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J.J.

CABRAL
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

Copyright© JULIA CABRAL

Este e-book é uma obra de ficção. Embora possa ser feita


referência a eventos históricos reais ou locais existentes, os
nomes, personagens, lugares e incidentes são o produto da
imaginação da autora ou são usados de forma fictícia, e
qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas,
estabelecimentos comerciais, eventos, ou localidades é
mera coincidência.

CAPA: ETERNITY DESIGN

DIAGRAMAÇÃO: ETERNITY DESIGN

REVISÃO: AMANDA GABRIELA


SUMÁRIO

PRÓLOGO
CAPÍTULO UM
CAPÍTULO DOIS
CAPÍTULO TRÊS
CAPÍTULO QUATRO
CAPÍTULO CINCO
CAPÍTULO SEIS
CAPÍTULO SETE
CAPÍTULO OITO
CAPÍTULO NOVE
CAPÍTULO DEZ
CAPÍTULO ONZE
CAPÍTULO DOZE
CAPÍTULO TREZE
CAPÍTULO QUATORZE
CAPÍTULO QUINZE
CAPÍTULO DEZESSEIS
CAPÍTULO DEZESSETE
CAPÍTULO DEZOITO
CAPÍTULO DEZENOVE
CAPÍTULO VINTE
CAPÍTULO VINTE E UM
CAPÍTULO VINTE E DOIS
CAPÍTULO VINTE E TRÊS
CAPÍTULO VINTE E QUATRO
CAPÍTULO VINTE E CINCO
CAPÍTULO VINTE E SEIS
CAPÍTULO VINTE E SETE
CAPÍTULO VINTE E OITO
CAPÍTULO VINTE E NOVE
CAPÍTULO TRINTA
CAPÍTULO TRINTA E UM
CAPÍTULO TRINTA E DOIS
EPÍLOGO
PRÓLOGO

“Eu só preciso respirar


Estou começando a odiar isso
Mal posso esperar para dormir”
DREAMS – SHAWN MENDEZ

Andando de um lado para o outro, com as mãos para trás


das costas, eu aguardava. E sabia que ele me faria esperar por um
bom tempo. Consequentemente, meu tio, lá fora, também iria mofar
em seu carro, com minhas malas em seu bagageiro.

Um ano de liberdade. Um ano em que a minha vida inteira


não se resumiria a um título, a uma imagem e ao papel que eu
precisava representar.

Um ano em que eu seria apenas... a garota de vinte e dois


anos que queria ser.

Fora preciso uma mentira para que aquilo se tornasse


possível. Uma que, se meu pai descobrisse, poderia me fazer ser
punida e perder a minha única chance. Mas ele nunca permitiria que
eu deixasse sua proteção para viver uma aventura sem um bom
motivo.

Ouvi a porta do salão se abrindo, e meu pai entrou, seguido


por seu inseparável valete e um segurança. Era impressionante que
eu não apenas precisasse agendar uma audiência com ele como
também nunca tivesse direito a alguns momentos de privacidade em
sua companhia.

Marchando de forma elegante, ele se aproximou, beijando


minha testa da forma mais formal possível, e eu fiz uma mesura
discreta.

Ele me convidou para sentar, apontando para a poltrona de


couro em um canto do salão, enquanto se acomodava na dele
também — maior e mais confortável, quase como um trono —, mas
eu neguei. Não conseguiria ficar parada, enquanto ele decidia meu
destino.

Na verdade, ele já tinha decidido meu futuro inteiro, mas eu


queria ser, ao menos, dona de um ano da minha vida.

— Eu te chamei aqui, porque precisamos conversar antes


que você vá — ele afirmou, parecendo sério como sempre. —
Sendo quem é, mesmo fora de nosso país, precisa honrar seu
nome. Estou te liberando para que vá estudar.

— Sei disso, papai — respondi com a cabeça baixa.

— Não estou proibindo que se divirta, mas lembre-se de que


precisa honrar seu compromisso. Sei o quanto você se sente presa
aqui, mas sabe que sempre fiz isso para protegê-la.

— Eu sei. — Sentia-me um papagaio, apenas repetindo a


mesma resposta, obediente e submissa, mas queria que
acabássemos logo com aquilo. Se discutisse, poderia durar mais, e
meu tio não era a pessoa mais paciente.

— Estude, saia, faça amigos, mas volte para casa da mesma


forma como está partindo. E não deixe que as pessoas que irá
conhecer incitem pensamentos rebeldes em sua cabeça. Você tem
um dever, Ellena. Não pode se esquecer dele.

— Não vou, pai.

Surpreendendo-me, ele se levantou, aproximando-se e


pegando minha mão.

— Sempre foi uma boa filha. Confio em você.

Recebi outro beijo na testa e fechei os olhos absorvendo a


sensação. Meu pai dificilmente demonstrava seus sentimentos, mas
sempre foi bom para mim — apesar dos pesares. Não me ressentia
do que tinha feito, porque era uma tradição. O que eu precisaria
fazer no futuro era algo que fugia de seu controle. Ele poderia
mudar as regras, sendo quem era? Poderia, mas havia muito
envolvido.

Então, quando saí daquele salão, primeiro caminhando e


depois correndo, ao chegar à área externa do lugar que eu chamava
de lar, tentei pensar de forma positiva. Ao menos teria um ano só
para mim. Para viver a minha vida do jeito que queria.
O som da buzina do carro de tio Alfred começou no momento
em que me viu surgir.

— Eu já estava quase indo embora sem você — gritou,


enquanto eu me aproximava, fingindo indignação.

— Não! Pelo amor de Deus! Papai me segurou lá para me


dar lição de moral. — Entrei no carro e fechei a porta, colocando o
cinto de segurança.

— Seu pai é tão melodramático. — Tio Alfred revirou os


olhos. — Está pronta, gata?

Meu sorriso se ampliou, e eu senti meu estômago se revirar


de antecipação.

— Mais do que pronta!

— Liberdade, aí vamos nós!

Ele deu a partida, e nós seguimos pela estrada que me


levaria ao que eu poderia jurar que seria o melhor ano da minha
vida.

Ou assim eu esperava...
CAPÍTULO UM

“Eu sei que pareço um pouco estressado


Mas você está aqui agora e está me excitando
Eu quero sentir um tipo diferente de tensão”
PRETTY PLEASE – DUA LIPA

Um coro de vozes masculinas e um tilintar de copos se


sobrepôs à música alta nos meus ouvidos. Era uma batida pesada,
típica de boates, e eu quase me arrependia de ter me enfiado em
um lugar como aquele depois de um dia lotado de reuniões
estressantes. Mas fui persuadido pela ideia de uma comemoração:
uma porra de um negócio incrível fechado, no país dos meus
sonhos.

Há muito tempo eu queria firmar algumas parcerias com


empresas da Irlanda, para incluir um dos países mais lindos que já
tive o prazer de visitar em meu catálogo, mas em grande estilo. Os
melhores restaurantes, os melhores pubs, melhores hotéis. Minha
lista fora pesquisada com esmero, e eu tinha dado check em boa
parte dela. Os contratos assinados dentro da minha mala voltariam
para o Brasil para dar início a mais um plano de sucesso.

Desde que criei a Verity Turismo, uma rede de agências de


viagens com filiais espalhadas em vários pontos do Brasil, ela tinha
crescido muito exatamente por conta do meu empenho em criar não
apenas trechos de viagem, mas verdadeiras experiências aos
clientes. Cada pacote era personalizado, e até mesmo o quarto de
hotel era pensado para combinar com a personalidade de seu
hóspede. Tipo de chocolate preferido, bebida, atendimento, dentre
outros. Os passeios, idem. Nós escolhíamos tudo, a pessoa só
precisava curtir. E desembolsar um bom dinheiro, é claro.

Meu sonho virou realidade, e eu podia dizer que meu


negócio havia prosperado da forma como sempre imaginei.

Por isso concordei com aquela pequena comemoração, por


mais que estivesse cansado, doido por um banho e para me enfiar
debaixo das cobertas. Era a minha primeira noite, apenas. Claro que
Klaus e Gilberto, meus amigos — que estavam me fazendo
companhia naquela empreitada — iriam iniciar um tour pela Europa
na manhã seguinte, e eu teria que ficar, porque ainda tinha alguns
compromissos a cumprir, embora fossem muito espaçados. Eu teria
bastante tempo para me jogar em noitadas solitárias de bebedeira.
Ou, quem sabe, não encontrasse companhia?

Dei uma boa golada na deliciosa cerveja irlandesa e senti a


bebida descendo gelada pela minha garganta.

— Isso que é vida! — Klaus comentou, batendo o copo na


mesa, como um viking. — Viajar para um país foda desses, tudo
bancado pelo nosso garotão — a mão dele pesou no meu ombro —
e ainda beber uma cerveja gelada depois de fechar uns contratos.

— Agora só falta ter uma garota bonita bem aqui. — Gilberto


deu alguns tapinhas em sua coxa, insinuando que queria uma
mulher sentada em seu colo. — E algo me diz que esta noite estou
com sorte. E você, Danilo?

Ainda estava bebendo quando ouvi meu nome e me virei


para meu amigo, enquanto engolia.

— Eu o quê? — perguntei, sentindo-me meio perdido. Estava


prestando atenção ao que dizia, mas meio aéreo e cansado.

— Garotas, cara. Você é o garanhão de nós. Quer ter as


honras de escolher a sortuda da noite? — foi Klaus quem
respondeu.

— Acho que hoje vou passar.

Os dois se entreolharam, surpresos.

— E como vai ficar nossa inspiração? Se você declinar, a


gente vai ficar até desanimado.

— É, pensa bem... Não tem maneira melhor de comemorar


uma vitória do que nos braços de uma mulher bonita.

Não era como se ele não tivesse razão. Poucas coisas


amenizavam mais o meu estresse e cansaço do que um joguinho de
sedução. Só que se era para me divertir um pouco, a mulher tinha
que valer muito a pena.
Sem responder nada aos outros dois, comecei a analisar o
local ao meu redor. Havia muitas garotas bonitas por todos os
cantos, mas, naquela noite, eu queria uma que, de fato, me
chamasse a atenção. Não apenas que despertasse o meu tesão,
mas que fizesse meus olhos brilharem.

Vi uma morena bonita em um canto, ao lado de uma loira,


conversando animadamente. Qualquer uma das duas seria uma boa
escolha, e eu estava quase optando pela morena quando algo
chamou a minha atenção.

Fios de cabelo escarlate, longos ao ponto de chegarem a


uma cintura minúscula. Eram mechas pesadas, e elas brilhavam sob
as luzes estroboscópicas da boate. A garota estava de costas, mas
ela se mexia de forma discreta, embora sensual. Algo me prendeu a
ela, mesmo sem que visse seu rosto. Talvez fosse aquela cor de
mechas indomáveis, ou o fato de ela estar dançando sozinha, sem
se importar com quem poderia olhá-la. Parecia se divertir sem se
incomodar com opiniões alheias.

Quando se virou na minha direção, em um giro gracioso e


que combinava perfeitamente com a música, eu vi um rosto perfeito,
como porcelana pura. Ela era delicada, pequena, como uma fada. O
corpo tinha curvas, mas era todo mignon, como se tivesse sido todo
feito para caber nas minhas mãos.

Havia alguma sofisticação em seus traços e em seus


movimentos, e algo me dizia que aquela mulher, fosse ela quem
fosse, não toparia passar uma noite casual nos braços de um
completo desconhecido.
— Uau! — Gilberto comentou. — Porra, cara. Você sempre
escolhe as melhores. Tem um olho de águia.

Eu mal consegui responder ao meu amigo, por mais que o


tivesse ouvido. Meus olhos não saíam da ruiva com ares de
princesa. Há muito, muito tempo eu não via uma mulher tão linda.

Por ela valeria a pena levar um fora.

Levantei-me da mesa, ainda sem dizer nada. Meus amigos


idiotas começaram a assobiar e comemorar pela minha decisão,
mas eu estava pouco me fodendo para eles. A garota era o que me
interessava.

Aproximei-me dela, que estava de olhos fechados, mexendo-


se como se não houvesse amanhã. Por alguns segundos, um
estranho instinto de proteção me tomou, pensando no quão
vulnerável ela parecia ali, em seu doce transe, divertindo-se sem
fazer mal a ninguém, mas completamente alheia ao redor. Um cara
com intenções piores que as minhas poderia agarrá-la e beijá-la à
força ou arrastá-la para um canto.

Eu estava de frente para a ruiva deslumbrante há alguns


segundos quando ela abriu os olhos.

E puta que pariu... Foi como se uma bomba explodisse


dentro do meu peito.

A mulher tinha olhos dourados. Não eram verdes como


pensei a princípio. Eles tinham uma cor exótica, que deixaria
qualquer um de joelhos.
Não era só isso. Havia uma intensidade muito peculiar em
seu olhar, mas também uma inocência. Uma vulnerabilidade que me
fez perder o ar.

A ruivinha sorriu, mas eu preferi não encarar como um


convite. Queria ir com calma, porque não pretendia assustá-la.

— Oi — uma voz doce escapou dos lábios pintados de


vermelho, e não havia insinuação alguma de sedução. Ela estava
me cumprimentando apenas.

— Oi — respondi na mesma moeda, sentindo-me um bobo.


Eu deveria ter alguma frase de efeito na ponta da língua, não? Mas
ela era o tipo de garota que deixava até mesmo homens como eu,
que sempre tiveram facilidade para flertar, sem saber o que fazer.

Eu mal sabia onde colocar as mãos, por isso, enfiei-as nos


bolsos do jeans.

A garota continuou dançando sem pudores, sem se importar


que estava sendo olhada por mim tão de perto.

— Vai ficar aí parado ou vai se juntar a mim? — Seu inglês


tinha aquele sotaque delicioso, típico do país onde estávamos, e
novamente não havia nada de provocador na forma como falava.
Ela estava conversando comigo como se estivéssemos em um
elevador, e eu fosse um vizinho em quem ela já tinha esbarrado
algumas vezes.

Eu não queria dançar. Queria falar com ela. Queria dizer que
ela era a coisa mais linda na qual pus os olhos nos últimos tempos.
Queria saber o nome dela. Queria lhe dizer o meu só para ouvi-la
repetindo com aquela voz deliciosa. Mas o que eu fiz? Apenas
respondi sua pergunta aproximando-me um pouco mais e
começando a acompanhá-la.

Se não fosse por aquele maldito oi, a garota iria pensar que
eu era mudo.

E assim ficamos por algum tempo, até que ela se colocou na


ponta dos pés, sussurrando no meu ouvido:

— Você não perguntou, mas é Ellena.

Ellena.

Ellena.

Ellena.

Minha mente começou a repetir o nome como um mantra. Eu


era um idiota por não ter perguntado antes, mas estava
completamente absorvido pelo magnetismo que ela exercia.
Hipnotizado. A mulher não era uma fada, deveria ser uma sereia, e
eu um tolo marinheiro que estava sendo envenenado por seus
feitiços.

Seus cabelos tinham cheiro de cereja, ou talvez eu fosse


suscetível à cor deles.

Queria saber se aquela boca também tinha esse gosto.

Porra, eu queria beijá-la, mas não tinha falado uma única


palavra para a mulher. Não tinha sequer coragem de colocar as
mãos nela. Não a havia tocado. Nem mesmo com a ponta dos
dedos.

— Você tem nome? — ela perguntou novamente.

— Danilo — foi tudo o que eu respondi. Nem sequer tentei


americanizar meu nome. Falei-o com o sotaque brasileiro mesmo.

A sereia fascinante ergueu uma sobrancelha perfeitamente


arqueada, e um sorriso curvou seus lábios.

— Você não é daqui. É?

Neguei com a cabeça.

— Brasil.

Seu sorriso se ampliou.

— Uau! Nunca imaginaria. — Era difícil mesmo de imaginar,


porque minha descendência inglesa, por parte de pai, me garantira
um cabelo loiro e olhos azuis. Mas eu era filho de brasileira, nascido
no Rio de Janeiro. — Você fala pouco, não é?

Ah, merda! Ela realmente ia me achar um idiota. Eu


precisava dizer alguma coisa. Qualquer coisa.

— Isso não é uma cantada. Normalmente eu sou mais


articulado, mas acho que desaprendi a pensar quando te vi.

Ela deu uma risadinha deliciosa. Nada arrogante.

Quem era aquela garota?


— Obrigada. — Ela passou a língua pelos lábios vermelhos,
e eu fixei meus olhos neles. Ok, aquilo já era covardia. — Que pena
que não é uma cantada, então.

Paralisei no mesmo lugar, olhando para ela quase


boquiaberto, cada vez mais achando-me um idiota. Nunca tinha
acontecido comigo, e isso era, ao mesmo tempo, fascinante e
assustador.

O rosto de Ellena estava voltado para mim, e ela também


tinha parado de dançar. Minha mão se ergueu para tocá-la. Eu
queria pôr minhas mãos nela, em todos os lugares, em cada curva,
mas não conseguia me ver agarrando-a ou puxando-a para mim.
Por mais que sua última frase tivesse um tom de flerte, havia algo
de muito puro naquela garota que me fazia querer ir com calma.

Acariciei seu rosto com suavidade, sentindo a textura


delicada. Ousei fazer com que meu polegar chegasse ao seu lábio,
contornando-o também, e ela não me impediu.

— Porra, você é tão linda! — Mais uma frase nada inspirada.


Nada criativa. Se aquela garota topasse um mísero beijo era porque
a sorte estava muito ao meu lado, afinal eu não estava me
empenhando muito.

Totalmente sem noção do que eu fazia, comecei a me


inclinar na direção dela, desejando que não me impedisse, porque
era quase uma necessidade beijá-la.

Estávamos ambos de olhos abertos, como se nem mesmo


em um momento como aquele conseguíssemos parar de nos
observarmos.

E foi isso que estragou tudo.

Ellena me empurrou subitamente, afastando-se de olhos


arregalados, fixos em algum lugar. Um ponto distante.

Segui a direção de seu olhar e me deparei com dois homens


de terno, entrando na boate e olhando ao redor.

— Desculpa, mas eu preciso ir... — ela falou, visivelmente


assustada, e eu me senti na necessidade de segurar seu punho,
contendo-a, porque fiquei preocupado.

— Ellena, o que houve? Você está com medo de alguma


coisa? Posso te ajudar? Eu...

Ela se soltou da minha mão, como se meus dedos


estivessem em chamas, dando mais alguns passos para trás.

— Desculpa, Danilo. Desculpa, mas não posso... Preciso ir...

E como uma Cinderela, a linda sereia que me encantou saiu


correndo em meio às pessoas, perdendo-se em meio à escuridão e
fugindo do alcance dos meus olhos.

Parado no meio da pista de dança, fiquei olhando na direção


para onde seguiu, completamente atordoado, tentando entender o
que diabos tinha acabado de acontecer.

Quem era aquela mulher, afinal? O que a deixara tão


assustada?
Mas o principal: como eu tinha deixado que escapasse sem
saber absolutamente nada sobre ela?
CAPÍTULO DOIS

“No silêncio, quando estou voltando para casa e estou sozinha


Eu poderia mentir, e dizer que eu gosto assim, gosto assim
Você já não sabe demais?
Só vou te machucar se você permitir”
WHEN THE PARTY’S OVER – BILLIE EILISH

Saí por entre a multidão de corpos suados, tentando me


esconder ao máximo entre as pessoas para que ninguém me visse
e me reconhecesse. Como pude acreditar que Henry seria tão
benevolente quanto o meu pai e me deixaria completamente livre
para viver aquele um ano sem ser vigiada cem por cento do tempo?

Droga! E eu quase beijei um cara... Meu Deus! Se fosse


pega no flagra, seria levada para casa imediatamente.

O pânico começou a acelerar meu coração e minhas mãos


gelaram. Eu precisava encontrar tio Alfred. Precisava que ele me
tirasse dali o quanto antes ou tudo estaria arruinado.
Era meu terceiro dia na Irlanda. Apenas o início das minhas
férias. Não poderia colocar tudo a perder.

Aproximei-me do bar e avistei meu tio flertando com um cara


bem bonitão, mais ou menos da idade dele. Odiaria acabar com seu
momento, mas não tínhamos escolha. Precisávamos sair dali o mais
rápido possível.

— Tio! Tio! — chamei, ofegante, e ele olhou rápido na minha


direção, parecendo alarmado.

Como sempre fui muito repreendida por tudo durante a


minha vida, porque minha educação foi muito rígida, temi que ele
ficasse irritado por estar interrompendo sua conversa. A verdade era
que eu conhecia pouco do meu tio Alfred. Ele era meio-irmão da
minha mãe, alguém de fora da nobreza, apenas uma pessoa
comum, mas o parente que eu mais amava, mesmo com o pouco
contato.

Sempre que nos víamos ele era ótimo para mim, e minha
viagem preferida com minha mãe, quando ela ainda era viva, fora
para visitá-lo. Passamos três dias em sua casa, a mesma onde ele
ainda morava, e por mais que eu tivesse por volta de uns dez anos
de idade, me lembrava de tudo.

Infelizmente foi a única vez, porque mamãe morreu logo


depois, em um acidente. Com isso, meu pai tornou-se um pouco
paranoico com a minha segurança, porque ele jurava que fora algo
premeditado.
Só que minhas dúvidas foram sanadas no momento em que
ele se levantou do banco onde estava sentado e veio até mim,
alarmado e segurando meus braços.

— O que foi, docinho? Jesus, você está gelada! — exclamou


ao sentir a minha pele.

— Eu preciso ir embora, tio. Me desculpa. Tem homens de


Henry aqui.

Meu tio começou a olhar ao redor, ainda me segurando,


como se eu estivesse prestes a cair.

— Você tem certeza, querida?

— Tenho! — Alterei o tom de voz. — Um deles eu conheço.


É um cara meio sisudo que está sempre por perto, e...

— Ei! — O homem que estava flertando com tio Alfred se


colocou de pé, apontando para mim. — Você me é familiar. É
famosa ou algo assim?

— Ah, ela é! — meu tio se apressou em falar. — É uma


influencer. Você já teve ter visto alguma foto dela no Instagram ou
algo assim.

Sem nem me dar chance de dizer qualquer coisa, começou a


me afastar do cara, sem nem dar nenhuma satisfação.

— Desculpa, tio. Eu não queria interromper sua noite. Posso


ir embora sozinha se me ajudar a chamar um táxi. Estou tão
nervosa e... — De fato eu estava tremendo. Tanto que Alfred tirou
seu próprio blazer e o colocou nos meus ombros.
— O cara era gostoso, mas sem conteúdo. Vê se pode?
Filme preferido da vida ser Mercenários? Da vida inteira? Esse cara
nunca ouviu falar de Almodovar ou de Christopher Nolan? Pelo
amor de Deus!

Não pude deixar de sorrir com a entonação que ele usou.


Era como se fosse um crime preferir um filme de ação aos mais
cults e complexos.

Ele foi me guiando à saída da boate, e eu agradeci por ela


ter uma nos fundos e eu não precisar passar pelo tal Danilo. Com
que cara iria olhar para ele depois de sair correndo como uma louca,
interrompendo um beijo.

Um beijo que não aconteceu.

Mas que eu queria que tivesse acontecido. Queria muito.

Chegamos ao carro, que estava parado no estacionamento,


e entramos. Enquanto partíamos para casa, ficamos em total
silêncio, porque eu mal conseguia falar de tão nervosa. Era pura
paranoia, mas fiquei olhando pelo retrovisor para ver se estavam
nos seguindo e só fiquei tranquila de verdade quando chegamos ao
enorme condomínio onde meu tio morava em Dublin.

Para ser sincera, só quando entramos em casa que eu


consegui respirar aliviada.

Nós dois nos jogamos no sofá, ainda calados, olhando para


o nada, até que tio Alfred quebrou o silêncio:
— E aí, docinho? Você, pelo menos, conseguiu se divertir um
pouco?

Eu poderia esconder a informação sobre o carinha que


quase me beijou. Poderia não apenas guardá-lo em segredo por ser
algo que eu não deveria fazer, e que provavelmente mereceria um
sermão do meu tio, mas também porque contar sobre o pequeno
momento que tivemos juntos — o tal Danilo e eu — me faria
relembrá-lo.

E eu precisava esquecer.

Mas queria tanto contar...

— Tio, acho que eu quase cometi uma besteira — comecei,


enquanto colocava os pés em cima do sofá, tentando uma posição
mais confortável.

— Duvido muito, mas...

— Eu quase beijei um rapaz.

Tio Alfred ergueu as sobrancelhas, e eu jurei que iria me


repreender, mas começou a rir. Gargalhar, na verdade.

— Ah, querida! E desde quando beijar alguém é uma


besteira?

Dei de ombros, um pouco envergonhada, sentindo-me


subitamente muito boba, inexperiente e pudica. E, sim, eu era tudo
isso. Fui criada para ser, estudei em colégio de freiras e tive uma
criação rígida, escondida de todas as facilidades da vida mundana.
Dançar daquele jeito que dancei em uma boate e ainda ser tão solta
com um homem exigiu tudo de mim. Foi como viver um
personagem, porque prometi a mim mesma que durante aquele ano
eu iria fazer tudo o que nunca teria coragem de fazer.

Exigiu uma dose de tequila também.

— Você sabe que eu não posso — falei baixinho, como se


escondesse um segredo.

— Ah, querida, para com isso! É só um beijo. Quem iria


saber? — Tio Alfred se remexeu no sofá, parecendo subitamente
interessado na história. — Como ele era? Gato?

Respirei fundo, fechando os olhos e me lembrando de


Danilo.

Estava tudo muito movimentado, luzes muito fortes sobre


nossas cabeças, mas duas coisas eu não poderia esquecer a
respeito dele: a boca — linda, bem desenhada, de lábios cheios e
vermelhos — e o olhar. Sexy, intenso, intimidador. Mas não me
deixou desconfortável. Pude sentir que me desejava, que se
interessara por mim, mas não ultrapassara limites.

O que era o mínimo, é claro. Apesar de viver em um país


com alguns conceitos ultrapassados, eu tinha meus princípios. Não
era direito de um homem me tocar sem minha permissão, me beijar
sem que eu quisesse ser beijada ou me dizer coisas que eu não
queria ouvir. Danilo fora respeitoso. Educado. E eu queria ter tido
um pouco mais de tempo para conhecê-lo melhor.

— Sim. Muito. Loiro, olhos azuis... Brasileiro.


— Hummm, latinos são calientes.

Um sorriso tímido e nostálgico curvou meus lábios.

— Não pude provar sua teoria, porque, infelizmente,


apareceram os capangas de Henry, e eu fugi.

— Como Cinderela? — Em um gesto afetado, ele levou as


mãos ao rosto.

— Como Cinderela. Só estou com meu sapatinho intacto por


pura sorte.

Rimos juntos, e eu nem sabia como estava conseguindo


fazer piada depois de tantas emoções.

Novamente suspirando, sentindo-me exausta, levantei-me do


sofá.

— Mas não era para ser um conto de fadas, né? Até


porque... eu nem conheço o cara. Era só um cara bonito em uma
balada. Ele provavelmente nem lembra que eu existo. — Dei de
ombros, fingindo-me de indiferente.

E eu, de fato, estava. Não houve contato suficiente com o


loirinho para ele ficar tão preso assim na minha cabeça. Haveria
outros, e eu não poderia me apegar a ninguém, dadas as
circunstâncias.

Eu precisava voltar para casa intacta. Em todos os sentidos.

— Você costuma causar alguma impressão, sobrinha.


— Não importa. Amanhã é um novo dia. — Inclinei-me e o
beijei no rosto. — Boa noite, tio. Vou tomar um banho e dormir.

— Boa noite, querida. Sonhe com os anjos. Ou com o seu


loirinho misterioso.

Sorri só para satisfazê-lo e acabar o assunto.

Não era hora de sonhar com ninguém. Eu precisava, em


primeiro lugar, pensar em mim mesma.
CAPÍTULO TRÊS

“Porque fica tão difícil respirar


Quando você está olhando para mim
Eu nunca me senti tão viva e livre
Quando você está olhando para mim
Eu nunca me senti tão feliz”
DANDELIONS – RUTH B.

Dei uma corrida para atravessar a rua, sentindo os pingos de


chuva me atingirem e tentando proteger meu almoço.

Cansado da comida do hotel, decidi sair à caça de algo


diferente. Optei por um belo bife que encontrei em um restaurante a
alguns quarteirões de onde estava hospedado, porque eu era
levemente carnívoro e fazia quatro dias que estava no país e ainda
não tinha saciado minha vontade.
Bela ideia tomar essa decisão exatamente em um dia de
chuva.

Corri para entrar no carro alugado, lamentando pela água


que pingava no assento de couro novinho.

Coloquei a embalagem da comida no banco do carona,


sabendo que estava bem protegida pelo isopor, e fiz alguns
malabarismos para pegar meu celular que começava a tocar no
bolso de trás do jeans.

Claro que era Débora — minha irmã.

Mais velha do que eu cinco anos, casada e com uma vida


toda estruturada, ela meio que cuidava de mim mais do que eu
poderia desejar. Não que me incomodasse, porque eu a amava e
era grato por sua preocupação, mas sabia o motivo de ela fazer
isso. A necessidade de ocupar sua mente com alguém mais novo, a
quem ela julgava que deveria proteger — seu irmãozinho, como
chamava, embora eu fosse uns vinte centímetros mais alto do que
ela —, depois que perdeu seu bebê.

E eu não conhecia um casal que mais merecia ser feliz do


que minha irmã e meu cunhado.

— Ei, bonitão! — Ela sempre me chamou assim. Embora


fosse uma mulher bem bonita, sempre dissera que eu herdara a
beleza da família, e ela, a inteligência. — Como estão as coisas por
aí?

— Chuvosas. Acabei de ter que vir caçar meu almoço, como


um bom viking — brinquei.
— Quantos veados e antílopes teve que matar para
preencher esse poço sem fundo? Deus abençoe seu metabolismo,
aliás.

— Ainda bem que você sabe que eu vim atrás de um pouco


de carne. O restaurante do hotel onde estou hospedado é
especializado em massas. — Não que eu não gostasse. Na
verdade, com um pouco de sal até pedra a parmeggiana poderia se
tornar um prato atraente.

— Pobre criança! Sendo torturado dessa forma — zombou.


— Mas me diga... e o resto? Como vão os negócios? Muitos
contratos promissores?

— Sim, e muitas surpresas. Consegui uma parceria com uma


cervejaria bem grande por aqui, que ficou de proporcionar um tour
pela fábrica e ainda rodadas grátis para os clientes de alguns
pacotes. O cara amou o projeto, e eu marquei uma reunião com ele
para discutir outras coisas, já que ele é dono de uma boate enorme
por aqui também.

— Que demais, Dan! Fico feliz que as coisas estejam dando


tão certo. E quando volta para o Brasil?

Claro que aquela seria a pergunta. Algo me dizia que minha


mãe a tinha convencido a me ligar, porque ela mesma já tinha
sondado algumas vezes. Como Débora entendia um pouco mais
dos meus negócios, começar o assunto daquela forma, parecendo
muito interessada em minhas aquisições de sucesso, tornaria a
coisa toda menos suspeita. Só que eu conhecia as duas muito bem.
— Mais alguns dias, e você sabe disso. Pode dar a mesma
resposta para a nossa mãe.

— Mas eu não...

Dei uma risadinha sarcástica.

— Claro que sim. Eu te conheço, Deb. Você sabe que não


me...

Interrompi minha própria fala no momento em que voltei


meus olhos em direção à janela, observando a rua ao meu redor.

A primeira coisa que enxerguei foram os cabelos ruivos em


um tom peculiar, como o pelo de uma raposa. Não apenas isso era
familiar, mas o contorno de um corpo delicado, todo encolhido pela
chuva, também me remetia a um momento perdido no tempo, algo
que minha mente não apagou, apenas deixou guardado em um
canto, porque eu jurei que nunca mais iria ver aquela mulher.

Como o destino era engraçado.

Assim como acontecera na boate, ela olhava de um lado


para o outro, como se fugisse. E eu ainda não fazia ideia do quê.

Eu deveria ignorar. Deveria seguir meu caminho e deixá-la


para trás, porque não sabia absolutamente nada sobre ela, e a
garota poderia ser encrenca. Mas e se estivesse fugindo de um
namorado abusivo? E se ele a machucasse?

— Danilo? — minha irmã me chamou, e eu finalmente voltei


minha atenção para sua voz.
— Deb, posso te ligar mais tarde? Preciso resolver uma
coisinha aqui.

— Claro, bonitão. Mas liga para a mamãe também, ok?

— Eu liguei para ela ontem.

— Você sabe bem como é a D. Angélica. Gosta das crias


debaixo das saias.

— Sei bem. Até mais, maninha. Te amo.

— Também te amo. Se cuida.

Assim que desliguei, acionei o motor do carro e segui a


garota, colocando-me ao lado dela. No momento em que buzinei,
ela se sobressaltou, exatamente como se tivesse acabado de ser
pega em uma caçada.

E não olhou para mim.

— Ellena! — chamei, lembrando-me do nome dela. Não que


eu tivesse esquecido em algum momento.

Seus olhos me fitaram de soslaio, mas ela não parou. Será


que não me reconhecia?

Quão frustrante seria?

Mas ela rapidamente se voltou na minha direção,


demonstrando que sabia muito bem quem eu era.

— Hey! Lembra de mim? — falei em inglês, porque era a


língua com a qual nos comunicávamos.
— Oi! Eu lembro, mas desculpa. Estou com um pouco de
pressa.

Hesitei um pouco, segurando o convite que estava na ponta


da minha língua, porque ela era uma mulher, e eu um homem
desconhecido. Convidá-la a entrar no meu carro para que eu
pudesse levá-la a algum lugar poderia soar muito assustador. Isso
se ela já não estivesse pensando que eu era um stalker.

Só que aquela linda garota misteriosa me surpreendeu mais


uma vez, parando e olhando para mim como se tivesse tido uma
ideia incrível naquele exato momento.

— Você poderia me dar uma carona?

Do nada.

Tão do nada que eu cheguei a ficar um pouco atordoado.

Talvez ela fosse um pouco maluca. Talvez fosse uma


criminosa, e eu estava prestes a cair como um patinho só por sua
beleza e aparência de donzela em perigo.

Mas que homem nunca desejou correr alguns riscos para


salvar uma linda mulher desprotegida?

— Claro.

Ela mal esperou que eu terminasse a palavra, foi logo


correndo para o lado do passageiro, embora tivesse hesitado um
pouco antes de entrar.
Ah, sim! Finalmente devia estar se tocando que poderia não
ser uma opção segura, já que não me conhecia e...

— Estou toda molhada, tem problema?

Por que diabos o fato de ela dizer que estava toda molhada
me fez estremecer?

Novamente... que homem poderia resistir a isso?

— Não. Eu também estou.

Cuidadosamente ela pegou a embalagem da comida, mas eu


a tirei de suas mãos e a coloquei no chão, atrás do meu banco.
Enquanto isso, Ellena afivelava o cinto de segurança e depois
tentava ajeitar seus cabelos molhados.

A maluquinha ficava ainda mais bonita encharcada de chuva.

— Para onde posso te levar? — perguntei, não sabendo se


queria me livrar logo dela ou mantê-la comigo pelo máximo de
tempo possível, porque me intrigava.

— Eu não sei. Não queria ir para casa — foi o que disse


apenas. Sim, ela era um pouco estranha, mas algo ainda me dizia
que a melancolia que via em seus olhos não poderia ser ignorada.

Alguém a havia machucado ou ela passava por alguns


perrengues. Não pareciam ser financeiros, porque ela tinha a
elegância e o comportamento de alguém que nascera em berço de
ouro. Além disso, suas roupas também eram de marca. A pequena
bolsa em seu colo era Victor Hugo — eu sabia disso, porque dei
uma para Débora no ano passado, e ela custou meu rim.
Tudo bem que há algum tempo dinheiro não era mais
problema para mim, mas um dia já foi, e eu sabia muito bem o valor
dele.

— Assim você dificulta um pouco meu trabalho de choffer —


brinquei, tentando fazê-la sorrir.

Consegui, aliás.

Um sorriso quase animado, mas que foi suficiente. Havia


uma covinha em sua bochecha que a deixava com uma aparência
inocente e extremamente delicada.

— Você hoje está bem falante.

— É que naquele dia você me pegou de surpresa, hoje eu já


estava preparado.

Ela ergueu uma sobrancelha.

— Para quê?

— Para o impacto que você é capaz de causar.

Ellena corou. Seu rosto alvo de porcelana adquiriu um


adorável tom de rosa, deixando-me surpreso. Não era possível que
aquela mulher não recebesse elogios muito mais eloquentes do que
aquele todos os dias. Os homens eram cegos naquele país?

— Bem... mais uma vez... para onde vamos?

Então aquela expressão assustada novamente surgiu em


seu rosto, e ela olhou pela janela, e eu pelo retrovisor. Havia um
carro sedan com vidros pretos logo atrás de nós, o que me parecia
muito suspeito.

Queria perguntar, tentar descobrir o que tanto a deixava


acuada como um bichinho sendo caçado, mas temia ouvir a
resposta.

Por isso, novamente agi como o homem sem cérebro que


não consegue resistir a uma mulher bonita em apuros.

— Eu estava indo almoçar no meu hotel. Tenho comida para


dois. — Fiz uma pausa quando os incríveis olhos dourados se
voltaram na minha direção, parecendo surpresos. Apressei-me a
tentar melhorar a situação. — Olha, é um convite inocente. Juro. Se
quiser, pode ligar para alguém, avisando onde você estará.

O carro preto se aproximou um pouco mais, e ela olhou para


ele, também pelo retrovisor.

— Não, tudo bem. Pode ser. Só... me tira daqui.

Só me tira daqui.

Aquela era a hora em que eu deveria fugir, não?

Mas tudo o que eu fiz foi assentir e pisar no acelerador para


sairmos de onde estávamos, levando a garota mais misteriosa e
linda que conheci na vida para o meu hotel. E eu nem tinha planos
de levá-la para a cama.

Embora não pudesse dizer o mesmo dos meus desejos.


CAPÍTULO QUATRO

“Tudo o que você sempre sonhou


Desaparece quando você acorda
Mas não precisa ter medo
Mesmo quando a noite mudar
Ela jamais mudará você e eu”
NIGHT CHANGES – ONE DIRECTION

Quando a porta da suíte presidencial de um hotel quatro


estrelas, em Dublin, se abriu, eu comecei a me perguntar quem,
afinal, era aquele cara. O carro que dirigia — alugado, obviamente
— não era barato, mas nada em Danilo me transmitia aquela aura
de esnobismo à qual eu tanto estava acostumada, tendo vivido no
meio em que vivia durante os meus vinte e dois anos.

Eu sabia que tinha sido uma imensa loucura entrar num


carro com ele e aceitar ser levada para seu quarto de hotel, mas
precisava despistar quem sabia que estava me seguindo, e não
queria ficar sozinha na casa do meu tio. Por algum motivo, odiava a
ideia de vulnerabilidade que começava a sentir toda vez que
percebia o quão longe Henry estava disposto a chegar para me
vigiar — sua noivinha de conveniência.

Apesar disso, um enorme constrangimento começou a me


inundar. O que eu estava fazendo ali, meu Deus? Estávamos
completamente sozinhos, eu deveria parecer uma louca oferecida,
toda molhada de chuva, tremendo de frio e descabelada, esperando
que um homem que mal conhecia pegasse uma toalha na suíte para
que eu me secasse.

Quando Danilo retornou, com o tecido felpudo em suas mãos


e estendendo-me, eu o peguei e comecei a secar meus cabelos,
observando-o, enquanto ele abria o armário sem dizer nada.

— Ouça, Danilo. Muito obrigada pela ajuda, mas acho que foi
uma péssima ideia. Não quero te atrapalhar e...

Ele se voltou para mim, segurando uma camisa de botão nas


mãos, parecendo um pouco atordoado. Surpreso, talvez.

— Você quer ir embora? — ele me perguntou muito sério, e


eu podia ver em sua expressão que tentava demonstrar calma,
como se quisesse me provar que eu não era o coelhinho acuado em
frente ao predador faminto.

O que era bom, não?

Deveria ser. Mas o que eu entendia de homens e de


comportamento humano tendo passado tanto tempo com as
mesmas companhias?

— Seria o certo, não? Nós mal nos conhecemos.


Os lindos lábios de Danilo se curvaram em um sorriso sexy e
quase sacana.

— Não sou a pessoa mais indicada para te aconselhar nisso,


linda. Nem sempre sou o cara que faz a coisa certa.

Tá. Isso não era bom.

Ficamos nos olhando por algum tempo, e eu foquei na blusa


que ele segurava e me oferecia.

— Você não me respondeu o que quer fazer. Seja lá o que


for, a escolha é sua. Ir ou ficar. Se quiser ir, posso te levar.

Ok, ponto para ele. Na minha vida, poucas pessoas me


deram direito a escolha em qualquer situação. Minhas opções eram
sempre limitadas ao que alguém já tinha previamente decidido por
mim e me davam uma falsa sensação de que eu tinha o controle da
minha vida. Mas nada era assim. Até mesmo meu tio preparara todo
aquele plano da mentira sobre meus estudos, montara toda a
história a contar, e eu não tive voz ativa.

Em muito tempo, Danilo era a primeira pessoa que me


oferecia as rédeas para que eu seguisse meu próprio caminho.

Não era nada grandioso, é claro, mas ele poderia me segurar


ali contra a minha vontade se quisesse. Eu não seria páreo para um
cara daquele tamanho, muito menos trancada dentro de um quarto
de hotel ao qual fui por livre e espontânea vontade.

A sensação de liberdade que ele me proporcionou foi tão


grande que decidi abraçá-la e ficar.
Sem responder nada, peguei a roupa que ele queria me
entregar e saí em direção ao banheiro, fechando-me lá dentro.

Diante do espelho, enxerguei-me toda molhada, com a


maquiagem borrada, o cabelo desgrenhado e a blusa transparente
— por sorte eu usava um sutiã por baixo.

Despi-me devagar, tentando deixar as coisas ao máximo


organizadas, e entrei debaixo do chuveiro na água quente. Procurei
não demorar muito, porque realmente me sentia muito constrangida,
então em menos de quinze minutos estava saindo da suíte, vestindo
apenas a camisa de Danilo, que chegava à minha coxa, além da
minha calcinha, que estava bem molhada, mas teria que servir.

Consegui pentear os cabelos com a escova que encontrei


sobre a bancada da pia — imaginando que pertencia a ele — e os
desembaracei, deixando-os mais apresentáveis. Usei papel
higiênico para tirar a maquiagem restante, ficando com o rosto
completamente limpo.

Quando voltei para perto dele, eu o vi arrumando a mesinha


na antessala do quarto, com dois pratos, dois copos e talheres para
duas pessoas.

Danilo provavelmente me ouviu chegar, porque se virou na


minha direção, e eu vi algo em seu olhar. Um brilho discreto, que
poderia jurar que era plena admiração, se eu não estivesse me
sentindo tão sem graça naquele momento.

— Deixei minhas roupas penduradas no seu banheiro para


secarem, ok? Provavelmente não vão, até que eu saia daqui, mas...
— Não, tudo bem — ele falou, um pouco desconcertado,
levando a mão à nuca e coçando-a.

Era adorável.

E lindo. Sexy. Com um olhar que poderia me desmontar em


dois segundos.

Só que havia algo de muito intrigante em Danilo também.


Não era difícil perceber que tinha algum interesse em mim, mas não
me olhava como se quisesse me devorar. Eu sentia alguma
admiração, mas seus olhos nunca demoravam muito tempo em
partes do meu corpo que poderiam me deixar constrangida.

Eu o vi olhando para minhas pernas nuas, que sua camisa


comprida não cobria com perfeição, mas não durou muito. Danilo
era respeitoso, o que poderia ser apenas uma atuação, mas minha
intuição dizia que não. No entanto eu não sabia até que ponto
poderia confiar no meu sexto sentido, já que minha experiência com
pessoas novas era quase nula.

— Eu vou ligar para o meu tio, para avisar que onde estou —
anunciei, enquanto me aproximava da minha bolsa, pegando meu
celular.

— Faça isso enquanto eu também vou trocar de roupa.

O clima entre nós estava muito desconfortável, como não


poderia ser diferente.

Com isso em mente, sentei-me na beirada da cama,


tentando entender no que raios estava pensando. Obviamente eu
era uma garota diferente das demais, que não estava acostumada a
topar com homens lindos em baladas, e para mim aquela pequena
conexão que surgiu entre nós na boate foi especial. Mas para
Danilo? Eu provavelmente era só mais uma. Não deveria esperar
que houvesse uma intimidade.

