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A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei nº. 9.610./98 e
punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Edição Digital | Criado no Brasil.
Sumário
Sumário
Aos leitores
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EPILOGO
Aos leitores
Espero que gostem e, por favor, deem uma chance à mocinha, nada é o que
parece.
Sempre lembre disso: NADA É O QUE PARECE.
É engraçado, você é quem está em ruinas
Mas eu era a única que precisava ser salva
(Stay - Rihanna)
01
ROCCO
***
Conforme os dias passam, as coisas ficam ainda mais difíceis para
mim. Eu não tenho poder algum na empresa, já que a maior parte das ações
estão bloqueadas até que eu possa cumprir o testamento. Tenho apenas as
propriedades do meu pai ao meu alcance; deixei Armando realizando um
levantamento dos valores para que eu possa vendê-las.
Por sorte, tenho meu próprio patrimônio, ou estaria na sarjeta.
Encontrar uma noiva é mais difícil do que imaginei. Armando e eu
realizamos buscas incessantes, mas não parece haver a pessoa certa na alta-
sociedade, uma mulher que encaixe nos moldes que eu preciso.
Eu tinha certeza de que a maioria aceitaria a proposta, porém a
maioria não me interessava. Eu preciso da noiva perfeita, a mulher que não se
tornaria um problema para mim. Aquela que será como um peso morto ao
meu lado, uma que não fede nem cheira. Uma que não queira uma relação
íntima, algo que não poderei dar.
Eu preciso basicamente de um útero, nada mais que isso.
A conversa entediante em volta da mesa cercada de homens da alta-
sociedade mais me irrita do que dá sono. Eu só vim a essa maldição de
almoço oferecido por Antônio Gomes porque Armando insistiu, afirmando
ser para o bem da boa convivência no mundo empresarial.
Eu odeio homens que não têm nada, porém esbanjam arrogância.
Ludovico se exibe falando de como sua esposa é nova, bela e prendada, além
de não dar trabalho a ele por saber o seu lugar.
Levanto a mão para o garçom, a fim de pedir um uísque. O
nervosismo me bate de uma forma feroz, geralmente a bebida consegue me
acalmar.
— Cansado?
Ao meu lado, Magno Lafaiette, amigo e parceiro de negócios, me
cutuca. Odeio almoço de negócios, mas a presença dos irmãos Lafaiette
consegue transformar qualquer almoço tedioso em um encontro relaxante.
— É tão visível?
— Essas olheiras certamente são por falta de sono ou boceta — ele
analisa, fazendo uma pose de psicanalista.
— Sono. — Massageio a testa — Desde que meu pai faleceu…
— Ainda chafurdando na lama do luto? — Magno e alguns outros
amigos têm visto de perto a minha saga.
— Não por isso. Superei. Se ele quis tirar a própria vida, a culpa não é
minha. Mas o sacana deixou um testamento daqueles.
— Nossos pais sempre fodem a gente com esses testamentos.
Magno e os irmãos foram afetados por testamentos também. Eles
tinham a própria carreira e tiveram de abandonar tudo em prol de reerguer a
empresa que o pai afundou em vida; algo semelhante ao que meu pai fez.
O garçom serve o copo de uísque com gelo, e eu miro os olhos
curiosos de Magno ao meu lado.
— Pense em algo bem ruim — comento, deixando-o mais intrigado.
— Não sendo obrigado a cortar o pau, qualquer coisa dá para encarar.
Rio da piada e olho as duas pedras de gelo dançando no líquido
âmbar.
— Me casar e gerar um filho — falo repentinamente.
— Porra.
— O filho de uma égua será dono de metade do império Montoya até
completar dez anos, e eu serei apenas o tutor.
— Está xingando seu próprio filho, que ainda mora no teu saco. —
Magno ri do próprio lembrete. — Quem é a pretendente?
— Ninguém. Essa é uma escolha que terei que fazer a dedo. Alguém
que não vai se intrometer em meus negócios.
— Exato. E que não se importe com quantas outras você possa
transar.
— Isso é o essencial. Será mais um contrato do que um casamento —
reforço entre um gole e outro.
— Por falar em casamento…
Giro a cabeça e encaro a pessoa que falou isso, em alto e bom som, e
que nos acompanha à mesa. Antônio Gomes, das Indústrias têxtil Gomes, o
anfitrião do almoço. Esse homem passou a semana me infernizando para que
eu comparecesse a esse encontro.
— Meu amigo aqui, Ludovico, está falando da minha filha, que hoje é
sua esposa. E só para os cavalheiros saberem, este almoço que estou
oferecendo é para agraciar um felizardo, aquele que primeiro se prontificar.
— Ele olha diretamente para mim.
Os homens ao redor da grande mesa estão calados mirando o homem
de meia idade na cabeceira.
— Tenho mais duas filhas prontas para despachar. Uma com vinte e
outra com dezessete. São lindas, prendadas, magrinhas, coisa fina. Mas,
atenção, só pode tocar depois da aliança no dedo.
— Que porco nojento — Magno resmunga, desaprovando a atitude de
Antônio ao barganhar as filhas, e vira o copo de bebida na boca. Do outro
lado, Romeo, irmão de Magno, também parece desaprovar, mas opta pelo
silêncio, levantando-se com expressão de fúria. Sai da mesa sem dizer nada.
— Vinte anos? — sussurro para Magno. — Novinha.
— Esquece. As filhas dele são quase umas beatas.
— Como assim?
— A mais velha é casada com aquele lixo ali na ponta — indica
Ludovico. — Dá até pena. Não pode sair de casa, só cozinha e cuida da casa,
é devota ao marido e o obedece cegamente, não se importa com nada, não o
questiona…
— Uma empregada — emendo.
— Uma empregada com quem ele transa. — Magno corrige com asco
na voz.
— Será que a irmã dela…?
— Deve ser pior, pois ainda mora com os pais.
— Seu Antônio — levanto a voz, já decidido. Talvez isso seja
justamente o que preciso; alguém que só fique em casa sem questionar nada.
Magno me dá um chute de alerta por baixo da mesa, mas o ignoro.
— Não ferre sua vida, porra! — ele solta em um grunhido, mas
desconsidero.
— Podemos ter uma conversinha particular? — digo ao homem, que
sorri e arregala os olhos em minha direção. Como se ele já esperasse que eu
fosse me manifestar. Eu quase tive certeza de que ele só planejou esse almoço
para me oferecer a filha, pois deve ter ficado sabendo, de alguma forma, que
eu preciso me casar.
Eu conheço meu taco, sei da minha fama e de todo patrimônio
bilionário que meu pai deixou; seu Antônio também sabe que ter um
minutinho de conversa comigo só pode trazer vantagens para ele.
02
VIRGINIA
***
Os dias passaram como os outros: cansativos e maçantes. Eu passei a
viver naquela grande apreensão que todo mundo sente quando está à espera
de alguma encomenda do correio e todos os dias espia na rua para ver se o
carteiro está vindo. E com regozijo, festejei sozinha no banheiro a chegada do
grande dia em que vou conhecer meu futuro noivo pessoalmente. Eu quase
não tinha dormido enquanto esperava por esse momento.
Olho para minha mão e não me surpreendo por estar trêmula. Seguro
meus dedos e sopro efusivamente, ignorando as batidas descompassadas do
coração. Porém, ao levantar o rosto e me olhar no espelho, me vejo
enrubescida e com um traço de sorriso malicioso no rosto.
Se controle, Virginia Maria, faço um alerta para mim mesma.
Ouço minha irmã tagarelar enquanto faz o penteado em meus cabelos.
Joanne parece mais ansiosa que qualquer um; eu admiro o toque contente em
sua inquietude juvenil. Para ela, tudo é um completo conto de fadas, o que
não é o mesmo para mim. Com seu corte de cabelo curto e a franja que chega
aos olhos, eu a colocaria facilmente no papel de uma daquelas princesas
bobas e felizes.
Na verdade, somos bem diferentes: Olivia, minha irmã mais velha,
sempre seguiu à risca os ensinamentos de nossos pais, nunca questionou, era
a obediente.
Joanne, por sua vez, vive com a cabeça no mundo da lua. Nosso pai
não leva a sério o que sai dessa cabecinha oca. Joanne é a fantasiosa.
E eu, não sei como me definir. Astuta? Dissimulada? Cópia da
Olivia? Meu futuro noivo terá muito tempo para me conhecer.
E hoje será o jantar com ele, o momento em que seremos
apresentados.
Minha vida beirava o marasmo, com muitas regras a seguir e
obrigações a serem cumpridas. Desde que saí do colégio no ensino médio,
não faço nada mais que não seja ajudar minha mãe nos serviços domésticos,
com exceção do curso de culinária para aprimorar meus dotes. E depois que
minha irmã mais velha se casou há um ano, as coisas ficaram mais pesadas
para mim e minha mãe, já que meu pai ordenou que Joanne se concentrasse
apenas nos estudos.
Por isso, esse jantar é um grande acontecimento para mim. Um pouco
de emoção na vida de dona de casa de uma pessoa que só tem vinte anos.
Na verdade, eu já esperava por algum pedido de casamento a qualquer
momento. Da mesma forma que meu pai preparou Olivia, ele avisou a mim e
a Joanne, deixando-nos preparadas para um noivo assim que os dezoito anos
chegassem.
Sem chance de escolha da nossa parte. Casamento para meu pai é algo
sério, e ele diz que precisa lucrar com isso. É como um negócio, no qual as
filhas são as mercadorias. Leva quem der o lance maior.
Por isso, não nos surpreendemos quando ele deu a notícia de que
Rocco Montoya tinha interesse em me desposar.
O nome dele me causa arrepios.
Rocco Montoya, meu futuro marido.
E eu não sei como reagir hoje durante o jantar. E, na dúvida, é melhor
seguir os protocolos sempre ensinados pelos meus pais.
Nunca achei que meu grande desejo pudesse se realizar, mas agora
estou aqui, em um vestido comportado azul-claro, cabelos impecavelmente
penteados e bochechas rosadas ao natural, já que não podemos usar
maquiagens.
— Espero que ele não seja como Ludovico. — Joanne chama minha
atenção com seu comentário, e eu concordo.
Eu acho Ludovico um senhor babaca e feio; às vezes, eu preciso
elogiá-lo e defendê-lo cegamente diante da minha mãe ou pai, só para agradá-
los, dar a eles o que querem ouvir — o que não reflete o que sinto de verdade.
Sempre tive asco daquele miserável.
Eu não quero alguém assim para mim. Prefiro alguém novo, bonito, e
se for malicioso, melhor ainda.
Algo em homens brutos me atrai perigosamente.
Rocco Montoya. Isso é nome de homem pecaminoso. Homem do
mundo, que vai me jogar no abismo da safadeza terrena.
Ah, dane-se! Serei a esposa dele.
Sorrio mais uma vez para mim mesma pelo espelho.
— Quero muito saber como ele é. O seu pretendente — Joanne
tagarela de forma sonhadora. Dou de ombros.
Bonito. Penso, ansiosa, esperando o momento do jantar e da
apresentação.
— Virginia! Venha olhar sua gororoba — minha mãe grita, e eu saio
correndo do quarto.
Como é um jantar para o meu pretendente, decidi preparar todo o
cardápio, pois meus pais estavam cobrando, querendo saber se eu tinha
aprendido algo no curso. Eu fiz duas proteínas, lombo recheado ao molho de
abacaxi e camarão ao curry, salada verde com alho-poró e arroz preto. E para
sobremesa, torta de nozes. Precisa sair perfeito, para que eles acreditem que
aprendi alguma coisa.
Enquanto mamãe e Joanne arrumam a mesa, eu finalizo os pratos. O
gosto está bom, acho que acertei; treinei antes de preparar. Se fosse Olivia,
nem precisaria treinar, ela é uma cozinheira de mão cheia.
— Está tudo pronto. — Saio correndo da cozinha. — Vou terminar de
me arrumar. Joanne, venha me ajudar com o cabelo.
03
VIRGINIA
***
Como eu posso descrever Rocco? Não encontro palavras para
transmitir o poder másculo que me deparo quando meu pai me chama e vou
até a sala cumprimentá-lo.
Ele fica de pé ao me ver, e noto surpresa em seus olhos. Seus lábios se
entreabrem. Parece ter se surpreendido com minha aparência, positivamente.
Seu corpo parece sólido e grande conforme observo enquanto me
aproximo. Tenho a sensação de que se tocar nele, vou sentir a maciez da pele
que cobre músculos quentes e duros, e essa sensação imaginária formiga em
meus dedos.
Quero tocá-lo.
A calça preta envolve perfeitamente suas pernas fortes, e um cinto
grosso acentua o quadril. Meus olhos sobem pelo punho, noto o relógio caro,
o anel no dedo, as veias saltadas. As mangas da camisa branca
meticulosamente dobradas.
Engulo em seco quando vislumbro o formato do peito forte por baixo
da camisa. Ombros largos, queixo ligeiramente quadrado, cara de bravo,
barba levemente por fazer, mas quase inexistente vista de longe por causa da
cor. Castanho-acobreada, como os fios dos cabelos penteados. Um quase
ruivo.
Encaro enfim seus olhos. Ele está me fitando, e agora sua expressão
parece de revolta. Acredito que ele não gostaria de estar em um jantar
conhecendo uma noiva.
É natural que Rocco não goste de mim a princípio, afinal ele não quer
se casar. Mas eu estou com tanta vontade de provar as coisas devassas da
vida, que não me importo muito com as consequências desse casamento.
Ergo o queixo e não desvio o olhar.
— Boa noite, senhor Rocco Montoya. — Estendo a mão.
04
ROCCO
***
Saio pela noite após o jantar experimentando uma revolta bruta.
Antônio teve a cara de pau de me pedir uma quantia em adiantamento para
realizar alguns preparativos para o casamento, mesmo eu dizendo que não
queria nada estrondoso e que poderia, por conta própria, providenciar toda a
cerimônia. E, para completar, impediu que eu tivesse um instante a sós com
Virginia. Não é justo nos casarmos sem que ela saiba de minhas intenções.
Serei bondoso o suficiente para dar o benefício da dúvida a ela.
Aturdido, com a cabeça pegando fogo, me dirigi para um bar, a fim de
encher a cara, mas mudei de ideia quando encontrei uma antiga companheira
de foda e fui convencido a ir para casa com ela.
Sexo bruto e gostoso. Ela é safada e experiente e me fez suar e gastar
muita energia. O melhor de tudo no sexo com minha amiga é que ela sabe
exatamente qual é o seu lugar. Tomou um banho, se vestiu e me deu um beijo
de boa noite, indo embora feliz. Sem querer forçar nada.
Agora, deitado sozinho no escuro do meu quarto, repenso tudo que
aconteceu. Inevitavelmente Virginia e sua aparência angelical voltam a me
instigar. Com ela não terei o sexo bruto que acabei de ter. Virginia parece
frágil, como uma boneca de porcelana que será usada apenas por mim — de
certa forma pensar nisso me excita, pensar que eu moldarei a mulher para as
minhas vontades.
Uma boneca.
Rio e levanto da cama, pelado, indo em direção à cozinha.
Uma boneca que apenas eu poderei controlar. Rio mais ainda pegando
uma garrafa de vinho já aberta na geladeira.
— Sim, senhor, meu marido — imito uma voz feminina, zombando
no escuro da cozinha. Bebo o vinho no gargalo. — O senhor quer me comer
antes ou depois da janta, meu marido?
A minha risada rompe o silêncio da casa.
Ah, sim. Ela não deve falar “comer”, “foder” ou “trepar”. Certamente
vai querer fazer amor e ficar dura como uma estátua sem fazer qualquer
movimento. E provavelmente vai chorar amedrontada na primeira vez.
Dessa vez, não rio. Abano a cabeça, ainda revoltado com meu destino.
Não é porque ela é angelical e inocente que pegarei leve. Virginia, assim
como meu pai e seu Antônio, é uma vilã em minha vida, e nenhum deles
merece colher de chá.
***
***
A reunião entre os diretores da empresa é tensa, ainda bem que minha
secretária, já me conhecendo, serviu café antes que eu surtasse por completo.
Alguns querem pular do barco porque não confiam em mim. Acabo de saber
que as ações da Montoya estão instáveis porque nem o mercado confia na
minha gestão. Eu devo provar que sou mais do que capaz de dirigir os
negócios da minha família. Essa fábrica é minha vida, e juro que vou colocar
a marca no topo.
Ao fim da reunião, penso que enfim terei um pouco de paz antes de
encarar uma visita de urgência à fábrica de automóveis. Estamos tendo
problemas com um dos materiais para a confecção dos motores, nem quero
descobrir o que os nossos parceiros estão exigindo para liberar tal material.
A Montoya Motors perdeu muito de sua credibilidade com a gerência
incompetente do meu pai nos últimos meses. Parece que ele queria,
deliberadamente, afundar a empresa antes de morrer.
E agora sobrou para mim colocar o pescoço na forca a fim de salvar
meu patrimônio.
— Rocco, você tem visita. — A secretária bate de leve na porta. Eu
assinto, ajeito o terno e nem penso em receber. Estou de saída.
— Eu não posso…
— Disse que é sobre a Milena.
Fico de pé instantaneamente. Meu coração sente o baque do nome que
acabo de ouvir, parece que gelo foi injetado em minhas veias.
— Pode mandar entrar.
05
ROCCO
Meu dia afunda mais ainda depois de receber uma visita hostil que
sempre saboreia o prazer de conseguir foder minha mente. Requentou as
mesmas acusações e fez questão de apontar a culpa que perfura minha alma
há exatos dois anos. À noite, ainda estou tonto do efeito prolongado do
ansiolítico que fui obrigado a ingerir.
Nem mesmo uma boa dose de álcool ajudou, então tive de novamente
marcar uma consulta com doutor Estevão, meu terapeuta.
***
Quatro dias torturantes passaram até que eu recebesse o telefonema de
Armando dizendo que tinha enfim uma resposta de Antônio. Eles aceitaram
as cláusulas do contrato e estavam dispostos a assinar.
Chego à empresa às oito e encontro todos à minha espera. Seu
Antônio, um outro homem que se apresenta como advogado deles e, claro,
minha noiva, que não vejo há quase uma semana.
De repente, sinto meu corpo responder a ela de forma animada. Meu
pau até acorda. Seguro em sua delicada mão, e quando ela esconde o olhar de
forma meio tímida, a coisa complica para mim. Quero sentir raiva de
Virginia, porque ela representa o fim da minha liberdade. Mas meu corpo não
colabora. Até engulo em seco, banindo depressa as imagens pornográficas
que minha mente elabora, dessa mulher peladinha gemendo enquanto eu
monto nela com toda a minha loucura sexual.
— O contrato de casamento é baseado no testamento do senhor Adão
Montoya — Armando explica para eles, enquanto eu giro devagar na minha
cadeira, encarando Virginia. Com as mãos juntas no colo, ela nem levanta o
olhar. A mulher não tem vontade própria, não diz uma palavra, é uma
mercadoria. — Ou seja… — Armando diz. — O herdeiro, o filho do casal,
deverá ser gerado imediatamente. Por vias normais ou por inseminação, fica
ao critério do casal.
— O que importa saber é se minha filha terá alguma segurança.
Financeira, quero dizer. — Impressionante como Antônio pouco se importa
com a felicidade da filha. Ela não parece querer esse casamento, ou talvez
não tenha opinião para isso.
— Claro que sim. Como mostra o contrato.
— Ótimo. Pode assinar, Virginia — ele ordena, a jovem fica de pé e
nem olha para mim, não contesta, não pede qualquer informação. Olha em
volta em busca de uma caneta, e eu estendo para ela. Seus olhos topam com
os meus e desviam no mesmo momento.
Ela tenta pegar a caneta, mas eu a afasto.
— Não vai fazer nenhuma pergunta?
— Não preciso — sussurra.
Por Deus! O suco da submissão. Sem personalidade alguma. Entrego
a caneta, ela assina e volta ao seu lugar. Eu assino também, e os outros
presentes assinam como testemunhas.
Estou intrigado quando me despeço deles e decido entrar junto no
elevador. Noto que Virginia ganha um tom pálido quando me vê entrando.
Não digo nada, não explico o motivo de estar descendo também. A viagem
até o térreo não é longa, e quando o elevador abre as portas, espero todos
saírem e faço um sinal para os seguranças. Eles se aproximam rápido e, nesse
instante, sem que ninguém possa me impedir, seguro no braço dela.
— Você vem comigo.
Virginia reage assustada, e o pai dela corre feito um touro em minha
direção.
— Larga ela!
— Não deixem ninguém subir — ordeno aos seguranças e arrasto a
delicada jovem de volta para dentro do elevador. Os seguranças cumprem seu
trabalho barrando a passagem de seu Antônio.
— Ai! Você… me machucou — reclama, acariciando o braço.
— Ora, ora. Você sabe falar. — Sorrio, mirando-a. Virginia sustenta
meu olhar.
— Para onde está me levando? Não podemos ficar sozinhos.
— Por que não? Vamos nos casar.
— Eu tenho uma honra a zelar. É um absurdo se souberem que fiquei
algum tempo sozinha com você. O que a sociedade vai dizer? O que vão
dizer de mim?
— Garanto que, para fazermos o que você está pensando, eu
precisaria de mais tempo. Gosto de aproveitar bastante minhas presas. —
Sorrio cinicamente para ela. As portas se abrem, e eu saio puxando-a para
minha sala. Fecho a porta e indico a ela uma poltrona.
— Não quero me sentar.
— Ok. — Também não me sento. Recosto na mesa e cruzo os braços,
observando-a. Seus olhos passam pelo meu corpo, ela não consegue disfarçar.
— Gosta do que vê? — provoco, e o olhar se prende ao meu. Parece corajosa,
agora que está sozinha. Repentinamente, seu olhar se torna esperto. Virginia
gira nos calcanhares, e de braços cruzados, passeia pela minha sala,
analisando cada detalhe.
— Gosto, sim, do que vejo — confessa, casualmente me
surpreendendo por ter coragem de afirmar. Ela para diante de alguns quadros,
admirando-os. — Você combina com essa sala. Combina com o carro de
luxo, combina com o poder. E eu acho que eu combino com você.
Porra! Ela parece outra pessoa.
— Por que parece engessada na frente do seu pai?
Ela toca em uma escultura e se vira para mim. Há algo peculiar em
seu olhar.
— Eu dou a ele o que espera de mim. Por que me arrastou para cá?
— Quer mesmo se casar? — indago, e ela dá alguns passos,
diminuído nossa distância.
— Sim.
— Não será um mar de flores. Sabe que estou sendo obrigado a isso,
não é?
— Fiquei sabendo por alto. — De forma dramática, franze o cenho.
— É algo que eu deveria me preocupar?
