diminuir a urgência que a visão daquela
foda gostosa estava causando em mim, mas não funcionou.
Desesperado, alcancei um dos seios dela e premi o mamilo o
suficiente para excitá-la ainda mais. Thara não ia aguentar muito
tempo com aqueles três estímulos e gozaria logo, salvando-me de
gozar antes dela como um adolescente descontrolado.
— Majdan!
Ela estava pedindo e quase suspirei de alívio. Acelerei os
movimentos.
— É isso o que você quer?
— Oh, sim!
Estava na hora de Thara aprender algo importante. Trinquei
os dentes e parei tudo.
— Não para — reclamou.
— O que você quer? — rosnei, quase perdendo o controle ao
enfiar mais fundo nela e voltar a parar. — Fala para mim, Thara!
— Eu quero gozar — admitiu, rebolando as nádegas contra o
meu pau.
Voltei a me afundar dentro dela, estimulando o clitóris e o
mamilo.
— Me avisa?
Ela hesitou e parei de novo, até que entendesse aonde eu
queria chegar.
— Aviso.
Daquele momento em diante foi só prazer enlouquecedor
para nós dois. Não desviei nem por um segundo o olhar daquelas
nádegas lascivas, da entrada apertada que sugava as minhas forças, da
mulher apaixonada e sensual que roubava a minha razão com gemidos
extasiantes.
Sem pudor, sem reservas, sem vergonha alguma, Thara me
avisou arquejante quando chegou a hora de ela gozar.
— Oh, Majdan! Vou gozar.
Soltei um rosnado alto de vitória e soltei o meu prazer,
iniciando um movimento frenético que nos fez gozar juntos.
— Estou gozando com você, habibti. Sente! — Derramei-me
dentro dela em jatos tão potentes quanto o prazer que estava sentindo.
Quando tudo acabou, o amor explodiu de uma maneira
avassaladora no meu peito. Saí de dentro dela e ajudei-a a se virar de
frente para mim, abraçando-a com força. O meu pau ficou imprensado
entre nós dois e Thara olhou para baixo, surpreendendo-se. Não tinha
nada a ver com o tamanho com que ela o viu pela primeira vez.
— Oh, é mesmo... — Notei que procurava as palavras —,
bem maior.
— Grande e duro. — Fui direto e objetivo.
Ela enrubesceu e segurei o riso. Agora que o furor do sexo
havia passado, Thara voltava a ser a mulher recatada de sempre.
— É tão diferente.
— É como fica quando estou excitado. Pode tocar nele
enquanto estou assim. Daqui a pouco diminui.
Thara mordeu a pontinha do lábio e o tocou levemente.
Segurei a mão dela e fiz com que o envolvesse da maneira certa.
— Aperta.
Ela me olhou rápido.
— Não dói?
— Não. Me dá prazer.
Curiosa, apertou-o com suavidade, passando o polegar pela
glande ainda molhada de sêmen. Respirei fundo, mas não a impedi de
continuar. Deixei que matasse a curiosidade.
— Não está diminuindo. Demora muito?
— Depende do estímulo. Como está me tocando, demora um
pouco mais.
Thara prontamente afastou a mão e pensei que em breve ela
aprenderia tudo sobre ele.
— Vamos tomar nosso banho.
Durante todo o tempo que durou o banho, notei como ela
olhava disfarçadamente para o meu pau, acompanhando o processo de
relaxamento.
Saímos do banheiro de roupão e fomos para a tenda. Abracei-
a durante o caminho, sentindo-me feliz como um adolescente
apaixonado. Thara era como uma lufada de ar fresco no meio do
deserto árido que havia sido a minha vida.
— Estou com fome — ela admitiu quando entramos na tenda.
Soltei uma risada, olhando-a com malícia.
— Eu não disse que sexo dava fome?
Ri ainda mais ao ver o rubor colorir as faces dela e nunca a
achei tão linda quanto naquele instante.
Thara era, sem dúvida alguma, a única mulher capaz de
transformar a minha vida.
Capítulo 61
Majdan
Passeamos à tarde pela praia de mãos dadas, conversando
sobre a nossa vida e fazendo planos para o futuro. Thara era uma
mulher inteligente e cheia de vida, que desabrochava cada vez mais à
medida que a vida que teve em Rummán ficava para trás. Se
dependesse de mim, ela nunca mais ouviria sequer falar daquele lugar,
quanto mais voltar à cidade onde nasceu.
À noite, jantamos sob a luz da fogueira, mas o cansaço do dia
fez com que Thara escondesse um bocejo pouco tempo depois.
— Está tarde. Hora de dormir — decidi, levantando-me e
oferecendo a mão para ajudá-la a fazer o mesmo.
— Ah, me desculpe. — Ela se levantou com um sorriso
constrangido. — Acho que estou mais cansada do que pensei.
— Também estou cansado. É melhor irmos dormir.
Quando me deitei ao lado dela na cama, Thara não demorou a
pegar no sono. Fiquei ainda uns bons minutos admirando-a sob a luz
da lanterna antes de adormecer também.
Achei que não estivesse tão cansado quanto ela, mas me
acordei sozinho na cama na manhã seguinte. Mesmo sabendo que a
ilha era segura e que não havia com o que me preocupar, a ausência de
Thara fez com que me levantasse de imediato. Vesti uma calça e saí do
quarto atrás dela.
Não a encontrei na sala onde fazíamos as refeições, nem na
praia. Com um suspiro conformado, fui para o banheiro, achando
melhor primeiro me arrumar e depois ir procurá-la na casa, para onde
certamente tinha ido.
Já pronto, passei cerca de vinte minutos entrando e saindo
dos vários cômodos da casa sem a encontrar.
— Thara! — chamei alto, mas não obtive nenhuma resposta.
Ela não está aqui.
Voltei à praia preocupadíssimo, observando a longa faixa de
areia à procura dela. Liguei imediatamente para Raissa.
— Viu a Thara?
— Não, alteza. Ainda não fui à casa hoje.
— Pode servir a refeição.
Desliguei sem mais conversas, começando a andar pela praia
cada vez mais preocupado.
Calma, porra! A ilha é segura.
Nunca duvidei da segurança da minha ilha até aquele
momento, o que era uma insensatez.
Passei as mãos diversas vezes no cabelo para manter o foco e
continuei andando pela praia, seguindo o mesmo caminho que
havíamos feito na tarde anterior. Quando cheguei perto do final da
meia lua que formava a praia particular onde a casa principal havia
sido construída, eu já estava desesperado, em vez de apenas
preocupado.
Olhei para o mar, mas era impossível se afogar naquelas
águas rasas, mesmo para alguém que não sabia nadar como ela.
Levei as mãos à boca e gritei o mais alto que pude.
— Tharaaa!!!
Eu já estava pensando em acionar a equipe de segurança para
revirar a ilha pelo avesso, quando um vulto vestido de branco surgiu
no cume do aclive que levava ao outro lado da meia lua. Era ela.
Alhamdu lillah!141
— Majdan! — Agitou a mão no alto da cabeça para chamar a
minha atenção, mas eu já a tinha visto.
Completamente paralisado, observei os cabelos castanhos
soltos e a abaya branca que ela usava, ambos molhados. O tecido leve
se grudava ao corpo escultural, moldando cada curva de uma maneira
obscena.
Só de imaginar que algum dos seguranças que vigiavam a
área além da meia lua pudesse estar vendo Thara daquele jeito, o meu
sangue ferveu.
Khara!
Subi o aclive correndo até onde ela estava. O sorriso de
felicidade no rosto de Thara foi substituído pela surpresa quando
passei por ela e a escondi com o meu corpo, olhando atentamente para
todo o perímetro da orla que se estendia à minha frente.
— Desça, Thara.
— O que aconteceu?
— Conversamos lá embaixo. Apenas desça.
Ela desceu e continuei esquadrinhando a vegetação nativa
com o olhar, certo de que estava sendo visto pelo guarda responsável
por aquela área. Obviamente que ele não teria coragem de aparecer,
mas também não seria difícil descobrir quem era.
Controlei a raiva, afinal, o homem não tinha culpa de nada.
Ninguém tinha culpa, exceto eu, que não a avisei que além da baía
haveria guardas por todo lado.
Thara me aguardava com um olhar curioso assim que desci.
Tirei a túnica e fiz com que a vestisse.
— Por que está fazendo isso?
— Não vá mais para o outro lado sozinha, ainda mais para
tomar banho vestida assim.
De olhos arregalados, ela abriu e fechou a boca de
perplexidade.
— Mas... mas aqui não é seguro? — Olhou ao redor,
assustada. — Você disse que era.
— É seguro — reafirmei, controlando a raiva por estar
assustando Thara daquele jeito. — Pode se vestir à vontade na nossa
praia privativa, mas não fora daqui.
— Estava deserto do outro lado.
Esfreguei a mão na nuca, vendo-me obrigado a falar a
verdade.
— Há homens vigiando cada pedaço de praia ao redor da
ilha, com exceção da baía onde estamos.
— Então tinha alguém lá?
Trinquei os dentes ao ver a expressão horrorizada dela.
Abracei-a contra o peito, beijando os cabelos ainda úmidos do banho
de mar.
— Tinha. Eu deveria ter dito isso de uma maneira mais clara
para você, mas nunca pensei que viria passear sozinha na praia de
manhã cedo. Achei que estaria sempre comigo. Errei.
Abraçando-me pela cintura, ela fez um gesto negativo com a
cabeça.
— Não se culpe, Majdan. Eu também não deveria ter ido tão
longe vestida desse jeito. Me entusiasmei em conhecer o outro lado.
— Não estava errada. Todos os guardas da ilha são de
confiança e cuidariam da sua segurança mesmo que você não soubesse
que eles estavam lá. O problema é só a roupa que está usando.
Ela assentiu, sem comentar nada.
— Vamos para casa, você deve estar com fome. —
Começamos a caminhar abraçados e tentei desviar a atenção dela do
que havia acontecido. — Dormiu bem? Acho que estou ficando
preguiçoso. Você se levantou antes de mim.
Thara sorriu levemente.
— Dormi bem, apesar de estar muito cansada ontem à noite.
Até me espantei ao ver como me acordei cedo hoje.
— Mas descansou o suficiente?
— Bastante.
— Seremos dois preguiçosos quando voltarmos à Taj.
A risada de Thara me fez rir também e não resisti em lhe dar
um beijo na boca. Enfiei os dedos nos cabelos molhados da praia,
roçando a língua nas faces igualmente molhadas.
— Ainda estou salgada.
— Você é tão doce que nem sinto o gosto do sal.
Dei-lhe outro beijo e voltamos para a tenda, esquecendo o
que aconteceu na praia. Pelo menos até Raissa tocar no assunto ao vir
recolher o café da manhã.
— Posso lhe falar, alteza?
A mulher parecia nervosa e estranhei aquela atitude.
— Pode.
— O meu filho mais velho, Aziz, é o responsável pela
vigilância da praia onde a princesa Thara esteve hoje de manhã. Ele
me contou o que aconteceu e disse que estava atento à segurança dela,
mas que não lhe faltou ao respeito em momento algum, dando a
privacidade que precisava durante o tempo que esteve na praia. Ficou
com receio de aparecer quando Vossa Alteza surgiu, mas sabe que
errou ao não fazer isso. Aziz já comunicou o ocorrido ao comandante
dele e agora está detido aguardando a punição. Vim implorar o perdão
de Vossa Alteza para o meu filho.
Senti o olhar chocado de Thara e adivinhei logo que ela
queria interceder a favor do filho de Raissa. Eu conhecia Aziz e não
pretendia puni-lo, mas mantive a seriedade quando falei com a mãe
dele.
— Aziz errou em não aparecer para falar comigo.
Conversarei com o comandante da ilha para que ele não seja punido.
A mulher se ajoelhou no tapete e cobriu o rosto com as mãos.
Segurei o braço de Thara quando ela fez menção de se aproximar de
Raissa para a consolar.
— Que Allah seja louvado e Vossa Alteza seja abençoado por
tanta bondade! — Raissa agradeceu com a voz embargada de emoção.
— Pode ir em paz, Raissa.
Ela se levantou com lágrimas nos olhos e saiu da tenda a
passos rápidos, provavelmente para contar ao filho o resultado do
pleito que havia acabado de fazer.
Thara me olhou com uma expressão aflita.
— Você não ia punir o filho dela, não é?
— Se ele tivesse ultrapassado o perímetro de propósito só
para ver você tomando banho na praia, seria severamente punido. Ele
ou qualquer outro. — Não suavizei a dureza na voz. — Como sei que
não foi intencional da parte dele, não haverá punição.
— Foi tudo por minha culpa e não dele. Agora estou me
sentindo mal com isso.
Dei-lhe um beijo na testa.
— Não se culpe por nada. Ele também errou em não ter vindo
falar comigo e eu errei por não ter avisado nada a você. Agora está
tudo esclarecido e não haverá punição. É melhor esquecermos o
assunto.

Naquela noite depois do jantar, coloquei alguns tapetes e


almofadas ao ar livre, longe o suficiente da fogueira acesa para Thara
se sentir à vontade em se deitar comigo em frente à tenda. Depois do
que havia acontecido de manhã na praia, ela voltou a ficar desconfiada
em ter intimidades fora do quarto.
Deitamo-nos abraçados, admirando a beleza noturna de
Alqamar.
— Tenho a sensação de que você não gostou muito da casa da
ilha. Nosso quarto lá ficou abandonado.
Era uma provocação, uma vez que Thara só ia na casa quando
queria usar o banheiro ou pegar algo que precisava no quarto.
Ela riu, sem esconder a preferência pela tenda.
— Não me pergunte o porquê, mas me apaixonei pela tenda.
Tudo nela me encanta.
— Eu entendo, porque sinto o mesmo.
— As estrelas aqui parecem ter um brilho diferente, Majdan
— comentou com um suspiro de felicidade. — Há uma serenidade em
Alqamar que nunca encontrei em nenhum outro lugar.
— Foi por isso que fiz da ilha o meu refúgio pessoal. Já
conheci todos os lugares paradisíacos frequentados pelos ricos e
famosos, mas para mim nada se compara à beleza da minha ilha.
Thara desviou o olhar do céu e o fixou em mim. Virei-me,
observando o rosto dela sob a luz da lua, das estrelas e das chamas da
fogueira. Havia uma expressão pensativa nos olhos que me fitaram.
— Por que está me olhando assim?
Ela voltou a olhar para o céu.
— Não é nada. — Tentou desconversar, mas não deixei.
— Tem algo incomodando você — insisti, determinado a
saber o que era. — Não me esconda nada, Thara.
Ela soltou um longo suspiro de resignação e me encarou.
— Você trazia suas outras... mulheres... amantes aqui?
Apesar de não esperar por aquela pergunta, ela também não
me surpreendeu de todo. Com a fama de mulherengo que eu tinha, era
compreensível que Thara pensasse que fiz da ilha um bordel.
Eu não pretendia contar para ela os detalhes sórdidos da
minha antiga vida sexual, mas era fundamental esclarecer as coisas.
Segurei-a pelo rosto para que nos olhássemos de frente.
— Não vou negar nada do meu passado, muito menos as
mulheres com quem já fiquei. Ainda me encontrei com algumas delas
assim que cheguei de Nova York, mas fui perdendo o gosto com o
tempo. Mudei muito quando conheci você, Thara. Quanto mais me
apaixonava, menos vontade tinha de estar com elas, até o dia em que
parei, preferindo ficar sozinho. Nunca trouxe para cá nenhuma das
mulheres com quem fiquei. A minha ex-esposa veio, mas não gostou
muito por ser isolado demais e deixou de vir com o tempo. Continuei
vindo sozinho ou com os meus filhos.
A fisionomia dela estava muito séria.
— Nenhum harém?
Nunca cheguei a ter um harém propriamente dito, como o
meu avô teve, mas já fodi com várias mulheres de uma única vez,
todas ansiosas para me satisfazerem. Tantas passaram pelas minhas
mãos que seriam suficientes para encher um harém, se eu quisesse.
Contudo, se alguém me perguntasse hoje o nome de uma delas, eu não
saberia responder.
— Não tenho nem nunca tive um harém escondido com um
monte de mulheres me esperando. Hoje em dia, muitos homens com
dinheiro mantêm várias amantes ao mesmo tempo e ninguém diz por
aí que ele tem um harém. Mas, se compararmos, é quase a mesma
coisa, uma espécie de harém moderno. A diferença é que antigamente
muitas dessas mulheres eram escravas. Atualmente, elas são livres e
podem ficar com diversos homens, se quiserem. Este é o meu caso.
Mantive várias amantes ao mesmo tempo, mas eram livres para fazer o
que quisessem da vida delas.
Agarrei Thara pela cintura e me deitei de costas, colocando-a
por cima de mim. Os longos cabelos castanhos que estavam soltos
caíram em cascata sobre o meu rosto. Segurei-os com firmeza na
altura da nuca dela, atraindo-a até os nossos lábios ficarem quase
colados.
— Aquela foi uma fase muito desestruturada da minha vida,
que não tinha nada a ver com o homem que realmente sou. Precisei
chegar ao fundo do poço para me reconstruir. Você é a única mulher
que eu quero na minha vida, hoje e sempre, Thara. Não há nem haverá
mais ninguém. Só quero você, você e você! — grunhi antes de beijar
os lábios dos quais não me saciava nunca.
Ela abriu a boca e usou a língua para me enlouquecer de
tesão. O meu pau reagiu de imediato, começando a endurecer contra o
corpo delicioso em cima de mim. Possuir Thara todos os dias parecia
pouco diante da necessidade que sentia dela.
Eu queria amar Thara até o último instante da minha vida.
Segurei-a pelos cabelos com mais força, o desejo tomando o
controle de tudo. Thara se esfregou sobre o meu pau, gemendo na
minha boca. Ousada, interrompeu o beijo, mas foi para distribuir
vários outros beijos pelo meu rosto, terminando por morder o lóbulo
da minha orelha, como fiz tantas vezes com ela.
O meu pau pulsou e segurei as nádegas cheias, pressionando-
a contra ele. Para o meu deleite, Thara enfiou a mão entre nós dois e o
segurou por cima da minha calça, apertando-o do jeito que eu havia
ensinado.
— Isso! Faz ele ficar grande e duro.
— Já está grande — arquejou no meu ouvido.
Gemi junto com ela.
— Vai ficar maior quando eu ensinar você a montar nele.
— Montar?
— Sim, montar.
Puxei uma das mantas e cobri o corpo dela para que se
sentisse mais protegida. Depois subi a abaya até a cintura.
— Aqui fora, Majdan?
Além de não haver perigo algum, a claridade da fogueira
acesa não chegava aonde estávamos.
— Sim, aqui mesmo. Tira a abaya, Thara.
Empurrei a minha calça e a cueca para baixo antes que o
pudor fosse maior do que a paixão de Thara. Quando ela se entregava
ao desejo esquecia de tudo e era entregue aos desejos do próprio corpo
que eu a queria agora.
— Não tenho coragem.
Não vacilei em tirar a abaya dela. A minha túnica foi a peça
seguinte a ser eliminada. Quando nossos corpos seminus se
esfregaram um contra o outro por baixo da manta, gememos juntos e
nos entregamos a um beijo voraz.
Ela podia reclamar, mas estava tão ansiosa pelo gozo quanto
eu. Thara era uma mulher ardente e eu me sentia como uma brasa
quente sob o ardor da minha esposa.
Libertei os seios dela do sutiã e os mamilos enrijecidos
roçaram o meu peito, aumentando o prazer urgente que já sentia. Eu
ansiava por uma posse rápida e dura, mas ainda não era a hora de
mostrar aquilo para Thara.
Passei as mãos ao longo das curvas do corpo sexy,
aproveitando para descer a calcinha pelas pernas dela. Completamente
nua, Thara se esfregou em mim despudoradamente, beijando o meu
pescoço e mordendo levemente o meu ombro.
Ela estava aprendendo rápido e se aperfeiçoando
instintivamente, tirando o controle das minhas mãos e controlando-me.
Toquei o clitóris sensível, sentindo o quanto estava molhada.
Introduzi um dedo nela, estimulando-a.
— Gosta?
— Oh, sim! Muito.
Fiz com que separasse as pernas em cima de mim e
posicionei o meu pau na entrada úmida.
— Senta em cima dele. Eu mostro como.
Thara obedeceu sem questionar. O desejo agora era maior do
que qualquer vergonha e ela se sentou sobre o meu pau, arrancando
um rosnado de prazer da minha garganta.
Segurei-a com força pelos quadris e fechei os olhos,
saboreando a maravilha daquele instante.
— Isso — grunhi roucamente à medida que ela descia e me
cobria por inteiro, sentindo o sangue acelerando nas veias. — Monta o
teu garanhão, Thara.
Investi a virilha para cima, entrando mais nela.
— Mexe assim. — Ensinei como fazer e o resto ficou por
conta dela.
Com uma sensualidade nascida do espírito apaixonado que
tinha, ela rapidamente aprendeu a mover o canal apertado sobre o meu
pau em um ritmo enlouquecedor. Quase gozei só de ver a beleza da
minha garota em cima de mim, a escuridão mostrando de maneira
fugaz os seios altos e redondos balançando ao ritmo da cavalgada que
impôs.
Ela é magnífica!
Achei que conseguiria aguentar mais tempo, mas me enganei.
Thara tinha uma capacidade incrível de destruir todas as minhas
certezas, deixando-me sem saber o que fazer além de seguir o que
quisesse. Para não gozar antes dela, estimulei o clitóris inchado e
segurei um dos seios que balançavam tão eroticamente, manipulando o
mamilo enrijecido com a ponta dos dedos. Thara gemeu, acelerou os
movimentos e olhei para o céu, ofegante.
— Diz o que você quer, Majdan! — ela me perguntou de
repente, surpreendendo-me e excitando-me. — Fala para a tua mulher.
— Quero gozar — não hesitei em dizer, completamente
rendido.
Thara acelerou ainda mais os movimentos e vi estrelas no céu
e dentro de mim.
— E você, o que quer? Fala para o teu homem.
Ela arquejou, gemendo alto na noite mágica de Alqamar, sem
se importar com nada que não fosse o prazer que estava sentindo nos
meus braços.
— Já estou gozando, Majdan.
Arremeteu os quadris com força contra mim e explodi,
deixando vir o meu gozo. Forte, potente, poderoso. Me senti tão
arrebatado que nem consegui dizer que também estava gozando.
Calei-me pela primeira vez durante um gozo, vencido pela força
daquela mulher. Da minha mulher. Minha Thara.
Quando ela caiu sobre o meu peito, exausta e satisfeita, dei-
lhe uma chave de pernas e a prendi junto ao meu corpo, abraçando-a
com força. Por mim, não a soltaria jamais!
— Eu te amo, Majdan.
Fechei os olhos, aproveitando cada palavra do que ela havia
dito.
— Também te amo, habibti.
Capítulo 62
Majdan
— Que Allah seja louvado por você estar bem, meu irmão. —
O alívio na voz de Yusuf me fez sorrir enquanto caminhava pela praia.
— Confesso que fiquei preocupado quando seguiu sozinho com Thara
para Alqamar. Mesmo com Hasan acompanhando vocês no
helicóptero da guarda, a minha preocupação não diminuiu.
— Estar na ilha com Thara tem me feito muito bem. Não tive
nenhuma crise de abstinência, muito menos necessidade de consumir.
A ilha sempre teve esse efeito sobre mim. — Chutei uma ondinha que
se quebrou aos meus pés, observando as gotas se espalharem pela água
cristalina. — Por mim, ficaria aqui mais algumas semanas. Se não
fosse a reunião de negociação de paz entre Abdullah e Mubarak em
Taj, eu não voltaria tão cedo.
— Você merecia esse descanso aí com ela, mas tenho que
concordar que a negociação de paz em Sadiz não pode ser adiada. A
guerra civil está destruindo o país e o povo já não aguenta mais tanto
sofrimento.
— É só por isso que vou voltar, mas ficarei aqui até o último
dia que puder.
— Eu aviso a todos aqui em Taj que você ligou para dar
notícias e informar a data que vai voltar. Até lá, o Jamal vai ficar
ajudando Saqr em tudo o que ele precisar. Estou concentrado agora no
esquema de segurança de Taj para receber Abdullah e Mubarak. Se
deixarmos, aqueles dois ainda vão querer guerrear aqui dentro. Tudo o
que não precisamos é de um tentando matar o outro dentro de Tamrah.
— Fique tranquilo com relação a Mubarak, meu irmão. Ele
não vai fazer nada durante o tempo em que estiver aqui.
— Inshallah.
— Conseguiu descobrir mais alguma coisa sobre os negócios
de Musad Faez?
A investigação que Yusuf havia feito sobre ele trouxe mais
dúvidas do que esclarecimentos. O problema não eram os pais, os
irmãos, os estudos, a viuvez ou a longa amizade com o pai de Thara.
O que nos intrigou foram os negócios da família Faez, que não
rendiam o suficiente para o valor do dote que Musad pagou para Salim
Ayad quando assinou o contrato de casamento com Thara.
Como tive que cumprir o decreto do meu pai que me
obrigava a pagar a Musad o dobro do valor do dote, notei
imediatamente que as empresas da família Faez não tinham lucro
suficiente para um valor tão alto.
Na ocasião, perguntei à Thara se ela sabia de alguma coisa.
— O meu pai costumava dizer que ele era um homem muito
rico que tinha negócios no estrangeiro e trabalhava com várias
empresas internacionais.
Aquilo só serviu para me deixar mais desconfiado ainda e
insisti com Yusuf para ir mais a fundo na investigação. Agora,
esperava que ele me desse boas notícias.
— Estamos cruzando as informações com o sistema fiscal
para tentar descobrir o que está acontecendo — ele informou em um
tom de voz preocupado. — Os bens da família Faez batem com o
imposto de renda da empresa. Se não fosse o dote, eu diria que está
tudo correto.
— A menos que ele tenha recebido uma doação milionária de
alguém, tem algo de errado.
— Até se ele tivesse ganhado na loteria o nosso fisco ficaria
sabendo.
— Não confio naquele homem. Algo me diz que teremos
uma surpresa quando descobrirmos tudo. — Dei um soco do ar,
querendo que Musad estivesse à minha frente. — Qualquer novidade
me avise.
Ainda conversamos por mais alguns minutos antes de
desligar e voltar para a tenda. Amarrados do lado de fora, dois cavalos
aguardavam para mais uma aula de equitação de Thara.
Depois de muita insistência minha, ela havia concordado em
aprender a montar.
— Sou apaixonado por cavalos e quero muito cavalgar com
você ao meu lado. Se me deixar ensiná-la, terei o maior cuidado para
que nada aconteça. Confie em mim.
— Ah, mas eu confio em você. Não confio é nos cavalos e na
minha habilidade de controlar um deles. Acho que não tenho jeito.
Abracei-a pelos ombros enquanto caminhávamos pela praia
no entardecer.
— Sou um excelente professor de montaria — comentei com
fingida inocência.
Soltei uma risada quando Thara cobriu a boca com a mão,
escondendo o riso. Os olhos que cruzaram com os meus estavam
cheios de malícia, ainda que ela não tivesse noção alguma do que era
aquilo.
Agarrei-a pela cintura e suspendi nos braços até que ficasse
da minha altura. Ela se apoiou nos meus ombros, sem deixar de rir.
— Se você me olhar desse jeito em público, todo mundo vai
adivinhar o que está pensando e o que estou sentindo.
— É mesmo? — exclamou, parando de rir e arregalando os
olhos. — Nem pensei nisso!
— Os seus olhos são muito expressivos. Na verdade, o seu
rosto inteiro é expressivo e não será difícil para os outros verem o que
também estou vendo agora.
Ela inclinou a cabeça de lado e me olhou de um jeito curioso.
— E o que está vendo agora, meu príncipe?
Thara sabia mesmo como me provocar com aquela ousadia
inocente que tanto me excitava.
— Uma mulher ardente e insaciável que não consegue mais
ficar sem gozar.
— Majdan!!!
Caí na risada com a cara chocada que ele fez e nunca me
senti tão feliz na vida.
Thara me deu um beliscão nas costas.
— É você quem está me ensinando essas coisas!
— Que coisas? Conta aqui no meu ouvido.
Ela se inclinou sobre mim, mas não foi para falar no meu
ouvido. Thara mordeu o meu pescoço e depois lambeu a mordida de
uma maneira tão sensual que o meu pau reagiu instintivamente.
Vacilei nos passos, ouvindo a risadinha dela.
— Quero ver se vai rir quando nós dois cairmos na areia.
— Você é forte.
— Não me sinto muito forte agora.
— Não?
Thara saiu beijando o meu pescoço, mordendo o meu queixo,
tentando-me ousadamente.
— Thara, Thara — grunhi, apertando-a mais nos braços. —
Desconfio que está me enrolando só para não fazer as aulas de
equitação.
Ela aprumou o corpo e me olhou diretamente.
— Pois está muito enganado. Quero perder o medo dos
cavalos. — A voz firme me encheu de orgulho.
— Sempre soube que você era uma mulher forte.
Daquele dia em diante, tirávamos algumas horas todas as
tardes para ela aprender a montar na praia. Cheguei a fazer uma
gravação de Thara e enviar para Abia, com quem conversávamos com
frequência.
A minha filha bateu palmas quando viu o trote leve da égua
conduzida por Thara.
— Até que enfim! Pensei que você nunca fosse perder o
medo, Thara.
— Não só perdi o medo, como estou ansiosa para
cavalgarmos juntas.
Abia não se conteve de felicidade.
— Quando poderei ir à Alqamar? — perguntou com os olhos
brilhando de ansiedade.
Thara olhou para mim, esperando que eu respondesse.
— Nas férias escolares, filha. Não antes.
Abia ficou triste no instante seguinte.
— Ah, papai. Deixa eu ir antes.
Ela tinha o poder de amolecer o meu coração, mas não voltei
atrás.
— Só nas férias.
Apesar da tristeza, Abia não insistiu.
— Tudo bem. Quando vocês voltam?
Aquela era a pergunta mais difícil de responder para mim.
Mesmo com toda a saudade que sentia dos meus filhos e da minha
família, eu não queria voltar para Taj, onde a incerteza de uma recaída
me perseguia.
— Voltaremos na próxima semana, mas ainda vou confirmar
a data. Fique tranquila que você será a primeira a saber.
Quando desligamos e joguei o celular para o lado, senti o
olhar intenso de Thara.
— Já vamos mesmo voltar?
Ela parecia tão sem vontade de retornar à Taj quanto eu.
Deitei-me na cama da tenda e puxei-a para o meu peito,
beijando-lhe os cabelos.
— Preciso estar em Tamrah quando Mubarak chegar para
negociar a paz em Sadiz. Isso vai acontecer na próxima quinta-feira.
Teremos de voltar antes disso.
Ela suspendeu o corpo sobre o meu, prendendo o meu olhar.
— Eu não queria voltar. Por mim, ficaria aqui com você para
sempre.
Apertei-a mais nos braços.
— Nem eu queria. Vou sentir saudade de cada um dos
momentos que passamos aqui.
Ficamos olhando-nos profundamente por longos instantes.
— Ana bamoot fiky142, Thara.
— Oh, Majdan! Ana bhebak.143
Ela me beijou com avidez, tomando a iniciativa de enfiar a
língua em minha boca. Enroscou-a na minha em uma dança erótica
que fez o meu pau pulsar sob o corpo sedutor que se esfregava em
mim.
Eu gostava quando Thara tomava as rédeas para ela,
domando e dominando os meus sentidos. Comigo na cama, ela podia
tudo.
Já estávamos há dez dias na ilha. A cada nova experiência
sexual que vivíamos juntos, mas aperfeiçoávamos a capacidade de
excitar um ao outro. Apesar de ainda ansiar por um sexo duro e
rápido, eu vinha contendo com pulso firme aquela vontade, dando
tempo para ela aprender tudo no tempo certo.
Thara começou a distribuir beijos por todo o meu rosto, as
mãos descendo para acariciar o pau que ela já sentia crescer. Deixei-a
livre para fazer o que quisesse, mas fui dando indicações do que
também queria.
— Toca nele. Sente como está duro e me enlouquece de vez!
Ela fez o que pedi, mas havia tecido demais entre nós dois.
Afastei-me o suficiente para começar a me despir e ela fez o mesmo.
Tiramos nossas roupas olhando um para o outro, comendo com os
olhos cada parte do corpo nu que ia surgindo.
Thara já não tinha pudor algum em admirar a minha nudez.
Fazia-o de uma maneira muito direta, que me excitava mais ainda. Ela
não sabia o poder que aqueles olhares tinham sobre mim, mas era uma
das coisas que mais atiçavam o meu desejo.
Quando ficamos nus, abracei-a com ânsia redobrada, fazendo
um movimento para ficar por cima. Para minha surpresa, Thara
colocou uma não sobre o meu peito, empurrando-me contra a cama.
Entendi que queria que fosse ela a ficar por cima e deixei.
Deitei-me, achando que ela ia montar sobre o meu pau, mas
não foi aquilo o que fez. Thara o envolveu com a mão macia,
apertando-o do jeito que eu havia ensinado. Fechei os olhos por
segundos de prazer intenso, deixando que o manipulasse do jeito que
quisesse. O polegar ousado roçou a ponta umedecida e grunhi, cada
vez mais excitado.
Olhei-a e me surpreendi com a expressão desejosa que havia
no rosto dela. Notei o gesto inconsciente que fez ao passar a língua
pelo lábio inferior, que mordeu logo depois. O meu coração acelerou,
o sangue correu mais forte e o meu pau ficou mais duro quando
percebi o que ela queria, mas ainda não tinha coragem de dizer.
Porra, a hora chegou mais cedo do que pensei.
Decidido, segurei-a pelos cabelos, fazendo com que olhasse
para mim.
— Me beija! — O desejo premente fez a minha voz soar
exigente, mas não consegui evitar.
Thara se inclinou e me deu um beijo na boca. Foi delicioso,
mas não era o que eu e ela queríamos.
— Me beija — repeti, pressionando os cabelos dela para
baixo, em direção ao meu peito.
Os lábios carnudos desceram pelo meu pescoço, passaram
pelos ombros e começaram a espalhar beijos no meu peito, excitando-
me cada vez mais. Fechei os olhos e inspirei profundamente em tensa
expectativa.
Sempre que Thara parava, eu repetia o gesto, levando-a aos
poucos para baixo. Quando a língua ousada lambeu o meu abdômen,
suguei o ar com força.
Ela parou próximo à minha virilha, perto demais do meu pau
ereto que apontava para cima, tão expectante quanto eu.
— Me beija — voltei a insistir, pressionando os cabelos dela
outra vez e controlando a vontade de exigir duramente que me
chupasse de uma vez.
Eu até podia sentir a respiração dela tocando o meu pau e
engoli um gemido de urgência. Daquele ponto em diante eu não a
forçaria. Tinha de ser a própria Thara a querer me chupar.
Soltei os cabelos dela, fechei os olhos e aguardei que Thara
realizasse uma das primeiras fantasias sexuais que tive com ela depois
que a conheci. Contudo, ela era livre para decidir.
Os lábios volumosos e sensuais deram um beijo muito leve na
glande tesa. Segurei com força os lençóis da cama para não a forçar a
enterrar a boca de vez no meu pau.
Senti um segundo beijo e a ponta da língua roçando
suavemente, como se ela quisesse só sentir o gosto. Puxei mais os
lençóis, pensando durante quanto tempo aguentaria aquela tortura
erótica. Abri os olhos para ver pelo menos a expressão de Thara e
descobrir se tinha intenção ou não de seguir em frente.
A cena me deixou mais ofegante, com mais tesão,
descontrolado.
Ela parecia fascinada, excitantemente fascinada. Os olhos não
desgrudavam do meu pau e a ponta da língua voltou a lamber a glande
exposta. Estremeci ao ter a minha resistência quebrada.
Eu não devia ter olhado!
Foi a única coisa que pensei antes de praticamente ordenar.
— Me chupa, Thara!
Ela me olhou e vi um desejo nela tão urgente quanto o meu.
Decidido, fiz com que se acomodasse melhor entre as minhas pernas,
deixando o pau ereto entre nós dois.
— Chupa e me enlouquece de uma vez, habibti.
Já não havia mais exigência alguma na minha voz, apenas o
pedido desesperado de um homem entregue ao desejo.
O brilho no olhar de Thara já disse tudo para mim. Foi com
um gemido profundo que senti, e vi, a boca carnuda colocar o meu pau
no interior macio e úmido. A língua fez o trabalho de sucção,
enquanto uma das mãos o segurava na posição certa.
Ela não apenas me chupou, mas lambeu e sugou com gosto.
A fantasia sexual não chegava nem aos pés da realidade.
— Aaah, Thara! — Deixei a cabeça cair contra o travesseiro,
atordoado de prazer.
Mesmo sem experiência alguma, excitou-me de uma maneira
alucinante. Estava tão bom que não interferi, deixando-a continuar
fazendo tudo intuitivamente. Parte da excitação estava na inocência da
primeira vez dela ao me chupar. A outra parte estava em abrir os olhos
e ver tudo o que ela estava fazendo comigo.
Entre abrir e fechar os olhos, o meu desejo foi crescendo mais
rápido do que pensei. Aqueles lábios e língua estavam enlouquecendo-
me.
— Enfia na boca até onde conseguir — orientei roucamente,
segurando-a pelos cabelos.
Ela o introduziu mais e comecei o vaivém de uma boa foda
para mostrar o que queria. Thara entendeu e fez ela mesma os
movimentos, usando lábios, língua e mãos para me dar prazer. Mesmo
sem prática alguma, ela fez o tesão roubar a minha razão. Esqueci-me
de tudo que não fosse o desejo irrefreável de gozar na boca dela. Thara
usava as mãos para me excitar mais ainda, tocando os meus testículos
pela primeira vez.
Perdi o controle. Achei que fosse aguentar, mas fui
vergonhosamente vencido pelo prazer.
Pensei em avisar que ia gozar, mas não deu tempo. Até
parecia que a primeira vez era minha e não dela. Gozei muito mais
precocemente do que jamais imaginei na minha vida de homem
adulto.
Gozei na boca da minha mulher, da minha garota, da minha
Thara!
Porra, que gostoso!
Agarrei com força os cabelos dela enquanto rosnava um
gemido alto de prazer intenso. O coração batia acelerado, enchendo o
meu peito de felicidade.
— Gozei, habibti — avisei tarde demais, passando uma mão
trêmula pelo rosto diante do furor do meu orgasmo.
Thara ergueu o corpo com um meio sorriso nos lábios.
Passou um dedo no canto da boca, limpando-a. Acompanhei o gesto
extremamente sensual, sentindo-me hipnotizado. Parecia uma gata
satisfeita depois de beber uma tigela de leite.
— Engoli. Tem algum problema?
Oh, porra! Estou perdido de amor, Allah!
Precisei de oxigênio e inspirei profundamente para aguentar a
emoção. Thara tinha acabado de dar um nó nas minhas entradas. Um
nó que me atava definitivamente a ela.
— Não, não tem — tranquilizei-a, atraindo-a para os meus
braços. — Eu jamais me casaria com você se não tivesse os meus
exames médicos em dia e soubesse que não estava colocando você em
risco algum.
O sorriso dela se ampliou e admirei-a, sentindo-me
completamente apaixonado.
— Você gostou? — Eu precisava ter certeza daquilo.
Recebi um beijo nos lábios e tomei aquela boca preciosa com
a minha, quase reverenciando-a.
Thara me olhou muito diretamente depois.
— Eu gostei, e você?
Dei um beijo muito leve nos lábios que havia me ensandecido
minutos atrás.
— Amei cada minuto — admiti roucamente.
Ela soltou um suspiro de satisfação.
— Ah, que alívio! Achei que estava fazendo tudo errado.
— Nunca! — neguei com veemência. — Você foi perfeita e
não quero que mude em nada!
Aquele sorriso que era uma mistura de vergonha e
sensualidade voltou aos lábios dela e gemi interiormente.
Thara estava aprendendo muito rápido que me controlava sob
muitos aspectos, mas eu pouco me importava com aquilo. Ela era o
meu tesouro, a minha fortuna e mandava mesmo em mim.
Capítulo 63
Thara
Eu não queria voltar para Taj. Alqamar se transformou em
um lugar especial para mim. Além de ter me tornado mulher de
Majdan naquela ilha mágica, ali eu não sentia nele a tensão que notei
no palácio. Em Alqamar, Majdan era um homem sorridente e
provocador, sem nenhum resquício da preocupação que lhe marcava a
fisionomia nos últimos dias em Taj.
Voltar para o palácio poderia significar o início de uma nova
onda de tensão sobre ele e eu temia que aquilo o fizesse se afastar
novamente de mim.
Eu sabia que Majdan me amava e sentia que era um amor
para toda a vida, mas também tinha consciência de que aquele mesmo
amor poderia forçá-lo a me deixar, caso achasse que eu ficaria melhor
sem ele. Só que eu não queria ser colocada de lado por ser algo
“melhor para mim”. Apenas ao lado dele eu estaria feliz, ainda que
fosse vivendo o mesmo drama de vida pelo qual ele passava.
Eu não conseguiria aguentar uma separação. Não agora que
havia sido amada, que éramos marido e mulher, que tinha conhecido o
prazer nos braços do meu príncipe. Não agora que criamos uma
ligação tão forte e íntima.
Eu já não conseguiria mais viver sem ele.
Acontecesse o que acontecesse, estava disposta a lutar por
nós dois e provar a Majdan que juntos éramos fortes e poderíamos
vencer qualquer desafio.
E que Allah nos abençoasse!
Quando entrei no helicóptero para voltarmos à Taj
Almamlaka, o meu coração estava apertado. Sobrevoamos a ilha no
final da tarde e lágrimas caíram dos meus olhos ao vê-la ficando cada
vez menor do horizonte.
Ele percebeu e enxugou-as com as mãos, preocupado.
— Não fique assim. Vamos voltar assim que pudermos.
O aperto que eu sentia no peito aumentou e fiquei sem saber
o que estava acontecendo comigo. Nunca fui chorona.
— É apenas saudades da nossa lua de mel.
Ele sorriu com aquele olhar quente que me deixava
igualmente quente.
— A nossa lua de mel não acabou. É para sempre.
Levou a minha mão aos lábios e beijou discretamente. Não
estávamos sozinhos no helicóptero e apenas apertei a dele, mas
fizemos o restante do percurso de mãos dadas.
A parte boa do retorno foi rever a família, que era como eu
considerava a todos eles, que se reuniram para esperar a nossa
chegada. Só quando abracei Abia, Sabirah, Malika, Kismet e Farah,
além de Hud e Imad, foi que percebi o tamanho da saudade que sentia.
As mulheres fizeram uma festa com a minha chegada, o que
só aumentou a minha felicidade por fazer parte da dinastia dos Al
Harbi. Elas me puxaram para um lado e Majdan foi levado para o
outro pelos irmãos, onde ficaram conversando com o pai.
— Agora que você é uma mulher casada, será que ainda vai
ter tempo para ficar com a única solteira da família? — Sabirah me
provocou em tom de brincadeira, mas notei que havia uma pontinha de
receio naquela pergunta.
— Claro que vou ter tempo! Nunca deixaremos de ser amigas
e confidentes.
Ela me abraçou, feliz.
— Quero saber tudo o que achou da lua de mel, com exceção
da parte íntima, claro!
Caímos todas na risada, mas senti o meu rosto enrubescer de
vergonha. Do outro lado da sala, Majdan olhou para mim de um jeito
que me enrubesceu ainda mais.
— Pelo jeito a sua lua de mel vai dar o que falar — Malika
comentou, cutucando a irmã com o cotovelo. — Majdan nem disfarça.
Kismet soltou uma risadinha, que escondeu com a mão logo
depois.
— Controlem-se! Não estamos no majlis — Farah lembrou
mantendo a pose. — Aqui eles podem nos ouvir se quiserem.
— Por que não podemos falar aqui sobre a lua de mel do
papai? — Abia perguntou alto, desmascarando todas nós.
Ficamos chocadas e o silêncio que se fez depois dentro da
sala foi total. Rápida, Sabirah cobriu a boca de Abia com uma mão.
— Shhh — pediu, mas já era tarde demais.
A primeira gargalhada que se ouviu foi a de Yusuf, seguida
pela de Saqr e dos outros homens em sequência. Nem olhei para o
lado, sentindo o meu rosto arder. Para o meu consolo, Malika, Kismet
e Sabirah estavam igualmente envergonhadas. Apenas Farah
aparentava tranquilidade ao encarar o marido e os filhos.
— Não vá sufocar a minha filha, Sabirah — Majdan alertou a
irmã com bom humor.
Sabirah imediatamente tirou a mão da boca de Abia.
— O que foi que eu fiz de errado? — Foi a primeira coisa que
a menina perguntou em um sussurro, olhando-nos com inocência.
— Não fez nada — tranquilizei-a em voz baixa. — É que
esse é um assunto de mulher e devemos conversar sobre ele quando
estivermos sozinhas no majlis da vovó.
— Ah, agora entendi — ela sussurrou de volta, olhando para
todas nós.
— Quero saber o que achou de Alqamar. — Farah mudou o
tema da conversa. — Faz muito tempo que não vou lá.
— Saqr me disse que é linda — Kismet revelou com os olhos
verdes brilhando de entusiasmo. — Imagino que as praias devam ser
magníficas.
— E são mesmo — confirmei, saudosa. — Eu adorei Noor,
mas me apaixonei perdidamente por Alqamar.
— Sabíamos que você ia amar! — Sabirah comemorou com
Abia.
A conversa tomou outro rumo e a minha lua de mel ficou
esquecida. Ficamos cerca de uma hora em reunião de família, até nos
despedirmos.
Voltar a entrar na Ala do Leão foi uma emoção enorme para
mim, ainda mais sendo agora a esposa de Majdan. A tristeza por ter
deixado a ilha para trás foi substituída pela felicidade de poder ficar
definitivamente com ele agora. Nada mais de encontros fortuitos ou de
nos vermos sempre em família. A partir daquele momento,
ocuparíamos o mesmo quarto e eu me sentia nas nuvens de tão feliz
que estava.
Apesar de já ter frequentado muito a Ala do Leão, nunca
cheguei a ver o quarto de Majdan. Assim que entrei na suíte, a
primeira impressão que tive foi de estar dentro dos aposentos de um
rei. Era enorme, com uma cama de casal com dossel extremamente
ampla e luxuosa. A decoração em azul marinho e dourado era de
extremo bom gosto e me senti encantada.
— Venha. Vou mostrar tudo para você.
Ele segurou a minha mão e me levou para o quarto contíguo,
sem dúvida destinado à esposa dele, com uma sala privativa, além de
closet e banheiro próprios. Obviamente que gostei de tudo, exceto da
cama. Achei que dormiríamos juntos, igual como fizemos em
Alqamar.
— Vou dormir aqui? — Tentei não demonstrar a minha
decepção na voz.
Majdan riu pela primeira vez desde que entrou na Ala do
Leão.
— Vai dormir na minha cama e de lá não sai.
Relaxei no instante seguinte, rindo e abraçando-o pela
cintura.
— Pensei que íamos dormir separados.
— Quero você sempre junto de mim. — Recebi um beijo
firme, como se ele estivesse selando uma promessa. — Nada de
ficarmos separados.
Que Allah seja louvado por isso!