Não deveria esperar nada, na verdade.

Ouvindo os sons de Danilo na suíte, peguei meu celular e


liguei para tio Alfred, que demorou um pouco para atender. Ele
estava fora do país naquele dia, por conta de trabalho. Meu tio era
um estilista conceituado na Europa e frequentemente precisava
viajar para acompanhar semanas de desfiles, lançamentos de novas
marcas e esse tipo de coisa. Daquela vez estava em Milão e
prometera que na próxima, em Paris, me levaria.

— Fala, minha princesa... está com muita saudade do titio


aqui? — Era reconfortante ouvir sua voz. Depois de conviver com
ele há alguns dias, minha admiração e meu amor só aumentaram.
Seria difícil me despedir quando chegasse a hora.

— Muita. Mas não é por isso que estou te ligando... — Dei


uma olhada para a porta por onde Danilo entrara e baixei um pouco
o tom de voz. — Lembra do carinha que eu conheci naquela boate?
O que te falei que quase beijei?

— Claro. O gato brasileiro.

— Ele mesmo. Tio... eu o encontrei na rua ao mesmo tempo


em que estava fugindo de um dos capangas do Henry. Acabei
entrando no carro dele e vindo para o hotel onde está hospedado.
Silêncio do outro lado da linha.

— Garota, sai daí agora! Você nem conhece o cara. O que


acha que pode acontecer? — Meu tio estava quase surtando, e eu
não poderia culpá-lo.

— Calma, tio. Está tudo bem. Eu estava toda molhada de


chuva, ele me emprestou uma roupa, tomei um banho e vamos
comer. Ele disse que se eu quisesse ir embora, me levaria.

— Os homens falam muitas coisas, querida, principalmente


quando querem tirar sua calcinha. Guarde essa lição para a vida.

— Mas eu acho que ele está falando sério, sabe? Vejo no


olhar dele e...

— Ellena, você é uma moça ingênua. Muito. Escute a voz da


experiência. A não ser que queira abrir suas lindas perninhas para o
amante latino aí, melhor dar o fora.

Suspirei, contemplando minhas opções. Voltar para uma


casa vazia, sabendo que estava sendo seguida e que haveria uma
chance de ficar vulnerável — não que eu acreditasse que quem
estava atrás de mim fosse me fazer mal, mas era uma sensação
estranha ser tão vigiada — ou permanecer ali com um homem que
eu não conhecia, mas que até aquele momento não me transmitira
nenhuma ideia de insegurança.

— Hummm, pelo seu silêncio talvez você queira fazer umas


saliências com o rapaz. Neste caso, não vou me meter, mas lembre-
se de não chegar muito longe. Precisa voltar intacta para casa,
querida.
— E o que Henry vai fazer? Me devolver? Se ele fizer isso,
talvez seja uma ótima escolha.

— Não, docinho, ele não vai te devolver, mas pode apostar


que não vai te tratar com carinho se descobrir. Bem... você sabe o
que faz, sei que tem juízo. Não se esqueça de que tem um ano de
liberdade, Ellena. Não quero ser cruel, mas tudo isso aqui é só uma
ilusão. Sua vida é diferente.

Enquanto ele falava, meu coração se apertou dentro do


peito. Meu tio estava certo. Nada daquilo me pertencia. Nem danças
displicentes em boates, nem flertes com rapazes bonitos, nem
caminhadas sob a luz do sol da manhã sem hora para voltar para
casa, sem conversas às madrugadas com uma pessoa da minha
família a quem eu verdadeiramente amava. Dali a um ano, minha
existência se resumiria a uma convivência forçada com uma pessoa
que eu mal conhecia, mas que me tinha como uma posse, um meio
para um fim.

Eu tinha muito pouco tempo para descobrir quem era, para


viver tudo o que poderia viver, agarrar cada oportunidade.

No momento em que Danilo saiu do banheiro, vestindo uma


camiseta preta e um short confortável, evidenciando músculos bem
interessantes, com aqueles cabelos loiros mais penteados, a barba
rala por fazer e os olhos azuis voltados para o chão, sem me olhar,
decidi que ele era uma das escolhas que eu poderia fazer naquele
momento.

— Tio, nós nos falamos depois, ok? Estou na suíte


presidencial do Grayton.
— Ah, meu Deus! Seu garotão é poderoso, é? Quero saber
mais depois. Conte-me tudo.

Com uma risadinha, eu me despedi do meu tio, voltando-me


para Danilo.

— Pronto — falei, tentando sorrir, devolvendo meu celular à


bolsa e agarrando o colchão da cama com ambas as mãos, só para
ter o que fazer com elas. — Tem certeza de que eu posso ficar?

— Vai ser um prazer. Eu odeio comer sozinho. — Ele sorriu


também, apontando para a mesa.

Surpreendeu-me puxando uma cadeira para mim. Apesar de


isso ser comum no lugar de onde vim, especialmente para a minha
pessoa, eu sabia que não era uma constância que homens fossem
cavalheiros daquela forma.

Não poderia dizer que não gostava.

Não poderia dizer que não gostava de muitas coisas a


respeito de Danilo. E era disso que eu tinha medo.
CAPÍTULO CINCO

“Eu me curvo para rezar


Tento fazer o pior parecer melhor
Senhor, me mostre o caminho
Para sobreviver a tudo isso
Tenho cem milhões de motivos para ir embora
Mas, amor, só preciso de um bom motivo para ficar”
MILLION REASONS – LADY GAGA

Ela estava de cabelos molhados, à minha frente, usando


uma camisa minha, sem um único resquício de maquiagem. Ainda
assim, era a garota com mais classe que eu já tinha visto na vida.
Parecia ter saído de um curso de etiqueta, se é que essas coisas
ainda existiam. Ela não fazia barulho, nem mesmo com os talheres,
sua coluna estava perfeitamente reta, guardanapo — mesmo o de
papel — aberto no colo, acomodada na pontinha da cadeira... Tudo
contribuía para que eu pudesse jurar que aquela mulher era muito
mais do que estava tentando demonstrar.
Eu não sabia seu sobrenome, não sabia absolutamente nada
sobre ela, mas estava curioso. Parecia assustada demais,
levemente melancólica e havia uma inocência em seus olhos que
me intrigava mais do que todo o resto.

A linda Ellena era uma doce contradição. A bela ruiva que vi


na boate, dançando sensualmente, mal parecia a jovem calada e
recatada à minha frente.

Mal conseguia comer de tão absorvido que estava pela cena.


Ellena não parecia perceber, e, pelo que eu podia ler em sua
expressão, não tinha nada a ver com a comida em si, mas com suas
preocupações pessoais, que me assustavam um pouco.

A garota tinha perfil ser qualquer coisa. Sua cara de donzela


em perigo não a impedia de ser uma criminosa, um problema
ambulante. O belo pacote poderia ser o disfarce perfeito até de uma
espiã perigosa, sem que eu soubesse.

Claro... o que uma espiã iria querer comigo? Um CEO de


uma rede de agências de viagens em ascensão. Eu era rico? Ok,
não podia negar. A moça poderia ser uma ladra também. Mas acho
que daria conta de uma coisinha pequena como ela.

Ainda assim, eu não conseguia acreditar em nada disso. O


que minha mente gritava era que Ellena era apenas uma garota
bonita com medo. De algo ou de alguém. Um namorado abusivo,
talvez? A forma como fugiu na boate, o carro que a seguia no meio
da rua... Eram evidências suficientes. Restava saber o quanto eu
queria me envolver, embora não tivesse coragem de simplesmente
deixá-la à própria sorte.
— Você está bem? — A pergunta foi um pouco súbita, e a
julgar pela forma como Ellena voltou os olhos para mim e como sua
cabeça se ergueu para me observar, ainda mastigando, ela ficou
surpresa.

— Estou. Obrigada. — Novamente muito educada. Até seu


sorriso era polido, embora ela não estivesse com vontade alguma
de sorrir.

Logo ela voltou a comer. Remexi-me na cadeira, tentando


parecer mais relaxado, esticando as pernas e cruzando os braços.
O movimento a fez olhar novamente para mim, confusa e com
aquele ar vulnerável que me desconcertava.

— Desculpa, Danilo. Acho que sou uma péssima companhia,


mas não estou acostumada a conhecer pessoas novas, então, fico
um pouco tímida.

Se era atriz, era das boas. Tudo em seu comportamento


corroborava com o que tinha acabado de dizer.

Bem, eu não era tímido... então teria que tomar as rédeas da


situação.

— Você não precisa me contar nada que não queira, mas se


estou te dando abrigo, gostaria pelo menos de saber no que estou
me envolvendo. Tipo... se você estiver fugindo da polícia ou algo
assim. — Tentei falar em um tom de brincadeira, mas
aparentemente Ellena não entendia ironia, porque arregalou os
olhos, e o garfo que estava em sua mão caiu dentro do prato,
causando um barulho que equivaleu por todos os que ela não fez
enquanto comia.

— Não! Não estou... por favor, não pense assim... eu... —


Ela abaixou a cabeça, olhando para seu prato e começando a
brincar com a comida, movendo o garfo de um lado para o outro. —
Juro que nunca fiz nada de errado.

Era fácil acreditar com ela falando daquele jeito. Mas então...
qual era o problema? O que a fazia ser tão assustada?

— Acredito em você. E sei que não posso pedir que confie


em um completo desconhecido, mas talvez eu possa te ajudar de
alguma forma. É algum namorado? Ex?

Ellena respirou fundo, hesitou um pouco e apenas assentiu,


parecendo novamente muito chateada.

— Ele machuca você? — Foi uma pergunta feita com muito


cuidado, principalmente porque eu temia também a resposta. Se
havia uma coisa que me deixava completamente fora de mim era
imaginar uma mulher sendo agredida.

— Não — ela respondeu baixinho. — Ele não é meu


namorado, na verdade. Ele quer ser.

— Como assim? — Novamente me mexi na cadeira,


inclinando-me para frente, começando a ficar muito intrigado com
aquela história.

Como a lady que ela parecia ser, Ellena pousou os talheres


dentro do prato, voltados para um lado específico — que
provavelmente era o correto para a etiqueta —, limpou a boca e
colocou o guardanapo sobre a mesa. Não tinha comido muito, o que
não pude deixar de perceber.

— É complicado de explicar, mas o que acho que você pode


e deve saber é que eu não sou daqui. Vim para a Irlanda para um
ano sabático e, aparentemente, ele mandou alguém atrás de mim.

— Para te vigiar?

Ela deu de ombros.

— Acho que sim.

Porra! A situação era pior do que eu poderia imaginar.

— Foi por isso que você fugiu naquele dia, na boate? — Era
algo bem óbvio, mas me sentia pisando em ovos com aquela garota
e queria me certificar de não dizer nada errado, muito menos ser
injusto.

— Sim. E hoje também.

— Mas você não estava fazendo nada de errado.

— Talvez, para ele, eu estivesse. Nós quase nos beijamos,


Danilo! — ela exclamou com veemência.

— Eu me lembro. É o tipo de coisa que não se esquece —


mais uma vez tentei brincar, e daquela vez ela correspondeu,
sorrindo com um pouco mais de vontade.

Um lindo sorriso, aliás. Meigo, sincero, cativante.


— Ainda assim, você é livre. Precisa denunciá-lo.

Ellena suspirou, parecendo resignada e desanimada.

— Não é simples assim. Ele é influente. Mas, mais do que


isso, meu pai aprova o relacionamento.

— Seu pai aprova a ideia de ver você com um stalker


obcecado? — Eu não conseguia conceber aquele tipo de coisa. Se
fosse pai ou se a situação acontecesse com Débora, minha reação
seria encher o filho da puta de porradas e não incentivar que uma
mulher se submetesse a esse tipo de abuso.

Mas aquela garota não era nada minha. Eu não poderia


interferir.

— É um pouco mais complicado do que isso. Só que eu não


te conheço ainda o suficiente para abrir meu coração e te contar a
história toda. Implicaria em dizer coisas que não quero dizer ainda.

Balancei a cabeça, compreendendo, mas ainda achando


tudo muito estranho. Só que quem era eu para julgar suas escolhas
ou tentar lhe dar conselhos se eu nem sabia quem era aquela
mulher? Não sabia de onde vinha, quem era, qual era sua história
de vida. Eu só conseguia concluir o que lia em seus olhos, mas não
gostava muito do que via.

— Você parece uma pessoa bem diferente da garota ousada


que conheci na boate — comentei sem nem pensar, mas a julgar
pelo olhar ainda mais triste de Ellena foi uma péssima escolha de
palavras.
— Desculpa te decepcionar, mas muito prazer, esta sou eu.
Aquela garota que você conheceu era um produto de uma única
tequila que eu tomei e de uma decisão bem arriscada de tentar ser
alguém diferente por algumas horas.

Ellena abaixou a cabeça e novamente focou sua atenção no


prato, pegando o garfo para brincar com a comida. Estava mais do
que claro que não iria conseguir comer mais, o que também
aconteceria comigo.

Logo eu que estava tão ansioso para comer um belo bife.

Tentando um movimento quase ousado, estendi minha mão


para tocar seu rosto, colocando-a sob seu queixo e erguendo-o. Não
queria aqueles olhos fascinantes perdidos e tão cheios de
abandono. Quem quer que fosse aquela garota, ela parecia rodeada
por uma infinita aura de solidão. Era doloroso pensar que uma
mulher tão bonita e doce realmente passasse por isso, mas era
impossível tentar imaginar sem saber quase nada sobre ela.

Talvez ela fosse uma grande mentirosa. Quem poderia


saber?

Nossos olhos se encontraram naquele instante, e era difícil


negar que havia algum tipo de química entre nós. Eu me lembrava
da forma como nos olhamos na boate, como meu corpo respondeu
a ela e do desejo que me consumiu. A vontade de beijá-la, de tocá-
la, de senti-la contra mim.

Nada tinha diminuído. Claro que ela parecia completamente


diferente da ruiva esfuziante daquela noite, mas também lembrava
uma sereia encantadora aos meus olhos. Uma linda sereia de
coração partido.

Seria bem mais fácil me apegar a ela daquela forma.

— Não me decepcionou em nada. Todos nós temos dois


lados. Eu também não sou sempre o cara que flerta com lindas
sereias em meio a uma boate.

— Sereia? — Ela sorriu, novamente tímida.

— Foi a primeira coisa que eu pensei quando te vi. E você


nem precisou cantar para me atrair — brinquei e novamente fiquei
feliz ao vê-la sorrir um pouco mais.

— Se eu cantasse, você fugiria, isso sim.

Nós nos pegamos rindo um pouco, e eu percebi que ainda


estava com a mão em seu rosto. Uma onda de desconforto surgiu, e
eu a tirei rapidamente, sabendo que estava abusando demais da
sorte.

Salvando-nos de mais momentos incômodos, o meu celular


tocou.

Levantei-me da cadeira para atendê-lo, pegando-o sobre a


cama, onde o joguei, e me deparei com o nome de um dos meus
contatos dali de Dublin — um empresário, dono de um enorme
restaurante, muito famoso, quatro estrelas Michelin, com quem
estava tentando marcar uma reunião há dias.

— Danilo? — ele me chamou, americanizando meu nome.


Era engraçado que Ellena o pronunciasse de uma forma tão
perfeita, mesmo também não sendo brasileira e conversando
comigo em inglês. — Tudo bem, meu querido? Você me falou que
está hospedado no Grayton, não é?

— Sim, estou sim, George — afirmei, mostrando que


reconhecia quem estava falando.

— Veja só a coincidência... Acabei de sair de um almoço


com outro cliente aí ao lado e estou na recepção. Tenho algumas
horinhas para conversarmos. O que acha?

Porra, aquela era uma oportunidade em mil. De todos os


meus alvos ali em Dublin, George Sullivan era o cara que eu mais
tinha interesse em encontrar. Não apenas porque admirava seu
restaurante, mas porque ele era uma celebridade mundial, sendo
até mesmo apresentador de um programa de culinária na TV.
Consegui o contato dele com muito custo, porque, por sorte, sua
filha tinha uma amiga brasileira que viajara pela Verity Turismo.
Bem... e eu tive um casinho passageiro com essa garota.

Uma coisa levou a outra e lá estávamos nós. Conversei com


George por algum tempo, mas sua agenda era muito cheia. Ter
minutos de sua atenção seria um sonho. Algumas horas? Era como
ganhar na loteria.

Voltei meus olhos na direção de Ellena, vendo-a ainda


compenetrada em sua comida, embora sem comer. Aquela porcaria
já deveria estar fria, aliás.

Fosse como fosse, eu não poderia perder a oportunidade por


uma garota que nem conhecia.
— Claro, George. Vou descer. Estarei aí em dez minutos. —
Era o tempo de vestir algo mais decente.

Do outro lado da linha ele concordou, e desligamos.

Ellena já olhava para mim, preparando-se para se levantar.

— Não — disse a ela. — Pode ficar. Não vou demorar muito.


Depois, quando terminar minha reunião, te levo para a casa do seu
tio. Não quero que volte sozinha com aqueles caras estranhos te
observando.

— Jura que não vai te atrapalhar?

— Não. Fora que vou ficar preocupado se você sair daqui


sozinha. — Ela assentiu, e eu sorri.

Abri o armário rapidamente, escolhi uma blusa e uma calça


mais arrumadinhas, entrando no banheiro. Vesti-me em tempo
recorde e saí, pegando o blazer que deixei pendurado no cabideiro,
colocando-o.

Não poderia negar que a forma como Ellena me olhou,


naquelas roupas mais sociais, me deixou com o ego elevado.

E como não deixaria? A garota era um deslumbre. Se ela me


achava atraente, já seria um bom começo, não?

— Ellena, eu vou precisar levar o cartão, ok? Vai que você


decide tirar um cochilo ou sair, descer... qualquer coisa. Se isso
acontecer, só bata a porta, que ela será trancada. Por dentro você
consegue abri-la. — Por sorte, a energia daquele quarto de hotel
não dependia do cartão. Ela poderia ficar ali numa boa mesmo sem
ele.

— Tudo bem.

Tivemos mais uma troca de olhares, e eu realmente


esperava encontrá-la lá em cima quando voltasse. Talvez fosse uma
boa ideia pegar seu telefone, para mantermos contato, mas já
estava atrasado para me encontrar com George.

A conversa com ele, aliás, foi melhor do que o esperado.


Mostrei-lhe minhas ideias, falei tudo o que era possível falar sobre a
Verity e o senti muito entusiasmado. Prometi lhe enviar um e-mail
concretizando tudo o que informei de boca, mas já encaminhei o
contrato padrão para que ele fosse analisando.

Só que nossa “pequena” reunião durou muito mais do que o


esperado. Desci por volta das três da tarde e só subi ao meu quarto
quando já era noite lá fora, quase oito.

Jurei que não encontraria mais a linda sereia me esperando.

Mas estava enganado.

Assim que abri a porta, deparei-me com ela apagada sobre a


poltrona da antessala, com um livro na mão. Provavelmente um que
levara consigo na bolsa.

Apesar de ser uma mulher pequena, a posição estava


visivelmente desconfortável. Ainda usava a minha camisa, e suas
lindas pernas estavam de fora, mas usei de toda a minha força de
vontade para não a olhar demais, como não gostaria que fizessem
com a minha irmã.

Ainda assim... Contemplá-la acabou se tornando inevitável.

Parecia tão inocente, tão delicada e vulnerável, que eu não


consegui não sentir meu coração se apertar de forma protetora por
ela. Era da minha natureza, tendo crescido em um lar com duas
mulheres — embora fosse o mais novo delas —, e eu sabia que
aquela garota estava precisando de ajuda. O tio aparentemente era
legal, mas talvez não se desse conta, ou nem soubesse, de tudo
pelo que ela passava.

Eu não era o cara certo para isso. Não a conhecia e estava


apenas de passagem pelo país. Mas naquela noite daria um jeito de
cuidar dela.

Aproximei-me com cuidado e tirei o livro de sua mão,


colocando-o sobre a mesinha ao lado. Delicadamente tirei-a da
cadeira, ajeitando-a nos braços, e levei-a para a cama, onde
permitiria que dormisse. Eu poderia me ajeitar no sofá.

Cobri Ellena com o edredom e apaguei a luz, deixando-a


sozinha naquela parte da suíte, esperando que descansasse.

Porque eu, provavelmente, não iria. Minha cabeça girava,


assim como minha imaginação fértil em relação aos mistérios que
aquela garota trazia consigo, então, decidi me afundar em trabalho,
enquanto a Bela Adormecida repousava bem ao lado, preenchendo
meus pensamentos para o bem e para o mal.
CAPÍTULO SEIS

“Você não é algo especial, original?


Porque não parece assim tão simples
E eu não posso deixar olhar, porque
Vejo a verdade em algum lugar nos seus olhos”
MIRRORS – JUSTIN TIMBERLAKE

Acordei em uma cama, sem a menor ideia de como tinha ido


parar nela. Por alguns instantes, me senti um pouco perdida de
onde estava, tanto que precisei me sentar para chegar à conclusão
do que havia acontecido.

Eu ainda estava no quarto de Danilo. Na suíte de seu hotel,


onde ele me deixou para ir atender a um cliente. Não fora isso?

Ok. Estava começando a me lembrar das coisas.

Lembrei-me de ficar esperando, mexendo no meu telefone,


depois lendo um livro que levei comigo, tentando matar o tempo o
mais afastada possível das coisas dele, com medo de que pensasse
que estava bisbilhotando algo.
Imaginava que tivesse dormido, mas por que acabei indo
parar na cama dele? O que tínhamos feito?

Um calafrio percorreu a minha espinha, com medo de ter


acontecido algo de que não me lembrava; que ele tivesse se
aproveitado da situação, que tivesse me tocado sem que eu
estivesse sequer consciente para permitir.

Levantei-me da cama quase de um pulo, disposta a tentar


descobrir, mas a cena que vi meio que aqueceu meu coração.

Danilo era um homem grande, tanto de altura quanto de


corpo. Seus ombros eram largos, era musculoso, e suas pernas
eram muito longas. Por isso, vê-lo deitado em um sofá
desconfortável, apagado, vestindo uma camiseta e um short, foi algo
completamente inesperado.

Será que ele tinha mesmo dormido ali a noite inteira, só para
me deixar com a cama? O que me criava outra dúvida: teria me
carregado, de forma completamente cavalheiresca, só para me
deixar mais confortável? Se sim, quem era aquele cara? Em que
tipo de sonho eu tinha me metido?

Tentei não fazer barulho para não o acordar, mas


aparentemente ele tinha sono leve – ou de tão desconfortável nem
conseguira dormir direito, porque acordou com um resmungo.

Ao olhá-lo, eu o vi levar a mão ao pescoço. Não era difícil de


interpretar que deveria estar com um baita de um torcicolo.

Aliás, ele tinha um belo pescoço. Já falei isso?


Piscou algumas vezes, enquanto se levantava para se
colocar sentado, parecendo levemente atordoado, assim como eu.
Esfregou os olhos e os voltou na minha direção, parecendo precisar
de alguns instantes para explicar para sua mente a minha presença
ali.

— Bom dia — cumprimentei um pouco sem jeito, colocando


uma mecha de cabelo atrás da orelha.

— Bom dia — ele respondeu com uma voz rouca matinal que
era bem interessante.

Eu nunca tinha acordado com um homem daquela forma —


se é que isso contava, é claro —, então não saberia dizer se a
maioria tinha aquele timbre tão poderoso logo depois de despertar.

— Você dormiu bem?

— Sim, obrigada — respondi com uma risadinha aleatória.

— O que foi? — Danilo perguntou com o cenho franzido,


parecendo intrigado.

— Sei que você estava um pouco desconfiado de mim


ontem, e talvez com razão, não é? Acho que sou mesmo uma ladra;
roubei sua blusa, seu quarto de hotel e sua cama.

Danilo abriu um sorriso preguiçoso, que curvou apenas um


canto de sua boca perfeita. Então passou a mão pelos cabelos
dourados e esticou as costas, que provavelmente ainda estavam um
pouco travadas pela posição na qual dormiu.
— Abriguei uma donzela em perigo, estou apenas
conquistando minha posição no céu — brincou, descontraído, o que
me fez sorrir também, embora estivesse constrangida.

— Obrigada. Você fez muito por mim.

Mais do que muita gente já tinha feito.

Eu era bajulada o tempo todo por muitas pessoas, mas a


maioria delas me tratava assim por pura obrigação, para ganhar
pontos com meu pai ou para conseguir algo de mim que eu nunca
poderia conceder, já que nenhuma decisão me cabia e que não
tinha muitas oportunidades de ajudar ninguém em minha posição.
Ao menos no país em que vivia.

Nossos olhares se perderam por algum tempo, em silêncio, e


eu até poderia dizer que se tratava de um tipo de desconforto, mas
a intensidade com que ele me observava me contava uma história
diferente.

— Você é uma visão e tanto pela manhã.

Como ele jogava esse tipo de coisa com aquela


naturalidade? Eu não conseguia sequer ouvi-lo sem corar. Queria
retribuir o elogio, porque seria sincero, mas nem sabia como.
Precisava de mais uma dose de tequila para conseguir sair daquele
estado de total timidez.

— Obrigada — foi tudo o que consegui dizer, embora meus


olhos estivessem fixos no chão, sem encará-lo. — Acho que é
melhor eu ir, não é? Você deve ter coisas para fazer.
— Na verdade, não tenho. Mas...

Danilo foi interrompido pelo toque do meu celular. Gelei


imediatamente, pensando que poderia ser meu pai, embora
duvidasse muito disso, mas corri em direção à mesinha ao lado da
qual peguei no sono na noite anterior, encontrando-o exatamente
onde deixei.

Era tio Alfred.

— Bom dia, minha princesa — cumprimentou do outro lado,


parecendo muito animado. Ouvi uma risadinha vinda dele e de outro
homem, o que me fazia acreditar que estavam na cama.

Meu Deus, era meu tio. Eu não queria imaginar. De verdade.


Mas ficava feliz por ele.

— Bom dia, tio. Acho que sua noite foi boa.

— MARAVILHOSA. — Mais risadinhas e um som de beijos.


Novamente... eu não queria imaginar. Era como pensar no meu pai
com alguém. — E você, querida? Já está em casa?

Ah, Deus... como explicar?

— Não, tio.

— O QUÊ? — ele se alterou, e eu ouvi som de farfalhar de


tecidos, como se estivesse se mexendo na cama. — Está com o
loirinho ainda? Ellena Marie Woodward, você transou com o cara?

— Não, tio! Não! Eu só... — Como era constrangedor! — Só


dormi.
— Nem beijou? — Por que ele parecia tão decepcionado?

— Não.

— Pois isso deveria ter feito. Mas tudo bem... deixa eu te


falar. Primeiro: mantenha-se intacta, mocinha, ou vai me arrumar
problemas. Em segundo lugar: vou ficar mais um dia por aqui.
Talvez dois... Ou melhor... vamos nos falando. Se você quiser, posso
te mandar uma passagem para vir também e passear.

Poderia ser uma boa ideia, uma boa oportunidade, mas eu


não queria que meu tio ficasse preso a mim, tomando-me sob sua
responsabilidade. Sabia muito bem o motivo para ele permanecer
onde estava e queria que fosse feliz, que aproveitasse, porque
merecia. Era a melhor pessoa que tinha na minha vida; a única que
realmente olhava para mim e via uma garota com sentimentos, com
vontades próprias.

— Não, tio. Fique aí e divirta-se. Vou tentar fazer o mesmo


por aqui.

— Sei o tipo de diversão que você vai ter. Aproveite, querida,


mas com juízo.

— Pode deixar. Te amo, tio. — Era a primeira vez que dizia


aquilo. Na vida. Para qualquer pessoa.

Desde que me entendia por gente, sempre tive muita


vontade de demonstrar meus sentimentos, de expor meu amor a
alguém que realmente merecesse. Eu amava meu pai, mas nunca
tive abertura para isso. Nunca pude tocá-lo sem permissão, nunca
pude abraçá-lo, chorar em seu ombro. Minha existência sempre foi
muito solitária, e tio Alfred era totalmente o oposto. Era o primeiro
que me fazia sentir como se tivesse uma família.

— Eu também te amo, princesinha. Cuide-se. E qualquer


coisa liga que eu vou correndo.

Desligamos, e eu ergui os olhos só para me deparar com


Danilo parado, com o corpo apoiado no batente da porta, os braços
cruzados, observando-me, ainda com o cabelo desgrenhado e os
olhos pesados de sono.

Ele era quase do tamanho da porta em altura. Interessante.

— Desculpa, eu não queria ouvir sua conversa, mas pelo


que entendi você vai ficar sozinha outra vez?

— Você não queria, mas ouviu corretamente. — Não pude


conter uma risadinha.

— É que eu fiquei preocupado. Tem certeza de que vai ficar


bem sem o seu tio?

Talvez, sim, talvez, não. Se eu gostaria de permanecer na


companhia de Danilo? Sem dúvidas. O cara já tinha me dado provas
de que era honrado, levando em consideração que dormi em seu
quarto de hotel e se mantivera um cavalheiro. De certa forma, eu
confiava nele e me sentia segura.

Só que havia um grande problema nisso tudo. Estar com um


homem bonito, gentil e que me tratava com respeito era perigoso,
porque eu sabia que acabaria me apegando, me apaixonando.
Poderia me esforçar para que não acontecesse, mas como mandar
nos sentimentos? Mais do que isso? Como comandar um coração
carente, que desconhecia tanto sobre o amor? Por mais que não
quisesse agir como a adolescente boba que se entrega facilmente,
minha inexperiência me tornava uma presa fácil para uma emoção
tão poderosa.

— Vou, sim. Tenho algumas coisas para fazer em casa. —


Era mentira, mas uma desculpa boa o suficiente para que pensasse
que não tinha nada a ver com ele.

Como eu poderia explicar para o cara que não queria sua


companhia, porque poderia ceder às tentações e fazer coisas que
não deveria fazer?

Coisas que eu já queria, aliás.

Depois de tudo o que aconteceu e do trabalho que lhe dei,


poderia jurar que Danilo estava mais do que ansioso para se livrar
de mim, mas a expressão de decepção que vi em seu rosto, quando
obteve sua resposta, foi surpreendente.

— Claro. Eu entendo. Vou te levar, então.

Assenti, sentindo minha própria frustração me consumir.

Ainda hesitei um pouco antes de me levantar, mas não tinha


como mudar o destino. Eu conhecia o meu muito bem; as coisas
poderiam se complicar para o meu lado se tentasse transgredir as
regras.

Fui caminhando até a suíte de cabeça baixa, desanimada,


mas entrei, troquei-me e voltei para perto de Danilo, que já estava
vestindo uma calça jeans, mas ainda trocava a camiseta. Não queria
pensar no quão constrangedor seria se eu tivesse saído do banheiro
e o pegado de cueca, mas aquela visão de suas costas musculosas,
enquanto colocava a blusa por cima da cabeça e a abaixava até
chegar à barra da calça foi o suficiente para me deixar sem ar.

Parecendo perceber minha presença, ele se virou em minha


direção, igualmente envergonhado.

— Desculpa. Era só para ganharmos tempo — ele falou, mas


pareceu se arrepender. — Não que eu queira me livrar de você...
pelo contrário. De verdade, gostaria de sua companhia por mais
tempo, mas... — Conforme abri um sorriso por vê-lo tão enrolado
com as palavras, ele fazia o mesmo e passava a mão pelo cabelo,
como se fosse uma mania. — Bem... você já entendeu.

— Sim. E não tem problema. O quarto é seu.

— É, mas não queria te desrespeitar.

Ah, Deus! Que fofo.

QUE. FOFO.

Se eu fosse um pouco mais esperta já teria me jogado no


colo daquele homem e o beijado. Mas não tinha tanta coragem.

Quando dei por mim, já estava em seu carro, sendo levada


de volta, tentando entender por que meu coração parecia tão
pequenininho dentro do peito. Eu ainda tinha muito tempo de férias,
não? Iria conhecer outras pessoas, outros rapazes, iria me divertir,
sair, dançar... Era nisso que precisava pensar. Não era o primeiro
homem bonito que cruzava o meu caminho que me faria desanimar.
Muito menos um homem que morava tão longe, em outro
continente, e que provavelmente nunca mais iria encontrar.

Paramos em frente à casa do meu tio, e eu hesitei um pouco.

Como não hesitaria? Conhecia tão pouca gente, não tinha


intimidade com quase ninguém, era difícil dizer adeus a alguém que
me tratara com tanta gentileza e que cuidara de mim sem pedir
nada em troca.

Danilo era um cara especial, e era doloroso saber que eu


nunca poderia conhecê-lo melhor, porque muitas coisas me
impediam.

Mas ele precisava saber disso.

Voltei-me em sua direção, esperando que meus olhos não


espelhassem o quão triste eu estava.

— Obrigada por tudo, Danilo. Provavelmente você não tem


noção disso, mas o que fez por mim significou muito. Não só por me
dar abrigo, mas... — Suspirei, desviando os olhos dos dele,
envergonhada. — Por tudo.

Sua mão gentil tocou meu queixo, fazendo-me olhar em seus


olhos.

— Você é uma garota muito doce, Ellena, e eu queria ter a


chance de te conhecer melhor, mas algo me diz que não vou te
convencer a isso.

— É complicado — respondi com pesar.


— Eu não tenho medo do que é complicado.

Olhei bem fundo nos olhos dele, na esperança de convencê-


lo.

— Mas eu tenho.

Isso o calou. Ainda bem, porque se continuasse insistindo,


eu acabaria cedendo.

Reunindo toda a minha coragem, inclinei-me e deixei um


beijo em seus lábios. Casto, rápido e delicado, apenas para levar
algo dele comigo e deixar algo de mim.

Quando me afastei, ele ainda olhava para a minha boca, de


um jeito que poderia me fazer derreter se eu não estivesse sentada.

Forcei-me a sair do carro, quase esperando que me


segurasse, me puxasse e me beijasse de verdade. Em livros de
romance aconteceria assim, não é?

Mas minha vida não era um livro de romance. Não era um


conto de fadas — e olha que tinha tudo para ser. Sendo assim,
saltei e comecei a caminhar para a casa do meu tio sem olhar para
trás. Se fizesse isso, correria o risco de desistir.

Destranquei o portão, entrando e fazendo o mesmo com a


porta. Pensei que ouviria o som do carro de Danilo se afastando,
mas, não. Ele provavelmente continuava parado lá, me esperando
entrar, o que, novamente, era adorável.

Quando entrei no refúgio da casa, fechei logo a porta,


encostando a cabeça nela e ficando desta forma por algum tempo.
Respirando fundo, tentei me acalmar, pensar que era melhor assim,
mas algo continuava me dizendo que eu estava perdendo uma
oportunidade.

Olhando através do olho mágico, vi que Danilo continuava lá


parado, como se me esperasse.

Droga...

E se...

Respirei fundo uma, duas, três vezes, na intenção de que a


vontade de correr para ele passasse.

Só que mal tive tempo de pensar, porque uma mão pesada


agarrou meu braço, fazendo-me girar. O rosto conhecido do
capanga de Henry me fez arregalar os olhos, mas antes que
pudesse gritar, uma mão cobriu a minha boca, segurando um pano
embebido em algo com cheiro forte.

Eu não teria nenhuma chance e não fazia ideia do que


aquele homem — a mando de Henry, é claro — planejava.
CAPÍTULO SETE

“E eu não estou pronta


E eu vou aguentar firme
Sim, eu vou te segurar
Em meus braços, em meus braços
Em meus braços”
EYE OF THE NEEDLE – SIA

Eu deveria ter pisado no acelerador e saído dali há mais


tempo, mas algo me dizia que ela voltaria. Uma esperança
infundada e muito tola me consumia a respeito disso, impedindo-me
de me mexer.

Além disso, uma imensa vontade de saltar, bater em sua


porta e pedir ao menos seu telefone, para que pudéssemos nos
comunicar de alguma forma, principalmente enquanto seu tio não
estivesse por perto, quase me venceu.

Porra, ela poderia precisar de ajuda, não? Se aquele doido


continuasse a persegui-la, se tentasse algo...
Merda, Danilo! Você não pode querer ser o herói de uma
garota que já te dispensou.

Acabou. Vocês esbarraram um no outro duas vezes, mas,


mesmo assim, mesmo com a ajuda do destino, não rolou nada. Ela
estava no seu quarto de hotel, dormira na sua cama, estivera ao seu
alcance por horas e você não tentou nem um beijo...

E como poderia tentar? Só de pensar naqueles olhos


inocentes e em seu jeitinho tímido, tudo o que eu queria era
protegê-la, não a seduzir.

Ou melhor... queria ambos. Com calma, sem assustá-la.

Só que, aparentemente, eu não teria nenhum dos dois. Mas


era melhor assim. Aquela garota, por mais linda e encantadora que
fosse, cheirava a encrenca. Eu não tinha tempo para problemas e
iria embora daquele país em alguns dias. Dizer adeus era sensato.

Já estava decidido a finalmente sair da porta de sua casa


quando algo chamou a minha atenção. Um carro preto parado
pouco adiante.

Não deveria ser algo para me intrigar se eu não


reconhecesse o modelo. Era o mesmo do dia anterior, do qual ela
estivera fugindo. Não me lembrava da placa inteira, mas podia jurar
que terminava com os mesmos dois números daquela.

Fiquei um pouco de tempo observando, não querendo ser


precipitado e me enfiar em uma situação que deixasse Ellena ainda
mais vulnerável, mas quando a garagem da casa se abriu, e o tal
carro começou a entrar, eu estranhei ainda mais.
Deveria sair dali, com a certeza em mente de que a garota
tinha me enganado desde o início. Provavelmente o dono do carro
era um namorado, e ela curtira com a minha cara o tempo todo. Ou
então eles viviam um relacionamento de gato e rato... Sei lá. Muitas
explicações.

Mas havia uma que não saía da minha cabeça — e se ele a


tivesse obrigado a abrir aquele portão? Se tivesse feito alguma
ameaça?

Pronto! Lá estava eu preocupado com aquela mulher


novamente. Qual era a merda de imã que me conectava a ela?

Sem nem pensar no que fazia, saltei do meu carro, decidido


a pelo menos saber se estava bem.

Estava preparado para bater na porta, mas parei quando


ouvi um barulho vindo lá de dentro. Uma porta batendo, talvez, e
duas vozes masculinas conversando entre si. Colei meu ouvido à
madeira tentando ouvir, porque continuava com a estranha
impressão de que havia algo de errado naquela situação toda.

— Por que você a amarrou? Ela está inconsciente — uma


das vozes falou.

— Se acordar no meio do caminho, não quero que nos dê


trabalho.

— Podemos colocá-la no porta-malas.

— Ficou louco? Patrãozinho nos mata se a garota chegar


com um arranhão. Se ela se machucar, estamos ferrados... Eu acho
que...

Eu não podia mais ouvir. Eles estavam falando de Ellena,


não? Amarrada? Inconsciente? Porta-malas? Eles iam... sequestrá-
la?

Se entraram com o carro na garagem, obviamente iriam tirá-


la pelos fundos, e eu não conseguiria impedi-los.

Só me restava uma coisa a fazer.

Eu estava pronto para arrombar aquela porta no chute, mas


ao levar a mão à maçaneta percebi que estava destrancada. Entrei
sem cerimônias e logo me deparei com uma antessala bonita, bem
decorada, por onde segui. Fazendo o mínimo de barulho possível,
deparei-me com a cena: dois brutamontes diante do sofá, onde
Ellena estava deitada, punhos e tornozelos amarrados, uma
mordaça em sua boca.

Sim, aquela garota era encrenca. Mas eu não poderia


abandoná-la.

Aproveitando que os dois estavam de costas para mim,


aproximei-me devagar, sorrateiro, pegando um deles em um mata-
leão. Foi um movimento arriscado, porque eu não saberia dizer se
estavam armados, mas foi de total impulso. O que eu poderia fazer?
Deixar que o tempo passasse e a tirassem dali?

Eu não era assim tão ruim de briga, então teria que me


garantir na sorte.
Afastei o sujeito ao máximo de Ellena, jogando-o contra a
parede, de cara, com força. Ele cambaleou, ficando grogue o
suficiente para que eu me voltasse para o outro, esquivando de um
soco e desferindo outro, bem no nariz, ouvindo o som do osso
rachando sob meu punho.

Rapidamente o primeiro se recuperou, tentando me acertar


também, mas ainda zonzo, o que me permitiu desviar mais uma vez,
partindo para cima em um contra-ataque, socando-o várias vezes.

Seu comparsa agarrou meus braços por trás, mas não


demorei a me desvencilhar, girando e golpeando-o mais vezes.

Eu ainda estava ileso, e sabia que o elemento surpresa


trabalhara ao meu favor.

Poderia ter dado mais algumas porradas nos sujeitos, mas


eles decidiram que a melhor opção era fugir.

Dois covardes, como não poderia ser diferente.

Sentia-me um pouco atordoado, sem saber o que fazer, mas


decidi começar tirando a mordaça da boca de Ellena, o que a fez
abrir os olhos. Assim que me viu, demonstrou surpresa e um pouco
de alívio, embora ainda parecesse prestes a apagar.

— Ei, linda, você está bem? — perguntei preocupado.

Ela demorou a responder.

— Estou tonta. Acho que vou desmaiar a qualquer momento.


— Apesar de falar com coesão, sua voz estava embolada, rouca,
frágil.
Continuei a desamarrá-la, enquanto tentava mantê-la
consciente:

— Quem eram aqueles caras? O que eles queriam com


você?

Ellena não me respondeu, e sua cabeça tombou para o lado,


como se tivesse, de fato, perdido os sentidos, mas toquei seu rosto
com cuidado, voltando-o novamente para mim, e ela abriu os olhos.
Pesados, sem foco.

— Tente ficar acordada ao máximo, ok? Mantenha-se


falando. — Eu não sabia se eles a tinham agredido, se estava
machucada, se tinham lhe atingido na cabeça... — O que eles
fizeram para te apagar?

— Uma in-injeção, eu... eu não... — Ellena ofegou, fazendo


um esforço enorme para continuar falando. — Não s-sei o que t-
tinha nela.

Consegui, finalmente, terminar de desamarrar seus


tornozelos. Minhas mãos tremiam por toda a situação, porque eu
sabia que a qualquer momento poderíamos ter uma surpresa. Se os
dois filhos da puta voltassem, em maior número e talvez armados,
eu não daria conta de protegê-la. Fora que poderia sair ferido, o que
também não me agradava em nada.

Olhei ao redor e encontrei a bolsa de Ellena caída no chão.


Pendurei-a no meu ombro, voltando-me novamente para ela:

— Vou te tirar daqui, linda. Vou te levar para o meu hotel, em


segurança. Vou te proteger, tudo bem? — Eram muitas promessas
em uma frase só. Muitos impulsos dentro de mim por uma pessoa
completamente desconhecida.

Eu deveria estar completamente louco. Tinha mil coisas a


fazer naquele país antes de voltar para o Brasil, e nenhuma da
minha lista era sequer similar à tarefa de servir de herói e guarda-
costas de uma linda donzela em apuros.

Quando a ergui nos meus braços ainda estava consciente.


Eu a ouvi sussurrar o meu nome com uma dolorosa voz frágil.
Encostou a cabeça no meu peito, mas eu sentia que iria perdê-la em
uma questão de segundos.

O que, de fato, aconteceu.

Levei-a para o carro e, consequentemente, para meu hotel,


colocando-a na cama com cuidado, sentindo a adrenalina baixar
apenas no momento em que nos vi completamente seguros. Um
milhão de perguntas ainda pulsavam na minha mente, enchendo-me
de sentimentos diversos.

Sentei-me à beira da cama, observando-a e tentando


entender como tínhamos chegado àquele estágio. Tentando
compreender quem era aquela mulher, se estava me contando toda
a verdade e se era perigoso bancar o protetor de tal forma.

Mas, de alguma maneira, o destino a jogara na minha frente,


e eu não poderia ignorar isso. Não poderia deixá-la para trás
pensando que um idiota obcecado lhe faria mal na primeira
oportunidade.
Deixei que repousasse e fui para a antessala, tentar
trabalhar um pouco.

Uma hora depois, sobressaltei-me com um grito


estrangulado que ouvi vindo do quarto, o que me fez correr até lá.
Encontrei Ellena sentada na cama, com a respiração pesada e
entrecortada, obrigando-me a sentar-me à sua frente, segurando-a e
puxando-a para os meus braços sem nem pensar.

Ela chorava de soluçar, o que me assustou. Mas era algo


normal, não? Levando em consideração que a garota quase foi
sequestrada por dois brutamontes bem na casa onde estava
morando.

