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Ficha técnica

Copyright © 2022 Valentina K. Michael


DE MIM, VOCÊ NÃO ESCAPA – O legado dos Lafaiette – Spin-off
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos
descritos são produtos da imaginação do autor. Qualquer semelhança com nomes,
datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
Revisão: Clara Taveira e Raphael Pellegrini
Capa: Tatianne Tenório
Diagramação Digital: Valentina
Todos os direitos reservados.
São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte dessa
obra, através de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o consentimento
escrito da autora.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei nº. 9.610./98 e
punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Edição Digital | Criado no Brasil.
Sumário
Sumário
Aos leitores
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EPILOGO
Aos leitores

Ei! Você, leitor(a), atenção!


Antes de começar esse livro, que tal dar uma passadinha em Admirador
Secreto (livro 1 da série “O LEGADO DOS LAFAIETTE”), que conta a história de
Romeo e Olivia? Garanto que será de extrema importância saber sobre Olivia antes de
começar essa história, que é sobre a irmã dela.
Mas, se você já conhece, então seja bem-vindo(a)!
Aqui vamos conhecer Virginia e Rocco, que são de mundos diferentes e se
encontram em um casamento de conveniência. Rocco se interessou por Virginia por
aparentemente ser uma mulher recatada e submissa, mas quando enfim se casaram,
descobriu que não é o que ela demonstra ser.
Virginia tem um segredo, e Rocco também.
Esses segredos serão suficientes para exterminar de uma vez por todas esse
casamento que já começou mal?

Espero que gostem e, por favor, deem uma chance à mocinha, nada é o que
parece.
Sempre lembre disso: NADA É O QUE PARECE.
É engraçado, você é quem está em ruinas
Mas eu era a única que precisava ser salva
(Stay - Rihanna)
01
ROCCO

Exasperação pura e feroz invade meu peito enquanto puxo o ar


pesadamente e mentalizo calado as palavras vindas do advogado, que lê as
últimas vontades do meu pai. O restante dos familiares, que sempre buscaram
dinheiro fácil, finge uma tristeza que não existe. Meus primos desejam
apenas saber qual parte da herança sobrará para eles.
Deixo a mente vagar de volta a um passado recente, quando os
embates com meu pai eram frequentes. Como filho único, fiquei com a
metade dos bens da minha amada mãe quando ela faleceu. Incluindo suas
poucas ações da Montoya Motors, a fábrica de carros que tinha em sociedade
com meu pai.
Eu posso parecer egoísta ou ambicioso demais, porém tudo que
sempre quis foi ter o controle total da empresa: a minha empresa. Ele só tinha
de me passar uma procuração e descansar. E eu estava perto de enfim
conseguir isso.
Por sorte, meu pai escapou das minhas garras usando a maneira mais
covarde possível: morrendo inesperadamente, de uma forma misteriosa, o que
considero por sua própria vontade. O dia em que eu tomaria tudo que sempre
foi meu de direito estava se aproximando, mas ele conseguiu uma maneira de
me impedir. Uma maneira esperta que ninguém poderia prever. Morrer e
deixar um testamento.
Que genial!
E foi muito baixo, a ponto de me fazer encontrá-lo morto na sala da
presidência. Ele queria marcar para sempre aquele lugar.
— Tudo bem, senhor Montoya? — Levanto o rosto quando o
advogado do meu pai indaga. Ignoro a repentina onda de calor ocasionada
pela tensão.
— Eu pareço estar mal? — Encontro seus olhos aturdidos, gosto da
sensação de conseguir colocar medo em outras pessoas.
— Só quero saber se entendeu…?
— Entendi. — Fico de pé e ajeito o terno. — Pode se retirar.
— Certo. Só precisa assinar…
— Saia! — Espalmo as mãos na mesa, deixando uma pontinha da
minha revolta escapar. — Saiam todos!
— Rocco. — Meu primo, Sidney, se levanta e se aproxima, temeroso.
— Eu sinto muito pelo tio…
— Ah, vai te catar, Sidney. Há anos vocês nem ligavam para saber
como o velho estava. Vocês deram sorte por ele ter se lembrado dessa parte
insignificante da família.
Abutres.
— Não fale assim, minha mãe está sofrendo… — Sutilmente, aponta
para a irmã do meu pai simulando um mal-estar.
Massageio a testa, recuperando um pouco de autocontrole, e volto
meu olhar para ele.
— Ok. A parte que cabe a vocês será entregue imediatamente.
Conversem com meu advogado. — Faço sinal para Armando, meu advogado
que me acompanha na reunião, e ele se encube da missão de guiar os parentes
de meu pai para fora do escritório.
O rosto de Milena sorrindo, bela e feliz, toma todo o espaço da minha
mente, do coração; essa imagem parece cercar a sala com sua presença. Meu
pai não a respeitou ao impor essa regra esdrúxula no testamento.
Sinto o impulso da raiva me tomar ao me ver sozinho no amplo
escritório aconchegante que eu usava para trabalhar nos fins de semana e
descansar quando precisava ficar sozinho para pensar. Minha cobertura fica
em um prédio afastado do movimento e barulho desgastante da cidade. Um
lugar que eu domino.
Sinto um desejo maciço de derrubar a sala, quebrar os objetos como
se estivesse quebrando algo do meu pai, numa tentativa inútil de feri-lo.
Porém apenas me sento e pego a cópia do testamento.
Casar, ter um filho, para então tudo que um dia foi do meu pai ser
transferido para o meu filho. Eu serei apenas o tutor até que ele complete dez
anos, quando os bens voltam automaticamente para mim.
Uma forma de não deixar que eu abandone a prole. Ele sabia que meu
desejo de controlar a Montoya era maior que qualquer emoção, até mesmo
que Milena. E que eu seria capaz de tudo. Seria capaz, inclusive, de atropelar
os meus receios.
Mas o pior é a segunda cláusula: casamento. Eu não poderei pedir o
divórcio, ou vinte e cinco por cento das ações da empresa vão para minha
futura esposa.
O maldito me prendeu na coisa que mais abomino. Ele sabe do meu
pavor quanto a relacionamentos, da minha recusa em me casar e dos meus
motivos para isso. Ele só quis me punir da maneira mais sádica que
encontrou, nada mais.
Não sou um merda sem coração. Se eu deixar minha mente percorrer
terras proibidas, ela me levará a uma época, dois anos atrás, quando eu já quis
e planejei um filho, mas, no final, feri uma pessoa e saí também machucado.
Vou precisar me casar, é um fato. A Montoya Motors precisa
urgentemente de uma atualização em sua linha de produção e em suas
parcerias. Estávamos na linha de frente na Fórmula 1, mas com a gerência
trágica do meu pai, acabamos perdendo esse patamar. Eu preciso
reestabelecer o nome da empresa, e para isso preciso ter controle absoluto, e
não só a parte deixada por minha mãe.
Casamento e gravidez.
Rio com escárnio.
Meu pai sempre foi muito previsível, é uma pena que não consegui
desvendar seu plano final.
No celular, vasculho a agenda telefônica passando pelos vários nomes
de mulheres, imaginando, com repúdio, qual poderia ser uma pretendente.
Precisaria ser alguma que aceitasse um contrato de casamento com direito a
filho e regalias financeiras, porém sem regras matrimoniais, como fidelidade,
por exemplo. Uma que aceitasse que morássemos cada um em sua casa.
Mentalmente escolho algumas conhecidas para começar as entrevistas
para o cargo de futura senhora Montoya. Armando retorna à minha sala e dá
dois toques na porta antes de espiar.
— Entre. Temos muito o que planejar.
— Você pode contestar o testamento. — Ele sugere, de pé diante de
minha mesa.
— Tem cabimento jurídico essa porcaria? Só isso que preciso saber.
Disposto a começar a explicar, ele abre o terno e se senta
confortavelmente em uma poltrona.
— O doutor Adão foi esperto — diz de pronto, e eu engulo um
palavrão. — A regra é que 50% dos bens pertencem obrigatoriamente aos
herdeiros diretos, no caso, você. E ele fez isso te deixando propriedades, mas
nenhuma ação da empresa. Que é o que você mais deseja. Mas se quiser
contestar…
— Seria meio difícil, já que as águias que meu pai deixou como
guardiães do testamento farão de tudo para manter as regras vigentes. E o
processo pode se arrastar por um tempo que eu não posso esperar.
— Então está pensando em aceitar?
— Faça uma lista de mulheres solteiras influentes. Eu quero pensar
em todas as possibilidades.
— Certo, farei isso enquanto penso em alternativas. Procurar uma
noiva de última hora nunca esteve nos nossos planos.
— Ponto para Adão Montoya. — Estalo a língua com sarcasmo. — O
velho me pegou desprevenido.

***
Conforme os dias passam, as coisas ficam ainda mais difíceis para
mim. Eu não tenho poder algum na empresa, já que a maior parte das ações
estão bloqueadas até que eu possa cumprir o testamento. Tenho apenas as
propriedades do meu pai ao meu alcance; deixei Armando realizando um
levantamento dos valores para que eu possa vendê-las.
Por sorte, tenho meu próprio patrimônio, ou estaria na sarjeta.
Encontrar uma noiva é mais difícil do que imaginei. Armando e eu
realizamos buscas incessantes, mas não parece haver a pessoa certa na alta-
sociedade, uma mulher que encaixe nos moldes que eu preciso.
Eu tinha certeza de que a maioria aceitaria a proposta, porém a
maioria não me interessava. Eu preciso da noiva perfeita, a mulher que não se
tornaria um problema para mim. Aquela que será como um peso morto ao
meu lado, uma que não fede nem cheira. Uma que não queira uma relação
íntima, algo que não poderei dar.
Eu preciso basicamente de um útero, nada mais que isso.
A conversa entediante em volta da mesa cercada de homens da alta-
sociedade mais me irrita do que dá sono. Eu só vim a essa maldição de
almoço oferecido por Antônio Gomes porque Armando insistiu, afirmando
ser para o bem da boa convivência no mundo empresarial.
Eu odeio homens que não têm nada, porém esbanjam arrogância.
Ludovico se exibe falando de como sua esposa é nova, bela e prendada, além
de não dar trabalho a ele por saber o seu lugar.
Levanto a mão para o garçom, a fim de pedir um uísque. O
nervosismo me bate de uma forma feroz, geralmente a bebida consegue me
acalmar.
— Cansado?
Ao meu lado, Magno Lafaiette, amigo e parceiro de negócios, me
cutuca. Odeio almoço de negócios, mas a presença dos irmãos Lafaiette
consegue transformar qualquer almoço tedioso em um encontro relaxante.
— É tão visível?
— Essas olheiras certamente são por falta de sono ou boceta — ele
analisa, fazendo uma pose de psicanalista.
— Sono. — Massageio a testa — Desde que meu pai faleceu…
— Ainda chafurdando na lama do luto? — Magno e alguns outros
amigos têm visto de perto a minha saga.
— Não por isso. Superei. Se ele quis tirar a própria vida, a culpa não é
minha. Mas o sacana deixou um testamento daqueles.
— Nossos pais sempre fodem a gente com esses testamentos.
Magno e os irmãos foram afetados por testamentos também. Eles
tinham a própria carreira e tiveram de abandonar tudo em prol de reerguer a
empresa que o pai afundou em vida; algo semelhante ao que meu pai fez.
O garçom serve o copo de uísque com gelo, e eu miro os olhos
curiosos de Magno ao meu lado.
— Pense em algo bem ruim — comento, deixando-o mais intrigado.
— Não sendo obrigado a cortar o pau, qualquer coisa dá para encarar.
Rio da piada e olho as duas pedras de gelo dançando no líquido
âmbar.
— Me casar e gerar um filho — falo repentinamente.
— Porra.
— O filho de uma égua será dono de metade do império Montoya até
completar dez anos, e eu serei apenas o tutor.
— Está xingando seu próprio filho, que ainda mora no teu saco. —
Magno ri do próprio lembrete. — Quem é a pretendente?
— Ninguém. Essa é uma escolha que terei que fazer a dedo. Alguém
que não vai se intrometer em meus negócios.
— Exato. E que não se importe com quantas outras você possa
transar.
— Isso é o essencial. Será mais um contrato do que um casamento —
reforço entre um gole e outro.
— Por falar em casamento…
Giro a cabeça e encaro a pessoa que falou isso, em alto e bom som, e
que nos acompanha à mesa. Antônio Gomes, das Indústrias têxtil Gomes, o
anfitrião do almoço. Esse homem passou a semana me infernizando para que
eu comparecesse a esse encontro.
— Meu amigo aqui, Ludovico, está falando da minha filha, que hoje é
sua esposa. E só para os cavalheiros saberem, este almoço que estou
oferecendo é para agraciar um felizardo, aquele que primeiro se prontificar.
— Ele olha diretamente para mim.
Os homens ao redor da grande mesa estão calados mirando o homem
de meia idade na cabeceira.
— Tenho mais duas filhas prontas para despachar. Uma com vinte e
outra com dezessete. São lindas, prendadas, magrinhas, coisa fina. Mas,
atenção, só pode tocar depois da aliança no dedo.
— Que porco nojento — Magno resmunga, desaprovando a atitude de
Antônio ao barganhar as filhas, e vira o copo de bebida na boca. Do outro
lado, Romeo, irmão de Magno, também parece desaprovar, mas opta pelo
silêncio, levantando-se com expressão de fúria. Sai da mesa sem dizer nada.
— Vinte anos? — sussurro para Magno. — Novinha.
— Esquece. As filhas dele são quase umas beatas.
— Como assim?
— A mais velha é casada com aquele lixo ali na ponta — indica
Ludovico. — Dá até pena. Não pode sair de casa, só cozinha e cuida da casa,
é devota ao marido e o obedece cegamente, não se importa com nada, não o
questiona…
— Uma empregada — emendo.
— Uma empregada com quem ele transa. — Magno corrige com asco
na voz.
— Será que a irmã dela…?
— Deve ser pior, pois ainda mora com os pais.
— Seu Antônio — levanto a voz, já decidido. Talvez isso seja
justamente o que preciso; alguém que só fique em casa sem questionar nada.
Magno me dá um chute de alerta por baixo da mesa, mas o ignoro.
— Não ferre sua vida, porra! — ele solta em um grunhido, mas
desconsidero.
— Podemos ter uma conversinha particular? — digo ao homem, que
sorri e arregala os olhos em minha direção. Como se ele já esperasse que eu
fosse me manifestar. Eu quase tive certeza de que ele só planejou esse almoço
para me oferecer a filha, pois deve ter ficado sabendo, de alguma forma, que
eu preciso me casar.
Eu conheço meu taco, sei da minha fama e de todo patrimônio
bilionário que meu pai deixou; seu Antônio também sabe que ter um
minutinho de conversa comigo só pode trazer vantagens para ele.
02
VIRGINIA

Estou esgotada, porém ansiosa, louca para chegar em casa logo. O


ônibus lotado é sem dúvida a pior parte do dia; viajar uns trinta minutos de pé
não é nada legal. No fundo, alguém se levanta para descer no próximo ponto,
mas eu nem tenho tempo de pensar em atravessar a multidão e pegar o lugar.
Uma mulher é mais rápida e ocupa o banco vago com expressão de vitória
banhando o rosto.
Olho uma mulher acima do peso e de meia idade se abanando com
uma revista enquanto conversa com sua companheira de banco. Concordo
com ela, o calor está insuportável. O ônibus cheio, debaixo desse sol da tarde,
é como um micro-ondas sobre rodas.
Uma jovem fala ao celular e esbarra em mim quando o ônibus
balança. Dou um sorriso sem graça e me mantenho firme, segurando na barra.
Nem acredito que meus pais permitiram que eu fizesse um curso
básico de culinária, desse modo posso sair sozinha de casa três vezes por
semana, algo antes impossível para minha irmã e para mim. Claro que ajudou
a convencê-los dizer que, para me casar, precisava ser tão prendada quanto
Olivia. Assim meu pai decidiu pagar de bom grado, mesmo que não tivesse
ainda um casamento em vista.
Agora, após mais um dia, estou voltando para casa carregando um
saco de pães quentinhos que comprei na padaria. Ajeito a alça da bolsa no
ombro e cantarolo a música que toca nos fones de ouvido — que eu comprei
secretamente e o mantenho escondido, já que mamãe odeia essas invenções
malditas, na linguagem dela.
Na verdade, ainda nem acredito que tive permissão dos meus pais
para ficar com o celular que meu avô me deu de aniversário. Olivia não teve
nenhuma dessas regalias.
Quando falta um ponto para chegar ao meu, preciso me enfiar na
multidão suada, pedindo licença, a fim de alcançar a porta. Dou o sinal a
tempo, e assim que o ônibus para, já estou pertinho da porta para saltar.
Uma sardinha deve se sentir assim quando sai da lata.
Do ponto de ônibus até minha casa, caminho por mais ou menos cinco
minutos. Chego em frente ao muro alto e ao portão de ferro ofegante e com
dor nos pés. Bem que papai poderia contratar um motorista para ficar à nossa
disposição. Temos três carros na garagem, no entanto, apenas ele tem o
direito de tocar neles; na verdade, só ele sabe dirigir.
— Mãe! Cheguei. — Jogo minha bolsa no sofá da sala espaçosa e
muito arejada. Os raios de sol entram pelas vidraças altas, refletindo no
porcelanato que imita mármore. A mobília é antiquada, mas está tudo novo.
O sofá é de madeira, com detalhes entalhados e estofado branco.
Há uma estátua, vasos chineses e quadros de pintores famosos. Porém
nenhuma dessas obras é legítima. O pai comprou tudo falso só para dar
impressão de ser uma casa mais afortunada.
— Tenho uma novidade. — Meu pai desponta na porta que leva até a
cozinha com um sorriso que poucas vezes vi em seu rosto. Arqueio as
sobrancelhas.
— Para mim?
Minha mãe vem logo atrás, de braços cruzados e cara de poucos
amigos, como de costume.
— Sim. Vai se casar — ele anuncia numa única tacada, me causando
um espasmo.
— Oh, meu Deus! Com quem?
— Você vai conhecê-lo em breve. — Ele é sucinto, o que me irrita.
Preciso de informações.
Joanne, minha irmã caçula, dá pulinhos de felicidade, me deixando
incomodada. Eu preciso de mais detalhes, porque, dependendo do candidato,
sou capaz de fugir. Se for um igual a Ludovico, peço asilo em um convento.
Eu me volto para meu pai e pergunto:
— Idade?
— Trinta e quatro.
Que alívio.
— O que acha, Virginia? — minha mãe pergunta.
— Ela não tem que dar palpite — meu pai se intromete antes de eu
abrir a boca. — Estamos falando do maior nome no mundo automobilístico.
Uma filha com sobrenome Montoya vai impulsionar minha vida.
Minha mãe revira os olhos e volta para a cozinha. Dou de ombros.
Me casar, penso, animada. Enfim chegou o meu momento.
— Se Deus assim quiser… — Meneio a cabeça.
— Ele quer. — Meu pai encerra o assunto e passa por mim, indo em
direção ao seu escritório.
— Aaah! — Joanne me agarra gritando.
— Joanne! — Tento me salvar de um sufocamento, tirando os braços
dela do meu pescoço.
— Meu Deus, Virginia! Sua hora chegou.
— Eu nem sei o que dizer.
— Vamos planejar. Vamos conversar sobre isso, eu quero saber quem
ele é. Pesquisa na internet. — Antes de eu falar algo, ela mesma se dá conta:
— Qual foi mesmo o nome que o papai falou?
— Virginia! Deixa de futrico e venha me ajudar aqui — minha mãe
grita da cozinha.
— Logo saberemos quem é, Joanne. Controle-se — sussurro para ela,
e, de braços dados, vamos para a cozinha. Eu ainda estou processando a
notícia. Esperei muito por esse momento, e quando enfim chegou, não
consigo ter uma reação.

***
Os dias passaram como os outros: cansativos e maçantes. Eu passei a
viver naquela grande apreensão que todo mundo sente quando está à espera
de alguma encomenda do correio e todos os dias espia na rua para ver se o
carteiro está vindo. E com regozijo, festejei sozinha no banheiro a chegada do
grande dia em que vou conhecer meu futuro noivo pessoalmente. Eu quase
não tinha dormido enquanto esperava por esse momento.
Olho para minha mão e não me surpreendo por estar trêmula. Seguro
meus dedos e sopro efusivamente, ignorando as batidas descompassadas do
coração. Porém, ao levantar o rosto e me olhar no espelho, me vejo
enrubescida e com um traço de sorriso malicioso no rosto.
Se controle, Virginia Maria, faço um alerta para mim mesma.
Ouço minha irmã tagarelar enquanto faz o penteado em meus cabelos.
Joanne parece mais ansiosa que qualquer um; eu admiro o toque contente em
sua inquietude juvenil. Para ela, tudo é um completo conto de fadas, o que
não é o mesmo para mim. Com seu corte de cabelo curto e a franja que chega
aos olhos, eu a colocaria facilmente no papel de uma daquelas princesas
bobas e felizes.
Na verdade, somos bem diferentes: Olivia, minha irmã mais velha,
sempre seguiu à risca os ensinamentos de nossos pais, nunca questionou, era
a obediente.
Joanne, por sua vez, vive com a cabeça no mundo da lua. Nosso pai
não leva a sério o que sai dessa cabecinha oca. Joanne é a fantasiosa.
E eu, não sei como me definir. Astuta? Dissimulada? Cópia da
Olivia? Meu futuro noivo terá muito tempo para me conhecer.
E hoje será o jantar com ele, o momento em que seremos
apresentados.
Minha vida beirava o marasmo, com muitas regras a seguir e
obrigações a serem cumpridas. Desde que saí do colégio no ensino médio,
não faço nada mais que não seja ajudar minha mãe nos serviços domésticos,
com exceção do curso de culinária para aprimorar meus dotes. E depois que
minha irmã mais velha se casou há um ano, as coisas ficaram mais pesadas
para mim e minha mãe, já que meu pai ordenou que Joanne se concentrasse
apenas nos estudos.
Por isso, esse jantar é um grande acontecimento para mim. Um pouco
de emoção na vida de dona de casa de uma pessoa que só tem vinte anos.
Na verdade, eu já esperava por algum pedido de casamento a qualquer
momento. Da mesma forma que meu pai preparou Olivia, ele avisou a mim e
a Joanne, deixando-nos preparadas para um noivo assim que os dezoito anos
chegassem.
Sem chance de escolha da nossa parte. Casamento para meu pai é algo
sério, e ele diz que precisa lucrar com isso. É como um negócio, no qual as
filhas são as mercadorias. Leva quem der o lance maior.
Por isso, não nos surpreendemos quando ele deu a notícia de que
Rocco Montoya tinha interesse em me desposar.
O nome dele me causa arrepios.
Rocco Montoya, meu futuro marido.
E eu não sei como reagir hoje durante o jantar. E, na dúvida, é melhor
seguir os protocolos sempre ensinados pelos meus pais.
Nunca achei que meu grande desejo pudesse se realizar, mas agora
estou aqui, em um vestido comportado azul-claro, cabelos impecavelmente
penteados e bochechas rosadas ao natural, já que não podemos usar
maquiagens.
— Espero que ele não seja como Ludovico. — Joanne chama minha
atenção com seu comentário, e eu concordo.
Eu acho Ludovico um senhor babaca e feio; às vezes, eu preciso
elogiá-lo e defendê-lo cegamente diante da minha mãe ou pai, só para agradá-
los, dar a eles o que querem ouvir — o que não reflete o que sinto de verdade.
Sempre tive asco daquele miserável.
Eu não quero alguém assim para mim. Prefiro alguém novo, bonito, e
se for malicioso, melhor ainda.
Algo em homens brutos me atrai perigosamente.
Rocco Montoya. Isso é nome de homem pecaminoso. Homem do
mundo, que vai me jogar no abismo da safadeza terrena.
Ah, dane-se! Serei a esposa dele.
Sorrio mais uma vez para mim mesma pelo espelho.
— Quero muito saber como ele é. O seu pretendente — Joanne
tagarela de forma sonhadora. Dou de ombros.
Bonito. Penso, ansiosa, esperando o momento do jantar e da
apresentação.
— Virginia! Venha olhar sua gororoba — minha mãe grita, e eu saio
correndo do quarto.
Como é um jantar para o meu pretendente, decidi preparar todo o
cardápio, pois meus pais estavam cobrando, querendo saber se eu tinha
aprendido algo no curso. Eu fiz duas proteínas, lombo recheado ao molho de
abacaxi e camarão ao curry, salada verde com alho-poró e arroz preto. E para
sobremesa, torta de nozes. Precisa sair perfeito, para que eles acreditem que
aprendi alguma coisa.
Enquanto mamãe e Joanne arrumam a mesa, eu finalizo os pratos. O
gosto está bom, acho que acertei; treinei antes de preparar. Se fosse Olivia,
nem precisaria treinar, ela é uma cozinheira de mão cheia.
— Está tudo pronto. — Saio correndo da cozinha. — Vou terminar de
me arrumar. Joanne, venha me ajudar com o cabelo.
03
VIRGINIA

— Eu quero que vocês prestem atenção — meu pai fala, andando de


um lado para outro na sala, enquanto eu, minha irmã e mãe, de pé, já
arrumadas, o encaramos como se fôssemos soldados recebendo ordens do
superior. Às vezes, eu acho mesmo que ele tenta ser um general conosco. Usa
sua altura para nos intimidar, apesar de não ser corpulento. Papai é magro e
esbanja um bigode preto que cuida como se fosse o seu filho.
— Este é mais que um casamento, é uma parceria. Portas vão se abrir
para a gente — Ele se vangloria, fantasioso. — Você não tem ideia do poder
desse homem. — Aponta para mim. — Vamos fazer tudo muito bem feito,
não quero nada fora do lugar, não quero nenhuma gracinha, ouviu, Joanne?
— Sim, pai.
— E onde deve ficar?
— Na cozinha até ser chamada. — A soldado Joanne responde
roboticamente.
— Correto. Hoje sua irmã precisa aparecer, então se despeça cedo e
vá para seu quarto após o jantar. Ele precisa ter olhos apenas para Virginia. E
você, Virginia?
Engulo em seco. Repasso mentalmente o que minha mãe me instruiu
a fazer.
— Pura e doce, recatada e educada, expressar o que realmente sou
para que ele saiba que está fazendo uma boa escolha.
— E submissa — meu pai emenda. — Homens querem mulheres
submissas que não vão atrapalhá-los em nenhuma hipótese.
— Sim, submissa. — Uma ova.
— Ele precisa te escolher. Ele não pode sair dessa casa com dúvidas.
— Sim, senhor.
— Tudo bem, Carlota? —enfim ele pergunta algo à minha mãe. Os
dois parecem se fuzilar com olhares.
— Se não estiver bem, eu poderei contestar?
— Sabe que não.
— Então não precisa nem perguntar.
Ele ignora o pito que minha mãe dá e sorri para mim.
— Tomem os seus postos, ele chegará a qualquer momento.

Corremos para a cozinha, onde Cleide, a diarista que meu pai


contratou, já nos espera. Cleide vem uma vez por mês para ajudar na faxina
pesada, mas hoje ele a contratou para servir e abrir a porta, só para
parecermos elegantes diante do meu futuro noivo.
— Estou me tremendo, Dona Carlota, não tenho costume de fazer
essas coisas — Cleide confessa à minha mãe, desconfortável em sua roupa
alinhada. E eu fico alarmada com medo de ela fazer merda.
— Apenas se concentre, Cleide. As meninas não podem servir hoje.
Vai dar tudo certo.
De cabeça baixa, apoiando-me no cotovelo, olho para a pedra de
granito do balcão, contando até quinhentos na tentativa de me acalmar.
— Se quiser desistir, basta colocar tudo a perder. — Ouço a voz da
minha mãe e levanto os olhos para ela.
— Como é?
Ela olha ao redor antes de voltar a falar comigo, baixinho. Está
levemente relutante.
— Aquele homem que veio aqui com Olivia, o Romeo, me disse
palavras duras. Eu não quero te jogar no mesmo abismo que seu pai a jogou
quando a casou com Ludovico.
— Mãe… — Eu não sei se o choque é pela confissão espontânea ou
por ela estar tentando me proteger.
— Talvez você e Joanne vejam um mundo cor-de-rosa, mas nunca
existiu mundo cor-de-rosa. Amor, paixão, essas coisas não existem.
— Eu tenho os pés no chão, mãe.
— Joga café nele, arrote, solte um palavrão. Faça qualquer coisa se
não quiser…
— Eu quero — eu a interrompo. — Mãe, obrigada por se preocupar,
estou muito feliz em ver a senhora tentando, mas eu quero. — Seguro a mão
dela, seu olhar pousa em meu gesto, já que ela não tem esse tipo de
intimidade com qualquer uma de nós. — Fique segura de que ninguém vai
me fazer de trouxa.
— É, eu sei que não. Seu pai sempre disse que você é da raça ruim do
meu pai.
— Então vamos conhecer esse homem, pelo menos é mais novo que
Ludovico.
Vejo o vislumbre de um sorriso nos lábios que jamais vi sorrindo. Ela
se afasta indo ajudar Cleide com os pratos.
Sozinha no balcão, penso: “Ah! Eu quero! Isso é tudo que eu quero”

***
Como eu posso descrever Rocco? Não encontro palavras para
transmitir o poder másculo que me deparo quando meu pai me chama e vou
até a sala cumprimentá-lo.
Ele fica de pé ao me ver, e noto surpresa em seus olhos. Seus lábios se
entreabrem. Parece ter se surpreendido com minha aparência, positivamente.
Seu corpo parece sólido e grande conforme observo enquanto me
aproximo. Tenho a sensação de que se tocar nele, vou sentir a maciez da pele
que cobre músculos quentes e duros, e essa sensação imaginária formiga em
meus dedos.
Quero tocá-lo.
A calça preta envolve perfeitamente suas pernas fortes, e um cinto
grosso acentua o quadril. Meus olhos sobem pelo punho, noto o relógio caro,
o anel no dedo, as veias saltadas. As mangas da camisa branca
meticulosamente dobradas.
Engulo em seco quando vislumbro o formato do peito forte por baixo
da camisa. Ombros largos, queixo ligeiramente quadrado, cara de bravo,
barba levemente por fazer, mas quase inexistente vista de longe por causa da
cor. Castanho-acobreada, como os fios dos cabelos penteados. Um quase
ruivo.
Encaro enfim seus olhos. Ele está me fitando, e agora sua expressão
parece de revolta. Acredito que ele não gostaria de estar em um jantar
conhecendo uma noiva.
É natural que Rocco não goste de mim a princípio, afinal ele não quer
se casar. Mas eu estou com tanta vontade de provar as coisas devassas da
vida, que não me importo muito com as consequências desse casamento.
Ergo o queixo e não desvio o olhar.
— Boa noite, senhor Rocco Montoya. — Estendo a mão.
04
ROCCO

Cacete, ela é linda.


Eu juro que desejei que ela fosse desprovida de beleza ou que fosse
uma megera ranzinza, para que eu conseguisse cumprir ileso o testamento.
Casar, jogá-la em uma propriedade qualquer, sozinha, e depois que o bebê
nascer, dar a ela uma mesada, e fim de história. Frio e prático.
Sem qualquer intimidade.
Mas a bela jovem de cabelos castanhos parada à minha frente, com
um vestido comportado, mas que deixa entrever o tamanho dos seios
deleitosos e puros, os lábios perfeitamente desenhados rosados naturalmente
curvados em uma sugestão de sorriso modesto… é impossível ignorá-la.
Ela certamente é dessas que quanto mais a gente tem, mais o corpo
implora por mais.
Perfeita, pura, bem-criada e obediente.
Um anjo frágil como esse à minha frente não poderia cair nas mãos de
um filho da puta sem escrúpulos como eu.
Porém meu pau gosta de tomar as rédeas às vezes, e ele já decidiu.
Minha mão se fecha ao redor da dela e trago-a para meus lábios, sentindo
aroma de algo adocicado, baunilha, talvez.
Caramba! Eu já me vejo completamente fodido, porque não vou me
cansar de comer essa beleza.
— Nada de senhor — sussurro para ela, tentado a provar seus lábios
altamente beijáveis. — Rocco, apenas, para você.
Ela assente e se afasta, se sentando ao lado da mãe.
Durante o jantar, descubro um pouco sobre a família, o suficiente, no
entanto, para corroborar tudo que Magno me contou ontem quando nos
encontramos para uma cerveja. O irmão de Magno acaba de tomar a mulher
de Ludovico, mulher que vem a ser a irmã de Virginia, e eu aprovo a ação. E
por isso ele me deu um dossiê da família que mais parece uma obra bizarra,
que facilmente poderia ter sido elaborada pelo próprio Shakespeare.
As filhas não podem ir ao cinema, não assistem televisão, não leem
livros e não conhecem a malícia do mundo. São jovens donas de casa, criadas
para obedecer e servir ao marido em uniões que o patriarca julga prósperas.
Amor, para elas, não existe. São mecânicas.
E, nesse momento, olhando para a família, percebo que Magno não
mentiu. A filha mais jovem parece engessada, com um sorriso empolgado,
mas sua beleza jovem não é capaz de encobrir a estranheza de seu
comportamento. Já Virginia parece ter algo misterioso nos olhos.
Eu me pergunto, espremendo meu pau duro entre as pernas, como
poderia ser gostoso fazê-la descobrir o poder de uma boa foda.
De uma coisa eu sei: será muito mais fácil usá-la em meu plano de
contragolpe ao testamento do que qualquer outra mulher que eu possa
arrumar. Outra mulher poderia me questionar, invalidar meus planos, lutar…
Jogar Virginia em uma propriedade qualquer, sozinha, mas com o
título de minha esposa, enquanto volto à minha vida livre, em meu
apartamento… essa é a ideia que desabrocha. Ela sendo tão obediente, jamais
vai contestar. E o melhor: comer para engravidá-la não será um sacrifício.
Sorrio enfim, e a coitada sorri de volta, não imaginando o que a
espera.
— Rocco, espero que goste do jantar. A Virginia fez questão de
cozinhar — seu Antônio diz, e eu tomo um gole de vinho, mirando o rosto
enrubescido da bela jovem. E de verdade, estou impressionado. Ainda por
cima cozinha bem?
— Sério? Está muito bom. É simples, porém sofisticado. — E estava
mesmo tudo gostoso e bem preparado.
— Obrigada — diz entre um sorriso.
— O que você gosta de fazer, Virginia? — pergunto apenas para
alfinetar, já que sei que ela não faz nada para se divertir.
Ela olha para os pais e dá de ombros.
— Andar pela cidade, ver pessoas diferentes… Sentar no banco da
praça por alguns minutos, dar farelos de biscoito aos pombos, puxar papo
com algum idoso solitário. Ouvir novas histórias. Acho fabuloso.
Eu me impressiono, porque eu achei que ela fosse me dar uma
resposta genérica que gosta de cozinhar e cuidar da casa. Até os pais dela
estão surpresos, então concluo que ela inventou isso para tentar mascarar a
vida opressiva que leva.
— Parece bem… humano. Afável — respondo com sinceridade. —
Eu gosto de carros, sou apaixonado por corridas. — E de café. Mas suprimo
esse detalhe. Meu gasto por mês na minha cafeteria favorita está excedendo
os limites do aceitável.
— E por isso tem uma fábrica de carros? — ela indaga.
— Na verdade, a paixão é por causa da fábrica. Quando eu nasci, ela
já existia.
— Era dos seus pais?
— Sim. Meu pai faleceu recentemente.
— Oh, meu Deus. Desculpe. Eu sinto muito — Virginia diz com um
olhar triste. Assinto. Nós dois estamos papeando enquanto os outros, calados,
assistem.
— Já estou bem.
— Nos conte sobre seus carros, Rocco — seu Antônio pede, e eu
desvio enfim o foco da bela pretendente que me tenta com o olhar.

***
Saio pela noite após o jantar experimentando uma revolta bruta.
Antônio teve a cara de pau de me pedir uma quantia em adiantamento para
realizar alguns preparativos para o casamento, mesmo eu dizendo que não
queria nada estrondoso e que poderia, por conta própria, providenciar toda a
cerimônia. E, para completar, impediu que eu tivesse um instante a sós com
Virginia. Não é justo nos casarmos sem que ela saiba de minhas intenções.
Serei bondoso o suficiente para dar o benefício da dúvida a ela.
Aturdido, com a cabeça pegando fogo, me dirigi para um bar, a fim de
encher a cara, mas mudei de ideia quando encontrei uma antiga companheira
de foda e fui convencido a ir para casa com ela.
Sexo bruto e gostoso. Ela é safada e experiente e me fez suar e gastar
muita energia. O melhor de tudo no sexo com minha amiga é que ela sabe
exatamente qual é o seu lugar. Tomou um banho, se vestiu e me deu um beijo
de boa noite, indo embora feliz. Sem querer forçar nada.
Agora, deitado sozinho no escuro do meu quarto, repenso tudo que
aconteceu. Inevitavelmente Virginia e sua aparência angelical voltam a me
instigar. Com ela não terei o sexo bruto que acabei de ter. Virginia parece
frágil, como uma boneca de porcelana que será usada apenas por mim — de
certa forma pensar nisso me excita, pensar que eu moldarei a mulher para as
minhas vontades.
Uma boneca.
Rio e levanto da cama, pelado, indo em direção à cozinha.
Uma boneca que apenas eu poderei controlar. Rio mais ainda pegando
uma garrafa de vinho já aberta na geladeira.
— Sim, senhor, meu marido — imito uma voz feminina, zombando
no escuro da cozinha. Bebo o vinho no gargalo. — O senhor quer me comer
antes ou depois da janta, meu marido?
A minha risada rompe o silêncio da casa.
Ah, sim. Ela não deve falar “comer”, “foder” ou “trepar”. Certamente
vai querer fazer amor e ficar dura como uma estátua sem fazer qualquer
movimento. E provavelmente vai chorar amedrontada na primeira vez.
Dessa vez, não rio. Abano a cabeça, ainda revoltado com meu destino.
Não é porque ela é angelical e inocente que pegarei leve. Virginia, assim
como meu pai e seu Antônio, é uma vilã em minha vida, e nenhum deles
merece colher de chá.

***

Acordo com meu celular berrando. É Armando.


— Armando…
— O contrato pré-nupcial está pronto. Passo mais tarde para deixar no
seu escritório.
— Ótimo. Colocou o que eu pedi?
— Sim. Ela não vai ter escapatória. Vou te explicar melhor quando
chegar lá.
Desligo e sento na cama, olhando as duas camisinhas usadas jogadas
no chão do quarto. É o que gosto de fazer: ser livre para fazer sacanagens
adoidado. Casamento nenhum vai me parar. Caminho para o banheiro, jogo
as camisinhas na lixeira e vou tomar um banho.
Minha liberdade de solteiro é preciosa, e isso não vou perder.

***
A reunião entre os diretores da empresa é tensa, ainda bem que minha
secretária, já me conhecendo, serviu café antes que eu surtasse por completo.
Alguns querem pular do barco porque não confiam em mim. Acabo de saber
que as ações da Montoya estão instáveis porque nem o mercado confia na
minha gestão. Eu devo provar que sou mais do que capaz de dirigir os
negócios da minha família. Essa fábrica é minha vida, e juro que vou colocar
a marca no topo.
Ao fim da reunião, penso que enfim terei um pouco de paz antes de
encarar uma visita de urgência à fábrica de automóveis. Estamos tendo
problemas com um dos materiais para a confecção dos motores, nem quero
descobrir o que os nossos parceiros estão exigindo para liberar tal material.
A Montoya Motors perdeu muito de sua credibilidade com a gerência
incompetente do meu pai nos últimos meses. Parece que ele queria,
deliberadamente, afundar a empresa antes de morrer.
E agora sobrou para mim colocar o pescoço na forca a fim de salvar
meu patrimônio.
— Rocco, você tem visita. — A secretária bate de leve na porta. Eu
assinto, ajeito o terno e nem penso em receber. Estou de saída.
— Eu não posso…
— Disse que é sobre a Milena.
Fico de pé instantaneamente. Meu coração sente o baque do nome que
acabo de ouvir, parece que gelo foi injetado em minhas veias.
— Pode mandar entrar.
05
ROCCO

Meu dia afunda mais ainda depois de receber uma visita hostil que
sempre saboreia o prazer de conseguir foder minha mente. Requentou as
mesmas acusações e fez questão de apontar a culpa que perfura minha alma
há exatos dois anos. À noite, ainda estou tonto do efeito prolongado do
ansiolítico que fui obrigado a ingerir.
Nem mesmo uma boa dose de álcool ajudou, então tive de novamente
marcar uma consulta com doutor Estevão, meu terapeuta.

***
Quatro dias torturantes passaram até que eu recebesse o telefonema de
Armando dizendo que tinha enfim uma resposta de Antônio. Eles aceitaram
as cláusulas do contrato e estavam dispostos a assinar.
Chego à empresa às oito e encontro todos à minha espera. Seu
Antônio, um outro homem que se apresenta como advogado deles e, claro,
minha noiva, que não vejo há quase uma semana.
De repente, sinto meu corpo responder a ela de forma animada. Meu
pau até acorda. Seguro em sua delicada mão, e quando ela esconde o olhar de
forma meio tímida, a coisa complica para mim. Quero sentir raiva de
Virginia, porque ela representa o fim da minha liberdade. Mas meu corpo não
colabora. Até engulo em seco, banindo depressa as imagens pornográficas
que minha mente elabora, dessa mulher peladinha gemendo enquanto eu
monto nela com toda a minha loucura sexual.
— O contrato de casamento é baseado no testamento do senhor Adão
Montoya — Armando explica para eles, enquanto eu giro devagar na minha
cadeira, encarando Virginia. Com as mãos juntas no colo, ela nem levanta o
olhar. A mulher não tem vontade própria, não diz uma palavra, é uma
mercadoria. — Ou seja… — Armando diz. — O herdeiro, o filho do casal,
deverá ser gerado imediatamente. Por vias normais ou por inseminação, fica
ao critério do casal.
— O que importa saber é se minha filha terá alguma segurança.
Financeira, quero dizer. — Impressionante como Antônio pouco se importa
com a felicidade da filha. Ela não parece querer esse casamento, ou talvez
não tenha opinião para isso.
— Claro que sim. Como mostra o contrato.
— Ótimo. Pode assinar, Virginia — ele ordena, a jovem fica de pé e
nem olha para mim, não contesta, não pede qualquer informação. Olha em
volta em busca de uma caneta, e eu estendo para ela. Seus olhos topam com
os meus e desviam no mesmo momento.
Ela tenta pegar a caneta, mas eu a afasto.
— Não vai fazer nenhuma pergunta?
— Não preciso — sussurra.
Por Deus! O suco da submissão. Sem personalidade alguma. Entrego
a caneta, ela assina e volta ao seu lugar. Eu assino também, e os outros
presentes assinam como testemunhas.
Estou intrigado quando me despeço deles e decido entrar junto no
elevador. Noto que Virginia ganha um tom pálido quando me vê entrando.
Não digo nada, não explico o motivo de estar descendo também. A viagem
até o térreo não é longa, e quando o elevador abre as portas, espero todos
saírem e faço um sinal para os seguranças. Eles se aproximam rápido e, nesse
instante, sem que ninguém possa me impedir, seguro no braço dela.
— Você vem comigo.
Virginia reage assustada, e o pai dela corre feito um touro em minha
direção.
— Larga ela!
— Não deixem ninguém subir — ordeno aos seguranças e arrasto a
delicada jovem de volta para dentro do elevador. Os seguranças cumprem seu
trabalho barrando a passagem de seu Antônio.
— Ai! Você… me machucou — reclama, acariciando o braço.
— Ora, ora. Você sabe falar. — Sorrio, mirando-a. Virginia sustenta
meu olhar.
— Para onde está me levando? Não podemos ficar sozinhos.
— Por que não? Vamos nos casar.
— Eu tenho uma honra a zelar. É um absurdo se souberem que fiquei
algum tempo sozinha com você. O que a sociedade vai dizer? O que vão
dizer de mim?
— Garanto que, para fazermos o que você está pensando, eu
precisaria de mais tempo. Gosto de aproveitar bastante minhas presas. —
Sorrio cinicamente para ela. As portas se abrem, e eu saio puxando-a para
minha sala. Fecho a porta e indico a ela uma poltrona.
— Não quero me sentar.
— Ok. — Também não me sento. Recosto na mesa e cruzo os braços,
observando-a. Seus olhos passam pelo meu corpo, ela não consegue disfarçar.
— Gosta do que vê? — provoco, e o olhar se prende ao meu. Parece corajosa,
agora que está sozinha. Repentinamente, seu olhar se torna esperto. Virginia
gira nos calcanhares, e de braços cruzados, passeia pela minha sala,
analisando cada detalhe.
— Gosto, sim, do que vejo — confessa, casualmente me
surpreendendo por ter coragem de afirmar. Ela para diante de alguns quadros,
admirando-os. — Você combina com essa sala. Combina com o carro de
luxo, combina com o poder. E eu acho que eu combino com você.
Porra! Ela parece outra pessoa.
— Por que parece engessada na frente do seu pai?
Ela toca em uma escultura e se vira para mim. Há algo peculiar em
seu olhar.
— Eu dou a ele o que espera de mim. Por que me arrastou para cá?
— Quer mesmo se casar? — indago, e ela dá alguns passos,
diminuído nossa distância.
— Sim.
— Não será um mar de flores. Sabe que estou sendo obrigado a isso,
não é?
— Fiquei sabendo por alto. — De forma dramática, franze o cenho.
— É algo que eu deveria me preocupar?
— Sim. É. Eu costumo reagir mal com pessoas ou circunstâncias que
me pressionam. — Eu acho que ela merece minha sinceridade, merece saber
o que esperar desse casamento. — Eu posso ser cínico, maldoso nas palavras
ou com certas atitudes, como, por exemplo, deliberadamente te contar que fiz
sexo com outras. — Dou um passo na direção dela e, friamente, continuo a
falar: — Não espere carinho, palavras de amor, presença em refeições e
comparecimento diariamente na cama. Eu não serei o marido que você acha
que eu…
Virginia me cala com uma expressão inabalada.
— Não pense que são vinte anos de inocência. — Percebo que se
refere a sua idade. Ela se mantém parada em minha frente. — Sei que já
ouviu falar da minha irmã. A forma que fomos criadas é famosa no meio em
que meu pai circula. Vê os dedos? — Levanta a mão diante de mim. — São
irmãos, mas são todos diferentes. Eu não sou uma segunda Olivia.
— E o que quer dizer com isso? É uma ameaça? — eu a confronto.
— Estou te informando como fez questão de me avisar sobre você.
— Vai dar show se souber que transei com outras? — Faço questão
de apelar em tom zombeteiro.
— Rocco. — Sorri, repuxando o lábio. — Olha para mim. Fazer show
de ciúme combina comigo? — Faço o que ela diz e a observo. O cabelo
impecável, a pele linda, o vestido comportado, os sapatos de boneca. Não.
Ela não parece que fará um show. Mas parece que pode me matar sem perder
essa expressão simpática.
Nós nos encaramos calados. De repente, eu não conheço minha
pretendente, mesmo tendo um dossiê sobre ela. Tenho informações técnicas,
mas nada sobre ela de verdade.
Virginia caminha até a porta, e antes de sair, me olha mais uma vez.
— Já posso ir, não é?
Concordo balançando a cabeça.

***

— As saídas laterais foram bloqueadas, a pedido do seu pai, e apenas


o portão principal dá acesso à rua. São dois quilômetros até a cidade, porém é
tudo muito protegido, com direito a sistema de segurança de última geração.
Você tem à sua disposição quatro seguranças que revezarão entre dia e noite.
— A voz do caseiro parece me sufocar em meio ao turbilhão de pensamentos,
enquanto vislumbro a paisagem quase selvagem pela vidraça da sala. Eu me
viro e o fito.
— Pode ativar a propriedade. Vou ficar com ela. — O homem de
meia idade assente, e sem querer prolongar conversa, se vira em direção à
porta.
No meio do caminho, para e me olha.
— Se precisar trocar algum móvel, podemos resolver. Mas está tudo
novinho em folha, seu pai usou poucas vezes.
— Certo. Eu te aviso se precisar trocar algo.
Já com o celular na orelha, ele assente e se afasta, dando as primeiras
ordens. Volto a fitar as árvores lá fora. Os arbustos são altos, bem podados, e
as árvores frondosas dão sombra o dia inteiro ao redor da casa rústica à beira
de um lago.
Meu pai tinha bom gosto e buscava pela paz que ele julgava estar
escondida em lugares ou coisas, esquecendo que paz era algo que ele
precisava descobrir dentro de si.
Ele via um lugar bonito e rapidamente erguia uma casa no local. De
todas as propriedades nessa cidade, a Flora House foi a minha escolhida, por
ser distante da cidade, e com isso dificultar a saída de Virginia, e por ter zero
lembrança incômodas do meu passado.
Já se passaram três semanas desde a assinatura do contrato. A gente
raramente se viu, e sempre que nos encontramos, os pais estavam presentes,
envolvendo-a naquela doutrina ridícula; não pudemos, por exemplo, sentar
para conversar, pois ainda não somos casados.
Talvez eles estejam apenas tentando impedir que um incidente
aconteça, já que certamente ouviram falar que eu sou um lobo devorador.
Perguntei a Antônio sobre a personalidade da filha, mas ele deu de
ombros dizendo que era só uma garota sem pretensões, pronta para ser
moldada a meu bel-prazer, como o barro na mão do oleiro. Definitivamente
ele não a conhece. Virginia tem algo misterioso nos olhos, não parece vazia.
Eu vou trancá-la aqui. Virginia não tem culpa dos meus problemas e
muito menos das decisões loucas do meu pai, ela é apenas uma vítima das
circunstâncias. Porém nem mesmo com ela poderei baixar a guarda. Viver
com uma mulher, correndo o risco de passar a gostar, é demais para mim
depois do inferno que passei com Milena.
Eu me recuso a pensar nem no nome daquela mulher. Na minha
última sessão com o terapeuta, ele foi incisivo em pedir que eu encarasse
tudo com maturidade e que não espelhasse Milena nos meus futuros
relacionamentos.
Averiguo os quartos. Tudo limpo e bem-organizado. Móveis de
madeira sob medida. O caseiro parece ter vindo pelo menos uma vez por
semana manter a casa limpa.
Empurro uma porta e dou de cara com o quarto principal. O quarto
que foi do meu pai e agora será usado por mim e por minha esposa nos dias
em que eu estiver aqui, antes de ir embora e a abandonar.
Acaricio o lençol de algodão da cama grande e aparentemente bem
reforçada. Um arrepio toma conta do meu corpo. Eu não pretendia sentir
tesão pela mulher que fosse obrigado a me casar, porém Virginia desperta
sensações ousadas em mim.
Empurro uma porta corrediça de madeira e encontro o espaçoso
ambiente do closet. É quase um cômodo inteiro.
Não deixarei faltar nada para Virginia. Ela só não terá um marido
presente.

***

— Esse é um plano bem maluco — Magno palpita, andando ao meu


lado pelas dependências do clube dele, que no momento está vazio. Ele
aceitou ser meu padrinho, já que o irmão mais velho fará parte do outro casal
de padrinhos acompanhado de Olivia, irmã de Virginia. Acabei de contar
todo o plano de simplesmente morar separado da minha futura esposa. Deixar
que ela se vire sozinha enquanto eu curto minha vida.
— Se ela for como a irmã, do jeito que você relatou, eu não terei a
paciência que Romeo teve para ensinar, mostrar o mundo ao redor.
— Provavelmente ela deve ser pior. — Magno para no bar, ele
mesmo dá a volta no balcão e vai preparar as bebidas enquanto eu me sento.
— Ela é mais nova que Olivia, deve ter a mente de uma donzela do século
dezoito. Vá com calma. Não seja um babaca com a pobre moça.
Se João Magno está pedindo para eu ir com calma, então a coisa é
séria.
Ele coloca um copo na minha frente, joga gelo dentro e serve uísque.
— Eu jamais me envolveria com alguém de mente tão fechada, tão
arcaica — ele analisa. — Olha isso aqui, é o meu antro, sou puro fogo. Se um
dia eu tivesse um relacionamento, a sortuda teria que ser como eu.
Rio do que ele diz e observo as pedras de gelo dançarem na bebida.
— Provavelmente eu vou destruir as fantasias da garota. Se ela espera
um príncipe, esse cara não sou eu.
06
VIRGINIA

— Ele é o meu príncipe. Charmoso, intrigante, sexy… — digo, diante


do espelho, esperando que a cabeleireira me faça um penteado simples.
Rocco povoa a minha mente continuamente, mesmo tendo me ameaçado no
seu escritório. Eu não ligo. Já tenho tudo planejado…
Revivo cada segundo, a sensação dos seus lábios nos meus no dia do
nosso noivado. É bem mais gostoso do que eu imaginei. E olha que foi só um
selinho, pois meu pai estava de olhos bem abertos.
— Eu o vi na televisão, você teve sorte mesmo — a auxiliar da
cabeleireira fala. — Bonitão, um arraso.
— Ele é tão cheiroso… — murmuro. — E aqueles braços?
— Menina, na hora que ele te pegar, eu não vou ter dó de você, vou
ter é inveja — a auxiliar fala, e nós três rimos.
Hoje é o dia do meu casamento. Enfim o momento que tanto esperei.
Anotei na minha agenda, dormi tarde pensando no rosto de Rocco e naquele
corpo pecaminoso. Eu reparei no volume entre as pernas, no olhar pervertido
e no sorriso malicioso.
O meu príncipe nem um pouco encantado.
Relembro, imersa em satisfação, de cada momento da preparação do
casamento que só reforçava que tudo vai mesmo se concretizar. A escolha do
vestido de noiva, a degustação do buffet, com a ajuda de Olivia e Joanne, os
exames que tive de fazer — inclusive a ginecologista me ajudou, criando o
calendário do meu período fértil; Rocco e seu advogado tiveram acesso a essa
informação, e casamento foi marcado com base do meu período fértil, que
ocorrerá justamente na nossa lua de mel.
Minha mãe entra no quarto, e eu evito continuar falando do meu
noivo. Ela não vai gostar e pode classificar minha conduta como vergonhosa.
— Eu pedi cabelos soltos angelicais, com cachos — de braços
cruzados, ela diz, ao meu lado, criticando a mulher que faz o penteado e que
foi chamada aqui em casa.
— Eu escolhi assim, mamãe — contesto, encontrando seus olhos pelo
espelho. Decidi prendê-los com um topete no alto, vou usar lírios brancos
naturais na presilha, combinando com o buquê e meus brincos de florzinha
que foram da minha avó. Incrivelmente, mamãe não se opõe ao que acabo de
dizer.
— Nada de maquiagem pesada. E não demore, temos apenas uma
hora. Não é de bom tom deixar o senhor Rocco Montoya esperando.
Minha mãe teve uma certa resistência no início, no entanto, depois do
noivado, e depois que ganhei um solitário caríssimo para simbolizar nosso
noivado, percebi que ela adora falar o nome dele, ainda mais com estranhos,
como se estivesse se vangloriando de que a filha será a oficial senhora
Montoya.
Quando enfim meu cabelo fica divinamente pronto, com um estilo
jovial e inocente, peço que me deixem sozinha uns minutos antes de colocar
vestido de noiva. Joanne está eufórica dizendo que vai me ajudar a vesti-lo.
Ela será minha madrinha, não cabe em si de contentamento.
Com cuidado, fecho a porta do quarto, puxo a cortina e corro em
direção ao armário. A melhor coisa que existe é ter o próprio quarto. Eu
sempre dividi com Joanne, porém depois que Olivia se casou, eu convenci
minha mãe a me deixar no quarto de Olivia; agora esse quarto ficará vazio,
porém cheio de lembranças silenciosas que apenas eu e as paredes
conhecemos.
Puxo uma madeira solta no antigo armário. A tábua é deslocada, e eu
alcanço uma caixa de madeira com cadeado de senha.
Abro-a e prendo a respiração ao ver o que tem dentro. Se isso caísse
em mãos erradas… eu estaria frita. Como não tive oportunidade de me livrar
disso tudo aqui, terei de levar para minha nova casa e tentar destruir lá.
— Virginia! — Joanne bate na porta. — Não vista o vestido sem
mim.
— Já estou saindo, Joanne.
Olho em volta. Minhas coisas estão arrumadas para serem levadas
para a casa onde morarei, já casada, com Rocco. Abro uma das caixas. São
sapatos e algumas tralhas. Tiro tudo de dentro, tendo cuidado para não fazer
muito barulho. Escondo a caixa de madeira por baixo e jogo os poucos
sapatos por cima, fechando em seguida com uma fita adesiva.
Com o coração descompassado, tremendo, escrevo “sapatos” na
caixa. E corro para abrir a porta.

***

O carro onde estou com minhas irmãs, as madrinhas, para em frente à


propriedade do pai de Rocco, e eu respiro várias vezes de forma compassada.
O lugar é espetacular, me sinto em um filme de Hollywood. Parece até um
casamento real. As pessoas elegantes desfilam no jardim, com seus modelos
assinados por algum estilista famoso. Esse será o meio social que vou circular
a partir de hoje.
Há fotógrafos posicionados esperando minha chegada. São onze da
manhã, e agradeço por ser um dia fresco, ou estaria completamente acabada
de suor.
— Virginia. — Olivia segura minha mão. — Ainda há tempo…
— Eu estou bem — assinto rapidamente, bem nervosa.
— O Romeo me falou sobre ele — ela continua, inundada de
preocupação. — Esse cara não é gente que presta.
— Olivia! — Joanne se intromete. — Você conseguiu o seu gato
maravilhoso, deixa a Virginia desencalhar. É o dia dela.
— Com você, eu converso depois — Olivia alerta Joanne, que só dá
de ombros. — Eu quase morri, aquele miserável do Ludovico quase acaba
comigo e com meu bebê. — Ela toca na barriga ainda lisa, e nós duas
acompanhamos o gesto com o olhar. — Eu tenho medo por vocês duas,
porque nós três não fomos preparadas para o mundo.
Sinto admiração pela força da minha irmã e felicidade por ela ter se
reerguido junto de um homem que a ama. Eles estão construindo uma família
longe daquele nojento que foi marido dela.
— Eu sei. Rocco não é Ludovico — eu a interrompo. — E eu vou
prometer a vocês que a qualquer sinal de abuso, pedirei ajuda.
— Casar forçada é um abuso — Olivia contesta, prestes a se dar por
vencida.
Eu ia dizer que não estou me casando obrigada, que eu desejei esse
casamento. Se ele está acontecendo hoje, foi porque eu quis Rocco para mim.
E nesse instante a porta do carro é aberta. É Romeo.
— Algum problema?
— Não. — Sorrio para ele e estendo a mão. — Me ajude a descer,
cunhado.
Romeo me ajuda a descer e logo meus pais vêm em direção ao carro.
— Que demora! Ele já está há meia hora esperando — papai ralha
comigo e apenas cumprimenta Romeo com um aceno.
— Estou pronta! — exclamo. — Oly, o buquê! — Minha irmã me
entrega o buquê e se posiciona à frente com Romeo; Joanne vem logo atrás
dela, com um primo nosso. Nesse momento, a cerimonialista dá a ordem para
os padrinhos entrarem.
Meu coração está explodindo no peito, é como se o som das batidas
superasse o da música.
Meu pai não diz nada, apenas se mantém impaciente ao meu lado.
Parece tudo mecânico, sem amor, sem sorrisos, sem desejo. Rocco não deve
estar ansioso para me ver, porque ele não quer esse casamento. Ele não terá
fogos de artifícios nos olhos e nem sentirá borboletas no estômago quando eu
surgir linda em meu vestido escolhido com tanto cuidado.
Tudo bem. Nem tudo são flores, como ele mesmo disse. Eu tenho
desejo suficiente por nós dois.
A marcha nupcial toca após a entrada dos padrinhos, e eu dou o
primeiro passo em direção ao altar, onde Rocco me espera em um belo terno
azul-marinho clássico, delineando seu corpo alto e forte. Os cabelos
acobreados, quase ruivos, por causa da claridade, penteados de uma maneira
moderna. Ele é um sonho. Que mulher não iria querer esse homem como
marido?
Eu seria louca se deixasse passar.
São poucos convidados, mas todos são da alta-sociedade. Estou
caminhando rumo ao meu futuro de glória. Rocco está paralisado me
encarando. Ele não consegue ignorar, então me olha seriamente, posso ver
um nervo saltar no maxilar rígido. Rocco está tenso.
Ele cumprimenta meu pai, dá um beijo em minha testa e segura minha
mão. Nós nos posicionamos em frente ao juiz de paz, e eu conto os segundos
para tirar, de uma vez por todas, esse homem do mercado.