— Sim. É. Eu costumo reagir mal com pessoas ou circunstâncias que
me pressionam. — Eu acho que ela merece minha sinceridade, merece saber
o que esperar desse casamento. — Eu posso ser cínico, maldoso nas palavras
ou com certas atitudes, como, por exemplo, deliberadamente te contar que fiz
sexo com outras. — Dou um passo na direção dela e, friamente, continuo a
falar: — Não espere carinho, palavras de amor, presença em refeições e
comparecimento diariamente na cama. Eu não serei o marido que você acha
que eu…
Virginia me cala com uma expressão inabalada.
— Não pense que são vinte anos de inocência. — Percebo que se
refere a sua idade. Ela se mantém parada em minha frente. — Sei que já
ouviu falar da minha irmã. A forma que fomos criadas é famosa no meio em
que meu pai circula. Vê os dedos? — Levanta a mão diante de mim. — São
irmãos, mas são todos diferentes. Eu não sou uma segunda Olivia.
— E o que quer dizer com isso? É uma ameaça? — eu a confronto.
— Estou te informando como fez questão de me avisar sobre você.
— Vai dar show se souber que transei com outras? — Faço questão
de apelar em tom zombeteiro.
— Rocco. — Sorri, repuxando o lábio. — Olha para mim. Fazer show
de ciúme combina comigo? — Faço o que ela diz e a observo. O cabelo
impecável, a pele linda, o vestido comportado, os sapatos de boneca. Não.
Ela não parece que fará um show. Mas parece que pode me matar sem perder
essa expressão simpática.
Nós nos encaramos calados. De repente, eu não conheço minha
pretendente, mesmo tendo um dossiê sobre ela. Tenho informações técnicas,
mas nada sobre ela de verdade.
Virginia caminha até a porta, e antes de sair, me olha mais uma vez.
— Já posso ir, não é?
Concordo balançando a cabeça.
***
***
***
***
***
— Não achei que viria — Magno diz quando entro em seu luxuoso
lounge particular no clube Dama de Copas. — Mas só te chamei porque é
uma sexta-feira à noite.
— Agradeço o convite. Eu não quero passar muito tempo com
Virginia. — Sento-me em uma poltrona e pego o copo com uísque que ele me
entrega. — Ela me enerva de uma forma inexplicável.
— Ora, ora, Cenourão — debocha. — Está ficando atraído por sua
própria esposa?
— Uma porra. Depois do que houve com Milena… não quero mais
pensar em sentimentalismo.
— Um incidente não justifica…
— Eu não vim aqui em busca de um psicólogo, Magno. E se eu
precisasse de conselho, você seria o último a quem eu iria recorrer.
— É uma pena. — Ele acende um charuto. — Meus conselhos são
sempre certeiros.
— Sabe o que ela me disse? — Eu me curvo para frente, inquieto,
descansando o cotovelo na perna. — Que se eu ficar gozando com outras,
terei poucos espermatozoides para conseguir engravidá-la.
— Uau. A bobinha não é tão bobinha assim. — Magno se
impressiona. — Ela sabe mesmo que o leite fica ralo. E esse é um motivo
para acabar muitos casamentos, ouviu? — Aponta o charuto para mim.
— Como é?
— Algumas esposas espertas, daquelas estilo CSI, ficam de olho na
porra do cara. Se for leitosa depois de dias sem transar, então, ok, ele passou
no teste. Mas se tiver a aparência de detergente neutro, já era. O safado está
gozando por fora.
— Pode ser apenas uma punheta, ué.
— Até o marido provar que nariz de porco não é tomada, ele já se
ferrou.
— Voltando à minha pauta, Virginia está correta — concluo. — Mas
não vou dar a ela o gosto de saber que eu não transei com outra depois que
nos casamos.
— E isso vai mudar hoje. — Magno toca no interfone e fala com
alguém sem me contar o que planeja.
Poucos minutos depois, a porta abre e três mulheres entram. Lindas,
extremamente gostosas, dessas mulheres que são bancadas por algum ricaço e
não fazem nada o dia inteiro a não ser cuidar do corpo. Neste caso, são
bancadas pelo clube.
Uma delas vai em direção a Magno, dá um beijo nos lábios dele e fica
ali, de pé, ao lado da poltrona dele.
— Meninas, esse é meu amigo Rocco Montoya — ele apresenta. —
Acabou de se casar e precisa de uma injeção de ânimo.
— Tadinho. Tão bonito e já casado? — Uma se senta em meu colo e a
outra fica de pé massageando meus ombros.
Não dispenso as meninas. Continuo bebendo relaxado, até sorrio
satisfeito. Minutos depois a porta abre e mais homens chegam. Conheço a
maioria. São homens da alta-sociedade, alguns casados, mas que, assim como
eu, precisam desanuviar a mente.
Eu fecho os olhos e tento esquecer as merdas do meu pai, os
problemas da empresa, o assunto “Milena” que vem tentando voltar para me
assombrar. No entanto, acima de tudo, vejo o rosto angelical de Virginia na
mente, o que me faz abrir os olhos.
— Senhores, a festinha vai começar em breve — Magno anuncia. —
Vamos nos juntar aos outros convidados no segundo pavimento. Quero todos
abrindo as carteiras sem pena, ouviram? Preparei as melhores para essa noite.
Os homens levantam as taças e os copos em comemoração. É noite de
farra no salão de orgia, e ninguém prepara uma suruba melhor que Magno
Lafaiette.
— E você deixou sua esposa novinha vir para cá enquanto você
participa da farra? — Um cara me cutuca cheio de intimidade, então eu o fito
sem entender.
— Como é? Está falando comigo?
— Ela é uma gracinha, você deveria manter essa beleza bem
guardadinha.
Dou um pulo da poltrona, sem nem perceber, já agarrei o colarinho do
filho da puta. Meu sangue esquenta sem que eu possa me controlar.
— O que está dizendo, seu filho da puta?
— Ei! — Magno grita. — Aqui não é boteco, não, porra. — Ele vem
rápido em nossa direção. Eu solto o homem que, assustado, ajeita a gravata.
— Eu a vi aqui no clube — ele afirma. — Por isso estou dizendo…
Se fosse minha, eu nunca a traria num lugar como esse.
— O que está falando? — Avanço novamente em sua direção, mas
sou impedido por Magno, que entra na minha frente — O que esse merda está
falando, Magno?
— Calma, Rocco, cacete! — meu amigo me pede e olha para o
homem que fez a acusação. — Você se confundiu, cara. Sabe que ninguém
entra aqui de boa assim.
— Magno, eu fui ao casamento desse miserável. — Aponta para mim.
— Eu vi muito bem a noiva dele. Era ela, sim. Eu a vi no bar.
— Hoje?
— Agora há pouco. Está com um vestido lilás, decotado e o cabelo
preso em um rabo.
— Mentira. — Rio com escárnio e viro o copo de uísque na boca. Eu
deixei Virginia em casa. Ela ainda me deu detalhes do que ia fazer. Detalhes
até demais, que não eram necessários. — É pura mentira — contesto, não
conseguindo assimilar que isso possa ser verdade. Não há qualquer
cabimento.
— Acalmem-se todos, por favor — Magno pede mais uma vez. —
Vamos tirar isso a limpo. — Ele para diante de um televisor de dezenas de
polegadas, preso a um painel de madeira na parede. Mexe no controle
remoto, e os homens automaticamente se aglomeram em volta de Magno. Eu
entro no bolo, ficando ao seu lado. Todos ficam calados mirando o televisor.
— Viu? — Magno diz ao selecionar a câmera do bar. — Nenhuma
novinha de vestido lilás no bar.
— Passa para outras câmeras — ordeno. Eu sei que não pode ser real,
ainda assim preciso ver com meus próprios olhos para ter certeza. Não existe
hipótese de Virginia conseguir entrar aqui.
Meu coração acelera conforme ele vai passando as câmeras, até que
um homem grita: “Ali”. E meu coração quase para.
Magno volta um quadro, e, embasbacado, observo a mulher de
vestido longo lilás caminhando na companhia de um homem.
— Que merda é essa?
— Me parece que ela está indo em direção à ala BDSM. — Ele mexe
no controle remoto, dando zoom no rosto dela. — Porra, é ela… — Magno
sussurra, e eu saio correndo em disparada.
Praticamente voo pelos corredores, nem pego o elevador para o
segundo piso, opto pela escada mesmo. Sei muito bem onde fica a ala
BDSM, as pessoas gostam de assistir, pelas cabines de vidro, algum casal que
esteja experimentando a tal prática.
Vou passando de cabine em cabine até encontrar Virginia em uma
delas assistindo à apresentação, chocada, com a mão na boca; ao seu lado, o
homem que a acompanhava sorri com sua perplexidade.
— Que ótima surpresa, hein, querida? — Estou fervendo de uma
emoção que ainda desconheço. Puxo-a pelo braço, e Virginia toma um susto.
Ela me encara de olhos saltados. — Que porra está fazendo aqui? — rosno
entre os dentes.
— Ah… oi, querido… Só quis distrair a cabeça numa sexta-feira à
noite.
— Em casa, você me paga. Vamos, agora!
— Ei. — O homem toca em mim, e eu olho com toda a fúria da
minha alma para o gesto dele. — Solta a moça.
— Toca em mim mais uma vez, e juro que eu…
— Está tudo bem. — Virginia entra na frente, me empurrando para o
lado. — Obrigada por me mostrar as instalações da casa, senhor Lutter — diz
gentilmente ao homem. — Ele é meu marido.
O homem, ainda tensionado pelo meu rompante, nos olha por
segundos antes de assentir.
— Se precisar de ajuda, não hesite em pedir.
Em vez de eu a tirar daqui, Virginia segura minha mão e me puxa em
direção a outras cabines.
— O que está fazendo? — Freio os pés, obrigando-a a parar.
— Eu vou assistir à apresentação pela qual paguei. — Ela faz uma
pausa e repensa. — Ou melhor, eu pedi para colocar na sua conta, então você
pode ver comigo — explica, e ao ver uma cabine vazia, se apressa a se sentar.
— Virginia, vamos para casa agora. Aqui não é lugar para você.
— Por que não? Sou maior de idade e já fiz sexo. Estou adorando
tudo isso. Sente-se aqui, meu bem.
— Como entrou aqui? Como veio parar aqui? Pediu ajuda a Magno?
— Sente-se aqui e eu te conto tudo. — Bate a mão no assento
confortável ao seu lado. Olho para os lados, mordendo a boca de raiva.
Porém vencido, me sento ao lado dela, encarando-a com muita raiva. E
parece que a raiva maior nem é por sua petulância, mas sim por estar tão
linda, mesmo que de modo simples e avassalador. Minha esposa. Minha
mente não me deixa esquecer esse detalhe.
Virginia dá um beijo nos meus lábios e sorri de uma forma sapeca
quando se afasta.
— Eu simplesmente te enganei, querido. Eu me vesti no banheiro
social, peguei algumas coisas necessárias e me enfiei no seu carro antes de
você sair de casa. Você mesmo me colocou dentro do clube.
— Mas que porra…?
— E quando cheguei aqui, terminei de me arrumar no banheiro.
Estou perplexo com a revelação. Como uma mulher toda puritana,
submissa, que vivia sob as rédeas do pai, consegue criar um plano desses?
Não é mais apenas uma suposição: Virginia é, sim, perigosa.
Seguro seu queixo com força e a puxo para bem perto de mim.
— Certo. Você pensa que dá as cartas, mas vai ver só do que eu sou
capaz. — Seus olhos saltados fitam os meus. — Vou redobrar a segurança.
Daquela casa você não sai mais, nem com ajuda.
— Você não vai ficar nem um único dia comigo? — ela questiona, o
olhar triste, mas esperançoso. — A gente nem se conhece direito.
— E vamos continuar assim, Virginia. Que porra! — Solto-a e
esfrego meu rosto tensionado. Virginia assente e fica calada, olhando o vidro
à nossa frente. As bochechas coradas. Eu presto atenção também e noto
porque ela enrubesceu. Uma mulher dentro da sala está amarrada como um
banquete em uma mesa baixa. O homem, o dominador, passa a língua sem
pressa na boceta dela, enquanto a mulher treme ao tentar manter o controle.
Ambos usam máscaras para não serem reconhecidos por quem assiste.
Em seguida, o homem escolhe um chicote e se agacha perto dela,
parecendo bem carinhoso ao sussurrar algo em seu ouvido. Vejo a mulher
assentindo, aceitando o que ele falou, então ele começa a sessão de
chicotadas.
A cada arremesso do chicote de montaria na vagina, a mulher geme
de forma lasciva, mas sem poder se mexer, por estar amarrada; Meu corpo
responde de forma bruta. Já estou excitado, mesmo contra a minha vontade.
O homem é implacável na surra, não para. Parece adorar as reações que causa
nela.
— Isso… não machuca? — Virginia sussurra.
— Não devia estar vendo essas coisas. — Encaro-a.
— Quer me mostrar outras alas do clube? O senhor Lutter, o homem
que você afugentou, me disse que…
— Eu quero que vá embora — interrompo-a.
— Quando eu cheguei aqui, comprei uma noite inteira e vou desfrutar
dela, Rocco. Mesmo que eu tenha que te pagar no futuro, afinal coloquei em
seu nome.
— Não sei como pretende pagar. Sabe quanto custa uma noite
completa aqui?
— O bastante para aproveitarmos. — Ela fica de pé, eufórica demais.
— O sexo está ótimo. — Aponta para o vidro. — Porém quero ver mais
coisas. — Olho para o corpo de Virginia, me incomoda o fato de ela estar tão
bela. Os seios parecem maiores no decote, o cabelo preso em um rabo a deixa
mais sexy.
Porra, por que estou me sentindo atraído por ela? Desvio o olhar. Meu
pau está duro, e minha boca sonha com os seios de Virginia. Tão empinados,
durinhos, perfeitos em minhas mãos.
Fico de pé, seguro a mão dela e a arrasto dali.
Levo-a até um salão onde acontece um strip-tease. Escolho uma mesa,
dispenso o garçom quando ele se aproxima para oferecer uma bebida, mas
Virginia o impede de sair.
— Espera, traz um vinho para mim. Um bem bom.
O homem olha para mim buscando confirmação.
— Traz o vinho dela. Ou melhor, traz duas taças — digo, e ele sai
rápido.
A mulher no palco é metódica, profissional, faz tudo com maestria. Se
foi o tempo em que eu melava a cueca apreciando uma beleza dessas.
Especificamente hoje, ela não parece tão encantadora.
Virginia nem pisca observando a mulher.
— Meu Deus, Rocco! Ela é perfeita.
Não tanto quanto você.
— Olha esses seios. E as coxas…
Desinteressado, observo o show, enquanto os homens nas outras
mesas espalhadas pelo salão estão animados, inflando o ego da mulher com
elogios e dinheiro. A bela loira gira com facilidade e faz piruetas no pole
dance. Virginia age como se estivesse em um circo. Faz exclamações e até
aplaude quando a loira sai e uma morena vestida de empresária toma seu
lugar. O vinho chega, e Virginia prova, enquanto assino a nota.
— Meu pai vem aqui? — Virginia questiona repentinamente. Estava
demorando a sessão de perguntas.
— Sim.
— Que safado! Mas mamãe e eu sempre suspeitamos que ele
frequentava locais assim. E Romeo?
— Não.
— Não? Esse lugar é do irmão dele.
— Ele vinha, não vem mais. Para de tentar bisbilhotar a vida das
pessoas — ralho com ela.
— Você transa com essas mulheres que se apresentam?
— Não. — Reviro os olhos.
— Com quem você faz sexo? Tem as apropriadas?
— Porra, você é curiosa demais. Nunca ouvi dizer que esposas fazem
esse tipo de pergunta de forma tão natural.
— Gritar e xingar vai resolver algo? Então prefiro saber da forma
convencional, te perguntando.
Acabo concordando com ela.
— Magno tem as garotas apropriadas para o sexo com os clientes.
Ela mexe a cabeça anuindo, toma um gole de vinho e volta a fitar o
palco. Analiso o perfil de Virginia. Como pode uma garota tão bonita ter
caído nas minhas garras? E, pior ainda, como pode uma garota tão nova ser
tão madura? Ou será que ela é somente fria e calculista? Talvez ela não surte
com minhas hipotéticas infidelidades simplesmente por saber que pode dar o
troco, como fez essa noite.
Quem é essa mulher com quem me casei?
— Me conte sobre você — peço repentinamente, e ela me fita,
surpresa.
— Sobre mim? O que quer saber?
— Sua vida. O que fazia em sua casa?
— Serviços domésticos. Você já sabe disso. Nós três não nascemos
para viver, Rocco. Para usufruir de tudo que o mundo pode nos oferecer.
— Vocês simplesmente… aceitam? Seu pai te arranjou esse
casamento e não te deu alternativa? — Demonstro toda a minha revolta na
pergunta.
— Não. Ele só chegou comunicando sobre o casamento. Mas eu quis
me casar com você.
Dispenso, de pronto, esse comentário.
— E se eu fosse um velho seboso igual ao Ludovico?
— Eu fugiria. — Ela dá de ombros com uma simplicidade tocante,
fazendo parecer fácil o ato de fugir. Ainda mais para ela, que era quase uma
prisioneira.
— Pior que eu acredito em você — pondero e sorrimos um para o
outro, mas desvio na mesma hora o olhar.
— Teve uma época que eu tentei me rebelar — começa a contar, em
um timbre mais dramático. — Papai disse que eu puxei o lado ruim da
família da minha mãe e me puniu. Eu só não aceitava que não pudesse ter
amizades, não podia ler um livro de romance, não podia fazer nada que as
meninas da minha idade faziam.
— E o que ele fez?
— Me espancou. Sofri uma fratura no pulso e outra na bacia. Eu achei
que nunca mais fosse caminhar… É aquela cicatriz que você viu.
Engulo em seco ao ouvir o relato, sentindo a raiva amargar a boca.
Ela abaixa a cabeça e parece triste ao reviver a lembrança.
— Mas usei aquilo como combustível. Porque eu disse a mim mesma
que um dia sairia daquela casa, eu teria meu próprio lar e conheceria coisas
diferentes. — Quando ela me olha, tem uma lágrima brilhando em seu olho,
mas rapidamente a limpa. — E, um dia, eu vou voltar para salvar Joanne e
mamãe.
Fico em silêncio por segundos escolhendo as palavras.
— Eu te entendo — digo a ela. — E espero que consiga realizar seus
desejos. Mas infelizmente não será comigo que você vai conseguir.
— E se eu quiser lutar? — Ela me desafia, seus olhos cintilam.
— Contra mim? — Rio da cara dela.
— Lutar pelo que eu quero. Lutar pelo casamento.
Recostado na cadeira, tomo alguns segundos a observando-a e
tentando decifrá-la, antes de responder:
— Eu fico com pena de você, Virginia. Porque talvez você mereça
mesmo um casamento real. Eu não posso ser seu marido para além do papel.
— Eu não sou boa e sofisticada o suficiente?
— Não é sobre isso. É sobre os meus motivos… Meus planos que não
incluíam casamento. Meu pai atropelou minha decisão. — Recordo do
terrível destino de Milena e meu coração se aperta. Finalizo todo o vinho da
taça e fico de pé. Estendo a mão para ela. — Vamos.
Virginia ainda digere as minhas palavras. Ela abre a boca para falar
algo, repensa, suspira e fica de pé.
— Podemos ir ao tal salão da confraternização? — pede.
Lembro que Magno e os caras estão lá. E eu não sou um tolo de levar
minha esposa para um lugar onde João Magno esteja pelado.
— Aquele miserável te falou disso? — Eu me refiro ao homem que
estava com ela. De mãos dadas, saímos do salão e pegamos o corredor
luxuoso, em tons de vermelho e madeira.
— Sim. Ele me recepcionou, disse que é um frequentador assíduo da
casa. O que acontece nesse tal salão de confraternizações?
— Confraternização com gente pelada. E você não vai chegar nem
perto.
12
VIRGINIA
***
Não, eu não fui embora. Não sei qual será as consequências pelos
meus atos, porém decidi apostar todas as fichas enfrentando Rocco bem no
clube o qual ele é tão íntimo. Eu não iria tão longe para permitir que ele me
mandasse para casa enquanto termina de se aliviar com uma das prostitutas
de luxo desse lugar.
— Eu não vou para casa! — Aumento meu tom de voz, desafiando o
homem furioso à minha frente.
— Virginia!
— O que você vai fazer? Me arrastar na frente de todas as pessoas?
Eu vou ficar, Rocco.
— Quer mesmo ficar? — Os olhos dele cravam nos meus e parecem
perfurar minha alma. Eu seria uma louca se concordasse com um desafio de
Rocco. Mas o que eu tenho a perder?
— Quero. — Meu coração dispara, estou indecisa, mas a coragem me
enche de ânimo.
— Quer conhecer o que é o Dama de Copas?
— Quero. — Enfrento-o.
— Ótimo.
Rocco me arrasta pelos corredores, e eu nem questiono para onde está
me levando. Chegamos a um local com uma porta vermelha chamativa, e a
placa me faz congelar: “Confraternização”.
Eu não sei quais são os limites dele, não sei até que ponto posso
continuar provocando, ou se ele estava simplesmente aguardando qualquer
ação minha para ter um motivo para me dar o troco. Eu gostaria de lembrá-lo
que ainda estou desabrochando, como um botão de rosa, para que não faça
algo muito ruim contra mim. Mas isso seria passar recibo de fraqueza.
Rocco digita uma senha em um painel, empurra a porta e entra. Eu
quase fecho os olhos, com medo do que poderia ver. Instantaneamente não
pareço mais tão corajosa. Ainda tenho muito a aprender e conhecer nesse
mundo.
A primeira coisa que sinto é cheiro. Diversos aromas ao mesmo
tempo. Couro, suor, perfume, o ar é denso com o cheiro do sexo.
É parecido com um bar. Mas tem sofás que parecem camas. Tem
pessoas andando, tem pessoas bebendo e observando. Há salas de vidro com
pessoas transando, duas, três, quatro pessoas juntas em uma das salas. Sinto
gelo percorrer minhas veias ao encarar a nudez de gente que nunca nem vi na
vida. Meu sangue parece concentrado todo no rosto. Sinto que estou
vermelha feito um tomate.
Continuo andando, como um “siga o mestre”, a passos largos atrás do
meu marido. Noto que sua mão está levemente suada, e isso pode ser um
sinal de apreensão da parte dele.
— Fique aqui — ele ordena e caminha para o fundo do salão. Minhas
vistas tentam se acostumar com o lugar, que tem um tom luminoso de
vermelho. Percorro cada canto com o olhar até pousar em um sofá onde vejo
dois homens sentados. Ambos pelados, e cada um com uma mulher ajoelhada
entre suas pernas chupando-os avidamente; e o que me surpreende é que um
deles é Magno.