Acalmá-la era a minha prioridade naquele momento.

— Você está segura agora. Ninguém vai te fazer mal aqui —


falei baixinho, sussurrado, para tentar tranquilizá-la.

— Eles vão voltar enquanto meu tio estiver viajando. Vão me


levar para Henry... eles vão... — Eu não fazia ideia de quem era
Henry, mas provavelmente se tratava do tal idiota que era doente na
garota.

Segurando-a pelos braços, afastei-a um pouco do meu peito


para olhá-la nos olhos.

— Não, eles não vão. Você pode ficar aqui comigo. — Foi
um convite de impulso. Aparentemente eu estava começando a agir
sem pensar o tempo todo.
— E se eles fizerem algo com o meu tio? — ela soou
apavorada. — Se eu contar o que aconteceu, ele vai voltar... vai
querer ficar aqui para cuidar de mim.

Ellena tremia, completamente em pânico, e eu não sabia o


que fazer para acalmá-la. As coisas estavam acontecendo rápido
demais, e eu precisava agir e tomar decisões na mesma velocidade,
o que me tornava um cara muito imprudente.

— Não conta nada para ele por enquanto. Primeiro vamos


pensar no que fazer, em como te tirar dessa enrascada. Você
deveria ir à polícia. Eu memorizei o número da placa e...

— Não, Danilo. Eu não posso!

— Como não pode? Esse cara te persegue. Porra, Ellena,


ele mandou alguém para te sequestrar. Eu te encontrei dopada e
amarrada. Você tem todo o direito de denunciá-lo — afirmei,
indignado.

— Por favor, acredita em mim. É complicado. Já te expliquei


isso. Só que você não tem noção do quanto.

Soltando-a, acabei me levantando de um rompante.

— Não, não tenho. Estou me colocando nessa merda por


você, Ellena. Eu mal te conheço, mas estou disposto a te proteger,
então acho que mereço saber o que está acontecendo. — Eu estava
um pouco alterado, o que era de se compreender. Ainda sentia os
nós dos meus dedos ardendo pelos socos que dei, e estava
disposto a dar mais alguns se fosse necessário. Poderia ter me
ferido gravemente, levado um tiro, uma facada... sei lá. Mesmo
assim lá estava eu com aquela linda bomba relógio deitada na cama
do meu hotel.

Só que eu não deveria falar com ela daquela forma, porque a


garota já estava mais do que assustada. Quando se sobressaltou,
respirei fundo, arrependido, e voltei para o meu lugar de antes,
levando a mão ao seu rosto.

— Faça como preferir. Vou confiar em você. Mas você confia


em mim?

Ela olhou fundo nos meus olhos, parecendo tentar lê-los.


Ficamos em silêncio, como se nos comunicássemos por meio de
nossos olhares, mas ela suspirou de forma tão doce que minha
vontade foi novamente abraçá-la, apertando-a contra o meu peito e
aninhando-a como se meus braços fossem um porto seguro.

— Confio. É um pouco estranho dizer isso, mas você me


inspira confiança, Danilo.

Então a partir daquele momento, eu teria que honrar esse


sentimento.

E que Deus me ajudasse.


CAPÍTULO OITO

“Só o amor pode machucar assim


Mas é a dor mais doce
Queimando em minhas veias
O amor é uma tortura, me deixa mais certa
De que só o amor pode machucar assim”
ONLY LOVE CAN HURT LIKE THIS – PALOMA FAITH

Era estranho dividir um quarto de hotel com alguém que eu


mal conhecia. Especialmente levando em consideração que se
tratava de um homem atraente, e eu não era exatamente uma perita
no assunto socialização.

O primeiro dia foi um pouco mais difícil, não apenas porque


ainda estava muito constrangida com a presença de Danilo, mas
também me sentia assustada pelo que tinha acontecido. Processar
a ideia de que eu teria sido levada contra a minha vontade, ter
minhas merecidas férias interrompidas, me deixava contrariada ao
ponto de desejar tentar algumas rebeldias.
A verdade era que tudo aquilo não deveria me apavorar, já
que desde que nasci eu já conhecia meu destino. No momento em
que cheguei ao mundo, que dei meu primeiro choro, fui prometida
em casamento a Henry. Dez anos mais velho do que eu, ele
também não teve escolha, por isso jurei, quando seus pais
morreram, que ele iria desfazer o acordo, mas não foi o que
aconteceu. Eu já tinha dezesseis anos na época, e a forma como
me olhou quando nos encontramos me deixou incomodada. Este foi
o dia em que ele e meu pai apertaram as mãos e prometeram
honrar o compromisso.

Eu não tive participação nenhuma no acordo.

Com o passar do tempo, comecei a me sentir mais e mais


desconfortável na presença do meu futuro marido. Os poucos
encontros que tínhamos — cuja intenção era estreitar nossos laços
— só serviam para me fazer temê-lo. Era um homem bonito até. O
problema não era esse. Só que eu podia sentir algum tipo de
maldade emanando ao seu redor.

Claro que não era bonito como Danilo...

E claro que eu não deveria estar pensando numa coisa


dessas enquanto observava meu colega de quarto e protetor,
enquanto ele trabalhava em seu laptop, na escrivaninha da
acomodação, e eu lia na poltrona ao lado.

Muito menos deveria ter me deixado ser pega no flagra.

Ele tinha voltado há poucas horas da casa de tio Alfred, com


uma mala com minhas coisas, porque não me permitira ir junto,
temendo que estivessem de olho — o que eu não duvidava. Àquela
hora, certamente, Henry já sabia que eu estava acompanhada por
um homem. Não duvidava que fosse contar ao meu pai, e era só
uma questão de tempo até que entrasse em contato ordenando que
eu voltasse para casa.

Casa...

Será que alguma vez eu senti aquele ambiente como meu


lar?

Será que algum dia eu realmente pertenceria a algum lugar?

Sempre que tentava observar meu futuro, a resposta para


aquela pergunta era: não. E isso me entristecia.

— Tudo bem aí? — Danilo perguntou, sempre atencioso.

Provavelmente eu me incomodava mais por estar ao lado


dele porque me sentia atrapalhando-o, invadindo sua privacidade.
Um estorvo. Sentia como se estivesse me mantendo ali só por uma
questão de responsabilidade que sequer lhe pertencia, mas que
assumira.

— Tudo. Só estava pensando... não seria melhor você


reservar outro quarto para mim? Pode ser o mais simples. Sei que o
hotel é caro, mas meu tio pode te ressarcir depois.

Danilo se remexeu na cadeira, cruzando os braços contra o


peito, observando-me como se analisasse a proposta.

— É o que você quer? — indagou com sua voz grave,


parecendo sério demais.
— Seria o correto. Não quero continuar te atrapalhando.
Você tem suas coisas para fazer.

— Você não atrapalha. Gosto de companhia. Além do mais...


tenho medo de pensar até onde aqueles caras podem ir. Prefiro que,
até o seu tio voltar, fique o mais próxima possível. Para... bem... que
eu possa cuidar de você. — Naquele momento o constrangimento
pareceu dele, como se precisasse se explicar demais.

— Não é sua obrigação, você sabe...

Lá estava o sorriso de canto que deixava minhas pernas


bambas.

— Não sou um cara que costuma fazer coisas por obrigação.

Sorri também.

— Não. Você salva donzelas em perigo por esporte.

Deu de ombros.

— O que posso fazer? Nasci com um coração de herói.

Rimos juntos, e a sensação foi boa. Ela preencheu meu peito


de uma forma nova, o que imediatamente me deixou séria. Não
podia me permitir afundar em um sentimento que não poderia ter
futuro. Eu desconhecia muito do amor, em todas as suas formas.
Nunca o tive do meu pai, minha mãe morreu quando eu ainda era
muito pequena, não pude conquistar amizades, nunca namorei...
Era uma presa fácil. Precisava ser forte.
— Sabe o que eu acho? — ele começou, levantando-se e
vindo em minha direção. Tirou o livro da minha mão e o colocou
sobre a mesa. Estendeu a dele em minha direção, convidando-me a
pegá-la. — Que deveríamos fazer alguma coisa para não ficarmos
presos neste quarto de hotel.

— Você acha?

Ele fez um gesto insistente com a mão, incitando-me a


aceitá-la, o que eu fiz, levantando-me também.

— Tem uma piscina no terraço deste hotel. Peguei um maiô


nas suas gavetas, imaginando que poderíamos encontrar uma
forma de nos divertirmos um pouco. O que acha?

Ergui uma sobrancelha, ponderando.

Uma piscina. Eu e Danilo. Os dois com muito pouca roupa,


molhados... A visão era deliciosa e preocupante ao mesmo tempo.

Se eu queria? Muito.

Se era certo? Nem tanto.

Ainda assim, me vi assentindo, ansiosa por viver um pouco,


divertir-me ao lado de um cara bonito, como a garota normal que eu
queria ser durante aquele ano.

Nós nos trocamos, um de cada vez, e subimos para a


cobertura do hotel, à qual apenas o hóspede da suíte presidencial
tinha acesso. Havia uma piscina, algumas espreguiçadeiras, uma
ornamentação bonita de plantas, e a vista de Dublin era incrível.
Danilo tirou a camisa primeiro, ficando apenas de short, e eu
queria muito ter a força de vontade necessária para desviar os olhos
e não ficar observando-o como uma tarada, mas era impossível. O
cara era esculpido.

Forte e com músculos, sim, mas nada exagerado. Gominhos


no abdômen, ombros bastante largos, todo torneado. Aquela cor
dourada que me remetia ao país tropical de onde vinha. Isso
combinado com os cabelos loiros...

Deus, era muito difícil me manter indiferente.

Ele pulou na água e, ainda bem por isso, porque eu


provavelmente parecia uma adolescente boba contemplando-o em
toda a sua beleza; como a mulher completamente inexperiente que
eu era.

Danilo emergiu, balançando a cabeça para arrumar os


cabelos e depois ajeitando-os com as mãos.

— Você não vem?

Assenti, sentindo meu corpo inteiro queimar de pura


vergonha.

Desamarrei o laço da saída de praia, deixando a peça


escorregar bem devagar pelo meu corpo. Quando estava apenas de
maiô, peguei Danilo me observando, e podia jurar que a expressão
em seus olhos não era muito diferente daquela que eu mesmo tive
minutos atrás nos meus.

Desejo...
Luxúria...

Fome...

Eu deveria sentir medo. Deveria nutrir algum tipo de


insegurança de me aproximar dele daquele jeito, quase nua,
percebendo que era admirada daquela forma, mas não conseguia
me sentir amedrontada em relação a ele.

Por isso desci as escadas da piscina bem devagar, tomando


cuidado, e senti a água morna tocar meu corpo, conforme ia
caminhando para a parte mais funda. Ela chegava aos meus seios,
mais ou menos, e eu agradeci por estar coberta.

Eu sabia que tinha um corpo bonito. Era fã de esportes e


praticava tênis com meu pai ao menos uma vez na semana.
Também nadava e corria — dentro de nossa propriedade mesmo —,
porque a serotonina sempre me fez bem. Tinha pernas fortes,
barriga lisa, seios firmes, mas minha compleição natural era um
pouco magra, mais reta, sem muitas curvas. Sendo brasileiro,
imaginava que Danilo deveria estar acostumado a ver aquelas
mulheres lindas, esculturais, com corpos bronzeados,
especialmente vindo do Rio de Janeiro.

Isso me incomodava, de alguma forma.

Ainda assim, ele parecia gostar do que via.

Mergulhei de cabeça, molhando meus cabelos e jogando-os


para trás. Quando novamente coloquei a cabeça para fora, Danilo
estava de frente para mim, com os braços apoiados na borda da
piscina, e foi quando me dei conta de que ele tinha uma tatuagem
ao lado de uma marca de nascença em formato hexagonal. Eu
deveria tê-las percebido quando o vi sem camisa pela primeira vez,
mas não prestei atenção, talvez pelo constrangimento.

A tattoo tratava-se de flor muito bonita, sem o caule, e havia


um nome logo abaixo. A água tremulando não me permitia que eu
lesse com perfeição, especialmente porque a letra era cursiva.

Danilo, aparentemente, percebeu que eu estava tentando ler,


porque sanou a minha dúvida.

— Anya. É o nome na tatuagem.

Ergui meus olhos para os dele.

— Desculpa, eu não queria bisbilhotar.

Mas quem diabos era Anya? Uma namorada? Esposa?


Nunca chegamos nesses extremos, mas eu odiaria saber que ele
me olhava daquele jeito, que quase me beijara em uma boate, tendo
uma mulher esperando-o em seu país.

— Não, não tem problema. Aqui está um dos meus


arrependimentos. — Ele baixou a cabeça para olhar para o
desenho. Fiquei quieta, esperando que desse mais explicações. —
Minha irmã engravidou há alguns anos. Era uma menininha. Este
seria seu nome. Fiz a tatuagem para homenagear minha primeira
sobrinha. No dia em que me preparei para mostrar a ela, Débora a
perdeu.

— Sinto muito — falei com sinceridade. — Mas por que o


arrependimento?
— Não consigo mais tirar a camisa na frente da minha irmã,
com medo de que isso seja um constante lembrete do que ela
perdeu. Quando olho no espelho e a vejo, sinto como se meu peito
estivesse sendo dilacerado. Ao mesmo tempo não tenho coragem
de cobri-la. Seria como apagar Anya da minha vida, por mais que
ela não tenha feito parte efetivamente.

— Claro que fez. Ela existiu no coração de vocês. Não


merece ser esquecida.

— Não. — Danilo olhou nos meus olhos novamente, sério, e


seu olhar estava cheio de uma dor que era quase palpável. Mas
logo sorriu. Não um sorriso contagiante, mas algo mais nostálgico.
— Mas, ainda assim, a única tatuagem que tenho não me faz feliz.

— Entendo. E sinto muito. — Desesperada para mudar de


assunto e tirar aquela melancolia dos lindos olhos de Danilo,
prossegui: — Você parece ter uma ligação bem forte com sua
família.

— Ah, tenho. Mas não poderia ser diferente. Minha mãe é


muito apegada a nós. Cobra visitas, ligações.

— Isso é amor — comentei, maravilhada.

Eu não conhecia aquele tipo de amor e o invejava.

— Sim. Não posso reclamar. — Ele fez uma pausa. — E


você? Como é a sua família?

Ah, Danilo, se você soubesse...


O que eu poderia responder sem revelar demais sobre quem
eu era? Sobre como era a minha vida?

Não que ele não pudesse saber, mas não me sentia à


vontade para falar. Não queria que nada mudasse entre nós, e a
minha posição era o tipo de coisa que fazia as pessoas me tratarem
diferente.

Ou acharem que eu era completamente louca. Ao menos eu


tinha como provar, mas não estava nem um pouco a fim.

— Não somos tão próximos. Minha mãe morreu quando eu


era muito pequena. Meu pai... Bem... ele trabalha muito. — Era uma
forma de encarar as coisas, não? Não era um trabalho de terno,
gravata e em um escritório, mas meu pai tinha seus afazeres.
Muitos, aliás. Toda a sua vida era dedicada ao que fazia.

— Mas, aparentemente, seu tio é um cara legal — ele falou


como se fosse uma compensação.

Não consegui não sorrir ao pensar em tio Alfred.

— Meu tio é. Não tivemos muita chance de convivência, mas


ele sempre foi muito querido comigo.

Ficamos em silêncio por alguns instantes, mas Danilo logo o


quebrou.

— O que você faz lá no seu país?

Novamente uma pergunta para a qual eu teria que dar uma


resposta econômica.
— Eu cuido de uma instituição de caridade. — Bem, esta não
era a única coisa que eu fazia, mas era a mais relevante. Não
estudava mais, não trabalhava, apenas passava os dias esperando
o momento em que minha vida iria mudar por completo; quando me
tornaria uma esposa.

— Hum, isso é bom. E o que vocês fazem?

— Não há muito pobreza no meu país, mas nós acolhemos


alguns refugiados. Crianças e mulheres, principalmente. Damos
abrigo, comida, até que elas tenham condição de encontrar um
emprego.

— Isso é incrível.

Meu sorriso se alargou.

— Sim, é o meu maior motivo de orgulho. Foi um pouco


custoso convencer meu pai de que eu poderia dar conta, mas tive
muita ajuda. Há pessoas muito generosas de onde venho. Temos
uma rede de voluntários bem ampla. Eles estão cuidando de tudo
durante as minhas férias.

Danilo sorria, parecendo bastante impressionado.

— Deve sentir orgulho, sem dúvidas. Isso faz com que eu me


sinta bem inútil — comentou, enquanto começava a mexer as
pernas por baixo da água. — Faço doações todos os meses para
ONGs, mas o seu trabalho, colocando a mão na massa, é muito
mais significativo.
— Todo tipo de ajuda é bem-vinda. Você parece que trabalha
bastante, não teria tempo de fazer o que eu faço. Infelizmente o
mundo é capitalista e não podemos fazer nada sem dinheiro. Eu não
poderia cuidar das pessoas que cuido se não fosse a contribuição
de nossos benfeitores.

— E o que posso fazer para ajudar sua instituição também?

Novamente meu sorriso se estendeu.

— Você é o herói da diretora da ONG. Não precisa fazer


mais nada.

— Mas adoraria ajudar.

— Podemos pensar nisso.

— Podemos.

Ficamos mais algum tempo na piscina, aproveitando o sol,


até este se pôr. Mesmo depois de o céu começar a ser preenchido
pelo crepúsculo, permanecemos ali, descobrindo mais sobre nós
mesmos.

Contei a Danilo o que podia contar — que não era muito —,


mas ele felizmente compreendeu minhas hesitações e falou
bastante. Falou-me sobre seu trabalho, sua agência de viagens —
que eu achei sensacional —, mas seu foco sempre era sua família.

Rimos bastante com suas histórias de infância, as vergonhas


que a mãe carinhosa deles os fazia passar, e falou pouco do pai
falecido. Imaginei que deveria ser doloroso
Quando escureceu, decidimos sair da água, porque
estávamos com fome.

Danilo saiu primeiro, impulsionando seu corpo na borda com


facilidade e me dando uma ampla visão de suas costas musculosas
e molhadas, fazendo-me respirar fundo.

Fui me encaminhando para a parte mais rasa, para usar a


escada, mas conforme meu corpo foi emergindo e ficando fora da
água aquecida, comecei a estremecer e me encolher.

— Ellena. Vem por aqui... — Com uma toalha pendurada no


ombro, Danilo apontou a parte da margem por onde ele saiu.

— Aí é fundo demais para eu conseguir me impulsionar


como você fez.

Com um gesto, ele insistiu, e eu acabei obedecendo.

Danilo estendeu as duas mãos para mim, secando-as com a


toalha, assim como já tinha feito com as dele. Pegou-as em seguida,
puxando-me para fora da água em um movimento rápido. Para me
firmar melhor, enlaçou minha cintura, colocando-me de pé. Assim
que ficamos frente a frente, ele colocou a toalha ao meu redor,
protegendo-me do frio, o que fez todo sentido.

Como era possível que fosse tão cuidadoso e atencioso com


uma garota que mal conhecia?

— Melhor? — perguntou com uma voz suave, e eu apenas


assenti, sem a menor condição de falar qualquer coisa.
Com toda a gentileza, ele começou a me secar. Não era
apenas uma forma de afastar o frio. Era uma carícia. Não eram
apenas suas mãos que me acariciavam. Eram também seus olhos.

— Nunca vou me cansar de dizer isso, mas você é linda.

Nunca... era muito tempo. Muito tempo.

Tínhamos apenas mais alguns dias juntos, já que ele iria


voltar ao Brasil, e nós nunca mais nos veríamos. Eu não poderia
sequer manter contato.

E era nisso que eu precisava focar. Não poderia haver


sentimentos entre mim e Danilo.

Isso me fez abaixar a cabeça, sentindo-me muito triste.

— Ei! — Ele colocou a mão sob meu queixo, erguendo-o. —


Eu te elogio e você fica assim?

Suspirando, olhei nos olhos dele, esperando soar o mais


sincera possível:

— Eu não posso me apaixonar por você, Danilo.

Foi tudo o que consegui dizer. Provavelmente era a frase


mais tola que eu poderia deixar escapar, mas era a verdade.

Com isso, afastei-me dele, saindo do terraço e pegando a


saída para voltar à suíte, sentindo meu coração pesar toneladas no
peito.
CAPÍTULO NOVE

“Me diga algo que eu preciso saber


Depois tire meu fôlego e nunca deixe ir
Se você me deixar invadir seu espaço
Eu ficarei com o prazer, junto com a dor”
LOVE ME HARDER – ARIANA GRANDE

Eu não posso me apaixonar por você, Danilo.

Foi o que ela disse.

E eu deveria ficar feliz com isso, não? Quem disse que eu


queria que alguém se apaixonasse por mim? Especialmente não
uma garota que não conhecia, que tinha um baita problema nas
costas e que morava em outro continente.

Ou melhor... eu nem sabia direito onde morava. Não era na


Irlanda, como ela mesma afirmou, mas não me dissera exatamente
o país.
O que eu sabia sobre ela, aliás? Apenas o que conseguia
ver. E o que via me agradava. Muito.

Ok, não era só o que eu via. Ela era adorável. Inocente.


Delicada. Doce. Seu sorriso tímido era a coisa mais sincera e linda
que vi em muito tempo.

Ela era a coisa mais linda que vi nos últimos anos.

Foco, Danilo... não é hora de pensar em nada disso. Não é a


mulher certa. Não pode ser.

Estava alisando o meu próprio cabelo, penteado espetado,


olhando para o espelho de corpo inteiro no canto do quarto e dando
uma checada na roupa por inteiro. Blazer preto, blusa branca gola V
e jeans.

Tinha uma boate no hotel, e eu convidei Ellena para ir


comigo. Aparentemente seu tio conhecera um cara onde estava e
adiara mais uma vez seu retorno por mais alguns dias. Só esperava
que já estivesse de volta quando eu tivesse que voltar para o Brasil.
Não queria deixá-la sozinha de forma alguma.

Isso também me fazia pensar em outra coisa. Todas as


vezes em que Ellena falava da família, como horas atrás, na piscina,
ela sempre me parecia muito melancólica, como se nunca tivesse
tido amor suficiente. Como se sempre tivesse sido deixada de lado
por todos. E não era isso também o que seu tio estava fazendo? Ela
parecia muito devotada a ele, mas provavelmente porque não tinha
com o quê comparar. Só que o cara ganhava sua primeira
oportunidade de ficar com a sobrinha, mas a trocava por um affair
qualquer?

Bem... mas quem era eu para me meter?

Aguardava Ellena sair da suíte, onde se arrumara. Ela não


estava atrasada. Combinamos de descer às dez e ainda faltavam
seis minutos.

Tentei pensar no que poderia ficar fazendo para lidar com a


ansiedade que estava em vê-la — esperando que ficasse tão
espetacular quanto no dia em que a conheci —, quando minha doce
irmã facilitou a minha vida, telefonando-me.

— Deixa eu adivinhar... nossa mãe mandou você ligar? —


indaguei, mas era quase uma afirmação, porque eu não duvidava
nem por um segundo.

— O que você acha? Ela tem me infernizado, e a culpa é


sua.

— Não, a culpa é sua que se deixa levar.

— Até parece, Danilo! Você sabe o quão persuasiva ela pode


ser! — Débora indignou-se.

— Qual foi a frase pronta que ela usou dessa vez? Que nos
carregou nove meses na barriga, cada um, e nós não damos valor?
Ou que se um dia sumir nós vamos sentir falta e aí sim vamos ligar
para procurá-la?

— As duas.
Uma risada escapou, porque eu sabia que o drama era o
esporte favorito da minha mãe. Ela poderia ser medalhista olímpica,
se fosse uma modalidade aprovada.

— Mas sério, Dan, confesso que eu fiquei um pouco


preocupada também. Você desligou daquele jeito no outro dia e não
deu mais notícias...

— É que as coisas ficaram corridas.

— Imagino que sim.

Débora começou a falar mais alguma coisa, mas o som da


porta da suíte se abrindo roubou toda a minha atenção,
especialmente quando eu olhei para ela.

PUTA QUE PARIU!

Não havia palavras que descrevessem a reação do meu


corpo, a forma como minha cabeça girou e o desejo desesperado
que senti de me aproximar e me esquecer de toda a ladainha à qual
tentei me convencer momentos antes sobre não me envolver.

A linda sereia de olhos dourados usava vermelho, em um


tom mais escuro que seus cabelos — bordô, talvez —, e a roupa
descia até seus joelhos, com uma fenda alta, até o meio das coxas.
Sua silhueta delicada estava toda marcada pelo tecido grosso, que
deixava a cintura minúscula. O decote era daquele tipo que ia de um
ombro ao outro, formando um coração no vão dos seios, e tudo o
que eu queria era beijar seu colo inteiro, de todas as formas
possíveis.
Os cabelos estavam alisados — provavelmente pelo secador
que havia no banheiro e do qual eu ouvi o barulho —, e a
maquiagem estava mais pesada nos olhos, destacando-os.

Perfeição.

Era só isso que a definia.

— Estou atrasada? — ela perguntou, sem olhar para mim,


ainda ajeitando os brincos, mas quando ergueu os olhos e me viu
com o telefone na mão, pareceu envergonhada. — Desculpa.

— Danilo! Tem uma garota aí com você! — Débora falou do


outro lado do telefone. Merda! — É por causa dela que você anda
tão sumido? Ah, pelo amor de Deus! Fala que não é só uma transa
casual e você está passando um tempo de qualidade com alguém.

Porra! Ia ser um inferno...

Ainda bem que Ellena não entenderia a conversa em


português.

— É uma amiga, Deb.

— Amiga? Você não é exatamente um cara de manter


amigas mulheres sem interesses, Danilo! E mais... você fez uma
amizade assim tão rápido no meio da Irlanda?

Respirei fundo, fazendo um sinal para que Ellena esperasse


um pouco.

— Dessa vez é só isso, maninha. Uma garota que precisou


da minha ajuda.
— Como assim? Ajuda? Pô, Dan! Você não pode começar
uma história assim e não me contar tudo.

— Posso contar, mas agora estou de saída. Vamos à boate


aqui do hotel e...

— E ainda diz que a garota é só sua amiga? Fala sério.


Olha, eu acho bom você me ligar amanhã para me contar tudo ou
eu vou falar pra mamãe que você arrumou uma namorada na
Irlanda! — Queria não rir de suas ameaças, mas era impossível.

— Chantagista!

— Você fazia a mesma coisa comigo. Não se faça de sonso.


Vá sair com a sua amiga. Amanhã nos falamos.

E desligou. Só isso.

Ótimo, agora teria que contar a história toda para ela, e


minha irmã iria surtar achando que eu era louco por levar uma
desconhecida que quase foi sequestrada — e eu ainda nem sabia
direito por quem — para o meu quarto de hotel.

Provavelmente era melhor resumir a história e contar uma


versão menos mirabolante.

Mas talvez eu fosse mesmo um pouco louco.

Só que me esquecia de tudo isso ao olhar para Ellena.

— Desculpa, era a minha irmã. — Ela sorriu, assentindo. —


Você está... Uau...
Ela deu uma voltinha ao redor de si mesma, parecendo um
pouco mais solta. Eu sabia que isso não ia durar e que estava
animada com a perspectiva de sair um pouco daquele quarto. Podia
dizer o mesmo sobre mim.

— Você está muito bonito também.

Imitei-a, de forma brincalhona, girando nos meus próprios


calcanhares, fazendo-a rir. Então estendi o braço, para que Ellena
entrelaçasse o dela, e nós descemos.

O local não estava muito cheio, o que me agradou. Muito


mais do que se fôssemos a uma boate fora do hotel, especialmente
porque poderíamos ser vigiados pelos tais capangas.
Provavelmente nenhum deles estava muito satisfeito comigo, depois
do que fiz.

Não que eu estivesse muito satisfeito com eles, no caso.

Encontramos uma mesa, pedimos dois drinques e


começamos a ouvir a música. Ellena se movimentava, olhando para
a pista de dança com um sorriso, como se fosse fascinada por
aquele tipo de coisa. Eu me lembrava muito bem da forma como a vi
dançar, como se não houvesse amanhã, o que me fazia crer que
não tinha muitas oportunidades para se divertir.

Cada vez que eu chegava a uma conclusão como essa a


respeito daquela garota, mais eu me perguntava quais eram seus
segredos, como era a sua vida, quem ela era.

Uma garçonete veio nos servir, e eu a vi olhando para Ellena


com o cenho franzido, como se quisesse enxergá-la em meio às
luzes coloridas e estroboscópicas, até que perguntou:

— Eu te conheço de algum lugar... — falou por sobre a


música, que pulsava nos nossos ouvidos e imitava o ritmo de dentro
do meu peito.

Prestei atenção, porque certamente aquilo me interessava.


Ainda mais quando Ellena mostrou-se um pouco incomodada.

— Ah, não... você deve estar confundindo. Eu nem sou


daqui.

— Mas você é famosa, não é? Atriz, talvez.

Ellena levou uma mecha de cabelo para trás da orelha,


visivelmente incomodada. Não consegui não observar e analisar
cada um de seus movimentos, tentando compreender.

— Não. Você deve estar mesmo me confundindo.

A moça assentiu, balançando a cabeça, anotando nossos


pedidos e saindo.

Fiquei olhando para Ellena, percebendo que ela estava


completamente rígida. Não dançava mais com a música, apenas
mantinha-se olhando para o nada, como se refletisse sobre algo.

Seria ela mesmo famosa? Conhecida, ao menos?

Eu não sabia seu sobrenome, aliás, não poderia sequer


pesquisar na internet para descobrir exatamente quem era a mulher
que me fazia companhia e que começava a invadir meus
pensamentos bem devagarzinho.
Nossas bebidas chegaram, trazidas pela mesma garçonete,
que novamente olhou para Ellena com atenção, tentando encontrar
respostas.

Isso mais uma vez deixou Ellena acuada, e eu comecei a


ficar chateado com a inconveniência. Tínhamos ido até ali para que
ela se divertisse, porque eu tinha a impressão de que aquela mulher
não costumava fazer isso com frequência. Não queria que uma
pessoa sem noção a deixasse constrangida.

— Quer dançar? — perguntei, cortando o silêncio que se


formou entre nós.

Ela olhou para mim, parecendo surpresa pelo convite, mas


assentiu.

Levantei-me, estendendo a mão para ela, e Ellena a aceitou,


permitindo que eu a conduzisse até a pista de dança.

Começamos tímidos, afastados, nos mexendo sem muito


entusiasmo, mas eu estava ali para animar aquela garota, não
estava?

Sendo assim, peguei sua mão e comecei a conduzi-la,


fazendo-a girar em torno de si mesma, puxando-a para mim no
passo de dança, colando-a ao meu peito. A sensação de tê-la tão
perto era boa. Mais do que boa.

Seu cheiro me invadiu, deixando-me zonzo. Era algo doce,


mas marcante, como... pêssegos frescos. Como amanhecer. Como
algo que valeria a pena experimentar. Sem pensar no que fazia,
inclinei-me e afastei seus lindos cabelos do ombro, depositando um
beijo na pele macia e delicada.

Senti Ellena estremecer, o que encarei como um alerta.

— Desculpa, eu... — falei em seu ouvido.

Sem me deixar terminar de falar, ela girou nos meus braços,


ficando de frente para mim, lançando-me um daqueles seus olhares
cheios de inocência que me desmontavam.

— Tudo bem — ela não falou tão alto para que eu pudesse
ouvir por cima da música, mas meus olhos estavam tão fixos nos
seus lábios que consegui lê-los perfeitamente.

Mas o que estava tudo bem? Eu continuar beijando-a? Ou eu


tê-la beijado, mas preferia que parasse?

Hesitante, ela colocou os braços ao redor dos meus ombros,


começando a dançar contra mim. Toda sensual, embora ainda
comedida. Sem forçar nada. Sem mascarar seu jeitinho adorável.

Talvez fosse isso o que me fascinava tanto em Ellena. Ela


era doce, mas não porque achava que era uma artimanha para
seduzir ou conquistar. Conhecia mulheres que forçavam uma barra,
mas não era o caso dela. A garota era natural, não fingia uma
experiência que não tinha, corava quando elogiada, estremecia com
o mais simples beijo no ombro e se constrangia até para tocar
inocentemente um homem.

Uma mulher rara, aparentemente. No meio de tantas


pessoas vazias e interesseiras — especialmente levando em
consideração a minha posição —, lá estava uma alma pura.

Ao menos era o que eu pensava. Poderia estar


completamente enganado, mas valeria a tentativa.

Senti o corpo pequeno de Ellena se esfregar no meu, e eu


poderia jurar que ela não tinha muita consciência do que fazia, muito
menos da resposta imediata de uma parte bem peculiar de mim.

— Querida, se continuar dançando assim, eu não sei se vou


conseguir me controlar. — Olhos inconscientemente sedutores
fixaram-se nos meus, e lábios rubros se abriram, deixando escapar
uma respiração pesada.

— Foi assim que nos conhecemos — ela novamente falou


baixo, e eu precisei ler seus murmúrios.

— Sim, sereia. Foi assim — falei um pouco mais alto, para


ela ouvir, enquanto levava uma das minhas mãos ao seu rosto,
afastando uma mecha de cabelo, deixando a outra firme em sua
cintura, sentindo-a dançar cada vez mais devagar, quase até parar.

Deslizei a mão que a acariciava ao seu queixo, erguendo-o e


fui me aproximando bem lentamente, dando tempo para que Ellena
me desse as diretrizes. Se não se manifestasse, eu iria adiante. Se
negasse, nada aconteceria.

Quando nossos lábios se tocaram, ela os abriu para mim


quase que imediatamente, e eu não perdi mais tempo. A mão em
suas costas tornou-se um braço firme, que a puxou com ímpeto,
colando-a a mim, quase como se pudesse fundir-nos em um só. A
outra formou uma concha para segurar seu rosto delicadamente,
enquanto minha língua a invadia, tocando a dela, que veio hesitante,
como se não tivesse experiência sequer em um beijo.

Fosse como fosse, ela acompanhou meus movimentos,


principalmente porque eu comecei devagar, decidido a não a
assustar com a quantidade de desejo que se avolumava e que
explodiu ainda mais no momento em que senti seu gosto.

Minha sereia misteriosa suspirou quando foi segurada com


ainda mais força, em um movimento involuntário do meu braço, que
não parecia obedecer às minhas ideias de ir com calma. Meu corpo
inteiro não obedecia, porque eu só queria mais e mais dela, apesar
de tudo.

Decidi encerrar o contato mais rápido do que teria feito em


qualquer outra situação — e levando em consideração o quanto eu
estava apreciando beijá-la —, porque queria olhar em seus olhos e
ler em sua expressão como estava se sentindo.

Mas não esperava, de forma alguma, descobrir o que ela


resolveu me contar.

— Foi meu primeiro beijo... — Saiu em tom de confissão, e


eu tentei controlar a minha expressão de choque, mas foi bem difícil.

Aquela mulher deslumbrante, de vinte e dois anos, nunca


fora beijada?

— Qual o problema dos homens do seu país?

Sorrindo, constrangida, ela deu de ombros.


Não que eu precisasse pensar nisso, mas foi inevitável a
certeza de que ela era virgem também.

Sim. A linda Ellena — sem sobrenome — era rara. Uma


pedrinha preciosa que eu tive a sorte de encontrar perdida no
mundo, a quilômetros de distância de mim.

— Então me deixa fazer melhor no segundo.

Sem esperar permissão daquela vez, segurei os dois lados


do rosto de Ellena, mergulhando mais uma vez em seus lábios,
esperando que ainda tivéssemos tempo para eu ser o dono de seu
terceiro, quarto, quinto e muitos outros beijos.
CAPÍTULO DEZ

“Veja, eu quero ficar a noite toda


Eu quero dormir com você até o sol nascer
Eu quero deixar você entrar
Oh, o céu sabe que eu tentei
Eu queria poder deixar você me amar”
LET YOU LOVE ME – RITA ORA

Eram quase quatro da manhã quando pegamos o elevador


para subir à suíte de Danilo. Eu, com as sandálias nas mãos,
sentindo os pés formigarem e doerem de tanto dançar, pensava no
quanto de coisas novas tinham acontecido apenas naquele dia.
Consegui passar horas e horas me divertindo, dançando sem
pensar no amanhã e sendo beijada pelo cara mais gato e gentil que
conheci.

E os beijos...

Para uma garota que nunca tinha sido beijada, eu poderia


dizer que o avanço foi enorme, porque perdi as contas de quantas
vezes Danilo enfiou aquela língua maravilhosa na minha boca.

Claro que eu conhecia a mecânica da coisa. Estava


acostumada a ler, ver filmes e... bem... internet estava aí para isso,
mas sentir era completamente diferente. O corpo respondia ao
estímulo de uma forma tão intensa que tive dificuldade em me
controlar.

Mas no momento em que cruzamos a porta do quarto, e eu


fui literalmente jogada contra ela, no escuro, depois de ser fechada,
jurei que aquela noite ainda não tinha parado de me surpreender.

Até então os beijos de Danilo haviam sido comedidos, lentos,


sensuais, mas aquele tinha um gosto diferente. Como se ele não
conseguisse mais se controlar. Como se algo tivesse mudado
naquelas últimas horas que passamos juntos.

E eu gostava. Muito.

Suas mãos grandes apertavam minha cintura com força,


subindo pelas minhas costas, passeando pelo meu corpo, mas de
uma forma tão respeitosa que me comoveu. Ao ponto de eu agarrar
seu punho forte e levar sua mão à minha coxa.

Danilo arfou contra a minha boca, mas me mantive


segurando sua mão, fazendo-a deslizar para dentro do meu vestido.
Eu sabia que era uma ousadia completa, mas... Deus! Quando eu
iria experimentar aquela sensação de novo? Quando me casasse
com um homem por quem não sentia absolutamente nada? Porque
eu duvidava muito que Henry fosse me pegar alguma vez daquele
jeito, com tanto cuidado e paixão ao mesmo tempo. Eu seria apenas
um objeto de enfeite ao seu lado e uma fonte de satisfação em sua
cama, quando outras amantes não estivessem disponíveis. Ele me
usaria e certamente não se importaria com o meu prazer.

Danilo poderia ser minha única chance de experimentar algo


único. Mesmo que eu pagasse o preço depois.

— Sereia... não sei se é uma boa ideia. Não faz isso comigo.
Quero ir com calma com você, mas eu não sou de ferro... — ele
sussurrou, enquanto deslizava os lábios pelo meu pescoço, fazendo
minha pele inteira arrepiar.

— Só continua — falei quase sem forças, mas ficando mais


ofegante quando sua mão grande chegou à minha bunda,
apertando-a com gana.

Danilo voltou à minha boca, parecendo deleitar-se com ela,


cheio de avidez e sem a delicadeza de antes, tanto que, com ambas
as mãos nas minhas coxas, tirou-me do chão, fazendo-me
entrelaçar as pernas em sua cintura, mantendo-me encostada na
parede.

Uau.

Sim... Eu... Meu Deus...

Uau.

Era tudo o que meu cérebro completamente zonzo


conseguia processar.

Aquilo era a coisa mais sexy que eu já tinha feito na vida.


Não que tivesse muitas coisas para comparar, mas... Deus...
tudo no que eu conseguia pensar era que algum resquício de sorte
me colocara no caminho de um homem que sabia muito bem o que
fazia.

E por mais inocente que eu fosse, sabia muito bem que toda
mulher merecia um homem como Danilo em sua vida, para beijos
inesquecíveis e provavelmente muitas outras coisas que eu ainda
não sabia se teria coragem de fazer até dizermos adeus.

Adeus... Seria doloroso.

Agarrada ao pescoço de Danilo, correspondi ao beijo


pensando exatamente isso — eu precisava aproveitar cada minuto
com ele, cada beijo. Cada toque. Eram preciosos, e seriam essas
lembranças que iriam me sustentar quando as coisas se tornassem
insuportáveis. Quando eu precisasse fingir que era apaixonada por
um homem que não me despertava nada além de asco.

Eu sabia que teria mais alguns meses — quase um ano —


para conhecer outros rapazes, para testar beijos e carícias como
aquela, mas de alguma forma também sabia que Danilo sempre
seria especial. Havia algo em relação a uma garota e seu primeiro
beijo, não havia? Ainda mais quando este era concedido por um
homem e não um menino.

Uma das mãos de Danilo tateou a parede em busca do


interruptor, acendendo a luz do quarto, e ele me segurou com mais
força, começando a me carregar até me deitar na cama, colocando-
se por cima de mim.
— Não vai acontecer nada que você não queira, ok? Só
vamos ficar mais confortáveis — ele falou, e a consideração que
tinha para com minhas vontades, com meu consentimento, me
deixava com ainda mais vontade de permitir absolutamente tudo. O
que era perigoso.

Fiquei calada, e isso, aparentemente, fez com que Danilo


interpretasse as coisas erradamente, porque afastou-se, olhando-
me nos olhos, confuso.

— Podemos parar, se você quiser. Eu não quero que faça


nada que...

— Danilo — deixei escapar seu nome tão baixinho que mal


sabia se ele tinha escutado. Só que fiz uma pausa, sem saber
exatamente como prosseguir. Como fazer a ele o pedido que estava
preso na minha garganta. — Eu queria... — Respirei fundo. Por que
era tão difícil? — Eu nunca... nunca... tive um orgasmo.

Ele ergueu uma sobrancelha.

— Nem sozinha?

Balancei a cabeça, em negativa.

— Você quer? Quer que eu te mostre como é? — ele


novamente perguntou com tanta paciência, tanto carinho, que eu
cheguei a me emocionar.

— Sim. Você pode? — Era uma pergunta idiota, mas eu


poderia imaginar que havia homens que não se importavam com o
prazer da mulher, que queriam tudo para si e tinham preguiça de
fazê-las atingirem orgasmos. Não parecia ser o caso de Danilo, mas
também não queria que ele fizesse algo por obrigação.

Só que pelo sorriso que ele deu, pude jurar que gostou muito
da ideia.

— Vai ser um prazer.

Ao dizer isso, Danilo começou a deslizar a mão pela minha


coxa, quase desde a altura do joelho, agarrando a carne da parte de
dentro, fazendo-me ofegar em expectativa.

Prendendo um dedo na lateral da minha calcinha, ele


começou a tirá-la, bem aos poucos, e eu o ajudei. Assim que eu
estava despida por baixo do vestido, ele levou a mão à minha fenda,
o que o fez ampliar o sorriso ainda mais.

— Você está bem molhada, querida. — Sua voz soou tão


sensual que eu também arfei, fechando os olhos. Aquele era o
momento mais íntimo da minha vida, e eu estava um pouco
constrangida. — Abra os olhos, Ellena. Olhe para mim — outro
pedido suave.

Obedeci, mesmo que fosse um pouco difícil para mim.


Quando ele introduziu um de seus dedos, então, minha vontade foi
me esconder, porque nunca ninguém me tocara daquela forma.
Nem eu mesma nunca cheguei tão longe. E era tão inesperado,
impulsivo...

Ainda assim, maravilhoso.


Danilo foi delicado, explorando-me aos poucos, mas quando
chegou em um ponto bem fundo, eu soltei um gemido alto, que me
obrigou a levar ambas as mãos à boca, cobrindo-a e me calando.

Era errado ser tão escandalosa assim, não era? Não podia
ser certo.

— Não se cale. Quero que se solte comigo — ele


praticamente respondeu à minha pergunta.

Mas eu queria me controlar. Obviamente era minha primeira


lição sobre sexo, e eu queria aproveitar o momento ao máximo, mas
também não conseguiria me tornar uma devassa de um dia para o
outro.

Tanto que quando ele novamente investiu, eu repeti o gesto,


o que o fez franzir o cenho.

— Erga os braços acima da cabeça, mocinha — ele falou em


tom de comando, mas com certa diversão.

Hesitei, mas obedeci. Não esperava, mas ele uniu meus dois
punhos em uma de suas mãos grandes e os imobilizou.

— Não quero que se contenha. Nada de cobrir seus


gemidos, sereia. Aqui e comigo você pode ser apenas quem quiser
ser.

Ser quem eu quisesse?

Gostava disso.
Parecendo querer me provocar, Danilo usou dois dedos. E...
DEUS!

Era essa a sensação? E ele estava só me masturbando?


Como seria quando transássemos e...

Espera... no que eu estava pensando? Quando? Eu não


podia transar com Danilo. Não podia de forma alguma e...

AH, MEU DEUS! O QUE DIABOS ELE ESTAVA FAZENDO?