A reunião para negociar a paz em Sadiz absorveu toda a


atenção de Majdan no dia seguinte. Voltamos da lua de mel em cima
da hora do grande encontro, mas ele me disse que os irmãos já tinham
providenciado tudo e pouco faltava para a recepção dos líderes árabes
que estariam presentes na mesa de negociações. Majdan havia me
informado que não seria apenas o Sheik Abdullah e o príncipe
herdeiro Mubarak que participariam. Alguns líderes da Coligação
Árabe também foram convidados para intermediar o fim da guerra
civil junto com os Al Harbi.
A intenção era que tudo fosse o mais transparente e imparcial
possível, uma vez que Mubarak poderia alegar depois que o Sheik
Rashid favoreceu o Sheik Abdullah por ele ser pai de suas duas noras,
Kismet e Malika.
Vários repórteres internacionais estavam em Taj para a
cobertura da reunião e todos da família real viviam momentos de
grande tensão. Os olhos do mundo estavam voltados para nós, onde
uma guerra civil podia se transformar em uma guerra em toda a
região.
— Saqr e Yusuf não querem que as esposas tenham que falar
com o pai, mas isso será impossível de evitar — Majdan comentou
quando estávamos sozinhos no quarto antes do evento de recepção dos
líderes. — Abdullah vem com a intenção de ver Kismet e Malika.
Observei-o de frente para o espelho do closet, ajustando o
agal preto sobre o ghutrah145 branco na cabeça. O thobe impecável
144

só destacava o porte elegante e extremamente sexy.


— E seria tão mal assim elas falarem com o pai? Acho que
ele não vai poder fazer nada contra as filhas aqui em Taj.
— Ele que tente. — Majdan riu com desprezo. — Eu nem
vou precisar fazer nada. Saqr e Yusuf vão acabar com ele antes que eu
chegue perto.
— Ah, que exagero! Eles não vão fazer isso.
— Acha?
Ele riu com uma certa arrogância masculina, que eu já havia
notado nele antes, mas também nos irmãos. Os homens Al Harbi eram
donos de uma autoconfiança que beirava a arrogância quando o
assunto era a família.
— Eu só sei que as princesas estão revoltadas por serem
obrigadas a se isolarem em uma área restrita de Taj. Sabirah é a mais
inconformada de todas por não poder andar livremente pelo palácio.
Completamente vestido para o evento, ele lançou um olhar
muito sério para mim através do espelho.
— Não é só elas. Você também.
Aquele comentário foi tão inesperado que demorei a reagir.
— Eu?! Mas por quê? Não sou filha de Abdullah nem
pretensa noiva de Mubarak.
Uma expressão indecifrável tomou conta do semblante dele
quando me abraçou.
— É minha esposa e isso basta. As quatro torres ficarão
protegidas e vocês poderão circular entre elas sem nenhum problema.
— Mas Farah já disse que pode precisar de mim para
organizar algumas coisas.
— A minha mãe tem um batalhão de empregados e
assistentes para ajudar no que for preciso.
— Acho que se ela não precisasse da minha ajuda, não teria
pedido.
— Apenas faça o que estou pedindo, Thara. Tenho os meus
motivos para querer manter você o mais protegida possível durante
estes dias.
Observei-o atentamente.
— Que motivos? Estou achando tudo isso tão... exagerado.
O olhar dele endureceu.
— Não quero que o Mubarak conheça você — admitiu de
uma maneira muito direta.
Dizer que fiquei surpresa era pouco diante do choque que
senti. A única coisa que passou pela minha cabeça foi que ele estava
com vergonha de mim por não ser uma verdadeira princesa nem ter o
mesmo nível social.
Tentei disfarçar o quanto estava magoada.
— Por que não? Você está com vergonha de mim? — Forcei-
me a perguntar.
Ele ficou mais sério ainda ao segurar o meu rosto com as
duas mãos.
— Eu não tenho e nunca vou ter vergonha de você, Thara.
Nunca! — afirmou com veemência. — Ao contrário, sinto muito
orgulho da minha esposa.
— Então por que está querendo me esconder?
Majdan comprimiu os lábios, enrijecendo a mandíbula
barbada. Sem que eu esperasse, segurou-me pelos ombros e me virou
de frente para o espelho de corpo inteiro que havia no closet, ficando
atrás de mim.
— Você já se olhou de verdade em um espelho? — perguntou
com uma certa rudeza. — Já viu o quanto o seu rosto é sensual ou o
apelo erótico dos seus lábios? Já notou como nenhuma roupa consegue
esconder totalmente as curvas sedutoras do seu corpo? Eu sei
exatamente o que o Mubarak vai pensar se colocar os olhos em você,
Thara. Conheço cada uma das perversões dele e não quero a minha
esposa perto de um homem desses.
Arquejei profundamente quando ele terminou de falar, a
dureza das palavras deixando-me perplexa, mas também assustada.
Nunca me vi daquela maneira que Majdan estava descrevendo.
— Nunca pensei que eu fosse assim! Só vim me olhar em um
espelho quando cheguei na casa de acolhimento aqui em Jawhara. Não
havia espelhos na casa do meu pai.
O meu corpo estremeceu de repulsa só de imaginar que era
daquela maneira que Musad me via. Lembrei-me dos olhares nojentos
que ele me lançava quando ninguém estava vendo e instintivamente
me grudei mais em Majdan.
Nossos olhos se cruzaram pelo espelho e tive a nítida
impressão de que ele adivinhou o que eu estava pensando. Com um
gesto firme, virou-me de frente e abraçou-me com força pela minha
cintura. Fui erguida contra o peito amplo e beijada com intensidade,
ardor, avidez. Correspondi, enlaçando-o pelo pescoço.
Ele sabia que eu precisava me sentir protegida e eu sabia que
ele necessitava me proteger. A intenção inicial do beijo foi acalmar a
mim e a ele, mas acabamos por perder o controle quando o desejo
começou a crescer de uma maneira difícil de controlar.
Eu já conhecia bastante do corpo dele e notei logo que estava
excitado. O membro endurecia rapidamente contra a minha barriga e
aquilo me deixou ofegante, ansiosa e igualmente excitada.
As mãos grandes acariciaram as minhas costas, descendo pela
coluna até alcançarem as nádegas, que ele apertou com um gesto de
posse. O meu corpo reagiu e me senti molhar no instante seguinte.
Com a ousadia nascida da certeza de ser amada, toquei o
membro duro, apertando-o ligeiramente.
Ele soltou um gemido que era mais um rosnado de prazer e
arrancou o ghutrah146 da cabeça com agal147 e tudo, jogando-os no
chão.
— Não temos tempo — lembrei-o do horário do evento.
— Vai ter que dar! — determinou roucamente, despindo o
thobe às pressas.
Fiz o mesmo com a abaya, sendo agarrada por ele antes
mesmo de soltá-la ao chão.
O beijo que trocamos foi ávido e meio bruto. Majdan não
pedia, exigia, mas eu gostava. A cada vez que fazíamos amor, ele me
ensinava uma coisa diferente, uma nova maneira de sentir prazer, um
jeito único de gozar.
Daquela vez não houve carinhos lânguidos e demorados.
Descobri que a pressão do tempo tornava tudo mais excitante,
estimulante e prazeroso.
Ele tirou o meu sutiã e fechou a boca sobre um mamilo,
sugando-o com força, chupando com voracidade, enlouquecendo-me.
A mão experiente se insinuou entre as minhas pernas e foi terminar de
me enlouquecer com os dedos.
Gemi, extasiada.
— Molhada e gostosa — ele grunhiu no meu ouvido
propositadamente, sabendo o quanto aquilo me excitava.
O meu corpo se arrepiou, contraiu, molhou ainda mais.
Quando pensei que ia gozar ali mesmo com a habilidade com
que Majdan me estimulava com os dedos, fui erguida do chão e levada
para a grande mesa almofadada no centro do closet.
— De costas, Thara — exigiu com urgência.
Fiz o que ele queria, inclinando-me sobre a mesa, ansiosa
pelo momento da posse.
Majdan me segurou pelos quadris e me penetrou de uma só
vez. Eu estava tão molhada que deslizou até o fundo, tocando em um
ponto de prazer lá dentro que me fez gemer de uma maneira tão
despudorada que surpreendeu a mim mesma. Ele estava grande e duro
como sempre ficava quando muito excitado e rebolei os quadris para
acomodá-lo melhor. Foi a vez de ele gemer, para logo depois se
movimentar com força dentro de mim.
Separei mais as pernas para ele entrar melhor, sentindo as
batidas vigorosas despertarem um prazer extremo no meu corpo. Senti
que era o orgasmo que estava se construindo muito rápido e profundo,
abalando tudo o que eu achava de mim mesma. Me senti uma mulher
sem pudor algum, que se entregava ao prazer sem culpas, confiante no
amor do homem que a possuía.
Majdan ofegava atrás de mim, rosnava, gemia, e eu me
excitava cada vez mais com aqueles sons. Inesperadamente, recebi
uma leve palmada em uma das nádegas. Não doeu, apenas me pegou
de surpresa.
Ele apertou as duas com força em um gesto de posse.
— São lindas e me enlouquecem, Thara!
Fechei os olhos e rebolei os quadris para o provocar. Ele
intensificou o ritmo, me estimulou com o dedo e senti que ia gozar.
Recebi uma outra palmada, me excitei ainda mais e vi estrelas.
— Oh, habibi, vou gozar — avisei-o, arquejante.
Majdan soltou um rosnado ofegante, segurou os meus cabelos
com firmeza e veio comigo. Ele não falou que estava gozando, apenas
me segurou pelos quadris com força. Quando falou, foi em tom de
promessa.
— Vou matar quem tocar em você! — repetiu o que já havia
dito na ilha.
A intensidade da promessa e do que havíamos acabado de
fazer me deixou sem forças. Permaneci prostrada na mesma posição
depois daquele orgasmo maravilhoso, sem conseguir me mexer de tão
mole que fiquei. Tinha sido profundo demais e o meu coração ainda
palpitava no peito.
Ouvi sons de roupas atrás de mim e ergui o corpo para me
levantar. Achei que Majdan estava vestindo-se para sair, mas ele havia
tirado de vez o traje que ia usar no evento.
— Venha, habibti.
Ajudou a me levantar, pegou ao colo e levou para o banheiro.
— Você vai se atrasar.
— Serei rápido.
Ele realmente foi. Terminou de se lavar em poucos minutos e
voltou para o closet.
Continuei no banho, mas já havia saído do box e me enrolado
em uma toalha quando ele entrou no banheiro completamente vestido
para me dar um beijo. Virou-me de costas e ergueu a toalha para olhar
a nádega onde havia batido.
Acariciou-a, olhando intensamente para mim.
— Doeu?
Só naquele momento me senti um pouco envergonhada com
o meu comportamento ousado de minutos atrás, mas fui sincera.
— Não.
Um leve sorriso curvou os lábios dele.
— Gostou?
Senti o rosto ruborizar.
— Gostei.
Trocamos um olhar cúmplice e logo depois ele me arrebatou
em um abraço apaixonado. Recebi um beijo profundo, mas rápido,
antes de ele se afastar com um suspiro frustrado.
— Preciso ir, mas me ligue se precisar de alguma coisa.
Quando ele saiu e me deixou sozinha, fui para o closet e parei
em frente ao espelho. Fiquei analisando o meu rosto até encontrar
coragem para baixar a toalha e olhar o meu corpo nu, algo que nunca
fiz antes.
Tentei me ver pelos olhos de Majdan e me surpreendi ao
constatar que ele tinha razão. Curiosa, virei-me de costas para ver as
nádegas que ele tanto dizia gostar. Eram bastante redondas e bem
desenhadas com a curva dos quadris e da cintura fina.
Mordi a ponta do lábio, segurando um sorriso ao me lembrar
do que ele disse sobre enlouquecer com elas. Lembrei-me do tal sexo
hardcore e pensei se aquelas palmadas tinham algo a ver com aquilo.
Talvez eu devesse perder a vergonha e pesquisar mais sobre o
assunto. Talvez.
Capítulo 64
Majdan
— Salaam aleikum, meu amigo Majdan!
Mubarak me cumprimentou efusivamente assim que desceu
do carro em frente à entrada principal de Taj, após quase uma hora de
atraso no voo que o trouxe a Tamrah.
Se eu soubesse que haveria um atraso daqueles, não teria
saído tão rápido do lado de Thara. Depois do prazer fenomenal que ela
me deu, merecia passar o tempo que quisesse descansando nos meus
braços. Até o sexo duro, com ela, tinha outra emoção, era especial.
Foi com um sentimento de obrigação que o cumprimentei.
— Alaikum as-salaam, Mubarak. Seja bem-vindo à Taj
Almamlaka.
— É um prazer enorme vê-lo de novo, apesar de ser em uma
situação como esta.
Cumprindo o protocolo, ficamos de frente para os repórteres
e demos mais um aperto de mãos para que o momento fosse registrado
por todas as câmeras e noticiado no mundo inteiro. Só estavam
presentes os profissionais que foram credenciados para a cobertura da
mesa de negociação de paz entre os dois adversários que lutavam pelo
direito de governar Sadiz.
Abdullah havia chegado horas atrás, tendo sido recepcionado
por Saqr. Cabia a mim recepcionar Mubarak.
Os dois oponentes iam ser acomodados em prédios diferentes
do palácio com um apertado esquema de segurança separando as
delegações. A intenção era que não se encontrassem em hipótese
alguma, exceto na reunião de negociação que aconteceria no início da
tarde.
Os outros líderes da coligação árabe que vieram participar da
reunião já estavam em Tamrah desde o dia anterior. Entre eles, um dos
aliados declarados de Mubarak, o Sheik Farid Al Badawi, governante
de Omarih. O homem era um antigo pretendente de Malika e Yusuf
estava tenso como uma corda a rebentar.
Como se não bastasse a presença de Al Badawi, ainda havia o
próprio Mubarak, que sempre foi apaixonado pela prima.
Sinceramente, eu não queria estar na pele do meu irmão!
Dentro do palácio e longe das câmeras, Mubarak me olhou de
alto a baixo.
— Mas você está realmente muito diferente! Continua tão
forte quanto antes, mas está bem mais magro. Um verdadeiro Leão de
Tamrah.
Eu não podia dizer o mesmo dele. Mubarak havia engordado
bastante desde a última vez que nos vimos pessoalmente. Nas várias
conversas que tivemos por videoconferência para negociar a paz em
Sadiz, notei o ganho de peso dele. Agora, de pé à minha frente, o
abdômen saliente que ficou escondido pela mesa mostrava o quanto
ele havia se desleixado com o próprio corpo.
— Eu disse a você que havia mudado — lembrei-o.
— Uma câmera esconde muita coisa.
Preferi não comentar nada, uma vez que a câmera havia
escondido muito dele também.
— Soube que você se casou novamente, meu amigo. —
Tocou de imediato no assunto que eu menos queria falar com ele. —
Confesso que fiquei muito surpreso. Você não comentou nada comigo
e de repente fico sabendo que se casou. Estou curioso para conhecer
sua nova esposa.
Olhei-o muito seriamente à medida que caminhávamos pelo
corredor que levava aos aposentos reservados para ele.
— E por que a curiosidade?
Eu conhecia muito bem a podridão que havia dentro de
Mubarak e a última coisa que pretendia era apresentá-lo à Thara.
— Curiosidade de amigo, mas com todo o devido respeito.
Você está mudado e algo me diz que ela é bastante diferente da sua
esposa anterior.
— Se você tiver quatro esposas, não vou ter curiosidade de
conhecer nenhuma delas.
Ele riu com um brilho malicioso no olhar.
— Por enquanto, continuo apenas com a primeira, que você
já conhece. As que escolhi como segunda esposa não deram certo. E
você? Já tem uma segunda em vista?
Eu nunca teria uma segunda esposa, apenas Thara, mas não
pretendia me alongar no assunto.
— Não.
O sorriso malicioso dele se ampliou.
— Você também não precisa se preocupar em ter muitas
esposas, exceto se quiser mais filhos. Nunca faltou mulheres bonitas e
gostosas caindo aos seus pés. Eram tantas que você nem dava conta.
Não era a primeira vez que Mubarak dizia aquilo. Desde que
nos tornamos amigos na juventude, de vez em quando ele repetia a
mesma coisa. Contudo, aquela era a primeira vez que eu notava uma
certa inveja no tom de voz dele.
Sempre fui muito leal aos meus amigos e talvez tenha sido
isso que me impediu de ver no passado o que agora estava enxergando
tão bem em Mubarak. A transformação interior que sofri nos últimos
anos abriu os meus olhos para muita coisa, uma delas era o verdadeiro
caráter daquele que considerei como um grande amigo depois que
Kaliq morreu de overdose.
Inconscientemente, transformei Mubarak no substituto do
único amigo que tive desde a infância.
— Você também sempre teve muitas mulheres aos seus pés
— comentei despreocupadamente para ver a reação dele.
— Nunca foi a mesma coisa. Elas ficavam comigo por
interesse, mas com você era por tesão mesmo. Acho que deixariam
você foder com elas mesmo que não fosse o príncipe herdeiro mais
cobiçado do mundo árabe.
Sim, havia amargura naquele comentário.
— E você se ressentia com isso?
Ele me olhou com surpresa, sem esperar por aquela pergunta
tão direta. Depois riu, mas notei que foi um sorriso meio forçado.
— De jeito nenhum! Mulheres existem aos montes. Já
compartilhamos tantas no passado.
— Você falou certo: no passado.
— Nada nos impede de compartilhar de novo, meu amigo.
— Já não sou o mesmo de antes, Mubarak. Pensei que você
tivesse percebido isso.
Ele parou de andar e ficou de frente para mim, olhando-me
com atenção.
Encarei-o tranquilamente.
— Percebi, sim. Por várias vezes já tive a impressão de estar
diante de um homem que não conheço.
Eu ia responder, mas paralisei ao ouvir vozes femininas
aproximando-se de onde estávamos. Sem que eu esperasse, cinco
mulheres surgiram no final do corredor e cerrei a mandíbula ao
reconhecer a minha mãe com Kismet, Malika, Sabirah e Thara.
Não era para elas estarem circulando por ali, muito menos
àquela hora. Olhei feio para a minha mãe, mesmo sabendo que o
atraso na chegada de Mubarak podia ter ocasionado aquela falha no
esquema de segurança delas. Ainda assim, aquele encontro não era
para acontecer. Se havia algo que foi exaustivamente discutido antes
da vinda de Abdullah e Mubarak, era o perímetro de segurança que as
mulheres deveriam manter para evitar situações como aquela.
Nenhuma delas usava o hijab e Thara estava linda com os
cabelos soltos emoldurando o rosto de traços marcantemente sensuais.
Mubarak mal havia chegado e o que eu menos queria que
acontecesse estava prestes a acontecer.
Elas diminuíram o passo quando nos viram e pararam de
conversar. A primeira a se recobrar da surpresa foi a minha mãe, que
se aproximou com um sorriso educado no rosto. Notei que Kismet se
adiantou propositadamente, deixando Malika e Sabirah atrás dela.
Thara cruzou o olhar comigo e sorriu discretamente, sem nem
imaginar que eu queria tudo, menos me encontrar com ela tendo
Mubarak ao meu lado.
— Salaam aleikum, Mubarak — a minha mãe cumprimentou-
o, colocando-se à frente de todas.
Notei como Thara abriu mais os olhos ao ouvir o nome dele.
Ela não o conhecia pessoalmente, mas sabia que eu não queria
apresentá-los. Ficou séria e se manteve ao lado de Sabirah.
— Alaikum as-salaam, senhoras. — Ele se dirigiu a todas ao
mesmo tempo com um sorriso de satisfação, observando-as uma a
uma. — Fico feliz em rever as minhas primas e Sabirah.
Mubarak inclinou a cabeça de lado para ver melhor a Thara.
— Não a conheço.
Qualquer outro homem jamais se dirigiria a uma das
mulheres da família que não conhecesse, mas Mubarak era do tipo que
não deixava mulher alguma passar despercebida.
Thara olhou rápido para mim, sem saber o que fazer. Antes
que a minha mãe os apresentasse, dando abertura para que Mubarak
estendesse a conversa com Thara, adiantei-me, cortando logo qualquer
intenção da parte dele.
— É a minha esposa.
Mubarak apenas assentiu em silêncio e olhei para minha mãe.
Ela entendeu e se despediu.
— Precisamos ir. Rashid nos espera.
Em silêncio todas seguiram a minha mãe e me coloquei à
frente de Mubarak, impedindo-o de vê-las indo embora.
— Não se atreva a olhar para nenhuma delas.
— Eu jamais faria isso com as mulheres da sua família, mas
fiquei feliz em ver que as minhas primas estão bem.
— Estão muito bem com os meus irmãos.
— O que me deixa duas vezes feliz.
Indiquei o caminho que estávamos fazendo antes de elas
aparecerem e continuamos a andar.
— Sua irmã ficou muito bonita. Ela já tem algum
pretendente?
O casamento dele com Sabirah foi a única condição imposta
por Mubarak caso o contrato do meu casamento com Kismet fosse
quebrado. Como Saqr se casou com Kismet no meu lugar, Sabirah se
livrou de ser esposa de Mubarak, o que eu só tinha a agradecer a
Allah.
Aquela foi uma das coisas que fiz no passado da qual me
arrependia amargamente.
— Não temos pretensão alguma de casar Sabirah.
— É uma pena. Até pensei em propor ao Sheik Rashid que
ela fosse a minha segunda esposa.
— Não perca o seu tempo. Sabirah não está disponível.
Ele ficou calado, pensativo.
— Estou impressionado com a sua esposa. Ela é muito...
— Não fale da minha esposa — interrompi de imediato com
um tom de voz bastante duro, sem lhe dar chance de continuar. —
Absolutamente nada.
Mubarak me olhou e o encarei com seriedade.
— Você realmente mudou muito, Majdan.
— Eu avisei.
Ultrapassamos os corredores em silêncio e não me surpreendi
quando ele se aproveitou do momento a sós comigo para falar o que
realmente queria ao vir a Tamrah.
— Um dos motivos que me fez aceitar o seu convite para a
mesa de negociações foi a vontade de terminar logo com esta guerra.
Vim para pedir pessoalmente o seu apoio militar. Se você conseguir
que o meu exército receba armamento de última geração, garanto que
em pouco tempo esta guerra se acaba.
O que eu suspeitava que aconteceria estava realmente
acontecendo. Só que Mubarak não ia ter o meu apoio, fosse pedindo
pessoalmente ou à distância.
— Você continua insistindo em pedir isso, quando sabe que
Tamrah não vai fornecer armamento para nenhum dos lados. Repito
que estamos dispostos a ajudar diplomaticamente, mas não
militarmente.
Ele fez um gesto impotente com as mãos, irritado.
— Eu não acredito que você vai continuar me negando isso!
— Não sou eu. É o meu pai. É Tamrah. — Fui duro e
incisivo. — Não vamos entrar nesta guerra que vocês dois criaram. Se
me considera seu amigo e pretende manter esta amizade, ouça o meu
conselho e negocie um cessar-fogo com Abdullah até que acertem de
vez as condições para uma paz duradoura.
Mubarak era inteligente e não insistiu, pelo menos naquele
momento.
Restava saber quando ele finalmente ia acordar para a
realidade e perceber que estava sozinho naquela guerra.
À tarde aconteceu a solenidade de abertura da reunião.
Minutos depois, estávamos todos sentados na mesa onde se daria a
negociação.
Não houve cumprimentos entre os opositores.
As duas delegações diplomáticas se sentaram em lados
opostos. Abdullah veio acompanhado do filho mais velho, além do
ministro dos Negócios Estrangeiros e de dois generais. Mubarak
trouxe quatro generais fiéis ao antigo regime de Suleiman,
responsáveis pelo início da ofensiva militar que bombardeou o Norte
do país.
Saqr se sentou à direita do meu pai e próximo de Abdullah.
Eu me sentei à esquerda do meu pai e perto de Mubarak. Nós três
ficamos de frente para os líderes da coligação árabe que foram
convidados, todos com os semblantes muito sérios aguardando o início
da reunião.
O meu pai fez um rápido discurso de abertura.
— Depois de vários contatos por videoconferência que não
alcançaram o objetivo de promover a paz entre o Sheik Abdullah Al
Kabeer e o Príncipe Herdeiro Sheik Mubarak Al Kabeer, esperamos
que esta reunião tenha um resultado diferente em favor do povo de
Sadiz, que sofre com esta guerra civil. — Ele olhou para ambos os
oponentes. — Senhores, exponham diante de nós as condições para
um cessar-fogo e um acordo diplomático que ponha fim à guerra.
Antes, lembro a ambos que a Coligação Árabe permanecerá imparcial,
mas acompanhará de perto o esforço de cada um de vocês para manter
a paz na região, o que é do interesse de todos nós. Que a sabedoria de
Allah seja maior.
Eu só esperava que Abdullah e Mubarak realmente
estivessem dispostos a negociar o fim da guerra. Não queria acreditar
que os dois só aceitaram a reunião para tentar conseguir pessoalmente
apoio militar. Se fosse aquilo, eles só se sentariam para negociar um
cessar-fogo ou a paz definitiva depois que percebessem que aquela
estratégia não ia dar certo.
Só peço à Allah para estar enganado!
Horas depois, infelizmente comprovei que estava certo.
Abdullah e Mubarak trocaram acusações o tempo todo em vez de
colocarem sobre a mesa um plano de cessar-fogo. Fui perdendo a
paciência com o passar do tempo, vendo todo o nosso esforço dos
últimos meses jogado fora por dois homens adultos que queriam
brincar de jogos de guerra.
Em determinado momento, quem perdeu a paciência foi o
meu pai. E que Allah o abençoasse por isso!
— Precisamos de ações concretas pela paz, senhores! — ele
interrompeu com autoridade, batendo com a mão sobre a madeira da
mesa e silenciando os dois. — Somos responsáveis pela paz na região
e estamos esperando que o assunto a ser tratado seja a paz. Até agora
não ouvimos nada neste sentido. Façam um esforço e apresentem as
condições para um cessar-fogo imediato. Bombardeamentos próximo
das fronteiras com os outros países da região é algo perigoso e que
consideramos inaceitável.
Abdullah foi o primeiro a se pronunciar.
— Peço que me dêem algumas horas para discutir o assunto
com os membros da minha delegação. Pela atitude intransigente do
meu sobrinho, preciso rever as condições que trouxe.
Mubarak reagiu de imediato.
— Príncipe herdeiro. Não sou seu sobrinho.
— Nunca vai deixar de ser. Lil asaf!148.
O meu pai ergueu uma mão, calando-os.
— Faremos uma pausa nas negociações para que ambos se
aconselhem com os diplomatas que os acompanharam.
Todos se levantaram e cada grupo foi encaminhado para salas
diferentes.
Quando ficamos sozinhos, virei-me para o meu pai e Saqr.
— Um pouco mais e eu mandaria os dois à merda —
desabafei.
— O pior é que teremos que aguentar isso por mais não sei
quantas horas. — Saqr passou a mão na barba. — Eles não me
parecem dispostos a negociar absolutamente nada, pai.
— Tínhamos que dar uma chance aos dois antes de
intervirmos a sério nesta guerra. O último bombardeio de Mubarak foi
perto demais da nossa fronteira. Estamos só observando, mas se ele
ousar se aproximar mais do que isso, quem vai decidir o fim dessa
guerra sou eu.
Abracei o meu pai pelos ombros.
— Tem o nosso apoio.
Ele me abraçou de volta e olhou para Saqr.
— Você sabe o que fazer.
— Já tenho as Forças Armadas de prontidão.
— Ótimo! — Ele nos abraçou. — No dia em que eu decidir,
comunicarei aos líderes da coligação. Eles vão me apoiar.

Demorou exatamente uma hora para a reunião recomeçar.


Assim que todos se acomodaram, Abdullah pediu a palavra.
— Depois de muito discutir o assunto com os diplomatas da
minha delegação, tenho uma proposta a apresentar para o fim da
guerra. Estamos há meses em um impasse com relação ao direito de
governar Sadiz. Como todos sabem, o Norte do país está do meu lado
e sob o meu comando, enquanto Mubarak controla o Sul. Proponho
uma divisão de Sadiz em Norte e Sul, em que eu governarei o Norte e
Mubarak o Sul. Dois países diferentes, com legislação própria,
governantes distintos e economias independentes. Cada um fará seus
acordos comerciais de maneira autônoma.
Por aquela eu não esperava. Sadiz era um país pequeno e
agora ia ficar menor ainda. Entretanto, era preciso admitir que
Abdullah estava sendo inteligente. Como nenhum dos dois queria
ceder, com esta proposta ambos teriam um país para governar, ainda
que fosse pequeno.
— Dividir Sadiz em dois? Isso nunca! — Mubarak se negou
a aceitar a divisão.
— É uma boa proposta — o meu pai elogiou, satisfeito com a
solução encontrada por Abdullah. — Foi exatamente isso o que
aconteceu com as duas Coreias que temos hoje. Obviamente que o
ideal é que vocês não continuem guerreando depois que tudo for
oficializado.
— Sadiz não pode ser dividido! É um país único e soberano.
Essa proposta é inaceitável — Mubarak continuou firme na sua
decisão.
Para um homem arrogante como ele, não seria fácil perder
metade do país, mas Mubarak precisava entender que havia a
possibilidade — e uma grande possibilidade — de vir a perdê-lo por
inteiro.
Virei-me para ele.
— Aceite — aconselhei discretamente.
Mubarak permaneceu calado, pensativo. O fato de não ter
negado categoricamente já era um bom indício.
— Preciso de alguns minutos para falar em particular com
Majdan.
Aquele pedido me surpreendeu, mas disfarcei bem, assim
como o meu pai e os demais presentes.
— Terá o tempo que precisar para isso — o meu pai
concedeu. — Se concordar, é importante criar um corredor
humanitário entre os dois países para que as famílias não sejam
divididas. Quem quiser trocar de lado para o reagrupamento familiar,
poderá passar livremente e com segurança pela fronteira. Será uma
área de livre circulação entre Sadiz do Norte e Sadiz do Sul.
Com o semblante sério, Mubarak se levantou e fiz o mesmo,
levando-o para uma das salas contíguas, onde ficamos sozinhos.
Aguardei que me dissesse o que pretendia.
— O Norte do país é mais desenvolvido do que o Sul.
Abdullah está em vantagem com esta proposta.
Idiota! Ele fugiu para o Sul com a esposa e os filhos,
deixando o pai e a mãe abandonados no palácio, e ainda vinha
reclamar?
— A opção de se refugiar no Sul foi sua. Ninguém o obrigou,
Mubarak. Foi você quem se retirou da capital e abandonou a região
mais desenvolvida para criar uma base no extremo oposto do país,
achando que de lá conseguiria dominar a região mais forte de Sadiz.
Não foi uma decisão acertada, mesmo tendo levado junto com você os
melhores generais do governo do seu pai. Abdullah é um homem
experiente e articulou bem a resistência com a parte do exército que o
apoiou. Aceite a divisão.
— Aceitar é o mesmo que admitir a derrota — ele rosnou,
furioso. — Vou ficar com a pior parte do país, Majdan!
— Em compensação, atualmente você tem em seu poder uma
área territorial maior do que a de Abdullah. Com o tempo poderá
transformar Sadiz do Sul em um país próspero.
— Se a guerra continuar, posso ir reconquistando aos poucos
o território que perdi.
— E como vai reerguer um país destruído tendo uma
economia também em ruínas? — Notei o brilho de interesse no olhar
dele e cortei logo. — Não pense que vou ajudar neste sentido se a
guerra continuar. A condição para interceder a seu favor é o fim total
desta guerra, que implica também uma boa negociação dos
prisioneiros de guerra e dos refugiados.
Ele colocou as mãos na cabeça, afundando os dedos nos
cabelos.
— Mas que droga!
— Aceite, Mubarak. É melhor ter metade de um país do que
país nenhum. Sadiz está destruída, seja no Norte ou no Sul. Ambos
terão de lutar bastante para reerguer a parte do país que ficar sob a
responsabilidade de cada um de vocês. Esta é a verdadeira luta que
terão de travar nos próximos tempos, a de provarem um para o outro
quem é capaz de reconstruir mais rapidamente a economia do seu país
e dar melhores condições de vida para o povo. Terão de reconquistar a
confiança dos aliados da coligação para os futuros acordos comerciais
que vão assinar. É um desafio e tanto para um governante.
Eu sabia que Mubarak gostava de provar aos outros que era o
melhor. Aquela era uma excelente oportunidade para ele fazer
exatamente aquilo, a menos que a ganância de ter o país inteiro, ainda
que em ruínas, fosse mais forte do que dividi-lo com Abdullah.
Eu só esperava que ele aceitasse.
— Vou conversar com os meus generais — decidiu,
dirigindo-se para a porta.
Aquilo não era um sim, mas também não era um não. Que
Allah colocasse juízo na cabeça dele, para o bem do povo de Sadiz.
Capítulo 65
Majdan
— O país vai ser dividido em Norte e Sul? Não acredito! —
Malika exclamou chocada quando nos juntamos em família horas
depois.
A reunião de negociação havia terminado e consideramos que
tivemos sucesso, apesar do resultado ter sido totalmente diferente do
que inicialmente esperávamos. Um armistício149 foi assinado entre
Abdullah e Mubarak e agora existia Sadiz do Norte e Sadiz do Sul.
Malika e Kismet olharam uma para a outra, boquiabertas. Foi
impossível não rir da cara delas.
— O país já estava dividido de qualquer jeito entre Norte e
Sul — Yusuf explicou, rindo da expressão da esposa. — Enfim, haverá
paz em Sadiz.
— Em Sadiz do Norte e Sadiz do Sul — Saqr ironizou com
um sorriso de divertimento.
Kismet chamou a atenção da irmã.
— Vamos ter que mudar nosso local de nascimento para
Sadiz do Norte — lembrou e as duas caíram na risada.
Passado o choque inicial, elas agora se divertiam com a
situação.
— Quem diria que isso ia acontecer um dia — Jamal meneou
a cabeça com incredulidade. — Fui positivamente surpreendido com
esta notícia.
— Agora o Norte é de Abdullah e o Sul é de Mubarak — o
meu pai completou com satisfação. — Sinto-me de missão cumprida.
— Que Allah seja louvado por isso! — A minha mãe
agradeceu com as mãos em oração. — Já era tempo de termos paz.
— O que vai acontecer com esta divisão é apenas a
oficialização de algo que já existia. Abdullah já dominava o Norte e
Mubarak o Sul — lembrei a todos. — Agora, se eles vão conseguir
viver em paz como países vizinhos é outra história.
— Meia paz é melhor do que paz nenhuma. — Thara deu a
opinião dela. — Pelo menos o primeiro passo foi dado com esse
armistício.
Ela estava certa e olhei-a com admiração.
— Thara tem razão. Prefiro acreditar que novos tempos estão
por vir — Sabirah concordou com ela. — Já foram todos embora?
— Só vão amanhã, filha. — O meu pai se levantou,
espreguiçando-se. — Um rei merece descansar depois de uma vitória
como essa. Ainda tenho um jantar privado com os meus aliados da
coligação.
Saqr se virou para Yusuf.
— Nós dois também temos um compromisso hoje com
Abdullah.
— Uma obrigação, isso sim. — Yusuf olhou para Malika. —
Abdullah pode implorar de joelhos para conhecer os netos, mas eu e
Saqr já decidimos que não vamos permitir.
Eu concordava com os meus irmãos. Depois de tudo o que
Kismet e Malika sofreram nas mãos dos homens da família com a
autorização do pai, não havia como permitir que as crianças fizessem
parte daquele encontro.
— Já conversei sobre isso com Kismet. Nossos filhos não vão
fazer parte desse encontro familiar que o nosso pai pediu que
acontecesse.
Preferi não comentar nada, mas, se fosse comigo, eu não
permitiria que Abdullah sequer visse as filhas, quanto mais os netos.
Os meus irmãos estavam sendo bonzinhos demais.
Levantei-me, oferecendo a mão para Thara.
— Também vou descansar antes do jantar com Mubarak.
Cada um com a sua obrigação.
Entre risos e muito bom-humor, nos despedimos todos e
fomos cada um para a sua ala.
— Eu queria que você não tivesse que ir jantar sozinho com o
Mubarak — Thara desabafou no meio do caminho para casa.
— É uma obrigação de governo que não posso faltar, assim
como o meu pai e os meus irmãos têm as deles hoje à noite. Venho
esperando também um momento como esse para ter uma conversa
séria com Mubarak. Allah escolheu que fosse agora.
Ela deu um longo suspiro e me olhou com preocupação.
— Tudo bem, mas tenha cuidado. Não confio nele.
— Nem eu. — Sorri com cinismo. — Talvez seja ele quem
precise ter cuidado.

