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Eternamente Você
Ele toca o meu rosto com tanto carinho, que sinto uma
pontada de dor me atingir em cheio. Seus dedos em meu
queixo me trazem até o seu rosto, sua boca toca a minha como
infinitas vezes já fez. Ainda assim parece a primeira. O amor
explode no encontro das nossas línguas e se espalha por cada
partícula de mim. Minhas mãos se fecham em sua camiseta de
forma quase desesperada, como se pedissem silenciosamente
que ele não me deixe. Mas a sua boca se afasta da minha
muito rapidamente e não posso conter o gemido de lamento
que escapa da minha no mesmo instante.
A sua testa se encosta à minha e nossas respirações se
confundem, quando nos encaramos em silêncio. Não quero
falar nada, não quero que ele fale também. Queria que
pudéssemos permanecer aqui para sempre, apenas nos
perdendo no olhar um do outro. Mas apesar do meu desejo
interno, River se afasta e olha ao redor, antes de me encarar
com as sobrancelhas arqueadas. Eu vejo as perguntas de forma
tão clara em seu rosto bonito e também desejo não precisar
respondê-las…
— Que coisas?
— Coisas, River… — desconverso, olhando para as
minhas mãos. — Nossos pais irão nos odiar se fugirmos.
— Nem mesmo por você — ele diz, sem que a sua voz
oscile uma única vez. Era algo esperado, eu não quero que ele
fique, mas isso não o torna menos doloroso. Machuca-me
como uma faca afiada.
— Venha comigo!
— Não posso…
— Por quê?
— Por quê?
Dias Atuais
— Sim, eu sei.
— Então…
— Tudo bem — cedo, por fim. Na verdade, não importa
a minha resposta, ela irá insistir até que eu diga sim e sempre
digo. — O que é tão urgente que não pode ficar na recepção
hoje?
— Tá — ela sussurra.
— É um prazer, Ella.
— Igualmente, Sean.
— Tudo bem.
— Do meu amigo?
— Então, tchau!
— E as suas amigas?
— Não tenho amigas.
— Por quê?
— Sim.
— Algo do tipo….
— Não, eu te garanto que ele é muito real.
— Tem certeza?
— Ok…
— Por quê?
— Sim, eu entendo.
— Sean — assinto.
— E calda?
— Sim.
Odeio a minha fraqueza. Por que não posso ser tão forte
ou corajosa quanto ele? Desvio o meu olhar, encarando uma
Hope quase dormente. Ela precisava sentir sono justamente
agora? Quando eu mais iria apreciar a sua tagarelice
espontânea. Solto o seu cinto e a trago para perto, a sua cabeça
em meu peito, quando ela enfim fecha os olhos. Seguro a sua
barra de chocolate, agora totalmente derretida e amassada.
Minhas mãos estão frias e eu preciso do calor do seu pequeno
corpo, mais do que nunca.
— Ella…
— Um segredo?
— Então… — me surpreendo.
— Eu gosto do lago.
— Por quê?
Ele comprime os lábios, mas ri em seguida. Uma risada
seca e nada divertida. Em momentos assim, ele parece alguém
totalmente desconhecido para mim. E talvez ele seja, é
doloroso aceitar, porém.
Ele não replica, como eu achei que faria. Ele não exige
mais, como temi que fizesse. Ao invés disso, solta a minha
mão e permite que eu me afaste com lentidão. Parece que o
tempo corre em uma velocidade diferente agora, uma
velocidade que torna tudo mais doloroso. Encolho-me cada
vez mais em meu cobertor, tentando me proteger do seu olhar.
Quando consigo encontrar forças dentro de mim, viro as
minhas costas e caminho em linha reta até a minha casa. Não
corro, nem me arrasto, ainda que queira fazer as duas coisas
com a mesma vontade.
— Sim, verdade.
— Tá bom!
— Eu também não.
— É bonita…
— Por quê?
— O quê? — Exijo.
— Um amigo? — Ofereço.
— Vai…
— Não irei.
— Sim.
— Ela parece sua filha, não sua irmã.
— Você é única.