Fiquei perdida nos meus pensamentos por alguns instantes e


nem me dei conta de que ele já tinha me soltado e estava com a
cabeça entre minhas pernas, mantendo o dedo se movimentando
dentro de mim, enquanto uma língua quente e úmida lambia meu
clitóris.

Uma labareda de fogo percorreu dos meus pés à cabeça,


queimando exatamente o ponto que ele estimulava e tudo ao redor
do meu pescoço. Meus mamilos se enrijeceram e eu agarrei o
lençol, ainda com as mãos acima da minha cabeça, tentando me
conter.

Mas quando aquela mesma língua substituiu os dedos, eu


jurei que não iria suportar. Que meu corpo iria explodir a qualquer
momento, deixando-me em pedaços.

Imaginei que não poderia ficar melhor do que isso, mas ele
continuou me surpreendendo com movimentos diferentes, sugando,
chupando, lambendo, beijando, mordendo, combinando língua com
dedos, em um ritmo intenso. Tão intenso, que eu senti meu corpo
estremecer com força, enquanto algo muito singular acontecia
dentro de mim.

Tudo se revolvia, minha mente parecia vazia, mas meu corpo


preenchido. Eu ouvia gritos alucinados vindos de algum lugar, e
suspeitava que eram da minha própria boca, mas não podia ter
certeza, porque não conseguia pensar.

Até que a tal explosão, de fato, aconteceu. Não física,


porque eu me sentia mais inteira do que nunca. Mas a sensação foi
essa.

Minha respiração demorou a voltar ao normal, e por alguns


instantes jurei que nunca voltaria. Meu coração também. Acelerado
como nunca, parecia prestes a sair pela boca.

Jogada na cama, senti quando Danilo gentilmente arrumou


meu vestido, que nem percebi que ele ergueu. Deitou-se ao meu
lado, sem dizer nada. E nem conseguia dizer.

Ficamos assim por algum tempo, até que ele finalmente se


virou de lado, afastando meus cabelos do rosto, enquanto eu ainda
estava em transe.

— Quer que eu te deixe descansar, linda? — Novamente


aquela ternura tão deliciosa.

Eu queria dormir. Isso era um fato. Mas não queria dormir


sozinha, naquela cama enorme, como vinha acontecendo nas
últimas noites.
— Quero descansar, mas quero que durma aqui comigo. Só
dormir. Pode ser?

Danilo ficou me olhando por mais alguns instantes, ainda


acariciando o meu rosto.

— Tem certeza?

Assenti. Então eu me virei de lado, de costas para ele,


pegando seu braço e colocando-o ao redor da minha cintura, para
ficarmos de conchinha. Eu sabia que nenhum dos dois estava com
suas roupas de dormir, mas não importava. Não mudaria
absolutamente nada daquele momento.

A não ser meus pensamentos a respeito de futuro e de tudo


o que eu iria perder quando aquele conto de fadas terminasse.
CAPÍTULO ONZE

“Meus sentimentos estão ficando mais profundos


Minha mente está em queda livre
Mas não há nada que eu possa fazer
Quando se trata de você”
MY OASIS – SAM SMITH

A atmosfera entre mim e Ellena começou a ficar um pouco


diferente depois do beijo e do orgasmo que lhe dei — que me
deixou ainda mais cheio de tesão por ela.

Só que a garota era virgem, pelo amor de Deus. Eu fui seu


primeiro beijo! O quão surpreendente era isso? Como uma mulher
incrivelmente bonita como ela se manteve intocada por tanto
tempo? E não era só sua aparência. Era fácil gostar dela, com seu
jeitinho doce, sua pureza, a forma como via as coisas. Tudo parecia
novidade, quase mágico. Era como se ela tivesse vivido anos
confinada dentro de uma prisão e até o nascer do sol lhe parecesse
inédito.
E talvez fosse, porque... O que, afinal, eu sabia sobre ela?

Mas será que eu não sabia o suficiente? Será que toda a


verdade que via em seus olhos ou em seus sorrisos simples não era
uma prova de que não havia um único traço de maldade em seu
coração? Será que a forma como correspondia aos meus beijos,
entregando-se a cada um deles com tudo de si, não deveria me
dizer que eu tinha encontrado uma garota completamente peculiar,
muito diferente de todas as que já passaram pela minha vida?

Será que o fato de eu estar sentindo um peso tão grande no


coração, por saber que seu tio voltaria no dia seguinte, e ela iria
voltar a morar com ele, significava alguma coisa?

Eu ainda ficaria na Irlanda por mais alguns dias, e claro que


poderíamos nos encontrar, mas estávamos com o tempo contado.
Não era apenas uma paixão de verão que poderia avançar em uma
nova estação. Era um relacionamento que provavelmente não
sobreviveria à distância. A própria Ellena dera a entender que ela só
teria um ano de “férias” e depois iria retornar à sua vida de antes —
o que quer que isso queria dizer. Havia uma grande chance de nós
nunca mais nos vermos.

E isso me fazia ficar acordado naquela madrugada.

Já dormíamos na mesma cama há três dias, desde que


trocamos nosso primeiro beijo e que ela se entregou ao seu
orgasmo da forma mais encantadora possível, mas era a primeira
vez que Ellena se aninhava a mim, dormindo sobre o meu peito.
Olhava para ela com uma sensação estranha no peito. A sensação
de estar perdendo algo precioso.
Claro que era cedo para afirmar que tipo de sentimento
nutria por ela. Carinho, sem dúvidas. Gostava de sua companhia,
principalmente depois que começou a se soltar um pouco mais
comigo. Tesão — desesperado, aliás. Proteção. Ternura... Tudo
junto. A tristeza latente que via em seus olhos me acompanharia
para onde quer que eu fosse. Era como se eu sentisse que poderia
e deveria fazer algo para ajudá-la, embora nem soubesse direito
qual era o problema.

Mas havia um. E quando a minha linda sereia começou a se


remexer nos meus braços, visivelmente lutando contra um pesadelo,
eu rapidamente afastei meus pensamentos conflitantes e foquei
minha total atenção nela.

— Não, papai! Não! Eu não quero me casar... Não quero...

Casar?

— Ellena... querida... — chamei baixinho, temendo assustá-


la. Ela se mexia devagar, não muito afobada, mas podia dizer que,
pela forma como estremecia, estava com medo. Atormentada.
Acendi a luz para olhá-la melhor, então a toquei novamente: — É
um pesadelo. Acorde. Estou aqui.

Estava. Mas por pouco tempo. Quantos pesadelos ela teria


ainda, antes que aquele ano acabasse?

— Não, por favor! — choramingou, tentando se desvencilhar


dos meus braços. Eu deveria permitir, mas não conseguia. Sua
agonia era tanta que eu não tinha coragem de soltá-la. Queria
confortá-la.
— Ellena! — chamei com mais ênfase, e ela abriu os olhos
de súbito, arregalados, olhando para mim. — Calma, linda. Você
estava sonhando. Está tudo bem.

Eu a vi se acalmar um pouco, mas aos poucos aquela


melancolia retornou ao seu rosto bonito e tão meigo.

— Por enquanto. Em breve não vai estar.

Pesado. Era algo muito triste de se ouvir.

Afastei uma mecha de cabelo de seu rosto, para poder olhar


em seus olhos.

— Fala comigo. Desabafa. Seja o que for.

Ellena ponderou. Não era uma questão de querer fofocar sua


vida. Eu não estava curioso.

Ok, talvez estivesse. Mas não era só isso. Havia uma dor
grande no coração daquela garota, e eu sabia, por experiência
própria, que esse tipo de coisa não se curava sozinha. Eu me senti
assim quando perdi meu pai.

Não que tivesse a pretensão de resolver seu problema ou de


ser a sua cura, mas queria, ao menos, aliviar o peso em suas costas
e aconselhar, se estivesse ao meu alcance.

— Não quero te encher com meus problemas. Mas quero


outra coisa... — ela falou quase em um sussurro, em súplica.

— Pode pedir. Qualquer coisa. Se eu puder fazer...

Ela engoliu em seco, parecendo tomar coragem.


— Faça amor comigo.

Aquilo me surpreendeu. Não que Ellena não tivesse dado


indícios de que me desejava. Cada vez mais, nossos beijos se
tornavam urgentes, intensos e apaixonados. Nunca mais a toquei
como na primeira vez, porque ela nunca mais pediu, mas a cada
arfar e suspiro, eu compreendia que nós dois queríamos ir além. Eu
não estava sozinho em meus anseios.

Só que ouvi-la dizer com todas as letras era algo


completamente diferente.

— Ellena, você tem certeza? — Porra, a garota era virgem.


Ela ia mesmo se entregar a mim? Um cara que mal conhecia? Que
estava longe de ser o modelo de perfeição que merecia?

— Tenho. Quero que seja com você. Talvez não tenhamos


outra oportunidade.

Quero que seja com você.

O que isso queria dizer? Que ela sentia algo por mim? E por
que isso me aterrorizava e empolgava ao mesmo tempo? Era uma
responsabilidade pesada; não apenas o fato de tirar a virgindade de
uma garota com quem eu me importava muito, mas também ser o
escolhido por ela.

— Mas eu não preparei nada — falei baixinho, ajeitando-a na


cama e me colocando sobre ela, apenas para que nossos rostos
ficassem frente a frente.

— É necessário? Você deve ter camisinha, não tem?


— Tenho, mas não era disso que eu estava falando. Era de...
sei lá... um momento especial para você. Flores, música... não sei.

Sorrindo, Ellena ergueu uma das mãos ao meu rosto,


tocando-me com toda a sua doçura.

— Vai ser especial de qualquer jeito.

— E se eu te machucar?

— Ainda vai valer a pena.

Bem, eu não iria mais argumentar.

Se ela queria que fosse assim, então seria.


CAPÍTULO DOZE

“Estou fora de mim


Fora de controle, oh, eu
Se você me deixar, eu estarei
Fora do meu vestido e em seus braços hoje à noite
Sim, estou perdida sem isso”
INTO YOUR ARMS – AVA MAX

Havia um laço na frente da camisola delicada de Ellena, e eu


me pus a abri-lo calmamente, olhando nos olhos dela. Não encontrei
um sutiã por baixo da peça, e no momento em que meu olhar recaiu
sobre seus seios, a primeira coisa que enxerguei sob a parca luz de
um abajur, foram mamilos rosados, perfeitamente redondos, em
meio a montes macios e pequenos, que tinham o tamanho certo
para caberem nas minhas mãos.

Não conseguindo me controlar, inclinei-me, tomando um na


boca, com cuidado, mas sem conseguir tirar da cabeça que tudo o
que eu faria com aquela mulher naquela noite seria novo para ela.
Nunca ninguém beijara aqueles seios, nunca ninguém os chupara
como eu estava fazendo; nunca ninguém a ouvira gemer baixinho
daquele jeito. Não que fizesse diferença, mas era algo a se levar em
consideração. Não para alimentar o meu ego, mas para valorizar
cada segundo. Ela deveria ser a prioridade. Sua primeira vez
precisava ser inesquecível.

Não desejando deixar seu outro seio sem atenção, usei uma
das minhas mãos para massageá-lo, usando a palma áspera para
friccionar o mamilo, e a combinação dos dois movimentos a fez
arquear os quadris, parecendo ansiosa, mas eu não estava com
pressa de nada.

Substituindo a boca pela outra mão, girando os bicos rígidos


nos dedos, aproveitei para beijá-la, invadindo seus lábios com
minha língua, misturando nossos gostos e engolindo seus gemidos
doces, quase querendo sentir o sabor deles também.

Descendo a boca por seu maxilar e seu pescoço, comecei


uma trilha de beijos molhados, lambendo-a e deixando mordidas
nas partes mais cheias de carne. Deleitei-me em suas coxas,
perigosamente próximo do centro úmido de seu corpo. Ela arfou,
respirando profundamente, proferindo meu nome tão baixinho que
mais pareceu um suspiro.

Fui tirando sua calcinha bem devagar, beijando cada parte


de ambas as pernas por onde o tecido passava. Quando a joguei no
chão, peguei um de seus pés e o beijei, repetindo o gesto no outro,
colocando ambas as suas pernas em meus ombros, deixando-as
abertas e esticadas.
A visão de Ellena daquele jeito era de tontear qualquer
homem de sangue quente. A camisola branca, de seda, aberta,
derramada no colchão, não escondendo nada de seu corpo
delicado, me fazia pensar em qualquer coisa celestial, como se um
anjo tivesse descido do céu e caído literalmente no meu colo. Ao
mesmo tempo, o olhar que me lançava era sensual, cheio de
luxúria, embora provavelmente não tivesse a menor noção disso.

Com os olhos presos nos dela, mantendo suas pernas na


mesma posição, invadi sua boceta com um dos meus dedos, com a
mesma calma da primeira vez, mas daquela eu já sabia mais ou
menos o que ela gostava e o que a fazia gemer com mais vontade.
Precisava que ficasse bem molhada, bem pronta, para que o ato em
si a machucasse menos.

Porque a última coisa que eu queria era machucar a minha


linda e intocada sereia.

Ela arqueou os quadris quando cheguei mais fundo, dando


boas-vindas às sensações. Eu não conseguia tirar os olhos dela. A
forma como seus seios se moviam com sua respiração, como suas
mãozinhas de fada agarravam o lençol, como movia a cabeça, de
um lado para o outro, como seus lábios deliciosos se abriam para
deixar escapar o ar e os sons contidos que me provavam que
estava gostando da minha doce invasão.

Agarrei uma de suas mãos, cujos dedos se fechavam em


garras na cama, e fiz com que Ellena a levasse até sua própria
intimidade. Ela pareceu se surpreender com isso e olhou para mim.

— Quero que aprenda a dar prazer para si mesma.


Para quando eu não estiver por perto... — seria a frase que
completaria a minha explicação, embora esta tivesse ficado presa
dentro da minha garganta, porque era doloroso demais pensar
naquela linda mulher sendo novamente confinada ao tipo de vida
que eu imaginava que vivia, sem poder desfrutar de seus direitos.
Inclusive o direito ao prazer.

— Danilo, eu... — Ainda mais corada do que antes,


provavelmente pela vergonha, ela parecia perdida, então uni nossos
dedos, levando os dois juntos e penetrando-a, estimulando-a a ir tão
fundo quanto eu.

— Só imite o que estou fazendo, querida.

Obedeceu, mas da forma mais tímida possível. Começou em


um ritmo contido, mas continuei estimulando-a até que percebi que
se perdera em um frenesi tão intenso que eu tirei o meu dedo e ela
continuou sozinha.

Aproveitei para me despir e pegar a camisinha, o mais rápido


possível, porque não queria que gozasse. Eu a queria o mais
molhada possível para o momento.

Quando retornei à cama, testei-a e a vi pronta.

Coloquei a camisinha e retirei sua mão com delicadeza.


Posicionei meu pau em sua entrada, sem penetrá-la, aguardando.

— Abra os olhos, Ellena. Olhe para mim.

Assim que o fez, ela me percebeu sobre ela, observando-a.


— Eu vou fazer amor com você agora, ok? Vou ser o máximo
delicado possível, mas provavelmente vai doer. Se quiser parar, a
qualquer momento pararemos.

Ela assentiu, doce e compenetrada, e eu aproveitei o


momento para descer meus lábios nos dela, esperando que o beijo
a distraísse o suficiente para que esquecesse da dor.

Mas claro que conforme fui chegando mais fundo, eu a senti


se contrair. O gemido que meu beijo abafou foi sinal suficiente para
que eu parasse.

— Querida, tudo bem se pararmos...

— Não! — afirmou com veemência. — Eu quero que seja


você. Quero que seja agora.

Não contestei mais. Fui mais fundo, ainda tentando agir com
toda a minha calma, embora a sensação de estar dentro dela — tão
quente e apertada — fosse celestial o suficiente para que eu
quisesse ir com mais força. Mas não seria o caso. Se tivéssemos
chance, se ela me permitisse, eu repetiria a dose naquela noite,
mostrando outras coisas para Ellena. Outras formas de amá-la,
menos contidas, mas que a fariam sentir ainda mais prazer.

Fiquei atento ao rosto dela, aos seus olhos fechados com


força, a expressão de dor, e isso foi doloroso para mim também.
Mas conforme comecei a me mexer lentamente, a testar seus
limites, senti Ellena relaxando sob mim.

Respirei fundo, recebendo o presente que ela estava me


dando, de me permitir ser o primeiro, e a beijei mais uma vez,
enquanto continuava me movendo, estocando com cuidado. Nossas
línguas iniciaram sua dança devagar, enquanto as costas dos meus
dedos acariciavam seu rosto, mas rapidamente também mudaram
de ritmo, e o primeiro gemido alto de Ellena, novamente abafado
pela minha boca e que eu reconheci como sendo de prazer, me
incentivou a ir com um pouco mais de força.

— Posso? Você quer mais? — sussurrei com a boca contra a


dela ainda, sentindo que nossas respirações se confundiam.

— Quero — ela arfou, e a palavra mal terminou, eu estoquei


novamente, mais fundo e com um pouco mais de ímpeto, mas ainda
mantendo a calma.

Ela arqueou os quadris, e eu continuei. Levei uma das mãos


ao seu clitóris, esfregando-o e aumentando as sensações ao ponto
de que ela choramingou e soltou um gemido deliciosamente agudo.

Senti quando se contraiu anunciando seu orgasmo. Preparei-


me para deixar o meu escapar também, já que o estava contendo
para tentar dar o prazer máximo a ela.

Quando gozamos, foi ao mesmo tempo, e isso estabeleceu


uma conexão forte. Algo explodiu dentro de mim e não tinha nada a
ver com o orgasmo em si. Era um sentimento mais profundo, que eu
ainda não sabia qual era e nem se estava preparado para
compreendê-lo.
CAPÍTULO TREZE

“Em uma outra vida, eu seria sua garota


Nós manteríamos todas as nossas promessas,
Seríamos nós contra o mundo
Em uma outra vida, eu faria você ficar
Para eu não ter que dizer que você foi aquele que foi embora”
THE ONE THAT GOT AWAY – KATY PERRY

Enfiei a chave na fechadura da casa de tio Alfred e dei uma


olhada para trás. Lá estava Danilo, como um guardião, esperando-
me entrar, temendo que um dos capangas de Henry surgisse para
me surpreender. Mas, para a nossa surpresa, não havia ninguém
por perto. Nenhum carro suspeito à vista.

Antes que eu pudesse entrar, meu tio surgiu na minha frente,


mais bronzeado do que estivera quando viajou, e parecendo tão
feliz que meu coração atormentado pela despedida com Danilo até
se acalmou um pouco.
— Minha princesinha! — Ele me puxou para um abraço de
urso que durou alguns segundos. Assim que me soltou, seguiu ao
carro de Danilo, levando-me pela mão, apoiando-se na janela para
olhar lá para dentro. — Ah, então você é o príncipe encantando? O
título combina com você.

Danilo pareceu um pouco perdido, mas estendeu a mão de


forma cordial.

— Prazer, senhor — falou, educado.

Meu tio retribuiu o cumprimento.

— Obrigado por cuidar da minha garota. Você é bem-vindo


na minha casa enquanto estiver em Dublin.

— Agradeço, senhor. — Então Danilo voltou-se para mim: —


Vou te ligar — ele afirmou com tanta veemência que meu coração
se apertou mais uma vez, esquecendo o contentamento pela
felicidade do meu tio.

Com isso, ele partiu, e eu fiquei olhando para seu carro, com
a certeza de que aquela era a última vez que nos veríamos.

O braço pesado de tio Alfred foi parar nos meus ombros.

— Uau, que garotão, hein. Você foi econômica ao falar dele,


docinho. — Como não respondi, meu tio voltou-se para mim.
Obviamente viu a lágrima teimosa e intrusa que deslizava pelo meu
rosto. — Ei, menina! O que é isso? Por que está chorando?

Então eu desabei. Ali mesmo, no meio da rua, em frente à


casa do meu tio. Este rapidamente agiu, tomando-me em seus
braços e me apertando contra seu peito, fazendo-me sentir o cheiro
de sua colônia cara e o gosto de sal que saía dos meus próprios
olhos.

Ficamos algum tempo parados daquela forma, mas ele logo


começou a me conduzir para dentro, trazendo minha mala,
fechando a porta e se sentando no sofá, colocando-me aninhada em
seu peito.

— O que aconteceu, querida? Você se apaixonou pelo rapaz,


não foi? — indagou, esfregando minhas costas.

Não respondi, mas a forma como estremeci com a pergunta


deveria ser resposta suficiente. Percebendo, tio Alfred afastou-me
de si um pouco, para me olhar nos olhos.

— Ellena, você sabia que seria assim. Não só porque você


precisa voltar para casa e cumprir seu destino, mas porque o rapaz
não é daqui. Foi um romance com dias contados desde o início.

— Eu sei, tio. Eu tentei, juro. Mas não posso mandar no meu


coração.

— Ainda mais um coraçãozinho que nunca recebeu amor,


não é, querida? Eu entendo. Juro que entendo. Mas pense... ele
ainda não vai embora hoje, não é?

— Não. Só daqui a alguns dias.

— Então vocês ainda podem aproveitar um pouco mais.

Sentindo minhas pernas um pouco mais fortes, levantei-me


do sofá, colocando-me de pé. Ele era a única pessoa para quem eu
poderia contar tudo o que atormentava meu coração. Era a pessoa
para quem eu poderia desabafar, mesmo revelando segredos que
me fariam ser julgada.

Apesar disso, hesitei.

— Eu não deveria estar estragando seu bom humor. Você


parecia tão feliz quando abriu a porta — lamentei.

— O fato de eu estar feliz não me torna um tio relapso. Já fui


até, ficando todos esses dias longe, mas te ouvir eu posso, docinho.
Conte... o que está te afligindo?

Ok. Ele estava ali para me ouvir, então. Seria simples, não?
Apenas contar tudo, vomitar as palavras que pareciam comprimir o
meu peito.

Só que não era.

— Eu não posso mais ver o Danilo. Nem mesmo durante os


dias em que ele ainda estiver aqui — comecei a desabafar pela
parte menos difícil. Ou melhor, menos difícil de confessar, porque de
botar em prática era a que mais me assustava.

— Por que não? — Tio Alfred cruzou os braços.

— Porque a cada dia eu me apaixono mais por ele. — Era a


primeira vez que eu dizia aquilo em voz alta. Talvez fosse a primeira
vez que assumia para mim mesma o quão longe aquele sentimento
tinha chegado.

— Oh, querida! Eu entendo. Mas não é radical demais


assim? Vocês mal tiveram uma despedida e...
— Tivemos, sim. Ao menos para mim. — Abaixei a cabeça,
focando meus olhos no chão. — Eu transei com ele, tio.

O silêncio foi minha resposta, ao menos em um primeiro


momento. Esperei pacientemente, sem dizer nada, com as mãos
nas costas, a cabeça ainda baixa, fitando o piso, como se houvesse
algo ali muito interessante de se olhar.

Ouvi um arfar alto e o som do estofado do sofá se


movimentando. Tio Alfred tinha se levantado. Finalmente olhei para
ele, seguindo-o com os olhos, enquanto andava de um lado para o
outro.

Ele estava nervoso. E como não estaria?

— Ellena Marie! Você tem noção do que fez? — elevou a


voz, como nunca tinha acontecido antes.

— Tenho. — Ergui a cabeça, tomando coragem. — É o meu


corpo. Eu decido para quem entrego a minha virgindade. A decisão
foi pensada. Não quero Henry tendo o direito de ser o primeiro. Não
quero viver a vida inteira presa a um homem sem conhecer o prazer.

Meu tio ficou calado, olhando para mim. A expressão em seu


rosto suavizou, como se compreendesse cada palavra que falei. A
emoção de dizer cada uma delas, aliás, me consumiu de tal forma
que me peguei ofegante.

— Entendo. Eu realmente entendo, Ellena. Não sei o que


faria no seu lugar, provavelmente teria a mesma atitude, mas você
sabe que o seu noivo não é um cara muito paciente. Ele
provavelmente não vai sorrir ao perceber que o produtinho que ele
comprou não é intocado.

— Não importa. Ele pode fazer o que quiser comigo, mas


não vai ter o direito de ser o único a colocar as mãos e a porcaria do
pau em mim!

— Ei! Uau! Olha essa fera indomável! O que aquele pedaço


de mau caminho fez com você, princesinha? Eu gostei... —
Parecendo bem menos irritado, tio Alfred deu um passo à frente,
segurando meus dois braços e me encarando. — Você sabe o que
faz, querida. Como disse, é o seu corpo. Mas sei que ele pode te
machucar quando descobrir.

— Me machucaria mais ainda se fosse para a cama dele


sem conhecer o que conheci na noite passada.

Tio Alfred arregalou os olhos.

— Nossa! O amante latino é bom assim? Tudo bem que você


não tem com o quê comparar, mas acho que ele deixou uma
impressão.

— Deixou. Por isso não posso mais vê-lo. Foi uma noite e
nada mais.

Puxando-me novamente para si, tio Alfred me consolou, não


apenas naquele momento, mas durante o resto do dia. Tentei não
bancar a pobre menina rica por muito tempo, porque sabia que era
injusto com ele. Incentivei-o a contar sobre suas aventuras
amorosas na Itália, mas, diferente de mim, ele não se apegara tanto
ao carinha com quem ficou. Meu tio era avesso a compromissos;
queria viver a vida aproveitando-a ao máximo e não tinha
pretensões de se casar.

Sorte a dele que não precisava se casar.

Por mais apaixonada que eu estivesse por Danilo, se a pior


parte de nossa história fosse aquela despedida, porque morávamos
em continentes diferentes, eu iria sofrer, mas passaria. Apesar da
minha inexperiência, eu sabia que o amor não matava. Era uma
dorzinha incômoda; a saudade me deixaria triste, mas se eu
simplesmente pudesse viver a minha vida como bem entendesse,
conhecendo outras pessoas ou sozinha, tudo seria mais fácil.

Mas o destino me deu um presente agridoce, e eu teria que


lidar com aquela lembrança para sempre.
CAPÍTULO QUATORZE

“Você me fez experimentar algo


Que não posso comparar a nada
Nada que já conheci, e tenho esperança
Que depois dessa febre eu sobreviverei”
THE HEART WANTS WHAT IT WANTS – SELENA GOMEZ

Voltei para o hotel naquele dia, surpreso por sentir meu


próprio coração se despedaçar no peito.

Logo eu, que nunca tinha me envolvido com mulher


nenhuma; logo eu que não tinha a menor intenção de me apaixonar
e de me apegar a alguém.

Fui para aquele país com a intenção de trabalhar e, depois,


tirar alguns dias de folga, sem complicações, mas acabei
conhecendo uma sereia que fez o meu mundo balançar de um jeito,
que eu sabia que demoraria para voltar ao eixo.

Fiquei o dia inteiro estressado. Tinha algumas coisas para


acertar, porque um dos meus funcionários me pediu para analisar
um contrato extraordinário e que não estava nos meus planos, então
ao menos teria algo para pensar ao invés de ficar com Ellena na
cabeça.

Claro que foi quase impossível focar na tarefa, e a todo


momento eu me via lendo, lendo, lendo e precisando voltar nas
frases e palavras para compreender as cláusulas. E era algo
padrão, coisas que víamos quase todos os dias. Só que mesmo que
eu tivesse que interpretar a letra de Atirei o Pau no Gato, precisaria
de umas duas ou três leituras para compreender.

Enquanto tentava focar, não conseguia evitar os


pensamentos a respeito de Ellena e a forma como nos despedimos.

Parecia incompleto. Parecia errado.

Eu já tinha levado muitas garotas para a cama e nunca mais


as procurei, até porque nunca trocamos promessas, mas não fora
um casinho passageiro. Ela era especial.

Sempre seria especial.

De alguma forma, nunca conseguiria me esquecer daquela


garota, da forma como se rendera e de sua confiança em mim. Eu
fui o filho da puta sortudo a quem ela escolheu se entregar, e eu não
poderia fingir que não tivera importância.

Mal terminei meu serviço quando me vi de pé, caminhando


de um lado para o outro, com as mãos na cintura e passando a mão
no cabelo, respirando de forma incerta.
Eu não podia permitir que acabasse daquela forma. Não
tinha nem a porra do telefone dela.

Seria assim? Cada um seguiria seu caminho, e eu nem


saberia se ficara bem? Se aquele desgraçado acabara colocando as
mãos nela ou se conseguira viver sua vida em paz?

Não. Eu não podia aceitar.

Peguei minha jaqueta, além da minha carteira e o celular,


pronto para sair e ir à casa do tio dela para tirar satisfações. Ou
melhor...

Porra, eu só não queria me despedir. Não ainda.

Já estava quase saindo do meu quarto de hotel quando o


celular na minha mão vibrou. Era minha irmã.

— Agora não, Deb. Estou meio que estressado e...

— Dan... é sério.

Pelo tom de voz dela parecia mesmo.

— O que houve?

— Foi a mamãe. Ela sofreu um acidente.

— Que tipo de acidente?

— Atropelamento. — Deborah começou a chorar. — Você


sabe o quanto eu falo para ela tomar cuidado, mas está sempre
distraída... Ah, Dan, estou tão assustada...

— Vou pegar o primeiro voo. Me espera.


Desliguei o telefone e precisei esquecer de Ellena, ao menos
naquele momento. Minha mãe era mais importante. A saúde dela...
a integridade...

Puta merda!

Precisei parar por alguns instantes e tentar organizar meus


pensamentos, porque minha cabeça chegou a revirar com uma
vertigem. Sentei-me na cama do quarto do hotel, levando as mãos a
ela.

Não era possível que minha mãe fosse...

Não, eu não queria nem pensar.

Arrumei minhas coisas a jato e parti para o aeroporto, sem


nem ter muito tempo de me despedir da Irlanda. Consegui uma
passagem para o próximo voo, a um preço exorbitante, e
embarquei.

A cada hora que passava, eu me sentia mais desesperado,


tanto que quando cheguei ao Brasil, só parti para o hospital que Deb
me indicou, com as minhas malas, cansado, sem comer direito, com
os cabelos desgrenhados e a roupa amassada.

Era irônico pensar que D. Angélica seria a primeira a


reclamar do quão pouco composto eu estava.

— Como ela está? — perguntei assim que cheguei, dando


um beijo na cabeça da minha irmã.

Deborah estava exausta. Visivelmente. Ela não merecia


passar por mais um susto como aquele.
— Foi operada. Rompeu a bacia e o fêmur. Vai precisar de
fisioterapia, mas está consciente, só medicada para a dor. — Então
Deb desabou, e eu a segurei contra mim. — Tive tanto medo, mano.
Estava apavorada de perdê-la.

— Mas está fora de perigo?

— Parece que sim. Só não sabemos quanto tempo ainda vai


ficar internada.

Respirei aliviado, abraçando minha irmã com mais força.

Ao menos não iríamos perdê-la.

Foi mais uma hora até que eu pudesse vê-la, porque estava
na sala de exames e sendo medicada.

Entrei no quarto, pegando sua mão e beijando-a. Estava com


os olhos pesados, completamente grogue, machucada, mas viva.
Isso era o que importava.

— Dan! — ela exclamou, parecendo satisfeita em me ver. Foi


um resquício frágil de voz, mas serviu para tirar um peso dos meus
ombros.

Era bom vê-la consciente, não apenas acordada, mas


também me reconhecendo, falando e respondendo.

— Estou aqui, mãe.

— Mas e sua viagem?

— Posso fazer outra daqui a algum tempo. E ainda te levar


comigo. Mas você é mais importante.
Ela sorriu, apertando a minha mão com carinho. Também fez
uma careta de dor, no momento em que tentou se remexer, e eu
senti meu coração se partir. Queria fazer algo. Se pudesse transferir
seu sofrimento para mim, aceitaria de bom grado. Aquela mulher
não merecia.

— Eu nem vi o carro vindo, filho. Queria fazer um bolo, mas


não tinha fermento. Fui só no mercado e...

Minha mãe tinha uma empregada, que eu contratei para ela.


A mulher era um amor e fazia ótimos bolos, mas D. Angélica não
conseguia ficar parada. Sugeri um milhão de coisas, desde
artesanato até uma faculdade, que sempre foi o seu sonho. O que
quer que ela quisesse, eu lhe daria. Só que nada parecia satisfazê-
la, a não ser nos dar dor de cabeça.

— Foi um acidente, mãe. Eles acontecem. Agora precisa se


recuperar. Eu e Deb vamos cuidar de você.

— Ela falou que você estava com uma namorada... Deixou a


moça lá?

Aquela fofoqueira!

Minha mãe já estava quase apagando por causa dos


remédios, mas claro que não iria deixar de tentar descobrir alguma
coisa.

— Tinha uma garota, mas ela ficou, porque precisava. Foi só


um romance de viagem, mãe. Não vou contar agora, mas um dia
conversaremos sobre ela.
D. Angelica provavelmente nem ouviu a resposta, porque
caiu no sono antes de eu terminar de falar, o que me fez sorrir.

De fato, eu adoraria falar sobre Ellena para ela. Um dia


contaria tudo; como a conheci, como a protegi, como ela era doce,
linda e generosa. Minha mãe a adoraria, sem dúvidas, mas o que
quer que tivesse acontecido entre nós, ficaria no passado.

Isso se provou mais e mais verdadeiro conforme os dias


foram passando. Com minha mãe ainda internada, em recuperação,
e depois quando voltou para casa, precisando fazer fisioterapia e de
cuidados especiais, fui deixando Ellena para trás.

Ela nunca saía da minha cabeça; sempre retornava aos


meus sonhos, sempre aparecia em uma lembrança, com seus
cabelos de fogo e os olhos dourados.

Só que eu não tinha seu telefone. Não tinha seu sobrenome.


Teria voltado na Irlanda nem que fosse só para saber se estava
bem, mas minha mãe precisava de mim.

Então minha sereia precisou ficar no passado.

A linda sereia que eu abandonei, desprotegida, talvez em


perigo. Era algo pelo qual iria me culpar para sempre, mas que
acontecera por um acaso do destino.

Ainda assim, sabia que, de alguma forma, ela sempre faria


parte de mim.

Só não sabia o quanto...


CAPÍTULO QUINZE

“Mas você já se perguntou o que nós poderíamos ter sido?


Mas sua mente prega peças com a distância
Sempre faz as coisas parecerem tão inacabadas”
MISS YOU MORE – KATY PERRY

UM ANO DEPOIS

A porra do café queimou a minha língua, e eu praguejei


baixinho, enquanto prendia o telefone entre meu ombro e minha
orelha.

— Se mamãe te ouvisse xingar assim, ela puxaria a sua


orelha.

Pior que era verdade. Vinte e sete anos na cara, mas ainda
tinha que passar por aquele tipo de coisas.

— Mas ela não está ouvindo. Para de ser puxa saco — ralhei
com ela, ouvindo-a rir do outro lado da linha. — E é sério, Deb. Eu
vou passar aí neste fim de semana.

— Você falou a mesma coisa no passado.

— E vou continuar falando sempre, porque a intenção é real.


Eu quero ir aí, só que o trabalho está me consumindo — comentei,
tentando finalmente beber o café, porque já sentia o mau humor
chegar ao meu cérebro; um que apenas cafeína seria capaz de
curar.

Apesar de às vezes eu reclamar, praguejar e revirar os olhos


quando Deb me cobrava passar o fim de semana com elas, sabia
que o tempo com quem amávamos era curto. Desde o acidente eu
tentava ser mais presente, e sempre passava na minha mãe para
vê-la, mas rapidinho.

Ela já estava cem por cento recuperada, pronta para outra,


depois de um bom tempo de recuperação.

— Acho que é o contrário, hein? Você está consumindo o


trabalho. Ainda acho que você está trabalhando mais do que o
normal há algum tempo. Desde que voltou da Irlanda.

Sim, provavelmente era real. A explicação nem era assim tão


difícil de encontrar. Enquanto minha cara estava enterrada no
notebook, meus pensamentos se focavam na tarefa e não
escapavam da gaiola onde os tinha prendido há um ano. Se os
libertasse, eles me levariam a uma garota de cabelos escarlate,
olhos dourados e aparência de sereia. Fariam com que me
lembrasse de uma expressão inocente, uma voz doce e um sorriso
angelical.
E do fato de eu tê-la abandonado. De não saber nada sobre
ela.

Tentava sempre me convencer de fora apenas um


passatempo, que não mexera em nada comigo, que fora só um
casinho breve, só que eu não era tão idiota assim. Tentar me
convencer dessa bobagem, ok. Acreditar nela era outra história.

Quando voltei da viagem, Débora tentou arrancar de mim


mais informações sobre a garota misteriosa da Irlanda, mas contei
muito pouco. Também desisti de contar a história para a minha mãe,
aproveitando que ela estivera grogue quando mencionamos na
primeira vez. Minimizei a importância que aqueles dias tiveram para
mim, e jurei que isso iria me ajudar a esquecê-la. Só que conforme o
tempo passava, eu me conscientizava que tinha me apaixonado
pela maldita mulher.

Tanto que desde então não tinha me envolvido com mais


ninguém.

Nenhuma outra parecia sequer chegar aos seus pés.

Patético? Sim, mas o que eu poderia fazer?

— Dan? O que foi? Ficou calado — Débora chamou a minha


atenção, e eu me joguei no sofá, tomando cuidado para não
derramar café na minha camisa.

Era uma blusa velha, ao menos, porque não iria trabalhar


naquele dia. Era sábado — e eu não sabia se poderia dizer
infelizmente ou graças a Deus por isso. Estava precisando de um
dia de preguiça em casa, até para organizar algumas coisas no meu
apartamento e para fazer compras, já que minha geladeira mais
parecia uma casa mal-assombrada de tão vazia.

Ainda assim, o trabalho era o que me mantinha são.

— Nada, maninha, é que talvez você esteja certa. Estou


precisando de um descanso. Vamos fazer o seguinte: eu vou aí hoje
mais tarde, ok? Jantamos juntos e você eu pego a mamãe em casa
para comer com a gente.

Estava na hora de começar a sair da toca e voltar a viver.


Um ano. Eu não podia ficar preso à lembrança de uma mulher, já
que provavelmente ela nem pensava mais em mim. Talvez só como
o cara que tirou sua virgindade e nada mais do que isso.

Ela era linda demais para se manter sozinha por muito


tempo.

Aliás, eu até esperava que tivesse encontrado alguém e...

Ah, porra! Não! Isso era uma mentira do caralho. Só de


pensar em alguém tocando nela, naqueles olhos inocentes
correspondendo a alguma carícia, meu sangue já começava a correr
mais rápido nas veias.

— Ah, jura? — minha irmã interrompeu meus pensamentos


de posse e ciúme. — Vai ser ótimo. Vou preparar aquele
parmeggiana que você gosta.

— Não vejo a hora — fingi uma animação.

Não, isso era injusto. Eu estava animado até. Não seria nada
mal passar algumas horas com a minha família.
Mas fosse como fosse, eu tinha algumas coisas para fazer.

Entrei em um banho rápido e vesti uma roupa, saindo para ir


ao mercado. Fui a pé mesmo, porque ficava muito próximo e não
pretendia comprar muitas coisas; apenas o suficiente para alguns
dias, especialmente porque se iria jantar na casa de Débora, ela
certamente me enviaria guloseimas para comer no domingo.

Sim, este era o tipo de família ao qual eu fazia parte.

Peguei algumas coisas no mercadinho, pensando que talvez


estivesse na hora de contratar uma pessoa para trabalhar comigo,
cuidando da casa. Eu tinha uma diarista que me atendia uma vez
por semana, e eu não era muito desorganizado, mas ter alguém
direto poderia me ajudar naquelas pequenas tarefas, como ir ao
mercado, preparar alguma comida... Nunca gostei da ideia, mas
começava a me parecer tentador.

Eu não era rico de nascença. O dinheiro começou a entrar


conforme a empresa foi se tornando um sucesso, mas, por mais que
nunca tivesse faltado na minha infância e adolescência, já que meu
pai deixou uma pensão confortável para minha mãe, estávamos
longe da condição financeira que eu passei a ter. Talvez por isso eu
ainda fosse comedido com certas coisas. Mas por que não esbanjar
mais?

Fui à seção de vinhos e comprei o mais caro que encontrei,


para mimar a minha família. Quem sabe, também, eu não me
mudasse para uma casa bem grande e contratasse o melhor
arquiteto para decorá-la? Era hora de assumir minha posição, de
viver como o CEO bem-sucedido que me tornei.
Ainda pensava em tudo isso quando cheguei ao saguão do
meu prédio, que ficava em Ipanema, no Rio de Janeiro, em frente à
praia. Havia uma pessoa sentada em um dos sofás da recepção,
pela qual eu passei reto, apenas cumprimentando de soslaio sem
dar muita chance de ver quem era.

— Danilo — uma voz masculina com um forte sotaque


estrangeiro me chamou, e eu me virei na direção da pessoa,
reconhecendo-o imediatamente.

Ah, pelo amor de Deus! Não era possível.

O tio de Ellena? O que diabos ele estava fazendo ali?

Lentamente tirei os óculos escuros que usava do rosto, para


tentar ter certeza de que se tratava mesmo do homem.

Não havia dúvidas. Era ele mesmo. Em carne, osso e camisa


florida chamativa.

Só que eu não estava preparado para ver o que vi. Havia um


embrulho em seu colo. Um pacotinho.

Pela forma como ele o segurava... tratava-se de um bebê.

Meu coração deu um giro de trezentos e sessenta graus no


peito.

— O que você está fazendo aqui? — perguntei em inglês,


esperando ouvir uma história diferente da que minha mente
começava a desenhar.

— Vim dizer, com alguns meses de atraso: parabéns, papai.


O quê?

...

...

...

Mas...

Como assim?

Papai?

— Desculpa... — Ergui uma das mãos na direção dele, em


um claro sinal para que fosse com calma. — Papai?

Com todo o cuidado, o homem — Alfred, era o nome dele,


não? — afastou a mantinha do rosto do bebê, mostrando-o para
mim.

Ou ela, no caso, porque a criança estava coberta de rosa da


cabeça aos pés e havia um enorme laço em sua cabeça, em meio a
discretos fiapos de fios loiros avermelhados. Olhos azuis, iguais aos
meus. Linda. Uma bonequinha.

Minha?

Será que era mesmo minha?

— Sua filha, querido. Esta bebezinha adorável é sua e da


minha sobrinha, Ellena. Acho que se lembra dela, não? Uma ruiva
linda, com carinha de anjo e jeitinho de menina. Ou sua vida sexual
é assim tão agitada que já apagou a garota da memória?
Eu queria responder. Juro. As palavras “claro que lembro”
estavam na ponta da minha língua, mas meus olhos não se
afastavam da neném, que estava acordada, quietinha, olhando para
mim também, como se quisesse me decifrar, assim como eu queria
decifrá-la.

— Esse bebê é meu? — pergunta idiota: check! Só que eu


estava completamente abobalhado naquele momento para pensar
em qualquer coisa coerente.

— Olha... acho que esse não é o tipo de conversa para


termos no saguão de um prédio chique. Podemos subir?

Hesitei um pouco, mas ele ergueu uma sobrancelha e não


me deixou muita escolha. Estava certo, na verdade. Eu não queria
que as pessoas que passavam ouvissem qualquer coisa que ele
tivesse a me dizer.

Guiei-o até o hall dos elevadores e esperamos por um, sem


que eu conseguisse parar de olhar para a neném. Ela já estava com
os olhinhos fechados, começando a entrar na letargia do sono, e um
“minha filha” piscava em neon na minha mente.

Minha filha...

Seria mesmo?

Mas os olhos... eram meus. Completamente.

Entramos no elevador quando este chegou, e eu ajudei


Alfred, juntando as sacolas numa mão só e empurrando o carrinho
para que ele pudesse segurar a neném com mais jeito.
Subimos ainda em silêncio e chegamos ao apartamento, na
cobertura. Abri a porta para ele, sentindo que todos os meus
movimentos eram completamente automáticos.

— Fique à vontade — foi tudo o que consegui dizer,


permitindo que Alfred passasse e se embrenhasse na minha sala,
acomodando-se no sofá com a neném no colo.

Sem que nenhum de nós dissesse uma única palavra, fui à


cozinha e deixei as sacolas sobre a bancada da pia, mesmo
sabendo que algumas coisas precisavam ir para a geladeira. Isso
poderia ficar para depois. Assuntos mais urgentes exigiam a minha
atenção.

Voltei para perto de Alfred, e ele estendeu um papel na


minha direção. Abri-o e deparei-me com uma caligrafia feminina,
perfeitamente redonda, que dizia, em inglês:

Querido Danilo,

Desculpa te enviar a notícia desse jeito, mas pela forma como nos
despedimos um ano atrás, eu nem sabia como começar a me
explicar. Só que as coisas ficaram muito complicadas por aqui, e eu
preciso que cuide de nossa filha.