Mubarak me considerava um amigo, mas a recíproca não era


verdadeira da minha parte. Deixei-o acreditar na minha amizade para
poder convencê-lo a negociar a paz em Sadiz e na região, porém, eu o
considerava tudo, menos um amigo.
Existia muita coisa mal explicada do passado que eu
pretendia esclarecer com ele naquela noite.
Com a assinatura do armistício, Mubarak precisava mais do
que nunca do meu apoio para conseguir reerguer a parte do país que
ficou com ele. Sem acordos comerciais, fatalmente teria uma grave
crise econômica para gerir.
Os três jantares que aconteceriam naquela noite foram
cuidadosamente planejados pelo meu pai, por mim e por Saqr.
Usaríamos as salas de jantar dos prédios em que cada grupo estava
acomodado.
Foi assim que me dirigi para o prédio onde estava a
delegação de Mubarak. Entrei na sala de jantar e fiquei aguardando
que eles chegassem, mas o único que apareceu foi o próprio Mubarak.
— Onde estão os seus generais? — perguntei aos nos
cumprimentarmos.
— Dispensei-os. — Ele fez um gesto de desdém com as
mãos. — Já cumpriram o que vieram fazer aqui. Amanhã volto para
Sadiz e faz tempo que precisávamos conversar a sós, meu amigo.
Eu imaginava que sim. Mubarak devia estar ansioso para,
antes de ir embora, conseguir de mim a promessa de fazer acordos
comerciais com Sadiz do Sul. Possivelmente Saqr sofreria o mesmo
assédio de Abdullah.
— Vamos nos sentar, então.
Durante o jantar, Mubarak não pôde falar nada do que queria.
Os empregados circulavam ao nosso redor para nos servir e a conversa
foi trivial. Acabei por me divertir com a visível ansiedade dele para a
refeição terminar.
A um dado momento, ele ergueu a mão e fez um gesto
impaciente quando um dos empregados veio servi-lo novamente.
— Não quero mais nada. Saiam todos! — exigiu com
grosseria.
Se ele pensa que está em Sadiz e que os empregados são dele,
vai cair do cavalo.
Senti o olhar dos empregados em mim, todos aguardando a
minha ordem para saírem. Com o rosto impassível e a voz muito
tranquila, falei para o empregado que estava servindo a mesa.
— Sirva-me uma outra porção.
Fui atendido de imediato e continuei a comer calmamente.
Mubarak fingiu que nada havia acontecido, mas eu sabia que notou a
merda que fez.
Quando a refeição terminou, fiz um sinal para os empregados
saírem e nos deixarem a sós.
— Vamos tomar um qahua150 no terraço — convidei-o,
levantando-me e indo para a mesa de canto onde o café estava servido.
Preparei dois e fomos para o terraço, onde nos sentamos.
— Depois que a reunião terminou, fiquei em dúvida se fiz a
coisa certa em assinar aquele armistício — Mubarak disse, inseguro.
— Fez o certo. Se não assinasse, corria o sério risco de ficar
sem nada. Agora tem pelo menos metade do país.
— Uma parte muito pequena e pobre.
Ele parecia uma criança reclamando por ter recebido o menor
pedaço de um doce.
— Sadiz sempre foi um país pequeno e pobre, mesmo antes
dessa divisão. — Fui sincero até doer. — Se você nunca percebeu isso,
está na hora de enxergar a realidade da pobreza e do tamanho
territorial do país governado pela sua família. Faça com que Sadiz do
Sul se desenvolva, cresça e tenha um bom PIB151.
— E como vou fazer isso? É fácil falar quando se é dono de
um país grande e rico como Tamrah!
Mantive o controle, terminando o qahua e colocando a xícara
vazia sobre a mesa de centro à nossa frente. Só então o olhei com
severidade.
— Não sou o dono de Tamrah. O país é dos Al Harbi e
governamos com justiça, pensando no nosso povo. Foi isso o que o
meu pai ensinou aos filhos e que o meu avô ensinou ao meu pai. O
bem-estar e a segurança do povo de Tamrah vêm em primeiro lugar.
Quando a nossa dinastia chegou ao poder séculos atrás, Tamrah era
uma terra pobre. Foi preciso muito tempo, trabalho árduo e uma visão
futurista para chegarmos aonde estamos agora. Não foi “fácil” como
você diz.
— Me desculpe pelo que disse, Majdan. Estou muito tenso
com tudo o que aconteceu. Vivi meses sob grande pressão desde que
Abdullah resolveu dar um golpe no país.
Ele não tinha jeito mesmo!
— Você deu um golpe antes dele.
— Porque ele ia dar antes de mim.
Respirei fundo para manter a calma.
— Vocês dois se merecem. Só espero que respeitem o
armistício ou vão sofrer sérias sanções internacionais. O mundo inteiro
acompanhou o resultado desta mesa de negociação.
Ele bateu a mão no peito.
— Eu vou cumprir a minha parte, mas não posso dizer o
mesmo de Abdullah.
— Ele também vai cumprir a dele — afirmei, apostando mais
na palavra de Abdullah do que na de Mubarak.
Recebi um olhar de interesse e adivinhei logo o que vinha a
seguir.
— Você pode me ajudar a fazer de Sadiz do Sul um país mais
rico do que Sadiz do Norte.
Perdi a paciência.
— Você só pensa em competir com o seu tio! — rosnei com
desprezo. — Não pensa um minuto no povo que está sofrendo.
Ele afundou as mãos nos cabelos.
— Já disse que estou nervoso demais, porra! Preciso de uma
dose para me acalmar.
Antes que eu pudesse reagir, Mubarak enfiou uma das mãos
no bolso do thobe e tirou de dentro um saquinho com um pó branco
que eu conhecia muito bem. Com habilidade, fez duas linhas sobre a
mesa de centro sob o meu olhar estarrecido.
— Vamos dividir como nos velhos tempos.
Inspirei profundamente e cerrei os punhos, olhando fixamente
para aquelas linhas. Parecia um dos meus pesadelos. À minha frente
estava o motivo da minha desgraça, da minha queda, da minha
destruição como homem.
Os meus músculos se retesaram tamanha foi a força que fiz
ao cerrar os punhos. Estremeci, paralisei, sentindo-me
momentaneamente incapaz de reagir.
Ter uma linha daquela à minha frente não era um simples
gatilho. Era uma explosão nuclear. Se eu cedesse, nunca mais me
levantaria.
Quando Mubarak tapou uma das narinas e se inclinou para
snifar a linha dele, a explosão aconteceu dentro de mim, mas foi de
um ódio irascível. Empurrei-o para o lado e passei a manga do thobe
sobre a mesa, desfazendo as linhas e jogando o pó sobre o tapete do
terraço.
— Você continua consumindo esta merda que quase acabou
com a minha vida e ainda traz para dentro da minha casa? — urrei,
levantando-me encolerizado.
Peguei o saquinho e o rasguei, espalhando o pó no ar antes de
o arremessar para longe.
Mubarak olhou para mim com os olhos arregalados de
espanto.
— Calma, amigo. Estou muito tenso e só queria relaxar um
pouco.
— Não me chame de amigo! — rosnei, agarrando-o pelo
colarinho do thobe. — Um amigo de verdade não oferece cocaína ao
outro. Você já era um viciado quando nos conheceu e não quis ficar
sozinho na merda! Tinha de nos levar junto para se sentir melhor.
Matou o Kaliq e destruiu a vida de todos os outros com essa desculpa
de “relaxar”.
— Não matei o Kaliq. Ele era um fraco que não aguentou...
Calei-o com um soco que o fez cair pesadamente sobre o
sofá.
Mubarak piscou várias vezes, desnorteado. Colocou a mão no
queixo e olhou para mim sem acreditar que eu havia acabado de dar
um soco nele.
— Você não pode me agredir. — Levantou-se indignado. —
Sou um príncipe e ninguém pode me tocar.
— Ninguém pode tocar em você? — Ri da cara dele, ficando
sério depois e encarando-o duramente. — Pois saiba que eu posso.
Sou tão príncipe quanto você.
Avancei um passo e o enfrentei com a raiva correndo livre
nas veias.
— A luta aqui é de príncipe para príncipe, seu cachorro!
Pensa que não sei o quanto você se aproveitou da minha dependência
química para conseguir vantagens políticas? Dos acordos comerciais
que assinei que só traziam vantagens para Sadiz? Ou da merda que fez
com White Star dizendo que foi com a minha autorização? — Joguei
na cara dele as desconfianças que passei a ter depois do tratamento em
Dawn Light. — Precisei me recuperar do vício para perceber tudo
isso, Mubarak.
Os olhos dele estavam tão arregalados que parecia que iam
saltar das órbitas.
— Eu não tenho culpa se naquela época você se esquecia das
coisas, Majdan. Não é justo que jogue em mim a culpa do que
aconteceu com White Star. Você não se lembra, mas autorizou.
Ele repetiu as mesmas palavras que disse na ocasião em que o
questionei sobre o doping do cavalo. Só que agora, pela primeira vez,
eu enxergava a verdade. O meu erro foi acreditar que realmente estava
esquecendo-me das coisas.
— Sabe por que não me lembrei de ter autorizado? Porque a
autorização nunca existiu — rosnei na cara dele. — Você mentiu!
— Não, porra! Você está enganado. Prezo muito a nossa
amizade e jamais faria isso. Sou seu amigo. Sempre o admirei.
— Admirou ou invejou? Como você mesmo disse, tudo é
mais fácil quando se é dono de um país grande e rico como Tamrah.
— Encarei-o muito certo do que dizia. — Foi você quem autorizou o
doping de White Star.
Mubarak vacilou, não negou, silenciou por completo. Tive
então a resposta que precisava. Anos depois da morte do cavalo, a
verdade vinha à tona. Não fui eu quem o matei.
Afastei-me de Mubarak antes que o estrangulasse com as
minhas próprias mãos. Se o matasse dentro do palácio real de Taj
Almamlaka logo após o mundo inteiro acompanhar a assinatura do
armistício, estaria jogando na lama a honra dos Al Harbi.
Fui para o outro lado do terraço, o esforço para me controlar
deixando-me ofegante.
Sem noção alguma de perigo, Mubarak se aproximou.
— Eu já tinha feito o mesmo com os meus cavalos e nada de
errado aconteceu com eles, Majdan. Nunca pensei que White Star
fosse morrer — ele admitiu a culpa. — Inclusive, assim que White
Star ganhasse o campeonato, eu ia contar para você o que fiz. O seu
aniversário era naquela semana e o troféu seria o meu presente. Só que
tudo deu errado.
Virei-me lentamente para ele, sem acreditar no que tinha
acabado de ouvir.
— Você então decidiu me dar de presente de aniversário a
condenação de todos, uma penalização da Federação Internacional de
Hipismo e um sentimento de culpa enorme para o resto da vida por
achar que matei o meu cavalo.
— Eu sabia que ninguém ia fazer nada contra você, o
príncipe herdeiro de Tamrah. Quem ousaria? — O tom amargo refletia
uma inveja que não me passou despercebida. — Quanto a White Star,
para mim era só mais um cavalo. Podíamos comprar milhares deles se
quiséssemos. Nunca pensei que você ia ficar arrasado daquele jeito.
— Como é que nunca percebi o tamanho da inveja que você
sente de mim?
— Inveja? — O sorriso dele foi forçado demais. — Mas o
que é isso agora, Majdan? Nunca senti inveja de você.
Segurei-o novamente pelo colarinho do thobe e o imprensei
contra a parede.
— Você é desprezível, Mubarak. Como se não bastasse tudo
o que fez no passado, ainda enviou Hisham Al Amari atrás de Malika
aqui em Tamrah. Só não mato você de porrada agora, porque não vou
desgraçar a minha vida por sua causa mais do que já desgracei.
Cometi muitos erros, mas o pior de todos foi ter sido seu amigo.
Quando for embora amanhã de Tamrah, não volte a me procurar nunca
mais.
Larguei-o com desprezo e saí do terraço.
— Você não pode acabar com a nossa amizade desse jeito,
Majdan! — Ele veio atrás de mim com um tom de voz ansioso. — Vai
jogar fora quase vinte anos de amizade?
— Quem jogou fora foi você — respondi calmamente,
continuando a andar até a porta.
— Porra, eu não acredito nisso! — Ele estourou, vindo atrás
de mim e segurando-me pelo braço.
Ficou à minha frente, impedindo-me de sair. Parecia ter
perdido o controle de vez e o analisei com atenção, pensando se
aquela cocaína que ele ia cheirar já não havia sido usada antes mesmo
do jantar.
— Desde que nos conhecemos, sempre fui eu quem fiz tudo
para manter a nossa amizade. Mas é claro que o príncipe herdeiro do
país mais rico da região não ia se esforçar para nada. Para quê? Você
sempre teve tudo! Um palácio de ouro e pedras preciosas, as mulheres
mais gostosas caindo aos seus pés, os amigos mais leais para o
divertirem, todo mundo correndo como idiotas para realizar os seus
mínimos desejos. Enquanto isso, o Mubarak aqui era o último da fila
de amigos só porque tinha um país “pequeno e pobre”.
Se ainda existia alguma dúvida dentro de mim com relação às
verdadeiras intenções e ao caráter de Mubarak, elas deixaram de
existir naquele exato instante.
— Você tem a mente deturpada e os valores trocados.
Amizade não se compra com a riqueza ou o tamanho de um país,
muito menos pode ser forçada. Ela surge naturalmente. Você nunca foi
meu amigo e agradeço a Allah por ter me mostrado isso. Agora saia da
minha frente, seu cachorro filho da puta!
Ele urrou de raiva e ergueu o punho para me socar, mas não
fui pego de surpresa. Desviei-me a tempo de levar um soco no rosto,
sendo atingido no ombro. Contra-ataquei com golpes rápidos,
imobilizando-o com facilidade contra a parede. Ele não estava fora de
forma apenas com o próprio corpo, mas também com a habilidade de
lutar.
— É muito injusto que eu esteja perdendo tudo, enquanto
você está sempre ganhando mais. Que merda de sina é essa, porra? —
Mubarak reclamou com rancor, tentando se libertar. — Até a mulher
com quem se casou é...
— Não fale dela! — exigi com um rosnado, forçando mais a
cabeça dele contra a parede.
Mubarak não se calou. Ao contrário, gritou com raiva.
— É gostosa, sim!
Fiquei cego de raiva e o virei de frente para ter o prazer de
socar bastante a cara dele. Dei um, dois, três socos seguidos.
— Ibn sharmouta!152 Respeite a minha esposa!
Não parei nem quando ele caiu ao chão. A raiva que eu sentia
de Mubarak era suficiente para acabar com ele de vez e não precisaria
de muito esforço para aquilo. Só não o fiz pela intervenção de Allah.
Lembrei-me a tempo da ocasião em que soquei o guarda até o matar.
À minha mente veio a imagem dos meus filhos, de Thara, dos meus
pais e irmãos. Foi quando parei.
— Você não vai desgraçar a minha vida outra vez! — rosnei
na cara dele, levantando-me com um olhar de desprezo. — Desapareça
amanhã mesmo do meu país com as suas drogas!
Contorcendo-se de dor, Mubarak me olhou com
incredulidade.
— Você precisa me ajudar a reerguer o meu país. Eu assinei a
merda de um armistício, porra!
Fui para a porta e só respondi quando já estava com a mão na
maçaneta.
— Aconselho que cumpra as condições do armistício que
assinou ou vai ser governante de uma cela na prisão.
Fui embora sem olhar para trás, sentindo que acabava de
encerrar um capítulo amargo da minha vida. A única coisa boa que eu
ia levar daquele jantar era a certeza de não ter tido nenhum lapso de
memória no caso de White Star. Eu não era o responsável pela morte
do meu cavalo e possivelmente de outras coisas.
Peguei o celular e liguei imediatamente para o homem de
confiança de Yusuf. O meu irmão estava no jantar oferecido a
Abdullah e eu não ia interrompê-lo para pedir uma ação contra
Mubarak.
Assad me atendeu logo no primeiro toque.
— Às ordens, alteza.
— Quero uma vigilância apertada em Mubarak e nos generais
que o acompanham até que todos peguem o avião amanhã de manhã.
— Providenciarei agora mesmo, apesar de já termos um bom
número de homens no perímetro.
— Duplique o número. Nenhum deles deve circular fora do
prédio onde estão hospedados. Se questionarem alguma coisa, pode
dizer que foram ordens minhas.
— Até o príncipe herdeiro?
— Especialmente ele. Hoje Mubarak cruzou com as mulheres
da minha família quando tinha acabado de chegar e isso não devia ter
acontecido. Por sorte eu estava com ele, mas se ele estivesse sozinho,
qualquer uma delas poderia ter sido assediada. Quero-o longe
principalmente de Sabirah. Aproveite e reforce a segurança dela.
— A princesa Sabirah corre algum perigo, alteza? Preciso
saber por questões de segurança.
Aquele era um assunto de família, mas eu tinha de concordar
que o homem precisava ter conhecimento de alguma coisa para
entender a gravidade da situação.
— A informação que vou passar é só para você e mais
ninguém.
— Estará bem guardada comigo — ele garantiu com firmeza.
Se o Yusuf confiava nele, não vi motivo para não confiar.
Assad era um dissidente das Forças Armadas de Sadiz e conhecia
Mubarak o suficiente para entender a importância dos cuidados com
Sabirah.
— Mubarak sempre esteve interessado na minha irmã como
segunda esposa. Com a assinatura do armistício, o interesse aumentou.
Ele não é um homem de confiança e pode tentar comprometer de
alguma forma a reputação de Sabirah para sermos obrigados a aceitar
o casamento e assim limparmos a honra dela.
Não era preciso dizer mais nada. Qualquer homem entenderia
até onde Mubarak estaria disposto a ir para comprometer a minha
irmã.
Houve breves segundos de silêncio antes de Assad responder.
— Pode ficar tranquilo, alteza. Cuidarei pessoalmente da
segurança da princesa Sabirah. Ninguém chegará perto dela. — Pelo
tom de voz do homem, tive a certeza daquilo.
— É só até a comitiva dele ir embora de Tamrah. Se Sabirah
reclamar muito, diga que fale comigo.
— Sim, alteza.
Desliguei sentindo-me mais tranquilo. Nenhum cuidado era
excessivo quando o assunto envolvia Mubarak.
No dia seguinte pediria a Yusuf que investigasse a fundo tudo
o que eu não me lembrava de ter feito no passado, mas que agora
desconfiava ter sido obra do meu antigo “amigo”.
Mubarak que se preparasse para o que vinha pela frente.
Capítulo 66
Thara
A noite avançava e nada de Majdan chegar do tal jantar com
o Mubarak. Desde que ele havia saído que eu tentava controlar
inutilmente a ansiedade e a preocupação.
À medida que o tempo foi passando e Majdan não chegava, o
meu nervosismo aumentou. Vesti a camisola para tentar dormir, mas
acabei levantando-me da cama minutos depois de me deitar.
Passei a andar de um lado para o outro dentro do quarto, ora
me sentando na cama, ora me levantando de novo. Algo no meu
coração dizia que haveria muitos gatilhos para ele naquele jantar, o
que só aumentava a angústia que eu sentia no peito.
Depois de conhecer Mubarak pessoalmente, eu não
descartava a possibilidade de ele ter trazido cocaína na bagagem só
para oferecer a Majdan. O Príncipe Herdeiro de Sadiz possuía a
mesma energia nefasta de homens como Musad Faez, o que não
melhorou em nada a péssima opinião que eu já tinha dele.
Que Majdan tenha força para resistir a qualquer tentação,
Allah! Ajuda-o!
A saudade da nossa lua de mel em Alqamar voltou com força
total, onde o vi feliz e relaxado todos os dias, sem o fantasma de uma
recaída a nos perseguir. Ainda que Mubarak não tivesse trazido
nenhuma droga na bagagem, a presença dele em Tamrah poderia
servir como um gatilho para Majdan, levando-o de volta ao vício.
Levantei-me mais uma vez da cama, torcendo as mãos
nervosamente. A cada passo que eu dava no quarto, uma nova oração
saía dos meus lábios.
Quando eu já estava a ponto de me vestir de novo e ir atrás
dele, ouvi o som da porta abrindo-se no hall dos nossos aposentos. Saí
do quarto, ansiosa, deixando escapar uma exclamação de alívio ao ver
Majdan entrando.
O olhar penetrante cruzou com o meu e vi no dele uma
tempestade de emoções. Não consegui decifrar aquela energia latente
que emanava de Majdan como se fosse eletricidade pura e mortal, mas
vi no meio daquilo tudo um desejo indomável que fez o meu corpo
arder.
A tensão que passei nas últimas horas à espera dele se
transformou em necessidade urgente e corri para os braços que se
abriram para mim mal trancou a porta.
Joguei-me no abraço mais desesperado que já trocamos,
sendo atraída para o corpo dele com uma certa brutalidade. Majdan
tomou a minha boca em um beijo duro, exigente, voraz e correspondi
sem reservas, sentindo o meu corpo se umedecer por ele.
Não houve palavras, apenas rosnados de prazer da parte dele
e gemidos arquejantes da minha parte, enquanto nos beijávamos com
sofreguidão. Agarrei-me com força nos ombros largos, apalpando os
músculos rijos, a carne firme, a força impressionante que tinha. O
medo que senti por ele estar exposto a uma possível recaída nas drogas
parecia aumentar a minha necessidade de toque, de senti-lo nos meus
braços, de tê-lo ao alcance das mãos.
A rudeza com que ele me beijou não me assustou, ao
contrário, fez crescer o meu desejo. Eu já havia percebido que ele
gostava de morder certas partes do meu corpo quando estava muito
excitado, como se não controlasse o forte instinto sexual que existia
nele. Deixei que me erguesse nos braços até a boca faminta alcançar
os meus seios e morder levemente o mamilo de um deles, sugando-o
depois com vigor.
Fechei os olhos, extasiada com o prazer. Enfiei os dedos nos
cabelos escuros e puxei os fios com força, querendo mais.
— Abre as pernas! — ele exigiu roucamente.
Hã?!
Como eu ia fazer aquilo se estávamos em pé?
Nem tive tempo de perguntar nada. Majdan me colocou no
chão com um olhar sério cheio de desejo, despiu-se em tempo recorde
e ficou nu à minha frente, duro e imoralmente grande. Fiquei sem
fôlego e mais molhada ainda.
Enquanto eu olhava em completo arrebatamento a
masculinidade gritante do meu marido, ele me surpreendeu ao segurar
a frente da minha camisola com as duas mãos e rasgar o tecido diáfano
até a cintura com um movimento firme das mãos.
O que restou dela caiu ao chão e fiquei praticamente nua no
hall que levava ao nosso quarto. Majdan olhou para o meu corpo
vestido apenas com uma das minúsculas calcinhas de renda que eu
havia ganhado de presente de Malika e perdeu de vez o pouco controle
que parecia ainda ter.
A renda delicada não resistiu às mãos fortes e logo também
estava rasgada no chão. Fui agarrada logo a seguir e erguida contra o
corpo musculoso.
O prazer foi enorme ao sentir pele contra pele, o membro
duro entre nós dois.
— Me envolve pela cintura! — ele voltou a exigir antes de
devorar os meus lábios em um beijo ousado.
— Aqui?!
Abrir as pernas ali, fora do quarto, parecia tão indecente.
Sempre fiz quando estávamos deitados na cama, mas nunca de pé e na
porta.
— Aqui mesmo. Abre rápido, Thara.
Arranhou os dentes no meu pescoço, respirando pesadamente
e arrancando um gemido de prazer da minha garganta. Ele mesmo
segurou a minha coxa e me fez envolvê-lo pela cintura.
Para a minha vergonha, ficar naquela posição me excitou e
muito mais quando senti o membro duro tocando-me, deslizando na
umidade do meu sexo. Com um grunhido, ele me penetrou no instante
seguinte e inspirei fundo ao me sentir totalmente preenchida.
Majdan se virou contra a porta, os braços fortes servindo de
apoio para as minhas costas, e iniciou os movimentos rápidos e
vigorosos de uma posse urgente. Fui novamente beijada, chupada e
mordida a cada vez que ele entrava e saía do meu corpo.
O meu prazer veio rápido, mais rápido do que pensei, porém,
não menos intenso.
— Vou gozar — avisei como ele me ensinou a fazer.
Como esperado, Majdan intensificou os movimentos, o
membro duro batendo com mais força dentro de mim e fazendo-me
chegar de vez ao gozo.
Arquejei, ofegante, o som alto espalhando-se pelo hall do
nosso quarto.
— Oh, porra! — Majdan blasfemou, igualmente ofegante. —
Também vou, habibti!
Passei a gostar muito de ouvi-lo dizer para mim que ia gozar.
Se Majdan não tivesse me ensinado aquilo, acho que teríamos perdido
algo que aumentava a nossa intimidade e cumplicidade na hora de
fazermos amor. Saber que o meu príncipe se satisfazia com o meu
corpo, como eu me satisfazia com o dele, era o complemento do
prazer que sentíamos nos braços um do outro.
Majdan estremeceu e abracei com mais força o corpo
poderoso que me sustentava contra a porta. Os braços que me
seguravam firmemente se apertaram mais ao meu redor. Fui beijada,
mas daquela vez com amor, sem a paixão arrebatadora de instantes
atrás.
— Thara, Thara, Thara — grunhiu o meu nome
repetidamente com a voz enrouquecida, roçando a barba no meu
pescoço. — Perco a razão quando vejo o seu corpo nu.
— Foi por isso que rasgou as minhas roupas?
Ele soltou uma risada preguiçosa.
— Não. Rasguei porque gosto. — Olhou-me profundamente,
voltando a ficar sério. — Eu vinha me segurando para não fazer isso,
mas hoje perdi o controle. Assustei você?
— Não. — Baixei a vista, sentindo-me tímida de repente,
mas depois o olhei diretamente. — Tenho até medo de dizer isso,
porque a mulher que está falando nem parece que sou eu, mas gostei
muito disso e da nova posição.
Ele inspirou fundo.
— O Profeta Muhammad disse que “as mulheres são as
metades gêmeas dos homens” e tinha toda a razão. Você é a minha
metade gêmea, habibti.
Abracei-o, emocionada.
— E você é a minha, meu príncipe.

Tomamos o ghusl janabat153 e fomos para a cama, onde


ficamos conversando sobre o jantar de Majdan com Mubarak.
— Então ele trouxe mesmo cocaína na bagagem? —
perguntei, chocada.
Recebi um olhar intrigado.
— Você desconfiou disso?
— Algo me dizia que sim e fiquei aqui angustiada. —
Segurei o rosto dele com as duas mãos. — Pela glória de Allah, o meu
príncipe é forte e resistiu.
Beijei-o. Quando me afastei, notei que Majdan tinha se
emocionado com o que eu disse.
— O seu apoio e confiança são muito importantes para mim,
Thara.
— Se tem algo que admiro muito é a sua força interior. —
Toquei o peito dele na altura do coração. — Só um homem muito forte
conseguiria vencer tudo o que você venceu. Agora sabemos que não
teve culpa na morte de White Star, o que me deixa duas vezes mais
feliz.
Ele deu um suspiro profundo.
— Sinto-me leve sem o sentimento de culpa. Eu amava
aquele cavalo.
Depois de ver Majdan com Diablo e com os outros cavalos de
Alqamar, eu sabia o quanto era grande o amor dele por aqueles
animais.
— Não gosto de violência, mas você fez bem em bater em
Mubarak. Ele merecia ser preso por tudo o que fez.
— Quantas pessoas Mubarak já matou nesta guerra, Thara?
Nem por isso será preso pelas mortes que causou. A lei não alcança os
príncipes e eu sou um exemplo disso.
Abracei-o, sem querer sequer pensar na possibilidade de
Majdan ser punido por algum dos erros que cometeu no passado.
— Não é a mesma coisa, mas também não vou falar mais
nada. A justiça é sempre de Allah.

O alívio que senti foi enorme quando soube que Mubarak


deixou o país. De uma coisa eu tinha certeza: aquele homem levava a
desgraça para onde ia.
Era muito triste que ainda houvesse pessoas vivendo na área
do país que ficou com ele. Se eu pudesse, diria a todos que fossem
para o Norte, uma vez que o Sheik Abdullah parecia ser um
governante melhor do que Mubarak.
Eu já estava cansada daquela guerra e de ver tantos
refugiados sofrendo. O padecimento da população era enorme, fosse
para quem ficou em Sadiz, fosse para quem fugiu de lá.
Junto com Mubarak, todos os outros líderes também foram
embora e a tranquilidade voltou a reinar no palácio.
Naquela noite, quando nos deitamos na cama, notei o quanto
a expressão de Majdan estava mais tranquila.
Debrucei-me sobre ele, apoiando-me sobre o peito amplo.
— Gosto de ver você assim, mais relaxado.
Ele me abraçou pela cintura, colocando-me por cima do
próprio corpo. Sorriu, acariciando os meus cabelos.
— Estou em paz comigo mesmo e muito feliz com a minha
família.
Beijei-o, sentindo-me igualmente feliz.
Nos dias que se seguiram, nossa vida entrou em uma perfeita
rotina de casados. Mesmo quando nos víamos apenas no jantar, nossas
noites juntos continuaram a ser iguais às da lua de mel.
Majdan continuou envolvido no trabalho dele no Ministério
do Turismo, uma área que só crescia em Tamrah, colocando o país no
topo do destino mais procurado pelos ricos e famosos. Da minha parte,
continuei trabalhando com Farah, Malika e Sabirah no Ministério da
Mulher.
Kismet estava cada vez mais engajada com Saqr na gestão da
Global Harbi e Jamal não parava de propor novos projetos
revolucionários para o Ministério da Educação.
Para mim, a parte mais difícil era conciliar o trabalho com o
estudo, de modo que nenhum dos dois fosse prejudicado e que
também não interferisse muito na minha vida de casada. O tempo livre
que eu tinha dedicava à Abia, uma vez que Hud e Imad eram mais
independentes. A minha ligação com a princesinha crescia cada dia
mais.
Foi ela quem certo dia me alertou para algo que eu achava
que nunca aconteceria.
Tudo estava tão perfeito na minha vida que demorei a reagir
quando Abia entrou correndo na sala que eu usava para estudar,
interrompendo o trabalho de estatística que eu estava fazendo.
— Thara!
Ela parecia chateada.
— O que aconteceu, Abia?
— Sabe onde está o papai? Já o procurei pela casa inteira.
Estranhei a pergunta.
— Ele está lá embaixo. Falamos por telefone há instantes.
Abia franziu a testa.
— Vim agora do escritório dele e não o encontrei.
— Tem certeza? Majdan me avisaria se fosse sair de casa.
Intrigada, peguei o telefone e liguei para o ramal do escritório
dele. Chamou várias vezes sem que atendesse, o que me deixou
preocupada.
— Que coisa mais estranha. Ele não atende. — Levantei-me,
subitamente apreensiva. — Vou descer.
Abia veio atrás de mim. Descemos as escadas às pressas e
não demorou muito para entrarmos no escritório de Majdan. Parei
assim que abri a porta, de onde era possível ver a mesa desocupada
dentro do cômodo silencioso. Não havia sinal algum dele ali dentro.
Fiquei sem entender o que estava acontecendo.
— Majdan! — chamei-o, apesar de parecer meio ridículo
chamá-lo dentro de um escritório vazio.
— Eu avisei que o papai não estava aqui — Abia lembrou.
— Mas... mas acabamos de nos falar e ele não me disse que
ia sair — insisti, entrando de vez no escritório espaçoso, que
realmente estava vazio.
— Ele deve ter saído com urgência e não deu tempo de
avisar. Eu ligo para o celular dele depois. — Ela segurou a minha mão.
— Vamos, Thara. Eu não devia ter interrompido seus estudos.
Voltei a olhar para a longa mesa de trabalho, notando o
relatório aberto em frente à cadeira e a elegante caneta de ouro
pousada ao lado, como se Majdan tivesse apenas se levantado para
fazer uma pausa e relaxar, e não para sair às pressas.
Ele teria me avisado, nem que fosse no meio do caminho.
Foi justamente o celular dele que vi logo depois sobre a mesa,
o que me fez soltar a mão de Abia e ir pegá-lo. Segurei-o, mostrando
para ela.
— Ele não ia sair e deixar o celular!
Virei-me para o escritório vazio, cujas paredes de vidro
davam para um jardim onde uma fonte jorrava água cristalina em
direção ao céu. As gotas se derramavam depois sobre um altivo leão
de mármore, cujo olhar orgulhoso estava fixo no escritório. Um leão
tão altivo quanto Majdan!
As portas que davam para o jardim estavam fechadas, o que
eliminava a possibilidade de ele ter saído para espairecer do lado de
fora. Ainda assim fui para lá, como que atraída pelo olhar duro do
leão.
Ultrapassei a mesa de reuniões, contornei os sofás e gelei. O
meu mundo se despedaçou no momento em que vi o corpo enorme
caído ao chão. Majdan estava de bruços sobre o tapete macio que
cobria o piso do escritório, semiescondido pelo pesado sofá de
brocado.
— Majdan!
Corri e me debrucei sobre ele, a urgência misturando-se com
a angústia ao vê-lo daquele jeito. Com mãos frenéticas, toquei o rosto
barbado e me assustei ao sentir o quanto estava quente.
Lembrei-me logo de Layla. Ela havia dito que o corpo muito
quente era um dos sintomas do excesso de cocaína no sangue e quase
surtei com aquela possibilidade. Nervosa, pensei se realmente
conseguiria ajudar o homem que amava.
Tentei sentir a pulsação dele. Estava acelerada demais e foi
quando notei que Majdan havia caído sobre o braço, cuja mão estava
próximo ao coração.
“Tive sorte até agora. O meu coração podia não ter
aguentado tantos anos de consumo.”
Ele havia dito aquilo em uma das muitas vezes que
conversamos sobre o passado. A lembrança trouxe junto uma vontade
enorme de chorar e de gritar toda a dor que estava sentindo.
Calei-me a tempo para não assustar ainda mais Abia, que
permanecia paralisada de horror ao lado do sofá.
Que não tenha sido um ataque cardíaco, Allah! Que ele
possa se salvar!
Nunca na minha vida pensei que veria o homem forte e
vigoroso que eu tanto amava reduzido a um corpo inerte sobre o chão.
— Habibi, não desista! — implorei, beijando-o na testa. —
Precisamos de você. Eu preciso de você!
Peguei o celular que havia largado sobre o tapete e tentei
fazer uma ligação para um dos irmãos dele.
— Está bloqueado e não sei a senha! Eu devia ter descido
com o meu!
— Tente o seu nome — Abia sugeriu atrás de mim com uma
voz chorosa.
Nem tive tempo de olhar para ela. Arrisquei colocar o meu
nome como senha e liguei para o primeiro número que apareceu
quando o aparelho desbloqueou.
Yusuf nem teve tempo de abrir a boca.
— Majdan está desmaiado no escritório e precisa de ajuda! O
que faço?
— Não saia do lado dele! O resto eu faço.
Quis perguntar se ia demorar muito, mas até aquela pergunta
poderia tomar um tempo precioso para salvar a vida de Majdan.
Desliguei, sentindo-me despedaçada.
Foi a lembrança de Abia parada atrás de mim que me fez
enxugar as lágrimas e me virar para ela.
— Pegue o controle e esfrie mais a sala enquanto tento ajudá-
lo.
Ela fez o que pedi e depois se agachou ao meu lado,
acariciando os cabelos do pai.
— Me ajude a colocá-lo deitado de lado. Layla me ensinou
algumas coisas e sei que esta é a melhor posição para alguém que está
passando mal. Vai ajudá-lo a respirar melhor.
Com algum esforço, nós duas conseguimos virar o corpo
pesado de Majdan. Peguei uma das almofadas do sofá e coloquei sob a
cabeça dele.
— Papai, fique bem — a menina disse, sem conter o choro.
— Ele é forte e vai se recuperar, você vai ver. — Segurei as
mãos dela. — Vamos orar e pedir a Allah para curá-lo, deixando-o tão
forte quanto antes.
Ela me olhou com tristeza.
— O que aconteceu com o papai?
— Eu não sei, mas confio nele. Sei que não usou nada. Agora
vamos rezar. A minha mãe sempre dizia que devemos colocar nas
mãos de Allah aquilo que não podemos resolver sozinhos.
Foi o que nós duas fizemos nos minutos seguintes, velando
Majdan e rezando para Allah o salvar. Quando ouvimos o som de
vozes e de passos urgentes aproximando-se, trocamos um olhar
emocionado.
Quem entrou foi Hasan, o enfermeiro pessoal de Majdan,
seguido por uma equipe médica. Inclinei-me sobre Majdan antes de
entregá-lo aos cuidados deles.
— Habibi, não vá! Preciso muito de você comigo.

— Você salvou a vida do meu filho ao encontrá-lo tão rápido.


Se Majdan tivesse ficado sem socorro por mais tempo, provavelmente
não teria aguentado. Que Allah a abençoe por isso.
Sentada ao lado de Farah no hospital, eu me sentia aos
pedaços, apesar do alívio de saber que Majdan ia ficar bem. Os
irmãos, as princesas e o Sheik Rashid também estavam presentes na
antessala da suíte presidencial onde ele ficaria internado.
Eu o salvei? Farah nem imagina quantas vezes ele me salvou
com o seu amor.
— Só o encontrei por causa de Abia. Se ela não estivesse
procurando pelo pai, eu não o teria encontrado a tempo.
Farah parecia tão abatida quanto eu me sentia, mas ainda
assim ela conseguiu sorrir, mesmo sendo um sorriso triste.
— Vocês duas foram o instrumento de Allah para salvar o
meu filho. Apesar de não ter sido nada tão sério quanto parecia a
princípio, confesso que desta vez pensei que fosse perdê-lo de vez.
Eu nem queria pensar naquilo. Acho que morreria sem
Majdan ao meu lado. Ele era o meu destino e eu, o dele.
Olhei-a com seriedade.
— Majdan não se drogou, Farah. Eu tenho certeza disso.
Ela suspirou pesadamente.
— Eu estou tentando acreditar nele, mas é difícil com o
resultado do exame de sangue indicando cocaína, Thara.
Baixei a cabeça e cobri o rosto com mãos, desesperada.
Não, não é possível! Majdan não fez isso.
— Eu acredito nele! — Olhei novamente para Farah. — E
vocês também deveriam acreditar! Majdan não tem motivo algum para
voltar a se drogar. Posso afirmar que ele esteve cem por cento sóbrio
em Alqamar e que continuava do mesmo jeito até hoje de manhã.
— Alqamar não é Taj. Na ilha é mais fácil para ele se manter
longe do vício. Majdan conseguiu se recuperar todas as vezes em que
foi para lá, mas bastava entrar em contato de novo com o mundo real
para ter recaídas. Não sei onde ele tem conseguido comprar e esconder
a droga. Desconfiamos que estivesse no escritório dele, mas Yusuf fez
uma varredura completa com um dos cães farejadores da nossa equipe
antidroga e não encontrou nada por lá.
Arregalei os olhos, chocada.
— Vocês fizeram isso?
— Fizemos e não foi só no escritório dele — Farah admitiu
sem drama algum. — Aproveitamos a lua de mel de vocês para
verificar cada canto da Ala do Leão, mas o cão farejador não
encontrou nenhum vestígio ou esconderijo.
Fiquei sem saber o que pensar sobre o que ela disse. Era uma
invasão de privacidade e uma quebra de confiança, mas eu entendia a
necessidade daquilo, considerando que Majdan agora estava na UTI
respirando com a ajuda de uma máquina.
Para impedir que aquilo se repetisse, até eu faria igual.
Capítulo 67
Thara
Porque Allah era misericordioso, o que Majdan teve foi
realmente mais leve do que pensamos. Quando ele recuperou a
consciência, contou que havia desmaiado depois de sentir um
desconforto no peito, enjoo e tontura, mas afirmou categoricamente
não ter consumido nada.
Os exames posteriores que fez não mostraram nenhum
problema no coração, que continuava tão forte e saudável quanto
antes. Segundo o doutor Fadel, dono do hospital e médico responsável
pela família real, Majdan foi internado com sintomas de uso excessivo
de cocaína, o que o deixou enfurecido.
— Eu não consumi nada, Thara. Acredite em mim! — ele
disse quando estávamos sozinhos no quarto do hospital.
— Eu acredito — afirmei sem vacilar.
Ele me olhou com surpresa.
— Acredita mesmo, ainda que todas as evidências estejam
contra mim?
— Sim, acredito em você. Estamos juntos há tempo
suficiente para eu ter essa certeza, Majdan.
Deitado na cama, ele fechou os olhos e passou uma mão pelo
rosto, visivelmente emocionado.
— Achei que você ia pensar o mesmo que eles — desabafou
com a voz embargada. — A minha família acha que estou consumindo
e que minto para esconder deles que ainda sou um viciado. Isso me
deixa sem chão e começo a duvidar de mim mesmo. Não quero
acreditar que estou ficando louco.
De pé ao lado da cama, segurei a outra mão dele. Majdan
apertou a minha com força.
— Você não está ficando louco — afirmei com convicção. —
Não culpe a sua família por duvidar. Eles amam muito você e só
querem ajudar. O seu comportamento do passado ainda está muito
vivo na memória deles, apenas isso. Com o tempo vão entender que
você realmente mudou.
Ele me atraiu para um abraço e me aconcheguei com cuidado
sobre o ombro dele.
— Eu não sei o que seria de mim sem você, Thara.
— Nem eu sem você. Senti muito medo hoje.
Ele me abraçou mais forte.
— Eu sei. Me perdoe.
Sorri com amor, beijando-o levemente nos lábios.
— Não há o que perdoar. Estou tão feliz agora. Allah
abençoou você novamente com saúde.
— Não queria que Abia me visse daquele jeito. Deve ter
ficado muito assustada também.
— Ela é mais forte do que pensamos. Uma verdadeira
princesa.
— Quero sair logo daqui para ficar com você e os meus
filhos.
— Só quando receber alta médica, antes não. Daqui até lá,
não se preocupe com nada. Estamos bem.
Ele pareceu conformado, mas notei o olhar sério.
— Preciso descobrir o que está acontecendo comigo, Thara.
Sinto que as coisas estão se repetindo como no passado. Quantas vezes
me recuperei e logo depois tive recaídas súbitas que me jogaram de
novo no vício. Não posso deixar este ciclo continuar.
Majdan não sabia, mas eu estava determinada a não deixar
aquele ciclo de morte voltar à vida dele.
Quando Majdan voltou para casa, cerquei-o de cuidados com
a ajuda de Abia, Hud e Imad, que não saíam do lado do pai. Como o
que havia acontecido foi apenas uma perda momentânea de
consciência causada pela cocaína, não demorou muito para ele voltar
às atividades normais, praticando a meditação e indo para o trabalho.
Também combinou com Yusuf algumas aulas de karatê para controlar
os sintomas de abstinência.
Aproveitando a ausência de Majdan, que havia ido para uma
reunião de marketing na Global Harbi, Yusuf e Malika me chamaram
para uma conversa na Ala do Guepardo.
— O problema de Majdan com as drogas está ficando cada
dia mais sério e estamos muito preocupados com ele — Yusuf
começou assim que me sentei no sofá. — Você é a pessoa mais
próxima dele, Thara. Tem certeza que o meu irmão não tem
consumido cocaína em casa?
— Claro que tenho! É raro ficarmos separados quando
estamos em casa, exceto quando ele desce para trabalhar no escritório.
Farah já me disse que você fez uma vistoria completa lá dentro e não
encontrou nada.
— É verdade. Não encontramos nenhum vestígio na ala
inteira e estou quebrando a cabeça para descobrir onde ele tem cocaína
guardada.
Revoltei-me com aquilo.
— Ele não tem nada guardado! Você mesmo disse que não
encontrou nenhum vestígio.
Sentada ao meu lado, Malika segurou a minha mão com um
sorriso de compreensão.
— Nada foi encontrado antes, mas isso não quer dizer que
não exista nada agora, principalmente depois da vinda de Mubarak ao
palácio, entende?
Yusuf se sentou na cadeira em frente ao sofá onde estávamos
e me olhou muito seriamente. Havia preocupação na fisionomia dele.
— É muita coincidência que Majdan tenha consumido tanto
assim logo depois da partida de Mubarak, Thara.
Olhei para os dois, sem acreditar no que estava ouvindo.
— Vocês estão achando que Majdan pegou cocaína com
Mubarak e escondeu?
— Desconfiamos que sim, por isso chamamos você aqui —
Yusuf expôs o motivo daquela reunião. — Depois que Majdan foi
internado, levei um cão farejador para os aposentos que Mubarak
ocupou e encontramos diversos vestígios de cocaína. Ele e o meu
irmão estiveram juntos várias vezes naquele dia, inclusive no jantar.
Você não notou nada de diferente em Majdan naquela noite que
indicasse o uso de cocaína?
Fiquei sem reação diante do que ouvi, lembrando-me que
achei Majdan diferente quando chegou em casa, com uma energia que
não estava acostumada a ver nele. Fizemos amor ali mesmo no hall e
de uma maneira bastante intensa, mas para mim nada daquilo
significava o uso da droga. Acreditei nele quando me disse que não
consumiu e que ainda destruiu o que Mubarak ia consumir.
Olhei para Yusuf e Malika, pensando por que Majdan não
contou para ninguém, além de mim, que Mubarak realmente estava
com cocaína e que lhe ofereceu.
Talvez não tenha contado por saber que a família não ia
acreditar que não consumiu.
Eu já havia notado que Majdan tinha ficado magoado com os
pais e os irmãos por não acreditarem nele.
O que faço, Allah?
Eu não podia quebrar a confiança do homem que amava, mas
também podia estar sendo ingênua e inexperiente ao lidar com as
artimanhas de um dependente químico.
Resolvi seguir o meu coração.
— Não notei nada de diferente nele. Se Mubarak trouxe a
droga, tenho certeza que Majdan não consumiu.
Yusuf soltou um suspiro de frustração.
— Voltamos à estaca zero! Não acredito nisso.
— Acho melhor voltar à estaca zero do que magoar um irmão
com acusações sem fundamento. — Encontrei coragem para dizer,
mesmo sabendo que estava falando com um príncipe Al Harbi.
Yusuf aprumou o corpo e me olhou com perplexidade,
enquanto eu recebia um aperto confortador de Malika na minha mão.
— Você tem razão, Thara — ele reconheceu com seriedade.
— Estou tão ansioso para ajudar o meu irmão que deixei a emoção
atrapalhar o discernimento.

