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Copyright © 2023 DANIELLE VIEGAS MARTINS
 
 
Capa: Lucas Bernardes
Revisão: Mariana Rocha
Diagramação: Imaginare Editorial – April Kroes
 
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e
acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer
semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
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A ESPOSA GRÁVIDA E REJEITADA PELO CEO S
1ª Edição - 2023
Brasil
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São proibidos o armazenamento e / ou a reprodução de qualquer
parte dessa obra, através de quaisquer meios ─ tangível ou intangível ─
sem o consentimento escrito da autora.
 
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A maior felicidade é a certeza de sermos amados

apesar de ser como somos.

Vitor Hugo
 

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As vozes acaloradas anunciavam que era um dia festivo. Eu estava

longe de casa e sem compreender muito bem do que se tratava, posso dizer
que estava um pouco nervoso. Não era comum me desencontrar de meus

irmãos durante viagens de negócios, afinal, a tecnologia sempre impediu

que isso acontecesse, mas não dessa vez. O GPS falhou, e eu estava
completamente desorientado em uma estrada que jamais havia visto antes.

Tentei insistentemente ligar para Dominic, mas não havia sinal. Não

havia sinal algum. Foi preocupante, a princípio, perceber que eu havia


perdido a conexão com o resto do mundo, mas eu já havia passado por

coisas piores e, então, apenas me mantive calmo.

A semana anterior havia sido cheia de compromissos na Itália,

havíamos fechado um negócio que nos faria faturar mais de duzentos


milhões, e nossa viagem acabou demorando mais do que o planejado.

Agora estávamos indo para um hotel em uma região da Toscana, onde

encontraríamos com um grupo de clientes para finalizar detalhes sobre


outra negociação. Dom foi na frente, porque queria ter uma conversa

informal com os compradores primeiro, e eu acabei saindo mais tarde,

apenas porque queria descansar mais. Maldita ideia.

Meu trabalho como vice-presidente da Silvestri Petrolífera S.A.


nunca dava espaço para descansos, afinal, toda a execução de grandes

projetos era vinculada a mim. Quando Dominic tinha algum compromisso


inadiável como CEO, era eu quem ficava em seu lugar, além de manter

minhas outras funções equilibradas.

As aquisições e as fusões no mundo dos negócios nunca param e,

mais especificamente, sendo o petróleo considerado ouro negro, porque

movimenta, literalmente, o dia a dia das pessoas no mundo inteiro, nosso

ritmo de produção é absurdamente acelerado, e isso acaba por se tornar

difícil e sacrificante muitas vezes, principalmente para quem tem filhos

pequenos, como eu.


Meus irmãos compreendiam como isso, às vezes, era delicado pra
mim e me ajudavam sendo presentes na vida das minhas trigêmeas quando

percebiam que eu precisava de ajuda, mas eles têm também suas próprias

demandas e atribuições. Afinal, cada um de nós exerce uma função

importante na empresa e alguns, como eu, têm suas próprias famílias para

cuidar. Dom tinha um casal de adolescentes, enquanto Greg, meu outro

irmão, responsável pelo Departamento Financeiro, tinha uma filha recém-


adotada. Conciliar nossas próprias famílias e o trabalho sempre foi um

desafio.

Josh, gêmeo de Greg e responsável pelo Departamento de Marketing,


e Bruce, responsável pela área de Tecnologia, além de nosso caçula, ainda

não conheciam a sensação agridoce de fechar um contrato de muitos

milhões e, ao mesmo tempo, sentir um aperto enorme no peito por estar

longe dos pequenos que amamos.

Nós havíamos nos reunido em lugares de beleza exuberante, mas, ao

mesmo tempo, não havíamos tido tempo para mais nada, nem sequer para

um passeio, até porque tudo que eu queria era voltar logo para casa e

abraçar as minhas meninas.

Todos os dias, sem falha, nós fazíamos uma chamada de vídeo para

nos vermos, mas, no fundo, eu me sentia culpado por tanto tempo longe

delas. Minhas meninas já não tinham a mãe ao seu lado, e eu não podia me
afastar também, mesmo que temporariamente, por isso sempre evitei

viagens longas, embora, dessa vez, não tenha conseguido fugir.

Fui parar em uma estradinha de terra, mas, em certo momento, o

caminho me fez parar no meio do nada. Depois de descer do carro, resolvi


caminhar e colocar em prática toda minha experiência com incursões

selvagens, mas a realidade é que eu sempre fui um péssimo caçador e só me


perdi mais ainda. Demorou um tempo, entretanto, para minha alegria,
aquelas vozes surgiram.

Quando encontrei o pequeno povoado, senti como se adentrasse em


um pedaço de sonho, algo criado pelo subconsciente para me deixar feliz,

afinal, a atmosfera do lugar era encantadora, e tudo parecia alegre.

As pessoas conversavam e sorriam no meio de diversas barraquinhas

iluminadas, enquanto outras dançavam e bebiam. As crianças corriam em


grupos para todos os lados, brincando e se divertindo. A sensação de
desespero que eu experimentei alguns momentos antes foi substituída por

algo suave em meu peito, um sentimento de conforto e acolhimento, por


mais que eu não conhecesse aquelas pessoas.

De repente, enquanto eu observava com fascinação as pequenas


lâmpadas distribuídas pelo lugar, uma menina quase me derrubou enquanto

corria de seus colegas, que vinham em seguida para alcançá-la. Aquele


pequeno jogo infantil me fez mais uma vez lembrar as minhas filhas, elas

deviam estar sentindo a minha falta, da mesma forma que eu sentia delas.

Continuei caminhando e me embrenhando no meio da pequena

multidão, e cheguei à conclusão de que aquela era uma festividade


relacionada à colheita das uvas, afinal, estávamos em setembro. Havia

variedades de vinhos em cada uma daquelas pequenas barracas, além de


alimentos típicos da região, como queijos e salames. Tudo parecia

encantador, mas eu estava realmente cansado e preocupado em encontrar


um lugar para passar a noite.

Eu sabia que estava tarde demais para continuar dirigindo e que o

melhor a fazer seria continuar ali mesmo e, no outro dia, tentar encontrar
meu irmão, talvez um mapa de papel me ajudasse, já que o sinal era
péssimo ali. Fiz uma careta ao me imaginar tentando ler um mapa físico,

porque minha capacidade de localização nunca foi das melhores.

Fui até diversas hospedarias, mas todas estavam até o limite de sua

capacidade, pois havia muitos turistas naquele lugar. Era impressionante


que eu jamais saberia que aquele pequeno Éden estaria escondido ali,

enquanto dirigia pela estrada, foi como encontrar um tesouro.

Gastei meu parco italiano com algumas pessoas simpáticas, que me

indicaram uma ou duas pousadas, mas eram lugares que já estavam cheios.
Quase sem esperanças, enquanto caminhava sem destino, avistei uma placa
e passei meus olhos pelas letras: Lepre Incantata.

O letreiro era de madeira e as letras haviam sido gravadas sobre a


superfície, assim como a figura simplificada de uma lebre. Pelo menos,
presumi que fosse, afinal, não sei distinguir uma lebre de um coelho,

parecem exatamente iguais.

Atrás da hospedaria, era possível ver um riacho. O pequeno curso


d’água começava a fazer seu som presente quanto mais eu chegava perto,

seu chiar sucessivo era contínuo e sereno, trazendo um aspecto mais


bucólico ainda para aquele canto afastado do mundo.

O lugar parecia simples e a construção era, em sua maior parte, de


pedra, mas as decorações e móveis em madeira, assim como a placa que

indicava seu nome. Adentrei o recinto de forma hesitante e vi o salão


pequeno, mas apinhado de pessoas, a maioria homens mais velhos bebia e

gargalhava, era um espaço aconchegante, embora não parecesse nada


luxuoso. O teto estava repleto de salames pendurados e havia uma escada
discreta no canto daquele espaço tão interessante.

Enquanto eu me embrenhava cada vez mais e olhava um tanto


enfeitiçado para os lados, senti algo que se chocou contra mim. Algo não,

alguém. Não tive muito tempo de pensar, apenas senti o líquido vermelho se
espalhar pela minha camisa branca, enquanto uma mulher dizia
insistentemente: Oh! Scusi! Scusi!

Levou alguns segundos para que eu retornasse para a realidade,


porque os olhos da mulher, que se desculpava de maneira tão persistente,
eram tão fascinantes que eu não conseguia desviar os meus, os olhos cor-

de-oliva ressaltavam de maneira impressionante a pele negra, mas, ao


mesmo tempo, acastanhada. Ela era uma mistura étnica de tirar o fôlego.
Seus longos cabelos, presos por um lenço com estampas florais,

emolduravam seu rosto perfeito. Talvez aquela fosse a mulher mais linda

que eu já havia visto em toda minha vida desde Amber, minha falecida
esposa, e eu não conseguia parar de contemplar aquela visão.

Mas tudo isso aconteceu em uma velocidade impressionante e,

quando, finalmente, reagi e me movimentei para ajudar a moça que,

apoiada em um dos joelhos, tentava recolher tudo que havia derrubado, um


homem bigodudo, alto e carrancudo começou simplesmente a gritar com

ela.

Ela olhava para ele assustada, seus olhos tão bonitos com uma
expressão de temor; aquilo era inaceitável! Por mais que eu não entendesse

perfeitamente o idioma, podia compreender, de maneira clara, o conteúdo

das palavras, afinal, italiano não seria uma língua desconhecida para um

Silvestri.
— Inutile! Inutile! — ele berrava a plenos pulmões, sua linguagem

corporal era agressiva e demonstrava muito ódio. Como alguém poderia


tratar uma mulher daquela maneira por um simples erro?

Em certo momento, ele se aproximou demais e ergueu uma das mãos,

eu já havia percebido o quanto alguns italianos gesticulavam com excesso,


mas aquilo era mais do que uma característica cultural, como se fosse, de

fato, transformar as palavras em um gesto de agressão. Eu me adiantei

imediatamente, quase como num reflexo, e o contive.

— Não toque nela! — Eu me pus na frente dele de maneira


defensiva, encarando seus olhos com fúria. Ele me observava com uma

expressão surpresa e confusa. A forma com que eu me coloquei fez com

que ele parasse. O homem era alto e forte, era intimidador e sua raiva
parecia exalar dos seus poros. — A culpa foi minha, e eu não admito que

essa jovem seja tratada dessa forma por algo que eu fiz!

O velho olhou para mim, parecia ter ficado acovardado com a minha

postura, por mais que tentasse manter a pose de superior com um olhar
duro, e então apenas apontou um dedo para a jovem, que ainda observava

de olhos arregalados aquela cena grotesca.

— Vá servir o cliente!
Eu não queria que ela sofresse qualquer tipo de retaliação mais tarde

por minha causa, mas eu nunca poderia permanecer em silêncio ao ver

aquilo.

Enquanto o homem descontrolado gritava, parecia que todo o salão


ficou em silêncio, um burburinho no ar, mas, naquele instante, quando ele

finalmente foi embora, as pessoas voltaram a conversar e confraternizar,

como se nada tivesse acontecido. Respirei fundo e me apressei em ajudar a


moça, que, com rapidez, recolhia as canecas também de madeira.

Eu pude perceber o quanto ela estava trêmula ao fazer aquilo, me

doeu notar o quanto aquele homem havia a atemorizado. Quando ela estava
de pé, eu meneei a cabeça como quem pede perdão, e ela me respondeu

com um sorriso, um sorriso cheio de medo, mas que seria capaz de iluminar

aquela cidade inteira.

Passei algum tempo olhando para ela sem palavras, como se seu
sorriso arrancasse qualquer pensamento lógico da minha cabeça. Seus olhos

reluzentes, sua boca de aparência macia, bem desenhada, como um coração,

seu nariz reto e sua pele tenra.


— Voglio una stanza pulita. Per favore (Eu quero um quarto limpo.
Por favor.)
  — falei em minha melhor pronúncia, e a moça sorriu, mesmo que

timidamente ainda para mim, um sorriso doce, gentil, e isso me fez sorrir
também. Ela era contagiante, mesmo que eu ainda nem sequer tivesse

ouvido sua voz. — Foi tão ruim assim? — perguntei curioso, sem perceber
que falava em inglês, mas logo em seguida me dando conta de que ela não

compreenderia.

— Senhor, peço perdão por tudo isso. Eu vou lhe conseguir um

quarto imediatamente — ela respondeu em meu idioma, e tenho certeza de


que minha expressão de susto foi escancarada.

— Muito obrigado, senhorita — eu respondi simplesmente, ainda

levemente desnorteado. Na realidade, eu ainda não havia conseguido voltar


para minha órbita, talvez estivesse no meu rosto que a maior surpresa

daquele dia, mesmo com tantas outras, havia sido aquele encontro. Aqueles

olhos cor-de-oliva e aquela pele castanha como a terra e reluzente como um


astro agora estavam marcados em meu pensamento, como uma ferida

incurável, insuperável.
 

 
Aquele homem era diferente de qualquer outro que já tinha entrado

na hospedaria do meu tio. Os principais frequentadores geralmente eram

homens idosos e os turistas desavisados e desinteressantes... Bom, ele era

um turista desavisado, mas estava longe de ser considerado desinteressante


ou mesmo velho. Muito provavelmente, deve estar próximo dos trinta e

seis, trinta e sete anos. Eu sempre fui boa em presumir a idade dos hóspedes

e demais clientes só de olhar para eles por alguns segundos.

E a forma como ele me defendeu do meu tio Tommaso na frente de

todos e a gentileza com a qual ele me olhou depois que meu tio foi embora,

me deixaram surpresa, admito. E impressionada também porque, na maioria

das vezes, as pessoas têm medo do irmão do meu pai. Evitam se meter
quando ele é duro ou agressivo comigo, por mais que depois me olhem com

evidente pena, nunca se manifestaram em minha defesa. E eu não os culpo.

Todos têm seus próprios problemas para lidar. Por que se preocupar comigo
e arranjar mais um problema sério com tio Tommaso? Tê-lo como inimigo é

algo que eu garanto não seria nada bom.

Fazia muito tempo que eu não me sentia protegida, fazia muito


tempo que eu não sentia que alguém se importasse comigo, por mais que os

amigos do meu pai sempre estivessem por perto, ainda assim, não tinham

poder ou autoridade para realmente enfrentar meu tio por mim, nem eu

gostaria disso, porque, de qualquer forma, sentia ainda muito afeto por ele.
Para alguns, pode ser difícil imaginar uma vida em que o trabalho

não tem reconhecimento e remuneração justa, mas, para mim, trabalhar era
o que instigava o meu melhor, através dele, eu podia me superar e ter

esperanças na vida. A cada cliente bem atendido, a cada mesa limpa ou

refeição servida, eu me sentia útil, com um propósito.

O homem continuava parado à minha frente, ele parecia muito


surpreso ao descobrir que eu falava seu idioma. Na realidade, foi um pouco

engraçado observar enquanto ele tentava achar as palavras certas para se

comunicar comigo, sem ter ideia de que podíamos conversar de maneira


muito mais simples. Sempre gostei de aprender idiomas e sabia um pouco

de português, afinal, minha mãe era brasileira, e eu queria permanecer

conectada a ela de alguma forma, também aprendi inglês para atender

melhor aos clientes que chegavam ao nosso estabelecimento.

— Eu é que agradeço — falei, um tanto envergonhada, ainda mais

depois de não ter conseguido segurar uma risada espontânea na cena

anterior e, também, por ser tão desastrada.

O rosto dele era amável, seu olhar, compreensivo. Eu não saberia

explicar ou descrever o que eu senti naquele momento, mas era algo que eu

ainda não tinha experimentado. Era diferente, mas, ao mesmo tempo,

provocava uma sensação de aconchego no meu peito. Eu olharia para


aquele estrangeiro pelo resto da minha vida, porque parecia que todas as
outras pessoas no salão haviam simplesmente desaparecido.

— Não foi culpa sua — disse com apreço e mais uma vez eu sorri.

Deixei a bandeja sobre o balcão e fui atender ao hóspede da maneira mais


rápida possível.

— O senhor pode me seguir, por favor — falei enquanto subia as

pequenas escadas. — Foi só um contratempo. — Tentei disfarçar.

— O que ele fez com você é inaceitável. — O homem grunhiu,


irritado, fazendo com que eu me sentisse um tanto lisonjeada pela

preocupação genuína.

— As pessoas têm seu próprio jeito, a gente aprende a lidar — disse,


tentando mudar de assunto, afinal, apesar das maneiras explosivas, meu tio

era minha família e, em seu rosto, eu podia ver a memória de meu pai, o
homem mais importante da minha vida. Quando eu olhava seus traços

brutos, os olhos profundos, conseguia enxergar a face que tanto amava e


recordava com carinho.

No segundo andar, havia somente um quarto disponível. Até para


uma hospedaria com uma fama não tão agradável quanto a do meu tio,
havia clientes em setembro, que era o mês em que conseguíamos revogar

todos os prejuízos.
— Então o senhor veio da América? — perguntei para quebrar o
silêncio.

— Exatamente, estou viajando a negócios e bom... — Ele se

interrompeu com um sorriso enigmático nos lábios que eu me controlava


para não ficar hipnotizada à medida que as palavras saiam deles. — Vim
parar aqui por alguma falta de sorte, capricho do destino, como preferir

chamar. Me perdi na estrada e precisava de um lugar para passar a noite, e


eis-me aqui — ele disse, dando de ombros.

— Não posso dizer que sinto muito; para mim, pelo menos, foi, sim,
boa sorte o senhor ter vindo parar justamente aqui, na Lebre Encantada,

nesta noite — falei com simpatia e gratidão. Meu coração ainda estava em
dúvidas sobre como me portar naquela situação, mas, de fato, estava bem
mais aquecido do que antes.

Abri a porta do quarto e entrei primeiro. Havia um pouco de cheiro


de poeira naquele quarto e isso me deixou um pouco incomodada, mas era
praticamente somente eu a dar conta de quase tudo naquele lugar e, por

mais que eu trabalhasse de maneira incansável, era como se sempre


houvesse algo a ser feito.

Quando meu pai ainda estava vivo, tudo era muito diferente, eu sabia

o que era felicidade, sentia gosto de fazer as coisas, mas, depois da perda
dele, minha vida ficou tão vazia que era praticamente impossível encontrar
sentido em algo. Ainda assim, o trabalho era importante para afastar essa
tristeza, fazendo com que se tornasse mais suportável, afinal, cuidar de
tudo, dia após dia, era o que me fazia seguir. Cuidar da hospedaria e da

taberna era uma forma de manter o legado dele, pois ele havia comprado
esse lugar para que pudesse cuidar melhor de mim.

A maior parte da vida do meu pai, Paolo Grossi, foi no mar e de


porto em porto, conhecendo mil lugares. Em um desses portos, ele se
deparou com minha mãe, um amor arrebatador do qual eu me originei e que

fomentou uma história cheia de polêmicas para suas famílias.

— As acomodações não são as melhores, mas esse é o único quarto

que temos no momento. Por causa do Festival das Uvas, o povoado sempre
fica lotado e as hospedagens, no limite — expliquei de maneira formal

enquanto o homem me escutava com atenção.

Ele era tão alto! Quando meus olhos percorreram dos seus pés até seu
rosto, sua blusa manchada de vinho trouxe à tona a vergonha, mais uma

vez.

— Eu posso lavar sua camisa, senhor...? Que desastre! — O


nervosismo tomava conta de mim mais uma vez. Como eu poderia ter

encontrado um homem tão impressionantemente bonito e educado, mas


estragado tudo com meu jeito tão desastrado!
Quando ele chegou ao salão, eu estava tão preocupada em entregar as
bebidas e com tanta pressa que nem pude vê-lo parado lá... Como alguém

poderia não ter visto um homem como aquele? Eu perguntava agora a mim
mesma.

— Silvestri. Stuart Silvestri. E peço que me chame apenas pelo meu


nome, sem cerimônias, por favor. E não, não é necessário que tenha esse
trabalho. Eu precisava mesmo tomar banho e já iria trocar de roupa de

qualquer maneira — ele respondeu de forma polida, como um lorde.

— Eu me sentiria melhor se pudesse fazer isso, por favor! — insisti

e, sem perceber, acabei me aproximando demais dele. Nossos olhares se


chocando mais uma vez, como se fosse impossível impedir aquela atração.

Era como se algo nos puxasse, como se estivéssemos conectados de


alguma forma. A voz, a presença, o jeito daquele homem, que agora eu
sabia se chamar Stuart, faziam com que uma emoção discrepante com todo

o resto da minha vida despertasse. Fiquei me questionando se era isso que


as pessoas queriam dizer quando falavam sobre “borboletas no estômago”,
porque era exatamente essa expressão que descrevia meu atual momento.

Quase que sem pensar, me aproximei mais ainda, como se eu fosse


apenas uma marionete do destino, que quis que eu estivesse ali com ele,
naquela noite.
Por um momento, eu queria esquecer que estava sozinha no mundo,

depois de perder meus pais e parar nas garras cruéis do meu tio, queria
esquecer os planos dele de praticamente me vender para o dono da maior
vinícola da região! Queria esquecer, pelo menos naquela noite, que, para

ele, eu era um objeto, um estorvo, e que a melhor coisa que ele poderia
fazer comigo era ganhar algum dinheiro.

Stuart ali, parado em frente a mim, fazia com que essas coisas

ficassem em segundo plano e que eu pudesse, ao menos, sonhar em ser uma


jovem desprendida e inconsequente por alguns segundos. Stuart. Eu repetia

o nome dele mentalmente, me parecia o nome mais bonito do mundo.

Com aquela proximidade toda, era impossível fingir que nada estava

acontecendo. O calor dele emanava para mim e nossos corpos pareciam


vibrar na mesma frequência. Se nossas peles não podiam se tocar, nossos
olhos se beijavam com voracidade. Eu sabia o que queria com todas as

forças, mas continuei parada, pois minha timidez e inexperiência jamais me


permitiriam ir mais longe. Olhei para baixo, um pouco desconcertada, já
havia sido mais imprudente do que poderia, mas então foi ele quem chegou

mais perto e segurou meu rosto com delicadeza. Aquele simples contato me
fazendo suspirar, todo meu corpo balançando, cada milímetro da minha

carne palpitando, minha cabeça perdida em um mundo encantado que eu


jamais havia conhecido antes.
Mas ele não me beijou, por mais que parecesse desejar, ele deu um
passo atrás e se afastou, ao mesmo tempo, o brilho dos meus olhos se
apagava, e eu me sentia estúpida por ter fomentado aquela situação.

Provavelmente aquele homem devia ter uma esposa, ele era bonito demais,
interessante demais, tinha um porte elegante e devia ser rico, jamais estaria
disponível, ainda mais para uma mulher como eu, sem família que se

importe comigo e que mal fui à escola.

Olhei para os meus próprios pés, tímida, não queria dar a impressão
de que era uma oferecida ou uma funcionária desesperada por qualquer

cliente endinheirado que surgia naquele lugar. Me afastei mais ainda e nos
colocamos em uma distância segura, onde poderíamos por fim nos despedir.

— Aqui está sua chave. A taberna fica aberta até mais tarde hoje,
caso queira comer ou beber algo. — Tentei soar profissional sem ser

antipática.

— Grazie! — ele agradeceu em seu italiano não fluente e isso


recuperou meu bom humor. Se nós passássemos algum tempo juntos, eu

poderia ajudá-lo a tornar sua pronúncia ainda melhor, eu sempre fui uma
boa professora, até ensinei o italiano a alguns amigos clientes.

Em seguida, Stuart pegou sua carteira e me entregou uma nota de


quinhentos euros, dizendo que era uma gratificação por minha ajuda e
gentileza em fazê-lo se sentir bem-vindo aqui, o que me deixou um tanto
espantada. Eu não queria que ele achasse que eu esperava algum dinheiro,
ou qualquer coisa do tipo.

— Eu não posso aceitar, não é necessário. E é muito dinheiro, senhor.


É mais do que o valor do pernoite — neguei com veemência, mas ele se
manteve firme.

— Se eu não puder deixar a gorjeta com você, vou ter que deixar
com seu tio, lá embaixo. — Seu tom foi sugestivo e íntimo. Aquele homem,

que me conhecia há apenas alguns minutos, já sabia algumas coisas sobre


mim.

— Como coloca nesses termos, eu aceito então. Grazie del regalo! —


agradeci, sem esconder minha alegria, enquanto ele me mostrou um sorriso
de canto de boca irresistível, bastante intenso. Aquele dinheiro deixaria meu

tio mais feliz, pois pagaria o prejuízo que causei.

Aquela sensação de conforto voltou e eu me senti mais tranquila.

— Sei bellissima! — ele disse mais uma vez em seu italiano

questionável. Ele me elogiou de forma respeitosa, não como os velhos


bêbados, que já haviam tentado me agarrar diversas vezes, como se eu fosse

um bife no açougue.

Aquelas palavras tão simples fizeram com que eu lembrasse como

era ser apreciada, aquela foi a frase mais doce que alguém já havia me dito
em muito tempo. De certa forma, encontrar Stuart havia sido um grande
presente naquela noite.
 

Eu quase havia me rendido aos encantos daquela mulher e a beijado,


quase havia cometido uma imprudência que só meu irmão Josh, o mais

cabeça-oca da família, seria capaz. Mas felizmente fui capaz de me


controlar antes que cometesse um erro, afinal, era perceptível que ela era
apenas uma menina, não parecia ter maturidade suficiente para entender o

que estávamos prestes a fazer. Respirei fundo para me recompor, não podia
ceder à loucura daquela atração repentina assim tão facilmente.

O quarto realmente não era dos melhores, mas estar ali me fazia

sentir algo diferente, que eu não sentia em nenhum outro país. Talvez fosse
o fato de as raízes de nossa família partirem da Itália, provavelmente nosso
sangue falava de forma mais nítida ali, por mais que tenhamos nos

espalhado pelo mundo.


Depois de instalado e com a camisa devidamente trocada, decidi

descer para sentir qual seria o clima do lugar, embora, nas profundezas do
meu ser, eu soubesse que o que eu estava procurando era poder olhar para
ela mais uma vez, pois eu sabia que, no dia seguinte, estaria partindo.

Procurei uma acomodação no salão, mas não havia nenhuma mesa


disponível, assim, me sentei próximo ao balcão, onde um menino, que não

parecia ter idade para trabalhar, ainda mais em uma taberna, me atendeu
com simpatia.

— Vino, per favore.

— D'accordo, súbito! Il nostro meglio! — respondeu, me servindo de


imediato uma caneca cheia. O cheiro do líquido tinto invadiu minhas

narinas, tornando a experiência ainda mais imersiva.

Enquanto esperava, não podia deixar de admirar a arquitetura

fenomenal do lugar, aquela construção devia ser muito antiga, histórica,


mas, infelizmente, não se encontrava em um bom estado de conservação.

Como se já estivesse esperando por isso, não demorou para que eu

avistasse aquela bela moça mais uma vez. Eu deveria ter perguntado seu
nome, ela havia me instigado de forma que nenhuma mulher havia feito nos
últimos anos, desde que minha esposa falecera. Aliás, desde que eu havia

perdido a mãe de minhas filhas, achei que seria incapaz de amar novamente
ou até mesmo de me interessar por alguém, por mais que tivesse tentado
algumas vezes.

Mas lá estava ela, uma mulher que eu jamais havia visto, despertando

em mim sensações que eu, no alto da minha maturidade, jamais havia


conhecido, como se eu fosse um estranho para mim mesmo.

Continuei a observar e vi que ela se aproximava de uma mesa com


alguns senhores que a cumprimentaram efusivamente. Eles a abraçavam e

beijavam carinhosamente, um deles até a puxou para uma pequena dança,


enquanto ela ria como se tivesse o mundo nas mãos, como se fosse a
senhora suprema de alguma galáxia desconhecida. Eu não podia tirar meus

olhos nem se quisesse, estava hipnotizado.

Depois disso, um deles se levantou e entregou-lhe um saquinho de


couro fechado com uma fita, que logo ela abriu e ficou emocionada quando

pôs os olhos no conteúdo. O homem, que devia ter seus setenta e poucos
anos, colocou o colar no pescoço delgado da moça, que agradecia de forma

incansável.

Infelizmente a cena de alegria e afeto não durou muito tempo, pois o


brutamonte ranzinza que a havia humilhado mais cedo havia aparecido mais

uma vez e a retirou dali de forma imediata. Não pude conter minha
curiosidade, afinal, alguns segundos atrás, eles estavam festejando.
— Mi scusi, signori! Non ho un tavolo. Posso sedermi con voi
signori? — pedi, com meu melhor italiano, e aqueles mesmos senhores me

receberam com simpatia. Um deles se apresentou imediatamente.

— Boa noite, senhor! Eu me chamo Giuseppe, qual o seu nome? —


um deles respondeu em meu idioma, mesmo que com um sotaque um tanto

expressivo. — Por favor, se aproxime! — convidou, e eu o fiz. — Aqueles


são Antônio e Francesco — ambos me cumprimentaram, apertando minha
mão com animação.

— É um prazer. Me chamo Stuart Silvestri.

— Silvestri! Me espanta que não seja italiano.

— Sou um pouco, por parte de pai — expliquei enquanto tentava


retribuir a simpatia.

— Foi com você que Tommaso foi tão rude! Esse homem é um
estorvo na vida da pobre Nana — disse com um olhar cansado, e eu tentei

compreender o que estava se passando ali.

— Nana? — perguntei, curioso.

— Sim, Giovana, filha de Paolo Grassi, nosso velho amigo. — Ele


tinha um tom lamentoso. — Para Tommaso, a menina é só um peso, e ele a
trata como se fosse lixo, a humilha e obriga trabalhar por moradia na

pensão que o próprio pai comprou!


Aquela história era completamente absurda e, pelo visto, era bem

conhecida de todos ali, principalmente daqueles que diziam ser amigos do


pai daquela linda moça.

— Você viu com seus próprios olhos. Ele passa o tempo inteiro

causando humilhações para a menina, até hoje, no próprio aniversário!

— Então hoje é o aniversário dela? — Me senti mal por aquela

situação, por mais que a jovem não deixasse transparecer em momento


alguma infelicidade ou frustração, ainda que seus olhos fossem tristes.

— Sim, apenas dezenove anos.

— Isso é terrível — murmurei com pesar.

— Paolo vivia no mar e conheceu a mãe de Giovana, uma mulher

brasileira. Acabaram se casando às pressas... Jovens e imprudentes! Os avós


de Giovana são ricos lá no Brasil, mas deserdaram a moça quando
souberam que se casou com um marinheiro. Veja só! Se soubessem o

quanto Paolo era um homem bom! A mãe de Giovana era linda, a filha é
um espelho dessa beleza. Ela tem a pele escura da mãe e os olhos

esverdeados do pai — o senhorzinho disse com certo encanto, pelo visto


aquela beleza causava admiração em qualquer um.

— Mas o que houve com eles, afinal? Por que ela acabou aqui com...
Sozinha com esse homem? — pronunciei a contragosto.
— A mãe morreu no parto, mas a mocinha sempre fez questão de

aprender tudo sobre ela, estudava português sozinha e ficava encantada


quando alguém do Brasil surgia por aqui. Paolo era um homem nobre e

abandonou o emprego como marinheiro para ficar em terra com sua filha.
Usou todas suas economias para comprar, junto do irmão, esse
estabelecimento. Eles sempre tiveram algumas rixas, mas a sociedade

beneficiava ambos, pelo menos até o pior acontecer... Paolo contraiu


meningite e não resistiu.

Aquela história era um tanto trágica, e eu jamais imaginaria que ela

existia por trás da expressão tão vivaz de Giovana, com sua simpatia tão
contagiante.

— A pobrezinha não pôde se despedir do pai da maneira certa,


porque havia risco de contaminação... Tommaso não esperou nem uma

semana para vender a casa deles e a menina se viu obrigada a morar nessa
hospedaria, em um quartinho que, inicialmente, servia como despensa... Foi
um tempo de tristeza por aqui. Todos amavam Paolo, ela principalmente.

Agora nós permanecemos aqui, como fantasmas que assombram a vida de


Tommaso, para lembrar que Nana tem quem olhe por ela.