Ele me vê, se assusta, dá um tapinha na mulher e fica de pé. Congelo
ao ver a dimensão do mastro que Magno tem entre as pernas e que deve
esbanjar com orgulho. Estou sem fala. Ele rapidamente pesca uma almofada,
coloca na frente do pênis ereto e vem na minha direção.
— O que faz aqui?
— Ela está comigo. — Rocco surge do nada e me puxa.
— Ficou, louco, Rocco? — Magno dá um sermão, mas infelizmente
não parece ameaçador estando nu com uma almofada cobrindo o pênis.
— Ela quer conhecer o clube. E pagou para isso. — Puxa-me, e eu
volto a segui-lo.
13
VIRGINIA
Rocco me leva até uma das salas com paredes de vidro. Como o
cômodo que visitei mais cedo, em que o casal praticava BDSM. O interior do
quarto é sofisticado, decorado em tons de vermelho e preto, e acredito que
planejado especificamente para o sexo, por causa dos móveis e aparelhagem,
que para mim não são familiares. Ainda segurando minha mão, Rocco me
empurra sobre um sofá de couro preto e permanece um bom tempo parado na
minha frente. Como se decidisse o meu destino.
Nenhum dos dois solta uma palavra, nem precisa. É como se nossos
olhares dialogassem. Eu estou tensa, amedrontada, mas, de certa forma,
confiante. Eu sei que ele não ultrapassará o limite comigo.
Rocco se inclina para cima de mim e beija minha boca, segurando
meu queixo com uma mão. Nada brusco, pelo contrário. O beijo é sexy,
lento, natural. Sua outra mão adentra meu vestido e toca suavemente meu
seio. Apesar do nervosismo, por causa do lugar, começo a entrar no clima.
Fito seus olhos azuis, que estão mais escuros que o normal. Meus dedos se
afogam em seus cabelos curtos e macios.
— Vamos tirar isso — ele sussurra para mim, de forma dócil, e me
ajuda a tirar meu vestido. Eu não protesto, porque independentemente de
onde eu esteja, sinto segurança nele para começar a relaxar. E o contato
visual ajuda.
Só de calcinha e sutiã, engulo a saliva e respiro pausadamente,
tentando colocar meu foco apenas no homem à minha frente. Esquecer que
estou em uma sala de vidro e que do lado de fora há pessoas observando, há
pessoas nuas, há pessoas transando.
Rocco começa a desabotoar a camisa, de pé na minha frente. Eu tento
adivinhar tudo o que ele pretende, porém é só mistério que encontro na
expressão dura do meu marido. Aprecio seus músculos, o peito largo liso e o
pescoço forte. O queixo firme, rígido pela falta de sorriso.
Ele pega ao lado uma garrafa de alguma bebida que não é vinho,
levanta meu rosto, deixando-o inclinado, e com o polegar toca em meu
queixo para que minha boca se abra.
— Um golinho — sussurra, joga o líquido na minha boca, e eu engulo
rapidamente sentindo queimar a garganta. — Prontinho. Vai te dar coragem.
Meu coração salta de forma desgovernada. Estou em chamas por
causa do clima que Rocco está criando. E sexo sempre foi um assunto que me
despertava curiosidade. Fico feliz de estar conhecendo isso com ele. Rocco
bebe um gole também e, para minha surpresa, beija minha boca de maneira
ardorosa, deixando um restinho da bebida derramar por entre o beijo de
língua; eu absorvo a bebida, chupando seus lábios. Suspiro com o beijo,
adorando como seus lábios e língua consomem minha boca afoita.
Ele me dá mais um gole da bebida, e para minha surpresa, segura
minha mão e a prende em uma algema ao lado.
— Vai me prender? — Sorrio. Até ensaio um tom bem-humorado. Ele
não responde. Passeia até o outro lado e faz o mesmo com o outro braço, me
deixando presa, sentada no sofá, com os braços abertos.
— É corajosa mesmo, esposa? — sussurra por trás, bem pertinho da
minha orelha. O arrepio que me toma é algo que nunca senti. A expectativa
de provar um tipo elevado de sexo me deixa em brasas.
— Sim… — murmuro.
Rocco beija meu pescoço, e eu fecho os olhos, apreciando sua boca
quente e seus dentes, que apertam minha carne. Minhas pernas estão bambas.
Ele vem para frente e me faz observá-lo.
— Talvez você tenha que entender de uma vez por todas que seu
lugar é em casa, com seus afazeres domésticos, me obedecendo.
— Por quê?
— Porque eu não preciso de uma mulher na minha cola. Agora você
vai terminar o que começou lá no Glory Hole. — Ele tira o cinto, puxando-o
inteiramente de dentro dos passadores da calça. De maneira erótica, passa o
pênis pela braguilha, sem tirar a calça. Aproxima da minha boca, mas eu
reluto. Olho para o pau ereto e de volta para o seu rosto. — O que foi? Não
queria tanto experimentar sacanagem? Você será a boa esposa caseira que
chupa um pau como ninguém. Farei questão de ensinar.
— Não gosto das suas palavras — sussurro.
— Você não tem que gostar. Tem que entender qual seu lugar nessa
porra de contrato de casamento. Abra a boquinha, engula a minha rola. Para
todo mundo lá fora ver minha esposa obediente. — Faz um carinho em minha
bochecha, e o tesão todo vai por água abaixo.
— Só me tira daqui — peço, completamente desanimada, e até
levemente triste. Quando pensei que Rocco estava mudando, ele volta para a
estaca zero.
— Não vai chupar?
— Eu não estou confortável, podemos fazer isso no quarto? Só nós
dois?
— Não. — Ele enfim sorri. Mas um sorriso que eu não queria ter
visto. — Fique aí, sentadinha, quietinha, enquanto eu te ensino na prática
como agradar um homem. Coisa que seu papai não te ensinou.
Ele simplesmente se vira e sai da sala.
— Rocco! — grito. — Rocco! Me desamarra. — Agitada, chacoalho
os braços, mas nada acontece. As algemas estão presas em postes do lado do
sofá. — Magno! — grito, na esperança de que o amigo de Rocco possa me
ajudar. — Alguém me tire daqui.
E para meu completo espanto, vejo Rocco do lado de fora tirando a
calça, sentando-se em um sofá de forma relaxada enquanto uma mulher se
ajoelha entre suas pernas para chupá-lo. Ele está bem de frente para mim, de
modo que o vejo sorrindo com os olhos cravados nos meus. Revira os olhos
de prazer e morde o lábio conforme ela o saboreia.
Meu corpo todo esfria por causa do choque inicial. Abaixo os olhos,
para não ver essa atitude ridícula, em uma tentativa de me enfurecer. Mas ele
não conseguirá me tirar do sério tão fácil, porque eu já sabia do seu histórico
de cafajeste. Levanto os olhos novamente, e contra a vontade, meu coração
dói de leve ao ver que agora tem outra mulher em cima dele. Rocco chupa os
seios dessa mulher, e a outra trabalha vorazmente em seu pau.
Idiota. Isso não vai me atingir.
Assisto com nojo ele beijar a mulher e voltar para os seios dela. Só
quero que acabe logo para que ele me tire daqui e eu possa ir embora.
A porta da sala onde estou se abre devagar e um homem enorme
entra. Ele está completamente nu, mas usa um tipo de colete de couro. Tem
os cabelos raspados na lateral e arrepiado em cima, rosto quadrado e brutal,
além de um corpo enorme e musculoso. O pênis ereto é imenso e grosso.
— Oi. Desculpe, este lugar… está ocupado — digo, tentando não
tremer tanto a voz.
Ele sorri de lado e vem em minha direção. Para diante de mim e passa
os olhos pelas minhas pernas, que fecho imediatamente, olha meus seios, o
que faz seu sorriso expandir; em seguida toca em meus lábios com o polegar.
— Não toca em mim! — Abano a cabeça. Agora, sim, estou
apavorada e quero a segurança da minha casa. — Você precisa sair! Meu
marido…
— Está ali fora com o pau na boca da minha esposa — ele diz
demonstrando saber quem é Rocco. — Isso aqui é orgia, gatinha, é swing,
casais podem trocar de parceiros.
— Não! Eu não quero isso. Eu estou apenas visitando. Por favor…
não toca em mim! — berro desesperada balançando os braços. — Rocco! Me
ajude.
— Psiu! Calminha. Vamos preencher essa boquinha barulhenta. — O
homem segura com força meus cabelos, mantendo minha cabeça
praticamente imóvel enquanto passa o pau no meu rosto. — Abra a boca.
Não posso gritar para não abrir a boca. De dentes cerrados, luto
ferozmente sacudindo o rosto, com a dor do aperto de sua mão em meu
cabelo. Sinto uma lágrima descer do meu olho, e imploro silenciosamente a
ele que me deixe em paz. Mas o homem não desiste, puxa meu sutiã para
baixo, libertando meus seios. Com gula, chupa meu seio, me causando
náusea.
— Rocco! — grito, histérica. — Magno! Alguém me ajude. — Agito
sem parar as pernas, até que por sorte acerto um chute no infeliz. Nesse
instante vejo movimentação na parte de fora. Rocco vê o que está
acontecendo.
Mas ele não chega a tempo de impedir o homem de acertar com força
uma bofetada em meu rosto. O golpe é tão forte, que fico zonza.
— Não toca nela, seu filho da puta! — Ouço a voz de Rocco, mas
nem abro os olhos. Ouço coisas se quebrando ao meu redor, gritos parecem
ser de pessoas entrando no ambiente, e eu só desejo fugir para minha casa.
Agradeço mentalmente pelas mãos que me libertam; quando abro os
olhos encontro Magno tirando as algemas. Rocco está rolando no chão com o
homem e o acertando violentamente no rosto.
— Ela é minha esposa, miserável. Eu vou te matar! — ele grita,
transtornado. Precisa de dois homens para tirá-lo de cima do cara, que fica no
chão, sem forças. Rocco conseguiu nocautear um homem daquele tamanho.
— Virginia… — Ele vem na minha direção, e eu só o afasto com um
gesto. Não quero olhar para a cara dele. Visto rapidamente meu vestido,
lutando contra o tremor do corpo. Eu me sinto observada por todas as pessoas
quando volto a me sentar, com as mãos no rosto.
— Virginia… — Rocco sussurra. — Ele… te feriu?
— Eu chamei a polícia! — uma mulher grita antes que eu possa
responder. A mulher que fazia sexo oral em Rocco.
— Você o quê? — Magno berra com ela. — Você ficou louca?
— Ele quase matou meu marido. — Ela enfrenta Magno. — Nós
pagamos uma fortuna nessa merda para sermos atacados desse jeito? — Ela
se ajoelha diante do homem inconsciente. — Eu vou processar vocês!
A polícia praticamente invadiu o lugar de forma espetaculosa, com
milhares de viaturas e policiais. Eu não sei o que a doida falou na chamada,
mas ela deixou os policiais em alerta. Então terminamos a noite com todos na
delegacia.
Eu permaneci sozinha, em uma cadeira da salinha de espera, afastada
de todos os outros. Digerindo comigo mesma o que aconteceu na última hora.
O agressor foi levado ao pronto-socorro porque bateu a cabeça em um móvel,
a mulher dele ainda fez escândalo enquanto os policiais tentavam acalmá-la.
Rocco e Magno estão conversando com a delegada, eu já fui ouvida.
— Foi essa mulher! — A louca esposa do pervertido aponta para
mim. Está desvairada. — Essa burra vai para um local de swing e não aceita
as regras.
— Seu marido teria me violentado se tivesse chance. Sua imunda! —
grito com ela, porque estou com mais ódio do que traumatizada.
— Retire o que disse! — Ela vem correndo em minha direção, mas é
contida por policiais, que a levam dali.
Os minutos passam, eu continuo sozinha, até que Rocco caminha até
mim e se senta ao meu lado. Vejo que Magno ainda continua na sala com a
delegada. Deve estar levando um sermão ou uma ameaça de processo, porque
pelo pouco que conversei com ela, notei que já conhece Magno de outros
carnavais. Ela falou dele com rancor impregnado na voz.
— Eu não pretendia… aquilo. — Rocco cochicha para mim. Prefiro
nem olhar para ele.
— Me deixa em paz, Rocco.
— Ele te feriu? Ele…
— Não mais do que você. — Acabo de falar e vejo Olivia e Romeo
entrando praticamente correndo. Eu liguei para ela.
— Virginia… — Olivia lamenta, e eu me levanto rápido,
encontrando-a com um abraço. Enfim sentindo o conforto de braços
amorosos. — O que houve, minha irmã? — Ela passa a mão no hematoma no
lado do meu olho esquerdo, onde a bofetada me atingiu.
— O que você aprontou, Montoya? — Vejo Romeo ir em direção a
Rocco. — O que eu te pedi no dia do casamento?
Rocco parece se sentir culpado, ele apenas abaixa a cabeça diante de
Romeo.
— Romeo, calma, mano. — Magno chega depressa. — Foi uma
fatalidade.
— Você quer que eu acredite que algo que tenha acontecido no seu
clube, com você e Rocco presentes, foi uma fatalidade?
— Porra, cara! — Magno vocifera. — É coisa de casal, dá um tempo.
— Converso com você depois, Magno.
— Olá, senhores. — A delegada se aproxima do alvoroço. —
Virginia, você precisa passar por um exame de corpo de delito, tudo bem?
Para dar continuidade ao processo.
Movimento a cabeça concordando.
— Eu sou irmã dela — Olivia anuncia, ainda abraçando meus
ombros. — Vou acompanhá-la.
— Eu também… — Rocco começa a dizer, mas eu o interrompo:
— Volte para seus planos, Rocco. Olivia vai me fazer companhia.
Ele não contesta ao me ver sair com minha irmã. Dou uma última
olhada para o marido que passei tanto tempo desejando e sofro por estar
sentindo ódio dele nesse momento. Rocco não quis que eu sonhasse por nós
dois, e talvez ele tenha conseguido me vencer mais rápido do que imaginei.
14
ROCCO
Eu: Sabe que eu preciso dela. Preciso que me dê um filho. Então, não.
Não quero o divórcio.
Armando: Você é meio esquentadinho e precisa passar um tempo
pensando com racionalidade.
***
O alarme soa estridente na minha cabeça. Meu corpo e mente reagem
aos primeiros sinais das várias cervejas fazendo efeito sem que ainda nem
tenha aberto os olhos. Com raiva, tateio em volta e consigo bater no celular,
pegando-o a tempo de ver uma ligação da minha secretária.
Porra.
— Diga.
— O pessoal do evento de exposição está aqui. Adio ou cancelo?
Cacete! Afasto o celular da orelho e olho as horas. Oito e dez.
— Estou indo. Chego em vinte minutos.
Pulo da cama, me enroscando nos lençóis, e me visto na velocidade
da luz sem nem tomar banho. Uma água fria no rosto será o suficiente para
disfarçar a noite mal dormida. Não esqueço os óculos escuros antes de deixar
o apartamento. Cumpro a promessa que fiz à secretaria, chegando em vinte
minutos.
— Senhores — cumprimento, arrancando os óculos da cara e
torcendo para que as olheiras não estejam tão pronunciadas.
— Rocco. — Um dos homens estende a mão para mim. — O evento
está se aproximando e você ainda não nos deu uma posição.
— Venham comigo até minha sala. — Conduzo-os até a porta. —
Aceitam tomar algo?
— Não, obrigado, já nos entupimos de café enquanto te esperávamos
chegar.
Sorrio sem graça, disfarçando meu terrível humor. No entanto, após
meia hora de conversa e acertos, eles vão embora me deixando com um
humor melhor. Peço um café à secretária e reflito sobre meus próximos
passos aqui na empresa.
Eu vou precisar de uma reunião de conselho para resolver algumas
questões do novo lançamento, afinal estou impedido de tomar qualquer
decisão sozinho. Já tivemos dois adiamentos, e a mídia pode começar a
especular caso eu tenha de adiar novamente, por isso confirmei com a
organização do evento a presença do magnífico carro, o Revanche Montoya,
na exposição. E eles me deram o momento especial da noite. Tenho certeza
de que quando fizer o anúncio, a expectativa do público irá a mil.
***
TATIANA: A mulher disse que não tinha o produto que você queria,
mas mandou esse que faz efeito mais rápido e é totalmente natural. Mas,
atenção, use apenas cinco gotinhas. Pode colocar na comida dele ou em
alguma bebida.
Leio a mensagem da cerimonialista ao mesmo tempo em que seguro
com força o produto que ela mandou. Como Rocco está em casa e me
vigiando, pedi que ela escondesse junto com sapatos usados, para despistar.
E, como eu imaginei, ele logo quis saber o que eu tinha recebido, pois
o segurança veio avisar que tinha encomenda.
— Apenas alguns sapatos que Joanne me mandou. — Fiz questão de
abrir a sacola para ele espiar.
Apesar do olhar desconfiado, Rocco aceitou minha mentira.
— Esses sapatos são horríveis. Acho que você precisa de coisas
novas. Não por você, afinal não merece, mas por mim. É uma vergonha a
minha esposa andando maltrapilha — opinou, dando as costas e voltando ao
escritório. Vai, Cenourão, você nem imagina o que te aguarda.
— Estou aqui, aberta a presentes! — grito para ele.
***
***
Agora já passa das oito da noite, o peixe está pronto e bonito, a mesa,
posta com direito a taças para vinho e para água, talheres de prata e um belo
vaso com flores naturais no meio. Olho meu reflexo no micro-ondas
espelhado, gostando de ver meus cabelos tão volumosos espalhados em ondas
pelos meus ombros. Ouço a porta abrir e corro para a sala.
Acho graça de como Rocco paralisa desconfiado ao me ver. Olha para
meu corpo coberto com o vestido mais novo que tenho e que foi uma das
exceções que comprei. Eu mesma escolhi, não é sexy, só é novo e tem um
bom caimento, com a cintura marcada.
Para calçar, minha melhor opção foi o salto do casamento. Seus olhos
param em meus cabelos, sei que ele gostou. Deu um trabalhão chegar ao
resultado com ajuda de alguns bobes, mas valeu a pena.
Rocco olha para trás de mim e semicerra os olhos.
— O que está aprontando?
— Eu? Nada. Sou apenas uma esposa dedicada esperando o marido.
— Avanço e tomo o terno da sua mão, em seguida tento puxar sua maleta.
Ele segura firme.
— O que está fazendo? — Olha surpreso para minha mão na maleta.
— Te ajudando. Por que não sobe e toma um banho? Fiz um peixe
delicioso.
— Certo… — sussurra com olhos desconfiados, e até fico tentada a
me olhar no espelho para ter certeza de que não tenho chifres reais de capeta
na cabeça.
— Eu mesmo posso levar isso — diz e puxa a maleta. Ele me deixa
na sala e sobe as escadas com passadas rápidas. Sopro o ar efusivamente,
porém não nervosa, a euforia me domina. Se tudo der certo, hoje ele nem
dorme. Já estou preparada, e espero que o Cenourão acabe comigo. Que me
deixe moída na cama.
Rocco desce minutos depois, cheiroso e usando camiseta regata
branca e calça moletom. Um gato.
— Então, fez outra coisa que não seja lasanha? — Olha com interesse
para a comida servida na mesa.
— A exímia cozinheira é a Olivia, mas eu faço o que posso. Sente-se,
eu te sirvo.
— Já que insiste. — Ele se senta e observa com atenção enquanto
sirvo o vinho nas taças. Claro, já pinguei na taça dele algumas gotinhas do
produto. Umas oito ou dez, só para garantir. Corto o peixe e escolho uma boa
fatia para me exibir. Minha alma sorri vitoriosa quando Rocco toma um gole
do vinho.
— Eu mesma escolhi — digo. — O vinho. Vi na internet que ele
combina com peixe.
— Está ótimo.
Rocco cheira o peixe, como se quisesse ter certeza de que é mesmo
real, e coloca o prato diante de si. Come a primeira garfada e me olha.
— E então?
— Hum… — resmunga e come mais um pouco. Rocco semicerra os
olhos para mim enquanto mastiga.
— Esse não tem espinhos pequenos…
— Nada mal. — com o garfo, verifica o ponto interno do peixe. — O
ponto está bom.
— Que bom que gostou. — Como um pedaço do peixe, sem parar de
sorrir enquanto encaro meu marido, que daqui a pouco estará pior que um
touro.
— O que foi?
— Nada. — Dou de ombros.
— Não vamos transar — ele comunica enquanto come e me olha.
— Como assim…?
— Está toda arrumada, com jantarzinho pronto. Não vamos foder,
Virginia. Não sei se percebeu, mas eu te coloquei em uma longa greve de
sexo. Fez uma coisa horrível, não me pediu perdão e acha que vai resolver
tudo assim? Com porra de lasanha e peixe? — Apesar de suas palavras, o tom
é moderado.
Enrijeço e engulo a comida. Tocando na haste da taça, tento recobrar
o controle da frieza quando e encaro.
— Eu não disse que queria sexo.
— Bom, se essa não era a sua intenção, foi o que pareceu. Já fique
avisada. Não toco mais em você.
— Então… desistiu da gravidez?
— Eu te dei uma chance. Torça para estar grávida por não ter tomado
o anticoncepcional ontem, pois se não estiver, você está bem ferrada. — Bebe
mais um gole de vinho e indica o peixe: — Sirva mais para mim.
— E quanto a mim, Rocco? — Não o obedeço e não sirvo o peixe. —
Você também não me pediu perdão pelo que houve no clube. Você traiu os
votos de nosso casamento e me fez assistir, me deixando vulnerável para
qualquer maluco daquele lugar. Como de fato aconteceu.
Ele enrijece e não contesta. Desvia os olhos dos meus.
— E, mesmo assim, estou aqui, tentando. Tirando com balde a água
dessa canoa furada que é nosso casamento.
— Qual era a sua intenção? — indaga em um tom manso. — O que
pretendia impedindo a gravidez que eu tanto preciso?
Agora é minha vez de calar bruscamente e abaixar a cabeça. Não vou
falar que minha intenção era fazê-lo transar mais vezes comigo.
— Não é uma canoa, Virginia. É a porra de um Titanic afundando.
Não há mais jeito. Eu tentei te machucar no clube como uma maneira de te
desiludir de vez…
— E mesmo assim ainda quer um bebê dessa relação que você reluta
em aceitar?
— Eu preciso! — Aumenta o tom de voz. — Se o bebê vier, seremos
uma sociedade, como em uma empresa. Uma sociedade para criar um filho.
Não é uma boneca ou um produto, é uma pessoa que estará sob os nossos
cuidados. E acho que quanto mais rápido entendermos isso, será mais fácil
encarar a realidade.
Rocco corta ele mesmo o peixe de qualquer jeito e coloca no prato,
voltando a comer calado.