***

— Cuidado com a bebida, você não está acostumada. — Ouço a voz


rouca ao meu lado e suspiro ao encarar o agora meu marido. A aliança em
meu dedo parece pesar uma tonelada, ao mesmo tempo que é a garantia de
que eu não estou sonhando. Eu toco nela e sei que é tudo real. Sorrio para ele.
— É a segunda, não vou ficar bêbada.
— Eu prefiro que não beba ainda.
— Mas eu prefiro beber — rebato.
Rocco passa segundos me encarando. Com as mãos no bolso da calça
e o lábio preso nos dentes, mantém para si pensamentos secretos
possivelmente ao meu respeito.
— O quê…? — sussurro, tímida.
— Só remoendo cá com meus botões — Rocco se destoa pela
simplicidade, o que não combina com ele. — Há muito que você precisa
aprender. — Enfim, objetivo.
— O que, por exemplo?
— Quem dá as cartas. — Ele toma com gentileza a taça da minha
mão. — Se eu disser que não é para beber, então não beba.
Sua atitude, ao invés de provocar raiva, me instiga, como um desafio.
Semicerro os olhos.
— Você parece ser controlador, dominador.
— Eu sou.
— E posso prever que espera submissão da minha parte.
— Não é assim que um casamento funciona? — Beberica o meu
champanhe enquanto saboreia minha perplexidade por sua postura cínica.
— Não sei, é a minha primeira vez em um casamento. Mas creio que
seu pai fez uma boa escolha ao impor um casamento a você, talvez seja o
momento de aprender como funciona uma relação. — Merda! Talvez eu
tenha ido longe demais.
Vejo que minhas palavras o atingem como eu pretendia. Rocco
demonstra sua irritação nas feições fortes.
— Você não sabe porra alguma sobre mim ou sobre meu pai, então,
pelo bem dessa nossa aliança, cale a boquinha. — Ele está prestes a me
deixar, mas volta e aponta a taça para mim: — Já avisei, não espere de mim
um marido exemplar.
Nesse momento, sim, eu fico com raiva. Eu me viro bruscamente para
sair, porém ele me segura.
— Tenho uma ideia. — Os lábios se curvam levemente, de um modo
quase satânico.
— Pode me soltar, por favor?
— Não. — E começa a andar e me arrastar. Endireito a postura para
não parecer que estou sendo obrigada e caminho com ele, tendo cuidado para
não tropeçar no vestido.
Rocco entra na mansão, me guiando pelo cotovelo — no caminho,
cumprimenta alguns convidados. Subimos a escada, o andar de cima em
completo silêncio. Ele conhece perfeitamente o ambiente, afinal era a casa do
pai dele. Abre uma porta e me empurra para dentro. É um banheiro, tão
grande e elegante, que eu jurei que só existia nos poucos filmes que vi.
Engulo em seco quando ele fecha a porta com a chave.
— O que vai fazer? — sussurro. De repente, estou amedrontada. Eu
quis esse casamento, mas não conheço esse homem a fundo; sei o que
homens são capazes de fazer. Lembro do que Ludovico fez com Olivia.
Rocco não é como ele. Só preciso mentalizar isso.
Ele tira o terno. Está com um olhar selvagem, sério que dói, a
expressão incapaz de ser interpretada. Começa a dobrar as mangas da camisa,
e eu ofego.
— Rocco… — começo a falar quando ele caminha na minha direção.
Puxa meu braço, me empurra para a pia e prende meu rosto nas duas mãos,
tomando minha boca em um beijo de surpresa.
Enfim o beijo pecaminoso que eu sonhei dar desde o primeiro
momento em que o vi. Com direito a língua se aprofundando em minha boca
e lábios macios e quentes, bem experientes, por sinal, movendo-se contra os
meus. Como imaginei, Rocco é ótimo nessa modalidade.
— Eu não sei… — sussurro, engolindo o resto da frase junto com a
boca dele que me ataca. Lembro das vezes que treinei na curva do meu braço
ou no espelho, em meu quarto, e devolvo na mesma intensidade.
Rocco desce as mãos para meus seios e os aperta, enquanto continua
na missão de me tirar o ar com seu beijo.
— Porra, eu queria chupá-los. — Arfa. — Fica para depois. — Mais
uma vez me surpreendendo quando ele me coloca sentada na pia.
— O que está fazendo? — Seguro com força, com medo de cair.
— Te dando o teu presente de casamento. Não faça barulho. — Ele
começa a afastar as camadas de tecido branco do meu vestido e apalpa
minhas pernas, subindo os dedos até a calcinha.
Caramba! Eu esperava um pouco de ousadia, mas pensei que seria
numa cama, em um quarto.
— Rocco…
— Xiu. Preciso conhecer a boceta pela qual eu paguei caro. — Ele
suspende o rosto e me fita por segundos, seus olhos parecem brasas. —
Paguei com minha liberdade. — Rocco puxa minha calcinha, na verdade a
rasga com um puxão, e por ser de renda, a peça cede fácil. Engulo a tensão,
meu coração espanca a caixa toráxica, tamanha é a expectativa; estou pronta
para sentir o primeiro contato humano na minha vagina. — Uau! Muito linda,
como o rostinho da dona. Ao menos uma coisa boa nessa merda de
casamento — ele diz no meio das minhas pernas.
Rocco as mantém abertas e me lambe. Eu quase dou um berro com o
choque da língua úmida passando por toda a fenda. E se isso já me deixa em
choque, quando ele dá um chupão de estalar, eu quase pulo da pia.
— Se segura, Virginia.
— Por Deus… Rocco…
— Por Deus nada.
Ele continua chupando, bem devagar, movendo os lábios entre as
dobras vaginais, me conhecendo com a boca. A língua parece a própria
perdição, provocando a minha entrada pulsante. E como se não bastasse, ele
adiciona o dedo na lambança.
— Isso, pisca a bocetinha zero quilômetro no meu dedo.
— Uoouu! — Jogo o rosto para cima, com os olhos quase pulando da
órbita. O dedo vai entrando devagar, eletrificando todo o meu corpo com uma
sensação tão gostosa, que chega a ponto de me fazer perder o ar. O dedo está
dentro, e é delicioso o contato com meu interior. Ao mesmo tempo, os lábios
chupam devagar meu pontinho latejante. — Que doideira, meu pai…! —
minha voz sai trêmula. Sinto como se estivesse sob efeito de alucinógenos.
Se eu já tivesse experimentado alucinógenos, seria essa sensação.
A língua de Rocco faz milagres, e quanto mais ele chupa, quanto mais
ele lambe e mexe com o dedo bem devagar em meu interior, mais algo
acontece, e eu sei muito bem o que é: o famoso orgasmo está vindo. Meu
primeiro orgasmo com Rocco Montoya, o meu marido. Seguro com força nos
seus cabelos, minhas pernas começam a tremer. Prendo o ar, mesmo estando
com a boca aberta, e quase dou um grito quando ele simplesmente para tudo e
se afasta de mim.
— Oh… — Estou sem fala, minhas pernas tremem como se tivessem
vida própria. Eu estava quase chegando ao êxtase perfeito, mas agora sinto
apenas tudo latejando, como se implorasse por mais.
Ele limpa a boca e me tira de cima da pia.
— Rocco… eu…
— Eu sei. — Toca gentilmente no meu queixo. — Sei que não atingiu
o orgasmo. Só estou te mostrando, querida, que você está aqui… — diz e
bate o indicador na palma da mão. — Na minha mão. Como eu disse, eu
mando, você obedece. E só vai gozar quando chegarmos em casa. Isso se for
boazinha comigo. — Dá um beijinho na minha boca, pega o terno, abre a
porta e sai. E eu estou ofegante, tremendo feito bambu, e sentindo muita
raiva, além da pulsação na vagina.
07
VIRGINIA

Rocco dirige calado, porém cheio de deboche, tamborilando os dedos


no volante no compasso de uma música que toca no rádio. Eu não faço
questão de esconder toda raiva fomentada pela ação dele mais cedo no
banheiro. Eu permiti que ele tivesse uma vitória sobre mim. Eu me preparei
para muitas coisas, menos para essa postura cínica. Jurei que Rocco era sério
e fechado, até treinei para reagir a um marido ríspido e de poucas palavras.
Agora devo repensar a minha forma de abordagem.
Ele adorou manipular meu corpo a qualquer instante depois que
saímos do banheiro. Eu tinha que me recuperar do orgasmo interrompido,
mas Rocco não deixava. A todo instante sua mão acariciava minha nuca ou
seus dedos brincavam, despercebidos, com o lóbulo da minha orelha. E ele
sempre conseguia arrancar arrepios de mim ao fazer isso ou ao dizer coisas
obscenas no meu ouvido, com sua voz rouca e sensual que atingia
diretamente o ponto sensível que eu tentava acalmar.
Giro a aliança no dedo e solto o ar dos pulmões ao mesmo tempo que
decido encarar meu marido.
— É aqui que vamos ficar?
— Sim, o seu novo lar. Meu pai nomeou como Flora House, e acho
que você terá muito o que fazer nesse jardim.
— E quanto a você?
Reconheço arrogância no seu simples gesto de dar de ombros,
torcendo os lábios.
Estamos percorrendo uma estrada com ar de cartão-postal, ladeada de
árvores frondosas que possivelmente entregam um ar bastante puro; ar
melhor do que o do centro da cidade. Entramos por uma via particular, e de
longe posso ver uma casa luxuosa, com detalhes de madeira, repousando
próxima a um lago. O jardim é imenso e bem-cuidado; meus olhos se enchem
de brilho.
Rocco para o carro em frente à casa, pula para fora sem nem se dar o
trabalho de me ajudar. Que babaca! Meus instintos dizem que vou ter muito
trabalho com esse homem.
Saio do carro, segurando o vestido, e o sigo, entrando na casa que, à
primeira vista, enche meus olhos com muita beleza. É magnífica, casa de
revista, certamente planejada e decorada por profissionais. Os sofás e as
poltronas são provavelmente assinados por algum designer caro, o lustre
parece uma obra de arte, há um espelho em uma parede, objetos de cristal.
Meu coração saltita por saber que essa será a minha casa.
Caramba! Eu me casei, tenho meu próprio marido e minha própria
casa. Quase posso sorrir, mas Rocco me interrompe:
— Vamos, vou te mostrar o quarto. — Ele passa por mim, mas para
quando não o sigo.
— Não podemos conhecer a casa antes?
— Não. Você e eu precisamos de um banho para colocar em prática o
desejo do meu querido pai. Encomendar esse herdeiro para eu poder tomar a
posição de CEO da empresa. — Ele olha no relógio de pulso e volta a fitar
meu rosto. — E precisamos ser rápidos, pois eu tenho uma festinha particular
de pós-casamento no clube de Magno.
— Clube? Do que está falando? Vamos transar e…
— Sim, Virginia. — Transbordando malícia nos olhos, dá um passo
até mim. — Achou o quê? Que eu te aninharia no meu peito e ficaríamos
sorrindo felizes após o sexo? Eu vou tirar a sua virgindade, te engravidar hoje
ainda e comemorar de verdade com meus amigos. E amigas, claro.
— Por que está se comportando assim? Eu não te fiz nada…
— Ah, nem comece com essa ladainha. Sentir peninha é a última
coisa que vai acontecer comigo. Você sabia dos riscos, eu te avisei, mesmo
assim você e seu pai quiseram este casamento. Alegre-se, esposa, foda boa
não te faltará até engravidar. Além disso, ganhou um nome de peso pelos
próximos anos. — Ele toca no meu queixo, dá uma piscadela e se vira para
subir a escada. — E venha depressa, tenho só uma hora para te comer.
Eu me sento no sofá, soltando o ar do peito com um arfar longo. Será
que valeu mesmo a pena toda a espera e esforço? Tiro a presilha dos meus
cabelos e chacoalho a cabeça, fazendo os fios dançarem. Em seguida, jogo os
fios para cima, penteando com os dedos.
Olho mais uma vez em volta e sorrio. Minha casa. Minha nova vida
planejada com esmero. Por enquanto, só felicidade. De Rocco, cuido mais
tarde. Descarto também os sapatos, seguro o vestido e subo as escadas para
conhecer o quarto.
Percebo que Rocco fala ao celular na varanda do quarto. É tudo lindo
e arrumado como o restante da casa. A cama é um monumento. Alta e
espaçosa, muito espaçosa. Para mim, que sempre dormi em cama de solteiro,
será uma grande conquista. Fico tentada a pular no colchão para testar, mas,
em vez disso, encontro minha mala. Escolho lingerie e camisola, itens que
ganhei de Kate. Branca, rendada, elegante e sensual; ainda bem que ganhei.
Minha mãe foi comigo comprar calcinhas novas, ela jamais permitiria que eu
comprasse algo assim.
Entro no banheiro ainda de vestido e me fito no espelho.
Aja como boba, garota.
Consigo me despir sozinha e tomo um banho rápido. Não é o
momento de relaxar, quero apenas tirar o suor de toda a manhã presa nesse
vestido apertado.
Ainda no banheiro, passo hidratante no corpo, analisando cada
pedacinho meu conforme minha mão desliza de lá para cá. Não sou o modelo
de mulher perfeita, mas confio no que tenho.
Juro que passou pela minha cabeça resistir e dar um belo troco em
Rocco. Mas não quero fazer isso. Esperei ardentemente por esse momento, e
mesmo ele sendo um babaca, sou eu que vou usá-lo.
Visto a lingerie nova, com a camisola e o robe por cima, e saio do
banheiro.
Paraliso no meio do quarto encarando Rocco quase nu sentado de um
jeito sensual, ou melhor, bem erótico, em uma poltrona.
Ele tem um copo na mão e me encara calmamente, posso apostar que
seu corpo potente está latejando de desejo. Usa uma cueca branca e faz
questão de manter as pernas levemente abertas, para mostrar o quanto está
pronto.
Não deixo de refletir que é mais delicioso do que meus pensamentos
virginais foram capazes de imaginar. Vejo em seus olhos o fogo do inferno o
queimando. Ele parece mau, mas é o meu marido mau, e essa ideia me faz
aquecer repentinamente.
Rocco se levanta, termina de beber o conteúdo do copo e o deixa na
mesinha. Estende a mão para mim.
— Venha aqui, Virginia.
Obedeço. Quero que ele tome a dianteira e me mostre tudo. Apesar de
ser esperta, ainda sou virgem, então quero desfrutar de todas as sensações.
Ele me puxa de leve, apertando minha mão e descansando a outra na
minha bunda.
— Pronta? — indaga.
— Sim.
— Eu queria te comer bem gostoso desde quando te conheci. —
Ajeita meu cabelo atrás da orelha. — No entanto, vou te poupar inicialmente.
Eu estou sem fala enquanto o encaro. Observo como sua barba é
bonita, com seu tom de cobre avermelhado. Seus lábios estão sempre rígidos,
em uma aparência cruel, mas já sei que são deliciosos de beijar. Rocco puxa a
faixa do meu robe, abrindo-o.
Concentrado, ele corre a mão pelo meu seio, de maneira leve, e a
descansa em minha cintura.
O dedo longo passeia pelo meu pescoço, e eu vibro. Rocco desce pela
renda do sutiã e afasta o robe. Estou tremendo de antecipação, porque penso
nesse momento desde o dia em que vi esse homem.
Seria obsessão? Talvez, sim.
Rocco dedilha pelo meu ventre e sorri, fitando meus olhos, quando
seus dedos invadem a lateral da minha calcinha, tocando na minha vagina
afoita. A mão de Rocco cobre meu maxilar, enquanto um dedo brinca
vagarosamente com minha fenda. Nesse momento, ele dispara a milímetros
do meu rosto:
— A partir desse momento, será a minha putinha, está entendendo?
— Sua voz tenta me ferir. — Abre as pernas — comanda, e eu abro um
pouco, sem ar, fitando o seu rosto. — Pode ser a senhora Montoya lá fora. —
Seu dedo percorre a entrada e desliza fácil para dentro. Como estou úmida,
facilito para ele. — Mas aqui dentro você é meu pequeno brinquedo caro.
Diga que entendeu, Virginia.
— Isso — ofego — vai te fazer sentir bem?
— Sim, vai me fazer muito bem. Confirme que entendeu. — Aperta a
mão no meu queixo e afunda todo o dedo. Como reação, agarro o corpo
quente e duro bem à minha frente. — Você entendeu qual é o seu lugar nesse
casamento? Você vai gostar de estar aos meus pés e gozar sempre que estiver
comigo, porque está de quatro por mim, sua boceta está gotejando de desejo.
Não há o que negar quando ela me diz tudo. Só me diga que entendeu.
Ele curva o dedo e faz uma gostosa pressão dentro de mim. Entreabro
os lábios, odiando como Rocco sorri ao saborear as reações do meu corpo
fraco.
— Entendi — sussurro. Mas não concordo.
— Boa garota. — Tira o dedo, chupa e me dá um beijo de língua.
08
VIRGINIA

Enquanto me beija, Rocco empurra meu corpo, automaticamente, dou


passadas para trás. Ele está passando as mãos em meus seios — o que não
imaginei que fosse tão bom —, minha respiração quase falha. Só paro de
tropeçar para trás quando sinto a cama nas minhas pernas.
Paramos de nos beijar, e levanto o rosto, cravando meu olhar no azul
cintilante dele. É como um inferno em tom frio, meu corpo inteiro estremece.
E só percebo que estou boquiaberta quando Rocco sorri de lado, combinando
com a sobrancelha que se ergue.
— Algum problema, esposa?
Da minha boca, não sai um maldito “a”.
— Não vai me dizer que está com medo e que vai chorar, não é? —
debocha, mas, novamente, não tenho voz para responder, prefiro focar em
algo que é mais importante do que arrumar picuinha justo nessa hora. Eu
esperei por meses para colocar as mãos nesse homem, e vou fazer isso.
Sim, querido, estou chorando. Mas não pelos olhos…
Percorro o peito de Rocco com as pontas dos dedos, vidrada nos
músculos. Com meu gesto brusco, ele olha para baixo, tentando saber o que
pretendo. Meus olhos nem piscam. Quero passar a língua, mas não faço. Não
ainda. Toco o mamilo rosado com o polegar no instante em que encontro seus
olhos assistindo à excitação o tomar. Rocco gosta, mas não vou dar muito
disso a ele. Eu preciso de tempo, depois, com calma, para conhecer melhor o
corpo do meu marido.
E, impressionantemente, ele permite, os braços ao lado do corpo,
parados, observando a minha atitude. Com o polegar, faço um caminho pelo
tórax duro, tentando não parecer uma afobada enquanto respiro ofegante. Ao
mesmo tempo que minha mente me lembra que sou virgem, tenho então essa
carta para usar. Uma virgem pode fazer o que bem entender na primeira vez:
desde chorar de medo a querer apalpar o corpo do homem. Ninguém nunca
vai julgar uma virgem na sua primeira vez.
Além, claro, de apalpar, não resisto e encosto o nariz bem próximo ao
seu umbigo. Inalo o cheiro da pele recém-lavada, com um toque suave de
sabonete caro e macho de qualidade. Cheiro de homem.
Você está sentindo cheiro de homem, Virginia. E não é um sonho.
Meus olhos pousam na cueca, e me assusto ao flagrar o momento em
que o pênis absurdamente duro se mexe, dando um pequeno impulso para
cima, como se tivesse vida própria e quisesse escapar da cueca. Quero vê-lo.
Quero conhecer o quanto Rocco é abençoado.
Li em uma matéria que quando são muito grandes podem causar
desconforto, ao mesmo tempo que muito pequenos podem não satisfazer.
Torço para que seja um meio-termo.
— Nunca viu um antes? — ele questiona, e eu levanto os olhos para
fitar.
— Não. Quer dizer, não ao vivo.
É admirável que Rocco pareça surpreso com minha reação. Levada
pelo impulso e curiosidade, toco na cueca e cubro o pacote com minha mão,
apertando de imediato, como se ele fosse me impedir; eu tive de fazer logo,
enquanto a coragem parece transbordar. É gostoso… de apalpar. É firme,
muito duro, o que me faz pensar uma loucura sem cabimento: abaixo a cueca
sem que nós dois esperássemos. Fiz no calor do momento, apenas abaixei a
peça, deixando o bendito pular para fora, acabando com minha lucidez.
Misericórdia!
É lindo. Grande. Grosso, mas não a ponto de ser exagerado. Tem uma
bela ponta rosada e veias o rodeando. Está pulsante. Como se me chamasse, e
sei que ele me chama. Miro os olhos de Rocco e inclino o rosto em direção ao
seu pênis. Volto a fitar os olhos e de volta o pênis, intercalando o meu olhar.
Rocco está abismado, surpreso com o que eu estou prestes a fazer. Talvez ele
jamais acreditasse que eu pudesse ter coragem. Chego bem perto e beijo a
ponta, me afastando rapidamente voltando a fitar os olhos do meu marido.
— Chega por hoje. — Rocco me empurra para a cama — Apesar de
parecer uma obra de arte, ele gosta de trabalhar, e não de ser apenas
admirado.
Um pouco recatada, rastejo na cama, de costas, até encontrar os
travesseiros. Rocco descarta a cueca em segundos e vem atrás de mim,
pairando sobre meu corpo como uma possessão demoníaca, daquelas que
mamãe usava para amedrontar a mim e a Joanne caso a gente não fosse boas
meninas. O capeta invadiria nosso corpo e faria dele o que quisesse. As
maiores perversidades já imaginadas. E, que Deus me perdoe, mas é justo o
que desejo que Rocco faça comigo.
— Vamos recomeçar da parte em que paramos hoje no casamento. —
Rocco olha nos meus olhos quando puxa minha calcinha, passando a renda
pelas minhas pernas junto com suas mãos que não perdem a oportunidade de
me acariciar. Engulo saliva junto com excitação no instante em que seus
lábios se chocam contra a pele da minha coxa. Rocco beija minha perna, e
conforme vai subindo, empurra para que eu me abra. Nesse momento, ele
substitui os lábios pela língua.
Sinto-o bem perto do meu centro latejante, mas Rocco apenas dá a
volta e beija ao redor, mordisca bem perto, mas nada de tocar ali. Quando me
dou conta, estou contorcendo o quadril, e ele de olhos erguidos, está me
fitando e sorrindo.
— Mal se aguenta, não é? — provoca. — Quer com urgência minha
boca na sua bocetinha gulosa.
Enrubesço. Jamais escutei esse tipo de palavreado, mas agora que
escuto, não vou dar chilique de conservadorismo, afinal seu jeito de falar só
me excita mais.
Rocco empurra meu ventre, me fazendo aquietar na cama enquanto
sua mão corre para baixo, em busca da minha perna, quando ele topa com
minha cicatriz na bacia. Eu me machuquei aos dezessete anos, ocasião em
que meu pai me agrediu, o que acabou gerando um acidente. Precisei de
cirurgia, e esse é um assunto que não gosto de reviver. Fecho os olhos,
torcendo para que Rocco não pergunte, e ele não pergunta. Se limita em
passar o dedo na cicatriz e ir em direção às minhas pernas, empurrando-as e
se acomodando melhor para desfrutar do meu corpo com sua boca.
Nós nos conhecemos há bem pouco tempo, mas eu estava mesmo
com saudade do contato da boca quente aplacando o alvoroço que havia
começado mais cedo no casamento. Rocco me leva às alturas quando me
chupa, mantendo minhas pernas abertas, me provando, me tornando um
alimento ao seu bel prazer.
Minhas mãos agarram os lençóis da cama, e eu penso que vou rasgá-
los conforme Rocco devora a minha vagina. Caramba, é um glorioso beijo de
língua.
Diferente do que aconteceu mais cedo, dessa vez não há interrupção.
Ele abocanha sem pressa cada centímetro do meu sexo, não de uma forma
desleixada, desesperada, mas de maneira cirúrgica, profissional. Ele sabe o
que faz. Devagar e caloroso. Eu não poderia conhecer o meu primeiro
orgasmo em outros braços, tinha de ser por meio desse homem.
Não há como segurar o grito que sai pela garganta. Um grito de
felicidade. Quero rebolar, quero girar os quadris, quero flutuar da cama, mas
ele me segura, até que eu me resuma a pequenos espasmos. Rocco sorri já se
ajeitando sobre mim.
— Relaxe e respire fundo — ele diz no momento em que sinto a
pressão contra a minha entrada. Respirando de boca aberta, agarro seu corpo;
não desviamos o olhar durante o tempo em que, vagarosamente, ele avança,
me possuindo. Sinto meu corpo se adequar à sua grossura, e a dor me faz
tremer.
— Rocco… espera.
— Está tudo bem. — Ele para e me dá um beijo suave na boca. Beija
a ponta do meu nariz e em seguida novamente meus lábios. — Vou avançar.
Acalme-se — sussurra gentilmente, bem pertinho da minha boca, e desliza de
uma única vez para dentro, rompendo o meu limite e chegando no fundo;
mesmo que esteja muito apertado, ele está inteiramente dentro.
Não penso em como estou parecendo nesse momento, mesmo
apostando que esteja com uma aparência bem engraçada, de olhos saltados.
— Rocco… tira… só um pouco.
— Relaxa, Virginia, não vou tirar. Se acostume com ele.
— Uau… eu… estou… suando frio.
— Daqui a pouco passa. Prometo — diz e beija minha boca. Dessa
vez, é um beijo longo, de língua, e eu acabo me deixando levar. Em um
instante, noto que ele se mexe devagar dentro de mim, e nesse momento,
como mágica, sinto uma pulsação gostosa tomar conta do meu interior.
Rocco vai se afastando, se retirando, mas eu seguro sua bunda com
força.
— Não! Não tira. Não precisa mais.
Sua risada só mostra como estou desorientada.
— Vou tirar para colocar de novo. Você vai ver como é gostoso
quando faço isso várias vezes seguidas. Assim… — Ele sai todo de dentro de
mim, passa a cabeça na entrada, lambuzando, e volta a se inserir,
interminável, duro feito um ferro, me atravessando de maneira gostosa,
mesmo que ainda levemente dolorida. — E assim — diz ao chegar ao fundo
de novo.
— Poxa… — ofego. — Uau.
— Assim. — Ele afasta, tirando quase todo, e volta a deslizar, macio
e prazeroso, bem apertado… — E assim. — Até bater no fundo, e eu gemer
alto.
— Meu Deus, Rocco! — Estou agarrada a ele, adorando e temendo
cada novo movimento.
— Não tem mais o que chorar. Só aproveitar. Sua boceta foi estreada,
e ela está me abraçando como uma luva. — Ele continua os movimentos,
revivendo meu prazer. A dor foi embora de uma forma impressionante.
Mesmo com o desconforto do aperto, começo a gostar dos movimentos de
entra e sai, da força de seu quadril, do peso do seu corpo sobre mim, mesmo
que Rocco mantenha os braços apoiados. — Vamos tirar isso. — Rocco tira
meu sutiã e se inclina sobre meu seio.
Quando os lábios se aninham em um mamilo, eu penso que vou voar.
A sensação, combinada com o que o pênis está fazendo lá embaixo, me deixa
eletrificada de prazer.
Rocco aumenta a velocidade das estocadas sem parar de beijar meus
seios. Está entrando e saindo muito fácil, mas ainda estou tensa e agarrada a
ele como se fosse cair. Rocco começa a tremer, levanta o rosto e encara meus
olhos. Então arremete para dentro, em uma estocada forte, poderosa e me
enche de sua preciosa semente.
Rocco apenas me fita, muito sério, enquanto se dissolve em espasmos
que revelam um gozo poderoso. Sei que terminou quando se inclina contra
mim e me dá um beijo brando.
Com cuidado, ele se afasta, me fazendo sentir um vazio pulsante, e
rola para o lado. O silêncio predomina, apenas os sons das respirações
ofegantes preenchem o quarto. Foi tão intenso, rápido, que nem sei se gozei
uma segunda vez. Sei que foi bom. Na verdade, foi muito bom, melhor do
que eu previa.
Rocco não fica dois minutos ao meu lado na cama.
Eu quase acreditei…
Levanta-se e anda pelado em direção ao banheiro. Ainda levemente
ofegante, me sento e coloco as mãos no rosto. Meu corpo ainda se recupera
da louca consumação do casamento. A dor suave no ponto íntimo entre
minhas pernas é estranhamente gostosa. É como se o pau dele tivesse deixado
saudade em minha vagina. Minha primeira relação sexual é mil vezes melhor
que minhas expectativas apregoavam.
Ao menos ele foi gentil.
O som do chuveiro me deixa levemente triste por não acontecer como
minha imaginação fértil fantasiava: meu marido me tirando da cama nos
braços e me levando para um banho de espuma com ele. Porém é o primeiro
dia ainda. Vou sobreviver.
Em meio a minhas divagações, ele sai do banheiro pelado, se secando
em uma toalha.
Minha nossa.
O corpo do homem é perfeito; sem me conter, sinto vontade de
abraçar, apalpar, como estava fazendo há pouco durante do sexo.
Puxo o lençol para cobrir meus seios.
— Vou ficar aqui sozinha? — indago. Ele está no closet se trocando.
— Tem seguranças.
Desconfortável, aperto com força o lençol.
— Você não poderia ficar só hoje e me mostrar a casa?
— Não. — Seco e direto.
— Eu estou com fome…
— A geladeira está cheia. — Rocco sai do closet. Já vestiu uma calça
social e abotoa uma camisa preta. Seu olhar é cínico quando se volta para a
minha direção. — Quanto mais rápido você entender, melhor, querida: eu não
sou nada seu, e você é apenas a barriga que vai gerar meu herdeiro.
— Não precisa ser cruel.
— Prefere que eu te engane? — Ele caminha até a cama, coloca um
joelho sobre o colchão, pairando sobre mim. Instintivamente, prendo o ar
quando seus lábios encostam nos meus. Eu quero ser forte, mas a obsessão
que tenho por esse homem fala mais alto quando sua língua massageia sem
pressa a minha boca. Eu a recebo, deixando escapar um suspiro. Rocco me
beija com vontade, amassa meus lábios de maneira quente e voraz, com a
língua criando manobras eróticas contra a minha.
Rocco termina o beijo e acaricia minha bochecha. Como se eu fosse
mesmo um brinquedo muito caro.
— Virginia, não me leve a mal. Eu só te escolhi porque você é bonita,
o que facilita minha atração para que eu possa gerar logo esse filho, e por ter
uma criação ultrapassada, submissa. É a esposa perfeita. Faça isso por nós
dois, seja a esposa perfeita. — Pisca para mim e volta para o closet, e eu não
tento retrucar; agitada com o beijo, esfrego as mãos no rosto.
— Eu vou ficar mesmo nesse quarto? Ou tem um de hóspede
reservado para mim?
Rocco gargalha. Sai pronto do closet. Está tão bonito, que chega a ser
um desperdício por ser tão babaca.
— Dormir juntos? Você acha mesmo? Minha pobre esposa… você é
mais tola do que sua irmã mais velha, que Romeo Lafaiette salvou. Faça bom
proveito desse quarto. — Sai rápido do quarto.
Pela primeira vez desde que foi anunciado o casamento, eu choro. É
automático, e quando sinto a bochecha molhada, limpo de imediato.
Saio da cama e entro no chuveiro. E lá, debaixo da água, não tem
jeito. Eu choro mais ainda. Sinto saudade da minha família louca, da
conversa até tarde com Joanne, de quando mamãe teimava em ensinar algum
serviço doméstico para nós duas. Sinto falta de Olivia, suspiro ao lembrar de
como ela venceu, ao encontrar alguém que a ama e que, acima de tudo, a
respeita.
A dor maior nem é não ser amada, é ser rebaixada por um homem que
eu quis para mim.
Saio do chuveiro um pouco mais aliviada e fico feliz em poder fazer
uma excursão pela casa, conhecendo meu novo lar. Levo em torno de uma
hora arrumando minhas poucas roupas no armário. Encontro um esconderijo
perfeito para minha caixa de segredos. Depois darei fim a ela.
A parte de Rocco não está totalmente cheia, e eu sei que é porque ele
tem um apartamento onde deve manter a maioria das roupas. Mesmo assim,
me enche de felicidade tocar seus ternos dele e saber que são do meu marido.
Já passa das seis da tarde. Como estou faminta e comi pouco no
casamento, faço a refeição sozinha olhando para o nada, saboreando pão de
forma com peito de peru, queijo prato e tomate. Para beber, uma taça de um
vinho que encontrei aberto na geladeira.
Que droga! Em plena lua de mel.
Caminho pela casa inteira. Espio pela vidraça com o nariz colado no
vidro, olhando o jardim iluminado lá fora. Ao longe, está o grande lago que à
noite se torna arrepiante. Fico mais tranquila ao ver o segurança fazendo a
ronda e acenando para mim. Após uma luta contra o controle remoto, consigo
fechar as persianas.
Na televisão, não tenho a mesma sorte, já que não parece estar
configurada.
Ele vai mesmo me deixar passar a primeira noite sozinha?
Por um momento, eu cheguei a achar que Rocco tinha abaixado as
barreiras e iria tentar fazer dar certo. Mas não foi o caminho que ele escolheu.
As horas passam, visto um pijama, penteio os cabelos, verifico as
travas de todas as portas e janelas.
Será que ele teria coragem de transar com outra mulher na nossa
noite de núpcias?
Resfolego e me sento na cama, incrivelmente sonolenta, porém
decepcionada. Não merecia ser abandonada junto com minhas tolas
expectativas. Talvez eu seja nova demais para entender Rocco, ou talvez
minha mente seja madura demais para não aceitar tal desaforo.
Eu pensei muito se iria mesmo enganar meu marido dessa forma, mas
já que ele deu o primeiro passo nessa guerra ridícula, eu não retrocederei.
Eu me levanto, abro uma das minhas bolsas e encontro uma caixinha
de medicamentos. Não está nova, afinal já estou usando há um mês, porque
eu previa que ele pudesse ser esse babaca. Abro-a e respiro fundo, antes de
tirar um comprimido da cartela e jogar na boca.
Ele vai ter que suar muito transando comigo para poder ter o precioso
herdeiro. E só vai acontecer quando eu enfim decidir parar com o
anticoncepcional.
09
ROCCO

— Você simplesmente deixou sua esposa gostosa sozinha e veio para


meu clube beber? Ainda mais uma virgem que você acabou de…
— Eu sei, porra — interrompo Magno, que está ao meu lado, elegante
em seu terno de anfitrião em uma noite agitada do clube.
— E então? Qual é o B.O.? — Ele decide sentar ao meu lado ao
mesmo tempo em que levanta um dedo para o barman, que já deve conhecer
sua bebida favorita.
Meu olhar distraído recai sobre a aliança em meu dedo, institivamente
acabo brincando com ela. Por sorte, não tem o peso desconfortável em meu
coração, como eu julguei que teria. É um anel, não me diz muito.
— Estou irritado porque eu não consigo decifrá-la. — Eu me
impressiono com quão fácil é confessar isso a um amigo.
— E desde quando mulher virou esfinge para ser decifrada? —
Magno zomba. — Não deixe faltar comida, rola e bagulhos caros femininos
que seu casamento seguirá bem.
— Já vi que você não entende porra nenhuma de relacionamento —
desdenho.
— E você já tem doutorado no assunto só porque se casou hoje? Vá
se foder.
Eu me viro no banquinho e fito os olhos do meu amigo. Em um
instante, estou preocupado, e ele percebe isso. Magno rapidamente abandona
sua pose zombeteira.
— Sei que teve a situação delicada com a Milena, mas…
— Cara, é bem mais que isso. — Bufo. — Eu sempre soube lidar com
minhas mulheres. Virginia não é uma jovem comum ou uma mocinha
indefesa. Eu estou pressentindo um mega caroço nesse angu. E meu sexto
sentido nunca erra. Como quando eu pressentia que meu pai estava
planejando algo e ele se matou dias depois. Aparentemente, já que não vi a
certidão de óbito para ter certeza.
Magno agradece com um gesto o uísque que o barman lhe entrega.
— Como o que, por exemplo?
— Não sei. Há algo no olhar. Como se ela me decifrasse facilmente.
E o pior é que ela tem grande potencial de me atrair, e isso é o que me enerva.
Eu gostei de transar com ela, porra. — A última frase sai em um tom mais
alto, então olho em volta sem querer chamar atenção.
— Estranho seria se não gostasse. Com todo respeito, ela é uma
delícia.
Desconsidero sua fala, sem querer aceitar que a pontada que senti era
provavelmente ciúme. Ciúme de Virginia? Eu nem gosto dela…
— Eu não quero passar novamente por uma merda daquelas. — Eu
me refiro a Milena, e ele sabe disso.
— Cara…
— Ela transa com desejo. Pude sentir o tesão dela. Era desejo por
mim. Como se ela tivesse esperado muito tempo para colocar as mãos em
mim e enfim tivesse conseguido. Ela não se retraiu, pelo contrário, fez uma
excursão com a língua no meu peito e pescoço. — Bebo todo meu uísque e
levanto o copo vazio para o barman, indicando que quero outro. A
sobrancelha de Magno se eleva.
— Está mesmo falando da irmã da Olivia?
— Sim. Isso é o que me encuca. Porque eu entrei nessa preparado
para uma virgem medrosa que ia chorar na primeira estocada. Cara — miro
os olhos de Magno —, ela puxou a minha cueca e deu um beijo no meu pau.
— Eu devo estar ouvindo uma história de um mundo paralelo. Como
você pode não gostar de ver sua mulher beijando seu pau?
— Não é que eu não tenha gostado. Eu quis pegá-la naquele momento
e comê-la ali, de pé. Mas isso me deixou confuso. Não é algo que eu pudesse
esperar da mulher que você descreveu naquele caralho de dossiê.
— Culpa do pai dela, que fantasiou demais quando eu fui pesquisar. E
Romeo corroborou dizendo que conheceu as irmãs de Olivia e que eram duas
coitadas submissas, quase beatas.
— Romeo não sabe de porra nenhuma. Agora vou ficar com os olhos
bem abertos.
— Não vai voltar? Ela vai passar a primeira noite sozinha?
— Vai. Eu quero dormir aqui. Me arranja um quarto. — Fico de pé.
— Pode escolher. Quer que eu mande umas funcionárias para esfriar
sua cabecinha? — Ele corre os olhos para minha virilha quando aponta: —
Essa cabecinha.
— Não. Só quero dormir. Amanhã decido o que fazer.

Já instalado no quarto, ligo o celular e vejo duas chamadas não


atendidas de Virginia. Já são quase dez da noite. Ela sabe o que deve fazer.
Dormir e me esquecer. Ela sabe as regras. Não serei esse tipo de marido. Vou
aparecer lá, transar com ela e sair novamente. É a única maneira de levar
adiante essa loucura que meu pai aprontou sem sairmos destruídos no final.
Deito só de cueca na cama, observando o teto espelhado. Os quartos
do clube de Magno parecem a porra de um quarto de motel.
Virginia precisa engravidar logo. Se eu tiver que passar mais tempo
tentando engravidá-la, posso acabar viciado. Potencial para viciar qualquer
um, isso ela tem.
Giro na cama, deitando de bruços e experimentando o desconforto do
pau duro pressionado contra o colchão.
Merda.
***

Caminho com passadas longas pelo hall do prédio da Montoya


Motors observando mais uma ligação de Virginia no meu celular. Hoje é o
segundo dia que não apareço na casa nem para dar satisfação.
Desligo o celular, enfio no bolso e entro no elevador cumprimentando
as pessoas.
— Parabéns pelo casamento, senhor Rocco — um homem de terno
diz para mim, e eu aceno, dando um meio-sorriso.
Quando saio no meu andar, encontro um dos engenheiros da empresa,
e ele bate a mão para mim enquanto grita:
— Devia estar desfrutando a lua de mel, não fazendo festa para a
galera. Mas com certeza eu vou.
— O quê? — indago, mas ele entra em uma sala. Do que esse cara
está falando? Até olho para trás, imaginando que talvez ele estivesse gritando
com outra pessoa e não comigo. Mas só tem eu no corredor.
Empurro a porta de vidro e entro na ala da presidência.
— Rocco, ainda bem que você apareceu hoje. Achei que tinha viajado
em lua de mel — minha secretária diz e vem em minha direção com uma
pasta. — Tem gente brava te esperando lá dentro.
— Dentro da minha sala?
— Eles não quiseram esperar aqui fora. Parece que os estofados e
outras partes da nova linha não passaram no teste de qualidade.
— Como não? — Tomo a pasta da mão dela e folheio o relatório.
Material de segunda categoria para um automóvel top de linha. Plástico no
painel e na parte interna das portas. Eu me vejo à beira de um surto. Ela,
percebendo minha confusão, adianta:
— Ainda é respingo da administração do seu Adão. Ele queria
economizar…
— Economizar com carros de luxo, porra! — berro e caminho com
passadas violentas rumo a minha sala. Dois diretores da empresa já me
esperam. E eles vão ouvir, porque foram eles que deixaram meu pai fazer
essa safadeza. Eu queria há muito tempo o controle da montadora, mas
ninguém quis fazer uma votação para o expulsar, agora encarem as
consequências.

Eu tive de arregaçar as mangas e resolver o problema de perto. Toda a


produção foi interrompida, e eu fui inspecionar pessoalmente. Vamos
precisar atrasar todo o lançamento. Um novo cronograma, o que é uma
lástima, já que eu venho fazendo o maior suspense na mídia sobre esse novo
lançamento. Ainda bem que a propaganda principal ainda não rodou.
Às onze horas, recebo uma ligação de Magno. Pensei em ligar para
Virginia dizendo que ia almoçar com ela, mas desisti. Acho que vou aparecer
lá à noite para o sexo de obrigação e cair fora em seguida. Espero que daqui a
quinze dias o teste de gravidez dê positivo.
— Diga, Magno.
— Então resolveu fazer um almoço só para pirraçar a donzela?
— Como? — Elevo as sobrancelhas.
— Manter a jovem esposa ocupada com serviços de casa e um grande
almoço para visitantes não me pareceu uma boa ideia — ele pondera.
— O que está falando, cacete? — Fico de pé, me apoiando na mesa.
— Estou na empresa, vou almoçar por aqui. Não estou organizando almoço
para ninguém.
— Como não? — Sua voz sai carregada de incredulidade — Acabei
de receber um convite. E Lorenzo também. Mas Romeo, não.
— Convite?
— Vou te enviar o que acabei de receber.
Ele desliga e me deixa atônito, com o coração saltando feito louco por
causa da expectativa. Nem pisco enquanto encaro o celular, me perguntando
o que de fato está acontecendo. A imagem chega, e me deparo com um
convite digital.

A felicidade do casamento me emociona. Minha esposa e eu


queremos dividir esse momento com amigos. Venha a um almoço na piscina
em nossa nova residência.
Sua presença é indispensável.
Rocco Montoya e esposa, Virginia Montoya.

Mas que porra?!


O que aquela doida está aprontando? Pego meu terno, as chaves do
carro e saio correndo da sala.
— Estou indo almoçar, não marque nada para a tarde — aviso à
secretária sem parar de caminhar, quase nem consigo esperar o elevador. O
número de Magno já está chamando, e quando saio no hall, ele atende.
— Você nem beira minha casa — aviso.
— Já estou a caminho — ele cantarola.
— Magno! É cilada da Virginia.
— Se tiver comida e ela estiver de biquíni, não tem quem me tire de
lá. Te espero, compadre — desliga.
— Porra! — berro, correndo no estacionamento em direção ao meu
carro.
Nunca apertei tanto a buzina no trânsito como nesse momento,
tentando ser veloz em um horário que é um dos mais movimentados. Na
verdade, eu sempre fui bem pacífico no trânsito, no entanto, hoje, é quase
uma emergência.
Em trinta minutos — normalmente seriam quarenta e cinco — chego
à Floral House. Vários carros estacionados me deixam surpreso e muito
irritado. Eu não sei o que ela pretende com isso, mas não vai ficar por isso
mesmo.
Entro correndo em casa, e quase em surto, me deparo com a área da
piscina repleta de gente. Ou melhor, homens. Só homens; todos conhecidos.
Alguns de short de banho, outros conversando em grupos, bebendo aos risos.
Uma música tocando, e garçonetes servindo os visitantes.
— Ei, Cenourão…! — Eu me viro, dando de cara com o traidor do
Magno usando uma bermuda e camiseta regata enquanto saboreia alguma
comida. Estou enfurecido. — Se ela fez essa comida, você deveria levantar as
mãos para o alto e agradecer.
— Seu amigo da onça. O que está acontecendo aqui, caramba?
— Ela aconteceu. — Magno indica com um gesto de cabeça, e eu
perco a fala e a respiração ao ver Virginia atravessando a área chamando
atenção dos homens que até param de falar para a observar caminhando em
minha direção, como uma dama fatal caminhando em câmera lenta,
despertando todo tipo de sensação em mim. Ela está de biquíni, mas com uma
saída-de-praia por cima. A peça é longa e branca, porém transparente. Seu
corpo delgado está aparente por baixo. Os cabelos brilham ao sol quando ela
tira os óculos escuros ao se aproximar de mim.
A megera é bonita com força.
Experimento uma onda involuntária e incômoda de ciúme. Vontade
doida de enfiar essa mulher em uma burca com urgência. E não representa
nada para mim, mas eu estou aqui querendo esmurrar cada um dos meus
amigos que estão de olho gordo para cima dela.
— Oi, querido. Chegou cedo. — Dá um beijinho em minha boca
cerrada, fina em uma linha de raiva.
— Que merda você está fazendo, Virginia?
— São seus amigos, não reconhece? Liguei para a cerimonialista do
nosso casamento e pedi a ela a lista de convidados e o contato de cada um
deles. Foi trabalhoso, mas foquei só nos solteiros. — Ela crava os olhos nos
meus, petulante, quando toca nesse ponto. Em seguida, emenda
graciosamente: — A cerimonialista contratou o buffet junto com as
garçonetes.
— Está de parabéns, dona Montoya. Sabe organizar um almoço —
Magno diz ao meu lado enquanto degusta algo em uma tigelinha de
porcelana. Quero dar um soco nele, mas me contenho; meu foco nesse
momento precisa estar nela.
— Vem comigo. — Seguro seu braço e a arrasto para dentro da casa.
Levo-a para o cômodo vazio onde meu pai ia montar um escritório, empurro
Virginia para dentro e fecho a porta. — Que porra você pensa que está
fazendo na minha casa? — grito bem em cima dela. — Está achando que isso
é um bordel?
— Ah, então lembrou que tem uma casa e uma esposa? — Ela me
enfrenta sem nem tremer. — Você me abandonou na noite de núpcias. E nem
se importou de atender uma ligação. Não vai mesmo me dar assistência,
Rocco? Olha o tanto de homem ali fora…
— O que está insinuando? — O golpe baixo me acerta em um lugar
que eu não desejava; imediatamente seguro em seu braço.
— O mesmo que você insinuou… eu fui criada de maneira retrógrada,
mas acho que hoje em dia homem e mulher têm direitos iguais.
— Direito de foder com qualquer um? É isso que está insinuando? Eu
sou homem, porra! E você está aqui com uma única função: ter um filho meu.
Então não existem direitos iguais para você.
— O que vai fazer? — Ela me desafia. — Pedir o divórcio? Ah!
Lembrei, você não pode — zomba com um sorriso odioso.
— Eu te avisei, Virginia — rosno, quente pela raiva. — Avisei que
não seria um marido comum. Não finja que está surpresa, pois você poderia
ter negado se casar assim que soube das condições. — Eu me afasto dela com
as mãos cruzadas na nuca enquanto concluo: — Eu não queria esse
casamento, cacete!
— E por isso vai descontar em mim suas frustrações?
— Sim, vou. — Caminho até a janela, fecho-a e passo o cadeado; na
porta tiro a chave, mas antes de fechá-la, Virginia corre para me impedir.
— Rocco! Ficou louco? O que vai fazer?
— Você não sai desse quarto até que todos esses homens sumam da
minha casa.
— Você não vai me trancar, Rocco! Que merda!
— Pode apostar, querida. — Tomo-a nos braços, tirando-a de perto da
porta e levo para o fundo do cômodo. Virginia se debate nos meus braços
tentando escapar, mas quando a deixo no chão, sou mais rápido que ela e
saio, fechando a porta com a chave.
— Rocco! — ela berra e bate na porta.
— O que você fez? — Um dos meus amigos estava observando tudo.
— Suma da minha casa, a festa acabou. — Passo por ele, desligo a
música e recebo a atenção de todos os homens. — A festa acabou. Caiam
fora, todo mundo.
10
VIRGINIA

Eu me sento no chão do quarto e observo as caixas amontoadas à


minha frente. Os minutos se arrastam e levam a raiva que Rocco me fez
sentir. Após respirar fundo, tenho de volta minha racionalidade. Ele consegue
me tirar do sério fácil demais, entretanto tenho estômago forte e sei lidar com
a situação. Minha resposta não será imediata, mas sim a longo prazo.
Eu me preparei para isso.
Acho que demora quase quarenta minutos para a porta se abrir
novamente e ele entrar. Fico de pé e encaro meu marido.
Rocco está com uma calça social preta, camisa branca com as mangas
dobradas e uma bela expressão de vilão típica dos filmes da Tela Quente.
Com as mãos nos bolsos da calça, ele me analisa. Eu me sinto culpada por me
sentir tão atraída por esse olhar duro.
Ele se aproxima de mim, caminhando de forma casual. Apenas me
fita, sem mostrar na face o que pretende. Mergulho no azul denso de seus
olhos sentindo meu ventre se contorcer.
Rocco faz uma carícia no meu queixo com os nós dos dedos, desce a
mão em direção a meus seios e chega na saída de praia que cobre a parte de
baixo do biquini. Ele puxa com força, jogando-a nos meus pés, e pressiona
com o polegar meu ponto, que responde de imediato a seu toque.
— O que pretende? — sussurro.
— Eu vou foder você, depois você vai arrumar, sozinha, essa bagunça
e, em seguida, preparar o jantar. — Os seus dedos engancham no meu
biquíni, o puxando para baixo. — Como a boa e obediente esposa que me
venderam.
Ajudo-o a retirar a peça, levantando uma perna, enquanto Rocco me
despe. Sutilmente, tampo meu sexo com as mãos.
— Não faça isso. — Ele afasta a minha mão. — É bom pensar que
apenas eu terei essa visão.
— Ainda quer transar depois de tudo?
Ele começa a desabotoar a camisa, em seguida tira o cinto e os
sapatos, jogando-os de qualquer jeito.
— Nada aqui é sobre o que eu quero. Pela minha vontade, eu estaria
trepando com umas duas putas de luxo na minha cobertura. Mas preciso
dessa gravidez o mais rápido possível. — Abaixa a cueca, e está
deslumbrantemente duro e enorme. Puta merda!
Com seu temperamento eu posso lidar mais tarde. No momento, eu só
penso em ter esse pau da cabeça rosada recheando minhas entranhas de forma
selvagem.
Suas palavras não me atingem como deveriam. Eu sei que Rocco está
apenas no modo defensivo, tentando punir alguém pela sua frustração. E eu
sou a escolhida para ser o bode-expiatório.
Meu pai sempre me acusou de ter puxado meu avô materno. E posso
dizer que o velho me ensinou mais que meu pai.
“Minha neta”, ele disse certa vez, “as mazelas da vida podem bater
contra você, mas é só você que decide se elas te derrubam ou te atravessam.
Como um veneno. Só mata se você tomar.”
E, nesse momento, não sinto nada com as palavras que Rocco tenta
me ferir. Eu não bebo seu veneno.
Ele me empurra, pegando-me desprevenida, com o rosto para a parede
e acaricia de leve a minha bunda. Sua mão é grande, poderosa, mas macia.
Fecho os olhos e estou até gostando da caricia quando vem o primeiro tapa
estalado.
Meu corpo vibra e eu tento escapar com o susto, mas ele me segura.
— Fica.
— Rocco...?
Outro tapa não tão dolorido. Arregalo os olhos e estou prestes a reagir
quando o dedo dele desliza em minha vagina e adentra mostrando-me como
já estou úmida. Uma mãozona espalma nas minhas costas, me mantendo na
parede enquanto o dedo mexe devagar desfrutando do meu interior aquecido.
— Um conselho, esposa. — Sussurra no meu ouvido e tira o dedo de
dentro. — Não tente provocar ciúmes em um marido. Nunca. — A pressão
grossa chega em minha vagina e ela se abre feito uma flor que precisa do sol,
para receber Rocco como se já o conhecesse.
— Aaahhh! — Gemo revirando os olhos conforme Rocco avança até
tocar sua virilha na minha bunda.
— Quer mais? — Com o pau todo dentro, ele mexe um pouco o
quadril, segurando minha cintura e indo de lá para cá, devagar, mas
impiedosamente delicioso.
— Ah..., merda. — Jogo a cabeça para trás e ele captura meus cabelos
segurando-os no punho. Então bate algumas vezes seguidas, estocadas fundas
e rápidas, sem me dar tempo de pensar. Quase caio das pernas, no entanto, foi
a melhor sensação que já experimentei. Ainda é apertado, mas é tão gostoso
que eu poderia ficar o dia inteiro com ele fazendo isso.
Involuntariamente contraio volta dele e os dedos de Rocco afundam
na carne da minha cintura.
— Oh! Piscou no meu pau. Isso que é uma esposa.
Rocco me abraça por trás, sinto suas mãos segurarem meus seios e
dessa forma, de pé, com a cara na parede, apertada em braços musculosos,
recebendo sucessivas arremetidas até o fundo, alcanço um belo orgasmo. E
quando eu alcanço esse pedacinho do céu, ele sai de dentro de mim, me vira,
beija a minha boca e me faz sentar no chão.
— Aqui. — Se senta recostado na parede, e segura o pau em riste. —
Prontinho para a dama se sentar. Divirta-se.
É estranho o fato de eu ainda estar trêmula, com meu organismo
inteiro se manifestando, meu coração saindo pela garganta e minha vagina
pulsando. Rocco me ajuda a acomodar da melhor forma sentada nele, e me
ensina.
— Use meus ombros para apoiar e fazer forças como se fosse
levantar. E então senta novamente. — Eu faço do jeito que ele instrui, e sinto
o pau deslizar para fora; quando sento novamente, ele adentra duro e longo
me fazendo gemer.
— Perfeito! — Segura minha nuca, beija minha boca e me induz a
fazer novamente os movimentos. E até ajuda impulsionando com as próprias
pernas grossas. Ganho um segundo orgasmo e dessa vez, ele me acompanha,
gemendo rouco enquanto goza.

Estou ofegante, agarrada ao corpo musculoso e levemente suado de


Rocco, com os olhos fechados e o nariz pregado em seu ombro, sentindo o
bom aroma do furor do sexo. Dessa vez ele não teve piedade, me devorou
sem pena, e eu não podia pedir por menos do que isso. Meu marido é um
touro da melhor qualidade. Sorrio, sentindo-o ainda dentro de mim, então ele
sai devagar, me tira do seu colo, e sem que eu pudesse prever, me coloca
deitada no chão, para em seguida levantar minhas pernas, mantendo-as altas e
apoiadas na parede.
— Rocco? Por que fez isso?
— Li em algum lugar que ajuda a engravidar. Não saia dessa posição
pelos próximos minutos. Mesmo que eu tenha quase certeza de que é
crendice.
— É claro que não é verdade. — Tento escapar, mas ele segura
minhas pernas para o alto.
— Fake ou não, vamos garantir. — Rocco se senta nu ao meu lado,
com a intenção de me vigiar, então desisto de lutar. É meio desconfortável,
mas ele está aqui comigo, então prefiro ficar.
Conforme os minutos passam, um assunto me vem à mente, e eu não
consigo simplesmente me conter.
— Transou com alguém nesses dias em que ficou fora? — indago
corajosamente. Ele me olha.
— Acho que não quer saber disso.
— Se está tentando me engravidar, não pode gastar sêmen com
outras.
— Como é?
— Quanto mais você goza, menor a quantidade de espermatozoides
em cada ejaculação.
— Como sabe disso? — Ele me fita espantado, parece incrédulo. —
Sua irmã não era tão espertinha assim. Magno me contou sobre ela.
— Olivia não achou que era importante ter acesso a informações. Eu
achei e as busquei. E pesquisei cada pequena coisa antes de me casar.
Rocco parece convencido com a minha resposta, então não prossegue
com a conversa. Sua mão está bem no meu ventre, fazendo uma carícia, acho
que ele nem percebeu. Olho para suas coxas; são musculosas, mostrando que
ele malha e cuida do corpo. Subo os olhos pelo abdômen trincado e encontro
os olhos frios me fitando.
Fico levemente sem graça e cubro meus seios com as mãos.
— O que vai acontecer depois que eu der à luz ao herdeiro? —
questiono. Quero, além de puxar assunto, tirar algumas dúvidas.
— Não planejei ainda. Mas não mudará muita coisa. Eu não posso me
divorciar e nem o tomar de você. Porém quero estar presente na vida dele,
afinal, será meu filho.
— E se eu quiser me divorciar? — ele repara nos meus lábios e
meneia o pescoço de lado.
— Você não leu o contrato?
— Meu pai leu.
— Típico — ironiza. — Se partir de você, então eu ficarei com tudo,
incluindo a guarda da nossa prole.
Anuo e escolho o silêncio por alguns segundos. Ele tecnicamente
poderá me induzir a pedir o divórcio. Ou melhor, tentar, pois Rocco não
escapará de mim nem em sonho.
— Por que Magno te chamou de Cenourão?
— É um apelido idiota… por causa do meu cabelo. E porque,
segundo ele, estou irritado na maior parte do tempo.
— Achei criativo. — Outra pausa até eu falar de novo: — Ainda não
me contou nada sobre seu pai — digo, fitando meus pés na parede.
— Não é importante.
— Você tem mãe?
— Todo mundo tem mãe — responde de maneira rude.
— Onde está a sua?
— Faleceu.
— Ah… eu sinto muito. Tem irmãos?
— Não, Virginia, cala a boca e aguarde meus espermatozoides
fazerem o serviço deles.
Tamborilo os dedos nos seios enquanto miro o teto. Gosto do contato
quente da mão de Rocco que ainda está no meu ventre. Suspiro, imaginando
como seria se ele gostasse de mim e me mimasse durante a gravidez, como vi
Romeo fazendo com Olivia. Não devo esperar nada parecido vindo de Rocco.
— Prefere menina ou menino? — persisto na tentativa de quebrar o
gelo.
— Prefiro que tenha o meu sangue.
— Se for menino, vou querer que se chame Enzo.
— Uma porra.
— Por quê? — Nós nos olhamos ao mesmo tempo.
— Conheço um Enzo, e ele não é flor que se cheire.
Por causa da posição em que estou, minha barriga vibra, e sei que são
gases. Rocco tira a mão ao sentir e arregala os olhos.
— Seu estômago roncou?
— Droga! — sussurro, tento sair da posição, mas ele me segura. —
Me largue, preciso… — Tragicamente, a pontinha de um pum acaba
escapando em alto e bom som. Rocco se afasta, e seu semblante é de puro
susto.
Prendo meu lábio nos dentes para não rir.
— Não estou acreditando que você peidou aqui! — Ele está chocado,
e eu, morta de vergonha. Então me sento.
— Ah, meu Deus. Me desculpe, Rocco. Foi a posição.
Ele fica de pé e pega a cueca. Olho para seu traseiro, e não tem como
não ficar abismada. Ele é todo gostoso.
— Que porra, Virginia. Seus pais não te deram educação?
— É claro que deram. Foi acidental. — Eu me levanto também e visto
a parte de baixo do biquini. — Sem falar que somos casados. Não devia ser
um tabu.
— Não tem setenta e duas horas que se casou comigo e já quer peidar
na minha frente?
Acabo rindo, percebo nesse momento que ele não está tão irritado.
Vejo, inclusive, um quase sorriso.
— Você é inacreditável. — Rocco vai saindo do quarto, porém eu o
impeço correndo e o alcançando. Eu acabo de me lembrar de um assunto
pertinente a tratar com ele.
— Rocco, espera.
— O que é?
— Er… você poderia me dar um celular novo? — Afasto um passo,
relutante. Odeio ter que pedir, mas eu não tenho um real. E ele é milionário e
meu marido.
Uma sobrancelha de Rocco se arqueia diante do meu pedido.
— O meu é tão pobrezinho — friso. — Queria um iPhone. E um
notebook também.
— Para que você quer essas coisas?
— Para ter o que fazer quando você sumir, como ontem.
Ainda desconfiado, continua me encarando, mas, por fim, minhas
palavras o convencem.
— Vai arrumar a bagunça que você fez e planeje o meu jantar. Vou
decidir se você merece ou não.
— E o que você deseja jantar, meu querido marido?
— Faça algo bom. Vamos ver se você é capaz. — Vira as costas e, só
de cueca, sai, levando suas roupas, e some em direção à escada.
11
VIRGINIA

Enquanto Rocco está ao telefone, falando num tom bravo com


alguém, tomo um banho rápido, me visto e vou colocar a mão na massa.
Preciso arrumar a bagunça que eu fiz no almoço para os homens. Rio sozinha
comigo mesma lembrando da cara de Rocco quando chegou e me flagrou
rodeada de marmanjos. Se tem um pingo de ciúme, então tem um pingo de
sentimento. Se tem brasa, eu só preciso soprar um pouquinho para as
labaredas subirem.
Rocco me surpreende ao descer bem-vestido dizendo que volta para o
jantar; eu passo a tarde colocando tudo em ordem na casa. Não tenho tempo
para descansar, e modéstia à parte, sou boa em colocar casa em ordem, já que
não fazia outra coisa na vida. Assim que finalizo, sorrindo e contente,
observando cada coisa em seu devido lugar, me flagro com preguiça de
cozinhar. Pulo no confortável sofá da sala e ligo para Olivia.
Ela não demora a atender.
— Oi, Virginia. Algum problema? — pergunta de imediato, acho que
imaginando que eu possa estar ligando para choramingar por algum suposto
perrengue no casamento, o que confirmaria suas suposições.
— Oi, Olivia. Estou ótima, e você?
— Bem também. Dois dias de casada, como está? — Ela ainda parece
preocupada. — Romeo disse que Magno e Lorenzo receberam um convite do
Rocco para uma festa na piscina. O que esse homem está aprontando, minha
irmã?
As notícias correm. Eu me acomodo melhor contra as almofadas, que
têm uma bela aparência cara.
— Rocco? Inocente nessa história. Eu planejei a festa com direito a
muitos homens solteiros. Por isso não chamei Romeo, já que ele teria que te
trazer.
— Você? — ela praticamente berra. — Como assim, Virginia?
Resumidamente, conto a ela toda minha manobra para atrair Rocco de
volta para casa. Olivia fica calada por um instante e, em seguida, ri incrédula.
— Não acredito que fez isso, Virginia…
“O que ela fez?”
Ouço a voz de Romeo bem perto e Olívia cochichando para ele:
“Vou te contar tudo daqui a pouco.”
— Eu te avisei, Olivia. Eu sei me cuidar. Estou ligando porque
preciso do contato de um bom restaurante, talvez Romeo possa indicar
algum.
— Vão jantar fora?
— Rocco disse que vai jantar em casa e não estou a fim de cozinhar.
Minhas costas estão doloridas por eu ter arrumado a bagunça do almoço.
— Virginia? Como você pode comprar comida em vez de…?
— Mana, eu jamais serei como a mamãe ou como você, que se matam
de trabalhar e ainda cozinham para o marido babaca. Para merecer nossos
esforços, eles precisam ser no mínimo como Romeo.
— O pior é que concordo com você. Um momento, vou pedir a
Romeo uma indicação.
Alguns minutos depois, Romeo toma o telefone e fala comigo,
dizendo qual é o melhor restaurante para entregar e que ele mesmo pode fazer
o pedido, já que eu teria que mandar a conta para a Montoya Motors, e assim
Rocco acabaria descobrindo. Romeo se dispôs a pagar o jantar e ainda
concordou comigo quando relatei a ele que estava cansada demais para
cozinhar.
É bom ter aliados.
Quando Rocco chega, estou na cozinha, com avental e pano amarrado
nos cabelos no lugar de uma touca, me fingindo de cozinheira. Eu me apresso
para recebê-lo na sala.
Rocco fica parado me encarando, taciturno e aparentemente cansado.
— Oi, marido. Em breve o jantar estará pronto.
— Hum… — resmunga, tira o terno e joga na poltrona. — Traga um
brandy para mim, com duas pedras de gelo. — Ele senta e pega o celular.
— Claro. — Corro para a cozinha. Não tenho panelas no fogão e nada
assando. Rocco não pode entrar aqui. Pego um copo chato, jogo duas pedras
de gelo e olho as várias garrafas de bebidas no suntuoso bar do meu marido,
sem conseguir saber qual daquelas é um brandy. E que diabos é um brandy?
— Virginia! — grita da sala. — Está produzindo a bebida?
— Já estou indo. Um segundo. — Berro de volta.
Corro os olhos pelas garrafas arrumadas na prateleira e vejo uma
delas que tem o nome brandy. Abro a garrafa, inalo antes de colocar no copo,
alcanço um descanso de copo na gaveta do armário e corro para a sala. Rocco
também inala antes de tomar um gole, e em seguida me olha ali de pé, ao seu
lado, como se esperasse algo.
— Volta para os seus afazeres — fala ríspido comigo.
Vai tomar no…
Giro e volto correndo para a cozinha, andando de um lado para outro,
esperando o segurança, que já foi avisado a bater na porta dos fundos com o
jantar do restaurante.
Espio na sala e sorrio feliz ao ver Rocco subir as escadas.
Uau. A vida de uma esposa é emocionante.