Suspirei com aquela história, principalmente por saber que não

poderia fazer nada para mudá-la. Eu estava de mãos atadas e muito triste
em saber de tudo aquilo, mas nossa confraternização não terminou ali.
Giuseppe fez questão de falar sobre as plantações e de como esse ano havia
sido produtivo, do quanto a cidade estava prosperando, além de me explicar
onde encontrar os melhores queijos, salames e vinhos.

— É claro que eu quero ajudar Nana, mas, cá entre nós, o melhor


vinho fica na Vecchio Orso, uma taberna aqui perto — ele disse em tom de

voz baixo, bem-humorado, como se contasse um segredo.

Após muitas conversas e muito vinho, decidi ir para a rua, queria ver
as pessoas, saber se o vinho do lugar que ele me indicou com entusiasmo
era tão bom, e assim o fiz. Saí, um pouco ébrio, mas, acima de tudo, feliz, o
ar daquele lugar me fazia sentir como se estivesse em uma outra dimensão,
mais brilhante e mais pura. Talvez o álcool também ajudasse nessa

percepção incrível.

Não me decepcionei quando experimentei o vinho da Vecchio Orso,


fiquei me perguntando se todos os estabelecimentos daquele lugar
precisavam, obrigatoriamente, ter o nome de animais, e achei a constatação
engraçada. Os moradores eram simpáticos e me ofereciam vinhos diferentes
para experimentar e eu sempre tive dificuldade para dizer não a gentilezas.

A bebida já havia tomado cada parte do meu organismo, fazendo com que
uma nuvem de bem-estar relaxasse meus músculos e melhorasse meu
humor em níveis estratosféricos.
Quando saí, pude observar as mulheres que dançavam em roupas
típicas, além das pequenas carroças abarrotadas de uvas, uma quantidade
inacabável de barris de vinhos e pessoas, pessoas por toda a parte!

Caminhei como se nada houvesse, a temperatura era quente, mas


agradável, um belo clima de final de verão, com um céu mais estrelado do
que qualquer um que eu já tivesse avistado. Em meu percurso um tanto
errático, logo me vi acompanhando o riacho, que serpenteava algumas
construções na cidade, principalmente a hospedaria onde eu havia me
acomodado, deixando para trás o som das festividades.

Continuei meu caminho até me aproximar das pedras nas margens,


onde decidi me sentar para olhar a água, as luzes do céu refletindo sobre o
leito, criando um espetáculo de luminescências. Os insetos em sua cantoria
embalavam o cenário orgânico tão incomum para mim.

Um tanto bêbado, com as faculdades mentais levemente alteradas,


decidi fazer algo que não faria em outras circunstâncias, entrar naquele rio e
descobrir qual era a temperatura da água. Tirei as roupas e as embolei,
deixando em um canto discreto, afinal, eu havia bebido demais, mas não a
ponto de esquecer que alguma criança poderia roubar minha vestimenta e
me obrigar a voltar nu para a hospedagem.

Quando mergulhei, senti frio, mas, aos poucos, meu corpo se


acostumou com a temperatura, a ponto de achar um tanto agradável. Fechei
os olhos e afundei na imensidão aquática, permaneci o máximo que pude ali
embaixo, prendendo a respiração e aproveitando a forma como o líquido me
embalava.

Quando emergi, uma silhueta chamou minha atenção. As linhas que


compunham aquele corpo eram as mais belas, perfeitas e equilibradas

existentes no planeta e, mesmo sabendo que era errado, não pude desviar o
olhar. Era como ver uma deusa na Terra, seus quadris eram largos e sua
cintura fina, seus seios pequenos, que poderiam caber em taças de
champanhe, suas pernas tão torneadas, seu rosto iluminado de maneira
ínfima pela lua.

Estava tão escuro e ela não pôde me ver, apenas percebeu minha
presença quando já estávamos ambos dentro da água, frente a frente, tarde
demais para voltar atrás.
 

Meu coração estava aflito. A minha vida parecia estar indo por um
caminho que não tinha nada a ver com o que eu desejava. Eu me lembrava
das coisas bonitas que meu pai dizia enquanto velejávamos em seu pequeno
barco. Ele dizia o quanto eu era especial, o quanto eu merecia ter coisas

boas e conhecer o mundo, mas eu sabia que da forma como eu estava


dificilmente conseguiria isso. Por mais que eu tivesse enorme afeto por meu
tio, seu excesso de controle sobre tudo que tinha respeito a mim me deixava
muito cansada.

Eu simplesmente não conseguia colocar meus pensamentos em

ordem; quando decidi mergulhar para aproveitar aquela noite quente, jamais
imaginei que encontraria com aquele homem mais uma vez. Imaginei que
realmente fosse o destino, tentando promover mais um encontro, mas nem
tudo soou tão bonito durante a cena, afinal, eu levei um susto que não pude
controlar e quase morri do coração quando percebi que havia um homem
ali, só reconhecendo o forasteiro depois que ele falou comigo.

— Calma, calma! Sou eu! Me desculpe, por favor, eu deveria ter


avisado, mas eu estava mergulhando e... — ele pedia perdão de uma boa
distância e gesticulava.

Eu coloquei a mão sobre o peito e comecei a rir.

— Você de novo! Que coincidência!

— Eu já estou saindo — avisou, apontando para a margem do riacho.


— Não, a culpa foi minha, eu deveria ter verificado antes de entrar.
— A essa altura, eu estava mergulhada até os ombros, certa de que a
escuridão da noite cobriria meu corpo.

Ele se virou para ir embora, parecia consternado com a situação, mas

algo tomou conta de mim.

— Não, por favor, você não precisa ir — falei um pouco mais alto e
ele voltou atrás. Se aproximou lentamente de mim, a cada centímetro mais
perto, mais meu coração se acelerava.

Logo aquele homem, com seus olhos que refletiam o brilho dos
astros acima de nós, estava à minha frente. Ele estava diferente, parecia
mais desinibido, mais sorridente. Parecia tentar ler meu olhar, parecia ler
meus pensamentos.

— Você fica ainda mais bonita sob a luz da lua. É impressionante —

ele disse como se fosse uma constatação óbvia, mas minha reação foi
apenas sentir meu rosto esquentar. Nunca fui adepta a aceitar elogios, pois,
para mim, o que mais tinha valor era apenas o trabalho duro, apenas.

— Eu agradeço as palavras — respondi, mesmo que tímida. — Eu


não tive a intenção de atrapalhar seu mergulho, mas é que o verão está
acabando... Não sabemos quando vamos ter outra noite como essa tão cedo,

pode ser que só no ano que vem. — A ideia de o calor ir embora era triste,
pois eu sempre adorei as temperaturas mais altas. — Meu pai dizia que esse
era o meu sangue brasileiro falando alto — disse e me interrompi depois,
não queria parecer tagarela.

— Você pode ter certeza de que não atrapalhou nada... Essa cidade...
Essa noite... Eu tenho a impressão de que tudo isso foi preparado pela
minha imaginação, porque é tudo tão bonito. Aí você aparece para deixar

melhor ainda.

Não pude evitar uma risada, apesar da vergonha. Eu realmente me


sentia bonita e confiante sob os olhos daquele estranho, não me sentia
vigiada ou invadida, era uma afinidade que eu seria incapaz de explicar.

— Pra mim, também é difícil de acreditar... — disse em voz baixa.

Sem perceber, foi como se as águas nos levassem cada vez mais para
perto um do outro, quando notei, nossos olhares já estavam misturados e
nossos rostos tão próximos que nossas respirações se chocavam. Uma brisa
fresca de repente passou por nós, arrepiando meu corpo e fazendo com que
a mistura de sensações que se apossavam de mim se tornasse ainda mais

singular.

Ele aproximou seus lábios dos meus e finalmente eles se tocaram,


primeiro lentamente, como um pedido de permissão, que concedi sem
hesitar muito. Um formigamento estranho percorreu minha pele quando ele
segurou minha cintura com precisão. Os braços dele eram tão firmes, e eu
me agarrei em seus ombros, enquanto, aos poucos, ele começava a

desbravar minha boca com sua língua.

Beijar aquele homem praticamente desconhecido me fez lembrar o


que meu tio acreditava ser meu dever: me casar com o homem mais rico da
região. Eu não pretendia, naquela noite, me entregar a um forasteiro, por
mais atraente e simpático que ele fosse, ainda mais sabendo das
consequências que aquilo poderia ter, mas, ainda assim, existia algo que me

impedia de evitar que acontecesse, por isso apenas acabei me deixando


levar.

O beijo, que havia sido primeiramente suave como uma brisa de


outono, se tornava tão cálido quanto as noites de verão. A língua de Stuart

procurava a minha e me ensinava os passos daquela dança.

Apesar de toda a timidez e a minha falta de experiência, eu sentia um


calor queimar em meu corpo, um tipo aflição, mas de uma forma positiva, o
tipo de aflição que fazia com que eu agarrasse o corpo daquele homem
como se minha vida dependesse daquilo.

A forma como ele me beijava era cheia de entrega, maestria,

enquanto minha língua tímida buscava acompanhar seu ritmo dedicado,


voluptuoso. Não demorou para que eu sentisse a reação de seu corpo pelo
contato com o meu. Um pequeno arfar escapou dos meus lábios, e ele parou
imediatamente.

— Me perdoe, eu... — ele começava a dizer, mas eu o impedi em


uma dose de coragem e uni meus lábios ao dele mais uma vez.

Ele aproveitou essa deixa para me tocar, acariciar, suas mãos


seguravam meus quadris com ímpeto, e eu mal podia respirar, estava
envolvida com toda a malícia, toda a astúcia de seus movimentos. Ele me
deseja... Essa percepção me tomava de assalto, me dominava, me fazia
querer mais ainda, seja lá o que estivesse acontecendo naquele momento,

naquele pequeno lugar do mundo.

Era difícil me entregar completamente, mas, em meu peito, eu já era


dele. Seus olhos não deixavam os meus enquanto seu corpo buscava mais
contato. Ele tocou meus lábios com os seus de maneira suave, depois
permitiu que eles deslizassem pela minha mandíbula, até sussurrarem em

meu ouvido: posso continuar?

Estou indefesa, desarmada, meu corpo clama por mais dessa


sensação. Sei que é errado, sei que não devo... Mas quero e preciso.

Eu tinha medo de dizer que sim, tudo que estava em jogo ainda
permeava meus pensamentos, fazia com que meu coração, já mais
acelerado que o normal, fizesse movimentos imprevisíveis. Eu queria de
toda a alma. Eu o queria. Não pude dizer que sim. Não com palavras. Movi

minha cabeça em concordância, com afeto e desejo.

— Você tem certeza disso? — disse com a voz um pouco mais


estruturada, seu volume ainda baixo, na imensidão do universo apenas eu
poderia ouvi-lo.

Mais uma vez movi a cabeça e pude dizer um sôfrego “sim”.

Os braços dele me agarraram, uma de suas mãos acariciava meus


cabelos encharcados para depois repousar na base da minha coluna, e ele
me puxou para si, fazendo com que minhas pernas se enroscassem ao redor
do seu corpo teso, forte. Sua língua procurava a minha de forma exigente,
dominante, enquanto nossos ofegos compunham uma sinfonia erótica.

Ainda em seus braços, ele me conduziu para fora da água, me levando para
o ancoradouro ali perto. Não me soltou em nenhum momento e fez com que
eu me deitasse de maneira delicada sobre a superfície áspera.

Me senti exposta do lado de fora da água, mas, ao mesmo tempo, me


senti bonita, desejada, enquanto ele me devorava com os olhos. Sobre os

joelhos, ele aproximou seu rosto do meu, beijou meu pescoço, minha
clavícula, meus seios... Um arrepio gostoso percorreu minha espinha e o
calor entre minhas pernas se tornava cada vez mais difícil de ignorar. Meu
corpo clamava por algo que eu jamais havia feito, mas que, naquele
momento, parecia extremamente natural.
Seu rosto desceu até a região entre minhas coxas, enquanto minha
respiração se tornava cada vez mais precipitada, até sua língua começar a
explorar meu sexo com delicadeza, como se ele me saboreasse. Fechei os

olhos e minhas costas se arquearam automaticamente. Eu jamais havia


sentido algo do tipo, era como se estivesse calor, mas, ao mesmo tempo, eu
estivesse arrepiada. Agarrei os ombros dele, cravando minhas unhas com
veemência, o que pareceu estimulá-lo mais ainda.

Sem parar seu bom trabalho com a língua, com delicadeza, ele

introduziu um de seus dedos em meu sexo, primeiro apenas sentindo,


gemendo ao fazê-lo, satisfeito... Senti a vibração que vinha de sua garganta
em meu clitóris, e isso me fez arfar. Logo subiu seu rosto na altura no meu,
me beijou com ganância, fazendo com que eu sentisse meu próprio gosto,
seu dedo ainda me invadindo de maneira lúbrica.

— Você está completamente molhada, e não é por causa da água do


rio — ele sussurrou ao meu ouvido de uma forma tão sexy que só deixou a
situação ainda mais úmida.

— Por favor... — pedi para que ele continuasse.

— Vamos com calma — dizia de um jeito calmo, mas sedento. Pude

senti-lo substituir o dedo que me introduzia por seu membro, penetrando


através da minha virgindade de maneira impetuosa, que me arrancou um
gemido alto que ele calou com mais um beijo forte e intenso. — Está tudo
bem? — perguntou com um brilho de excitação no olhar e eu consinto.

Agora ele começava a se movimentar bem devagar, seu rosto


contorcido com o prazer, enquanto eu me controlava para não fazer nenhum
barulho alto demais. Aos poucos, nossos quadris começaram a se mover um

contra o outro, em movimentos cada vez mais despudorados, enquanto


nossas respirações se tornavam descompassadas e eu me acostumava com a
nova sensação.

Ele continuava a me tomar de forma incansável e encontramos um

ritmo único entre nossos corpos, senti que havia alguma coisa diferente,
uma força que me dominava, completava meus sentidos, me possuía.
Respirei fundo enquanto deixava que ela me preenchesse, logo em seguida
sendo arrebatada por uma onda que parecia queimar cada milímetro na
minha pele, sendo liberada em um orgasmo poderoso ao mesmo tempo em
que Stuart me acompanhava, eu pude sentir quando ele se derramou quente

e intenso dentro de mim. Nós dois gritamos e tentamos abafar um ao outro


com um beijo antes de nos deitarmos cansados, lado a lado.

O forasteiro me puxou para seus braços e me acolheu, beijou meu


rosto e meus cabelos. Peguei o vestido que usava apenas para cobrir um
pouco meu corpo, e ele vestiu sua cueca. Nós nos deitamos lado a lado,

olhando as estrelas. Uma sensação esquisita começava a tomar conta de


mim, a sensação de que não havia como voltar atrás e eu precisava ter

coragem.

Ele acabou dormindo ao meu lado, mas eu não consegui. Poderia tê-
lo acordado, mas não o fiz. Alguma estranha força tomava conta de mim
naquela noite. Arbitrariamente decidi continuar ali, nos braços dele, e
permiti que meu corpo descansasse depois de um dia exaustivo de trabalho.
Talvez eu quisesse que todos descobrissem que eu me entreguei para um

estranho, assim, poderia me livrar de uma vez daquela ideia de casamento


forçado. Por mais desconfortável que pudesse ser, eu não poderia estar mais
feliz, pelo menos até ser acordada, o que não foi nem um pouco agradável.

Quando despertei, a luz do sol já se fazia evidente. Um grito de fúria

me despertou de forma violenta, eu ainda estava sonolenta e confusa. Era


meu tio, ele proferia xingamentos e maldições que eu sequer sabia que
existiam, mais furioso do que jamais eu havia visto.

— Você destruiu tudo, Giovana! Você acabou com a nossa vida! —


dizia de forma repetitiva, e tudo que eu podia fazer era tentar me cobrir.

Meu coração parecia tentar ultrapassar a barreira de minha caixa

torácica, e eu nunca tive tanto medo na vida, aquele era um momento


definitivo e eu não sabia como seria minha vida dali para frente, se é que eu
ainda teria alguma.
 

Eu mal tive tempo de me cobrir direito, porque meu tio gritava como

um monstro, estava completamente fora de si! Ele não estava sozinho, a


senhora Colombo o acompanhava com uma cesta cheia de cebolas. Na

realidade, esse era o percurso que ela costumava fazer de manhã, eu sabia

disso. Essa era uma das figuras mais conhecidas na cidade por sua fama de
fofoqueira, ela estava sempre trazendo e levando informações, verdadeiras

ou não, sobre os outros.

Eu sabia que ela nos veria ali e espalharia a notícia aos outros, isso
seria o suficiente para que eu não fosse obrigada a me casar com Giacomo
Salvatore só por causa de seu dinheiro. Salvatore nunca aceitaria uma noiva

desvirginada, ainda mais se todo o vilarejo soubesse disso. Eu só não


contava que meu tio estaria com ela naquele momento.

Ele segurou meus braços e me sacudiu, enquanto eu chorava sem


poder controlar. Era o que eu queria, sim, é verdade, foi a oportunidade que

encontrei para me livrar daquele casamento combinado contra minha

vontade, mas eu nunca imaginei que pudesse me sentir tão mal quando meu
tio descobrisse.

O arrependimento tomou conta de mim e eu me senti a pessoa mais

indigna do universo, não havia pensado na segunda parte do meu estúpido

“plano” e entrei em desespero.

— Tio, deixe apenas que eu me vista, eu posso explicar!

Em poucos segundos, sem que eu pudesse perceber, Stuart já estava

de pé e fez com que meu tio me soltasse. O homem doce e simpático dando

espaço para uma fera. Por maior que fosse minha humilhação, eu soube que

não estava sozinha, mais uma vez ele estava me defendendo. Aquele

homem tão alto, tão forte, tão elegante estava entrando em uma briga feia
por mim. Ele empurrou meu tio e fez com que ele se afastasse.

— Não toque nela, eu já disse ontem e estou repetindo! —


esbravejou com intensidade. Os dois se encaravam de um jeito feroz, como
se pudessem explodir.

— Você é tão sujo quanto ela! Acha que pode vir aqui e destruir a

vida das pessoas? Você não sabe de nada! Essa puta estava prometida em
casamento e deu pra você! Só Deus sabe pra quantos antes! — meu tio

berrava em desespero, e senti que, por um momento, Stuart não soube

responder, mas continuou com sua postura impassível.

— Isso não justifica agredir a moça! Vamos conversar como pessoas


civilizadas, e eu me responsabilizo por ela! — disse com tanta certeza, tanta

confiança, que eu me senti um pouco melhor.

Nesse momento, Rita Colombo saiu do lugar correndo, eu sabia que

o circo estaria feito a partir dali. Ela me odiava com todas as forças porque

era apaixonada por meu pai, os pais dela e meus avós faziam gosto pela

união quando eram jovens, mas seu desejo foi frustrado quando meu pai se

casou com minha mãe de surpresa. Ela jamais havia superado o rancor e me

detestava por algo que sequer era minha culpa.

— Você, vá se vestir, vagabunda! Rápido! Lá dentro em um minuto!

— meu tio intimou com raiva, apontando para mim, e eu apenas olhei para

meus pés. — Me encare, puta! — gritou, e eu fui obrigada a ver seus olhos
em chamas, cheios de ódio, mais uma vez.
Ele saiu em seguida, e eu desabei, não pude me conter mais. Deixei

que meu corpo caísse no chão e, de joelhos, chorei, como se minhas


lágrimas fossem uma prece para Nossa Senhora, em quem meu pai sempre

confiou. Por mais que eu não tivesse tanta fé quanto ele, ainda acreditava
que alguém olhasse por mim, talvez porque precisasse de um pouco de
conforto.

Enquanto eu me desfazia em lágrimas, Stuart me abraçou. Seu calor


ao meu redor me tranquilizou por alguns segundos, mas eu me afastei

automaticamente. Não queria que mais ninguém nos visse, como se isso
fizesse alguma diferença naquele momento! Mas eu não pude ser racional o

suficiente para pensar isso.

— Me perdoe, me perdoe! Eu juro que nunca fiz isso antes, eu só...


— eu tentava pronunciar, mas não conseguia. Ele continuou a me abraçar e

acalmar, por mais que isso fosse impossível.

— Nós vamos resolver isso, eu vou fazer o possível, pode deixar! —

assegurou, e eu pude apenas responder com um sorriso.

— Obrigada, mas nada disso é sua obrigação, você deveria partir o

quanto antes — esclareci, sabendo que as coisas não iriam melhorar a partir
dali. Eu não queria envolver aquele homem tão gentil em um problema que

eu mesma causei.
— Eu fico — ele respondeu com firmeza.

Toda a beleza da noite anterior, onde nós nos tornamos um só, onde
somente as estrelas e a lua nos cobriam em sua vigília eterna, se esvaia com

tudo aquilo. Em meu peito, senti que as coisas nunca mais seriam as
mesmas. E eu estava certa.

Nos vestimos o mais rápido possível e eu fui até a cozinha pela porta
dos fundos, para beber um copo de água. Stuart foi até o próprio quarto
pegar suas coisas, assim que aquilo “acabasse”, ele iria embora. Eu tremia

tanto que mal conseguia segurar o copo. Não demorou muito para que a
sensação pacífica acabasse.

No salão, que estava vazio àquela hora, ouvi gritos e logo me


aproximei para ver o que estava acontecendo, entretanto, parei na porta e

tudo que pude assistir foi Giacomo Salvatore, que falava aos berros com
meu tio.

— Eu já fiquei sabendo do que a puta da sua sobrinha fez! Ela deu


pra um forasteiro, para o primeiro homem que apareceu aqui! Se ela fez

isso debaixo do seu nariz, imagina o que ela pode ter feito fora da sua vista,
Tommaso! Você não tem vergonha, velho pilantra? Querendo me vender
mercadoria de segunda mão... Ah! Mas isso não vai ficar assim de jeito

nenhum, seu desgraçado! — o homem dizia, e meu tio tentava acalmá-lo, o


que não funcionava de jeito nenhum.
— Veja bem, Salvatore... Isso não é lá bem verdade!

— Por que a minha tia-avó iria mentir, seu imundo?!

— Se acalme, se acalme, por favor! Vamos tomar uma bebida, um

pouco de vinho.

Ainda havia o pequeno detalhe, a senhora Colombo era parente de

Salvatore. Era algo que eu também sabia e, mesmo que fosse complicado
admitir para mim mesma, eu sabia que, se ela visse a cena com os próprios

olhos, iria imediatamente contar e ele acreditaria, é óbvio.

— Em menos de uma hora as pessoas já estão falando, Tommaso!

Você acha mesmo que eu vou aceitar esse lixo como pagamento? — o
homem falou em fúria, enquanto eu podia sentir como uma punhalada a
palavra “lixo” se dirigir a mim.

Eu nunca havia visto meu tio tão desesperado, ele estava vermelho e
parecia prestes a enfartar, como se a coisa fosse bem mais grave do que

parecia. Eu sabia que não me casar com aquele homem iria fazer com que
ele não tivesse o prestígio que procurava, mas não fazia sentido a dimensão

da reação dele, até que eu descobri.

Salvatore se aproximou de meu tio Tommaso e colocou um dedo


esticado no peito dele, olhou profundamente em seus olhos, e proferiu as

palavras:
— Você vai me pagar. Eu não sei como, mas vai. Se não pagar, pode
ir arrumando suas malas, porco imundo! — Quase cuspiu as últimas
palavras e deu às costas para meu tio Tommaso, agora completamente

desnorteado.

Só então, muito timidamente, eu decidi entrar no recinto, mas meu

tio, assim que me viu, mais uma vez veio até mim, como se quisesse me
matar.

— Eu devia ter te deixado na sarjeta! Te vendido para o primeiro que

passasse! Garota inútil! Imprestável que nem a sua mãe, que não soube nem

parir!

— Tio, por favor, não fale assim da minha mãe... — pedi, mesmo

com medo da reação dele.

— Ah, agora você está preocupada com o que eu falo da sua mãe, sua

piranha? Agora você vai ter que fazer jus à sua fama, vai ter que vender
esse seu corpo, que é a única coisa que você tem pra se sustentar! —

berrava a plenos pulmões.

Tudo que eu fiz naquele momento foi tentar me manter calma, tentei

apenas respirar, por mais que todo fôlego parecesse ter sido roubado de
mim.

— Tio, por favor! — pedi mais uma vez, mas ele me ignorou.
— Você está indo embora nesse momento, Giovana, e não tem nada

que me faça voltar atrás.

Ele saiu andando, e eu o seguindo, pedindo para que ele ponderasse,

para que lembrasse do meu pai, do quanto ele o amava, que nós podíamos

resolver aquilo tudo, que eu trabalharia em dobro, mas nada foi capaz de
fazer com que ele me ouvisse.

Chegando ao meu quarto, que era um tipo de armário inutilizado, ele

começou a recolher as poucas coisas que eu tinha e a colocar dentro de um

cesto que havia ali. Depois disso, saiu em direção à rua e jogou tudo no
chão, inclusive as fotos e alguns objetos que pertenceram ao meu pai.

Algumas pessoas que passavam nos olhavam e assistiam àquele

vexame horrível com rostos espantados. Eu queria sumir, queria


simplesmente desaparecer. Foi quando Stuart chegou.

— O que você está fazendo? — disse, mais uma vez encarando meu

tio.

— Você caiu na história dessa pilantrinha, não é? Ela te enganou


bem, não foi? Tudo que ela fez foi de propósito, porque sabia que ia acabar

comigo. Era isso que ela sempre quis, e conseguiu. Agora a minha

hospedaria vai fechar por culpa dela! Por culpa dela, nós dois ficamos sem

nada!
— Mas, tio, não foi minha intenção, eu não sabia... Eu...

— Não sabia?! Não sabia? Então você sabe agora que não tenho

como pagar a dívida que fiz pra manter esse lugar funcionando, pra te

alimentar, ingrata, desgraçada! — esbravejava.

— Deixe essa garota em paz, você não acha que fez o suficiente? Eu

reafirmo que me responsabilizo por ela. Vamos! — disse, me olhando com

firmeza e me ajudando a recolher as coisas.

Meu tio entrou na hospedaria, e eu achei que nunca mais o veria.

— O show acabou! Não cansaram de assistir?! — Stuart gritou para

os que estavam parados, olhando minha humilhação.

Aos poucos, as pessoas começaram a se dispersar e seguirem seus


próprios caminhos, ao mesmo tempo em que eu terminava de pegar tudo.

— Obrigada — disse para Stuart. Estava muito envergonhada, nem

sabia como olhar para ele.

— Meu carro está em algum lugar perto daquela direção, eu te levo


para onde você precisar.

Enquanto caminhávamos, ouvimos um barulho e vi que Stuart

pegava o telefone do bolso.

— Eu não acredito, finalmente consegui sinal — murmurou e


atendeu a ligação. — Eu estou tentando desde ontem falar com você
também! — dizia com impaciência. — Acabei me perdendo na estrada, mas

já... Como assim? A Amy? Não é possível! — Ele parecia muito


preocupado, e eu não tinha ideia de quem seriam aquelas pessoas, com

certeza ele tinha coisas muito importantes para fazer, e eu não podia prendê-

lo. Talvez Amy fosse sua esposa ou namorada.

Ele terminou a ligação depois de alguns minutos e então nos


encaramos, era o fim da linha.

— Está tudo bem? — perguntei.

— Sim e não. Minha filha se machucou, e eu preciso voltar pra casa.


— Ele colocou a mão sobre a cabeça e deixou escapar um suspiro. Estava

realmente nervoso.

— Ah, você tem uma filhinha. — Sorri, admirada, e ele me ofereceu

um meio— sorriso.

— Mas não tem nada a ver com o que você tá pensando, eu sou

viúvo e...

— Você não me deve explicações, Stuart — disse da forma mais


simpática que pude.

— Você tá passando por tudo isso por contribuição minha e eu vou te

ajudar a sair dessa situação. Não posso fazer muita coisa, mas pelo menos

posso te ajudar a conseguir um lugar para morar até conseguir um emprego.


— Não, de jeito nenhum, eu...

— Por favor, aceite!

— Me desculpe, Stuart, mas eu jamais aceitaria. Já consegui o que

mais queria: minha liberdade — concluí enquanto ele me olhava de um


jeito esquisito.

Eu precisava convencê-lo de que realmente deveria ir embora, não

podia atrasar mais ainda seu caminho, seja lá para onde ele estivesse indo
dali.

— Eu sei, Giovana, eu posso te ajudar a consertar isso.

— Vamos ser honestos aqui, Stuart. Eu não queria dizer dessa forma,

mas meu tio estava certo. Eu realmente fiz isso de propósito. Eu não queria

me casar com aquele homem asqueroso da vinícola, por isso deixei que
aquilo acontecesse. Mas nós nem nos conhecemos. Você me parece um

bom homem, mas o que aconteceu não foi um encontro mágico ou qualquer

coisa do tipo, foi só algo que eu tive que fazer pra garantir minha liberdade
— expliquei com cautela, embora algumas partes fossem verdadeiras, a

maioria não era.

Ele me olhava com uma expressão de desapontamento, e eu sabia que


o estava chateando com minhas palavras, mas eu precisava fazer isso, mais

uma vez eu precisava ser corajosa.


Era estranho como dizer aquelas palavras para aquele homem parado

em minha frente fazia com que meu coração se partisse em mil pedaços,
como se algo muito importante estivesse sendo arrancado de mim.

Mas no fundo eu sabia que era a coisa certa, afinal, aquilo havia sido

apenas um sonho que não se repetiria. Aquele homem estava com pena de

mim depois de ter me visto sendo maltratada e expulsa de casa, mas isso
não significava que nós teríamos um futuro juntos.

— Eu sinto muito, mas é assim que as coisas são. — Tentei

demonstrar confiança da melhor maneira possível, afinal, era uma atitude


necessária.

— Não, tudo bem, você está certa, nós mal nos conhecemos. Talvez

outras pessoas tivessem feito o mesmo em uma situação de desespero. De

qualquer forma, me diga como posso te ajudar. — Ele se recompôs.

— Bom, eu tenho uma amiga que mora junto com os pais em um

pequeno rancho. Não fica tão longe daqui. Se você me deixar ligar pra ela e

me der uma carona, será melhor do que eu esperava.

— Perfeito — disse, me estendendo o celular. — Você pode fazer sua


ligação.

Meu tio não me deixava ter um celular, dizia que não tinha dinheiro e

que naquele lugar o sinal era muito ruim, então não valia a pena. Pelo
menos a última parte era verdade, quando tentei falar com Cassandra, o
sinal havia caído.

Então pedi para que ele me levasse para a casa dela diretamente. Eu o

guiei durante o caminho e nós não demoramos a chegar.

Quando chamei minha amiga no portão e ela veio até mim, vi em seu

rosto a confusão de quem não entendia nada do que estava acontecendo.

— Giovana! O que está havendo? — disse enquanto me olhava

assustada e depois fitava Stuart dos pés à cabeça, parecia impressionada.

Quando a abracei, não pude segurar as lágrimas, as palavras de meu

tio voltaram a me atormentar e a vergonha também.

— É uma longa história, mas meu tio me expulsou de casa.

— Meu Deus, Giovana! O que você fez?

— Eu prometo que conto tudo, mas eu posso ficar por aqui alguns

dias? Pelo menos até eu conseguir um trabalho?

— Você sabe que o que nós conseguimos com o que produzimos aqui

é muito pouco, mas você pode ficar por alguns dias.

— Eu agradeço muito mesmo! — falei com euforia.

— Bom... E ele? — perguntou, sem graça.

— Esse é o Stuart. Ele me ajudou — falei sem contar que a parte

maior do problema havia sido gerada com a ajuda dele também. — Que
falta de educação!

Eu os apresentei, e eles se cumprimentaram.

— Eu gostaria de te ajudar mais, Giovana. É sério, eu posso auxiliar


financeiramente.

Antes que Cassandra sequer pensasse em aceitar, eu segurei a mão

dela e dei um passo à frente.

— Eu agradeço mais uma vez, mas realmente não é necessário.

Dessa vez, ele não insistiu, apenas tirou algo de um dos bolsos, era
um pequeno cartão que estendeu para mim, mas eu hesitei em pegar, então
Cassandra o segurou.

— Obrigada, senhor — disse simplesmente.

E foi aí que eu vi o mais bonito desvario da minha vida se


esvanecendo enquanto caminhava para o próprio carro. Eu quis chorar pela
centésima vez no dia, mas me contive, sabia que precisava ser forte,

precisava mais do que nunca lembrar tudo que meu pai me ensinou sobre
realizar sonhos, nunca é fácil, mas sempre vale a pena no final.
 