19
VIRGINIA
Deveria partir de mim recusar ter algo com esse estúpido insensível.
Deixar que ele saísse louco de pedra procurando putas na rua para aliviar o
tesão que vai começar em breve. Mas sou uma lutadora e mesmo antes de
casar coloquei na cabeça que Rocco não escaparia de mim.
Eu sinto uma atração poderosa por ele. Eu o quero mais que tudo. Eu
quero uma família, com um filho e um marido. E Rocco é o candidato
perfeito. Ainda é cedo para desistir. No entanto, não é tão cedo para a
pergunta ricochetear em minha mente:
Quando é que ele vai enfim me enxergar com alguém que está aqui,
ao seu lado?
Fiz tudo premeditado. Ele terminou de comer e foi para o escritório,
enquanto eu subi e preparei um banho de banheira. Nas instruções do
produto, dizia que o efeito começaria entre quarenta minutos a uma hora. E,
enfim, quando esse pequeno intervalo passa, não preciso ir atrás, já que
Rocco aparece no quarto.
Está suado e um pouco ofegante. Os cabelos assanhados, mostrando
que passou a mão nos fios em um gesto de ansiedade. Ele me fita e passa a
língua nos lábios, umedecendo-os. Os olhos brilham como se eu fosse um
copo de água em um deserto com calor de quarenta graus.
— Porra. Estou derretendo de calor. — Arranca a camiseta e vai para
o closet. Eu corro logo atrás.
— O que houve? Para onde vai?
— Preciso… sair. Está acontecendo alguma coisa aqui. — Conserta a
frente da calça, atraindo meu olhar para aquela parte. Eu fico chocada como
ele está volumoso. Rocco tira a calça de moletom, posso ver o contorno do
pau muito duro dentro da cueca. Meu coração acelera. Meu ventre se
contorce. O prenúncio de um ato sexual enlouquecedor domina meu corpo
sem que haja qualquer menção da parte dele.
— Eu ia tomar… um banho refrescante. Vá você. — Puxo o braço
dele. — Venha aqui.
— Virginia… me deixe!
— Calma, um banho vai te relaxar — insisto, puxando-o — Deve ser
o clima quente da cidade.
— Porra! — ele segura o pau com força, por cima da cueca, e me
segue se contorcendo, a reação é como se estivesse quase gozando.
Rocco para e recosta na parede, se contorcendo feito uma cobra.
Ainda segura o pau, com força.
— Caramba! O que está acontecendo? — balbucia, perplexo.
Sem se importar com minha presença, tira a cueca, esbanjando o pênis
ereto, com veias saltadas. Ele entra na banheira já preparada e desliza até o
fundo, mergulhando; quando emerge, me olha com interesse expressivo.
— Vou te trazer algo gelado. Fica aí.
Rocco não responde, e eu saio correndo do quarto. Na cozinha, pego o
champanhe na geladeira e as duas taças. Volto para o quarto, e como planejei,
tiro a minha roupa e visto apenas o robe quase transparente por cima. Pronta
para ser expulsa ou bem recebida, entro no banheiro.
Não tenho um corpo escultural como o da stripper que estava
dançando no clube, é um corpo normal, mas tenho tudo no lugar. A forma
como Rocco me fita assustado me faz hesitar. Ele percorre meu corpo com os
olhos. E acho que nesse instante ele percebeu tudo. Sem dizer nada,
mantenho contato visual.
— O que pensa que está fazendo? — ele ofega. Mas não há raiva na
expressão, apenas surpresa.
— Não perco oportunidades…
Deixo o champanhe do lado da banheira e solto um suspiro, parada
em frente ao meu marido belo e selvagem imerso em espuma.
— Que merda você aprontou? — Segura com força nas bordas da
banheira, mas não desvia os olhos da minha mão, que adentra
despretensiosamente o robe, acariciando o seio.
Greve de sexo uma ova!
Com delicadeza, desamarro a faixa, o tecido cai suave e provocante
contra minha pele. Não perco a menor nuance de expressão de Rocco. Ele
não parece crer no que está acontecendo. Deixo o robe caído aos meus pés e
dou dois passos para longe, sempre tampando os seios, como a donzela
tímida que venderam para ele.
Rocco sai da banheira antes que eu possa alcançar a porta do
banheiro. Nenhum dos dois age de maneira brusca, são insinuações sutis,
como uma gazela que planeja uma rota de fuga diante de um leopardo
faminto.
Estou aqui para o que der e vier. Olho diretamente para o pau robusto,
ereto e provavelmente latejando. Dá vontade de fazer perversões gostosas
com o membro do meu marido. Mas deixo a decisão para ele.
Mordo os lábios e volto a fitar Rocco. Encontro um brilho malicioso e
um vislumbre de sorriso nos lábios.
— Sua… vaquinha descarada. — Rosna e avança todo molhado em
minha direção. Dou um passo atrás, mas ele me pega, me jogando contra a
parede. Rocco é um homem grande, então todo o seu corpo molhado, porém
quente, está circundando o meu. Meu coração parece que vai sair pela boca, e
juro por Deus, que ele bate na mesma sintonia que minha vagina lateja.
Ergo o queixo, e Rocco segura minha garganta. O pau pressionado no
meu ventre, o peitoral molhado fazendo uma deliciosa carícia nos meus
mamilos. Caramba, Jesus! Estou arfando.
— Acha que eu não conheço meu próprio corpo, Virginia? — A voz
rouca junto ao hálito quente cheirando a vinho me deixa arrepiada — O que
colocou na minha bebida?
— N…nada.
— Seja ao menos corajosa e assuma a patifaria.
Agarro o corpo de Rocco e estremeço com o contato, que dura apenas
segundos, já que ele me imobiliza, prendendo minhas mãos acima da minha
cabeça. Sacana do jeito que é, dá um impulso com o quadril, me fazendo
sentir o pau duro, pronto para me encher de felicidade.
— E o que vai fazer quanto a isso? — sussurro desafiando. —
Consegue me ignorar, marido?
Sua risada só me excita ainda mais. Rocco tinha razão: seu lado
canalha e malicioso me atrai de forma absurda, incita em mim a libertação do
meu lado mais pervertido.
— Não vejo problema em aproveitar aquilo que é meu. — Cobre os
meus lábios com sua boca, me dando um único beijo longo e molhado. Quero
continuar beijando, quando ele se afasta da boca e desce pelo meu pescoço.
Perco o ar. É impossível me manter sob controle diante dos toques de Rocco.
Ele está queimando, posso sentir como ofega contra a minha pele,
levando a boca de maneira necessitada direto para meus seios. Rocco solta
minhas mãos, e eu as levo imediatamente para seus cabelos, enquanto sinto a
deliciosa carícia dos lábios quentes alternando em cada seio.
— Você… é uma pilantra muito gostosa — diz, como se fosse para si
próprio, e caí de joelhos diante de mim. Eu quase nem acredito que seja
verdade. Usando da mesma euforia com a qual chupava meus seios, Rocco
descarrega pura eletricidade em meu corpo ao lamber satisfatoriamente a
minha vagina.
Eu estava latejando de desejo, de modo que a língua molhada junto
aos lábios famintos é uma tortura gostosa e alucinante. Eu encontro meu
reflexo no espelho do banheiro e quase penso que estou louca de tanto que
me vejo revirando os olhos, a boca aberta soltando gemidos esporádicos.
Eu me casei com um homem que chupa uma mulher com maestria,
nunca experimentei outro, mas tenho certeza de que ele faz da maneira mais
correta, e não só por fazer. Rocco gosta de chupar. Se esse é o pecado que
mamãe alertava, eu não quero parar nunca de pecar com o meu homem
marrento e quente como uma fornalha.
Rocco fica de pé, e quase me faz enlouquecer ao encostar a cabeça do
pau na minha entrada. Abro um pouco as pernas, de modo convidativo.
— Você está louca por isso, não é? — Ele faz uma pressão, sinto a
ponta do pau deslizar na entrada apertada, mas Rocco não prossegue. Ele não
deixa, puxando para fora e voltando a pincelar no meu clitóris. — Olha como
você me deixou — sussurra, ofegante contra minha boca. — Pronto para a
guerra, louco de tesão. Estou pronto para… foder a noite toda. Mas você…
não vai provar.
— Como é?
Ele me deixa na parede e dá um passo para trás. Quase descontrolado,
tentado a seguir em frente e transar comigo, ele sorri, sendo mais forte que o
efeito do produto que coloquei no vinho.
— Vou sair e me esbaldar com putas caras no clube do Magno. E
você fica em casa. — Ele sai rápido do banheiro. Eu resfolego, de olhos
fechados, apreciando a raiva duelar com o tesão e ganhar maior parte de meu
coração. Pego o robe no chão do banheiro, visto e saio direto para o quarto.
Rocco vestiu a calça de moletom e uma camiseta; e em um rompante, sai do
quarto.
— Então vai sair assim? — Eu me apresso a ir atrás dele — Nesse
estado?
— Vou, sim. — Sem olhar para trás, continua andando. — Desse pau
aqui você não prova.
— Sabe que eu posso ligar para… alguém… — Caramba, eu não
posso ficar aqui nesse estado. Raiva e tesão constituem um surpreendente
coquetel para meu coração agitado.
— Os seguranças não vão deixar ninguém entrar. — Desce a escada,
e eu paro na metade dela. — Se vire com seus dedos.
Rocco chega na sala, pega o celular e as chaves bem no momento que
grito:
— Não consegue reerguer a empresa da família nem dar prazer a sua
esposa. Seu frouxo!
Rocco me olha.
— É tão frouxo e covarde, que tem medo de transar comigo e não
querer parar.
Ele deixa o celular na mesinha e, com passos rápidos, volta para a
escada. Sobe e fica um degrau abaixo de mim, me encarando.
— Meça suas palavras, Virginia. Não acha que já aprontou demais?
Ótimo. Ele acaba de dar a dica, mostrando seu ponto fraco: atacar o
ego. Sorrio e sussurro diante dos seus lábios:
— Frouxo!
Viro para voltar para o quarto, mas Rocco me puxa. O sangue ferve
no seu olhar, acho que no fundo ele só queria mesmo que eu implorasse para
ele ficar. Porque o maldito quer, não está se aguentando, precisando liberar
toda a libido inflamada pelo produto. Eu consigo ver isso nos seus olhos. E
acabei de lhe dar um bom motivo.
Em um instante, mais rápido que meus pensamentos, Rocco me puxa,
e quase caio do degrau. Consigo agarrar sua camiseta, mas é por pouco
tempo: o safado segura minhas mãos, ofegando contra meus lábios, me vira
de costas para ele e me empurra com força logo em seguida, em direção à
escada.
— Rocco! — exclamo, achando que ia cair. E, de fato, ele
praticamente me derruba de quatro nos degraus da escada. Ainda me
segurando, olho para trás e vejo que ele desce a calça moletom de um jeito
afoito. Afasta o meu robe e me encontra completamente nua por baixo.
Ofego, surpresa com o que ele vai fazer.
E não demora para que eu descubra suas intenções. Com o rosto
praticamente em um degrau e a bunda empinada, com as mãos presas às
costas, me sinto exposta e indefesa ao mesmo tempo que assombrosamente
excitada. A maneira brutal que Rocco me segura e seu arfar quente em minha
nuca são delirantes. É algo novo, algo que jamais imaginei e que traz à tona
meu pior lado. Um lado sangue-quente, a boazinha Virginia se torna a
faminta esposa pervertida.
Usando apenas uma mão para segurar as minhas, Rocco dedilha
minha vagina como se soubesse que bastava um toque para ela se animar.
Contorço o quadril e recebo um tapa forte na bunda. Não ligo. Porcaria! Eu
não ligo. O tapa é seguido de um dedo inteiro dentro de mim que ferve até
minha alma. Até levanto o queixo com os dentes cerrados, gemendo
entredentes.
Outro tapa, e agora libero o gemido relaxado com um sorriso quase
involuntário.
Virginia, sua devassa!
E em poucos segundos vem o melhor. O pênis, o senhor pau do meu
marido. Rocco usa seu membro para bater em meu clitóris e espalhar minha
lubrificação. A cabeça redonda pressiona lentamente, mas não entra. Fica ali,
na porta, fingindo que vai entrar, acariciando e pressionando, porém se afasta,
me frustrando. Chacoalho o quadril, desejando a invasão gostosa, mas Rocco
dá outro tapa, dessa vez não tão forte, em cima da minha vagina.
— Aahh! Rocco…
— Diga! — Sinto sua voz pertinho da minha orelha. — Está me
provocando, armando contra mim o tempo todo. Diga, Virginia, o que quer?
Eu quero ouvir você pedir.
— Você! — Nem penso em fazer jogo duro. Eu o quero
imediatamente.
— Que parte de mim? — Empurra todo o dedo para dentro de mim.
Suspeito que seja o médio.
— Seu pau. Roccooo…
— Está vendo como é bom mexer com a libido alheia? — Enfia e em
seguida tira o dedo devagar, fazendo questão de arrastá-lo em minhas carnes
sensíveis — Vê como é ter que implorar? Vai mexer mais com seu marido,
vaquinha trambiqueira?
— Nãoo…
— Pede.
— Eu não tenho problema em pedir, seu tolo! Me come, idiota!
— Já que você pede com tanto carinho…
O maldito ri, saboreando meu descontrole, e abala completamente
meu psicológico quando em uma única investida saboreia as minhas
entranhas em chamas com o pau longo e em riste feito uma vara. É delicioso
sentir que estou me abrindo para recebê-lo, em um ataque único e grosso, tão
macio e perfeito, até bater bem fundo; meus olhos parecem revirar enquanto
meus pulmões esquecem de puxar o ar.
Rocco aperta, segurando meu quadril e mantendo minhas mãos ainda
presas. Pressiona tudo dentro de mim, sinto apenas os testículos fora. Ele é
grande, no entanto me preenche com perfeição.
— Sua boceta é sempre tão carinhosa comigo. Pena que a dona é uma
pilantra. — Arrasta o pau para fora e em questão de segundos sinto o choque
de sua boca ali, chupando de maneira voraz minha vagina. — Hum… que
delícia, cacete. Está piscando feito um pisca-pisca de Natal. — Ri novamente,
se ajeita atrás de mim e volta a completar o meu vazio pulsante, não de
maneira forte, mas em uma única metida gloriosa.
— Aaahhh! — Solto o gemido alto. Já com as mãos libertas, seguro
com força no degrau, me mantendo de quatro. Ele, por trás, começa as
batidas viciantes. Rocco faz de uma forma tão espetacular, com uma rudeza
que é ao mesmo tempo quase poética.
Segurando meu quadril e meus cabelos, Rocco faz o que quer de mim.
Gostoso, na medida exata para fazer meus gemidos ecoarem pela casa em
meio ao som das batidas, mas não a ponto de ser desconfortável para nós.
— Tem marido frouxo, Virginia?
— Não!
— Responda gritando! — Acerta um tapa na minha bunda e dá uma
metida funda e dura. Bem gostosa. — Diga!
— Você não é frouxo! — berro.
Transar em uma escada, nessa posição… Eu jamais imaginaria. E
digo com certeza que é a coisa mais ousada e gostosa que já experimentei até
agora.
Sem que eu possa prever, ele sai completamente de dentro e se senta
em um degrau.
— Venha, monte em mim — comanda.
Eu me levanto, ofegando, e observo-o sem a calça, mas ainda com a
camiseta branca, cabelos assanhados e pau em riste, convidativo, me atiçando
de maneira luxuriosa. Impressionante que mesmo tendo tomado o produto
que eu arrumei, ainda assim Rocco consegue se manter no controle da
situação.
Deixo o robe de lado, e com sua ajuda, me encaixo em seu colo.
Deslizo pela extensão do pau, e ao chegar no fim, Rocco ataca meus lábios
em um beijo delirante. Todavia não fica muito tempo ali, ele quer se deleitar
com meus seios, dos quais sabe cuidar com veneração. Com os pés firmados
no degrau de baixo, Rocco me faz pular, galopando em seu pau sem trégua,
de uma maneira gostosa e rápida. Nossos corpos se batendo, sua boca em
meus seios e minhas mãos fazendo um bom serviço em mapear cada músculo
rígido do seu corpo.
Tive de puxar a camiseta para ter um contato maior com o corpo
quente. Minha boca passeia por toda a pele de Rocco, ao mesmo tempo em
que um grito escapa, libertador. Ele não para de se arremessar em brutais
estocadas, até que todo meu interior se contraia em torno do pau. Estou em
êxtase. Estamos, na verdade. Os olhos de Rocco estão vidrados, olhando
diretamente os meus; nesse instante não é raiva ou ódio que vejo: é fogo. Na
verdade, pura esperança para mim.
Há mais que apenas brasas queimando dentro dele. Há uma fogueira.
Quando a prisão gostosa dos seus braços me envolve com mais
aperto, sinto que ele vai gozar. E não quero beijá-lo ou fechar meus olhos.
Quero observar os olhos azuis cruéis que estão cientes da minha percepção.
Eu percebo que Rocco me quer, e ele percebeu que eu descobri.
Então gozamos, quase juntos, gemendo e urrando, feito máquinas de
combate. Cravo as unhas em sua coxa e estremeço ao saborear o orgasmo
acompanhado das estocadas úmidas, ininterruptas. Até que, enfim,
descansamos o rosto um no outro.
20
ROCCO
***
— Estou faminto — digo como um pensamento alto para mim
mesmo, apesar de Virginia estar ao meu lado no banheiro enquanto me
penteio em frente ao espelho. Ela termina de se enxugar e veste um roupão.
— Posso esquentar o peixe da janta — oferece.
— Não vou comer peixe à uma e meia da manhã. — Saio rápido do
banheiro, no closet escolho um jeans qualquer e o visto sem cueca mesmo;
pego a primeira camiseta que encontro, de um time europeu, e visto um
casaco por cima.
— Vai sair? — ela está levemente chocada.
— Vou procurar algum lugar aberto para comer. Ainda estou com
tesão e muita fome. Você vai me pagar caro. — Escolho um par de tênis e me
sento para calçar. Virginia continua no mesmo lugar, calada, apenas me
observando. Sem se opor. — Quer vir comigo? — Nem sei o que me dá na
cabeça para convidá-la. De repente, escapou.
— Posso? — Ela se anima, os belos olhos cheios de expectativa.
— Você me ajudou a quebrar um recorde de sexo em uma noite.
Acho que merece que eu te pague um lanche.
Rapidamente ela se veste. Um vestido azul-claro, tênis baixos
surrados e um casaco também gasto por cima.
— Porra, você está parecendo minha funcionária. Vou ser obrigado
mesmo a te dar roupas? — reclamo ao entrar no carro com ela. Virginia
afivela o cinto e dispara um olhar entusiasmado.
— Oh! — exclama, indicando um tom cínico. — Então eu tenho a
chance de ganhar mais do que um lanche?
Suprimo um sorriso e dirijo para fora da propriedade.
Eu sei exatamente um lugar que fica aberto durante a madrugada e
que serve porções deliciosas de fast-food. Os caras e eu sempre dávamos uma
passadinha depois de encher a cara em algum bar ou festejar em uma boate. É
conhecido entre a gente como o point de alto nível da larica.
Deixo o carro no fim da rua, não me admirando por estar tão
movimentado. Virginia caminha um pouco tensa ao meu lado, atenta a tudo à
sua volta, e eu acabo nos surpreendendo ao pegar sua mão e segurá-la,
entrelaçando nossos dedos.
Ela olha para nossas mãos e fita meus olhos.
— Não se iluda — advirto.
— Jamais.
Noto que tem bastante gente no balcão, por isso escolho uma mesa
afastada. Reconheço uns dois caras no balcão e um deles vem até mim.
— Rocco. — Faz barulho me cumprimentando. Vira-se para Virgínia,
e percebo o interesse expressivo em seu olhar. — Está em horário de abate?
— cochicha de lado para mim.
— Não fode. Essa é minha esposa.
— Ah! — Seus olhos arregalam enquanto um sorriso se abre. — Eu
perdi o seu casamento, não a conhecia ainda. — Estende a mão para ela. —
Franco Magela, à sua disposição.
— Prazer, Virginia. — Virginia está enrubescida. Apesar de ser uma
trambiqueira, devo sempre me lembrar que ela ainda está conhecendo o
mundo aqui fora.
— Pronto, vaza daqui — ordeno e pego o cardápio. Franco não se
opõe à minha ordem e se afasta, voltando para junto da galera e dando uma
última olhada para minha mesa.
— Muita fome? — pergunto para Virginia.
— Não. Você vem sempre aqui?
— Sim. — Mantenho os olhos no cardápio.
— Sempre acompanhado…
— Na maioria das vezes. E sempre é uma experiência tediosa, porque
mulheres em geral detestam o tipo de comida servida aqui.
Ela olha em volta, para a decoração do lugar, com banners de lanches,
batatas e sucos.
— Comida gordurosa?
— Exato. Vou pedir um pouco de cada coisa. Você escolhe se come
ou só me assiste.
Faço o pedido, e quando a garçonete se afasta, recosto na cadeira,
cruzo os braços e fito a jovem à minha frente. Está em um lugar novo para
ela, creio que possivelmente hostil, por isso esse olhar atento.
É bela, intrigante e seu olhar reflete a alma jovem e ambiciosa. Eu
odeio me sentir atraído por Virginia. Porque essa atração expõe a minha
fraqueza. Eu odeio como meu corpo é obcecado por seu cheiro simples ou
como meus sentidos ficam mais vivos diante de sua energia feroz. É mais do
que Milena e mais do que as outras de alto patamar que enfeitavam minha
cama.
Virginia tem algo que nenhuma outra tinha: ímpeto de realizar seus
sonhos. Nada sobre joias, nada sobre propriedades, nada sobre empresas. É
sobre ter uma família e fazer dela algo melhor do que foi a sua. Como ela me
disse hoje na banheira, teme que eu possa ser para nosso filho o que o pai
dela é para as filhas.
O sonho de Virgínia é simples, bucólico, inspirador. É uma pena que
seu sonho me inclua. Eu não posso ser o sonho de ninguém.
21
VIRGINIA
Não me considero tola de estar feliz por ter dormido minha primeira
noite com Rocco Montoya, o homem com o qual me casei. Logicamente eu
não deveria sorrir às seis da manhã sentindo um corpo masculino, nu e quente
aninhando-me confortavelmente. Mas nada até aqui aconteceu de maneira
lógica; estratégica, sim, a maior parte do tempo, mas lógica, não.
Eu entrei nesse casamento sem saber o que aconteceria, ou melhor,
prevendo o que aconteceria. E Rocco comprovou minhas expectativas sendo
frio, maldoso, baixo na maioria das vezes. Ele fez de tudo para me expulsar.
E logicamente eu deveria ter me afastado.