***

Rocco está no escritório improvisado, então eu aproveito para tomar


uma rápida chuveirada para me preparar para o meu primeiro jantar a sós
com meu marido. Estou ansiosa, eu preciso lutar pelo que quero. E se tudo
der certo, dormiremos juntos.
A comida chega, e está cheirando maravilhosamente bem.
Rapidamente a coloco nas vasilhas apropriadas e descarto as do restaurante.
Belisco uma pontinha do salmão e confirmo que está muito saboroso. Enfim
meus dias de rica chegaram. Vou beber um bom vinho, comer em uma bela
prataria e dormirei feliz após o sexo com um homem de alta classe.
Deixo a comida no forno pré-aquecido e subo para falar com Rocco.
Ele está no closet falando ao celular. Chego na porta corrediça, e ele
me entrega um terno azul marinho enquanto continua a escolher roupas. Pega
uma camisa preta. Termina de falar com a pessoa e me fita.
— O jantar está pronto — aviso.
— Pode jantar sozinha. Eu vou sair.
As palavras quase me derrubam.
— Vai sair? Como assim?
— É, Virginia, vou passar a noite no clube de Magno. — Toma o
terno da minha mão e sai para o quarto. Eu o sigo.
— Que clube é esse? Tem festa lá?
— É um clube de fetiches para cavalheiros, e, felizmente para nós, é
um lugar onde esposas nunca podem entrar. — Dá um toque no meu queixo,
esbanjando arrogância, e vai para o banheiro. Eu continuo seguindo-o. Rocco
começa a se despir. Estou furiosa e curiosa ao mesmo tempo. Ainda bem que
não fiz a droga do jantar, ou seria capaz de jogar as panelas na cabeça dele.
— Fiz o jantar com tanto carinho, Rocco. Você poderia passar essa
noite aqui.
Ele se despe completamente e vai para o chuveiro.
— Só rindo mesmo de você, Virginia. Vai jantar e dormir cedo. Quem
precisa engravidar tem que ter uma vida saudável. E, sim, isso é uma ordem.
Saio do banheiro, e disposta a tomar uma atitude, pego meu celular e
pesquiso na internet: “Clube de João Magno Lafaiette.”
Custa, mas encontro. Não é algo que esteja na Wikipedia, por
exemplo, mas em poucos minutos tenho o nome do lugar: Dama de Copas. E,
pela descrição, é quase um bordel. Que filho da p…
Eu preciso pensar na velocidade da luz. Preciso ser rápida no
contragolpe. Rocco não vai me fazer de palhaça uma segunda vez.
Um lugar requintado, que só entram convidados…
Eu poderia fazer uma denúncia anônima e mandar a polícia bater lá, e
assim acabava com a farra dele.
Não. Muito básico, fica parecendo uma esposa rancorosa. Só
pioraria nossa relação.
Ligar para Romeo e pedir ajuda?
Pior. Terceiro dia de casamento e já precisando de duas ajudas do
cunhado?
Uma ideia brota devagar na mente e ganha força, e eu fito, imóvel, o
nada em minha frente, enquanto a mente trabalha a mil por hora.
Bingo! É isso.
Volto para o quarto. Rocco está terminando o banho. No closet, olho
minhas roupas. Nada muito elegante. Ele precisa comprar roupas para mim
que estejam a altura da única senhora Montoya. Escolho o único vestido
bonito; o mesmo que usei no meu noivado. Lilás, longo, com saia esvoaçante.
Como é decotado, minha mãe fez um coletinho de renda para que eu usasse
por cima. Hoje vai sem o colete de renda. Pego meu único sapato de salto, a
única bolsa de mão e coloco tudo em uma bolsa grande.
Ouço o chuveiro desligando.
Rápido, Virginia.
Cato algumas maquiagens, pente, presilhas. Jogo tudo na bolsa
grande, levo para o andar de baixo e continuo montando o plano. A ideia
chega como um cervo em fuga. Corro para o banheiro social, e após
inspecionar, encontro o que eu esperava. Assim como o banheiro da suíte,
esse também tem cronômetro no chuveiro. Uma espécie de programação de
auto desligamento para evitar o consumo exagerado de água. Vou precisar
disso daqui a pouco.
Volto para o quarto no andar de cima e encontro Rocco se vestindo.
Eu me recosto no batente da porta.
— Vai mesmo? Não reconsiderou meu pedido?
— Não.
— Ótimo. Tenha uma boa noite. Acione o alarme da casa quando sair.
Estarei no banheiro porque preciso urgentemente fazer o número dois.
Tomarei um banho em seguida.
— Me poupa dos detalhes, Virginia — diz sem olhar para mim.
Eu precisava mesmo dar essa informação. Volto para o banheiro
social, tiro toda minha roupa, coloco o vestido longo e aciono o chuveiro com
marcação para desligar a água em cinco minutos; fecho a porta e, ofegante,
caminho em direção à sala.
Vejo as coisas de Rocco no sofá e na mesinha de centro. Penso em
pegar a chave do carro e destravar o alarme. No entanto, tudo deve ser
milimetricamente pensado. Ele pode ouvir o bipe do alarme sendo
destravado. Não posso correr o risco.
Pensa. Pensa…
Outra ideia chega tão rápido quanto minha respiração. Saio de casa,
espio ao redor, me certificando que não há nenhum segurança à vista. Eu me
escondo atrás do carro de Rocco, agachada, próxima a porta do passageiro.
Precisarei agir com extrema rapidez no momento oportuno. O coração
saltando violentamente no pescoço, e eu fecho os olhos, torcendo para dar
tudo certo.
Passo uns cinco minutos ali, naquela posição, quando enfim ouço o
bipe do alarme destravando e abro a porta do carro bem devagar, deslizando
para dentro e me escondendo encolhida no chão atrás do banco do motorista.
Rocco abre a porta do motorista, senta ao volante e coloca o carro em
movimento.
Isso!
Ele para na guarita e avisa ao segurança:
— Ela está sozinha, redobre a vigilância.
— Sim, senhor.
12
ROCCO

— Não achei que viria — Magno diz quando entro em seu luxuoso
lounge particular no clube Dama de Copas. — Mas só te chamei porque é
uma sexta-feira à noite.
— Agradeço o convite. Eu não quero passar muito tempo com
Virginia. — Sento-me em uma poltrona e pego o copo com uísque que ele me
entrega. — Ela me enerva de uma forma inexplicável.
— Ora, ora, Cenourão — debocha. — Está ficando atraído por sua
própria esposa?
— Uma porra. Depois do que houve com Milena… não quero mais
pensar em sentimentalismo.
— Um incidente não justifica…
— Eu não vim aqui em busca de um psicólogo, Magno. E se eu
precisasse de conselho, você seria o último a quem eu iria recorrer.
— É uma pena. — Ele acende um charuto. — Meus conselhos são
sempre certeiros.
— Sabe o que ela me disse? — Eu me curvo para frente, inquieto,
descansando o cotovelo na perna. — Que se eu ficar gozando com outras,
terei poucos espermatozoides para conseguir engravidá-la.
— Uau. A bobinha não é tão bobinha assim. — Magno se
impressiona. — Ela sabe mesmo que o leite fica ralo. E esse é um motivo
para acabar muitos casamentos, ouviu? — Aponta o charuto para mim.
— Como é?
— Algumas esposas espertas, daquelas estilo CSI, ficam de olho na
porra do cara. Se for leitosa depois de dias sem transar, então, ok, ele passou
no teste. Mas se tiver a aparência de detergente neutro, já era. O safado está
gozando por fora.
— Pode ser apenas uma punheta, ué.
— Até o marido provar que nariz de porco não é tomada, ele já se
ferrou.
— Voltando à minha pauta, Virginia está correta — concluo. — Mas
não vou dar a ela o gosto de saber que eu não transei com outra depois que
nos casamos.
— E isso vai mudar hoje. — Magno toca no interfone e fala com
alguém sem me contar o que planeja.
Poucos minutos depois, a porta abre e três mulheres entram. Lindas,
extremamente gostosas, dessas mulheres que são bancadas por algum ricaço e
não fazem nada o dia inteiro a não ser cuidar do corpo. Neste caso, são
bancadas pelo clube.
Uma delas vai em direção a Magno, dá um beijo nos lábios dele e fica
ali, de pé, ao lado da poltrona dele.
— Meninas, esse é meu amigo Rocco Montoya — ele apresenta. —
Acabou de se casar e precisa de uma injeção de ânimo.
— Tadinho. Tão bonito e já casado? — Uma se senta em meu colo e a
outra fica de pé massageando meus ombros.
Não dispenso as meninas. Continuo bebendo relaxado, até sorrio
satisfeito. Minutos depois a porta abre e mais homens chegam. Conheço a
maioria. São homens da alta-sociedade, alguns casados, mas que, assim como
eu, precisam desanuviar a mente.
Eu fecho os olhos e tento esquecer as merdas do meu pai, os
problemas da empresa, o assunto “Milena” que vem tentando voltar para me
assombrar. No entanto, acima de tudo, vejo o rosto angelical de Virginia na
mente, o que me faz abrir os olhos.
— Senhores, a festinha vai começar em breve — Magno anuncia. —
Vamos nos juntar aos outros convidados no segundo pavimento. Quero todos
abrindo as carteiras sem pena, ouviram? Preparei as melhores para essa noite.
Os homens levantam as taças e os copos em comemoração. É noite de
farra no salão de orgia, e ninguém prepara uma suruba melhor que Magno
Lafaiette.
— E você deixou sua esposa novinha vir para cá enquanto você
participa da farra? — Um cara me cutuca cheio de intimidade, então eu o fito
sem entender.
— Como é? Está falando comigo?
— Ela é uma gracinha, você deveria manter essa beleza bem
guardadinha.
Dou um pulo da poltrona, sem nem perceber, já agarrei o colarinho do
filho da puta. Meu sangue esquenta sem que eu possa me controlar.
— O que está dizendo, seu filho da puta?
— Ei! — Magno grita. — Aqui não é boteco, não, porra. — Ele vem
rápido em nossa direção. Eu solto o homem que, assustado, ajeita a gravata.
— Eu a vi aqui no clube — ele afirma. — Por isso estou dizendo…
Se fosse minha, eu nunca a traria num lugar como esse.
— O que está falando? — Avanço novamente em sua direção, mas
sou impedido por Magno, que entra na minha frente — O que esse merda está
falando, Magno?
— Calma, Rocco, cacete! — meu amigo me pede e olha para o
homem que fez a acusação. — Você se confundiu, cara. Sabe que ninguém
entra aqui de boa assim.
— Magno, eu fui ao casamento desse miserável. — Aponta para mim.
— Eu vi muito bem a noiva dele. Era ela, sim. Eu a vi no bar.
— Hoje?
— Agora há pouco. Está com um vestido lilás, decotado e o cabelo
preso em um rabo.
— Mentira. — Rio com escárnio e viro o copo de uísque na boca. Eu
deixei Virginia em casa. Ela ainda me deu detalhes do que ia fazer. Detalhes
até demais, que não eram necessários. — É pura mentira — contesto, não
conseguindo assimilar que isso possa ser verdade. Não há qualquer
cabimento.
— Acalmem-se todos, por favor — Magno pede mais uma vez. —
Vamos tirar isso a limpo. — Ele para diante de um televisor de dezenas de
polegadas, preso a um painel de madeira na parede. Mexe no controle
remoto, e os homens automaticamente se aglomeram em volta de Magno. Eu
entro no bolo, ficando ao seu lado. Todos ficam calados mirando o televisor.
— Viu? — Magno diz ao selecionar a câmera do bar. — Nenhuma
novinha de vestido lilás no bar.
— Passa para outras câmeras — ordeno. Eu sei que não pode ser real,
ainda assim preciso ver com meus próprios olhos para ter certeza. Não existe
hipótese de Virginia conseguir entrar aqui.
Meu coração acelera conforme ele vai passando as câmeras, até que
um homem grita: “Ali”. E meu coração quase para.
Magno volta um quadro, e, embasbacado, observo a mulher de
vestido longo lilás caminhando na companhia de um homem.
— Que merda é essa?
— Me parece que ela está indo em direção à ala BDSM. — Ele mexe
no controle remoto, dando zoom no rosto dela. — Porra, é ela… — Magno
sussurra, e eu saio correndo em disparada.
Praticamente voo pelos corredores, nem pego o elevador para o
segundo piso, opto pela escada mesmo. Sei muito bem onde fica a ala
BDSM, as pessoas gostam de assistir, pelas cabines de vidro, algum casal que
esteja experimentando a tal prática.
Vou passando de cabine em cabine até encontrar Virginia em uma
delas assistindo à apresentação, chocada, com a mão na boca; ao seu lado, o
homem que a acompanhava sorri com sua perplexidade.
— Que ótima surpresa, hein, querida? — Estou fervendo de uma
emoção que ainda desconheço. Puxo-a pelo braço, e Virginia toma um susto.
Ela me encara de olhos saltados. — Que porra está fazendo aqui? — rosno
entre os dentes.
— Ah… oi, querido… Só quis distrair a cabeça numa sexta-feira à
noite.
— Em casa, você me paga. Vamos, agora!
— Ei. — O homem toca em mim, e eu olho com toda a fúria da
minha alma para o gesto dele. — Solta a moça.
— Toca em mim mais uma vez, e juro que eu…
— Está tudo bem. — Virginia entra na frente, me empurrando para o
lado. — Obrigada por me mostrar as instalações da casa, senhor Lutter — diz
gentilmente ao homem. — Ele é meu marido.
O homem, ainda tensionado pelo meu rompante, nos olha por
segundos antes de assentir.
— Se precisar de ajuda, não hesite em pedir.
Em vez de eu a tirar daqui, Virginia segura minha mão e me puxa em
direção a outras cabines.
— O que está fazendo? — Freio os pés, obrigando-a a parar.
— Eu vou assistir à apresentação pela qual paguei. — Ela faz uma
pausa e repensa. — Ou melhor, eu pedi para colocar na sua conta, então você
pode ver comigo — explica, e ao ver uma cabine vazia, se apressa a se sentar.
— Virginia, vamos para casa agora. Aqui não é lugar para você.
— Por que não? Sou maior de idade e já fiz sexo. Estou adorando
tudo isso. Sente-se aqui, meu bem.
— Como entrou aqui? Como veio parar aqui? Pediu ajuda a Magno?
— Sente-se aqui e eu te conto tudo. — Bate a mão no assento
confortável ao seu lado. Olho para os lados, mordendo a boca de raiva.
Porém vencido, me sento ao lado dela, encarando-a com muita raiva. E
parece que a raiva maior nem é por sua petulância, mas sim por estar tão
linda, mesmo que de modo simples e avassalador. Minha esposa. Minha
mente não me deixa esquecer esse detalhe.
Virginia dá um beijo nos meus lábios e sorri de uma forma sapeca
quando se afasta.
— Eu simplesmente te enganei, querido. Eu me vesti no banheiro
social, peguei algumas coisas necessárias e me enfiei no seu carro antes de
você sair de casa. Você mesmo me colocou dentro do clube.
— Mas que porra…?
— E quando cheguei aqui, terminei de me arrumar no banheiro.
Estou perplexo com a revelação. Como uma mulher toda puritana,
submissa, que vivia sob as rédeas do pai, consegue criar um plano desses?
Não é mais apenas uma suposição: Virginia é, sim, perigosa.
Seguro seu queixo com força e a puxo para bem perto de mim.
— Certo. Você pensa que dá as cartas, mas vai ver só do que eu sou
capaz. — Seus olhos saltados fitam os meus. — Vou redobrar a segurança.
Daquela casa você não sai mais, nem com ajuda.
— Você não vai ficar nem um único dia comigo? — ela questiona, o
olhar triste, mas esperançoso. — A gente nem se conhece direito.
— E vamos continuar assim, Virginia. Que porra! — Solto-a e
esfrego meu rosto tensionado. Virginia assente e fica calada, olhando o vidro
à nossa frente. As bochechas coradas. Eu presto atenção também e noto
porque ela enrubesceu. Uma mulher dentro da sala está amarrada como um
banquete em uma mesa baixa. O homem, o dominador, passa a língua sem
pressa na boceta dela, enquanto a mulher treme ao tentar manter o controle.
Ambos usam máscaras para não serem reconhecidos por quem assiste.
Em seguida, o homem escolhe um chicote e se agacha perto dela,
parecendo bem carinhoso ao sussurrar algo em seu ouvido. Vejo a mulher
assentindo, aceitando o que ele falou, então ele começa a sessão de
chicotadas.
A cada arremesso do chicote de montaria na vagina, a mulher geme
de forma lasciva, mas sem poder se mexer, por estar amarrada; Meu corpo
responde de forma bruta. Já estou excitado, mesmo contra a minha vontade.
O homem é implacável na surra, não para. Parece adorar as reações que causa
nela.
— Isso… não machuca? — Virginia sussurra.
— Não devia estar vendo essas coisas. — Encaro-a.
— Quer me mostrar outras alas do clube? O senhor Lutter, o homem
que você afugentou, me disse que…
— Eu quero que vá embora — interrompo-a.
— Quando eu cheguei aqui, comprei uma noite inteira e vou desfrutar
dela, Rocco. Mesmo que eu tenha que te pagar no futuro, afinal coloquei em
seu nome.
— Não sei como pretende pagar. Sabe quanto custa uma noite
completa aqui?
— O bastante para aproveitarmos. — Ela fica de pé, eufórica demais.
— O sexo está ótimo. — Aponta para o vidro. — Porém quero ver mais
coisas. — Olho para o corpo de Virginia, me incomoda o fato de ela estar tão
bela. Os seios parecem maiores no decote, o cabelo preso em um rabo a deixa
mais sexy.
Porra, por que estou me sentindo atraído por ela? Desvio o olhar. Meu
pau está duro, e minha boca sonha com os seios de Virginia. Tão empinados,
durinhos, perfeitos em minhas mãos.
Fico de pé, seguro a mão dela e a arrasto dali.
Levo-a até um salão onde acontece um strip-tease. Escolho uma mesa,
dispenso o garçom quando ele se aproxima para oferecer uma bebida, mas
Virginia o impede de sair.
— Espera, traz um vinho para mim. Um bem bom.
O homem olha para mim buscando confirmação.
— Traz o vinho dela. Ou melhor, traz duas taças — digo, e ele sai
rápido.
A mulher no palco é metódica, profissional, faz tudo com maestria. Se
foi o tempo em que eu melava a cueca apreciando uma beleza dessas.
Especificamente hoje, ela não parece tão encantadora.
Virginia nem pisca observando a mulher.
— Meu Deus, Rocco! Ela é perfeita.
Não tanto quanto você.
— Olha esses seios. E as coxas…
Desinteressado, observo o show, enquanto os homens nas outras
mesas espalhadas pelo salão estão animados, inflando o ego da mulher com
elogios e dinheiro. A bela loira gira com facilidade e faz piruetas no pole
dance. Virginia age como se estivesse em um circo. Faz exclamações e até
aplaude quando a loira sai e uma morena vestida de empresária toma seu
lugar. O vinho chega, e Virginia prova, enquanto assino a nota.
— Meu pai vem aqui? — Virginia questiona repentinamente. Estava
demorando a sessão de perguntas.
— Sim.
— Que safado! Mas mamãe e eu sempre suspeitamos que ele
frequentava locais assim. E Romeo?
— Não.
— Não? Esse lugar é do irmão dele.
— Ele vinha, não vem mais. Para de tentar bisbilhotar a vida das
pessoas — ralho com ela.
— Você transa com essas mulheres que se apresentam?
— Não. — Reviro os olhos.
— Com quem você faz sexo? Tem as apropriadas?
— Porra, você é curiosa demais. Nunca ouvi dizer que esposas fazem
esse tipo de pergunta de forma tão natural.
— Gritar e xingar vai resolver algo? Então prefiro saber da forma
convencional, te perguntando.
Acabo concordando com ela.
— Magno tem as garotas apropriadas para o sexo com os clientes.
Ela mexe a cabeça anuindo, toma um gole de vinho e volta a fitar o
palco. Analiso o perfil de Virginia. Como pode uma garota tão bonita ter
caído nas minhas garras? E, pior ainda, como pode uma garota tão nova ser
tão madura? Ou será que ela é somente fria e calculista? Talvez ela não surte
com minhas hipotéticas infidelidades simplesmente por saber que pode dar o
troco, como fez essa noite.
Quem é essa mulher com quem me casei?
— Me conte sobre você — peço repentinamente, e ela me fita,
surpresa.
— Sobre mim? O que quer saber?
— Sua vida. O que fazia em sua casa?
— Serviços domésticos. Você já sabe disso. Nós três não nascemos
para viver, Rocco. Para usufruir de tudo que o mundo pode nos oferecer.
— Vocês simplesmente… aceitam? Seu pai te arranjou esse
casamento e não te deu alternativa? — Demonstro toda a minha revolta na
pergunta.
— Não. Ele só chegou comunicando sobre o casamento. Mas eu quis
me casar com você.
Dispenso, de pronto, esse comentário.
— E se eu fosse um velho seboso igual ao Ludovico?
— Eu fugiria. — Ela dá de ombros com uma simplicidade tocante,
fazendo parecer fácil o ato de fugir. Ainda mais para ela, que era quase uma
prisioneira.
— Pior que eu acredito em você — pondero e sorrimos um para o
outro, mas desvio na mesma hora o olhar.
— Teve uma época que eu tentei me rebelar — começa a contar, em
um timbre mais dramático. — Papai disse que eu puxei o lado ruim da
família da minha mãe e me puniu. Eu só não aceitava que não pudesse ter
amizades, não podia ler um livro de romance, não podia fazer nada que as
meninas da minha idade faziam.
— E o que ele fez?
— Me espancou. Sofri uma fratura no pulso e outra na bacia. Eu achei
que nunca mais fosse caminhar… É aquela cicatriz que você viu.
Engulo em seco ao ouvir o relato, sentindo a raiva amargar a boca.
Ela abaixa a cabeça e parece triste ao reviver a lembrança.
— Mas usei aquilo como combustível. Porque eu disse a mim mesma
que um dia sairia daquela casa, eu teria meu próprio lar e conheceria coisas
diferentes. — Quando ela me olha, tem uma lágrima brilhando em seu olho,
mas rapidamente a limpa. — E, um dia, eu vou voltar para salvar Joanne e
mamãe.
Fico em silêncio por segundos escolhendo as palavras.
— Eu te entendo — digo a ela. — E espero que consiga realizar seus
desejos. Mas infelizmente não será comigo que você vai conseguir.
— E se eu quiser lutar? — Ela me desafia, seus olhos cintilam.
— Contra mim? — Rio da cara dela.
— Lutar pelo que eu quero. Lutar pelo casamento.
Recostado na cadeira, tomo alguns segundos a observando-a e
tentando decifrá-la, antes de responder:
— Eu fico com pena de você, Virginia. Porque talvez você mereça
mesmo um casamento real. Eu não posso ser seu marido para além do papel.
— Eu não sou boa e sofisticada o suficiente?
— Não é sobre isso. É sobre os meus motivos… Meus planos que não
incluíam casamento. Meu pai atropelou minha decisão. — Recordo do
terrível destino de Milena e meu coração se aperta. Finalizo todo o vinho da
taça e fico de pé. Estendo a mão para ela. — Vamos.
Virginia ainda digere as minhas palavras. Ela abre a boca para falar
algo, repensa, suspira e fica de pé.
— Podemos ir ao tal salão da confraternização? — pede.
Lembro que Magno e os caras estão lá. E eu não sou um tolo de levar
minha esposa para um lugar onde João Magno esteja pelado.
— Aquele miserável te falou disso? — Eu me refiro ao homem que
estava com ela. De mãos dadas, saímos do salão e pegamos o corredor
luxuoso, em tons de vermelho e madeira.
— Sim. Ele me recepcionou, disse que é um frequentador assíduo da
casa. O que acontece nesse tal salão de confraternizações?
— Confraternização com gente pelada. E você não vai chegar nem
perto.
12
VIRGINIA

Rocco aperta minha mão enquanto caminhamos pelo vasto corredor


decorado em vermelho e madeira cor de tabaco. Eu nunca estive em outros
lugares luxuosos que fossem parecidos para poder comparar, porém penso
que essa decoração imita um tom elegante parisiense. Pelo menos é o que
imagino quando penso em Paris.
Diferente do que imaginei quando saí de casa, me sinto poderosa e
muito confortável nesse ambiente. Acabo de descobrir uma Virginia que
talvez eu não conhecesse. Uma Virginia em que despertou um absurdo
interesse pelo mundo obsceno dos homens ricos. E o meu marido é um deles.
Sim, claro, eu morro por dentro, consumida pelo ciúme ao imaginar
Rocco aqui, transando com qualquer uma. É meu marido, e não vou renunciar
a ele tão facilmente. Porém eu fui forjada na rédea curta, fui ensinada e
treinada a ser sempre uma boneca que não tem opinião, não tem sentimentos,
não faz nada. E foram esses duros treinamentos que estou colocando em
prática para enfrentar Rocco de forma fria, como ele é.
Aperto firme a mão de Rocco e olho de relance para seu semblante
duro. Rocco está quase sempre com essa cara de bravo, o maxilar rígido o
deixando ainda mais gato. Olho os cabelos bem penteados e a barba baixa
que ele cultiva sombreando seu maxilar.
— Espera. — Paro de andar, e ele para também. Em seguida me olha
sem paciência.
— O que, Virginia?
— O que é Glory Hole?
— Onde viu isso? — Rocco se espanta.
— Ali. — Aponto para uma placa na parede indicando lugares do
clube. O Glory Hole fica nesse piso.
— Você não quer saber sobre isso. Vamos. — Tenta me puxar.
— É sobre sexo? — Sorrio, maliciosa.
— Tudo aqui é sobre sexo.
— Vamos, Rocco, eu quero ver. — Junto as mãos em súplica. —
Provavelmente eu não vou vir nunca mais aqui, por favor?
— Não é algo para se ver, é algo para se fazer.
Coloco as mãos na boca, perplexa, e sorrio mais ainda com a
possibilidade de fazer loucuras em um clube de fetiches que provavelmente
minha mãe surtaria se soubesse da existência.
— Não. Nem pensa nisso. — Ele já nega antes do meu pedido.
— Por que não? É tão ruim assim?
— Eu não quero fazer isso com você.
— Poxa, agora estou muito curiosa. Só me diz do que se trata.
Ele pensa um pouco, se convence e me puxa novamente, me levando
para o local indicado pela placa.
— Porra. Você me estressa — bufa, me tratando como sua filhinha
sapeca.
Entramos em um ambiente que se parece com um grande banheiro
público. Tem até pia e espelho, do outro lado, diversas portas. A diferença é
que é muito limpo e elegante. Ouço gemidos vindo da direção das portas, a
maioria com trava, indicando “Ocupado”. Rocco abre uma porta que tem a
palavra “livre” e me vejo em uma salinha com duas cabines, parecendo
reservados de banheiro público. Apenas uma parede separa as duas.
— Venha ver. — Ele aponta para uma cabine, e eu espio. Tem apenas
um banquinho, e em frente ao banquinho, um buraco na parede. Entro e
analiso tudo em volta, sob o olhar atento de Rocco. Espio o buraco na parede
da cabine e vejo a outra cabine. — É isso. Glory Hole significa buraco da
glória — ele explica. — Do outro lado, um homem posiciona o pau nesse
buraco, e quem está sentado aqui desfruta de uma boa mamada.
— Mamar?
— É, Virginia. Uma gíria para sexo oral, já que se parece com alguém
mamando uma mamadeira.
Eu me arrepio, aprendendo mais uma coisa deste mundo pervertido
onde Rocco é mestre.
— E fazem isso sem se verem?
— Geralmente essa é a graça da coisa. O anonimato. A pessoa chega,
se senta e espera. De repente, aparece uma rola no buraco e é só felicidade.
— Você já fez com alguma mulher?
— Já.
Engulo outra onda de ciúme. Calma, Virginia, antes de você, ele era o
maior pecador da cidade. Eu preciso superar esse fato.
Eu me sento no banquinho em frente ao buraco e me viro, pidona,
para Rocco. Olhinhos suplicantes.
— Não — ele nega, mais uma vez sem que eu nem tenha pedido.
— Rocco, por favor.
— Você nem sabe chupar um pau, Virginia. — Perde a paciência sem
perder a pose.
— Eu posso aprender, ué.
— Você é muito pervertida para uma recatada e do lar. Eu não
esperava isso de você.
— Que eu fosse querer chupar seu pau? Sim, eu quero. Vi um vídeo
pornô uma vez e fiquei tentada a experimentar. Além do mais você é meu
marido, e eu acho seu pênis lindo.
Rocco se surpreende com minhas palavras e gasta segundos me
encarando. Acho que ninguém nunca elogiou o pau dele. Está vendo, meu
querido? Sua esposa te adora.
— Outro dia a gente…
— Rocco, eu posso estar grávida, é um desejo de grávida.
Ele acaba enfim rindo do que eu digo, e mais uma vez saio vitoriosa
quando ele desabotoa o cinto e abre a braguilha, cravando os olhos nos meus.
Rocco sai do cubículo e vai para o outro ao lado.
— Meu pau é grosso, então abra bem a boca. Tenha cuidado para não
forçar os dentes, pode me machucar. — Ele começa a me instruir do outro
lado. Eu me sinto em um curso à distância. — Concentre-se na cabeça,
apenas chupando-a como você chuparia um pirulito, porque você ainda é
iniciante e não vai saber engolir.
— Certo. Pode começar. — Esfrego as mãos suadas, cheia de
expectativa. O coração samba enlouquecido no peito. Eu vou para o inferno,
certeza, porque toda a emoção que eu devia ter sentido na igreja com minha
mãe estou sentindo agora em um clube de sexo prestes a chupar uma rola.
Rocco se aproxima, e o pau já muito duro aparece no buraco à minha
frente.
— Não tente chupar as bolas, são muito sensíveis e você não tem
prática, mas se quiser lamber, eu vou gostar muito.
Engulo em seco ao rever o meu mais novo ídolo: o lindo pênis da
cabeça rosada e pelinhos avermelhados que tem o poder absurdo de me fazer
tocar o céu. Eu era uma santinha do pau oco, que me fazia de tímida para
enganar minha família, porém foi isso que eu sempre quis. E não canso de
agradecer por ter conseguido um marido tão viril e dono de um pau tão
delícia.
— Toque nele, Virginia. Precisa conhecê-lo.
Eu o seguro e vibro satisfeita com a sensação. A pele é morna. Porém
é duro se apertar. Levanto-o analisando, observando cada veia saltada, os
testículos quase sem pelos.
— Agora, movimente sua mão para baixo, veja a pele descer até
descobrir toda a cabeça, e chupe à vontade.
Faço isso, e me deparo com a cabeça redonda e bem rosadinha. Uma
gotinha translúcida desponta no buraquinho, e sem que ele mande, passo a
língua, capturando-a. Rocco geme.
Passo a língua mais uma vez, tentando sentir o sabor. Outra vez a
língua, e solto-o completamente, apreciando o pênis latejar.
— O que está fazendo? — Rocco indaga quando seguro e tento medir
com minha palma. Dá um palmo e três dedos.
Como ele me instruiu, envolvo devagar toda a cabeça com os lábios e
chupo-a delicadamente. Solto-o. Rocco suspira. Passo a língua novamente, e
mais uma vez chupo devagar, testando a melhor maneira, sentindo como é
lisinho em contato com minha boca.
Solto-o com os lábios, e passo o polegar, correndo da cabeça molhada
até os testículos. Isso o deixa louco. Faço o mesmo percurso com a língua, e
ao chegar na ponta, mais uma vez engulo-a até onde consigo. Como uma boa
iniciante. É bom fazer isso, é bom me sentir no comando, é bom sentir a
excitação me tomando, então decido que ele precisa de um troco. Um troco
para o que me fez no dia do nosso casamento. Paro, observando o pau
tremendo como se tivesse vida própria, levanto do banquinho e saio da minha
cabine para espiar Rocco. Ele está com as calças baixas e com o corpo
totalmente pressionado contra a parede, o pau no buraco.
— Oi — digo, e ele se vira espantado me olhando.
— O que está fazendo? — sussurra.
— Foi só uma amostra. Eu já entendi o que é Glory Hole.
— Você vai simplesmente…
— Sim, querido, você pode gozar mais tarde, ok? Agora, por que não
vamos jantar? Estou faminta.
Rocco me fita incrédulo, mas ao invés de medo, sinto uma adrenalina
alucinante. Gostaria que ele usasse essa raiva para me pegar com força na
cama mais tarde.
Ele sobe as calças rápido, parece soltar fogo pelas narinas. Passa por
mim abotoando o cinto.
— Rocco…
— Você vai para casa agora! — berra e sai do cômodo sem me
esperar.

***

Não, eu não fui embora. Não sei qual será as consequências pelos
meus atos, porém decidi apostar todas as fichas enfrentando Rocco bem no
clube o qual ele é tão íntimo. Eu não iria tão longe para permitir que ele me
mandasse para casa enquanto termina de se aliviar com uma das prostitutas
de luxo desse lugar.
— Eu não vou para casa! — Aumento meu tom de voz, desafiando o
homem furioso à minha frente.
— Virginia!
— O que você vai fazer? Me arrastar na frente de todas as pessoas?
Eu vou ficar, Rocco.
— Quer mesmo ficar? — Os olhos dele cravam nos meus e parecem
perfurar minha alma. Eu seria uma louca se concordasse com um desafio de
Rocco. Mas o que eu tenho a perder?
— Quero. — Meu coração dispara, estou indecisa, mas a coragem me
enche de ânimo.
— Quer conhecer o que é o Dama de Copas?
— Quero. — Enfrento-o.
— Ótimo.
Rocco me arrasta pelos corredores, e eu nem questiono para onde está
me levando. Chegamos a um local com uma porta vermelha chamativa, e a
placa me faz congelar: “Confraternização”.
Eu não sei quais são os limites dele, não sei até que ponto posso
continuar provocando, ou se ele estava simplesmente aguardando qualquer
ação minha para ter um motivo para me dar o troco. Eu gostaria de lembrá-lo
que ainda estou desabrochando, como um botão de rosa, para que não faça
algo muito ruim contra mim. Mas isso seria passar recibo de fraqueza.
Rocco digita uma senha em um painel, empurra a porta e entra. Eu
quase fecho os olhos, com medo do que poderia ver. Instantaneamente não
pareço mais tão corajosa. Ainda tenho muito a aprender e conhecer nesse
mundo.
A primeira coisa que sinto é cheiro. Diversos aromas ao mesmo
tempo. Couro, suor, perfume, o ar é denso com o cheiro do sexo.
É parecido com um bar. Mas tem sofás que parecem camas. Tem
pessoas andando, tem pessoas bebendo e observando. Há salas de vidro com
pessoas transando, duas, três, quatro pessoas juntas em uma das salas. Sinto
gelo percorrer minhas veias ao encarar a nudez de gente que nunca nem vi na
vida. Meu sangue parece concentrado todo no rosto. Sinto que estou
vermelha feito um tomate.
Continuo andando, como um “siga o mestre”, a passos largos atrás do
meu marido. Noto que sua mão está levemente suada, e isso pode ser um
sinal de apreensão da parte dele.
— Fique aqui — ele ordena e caminha para o fundo do salão. Minhas
vistas tentam se acostumar com o lugar, que tem um tom luminoso de
vermelho. Percorro cada canto com o olhar até pousar em um sofá onde vejo
dois homens sentados. Ambos pelados, e cada um com uma mulher ajoelhada
entre suas pernas chupando-os avidamente; e o que me surpreende é que um
deles é Magno.
Ele me vê, se assusta, dá um tapinha na mulher e fica de pé. Congelo
ao ver a dimensão do mastro que Magno tem entre as pernas e que deve
esbanjar com orgulho. Estou sem fala. Ele rapidamente pesca uma almofada,
coloca na frente do pênis ereto e vem na minha direção.
— O que faz aqui?
— Ela está comigo. — Rocco surge do nada e me puxa.
— Ficou, louco, Rocco? — Magno dá um sermão, mas infelizmente
não parece ameaçador estando nu com uma almofada cobrindo o pênis.
— Ela quer conhecer o clube. E pagou para isso. — Puxa-me, e eu
volto a segui-lo.
13
VIRGINIA

Rocco me leva até uma das salas com paredes de vidro. Como o
cômodo que visitei mais cedo, em que o casal praticava BDSM. O interior do
quarto é sofisticado, decorado em tons de vermelho e preto, e acredito que
planejado especificamente para o sexo, por causa dos móveis e aparelhagem,
que para mim não são familiares. Ainda segurando minha mão, Rocco me
empurra sobre um sofá de couro preto e permanece um bom tempo parado na
minha frente. Como se decidisse o meu destino.
Nenhum dos dois solta uma palavra, nem precisa. É como se nossos
olhares dialogassem. Eu estou tensa, amedrontada, mas, de certa forma,
confiante. Eu sei que ele não ultrapassará o limite comigo.
Rocco se inclina para cima de mim e beija minha boca, segurando
meu queixo com uma mão. Nada brusco, pelo contrário. O beijo é sexy,
lento, natural. Sua outra mão adentra meu vestido e toca suavemente meu
seio. Apesar do nervosismo, por causa do lugar, começo a entrar no clima.
Fito seus olhos azuis, que estão mais escuros que o normal. Meus dedos se
afogam em seus cabelos curtos e macios.
— Vamos tirar isso — ele sussurra para mim, de forma dócil, e me
ajuda a tirar meu vestido. Eu não protesto, porque independentemente de
onde eu esteja, sinto segurança nele para começar a relaxar. E o contato
visual ajuda.
Só de calcinha e sutiã, engulo a saliva e respiro pausadamente,
tentando colocar meu foco apenas no homem à minha frente. Esquecer que
estou em uma sala de vidro e que do lado de fora há pessoas observando, há
pessoas nuas, há pessoas transando.
Rocco começa a desabotoar a camisa, de pé na minha frente. Eu tento
adivinhar tudo o que ele pretende, porém é só mistério que encontro na
expressão dura do meu marido. Aprecio seus músculos, o peito largo liso e o
pescoço forte. O queixo firme, rígido pela falta de sorriso.
Ele pega ao lado uma garrafa de alguma bebida que não é vinho,
levanta meu rosto, deixando-o inclinado, e com o polegar toca em meu
queixo para que minha boca se abra.
— Um golinho — sussurra, joga o líquido na minha boca, e eu engulo
rapidamente sentindo queimar a garganta. — Prontinho. Vai te dar coragem.
Meu coração salta de forma desgovernada. Estou em chamas por
causa do clima que Rocco está criando. E sexo sempre foi um assunto que me
despertava curiosidade. Fico feliz de estar conhecendo isso com ele. Rocco
bebe um gole também e, para minha surpresa, beija minha boca de maneira
ardorosa, deixando um restinho da bebida derramar por entre o beijo de
língua; eu absorvo a bebida, chupando seus lábios. Suspiro com o beijo,
adorando como seus lábios e língua consomem minha boca afoita.
Ele me dá mais um gole da bebida, e para minha surpresa, segura
minha mão e a prende em uma algema ao lado.
— Vai me prender? — Sorrio. Até ensaio um tom bem-humorado. Ele
não responde. Passeia até o outro lado e faz o mesmo com o outro braço, me
deixando presa, sentada no sofá, com os braços abertos.
— É corajosa mesmo, esposa? — sussurra por trás, bem pertinho da
minha orelha. O arrepio que me toma é algo que nunca senti. A expectativa
de provar um tipo elevado de sexo me deixa em brasas.
— Sim… — murmuro.
Rocco beija meu pescoço, e eu fecho os olhos, apreciando sua boca
quente e seus dentes, que apertam minha carne. Minhas pernas estão bambas.
Ele vem para frente e me faz observá-lo.
— Talvez você tenha que entender de uma vez por todas que seu
lugar é em casa, com seus afazeres domésticos, me obedecendo.
— Por quê?
— Porque eu não preciso de uma mulher na minha cola. Agora você
vai terminar o que começou lá no Glory Hole. — Ele tira o cinto, puxando-o
inteiramente de dentro dos passadores da calça. De maneira erótica, passa o
pênis pela braguilha, sem tirar a calça. Aproxima da minha boca, mas eu
reluto. Olho para o pau ereto e de volta para o seu rosto. — O que foi? Não
queria tanto experimentar sacanagem? Você será a boa esposa caseira que
chupa um pau como ninguém. Farei questão de ensinar.
— Não gosto das suas palavras — sussurro.
— Você não tem que gostar. Tem que entender qual seu lugar nessa
porra de contrato de casamento. Abra a boquinha, engula a minha rola. Para
todo mundo lá fora ver minha esposa obediente. — Faz um carinho em minha
bochecha, e o tesão todo vai por água abaixo.
— Só me tira daqui — peço, completamente desanimada, e até
levemente triste. Quando pensei que Rocco estava mudando, ele volta para a
estaca zero.
— Não vai chupar?
— Eu não estou confortável, podemos fazer isso no quarto? Só nós
dois?
— Não. — Ele enfim sorri. Mas um sorriso que eu não queria ter
visto. — Fique aí, sentadinha, quietinha, enquanto eu te ensino na prática
como agradar um homem. Coisa que seu papai não te ensinou.
Ele simplesmente se vira e sai da sala.
— Rocco! — grito. — Rocco! Me desamarra. — Agitada, chacoalho
os braços, mas nada acontece. As algemas estão presas em postes do lado do
sofá. — Magno! — grito, na esperança de que o amigo de Rocco possa me
ajudar. — Alguém me tire daqui.
E para meu completo espanto, vejo Rocco do lado de fora tirando a
calça, sentando-se em um sofá de forma relaxada enquanto uma mulher se
ajoelha entre suas pernas para chupá-lo. Ele está bem de frente para mim, de
modo que o vejo sorrindo com os olhos cravados nos meus. Revira os olhos
de prazer e morde o lábio conforme ela o saboreia.
Meu corpo todo esfria por causa do choque inicial. Abaixo os olhos,
para não ver essa atitude ridícula, em uma tentativa de me enfurecer. Mas ele
não conseguirá me tirar do sério tão fácil, porque eu já sabia do seu histórico
de cafajeste. Levanto os olhos novamente, e contra a vontade, meu coração
dói de leve ao ver que agora tem outra mulher em cima dele. Rocco chupa os
seios dessa mulher, e a outra trabalha vorazmente em seu pau.
Idiota. Isso não vai me atingir.
Assisto com nojo ele beijar a mulher e voltar para os seios dela. Só
quero que acabe logo para que ele me tire daqui e eu possa ir embora.
A porta da sala onde estou se abre devagar e um homem enorme
entra. Ele está completamente nu, mas usa um tipo de colete de couro. Tem
os cabelos raspados na lateral e arrepiado em cima, rosto quadrado e brutal,
além de um corpo enorme e musculoso. O pênis ereto é imenso e grosso.
— Oi. Desculpe, este lugar… está ocupado — digo, tentando não
tremer tanto a voz.
Ele sorri de lado e vem em minha direção. Para diante de mim e passa
os olhos pelas minhas pernas, que fecho imediatamente, olha meus seios, o
que faz seu sorriso expandir; em seguida toca em meus lábios com o polegar.
— Não toca em mim! — Abano a cabeça. Agora, sim, estou
apavorada e quero a segurança da minha casa. — Você precisa sair! Meu
marido…
— Está ali fora com o pau na boca da minha esposa — ele diz
demonstrando saber quem é Rocco. — Isso aqui é orgia, gatinha, é swing,
casais podem trocar de parceiros.
— Não! Eu não quero isso. Eu estou apenas visitando. Por favor…
não toca em mim! — berro desesperada balançando os braços. — Rocco! Me
ajude.
— Psiu! Calminha. Vamos preencher essa boquinha barulhenta. — O
homem segura com força meus cabelos, mantendo minha cabeça
praticamente imóvel enquanto passa o pau no meu rosto. — Abra a boca.
Não posso gritar para não abrir a boca. De dentes cerrados, luto
ferozmente sacudindo o rosto, com a dor do aperto de sua mão em meu
cabelo. Sinto uma lágrima descer do meu olho, e imploro silenciosamente a
ele que me deixe em paz. Mas o homem não desiste, puxa meu sutiã para
baixo, libertando meus seios. Com gula, chupa meu seio, me causando
náusea.
— Rocco! — grito, histérica. — Magno! Alguém me ajude. — Agito
sem parar as pernas, até que por sorte acerto um chute no infeliz. Nesse
instante vejo movimentação na parte de fora. Rocco vê o que está
acontecendo.
Mas ele não chega a tempo de impedir o homem de acertar com força
uma bofetada em meu rosto. O golpe é tão forte, que fico zonza.
— Não toca nela, seu filho da puta! — Ouço a voz de Rocco, mas
nem abro os olhos. Ouço coisas se quebrando ao meu redor, gritos parecem
ser de pessoas entrando no ambiente, e eu só desejo fugir para minha casa.
Agradeço mentalmente pelas mãos que me libertam; quando abro os
olhos encontro Magno tirando as algemas. Rocco está rolando no chão com o
homem e o acertando violentamente no rosto.
— Ela é minha esposa, miserável. Eu vou te matar! — ele grita,
transtornado. Precisa de dois homens para tirá-lo de cima do cara, que fica no
chão, sem forças. Rocco conseguiu nocautear um homem daquele tamanho.
— Virginia… — Ele vem na minha direção, e eu só o afasto com um
gesto. Não quero olhar para a cara dele. Visto rapidamente meu vestido,
lutando contra o tremor do corpo. Eu me sinto observada por todas as pessoas
quando volto a me sentar, com as mãos no rosto.
— Virginia… — Rocco sussurra. — Ele… te feriu?
— Eu chamei a polícia! — uma mulher grita antes que eu possa
responder. A mulher que fazia sexo oral em Rocco.
— Você o quê? — Magno berra com ela. — Você ficou louca?
— Ele quase matou meu marido. — Ela enfrenta Magno. — Nós
pagamos uma fortuna nessa merda para sermos atacados desse jeito? — Ela
se ajoelha diante do homem inconsciente. — Eu vou processar vocês!
A polícia praticamente invadiu o lugar de forma espetaculosa, com
milhares de viaturas e policiais. Eu não sei o que a doida falou na chamada,
mas ela deixou os policiais em alerta. Então terminamos a noite com todos na
delegacia.
Eu permaneci sozinha, em uma cadeira da salinha de espera, afastada
de todos os outros. Digerindo comigo mesma o que aconteceu na última hora.
O agressor foi levado ao pronto-socorro porque bateu a cabeça em um móvel,
a mulher dele ainda fez escândalo enquanto os policiais tentavam acalmá-la.
Rocco e Magno estão conversando com a delegada, eu já fui ouvida.
— Foi essa mulher! — A louca esposa do pervertido aponta para
mim. Está desvairada. — Essa burra vai para um local de swing e não aceita
as regras.
— Seu marido teria me violentado se tivesse chance. Sua imunda! —
grito com ela, porque estou com mais ódio do que traumatizada.
— Retire o que disse! — Ela vem correndo em minha direção, mas é
contida por policiais, que a levam dali.
Os minutos passam, eu continuo sozinha, até que Rocco caminha até
mim e se senta ao meu lado. Vejo que Magno ainda continua na sala com a
delegada. Deve estar levando um sermão ou uma ameaça de processo, porque
pelo pouco que conversei com ela, notei que já conhece Magno de outros
carnavais. Ela falou dele com rancor impregnado na voz.
— Eu não pretendia… aquilo. — Rocco cochicha para mim. Prefiro
nem olhar para ele.
— Me deixa em paz, Rocco.
— Ele te feriu? Ele…
— Não mais do que você. — Acabo de falar e vejo Olivia e Romeo
entrando praticamente correndo. Eu liguei para ela.
— Virginia… — Olivia lamenta, e eu me levanto rápido,
encontrando-a com um abraço. Enfim sentindo o conforto de braços
amorosos. — O que houve, minha irmã? — Ela passa a mão no hematoma no
lado do meu olho esquerdo, onde a bofetada me atingiu.
— O que você aprontou, Montoya? — Vejo Romeo ir em direção a
Rocco. — O que eu te pedi no dia do casamento?
Rocco parece se sentir culpado, ele apenas abaixa a cabeça diante de
Romeo.
— Romeo, calma, mano. — Magno chega depressa. — Foi uma
fatalidade.
— Você quer que eu acredite que algo que tenha acontecido no seu
clube, com você e Rocco presentes, foi uma fatalidade?
— Porra, cara! — Magno vocifera. — É coisa de casal, dá um tempo.
— Converso com você depois, Magno.
— Olá, senhores. — A delegada se aproxima do alvoroço. —
Virginia, você precisa passar por um exame de corpo de delito, tudo bem?
Para dar continuidade ao processo.
Movimento a cabeça concordando.
— Eu sou irmã dela — Olivia anuncia, ainda abraçando meus
ombros. — Vou acompanhá-la.
— Eu também… — Rocco começa a dizer, mas eu o interrompo:
— Volte para seus planos, Rocco. Olivia vai me fazer companhia.
Ele não contesta ao me ver sair com minha irmã. Dou uma última
olhada para o marido que passei tanto tempo desejando e sofro por estar
sentindo ódio dele nesse momento. Rocco não quis que eu sonhasse por nós
dois, e talvez ele tenha conseguido me vencer mais rápido do que imaginei.
14
ROCCO

Eu: Certeza de que ela vai pedir o divórcio.

Só de cueca, no meu apartamento escuro, banhado apenas pela luz da


lua, digito uma mensagem para Armando.

Armando: E isso não é bom? Não é o que você queria?

Tomo um gole de cerveja e releio a mensagem. Era o que eu queria?


Sim. Eu sempre quis que nada disso tivesse acontecido. Quis, com todas as
minhas forças, estar livre de uma esposa. Mas, a essa altura do campeonato,
encontrar outra e me casar e engravidá-la? Não mesmo. A empresa precisa
das minhas ideias como novo CEO, porém não posso fazer nada enquanto
não tiver o bendito herdeiro a caminho.

Eu: Sabe que eu preciso dela. Preciso que me dê um filho. Então, não.
Não quero o divórcio.
Armando: Você é meio esquentadinho e precisa passar um tempo
pensando com racionalidade.

Sopro com ódio e jogo o celular no sofá sem responder à mensagem


do meu advogado. Tenso e muito furioso, termino a cerveja no escuro. Eu
queria tanto matar aquele filho da puta que tocou na Virginia. Eu
experimentei sede de sangue, como um vampiro faminto. Que sensação foi
aquela que me tomou ao ver um cara em cima dela? Nunca senti algo do
tipo, algo tão bruto e animalesco que me fez ficar cego. Mas estou feliz por a
ter defendido a tempo. Só não consegui defendê-la de mim mesmo,
praticamente como não consegui com Milena.

***
O alarme soa estridente na minha cabeça. Meu corpo e mente reagem
aos primeiros sinais das várias cervejas fazendo efeito sem que ainda nem
tenha aberto os olhos. Com raiva, tateio em volta e consigo bater no celular,
pegando-o a tempo de ver uma ligação da minha secretária.
Porra.
— Diga.
— O pessoal do evento de exposição está aqui. Adio ou cancelo?
Cacete! Afasto o celular da orelho e olho as horas. Oito e dez.
— Estou indo. Chego em vinte minutos.
Pulo da cama, me enroscando nos lençóis, e me visto na velocidade
da luz sem nem tomar banho. Uma água fria no rosto será o suficiente para
disfarçar a noite mal dormida. Não esqueço os óculos escuros antes de deixar
o apartamento. Cumpro a promessa que fiz à secretaria, chegando em vinte
minutos.
— Senhores — cumprimento, arrancando os óculos da cara e
torcendo para que as olheiras não estejam tão pronunciadas.
— Rocco. — Um dos homens estende a mão para mim. — O evento
está se aproximando e você ainda não nos deu uma posição.
— Venham comigo até minha sala. — Conduzo-os até a porta. —
Aceitam tomar algo?
— Não, obrigado, já nos entupimos de café enquanto te esperávamos
chegar.
Sorrio sem graça, disfarçando meu terrível humor. No entanto, após
meia hora de conversa e acertos, eles vão embora me deixando com um
humor melhor. Peço um café à secretária e reflito sobre meus próximos
passos aqui na empresa.
Eu vou precisar de uma reunião de conselho para resolver algumas
questões do novo lançamento, afinal estou impedido de tomar qualquer
decisão sozinho. Já tivemos dois adiamentos, e a mídia pode começar a
especular caso eu tenha de adiar novamente, por isso confirmei com a
organização do evento a presença do magnífico carro, o Revanche Montoya,
na exposição. E eles me deram o momento especial da noite. Tenho certeza
de que quando fizer o anúncio, a expectativa do público irá a mil.

***

— Não podemos garantir a confecção da versão top de linha do


Revanche — o engenheiro diz, e eu quase tenho um surto.
— Você está louco? — grito na cara dele. — Quer ser demitido?
— Qualquer outro que o senhor colocar no meu lugar vai dizer a
mesma coisa. — Ele começa andar pela área de montagem. O som de
máquinas a todo vapor encobre nossas vozes. — Rocco — ele fala, sabendo
que eu o sigo. — Você mesmo mandou retirar as peças dos carros e
interromper a montagem.
— Porque eram a droga de umas peças de segunda categoria. Esse
carro é a redenção da empresa, não pode haver qualquer falha.
— Sugiro trocar as peças, vamos encher o interior de couro, rico
odeia plástico. — Para de caminhar já fora da área de montagem e tira um
maço de cigarro do bolso.
— Você está vivendo na porra de uma bolha? Os cofres da empresa
estão no vermelho. Como acha que vou colocar couro em tudo? Quer que eu
tire do meu rabo?
Espero que dê uma tragada no cigarro na maior calma. Sopra a
fumaça e aponta o cigarro para mim.
— Lançamentos de carros geralmente tem uma boa margem de prazo
para a chegada no mercado. A montadora anuncia o modelo novo e uma data
prevista para as vendas.
— Tá me contando o óbvio por quê? Eu trabalho com isso.
— Mas você precisa de grana. Então, tenho uma ideia.
— Fala.
— Precisamos de uma quantidade de carros na versão top de linha em
pronta entrega. Só para atrair, divulgar, vender para os mais influentes. E
esses felizardos vão falando para os outros, o negócio é o boca a boca.
— Ok, não enrola.
— Então você senta o pau vendendo carro. Mesmo sem ter carro,
você vende. O máximo que conseguir. E anuncia um prazo de alguns meses
para a entrega, porque o gigantesco estoque esgotou. Claro, é mentira, não
vai ter gigantesco…
— Eu entendi. Prossiga.
— Com a grana adiantada da galera que comprou os carros, você
investe em material bom, enquanto nós teremos o tempo para produzir e
entregar, tudo com peças de primeira linha.
Vender carro sem ter carro.
— Orçamento dos carros de pronta-entrega essa tarde na minha mesa
— aviso e me afasto.
— Sim, senhor! — Bate continência, feliz.
Ótimo. Preciso descolar grana para a produção dos primeiros carros,
as iscas, como sugeriu o engenheiro.
Minha primeira ideia é pedir socorro a Magno. Ele e os irmãos lidam
com empresas que estão de pernas bambas. Posso pedir um empréstimo. Mas
lembro que Romeo não quer me ver nem pintado de ouro. Preciso, portanto,
resgatar Virginia. Ela precisa me dar um filho, para que eu possa cumprir a
merda do testamento e para que Romeo não seja um pé no saco comigo.
Minha secretária me liga novamente.
— Diga.
— O produtor veio combinar com você sobre a modelo que você
pediu.
— Estou subindo. — Enfim uma notícia boa. Preciso de uma mulher
tão espetacular quanto o carro, para abrir a noite do evento de exposição em
que o Revanche será exibido pela primeira vez.
Depois da reunião com o produtor, converso com Armando, meu
advogado, e ele traz respostas desanimadoras. Não conseguiu nenhuma
brecha no testamento para que eu possa comandar com uma procuração, por
exemplo, já que metade das imposições do meu pai foram cumpridas, o que
basicamente se resume ao casamento.
Quase mando Armando tomar naquele lugar. Estou estressado ao
limite, e minha personalidade explosiva está tornando tudo mais difícil. Em
silêncio, acabo dando razão aos caras que me chamam de Cenourão por causa
do meu tom vermelho-ódio na maior parte do tempo.
Decido dar um pulo na casa em que instalei Virginia, na esperança de
que ela esteja lá. Se não estiver, terei de romper a resistência do inimigo,
Romeo Lafaiette.
A casa está silenciosa quando abro a porta e entro. O segurança já me
adiantou, na entrada, que Virginia não está aqui. Revoltado, experimento o
desejo de quebrar só um vaso da sala, mas me contenho e subo para o quarto.
Um banho vai me fazer bem, já que não deu tempo de tomar hoje.
Faço a barba, penteio os cabelos e sorrio para o espelho, parecendo
renovado.
No closet, escolho uma roupa, e inevitavelmente olho para o lado de
Virginia. Espio os vestidos e torço o nariz. Só coisa feia. Nada de moderno
ou luxuoso, nada de marca, nada que seja à altura da senhora Montoya.
Continuo bisbilhotando, observo as bolsas feias, três no total. Pego
uma delas, abro o zíper emperrado e a primeira coisa que vejo dentro é uma
cartela de comprimidos.
O céu parece desabar na minha cabeça quando entendo que tipo de
comprimido é aquele.
Porra!
Porra!
Aquela cachorra!
— Onde você está? — falo alto ao celular com Magno.
— Na casa do Romeo averiguando a situação.
— Vou precisar de você. Me espere aí. — Eu me visto na velocidade
da luz e saio correndo. Virginia não deveria ter brincado com o próprio
demônio.
15
VIRGINIA

Eu praticamente não dormi quase nada no quarto de hóspedes da casa


de Olivia. E agora pela manhã, depois que o sangue esfriou, me sinto mal por
ter colocado minha irmã nesse rolo. Ela está grávida, e eu a assustei ligando
tão tarde da noite.
Abro minha bolsa, confiro o celular, notando que já passa das oito.
Fico de pé encarando meu corpo no espelho. Estou usando um vestido de
Olivia, involuntariamente minha mão corre pelo meu ventre liso. Quarto dia
de casamento. Ainda estou no período fértil. A médica disse que pode ser
uma janela de sete a dez dias para que eu engravide. E não tomei o
anticoncepcional noite passada.
Sopro pesadamente, confusa sobre que decisão tomar. Pego a bolsa e
saio do quarto.
Desço as escadas silenciosamente ouvindo vozes vindas da cozinha.
Eu me aproximo devagar, percebendo se tratar de Magno.
— É lógico que não, Romeo. Deixa de ser implicante. — Magno
parece levemente exaltado. — Eu o expulsei, não estou passando a mão na
cabeça…
— Infelizmente você nunca nos dá evidências suficientes para que a
gente possa acreditar, Magno. — Agora é Olivia, que apesar de mansa, soa
firme.
— Acredite se quiser. Ele não faz mais parte do clube, e estarei
disponível para o que a justiça precisar.
Provavelmente estão falando sobre o homem que me atacou. Minha
sede de vingança deseja mais que a expulsão como punição para ele.
— Deveria aproveitar e expulsar o Montoya também — Romeo
opina.
— Ele não teve culpa — Magno o defende. E reviro os olhos ao ouvir
que Rocco ainda faz parte daquele antro.
— É, não teve. — Agora Romeo é irônico. — Ele só amarrou a
própria esposa…
— Uma esposa adulta… — Magno interfere.
— Contra a vontade dela — Olivia acrescenta.
— Contra a vontade dela? — Magno dá uma risada sarcástica. —
Aquela mulher é terrível e está ludibriando vocês todos. Ela apareceu por lá
sozinha, do nada…
— Está falando da minha irmã — Olivia o corta.
— E parece que você não a conhece. Virginia é o cão.
— Meu Deus, Magno! — Olivia está pasma.
— Vai embora, cara. Já acabou seu momento de defender aquele
imbecil.
Resolvo fazer uma entrada dramática. Em passos lentos e incertos,
entro na cozinha. Os três param o que estavam fazendo e me olham. Magno
com uma caneca suspensa no ar, perto da boca. E depois o ouço dizer
baixinho: “Cruz-credo”.
Levanta, pega o terno e me olha seriamente.
— Tudo bem, Virginia?
Com indiferença, olho na direção do pênis dele, para lembrá-lo que
ontem o vi nu, com uma mulher entre suas pernas. Volto a fitar seus olhos,
mas Magno não se mostra desconcertado. Nem acho que algo possa
constranger esse homem.
— Estou bem, Magno.
— Que bom. O que precisar, estarei disponível. Tenham um bom dia.
— Ele sai rápido e só então solto os ombros e me sento em uma cadeira.
— Toma um pouco de café, vai te fazer bem. — Olivia coloca uma
xícara na minha frente, o aroma é convidativo.
— Eu estou bem. Foi mais um susto do que uma ameaça
propriamente…
Ela senta em uma cadeira à minha frente, mas antes de dizer algo,
Romeo nos interrompe.
— Eu preciso ir. Acho melhor você dar um tempo longe de Rocco. —
Ele me aconselha.
Concordo com um balançar de cabeça.
— Tchau, amor. — Romeo se despede e dá um beijo nos lábios de
Olivia. — Volto para almoçar com vocês.
Esperamos até ele sair para voltarmos a nos encarar.
— Quer contar o que de fato houve? — Olivia não me conhece
profundamente, afinal me escondi dentro de mim mesma por longos anos,
desempenhando um papel de filhinha doutrinada. Ainda assim, ela desconfia
que talvez Magno tenha razão e eu tenha meu lado terrível. Tomo um gole do
café e sirvo uma fatia de bolo em meu prato.
Com calma, conto para ela que fugi de casa, entrando sorrateiramente
no carro de Rocco. Até o momento que ele ficou furioso e tentou me
humilhar. Mas ele não imaginou que aquilo pudesse acontecer. Foi um
joguinho estúpido que deu errado.
— Virginia! — O espanto em sua voz é sincero. — Já é a segunda vez
que você trama contra ele…
— Contra ele? Eu não vou permitir que aquele cara dê as cartas,
Olivia.
— E nem vai conseguir que ele goste de você agindo assim.
— O que você me aconselha? — Enfrento minha irmã, que por muito
tempo aceitou cada pequena coisa que lhe era ordenada. — Que eu pegue
barriga e fique igual uma sonsa em casa assistindo meu marido farreando e
transando com metade da cidade sem dormir uma noite sequer comigo?
Ela meneia a cabeça considerando minhas opções.
— Então peça o divórcio. Você tem vinte anos, vai conseguir…
— Não. — Chacoalho o garfo em negativa. — Eu quis esse
casamento, e agora eu vou lidar com isso. De mim, Rocco não escapa.
— Meu pai do céu! Vão acabar machucados, fisicamente ou
emocionalmente.
— Não tem mais por onde ele me machucar depois de ontem, mana. E
eu estou com raiva dele. Apesar de tudo, eu gosto do infeliz, eu quero que ele
me olhe diferente, que ele me veja além de um útero. Poxa, Rocco é meu
sonho encarnado… além de ter um belo pênis…
— Virginia! — Olivia me repreende, enrubescendo.
— Eu lutei por aquele homem.
— E as merdas que ele te faz? Isso não conta?
— Ele vai ter que entrar nos eixos — afirmo com a mesma
determinação que me moveu para esse casamento.
— E se isso não acontecer? Talvez você esteja apenas fascinada pela
beleza dele ou pela riqueza. Posso te garantir: é terrível estar em uma relação
em que o outro não tem um pingo de consideração por você.
— Eu vou pensar numa saída. Pode ir até minha casa comigo? Preciso
pegar minhas coisas e ficar em algum lugar por uns dias.
— Pode ficar aqui.
— Obrigada. Enquanto Rocco não vir se desculpar e pedir que eu
volte, não movo uma palha. É ele quem precisa de mim, não o contrário.
— Ótimo. Assim que se fala. Vou me trocar.
Olivia se levanta para ir se trocar, mas para abruptamente ao ouvir o
interfone. E ao atender, me fita surpresa.
— É ele.
— Rocco? — Arregalo os olhos na direção dela.
— Sim. Mando embora?
— Não. — Dou um pulo da mesa. — Quero ouvir o que ele tem a
dizer. Depois eu o mando embora. — Enfim está acontecendo o que
imaginei: Rocco correndo atrás do prejuízo. Torço para que ele tenha vindo
com a guarda baixa, para me pedir perdão e implorar para que eu volte.
Olivia diz para o segurança deixá-lo entrar, então caminhamos para a
sala para esperar Rocco. Ele entra, um pouco desconfiado, olha para nós duas
e para o restante da casa, como se procurasse algo.
— Romeo já saiu? — Estranhamente é a primeira coisa que pergunta.
— Já, sim. — Olivia, cruza os braços e assume uma pose
intimidadora. — Pode dizer o que deseja, Rocco.
— Ah… se não se importar, gostaria de falar com a Virginia em
particular.
Olivia me olha buscando confirmação. Eu assinto, tranquilizando-a
com o olhar; minha irmã não diz nada enquanto se afasta, voltando para a
cozinha.
— Diga. — Adoro como minha voz soa rígida. Não vou dar colher de
chá para ele.
— Ah… podemos conversar aqui fora? No jardim? — Rocco pede, de
mansinho, com sua costumeira carranca, a mandíbula tensionada. — Só
caminhar um pouco.
— Aí fora? — Elevo as sobrancelhas.
— Sim. Por favor… sua irmã pode escutar, não sei.
Ele é tão orgulhoso, que não quer que outra pessoa o veja pedindo
perdão? Que homem complicado!
Sopro ruidosamente e saio com ele para o jardim. Rocco fecha a porta
de madeira da sala e nesse instante vejo Magno andando do outro lado da
casa com o segurança. Os dois entram na academia. O que está acontecendo?
Magno não tinha ido embora?
Para minha surpresa, Magno sai rápido da academia, fechando a porta
por fora e deixando o segurança lá dentro. Em seguida, grita acenando para
Rocco.
— Vai, vai!
E, sem me dar tempo de reagir, Rocco me pega de supetão, me joga
sobre o ombro e corre.
— Rocco! Me larga! — berro, desesperada. — Olivia, socorro! —
Bato sem parar nas costas dele, o que é inútil. Rocco me joga dentro de um
carro, entra logo em seguida e soterra meu corpo com o dele, me prendendo.
— Virginia! — Ouço o grito desesperado de Olivia me procurando.
Magno entra no carro, assumindo o volante.
— O que está fazendo, Magno? — Olivia bate sem parar no vidro do
carro, mas já está em movimento. Cheia de fúria, detecto que o carro saiu da
propriedade de Romeo, porém ainda precisa passar pela guarita do
condomínio, o que não vai adiantar muito para mim, já que Rocco me segura
com muita força, como um golpe daqueles homens que lutam em um ringue;
as pernas dele estão abraçando as minhas, me mantendo imobilizada. Ele
ainda coloca a mão na minha boca. O carro diminui a velocidade e ouço uma
voz:
— Bom dia, senhor Magno.
— Bom dia! — Magno responde, o que deve ter distraído Rocco,
porque ele afrouxa a mão em minha boca; agarro a chance e mordo sua mão,
gritando logo em seguida assim que ele liberta meus lábios. Tarde demais, o
carro já ganhou a rua. E então ele me larga. Não escondo o choque quando
me sento no banco, afastada dele.
Rocco está com uma expressão puta de raiva, o que me intriga, afinal,
pelas minhas contas, eu deveria estar furiosa com ele.
— Por que fez isso? — questiono, puxando o ar em lufadas aflitas ao
mesmo tempo em que acaricio meu pulso.
Ele não se prende a qualquer explicação. Pelo contrário, se mostra
ágil ao pular para o banco da frente, onde apenas diz:
— Coloca o cinto.
— Fala comigo, agora! — Como se fosse uma criança birrenta e
como se de fato fosse resolver alguma coisa, chuto o banco da frente ao
mesmo tempo em que grito.
— Em casa você me paga. — É a única coisa que Rocco retruca.
— Cara, eu estou ferrado. — Magno compartilha com Rocco. —
Romeo vai comer nosso fígado com sal.
— Uma porra. É minha esposa. Ele cuida da vida dele, e eu cuido da
minha.
— E se ele chamar a polícia?
— E vai dizer o quê? Que o marido sequestrou a própria esposa e a
levou para casa? Eu tenho um contrato que me dá direitos sobre essa pilantra
do caralho.
— Você não tem poder sobre mim! — grito.
— Tenho! — Ele berra de volta. — Eu praticamente comprei um
útero para gerar um filho, e você me privou disso. Era uma das cláusulas do
contrato, e você quebrou.
— O que está dizendo?
E ele não responde. Fica calado, muito zangado, por todo o resto do
caminho. Chegamos em casa, e Rocco avisa ao segurança que ninguém pode
entrar sem a permissão dele. Romeo já ligou umas duzentas vezes para
Magno, mas não foi atendido. Acho que mais tarde ele e Olivia aparecerão
aqui.
Rocco abre a porta do carro, e eu saio avançando sobre ele, louca para
lhe dar um tapa. Porém eu sou uma tampinha diante dele, que me segura
facilmente mantendo meus pulsos presos.
— Obrigado pela força, Magno.
— Ele te ajudou em um sequestro e você o agradece? São dois
otários! — grito tentando agredir Magno dentro do carro, mas Rocco me
segura.
— Vocês vão ficar bem? — Magno indaga.
— Fique tranquilo. Você me conhece. Não vou dar o que ela quer.
Consigo me soltar e caminho rápido, indo em direção à porta da frente
da casa. A porta está aberta; empurro e entro. Meu celular ficou na casa de
Olivia, não tenho como ligar para alguém para pedir ajuda. Caminho de um
lado para outro na sala, com as mãos nos cabelos, louca de raiva e confusa,
sem entender que merda Rocco está fazendo. Vejo o carro indo embora, e
segundos depois, Rocco entra.
— A polícia está chegando. Você está ferrado — ameaço. Seus olhos
cravam nos meus, e ficamos um tempo em silêncio. Enquanto estou puta de
raiva e ofegante, Rocco me fita com interesse calculista. — O que pretende
com essa merda, Rocco? Me obrigar a te perdoar por ontem? — Enfrento-o,
ainda com o tom de voz alto.
— Anticoncepcional, Virginia? — Ele não berra, o que é preocupante.
Fala com uma calma psicótica, e eu me encolho, enfim sabendo o motivo de
sua fúria. — Estava evitando a gravidez que eu tanto preciso?
Desabo no sofá, puxando o ar e tentando enfim acalmar. Ele
descobriu.
— Sabe o que eu poderia fazer? — Ele se inclina sobre mim. — Pedir
o divórcio por justa causa e ainda cobrar uma multa por você ter ferido a
principal cláusula. Eu só estou preso a essa merda… por causa da gravidez, e
você… evita? — Rocco se afasta, as mãos nos cabelos. — Porra!
Ele virou o jogo. Não vai me pedir perdão pelo que fez ontem no
clube. E nem eu vou pedir perdão por isso. Fiz mesmo e continuaria fazendo
se ele não melhorasse o comportamento. Fico de pé e abraço meu corpo.
— E agora? O que vai fazer?
— Não queria um marido? Pois aqui está. — Abre os braços, os olhos
saltados, azuis tenebrosos. — Vou ficar três dias aqui, preso com você. Não
vai sair até que o efeito do anticoncepcional passe e você possa engravidar.
— Vai me pegar à força na cama…?
— Nesse momento, minha raiva não me permite tocar em você. Mas
transamos ontem à tarde, e você não tomou o anticoncepcional. Então vamos
torcer para que aconteça algo. Porque se você não ficar grávida esse mês,
acabou casamento.
Vira as costas para mim e sobe a escada. Permaneço na sala, sentada
sozinha no sofá. Na minha opinião, não há certo ou errado nessa equação, no
entanto decido dar uma trégua.
16
ROCCO