— Quem é esse homem e o que ele estava fazendo aqui? —

Cassandra me intimou, e eu baixei os olhos de vergonha.

— É uma história longa, apesar de ter se desenrolado bem rápido —

respondi de maneira enigmática, mas ela sustentou a pose inquisitiva.

— Estou com tempo hoje — insistiu, e eu rolei os olhos.

Cassandra e eu nem sempre falávamos sobre tudo, às vezes nós


sabíamos que precisávamos apenas da presença uma da outra, sem palavras,

mas esse não era o dia, eu já havia aceitado que não poderia pedir ajuda

daquela forma sem ao menos me explicar.


— Eu fiz uma coisa terrível — falei simplesmente, cobrindo o rosto

em um gesto involuntário. — Esse homem que me trouxe aqui... Meu tio


me colocou para fora por causa dele, na verdade por causa do que eu fiz

com ele.

Os olhos arregalados da minha amiga denunciavam seu choque com

a minha revelação.

— V... você...? — titubeou.

— Meu tio queria me obrigar a casar com Salvatore, aquele homem

asqueroso e, para evitar isso, eu dormi com aquele estranho.

— Nana, como você pôde?!

— Eu não sei, apenas fiz — concluí com resignação.

Quando parei pra pensar sobre o que aconteceu, quase me rendi à


desesperança e à tristeza, mas decidi que não iria me permitir desistir dos

meus sonhos, eu iria lutar e trabalhar para alcançar tudo que um dia, junto

ao meu pai, aspirei.

Os pais de Cassandra, com a ajuda dela, trabalhavam dia e noite em

sua plantação, além de sua pequena granja. Logo comecei a me dedicar ao

máximo ao mesmo trabalho para ajudá-los e justificar minha presença

naquela casa.
Eu madrugava, às vezes acordando antes deles, às quatro da manhã,
para adiantar qualquer tarefa necessária. Recolhia os ovos, alimentava as

galinhas, preparava o café da manhã...

Os Berti, pais de minha amiga, eram pessoas muito honradas e me

tratavam muito bem, o que era até estranho para mim. Eles usavam boa

parte do seu pouco dinheiro para custear os estudos da minha amiga, que,

além de trabalhar na roça, ainda precisava se deslocar longas distâncias para

fazer um curso na área de Agronomia na cidade vizinha.

Juntos, alcançamos uma rotina tranquila, onde eu me sentia útil, e

não uma intrusa na casa, sempre trabalhando ativamente. Foi depois de

mais ou menos quatro meses que tudo começou a mudar, como se minhas

forças, aos poucos, começassem a se desfazer. Eu sentia dores terríveis na

barriga e uma tontura que nunca passava, além de um enjoo insuportável,


cheguei a desmaiar duas vezes na plantação, mas não parei.

Quanto pior eu me sentia, mais precisava forçar meu corpo para

continuar trabalhando o dobro. Eu temia estar doente, temia que houvesse


algo terrível comigo, mas ir ao médico era um luxo ao qual eu não tinha

acesso. A situação se tornou insustentável, quando, em um dia, sob o sol

mais forte da tarde, quase tive outro desmaio, mas consegui me manter de

pé. Quando olhei para os meus pés, tonta, vi o sangue que gotejava sem

parar. Tentei me manter calma e fui para a varanda, deixando um rastro de


sangue atrás de mim. A mãe de Cassandra me viu e, em seus olhos, vi

desespero.

— O que houve menina? Você tá pálida! — falou com uma

entonação preocupada ao mesmo tempo em que tocava meu rosto para


sentir a temperatura, depois segurou meu braço para me guiar até uma

cadeira ali perto.

Eu não tinha condições nem de responder à pergunta dela, mas, assim


que ela viu o sangue, percebeu que era grave.

— Meu Deus! Acode, Pietro! A menina está sangrando! — Eu ouvia


sua voz ao longe, mas não conseguia distinguir as palavras muito bem, nem

entendia o que estava acontecendo.

Quando dei por mim, já estava chacoalhando na caminhonete velha

de Pietro Berti.

— O que aconteceu? — tentava falar, mas Cassandra me segurava

com força e passava um pano umedecido em meu rosto.

— Vai ficar tudo bem, Nana! Já estamos chegando ao médico.

Perdi a consciência de novo e, quando voltei a mim, estava em uma


sala fria, branca e iluminada. Demorei uns bons segundos para lembrar o
momento na plantação em que comecei a me sentir mal. Logo vi o rosto de

minha amiga, que parecia mais preocupada do que antes.


— Nana. — Ela sorriu, mas era possível perceber que aquele sorriso

não era muito sincero.

— O que aconteceu comigo? — perguntei, ainda enfraquecida.

— Você precisa prometer que vai ficar calma com o que eu vou te
dizer.

— O que aconteceu? — perguntei mais uma vez, muito nervosa. É


claro que eu estava doente, era óbvio que as coisas não estavam certas

comigo. — Eu estou doente, eu sabia! — falei com tristeza, aquilo era a


última coisa de que eu precisava, logo quando eu não podia esmorecer, não
podia perder tempo, porque eu estava sozinha no mundo.

— Nana, você está grávida, tem um bebê na sua barriga — disse, mas
eu não podia compreender o significado daquilo, não quis acreditar.

— M... mas isso não é possível, eu não engordei, e— eu... Eu estou


normal, não posso estar grávida. Minha menstruação veio, de um jeito

irregular, mas tem vindo! — Eu tentava me convencer de que aquilo era um


erro.

— Amiga, é verdade, você tá grávida. O médico disse que é normal

acontecerem sangramentos durante a gestação e por isso algumas mulheres


demoram a descobrir, ainda mais no seu caso, onde há um descolamento de

placenta... — Não... — falei de um jeito desesperado. Eu não sabia


exatamente o que era aquilo, mas sabia que não era algo bom. — O que isso
quer dizer?

— Quer dizer que a placenta se descolou do útero e isso pode fazer


com que o bebê não receba a alimentação adequada.

Quando ela disse aquilo, meus olhos se encheram de lágrimas e eu

não sabia o que fazer, pensar ou sentir. Eu estava com tanto medo, tão
confusa. Eu teria um bebê! Por mais que ainda não tivesse assimilado essa
ideia, estava preocupada com o fato de que poderia perdê-lo. Eu estava com

raiva por ter engravidado, por ter feito aquela besteira, por ter sido tão
impulsiva. Tinha uma criança na minha barriga, mas ela poderia nem

sobreviver!

Lembrei-me de todos os dias em que eu quase me matei de trabalhar,

de quando eu dormia tarde e acordava antes de todos, da forma como eu


carregava peso e trabalhava com a enxada. Eu havia massacrado minha

saúde sem saber que estava prejudicando outro ser também. Eu me sentia
tão culpada!

Cassandra me abraçou e tentou me acalmar enquanto eu me dissolvia


em lágrimas. Eu estava esperando um bebê. Assim como um dia minha mãe
me carregou, eu estava carregando o neto do meu pai, uma criança com os

genes dele. Eu estava apavorada, não conseguia me conter.


— Fica tranquila, viu? Você só precisa descansar agora. Você tem que
descansar agora pra garantir que esse pequeno sobreviva — disse com um
sorriso enquanto pousava uma das mãos delicadamente em minha barriga.

Eu nem sequer havia ainda tomado consciência do meu corpo, das


condições dele. Olhei para baixo e não vi muita diferença, minha barriga

estava levemente inchada, mas nada demais. Eu deveria ter sido mais
observadora e cuidadosa. Fiz as contas e estava grávida de quatro meses.
Quatro meses, e eu só estava descobrindo naquele momento.

— Eu sei que é difícil, mas você pode me perdoar? — perguntei,

fragilizada.

— Perdoar pelo quê?

— Por ter feito isso, por estar agora atrapalhando sua vida e dos seus

pais. — Mais uma vez chorei.

Eu não estava acostumada, apesar de tudo, a me sentir tão impotente


assim. A força dos meus braços e pernas era o que sempre me manteve

firme, mas agora eu precisaria parar, estava fraca, incapacitada, pelo menos

se quisesse que aquele bebê se mantivesse ali. Ainda assim, não conseguia

me arrepender, era estranho pensar nisso.

— Nós vamos lidar com isso juntas, pode contar comigo. — Ela

sorriu e nós nos abraçamos. Aquele abraço me tranquilizou um pouco, e eu


me senti menos sozinha, com a esperança de que as coisas ainda poderiam

dar certo. Até que nós nos afastamos e ela me olhou ainda aflita. — Você
vai precisar de cuidados especiais, você deveria ligar para o pai do seu

filho.

Eu definitivamente não estava pronta para falar sobre aquilo, nem


queria mais um problema na minha vida, tudo já estava doloroso demais, eu

não podia acrescentar mais essa situação.

— Eu não quero que ele pense que estou tentando dar um golpe,

Cassandra, eu não suportaria mais essa humilhação — falei com pesar. —


Eu vou dar um jeito, eu juro que vou.

Infelizmente as coisas não aconteceram como eu previ. Por mais que

eu ficasse em repouso, fui parar no hospital mais duas vezes com alguns
sangramentos, as coisas não estavam indo bem, e eu me sentia mais

delicada do que uma porcelana, como se não pudesse me mover. Até

quando tentei fazer tarefas simples, como o almoço, acabei passando mal.

Naquela noite ouvi Cassandra conversando com sua mãe, elas


estavam mesmo preocupadas comigo.

— Mamãe, eu vou trancar o meu curso, Nana precisa de mim. Assim

eu vou poder trabalhar mais aqui com vocês.


— Minha filha, mas esse é o seu sonho, você não pode fazer isso, eu

cuido dela, sabe que ela é como uma filha também.

— Eu sei, mas a senhora tem estado muito sobrecarregada, eu preciso

fazer alguma coisa. Além do mais, é só por um tempo, daqui a seis meses
eu volto.

— A prioridade aqui é você, meu anjo — ela dizia para a filha. Eu

sabia que havia me tornado um fardo naquela casa.

Ouvir aquele pequeno diálogo me deixou muito mal, era como se eu

fosse um empecilho na vida da única pessoa que me apoiou quando eu mais

precisei. Por isso comecei a matutar sobre o que eu poderia fazer para

resolver a situação.

Decidi pedir ajuda a outras pessoas que também me amavam,

senhores Giuseppe, Antônio e Francesco. O senhor Giuseppe foi rápido em

me oferecer auxílio, me arranjando um quartinho mais perto do centro do


vilarejo.

— Menina, tudo que você precisar e eu puder fazer por você sempre

farei, não só pelo seu pai, mas porque você é importante pra mim! — disse

enquanto me entregava a chave.

Era difícil estar em uma situação completamente dependente de

outras pessoas, mas era a única opção que eu tinha naquele momento.
Durante as semanas seguintes, ele mandava entregar mantimentos no meu

pequeno alojamento e sempre ia ver se eu estava bem, até o dia em que ele
não apareceu, e eu senti que havia algo estranho. O senhor Giuseppe estava

muito doente, além de ser muito idoso. Eu tive um mal pressentimento, que

logo foi confirmado por Antônio: o senhor Giuseppe havia falecido.

Precisei respirar fundo, me deitar e tentar ficar tranquila. Eu não


podia passar mal, não podia sangrar de novo, não havia ninguém para me

socorrer e eu poderia perder meu filho. Eu rezei com toda fé para que eu

não perdesse o bebê, para que meu coração mantivesse a serenidade, apesar
da notícia tão triste.

Não pude sequer me despedir de Giuseppe, talvez aquela fosse minha

sina nunca me despedir dos que eu amava, porque eu não podia correr o
risco de ficar nervosa e piorar ainda mais minha situação, também porque

eu evitava sair pela vergonha, afinal, as pessoas das redondezas eram

terríveis.

Eu passei um bom tempo contando e recontando as moedas que me


sobraram, não daria para muita coisa até que eu precisasse pedir esmola

para comer, eu não podia deixar aquilo acontecer, mas não conseguia

enxergar uma luz no fim do túnel. Decidi dormir para esquecer pelo menos
um pouco daqueles problemas.
No dia seguinte, fui acordada por uma voz que chamava, era

estranho, porque tudo era calmo naquela vizinhança. Levantei-me um tanto

cansada, a barriga começava a aparecer um pouco mais e já era perceptível

que eu estava grávida.

Quando me levantei para me sentar, ouvi passos pesados vindos à

mesma direção do lugar em que eu estava, aquilo me assustou um pouco,

mas, quando a porta se abriu, me deparei com uma figura conhecida: meu
tio.

— Nana! Você está aqui! — dizia com preocupação, um pouco rude,

como era o jeito dele, mas preocupado.

— Titio! — exclamei, ainda perplexa.

— Vamos, arrume as suas coisas, vamos para casa! — ele disse,

enfático.

— O s... senhor me perdoou?

— É claro que perdoei, minha Nana, vamos pra casa.

— Mas, titio, eu não posso trabalhar... Não sei se o senhor soube,

mas...

— Não interessa, nós vamos dar um jeito.

— Titio, o que aconteceu com sua dívida com Salvatore? —


perguntei, muito receosa enquanto íamos em direção à hospedaria.
— Eu conversei com ele, menina, ele me deu mais tempo, me deixou

pagar aos poucos. — Ele sorriu. Aquilo era incomum. — Agora você
precisa descansar, cuidar para que esse bambino nasça com saúde.

Saber que ele se importava aqueceu meu coração, fazendo com que

um peso saísse do meu peito. Finalmente nós seríamos uma família de

verdade e meu filho poderia crescer na pensão que meu pai ajudou a
comprar.

Depois disso as coisas mudaram totalmente, e eu ganhei até mesmo

um quarto na hospedaria mais amplo e confortável. Meu tio havia até


mesmo contratado uma moça que me ajudava com as atividades cotidianas.

Eu ia regularmente até o médico da vila para verificar se estava tudo bem e

felizmente ficar em repouso estava ajudando. Meu parto seria realizado no


hospital do centro da cidade e a cesárea já estava marcada.

Tudo isso me tranquilizou muito, eu só precisava ficar quieta e

esperar, nada mais. É claro que o tédio me consumia, pois tudo que eu podia

fazer era assistir à televisão e ler livros, mas, ao mesmo tempo, eu tentava
imaginar o rosto do meu bebê e fantasiar como tudo seria quando ele

nascesse.

•••
A ansiedade tomou conta de mim quando percebi que o grande dia
estava chegando, mas, ao mesmo tempo, eu estava feliz. O médico já havia

me explicado como seria todo o procedimento, mas, ainda assim, fiquei um

pouco aflita, pelo menos até perceber que já estava lá, que a sala estava
preparada e que a anestesia já estava sendo aplicada.

É claro que eu ficaria muito feliz com um parto normal, mas aquela

era a maneira de evitar que algum problema acontecesse comigo ou com o

bebê. O que me deixou mais nervosa entre tudo foi imaginar minha mãe
quando deu à luz a mim, pois ela havia perdido a própria vida para que eu

estivesse ali. Pensar nela era o mais difícil.

O procedimento foi muito tranquilo e não demorou nada para que a


parte mágica de tudo acontecesse: meu filho estava nos meus braços e

respirando!

— Parabéns, mamãe! — me disse o médico com um sorriso.

Nós dois estávamos vivos e isso me fez chorar de emoção! Aquele


pequeno ser havia se formado dentro de mim e agora estava no mundo

comigo, e eu nunca mais me sentiria sozinha.

Decidi chamá-lo de Paolo quando olhei para seu rostinho pequeno,


pois ele tinha os olhos do meu pai. Ainda assim, mesmo com toda

semelhança, ele era capaz de me lembrar também daquele homem que eu só


havia visto uma vez, mas que havia mudado toda minha vida. Sim, meu
filho era abençoado, e eu era grata por aquele forasteiro tê-lo trazido para
minha vida.

O pós-parto foi um pouco delicado, mas menos incômodo do que eu


imaginava. Tomei os remédios que o médico receitou e mantive o descanso
por mais alguns dias, apesar de estar quase enlouquecendo com aquele

marasmo, sabia que era por uma causa maior.

Paolo era o bebê mais tranquilo do mundo e, nas primeiras semanas,


já dormia a noite inteira, raramente acordando para ser amamentado. Aos
poucos, era como se a vida voltasse aos eixos, porque eu sabia que logo

estaria bem para voltar a trabalhar com toda a minha disposição de sempre.

Tudo continuou muito calmo, pelo menos por um tempo, até que
chegou o momento em que mais uma vez vi minha vida de cabeça para

baixo. Meu tio entrou no meu quarto com um olhar enigmático, até ali ele
nem sequer havia pegado o bebê, o que eu havia achado estranho, afinal, ele
parecia ansioso para conhecer o sobrinho-neto antes disso.

— Giovana, eu vim aqui falar sobre uma coisa muito importante —


começou.

— É claro, tio — Paolo dormia profundamente, e eu me sentei na


cama.
— Eu espero que você não pense que toda essa mordomia que eu
ofereci pra você nos últimos dias tenha sido de graça! — Seu olhar era
duro, e eu começava a me sentir mal, afinal, jamais havia me recusado a

trabalhar.

— Eu sei que tudo isso custa caro e me comprometo a trabalhar todas

as horas do meu dia! — falei de imediato.

— Não pense que seu trabalho me serve de alguma coisa, putinha —

grunhiu, e eu o olhava perplexa, afinal, ele havia me perdoado, não havia?


— Você vai fazer exatamente o que eu mandar a partir de agora, se não o
seu filhinho sarnento vai ser jogado pra adoção ou no lixo, dependendo de

como você se comportar!

— O— o que você quer que eu faça? — Meu coração batia com

força, e eu não sabia como me portar.

— Você vai embora, Giovana, pra sempre! Você e esse pequeno


estorvo. — Apontou para o berço de madeira antigo que havia ganhado

como doação. — E quem vai te comprar, junto com essa coisinha, é o ricaço
pra quem você abriu as pernas — ele concluiu com um sorriso tão perverso
que eu me senti mal por ver a semelhança entre ele e meu pai, porque meu

pai jamais agiria de forma tão diabólica.


Uma lágrima escorreu sem minha permissão e eu caí em mim, meu
tio não estava interessado em me ajudar, mas apenas no meu bebê, como se

ele fosse uma moeda de troca!

— Agora você vai se comportar, assim você pode continuar com seu

pequeno sanguessuga e eu nunca mais vou precisar ver sua cara — concluiu
e me deu as costas. Eu estava tão terrificada que não pude me mover.

Meu tio trancou a porta atrás de si, me deixando presa, mas o pior
não era estar dentro daquele quarto e não ter como sair, e, sim, mais uma
vez estar sendo vendida por ele.
 

Voltar para casa foi um misto de sentimentos. Eu estava preocupado

com Amy, mas sabia que ela ficaria bem, afinal, já estava muito bem
acompanhada pela tia Gerta, ao mesmo tempo me senti um tanto estúpido

por tudo que havia acontecido naquele dia tão atípico.

Conhecer aquela mulher foi como uma espécie de maldição, como se


depois de olhar nos olhos dela, eu não pudesse mais esquecer tudo que

passamos. A voz dela replicava vez após vez aquela sentença onde ela dizia

que aquilo não havia significado nada.


Eu sou um homem adulto, mas ouvir sair dos lábios de Giovana que

aquilo que vivemos não representava nada, que havia sido apenas uma
maneira de se livrar de um casamento forçado, era frustrante, de qualquer

maneira me esforcei para me colocar no lugar dela, afinal, ela vivia uma

vida que eu jamais havia conhecido, uma vida difícil, sem luxos ou fartura.

Eu não podia sentir raiva daquela moça, não podia mesmo. Eu havia

partido, e ela havia continuado naquele lugar, sofrendo as consequências do


que aconteceu. Eu voltaria para a minha vida de negócios, e ela viveria sob

o véu da vergonha.

Dom estava entretido com seu livro na poltrona ao meu lado e havia

percebido que havia algo estranho comigo quando nos encontramos de


novo.

— Você estava tão disperso durante a reunião, Stuart! O que

aconteceu?

— Só estou preocupado com a Amy, você sabe.

— Ela está bem, meu irmão, nós já estamos quase indo embora.

Desde então, ele não havia perguntado mais nada, era o jeito dele,
não gostava de se intrometer, nem de forçar conversas, então passamos um

bom tempo em silêncio. Era esquisito, como se eu tivesse voltado de outra

dimensão, como se aquele vilarejo fosse parte de um sonho.


As imagens da lua refletindo sobre a pele negra daquela mulher e
iluminando seus olhos verdes ficavam se repetindo nos meus pensamentos,

como se fosse um vídeo em loop infinito e eu sabia que permaneceria

assim.

Chegar em casa finalmente foi agradável, como se eu estivesse

protegido do mundo. Amy já estava na sala de estar com sua perna

engessada e devidamente assinada pelas irmãs, que correram em minha

direção para um abraço de urso.

— Papai, papai! Olha a Amy! — Lily dizia como se fosse algo

fantástico.

— Ela quebrou a perna porque não esperou o instrutor chegar —

Annie disse em tom de acusação.

— Não tem nada a ver! — Amy respondeu, mostrando a língua, e eu

fui até ela para lhe dar um abraço.

— Vamos parar com as brigas, ok? Como vocês passaram esses dias

todos sem o papai? — perguntei, esperando várias lamentações, mas elas

pareciam perfeitamente bem, e eu tive orgulho das minhas meninas, que

estavam tão crescidas.

Voltar ao trabalho em meu próprio país foi esquisito, como o

despertar de uma ilusão, parecia que tudo aquilo havia acontecido apenas
dentro da minha mente, embora eu soubesse que era realidade, afinal,

minha imaginação não seria capaz de inventar um ser tão doce e belo como
Giovana, ela precisava ser real.

Amy se recuperou bem mais rápido do que eu imaginava, logo a


lesão sarou. Mesmo cuidando das minhas filhas por tanto tempo, às vezes a

preocupação me fazia esquecer que elas se machucam, mas se curam


rápidos, como toda criança.

Infelizmente eu precisava sempre me vigiar para não ser

superprotetor. Era em momentos assim que eu mais sentia falta de Amber e


de suas decisões rápidas. Ela era tão segura de si e, ao mesmo tempo, tão

bondosa, tinha qualidades que muitas vezes me faziam falta. Eu podia me


recordar dela andando pela sala com seus cachos e olhos negros, tão
incisiva, às vezes até irritada, o som de seus saltos sobre o linóleo. A nossa

foto em família ainda estava sobre a lareira e eu a via sorrir para mim.

Fiquei me questionando sobre o que ela pensaria se soubesse que

meu coração estava mudando, que eu estava experimentando sentimentos


diferentes depois de tantos anos. Imaginei que ela ficaria feliz, onde quer

que estivesse, afinal, ela sempre foi generosa. De qualquer maneira, ainda
não era o momento de me abrir para ninguém, estão afastei esses

pensamentos.
Talvez tivesse sido a solidão e a aura mágica e bucólica daquele lugar

que tivessem feito com que eu vacilasse. No final das contas, nada daquilo
era feito para durar. Assim, meses passaram de maneira pacífica e aos

poucos eu começava a me esquecer daquela história, pois a noite no vilarejo


havia sido apenas um momento de loucura que eu deixaria para trás.

•••

Tudo corria bem e a nossa viagem para a Itália continuava dando


frutos, nosso trabalho em parceria com os clientes italianos era um grande

sucesso, e eu sabia que isso nos ajudaria a ampliar nosso capital de maneira
relevante. Eu estava até mesmo fazendo algumas aulas de italiano para

ajudar na comunicação direta com nossos novos parceiros e era comum


receber ligações deles durante o dia, por isso não desconfiei quando uma
voz masculina falou comigo no idioma ao telefone.

Era alguém estranho e dizia que precisava falar comigo, aquele era
meu número pessoal e não era comum de maneira alguma, ainda mais

porque eu tinha certeza de que não era a primeira vez que tinha uma
conversa com aquela pessoa, mas quem seria?

— Senhor Silvestri? — Tentei decifrar aquelas notas, mas não


conseguia identificar o emissor da mensagem.
— Sim, sou eu. Com quem eu falo? — perguntei, extremamente
confuso.

— Me chamo Tommaso e pode ser que o senhor se lembre de mim.

É claro que eu me lembrava dele e a informação me veio como um


baque terrível. Algo teria acontecido com Giovana? Por que o tio dela

estava me ligando? Aquilo não poderia ser bom sinal.

— É claro que me lembro do senhor, afinal, precisei me controlar ao

menos três vezes para não agredir um idoso por sua causa. — Minha voz
era pura raiva contida.

— Acho que o senhor vai precisar aprender a deixar de lado todo


esse ódio e rancor, isso se tiver interesse em ver seu filho. Aliás, o bambino
nasceu, parabéns papai! — A entonação dele era puro escárnio, e eu nem

soube como reagir.

Meu coração disparou e foi como se todos os acontecimentos

passassem pela minha mente como um filme. Eu havia caído em uma


espécie de golpe? Aquelas pessoas sabiam que eu tinha dinheiro e

resolveram aproveitar a oportunidade? Aquilo não era possível!

— Isso não pode ser verdade — falei baixo, enquanto sentia o suor
frio salpicar meu rosto.
Eu estava nervoso e envergonhado pela minha imprudência, mas,
como sempre, mantive a compostura, trabalhei com a hipótese de que fosse
mentira.

— Por que o senhor não viaja até aqui e nós fazemos um exame? Eu
asseguro que o bebê é seu, só de olhar o rostinho já é visível, mas nós

somos muito corretos e eu quero fazer as coisas direito, tenho uma ótima
proposta.

Bufei, ficando em silêncio por alguns segundos.

— Diga logo — respondi em um tom tão frio quanto o mármore.

— Aqui, no nosso vilarejo, as pessoas são muito decentes e

recatadas, não são iguais aos que vivem na América e se deitam com
qualquer um. Aqui, nós temos valores e princípios. Você não pode

simplesmente desonrar minha sobrinha, sangue do meu sangue, e ficar por

isso mesmo. Ouça: é só isso que eu peço, case com a minha sobrinha e leve
seu filho, pague um pequeno valor para cobrir meu transtorno e está tudo

resolvido.

— Eu não tenho motivo algum para me casar com sua sobrinha e o

senhor sabe disso, posso muito bem arranjar um lugar para que ela viva
confortável com o bebê. Isso, é claro, se tudo o que está me dizendo é

verdade.
— Veja bem, senhor, apesar do passo em falso, minha sobrinha é

moça honrada e precisa de uma família para seu pequeno. Não a deixo
partir sem um casamento formal que garanta que você cuidará dela.

Rolei os olhos de irritação. A última coisa que aquele homem fazia

era se importar com a sobrinha, mas, ainda assim, ele a tinha sob sua tutela
e a manipulava como bem entendia.

— Você pode muito bem estar mentindo e me atraindo para uma

armadilha.

— Venha para o nosso vilarejo e veja com seus próprios olhos —


concluiu e desligou o telefone em seguida.

Um ataque de fúria tomou conta de mim e eu quis gritar, por mais

que isso fosse completamente o oposto da minha personalidade. Naqueles

últimos tempos, eu estava sentindo tudo com muito mais intensidade que o
normal e isso estava destruindo meu estado emocional.

Fiquei um bom tempo refletindo sobre tudo aquilo e pensando que,

depois de quase quarenta anos de vida, eu havia sido capaz de cair em uma
situação como aquela... Era completamente inacreditável, porque eu jamais

havia me relacionado sexualmente com alguém sem me proteger, mas

também jamais havia me desencontrado dos meus irmãos ou bebido tanto

sozinho. O que eu estava fazendo da minha vida? Apoiei a testa na palma


da mão e passei horas só pensando enquanto perdia algum compromisso

que já nem me lembrava mais qual era.

•••

Eu não queria falar sobre aquilo, tive vergonha de mim mesmo, mas

precisava contar para os meus irmãos, achei que eles tinham direito de saber

e talvez me ajudassem a explicar aquela situação para as meninas. Uma

reunião com os irmãos Silvestri precisava ser convocada e foi o que eu fiz,
com destaque para a emergência.

Depois de nossos turnos de trabalho, nos encontramos na casa de

Dominic, como era costume em situações assim. Era esquisito pensar que

meu irmão era o “substituto” do nosso pai, porque era o mais velho.
Felizmente eles eram completamente diferentes, e meu irmão não tinha

nada a ver com o homem cruel que nos criou.

Todos me olhavam enquanto esperavam que eu desenrolasse a


história, mas era difícil pronunciar aquilo em voz alta. Sempre me vi como

um exemplo para as minhas filhas, sobrinhos e irmãos mais novos. Era

difícil descer desse pedestal e admitir que eu tentava ser perfeito, mesmo

sabendo que isso é impossível para qualquer um.

— Durante a viagem que Dom e eu fizemos pela Itália, algo

aconteceu...
— O quê? Além de você ter se perdido feito um bobo? — Bruce riu,

e eu já esperava algum comentário do tipo dele.

— Sem piadinhas, Bruce — reclamei, e ele fez o gesto de um zíper

sobre os lábios, passando o dedo indicador e polegar pinçados entre eles. —

Mas o assunto tem a ver exatamente com isso — falei com uma postura

cansada. Por que era tão difícil para mim?

— Irmão, você sabe que pode contar tudo pra nós — Greg disse de

maneira acolhedora enquanto me dava um tapinha no ombro para

incentivar.

Dom apenas observava com seu aspecto implacável, sempre pronto

para fazer um bom julgamento das coisas. Josh andava meio aéreo, olhando

para o celular o tempo inteiro, talvez preocupado com o encontro que teria
depois que saísse dali.

— Quando me perdi de Dom naquele dia, acabei indo parar em um

lugar estranho, era uma vila, cidadela, sei lá. Eu só sei que estava

acontecendo um festival, porque setembro é um mês de comemorações na


Itália. Estava tarde, e eu estava perdido, quase sem combustível, então

decidi procurar um lugar pra dormir, mas só encontrei vaga em uma

hospedaria velha, mal preservada. Foi aí que eu encontrei essa moça.

— Uma moça? — Josh repentinamente pareceu interessado.


— Uma moça jovem...

— Espertinho — Josh falou com um sorriso maldoso, mas eu não

precisei pedir que ele se comportasse dessa vez, porque Dominic se

manifestou.

— Stuart está precisando de apoio aqui, nós podemos deixar a parte

da diversão pra quando o problema estiver resolvido, vocês não acham?

— Vocês são muito velhos, pelo amor de Deus! — Josh disse em um


gesto de impaciência. — Vamos, Stu, o que aconteceu?

Eu sabia que contar muitos detalhes só faria com que nós

acabássemos brigando, afinal, meus irmãos sabiam ser irritantes quando

queriam, então decidi apenas ir direto ao ponto.

— Eu transei com uma garota desconhecida na Itália, e ela está


grávida.

— Como assim, Stuart? — Bruce estava incrédulo, me olhando.

— Quando eu dizia que você precisava se divertir mais, não tinha


nada a ver com aumentar o número de herdeiros, Stu — Josh comentou.

Todos estavam petrificados e não conseguiam acreditar no que eu

estava falando, mas a verdade é que até para mim era difícil de aceitar.

— O tio da moça me ligou, ele disse que eu preciso me casar com ela
se quiser ver meu filho. — Suspirei enquanto falava. Eu me sentia um
verdadeiro idiota.

Josh e Bruce riram disso, estavam descrentes.

— É óbvio que você não vai se casar com uma mulher só porque ela

engravidou, né? A gente dá um jeito nisso, claro, se ficar provado que o

bebê é seu — Josh concluiu.

— Vocês não entendem a situação. Essa garota vive em condições


insalubres, não tem mais os pais, é muito jovem. O tio dela, nas poucas

vezes em que o vi, se mostrou uma pessoa completamente agressiva e sem

o menor pudor, queria vender a sobrinha pro dono de uma vinícola.

— Mas você não acha que tudo isso pode ter sido armado pelos dois?
— Greg falou em tom de preocupação.

— Sim, eu acho, mas, ainda assim, não consigo deixar de ter pena

dessa garota, é estranho... — murmurei.

— Como você pode ter pena de alguém que tentou passar a perna em

você desse jeito, Stu? — Bruce disse, exaltado.

— Eu sei, eu sei, tá?! — falei quase aos gritos, estava perdendo a

cabeça.