E aqui jaz Ella Mitchell. Sim, porque essas três
palavrinhas acabaram de me matar. O olhar em seu rosto, me
traz à lembrança o olhar que compartilhávamos quando
estávamos deitados em sua cama de solteiro e entrelaçávamos
as mãos em silêncio. Palavras eram desnecessárias naqueles
momentos especiais e talvez também sejam agora, mas eu
preciso blindar o meu coração. Nós sabemos que não sou a
única para River; não mais. Mesmo que seus olhos me digam
o contrário, não, não posso acreditar neles.
— E não está?
— Sim?
— Não quero que limpe, não quero que faça nada que
não seja estar perto de mim, porque, Ella — ele parece respirar
o meu perfume e Deus… eu faço o mesmo com ele. — Irei
enlouquecer se ficar mais um segundo longe.
— River…
— Não é simples…
— Não tenho.
— Dane-se.
— Por favor.
— Ainda assim…
— Sim, eu acho.
Mason ri, não sei como ele pode ser tão diferente de
River. Junto as minhas coisas, contorcendo-me em meu
assento para pegar a minha bolsa, sem perdê-lo de vista.
Seguro a embalagem de cupcakes, não sendo capaz de
esconder a tristeza com o espaço vazio que há nela agora.
— Não, obrigada.
Saio do carro e coloco os cupcakes sobre o capô,
enquanto fecho tudo. Aperto a minha bolsa à frente do meu
corpo, de forma protetora. Resgato os cupcakes e faço o
mesmo com eles, temendo que Mason os roube de mim.
Ele me encara por um tempo e finge bloquear a minha
passagem, quando dou o primeiro passo em direção à casa
dos Lewis. Fecho os olhos para me impedir de correr até a
porta e gritar por River.
— O quê?
— Sim.
— Sem a Hope?
— Ele mesmo.
— E eu não?
— Sei que não, ainda assim está tarde para sair de casa.
— Explico com carinho. — Serão só algumas horas, você
dormirá daqui a pouco e nem sentirá a minha falta; eu
prometo.
— Sei que quer ir, mas não pode; não desta vez.
— Tá.
— Do que exatamente?
— Realmente!
Hope iria amar algo assim e ainda que eu não deva, não
sou capaz de ignorar a culpa que sinto por estar sem ela. É
engraçado que meu pai acredite que eu seja capaz de sair
mundo afora e conhecer outras pessoas e lugares, quando não
posso passar sequer algumas horas longe dela.
— Lembro vagamente.
— Sim.
— Pai…
— Sim…
— Quanto?
— O quê?
— Sempre?
— Sempre!
— Você se medicou?
— Não…
— Sim?
— Existe sim.
— Não, definitivamente não. — Reforça com ênfase,
reviro os olhos para isso. — Mas em que estava pensando?
Diga-me.
— Não é assim, mas sei que nada será fácil para nós
dois — confesso, deslizando os meus dedos pelo seu queixo.
— Sei que faz tudo para protegê-la dos perigos, mas isso
é humanamente impossível, Ella.
Faz anos que não o ouço falar assim, talvez por ter me
afastado tanto dele, porque esse é o seu modus-operandi
habitual. Mas ele pode se transvestir em cordeiro quando quer,
como fez a última vez que nos encontramos. Ele não seria um
grande e brilhante advogado, se não soubesse enganar com
maestria.
Paro quando percebo não saber para onde ele irá voltar.
Para a sua amante, é o mais provável, mas minha mãe não
ficaria feliz se eu dissesse isso em voz alta.
— Você é doente…
—Tem certeza?
— Então?
River
Vejo Ella correr para longe, mas não posso obrigar o
meu corpo a segui-la e tudo o que faço é observá-la enquanto
se afasta mais uma vez. Meus pés pesam mil toneladas a mais
que o restante dos meus membros e não sou capaz de dar um
mísero passo adiante. Estou estagnado. Pelos próximos
minutos eu batalho arduamente para alinhar meus
pensamentos e controlar a raiva crescente e angustiante dentro
de mim.