Não tenho um plano. E levando em conta minha personalidade


esquentada e competitiva, eu deveria estar muito irritado por não ter um
plano.
A revolta não me deixa raciocinar direito. Quando liguei para Magno
pedindo para me esperar na casa de Romeo, não existia nada na cabeça a não
ser raiva. Eu pensei em jogar tudo na cara daqueles hipócritas, a merda
colossal que Virginia tinha aprontado. Mas conforme dirigia, consegui
encontrar, em um rápido lapso, uma saída para meu problema.
E ao chegar e explicar para Magno, ele aceitou me ajudar.
Existe uma chance de que ela possa estar grávida, Magno me alertou.
Porque transamos ontem, mas com a confusão no clube, ela não tomou o
anticoncepcional.
Eu sei que errei com ela no clube, reconheço, e estava pronto para me
desculpar. Agora o jogo virou. Virginia está em minhas mãos. Ela está bem
aqui debaixo dos meus pés, como deveria ter ficado desde o início. Meu erro
foi não ter cortado as asas dela na primeira ocasião. No almoço da piscina
que ela ofereceu aos meus amigos. Eu dei corda demais, e ela quase me
enforcou.
Como esperado, Olivia e Romeo aparecem um pouco depois. E quase
agradeço internamente por não terem vindo com a polícia. Dobro, com uma
calma assassina, a manga da camisa enquanto desço a escada. Virginia está
em alerta na sala; olhos saltados e levemente pálida. Não preciso ameaçá-la,
não preciso a instruir sobre como deve se comportar na frente da irmã. Ela é
quem vai decidir o próprio destino.
Abro a porta, e Olivia entra aflita, me dando um empurrão e olhando
em volta. Como se estivesse em um filme, age dramaticamente, agarrando a
irmã em um abraço assim que a vê.
— Você está bem? O que ele fez com você?
— Sim, Olivia… — Virginia segura as mãos da irmã. — Estou bem.
— Ouço o sussurro de Virginia, mas nem olho para elas, minha atenção toda
está no irmão de Magno, que se acha o dono da razão. Ele não parece querer
saber meus motivos, também não estou com vontade de dar satisfações.
Romeo está se segurando para não brigar, então apenas avisa:
— A Virginia vem com a gente.
— Ok — concordo com ele surpreendendo os três.
— Por que fez essa loucura, Rocco? — Olivia não consegue ter a
mesma indiferença de Romeo. — Eu não vou permitir que minha irmã passe
por…
Talvez ela fosse dizer que não ia permitir que a irmã passe pelo
mesmo que ela passou. E apesar de compreender seu medo, eu preciso
impedi-la imediatamente.
— Pegue as coisas dela e a leve com você, Olivia — interrompo-a
friamente e encaro Virginia. — Ou melhor, deixe-a decidir.
Vejo minha esposa engolir em seco. Ela gosta de mim. E isso é o mais
estranho, a coisa que mais me deixa confuso. Virginia gosta mesmo de mim e
quer continuar casada. Mesmo eu não dando um motivo sequer para que ela
permaneça. Tudo aqui é sobre mim, o casamento é sobre mim, o bebê, essa
casa. Não temos um acordo bilateral, em que ela possa também receber algo
em troca. Tudo que Virginia ganha é um marido e obrigações. E ainda assim
ela me quer.
— Saia dessa casa divorciada ou fique aqui comigo e continue casada.
— Dou o veredicto, e apesar de ver faíscas de raiva nos seus olhos, sei que já
decidiu.
Eu ganhei.
— Você é um grande babaca, Rocco. — Romeo sorri. — Prepare os
papéis, acho que você acabar de ganhar um divórcio.
— Isso mesmo. — Olivia concorda com o noivo, enquanto isso,
Virginia e eu nos encaramos sem piscar. Um duelo de olhares.
Será que ela vai tentar me matar enquanto eu durmo?
Sorrio de lado, e ela desvia o olhar.
— Vamos, Virginia, vou te ajudar a arrumar suas coisas.
— Eu vou ficar, Olivia. — A voz de Virginia corta a sala como uma
navalha afiada. Eu não me surpreendo, os outros dois, sim. Exibo um olhar de
vitória para o casal. Melhor que um soco na cara.
— Virginia… — Olivia balbucia.
— É o quarto dia de casamento, não vou me divorciar. Antes de vocês
chegarem, Rocco e eu conversamos e decidimos tentar. Pelo bem do bebê
que talvez eu esteja esperando.
— E por que ele te pegou daquela forma com ajuda de Magno?
— Porque eu disse que não o perdoava e não viria com ele. Mas ele
estava muito arrependido e queria me fazer ouvi-lo, então me trouxe à força.
Gosto de como ela é articulada. Inventou uma mentira na hora e fez a
irmã e o cunhado acreditarem. Eles se entreolham. Essa habilidade
dissimulada de Virginia, no entanto, não é tão positiva para mim. Como eu
posso saber quando ela está mentindo?
Romeo e Olivia se convencem, e não pedem muitas explicações. Eles
conversam pouco com Virginia, o suficiente para eu escuto suas promessas
de entrar em contato caso algo venha a acontecer. Assim que eles saem, ela
fecha a porta e me encara.
— Há uma técnica valiosa no xadrez que é sobre sacrificar uma peça
para que o outro jogador aceite ou não seu desafio, algo conhecido como
“aceitar o gambito”. E você sacrificou uma peça valiosa. Você jogou com
tudo que tinha.
— Joga xadrez? — debocho, erguendo uma sobrancelha.
— Não. Joanne e eu assistimos “O Gambito da Rainha” escondidas de
mamãe. Você arriscou. E eu aceitei o seu desafio. Mas e se eu negasse e
preferisse o divórcio?
— Você me deu segurança para tentar o tudo ou nada. — Eu me
aproximo dela e acaricio sua bochecha rosada e macia. — Você gosta de estar
sob meu comando, gosta da minha presença, mesmo que seja te tratando mal.
Isso te excita, não é?
Ela dá um tapinha na minha mão, afastando-a.
— A forma como eu sou mau com você, mas te fodo tão bem, te
deixa dependente.
— Não sou dependente.
— Então vá atrás deles. — Aponto para a porta.
Ela prende o ar e levanta o queixo para mim.
— É um contraste, querida — digo. — Altamente compreensível.
Você foi criada para ter um casamento mamão com açúcar, porém a forma
que eu te trato acende pavios em você, obriga a brotar o pior lado de Virginia,
faz suas emoções agirem em contra-ataque, e você não aprendeu ainda a
guardar as emoções para si. Uma puta seria mais digna e mais discreta.
Acabo de falar isso e recebo uma bofetada dela.
— Olha como fala… comigo.
— Isso. — Rio. — É isso que eu causo em você. Reação. Essa
bofetada vai ter troco. Vá cuidar da casa. Hoje quero almoçar aqui.
Virginia bufa de raiva. Dou as costas a ela e volto para o escritório,
assoviando de modo relaxado.
***
A atração inexplicável que meu corpo sente por ela me irrita, e por
isso fui baixo ofendendo-a e a tirando dos eixos também.
Fui obrigado a bisbilhotar todas as coisas de Virginia para me
certificar de que não havia outra caixa de anticoncepcional escondida em
algum lugar. Estava justamente xeretando as coisas dela quando toquei em
uma caixa pequena de madeira trancada com um cadeado, mas antes de
pensar em qualquer ação, ouço a voz:
— O que está fazendo?
Coloco as coisas dela de volta no lugar e fico de pé.
— Conferindo, para a sua segurança. — Passo por ela, saindo do
closet.
— Vou servir o almoço em uma hora. — Ela comunica, e eu apenas
assinto, saindo do quarto.
No escritório provisório, percebo duas ligações não atendidas em meu
celular. Sinto o estômago revirar. Conheço esse número; essa pessoa vai
continuar me perturbando não importa o quanto eu fuja. Eu me sento, as
mãos segurando a cabeça.
Repentinamente, mergulho em lembranças, um lapso de cenas que me
aterroriza secretamente. Eu falhei com Milena. Eu gostava dela a ponto de
aceitar me casar. Não era amor, disso tenho certeza, afinal, como eu poderia
amar alguém se nunca tinha conhecido tal sentimento?
Mas gostava da ideia de ser pai, e por isso eu propus o casamento. E
gostava mais ainda da boa relação que enfim estava experimentando com
meu pai; o compromisso com Milena o fez se aproximar de mim novamente.
Mas naquela noite eu ferrei com tudo.
Eu trilhei o caminho da desonestidade, ninguém me obrigou; ninguém
obriga um adulto a trepar com putas enquanto a noiva grávida está fora.
Ninguém colocou uma arma na minha cabeça. Eu quis, eu aceitei degustar
um pedacinho da antiga vida canalha novamente.
O quarto onde montei um escritório provisório, para que eu pudesse
trabalhar e ficar de olho em Virginia, parece repentinamente abafado demais
com esses pensamentos sufocantes me rodeando. Destravo a longa janela
panorâmica e recebo o ar fresco da vegetação bem-cuidada lá fora.
O barulho do carro freando na pista molhada ainda faz parte dos meus
pesadelos. Logo atrás, dirigindo outro carro, e usando apenas calça, eu vi
tudo acontecer. Não havia como impedir, mas eu produzi aquela situação. O
Mercedes de Milena rodopiou na pista…
E minha cabeça rodopia agora.
Meu celular toca novamente, me tirando do devaneio desesperador. É
minha secretária.
— Diga. — Coloco no viva-voz e me sento à mesa, ligando o
notebook.
— Rocco, você escolheu a modelo para o evento do Revanche?
A noite da exposição, em que o Revanche enfim será revelado ao
público, precisa ser impecável. E geralmente há uma modelo deslumbrante
para que, quando as cortinas forem abertas e o carro aparecer, ela esteja ao
lado, como uma dupla perfeita. Carro e mulher enchendo os olhos da plateia.
Lógico que escolhi as que mais fazem meu tipo, para que eu possa
relaxar com a escolhida logo após o evento.
— Sim. Te mandei as fotos de três modelos para escolher entre elas.
Algum problema?
— Elas estão aqui para o ensaio. Vai assistir?
— Não. Mande o material para mim depois. Eu escolho a favorita.
— Ótimo. Você ficará o resto do dia em home office?
— Sim.
— Desculpe… mas está tudo bem?
— É pessoal. Passo aí se precisar de algo. — Desligo e jogo meu
corpo para trás na cadeira.
Além da preocupação com a empresa, não paro de pensar no grande
golpe que Virginia me deu. No entanto, o que me intriga é a falta de ódio
profundo. Eu sou especialista em sentir ódio e em colocar esse sentimento
para fora. Com Virginia eu sinto outra coisa ainda desconhecida.
Abro as pernas e olho a calça social esticada por causa da ereção. É
justamente isso. Eu tenho raiva dela, mas é uma raiva que me faz, quase
sempre, ficar de pau duro. Louco para ouvi-la gritar com minhas estocadas
profundas. Louco para deixar seus seios marcados com chupadas famintas e
seus lábios vermelhos e inchados. Sentir minhas bolas batendo ferozes em
sua entrada, me certificando que estou todo dentro, até o fundo, sem qualquer
trégua.
É a porra de um ciclo agonizante. Sinto raiva dela, o que gera tesão e
mais raiva por sentir tanto tesão.
17
VIRGINIA

Com a caixa de madeira na mão, procuro outro lugar para escondê-la.


Por pouco aquele enxerido não a pegou. A minha mente está viajando. Ela
me leva para um tempo atrás, há uns quatro meses, para ser exata. Naquele
fatídico dia, minha mãe e eu íamos às compras, como sempre fazíamos; já
que ela odiava levar Joanne como acompanhante, eu sempre era a escolhida.
O dia estava frio, me lembro de ter praguejado por todo o caminho da casa
até o supermercado enfiada em um casaco gasto. Naquele dia em específico
eu não queria ter saído de casa, mas se eu não tivesse ido, jamais teria visto
aquele belo homem elegante e taciturno, de barba meio avermelhada,
atravessando a rua.
Aquele homem que hoje é meu marido.
Bato duas vezes na testa tentando esquecer esse momento. Guardo um
segredo de estado, segredo que deve seguir comigo até a sepultura. Uma
mulher determinada vale por duas.
Coloco a caixa dentro de uma das minhas malas vazias e empurro de
volta para a parte de cima do closet. Aliso o vestido, sopro profundamente e
saio do quarto para terminar o almoço.
Na cozinha, verifico o ponto da lasanha. Não vou tentar preparar nada
sofisticado. Optei pela zona de conforto com um prato que já preparei e sei
como executar as etapas. Rocco tem uma vida de luxo, com jantares
milionários e amantes finas. Sua primeira refeição com a esposa não deveria
ser uma lasanha de frango e molho à bolonhesa, mas acho que vai ficar legal
na companhia de algum vinho caro.
Enquanto a lasanha doura mais um pouco no forno, repenso todo o
caminho trilhado até agora. Eu não considero que falhei com Rocco; em todo
esse tempo, ele foi um grande babaca comigo que não merece qualquer
empatia.
Conforme solto o ar dos pulmões, de forma sôfrega, deslizo a mão em
meu vestido e paro no ventre. Rocco estava certo. Eu não tomei
anticoncepcional ontem, não tomarei hoje nem amanhã. Possivelmente o
nosso bebê já está em formação aqui dentro, consequentemente não terei
mais tempo para salvar esse casamento. Fazer Rocco me desejar, querer estar
aqui comigo, era a minha maior missão, e eu falhei.
Agora ele está determinado a não tocar em mim, de modo que assim
que confirmar a gravidez, possivelmente se afastará definitivamente. Acabou.
Fim do meu sonho brega de jovem fantasiosa. E ainda dizem que é Joanne
que tem a cabeça de vento.
Eu não deveria ter entrado nesse casamento achando que conseguiria
segurar o rojão. Já me vejo sendo uma mãe dedicada tentando suprir a
constante ausência do pai na vida da criança.
De braços cruzados, recostada na bancada, fito o papel de parede à
minha frente. Meu pé bate no chão na mesma sintonia que minha mente se
recusa a ceder. O que eu poderia fazer?
Verifico a lasanha, desligo o forno e uso uma luva térmica para
retirar. Parece apetitosa. De repente, algo me vem à mente.
Droga! É arriscado, mas pode dar certo. Pego meu celular e começo a
pesquisar. Rocco precisa me dar um notebook urgentemente. A internet é
minha maior aliada, preciso de ferramentas melhores.
Encontro o que preciso e caminho pela cozinha, pensando. Não posso
contar com Olivia. Depois de tudo que aconteceu, seria bizarro explicar algo
desse tipo para ela. Posso contar com aquela amiga doida de Olivia, a Kate.
Mas não sei se temos intimidade a esse ponto. Sobra então apenas uma
pessoa.
Ligo para Tatiana, a cerimonialista que me ajudou no almoço dos
homens.
— Porra, Virginia! Me deixa em paz. Eu só arrumei seu casamento,
não me tornei sua escrava. — Ouço o ralhar indignado ao celular e me
preparo para a convencer.
— Mas será bem paga, por favor, Tatiana. Só você pode fazer isso por
mim.
Ela faz uma pausa; cruzo os dedos esperando que ela aceite.
— Merda! Ok. Me explica isso direito.
— É só um produto natural que estou precisando, você provavelmente
consegue no mercado ou em uma farmácia de produtos naturais. Vou te
mandar por mensagem tudo que precisa saber e onde pode encontrá-lo.
— Certo. Vou cobrar duzentos reais. Eu tenho mil coisas para fazer,
não posso ficar a seu dispor.
— Tudo bem. Assim que eu puder, te pago. Me casei com um homem
rico, lembra?
— Você não me deixa esquecer. Mando um motoboy te entregar
quando conseguir.
Reflito bastante sobre minha nova tática. Entrei nesse casamento
disposta a ser feliz, mas não disposta a ultrapassar todos os limites. Não
quero ter que obrigar Rocco a sentir algo por mim, no entanto isso vai deixá-
lo trincado de tesão. Um empurrãozinho só.
Desenformo o arroz nos dois pratos usando um aro culinário. Gosto
do resultado. Acho que ficou brega com uma folhinha de salsa por cima,
então a tiro do prato. Deixo a lasanha para servir quando Rocco estiver à
mesa.
Rocco chega muito desconfiado na cozinha. Ele me olha como se eu
fosse uma suspeita de um crime e estivesse escondendo pistas.
— Eu não sei fazer muita coisa espetacular. — Aponto a mesa. —
Optei por lasanha. Gosta?
— Desde que esteja comestível, para mim tanto faz. — Ele vai direto
para a adega que fica ao lado da dispensa, e após analisar bastante, escolhe
um vinho. Abre a garrafa e serve nas duas taças. É um gesto bobo, mas eu
fico admirada.
Com cuidado, corto a lasanha, sirvo no prato dele e aguardo ansiosa
por uma opinião. Que ele não destrate minha comida ou sou capaz de tacar na
cara dele.
— E então? — A expectativa me consome enquanto Rocco mastiga,
exibindo um semblante surpreso.
Limpa os lábios e bebe um gole de vinho. É satisfatório vê-lo comer.
Sua elegância, em contraste com a costumeira rudeza de sua expressão.
— Eu não vou ser um cuzão como o Ludovico que colocava defeito
na comida da sua irmã — diz, mostrando que sabe mesmo sobre a vida da
minha família. — Apesar de você ser uma pilantra, a lasanha está ótima. —
Ele come mais um pedaço e agora sorri. — Ao menos isso, uma esposa que
sabe cozinhar.
Flutuando de felicidade, sirvo lasanha para mim. E ao provar, percebo
que está mesmo muito boa, modéstia à parte.
— E então, o que você faz no seu trabalho? — Faço uma tentativa de
puxar assunto. Surpreso, Rocco levanta a cabeça do prato e me olha.
— Cuido da papelada.
— Não parece divertido.
— Não é.
— Você não vai na área de montagem dos carros?
— Poucas vezes. Só quando preciso ver algo. Tem alguém que faz
isso por mim e me entrega os relatórios.
— Vi na internet que você vai fazer um lançamento de um carro que
está em segredo.
Mastigando adoravelmente, Rocco me analisa.
— Sim. E daí?
— Só curiosidade. Será um evento?
— Sim.
— Posso ir?
— Não. — É sucinto e volta a se concentrar no prato.
— Por que não?
— Porque não. Não estamos casados de verdade, Virginia, isso aqui
— aponta com a faca entre mim e ele — são negócios apenas, você sabe
disso. Além do mais, estamos brigados, para de falar.
— Para todo mundo lá fora eu sou sua esposa. Como eu não estarei
presente no seu evento principal?
Ele sabe que eu tenho razão, então para por segundos fitando meus
olhos.
— Até lá a gente vê. Mas não é do meu interesse te levar. Vamos
comer calados antes que eu fale algo que provavelmente vá te magoar.
Sim. Essa recusa imbecil dele não me magoou. Apenas me deixou
mais determinada. Eu sei muito bem por que ele deseja ir sozinho: as
modelos da campanha que estarão lá só para o seu deleite.
Não enquanto eu tiver essa aliança no dedo.
18
VIRGINIA

TATIANA: A mulher disse que não tinha o produto que você queria,
mas mandou esse que faz efeito mais rápido e é totalmente natural. Mas,
atenção, use apenas cinco gotinhas. Pode colocar na comida dele ou em
alguma bebida.
Leio a mensagem da cerimonialista ao mesmo tempo em que seguro
com força o produto que ela mandou. Como Rocco está em casa e me
vigiando, pedi que ela escondesse junto com sapatos usados, para despistar.
E, como eu imaginei, ele logo quis saber o que eu tinha recebido, pois
o segurança veio avisar que tinha encomenda.
— Apenas alguns sapatos que Joanne me mandou. — Fiz questão de
abrir a sacola para ele espiar.
Apesar do olhar desconfiado, Rocco aceitou minha mentira.
— Esses sapatos são horríveis. Acho que você precisa de coisas
novas. Não por você, afinal não merece, mas por mim. É uma vergonha a
minha esposa andando maltrapilha — opinou, dando as costas e voltando ao
escritório. Vai, Cenourão, você nem imagina o que te aguarda.
— Estou aqui, aberta a presentes! — grito para ele.

***

Passo um bom tempo escolhendo a roupa perfeita para a noite. Porque


estou considerando que hoje será a minha verdadeira noite de núpcias. Rocco
vai fazer essa casa tremer, e estou mais do que pronta para ajudá-lo.
A escolha da roupa quase foi uma missão fracassada.
Eu não tenho roupas bonitas e muito menos roupas sensuais. Meus
vestidos são uma vergonha. A maioria fabricados por minha mãe, sem design
algum: retos, abaixo do joelho, gola estilo colarinho e mangas quadradas.
Ainda por cima, ela usava o tecido mais barato que meu pai trazia.
É ironia pura que ele tenha uma fábrica têxtil e usássemos as piores
roupas.
A verdade é que meu pai nunca nos presenteou com roupas
adequadas. Primeiro, por nos ver como meras máquinas de trabalho braçal
doméstico e um meio para que ele conseguisse frutíferas parcerias nos
negócios com bons casamentos. E segundo que como tem uma fábrica têxtil,
sempre trazia retalhos de tecidos, exigindo que minha mãe costurasse para as
três filhas.
Ele sempre dizia: “Para que comprar roupas se tem todo esse tecido
que sobra na fábrica?”
Jamais tivemos um vestido de baile ou de debutante. Jamais tivemos
saltos altos, pois ele considerava acessório de mulher da vida. E esse é um
passado que enfim eu me libertei. Todavia parece que esse meu infortúnio vai
mudar: Rocco percebeu que preciso de uma repaginada.
Escolho o vestido, mas ainda não visto. Preciso terminar o jantar.
Cheia de agilidade e ânimo, volto para a cozinha, amarrando um avental no
corpo, e espio o peixe no forno. Passei minutos a fio com Olivia ao celular
para que ela me explicasse como assar o peixe inteiro.
Claro, minha irmã mais velha aproveitou o momento “MasterChef”
do nosso telefonema para me encher de recomendações, como se eu não
soubesse dobrar um homem raivoso.
O segredo é deixá-los acharem que estão no controle, que estão
vencendo. E então, damos bote quando menos se espera.
— E ele está em casa agora? — Olivia perguntou ao telefone.
— Não. Saiu com a promessa de que volta rápido. Só precisou ir à
fábrica.
— Vocês estão bem mesmo?
— Estamos, fique tranquila, Oly.
— Tudo bem. Qualquer problema com o peixe, me ligue. Vilma está
dizendo para fazer uma salada tropical ou um purê de batata doce como
acompanhamento.
— Anotado. Vou ver o que posso fazer com o que tem na geladeira.

***

Agora já passa das oito da noite, o peixe está pronto e bonito, a mesa,
posta com direito a taças para vinho e para água, talheres de prata e um belo
vaso com flores naturais no meio. Olho meu reflexo no micro-ondas
espelhado, gostando de ver meus cabelos tão volumosos espalhados em ondas
pelos meus ombros. Ouço a porta abrir e corro para a sala.
Acho graça de como Rocco paralisa desconfiado ao me ver. Olha para
meu corpo coberto com o vestido mais novo que tenho e que foi uma das
exceções que comprei. Eu mesma escolhi, não é sexy, só é novo e tem um
bom caimento, com a cintura marcada.
Para calçar, minha melhor opção foi o salto do casamento. Seus olhos
param em meus cabelos, sei que ele gostou. Deu um trabalhão chegar ao
resultado com ajuda de alguns bobes, mas valeu a pena.
Rocco olha para trás de mim e semicerra os olhos.
— O que está aprontando?
— Eu? Nada. Sou apenas uma esposa dedicada esperando o marido.
— Avanço e tomo o terno da sua mão, em seguida tento puxar sua maleta.
Ele segura firme.
— O que está fazendo? — Olha surpreso para minha mão na maleta.
— Te ajudando. Por que não sobe e toma um banho? Fiz um peixe
delicioso.
— Certo… — sussurra com olhos desconfiados, e até fico tentada a
me olhar no espelho para ter certeza de que não tenho chifres reais de capeta
na cabeça.
— Eu mesmo posso levar isso — diz e puxa a maleta. Ele me deixa
na sala e sobe as escadas com passadas rápidas. Sopro o ar efusivamente,
porém não nervosa, a euforia me domina. Se tudo der certo, hoje ele nem
dorme. Já estou preparada, e espero que o Cenourão acabe comigo. Que me
deixe moída na cama.
Rocco desce minutos depois, cheiroso e usando camiseta regata
branca e calça moletom. Um gato.
— Então, fez outra coisa que não seja lasanha? — Olha com interesse
para a comida servida na mesa.
— A exímia cozinheira é a Olivia, mas eu faço o que posso. Sente-se,
eu te sirvo.
— Já que insiste. — Ele se senta e observa com atenção enquanto
sirvo o vinho nas taças. Claro, já pinguei na taça dele algumas gotinhas do
produto. Umas oito ou dez, só para garantir. Corto o peixe e escolho uma boa
fatia para me exibir. Minha alma sorri vitoriosa quando Rocco toma um gole
do vinho.
— Eu mesma escolhi — digo. — O vinho. Vi na internet que ele
combina com peixe.
— Está ótimo.
Rocco cheira o peixe, como se quisesse ter certeza de que é mesmo
real, e coloca o prato diante de si. Come a primeira garfada e me olha.
— E então?
— Hum… — resmunga e come mais um pouco. Rocco semicerra os
olhos para mim enquanto mastiga.
— Esse não tem espinhos pequenos…
— Nada mal. — com o garfo, verifica o ponto interno do peixe. — O
ponto está bom.
— Que bom que gostou. — Como um pedaço do peixe, sem parar de
sorrir enquanto encaro meu marido, que daqui a pouco estará pior que um
touro.
— O que foi?
— Nada. — Dou de ombros.
— Não vamos transar — ele comunica enquanto come e me olha.
— Como assim…?
— Está toda arrumada, com jantarzinho pronto. Não vamos foder,
Virginia. Não sei se percebeu, mas eu te coloquei em uma longa greve de
sexo. Fez uma coisa horrível, não me pediu perdão e acha que vai resolver
tudo assim? Com porra de lasanha e peixe? — Apesar de suas palavras, o tom
é moderado.
Enrijeço e engulo a comida. Tocando na haste da taça, tento recobrar
o controle da frieza quando e encaro.
— Eu não disse que queria sexo.
— Bom, se essa não era a sua intenção, foi o que pareceu. Já fique
avisada. Não toco mais em você.
— Então… desistiu da gravidez?
— Eu te dei uma chance. Torça para estar grávida por não ter tomado
o anticoncepcional ontem, pois se não estiver, você está bem ferrada. — Bebe
mais um gole de vinho e indica o peixe: — Sirva mais para mim.
— E quanto a mim, Rocco? — Não o obedeço e não sirvo o peixe. —
Você também não me pediu perdão pelo que houve no clube. Você traiu os
votos de nosso casamento e me fez assistir, me deixando vulnerável para
qualquer maluco daquele lugar. Como de fato aconteceu.
Ele enrijece e não contesta. Desvia os olhos dos meus.
— E, mesmo assim, estou aqui, tentando. Tirando com balde a água
dessa canoa furada que é nosso casamento.
— Qual era a sua intenção? — indaga em um tom manso. — O que
pretendia impedindo a gravidez que eu tanto preciso?
Agora é minha vez de calar bruscamente e abaixar a cabeça. Não vou
falar que minha intenção era fazê-lo transar mais vezes comigo.
— Não é uma canoa, Virginia. É a porra de um Titanic afundando.
Não há mais jeito. Eu tentei te machucar no clube como uma maneira de te
desiludir de vez…
— E mesmo assim ainda quer um bebê dessa relação que você reluta
em aceitar?
— Eu preciso! — Aumenta o tom de voz. — Se o bebê vier, seremos
uma sociedade, como em uma empresa. Uma sociedade para criar um filho.
Não é uma boneca ou um produto, é uma pessoa que estará sob os nossos
cuidados. E acho que quanto mais rápido entendermos isso, será mais fácil
encarar a realidade.
Rocco corta ele mesmo o peixe de qualquer jeito e coloca no prato,
voltando a comer calado.
19
VIRGINIA

Deveria partir de mim recusar ter algo com esse estúpido insensível.
Deixar que ele saísse louco de pedra procurando putas na rua para aliviar o
tesão que vai começar em breve. Mas sou uma lutadora e mesmo antes de
casar coloquei na cabeça que Rocco não escaparia de mim.
Eu sinto uma atração poderosa por ele. Eu o quero mais que tudo. Eu
quero uma família, com um filho e um marido. E Rocco é o candidato
perfeito. Ainda é cedo para desistir. No entanto, não é tão cedo para a
pergunta ricochetear em minha mente:
Quando é que ele vai enfim me enxergar com alguém que está aqui,
ao seu lado?
Fiz tudo premeditado. Ele terminou de comer e foi para o escritório,
enquanto eu subi e preparei um banho de banheira. Nas instruções do
produto, dizia que o efeito começaria entre quarenta minutos a uma hora. E,
enfim, quando esse pequeno intervalo passa, não preciso ir atrás, já que
Rocco aparece no quarto.
Está suado e um pouco ofegante. Os cabelos assanhados, mostrando
que passou a mão nos fios em um gesto de ansiedade. Ele me fita e passa a
língua nos lábios, umedecendo-os. Os olhos brilham como se eu fosse um
copo de água em um deserto com calor de quarenta graus.
— Porra. Estou derretendo de calor. — Arranca a camiseta e vai para
o closet. Eu corro logo atrás.
— O que houve? Para onde vai?
— Preciso… sair. Está acontecendo alguma coisa aqui. — Conserta a
frente da calça, atraindo meu olhar para aquela parte. Eu fico chocada como
ele está volumoso. Rocco tira a calça de moletom, posso ver o contorno do
pau muito duro dentro da cueca. Meu coração acelera. Meu ventre se
contorce. O prenúncio de um ato sexual enlouquecedor domina meu corpo
sem que haja qualquer menção da parte dele.
— Eu ia tomar… um banho refrescante. Vá você. — Puxo o braço
dele. — Venha aqui.
— Virginia… me deixe!
— Calma, um banho vai te relaxar — insisto, puxando-o — Deve ser
o clima quente da cidade.
— Porra! — ele segura o pau com força, por cima da cueca, e me
segue se contorcendo, a reação é como se estivesse quase gozando.
Rocco para e recosta na parede, se contorcendo feito uma cobra.
Ainda segura o pau, com força.
— Caramba! O que está acontecendo? — balbucia, perplexo.
Sem se importar com minha presença, tira a cueca, esbanjando o pênis
ereto, com veias saltadas. Ele entra na banheira já preparada e desliza até o
fundo, mergulhando; quando emerge, me olha com interesse expressivo.
— Vou te trazer algo gelado. Fica aí.
Rocco não responde, e eu saio correndo do quarto. Na cozinha, pego o
champanhe na geladeira e as duas taças. Volto para o quarto, e como planejei,
tiro a minha roupa e visto apenas o robe quase transparente por cima. Pronta
para ser expulsa ou bem recebida, entro no banheiro.
Não tenho um corpo escultural como o da stripper que estava
dançando no clube, é um corpo normal, mas tenho tudo no lugar. A forma
como Rocco me fita assustado me faz hesitar. Ele percorre meu corpo com os
olhos. E acho que nesse instante ele percebeu tudo. Sem dizer nada,
mantenho contato visual.
— O que pensa que está fazendo? — ele ofega. Mas não há raiva na
expressão, apenas surpresa.
— Não perco oportunidades…
Deixo o champanhe do lado da banheira e solto um suspiro, parada
em frente ao meu marido belo e selvagem imerso em espuma.
— Que merda você aprontou? — Segura com força nas bordas da
banheira, mas não desvia os olhos da minha mão, que adentra
despretensiosamente o robe, acariciando o seio.
Greve de sexo uma ova!
Com delicadeza, desamarro a faixa, o tecido cai suave e provocante
contra minha pele. Não perco a menor nuance de expressão de Rocco. Ele
não parece crer no que está acontecendo. Deixo o robe caído aos meus pés e
dou dois passos para longe, sempre tampando os seios, como a donzela
tímida que venderam para ele.
Rocco sai da banheira antes que eu possa alcançar a porta do
banheiro. Nenhum dos dois age de maneira brusca, são insinuações sutis,
como uma gazela que planeja uma rota de fuga diante de um leopardo
faminto.
Estou aqui para o que der e vier. Olho diretamente para o pau robusto,
ereto e provavelmente latejando. Dá vontade de fazer perversões gostosas
com o membro do meu marido. Mas deixo a decisão para ele.
Mordo os lábios e volto a fitar Rocco. Encontro um brilho malicioso e
um vislumbre de sorriso nos lábios.
— Sua… vaquinha descarada. — Rosna e avança todo molhado em
minha direção. Dou um passo atrás, mas ele me pega, me jogando contra a
parede. Rocco é um homem grande, então todo o seu corpo molhado, porém
quente, está circundando o meu. Meu coração parece que vai sair pela boca, e
juro por Deus, que ele bate na mesma sintonia que minha vagina lateja.
Ergo o queixo, e Rocco segura minha garganta. O pau pressionado no
meu ventre, o peitoral molhado fazendo uma deliciosa carícia nos meus
mamilos. Caramba, Jesus! Estou arfando.
— Acha que eu não conheço meu próprio corpo, Virginia? — A voz
rouca junto ao hálito quente cheirando a vinho me deixa arrepiada — O que
colocou na minha bebida?
— N…nada.
— Seja ao menos corajosa e assuma a patifaria.
Agarro o corpo de Rocco e estremeço com o contato, que dura apenas
segundos, já que ele me imobiliza, prendendo minhas mãos acima da minha
cabeça. Sacana do jeito que é, dá um impulso com o quadril, me fazendo
sentir o pau duro, pronto para me encher de felicidade.
— E o que vai fazer quanto a isso? — sussurro desafiando. —
Consegue me ignorar, marido?
Sua risada só me excita ainda mais. Rocco tinha razão: seu lado
canalha e malicioso me atrai de forma absurda, incita em mim a libertação do
meu lado mais pervertido.
— Não vejo problema em aproveitar aquilo que é meu. — Cobre os
meus lábios com sua boca, me dando um único beijo longo e molhado. Quero
continuar beijando, quando ele se afasta da boca e desce pelo meu pescoço.
Perco o ar. É impossível me manter sob controle diante dos toques de Rocco.
Ele está queimando, posso sentir como ofega contra a minha pele,
levando a boca de maneira necessitada direto para meus seios. Rocco solta
minhas mãos, e eu as levo imediatamente para seus cabelos, enquanto sinto a
deliciosa carícia dos lábios quentes alternando em cada seio.
— Você… é uma pilantra muito gostosa — diz, como se fosse para si
próprio, e caí de joelhos diante de mim. Eu quase nem acredito que seja
verdade. Usando da mesma euforia com a qual chupava meus seios, Rocco
descarrega pura eletricidade em meu corpo ao lamber satisfatoriamente a
minha vagina.
Eu estava latejando de desejo, de modo que a língua molhada junto
aos lábios famintos é uma tortura gostosa e alucinante. Eu encontro meu
reflexo no espelho do banheiro e quase penso que estou louca de tanto que
me vejo revirando os olhos, a boca aberta soltando gemidos esporádicos.
Eu me casei com um homem que chupa uma mulher com maestria,
nunca experimentei outro, mas tenho certeza de que ele faz da maneira mais
correta, e não só por fazer. Rocco gosta de chupar. Se esse é o pecado que
mamãe alertava, eu não quero parar nunca de pecar com o meu homem
marrento e quente como uma fornalha.
Rocco fica de pé, e quase me faz enlouquecer ao encostar a cabeça do
pau na minha entrada. Abro um pouco as pernas, de modo convidativo.
— Você está louca por isso, não é? — Ele faz uma pressão, sinto a
ponta do pau deslizar na entrada apertada, mas Rocco não prossegue. Ele não
deixa, puxando para fora e voltando a pincelar no meu clitóris. — Olha como
você me deixou — sussurra, ofegante contra minha boca. — Pronto para a
guerra, louco de tesão. Estou pronto para… foder a noite toda. Mas você…
não vai provar.
— Como é?
Ele me deixa na parede e dá um passo para trás. Quase descontrolado,
tentado a seguir em frente e transar comigo, ele sorri, sendo mais forte que o
efeito do produto que coloquei no vinho.
— Vou sair e me esbaldar com putas caras no clube do Magno. E
você fica em casa. — Ele sai rápido do banheiro. Eu resfolego, de olhos
fechados, apreciando a raiva duelar com o tesão e ganhar maior parte de meu
coração. Pego o robe no chão do banheiro, visto e saio direto para o quarto.
Rocco vestiu a calça de moletom e uma camiseta; e em um rompante, sai do
quarto.
— Então vai sair assim? — Eu me apresso a ir atrás dele — Nesse
estado?
— Vou, sim. — Sem olhar para trás, continua andando. — Desse pau
aqui você não prova.
— Sabe que eu posso ligar para… alguém… — Caramba, eu não
posso ficar aqui nesse estado. Raiva e tesão constituem um surpreendente
coquetel para meu coração agitado.
— Os seguranças não vão deixar ninguém entrar. — Desce a escada,
e eu paro na metade dela. — Se vire com seus dedos.
Rocco chega na sala, pega o celular e as chaves bem no momento que
grito:
— Não consegue reerguer a empresa da família nem dar prazer a sua
esposa. Seu frouxo!
Rocco me olha.
— É tão frouxo e covarde, que tem medo de transar comigo e não
querer parar.
Ele deixa o celular na mesinha e, com passos rápidos, volta para a
escada. Sobe e fica um degrau abaixo de mim, me encarando.
— Meça suas palavras, Virginia. Não acha que já aprontou demais?
Ótimo. Ele acaba de dar a dica, mostrando seu ponto fraco: atacar o
ego. Sorrio e sussurro diante dos seus lábios:
— Frouxo!
Viro para voltar para o quarto, mas Rocco me puxa. O sangue ferve
no seu olhar, acho que no fundo ele só queria mesmo que eu implorasse para
ele ficar. Porque o maldito quer, não está se aguentando, precisando liberar
toda a libido inflamada pelo produto. Eu consigo ver isso nos seus olhos. E
acabei de lhe dar um bom motivo.
Em um instante, mais rápido que meus pensamentos, Rocco me puxa,
e quase caio do degrau. Consigo agarrar sua camiseta, mas é por pouco
tempo: o safado segura minhas mãos, ofegando contra meus lábios, me vira
de costas para ele e me empurra com força logo em seguida, em direção à
escada.
— Rocco! — exclamo, achando que ia cair. E, de fato, ele
praticamente me derruba de quatro nos degraus da escada. Ainda me
segurando, olho para trás e vejo que ele desce a calça moletom de um jeito
afoito. Afasta o meu robe e me encontra completamente nua por baixo.
Ofego, surpresa com o que ele vai fazer.
E não demora para que eu descubra suas intenções. Com o rosto
praticamente em um degrau e a bunda empinada, com as mãos presas às
costas, me sinto exposta e indefesa ao mesmo tempo que assombrosamente
excitada. A maneira brutal que Rocco me segura e seu arfar quente em minha
nuca são delirantes. É algo novo, algo que jamais imaginei e que traz à tona
meu pior lado. Um lado sangue-quente, a boazinha Virginia se torna a
faminta esposa pervertida.
Usando apenas uma mão para segurar as minhas, Rocco dedilha
minha vagina como se soubesse que bastava um toque para ela se animar.
Contorço o quadril e recebo um tapa forte na bunda. Não ligo. Porcaria! Eu
não ligo. O tapa é seguido de um dedo inteiro dentro de mim que ferve até
minha alma. Até levanto o queixo com os dentes cerrados, gemendo
entredentes.
Outro tapa, e agora libero o gemido relaxado com um sorriso quase
involuntário.
Virginia, sua devassa!
E em poucos segundos vem o melhor. O pênis, o senhor pau do meu
marido. Rocco usa seu membro para bater em meu clitóris e espalhar minha
lubrificação. A cabeça redonda pressiona lentamente, mas não entra. Fica ali,
na porta, fingindo que vai entrar, acariciando e pressionando, porém se afasta,
me frustrando. Chacoalho o quadril, desejando a invasão gostosa, mas Rocco
dá outro tapa, dessa vez não tão forte, em cima da minha vagina.
— Aahh! Rocco…
— Diga! — Sinto sua voz pertinho da minha orelha. — Está me
provocando, armando contra mim o tempo todo. Diga, Virginia, o que quer?
Eu quero ouvir você pedir.
— Você! — Nem penso em fazer jogo duro. Eu o quero
imediatamente.
— Que parte de mim? — Empurra todo o dedo para dentro de mim.
Suspeito que seja o médio.
— Seu pau. Roccooo…
— Está vendo como é bom mexer com a libido alheia? — Enfia e em
seguida tira o dedo devagar, fazendo questão de arrastá-lo em minhas carnes
sensíveis — Vê como é ter que implorar? Vai mexer mais com seu marido,
vaquinha trambiqueira?
— Nãoo…
— Pede.
— Eu não tenho problema em pedir, seu tolo! Me come, idiota!
— Já que você pede com tanto carinho…
O maldito ri, saboreando meu descontrole, e abala completamente
meu psicológico quando em uma única investida saboreia as minhas
entranhas em chamas com o pau longo e em riste feito uma vara. É delicioso
sentir que estou me abrindo para recebê-lo, em um ataque único e grosso, tão
macio e perfeito, até bater bem fundo; meus olhos parecem revirar enquanto
meus pulmões esquecem de puxar o ar.
Rocco aperta, segurando meu quadril e mantendo minhas mãos ainda
presas. Pressiona tudo dentro de mim, sinto apenas os testículos fora. Ele é
grande, no entanto me preenche com perfeição.
— Sua boceta é sempre tão carinhosa comigo. Pena que a dona é uma
pilantra. — Arrasta o pau para fora e em questão de segundos sinto o choque
de sua boca ali, chupando de maneira voraz minha vagina. — Hum… que
delícia, cacete. Está piscando feito um pisca-pisca de Natal. — Ri novamente,
se ajeita atrás de mim e volta a completar o meu vazio pulsante, não de
maneira forte, mas em uma única metida gloriosa.
— Aaahhh! — Solto o gemido alto. Já com as mãos libertas, seguro
com força no degrau, me mantendo de quatro. Ele, por trás, começa as
batidas viciantes. Rocco faz de uma forma tão espetacular, com uma rudeza
que é ao mesmo tempo quase poética.
Segurando meu quadril e meus cabelos, Rocco faz o que quer de mim.
Gostoso, na medida exata para fazer meus gemidos ecoarem pela casa em
meio ao som das batidas, mas não a ponto de ser desconfortável para nós.
— Tem marido frouxo, Virginia?
— Não!
— Responda gritando! — Acerta um tapa na minha bunda e dá uma
metida funda e dura. Bem gostosa. — Diga!
— Você não é frouxo! — berro.
Transar em uma escada, nessa posição… Eu jamais imaginaria. E
digo com certeza que é a coisa mais ousada e gostosa que já experimentei até
agora.
Sem que eu possa prever, ele sai completamente de dentro e se senta
em um degrau.
— Venha, monte em mim — comanda.
Eu me levanto, ofegando, e observo-o sem a calça, mas ainda com a
camiseta branca, cabelos assanhados e pau em riste, convidativo, me atiçando
de maneira luxuriosa. Impressionante que mesmo tendo tomado o produto
que eu arrumei, ainda assim Rocco consegue se manter no controle da
situação.
Deixo o robe de lado, e com sua ajuda, me encaixo em seu colo.
Deslizo pela extensão do pau, e ao chegar no fim, Rocco ataca meus lábios
em um beijo delirante. Todavia não fica muito tempo ali, ele quer se deleitar
com meus seios, dos quais sabe cuidar com veneração. Com os pés firmados
no degrau de baixo, Rocco me faz pular, galopando em seu pau sem trégua,
de uma maneira gostosa e rápida. Nossos corpos se batendo, sua boca em
meus seios e minhas mãos fazendo um bom serviço em mapear cada músculo
rígido do seu corpo.
Tive de puxar a camiseta para ter um contato maior com o corpo
quente. Minha boca passeia por toda a pele de Rocco, ao mesmo tempo em
que um grito escapa, libertador. Ele não para de se arremessar em brutais
estocadas, até que todo meu interior se contraia em torno do pau. Estou em
êxtase. Estamos, na verdade. Os olhos de Rocco estão vidrados, olhando
diretamente os meus; nesse instante não é raiva ou ódio que vejo: é fogo. Na
verdade, pura esperança para mim.
Há mais que apenas brasas queimando dentro dele. Há uma fogueira.
Quando a prisão gostosa dos seus braços me envolve com mais
aperto, sinto que ele vai gozar. E não quero beijá-lo ou fechar meus olhos.
Quero observar os olhos azuis cruéis que estão cientes da minha percepção.
Eu percebo que Rocco me quer, e ele percebeu que eu descobri.
Então gozamos, quase juntos, gemendo e urrando, feito máquinas de
combate. Cravo as unhas em sua coxa e estremeço ao saborear o orgasmo
acompanhado das estocadas úmidas, ininterruptas. Até que, enfim,
descansamos o rosto um no outro.
20
ROCCO

— Você quase acaba comigo. Não sinto minhas pernas e estou


dolorida — Virginia reclama de modo descontraído, mergulhada na banheira
junto comigo. Relaxado à sua frente, solto um sorriso raso.
— Espero que tenha aprendido a lição.
Fecho os olhos, ignorando que meu corpo inteiro ainda reage à
potente substância que Virginia me fez beber. Ainda estou trêmulo, e o pau
não amolece de jeito nenhum. Está dolorido, cansado e ainda latejando, duro
feito pedra.
Depois do sexo na escada, achei que estaria saciado. Mas bastou
levantarmos para eu precisar cercar Virginia na sala, onde recomeçamos todo
o gostoso embate. Em pé, contra a parede de vidro, eu a fodi sem me
importar que algum segurança pudesse ver lá de fora; acho que esse fato só
nos excitou mais. Em seguida, a segurei com força e trepamos no tapete, até
gozar novamente.
Demorei uns bons minutos deitado no chão da sala, ao lado dela, até
conseguir forças para levantar e me refugiar na cozinha. A garganta, seca,
como o saco, que não tinha mais uma gota de esperma. Acho que gozei tudo
que tinha armazenado.
Bebi vinho, tomei muita água e não aguentei a loucura de tesão em
que meu corpo se consumia. Era como se estivéssemos há uma semana sem
sexo.
— Olha o que você fez. — Eu abracei Virginia contra a geladeira,
com a voz embargada.
— Eu conhecia as consequências. — Ela me fitou nos olhos. — E
estou disposta a aceitá-las.
Sem mais esperar, coloquei-a sentada na bancada e chupei sua boceta
inchada até o orgasmo dar as caras novamente. Então a preenchi com meu
pau duro feito uma rocha.
Urrei feito um animal na terceira gozada, que nem saía mais nada. O
leite estava secando, mas o desejo, não.
Virginia não parecia diferente de mim. De olhos saltados, tentava se
recompor sentada na bancada, onde tinha acabado de ser magnificamente
comida. Nós nos hidratamos e voltamos para o quarto. Sem dizer nada, sem
debate, sem qualquer pronunciamento. Joguei-a na cama e passei bons trinta
minutos chupando a boceta que entrou para a minha lista de preferidas. Mas
ela não precisa saber disso.
É gostosa, apertadinha, tão receptiva a mim como se conhecesse os
meus comandos. Além de sempre afagar meu ego por eu saber que sou o
único a estar ali.
E cá estamos na banheira, nos recompondo e encarando um ao outro.
— Era Viagra? — indago.
— Não. Se chama Tesão de Touro. Desculpa.
Abro os olhos e encaro-a.
— Me conta tudo. Sem omitir nada.
Ela assente, mexe a mão na água e acompanha o movimento com os
olhos. Ao levantar os olhos para me fitar, noto um lampejo de malícia. O
sorriso dela é atraente, apesar de tudo. Essa mulher é o cão em figura de
gente.
— Eu queria ganhar a disputa contra você — começa. — Sei lá, não
achava justo você ficar com raiva de mim e decretar greve quando na verdade
o que eu sofri no clube foi bem mais grave. Então tive a ideia de atiçar sua
libido. Lembrei que tinha lido uma matéria um tempo atrás sobre um homem
ter ido parar no hospital por causa da grande quantidade de Viagra.
— Leu essa matéria trágica e pensou que era uma boa ideia fazer o
mesmo com seu marido?
— Apesar de ser um marido que me detesta, não quero você morto.
Bom, eu não comprei Viagra justamente com medo de algo acontecer. Então
pesquisei na internet, vi um produto natural e pedi à cerimonialista para
comprar e me mandar. Aqueles sapatos que você viu eram apenas disfarces
para esconder o produto.
Estou completamente pasmo ao ouvir seu relato. Virginia é superior
não só às irmãs, como também a qualquer outra mulher que eu já tenha
ficado. As outras só se preocupavam em ficar mais bonitas, em me agradar,
só olhavam para aparência. Enquanto a novinha recatada que me venderam é
na verdade um escorpião.
Sinto meu pau começar a sossegar. A água parece ajudar. Está enfim
amolecendo. Encaro o rosto da mulher à minha frente.
— O que você quer de mim, Virginia?
— Como assim?
— Bom, você queria se casar e conseguiu. Seu pai queria uma boa
segurança financeira caso acontecesse um divórcio e conseguiu. Você tem
um marido, uma casa de luxo, em breve muito dinheiro que poderá gastar da
forma que quiser e ainda um futuro filho para preencher todo o seu tempo. O
que ainda quer de mim?
— Rocco…
— Você trama o tempo inteiro, e todas as armações são para ficar
comigo.
Ela pensa, sem desviar os olhos dos meus, mas não parece que vai
ceder. Joga os cabelos de lado com uma expressão cheia de si.
— O que há no seu coração, Rocco?
— Como é?
— Já foi alguma vez preenchido por amor de outra pessoa? Ou o
desejo de viver algo assim?
— Não fale sobre isso. — Eu me mexo impaciente na água.
— Sei que sou a pessoa menos propícia a falar sobre isso com você,
nem espero receber um sentimento assim, só tento entender o que há no seu
coração, que, acredito, não pode guardar só amargura.
O rosto de Milena cobre minha mente, e eu desvio o olhar, ficando
inesperadamente tenso.
— Não acredito no amor.
— Porque te convém nesse momento ou porque te fizeram não
acreditar?
Encaro Virginia. Não há uma expressão de xeque-mate, como se ela
quisesse me aniquilar. É algo como pena ou até um brilho de arrependimento,
que talvez seja por ela perceber que entrou em um casamento sem retorno
amoroso.
— Tudo bem se não me amar. — Dá de ombros. — Eu posso
aguentar, porque na verdade eu fui criada para isso. Já preparada para
enfrentar um casamento assim. Sem amor, sem respeito, sem parceria. No
entanto, agora estou levemente preocupada com o nosso filho, porque eu não
queria para ele um pai como o meu…
— Não ouse me comparar com aquele velho…
— Que não ama a esposa, que gasta todo o dinheiro com putas caras,
ama mais a empresa que as próprias filhas, vê os casamentos como negócios
e trata as filhas como instrumentos. Quão diferente você quer que eu te
julgue?
Engulo em seco, de olhos saltados, observando a fragilidade no rosto
corado da minha bela esposa. Uma jovem que passou seus primeiros vinte
anos sofrendo nas mãos de uma família ditadora e hipócrita. Eu devia ver
Virginia como um sopro de esperança que brotou no meio de toda aquela
loucura. Mas eu a vejo como um perigo para minha vida já bem orquestrada.
— Eu não te detesto — confesso, de cabeça baixa. — Odeio o que
você me faz sentir. E faço questão de não lidar com essa sensação em
momento algum. Eu não tenho disposição para dar a você o que quer e
merece.
— Tudo bem. Se quiser sair agora, ir embora e voltar só quando o
bebê nascer para conhecê-lo, prometo que não vou mais intervir.
Penso nisso e não tenho vontade de sair dessa casa. Pelo menos não
agora. Ela me convence com as palavras. Virginia é sonhadora e tentou fazer
o casamento dar certo. É louvável tal tentativa, mas inútil. Quando enfim
conseguir provar que está grávida, eu sumo daqui e volto apenas para
conhecer o bebê.
Um homem resistente não tropeça fácil.

***
— Estou faminto — digo como um pensamento alto para mim
mesmo, apesar de Virginia estar ao meu lado no banheiro enquanto me
penteio em frente ao espelho. Ela termina de se enxugar e veste um roupão.
— Posso esquentar o peixe da janta — oferece.
— Não vou comer peixe à uma e meia da manhã. — Saio rápido do
banheiro, no closet escolho um jeans qualquer e o visto sem cueca mesmo;
pego a primeira camiseta que encontro, de um time europeu, e visto um
casaco por cima.
— Vai sair? — ela está levemente chocada.
— Vou procurar algum lugar aberto para comer. Ainda estou com
tesão e muita fome. Você vai me pagar caro. — Escolho um par de tênis e me
sento para calçar. Virginia continua no mesmo lugar, calada, apenas me
observando. Sem se opor. — Quer vir comigo? — Nem sei o que me dá na
cabeça para convidá-la. De repente, escapou.
— Posso? — Ela se anima, os belos olhos cheios de expectativa.
— Você me ajudou a quebrar um recorde de sexo em uma noite.
Acho que merece que eu te pague um lanche.
Rapidamente ela se veste. Um vestido azul-claro, tênis baixos
surrados e um casaco também gasto por cima.
— Porra, você está parecendo minha funcionária. Vou ser obrigado
mesmo a te dar roupas? — reclamo ao entrar no carro com ela. Virginia
afivela o cinto e dispara um olhar entusiasmado.
— Oh! — exclama, indicando um tom cínico. — Então eu tenho a
chance de ganhar mais do que um lanche?
Suprimo um sorriso e dirijo para fora da propriedade.
Eu sei exatamente um lugar que fica aberto durante a madrugada e
que serve porções deliciosas de fast-food. Os caras e eu sempre dávamos uma
passadinha depois de encher a cara em algum bar ou festejar em uma boate. É
conhecido entre a gente como o point de alto nível da larica.
Deixo o carro no fim da rua, não me admirando por estar tão
movimentado. Virginia caminha um pouco tensa ao meu lado, atenta a tudo à
sua volta, e eu acabo nos surpreendendo ao pegar sua mão e segurá-la,
entrelaçando nossos dedos.
Ela olha para nossas mãos e fita meus olhos.
— Não se iluda — advirto.
— Jamais.
Noto que tem bastante gente no balcão, por isso escolho uma mesa
afastada. Reconheço uns dois caras no balcão e um deles vem até mim.
— Rocco. — Faz barulho me cumprimentando. Vira-se para Virgínia,
e percebo o interesse expressivo em seu olhar. — Está em horário de abate?
— cochicha de lado para mim.
— Não fode. Essa é minha esposa.
— Ah! — Seus olhos arregalam enquanto um sorriso se abre. — Eu
perdi o seu casamento, não a conhecia ainda. — Estende a mão para ela. —
Franco Magela, à sua disposição.
— Prazer, Virginia. — Virginia está enrubescida. Apesar de ser uma
trambiqueira, devo sempre me lembrar que ela ainda está conhecendo o
mundo aqui fora.
— Pronto, vaza daqui — ordeno e pego o cardápio. Franco não se
opõe à minha ordem e se afasta, voltando para junto da galera e dando uma
última olhada para minha mesa.
— Muita fome? — pergunto para Virginia.
— Não. Você vem sempre aqui?
— Sim. — Mantenho os olhos no cardápio.
— Sempre acompanhado…
— Na maioria das vezes. E sempre é uma experiência tediosa, porque
mulheres em geral detestam o tipo de comida servida aqui.
Ela olha em volta, para a decoração do lugar, com banners de lanches,
batatas e sucos.
— Comida gordurosa?
— Exato. Vou pedir um pouco de cada coisa. Você escolhe se come
ou só me assiste.
Faço o pedido, e quando a garçonete se afasta, recosto na cadeira,
cruzo os braços e fito a jovem à minha frente. Está em um lugar novo para
ela, creio que possivelmente hostil, por isso esse olhar atento.
É bela, intrigante e seu olhar reflete a alma jovem e ambiciosa. Eu
odeio me sentir atraído por Virginia. Porque essa atração expõe a minha
fraqueza. Eu odeio como meu corpo é obcecado por seu cheiro simples ou
como meus sentidos ficam mais vivos diante de sua energia feroz. É mais do
que Milena e mais do que as outras de alto patamar que enfeitavam minha
cama.
Virginia tem algo que nenhuma outra tinha: ímpeto de realizar seus
sonhos. Nada sobre joias, nada sobre propriedades, nada sobre empresas. É
sobre ter uma família e fazer dela algo melhor do que foi a sua. Como ela me
disse hoje na banheira, teme que eu possa ser para nosso filho o que o pai
dela é para as filhas.
O sonho de Virgínia é simples, bucólico, inspirador. É uma pena que
seu sonho me inclua. Eu não posso ser o sonho de ninguém.
21
VIRGINIA

A variedade de comida calórica na mesa me deixa admirada, mas não


tanto como ver Rocco saciar sua fome de maneira excitante. Gosto de assisti-
lo em momentos simples como esse. Ele come um mini-hambúrguer, e de
repente, seus olhos pousam em meu rosto.
— O quê? — Retira vários guardanapos e limpa a boca. Dou de
ombros.
— Você estava mesmo com fome.
— Sim. — Enche de ketchup o último pedaço e enfia na boca. Eu
como um pouco das batatas e saboreio um hambúrguer. Quero provar mais
coisas que parecem apetitosas e que nunca tive a oportunidade de sair para
comer.
— Isso não é um problema para você? — indago e, quando tenho sua
atenção, explico: — Manter o corpo… você é todo sarado.
— Eu mantenho uma dieta equilibrada, não como essas besteiras
todos os dias. Até isso aqui virar uma pança — ele bate no tórax enxuto —
preciso comer muito hambúrguer.
Trocamos um sorriso, e sinto minhas bochechas corarem. Estou tendo
um encontro com meu marido. Não é bem um encontro, mas vou considerar
dessa forma. É meu primeiro encontro com ele, sozinhos, comendo juntos,
como desejei desde a primeira vez que o encontrei.
— Uau! — Rocco ofega e recosta na cadeira, se mostrando saciado.
Ele me fita com um belo sorriso enquanto ainda como a minha deliciosa torta
salgada de carne seca e palmito.
— Gostou? — indaga.
— Adorei a experiência. Não era algo comum em minha vida.
— Sair para comer?
— Sim.
Ele se interessa e se inclina para frente, cruzando os dedos sob a
mesa.
— Vocês pediam em casa?
Rio com sua pergunta. Tomo um gole longo de Coca-Cola antes de
prosseguir.
— Meu pai jamais gastou dinheiro com comida pronta, sempre usou o
discurso de que havia quatro mulheres em casa para cozinhar.
— Mas comer fora não é sobre ter alguém para cozinhar, é sobre ter
um tempo para si, para as pessoas que você gosta. Experimentar outras
comidas, colecionar momentos.
Acho admiráveis essas palavras virem de um homem tão frio como
Rocco.
— As únicas vezes que consegui comer um hambúrguer de alguma
lanchonete foram na época da escola, quando conseguia sair escondida com
minhas colegas. Minhas irmãs e eu nunca soubemos o que é sair com os pais
para comer fora ou ir a um parque ou qualquer outro evento em família.
— Mas e sua mãe…?
— Sempre foi conivente. Na verdade, minha mãe se casou… — faço
uma pausa antes de continuar — como a gente. Por conveniência. — Rocco
desvia o olhar. — E se fechou cedo demais com a amargura do casamento.
— Porra, teu pai é o pior escroto que já conheci. E olha que já conheci
muitos.
— Mas eu adorei que minha primeira vez em uma lanchonete desse
tipo tenha sido com você.
Rocco apenas assente, calado, sem rebater. Seus olhos parados no
meu rosto dizem que centenas de pensamentos sobre mim ricocheteiam em
sua mente, quase posso ver um pingo de compadecimento no olhar.
— Chega de falar de mim. — Agito as mãos, quebrando o clima. —
Fale sobre você — peço, ciente de que Rocco vai negar.
— Sobre mim? O que quer saber?
— Sei lá. Qual é sua cor preferida?
— Por que quer saber isso?
— Porque eu quero conhecer o pai do meu futuro filho. Mesmo que a
gente não vá ter uma relação romântica estável, lembre-se que eu serei
responsável por comprar os presentes do Dia dos Pais que ele vai te dar.
Rocco faz uma careta, olha para os lados, usando como sempre a
expressão que indica impaciência.
— Sei lá. Preto. Ou branco. Não sou muito de cores.
— Comida favorita?
— Vai continuar? — Ergue uma sobrancelha.
— Sim.
— Carne vermelha e café.
— O que gosta de comer no café da manhã…?
— Omelete ou qualquer coisa com ovos. — Confortável, ele recosta
na cadeira. Rocco já terminou de comer, e eu estou mais interessada no
questionário que ele está solicitamente respondendo do que na comida.
— Filme preferido?
— Sei lá… O Clube da Luta, Seven, Taxi Driver. Tenho vários
favoritos.
— Nunca vi nenhum. — Dou de ombros. — Na verdade, não vi
muitos filmes em minha curta vida.
— Me diga o último que viu e gostou.
— Ah… — Eu me animo por ele querer saber algo sobre mim. —
Aquele do Guarda-costas, com aquela cantora que morreu… a… Whitney…
— Houston.
— Isso. Foi o último que assisti. Pelo celular.
— Que merda. Vocês não podiam ver televisão?
— Digamos que… meu pai acha que televisão influencia muito as
mulheres. — Antes que ele volte a atenção para o meu pai, emendo outra
pergunta: — Me diga o lugar no mundo que você mais gostou de ir.
— Mônaco. — responde sem pensar.
— Onde fica?
— Perto da França. É lá que acontece o prestigiado prêmio da
Fórmula 1. E o primeiro lugar no mundo que fui com meu pai. Eu sonho em
ver os carros da Montoya na competição novamente. Ainda assim, vou a
Mônaco todo ano.
— Que fascinante! E como é lá?
— Bom… Fica na costa do mediterrâneo e tem comidas deliciosas.
Tem o famoso porto de iates… e Monte Carlo, que é o principal distrito,
possui um elegante complexo de cassinos da belle-époque…
— Da quê?
Rocco solta um sorriso e abana a cabeça antes de explicar.
— Resumidamente, é isso.
— Uau! Deve ser puro luxo. Eu nunca saí da cidade.
— Nunca?
— Não. Na verdade, mal conheço alguns pontos turísticos daqui do
Rio, porque a gente não saía muito de casa.
— Entendi. — Rocco me encara por vários segundos antes de se
levantar. — Vou rápido ao banheiro enquanto você curte mais um pouco de
tudo isso.
Assinto e o observo se afastar. Volto minha atenção às coisas da mesa
e escolho um pãozinho recheado. Mergulho no molho e dou uma mordida.
— Rapaziada, apresento a senhora Montoya. — Ouço a fala e tomo
um susto. Há uns quatro homens em volta da minha mesa, com olhos
curiosos, como se eu fosse um animal na vitrine do zoológico, e eles, os
visitantes.
O que me apresenta aos outros é o tal Franco Magela, que
encontramos na chegada.
Sorrio, tentando ser simpática.
— Oi.
— Eu não fui convidado para o seu casamento — um deles diz, e de
pronto respondo:
— E mesmo assim se diz amigo do Rocco? — O salão se enche de
gargalhadas masculinas.
— Você é alguma modelo ou atriz… ou influenciadora? — outro
homem pergunta, com olhar investigativo.
— Não. Deveria ser?
— É o tipo de mulher que ele costuma… bom, deixa para lá.
— Ele estava saturado da normalidade e decidiu buscar um pouco de
originalidade.
— Uoouu!
— Eitaa.
Os homens avacalham, rindo da minha resposta, e por mais que
estejam meio altinhos por causa da bebida, parecem legais.
— A senhora planeja colocar o Cenourão mal-humorado no devido
lugar?
— Acho que você desvendou meu plano.
Mais uma vez riem, como se eu tivesse contado a melhor piada de
todas.
— Algum problema por aqui, confrades? — Nem preciso virar para
saber que Rocco chegou. A voz dele me dá tranquilidade, apesar de eu não
estar me sentindo em apuros diante dos amigos bêbados dele.
— Estávamos conhecendo sua esposa, Montoya. Ela tem um bom
senso de humor, diferente do seu.
— Pois é. Agora, fora daqui. Magela, leva esses caras daqui, para o
bem geral da nação. — Rocco pega o casaco e veste.
— Porra, cara. Vai perder a amizade por boceta?
— Caralho, você vai ter que aprender a respeitar perdendo os dentes
da frente, meu irmão? — Rocco vai para cima do homem, e eu quase pulo da
cadeira.
— Vamos, Reinaldo. — Franco puxa o amigo fanfarrão. — Deixa o
cara em paz. Vamos.
Os homens se afastam, e eu estou com a mão no peito sem acreditar
na reação de Rocco.
— Vamos, Virginia. — Rocco sai andando, e eu me apresso em pegar
minha bolsa, tomar um último gole de coca e aumentar o passo atrás do
homem marrento.
Como se eu fosse uma criança, Rocco me puxa pela calçada,
segurando minha mão.
— O que houve? — pergunto. Ele não responde. — Está muito
bravo?
— Estou, Virginia. Muito. Com eles.
Paro de andar e o puxo. A rua está mais vazia do que quando
chegamos. Já são quase três da manhã, e o clima frio da madrugada chega a
ser agradável.
— Eu estou bem, e adorei ver você me defendendo.
— Eu defendi a minha honra, não você. Não se iluda. — Volta a
andar, enfiando as mãos nos bolsos da calça.
— Bom, eu vou fantasiar que me defendeu. Que você defendeu sua
esposa porque ficou com ciúme. — Corro para acompanhá-lo e pego em seu
braço. Rocco revira os olhos, mas não me afasta.
Lamentando silenciosamente, entro no carro. Eu gostaria de andar um
pouco mais com ele, pela madrugada. Coloco o cinto, e Rocco dirige calado.
O único som vem da música baixa que toca no carro. Algo em inglês que
nunca escutei antes. Eu não escutei muitas músicas ao longo da minha vida.
De um tempo para cá, depois de ganhar um celular, consegui descobrir mais
do mundo à minha volta.
Ainda assim prefiro as antigas. As românticas.
Os dedos de Rocco tamborilam no volante, enquanto seus lábios
sussurram junto com a música.
— Sabe inglês? — pergunto.
— Sim.
— Sério? — Volto-me para ele, estando de verdade admirada. —
Sabe falar e entender inglês?
— Virginia, não sei se reparou, mas estou prestes a me tornar CEO de
uma multinacional. Seria ridículo se eu não fosse fluente.
— Você é muito chique. Fala algo em inglês para mim.
— Shut up.
— O que significa?
— Cala a boca.
Ao invés de ficar magoada, acabo rindo, pois eu deveria ter previsto
algo do tipo, e diante da minha gargalhada, um sorriso desponta nos lábios de
Rocco. Ele movimenta a cabeça em gesto negativo, tentando não me dar bola.
22
ROCCO