Ninguém aqui pode saber da existência dela. Se acontecer, não sei


o que podem fazer.

Saiba que o que houve entre nós foi muito importante para mim.
Você foi o primeiro e único homem da minha vida. Meu primeiro
beijo. Não sei o que acontecerá comigo daqui em diante, mas, de
alguma forma, sempre terei um pedacinho de felicidade dentro de
mim, porque você surgiu, me mostrando o amor. E porque tive a
nossa garotinha. Mesmo por pouco tempo, tive a nossa Anya.

Sim, meu amor. Escolhi este nome para ela, porque quero que
nunca mais olhe para a tatuagem que tem no peito com tristeza.
Quero que ela seja motivo de alegrias para você a partir de agora. E
para a sua família também. Sei que no início será um choque, mas
ela é uma menina maravilhosa. Também sei que você vai ser um pai
incrível para ela.

Ensine-a a ser uma boa pessoa, Danilo. Ensine-a a lutar por seus
sonhos, como a mãe dela nunca foi capaz de fazer. E, por favor, não
permita que ela não saiba quem eu fui. Imagino que você já possa
estar com alguém ou que ainda surgirá a mulher sortuda que
ganhará o seu coração, e eu espero que ela seja uma boa mãe para
a minha garotinha, mas, por favor, fale de mim.

Meu tio irá te contar tudo o que puder contar, ok?

Com amor,

Ellena.

P.S. – Ela tem uma marca de nascença igual à que você tem
no peito. A dela é na coxinha esquerda. Caso você tenha alguma
dúvida sobre Anya ser sua.
Anya.

Ok. Várias coisas naquela carta me destruíram, mas sem


dúvidas o nome da neném foi a que me atingiu mais profundamente,
ao ponto de eu sentir lágrimas se avolumarem em meus olhos e
deslizarem pelo meu rosto.

Ela não esqueceu. A história do nome da minha sobrinha,


que lhe contei de forma tão despretensiosa, ficou gravada em sua
mente.

— Vai querer ver a marca de nascença da menina para


provar que é sua filha mesmo? — A voz de Alfred me fez sair do
transe que suas palavras me provocaram.

Nem pensei muito enquanto balançava a cabeça em


negativa.

— Não, eu acredito.

E como poderia duvidar? Meu coração sabia.

— Então sente-se aí, garotão, que eu vou te contar tudo o


que vim contar e você vai me ouvir, porque precisamos agir. E
rápido, antes que percamos nossa Ellena para sempre.
CAPÍTULO DEZESSEIS

“Eu sei que posso te tratar melhor


Do que ele pode
E qualquer garota como você merece um cavalheiro
Me diga por que estamos perdendo tempo
No seu choro desperdiçado
Quando você deveria estar comigo em vez disso?”
TREAT YOU BETTER – SHAWN MENDES

Perder Ellena para sempre?

Bem... para mim eu já a tinha perdido. Há um ano. Mas ok,


poderia ouvir o que Alfred tinha a dizer.

Lentamente, como se tivesse todo o tempo do mundo, ele se


levantou e colocou a neném dentro do carrinho, acomodada e
adormecida, muito calminha. Ainda não tinha coragem de pedir para
pegá-la, e ele parecia compreender isso, porque nem ofereceu. Eu
ainda precisava de um tempo para me recuperar do choque.
Assim que terminou sua tarefa, ele novamente se sentou,
apontando a poltrona à sua frente para que eu me acomodasse
também.

— Você tem um notebook ou um celular com acesso à


internet, não tem? — perguntou assim que eu me sentei.

Que pergunta!

— Sim. — Foi a única palavra que consegui proferir.

— Ótimo! Pode fazer uma pesquisa no Google? No nome de


Ellena Marie Woodward.

Aquilo era tudo estranho demais, mas imaginei que deveria


fazer algum sentido, ou eu esperava que sim.

Fosse como fosse, peguei o celular, que era o aparelho mais


próximo — já que estava no bolso do meu jeans —, e fiz a pesquisa,
como ele pediu.

Ellena Marie Woodward. Finalmente eu tinha um sobrenome.

Digitei o nome e logo me deparei com a foto dela. Fiquei um


pouco perdido olhando para aqueles olhos melancólicos e
enigmáticos, lembrando-me de como me olharam com desejo e
ternura; como fiquei fascinado por eles em vários momentos.

Hipnotizado pela imagem, demorei a me dar conta de um


detalhe.

Princesa Ellena Marie Woodward, Vossa Alteza de Anthoria.


Precisei ler três vezes para me certificar de que não estava
enganado.

Princesa?

Vossa Alteza?

Aquilo era uma piada?

— O que significa isso? — indaguei, voltando meus olhos


com o cenho franzido na direção de Alfred.

— Acho que você sabe ler, não sabe? Sua namoradinha de


verão é uma princesa. De verdade. Com direito a trono, coroa, pai
rei e tudo o mais.

Quantas surpresas mais eu receberia na cara naquele dia?

Concentrei minha atenção novamente no celular, começando


a acessar os links. Todos eles confirmavam o que eu tinha concluído
e o que Alfred me contara. Ellena era, de fato, uma princesa.

Havia todos os tipos de notícias a seu respeito. Desde as


mais banais, como coisas relacionadas ao seu senso de moda,
dicas para ter um cabelo como o dela, sua imagem de boa moça,
muitas informando sobre seu projeto social, a ONG Casa de
Anthoria — do qual me falara — e algumas sobre seu noivado com
o visconde de Callas, Henry James Greystone III — provavelmente
o tal filho da puta que a perseguia.

Mas... noivado?

Ela estava noiva? Como isso acontecera?


Só que ela não parecia nem um pouco feliz em nenhuma das
imagens ao lado do idiota. E todas elas datavam de antes de termos
nos conhecido.

Ou seja... ela me enganou?

Eu estava muito, muito confuso.

— Você pode me explicar a história toda? — pedi, já me


sentindo zonzo.

— É o que estou tentando fazer. Mas primeiro precisava que


você visse com os próprios olhos. Acreditaria se eu simplesmente
dissesse que Ellena é uma princesa?

— Não.

— Foi o que pensei. Mas me deixe começar do começo. Sua


princesinha foi prometida ao lobo mau quando era muito pequena,
logo depois que a mãe, minha irmã, morreu. O rei James, seu quase
sogrão, achou que seria uma ideia muito boa deixá-la prometida a
alguém da nobreza, porque uma mulher não pode assumir o trono
em Anthoria. O que ele não queria era que eu entrasse no jogo.

— Você?

— O antigo rei era o meu pai. Sou irmão mais novo. A


monarquia em Anthoria funciona da seguinte forma: se a única
herdeira ao trono é uma mulher, seu marido é quem assume. No
caso, minha querida Sophie já era casada com James, pai de
Ellena.
— Ainda assim não explica por que ele não iria querer que
você assumisse o trono depois dele. — Era estranho dizer aquele
tipo de coisa com tanta naturalidade. Eu estava mesmo
mencionando reis, princesas e monarquia para falar de uma garota
com quem vivi um romance?

Alfred revirou os olhos.

— Porque eu sou gay. Não é óbvio o bastante?

Ah, sim. Fazia sentido. Embora eu continuasse não vendo


problema algum nisso. Mas mentes retrógradas, provavelmente,
achariam um absurdo.

— Voltando... Então Ellena sempre soube que precisaria se


casar com Henry. O pai a manteve quase como uma prisioneira no
palácio, vivendo vigiada o tempo todo, porque ela devia ser mantida
virgem, pura e intacta, como exigência do babaca do noivo. — Pela
minha expressão, Alfred compreendeu meus pensamentos. — Sim,
querido. Mesmo sabendo que o filho da puta pode puni-la por isso, a
minha querida sobrinha se entregou a você.

Eu nem sabia o que dizer. Claro que, desde o princípio,


saber que aquela mulher me escolhera para ser o seu primeiro me
deixara comovido, tanto que fiz de tudo para que sua primeira vez
— e todas as outras que a seguiram, já que fizemos amor algumas
vezes naquela noite — fosse especial. Só que pensar na situação
por aquele novo prisma era ainda mais perturbador.

O que uma princesa vira em mim, um cara comum, que


valera arriscar tanto?
— Você acha que ele pode machucá-la? — preocupei-me
imediatamente.

— Acho não, garoto. Tenho certeza. Não só pode como vai.


— Meu coração se apertou no peito só de imaginar aquela coisinha
pequena e delicada que era Ellena nas mãos de um homem com
raiva; um homem descobrindo que não seria seu único, que ela se
entregara para outro antes dele. — Ela é um produto defeituoso que
ele não vai querer devolver, porque há um trono em jogo. Como
acha que o sujeito vai descontar a raiva?

Puta que pariu! Eu não queria nem pensar.

Mas talvez eu merecesse. Talvez nutrir a imagem da minha


linda sereia sendo maltratada por um desgraçado qualquer fosse o
castigo que eu merecia por não ter dado voz aos meus instintos e
insistido um pouco mais.

Eu a tinha abandonado. Não importava que fosse por um


bom motivo; no momento em que a devolvi para aquele tio, mesmo
sabendo que estava em perigo, eu a condenei.

Se estivéssemos juntos quando recebi a notícia da minha


mãe, poderia tê-la convencido a voltar comigo. Ela poderia estar ali.
Eu poderia ter acompanhado a gravidez. Estaria segura.

Aliás, algo surgiu nos meus pensamentos.

— Como foi a gravidez? Como...? — Nem consegui terminar


de falar, com medo das minhas próprias teorias.

Alfred deu de ombros.


— Eu estava com ela, né? Confesso que não foi fácil quando
descobrimos. Ellena ficou muito mal, porque queria demais o bebê,
por ser seu, mas também sabíamos que se Henry descobrisse
sobre essa criança, ele poderia fazer algo contra a menina.

Ok. Eu mal conhecia o sujeito e já estava doido de vontade


de dar umas porradas nele. Mexer com Ellena e com a minha filha?
As duas de uma só vez? Aquela cara de boneco de cera, pelo que vi
nas fotos, ia derreter na minha mão de tantos socos que eu queria
lhe dar.

Alfred prosseguiu:

— A solução que encontramos foi ela ficar confinada em


casa, saindo apenas de carro comigo, para ir fazer as ultras. Ou
seja, a menina saiu de uma prisão, esperando ter um ano de
liberdade, mas acabou passando novamente meses em cárcere.
Quando a neném nasceu, sabíamos que ela teria menos de três
meses com a menina, então tentamos encontrar maneiras de
protegê-la. Vir até você foi nossa única alternativa.

— E como vocês descobriram o meu endereço?

— Bem, ela sabia o nome da sua empresa, né? Eu fui até lá


ontem e te segui até aqui. Não achei apropriado falar sobre este
assunto no seu ambiente de trabalho.

Ainda bem, aliás.

Só que, novamente, apenas uma preocupação permeou


meus pensamentos.
— Onde ela está agora? Ellena. — Provavelmente eu não
precisava especificar de quem estava falando, mas meus
pensamentos ainda não estavam coerentes o suficiente.

Pela expressão de Alfred, a resposta não seria das mais


agradáveis.

— Chegou aos ouvidos do rei que ela foi vista com um rapaz
durante alguns dias das férias. Henry pediu que ela fosse mantida
sob vigilância antes do casamento, que vai acontecer em alguns
meses.

— Como assim? — Aquilo tudo era muito surreal para mim.


— Ela está presa em algum lugar? Isso é um absurdo!

— Pois é, garotão. E é aí que nós dois entramos. Espero que


você tenha alguém com quem deixar essa coisinha linda aqui — ele
apontou para a neném. — Porque nós vamos sequestrar uma
princesa.
CAPÍTULO DEZESSETE

“Não consigo aguentar isso


Porque nunca foi o que planejamos
Estou apenas perdendo tempo
Salve-me, salve-me, salve-me
Estou me afundando”
SAVE ME – ADDICT

Até mesmo o som da página do livro que lia sendo virada


ecoou por toda a casa silenciosa. Aliás, o silêncio era a minha
melhor companhia nos últimos dias.

Eu poderia aceitar aquela vida de solidão. Meu coração doía


de saudade de minha filha, da minha bebezinha de quem tive que
abrir mão, mas sabia que ela estava com o pai, e isso me
confortava.

Claro que não conhecia Danilo tão bem assim. Claro que
nossa convivência fora muito breve para eu conhecer totalmente
seu caráter, mas algo me dizia que não era o tipo de homem que
renegava um filho. Ele não iria deixar minha bebezinha
desamparada. Tinha uma boa família, pelo que me contara, e meu
tio fora instruído a procurar quem fosse necessário para que Anya
fosse protegida. Ela não cairia nas mãos de Henry.

E isso era o que importava.

Eu sabia que o meu destino não era dos melhores. Sabia


que assim que meu futuro marido descobrisse que não era mais
virgem, ele não seria carinhoso, muito menos paciente e
compreensivo. Mas novamente... se minha bebezinha estivesse
segura, eu ficaria bem.

Era irônico que estivesse lendo um livro de Jane Austen,


algo mais romântico, quando tudo ao meu redor mais parecia uma
tragédia.

Algo como Romeu e Julieta, talvez...

É, Ellena! Você hoje está bem dramática.

Tentando afastar o clima de velório, levantei-me da minha


poltrona favorita, deixando o livro na mesinha de café ao lado, e
parti para a cozinha, para fazer café. Mais, aliás. Seria a minha
terceira caneca do dia.

Caminhei pela pequena casa, que mais parecia um chalé,


sabendo que meus dias naquele lugarzinho eram contados. O
casamento com Henry aconteceria dali a três meses, então aquele
era o meu tempo de liberdade.
Irônico pensar assim, sendo que havia um segurança do
outro lado da porta. Meu pai dizia que era para me proteger, mas eu
sabia que era mais como um carcereiro.

Tudo bem... talvez eu merecesse, né? Estraguei tudo.


Absolutamente tudo. Quebrei a única regra que ele deixou. Não
apenas me entreguei a um homem como engravidei dele.

Claro que ninguém sabia da parte do bebê, e eu esperava


que nunca soubessem. Se eu tivesse tido um menino, tomaria
coragem e o apresentaria ao reino, na esperança de barganhar com
meu pai. Um filho homem poderia ser uma esperança de assumir o
trono. Meu pai era saudável, ainda jovem, certamente viveria mais
dezoito anos para esperar que um neto legítimo fosse treinado.

No fundo eu sabia que a ideia de ver Henry assumindo o


trono não lhe agradava; se as coisas permanecessem na nossa
família, sem dúvidas ele ficaria mais satisfeito, mesmo com o meu
deslize.

Haveria muita coisa em jogo, é claro, principalmente porque


Danilo nunca concordaria em viver em Anthoria comigo. No final das
contas as coisas seriam iguais, porque eu seria obrigada a me casar
com Henry da mesma forma e ainda ter que mentir a todos de que
meu bebê era filho dele.

Minha filha era de Danilo. O homem que escolhi para ser o


meu primeiro. E que teria escolhido mais mil vezes se me dessem a
chance de voltar atrás.
Ainda estava na cozinha quando ouvi um barulho que me
sobressaltou.

Vozes.

A casa que meu pai escolheu para me esconder —


literalmente — ficava em uma região afastada de Anthoria, em um
vilarejo pouco povoado. A cidade mais próxima estava a quarenta
quilômetros, tanto que eu só recebia provisões uma vez na semana,
o que era bem suficiente, levando em consideração que mal queria
comer. Por isso que café era o meu combustível.

Naquele dia mesmo... passava um pouco das quatro da


tarde, e eu tinha comido apenas uma fruta. Nada mais descia. Eram
sentimentos demais a me alimentar. Melancolia, saudade, angústia,
expectativa e medo.

Ou talvez fossem eles que me devoravam.

Já estava servindo a caneca com o líquido fumegante


quando as vozes se tornaram mais altas. Saí da cozinha, deixando-
a sobre o balcão, aproximando-se da porta para ouvir melhor.

— É minha noiva! Eu tenho o direito de entrar e falar com


ela! — dizia uma das vozes masculinas. Uma bem autoritária e
familiar.

Henry!

Ele estava ali.

A única coisa que pedi a meu pai foi para que não permitisse
que Henry fosse me visitar. Se isso acontecesse, eu estando
sozinha, apenas na companhia de um guarda que não conhecia e
em quem não confiava, não sabia o que ele poderia fazer.

Ainda assim, lá estava ele, provavelmente contrariando as


ordens de seu próprio rei.

Jurei que o guarda lá fora iria servir para afugentá-lo, mas


logo ouvi o som da fechadura sendo aberta, o que me fez dar alguns
passos para trás. No segundo seguinte, lá estava o meu odioso
noivo, parado à minha frente, com um enorme buquê de flores nos
braços.

Fazia mais de um ano que eu não o via, desde que entrei na


minha aventura para a Irlanda. Nada havia mudado, no entanto.

Ele era um homem bonito. Cabelos cacheados e castanhos,


olhos claros, alto, um corpo firme. A adolescente em mim, quando o
viu pela primeira vez, tentou se convencer de que não era um
destino assim tão ruim ser obrigada a se casar com alguém como
ele. Apenas duas horas de convívio foram necessárias para que
todo o encanto se esvaísse. O homem era um poço de vaidade, só
falava sobre si mesmo e me olhava como se eu fosse apenas um
pedaço de carne, mesmo eu tendo apenas dezesseis anos, e ele,
vinte e seis.

Vê-lo ali, à minha frente, com seu sorriso malicioso e


olhando-me de cima a baixo, me deixou imediatamente nervosa.

— Aí está a minha noivinha. Queria dizer que está mais


bonita do que da última vez em que nos vimos, mas seria mentira,
querida. — Como se estivesse em sua própria casa, ele pousou as
flores sobre o aparador ao lado da porta, tirou o casaco,
pendurando-o no cabideiro e começou a andar pelo lugar. — Você
está péssima. O que anda fazendo? Dieta? Está magra como um
graveto.

— Lisonjeiro da sua parte — sussurrei, ainda assustada.

— Só estou sendo sincero. Minha rainha precisa ser


deslumbrante como você sempre foi. Espero que comece a se
cuidar mais.

Engoli em seco, tentando ficar em alerta, principalmente


quando começou a se aproximar.

— Seja como for, acho que mereço um beijo depois de todo


esse tempo, não? — Ele continuou se aproximando, e eu continuei
recuando.

— O que está fazendo aqui, Henry? Desrespeitando uma


ordem do meu pai.

— Eu estava pensando com meus botões... — sua voz se


encheu de ironia. — Acho a maior besteira esperarmos tanto tempo
para nos casarmos. Você teve o seu ano sabático, o que eu achei
ridículo, mas compreendi; agora está na hora de aceitar seu destino,
Vossa Alteza.

— O casamento está marcado para daqui a três meses. E


assim será.

Espalmando a mão sobre a mesa de jantar, ele bateu na


madeira com força. Havia algo de errado com Henry, o que eu pude
perceber desde que surgiu na casa, mas os olhos vermelhos não
mentiam — ele tinha bebido. Ou coisa pior. Não estava em seu
estado normal, embora isso não quisesse dizer muita coisa.

— Vai ser como eu quiser, Ellena. Estou cansado de esperar


o que é meu por direito. — Ele abriu um sorriso perverso e
malicioso. — Acho que fiz amizade com o seu amigo aí fora, sabe?
Estou sendo legal em avisar que, por um bom dinheiro, ele se faria
de cego caso você recebesse a visita de John...

Eu sabia muito bem quem era John. Era o capanga de Henry


que me perseguira por Dublin e de quem Danilo me defendera.

Respirei fundo, ainda calada, porque não fazia ideia do que


poderia dizer.

— Não seria nada difícil tirá-la daqui e adiantarmos o


casamento. Quem precisa de uma grande festa? Ou poderíamos tê-
la, se você fizer muita questão, mas um casamento no civil antes?
Me daria o direito de muitas coisas, você não acha?

Não tendo mais para onde fugir, senti meu corpo colidindo
com a bancada da pia da cozinha. Henry continuou avançando até
me encurralar lá.

— Se bem que... se eu pegasse você agora, princesinha,


quem iria saber, né? Provavelmente o seu namoradinho de Dublin já
usou esse seu corpinho de várias formas, então, eu posso ser bem
menos delicado. — Aproximou a boca do meu ouvido e sussurrou:
— Aliás, quando estivermos só nós dois, querida... — Passou as
costas dos dedos pelo meu rosto, em uma carícia provocadora. —
Você vai pagar por isso. Não vou esquecer que me desrespeitou
dessa forma. Não vou...

A mão de Henry ergueu-se, e eu senti que iria se fechar em


um seio, mas fui mais rápida. Estendi a mão para o balcão,
encontrando a caneca de café e joguei o líquido bem na sua cara.

Estava quente ainda, embora não fervendo. Morno, talvez,


porque o dia estava frio, e a região também.

— Filha da puta! — ele gritou e preparou-se para me dar um


tapa, mas a porta se abriu.

— Senhor! — o guarda que deveria ter bloqueado a entrada


de Henry falou bem alto, impedindo-o. — Acho melhor que vá
embora.

O braço de Henry ficou parado no ar, suspenso, a poucos


centímetros de atingir o meu rosto. Se ele quisesse, podia finalizar o
serviço, é claro. O guarda o impediria? Talvez. Meu pai não ficaria
satisfeito em saber que fui agredida, mas provavelmente nunca nem
saberia. As pessoas se vendiam fácil por dinheiro.

Só que meu futuro marido deixou o braço cair, enquanto o


líquido escuro pingava de seus cabelos, manchando cada vez mais
sua blusa polo branca. Usando o outro braço, ele estendeu a mão
para um pequeno cabide preso à parede da cozinha e pegou um
pano de prato, limpando-se.

— Quando for minha esposa, vai ser disciplinada, Ellena.


Serei seu marido. Seu dono. Futuramente seu rei. Vai aprender a
ser obediente a mim ou as coisas ficarão muito complicadas para o
seu lado.

Dando-me as costas e jogando o pano em cima de mim, ele


saiu, passando pelo guarda.

No exato momento em que me vi sozinha, com todas as


suas promessas terríveis girando na minha cabeça, senti minhas
pernas falharem e me joguei no chão, caindo dolorosamente, mas
nem me dando conta da dor.

— Alteza, está bem? — Ouvi a voz do guarda soando


distante, quase como se estivéssemos no fundo do mar.

E agora ele perguntava? Depois de deixar Henry entrar e


fazer seu estrago com o meu psicológico?

— Sim. Vá para o seu posto — tentei usar uma voz de


comando que não era a mais firme, mas iria servir.

— Mas...

Ergui os olhos para ele, demonstrando toda a mágoa.


Provavelmente isso não iria comovê-lo, mas queria que me visse
como eu estava, que compreendesse o quanto sua ganância
poderia machucar outras pessoas.

Parecendo envergonhado — embora isso não minimizasse


em nada seus erros —, o sujeito saiu da casa, me deixando
novamente sozinha.

Ainda bem.
Eu preferia a solidão.

Demorei um pouco para me levantar, mas quando o fiz, fui


direto nas flores que aquele nojento me levou e apenas as joguei no
chão, pisando em cada uma, despetalando-as. As rosas não tinham
culpa, é claro, mas, meu coração doía tanto que nem consegui
pensar no que fazia.

Chorando como nunca antes, corri para o telefone fixo que


havia na casa — minha única comunicação com o mundo de fora —
e disquei o celular do meu tio.

Ele precisava saber dos planos de Henry.

Eu não poderia permitir que aquele casamento se


concretizasse. Precisava de ajuda. Precisava que interviesse de
alguma forma.

Qualquer forma.
CAPÍTULO DEZOITO

“Eu não quero ficar sem você, amor


Eu não quero um coração partido
Não quero respirar sem você, amor
Eu não quero ter esse papel”
BROKEN-HEARTED GIRL – BEYONCE

Sequestro?

Ele estava mesmo falando sério?

A mulher não era uma princesa? Pelo amor de Deus... como


iríamos conseguir tirá-la de onde quer que estivesse? Deveria haver
uma legião de guardas protegendo o lugar, não?

Sim, a ideia era absurda. Completamente sem sentido.

Ainda assim, permitir que Ellena fosse maltratada por um


marido cruel seria covarde da minha parte.

Não importava que ainda estivesse um pouco magoado por


suas mentiras, ela era a mãe da minha filha e...
...

...

...

Minha filha.

MINHA filha.

Conforme Alfred falava em seu celular, que tinha acabado de


tocar, um pouco afastado para ter privacidade, aquele termo
começou a ganhar força na minha cabeça.

Minha filha.

Eu era pai.

Sem nem pensar no que fazia, aproximei-me do carrinho e


me deparei com a bebê dormindo.

Mais inconsciente ainda, estendi meus braços e tirei-a lá de


dentro com todo o cuidado, ajeitando-a no colo, um pouco sem jeito
a princípio, mas certo de que a última coisa que eu permitiria na vida
seria que aquela coisinha pequena e frágil caísse no chão.

Pousei sua cabecinha direto no meu bíceps, mantendo


espaço suficiente para que ficasse bem acomodada. Era tão leve,
tão pequena, tão inocente que cheguei a me sentir atordoado por
pensar que era minha. Uma parte de mim. Uma linda parte de mim.

E de Ellena. Por mais breve que tivesse sido o nosso


relacionamento, aquela coisinha preciosa nascera dele.
Minha Anya.

Seria curioso pensar que ela estava exatamente onde


deveria estar, não? Com o lindo rostinho encostado na tatuagem
que estampava seu nome no meu peito.

Sentei-me na poltrona novamente, mantendo a bebê nos


braços, porque estava completamente hipnotizado por ela. Não
conseguia parar de olhá-la, observar enquanto respirava calminha,
com a boquinha em formato de coração entreaberta, as
bochechinhas coradas.

Ela era ruiva como a mãe. Os fiapinhos de cabelo que


preenchiam sua cabecinha me diziam isso. Os olhos, como eu já
tinham visto, eram meus. Todinhos. Que beldadezinha.

Ao pensar nisso, um riso escapou da minha boca. O quanto


de trabalho aquela coisinha não me daria quando fosse mais velha?
Quantos marmanjos eu teria que afugentar para que não se
engraçassem com a minha filhinha?

Puta que pariu!

Meus olhos se encheram de lágrimas. Era uma emoção


nova, um amor novo. Como era possível que um sentimento
daquela magnitude conseguisse nascer tão rápido? Como era
possível que ele coubesse no meu coração? Porque a sensação
naquele momento era de que iria explodir.

— Você não vai acreditar no que aconteceu! — A voz de


Alfred me arrancou do meu transe, fazendo-me erguer a cabeça.
Lá estava ele, olhando para mim com olhos emocionados.
Um sorriso crescia em seu rosto devagar, curvando seus lábios aos
poucos.

Lentamente também, eu vi seus olhos ficando marejados, e


uma de suas mãos — a que não segurava o celular — ergueu-se
até sua boca, cobrindo-a. Um suspiro escapou, mesmo assim.

— Ela ficaria encantada com essa cena — ele soltou do


nada, mas não era necessária nenhuma explicação. Claro que
estava falando de Ellena.

Eu não conseguia sequer imaginar pelo inferno que ela


estava passando, ao se separar de sua filha. Além do mais, nós
éramos quase dois estranhos um para o outro, como poderia confiar
que eu iria cuidar da neném de verdade?

Havia muitas dúvidas na minha cabeça naquele momento,


depois de descobrir que era pai, mas uma única certeza — não
importava o que iria acontecer, ninguém colocaria um dedo na
minha filha. A partir daquele momento, eu tinha um novo motivo
para acordar todos os dias e tentar ser um homem melhor.

Levantei-me do sofá, colocando a neném de volta dentro do


carrinho, para que dormisse em paz. Planejava afastar-me e ver o
que Alfred tinha a dizer, mas não consegui parar de olhá-la outra
vez.

Aquele pedacinho de mim que agora vivia fora do meu corpo.

— Danilo... — novamente o homem à minha frente chamou,


e eu me dei conta de que tinha me perdido naquele mesmo transe
de antes. Voltei minha atenção ao tio de Ellena, e ele prosseguiu: —
Acabei de falar com ela.

Ela...

Novamente ele nem precisava especificar de quem estava


falando, porque eu sabia.

— Henry, o noivo demoníaco, foi visitá-la.

Rapidamente me coloquei em alerta, embora não fizesse


diferença alguma. Não poderia defendê-la. Ellena estava em outro
país, perdida em algum lugar totalmente inacessível para mim
naquele momento.

— O que aconteceu?

— Ele tentou agarrá-la. O filho da puta ia estuprar a minha


sobrinha! — Alfred falou, indignado.

— O quê? E como ela se defendeu?

Alfred sorriu.

— Minha garota jogou café quente naquela fuça de babaca.


Mas mesmo assim ele quase a agrediu. Por sorte o guarda que
cuida da casa chegou na hora. — Ele se alterou. — Está tudo
errado nisso, Danilo, e você é minha única esperança de salvar a
minha sobrinha.

Sentei-me novamente, porque tudo aquilo estava me


deixando zonzo pela milésima vez naquele dia.
Até o dia anterior, eu era apenas o cara que viajou e
conheceu uma garota linda que precisou abandonar por uma
pequena tragédia. Uma merda? Sim, mas eu não era o primeiro e
não seria o último. Apesar disso, sempre fiquei com a sensação
amarga na boca de que tinha cometido um erro ao não ter lutado
mais por ela, depois que minha mãe se recuperou. Sempre tive a
impressão de que deveria ter caçado por ela o mundo inteiro, se
fosse preciso.

Só que não foi assim.

E agora aquela mulher que tanto me encantou, por quem


meu coração ainda insistia em bater mais forte, estava sendo
agredida. Quase fora violentada, pelo amor de Deus! Que tipo de
homem eu seria se fechasse os olhos para isso? Mesmo que nunca
mais ficássemos juntos, que não conseguíssemos superar a
primeira separação, ela era mãe da minha filha. Sempre haveria um
laço entre nós.

— Ok, Alfred! E você ainda acha que a melhor solução para


o problema é... — Chegava a ser ridículo falar aquilo em voz alta. —
Sequestrar Ellena? — Ergui uma sobrancelha, quase em tom de
provocação. Não era possível que estivesse mesmo falando sério.

— Claro que é! — Ele veio se sentar diante de mim mais


uma vez. — Pense só. Ela me disse que só tem um guarda
protegendo o lugar. Você dá conta de um. Ellena me contou sobre a
primeira vez em que a defendeu. A gente apaga o cara, entramos,
pegamos minha sobrinha e sumimos com ela. Ninguém vai saber
quem foi... e ela pode sumir, viver a vida dela. Com ou sem você.
Vai depender dos dois, é óbvio.

Bem, eu ainda não achava tão óbvio. Decidi ficar calado,


porque provavelmente era a melhor escolha naquele momento, e
isso, aparentemente, serviu como resposta para Alfred.

— Vamos combinar o seguinte, bonitão. Não podemos fazer


nada sem um bom plano, é claro. E hoje eu vou aproveitar a minha
estadia no Rio de Janeiro para resolver uma questão de trabalho.
Se incomoda se eu deixar Anya com você até amanhã?

Fiquei paralisado por alguns segundos, como se o relógio


tivesse congelado naquele instante.

O que eu faria sozinho com um bebê?

— Danilo? — ele insistiu, parecendo apressado. — Eu queria


ficar, conversar, tomar um chá com você, mas realmente tenho um
compromisso. Depois de hoje estarei focado apenas em Ellena e em
todo o resto, mas preciso saber se pode ficar com a neném.

— Eh... eu... eu posso. É minha filha...

— Ótimo. Qualquer coisa... — Ele tirou a carteira do bolso,


pegando um cartão e deixando-o sobre a mesinha de café. — Pode
me ligar. Estarei trabalhando, mas é algo bem informal. Posso te
atender.

— Ok — respondi ainda meio atordoado, mal percebendo


conforme ele se despedia de mim e de Anya, e saía porta afora.
Ok — foi tudo o que eu disse para o cara. Não perguntei
sobre a neném, não tirei dúvidas... absolutamente nada.

E lá estava eu sozinho com uma criança de três meses, sem


ter a menor experiência com bebês.

Fiquei ainda meio zonzo por um bom tempo, sem nem


conseguir planejar o que iria fazer dali em diante, mas com uma
certeza: eu precisava de reforços.

Anya ainda estava dormindo, mas me voltei para ela, dentro


de seu carrinho, e disse:

— Hora de você conhecer sua vovó e sua titia...


CAPÍTULO DEZENOVE

“Pegue
Se ela te der o coração dela, não o quebre
Deixe seus braços serem um lugar onde ela se sinta segura
Ela é a melhor coisa que você terá”
IF YOU LOVE HER – FOREST BLAKK

Eu vi muitos cenários na minha frente. Imaginei-me andando


de um lado para o outro, tentando explicar a existência de Anya
para minha mãe e minha irmã — embora nenhuma das duas
tivesse, obviamente, muitas dúvidas sobre o que era necessário
para um bebê vir ao mundo.

Também me vi precisando me justificar, porque acabei não


contando a história com Ellena para minha mãe, principalmente para
que soubesse que eu não tinha engravidado uma mulher qualquer,
que não tivera importância para mim. Não que eu lhe devesse
explicações, é claro, mas a respeitava o suficiente para
compreender sua mente mais conservadora em relação ao "amor".
Tivera um único homem na vida, e Débora se casara cedo também,
ou seja, eu era a ovelha negra da família, se é que poderia ser
chamado assim.

Fosse como fosse, enquanto elas chegavam, preparei


argumentos de todos os tipos, desde "foi um acidente" a "eu
realmente estava interessado na garota", passando por "eu não
fazia ideia de que ela estava grávida" e "eu nunca teria ido embora
de Dublin se soubesse que estava esperando um filho meu". Porque
todos eles eram reais.

Só que eu caí na asneira de adiantar o assunto para Débora


por telefone. Minha irmã começou a correr dentro de sua casa,
aparentemente tropeçando e deixando tudo cair pelo caminho, pela
pressa, entre xingamentos e reclamações bem incisivas, conforme
ia descobrindo que era tia. Essa pequena ligação inocente
transformou-se em uma fofoca para a minha mãe mais rápido do
que a velocidade da luz.

Quando as duas cruzaram a porta do meu apartamento,


juntas, como se tivessem combinado o horário de chegada, eu me
tornei coadjuvante naquela cena. Tudo o que quiseram de mim foi
saber onde estava a neném.

Anya continuava dentro do carrinho, dormindo, calminha


como um presente, embora eu tivesse adorado interagir um pouco
com ela.

Mas claro que a criança acordou em dois tempos com tanta


festa em cima dela.
Minha mãe pegou a neném nos braços como se fosse a
coisa mais preciosa que já tinha visto na vida. Ela e minha irmã
começaram a chorar imediatamente, comentando que era uma
bonequinha, falaram dos cabelinhos ruivos, dos olhinhos iguais aos
meus, do quanto era calminha. Eram só elogios. Não foi necessária
nenhuma explicação da minha parte sobre como aquela pequenina
veio ao mundo. Para elas, o fato de terem uma neta/sobrinha era o
importante.

Ao menos de início, é claro.

Passado o frenesi do primeiro encontro, minha mãe trocou a


fralda de Anya e lhe deu mamadeira, esquentando o leite — algo
que eu nunca pensaria em fazer —, depois sentou-se ao meu lado,
sem soltar a neta, colocando-a para arrotar — mais uma coisa que
eu não saberia que era necessário.

Ou seja, eu seria uma negação como pai.

Mas tudo bem... sem digressões.

Nós nos sentamos os três — ou melhor, quatro — juntos, e


eu contei tudo sobre o meu breve romance com Ellena. Depois falei
a parte estranha de tudo sobre ela ser uma princesa e sobre sua
realidade de casamento de conveniência, o noivo babaca e suas
obrigações com o reino.

Cada vez que eu falava tudo em voz alta, mais sentia o quão
absurda era a minha nova realidade que mais parecia saída da
Disney.
— Peraí, Danilo... a sua irlandesinha misteriosa é a princesa
Ellena Marie, de Anthoria? — Débora jogou, com o cenho franzido,
quase indignada.

— Aparentemente, sim. Por quê? Você a conhece?

— Como não? A garota é um ícone. Eu a sigo no Instagram.


Ela tem um projeto lindo de caridade e um senso de estilo incrível.
Agora eu entendo por que você caiu de quatro por ela. Eu nem sou
homem, sou hétero, mas teria me apaixonado, ainda mais se ela for
tão bonita quanto nas fotos.

Lembrei-me das imagens que vi no Google.

— É mais. Muito mais. — O comentário saiu sem que eu


nem percebesse, assim como o tom levemente sonhador que usei.
O tom apaixonado.

Vi minha mãe e minha irmã se entreolhando com sorrisinhos


cúmplices, o que me fez revirar os olhos.

— Não vem ao caso quem ela é. Não importa se é princesa,


se é linda... Nada disso. O que sei é que ela precisa de ajuda.

— Sim, isso é verdade. A menina está numa situação


horrível, precisamos encontrar uma forma de resolver isso — minha
mãe, sempre altruísta, falou. — Só que... sequestro? — É, eu tinha
contado a ideia mirabolante de Alfred para elas.

— Bem, não seria exatamente um sequestro, porque Ellena,


provavelmente, vai consentir. Além do mais, Alfred é dramático.
Seria mais como um resgate — expliquei, conforme levava a mão à
nuca, coçando-a, constrangido.

— Gosto mais dessa palavra — Débora falou, enquanto


esfregava as costinhas de Anya, ainda no colo da minha mãe.

— Não faz diferença a palavra, gente! Eu não posso fazer


isso. Não sou um James Bond. Sou um cara comum...

— Você salvou a garota, pelo que nos contou. Aliás, que


história é essa de se colocar em perigo dessa forma? — indignou-se
D. Angélica.

— Mãe, já passou. Estou vivo aqui, não estou?

Pela expressão em seu rosto, isso não era muito suficiente


para ela, mas não vinha ao caso.

— Voltando... eu estou confuso. De verdade. Não sei o que


fazer.

— É uma situação complicada, querido. Conheço o filho que


criei e sei que você vai ficar remoendo se não fizer nada. Se deixar
a moça nas mãos de um marido cruel, vai se arrepender. — Porra, e
era a minha mãe falando aquilo. A mesma que acabara de me
repreender por ter me colocado em perigo.

Só que não seria perigoso do mesmo jeito enfiar-me em uma


missão sem nem saber direito o que aconteceria? Tudo bem que
Alfred dissera que Ellena estava sendo vigiada apenas por um
homem, mas quem poderia prever se surpresas não aconteceriam?
Além do mais, ele não me dissera como iríamos encontrá-la, já que
estava em um local tão ermo.

Mas Alfred deveria saber o que fazer, não? Esta não poderia
ser a minha preocupação. Ele parecia ter um plano quase
arquitetado. Eu seria apenas uma peça.

Durante o resto do dia, não consegui pensar muito a respeito


da situação, porque foi uma verdadeira confusão. Jairo, meu
cunhado, chegou com sua picape cheia de coisinhas da minha
sobrinha que não foram usadas, mas que minha irmã guardou em
um depósito. Fiquei constrangido em usá-las, mas ela parecia feliz
em dar uma serventia para todos os móveis, roupinhas, brinquedos
e tudo o que poderia me ajudar naquele primeiro momento.

Minha família me auxiliou a arrumar o quarto de hóspedes da


minha cobertura para montarmos um berço e todas as coisas que
seriam possíveis ainda naquele dia. Débora e minha mãe
organizaram as roupinhas na cômoda, enquanto eu e Jairo nos
ocupamos da parte mais braçal da coisa.

Ao final do dia, nem tudo estava bonito como minha filha


merecia, mas ao menos ela teria seu cantinho, um local seguro para
dormir, roupinhas — além das poucas que Alfred levou —, outro
carrinho, brinquedos e muitas coisas que estavam sendo
transferidas de uma Anya para outra. Muitas coisas, inclusive,
tinham o nome da minha sobrinha, o que seria bem providencial.

Por um momento até pensei que Débora ficaria chateada por


Ellena ter escolhido o nome de sua filhinha que não nascera, mas
minha irmã só se emocionou, o que me deixou sensibilizado
também.

Meu cunhado levou minha mãe em casa, embora ela tivesse


insistido muito que preferia ficar, mas eu sabia que um bebê
pequeno poderia chorar durante a madrugada, e, em sua idade,
depois de um acidente sério, não queria que passasse a noite em
claro para cuidar da neta. Débora, em contrapartida, ficou.

Ninguém a tiraria dali, nem com a ajuda de um guindaste.

Deixamos uma cama no quarto improvisado de Anya — a


mesma que estava lá antes do berço —, e eu não queria ficar me
iludindo com as imagens de Ellena dormindo ali, se realmente
fôssemos buscá-la. Mas, se fosse sincero comigo mesmo, poderia
dizer que esta fora a intenção, mesmo que não a tivesse verbalizado
em momento algum.

Naquela noite, Débora a usaria, mas já passava da meia-


noite, e nenhum de nós dois fora deitar ainda. Ela estava com Anya
no colo. A menina tinha chorado um pouco minutos antes, com
fome, e nós lhe demos mamadeira. Minha mãe e irmã tinham me
ensinado a trocar fralda, a alimentá-la, a colocá-la para arrotar e
todo o resto. Ainda assim, era Débora quem a segurava naquele
momento. Porém eu sentia que estava com sono, tanto que tirou um
cochilo, sentada mesmo, e eu precisei chamá-la.

— Mana, vai dormir. Eu fico com a Anya.

Ela me olhou de sobressalto, olhou para a neném, mas


assentiu, entregando-me minha filha. Depois de passar a criança
para os meus braços, com todo o cuidado, beijou minha cabeça,
como a boa irmã mais velha que era.

Então olhou nos meus olhos, com os dela sonolentos e


emocionados.

— Obrigada. Essa menininha trouxe luz à nossa família


novamente. Sei que você não esperava isso agora, que foi uma
surpresa, mas ela vai mudar a sua vida, Dan. E você vai ser um
ótimo pai.

Engoli o nó que se formou na minha garganta, tentando


controlar meus sentimentos.

— Espero que sim.

Ela sorriu, bagunçando meu cabelo, que era exatamente da


cor do dela, embora o usasse comprido.

— E vai fazer o certo a respeito da mãe dela também. O que


o seu coração mandar.

Com isso, Débora afastou-se, indo para o quarto para onde


eu levaria Anya assim que esta dormisse, deixando-me sozinho com
minha filha.

Ela ainda estava acordada, mas jurei que seria por pouco
tempo, a julgar por seus olhinhos sonolentos. Então eu precisava
aproveitar, porque tinha algumas coisas a dizer para ela.

— Oi, princesa. — Fiz uma pausa, abrindo um sorriso. —


Curioso isso, né? Eu sou um pai que, ao chamar a filha de princesa,
não está apenas falando no sentido figurado. Você, de fato, é uma.
Dependendo de como as coisas acontecerem, talvez você nunca
usufrua do título, porque eu não vou permitir que definam seu futuro
como fizeram com a sua mãe...

Outra pausa. A palavra mãe, dita a Anya, trouxe a imagem


de Ellena à minha mente.

— Aliás, por mais que ela pense que não, sua mãe é uma
mulher muito corajosa. Ela se arriscou muito para permitir que você
viesse ao mundo e que fosse trazida até mim, para que ficasse
segura. — Ajeitei-me no sofá, deitando-me nele e colocando Anya
sobre o meu peito, mantendo ambas as mãos em suas costas para
segurá-la ali, acariciando-a. — Sabe, filha... sua tia está certa. Eu
não pensava em ser pai. Não agora. Talvez daqui a alguns anos,
quando estivesse casado, e não nessa situação meio caótica. Só
que você existe, você chegou, e eu vou ser o melhor que você
poderia ter. Eu juro. Vou fazer o que estiver ao meu alcance para
você ser feliz, para que se mantenha segura e que possa se tornar
uma boa pessoa.

Foi uma promessa feita com o meu coração. Só que eu já


estava falhando nela, né? O melhor para Anya era ter Ellena por
perto. Como eu teria coragem de contar para a minha filha, dali a
alguns anos, que sua mãe se tornou prisioneira de uma vida horrível
porque eu não tive colhões suficientes para ir atrás dela e salvá-la?
Como eu seria o herói da minha garotinha se não me mexesse para
proteger sua mãe?

Como viveria minha vida me perguntando o que teria


acontecido se fosse ao tal país, Anthoria, e levado Ellena para o
Brasil, para que ela pudesse ter uma oportunidade? Para que nós
tivéssemos uma chance?