Mas comigo a lógica nunca fez sentido.
Depois de mais um orgasmo, nos chupando no sofá da sala, dormimos
exaustos, lado a lado na mesma cama.
Por Deus! Eu deitei imóvel, torcendo para que ele não fosse para
outro lugar ou me expulsasse da cama. Foi uma noite perfeita, e eu não queria
que acabasse com um gosto amargo. Mas Rocco se deitou ao meu lado. Não
apenas se deitou, se virou de lado, apoiando-se no cotovelo, e me observou.
— O quê? — sussurrei, com o coração disparado na garganta. Ele ia
me mandar sair, eu estava pressentindo.
— O quanto eu me fodi te fodendo hoje…
— Por que diz… isso?
Ele recostou nos travesseiros, cruzando os dedos atrás da cabeça.
— Você é esperta, mas não entende o coração de um homem,
Virginia. E como ele funciona.
— Achei que não tivesse coração… — Tentei ser engraçada.
— É justamente isso. Eu me fodi porque agora… parece que está
nascendo um. — Rocco não me abraçou. Continuou com os dedos cruzados
atrás da cabeça, relaxado, tão belo como uma estátua grega. Suspirei e fechei
os olhos, aliviada por ter o meu marido ao meu lado, mesmo que distante. Por
longos minutos, remoí sozinha o que ele quis dizer. No fim, o sono acabou
me vencendo.
Todavia, ao acordar pela manhã, senti a sensação que fantasiei
enquanto solteira. Como seria dormir de conchinha? E lá estava eu
confortavelmente aninhada. E não qualquer conchinha: era a conchinha de
um Rocco cheiroso, quente e muito duro pressionado em minha bunda. O
braço forte e pesado me envolvendo, a perna entre as minhas. Que sabor,
meu Deus! Desfrutei por minutos a fio do momento até criar forças para
levantar, pois minha bexiga estava me matando.
Tomei um rápido banho e me vesti, parando em frente a cama para
contemplar o homem esparramado dormindo como se fosse um anjo; no
fundo, eu sei que é um anjo profano e desvirtuado, capaz de qualquer coisa
para atingir seus objetivos. Dou de ombros sorrindo, não somos nada
diferentes.
Na cozinha, analiso o que posso fazer para o café da manhã. É nosso
primeiro café juntos, e eu quero surpreender. E já sei do que ele gosta, pelo
questionário que me respondeu ontem na lanchonete.
Levo algo em torno de uma hora e meia para fazer todo o café, montar
a mesa, escolhendo o melhor jogo de xícaras. Deu tempo de fazer um bolo —
uma das poucas coisas que sei fazer. Coloquei raspas de limão na massa para
dar um gosto especial. Quase festejo ao retirar o aro da forma de fundo
removível e me deparar com o bolo inchado e bonito. Coloco na mesa junto
com um queijo que achei na geladeira e café forte, como sei que Rocco gosta.
Bato os ovos em uma tigela, como diz o vídeo que assisto no celular.
Quero fazer um perfeito omelete, mas confesso que não tenho prática
nenhuma. Sempre que tentei fazer, os ovos saíram queimados e duros.
— O que é tudo isso? — Levo um susto ao ouvir a voz. Quando me
viro, vejo Rocco fitando a mesa da cozinha, incrédulo por encontrá-la tão
convidativa.
— Ah… bom dia. Senta. Estou preparando nosso café.
— Você devia supor que não vou comer mais nada feito por você.
— Eu não coloquei nada… Você bebeu todo o produto que comprei.
É só café, juro.
Ele me assiste, as mãos na cintura, a desconfiança enrugando o cenho.
A boca se aperta em uma linha, mas relaxa após pensar um pouco. Em
seguida, volta a fitar a mesa.
— Estou praticando para fazer uma omelete. Senta — insisto.
Eu sei que ele está com fome, mesmo tendo comido à beça antes de
dormir. Gastamos muita energia ontem. Rocco me dá um voto de confiança e
senta. Olha a xícara, passa o guardanapo dentro dela, para se certificar que
não há nada colocado maldosamente, e só então serve o café. Finjo que não o
vejo provar e me concentro na omelete, enquanto Rocco se serve do bolo.
— Fez bolo? — Inala antes de comer um pedaço.
— Sim. Espero que goste.
— Acordou antes das sete para fazer bolo?
— Não é o que uma esposa deve fazer?
— Só no seu mundo retrógrado. Quando estiver grávida, não quero te
ver fazendo essas maluquices. Vou contratar alguém para cozinhar, você
precisa apenas descansar e cuidar do bebê.
— Fico levemente lisonjeada. Mas devo adiantar que assim como não
nasci para ser escrava, não nasci para ser madame.
Consigo virar a omelete do jeito que o vídeo ensinava. Fica linda,
brilhante e úmida. Desligo o fogo e sirvo em um prato, levando-o para
Rocco.
— Espero que esteja do seu gosto.
— Obrigado.
Eu me sento à mesa com ele e observo atenta Rocco cortar um pedaço
e comer. Ele mastiga, me fitando, com uma expressão indecifrável.
— Eu não sou boa mesmo no fogão. — Nervosa, adianto minha
defesa. — É até bom mesmo você contratar uma cozinheira, senão só vai
comer mal. Meu pai sempre criticou a minha comida… dizia que eu seria
péssima para alimentar um homem e que seria sorte se meu marido não me
devolvesse, porque eu…
Rocco corta mais um pedaço da omelete e avança com o garfo na
direção da minha boca. Paro de falar, surpresa com sua atitude.
— Abra a boca.
— Eu não…
— Abra a boca, Virginia.
Eu abro, pensando que talvez ele queira que eu coma para ter certeza
de que não está envenenada. Mastigo e adoro o sabor. O sal no ponto certo.
— Gosta?
— Bom… eu não sei como você gosta da omelete, nunca tinha
feito…
— Eu perguntei se você gosta.
— Sim. Eu gostei.
— Então para de remoer as merdas que seu pai fazia você engolir.
Porra, já que eu vou ficar casado, que seja com a mulher que planejou e
entrou escondida no clube de Magno. Eu não gosto nada de ver você se
rebaixar por causa da opinião daquele sujeito.
Eu nem respiro, paralisada fitando Rocco, que volta a comer,
degustando com apetite feroz a omelete. Ele acabou de me defender? Sinto
meu coração saltar feliz, até sinto as mãos tremendo ao servir café para mim.
— Depois do café, se vista. Nós vamos sair — ele comunica, olhando
algo no celular.
— Vamos? Para onde?
— Comprar o uniforme do seu cargo.
***
***
***
Conforme as horas passavam após a saída do meu pai, tentei
colocar a cabeça no lugar para poder pensar de sangue frio.
Durante o pico de revolta, pensei em mil coisas, inclusive fazer
uma denúncia na polícia. Desisti ao lembrar que mamãe e Joanne
ainda estão sob suas garras e podem sofrer as consequências.
Então pensei que deveria encontrar uma resposta melhor para
a situação, nada passional. Estou sozinha nesse momento. Sei que
Rocco já escolheu o caminho dele e não deve voltar para cá tão
cedo. E nem quero pensar onde ele possa estar e com quem.
Detesto pensar que ele tenha passado a tarde transando com putas
de luxo.
O resto do dia é uma completa bagunça. Quase surtando, me
isolei na sala de televisão, olhando a tela grande enquanto na minha
mente girava em torno de todo tipo de pensamentos doloroso.
Como esperado, Rocco não apareceu nem deu qualquer
notícia. Quando anoiteceu, tomei um banho demorado, como se a
água pudesse levar minhas frustrações para o ralo junto com a
espuma. O ferimento no rosto parecia mais acentuado agora; além
do risco deixado pelo anel, sei que vou ficar com um hematoma
roxo abaixo do olho. Isso me fez pensar que planejar uma vingança
contra o meu pai não parece uma má ideia.
Vestida em uma camisola confortável, e após preparar um
sanduiche, escolho a companhia da televisão mais uma vez. Está se
tornando uma bela novidade em minha vida. Eu me afundo em
indecisão sobre qual canal escolher, já que vários tem bons
programas, até filmes.
Acordo sobressaltada, sentindo um toque na minha bochecha.
À minha frente, a televisão ainda se encontra ligada, e eu nem me
dei conta que dormi. Ao lado do sofá, Rocco está sentado. Vê-lo
me faz pular. Fico assustada por sua presença.
— O que é isso em seu rosto? — Com o cenho franzido, tenta
se aproximar para afastar meu cabelo, porém empurro sua mão, e
sem querer dividir isso com ele, escondo o rosto com o cabelo.
— O que está fazendo aqui? — Fico de pé, ajeitando a
camisola na região dos seios.
— Eu moro aqui. O que aconteceu no seu rosto?
— Eu… achei que… você não ia dormir mais… não ia mais
voltar para cá.
Rocco não responde. Dá alguns passos em minha direção e
segura minha mão, tentando afastá-la do meu rosto.
— Para. Eu preciso… de um tempo, Rocco.
Ainda assim, teimoso até dizer chega, ele não me atende e
consegue afastar minha mão. Tira o cabelo do caminho e volta a
analisar meu rosto.
— Quem fez isso com você, Virginia?
— Ninguém fez nada, eu sou estabanada e acabei me ferindo
com um garfo. — Eu o afasto bruscamente. — Me deixe em paz.
Você age como se de verdade se importasse.
— Seu olho está roxo e você diz que foi um garfo? Que merda
aconteceu aqui?
— Se você se importasse, estaria em casa e não…
— Nem venha com essa conversinha. Não devia ter voltado
aqui hoje, estou até as tampas de problemas na empresa. Mas eu
vim e quero respostas.
— Pode, por favor… só me deixar em paz?
— Vou deixar depois que me contar o que aconteceu. Quando
cheguei o segurança me informou que seu pai esteve aqui. O que
houve, Virginia?
Sinto o gelo percorrer minhas veias. Não queria que Rocco
descobrisse. Nesse momento, queria apenas ignorar meu pai e
esquecer tudo. Tento sair da sala, passar por ele, mas Rocco
facilmente me segura, me impedindo.
— Rocco… isso não te diz respeito! Volte para o antro onde
você estava e me esqueça! Caramba!
Quando ele gira nos calcanhares de modo revoltado e aperta
os olhos com o polegar e o indicador, sei que essa história vai dar
mais pano para a manga do que eu gostaria. Rocco é esquentado, e
não quero colocá-lo em encrenca com meu pai.
— Porra…! Não me diga que seu pai entrou na minha casa e
te agrediu. Só me diz que estou errado.
— Pelo amor de Deus! Você nem quer esse casamento. Me
disse ontem que não me vê como sua esposa. Por que se importa?
Ele apenas se vira e sai da sala da televisão.
— Rocco! — Corro atrás dele, observando o momento em que
ele pega as chaves do carro no aparador da sala. Rocco abre a porta
e me olha.
— Ele te bateu? Me fala a verdade ou eu arranco a confissão
dele na base de dor e sangue.
Arregalo os olhos, chocada.
— Sim… mas ele estava nervoso, e eu já nem ligo… —
Rocco nem espera que eu termine de falar. Fecha a porta na minha
cara. Abro-a e saio correndo atrás dele na tentativa de impedi-lo.
Rocco já entrou no carro e arranca, saindo da propriedade e me
deixando com o coração na mão.
Que ele não faça nenhuma bobagem. E que meu pai também
não faça.
26
ROCCO
***
A casa está imersa em silêncio quando abro a porta. Deixo as
chaves no aparador e olho a escada antes de subi-la. A confusão em
minha mente ainda persiste. Eu gostaria de contrariar as palavras de
Antônio, que ainda fazem muito barulho em minha cabeça, mas, ao
mesmo tempo, não tenho qualquer condição de dar a Virginia o
homem que ela sonha. E se aquelas palavras mexem tanto comigo,
é porque talvez ele esteja certo. Eu não passo de uma cópia
refinada do meu maldito sogro.
Espio no quarto, encontrando Virginia sentada na cama com o
rosto entre as mãos. Sofrendo sozinha em silêncio. Dou um passo,
e ela levanta o rosto, assustada. Virginia me fita como se buscasse
dicas de que está tudo bem.
Caminho pelo quarto, calado, me sento em uma poltrona e tiro
os sapatos.
— Ele está vivo — sussurro. — Vai ficar bem.
— O que você fez?
— Não importa. O que seu pai fez com você foi por minha
culpa, e garanti que não vai mais se repetir.
— Eu não ligo. Eu nunca esperei muito de ambos.
Essas palavras me causam um desconforto que meses atrás
simplesmente me atravessariam sem produzir dano algum.
— A diferença é que eu consigo sentir o peso da minha
consciência, e ele, não. — Eu me levanto da poltrona, tiro a camisa,
e antes de entrar no banheiro para uma ducha, me sento ao lado de
Virginia na cama. — Sabe o que eu detesto em você? É que você
sempre triplica em mim emoções que antes eu não sentia. Talvez
não vá acreditar, afinal não dou motivos para isso, mas dessa vez
eu odiei saber que você pagou por um erro meu.
***
Após o banho, visto uma calça de flanela e desço para comer
alguma bobagem antes de parar no escritório para trabalhar até
mais tarde. Magno conseguiu marcar para amanhã uma reunião
com Romeo, e eu preciso analisar todo o relatório de emergência
que o engenheiro me entregou.
Meu pai fez a maior sacanagem comprando peças de baixa
qualidade para carros top de linha. E agora os cofres da empresa
não têm como trocar essas peças. Um apoio financeiro da Orfeu é a
minha grande aposta.
— O que acha de uma pizza? — pergunto a Virginia,
encontrando-a na sala de televisão. Já passa das nove da noite, e
uma comida rápida parece ser a melhor opção.
— Por mim, tudo bem.
Faço o pedido na minha pizzaria preferida, e enquanto espero,
sirvo vinho em duas taças e me sento ao lado dela no sofá, lhe
entregando uma das taças. Ficamos em silêncio por longo tempo
enquanto na televisão passa um reality sobre competição de bolos,
me fazendo questionar como alguém pode gostar de assistir pessoas
cozinhando às pressas para que alguns especialistas provem o
prato. Isso me deixou entediado já nos primeiros minutos.
— Vai dormir aqui? — pergunta, sem me olhar.
— Vou.
— Achei que teria boas distrações para o dia e para a noite —
insinua.
— Seu pai me falou sobre a foto. Se está se referindo àquilo…
— Eu não me importo. — Ela me fita, sorrindo. — De
verdade. Você já tinha me adiantado que isso aconteceria.
— Não aconteceu nada. — Tomo um gole do vinho e
mantenho meus olhos na televisão. — Aquelas garotas chegaram
em nossa mesa enquanto almoçávamos, mas Magno logo as
dispensou.
Calada, Virginia me fita. Em seguida, assente.
— Se tivesse acontecido, eu não ia ter problema em esfregar
algumas fodas extraconjugais na sua cara. Só para ter o sabor de te
ver queimando na fogueira do ciúme.
— Você tem a arrogância de supor que eu estou sofrendo
porque imaginei…
— Que passei o almoço fodendo com a loira gostosa. Mas não
aconteceu.
— A sua presunção é quase vergonhosa. No entanto, é
também o seu charme.
— É uma pena que não posso dizer o mesmo sobre você. Não
tem o mesmo charme que eu, ao contrário, a cada dia você parece
mais iludida, como o Cirilo daquela novelinha infantil.
Sem conseguir se controlar, ela acaba dando uma risada, que
tenta abafar com a mão. Rio junto, olhando-a por longos segundos.
— Eu nem consigo retrucar, uma vez que nem sei quem é
Cirilo.
— Ah, esqueci que você foi criada nas cavernas. Não conhece
o maior garoto apaixonado que já existiu. Quer ver como eu tenho
razão? — Eu deixo a taça na mesinha de centro, pego meu celular
no bolso da calça e procuro por algum vídeo da novela infantil no
YouTube. — Dá licença. — Desligo a televisão e me aproximo
mais de Virginia, ela inclina a cabeça para assistir ao vídeo no meu
celular.
É alguma cena da famosa novela, em que o garotinho está
caído de paixão por Maria Joaquina, a garota que o despreza.
— Que dozinha dele! — Virginia exclama quando termina o
vídeo. — O que é isso? Novela? Onde passa?
— Eu não sei essa informação. Mas você pode procurar
depois. Vamos ver outro. — Toco em outro vídeo, onde Maria
Joaquina esnoba mais uma vez as emoções de Cirilo.
— Bom, se eu sou o Cirilo, você é praticamente essa menina,
Rocco — Virginia, observa, colocando a mão na boca para tapar o
riso. — Você me esnoba e não perde a oportunidade de dizer que
me detesta.
— Eu não te esnobo. Pelo menos não o tempo todo. Agora,
por exemplo — seguro a mão de Virginia —, não vou ser capaz de
ignorar sua mão quando ela fizer isso… — Puxo o elástico da
minha calça e coloco a mão dela dentro, posicionada no meu pau.
No susto, Virginia arregala os olhos e faz menção de tirar,
mas seguro seu braço e nossos olhos se chocam.
— O que pretende, Rocco?
— Sei lá… nos distrair de todas essas merdas que
aconteceram?
Seus dedos estão sobre meu pau, todavia, inertes. Seguro
firme em seu queixo e passo o polegar nos lábios, que entreabrem
receptivamente. Então a mão dela se mexe e afaga gentilmente meu
pau. Sorrio, sem desprender nossos olhares.
— E você também não consegue ignorar, não é mesmo? —
Virginia não responde, mas mantém os olhos acesos nos meus; ela
parece engolir a saliva quando seus dedos aumentam a pressão em
volta do meu pau, sentindo como ele se animou e endureceu em
segundos.
— Quer chupar um pouco? — sussurro, pertinho dos seus
lábios. — Só um pouquinho. — Passo a língua pela sua bochecha,
e ao chegar à orelha, capturo o lóbulo com os dentes. — Depois
será a vez da sua boceta ganhar a benção da minha língua.
— Suas palavras não parecem de um homem sério. — A voz é
quase um sopro.
— E você não parece querer um marido sério.
Virginia está ofegante apenas por sua mão estar no lugar certo
e por causa das minhas palavras excitantes. Ela tenta beijar minha
boca, mas me afasto, rindo. Enfio a mão na calça e seguro a dela.
— Assim. — Faço com que sua mão deslize pelo meu pau,
para cima e para baixo. — Abaixe minha calça, querida — peço,
mas não há ação da parte dela. — Ele já está babando, e você está
perdendo a melhor parte.
Eu até me surpreendo quando afasto a mão e Virginia mantém
o movimento como indiquei. Então desço minha calça, tirando-a
por completo.
Virginia olha meu pau e passa a língua no lábio, como se não
pudesse esperar. Então, seguro sua mandíbula, trago-a para mim e
dou um extasiante beijo de língua. Quando afastamos nossas bocas,
guio o rosto dela para baixo; em instantes sinto seus lábios
degustarem suavemente a cabeça pulsante.
Virginia levanta o rosto e me fita. Está completamente
ruborizada e arfante. Um sorriso fascinado desponta, quando ela
pula para fora do sofá, se ajoelha bem ali no tapete, ficando entre
minhas pernas. Virginia me chupa devagarinho, saboreando meu
pau. Juro que jamais imaginaria que a boca inexperiente de uma
mulher seria mais excitante do que as várias profissionais que já
tive. Porém, quase me mata saber que ela quer aprender e que é
algo que gosta de fazer.
Enfio meus dedos em seus cabelos, penteando-os, sem forçar,
apenas fazendo um cafuné enquanto ela treina devagar e aplicada a
melhor maneira de acomodar o meu pau na boca.
É. Apenas. Sexo.
Minha mente me lembra, enquanto me afundo em prazer.
27
VIRGINIA
***
***
***
***
ROCCO
Com a pergunta de Virginia ricocheteando em minha mente,
continuo fazendo o pedido de uma refeição individual em um bom
restaurante. Em seguida, me deixo rolar ladeira abaixo em uma
reflexão sobre as palavras dela.
Não há qualquer chance de não haver uma gravidez. Eu sei
disso porque fiz um exame de fertilidade, e eu não tenho
problemas, assim como ela também não tem. Transamos todos os
dias desde a noite em que ela parou com o anticoncepcional. Há
uma gestação a caminho, eu tenho convicção.
Caminho para a cozinha sentindo que preciso beber algo
alcoólico. O pior é saber que agora eu torço para ela estar grávida,
e nem é pela empresa, afinal, meus problemas já foram resolvidos
pela ajuda que recebi dos Lafaiette. Lá no fundo do meu coração,
um sentimento irreconhecível deseja muito que Virginia esteja
grávida como uma forma de a manter por perto.
Como se eu precisasse dela nessa casa, o que é um completo
absurdo.
Tomo meia taça de vinho, e meus olhos pousam em um
celular na bancada. Sorrio para o aparelho e pego-o. É o celular
antigo dela. Agora, com o aparelho novo, ela nem se importa mais
com esse.
Consigo ver na tela trincada a marca do dedo para o
desbloqueio numa combinação de pontinhos. Passo o dedo
seguindo a marca, e a tela desbloqueia.
Não há mais nada no celular, nem fotos nem mensagens.
Apenas alguns aplicativos e um vídeo de uma receita que ela estava
vendo. Estou prestes a deixar o celular de lado, quando algo me
chama atenção. Ela me disse que não tinha Instagram, porém há o
aplicativo instalado. Toco nele, dando de cara com um perfil.
Virgin2020. Zero seguidores. É um perfil vazio, com a foto de
um gatinho. Toco em mensagens, e para minha surpresa, esse perfil
mandou mensagem apenas para uma pessoa. Para mim.
Abro a mensagem. Enviada há uns cinco meses. Diz apenas:
“Olá”
Eu nem visualizei a mensagem. Deve estar no limbo das
solicitações.
Em seguida, uma reação de coração em um Story meu, e ainda
uma resposta com um: “Uau”.
Ouço passos na escada, fecho o aplicativo, deixo o celular na
bancada e saio da cozinha.
— Achei que já tivesse ido. — Virginia paralisa ao me ver.
— É… fui tomar um gole de água. O seu almoço chega daqui
a pouco. Até qualquer hora.
— Obrigada, Rocco.
Sorrio de leve e saio rápido da casa. Durante o caminho até a
empresa, penso em todo tipo de situação, mas a única que me vem
à mente é: coincidência. Ela nem deve ser lembrar que mandou
mensagem para um cara qualquer no Instagram e que, por
coincidência, acabou se casando com ele meses depois.
Porém, algo me vem à mente como um flashback. Certa
manhã, enquanto saía de um Starbucks, uma garota me interceptou.
E ela disse: “Olá.” Eu a cortei imediatamente: “Não tenho
trocado”.