No dia seguinte, foi a minha vez de fazer uma reunião, só que


com Sabirah e Abia. O tema era o mesmo.
— Preciso fazer algo urgente para ajudar Majdan. Não
consigo ficar de braços cruzados esperando que algo realmente grave
aconteça.
— Não penso em outra coisa desde que ele foi hospitalizado.
Já tinha tomado esta decisão antes de você me chamar. — Sabirah me
surpreendeu ao ter decidido o mesmo que eu.
— Ótimo! E o que pensou fazer quando tomou essa decisão?
Eu não tenho ideia nenhuma, mas acredito firmemente que Majdan
não está se drogando.
— Também não tenho ideia nenhuma, mas quero muito
ajudar o papai.
Abia e eu olhamos para Sabirah, aguardando que dissesse
algo.
— Estive analisando os fatos. — Ela começou com o rosto
pensativo. — Se o resultado do exame deu positivo para cocaína, essa
droga não entrou sozinha no corpo do meu irmão. Só existem duas
opções. Ele consumiu ou alguém o drogou.
Arregalei os olhos, espantada com aquela dedução final.
— Tem lógica, mas alguém o drogou como, onde e por quê?
— Ainda não tenho respostas para essas perguntas. Juntas
podemos descobrir alguma coisa.
— Acho que a pergunta mais importante agora é “como
fizeram isso?”. Não sou entendida no assunto, mas acho que a cocaína
só pode ser cheirada ou injetada, não?
Sabirah bufou, fazendo uma careta engraçada com a boca.
— Também não entendo nada disso. Como é um pó, talvez
possa ser diluída e colocada em alguma bebida.
— É melhor pesquisarmos. Vou pegar o meu notebook.
Quando voltei, Sabirah já pesquisava freneticamente no
celular com Abia acompanhando tudo.
— Acho que encontrei algo! — Ela comemorou
entusiasmada. — Esta reportagem conta a história de um atleta de
canoagem que foi pego no exame antidoping com vestígios de cocaína
na urina. Ele perdeu a medalha de ouro que ganhou, mesmo afirmando
categoricamente que nunca usou nenhum tipo de droga. Segundo
contou, a única coisa errada que fez na véspera da prova foi participar
de uma festa com amigos, onde tomou algumas bebidas, mas sem
álcool. Ele disse ter certeza de que alguém colocou a droga na bebida
dele.
Abia deu um pulo de contentamento e comemoramos com
Sabirah.
— Então, afinal isso é possível!
— Pelo jeito, sim. Agora temos uma prova do que aconteceu
com o meu irmão.
— Calma, Sabirah! Temos suspeitas, mas ainda não sabemos
se foi isso mesmo o que aconteceu.
— Tem toda a lógica que seja isso! Só precisamos encontrar
o culpado, que só pode ser alguém que trabalha aqui mesmo na Ala do
Leão e tem acesso à cozinha.
— É tão estranho que seja isso. Depois que mamãe foi
embora, só ficaram os empregados antigos que sempre foram leais ao
papai — Abia disse com uma certa tristeza na voz, sem citar que a
mãe foi presa.
— Talvez seja alguém novato e não tão antigo assim —
Sabirah sugeriu.
Pensei bem e descartei a teoria dela.
— Tenho outra teoria, apesar de parecer meio surreal.
Escutem, por favor. Majdan comentou comigo que no passado
acontecia a mesma coisa que está acontecendo agora. Ele se
recuperava na ilha, achando que estava curado, mas quando voltava
para cá tinha recaídas repentinas. Estou pensando se alguém já
colocava algo na bebida dele desde aquela época.
Parei de falar e observei a cara de choque das duas. Elas
olhavam para mim boquiabertas, como se eu tivesse acabado de falar
uma loucura.
Quem reagiu primeiro foi Sabirah.
— O meu irmão entrou nas drogas pesadas há quase quinze
anos, Thara. Majdan hoje tem quarenta e um! Você quer dizer que
alguém vem fazendo isso com ele há décadas?
— Talvez não seja há tanto tempo assim. Pode ser menos.
Acredito que possa ter sido a partir do momento em que ele decidiu se
tratar pela primeira vez.
— E quem teria interesse em fazer isso com o papai?
Olhei para Sabirah.
— De nós três, você é a pessoa mais indicada para dar essa
resposta. Eu estou aqui há pouco tempo e Abia era uma criança. Você
é a única que conheceu todos que passaram pela vida do seu irmão.
Sabirah não disse nada, permanecendo pensativamente
calada, até que arregalou os olhos de repente.
— A menos que... — Parou de falar e olhou para a sobrinha,
deixando evidente que não queria dizer nada na frente dela.
Abia cruzou os braços no peito e a encarou com seriedade.
— Se você não falar só porque estou aqui, vou ficar muito
chateada. O papai precisa de ajuda e quero saber o que é. Você vai
falar!
Senti orgulho de Abia. Ela podia ter apenas dez anos, mas já
tinha vivido tantos dramas familiares que amadureceu. Era uma
menina transformando-se rapidamente em uma adolescente madura.
Sabirah suspirou, vencida pela determinação da sobrinha.
— Tudo bem, mas seja forte! — avisou, olhando depois para
mim. — Lembra daquele dia em que viu Beyda conversando em
segredo com Keisha? Estou aqui pensando se aquela cobra não pediu
para a empregada drogar o meu irmão.
Olhei-a completamente pasmada. Eu havia desconfiado
daquela conversa na ocasião, mas suspeitava mais de um pedido de
informações do que do uso de drogas em Majdan.
— Tem sentido e explica o que pode ter acontecido! Ainda
me lembro de como desconfiei que havia algo de estranho na atitude
delas.
— Mas por que a tia Beyda faria uma coisa dessas? A mamãe
já nem está mais aqui.
— Justamente por isso — Sabirah defendeu a teoria dela. —
Pode ser uma vingança contra o meu irmão por manter a sua mãe na
prisão.
Abia baixou a vista, visivelmente triste.
— Eu disse a você para ser forte! — Sabirah abraçou-a com
carinho.
— Estou sendo forte.
— Vai precisar ser mais ainda se descobrirmos que foi
mesmo Keisha quem o drogou e que a sua mãe pode estar por trás
disso também.
Eu estava cada vez mais chocada. Cheguei até a pensar em
Mubarak, com a intenção de se aproveitar politicamente, mas nunca
que a ex-esposa de Majdan pudesse chegar àquele ponto.
— Só não entendo uma coisa. Até onde sei, Keisha é uma das
novas funcionárias que assumiram depois da saída de Hayat. Se é
assim, quem o dopou no passado?
Troquei um olhar preocupado com Sabirah.
— Talvez a própria Hayat? — Ela colocou em causa o que eu
não tinha coragem de falar na frente de Abia.
— A minha mãe?! — a menina questionou de imediato,
desconsolada.
— Não vejo outra explicação. — Sabirah olhou com dó para
a sobrinha.
— Infelizmente, eu também não. — Fui obrigada a concordar
com Sabirah. — Pode ter sido por vingança.
Abia comprimiu os lábios com tristeza e foi impossível não
sentir pena da menina.
— Eu acho que sei o motivo — ela disse de repente,
surpreendendo-nos.
— Sabe? Então conta logo! — Sabirah pediu com urgência.
Abia parecia estar escolhendo as palavras certas.
— Mamãe não queria dividir o papai com outra esposa.
— Como você soube disso? — Sabirah parecia chocada que a
sobrinha tivesse conhecimento daquilo. — Bom, mas pensando bem
agora, Kismet comentou algo parecido quando sofreu o atentado aqui
na torre.
— Ouvi escondida algumas conversas da minha mãe com o
Jafar sobre o papai estar procurando uma segunda esposa. Mamãe
sempre ficava furiosa quando falava do assunto.
— Eu também ficaria se o meu marido quisesse uma segunda
esposa — Sabirah concordou imediatamente. — Não vou julgar Hayat
mal por isso.
— Se foi Beyda quem pediu para Keisha drogar Majdan, por
que esperaram tanto para agir? — perguntei, sem entender a lógica de
Abia. — Faz tempo que a irmã de Hayat veio aqui.
— Talvez tia Beyda tenha ficado sabendo que você e o papai
estavam gostando um do outro e contou para a mamãe, que ficou
furiosa.
— Será que foi isso?
— Eu não sei, mas pretendo descobrir tudo agora! — Sabirah
se levantou, decidida. — Vou interrogar Keisha.
— Não podemos fazer isso. E se ela negar? Não teremos
como provar nada. Sem provas, nem os seus irmãos poderão fazer
alguma coisa. Passaremos por mentirosas.
Ela fez um gesto irritado com as mãos.
— E como vamos conseguir essas provas?
— Encontrando a droga que Keisha usou. — Fui para a porta.
— Fiquem aqui. Vou na cozinha ver se descubro algo.

A primeira pessoa que vi na cozinha foi Amira.