Estranhamente foi uma experiência agradável sair para comer com


uma pessoa que eu jurei detestar e manter o mais afastada possível de mim.
Com uma singular característica entusiasmada e curiosa — o qual foi capaz
de me irritar em outras ocasiões — Virginia foi uma boa companhia. Ela sabe
ouvir e quer ouvir tudo que eu digo. Ela tem ânsia de aprender tudo sobre
mim, e não vou negar que é bom saber que alguém se interessa pelos meus
problemas.
Enquanto lanchávamos, contei a ela sobre os problemas que a
empresa vem enfrentando, e Virginia compreendeu, enfim entendeu, por que
preciso tanto cumprir o testamento do meu pai. E, despido do meu ego,
abaixei a guarda e prometi a ela que poderia se despreocupar em relação a
nosso filho. Assim que ele nascer, será a coisa mais importante para mim,
disso eu tenho certeza.
E farei questão de que ele não tenha um pai de merda como ela e eu
tivemos.
Chegamos em casa, espero ela passar, fecho a porta e digito a senha
do alarme. Caminho em direção a escada até ela chamar meu nome.
— Rocco.
— O quê? — Paro e encaro Virginia. Estou empanturrado, e ainda
com muito tesão. Preciso tentar dormir.
— Traduz um pedacinho de uma música para mim —pede de um jeito
sem graça, usando seu costumeiro ar simplório.
— Como assim? — Ergo as sobrancelhas.
— Ah… — Ajeita os cabelos atrás da orelha. — A música em inglês
vai tocando e você vai falando, traduzindo, como faziam na rádio FM.
— Rádio FM?
— Sim, eu achava o máximo ouvir a voz do homem falando a
tradução da música.
Eu quero mandar Virginia parar de tolice e ir dormir. Mas imagino
que durante toda a vida escutar a rádio deve ter sido a única diversão dela e
das irmãs. Já que nessa noite eu mantive a bandeira branca erguida, não custa
atender a seu pedido.
— É meio difícil, até para alguém fluente, traduzir a música de
imediato enquanto ela toca.
— Ah… sim. — ela assente. Eu poderia virar as costas, usando toda a
minha frieza que sempre esteve disponível para ser despejada contra as
pessoas, mas seu olhar ingênuo e admirado me detém.
— Pesquise a tradução na internet e vai lendo enquanto ouve — dou a
sugestão.
— Não é a mesma coisa. Quero ouvir uma voz de homem, e você é o
meu homem.
Porra.
Em vez de fugir, de me sentir desconfortável, minha pele se aquece
com sua afirmação. Sou o homem dela. Isso não deveria mexer em nada
comigo, mas, de repente, estou de pau duro e arrepiado.
Passo segundos a fio, incrédulo, encaro a mulher à minha frente. E
sem saber que merda estou fazendo, pego meu celular no bolso da calça e me
sento no sofá. Ela se senta ao meu lado.
— Que música quer ouvir? — Tento ser grosseiro no tom de voz, para
não dar espaço a Virginia pensar que está tudo a mil maravilhas.
— Ah… é a da Whitney Houston, daquele filme do guarda-costas.
Pesquiso o nome da música, e quando encontro, busco-a no
aplicativo. Virginia se assusta e coloca a mão no peito quando as primeiras
notas ressoam pela sala nas caixas acústicas embutidas.
— Tem caixa de som na sala? — Olha para cima, no teto, procurando.
— Sim, pode tocar na casa inteira.
— Então, se eu estiver na banheira…
— Pode — interrompo-a.
— Que máximo. Eu nunca vi essas coisas chiques tecnológicas,
Rocco, eu…
— A música vai começar.
— Ah, sim, pode começar. — Dá um sorrisinho, e eu me concentro
para entender a letra da música. Impaciente, tamborilo os dedos na perna.
A voz melodiosa e firme canta, e Virginia me fita, esperando.
— “Compartilhe a minha vida…” — digo. Desvio o olhar e pouso
minha atenção nos meus pés. — Algo como… “me aceite por quem eu sou”.
Ouço a parte a seguir e fito os olhos de Virginia, sem dizer nada.
— Continue… — sussurra.
— “Porque não vou mudar… quem eu sou por você.”
Ela assente, como se fosse algo que eu estivesse dizendo
espontaneamente.
Permaneço calado, escutando uma estrofe inteira sem traduzir, até
recomeçar:
— “Eu realmente não preciso olhar muito além…” — Reviro os
olhos. Eu me pergunto se ela escolheu essa música de modo calculista ou foi
coincidência. — “Eu… não quero ter que ir aonde você não me siga.”
Pego o celular e pauso a música. Virginia me observa, com belos
olhos acesos.
— Você já sabia a tradução dessa música e está tentando me fazer
sentir algo com a letra? — questiono, pressionando-a. Virginia fica pálida;
pega no pulo. Ela é muito inocente de pensar que eu ficaria sentimental com
uma música romântica antiga.
— Não. Mas… a letra da música não te faz sentir nada?
— Me dê seu celular — peço, e ela me passa imediatamente. Com
uma rápida pesquisa, encontro a tradução da letra e entrego o celular a ela. —
Chega de bobeira. Vou dormir. Pode ler o resto sozinha.
Virginia nada diz. Recebe de volta o celular, e a música recomeça de
onde pausei. Caminho em direção à escada, mas eu deveria conhecer muito
bem minha esposa. Ela não lê apenas para ela, fala em alto e bom som, e eu
paro de andar.
— “Não me faça fechar mais uma porta.” — A voz de Virginia é
firme, ela sabe o que está fazendo. E quando me viro, ela está simplesmente
me olhando, lendo e esperando uma reação da minha parte. “Eu não quero
mais me machucar. Fique nos meus braços se tiver coragem.”
Droga! Não acredito que vou me enfurecer com uma provocação tão
merda.
— Quer saber, querida? Já são mais de três da manhã. Não é hora de
ficar ouvindo música. — Toco no aplicativo, parando a reprodução.
— Rocco! — protesta.
— Cama! Agora!
— “Não se afaste de mim.” — Ela me surpreende, voltando a ler a
tradução da música. — “Eu não tenho nada.”
— Virginia, eu vou perder a paciência.
— “Nada.”
Reviro os olhos, e ela conclui:
— “Se não tiver você.”
Já estou bem perto dela, tomo o celular da sua mão e jogo no sofá.
— Por que adora me provocar?
— Uma música romântica mexe com você? — Ela me enfrenta de
narizinho empinado.
— Não. Sua teimosia mexe.
— Talvez eu queira continuar tentando descobrir se aqui dentro —
toca no meu peito — bate um coração.
— Não. Não bate. Porém meu pau pulsa na mesma batida de um
coração. — Minha mão agarra com força a parte traseira dos cabelos de
Virginia. Ela vibra satisfeita com minha atitude e geme, me agarrando
quando a beijo.
No fundo, bem no âmago, eu reconheço que procuro pequenos
detalhes para “perder a paciência” com ela e usar o sexo voraz como válvula
de escape. Eu não tive raiva dela agora já pouco por causa da música. Foi
apenas muito tesão que preciso liberar.
Virginia afasta a boca da minha, já estamos quase colocando o
coração para fora, ofegantes. Ainda segurando seus cabelos, nos olhamos de
maneira quente por segundos, até as mãos dela se emaranharem em minha
calça, lutando contra o botão.
Seguro bruscamente uma de suas mãos.
— Medo não… combina com você, Rocco.
— Você é uma grande cadelinha trambiqueira. — Seguro seu queixo
e arfo junto a seus lábios.
— Sua cadelinha trambiqueira. Cachorro — ela devolve na mesma
moeda, mordendo meu lábio e se afastando para percorrer meu pescoço com
a boca. E eu deixo. De olhos saltados, corpo pegando fogo, eu deixo Virginia
desfrutar do que ela deseja.
Ela se senta no sofá, eu continuo de pé, observando-a beijar meu
umbigo e passar a língua no cós da calça. Essa é a santinha que juraram
existir?
Não sei quem de verdade é a minha esposa, mas adoro sua
desenvoltura em querer aprender e querer sentir prazer na mesma proporção
que dá.
As mãos trêmulas, mostrando que não tem experiência em despir o
jeans de um homem, me deixam ainda mais hipnotizado. O belo contraste
entre a ânsia pervertida e o ar inocente me faz perder a cabeça.
Virginia abaixa minha calça. Estou sem cueca. Meu pau sai feito uma
tora de aço; ela o admira antes de dar um beijinho na cabeça. Um beijinho
cândido, e ele pulsa feito um touro. Outro beijinho na minha virilha, nos ralos
pelinhos avermelhados, e outro no saco.
Enlouqueço de vez. Seguro o pau e dou algumas batidinhas na sua
bochecha.
Pela expressão, Virginia deve achar isso a coisa mais descarada do
mundo. Ela me fita boquiaberta por ter ganhado sua primeira surra de piroca.
E eu bato mais. No queixo redondinho, na boca em formato de coração,
esfrego no nariz, até ela me brindar com um sorriso.
— Você é apaixonada pelo meu pau, não é?
A resposta é uma respirada longa, os olhos brilhantes me fitando.
— Abra a boca.
Ela obedece, e eu acaricio seus lábios com meu polegar, introduzindo-
o um pouco mais, até que ela o chupe sem perder o contato visual comigo.
Meu polegar passeia de um lábio ao outro, excitando-a. Sei que isso a deixa
aquecida. O dedo sai, e a cabeça do meu pau toma o seu lugar. Ela abre os
lábios e faz como eu ensinei no clube: acomoda devagar entre os lábios
quentes e macios. Solto um gemido inesperado, e ela parece gostar de ouvir.
— Lambe. O segredo é deixá-lo todo meladinho. — E ela faz com
dedicação.
Seguro seus cabelos enquanto ela experimenta cada pedacinho meu.
Chupa à vontade a cabeça, mas não consegue engolir muito.
— Respire pelo nariz — sussurro, conduzindo-a. — Respire e o deixe
entrar.
Virginia faz isso, e consigo deslizar metade do pau para dentro, mas
tiro rápido, apenas para ela se acostumar, antes que engasgue.
— Tudo bem?
— Caramba… é desafiante… e bom. — Volta a chupar e se concentra
apenas na cabeça, se lambuzando. Movimentando a mão para cima a para
baixo, Virginia massageia de uma forma gostosa.
— Recoste no sofá — comando. Termino de tirar a calça, e Virginia
faz o que peço. — Agora recoste a cabeça no encosto do sofá. — Ajudo-a a
encontrar uma boa posição, deitando a cabeça no encosto. Então subo no
sofá, ficando de pé sobre ela. — Abra a boca e mantenha a cabeça deitada no
encosto. Vou foder sua boca até gozar. — Com cuidado, me apoio e
aproximo o pau da boca entreaberta.
Virginia está ofegante, admirada com o que está acontecendo. É novo
para ela. E pelo seu olhar, está adorando descobrir safadezas sexuais. Ela abre
a boca, e deslizo o pau para dentro, devagar, afundando entre os lábios
apenas minha cabeça pulsante; para dentro e para fora, com calma.
— Relaxa o maxilar e deixa entrar.
A posição, seu olhar cravado em meu rosto, a boca macia e quente,
tudo isso me faz tremer. O gozo vem, ou melhor, apenas as contrações, já que
não creio que reste qualquer coisa para ejacular.
— Vou gozar — aviso, e ela segura minhas coxas. Não paro de foder
a boca de Virginia, de pé sobre sua cabeça, até que preciso me equilibrar para
não cair enquanto estremeço gozando.
Sinto que não saiu quase nada, como eu previa. Tiro o pau para fora, e
enfim ele está relaxado. Pegando-a de surpresa, me inclino sobre o seu rosto e
beijo seus lábios.
— Tudo bem? — sussurro, e com o polegar, limpo o canto da sua
boca.
— Uau. Estou… feliz.
Rio de sua resposta e desço do sofá. Ajoelho diante do sofá e abro as
pernas dela.
— Agora é sua vez.
23
VIRGINIA

Não me considero tola de estar feliz por ter dormido minha primeira
noite com Rocco Montoya, o homem com o qual me casei. Logicamente eu
não deveria sorrir às seis da manhã sentindo um corpo masculino, nu e quente
aninhando-me confortavelmente. Mas nada até aqui aconteceu de maneira
lógica; estratégica, sim, a maior parte do tempo, mas lógica, não.
Eu entrei nesse casamento sem saber o que aconteceria, ou melhor,
prevendo o que aconteceria. E Rocco comprovou minhas expectativas sendo
frio, maldoso, baixo na maioria das vezes. Ele fez de tudo para me expulsar.
E logicamente eu deveria ter me afastado.
Mas comigo a lógica nunca fez sentido.
Depois de mais um orgasmo, nos chupando no sofá da sala, dormimos
exaustos, lado a lado na mesma cama.
Por Deus! Eu deitei imóvel, torcendo para que ele não fosse para
outro lugar ou me expulsasse da cama. Foi uma noite perfeita, e eu não queria
que acabasse com um gosto amargo. Mas Rocco se deitou ao meu lado. Não
apenas se deitou, se virou de lado, apoiando-se no cotovelo, e me observou.
— O quê? — sussurrei, com o coração disparado na garganta. Ele ia
me mandar sair, eu estava pressentindo.
— O quanto eu me fodi te fodendo hoje…
— Por que diz… isso?
Ele recostou nos travesseiros, cruzando os dedos atrás da cabeça.
— Você é esperta, mas não entende o coração de um homem,
Virginia. E como ele funciona.
— Achei que não tivesse coração… — Tentei ser engraçada.
— É justamente isso. Eu me fodi porque agora… parece que está
nascendo um. — Rocco não me abraçou. Continuou com os dedos cruzados
atrás da cabeça, relaxado, tão belo como uma estátua grega. Suspirei e fechei
os olhos, aliviada por ter o meu marido ao meu lado, mesmo que distante. Por
longos minutos, remoí sozinha o que ele quis dizer. No fim, o sono acabou
me vencendo.
Todavia, ao acordar pela manhã, senti a sensação que fantasiei
enquanto solteira. Como seria dormir de conchinha? E lá estava eu
confortavelmente aninhada. E não qualquer conchinha: era a conchinha de
um Rocco cheiroso, quente e muito duro pressionado em minha bunda. O
braço forte e pesado me envolvendo, a perna entre as minhas. Que sabor,
meu Deus! Desfrutei por minutos a fio do momento até criar forças para
levantar, pois minha bexiga estava me matando.
Tomei um rápido banho e me vesti, parando em frente a cama para
contemplar o homem esparramado dormindo como se fosse um anjo; no
fundo, eu sei que é um anjo profano e desvirtuado, capaz de qualquer coisa
para atingir seus objetivos. Dou de ombros sorrindo, não somos nada
diferentes.
Na cozinha, analiso o que posso fazer para o café da manhã. É nosso
primeiro café juntos, e eu quero surpreender. E já sei do que ele gosta, pelo
questionário que me respondeu ontem na lanchonete.
Levo algo em torno de uma hora e meia para fazer todo o café, montar
a mesa, escolhendo o melhor jogo de xícaras. Deu tempo de fazer um bolo —
uma das poucas coisas que sei fazer. Coloquei raspas de limão na massa para
dar um gosto especial. Quase festejo ao retirar o aro da forma de fundo
removível e me deparar com o bolo inchado e bonito. Coloco na mesa junto
com um queijo que achei na geladeira e café forte, como sei que Rocco gosta.
Bato os ovos em uma tigela, como diz o vídeo que assisto no celular.
Quero fazer um perfeito omelete, mas confesso que não tenho prática
nenhuma. Sempre que tentei fazer, os ovos saíram queimados e duros.
— O que é tudo isso? — Levo um susto ao ouvir a voz. Quando me
viro, vejo Rocco fitando a mesa da cozinha, incrédulo por encontrá-la tão
convidativa.
— Ah… bom dia. Senta. Estou preparando nosso café.
— Você devia supor que não vou comer mais nada feito por você.
— Eu não coloquei nada… Você bebeu todo o produto que comprei.
É só café, juro.
Ele me assiste, as mãos na cintura, a desconfiança enrugando o cenho.
A boca se aperta em uma linha, mas relaxa após pensar um pouco. Em
seguida, volta a fitar a mesa.
— Estou praticando para fazer uma omelete. Senta — insisto.
Eu sei que ele está com fome, mesmo tendo comido à beça antes de
dormir. Gastamos muita energia ontem. Rocco me dá um voto de confiança e
senta. Olha a xícara, passa o guardanapo dentro dela, para se certificar que
não há nada colocado maldosamente, e só então serve o café. Finjo que não o
vejo provar e me concentro na omelete, enquanto Rocco se serve do bolo.
— Fez bolo? — Inala antes de comer um pedaço.
— Sim. Espero que goste.
— Acordou antes das sete para fazer bolo?
— Não é o que uma esposa deve fazer?
— Só no seu mundo retrógrado. Quando estiver grávida, não quero te
ver fazendo essas maluquices. Vou contratar alguém para cozinhar, você
precisa apenas descansar e cuidar do bebê.
— Fico levemente lisonjeada. Mas devo adiantar que assim como não
nasci para ser escrava, não nasci para ser madame.
Consigo virar a omelete do jeito que o vídeo ensinava. Fica linda,
brilhante e úmida. Desligo o fogo e sirvo em um prato, levando-o para
Rocco.
— Espero que esteja do seu gosto.
— Obrigado.
Eu me sento à mesa com ele e observo atenta Rocco cortar um pedaço
e comer. Ele mastiga, me fitando, com uma expressão indecifrável.
— Eu não sou boa mesmo no fogão. — Nervosa, adianto minha
defesa. — É até bom mesmo você contratar uma cozinheira, senão só vai
comer mal. Meu pai sempre criticou a minha comida… dizia que eu seria
péssima para alimentar um homem e que seria sorte se meu marido não me
devolvesse, porque eu…
Rocco corta mais um pedaço da omelete e avança com o garfo na
direção da minha boca. Paro de falar, surpresa com sua atitude.
— Abra a boca.
— Eu não…
— Abra a boca, Virginia.
Eu abro, pensando que talvez ele queira que eu coma para ter certeza
de que não está envenenada. Mastigo e adoro o sabor. O sal no ponto certo.
— Gosta?
— Bom… eu não sei como você gosta da omelete, nunca tinha
feito…
— Eu perguntei se você gosta.
— Sim. Eu gostei.
— Então para de remoer as merdas que seu pai fazia você engolir.
Porra, já que eu vou ficar casado, que seja com a mulher que planejou e
entrou escondida no clube de Magno. Eu não gosto nada de ver você se
rebaixar por causa da opinião daquele sujeito.
Eu nem respiro, paralisada fitando Rocco, que volta a comer,
degustando com apetite feroz a omelete. Ele acabou de me defender? Sinto
meu coração saltar feliz, até sinto as mãos tremendo ao servir café para mim.
— Depois do café, se vista. Nós vamos sair — ele comunica, olhando
algo no celular.
— Vamos? Para onde?
— Comprar o uniforme do seu cargo.
***

— Quer me explicar que conversa é essa de uniforme? — pergunto


mais uma vez para Rocco, agora já no carro com ele. Como meu marido não
quis dizer para onde íamos, escolhi um dos vestidos costurados por minha
mãe e calcei uma sandália sem salto. O vestido é simples, florido, e a bolsa
horrível, sem marca, já está gasta; no entanto, é a melhor que tenho.
Rocco nem precisa se arrumar muito para ofuscar tudo à sua volta
com elegância e poder. O jeito como o relógio cai tão bem em seu pulso ou
como a calça parece cara sem que nem se precise verificar o caimento. Bate o
olho e já dá para perceber que é roupa boa. O sapato é algo espetacular, e os
óculos escuros, em contraste com seu cabelo acobreado, levemente
despenteado, conferem a ele um ar de estrela.
— Você está exercendo o cargo da única senhora Montoya viva. Não
é de bom tom que você continue usando… — Ele dá uma olhada para mim.
— Isso.
— Vai comprar roupas para mim?
— Encare como seu uniforme para o cargo que ocupa.
— Você tem uma maneira fria de encarar o casamento…
— Ao menos compenso sendo muito quente consumando o
casamento. — Sorri para mim, e quase suspiro fascinada, mas me contenho a
tempo de não parecer uma iludida.

— Conheço esse lugar — sussurro, observando os exuberantes


prédios pela janela do carro.
— Claro que sim. Olivia mora por aqui — Rocco explica
cordialmente e aponta para uma certa direção. — O condomínio de mansões
de luxo. Romeo tem seus defeitos, mas reconheço que tem bom gosto.
— Vamos fazer compras aqui?
— O lugar que tem as melhores opções de roupas.
Rocco explicou que vamos visitar algumas lojas especificas, mas que
o melhor é começarmos pelo requintado shopping de São Conrado. Eu me
flagro abismada e muito enérgica. Não sei como reagir. Confesso que
planejei muito, mentalmente, esse momento. Mas agora que está
acontecendo, me sinto não como uma pérola deslumbrante, mas sim como
uma ostra fechada escondendo a pérola.
Rocco segura minha mão e agradeço em silêncio. Ele combina com
este lugar, enquanto eu pareço uma pessoa qualquer deslocada de minha
realidade.
— Você compra suas próprias roupas? — pergunto a ele.
— Sim. Na verdade, diferente de alguns homens, gosto de escolher o
que vou vestir. Tenho uma pessoa que me ajuda com encomendas sob
medida.
Eu o escuto explicar, mas minha atenção está em tudo à minha volta.
Claro que já entrei em um shopping antes, mas nada comparado a esse.
Encaro chocada uma vitrine de uma loja. Enorme, luxuosa, parece coisa de
outro país. O nome, em letras douradas, traz imponência. Um vestido
maravilhoso está em um manequim, e eu até coloco a mão no peito,
fascinada. É algo que uma artista de cinema usaria.
— Por que não entra e dá uma olhada? — Rocco pega o celular no
bolso. — Só preciso atender essa ligação e já te acompanho.
— Tudo bem — assinto, e um pouco comedida, ajeito os cabelos e
entro na loja. Acanhada, completamente perdida, com medo de esbarrar em
algo, quebrar e ser obrigada a pagar.
Observo duas mulheres muito bem-vestidas usando salto alto e roupas
de caimento perfeito, sentadas em poltronas enquanto uma atendente
conversa baixo com elas. Devem ser clientes.
Passo os dedos nos vestidos, boquiaberta, maravilhada, como uma
criança em uma loja de doces. São todos muito bonitos, chamativos, o paraíso
de uma mulher. Enfim me posiciono ao lado do vestido exposto no
manequim da vitrine e consigo me ver dentro dele no evento da exposição do
carro de Rocco. A etiqueta tem um nome que deve ser a marca: “Carolina
Herrera”. Não conheço marcas, mas deve ser chique.
Uma mulher se aproxima de mim, tão bem-vestida, que nem sei se é a
dona da loja, cliente ou atendente. Nem dá bom dia, apenas me olha.
— Oi — sussurro. — Lindo, não?
Apenas assente e faz questão de olhar meus pés. Vir com uma
sandália baixa não pareceu boa opção. Ainda assim, não deixo a peteca cair.
Fito seus olhos.
— Eu acho que ele vai dar certo para o evento de exposição do novo
carro Montoya. Já ouviu falar?
— Lógico.
— Pois é. Eu vou ao evento e gostaria de experimentar o vestido.
— Receio que não temos o seu tamanho. — Cruza os braços e
mantém os olhos nos meus.
— Ah… esse da vitrine parece meu tamanho. Visto trinta e seis.
— Esse é apenas exposição. Eu sinto muito. — Dá um sorriso raso.
— Mas você pode encontrar roupas que caibam em você… em lojas mais
diversificadas.
— Claro. — Olho para as clientes que me observam e riem entre si.
— E qual é o preço dele?
— Acho que você não vai querer saber o preço. Com licença — ela
fala, me deixando de lado e indo rapidamente atender Rocco, que acaba de
entrar na loja, despertando interesse em todas as mulheres presentes. O
maldito é mesmo um espetáculo. Basta olhar para o homem, que já sabe que
é rico. Ele tem pedigree.
— Estou apenas acompanhando minha esposa que vai renovar o
guarda-roupa — ele explica.
— Oh, que ótimo. Veio ao lugar certo. — A mulher praticamente
festeja, mexendo com minhas emoções por causa da maneira com que olha
para Rocco.
Eu estou com ciúme?
Ele simplesmente acena para a vendedora e vem rápido até mim.
— Gostou de algo?
— Sim. Daquele. — Aponto para o vestido. A mulher está em
choque, pálida, nos encarando. Nenhuma delas acredita que uma molambenta
como eu esteja com ele.
— Então vamos ver como fica, ué. — Rocco e sua costumeira pose
impaciente.
Eu poderia só sair da loja, afinal eu que não quero mais nada daqui.
Porém decido me fazer de sonsa, retomando o papel que sempre interpretei
na vida.
— Ah, infelizmente não tem o meu tamanho.
— Não? — Rocco olha para mim e para o manequim.
— Ela foi gentil em me dizer que não tem o meu tamanho. — Aponto
para a vendedora.
Rocco percebe no mesmo instante o que aconteceu. O cenho dele se
expande, olhando para a mulher como quem diz: “Ah, é mesmo?”.
Eu achava que era algo que acontecia apenas na televisão, no entanto
acabei de viver na pele uma bela discriminação por causa da roupa que estou
vestindo.
— Eu acho que só vamos descobrir se é ou não seu tamanho depois
de ver no seu corpo. — Ele se volta para a atendente. — Minha esposa gostou
daquele vestido, ela poderia experimentar?
— Claro! Acho que tivemos um equívoco. Qual o seu nome, querida?
— Sorri para mim como se fosse minha amiga de décadas.
— Virginia. Virginia Montoya.
— É um prazer, Virginia. Sentem-se, por favor. Com esse corpinho
que você tem, qualquer roupa cai bem.
— Foi o que pensei — Rocco responde, agarra minha mão, e nos
sentamos em duas poltronas.

Duas mulheres se juntam a mim no provador espaçoso,


atenciosamente me ajudando com o vestido. Cai como uma luva. Passando
um pouco do comprimento, mas ela explica que pode fazer um pequeno
ajuste antes de me entregar. Acho as duas funcionárias mais simpáticas do
que a outra que se recusou a me atender.
Estou me olhando no espelho, mal acreditando na imagem que vejo.
Por Deus! Como eu fui capaz de batalhar e realizar o meu grande sonho?
Nem eu sei a resposta. Meses atrás, eu estava junto de Joanne ajudando
mamãe nos serviços domésticos sem qualquer expectativa de felicidade. E
agora estou…
Rocco aparece atrás de mim, e eu o vejo pelo espelho. Minhas
bochechas enrubescem automaticamente no mesmo instante em que meu
coração acelera.
— Uau! Até parece uma mulher que eu pegaria em uma festa. — O
modo de me elogiar é tocante.
— Acha que é bonito o suficiente para… sei lá, talvez ir ao seu
evento?
Ele dá mais uma olhada no vestido, abraça minha cintura com as duas
mãos, subindo pelo vestido, até que os dedos estacionem perto do decote.
— Primeiro que não decidi ainda se você vai. E, segundo, que se você
for, precisa vestir algo exclusivo, afinal os abutres estarão em peso no evento.
— Abutres?
— A mídia. — Ele sai do provador e o ouço falar: — Ela vai ficar
com o vestido.
Saímos da loja sem que eu quisesse ver qualquer outra roupa. O ranço
já estava instalado, eu não ia conseguir experimentar mais nada.
Em compensação, nas lojas seguintes somos muito bem recebidos,
pois Rocco está ao meu lado. Ok, as vendedoras elegantes deram uma olhada
pasma para a pobretona ao lado do herdeiro de uma das mais famosas marcas
de carro. Os olhares eram como se eu fosse a secretária de Rocco que estava
recebendo uma caridade. E Rocco pode até ser um grande babaca a maior
parte do tempo, mas ele entendeu que não devia me deixar sozinha. Fez
questão de me apresentar como sua esposa em todas as lojas que entramos,
fazendo com que eu me sentisse segura.
Rocco é rabugento, impaciente, cabeça quente, mas entende bastante
de moda. Ele mesmo olhava as araras comigo, tirava uma peça e me
entregava.
— O que acha dessa?
— Será que combina comigo?
— Eu gostaria de ver você em algo assim. Vista para sabermos se
você gosta.
Tímida, nas primeiras lojas, eu saía acanhada do provador para a
avaliação de Rocco. E quase sempre eram positivas e combinavam com o que
eu gostava.
— Gosta de saltos? — Rocco me perguntou em algum momento
quando saí do provador usando um magnífico vestido que a vendedora fez
questão de avisar que era um Zimmermann.
— Gosto.
— Você poderia trazer algo adequado para ela? — pediu à vendedora,
que rapidamente trouxe belíssimos sapatos de salto. Ficaram perfeitos com o
vestido. Eu teria que treinar mais a como andar nessa coisa tão alta.
— O que acha? — espirituosa, a vendedora indagou, ao meu lado, em
frente ao espelho. Eu gostava da imagem refletida.
— Ah… eu não entendo muito de moda…
— Você é quem vai vestir, Virginia — Rocco interveio. — Na hora
de escolher uma roupa você precisa levar em conta apenas duas coisas: é
confortável? Você se sente bonita? Se a resposta for sim para as duas, moda e
opiniões alheias não vêm ao caso.
— Nem a sua opinião?
— Nem a minha. A não ser, claro, se você cismar de querer um
daqueles colados que mostram as pernas. Então vou ser obrigado a vetar.
— Ótimo. Eu amei esse. E aquela calça, e aquelas camisas, e as saias.
— Vamos levar tudo — ele anunciou para a vendedora.
Eu poderia dizer que estava surpresa com essa postura de Rocco, de
me instruir, me presentear com o melhor do mercado da moda. Meu coração
estúpido parece saltar, se sentindo numa cama elástica, achando que, de
repente, Rocco começou a gostar de mim. Graças a Deus, minha consciência
ainda é bem ativa e faz questão de me lembrar que tudo não passa do
interesse dele. Rocco não quer se sentir envergonhado pela esposa com suas
roupas surradas. Preciso ter em mente que essa aventura gira em torno de
Rocco, não de mim.
Não consigo decidir qual a melhor parte da nossa manhã de compras.
O luxuoso salão de beleza, em que Rocco me deixou quando precisou sair,
com certeza foi um dos pontos altos. Eu queria ao menos ter Joanne aqui
comigo, para nos divertirmos juntas. É uma das melhores experiências da
minha vida.
Eles me mostraram tipos de cortes de cabelo, fazem uma análise para
saber qual a cor de esmalte que mais combina comigo, verdadeiramente me
tratam como uma princesa.
O próprio dono do salão faz questão de comandar minha
transformação. Fazemos vídeos de antes e depois, e ele até me alerta que eu
deveria ter um perfil no Instagram, porque ele vai postar meu vídeo na página
deles e me marcar.
Quando Rocco volta, umas duas horas depois, e tem um choque ao se
deparar com meu visual mais moderno. O cabelo ganhou mechas claras, e
parece tão macio e hidratado, que às vezes acho que é de mentira, nem parece
meu.
Eu sorrio para Rocco, um pouco tímida, sem querer dar vazão a
grandes expectativas e receber um retorno seco. Do pouco que conheço do
meu marido tenho certeza de que ele está excitado. Porque Rocco se
aproxima, devagar, os olhos azuis lindamente surpresos. Após tocar numa
mecha do meu cabelo, sussurra apenas para eu escutar:
— Você é chata e inconveniente na maioria das vezes, mas nunca vou
esquecer de agradecer por ter chegado primeiro na disputa pela sua mão.
— Havia uma disputa? — finjo perplexidade, respondendo-o no
mesmo tom.
— Do jeito que seu pai estava ansioso, logo ele arrumaria mais
pretendentes.
— Gostou do meu novo cabelo? — Tenho enfim coragem de indagar.
— Na cama eu te conto. — Ele se afasta de mim, deixando meu
coração imitando uma bailarina, rodopiando feliz, para ir conversar com o
dono do salão.
Ou, talvez, a melhor parte não tenha sido o cabeleireiro, mas sim a
loja de lingeries. Eu entrei em poucas durante a minha vida, e nenhuma era
tão requintada quanto essa. E devo lembrar que dessa vez estou acompanhada
de um homem. Um homem que ironicamente entende mais de calcinha do
que eu mesma.
— Porra, eu adoro uma boa renda cobrindo a bunda de uma mulher
— sussurrou para mim, me deixando arrepiada. — E a sua vai ficar um
encanto em uma dessas. — Pousa sutilmente a mão grande em minha bunda.
— Você precisa levar uma centena das melhores.
Rocco está me atiçando no meio da loja. Eu me sinto uma
despudorada por ficar excitada na frente das pessoas, em público, mesmo que
elas não estejam vendo.
Escolho vários conjuntos de renda, além de camisolas e conjuntos de
dormir que são puramente sensuais. Além de calcinhas confortáveis, que toda
mulher precisa ter.
— Ah, um sutiã que desabotoa na frente. — Rocco empurrou a peça
para mim. — Escolha-o. Eu vou me sentir abrindo um presente ao tirar o seu
sutiã.
Quando terminamos as compras, eu estou faminta, cansada e muito
feliz. Sei que não devo me iludir. Rocco está apenas cumprindo uma
obrigação. Nada que possa aludir a um apelo sentimental. Ainda assim, saio
feliz.
Antes de irmos almoçar em um restaurante, Rocco dirige até outro
ponto, que também conheço, mas por outra questão. Engoli em seco quando
paramos na academia de elite em que Rocco frequenta. O prédio é
extremamente lindo, intimida as pessoas menos afortunadas como eu.
— Desça. Preciso que você conheça esse lugar.
Respiro fundo, sorrio para ele e desço do carro.
24
ROCCO

Eu preciso, a todo instante, lembrar ao meu coração que


Virginia não é minha amiga, não é minha mulher. É uma “pedra no
caminho”. Preciso lembrar que ela me impede de ser livre e curtir a
minha vida de solteiro perfeita. Eu preciso manter a frieza para não
cair em qualquer cilada criada por mim mesmo.
E acho que Magno iria rir se eu contasse que quase consigo
gostar de estar com ela. De mostrar coisas novas a ela, ser o
desbravador que abre as portas de um novo mundo para uma garota
que passou a vida toda sonhando dentro de uma prisão.
Eu não deveria me sentir bem, como nunca senti antes com
outra mulher, ao me deparar com o brilho genuíno cobrindo os
olhos de Virginia a cada pequena novidade. É sincero da parte dela.
É real quando ela está feliz, quase emocionada, conhecendo coisas
que para mim são demasiadamente corriqueiras.
Lembro de ter dado, certa vez, um vestido exclusivo para
Milena no Dia dos Namorados. Na minha presença, ela fez questão
de afirmar que adorou, todavia ouvi depois seu desabafo com a
mãe de que eu dei a ela um vestido simples, sendo que ela já tinha
tantos.
Caralho! A sensação de ver Virginia feliz e deslumbrada não
deveria ser tão reluzente na minha rotina obscura e programada.
Eu malhava, trabalhava, fodia, bebia e dormia.
Malhava, trabalhava, fodia, bebia e dormia.
Psicólogo uma vez por mês.
Papelada da empresa todos os dias.
Quase sempre sem tempo para amigos. Magno sempre foi a
exceção, afinal ele é dono do lugar onde eu ia procurar foda fácil e
bebida boa.
Malhava, trabalhava, fodia e terminava mais uma semana.
Sem tempo para conversas ou para que alguém faça ao menos uma
omelete para mim sem que eu pague por isso, ou que alguém queira
saber de verdade sobre o que eu gosto, qual meu filme favorito e o
que de fato está acontecendo na empresa.
E agora, que inferno! Eu gostei de fugir da rotina e passar uma
manhã inteira entrando e saindo de lojas femininas, gastando uma
pequena fortuna. Eu, Rocco Montoya, gostei de ver aquela “pedra
no meu caminho” sair do provador com um rubor nas bochechas
adorável ao experimentar uma roupa nova que lhe caiu com
perfeição.
Eu a fito de soslaio, no carro, ao meu lado. Virginia morde o
lábio e olha para fora, pensativa. Parece nervosa e está torcendo os
dedos.
— Que lugar é esse? — Virginia indaga, entrando comigo no
prédio da academia que frequento. Não é apenas uma academia. Há
toda uma atenção para todo tipo de pessoa. Como Virginia vai
gerar ou já está gerando um filho meu, quero o melhor para a saúde
dela e da criança.
— Vou marcar uma avaliação para você.
— Para mim? Por quê?
— Porque você vai precisar de acompanhamento de
qualidade.
O piso do hall é preto lustroso. E à frente, há um grande
balcão branco com uma placa de metal logo atrás. Uma mulher e
um homem uniformizados estão à postos para nos atender.
Eu me aproximo da recepção e percebo que Virginia está
levemente constrangida, de cabeça baixa, dá para imaginar que
talvez seja timidez por não se achar a altura do lugar.
— Está tudo bem, relaxe. Eles também têm nutricionistas aqui
e outros profissionais que trabalham com grávidas.
Ela apenas assente e sorri para a recepcionista.
— Senhor Rocco — a mulher me cumprimenta.
— Oi. Eu gostaria de marcar uma avaliação completa para a
minha esposa. Estamos planejando uma gravidez e quero um bom
acompanhamento físico para ela.
— Claro. — A mulher olha para Virginia, e seu semblante se
ilumina. — Ah! Você já esteve aqui. Malhou um dia de avaliação,
não é?
Aturdida, Virginia olha para mim e de volta para a jovem.
— Creio que não — Virginia rebate. — Eu nunca vim aqui
antes.
— Sim, ela nunca esteve aqui antes — reforço, deixando a
mulher confusa. Ela estuda o rosto de Virginia mais um pouco,
com o cenho franzido, e mexe no computador.
— Eu posso estar mesmo enganada, mas tenho quase certeza
que era você. Qual o seu nome?
— Virginia. Virginia Maria Montoya. Antes de me casar era
Virginia Maria Gomes.
A mulher digita, faz uma expressão de incredulidade, me
torrando a paciência, e torna a digitar. Eu vislumbro a expressão de
derrota enfim tomar os olhos dela.
— Tem razão. Não era você. Eu lembro que a jovem que veio
aqui chegou a fazer um cadastro, mas… tem outro nome.
— Você pode, enfim, marcar a avaliação?
— Claro, senhor Rocco. Farei isso agora.

***

— Não vamos almoçar? — O olhar de Virginia parece quase


desanimado ao notar que pego o caminho de casa. Eu observo sua
expressão de relance, já que Virginia está ao meu lado no carro.
Magno me ligou há pouco para informar que ia almoçar com
Lorenzo e que poderíamos conversar sobre a ajuda que estou
precisando para o financiamento dos carros que vão entrar em
produção nesta semana.
Estava, sim, em meus planos almoçar com Virginia. Mas
como preciso dessa parceria com a Orfeu, aceitei o convite de
Magno.
— Fica para a próxima. Tenho um almoço de negócios agora.
Ela me observa, esperando mais detalhes, mas não dou. Entro
no modo gelado para cortar de uma vez por todas as ilusões dessa
coitada. Ela não pode achar que seremos um casal só porque
dormimos juntos e fomos às compras.
Ao chegar em casa, deixo Virginia na sala, pensativa,
enquanto o segurança descarrega as sacolas do carro. Dou de
ombros e subo rápido para tomar uma ducha e trocar de roupa.
Quando desço, ela está no mesmo lugar, sentada no sofá, mirando
as sacolas e pensando em mil coisas que não preciso decifrar.
— Se quiser pedir algo para comer, fique à vontade — digo e
saio sem olhar para trás, com um pequeno medo de sentir algo por
vê-la sozinha com as emoções abaladas.
Eu me lembro que endureci o coração depois do que houve
com Milena. Eu era um homem caloroso e divertido que amava as
mulheres e boas companhias. Milena chegou em minha vida justo
quando eu mais precisava: eu enfrentava o luto pela perda da minha
mãe e encontrei naquela mulher um verdadeiro porto seguro. Eu
me senti vivo novamente, me senti feliz. Milena não era o que eu
queria, mas era o que eu precisava. E, por isso, não fazia sentido
sorrir novamente quando eu a machuquei.
Eu não posso repetir a mesma coisa com Virginia. É melhor
manter essa jovem apenas como mãe do meu futuro herdeiro.
Manter as coisas frias sempre produz resultados positivos.
No Dama de Copas, encontro Magno e Lorenzo já bebendo
em uma mesa. Caminho até eles, cumprimento-os e me sento.
— Senhor Cenouro. Como está a primeira semana de
casamento? — Lorenzo pergunta, interessado, girando suavemente
um copo com bebida.
— Normal. — Ergo os ombros, combinando o gesto com uma
careta. — São negócios.
— Apenas normal? — Ele franze o cenho. — Não é normal
dividir uma casa com uma mulher.
Estou prestes a perguntar como ele pode saber disso quando
Magno, com seu bom faro jornalístico, faz questão de me dar a
notícia sobre a vida do irmão:
— Ele invadiu e se instalou na casa da inimiga dele.
— Aquela da loja de roupas? — Minhas sobrancelhas se
erguem na direção de Lorenzo.
— Mademoiselle.
— Isso. Foi morar com ela?
— O apartamento está no nome da Mademoiselle, e como eu
sou o novo acionista majoritário, o apartamento agora também é
meu. Então invadi.
— Que filho da puta — debocho.
— Ela superou e já transamos — Lorenzo explica com a
maior cara de filho da puta.
— Eles vão acabar se casando antes do Romeo, pode anotar
— Magno presume e faz sinal para o garçom, para enfim podermos
fazer os pedidos. O clube funciona não apenas como um bordel de
luxo, é também o lugar ideal para curtir um domingo com os
amigos ou passar algumas noites em um dos quartos, como já
aconteceu comigo.
Enquanto almoçamos, exponho a eles o plano de fabricar uma
pequena frota do novo carro de pronta entrega, apenas para chamar
atenção. O restante terá um prazo maior de entrega, para que a
Montoya possa usar o dinheiro adiantado. Sei que é algo arriscado,
mais ainda confio no taco da marca, no lançamento espetacular e
nas primeiras vendas para o nicho certo de compradores.
— A Orfeu pode, sim, financiar seu projeto — Lorenzo
analisa. — Pelo que vejo é algo bem vantajoso e, com nosso nome
no projeto, vai dar mais segurança para os compradores. O
problema é que Magno e eu não somos suficientes para essa
decisão.
— Por Deus, caras! Vocês precisam fazer alguma coisa. —
Começo a ficar aflito. — Romeo não pode monopolizar todo o
poder assim…
— Pode — Magno me interrompe. — E até preferimos que
ele tome a direção, assim ficamos livres de tanta dor de cabeça.
— Porra — resmungo, vendo que tudo foi por água abaixo.
Romeo me detesta.
— Calma. Você está falando com negociadores. — Magno
coloca mais vinho na minha taça, em um gesto para que eu relaxe.
— Vamos tentar puxar sardinha para o seu lado.
— O duro é que Romeo já sabe como a gente funciona, né,
Magno? — Lorenzo come calmamente e até sorri com a situação.
— É só a gente abrir a boca para ele já olhar com desconfiança.
— Caramba! Eu só me meto com gente trambiqueira —
lamento.
— Você também é assim. — Magno aponta.
— Tente alguma coisa e me ligue se conseguir. — Já penso
em outro meio de conseguir o financiamento para esses carros.
Talvez eu tenha de me desfazer de algumas das minhas
propriedades para injetar capital no caixa da empresa.
O almoço segue calmo. Esse é um horário tranquilo no clube.
Estamos almoçando na área externa com vista para a piscina, o que
deixa o clima mais tranquilo e descontraído.
— Foi às compras? — Levanto os olhos do meu celular ao
ouvir Magno indagar. Estamos esperando a sobremesa. Preciso
voltar para a empresa, então decido que hoje não vou me distrair
com Virginia. Vou dormir no meu apartamento.
— Fui… como sabe?
— Está aqui. Rolei a timeline do Instagram e vi sua foto
carregando sacolas com a sua esposa ex-virgem sapeca. — Lorenzo
inclina o pescoço para cima do celular do irmão para dar uma
conferida. Antes, porém, arranco o aparelho das mãos de Magno e
olho. Ótimo. Estou em uma página de fofoca.
“Rocco Montoya é visto enchendo sua amada de mimos.”
Mimos?
— Parece bem escravoceta. Por que fez isso? — Magno
questiona, recebendo o celular de volta. — Estava querendo fazer
dela sua arquirrival e agora está enchendo a mulher de presentes?
Não vai ajudar.
Rapidamente conto a eles todo o desenrolar da última tramoia
de Virginia. Ela me dopou com algum tipo de substância para
quebrar minha greve de sexo.
— Porra, Rocco! Essa mulher é terrível. — Lorenzo está de
olhos saltados. — E o que você fez?
— Ué… Como assim? Meu pau estava explodindo, não
aguentava nem andar. Transei com ela.
— Você é um…
— Olha o que vai falar, Magno — advirto. Insatisfeito,
Magno ri nervosamente, esfregando a mão na barba.
— Eu não estou acreditando que você deu o que ela queria.
— Não é você quem diz que água e rola não se negam a
ninguém? — Jogo o fato na mesa, de forma irônica.
— Não nesse caso. A mulher armou de forma baixa para você.
Te encheu desse produto que nem sabe a procedência e você ainda
transa com ela?
— Cinco vezes — Lorenzo completa.
— Cinco vezes. — Magno parece revoltado como se ele fosse
o meu marido. — E foram juntos para a lanchonete de madrugada,
dormiram juntos e ainda foram fazer compras pela manhã?
— Sinto te falar, isso se chama casamento. — Ignorando
minha carranca, Lorenzo endossa o discurso do irmão. — Você
está gostando da sua esposa.
— Uma porra. Eu detesto aquela pilantra. E, sinceramente,
Magno, não entendo sua revolta…
— Não entende? Iludir a garota, meter um filho nela e dar o
fora? Porque foi justamente isso que você me contou. Que deseja
pintar e bordar com a cara dela e voltar para sua vida de solteiro,
como se nada tivesse acontecido. Posso ser um cuzão em vários
aspectos, mas não brinco com a cara das mulheres.
Eu me calo diante da pressão, visto que ele tem razão. E como
se não bastasse, continua:
— Nem parece que você não conhece mulher e como elas
funcionam. Se você fizer todas essas coisas, ela acaba gamando. E
aí, meu amigo, você sai como o vilão. Sempre.
— E o que sugere, Magno?
— Cara, estou aqui para te apoiar, desde que seja coerente
com suas ideias. Quer sua vida de ostentação, mulheres e fodas sem
limites? Ok, eu vou te apoiar; Lorenzo, eu ou qualquer um dos
caras vamos te levar por esse caminho. Mas tem que entender que,
ao escolher esse lado, Virginia deve estar totalmente fora.
— Ela precisa ser apenas uma conhecida que é mãe do seu
filho — Lorenzo diz enquanto degusta devagar o vinho. — Nada
de cinco fodas na noite nem dormir abraçadinhos e muito menos ir
fazer compras.
Sim! Sim! É isso que eu quero. Essa é a escolha correta.
Tenho trinta e quatro anos, estou na flor da idade, tenho uma vida
inteira para gastar, para ser feliz.
Muito jovem para me prender a um casamento.
Minha racionalidade grita que essa é a única opção plausível.
Mas por que um sentimento de descontamento se apossa de mim,
subindo pela espinha e se alojando na região do tórax, quando
penso em voltar para minha rotina e deixar Virginia de lado?
Uma lufada tenebrosa de emoção desconfortável me preenche
ao imaginar que ela encontrará outro amor, que tentará fazer a
melhor omelete para agradá-lo, seus olhos brilharão com cada
momento em que ele mostrar e ensinar algo novo a ela,
preenchendo sua curiosidade sem limites. E no fim, ela não vai
precisar tramar a todo instante para ficar com ele, porque qualquer
homem que conheço ficaria com Virginia de graça, de boa vontade.
Menos eu. Porque não é o que eu preciso.
Duas mulheres se aproximam da mesa, me tirando do
devaneio dramático.
— Precisando de companhia, senhores? — a loira indaga. São
mulheres do clube, de alto patamar.
— Você pode sentar no colo do meu amigo — Magno
comanda, apontando para mim. — Ele está precisando relaxar. —
Reajo de um modo assustado, enrijecendo o corpo quando ela
obedece ao chefe sem me consultar.
Logo eu, que mês passado estaria debochando disso tudo e
agarrando a loira, agora estou tenso sem saber por que minha
mente reagiu de forma defensiva.
— Eu dispenso, senhoritas. — Lorenzo levanta as palmas das
mãos. — Estou em uma missão e não quero esse tipo de
contratempo.
— Tudo bem. Meu irmão só tem cabeça, as duas, para
Angelmaligna. — Magno puxa a morena, que cai rindo, manhosa,
em seu colo.
Tenso demais com meus problemas, não consigo curtir a
mulher perfeita sentada em meu colo.
— Dá licença, por favor. — Afasto a garota, surpreendendo os
irmãos Lafaiette. E ela só sai depois que Magno assente para as
duas. — Cara, eu estou tentando reerguer minha empresa, preciso
que a Orfeu me ajude financeiramente… Não quero pensar em
farra, por enquanto.
— Não posso negar, você tem razão — Magno concorda.
— Se Romeo vê uma merda dessas, adeus à parceria com a
Orfeu — Lorenzo endossa, nos fazendo assentir, concordando.
— Ok. Vamos voltar aos negócios. Enquanto isso, Rocco,
acho melhor ficar no seu apartamento.
Eu bebo um gole generoso do vinho, só querendo entrar numa
maldita sala com muito trabalho para passar o resto do dia
ocupado.
25
VIRGINIA

Não esperava que arrumar as minhas compras no closet


pudesse se tornar um passatempo tão gostoso, com sabor de vitória.
Quando fantasiava sobre o meu futuro, era justamente coisas assim
que me faziam sorrir.
Seria ainda melhor guardar as roupas na companhia de
Joanne; certeza que ela iria surtar com as compras e as novidades
do casamento. No entanto, eu precisava de tempo e silêncio.
Apenas para remoer aquilo que eu já sabia e que já deveria esperar.
Rocco me avisou para não me iludir. E eu não vou seguir mais
por esse caminho. De qualquer forma, estou feliz pelo tempo que
passamos juntos, e se a noite passada foi a primeira e última em
que dormimos juntos, então tudo bem. Eu vou guardá-la com
carinho no coração e aprender a viver satisfeita.
Sorrio para o belíssimo vestido e o coloco em frente ao corpo,
para que eu possa vislumbrar meu reflexo no espelho. Fantástico.
Com o novo cabelo, eu quase posso me misturar com a alta
sociedade.
Se é que um dia eu farei parte dela.
Rio de mim mesma e guardo o vestido. Termino de arrumar as
roupas, desço e dou graças a Deus por ter sobrado um pedacinho de
lasanha do almoço de ontem, porque, de forma alguma, vou
cozinhar só para mim. Abro a tampa, sinto o cheiro e enfio no
micro-ondas. Parece boa. Na casa dos meus pais, aprendemos a
nunca desperdiçar comida, não vou morrer se comer sobras de
lasanha em uma casa de luxo.
Sirvo no prato, derramo uma boa quantidade de ketchup por
cima, sirvo vinho em uma taça e levo tudo para a sala de televisão.
E, dessa vez, consigo ligá-la.
Eu me casei para ser uma mulher sozinha. Lutei bravamente
para afastar essa realidade, e acho que ainda tenho um pinguinho
de força para não desistir de lutar. Ao menos não vou sofrer como
Olivia sofreu naquele casamento tenebroso do qual ela escapou. E
espero ter um bebê daqui a nove meses para ser a minha vida, o
meu tudo, a minha única companhia e fonte de atenção.
Não sei como aconteceu, mas acabo dormindo no sofá,
acordando sobressaltada ao ouvir o interfone tocar sem parar.
Esfrego os olhos, olho em volta, me situando, desligo a televisão e
atendo o interfone. É o segurança.
— Meu pai? — repito quando ele avisa quem está portaria
querendo me ver. — Tudo bem, pode deixar entrar.
Levo o prato sujo e a taça para a cozinha e volto rápido para
receber meu pai. Observo o carro dele parar no jardim quando abro
a porta da frente. Meu coração sacoleja, intrigado. O que pode ter
acontecido?
Ele poderia ter ligado se precisasse tratar de algum assunto
comigo, mas se veio pessoalmente, pode ser algo grave. Noto que
ele está sozinho.
Por Deus! Que agonia.
— Pai? — Minha voz sai em um sopro quando ele caminha
sisudo na minha direção. O homem não diz nada, apenas passa por
mim e para no meio da sala, admirando o ambiente. — Aconteceu
algo? — insisto. Agora reconheço nele a mesma expressão que a
gente conhecia quando ele estava bem revoltado e ia descontar suas
frustrações em alguém.
— Ele não está em casa? — indaga, espiando na direção da
escada.
— Ele? Rocco?
— Quem mais séria? — Ele enfim olha para mim, com as
mãos na cintura.
— Não. Não está. Aconteceu alguma coisa?
— Sim, Virginia, aconteceu! — Apesar da voz baixa, noto
fúria quando ele tira o celular do bolso e me mostra. É uma foto.
Reconheço Magno, Rocco e duas mulheres… as meninas de luxo
do Dama de Copas. Uma delas sentada no colo dele. A legenda me
causa o maior abalo:
“É assim que se faz negócios.”
Não era almoço de negócios. Rocco voltou para o lugar o qual
sempre vai voltar: sua preciosa liberdade. Engulo saliva sentindo
dor. Não devo me importar. Que merda! Ele não me prometeu
nada, ao contrário, foi sincero ao me advertir sobre que tipo de
homem é. Não tenho que cobrar nada.
Desvio os olhos do celular e encaro meu pai.
— É um assunto que você deve tratar com ele, pai.
— Não. Com ele, não. — Eu me assusto com o modo como
agita o dedo na minha cara. — Com você!
— Comigo, pai?
— Reinaldo Gusmão postou, mas já apagou essa merda de
foto que ele conseguiu flagrar no clube de Magno Lafaiette. Porém
o estrago já foi feito.
Enquanto ele esbraveja, penso no cara que Rocco ameaçou
madrugada passada na lanchonete. Se chamava Reinaldo. Seria o
mesmo? Volto a prestar atenção em meu pai quando ele diz:
— Eu fui alvo de chacota na minha própria empresa. Eu ouvi
conversinhas nos corredores…
— Pai…
— Cala a boca! — Ele se afasta e anda pela casa, como se
procurasse algo.
— Pai! O quê…?
Chega à cozinha, possivelmente onde era a intenção dele ir.
— Olha isso. Um fogão limpo. Eu falei com sua mãe que a
culpa era sua. Era o seu dever manter seu marido satisfeito, manter
um lar como uma boa esposa, como eu ensinei a vocês três. Se ele
está almoçando com putas, é porque o que tem em casa não o
entretém o suficiente.
— Espera aí. Está dizendo que é culpa minha por meu marido
sair para ficar com putas…?
— Sim! A mulher sábia edifica a casa. Sua mãe é burra,
frígida e mal-amada, mas ao menos nos primeiros meses ela soube
me entreter, manter uma boa aparência no casamento, não dando
vergonha para o pai dela. Como explica uma merda dessas justo
nos primeiros dias de casamento, Virginia?
— Eu não quero ter essa conversa. — Saio rápido da cozinha
voltando para a sala e experimentando o gosto da revolta inundar
minha garganta, mas meu pai me persegue.
— Não quer?
— Eu não vou admitir que o senhor venha na minha casa me
culpar pelas merdas do Rocco.
— Isso aqui — bate no celular — respinga nos peixes
pequenos, como eu. Sabe do que estão te chamando? Corna. Se já
não bastasse o escândalo da Olivia… Com que cara eu vou
enfrentar o meu círculo de amigos? Você não tem vergonha de
olhar para o que seu marido está fazendo nessa foto?
Estou bastante furiosa, a ponto de ter um ataque, ou melhor, a
ponto de atacar meu pai. No entanto, uso meu lado mais frio
possível e o fito com desprezo.
— Vergonha do que, pai? Se é o que minhas irmãs e eu
passamos a vida vendo o senhor fazer com a nossa mãe? Estamos
acostumadas.
Como resposta, recebo uma bofetada no rosto.
Incontrolavelmente, giro com a pancada e caio no sofá. E como se
não fosse suficiente, meu pai segura meus cabelos, agindo com
truculência.
— Olha como fala comigo! Sua atrevida! Olivia e a outra
nunca me desrespeitaram dessa forma. Quer ser tão topetuda e não
consegue segurar o marido por uma semana?
— Me larga! — Enfurecida, me chacoalho, batendo as mãos
em todas as direções, em alguns momentos colidindo inclusive com
o rosto dele, até que enfim consigo escapar. Ofegante, segurando o
lado do rosto dolorido, encaro-o. — Fora!
— Reze para estar grávida, pois se esse maldito do Montoya
te chutar, na minha casa não te aceito mais.
— Eu não preciso! — berro em meio às lágrimas vendo-o dar
as costas e sair da casa. — Eu morro, mas não volto! — O grito
ecoa conforme corro atrás. — Moro debaixo da ponte, mas não
volto! — Bato a porta com toda força e desabo, chorando de pura
raiva.
E tudo piora quando me encaro no espelho encontrando o
risco do anel dele marcado no meu rosto. O tapa foi dado com as
costas da mão, então a região do rosto está toda dolorida.