Aquela garota tão frágil, com uma aparência tão ingênua, havia me

enganado. Talvez fosse isso que eu me recusasse aceitar, precisava pensar

que ela não era igual ao tio, era tudo que eu queria crer.
— Eles não saberiam quem eu sou, sempre fui discreto, poucas fotos
minhas estão na internet e, naquele lugar, não tem nem sinal! Mas, ao

mesmo tempo, foi muito suspeito a forma como ela apareceu no lago

quando eu estava nadando sozinho... — Aquilo era mesmo estranho, eu


estava realmente desconfiado.

— Tá vendo só?! É possível que eles tivessem algum tipo de internet

à rádio que é muito usada em áreas rurais, talvez eles não soubessem que

você iria parar naquele lugar, mas, quando viram você, podem ter pensado
que era a oportunidade perfeita, pode ter sido tudo um teatro armado.

Eu ficava repassando tudo em minha mente, os senhores idosos, o

velho Tommaso, Giovana... Não, aquilo já era teoria da conspiração demais,


e eu não iria cair nessa armadilha também. Tommaso era um aproveitador

charlatão que apenas fez uma limonada com os limões que eu mesmo lhe
entreguei, afinal, o que eu esperava transando sem camisinha?

— Chega! É sério. Eu precisava mesmo contar tudo isso pra vocês,


pois, uma hora ou outra, vocês iriam notar uma criança sobressalente na
casa. — Tentei retomar o bom humor. — Mas agora eu preciso de ajuda

principalmente pra explicar toda essa história para as trigêmeas, não sei se
vai ser fácil ou difícil, só sei que estou com medo de fazer sozinho.

— Você não precisa se preocupar quanto a isso. — Dom me abraçou,


seguido pelos outros.
— Sim, seu mané, nós vamos dar um jeito. — Bruce deu um tapinha
na minha cabeça, e eu sorri.

— Eu agradeço.

— Mas o que você vai fazer com relação a isso? — Greg perguntou,
ainda muito consternado.

— Vou pensar mais um pouco e decidir os detalhes, mas farei tudo ao


meu alcance para voltar com meu filho nos braços. Como nós estamos

fazendo negócios com os italianos, pensei que poderia conciliar uma


viagem de cunho pessoal com uma de negócios.

— Você tem meu apoio e isso realmente seria bom pra empresa.

— Obrigado, Dom. Vou precisar fazer um exame de DNA e isso deve


levar, no mínimo, duas semanas. Eu não queria ficar longe das meninas,
mas não tenho opção. — Franzi o cenho e apertei o maxilar ao refletir mais

uma vez na bobagem em que havia me metido.

•••

Viajei apenas com meu advogado e a primeira coisa que fizemos foi
um teste de DNA. Tommaso estava muito certo da minha paternidade e não

se recusou em momento nenhum realizar o procedimento, mas também não


facilitava nenhum tipo de negociação, era escorregadio e grosseiro, não
permitiu que eu visse o bebê, disse que só entregaria meu filho quando os
papéis estivessem assinados.

— Você não pode fazer isso! — Bufei quando fui até a hospedaria
exigir ver meu filho.

— É claro que eu posso, afinal, a própria mãe aprova — disse com


altivez.

— Isso é impossível — falei com raiva.

— Se quer ouvir dela, eu posso providenciar, mas nada de gracinhas,


vocês ainda não estão casados — disse de uma maneira que me enfureceu

ainda mais, mas, em seguida, me chamou para que eu entrasse na taberna.


— Espere aqui — ele falou e me apontou uma mesa.

Não demorou para que eu visse Giovana, completamente diferente da

última vez que nos encontramos, ela preservava sua beleza, mas, ao mesmo
tempo, parecia cansada e doente, muito frágil.

— Giovana — disse com seriedade, e ela demorou a me encarar,


parecia fraca.

— Boa noite, Stuart — disse de forma débil. Aquela mulher forte que
eu havia encontrado parecia estar definhando.

Eu gostaria de ver o menino — falei de forma direta.


Ela não respondeu de imediato, mas, após tomar fôlego, finalmente
me olhou diretamente.

— Eu não posso permitir, não até que nós estejamos casados, por que
senão, que garantia eu teria dos meus direitos? — ela pontuou.

— Você não tem direito algum, só o menino tem. — rosnei, mas ela
manteve a postura, como se aquele fosse um texto ensaiado. Eu não queria

crer que aquilo partiu dela, afinal, ela era muito jovem, devia ter sofrido
lavagem cerebral do tio, mas, de qualquer maneira, estava ajudando a
realizar o plano.

— Eu sei bem disso, mas preciso de alguma garantia.

— Não é possível! O mesmo argumento do seu tio, isso não me

parece nem um pouco combinado — falei com sarcasmo.

Aquela garota havia sido lobotomizada ou o tio havia a convencido


de que aquilo seria necessário para que ela tivesse uma vida de conforto.

Nunca me senti mais estúpido!

Depois que o resultado do exame de DNA saiu e eu tive a

confirmação incontestável de que eu tinha um filho, senti um misto de


lamentação e tristeza, me senti mal por não ter estado com aquele bebê, por

ele ter nascido tão desamparado. Algo forte tomou conta de mim, e eu
queria proteger aquela criança de tudo.
Meu advogado questionou a decisão, disse que facilmente poderia

requerer a guarda, mas eu sabia que isso levaria tempo e que o juiz não
tiraria o filho de uma mulher lactante assim. Decidi engolir meu orgulho e
simplesmente aceitar a chantagem de Tommaso, pelo menos depois daquilo

eu não precisaria vê-lo nunca mais e o bebê ficaria protegido comigo. Sobre
Giovana... Eu decidiria como lidar com ela.

Na realidade, não houve uma cerimônia, nós apenas assinamos os

papéis e fomos embora. Não houve troca de olhares, nem conversas. Eu


estava mais rígido que uma pedra enquanto via todo o controle que eu tinha

da minha vida escapar das minhas mãos por um momento, mas eu sabia que
daria um jeito.

Eu não conseguia acreditar no que estava acontecendo, ainda não


havia aceitado que caí em um golpe de uma maneira tão estúpida, mas,
acima de tudo, eu era um pai desesperado. Nem a beleza acima do normal

que aquela mulher possuía era capaz de me fazer olhar para ela de um jeito
positivo.

Eu não queria olhar para ela, muito menos falar, havia um ódio
encrustado dentro de mim. Após a assinatura dos papéis, quando Tommaso
finalmente entregou meu filho, me senti tentado a acabar com a vida dele,

enfim já não havia mais nada com que ele pudesse me subornar, mas desisti
da ideia, afinal, eu nunca fui esse tipo de pessoa, não deixaria que o ódio
me controlasse.

Segurei meu menino com cuidado e lembrei-me de quando as

trigêmeas nasceram. Meus traços misturados com os daquela jovem moça


no rosto dele em um laço que jamais poderia ser desfeito. Era um misto de
afeição e confusão dentro de mim, enquanto eu prometia que jamais

deixaria alguém o machucar, mesmo que eu precisasse sacrificar minha


própria vida para isso.
 

A afeição com que Stuart olhava para Paolo foi uma surpresa para

mim. Eu estava completamente fragilizada, talvez até mesmo robotizada. A


sensação que tive naquele momento parecia um pouco com a maneira com

que me senti quando perdi meu pai. Era algo que eu não conseguia apagar.

Aquele olhar carinhoso para meu filho me fez esquecer um pouco da dor e
lembrar a mulher forte que sempre fui.

Quando meu tio revelou seu plano astuto para mim, semanas antes,

tudo que eu sempre idealizei caiu por terra, como se a vida não fizesse
sentido. Foi muito difícil superar o fato de que ele havia ido tão longe.
Eu conhecia meu tio, havia vivido minha vida inteira ao lado dele,

mas, ao mesmo tempo, não esperava crueldade tamanha mesmo assim, não
por causa do que ele fez comigo, mas porque ele não poupou nem meu filho

recém-nascido de sua rudeza. Eu imaginei que realmente me ver tão mal o

havia feito refletir e lembrar-se do quanto a família era importante para o


meu pai, seu irmão.

De manhã cedo, com um sorriso maligno, meu tio me acordou. Eu


havia demorado muito tempo para pegar no sono, devido à cena do dia

anterior em que ele disse que eu iria embora para sempre. Eu me

questionava o que seria de nós dois principalmente de Paolo.

— Já está tudo resolvido. O imbecil americano virá buscar essa


coisinha — falou, apontando para o berço com desgosto. — De brinde, vai

levar o meu maior estorvo! Onze anos atrasado! — gritou, irritado, mas
logo voltou para seu sorriso doentio. Desconfiei que ele estava desvariando,

mas mantive o silêncio.

Nesse momento, meu tio se aproximou de mim, que agora estava

sentada na cama, e me olhou profundamente, levantou seu largo indicador e

começou a falar.

— Você jura que esse sanguessuga é filho do imbecil americano, não

jura?! — disse com um olhar furioso, e eu arregalei meus olhos. Eu sabia


que para ele era difícil acreditar na minha inocência, mas me culpava por
isso também.

— Sim, titio, ele foi o único...

— Calada! — gritou enquanto desferia um tapa forte no meu rosto.

Minha pele ardia, mas aquela era uma sensação conhecida, não derramei

nenhuma lágrima enquanto minha derme parecia expandir e retrair, vibrar e

paralisar com a sensação do golpe. — Se esse teste der errado, eu juro que
mato você! — Quando dei por mim, a mão inteira de meu tio Tommaso

estava em meu pescoço, segurando com força.

Eu sabia que lutar contra ele seria pior, então apenas respirei

profundamente, por mais que fosse difícil com aquela pressão em minha

garganta.

— Eu mato você! — repetiu e me encarou como se pudesse me

esfaquear com seus olhos cravados em mim. Em seguida, ele me soltou e,

num reflexo, passei a mão pelo meu próprio pescoço, agradecendo por estar

íntegro.

Ele saiu do quarto, e eu fiquei sozinha. Eu estava muito preocupada

com Paolo, então o segurei em meus braços com firmeza, quase não percebi

que o apertava demais até que ele começou a chorar. Dessa vez acabei

chorando com ele, pois estava com medo de enlouquecer.


Nos dias que vieram depois, fui proibida de ver qualquer pessoa, já

não recebia visitas de Cassandra ou de qualquer amigo. Eu só via meu tio,


que trazia comida e as instruções para seu “grande” plano.

— Você vai dizer para ele que só poderá ver o bambino se casar com
você, caso contrário nada — meu velho e cruel tio dizia como se explicasse

a lição de Matemática para uma criança.

A vergonha que eu tinha por tudo que havia acontecido com o


homem estrangeiro acabou se apagando por tudo que sofri naquele

momento. No final das contas, me casar com aquele homem havia se


tornado uma esperança de fugir daquele tormento.

Eu soube, através de recados deixados sob minha porta, que Stuart


havia chegado na cidade, mas meu tio não me deixaria falar com ele.

Naquelas semanas, ele me obrigava a tomar remédios fortíssimos que me


faziam dormir por bastante tempo, deixava também sua empregada de
confiança me vigiando e garantindo que eu não fugisse com meu filho.

No dia em que Stuart apareceu exigindo ver o próprio filho, meu tio
já havia me ameaçado o suficiente para que eu falasse o que ele havia

mandado; tudo que me restava era colaborar.

Só pude sair finalmente no dia do casamento. Meu tio estava

resplandecente como eu jamais o havia visto em toda a minha vida. Ele me


entregou um telefone e disse que nós iríamos nos comunicar através dele,

que meu futuro marido não poderia saber de nada.

Depois da cerimônia, fomos direto para o aeroporto. Eu jamais havia

entrado em um avião e estava assustada, mas não havia o que fazer, eu


precisava ser corajosa mais uma vez, embora minha saúde física e mental

tivesse se degradado bastante naqueles tempos.

Stuart demonstrava claramente a aversão que tinha por mim, ele


evitava dirigir o olhar na minha direção, mas gostava muito de segurar

Paolo, que se acalmava em seus braços. Era como se ele nunca quisesse me
devolver o bebê, apenas quando ele chorava com fome.

Eu me senti um tanto mal, principalmente por essa parte. Eu era a


mãe dele, e ele precisava de mim, eu tinha muito medo de que meu filho

fosse apartado de mim por causa do orgulho ou ressentimento de Stuart,


rezava para que as coisas melhorassem o tempo inteiro.

Até que colocamos os pés em terra e a vida se tornaria algo


completamente diferente.

— Você vai viver na minha casa, porque eu preciso estar próximo do


meu filho, e eu não posso separá-lo de você, mas eu gostaria de alertar para

certos... limites — Stuart começou a dizer em um tom distante enquanto


estávamos em um carro, indo para algum lugar. — Minhas filhas também
vivem lá — ele pontuou.

Imediatamente recordei de quando ele disse que havia um problema


com sua filha no dia em que ele me deu carona até a casa de Cassandra,
pelo visto havia outras além de Amy, eu me lembrava de que esse era o

nome. Eu iria dar um rosto ao nome e fiquei assustada em pensar que,


provavelmente, seria rejeitada por essas crianças ou adolescentes.

— Elas são apenas crianças, são trigêmeas. — Arregalei os olhos

levemente, mas não me senti no direito de comentar. — Elas têm nove anos
e tudo que fazem é brincar e estudar. Tenho me esforçado ao máximo para

mantê-las distantes dos problemas do mundo, quero que elas tenham uma
infância boa para se lembrar. Você vai conviver com elas, mas eu espero

que você não se aproxime demais. Eu não quero que elas pensem que estou
tentando substituir a mãe delas...

— Eu nunca... — falei sem pensar, mas ele me interrompeu.

— Eu espero que você saiba que tudo isso é temporário, pelo menos

até Paolo crescer um pouco. Você fez questão do casamento, pois nós
estamos casados, nenhum dos dois vai ficar desamparado — ele finalizou,
mas seu rosto denunciava que ainda não havia dito tudo.
Stuart passou algum tempo olhando para fora, como se houvesse algo
suspenso no ar, mas, de repente, ele me olhou nos olhos pela primeira vez.

— Você sabia que eu ajudaria você, sabia que eu cuidaria do menino,


então por quê? Por que, Giovana? — Seu rosto estava cheio de decepção e
rancor.

Senti-me completamente exposta com aquele questionamento. Era

como se minha humanidade tivesse sido descoberta, afinal, a maior parte da


minha vida nunca fui vista como uma pessoa, apenas como uma empregada

incansável. A sensação era de vulnerabilidade, pois era doloroso magoar

alguém que estava realmente disposto a me ajudar.

Eu poderia dizer que meu tio havia me obrigado, mas isso seria uma

traição com o último membro da minha família, o único que carregava os

genes do meu querido pai. Eu não poderia abandoná-lo apesar de tudo,

porque eu também era a única pessoa que ele tinha.

— Tudo bem. Não responda — ele disse friamente e voltou para sua

postura anterior, distante e irritadiça.

Quando nós chegamos à casa, senti algo estranho, como se estivesse

atravessando um portal para um mundo diferente, aquele lugar era o oposto


de tudo que eu conhecia. Eu havia sido criada em uma hospedaria feita de

pedras, quase claustrofóbica, cheia de velhos beberrões e salames


pendurados no teto. Aquela casa era como as casas de boneca que às vezes

algumas crianças abastadas brincavam. Uma mansão americana clássica


com uma piscina enorme de formato sinuoso na sua frente.

O motorista, um homem simpático, abriu a porta para mim, e eu fui

cumprimentada muito gentilmente por uma moça de aparência asiática e


cabelos curtos, ela usava um uniforme colorido, mas parecia ser uma

funcionária também.

— Bom dia, Olívia! — Stuart disse para a moça. — Esse é meu filho

Paolo, essa é... a mãe dele — falou, mantendo o distanciamento.

— Prazer, Giovana Grossi — disse, tentando ser simpática, apesar de

me sentir muito oprimida naquele ambiente.

— O prazer é meu, senhora Grossi, eu estou à disposição para todos

os cuidados do seu pequeno. Posso lhe apresentar a casa mais tarde, caso
você queira — a moça falou de maneira solícita, e eu respondi com um

sorriso.

— Isso é ótimo, Olívia. — Sorriu para ela. — Hoje não seria dia de
trabalho dela, mas eu pedi para que ela viesse pra te mostrar tudo, afinal,

está há anos cuidando das meninas — Stuart comentou. — Você poderia

levar a Giovana para os aposentos dela, por gentileza? Quando as meninas


chegarem da escola, nós vamos fazer uma pequena reunião familiar —

concluiu e soou levemente nervoso.

— Perfeito. Como o senhor desejar — Olívia concordou.

Eu fiquei espantada com a quantidade de funcionários que aquela

casa tinha e com toda aquela formalidade. Eu não sabia se algum dia me

acostumaria com esse tipo de vida, na verdade, nem planejava me

acostumar, pois, no meu interior, nunca quis viver à custa de ninguém. Eu


iria embora assim que pudesse, com toda certeza.

Nós iríamos para o quarto, mas, quando tivemos que passar pela

enorme sala de estar, fomos surpreendidos pela presença inusitada de outras

pessoas. Havia um homem que parecia um pouco com Stuart, mas devia ser
um pouco mais jovem, talvez um dos irmãos?

— Surpresa! — o homem disse um tanto sem graça quando percebeu

que Stuart, Olívia e eu, segurando o pequeno Paolo, o olhávamos sem


entender.

— G.. Greg — Stuart gaguejou um pouco e olhou para o homem de

um jeito um tanto repreensivo. — Nós não tínhamos planejado que depois

da escola das meninas faríamos isso?

— Stuart, você não tem noção do que elas fizeram comigo — disse,

apontando para as quatro meninas que brincavam na sala e nos olhavam


curiosas. Três delas eram claramente gêmeas, o que era surpreendente, e a

quarta era uma menina completamente diferente delas, sua pele era mais
escura do que a minha, reluzente, linda. — Suas filhas se recusaram a ir à

escola, disseram que só sairiam daqui quando vissem o irmão.

Quando ouvi aquela declaração, corei e me contive para não sorrir.

Pelo menos elas estavam entusiasmadas. Stuart bufou ao ouvir aquilo e


coçou a testa nervoso, Olívia me lançou um risinho cúmplice, e eu

continuei observando um tanto curiosa.

— Okay, meninas, venham logo, eu sei o que vocês querem — Stuart


disse, se rendendo e, em seguida, a antessala foi inundada por uma onda de

crianças empolgadas.

Elas não me olharam estranho, nem pareciam incomodadas comigo,


elas simplesmente se aproximaram e começaram a pedir para ver o bebê. Eu

me abaixei um pouco para que elas o vissem melhor.

— Meninas, essa é a Giovana e esse é o irmãozinho de vocês, Paolo.

Giovana, essas são Amy, Lily e Annie, com o tempo você descobre quem é
quem. Essa quarta belezinha é minha sobrinha Ayo, filha do meu irmão

Gregory, mas que é mais conhecido por Greg e que está aqui parado

olhando que nem um bobo — disse, dando um tapa no ombro do irmão, que

sorriu.
— Muito prazer, Giovana, seja bem-vinda à nossa família. Todos são

meio loucos, mas você se acostuma, pode apostar. — Gregory sorriu com

simpatia, embora eu sentisse uma leve desconfiança em sua expressão.

— Nós podemos segurar? — uma das meninas disse, ela tinha olhos
vivazes e altivos, estava muito ansiosa por ver o irmãozinho.

— É claro — falei com um sorriso. — Mas é melhor que eu ajude a

fazer isso, pelo menos da primeira vez.

— Meninas, por favor, deixem o irmão de vocês em paz — Stuart

reclamava sem sucesso.

— Ele é tão lindinho. Parece com ela — outra menina disse.

— Não, ele parece com o papai! — a primeira rebateu.

— Ele parece mesmo comigo — a terceira concluiu, e as outras

rolaram os olhos.

— Vocês podem me emprestar ele de vez em quando — Ayo, a

prima, falou com uma expressão alegre.

— Mas só uma vez na semana.

— Duas, por favor? — a pequena tentou negociar.

— Nós vamos ver — a outra ponderou.

Ser recepcionada diretamente por aquelas crianças fez com que eu


me sentisse menos estranha. Elas agiram com tanta naturalidade que eu mal
acreditei, era como se eu não fosse uma completa desconhecida. Eu era a

mãe do irmão delas e isso era suficiente.

Fiquei admirada com a forma que Stuart foi capaz de criar meninas

tão doces e educadas, elas eram tão inteligentes e compreensivas. Logo me

recordei do que ele disse no carro, que eu não devia me “aproximar

demais”, e compreendi melhor, afinal, elas eram muito encantadoras; seria


um desafio ficar longe.

Olívia me apresentou o quarto de Paolo e mais uma vez eu fiquei

abismada. Eu jamais havia visto um quarto tão grande e bem decorado.


Aquele quarto era do mesmo tamanho da casa em que eu morava com meu

pai quando ele ainda era vivo. Suspirei e fiquei pensativa sobre tudo aquilo,

mas, ao mesmo tempo, estava aliviada por saber que nunca faltaria algo
para meu filho.

— É estranho. — Eu franzi os lábios enquanto colocava meu bebê no

bercinho branco, o móbile de brinquedinhos dourados e azuis se movendo

lentamente.

— A gente se acostuma — Olívia disse com simpatia. — Quando eu

comecei a trabalhar pra esse tipo de... público... também achava impossível

existirem casas tão grandes e cheias de comodidades. — A moça riu.

— De onde eu venho, nem a internet funciona direito — murmurei.


— Haha! Isso é terrível! Mas veja pelo lado bom, se nós
conseguimos nos acostumar ao sofrimento, é mais fácil ainda se acostumar

ao que é bom — completou e deu um tapinha amigável nas minhas costas.

Eu sentia falta das pedras da parede da hospedaria e até do cheiro de


mofo do meu quartinho, me sentia desprotegida naquela casa tão grande,

me sentia uma intrusa, mas não poderia fazer nada quanto a isso por

enquanto.

— Ele é tão bonzinho. — A mulher admirava o pequeno que dormia

pacificamente, seu rostinho redondo às vezes mudando em uma caretinha

que se transformava em um bocejo adorável. Eu amava olhar enquanto ele

dormia.

— Um anjo, não deu nenhum trabalho até hoje. Nas primeiras noites,

eu ficava preocupada, não conseguia dormir porque ele não chorava —


falei, rindo. — Às vezes eu mexia nele e acabava eu mesma o acordando —

confessei, e nós duas rimos.

— Ah, aí está ela! Claire! Essa é a senhora Grossi, mãe do Paolo,

filho do senhor Silvestri. — Todas as voltas que as pessoas davam para me


apresentar me deixavam bastante desconfortável, mas não poderia ser de
outra maneira, afinal, como explicar minha presença ali?
— É um prazer, sou Claire! Fui contratada para cuidar
principalmente do Paolo. — Ela sorriu com doçura e nós nos
cumprimentamos com dois beijos no rosto.

— Giovana, eu vou te mostrar o resto da casa, a Claire pode cuidar


do nosso pequeno até a próxima mamada, o que acha? — perguntou, e eu
me peguei hesitando para responder, não queria me separar do meu filho,

mas sabia que ia precisar aprender a confiar naquelas pessoas se quisesse


que tudo desse certo.

— Claro — disse finalmente.

Depois disso, Olívia me levou para um passeio pela luxuosa casa de

Stuart Silvestri. Deixei meu cérebro acreditar que aquilo era uma espécie de
sonho, por isso fingia não estar afetada por todo aquele esplendor.

— A casa tem sete dormitórios e cinco suítes. Felizmente temos

espaço de sobra para receber o nosso novo membro — disse com animação.
— As meninas dormem no mesmo quarto porque não se desgrudam,
acredita? — Sorri ao pensar nisso. Eu teria sido muito feliz se tivesse tido

uma irmã para dividir a vida. — Dessa janela, você pode ver nosso jardim,
é maravilhoso, não é?

— Impressionante — falei, abismada ao observar a parte lateral da


casa onde botões de rosas explodiam por toda parte. — São lindas.
— O jardineiro é o melhor, ele é ótimo, além de ser um gato. —
Olívia deu uma piscadinha para mim, e nós rimos do gracejo.

— Eu adoro o piso de pedras portuguesas e as persianas


automatizadas — ela explicou com um pouco de sarcasmo. — Mas a parte
legal fica do lado de fora — falou enquanto me mostrava o caminho para a

área externa, sempre me apresentando aos outros funcionários quando nos


deparávamos com algum.

Quando chegamos, nos deparamos com uma fonte magistral que


esguichava água em arcos, criando lindos desenhos no ar.

— São seis bicos de jatos d’água. — Olívia olhava admirada. —


Adoro essas bobagens — finalizou com uma breve gargalhada. — Daqui
nós podemos também ver a suíte máster, mas eu nunca fui até lá. —

Apontou para o andar de cima, onde havia uma sacada maior do que as
restantes. — Eu nunca fui até lá, mas dizem que é enorme, afinal, são uns
cem metros quadrados.

— Por que alguém iria precisar de um quarto tão grande? —


perguntei um tanto abismada com a obscenidade do excesso de luxos.

— Eu não faço ideia — Olívia, disse dando de ombros. — Acho que

você viu tudo que é mais importante. Ah! A sauna fica na ala leste, acho
que você vai gostar de relaxar um pouco, afinal, acabou de ter um bebê.
Quando ela disse a palavra relaxar, eu até achei estranho, já não sabia
o que isso significava, na verdade nunca soube, mas eu me sentiria mais à

vontade em ajudar com alguma coisa, não ficando parada.

Voltei para o quarto de Paolo e disse que poderia cuidar dele, assim

Claire saiu. Era estranho ter pessoas para me “servir” não o contrário, isso
não me deixava nem um pouco contente, mas, por ora, precisava aceitar.
Sentei-me na poltrona de amamentação com Paolo e aquilo era como um

pedacinho do paraíso, jamais havia me acomodado em um lugar tão


confortável. Fiquei me perguntando como passei toda minha vida sem
conhecer aquela maravilha, na verdade, me dei conta de que nunca soube o

que realmente é o conforto.

Minhas pernas estavam cansadas do passeio pela casa enorme e os

pontos da cesárea ardiam, os meus mamilos estavam rachados e Paolo,


faminto como sempre, eu suportava a dor apenas para ver seu rostinho

tranquilo enquanto ele sugava o leite.

— Ele parece com fome. — Uma voz me tirou dos meus devaneios.
Era Stuart. Meu coração disparou e eu olhei para ele de relance, evitando

sustentar o gesto por muito tempo.

— Sim, ele é guloso. — Sorri, olhando para o rostinho angelical do


meu bebê.
— Apesar de... Apesar de tudo, eu espero que você fique bem aqui,

porque quero que ele fique bem.

Nesse momento não pude evitar o contato visual, ele havia baixado a
guarda por alguns segundos e, quando fazia isso, era tão bonito. Toda a

preocupação havia tirado meu tempo e eu havia me distraído da sensação


que ele me trazia. A presença daquele homem modificava minhas
estruturas, como se minha cabeça estivesse nas nuvens e meu corpo, em

chamas. Eu me atiraria de um precipício se ele apenas dissesse. Eu queria


pedir perdão por tudo, contar a verdade e tentar me redimir, mas eu não

poderia.

— Eu agradeço — respondi com um discreto sorriso, mas ele não

correspondeu, apenas meneou a cabeça e me deixou ali, sozinha e com


aquele mesmo sentimento de intromissão, quando tudo que eu gostaria era
estar em seus braços.
 

Observar enquanto minhas filhas cuidavam do novo irmãozinho com

toda a atenção e admiração foi o que tornou todo aquele momento menos
assustador. O pequeno iria completar dois meses, e elas insistiram para que

nós fizéssemos uma festa.

No primeiro momento, eu achei que elas teriam dificuldade em


compreender o que se passava ali, mas elas me provaram que as crianças

têm uma percepção muito melhor que a dos adultos. Greg havia ido embora

com Ayo e nós ficamos a sós para uma conversinha.


— Eu não gostei nada do que aconteceu. Eu disse a vocês que nós

nos encontraríamos depois da aula — falei, falsamente bravo, já não me


importava com o fato de elas terem infernizado Greg para fazer suas

vontades.

— Papai! Mas a gente precisava ver o nosso irmão! — Amy disse

com seu jeito de sempre. Era como se ela sempre precisasse estar no

controle de tudo.

— Vocês iriam ver de qualquer forma.

— Eu estava muito ansiosa! — Lily disse com seu jeitinho doce, e eu

não pude deixar de rir.

— Ansiosa? Você sabe por acaso o que essa palavra quer dizer?

— É claro que ela sabe, eu contei pra ela — Annie disse com o nariz

em pé, e eu rolei os olhos. — Chega de internet por hoje.

— Mas, pai! — gritaram em uníssono, e eu me levantei da poltrona

em que estava. Precisava verificar como as coisas estavam depois daquela

viagem. Foi aí que a grande ideia surgiu.

— A Olívia contou que o Paolo vai fazer dois meses, então nós

precisamos fazer uma festa! — Lily sugeriu com empolgação.

— Isso! Aí ,a gente pede pra fazer um daqueles bolos decorados e

enche umas bexigas roxas pra imitar as uvas, como na Itália. Nosso irmão é
meio italiano — Annie, com sua pose de sabichona, continuou as
divagações. Meus olhos estavam arregalados com todas as informações que

elas tinham e a maneira como estavam usando.

— É verdade, isso mesmo! A gente também pode pedir pra montar

uma pista de skate e... — Amy bem que tentou continuar, mas precisei

intervir.

— Chega! É sério! Não vai ter mêsversários nem nada disso e não
quero ouvir mais nada. — Bufei.

— Por favor, por favor! — insistiam, mas eu olhei diretamente para


Diane, a babá que passava a maior parte do tempo com elas, depois de

Olívia, que acenou com a cabeça para confirmar que havia compreendido.

Fui em direção ao meu escritório, mas resolvi checar o bebê antes e,


quando subi, vi Giovana amamentando Paolo e quase fui arrebatado pela

beleza daquela cena, era como se ambos fossem lindos anjos iluminados

pelos raios de sol suaves que invadiam os vidros das janelas.

Foi difícil manter minha pose impassível diante daquilo, mas eu me

esforcei, então apenas tivemos uma breve conversa, e eu fui atrás dos meus

afazeres, que eram muitos. Era complicado manter a cabeça no lugar com

tantas coisas acontecendo. Eu me sentia especialmente culpado por trazer


uma mulher desconhecida e uma criança para a nossa casa, como se isso

pudesse afetar as meninas negativamente.

Chega, Stuart, você precisa se concentrar! Eu repetia mentalmente

vez após vez.

Trabalhei um pouco em casa e fiz algumas videoconferências, depois


resolvi passar um tempo com minhas filhas e dizer que talvez nós

pudéssemos pedir alguns quitutes para comemorar o segundo mês de vida


do irmão delas, afinal, eu também fiquei muito empolgado quando meus

irmãos nasceram, era sempre uma novidade divertida, além de que, por
mais que eu não quisesse proximidade de Giovana, aquilo seria para Paolo,

não para ela.

Desci as escadas para procurar as trigêmeas, e não as encontrava de

jeito algum. É óbvio que meus desejos naquela casa estavam em último
lugar em qualquer lista, na realidade, eram elas as rainhas do castelo, que
davam as ordens, e eu tive mais certeza ainda disso quando vi que nosso

salão de festas tinha uma mesa e elas estavam entretidas, enchendo balões
azuis.

— O que é isso? — falei enquanto as flagrava em mais um episódio


de desobediência. — Não é uma festa, papai, é só pra nós tirarmos umas

fotos com o Paolo e colocarmos no álbum de recordações — Annie


explicou.
— O bolo já chegou, senhor Silvestri! Eu já estou preparando o

lanche! — Sandra, a nossa funcionária responsável pela cozinha, chegou


com uma bandeja na mão, com um pequeno bolo... roxo!

— Eu não acredito que elas fizeram isso — reclamei, e Sandra me


olhou confusa.

— Como assim?

— Eu havia proibido essa festa.

— Meninas! — ralhou, e as três olhavam para os próprios pés, sem


graça.

— Tudo bem, Sandra, pode colocar o bolo sobre a mesa, não tem
problema. — Vi que as meninas se controlavam para não saltar de alegria

com a minha “permissão”. Quando Sandra saiu, eu olhei com seriedade


para elas. — Isso não pode continuar, eu sei que vocês estão felizes e
animadas, mas não podem simplesmente me desobedecer!