— Abia já terminou de estudar? — ela perguntou com um
sorriso.
— Ainda não. Desci para avisar que vamos fazer um lanche
na varanda do quarto dela. Só não sei se os meninos já terminaram o
deles. Keisha disse alguma coisa?
— Eu mesma vou ver. Acabei de dar folga a ela. Keisha
passou mal e achei melhor que fosse para casa.
A conveniência do mal-estar dela me deixou mais
desconfiada ainda.
— Ela mora fora do palácio? Pensei que fosse aqui, como
você.
— Só as empregadas antigas moram no palácio. Keisha está
trabalhando aqui há uns dois anos.
— Achei que fosse mais antiga. — Me fiz de desentendida.
— Ela faz parte do grupo novo que veio trabalhar depois do
divórcio do príncipe. Todos os empregados contratados pela senhora
Hayat foram substituídos.
Amira deu ordens para as empregadas prepararem o lanche e
depois se calou. Como eu já tinha conseguido a informação que
queria, voltei ao quarto de Abia.
— O que descobriu? — Sabirah adiantou-se logo.
— Vocês não vão acreditar! Keisha passou mal e tirou o
restante do dia de folga.
— Levando a nossa prova junto. É ela!
— Ainda não sabemos se é a culpada — Abia lembrou.
Sentei-me ao lado dela na cama.
— Abia tem razão — concordei, preocupada com a
impulsividade de Sabirah. — O que temos são suspeitas baseadas em
uma conversa que vi. Eu não ouvi nada do que elas duas falaram e não
podemos acusar Keisha sem provas. Você estudou Direito e sabe
disso.
Sabirah bufou, chateada.
— Em uma situação como essa, eu preferia não saber nada de
Direito. A minha intuição diz que é Keisha, sob as ordens de Beyda,
que segue o que Hayat manda. Isso é a cara daquela víbora! Para mim
é ela e sei exatamente o que vou fazer. Sou uma Al Harbi e não vou
ficar de braços cruzados enquanto conspiram contra a minha família.
Decidida, ela tirou o celular do bolso da abaya e fez uma
ligação. Para minha total estupefação, em cinco minutos Sabirah
conseguiu o endereço de Keisha.
— Vamos atrás dela, Thara. — Olhou para a sobrinha. —
Você vai ficar aqui de olho em tudo até voltarmos. Ligue para mim se
precisar de alguma coisa.
— Pode deixar. Se eu vir algo suspeito, aviso a vocês.
Só tive tempo de enfiar o celular na bolsa e me despedir de
Abia com um beijo rápido antes de sair do quarto com Sabirah. Em
silêncio, percorremos às pressas os corredores da Ala do Leão. Só
voltamos a falar quando estávamos no pátio central de Taj.
— Como vamos chegar à casa dela?
— No meu carro.
Ela devia ter se esquecido que só podia sair de Taj com
escolta.
— Não podemos chegar lá com dois carros cheios de
seguranças nos seguindo.
— Vamos chegar sozinhas. Só preciso passar no meu quarto
para pegar a bolsa e a chave do carro.
Achei melhor não questionar nada, deixando que ela
resolvesse tudo. Sendo uma verdadeira princesa Al Harbi, Sabirah
conseguiria as coisas mais facilmente do que eu.
No quarto, ela pegou o que precisava e começou a escolher
um hijab no closet. Separou dois e colocou dentro da bolsa.
— Não é bem o que eu queria usar agora, mas reconheço que
vai ajudar a esconder nossa identidade nas ruas.
Fiquei preocupada ao ouvir o que ela disse. Eu nunca ia me
perdoar se acontecesse alguma coisa com Sabirah. Já bastava o que os
meus irmãos fizeram com Malika e com o país.
— Talvez seja melhor eu ir sozinha. Você é uma princesa e
não deveria se expor desse jeito.
— Você falou certo agora. Sou uma princesa Al Harbi e
posso andar na capital do meu país sem medo — afirmou com a
confiança de sempre. — Além disso, você não sabe dirigir para ir
sozinha. Sei que está preocupada, mas não fique. Só vamos ver onde
Keisha mora. Se der, falamos com ela para conseguir as provas. Se
não der, chamo os meus irmãos e o exército inteiro aparece por lá.
Capítulo 68
Thara
Nosso primeiro desafio foi conseguir sair de Taj. Assim que o
carro de Sabirah chegou perto do arco principal, que estava
completamente cercado pelos veículos militares que protegiam o
palácio, um dos guardas se aproximou.
Cumprimentou-nos respeitosamente, mas perguntou pela
escolta.
— Não vou precisar dessa vez. — Ela não deu muitas
explicações.
— Peço perdão, alteza, mas isso foge ao protocolo e preciso
informar antes ao meu superior.
— Pode informar. Enquanto isso vou indo.
Ela acelerou, passando pelo guarda atônito e saindo pelos
portões. Pelo espelho lateral da minha porta, vi o homem pegando o
intercomunicador às pressas e falando com alguém.
— Acho que ele mesmo vai avisar o exército inteiro.
Sabirah bufou, chateada.
— Às vezes isso cansa! São tantas regras.
Não contive um sorriso.
— Você é mais parecida com Majdan do que pensa.
Ela não respondeu de imediato, ficando pensativa.
— Talvez seja mesmo.
Entramos na via exclusiva que levava ao palácio e foi quando
o celular dela começou a tocar. Sabirah o pegou, comprimindo os
lábios quando viu quem era.
Atendeu no alto-falante enquanto dirigia.
— Você é o superior dele? Que coincidência — ironizou.
— Não pode sair de Taj sem escolta, alteza. — O homem
ignorou a provocação, falando com profissionalismo. — Precisa voltar
e esperar que os seguranças possam acompanhá-la.
Reconheci a voz dele. Era Assad, o homem de confiança do
príncipe Yusuf para proteger as princesas.
— Não posso voltar.
— Então pare onde está até que eles cheguem.
— Também não vou parar. — Ela foi tão firme quanto ele. —
Não estamos mais em Londres, Assad. Estou no meu país, dentro de
Jawhara e não vou demorar. Acho desnecessário ter uma escolta só
para ir visitar uma amiga. Pode informar isso a Yusuf.
— Sabirah. — O tom repreensivo não escondia a
preocupação.
Arregalei os olhos.
Onde está o “alteza”?
Aquela era a primeira vez que eu o ouvia chamando Sabirah
pelo nome e, mais ainda, demonstrando algum tipo de emoção.
Normalmente o homem era impassível como uma rocha no meio do
deserto, sem se abalar com a maneira como Sabirah o desafiava
constantemente.
— Tenha um bom dia de trabalho, Assad.
Ela finalizou a ligação e continuou dirigindo, mas
permaneceu estranhamente calada. Só voltou a falar quando saímos da
área nobre e entramos na parte antiga da cidade, com casas apertadas
umas nas outras e ruas estreitas.
— Vou deixar o carro por aqui. Faremos o restante do
caminho a pé para chamar menos atenção.
Foi preciso dar duas voltas pelo quarteirão até Sabirah
encontrar um espaço vago para estacionar. Ela abriu a bolsa e me
entregou um hijab, ficando com o outro.
— Coloque esse.
Depois que cobrimos os cabelos, descemos do carro e
começamos a andar pela rua movimentada.
— Está muito longe?
— Não, fica na próxima rua à direita. — Sabirah olhou com
atenção ao redor. — Espero que ela já tenha chegado. Keisha vai se
ver em maus lençóis se for pega andando por aí com cocaína na bolsa.
Seguimos pela rua até chegar à casa de Keisha. Era uma
habitação simples espremida entre outras duas.
— Talvez seja melhor eu entrar sozinha. Ela vai levar um
susto enorme quando ver você aqui, Sabirah.
— Não vou deixar que entre sozinha. E se tiver algum
homem lá dentro?
Parei abruptamente, segurando-a com força pelo braço.
— Allah tenha misericórdia! Nem pensamos nisso!
— Nisso o quê?
— Em ter homens na família dela que sejam perigosos e
comparsas desse crime. Podem nos matar ou fazer coisa pior.
Sabirah fez uma cara de quem também não havia pensado
naquilo.
— Não sou uma militar para pensar nessas coisas —
justificou-se.
— Muito menos eu. Agora temos duas opções. Podemos
seguir em frente ou voltar para Taj e contar ao príncipe Yusuf o que
sabemos, já que ele está investigando tudo.
Ela bateu na própria testa com a ponta dos dedos.
— Que burra que fui! Vamos perder a nossa prova.
Eu não queria perder nenhuma prova que ajudasse Majdan a
se livrar do vício, mas o bom senso falou mais alto.
— Não temos experiência em lidar com criminosos. Se fosse
só para confrontar Keisha, eu entraria sem vacilar.
Sabirah bateu um dos pés no chão, chateada.
— Sinto-me frustrada em voltar sem sequer tentar. — Apesar
do que disse, segurou a minha mão a contragosto para irmos embora.
— Se é para desistir, vamos logo para Taj. Sou capaz de mudar de
ideia e entrar para enfrentar quem for.
Ela se virou para ir embora no exato instante em que a porta
da casa se abriu e Keisha saiu para a rua.
— É ela! — Puxei Sabirah de volta.
Keisha nos viu assim que fechou a porta. A mulher ficou
paralisada, sem conseguir esconder o assombro com a nossa presença
a poucos metros de distância.
Cheguei a pensar que ela fosse fugir, mas aconteceu
exatamente o oposto. Keisha veio rápido em nossa direção, com
passadas apressadas e a expressão urgente.
— Altezas, o que fazem aqui?
— Viemos falar com você, Keisha — adiantei-me na
resposta. — Sabemos o que fez.
Ela arregalou os olhos.
— Sabem o que fiz? Não entendi, alteza.
— Entendeu, sim! — Sabirah se aproximou mais dela. —
Você vem drogando o meu irmão e quero saber por que fez isso. Foi a
mando de Beyda? De Hayat? Vamos, fale agora!
Keisha não negou, apenas olhou nervosamente ao redor,
transparecendo preocupação no rosto.
— É melhor voltarem para o palácio. É perigoso ficarem
paradas em frente à minha casa!
— Por que é perigoso? Com quem você está envolvida,
Keisha? — Sabirah não desistiu de interrogá-la. — Se anda
transportando drogas na bolsa, quem está correndo perigo é você.
— Vão enquanto é tempo!
Mais uma vez ela não negou nada do que estava sendo
acusada, o que só provava a culpa que tinha. Alguém realmente queria
acabar com Majdan e se utilizou de Keisha com aquele fim.
— Você ainda pode se livrar de um sério castigo se colaborar
contando toda a verdade. — Tentei convencê-la a entregar o mandante
daquele crime. — Quem mandou você drogar o meu marido?
Keisha levou as mãos ao rosto angustiado e tive a certeza de
que falaria.
— Entrem, altezas. Estarão mais seguras dentro da minha
casa do que se ficarem aqui fora.
Troquei um olhar com Sabirah e entramos.
A casa de Keisha era simples, mas estava limpa e arrumada,
mostrando o quanto ela era cuidadosa com tudo, algo que eu já havia
notado na Ala do Leão. Sentamo-nos no sofá da sala, com Keisha em
uma cadeira à nossa frente.
— Você mora aqui sozinha? — perguntei, querendo estar
preparada para a chegada de algum homem da família.
— Vivo com a minha mãe, que agora está no souk154. Tenho
uma irmã mais nova, mas ela não está em casa. O meu pai já é
falecido.
Relaxei, pelo menos com relação àquilo. Restava saber todo o
resto.
— Por que agiu contra a família real? Você sabe a punição
para isso.
Ela engoliu em seco antes de responder.
— Eu sei, mas fiz para salvar a minha irmã. Ela foi levada e
só será devolvida quando eles não precisarem mais dos meus serviços.
— Sua irmã foi levada por quem? — Sabirah tirou a pergunta
da minha boca. — Quem está por trás disso tudo?
— Só conheço dois deles, mas imagino que existam mais.
Minha irmã tem quinze anos e foi sequestrada aqui mesmo em casa
quando tinha acabado de chegar da escola. Eles levaram Alima em um
carro, dizendo à minha mãe que não procurasse a polícia ou a minha
irmã ia desaparecer para sempre. Garantiram que a devolveriam
depois que falassem comigo.
— E o que lhe disseram? — Sabirah insistiu.
Keisha se ajoelhou à nossa frente, curvando o corpo até o
chão.
— Peço perdão, altezas! Sei que errei e aceito com humildade
o castigo que mereço por ter agido contra o príncipe Majdan. Eu podia
ter me negado, mas não conseguiria viver sabendo que nada fiz para
salvar a vida da minha irmã.
— O que fez exatamente? O que pediram? — forcei-a a falar
tudo até o fim.
— Estou há dois anos na ala do príncipe Majdan, sempre
trabalhando com dedicação e lealdade. De repente, a minha vida foi
desgraçada por esses homens — lamentou-se, chorando. — Eles me
deram um frasco com um líquido que deveria colocar na bebida do
príncipe sempre que me ordenassem. A ordem vinha através de uma
mensagem enviada pelo celular de Alima, que eles levaram quando ela
foi sequestrada.
Apesar de já desconfiar daquilo, ouvir a confirmação da boca
de Keisha me deixou revoltada com o que fizeram com Majdan.
— Quando isso começou? — Sabirah perguntou franzindo a
testa.
— A primeira vez foi quando todos voltaram do seu
aniversário em Noor, alteza.
— Achei que fosse há mais tempo — ela comentou
pensativamente. — Não lhe disseram o motivo?
Keisha ergueu a cabeça e olhou de um jeito estranho para
mim.
— Eu não tenho certeza, mas desconfio que seja por sua
causa, Thara.
Troquei um olhar com Sabirah quando a teoria de Abia
começou a se confirmar.
— Por minha causa? — perguntei à Keisha.
— Passei noites sem dormir pensando nisso e cheguei à essa
conclusão. Antes da sua vinda ao palácio, eu trabalhava sossegada
para o príncipe e a minha família estava protegida. Depois que você
começou a se aproximar cada vez mais de Abia e do príncipe, esses
homens surgiram de repente e fui envolvida em uma conspiração que
jamais imaginaria na minha vida. Não sei como, mas eles ficaram
sabendo do seu envolvimento com o príncipe Majdan e decidiram
atacá-lo.
Aquela confirmação me massacrou. Ouvir a verdade pela
boca de Keisha mostrou para mim o outro lado da questão. O que
estava acontecendo com Majdan era culpa minha!
— Sou a culpada de tudo!
— Claro que não! — Sabirah contestou de imediato. — A
culpa é de quem está por trás disso, que só pode ser a Hayat. Ela é a
única que teria ciúme de você estar se aproximando de Abia e de
Majdan. Alguém na ala do meu irmão andou passando informações
para ela na prisão. Foi você, Keisha? Sei que andou conversando com
Beyda quando ela foi lá.
— Não fui eu e Allah é testemunha! A senhora Beyda apenas
me perguntou o nome da mulher que estava com Abia e eu disse que
era Thara Ayad. E mais nada!
Keisha parecia estar sendo sincera e foi o que eu disse à
Sabirah.
— Eu acredito nela. Só precisamos saber quem são esses
homens. Para isso, o melhor é passar o caso para o príncipe Yusuf. Ele
vai descobrir tudo.
— E o que vai acontecer com a minha irmã?
— Os serviços secretos têm pessoal qualificado para lidar
com sequestradores e trazer a sua irmã de volta. — Sabirah informou
com orgulho e confiança. — O que não podemos é deixar que esses
homens fiquem impunes.
— Eles são perigosos, alteza! — Keisha segredou com medo.
— A minha casa é constantemente vigiada, por isso me preocupei ao
vê-las lá fora. Se souberem que estão aqui, podem até matar a minha
irmã e se desfazerem do corpo sem deixar pistas.
Que horror!
— Quanto mais você fala, mas certeza tenho de que os meus
irmãos devem ser avisados imediatamente. — Sabirah olhou para mim
e assenti, concordando.
Ela tirou o celular do bolso para fazer a ligação.
— Me dê o celular agora! — Uma voz masculina grosseira
invadiu a sala, pegando-nos de surpresa.
Virei-me para trás. Dois homens acabavam de ultrapassar um
corredor estreito que devia levar aos fundos da casa. Estavam
malvestidos e com as barbas desgrenhadas, o que lhes davam um
aspecto aterrador. Ambos traziam pistolas nas mãos, que apontaram
para nós.
— São eles — Keisha sussurrou em pânico.
— Se alguma de vocês gritar, morrem todas! — O homem
tirou o celular da mão de Sabirah com uma rapidez impressionante. —
Levantem-se e caminhem em silêncio até os fundos.
— Vocês não podem...
Um bofetão fez Sabirah cair sentada novamente no sofá.
Amparei-a, preocupada. Eu já havia apanhado muito dos meus irmãos,
mas ela era uma princesa que nunca foi agredida daquele jeito na vida.
— Eu falei “em silêncio”! — O homem rosnou
ameaçadoramente. — Agora se levante!
Eu quis perguntar se ela estava bem, mas achei melhor me
calar. Falar algo seria o mesmo que pedir para também ser agredida.
Ajudei-a a ficar de pé e seguimos Keisha para os fundos da
casa, onde um furgão velho e sujo nos aguardava. Um terceiro homem
estava na direção e fomos forçadas a entrar na traseira. A porta foi
fechada com brusquidão e ficamos as três no escuro.
Em questão de segundos, o carro começou a se movimentar
pelas ruas.
— Você está bem? — sussurrei para Sabirah agarrada em
mim.
— Estou. — A resposta veio séria e em tom seco. — Só
espero ver os meus irmãos matarem todos eles.
— Isso se eles não nos matarem antes. — A voz de Keisha
estava chorosa.
Suspirei profundamente, lembrando-me de Majdan.
Será que nunca mais vamos nos ver, habibi?
— Vamos orar e pedir a Allah que nos livre desse destino —
aconselhei, negando-me a entrar em desespero. — Não há mais nada
que possamos fazer agora. Allah fará por nós.
Rezar foi exatamente o que fiz, mas não demorou muito para
o carro parar. A porta foi novamente aberta e a claridade nos ofuscou.
Não sei se foi por causa disso, mas quando dei por mim já estávamos
sendo trancafiadas dentro de um quarto pequeno e abafado, onde uma
lâmpada amarelada presa ao teto iluminava precariamente as paredes
também amareladas e descascadas.
Os homens foram embora e nos deixaram lá, mas não
estávamos sozinhas. Para nossa surpresa, havia cerca de dez mulheres
presas dentro do quarto, algumas com olhares assustados, outras com
olhares vazios, onde a esperança parecia ter desaparecido há muito
tempo. Todas estavam sentadas no chão, amontoadas próximo às
paredes.
— Por Allah, que lugar é esse? — Perplexa, olhei todos os
cantos do quarto lotado de mulheres. — O que vocês fazem presas
aqui?
— Tráfico — uma delas respondeu com tristeza. — Estamos
sendo escravizadas para o tráfico sexual.
O quê?! Desde quando existe tráfico de mulheres em
Tamrah?
Keisha começou a chorar copiosamente.
— Foi isso o que aconteceu com a minha irmã de quinze
anos?
— Não sei, moça. Sei apenas que esse é o nosso destino — a
mesma mulher respondeu, erguendo-se por fim.
Ela saiu das sombras e arregalei os olhos ao ver os fios
dourados que escapavam do hijab preto que ela usava. Não era uma
mulher, mas uma garota bem mais jovem do que eu, aparentando ter
uns dezoito anos. Talvez fosse até mais nova. Os olhos eram azuis e o
rosto possuía uma beleza suave.
— Sou a Shamsa. E vocês?
Ela se apresentou com um nome árabe e falava em árabe, mas
tinha a aparência de uma inglesa.
— Sou a Thara. Esta é a Sabirah e aquela é a Keisha —
apresentei-nos. — Tem certeza do que disse sobre tráfico?
— Queria estar enganada, mas tenho certeza. É melhor se
sentarem. — Ela indicou um canto da parede que permanecia vazio.
— A espera pode ser longa.
Shamsa voltou a se sentar no canto dela e puxei Sabirah para
nos sentarmos. Keisha se grudou em nós duas, ainda chorando pela
irmã.
— Vocês duas estão bem-vestidas — Shamsa observou com
perspicácia, mostrando estar bastante atenta a tudo. — Não parecem
iguais a nós. Como vieram parar aqui?
— Provavelmente do mesmo jeito que vocês. Fomos
sequestradas — respondi sem dar muita informação, desconversando
logo depois. — E você, como se meteu nisso?
Ela sorriu com tristeza.
— Eu estava em uma excursão do colégio. Fui no banheiro
do restaurante e me pegaram. Espero que as autoridades estejam à
minha procura e me encontrem antes que eu desapareça de vez.
Analisei-a com atenção e a impressão inicial que tive de ela
não ser da nossa terra se fortaleceu.
— Você não é daqui.
— Está muito na cara, não é? — Riu de si mesma ao passar a
mão pelos cabelos louros, mostrando um bom humor admirável para o
drama que vivia. — O meu pai é árabe e a minha mãe é inglesa, mas
sou brasileira. A família dele não aceitou o casamento com uma
ocidental e os dois foram morar em São Paulo, onde nasci. Falo
fluentemente a língua de vocês e o inglês também.
— Tem quantos anos?
Fiquei com a impressão que ela pensou antes de responder.
— Dezenove.
Olhei para as outras mulheres que acompanhavam a conversa
com olhares assustados.
— De onde vocês são?
— Sou refugiada de Sadiz. — Uma delas encontrou coragem
para responder.
— Eu também. — Outra se juntou a ela.
— Também sou de Sadiz e vim para cá como refugiada.
A cada uma que respondia mais chocada eu ficava. Com
exceção de Shamsa, todas eram refugiadas de Sadiz.
Por Allah! Eles estão sequestrando as refugiadas para o
tráfico sexual!
— Vou tentar fugir quando forem nos transportar para fora
daqui — Shamsa sussurrou de repente, chamando a minha atenção. —
Se nos unirmos, teremos mais força e chance de escapar. Falei com as
outras, mas elas têm medo. E vocês? É que não pretendo ser escrava
sexual de homem nenhum. Prefiro morrer fugindo.
Ela era corajosa, o que só confirmava ser mesmo de outra
cultura. Eram raras as mulheres muçulmanas que lutavam contra a
discriminação e o abuso.
Olhei para Sabirah e Keisha, que prontamente assentiram.
— Vamos com você — confirmei por nós três.
Shamsa sorriu, aliviada.
— Até que enfim! Allah ouviu as minhas preces.
Paramos de conversar quando a porta do quarto-cela se abriu
e mais duas mulheres foram jogadas lá dentro. O som da chave na
fechadura se seguiu e voltamos a ficar sozinhas.
— Mais duas! Já somos quinze. Talvez agora sejamos
transportadas — Shamsa contabilizou. — Vou ver se essas também
aceitam fugir.
Ela se levantou e foi falar com as novas prisioneiras.
— Eles estão loucos se pensam fazer uma princesa Al Harbi
de escrava sexual — Sabirah cochichou no meu ouvido, revoltada.
— Calma, Sabirah. Talvez tenham nos prendido aqui só até
decidirem o que vão fazer. O que me deixa abismada, é termos caído
em uma rede de tráfico de mulheres. Nunca soube que existia isso em
Tamrah.
— Nem eu e tenho certeza de que os meus irmãos também
não sabem.
— A Hayat está por trás disso? Eu não acredito!
— Apesar de odiar aquela mulher pelo que fez com a minha
família, eu também não consigo acreditar que ela esteja envolvida
nisso.
— Precisamos descobrir quem é e nem temos como avisar
ninguém.
Ah, Majdan! Tudo o que eu queria agora era poder falar com
você.
Recriminei-me por ter deixado o celular dentro da bolsa no
carro de Sabirah.
— Assad vai nos encontrar — Sabirah afirmou de repente
com uma confiança que me surpreendeu. — Só precisamos nos manter
vivas até ele chegar.
— E como ele vai conseguir isso? Você o dispensou.
— Tive tempo de tocar na tecla de emergência do meu celular
antes daquele homem horrível tomá-lo de mim. Os meus irmãos vão
ser avisados e não vai ficar ninguém vivo nesta rede de tráfico.
Alhamdu lillah!155
Capítulo 69
Majdan
Desci da esteira depois de terminar o teste ergométrico,
secando o suor do rosto com a toalha. Hasan veio tirar os eletrodos do
meu peito.
— Sente-se bem, alteza?
Eu sabia que ele só queria uma confirmação do que tinha
visto no equipamento.
— Sim, muito bem.
Aquela era a mais pura verdade. Eu me sentia ótimo, como se
o mal-estar que me levou ao hospital nunca tivesse acontecido.
Se antes eu tinha os meus filhos como motivação para
permanecer com o corpo limpo de drogas, agora tinha também Thara
para me dar ânimo, coragem e determinação para vencer os desafios
que surgiam no meu caminho. Eu estava mais do que disposto a me
cuidar e não ia deixar que ninguém tirasse de mim a vida ao lado da
mulher que amava.
Yusuf se levantou da cadeira de onde acompanhava o exame
e veio me parabenizar com um abraço.
— Você continua tão forte quanto antes. Que Allah seja
louvado por lhe dar tanta saúde!
— Ninguém consegue derrubar o Leão de Tamrah! — Jamal
piscou um olho para mim antes de me abraçar também, sorrindo. —
Que a sua força mantenha os inimigos frustrados, meu irmão.
— Inshallah!156 — Olhei para os dois com divertimento. —
Agora já podem contar a novidade à nossa mãe. Sei que ela mandou
vocês não saírem do meu lado até o fim do exame.
Jamal soltou uma risada e deu um soco no braço de Yusuf.
— E nós dois achando que ele não sabia de nada!
Yusuf apenas riu, voltando a se sentar confortavelmente na
cadeira e cruzando as pernas.
— Já que sabe de tudo, vá logo tomar banho para irmos
embora.
Foi o que fiz, jogando antes a toalha na cara dele. A
gargalhada de Jamal me acompanhou até fechar a porta do banheiro.
Minutos depois, saíamos os três do hospital, com Yusuf na
direção do SUV e dois carros na escolta. Eu estava ansioso para
chegar em casa e ficar o resto do dia com Thara. Ela não tinha aulas
nem ia trabalhar no ministério, ficando com a tarde livre para nós dois.
Jamal estava contando os detalhes sobre o projeto da nova
universidade de Jawhara que estava sob a responsabilidade dele,
quando o toque do celular de Yusuf interrompeu a nossa conversa.
— Pode falar, Assad — ele autorizou quando atendeu no alto-
falante. — Estou sozinho com meus irmãos.
— Preciso de autorização para trazer a princesa Sabirah de
volta para Taj, alteza. Ela saiu sem escolta, alegando que está em
Jawhara e não precisa de proteção.
Yusuf trocou um olhar comigo. Desafiar o esquema de
segurança era típico de Sabirah, mas eu não via motivo para tanta
preocupação do homem, considerando que estávamos em Jawhara.
Meneei a cabeça em negativa e Yusuf entendeu.
— Sabirah tem razão, Assad. Jawhara é uma cidade segura e
não há necessidade de tanta proteção aqui. Ela disse para onde ia?
— Visitar uma amiga. — Ele foi sucinto e não faltou ao
respeito, mas fiquei com a impressão de que não gostou da nossa
decisão.
Franzi a testa, estranhando aquela atitude.
— Por que não gostou? — perguntei de maneira incisiva e
direta, surpreendendo Yusuf.
— Intuição, príncipe Majdan — ele reconheceu a minha voz
e respondeu com firmeza. — Ela nunca falhou até agora e já me
salvou várias vezes.
Lembrei-me de Thara. Ela diria que não era intuição. Era
Allah.
— E a sua intuição diz que a minha irmã corre perigo em
Jawhara, onde nasceu e é conhecida por cada habitante como uma
princesa Al Harbi?
— Sim, alteza — Assad não vacilou na resposta.
— Rastreie o carro de Sabirah e diga depois onde ela está,
para autorizarmos ou não o envio de uma escolta.
— Já tomei a liberdade de fazer isso, alteza. Ela está a
caminho da parte antiga da cidade.
Preocupado, olhei para Yusuf, que agora estava de testa
franzida.
— Sabe se ela tem alguma amiga naquela área?
— Acho pouco provável.
— Ela não tem — Jamal afirmou com convicção. — Sabirah
tem pouquíssimas amigas. Acho que a única que realmente considera
assim é a Thara. Por acaso a sua esposa foi na parte antiga da cidade
hoje? Sabirah pode ter ido se encontrar com ela.
— Claro que Thara não foi. Ela está em casa.
A certeza que eu tinha foi abaixo quando Assad nos
interrompeu.
— As duas saíram juntas de Taj, alteza. A princesa Sabirah
estava dirigindo com a princesa Thara ao lado — informou pelo alto-
falante, deixando-me perplexo.
— Thara saiu com Sabirah? — Eu estava sem acreditar
naquilo. — A minha equipe de segurança é responsável pela escolta
dela.
— Saíram sem escolta alguma.
Cerrei os punhos, imediatamente tenso. Ninguém ousaria
fazer nada contra Sabirah, mas o mesmo talvez não acontecesse com
Thara. Apesar de ser minha esposa, os habitantes de Tamrah não
haviam se esquecido que os irmãos dela foram responsáveis pelos
atentados à bomba que aterrorizaram a cidade.
— Vá atrás delas e me dê notícias o mais rápido possível,
Assad — rosnei, pegando o meu celular no bolso. — Envie uma
mensagem com a localização exata do carro de Sabirah.
— Agora mesmo, alteza!
Notei o alívio na voz do homem, que desligou logo depois.
Fiz uma ligação para Thara, ficando cada vez mais preocupado à
medida que tocava sem que ela atendesse.
— Mas que merda! Ela não atende.
— Não há de ser nada. — Yusuf tentou me acalmar. —
Sabirah é impulsiva, mas Thara é bastante sensata.
— É isso o que me preocupa. Por que Thara não me avisou
que estava saindo com Sabirah, ainda mais para a parte antiga da
cidade? Sei que ela não gosta de sair sozinha com a escolta, mas sair
sem escolta nenhuma estando com Sabirah é uma insensatez que não
combina com ela.
— Acho que Thara não quis preocupar você no meio do
exame — Jamal opinou com uma certa lógica.
— Quero descobrir se foi isso mesmo. Vamos atrás delas
agora.
Yusuf acelerou pelas ruas em direção à cidade velha,
seguindo a indicação da mensagem enviada por Assad.
Antes de chegarmos, o militar voltou a ligar para Yusuf.
— A princesa Sabirah me enviou um alerta de perigo — ele
informou com urgência pelo alto-falante.
— O quê?! — rugi, pegando o celular de Yusuf e falando
diretamente com Assad. — Como Sabirah fez isso? O que está
acontecendo com elas?
— É um método que criei em Londres para ela me avisar se
estivesse em perigo. Tenho comigo um número especial que só ela
tem. Basta Sabirah tocar na tecla certa e a ligação está feita. Ela
acabou de utilizar este método para entrar em contato comigo. Estou a
cinco minutos do local onde o carro está estacionado. Depois vou
rastrear o celular.
— Se não houver muito trânsito, chegaremos antes de você.
Envie as coordenadas do celular da minha irmã.
Desliguei, sentindo-me impotente e frustrado.
— Que Allah me impeça de matar muita gente hoje.
Yusuf continuava concentrado no trânsito, acelerando sempre
que podia. Até a escolta que nos acompanhava foi ficando para trás
diante da habilidade dele em dirigir.
— Vou pedir ajuda a Saqr — Jamal se encarregou com
preocupação.
Ficamos em contato com Assad durante todo o tempo em que
percorremos o trajeto até o carro de Sabirah. O trânsito nos atrasou,
mas não aconteceu o mesmo com Assad, que chegou primeiro.
— O carro está vazio — ele avisou. — É melhor seguirem
direto para o endereço onde está o celular.
Minutos depois, passamos pelo carro de Sabirah e seguimos
em frente. Ver o carro dela abandonado fez uma garra apertar o meu
peito de angústia. Eu nem queria pensar em quantas coisas ruins
podiam estar acontecendo com as duas.
Thara, Thara! Por que não me avisou que ia sair?
Inspirei profundamente para controlar as emoções. Surtar de
raiva e querer matar todo mundo não ia resolver a situação nem as
trazer de volta à segurança de Taj. Era preciso me acalmar, pensar,
raciocinar. Um erro poderia custar a vida de uma das duas ou de
ambas.
O endereço onde estava o celular de Sabirah era uma espécie
de depósito em uma rua estreita e desabitada no que chamávamos de
cidade velha.
Era para tudo ali já ter sido demolido e reconstruído, mas
aquele projeto ainda não havia saído da gaveta. Muitos proprietários
dos imóveis se negaram a negociar durante os anos, mesmo se
tratando de prédios sem quase nenhum valor de mercado.
— É melhor estacionarmos aqui para não chamar a atenção
de ninguém. — Yusuf desligou o carro. — Não sabemos quem vamos
encontrar lá dentro.
— Vamos encontrar criminosos. Isso não é um local onde
pessoas honestas trabalham.
Desci do SUV no exato instante em que os carros da nossa
escolta chegaram. Os seguranças desceram apressados, assumindo
rápido o comando da invasão do depósito.
— Você tem alguma arma reserva?
— Não, apenas a minha — Yusuf negou. — E nem me peça
ela, porque não vou dar. Você vai ficar aqui esperando que os
seguranças façam o trabalho deles. Assad já deve estar lá dentro.
Al’ama!157
Quatro veículos da polícia se aproximaram em alta
velocidade, provavelmente acionados pelo comando militar.
Saqr já estava em ação, mas ainda assim a minha urgência me
mandava agir em vez de ficar ali parado apenas observando. Tão logo
os policiais desceram das viaturas, aproximei-me de um deles e peguei
a pistola que o homem trazia à mão.
Ele parou, estático.
— Mas alteza...
— Cale-se! — Foi a única coisa que eu disse antes de
caminhar resoluto para o depósito.
— Majdan, você não pode fazer isso! — Yusuf me segurou
com força pelo braço.
— Vou fazer e ninguém vai me impedir. Garanto que ainda
me lembro de tudo o que aprendi em Sandhurst158. Pode ficar aqui fora
se quiser.
— Se Majdan vai entrar, também vou. — Jamal se colocou
do meu lado.
— Vocês estão loucos! Temos homens lá dentro que vão
resolver tudo.
— Por isso mesmo! Já tem tantos homens lá dentro que não
corremos perigo. Quero eu mesmo matar quem encostar a mão em
Thara e Sabirah.
— Mas que merda! — ele xingou, pegando a própria pistola.
— Vamos!
Acabamos por seguir os policiais que estavam à nossa frente.
O som de troca de tiros dentro do depósito nos fez parar para procurar
abrigo, mas depois continuamos até a entrada.
O que encontramos no interior do local foi estarrecedor.
Várias mulheres estavam amarradas umas às outras por correntes que
as prendiam pelos pés e mãos. Todas usavam um capuz preto sobre a
cabeça, como se estivessem prontas para serem transportadas e não
pudessem ver para onde estavam sendo levadas.
— Mas que porra é essa, Yusuf? — rosnei, perplexo com
aquela cena estarrecedora, que nunca pensei ver em Tamrah.
A raiva explodiu dentro de mim só de imaginar que Thara e
Sabirah fossem uma daquelas mulheres.
— Thara! — gritei o nome dela, esperando ouvi-la responder
de algum lugar ali dentro daquele inferno. — Sabirah!
Não houve resposta. Pelo menos não delas.
— Foram levadas para outro lugar — uma voz feminina
respondeu abafada pelo capuz.
Era difícil saber quem tinha falado no meio de tantas
mulheres.
— Soltem-nas! — ordenei para os policiais que estavam
próximos.
— Estamos à procura das chaves, alteza.
— Está com o homem de túnica militar verde — a mesma
mulher respondeu.
— Procurem-no e tragam esta mulher para falar comigo.
Os policiais correram para atender à minha ordem.
— Isso é tráfico — Yusuf rosnou ao meu lado, enraivecido.
— Estou sem acreditar, mas é tráfico de mulheres e estava
acontecendo bem debaixo das nossas barbas.
— Nossa mãe vai ficar furiosa. — Jamal suspirou
pesadamente. — Eu estou furioso, quanto mais ela.
— Precisamos descobrir onde estão Thara e Sabirah. Assad
entrou em contato?
Yusuf consultou o celular.
— Ainda não. Suspeito que foi atrás dos homens que levaram
as duas.
Um dos policiais se aproximou.
— O homem está morto, mas conseguimos as chaves. As
mulheres vão ser libertadas.
— E os outros criminosos? — Yusuf perguntou, mas eu
estava mesmo interessado era em falar com a mulher que parecia saber
de tudo o que havia acontecido ali dentro.
— Estão todos mortos, alteza. São sete homens.
— Viram o Assad?
— Não. Ele não está no depósito.
Jamal havia se afastado e agora ajudava os policiais a
libertarem as mulheres, tirando-lhes o capuz da cabeça para que
respirassem melhor à medida ficavam livres das correntes.
Enquanto Yusuf conversava com os policiais e seguranças,
aguardei com impaciência que a mulher fosse trazida até mim.
Jamal tirou o capuz de mais uma e me surpreendi ao ver os
cabelos louros contrastando com o hijab preto que havia se soltado da
cabeça dela. Pela expressão do meu irmão, ele também estava
igualmente surpreso.
Observei-a melhor. Parecia uma menina pouco mais velha do
que Abia e me revoltei ainda mais ao ver que os criminosos estavam
traficando menores de idade.
— Aquela é estrangeira — chamei a atenção de Yusuf.
Ele olhou para a garota e soltou um xingamento.
— Estrangeira e menor de idade pelo jeito. Já estou vendo a
confusão que vai ser quando a nossa mãe e Malika souberem que
ignorávamos totalmente o que estava acontecendo em Tamrah.
— Essa deve ser a única rede de tráfico de mulheres no nosso
país. Depois que for aniquilada, não vai surgir outra. Só precisamos
pegar os líderes. — Olhei ao redor, impaciente. — Onde está a mulher
que falou comigo?
— Ainda não a encontraram.
— Cada minuto perdido pode significar a vida delas, porra!
Tente ligar para o Assad.
— Acha que não já tentei? — Ele passou as mãos
nervosamente pelos cabelos, cada vez mais carrancudo. — O celular
dele está desligado.
Olhei feio para o meu irmão, mesmo sabendo que ele estava
tão preocupado quanto eu.
— Que merda de especialista é esse que desaparece e não dá
notícias?
— Ele é um dos melhores profissionais que já conheci. Você
precisa confiar nele. Assad vai ligar assim que puder. Ele não vai
sossegar até resgatar Sabirah e Thara.
Eu não pretendia ficar ali de braços cruzados esperando por
ele.
Aproximei-me das mulheres.
— Quem de vocês falou comigo?
Todas baixaram a vista para o chão e ninguém respondeu.
Khara!
Capítulo 70
Majdan
— Sou o príncipe Majdan Al Harbi. Thara é minha esposa e
Sabirah é minha irmã. Uma de vocês sabe o que aconteceu com elas e
precisa me contar para que possamos salvá-las.
Aguardei que a tal mulher se pronunciasse, mas nada
aconteceu.
— Não precisam ter medo. — Yusuf tranquilizou-as,
colocando-se ao meu lado. — Vocês estão em segurança agora e serão
levadas para uma das casas de acolhimento do Ministério da Mulher.
Se sabem o que aconteceu com minha irmã e minha cunhada, não se
calem.
— Sabirah e Thara ajudariam vocês se a situação fosse
inversa. — Jamal reforçou o nosso pedido. — Ajudem-nas também.
Para nossa surpresa, foi a estrangeira quem se adiantou à
frente das outras mulheres.
— Fui eu quem falei. Sou a Shamsa.
Mesmo sem estar abafada pelo capuz, reconheci a voz dela. O
estranho da situação era que fosse uma menina a ter aquele tom de voz
firme e decidido, enquanto as outras mulheres adultas sequer abriram
a boca de tanto medo.
— Acompanhe-me — pedi, afastando-me para um canto do
depósito.
Ela veio e parou à minha frente com um olhar desconfiado.
Yusuf e Jamal se juntaram a nós dois.
— O que aconteceu com Thara e Sabirah?
— Planejamos fugir quando chegasse a hora do transporte,
mas eu caí em uma armadilha. As duas últimas mulheres que eles
trouxeram para o quarto eram infiltradas e propus que fugíssemos,
assim como fiz com todas. Elas fingiram concordar com a fuga, mas
nos entregaram. Eu, Thara, Sabirah e Keisha fomos separadas das
outras mulheres e levadas para um quarto isolado.
Fui pego de surpresa com a informação sobre Keisha.
O que a minha empregada fazia aqui?
— Keisha também estava com elas?
— Estava. Era a mulher que vivia chorando por causa da irmã
de quinze anos que tinha sido sequestrada.
A cada minuto aquela história ficava mais complexa.
— A fuga não deu certo. Foram punidas? — forcei-me a
perguntar, mesmo com receio de ouvir a resposta.
— Não, apenas ficamos isoladas das outras. Eles estavam
esperando alguém importante chegar e decidir o que fariam com elas.
Quando esse homem chegou, levaram Thara e Sabirah. Keisha ficou
comigo, mas foi levada depois. Pensei que fossem me matar, mas me
trouxeram para perto das outras mulheres de novo, dizendo que valia a
pena me manter viva.
Ela era jovem, bonita e loura, o que geraria um bom dinheiro
no tráfico. Claro que eles não iam matar a garota.
Pela expressão fechada de Yusuf e Jamal, eles chegaram à
mesma conclusão.
— Quantos anos você tem? — Jamal perguntou de repente.
— Vinte e um.
Impossível ela ter vinte e um!
O meu irmão mais novo meneou a cabeça com irônica
desaprovação.
— Ha! Se você tem vinte e um, eu tenho cinquenta.
— Você está bem conservado para que tem cinquenta — ela
ironizou da mesma maneira que ele fez, mantendo um olhar
desafiador. — Vou fazer vinte e um no próximo mês.
Jamal não facilitou para a menina.
— E eu faço cinquenta na próxima semana. Dá para
acreditar?
Ela desviou o olhar dele e deu de cara com o meu. Eu não
sabia o motivo da mentira, mas estava interessado mesmo era em
Thara e Sabirah.
— Você chegou a ver o líder?
— Vi muito rapidamente e não conseguiria identificá-lo, por
isso nem me peçam para descrever o homem. Mas Thara o conhecia.
Enrijeci com aquela informação.
— Ela o conhecia?
— Sim. Ouvi quando disse para Sabirah que era o ex-noivo.
O choque me deixou paralisado, mas segundos depois a raiva
explodiu dentro de mim como a força de uma tempestade de areia.
— O que foi que você disse? — rosnei, avançando para mais
perto de Shamsa.
A garota deve ter se assustado com a minha expressão de
ódio, porque se escondeu rápido atrás de Jamal, que estava mais
próximo dela.
— Calma, Majdan. — Ele colocou uma mão no meu peito. —
Se a assustar, ela não vai contar mais nada.
Foi com muito esforço que controlei a raiva para não assustar
a garota.
— Não vou machucar você, Shamsa. Preciso apenas ter a
certeza de que era mesmo Musad Faez.
— Não sei o nome dele, só que era o ex-noivo de Thara.
Virei-me para Yusuf.
— Agora sabemos quais eram os negócios internacionais que
aquele cachorro tinha no exterior e de onde vinha o dinheiro dele. Ibn
sharmouta!159
Só de imaginar Thara em poder de Musad, a minha raiva
chegava a um nível incontrolável. Comecei a me sentir sufocar dentro
do depósito.
— Há quanto tempo ele esteve aqui? — Yusuf perguntou à
garota.
— Pouco antes de vocês chegarem. Uns cinco minutos,
talvez.
— É muito pouco tempo para ele ter conseguido fugir para
longe, exceto se fosse de helicóptero — raciocinei, cerrando os
punhos. — Ainda deve estar pelas imediações.
— Não podemos nos esquecer que Assad chegou antes de
nós, deixando parte da quadrilha encurralada aqui dentro.
Perdi a paciência.
— Quero esta área inteira devassada, Yusuf. Cada prédio,
casa ou terreno deve ser verificado aos detalhes. Fechem todas as
entradas e saídas da rua e das imediações. Ninguém sai ou entra sem
ter até os ossos vistoriados. Elas ainda estão por aqui.
Yusuf fez um gesto para Jamal, indicando a garota.
— Leve-a para junto das outras mulheres e providencie para
que todas sejam enviadas para a casa de acolhimento.
Assim que os dois se afastaram, Yusuf pegou o celular e
começou a dar ordens para fazerem tudo o que eu havia exigido.
Mesmo sabendo que as Forças de Segurança de Tamrah eram
eficientes e fariam um excelente trabalho, a frustração crescia.
— Não aguento mais ficar aqui dentro sem saber o que está
acontecendo com Thara. Preciso encontrá-la agora!
Yusuf me abraçou pelos ombros.
— Pense antes de perder a razão, Majdan! Como vai
encontrar Thara sozinho se ninguém ainda sabe onde ela está? Deixe
que o meu pessoal encontre as duas. Assad não deve demorar muito
para dizer alguma coisa sobre Sabirah e Thara. Não se esqueça que ele
foi o homem que tirou Malika da prisão.
— Só sei que vou enlouquecer se ficar aqui sem fazer nada,
Yusuf! Por Allah, já estou enlouquecendo.
Desvencilhei-me dele e saí do depósito, precisando respirar ar
puro para tentar manter o autocontrole. Ali dentro eu estava perdendo
a sanidade mental muito rapidamente.
A minha Thara não pode estar nas mãos daquele verme!
Allah, tenha misericórdia dela.
Do lado de fora, várias viaturas militares e da polícia
cercavam completamente o depósito e interceptavam a entrada da rua.
Em vez de me tranquilizar com aquilo, desesperei-me ainda mais. Eu
não conseguiria simplesmente esperar que cada pedaço daquele
perímetro fosse devassado pelas forças de segurança.
— Majdan! — Yusuf chegou correndo. — Assad ligou
avisando que encontrou Sabirah!
— Que Allah seja louvado! — O alívio descomprimiu o meu
peito. — E Thara?
Pela expressão de Yusuf, soube da resposta antes mesmo que
ele falasse.
— Ele não tem nenhuma pista do paradeiro dela. Sabe apenas
que as duas seguiram destinos diferentes aqui mesmo no depósito.
Não é possível!
— Sabirah não sabe de nada sobre Thara?
— Nossa irmã está inconsciente, Majdan! Assad encontrou-a
agora mesmo dentro de um poço, onde eles a colocaram para morrer.
Disse que precisa urgente de uma ambulância para levar Sabirah ao
hospital. Já enviei um helicóptero ao local para transportá-la e avisei à
nossa mãe, que já está seguindo para o hospital com Malika e Kismet.
Caí de joelhos no chão e cobri o rosto com as mãos, sentindo-
me destroçado por dentro. Se fizeram aquilo com Sabirah, uma
princesa Al Harbi desde o nascimento, o que fariam com Thara?
Oh, habibti! Preciso de você!
Eu não queria nem imaginar Thara sozinha, e provavelmente
sofrendo, nas mãos daquele filho da puta do Musad.
Nunca me senti tão impotente. O poder de ser um príncipe Al
Harbi não tinha valor algum naquele momento. De que servia ser da
realeza, se eu não podia trazer Thara de volta para o meu lado, onde
ela estaria segura e protegida?
Só Tu tens poder agora de proteger a minha mulher, Allah.
Cuida dela para mim!
Yusuf se ajoelhou também, abraçando-me com força pelos
ombros.
— Vamos encontrá-la, Majdan. Allah vai nos ajudar a
encontrar Thara. Lembra-se quando Malika ficou refém de Hisham?
Você me aconselhou a controlar as emoções antes de enfrentá-lo, a não
deixar que o adversário me quebrasse antes da luta. Agora sou eu
quem digo tudo isso para você, meu irmão. Allah está do nosso lado!
Levantei-me com a ajuda dele e ergui o rosto para o céu azul,
deixando o sol bater direto em mim. Lembrei-me dos passeios na praia
com Thara sob o sol de Alqamar.
“Eu não queria voltar. Por mim, ficaria aqui com você para
sempre.”
Senti os olhos marejados de lágrimas de dor e de saudades ao
me lembrar da promessa que fiz a mim mesmo de levá-la de volta à
Alqamar assim que pudesse.
Junto com a dor e a saudade, veio também um desejo de
vingança que me fez estremecer de tanto ódio, mesmo sob o calor do
sol.
Musaf Faez é um homem morto!
Fomos interrompidos pelo Jamal, que se aproximou com os
lábios comprimidos de tensão e ofegante.
— Vocês não vão acreditar! A Shamsa fugiu.
— Fugiu como? — Yusuf fez um gesto de incredulidade com
as mãos. — Ela é só uma menina e o perímetro está cheio de militares
experientes.
— Uma pobre menina que se aproveitou disso para enganar a
todos nós, isso sim! Ainda corri atrás dela, mas a espertinha conseguiu
passar pela fresta estreita do portão de uma casa. Por mais que eu
tenha chamado, ela foi embora sem nem olhar para trás.
— Devia estar assustada com tudo isso.
Jamal meneou a cabeça com preocupação.
— Ou escondendo algo. Para mim ficou óbvio que mentiu
sobre a idade.
— Ainda mais essa! — exclamei, irritado. — Uma menina
sequestrada que estava sob a nossa responsabilidade e que agora está
andando sozinha nas ruas de Jawhara. Precisamos encontrá-la.
— Mostre-me para onde ela foi, Jamal. Vou enviar alguns
homens atrás dela.
Os dois se afastaram enquanto eu lutava para manter a calma,
quando só queria gritar toda a minha raiva.
— Com licença, alteza. Capturamos um dos criminosos com
vida.
Virei-me abruptamente ao ouvir o militar que se aproximou
de mim. Ele fez uma continência.
— Onde ele está?
— Três casas atrás do depósito, mas já está sendo trazido
para uma das viaturas.
— Leve-me até ele.
— O homem estava escondido no subsolo de uma casa
semidestruída e abandonada, alteza. Talvez seja melhor esperar que o
tragam aqui.
— Quero vê-lo agora! — rosnei friamente.
— Sim, alteza.
O militar me conduziu para o local. Quando entrei, entendi o
porquê de ele ter sugerido que eu esperasse junto às viaturas. Aquilo
não era uma casa, mas as ruínas de uma.
Observei o homem algemado que estava sendo levado para
fora por outros dois militares. Devia ter pouco mais de trinta anos, era
magro e alto.
Os três pararam assim que me viram e notei que o criminoso
me reconheceu.
— Sabe quem sou — afirmei.
— Sim, alteza. — Ele baixou a cabeça e olhou para o chão.
— É bom que saiba, porque vou lhe dar exatamente um
minuto para me dizer onde Musad Faez levou a minha esposa.
O homem ergueu o rosto com os olhos arregalados e engoliu
em seco.
— Esposa?
— Minha esposa. Vocês sequestraram duas princesas Al
Harbi. Duas princesas intocáveis.
— Nós não sabíamos — apressou-se em responder. —
Achamos que todas eram mulheres comuns. Não nos informaram que
estávamos com duas princesas no depósito.
Peguei a pistola e apontei para o meio da testa dele.
— Quero saber agora para onde o seu chefe levou Thara ou
você não vai sair daqui com vida. Vai sangrar até à morte na minha
frente — ameacei calmamente, disposto a fazer exatamente aquilo se
ele não me desse uma pista sobre o paradeiro de Thara.
Os olhos do criminoso quase saltaram das órbitas, mas não
havia medo neles.
— O esconderijo dele fica aqui perto. Posso mostrar.
Fácil demais. Com apenas uma ameaça de morte e nenhum
tipo de tortura, um criminoso que vendia mulheres estava disposto a
entregar o próprio chefe?
Encarei-o com frieza, esmagando dentro de mim a urgência
de encontrar logo Thara. Se eu me deixasse levar pela emoção e pelo
desespero, sairia às pressas com ele para o tal esconderijo de Musad.
Em vez de fazer aquilo, analisei-o friamente por longos
instantes.
O criminoso não desviou o olhar, mas começou a piscar vezes
seguidas, mostrando um nervosismo que antes não existia.
Baixei a arma e falei com um dos militares que o prenderam.
— Ele estava armado?
— Sim, alteza. — O militar me mostrou um fuzil de precisão
automático. — Abatemos o outro homem que estava com ele. Ambos
usavam o mesmo tipo de arma.
Tudo indicava que Musad equipava muito bem os seus
homens e não tinha lógica nenhuma que dois deles estivessem
escondidos com armas militares no subsolo daquelas ruínas, a menos
que estivessem protegendo o verdadeiro esconderijo do filho da puta.
Encarei novamente o criminoso e continuei falando com o
militar.
— Quero ver o local onde ele foi encontrado.
Um rápido brilho de alerta surgiu nos olhos dele e me deu a
resposta que eu queria. O meu coração acelerou com a possibilidade
real de resgatar Thara.
— Levem-no para a viatura e não tirem os olhos dele.
Enviem reforços para cá imediatamente. — Olhei para o militar que
me acompanhou. — Você vem comigo.
Capítulo 71
Thara
Uma nova onda de náusea aumentou o enjoo que eu estava
sentindo desde que descobri quem era o homem por trás daquela rede
de tráfico de mulheres. O choque e o nojo que sempre senti de Musad
aumentavam o meu mal-estar a cada passo que dava dentro do
labirinto de túneis subterrâneos que existia por baixo da rua onde
ficava o depósito de mulheres.
Sentia-me sufocada naquele lugar horrível. A sensação era de
estar sendo enterrada viva em um local de onde nunca mais
conseguiria sair.
Trinquei os dentes para controlar o choro e respirei fundo o ar
viciado do lugar. Apesar de estar atenta a qualquer oportunidade de
fuga, eu não via como conseguiria me libertar. Os meus pulsos
estavam amarrados por uma corda que Musad segurava à minha
frente, puxando-me como se eu fosse um animal. Atrás de mim seguia
um dos homens armados dele com um olhar duro.
Allah, me ajuda!
Eu vinha repetindo continuamente aquele apelo, mantendo
forte a minha fé até o último minuto, ainda que aquele último minuto
fosse também o último da minha vida. Eu sabia do meu destino nas
mãos de Musad e lutaria até à morte antes de ser forçada a me
submeter a ele.
Ainda existia dentro de mim uma esperança de ser salva antes
de morrer lutando pela minha honra e dignidade. Os tiros que haviam
sido disparados dentro do depósito foram sons abençoados para os
meus ouvidos. De alguma maneira, eu sabia que Majdan estava lá em
cima à minha procura. O problema era ele descobrir que eu estava
presa ali embaixo.
— Pode ir embora — Musad disse para o homem que nos
acompanhava.
Só então percebi que havíamos chegado a uma porta de
madeira maciça, que ele abriu. Fui arrastada para dentro de uma sala
luxuosamente decorada que me deixou estarrecida. Até o ar lá dentro
era mais limpo e respirável.
— Está surpresa? — Ele sorriu com maldade, fechando a
porta à chave. — Sou um homem rico e gosto de conforto, Thara.
Construí este bunker160 para mim com tudo do bom e do melhor.
Venha conhecer o meu “palácio” subterrâneo.
Notei a ironia. Musad quis dar a entender que, igual a
Majdan, ele também tinha um palácio.
Fui obrigada a conhecer todos os cômodos do abrigo
subterrâneo, ainda com as mãos amarradas. O meu pior medo se
concretizou quando finalizamos no quarto.
O sorriso odioso dele se alargou.
— Enfim, tenho de volta a esposa que me roubaram.
— Nunca fui sua esposa e nem serei. O que houve foi um
noivado forçado que não se transformou em casamento. Sou casada
com Majdan Al Harbi.
— O príncipe depravado e drogado? — Ele soltou uma
gargalhada. — Só mais uma dose de cocaína e você ficará viúva,
Thara. A overdose vem agora e eu só espero que mate logo o filho
daquela puta que está tentando dar liberdade às mulheres.
Fiquei horrorizada ao vê-lo falando com tanto ódio de Farah,
o que só comprovava o quanto Musad desprezava as mulheres. A
repulsa que sempre senti dele não era à toa. Saber que a riqueza do
meu ex-noivo vinha do tráfico de mulheres inocentes era revoltante.
— Majdan não usa mais nenhum tipo de droga.
— Ele lhe disse isso? Acho que o primogênito da puta
esqueceu de lhe dizer que vem ficando muito doidão com as doses de
cocaína que tem tomado.
Olhei-o, pasma.
Como ele soube disso?
— Você está envolvido com Hayat?
Foi a vez de ele ficar surpreso, mas se recuperou rápido.
— Então, afinal você sabe que ele continua drogado. —
Musad se aproximou ameaçadoramente de mim. — É verdade. A
senhora Hayat enviou uma pessoa para falar comigo quando descobriu
quem era a mulher que estava ficando muito íntima do ex-marido e da
filha. Achei perfeito o plano dela de drogá-lo aos poucos. A intenção
de Hayat era que ele se afastasse de você quando descobrisse que
continuava sendo um drogado inútil, mas a minha intenção era mesmo
matá-lo por overdose. Não consegui dessa vez, mas conseguirei da
próxima.
Allah tenha piedade!
— O plano de vocês já foi descoberto.
— Será que foi mesmo? Acho que não. Você está em meu
poder e a princesa Sabirah já deve estar morta. A empregada continua
na minha mão depois de falar por telefone com a irmã sequestrada. —
Ele me segurou com violência pelos cabelos. — Quem vai me impedir
de continuar drogando Majdan Al Harbi? Ninguém, Thara. Tenho que
dar o mérito a Hayat pelo plano perfeito. A mulher passou anos
drogando o próprio marido para ele nunca se recuperar do vício e ela
controlar tudo. A família inteira nunca descobriu, ninguém desconfiou
de nada e é assim que vai permanecer.
— Tenho nojo de você, Musad! — expressei pela primeira
vez o que realmente sentia por ele. — Não sei como o meu pai nunca
viu o homem desprezível que você é.
— O seu pai é um velho tolo e os seus irmãos são uns idiotas
que não fazem nada certo. Você pode não ter se tornado minha esposa,
mas vai servir muito bem como puta. — Puxou a corda para baixo
com violência e me forçou a ficar de joelhos à frente dele. — Ajoelhe-
se diante do seu novo senhor, vadia! Está na hora de praticar comigo
todas as perversões que aprendeu com ele.
Nunca! Antes morrer do que me submeter a isso!
Quando Musad levou as mãos às calças, puxei a corda com
força, tirando-a dele. Pego de surpresa, ele demorou a reagir e foi o
tempo que precisei para correr para o outro lado do quarto, deixando a
enorme cama entre nós dois. Peguei um candelabro sobre a mesa de
cabeceira e arranquei as velas, usando o suporte de metal como uma
arma para me defender.
Ele riu mais uma vez, aproximando-se lentamente.
— Acha que isso vai me impedir, Thara?
Eu sabia que não e olhei desesperada ao redor, à procura de
qualquer outra coisa que servisse de arma. Os meus olhos bateram em
uma adaga com cabo incrustado de pedras preciosas sobre uma
mesinha redonda que havia no canto. Provavelmente a arma era de
enfeite, mas serviria.
Corri para lá e segurei-a com firmeza, apontando-a para ele.
Musad parou, encarando-me com um brilho assassino nos
olhos escuros. Naquele instante, soube que não escaparia caso ele me
pegasse. Ainda assim não baixei a adaga, enfrentando-o.
Sem desviar os olhos de mim, ele caminhou até a mesa de
cabeceira, abriu-a e tirou de lá uma pistola.
— Sou um bom atirador e posso tirar essa adaga da sua mão
sem que precise matar você, Thara. Depois, vamos nos divertir muito,
mesmo que você não tenha mais uma das mãos.
Por Allah!
A náusea subiu forte pela minha garganta a ponto de querer
vomitar só de imaginar Musad tocando-me. Eu queria ter tempo para
esperar Majdan descobrir que eu estava ali embaixo, mas a minha
esperança se desvaneceu diante da realidade que vivia.
Quando Musad começou a andar na minha direção, tomei a
decisão mais difícil da minha vida. O que eu ia fazer era um blefe, mas
teria de seguir em frente se não desse certo.
Perdoe-me, Allah, mas prefiro morrer!
Girei a adaga nas mãos e apontei-a para mim mesma, na
altura do coração.
— Você vai se divertir com um cadáver.
Musad parou novamente.
— Não seja idiota! Você vai gostar do que vamos fazer
juntos.
Engoli a náusea mais uma vez.
— Prefiro morrer.
Ele arreganhou os dentes em uma careta de raiva.
— Desejo você há anos e vou ter! Solte a adaga!
— Solte você a arma, Musad.
Para minha surpresa ele jogou a pistola em cima da cama.
— E agora? Acha que vai conseguir sair do meu bunker
superprotegido com esta adaga no peito? Não seja idiota.
Ele tinha razão e senti vontade de chorar. Ainda assim não
desisti. Apeguei-me àquela única esperança de continuar viva.
Traz o Majdan, Allah! Por misericórdia!
Musad se sentou confortavelmente em uma poltrona,
cruzando uma das pernas sobre o joelho.
— Sou um homem paciente, Thara. Aguardei você crescer
para tê-la em minha cama. Alguns minutos a mais não vão fazer
diferença. — Olhou-me com um sorriso de vitória. — Vou usar esta
mesma adaga para circuncidar você depois.
Estremeci violentamente. Tentei engolir o nó que travou a
minha garganta, mas quase sufoquei. O cerco estava fechando-se ao
meu redor.
— É questão de tempo até você se cansar de ficar aí em pé
com esta adaga no peito. Eu não vou me aproximar, mas você também
não vai conseguir sair por aquela porta trancada à chave. Vai se matar
à toa? Acho que Allah não vai perdoar você por isso. A filha de um
imame não deveria se suicidar.
— A filha de um imame não deveria ser estuprada.
Ele cravou os olhos em mim com o rosto sério e não disse
mais nada, esperando calmamente que eu vacilasse. Tirou o celular do
bolso e fez uma ligação.
— Como andam as coisas aí em cima? — Sorriu com
satisfação ao ouvir a resposta. — Perfeito! Me avise quando eles
forem embora com as mulheres.
Não, Majdan! Não vá embora e me deixe aqui. Vou morrer!
Tentei não demonstrar o meu desespero, engolindo a
angústia.
Musad escutou com atenção o que o homem dizia ao celular,
fazendo um gesto de pouco caso com os ombros.
— Perdemos só os homens que eram dispensáveis. Quanto às
mulheres, foi realmente uma pena perder a estrangeira. Ela daria um
bom dinheiro, mas providenciaremos depois uma outra remessa de
mulheres que compense. O turismo tem aumentado muito aqui em
Tamrah e não será difícil conseguir uma outra ocidental loura para
prestar serviços no deserto.
Desligou depois sob o meu olhar enojado. Ele sorriu de um
jeito asqueroso.
— Estou ansioso para sentir a sua boca no meu pau, Thara.
Você nem imagina quantas vezes fantasiei com isso quando ia para
aquelas reuniões enfadonhas com o seu pai. Você nasceu para chupar o
pau de um homem.
A mão que segurava a adaga até tremeu quando o ouvi. Foi
difícil me manter firme diante de tanta podridão.
— Aquele príncipe depravado deve ter feito de tudo com
você. Não precisa fingir tanto pudor comigo. — Ele se levantou,
olhando-me de um jeito que me deixou nervosa. — Talvez até tenha
sido bom você ter ficado com ele. Agora é uma puta experiente que
vai me dar muito prazer. Estou começando a ficar excitado só de falar.
Acho que você não vai se importar que eu me satisfaça um pouco.
Para o meu desespero, Musad tirou a túnica pela cabeça e
ficou de peito nu. Quis desviar a vista, mas me mantive firme. Se
olhasse para o outro lado, corria o risco de ele se aproximar sem que
eu visse, tomando a adaga da minha mão. Contudo, pior era olhar e ser
obrigada a vê-lo nu e excitado, algo que já se tornava visível através
da calça.
Allah Todo-Poderoso!
— Pode olhar, Thara. Isso me excita ainda mais.
Musad despiu a calça e fixei o olhar no rosto dele, fingindo
que nada mais existia. Ele ficou completamente nu à minha frente com
a fisionomia refletindo um desejo repulsivo. Apesar de não estar me
tocando, eu me sentia como se estivesse sendo estuprada.
Quando a primeira lágrima caiu pelo meu rosto, a porta do
quarto se abriu com um estrondo. Lascas de madeira da fechadura
voaram pelo ar e Majdan entrou com uma pistola na mão. Foi quando
chorei de vez.
O olhar tempestuoso se fixou em mim, depois em Musad
completamente nu, para finalmente ele fechar a porta com um chute de
pé, deixando homens armados lá fora. O som da madeira batendo com
força nos isolou do resto do mundo.
Antes que Musad conseguisse se recuperar do susto, fui
rápida para a cama e peguei a pistola que ele havia jogado em cima. O
homem rugiu com raiva quando viu o que fiz, mas agora não havia
nenhuma arma que pudesse usar para se defender de Majdan. Só se
fosse lutando.
Majdan percebeu a mesma coisa e avançou para cima dele,
mas me surpreendeu ao arremessar a própria pistola para longe e tirar
thobe com rapidez pela cabeça. Cerrou os punhos, fazendo sobressair
os músculos desenvolvidos do peitoral, ombros e braços. Só então
entendi que ele preferia a luta.
— Vire de costas, Thara. Não olhe.
Fiz o que mandou, até porque não me sentia com forças para
assistir a uma luta que sabia ser mortal. Majdan mataria Musad.
De costas, fechei os olhos, mas não consegui deixar de ouvir
os rosnados furiosos que ele soltou a cada golpe que dava em Musad,
muito menos o som de ossos sendo quebrados e partidos. Tapei os
ouvidos quando Musad soltou um grito apavorante de dor, para depois
um som estranho o calar de vez. Achei que a luta fosse demorar, mas
não durou nem um minuto.
Quando tudo terminou, respirei fundo ao sentir uma forte
tontura que me fez cambalear.
— Thara!
Nem tive forças para me virar. As mãos de Majdan me
seguraram pelos ombros e fui atraída para o peito dele, que já estava
vestido com o thobe.
Abraçamo-nos com o desespero nascido da tensão das
últimas horas, do medo da perda, da incerteza de um reencontro.
Nunca foi tão bom me sentir arrebatada nos braços dele e sentir a
força do corpo musculoso.
Nossas bocas se procuraram com ânsia e trocamos um beijo
profundo.
— Você veio.
— Nunca deixaria de procurar você, habibti. Nunca! —
grunhiu roucamente entre os meus lábios. — Eu já estava
enlouquecendo sem você.
— E eu ia morrer se você não chegasse a tempo.
— Nunca, Thara! Ana bhebik!161
Abracei-o com mais força, precisando senti-lo perto de mim.
— Vamos embora. Quero tirar você daqui o mais rápido
possível.
Assenti, incapaz de falar. Agora que todo o perigo e a tensão
haviam passado, eu me sentia drenada de toda a energia.
— Não olhe para o lado. Apenas venha comigo.
Ele me impediu de ver o corpo sem vida de Musad quando
saímos do quarto. Do lado de fora, militares das Forças de Segurança
de Tamrah aguardavam de prontidão. O alívio veio junto com uma
vontade enorme de chorar ao vê-los abrirem caminho para passarmos.
Vacilei nas pernas e Majdan não hesitou em me pegar ao colo.
— Você está bem? — Olhou-me com preocupação enquanto
caminhava às pressas pelos corredores do abrigo subterrâneo.
— Me sinto cansada e ansiosa para sair daqui. Este lugar me
faz mal.
— Vou levar você ao hospital antes de irmos para Taj.
— E Sabirah?
A expressão dele ficou mais séria e me angustiei só em
pensar que realmente tivessem matado Sabirah.
— Ela estava inconsciente quando foi encontrada por Assad e
foi levada para o hospital. Ainda não sei o estado de saúde dela.
— Que Allah seja louvado! Pelo menos Sabirah está viva. Ele
me disse que iam matá-la.
A mandíbula barbada enrijeceu ao ouvir falar de Musad.
— Ele nunca mais vai chegar perto de você, de Sabirah ou de
qualquer outra mulher. Agora relaxe, habibti. Está tudo acabado.
Alhamdu lillah!162
Foi a última coisa que pensei antes de perder a consciência
nos braços do meu príncipe.
Capítulo 72
Majdan
O abrigo subterrâneo de Musad Faez me surpreendeu. Achei
que encontraria um buraco rude no interior da terra, mas era na
verdade uma fortaleza no subsolo, um verdadeiro bunker milionário
construído com o dinheiro sujo do tráfico de mulheres. Não me
espantaria descobrirmos depois que além das mulheres, ele também
traficava drogas, armas ilegais e tudo o mais que um criminoso faria.
Thara jamais conseguiria fugir dali sozinha. Seria uma
escrava sexual daquele homem até os últimos dias de vida. A certeza
daquilo me desesperou ainda mais e foi com a adrenalina correndo
com força total nas veias que invadi a área restrita onde ficava os
aposentos do filho da puta.
Apesar de ter me preparado psicologicamente para aguentar o
que ia encontrar quando os militares arrombassem a porta do quarto
principal, eu sabia que ia enlouquecer de raiva se o cenário fosse de
estupro. Matar Musad apenas uma vez ia ser pouco para a minha sede
de vingança.
Que Allah tivesse piedade de mim, mas eu ia quebrar todos os
ossos daquele cachorro, um por um!
Eu havia prometido a mim mesmo que não voltaria a matar e
Allah era testemunha de que cumpri o quanto pude aquela promessa.
Agora, ninguém ia me impedir de enviar para o inferno aquele diabo
em forma de gente.
O reforço militar que pedi chegou mais rápido do que pensei.
Eu ainda estava tentando encontrar a entrada do bunker com o único
homem que me acompanhou, quando o grupo fortemente armado
chegou. Assim que a localizamos e vimos a grandiosidade do que
estava à nossa frente, ordenei que enviassem mais reforços.
— A verdadeira batalha vai começar agora — falei para eles.
— Precisamos de mais homens aqui.
Deixei que o oficial que estava com o grupo assumisse o
comando da invasão, mas dei um aviso a todos antes.
— Quero Musad Faez vivo. Ele é meu.
Eles assentiram e entramos.
O excelente treinamento militar das nossas forças de
segurança foi crucial para o sucesso da missão. Agradeci mentalmente
à Saqr por investir pesado neles.
A cada metro conquistado dentro daquele bunker, eu só
pensava em Thara.
Aguente firme, habibti. Vou tirar você viva daqui!
Preparei-me para todos os cenários possíveis quando a porta
do quarto foi arrombada. Encontrar Musad nu, masturbando-se na
frente de Thara, fez explodir em mim toda a força do Leão de Tamrah
que o meu avô tanto dizia que eu tinha no corpo e no espírito. Ela
estava completamente vestida, mas notei a adaga que apontava para o
próprio coração.
Eu morreria se o coração dela parasse de bater!
Cruzamos um rápido olhar em que tentei lhe dizer que agora
estava em segurança. Eu ia tirá-la dali com vida, mas antes ia matar
aquele verme. Chutei a porta na cara dos militares e liberei dentro de
mim toda a fúria que sentia.
Ergui a pistola e mirei na testa de Musad. Thara me
surpreendeu ao pegar uma outra pistola sobre a cama e só então
percebi a intenção dela. A mulher que eu amava era uma lutadora e
urrei de satisfação com a possibilidade de matar aquele desgraçado
com as minhas próprias mãos.
— Vire de costas, Thara. Não olhe.
Não tive tempo de ver se ela me atendeu. Toda a minha
atenção estava centrada no cachorro do Musad, cujo medo no olhar era
palpável.
Filho da puta covarde!
O pau duro que ele exibia para Thara amoleceu em questão
de segundos e foi ali mesmo que ele recebeu o primeiro golpe. Não
tive piedade e quebrei tudo, estivesse duro ou mole.
Toda a tensão acumulada explodiu de uma única vez e
estrangulei Musad da mesma forma que um leão estrangula a sua
presa, quebrando-lhe o pescoço.
Tentei ser o mais rápido possível por causa de Thara. Ela já
tinha sido agredida demais na vida para ainda ser obrigada a me ver
matar um homem.
Soltei o corpo sem vida de Musad e parei por alguns
segundos para controlar a respiração ofegante. Vesti o thobe e fui até
onde Thara me aguardava.
Dentro de mim havia um turbilhão de emoções. Uma mistura
de alívio por tê-la de novo em meus braços, de gratidão a Allah por ter
livrado a minha mulher da morte, e de amor profundo por Thara. Foi
com devoção que beijei os lábios macios, aplacando parte do medo
que senti de perdê-la para sempre.
A vontade de rugir bem alto a minha vitória sobre Musad era
grande, mas me controlei a tempo. Eu tinha urgência de tirar Thara
daquele inferno.

O percurso até o hospital foi feito em poucos minutos, mas


ainda assim pareceu lento demais para mim. Thara não resistiu por
muito tempo à pressão que sofreu nas mãos de Musad e desmaiou
antes mesmo de sairmos do esconderijo subterrâneo.
Fiquei preocupadíssimo, mas o médico da ambulância que
estava estacionada junto das viaturas, garantiu-me que os sinais vitais
dela estavam bons e que o desmaio foi uma reação natural do corpo ao
fim do perigo que sofreu.
Até chegarmos ao hospital, Thara ainda não havia recobrado
a consciência e não dei trégua aos médicos até eles me tranquilizarem
sobre o estado de saúde dela.
Foi a doutora Bushra quem veio falar comigo depois que ela
deu entrada na área restrita da urgência.
— Thara está fisicamente bem. Exceto algumas marcas nos
pulsos, ela não tem nenhum ferimento nem sofreu violência física.
Não podemos dizer o mesmo da violência psicológica e emocional,
motivo que a fez desmaiar de exaustão. Essa não é a primeira vez que
ela dá entrada no hospital depois de passar por situações de extrema
tensão. É uma mulher forte, mas a partir de agora a saúde dela estará
mais delicada, exigindo mais cuidados. Deve descansar bastante e
evitar muito estresse.
Saúde delicada?
— Fiquei preocupado agora, doutora. O que ela tem é sério?
A médica sorriu.
— É sério só até ela completar nove meses de gravidez e o
bebê de vocês nascer. Thara está grávida.
Por Allah!
Sentei-me na cadeira da sala de espera da urgência, pego de
surpresa com aquela notícia inesperada. Depois, meneei a cabeça
rindo de mim mesmo. Eu era um homem maduro com três filhos.
Deveria estar preparado para o que aconteceria após semanas inteiras
fazendo o sexo mais incrível da minha vida com a mulher que amava.
Cobri o rosto com as mãos e fechei os olhos, agradecendo a
Allah por aquela benção. Era mais um filho para alegrar os meus dias.
Um filho com a minha Thara.
Com o orgulho explodindo no peito, levantei-me para falar
com a médica, que me olhava com um sorriso compreensivo no rosto.
— Thara ainda não sabe ou teria me contado.
— Saberá quando voltar à consciência. Por enquanto, vamos
deixá-la descansar o tempo que precisar para superar o estresse do que
aconteceu.
— Ela está mesmo bem?
— Sim, não há com o que se preocupar. Como sei que ela é
recém-casada, fiz primeiro um teste de gravidez antes de submetê-la a
qualquer outro exame. Thara está fisicamente bem. Vou receitar tudo o
que ela precisará tomar durante a gravidez e já deixar marcada uma
consulta com a ginecologista das princesas.
Senti uma paz enorme no coração ao receber aquelas notícias.
Allah nos abençoou naquele dia.
Contudo, ainda havia a minha irmã.
— E Sabirah, como está?
— Apesar de ainda não ter recuperado a consciência, o
quadro dela é estável, alteza. Já tranquilizei o segurança que trouxe a
princesa e também os familiares que estão aguardando notícias na sala
de espera.
— Vou lá falar com eles. Quero ser avisado assim que Thara
for levada para o quarto.
— Avisarei, alteza.
Fui para a sala de espera do quarto de Sabirah, onde encontrei
os meus pais, Kismet e Malika. Apenas os meus irmãos não estavam
presentes. Com certeza ainda deviam estar lidando com o problema do
tráfico de mulheres.
A minha mãe foi a primeira a se levantar para me dar um
abraço. Apertei-a com força junto ao peito, beijando-lhe o alto da
cabeça. O meu pai veio atrás dela e nos abraçou em silêncio. Ficamos
os três naquela posição por longos segundos.
— Como está a Thara, filho?
— Inconsciente, mas bem, mãe.
— Que Allah seja louvado!
— Vocês já viram a Sabirah?
Ela suspirou com tristeza.
— Ainda não. Estamos aguardando que seja trazida para o
quarto, mas acho que só vão fazer isso quando ela recobrar a
consciência.
— E os meus irmãos?
— Estão caçando os últimos criminosos da rede de tráfico de
mulheres — o meu pai respondeu com a voz severa. — Depois de uma
vida inteira de reinado, não vou deixar o crime organizado se instalar
no meu país. Quero todos cumprindo a pena máxima.
— Ainda estou sem acreditar que o noivo escolhido pelo pai
de Thara era o chefe do tráfico — a minha mãe sussurrou. — Que
triste destino ela teria se tivesse sido forçada a se casar com ele.
— Nem quero falar nisso, mãe! Thara estava destinada a ser
minha esposa e é comigo que vai ficar para sempre. Esta era a vontade
de Allah. Já estava escrito e assim permanecerá.
— Inshallah, meu filho.
O meu pai me abraçou com força pelos ombros.
— Fez bem em dar um fim àquele homem, Majdan. O meu
leão massacrou a hiena. – Ele me beijou no rosto. — Estou muito
orgulhoso de você.
— Obrigado, pai. — Retribuí o abraço, emocionado. — A
única coisa que quero agora é saber por que Thara e Sabirah foram à
cidade velha.
— Teremos de esperar que uma delas recobre a consciência
para nos contar.
— A menos que Keisha seja encontrada e nos conte o que
aconteceu.
A minha mãe me olhou de testa franzida.
— Você está falando da empregada que trabalha na sua casa?
— Ela mesma, mãe.
— Mas que história é essa? Quero saber de tudo.
O meu pai nos interrompeu.
— Ele vai contar, mas antes precisa tomar um banho. —
Apontou para a barra suja do meu thobe. — Você parece que veio da
guerra e isso não é roupa para estar em um hospital.
Olhei para baixo e tive que dar razão a ele.
— Sim, claro. Vá, filho — a minha mãe concordou. —
Conversamos depois.