***
Conforme as horas passavam após a saída do meu pai, tentei
colocar a cabeça no lugar para poder pensar de sangue frio.
Durante o pico de revolta, pensei em mil coisas, inclusive fazer
uma denúncia na polícia. Desisti ao lembrar que mamãe e Joanne
ainda estão sob suas garras e podem sofrer as consequências.
Então pensei que deveria encontrar uma resposta melhor para
a situação, nada passional. Estou sozinha nesse momento. Sei que
Rocco já escolheu o caminho dele e não deve voltar para cá tão
cedo. E nem quero pensar onde ele possa estar e com quem.
Detesto pensar que ele tenha passado a tarde transando com putas
de luxo.
O resto do dia é uma completa bagunça. Quase surtando, me
isolei na sala de televisão, olhando a tela grande enquanto na minha
mente girava em torno de todo tipo de pensamentos doloroso.
Como esperado, Rocco não apareceu nem deu qualquer
notícia. Quando anoiteceu, tomei um banho demorado, como se a
água pudesse levar minhas frustrações para o ralo junto com a
espuma. O ferimento no rosto parecia mais acentuado agora; além
do risco deixado pelo anel, sei que vou ficar com um hematoma
roxo abaixo do olho. Isso me fez pensar que planejar uma vingança
contra o meu pai não parece uma má ideia.
Vestida em uma camisola confortável, e após preparar um
sanduiche, escolho a companhia da televisão mais uma vez. Está se
tornando uma bela novidade em minha vida. Eu me afundo em
indecisão sobre qual canal escolher, já que vários tem bons
programas, até filmes.
Acordo sobressaltada, sentindo um toque na minha bochecha.
À minha frente, a televisão ainda se encontra ligada, e eu nem me
dei conta que dormi. Ao lado do sofá, Rocco está sentado. Vê-lo
me faz pular. Fico assustada por sua presença.
— O que é isso em seu rosto? — Com o cenho franzido, tenta
se aproximar para afastar meu cabelo, porém empurro sua mão, e
sem querer dividir isso com ele, escondo o rosto com o cabelo.
— O que está fazendo aqui? — Fico de pé, ajeitando a
camisola na região dos seios.
— Eu moro aqui. O que aconteceu no seu rosto?
— Eu… achei que… você não ia dormir mais… não ia mais
voltar para cá.
Rocco não responde. Dá alguns passos em minha direção e
segura minha mão, tentando afastá-la do meu rosto.
— Para. Eu preciso… de um tempo, Rocco.
Ainda assim, teimoso até dizer chega, ele não me atende e
consegue afastar minha mão. Tira o cabelo do caminho e volta a
analisar meu rosto.
— Quem fez isso com você, Virginia?
— Ninguém fez nada, eu sou estabanada e acabei me ferindo
com um garfo. — Eu o afasto bruscamente. — Me deixe em paz.
Você age como se de verdade se importasse.
— Seu olho está roxo e você diz que foi um garfo? Que merda
aconteceu aqui?
— Se você se importasse, estaria em casa e não…
— Nem venha com essa conversinha. Não devia ter voltado
aqui hoje, estou até as tampas de problemas na empresa. Mas eu
vim e quero respostas.
— Pode, por favor… só me deixar em paz?
— Vou deixar depois que me contar o que aconteceu. Quando
cheguei o segurança me informou que seu pai esteve aqui. O que
houve, Virginia?
Sinto o gelo percorrer minhas veias. Não queria que Rocco
descobrisse. Nesse momento, queria apenas ignorar meu pai e
esquecer tudo. Tento sair da sala, passar por ele, mas Rocco
facilmente me segura, me impedindo.
— Rocco… isso não te diz respeito! Volte para o antro onde
você estava e me esqueça! Caramba!
Quando ele gira nos calcanhares de modo revoltado e aperta
os olhos com o polegar e o indicador, sei que essa história vai dar
mais pano para a manga do que eu gostaria. Rocco é esquentado, e
não quero colocá-lo em encrenca com meu pai.
— Porra…! Não me diga que seu pai entrou na minha casa e
te agrediu. Só me diz que estou errado.
— Pelo amor de Deus! Você nem quer esse casamento. Me
disse ontem que não me vê como sua esposa. Por que se importa?
Ele apenas se vira e sai da sala da televisão.
— Rocco! — Corro atrás dele, observando o momento em que
ele pega as chaves do carro no aparador da sala. Rocco abre a porta
e me olha.
— Ele te bateu? Me fala a verdade ou eu arranco a confissão
dele na base de dor e sangue.
Arregalo os olhos, chocada.
— Sim… mas ele estava nervoso, e eu já nem ligo… —
Rocco nem espera que eu termine de falar. Fecha a porta na minha
cara. Abro-a e saio correndo atrás dele na tentativa de impedi-lo.
Rocco já entrou no carro e arranca, saindo da propriedade e me
deixando com o coração na mão.
Que ele não faça nenhuma bobagem. E que meu pai também
não faça.
26
ROCCO

Meu corpo pulsa enquanto seguro o volante com força. Os


olhos focados na direção e a mente fixa em um objetivo. O celular
toca, e como está emparelhado com o carro, vejo no visor que é
Virginia. Ignoro. Não tem espaço para mais nada, para nenhum
raciocínio lógico ou elaborações calculistas. Eu vou agir no calor
do momento e foda-se o resto.
É um impulso poderoso que toma conta de mim, não
reconheço essa fome de defender a mulher que eu queria desprezar,
no entanto, aqui está, se alastrando por todo o meu corpo: coluna,
nuca, coração e mente. Estou puto, e não é pouco.
Chego à casa dos pais de Virginia em tempo recorde. Enfio o
dedo no interfone e só paro quando ouço uma voz feminina.
— Rocco Montoya — digo e ouço um breve “Só um
instante”. E como prometido, não demora para o portão se abrir.
Com passadas rápidas atravesso o tenebroso jardim mal-cuidado, e
antes de tocar na porta da casa, ela se abre. É a mãe de Virginia.
— Boa noite, Dona Carlota. Seu marido se encontra?
— Sim, claro. Entre. Aconteceu algo? — Olha para fora por
cima do meu ombro — Onde está Virginia?
— Está bem, está em casa. Será uma breve conversa de
cavalheiros.
Desconfiada, ela assente e se afasta para chamar o sujeito.
Não sei se Carlota sabe do ocorrido, não me espantaria se ela
soubesse e ainda assim acobertasse o marido.
Antônio surge vindo de um corredor, e de modo precavido,
para a uma distância segura de mim. Ele sabe o que aprontou.
Esbanjando confiança, faz uma careta na minha direção.
— O que você quer, Montoya?
Eu poderia tentar dialogar, gritar para ele não chegar perto da
minha casa nunca mais, porém, em meio ao surto de raiva, parto
para cima do homem, que é pego desprevenido e não consegue
fugir ou se defender do golpe.
Eu acerto precisamente um soco em seu rosto, ele esbarra
contra um móvel e se equilibra rapidamente, só para ganhar outro
soco, que o derruba. Carlota dá um grito e corre em nossa direção,
ajudando-o a ficar de pé. O homem é alto, mas magro, então para
mim é fácil segurar em sua roupa com as duas mãos e o pressionar
contra a parede.
— Se algum dia você tocar nela mais uma vez… não serão
apenas uns socos que você vai receber.
— Larga ele. — Carlota me afasta bruscamente. — O que está
acontecendo? Eu vou chamar a polícia.
Eu o largo e me afasto. Dessa vez, foco meu olhar mortífero
nela.
— Ele entrou na minha casa e agrediu a Virginia.
Carlota enrijece e olha para o marido, que está tentando se
recuperar do soco. Passa a mão no nariz e olha para o sangue na
mão.
— Antônio…? Você fez isso?
Carlota não recebe uma resposta, já que o velho se volta para
mim.
— Escuta aqui, seu merdinha. — Ainda tem coragem de vir
para cima de mim. — Ela é a minha filha, e eu a corrijo como eu
quiser.
— Ela é a minha esposa! — berro, voltando a avançar para
cima dele. — Quem precisa de um bom corretivo é você.
— Diz isso para mim, Montoya? — Apesar da raiva, ele solta
um sorriso debochado. — Você, que é da minha laia, quer chegar
aqui dando lição de moral?
— Eu nunca agredi uma mulher. Você a feriu. Agradeça por
não estar em coma nesse momento. — Viro as costas para sair, mas
paro quando ele diz:
— Eu a feri fisicamente, mas pergunte a ela o que a deixou
pior. O meu tapa ou a sua facada?
— O que está falando?
— Eu vi, hoje mais cedo, uma foto postada por terceiros, em
que você almoça com companhias bem formosas. E adivinhe por
que eu fui falar com Virginia? Porque ela e eu fomos motivos de
chacota na minha empresa.
— Que foto? Você está blefando.
— Almoçando com putas bem na primeira semana de
casamento, Rocco? Eu fui muito melhor do que isso quando me
casei.
Eu me calo diante das acusações. Relembro o almoço de hoje,
revivendo o momento em que as garotas chegam à mesa e uma
delas se senta em meu colo por poucos minutos. Alguém teria
tirado uma foto e vazado a imagem?
— Você está puto porque um pai deu um tapa na filha
malcriada. No entanto, eu deveria estar puto por você a tratar feito
cachorro diante da sociedade.
Enrijeço e fico calado quando ouço as palavras dele, e isso o
faz ganhar força para continuar:
— Minha filha não vai ter um marido presente ou um homem
que a respeite e a trate bem, e para ela vai estar tudo bem. Porque
eu a ensinei isso. Eu a ensinei que os homens são como eu. E você
vai validar a minha criação transformando-a em uma mulher
amargurada e vazia.
Eu miro o rosto de Carlota, horrorizada com as verdades
jogadas ao ar. Em um instante, minha raiva se transforma em
confusão, então saio daquela casa em um rompante.
Já no meu carro, penso no que Antônio me disse. Seria isso
tudo verdade? Ou ele está blefando? Talvez alguém estivesse no
clube hoje, durante o almoço, e acabou contando para ele, que me
viu na companhia de mulheres.
Em minutos, ligo para Magno, e ele acaba corroborando a
história de Antônio, me pedindo desculpas, pois soube há pouco
que um dos membros tirou mesmo a foto da nossa mesa e postou
em uma rede social, mas que já foi apagada e que o membro será
devidamente punido com expulsão.
Sem querer me contar qual membro do clube fez isso, ele se
despede, prometendo que vai conversar pessoalmente comigo
amanhã.
Só me resta então voltar para casa.

***
A casa está imersa em silêncio quando abro a porta. Deixo as
chaves no aparador e olho a escada antes de subi-la. A confusão em
minha mente ainda persiste. Eu gostaria de contrariar as palavras de
Antônio, que ainda fazem muito barulho em minha cabeça, mas, ao
mesmo tempo, não tenho qualquer condição de dar a Virginia o
homem que ela sonha. E se aquelas palavras mexem tanto comigo,
é porque talvez ele esteja certo. Eu não passo de uma cópia
refinada do meu maldito sogro.
Espio no quarto, encontrando Virginia sentada na cama com o
rosto entre as mãos. Sofrendo sozinha em silêncio. Dou um passo,
e ela levanta o rosto, assustada. Virginia me fita como se buscasse
dicas de que está tudo bem.
Caminho pelo quarto, calado, me sento em uma poltrona e tiro
os sapatos.
— Ele está vivo — sussurro. — Vai ficar bem.
— O que você fez?
— Não importa. O que seu pai fez com você foi por minha
culpa, e garanti que não vai mais se repetir.
— Eu não ligo. Eu nunca esperei muito de ambos.
Essas palavras me causam um desconforto que meses atrás
simplesmente me atravessariam sem produzir dano algum.
— A diferença é que eu consigo sentir o peso da minha
consciência, e ele, não. — Eu me levanto da poltrona, tiro a camisa,
e antes de entrar no banheiro para uma ducha, me sento ao lado de
Virginia na cama. — Sabe o que eu detesto em você? É que você
sempre triplica em mim emoções que antes eu não sentia. Talvez
não vá acreditar, afinal não dou motivos para isso, mas dessa vez
eu odiei saber que você pagou por um erro meu.
***
Após o banho, visto uma calça de flanela e desço para comer
alguma bobagem antes de parar no escritório para trabalhar até
mais tarde. Magno conseguiu marcar para amanhã uma reunião
com Romeo, e eu preciso analisar todo o relatório de emergência
que o engenheiro me entregou.
Meu pai fez a maior sacanagem comprando peças de baixa
qualidade para carros top de linha. E agora os cofres da empresa
não têm como trocar essas peças. Um apoio financeiro da Orfeu é a
minha grande aposta.
— O que acha de uma pizza? — pergunto a Virginia,
encontrando-a na sala de televisão. Já passa das nove da noite, e
uma comida rápida parece ser a melhor opção.
— Por mim, tudo bem.
Faço o pedido na minha pizzaria preferida, e enquanto espero,
sirvo vinho em duas taças e me sento ao lado dela no sofá, lhe
entregando uma das taças. Ficamos em silêncio por longo tempo
enquanto na televisão passa um reality sobre competição de bolos,
me fazendo questionar como alguém pode gostar de assistir pessoas
cozinhando às pressas para que alguns especialistas provem o
prato. Isso me deixou entediado já nos primeiros minutos.
— Vai dormir aqui? — pergunta, sem me olhar.
— Vou.
— Achei que teria boas distrações para o dia e para a noite —
insinua.
— Seu pai me falou sobre a foto. Se está se referindo àquilo…
— Eu não me importo. — Ela me fita, sorrindo. — De
verdade. Você já tinha me adiantado que isso aconteceria.
— Não aconteceu nada. — Tomo um gole do vinho e
mantenho meus olhos na televisão. — Aquelas garotas chegaram
em nossa mesa enquanto almoçávamos, mas Magno logo as
dispensou.
Calada, Virginia me fita. Em seguida, assente.
— Se tivesse acontecido, eu não ia ter problema em esfregar
algumas fodas extraconjugais na sua cara. Só para ter o sabor de te
ver queimando na fogueira do ciúme.
— Você tem a arrogância de supor que eu estou sofrendo
porque imaginei…
— Que passei o almoço fodendo com a loira gostosa. Mas não
aconteceu.
— A sua presunção é quase vergonhosa. No entanto, é
também o seu charme.
— É uma pena que não posso dizer o mesmo sobre você. Não
tem o mesmo charme que eu, ao contrário, a cada dia você parece
mais iludida, como o Cirilo daquela novelinha infantil.
Sem conseguir se controlar, ela acaba dando uma risada, que
tenta abafar com a mão. Rio junto, olhando-a por longos segundos.
— Eu nem consigo retrucar, uma vez que nem sei quem é
Cirilo.
— Ah, esqueci que você foi criada nas cavernas. Não conhece
o maior garoto apaixonado que já existiu. Quer ver como eu tenho
razão? — Eu deixo a taça na mesinha de centro, pego meu celular
no bolso da calça e procuro por algum vídeo da novela infantil no
YouTube. — Dá licença. — Desligo a televisão e me aproximo
mais de Virginia, ela inclina a cabeça para assistir ao vídeo no meu
celular.
É alguma cena da famosa novela, em que o garotinho está
caído de paixão por Maria Joaquina, a garota que o despreza.
— Que dozinha dele! — Virginia exclama quando termina o
vídeo. — O que é isso? Novela? Onde passa?
— Eu não sei essa informação. Mas você pode procurar
depois. Vamos ver outro. — Toco em outro vídeo, onde Maria
Joaquina esnoba mais uma vez as emoções de Cirilo.
— Bom, se eu sou o Cirilo, você é praticamente essa menina,
Rocco — Virginia, observa, colocando a mão na boca para tapar o
riso. — Você me esnoba e não perde a oportunidade de dizer que
me detesta.
— Eu não te esnobo. Pelo menos não o tempo todo. Agora,
por exemplo — seguro a mão de Virginia —, não vou ser capaz de
ignorar sua mão quando ela fizer isso… — Puxo o elástico da
minha calça e coloco a mão dela dentro, posicionada no meu pau.
No susto, Virginia arregala os olhos e faz menção de tirar,
mas seguro seu braço e nossos olhos se chocam.
— O que pretende, Rocco?
— Sei lá… nos distrair de todas essas merdas que
aconteceram?
Seus dedos estão sobre meu pau, todavia, inertes. Seguro
firme em seu queixo e passo o polegar nos lábios, que entreabrem
receptivamente. Então a mão dela se mexe e afaga gentilmente meu
pau. Sorrio, sem desprender nossos olhares.
— E você também não consegue ignorar, não é mesmo? —
Virginia não responde, mas mantém os olhos acesos nos meus; ela
parece engolir a saliva quando seus dedos aumentam a pressão em
volta do meu pau, sentindo como ele se animou e endureceu em
segundos.
— Quer chupar um pouco? — sussurro, pertinho dos seus
lábios. — Só um pouquinho. — Passo a língua pela sua bochecha,
e ao chegar à orelha, capturo o lóbulo com os dentes. — Depois
será a vez da sua boceta ganhar a benção da minha língua.
— Suas palavras não parecem de um homem sério. — A voz é
quase um sopro.
— E você não parece querer um marido sério.
Virginia está ofegante apenas por sua mão estar no lugar certo
e por causa das minhas palavras excitantes. Ela tenta beijar minha
boca, mas me afasto, rindo. Enfio a mão na calça e seguro a dela.
— Assim. — Faço com que sua mão deslize pelo meu pau,
para cima e para baixo. — Abaixe minha calça, querida — peço,
mas não há ação da parte dela. — Ele já está babando, e você está
perdendo a melhor parte.
Eu até me surpreendo quando afasto a mão e Virginia mantém
o movimento como indiquei. Então desço minha calça, tirando-a
por completo.
Virginia olha meu pau e passa a língua no lábio, como se não
pudesse esperar. Então, seguro sua mandíbula, trago-a para mim e
dou um extasiante beijo de língua. Quando afastamos nossas bocas,
guio o rosto dela para baixo; em instantes sinto seus lábios
degustarem suavemente a cabeça pulsante.
Virginia levanta o rosto e me fita. Está completamente
ruborizada e arfante. Um sorriso fascinado desponta, quando ela
pula para fora do sofá, se ajoelha bem ali no tapete, ficando entre
minhas pernas. Virginia me chupa devagarinho, saboreando meu
pau. Juro que jamais imaginaria que a boca inexperiente de uma
mulher seria mais excitante do que as várias profissionais que já
tive. Porém, quase me mata saber que ela quer aprender e que é
algo que gosta de fazer.
Enfio meus dedos em seus cabelos, penteando-os, sem forçar,
apenas fazendo um cafuné enquanto ela treina devagar e aplicada a
melhor maneira de acomodar o meu pau na boca.
É. Apenas. Sexo.
Minha mente me lembra, enquanto me afundo em prazer.
27
VIRGINIA

Depois dessa noite, Rocco se distanciou novamente de casa.


Porém, sem ameaças ou tentativas de intimidação. Sei que os
motivos passam pelo momento da empresa e do evento que se
aproxima, e para manter o nosso superficial, lógico.
Ao menos, aquela foi a segunda melhor noite depois que nos
casamos. Transamos, comemos pizza, enquanto ele explicava de
forma apaixonada detalhes da empresa, e, para concluir, dormimos
juntos. Mais uma vez, cada um de um lado, sem abraços ou
conchinha; Rocco se manteve firme na decisão. Porém, durante a
madrugada, lá estava eu enrolada em um abraço quente e apertado.
Não parecia ser algo costumeiro a ele, compartilhar uma cama com
mulheres, porém deu para perceber que é algo que ele gosta de
fazer e que parece sentir falta.
Quando a manhã chegou clareando o quarto, eu acordei
sobressaltada, embrulhada no edredom, mas sozinha na cama. Corri
até o banheiro, desci a escada, mas descobri a casa em silêncio. Ele
tinha partido antes das sete.
E assim aconteceu em todos os cinco dias depois dessa noite.
Ele evita dormir comigo, e quando dorme, some antes que eu
acorde.
No entanto, há um detalhe instigante: Rocco me deseja. Ele
está mantendo distância e fazendo de tudo para não se envolver
emocionalmente, mas não consegue ficar um dia sequer sem sexo.
E não sei se é pecado, mas já agradeci a Deus por meu marido estar
com uma fome insaciável para sexo e por todas as vezes ele
recorrer a mim para aplacar esse descontrole.
Um desses dias, acordei animada. Encontrei um aspirador de
pó na dispensa e passei no tapete da sala, arrumei a cozinha, lavei
as poucas roupas e falei com minha mãe, que me deixou atônita
quando ligou para saber se eu estava bem.
— Era para ligar antes — ela disse com a costumeira voz
desolada —, mas estava sem crédito no celular e só hoje consegui
colocar.
Senti meu coração apertar ao lembrar de como vivíamos. Meu
pai tem muito dinheiro, mas a família não é importante para ele.
— Você já tem de tudo… mas eu estou aqui, para qualquer
coisa… que precisar.
— Eu estou bem, mãe. Obrigada por ter ligado e… por ficar
ao meu lado.
— Eu aprendi muito com a tragédia que aconteceu com a
Olivia. E quando ela estava em coma… no hospital, eu prometi a
Deus e a mim que o meu lado sempre seria o de vocês. Não dá
mais para ser amiga de vocês três, mas dá para ser aliada.
— Obrigada, mãe. Ainda dá tempo, sim. — Toquei na minha
bochecha, limpando uma lágrima. Durante toda a minha vida, ter o
apoio dela era tudo que eu sempre quis. E agora, eu tenho. Não é
tarde. A felicidade me consome.

Mais revigorada, decido fazer algo para o almoço, mesmo


sabendo que será apenas para mim.
Com o celular ligado em uma receita no YouTube, começo a
preparar, com calma, imersa na culinária amadora, quando sinto
um abraço por trás e dou um grito junto com um pulo.
— Calma. — Rocco ri, me observando de cima a baixo. Eu
estou uma lástima, não sabia que ele viria, ainda são dez da manhã.
Usar um vestido gasto e um avental amarrado na frente e ser
surpreendida por esse homem elegante nunca foi a minha intenção.
— O que faz aqui? — indago, assustada, mirando-o enquanto
o bendito já está afrouxando a gravata e desabotoando a camisa.
— Pensei em ir ao clube de Magno.
— Pensou?
— É. E escolher uma das melhores funcionárias.
Engulo em seco e firmo o olhar. Se a tentativa é me provocar,
não vai conseguir.
— E por que não foi?
— Porque essa ideia não me animou tanto como estou
animado agora. — Arranca o cinto, desce a calça apenas um pouco
e vem em minha direção. Camisa aberta no peito, gravata frouxa no
pescoço. Desarrumado e gato de doer. Presa ao seu abraço, inclino
meu pescoço para trás fugindo do beijo.
— Rocco… eu estou cheirando a alho e cebola… Talvez se eu
tomasse um banho…
— Nem pensar. Nunca comi uma dona de casa, e vou fazer
isso agora. — Rocco segura meu queixo, mantendo o pescoço
exposto. Em seguida, passa a língua no local, mordendo em
seguida, a ponto de eu sentir seus dentes, mas de uma maneira que
me excita selvagemente.
Eu sempre fui fácil quando o assunto é Rocco. Ele me toca, e
eu viro gelatina e me entrego sem pensar. Em dois segundos, lá
estou eu em cima da bancada em meio às panelas, uma massa ainda
em produção e vários temperos separados em tigelinhas.
Transamos na bancada da cozinha, o que acabou com todo o
mise en place da receita, pois Rocco deitou, todo grande, pelado e
saboroso, na bancada e me fez cavalgá-lo. Por Deus, eu jamais
pensei que ia gritar e pular feito uma louca em cima do meu marido
em cima da bancada da cozinha, com a calça ainda embolada nas
pernas e a gravata ainda no pescoço.
Finalizamos debaixo do chuveiro, pois as costas dele ficaram
repletas da massa do meu espaguete italiano.
Ah! Ele me pediu para lavar suas costas.
Eu, Virginia Maria, nua, debaixo de um chuveiro com um
homem nu, que tem uma aliança no dedo indicando que é todo
meu, dentro da lei. Eu não hesito em descer a esponja para a bunda
dele.
— Opa! — Rocco salta e me olha. — O que está fazendo?
— Prontinho. Já está limpo. — Sorrio sem graça.
Rocco se veste calado, sério, pensativo. Mas antes de sair, me
chama na sala e me entrega algo. Duas caixas, que, pela marca, eu
já sei do que se tratam: um MacBook e um iPhone.
— Use com moderação e cuidado, Virginia. Eu estou de olho
— alerta enquanto, desorientada, eu abro a caixa do MacBook. —
Eu já deixei alguns aplicativos instalados no celular. Criei um perfil
no Instagram para você, e claro, eu tenho a senha. Também tem um
aplicativo de música que você pode ouvir quando quiser e parear
nas caixas acústicas da casa, se quiser.
Deixo tudo de lado, e sem pensar nas consequências ou se
poderia fazer isso, pulo no seu pescoço, abraçando-o. Só depois
que lembrei de sua relutância em criar um vínculo comigo, e então
me afasto.
— Obrigada, Rocco. Eu amei.
— Ok. São emprestados. Se nos divorciarmos, eu os quero de
volta. E não use para planos diabólicos. — Ele se despede em
seguida, dizendo que ia pedir um espaguete em algum restaurante
para que eu possa almoçar. Nem contesto. Estou feliz demais por
ele ter aparecido só para transar e para me dar os presentes.
Pode parecer pouco, mas, para mim, que entrei no casamento
sabendo de todas as relutâncias de Rocco, isso é muita coisa.

Passo o resto do dia sozinha e a noite também. Não sinto


tanto, afinal estou encantada demais com meus presentes. Vou
dormir cedo, e no dia seguinte, acordo cedo para andar em volta da
casa, como gosto de fazer.
A área da propriedade é grande e muito arborizada, além de
ter um jardim esplêndido que é cuidado por uma equipe de
jardinagem que aparece duas vezes por semana. Gosto de descer a
planície e chegar até o lago, que acredito ter sido construído pelo
próprio senhor Adão Montoya. Há carpas na água, e eu gosto de
alimentá-las. Esse é o local onde tiro a primeira foto para postar no
meu perfil, que já tem duzentos e trinta seguidores.
Mais um dia sozinha. A casa, apesar de luxuosa, é muito
funcional. Consigo enfim preparar o almoço, e até torço para
Rocco aparecer de novo, mas meu desejo não se realiza. Almoço
sozinha, lembrando que preciso convidar Joanne para passar um
dia comigo. Limpo toda a cozinha e vou conhecer melhor o meu
novo computador e celular.
A noite chega, e Rocco não aparece. Consegui ligar a
fritadeira elétrica e fiz empanados para comer com uma salada
fresquinha que preparei. Espero até onze horas, e como o sono me
pressiona, decido me recolher. Estou quase caindo nas profundezas
da inconsciência quando ouço passos, e ao meu virar, vejo um
homem no quarto. Bato a mão na mesa de cabeceira para acender o
abajur e vejo Rocco tirando a roupa bem ao meu lado.
— Rocco?
— Já estava dormindo? — Só de cueca, vem para a cama.
— Ainda não. O que está fazendo aqui?
— Hoje o dia foi pesado — Ele está falando baixinho e
subindo em cima de mim de maneira suave, porém predatória. —
Fui para meu apartamento, até bebi um pouco, mas foi impossível
descansar. Eu te detesto tanto, Virginia…
— Então por que está aqui?
— Porque se não viesse, não ia conseguir dormir em paz. —
Captura meus lábios em um beijo, e eu me entrego, sentindo seu
corpo se moldar ao meu, adorando como toda minha pele se anima
ao reconhecer seu toque. Como meu sistema nervoso festeja com o
cheiro gostoso de seu perfume caro e seu hálito com gosto de
bourbon, o qual eu aprendi a reconhecer por causa dele.
Dessa vez, o sexo é sensual. Gostoso e lento. Nossas mãos se
emaranham, os dedos abraçados no alto da minha cabeça enquanto
Rocco mete forte, muito gostoso e fundo, mas sem deixar que eu
gema livremente, pois, sua boca está colada na minha, me beijando
infinitamente.
E o melhor é quando Rocco me posiciona de lado, se
acomodando atrás e me abraçando como em uma conchinha; ele
segura minha perna e me penetra assim. É o paraíso, sentir as
estocadas fortes, o corpo musculoso e quente me agarrando por
trás. O quarto está iluminado à meia-luz, apenas o abajur aceso, e a
cama confortável parece perfeita nesse momento.
Dormimos juntos pela terceira vez. Sim, eu estou contando.
Colecionando momentos com Rocco. Ainda assim, pegamos no
sono sem nos abraçar. Ele fica um bom tempo olhando para o teto,
com as mãos cruzadas atrás da cabeça.
— Como está a empresa? — pergunto, tentando quebrar o
gelo.
— Bem. Acho que vai dar certo. Romeo aceitou firmar um
contrato de financiamento. O caixa da Montoya estava no
vermelho.
— Você me falou por alto. Que bom que conseguiu. Eu tenho
certeza de que o seu evento será um espetáculo nacional. Hoje eu vi
na internet que o carro Revenge foi um dos assuntos mais
comentados.
Rocco vira a cabeça para mim e me fita por algum tempo.
— Obrigado. Eu comprei uma cota de merchandising em um
programa com a maior audiência na melhor emissora do país. Foi
caro, mas valeu a pena. As pessoas estão curiosas para ver o novo
carro.
— Isso vai ajudar, Rocco, porém o que me faz ter certeza de
que será um sucesso é que você está fazendo com paixão. É o seu
sonho, e tudo que a gente faz com paixão dá um bom resultado.
Ele dá um sorriso de boca fechada, me fita calado por mais
uns segundos, então inclina-se até mim e beija meus lábios.
— Vamos dormir.
***

Mais um dia acordando sozinha. Nem sinal de Rocco, e ainda


são sete da manhã. Passo minutos na cama, sorrindo para o nada,
agarrada ao travesseiro que ele dormiu enquanto a mente se
questiona: por que o coração quer cada vez mais, de forma
gananciosa, se alimentar quando o assunto é paixão?
Eu sou apaixonada por Rocco, e tudo que fiz até esse
momento foi por causa dessa paixão. E cada vez que ele me dá
migalhas, eu preciso de e desejo mais, muito mais.
Eu não quero me enganar, me iludir, de que ele está sentindo
algo também. Não quero pensar nos sentimentos dele para não me
frustrar. Porém, mais uma vez, aqui está Rocco, no meio da tarde
de uma quinta-feira, me fazendo uma visita inesperada.
Eu estou assistindo a qualquer bobagem na sala, quando ele
chega trazendo uma caixa.
— Oi — Rocco me cumprimenta.
— Oi. — Eu o olho, interessada e desconfiada.
— Para você. — Rocco me entrega uma caixa. Ainda surpresa
com o gesto, usei de todo o cuidado para abrir, mesmo com a
expectativa me consumindo. Surpresa, encontro chocolates dentro.
Elevo meu rosto para fitar Rocco.
— Veio aqui a essa hora me trazer chocolates?
— Claro que não, né, Virginia? Você não é ingênua a esse
ponto. — Começa a desabotoar as mangas da camisa, dobrando-as
em seguida; gesto que eu acho sexy pra caramba. — Eu tava com
vontade de fazer uma coisa e decidi trazer algo para te agradar
enquanto faço o que desejo.
— Que é…? — Franzo o cenho.
Rocco termina de arregaçar as mangas e faz meu coração
acelerar quando sorri de maneira sexy.
— Ajoelhar entre suas pernas e passar os próximos trinta
minutos te chupando de todas as maneiras que possa imaginar.
Enquanto você se delicia com chocolate belga.
E é isso que ele fez. Eu estava sentada no sofá. Rocco ficou de
joelhos, afastou minhas coxas e deu um beijinho em cada uma
delas.
— Mas…
— Você adora safadeza. Só relaxe. — Engancha os dedos na
minha calcinha e a puxa para baixo, descendo o tecido pelas
minhas pernas. — Agora, afaste-as para mim.
De pernas abertas, sem calcinha e coração na mão, sinto a
garganta tampar com o tesão brusco que toma conta de mim.
— Se essa não é a melhor parte do casamento, não sei qual é
— diz antes de abaixar o rosto entre minhas pernas e começar a me
estilhaçar em milhões de pedacinhos.
Eu estava com tanta saudade da boca dele…
28
ROCCO

— Então quer dizer que você passou a semana toda fugindo


de casa, mas voltando ocasionalmente para foder com sua esposa?
Ouço a voz de Magno, que está sentado na minha frente, à
minha mesa, porém não levanto os olhos da planilha que ele acaba
de me trazer. Contei rapidamente a ele as atualizações da minha
vida de casado que já está completando quinze dias.
— Perfeito — sussurro para mim mesmo e fecho a pasta,
levantando os olhos para Magno. — Já comecei a produção dos
carros. Nem sei como te agradecer, cara.
— A gente aceita a porcentagem de lucro que está no contrato
como forma de agradecimento. Voltando ao assunto casamento,
que está mais legal que uma novela…
— Pois é. — Eu me recosto na cadeira. — Preciso
providenciar a gravidez, não é? Então ela e eu precisamos transar
com frequência.
— Conta outra. Uma ou duas vezes já é o suficiente. Você me
disse que tem invadido a casa dela no meio da noite…
— Minha casa também, caralho.
— Acordando a mulher para trepar? Isso para mim é paixão.
— A expressão de convicção que Magno usa me incomoda. Ele
não sabe de merda nenhuma.
— Claro, você está acostumado com fodas mecânicas, não
consegue reconhecer a existência de outro tipo de sexo.
— João Magno Lafaiette praticando fodas mecânicas? —
Enche a sala com uma gargalhada irônica. — Vá tomar no seu cu
cor de cenoura. Prepare um champanhe ou alguma coisa para
comemorar a parceria das nossas empresas. São nove da manhã, e
meu corpo ainda não viu um pingo de álcool.
Só porque ele me deu uma grande força convencendo Romeo,
concordo com seu pedido e peço uma bebida à minha secretária.
Ofereço um charuto a Magno, o que reservo aos clientes especiais,
já que não sou muito fã. Eu o observo preparar o charuto para
acender.
— E você? — indago. — Está pegando aquela louquinha que
foi ao meu casamento?
— Não. Eu até queria, só que enrolei demais e perdi a chance.
Lembra do meu primo?
— Aquele que estava preocupando Romeo por ter ficado no
Brasil sem um motivo aparente?
— Isso. Está pegando a Kate no sigilo. E agora cismou que
não pode ir embora, e esse é o motivo de ficar mais uma temporada
aqui no Brasil.
— Hum… É da sua família, vocês que se entendam. Mas se
ele quiser aparecer na exposição e comprar um carro, vou ficar
agradecido.
— Você aceita cu como pagamento? Porque Amadeo está
liso. É a única forma que ele tem pra te pagar. — Magno acende o
charuto enquanto ainda estou rindo.
— Mas você vai comprar um carro, não é? Eu conto com isso.
— Se eu não comprar, você vai chorar pelo resto da vida. —
Solta a fumaça e depois aponta o charuto para mim. — Acho que
Romeo vai comprar um para leiloar no evento anual de filantropia
da Orfeu. Será depois do desfile da empresa do Lorenzo.
— Empresa do Lorenzo — debocho sabendo que o safado
roubou a empresa da ex. — Vocês são inacreditáveis.
— Lorenzo que é o cão. — Magno ri e se cala quando a porta
é aberta e a secretária entra com as bebidas, lançando um olhar
interessado para meu amigo. Reviro os olhos, querendo chutá-lo.
Tenho certeza de que ele vai comer essa aqui também em algum
momento.

***

Depois que Magno vai embora, tento focar na montanha de


trabalho à minha frente, porém minha cabeça está fodida. Não
consigo parar de pensar nas emoções, cada vez mais fervorosas,
que me tomam a cada instante do dia. Ontem, depois de ter levado
os chocolates para Virginia, sumi de casa e não voltei mais. Dormi
sozinho em meu apartamento, sem acreditar na petulância do meu
coração, que começou a sentir a falta de alguém que eu deveria
odiar.
E para mostrar que eu estou no comando, liguei para minha
amiga de trepadas. Ela apareceu em uma hora, deliciosa como
sempre. Sexy de matar, com cheiro de mulher poderosa. Ela se
sentou no meu colo, rebolando com seu microvestido, me beijando,
enquanto seus dedos tamborilavam na minha camisa e abriam os
botões.
Não consegui. A mente me atiçando com as palavras de
Antônio, sobre eu ser uma cópia dele, e sobre Virginia já esperar
isso de mim. Ela foi ensinada a ter um homem como o pai dela.
— Não dá. — Empurrei a mulher para o lado.
— O que houve? Geralmente casados tem tanto fogo para
queimar fora de casa…
Por longos minutos, eu a encarei sem saber o que pensar.
Porque meu coração batia em uma frequência diferente daquela de
meses atrás.
— É melhor eu ir. — Levantou-se, ajeitou o vestido e saiu, me
deixando na mesma posição no sofá.
Foi um completo fiasco, acordei com dor no pescoço e tenso.
E, para piorar, mais uma vez uma visita indesejada apareceu
quando eu chegava à empresa.
Marcela e David, meus ex-cunhados, irmãos de Milena. Eles
me perseguem desde que souberam do meu casamento.
— Das duas uma: ou sua esposa não sabe do crápula que você
é ou ela é tão crápula quanto você e não se importa! — Marcela
gritou, com sua costumeira pose agressiva.
Dessa vez, não consegui ignorá-la. Parei e a fitei.
— O que vocês querem afinal?
Porque desde que tudo aconteceu, eu não deixei de tentar me
aproximar, de tentar fazer algo e estar disponível para o que eles
precisassem. Porém, em todas as vezes, fui enxotado. Mas agora
que as coisas se tornaram tão agressivas e perigosas, com
constantes ligações e ameaças, receio que não dá mais para ser
cordial.
— O que queremos? — David berra, furioso. — Queremos
que você pague pelo que fez com Milena. Como você pode querer
seguir feliz e realizado quando acabou com duas vidas… incluindo
a do seu filho?
Meu sangue gela no mesmo instante. Uma nova onda de culpa
me açoita, e preciso entrar depressa na empresa, deixando-os para
trás para serem contidos pelos seguranças.
Por sorte, Magno aparece e me distrai. Preciso marcar outro
encontro com o terapeuta.
Com todas essas emoções explodindo na cabeça, eu não vou
conseguir me concentrar, então faço algo impensável: pego o
celular e ligo para Virginia. Enquanto chama, levanto e dou alguns
passos pelo escritório, indeciso se devo ou não fazer isso.
Sei que, apesar de tudo, a presença dela sempre me faz
esquecer os problemas da vida. É como se Virginia me levasse para
outro mundo, um mundo onde ela é o centro e dona da minha
atenção: seja para discutir, trepar ou conversar. Sempre que estou
com essa mulher, nada mais ao redor me importa.
— Rocco? — ela atende.
— Quer conhecer a fábrica? A minha fábrica…
— A Montoya…? — Ela não consegue acreditar — Eu…
claro. Eu quero, sim.
— Então se arrume, que passo aí em meia hora para te pegar.

***

Assim que chego em casa, mais ou menos meia hora depois


da ligação, percebo que está tudo em silêncio.
— Virginia? — chamo, e nem preciso de muito esforço para
encontrá-la.
— Estou aqui — diz do alto da escada.
Fico boquiaberto ao vê-la com um dos vestidos novos que
compramos, parece uma peça simples, mas é muito elegante. Adere
com perfeição ao seu corpo e tem um comprimento comedido, um
pouco abaixo dos joelhos. O decote quadrado não revela nada dos
seios, e o cinto grosso marca sua cintura.
Virginia desce devagar segurando no corrimão, porque está
usando sapatos de salto da mesma cor da bolsa nova que carrega no
ombro.
— Eu fiquei tão desesperada… Peguei o que vi na frente —
diz, sem graça ao se aproximar. — Será que esse vestido é
adequado?
— É perfeito. — Olho para sua mão delicada. Não usa nada
mais que a aliança de casamento. Meu pai tem joias no cofre da
mansão dele. Vou pegar algumas para emprestar à Virginia. —
Vamos?
— Sim. Que emoção! — Ela saltita atrás de mim, me fazendo
lembrar que é uma jovem de vinte anos que acabou de se libertar de
uma vida medíocre.
Ao meu lado no carro, Virginia sorri. Parece afundada em
pensamentos enquanto morde o lábio inferior.
— Está sorrindo sozinha — constato, prestando atenção na
rua à minha frente.
— É. Estou.
— Mil vezes pior que Cirilo — sussurro, e ela ri,
concordando.
Viajamos por aproximadamente duas horas até chegarmos à
montadora dos carros que fica no interior, em uma área muito
maior, com direito à pista de testes e galpão de armazenamento,
onde centenas de carros estão prontos à espera de serem
despachados.
— Meu Deus! Rocco! Esse lugar é enorme — ela exclama, de
olhos saltados enquanto analisa tudo até onde as vistas alcançam.
— É algo em torno de uns oitenta campos de futebol.
— Sério?
Pisco para Virginia e seguro sua mão, que está gelada. Antes
de entrar, ela para e observa o prédio com admiração. É como se
não acreditasse que esse momento estivesse mesmo acontecendo.
Virginia olha para mim, para nossas mãos, e dá o primeiro passo
para passar pelas portas de vidro.
29
VIRGINIA

Rocco me ajuda a colocar um capacete de segurança quando


descemos até a área de montagem; o lugar que mais desejo
conhecer. Enquanto viajávamos, ele explicou um pouco sobre esse
lugar. Que para montar os carros precisa de muito espaço e muitos
funcionários. A empresa no Rio segue alguns processos da
fabricação, como a fase um, que, segundo Rocco, é a mais
importante.
— É a fase que define o carro a ser produzido — disse ele
enquanto dirigia. — É como a fecundação para ocorrer a gravidez.
Nessa fase trabalham os designers e engenheiros. Vão criar o
modelo, precisa ser aprovado pela diretoria e estudado pelos
engenheiros, para decidir se é um automóvel viável.
Agora, segurando firme na sua mão, entramos onde a mágica
acontece. À primeira vista, é um assombro para mim, que nunca vi
algo parecido. Tem carcaças de carro no ar suspensas por trilhos.
Há esteiras com portas já prontas, e muita gente operando
máquinas em meio ao barulho motorizado.
— Rocco. — Um homem vem em nossa direção e olha para
mim como se já me conhecesse ou esperasse a minha visita. —
Senhora.
— Virginia, esse é Ruan. — Rocco faz as apresentações. —
Um de nossos engenheiros. Ele vai mostrar um pouco da linha de
produção.
— Olá — eu o cumprimento.
— Venham por aqui. — Ele vai na frente para nos guiar e
para diante de uma porta de metal, que se abre após ele encostar o
crachá no painel na parede. — Vamos ver a produção do Urban. Já
que o senhor Rocco quer sigilo no Revenge.
— É melhor — Rocco concorda e segue o homem. Entramos
em outra ala, bem parecida com a anterior. Vejo as mesmas
carcaças passando no alto, suspensas e presas a trilhos. Se é de um
modelo diferente, não consigo identificar.
— O Urban é a nossa SUV. — Ruan aponta para a foto de um
carro em um painel na parede. É lindo! E como qualquer novidade,
estou encantada.
— É maravilhoso.
— É justamente ele que está sendo produzido aqui — o
homem diz. — É uma produção rápida, com o resultado de mais ou
menos um carro pronto a cada cinco minutos.
— O Urban é o mais vendido da Montoya. — Rocco
acrescenta e confidencia apenas para mim: — Graças a ele ainda
estamos de pé.
— O que são essas peças? — Aponto para várias peças
passando em uma esteira.
— São os para-choques. Várias peças são produzidas por
outros fornecedores, como essas, por exemplo — Ruan continua
explicando, com boa vontade. — Ali são os moldes que foram
usados nesse carro específico.
— Ruan, vamos ver o fechamento do produto — Rocco pede,
e o homem nos leva para outra ala onde os carros já estão prontos.
Embasbacada, eu os sigo, com os olhos cheios de brilho em
meio a tanta beleza imponente.
— Estes estão quase prontos. Já têm motor, bancos, toda a
aparelhagem. É um produto fechado. Serão agora enviados para a
linha de testes. É necessário testar cada pequeno detalhe.
— Posso entrar nele?
— Fique à vontade. — O homem abre a porta para mim, eu
entro e toco no volante. Não é a primeira vez na vida que me sento
em um banco de motorista. Lembro que Olivia e eu brincávamos
no carro do nosso pai sem que ele visse.
— Talvez a senhora ganhe um desses. — Bem humorado,
Ruan se debruça na janela do carro. — O Urban é um dos
queridinhos das mulheres.
Rocco, de braços cruzados, não responde a ele, apenas me fita
com uma expressão ilegível.
Passamos praticamente a manhã inteira na fábrica. Rocco me
mostra outras partes, como o refeitório gigantesco e a sala dele. Ele
também precisa resolver algumas coisas, e enquanto isso, eu
permaneço lá, sentada em sua cadeira de chefe, refletindo sobre
todas as coisas que vivi desde que me casei.
O meu marido é dono disso tudo. Minha mente quase me faz
acreditar que eu estou mesmo em um conto de fadas.

***

De volta à casa, eu me jogo no sofá na intenção inquieta de


me livrar dos sapatos que estão me matando. São caros,
confortáveis, mas não tenho costume de andar me equilibrando
nessas coisas.
Mais uma vez não almoçamos em um restaurante. Rocco
recebeu uma ligação e precisava correr para a matriz da Montoya.
De qualquer forma, meu coração está transbordando felicidade por
essa experiência, por conhecer um pouquinho do mundo dele.
— Eu vou pedir algo para entregarem aqui, para você almoçar
— ele avisa enquanto pega o celular. Apenas concordo em silêncio,
pego meus sapatos e caminho em direção à escada. Mas lembro de
algo e me viro.
— Rocco.
— Diga.
— E se eu não estiver grávida?
Ele para de mexer no celular e me fita.
— Você fez compras para mim… me deu um computador…
Mas sabemos que há esse risco. E se eu não…
— Saberemos daqui há alguns dias, Virginia, quando você
fizer o exame. Não se preocupe com antecedência.
— Tudo bem. — Sorrio de boca fechada e subo as escadas
pensando que sua resposta não me acalma. Nunca sei de fato o que
Rocco está planejando. Mas agora preciso urgentemente trocar a
roupa.

***

ROCCO
Com a pergunta de Virginia ricocheteando em minha mente,
continuo fazendo o pedido de uma refeição individual em um bom
restaurante. Em seguida, me deixo rolar ladeira abaixo em uma
reflexão sobre as palavras dela.
Não há qualquer chance de não haver uma gravidez. Eu sei
disso porque fiz um exame de fertilidade, e eu não tenho
problemas, assim como ela também não tem. Transamos todos os
dias desde a noite em que ela parou com o anticoncepcional. Há
uma gestação a caminho, eu tenho convicção.
Caminho para a cozinha sentindo que preciso beber algo
alcoólico. O pior é saber que agora eu torço para ela estar grávida,
e nem é pela empresa, afinal, meus problemas já foram resolvidos
pela ajuda que recebi dos Lafaiette. Lá no fundo do meu coração,
um sentimento irreconhecível deseja muito que Virginia esteja
grávida como uma forma de a manter por perto.
Como se eu precisasse dela nessa casa, o que é um completo
absurdo.
Tomo meia taça de vinho, e meus olhos pousam em um
celular na bancada. Sorrio para o aparelho e pego-o. É o celular
antigo dela. Agora, com o aparelho novo, ela nem se importa mais
com esse.
Consigo ver na tela trincada a marca do dedo para o
desbloqueio numa combinação de pontinhos. Passo o dedo
seguindo a marca, e a tela desbloqueia.
Não há mais nada no celular, nem fotos nem mensagens.
Apenas alguns aplicativos e um vídeo de uma receita que ela estava
vendo. Estou prestes a deixar o celular de lado, quando algo me
chama atenção. Ela me disse que não tinha Instagram, porém há o
aplicativo instalado. Toco nele, dando de cara com um perfil.
Virgin2020. Zero seguidores. É um perfil vazio, com a foto de
um gatinho. Toco em mensagens, e para minha surpresa, esse perfil
mandou mensagem apenas para uma pessoa. Para mim.
Abro a mensagem. Enviada há uns cinco meses. Diz apenas:
“Olá”
Eu nem visualizei a mensagem. Deve estar no limbo das
solicitações.
Em seguida, uma reação de coração em um Story meu, e ainda
uma resposta com um: “Uau”.
Ouço passos na escada, fecho o aplicativo, deixo o celular na
bancada e saio da cozinha.
— Achei que já tivesse ido. — Virginia paralisa ao me ver.
— É… fui tomar um gole de água. O seu almoço chega daqui
a pouco. Até qualquer hora.
— Obrigada, Rocco.
Sorrio de leve e saio rápido da casa. Durante o caminho até a
empresa, penso em todo tipo de situação, mas a única que me vem
à mente é: coincidência. Ela nem deve ser lembrar que mandou
mensagem para um cara qualquer no Instagram e que, por
coincidência, acabou se casando com ele meses depois.
Porém, algo me vem à mente como um flashback. Certa
manhã, enquanto saía de um Starbucks, uma garota me interceptou.
E ela disse: “Olá.” Eu a cortei imediatamente: “Não tenho
trocado”.
Minha mente coloca o rosto de Virginia nessa lembrança da
garota que me interceptou para pedir dinheiro, e eu perco a direção,
quase batendo de frente com um caminhão. A buzina soa alta, me
obrigando a jogar o carro para o acostamento, parando em seguida.
Porra. Devo estar enlouquecendo, imaginando coisas.
30
VIRGINIA

Quando o sábado chega, estou animada, aproveitando ainda os


resquícios de felicidade da sexta-feira, quando fomos visitar a
fábrica. Mesmo com Rocco não dormindo em casa, acordo bem-
disposta, pois convidei minha irmã para passar o dia comigo.
Preparo o café, e ainda nem me sentei para comer, quando o
segurança anuncia que Joanne chegou. Pelo que eu a conheço, sua
euforia deve ter sido tanta, que não conseguiu dormir essa noite,
por isso está aqui tão cedo.
— Joaninha! — festejo e a abraço, puxando-a para dentro de
casa. — Estava com tantas saudades.
— Eu também, mana. Estou que não me aguento, doida para
conhecer sua casa. — Ela se afasta de meu abraço, e com as mãos
na boca, observa o ambiente. Os olhos castanhos sonhadores estão
pasmos — Virginia!
— Pois é. Linda, não é?
— É uma mansão. Olha esse sofá e as almofadas. Você que
escolheu?
— Claro que não. Rocco já tinha tudo. Venha ver a cozinha.
Acabei de preparar uma tapioca. Daquelas que a mamãe faz.
— Virginia, eu estou contando nos dedos para fazer dezoito
logo e enfim ter o meu casamento. — Joanne verbaliza suas
emoções sonhadoras sentada à mesa comigo, tomando café.
— Não pensa nisso. Você deveria estudar, ter uma profissão.
— Fala isso porque mora em uma mansão. Você e Olivia
tiveram sorte…
— Olivia sofreu até ter sorte — corrijo-a, tendo que lembrar a
todo instante sobre o inferno que nossa irmã passou.
— É, eu sei. Ela merece toda a felicidade agora.
— Joanne, eu li uma frase muito boa um dia desses, que cabe
perfeitamente para você. É algo assim: “Se puder escolher, opte por
uma profissão, pois sua carreira não acordará um dia de manhã te
dizendo que não te ama mais”.
Sua testa enruga de forma contrariada.
— Eu achei essa frase bem pessimista. Virgi, eu sonho em ser
algo, claro, mas quero experimentar essas emoções. Olha isso. —
Ela aponta para a cozinha sofisticada. — Você tem sua própria
cozinha. Você manda e desmanda aqui.
— Não é bem assim.
— Não é o homem em si que me fascina, é a vida própria que
eu posso alcançar estando ao lado de um… — Ela dá um sorrisinho
safado e emenda um pouco mais baixo: — Claro, eu desejo
experimentar o amor de um homem…
— Amor não existe, Joanne. — Tomo um gole do café que
não está amargo, mas desce indigesto em minha garganta. Amor
não existe. Ou talvez não exista para mim.
— Posso ver seu quarto? Ou é íntimo demais?
— Claro que pode. Vou te mostrar as roupas de grife que
Rocco comprou para mim.
— Awwnn! Ele é fofo?
— Ele é um babaca na maior parte do tempo, Joanne. Só me
deu roupa de luxo porque estava com vergonha que eu andasse
parecendo uma gata borralheira ao lado dele.
— Você é mesmo igual ao vovô. Pensa mal de todo mundo…
— Deixa de charme. Ele mesmo teve a cara de pau de me
dizer isso.
— Ao menos é lindo. Depois de conhecer o noivo da Olivia e
o seu marido, decidi que quero um no mesmo nível. Eu salto do
penhasco se tiver que me casar com um velho maracujá murcho
igual ao Ludovico.
Compartilhando com ela uma gargalhada, subimos a escada
em direção ao quarto.
Tudo para Joanne é um paraíso. Minha irmã fica chocada com
a banheira, pede para se deitar na cama só para experimentar, se
jogando feito uma criança, e quase tem um ataque ao entrar no
closet. A cada peça de roupa minha que eu mostro, Joanne tem uma
reação diferente.
Aproveitando o completo surto dela, pego uma caixa guardada
no closet e dou a ela.
— O que é isso? — Os olhos arregalados pousam em mim.
— Eu aproveitei que Rocco estava fazendo compras para mim
e escolhi isso aqui para você.
— Mentira! — Ela abre a caixa e quase cai dura ao se deparar
com uma sandália de salto médio. — Virginia…!
— Gostou?
— Eu amei, mana. Eu nunca pensei que pudesse ter uma coisa
tão linda…
— Toda vez que olhar essa sandália, pense que você precisa
ter condição de comprar uma dessas. Eu não tive a chance de ser
alguém na vida, meu casamento veio rápido demais, porém você
pode.
— Eu prometo. — Ela me dá um abraço e volta a analisar
com cuidado a sandália.
— Posso fazer uma pergunta? — indaga, descendo a escada
comigo e voltando para a sala.
— Diga.
— Como é o Rocco… naquele momento?
— Como assim, Joanne? — Paro no degrau para mirar seu
rosto.
— Como é o Rocco? Grande…?
— Para início de conversa, você nem dezoito anos tem ainda.
— Volto a andar, apressando o passo.
— Faltam só três meses. Minha cabeça já é de dezoito. Me
conta como foi, Virginia. — Teimosa, ela me acompanha e agarra
meu braço, caminhando ao meu lado. — A gente fofocava sobre
isso, sobre como devia ser, as sensações. Você já sentiu, me conta
— implora usando o velho estilo Joanne de ser: emocionada. —
Conheceu o famoso orgasmo ou é conto da carochinha?
Paro de andar, tentando não rir.
— Diz, mana — insiste.
— Sim, eu conheci. Rocco pode ser um grande babaca, mas
ele entende do assunto.
— Meu Deus! O que mais?
— Pelo amor de Deus, Joanne…
— Por favor…! Como foi a primeira vez? Você ficou
travada? Doeu? Você quase desmaiou?
Dessa vez, a risada sai sem que eu possa controlar.
— Dói um pouco. Mas eu estava com tanta vontade que…
relaxei. É gostoso, a gente quer fazer toda hora, e o orgasmo é
como se o cara te jogasse lá na lua e puxasse de repente. Isso
quando ele te leva para voar com a boca… — um pouco mais baixo
digo próximo ao rosto dela — lá embaixo.
— A boca? — berra, e eu corro para a cozinha. — Virginia!

***
Rocco aparece somente no domingo. O semblante cansado só
confirmou que ele andou tendo bastante trabalho. Disse que passou
o sábado na montadora, então hoje quer apenas se isolar e
descansar. Nem perguntei para ele, apesar de ter vontade, por que
não descansou no apartamento ou no clube de Magno.
Em um piscar de olhos, estamos na banheira imersos em água
morna, um de frente para o outro. Ele mesmo preparou o banho e
depois me chamou, dizendo para eu me despir e entrar na banheira
com ele.
Pensei em negar? Sim. Consegui resistir? Não.
— Quase quinze dias — Rocco diz, casualmente. Ele se refere
aos dias desde a noite que deixei de tomar o anticoncepcional. —
Nunca me contou por que tomou o anticoncepcional.
Dou de ombros, desviando os olhos do rosto dele.
— Ingenuidade. Desde que você me avisou sobre o que
esperar do casamento, eu decidi tomar. Na minha cabeça, quanto
mais vezes a gente transasse, mais aumentava a chance de você
gostar de mim.
— E era tão importante que eu gostasse de você?
— Como eu disse, era pura ingenuidade.
— Você já gostava de mim antes de sermos apresentarmos?
Engulo em seco e tento não demostrar desespero no olhar.
— Por que pergunta isso?
— Por acaso vi o seu celular antigo. Vi um perfil no
Instagram que tentou interagir comigo muito antes de sermos
apresentados.
— Sim. Vi um Story seu. Quando te vi em minha casa… mal
pude acreditar que era o mesmo homem.
— Foi ali que se apaixonou?
— Eu não me apaixonei, Rocco. Só queria… que desse certo.
Mas agora estou em outro nível, estou animada com o bebê e acho
que será tudo diferente. Você não vai mais ter que vir aqui por
obrigação…
— Virginia, Virginia… — Ele ri, e o sarcasmo em seus olhos
me deixa atenta. — Não sacou ainda que um homem só volta para
uma mesma mulher tantas vezes quando ela o deixa feliz e saciado?
— Está confessando que vir aqui, todos os dias, só para
transar, te deixa feliz? — Minha voz é quase um sopro incrédulo.
Será possível que eu tenha conseguido?
— Deduza como quiser, anjo.
— Eu achei… eu quis acreditar que você estivesse gostando,
mas minha racionalidade dizia que você só queria se assegurar que
eu fosse engravidar.
— Passar trinta minutos chupando sua boceta não ia te
engravidar. Fiz porque gosto, e gostaria de continuar fazendo. —
Odeio como ele fica mais gato quando é debochado.
— Está dizendo que vai continuar vindo aqui…
— Tem um documento no cartório dizendo que sou seu
marido e você, minha esposa. Não acho que será algo estranho.
Calada, apenas encaro o belo homem à minha frente. Estou
incrédula com suas palavras.
— Venha aqui. — Rocco segura minha mão, me puxando em
sua direção. Ele me faz sentar sobre seu corpo, de modo que
imediatamente sinto seu pênis abaixo de mim. Está duro, e se eu
ajeitar só um pouquinho, ele será capaz de me invadir, me
expandindo deliciosamente.
— Gosto de como as emoções se manifestam em mim. —
Percorre as mãos em meus seios molhados, quase me matando de
excitação ao dar um beijinho em cada um deles. — Às vezes, penso
que estou com raiva de você, quando, na verdade, é vontade de
passar a tarde te fazendo berrar. Me diga o que você quer.
— Não é óbvio?
— Quero palavras, Virginia. Preciso saber se você ainda
arrasta um bonde inteiro por mim. — Rocco ri, em seguida, das
próprias palavras, mas nem espera que eu fale, puxa meu lábio
inferior com os dentes e passa a língua em seguida, delineando
meus lábios. — O que você quer? — sussurra, fazendo meu corpo
pegar fogo com o toque de suas mãos no meu corpo, o pênis
pressionado entre minhas pernas e o hálito quente pertinho da
minha boca.
— Quero que me faça berrar.
— Perfeito. — Rocco segura meu queixo e prova meus lábios
em um beijo que nem precisa ser muito grandioso para me fazer
gemer. Rocco tem uma maneira dura e possessiva de me segurar,
meu corpo treme quando sua mão chega à minha nuca, então logo
agarra meus cabelos, os puxando.
— Aanh. — Solto um gemido, levantando o rosto conforme
ele puxa. Então lambe meu pescoço, morde devagarinho o local,
como um vampiro; em seguida desce a boca na direção dos meus
seios. Involuntariamente, à procura de maior contato, rebolo em
cima do pau dele, morrendo de vontade de o ter dentro de mim,
realizando batidas profundas e macias.
— Ainda não — Rocco avisa sussurrando e arrancando um
ronronar da minha garganta conforme brinca com meu mamilo.
Passa a língua e morde devagar, mas não chupa. — Está que não se
aguenta, não é? — ele debocha.
— Isso é… tão bom.
— Eu sei. Vou te mostrar algo melhor. — Ele me faz levantar
e me guia para que eu ajoelhe dentro da banheira, segurando nas
bordas. Em seguida, Rocco se posiciona atrás de mim, arrancando
um soluço vindo direto do meu âmago quando dá umas batidinhas
com o pau em cima da minha entrada pulsante. — Segura firme —
sussurra no meu ouvido e entra, devagar, até o fim. Tira por
completo só para enfiar novamente, fazendo isso várias vezes. Até
que aumenta a velocidade e começa a maravilhosa sensação que
somente suas investidas ritmadas são capazes de proporcionar. A
água chacoalha na banheira, enquanto Rocco me segura com força,
minhas mãos apertando a borda da banheira.
Cada dia ele me mostra uma maneira diferente de transar, me
deixando viciada e completamente dependente. Se a intenção era
manter uma relação fria, não deu certo. Eu, Virginia Maria, aos
vinte anos, estou apaixonada e arrastando um bonde pelo meu
marido.
31
ROCCO

“Você se apaixonou fácil por mim, hein, Montoya?”


“Eu? De onde tirou essa loucura?”
“Eu sou terapeuta, esqueceu? Consigo ler os sinais.”
“Ok, e quais sinais eu estou dando, senhorita Milena
Terapeuta?”
“Bom… você é impulsivo e bem competitivo. E, por isso, não
consegue se controlar. Você vem com mais frequência me ver,
gosta de dormir comigo e dá com a língua nos dentes fácil sobre os
seus sentimentos.”
— Se eu soubesse dar o nó, te ajudava.
Saio do devaneio repleto de lembranças dolorosas e olho para
Virginia na porta do closet, me assistindo lutar com uma gravata.
Eu consigo dar um nó de olhos fechados, mas por causa das
lembranças que me pegaram desprevenido, acabei me atrapalhando
na tarefa.
— Está tudo bem. Você nunca teve motivos para aprender a
dar um nó em gravata.
— E meu pai sempre me criticou nesse ponto, porque…
— Não prejudique meu humor às sete da manhã falando desse
ser maldito aqui na minha casa.
Virginia não responde. Passa por mim e se posiciona diante de
seus vestidos, olhando-os; a leve mordida no lábio indica que está
em dúvida.
— Na verdade, quase não consegui dormir, de tão inquieta.
— Por causa do exame? — indago, terminando o nó da
gravata, dessa vez muito bem feito.
— Sim.
— Não se preocupe. E veja pelo lado bom, se não estiver
grávida, vai ganhar mais sessões extras de sexo para tentarmos
novamente. — Pego o terno e saio do closet dizendo que a espero
lá embaixo.
Tamborilo os dedos no volante, tentando resistir ao
pensamento que teima, mais uma vez, em me levar para anos atrás,
quando Milena fazia parte da minha vida. E eu sei exatamente por
qual motivo isso está acontecendo: é uma crise. Porque, no fundo,
admiti para mim mesmo que gosto do sexo com Virginia. Eu quis
odiá-la, quis ignorá-la, mas foi em vão. E para completar, é o dia
que vamos descobrir se eu serei pai.
Esses fatos trouxeram à tona lembranças que há muito tempo
eu tinha conseguido trancar.
Ao chegar no laboratório, Virginia continua calada e
visivelmente muito nervosa. Eu sei que ela torce avidamente para
estar grávida, e eu quase concordo com ela.
Quando seu nome é chamado, eu decido entrar. Depois de
tudo que ela mostrou ser capaz, não vou confiar sem ver com meus
próprios olhos o sangue saindo do seu braço.
Eu fico ali, de pé, de braços cruzados, como um vigilante,
observando a enfermeira preparar a seringa. Meu olhar tromba com
o de Virginia; ela está tão tensa quanto eu. Tudo muda a partir de
hoje, e o pior é que nenhum dos dois tem algum plano para isso.
***
Como acordamos cedo e já saímos, não houve tempo de
comer alguma coisa. Então, assim que deixamos o laboratório
seguimos direto para uma cafeteria que eu gosto muito e que quase
sempre venho para tomar o café da manhã. Escondendo o rosto
atrás do cardápio, vejo o nervosismo estampado nos olhos de
Virginia. Gentilmente puxo o cardápio, fitando seu rosto.
— Posso escolher para você. Eles servem uma torta deliciosa.
— Pode ser — ela concorda. — E café.
— Ótimo. — Aceno para a garçonete, que vem anotar os
pedidos. Virginia se vira de lado, olhando para baixo, ainda assim a
garçonete a cumprimenta.
— Oi. Nossa, esqueci o seu nome.
— Virginia.
— Como você está, Virginia?
— Ah… estou bem.
— Que bom. — A jovem olha para mim, e eu demonstra toda
a confusão em ver as duas interagindo.
— Eu vi uma notícia sobre vocês. Sobre o casamento.
Anuo, enfim entendendo o que motivou a aproximação
simpática em relação à Virginia. Digo o que queremos, e ela anota.
— Só isso, senhor Rocco?
— Sim, por enquanto. Obrigado. — Recosto na cadeira,
fitando a minha jovem esposa. Ela começa a relaxar e até respira
fundo. Em seguida, Virginia me olha. Porra, ela não devia ser tão
linda.
— O que foi?
— Tem que se acostumar. — Sorrio. — Com as pessoas te
cumprimentando nos lugares onde costumo frequentar.
— Então essa é a pontinha da fama? — Ela também sorri.
— Não chega nem perto, mas dá para ter uma ideia.
Depois do café, deixo Virginia em casa e ligo para a empresa
para avisar que vou me atrasar. Peço à secretária para que meus
compromissos da manhã sejam remanejados para a tarde. A
secretária ainda me alerta que é uma segunda-feira e que as coisas
estão fervendo. Mas eu não poderia deixar de fazer isso agora.
Senão nem conseguirei focar no trabalho.
Dirijo para um lugar o qual conheço muito bem o caminho.
Durante os últimos anos, percorri esse caminho várias, e várias
vezes, na tentativa de me redimir, de mostrar que eu queria estar
por perto e não abandonar Milena. No entanto, a família dela
jamais permitiu que eu me aproximasse.
A mansão fica em um sítio nos arredores da cidade. É uma
bela propriedade ao ar livre que certamente ajudará na sua
recuperação.
Toco o interfone e sei que não vão permitir minha entrada,
ainda assim tenho uma ponta de esperança.
— É Rocco Montoya. Por favor, eu preciso falar, um minuto
que seja, com a Milena.
A resposta é um longo silêncio, o que acho uma evolução já
que antes me xingavam e ameaçava.
Estou prestes a voltar para o carro quando o portão destrava e
abre sozinho. Corro para dentro do carro, acelero e entro. Estaciono
diante da mansão, e para minha surpresa, a senhora Merinda, mãe
de Milena, está à porta me aguardando.
Ando até ela, sem saber quais palavras usar. Eu juro que não
imaginei que chegaria tão longe, então não ensaiei.
— Ela deseja te fazer uma pergunta, pessoalmente. — A raiva
em sua voz é palpável. Ela se vira, entrando na casa, então só me
resta segui-la. Penso que deveria ter trazido um revólver. Vai saber
o que posso encontrar aí?
A mulher, sempre elegante, como eu me lembrava, agora tem
os cabelos já grisalhos, mesmo assim não perdeu o charme de uma
médica conceituada, mesmo que aposentada. Passa por um
corredor até chegar à última porta; então dá um toque e entra. Ouço
a voz dela, e em seguida faz sinal para eu entrar.
Não sei se estou pronto. Nunca achei que seria tão fácil, não
me preparei para isso. Eu não a vejo desde a noite em que saiu de
casa para passar o feriado com os pais, mas voltou horas depois,
me flagrando no poço de traição. E depois, ensanguentada e
desacordada em meus braços, no asfalto da via escura e deserta.
Milena ligou para a irmã contando tudo que tinha visto ao
voltar para casa. Ela falava com a irmã no momento do acidente. E,
por isso, não permitiram que eu chegasse nem perto do hospital
onde ela estava. Dias se passaram, semanas, meses, e eu voltei à
minha vida, sem desistir por completo.
Engulo em seco, aperto as mãos em punho e entro no
ambiente.
A primeira coisa que sinto é o cheiro hospitalar. O quarto é
branco e claro com a luz do dia entrando por janelas grandes que
dão para o jardim. Há uma cama grande, adaptada, com aparelhos
em volta, mas não há ninguém deitada nela. Fito a cama por um
tempo até ouvir a voz familiar:
— Tem dois meses que me livrei dela.
Viro-me e dou de cara com Milena em uma cadeira de rodas.
Meu estômago revira, e o coração vai parar na boca. Tudo volta
com força surpreendente, me empurrando para que eu saia
correndo como um covarde.
Não é mais a mesma Milena. Está magra, o cabelo agora curto
parece sem brilho. Os lábios não parecem mais ter a vitalidade da
mulher que ela era.
— Eu passei quase um ano em coma. — Ela passa por mim
com a cadeira e se posiciona perto de uma janela. — Foi um
milagre ter voltado. E quando voltei… achei que te encontraria lá.
— Não me permitiram.
— O que tem para me dizer, Rocco?
Eu não sabia o que dizer. Pedir perdão? Para quê? Para fazer
com que eu me sentisse melhor? Jamais poderei reparar os danos
causados a ela.
— Desculpa por… não ter feito o meu melhor.
— Então… se casou?
De cabeça baixa, assinto, confirmando.
— Eu gostaria de falar com ela. Com a sua esposa. Avisá-la
sobre a pessoa que você é. — Levanto os olhos para fitá-la e
encontro amargura no olhar. — Você reluta em aceitar que se
apaixonou, mas acaba se jogando de corpo e alma na relação
porque é intenso demais. Porém há ainda em você uma parte que
não vai admitir que se tornou um comum homem apaixonado.
Então o seu lado ruim se manifesta, e você tenta provar a si mesmo
que é um lixo, que a baixaria te agrada, e com isso atropela quem
estiver ao seu lado.
— Eu… — Engulo saliva. — Me arrependo todos os dias de
ter feito…
— Shh… não diga isso, porque só piora a situação. Eu perdi o
nosso bebê. Eu que me arrependo todos os dias de não ter te
deixado para salvar o meu filho. — Milena limpa uma lágrima e se
aproxima um pouco com a cadeira. — Você a ama?
— O quê?
— Você ama sua esposa?
— Não… sei.
— Ah, claro. É impossível para Rocco Montoya amar outra
coisa que não seja ele próprio. — Essa parte me incomoda
estranhamente, no entanto decido não revidar.
— O seu pai foi me ver. Na verdade, ele ia sempre.
— O meu pai?
— Ele me disse algo. Que ainda não é o momento para eu te
falar. E ele me falou do testamento que ia deixar, te obrigando a se
casar. Por isso não guardo mágoa sobre você ter seguido em frente,
diferente dos meus irmãos, que não pensam como eu.
Como se invocasse o filho da puta das profundezas do inferno,
ouço gritos no corredor. Rapidamente David aparece feito uma
fera. Ele é um homem mediano, não corpulento. Um médico que
seguiu o caminho de toda a família.
— O que esse bosta está fazendo aqui? Fora! — Vem para
cima de mim, agarra meu colarinho e me empurra para a porta.
— David! — Milena grita.
— Não, Milena. Você não podia ter feito isso, ter aceitado
falar com esse desgraçado.
— Eu já te deixei partir há muito tempo, Milena — falo com
ela. — Eu errei e me arrependo todos os dias, mas não há nada
mais para nós dois.
Ela assente, concordando.
— Adeus, Milena. — Saio do quarto, andando rápido pelo
corredor.
— Se arrepende? Só isso? — David berra, vindo atrás de
mim. Continuo tentando ignorá-lo. — Você matou seu próprio
filho, vagabundo!
O ódio me cega. Tudo menos vagabundo.
Eu me viro repentinamente e acerto um soco em cheio no
rosto dele, derrubando-o.
— Meça suas palavras. Paciência não é o meu dom.
A mãe de Milena aparece e se abaixa para acudir o filho,
gritando histericamente que eu vá embora da casa dela.
Saio dali com a sensação de que meu romance com Milena, os
erros que cometi e as consequências disso ficaram em outra vida.
Agora só me resta a eterna culpa que jamais me abandonará, porém
tenho a oportunidade de fazer diferente dessa vez.