Minha mente coloca o rosto de Virginia nessa lembrança da
garota que me interceptou para pedir dinheiro, e eu perco a direção,
quase batendo de frente com um caminhão. A buzina soa alta, me
obrigando a jogar o carro para o acostamento, parando em seguida.
Porra. Devo estar enlouquecendo, imaginando coisas.
30
VIRGINIA
***
Rocco aparece somente no domingo. O semblante cansado só
confirmou que ele andou tendo bastante trabalho. Disse que passou
o sábado na montadora, então hoje quer apenas se isolar e
descansar. Nem perguntei para ele, apesar de ter vontade, por que
não descansou no apartamento ou no clube de Magno.
Em um piscar de olhos, estamos na banheira imersos em água
morna, um de frente para o outro. Ele mesmo preparou o banho e
depois me chamou, dizendo para eu me despir e entrar na banheira
com ele.
Pensei em negar? Sim. Consegui resistir? Não.
— Quase quinze dias — Rocco diz, casualmente. Ele se refere
aos dias desde a noite que deixei de tomar o anticoncepcional. —
Nunca me contou por que tomou o anticoncepcional.
Dou de ombros, desviando os olhos do rosto dele.
— Ingenuidade. Desde que você me avisou sobre o que
esperar do casamento, eu decidi tomar. Na minha cabeça, quanto
mais vezes a gente transasse, mais aumentava a chance de você
gostar de mim.
— E era tão importante que eu gostasse de você?
— Como eu disse, era pura ingenuidade.
— Você já gostava de mim antes de sermos apresentarmos?
Engulo em seco e tento não demostrar desespero no olhar.
— Por que pergunta isso?
— Por acaso vi o seu celular antigo. Vi um perfil no
Instagram que tentou interagir comigo muito antes de sermos
apresentados.
— Sim. Vi um Story seu. Quando te vi em minha casa… mal
pude acreditar que era o mesmo homem.
— Foi ali que se apaixonou?
— Eu não me apaixonei, Rocco. Só queria… que desse certo.
Mas agora estou em outro nível, estou animada com o bebê e acho
que será tudo diferente. Você não vai mais ter que vir aqui por
obrigação…
— Virginia, Virginia… — Ele ri, e o sarcasmo em seus olhos
me deixa atenta. — Não sacou ainda que um homem só volta para
uma mesma mulher tantas vezes quando ela o deixa feliz e saciado?
— Está confessando que vir aqui, todos os dias, só para
transar, te deixa feliz? — Minha voz é quase um sopro incrédulo.
Será possível que eu tenha conseguido?
— Deduza como quiser, anjo.
— Eu achei… eu quis acreditar que você estivesse gostando,
mas minha racionalidade dizia que você só queria se assegurar que
eu fosse engravidar.
— Passar trinta minutos chupando sua boceta não ia te
engravidar. Fiz porque gosto, e gostaria de continuar fazendo. —
Odeio como ele fica mais gato quando é debochado.
— Está dizendo que vai continuar vindo aqui…
— Tem um documento no cartório dizendo que sou seu
marido e você, minha esposa. Não acho que será algo estranho.
Calada, apenas encaro o belo homem à minha frente. Estou
incrédula com suas palavras.
— Venha aqui. — Rocco segura minha mão, me puxando em
sua direção. Ele me faz sentar sobre seu corpo, de modo que
imediatamente sinto seu pênis abaixo de mim. Está duro, e se eu
ajeitar só um pouquinho, ele será capaz de me invadir, me
expandindo deliciosamente.
— Gosto de como as emoções se manifestam em mim. —
Percorre as mãos em meus seios molhados, quase me matando de
excitação ao dar um beijinho em cada um deles. — Às vezes, penso
que estou com raiva de você, quando, na verdade, é vontade de
passar a tarde te fazendo berrar. Me diga o que você quer.
— Não é óbvio?
— Quero palavras, Virginia. Preciso saber se você ainda
arrasta um bonde inteiro por mim. — Rocco ri, em seguida, das
próprias palavras, mas nem espera que eu fale, puxa meu lábio
inferior com os dentes e passa a língua em seguida, delineando
meus lábios. — O que você quer? — sussurra, fazendo meu corpo
pegar fogo com o toque de suas mãos no meu corpo, o pênis
pressionado entre minhas pernas e o hálito quente pertinho da
minha boca.
— Quero que me faça berrar.
— Perfeito. — Rocco segura meu queixo e prova meus lábios
em um beijo que nem precisa ser muito grandioso para me fazer
gemer. Rocco tem uma maneira dura e possessiva de me segurar,
meu corpo treme quando sua mão chega à minha nuca, então logo
agarra meus cabelos, os puxando.
— Aanh. — Solto um gemido, levantando o rosto conforme
ele puxa. Então lambe meu pescoço, morde devagarinho o local,
como um vampiro; em seguida desce a boca na direção dos meus
seios. Involuntariamente, à procura de maior contato, rebolo em
cima do pau dele, morrendo de vontade de o ter dentro de mim,
realizando batidas profundas e macias.
— Ainda não — Rocco avisa sussurrando e arrancando um
ronronar da minha garganta conforme brinca com meu mamilo.
Passa a língua e morde devagar, mas não chupa. — Está que não se
aguenta, não é? — ele debocha.
— Isso é… tão bom.
— Eu sei. Vou te mostrar algo melhor. — Ele me faz levantar
e me guia para que eu ajoelhe dentro da banheira, segurando nas
bordas. Em seguida, Rocco se posiciona atrás de mim, arrancando
um soluço vindo direto do meu âmago quando dá umas batidinhas
com o pau em cima da minha entrada pulsante. — Segura firme —
sussurra no meu ouvido e entra, devagar, até o fim. Tira por
completo só para enfiar novamente, fazendo isso várias vezes. Até
que aumenta a velocidade e começa a maravilhosa sensação que
somente suas investidas ritmadas são capazes de proporcionar. A
água chacoalha na banheira, enquanto Rocco me segura com força,
minhas mãos apertando a borda da banheira.
Cada dia ele me mostra uma maneira diferente de transar, me
deixando viciada e completamente dependente. Se a intenção era
manter uma relação fria, não deu certo. Eu, Virginia Maria, aos
vinte anos, estou apaixonada e arrastando um bonde pelo meu
marido.
31
ROCCO
***
Pego o resultado do exame de Virginia durante a tarde. Levo
para minha sala na empresa e passo minutos a fio olhando o
envelope, sem abrir, remoendo as palavras de Milena.
Eu matei nosso filho.
Eu matei o nosso sonho.
O que meu pai falou para ela? E por que ele nunca me disse
que a visitava?
Ele queria me punir. Sabia que a empresa era mais preciosa do
que tudo para mim, por isso fez o testamento deixando as ações
para o neto que deveria nascer. Meu pai queria que eu fosse capaz
de amar o meu próprio filho ou ao menos cuidar dele.
E garantiu isso deixando o testamento.
O que o velho nunca soube é que eu amei o meu filho com
Milena antes mesmo de conhecê-lo, e agora amo o meu filho com
Virginia sem nem saber se ele existe ou não.
Abro o envelope com cuidado e tiro o papel. Respiro fundo,
confiro o nome dela e só então deixo meus olhos percorrerem a
folha, encontrando a palavra “Positivo”.
Na verdade, pai. Eu estou apaixonado pela ideia de que posso
fazer diferente dessa vez, do que o senhor foi para mim e do que o
maldito pai de Virginia é.
32
VIRGINIA
Acho que a ficha ainda não caiu quando penso em tudo que
aconteceu no último mês. Fazendo um balanço em minha mente,
consigo analisar toda a cronologia, desde o casamento até o dia em
que Rocco apareceu em casa, à noite, e se sentou ao meu lado antes
de dizer com a voz de alguém que conquistou um objetivo:
“Parabéns! O seu útero está alugado pelos próximos meses.”
Não houve gritos, comemoração, nada. Ficamos calados
sentados um ao lado do outro, certamente pensando a mesma coisa.
Minha mão tremia segurando o exame que ele tinha acabado de me
entregar.
Não era mais uma briguinha de egos.
Não era mais resistência a ter um relacionamento íntimo.
Não era sobre a gente.
Uma vida a caminho, que vai necessitar da nossa atenção
conjunta e que eu não tenho certeza se estou preparada para moldar
como um ser humano que seguirá sempre pelo caminho do bem.
Naquela noite, não transamos, mas Rocco dormiu comigo. E
apesar de sua recusa à intimidade, eu achei um gesto gentil da parte
dele ter me dado um espaço, mas sem me deixar sozinha.
Hoje completa um mês que soube da gravidez. Por causa
disso, as coisas parecem se encaixar de maneira espontânea. Rocco
passa mais tempo aqui, jantamos juntos e dormimos juntos. O sexo
ainda é constante, apesar de evitar qualquer palavra sobre
sentimentos e emoções.
Ele me acompanhou na primeira consulta, e agora usa o
argumento de que precisa sempre voltar para essa casa para me
vigiar.
Temos uma cozinheira também; a Dália chega bem cedo e
prepara os melhores cardápios, bem variados. Tivemos até uma
entrevista com ela, para que pudesse entender aquilo que nós dois
mais gostamos. Rocco não fica sem carne, precisa de qualquer tipo
de proteína animal. E eu me dou bem com tudo. Porém, venho
seguindo uma dieta balanceada indicada pela nutricionista. Não
tenho muito o que fazer durante o dia, na casa, então passei a me
entregar a maratonas da novela Carrossel, só para ver o Cirilo e a
Maria Joaquina.
Em outra ocasião, se eu não conhecesse bem o meu marido,
eu suspiraria ainda mais apaixonada quando ele fez questão de
pregar a minha dieta na geladeira ou quando trouxe uma caixa
grande retangular e colocou ao meu lado no sofá.
— Para mim? — indaguei, incrédula. Rocco, ainda metido em
um terno preto de excelente qualidade e corte, acenou
positivamente. De pé, com as mãos nos bolsos, ele esperava a
minha ação.
Com cuidado puxei a fita de cetim e afastei a tampa da caixa,
encontrando um tecido. E ao tirar da caixa, percebi que se tratava
de um vestido. Não qualquer vestido. Era sem dúvida algo que uma
estrela famosa usaria. Era algo que jamais pensei em ao menos
tocar.
— Rocco… — sussurrei, deixando meu choque escorregar
pela voz. O vestido cor de vinho longo tinha uma parte de pedraria
no busto e uma saia esvoaçante. Encarei-o, buscando respostas.
— Você vai ao evento de exposição do carro, comigo.
Até soltei o vestido para colocar as mãos na boca.
— Sério?
— Faça o seu melhor. — Seu lábio se curvou de leve em um
quase sorriso.
E hoje é o grande dia do evento. Eu farei o meu melhor.
Observo meu cabelo no espelho. Está maravilhoso. Rocco
teve a bondade de chamar um cabeleireiro aqui, o que resultou em
um penteado moderno, mas não muito ostensivo. Quando fiquei
pronta, já com o vestido, quase não me reconheci. Eu não parecia
uma jovem de vinte anos, mas sim uma mulher. A mulher de um
magnata.
Rocco, também já arrumado, se aproxima de mim
vislumbrando meu reflexo no espelho.
— Fiquei triste por meu pai não ter deixado Joanne ir. Ela
estava tão eufórica.
— Bom, ela ainda precisa da permissão dele perante a lei.
Mas ela se libertará.
— Tenho certeza disso.
— Vamos? — Ele toca no meu ombro, e nossos olhares se
encontram pelo espelho. — Você está linda.
Radiante, sem conseguir esconder a expressão pasma, me viro
para ele.
— Calma. — Rocco sorri. — Não se iluda como o Cirilo. Só
falei que está bonita.
Minhas irmãs e eu não tivemos acesso a novelas, filmes ou
livros românticos. Mas tivemos contato com as histórias infantis
das princesas. E, nesse momento, a cada passo que dou, me sinto
como se fizesse parte de um daqueles contos.
Entro no carro com Rocco. Viajando com o coração a mil por
hora, transbordando de expectativa. Ao chegar ao local do evento,
segurando na mão dele, caminhamos juntos na direção da entrada
cercada de fotógrafos.
O lugar grita luxo. Muito iluminado, espaçoso e com pessoas
do mesmo nível, todas pertencentes a esse tipo de círculo social.
Nada disso me intimida. Eu tenho o nome Montoya e estou
carregando o primeiro herdeiro de um império. Não tenho motivos
para me sentir intimidada.
Há outros carros também. É como uma feira chique. Pessoas
paradas em volta de determinado automóvel enquanto alguém
especializado explica todos os detalhes. Há alguns cobertos, que
ainda serão apresentados; Rocco me contou que a revelação de
cada carro é um momento muito esperado no meio automobilístico.
Em poucos minutos, a notícia explode como pólvora, e o mundo
inteiro conhece o novo modelo de determinada empresa.
— Consegui uma boa fatia do espetáculo — ele cochicha para
mim, apontando a logo da empresa em seguida. — A ala da
Montoya.
Tem muita gente em volta observando os carros expostos.
Inclusive o Urban que eu vi sendo produzido. Parecem ainda mais
bonitos e brilhosos nos expositores, sob as luzes do ambiente.
Também noto que há cortinas vermelhas. Há seguranças ali
protegendo-as e uma corrente de restrição em volta da cortina.
— Ali atrás está o Revenge. Modéstia à parte, é o momento
mais esperado da exposição, afinal fazia anos que a Montoya não
apostava em um modelo novo top de linha.
— Eu não me aguento de curiosidade para vê-lo.
— Sabe, Virginia? Hoje, essa noite, é o meu renascimento.
Não só do império Montoya, mas do homem Rocco. Eu consegui
fechar um ciclo que há muito tempo me fazia mal. E hoje sinto que
esse dia não marca apenas o lançamento do novo carro, marca a
nova chance que o destino está me dando. — Suavemente, mas sem
tentar esconder, ele passa a mão no meu ventre.
— É bom ouvir isso, Rocco. Em outro momento, eu teria
receio de admitir, mas quero que saiba que não tem ninguém que
torça tanto por você como eu. Porque antes de ser sua esposa, eu
sou sua fã.
Ele ri, segura minha mão e faz um carinho em meus dedos.
— Você é irritante, mas preciosa demais, Virginia. Merecia
alguém melhor.
— Sério? — Olho em volta, me fingindo pensativa. — Será
que essa noite consigo encontrar alguém bom o bastante que me
mereça? Olha aquele homem ali… além de bonito, parece ser gente
boa…
— Ah, cala essa boca. Quando eu estou quase baixando as
defesas, você faz essa merda. — Rocco se afasta, me abandonando,
então preciso apressar o passo para acompanhá-lo.
— Está com ciúme? — provoco.
— De você? Só se for em seus sonhos. — Volta a segurar
minha mão, indo em direção a um grupo de pessoas.
33
ROCCO
***
***
— Toma. — Magno coloca um copo de uísque na minha
frente enquanto fito meus pés e organizo a loucura que está em
minha cabeça. Me fodi. Não consigo pensar em nada que eu possa
fazer ou dizer para tentar fazer aquelas pessoas acreditarem em
mim. Para abraçarem novamente a minha moral. — Pega o copo e
engula o uísque. — Magno insiste, e eu levanto o rosto para
observá-lo de pé diante de mim.
— Nem é ódio que sinto… é mais desespero.
— Relaxa. As coisas não estão totalmente perdidas.
— Ah…! — Engulo todo o uísque e deixo o copo cair no
chão. Nem sei onde estou, sei apenas que é um lugar reservado, nos
bastidores do salão. — O monstro que matou o próprio filho e
agora quer vender os carros para se dar bem. Essa é minha imagem
lá fora, cara.
Magno está ao celular tentando falar com alguém, mas
confidencia para mim:
— Lorenzo é mestre em contornar contratempos. Estou
tentando falar com ele. Oi, Lorevaldo, pode falar ou está ocupado
demais tocando o terror na megera modista? — Magno se afasta,
eu fico de pé com as mãos na cabeça quando Olivia aparece.
— Nem sinal de Virginia?
— Não. Aqui, não. — Encaro-a, assustado. — Não a
encontraram?
— Não. Romeo saiu com os seguranças para olharem nos
arredores. Meu Deus, onde essa doida foi parar? — Notavelmente
aflita, Olivia tapa a boca com as mãos. Todos aqui estão tentando
se controlar.
— Preciso encontrá-la. — Saio rápido, correndo em direção
ao salão novamente.
— Rocco! — Ouço Magno gritar, mas não retorno, continuo
em linha reta. Atravesso um corredor, e a explosão de luzes me
recebe. Passo pelas alas das outras marcas de carros, o caminho é
longo e está lotando de pessoas. Todos param o que estão fazendo
para me verem passar. Muita gente caminha curiosa na mesma
direção que eu. Na direção de onde está a ala Montoya.
Romeo surge do nada, afobado e me segura.
— Ei, o que está fazendo?
— Me larga, Romeo. Preciso encontrar a doida da Virginia,
que achou uma boa ideia desaparecer agora.
— Não estou falando sobre isso. Estou falando da
apresentação do carro. Começou o espetáculo em meio a essa
crise?
— O quê?
Fito seu rosto, sentindo o sangue sumir do meu rosto, junto
com a minha expressão de pânico e confusão, que instiga Romeo.
— Eu não ordenei nada.
— Acabaram de anunciar! Está começando. Tenta impedir,
porra! — Romeo grita e me empurra pelas costas, perdendo a linha.
— Deve ser outra jogada daquele cara.
Meu coração para. Se David fez algo com meu carro, sou
capaz de matá-lo com minhas próprias mãos. Não enxergo nada à
minha frente, enquanto corro atravessando o salão, empurrando as
pessoas para tentar impedir um dano maior.
Na tela onde foi transmitido o vídeo de David, começa uma
contagem regressiva. Eu estou longe demais para impedir.
Três.
Dois.
Um.
O homem com microfone conta junto com os números, e
conforme a expectativa cresce, mais pessoas se juntam,
dificultando minha passagem.
— Com vocês, o Revenge! O novo lançamento da Montoya
Motors. — Com as mãos na cabeça, paraliso no meio do caminho
ao ver as cortinas vermelhas abrirem. Fecho os olhos. Não sei o
que esperar. Mas abro-os imediatamente quando o som de batidas
de um coração ecoa no ambiente e vem do vídeo, que nada mais é
que uma linha de medição cardíaca como em um monitor de
hospital.
Volto meus olhos para o carro. Está coberto com um tecido
branco, as duas modelos que eu contratei o seguram. Mas o que me
choca, me deixando boquiaberto, é ver Virginia ali, junto com o
carro e as modelos. Ela parece nervosa, vejo que engole em seco e
puxa o ar com força.
O quê…?
Ela tem a atenção de todos e um microfone na mão. Minha
alma já saiu do corpo há muito tempo. Apenas o pânico me possui.
— Boa noite. Eu me chamo… Virginia — ela começa, nem
um pouco segura do que está fazendo, a voz trêmula evidencia isso.
— Virginia Montoya, esposa de Rocco. — Ergue a mão com a
aliança e mostra. — Sim, esposa.
Em passos lentos, chego bem próximo ao expositor onde ela
está com o carro. Magno se aproxima, ficando ao meu lado.
— O que a pilantra está aprontando?
Eu não tenho uma resposta para dar a ele. Apenas sinto o
impulso de tomar o microfone dela para impedir que termine de
colocar tudo a perder, porém algo em seu olhar diz que, apesar do
nervosismo, ela quer fazer isso.
— Hoje era para ser uma noite especial, para ele. — Puxa o ar
com força e segura o microfone com as duas mãos. — Por causa do
carro, claro. Como ele falou, foi um trabalho duro e feito com
paixão. Eu mesma visitei a fábrica durante a produção, e o senhor
Ruan me recebeu e mostrou toda a produção.
Olho para Ruan, tão pasmo quanto eu, mas concordando com
ela.
— E o outro motivo — Virginia continua, agora um pouco
mais firme. — Para que fosse tão especial para Rocco, é que eu
planejei fazer essa surpresa a ele. — Faz uma pausa e prossegue:
— É uma pena que aquele homem tenha deixado as coisas tão
desconfortáveis… no vídeo. Qual a surpresa que eu ia fazer para
meu marido? Ali. — Ela aponta para a linha cardíaca que sobe e
desce, acompanhando o som do coração batendo. — Este é o
segundo coração que bate dentro de mim. É o coração do nosso
bebê, Rocco.
Ouço sussurros surpresos das pessoas, e todos se viram para
mim. Eu não sei como reagir. Só olho para ela pensando no que
diabos está fazendo. Eu já sabia que ela estava grávida, fui o
primeiro a saber. Mas era uma informação que apenas nós dois
sabíamos.
— É. Rocco foi um crápula. — Agora ela se volta totalmente
para mim e até aponta na minha direção. — Este homem aí, meio
ruivo como uma cenoura, teve seu passado terrível. E eu fui
alertada quando me apaixonei por ele. Principalmente por minha
irmã. — Virginia aponta para onde Olivia está, chocada como
todos. Acho que Olivia está mais pasma do que eu. — Mas eu não
dei ouvidos e quis ver de perto. E o que eu vi foi um homem
quebrado que não conseguia mais amar por ter destruído o amor de
outra pessoa… por… saber… que foi culpado. Milena foi uma
vítima. E meu marido viverá com a culpa daquela noite pelo resto
da vida.
Franzo o cenho sem desgrudar os olhos dela; Virgínia fala
como se soubesse de todo o caso. Só consigo pensar como ela é
articulada ao falar de um assunto que acabou de descobrir com
poucos detalhes trazidos pelo vídeo.
— E eu tinha duas opções: apontar o dedo para Rocco e
culpá-lo e puni-lo ou tentar dar uma oportunidade de redenção.
Este homem, que me encheu de compras em um dia maravilhoso,
vocês podem ver, saiu em sites de fofocas. Este homem que chega
em casa cansado e só quer um banho de banheira comigo enquanto
me olha e pensa no futuro, este homem que é pai do bebê em meu
ventre e que criou isso aqui — aponta para o carro coberto — não é
mais o mesmo Rocco Montoya que errou com aquela mulher. E a
maior punição para ele será conviver com a culpa pelos erros do
Rocco antigo. Porém, querido, a sua maior bênção é saber que o
Rocco antigo não seria capaz de criar essa obra de arte — indica o
carro — e essa vida — conclui com a mão no ventre.
Virginia acena, e as duas modelos puxam o tecido que cobre o
carro, revelando-o e provocando surpresa e exclamações pela
beleza da máquina. E, impressionantemente, recebemos uma
explosão de aplausos.
E eu não consigo desviar os olhos da jovem que me fita com
sinceridade estampada nos olhos lacrimejantes.