Quando entrei de novo na sala de espera, já de banho tomado


e usando roupas limpas, a minha mãe veio logo falar comigo com a
expressão muito séria.
— Quero que me conte tudo agora.
Passei a mão pelo rosto, ciente de que ainda havia muito
mistério envolvendo a ida de Thara e Sabirah à parte antiga da cidade.
— Vamos nos sentar com o meu pai, Kismet e Malika.
Contarei tudo o que sei.
À medida que os quatro me ouviam, o choque era evidente na
fisionomia de cada um. A minha mãe parecia a mais abalada de todos.
— Keisha tem uma irmã prisioneira do tráfico? — Kismet
arregalou os olhos verdes. — Por Allah, que situação!
— Ainda mais com quinze anos. Isso é revoltante! — Malika
explodiu, indignada. — Nem quero imaginar quantas mulheres eles
traficaram antes de serem descobertos.
A minha mãe interrompeu as duas com um gesto de mão.
— Estou sem entender qual é a ligação entre o sequestro da
irmã de Keisha e a ida de Thara e Sabirah para a cidade velha, onde
quase morreram.
— Só elas sabem, mãe. Temos que esperar Thara ou Sabirah
nos contar o que aconteceu.
Ela se levantou abruptamente, como se estivesse tensa demais
para permanecer sentada.
— Sossegue, Farah — o meu pai aconselhou. — Em breve
saberemos de tudo.
— Preciso pensar e não vou conseguir fazer isso sentada,
Rashid.
Ele suspirou e fez um gesto de desistência.

Cerca de dez minutos depois, uma enfermeira entrou na sala à


minha procura. Achei que fosse para avisar que Thara já estava no
quarto, mas me enganei.
— O segurança que trouxe a princesa Sabirah está pedindo
para falar com Vossa Alteza.
— Traga-o aqui.
Assim que Assad entrou na sala, levantei-me para o
cumprimentar. Apesar de toda a raiva que senti por ele ter
desaparecido durante o resgate, era preciso reconhecer a competência
do homem. Ele não descansou até descobrir o local onde Sabirah foi
jogada para morrer.
Assad cumprimentou a todos com respeito e aceitou o meu
aperto de mãos.
— Obrigado por salvar a minha irmã.
— Faria o mesmo quantas vezes fosse preciso, alteza. O meu
trabalho é proteger a princesa.
— O que você queria falar comigo?
— Vim me desculpar por não ter conseguido libertar a
princesa Thara. As duas foram separadas e só consegui encontrar
pistas da princesa Sabirah. Não tive condições de enviar notícias no
meio da ação.
— Eu entendo e não precisa se desculpar por isso —
tranquilizei-o, pois seria impossível para ele estar em dois lugares ao
mesmo tempo. — Você tem a sua intuição e eu tenho a minha. Allah
me ajudou a encontrar o esconderijo onde ela estava refém.
Ele meneou a cabeça em um gesto simples de gratidão.
— Posso saber como a princesa Sabirah está? A única
informação que me deram até agora é que ela ainda não recobrou a
consciência.
— Não houve alteração nenhuma até o momento. Ela só será
trazida para cá quando recobrar a consciência, mas nos garantiram que
está bem.
Ele pareceu aliviado, demonstrando pela primeira vez alguma
emoção. Logo depois, voltou a ficar impassível com a aproximação do
meu pai, a quem fez uma continência militar.
— Você tem a minha eterna gratidão, Zaid Assad. Além de
ter resgatado Malika da prisão, hoje salvou a vida da minha filha. Vou
falar com Yusuf para providenciar uma recompensa. Você merece
todas elas.
— A minha recompensa é ver as princesas em segurança e
protegidas, majestade. Sinto-me de missão cumprida ao saber que a
princesa Sabirah está bem. O que precisamos agora é impedir que
redes de tráfico humano voltem a agir no país.
— Saqr está na cidade velha com os irmãos e me contou que
Musad Faez construiu ali um verdadeiro quartel-general subterrâneo.
O homem comprou todos os prédios da rua e deixou que ficassem com
aparência de abandonados para não chamar a atenção de ninguém.
— Agora sabemos porque os “donos” dos imóveis nunca
quiseram negociar com o governo para reconstruirmos aquela parte da
cidade — lembrei-o.
— Se eu soubesse o que estava acontecendo ali embaixo,
teria decretado a reconstrução imediata sem direito à apelação de
moradores e proprietários. Agora que isso aconteceu, quero uma
investigação completa sobre os imóveis da cidade velha. Ninguém
mais vai esconder do governo a construção de bunkers clandestinos
para o crime organizado.
— Destaquei alguns homens para investigarem o poço onde a
princesa Sabirah foi praticamente enterrada viva — Assad nos
informou com severidade. — Foram encontradas ossadas humanas,
que já seguiram para análise.
— Provavelmente de outras mulheres — deduzi.
— Não duvido, alteza. O poço era muito estreito para caber
um homem lá dentro.
Ainda ficamos conversando por mais alguns minutos sobre a
segurança do país até Assad se despedir.
— Preciso voltar à cidade velha e dar apoio aos homens que
estão lá.
Quando ele foi embora, o meu pai e eu voltamos a nos sentar
ao lado de Kismet e Malika, que conversavam com a enfermeira
Layla.
— Onde está a minha mãe?
Foi Kismet quem respondeu.
— Ela foi atrás de notícias sobre Sabirah. Deve voltar daqui a
pouco.
— Farah não vai sossegar até ver Sabirah consciente — o
meu pai comentou com um sorriso. — Ela sempre foi uma leoa com
vocês.
Consultei o relógio, estranhando que Thara ainda não tivesse
voltado a si.
— Não se preocupe com sua esposa, filho. — Ele adivinhou
o que eu sentia. — A equipe médica do doutor Fadel é uma das
melhores.
— Sei disso, pai.
Eu queria contar que Thara estava grávida, mas não achei
justo que todos soubessem antes dela mesma, por isso fiquei calado.
Demorou quase uma hora para a minha mãe voltar à sala com
um sorriso no rosto.
— Sou a portadora de duas notícias maravilhosas. Sabirah
recobrou a consciência e está vindo para o quarto. — Ela então olhou
para mim em meio às nossas exclamações de alívio e felicidade. — A
segunda notícia é que Thara também está consciente, Majdan.
Levantei-me de supetão, duplamente feliz.
— Thara também?
— Sim, ela também. — Aproximou-se de mim, abraçando-
me com o olhar emocionado. — Amo muito você, filho.
— Também te amo, mãe. — Beijei-a na testa, tão
emocionado quanto ela.
— Agora vá ficar com a sua esposa. Haverá tempo demais
para você ver Sabirah.
Fui rápido para o quarto de Thara.
Capítulo 73
Thara
— Onde está o Majdan?
— Na sala de espera, aguardando ser avisado que você
recobrou a consciência para vir vê-la. Mas eu pedi à equipe médica
que não o avisasse agora.
Farah me surpreendeu com aquele pedido feito aos médicos.
— Por que pediu isso a eles?
Apesar do sorriso reconfortante com que ela entrou no quarto,
notei que havia uma certa tensão na postura de Farah, assim como
muita seriedade no olhar.
— Quis falar sozinha com você antes que falasse com o meu
filho e contasse a ele o que foi fazer na cidade antiga com Sabirah.
Majdan comentou sobre Keisha e quero saber o que ela fazia com
vocês duas no depósito da rede de tráfico de mulheres.
Com aquelas poucas palavras, Farah deu a entender que
desconfiava de alguma coisa.
— Posso contar para você antes de contar para o Majdan, mas
não pretendo esconder nada dele. O que aconteceu é sério e ele precisa
ficar sabendo.
— Eu jamais pediria a você que escondesse algo dele, mesmo
querendo muito proteger o meu filho. Preciso saber antes para estar
preparada e evitar que Majdan cometa alguma loucura quando souber
da verdade. — Ela se sentou na cadeira ao lado da minha cama. — O
pedido que fiz à doutora Bushra, não foi só com relação a você, mas
também à Sabirah. Mesmo que a minha filha recobre a consciência,
ninguém será avisado até que eu autorize.
Era incrível o poder que aquela mulher tinha. Farah Al Jaber,
além de possuir uma enorme influência sobre o marido e os filhos,
controlava os súditos e o país inteiro nos bastidores.
Não vi motivo para esconder nada dela, uma mulher que eu
admirava, que considerava como uma segunda mãe e em quem
confiava totalmente.
— Eu e Sabirah desconfiamos que alguém pudesse estar
drogando Majdan, só não sabíamos quem era a pessoa nem a intenção
que existia por trás disso. Suspeitamos de Keisha e fomos no endereço
onde mora na cidade antiga. Ela nos contou que a irmã de quinze anos
foi sequestrada. Como condição para ser libertada, Keisha teria que
colocar uma droga na bebida de Majdan sempre que eles ordenassem.
No meio da nossa conversa, dois homens que vigiavam a casa nos
levaram para o depósito, onde descobri que Musad era o chefe. —
Olhei gravemente para Farah. — Ele me contou que foi procurado por
uma pessoa a mando de Hayat, que lhe propôs esse plano. Ela ficou
sabendo da minha aproximação com Majdan e Abia e quis nos separar.
E não foi só isso, Farah. Hayat vinha drogando Majdan há muito
tempo. Sempre que ele se recuperava, ela forçava uma recaída.
Farah se recostou rigidamente contra o espaldar da cadeira, a
fisionomia endurecendo o rosto de traços régios. O olhar ficou frio
como nunca vi nela antes.
— A Hayat fez isso com o meu filho?
— Fez — confirmei com seriedade. — Abia contou que a
mãe sentia ciúmes de todas as mulheres que iam trabalhar na casa do
pai, mas chegar a esse ponto é um absurdo.
— Hayat disfarçou muito bem a ambição pelo poder e esse
ciúme assassino de todos nós, fingindo ser uma mulher apagada que
vivia à sombra do marido. Só ficamos sabendo o quanto ela era uma
mulher extremamente perigosa quando Kismet quase morreu na torre
— Farah explicou. — Ela disse para Kismet que Majdan nunca teria
outra esposa além dela e que Kismet só não morreu antes, porque
entrou em Taj casada com Saqr e não como segunda esposa de
Majdan.
— Que horror, Farah. Fico pensando em Hud, Imad e Abia,
que tiveram uma mãe como essa.
— Ela foi uma boa mãe apenas para Hud, que seria o
sucessor do pai e futuro rei. Hayat só se interessava pelo poder,
infelizmente para Imad e Abia. — O olhar dela amenizou a dureza ao
sorrir para mim. — Obrigada por ter se mantido leal ao meu filho,
acreditando quando ele dizia que não estava se drogando de novo.
Você foi a única da família que acreditou nele do início ao fim,
enquanto nós duvidamos. Majdan é um afortunado por ter encontrado
a esposa perfeita para ele.
— Eu não sou perfeita, Farah.
Ela sorriu enigmaticamente.
— Tem a perfeição que o meu filho precisa. Allah o
abençoou.
— Abençoou a mim também. — Olhei-a com gratidão por ter
me recebido com tanto carinho no seio da família Al Harbi, mesmo
antes de eu me casar com o filho dela. — Acha mesmo que Majdan
vai cometer alguma loucura quando souber de tudo?
Daquela vez o sorriso de Farah foi triste. À minha frente
estava uma mãe que havia sofrido muito pelo filho mais velho.
— Eles ficaram casados durante quatorze anos, Thara. Foram
anos de muito sofrimento e dor para o meu filho, que se esforçou
verdadeiramente para ficar curado, fazendo tratamento atrás de
tratamento. Ainda me lembro que antes de se casar com ela, Majdan
chegou a conseguir se recuperar muito bem. Todos achamos que
estava livre do vício, mas depois do nascimento de Hud, tudo voltou.
Agora imagine como ele vai ficar quando souber que só não se curou,
porque a esposa estava drogando-o sempre que o via se recuperar. Vai
ser um golpe muito duro para ele e sem dúvida que vai ficar furioso
com Hayat.
Só então entendi a preocupação de Farah em saber de tudo
antes do filho.
— Eu não posso deixar de contar. Majdan merece saber que
só não se curou antes por causa de uma injustiça que fizeram com ele.
A culpa é de Hayat e não da falta de determinação e de força de
vontade dele. Todas as recaídas foram culpa dela, tanto no passado
quanto agora. Ele sempre foi forte e precisa saber disso.
— Concordo, mas quem conseguirá controlar a fúria do Leão
de Tamrah? Não foi à toa que ele ganhou esse apelido do avô. Eu
conheço o meu filho e sei o que ele vai fazer quando souber.
Inspirei fundo, lembrando-me do que ele fez no abrigo
subterrâneo. Musad foi trucidado sem piedade alguma, completamente
esmagado por Majdan.
— Hayat merece ser castigada, mas eu não quero que isso
aconteça pelas mãos do meu filho. Como vão ficar os meus netos
quando souberem que o próprio pai matou a mãe, ainda que ela tenha
sido a culpada de muitos crimes? Majdan só não a matou antes,
porque Saqr pediu que não fizesse.
Coloquei as mãos sobre a boca e olhei para Farah, sentindo-
me culpada. Recriminei-me por não ter pensado naquilo.
— Me perdoe. Eu ainda não tinha visto a situação por esse
ângulo.
— É compreensível, não se culpe por isso. A revolta que
sentimos é tão grande que só pensamos em fazer justiça.
— Como faremos para evitar que ele cometa alguma loucura?
Aquele olhar frio voltou e Farah se levantou da cadeira com
uma expressão determinada. A mulher influente que comandava o país
nos bastidores do poder parecia pronta para enfrentar mais um desafio.
— Eu preciso de cerca de quarenta minutos para resolver esse
assunto, Thara. Peço apenas que permaneça “inconsciente” até a
minha volta.
— O que vai fazer com ela, Farah?
— Vou decidir quando estiver cara a cara com Hayat.
Não ousei perguntar mais nada. Ainda não me sentia
totalmente recuperada de tudo o que havia acontecido no bunker de
luxo de Musad.
— Ficarei “inconsciente” pelo tempo que você precisar.
Ela se inclinou sobre a cama e me deu um beijo no rosto.
— Obrigada, minha querida.
Com a postura altiva de uma verdadeira rainha, Farah saiu do
quarto e soltei um suspiro trêmulo.
Que a sabedoria de Allah guie as nossas ações. De todos
nós!

Aproveitei o tempo sozinha para trocar a bata hospitalar por


uma das abayas novas que ficavam disponíveis para as mulheres da
família real no andar privativo do hospital.
Farah cumpriu o tempo que havia dito. Quarenta minutos
depois, a porta do meu quarto voltou a se abrir e ela entrou.
Aparentava normalidade, mas notei que havia uma sobrecarga sobre
ela que não existia antes.
— Vou avisar a todos que você e Sabirah já recobraram a
consciência e podem receber visitas.
A alegria invadiu o meu coração.
— Sabirah também já voltou?
— Sim, com a graça de Allah ela também está consciente.
Aguarde a chegada de Majdan.
— Farah? — chamei-a antes que saísse. — Conseguiu
resolver?
Eu precisava saber antes de conversar com Majdan.
— Sim, está resolvido. Agora preciso ir.
Ela saiu sem me dar maiores explicações e não tive coragem
de insistir.
Voltei a me deitar na cama, pensando se estava com cara de
quem havia acabado de recuperar a consciência. Fosse como fosse, a
ansiedade de ver Majdan só aumentou depois da minha conversa com
Farah.
Saber da injustiça que cometeram contra ele, só aumentava o
meu amor e a minha admiração pelo homem que conquistou o meu
coração desde a primeira vez em que o vi na Global Harbi.
A porta se abriu e ele entrou. Alto, forte, imponente e com
um olhar apaixonado que me deixou mole.
Que Allah fosse glorificado por ter permitido que Majdan
resistisse durante anos a todas as tentativas de Hayat em mantê-lo nas
drogas. Ele realmente tinha a força de um leão.
Esqueci-me completamente de manter uma cara de quem
havia acabado de voltar de horas de inconsciência e me sentei rápido,
erguendo a mão em direção a ele, ansiosa para ser abraçada e o
abraçar.
Majdan parecia entender a minha necessidade e ansiar pela
mesma coisa. Segurou a minha mão e me puxou para um abraço
apertado, envolvendo-me com urgência.
— Habibi — sussurrei antes de ser beijada com avidez.
Oh, Allah! Que ele seja sempre invencível contra todos os
adversários.
Foi com lágrimas nos olhos que o beijei, correspondendo à
intensidade com que saboreava os meus lábios, a minha boca, a minha
língua. Foi um beijo profundo. O reafirmar de um compromisso para a
vida toda, de um amor eterno.
Ele segurou os meus cabelos, afundando os dedos entre os
fios com aquele gesto de posse que eu amava.
— Thara, Thara! — grunhiu entre os beijos que passou a
distribuir pelo meu rosto. — Fiquei preocupado com a sua demora em
voltar à consciência. Sente-se bem?
Tentei não me sentir culpada por tê-lo deixado preocupado ao
cumprir o que combinei com Farah.
— Sim, estou me sentindo muito bem.
Ele se afastou ligeiramente de mim, olhando-me com
atenção. Estava sério, mas depois sorriu. Foi um sorriso largo e muito
feliz, mas com um toque de mistério que me deixou intrigada.
— O que aconteceu para você estar rindo assim?
Ele riu ainda mais, ficando duas vezes mais sexy e
descontrolando as batidas do meu coração.
— Sei de algo maravilhoso que você ainda não sabe.
Olhei-o meio de lado, analisando-o para tentar descobrir o
que era.
— Vai me contar agora ou fazer suspense? Estou curiosa.
— Vou dar uma pista muito difícil. Tem mais um leão ou leoa
chegando em alguns meses.
A pista era tão fácil que até duvidei se havia entendido bem.
Olhei para a minha barriga, depois para Majdan. Foi o brilho
orgulhoso no olhar dele que me deu a certeza da gravidez.
— Estou grávida?
Coloquei a mão sobre a barriga e Majdan colocou a dele
sobre a minha.
— A doutora Bushra fez o exame quando você deu entrada
no hospital. Eu estava ansioso para lhe contar.
Comecei a rir como uma boba, sentindo-me feliz como nunca
na minha vida.
— Vou ser mãe?
— Uma mãe linda, amorosa e muito amada pelo marido.
Soltei um gritinho de alegria e o abracei, rindo e chorando ao
mesmo tempo.
— Estou tão feliz, mas tão feliz.
Ele me segurou pelo rosto e começou a beijar as minhas
lágrimas.
— Eu te amo muito, Thara. Allah hoje nos abençoou duas
vezes. Salvou você e nos deu um filho.
A minha alegria se desvaneceu um pouco ao me lembrar do
drama que tinha vivido e de que ainda precisava contar toda a verdade
para ele.
— Todos já sabem da gravidez? — Quis confirmar se Farah
sabia.
— Não, apenas eu e agora você. Mas estou ansioso para
contar a novidade para nossa família.
Allah, e agora?
Se eu contasse sobre Hayat naquele exato instante, tiraria
parte da felicidade que Majdan estava sentindo com a chegada do
nosso bebê.
Resolvi aproveitar aquele momento único da nossa vida, em
vez de estragá-lo falando sobre os planos de Hayat. Se Majdan me
perguntasse alguma coisa antes, eu contaria. Caso não perguntasse,
ficaria para depois.
— Sente-se bem para irmos até o quarto de Sabirah?
— Claro que sim. Quero muito vê-la.
Apesar de ter dito que me sentia bem, Majdan me cercou de
cuidados durante o curto percurso que fizemos até o quarto de Sabirah.
Lá dentro, o Sheik Rashid e Farah mimavam a filha, junto com Kismet
e Malika.
Todos vieram me abraçar quando entramos e como era bom
ter uma família tão preocupada comigo.
— Que Allah seja louvado por Majdan ter conseguido
encontrar você a tempo — Malika ergueu as mãos para o alto em
oração antes de vir me abraçar com carinho.
Kismet nos abraçou e ficamos as três unidas no mesmo
abraço. Senti como se fôssemos irmãs.
A única que faltava era Sabirah, a quem fui abraçar logo
depois, aliviada ao vê-la bem.
— Fiquei tão preocupada com você! — sussurrei no ouvido
dela.
— E eu com você. — A voz de Sabirah estava embargada
pelo choro. — Que perigo nós passamos. Nunca pensei.
— Nem eu.
— Ele já sabe? — Olhou discretamente para o irmão, que
conversava com os pais.
— Ainda não contei. É que temos uma boa notícia para dar a
todos. — Sorri de alegria só de me lembrar da gravidez. — Descobri
que estou grávida.
— O quê?! — Sabirah se afastou de mim com os olhos
arregalados e uma cara engraçada de susto. — Você está grávida?
Ela falou alto o suficiente para todos ouvirem e a risada de
Majdan se espalhou pelo quarto.
— É verdade isso, filho? — o rei perguntou.
— É verdade, sim. Já íamos contar para vocês. Thara está
grávida!
Kismet bateu palmas de alegria.
— Louvado seja Allah por esta benção.
Sabirah, que era a mais próxima de mim no quarto, abraçou-
me logo.
— Parabéns, Thara. Mais um Al Harbi está a caminho! E que
venham muitos mais.
— Inshallah! — todos responderam ao mesmo tempo.
Foi o Sheik Rashid quem interrompeu a comemoração logo
depois.
— Agora que vocês duas recuperaram a consciência e se
sentem bem, está na hora de nos contar como foram parar dentro de
uma rede de tráfico de mulheres.
Troquei um olhar com Sabirah, sem querer contar tudo
naquele exato momento.
— Não quero falar disso aqui no hospital, papai. Leve-me
para casa primeiro. Lá contaremos tudo.
— Concordo com Sabirah. — Majdan me surpreendeu ao
dizer aquilo. — É melhor que as duas estejam na segurança de Taj,
onde poderão descansar. Vamos para casa, pai.
Achei que ele ia concordar com o pai, mas me enganei.
Aparentemente, Majdan estava mais preocupado em me ver na
segurança do palácio do que em saber os motivos que nos levaram à
casa de Keisha.
Em poucos minutos recebemos alta e fomos para Taj.
— Vou levar Thara para casa. Quero que ela siga as
recomendações da médica e descanse — Majdan comunicou à família
assim que chegamos. — É melhor conversarmos à noite durante o
jantar, quando os meus irmãos já estiverem em casa. Assim, todos
estarão presentes.
— Sim, leve-a para descansar. Conversamos no jantar — o
Sheik Rashid concordou com um gesto de mão. — O que importa é
que os culpados já estão presos ou mortos e as forças especiais estão
no comando de tudo.
Suspirei, sentindo-me aliviada. Eu não queria contar tudo na
frente da família inteira. Majdan merecia um pouco de privacidade
quando soubesse do que fizeram com ele, nem que fosse em um
primeiro momento. Depois, fatalmente todos da família saberiam dos
pormenores.
Na Ala do Leão, Abia foi a primeira pessoa a nos ver chegar.
A menina parecia estar ansiosamente à nossa espera e me senti
culpada por não ter enviado nem uma mensagem dizendo que
estávamos bem.
Ela correu para nós dois, abraçando-me com força pela
cintura.
— Thara! Eu estava tão preocupada.
— Me desculpe por não ter avisado nada, Abia. — Abracei-a
com muito amor, acariciando os cabelos lisos presos em uma trança.
— Não se preocupe comigo. Estou muito bem, graças a Allah.
Ela se afastou de mim e foi abraçar o pai.
— E o papai, como está?
— Forte como um leão — ele brincou, fazendo-a rir muito.
— Temos uma novidade para contar, mas antes vamos entrar. Quero
ver Thara descansando.
— Uma novidade? — ela vibrou, entusiasmada. — Vou
chamar os meus irmãos.
— Leve-os para o nosso quarto.
Abia saiu correndo para chamar Hud e Imad.
— Será que eles vão mesmo gostar? — duvidei, subitamente
insegura.
— Hud e Imad vão gostar, mas suspeito que Abia vai adorar a
ideia de ter um bebê em casa.
No nosso quarto, deitei-me na cama com um suspiro de
prazer. Só agora que estava dentro da Ala do Leão foi que percebi o
quanto estava precisando da paz e da segurança do palácio.
Majdan se sentou na cama ao meu lado.
— Depois que eles saírem, tente descansar um pouco antes da
hora do jantar.
— Não me sinto cansada. Só vou ficar deitada, porque foi
uma recomendação médica.
Em questão de segundos, a porta do quarto se abriu e as
crianças entraram.
— Que novidade é essa que Abia tanto fala? — Hud liderou
um pedido de explicação.
— Sentem-se antes para conversarmos melhor — Majdan
pediu aos filhos, que prontamente se sentaram na enorme cama de
casal.
— Eu aposto que é um bebê que está vindo — Abia disse de
repente, surpreendendo-nos.
O primeiro a se recuperar do susto foi Majdan.
— E por que você acha que é um bebê?
Ela riu, cobrindo a boca com as mãos e deixando os olhos
risonhos à mostra.
— Porque tenho pedido isso em minhas orações — admitiu,
com um gesto casual dos ombros. — Allah sempre atende aos meus
pedidos.
Hud olhou com curiosidade para nós dois.
— É isso, pai? Nossa família vai crescer?
— É isso mesmo. Vem um novo Al Harbi por aí.
Abia pulou de joelhos na cama, fazendo a maior festa.
— Eu sabia! Eu sabia!
Hud revirou os olhos de um jeito tão engraçado com a
comemoração entusiasmada da irmã, que comecei a rir. Achei que
seria ele o que mais teria resistência à chegada de um novo irmão, mas
Hud aceitou muito bem a novidade.
— Quando saberemos se é um menino ou menina? — Foi a
vez de Imad perguntar.
— Demora muito para saber — Abia respondeu com cara de
entendida.
— Isso era antigamente, hoje em dia não é mais. — Hud
esclareceu à irmã. — Tio Saqr soube logo.
Majdan olhou para mim.
— Só vou querer saber antes do nascimento se Thara também
quiser — Majdan respondeu ao filho.
— Prefiro esperar um pouco mais para depois decidir.
— Posso fazer uma lista de nomes? Assim escolhemos
juntos. — Abia pediu.
— Claro que pode — concordei, achando importante que eles
participassem o máximo possível da minha gravidez. — Você fica
encarregada de ir anotando os nomes que os seus irmãos sugerirem,
tanto para menino quanto para menina. Teremos meses para decidir.
Eles ainda passaram um bom tempo no quarto, até se
despedirem de nós dois com um beijo no rosto.
— Eu estava tão preocupada que não aceitassem bem, mas
foram maravilhosos.
Majdan riu, confiante, como se nunca tivesse duvidado
daquilo.
Deitado ao meu lado, ele passou uma mão ao longo dos meus
cabelos, o olhar intenso brilhando quando se fixaram nos meus. Um
braço forte rodeou a minha cintura e me atraiu para mais perto dele.
— Hoje me desesperei. Senti medo só de imaginar que nunca
mais teria você nos meus braços de novo, habibti — ele admitiu,
colando a testa na minha.
— Senti o mesmo. Que Allah seja abençoado por estarmos
novamente juntos.
Ficamos agarrados um ao outro por um bom tempo, até nos
beijarmos apaixonadamente. Agora que o perigo havia sido eliminado
por completo e estávamos em segurança no palácio, o amor exigia o
seu momento de triunfo sobre o mal que quase nos havia separado.
Fechei os olhos e me entreguei, deixando Majdan me despir
sob os lençóis. Ele se despiu logo depois e suspirei de prazer ao sentir
o corpo forte e vigoroso colado ao meu, pele contra pele, coração
contra coração.
Acariciei as costas largas, apalpando com prazer os músculos
definidos que ondulavam a cada movimento que fazia. Ele me
acomodou melhor sobre o travesseiro, soerguendo o corpo sobre o
meu.
— Fecha os olhos e se esquece do mundo. Apenas sente.
Fiz o que disse, fechando os olhos e entregando-me por
completo às sensações. Daquela vez não houve mordidas, palmadas ou
sexo duro. Só existiram beijos, muitos beijos pelo meu corpo inteiro.
O prazer foi crescendo de uma maneira lenta, ardendo aos poucos
através de carícias ora muito sutis, ora muito intensas.
Eu me sentia molhada e ansiosa por ele, cujo membro
endurecido estava mais do que pronto para me possuir. E como eu
queria sentir o meu príncipe dentro de mim! Depois das violentas
ameaças de estupro pelas quais passei, sentir Majdan possuindo-me
era também me sentir segura, protegida, salva.
Quando ele me penetrou, soltei um longo gemido de prazer.
Arqueei o corpo, envolvendo a cintura dele com as pernas e deixei que
entrasse fundo.
— Oh, habibi albi163.
Ofegando no meu ouvido, ele iniciou os movimentos
vigorosos que nos arrastou de vez para um orgasmo pujante. Eu
adorava ouvir os sons que Majdan fazia quando perdia o controle nos
meus braços. Aquilo me excitava muito e não foi diferente daquela
vez.
Agarrei-o com força pelos ombros, enterrando as unhas na
carne rija quando o gozo se construiu no mais profundo das minhas
entranhas, cresceu e explodiu por todo o meu corpo.
— Mais forte! — pedi no último segundo de razão.
Ele me atendeu e estremeci de puro gozo. Demorou poucos
segundos para Majdan vir comigo, soltando um daqueles rosnados de
prazer que eu tão bem conhecia, e amava.
Mais algumas investidas dentro de mim e ele parou, ofegando
ruidosamente. Ele não saiu de dentro de mim nem eu tirei as minhas
pernas da cintura dele. Ficamos fortemente abraçados por um longo
tempo.
— Thara, Tarah. Ana bamoot fiky164.
— Enta habibi165.
Capítulo 74
Majdan
Fiquei deitado admirando Thara durante o sono, agradecendo
a Allah por tê-la enviado para mim. Como ela gostava de dizer, não foi
sorte, foi Allah.
Quando chegou a hora da salat166, levantei-me da cama e fui
fazer as minhas orações. Eu tinha muito o que agradecer a Allah
naquele dia e foi o que fiz com humildade.
A minha vida mudou totalmente depois que conheci Thara. O
que antes era “só mais um dia” a ser vivido, transformou-se em uma
vida inteira de esperanças.
Terminei a salat com o coração leve e sentindo-me realizado
como homem, como pai, como filho e irmão. A minha família sempre
foi a minha base, o meu porto seguro, mesmo quando eu só queria
saber de diversão. Eles nunca me abandonaram, apesar de todos os
meus erros. Agora, com Thara, a minha família estava completa. Eu
não sentia necessidade alguma de ter uma segunda, terceira ou quarta
esposa. Ela era, e continuaria sendo, a única.
Fui para o meu escritório e me sentei de frente para o jardim
com um qahua167 nas mãos, de onde via a estátua do Leão de Tamrah
na fonte. Observei com um sorriso tranquilo a postura altiva da cabeça
do animal, a juba impressionante e as presas afiadas que se
sobressaíam na boca ameaçadora.
Sempre fui e continuaria sendo o Leão de Tamrah, nascido
para reinar sobre todos, mesmo que já não possuísse mais o título de
príncipe herdeiro do meu país. Éramos uma família unida, onde cada
um tinha uma grande responsabilidade pelo futuro da nação, do povo,
das nossas tradições. Um título era apenas um título. Eu não me sentia
menos Al Harbi por causa disso.
Uma batida na porta interrompeu os meus pensamentos e me
surpreendi ao ver a minha mãe entrar.
— Encontrei Thara adormecida sozinha no quarto e deduzi
que você estava aqui, filho.
Levantei-me para a receber com um beijo na testa.
— Estava relaxando um pouco depois da salat. Achei melhor
deixar Thara sozinha no quarto para não a acordar.
— Fez bem. Ela precisa descansar.
Olhei-a com atenção quando nos sentamos no sofá.
— E por que não está descansando também? Ainda faltam
algumas horas para o jantar.
— “No dia da vitória não se sente a fadiga” — ela citou o
provérbio da nossa cultura.
— Bem lembrado, mãe.
— Também não consigo ficar adiando por muito tempo algo
que preciso fazer e queria conversar em particular com você antes do
jantar.
Coloquei a xícara sobre a mesa ao meu lado e me virei para
ela.
— Pode falar, mãe. É algum problema?
— Thara já contou alguma coisa para você sobre o motivo
que levou as duas a irem até a cidade antiga?
Estranhei que o assunto fosse aquele.
— Ainda não. Ela estava cansada e adormeceu logo.
Eu não ia dizer que fizemos amor antes de Thara dormir.
Caso ela tenha pensado em me contar algo, não teve oportunidade.
A minha mãe fez um gesto de compreensão, ficando
pensativamente calada por alguns instantes.
— Talvez eu devesse esperar que ela conte, mas vou contar
eu mesma. Acho que Thara vai entender.
— Então Sabirah já contou tudo? — Fiquei aliviado, mas
também preocupado com a expressão séria da minha mãe. — Pode me
dizer o que é, mãe. Quero saber.
Ela se acomodou melhor no sofá para ficar de frente para
mim. Passou as mãos no meu rosto, depois nos meus cabelos, como
gostava de fazer desde que eu era um menino.
— Amo muito você, filho. Foi o meu primeiro bebê e nunca
vou me esquecer da sensação que tive quando você nasceu e veio para
os meus braços. Naquele dia, senti um amor tão grande dentro de mim
que seria capaz de tudo para proteger você. Posso dizer que ganhei
uma força inesperada, que cresceu ainda mais quando os seus irmãos
chegaram. Muitos me admiram pela coragem que tenho, mas não
sabem que tudo o que Farah Al Jaber faz é pelos filhos. Vocês são a
minha força. Mato e morro por todos. — Aquela última frase foi dita
com uma certa dureza. — Você é o meu primogênito amado.
Um nó de emoção travou a minha garganta.
— Também te amo muito, mãe. Não sei o que teria sido de
mim sem o amor que sempre me deu, apesar de tudo o que fiz de
errado.
Ela acariciou o meu rosto mais uma vez.
— Não foi somente você quem errou, Majdan. Eu também
errei como mãe, assim como Rashid também errou como pai. Nos
anos cruciais da sua adolescência, estávamos muito envolvidos na
modernização de Tamrah e nem sempre conseguimos ser bons pais.
Mas Allah sabe que tentamos.
— Não se culpe, por favor. Hoje eu entendo tudo.
Ela suspirou tristemente, deixando-me preocupado.
— Mas eu me sinto culpada por não ter visto o que estava
diante dos meus olhos. Todos me acham tão perspicaz, mas não vi o
quanto Hayat estava destruindo você.
Franzi a testa, sem entender o que ela havia dito.
— Hayat me destruindo?
— Isso mesmo, filho. Hayat drogou você durante o tempo em
que ficaram casados, para que nunca se recuperasse do vício da
cocaína. Assim ficava mais fácil para ela manipular você, como por
exemplo quando indicou Jafar para ser o seu assistente. Ocupando este
cargo, ele tinha acesso a todos os assuntos de governo que você
tratava. Juntos, os dois conseguiram que tomasse decisões erradas e
fizesse coisas que favorecesse aos interesses deles.
Uma garra afiada apertou o meu peito ao ouvir aquilo. A dor
da traição que senti quando Hayat tentou matar Kismet e Saqr voltou
com força total.
Uma avalanche de recordações dolorosas veio à minha
mente. Fui assolado pela lembrança de tudo o que sofri. As crises de
abstinência que tive durante anos, o desespero de não conseguir me
curar, o desejo incontrolável de consumir cada vez mais, as
alucinações que às vezes tinha, a sensação de perder o controle de
mim mesmo, a depressão que me levou ao fundo do poço e me fez
querer desistir de tudo, até da vida.
Senti o meu corpo estremecer tal foi a força que fiz para
controlar a dor daquelas lembranças amargas. E tudo causado por...
Hayat?!
— Se ela queria me manipular para ter poder, como pôde
fazer isso? Deixei de ser o sucessor do meu pai justamente por causa
dos erros que cometi.
— Você contou para ela que Rashid ameaçou tirar o seu título
de príncipe herdeiro?
— Não.
A minha mãe sorriu com tristeza.
— Se ela soubesse, não teria drogado você.
— E como ela conseguiu fazer isso?
— Colocando cocaína diluída na jarra de água que fica no seu
quarto. Ela mesma fazia, para ter a certeza de que você realmente ia
beber. Bastava uma pequena dose para que o seu organismo pedisse
por mais e nunca conseguisse se livrar do vício, mesmo fazendo tantos
tratamentos e achando que estava curado. Hayat garantiu que era só a
cocaína que diluía, mas não descarto a possibilidade de ter usado
outros tipos de drogas em você. Qualquer uma delas levaria a uma
recaída.
Segurei a cabeça com as mãos e fechei os olhos, tenso, rígido,
furioso, lembrando-me de quantas vezes eu me sentia mal e ela me
oferecia um copo de água daquela maldita jarra.
— Estou sem acreditar que fui enganado, traído e manipulado
como um idiota, mãe! Sofri o inferno por causa daquela puta? —
rosnei, levantando-me.
Ela se levantou também e me segurou pelos braços.
— Ela não enganou só a você, mas a todos nós, Majdan!
Ninguém nunca desconfiou de Hayat. Parecia a esposa perfeita,
sempre obediente e discreta. Você foi o que mais sofreu, mas não se
ache um idiota por não ter visto a cobra peçonhenta que ela era. Nem
nós, que estávamos sóbrios, vimos isso.
— Por Allah, passei quatorze anos casado com ela! Quatorze
anos em que podia ter me curado! Em vez disso, sofri como um
condenado, morri e renasci mil vezes, fui e voltei do inferno. — Cerrei
os punhos, enraivecido. — Ela vai pagar por isso!
Desvencilhei-me das mãos que me seguravam e fui para a
porta, decidido a acabar com a raça daquela puta traidora.
A minha mãe veio atrás de mim.
— Filho, não vá! Hayat não está mais na prisão. O que tinha
de ser feito, eu mesma já fiz hoje.
Aquelas palavras me fizeram parar abruptamente antes de
tocar na maçaneta da porta.
Virei-me para ela, que se aproximou e ficou à minha frente.
— O que fez, mãe?
— Fui enfrentar Hayat de mulher para mulher. Quando me
viu entrar na cela, ela adivinhou logo que o plano tinha falhado. Era
uma mulher inteligente demais e já estava preparada para aquela
possibilidade. Ainda conversou comigo para ter a certeza de que eu
realmente sabia de tudo. Hayat se matou, filho, mas não antes de levar
uns bons tapas na cara e de ouvir umas verdades de mim. Eu ainda não
havia decidido o que ia fazer com ela depois, mas não imaginei jamais
que Hayat engoliria um comprimido e morreria na minha frente — ela
contou tudo com muita firmeza, olhando-me diretamente. — Sou a
maior defensora das mulheres, mas defendo também os meus filhos.
Eu jamais deixaria impune uma mulher que drogou você durante mais
de uma década. Ela se meteu com o filho da mulher errada.
Ultrapassou os meus limites de mãe. Como eu disse antes, mato e
morro por cada um de vocês.
Desabei completamente ao ouvir as últimas palavras dela.
Ajoelhei-me e abracei pela cintura a mulher que me deu a
vida, não apenas uma vez, mas várias. Ela me ergueu do chão todas as
vezes que eu caí. E caí muito, mas muito mesmo. Caí e não quis mais
me levantar. Contudo, ela sempre esteve lá, segurando firmemente a
minha mão nos meus piores momentos.
Senti os olhos umedecerem de lágrimas e a garganta travar
com a força da emoção.
— Eu não queria que tivesse chegado ao ponto de pensar em
matar alguém por minha causa, mãe — consegui falar, apesar de a voz
enrouquecida quase não sair. — Jamais ia querer que fosse obrigada a
ir tão longe por mim.
Ela me abraçou contra o ventre que me gerou, passando as
mãos nos meus cabelos.
— Entenda que você não me obrigou a nada. Foi ela quem
me obrigou. Quando enfrentei Hayat na prisão, ela ainda teve a
coragem de me dizer que a dose que lhe dava não era para matar. Só
queria mantê-lo sempre viciado e no controle dela. Achou que me
dizendo isso eu teria piedade, só que não é bem assim. Cada vez que
Hayat drogou você, estava cometendo uma tentativa de homicídio.
Você podia ter morrido e ela sabia disso. Ainda assim continuou,
arriscou, não desistiu. Só de me lembrar que fui eu quem a escolhi
para ser sua esposa, sinto uma dor dilacerante no coração e um enorme
sentimento de culpa.
Eu a entendia. Era uma tradição na nossa cultura que a mãe
escolhesse ou aprovasse a noiva escolhida pelo filho. No caso de
Hayat, ela me agradou quando a conheci, mas não fui eu quem a
procurei e escolhi. Apenas aceitei a escolha da minha mãe.
Agora, sentia-me incapaz de falar. Demorei para conseguir
controlar a emoção e me levantar. Para minha surpresa, a minha mãe
tinha lágrimas nos olhos.
Aquela era a primeira vez na minha vida que eu a via chorar.
— Não chore, mãe. Por favor, não chore.
Ela sorriu entre lágrimas.
— Eu paro quando você parar também.
Abracei-a, engolindo em seco a emoção.
— Já parei. Agora vamos nos sentar. Quero que me conte
desde o início como ficou sabendo de tudo o que ela fez.
Voltamos ao sofá e nos sentamos de novo.
— Quem descobriu tudo foi a Thara quando ficou refém de
Musad. Ela me contou no hospital antes de você entrar no quarto —
explicou, limpando os últimos vestígios de lágrimas dos olhos. —
Hayat conseguiu descobrir que havia uma mulher aqui no palácio que
estava se aproximando muito de você e de Abia. A partir daí, acredito
que tenha pedido a alguém para investigar o passado de Thara e foi
assim que descobriu que ela teve um noivo.
— Como foi que Musad entrou nessa história se Hayat estava
na prisão? Ela não tem autorização para receber visitas, exceto dos
pais e da irmã.
— Musad disse que alguém o procurou a mando de Hayat e
propôs o plano de drogarem você. É claro que ele não ia perder essa
oportunidade e aceitou de imediato.
— Beyda veio falar comigo. Só pode ter sido ela quem
passou as informações para Hayat.
— Foi o que achei. Por isso mesmo já ordenei que fosse
detida para interrogatório. Suspeito que tenha sido ela a pessoa que
procurou Musad.
Não foi difícil adivinhar o resto.
— Ele providenciou o sequestro da irmã de Keisha para que
ela me drogasse.
— Exatamente isso, filho. Mesmo no presídio, Hayat
encontrou uma maneira de continuar colocando drogas na sua bebida.
Keisha colocava na jarra de água do quarto, igual como Hayat fazia.
Quando Thara passou a dormir com você depois do casamento, Keisha
começou a colocar a droga em qualquer bebida que servisse a você
fora do quarto. Não tenho certeza, mas acredito que a intenção era
fazer com que desistisse de Thara ao achar que não estava curado.
— E quase fiz isso, mãe — admiti, perplexo. — Hayat teria
conseguido o que queria se o amor que sinto por Thara não fosse tão
forte.
— Allah não permitiu. O casamento de vocês já estava escrito
que ia acontecer e vai durar para sempre.
— Inshallah!168 Amo muito Thara. Ela é a mulher da minha
vida.
A minha mãe sorriu, suspirando como se tivesse acabado de
cumprir uma missão.
— Como sonhei em ouvir isso. Tudo o que mais quis foi ver
você feliz ao lado de uma boa esposa. Thara é perfeita!
— Tentei resistir ao que sentia, mas foi inútil. Apaixonei-me,
mesmo me achando velho demais para ela.
— Que bobagem, filho. Você ia se casar com Kismet e ela é
tão jovem quanto a Thara.
— Naquela época os meus sentidos estavam alterados pelas
drogas e nada me importava, muito menos a idade de Kismet. Eu
também não estava apaixonado por ela, como aconteceu quando
conheci a Thara. Me senti inseguro por ser tão mais velho.
— O que importa é o amor e sabemos que Thara ama você.
— Sei e sou muito feliz com ela.
Recostei-me contra o espaldar do sofá, sentindo que o
desabafo emocional de minutos atrás havia me libertado de muitas
dores do passado. Agora eu conseguia ver tudo muito claramente.
— Afinal, consegui me curar no passado.
— Sim, conseguiu várias vezes. As recaídas foram
provocadas por ela. Se não fosse isso, desde o início você teria se
livrado do vício.
Fechei os olhos, lembrando-me do quanto me senti um fraco
por não conseguir me libertar da dependência química.
— Ela quis me desacreditar novamente diante da minha
família e quase conseguiu.
— Você tem razão e me envergonho por isso. Todos nós
duvidamos mais uma vez de você. A única que sempre acreditou foi
Thara. Ela nunca duvidou que você falava a verdade quando dizia que
não estava mais consumindo.
Enchi o peito de ar e soltei lentamente, emocionado com a
lealdade de Thara. Eu já a amava tanto que achava que não poderia
amar mais.
Me enganei. A cada instante, o meu amor aumenta em
tamanho e força.
— Sou um homem afortunado.
Recebi um abraço dela.
— Agora que contei tudo já me sinto melhor. Pensei em
esperar até o jantar, mas essa era uma conversa que primeiro tínhamos
de ter sozinhos. Você merecia saber antes de todos.
— Obrigado por vir me contar, mãe. Só tem uma coisa que
está me intrigando nessa história toda. Quem contou para Hayat que
eu estava interessado em Thara? Tenho certeza que ninguém
desconfiou de nada aqui em casa e Keisha não foi para Noor, onde
beijei Thara pela primeira vez e nos declaramos.
Ela ergueu uma sobrancelha, atônita.
— Você tem razão, filho. Alguém em Noor viu vocês dois
juntos e contou para Beyda. Só ela e os pais podiam visitar Hayat na
prisão.
Contraí a mandíbula de raiva ao me lembrar de outro detalhe
importante.
— Foi depois de Noor que fui drogado pela primeira vez.
Aqui mesmo no escritório.
Olhamos um para o outro, preocupados.
— Há mais alguém. — Ela expressou o que eu pensava.
Passei a mão na barba, tentando lembrar cada detalhe dos
meus encontros com Thara.
Estávamos sozinhos na sala de jogos no primeiro beijo.
Depois, eu a chamei para um encontro no jardim, mas ela não quis ir.
Os outros beijos foram na praia, onde era muito improvável que
alguém se escondesse para nos ver. No restante dos dias, apenas
conversamos, sem nenhum contato físico que levantasse suspeitas.
De súbito, lembrei-me.
— A babá, mãe! Segurei a mão de Thara na sala de jogos,
depois ficamos conversando sozinhos em um canto por um bom
tempo. Só os meus filhos estavam lá com a Sabirah, além dos filhos de
Saqr e Yusuf com as babás. Uma delas era a Lina — expliquei, certo
do que dizia. — Lembro-me de como Thara ficou incomodada por
achar que elas podiam estranhar a nossa aproximação um com o outro.
Peguei o celular e falei com Amira, pedindo que viesse ao
escritório e trouxesse Lina com ela.
Aguardamos impacientemente, até uma batida na porta
anunciar a chegada das duas. Assim que entraram, a primeira coisa
que notei foi o olhar assustado da babá para mim e para minha mãe.
Nem precisamos interrogar a mulher. Ela ajoelhou-se à nossa
frente e começou a chorar, para a surpresa de Amira, que ficou sem
entender nada.