Nós? Será que seria possível? Ou qualquer coisa que


sentíssemos um pelo outro ficara no passado?

Não importava. Se eu fosse buscar Ellena, não seria para


que ficássemos juntos. Seria para tirá-la de uma enrascada.

Quando levei Anya para o quarto, uma hora depois, eu já


estava decidido. Tanto que, na manhã seguinte, assim que Alfred
chegou e que nos vimos todos na sala, reunidos, eu anunciei minha
decisão:

— Vamos buscar Ellena.


CAPÍTULO VINTE

“Apenas pare de chorar


É um sinal dos tempos
Temos que sair daqui
Apenas pare de chorar
Vai ficar tudo bem”
SIGN OF THE TIMES – HARRY STYLES

UM MÊS DEPOIS

Todas as noites eram iguais. Cada dia que passava, mais se


aproximava o momento em que eu teria que deixar aquela casa —
que era quase um cativeiro, mas que, estranhamente, se tornara
meu refúgio —, para me casar.

Dois meses.

Era um tempo até considerável. Quando eu estava


esperando Anya, os dois últimos meses pareceram mais longos do
que nunca. A ansiedade em ver o rostinho da minha filha, conhecê-
la, tê-la nos braços... Foi quase uma tortura. Naquele momento,
quando o que eu esperava era algo muito menos empolgante, era
como se os dias tivessem apenas dez horas.

E deveria ser o contrário, não é? Levando em consideração


minha solidão e o ócio...

Insone, eu ainda girava de um lado para o outro na cama.

Aquela noite poderia ser diferente. Poderia ser a minha


chance.

Mas se desse errado...

Tio Alfred prometera uma loucura. Não explicara exatamente


o que aconteceria, o que faria, mas parecera confiante. Quando nos
falamos no telefone poucas horas antes, dissera que passara um
mês planejando tudo e que eu só precisava esperar. Ficar pronta,
em alerta, mas tentar fingir normalidade.

Era o que eu estava fazendo.

Às nove, como sempre, apaguei todas as luzes da casa,


peguei um livro e fui me deitar, com o abajur ao lado da cama
aceso.

Normalmente eu lia por uma hora, então fiquei de olho no


relógio, sem nem prestar atenção ao livro. Quando era pouco mais
de dez, fingi que ia dormir. Por baixo do edredom, eu usava calça
jeans e uma blusa de pijama que se passaria por uma t-shirt
qualquer, caso precisasse sair com ela. Meus documentos nos
bolsos.

Enquanto esperava o que parecia uma eternidade, tentava


focar meus pensamentos em qualquer coisa, mas eles sempre
partiam para a mesma direção: no quanto eu estava apavorada.

Meu leite havia secado, embora tivesse se passado apenas


um mês desde que não amamentava minha bebê, o que era triste e
quase uma bênção. Para ser sincera, nunca tive muito, desde o
início. Era como se meu corpo estivesse trabalhando para me
ajudar, porque se me casasse com Henry e ele o visse, as coisas
seriam piores.

Se eu ainda precisasse me deparar com isso todos os dias, o


sofrimento seria muito maior. Foi terrível no início. Passar por tal
provação por muito mais tempo me faria definhar.

Perdida em pensamentos agonizantes, acabei cochilando,


mas não demorei a despertar, depois de ouvir um barulho.

Meu Deus! Seria tio Alfred?

Permaneci deitada na cama, temendo criar mais alarde, mas


todo o meu corpo tremia, inquieto e na expectativa.

A porta da frente se abriu com seu ranger característico, e


meus olhos se arregalaram. Será que eu deveria fazer alguma
coisa? Levantar-me? Checar o que era?

Apesar dos meus pensamentos, permaneci deitada, tentando


me acalmar.
A luz do quarto se acendeu de súbito, e quem eu vi não foi
meu tio, mas John — o capanga de Henry.

Sozinho.

Em uma reação instintiva, ergui o cobertor até o meu


pescoço. Estava completamente vestida por debaixo dele, mas não
queria que visse que eu estava com roupas que não eram de dormir.

— O que está fazendo aqui? — perguntei, tentando esconder


o pânico da minha voz.

Ele sorriu, o que me fez estremecer.

— Vim buscar Vossa Alteza. Meu patrão está esperando com


tudo pronto para um lindo casamento que acontecerá amanhã.

Amanhã?

Não... mas como era possível?

— Meu pai nunca vai concordar com algo assim — afirmei,


sem muita certeza. Assim como aconteceu com meu ano sabático,
meu pai concordou, muito a contragosto, em me dar mais alguns
meses por conta de um pedido desesperado meu, exatamente pela
questão do leite e do parto recente. Eu não estava mais em
resguardo, mas não sabia que tipo de coisas Henry iria querer fazer.

Claro que não expliquei nada disso ao rei, mas ele até que
concedeu meus desejos mais uma vez.

Meu noivo não gostou nada.


— Seu pai só vai saber quando você estiver casada. —
Aquele homem nojento foi se aproximando de mim, colocando-se ao
lado da cama, e eu me arrastei pelo colchão, afastando-me, sem
nem me importar com a roupa que usava. Quando ele arrancou o
cobertor de cima de mim, nem pareceu surpreso. — Vai a algum
lugar, princesinha?

Não o respondi.

— Eu sei que sim. Acha que seu querido noivo não


grampeou o telefone que você tem aqui? Acha que não ouvimos
hoje, mais cedo, que o viadinho do seu tio pensou em algo para esta
noite? Deveria tomar mais cuidado...

Sim, eu deveria. Mas era meu único meio de comunicação


com o mundo exterior. Sinceramente não pensei que meu pai fosse
fazer algo daquela natureza, mas não contei com Henry, que teve
acesso à casa antes de eu me mudar para ela.

— E quer saber uma coisa? Estou muito feliz que tenha


aberto as pernas para o rapaz lá em Dublin, porque obviamente
sabemos que fez isso. A vantagem é que não preciso mais te
entregar intacta ao meu patrão.

O quê?

Mas...

O que ele estava querendo dizer?

Que idiota, Ellena! Você sabe muito bem o que ele quer
dizer. Conhece suas intenções. A forma como sempre te olhou...
— John, se você me tocar, Henry vai saber... Eu vou contar
para ele. — Tentei usar de um argumento nada convincente, mas
também me levantei da cama, colocando-me de pé, do outro lado
dela, tentando ficar ao máximo longe do homem.

— Vai ser a sua palavra contra a minha. A noivinha traidora


ou o funcionário dedicado há anos? Acha que ele vai acreditar em
quem?

Ele tinha razão. Ao menos pela parte de Henry.

— Mas meu pai vai acreditar em mim.

— Seu pai não será mais responsável por você. Seu marido,
sim.

Marido. A palavra chegava a doer no meu peito. Se eu a


repetisse, ela seria como veneno na minha língua.

Só que não tive muito tempo para ponderar qualquer coisa,


porque o filho da mãe praticamente voou em minha direção, só me
dando tempo de reagir.

Acelerei, correndo para fora do quarto. Precisava chegar até


o guarda lá fora. Por mais que servisse como um carcereiro e não
como um protetor, da outra vez ele impedira Henry de me tocar, não
fora? Com certeza, se soubesse que era John, não permitiria que
me fizesse mal.

Cheguei à porta, mas ela estava trancada. Olhei por cima do


ombro e vi John com a chave na mão, erguendo-a e rindo da minha
cara.
Desgraçado!

Comecei a chutar e socar a porta, gritando:

— Socorro! Socorro...

Senti a mão de John agarrando o meu braço por cima do


cotovelo, com força, puxando-me para que ficasse de frente para
ele.

— Seu amiguinho lá fora está dormindo profundamente. E


você também vai, porque não estou a fim de te machucar para te
conter...

Ainda me segurando, ele tirou uma seringa do bolso. Tentei


me soltar desesperadamente, enquanto John nos afastava da porta.
Continuei gritando, esperneando, lutando, mas ele me imobilizou
contra seu peito e afundou a agulha bem no meu pescoço.

Enquanto eu sentia o líquido entrando na minha veia, um


estrondo veio da porta.

Minha mente foi ficando enevoada aos poucos, enquanto eu


perdia a consciência, mas não sem antes ver quem estava
entrando, depois de arrombar a porta.

Danilo...

Seria mesmo ele?

Não... não podia ser. Era minha mente me pregando peças e


me iludindo.

Não podia ser...


Ou podia?
CAPÍTULO VINTE E UM

“Segure a minha mão, tudo ficará bem


Eu ouvi do céu que as nuvens estão cinzentas
Me puxe para perto, me envolva em seus braços doloridos
Eu vejo que você está sofrendo, por que demorou tanto?”
HOLD MY HAND – LADY GAGA

Eu me sentia um gatuno. Só que essa era mesmo a


intenção.

Um sequestro, não era? Por mais que eu chamasse de


resgate, Ellena não fazia ideia de que seria eu a ir buscá-la,
enquanto seu tio esperava no carro. Aparentemente meus punhos
tinham mais chances de resolver a situação com o cara na porta da
casa, já que Alfred, não tinha coragem de sequer lançar um chinelo
em uma barata.

E se a mulher se recusasse a ir comigo? O que eu faria?


Deixaria que permanecesse naquela casa ou simplesmente a
jogaria no meu ombro para tirá-la na marra, para que não sofresse
no futuro? Até que ponto era certo agir sem o consentimento de
alguém, quando a proteção desta pessoa estava em jogo?

Alfred era um bom ator, ao menos. Assim que chegamos em


Anthoria, ele entrou em contato com seu cunhado, pedindo e
implorando, aos prantos, que o deixasse ver a sobrinha antes de ela
se casar. Queria lhe dar um presente para o enxoval e conversar um
pouco depois de tanto tempo de convivência.

Eu mesmo teria cedido ao ouvir argumentos tão lamentosos


e convincentes.

O rei — ainda era estranho falar assim — parecera


concordar com uma visita no dia seguinte, à tarde, com horário
marcado. O endereço fora concedido a Alfred, que era o que
precisávamos.

Adiantamos a visita para aquela noite, sem avisar a ninguém,


e lá estava eu, saltando do carro e caminhando na direção indicada
pelo meu parceiro no crime.

Estava um pouco escuro, porque havia pouca iluminação ao


redor, mas eu não podia sequer acender a lanterna do celular, para
não chamar atenção. Conseguia enxergar a casa ao longe, pela
iluminação que vinha da varanda dela.

Mas o que vi não me agradou em nada.

Sim, havia um homem à porta — o tal que eu deveria abater


para chegar até Ellena. Só que ele não estava sentado no banco,
mas caído no chão.
Apressei os passos para chegar a ele e agachei-me,
checando sua pulsação.

Vivo, mas completamente inconsciente.

Apenas isso já seria um sinal de que havia algo de errado,


mas foi o grito feminino que me fez agir.

Grito de Ellena. Eu reconheceria sua voz, mesmo depois de


tanto tempo separados.

Forcei a maçaneta, mas estava trancada.

Outro grito. Fui ficando cada vez mais desesperado, o que


me levou a tomar uma atitude impulsiva: tomei alguma distância e
enfiei o pé na porta.

Assim que ela se abriu — ou foi destruída — deparei-me


com o mesmo homem da outra vez, que tentou sequestrar Ellena,
agarrando-a e dopando-a.

— Danilo? — Sua voz doce soou tão baixa e frágil que me


fez engolir em seco. Nem sei se a ouvi ou se apenas li meu nome
em seus lábios.

Segundos depois, ela simplesmente perdeu a consciência.


Ao me ver, o cara a deixou cair no chão, sem o menor cuidado.

Meu sangue ferveu ainda mais.

— Ah, o garoto voltou para buscar a princesinha. Chegou


bem na hora da festa. Mas não vou deixar que estrague minha
diversão desta vez.
Diversão? O que diabos ele ia fazer com ela?

Não esperei para ver, apenas avancei sobre ele, socando-o


com força. O filho da puta cambaleou, mas não caiu. Ainda
conseguiu revidar, acertando-me também no maxilar.

Fazia algum tempo que eu não brigava assim. Na última vez


fora exatamente com aquele sujeito e seus capangas, e levei a
melhor. Aparentemente eu estava dando sorte mais uma vez,
porque ele não estava armado. Ao menos não puxou nada para me
ameaçar. Tanto que veio novamente só com os punhos, mas eu
desviei, acertando-o em seguida.

Uma, duas, três vezes. Com toda a minha força.

Daquela vez ele caiu.

Eu não costumava ser um cara violento, mas como não


reagir com raiva a um homem que sugerira que iria se divertir com
uma mulher inconsciente? Que estava ali para sequestrá-la e...?

Bem, eu também estava, né? Mas minhas intenções eram as


melhores possíveis.

Ah, porra! Eu ia levá-la de volta para a filha... não podia ficar


remoendo minhas futuras ações enquanto literalmente chutava a
cara do desgraçado até deixá-lo inconsciente.

Não tinha tempo a perder. O cara podia acordar a qualquer


momento e atrapalhar meus planos.

Corri para Ellena e me agachei ao lado dela. Peguei-a,


virando-a de barriga para cima, não deixando de perceber o quanto
parecia mais magra e abatida.

Mas linda. Tão perfeita quanto me lembrava.

Minha sereia... Eu precisava levá-la para algum lugar seguro.

Ajeitei-a no colo, tirando-a do chão e levando-a com cuidado


para fora da casa.

O carro não estava tão próximo, e eu precisaria carregá-la


até lá, mas Ellena era pequena e, com a perda de peso, parecia
ainda mais leve nos meus braços.

Porra... era difícil não pensar que ela nunca deveria ter saído
deles, mas isso era algo que ainda precisávamos consertar. Havia
muito tempo e mágoas entre nós. Coisas a serem conversadas, a
serem compreendidas. Um longo caminho.

No momento em que cheguei próximo ao carro, cujos faróis


estavam acesos, Alfred saltou, com os olhos arregalados.

— Danilo! O que fez com ela? Ela deveria vir por livre e
espontânea vontade.

— A ideia era essa — comecei a falar, enquanto ele abria a


porta traseira do carro. Poderia colocá-la lá, sozinha, mas achei
melhor entrar também e levá-la no meu colo. A desculpa era que
queria mantê-la mais segura e estável, mas a necessidade de tê-la
por mais tempo tão próxima era mais minha. — Só que ela já estava
assim quando cheguei. O filho da puta do capanga do noivo dela
apareceu antes.
— O quê? — Alfred falou antes de fechar a porta. Entrou
atrás do volante e se acomodou. — O que a cria do diabo estava
fazendo lá?

— Acha mesmo que esse é o tipo de papo para termos


parados aqui? Vamos dar o fora! — afirmei com veemência, e ele
assentiu.

— Claro, claro!

Alfred fez o que pedi, dando a partida e seguindo para fora


daquela espécie de bosque, enquanto a casa de onde tirei Ellena se
tornava cada vez menor.

O alívio por ela estar ali com a gente finalmente recaiu sobre
a minha cabeça. Se tivesse chegado alguns minutos depois, ou ela
já não estaria mais ali ou o filho da mãe teria "se divertido", como
disse que ia fazer.

Mas estava tudo bem. Era nisso que eu precisava pensar.

— Para o aeroporto? — Alfred perguntou, quando já


estávamos em uma via expressa.

Nosso combinado era tirar Ellena da casa — consciente, é


claro — e convencê-la a ir conosco para o Brasil. Pelo desespero
que ela demonstrara nas conversas com Alfred, dificilmente iria
negar, então eu deixei um avião fretado nos esperando no aeroporto
de Dublin, para onde seguiríamos imediatamente.

Só que... os planos tinham mudado, não?

— Vamos para Dublin, mas para um hotel.


Os olhos esbugalhados de Alfred me olharam através do
retrovisor.

— Como assim? Ficou doido? Não foi o que combinamos!


Precisamos levá-la para bem longe! Senão...

— Não, Alfred! — eu o interrompi. — Não posso enfiá-la em


um avião estando desmaiada e sem saber se ela quer ir conosco
para outro país.

— Acha que ela não quer ver Anya?

— Eu tenho certeza de que quer. — Ao menos eu achava


que tinha certeza, mas como poderia afirmar? — Ainda assim não é
certo. Precisamos que Ellena fale o que pensa. Aparentemente todo
mundo sempre ditou as regras na vida dela, sempre lhe deram
ordens e controlaram sua vida. Não vou fazer o mesmo. Vamos
levá-la a um hotel, esperar que acorde e tomar as decisões.
Enquanto isso, vamos protegê-la e não deixar que a levem de nós.

Alfred ficou calado, mas eu ouvi seu suspiro dentro do


silêncio do carro.

— Você está certo, Danilo. E aí está a explicação do porquê


de ela te amar.

Amor?

Ellena não me amava. Se me amasse teria ido comigo para


o Brasil quando a convidei. Teria contado a verdade.

Fosse como fosse... Voltei meus olhos para ela, tão indefesa
nos meus braços, e pensei em amor.
Será que era o que ela sentia?

E o que será que eu sentia?


CAPÍTULO VINTE E DOIS

“Eu não vou te dizer que estou sozinha


Porque isso pode soar egoísta
Eu não vou pedir para você me abraçar
Porque isso não vai consertar o que é impossível”
OUT OF LOVE – ALESSIA CARA

Não era a primeira vez que eu acordava desorientada em um


quarto de hotel desconhecido. E isso porque praticamente não
bebia.

Minha cabeça girava e girava e girava, ao ponto de eu não


ter nem coragem de me sentar. Se fizesse isso, ficaria ainda mais
assustada.

A última coisa de que me lembrava era de Danilo entrando


pela porta arrombada da casa. Só que, obviamente, era um produto
da minha mente me pregando peças. Com a sorte que eu tinha,
Henry surgiria à minha frente em um segundo, e eu teria que
encarar meu destino mais cedo do que o previsto.
Decidi ficar deitada por um pouco mais de tempo. Se preciso,
até fingiria ainda estar inconsciente. Ganhar tempo... mas para quê?
Eu não poderia dormir para sempre, fazer a Bela Adormecida e
esperar ser acordada por um beijo. Encarar a realidade teria que
acontecer, mais cedo ou mais tarde.

Mas preferi me conceder mais alguns minutos de paz.

Até que uma voz familiar e muito amada foi captada por
meus ouvidos atentos.

— Você não acha que ela está dormindo há muito tempo? —


Era tio Alfred, não era? Eu não podia estar assim tão iludida.

Só que ele fez uma pergunta que ficou sem resposta. Depois
ouvi alguns murmúrios dele mesmo, além de uma despedida.
Estaria no telefone?

Abri meus olhos novamente, tentando ficar em silêncio,


aguardando. Ouvi passos, mas permaneci parada.

Mas então eu vi. Meu tio querido. Estava parado diante da


porta, observando-me. Fui me colocando sentada na cama bem
devagar, enquanto ele me olhava.

A saudade chegava a doer de tão profunda.

— Tio — o chamado saiu como um soluço, algo tão frágil que


eu temia não ter dito nada e ter sido apenas um produto da minha
imaginação. Assim como ainda me assustava a ideia de não ser ele
ali de verdade, ser apenas uma miragem.

— Ah, querida!
No entanto miragens não falavam, não é? E não afundavam
colchões ao se sentarem neles. Muito menos abraçavam tão forte.

Aqueles braços foram meu porto seguro diante de meses


muito difíceis; durante noites insones e de pesadelos intermináveis.
Aqueles braços eram o único lar que eu conhecia.

— Tio Alfred! Eu não acredito... Como...? — perguntei, ainda


atordoada, assim que nos afastamos. — Como conseguiu... Como?
— Eu atropelava as palavras, mal conseguia respirar.

— Longa história, querida. Mas vai conhecê-la por inteiro.


Agora eu preciso saber: você está bem?

— Eu... eu acho que sim. Estou um pouco zonza ainda,


mas...

— Foi por pouco. Muito pouco. Danilo chegou bem na hora


em que...

— Espera... Danilo? — Eu tinha ouvido direito, não tinha?

Ou melhor... tinha visto direito. Eu o vi lá, chegando na casa


como um furacão, mas já estava com o sedativo correndo pelas
minhas veias, poderia ter sido uma alucinação.

Uma linda alucinação, é claro...

— Sim, docinho. Seu amante latino. O pai da sua filha. Ele


veio comigo. Eu estava falando com ele até agora. O bonitinho ficou
no quarto ao lado, porque não queria atrapalhar nossa privacidade.
Sério, Ellena, onde você arrumou um desses na sua primeira
aventura sexual com um homem? Eu tenho procurado há quarenta
e cinco anos e nunca encontrei.

Meu tio falava, e eu o ouvia, mas simplesmente não


conseguia processar exatamente o significado de suas palavras,
porque a ideia de Danilo ter ido me resgatar daquela forma ainda
era o que pulsava na minha mente no mesmo ritmo do meu
coração.

Por que ele fora? Depois de tudo o que fiz...

Só que se ele e meu tio estavam ali, outra preocupação me


inundou.

— E Anya? Onde ela...?

— Ficou com a família de Danilo. Eles são ótimos, aliás. Vão


cuidar muito bem da pequena.

Uma onda de alívio afastou os calafrios, então eu foquei no


que precisava fazer.

— Tio, eu quero vê-lo — afirmei em um rompante impulsivo.


Nem sabia o que iria dizer, mas não era a razão agindo ali. Eu era
pura emoção.

Meu tio não falou nada, apenas assentiu e me ajudou a me


levantar, praticamente me amparando até a porta do quarto de
Danilo, porque eu ainda via tudo girar depois de ser dopada.

Tio Alberto bateu à porta, e Danilo atendeu em tempo


recorde, como se estivesse ao lado dela esperando alguma coisa.
Logo que surgiu à minha frente, tão bonito quanto parecera
na primeira vez em que o vi, vestindo apenas um jeans e uma
camiseta branca de gola V, meu coração simplesmente parou, assim
como o tempo, como se nada mais ao nosso redor existisse.

— Bem, vou deixar vocês dois conversarem. — Depois de


dizer isso, tio Alfred simplesmente saiu, deixando-me ali com Danilo,
nós dois parados, um de frente para o outro, em silêncio, como se
não fizéssemos ideia do que poderíamos dizer.

O baque da porta do quarto de onde saí fechando-se me


causou um sobressalto, e o movimento súbito me fez ver tudo
girando. Pensei que iria cair no chão, mas Danilo me segurou. Ainda
me sentindo um pouco grogue e zonza, nem tentei conter as
palavras quando elas decidiram sair:

— De certa forma, você está sempre me salvando — foi só


um sussurro, e quando ergui a cabeça para olhá-lo, lá estávamos
nós tão próximos que eu sentia o calor que emanava do corpo
grande dele sendo transferido para o meu.

Danilo ainda não disse nada, apenas começou a me amparar


até entrarmos em seu quarto, ajudando-me a me acomodar no sofá
da antessala.

Prosseguimos mantendo um silêncio desconfortável, até que


ele surgiu com um copo d’água, colocando-o à minha frente.

— Obrigada — eu disse, esperando retorno, mas ele apenas


começou a andar de um lado para o outro, calado.
Quando falou, sua voz quase me deixou tonta novamente,
porque ela soava exatamente igual aos meus sonhos, às memórias,
a tudo o que eu guardava dentro de mim como sinônimo de amor e
dias melhores.

— Não podemos ficar em Dublin muito tempo — disse, de


costas para mim.

— Estamos em Dublin, então? — Bela resposta, Ellena!

— Sim. Alfred queria te levar logo ao Brasil, mas achei que


precisávamos conversar com você antes. Não quis te enfiar em um
avião desacordada sem dar opinião. Acho que já fizeram isso
demais na sua vida.

Era difícil não amar aquele homem.

Obviamente era o mínimo. Ser respeitada, ouvida e


consultada, deveria ser o cotidiano na vida de qualquer mulher, mas
não era o que acontecia. Não era o que acontecia na minha; por
isso, Danilo surgira como um diferencial. Alguém que se preocupava
com minhas opiniões para variar.

— Obrigada. Não só por respeitar as minhas decisões, mas


por ter vindo até aqui. Você não precisava. E não precisa me
acolher no Brasil. Se puder me ajudar com Anya, por algum tempo,
eu posso encontrar um emprego fazendo qualquer coisa. Posso
morar em uma pensão baratinha. Não quero te dar trabalho e...

— Você pode ficar comigo — ele respondeu, ainda seco e de


costas.
Isso doeu mais do que se ele tivesse me agredido.

Eu deveria ficar calada. Não tinha direito de reclamar, de


perguntar, de cobrar. Não tinha direito algum. Só que não conseguia
vê-lo agir daquele jeito comigo e ficar passiva, aguardando qualquer
migalha.

— É um pouco difícil acreditar que vai dar certo sendo que


você mal consegue me olhar enquanto conversamos.

Minhas palavras pareceram atingi-lo, porque ele parou,


abaixou a cabeça, permanecendo assim por um tempo, até se virar
para mim, com a expressão mais ferida do que meu coração poderia
aguentar.

— Sim, me desculpa, você tem razão. Mas o que quer de


mim, Ellena? Não vou conseguir fingir que nada aconteceu de uma
hora para a outra. Você escondeu uma filha de mim por meses!

— Não! — respondi, indignada. — Eu não escondi!

— Mentira! — ele falou em outra sua língua natal, mas logo


se empenhou em traduzir depois, para que eu entendesse, em um
tom de voz um pouco mais baixo. — Se vocês descobriram o
endereço do meu escritório poderiam ter me ligado antes, nem que
fosse para falar: “Olha, Danilo, você foi embora da Irlanda, mas
deixou algo seu aqui... Parabéns, estou grávida.”

Meus olhos começaram a arder. Eu não queria chorar, mas


era impossível.

— Eu estava tão assustada. Como eu iria saber que você...?


— Que eu o quê? Como iria saber se eu iria honrar meus
compromissos como pai? Porra, Ellena, eu teria pegado um avião
na mesma hora e te tirado daqui se soubesse. Não só da gravidez,
mas de tudo pelo que você teria passado se não chegássemos hoje
a tempo.

— Eu não te conhecia! Não ao ponto de imaginar como


lidaria com a ideia de ser pai.

Danilo ficou calado. Balançou a cabeça, assentindo, mas eu


nem sabia o que isso significava. Não sabia se estava concordando
comigo ou se era apenas um movimento sem sentido.

— Ainda assim, era meu direito saber — falou depois de


alguns instantes calado.

— Era. E eu errei, peço desculpas. Mas não muda o fato de


que estava apavorada. Não sabia o que fazer. Não tinha seu
telefone. Eu nem me lembrava o nome da sua empresa; só me
voltou à memória quando Anya já estava nascida, e eu precisei sair,
em busca de um emprego. Só então vi um panfleto em um hotel
parceiro da Verity, onde fui em busca da vaga de camareira.

— Você foi procurar emprego?

— Sim. O que eu poderia fazer? Não queria ser um peso


para o meu tio. Eu sabia que meu pai surgiria para me buscar e
queria fugir. Mas não consegui. Eu tinha acabado de dar à luz,
ninguém quis me contratar e... — O choro me venceu, finalmente, e
eu não pude mais falar. Tudo ficou preso na minha garganta, como
um nó inquebrável.
Levei as mãos ao rosto, cobrindo os olhos, envergonhada
por estar novamente bancando a garota frágil que eu odiava ser. Se
era para começar uma nova vida a partir daquele momento, que
fosse criando coragem em todos os sentidos.

Mas quando os braços de Danilo me envolveram, e eu senti


o calor de seu corpo contra o meu, transmitindo-me sua força e sua
proteção, eu soube que poderia ser forte para qualquer outra coisa,
mas aquele homem sempre me deixaria vulnerável de alguma
forma.

Ficamos assim por alguns instantes, até que ele se afastou,


ainda segurando meus braços, olhando nos meus olhos.

— Brasil, então?

Mesmo por entre as lágrimas, eu sorri.

— Qualquer lugar, Danilo. Qualquer lugar onde minha filha


esteja. — Ele assentiu, parecendo um pouco triste, então eu
completei: — E você também.

Eu vi um brilho diferente em seus olhos. Um que me deu um


pouco de esperança.

Só esperava não estar completamente enganada.


CAPÍTULO VINTE E TRÊS

“Eu sinto que não mereço você esta noite


Pela maneira como você me abraça
Eu não mereço você esta noite
Pelas coisas que você me mostra
Eu preciso de você, não me deixe ir”
DESERVE YOU – JUSTIN BIEBER

— Como assim você não vai com a gente, tio? — Ellena


indagou, muito surpresa e muito triste, na casa de Alfred, para onde
partimos rapidamente, já que havia muitas coisas dela lá ainda.

Por eu ter tirado Ellena daquela casa, em Anthoria, como


tirei, ela estava apenas com a roupa do corpo. Por sorte, guardara
documentos nos bolsos e quando seu pai foi buscá-la em Dublin,
meses atrás, ela não levou tudo.

Fizemos uma mala muito rapidamente, contando cada


segundo, porque sabíamos que o noivo louco dela poderia aparecer
ali a qualquer momento, já que seria o lugar mais óbvio para
procurá-la.

— Ellena, precisamos ir — falei com o máximo de paciência,


porque sabia que a situação era delicada.

— Eu sei, mas... tio! Como assim?

Também com todo carinho, Alfred segurou os braços da


sobrinha, olhando-a com ternura.

— Meu amor, eu estou na minha casa. Não poderia passar


muito mais tempo no Brasil, porque tenho meu trabalho aqui. Já
fiquei um mês afastado para planejar esse resgate digno de um
Oscar. Mas agora é hora de você seguir com a sua vida. Não está
mais sozinha.

Ellena olhou para mim com aquela expressão vulnerável que


me desmontava. Ela não confiava que eu iria cuidar dela, que
estava disposto a mantê-la comigo, porque obviamente não me
conhecia direito.

No final das contas, a verdade era que ainda havia muitas


coisas não ditas entre nós, muito a ser superado. Havia um ano
inteiro a nos separar, e muitas coisas aconteceram com os dois
naquele período de tempo. Principalmente com ela. Foram mentiras,
segredos, omissões... Não era de um dia para o outro que as coisas
iriam se acertar. Mas estava disposto a deixar que o tempo nos
curasse.

— Eu entendo — ela falou, enquanto assentia. Então jogou-


se nos braços de Alfred, apertando-o com toda a força de seu corpo
delicado. — Te amo, tio. Obrigada por tudo. Se não fosse você...

— Docinho — Alfred afastou-a para olhá-la nos olhos —, eu


fiz muita coisa, sim, sou o máximo, o melhor tio que você poderia
desejar. Só que não fiz sozinho. O seu garoto de ouro fez a maior
parte.

Abaixei a cabeça, não querendo receber os louros daquela


forma. A mulher era mãe da minha filha, não era? Será que eu teria
feito a mesma coisa se Anya não estivesse no pacote?

Esta era a pergunta que eu me fazia todos os dias.

E a resposta sempre era: sim, provavelmente eu faria.


Pensei naquela garota durante um maldito ano inteiro. A imagem
dela sendo maltratada por um marido violento me assombraria para
o resto da vida.

Ellena olhou para mim, ainda parecendo desconfortável


como na primeira vez em que nos vimos. E eu sabia que continuaria
assim por muito tempo. Se ainda restava algo de bom entre nós,
precisaríamos reconstruir.

— Vamos, Ellena? — perguntei mais uma vez, sabendo que


o tempo estava se passando. Ela assentiu, deu mais um beijo no tio
e partimos.

Seguimos para o aeroporto, onde o jatinho que aluguei nos


aguardava. Se Ellena ficou impressionada com a extravagância, não
falou nada.
A viagem foi longa e silenciosa. Ellena dormiu por boa parte
dela, porque ainda estava muito cansada, e eu apenas a cobri
quando anoiteceu, sabendo que estava um pouco frio demais dentro
da aeronave.

Chegamos ao Brasil bem cedo pela manhã e partimos direto


para o meu apartamento.

Era a sua primeira vez naquele país e o caminho para a


minha casa era muito bonito, mas ela não parecia muito
interessada, apenas extremamente nervosa. Suas mãos pequenas
se entrelaçaram uma na outra, e ela não parava de movê-las,
esfregando-as, estalando os dedos, apertando-as ao ponto de suas
articulações ficarem brancas.

Dentro do táxi, coloquei uma das minhas mãos sobre as


dela, na intenção de acalmá-la. Só que não sabia se tinha dado
muito certo, porque isso a fez sobressaltar.

— O que foi, Lena? — perguntei, dentro do táxi, e ela olhou


para mim.

— Lena?

— Nunca ninguém te chamou assim? É um apelido bem


comum para Ellena. — Sorri, condescendente.

— Eu nunca tive um apelido. Mas gosto.

Fiquei algum tempo olhando para ela e tentando entender


como alguém com uma vida tão solitária e carente de afeto pudera
manter um coração tão puro e doce. Ellena sempre insistira que não
era corajosa, que não tinha a força necessária para tomar
determinadas atitudes, mas ela, para mim, era um exemplo. Era
difícil não a admirar.

— Bem... então... Lena... O que foi? Por que está tão


nervosa? — insisti, porque ela não parecia mais calma.

— Anya. Será que ela se lembra de mim? Será que pensa


que eu a abandonei?

Não pude conter uma risada.

— É só um bebezinho. Não tem tanto discernimento assim.

— Claro que tem! — Ela abaixou a cabeça, olhando para


nossas mãos. — Tenho medo de ter perdido muito tempo dela. Um
mês é muita coisa.

— Eu perdi três, Ellena. — Não queria soar tão acusatório,


mas era inevitável. Também não queria comparar nossos
sofrimentos. A ligação de mãe e filha sempre seria mais poderosa,
mas eu queria poder ter tido a chance de ver minha garotinha
nascer, de ser pai desde o primeiro momento. Ellena me privara
disso. Não importavam os motivos, esta sempre seria uma cicatriz
no meu coração.

— Eu sei — ela falou, novamente muito triste.

— Eu não teria vindo embora se soubesse que estava


grávida. Sabe disso, não sabe? Teria te trazido comigo.

— Sei. — Que bom que ela sabia. Era importante para mim.
— Ótimo, vamos manter em mente que eu não queria ter te
abandonado, e você não queria ter me escondido a verdade. Ok?

Ela só balançou a cabeça e continuou em silêncio, como


uma acusada em um corredor da morte.

Seguimos o resto do caminho calados, mas algo acendia a


minha esperança: nossas mãos permaneciam unidas, sem que eu
nem tivesse me dado conta disso.

O táxi estacionou em frente ao meu prédio. Eu morava em


um bairro nobre do Rio, de frente para o mar, só que Ellena
realmente não parecia impressionada. Apenas me ajudara a pegar
nossas malas, que não eram muitas, mas eu fiz questão de carregar
as duas.

Ela tinha muita pouca coisa, e eu planejava mudar isso em


breve. Precisava lhe comprar algumas roupas de verão, para que
suportasse o calor em um lugar tropical, talvez mais alguns maiôs e
biquínis, para levá-la à praia...

Bem, eu já estava fazendo planos demais sem nem saber o


que aconteceria conosco dali em diante.

Pegamos o elevador e partimos para a cobertura. Enquanto


eu abria a porta, Ellena começava a respirar mais alto, mais
nervosa, e eu temia que tivesse uma síncope ali mesmo.

Quando entramos, minha irmã levantou-se do sofá e veio até


nós, com a bebezinha no colo. A mulher ao meu lado não viu mais
nada à frente. A bolsa pequena, de mão, que segurava — a única
que permiti que carregasse — foi parar no chão, em uma queda do
alto de seus ombros. Seus pés, que antes pareciam enraizados no
chão, apressaram-se, e ela voou em cima das outras duas, mas não
sem perder a educação e a graça, pedindo com licença.

Minha irmã entregou a criança sem nem hesitar, com um


sorriso no rosto, e veio até mim, colocando o braço ao redor da
minha cintura e a cabeça no meu ombro. Também a abracei pelos
ombros, beijando sua cabeça, e nós dois começamos a observar a
cena que ficaria guardada na minha memória para sempre.

Por um momento, Ellena segurou nossa bebê por debaixo


dos bracinhos e ficou admirando-a de cima a baixo, por muitos
minutos. Anya estava acordada e também a olhava fascinada,
provavelmente reconhecendo-a.

— Filha... — um fio de voz saiu da boca da doce Ellena, que


já começava a chorar —, a mamãe voltou pra você.

Claro que a bebezinha não compreendeu a mensagem, mas


soltou um gritinho muito propício, que fez Ellena pegá-la contra si e
encostá-la no peito, em um abraço lindo de se ver.

Eu não costumava ser um cara tão emotivo, não chorava


fácil, mas aquilo ali? Foi game over.

As lágrimas me pegaram de surpresa, mas não apenas elas.


O sentimento que aquele reencontro me provocou foi tão forte que
eu o senti como um soco no estômago. A sensação de proteção e a
certeza de que eu não permitiria que nada nem ninguém tirasse
aquelas duas de mim.
— Você deveria estar ali, com elas — Débora comentou
baixinho, ainda abraçada a mim.

— Não sei se eu caberia na cena. É um momento das duas.

— É a sua família.

Família...

Seria mesmo?

Ellena e eu não estávamos nem juntos. Nunca sequer


denominamos o nosso curto relacionamento, como poderia esperar
que déssemos um passo tão grande?

— Ah, meu Deus, vocês chegaram! — a voz da minha mãe,


nunca discreta, surgiu. Todos nós olhamos para ela, que levou as
duas mãos ao rosto, com os olhos emotivos: — Você que é a
famosa Ellena? Tão linda... Seja bem-vinda, querida.

D. Angélica aproximou-se de Ellena, que avançou para


cumprimentá-la com seu jeitinho contido, mas foi abraçada de forma
efusiva.

Bem, aquela era a minha mãe.

Momentos depois, nós estávamos sentados à mesa de


jantar, logo assim que Anya dormiu, com um belo almoço à nossa
frente. Minha mãe preparou uma feijoada, insistindo que Ellena
precisava provar um prato tipicamente brasileiro.

Ela adorou, aliás. Mas eu tinha a impressão de que Ellena


adoraria qualquer coisa. A mulher era gentil a esse ponto.
A conversa fluía bem, porque todos na minha casa falavam
inglês, então, Ellena era bem compreendida.

— Me diz uma coisa, Lena — Debora aderiu rapidamente ao


apelido —, como é essa coisa de ser princesa?

Ellena suspirou, apoiou os braços sobre a mesa — não os


cotovelos, usando as regras de etiqueta. Com uma das mãos,
brincava com a sobremesa em seu prato — um pudim de leite.

— Não é como a Disney mostra. Minha vida sempre foi muito


controlada por todo mundo. Sempre me disseram o que fazer, o que
vestir. Com quem me casar...

— Isso, sim, é um absurdo! — minha mãe interferiu.

— Mas havia coisas boas também. Não posso dizer que


minha educação, as coisas às quais tive acesso e todo o luxo não
foram bons. Seria injusto, com tanta gente pobre e de vidas mais
difíceis, lamentar pela minha.

Minha irmã e minha mãe a olhavam encantadas.

— Eu já te seguia no Instagram. Gosto do trabalho


filantrópico que faz. Mas confesso que comecei a te seguir pelo seu
cabelo, porque ele é uma marca sua. Sempre quis pintar dessa cor.
É natural?

— Sim, é. Uma marca minha... — Ellena pareceu divagar,


chegando a pegar uma mecha do cabelo entre os dedos e observá-
lo.
Ficou um pouco mais calada depois, até que minha mãe e
minha irmã foram embora, com a clara intenção de nos deixar
sozinhos.

— Elas são maravilhosas — Ellena comentou, depois de um


longo suspiro.

— Podem ser bem intrusivas quando querem — respondi,


jogando-me no sofá.

— Elas te amam. Vocês são uma família unida. É o sonho de


muita gente. — Sorrindo, ela simplesmente começou a recuar. —
Vou ver se Anya ainda está dormindo.

E saiu da minha frente.

Idiota! Como reclamar de sua sorte a uma mulher que nunca


teve metade do que você tem em termos de afeto?

Fiquei mais algum tempo ali sentado, olhando para o nada e


me culpando pela merda que tinha dito, até que decidi tomar um
banho e me trocar.

Já vestido, passei no quarto da minha filha — que ainda


estava com a porca decoração de antes, porque queria que Ellena
também opinasse —, decidido a chamar minha nova companhia
para assistir a algo na TV, mas ao chegar lá, eu a vi completamente
apagada sobre a cama, com um livro aberto sobre seu peito.

Engoli as emoções como se fossem um nó a fechar minha


garganta, mas segui com a minha tarefa, cobrindo-a, apagando a
luz do abajur e olhando para minha bebê no berço, que seguia
dormindo serena.

Caminhei até a porta, levando a mão ao interruptor, mas não


sem antes dar uma última olhada em Ellena.

Ela estava ali. A salvo. Isso era o que importava.

Com isso em mente, apaguei a luz e fechei a porta,


esperando que sonhasse com dias melhores.
CAPÍTULO VINTE E QUATRO

“Alguém tem que tomar a iniciativa essa noite


Quem vai ser?
Eu vou ficar sentada bem aqui
E dizer tudo o que quero dizer
Se você também tem algo em mente
Deveria dizer agora”
UM-THINKABLE – ALICIA KEYS

A conversa com a irmã de Danilo ficou martelando na minha


cabeça durante toda a semana.

Mas foi no dia em que ele precisou sair para uma reunião na
empresa, mesmo em meio às férias que tirou para o tal resgate, e
eu fiquei em casa com Anya, que a decisão foi tomada.

Ainda era um pouco estranho, para mim, morar num


apartamento onde eu era apenas uma hóspede temporária. Sentia-
me um pouco intrusa, desconfortável, por mais que Danilo tivesse
pedido que ficasse à vontade.
Apesar de tudo isso, era a primeira vez na minha vida em
que me sentia completamente livre. Mesmo morando com o meu tio,
a maior parte do tempo, eu precisei ficar trancada dentro de casa,
não apenas porque havia gente me perseguindo constantemente,
mas porque tive que esconder uma gravidez. Minha nova condição
me permitia fazer o que bem entendesse.

Então telefonei para Débora, perguntando se estava livre


naquele dia para me acompanhar a um salão de beleza. Precisava
de alguém para me direcionar em uma cidade que não conhecia,
para me ajudar com a língua e para ficar um pouco de olho em Anya
— que eu sabia que ela adorava.

Com minha mais nova amiga — e única, até aquele


momento —, parti para um dos melhores do bairro, de acordo com
ela, sendo apresentada a Salvatore, seu personal hair stylist.

Eu tinha um em Anthoria. Só para mim. Mas não era nem


metade espirituoso e engraçado como o de Débora. Facilitou muito
o fato de ele falar inglês.

E... ok. Ele me conhecia. Disse a mesma coisa que Débora,


que era difícil eu não ser reconhecida por alguns gatos pingados por
conta do meu cabelo. O ruivo peculiar e natural das minhas mechas
poderia me denunciar. Então, por mais que doesse, eu teria que me
desfazer dele por algum tempo.

Despedi-me do ruivo que sempre me acompanhou e me


entreguei a um loiro dourado, muito bonito também, que combinava
com meus olhos. Os elogios foram gerais.
Paguei com o cartão de crédito que Danilo deixou para mim
há alguns dias, mas que eu ainda não tinha usado para nada.
Esperava que ele não se opusesse.

Aproveitei e passei no mercado, com a companhia de


Débora, decidida a comprar algumas coisas para fazer para o jantar.
Uma receita de lasanha encontrada na internet deveria servir.

Voltei para casa, pronta para colocar meu plano em prática.

Peguei um dos vestidos mais bonitos que levara comigo e


tomei um bom banho enquanto a lasanha estava no forno. Segui
todas as instruções da receita, caprichando no tempero do molho,
que eu até provei e achei gostoso. Para a minha primeira incursão
na cozinha, poderia jurar que tinha me saído muito bem.

Levei Anya comigo para o banheiro e depois para o quarto,


enquanto me arrumava. Dei um giro ao redor de mim mesma e vi
minha bebezinha rir das caretas que fiz, o que me provocou um
revirar de estômago muito gostoso.

Fiquei olhando um pouquinho para ela, perdida em um


momento só nosso, até que ouvi o som da fechadura anunciando
que Danilo havia chegado.

— Ellena? — Por que a voz dele soava tão desesperada? —


O que aconteceu aqui? Vocês estão bem?

Saí correndo, deixando Anya dentro do bercinho, e assim


que abri a porta do quarto, partindo para a sala, a fumaça me
atingiu, além do cheiro de queimado.
— Meu Deus, a lasanha! — gritei, entre frustrada e
assustada. Será que eu poderia ter colocado fogo no apartamento
daquele jeito? Com minha filhinha lá dentro?