— Desculpa, papai — falaram em um uníssono, falsamente tristes.

— Tudo bem, vocês querem uma festinha, façam a festinha, mas

depois nós vamos conversar — pontuei, e elas ignoraram, começaram a


pular e a voltar a encher balões. — Onde está Diane? — Saí caminhando

pela casa, sentindo minha cabeça doer.


Voltei para o escritório e fiquei trancado lá por um bom tempo. Não
estava trabalhando, estava apenas tentando fugir da loucura que minha vida
tinha se tornado. Fiquei matutando sobre o que Amber faria numa situação

como essas, mas eu tenho certeza de que ela não engravidaria de um


estranho ou qualquer coisa do tipo. Mais uma vez a culpa me afligia, mas

tirei o foco disso.

Quando tive coragem (a curiosidade também me alfinetava), voltei

para ver como estava a organização do “evento”, e fiquei impressionado,


apesar de claramente tudo ter sido feito na base do improviso. Elas mesmas
inventaram uma placa em que estava escrito “Paolo 2 Meses” e era possível

notar pela grafia infantil e colorida. Os balões haviam sido fixados com fita
adesiva por toda parte, em uma ordem meio particular, mas não poderia

dizer que completamente ruim, apesar de claramente os critérios de estética


delas serem um tanto subjetivos.

— Aliás, vocês haviam dito que os balões seriam roxos, por que

colocaram azuis então? — falei quando prestei atenção.

— Maurice não conseguiu achar no mercadinho mais perto e nós

aceitamos os azuis mesmo — Amy explicou.

— Mas até que ficaram bonitos — Olívia falou enquanto, sentada em

uma cadeira no canto, vigiava a atividade.


— É verdade — concluí. — Acho que então já está na hora de trazer
o “mêsversariante”, não é?

— Ah, nah! — Annie disse, como se fosse óbvio que algo havia me
escapado.

— A tia Gerta está vindo — Lily falou com entusiasmo.

— Como assim? Isso não era previsto. E...

— O que não era previsto? — Ouvi uma voz rouca soar na entrada e
vi a figura matrona de minha tia no canto.

— Tia! Eu pensei que nós só nos veríamos na próxima reunião em

família, não hoje — falei confuso.

— Eu precisava ver você e nosso novo membro — comentou com


um olhar esperto.

As meninas vieram para cima dela como um furacão para receberem

beijos e abraços, além dos presentinhos que a titia sempre trazia do campo.
Elas se acotovelavam para contar mais sobre o novo irmão, e eu fiquei fora

de foco mais uma vez, o que não era de todo ruim. Pelo visto, a “festa” teria

mais uma convidada especial.

Assim foi. Claire desceu com Paolo nos braços, e Giovana não
apareceu. Eu me senti constrangido e um pouco estranho por saber que ela

estava se excluindo propositalmente. Eu nunca fui o tipo de pessoa


rancorosa ou que tratasse alguém mal, mas a sensação de traição e de ter

sido passado para trás despertava o pior de mim, e eu não conseguia superar
esse obstáculo.

— Que criança mais linda! — tia Gerta disse ao olhar meu filho mais

novo pela primeira vez, e ele retribuiu com um sorriso enorme e sem
nenhum dente.

— Tia! Ele gostou de você! — Lily disse enquanto se debruçava

sobre ela para olhar melhor.

— Nossa! Ele é tão pequeno, parece que vai quebrar! — Amy disse
com um olhar de fascinação.

— Minha boneca Morello é maior do que ele com certeza! — Annie

concluiu, parecia que estava embasada (ou quase) cientificamente.

— Mas que graça tem uma festa se ele nem pode comer bolo? —
Lily parecia triste ao perceber isso.

— Nós podemos guardar um pedaço de todos os bolos no congelador

e entregar pra ele quando estiver maior, o que acha, papai? — Amy
comentou como se fosse a ideia mais interessante do mundo.

— Não sei não, talvez seja melhor só comemorar por ele e, quando

ele puder comer bolo, nós faremos o maior bolo do mundo — tentei ser

convincente.
— Chato — disse baixinho e rolou os olhos.

— Respeite seu pai! — tia Gerta ralhou, e ela correspondeu com um

sorrisinho sapeca.

— A Giovana não veio! Eu vou chamar agora! — Lily disse com a

maior inocência do mundo.

— Eu acho que ela deve estar cansada, é melhor não incomodar —

falei, um tanto sem graça.

— Mas, papai, ela precisa estar aqui, senão pode ser que ela não se
sinta bem-vinda — minha pequena disse com uma expressão tão triste que

eu não poderia dizer não. Ela tinha um coração tão puro e sempre foi

ensinada a tratar bem as outras pessoas.

— Tudo bem — finalmente permiti, e as outras começaram a

comemorar com ela.

As três subiram correndo, com Diane atrás delas. Era uma boa
menina, jovem e bem treinada para a profissão, principalmente muito bem-

disposta para acompanhar o ritmo daquelas monstrinhas.

Quando só os adultos ficaram, olhei para tia Gerta com um olhar

meio desconsertado. Ela ainda balançava o pequeno, que dormia tranquilo.

— Você precisa tomar conta desse pequenino, o ambiente em que ele

nasceu não foi nem um pouco saudável.


— Sim, com toda certeza... — Eu já havia contado a história para ela

por telefone, e ela havia demonstrado muita preocupação, tanto é que estava
ali.

— Se quer um conselho, eu vou lhe dizer: não fique se culpando. Eu

conheço você, acha que não pode errar nunca, mas quem não errou não

devia estar na terra, e, sim, no céu!

Fiquei impressionado ao perceber como ela era capaz de “ler” meus

pensamentos.

— Eu agradeço o conselho, ele é bem-vindo. — Respondi


simplesmente.

As meninas voltaram com Giovana, que pareceu um tanto tímida ao

ser apresentada para tia Gerta, que não hesitou em louvar e exaltar a beleza

da moça ali parada e sem saber onde se esconder. Depois disso, ela foi
deixada em paz enquanto a conversa rodava em torno de assuntos banais e

bobagens cotidianas.

Giovana passou por aqueles momentos de um jeito um tanto

silencioso, como se fosse um móvel ou parte da decoração da casa. Dessa


forma, era mais fácil ignorar a presença dela ali, mas, ao mesmo tempo, me

incomodava quando minha mente trazia de volta todos os acontecimentos


aos quais ela me submeteu por mau-caratismo ou ingenuidade, enquanto eu

pendia mais em acreditar no primeiro.

Depois do bolo apropriadamente cortado, cada um seguiu para suas

atividades noturnas, enquanto tia Gerta foi para o quarto de hóspedes em


que sempre ficava, afinal, estava acostumada a dormir cedo e madrugar em

seu sítio. Aliás, esse foi o único momento em que Giovana levemente

tentou se inserir na conversa e se mostrou um tanto interessada no fato da


tia viver no campo, pois ela também morou toda sua vida em uma

comunidade rural. Tia Gerta disse que exigia uma visita de todos ao seu

sítio o mais breve possível, algo com o qual eu concordei prontamente.

Acompanhei Giovana até o quarto de Paolo, e ela o colocou sobre o


berço de madeira. Ele estava dormindo tranquilo.

— A Olívia te ensinou a usar isso? — falei, apontando para o

aparelho que transmitia os sons do quarto de Paolo para os nossos quartos,


até porque eu também queria estar presente no caso de qualquer

necessidade.

— Sim, ela me mostrou quais são os botões e como ativar o meu.

— Ótimo — falei, franzindo os lábios e esfregando as mãos uma na


outra, não sabia bem o que fazer com elas.
— Eu vou ficar com ele mais um pouco, pelo menos até eu conseguir

pegar no sono... Foi um dia longo — falou com seu tom de voz adocicado.

— Tudo bem. Aliás, eu pedi a mudança do meu dormitório para este

andar, porque preciso tomar conta de Paolo de perto. — O olhar de Giovana

ao ouvir isso foi um misto de indagação e surpresa, ela deve ter pensado

que eu queria vigiá-la, mas isso não era verdade.

— Isso é... ótimo — finalizou em um tom neutro.

Naqueles poucos segundos de silêncio, pela primeira vez desde nossa

conversa na Itália, ela me olhou por mais do que alguns segundos, foi como
se nós estivéssemos travando uma luta para desvendar a mente um do outro,

mas, para mim, parecia impossível traduzir aqueles olhos oliva.

Infelizmente não pude impedir que uma das minhas mãos acariciasse

o rosto dela, sua pele era tão macia, embora ela estivesse bem mais magra.
Sem pensar, permiti que meu polegar deslizasse suavemente por seu lábio

inferior. Ela fechou os olhos, permitindo-se receber aquela carícia.

Aquela paixão retornou de um jeito que eu achei que fosse

impossível. Pensei que meu desejo por ela teria morrido junto da confiança,
mas, na realidade, o que eu sentia por aquela garota era diferente de tudo.

Ela continuava linda, maravilhosa, atraente, mas eu jamais seria

capaz de fazer algo que colocasse sua saúde em risco, afinal, já havia
cometido irresponsabilidades o suficiente por toda uma vida.

Não pude me conter e a beijei. Fui teletransportado para aquela noite

como mágica, quase senti o brilho das estrelas me embalando enquanto

deixava que meu braço a puxasse para mais perto, o calor dos nossos corpos
se integrando de uma maneira natural. Aos poucos, ela entreabriu os

próprios lábios, rendendo-se à minha língua, que buscou explorar sua boca

de maneira faminta. Ela era tão doce quanto a primeira vez, seu hálito de

canela me instigava, pelo menos até eu me afastar abruptamente. Minha


atitude fez com que ela me encarasse de olhos arregalados.

— E.. eu fiz algo errado?

— Que pergunta irônica — falei com um meio sorriso levemente


cruel.

— Bom, apesar de tudo, sou sua esposa, você não precisa se privar
de nenhum direito...

Por um momento, eu tive pena dela, tão frágil e se oferecendo a mim


como algum tipo de prêmio. Realmente aquela menina havia sofrido algum

tipo de lavagem cerebral. Eu nunca tocaria naquela mulher pelo simples


fato de sermos casados, afinal, isso configuraria como estupro marital, e só
o pior tipo de ser humano comete atrocidades como essa. Ao mesmo tempo,

ela consentia, mas outra coisa, mais forte, me continha de continuar, era
como se fazer aquilo fosse me deixar mais fraco diante dos seus feitiços,
afinal, a atração que eu sentia por ela era quase doentia.

— A verdade é que eu não consigo olhar pra você, sinto muito —

cuspi as palavras de um jeito vingativo, embora nem eu acreditasse naquela


declaração. — E, sim, é minha esposa, apesar de ter vindo parar aqui por
uma traição, por ter me feito de idiota, ainda assim respeito você como

mulher e mãe do meu filho.

— Eu nunca tive a intenção... — ela tentou dizer, mas eu a impedi.

— Giovana, é melhor não piorar sua situação.

— Me desculpe... Eu posso fazer uma pergunta? — ela pediu com

um olhar baixo, arredio.

— Sim.

— O que você disse para suas filhas sobre... sobre mim?

— Disse que eu decidi que seria bom termos um novo membro da

família, então elas teriam um novo irmãozinho que viria morar conosco,
com a sua mãe.

— Então é isso o que eu sou, só a mãe do seu filho? — Ela pareceu

um pouco ressentida, mas o que ela poderia esperar depois de ter me


forçado a um casamento que eu nunca planejei?
— Você quis se livrar de um casamento forçado, mas acabou
obrigando outra pessoa a se casar — pontuei com rispidez, e ela deu um
passo atrás, como se refletisse sobre tudo que nos levou até ali. — Enfim,

boa noite — completei e dei as costas a ela, ainda sentindo meus lábios
formigarem com aquele beijo e o gosto de sua boca na minha. Seria difícil

dormir depois daquilo.

•••

No dia seguinte, assim que acordei e saí para o café da manhã, avistei
a porta do quarto de Giovana entreaberta, ouvi sua voz, e ela falava em
italiano. Não consegui entender muita coisa, pois ela falava muito rápido e

baixo, o que levantou uma bandeira vermelha em minha cabeça. Bati na


porta com o punho.

— Giovana?!

— Estou indo, só um momento — disse e não demorou nem dez


segundos para estar do lado de fora.

— Bom dia, como passou a noite?

— Muito bem, as instalações de sua casa são magníficas —


respondeu quase que roboticamente, o que me deixou ainda mais cismado.

— Você estava falando com alguém?

— Ah! Era Cassandra, me desculpe, eu queria dar notícias.


— Tudo bem, não há problema nenhum, você pode fazer uso de
qualquer recurso que a casa possa oferecer.

— Muito obrigada. — Dessa vez ela forçou um sorriso, que não me


convenceu nem um pouco.

Ela me olhou trêmula, e eu a encarei desconfiado. Havia algo muito


dúbio na atitude de Giovana. Eu não podia permitir que aquela mulher me

enredasse, não mais, precisava estar de olho nela para que nenhum outro
golpe acontecesse.
 

Stuart parecia desconfiado o tempo inteiro, como se eu pudesse lhe

apunhalar enquanto ele estivesse olhando para o outro lado. Isso me


incomodava severamente, mas o que eu poderia esperar? Ele tinha toda

razão em me tratar daquela maneira, até porque eu estava realmente

escondendo algo e deveria ser mais cuidadosa se não quisesse ser


descoberta. Ele havia deixado a situação de lado naquele momento, mas em

algum momento poderia se sentir na obrigação de checar o que eu estava


fazendo.
— O café da manhã logo será servido — pontuou, e eu assenti com

um movimento de cabeça.

— As meninas me disseram — falei sem pensar muito, e ele pareceu

insatisfeito. — Elas disseram ontem, enquanto estávamos na... festinha —


completei com hesitação, tentando disfarçar. Eu não podia chegar perto

demais das meninas, mas o que eu poderia fazer? Elas eram crianças!

Ele me olhou com seriedade e nem parecia o mesmo homem que

havia me beijado com doçura na noite anterior. A forma como ele acariciou
meu rosto fez com que eu me sentisse querida, mas não durou muito, ele

não iria se aproximar de mim, não enquanto não percebesse que eu não sou

um monstro manipulador e, pelo visto, seria complicado convencê-lo.

— Tudo bem, então nós vamos te esperar. Sua assistente já deve estar

chegando.

— Assistente? — Meus olhos se abriram mais do que o necessário ao

mesmo tempo em que eu o olhava sem entender.

— Sim, o nome dela é Giulia Moretti e vai te ajudar em tudo que for

necessário. — A forma como ele dizia aquilo era tão formal, como se fosse

um processo burocrático comum.

— Eu não preciso de uma assistente, acho que uma babá já é mais do

que suficiente, é um desperdício — disse, mantendo minha posição de


pessoa que estava em saldo devedor, mas tentando argumentar.

— Não se preocupe com isso, ela só vai te ajudar a se adaptar em um

primeiro momento, é uma ótima pessoa. Aliás, tome isso — disse, me


entregando uma caixa.

— Isso é...? — perguntei enquanto olhava a caixa preta e sólida.

— Um celular. Já tem o meu número aí — explicou e fechou a frase

com um sorriso amarelo, como se fosse um ponto-final. — Veja bem, se nós

queremos que isso funcione de maneira minimamente decente, precisamos

manter a comunicação aberta, ok? Você pode aproveitar tudo que essa casa
tem a oferecer, pode usar o cartão de crédito que Giulia irá te entregar hoje,

não precisa nem tocar no dinheiro que eu passarei a depositar na sua conta

todos os meses, apenas cuide de Paolo enquanto ele ainda é dependente de

você, ele precisa de uma mãe, mesmo que não seja a mais adequada. Acho

que é isso.

As palavras dele me feriam e o que doía mais era sequer poder

responder. Aos olhos dele, eu não era “adequada” como mãe, porque era

uma oportunista e trapaceira. Quando ele saiu e eu me vi sozinha com

aquela caixa nas mãos, meus olhos ardiam, e eu me controlava para não
chorar, deixei que o objeto caísse, quicando sobre a cama. Eu não iria me

dar por vencida, já havia suportado coisas piores do que o desprezo de um

homem, eu continuaria meu caminho, agora pelo meu filho.


As roupas dentro do armário estavam todas com etiquetas. Todas me

pareciam esquisitas, fora da minha realidade. Escolhi um vestido longo,


fino e florido. Prendi meus cabelos longos e cacheados com uma faixa,

calcei as sandálias mais confortáveis que encontrei e fui até o quarto de


Paolo. Lá, encontrei Claire brincando com ele sobre uma almofada macia
no tapete de borracha. Ele ria para ela e, ao mesmo tempo, brincava com os

próprios dedinhos.

Passei uns segundos observando a cena e tentando compreender que

as coisas seriam assim a partir de agora. Quando a jovem babá percebeu


minha presença, riu, um pouco sem graça.

— Bom dia, senhora Grossi. Eu já dei a mamadeira com o leite que


você extraiu, agora o nosso meninão está superfeliz.

— Obrigada, Claire. Ele é muito calmo — falei, indo em direção ao


pequeno, e o pegando em meus braços. — Buongiorno Angelo! — Ele
estava ficando mais pesado a cada dia. Os traços de meu pai começavam a

se tornar mais claros naquele rostinho e, ao mesmo tempo, Stuart também


estava presente ali.

— Depois do seu café da manhã, aposto que ele vai apreciar uma
mamada.
— Com certeza — concordei e entreguei meu pequeno para aquela

moça mais uma vez. Eu precisava realmente me acostumar a deixar meu


pacotinho de amor sempre em meus braços e conhecer outras pessoas. Ele

era melhor nisso do que eu jamais seria.

Desci e fui em direção à cozinha, onde as trigêmeas disseram sempre

tomar café na maioria das vezes. Ouvi um burburinho e, quando me


aproximei, as encontrei com Diane.

— Ela chegou! — uma das meninas falou com alegria. Aquela era

Amy com certeza, eu já a reconhecia pela voz.

As outras meninas riam e me olhavam de um jeito engraçado.

— Buongiorno! — falei, tentando ser simpática, e elas ainda riam.

— Bom dia! — Diane respondeu com alegria e uma expressão de


cumplicidade.

Uma das pequenas veio até mim e puxou minha mão, eu apenas

deixei que ela me guiasse, apesar de achar bem esquisito.

— Agora você vai ter que fechar os olhos. — Acho que dessa vez foi

Lily quem disse, enquanto tentava cobrir meus olhos de forma desajeitada,
afinal, elas eram bem mais baixas que eu.

Procurei colaborar, fechando os olhos e deixando que as mocinhas


me levassem, apesar de ter tropeçado várias vezes durante o percurso.
— Surpresa! Nós acordamos cedo pra preparar o seu café, Gio! —
Era Amy mais uma vez.

— O apelido dela não é Gio, é Nana! — a outra, acredito que Annie,


corrigiu, e eu fiquei me questionando se aquilo era algo da cabeça delas ou
se o pai havia comentado algo (o que eu duvidava muito).

Havia uma mesa no lindo jardim, arrumada com esmero, havia


também um vaso cheio de flores frescas.

— Nós não tínhamos muito tempo, então fizemos só o cappuccino,


que era mais fácil — Annie disse enquanto apontava para a xícara de
cerâmica branca.

— A Annie olhou no YouTube, mas eu não sei se ficou bom — Amy


explicou.

— Eu passei creme de amendoim no pão pra você. — Lily sorriu e


faltava um dos dentes, eu percebi naquele momento. Era adorável.

— Não era necessário, mas eu agradeço muito. — Sorri, sentindo


meu peito aquecido e um tantinho emocionada. Elas me tratavam com tanto

carinho, e eu estava assustada demais para corresponder à altura. — Muito


obrigada mesmo.

— Nós pegamos as flores escondidas, o senhor King nunca ia deixar


— Amy falou com um sorrisinho, e eu balancei a cabeça em negação, mas
não poderia reclamar daquela pequena peripécia.

— Meninas, agora vocês precisam ir para a escola, já estão quase

atrasadas e faltaram ontem! — Diane disse com decisão.

— Tá! — responderam em uníssono.

— Tchau, Gio!

— Tchau, Nana!

— Tchau. — Quando já estava no meio do caminho, uma delas

voltou, era Lily. A menina correu até mim e me abraçou. — Até depois. —
O sorriso era de uma doçura de proporções maravilhosas, e eu quase

desabei com aquele gesto.

— Até — respondi com um sorriso sincero, e elas partiram.

— Perdão, senhora Grossi, mas às vezes eu preciso ser incisiva —

Diane falou com polidez.

— Eu entendo. Não deve ser fácil cuidar de crianças nessa idade —

comentei reflexiva. — Você já tomou café da manhã?

— Ainda não, geralmente as coloco no carro para ir à escola

primeiro.

— Por que não me ajuda? Eu não vou conseguir comer tudo isso
sozinha — ofereci, empolgada, pensando em ter alguém para conversar.
Ao mesmo tempo, lembrei-me do celular que eu havia deixado sobre

a cama sem sequer mexer e, também, da minha assistente, que não era nada
mais do que Claire, Olívia e Diane eram para as crianças: uma babá para

mim. Ele realmente iria me vigiar de todas as maneiras possíveis. Suspirei

baixo.

— Não sei se devo, senhora. — Ela hesitou.

— Por favor, eu insisto — falei com decisão. Aquela moça passava a

maior parte do tempo com aquelas crianças, por que não poderia se sentar

comigo para tomar café? Isso me fazia lembrar dos meus amigos na Itália.
Giuseppe sempre fazia questão de que eu me sentasse ao lado dele para

almoçar quando meu tio ia para o Centro e não podia brigar comigo.

Por mais deslocada e envergonhada que eu me sentisse, estava


aliviada com a distância do meu tio Tommaso. Ele era minha única família

viva, mas talvez fosse melhor para os dois mantermos a distância.

— Elas são tão... lindas — comentei quando Diane se sentou ao meu

lado timidamente.

— Sim, eu fiquei impressionada quando cheguei. Demorei um tempo

pra me acostumar. Nem sabia que crianças podiam ser assim — ela

explicou, admirada.

— Juro que não esperava ser tão bem tratada.


— Elas gostam de você. Você trouxe o irmãozinho delas — Diane

explicou com simplicidade. — Fazia tempo que não havia uma presença...

feminina nessa casa.

— Isso não é verdade, afinal, você e Olívia estão sempre com elas.

— Não é a mesma coisa, sabe? Por mais que as coisas ainda

estejam... se desenvolvendo — ela explicava. — Você é a esperança de

certa normalidade nessa casa.

As palavras da moça me deixaram um tanto reflexiva, mas esse

momento foi interrompido poucos minutos depois.

— Então quer dizer que todos já se foram? — uma voz alta e

espalhafatosa dizia.

Era a senhora que havia vindo para visitar Paolo ontem, ela se

chamava Gertrudes e todos a chamavam de tia Gerta, como um título nobre.

Levantei-me imediatamente para ajudá-la a chegar até a mesa, e ela sorriu e

me cumprimentou com ânimo.

— Sente aí, menina! — ela ralhou com a babá, que se levantou

assustada quando a viu. A moça a obedeceu com um sorriso. — Onde foi

que meu sobrinho encontrou tal pedra preciosa? — disse enquanto me


fitava. — Uma beleza assim é rara — falou como exímia conhecedora do

assunto, enquanto eu me sentia muito tímida.


— Obrigada, senhora.

— Não, não! — me interrompeu. — Pra família, eu sou apenas tia


Gerta! E agora você também faz parte dela.

— Eu não tenho tanta certeza — respondi um tanto sem graça,

baixando o olhar.

— Mocinha, pode ser que meu sobrinho ainda não tenha percebido,
mas eu nunca erro. Você tem um coração bom e veio parar aqui por algum

motivo — disse, fazendo, com um toque leve no meu queixo, que eu a

encarasse. Seu sorriso era afetuoso, busquei corresponder da melhor


maneira que pude.

Eu me questionava se ela sabia os detalhes do que havia acontecido,

poderia ser que não e que, quando ela descobrisse, me desprezasse também,

mas eu quis acreditar que ela realmente me daria uma chance de qualquer
forma.

Depois do café da manhã, gastei boa parte do meu tempo apenas

cuidando de Paolo, muitas vezes apenas olhando pela janela ou o

observando dormir. Eu não me sentia à vontade de andar por aquele lugar


enorme enquanto estava praticamente sozinha. Após o almoço, enquanto eu

lia um livro qualquer que havia encontrado na estante do quartinho do meu

bebê, vi uma mulher bonita e muito bem trajada na porta.


— Olá — falei, confusa.

— Olá, Giovana! Acredito que o senhor Silvestri tenha comentado

sobre mim. Meu nome é Giulia Moretti, e eu estou aqui para auxiliar você.

— O sorriso dela era branco e cheio de dentes, sua pele era clara e seu
rosto, cheio. Os cabelos pretos da mulher eram tão brilhantes que poderiam

me cegar. Acho que é assim que seria o ideal de aparência de uma “mulher

de negócios”. — Vi que você deixou seu celular na caixa, mas, para te


ajudar, já trouxe para você.

— Ah! Que gentileza — falei, fingindo normalidade ao saber que ela

entrou no meu quarto. — Obrigada.

— Eu vou te explicar tudo sobre a agenda de Stuart. Ele terá alguns


eventos e você irá acompanhá-lo. Já encomendei os vestidos e o SPA já está

marcado. Ao abrir o aplicativo da agenda, você irá encontrar cada um

desses compromissos. Nós também vamos conversar sobre como você deve
responder aos outros convidados.

Claro, eu havia entendido tudo. Eu precisava de treinamento para que

as pessoas não desconfiassem de toda a história louca que aconteceu, afinal,

isso poderia trazer descrédito à empresa bilionária daquela família. Eu


precisaria me comportar bem, e não dizer coisas erradas, precisaria ser uma

ótima esposa.
Com Giulia falando tantas coisas e me mostrando um milhão de

combinações diferentes de roupas, além de, em certo momento, começar a


falar de si mesma, o dia passou bem rápido. As meninas voltaram para casa

no mesmo horário que Stuart estava chegando, pois tinham muitas

atividades extras.

Durante o jantar, elas não falaram muito comigo, já haviam


percebido como o pai dela queria que as coisas fossem, então aprenderam a

jogar o jogo. Quando ele estava longe, elas me enchiam de perguntas e

abraços — isso era o suficiente para mim.

Depois de colocar Paolo para dormir, fui para o meu quarto. Pela

porta entreaberta, vi Stuart passar para o quarto que agora ele ocupava, no

mesmo andar que o meu e de nosso bebê. Por um momento, ouvi seus
passos se aproximarem, e eu tinha certeza de que ele viria até meu quarto,

talvez me beijasse de novo, talvez... mas não. Os passos foram para o lado

oposto e a porta se fechou.

Sozinha. Mais uma vez.

Então apenas deitei e deixei que o sono me levasse.

•••

Quando abri os olhos, Stuart estava ao meu lado sorrindo. Ele tocava

meu rosto e dizia para que eu fizesse silêncio.


— Nós não vamos querer acordar ninguém — sussurrou ao pé do
meu ouvido. — Vamos!

Ele me estendeu uma mão e me guiou através das escadas.

— A casa é nossa — falou ao mostrar a piscina e tirar a própria


camiseta, a calça e depois se jogou apenas com uma cueca boxer na água.

A noite estava quente, eu suava com as temperaturas altas.

— Vamos, Giovana, é sua vez! —  me chamava. Com as mãos, ele

jogava os cabelos encharcados para trás, seu rosto era como de um deus,
seu maxilar, de mármore esculpido.

Mesmo que receosa, puxei o vestido sobre a cabeça, ficando apenas

com a roupa de baixo. Devagar, entrei na piscina, mas, apesar do calor, senti

frio, porque a água estava gelada, meus pelos se arrepiaram, e Stuart me


segurou em seus braços.

Lembrei como era me sentir protegida, desejada. Ele era tão grande,
como uma fortaleza ao meu redor. Eu amava sentir aquele cheiro, aquela

sensação deliciosa que só ele me proporcionava.

Beijou meu pescoço demoradamente, e eu permiti que ele explorasse


minha pele com seus lábios investigantes. Aquele contato fazia com que eu

me derretesse, perdesse quaisquer forças que tivesse. Com uma mão,


agarrou meus cabelos, puxou meu rosto na direção do seu e tomou minha
boca com a sua. Seu beijo era voraz, instintivo, controlador.

A resposta veio rápida, junto da reação do meu corpo. O calor entre

minhas pernas era avassalador e se espalhava para todo o resto do meu ser,
tomando conta de qualquer resquício de sanidade que eu ainda possuísse.

Aquele era o homem que qualquer mulher gostaria de ter ao lado e


era o meu marido. Um marido ilegítimo, que não deveria ser meu, e não me

pertencia, mas era delicioso estar em seu abraço, com nossos quadris tão
próximos, pressionados um contra o outro, com nossas respirações se
chocando e línguas se movendo com intensidade.

Afastamo-nos por alguns momentos e mergulhamos na enorme


piscina. Sob as águas, eu podia ver o brilho de Stuart tomado pelo azul do
reflexo dos azulejos. Seus olhos faiscavam e o desenho do seu corpo

aparecia ainda mais definido para mim. Ele era encantador, esplêndido...

Quando emergimos, nossos corpos se encontraram mais uma vez,


olhamos um para o outro enquanto nossas respirações se normalizavam.

— Vamos — sussurrou e depois saiu da água, me ajudando a sair


também.

Era estranho vê-lo daquela maneira, tão sorridente e animado, mas eu


não podia dizer que não gostava dessa versão.
Rapidamente fomos, como duas sombras, para o meu quarto. Nós
ríamos como cúmplices e não nos importávamos com o rastro de água que
deixávamos pelo caminho.

Ele se sentou na poltrona que ficava no canto do quarto e sorriu para


mim, me encaixei, com um joelho de cada lado do corpo dele, ele agarrou

minha cintura, abriu meu sutiã, me libertando da peça. Meus seios cabiam
perfeitamente em suas mãos e em sua boca, então ele me devorava sem
pudor. Eu gemia com o prazer da sua língua ao redor dos meus mamilos

sensíveis. Sentei-me sobre ele e senti o volume que denunciava sua


excitação, fiquei mais molhada do que já estava antes e não queria esperar
nem um segundo a mais para me entregar a ele.

Eu me senti amada e completa enquanto ele me tocava, como se nós

dois estivéssemos destinados um ao outro. Tudo parecia certo, assim como


o brilho da noite que invadia através das enormes janelas, era perfeito,
iluminando na medida adequada nossas peles, nossas faces. Ele era

completamente meu, apenas meu.

Ele puxou minha calcinha e essa simples ação fez com que eu
respirasse fundo, sentindo a eletricidade percorrer meu ventre até o ponto

nevrálgico entre minhas coxas. Eu o desejava, sim o desejava...

— Giovana... — murmurava meu nome, e eu gemia em retorno.


— Stuart! Sim, por favor! — Ele não havia perguntado, mas eu já
respondia imediatamente. Até que...

Abri meus olhos e percebi que tudo que havia em meus braços eram
os lençóis daquela cama enorme e fria. Meu coração doeu ao perceber que

eu estava sozinha mais uma vez, tão perto e tão longe dele. A umidade entre
as minhas pernas era real, eu estava tão molhada que tudo que conseguia
pensar era em me tocar imediatamente.

— Stuart — sussurrei.

— Giovana? — A voz me tirou do mundo dos sonhos em que eu me

encontrava.

Abri os olhos e vi o borrão que ele era, acordar daquele jeito era

completamente perturbador. Ele estava ali, de pé, me olhando. Corei só de


imaginar que eu tivesse dito algo enquanto dormia ou que ele cogitasse a
temática do meu sonho.

— A senhorita Moretti deve ter informado sobre nosso cronograma,


não é mesmo? Tirei a manhã para irmos ao médico, então se apresse — ele
falou e parecia de bom humor.

— É... Claro... — falei, ainda despertando, compreendendo que tudo

não passara de uma brincadeira do meu subconsciente.


Sentei-me na cama e esfreguei o rosto, as imagens e a sensação ainda

eram tão verdadeiras! Eu queria nunca ter acordado daquele sonho, mas,
pelo visto, a realidade era minha única opção.
 