34
VIRGINIA
***
***
Virginia está quieta, respirando ternamente deitada sobre
mim; o rosto em meu peito enquanto me abraça. A gente nunca
tomou essa posição após o sexo. E sempre quando dormíamos
nessa cama, era cada um no seu lado, mesmo que no dia seguinte,
nossos corpos estivessem unidos.
Corro os dedos em suas costas tecendo uma caricia. Minha
mente ainda inquieta, está revivendo os momentos do evento.
— Minha mãe teria gostado de ter visto você. — Digo, quase
um sopro, sem ter certeza de que Virginia dorme ou não. A
confirmação vem quando ela levanta o rosto me fitando.
Já que ela me ouve, prossigo:
— Ela era vibrante... cativante. Torcia para que eu tivesse
alguém. Queria ter um neto.
Virginia se mexe saindo de cima de mim e recosta nos
travesseiros, ao meu lado, bem pertinho. indicando que deseja
continuar com o assunto que lhe interessa.
— Qual era o nome dela?
— Safira. Ela era a minha melhor amiga. Eu fui o filho que
ela não podia ter. Conseguiu engravidar depois de muitos
tratamentos e por causa disso, não quis me deixar um segundo
sequer, abandonando sua função na empresa.
— Ela trabalhava na Montoya?
— Sim. Ela era uma das acionistas majoritárias, herdou ações
do pai dela que era sócio do pai do meu pai. Assim, meus pais
ergueram, juntos, a Montoya para seus dias de glória.
Virginia está calada e sei que tem mil perguntas para me
fazer, porque ela é curiosa e tem ânsia de me conhecer por
completo. Nem sei por qual motivo estou contando algo tão íntimo
a ela; depois da noite de hoje, sei que nada é mais como antes.
— Então eu vim ao mundo, ela se afastou para cuidar de mim,
e nos tornamos unha e carne. Meu pai até dizia que eu seria gay por
ser filho único e muito íntimo da mãe.
— E por isso a sua relação com seu pai...
— Só distanciava. Mas eu não me importava, eu a tinha.
Minha mãe era meu mundo, nada mais lá fora me importava
porque eu a tinha. Até que ela nos deixou quando eu entrei na
faculdade.
— Eu sinto muito. — Sinto o toque gentil em meu braço, mas
não olho — Como foi?
— Ela nunca me contou sobre ter um aneurisma. Ela
aproveitou os últimos dias com toda a felicidade do mundo. Fomos
só nós dois para Ilhabela, pois meu pai estava trabalhando. Eu não
a vi no caixão, então as últimas memórias que tenho dela, foram do
melhor momento que passamos juntos.
Me calo e por segundos o silêncio nos envolve. Sinto
novamente um carinho em meu braço e viro-me para Virginia.
— Obrigada... por me contar sobre ela. E quanto a seu pai?
— O que tem ele?
— Depois que... bom, vocês se aproximaram em algum
momento?
— Sim. Nos aproximamos quando comecei a trabalhar na
Montoya. Mas nunca senti que tivesse uma conexão com ele...
— Tenha certeza de que ele te amava. Do modo dele, mas te
amava. E só queria o seu bem.
Me afasto de Virginia e jogo os pés para fora da cama. Olho
em volta procurando minha cueca.
— Me prender em um casamento e me obrigar a ter um filho,
mesmo sabendo sobre minhas dores a respeito de Milena... isso não
parece amor. Parece deboche.
— Rocco, mas...
— Ele não respeitou o meu tempo ou o que eu sentia. Não
respeitou a Milena. — Pego a cueca, visto sob os olhos atentos dela
ainda na cama cobrindo os seios com o lençol.
— Mas ele fez isso com a intenção de deixar você
encaminhado com um futuro sentimental garantido. Te deixar com
uma família.
— Chega desse assunto, ok? Você nem o conhecia, não tente
o defender. — Caminho para o banheiro tentando expelir da minha
mente as palavras dela. É tarde demais para meu pai conseguir um
lugarzinho de apreço em meu coração.
***
Não dormimos a partir daquele momento. Recebi uma
mensagem de Armando, perguntando se eu podia falar. Ele não
está na cidade e ficou sabendo agora a pouco sobre o que houve no
evento. Digo a ele que pode me ligar e escolho o terraço do quarto
para conversar ao celular, enquanto a noite fresca me traz calma.
Ao terminar de falar com meu advogado, recosto na cadeira
de balanço que há ali e cravo meus olhos no céu satisfazendo-me
do golpe de felicidade que veio durante essa noite. Hoje eu estou
feliz.
Mesmo com o cansaço do dia, não tenho sono. A euforia em
querer saber o que vão falar sobre o carro, me deixa aceso. Preciso
ler a reação da mídia e critica especializada, e torço para que não
foque apenas no que David tentou fazer.
— Interrompo? — Ouço e olho para a porta do terraço
encontrando Virginia me espiando.
— Deveria estar dormindo. — Digo.
— Toma. Preparei, para ajudar a relaxar — Me entrega uma
caneca e se senta na cadeira ao meu lado, segurando outra caneca.
— O que é? — aspiro. Tem cheiro de chá. Está fumegante.
— Chá.
— Com...?
— Chá, puro, Rocco. Daqueles saquinhos que tem na
despensa.
— Tá bem. Toma esse — entrego a minha caneca a ela e tomo
a outra de sua mão — Não sei se ainda posso confiar em você.
Minha atitude provoca risada em Virginia, e não protesto.
— Acha que eu ia colocar Tesão de Touro no seu chá? Não
faz sentido, acabamos de transar.
Ouvir isso me diverte.
— E se decidiu me matar para ficar com minha herança?
— Droga. É um bom plano. Logo agora que eu tenho um filho
seu na barriga...
— Seria o golpe perfeito. — Beberico o líquido quente —
Hum... muito bom o chá.
— Obrigada. — Agradece. Eu bebo mais um pouco e junto
com um golinho quente, aspiro o ar a minha volta sentindo o bom
aroma do jardim que contorna a casa. Dou mais um gole, e quando
olho para o lado, Virginia está parada me fitando; nem pisca. E tem
um sorrisinho bobo nos lábios.
— O que foi? — Elevo as sobrancelhas.
— Nada. Estou apenas olhando.
— Cirilo está perdendo feio para você ultimamente.
— Eu nem falei nada. — Ela ri.
— Fazendo chá para mim. Me olhando desse jeito.
— De que jeito?
— Como se eu fosse a sua Maria Joaquina. Cuidado, Virginia.
Apaixonar por Rocco Montoya é sempre uma cilada.
Repentinamente, ela fica séria e morde o lábio, e até tenta
despistar como se eu não fosse perceber que há um pensamento
intrigando essa cabecinha.
— O que quer saber? Pode falar. Aproveita que estritamente
hoje, estou maleável.
— Como era... com ela? Com a Milena? Você a amava?
Certo. Um assunto que sempre acaba com qualquer pingo de
felicidade que eu possa sentir. Mas eu dei a ela o crédito de
perguntar.
— Tínhamos algo bom. Foi a primeira que eu quis ir adiante.
Ter um futuro.
— O que houve de fato? — O tom cauteloso de Virginia
incrivelmente me acalma. Sei que ela está tentando não me tirar do
sério.
— Você não sabe? Falou hoje no evento como se já soubesse.
— Não posso negar. Eu vi algo sobre ela na internet, quando
nos casamos. Mas como você nunca tocou no assunto, presumi que
era um ponto que não deveria tocar.
— Pensou certo. Detesto percorrer de volta a aquela época.
Virginia segura a caneca e nem faz questão de beber o chá,
apenas me observa atentamente. O conteúdo da minha caneca já
está quase acabando e eu dou os últimos goles antes de enfim
confessar em voz alta:
— Eu sempre volto para o mesmo ponto, Virginia. Para a
baixaria que talvez esteja impregnada em minha alma. Eu gostava
de Milena, nos casaríamos e teríamos um filho. Uma casa, uma
família. Não havia razão para que eu pudesse querer ser livre...
beber e trepar quando quisesse.
— E você fez?
— Sim. E ela viu. Saiu enlouquecida dirigindo pela noite... o
carro capotou em uma curva. Ela perdeu o bebê e ficou quase um
ano em coma. E ainda sofre sequelas daquela noite. Eu acabei com
a vida daquela mulher.
— É... você fez isso. — ela olha para a caneca aconchegada
em suas mãos — E agora?
— Como assim, “agora”? Não existe mais nada que eu possa
fazer por ela. Apenas me culpar e me arrepender.
— Mas vai se permitir mudar, ou prefere andar em círculos?
Encaro-a entendendo o que ela quer dizer. E não sei se desejo
ter essa conversa assim. Prometer algo a uma mulher que nem
deveria estar aqui. Virginia teve azar de cair nesse casamento
fracassado. Ela merecia mais.
— Você não precisa me dar qualquer resposta. Sabe que
nunca cobrei isso. Porque qualquer tantinho que eu receber será
lucro, já que não cheguei até aqui com grandes expectativas.
A fala de Virginia traz de volta o golpe das palavras do pai
dela e eu engulo um nó.
— Você tentou de tudo.
— Mas fui consciente que seu orgulho sempre foi maior. O
que eu quero dizer é que você pode dar o que seu pai, Romeo, meu
pai, Milena e a família dela sempre falaram de você, confirmar as
palavras deles. Ou você pode escolher surpreender todas as pessoas
que sempre deram zero credibilidade a seu nome. Você pode se
perdoar e não insistir nesses erros.
— Não é bem assim...
— Você me contou que suou muito para fazer Romeo confiar
em você e aceitar a parceria. Montoya é um nome forte por causa
da marca que seu pai e sua mãe batalharam para levantar. Faça que
o nome Rocco também seja tão forte. Não permita que eles te
coloquem como chacota.
Eu não levanto e nem tento calar Virginia. Simplesmente
mantenho meu foco no rosto persuasivo dela. Há brilho
apaixonante em seus olhos, em seu sorriso. Ela segura minha mão e
faz uma caricia na aliança.
— Quando você me arrastou para seu escritório, no dia que
assinamos o contrato pré-nupcial, eu disse que você combinava
com aquela sala, e combinava com poder e, portanto, eu combinava
com você. Não que eu queira poder e riqueza, eu quero o melhor do
que eu nunca tive. Não quero ver você saindo em páginas de fofoca
com outras mulheres, ou chegando bêbado aqui, ou passando três
dias fora. Eu te garanto que estou preparada para passar por isso,
e... droga... uma mulher não deveria se preparar para esse destino
com o cara que ela gosta.
Levo segundos para digerir o que escuto. Não é algo novo
jogado em minha cara, eu mesmo já tinha apontado essas falhas. Se
quero ser um pai melhor do que o que eu tive, outras atitudes
devem ser tomadas.
Seguro a mão dela por cima da minha e fito seus olhos.
— Detesto dizer isso, mas vou torcer para que você ainda
esteja aqui, e que ainda acredite nessas palavras.
Virginia se levanta da cadeira dela, senta-se no meu colo e
abraça meu pescoço. De olhos fechados, enterro o rosto na curva
do seu ombro inalando seu cheiro.
— O coração do Cenourão enfim amolecendo. — Ela diz.
— Uma bosta que está. — Afasto repentinamente. Com
cuidado me levanto mantendo-a agarrada ao meu corpo. — Com
sono?
— Nem um pouco.
— Deve ser umas quatro da manhã. Quer transar para ver se o
sono vem? Melhor que chá para relaxar, é o chá de pica.
Virginia gargalha enquanto levo-a de volta para o quarto,
caindo os dois na cama.
36
VIRGINIA
***
Meus dias de casada, progrediam, sempre descobrindo
melhores momentos ao lado de Rocco. Quando imaginei que
aquele homem fechado e bruto que conheci, poderia sentar comigo
usando apenas calça do pijama, para assistir televisão?
Esse mesmo homem que cismou que faria a nossa pipoca para
acompanhar o filme escolhido, e acabou queimando a mão quando
tirou o saco de pipoca do micro-ondas e o abriu, sem precaução.
E ver tv com Rocco, se mostrou ser uma atividade curiosa, já
que ele quer comentar cada momento, principalmente quando é
algum capítulo de Carrossel.
— Isso não faz sentido, caramba. — Esbravejou certo dia ao
ver uma cena qualquer da novelinha.
— Meu Deus, Rocco! É novela de criança. Não precisa fazer
sentido. — Contestei em meio aos risos.
Talvez não fossemos ainda um casal que se ama, mas ser
amiga dele, deixou-me completamente boba. Tão boba que um mês
se passou desde o evento do carro, e eu simplesmente esqueci que
havia algo que talvez pudesse acabar com o meu mundinho
perfeito. Algo que eu mesma criei, e não sabia como jogar a
verdade para ele.
37
ROCCO
***
— O que isso parece para você? Hein? Me responda?
Na sala de Magno, na Orfeu, ando de um lado para outro
enquanto ele analisa o meu celular.
— Não sei. — Enruga a testa ao me fitar — Virginia e seu
pai? Está meio embaçado...
— É isso, caralho! — Vibro — Não tô louco.
— Que merda é essa? Uma montagem?
Tomo o celular dele, coloco o vídeo para rodar e espero
Magno assistir. Quando assiste, me encara mais confuso do que
antes.
— Está vendo? — De forma neurótica bato na mesa
assustando Magno — Eles foram filmados, sem saber. Agora eu te
pergunto, de quando é essa filmagem?
Esfregando a barba, ele pensa. Semicerra o olho, que ainda
está roxo devido a briga com o primo, e volta a me fitar.
— Você viu seu pai morto? No necrotério... no caixão?
— Nem pisei no necrotério, os advogados dele resolveram
tudo, mas eu o vi no caixão. Não tem como ele estar vivo, se é isso
que está pensando. Isso aqui — bato o dedo na tela do celular —
Foi antes de ele morrer.
— Então... Virginia conheceu seu pai? Ela já mencionou
algo?
— Não. Eu já fritei meus miolos, cara. Já pensei em todas as
possibilidades.
— Isso pode ter sido aleatório. Ela parou em um banco,
sentou-se ao lado de um senhor e conversou com ele sem saber que
era o seu pai. E o drone filmou. Hoje você está um pimentão e não
uma cenoura. Mantenha a calma.
— É isso. — Sopro longamente — É exatamente isso que me
vem a cabeça. É mais fácil acreditar que ela conversou com um
velho qualquer, e tudo foi coincidência, do que tentar imaginar as
motivações dela. Não vou mais pensar nisso.
— É...
— É? É o que?
— Eu só concordei com você. — Magno esconde a expressão
e dá de ombros.
— Você falou um “é” com dúvida. Me diz o que está
pensando, Magno.
— Também não é para passar uma borracha e fingir que não
aconteceu. Sabemos que Virginia é uma trambiqueira de primeira.
Ela conseguiu se enfiar no meu clube, com a segurança mais
reforçada que a da Casa Branca. Pensa aí, irmão, já notou algo de
diferente, que te fizesse pensar...
Desabo em um sofá preto de couro e observo-o pegar uma
bebida. Com os dedos afundados no cabelo e a cabeça baixa, penso
em cada pequena coisa desde que conheci Virginia.
“...Sentar no banco da praça por alguns minutos, dar farelos
de biscoito aos pombos, puxar papo com algum idoso solitário...”
A voz da minha esposa ricocheteia em minha mente, com sua
resposta modesta no jantar na casa dos pais dela, quando a
perguntei o que gostava de fazer.
Porra...!
Depois relembro dela defendendo meu pai, dizendo que ele
sempre quis o meu melhor e queria me deixar com um futuro
encaminhado.
“Não o defenda. Você nem o conhecia.” — Respondi a ela
naquela ocasião.
A mente me leva a um pouco antes, quando vi o outro perfil
de Instagram no celular dela, mostrando que ela me conhecia, ao
menos pela internet, antes de sermos formalmente apresentados.
Levanto o rosto para Magno que está em pé em minha frente
oferecendo-me um copo de uísque.
— Ela sabia que aquele senhor era meu pai. Ela se casou
comigo, me conhecendo e sabendo da minha vida.
***
Meses antes
Eu nunca tive pretensão de ser alguém na vida. Minhas irmãs
e eu fomos ensinadas a não ter esse tipo de desejo considerado
mundano e fantasioso demais. Meu pai sempre dizia, com sua voz
rancorosa e cruel, que mulheres que saiam para trabalhar fora, eram
piranhas nas horas vagas. Coisas horríveis para se escutar a
primeiro momento, mas rotineiras e sem importância para nós três
que passamos a vida ouvindo dele coisas do tipo, mascaradas de
instruções sobre como uma boa garota deveria se portar. Eu jamais
levei a sério.
Não sei em que ponto da minha vida nasceu uma rebelião
interna, contra a tirania, contra o sistema. Meu pai me surrava até
cansar, dizendo que eu era do sangue ruim do meu avô. E isso só
me fortalecia. E o grande estopim veio com o casamento de Olivia,
com um velho seboso amigo do meu pai. Eu não ia deixar que um
destino parecido acontecesse comigo. Ouvi um dia ele comentando
com minha mãe que já tinha um amigo dele interessado em mim.
Outro amigo, outro velho pervertido.
Eu queria ser a capitã da minha jornada e ninguém ia tirar de
mim o direto de escolha. Naquele dia, eu decidi que eu escolheria o
meu pretendente.
Minha revolução começou silenciosa; para quê alardear e ser
rapidamente calada? Eu me conheci primeiramente, meu corpo e
minha mente. Ingenuidade é achar que toda virgem é boba. E o
celular que ganhei do meu avô, foi arma fundamental para que eu
me fortalecesse.
Tudo mudou em uma tarde de junho, quando o frio trincava os
ossos. Eu o vi.
Minha mãe sempre levou uma de nós para ajudá-la no
supermercado, e eu estava paralisada observando-o atravessar a rua
em um semáforo. Ele era alto, esguio e sua elegância se sobressaia
em relação aos outros pedestres. Usava um sobretudo preto por
cima de um terno. Vi seus cabelos avermelhados dançarem no
vento e sua expressão fechada em um mundo que só ele conhecia.
E de repente, tive desejo em olhá-lo de perto. E sabia que se
perdesse o estranho de vista, não o encontraria nunca mais.
— Virginia? Não está me ouvindo? — Virei rapidamente o
rosto encarando minha mãe. — Pegue um carrinho para mim. —
Ordenou aguardando alguma ação da minha parte. O belo estranho
entrou em uma cafeteria no outro lado da rua.
— Aqui está, mamãe. — Entreguei a ela o carrinho. — Será
que pode me dar dois minutinhos? Eu gostaria tanto de tomar um
café daquele. — Eu não sabia que tipo de impulso estava me
tomando. Queria olhar o estranho e sair. Apenas isso.
— Café? — Ela olhou para o outro lado e de volta para mim
— Que bobagem é essa? Lá em casa tem café.
— Eu sei... mas é só desejo mesmo. Ainda mais nesse frio.
Voltou a olhar para o estabelecimento do outro lado da rua,
franzindo o cenho, soprou e pareceu convencida mais rápido do
que eu esperava. Abriu a bolsa, tirou uma nota de cinquenta e me
entregou.
— Traga um para mim. Só se for feito agora. Traga o troco.
Bati as minhas botinhas gastas no tapete de entrada e observei
ao redor na aconchegante cafeteria. Ele estava no balcão e
conversava com um dos atendentes. Esfreguei uma mão na outra,
fingi desinteresse olhando o cardápio na parede e corajosa como
sempre fui, sentei-me na banqueta ao seu lado. Meu coração
disparou ao sentir a proximidade.
O que eu estava fazendo? Perseguindo um estranho? Que
loucura.
— É mesmo um tempo horrível para fazer diversas atividades.
— O estranho falou ao meu lado, na sua conversa particular com o
bartender e meu coração palpitou ainda mais ao ouvir a voz dele.
Meu corpo se arrepiou e não pelo frio.
Ensaiei uma espiadinha de lado enquanto folheava o cardápio.
— Pelo menos para dormir, é ótimo. — O atendente disse e
ele concordou. — Li em algum lugar que a Montoya pode voltar
para a Fórmula 1. — O bartender continuou tagarelando e o belo
estranho respondeu:
— Torcendo para que dê certo. Estamos em negociação. —
Recebeu o copo e bebeu sem pressa enquanto mexia no celular.
E se eu me apresentasse? Puxasse assunto... tentasse chamar
atenção dele?
Seria loucura.
Rapidamente fiz o pedido de dois cafés para viagem, e como
pedi simples, saíram logo. Não tinha mais por que eu ficar ali.
***
Dei vasão a minha curiosidade homérica naquela noite, em
casa, após ver o bonitão estranho na cafeteria. Ele não saia da
minha cabeça, e o nome que o bartender falou pulsava feito uma
dorzinha insistente. Montoya.
Era madrugada quando saí do quarto, desci a escada, entrei no
escritório do meu pai, correndo todo o risco do mundo, e liguei o
wi-fi da casa. Ele sempre desligava para evitar que a gente pudesse
entrar na internet. Tanto pelo meu celular, como pelo computador
velho que ficava no corredor próximo ao quarto deles, destinado a
trabalhos escolares de Joanne.
Montoya Motors. É uma empresa automobilística bilionária
comandada por Adão Montoya e seu filho Rocco Montoya.
Rocco. Era ele.
Meu belo estranho tinha um nome.
Com a tensão explodindo em meu peito, busquei o principal
sobre ele: estado civil, solteiro. Quase saltei da cadeira. Soprei
minha mão suada de nervosismo e continuei a pesquisa,
encontrando centenas de fotos de Rocco com mulheres diferentes.
Algumas fotos capturadas em momentos sorrateiros. A pesquisa
voltou-se para Adão Montoya.
Salvei algumas fotos de Rocco em meu celular e poderia ser o
fim. O ponto final. Era algo inalcançável que eu poderia apenas
observar. Mas não consegui parar por aí. Toda vez que o wifi
estava ligado, lá ia eu novamente pesquisar sobre a Montoya e
sobre a família.
Li sobre a empresa, sobre a crise que eles passavam e sobre a
divergência de pai e filho. Causa da instabilidade nos negócios.
Salvei o endereço da casa deles e esperei pacientemente até
que pudesse sair de casa por conta própria. Eu simplesmente fugi,
sem pedir permissão a minha mãe. Sem dinheiro para taxi, peguei
um ônibus e andei mais um pouco até chegar no bairro onde ficava
o endereço que salvei no celular.
O que eu estava fazendo praticamente do outro lado da cidade,
sozinha, sem dinheiro, e sem permissão? Em frente a uma mansão
de alguém que eu não conhecia?
Que merda, Virginia.
Escondida atrás de um poste do outro lado da rua, observei
por minutos na esperança de que pudesse flagrar meu muso secreto.
O tempo correu, eu tinha que voltar para casa e arranjar uma boa
desculpa para ludibriar minha mãe. Então da mansão saiu ninguém
menos que o senhor Adão.