Não sou capaz de absorver com tanta facilidade o que
Ella acabou de me contar e parte de mim quer que ela esteja
mentindo ou delirando. A outra parte — infinitamente maior
— quer entrar em meu carro e matar Mason. Não importa que
para isso seja necessário invadir a Penitenciária da Pensilvânia
e ser preso também. Valeria a pena, porque no fundo da minha
alma, eu sei que Ella jamais mentiria sobre algo assim.
Respiro e o ar invade os meus pulmões de forma
dolorosa. Como se fossem pedaços de vidro me rasgando por
dentro sem piedade. Grito para o vazio ao meu redor e nada é
capaz de me causar algum alento. Sim, dias sombrios se
aproximam e não há o que possa fazer para trazer a luz de
volta. Ao menos não agora.
Quando consigo, corro até a parte da pousada onde Ella
mora. Odeio esse lugar desde que soube que foi aqui que o seu
pai a escondeu, apesar de ela ter me dito o contrário. Não, foi
exatamente isso o que aconteceu e agora faz todo o sentido;
mas não deixa de machucar.
A porta da cozinha está aberta e eu a invado sem me
preocupar em não ter sido convidado. Subo as escadas até o
seu quarto e por um momento eu agradeço por saber o
caminho. Mas então, quero me socar, porque não há nada a
agradecer a porra de destino sádico. Como o meu irmão —
uma parte da minha carne e sangue — pôde machucar a pessoa
que mais amei na vida? Como ele pôde macular um amor que
sempre foi a razão do meu respirar? Não há respostas à essas
perguntas. Não há bálsamo capaz de aliviar a queimadura em
meu peito, ao imaginar tudo o que Ella passou naquele dia e
em todos os outros após esse.
Ainda que Mason e eu nunca tenhamos sido os melhores
amigos e o laço sanguíneo fosse de fato a única coisa a nos
unir, jamais esperaria tamanho horror da parte dele. Mas
sempre fomos tão diferentes e hoje percebo que nunca soube o
que esperar da nossa relação. Não isso, contudo. Nem em
meus piores pesadelos.
Agarro a maçaneta do quarto da Ella e a giro, tentando
abrir a porta. Está trancada. Meus dedos apertam ainda mais o
metal, sem soltá-lo de imediato. Como se a força em meu
agarre fosse tudo o que preciso para abrir a porta. Solto a
maçaneta quando percebo que isso não basta. Então exalo,
porque é extremamente necessário agora, e bato na porta.
— Você seguiu.
— Nem eu.
— Ella.
— Prometa-me, River.
— Pelo quê?
— Eu tentei.
— Ella.
River não nos leva para a casa e no fundo, acho que sou
grata por isso. Eu não me sinto mais tão em casa, talvez nunca
tenha me sentido de fato. Ele passa em um drive-thru e
compra alguns hambúrgueres, além de um milk-shake de
chocolate — tão grande — que faz Hope suspirar como se
tivesse chegado às portas do céu. Desejo ter a mesma
facilidade em me sentir feliz como ela tem. Quando River lhe
entregou um saquinho com os cookies que lhe comprou para a
sobremesa, os seus olhos brilharam como se recebesse moedas
de ouro e não biscoitos. Foi adorável, mas também trouxe uma
pontada de tristeza ao meu coração.
Ele parece tratá-la com cuidado, gentileza e amor por
pensar que ela pode sua. Mas, se ele tiver certeza que ela
realmente não é, como irá tratá-la a partir isso? E como viverei
em meio à tempestade que nossas vidas podem se tornar
quando um exame de DNA roubar todas as dúvidas e
transformá-las em certezas?
É insano — eu sei — que não queira um exame, quando
passei cinco anos tendo garantia da paternidade. Mas não
quero olhar para um papel, dia após dia, e aumentar o meu
tormento. Não quero uma comprovação para me fazer sofrer
ainda mais. Porém, River quer ter certeza e como poderei
negar a ele algo tão importante? Sim, estamos longe do nosso
final feliz. Não que em algum momento tenha julgado que
estivéssemos perto, só não imaginava essa pedra em nosso
caminho agora. Como fui tola, eu deveria ter deduzido que
seria exatamente assim.
River só me dirigiu o olhar no instante em que parou no
drive-thru e me perguntou o que eu queria comer. Imagino que
esteja deixando a nossa discussão para mais tarde, quando
Hope não estiver por perto, porque o desagrado com a minha
negativa está evidente em seu olhar e seus gestos para mim.