Giovana havia dito meu nome enquanto dormia. Eu tinha certeza

disso, apesar de só ter ouvido um tipo de murmúrio. Sim, ela disse meu
nome. Tentei não pensar muito sobre isso, mas a voz sôfrega dela volta e

meia invadia minha mente.

As meninas já estavam devidamente uniformizadas e tomando o café


da manhã com Olívia. Elas pareciam diferentes. Era estranho como a

presença de Giovana e Paolo havia afetado o comportamento delas.

— Bom dia, papai! — disseram praticamente ao mesmo tempo,

exceto por Amy, que ficou em silêncio, estava emburrada.


— Bom dia, minhas princesas, como vocês estão hoje? — perguntei

enquanto olhava diretamente para minha pequena revoltada.

— Nós estamos ótimas — Lily disse, passando o braço pelos ombros

de Annie. — Mas a Amy está chateada porque hoje nós temos que ir pra
escola.

— Meu Deus! É tão ruim assim a escola em que vocês estudam?! —

reclamei.

— Não é isso! — rebateu cruzando os braços. — É que eu queria sair

com vocês.

— Ah! Então é isso? — falei em um tom constatador, e ela inflou as

bochechas em um gesto de protesto, eu queria rir, mas precisava apenas agir

como um pai. — Nós não vamos passear, Amy, apenas vamos checar se a
Giovana e o bebê estão saudáveis, coisa rápida, e logo nós estaremos de

volta.

— E quando nós vamos sair todos juntos? — dessa vez foi Lily quem

se pronunciou, também estava interessada na ideia, e eu, completamente

encurralado.

— Se a Giovana quiser, durante o fim de semana, o que acham? Mas

se ela estiver cansada, vocês vão prometer que não irão insistir.
— Mas é claro que eu adoraria sair com vocês. — Ouvi a voz dela
atrás de mim e meu coração reagiu disparando, como se eu fosse algum tipo

de colegial. Por que era tão difícil ficar perto dela sem esses sentimentos

conflitantes? — Buongiorno! — Giovana estava radiante e a presença dela

poderia preencher aquele cômodo inteiro sem dificuldades. Ela possuía uma

luz própria tão intensa que eu sequer poderia explicar.

As meninas reagiram com gritinhos de animação e braços (segurando

colheres) levantados. Meu sorriso foi honesto ao observar aquela cena

matinal.

— Onde está nosso irmãozinho? Já acordou?

— Ele está perfeitamente arrumado e dormindo. Claire está cuidando

dele agora — respondeu com brio e segurança.

Giovana estava diferente aquela manhã, era notável. Ela não estava

somente bonita, mas exalava uma confiança que eu não havia percebido de

maneira pronunciada desde que o tio dela havia feito tudo aquilo. Era como

se, naquele dia, a essência daquela jovem mulher tivesse reaparecido, algo

que era próprio dela, apenas dela, e que a tornava tão cativante e única.

— Vejo que está usando as roupas novas — falei quando percebi que

ela vestia algumas das roupas que a senhorita Moretti havia comprado para

ela sob minha orientação. Aquelas peças eram um pouco diferentes do que
eu já havia visto em seu corpo, mas lhe caiam bem, era como se fosse uma

versão aprimorada dela mesma. — Essa cor cai muito bem em você. — A
blusa verde-petróleo contrastava bem com seus cabelos negros e, ao mesmo

tempo, combinava com seus olhos cor-de-oliva.

— Obrigada — respondeu com um sorriso sereno.

Tomamos o café todos juntos enquanto as pequenas contavam sobre

suas aventuras semanais e reclamavam umas das outras. É claro que todos
têm defeitos, mas as minhas filhas sempre tiveram um ótimo

comportamento apesar disso. Eu olhava para elas e sentia muito orgulho,


mas principalmente muito medo. Acho que é isso que a maioria dos pais

sente quando percebe o tamanho da própria responsabilidade, e eu temia


não ser o pai que elas precisavam, ainda mais depois do falecimento da mãe
delas.

— Pai, você precisa falar pra Amy que as chances disso acontecer de
novo são pequenas — Annie falou com seu tom de quem entende as coisas,

e eu despertei dos meus devaneios repentinamente.

— É claro — concordei sem ao menos saber do que elas falavam

antes.

— Viu só? — Lily comentou, mas seu tom era compreensivo, não

sabichão.
— Não adianta, eu nunca mais vou andar a cavalo! — Amy disse,

cruzando os braços.

Ali, eu entendi qual era o assunto. Desde que havia caído, Amy se

recusava a voltar para as aulas de equitação, e é óbvio que eu não a


obriguei. A psicóloga delas disse que seria bom permitir que ela decidisse

voltar por conta própria, mas era muito triste perceber que ela não tinha
nenhuma intenção de voltar, afinal, seria um desperdício enorme de talento.

— Nunca diga nunca — Giovana disse de maneira simpática e

confiante para a pequena, que fez uma careta.

— Eu não quero cair de novo. — Amy continuava chateada.

— Mas você gostava de andar a cavalo? — Giovana prosseguiu com


a conversa.

— Sim, eu gostava muito, mas o Júpiter me derrubou!

— Acredito que esse seja o nome do seu cavalo. É um belo nome.

Ele deve sentir sua falta... Aliás, como foi que você caiu?

— Eu finalmente ia conseguir fazer aquele salto, só que fiquei com

medo, não sei o que houve, mas ele levantou as patas, e eu caí — explicava
com empolgação, gesticulando de forma expressiva.

— Talvez ele tenha sentido seu medo e tenha ficado com medo
também, é claro que não foi de propósito — Giovana disse, segurando a
mão de Amy, que franziu os lábios.

— Eu sei, mas eu ainda fico assustada quando vou até lá.

— Não se preocupe, você vai conseguir. — O sorriso que aquela

jovem mulher de olhos esverdeados ofereceu à minha filha era acolhedor,


capaz de derreter o mais duro coração.

Era estranho ver uma cena como aquela de manhã. Eu estava tão
acostumado com sermos só nós quatro, então fiquei receoso, não queria

pensar que nós fôssemos alguma espécie de família. Giovana não fazia
parte daquela casa, ela era apenas mais uma pessoa aproveitadora no
mundo, e eu não queria que isso influenciasse minhas filhas. Não queria

que minhas garotinhas se apaixonassem por ela e depois se


decepcionassem.

•••

No consultório, a pediatra olhava encantada para Paolo, tão bem

alimentado e rosado em seus primeiros meses de vida. Ele ria e mexia as


mãozinhas, brincando com o ar. Sarah Bolton parecia fascinada, o que

também era impressionante para mim, afinal, eu sabia que ela via bebês e
crianças o dia inteiro, mas, ainda assim, era capaz de olhar para todos com

deslumbre. A verdade é que esses pequenos seres são mesmo adoráveis.


— Os exames estão todos perfeitos, mas mantenha a atenção à
alimentação, Giovana, você precisa manter uma saúde de ferro pra
continuar amamentando esse pequeno.

— Hoje ela também tem consulta com o obstetra e o nutricionista.

— É verdade. — Giovana não pareceu feliz com minha interferência.

— Está na minha agenda. — A frase dela soou levemente irônica.

Depois disso, a médica falou sobre as especificações e tirou algumas


dúvidas de Giovana. Ela não tinha muita experiência com crianças,

enquanto eu já tinha tido que lidar com três bebês de uma vez só, embora de

uma maneira cheia de privilégios e com suporte de vários profissionais.

Lembrei-me de que Amber quase enlouqueceu quando as meninas


nasceram, era complicado dar conta de tudo ao mesmo tempo, mesmo com

duas babás, ela preferia fazer as coisas sozinha sempre que conseguia, só

deixava a demanda para outras pessoas quando já estava exausta demais.

Depois da consulta com o pediatra, seria a vez de Giovana encontrar

com o obstetra, o mesmo que cuidou de Amber quando as meninas vieram

ao mundo, ele já era um homem idoso, mas ótimo profissional. Ele afirmou

que tudo estava bem com ela, apesar da perda de peso, algo que foi
considerado normal, nada fora do esperado.
— Vejo que você está saudável e não há nenhuma alteração

importante nos seus exames, sendo assim, você já está pronta para algumas
atividades, como exercícios leves, pode começar com algumas caminhadas

mais intensas, também está liberada para atividade sexual, sempre

respeitando os limites do corpo, é claro. Em caso de qualquer problema,


venha ao hospital, mas, por ora, você está liberada.

Vi o rosto de Giovana corar com a afirmação do médico e quis rir

com isso, mas mantive a postura. Lembrei-me do quanto eu fiquei ansioso

por esse aval depois que Amber teve nossas filhas, mas demorou um pouco
mais, pois a gravidez com trigêmeas é sempre uma coisa complicada.

Com o passar dos anos, eu havia amadurecido muito nesse sentido. O

sexo não era prioridade na minha vida, e eu aprendi a viver, a maior parte
do tempo, sozinho. Pelo menos, até aquele momento.

Olhar para Giovana despertava em mim a força do desejo que

morava no meu corpo quando eu era mais jovem, uma força quase animal,

difícil de controlar, algo um tanto instintivo.

Dentro do carro, voltando para casa, ela parecia incomodada. Eu

poderia ter simplesmente chamado os médicos até a nossa casa, mas preferi

levá-los ao hospital, para sair um pouco, ver a cidade, dar uma volta, mas
ela não parecia feliz. Havia um sério problema de comunicação entre nós, e

eu não sabia se poderia, ou se desejava, ultrapassar essa fronteira.


— Está tudo bem com você, Giovana? — finalmente questionei. Não

queria ser indelicado em ignorar a situação.

— Houve algo que me incomodou um pouco. — Fiquei em silêncio,

esperando que ela completasse seu pensamento. — A maneira como você


falou na sala da pediatra. Aquela coisa de agenda também e o fato de você

ter contratado uma... assistente. Você não me consultou sobre nada disso.

O que ela esperava de mim? Que não me preocupasse com sua


saúde? Fiquei me questionando qual era o problema dela com a agenda.

— É estranho quando você tenta falar por mim, como se quisesse me

apagar — completou.

— Eu não estou tentando te apagar, só fazendo o necessário pra


manter as coisas sob controle.

— Eu não sou uma coisa, Stuart. — Ela não foi ríspida ou grosseira,

mas, ainda assim, as palavras delas soavam aos meus ouvidos como

pequenas farpas.

— Você devia ter pensado nisso muito antes, Giovana! — respondi

sem pensar. Já estava me arrependendo de ter perguntado.

— O que você quer dizer com isso? — Agora ela parecia


definitivamente irritada.
— Você escolheu a vida que está vivendo e a forma como está sendo

tratada — respondi com frieza, mantendo a distância.

Giovana olhou para mim de maneira cortante. Tenho certeza de que

estava contendo uma resposta ácida, mas não conseguiu por muito tempo.

— Você casou comigo porque quis, Stuart. Você poderia ter


processado meu tio, poderia ter me denunciado por alienação parental,

poderia ter feito muitas coisas, mas escolheu o caminho fácil. — Mais uma

vez o tom de voz dela era argumentativo, nada grosseiro, mas ainda assim...

Aquilo me desarmou. Ela tinha uma língua afiada e não tinha medo
de dizer o que pensava. A honestidade com a qual Giovana me atingiu me

causou mais irritação ainda, era como se fosse uma grande afronta. Eu

respirei fundo, porque não gostaria de acordar Paolo com uma discussão.

— Você também quis assim, então seja uma boa esposa — respondi
com simplicidade e a intenção era realmente provocá-la, o que funcionou e

não funcionou ao mesmo tempo. Giovana desviou o olhar de mim e

manteve o foco, seriamente, na parte da frente do carro.

Aquela era uma guerra que não teria vencedores, e nós sabíamos
disso.

•••
No horário da tarde, trabalhei e tentei compensar tudo que não havia

feito de manhã, mas precisei admitir para mim mesmo que estava

levemente distraído, para não dizer muito distraído. Há algum tempo minha

vida pessoal não tomava um espaço tão grande de preocupação dentro da


minha cabeça e, nesse momento, era o que estava acontecendo.

Acabei demorando mais que o normal na empresa, porque perdi

tempo demais devaneando sobre tudo, tomei um copo de uísque antes de


voltar para casa, queria relaxar um pouco e, quando cheguei, tudo estava

silencioso demais, porque as meninas já haviam ido dormir, ou pelo menos

já estavam em seus próprios quartos.

Subi em direção ao quarto onde eu estava acomodado para ficar mais


perto de Paolo. Entrei no quartinho do meu filho e o vi dormindo

pacificamente. Seu cheirinho de talco e o rosto macio eram a coisa mais

perfeita do universo. Não o peguei para não atrapalhar seu sono tranquilo e
apenas saí em silêncio.

Quando me dirigia para meu próprio quarto, vi uma porta entreaberta

e a luz que escapava por suas frestas, era o quarto de Giovana. Bati na porta

sem saber muito bem o motivo, ou talvez eu soubesse perfeitamente...

— Pode entrar — ela disse em tom monocórdio.

— Boa noite... Ainda acordada?


— Um pouco de insônia — ela respondeu após retirar os olhos de sua

leitura. Logo se levantou e veio em minha direção. — Muito trabalho? —


perguntou em retorno.

— O de sempre... Paolo passou bem o dia?

— Muito bem. — Dessa vez ela deixou escapar um pequeno sorriso

polido.

— Ok, então... Eu vou indo... Boa noite — falei um pouco sem graça

e lhe dei as costas. Quando estava prestes a sair, ela se pronunciou.

— Stuart.

— Sim? — perguntei, curioso.

— Não é nada — ela respondeu simplesmente, como naquelas cenas

clichê.

— Tem certeza? — Eu me aproximei.

Nesse instante, nossos olhares se cruzaram, como se pudessem se


comunicar naquela fração de segundos. Foi estranha a maneira como tudo

se encaixou, como se nós soubéssemos o que estava na cabeça um do outro.

Nos aproximamos e, como se nossos rostos se atraíssem, nossos lábios se


encontraram em um beijo rápido, quase furioso.

Estava acontecendo de novo. Eu tentava evitar, mas a presença dela

era magnética demais.


— Giovana, você não precisa fazer isso — falei, me afastando,
esperando que ela me impedisse, torcendo para que ela não o fizesse.

— Eu sei — ela falou prontamente. — Mas eu quero.

— Você tem certeza de que está fazendo porque quer?

— Sim, é porque eu quero — respondeu com um olhar faminto.

Aquela mulher me desejava também, eu podia ler em seu rosto, sua

expressão a denunciaria, mesmo que seus lábios não me contassem.

— Então vamos realizar sua vontade — falei, agarrando sua cintura,


enquanto da sua boca escapava um pequeno arfar surpreso, minha outra

mão segurou sua nuca e assim ficou mais fácil de encaixar nossas

mandíbulas e perseguir sua língua tímida com a minha.

Beijar Giovana era como mergulhar no Jardim das Delícias Terrenas,

cheio de pecados e sensações absurdas. Eu estava me contendo havia tanto

tempo e sendo privado daqueles toques, que me deixavam afoito, apressado,


quase sem poder me conter.

Nós nos beijávamos e tocávamos sem pensar, deixando apenas que a


linguagem dos nossos corpos se pronunciasse, minha mão não hesitava em
apertar com firmeza sua cintura, depois suas nádegas, enquanto a outra

invadia sob a camiseta que ela usava, encontrando seus seios durinhos e
beliscando um dos seus mamilos de um jeito delicado, porque sabia que
deviam estar extremamente sensíveis.

Foi em um passe de mágica que nossas peças de roupas começaram a

ir embora, primeiro meu terno, depois a camisa, depois as calças, logo nós
estávamos ali, eu só de boxer, e ela com seu conjunto leve de shorts e
camiseta de dormir, que eu não demorei em me livrar também, até que nada

mais nos cobrisse.

— Acho que pode ser melhor assim — falei em um tom de mentor, e


ela acatou a ideia, segurei suas mãos e a trouxe comigo, depois me sentando
sobre a cama e ela vindo por cima de mim, seus joelhos posicionados cada

um de um lado do meu corpo. Sua pele nua completamente exposta a mim.

Deixei que meus olhos a fodessem primeiro, porque era isso que eu
estava fazendo enquanto via a pele firme de seu ventre bem desenhado,

agora com uma leve cicatriz no pé da barriga, seus pelos púbicos


bagunçados, nada de depilação super artificial, como eu costumava
encontrar nas mulheres na cidade. Aos meus olhos, tudo nela era um

charme orgânico, desde seus cabelos desalinhados até suas sobrancelhas


arqueadas naturalmente.

Ela pareceu tímida e, ao mesmo tempo, eu não conseguia parar de

admirar tudo aquilo que estava à minha frente. A puxei mais uma vez para
mim e uni nossos lábios, beijei, mordi, chupei seu pescoço, tudo com uma
voracidade fervorosa. Sua boca tinha gosto de menta e canela, era
irresistível.

A maneira como ela se portou durante aquele momento me fez


duvidar sobre a história sobre eu ser o primeiro homem com quem ela havia
se deitado, afinal, ela parecia um tanto habilidosa. De qualquer maneira,

isso não me importava nem um pouco, só o que me importava naquele


momento era a tensão entre minhas pernas. Meu sexo estava tão rígido que
eu poderia explodir. Dessa vez ela estava muito mais confiante e ativa.

Peguei um preservativo que ficava em uma caixinha na gaveta de baixo do


móvel de cabeceira. Aquele era um quarto de hóspedes antes Giovana ir
para lá, e nós sempre deixávamos esse tipo de “produto” disponível para os

convidados, o que veio bem a calhar.

— Não vamos cometer o mesmo deslize — comentei com bom


humor, e ela sorriu. — Você já usou uma dessas? — perguntei com um
misto de malícia e curiosidade.

— Você sabe que não... — ela disse com simplicidade.

— Não é difícil, se quiser aprender...

— Sim — concordou e mordeu um lábio. A tensão estava me

matando enquanto ela abria o pequeno pacote e começava a “manobra”.


— Você só precisa segurar bem essa ponta e depois deixar que
deslize, a intenção é não deixar o ar entrar. — Ela segurava meu membro de

uma maneira desajeitada, condizente com a falta de experiência, mas foi um


tanto eficiente em aprender. Era excitante ver aquela mulher tão deliciosa
manusear meu corpo e despertava uma febre de excitação. — Perfeito —

falei enquanto ela finalizava e, depois disso, sem pensar muito, se


posicionou melhor sobre mim, em seguida, encaixando nossos corpos.

Um gemido abafado escapou dos nossos lábios, e ela me beijou


enquanto nos tornávamos um só. Seu interior úmido e apertado me
comprimindo de maneira acolhedora, quente, carnal. O corpo dela era uma

obra de arte e seus movimentos, primeiramente lentos, me deixavam


enlouquecido, enquanto, aos poucos, começava a acelerar.

Nossos corpos se tornavam suados, ardentes, nossas peles cada vez


mais íntimas. A minha mente estava preenchida apenas com ela, seu olhar

entregue, seu jeito encantador, seus gemidos baixos... Ela era perfeita em
todos os sentidos, eu não queria pensar em nada além daquilo, pois havia
me lembrado da paixão com que nos entregamos na primeira noite em que

fizemos amor, aquilo não podia ser apenas sexo.

Giovana se movia de um jeito preciso e rebolava sem se cansar, eu


segurava os quadris dela, acompanhando e auxiliando em seu ritmo, ao

mesmo tempo em que ela agarrava meus cabelos e arranhava minhas costas.
Foi preciso muita força de vontade para não gozar rápido demais, até

mesmo com toda minha experiência, mas eu me contive até o momento em


que senti o corpo dela se retorcendo, se retraindo sobre mim, pressionando
meu sexo. Não pude suportar muito mais e me libertei em um orgasmo

intenso, com um urro que tentei conter unindo as nossas bocas.

Giovana me abraçou, e nós ficamos um tempo assim, esperando que


nossas respirações se acalmassem. O mundo ficando em silêncio mais uma

vez. Por um segundo, desejei que a vida fosse sempre assim.

Nós havíamos feito de novo. A consciência do ato me atingiu em


cheio. É claro que eu iria ceder àqueles encantos, mas eu não podia me
permitir esquecer jamais tudo que havia acontecido, por mais que o desejo

me cegasse por alguns momentos.

Lá estávamos nós deitados lado a lado e Giovana não demorou a


dormir. A rotina de uma mãe é sempre cansativa, eu sabia bem. Eu a

observei por alguns minutos e me certifiquei de que ela estivesse dormindo


profundamente, para então recolher minhas roupas e ir silenciosamente para

o meu quarto.

Parte de mim gostaria de dormir ao lado dela, mas meu orgulho era
mais forte, então apenas saí, deixando para trás aquele momento de

fraqueza.
 

A percepção de estar sozinha ao acordar fez com que uma sensação

de vazio me preenchesse. Ele não estava comigo. O que eu esperava, afinal?


Nós não éramos realmente um casal, eu era apenas a mãe do filho dele.

Suspirei ao pensar sobre o assunto, porém, ao mesmo tempo, lembrei-me do

meu pequeno e isso me alegrou. Ver o rostinho de Paolo em minha mente


fazia com que meus dias fossem mais coloridos.

A cada vez que eu pensava em meu filho, eu refletia sobre todas as

coisas boas que eu havia adquirido da minha própria família, como minhas
raízes eram tão bonitas e diversificadas. Meu pai tinha orgulho do fato de eu
ser fruto da junção de pessoas tão diferentes, como ele e minha mãe. Ele

sempre falava que eu era uma obra de arte, fazia com que eu me sentisse
uma criança muito especial.

Todas as manhãs, é claro, eu também não podia deixar de pensar em


meu tio. Para a maioria das pessoas, ele era só um velho turrão e mal-

educado, mas eu sabia mais sobre ele do que qualquer um. Sabia que ele

tentava esconder suas fragilidades, porque sua vida também havia sido
muito difícil.

Meu pai me falava do quanto tio Tommaso havia se esforçado para

que eles sobrevivessem quando eram mais jovens. A vida era dura e a

comida, escassa. Como mais velho, tio Tommaso sempre alimentava meu
pai primeiro e trabalhava desde muito jovem para ajudar no sustento da

casa.

Por esse motivo, principalmente, eu tinha dificuldade de abandoná-lo

de vez, afinal, eu teria todos os motivos para odiá-lo, mas saber que, em
algum momento, ele amou meu pai e ajudou para que estivesse vivo e

conhecesse minha mãe, o tornava parte indispensável da minha vida, da

minha história.

Levantei-me e fui direto para o banheiro. Ainda era esquisito olhar

para aquela casa e ver tanto luxo. Sempre que eu despertava, no primeiro

segundo de consciência, naquelas primeiras semanas, eu tinha uma


sensação forte de que estava no meu quartinho na despensa, e isso
provocava uma falta esquisita, como se uma parte de mim tivesse sido

tirada. Não era completamente ruim, só estranho.

Aqueles dias de descanso e boa alimentação, com poucas

preocupações, me fizeram um bem tremendo e minha pele já era outra,

assim como meu estado de espírito, afinal, nos meses anteriores, foi como

se tudo tivesse sido arrancado de mim. É claro que eu não havia perdido as

esperanças, só estava um pouco desolada, diferente do que eu costumava

ser.

Ver meu rosto tão reluzente me fez sorrir para mim mesma, eu estava,

aos poucos, me reconstruindo, encontrando caminhos, e daria um jeito em

tudo como sempre fiz.

No quartinho de Paolo, meu pequeno já era embalado

carinhosamente por Claire, que cuidava tão bem dele. A moça era uma

doçura, além de ser muito inteligente. Meu filho a adorava e ria o tempo

inteiro em seus braços. A desconfiança inicial que senti ao precisar entregá-


lo para uma pessoa estranha se tornou gratidão por ter tanto apoio.

Eu não sabia se era por causa da noite anterior, ou simplesmente


porque eu começava a ver as coisas de outra perspectiva, mas eu me sentia

muito mais feliz e, na realidade, privilegiada.


— Bom dia, Claire — disse com um sorriso, e ela me entregou

Paolo. Ele era tão lindo, a imagem do meu pai e ao mesmo tempo de Stuart,
uma graça de se ver, e eu não cansava de observar essa semelhança com

toda a atenção.

— Bom dia, senhora Grossi. — A jovem sorriu.

Depois de uma breve conversa sobre a visita ao médico no dia

anterior e algumas palavrinhas, nós descemos com ele para o café da


manhã, onde as trigêmeas já esperavam animadas. Era um sábado, dia de

animação para as crianças.

— Finalmente! — diziam enquanto, em uma avalanche de amor,

vinham me abraçar e beijar. Aquelas meninas eram tão carinhosas e faziam


da minha vida muito mais calma, extinguindo a ansiedade que eu achei que

sentiria o tempo todo por estar em uma casa que não me pertencia.

— Bom dia, meus amores — disse enquanto correspondia ao afeto

delas.

— Gio, que roupa você vai usar na festa de hoje? — era Amy que

perguntava, eu sabia bem por causa do apelido.

— Festa? — Eu definitivamente não sabia do que ela estava falando,


mas talvez eu devesse ter olhado a agenda melhor. — Eu não soube de

nenhuma festa.
— Sempre que a família ganha um novo membro, nós fazemos uma

festa. — O tom explicativo da fala denunciava que era Annie quem estava
falando.

— Todo mundo quer ver o Paolo! — Lily disse com animação.

Sim, é claro. É claro que a família gostaria de conhecer o pequeno,

como eu não iria imaginar! Eu estive curiosa para conhecer os outros


membros da família Silvestri, mas, ao mesmo tempo, havia uma pontinha
de ansiedade.

— E é por isso que uma agenda é importante. — Ouvi uma voz


masculina dizer, de maneira um tantinho altiva. Era Stuart.

Eu olhei para ele com um sorriso bastante sem graça, e ele me lançou
uma expressão de sagacidade, como se tivesse vencido.

— Bom dia, meninas! — Stuart disse com um sorriso e depois foi


abraçado pelas crianças. — Estão animadas?

— Sim! — Annie e Lily disseram juntas, mas Amy rolou os olhos.

— Essas festas são sempre tão chatas!

— Parece que alguém já está chegando perto da adolescência —


Stuart disse com bom humor para Diane, que estava ali perto. — E sobre a

festa — ele prosseguiu. — Você não precisa ir se estiver indisposta — ele


falava comigo, mas não parecia querer se dirigir a mim.
— É claro que ela vai! A tia Gerta disse que faz questão! — Amy
parafraseou a tia e desarmou Stuart, que olhou um tanto insatisfeito para
ela.

— Nós não podemos obrigar alguém a ir a uma festa.

— Não se preocupe, não estou indisposta. — Eu sorri para todos à

mesa. Às vezes, a forma com que Stuart agia despertava sentimentos que,
em geral, não faziam parte de mim. Ele me irritava quando se esforçava ao
máximo para fingir que eu não existia, embora, na noite passada, houvesse

me tratado tão bem.

Talvez fosse essa a vingança dele por eu tê-lo feito se sentir usado,

me fazer sentir da mesma maneira, mas eu não me daria por vencida.

— Ótimo! Sua assistente está disponível hoje e eu até mandei uma

mensagem para ela. A senhorita Moretti vai te ajudar com os preparativos.

— Eu não gosto dela — Annie disse com os olhos baixos.

Ao que parecia, Moretti era figura conhecida dentro da família.

— Amy, não diga isso — Stuart ralhou.

— Eu sou a Annie, papai — o corrigiu, e eu contive um risinho.

— Sim. Não foi isso que eu disse? — disfarçou, e nós seguimos


tranquilamente com o café da manhã sem maiores incidentes.

•••
Eu não poderia dizer que não gostava de Giulia Moretti, afinal, ela
tentava até mesmo falar comigo em italiano de vez em quando, mas
também não poderia dizer que gostava, pois as histórias de como ela havia

conseguido suas peças raras da Gucci e da Prada não eram de todo


interessante.

Eu nem sequer conseguia notar por que aquelas peças eram tão
valorizadas, afinal, eu sempre fui uma costureira razoavelmente boa e as
roupas que eu fazia tinham qualidade semelhante ou superior, mas eu não

dizia nada, pois não queria deixar a moça chateada com essas colocações.

Ela me mostrava, com animação, as combinações que havia pensado


para mim. Ela disse que a festa seria um evento muito íntimo e casual, um

encontro de família, por isso eu não precisava usar nada muito requintado.

— Você já pensou em trabalhar com moda? — perguntei de uma

forma despretensiosa.

— É claro que sim, já fiz um milhão de cursos, e estou terminando

minha faculdade na área. — Ela sorriu, orgulhosa de si.

Por um momento, eu senti uma pontada de inveja daquela mulher. Eu

gostaria de ter estudado mais, gostaria de ainda estar estudando, e comecei


a pensar que talvez Stuart concordasse com que eu concluísse meus estudos
básicos e depois fizesse uma faculdade. Senti meu coração palpitar apenas

com a ideia de aprender mais sobre as coisas de que eu gostava.

— Eu adoraria fazer uma faculdade de Moda — falei com um brilho

nos olhos, mas o sorriso indulgente que recebi em resposta, como se aquilo

não fosse para mim, me deixou um pouco chateada, mas não me importei.
Infelizmente as pessoas das cidades às vezes não conseguem ver o potencial

de quem não nasceu sob a mesma realidade que elas.

— Não é tão fácil assim, mas, quem sabe, estudando muito, você não

consiga? — ela disse, e eu apenas sorri em resposta. Sim, eu conseguiria, eu


tinha certeza disso.

O tempo com Giulia passava um pouco lento, mas felizmente ela

tinha pressa e logo perguntava se eu precisaria de algo mais, pois ela


mesma tinha uma agenda bem apertada, não podia cuidar da minha o tempo

inteiro.

— Não, está tudo ótimo, acho que estou preparada para o evento —

falei com confiança, embora não me sentisse nem um pouco preparada.

Passei boa parte do dia com Paolo e as meninas, que adoravam

brincar e cuidar dele. Fiquei refletindo sobre como aquelas pessoas me

receberiam, torcendo para que tudo funcionasse bem e eu não cometesse

nenhuma gafe grande demais.


Quanto mais se aproximava o horário da reunião de família, mais eu

ficava nervosa, mas sabia que daria tudo certo.

Eu me vesti quase exatamente como Giulia havia dito, mas havia

dado alguns toques pessoais, principalmente na forma de arrumar o cabelo,


que resolvi deixar solto, como na maioria das vezes, afinal, gostava de

manter meus cachos livres.

O vestido florido longo, porém, leve, que ela separou para mim era
parecido com meu gosto, o que me surpreendeu, pois ela tinha percepção,

apesar de o seu jeito, às vezes, parecer meio distante. A peça também tinha

uma fenda que partia da metade da coxa para baixo, o que achei meio
revelador, mas decidi experimentar. O decote era em forma de coração e a

cintura, marcada. Uma das roupas de que melhor me lembro, pois foi a que

usei no dia em que conheci os Silvestri.

As meninas foram me buscar e me ajudar com a finalização da minha


arrumação; elas estavam muito empolgadas.

— Mas eu preciso cuidar do Paolo, ele ainda não está pronto — falei

com preocupação. Meu filho era tão pequeno, e eu sentia o tempo inteiro

que precisava cuidar dele, mal dormia pensando se ele estaria bem.

— Eu posso fazer isso — Claire disse com simpatia, mas eu não

conseguia concordar com isso.


— Eu gostaria de terminar de cuidar dele sozinha — disse mais uma

vez, mas as meninas continuaram insistindo. Eu sabia que meu pequeno


estava em boas mãos, mas, ainda assim, era difícil apenas observar

enquanto outras pessoas cuidavam dele.

— Por favor, por favor, por favor! — as meninas diziam, e Claire

olhava de maneira complacente, até o momento que resolvi aceitar e elas


pularam de alegria, me puxando pelo braço em seguida.

Quando desci, alguns deles já estavam lá, e as coisas perfeitamente

arrumadas. Aquela era uma reunião de família simples para eles, mas, para
mim, parecia um grande banquete de luxo, o que me deixou muito feliz.

Fiquei um pouco tímida quando todos os olhos se voltaram para

mim, mas ergui a cabeça e fui em direção àquelas pessoas, que agora
também fariam parte da minha vida.