Com os olhos o acompanhei andar sem pressa, cabisbaixo e
aparentemente triste. E eu o segui a passos de distância até chegar a
um parque arborizado. Calmamente, o homem tomou um banco e
lá ficou.
Vai para casa, Virginia.
Vai para casa, Virginia...
Não fui. Caminhei até lá e me sentei ao lado do senhor que me
ignorou de início até eu dizer:
— Descansar um pouco as pernas antes de voltar a caminhar.
Primeiro, passou os olhos pela minha roupa. Olhou por
segundos o meu rosto e sorriu gentilmente.
— Não parece estar fazendo caminhada.
— Não estou. Me perdi. Peguei o ônibus errado e aproveitei
para conhecer esse lado da cidade. — Eu sempre consegui
representar, ou melhor, mentir, de forma natural.
— De onde você é?
Vi o susto banhar sua face quando eu respondi falando o meu
bairro.
— É muito longe, garota. — Constatou, abismado.
— É sim. O senhor mora por aqui?
— Sim. Um pouco mais acima.
E assim, nasceu uma amizade. Eu queria me aproximar de
Rocco porque o achei bonito. Porém o destino me colocou o
senhor Adão no caminho; um homem que precisava de uma mão
estendida. Eu queria continuar o encontrando, e por isso tive a ideia
do curso de culinária. A finalidade do curso não foi para ver Rocco,
foi para encontrar Adão na praça três vezes por semana, à tarde. E
não serei sonsa a ponto de dizer que não teve nada a ver com
Rocco. Teve sim, lógico. Eu via naquela amizade uma chance de
me aproximar do bonitão da cafeteria. A cada encontro com o
senhor Adão, a cada conversa, a sensação de que eu poderia ficar
cara a cara com Rocco só crescia.
Até que esse assunto nasceu. Do nada, não da minha boca,
mas sim dele. Partiu de senhor Adão a ideia de que eu seria perfeita
para o filho ranzinza e mau humorado, e eu acabei confessando
minha atração pelo nosso vilãozinho em comum.
— Eu acho seu filho atraente. Ele é bonito, elegante. Mas olha
para mim... Rocco jamais repararia em mim.
— Você não é mesmo o tipo fútil que ele pega. Você é
vibrante, de bem com a vida, sorriso fácil. Além de jovem e
humilde. Não teria pretendente melhor que eu pudesse deixar para
o cabeça dura do meu filho.
— Deixar? Como assim? — Indaguei dando importância a
última parte da fala dele.
— Ah, minha filha. Estou de mal a pior. Um tumor descoberto
tarde demais. Não tenho muito tempo para colocar a casa em
ordem, posso partir a qualquer momento. Até recusei o tratamento
que só vai me desgastar sem garantias.
Fiquei pasma. Sem resposta. Sem conseguir consolá-lo ou
tentar dar uma palavra positiva. Naquele dia, abreviei a minha
visita e fui embora. Passei a noite praticamente em claro, remoendo
o sofrimento que vi nos olhos daquele homem. Talvez não sofresse
tanto porque ia morrer, e sim por não ter alento da única família
que ele tinha. E antes de julgar o meu bonitão da cafeteria, eu
queria saber a motivação do pai e do filho.
Seu Adão me esperava na praça, nosso ponto de encontro.
Segundo ele, conversar comigo estava sendo melhor que a consulta
com o terapeuta.
— Com a morte da mãe, Rocco se transformou. — O homem
me explicou, cabisbaixo, semblante caído. Não parecia ter tido uma
boa noite de sono — Se fechou em um mundo que, tenho pra mim,
seja impossível alguém adentrar. E nossa rixa piorou com a disputa
pela liderança da montadora.
— O que ele quer na verdade?
— Ele quer poder. Ele quer me expulsar de lá e comandar
tudo. E eu não vou permitir isso.
— O senhor precisa contar para ele da sua enfermidade.
— Para que? — Esbravejou assustando-me contra a sua
vontade. — Para ele ter motivos de sobra para me afastar? Não
duvido que Rocco possa me trancar em uma clínica com ordem
judicial e me esquecer lá.
— Mas... não vai ficar tudo para ele, de qualquer forma?
— Virginia... se você conhecesse ele um dia apenas, saberia
por que eu temo. Rocco é canalha, festeiro, sem um pingo de
responsabilidade. Ele acabou com a vida da noiva porque não
soube... segurar a... a braguilha. Peço perdão pelas palavras.
Eu estava chocada. E queria saber mais sobre a tal noiva. Li
por alto sobre um acidente que aconteceu, mas não havia muitas
informações. E seu Adão não polpou os detalhes que eu precisava.
Ele foi direto no ponto crucial me dando informações arrepiantes
sobre Rocco e seu modo de vida nem um pouco responsável. Com
a mão no peito, pasma, descobri que Rocco ia ser pai e ainda assim
traiu a noiva gerando a perda do bebê e deixando a mulher em
estado grave.
Mais uma vez, passei a noite intrigada com a novas
informações. Dessa vez, pensando em uma saída para o problema
de seu Adão. Algo que ele pudesse fazer para tentar mudar o filho,
e tentar partir em paz. Mais uma vez, a internet me ajudou.
Pesquisei durante horas sobre testamentos e inventários. Li casos e
mais casos pelo mundo sobre pessoas que tinham deixado regras
estranhas para que os herdeiros tivessem que cumprir.
Com a ideia se formando, liguei para seu Adão pedindo que
me encontrasse. O celular era um bom subterfugio para falar com
ele, mas era um assunto que pedia olho no olho. Eu tinha a saída
para seu Adão, e me ajudaria ainda por cima.
— Uma regra para o testamento? — Ele me fitava sem piscar,
perplexo de um jeito positivo. A ideia lhe agradava.
— Rocco vai ficar com a fábrica assim que o senhor partir.
Mas... e se ele precisasse cumprir alguma regra específica para
isso?
— Como...
— Só poderá ter acesso as ações da empresa, quando se casar.
— Hum... — pensou um pouco e revidou: — Ele pode se
casar com qualquer amiguinha, e divorciar logo depois.
— Não se houver mais regras. Um filho. Ele precisa gerar um
filho e as ações do senhor, vão para o seu futuro neto. E Rocco será
o tutor do menino, podendo comandar a empresa, mas sem ter
domínio total.
— Eu nem sei se isso é possível... judicialmente.
— Eu também não sei. Mas li sobre casos absurdos de regras
em testamentos. O senhor pode ter ajuda de advogados experientes.
— Mas... meu filho não tem um pingo de amor. O que garante
que ele não vá colocar um filho no mundo e sumir?
— Bom... isso aí já é sobre o caráter dele. Mas o senhor parte
sabendo que Rocco ficará com uma esposa e um filho.
— Isso vai garantir que ele tenha uma família. — Refletiu.
— Exato.
— Encaminhar meu filho para um bom futuro...
— É o que eu pensei.
— Mas... e quem seria essa mulher? Você topa?
— O que? Eu...? como poderia?
— Eu poderia deixar seu nome no testamento, como regra. Eu
poderia passar meus bens para você e então Rocco teria que se
casar com você.
— Não, senhor Adão. Em hipótese alguma. Rocco ficará
muito furioso com esse testamento, e se eu estiver ligada a ele, tudo
que sentirá por mim, será ódio. Ele sempre vai me ver como um
plano do senhor.
— É. Você pensa em tudo. Tem razão. Eu não posso nem
mesmo te apresentar a ele. Ultimamente ele tenta me pirraçar de
todas as formas, é capaz de te desprezar só para me atingir.
— Infelizmente...
— Mas, Virginia, tinha que ser você.
— Certifique que o testamento seja válido. Eu sei como agir.
Ele segurou minhas mãos sorrindo, um pouco mais animado.
— Eu sei que você sabe o que fazer.
39
VIRGINIA
***
Uma enfermeira nos leva ao quarto onde Virginia está e
depois que Romeo e Olivia vão embora, eu fico ali sozinho sentado
ao lado da cama, apenas olhando o jovem rosto adormecido. Está
corada agora, diferente da lividez que tomou suas feições no
momento da queda. Acaricio seus dedos e sinto desconforto ao ver
o anelar sem a aliança. Eles tiraram e me entregou. Ainda assim, é
estranho ver Virginia sem o símbolo que prova o nosso
compromisso, a nossa união.
Minha. Não tem mais volta. E eu me sinto bem ao pensar isso.
Virginia acorda quando já é noite. Ela tem um braço
imobilizado, usa um colar cervical e parece confusa tentando olhar
para os lados. Adianto-me depressa para impedir que ela faça
movimentos bruscos.
— Ei. — Sussurro. — Você está no hospital, fique calma.
— Rocco...? — foca em meu rosto e parece gostar de me ver.
— Sim, sou eu. Estou aqui.
— Droga. — Ela resmunga tentando se mexer. — Meu
ombro...
— Tente não se mexer. Eles já cuidaram disso.
Me sento na cadeira ao lado da cama e seguro a mão dela,
acariciando os dedos tentando acalmá-la.
Aos poucos, conforme toda a memória e consciência volta,
Virginia fica mais ansiosa. Faz menção de tentar se levantar, mas
falha na primeira tentativa.
— Virginia... precisa se acalmar.
— Me diga, Rocco... aconteceu algo com... o meu bebê?
— Ele resistiu fortemente. Vocês estão bem.
— Ah! Graças a Deus! — Solta um suspiro audível, que me
faz sorrir — Eu não queria perdê-lo, Rocco. Eu sei que você está
furioso, mas...
— Eu também senti medo de perdê-lo. Eu o quero, mais do
que tudo.
— Você quer?
— Independente de como tenha sido... dos meios que nos
juntaram.
Repentinamente, ela aperta minha mão. Está olhando para o
teto já que não consegue virar o pescoço e me olhar.
— Me desculpa... me perdoe por ter feito tudo. Eu nunca fiz
mal a seu pai, eu nunca me aproveitei dele.
Fico de pé, inclinado sobre a cama e enfim Virginia pode ver
meu rosto. Com o polegar, limpo a lágrima que desce em sua
bochecha.
— Eu acredito. Meu pai não era nenhum inocente que se
deixa manipular.
— Eu me arrependo de ter tomado aquele caminho... eu dei
voz a fantasia louca de uma jovem que nunca teve nada... só queria
me aproximar. E jamais conseguiria se te abordasse de maneira
normal. Você nunca teria olhado para mim.
— Não diga isso. Você poderia ter tentado.
— Eu tentei. — Ela começa a rir em meio ao choro — Um dia
na cafeteria. E você me confundiu com uma pedinte. — Rio junto
com ela relembrando desse momento.
— Como você ainda quis planejar para se casar com um cara
tão detestável quanto eu?
— Ah... sei lá. O que eu tinha a perder? Na minha cabeça... eu
via sinais que sempre me levavam a você. Como quando desistir de
tentar algo, mas um carro Montoya freou em cima de mim na rua, e
eu vi que era um sinal para não parar.
— Eu entendo. Para gente doida qualquer acontecimento é
sinal.
— Não fala isso. — A expressão de dor que estampa o rosto
dela, se torna cômica quando rir. — Estou ferida.
Tiro a aliança dela do meu bolso, seguro sua mão e enfio
novamente em seu dedo.
— Me desculpe pelo que eu falei... sobre dinheiro. — Peço
deixando claro a minha sinceridade — Mesmo que eu tenha ficado
bem puto, sei que isso não importa para você.
— Sempre foi o meu erro... querer um homem mais do que
uma conta bancária recheada.
— Até porque o tal homem vem com a conta bancária
recheada, né? Dois coelhos numa tacada só.
— Cretino. Ai.
— Fecha os olhos e descanse. Eu não vou sair daqui.
***
Fizemos uma celebração intima só para amigos e claro, para a
internet inteira já que Virginia passou a usar suas redes com
frequência. Adora me pegar desprevenido em momentos comuns
para postar. E ela diz que minhas fotos são sucesso garantido entre
seus seguidores.
— Você está usando a minha imagem para se promover,
Virginia.
— De que serve marido bonito se não for para isso? — Ainda
por cima, tripudiou.
A área da piscina está decorada com azul e rosa onde
receberemos os convidados. Tem até um bolo que segue as mesmas
cores da decoração. Está mais parecido com um aniversário
infantil.
E teremos quase uma gincana para revelar o sexo do feto.
Cada convidado recebe um envelope na chegada e deve manter
esse envelope fechado. Ao lado do bolo há dois painéis, um de
“menino” e o outro de “menina”. Quando chegar o momento, cada
convidado, um por um, abre seu envelope e cola nos painéis o que
tiver. Uma estrelinha rosa no lado de “menina” ou se for uma
estrelinha azul, no lado de “menino”.
Eu achei isso uma tremenda besteira brega, mas Virginia e as
irmãs planejaram tudo, e nem me deixaram saber qual o sexo.
— Não gosto de vir nessas coisas. — Magno adianta logo, ao
lado de seu primo espanhol. — Pensar em filhos me empola todo.
— Hum... — acaricio minha barba encarando os dois. —
Vocês não vão criar problemas aqui não, né? Aquela briga
generalizada...
— Que nada. — Magno bate no ombro do primo que o olha
torto. Amadeozinho já teve o que merece. Mas me diga, Rocco, que
merda é isso aqui? — Balança o envelope que acabou de ganhar.
— Guarda essa porra com cuidado e não abre. Pode ir
circulando.
— Fosse em outra época, eu bem que suspeitaria que teria
uma carreira de coca aqui dentro.
Apenas rio e me afasto rápido para continuar recebendo os
convidados. Virginia está com um vestido longo branco e acabo de
chegar à conclusão de que Franco tinha razão: ela está grande
demais. Mas a médica afirmou de pé juntos que é um só.
— Nossa primeira festa social. — Cochicha quando me junto
a ela na mesa de doces e capturo um docinho. Tem tanto docinho e
balões, mas nenhuma criança. Só adulto. — Teve a festa que dei na
piscina, mas você acabou com ela...
— Recorde com carinho daquele dia. Provavelmente foi ali
que você engravidou. — Retruco.
— Será que não foi no dia do tesão de touro? — Ela debocha
arrancando risada de nós dois.
— Olha lá. Não acredito que ele teve a cara de pau. —
Vocifero, interrompendo a risada ao ver o pai de Virginia chegar
acompanhado de outro homem que eu conheço razoavelmente. O
outro é Cesar, ele circula no meio empresarial, mas não com
frequência.
— Rocco. Deixa. Hoje não é o momento.
— Deixa o cacete. É minha casa. — Me afasto dela e chego
bem no momento de impedir que ele receba um dos envelopes.
— Não. Ele não vai participar. — Digo a mulher que está
entregando. Cumprimento com um aceno o homem convidado de
Antônio e só então miro o meu sogro. — Antônio. Que surpresa.
Achei que tinha sido claro da última vez.
— Vai me expulsar da festa, Montoya? Criar uma situação?
Minha esposa e minhas filhas estão aqui.
— É. Você sabe mesmo jogar. Pode se sentar, ficar à vontade.
Mas quero te lembrar que não é bem-vindo aqui e eu só não mando
os seguranças te tirarem por pura aparência mesmo.
— Rocco, meu jovem. — Bate no meu ombro acendendo
minha ira. Virginia me segura. — Você está só começando na vida.
— Tudo bem. — Virginia segura meu rosto em suas mãos
obrigando-me a olhá-la. — Só ignorar. Eu lidei com ele assim a
vida toda.
Foi difícil, mas consegui seguir com o evento, fingindo que
estava tudo bem, dando atenção a meus convidados enquanto
ignorava o pai de Virginia.
O grande momento enfim chegou. Eu tentava disfarçar, mas
estava mais ansioso que qualquer um ali. Eu dizia que não
importava, mas no fundo, acho que queria um menino. Ter um
primogênito que será meu companheiro de estrada. Posso ensinar
mil coisas a ele, ser o melhor amigo do meu moleque. Porém
acabava pensando que poderia fazer o mesmo caso for uma
menina. Além, claro, de protegê-la com unhas e dentes.
Os homens presentes não se intimidaram como eu e deixaram
claro a sua escolha:
— Tem que ser moleque, ouviu? — Alguém gritou e foi logo
rebatido por uma voz feminina:
— Será uma menina e ponto final.
— Vamos descobrir esse impasse agora. Vamos começar
daquele lado. — aponto para o lado, a primeira pessoa levanta, abre
o seu envelope tirando a estrela azul.
Os homens comemoram como se fosse um gol.
Mais uma azul, e mais outra e outra.
São quatro estrelas azuis e já tem um coro na plateia cantando:
“É de lavada! É de lavada!”
— Homens e sua infantilidade. — Virginia cochicha ao meu
lado.
A primeira estrela rosa sai e as mulheres aplaudem. Sai outra
e mais outra. Meu coração acelera, o nervosismo me faz suar. E já
tem um tímido coro de mulheres provocando: “Ó, ó, ó, de virada é
bem melhor”
— Liga não, amigo! — Um cara grita da plateia para mim. —
Mulheres são péssimas em puxar a sorte com uma comemoração.
— Eu vou ser o último e vou decidir essa merda. — Escuto a
voz de Magno em meio a farra dos convidados.
— Com essa demora, o bebê vai acabar nascendo. — Agora é
a vez de Lorenzo gritar.
— Próximo! Agiliza aí, pessoal. — Grito. Olivia vem, dá um
pulinho ao tirar uma estrela rosa, comemorando com Virginia.
Romeo vaia ela mostrando os polegares para baixo.
As pessoas vão se levantando uma por vez, e as estrelas
aumentando nos painéis. Falta pouco.
— O placar é de: vinte e duas estrelas rosas e vinte e duas
azuis! — Aviso após contar uma por uma.
— Falta a minha. — Magno vem para frente abanando o
envelope dele.
— E falta a nossa. — Pego o meu envelope e Virginia o dela.
— Então abra o de vocês. Eu fico por último. — Ele insiste —
A minha sorte vai te trazer o garotão. Confia.
— Se tiver uma estrela rosa no seu envelope, Magno...
— Não tem, porra. Vai dar macho.
Eu abro o meu e sai uma estrela azul. Os homens vibram.
Virginia abre o dela e sai uma estrela rosa. Fica na mesma,
agora: vinte e três a vinte e três. Magno se enche de orgulho com o
último envelope. Ele adora ser o centro das atenções. Está se
exibindo, com o sorriso de orelha a orelha. Dá uma piscadinha para
a pessoa que filma com o celular e rasga o envelope.
O suspense cala todo mundo. Magno enfia os dois dedos,
puxa a estrela e a levanta no alto. Caralho, é rosa!
Ao ouvir Virginia berrar e as irmãs correrem para abraçá-la,
Magno olha assustado para a estrela em sua mão. Há um celular
filmando a minha reação embasbacada, junto com Magno que está
inconformado.
— Caramba! Evidentemente isso foi roubado. — Ele abana as
mãos e caminha para o meio dos homens que debocham dele em
coro:
“Lafaiette pé frio!” “Lafaiette pé frio.”
Deixo-os de lado e abro os braços para Virginia. Ela corre até
mim, aninhando-se no meu abraço.
— Gostou? — Me pergunta.
— Eu amei. É a nossa pequena cenourinha e infelizmente para
você, eu amo uma segunda garota agora.
Nos beijamos ali, ao som de aplausos e confetes estourados
em nossas cabeças.
— Para quem deseja saber. — Começo a dizer quando enfim
fazem silêncio. — Tínhamos escolhido os nomes, e Virginia quis
homenagear a minha mãe que ela não teve a oportunidade de
conhecer. Minha mãe tinha nome de uma pedra preciosa, se
chamava Safira. Nós decidimos que nossa filha também terá o
nome de uma joia. Em breve, vocês conhecerão a Pérola.
— Muito obrigada a todos que participaram conosco desse
momento. Agora, podem beber, dançar e fofocar à vontade. A festa
está só começando.
***
Pérola Montoya, a minha primogênita, nasceu em uma manhã
de sexta-feira. A gravidez de Virginia foi considerada tranquila,
fizemos tudo que estava ao nosso alcance e Virginia não é só uma
boa trambiqueira, é uma boa mãe e se cuidou bastante. Quase não
teve enjoos; o que foi o contrário de desejos. Todo dia era um
desejo diferente que eu não media esforços para saciá-los. Desde
que fosse possível.
Fizemos compras juntos, escolhendo tudo que a bebê poderia
precisar. Não sabia que algo assim poderia ser tão satisfatório.
Montamos o quartinho dela, que ficará ao lado do nosso e mandei
inclusive abrir uma porta para interligar os cômodos. Preparamos
toda a casa para receber a nova inquilina que chegaria a qualquer
momento. A barriga enorme de Virginia era uma prova disso.
E para comemorar o nascimento da minha filha, fiz uma
edição especial do Revenge chamado Perola Revenge. E tudo que
eu fizesse, ainda parecia pequeno diante de minhas realizações.
Então o dia chegou e eu pude conhecer o rostinho da minha
maior felicidade. Uma bebê. É incrível em como eles chegam ao
mundo e nada mais parece importar. Poxa, eu, Rocco Montoya, o
cara que já foi o mais durão, o mais pervertido, o mais marrento,
estava ali, desmanchado por um pequeno pacotinho que nem abria
os olhos ainda. Eu lutaria qualquer guerra por ela.
Chorei feito tolo, admirando o rostinho rechonchudo e o
cabelinho cheio que é vermelhinho. Era mesmo uma cenourinha.
Virginia estava linda depois do parto. Não penteada ou
maquiada, mas estava serena, feliz - muito feliz - seu sorriso
sempre a deixou linda sem precisar de aditivos.
Mais tarde, levaram a bebê para o quarto, onde eu fiquei
plantado, sem me afastar da minha pequena família. Meu pai estava
certo, ele não podia partir sem deixar o meu destino pré-traçado.
Ele não deixou apenas a Montoya como herança para mim, essa
aqui, ao meu lado, é a minha mais preciosa herança.
— Que bom que você armou tudo. — Falei, para Virginia,
sentado na cama ao lado dela enquanto babávamos na nossa Pérola.
— Que bom que insistiu no estranho mal-humorado.
— E que bom que você me escolheu, Rocco. Me salvou
quando eu mais precisava.
— Acho que é a minha vez de dizer, que depois de tudo que
nós dois ganhamos... Virginia, de mim, você não escapa.
Olá! Chegamos ao fim de mais um livro. Espero que tenha
gostado. Deixe seu comentário aqui na Amazon! Muito Obrigada
por ter lido.
Quer ficar por dentro das histórias dos personagens que
aparecem nesse livro? Continue acompanhando a série O Legado
dos Lafaiette. O próximo é o livro de Amadeo, primo dos Lafaiette
e saberemos enfim, o que ele fez para deixar todos tão revoltados.
Beijos, e até breve!