Minutos depois da prisão de Lina, a minha mãe foi embora e


eu subi ao quarto, deitando-me com cuidado ao lado de Thara, que
continuava adormecida.
Por incrível que pudesse parecer, eu me sentia livre, aliviado,
feliz. Era como se um peso enorme tivesse sido tirado das minhas
costas. Depois daquela conversa com a minha mãe, o homem que se
achava um fraco por não ter conseguido se livrar da dependência
química, agora se tornava mais forte do que antes. O Majdan que
sempre fui nunca deixou de existir dentro de mim.
Eu consegui vencer, porra! Afinal, consegui mesmo vencer!
Aquela vitória contra o vício era muito importante para mim.
Saber que consegui vencer, não apenas uma, mas várias vezes, estava
restituindo a minha fé em mim mesmo, a força que sempre tive.
Lembrei-me dos meus filhos, que também sofreram com a
traição da mãe. Em nenhum momento Hayat pensou neles quando me
drogava com a dose exata para me deixar eternamente dependente.
Que Allah tivesse piedade da alma dela, porque eu não tinha!
— Estou observando você há alguns minutos e está tão sério
olhando para o teto.
A voz de Thara me trouxe de volta à realidade. Virei o rosto
para a mulher da minha vida.
— Pode não parecer, mas estou comemorando a minha
libertação definitiva da dependência química.
Um leve sorriso curvou os lábios carnudos e tentadores, mas
notei a desconfiança no olhar dela.
— O que aconteceu enquanto eu dormia?
Deitei-me de lado e de frente para ela.
— A minha mãe veio conversar comigo sobre o que você
descobriu a respeito de Hayat.
Ela abriu ligeiramente os olhos de surpresa.
— E você ficou calmo assim desse jeito?
Soltei uma risada, sentindo-me verdadeiramente feliz.
— Não. Fiquei furioso, como você deve imaginar. —
Coloquei uma mecha do cabelo longo dela para trás da orelha,
aproveitando para lhe acariciar o rosto. — Você nunca deixou de
acreditar em mim, habibti.
Ela prendeu o meu olhar.
— Nunca, Majdan. Desde que passei a conhecer você melhor,
tive a certeza do homem íntegro e honrado que era. Nunca duvidei da
sua palavra quando me contava sobre a luta que travou contra o vício e
do quanto queria permanecer com o corpo limpo. Senti que era um
homem mudado. Ninguém conseguiria me convencer que você estava
escondendo drogas em casa para consumir, quando sei o quanto ama
os seus filhos.
Se ela já não tivesse me conquistado totalmente, conseguiria
conquistar naquele exato instante. Thara era, sem dúvida alguma, a
parte que faltava de mim mesmo.
Trouxe-a para os meus braços, mostrando o que sentia com
um beijo profundo. Ela se aconchegou contra mim, suspirando de
prazer.
Estávamos tão envolvidos um com o outro que nos
surpreendemos quando a porta do quarto se abriu de repente. Sentei-
me de imediato, protegendo Thara com o meu corpo e disposto a punir
severamente quem havia entrado sem bater.
A invasora soltou um gritinho de susto, cobriu o rosto com as
mãos e se virou de costas.
— O que faz aqui, Abia?
Relaxei sobre a cama, ouvindo o riso divertido de Thara atrás
de mim.
— Vim chamar vocês para o jantar, papai. Está na hora.
— Já vamos descer, mas não volte a entrar aqui sem bater. O
papai pode estar beijando a Thara e você vai ficar envergonhada.
Agora pode olhar.
— Não estão mais se beijando? — Ela quis uma confirmação.
Thara riu ainda mais e me contive para não rir também. Era
preciso manter a seriedade ou Abia voltaria a entrar no nosso quarto
sem bater na porta.
— Não. Você nos interrompeu.
Ela se virou lentamente e olhou por entre os dedos. Quando
nos viu sentados e separados, baixou as mãos e correu para a cama.
Subiu nela sem cerimônia alguma, como gostava de fazer quando
vinha me acordar de manhã.
A mãe dela sempre dormiu no próprio quarto contíguo ao
meu e a minha filha nunca chegou a nos ver juntos na cama. Agora
que Thara dormia comigo, o risco de Abia nos pegar no meio de uma
tórrida sessão de sexo era muito grande.
— Thara, como está o bebê? — ela perguntou com
entusiasmo.
— Está ótimo, habibti. Dormiu bem e acordou com muita
fome.
— Então você precisa comer. — Ela olhou para mim. — Viu,
papai? Cheguei na hora certa.
— Já vamos alimentá-lo, mas antes me diga o que vai fazer
quando voltar aqui de novo.
— Vou bater na porta.
— Muito bem. Agora espere lá embaixo enquanto nos
arrumamos para o jantar.
— Sim, papai.
Ela me deu um beijo no rosto e outro em Thara e depois saiu
correndo do quarto.
— Ela é um amor e está crescendo rápido.
— Já notei isso. Vai me dar muito trabalho lá na frente.
Thara me olhou com um sorriso provocador.
— Humm, será que estou vendo aí um pouco de ciúme de
pai?
— Um pouco não. É muito mesmo — admiti sem problema
algum. — Os futuros candidatos a marido de Abia vão ter que provar
o seu valor. E não será só para mim, para os irmãos dela também.
— Mas ela vai se casar por amor. Não é fácil ser a única filha
mulher na família.
Ela falava por experiência própria e fiz questão de
tranquilizá-la.
— Não se preocupe com isso. Abia se casará com o homem
por quem se apaixonar, assim como você.
— E Sabirah também.
Demorei a responder.
— Depende. Não sou o único irmão dela. Os outros podem
ter uma opinião diferente da minha. Fora eles, ainda tem o meu pai e a
minha mãe.
— Farah vai apoiar Sabirah.
— Não duvido. Quanto a mim, não vou dificultar demais para
o meu futuro cunhado, mas também não vou facilitar. Prometo que
tentarei não ser odiosamente machista.
Capítulo 75
Majdan
Saqr, Yusuf e Jamal já estavam na sala quando entrei com
Thara e os meus filhos. Os três conversavam com o meu pai, enquanto
as mulheres estavam reunidas nos sofás próximos ao jardim, para onde
Thara se dirigiu.
Pela maneira como o meu pai e irmãos me receberam, deduzi
logo que já sabiam de tudo sobre Hayat. Apesar de estarem com a
fisionomia séria, havia amor e admiração nos olhos deles quando
vieram me abraçar.
O primeiro foi Saqr, seguido pelo Jamal e, por fim, o Yusuf,
que prontamente me pediu desculpas.
— Estou me sentindo um irmão ingrato por ter duvidado
tanto de você nas últimas semanas.
— Não se sinta assim. Você foi o que mais me ajudou.
O meu pai se aproximou para me abraçar.
— O homem cresce com as adversidades, filho. É assim que
temos de ver os desafios da vida. Só Allah sabe medir o tempo que
precisamos para crescer.
— Que Ele seja louvado!
Olhei para os meus irmãos.
— Ficou tudo resolvido na cidade antiga?
— Deixamos uma equipe patrulhando a área — Saqr
explicou com a sobriedade característica dele. — O bunker que Musad
construiu era praticamente uma cidade debaixo da cidade. Não faltou
vontade de explodir tudo de uma vez.
— Hoje foi o dia de nos surpreendermos com a capacidade de
dissimulação das pessoas — Yusuf comentou meneando a cabeça com
incredulidade. — Eu jamais imaginaria que a riqueza de Musad Faez
vinha do tráfico de mulheres e de drogas, muito menos que Hayat
seria capaz do que fez. Ela nos enganou direitinho.
Senti o olhar de Saqr sobre mim e o encarei com o rosto
muito sério.
— Você deveria ter me deixado matá-la naquele dia.
Ele suspirou profundamente e contraiu os lábios. Notei que
estava chateado consigo mesmo por ter me pedido para deixar Hayat
viva, mesmo depois de ela ter tentado matar Kismet e a ele também169.
— Perdoe-me por isso, meu irmão. Ainda tenho na minha
cabeça que as mulheres não são capazes de cometer tantas atrocidades
quanto os homens. Achei que estando presa, Hayat não conseguiria
fazer mal a mais ninguém. Enganei-me horrivelmente e o meu erro
quase custou a sua vida.
— Está perdoado.
Ofereci a mão para ele, que a apertou e me puxou para um
abraço. Logo depois, nosso pai nos abraçou.
— Muito bem, meus filhos. Um homem mostra a sua força ao
saber pedir perdão e ao saber perdoar também. Vocês me enchem de
orgulho. Os quatro!
— Sei que vocês me julgam um filósofo, mas às vezes me
pergunto se somos nós que estamos ficando benevolentes demais ou se
são as pessoas que estão ficando cada dia mais inescrupulosas —
Jamal desabafou.
Nosso pai colocou uma mão no ombro dele.
— Continuaremos sendo benevolentes com as vítimas e
implacáveis com os culpados. — Ele olhou para os quatro filhos e
ergueu o punho fechado. — Os Al Harbi continuam fortes e
invencíveis, hoje e sempre!
— Inshallah! — dissemos em uníssono, juntando nossos
punhos ao dele.
Minutos depois, fomos para a mesa de jantar e o assunto foi
colocado de lado. As conversas foram triviais enquanto cada um
saciava a sua fome e aproveitava o momento familiar.
Observei com satisfação Thara provar cada um dos pratos da
refeição, enquanto ria e brincava com Abia, que se sentou entre ela e
Sabirah. Do outro lado da mesa, Kismet e Malika ouviam com atenção
algo que a minha mãe dizia, para logo depois as três caírem na risada.
Fiz uma oração silenciosa a Allah por ter me dado forças para
vencer os meus inimigos.
Peguei o meu copo de jellab170 sobre a mesa e chamei a
atenção de todos.
— Quero fazer um brinde especial hoje!
Todos olharam para mim e me virei para a minha mãe,
erguendo o copo na direção dela.
— Um brinde à Farah Al Jaber. Uma mulher incrível, mãe
amorosa, esposa dedicada, rainha sábia e corajosa.
Com exceção das crianças, todos os presentes sabiam o
motivo daquele brinde. Naquele dia, a minha mãe havia tido o maior
dos desafios da vida dela.
— E sogra maravilhosa! — Kismet completou, recebendo o
apoio de Malika e de Thara, que comemoraram fazendo um
zaghrouta171 junto com Sabirah e Abia.
A família inteira ergueu o copo e bebeu em homenagem a ela,
um verdadeiro pilar que sustentava a todos nós.
— Vocês estão me deixando constrangida — a minha mãe
reclamou, mas sorria de felicidade. — Se é para comemorar, também
quero fazer um brinde ao próximo Al Harbi que vem chegando. Em
breve teremos um novo príncipe ou princesa correndo pelos jardins do
palácio. Nossa família vai crescer e estaremos cada dia mais fortes e
unidos. Um brinde ao filho ou filha de Majdan e Thara.
Thara olhou para mim, emocionada.
Bebemos mais um gole e logo veio outro brinde do meu pai.
— Um brinde a nós, os Al Harbi.
— A nós! — repetimos alto.
Entre risadas e o zaghrouta172 das mulheres, os brindes
terminaram e a refeição continuou.
Quando terminamos, fomos conversar na sala enquanto as
crianças brincavam.
— O que vocês sabem sobre a garota chamada Shamsa que
estava no depósito? — Jamal perguntou de repente para Thara e
Sabirah.
— A brasileira? — Thara olhou para Sabirah. — Nos
esquecemos dela.
Sabirah olhou para Jamal.
— Shamsa também está na casa de acolhimento? Gostaria de
falar de novo com ela.
Ele não respondeu, parecendo tão chocado quanto Yusuf e eu.
Então, afinal a garota não era inglesa.
— Ela é brasileira? — Jamal perguntou sem conseguir
disfarçar o espanto. — Pensei que fosse inglesa ou de algum outro
país da Europa.
Thara riu com o engano dele, que também foi um engano
nosso. Quem visse a garota ia dizer de cara que era inglesa.
— Eu também pensei que fosse inglesa, mesmo falando tão
fluentemente o nosso idioma. Pelo que nos contou, o pai é árabe, a
mãe é inglesa e ela nasceu no Brasil. Só não me lembro mais de qual
cidade.
— É de São Paulo. Eu me lembro — Sabirah completou.
Tanta coisa havia acontecido depois da fuga de Shamsa que
me esqueci da garota.
— Conseguiram encontrá-la? — perguntei aos meus irmãos.
— Ainda não — Yusuf respondeu. — Mas continuamos
procurando.
Thara nos olhou com a testa franzida.
— O que aconteceu com a Shamsa para vocês estarem
procurando por ela?
— Fugiu do depósito bem debaixo das nossas barbas —
Jamal nem disfarçou o quanto ainda estava irritado.
Thara e Sabirah trocaram um olhar de espanto.
— Estou sem acreditar nisso. — A minha irmã meneou a
cabeça olhando para nós três. — O que vocês fizeram para ela querer
fugir?
— Não fizemos nada — Jamal nos defendeu. — Ela se
aproveitou que estávamos ocupados procurando por vocês e fugiu sem
dar explicações.
— Talvez tenha se assustado comigo — admiti com um olhar
de desculpas para Thara. — Tenho de reconhecer que estava nervoso e
fui um pouco brusco com ela.
— Mas vocês não vão deixar de procurar por ela, não é? —
Ela pediu com um olhar preocupado. — Shamsa é muito novinha.
Disse que tem dezenove anos, mas desconfio que tenha menos.
— Dezenove?! — Jamal aprumou o corpo na cadeira,
olhando para mim e Yusuf. — Eu não disse que ela era muito esperta?
— Por que você está dizendo isso? — Sabirah estava sem
entender nada.
— Ela disse que tinha vinte e um — Jamal explicou.
— Vinte e um? Ela nos disse que tinha dezenove — Thara
afirmou com segurança. — Que coisa mais estranha.
A minha mãe, que acompanhava a conversa calada, resolveu
dar a opinião dela.
— Se a garota mentiu, deve ter os motivos dela. A nossa
obrigação é encontrá-la antes que se veja em perigo. — Ela olhou para
Yusuf. — Destaque um grupo especial para esta missão, filho.
— Se precisar de ajuda, pode contar comigo — Jamal se
ofereceu.
— Ajuda nunca é demais, meu irmão.
Yusuf sorriu agradecido e fiquei feliz ao ver que ambos iam
trabalhar juntos naquela missão.
— Fico mais tranquila agora. Estava preocupada com a
Shamsa. — Thara estava visivelmente aliviada. — Gostei muito dela.
É uma garota bastante corajosa.
— Fiquei curiosa em conhecer esta Shamsa. Mulheres
corajosas fazem a diferença no mundo — Malika comentou.
Thara fez um gesto de urgência com a mão, chamando a
atenção de todos.
— Me esqueci de dizer uma coisa para vocês. — Ela olhou
especificamente para mim. — Musad fez uma ligação na minha frente
e falou sobre conseguir uma outra estrangeira loura para substituir a
Shamsa. Ele disse que agora que o turismo estava crescendo muito em
Tamrah, seria fácil pegar turistas para servirem no deserto.
Cruzei um olhar preocupado com o meu pai e irmãos.
— Precisamos ter certeza de que não restou nenhum membro
solto dessa quadrilha. Temos que pegar todos! Não podemos correr o
risco de alguém resolver continuar o tráfico de onde Musad parou.
Com a campanha que estamos fazendo o turismo vai aumentar e
muito.
— As mulheres que vierem fazer turismo em Tamrah
precisam estar em segurança. — A minha mãe foi categórica naquele
ponto.
— Musad falou exatamente isso de servir no deserto? — Saqr
perguntou à Thara.
— Sim, isso mesmo. Uma ocidental loura para prestar serviço
no deserto.
De todos nós, Saqr era aquele que melhor conhecia o deserto
de Tamrah.
— Algum clã de beduínos? — sugeri para ele.
— É possível. Alguns são muito bárbaros ainda, mas tenho
contato com líderes de clãs rivais que são leais ao nosso governo. Vou
falar com eles para ver se sabem de alguma coisa.
— Tem outra coisa importante — Thara nos interrompeu. —
Com exceção de Shamsa, todas as outras mulheres que estavam no
depósito eram refugiadas de Sadiz.
Malika se revoltou de imediato.
— As nossas refugiadas?
— Isso mesmo, Malika. Eu fiquei horrorizada.
— Não podemos deixar isso acontecer com as mulheres de
Sadiz. — Kismet se juntou à irmã, olhando para Saqr como se
quisesse que ele saísse naquele exato instante para resolver o assunto.
— Vamos resolver isso, mas precisamos de tempo. — Ele
tentou tranquilizar a esposa.
Foi uma tentativa vã. Kismet não se conformou e todas as
mulheres começaram a falar ao mesmo tempo, criando uma verdadeira
manifestação feminista. A pressão era grande para que tomássemos
uma atitude.
Troquei um olhar com os meus irmãos, que pareciam tão sem
ação quanto eu.
— Calma! — O meu pai silenciou todo mundo e agradeci
mentalmente. — Nossas turistas vão continuar em segurança e as
refugiadas de Sadiz também. Vamos matar o mal pela raiz,
exterminando completamente esta rede de tráfico e qualquer outra que
tentar se instalar novamente no país. A prioridade agora é caçar todos
eles.
Até consegui ouvir o suspiro coletivo depois daquele
pronunciamento. Nossas mulheres se acalmaram e nós também.

Nas semanas seguintes, fizemos exatamente o que nosso pai


mandou. Saqr e Yusuf uniram esforços para que as Forças Armadas e
os Serviços Secretos de Tamrah desmantelassem toda a rede de tráfico
montada por Musad Faez.
Todos os envolvidos e suspeitos de envolvimento foram
detidos. A infraestrutura foi completamente destruída e não restou
nada da quadrilha.
— O único problema é que Musad Faez fornecia mulheres
para outros países, fazendo parte de uma rede maior de tráfico
internacional. Precisamos apenas estar atentos para ninguém querer se
instalar no lugar dele, achando que o “mercado” de Tamrah está livre
— Yusuf alertou em uma reunião que fizemos no majlis do meu pai.
— Estaremos atentos. Esse é o tipo de trabalho que nunca
acaba. — Coloquei a caneta sobre a mesa, olhando para Yusuf e
Jamal. — Alguma novidade sobre a Shamsa?
— Até agora, não. Parece que desapareceu completamente —
Jamal respondeu e senti o quanto estava frustrado.
— Aparentemente ela não deixou o país, pelo menos de avião
— Yusuf informou. — Pedi um levantamento completo com as
companhias aéreas e nenhuma Shamsa embarcou desde que ela fugiu.
— Logicamente, se esse for mesmo o nome dela. A garota
pode ter mentido sobre isso — lembrei-os.
— O retrato falado dela já está com a polícia nos aeroportos
para tentarem identificá-la. Queremos ter certeza de que está saindo de
Tamrah em segurança para o país dela. Assim fechamos este caso de
uma vez.
Fechar logo o caso de Shamsa era do interesse de todos nós.
As mulheres da família frequentemente perguntavam se já tínhamos
encontrado a garota.
Fiz uma reunião com os meus filhos para contar sobre a
morte da mãe. Não entrei em detalhes de como ela morreu, apenas
informei. Quando eles souberam que fui drogado durante anos e que
as minhas recaídas foram manipuladas pela mãe, correram para me
abraçar.
Fechei os olhos, emocionado com o amor deles.
— Eu não estou surpreso com a morte dela e acho que os
meus irmãos também não. Já esperávamos ouvir isso em algum
momento. — Hud foi o primeiro a falar, como frequentemente fazia.
— Nós três vamos rezar hoje pela alma dela quando nos reunirmos na
salat, mas o que importa para nós é o senhor. Allah o protegeu e deu
força. Que seja louvado!
Quando contei tudo para Thara, ela sorriu e me abraçou.
— Eles são filhos maravilhosos. Uma benção de Allah.
Coloquei a mão sobre a barriga dela.
— O nosso também será. — Dei um beijo nos lábios dela. —
Já decidiu se vai querer saber o sexo?
— Vou ficar feliz se for um menino ou uma menina, mas
decidi que quero saber antes do dia do parto. — O sorriso se ampliou
enquanto alisava a barriga. — Depois que tomei essa decisão comecei
a ficar ansiosa.
— Qual é a sua intuição de mãe?
— Andei fazendo uns cálculos. Farah teve quatro homens e
Sabirah. A minha mãe também teve quatro homens e eu. Você já tem
dois meninos e Abia. Kismet teve dois meninos e Fhatima. Malika
começou logo com um menino. Pela lógica, não vou escapar de
também ter um menino.
Ela tinha razão. A probabilidade maior era de ser um menino.
— Vamos fazer o exame assim que você tiver tempo
suficiente de gravidez.
Foi o que fizemos e quando o resultado chegou nas nossas
mãos, quase não acreditei.
— Você acertou. Terei quatro filhos homens. — Soltei uma
risada de felicidade. — Abia vai continuar reinando soberana aqui em
casa.
Thara me deu um abraço eufórico e apertei-a contra o peito,
beijando-a vezes seguidas nos lábios.
— Estou tão feliz com o nosso menino!
— Obrigada por esse filho, habibti.
Naquele mesmo dia, o nome do nosso filho foi escolhido da
lista de Abia. Ele seria chamado de Ibrahim, o preferido de todos.
Capítulo 76
Sete meses depois

Majdan
“Eu acredito que nada acontece na nossa vida sem um
motivo. O seu Deus Allah queria que você aprendesse a se tornar um
homem melhor da maneira mais dura possível. O motivo talvez seja
uma missão especial que Ele tenha reservado para você. Só precisa
analisar a sua vida e descobrir qual é.”
Eu analisei e encontrei a resposta. Depois de tanto sofrer
como dependente químico, descobri qual era a verdadeira missão que
Allah havia reservado para mim.
Ter consciência de que só não me recuperei antes por ter sido
atraiçoado durante anos, fez-me pensar no que Takeshi disse quando
eu estava em Nova York. Não demorei muito tempo para tomar a
decisão de abrir em Jawhara uma clínica de reabilitação para
toxicodependentes.
Apesar de a minha mãe ter sugerido que eu colocasse o meu
nome na clínica, de início eu não quis, por achar que passaria a
imagem de uma instituição criada só para um seleto grupo de pessoas
com altíssimo poder aquisitivo. Eu queria alcançar todas as classes
sociais e ajudar o maior número possível de dependentes químicos que
existissem no meu país e até fora dele.
Foi em uma conversa com Thara que mudei de ideia.
— Se você fizer uma boa campanha publicitária para a
clínica, acho que tendo o seu nome vai dar bastante credibilidade ao
trabalho desenvolvido lá dentro. Não há melhor caso de sucesso do
que o seu. — Havia orgulho na expressão do rosto dela. — Você será
um exemplo a ser seguido para inúmeros jovens que estão passando
pelo mesmo problema.
Foi assim que nasceu a Clínica de Reabilitação Sheik Majdan
Al Harbi, que atualmente contava com uma equipe multidisciplinar
completa de profissionais especializados.
Para me ajudar naquele projeto, convidei o homem que me
mostrou o caminho para a cura e que hoje eu considerava como o
exemplo de melhor amigo. Takeshi Okada.
Quando liguei para ele, foi sem esperança alguma de que
aceitasse o meu convite.
— Sei que tem a sua vida estabelecida em Nova York com a
família há muito tempo, mas não consigo imaginar outra pessoa para
ser o meu sócio neste desafio. Você estaria interessado em entrar
comigo neste projeto, Takeshi? Esta é a missão que Allah estava
reservando para mim.
— Como fico feliz em saber que você descobriu a sua
missão, Majdan. É uma honra para mim receber este convite. — Ele
começou e já fiquei esperando pela negativa que viria a seguir. —
Ainda há alguns dias, comentei com a minha esposa que estava
precisando de um novo desafio na minha vida. Acho que o seu Deus
Allah já estava me preparando para aceitar o seu convite.
Passei uma mão na barba e me recostei contra o espaldar da
cadeira, dividido entre a emoção e a incredulidade. Comecei a rir logo
depois, verdadeiramente feliz com a resposta dele.
— Será um desafio e tanto, meu amigo. Temos muito
trabalho para fazer aqui.
— Trabalharemos um dia de cada vez. Só por hoje, lembra-
se? — ele repetiu com um tom de voz risonho.
Comecei a rir também, ciente da sabedoria daquelas palavras.
— Lembro-me, sim. Só por hoje.
A minha agenda de trabalho vivia lotada, mas reservei um dia
na semana para dar expediente integral na clínica de reabilitação.
Lá eu não era um príncipe. Era apenas alguém que dava apoio
a quem precisava, participando das conversas, ouvindo os relatos e
aconselhando aqueles que me procuravam em busca de inspiração
para vencer o vício.
Havia tantos profissionais experientes na clínica que pensei
que ninguém se interessaria em praticar karatê e meditação comigo,
mas me enganei. Eu não parava um minuto no único dia em que ia
para lá.
Dos meus irmãos, Yusuf era o que mais aparecia. Depois que
conheceu Takeshi, o amor pelo karatê fez com que os dois criassem
uma grande amizade. Thara ficou encantada com a serena sabedoria
do meu mentor, amigo e agora sócio.
— Este, sim, é um verdadeiro amigo, Majdan — ela disse
assim que entramos no carro para voltar à Taj depois de visitar a
clínica e o conhecer.
Sorri, feliz, concordando totalmente com ela.
Era na clínica que eu estava quando Thara entrou em trabalho
de parto. No dia anterior, havia dito a ela que faltaria para ficar em
casa.
— Estou achando que a sua barriga hoje está mais baixa do
que o normal. Prefiro ficar em casa para o caso de Ibrahim chegar.
— Não precisa, Majdan. Não sinto nada que indique que a
hora chegou.
— Mesmo assim, acho que vou ficar.
Ela me abraçou antes de nos deitarmos, a barriga dilatada
entre nós dois.
— Não se preocupe. Dizem que o primeiro trabalho de parto
é demorado. Mesmo que você esteja na clínica, vai ter tempo de sobra
para chegar.
Ela tanto insistiu que fui para a clínica, mas só depois que
Layla se comprometeu a ficar em casa com Thara o tempo inteiro.
Passei o dia trabalhando normalmente ao lado de Takeshi e só
no fim da tarde recebi uma ligação de Thara. Eu tinha acabado de
tomar banho depois das aulas de karatê quando o celular tocou.
— Você está bem? — Foi a primeira coisa que perguntei.
— Estou, mas você pode vir para casa?
O controlado tom de desespero que ela tentava disfarçar me
deixou alarmado.
— Claro que posso! — Já comecei a arrumar minhas coisas
para sair o mais rápido possível da clínica. — O que aconteceu? Você
e o bebê estão bem?
— Estamos bem, só que o trabalho de parto começou há
algumas horas e descobri que estou com medo — admitiu em um tom
de voz constrangido. — Queria você aqui comigo.
Respirei aliviado ao saber que os dois estavam bem e que ela
precisava apenas da minha presença para se sentir mais confiante.
— Estou indo para casa agora, habibti. Layla está com você?
— Está, sim. Ela, Farah e as princesas.
Descomprimi da tensão ao comprovar que o problema era a
insegurança de primeira gravidez de Thara. Ela estava bem assistida.
— Fique tranquila, já estou saindo da clínica.
Fui me despedir de Takeshi.
— Então chegou a hora de mais um príncipe chegar — ele
comentou com um sorriso, abraçando-me. — Parabéns, meu amigo.
Vá para o lado de sua esposa.
— Darei uma festa para comemorar a chegada dele e quero
você e sua família presentes.
Ele fez uma leve reverência com a cabeça em agradecimento.
— Será uma honra para nós.
Aquela não seria a primeira vez que ele, a esposa e as duas
filhas estariam presentes em um evento em Taj. Eu já os tinha
convidado outras vezes e todos da minha família haviam adorado os
Okada.
Fui para casa e encontrei Thara cercada de assistência. Havia
tantas mulheres no quarto que parecia mais uma das reuniões no
majlis da minha mãe. Sentada na cama, Thara segurava com força a
mão de Kismet com o rosto contraído de dor.
— Respire fundo mais uma vez — a minha cunhada dizia.
Assim que todas me viram entrar, abriram caminho para eu
chegar até ela. Kismet se levantou e ocupei o lugar ao lado de Thara.
— Majdan! — Alívio e dor se misturaram no seu tom de voz.
Segurei-lhe a mão, que ela apertou com força para suportar a
contração. Com tanta gente no quarto olhando para nós dois, não
podia abraçá-la e beijá-la do jeito que queria, mas eu continuava sendo
um homem que não tinha freio quando as regras me impediam de
fazer o que desejava.
Abracei os ombros de Thara, apoiando-a no meu peito, e
beijei os cabelos presos em uma longa trança. Ela se recostou
pesadamente contra mim.
— Faz muito tempo que começou?
— Assim que você saiu — respondeu, ofegante.
Meneei a cabeça em uma carinhosa repreensão. Ela sabia que
eu amava cada momento que passava na clínica com os pacientes
internados e não quis me privar daquele momento.
— Devia ter me chamado logo. Vocês são mais importantes
para mim. — Olhei para a minha mãe. — Não está na hora de irmos
para o hospital?
— Estávamos esperando você chegar.
Ou seja, deixaram para me chamar no último instante.
— Então, vamos agora.
Assim que chegamos na maternidade do hospital, fiquei com
a impressão de que se passaram horas até ouvir o primeiro choro de
Ibrahim, mas na prática não foi tanto assim. Ele nasceu às dez horas
da noite, cheio de energia e deixando-me emocionado.
Aquele era o primeiro filho que eu via nascer dentro de uma
sala de parto e foi uma das melhores experiências da minha vida. Não
entendi por que a minha mãe fazia tanto alarde para não estarmos
presentes, alegando que desmaiaríamos igual ao meu pai quando
nasci.
Se eu soubesse que era tudo tão gratificante, teria
acompanhado de perto o nascimento de Hud, Imad e Abia. Em vez
disso, acatei as ordens da minha mãe. Na época, fiquei aguardando
com os outros homens na sala de espera.
Talvez tenha me submetido tão facilmente e sem reclamar,
por não ter uma ligação afetiva com Hayat. No caso de Thara, o amor
era profundo, eterno, único e eu jamais a deixaria sozinha em um
momento tão importante para nós dois. Ter ficado ao lado da mulher
que eu amava, estreitou ainda mais os laços que nos uniam.
Se o nosso amor antes era eterno, agora era também
inquebrável.
— Aqui está Ibrahim Al Harbi, o mais novo príncipe de
Tamrah — a minha mãe anunciou orgulhosamente, erguendo o neto
nas mãos para nos mostrar assim que ele saiu do ventre de Thara.
Sentado ao lado dela e segurando uma de suas mãos, ri como
um bobo ao ver o meu filho todo cheio de secreções chorando a pleno
pulmões. A tensão do parto se desvaneceu na hora e relaxei, passando
uma mão no rosto enquanto o olhava.
— Allah seja louvado! Como ele é lindo, Majdan! — Thara
exclamou entre as lágrimas.
Ignorei todo mundo na sala, segurei o rosto dela com um
gesto bastante possessivo e me inclinei para dar um beijo profundo,
mas rápido, nos lábios da mulher da minha vida. Pega de surpresa, ela
ainda olhou constrangida para as outras mulheres que estavam na sala,
mas depois correspondeu.
— Majdan Al Harbi, mantenha a decência! — A minha mãe
reclamou.
Virei-me para elas.
— Peço perdão, senhoras, mas eu tinha que agradecer à
minha esposa de uma maneira especial pelo filho lindo que acabou de
me dar. Agradeço também a todas vocês por terem ajudado ele a
chegar. Fizeram um excelente trabalho.
A médica, a pediatra e as duas enfermeiras ficaram
visivelmente lisonjeadas. Da minha mãe, recebi um olhar de quem se
enchia de paciência para as minhas rebeldias de conduta.
Thara recebeu Ibrahim nos braços e me esqueci do resto do
mundo ao admirar, completamente embevecido, a cena marcante da
minha mulher com o meu filho nos braços. Ela olhou para mim com
um sorriso naqueles lábios que destruíam o meu autocontrole e nunca
a achei tão bela. Thara estava radiante de felicidade e me senti
orgulhoso de ser o homem que ela amava.

Semanas depois, encerrei uma tarde exaustiva de reuniões na


Global Harbi e fui para casa, ansioso para tomar um banho relaxante e
aproveitar o resto do dia com a minha família.
Assim que cheguei, subi direto ao quarto, onde eu tinha
certeza que encontraria Thara. Àquela hora, ela devia estar dando o
banho de Ibrahim.
Mal abri a porta, fui surpreendido com uma repreensão
inesperada.
— Papai, não faça tanto barulho! — Abia sussurrou com
urgência. — Ibrahim está dormindo.
Sentada na cama ao lado de Thara, a minha filha colocou um
dedo sobre os lábios, pedindo-me para fazer silêncio. Ibrahim dormia
no colo da mãe depois de mamar.
Troquei um olhar divertido com Thara, que sorria
tranquilamente ao me ver sendo repreendido.
Aproximei-me, desviando o olhar do volume quase obsceno
dos seios dela. A minha mulher estava cada dia mais sedutora e eu
cada dia mais rendido aos seus encantos.
— Ele já terminou? — Usei o tom de voz mais baixo que
pude.
— Agora mesmo — Thara respondeu olhando para Ibrahim.
— Acabou de pegar no sono.
Ela colocou nosso filho em posição para arrotar.
— Posso levar ele para o berço depois? — Abia pediu,
esperançosa.
Ela sempre fazia o mesmo pedido. Deixamos que Abia
colocasse o irmão no berço pela primeira vez quando ele completou
duas semanas de vida. Para nossa surpresa, descobrimos que ela tinha
muito jeito para cuidar do irmão mais novo. De lá para cá, a minha
filha passou a ser a maior ajudante de Thara nos cuidados com
Ibrahim.
— Claro que pode — Thara confirmou com um olhar
amoroso. — Acha que hoje consegue também colocá-lo para arrotar?
Os olhos de Abia brilharam de expectativa.
— Consigo, sim!
Thara entregou Ibrahim para ela, que o pegou com cuidado e
colocou na posição certa. Sentei-me na poltrona ao lado da cama e
fiquei observando as duas, o amor explodindo no peito ao ver como se
davam bem. Thara tinha uma sensibilidade incrível para lidar com as
pessoas, principalmente com as crianças.
Quando chegou a hora de colocá-lo no berço, elas se
levantaram e fiquei admirando as curvas da minha mulher como um
sedento... e era exatamente como um sedento que eu me sentia.
Thara estava usando uma abaya azul da cor do mar de
Alqamar que a deixava deslumbrante. O modelo tinha a abertura na
frente para facilitar a amamentação, ajustando-se ao corpo dela como
uma segunda pele.
Quase um mês após o parto, as curvas sensuais tinham
voltado ao que eram, mas eu notava detalhes que antes não existiam,
como os seios maiores, os quadris mais largos e as nádegas mais
redondas.
Tudo aquilo me enlouquecia e eu vivia fantasiando com o
momento em que poderia possuir novamente a minha mulher. Uma
posse completa, profunda, sem limites.
As duas saíram do quarto com Ibrahim e devorei o corpo de
Thara com o olhar, sentindo o meu pau reagir. Recostei-me contra o
espaldar da poltrona com um suspiro de frustração sexual, apertando-o
sobre o thobe. Fechei os olhos ao senti-lo endurecer, sensível demais a
qualquer estímulo.
Só preciso aguardar mais vinte dias.
Decidido a esquecer a frustração que me consumia, levantei-
me e fui tomar banho. Despi o thobe e o restante da roupa, ficando nu
dentro do banheiro.
O espelho que ocupava completamente uma das paredes
refletiu a minha imagem. Nela, vi um homem com o corpo delineado
por músculos bem definidos nos treinos de karatê, de krav maga e de
musculação, mas cujo pau endurecido sofria ultimamente de uma
frustração sexual dolorosa.
Entrei no box e deixei o jato de água cair pelo meu corpo, que
parecia arder de tanto tesão acumulado. Lavei o corpo, mas a mente
obsessiva insistia em pensar em Thara, nos seios inchados da gravidez,
nas coxas roliças e nos quadris arredondados que culminavam em
nádegas polpudas.
Fechei os olhos e deixei a água morna cair no meu rosto,
esperando que ela limpasse também os pensamentos eróticos que não
saíam da minha cabeça.
Ainda de olhos fechados, senti seios macios se grudarem em
minhas costas e mãos suaves rodearem a minha cintura, acariciando os
pelos do meu abdômen com toques inebriantes. Estremeci de prazer e
inspirei fundo quando o meu pau respondeu de imediato.
Ele foi envolvido por aquelas mãos quentes, que antes eram
inexperientes, mas que hoje sabiam exatamente o que fazer para me
enlouquecer de prazer. Quando ela fez o primeiro movimento de
vaivém nele, soltei um gemido alto dentro do banheiro, a linha tênue
do controle sendo quebrada.
Desliguei o jato de água, apoiei os antebraços na parede e me
entreguei ao desejo louco que me consumia. Baixei a cabeça e
acompanhei o trabalho magistral que as mãos delicadas faziam ao me
masturbarem.
— Mais rápido! — exigi com um rosnado rouco.
Ela acelerou, os lábios beijando as minhas costas. Depois foi
a vez da língua roçar a minha pele, enquanto as mãos trabalhavam
freneticamente no meu pau. Quando os dentes morderam
sensualmente a minha dorsal, suguei o ar com força.
— Assim, meu príncipe?
Oh, porra!
— Isso. Aperta mais!
Ela apertou o meu pau, acelerou os movimentos, mordeu as
minhas costas e cheguei no limiar do orgasmo.
— O que o meu príncipe quer?
A pergunta foi o detonador de um prazer visceral.
— Gozar, porra!
Perdi o controle de vez com aquela punheta perfeita cheia de
provocações.
— Assim?
Ela acelerou mais e parecia puxar de dentro de mim o
orgasmo que eu tanto queria. Explodi em uma ejaculação potente.
— Estou gozando, Thara! — Urrei dentro do banheiro,
ofegante.
O ar passava chiando entre os meus dentes cerrados enquanto
o prazer dominava o meu corpo. Quando tudo acabou, me senti sem
forças.
Ela havia superado o professor com aquela mordida nas
minhas costas. Meneei a cabeça com incredulidade, sem acreditar
naquilo.
— Você drenou as minhas forças. Transformou o leão em um
gatinho.
Thara riu atrás de mim e me virei de frente para ela, sendo
impactado pela beleza gostosamente erótica da minha mulher nua. A
minha garota.
Mais apaixonado do que nunca, arrebatei-a nos braços com
um certo desespero, tirando-a do chão. Thara se apoiou nos meus
ombros, roçando carinhosamente o rosto no meu.
— Senti o olhar faminto do leão seguindo os meus passos e
quis saciar a fome dele. — Deitou a cabeça de lado e me olhou
mordendo o canto do lábio inferior. — Consegui?
Demorei a responder, admirando-a.
— Conseguiu — confirmei, embasbacado.
O discreto sorriso de satisfação abalou as minhas estruturas.
— Acho que marquei as suas costas.
Eu não estava preocupado com aquilo.
— Gosto quando me morde. Me excita — admiti, sugando a
ponta do lábio inferior dela. — Pode marcar o meu corpo inteiro. Sou
seu.
Achei que ela fosse ficar envergonhada, mas Thara firmou os
olhos nos meus.
— Sou sua. — Não hesitou em afirmar, dando a entender que
eu também podia fazer o mesmo com ela.
Trocamos um intenso olhar de cumplicidade e nunca tive
tanta certeza na vida de que Thara era a minha outra metade.
Passei as mãos pelo corpo voluptuoso que tinha nos braços.
— Vou compensar você em dobro depois, habibti — prometi,
já ansiando por aquele momento.
Capítulo 77
Majdan
“A mais antiga dinastia do mundo árabe tem agora
um novo príncipe.
Nasceu no mês passado, o Príncipe
Ibrahim Al Harbi, o mais novo integrante da
tradicional família Al Harbi que governa Tamrah. A
família manteve o nascimento em segredo, mas agora
a notícia foi liberada para todos.
O pai, Príncipe Sheik Majdan Al Harbi,
ofereceu uma festa em comemoração à chegada do
seu quarto filho, que lotou um dos salões do
majestoso Palácio Real de Taj Almamlaka.
Conhecido por ser apaixonado por
cavalos puro-sangue, o príncipe tem trabalhado com
afinco para criar o seu próprio evento hípico no país,
que será chamado de Festival White Star de Hipismo,
com prêmios astronômicos para quem se inscrever
nas corridas de cavalos. Este festival já está dando o
que falar no meio hípico e certamente o príncipe vai
conseguir atrair investimentos multimilionários
dignos do país mais rico do mundo árabe.
Atualmente, Tamrah se transformou no
destino turístico mais procurado pelos ricos e
famosos, passando à frente dos concorrentes. As
belas praias contrastam com o deserto inóspito,
atraindo cada vez mais os visitantes que se hospedam
nos luxuosos hotéis espalhados pela cidade.
Conheça na galeria de fotos um pouco
mais sobre o país árabe que vem atraindo a atenção
de todos e sobre a dinastia que o governa.”