— Eu já conheço essa moça linda e agora vocês vão conhecê-la —

tia Gerta falou com graça. — Essa é a Suzy, Giovana. Ela é esposa do Greg

e mãe da Ayo, que deve estar... Ah sim, acabou de sair correndo com as
trigêmeas — completou rindo.

Aquela mulher era impressionante, tinha pernas longas e um sorriso

lindo, era imponente e perfeita, quase um monumento. Fiquei me


questionando se eu também passava uma impressão tão positiva para as

pessoas.

— Meu Deus, você é tão bonita quanto o Greg disse! — Suzy sorriu

muito animada e quase me esmagou em um abraço.

Ela tinha uma vibração tão alegre que fez com que meu otimismo se

ampliasse em níveis estratosféricos. Há pessoas no mundo que são

contagiantes e foi isso que Suzy me transmitiu.

— É que eu não soube descrever — Gregory, irmão de Stuart, disse

de forma educada. Ele era muito gentil e me tratou com delicadeza desde a

primeira vez que nos vimos. — Olá, Giovana, nós já nos conhecemos.

— É verdade — disse com um pequeno sorriso.

— Olá, querida — dessa vez outro homem me cumprimentou, ele era


idêntico ao Gregory, mas eles eram um tanto diferentes, tanto na maneira de

se vestir, quanto em sua postura. O sorriso dele tinha algo de magnético e

era muito galante. — Meu nome é Josh, e você deve ser a bela Giovana. —
Ele me estendeu a mão para um cumprimento caloroso.

— É um prazer. — Sorri em retorno.

— Cuidado com a sua esposa, Stuart — Gregory falou em tom de


brincadeira para Stuart, que estava ao lado, conversando com sua tia Gerta.
— Pode deixar — ele respondeu. Senti uma pontinha de alegria por

ele demonstrar que se importava comigo, por mais que, na maior parte do
tempo, eu tentasse me convencer de que ele jamais iria querer um

relacionamento real comigo e que aquilo era apenas um sentimento de

posse.

— Não liga pra esses idiotas — Josh falou, rindo sem graça, e eu
balancei a cabeça, rindo bastante da situação. — Finalmente chegou quem

faltava! — disse em seguida ao ver três pessoas se aproximando, um

homem e dois adolescentes.

Stuart se aproximou para fazer as apresentações e os outros se

espalharam em pequenos grupos de conversa.

— Giovana, esse é o Dominic, nosso irmão mais velho. O mais

responsável e bonito da família — disse com leveza. Para mim, era


cativante ver aquelas pessoas em um clima tão bom, eu me sentia parte do

grupo.

— É um prazer, Giovana. — Ele segurou minhas duas mãos e olhou


em meus olhos. Seu olhar era afetuoso e compreensivo. Depois disso, me

cumprimentou com dois beijos, como os italianos. Ele era o primeiro que

não fazia menção à minha aparência ao me cumprimentar, o que me deixou

satisfeita de certa maneira. — Conheça meus filhos.


Os dois estavam com os olhares baixos, vendo algo muito
interessante em seus celulares ao que parecia. Esse era um dos costumes

que eu jamais compreenderia nas pessoas da cidade: passar o dia inteiro

olhando para uma tela de vidro.

— Cadê a educação de vocês dois, não vão falar com a Giovana? —

o homem disse com seriedade para os garotos, que ajeitaram a postura.

A menina era simpática e veio me abraçar imediatamente, enquanto o


menino me olhou um tanto tímido e meio fechado, acho que era o jeito dele

de ser.

— Oi, Giovana! Eu sou a Lou! — O sorriso dela era enorme.

— É um prazer, Lou, você é linda. — Sorri de volta.

— Obrigada! Aquele imbecil é meu irmão. — Nesse momento, ela


apontou para o garoto com uma careta.

— Louise, já chega — Dominic, que era chamado de Dom pelos


irmãos, disse. — Esse é o Matt, Giovana, meu filho. — Ele quase teve que

empurrar o garoto para que ele me cumprimentasse.

— Oi — disse sem graça.

— Tá bom, tá bom, saiam daqui, vão fazer qualquer coisa — Dom

falou impaciente, enquanto eu continha um riso.


— Bom, acho que você já conheceu praticamente a família toda —
Stuart disse, ainda naquele clima de bom humor. — Eu vou até a cozinha
ver se está tudo certo, ok?

— Claro, pode deixar que eu tomo conta da Giovana — Dom


pronunciou em tom de simpatia. — Então quer dizer que você veio da
Itália?

— Sim, senhor — falei de maneira quase automática e sorri ao final.

— Mas o seu inglês é ótimo — elogiou.

— Eu costumava trabalhar em uma hospedaria e na taberna do meu


tio, no nosso pequeno vilarejo, boa parte do dinheiro vem do turismo, então

aprendi inglês pra facilitar as coisas — expliquei.

— Aprendeu sozinha, então? — Ele parecia um pouco


impressionado.

— Confesso que, quando eu tinha um tempinho a mais, adorava

assistir a filmes americanos, havia uns CD’s antigos do meu pai com filmes
sem legenda em inglês, e eu via mesmo assim. Meu amigo também me
ajudava muito, o senhor Giuseppe.

Falar o nome do meu querido amigo trouxe uma dor ao meu coração,
porque eu nem sequer havia tido tempo de digerir a morte dele, era muito
triste pensar naquilo, ainda assim, eu sentia que era uma forma de honrar
sua vida lembrar dele sempre que tivesse oportunidade.

— Com certeza ele devia ser uma boa pessoa — disse com cortesia,
pareceu perceber minha dor.

— Sim, infelizmente faleceu recentemente, mas me ajudou durante


todos os momentos da minha vida.

— Eu sinto muito, mas fico feliz em saber que você teve apoio. —

Ele foi solidário.

— Ele chegou! — uma voz estridente disse com animação. Era tia

Gerta que anunciava a chegada do mais novo herdeiro Silvestri, que descia
nos braços de Claire. Aquela movimentação quebrou qualquer clima de
tristeza e todos se direcionaram para onde estava o pequeno.

Eu estava aliviada por meu pequeno estar ali comigo novamente, mas
também havia um pequeno aperto no meu peito em saber que eu precisaria
aprender a compartilhar meu bebê, meu filho, com outras pessoas.

A família inteira quis ver Paolo de perto e segurá-lo com carinho. Em

certo momento, pelo excesso de agitação, acho que ele se assustou um


pouquinho e se pôs a chorar, então vi que Stuart o segurou, fazendo com
que ele se acalmasse rapidamente. Eu me aproximei com certo desespero,

embora me esforçasse para não demonstrar. Me acalmei um pouco quando


percebi que ele estava protegido com o pai, embora, para mim, ele só
estaria completamente seguro em meus braços.

Aquela cena era tão linda, e eu não podia tirar os olhos do


acontecimento. Stuart era realmente um bom pai, nunca me chamava

quando precisava cuidar de Paolo, sempre dizia que eu devia descansar, ele
era proativo e cuidadoso, assim como meu pai costumava ser.

Em certo momento, ele se voltou para mim, seu rosto parecia sereno,
tranquilo, bem diferente das expressões preocupadas do dia a dia.

— Acho que ele quer você. — Sorriu com afeto, um sorriso cheio de

ternura que me aqueceu o peito.

— Talvez — falei enquanto segurava meu pequeno docinho, e ele

sorria tão feliz, completamente alheio a qualquer problema do mundo. Senti


um desejo imenso de protegê-lo para sempre.

A reunião em família foi mais tranquila do que eu poderia imaginar.

Todos me trataram muito bem e me receberam de maneira gentil. Paolo foi


tratado como o pequeno príncipe daquele castelo, sendo mimado por todos
e recebendo dezenas de presentes. Fiquei me perguntando como uma

criança tão pequena poderia usar aquilo tudo, mas, ao mesmo tempo, fiquei
muito feliz com a atenção.
Estava tudo muito bem até o momento em que decidi ir ao banheiro e

passei pelo mesmo lugar em que Stuart e Dom conversavam de maneira


discreta. Eu não tive a intenção de ouvir as conversas alheias, mas foi o que
aconteceu por acidente.

— Mas por que Bruce não veio? — Stuart perguntava.

— Ele ficou muito chateado por você ter trazido uma pessoa estranha
pra dentro da sua casa — Dominic respondeu de maneira comedida.

Ouvir aquela frase deixou a noite um pouquinho mais amarga para

mim, mas eu sabia que isso poderia acontecer, afinal, as circunstâncias em


que eu havia ido parar naquele lugar não eram nada típicas, e eu não julgava
o irmão de Stuart por não confiar em mim. Suspirei e saí dali o mais rápido

possível, como se tivesse cometido algum crime e eles pudessem descobrir.

Aquela era a família Silvestri, cheia de pessoas completamente

diferentes umas das outras e com opiniões diferentes também. No final das
contas, quem precisava provar ser uma pessoa confiável era eu e assim eu
faria.
 

Com tantas coisas para fazer naqueles últimos dias, eu praticamente

não havia tido tempo para conversar com meus irmãos sobre assuntos do
dia a dia, mas me surpreendeu saber que Bruce havia ficado chateado

comigo por causa do que aconteceu. Eu sabia que isso tudo era preocupação

e que ele não estava totalmente errado, mas, mesmo assim, queria que ele
compreendesse tudo que eu havia feito e todas as decisões que tomei.

Tentei ligar para ele durante a festa, mas não atendeu, devia estar

ocupado com suas próprias coisas. Era ruim essa sensação de divisão dentro
da família, pois sempre fomos unidos, pelo menos na maior parte do tempo.

Mesmo discordando sempre, nos mantínhamos perto uns dos outros.

Resolvi postergar a solução para o problema, já que não havia muito

a ser feito naquela noite, então voltei para perto daqueles que estavam ali
presentes, mas nossa primeira foto em família com Paolo não teria a

presença de Bruce, o que, para mim, era algo triste.

Todos trataram Giovana muito bem e ficaram impressionados com a

postura dela e sua doçura. Ela estava bastante tímida, mas conversando com
todos e cuidando de Paolo também.

— O que está achando da sua primeira reunião com os Silvestri? —


perguntei com a leveza que o ambiente pedia.

— Todos são muito gentis, foram ótimos comigo. — O rosto dela


estava alegre, mas era como se algo a preocupasse. Por mais que nós

tivéssemos passado pouco tempo juntos, não era difícil ler Giovana, seu

rosto era cristalino, ela era tão verdadeira e feroz, mas, ainda assim, um

pouco ingênua.

— Aconteceu algo que eu não saiba?

— Não, eu... Está tudo bem...

— Giovana, você tem certeza? — falei de forma inquisitiva, e ela


ficou um pouco nervosa.
— Bom, é que... Ok, eu ouvi a conversa de vocês, mas juro que foi
sem querer! — ela disse como se confessasse um crime, e eu não pude

deixar de sorrir. — Eu sei que seu irmão não veio por minha causa.

Fiquei preocupado que ela tivesse ouvido aquilo, porque, apesar de

tudo me sentia mal por ela, não queria deixá-la constrangida nem nada do

tipo. O olhar dela aflito me incomodava de maneira cortante.

— Ah! Não se preocupe com o Bruce, ele é o caçula, sabe como é...
Meio mimado, meio implicante.

— Eu não acho que ele esteja errado com relação a isso. Eu sou uma
estranha e suas filhas vivem aqui.

— Bom, mas isso é problema meu. Ele deveria confiar um pouco

mais em mim — respondi um pouco afetado por aquilo. Eu nunca gostei de


lições de moral, ainda mais vinda dos meus irmãos.

— Eu não quero causar divisões entre vocês, ainda mais agora que
conheci sua família. Eu daria tudo pra ter uma família assim, tão grande,

feliz, amorosa... — ela comentou reflexiva.

— Bom, agora você faz parte de tudo isso. — Dei de ombros, porque

sabia que agora não havia como voltar atrás, Giovana já havia sido acolhida
pelos Silvestri e, mesmo que nós não ficássemos juntos no final da história,

sempre seria a mãe de Paolo, nosso pequeno herdeiro.


— Obrigada. — A resposta e a expressão dela foram tão sinceras que

me comoveu. Talvez nós pudéssemos nos dar bem, talvez eu pudesse lhe
perdoar em algum momento.

•••

Depois da pequena reunião em família, as trigêmeas estavam


elétricas, tão agitadas que não queriam dormir. Eu já havia dispensado as

babás e apenas nós estávamos na pequena sala recreativa, enquanto Paolo


dormia em seu carrinho tranquilamente.

Amy, Lilly e Annie enchiam Giovana de perguntas e nem eu sabia


como ela era tão paciente para responder a todas sem se importar com tanta

indagação.

— Então quer dizer que na sua cidade não tinha nenhum shopping?

— Lilly estava impressionada.

— Na verdade, não, mas, no centro da cidade, onde meu vilarejo fica,

existe uma espécie de galeria de lojas que vendem muitas coisas —


Giovana falava com serenidade e parecia até estar se divertindo.

— Isso é impossível! Onde você comprava sorvetes de três andares?

Como as crianças compravam seus brinquedos novos? — Amy parecia


indignada, e eu sacudi a cabeça em negação.
A única criança que havia vivenciado algo diferente da nossa

realidade com quem minhas filhas tinham contato era Ayo, minha sobrinha,
ainda assim não era o suficiente para que elas notassem que nem todo

mundo tinha acesso ao que elas possuíam.

Comecei a refletir sobre a maneira como minhas pequenas filhas

ainda não tinham muita percepção sobre o mundo longe da vida que elas
mesmas viviam. Não era culpa delas, pois eu sempre fui muito protetor, eu

sabia que era eu quem estava fazendo o máximo para mantê-las longe da
realidade o máximo possível, ainda mais depois da morte de sua mãe,
embora talvez estivesse na hora de elas aprenderem um pouco mais sobre

pessoas diferentes delas.

— Gio, você nunca foi a um shopping? Em um shopping de verdade,


não uma galeria? — Amy questionou, incisiva.

— Acho que não. — Giovana deu de ombros. — Ah, não me olhe


assim, o Paolo também nunca foi ao shopping. — Ela sorriu, bem-

humorada.

— Então quer dizer que você também nunca foi à Disney. — Lilly
continuava tristonha, e Annie, que naquele momento estava meio
desinteressada no assunto, despertou.
Quando a palavra “mágica” foi dita, as três me olharam com uma
expressão faminta, e eu sabia o que aquilo significava.

— Não, nada disso, amanhã é domingo e eu vou passar o dia inteiro


assistindo ao futebol — falei como uma pessoa perfeitamente normal. Aos
domingos, eu era apenas Stuart, e não um acionista da Silvestri Petrolífera

S.A.

— Por favor! — insistiam com aqueles olhinhos brilhantes que


tocam o fundo da alma de um homem e fazem com que ele se sinta a pessoa

mais horrível do mundo, caso não satisfaça os anseios dos pequenos


anjinhos.

— A Giovana e o Paolo vão ficar tão felizes. — Annie sorria.

— Podemos combinar para a próxima semana, é complicado assim

de última hora — argumentei.

— Papai! — reclamaram, pois sabiam que eu poderia conseguir uma

viagem para a China no dia seguinte, caso precisasse. Elas não conheciam o
mundo, mas conheciam nossos próprios privilégios.

— Vocês estão dispostas a acordar cedo em um domingo apenas pra


ir pra Disney? — Tentei ser convincente, e elas sacudiram suas cabecinhas
em concordância. Rolei os olhos. — Tudo bem... — Assim que disse as

palavras, fui interrompido por gritos e pulinhos delas. — Shh, meninas!


Vocês vão acordar o... — Era tarde demais, elas haviam conseguido acordar
o bebê mais calmo do mundo.

— Tudo bem — Giovana falou enquanto pegava o pequeno, que


chorava, em seus braços.

As trigêmeas me olharam de um jeito culpado, e eu apontei para as

escadas.

— Cama. Agora — eu disse, encarnando a figura de pai turrão.

— Mas nós ainda vamos à Disney, né? — Lilly disse baixinho.

— Veremos — respondi com seriedade e me voltei para Giovana e o

bebê.

As três meninas foram até Giovana e beijaram seu rosto antes de


subirem as escadas. Elas estavam tão encantadas com ela que até me

assustava um pouco.

•••

No final das contas, nós acabamos naquele mundo “encantado”,


Paolo teria seu primeiro passeio em um parque de diversões, e isso soava

cômico para mim, pois ele era tão pequeno.

Quando chegamos, vi Giovana abismada, olhando para todos os

lados, enquanto analisava aqueles cenários e construções surreais, ela


parecia totalmente petrificada quando fitou o castelo da Cinderela. Eu fiquei

feliz em ver o quanto ela estava emocionada.

Depois, devidamente caracterizados e com nossas orelhas do Mickey,

afinal, elas não me deixariam em paz caso eu não usasse as minhas também,

nós seguimos nosso passeio.

Claire levava nosso pequeno no carrinho e as meninas se revezavam

para andarem de mãos dadas com Giovana, me deixando completamente de

lado, o que me incomodava levemente, mas preferi ignorar.

— Ali tem uma barbearia de verdade, nós vamos trazer o Paolo aqui
quando for o momento do primeiro corte de cabelo dele, aí ele vai ganhar

um certificado. — Os olhos de Annie brilhavam enquanto ela trabalhava

como uma perfeita guia daquele parque.

A cada ano aquele lugar se ampliava mais e nem eu sabia mais quais
eram as atrações atuais, apesar de irmos sempre.

Passamos pelo que, para mim, pareciam um milhão de atrações com

inúmeros bonecos que se moviam e eram um tantinho perturbadores em


minha concepção, mas as meninas estavam enlouquecidas, assim como

Giovana, que sorria e estava se divertindo com cada pequena coisa.

Nós até abrimos mão da nossa dieta saudável para comer o cachorro-
quente mais clássico do Magic Kingdom, que elas adoravam, apesar das
outras dezenas de opções. Claro, nós também tomamos o sorvete do

Mickey, que as meninas achavam a coisa mais impressionante do mundo.

Talvez eu fosse realmente um adulto chato, porque achava tudo

muito superestimado, o que me impressionava de verdade e me comovia era


ver minha família se divertindo.

Em certo momento, nós vimos uma banda enorme passar. Giovana

segurava os balões e estava adorável com aquelas orelhinhas, ela sorria o


tempo inteiro e seus olhos não saíam de cada atração à qual assistíamos.

Depois da banda, vários carros passaram, alguns enormes com os

personagens da Disney. Lilly sempre ficava hipnotizada com aqueles


shows.

É claro que, em certo momento, as meninas fizeram questão de ir até

o castelo da Cinderela, principalmente para que Giovana visse tudo de

perto. Quanto mais nos aproximávamos da estrutura, mais ela parecia


impressionada, logo ela que vivia em uma das regiões mais incríveis do

mundo, a Toscana, estava encantada com aquele castelo de conto de fadas.

Meu coração parecia se amolecer um pouco com a expressão no rosto

daquela mulher tão doce.

Nós paramos na frente daquele lugar imponente enquanto as meninas

corriam para dentro e Claire as acompanhava. Giovana e eu, com o carrinho


de Paolo, dormindo pacificamente a despeito da agitação e barulho,

olhávamos para todos os lados, pelo menos até olharmos um para o outro.

Era estranho quando nós nos encarávamos assim, de repente, sem

querer... Nossos olhares falavam sozinhos, como se pudéssemos nos

comunicar assim. Havia afeto, carinho, desejo, entre outras coisas não tão

positivas, como a desconfiança e o medo.

— Está gostando do passeio? — perguntei de forma despretensiosa.

— Gostando? Eu estou amando! Isso aqui é o lugar mais lindo do

mundo. — Seu sorriso era verdadeiro, e eu não pude deixar de


corresponder. Giovana aquecia meu coração de uma forma única. —

Quando o Paolo for maior e vir essas fotos! — ela exclamou em uma

expressão apaixonada, eu poderia observar pelo resto da vida sem me


cansar.

— Ele vai ficar apaixonado por você — falei sem pensar muito, mas

me arrependi em seguida. — Bom, não vamos entrar? — sugeri enquanto

apontava para que ela fosse à frente e assim seguimos.

O dia correu de forma perfeita, mas foi cansativo e as meninas não


aguentavam mais andar, então paramos em um restaurante agradável para

esperar o nosso “final feliz”. Quando o horário chegou, a experiência foi

concluída por um show de fogos de artifícios coloridos que iluminou o


enorme castelo do Magic Kingdom. Vi que os olhos de Giovana brilharam

naquele momento, com algumas lágrimas, mas não quis perguntar o motivo,

afinal, ela tinha muitos para se emocionar e o sorriso em seu rosto mostrava

que era felicidade.

— Da próxima vez, nós vamos visitar os outros parques... Pode ser

no próximo final de semana, não é, papai? — Annie já pensava no nosso

próximo passeio.

— Acho que, da próxima vez, nós podemos fazer algo diferente —

sugeri.

— Tudo bem, a Giovana vem com a gente — Lilly disse, e eu fiz

uma careta para ela.

— Ah, então quer dizer que não fazem questão da minha companhia?

— disse enquanto lhe fazia cócegas e ela morria de rir.

— Não é isso, papai, é que a gente sabe que o senhor odeia contos de

fadas! — ela disse ainda rindo, e eu não pude deixar de rir também.

Não é que eu odiasse contos de fadas, só achava perda de tempo

aquelas histórias tão mentirosas, mas preferi não explicar, pois elas

perceberiam sozinhas quando crescessem.

•••
Ao final do dia, mesmo completamente cansado, decidi fazer uma

ligação. Por mais que não achasse que fosse direito de Bruce estar chateado
comigo, ainda queria que minha família permanecesse unida, então peguei

o celular e lhe fiz uma chamada de vídeo, que ele não demorou a atender.

Quando ligou o aparelho, o vi com um aparelho de realidade virtual

e, pelo visto, matando seres imaginários.

— Calma aí, que já tô terminando — falou enquanto finalizava uma

partida, e eu esperava pacientemente (na verdade, impaciente).

Rolei os olhos e aguardei até que ele pudesse me dar atenção.

— E aí? Como vai meu irmão quase mais velho? — disse com certo
bom humor.

— Melhor agora que você venceu sua partida — respondi com ironia.

— Eu não venci, só pausei — ele rebateu com simplicidade, e eu


balancei a cabeça em um tom de “eu desisto”.

— Como vão as coisas? Você não apareceu ontem, e eu fiquei

preocupado.

— Preocupado? Ou alguém foi até você para te preocupar? Você


ouve demais o que os nossos irmãos falam...

— E eles estão errados? — perguntei, erguendo uma sobrancelha.

— Eu nem sei o que eles disseram.


— Meu Deus do céu, Bruce! Por que é tão difícil me comunicar com
você? — reclamei, um tanto inquieto.

— Ok, ok. — Ele ergueu as mãos em um gesto de rendição. — Você

quer minha opinião sobre isso? Eu vou opinar sobre isso.

— Agora acho que nós estamos falando a mesma língua — pontuei.

Ele demorou um tempo para falar, como se estivesse pensando muito

antes de dizer qualquer coisa. Um gesto nobre vindo da parte dele.

— Você tá completamente louco, Stu? — de repente ele cuspiu as


palavras.

Eu sabia que a gentileza não ia durar muito tempo, afinal, era o

Bruce.

— Olha só, eu sou completamente a favor de sexo com

desconhecidos e atividades de entretenimento, mas, desde que isso envolva

apenas a sua vida, não a de pessoas que não escolheram por isso. Eu sei que
você não me deve nada, mas é um total absurdo que você tenha levado uma

estranha pra conviver com suas filhas, ainda mais depois de receber um
golpe.

A forma com que ele dizia aquelas palavras me fazia pensar que eu

realmente havia enlouquecido. Ouvir meu irmão caçula, que não era
nenhum exemplo de sensatez, falando coisas que faziam tanto sentido,
aumentava minha culpa.

— Ela não é uma completa estranha, é a mãe do meu filho — tentei

justificar, mas eu sabia que estava errado.

Bruce olhou para o teto em uma expressão de sarcasmo.

— Só porque você enfiou um filho na barriga dessa mulher não


significa que haja alguma proximidade real entre vocês. — Ele parecia

revoltado. — O Greg foi viajar com uma pessoa que ele mal conhecia e tá
ok, porque, se ele morresse, seria problema dele. Nós iríamos ficar muito
tristes, mas ele é um adulto. Definitivamente não é igual.

— Eu sei que não é igual — afirmei com seriedade.

— Me disseram que ela é jovem e bonita, mas isso não é desculpa...


Olha, eu sei que é difícil pensar com a cabeça de cima em certas

circunstâncias, mas não dá pra corrigir um erro cometendo outro.

Respirei fundo e pensei bastante sobre o que ele estava dizendo.


Refleti sobre tudo que tinha acontecido e mais uma vez a aguilhoada da
raiva veio me importunar. No fundo, eu acreditava que Giovana era uma

boa pessoa e que eu a estava salvando de algo, eu tinha que admitir.

— Bruce, eu vou te dizer algo que não falei pra ninguém, mas sei que
você não vai contar.
Pelo menos sobre isso eu não precisava me preocupar, já que Bruce
era o melhor guardião de segredos da família, talvez o único.

— Você vai dizer que eu sou louco ou qualquer coisa do tipo, que
isso é bobagem, imprudência, mas... Eu gosto dela. Eu sinto que essa moça
tem feito uma diferença positiva na nossa vida. Eu não vejo aquela casa tão

animada desde que... desde que Amber foi embora. É uma situação
complicada, e eu não vou negar que também sou uma pessoa complicada às
vezes, mas sei lá, é como se fosse uma oportunidade de mudar as coisas,

mesmo que de um jeito torto.

— Sim, um jeito muito torto. Eu me preocupo com você. Você tem

um coração bom Stuart, mesmo quando é enganado acaba tentando fazer


uma boa ação pra quem te feriu, você retribui os socos da vida com

sorrisos. Eu acho isso bonito, queria ser assim, mas só posso admirar sua
qualidade e tentar colocar algum juízo na sua cabeça de vez em quando.

— Meu irmão caçula tentando colocar juízo na minha cabeça, onde já

se viu?! — falei, admirado e de bom humor.

— Infelizmente eu preciso carregar o fardo de ser a pessoa mais


sensata da família. — Ele deu de ombros com desdém. — Enfim, pense no

que eu te digo e preste muita atenção nessa moça, você precisa proteger sua
família.
— Eu sei, concordo com você plenamente. Não precisa se preocupar
com as meninas, porque meus funcionários de confiança ficam ao redor

delas praticamente vinte e quatro horas. Quanto a Giovana, vou continuar


observando de perto tudo que está acontecendo pra descobrir se ela
realmente merece estar na nossa família.

— Ok... — falou ainda a contragosto.

— Posso pedir um favor? — perguntei de maneira serena.

— Claro. Tudo para o meu irmão favorito.

— Você diz isso pra todos. — Ele riu com minha declaração. — Mas,

continuando, por favor, apareça na próxima reunião de família, seu sobrinho


quer te conhecer, você não está interessado? — falei, sendo levemente

dramático.

— É claro que eu estou interessado! Você sabe que eu adoro crianças,


as dos outros, é claro, eu nunca, absolutamente nunca, vou ser pai — disse

com uma careta. — Mas pode acreditar que estou louco para conhecer o
novo homem da família.

— Tudo bem então, eu vou cobrar.

Depois disso, nós nos despedimos mais amistosamente, e eu passei o

resto da noite dividido (para variar), pensando sobre o dia agradável que
tive com minhas filhas, Claire e Giovana, mas, ao mesmo tempo, assustado

e desconfiado daquela mulher.

É claro que eu continuaria com minhocas na cabeça por um bom


tempo, ou pelo menos até perceber que poderia confiar plenamente na

estrangeira que havia roubado o coração de todos com quem havia cruzado
até ali.
 

Os dias passaram tranquilamente durante aquela semana. Eu já não

me sentia como uma invasora. Na realidade, aos poucos, começava a me


sentir parte da casa, pelo menos na maior parte do tempo. É claro que

minha relação com Stuart não melhorou, afinal, o que eu esperava? Nós

havíamos passado uma noite juntos, não era uma promessa de amor eterno,
e eu entendia bem.

A forma com que a família Silvestri me recebeu fez com que eu

recuperasse parte da minha serenidade, mas algumas coisas eram mais


difíceis de modificar, a voz do meu tio em minha cabeça ainda se fazia

presente.

Todos os dias eu pensava sobre ele. Eu me preocupava, apesar de

saber que ele não havia me entregado de graça para o “estrangeiro”. Eu


também não conhecia os detalhes daquela transação e preferia não saber,

pois aquilo me embrulhava o estômago. Eu jamais aceitaria fazer parte de

uma história como aquela se a vida do meu filho não estivesse envolvida.

Olhei para as orelhinhas da Minnie que eu havia ganhado durante o


nosso passeio e me lembrei dos momentos que passei com Paolo, as

meninas e Stuart, aquilo havia deixado meu coração feliz e feito com que

meu otimismo aumentasse ainda mais. Eu sabia que, aos poucos, eu


encontraria o rumo da minha vida e deixaria aquele passado tão tenebroso

para trás.

Minha agenda não tinha muitos compromissos durante aqueles dias

da semana, então eu me ocupava em cuidar do meu bebê e das meninas,


sempre ajudando em tudo que podia, porque sempre gostei de trabalhar e

sentia muita falta de uma rotina mais ativa, embora a tranquilidade também

não fosse ruim.

Até que o final de semana chegou e eu só percebi realmente quando

me vi enredada entre uma manicure, uma massagista e uma cabeleireira,

enquanto Giulia desfilava com os modelos que havia trazido para mim.
— Você não sabe o quanto foi complicado, mas eu estou sempre
pronta pra desafios — ela se elogiava enquanto acariciava o tecido daquelas

roupas. — Você vai ficar tão linda. Eu escolhi esse para o coquetel de hoje

à noite.

Nesse momento ela segurou um dos vestidos com carinho, e eu pude

ver do que ela estava falando.

— Veja só o que eu consegui pra você. — Os olhos dela estavam


marejados de emoção verdadeira enquanto ela segurava a peça esplendorosa

com todo o cuidado. — Prada! É de leilão, uma peça histórica. Eu tô tão

orgulhosa de mim mesma!

Eu tinha certeza de que Giulia começaria a chorar a qualquer

momento enquanto mantinha o vestido na frente do próprio corpo e se

olhava no espelho. A cena era cômica e, como sempre quando estava em

sua companhia, eu contive um riso, mas, no fundo, estava começando a

gostar dela.

— Será que não é um pouquinho espalhafatoso? — perguntei só por

via das dúvidas.

— Espalhafatoso? Isso é simplicidade e glamour na mesma peça,

afinal, é seu debut. Você precisa mostrar que é uma leoa, que está pronta

para esse mundo louco e cheio de gente arrogante, você precisa empinar o
nariz e sorrir, porque, se você não fizer isso, será engolida por eles! —

explicava enquanto gesticulava de maneira muito expressiva. Eu me sentia


um pouco assustada e, ao mesmo tempo, fazia anotações mentais.

O tratamento de beleza foi um pouco doloroso, principalmente


quando se tratava de depilação e modelagem de sobrancelhas, mas alguns

momentos foram agradáveis, principalmente a longa massagem, que recebi


de uma profissional com mãos de anjo. Foi como se todo o estresse que eu
houvesse acumulado durante toda minha vida se esvaísse de uma vez só.

Quando o horário do evento chegou, eu já estava completamente


arrumada, apenas finalizando a maquiagem. Eu fiquei chocada com a

equipe que Giulia havia trazido apenas para me produzir. Fiquei me


perguntando se aquilo era realmente necessário, mas ela era experiente
nesse mundo de fama e dinheiro, então sabia o que estava fazendo.

Ao final de todo o processo, pude me ver e a pessoa que me encarou


de volta no reflexo era espantosa. Aquela figura no espelho não se parecia

comigo, ou, ao menos, com a figura que eu costumava ter de mim mesma.
O corpo daquela mulher estava envolvido por um tecido fino cheio de

transparências e coberto por pequenos cristais. O rosto dela também parecia


ter sido esculpido de alguma maneira e seus cabelos reluziam.

— Está em choque? — Giulia disse ao entrar no estúdio e me ver


chocada. — Essa é a prova de que é possível, sim, melhorar o que já é
perfeito. Você vai arrasar, garota! — falou enquanto apertava meu ombro

carinhosamente.