***
Pego o resultado do exame de Virginia durante a tarde. Levo
para minha sala na empresa e passo minutos a fio olhando o
envelope, sem abrir, remoendo as palavras de Milena.
Eu matei nosso filho.
Eu matei o nosso sonho.
O que meu pai falou para ela? E por que ele nunca me disse
que a visitava?
Ele queria me punir. Sabia que a empresa era mais preciosa do
que tudo para mim, por isso fez o testamento deixando as ações
para o neto que deveria nascer. Meu pai queria que eu fosse capaz
de amar o meu próprio filho ou ao menos cuidar dele.
E garantiu isso deixando o testamento.
O que o velho nunca soube é que eu amei o meu filho com
Milena antes mesmo de conhecê-lo, e agora amo o meu filho com
Virginia sem nem saber se ele existe ou não.
Abro o envelope com cuidado e tiro o papel. Respiro fundo,
confiro o nome dela e só então deixo meus olhos percorrerem a
folha, encontrando a palavra “Positivo”.
Na verdade, pai. Eu estou apaixonado pela ideia de que posso
fazer diferente dessa vez, do que o senhor foi para mim e do que o
maldito pai de Virginia é.
32
VIRGINIA

Acho que a ficha ainda não caiu quando penso em tudo que
aconteceu no último mês. Fazendo um balanço em minha mente,
consigo analisar toda a cronologia, desde o casamento até o dia em
que Rocco apareceu em casa, à noite, e se sentou ao meu lado antes
de dizer com a voz de alguém que conquistou um objetivo:
“Parabéns! O seu útero está alugado pelos próximos meses.”
Não houve gritos, comemoração, nada. Ficamos calados
sentados um ao lado do outro, certamente pensando a mesma coisa.
Minha mão tremia segurando o exame que ele tinha acabado de me
entregar.
Não era mais uma briguinha de egos.
Não era mais resistência a ter um relacionamento íntimo.
Não era sobre a gente.
Uma vida a caminho, que vai necessitar da nossa atenção
conjunta e que eu não tenho certeza se estou preparada para moldar
como um ser humano que seguirá sempre pelo caminho do bem.
Naquela noite, não transamos, mas Rocco dormiu comigo. E
apesar de sua recusa à intimidade, eu achei um gesto gentil da parte
dele ter me dado um espaço, mas sem me deixar sozinha.
Hoje completa um mês que soube da gravidez. Por causa
disso, as coisas parecem se encaixar de maneira espontânea. Rocco
passa mais tempo aqui, jantamos juntos e dormimos juntos. O sexo
ainda é constante, apesar de evitar qualquer palavra sobre
sentimentos e emoções.
Ele me acompanhou na primeira consulta, e agora usa o
argumento de que precisa sempre voltar para essa casa para me
vigiar.
Temos uma cozinheira também; a Dália chega bem cedo e
prepara os melhores cardápios, bem variados. Tivemos até uma
entrevista com ela, para que pudesse entender aquilo que nós dois
mais gostamos. Rocco não fica sem carne, precisa de qualquer tipo
de proteína animal. E eu me dou bem com tudo. Porém, venho
seguindo uma dieta balanceada indicada pela nutricionista. Não
tenho muito o que fazer durante o dia, na casa, então passei a me
entregar a maratonas da novela Carrossel, só para ver o Cirilo e a
Maria Joaquina.
Em outra ocasião, se eu não conhecesse bem o meu marido,
eu suspiraria ainda mais apaixonada quando ele fez questão de
pregar a minha dieta na geladeira ou quando trouxe uma caixa
grande retangular e colocou ao meu lado no sofá.
— Para mim? — indaguei, incrédula. Rocco, ainda metido em
um terno preto de excelente qualidade e corte, acenou
positivamente. De pé, com as mãos nos bolsos, ele esperava a
minha ação.
Com cuidado puxei a fita de cetim e afastei a tampa da caixa,
encontrando um tecido. E ao tirar da caixa, percebi que se tratava
de um vestido. Não qualquer vestido. Era sem dúvida algo que uma
estrela famosa usaria. Era algo que jamais pensei em ao menos
tocar.
— Rocco… — sussurrei, deixando meu choque escorregar
pela voz. O vestido cor de vinho longo tinha uma parte de pedraria
no busto e uma saia esvoaçante. Encarei-o, buscando respostas.
— Você vai ao evento de exposição do carro, comigo.
Até soltei o vestido para colocar as mãos na boca.
— Sério?
— Faça o seu melhor. — Seu lábio se curvou de leve em um
quase sorriso.
E hoje é o grande dia do evento. Eu farei o meu melhor.
Observo meu cabelo no espelho. Está maravilhoso. Rocco
teve a bondade de chamar um cabeleireiro aqui, o que resultou em
um penteado moderno, mas não muito ostensivo. Quando fiquei
pronta, já com o vestido, quase não me reconheci. Eu não parecia
uma jovem de vinte anos, mas sim uma mulher. A mulher de um
magnata.
Rocco, também já arrumado, se aproxima de mim
vislumbrando meu reflexo no espelho.
— Fiquei triste por meu pai não ter deixado Joanne ir. Ela
estava tão eufórica.
— Bom, ela ainda precisa da permissão dele perante a lei.
Mas ela se libertará.
— Tenho certeza disso.
— Vamos? — Ele toca no meu ombro, e nossos olhares se
encontram pelo espelho. — Você está linda.
Radiante, sem conseguir esconder a expressão pasma, me viro
para ele.
— Calma. — Rocco sorri. — Não se iluda como o Cirilo. Só
falei que está bonita.
Minhas irmãs e eu não tivemos acesso a novelas, filmes ou
livros românticos. Mas tivemos contato com as histórias infantis
das princesas. E, nesse momento, a cada passo que dou, me sinto
como se fizesse parte de um daqueles contos.
Entro no carro com Rocco. Viajando com o coração a mil por
hora, transbordando de expectativa. Ao chegar ao local do evento,
segurando na mão dele, caminhamos juntos na direção da entrada
cercada de fotógrafos.
O lugar grita luxo. Muito iluminado, espaçoso e com pessoas
do mesmo nível, todas pertencentes a esse tipo de círculo social.
Nada disso me intimida. Eu tenho o nome Montoya e estou
carregando o primeiro herdeiro de um império. Não tenho motivos
para me sentir intimidada.
Há outros carros também. É como uma feira chique. Pessoas
paradas em volta de determinado automóvel enquanto alguém
especializado explica todos os detalhes. Há alguns cobertos, que
ainda serão apresentados; Rocco me contou que a revelação de
cada carro é um momento muito esperado no meio automobilístico.
Em poucos minutos, a notícia explode como pólvora, e o mundo
inteiro conhece o novo modelo de determinada empresa.
— Consegui uma boa fatia do espetáculo — ele cochicha para
mim, apontando a logo da empresa em seguida. — A ala da
Montoya.
Tem muita gente em volta observando os carros expostos.
Inclusive o Urban que eu vi sendo produzido. Parecem ainda mais
bonitos e brilhosos nos expositores, sob as luzes do ambiente.
Também noto que há cortinas vermelhas. Há seguranças ali
protegendo-as e uma corrente de restrição em volta da cortina.
— Ali atrás está o Revenge. Modéstia à parte, é o momento
mais esperado da exposição, afinal fazia anos que a Montoya não
apostava em um modelo novo top de linha.
— Eu não me aguento de curiosidade para vê-lo.
— Sabe, Virginia? Hoje, essa noite, é o meu renascimento.
Não só do império Montoya, mas do homem Rocco. Eu consegui
fechar um ciclo que há muito tempo me fazia mal. E hoje sinto que
esse dia não marca apenas o lançamento do novo carro, marca a
nova chance que o destino está me dando. — Suavemente, mas sem
tentar esconder, ele passa a mão no meu ventre.
— É bom ouvir isso, Rocco. Em outro momento, eu teria
receio de admitir, mas quero que saiba que não tem ninguém que
torça tanto por você como eu. Porque antes de ser sua esposa, eu
sou sua fã.
Ele ri, segura minha mão e faz um carinho em meus dedos.
— Você é irritante, mas preciosa demais, Virginia. Merecia
alguém melhor.
— Sério? — Olho em volta, me fingindo pensativa. — Será
que essa noite consigo encontrar alguém bom o bastante que me
mereça? Olha aquele homem ali… além de bonito, parece ser gente
boa…
— Ah, cala essa boca. Quando eu estou quase baixando as
defesas, você faz essa merda. — Rocco se afasta, me abandonando,
então preciso apressar o passo para acompanhá-lo.
— Está com ciúme? — provoco.
— De você? Só se for em seus sonhos. — Volta a segurar
minha mão, indo em direção a um grupo de pessoas.
33
ROCCO

É a minha noite. O meu momento. Trabalhamos feito


condenados no último mês para dar conta de entregar um número
considerável de carros em pronta-entrega. Eu tenho muita
confiança nesse trabalho, e estou certo de que quando o carro
aparecer e eu anunciar que há unidades para pronta-entrega, as
vendas surgirão e me colocarão de volta ao topo.
É difícil admitir, mas meu pai deu um caminho certo para a
minha vida. Hoje eu tenho uma nova imagem na sociedade graças
ao casamento. Nada mais do playboy safado e irresponsável que
vivia para festas. Eu sempre soube que a sociedade é patriarcal e
moralista, mas não fazia ideia de que o fato de ser casado me faria
ser respeitado.
Por isso ela está aqui. Admiro a beleza de Virginia enquanto
ela está distraída observando o ambiente. Ok, ela não entrou na
minha vida só para que eu a exiba. Eu quis dar isso a ela, já que era
o seu maior desejo. Assim como no dia das compras, em que gostei
de ver o deslumbramento iluminar suas feições diante de novidades
antes impensadas.
— Espero que tenha ao menos duas gostosas ali atrás, em
cima do carro e com roupas minúsculas. — Ouço a voz de Magno e
me viro para cumprimentá-lo.
— Achei que não viesse.
— Se não viesse, correria o risco de ser assassinado. — Ele
pousa os olhos em Virginia, e sem nenhum pudor, dá uma boa
olhada no corpo dela. — Virginia.
— Oi, Magno. — Minha esposa acena com a cabeça.
— Você parece bem. As vezes em que encontrei vocês juntos
acabaram em treta. — Claro que ele se refere ao contratempo no
clube e o sequestro ao qual foi o meu cúmplice.
— Estou muito bem, sim.
— Que ótimo. Seria um crime uma bela mulher como você
ser rancorosa. Eu vou circular por aí. Quando o seu momento
chegar, eu volto. — Magno dá uma batidinha em meu ombro,
acena para Virginia e sai, já falando alto e caminhando em direção
a um grupo de homens sorridentes e pela sua aproximação.
— Por Deus. Esse homem é muito machista. — Eu me viro de
volta para Virginia quando ela rosna.
— Não leve a sério. Além do mais, ele não foi machista.
— Quer dizer que uma mulher bonita tem que andar sempre
sorridente e nunca ser rancorosa?
— Já disse, não leve a sério o que ele diz. Um dia João Magno
encontrará a sandália para o pé cansado dele. E ela vai colocá-lo no
caminho da redenção.
— Que seja uma sargenta!

***

Quando o ápice da noite chega, meu coração parece saltar da


boca. Nunca estive tão ansioso. Já participei de outras revelações
de carro, mas meu pai estava à frente da empresa, o bônus e ônus
caíam sobre ele. Hoje sou eu à frente da Montoya. O meu rosto
passou a ser a imagem da empresa, é o meu nome em jogo.
As pessoas ouvem atentamente o anfitrião falar. Eu nem
assimilo o que ele diz, pois tudo que quero é que a noite comece e
termine bem.
— Vamos convidar o formidável Rocco Montoya, autor desta
obra de arte atrás das cortinas. Ele vai falar um pouco mais sobre a
apresentação. Uma salva de palmas para o homem.
Ovacionado. Dá até para me emocionar. Apenas esse
momento importa, o instante em que posso mostrar todo o meu
poder e força de vontade por ter lutado sozinho para reerguer o que
meu pai quase faliu. Vejo os irmãos Lafaiette, Virginia, que tem o
maior e mais lindo sorriso de todo o salão, alguns parceiros de
negócios e amigos que vieram me prestigiar. Aceno para as pessoas
e subo no palco.
— Boa noite. E muito obrigado pela recepção. Contrariando o
meu desejo, devo, inicialmente, agradecer ao meu pai, Adão
Montoya, por ter dado vida à marca que forjou a minha paixão por
carros. Meu pai não fez boas escolhas nos últimos meses, o que nos
deixou em maus lençóis, porém, se você ama algo, você luta por
aquilo até o seu último suspiro. Para que eu pudesse estar aqui
hoje, tive grandes apoios, de colaboradores, equipe em geral,
amigos e da mais nova integrante da família, a minha esposa.
Obrigado a todos. Espero que gostem do que está atrás daquela
cortina.
— Antes de as cortinas serem abertas, temos aqui um pequeno
vídeo que o Rocco providenciou, para que vocês entrem no clima
— o homem interrompe, fazendo suspense e me deixando atônito.
— Vídeo? — Olho para ele com uma baita interrogação nos
olhos. — Todas as mídias audiovisuais que estavam no cronograma
já foram exibidas. — O homem nem me ouve. Já fez sinal para
alguém, e um projetor ilumina a parede oposta.
— Ah… olá! — Aceno para o homem tentando dizer que não
tem mais vídeos no cronograma.
Porém as imagens começam a ser transmitidas. As pessoas se
voltam naquela direção para assistir. A cena me causa terror e
congela meu corpo.
É o resgate de Milena, imagens que eu nem sabia que
existiam. Alguém filmou aquela noite. Ela está desacordada
enquanto, sem camisa, usando apenas calça, eu apareço
enlouquecido pedindo para salvá-la. A pessoa que filma mostra em
seguida o carro de Milena destroçado. Um Montoya.
Porra.
O vídeo do resgate é interrompido, e em seguida, na tela,
aparece ninguém menos que David.
— Ei, por favor! Tire essa merda! — grito, ensandecido, o
homem percebe que é uma armação e corre para mandar parar o
vídeo. Olho para as pessoas e cravo meus olhos em Virginia, que
assiste perplexa o irmão de Milena dizer que ela sofreu um acidente
após me flagrar a traindo.
“Este monstro não respeitou a própria noiva, a casa deles e
muito menos o filho que ela esperava. Naquela noite, minha irmã
perdeu o bebê por causa dele. Rocco Montoya é isso: um monstro,
um ser humano desprezível que deseja apenas poder e dinheiro,
pisando em quem estiver no seu caminho. E, vejam só, ela perdeu o
filho dele. Ele nunca sequer se dignou a visitá-la, inclusive já se
casou com outra.”
E, para piorar, enquanto ele fala, aparece primeiro uma foto de
Milena, bela, cheia de vida, sorridente ao meu lado, para em
seguida surgir outra foto em que ela aparece debilitada na cama.
Então antes de David falar mais, as imagens cortam, e o homem
que apresenta pede desculpas e diz que vão fazer um intervalo
antes de continuar com o evento.
Busco Virginia entre a plateia, mas ela não está mais lá. Ela
não sabia a respeito de Milena. Eu sempre pensei em contar, mas
não achava que tínhamos intimidade o bastante para isso.
Desço do palco e sinto mãos me segurarem. É Magno, com
Romeo ao seu lado.
— Vamos sair daqui por enquanto, cara.
— O que esse cara fez…? Ele mentiu, Magno.
— Não pense nisso. Só vamos precisar de cinco minutos para
colocar as ideias no lugar.
— Onde está a Virginia? — indago. — Encontre ela por
favor.
— Magno, leva ele para um local isolado. Vamos procurar
Virginia — Romeo ordena e sai rápido, segurando a mão de Olivia.

***
— Toma. — Magno coloca um copo de uísque na minha
frente enquanto fito meus pés e organizo a loucura que está em
minha cabeça. Me fodi. Não consigo pensar em nada que eu possa
fazer ou dizer para tentar fazer aquelas pessoas acreditarem em
mim. Para abraçarem novamente a minha moral. — Pega o copo e
engula o uísque. — Magno insiste, e eu levanto o rosto para
observá-lo de pé diante de mim.
— Nem é ódio que sinto… é mais desespero.
— Relaxa. As coisas não estão totalmente perdidas.
— Ah…! — Engulo todo o uísque e deixo o copo cair no
chão. Nem sei onde estou, sei apenas que é um lugar reservado, nos
bastidores do salão. — O monstro que matou o próprio filho e
agora quer vender os carros para se dar bem. Essa é minha imagem
lá fora, cara.
Magno está ao celular tentando falar com alguém, mas
confidencia para mim:
— Lorenzo é mestre em contornar contratempos. Estou
tentando falar com ele. Oi, Lorevaldo, pode falar ou está ocupado
demais tocando o terror na megera modista? — Magno se afasta,
eu fico de pé com as mãos na cabeça quando Olivia aparece.
— Nem sinal de Virginia?
— Não. Aqui, não. — Encaro-a, assustado. — Não a
encontraram?
— Não. Romeo saiu com os seguranças para olharem nos
arredores. Meu Deus, onde essa doida foi parar? — Notavelmente
aflita, Olivia tapa a boca com as mãos. Todos aqui estão tentando
se controlar.
— Preciso encontrá-la. — Saio rápido, correndo em direção
ao salão novamente.
— Rocco! — Ouço Magno gritar, mas não retorno, continuo
em linha reta. Atravesso um corredor, e a explosão de luzes me
recebe. Passo pelas alas das outras marcas de carros, o caminho é
longo e está lotando de pessoas. Todos param o que estão fazendo
para me verem passar. Muita gente caminha curiosa na mesma
direção que eu. Na direção de onde está a ala Montoya.
Romeo surge do nada, afobado e me segura.
— Ei, o que está fazendo?
— Me larga, Romeo. Preciso encontrar a doida da Virginia,
que achou uma boa ideia desaparecer agora.
— Não estou falando sobre isso. Estou falando da
apresentação do carro. Começou o espetáculo em meio a essa
crise?
— O quê?
Fito seu rosto, sentindo o sangue sumir do meu rosto, junto
com a minha expressão de pânico e confusão, que instiga Romeo.
— Eu não ordenei nada.
— Acabaram de anunciar! Está começando. Tenta impedir,
porra! — Romeo grita e me empurra pelas costas, perdendo a linha.
— Deve ser outra jogada daquele cara.
Meu coração para. Se David fez algo com meu carro, sou
capaz de matá-lo com minhas próprias mãos. Não enxergo nada à
minha frente, enquanto corro atravessando o salão, empurrando as
pessoas para tentar impedir um dano maior.
Na tela onde foi transmitido o vídeo de David, começa uma
contagem regressiva. Eu estou longe demais para impedir.
Três.
Dois.
Um.
O homem com microfone conta junto com os números, e
conforme a expectativa cresce, mais pessoas se juntam,
dificultando minha passagem.
— Com vocês, o Revenge! O novo lançamento da Montoya
Motors. — Com as mãos na cabeça, paraliso no meio do caminho
ao ver as cortinas vermelhas abrirem. Fecho os olhos. Não sei o
que esperar. Mas abro-os imediatamente quando o som de batidas
de um coração ecoa no ambiente e vem do vídeo, que nada mais é
que uma linha de medição cardíaca como em um monitor de
hospital.
Volto meus olhos para o carro. Está coberto com um tecido
branco, as duas modelos que eu contratei o seguram. Mas o que me
choca, me deixando boquiaberto, é ver Virginia ali, junto com o
carro e as modelos. Ela parece nervosa, vejo que engole em seco e
puxa o ar com força.
O quê…?
Ela tem a atenção de todos e um microfone na mão. Minha
alma já saiu do corpo há muito tempo. Apenas o pânico me possui.
— Boa noite. Eu me chamo… Virginia — ela começa, nem
um pouco segura do que está fazendo, a voz trêmula evidencia isso.
— Virginia Montoya, esposa de Rocco. — Ergue a mão com a
aliança e mostra. — Sim, esposa.
Em passos lentos, chego bem próximo ao expositor onde ela
está com o carro. Magno se aproxima, ficando ao meu lado.
— O que a pilantra está aprontando?
Eu não tenho uma resposta para dar a ele. Apenas sinto o
impulso de tomar o microfone dela para impedir que termine de
colocar tudo a perder, porém algo em seu olhar diz que, apesar do
nervosismo, ela quer fazer isso.
— Hoje era para ser uma noite especial, para ele. — Puxa o ar
com força e segura o microfone com as duas mãos. — Por causa do
carro, claro. Como ele falou, foi um trabalho duro e feito com
paixão. Eu mesma visitei a fábrica durante a produção, e o senhor
Ruan me recebeu e mostrou toda a produção.
Olho para Ruan, tão pasmo quanto eu, mas concordando com
ela.
— E o outro motivo — Virginia continua, agora um pouco
mais firme. — Para que fosse tão especial para Rocco, é que eu
planejei fazer essa surpresa a ele. — Faz uma pausa e prossegue:
— É uma pena que aquele homem tenha deixado as coisas tão
desconfortáveis… no vídeo. Qual a surpresa que eu ia fazer para
meu marido? Ali. — Ela aponta para a linha cardíaca que sobe e
desce, acompanhando o som do coração batendo. — Este é o
segundo coração que bate dentro de mim. É o coração do nosso
bebê, Rocco.
Ouço sussurros surpresos das pessoas, e todos se viram para
mim. Eu não sei como reagir. Só olho para ela pensando no que
diabos está fazendo. Eu já sabia que ela estava grávida, fui o
primeiro a saber. Mas era uma informação que apenas nós dois
sabíamos.
— É. Rocco foi um crápula. — Agora ela se volta totalmente
para mim e até aponta na minha direção. — Este homem aí, meio
ruivo como uma cenoura, teve seu passado terrível. E eu fui
alertada quando me apaixonei por ele. Principalmente por minha
irmã. — Virginia aponta para onde Olivia está, chocada como
todos. Acho que Olivia está mais pasma do que eu. — Mas eu não
dei ouvidos e quis ver de perto. E o que eu vi foi um homem
quebrado que não conseguia mais amar por ter destruído o amor de
outra pessoa… por… saber… que foi culpado. Milena foi uma
vítima. E meu marido viverá com a culpa daquela noite pelo resto
da vida.
Franzo o cenho sem desgrudar os olhos dela; Virgínia fala
como se soubesse de todo o caso. Só consigo pensar como ela é
articulada ao falar de um assunto que acabou de descobrir com
poucos detalhes trazidos pelo vídeo.
— E eu tinha duas opções: apontar o dedo para Rocco e
culpá-lo e puni-lo ou tentar dar uma oportunidade de redenção.
Este homem, que me encheu de compras em um dia maravilhoso,
vocês podem ver, saiu em sites de fofocas. Este homem que chega
em casa cansado e só quer um banho de banheira comigo enquanto
me olha e pensa no futuro, este homem que é pai do bebê em meu
ventre e que criou isso aqui — aponta para o carro coberto — não é
mais o mesmo Rocco Montoya que errou com aquela mulher. E a
maior punição para ele será conviver com a culpa pelos erros do
Rocco antigo. Porém, querido, a sua maior bênção é saber que o
Rocco antigo não seria capaz de criar essa obra de arte — indica o
carro — e essa vida — conclui com a mão no ventre.
Virginia acena, e as duas modelos puxam o tecido que cobre o
carro, revelando-o e provocando surpresa e exclamações pela
beleza da máquina. E, impressionantemente, recebemos uma
explosão de aplausos.
E eu não consigo desviar os olhos da jovem que me fita com
sinceridade estampada nos olhos lacrimejantes.
34
VIRGINIA

— Está se sentindo bem? — Olivia recebe o copo de água que


acabo de beber. Sopro longamente e apenas assinto para ela, ainda
com um nó na garganta por causa das emoções nascidas do meu
gesto impulsivo. Não havia saída, alguém tinha que tomar uma
atitude emergencial.
— Está mesmo grávida? — Minha irmã se senta ao meu lado.
Estamos só nós duas nos bastidores da exposição. Rocco ainda está
lá recebendo os clientes, falando sobre o carro e respondendo às
perguntas.
— Sim, estou. Acho que vou para casa.
— Claro. Vou ver se alguém pode nos levar. Pode ficar
comigo essa noite.
Submersa em silêncio assim que ela sai, revivo cada pequeno
detalhe do que fiz. Agi no calor do momento, minhas mãos ainda
tremem. Eu sempre fui determinada, o que incomodou meu pai
diversas vezes. Mas agora essa determinação só me ajudou.
No momento em que aquele vídeo começou, eu percebi que ia
afundar todo o planejamento de Rocco, ia prejudicar o lançamento
e até mesmo as vendas. No dia seguinte, só se falaria daquele
episódio em toda a mídia, abafando completamente o que deveria
ser a notícia principal: o carro novo.
Pensa, Virginia, pensa. De olhos atentos, olhando para os
lados, ignorando o desespero de Rocco, que pedia para
interromperem o vídeo, eu só coloquei a cabeça para funcionar. Se
tivesse algo capaz de abafar o vídeo e voltar a atenção para Rocco
e o carro dele…
Então eu notei que havia uma grande equipe da Montoya
cuidando dos bastidores que estava tão desesperada quanto Rocco.
Eu só corri naquela direção, empurrando as pessoas, criando na
cabeça uma ideia que não tinha ainda forma. No caminho, vi um
rosto conhecido, e achei que eu precisava de um aliado. Era Franco
Magela; fomos apresentados em uma madrugada na lanchonete.
— Oi, Franco, não é? — O homem tirou sua atenção do
desastre que estava acontecendo e olhou para mim. — Lembra de
mim? Virginia…
— Mulher do Rocco…
— Isso. Pode me ajudar?
— Claro! O que está acontecendo? — Ele me seguiu com
passos rápidos.
— O que vocês fizeram? — gritei para um homem que mais
cedo Rocco apresentou como diretor de alguma coisa. — Por que
estão passando esse vídeo?
Engasgado, ele me fitou sem entender, então tive de refrescar
sua memória.
— Sou esposa do Rocco. Fomos apresentados…
— Ah…Claro! Acho que alguém do evento… fez isso.
— Por favor, me ajude — implorei a ele — Precisamos
reverter isso agora.
Ele olhou de mim para Franco, ainda sem entender se poderia
confiar.
— Depressa, homem — Franco disse, apoiando meu pedido
sem nem saber o que eu planejava.
— Venham comigo. Tem alguma ideia?
— Tenho, me ajude, só isso que eu peço.
O que poderia sensibilizar mais as pessoas do que a perda de
um bebê que a ex de Rocco esperava? Era lógico! Outro bebê.
— Eu preciso de um som de batimento cardíaco de um feto —
falei, tentando não parecer uma doida, para não descredibilizar
minha ideia. Franco ao meu lado era apenas a figura de validação
de que eles poderiam ouvir o que eu tinha para falar. Não achei que
pudessem dar ouvidos a uma jovem de vinte anos com voz
tremulante.
Outras pessoas da equipe vieram em nossa direção para
entender o que acontecia, e o homem fez sinal para eles se calarem.
— Um som de batimentos? — indagou, confuso com meu
pedido.
— Isso. Procura na internet, baixa, faz qualquer coisa. Preciso
do som de um batimento cardíaco de um feto e de alguma imagem
para aparecer na tela.
— Virginia, o que você pretende? — Franco me fitou, com a
mesma expressão dos outros.
— Eu estou grávida. Rocco vai ser pai, ele não sabe. E vou
fazer a revelação para todo mundo ali fora e vou dizer que o som é
do coração do bebê.
O homem olhou para minha barriga lisa, ainda em dúvida.
— Gostei da ideia — Franco concordou imediatamente. —
Vocês não têm nada a perder.
— Tem que ser imediatamente. Preciso do som do coração e
que você anuncie a revelação do carro, sem avisar ao Rocco. As
cortinas abrem, eu entro com um microfone, revelo a gravidez e o
carro. É isso.
Eles ficam paralisados me encarando, sem reação.
— Gente! Eu sou a senhora ou dona Montoya, como vocês
quiserem chamar. Vamos salvar esse lançamento. — Eu estava
quase num nível camisa de força, surtando e tentando agir frente à
emergência.
— Ouviram a mulher! — Franco ajudou batendo palmas para
eles. — Vamos trabalhar, pessoal.
— Agora! — O homem se voltou para mim. — Vamos
lapidar esse seu plano.
E tudo deu certo em seguida.
Olivia e eu esperamos só mais um pouco até que Romeo
estivesse pronto para ir embora. Passei pela exposição e diminuí os
passos, encarando Rocco no estande da Montoya. E como se meu
olhar fosse um ímã, ele levantou os olhos em minha direção. Sorri
e acenei, indicando que ia com Olivia.
— Você conseguiu reverter a situação do Rocco — Romeo,
dirigindo o carro, fala comigo. Estou sentada no banco traseiro, de
modo que trocamos um olhar pelo retrovisor.
— Será?
— Com certeza. As vendas estão no topo.
— Eu apenas agi por impulso. Para tentar salvar a noite dele.
— Sabemos que seu marido não merece todo esse esforço —
Olivia dá o palpite, ainda assim incapaz de tirar o meu sorriso do
rosto.
— Não merece mesmo — Romeo concorda com a noiva, mas
eu estou flutuando no meu mundinho perfeito, onde tenho um amor
e serei recompensada em qualquer momento.
Minha irmã prepara o quarto de hóspede para mim, e eu troco
de roupa ouvindo-a dizer que eles pretendem construir aqui o
quartinho do bebê.
— Talvez chamemos de Gael, se for menino — ela fala. —
Ou Laura, se for menina.
— São belos nomes. Espero ter essa conversa com Rocco. —
Já usando uma camisola emprestada, me sento na cama, e Olivia se
senta ao meu lado. Minha irmã pega minha mão e segura com
força.
— Você tem uma mente brilhante, mana. O que fez hoje foi
incrível.
— Algumas daquelas coisas que falei eram mentira.
— Como o quê?
— Rocco já sabia da gravidez. Aquele som do batimento
cardíaco não era do meu bebê. Estou com cinco semanas, acho que
nem dá para ouvir ainda.
— E você pensou nisso durante a confusão?
— Sim. Eu tive a ideia de pegar uma ultrassonografia na
internet, mas fiquei com medo de depois alguém ver a imagem na
internet e apontar a fraude. Então achei melhor seguir com a ideia
do som.
— Você pensou em tudo isso em minutos? Desde a infância
você é assim. — Acabo acompanhando Olivia na risada. —
Descanse e se prepare para ver seu rosto amanhã espalhado por
todo o país.
Ela sai do quarto e fecha a porta. Eu me deito contra os
travesseiros, encarando o teto enquanto reflito sobre as próximas
horas, os próximos dias, sobre quais consequências minha ação
poderá me trazer.
Inquieta, me viro de lado ao lembrar que guardo um segredo
nada agradável, que seria terrível se Rocco descobrisse.

***

Não sei quanto tempo dormi. Quando acordo sobressaltada,


vejo Rocco sentado na cama me observando.
— Oi… — sussurro e ajeito a camisola, me recostando na
cabeceira. — Chegou agora?
— Tem uns minutos.
— E então? Está tudo bem? O lançamento do carro…
— Deu tudo certo. Todos os carros prontos estão vendidos e
recebemos incontáveis pedidos. Como eu previa.
— Que bom.
Rocco se cala por uns segundos, perdido em seus
pensamentos, então volta a me olhar.
— Por que fez aquilo?
Ergo os ombros.
— Achei que era o certo. Você ficou… bravo? Por eu ter dito
aquelas palavras?
— Não. Claro que não. Só queria entender o que te motivou.
— Paixão, Rocco. — Antes de qualquer reação dele, explico:
— Não a minha paixão, a sua.
— A minha?
— Durante todo esse tempo que estamos casados, poucas
vezes vi o brilho da paixão em seus olhos. E duas das únicas vezes
que a sinceridade apaixonante fez seu rosto brilhar foram quando
falou sobre o nosso bebê e todas as vezes que falou do carro e da
sua empresa. Eu não podia deixar que aquele homem destruísse
esse brilho que eu gosto de ver em seus olhos.
Como se fosse incapaz de me fitar por muito tempo, Rocco
desvia o olhar, abaixando o rosto. Ele volta ao silêncio, e eu
acrescento:
— Algumas daquelas coisas que falei eram mentira.
Ele volta a atenção para mim.
— Como o som do coração — aponto.
— Eu percebi. — Sorri. — Mas… na minha cabeça, eu já
considero muitas daquelas palavras como verdadeiras. O Rocco de
anos atrás jamais seria capaz de criar algo tão belo como o
Revenge. — Exibindo um terno sorriso, ele olha para meu ventre:
— E nosso bebê. Quer ir para casa comigo?
— É claro. — Saio da cama para me vestir, mas Rocco tira o
terno e caminha até mim.
— Não precisa se vestir. — Coloca o paletó sobre meus
ombros e depois passa alguns segundos olhando para o meu rosto.
Depois beija minha testa ao dizer: — Obrigado, Virginia.
Abruptamente, envolvo seu corpo com um abraço, encostando
meu rosto em seu peito, pouco me importando se ele vai gostar ou
não. E Rocco, enfim, me acolhe, me abraçando de volta.
Romeo aparece na porta do quarto ao ver a gente saindo.
Minha irmã já deve estar dormindo, depois falo com ela. Nós nos
despedimos dele e impressionantemente Rocco caminha abraçado a
mim pelo jardim.
Só tenho certeza de que subimos mais um degrau em nosso
relacionamento quando ele cantarola só para mim:
— Por onde andei enquanto você me procurava? E o que eu
te dei foi muito pouco ou quase nada.
— Que música é essa? — indago. Antes de entrar no carro,
ele para e faz um carinho na minha bochecha com o polegar.
— Só algo que passou pela cabeça. Vamos.
34
ROCCO

Durante o um mês em que passamos casados, eu mantive os


pés na porta trancando com força o meu coração para que Virginia
ou qualquer outra pessoa não pudesse sequer chegar perto. Eu lutei
pela minha liberdade, fui estupido, fui frio, e mantive a minha
palavra. Isso durou até a noite de hoje quando a vi no palco.
Algo dentro de mim pareceu explodir abrindo meus olhos para
a realidade. Hoje eu a enxerguei. Não uma garota imatura e
teimosa, mas uma mulher determinada.
Enquanto ela falava, firme em seu propósito - apesar da
inexperiência com público - questionei-me internamente sobre o
que Rocco Montoya queria. Indaguei-me ainda mais, sobre qual
outra mulher que passou pela minha vida, enfrentaria feras para me
proteger?
Eu posso ter a mulher que quiser. Eu consigo sexo fácil
apenas estalando os dedos. Mas essas “transas” sem nome
entrariam na frente de uma bala por mim? E o que eu dei a Virginia
para receber, de graça, todo o esforço dela?
O que eu quero para meu filho? O que eu quero para o homem
de quarenta e cinco anos que serei daqui a dez anos? O que eu
quero para a Montoya Motors?
E se a liberdade, pela qual dou tanta importância, e pelo qual
tanto lutei, for encontrada ao lado da minha jovem esposa? E se na
realidade eu estava preso esse tempo todo?
Todas essas conjecturas continuaram dançando em minha
mente mesmo após sair do evento, pegar Virginia na casa de
Romeo e dirigir calado para casa.
Ao chegar em casa, subimos para o quarto e sem qualquer
palavra, ela se aproximou e começou a desabotoar a minha camisa;
e eu permiti. Virginia beijou o meu peito nu, desabotoou meu cinto
rindo enquanto tentava tirá-lo de minha cintura. Eu sempre apreciei
o fato de que ela curte a minha companhia.
Transamos sem a costumeira loucura selvagem. Nada de
gritos, apenas corpos colados se mexendo em sincronia, gemidos
baixos e olhos nos olhos. Magno diria que é a maneira boiola de
transar. E que ele não ouvisse meus pensamentos, mas nessa noite,
eu gostei do sexo boiola; fascinado por minha esposa.

***
Virginia está quieta, respirando ternamente deitada sobre
mim; o rosto em meu peito enquanto me abraça. A gente nunca
tomou essa posição após o sexo. E sempre quando dormíamos
nessa cama, era cada um no seu lado, mesmo que no dia seguinte,
nossos corpos estivessem unidos.
Corro os dedos em suas costas tecendo uma caricia. Minha
mente ainda inquieta, está revivendo os momentos do evento.
— Minha mãe teria gostado de ter visto você. — Digo, quase
um sopro, sem ter certeza de que Virginia dorme ou não. A
confirmação vem quando ela levanta o rosto me fitando.
Já que ela me ouve, prossigo:
— Ela era vibrante... cativante. Torcia para que eu tivesse
alguém. Queria ter um neto.
Virginia se mexe saindo de cima de mim e recosta nos
travesseiros, ao meu lado, bem pertinho. indicando que deseja
continuar com o assunto que lhe interessa.
— Qual era o nome dela?
— Safira. Ela era a minha melhor amiga. Eu fui o filho que
ela não podia ter. Conseguiu engravidar depois de muitos
tratamentos e por causa disso, não quis me deixar um segundo
sequer, abandonando sua função na empresa.
— Ela trabalhava na Montoya?
— Sim. Ela era uma das acionistas majoritárias, herdou ações
do pai dela que era sócio do pai do meu pai. Assim, meus pais
ergueram, juntos, a Montoya para seus dias de glória.
Virginia está calada e sei que tem mil perguntas para me
fazer, porque ela é curiosa e tem ânsia de me conhecer por
completo. Nem sei por qual motivo estou contando algo tão íntimo
a ela; depois da noite de hoje, sei que nada é mais como antes.
— Então eu vim ao mundo, ela se afastou para cuidar de mim,
e nos tornamos unha e carne. Meu pai até dizia que eu seria gay por
ser filho único e muito íntimo da mãe.
— E por isso a sua relação com seu pai...
— Só distanciava. Mas eu não me importava, eu a tinha.
Minha mãe era meu mundo, nada mais lá fora me importava
porque eu a tinha. Até que ela nos deixou quando eu entrei na
faculdade.
— Eu sinto muito. — Sinto o toque gentil em meu braço, mas
não olho — Como foi?
— Ela nunca me contou sobre ter um aneurisma. Ela
aproveitou os últimos dias com toda a felicidade do mundo. Fomos
só nós dois para Ilhabela, pois meu pai estava trabalhando. Eu não
a vi no caixão, então as últimas memórias que tenho dela, foram do
melhor momento que passamos juntos.
Me calo e por segundos o silêncio nos envolve. Sinto
novamente um carinho em meu braço e viro-me para Virginia.
— Obrigada... por me contar sobre ela. E quanto a seu pai?
— O que tem ele?
— Depois que... bom, vocês se aproximaram em algum
momento?
— Sim. Nos aproximamos quando comecei a trabalhar na
Montoya. Mas nunca senti que tivesse uma conexão com ele...
— Tenha certeza de que ele te amava. Do modo dele, mas te
amava. E só queria o seu bem.
Me afasto de Virginia e jogo os pés para fora da cama. Olho
em volta procurando minha cueca.
— Me prender em um casamento e me obrigar a ter um filho,
mesmo sabendo sobre minhas dores a respeito de Milena... isso não
parece amor. Parece deboche.
— Rocco, mas...
— Ele não respeitou o meu tempo ou o que eu sentia. Não
respeitou a Milena. — Pego a cueca, visto sob os olhos atentos dela
ainda na cama cobrindo os seios com o lençol.
— Mas ele fez isso com a intenção de deixar você
encaminhado com um futuro sentimental garantido. Te deixar com
uma família.
— Chega desse assunto, ok? Você nem o conhecia, não tente
o defender. — Caminho para o banheiro tentando expelir da minha
mente as palavras dela. É tarde demais para meu pai conseguir um
lugarzinho de apreço em meu coração.
***
Não dormimos a partir daquele momento. Recebi uma
mensagem de Armando, perguntando se eu podia falar. Ele não
está na cidade e ficou sabendo agora a pouco sobre o que houve no
evento. Digo a ele que pode me ligar e escolho o terraço do quarto
para conversar ao celular, enquanto a noite fresca me traz calma.
Ao terminar de falar com meu advogado, recosto na cadeira
de balanço que há ali e cravo meus olhos no céu satisfazendo-me
do golpe de felicidade que veio durante essa noite. Hoje eu estou
feliz.
Mesmo com o cansaço do dia, não tenho sono. A euforia em
querer saber o que vão falar sobre o carro, me deixa aceso. Preciso
ler a reação da mídia e critica especializada, e torço para que não
foque apenas no que David tentou fazer.
— Interrompo? — Ouço e olho para a porta do terraço
encontrando Virginia me espiando.
— Deveria estar dormindo. — Digo.
— Toma. Preparei, para ajudar a relaxar — Me entrega uma
caneca e se senta na cadeira ao meu lado, segurando outra caneca.
— O que é? — aspiro. Tem cheiro de chá. Está fumegante.
— Chá.
— Com...?
— Chá, puro, Rocco. Daqueles saquinhos que tem na
despensa.
— Tá bem. Toma esse — entrego a minha caneca a ela e tomo
a outra de sua mão — Não sei se ainda posso confiar em você.
Minha atitude provoca risada em Virginia, e não protesto.
— Acha que eu ia colocar Tesão de Touro no seu chá? Não
faz sentido, acabamos de transar.
Ouvir isso me diverte.
— E se decidiu me matar para ficar com minha herança?
— Droga. É um bom plano. Logo agora que eu tenho um filho
seu na barriga...
— Seria o golpe perfeito. — Beberico o líquido quente —
Hum... muito bom o chá.
— Obrigada. — Agradece. Eu bebo mais um pouco e junto
com um golinho quente, aspiro o ar a minha volta sentindo o bom
aroma do jardim que contorna a casa. Dou mais um gole, e quando
olho para o lado, Virginia está parada me fitando; nem pisca. E tem
um sorrisinho bobo nos lábios.
— O que foi? — Elevo as sobrancelhas.
— Nada. Estou apenas olhando.
— Cirilo está perdendo feio para você ultimamente.
— Eu nem falei nada. — Ela ri.
— Fazendo chá para mim. Me olhando desse jeito.
— De que jeito?
— Como se eu fosse a sua Maria Joaquina. Cuidado, Virginia.
Apaixonar por Rocco Montoya é sempre uma cilada.
Repentinamente, ela fica séria e morde o lábio, e até tenta
despistar como se eu não fosse perceber que há um pensamento
intrigando essa cabecinha.
— O que quer saber? Pode falar. Aproveita que estritamente
hoje, estou maleável.
— Como era... com ela? Com a Milena? Você a amava?
Certo. Um assunto que sempre acaba com qualquer pingo de
felicidade que eu possa sentir. Mas eu dei a ela o crédito de
perguntar.
— Tínhamos algo bom. Foi a primeira que eu quis ir adiante.
Ter um futuro.
— O que houve de fato? — O tom cauteloso de Virginia
incrivelmente me acalma. Sei que ela está tentando não me tirar do
sério.
— Você não sabe? Falou hoje no evento como se já soubesse.
— Não posso negar. Eu vi algo sobre ela na internet, quando
nos casamos. Mas como você nunca tocou no assunto, presumi que
era um ponto que não deveria tocar.
— Pensou certo. Detesto percorrer de volta a aquela época.
Virginia segura a caneca e nem faz questão de beber o chá,
apenas me observa atentamente. O conteúdo da minha caneca já
está quase acabando e eu dou os últimos goles antes de enfim
confessar em voz alta:
— Eu sempre volto para o mesmo ponto, Virginia. Para a
baixaria que talvez esteja impregnada em minha alma. Eu gostava
de Milena, nos casaríamos e teríamos um filho. Uma casa, uma
família. Não havia razão para que eu pudesse querer ser livre...
beber e trepar quando quisesse.
— E você fez?
— Sim. E ela viu. Saiu enlouquecida dirigindo pela noite... o
carro capotou em uma curva. Ela perdeu o bebê e ficou quase um
ano em coma. E ainda sofre sequelas daquela noite. Eu acabei com
a vida daquela mulher.
— É... você fez isso. — ela olha para a caneca aconchegada
em suas mãos — E agora?
— Como assim, “agora”? Não existe mais nada que eu possa
fazer por ela. Apenas me culpar e me arrepender.
— Mas vai se permitir mudar, ou prefere andar em círculos?
Encaro-a entendendo o que ela quer dizer. E não sei se desejo
ter essa conversa assim. Prometer algo a uma mulher que nem
deveria estar aqui. Virginia teve azar de cair nesse casamento
fracassado. Ela merecia mais.
— Você não precisa me dar qualquer resposta. Sabe que
nunca cobrei isso. Porque qualquer tantinho que eu receber será
lucro, já que não cheguei até aqui com grandes expectativas.
A fala de Virginia traz de volta o golpe das palavras do pai
dela e eu engulo um nó.
— Você tentou de tudo.
— Mas fui consciente que seu orgulho sempre foi maior. O
que eu quero dizer é que você pode dar o que seu pai, Romeo, meu
pai, Milena e a família dela sempre falaram de você, confirmar as
palavras deles. Ou você pode escolher surpreender todas as pessoas
que sempre deram zero credibilidade a seu nome. Você pode se
perdoar e não insistir nesses erros.
— Não é bem assim...
— Você me contou que suou muito para fazer Romeo confiar
em você e aceitar a parceria. Montoya é um nome forte por causa
da marca que seu pai e sua mãe batalharam para levantar. Faça que
o nome Rocco também seja tão forte. Não permita que eles te
coloquem como chacota.
Eu não levanto e nem tento calar Virginia. Simplesmente
mantenho meu foco no rosto persuasivo dela. Há brilho
apaixonante em seus olhos, em seu sorriso. Ela segura minha mão e
faz uma caricia na aliança.
— Quando você me arrastou para seu escritório, no dia que
assinamos o contrato pré-nupcial, eu disse que você combinava
com aquela sala, e combinava com poder e, portanto, eu combinava
com você. Não que eu queira poder e riqueza, eu quero o melhor do
que eu nunca tive. Não quero ver você saindo em páginas de fofoca
com outras mulheres, ou chegando bêbado aqui, ou passando três
dias fora. Eu te garanto que estou preparada para passar por isso,
e... droga... uma mulher não deveria se preparar para esse destino
com o cara que ela gosta.
Levo segundos para digerir o que escuto. Não é algo novo
jogado em minha cara, eu mesmo já tinha apontado essas falhas. Se
quero ser um pai melhor do que o que eu tive, outras atitudes
devem ser tomadas.
Seguro a mão dela por cima da minha e fito seus olhos.
— Detesto dizer isso, mas vou torcer para que você ainda
esteja aqui, e que ainda acredite nessas palavras.
Virginia se levanta da cadeira dela, senta-se no meu colo e
abraça meu pescoço. De olhos fechados, enterro o rosto na curva
do seu ombro inalando seu cheiro.
— O coração do Cenourão enfim amolecendo. — Ela diz.
— Uma bosta que está. — Afasto repentinamente. Com
cuidado me levanto mantendo-a agarrada ao meu corpo. — Com
sono?
— Nem um pouco.
— Deve ser umas quatro da manhã. Quer transar para ver se o
sono vem? Melhor que chá para relaxar, é o chá de pica.
Virginia gargalha enquanto levo-a de volta para o quarto,
caindo os dois na cama.
36
VIRGINIA

— Já saiu alguma coisa? — Rocco pergunta, chegando atrás


de mim. Na voz, a ansiedade para ler alguma matéria sobre o
lançamento do carro. Já sabemos que é o assunto mais comentado
nas redes. As fotos e vídeos de tudo que aconteceu
já viralizaram por toda a internet.
— Nada relevante ainda. — Continuo com meus olhos presos
a tela do meu macbook, sentada na mesa da cozinha. Já são quase
seis da manhã. — Mas já li bastante comentários. As pessoas estão
do seu lado. E meus seguidores aumentaram.
— Também já li bastante comentários. Entra no site dos
principais jornais. — Ele inclina-se sobre mim. Na aba de pesquisa,
começo a digitar, procurando letra por letra no teclado.
— Porra. É assim que você digita? Uma hora para encontrar
cada letra.
— Eu não tenho prática, ué.
— E o que fica fazendo o dia todo nesse computador?
— Buscando receitas, ouvindo músicas e acompanhando as
traduções, pesquisando bobagens...
— Me dá licença. — Tentando não ser rude, Rocco me faz
sorrir ao puxar uma cadeira e se sentar do meu lado. Com meu
computador em mãos, ele consegue em tempo recorde entrar em
três páginas de jornais.
— Nada ainda. Constata. Espero que façam uma análise
decente sobre minha noite. — Levanta os braços espreguiçando e
bocejando ao mesmo tempo.
— Dormir? — Instigo.
— Acho que não vale a pena. Já vai dar seis horas. Vamos
correr? — os olhos dele, porém, dizem outra coisa; estão caídos,
cansados.
— Eu estou grávida, passei a noite em claro e tive três
orgasmos. Mereço ao menos uma hora de sono.
— Certo. Vamos pregar os olhos até as oito. Hoje meu dia
será terrível e preciso de um mínimo de descanso.

— Eu prefiro quando você é mau. — Sussurro, adorando o


abraço quente de Rocco me aninhando por trás na nossa cama.
— Eu sei que prefere.
— Porque quando é mau, eu gosto, mas com cautela e
ressalvas. Mas quando é bonzinho... meu coração mergulha sem
freio.
— Bonzinho não cola muito em mim. — Sinto a leve mordida
dele no meu ombro.
— Quem bom.
***
Eu não poderia enumerar todas as situações que ocorreram
após a noite do evento, e que contribuíram para tornar a minha vida
um fantástico sonho perfeito.
Eu estou onde desejei, tenho o marido que sempre quis e
espero nosso primeiro filho. Em uma casa que é quase irreal de tão
bela. Nem em novela poderia ter dado tão certo.
Estamos nos dando bem. Rocco ainda é o mesmo homem,
sério, impulsivo e seguro de si. Porém suas barreiras estão no chão,
e por causa disso, sorri com mais frequência, até porque, há
motivo: sua marca decolou. As análises foram positivas em sua
maioria e mesmo com o embaraço causado por David,
conseguimos sair por cima. Meu vídeo esteve até na televisão, em
rede nacional. Foi um sucesso o qual conseguimos juntos.
Ele conseguiu o cargo mais alto da empresa, porque cumpriu a
meta imposta pelo pai dele, no testamento. Agora o meu marido é o
chefe da marca mais falada no momento. E não poderia ser
diferente, os carros são lindos, bem-feitos, com detalhes que
enchem os olhos até de leigos como eu que, inesperadamente,
ganhei um modelo novo da Montoya Urban.
É branco, tem teto solar e bancos de couro na cor vinho. E ele
fez questão de me levar na empresa para me entregar o presente.
Estendeu a mão para mim na porta de entrada, provocando uma
boa dose de relutância, na verdade, incredulidade; olhei sua mão e
a agarrei sem pensar. Ele me conduziu para dentro, para o prédio
matriz da Montoya, onde todos pararam para nos ver.
Se um dia eu sofri presa em uma vidinha medíocre, não me
lembrava mais.
O carro estava no pátio, com um laço vermelho em cima. E
Rocco me entregou a chave.
— O quê...
— Vai aprender a dirigir o seu próprio carrão, Virginia.
Venceu na vida, não percebeu?
— O... carro? Para mim?
— Gostou? Tem um marido do melhor e para combinar,
precisa da melhor versão do Urban. Pode entrar.
Eu queria chorar, gritar, surtar, porém só consegui abraçá-lo.
O carro foi apenas consequência, o melhor eu já tinha e talvez
Rocco jamais compreendesse que ele e o nosso bebê, me bastava. E
quando eu digo "o melhor", não é sobre ter um título de casada, ou
de ter um homem que dorme ao meu lado. É sobre ter
especificamente ele, e por um ter salvado o outro.
Rocco demostra interesse por essa nova experiência. Ele fala
sobre o bebê, me acompanhou em uma consulta, começou a pegar
no pé por coisas bobas, como me obrigar a andar o dia inteiro com
uma garrafinha de água para manter sempre hidratada e me
acompanhar três vezes por semana no pilates, enquanto ele malha
na academia.
Não há mais hesitação por parte dele. Simplesmente chegou
em casa dizendo que eu o acompanharia ao evento anual dos
Lafaiette. Claro, Olivia é minha irmã, eu poderia ir de qualquer
forma, mas ser convidada por meu marido e ainda ouvi-lo me
perguntar se queria sair para comprar um vestido novo, foi o
suficiente para renovar cada uma de minhas esperanças.
Chegamos juntos ao evento, de mãos dadas e elegância
combinando. O meu vestido - que deve ter sido uma pequena
fortuna - me fazia parecer madura e afortunada.
A noite teria sido perfeita se não fosse estragada pelos
próprios anfitriões. Eu não sei como começou a briga e até agora
não sei as motivações, tudo foi muito de repente. Rocco tinha
acabado de me puxar pela mão, me ajudando a subir uma escada
íngreme nos bastidores do evento e se empoleirar comigo em um
estrado de madeira usado para manutenção das luzes e holofotes.
— O que está fazendo, seu doido? — Agarrei-o com medo de
cair. Nem queria olhar para baixo.
— Não consigo esperar chegar em casa. Esse seu vestido é
pior que o tesão de touro — segurou minha mão e a colocou em
sua calça: — Sente?
— Merda! Você está duro feito pedra.
— Por você. Quero te comer, aqui.
— Rocco... mas e se alguém...?
— Essa é a graça da coisa. — Atacou-me com um beijo
alucinante que nem me deu chance de relutar. Eu sempre amei os
beijos de Rocco e faria qualquer coisa que ele me pedisse, caso
usasse os beijos como arma.
— A calcinha... — rosnou e me ajudou a tirar a calcinha quase
rasgando-a no processo. Em seguida, desabotoou o cinto e a calça,
abaixando-a até os joelhos. Eu estava fervendo, tanto de excitação
como de medo de ser descoberta aqui. Porém, meu corpo só queria
colocar mais lenha na fogueira e a minha mente decidiu que
gostaria de ter um momento de loucura como esse para ser gravado
em minha historia.
Rocco suspendeu minha perna segurando-a em sua cintura
proporcionando assim uma abertura perfeita em mim. Eu estava
apoiada em seu corpo e com um pé firme no chão. Tirei os saltos
para não causar problemas, e só esperei o bem-bom.
— Jesus! — arfei, sorrindo, de olhos saltados, com a boca a
centímetros da dele assim que o pau golpeou macio e duro
adentrando-me de maneira gostosa; loucamente gostosa.
— Bom? — Rocco me acompanhou no sorriso e bombeou
rápido para dentro e para fora.
— Muito bom... caramba! Eu sou apaixonada por esse pau.
— Eu sei. — capturou a minha boca em um beijo
praticamente engolindo os meus gemidos a cada estocada profunda
e feroz. O estrado começou a balançar, me segurei com força nas
grades de proteção e entreguei a situação para Deus. Se caíssemos
daqui poderíamos morrer, mas deixar de trepar, não dava para
interromper.
Foi nesse momento que fomos obrigados a interromper. O
barulho que vinha do salão era assustador. Gritos e barulhos como
se fossem móveis quebrando contra o chão.
— Espera! — segurei Rocco interrompendo-o com as
arremetidas. — O que está havendo?
— Droga. — ele se recompôs após também ouvir, começou a
se vestir e eu fiz o mesmo. Poderíamos continuar em casa.
Descemos a escada, voltamos para o salão e encontramos o
maior quebra-pau. Os convidados tinham se levantado das mesas e
a maioria se refugiava em um lado do salão. Outros corriam para
fora, tentando ver algo que acontecia na rua.
— Olha a Olivia. — gritei ao ver minha irmã desesperada na
porta pedindo por ajuda.
— Porra! O que está havendo? — Rocco berrou e correu
naquela direção, impressionantemente, sem soltar a minha mão.
— Olivia, o que houve? — Rocco a segurou e minha irmã
agarrou o seu terno.
— Faça alguma coisa. Eles vão matar... o Amadeo. Romeo
não pode sujar o nome, caramba! Vai impedir.
Rocco saiu em disparada pela rua, e eu poderia ficar e tentar
consolar a minha irmã, no entanto, precisava entender o que estava
acontecendo. De longe vi o momento em que Romeo segurou um
homem transtornado enquanto outro estava no chão. E quando
Rocco chegou para ajudar a conter o enlouquecido, percebi que era
Magno parecendo um bicho louco. O homem que estava no chão se
levanta para fugir, mas Lorenzo corre atrás e o derruba
violentamente, mas como troco, recebe um soco no rosto. A
namorada de Lorenzo berra desesperada tentando fazê-lo parar.
É ninguém menos que o primo deles. Uma briga entre os
próprios Lafaiette.
O grande motivo, ainda é uma incógnita, mas Rocco me
contou por alto. Depois pretendo visitar Olivia para saber mais
detalhes. A briga foi destaque em jornais e assunto mais falado na
internet. A curiosidade ainda me consome.

***
Meus dias de casada, progrediam, sempre descobrindo
melhores momentos ao lado de Rocco. Quando imaginei que
aquele homem fechado e bruto que conheci, poderia sentar comigo
usando apenas calça do pijama, para assistir televisão?
Esse mesmo homem que cismou que faria a nossa pipoca para
acompanhar o filme escolhido, e acabou queimando a mão quando
tirou o saco de pipoca do micro-ondas e o abriu, sem precaução.
E ver tv com Rocco, se mostrou ser uma atividade curiosa, já
que ele quer comentar cada momento, principalmente quando é
algum capítulo de Carrossel.
— Isso não faz sentido, caramba. — Esbravejou certo dia ao
ver uma cena qualquer da novelinha.
— Meu Deus, Rocco! É novela de criança. Não precisa fazer
sentido. — Contestei em meio aos risos.
Talvez não fossemos ainda um casal que se ama, mas ser
amiga dele, deixou-me completamente boba. Tão boba que um mês
se passou desde o evento do carro, e eu simplesmente esqueci que
havia algo que talvez pudesse acabar com o meu mundinho
perfeito. Algo que eu mesma criei, e não sabia como jogar a
verdade para ele.
37
ROCCO

— Talvez eu não venha almoçar. — Encaro o espelho em


minha frente enquanto minhas mãos movem a gravata com
agilidade criando um nó perfeito. Sei que Virginia está me
observando da porta. — Vou dar um pulinho no terapeuta, é a
última sessão desse trimestre.
— Você não cansa de ser chique. Tem um terapeuta?
— Claro. — Termino com a gravata, pego o terno passo por
ela indo para o quarto. — Um homem de negócios como eu, e com
a bagagem que tenho, preciso desse tipo de coisa.
Abotoo o relógio no pulso, dou uma última conferida no
visual e caminho para a porta.
— Eu posso... algum dia no futuro... trabalhar na empresa? —
Sentada na cama, com seu costumeiro olhar de fã, Virginia
questiona. Paro e fito-a.
— Trabalhar?
— É... depois que o bebê já estiver crescido.
— Veremos. — Faço uma careta refletindo sobre o assunto, e
reconsidero a ideia. — Posso conseguir algo. Mas será uma escolha
sua. — Pisco para ela, querendo dar um beijinho de despedida, mas
me contenho. Me contenho como venho fazendo todos esses dias,
sendo comedido em uma relação que talvez eu possa destruir mais
a frente. Eu quero essa mulher. Isso já está decidido. Eu a quero!
Mas preciso antes de tudo, proteger a nós dois.

Chego na empresa e encontro Armando, que está feliz,


sorrindo de orelha a orelha, desde que finalizamos o testamento do
meu pai e não foi demitido por mim. Eu sou o nome a frente da
Montoya, o velho Adão é passado agora.
— Amigo. — Cumprimento-o e entramos juntos. — Boas
novas?
— Só vim te colocar a par da papelada das escrituras que seu
pai deixou para a parentada.
— Venha a minha sala.
Ele sobe comigo, aviso a secretária para segurar meus
compromissos e consigo tempo para tomar um café com Armando
ouvindo-o falar sobre propriedades e bens. Meu pai teve a
dignidade de me deixar com propriedades que tinham valor
sentimental para minha mãe, por isso me sinto tranquilo com todos
os outros bens. Armando comunica que uma das minhas tias quer
marcar um jantar em minha casa, o que eu recuso de início.
— Talvez eu a encontre em um restaurante. — Respondo ao
meu advogado pensando que estou em uma nova vida, tentando
trilhar um novo caminho, ainda assim, não sou lúdico o suficiente
para cair nas garras da família peçonhenta do meu pai.
— Tem outra coisa. — De repente, o olhar de Armando fica
relutante, o que me intriga.
— Diga.
— Tem visto a Milena?
— Milena? Não. Lógico que não. Ela está bem?
— Está. Ligou para mim ontem.
Mexo desconfortável na poltrona como se estivesse sentado
em espinhos.
— O que ela queria?
— Eu não sei. Disse que era sigiloso e pediu que eu a
encontrasse. Marquei um horário com ela para depois de amanhã.
— Porra! Depois de amanhã, Armando? — Bato nos braços
da poltrona — Você não é nem um pouco curioso, vá se foder.
— Não parecia algo grave. Ela que estipulou o dia,
praticamente. Vou aguardar.
— Que seja. Se pode esperar dois dias, não é mesmo grave.
Isso é tudo?
— Sim. — Ele fica de pé abotoando o terno. — Você está
desaparecido. Os caras comentaram. Vamos marcar uma hora dessa
para tomar um porre?
— Me respeita, caralho. Tô tentando passar uma imagem de
marido exemplar. Vaza, que tenho muitos compromissos hoje.
Ele sai da minha sala rindo surpreso com minha reação. Ligo
o computador conferindo a agenda de hoje. Na tela, uma
notificação do meu celular me chama atenção obrigando-me a
pegar o aparelho. O sorriso é involuntário ao ler a mensagem de
Virginia.

VIRGINIA: Se eu for a sua secretária, terei que te chamar


de senhor?
EU: Sim. E vai receber um tapa na bunda toda vez que
atrasar meu cafezinho.
Sei que provavelmente, ela deve estar sorrindo.

VIRGINIA: E se eu achar ruim?

EU: Aí você pode reclamar no RH, mas fica ciente que em


casa vai ganhar uma boa greve de sexo como punição.

VIRGINIA: Deus me livre. Essa é a pior punição do mundo.

Acabo gargalhando com a resposta dela, pensando que é


justamente isso que minha esposa sente. Ela nunca conseguiu
esconder que é apaixonada por mim.

EU: Vá fazer qualquer coisa que você faça quando está


sozinha, tenho que trabalhar.

VIRGINIA: Beijos. Até a noite?

EU: Até a noite, Cirila.