Fechei a reportagem, satisfeito com a notícia sobre o meu


filho e a divulgação que fizeram de Tamrah.
O turismo do país só crescia. Nunca imaginei que a minha
antiga fama de playboy faria com que a campanha promocional de
Tamrah como um destino turístico de luxo fosse um sucesso. O
número de turistas de alto nível era absurdo. Os hotéis viviam lotados
e os investimentos na área só aumentavam. Outros empreendimentos
de luxo estavam sendo construídos por redes hoteleiras internacionais,
trazendo cada vez mais turistas ao país.
Aquele foi o tema de uma das reuniões no majlis do meu pai
e me senti realizado com o trabalho que estava fazendo.
— Saqr e eu não temos um décimo do seu traquejo social.
Somos sérios demais para atrair o turismo para Tamrah — Yusuf
admitiu, rindo de si mesmo. — Foi quando você assumiu o ministério
e se tornou a cara da campanha turística do nosso país que crescemos
de verdade. Hoje, o lucro do turismo multiplicou absurdamente se
comparado com anos atrás.
E eu pretendia multiplicar muito mais. O evento hípico que
criei era o meu mais novo projeto para atrair turistas, mas era também
uma necessidade que eu tinha na alma. Não havia outro nome que eu
pudesse dar ao festival que não fosse o de White Star, o meu garanhão
vítima do doping de Mubarak.
Abia ficou emocionada quando soube.
— Ele merece essa homenagem, papai.
Dos meus filhos, ela continuava sendo aquela que havia
herdado o meu amor pelos cavalos. A convivência com Thara estava
transformando-a aos poucos em uma jovem princesa confiante e
bastante madura para a idade. Eu vinha notando aquela transformação
e agradecia a Allah por não ter deixado em Abia nenhum dos traumas
que tinha da época em que ainda vivia com a mãe.
Depois da morte de Hayat, Jafar foi transferido da prisão
comum para uma prisão de segurança máxima, onde ficaria pelo resto
dos seus dias. Quanto à Beyda, ficou em prisão preventiva após o
interrogatório e logo a seguir foi a julgamento. Agora, cumpria pena
no mesmo presídio onde Hayat havia ficado. Para evitar que também
se matasse igual à irmã, ela só recebia visitas na presença de uma
guarda prisional e após uma rigorosa vistoria. No depoimento que
prestou em tribunal, Beyda garantiu não saber como a irmã conseguiu
o medicamento para se matar, dizendo ainda que se sentia culpada por
ter colaborado com a morte dela. No entanto, aquilo não nos
convenceu nem amenizou a pena que teria de cumprir.
A irmã de Keisha ainda não havia sido localizada, mesmo
depois de tanto tempo. Discutimos o assunto em uma reunião no
majlis e chegamos à uma triste conclusão.
— Tudo indica que a garota foi enviada para fora do país
antes de desbaratarmos completamente a rede de tráfico de Musad —
Yusuf informou sem conter a raiva. — Malika está angustiada com
isso, mas tive de ser sincero com ela.
— O fato de só ter quinze anos pesa muito — lembrei-os,
sentindo-me igualmente enraivecido. — É difícil não me lembrar da
minha própria filha.
— Voto por não desistirmos de procurá-la — Saqr deu a
opinião dele com a fisionomia fechada.
— Eu também — apoiei imediatamente.
Yusuf e Jamal também concordaram e o meu pai comunicou a
decisão final dele.
— Vamos manter a investigação. — Olhou para mim. — E a
Keisha?
— Está no presídio feminino. A coação que sofreu e o
sequestro da irmã pelos traficantes, serviram como atenuante da pena
que terá de pagar por ter agido contra mim. Keisha sabia que seria
punida e já estava conformada com isso. A única coisa que pediu foi
que não desistíssemos de procurar pela irmã dela, informando-a do
processo. É o que temos feito.
— Muito bem. Então, este assunto está encaminhado. Qual é
o próximo?
— A Shamsa — Yusuf informou. — O funcionário de uma
central de ônibus a reconheceu quando um dos investigadores mostrou
o retrato falado. O problema é que a garota que ele viu não era loura,
mas os olhos azuis eram iguais aos dela.
— Estamos supondo que talvez Shamsa tenha pintado o
cabelo para se disfarçar — Jamal completou. — Na minha opinião, ela
está se escondendo de alguém e não acho que seja de nós.
— Investigaram as excursões de colégios brasileiros para
tentarem identificar qual foi a dela? Thara comentou comigo que
Shamsa estava ansiosa para ser encontrada pelas autoridades.
— Não houve nenhuma excursão estudantil vinda do Brasil
naquela semana nem nas anteriores.
— Ela mentiu — Saqr afirmou com segurança.
— Assim como mentiu sobre a idade — Jamal nos lembrou.
— Estamos investigando a rota que o ônibus fez e verificando
todas as localidades que existem durante o trajeto. Ainda tenho
esperança de alguém a reconhecer.
Yusuf estava mais otimista do que eu.
— Apesar de não acreditar muito nisso, sou a favor de
continuarmos investigando o paradeiro de Shamsa. — Dei a minha
opinião, sabendo que Thara ia gostar que não desistíssemos da garota.
— Também concordo — Jamal não hesitou em se juntar a
mim.
Todos foram a favor e o destino de Shamsa continuaria a ser
investigado.
— Que bom que já chegou, papai!
Abia correu para me abraçar assim que cheguei em casa.
Estava linda com os cabelos enfeitados com duas fitas amarelas.
— O que faz aqui embaixo? Achei que estaria ajudando
Thara a cuidar de Ibrahim.
Ela riu, feliz.
— Eu já cuidei dele hoje. Ibrahim agora está dormindo e
quem está com ele é a Karida.
Se o meu filho estava com a babá, significava que Thara
estava livre e poderíamos ficar sozinhos por algumas horas. No dia
seguinte, ela teria uma consulta com a médica e possivelmente seria
liberada para manter relações sexuais. Pelo menos era aquilo que eu
esperava fervorosamente que acontecesse.
Para comemorar o momento, eu havia comprado um presente
para ela, que pretendia entregar assim que saíssemos da consulta.
— Onde está a Thara?
— Foi para o majlis da vovó se encontrar com tia Sabirah.
Contive um suspiro de frustração ao saber que ela não estava
em casa.
— E os seus irmãos?
— Estão na sala de jogos. Já terminei de estudar e estou indo
para lá agora.
— Vá, filha. — Dei-lhe um beijo na testa. — Vou tomar um
banho e depois desço para ficarmos juntos.
Ela comemorou antes de sair correndo.
Subi para o quarto, mas antes passei no de Ibrahim para ver
como ele estava. A babá se levantou de imediato assim que me viu
entrar.
— Quer que eu saia, alteza?
— Não, pode ficar.
Fui até o berço, sorrindo ao vê-lo em um sono tranquilo.
Ibrahim era um bebê calmo, o que fazia Saqr comentar que só ele
havia tido um filho chorão, referindo-se a Zayn. Kismet defendia logo
o filho, mas todos na família sabiam o quanto o primogênito do meu
irmão era exigente.
— Faz tempo que ele está dormindo?
— Há pouco mais de uma hora, alteza.
Então fazia apenas uma hora que Thara havia saído de casa.
Era muito improvável que voltasse rápido.
Dei um beijo nos cabelos de Ibrahim e fui para o meu quarto,
pensando se ligava ou não para Thara.
Por fim, decidi não ligar. Eu precisava controlar a minha
obsessão por ela, que merecia relaxar na companhia de Sabirah e das
outras mulheres.
Conformado, abri a pasta e tirei o presente, guardando-o em
um dos compartimentos do closet. Despi a roupa e fui tomar um
banho, tentando não pensar mais em Thara. Depois, ri de mim mesmo.
Estando nu dentro do banheiro, dificilmente eu conseguiria não pensar
na mulher que me enlouquecia de tesão.
Era incrível como a minha vida havia mudado desde que a
conheci. Sem ela, o antigo Majdan parecia apenas um sobrevivente.
Com ela ao meu lado, reencontrei a mim mesmo, reconstruí-me, fiquei
completo.
Tomei um banho rápido e fui para o closet vestir uma túnica
curta sobre a calça. Antes de sair, olhei para o presente de Thara e foi
difícil conter a imaginação. Só de lembrar o significado do que havia
lá dentro, o meu pau respondeu de imediato e o apertei sobre a calça,
convicto de estar sofrendo de desejo sexual crônico.
Ouvi um som na porta do quarto e sorri, satisfeito. Só podia
ser a Thara. Afastei a mão do meu pau e ajeitei a túnica para disfarçar
o volume, saindo do closet.
Ela entrou no quarto exalando uma energia vibrante que me
envolveu por completo.
— Ibrahim está dormindo sob os cuidados da babá e as
crianças estão na sala de jogos — informou, abrindo a mão onde havia
uma chave. — E eu acabei de trancar a porta do nosso quarto para
ninguém nos interromper.
Atônito, fiquei olhando para a chave na mão dela.
Será que entendi direito ou o meu tesão reprimido está vendo
coisas que não existem?
Havia uma grande possibilidade de eu estar vendo sexo onde
existia apenas um assunto sério a ser tratado.
— Aconteceu alguma coisa para você querer conversar em
particular comigo?
— Não aconteceu, mas vai acontecer agora.
Thara parou com um olhar misterioso, largando a chave no
chão. Segurou a longa trança que prendia os cabelos e começou a
desfazê-la sem desviar os olhos dos meus. Quando terminou, fez um
movimento supersensual com a cabeça, espalhando-os ao redor do
rosto e dos ombros.
Em completo êxtase, os meus batimentos cardíacos
aceleraram e o tesão reprimido começou a revolver as minhas
entranhas.
— Thara, Thara. É insensatez provocar um leão — falei em
tom de aviso.
Ainda mais se ele estiver faminto!
— E eu estou provocando? — perguntou com uma voz
lânguida, sem nem imaginar o perigo que corria. — Acho que estou
seduzindo o meu marido, que fica só me desejando em silêncio, sem
tomar nenhuma atitude para me satisfazer. E estou cheia de desejo por
ele.
Olhei-a, embasbacado, sem acreditar no que tinha acabado de
ouvir.
— A consulta é amanhã. Precisamos esperar que a médica
libere você.
Ela sorriu com um brilho malicioso no olhar, mordendo o
canto do lábio inferior. Thara podia não ter noção do quanto aquele
gesto era sedutor e me atiçava, mas eu tinha e me controlei para não
vencer a distância que nos separava e agarrá-la ali mesmo. Do jeito
que eu estava, talvez não conseguisse esperar até que a médica
liberasse Thara do resguardo.
— Tenho uma surpresa para você, meu príncipe. Antecipei a
consulta para hoje e já fui liberada pela médica.
Uma onda incontrolável de calor percorreu o meu corpo,
forçando o meu coração a bater mais rápido, mais forte, mais
intensamente, enviando o sangue direto para a minha virilha. O meu
pau respondeu de imediato, endurecendo.
Thara entreabriu os lábios apetitosos em um arquejo
excitante, o olhar descendo para ele. Fiquei mais duro ainda.
A tensão sexual dentro do quarto explodiu, tornou-se urgente
e irreprimível.
— Íamos juntos à consulta — comentei roucamente,
começando a andar na direção dela.
— Quis fazer uma surpresa para você e pedi à Sabirah que
me levasse hoje. — Prendeu o meu olhar com um convite irrecusável.
— Não gostou da surpresa?
Porra! Ela sabe que me tem na mão.
Não respondi. Em silêncio e com a expressão muito séria,
despi a túnica, ouvindo o ofego ansioso que ela soltou, os olhos
castanhos admirando o meu corpo.
Thara nem imaginava o quanto aquilo me excitava. O meu
pau já esticava a cueca e me livrei dela logo depois, junto com a calça.
Completamente despido, firmei os pés no chão e parei à frente dela,
deixando que me admirasse à vontade do jeito que estava. Nu, grande,
duro e ansioso para entrar nela.
— Tira a roupa para o teu príncipe! — exigi com um rosnado
tão duro quanto o meu pau estava naquele momento. — Se não tirar,
vou rasgar tudo!
Thara abriu mais os olhos e os fixou nos meus. Notei como a
respiração dela ficou mais ofegante, fazendo os seios maiores da
amamentação subirem e descerem sedutoramente. Ela não se mexeu,
ficou parada em ansiosa expectativa, aguardando que eu cumprisse o
que havia dito.
Porra! Ela gosta tanto quanto eu!
Descontrolei-me com aquela aceitação e não hesitei em me
aproximar com três passadas determinadas, analisando a abaya que ela
vestia. Em poucos segundos encontrei a maneira certa de rasgá-la sem
precisar machucar Thara.
Segurei o tecido com as duas mãos na altura dos seios e
rasguei-a com habilidade, o movimento firme desfazendo-a em duas
partes. O som do pano sendo rasgado serviu como um afrodisíaco
potencialmente estimulante para mim. Um espasmo de prazer pulsou
na minha virilha e quis me enterrar com urgência dentro ela.
O corpo de Thara ficou exposto, mostrando a lingerie
minúscula que pouco cobria os seios e a púbis deliciosa. Tirei o sutiã
com cuidado, mas a calcinha foi igualmente rasgada, caindo indefesa
no chão sobre os restos da abaya.
Sem me conter, ajoelhei-me no chão e forcei-a a colocar uma
das pernas sobre os meus ombros. Toquei o clitóris com um dedo,
sentindo o quanto já estava molhada.
Essa é a minha Thara!
Ela era tão quente e ardente quanto eu. Excitava-se com
poucos estímulos, ficando sempre molhada à minha espera. Saber que
conseguia provocar aquela reação imediata nela só aumentava o meu
prazer, o tesão pela mulher que dominava os meus sentidos.
Thara gemeu com o estímulo, apoiando-se nos meus ombros
para manter o equilíbrio diante da força do prazer que sentiu. Segurei-
a com força pelas nádegas e enfiei a língua no sexo úmido. Rosnei de
prazer quando senti o cheiro íntimo dela, o sabor da umidade, a
maciez da carne rosada.
Ela rebolou, roçando-se contra a minha boca, forçando a
minha língua a entrar pela abertura estreita que o meu pau queria
penetrar de uma só vez. Aquela reação instintiva quebrou a pouca
resistência que eu ainda tinha.
Fiquei de pé, agarrei-a e ergui nos braços. Thara enlaçou as
pernas na minha cintura e levei-a daquele jeito para a cama. Por mim,
foderia ali mesmo de pé, mas era a primeira vez dela depois do
resguardo e aquela posição poderia machucá-la.
Deitei-me com ela na cama, abocanhando um dos seios
inchados de leite, estimulando-o com a língua.
— Ai, Majdan!
Encostei o meu pau na entrada apertada, fazendo-a gemer
ainda mais.
— É isso o que você quer? — grunhi no ouvido ela.
Thara arqueou o corpo, rebolando para forçar a penetração.
Afastei-me, esperando que pedisse.
— Sim! Entra em mim, meu príncipe.
Quase entrei, mas aquelas não eram as palavras que eu havia
ensinado a ela meses atrás. Eu queria trazer à tona a mulher
despudorada e ousada que havia dentro dela.
— Não é assim que quero ouvir. Pede direito, Thara! — exigi
com autoridade, sentindo-me tão no limite quanto ela.
— Oh, me fode logo, Majdan! — Fincou as unhas nas minhas
costas, forçando-me. — Fode duro a tua mulher!
Fodi, mas penetrei mais lentamente do que queria. Só quando
já estava dentro de Thara e senti que estava tudo bem com ela, foi que
soltei de vez o meu prazer.
— Oh, porra. Que saudade de entrar em você!
Tomei aqueles lábios carnudos em um beijo duro, enquanto
fodia mais duro ainda, o prazer galopando rapidamente e levando-nos
juntos a um orgasmo abrasador.
Nenhum dos dois avisou que ia gozar. Gozamos em silêncio,
unidos por um beijo desesperado. Thara se agarrava ao meu corpo
como se dependesse de mim para viver, e eu fazia o mesmo com ela.
Ficamos daquele jeito por um longo tempo. Senti-me
estranhamente abalado, emocionado além do normal, a ponto de
questionar a mim mesmo se estava ficando assim tão vulnerável a tudo
o que dizia respeito a ela, a nós dois.
— Eu te amo, habibi.
Encontrei forças para abrir os olhos e admirar a minha garota,
a minha mulher, a fortuna que Allah me deu.
Precisei pigarrear para tirar o nó de emoção da garganta antes
de responder.
— Enty arfa en ana bamoot fiky173.
Ela voltou a me beijar com fervor e inspirei profundamente,
sentindo o meu amor crescer. Quando saí de dentro dela, deitei-me ao
lado e trouxe-a para o meu peito.
— Você está bem?
— Muito. — A resposta veio junto com um suspiro de
satisfação.
Sorri, acariciando os cabelos castanhos que se espalhavam
pelos ombros e costas macias. Achei que fosse surpreendê-la no dia
seguinte com o meu presente, mas, afinal, foi ela quem me
surpreendeu.
— Você me pegou de surpresa com essa ida hoje à médica.
Eu tinha até planejado uma comemoração para amanhã.
Ela ergueu instantaneamente a cabeça do meu peito.
— Ah, não acredito que estraguei tudo.
— Não estragou, apenas adiantou — tranquilizei-a. — Vai
entender quando ver o que trouxe para você.
Levantei-me e fui ao closet pegar o presente, que coloquei ao
lado dela.
— Para você.
Thara se cobriu com o lençol e se sentou na cama com os
olhos brilhando de curiosidade.
— Para mim?
Pegou a caixa quadrada e abriu às pressas, soltando uma
risada quando viu o que tinha lá dentro. Ela entendeu perfeitamente as
minhas intenções.
— Vai substituir direitinho a que acabei de perder.
Tirou a minúscula lingerie de renda azul marinho que eu
havia comprado pensando em rasgar quando a amasse loucamente.
— Você pode rasgar as minhas cuecas e comprar novas. Vou
adorar.
A gargalhada que Thara soltou se espalhou pelo quarto e
nunca me senti tão feliz na vida.
Epílogo

Ilha de Alqamar — Seis meses depois.

Majdan
A risada de Thara ecoou pela praia ao ver Ibrahim agitando
as perninhas dentro da água.
— Ele nada melhor do que eu!
— Vai se transformar em um leão marinho desse jeito —
brinquei, arrancando uma outra risada dela.
Vestida com uma túnica curta na altura dos joelhos, ela
segurava o nosso filho pela cintura enquanto ele movia os braços e as
pernas em uma tentativa de nadar.
Era a primeira vez que Ibrahim conhecia o mar e parecia estar
divertindo-se muito. Os gritinhos estridentes competiam com as
risadas da mãe.
Duas tendas estavam montadas na praia. A nossa e uma outra
para os meus filhos e Sabirah, que nos acompanharam dessa vez. Os
quatro tinham ido passear a cavalo, enquanto eu e Thara resolvemos
aproveitar o início da manhã para o banho de mar do nosso filho.
Como Ibrahim ainda era muito pequeno, daquela vez não
usamos o helicóptero para fazer a viagem até Alqamar. Preferi vir de
iate e Thara ficou encantada quando o viu, sem sequer imaginar que
teria uma surpresa.
Eu reconhecia que estava cada dia mais viciado em
surpreendê-la com pequenas e grandes coisas. Qualquer esforço valia
a pena para ver a felicidade dela.
— Ele é enorme, Majdan! Nunca pensei que um dia entraria
em um desses.
— É novo e menor do que os outros que tenho. Comprei no
mês passado especialmente para essa viagem e só escolhi esse
tamanho por ser o único que caberia na marina de Alqamar.
Notei o quanto ela estava abismada quando olhou para mim.
— Você tem maiores do que esse?
Ri, achando graça da expressão do rosto dela.
— Tenho, mas quase não uso. Esse vou usar muito para levar
Ibrahim outras vezes à Alqamar, por ser mais seguro para ele. Vai
demorar para o nosso filho poder viajar de helicóptero.
No meu colo, Ibrahim se agitou ao ouvir o próprio nome e
tentou tirar os óculos de sol que eu estava usando. Segurei-o a tempo,
compensando a frustração dele com um beijo na testa.
Sabirah surgiu no convés e fez sinal com o braço no ar.
— Ei! Durante quanto tempo vocês dois vão ficar
conversando aí fora?
— Já vamos subir! — avisei a ela, que voltou a entrar no iate.
— Acho que é melhor irmos.
— Ainda não. — Segurei Thara pelo braço e coloquei-a em
uma posição onde visse a lateral do iate. — Não notou nada aqui?
Ela demorou a ver o que eu queria, até que os olhos se
abriram mais ao ler o nome do iate: Thara. Cobriu a boca com a mão,
perplexa, e se virou para mim.
— É o meu nome!
Ri de pura satisfação ao ver que ela estava agradavelmente
surpresa.
— Sim, é o seu nome. Comprei pensando em você.
Thara olhou para os lados. Como não viu ninguém nas
proximidades, ficou na ponta dos pés e deu um beijo rápido nos meus
lábios.
— Eu amei a homenagem e estou mais ansiosa ainda para o
conhecer por dentro.
Nossa viagem foi tranquila e feita com lentidão, como pedi
ao comandante. Era a primeira experiência de Thara e eu queria que
ela aproveitasse bastante.
A verdade era que não tínhamos pressa em chegar. Cada
momento juntos tinha um sabor especial, estivéssemos aonde fosse.
Assim que Alqamar surgiu no horizonte, Thara me abraçou,
soltando um suspiro de prazer ao admirar a paisagem.
— Ela é mais linda daqui do que vista de helicóptero —
elogiou a ilha que eu tanto amava.
— Alqamar sempre foi um lugar importante para mim, um
refúgio paradisíaco que me trazia paz nos momentos de caos. Depois
da nossa lua de mel, passou a ter um valor inestimável.
Thara me puxou pelo pescoço, esticando-se para me dar um
beijo nos lábios. Foi um beijo leve, mas cheio de significado.
Agora, o Iate Thara estava ancorado na marina da ilha, junto
com as outras embarcações dos moradores locais e dos militares.
Viemos para passar o mês inteiro, uma vez que as férias dos meus
filhos havia chegado. No fim de semana seguinte, o restante da família
chegaria para nos isolarmos um pouco do mundo. Com todos os Al
Harbi reunidos em Alqamar, a ilha ficaria cercada de militares e dos
seguranças da guarda real, mas ainda assim teríamos privacidade na
baía particular onde ficava a minha casa.
Foi com um orgulho bobo que admirei a beleza de Thara
sentada na parte rasa da praia com Ibrahim nos braços. Contemplei,
embevecido, os cabelos longos soltos ao vento que se espalhavam
pelas costas e ombros dela, o corpo delineado pelo tecido molhado da
abaya, os lábios perfeitos que sorriam de felicidade, os olhos
castanhos que brilhavam de amor toda vez que cruzavam com os
meus.
A cada dia eu me acordava mais apaixonado por ela e vivia
declarando-me como um idiota. Daquela vez foi não diferente.
— Ayouni174.
Ela pareceu ficar subitamente envergonhada e baixou a vista
para Ibrahim. Olhou-me outra vez e estremeci com aquele jogo de
olhares, um reflexo dela mesma, que misturava ousadia com pudor.
Uma mistura poderosa que me fascinava.
— Omry175 — A voz suave tocou fundo no meu coração.
Incapaz de me conter, trouxe-a para o meu colo com Ibrahim,
colocando os dois entre as minhas pernas.
— Majdan! — reclamou, olhando para a tenda. — Sabirah e
as crianças podem chegar.
— Se chegarem, vão nos ver abraçados na praia com o nosso
filho e nada mais. Prometo que não vou me excitar, mesmo com estas
nádegas deliciosas me tentando.
Ela não conseguiu segurar o riso com a minha provocação.
Recostou-se contra o meu peito e relaxou.
Acariciei os cabelos escuros do meu filho.
— Depois temos que tentar trazer uma irmãzinha para Abia.
— Eu queria muito ter uma menina, mas acho que vai
demorar — ela me preveniu. — Pelos meus cálculos, com tantos
homens na família, vamos ter que tentar várias vezes até conseguirmos
uma menina.
Não consegui deixar de provocá-la de novo.
— Ouvi dizer que se a fecundação acontecer em uma noite de
lua cheia sob as estrelas a probabilidade de nascer uma menina é
maior.
Ela virou o rosto para me olhar, desconfiada.
— Nunca ouvi falar disso.
Fingi seriedade.
— É algo que só os homens sabem.
Thara meneou a cabeça com divertimento ao entender tudo.
— Ah, sei.
— É verdade. Por coincidência, hoje é noite de lua cheia.
A risada que ela soltou encheu o meu coração de paz.
Thara voltou a se apoiar no meu peito e fechei os olhos,
agradecendo a Allah por tê-la trazido para mim e me dado uma nova
chance de ser feliz.
Anos atrás, quando eu estava no fundo do poço, nunca pensei
que chegaria o dia em que estaria com o meu corpo completamente
limpo das drogas, apaixonado pela mulher que era a metade da minha
alma, com um novo filho nos braços e vendo a minha família crescer.
Depois que a conheci, deixei de viver “só por hoje”. Passei a
colecionar “só mais um beijo”, “só mais uma noite”, “só uma vida
inteira”.
Hoje, só a eternidade parecia pouco ao lado dela.

FIM
Próximos livros da Saga da Dinastia de Tamrah:
Sabirah & Assad
Jamal & Shamsa
Obrigada pela leitura e não se esqueça de avaliar o livro. Leia também
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Biografia e Redes Sociais
Lettie S.J. é de Recife, mas reside em Portugal desde 2007.
Romântica assumida e apaixonada por livros desde sempre, diz que
não escreve apenas os romances, mas que também respira, vive e
sonha com eles. Tem uma predileção especial pelos históricos e
medievais, contudo, começou na escrita com os contemporâneos.
Gosta de abordar temas fortes em um enredo com suspense, ação e
amor. Publicou o primeiro livro em 2016 no Wattpad, o new adult
Linhas do Destino, que ganhou neste mesmo ano o Prêmio Wattys da
plataforma online, mudando o rumo de sua história e resgatando-a em
uma fase difícil da vida. Afinal, quem disse que livros não salvam
vidas? Em 2017, tornou-se Embaixadora do Wattpad. Em 2020,
ganhou seu segundo Prêmio Wattys com o romance policial/suspense,
O Desaparecimento de Mary Anne. Atualmente, tem vários e-books
publicados na Amazon que a tornaram uma autora best-seller no
ranking dos mais vendidos, além de ter livros físicos publicados por
editoras no Brasil e em Portugal.
Conheça mais sobre a autora no site lettiesj.com
Instagram: lettie.sj
Página Facebook: lettiesj
Wattpad: @lettiesj
Perfil Autora na Amazon: Lettie S.J.
Canal do Youtube: Lettie S.J.
Skoob: Lettie S.J.
Grupo de leitoras no Facebook: Lettie SJ - Romances

1 - Thobe, Kandura ou Dishdasha, é uma túnica longa até o tornozelo, de


mangas compridas, usada pelos homens árabes.
2 - Foda-se!
3 - Seu burro!
4 - Um dos vários nomes usados para designar a cocaína.
5 - Merda!
6 - Cheirar cocaína.
7 - Deus no Islã.
8 - Merda!
9 - Marca de relógios de pulso de luxo, símbolo de status social e uma das
mais caras do mundo.
10 - Caso verídico. Aconteceu em setembro de 2015 e foi noticiado
mundialmente. Um príncipe saudita de 28 anos foi preso em Los
Angeles/Califórnia, acusado de agressão e violência sexual após festas em
uma mansão de Beverly Hills.
11 - Caso igualmente verídico. Aconteceu em 2019 com um dos príncipes
dos Emirados Árabes Unidos, que morreu em uma penthouse de Londres.
12 - A Real Academia Militar de Sandhurst fica no Reino Unido e é
conhecida pelos seus alunos famosos, como o Príncipe William e o Príncipe
Harry, ambos da família real britânica. Recebe também muitos alunos de
outras famílias reais da Europa e dos países árabes.
13 - Maconha.
14 - Circuncisão feminina ou Mutilação Genital Feminina (MGF) é a
remoção parcial ou total dos órgãos genitais externos femininos, que ocorre
na maioria das vezes entre a infância e os quinze anos. Tradicionalmente, é
feita com lâmina e sem anestesia, em países da África, Oriente Médio,
alguns asiáticos e da América Latina.
15 - Majlis, Majalis, Mejlis. Cômodo usado para encontros diários com os
homens, onde se reúnem para discutir assuntos, trocar notícias, receber
convidados e realizar celebrações, com ou sem refeições. Dependendo da
família, as mulheres também podem ter o seu próprio majlis separado dos
homens.
16 - Vestido longo de mangas compridas que cobre a mulher do pescoço aos
pés, escondendo o corpo inteiro; tradicionalmente de tecido grosso de cor
preta, hoje existem de vários modelos, cores e tecidos, como a seda;
algumas são até bordados com fios de ouro e pedras preciosas.
17 - Deus queira; se Deus quiser.
18 - Véu preto que cobre todo o rosto da mulher, deixando à mostra apenas
uma abertura estreita onde se pode ver os olhos dela.
19 - Imame, imã, imamo. Sacerdote muçulmano que preside as cerimônias
e orações na mesquita, podendo ser também o líder espiritual de uma
comunidade islâmica.
20 - Cumprimento tradicional dos árabes: “Que a paz esteja com você”.
21 - Que a paz esteja com você também.
22 - Deus me ajude!
23 - Véu islâmico, usado para cobrir os cabelos, as orelhas e o pescoço das
mulheres, deixando o rosto inteiro descoberto; atualmente tem de várias
cores e tecidos, mas tradicionalmente era de cor preta.
24 - Sistema jurídico do Islã; Lei islâmica baseada no Alcorão e nos
ensinamentos do Profeta Maomé.
25 - Obrigada.
26 - Merda!
27 - Que a paz esteja com você.
28 - Que a paz esteja com você também.
29 - Obrigado.
30 - Que a paz esteja com você.
31 - Que a paz esteja com você também.
32 - Obrigado.
33 - Que a paz esteja com você.
34 - Que a paz esteja com você também.
35 - Al’ama, Ȝama ou allaena, é usado no sentido de “droga!”, similar ao
“damn” em inglês. A palavra significa ”cegueira”, mas o uso como
imprecação e xingamento é: “mas que droga”, “que droga”.
36 - Merda! Mil vezes merda!
37 - Adeus; fique com a paz.
38 - Mas que droga!
39 - Puta, vadia, cadela.
40 - Louvado seja Deus! Graças a Deus!
41 - Que a paz esteja com você.
42 - Que a paz esteja com você também.
43 - Iblis ou Eblis, é o diabo no islã.
44 - Boa tarde (para fim de tarde).
45 - Uma tarde de luz!
46 - Sistema jurídico do Islã; Lei islâmica baseada no Alcorão e nos
ensinamentos do Profeta Maomé.
47 - Chamar alguém de cachorro é uma grande ofensa na cultura árabe.
48 - Filho da puta!
49 - Adeus; fique com a paz.
50 - Louvado seja Deus! Graças a Deus!
51 - Habibti significa “meu amor” no feminino (o homem falando para a
mulher). No masculino é habibi (a mulher falando para o homem).
52 - Foda-se!
53 - Boa noite, usado antes de dormir/despedidas; significado literal: “Que
você amanheça bem”.
54 - E você também (amanheça bem).
55 - Bom dia.
56 - Uma manhã de luz.
57 - Que a paz esteja com você.
58 - Que a paz esteja com você também.
59 - Parabéns!
60 - Droga; mas que droga.
61 - Café.
62 - Se Deus quiser!
63 - Sua cachorra!
64 - “Deus é grande”; esta expressão ficou conhecida de uma maneira triste
e negativa por ser o que os homens-bomba dizem antes de explodir.
65 - Café.
66 - Foda-se!
67 - Sensor de imagem térmica com câmeras de alta resolução que
permitem a identificação de pessoas através do calor corporal que emitem.
68 - Atiradores de precisão; atiradores de elite.
69 - Louvado seja Deus! Graças a Deus!
70 - Mas que droga!
71 - Adeus; fique com a paz.
72 - Grito do lutador de karatê, que pode soltar antes, durante ou depois de
um vigoroso golpe sobre o adversário. Também é usado em outras
modalidades de luta. O verdadeiro Kiai exige técnica de respiração, força e
concentração. KI = energia; AI = união.
73 - Merda!
74 - Bebida árabe destilada de uvas ou de tâmaras com infusão de anis.
Possui alto teor alcoólico (45,9%). Não é comum ser tomado puro, mas sim
diluído em água ou com gelo, o que altera o aspecto da bebida, que passa de
incolor a leitosa. É por isso que também é chamada de “leite de leões”.
75 - Dança popular dos países árabes, caracterizada por pisadas de pés que
lembra muito o sapateado. É dançada em uma fila no formato de um
semicírculo. Exige força, vigor e muita energia.
76 - MashAllah é uma palavra usada para expressar admiração, quando se
quer elogiar outras pessoas de maneira sincera. Pode ser comparado com o
nosso “Benza-o, Deus!”.
77 - Bebida árabe destilada de uvas ou de tâmaras com infusão de anis.
Possui alto teor alcoólico (45,9%). Não é comum ser tomado puro, mas sim
diluído em água ou com gelo, o que altera o aspecto da bebida, que passa de
incolor a leitosa. É por isso que também é chamada de “leite de leões”.
78 - Oh, Deus me ajude!
79 - Bom dia.
80 - Uma manhã de luz.
81 - MashAllah é uma palavra usada para expressar admiração, quando se
quer elogiar outras pessoas de maneira sincera. Pode ser comparado com o
nosso “Benza-o, Deus!”.
82 - Deus me ajude!
83 - Droga; mas que droga.
84 - Sexo puro, duro, com o consentimento dos parceiros, que inclui atos
como rasgar roupas, falar palavrões, amarrar, dar palmadas, arranhar,
morder, mas sem violência ou abuso. Não inclui atos violentos, abusivos ou
de dominação.
85 - Benza-o, Deus!
86 - Deus me ajude!
87 - Vamos!
88 - Estrela Branca.
89 - Deus me ajude!
90 - Dança popular dos países árabes, caracterizada por pisadas de pés que
lembra muito o sapateado. É dançada em uma fila no formato de um
semicírculo. Exige força, vigor e muita energia.
91 - Café.
92 - Café.
93 - Bebida típica do Oriente Médio feita de tâmaras, alfarroba, melaço de
uva e água de rosas, podendo ser servido com pinhões e passas.
94 - Boa noite, usado antes de dormir/despedidas; significado literal: “Que
você amanheça bem”.
95 - E você também (amanheça bem).
96 - Salat, Salah ou Salá, é como se chamam as cinco orações diárias e
obrigatórias do Islã. Salat Fajr é a oração realizado no alvorecer (antes de o
sol nascer).
97 - Bom dia.
98 - Uma manhã de luz.
99 - Deus me ajude!
100 - Oração realizada no alvorecer (antes de o sol nascer).
101 - Cheirar cocaína.
102 - Merda!
103 - Mas que droga!
104 - Bom dia.
105 - Uma manhã de luz.
106 - Deus me ajude!
107 - Eu te amo.
108 - Boa tarde.
109 - Mufti é um acadêmico islâmico reconhecidamente habilitado para
interpretar a lei islâmica (sharia); pode ser consultado para resolver
controvérsias em assuntos de natureza civil e religiosa; alguns têm o título
de “qadi” (juiz).
110 - Imame, imã, imamo. Sacerdote muçulmano que preside as cerimônias
e orações na mesquita, podendo ser também o líder espiritual de uma
comunidade islâmica.
111 - Sistema jurídico do Islã; Lei islâmica baseada no Alcorão e nos
ensinamentos do Profeta Maomé.
112 - O teste de virgindade ainda é realizado em mais de 20 países. Foi
noticiado que clínicas privadas da Inglaterra estavam realizando testes de
maneira confidencial em jovens britânicas. É considerado uma violação dos
direitos humanos pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pela
Organização das Nações Unidas (ONU).
113 - Filho da puta!
114 - Zinah, Ziná é um termo islâmico para designar relações sexuais
ilegais, como a fornicação, o adultério, a prostituição, entre outros.
115 - Café.
116 - Se Deus quiser.
117 - Eu te amo.
118 - Eu te amo!
119 - Mas que droga!
120 - Método de combate corpo a corpo criado em Israel e utilizado pelas
Forças Especiais de Defesa de Israel, sendo adotado hoje em vários países.
Os golpes têm o objetivo de ultrapassar qualquer tipo de situação de
violência, de modo rápido e eficaz, mas muitos deles são letais.
121 - Merda!
122 - O ritual de pintura dos pés e das mãos com as tatuagens de henna para
atrair sorte e fertilidade só pode ser feito na noiva por mulheres solteiras.
123 - Sinto a sua falta; sinto saudades de você.
124 - Meu coração está com você.
125 - Cortejo que acompanhava a noiva ou os noivos até o local da festa.
126 - Som longo e agudo produzido pelo movimento rápido da língua e que
demonstra alegria e felicidade extremas.
127 - Benza-o, Deus!
128 - Som longo e agudo produzido pelo movimento rápido da língua e que
demonstra alegria e felicidade extremas.
129 - Benza-o, Deus!
130 - Bakhoor, Bakhur, Bukhoor. Incenso feito de aparas de madeira
embebidas em óleos perfumados de Oud.
131 - Resina rara e perfumada que se forma nos troncos e raízes da árvore
Aquilaria, considerado o mais valioso ingrediente da indústria de
perfumaria de luxo.
132 - As histórias das Mil e Uma Noites são contadas por Sherazade ao rei
da Pérsia.
133 - Meu amor.
134 - Incenso de aparas de madeira embebidas em óleos perfumados de
Oud.
135 - Ghusl é um ritual de banho completo que deve ser tomado em várias
situações diferentes da cultura árabe. O Ghusl Janabat deve ser tomado
após as relações sexuais que liberem fluidos corporais, como a ejaculação.
É chamado de “lavagem para remoção de impurezas”.
136 - Estrutura para fachada em forma de treliça para fechar vãos, portas e
janelas, normalmente feita de madeira. Permite a entrada de luz e ventilação
natural, assim como a visão do lado de fora por quem está dentro, mas
impede que o contrário aconteça, preservando a privacidade do espaço
interior.
137 - Filho da puta!
138 - Bom dia.
139 - Uma manhã de luz.
140 - Café.
141 - Louvado seja Deus! Graças a Deus!
142 - Eu morro por você.
143 - Eu te amo.
144 - Agal, iqal, igal é uma corda preta de duas voltas usada para prender o
ghutrah sobre a cabeça.
145 - Ghutrah, gutra ou keffiyeh, é um lenço quadrado usado
tradicionalmente pelos homens árabes sobre a cabeça e preso com o agal.
146 - Ghutrah, gutra ou keffiyeh, é um lenço quadrado usado
tradicionalmente pelos homens árabes sobre a cabeça e preso com o agal.
147 - Agal, iqal, igal é uma corda preta de duas voltas usada para prender o
ghutrah sobre a cabeça.
148 - Infelizmente!
149 - Acordo formal para o fim de uma guerra ou conflito, feito através de
um documento legal. Ao longo da história da humanidade, vários
armistícios foram assinados, como, por exemplo, o que pôs fim à Primeira
Guerra Mundial.
150 - Café.
151 - Produto Interno Bruto: representa o total de bens e serviços
produzidos por um país em um determinado período, geralmente anual.
152 - Filho da puta!
153 - Banho tomado após as relações sexuais.
154 - Mercado.
155 - Louvado seja Deus! Graças a Deus!
156 - Se Deus quiser.
157 - Mas que droga!
158 - A Real Academia Militar de Sandhurst fica no Reino Unido.
159 - Filho da puta!
160 - Abrigo subterrâneo. Inicialmente criado como proteção de guerra para
os soldados, hoje os bunkers foram transformados em habitações
milionárias de luxo para quem quer se proteger de uma ameaça nuclear ou
pandêmica.
161 - Eu te amo muito!
162 - Graças a Deus!
163 - Amor do meu coração.
164 - Eu morro por você.
165 - Você é meu amor.
166 - Salat, Salah ou Salá, é como se chamam as cinco orações diárias e
obrigatórias do Islã.
167 - Café.
168 - Se Deus quiser.
169 - Cena do livro A Única Esposa do Sheik com Saqr & Kismet.
170 - Bebida típica do Oriente Médio feita de tâmaras, alfarroba, melaço de
uva e água de rosas, podendo ser servido com pinhões e passas.
171 - Som longo e agudo produzido pelo movimento rápido da língua e que
demonstra alegria e felicidade extremas.
172 - Som longo e agudo produzido pelo movimento rápido da língua e que
demonstra alegria e felicidade extremas.
173 - Você sabe que eu morro por você.
174 - “Meus olhos”, com sentido de “vou te dar o que você quiser, não
importa o que aconteça”.
175 - Minha vida.

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