Desliguei a forno, peguei um pano de qualquer jeito sobre a


pia, abri a porta e fui atingida por ainda mais fumaça. Comecei a
tossir desesperadamente e no calor do momento — trocadilho
infame — segurei a travessa com a mão pouco protegida pelo pano,
o que a queimou. Por sorte consegui colocá-la sobre a bancada,
mesmo sentindo muita dor.

— Ei, ei, ei... o que foi? — Danilo se aproximou, depois de


ter aberto todas as janelas do apartamento.

Tentei ser discreta em relação à queimadura da mão, mas


ele percebeu e rapidamente a pegou, colocando-a debaixo da água
corrente gelada. Estava bem vermelha, então o contato aliviou a
ardência.

Foi quando ele finalmente olhou para mim.

— O que fez no cabelo? — indagou curioso, e eu poderia


jurar que havia um sorriso em seu rosto.

— Quando sua irmã me falou que ele chamava muita


atenção, pensei que poderia ser uma forma de alguém me ver na
rua, me reconhecer e complicar as coisas. Se algum dos homens de
Henry descobrir onde estamos, também facilitaria que me vissem,
ainda mais aqui, onde há poucas pessoas ruivas e... — Percebi que
estava falando sem parar, o que me fez me calar subitamente e
erguer os olhos para ele.
Danilo ainda me observava, mas eu não conseguia
interpretar sua expressão.

— Você odiou? — Minha voz soou tão baixinha, constrangida


pela pergunta e por me importar tanto com a opinião dele, que
precisei respirar fundo para não desmoronar enquanto esperava a
resposta.

Calorosamente, Danilo colocou ambas as mãos úmidas,


depois de mantê-las sob a torneira e secá-las no pano, em cada
lado do meu rosto, fixando aqueles olhos azuis incríveis nos meus,
tão intensos que eu sentia meu corpo inteiro incendiar.

E quem poderia me culpar? O homem era lindo e eu não era


tocada há mais de um ano. Queria que nos acertássemos, queria
que ele me visse novamente como mulher e não a garota assustada
que sempre precisava salvar.

Mas foi então que algo me passou pela cabeça: será que
alguma vez ele me vira assim?

O beijo veio inesperado. Nada sensual, apenas um contato,


mas o suficiente para mexer comigo. O suficiente para me dar
alguma esperança — algo que eu não queria alimentar.

Ao se afastar, Danilo continuou me olhando.

— Não há uma única chance no mundo de você não ficar


linda seja como for.

Ao falar isso, ele se afastou.


Simplesmente se afastou, como quem joga uma bomba e
não permanece no local para não a ver explodir.

Observei-o arrancar a gravata e arregaçar as mangas da


camisa — o que não foi nada mal de se ver —, pronto para arrumar
as coisas na cozinha. A lasanha estava arruinada. A cozinha
cheirava a queimado, embora a fumaça já estivesse se dispersando,
e agora Danilo não teria o que comer.

Eu era um fracasso. Não sabia fazer absolutamente nada


dentro de uma casa; como poderia esperar, um dia, viver sozinha?
Ou pior... com a minha filha. Como iria cuidar de nós duas se não
sabia sequer preparar uma refeição?

Era uma tolice, eu sabia disso, mas uma onda de choro


incontrolável me tomou, e eu não consegui me controlar. Entreguei-
me a ela, precisando apoiar minha mão na bancada, sentindo
soluços irromperem do meu peito.

Eu tinha planejado aquele dia todo. Prepararia uma comida


gostosa, Danilo abriria um vinho, nós comeríamos, ficaríamos um
pouco com a nossa filha e depois iríamos dormir. Quem sabe ele
não se animasse e me deixasse ficar em sua cama? Quem sabe
não conseguisse seduzi-lo, mesmo sem ter nenhuma experiência
nisso?

Quem sabe, aos poucos, não conseguisse fazê-lo me amar,


como eu o amava?

Estava com o rosto voltado para baixo, uma das mãos na


boca, tentando conter os sons que dela queriam sair, quando senti
as mãos de Danilo sob meus braços, tirando-me do chão e
colocando-me sentada na bancada.

— O que foi, Lena? Por que está chorando?

— Porque eu estraguei tudo. Queria preparar alguma coisa


para você comer e no final das contas quase coloquei fogo na casa.

Ele sorriu, condescendente.

— Podemos pedir algo por aplicativo. Uma pizza, talvez.

— Mas não é a mesma coisa. Queria fazer algo para você.


Para fingir que ao menos eu tenho alguma serventia aqui nesta
casa. Que não estou aqui apenas de favor. — Deixei escapar coisas
que nem queria dizer. Elas passeavam pela minha mente, bem
assustadoras, mas não eram para ser externadas.

Danilo ergueu meu queixo imediatamente.

— Ei, que história é essa? De onde tirou isso, Ellena? Você


não está aqui de favor.

— Mas é assim que eu me sinto. — Tentei descer da


bancada, mas ele me segurou antes, passando um braço pela
minha cintura e me mantendo ali.

Só que nenhum dos dois esperava esse tipo de coisa,


porque no momento em que nossos rostos ficaram extremamente
próximos, à distância de outro beijo, nós dois estremecemos.

No entanto, diferente de minutos atrás, quando ele


simplesmente encostou os lábios nos meus, Danilo intensificou a
pegada, apertando minha cintura com força, e não apenas me deu
um selinho, mas colou nossas bocas, fazendo sua língua me invadir,
como se não quisesse que eu tivesse qualquer dúvida a respeito de
suas intenções.

Foi inesperado, mas bem-vindo. Quando, em toda aquela


confusão, eu poderia imaginar que estaria nos braços do homem
que amava novamente, sendo beijada daquele jeito, sentindo seu
toque, seus braços fortes ao meu redor, sua boca explorando a
minha como se fosse a primeira vez?

O gosto era de esperança, mas eu tinha medo de que ele se


tornasse amargo muito cedo. Mal coloquei meus braços ao redor de
seus ombros, apenas deixei minhas mãos espalmadas em seu
peito, sentindo seu coração bater acelerado. Tanto quanto o meu.

Estaria ele sentindo o mesmo também?

Logo o beijo se tornou um pouco mais voraz, como se Danilo


não conseguisse controlar suas ações. E eu queria. Desejava
desesperadamente que me fizesse novamente sentir tudo o que me
provocou naquela noite — a primeira em que nos amamos, quando
me entreguei a ele. A que resultou em nossa filha.

Foi ela, aliás, que interrompeu tudo.

E quando eu digo tudo... eu falo de tudo mesmo. Naquele


momento, uma das mãos de Danilo passeava pela minha coxa,
quase chegando à minha calcinha, provocando uma reação
imediata do meu corpo, cujo centro começava a queimar, pulsar,
ficar úmido. Eu queria tanto.
Mas nossa filha precisava de nós.

Novamente me preparei para descer do balcão e mais uma


vez Danilo me impediu.

Olhos fixos nos meus lábios, a boca perfeita entreaberta,


respiração ofegante... Ele era a imagem da tentação.

— Isso não acabou, Ellena. Esta noite. Vamos resolver


nossas pendências. Na cama. De acordo?

E como eu poderia não estar?

Tudo o que me restou foi assentir e esperar ansiosa pelo


momento em que ele cumpriria a promessa.
CAPÍTULO VINTE E CINCO

“Então, aqui vamos nós outra vez


É como se eu estivesse sobre seu feitiço
Você está usando magia, magia das trevas
E então, baby, não use nada mais”
SUFFER – CHARLIE PUTH

Vamos resolver nossas pendências. Na cama.

Fora o que Danilo dissera, não fora?

Bem, eu estava, de fato, na cama, mas ele não estava


comigo.

Naquela noite, depois dessa promessa, demos atenção à


nossa filha e jantamos como uma família normal — o que não
éramos.

Ainda. Será que eu poderia usar essa palavra? Será que


algum dia nós poderíamos receber aquele título?
O quarto estava iluminado apenas pela parca luz de um
abajur colocado ao lado da cama, que eu usava para ler à noite.
Não eram nem onze ainda, eu poderia estar mesmo me divertindo
com um livro, mas não conseguia me concentrar. Decidi, então,
tentar dormir, mas sem sucesso.

Danilo terminara de comer e dissera que precisava enviar


alguns e-mails de trabalho, que eram urgentes, para que eu o
esperasse. Só que ele se trancara no escritório por horas, e eu
acabei decidindo ir deitar, imaginando se aquela não era a forma
dele de me dar um leve “fora”. Era gentil e educado demais para ser
mais incisivo, e eu não queria constrangê-lo ou forçar uma barra.

Se ele realmente quisesse, poderia ir me chamar, não? Eu


estava dentro da casa, acessível, até mesmo deixei a porta aberta,
quase como um convite.

Bem... um convite que ele pareceu aceitar.

Eu já estava rolando na cama há mais ou menos uma hora


quando ouvi a porta ranger. Virei-me de barriga para cima e
enxerguei a silhueta larga e poderosa de Danilo na porta, parado,
olhando para mim.

— O que combinamos mais cedo ainda está valendo? — Ele


não precisava me dar muitas explicações para que eu entendesse
ao que se referia.

— Sim, eu...

Danilo não me deixou sequer terminar minha resposta,


porque veio até mim, simplesmente me erguendo da cama em seu
colo, começando a me tirar do cômodo.

— Danilo, o que... — tentei perguntar, mas ele parecia bem


decidido enquanto caminhava comigo em seus braços e me levava
para seu quarto.

— Você não me esperou, eu vim te buscar.

Depositou-me na cama e rapidamente se colocou sobre mim,


com tanto desejo nos olhos que eu poderia jurar que iria me
incendiar só com a forma como me observava.

— Você queria saber se eu odiei seu novo cabelo, não é? —


Assenti, não sabendo onde ele iria chegar. Só que a forma como
simplesmente puxou o laço da minha camisola e a forma como a
abriu, com tanto ímpeto, não deixava muitas dúvidas sobre suas
intenções. — Acho que eu vou ter que demonstrar, então.

Danilo deixou sua boca cair sobre um dos meus seios,


sugando-o com força, o que me fez arfar e gemer bem alto. Sua
mão se ocupava do outro mamilo, girando-o entre os dedos, criando
todas as sensações que eu desejava. Ele era o dono daquelas
sensações em mim. O único.

— Na primeira vez fui cuidadoso, porque não queria te


machucar. Agora não vou me conter, Ellena. Quero você. De todos
os jeitos. Te mostrei como é ser amada, hoje vou te mostrar algo
mais bruto. Tudo bem?

Enquanto dizia isso, ele ainda acariciava meus dois seios,


ambos com os dedos ávidos e experientes, provocando-me,
tentando-me.
— Tudo... tudo ótimo — saiu em um ofego, o que o fez rir.

Mas ele não esperou muito mais, apenas girou meu corpo,
colocando-me de barriga para baixo, arrancando minha calcinha em
um puxão nada delicado. Depois tirou minha camisola, da mesma
forma, lançando-a no chão.

Quem era aquele homem e o que tinha feito com meu doce
Danilo?

Fosse como fosse, eu gostava daquela nova versão.

Colocando-se novamente sobre mim, usou um dedo para me


penetrar bem fundo, enquanto espalhava beijos pelas minhas costas
e deslizava a mão livre pelo meu corpo, sentindo cada curva,
apertando minha bunda, fazendo tudo diferente de como fez na
primeira vez.

Quando investiu com dois dedos e eu gritei, totalmente


inconsciente de tudo ao meu redor, ele agarrou meu cabelo,
puxando-o com força, mas sem me machucar, aproximando a boca
do meu ouvido e sussurrando:

— Da outra vez fizemos amor, sereia. Agora eu quero foder


você. Vou te fazer gozar mais vezes do que puder aguentar.

Mantendo o meu cabelo enrolado em seus dedos, ele


começou a investir com mais força, mais rápido, atingindo um ponto
que... MEU DEUS! Era insano.

Era muito mais do que eu poderia esperar e sonhar. Era mais


do que ele me deu na primeira vez também.
Eu não conseguia parar de gemer, e cada vez que meus
gemidos se tornavam mais altos, mais ele parecia se empenhar.
Gozar loucamente foi uma consequência, mas Danilo não me
deixou descansar.

Mal tive tempo de respirar, porque sequer terminei de


aproveitar meu primeiro orgasmo daquela noite, e ele novamente
me girou na cama, deixando-me de barriga para cima, abrindo bem
as minhas pernas e me lançando um olhar devasso, que me dizia
tantas coisas e me deixava em chamas.

— Linda. Toda linda — ele falou ainda me contemplando,


enquanto se despia, dando-me um show de beleza masculina.

Quando veio novamente até mim, usou sua boca para me


levar às estrelas. Assim como tudo o que estava acontecendo
naquela noite, não era delicado. Era visceral. A forma como me
chupava, como usava a língua em meu clitóris, ele queria marcar
um ponto. Ou me marcar como sua, para que eu nunca mais
cogitasse sequer me entregar a outro homem. Não que eu tivesse
como comparar, mas podia jurar que ninguém me faria sentir como
ele. Principalmente porque havia um sentimento dentro de mim que
não poderia ser apagado tão fácil.

E, não... por mais liberdade que eu pudesse conquistar a


partir daquele momento — se é que isso aconteceria — eu nunca
conseguiria separar sexo de amor.

Nunca.
Porque eu amava Danilo. Fora um sentimento que se
construíra em mim aos poucos. A distância o intensificara, por causa
da saudade e das lembranças, o nascimento de nossa filha o
solidificara e o reencontro o trouxe à tona ainda mais.

Só que eu sabia que ele não sentia o mesmo. Tinha um


senso de responsabilidade para comigo, sentia alguma atração,
mas... amor? Isso era bem mais complexo.

O segundo orgasmo da noite veio rasgando minhas


entranhas e me deixando completamente zonza. Era como se eu
tivesse a impressão de que nunca mais iria conseguir respirar na
vida.

Mas se fosse para ter sensações como aquela mais vezes,


eu aceitaria.

Ainda estava de olhos fechados quando o senti me içar da


cama, com as pernas entrelaçadas em sua cintura. Então ele se
sentou na beirada, mantendo-me naquela posição, posicionando-se
dentro de mim, já com a camisinha. Em nossas primeiras vezes, ele
nunca me deixou por cima, obviamente pelo fato de eu ser tão
inexperiente. Não que isso tivesse mudado, mas, talvez fosse a
intensidade do momento, ou os dois orgasmos que me deixaram
completamente entorpecida, mas eu queria. Queria montar no colo
de Danilo e cavalgá-lo como louca. Mesmo que começasse sem
jeito, mesmo que precisasse de um pouco de prática, queria deixá-lo
tão ensandecido de prazer como eu estava.

Comecei tímida, remexendo-me, e por mais que estivesse


pronta para me soltar, tentei abaixar os olhos, mas Danilo ergueu
meu queixo, fazendo-me olhá-lo.

— Assim que eu quero, sereia. Quero olhar para você e ver a


mulher que me deixou rendido tão rápido.

Precisei respirar fundo, não apenas pelas palavras, mas


porque Danilo arqueou os quadris, pegando bem fundo. E não
apenas isso. Suas duas mãos grandes foram parar nas minhas
coxas, segurando-me bem forte, e ele usou a força de seus braços
para começar a me movimentar, erguendo-me e fazendo-me descer
novamente em seu membro rijo e grande. Completamente excitada,
eu deslizava por ele sem dificuldade, molhada e desejosa.

Os sons que fazíamos ecoavam pelo quarto vazio,


evidenciando tudo o que sentíamos, e nossos olhares continuavam
fixos. Ele não precisava mais segurar meu rosto para me manter
hipnotizada. Nós mal piscávamos. Éramos um só naquele momento.

Quando ele percebeu que eu estava prestes a gozar mais


uma vez, uniu nossos lábios, em um beijo duro, possessivo e quase
selvagem. Suas mãos subiram aos meus cabelos, conforme fui
pegando o ritmo do sexo, que era cada vez mais forte, embolando-
se neles, puxando-os para expor meu pescoço, conforme a mão
livre se ocupava do meu mamilo, o que foi o meu fim.

Ou o meu começo, depende do ponto de vista.

Danilo estocou mais algumas vezes, até também chegar ao


orgasmo, e mesmo depois disso, nenhum dos dois se mexeu.
Continuei em seu colo, com ele dentro de mim, nós dois nos
beijando, beijando e beijando, como se o mundo tivesse parado
para nos apreciarmos. Sua língua tornou-se mais lenta e delicada,
reivindicando devagar o que já pertencia a ele.

Ainda sem parar de me beijar, Danilo se levantou, comigo


entrelaçada ao seu corpo, e deitou-se na cama, deixando-me por
baixo.

Sem dizer nada, saiu de dentro de mim, parou de me beijar,


descartou a camisinha, girou-me de lado e posicionou-se de
conchinha, atrás de mim.

Com um beijo em meu ombro nu, ele disse, em um sussurro:

— É aqui que você tem que dormir. Comigo. Ao meu lado.


Como minha mulher. Eu nunca vou te manter na minha casa por
pena ou por obrigação. Você está aqui porque tem que estar.
Porque quero que esteja.

— Eu sou sua, Danilo. Desde o início.

Ele não disse mais nada. Nem eu.

Havia muitas coisas engasgadas, coisas que ele merecia


ouvir; principalmente sobre o que eu sentia por ele, que era muito
mais profundo do que eu poderia expor em palavras.

Teríamos tempo para isso. Assim eu esperava.


CAPÍTULO VINTE E SEIS

“Então eu vou te amar como se eu fosse te perder


Eu vou te abraçar como se eu estivesse dizendo adeus
Onde quer que estejamos, eu vou te valorizar
Pois nunca sabemos quando
Quando o nosso tempo irá acabar”
LIKE I’M GONNA LOSE YOU – MEGHAN TRAINOR

Ellena estava morando comigo há um mês, e as coisas entre


nós começavam a se acertar. Vivíamos como uma família, embora
ainda estivéssemos nos ajustando aos poucos.

Não, ela ainda não tinha aprendido a cozinhar, e eu estava


sofrendo com suas receitas mirabolantes, mas achava adorável que
continuasse tentando. Eu chegava a comer sorrindo, mesmo o arroz
mais empapado e o bife mais salgado, porque seu empenho e sua
animação quando recebia um elogio valiam a pena.

Contratei uma funcionária para cuidar da casa e de nossa


alimentação, mas Ellena sempre fazia questão de participar de tudo.
Ela parecia se divertir como dona de casa, como se as tarefas a
fizessem se sentir como uma pessoa... normal.

Apesar de não ser uma gourmet excepcional, ela


compensava isso como mãe. Dedicada, amorosa, paciente e
incansável, o carinho que entregava à nossa filha era comovente.
As duas juntas eram a minha visão favorita, e chegar em casa
depois do trabalho se tornou tão mais alegre. Sempre pensei que
gostasse de viver sozinho, que a solidão não me incomodava, mas
isso até ter duas boas companhias — a bebê mais adorável, fofa e
deliciosa do mundo e a mulher mais linda de todas.

Minha filha e minha mulher.

Minha família.

Isso não saía da minha cabeça.

Naquela noite, em específico, jantamos uma torta de frango


que Ellena insistiu em fazer. Não era das suas piores criações, mas
longe de ser um prato saboroso. Ainda assim, elogiei com
entusiasmo e disse que ela estava melhorando a cada dia.

Mas se não estava melhorando na cozinha — e nem


precisava, na minha opinião —, minha linda sereia estava
florescendo dia após dia. Mais sorrisos, mais gargalhadas, mais
segurança, menos timidez. A melancolia em seus olhos começava a
desaparecer aos poucos. Estava fazendo amizades no condomínio,
principalmente com mães de bebês como Anya, que falavam sua
língua, frequentava a piscina e já tinha se enfiado em um trabalho
filantrópico, onde se oferecera para costurar roupinhas para bebês
de um orfanato, tudo com a ajuda de Débora como intérprete —
sendo que ela não sabia costurar, estava tentando aprender pelo
YouTube.

A cada noite ela se sentava no sofá, aninhada nos meus


braços, depois de Anya ir dormir, e me contava sobre tudo o que
tinha feito em seu dia. As mais simples tarefas pareciam fazer seus
olhos brilharem, e ela relatava cada acontecimento com tanto
entusiasmo, como uma criança descobrindo uma nova vida, que me
deixava encantado.

Ellena me ensinara a ver as coisas mais banais com outros


olhos. E era engraçado que se tratasse de uma mulher que sempre
tivera tudo na vida e ao mesmo tempo nada.

Sabia que ainda tinha medo de que algo perturbasse a sua


paz, mas compreendia que se sentia segura comigo. O que eu
apreciava.

Estávamos na sala, com a TV ligada bem baixinho,


abraçados, enquanto eu mexia em seus cabelos, fazendo-lhe
carinho. Tinha terminado todo o seu relato sobre o dia, falando
sobre seus estudos da língua portuguesa e sobre cada gracinha de
Anya. Normalmente aquele seria o momento de me fazer perguntas
sobre o meu trabalho. Ellena não era apenas uma faladeira
contagiante, mas uma ótima ouvinte.

Só que naquele dia eu tinha outras coisas para perguntar a


ela.
— Tenho uma dúvida sobre Anya... — comecei. — Você é
filha única, certo? — Ela assentiu. — Se seu pai viver até a nossa
filha atingir a maioridade, ela vai ser obrigada a se casar com
alguém como Henry?

Ellena se remexeu em meus braços para poder me olhar


olhos.

— Eu não sei. Mas acho que isso partiria de nós. Qualquer


um que se casar com ela subiria ao trono, Danilo.

— Alguém a quem ela amasse?

— Sim. Se algum dia eu e você nos casarmos, e meu pai


morrer, você será... — Ela fez uma pausa, parecendo constrangida,
porque eu arregalei os olhos. — Desculpa, foi só uma suposição.
Não estou insinuando que vamos nos casar nem nada assim.

— Você acha mesmo que foi a ideia de me casar com você


que me assustou? Nem de longe.

— Então o quê? A possibilidade de se tornar rei? — Ela já


estava com um sorriso no rosto.

— Isso é uma possibilidade? — Ok, eu estava em pânico.

E Ellena gargalhando. Ótima parceira eu tinha.

— Não é uma imposição.

— Mas se Anya já for maior, ela será obrigada a se casar,


não é? E se ela não quiser se casar? E se preferir estudar, viajar o
mundo, fazer doutorado... E se ela gostar de meninas e não quiser
se juntar a um homem? — Eram tantas questões na minha cabeça
que eu nem sabia se estava sendo claro. — Não quero obrigar
minha filha a fazer algo que ela não quer. Não quero que ela seja...

— Como eu?

— Não, linda. Não quero que ela seja criada como você foi,
com uma responsabilidade como essa nas costas.

— O que está querendo dizer com isso?

Suspirei. Era impossível não pensar naquela situação como


sendo algo tão absurdo, mas era a minha realidade.

— Estou querendo dizer que por ela eu faria qualquer coisa.

— Até assumir o trono de um país que não é o seu? Mesmo


sendo algo que não quer fazer? — Ela ergueu as sobrancelhas,
surpresa.

— É minha filha. Como eu não faria isso? Seria capaz de


qualquer coisa por ela.

O sorriso de Ellena era o mais bonito que eu já tinha visto.


Havia orgulho nele.

— Você é um pai maravilhoso. Ela não poderia ter um


melhor.

Girando completamente, deitou-se por cima de mim,


beijando-me, e eu sabia muito bem onde terminaríamos, se não
fosse meu celular tocando.

— Merda! — resmunguei, porque era um timing péssimo.


Fiquei mais puto quando vi que era Alfred. Ele dormia muito
tarde e nunca acertava o fuso horário. Já passava das duas da
manhã na Irlanda, e ele provavelmente achava que ainda eram nove
no Brasil.

— Fala, Alfred! — atendi sem nenhuma paciência.

— Ah, droga! Já sei! Tá tarde aí, né? E vocês estavam


transando? Seus coelhos! — Constrangedor era o mínimo. — Mas o
assunto é importante. Estou saindo com um gatinho de Anthoria que
está morando em Dublin. Aparentemente ele conhece alguém que
conhece alguém que sabe alguns podres do ex-noivo do demônio
da Ellena.

— Podres? Como assim?

— Não sei... umas coisas meio barra pesada. Ele comentou


comigo, mas sabe como é... preciso de mais intimidade para sair
pedindo algo tão sério. Mas não era só isso que eu queria falar com
você. — Alfred fez uma pausa quase dramática. — Meu cunhado
me ligou, possesso, querendo saber de Ellena. Para você ter noção
do quanto ele é alheio à filha, só ficou sabendo há alguns dias que
ela não estava na casa onde a deixou.

— Meu Deus! Como pode?

— Bem... eu não sei. É um babaca. Seja como for, ele me


ligou dizendo que vai tomar alguma atitude, e eu temo que,
empenhado, ele conseguirá descobrir onde ela está.

Levantei-me do sofá, indo em direção à sacada do


apartamento, querendo privacidade. Não queria falar com ele perto
de Ellena, porque odiaria perturbar sua paz.

— Não deixamos rastros em lugar algum, Alfred.

— Você sabe que deixaram. Os capangas de Henry te viram.


Acha que eles já não têm a ficha toda de quem você é? Com a
ajuda do meu cunhado podem descobrir mais coisas. É melhor que
fiquem atentos. Ellena ainda é interessante para aquele crápula. Ele
ainda pode se casar com ela e ficar com o trono.

Ele ainda pode se casar com ela...

Foi a frase que ficou girando na minha mente mesmo depois


de desligarmos.

Claro que poderia, afinal, ela era solteira.

— Dan, o que foi? — Ellena me perguntou com sua voz


doce, e eu me pus a observá-la.

Ela já tinha se tornado parte da minha vida. Uma parte que


eu não queria que fosse arrancada de mim; que eu não poderia
permitir que se desintegrasse, porque éramos uma unidade. Como
seria chegar em casa sem seus jantares desastrosos, mas sempre
felizes e cheios de amor? Como não passar noites preguiçosas,
ouvindo-a falar sem parar? Como seria não a ver ninando nossa
bebezinha, enquanto cantava docemente com uma voz melodiosa e
suave?

Não, eu não podia perdê-la. E eu sabia o que precisava fazer


para isso.

Aproximei-me, beijei-a na cabeça, e apenas sorri.


— Nada, amor. Era só seu tio falando bobagens.

Amor. Era a primeira vez que a chamava assim. E ela


percebeu. Mas não deixei que comentasse nada, porque me afastei,
precisando de algum tempo para processar minhas ideias.

Havia muita coisa em jogo, e eu tinha que tomar uma atitude


o quanto antes.
CAPÍTULO VINTE E SETE

“Mas eu quero ficar com você


Até nós ficarmos bem velhinhos
Apenas diga que você não vai embora”
SAY YOU WON’T LET GO – JAMES ARTHUR

Com Anya no colo e empurrando o carrinho vazio, entrei no


saguão do bloco, sorrindo para o pobre do porteiro e lhe dando uma
boa tarde em um português cheio de sotaque. Planejava apenas
passar e voltar para o apartamento, porque a neném estava agitada,
querendo brincar mais. Aos seis meses, minha filha se desenvolvia
maravilhosamente bem, aprendendo coisas novas cada dia.

Fazia três meses que morava no Brasil — dois desses


comigo ao seu lado —, e o clima do país aparentemente lhe fazia
muito bem.

Era tão linda. Pessoas, tanto no condomínio quanto na rua,


me paravam para olhar para ela. Seus cabelinhos ruivos, mesmo
ainda em crescimento, chamavam atenção de todos.
Eu sentia falta dos meus, mas enquanto a situação com
Henry não se resolvesse oficialmente, eu precisaria mantê-los um
pouco mais discretos. Ainda assim, receosa, eu evitava sair muito
de casa. Na maioria das vezes apenas dava uma volta rápida na
praia, bem cedo, ou passeava com Danilo, que era quando me
sentia mais segura.

Chamei o elevador, mas ouvi meu nome sendo dito de forma


tímida pelo tal porteiro. Voltei-me na direção dele, com um sorriso,
porque sabia que ele ficava um pouco estranho na minha presença
— talvez por eu ser “gringa”, como Danilo disse que me chamavam
—, e o vi estendendo um envelope na minha direção.

Uma correspondência para mim?

Imediatamente fiquei tensa, tanto que agradeci, no meu


português macarrônico, de forma quase automática e aproveitei que
o elevador tinha chegado para entrar. Sabendo que poderia ser algo
que me deixaria nervosa, coloquei Anya no carrinho, antes que
derrubasse minha bebê no chão, e li o que estava escrito.

Sim, era de Anthoria. E lá estava o selo real corroborando


para o meu medo.

Esperei chegar no apartamento, entrei e levei o carrinho de


Anya até o sofá, sentando-me nele. Minhas pernas já não mais me
obedeciam.

Havia um único papel dentro. Eu poderia esperar que fosse


uma carta do meu pai, algo mais emotivo, alegando saudade e
pedindo que, ao menos, fosse visitá-lo, mas, não. Era uma missiva
oficial, timbrada, e a única coisa que eu sabia que meu pai tinha
feito fora assiná-la. Estava digitada em computador, provavelmente
por seu assessor pessoal.

Só isso já seria suficiente para me deixar magoada com o


descaso, porém, a mensagem era o pior.

Vossa Alteza, Princesa Ellena Marie Woodward, é


convocada ao reino de Anthoria para cumprir com suas obrigações
matrimoniais para com Henry James Greystone III, o quinto
visconde de Callas, seu noivo prometido.

Vossa Majestade, o rei James Woodward, solicita a presença


de sua filha no palácio em no máximo duas semanas, ou uma
comitiva real irá buscá-la no endereço para onde esta missiva foi
enviada, no Brasil, Rio de Janeiro.

Havia mais algumas baboseiras escritas, às quais mal


prestei atenção, mas, no geral, a mensagem que importava era
aquela: eu precisava voltar para casa. Se não voltasse por bem,
teria que ser por mal. Eles iriam me buscar.

E eu não queria ir. Deus... eu não queria!

Não era mais apenas a perspectiva de me casar com Henry,


o que já seria mais do que suficiente para me fazer recuar, mas era
todo o resto. Eu tinha construído uma vida no Brasil. Uma que eu
adorava, ao lado de um homem a quem amava, com minha filhinha,
que era a razão da minha existência.

Estava fazendo alguns amigos — ao menos entre as


pessoas do condomínio que falavam inglês —, tinha atividades
interessantes e me sentia útil. Por mais que soubesse que, no
fundo, Danilo odiava a minha comida, eu gostava de fazer as coisas
para ele; gostava quando nos reuníamos para jantar, quando nos
aninhávamos no sofá para conversar e ver televisão; gostava de
quando fazíamos amor, quase todas as noites, antes de dormir, e de
como ele me beijava de manhã.

Gostava de acreditar que estávamos nos tornando um casal


de verdade, uma família, algo que eu nunca tive. Não de verdade,
não daquele jeito.

Eu poderia fugir, é claro, mas se encontraram o endereço de


Danilo, chegariam a ele, e eu temia o que Henry poderia fazer. Não
teria coragem de arrancar Anya do pai, então, teria que deixar
minha bebê — o que, por si só, já seria inimaginavelmente doloroso
—, mas ela acabaria em perigo também. E eu nunca sacrificaria a
segurança das pessoas que amava pela minha liberdade.

E nunca pediria que Danilo fosse comigo. A família dele


estava em jogo também. Se fizessem qualquer coisa para maltratar
D. Angélica ou Débora, eu morreria de tanto remorso. Tinha
aprendido a amá-las, e elas eram tão boas para mim...

Deus! Eu não via saída. Para proteger as pessoas ao meu


redor, a melhor escolha era me entregar. Era partir para Anthoria e
aceitar meu destino, deixando tudo o que construí e conheci de bom
para trás.

Sentindo meu coração se partir aos poucos, tirei minha


filhinha linda do carrinho, pegando-a com cuidado no colo e
levando-a para o quarto que dividia com Danilo há dois meses.
Deitei-me com ela na cama, sentindo o cheiro dele e sabendo que
aquela sensação de pertencimento seria temporária.

Eu tinha encontrado um lar, finalmente, mas este seria


arrancado de mim sem piedade.

O correto seria eu dar um banho em Anya, para esperar seu


pai chegar, já que estava anoitecendo. Nosso passeio daquela
tarde, pelas instalações do condomínio, fora gostoso, vimos o
entardecer, ela interagiu com outros bebês, e eu estava tão feliz...
Como nunca fui. Como nunca pensei em ser.

Eu deveria me levantar e preparar o jantar, fazer alguma


coisa... Não ficar deitada na cama, agarrada à minha bebê e
chorando como a garota boba e fraca que sempre fui.

Eu deveria...

Ah, nem sabia mais o que pensar.

Só sei que acabei cochilando por alguns minutos e acordei


com a voz suave de Danilo e sua mão gentil me tocando.

— Lena? — Voltei meu rosto para ele. Pela expressão em


seus olhos estava bem óbvio o quanto andei chorando. — Meu
Deus, o que foi? O que aconteceu? É Anya? Ela está bem...?
A neném continuava dormindo, então eu apenas me sentei
na cama e me joguei nos braços de Danilo, apertando-o com toda a
minha força, sabendo que não teríamos muito mais oportunidades
para momentos como aquele.

— Calma, amor, por favor, fala comigo. Estou aqui.

Não conseguiria olhar nos olhos dele, então preferi continuar


abraçada ao seu corpo forte, que era meu porto seguro.

— Chegou uma carta do meu pai. Ou melhor... não dele, né?


Porque ele jamais perderia seu tempo para escrever algo para a
filha insignificante — falei com raiva, e Danilo gentilmente me
afastou para me olhar nos olhos. Uma de suas mãos tocou-me
suavemente no rosto, limpando uma lágrima.

— Você é tudo menos insignificante, querida. Não para mim


e não para a nossa filha. Não para muitas pessoas.

Daquela vez eu não me derreti com suas palavras, porque


sabia que não poderia mais me apegar a elas.

— Danilo... ele quer que eu volte. Para me casar com Henry.

— Não! — Ele se levantou em um rompante, parecendo


muito indignado. — Você não vai porra nenhuma. Quero ver alguém
tirar você de mim assim.

Tirar você de mim.

Deus... como não o amar? Como não sofrer em pensar ser


separada daquele homem incrível que apareceu no meu caminho?
Como pensar em ser arrancada de toda a felicidade que descobri
naqueles últimos meses?

Se ao menos eu não tivesse ido ao Brasil e conhecido uma


vida doce e plena como a que tinha naquele momento, as coisas
poderiam ser mais fáceis. Se não tivesse passado tanto tempo com
minha filha, me apaixonado pela ideia de ser mãe, separar-me dela
seria menos doloroso.

Não, não seria. Nunca. Mas a cada dia que passava com
minha família o amor se tornava ainda maior, se é que era possível.

— Dan, é inevitável. Eles virão me buscar em duas


semanas...

— Não vão te levar daqui, Ellena. Não vão entrar nessa


casa. Eu não vou autorizar. Se invadirem, vou chamar a polícia. —
Ele estava transtornado. Fora de si. Andava de um lado para o
outro, como um leão enjaulado. Nunca pensei que Danilo fosse ficar
tão desesperado com a possibilidade de eu voltar para Anthoria.

— Não há o que fazer. Não posso ficar trancada aqui para


sempre. Em algum momento...

Parei de falar, porque Danilo simplesmente saiu, me


deixando sozinha sem nem terminar a minha frase.

Fiquei boquiaberta, sem imaginar o que poderia ter


acontecido, mas ele retornou. Em sua mão, uma caixinha.

Uma caixinha?

Mas o quê...?
Ele voltou andando devagar, sem me encarar, com os olhos
fixos nas próprias mãos, que brincavam com a caixa,
movimentando-a por entre os dedos.

— Há um mês, seu tio me ligou. Temos ficado em contato,


aliás. — Danilo continuava sem me olhar. — Ele me disse que
enquanto você continuar solteira será um alvo para Henry. Mas
casada... não haveria como ele insistir.

— O que você...

Danilo se aproximou e se ajoelhou à minha frente, abrindo a


caixinha.

Ok... ok...

Eu devia estar alucinando, só pode.

— Danilo...!

— Não quero te perder, Ellena. Não quero perder o que


temos. Não quero que seja obrigada a se casar com qualquer
homem que não seja alguém de quem você goste, e acho que gosta
de mim, ao menos um pouco. Então, por favor, aceite ser minha
esposa. Não sou um príncipe, não sou um visconde e nem chego
perto da nobreza, mas vou me empenhar para te fazer feliz, para
que tenha suas opiniões, suas escolhas e que possa viver sua vida
como quiser.

Eu ainda estava completamente atordoada. Ele estava


mesmo falando sério? Casamento? Danilo queria que eu me
tornasse sua esposa?
Queria ou seria um ato por obrigação? Era algo que eu
precisava descobrir.

— Danilo, não... calma... não!

— Não? Você não quer se casar comigo? — Naquele


momento ele parecia o atordoado.

— Não, não é isso. Eu quero, claro que quero. Mas não


quero que se prenda a mim por uma obrigação. Não quero que se
case só para me proteger. Não é justo. Você já fez tanto por mim.

Danilo abriu um sorriso de canto, mais sexy do que deveria


ser permitido.

— Já te disse uma vez, linda... eu não faço nada por


obrigação. Quero me casar com você porque eu te amo.

O quê?

Ele me... amava?

Mas...

— Danilo... eu... eu... isso é sério? V-você me ama? De


verdade?

Lentamente ele se levantou, segurando a caixinha com uma


mão só e levando a mão livre ao meu rosto.

— Como não te amar, Lena? Você trouxe tanta luz, tanta


doçura e alegria ao meu mundo... Você me fez enxergar beleza nas
coisas simples, a valorizar o que eu tenho. Me ensinou a ser uma
pessoa melhor, a agradecer e a sorrir pelos motivos mais banais.
Você faz a vida cotidiana se tornar um presente, como se cada
instante fosse completamente fascinante. Cozinhar, dançar, ir à
praia, a um parque... Nada com você é sem graça, porque você vê
magia em tudo. Você é pura, é leal, genuína, meiga... Uma mulher
rara, e eu sou um homem de sorte por ter te encontrado. Por ter tido
uma filha com você, que eu sei que será tão maravilhosa quanto.

Tentei controlar as lágrimas, mas foi impossível. Quando me


dei conta, já estava me lançando nos braços dele, beijando-o e
sentindo minha cabeça girar com toda a montanha-russa de
acontecimentos das últimas horas. A carta, a tristeza, um pedido de
casamento... Toda uma felicidade renovada.

Eu sabia que aquela poderia não ser a solução para os


nossos problemas. Mesmo com o casamento, Henry poderia tentar
algo contra a nossa família, mas era uma esperança.

Danilo interrompeu o beijo e me afastou um pouco.

— Você ainda não respondeu... — disse em um tom


brincalhão.

— Ah, meu Deus! — Levei ambas as mãos à boca, em uma


reação espontânea. — Eu aceito. Nossa, eu aceito muito. E também
te amo. Mais do que poderia explicar.

Danilo abriu um sorriso imenso, lindo, e cuidadosamente


colocou o anel no meu dedo.

— Você entende, linda, que precisaremos acelerar esse


casamento? Se seu pai disse que virá buscá-la em duas semanas, é
o tempo que temos para resolver tudo. Podemos fazer algo simples
agora, só para tornar oficial, e depois, se você quiser, posso te dar
uma festa.

— Não preciso de festa! — falei com veemência.

Ele passou os braços ao redor da minha cintura, enlaçando-


me com uma expressão provocadora.

— Eu vou me casar com uma princesa. De verdade. Sou pai


de uma. Pelo amor de Deus, minha mulher merece uma festa digna.

— Festas e bailes eu tive muitos. O que sobra depois deles é


o que importa.

Danilo olhou para mim com tanto sentimento que, naquele


momento, foi quando eu tive a certeza de que ele realmente me
amava.

Da cama, nossa bebezinha fez um sonzinho fofo, que nos


chamou atenção, então, quase coreografados, eu e Danilo nos
voltamos para ela, cada um deitando de um lado da cama,
deixando-a no meio.

— Papai e mamãe vão se casar, filha. O que você acha


disso?

Estendi a mão com o anel na frente dela, e Anya a pegou e


mordeu.

Isso deveria ser um bom sinal, não?


CAPÍTULO VINTE E OITO

“Meu coração derreteu até o chão


Encontrando algo verdadeiro
E todo mundo está me criticando
Achando que estou ficando louca
Mas eu não me importo com o que dizem
Eu estou apaixonada por você
Eles tentam me afastar
Mas eles não sabem a verdade”
BLEEDING LOVE – LEONA LEWIS

Eu era uma noiva.

Não com um vestido caríssimo, feito por um estilista famoso,


que iria implorar para que eu o promovesse no meu Instagram, onde
eu tinha mais de quinhentos mil seguidores, mas que estava
completamente desatualizado há mais de um ano.

Não na catedral de Anthoria, em uma cerimônia para mais de


seiscentos convidados, incluindo os integrantes da monarquia
britânica, espanhola e de Mônaco.

Não com um visconde poliglota, diplomata, arrogante e


playboy, mas com um homem lindo, um CEO esforçado, que subiu
na vida por seus esforços, pai da minha filha. Um homem que me
amava e a quem eu amava com todo o meu coração.

Dez dias depois de ser pedida em casamento, estava


entrando em um cartório no Rio de Janeiro, com um vestido branco
comprado em uma loja de shopping — caríssima, porque Danilo
insistira —, com um buquê improvisado por D. Angélica, com
Débora e seu marido como testemunhas.

Era o dia mais feliz da minha vida.

Apesar de querermos algo bem simples e rápido, porque não


tínhamos tempo a perder, Danilo fez algumas extravagâncias, como
alugar uma limusine para nos levar. Naquele momento, nosso chofer
abriu a porta de frente para o cartório, e meu lindo noivo saltou
primeiro, estendendo a mão para mim. Eu a peguei e saí do carro,
recebendo uma mesura exagerada e divertida:

— Vossa Alteza... — ele brincou, e eu ri. Era engraçado


como aquele título sempre me fez me sentir tão mal, mas, naquele
momento, soava tão banal; apenas uma piada.

Eu não queria mais ser Vossa Alteza. Queria ser a princesa


de um único homem.

Assim que me vi de pé, diante do local, Danilo me


surpreendeu, colocando-se atrás de mim e tirando um pano preto do
bolso.
— Talvez eu tenha uma surpresa para você. Confia em mim?

Sentindo-me muito surpresa e quase confusa, apenas


assenti, e ele me vendou e me tirou do chão, pegando-me no colo.

— Não queremos que você tropece no dia do seu


casamento, não é? — ele comentou, mas não me deu muitas
chances de resposta, porque começou a caminhar.

Privada de um dos sentidos, tentei aguçar minha audição


para ouvir qualquer som ao redor, mas tudo parecia em completo
silêncio.

Danilo me pôs no chão depois de alguns breves minutos,


assim como também tirou a venda, e então eu vi.

Um lindo jardim, nos fundos de uma casa de festas enorme e


maravilhosa, todo preparado, com uma linda tenda, uma mesinha
servindo de altar, poucas cadeiras sobre um gramado e muitas
flores. Não era nada elaborado, mas a coisa mais linda que já tinha
visto.

— Danilo, eu... — tentei falar, com lágrimas nos olhos, mas o


bolo em minha garganta me impediu.

— Sei que prometi te dar um casamento digno depois e você


disse que não precisava, mas não quero que você se contente com
menos do que merece, Ellena. É pequeno, porque não tivemos
tempo de nada maior, mas é nosso. — Uma moça jovem se
aproximou de nós, estendendo a mão para mim. — Esta é Lúcia, é a
funcionária da casa de festas. O prédio ao lado não é um cartório, é
só um prédio comercial. Desculpa ter te enganado.
— Eu nem sei o que dizer.

— Não diga nada então, por enquanto. Poupe o seu aceito


para a hora certa. Só vá com Lúcia, porque há um lindo vestido de
noiva te esperando.

— O quê? — Eu mal sabia o que falar, mas Danilo apenas


pegou meu rosto e beijou meus lábios com tanta ternura que deixou
meu coração ainda mais acelerado.

— Só vai, minha sereia. Ainda tem mais coisas para chegar


de decoração, e o nosso bolo... Só se arrume e volte para mim.

Fiz o que ele pediu, e Lúcia me conduziu a um quarto, uma


espécie de camarim enorme, e eu vi um vestido de noiva, realmente
digno de uma princesa, pendurado em uma parte da parede.