Suspiro, no momento em que ele estaciona no parque da
cidade. É uma grande área aberta, com bancos de madeira
marrom, canteiros de margaridas e um imenso lago no centro.
Trouxe Hope uma vez aqui, quando tinha três anos e ela
demorou quinze minutos para correr ao redor do lago.
Pergunto-me se ela se lembra disso, provavelmente não. Será
que ela se lembra de tudo o que já vivemos até hoje e de como
chegamos a exatamente esse ponto? Porque eu seria incapaz
de esquecer cada segundo.
Ele sorri, mas não de uma forma que chega até seus
olhos. Retribuo o seu sorriso da mesma forma, hesitante e
superficial.
— Sim, eu sou.
— Como resolvemos isso então? — pergunta, soltando a
mão da minha e ficando em pé.
— Eu faço isso.
— Diz isso porque acha que Hope pode mesmo ser sua?
— pergunto com medo. — Você só quer seguir em frente por
haver essa possibilidade?
— Também, mas…
— Ok…
— Como não?
— Isso é sério?
— Você acha?
Rio, por não saber por que ainda me importo. Por que
ainda espero alguma reação diferente da sua parte. A conversa
que tivemos há duas semanas no quarto de River e Sean, foi a
maior demonstração de afeto que recebi dela em cinco anos.
Às vezes eu queria mais. Mas desejar mais é perigoso, porque
isso sempre irá partir seu coração.
Eu te amo ♥
Sim. Hope ainda está dormindo, mas sei que ela irá
adorar isso.
— Você fez tudo isso por mim — diz, agora com o dedo
em minha boca, contornando sutilmente os meus lábios. — Eu
irei recompensá-la.
— Isso é bom!
— Eu não sou.
— Para limpar?
— Oi — sussurro.
— Tem certeza?
— Definitivamente é.
— Isso é complicado.
— É bastante tempo.
— Se explique.
— Darei um jeito.
— Mentira!
Deus sabe por que, mas ando até ele. Pelo resto da
minha vida, sei que tentarei justificar as minhas decisões, essa
em especial. Talvez eu culpe os hormônios, a depressão tão
latente dos últimos meses, a total desolação e desamparo que
sinto agora; o medo.
Sento-me diante dele e puxo os papéis para mim. Quero
lê-los, saber o que de fato está escrito aqui, mas não sou
capaz. As letras se embaralham diante dos meus olhos e não
posso distingui-las e torná-las coerentes. Meu pai empurra-me
a caneta entre os dedos, quando a minha indecisão se alonga
por vários minutos.
— Eu não sei…
— É só assinar, Ella.
— Isso é mesmo o melhor? — pergunto, sem
esperanças. — Vocês não podem me ajudar financeiramente?
Posso voltar a estudar e encontrar um emprego…
— Do bebê?
— Sim.
— Não?
— É diferente, Ella…
— E você cuidou?
— Estou cuidando.
— Eu te proíbo.
— E a tevê?
— Os travesseiros não?
— Talvez.
— É mesmo.
— Sim.
— Porra.
— Como assim?
— River!
— Não, e você?
— O quê?
— Eu sei… eu te amo!
Ela ri, seus olhos brilham de uma forma que deixa claro
o quanto ela se orgulha por ser tão especial. Busco outra foto,
uma que por anos não quis voltar a ver. Eu a entrego à Hope e
espero, ansiosa.
— Sim, eu estava.
— Dezessete.
— Onde está o seu bebê? Por que nunca vejo ele?
— Do tamanho da lua?
— Ella!
— Mentir é feio.
— Eu sou?
— Eu sei.
River
— Obrigada!
— Você acha que Hope ainda está brava por não ser a
Dorothy? — Ella me pergunta, olhando para o pequeno
encarte de O Mágico de Oz, em suas mãos.
— Não estou brava com o seu pai. — Ella diz por fim,
os olhos fixos aos meus. — E não consigo brigar com ele,
embora às vezes realmente mereça.
— Tenho certeza.
— River…
— Nem todos.