Peço meu almoço na empresa, para ganhar tempo. A venda


dos carros trouxe trabalho extra, o que é bom. Tanto para mim,
como para centenas de pessoas que a Montoya teve que contratar.
A fábrica está a todo vapor produzindo os carros para serem
entregues no final do mês que vem.
A nota do Revenge é alta por sites, programas e especialistas
em automóveis. Todo o suor, todo o miolo que fritamos, todas as
noites sem dormir e as olheiras da minha equipe, tiveram resultado.
A Montoya está subindo novamente.
Preciso encontrar doutor Estevão em um horário muito
apertado, e isso me obriga a almoçar rápido e sair em seguida, em
disparada. E quando chego a seu consultório, fico feliz em saber
que eu sou o próximo a ser atendido, o último antes do horário de
almoço dele. A secretária pede que eu espere um pouco e me sento
na sala de espera, passando o tempo no celular.
Os minutos passam, estou concentrado lendo algo, e a sala
estaria em completo silêncio se não fosse a televisão. E algo chama
a minha atenção. O nome de um bairro. Encaro a televisão
observando a propaganda sobre o aniversário daquele bairro. E não
é um bairro qualquer, é onde eu cresci, onde fica a mansão que
meus pais construíram. Engulo as memórias com gosto amargo, ao
ver as ruas, o pequeno parque arborizado...
E dou um pulo da cadeira ficando de pé com os olhos
saltados. A imagem foi rápida, mas o que vi, fez o meu coração
saltar quase parando.
A secretária de doutor Estevão me olha perplexa. Mas nem
tento explicar a minha reação. Com o celular em mãos, volto a
sentar escutando meu coração bater nos tímpanos. Em uma rápida
busca, tento encontrar na internet essa propaganda que acabo de
ver. E leva pouco tempo até que eu a encontre.
O susto e o temor deixam a minha boca seca, mas não são
fortes o suficiente para tirar a minha coragem. Eu preciso ver
novamente. O meu dedo está trêmulo quando passo o vídeo até a
parte crucial. Toco para pausar bem no momento exato em que a
praça foi filmada com um drone, possivelmente, e sentados em um
daqueles bancos, ninguém menos que meu pai e Virginia.

***
— O que isso parece para você? Hein? Me responda?
Na sala de Magno, na Orfeu, ando de um lado para outro
enquanto ele analisa o meu celular.
— Não sei. — Enruga a testa ao me fitar — Virginia e seu
pai? Está meio embaçado...
— É isso, caralho! — Vibro — Não tô louco.
— Que merda é essa? Uma montagem?
Tomo o celular dele, coloco o vídeo para rodar e espero
Magno assistir. Quando assiste, me encara mais confuso do que
antes.
— Está vendo? — De forma neurótica bato na mesa
assustando Magno — Eles foram filmados, sem saber. Agora eu te
pergunto, de quando é essa filmagem?
Esfregando a barba, ele pensa. Semicerra o olho, que ainda
está roxo devido a briga com o primo, e volta a me fitar.
— Você viu seu pai morto? No necrotério... no caixão?
— Nem pisei no necrotério, os advogados dele resolveram
tudo, mas eu o vi no caixão. Não tem como ele estar vivo, se é isso
que está pensando. Isso aqui — bato o dedo na tela do celular —
Foi antes de ele morrer.
— Então... Virginia conheceu seu pai? Ela já mencionou
algo?
— Não. Eu já fritei meus miolos, cara. Já pensei em todas as
possibilidades.
— Isso pode ter sido aleatório. Ela parou em um banco,
sentou-se ao lado de um senhor e conversou com ele sem saber que
era o seu pai. E o drone filmou. Hoje você está um pimentão e não
uma cenoura. Mantenha a calma.
— É isso. — Sopro longamente — É exatamente isso que me
vem a cabeça. É mais fácil acreditar que ela conversou com um
velho qualquer, e tudo foi coincidência, do que tentar imaginar as
motivações dela. Não vou mais pensar nisso.
— É...
— É? É o que?
— Eu só concordei com você. — Magno esconde a expressão
e dá de ombros.
— Você falou um “é” com dúvida. Me diz o que está
pensando, Magno.
— Também não é para passar uma borracha e fingir que não
aconteceu. Sabemos que Virginia é uma trambiqueira de primeira.
Ela conseguiu se enfiar no meu clube, com a segurança mais
reforçada que a da Casa Branca. Pensa aí, irmão, já notou algo de
diferente, que te fizesse pensar...
Desabo em um sofá preto de couro e observo-o pegar uma
bebida. Com os dedos afundados no cabelo e a cabeça baixa, penso
em cada pequena coisa desde que conheci Virginia.
“...Sentar no banco da praça por alguns minutos, dar farelos
de biscoito aos pombos, puxar papo com algum idoso solitário...”
A voz da minha esposa ricocheteia em minha mente, com sua
resposta modesta no jantar na casa dos pais dela, quando a
perguntei o que gostava de fazer.
Porra...!
Depois relembro dela defendendo meu pai, dizendo que ele
sempre quis o meu melhor e queria me deixar com um futuro
encaminhado.
“Não o defenda. Você nem o conhecia.” — Respondi a ela
naquela ocasião.
A mente me leva a um pouco antes, quando vi o outro perfil
de Instagram no celular dela, mostrando que ela me conhecia, ao
menos pela internet, antes de sermos formalmente apresentados.
Levanto o rosto para Magno que está em pé em minha frente
oferecendo-me um copo de uísque.
— Ela sabia que aquele senhor era meu pai. Ela se casou
comigo, me conhecendo e sabendo da minha vida.

***

Desmarquei meus compromissos e fui direto para casa.


Mesmo que não fosse confrontar Virginia, não tenho cabeça para
fazer nada de trabalho. São três da tarde quando chego em casa;
fecho a porta e dou passos leves pela sala. Ouço apenas música
escapando da sala de televisão. A porta é corrediça, puxo um pouco
obtendo a imagem de Virginia concentrada lendo a tradução
enquanto a música toca nas caixas acústicas.
Por algum tempo, eu a observo.
Merda! Ela não pode ter escondido algo muito grave. Porque
agora não dá mais para voltar atrás. Eu gosto dela e quero o meu
filho comigo. Era o meu plano desde sempre: dar a ele o que eu não
tive com meu pai. Corrigir os erros do passado. O que são filhos
senão parte de nós mesmos, com a chance para os pais darem o que
nunca receberam?
Meu coração se aperta com a possibilidade de perder a
companhia entusiasmada de Virginia. De voltar para uma vida
vazia, solitária, sem qualquer cor. O medo de perdê-la me faz
pensar que talvez... eu ame?
Não é possível.
Afasto da porta, subo as escadas em passos leves e chego ao
nosso quarto.
O que ela escondeu de mim?
Vou direto ao closet e vasculho tudo, buscando aquela maldita
caixa que vi outro dia e ela me flagrou. Abro compartimentos,
gavetas, atrás dos vestidos. E encontro a caixinha de madeira com
cadeado dentro de uma mala. Merda! Levo para a cama e fito a
caixa por bom tempo.
Eu quero descobrir o que tem aqui?
Eu não vou conseguir dar um passo para a porra de um futuro
com ela sem saber o que ela esconde e se essa caixa tem alguma
ligação com o fato de ela ter conhecido o meu pai.
Desço a escada e encontro Virginia no mesmo lugar. Dessa
vez, porém ela me vê. Fala para a Alexa desligar a música e fica de
pé, esbanjando um sorriso grande ao vir em minha direção. Mas
para abruptamente e penso que vai ter um colapso quando detecta a
caixa em minha mão. Até coloca a mão no peito.
Sem que ela pudesse planejar, os olhos a entregam no mesmo
instante. Nem preciso perguntar para saber que aqui dentro tem
algo que ela não queria que eu visse.
Virginia faz menção de tomar a caixa de mim, mas não
permito.
— Senta-se aqui, Virginia.
— Rocco... por que estava mexendo nas minhas coisas? Eu
não quero que...
— Senta aqui comigo. — Peço batendo no sofá ao meu lado,
transparecendo calma, coisa que não é verdade.
— Por favor... — A súplica, com mãos juntas em prece, só a
faz parecer mais culpada.
— Você está piorando tudo, Virginia. Apenas se senta aqui.
Sabendo que não há escapatória, ela toma o lugar ao meu lado
de forma temerosa. O rosto sem um pingo de sangue. Medo banha
seus olhos saltados.
— Seja sincera. — Peço. Minha voz sai mais tensa do que . —
Você conheceu meu pai antes de sermos apresentados?
Ela abaixa a cabeça e pensa bastante. Coloca mechas de
cabelo atrás da orelha e apenas assente concordando acabando com
minha mínima esperança de que tudo tenha sido coincidência.
— Eu ia te contar. — Sussurra. — Só estava tentando
encontrar um... momento certo.
— Então chegou o momento de me contar. Porque este
casamento não vai dar mais um passo à frente se não expor todos
os segredos.
— Desde já... quero que saiba... que tudo que fiz, foi de
coração. Não teve nada de maldade. — Trêmula, com os olhos
banhados de lágrimas, ela pega a caixinha das minhas mãos e abre
o cadeado com código.
O que tem dentro não me choca tanto, apenas confirma o que
eu já suspeitava. São recortes de jornais, páginas imprimidas, tudo
sobre mim, com meu rosto. Ela me deixa olhar. Tem coisa de
Milena, sobre o acidente, fotos do meu pai... e no fundo de tudo,
uma agenda. Eu abro e leio a primeira coisa escrita:
“Hoje foi dia de curso de culinária novamente. Foi uma
jogada de mestre essa mentira do curso, afinal posso sair sozinha e
ainda tenho o dinheiro da suposta mensalidade para gastar.”
Ela não fez curso de culinária? Então por isso não sabia
preparar uma omelete e estava o tempo todo olhando vídeos na
internet. Enquanto leio, Virginia cruza os braços e abaixa o rosto.
Volto às belas letras femininas.
“Hoje não conversei com senhor Adão. Esperei Rocco
Montoya na cafeteria e ele apareceu como de costume. E não
notou em mim novamente. Ele nunca olha em volta para as
pessoas. Isso me intriga. Por que esse homem é tão fechado? Eu
gostaria de conhecê-lo melhor. O pai dele não fala muito sobre
ele.”
“Hoje segui Rocco até uma academia. Quase o perdi de vista
pois o taxi era um pamonha, mas consegui chegar e entrar. Fiz o
cadastro com nome falso e não precisei pagar por um dia
experimental.”
Ler isso acelera meu coração perturbadoramente, porque
recordo que tanto a garçonete do café como a recepcionista da
academia reconheceram Virginia.
“Eu vi Rocco malhar. Meu bom Jesus, que homem! Acho que
estou enlouquecendo. Não consigo tirar esse homem da cabeça. As
vezes até penso longe demais sobre... como seria se eu me casasse
com ele? Sim, já pesquisei. Ele é solteiro.”
— Como conseguiu...? Você vivia numa merda de doutrina...
seu pai estava nessa com você? Por isso ele insistiu para que eu
fosse ao almoço com empresários?
— Não. Meu pai não sabia. Ninguém sabia de nada. Eu fiz
tudo sozinha.
— Tudo o que... Virginia? Como conheceu o meu pai? Como
essa merda aqui — balanço a agenda na cara dela — Se encaixa
com ele?
— Eu vou te contar.
38
VIRGINIA

Meses antes
Eu nunca tive pretensão de ser alguém na vida. Minhas irmãs
e eu fomos ensinadas a não ter esse tipo de desejo considerado
mundano e fantasioso demais. Meu pai sempre dizia, com sua voz
rancorosa e cruel, que mulheres que saiam para trabalhar fora, eram
piranhas nas horas vagas. Coisas horríveis para se escutar a
primeiro momento, mas rotineiras e sem importância para nós três
que passamos a vida ouvindo dele coisas do tipo, mascaradas de
instruções sobre como uma boa garota deveria se portar. Eu jamais
levei a sério.
Não sei em que ponto da minha vida nasceu uma rebelião
interna, contra a tirania, contra o sistema. Meu pai me surrava até
cansar, dizendo que eu era do sangue ruim do meu avô. E isso só
me fortalecia. E o grande estopim veio com o casamento de Olivia,
com um velho seboso amigo do meu pai. Eu não ia deixar que um
destino parecido acontecesse comigo. Ouvi um dia ele comentando
com minha mãe que já tinha um amigo dele interessado em mim.
Outro amigo, outro velho pervertido.
Eu queria ser a capitã da minha jornada e ninguém ia tirar de
mim o direto de escolha. Naquele dia, eu decidi que eu escolheria o
meu pretendente.
Minha revolução começou silenciosa; para quê alardear e ser
rapidamente calada? Eu me conheci primeiramente, meu corpo e
minha mente. Ingenuidade é achar que toda virgem é boba. E o
celular que ganhei do meu avô, foi arma fundamental para que eu
me fortalecesse.
Tudo mudou em uma tarde de junho, quando o frio trincava os
ossos. Eu o vi.
Minha mãe sempre levou uma de nós para ajudá-la no
supermercado, e eu estava paralisada observando-o atravessar a rua
em um semáforo. Ele era alto, esguio e sua elegância se sobressaia
em relação aos outros pedestres. Usava um sobretudo preto por
cima de um terno. Vi seus cabelos avermelhados dançarem no
vento e sua expressão fechada em um mundo que só ele conhecia.
E de repente, tive desejo em olhá-lo de perto. E sabia que se
perdesse o estranho de vista, não o encontraria nunca mais.
— Virginia? Não está me ouvindo? — Virei rapidamente o
rosto encarando minha mãe. — Pegue um carrinho para mim. —
Ordenou aguardando alguma ação da minha parte. O belo estranho
entrou em uma cafeteria no outro lado da rua.
— Aqui está, mamãe. — Entreguei a ela o carrinho. — Será
que pode me dar dois minutinhos? Eu gostaria tanto de tomar um
café daquele. — Eu não sabia que tipo de impulso estava me
tomando. Queria olhar o estranho e sair. Apenas isso.
— Café? — Ela olhou para o outro lado e de volta para mim
— Que bobagem é essa? Lá em casa tem café.
— Eu sei... mas é só desejo mesmo. Ainda mais nesse frio.
Voltou a olhar para o estabelecimento do outro lado da rua,
franzindo o cenho, soprou e pareceu convencida mais rápido do
que eu esperava. Abriu a bolsa, tirou uma nota de cinquenta e me
entregou.
— Traga um para mim. Só se for feito agora. Traga o troco.
Bati as minhas botinhas gastas no tapete de entrada e observei
ao redor na aconchegante cafeteria. Ele estava no balcão e
conversava com um dos atendentes. Esfreguei uma mão na outra,
fingi desinteresse olhando o cardápio na parede e corajosa como
sempre fui, sentei-me na banqueta ao seu lado. Meu coração
disparou ao sentir a proximidade.
O que eu estava fazendo? Perseguindo um estranho? Que
loucura.
— É mesmo um tempo horrível para fazer diversas atividades.
— O estranho falou ao meu lado, na sua conversa particular com o
bartender e meu coração palpitou ainda mais ao ouvir a voz dele.
Meu corpo se arrepiou e não pelo frio.
Ensaiei uma espiadinha de lado enquanto folheava o cardápio.
— Pelo menos para dormir, é ótimo. — O atendente disse e
ele concordou. — Li em algum lugar que a Montoya pode voltar
para a Fórmula 1. — O bartender continuou tagarelando e o belo
estranho respondeu:
— Torcendo para que dê certo. Estamos em negociação. —
Recebeu o copo e bebeu sem pressa enquanto mexia no celular.
E se eu me apresentasse? Puxasse assunto... tentasse chamar
atenção dele?
Seria loucura.
Rapidamente fiz o pedido de dois cafés para viagem, e como
pedi simples, saíram logo. Não tinha mais por que eu ficar ali.

***
Dei vasão a minha curiosidade homérica naquela noite, em
casa, após ver o bonitão estranho na cafeteria. Ele não saia da
minha cabeça, e o nome que o bartender falou pulsava feito uma
dorzinha insistente. Montoya.
Era madrugada quando saí do quarto, desci a escada, entrei no
escritório do meu pai, correndo todo o risco do mundo, e liguei o
wi-fi da casa. Ele sempre desligava para evitar que a gente pudesse
entrar na internet. Tanto pelo meu celular, como pelo computador
velho que ficava no corredor próximo ao quarto deles, destinado a
trabalhos escolares de Joanne.
Montoya Motors. É uma empresa automobilística bilionária
comandada por Adão Montoya e seu filho Rocco Montoya.
Rocco. Era ele.
Meu belo estranho tinha um nome.
Com a tensão explodindo em meu peito, busquei o principal
sobre ele: estado civil, solteiro. Quase saltei da cadeira. Soprei
minha mão suada de nervosismo e continuei a pesquisa,
encontrando centenas de fotos de Rocco com mulheres diferentes.
Algumas fotos capturadas em momentos sorrateiros. A pesquisa
voltou-se para Adão Montoya.
Salvei algumas fotos de Rocco em meu celular e poderia ser o
fim. O ponto final. Era algo inalcançável que eu poderia apenas
observar. Mas não consegui parar por aí. Toda vez que o wifi
estava ligado, lá ia eu novamente pesquisar sobre a Montoya e
sobre a família.
Li sobre a empresa, sobre a crise que eles passavam e sobre a
divergência de pai e filho. Causa da instabilidade nos negócios.
Salvei o endereço da casa deles e esperei pacientemente até
que pudesse sair de casa por conta própria. Eu simplesmente fugi,
sem pedir permissão a minha mãe. Sem dinheiro para taxi, peguei
um ônibus e andei mais um pouco até chegar no bairro onde ficava
o endereço que salvei no celular.
O que eu estava fazendo praticamente do outro lado da cidade,
sozinha, sem dinheiro, e sem permissão? Em frente a uma mansão
de alguém que eu não conhecia?
Que merda, Virginia.
Escondida atrás de um poste do outro lado da rua, observei
por minutos na esperança de que pudesse flagrar meu muso secreto.
O tempo correu, eu tinha que voltar para casa e arranjar uma boa
desculpa para ludibriar minha mãe. Então da mansão saiu ninguém
menos que o senhor Adão.
Com os olhos o acompanhei andar sem pressa, cabisbaixo e
aparentemente triste. E eu o segui a passos de distância até chegar a
um parque arborizado. Calmamente, o homem tomou um banco e
lá ficou.
Vai para casa, Virginia.
Vai para casa, Virginia...
Não fui. Caminhei até lá e me sentei ao lado do senhor que me
ignorou de início até eu dizer:
— Descansar um pouco as pernas antes de voltar a caminhar.
Primeiro, passou os olhos pela minha roupa. Olhou por
segundos o meu rosto e sorriu gentilmente.
— Não parece estar fazendo caminhada.
— Não estou. Me perdi. Peguei o ônibus errado e aproveitei
para conhecer esse lado da cidade. — Eu sempre consegui
representar, ou melhor, mentir, de forma natural.
— De onde você é?
Vi o susto banhar sua face quando eu respondi falando o meu
bairro.
— É muito longe, garota. — Constatou, abismado.
— É sim. O senhor mora por aqui?
— Sim. Um pouco mais acima.
E assim, nasceu uma amizade. Eu queria me aproximar de
Rocco porque o achei bonito. Porém o destino me colocou o
senhor Adão no caminho; um homem que precisava de uma mão
estendida. Eu queria continuar o encontrando, e por isso tive a ideia
do curso de culinária. A finalidade do curso não foi para ver Rocco,
foi para encontrar Adão na praça três vezes por semana, à tarde. E
não serei sonsa a ponto de dizer que não teve nada a ver com
Rocco. Teve sim, lógico. Eu via naquela amizade uma chance de
me aproximar do bonitão da cafeteria. A cada encontro com o
senhor Adão, a cada conversa, a sensação de que eu poderia ficar
cara a cara com Rocco só crescia.
Até que esse assunto nasceu. Do nada, não da minha boca,
mas sim dele. Partiu de senhor Adão a ideia de que eu seria perfeita
para o filho ranzinza e mau humorado, e eu acabei confessando
minha atração pelo nosso vilãozinho em comum.
— Eu acho seu filho atraente. Ele é bonito, elegante. Mas olha
para mim... Rocco jamais repararia em mim.
— Você não é mesmo o tipo fútil que ele pega. Você é
vibrante, de bem com a vida, sorriso fácil. Além de jovem e
humilde. Não teria pretendente melhor que eu pudesse deixar para
o cabeça dura do meu filho.
— Deixar? Como assim? — Indaguei dando importância a
última parte da fala dele.
— Ah, minha filha. Estou de mal a pior. Um tumor descoberto
tarde demais. Não tenho muito tempo para colocar a casa em
ordem, posso partir a qualquer momento. Até recusei o tratamento
que só vai me desgastar sem garantias.
Fiquei pasma. Sem resposta. Sem conseguir consolá-lo ou
tentar dar uma palavra positiva. Naquele dia, abreviei a minha
visita e fui embora. Passei a noite praticamente em claro, remoendo
o sofrimento que vi nos olhos daquele homem. Talvez não sofresse
tanto porque ia morrer, e sim por não ter alento da única família
que ele tinha. E antes de julgar o meu bonitão da cafeteria, eu
queria saber a motivação do pai e do filho.
Seu Adão me esperava na praça, nosso ponto de encontro.
Segundo ele, conversar comigo estava sendo melhor que a consulta
com o terapeuta.
— Com a morte da mãe, Rocco se transformou. — O homem
me explicou, cabisbaixo, semblante caído. Não parecia ter tido uma
boa noite de sono — Se fechou em um mundo que, tenho pra mim,
seja impossível alguém adentrar. E nossa rixa piorou com a disputa
pela liderança da montadora.
— O que ele quer na verdade?
— Ele quer poder. Ele quer me expulsar de lá e comandar
tudo. E eu não vou permitir isso.
— O senhor precisa contar para ele da sua enfermidade.
— Para que? — Esbravejou assustando-me contra a sua
vontade. — Para ele ter motivos de sobra para me afastar? Não
duvido que Rocco possa me trancar em uma clínica com ordem
judicial e me esquecer lá.
— Mas... não vai ficar tudo para ele, de qualquer forma?
— Virginia... se você conhecesse ele um dia apenas, saberia
por que eu temo. Rocco é canalha, festeiro, sem um pingo de
responsabilidade. Ele acabou com a vida da noiva porque não
soube... segurar a... a braguilha. Peço perdão pelas palavras.
Eu estava chocada. E queria saber mais sobre a tal noiva. Li
por alto sobre um acidente que aconteceu, mas não havia muitas
informações. E seu Adão não polpou os detalhes que eu precisava.
Ele foi direto no ponto crucial me dando informações arrepiantes
sobre Rocco e seu modo de vida nem um pouco responsável. Com
a mão no peito, pasma, descobri que Rocco ia ser pai e ainda assim
traiu a noiva gerando a perda do bebê e deixando a mulher em
estado grave.
Mais uma vez, passei a noite intrigada com a novas
informações. Dessa vez, pensando em uma saída para o problema
de seu Adão. Algo que ele pudesse fazer para tentar mudar o filho,
e tentar partir em paz. Mais uma vez, a internet me ajudou.
Pesquisei durante horas sobre testamentos e inventários. Li casos e
mais casos pelo mundo sobre pessoas que tinham deixado regras
estranhas para que os herdeiros tivessem que cumprir.
Com a ideia se formando, liguei para seu Adão pedindo que
me encontrasse. O celular era um bom subterfugio para falar com
ele, mas era um assunto que pedia olho no olho. Eu tinha a saída
para seu Adão, e me ajudaria ainda por cima.
— Uma regra para o testamento? — Ele me fitava sem piscar,
perplexo de um jeito positivo. A ideia lhe agradava.
— Rocco vai ficar com a fábrica assim que o senhor partir.
Mas... e se ele precisasse cumprir alguma regra específica para
isso?
— Como...
— Só poderá ter acesso as ações da empresa, quando se casar.
— Hum... — pensou um pouco e revidou: — Ele pode se
casar com qualquer amiguinha, e divorciar logo depois.
— Não se houver mais regras. Um filho. Ele precisa gerar um
filho e as ações do senhor, vão para o seu futuro neto. E Rocco será
o tutor do menino, podendo comandar a empresa, mas sem ter
domínio total.
— Eu nem sei se isso é possível... judicialmente.
— Eu também não sei. Mas li sobre casos absurdos de regras
em testamentos. O senhor pode ter ajuda de advogados experientes.
— Mas... meu filho não tem um pingo de amor. O que garante
que ele não vá colocar um filho no mundo e sumir?
— Bom... isso aí já é sobre o caráter dele. Mas o senhor parte
sabendo que Rocco ficará com uma esposa e um filho.
— Isso vai garantir que ele tenha uma família. — Refletiu.
— Exato.
— Encaminhar meu filho para um bom futuro...
— É o que eu pensei.
— Mas... e quem seria essa mulher? Você topa?
— O que? Eu...? como poderia?
— Eu poderia deixar seu nome no testamento, como regra. Eu
poderia passar meus bens para você e então Rocco teria que se
casar com você.
— Não, senhor Adão. Em hipótese alguma. Rocco ficará
muito furioso com esse testamento, e se eu estiver ligada a ele, tudo
que sentirá por mim, será ódio. Ele sempre vai me ver como um
plano do senhor.
— É. Você pensa em tudo. Tem razão. Eu não posso nem
mesmo te apresentar a ele. Ultimamente ele tenta me pirraçar de
todas as formas, é capaz de te desprezar só para me atingir.
— Infelizmente...
— Mas, Virginia, tinha que ser você.
— Certifique que o testamento seja válido. Eu sei como agir.
Ele segurou minhas mãos sorrindo, um pouco mais animado.
— Eu sei que você sabe o que fazer.
39
VIRGINIA

Rocco está inerte, pálido, me fitando sem dar um pio. Acabo


de contar todas as partes importantes e dou a ele o tempo que
precisa para digerir. Os segundos correm, se tornam minutos e ele
fica de pé. Passa a mão no rosto, anda de um lado para o outro e
para quando eu digo:
— Seu pai estava doente...
— Cala a boca.
— Rocco...! Hoje as coisas são diferentes entre nós.
— Cala a porra da boca, Virginia.
Me calo não por medo dele, mas por tentar ser o mais branda
possível nessa crise terrível. Não quero deixá-lo mais furioso.
— Você manipulou um velho moribundo...
— Não, Rocco!
— Você manipulou sim! — grita transtornado. — Que tipo de
loucura é essa? Você vê uma pessoa na rua e diz que vai se casar
com ela?
— Não qualquer pessoa, poxa... e não foi assim.
— É isso? E você deu a ideia do testamento a meu pai. Você...
você criou essa merda desse casamento... você viu como eu estava
magoado com isso, irado, e ficou se fazendo de vítima. Tramando
sem parar...
— Eu quis fazer dar certo. Eu não cheguei até o altar para
deixar tudo escorrer pelo ralo.
— Um testamento, com... com direito a um ser humano
inocente. — Continua as acusações, de pé, apontando para mim. —
Um bebê, Virginia.
— Eu vou amá-lo independe das circunstâncias.
— Você usou um bebê para sustentar sua loucura! — Ele
berra estridentemente e eu pulo do sofá.
— Não grita comigo! — Aumento meu tom de voz. — Só
porque eu fui uma pilantra que tramei, não te dá o direito de ser um
babaca. Eu não ia fazer, ok? Eu não ia me candidatar ou tentar ser
sua esposa. Mas seu Adão morreu repentinamente...
— Ele se matou para me prender a esse planinho imbecil de
vocês.
— Não. Ele não se matou. Você tenta colocar isso na sua
cabeça para aliviar sua culpa, mas sabe, no fundo você sabe que
não foi suicídio.
— Um corpo caído no chão, comprimidos em volta... —
Rocco debocha, vermelho de raiva.
— Você se recusou a saber as circunstâncias, Rocco. Você
deixou os advogados dele responsáveis por todo o processo
fúnebre, você compareceu ao velório apenas como visitante. O seu
Adão não se matou.
— Como sabe... disso?
— Eu fiz questão de ligar para o advogado dele, depois que
me casei com você. Nos dois dias que você me deixou aqui sozinha
na nossa lua de mel. Quando soube da morte dele, eu quis dar
aquele homem infeliz, algo concreto para que pudesse partir em
paz. Eu quis garantir que você não ia colocar tudo a perder.
— Como você fez... para chegar até mim?
— Rocco...
— Apenas diga o que estou te perguntando.
— Mandei um e-mail para meu pai. Contando que você
precisava se casar, mas que ele não deveria te abordar diretamente,
tinha que convidar para um almoço de negócios e tentar te atrair.
— E como tinha certeza de que eu ia escolher você?
— Ora... como não? — Rio ironicamente. — Minhas irmãs e
eu somos o sonho de qualquer homem degenerado que precisa de
uma esposa sem precisar dar satisfação. Meu pai sempre vende a
gente como submissas, virgens, puras, recatadas. O azar dele é que
a única que se enquadrava nessas características, era a Olivia.
Com as mãos cruzadas na nuca, Rocco dá alguns passos pela
sala. Eu volto a sentar enfiando o rosto nas palmas das mãos.
Aproveitamos o silêncio por bons segundos. Limpo lágrimas
amedrontadas. Não sei o que acontecerá agora. Não vou me colocar
como vítima porque nunca fui, mas estou com medo.
— Desde o dia que te vi na casa de seus pais... o dia que
assinamos os papeis... o dia do casamento. Nosso primeiro sexo.
Você sabia de tudo. Você me via como uma vitória alcançada.
— Não. Eu sempre deixei claro como te via. Eu fui sua fã
antes de me apaixonar. Eu quis conhecer o homem taciturno que
via na cafeteria, eu quis poder te ajudar quando soube de tudo que
seu Adão me contou.
— Ajudar? — Esbraveja rindo — Você tirou o meu poder de
escolha, Virginia. Você e meu pai não se preocuparam com o que
eu sentia em relação a Milena e passou por cima disso.
— E o que você sentia além de culpa? Você errou com ela,
mas se culpar e transar e beber descontroladamente ia de alguma
forma te eximir do erro? Eu não quis esse casamento para consertar
ninguém, eu quis para ser sua companheira e tentar nos ajudar.
Ele assente, e simplesmente sai andando pela casa.
— Rocco.
— Não venha atrás de mim. — Sobe a escada correndo e
como uma boa teimosa, vou atrás. No quarto ele pega uma mala e
vai colocando várias coisas dentro.
— Rocco, não faça isso. Eu preciso de você nesse momento,
estou grávida!
— Uma gravidez fruto de um plano seu e do meu pai.
Acabou, Virginia.
— Mesmo assim é um filho seu!
— Ele vai ter tudo que merece, mas você não vai sair
ganhando.
Abraço meu corpo e decido não tentar impedi-lo. Deixo-o
arrumar as coisas com selvageria e antes de sair, faz questão de
olhar na minha cara:
— Está rica — abre os braços debochando — Você ganhou
uma bolada. Olha essa casa... é sua! Seu plano deu certo, faça bom
aproveito.
Isso bateu forte em um lugar que não deveria ter batido. Tudo
menos me acusar de querer dinheiro. Eu não tenho vergonha de
dizer que fui uma doida que persegue um estranho na rua, que arma
um plano gigantesco para escolher meu próprio pretendente, sem
que esse pretendente saiba. Não tenho vergonha de admitir minhas
ações questionáveis. Mas dizer que foi por dinheiro, por algo
material, foi longe demais.
Cega de raiva, saio correndo do quarto e alcanço Rocco antes
que ele desça a escada.
— Você sabe muito bem que nada disso foi por dinheiro.
— Eu sei? — Consegue ser sarcástico apesar da mágoa que é
evidente em seus olhos. — Eu não te conheço. Eu fui obrigado a
estar aqui. Me escolheu como se eu fosse uma cobaia. Agora, fique
com seu prêmio. A riqueza de Adão Montoya.
— Babaca!
Eu só quero sumir daqui, quero ir embora e nunca mais ouvir
falar nele. Empurro Rocco e sinto meus nervos tremerem quando
piso rápido no primeiro degrau e acabo tropeçando com a sandália
de dedo. Ouço meu próprio grito de espanto e a pancada forte na
cabeça quando caio na escada.
40
ROCCO

O resgate chega em tempo recorde antes que eu pudesse


surtar, fazer uma loucura e pegar Virginia nos braços para levá-la
por conta própria a emergência. Ela estava inconsciente, mas
respirava e tinha pulsação, o que era algo bom. E a pessoa que me
atendeu ao telefone, enquanto eu berrava pedindo ajuda, pediu que
eu não a movesse do lugar para evitar danos maiores.
Eu ajoelhei no chão, ao lado dela, segurando o seu pulso e
fazendo todo tipo de prece que podia, mesmo que provavelmente
meu saldo com Deus, ou qualquer entidade superior, estivesse no
zero.
Ver os paramédicos adentrarem a minha casa, examinar
Virginia desacordada e levá-la imobilizada para a ambulância me
fez reviver tudo que passei naquela fatídica noite com Milena.
Tudo que consegui superar nas terapias, todos os terrores que
estavam enterrados em mim, jorraram de uma única vez deixando-
me a beira de um ataque.
Mais uma vez, uma mulher esperando um filho meu que
poderia perdê-lo por minha causa.
A ambulância cortava a cidade em toda velocidade com as
sirenes ligadas, e eu ao lado de Virginia, segurava sua mão inerte.
— Doutor, faça alguma coisa, pelo amor de... Deus! —
Agarrei o médico que apareceu para receber Virginia. — Ela está
gravida, de oito semanas...
— O senhor precisa se acalmar. Vamos cuidar dela. Precisa
dar as informações dela enquanto fazemos os exames preliminares.
Eu não tinha cabeça para nada disso, eu só queria ficar ao lado
dela e garantir, mesmo que não possuísse poder algum, de que
ficaria tudo bem com ela e o bebê. Ainda assim, dei todos os dados
de Virginia para que fizessem uma ficha e só então me deixaram
entrar para acompanhá-la.
Eles a levaram para exames que detectariam uma fratura ou
hemorragia interna. Andei no corredor de um lado para outro, com
as mãos na cabeça, revivendo as nossas últimas horas. Ainda não
acredito que ela armou tudo. E pisou nos planos do pai dela ao
escolher com quem iria se casar. Ao remoer isso, acabo sorrindo
em meio as lágrimas.
Porra! Essa pilantra safada entrou na minha vida, mas não fez
nada de ruim que tenha me prejudicado. Tudo que me deu foram
momentos grandiosos que jamais pensei viver. Com ela, dois meses
se passaram em um estalar de dedos. A safada colocou remédio na
minha bebida para me obrigar a transar com ela. Encostado na
parede do corredor, rio enquanto limpo mais lágrimas. Ela furou a
segurança do clube de Magno, foi alvo de um rápido sequestro,
cozinhou para mim várias vezes mesmo não sabendo e salvou a
minha noite de lançamento.
Percebo então, que o medo não é mais de me relacionar
intimamente com ela, de gostar para valer, de amar barreiras e
deixar isso claro para que o mundo possa ouvir. O meu maior
temor no momento é não ter chance de consertar o que
bagunçamos.
— Rocco, o que houve? — Ouço uma voz feminina e limpo o
rosto antes de virar e dar de cara com Olivia e Romeo, assustados.
— Um acidente. Ela caiu da escada.
— Meu Deus! Como? — Olivia leva a mão a boca.
— Estávamos discutindo... e ela tentou descer de maneira
brusca...
— Tudo bem. — Romeo apazigua depressa. — Vamos deixar
os bastidores para depois. Qual a situação dela?
— Estou aguardando. Eles estão fazendo exames... — travo os
dentes ao olhar para Romeo e confessar cheio de pavor: — Eu
estou com medo... por ela e pelo bebê.
— Não vai acontecer nada, certo? Vamos confiar. — ele dá
uma batidinha no meu ombro. — Vamos nos sentar ali, nos
acalmar. — E eu concordo e sigo-os. Sento-me com eles,
segurando a cabeça como se ela fosse explodir. Na minha mente só
existe prece atrás de prece. Não quero pensar no motivo de nossa
briga, não quero pensar no que falei com ela, só preciso implorar
em pensamento que ela fique bem e não perca o bebê.
O médico aparece depois de minutos e eu dou um pulo sem
ver. Em um instante, estou na frente dele. Meu coração já era; nem
o sinto mais. Não consigo falar um “a”.
— Pelos exames preliminares, ela teve sorte e está bem.
Sofreu algumas contusões leves. Pode respirar sossegado, papai; o
feto resiste. — Solto o ar dos pulmões com todo alívio que me
cabe.
— Administramos um sedativo, pois ela estava agitada. Vai
terminar os exames e ficar em observação. — Ele termina de dizer,
pede licença e sai e eu volto a me sentar.
Após algum tempo, decido contar para Romeo e Olivia, de
maneira resumida, o que houve antes da queda da escada.
— Ela confessou... — limpo a garganta antes de continuar —
Virginia planejou todo o nosso casamento. Foi tudo um plano dela.
— Como assim? — Olivia se assusta. — O que ela fez?
Conto brevemente para eles sobre ela ter decidido que
escolheria o próprio noivo. Então tramou com meu pai para me
prender em um testamento.
O casal se entreolha. Romeo parece buscar respostas em sua
mulher, afinal é totalmente inacreditável o que acabei de contar.
— Não me surpreende totalmente. — Olivia diz. — Ela foi
assim a vida toda. Já brigou na escola e fez todo mundo acreditar
que ela não teve nada a ver com a situação. Porém agora, ela foi
longe demais.
— Ela viu você na rua... te achou bonito e decidiu que...
— Que me queria. — Completo a fala de Romeo. — Ela foi
atrás do meu pai, ficou amiga dele, ganhou a confiança dele, e deu
a ideia de colocar regras ao testamento.
— Cacete, Olivia! — Romeo ainda está chocado. Imagino a
reação de Magno quando souber.
— Não me olhe assim — Olivia rebate — Eu não sabia de
nada disso.
— Meu amor, eu estou de queixo no chão. — Ele fala
baixinho com Olivia — Se fosse a Virginia no seu lugar, Ludovico
não sobreviveria a primeira semana de casamento.
— E no caso, ela seria a sua admiradora secreta. — Olivia
entra na onda de Romeo e os dois trocam risos. Reviro os olhos.
— Imagina se ela se casasse com Lorenzo? — Romeo
continua alimentando a sandice boba deles.
— Eles dominariam o mundo. — Riem mais.
— Porra, eu conto uma história macabra de que fui vítima de
uma stalker, e vocês zombam da situação?
— Não é para tanto, né Rocco? — Romeo consegue logo
relativizar — Você e eu conhecemos armações piores no meio dos
negócios. Acabei de ver o meu irmão fazer um mega plano contra a
ex-noiva. E teve também o fodido do meu primo que fez coisa
parecida. Ambos com intuitos malignos.
— E Virginia só queria ser feliz e beijar o cara que ela achou
bonito. — Olivia segue na mesma linha. Impressionante como eles
sempre concordam um com outro. Me surpreenderia se ficassem do
meu lado.
— E você vai perdoá-la, não é?
Não tão fácil. Mas depois do medo de que passei, o mesmo
medo que senti quando vi Milena sendo socorrida naquela noite, o
medo que me corroeu por meses... tenho certeza de que não quero
voltar para a vida antes de Virginia.

***
Uma enfermeira nos leva ao quarto onde Virginia está e
depois que Romeo e Olivia vão embora, eu fico ali sozinho sentado
ao lado da cama, apenas olhando o jovem rosto adormecido. Está
corada agora, diferente da lividez que tomou suas feições no
momento da queda. Acaricio seus dedos e sinto desconforto ao ver
o anelar sem a aliança. Eles tiraram e me entregou. Ainda assim, é
estranho ver Virginia sem o símbolo que prova o nosso
compromisso, a nossa união.
Minha. Não tem mais volta. E eu me sinto bem ao pensar isso.
Virginia acorda quando já é noite. Ela tem um braço
imobilizado, usa um colar cervical e parece confusa tentando olhar
para os lados. Adianto-me depressa para impedir que ela faça
movimentos bruscos.
— Ei. — Sussurro. — Você está no hospital, fique calma.
— Rocco...? — foca em meu rosto e parece gostar de me ver.
— Sim, sou eu. Estou aqui.
— Droga. — Ela resmunga tentando se mexer. — Meu
ombro...
— Tente não se mexer. Eles já cuidaram disso.
Me sento na cadeira ao lado da cama e seguro a mão dela,
acariciando os dedos tentando acalmá-la.
Aos poucos, conforme toda a memória e consciência volta,
Virginia fica mais ansiosa. Faz menção de tentar se levantar, mas
falha na primeira tentativa.
— Virginia... precisa se acalmar.
— Me diga, Rocco... aconteceu algo com... o meu bebê?
— Ele resistiu fortemente. Vocês estão bem.
— Ah! Graças a Deus! — Solta um suspiro audível, que me
faz sorrir — Eu não queria perdê-lo, Rocco. Eu sei que você está
furioso, mas...
— Eu também senti medo de perdê-lo. Eu o quero, mais do
que tudo.
— Você quer?
— Independente de como tenha sido... dos meios que nos
juntaram.
Repentinamente, ela aperta minha mão. Está olhando para o
teto já que não consegue virar o pescoço e me olhar.
— Me desculpa... me perdoe por ter feito tudo. Eu nunca fiz
mal a seu pai, eu nunca me aproveitei dele.
Fico de pé, inclinado sobre a cama e enfim Virginia pode ver
meu rosto. Com o polegar, limpo a lágrima que desce em sua
bochecha.
— Eu acredito. Meu pai não era nenhum inocente que se
deixa manipular.
— Eu me arrependo de ter tomado aquele caminho... eu dei
voz a fantasia louca de uma jovem que nunca teve nada... só queria
me aproximar. E jamais conseguiria se te abordasse de maneira
normal. Você nunca teria olhado para mim.
— Não diga isso. Você poderia ter tentado.
— Eu tentei. — Ela começa a rir em meio ao choro — Um dia
na cafeteria. E você me confundiu com uma pedinte. — Rio junto
com ela relembrando desse momento.
— Como você ainda quis planejar para se casar com um cara
tão detestável quanto eu?
— Ah... sei lá. O que eu tinha a perder? Na minha cabeça... eu
via sinais que sempre me levavam a você. Como quando desistir de
tentar algo, mas um carro Montoya freou em cima de mim na rua, e
eu vi que era um sinal para não parar.
— Eu entendo. Para gente doida qualquer acontecimento é
sinal.
— Não fala isso. — A expressão de dor que estampa o rosto
dela, se torna cômica quando rir. — Estou ferida.
Tiro a aliança dela do meu bolso, seguro sua mão e enfio
novamente em seu dedo.
— Me desculpe pelo que eu falei... sobre dinheiro. — Peço
deixando claro a minha sinceridade — Mesmo que eu tenha ficado
bem puto, sei que isso não importa para você.
— Sempre foi o meu erro... querer um homem mais do que
uma conta bancária recheada.
— Até porque o tal homem vem com a conta bancária
recheada, né? Dois coelhos numa tacada só.
— Cretino. Ai.
— Fecha os olhos e descanse. Eu não vou sair daqui.

Volto a me sentar, ainda segurando a mão dela. Penso que


Virginia dormiu, está em silêncio há minutos. Mas mostra em
seguida que eu estava errado.
— Rocco...
— Diga.
— Não saia de casa. Eu fui uma cretina...
— Descanse, Virginia. A gente não vai debater nada disso
agora.
***
Aproveito que a mãe e irmã dela chegam, e enfim ela dormiu
um pouco, provavelmente ainda sentindo os efeitos do sedativo, e
digo que preciso ir em casa tomar um banho, fazer umas ligações e
voltar para passar a noite com ela.
No caminho, recebo a ligação de Magno que só agora soube
do ocorrido.
— Cara, Romeo me contou um treco doido demais.
— Pois é.
— Virginia está bem?
— Está sim. Ela e o bebê estão bem.
— Meu confrade... que merda aquela pilantra aprontou? É
sério que ela planejou tudo?
— Sim.
— Do casamento ao testamento? Aquele maldito testamento?
— Foi ideia dela.
— Mano...
— Ela me viu na rua, gostou, me seguiu, encontrou meu pai e
o resto você já conhece.
— Cara, hoje em dia o homem não está mais seguro. — Ele
está mesmo perplexo — Imagina uma doida dessa fazer uma merda
dessa comigo?
— Não fala assim dela, senão vou aí acertar teu nariz. —
Ameaço com voz calma — E outra; mulheres já fizeram coisas
piores com você, fica na sua.
— Foi mal. Então o casamento permanece? Está de boa?
— Já que ela quis o homem, ela vai ter que aturar o homem.
— Assim que se fala. Bota fervendo.
— Tô chegando em casa, nos falamos depois.
— Boa sorte, Cenoura.
Entro na propriedade e abaixo o vidro do carro quando o
segurança se aproxima.
— Como ela está, seu Rocco?
— Deu tudo certo. — Aceno para ele. Paro o carro em frente a
casa e tomo um pouco de tempo para puxar o ar com força,
expulsando da minha mente as imagens de um pouco mais cedo
quando os paramédicos socorreram Virginia enquanto eu
desesperava ao redor.
Porra! Está tudo bem.
Entro em casa, deixo as chaves no aparador e olho em volta.
As sandálias dela ainda estão jogadas no pé da escada. Pego-as e
deixo em um canto. Caminho até a sala de televisão, deslizo a porta
e entro no cantinho que Virginia mais gosta. Ali estão seu celular, e
o computador ainda aberto.
Sorrio e me sento no sofá reclinável que ela adora. Tem uma
caderneta e uma caneta ao lado. Passo as páginas encontrando
anotações de letras de músicas.
Eu te amarei incondicionalmente.
Não há medo agora.
Solte-se e seja livre...
(Unconditionally - Ketty Perry)

E não adianta nem me procurar


Em outros timbres, outros risos
Eu estava aqui o tempo todo e só você não viu.
(Na sua estante - Pitty)

A cada página, encontro vários e vários trechos de músicas,


que ela copiou e ainda colocou os nomes das músicas com o artista
entre parênteses. Tudo bem-organizado. São partes que ela deve ter
julgado importantes para o que ela sentia. Vendo isso, percebo que
não passa de uma jovem com mil sonhos e fantasias que jamais
tentou ganhar às custas de ninguém. Ela quis mudar a própria vida
e acabou mudando a minha

O tolo teme a noite


Como a noite vai temer o fogo
(Astronauta de mármore - Nenhum de nós)

É engraçado, você é quem está em ruinas


Mas eu era a única que precisava ser salva
(Stay - Rihanna)
Esta última me chama atenção. Olho em volta e encontro a
Alexa ali perto.
— Alexa, toca Stay de Rihanna.
A música começa. É um piano acompanhando a voz potente
de Rihanna. Não preciso acompanhar a tradução como Virginia
faz; consigo entender. Sentado no sofá, tiro meu sapato e cada uma
das meias.
Então, sendo pego desprevenido, afundo meu rosto nas mãos e
choro. Choro como nunca chorei antes, por todas as dores que eu
soube guardar mascaradas de mau-humor e arrogância. Eu fui um
jovem que sabia aproveitar o melhor da vida com felicidade,
porque minha mãe estava aqui para me mostrar que até um
punhado de areia poderia ser motivo para sorrir.
Depois veio Milena, com sua impetuosidade e sua
independência atraente. O seu amor me despertou e eu a perdi.
E agora quase perdi Virginia por pura estupidez. Que porra eu
ia fazer se tivesse saído por aquela porta levando aquela mala? O
que eu estava pensando quando tentei deixar para trás o meu filho e
a mãe dele?
Meu pai não errou com esse testamento, ele sabia
perfeitamente que eu poderia dar ouvidos a covardia, e em algum
momento virar as costas para o meu próprio filho. Ele deixou a
empresa atrelada a minha prole só para impedir que eu fizesse.
Eu me enfio debaixo do chuveiro, recuperando do choro
repentino e da minha consciência que decidiu me dar um sermão
em uma hora propícia, quando não tinha ninguém me vendo chorar
enquanto uma diva pop cantava.
Escolho um conjunto confortável de moletom, e uma pequena
bolsa onde levo o necessário para passar a noite, saio de casa.
Chego ao hospital, encontrando a mãe e a irmã de Virginia
ainda acompanhando-a. Elas logo se despedem e vão embora, já
que eu cheguei para passar a noite. Deixo minhas coisas em um
armário e caminho até a cama.
— Oi. — Virginia diz olhando-me com interesse.
— Oi. — Paro diante da cama, fitando-a.
— Aqui é tão chato. Quero ir para casa.
— Você vai amanhã.
— E você... também vai? — A expectativa em seu rosto é
cortante.
Tiro do bolso o meu celular com um fone de ouvido. Me sento
na cama, ao lado dela.
— Vou colocar isso aqui no seu ouvido. — Coloco um lado
do fone no ouvido dela e o outro lado no meu.
— O que está fazendo?
— Vamos ouvir música.
— Qual música?
— Uma que você já deve ter ouvido.
A música começa. Unconditionally da Ketty Perry, uma das
que vi nas anotações de Virginia. O brilho que toma os olhos
denuncia que ela reconhece a música nos primeiros acordes.
— Oh, não. Eu cheguei perto demais... — Falo, traduzindo a
primeira frase; e continuo: — Oh, quase vi o que realmente tem lá
dentro.
— Está traduzindo a música para mim? — Os olhos dela
encharcam instantaneamente.
— Estou.
— Por qual razão?
— Fica quieta Virginia. Tenho que me concentrar.
— Tá. — Ri, tentando não chorar.
— Incondicional. Incondicionalmente. Eu vou te amar,
incondicionalmente. Não há mais medo agora. Liberte-se e seja
livre. Eu vou te amar incondicionalmente.
— Está fazendo isso... pela minha queda? — Ela tira o fone
do ouvido e preciso interromper a música.
— Estou fazendo porque quase morri ao imaginar que poderia
te perder. O que você queria com todo aquele planejamento,
Virginia? Com a ideia do testamento...?
— Você. Só queria me casar com o estranho bonitão.
— Então aqui estou eu, o seu prêmio. Eu fico, baby. Eu quase
fiz uma besteira, ignorando que me apaixonei por você desde o
momento em que te vi de noiva. E te amei quando você acreditou
em meu potencial, quando você se apaixonou pela minha pior
versão, quando você provocou emoções que antes eu nunca tinha
sentido. — Inclino sobre o rosto dela, dou um beijo em seus lábios
e afasto um pinguinho e sussurro: — Eu disse que te detestava, na
verdade... detesto o Rocco que eu era antes de você aparecer.
Obrigado por me escolher. — Ela chora e com certa dificultar tenta
abraçar meu pescoço com um braço só. O outro está imobilizado.
— Então... agora eu posso falar que te amo?
— Pode. Mas isso não é novidade. — Rio junto aos lábios
dela. — Cirilo sempre deixou claro que amava Maria Joaquina, só
ela que não via.
Virginia rir entre as lágrimas.
— Eu te amo, Rocco. Obrigada... por ficar e por me deixar
ficar com você. Desculpa por ter omitido tudo...
— Shhi... Já passou. E eu não tenho mais medo de afirmar. —
Levanto o rosto para gritar no quarto: — Eu amo a minha esposa!
— Berro o mais alto que posso fazendo-a rir. — Virginia Maria
Montoya, a mente mais trambiqueira do universo, é a minha
garota!
EPILOGO
ROCCO

“Rocco, meu filho. Se estiver vendo esse vídeo, é porque duas


coisas aconteceram: eu parti e você se casou. (Sorriso calmo) e
espero que você tenha conhecido Virginia e que tenha a escolhido
como esposa. Caso isso tenha acontecido, não a culpe quando
descobrir que ela conhecia os bastidores dos meus planos. Teve um
motivo que me fez ver naquela garota a chance perfeita de sua
redenção: Eu vi a sua mãe nela. O mesmo brilho vívido que Safira
tinha no olhar, capaz de animar qualquer dia. No entanto, era
bruta o suficiente para enfrentar qualquer perigo. Sua mãe me
mudou, mudou a empresa e fez de você um homem melhor; e esse
homem melhor está escondido em algum lugar. Virginia poderá
despertá-lo. Ela tem fome de viver, de aprender, de ser feliz.”
“Se perdoe, acima de tudo. Eu conversei com Milena e
deixarei esse vídeo com ela, para que te entregue no momento
certo. Milena é uma mulher incrível que já alcançou uma nova
superação, cabe a você agora alcançar a sua.”
“Me perdoe por não ter te contado sobre a minha
enfermidade. Estávamos em um momento tão crítico que eu não sei
como você iria receber essa informação. Mas desejo que quando
você souber, consiga entender o meu lado.”
“Eu te amo e te amarei sempre. E tenho certeza de que minha
herança sanguínea está garantida em suas mãos e nas mãos de sua
nova esposa.”
Ver meu pai novamente em um vídeo, depois que tudo tinha
sido descoberto, foi uma experiencia muito boa e até emocionante.
Não havia mais rancor, não havia mais culpa. Eu senti a falta dele e
prometi a mim mesmo que levaria aquela imagem dele no vídeo
como última lembrança.
Armando tinha me entregado o pen-drive logo depois de seu
encontro com Milena. Era esse o assunto que ela tinha e preferiu
tratar com meu advogado a falar comigo.
Hoje, quase dois meses desde que Virginia se acidentou, nossa
vida entrou nos trilhos. E a primeira coisa que sinto ao acordar
todos os dias ao lado dela é a sensação de liberdade. De poder
afastar o lençol e beijar suas costas seguindo até a bunda. Em
seguida montar sobre ela, tendo cuidado para distribuir meu peso
para não a forçar. Acordá-la com uma boa chupada ou nos arrastar
até o chuveiro para um banho revigorante para começar o dia.
Dizer que a amo a qualquer momento, ou simplesmente andar
por aí de mãos dadas. Para que todos possam ver que nos
pertencemos.
Hoje eu tenho alguém que me causa saudade se eu demoro
longe de casa. Tenho alguém que vai me ouvir sem cobrar, sem
obrigação, apenas porque se interessa em minha vida. Tenho
alguém com quem eu preocupo e faço de tudo para ela sempre se
dar bem. O que é amar senão tudo isso?

— Está pronto, lindo? — Virginia acaba de sair de sua sessão


de pilates e vem ao meu encontro quando saio da academia
acompanhado de Franco. Ela abraça minha cintura sem se importar
que eu esteja quente e suado dos exercícios. Sexta-feira sempre
costumo pegar pesado.
— Essa barriga está bem grande, hein dona Montoya? —
Franco faz a observação a Virginia e prossegue: — Será que não
tem duas cenourinhas aí dentro?
— Duas? Deus nos livre. — Virginia ri. — Vamos com um de
cada vez.
— Já sabem o sexo?
— Não. — Respondo. — O chá de revelação é amanhã. Dê
um pulinho lá.
— Hum... sem bar e putaria? Vou pensar se vale a pena.
— O bar e a putaria será mais tarde, porra! Despista. — Pisco
para ele brincando, e recebo um beliscão de Virginia. — Até mais,
Magela. — Aceno para o homem.
— Hum... acho que hoje alguém vai fazer massagem nos
meus pés para pagar a provocação que acabou de fazer. — Virginia
me dá um empurrão de leve.
— Espera sentada, linda. — Beijo os cabelos dela e ando na
frente na direção do estacionamento.

***
Fizemos uma celebração intima só para amigos e claro, para a
internet inteira já que Virginia passou a usar suas redes com
frequência. Adora me pegar desprevenido em momentos comuns
para postar. E ela diz que minhas fotos são sucesso garantido entre
seus seguidores.
— Você está usando a minha imagem para se promover,
Virginia.
— De que serve marido bonito se não for para isso? — Ainda
por cima, tripudiou.
A área da piscina está decorada com azul e rosa onde
receberemos os convidados. Tem até um bolo que segue as mesmas
cores da decoração. Está mais parecido com um aniversário
infantil.
E teremos quase uma gincana para revelar o sexo do feto.
Cada convidado recebe um envelope na chegada e deve manter
esse envelope fechado. Ao lado do bolo há dois painéis, um de
“menino” e o outro de “menina”. Quando chegar o momento, cada
convidado, um por um, abre seu envelope e cola nos painéis o que
tiver. Uma estrelinha rosa no lado de “menina” ou se for uma
estrelinha azul, no lado de “menino”.
Eu achei isso uma tremenda besteira brega, mas Virginia e as
irmãs planejaram tudo, e nem me deixaram saber qual o sexo.
— Não gosto de vir nessas coisas. — Magno adianta logo, ao
lado de seu primo espanhol. — Pensar em filhos me empola todo.
— Hum... — acaricio minha barba encarando os dois. —
Vocês não vão criar problemas aqui não, né? Aquela briga
generalizada...
— Que nada. — Magno bate no ombro do primo que o olha
torto. Amadeozinho já teve o que merece. Mas me diga, Rocco, que
merda é isso aqui? — Balança o envelope que acabou de ganhar.
— Guarda essa porra com cuidado e não abre. Pode ir
circulando.
— Fosse em outra época, eu bem que suspeitaria que teria
uma carreira de coca aqui dentro.
Apenas rio e me afasto rápido para continuar recebendo os
convidados. Virginia está com um vestido longo branco e acabo de
chegar à conclusão de que Franco tinha razão: ela está grande
demais. Mas a médica afirmou de pé juntos que é um só.
— Nossa primeira festa social. — Cochicha quando me junto
a ela na mesa de doces e capturo um docinho. Tem tanto docinho e
balões, mas nenhuma criança. Só adulto. — Teve a festa que dei na
piscina, mas você acabou com ela...
— Recorde com carinho daquele dia. Provavelmente foi ali
que você engravidou. — Retruco.
— Será que não foi no dia do tesão de touro? — Ela debocha
arrancando risada de nós dois.
— Olha lá. Não acredito que ele teve a cara de pau. —
Vocifero, interrompendo a risada ao ver o pai de Virginia chegar
acompanhado de outro homem que eu conheço razoavelmente. O
outro é Cesar, ele circula no meio empresarial, mas não com
frequência.
— Rocco. Deixa. Hoje não é o momento.
— Deixa o cacete. É minha casa. — Me afasto dela e chego
bem no momento de impedir que ele receba um dos envelopes.
— Não. Ele não vai participar. — Digo a mulher que está
entregando. Cumprimento com um aceno o homem convidado de
Antônio e só então miro o meu sogro. — Antônio. Que surpresa.
Achei que tinha sido claro da última vez.
— Vai me expulsar da festa, Montoya? Criar uma situação?
Minha esposa e minhas filhas estão aqui.
— É. Você sabe mesmo jogar. Pode se sentar, ficar à vontade.
Mas quero te lembrar que não é bem-vindo aqui e eu só não mando
os seguranças te tirarem por pura aparência mesmo.
— Rocco, meu jovem. — Bate no meu ombro acendendo
minha ira. Virginia me segura. — Você está só começando na vida.
— Tudo bem. — Virginia segura meu rosto em suas mãos
obrigando-me a olhá-la. — Só ignorar. Eu lidei com ele assim a
vida toda.
Foi difícil, mas consegui seguir com o evento, fingindo que
estava tudo bem, dando atenção a meus convidados enquanto
ignorava o pai de Virginia.
O grande momento enfim chegou. Eu tentava disfarçar, mas
estava mais ansioso que qualquer um ali. Eu dizia que não
importava, mas no fundo, acho que queria um menino. Ter um
primogênito que será meu companheiro de estrada. Posso ensinar
mil coisas a ele, ser o melhor amigo do meu moleque. Porém
acabava pensando que poderia fazer o mesmo caso for uma
menina. Além, claro, de protegê-la com unhas e dentes.
Os homens presentes não se intimidaram como eu e deixaram
claro a sua escolha:
— Tem que ser moleque, ouviu? — Alguém gritou e foi logo
rebatido por uma voz feminina:
— Será uma menina e ponto final.
— Vamos descobrir esse impasse agora. Vamos começar
daquele lado. — aponto para o lado, a primeira pessoa levanta, abre
o seu envelope tirando a estrela azul.
Os homens comemoram como se fosse um gol.
Mais uma azul, e mais outra e outra.
São quatro estrelas azuis e já tem um coro na plateia cantando:
“É de lavada! É de lavada!”
— Homens e sua infantilidade. — Virginia cochicha ao meu
lado.
A primeira estrela rosa sai e as mulheres aplaudem. Sai outra
e mais outra. Meu coração acelera, o nervosismo me faz suar. E já
tem um tímido coro de mulheres provocando: “Ó, ó, ó, de virada é
bem melhor”
— Liga não, amigo! — Um cara grita da plateia para mim. —
Mulheres são péssimas em puxar a sorte com uma comemoração.
— Eu vou ser o último e vou decidir essa merda. — Escuto a
voz de Magno em meio a farra dos convidados.
— Com essa demora, o bebê vai acabar nascendo. — Agora é
a vez de Lorenzo gritar.
— Próximo! Agiliza aí, pessoal. — Grito. Olivia vem, dá um
pulinho ao tirar uma estrela rosa, comemorando com Virginia.
Romeo vaia ela mostrando os polegares para baixo.
As pessoas vão se levantando uma por vez, e as estrelas
aumentando nos painéis. Falta pouco.
— O placar é de: vinte e duas estrelas rosas e vinte e duas
azuis! — Aviso após contar uma por uma.
— Falta a minha. — Magno vem para frente abanando o
envelope dele.
— E falta a nossa. — Pego o meu envelope e Virginia o dela.
— Então abra o de vocês. Eu fico por último. — Ele insiste —
A minha sorte vai te trazer o garotão. Confia.
— Se tiver uma estrela rosa no seu envelope, Magno...
— Não tem, porra. Vai dar macho.
Eu abro o meu e sai uma estrela azul. Os homens vibram.
Virginia abre o dela e sai uma estrela rosa. Fica na mesma,
agora: vinte e três a vinte e três. Magno se enche de orgulho com o
último envelope. Ele adora ser o centro das atenções. Está se
exibindo, com o sorriso de orelha a orelha. Dá uma piscadinha para
a pessoa que filma com o celular e rasga o envelope.
O suspense cala todo mundo. Magno enfia os dois dedos,
puxa a estrela e a levanta no alto. Caralho, é rosa!
Ao ouvir Virginia berrar e as irmãs correrem para abraçá-la,
Magno olha assustado para a estrela em sua mão. Há um celular
filmando a minha reação embasbacada, junto com Magno que está
inconformado.
— Caramba! Evidentemente isso foi roubado. — Ele abana as
mãos e caminha para o meio dos homens que debocham dele em
coro:
“Lafaiette pé frio!” “Lafaiette pé frio.”
Deixo-os de lado e abro os braços para Virginia. Ela corre até
mim, aninhando-se no meu abraço.
— Gostou? — Me pergunta.
— Eu amei. É a nossa pequena cenourinha e infelizmente para
você, eu amo uma segunda garota agora.
Nos beijamos ali, ao som de aplausos e confetes estourados
em nossas cabeças.
— Para quem deseja saber. — Começo a dizer quando enfim
fazem silêncio. — Tínhamos escolhido os nomes, e Virginia quis
homenagear a minha mãe que ela não teve a oportunidade de
conhecer. Minha mãe tinha nome de uma pedra preciosa, se
chamava Safira. Nós decidimos que nossa filha também terá o
nome de uma joia. Em breve, vocês conhecerão a Pérola.
— Muito obrigada a todos que participaram conosco desse
momento. Agora, podem beber, dançar e fofocar à vontade. A festa
está só começando.

***
Pérola Montoya, a minha primogênita, nasceu em uma manhã
de sexta-feira. A gravidez de Virginia foi considerada tranquila,
fizemos tudo que estava ao nosso alcance e Virginia não é só uma
boa trambiqueira, é uma boa mãe e se cuidou bastante. Quase não
teve enjoos; o que foi o contrário de desejos. Todo dia era um
desejo diferente que eu não media esforços para saciá-los. Desde
que fosse possível.
Fizemos compras juntos, escolhendo tudo que a bebê poderia
precisar. Não sabia que algo assim poderia ser tão satisfatório.
Montamos o quartinho dela, que ficará ao lado do nosso e mandei
inclusive abrir uma porta para interligar os cômodos. Preparamos
toda a casa para receber a nova inquilina que chegaria a qualquer
momento. A barriga enorme de Virginia era uma prova disso.
E para comemorar o nascimento da minha filha, fiz uma
edição especial do Revenge chamado Perola Revenge. E tudo que
eu fizesse, ainda parecia pequeno diante de minhas realizações.
Então o dia chegou e eu pude conhecer o rostinho da minha
maior felicidade. Uma bebê. É incrível em como eles chegam ao
mundo e nada mais parece importar. Poxa, eu, Rocco Montoya, o
cara que já foi o mais durão, o mais pervertido, o mais marrento,
estava ali, desmanchado por um pequeno pacotinho que nem abria
os olhos ainda. Eu lutaria qualquer guerra por ela.
Chorei feito tolo, admirando o rostinho rechonchudo e o
cabelinho cheio que é vermelhinho. Era mesmo uma cenourinha.
Virginia estava linda depois do parto. Não penteada ou
maquiada, mas estava serena, feliz - muito feliz - seu sorriso
sempre a deixou linda sem precisar de aditivos.
Mais tarde, levaram a bebê para o quarto, onde eu fiquei
plantado, sem me afastar da minha pequena família. Meu pai estava
certo, ele não podia partir sem deixar o meu destino pré-traçado.
Ele não deixou apenas a Montoya como herança para mim, essa
aqui, ao meu lado, é a minha mais preciosa herança.
— Que bom que você armou tudo. — Falei, para Virginia,
sentado na cama ao lado dela enquanto babávamos na nossa Pérola.
— Que bom que insistiu no estranho mal-humorado.
— E que bom que você me escolheu, Rocco. Me salvou
quando eu mais precisava.
— Acho que é a minha vez de dizer, que depois de tudo que
nós dois ganhamos... Virginia, de mim, você não escapa.
Olá! Chegamos ao fim de mais um livro. Espero que tenha
gostado. Deixe seu comentário aqui na Amazon! Muito Obrigada
por ter lido.
Quer ficar por dentro das histórias dos personagens que
aparecem nesse livro? Continue acompanhando a série O Legado
dos Lafaiette. O próximo é o livro de Amadeo, primo dos Lafaiette
e saberemos enfim, o que ele fez para deixar todos tão revoltados.
Beijos, e até breve!

ORDEM DE LEITURA O LEGADO DOS LAFAIETTE


Admirador Secreto
Chefe Secreto
De mim, você não escapa
Vizinho secreto (Próximo)

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