Fazia todo o sentido que Débora tivesse passado tanto


tempo me perguntando sobre vestidos de noiva e me enviado
ideias, mesmo que eu lhe dissesse que não teríamos festa. Ela
chegou a me fazer escolher qual seria o ideal para mim dentre
algumas opções, e lá estava ele. Exatamente o meu preferido.

Com o caimento de sereia, delineando minha silhueta, como


uma cauda. A sereia de Danilo.

Era simples, tomara que caia, mas cheio de lindas pedrarias


e rendas, com uma leve abertura mais rodada em minhas
panturrilhas.

Lúcia, mesmo sem falar inglês, me ajudou com cabelo e


maquiagem, e quando eu me olhei no espelho, mal acreditei. Eu era
uma noiva de verdade. Prestes a me casar com o homem da minha
vida.

Que reviravolta, destino!

Agradeci a Lúcia com meu péssimo português, e ela me


deixou um pouco sozinha, mas não por muito tempo, porque Débora
logo surgiu, trazendo minha bebezinha. Esta também estava usando
um vestido lindo, todo cheio de manguinhas bufantes, uma saia bem
rodada, uma faixinha rosa na cintura, além de uma tiara de princesa
na cabeça.

— Ah, meu Deus! — exclamei, pegando-a, porque era a


coisa mais linda que eu já tinha visto na vida. — Você é minha
daminha de honra? — perguntei para Anya, que riu com sua
boquinha banguela, colocando ambas as mãozinhas no meu rosto.
Emocionada, virei-me para minha cunhada: — Obrigada. Por tudo.

— Todas as ideias foram de Danilo, nós só o ajudamos a


colocá-las em prática. Vocês merecem, querida. Ninguém vai tirá-la
de nós. É da família agora, e nós cuidamos uns dos outros.

Ainda segurando Anya, abracei Débora com o outro braço,


que retribuiu.

Quando nos afastamos, ela limpava algumas lágrimas e


estendeu os braços para pegar Anya.

— Vou te deixar em paz, querida. Termine de se arrumar e


vá ser feliz.

Feliz...
Mais?

Eu estava insanamente feliz.

Débora saiu, levando minha filhinha, e eu decidi conceder a


mim mesma alguns minutos antes de tudo. Claro que estava
nervosa, especialmente por tudo ser novidade. Eu estava preparada
para um casamento simples, em um cartório, mas naquele instante
tudo mudara. Era sério. Lindo. Como sempre sonhei.

Apesar de princesa, nunca tive em mente um casamento


apoteótico, cheio de pompa, cheio de luxo. Eu queria amor. Queria
pessoas queridas ao meu redor. Algo íntimo, algo que pertencesse
apenas a mim e não a um bando de gente. Não queria rostos
desconhecidos em meio aos convidados, pessoas que estariam
presentes apenas para comentar e encontrar defeitos. O que
aconteceria naquela tarde seria especial. Um conto de fadas
perfeito.

Só que eu precisava me apressar, porque meu príncipe


estava me esperando.

Dei uma última olhada no espelho, quando, através do


reflexo, vi a porta se abrindo. Pensei que pudesse ser Angélica ou
mesmo Danilo — do qual eu teria que me esconder, porque ele não
podia ver a noiva antes da hora —, mas me sobressaltei ao deparar-
me com meu pai.

Meu pai. Vossa Majestade de Anthoria em pessoa.

Sozinho.
Virei-me para ele de súbito, sentindo meu corpo inteiro
estremecer.

— Pai? — Por um momento meu coração se inchou no peito,


com a esperança de que ele poderia estar ali para o meu
casamento, para me conduzir ao altar. Seria mais uma surpresa de
Danilo?

Não... eu não poderia me iludir.

— Você está linda, querida — ele falou com um tom de voz


gentil, e eu quase senti a luz da esperança se acender novamente.
— Mas sabe que esse casamento não pode acontecer.

— Pai... não faça isso... — Minha voz mal saía.

— Seu noivo, Henry...

— Meu noivo se chama Danilo! — falei por entre dentes, em


minha primeira tentativa de rebeldia contra meu pai.

— Henry colocou algumas pessoas para investigar seu


paradeiro, porque ficamos preocupados. Ele descobriu sobre este
casamento investigando o rapaz com quem quer se casar — ele
começou, mas eu o interrompi.

— Não! Aquele desgraçado nunca se preocupou comigo. Ele


quer o trono. Sem mim, nunca poderia chegar a ele.

— O trono será dele por direito quando eu partir. Foi o


combinado. Ele é o meu sucessor por escolha.
— Então deixe um documento nomeando isso. Você é o rei,
pode fazer o que quiser. Só não me use em seu jogo político. Não
sou um objeto, pai. Sou uma pessoa, tenho minhas escolhas...

— Você é uma princesa, Ellena. Tem responsabilidades para


com seu reino. É sua sina desde que nasceu! — ele se alterou um
pouco. — Eu, como rei, tenho as minhas. O seu povo...

— O meu povo... — Ri, cheia de sarcasmo. — Se o meu


povo me amar de verdade não vai querer que eu me case com um
homem que não amo. Um homem a quem desprezo.

— Um homem digno da princesa que você é. Está querendo


se casar com um plebeu, Ellena!

— Sim. Um plebeu. Um homem maravilhoso, corajoso,


esforçado... o pai da minha filha — soltei, com toda a minha
coragem.

— Filha...? — ele falou, um pouco fora de si. — Você... teve


uma filha?

— Sua neta, papai. Parabéns.

Eu esperava que isso pudesse amolecer seu coração.


Esperava que ele visse as coisas de uma forma diferente; que
compreendesse que não seria certo me afastar da minha bebê. Só
que eu não deveria nutrir aquele tipo de ilusão. Meu pai não
respeitava os sentimentos da própria filha, não iria se comover com
a existência de uma neta.
— Lamento, Ellena, mas isso não muda nada. Eu não tenho
um sucessor. Até mesmo minha neta é uma mulher. Você sabe
que...

— Eu não sei de nada. Não quero ir para Anthoria. Se quiser,


esqueça que sou sua filha... não me importa. Você nunca foi um pai
para mim mesmo.

— Ellena! — falou em tom de repreensão.

— É a verdade. Você não me ama. Nunca amou. E não me


faz mais falta, porque eu tenho uma família. Agora sei o que é ser
amada. E você não vai me tirar isso.

Novamente a porta do quarto se abriu em um estrondo, e eu


vi Danilo e meu tio, os dois com aparências desesperadas surgindo
como se precisassem me salvar de algo.

Aliás... o que meu tio estava fazendo ali?

O que estava acontecendo, afinal?


CAPÍTULO VINTE E NOVE

“Não quero te perder


Outra vez
E eu quero ser corajoso esta noite
Estou tentando lutar
Porque, amor, estou assustado”
SCARED – JOSH NICHOLS

Sempre pensei que casamento era algo muito distante para


mim. Mas o mesmo eu pensei sobre filhos, não é? E mesmo assim
lá estava eu com a garotinha mais linda e deliciosa do mundo,
babando como qualquer pai devotado deveria fazer. Aquela
bebezinha tinha se tornado meu universo inteiro, e eu queria que
sua mãe fosse minha para sempre.

Entreguei Anya para a minha irmã no momento em que


enxerguei Alfred chegando. Aquela era a maior surpresa do
casamento. Inventamos para Ellena que ele não poderia
comparecer por causa de um compromisso de trabalho, mas
combinamos tudo. Lá estava ele, todo engomado, com uma gravata
borboleta de bolinhas e um terno cor de rosa, ao lado de seu
namorado — o tal que tinha informações que nos ajudariam contra
Henry.

Na verdade, a ida de Alfred para o Brasil, sem dúvidas, tinha


a ver com o casamento, porque ele queria participar, mas também
porque iríamos nos reunir no dia seguinte, depois que eu passasse
um dia inteiro com Ellena só para mim, deixando Anya com minha
família, para que ele nos mostrasse o que conseguiu.
Aparentemente era coisa pesada o suficiente para causar um
escândalo.

Eu estava louco para ver o circo pegar fogo e aquele filho da


puta do ex-noivo de Ellena se foder.

Alfred primeiro pegou Anya, matando a saudade da neném,


e depois me abraçou, parecendo emocionado.

— Não acredito que minha princesinha vai se casar. E por


amor. É demais para o meu coração sensível. — Seu namorado lhe
ofereceu um lenço, que ele usou para secar as lágrimas. — E você
está parecendo muito mais um príncipe do que aquele babaca lá.
Acho que...

Enquanto falava, ele foi interrompido por uma das


funcionárias da casa de festas que veio correndo até nós, aflita,
parando ao meu lado, ofegante.

— Senhor, me desculpe! Um dos seguranças tentou frear a


entrada de uma pessoa, mas ele estava cheio de guardas, armados,
ameaçou nosso funcionário e o fez levá-lo até onde a senhorita
Ellena está. Ele disse que é o pai da noiva e...

— James? James está aqui? — Alfred sobressaltou-se.

Eu nem me atrevi a dizer nada, apenas saí correndo,


empurrando o namorado de Alfred para o lado, sem nem perceber
que estava sendo seguido por este e pelo tio de Ellena. Se as
pessoas ao nosso redor repararam a comoção, eu só saberia
depois.

O importante era chegar em Ellena antes que ela fosse tirada


de mim.

Porque eles não iriam fazer isso. Eu não ia permitir.

Cheguei ao quarto onde ela se arrumava, abrindo a porta


com um rompante e fazendo-a bater contra a parede, causando um
baque que chamou a atenção de Ellena e do homem que estava
com ela.

De cabelos brancos, altivo, bem-vestido e olhando para mim


com uma expressão arrogante, lá estava o tal rei da porra toda. Meu
futuro sogro.

Mas ele podia ser o Papa que não faria diferença alguma
para mim.

Tudo o que eu queria dele era a mulher que colocou no


mundo e, obviamente, seu sangue corria pelas veias da minha filha.
De resto, podia desaparecer da minha frente.
— Você não vai levá-la daqui! — falei em um rosnado que eu
mesmo desconheci.

— Mais respeito, garoto — ele alertou.

— O senhor pode ser rei no país onde vive, mas no Brasil


não tem poder algum. Se tentar tirar Ellena daqui, vai ter que passar
por cima de mim e da polícia. Minha irmã já está chamando, aliás.
— Mentira. Ou melhor... eu nem sabia. Do jeito que Débora era, ela
certamente tomaria a iniciativa sozinha.

Mais uma pessoa chegou, colocando-se ao meu lado. Meu


cunhado, que disse:

— Acho que vocês vão ter que passar por cima de nós
quatro para tirá-la daqui.

Ele estava com seguranças armados, o que, claro, era o


suficiente para nos intimidar, mas o cara não ia sair atirando em
civis daquela forma, iria?

Eu não sabia o quão louco ele era, mas estava disposto a


pagar para ver.

— Minha filha precisa cumprir um compromisso. Ela não


pode se casar com um... — ele hesitou.

Isso fez o meu sangue ferver. Pra caralho. Eu não seria


menosprezado daquela forma.

Enquanto falava, então, comecei a caminhar na direção dos


dois, querendo chegar perto de Ellena, me colocar de frente para
ela, protegê-la...
— Um o quê, senhor? Um homem que a ama de verdade?
Que não tem interesse nesse casamento apenas para se tornar rei?
Um homem que venceu por seus próprios méritos? Eu tenho
bastante dinheiro para dar a ela a vida de princesa que sempre teve
sem precisar de sua ajuda. — A raiva que eu sentia estava sendo
transmitida em cada uma das minhas palavras. — Sou um homem
que vai cuidar dela, que vai tratá-la com respeito, permitir que faça
suas escolhas, que tenha voz ativa. Ela não será minha esposa
objeto, não será um enfeite. Será minha companheira, mãe da
minha filha. Vai estudar se quiser, trabalhar se quiser. E eu vou lutar
todos os dias para fazê-la feliz. Isso posso lhe garantir.

O tal rei pareceu se comover com o que eu disse. Ao menos


por um momento, porque do outro lado do cômodo, à porta — já que
eu estava ao lado de Ellena, passando o braço ao redor de seus
ombros tensos —, alguém começou a aplaudir. Alfred, é claro.

— Ai, que coisa linda, meu Deus. Até eu me caso com você,
Danilo! — ele comentou, afetado, e isso teria me feito rir, mas,
naquele momento, sentia-me tenso.

— Você parece ser um bom rapaz, mas não muda o fato de


que eu dei a minha palavra a Henry. Se quebrá-la, isso poderá
causar um grande problema a nós.

— Acho que não, cunhadinho — Alfred se intrometeu. Com


seu telefone na mão, aproximou-se de nós. Ellena estremeceu ao
meu lado, ainda calada, e eu a apertei contra mim. — Tenho uma
coisinha para te mostrar que eu acho que você vai gostar de ver.
Chegou ontem, fresquinho.
Abrindo seu Whatsapp, Alfred deu play em um áudio
específico, onde um homem começava a falar, em um tom
levemente embriagado.

“Não! Não posso esperar mais. Já passou do ponto...”

Ele deu pausa.

— Reconhece esta voz? — perguntou a James.

— Sim, é Henry — respondeu o rei.

— Ótimo, que bom que sabe. — Com isso, deu play


novamente.

“Não importa se a vadiazinha já deu a porra da boceta para


outro, depois eu dou uma lição nela a respeito disso. Uma que ela
não vai esquecer. O que me interessa é o trono. Não quero mais
esperar para me tornar rei.”

Ouvimos uma pausa, e a voz de outro homem foi ouvida.

“Mas James ainda está vivo. E saudável. Você pode se casar


com a princesa, mas não vai subir ao trono ainda, Henry. Sabe
disso.”

Henry gargalhou. Uma gargalhada de bêbado.

“Ah, pelo amor de Deus! Você é idiota ou o quê? Não te falei


que eu tenho planos para o velho? Um belo de um veneno em um
copo de vinho por algum tempo, e todo mundo vai acreditar que ele
pegou uma doença degenerativa. Já me informei como funciona. É
o plano perfeito. Depois eu penso em matar a princesinha também.
Isso, claro, quando me der um filho homem.”

— Acho que eu nem preciso te mostrar mais nada, né? —


Alfred falou, assim que o áudio encerrou.

Olhei para a cara do meu... bem... sogro... e ele estava


estático. Pálido. Tanto que se jogou na primeira cadeira que viu pela
frente, provavelmente incapaz de permanecer de pé.

— Como conseguiu isso? — ele perguntou a Alfred, e sua


voz soou completamente arfante, como se estivesse prestes a ter
um ataque cardíaco.

— Fui eu, Majestade — o namorado de Alfred manifestou-se.


— Eu sou primo de John, que trabalha para Henry. Nós saímos
juntos, e eu deixei os dois muito bêbados. Arranquei a confissão
assim. Dei um jeito de fazê-lo repetir e gravei sem que percebesse.

Um silêncio recaiu sobre o ambiente, e eu novamente senti


Ellena estremecer, o que me fez apertá-la ainda mais em meus
braços e beijar o topo de sua cabeça. Eu sabia qual era seu medo,
de ouvir o pai dizer, mesmo com as provas, que estávamos
mentindo. Um áudio poderia ser forjado, é claro, mas eu queria ao
menos que ele nos desse o benefício da dúvida.

— Pai, por favor. Henry não é confiável. Ele vai ser cruel
comigo se insistir que nos casemos. Eu não posso. E não quero.

— E não vai — insisti. Ellena não precisava obedecer ao seu


pai. Nunca mais.
Ele continuou em silêncio por mais algum tempo, até que
ergueu a cabeça e olhou para nós.

— Gostaria de alguns momentos a sós com a minha filha.

— Não! Nem pensar! — falei em um impulso, porque nada


de bom se passava pela minha cabeça com aquele pedido.

— Podem ficar do lado de fora, se quiserem. Não vou tirar


Ellena daqui. Só quero conversar com ela.

Fiquei ainda um pouco desconfiado e olhei para ela em


busca da resposta, mas Ellena assentiu.

— Estarei por perto, se precisar de mim.

Beijando-a no alto da cabeça, atendi ao seu pedido, saindo e


fechando a porta, sentindo-me com o coração na mão.

Não era possível que aquele dia, que preparei com tanto
carinho, fosse estragado.

Eu não iria permitir, de jeito nenhum.


CAPÍTULO TRINTA

“Mas você nunca ficará sozinho


Eu estarei com você do crepúsculo ao amanhecer
Amor, eu estou bem aqui”
DUSK ‘TILL DAWN – ZAYN FEAT SAI

Eu queria não estar tão nervosa. Queria confiar que meu pai
respeitaria a minha vontade e que o que ouvira seria suficiente para
que sua obsessão em me casar com Henry desaparecesse.

Não queria ser privada dos meus desejos. E o meu maior,


naquele momento, era me casar com Danilo. Ficar com a minha
família.

Ele se levantou e começou a andar de um lado para o outro,


inquieto, mas eu não sabia dizer o que se passava na sua cabeça. E
como poderia? Mal o conhecia. Nunca tivemos oportunidades para
conversarmos, para termos um relacionamento verdadeiro. Aquele
homem à minha frente era tão rei para mim quanto era para o resto
de seus súditos.
Só que no momento em que seus ombros caíram, ele não
pareceu mais tão majestoso. Era apenas um homem cansado,
deixando se levar por um fracasso. Alguém mais acessível, embora
eu soubesse que poderia ser apenas uma fachada.

— Eu sempre quis o melhor para você, Ellena — começou, e


até sua voz soava mais frágil.

— Não, pai — respondi sem nem respirar. Não podia refletir


muito ou perderia a coragem. — Com todo o respeito, você sempre
pensou apenas no seu povo. As vontades de sua filha sempre
vieram em segundo ou até em terceiro plano. Nunca nem quis
conhecer quem eu sou.

— Você não sabe o tamanho da responsabilidade que eu


carrego.

— Se a tivesse dividido comigo nos últimos anos, ela se


tornaria menos pesada. — Ele me olhou com surpresa. — Não sou
uma mulher burra, pai. Poderia ter conversado comigo, pedido
conselhos... poderíamos ter resolvido tantas coisas juntos.

— Você é só uma garota, Ellena. Sei que não é burra, pelo


contrário. Mas não queria ficar enchendo sua cabeça com tudo isso.
É jovem demais.

— Mas não jovem demais para me casar sem amor, não é?


— Senti que o soco o acertou bem no estômago, porque meu pai
ficou calado. E para que o Rei James de Anthoria ficasse sem
palavras era porque a situação era bem séria.
— O amor não é tão bom quanto você pensa, Ellena. Eu
perdi sua mãe cedo demais e nunca me recuperei. A dor é muito
grande para valer a pena.

Meu coração se apiedou dele, então, peguei-o pela mão e o


fiz sentar-se ao meu lado no sofá de couro no canto do cômodo
onde eu estava me arrumando.

Era a primeira vez que nos víamos tão perto daquela forma,
sem um de seus seguranças ao redor ou sem que meu pai
estivesse pronto para se afastar na próxima chance.

Só que aquela sua resposta explicava muita coisa.

— A gente não pode se proteger de sofrer pra sempre. Não


podemos nos privar de amar alguém, de sermos felizes, pelo medo
da dor. A vida não é fácil, a morte menos ainda, mas o que há antes
dela é o que temos que valorizar.

Meu pai ficou novamente calado, ao menos por um tempo.

— Você ama mesmo aquele rapaz? — ele perguntou, e uma


pontinha de esperança nasceu no meu coração.

— Amo. Ele me salvou várias vezes. Cuidou de mim sem


pedir nada em troca. É o melhor pai que eu poderia pedir para a
minha filha, e eu tenho um enorme orgulho de tê-lo escolhido.

— Ele parece bem apaixonado. Protetor. — Meu pai sorriu. O


que era muito raro. — Eu deveria achá-lo insolente, mas até que
gosto dele. — Então fez algo mais raro ainda. Pegou minha mão e a
beijou. — Você está muito parecida com a sua mãe. Ela usava um
vestido bem maior do que este, mas ficou perfeito.

— Obrigada. É um elogio para mim.

— Não é só na aparência, Ellena. Ela era uma mulher


corajosa e forte como você.

— Eu não sou...

— Claro que é. — Sorriu novamente. — Ficou linda loira,


mas ainda prefiro o ruivo. Combina mais. — Então ele se levantou e
estendeu o braço para mim. — Posso te acompanhar até o altar?

Naquele momento minha cabeça deu um giro vertiginoso.


Era real? Meu pai não apenas iria desistir de sua ideia estúpida de
me casar com um homem que eu não amava como iria abençoar
meu casamento com o dono do meu coração?

Hesitei quase sem acreditar, mas ele fez um gesto


incentivando-me, e eu aceitei.

Pegando meu buquê, que tinha deixado sobre uma cadeira


durante a confusão, ajeitei meu véu e entrelacei meu braço ao dele,
e nós saímos do local juntos. Danilo aguardava sozinho do lado de
fora da porta e sobressaltou-se quando nos viu em perfeita
harmonia.

Colocou-se de pé diante de nós, com a postura ereta, pronto


para tudo. Mas meu pai estendeu a mão para ele, o que me fez
soltar o ar que estava segurando.
— Faça-a feliz, e eu estarei satisfeito. Mas saiba que, um
dia, pode ter que vir a assumir um lugar para o qual não está
preparado.

Danilo olhou para mim e abri um sorriso.

— Não tenho interesse no seu trono, Majestade, mas se


algum dia tiver que assumi-lo, terei uma rainha maravilhosa do meu
lado, e ela me ensinará o que fazer.

Se meu pai não estivesse ali, ao meu lado, eu teria pulado


no colo de Danilo e o beijado naquele momento. Aquele era o
homem com quem iria me casar. Um homem que levava minhas
opiniões em conta e que me faria feliz. Era só o que eu precisava.

— Senhor, sei que não é uma pergunta para este momento,


mas... O que vai acontecer com Henry? — Danilo perguntou. — É
importante que eu saiba, porque aquele homem pode descobrir
onde Ellena está e tentar fazer algum mal a ela ou à minha filha.
Preciso estar preparado.

— Não vai acontecer. Vou avisar as autoridades de Anthoria


imediatamente, e ele será interditado. No meu país a pena de morte
é legal, rapaz. E um crime contra o rei é passível de cadeira elétrica.

Uau. Eu queria sentir um pouco de piedade por aquele


nojento, mas não consegui. Ele iria matar o meu pai. Ameaçara
matar a mim. O que não poderia fazer com minha filha se colocasse
as mãos nela?

Não queria nem pensar.


Os dois trocaram um cumprimento, e Danilo se apressou
para chegar antes de mim ao altar.

Então tudo o que aconteceu depois foi um verdadeiro conto


de fadas. Quem poderia imaginar que eu teria meu pai — meu
próprio pai — guiando-me por aquele corredor, tão enfeitado que eu
poderia jurar que Danilo pagara uma pequena fortuna para a casa
de festas organizar tudo em tão pouco tempo.

Havia poucas pessoas sentadas naquelas cadeiras, mas


eram quem amávamos. Nossa pequena família; tudo o que
importava.

Meu pai me entregou a Danilo no altar, e meu noivo beijou


cada uma das minhas mãos com adoração e olhou nos meus olhos
com um sorriso feliz, que eu espelhei imediatamente, apaixonada.
Completamente. Irrevogavelmente.

Meu mundo inteiro estava ali, naquele homem e na


bebezinha sentada na primeira fileira, no colo do meu tio.

O juiz de paz falou algumas palavras em inglês, algumas em


português — Danilo teve esse cuidado —, nós dissemos nossos
votos, ambos em inglês, trocamos alianças e eu fui beijada por meu
marido.

Marido.

Uau!

Eu estava casada, como já sabia que estaria àquela altura,


mas tudo era completamente diferente. Perfeito.
E era isso que eu tinha em mente um pouco depois, já
durante a pequena festa, enquanto abraçava meu tio:

— Obrigada. Obrigada... — sussurrei, em seus braços,


chorando como uma criança. — Se não fosse por você, eu não teria
vivido as melhores férias da minha vida. Não estaria tão feliz.

— Você merece, querida. Se está feliz, eu estou feliz


também. — Ele segurou meus braços e me afastou de si para olhar
em meus olhos. — Mas agora nada de choro. A partir de agora essa
sua vidinha tem que ser feita de sorrisos. E vê se deixa o cabelo na
cor natural. Você fica linda de loira, mas como ruiva é deslumbrante.

Não pude deixar de rir, principalmente quando ele me puxou


para dançar, girando-me e me conduzindo no ritmo da música.

Logo Danilo e Anya estavam conosco, unindo-se na dança.


Meu marido balançava nossa bebezinha, que ria, tão feliz quanto
eu.

Tão feliz quanto eu sabia que seria dali para frente.


CAPÍTULO TRINTA E UM

“Eu encontrei um amor para mim


Querida, entre de cabeça e me siga
Bem, eu encontrei uma garota, linda e doce
Ah, eu nunca soube que você era
A pessoa que estava esperando por mim”
PERFECT – ED SHEERAN

A notícia da execução de Henry saiu em mídias muito


específicas, porque ele não era exatamente um nome famoso. Era
apenas mais um desses sujeitos da nobreza espalhada pelo mundo,
que nem sabíamos que existia ainda. Um cidadão quase comum,
apenas com um tipo diferente de pedigree.

No final das contas, a polícia de Anthoria descobriu,


revistando a bela mansão palaciana onde ele morava — em uma
pequena província da capital, que levava o mesmo nome do país —
e em seus computadores pessoais, que ele andara fazendo uma
extensa pesquisa sobre venenos, o que corroborava com o áudio
que o namorado de Alfred descobrira.
Seu capanga, John, fora sentenciado com ele, pelos
mesmos crimes de traição ao rei.

Uma morte nunca era algo para ser comemorado, mas, no


final das contas, a segurança da minha família era mais importante.

Cinco anos após o nosso casamento, Ellena florescera de


uma maneira impressionante. Sorrisos eram constantes,
gargalhadas mais ainda. Aprendera a cozinhar como uma
profissional, mas fazia isso porque gostava e não porque precisava.
Conforme a Verity Turismo foi crescendo mais e mais, nós nos
mudamos para uma casa enorme, e havia pessoas muito queridas
para cuidar de tudo. Tínhamos um motorista para levar Ellena aonde
ela precisasse ir, uma cozinheira, uma babá, uma pessoa que
cuidava da organização da casa e até um jardineiro, embora minha
esposa também adorasse cuidar das plantas por si mesma.

Ellena era o tipo de mulher que gostava de colocar a mão na


massa. Provavelmente por causa de todo o tempo que passou sem
ter o direito de fazer quase nada, ela queria compensar o ócio de
todos os seus anos estando sempre em atividade.

Era comum eu chegar em casa e vê-la criando conteúdo


para seu Instagram — o que se tornara seu trabalho — ou para o
seu canal de Youtube, onde ela falava de tudo um pouco, em seu
português aprendido com muito esforço. Ainda havia um leve
sotaque, mas eu achava muito charmoso.

Na Internet, ela ensinava inglês, dava dicas de culinária,


moda, beleza, maternidade, mas o trabalho que ela mais gostava
era o de motivação a mulheres que poderiam viver oprimidas como
ela fora um dia. Ellena falava muito sobre sua condição, sem
máscaras, sem inverdades, abrindo seu lindo coração para que
mais pessoas soubessem que a vida de alguém que parecia perfeita
nas câmeras não fora sempre um conto de fadas.

Eu morria de orgulho dela — sempre enfiada em algum


trabalho voluntário, embora nunca tivesse esquecido de sua ONG
em Anthoria, para a qual fazia doações generosas e ajudava
constantemente, mesmo à distância. Ellena nomeara uma nova
diretora, desde que nos casamos e ela fixou moradia no Brasil.
Tratava-se de Madeline, uma das voluntárias mais participativas,
uma viúva rica que perdera marido e filho ainda jovem e decidira
preencher sua vida fazendo bem ao próximo.

Madeline, dois anos depois, tornou-se a nova rainha,


casando-se com James — que se apaixonara por ela perdidamente.

Era uma grande mulher. Dez anos mais velha que minha
esposa, bem mais jovem do que o rei, nós a adorávamos. Fora ela a
responsável por aproximar James da filha; ela que o incentivara a
participar mais da vida de Ellena, principalmente quando nosso
segundo filho nasceu — um menino daquela vez, nosso pequeno
Thomas.

De início, todo o interesse de James fora pelo fato de ser um


herdeiro legítimo ao trono, mas, felizmente, ele mesmo tivera um
garotinho, um ano depois, o que nos deixou extremamente
aliviados. Não queríamos que nossos filhos tivessem que carregar a
responsabilidade nas costas.

Só que as coisas não foram assim tão fáceis...


Naquele dia cheguei em casa e não a vi fazendo o de
sempre. Não estava animada preparando algo para jantarmos,
enquanto cantava algo em português — ela adorava MPB —, ou
gravando um vídeo, nem brincando com as crianças.

Estava sentada no sofá, com uma expressão muito séria e


um papel na mão. Um muito parecido com a missiva que recebera
cinco anos atrás, anunciando que ela seria levada de volta ao seu
país para se casar com Henry.

Imediatamente me peguei apreensivo.

— Lena, o que foi? — Sentei-me ao lado dela, começando a


afrouxar a gravata, sentindo que o assunto poderia me causar mal-
estar.

Ela não respondeu nada, apenas me passou a missiva para


que eu lesse. Anya estava por perto, e eu imaginei que ela não
queria falar em voz alta para não a preocupar. Claro que, com
menos de seis anos, nossa garotinha ainda não entenderia a
gravidade da situação, fosse o que fosse, mas era esperta e
provavelmente já tinha reparado no humor de sua mãe, porque
entretinha seu irmãozinho, de três anos, como se quisesse dar
espaço a Ellena para se acalmar.

O que eu li no papel realmente me preocupou.

Era informado a Ellena que seu pai fora diagnosticado com


câncer há alguns meses, algo que ela não sabia. Ele estivera
mantendo em segredo de todos, menos da esposa, esperando que
fosse algo curável. Só que a doença estava avançando rápido, e era
possível que ele não tivesse tanto tempo de vida. Alguns meses,
esta era a estimativa.

Seu herdeiro direto, seu filho, William, ainda estava prestes a


completar dois anos de vida, ou seja... eu seria o felizardo, ao
menos enquanto o príncipe chegava à maturidade.

Ou seja, rei por uns dezesseis anos. Que ótimo!

— Precisamos ir a Anthoria — foi a primeira coisa que Ellena


disse desde que cheguei.

— Você quer ir? Sabe que se assumirmos o que seu pai


quer, nossa vida irá mudar para sempre. — Eu não queria. Amava
nossa rotina, amava o que tínhamos, a vida que pretendíamos dar a
nossos filhos, mesmo que a ideia de termos que assumir o trono
sempre tivesse nos assombrado, ao menos até que William nasceu.

Jurávamos que James teria tempo de vida suficiente para ver


seu filho crescer, treiná-lo e garantir que o menino ficasse pronto.
Quando fomos conhecê-lo, pouco depois de seu nascimento, o rei
parecia radiante. Isso deveria ter deixado Ellena aborrecida ou um
pouco enciumada, já que com ela nunca fora assim, mas minha
esposa não tinha esse tipo de sentimento negativo dentro de si.
Estava contente por ter um irmão, adorava a madrasta e queria que
o pai fosse feliz.

— Desculpa, amor. Acho que essa não é a pergunta que eu


deveria fazer em primeiro lugar. Como você está com a notícia da
doença do seu pai? — perguntei enquanto levava a mão ao seu
ombro.
— Devastada. Logo agora que ele finalmente estava feliz...

— Eu sei, querida... eu sei... — Puxei-a para mim, beijando o


alto de sua cabeça e tentando confortá-la, embora não fosse fácil.

— Mas seja como for, não altera o fato de que precisamos


tomar uma atitude. Não quero que nossa vida mude. Não quero
voltar para Anthoria, eu amo o que temos aqui. Por isso tive uma
ideia. Só que vou precisar convencer o meu pai, e você sabe que
ele é cabeça dura.

— Boa sorte, então. Partimos quando?

Bem, nós partimos uma semana depois, que foi o tempo


necessário para que aprontássemos tudo.

Chegamos em Anthoria em uma tarde ensolarada, com as


crianças, porque poderia ser a última oportunidade de elas verem o
avô e vice-versa. Não era a primeira vez que eu visitava o país, mas
o lugar era lindo o suficiente para me deslumbrar novamente,
principalmente o castelo onde Ellena vivera a vida toda. Chegava a
ser um pouco intimidante imaginar que minha esposa tivera tudo
aquilo antes de se casar comigo.

Eu era rico, CEO, dono de uma empresa de sucesso, mas,


de forma alguma, poderia comparar com aquela situação. Eu nunca
poderia esquecer o que ela era. Uma princesa que trocara tudo o
que tinha para viver comigo. Isso me tornava um cara de muita
sorte.

Fomos recebidos por Madeline, a esposa de James, que era


sempre muito gentil conosco. Brincamos um pouco com o pequeno
William e deixamos nossos filhos com ela, para que pudéssemos ir
conversar com o rei.

Vê-lo foi um choque. Abatido, bem mais magro, sem a


postura altiva de sempre. Estava em seu quarto, sentado em uma
poltrona, mas ainda de pijamas, com um robe de seda por cima,
cabelos desgrenhados e barba por fazer.

Fiquei de longe, observando. No momento em que viu a filha,


levantou-se e a abraçou. Eu nunca o tinha visto reagir a Ellena
daquela forma.

— Que bom que veio, filha. Precisamos resolver tantas


coisas. Há muito para ensinar a Danilo... e tão pouco tempo...

Permaneci calado, sabendo que se Ellena não conseguisse


convencê-lo, eu realmente teria que aceitar aquela posição. Ainda
não tinha pensado no que faria com meus negócios, e nem queria
largá-los, porque sempre foi o meu sonho, mas quando me casei
com ela já sabia que isso poderia acontecer, não?

— Papai, o que precisamos fazer é conversar. — Era


impressionante ver o quão madura Ellena tinha se tornado; a mulher
maravilhosa na qual se metamorfoseou. — Nem eu e nem Danilo
temos interesse em assumir o trono.

Senti James ficando agitado.

— Mas... O quê? Como faremos? Vocês precisam! É... —


Um acesso de tosse o acometeu, e eu avancei, ajudando Ellena a
conduzi-lo à cama, colocando-o deitado. — Minha filha, não faça
isso. O que será de Anthoria?
— Eu tenho uma ideia, pai, mas vai precisar me ouvir e abrir
um pouco a sua mente. — James hesitou, mas assentiu. Parecia
mudado também. Um pouco mais flexível. Eu não saberia dizer se
fora o novo casamento, a chegada do segundo filho ou a doença. —
Madeline seria uma rainha maravilhosa, ao menos até William
completar dezoito anos.

— Mas mulheres não são permitidas no trono, Ellena, sabe


disso! — agitou-se novamente.

— Você é a autoridade máxima no país, pai! Pode mudar as


leis, fazer decretos. O poder, enquanto viver, é seu. Acha que
Madeline não teria capacidade para reinar?

— Bem... para ser sincero, ela é que tem tomado a maioria


das decisões desde que me descobri doente. Tem feito um trabalho
incrível. Ela... — James suspirou — seria perfeita.

— Sim, eu não tenho dúvidas disso. O senhor não acha que


seria muito mais simples e muito mais lógico nomear alguém que já
vive em Anthoria, que conhece os deveres, que está ao seu lado?

James ficou calado por algum tempo, mas eu e Ellena já


imaginávamos a sua resposta. E a prova de que tudo finalmente
ficaria bem, como queríamos que ficasse, veio alguns dias depois
quando o rei assinou seu novo decreto, possibilitando que sua
esposa se tornasse a rainha e governante de Anthoria quando ele
partisse, ao menos até que William tivesse idade suficiente para
assumir.
Ficamos no país por mais algum tempo, e Alfred chegou com
seu marido, para também ficarem um pouco com James.

Era impressionante ver o quanto a relação entre pai e filha


mudara de um dia para o outro. Ellena passava muito tempo com
James, em seu quarto, contando sobre sua nova vida, com as
crianças, interagindo, e ele se comportava muito mais como um avô
e pai do que eu já tinha visto em todos os anos em que convivi com
minha esposa. Era uma pena que só tivesse percebido o quanto sua
família era importante no fim da vida.

Quando fomos embora de Anthoria, depois de passarmos


um mês por lá — já que minhas férias precisavam terminar para que
eu voltasse ao trabalho — chegamos em casa à noite, colocamos as
crianças para dormir e fomos nos deitar em nossa cama, abraçados,
no escuro.

— Como você está? — perguntei a Ellena em um sussurro,


mantendo-a aninhada a mim.

— Conformada. Acho que por mais trágica que seja a


situação, conseguimos resolvê-la da melhor forma. Nunca tive
momentos tão significativos com meu pai. Lamento que tenha sido
no final da vida dele, mas foi melhor que nada. Não sei quanto
tempo mais ele vai durar, mas as lembranças ficarão para sempre.

Apertei Ellena um pouco mais contra o meu corpo.

— Estou muito orgulhoso de você. Como sempre, fez a coisa


certa.
— Fizemos. Madeline será uma rainha incrível, e nós
poderemos continuar com nossa vidinha como sempre.

— Amém para isso.

Então eu a beijei, sentindo meu corpo responder a ela como


se fosse a primeira vez.

E algo me dizia que sempre seria assim.


CAPÍTULO TRINTA E DOIS

TRÊS ANOS DEPOIS

“E no final, eu sei que nós encontraremos


Amor tão bonito e divino
Nós seremos amantes durante toda a vida, sim
E eu estarei com você”
STAY WITH YOU – JOHN LEGEND

— Você viu o que saiu hoje na Gazeta de Anthoria? —


Débora falou ao telefone. Sua voz ia e vinha, e eu sabia que estava
com o telefone no viva-voz, porque provavelmente estava se
arrumando para sair com o marido.

— Desde quando você lê a imprensa de Anthoria, Deb? —


provoquei.

— Desde que eu me tornei a cunhada da princesa, ora essa!


— Não pude deixar de rir. — Mas você viu o que falaram sobre
Madeline?
Sim, eu tinha visto. Era uma matéria completa sobre as
benfeitorias que a nova rainha fizera em todo o país. Muitas
pessoas criticaram a atitude de meu pai, quando assinou o decreto
praticamente entregando o trono a ela por escrito. Conservadores
fizeram suas apostas de que uma mulher nunca teria pulso firme
para governar, nem mesmo um país pequeno como Anthoria. Só
que todos quebraram a cara, porque ela era maravilhosa.

Quem torceu o nariz estava ali mesmo, naquele artigo,


assumindo o erro e elogiando sua atuação como governante, o que
era uma vitória e tanto. Muitos diziam, inclusive, que seria prudente
deixá-la até o fim de sua vida, para que William assumisse apenas
quando estivesse completamente preparado. Eu concordava com
isso. Até porque meu irmão deveria ter direito de escolha. E se ele
não quisesse ser rei? Sabia que Madeline iria escutar a opinião do
filho, que não iria obrigá-lo a nada, mas gostava da ideia de ela
poder permanecer, caso ele não desejasse seguir aquele caminho.

— Eu li, sim. Mas nunca duvidei disso — respondi, enquanto


começava a recolher os brinquedos das crianças que estavam
espalhados pela sala.

— Sorte a sua que ela não era uma madrasta como as dos
livros, né?

Soltei mais uma gargalhada. Débora era uma figura.

— Não, ela é maravilhosa. Quase como a sua mãe.

— Só que bem mais jovem, estilosa e... Aff, que horror.


Minha mãe é linda, não foi isso que eu quis dizer.
— Eu entendi, querida. Fica tranquila.

— Ah, que bom. Olha, eu vou sair, porque o bonitão aqui


está me enchendo o saco que estou demorando. Como está tudo
aí? Se tiver qualquer problema, me liga, ok?

— Fica tranquila sobre isso também. Danilo adorou. Está lá


em cima com eles. Não ouvi nenhum grito, então está tudo sob
controle.

— Graças a Deus, mas de qualquer forma...

— Para de ser tão preocupada! Vá se divertir com seu


marido.

— Tá bom, ta bom! Amanhã eu passo aí.

— Até amanhã, querida. Te amo. — Era impressionante o


quanto aquelas duas palavrinhas passaram a fazer parte da minha
vida quase todos os dias. Porque eu amava tantas pessoas... E era
bom amar.

Meu pai costumava estar certo em muitas coisas, mas


aquela não era uma delas. O amor podia ser doloroso, sim, só que
era grandioso. Ele preenchia o coração de uma forma tão cálida, tão
reconfortante, que a sensação de lar nunca fora tão evidente em
mim desde que aceitei o sentimento e que passei a ser amada de
verdade.

O amor é perfeito, em todos os seus sentidos. Mesmo nos


momentos sombrios e difíceis, é ele que proporciona a luz.
Eu e Débora desligamos o telefone, e eu subi as escadas da
casa, estranhando o silêncio. Eram três crianças reunidas, era
estranho pensar em tanta calmaria.

Entrei primeiro no quarto que dividia com Danilo,


encontrando rapidamente a resposta para a minha dúvida: lá estava
ele, deitado em nossa cama enorme, com três crianças ao seu
redor, contando uma história, sem livro, de sua cabeça.

— Mas então a princesa era muito infeliz. Ela ia ser obrigada


a casar com um feiticeiro muito malvado, só que o príncipe chegou e
a salvou, levando-a para outro país.

— Mas, tio, esse príncipe foi a cavalo? — nosso sobrinho,


Fred, perguntou.

Débora e meu cunhado nunca desistiram de ter um filho.


Todos os tipos de métodos foram tentados, mas eles nunca
conseguiram levar uma gravidez até o fim. Minha cunhada foi quem
decidiu desistir. E quando essa decisão foi tomada, há dois anos,
todos nós fizemos uma viagem a Anthoria e visitamos a ONG da
qual Madeline ainda tomava conta.

Um bebezinho de um ano e meio tinha acabado de chegar.


Era filho de uma mulher refugiada que surgira muito doente e que
morrera dias depois. A criança ficaria na ONG e seria colocada para
adoção. Foi amor à primeira vista. Débora se tornou mãe dele, ao
menos de coração, em muito pouco tempo.

O processo de adoção foi todo acelerado pela rainha, e Fred


estava conosco desde então.
Era um menino doce, gentil, inteligente e encaixou-se na
família perfeitamente.

— Claro que foi. E ele tinha uma espada também... Lutou


bravamente contra os soldados do feiticeiro.

Não pude deixar de sorrir quando Danilo voltou-se para mim,


lançando-me uma piscadinha. Ele estava distorcendo um pouco a
história, mas tudo bem.

Eu ainda tinha algumas coisas para terminar naquele dia,


ainda queria fazer um post de uma publicidade que precisava fazer
de uma marca de xampu que me contratou — elas eram constantes,
desde que retornei ao ruivo natural, pouco depois de nosso
casamento —, mas todo o resto poderia esperar. Minha família era
mais importante.

Deitei-me na cama com eles, encantada em ouvir a história,


deixando que a voz bonita e grave de Danilo me embalasse,
enquanto ele usava de diferentes entonações para clímax e partes
mais românticas. Em certo momento, inclinou-se na minha direção,
beijando-me com ternura, e eu precisei respirar fundo, sentindo meu
coração explodir no peito.

Lá estava o meu felizes para sempre.

Nenhum outro poderia ser tão perfeito, tão mágico, tão meu.
EPÍLOGO

GAZETA DE ANTHORIA – MUITOS ANOS DEPOIS

VIDA LONGA AO NOVO REI!

Em cerimônia solene, ao lado de sua mãe, a rainha Madeline


Woodward, o jovem príncipe William James Woodward, assumiu o
trono de Anthoria, aos dezoito anos.

Com a presença de toda a sua família, incluindo a princesa Ellena,


acompanhada de seu marido e seus dois filhos, o novo rei fez
discurso emocionado, dizendo que sua maior vontade era continuar
os feitos de sua mãe, que fora a melhor governante do país em
décadas, sem desmerecer o trabalho de seu falecido e estimado
pai. Em sua opinião, a rainha deveria permanecer no trono, mas ela
preferiu passar a coroa adiante, ao filho, determinada a cuidar da
ONG, antes chamada de Casa de Anthoria, e, agora, Abrigo
Princesa Ellena Woodward.

A família real ofereceu um grande jantar para celebrar o novo rei,


aberto a todo o povo de Anthoria, que, em peso, acredita que será
uma era de muita prosperidade e harmonia, como foram os últimos
anos e como esperamos que será sempre o futuro de nosso amado
país.
FIM

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