Dessa vez o sorriso dela foi doce e acolhedor, era o olhar de uma

garota encantadora e orgulhosa. Naquele coraçãozinho, havia espaço para


outras coisas além de roupas de grife, mas aquele momento fofo não durou

por muito tempo.

— Não demore! Eu vou te acompanhar até o coquetel, porque,


quando chegarmos lá, vou ter que usar o vaporizador portátil pra

desamassar o vestido. Meu Deus, você tá tão maravilhosa! — ela ainda


exclamou antes de sair do cômodo, e dessa vez eu ri sem pensar, acho que

eu estava feliz.

Quando ela saiu, em seguida, Stuart entrou no quarto. Ele estava

perfeito com seu smoking preto, colete e gravata fina. Aquelas peças com
toda certeza haviam sido feitas sob medida e o caimento era maravilhoso,
clássico e impecável. A barba dele estava perfeitamente alinhada e seu rosto

parecia mais jovial do que nunca. Nós nos olhamos, ambos embasbacados.

— Impressionante! — disse simplesmente, mas não fez mais nenhum


comentário, nem era necessário, sua expressão dizia tudo. — Bom, eu... —
continuou, como se despertasse. — Nós temos o costume na nossa família

de entregar uma joia de nossa mãe para nossas esposas. Não pense que é
algum tipo de costume arrogante de quem acha ser da família real — falou
bem-humorado, e eu sorri. — Só três dessas joias tiveram outras donas, essa
quarta era uma das favoritas da senhora Silvestri e acho que vai combinar
com você. É um colar de brilhantes, espero que você goste.

Eu quase tive um enfarte quando ouvi as palavras dele. Aquilo tudo


era demais para processar. Eu nunca havia tido acesso às coisas caras e

menos ainda a uma joia de família! Naquele momento, cada peça que eu
usava seria quatro vezes mais cara do que a casa em que eu morei com meu

pai quando era criança.

Aquilo tudo me trazia muitas reflexões, e eu não conseguia colocar


os pés no chão. Há poucos meses eu poderia até mesmo ter tido

dificuldades para me alimentar e naquele instante possuía coisas que a


maioria das pessoas nunca teria acesso. Eu me sentia culpada, mas, ao

mesmo tempo, privilegiada.

— Obrigada por tudo, Stuart, é muita gentileza — respondi com

doçura, e ele me ofereceu um sorriso genuíno enquanto me admirava


usando aquele objeto tão dispendioso.

•••

Quando colocamos nossos pés naquele clube, eu me senti encantada

com as luzes douradas pendendo de lustres maravilhosos no teto. Havia


obras de arte por toda parte e as esculturas se misturavam com as peças
lustradas impecavelmente.

Precisei segurar firme no braço de Stuart para me manter de pé nos


saltos agulhas, embora Giulia tivesse me feito treinar a semana inteira para
andar sobre eles.

Aquela seria minha nova vida, pelo menos por um tempo, e eu

precisava me acostumar.

As mesas estavam abarrotadas de flores frescas e decorações

delicadas, além de bandejas com tarteletes recheadas, salmão defumado,

caviar, entre um milhão de coisas que eu nem saberia identificar. O que


havia em maior quantidade eram as fingers foods, que Giulia havia me

explicado se tratar de alimentos servidos em pequenas porções para comer

com as mãos, o que me deixava bastante feliz, pois ainda não havia chegado

nas lições sobre o uso de talheres em jantares chiques.

Assim que entramos, fomos abordados por um garçom extremamente

gentil que nos oferecia um espumante, do qual eu nunca havia ouvido falar,

mas que com certeza era caro, muito caro. Tudo ali cheirava a dinheiro e,

graças ao trabalho incrível de Giulia Moretti, eu não estava me sentindo


deslocada, pelo contrário, estava até bastante à vontade com a minha

aparência.
— Vamos lá, é agora que começa o show — Stuart disse baixinho

para mim quando os acionistas da Silvestri Petrolífera S.A. começavam a se


aproximar como um enxame de gafanhotos.

Havia mãos estendidas a todo o momento enquanto ele me

apresentava para aquelas pessoas das quais eu não recordaria do rosto, nem
do nome. As esposas eram as que puxavam assunto comigo, falando sobre

viagens de luxo e hotéis. Eu mantinha a conversa da melhor maneira

possível, sempre sendo cordial e fingindo compreender o que elas estavam

dizendo.

— Nós alugamos uma ilha nas últimas férias, acredita? — Aquela

mulher se chamava Emma Lennox, e eu podia sentir de longe o cheiro do

seu perfume milionário, os dentes dela eram como de porcelana brilhante e


sua pele, um tantinho repuxada, talvez pelos procedimentos cirúrgicos de

rejuvenescimento. — Mas foi um tédio, haha! Eu gosto mesmo é de estar

no meio das pessoas de verdade. Não pense que nós aqui somos vaidosos e
cheios de frescura. Meu pai era engenheiro por profissão, mas um grande

filantropo — dizia em um monólogo forçado, e eu só sorria e acenava.

— Isso é adorável! Você deveria conhecer o vilarejo onde eu nasci, lá

existem pessoas de verdade, e eu sou uma delas — falei com um pouco de


ironia, mas ela foi incapaz de perceber.

— Eu adoraria, qual é o principal hotel do lugar?


— Não é bem um hotel, mas uma hospedaria que oferece uma

experiência completa para quem quer mesmo conhecer o espírito toscano.

Lepre Incantata é o nome, um antigo negócio de família.

— Com certeza passaremos por lá! — ela respondeu com uma


piscadela e um sorriso artificial, que correspondi com afabilidade.

Depois de um tempo, deixamos de ser o centro das atenções e eu

pude, enfim, escapulir para uma sacada que possuía uma vista incrível para
um jardim enorme abaixo. Aquele jardim conseguia ser mais deslumbrante

até que o da casa de Stuart.

Eu não fiquei sozinha por muito tempo, logo um dos ricaços que

havia falado conosco lá dentro apareceu ao meu lado.

— Alguém está precisando de um ar fresco? — disse em tom

simpático. Eu não me recordei de imediato do nome dele, mas era algo

como Brassard. O homem tinha cabelos grisalhos e devia ter por volta de
uns quarenta anos, tinha um nariz avantajado e ele era bem alto, apesar de

não ter a forma de quem fazia muitos exercícios físicos.

— O lugar é muito bonito, estou admirando — respondi com cautela.

— Importada da Itália — falou, me encarando da cabeça aos pés, e


eu me recusei a acreditar naquilo.
— Para que eu fosse importada, precisaria ser uma mercadoria —

falei em falso tom de bom humor, e ele sorriu sem graça.

— Jamais! Não foi isso que eu quis dizer, sinto muito. Você é

belíssima —  disse, mudando de assunto abruptamente. — Mas é fato que

seu cabelo ficaria muito, mas bonito se você prendesse o lado direito,

valorizaria ainda mais a parte mais luminosa do seu rosto. — O sorriso


afável daquele homem me causava repulsa, eu conhecia bem aquele tipo,

afinal, todas as noites, na taberna do meu tio, eu cruzava com vários iguais.

Ele estava mais perto do que deveria e puxou uma mecha dos meus
fios, colocando-a atrás da minha orelha. Aquilo me arrepiou, e eu dei um

passo para o lado, me distanciando de forma discreta.

— A beleza é superestimada — falei simplesmente.

— Perdão, acho que me expressei mal. Peço que me perdoe, os


homens sempre ficam um tanto atrapalhados na presença de uma mulher do

seu tipo.

Eu gostaria francamente de entender qual era o meu tipo, mas não

poderia criar um escarcéu logo no primeiro evento do qual eu fazia parte.

— Haha! Engraçado, meu marido nunca pareceu atrapalhado —

respondi, saindo pela tangente. — Inclusive, acho que estou vendo-o por

ali. Obrigada pela conversa, senhor Brassard!


— Na verdade, é Mcbride! — ele disse enquanto acenava. Respondi

ao gesto brevemente e lhe dei as costas.

Algo que aprendi sobre homens é que não importa a idade ou classe

social, boa parte deles consegue ter uma autoestima invejável e cometer as
piores atitudes, principalmente quando se trata das mulheres.

Já Stuart... Stuart não era assim. Eu percebia em seu olhar que ele era

incapaz de fazer mal a qualquer pessoa na face da Terra, estava sempre


preocupado com os outros, cumprimentava e conversava com seus

funcionários de igual para igual, algo que eu não conseguia enxergar

naquele ambiente cheio de engravatados perfumados.

Aquela foi uma longa noite, mas felizmente Stuart fazia o tipo
introvertido e não quis ficar lá até muito tarde, apenas o suficiente para

algumas taças de espumante e alguns canapés. Quando colocamos os pés

em casa, me senti aliviada e respirei fundo.

— Eu sei que esses eventos são horríveis — Stuart disse em uma


expressão compreensiva, e eu sacudi a cabeça em concordância.

Nós dois fomos para o quarto de Paolo, onde encontramos Claire

dormindo em uma poltrona. Sorrimos um para o outro ao observarmos a


cena.
— Pobrezinha, deve estar acabada — falei em um sussurro e me

aproximei da moça para acordá-la com delicadeza.

— Senhora Grossi, perdão! — Ela acordou um tantinho assustada, e

eu sorri para ela.

— Já pode ir dormir, ele vai ficar bem. — falei com serenidade e só

então ela viu Stuart, arregalando os olhos, mas ele a tranquilizou também.

— Sim, Claire, já passa da hora de você ir descansar.

— Muito obrigada e uma ótima noite — falou com simpatia e um

bocejo ao final da frase.

Quando ela saiu, Stuart e eu trocamos um olhar cúmplice, depois


passamos um tempo admirando nossa pequena pepita de ouro que dormia

pacificamente. Ele estava crescendo tão rápido, eu queria poder parar o

tempo.

— Com sono? — Stuart perguntou.

— Na verdade, não. — Aquela festa havia me causado tanta

ansiedade que eu me questionava como poderia relaxar.

— Se você quiser, nós podemos passar o tempo, talvez conversando


— ele sugeriu de forma despretensiosa, e eu sorri, mesmo que essa atitude

me deixasse levemente desconfiada, afinal, ele fez de tudo para manter

certa distância durante os dias passados.


Mas a noite... A noite é sedutora e o brilho da lua atrai todos os
amantes, talvez fosse por isso que nós não conseguíssemos resistir naqueles

momentos.

Nós nos sentamos na varanda que havia em meu quarto. Eu não


costumava passar muito tempo ali, pelo contrário, era a primeira vez que

me sentava em uma daquelas confortáveis cadeiras para descansar.

— O que você achou do evento? — Stuart perguntou com uma


presença de espírito bem mais leve enquanto olhávamos as estrelas lado a

lado.

— Aqueles homens me enxergam como aquilo... — disse enquanto

tentava me lembrar do que chamavam. — Hmm... Esposa-troféu! — falei


finalmente, me recordando da expressão.

Stuart olhou para baixo por um segundo e passou o dedo polegar


sobre o lábio inferior enquanto sustentava um sorriso galante. Ele parecia

tão bonito com a gravata desatada sobre os ombros e os primeiros botões da


camisa abertos.

— Você ficou ofendida? — Ele parecia fazer graça, mas eu estava


levemente irritada.

— E não deveria? — questionei em um tom afrontoso, mas ele


continuava de bom humor, o que só me aborrecia mais.
— Acho que não. Você nem de longe se encaixa nesse papel — disse
com tanta certeza que quase me convenceu, mas, ainda assim, tudo aquilo
me incomodava.

— Eu sei que tudo que eu disser será usado contra mim... —


comecei, e Stuart começou a rir, ele estava muito bem-humorado naquela
noite, tão à vontade, que parecia até outra pessoa. — O que eu disse de

engraçado? — perguntei, erguendo uma sobrancelha.

— Desculpa, é que sei lá, hoje eu me sinto diferente...

— Então esse é o Stuart de verdade? Que você estava escondendo?


— perguntei com uma expressão de sagacidade e, dessa vez, ele pareceu

levemente tímido.

— Talvez. Você me deixa de bom humor, quando eu não penso... Não


penso sobre todo o resto. Não quero pensar nisso hoje.

Eu sabia bem sobre o que ele estava falando e, também, não queria
pensar naquilo.

— Eu sei — murmurei.

De repente, Stuart puxou um dos meus pés para seu colo e começou a

desatar aquela sandália de milhares de dólares.

— Você deve estar cansada — falou com afetuosidade e, no


momento em que aquele sapato estava longe do meu pé direito, senti um
alívio imediato, em seguida, ele fez o mesmo com o meu pé esquerdo.

A forma com que ele segurava meus pés e alisava meus calcanhares

com delicadeza fazia meu corpo vibrar como uma sinfonia... Bastava aquele
homem se aproximar para desestabilizar minhas estruturas.

— Nem tanto — respondi morosamente, me entregando àquelas


sensações gostosas que os dedos dele roçando em minha pele traziam.

Em momentos como aquele, eu percebia que estava completamente

enredada por ele. Às vezes eu fazia um exercício estranho de tentar ficar


com raiva daquele homem, então repassava mentalmente cada vez que ele

foi frio e distante comigo, cada vez que tentou me castigar pelos meus erros
com sua indiferença, mas aí passava, muito mais rápido do que eu gostaria.

Agora ele estava ali, tão próximo, tão dócil e bem-humorado.

— Confesso que a senhorita Moretti fez um ótimo trabalho com você


hoje, a forma como ela poliu sua beleza e fez com que você parecesse uma
estátua grega é impressionante — comentou pensativo, seu olhar me

contemplava, como se ele quisesse observar os detalhes, e eu não recuei,


ergui o queixo e pisquei os olhos lentamente, como se quisesse deixar que
ele me visse bem. — Mas ver você desse jeito agora, pra mim, é muito mais

encantador. Seus cabelos naturais soltos, as sardas no seu rosto, a sua


expressão relaxada... Isso é muito mais apaixonante do que qualquer
maquiagem ou vestido caro com que ela possa vestir você.

Eu sorri de forma serena enquanto as estrelas daquela noite eram


testemunhas do nosso encontro.

— Mas ao mesmo tempo — ele prosseguiu, e eu apenas ouvia suas


palavras com atenção. — Eu não posso esquecer que não posso confiar em

você...

— Stuart... — disse um pouco aflita, meu coração se sobressaltando.


Eu queria explicar as coisas, queria expor o que sentia, mas precisava

pensar com a cabeça, não podia apenas falar tudo que pensava. — Eu sei
que é difícil, mas você pode confiar em mim. Eu jamais faria algo que te

prejudicasse ou a sua família.

Lembrei-me sobre os pequenos problemas que Stuart tinha agora


com seus irmãos por minha causa, aquilo mais uma vez me aguilhoou e

tudo que eu queria era provar que eu não era isso, não era apenas uma
golpista barata.

— Você já prejudicou, Giovana. Eu sempre fui muito fechado e vejo

que essa sempre foi a melhor atitude. — Ele coçou o queixo e olhou ao
longe, como se pensasse, ele passava boa parte do tempo assim. — Eu
tento... Mas sempre acabo descobrindo de novo que tudo isso é um erro.
Uma agitação intensa tomava conta de mim, eu queria gritar, queria

correr, fazer qualquer coisa que tirasse a aflição do meu peito, mas havia
coisas que eu jamais havia aprendido, afinal, vivendo com meu tio, sempre
tive que me conter, guardar qualquer vestígio de raiva e agir como se nada

tivesse acontecido.

— Você sabe que não é um erro — falei com um leve amargor na


voz, me levantando e me aproximando de Stuart, que me olhava curioso.

Em uns poucos segundos, apenas uma virada de cena, já estava sobre ele,
sentada em suas pernas, olhando em seus olhos. Com toda a coragem que

pude reunir, mais a ajuda de algumas taças de espumante, finalmente eu


pronunciei as palavras: — Você me quis naquela noite e me quer agora, eu
tenho certeza disso.
 

O que Giovana mostrava naquela noite ia muito além de uma beleza

física, era uma sensação meteórica de paixão, desejo, euforia. Ela era muito
mais a mulher que eu havia visto através dos seus olhos na primeira vez em

que nos cruzamos. Aquela noite que perpassava meus pensamentos sem

pedir permissão a cada vez que eu ia dormir, trazendo, sempre antes de


pegar no sono, o rosto dela que viajava pela minha mente, flutuando nas

nuvens do esquecimento.

O corpo dela sobre o meu sempre provocava batimentos cardíacos,


nervosismo, como eu só havia sentido quando tinha uns vinte anos a menos
de experiência. Ela me fazia implorar por um toque, ansiar por contato. Não

tinha nada a ver com os encontros e casos que tive depois da morte de
Amber, porque eram sempre iguais, apesar dos rostos diferentes.

Sair com pessoas depois de ficar viúvo era sempre estranho e sempre
sem graça, como se eu nunca mais fosse encontrar qualquer coisa que me

fizesse sentir apaixonado e despreocupado. Pelo menos eu achei que nunca

mais aconteceria até ela estar ali, naquele instante, mais precisamente, tão
perto que nossas respirações podiam se tocar.

O fato de que ela tomou a iniciativa de se aproximar tornava tudo

ainda mais intenso e significativo acordava em mim um ardor que

permanecia adormecido na maior parte do tempo.

Quando me tornei viúvo, a maioria das mulheres solteiras que eu

conhecia começou a me ver como potencial investimento, mas isso só fazia

com que eu me sentisse ainda mais solitário, por isso resolvi que só iria me

casar de novo se algum dia encontrasse alguém que valia a pena, alguém
que fizesse bem para mim e para minhas filhas.

Ali estava ela com seu rosto encantador, voz de anjo e corpo quente.
O contraste esverdeado de seus olhos com sua pele terrosa, ela era como a

própria força da natureza em sua essência.


Tocou meu rosto com delicadeza, juntando nossos lábios em um
beijo puro, como se fôssemos um par de amantes enamorados. O vestido

que ela usava estava enrolado, expondo parte de suas coxas, e eu não hesitei

em tocá-las, sentindo sua firmeza e maciez, que se equilibravam de forma

perfeita.

Tudo que eu queria era tocar aquela mulher, por mais que, na maior

parte do tempo, ela parecesse inalcançável, misteriosa, cheia de

inquietações que nunca me contava.

Aos poucos, aquele beijo tão casto se tornava uma tempestade de

sentidos e sensações. Ela mordia meu lábio inferior e depois eu deixava que

minha língua traçasse uma reta exata em seu pescoço. Nós nos agarrávamos

um ao outro como se nossas vidas dependessem daquilo.

— Vem comigo — falei em voz baixa, e ela se levantou. Eu tomei

sua mão e a levei até o banheiro, não sem antes pegar alguns preservativos.

Comecei a me despir, tirando primeiro o colete, que já estava

desabotoado, depois a camisa, por último a calça. Ela me olhava em

silêncio com certa fascinação.

— Vai ficar só olhando?

— Você é bonito. — Sua frase foi tímida, mas seus olhos eram

devassos, ela mordia a boca e sustentava um pequeno sorriso que dizia


muitas coisas.

— Você acha? — perguntei com intensidade e tomei sua cintura com

firmeza, ela parecia gostar quando eu fazia aquilo.

— Sim — falou sem ar, me olhando nos olhos. Uma das minhas
mãos procurava o zíper da peça que ela vestia. Por que as roupas das
mulheres eram tão complicadas? — Vamos com calma, isso é Prada.

Não pude evitar uma leve risada com a forma que ela me chamou
atenção.

— Você foi claramente mordida por Giulia Moretti e está virando um


zumbi — falei, dessa vez mordendo meu próprio lábio. — Saiba que nada

pode ficar no meu caminho, nem seu Prada — finalizei com desdém, e ela
sorriu, mas seu sorriso se tornou um resfolegar repentino quando, com

apenas um movimento, fiz com que ela se virasse para a enorme pia,
coberta por mármore. Ela se segurou sobre a bancada, e eu afastei os seus

cabelos macios, deixando suas costas expostas a mim.

A pele dela era suave, e eu a beijei com minúcia, bem devagar, até

chegar à sua nuca, que marquei com um chupão.

— Agora você vai segurar firme — falei ao pé do seu ouvido e, como


uma resposta imediata, ela projetou seu corpo para trás, sua bunda atrevida
se esfregando no volume que já se fazia presente em minha cueca boxer. —

Porra... — murmurei e me agachei.

Levantei o vestido, expondo a peça ínfima que ela usava: uma

calcinha de renda branca minúscula. Até nisso Giulia tinha pensado, eu


tinha certeza. Espalmei ambas as mãos em suas nádegas e ouvi um gemido

como resposta. Afastei as coxas dela com as mãos, de maneira firme, mas
delicada.

Depois disso, quando ela estava como eu queria, apoiada com as

mãos sobre a bancada e, com aquela bunda deliciosa empinada para mim,
deixei minha língua percorrer a parte interna da sua coxa de maneira

despudorada. Ela empurrava os quadris para trás, enquanto eu apenas


brincava perto daquela região sensível, até finalmente deixar que minha
língua tocasse sua boceta molhada sobre o tecido da calcinha.

A vibração de putaria que nossos corpos exalavam fazia com que


meu pau latejasse, uma sensação completamente desconfortável, quase

implorando por alívio. Tudo que eu queria era foder aquela mulher com
força, mas eu era detalhista também, então gostava de preparar o terreno.

Devagar, segurei aquela peça fina e apertada com cada uma das mãos
de um lado, então, em um movimento só, a rasguei ao meio, arrancando

dela, que mais uma vez deixava escapar um som ininteligível dos seus
lábios deliciosos.
Naquele momento, ela estava completamente exposta a mim, ainda
usando seu vestido chique. Suas nádegas nuas e macias que eu beijei com
cautela, agora puxando seu quadril, para que ficassem ainda mais

projetados e depois lambendo seu sexo por trás, deixando-a enlouquecida.


Minha língua continuava se movimentando, e ela gemendo, o som era

música para os meus ouvidos.

Após alguns minutos, fiz com que ela se movesse mais uma vez,

segurando suas coxas, então seu corpo estava virado para mim e sua boceta
na altura do meu rosto, a expressão de prazer tomando conta dela.

— Agora você pode continuar me ajudando com isso — falei,

enrolando o vestido e fazendo com que ela o segurasse, deixando apenas a


parte que me interessava à mostra.

Puxei o calcanhar da minha deusa negra, colocando-o sobre meu


ombro e caindo de boca entre suas pernas sem pensar duas vezes. Dessa

vez, ela não resistiu, liberando um gemido que foi quase um grito, o que me
fez continuar com ainda mais voracidade, enquanto ela esfregava a boceta
mais linda que eu já havia visto na minha vida na minha cara.

Eu me demorei ali, fazendo com que ela arfasse, resfolegasse, se


contorcesse de prazer. Eu chupava o clitóris de Giovana e, depois de um

tempo, introduzi um dos dedos em seu interior quente e úmido, em seguida,


colocando um segundo, que deslizou em sua lubricidade deliciosa. Não
demorou muito para que seu corpo começasse a dar sinais de que chegaria a
seu ápice e foi o que logo aconteceu, quando a senti se retorcendo e
comprimindo meus dedos que se moviam lentamente dentro dela.

O sabor do seu orgasmo era delicioso, e eu continuei lambendo seu


mel, enquanto ela gemia sem pensar, com uma das mãos segurando o

vestido e, com a outra, agarrando meus cabelos com força e fervor.


Finalmente me levantei, sentindo certa dormência nas pernas, mas ainda
cheio de tesão.

— Você é mais safada do que parece. — Beijei a sua boca, que

parecia completamente sem fôlego. — Mas ainda não acabou. — Naquele


momento, eu fiz com que ela se virasse mais uma vez, voltando para a

posição inicial, arrancando a minha cueca e pegando um dos preservativos

que havia deixado ali perto.

O tapa que desferi em sua bunda foi tão forte que o estalo soou bem
alto no banheiro e a marca da minha mão ficou ali quente e formigante em

sua pele, tenho certeza.

— Gosta disso? — perguntei ao pé do seu ouvido enquanto segurava

seu rosto para que ela olhasse para trás, ela moveu a cabeça em
concordância, enquanto um sorriso perverso estava desenhado em seu rosto.

Ela realmente gostava, e eu mais ainda.


Quando meu sexo deslizou para dentro dela, foi como alcançar um

paraíso mundano, onde nada mais importava só aquele instante. A primeira


estocada foi forte e muito fácil, porque ela estava totalmente lubrificada.

Aos poucos, eu comecei a me movimentar, enquanto ela empurrava seu

corpo contra o meu, sem cansaço.

Estar envolvido por aquela mulher me deixava nas nuvens, trazia as

sensações mais primitivas ao meu corpo. Nós nos movíamos como se fosse

o último dia do planeta, como se não existisse amanhã. Eu empurrava

dentro dela, enquanto ela me compelia com suas coxas deliciosas.

Talvez eu estivesse satisfeito, caso aquela fosse a última foda da

minha vida.

Em alguns instantes, comecei a sentir uma tempestade se espalhando


em uma enxurrada de sensações que despontou em um orgasmo tão intenso

que parecia ter arrancado parte das minhas forças, fazendo com que meu

corpo pressionasse o dela sobre a bancada, enquanto nós dois tentávamos

recuperar a normalidade das nossas respirações.

Finalmente Giovana se virou para mim, e eu a ajudei a se livrar de

sua peça tão cara, com a qual, dessa vez, ela pareceu não se importar tanto.

Finalmente liguei a ducha, o que tinha planejado desde que havia entrado
ali, mas havia mudado durante o percurso.
Logo nós dois estávamos sob a água morna, perdidos em beijos

longos e intensos, enquanto nossas peles se tocavam de maneira tão íntima.

Eu me sentia tão bem, como se todos os problemas da minha vida tivessem


evaporado. Depois disso, nus, fomos para a cama, onde nos deitamos lado a

lado.

Nós nos observávamos, imersos um no outro, nos acariciando de um

jeito mais calmo agora, até o momento que Giovana se aproximou mais,
colocando uma de suas pernas sobre a minha e levando sua mão até meu

sexo. A forma com que ela decidiu tomar a iniciativa várias vezes durante

aquela noite me surpreendia e me deixava ainda mais aceso.

— Você me enlouquece — falei baixinho, fechando os olhos para me

concentrar no toque dela, que era um tanto delicado. — Não precisa ficar

com medo — falei enquanto colocava uma das minhas mãos sobre a dela

para guiá-la no ritmo e pressão, o que ela estava aprendendo aos poucos,
mas já fazia muito bem. — Isso... — sussurrei em um quase gemido.

Depois de me tocar e me excitar mais uma vez em um período tão

curto, ela se levantou, colocando-se entre minhas coxas, seu rosto lindo sob

seus cachos molhados enquanto ela ainda segurava meu sexo em sua mão,
como um cetro de poder que ela controlava como quisesse. Depois foi a vez

dos lábios e aquilo quase me matou.


— Você não precisa, se não quiser — falei, contendo um arfar

enquanto a via tentar me engolir pela primeira vez, deslizando sua boca
macia pela extensão do meu pau sem nem pensar duas vezes.

Ela era confiante e não parou com o movimento em momento algum,

continuando a chupar a parte superior com afinco, enquanto com sua mão

fazia movimentos na parte inferior. Sim, ela era boa nisso, um talento
natural que me tirava dos eixos com cada estímulo, pressão e olhar. Ela

continuou por um tempo e depois parou, em seguida, pegando um

preservativo na mesma gaveta que eu no outro dia. Seu olhar era lascivo e
ela sorriu com a expressão de quem comete diabruras.

— Eu estou aprendendo direitinho? — Seu tom de voz era cheio de

libertinagem. Ela começava a descobrir seu poder sobre mim, e eu sabia


que estava perdido, enquanto, com habilidade, ela deslizava a camisinha por

meu pênis e depois se encaixava sobre mim, fazendo com que eu deslizasse

para dentro dela mais uma vez.

Ela estava descobrindo o que podia fazer, seus encantos de mulher e


o quanto era atraente. Aquela mulher era minha perdição, e eu me entreguei

sem muita resistência. Aquela era nossa noite.

Ali, naquela cama, nós dois nos libertávamos e trazíamos tudo que

queríamos esconder durante o dia. A noite escura era o único véu que
cobria nossos corpos e emoções despidas. Era assim que nos entregávamos

e esquecíamos qualquer orgulho, qualquer coisa que nos afastava.

Infelizmente aquela sensação de liberdade não durava por muito

tempo e nós precisávamos encarar a realidade em que vivíamos, mas,


naquelas poucas horas, nós aproveitávamos ao máximo o que existia entre

nós —  nos tornávamos um.

•••

Acordei com um raio de sol invadindo o quarto e, naqueles primeiros

segundos, me senti levemente confuso, só lembrando tudo que havia

acontecido ao ver o corpo daquela mulher perfeita sendo esculpido pela luz

matinal. Ela estava de bruços e cada uma de suas curvas parecia mais
dignificada pelas sombras criadas pelo sol.

Eu havia dormido ao lado dela, algo que prometi a mim mesmo não

fazer, depois de uma noite repleta de paixão e sexo. Na realidade, eu havia

dormido poucas horas, porque, quando terminamos nossa “festa”, o céu já


começava a clarear.

Me espreguicei e me levantei com delicadeza para não acordar

Giovana, comecei a me vestir e cogitei a ideia de só me enrolar num lençol


e correr até o meu atual quarto, que ficava ali ao lado, mas, como aquela
casa era extremamente movimentada o tempo inteiro, principalmente aquele

andar, não quis me arriscar a ser pego em tal cena patética.

Quando dei por mim, Giovana me olhava com uma expressão vivaz,

como se já tivesse acordado há muito tempo. Acho que ela estava

acostumada a acordar cedo.

— Bom dia — falei como quem é flagrado cometendo um crime.

— Buongiorno. — O sorriso dela era uma das coisas mais belas a se

avistar em uma manhã e me deixava com um humor ainda melhor.

— Ainda é muito cedo, você deveria descansar mais — falei com

preocupação.

— Nem se eu quisesse conseguiria dormir mais, preciso ver Paolo —

ela explicou com seu corpo agora coberto por um lençol.

Eu não sabia muito bem como reagir, nem o que dizer, esperava
apenas me despedir e sair para as atividades matinais de domingo, pelo

menos até ouvir várias batidas na porta que vieram acompanhadas de uma

gritaria inexplicável.

— Giovana!

— Gio!

— Nana!
Eram elas. Eu lembrei imediatamente que, naquele domingo, era dia
do clube dos escoteiros, ao qual eu levava as meninas quinzenalmente. Meu

olhar para Giovana foi quase aterrorizado, e ela riu.

— Eu prometi a elas que iria com vocês nesse domingo, se você


permitisse, é claro.

— Ah, entendi tudo. — Rolei os olhos. — Que situação! — dizia aos

sussurros.

— Calma — me disse com tranquilidade. — Meninas, eu encontro


vocês lá embaixo em quinze minutos, por favor, ainda não estou pronta! —

instou, próxima à porta. — Acabei de acordar.

Do lado de fora, as meninas começavam a discutir umas com as


outras, e nós podíamos ouvir algumas coisas como “eu avisei que ainda

estava cedo”, “a culpa toda foi da Annie” e “vocês são muito mal-educadas,
o papai vai brigar”.

— Desculpa, Gio! A gente vai esperar lá embaixo! — a voz de uma


delas disse, eu respirei mais aliviado.

— Prontinho — Giovana sorriu de maneira espontânea, até que


ouvimos a vibração de um aparelho celular, que não era o meu, pois não

estava ali, nem era o que eu havia dado a ela, pois estava em cima da mesa
de cabeceira.
— O que é isso? — perguntei, desconfiado.

Tive uma sensação de aperto no peito quando, mais uma vez, percebi
que aquilo era coisa dela e que ela continuava fazendo algo pelas minhas

costas, embora eu ainda não soubesse o quê.

— Ah... — ela murmurou. — Não é nada, é só...

Segui o som que ouvia e abri uma das portas do guarda-roupa dela.
Eu não devia ter feito isso, mas, mais uma vez, aquela fúria tomava conta

de mim. Giovana estava brincando comigo, era a única explicação! A noite


passada, como as outras, era apenas uma boa maneira de me distrair e
estava funcionando direitinho.

— Giovana, o que é isso e por que você esconde de mim? —


perguntei enquanto o aparelho tocava em minha mão com um número
internacional, da Itália, é claro.

— Eu uso esse telefone pra falar com a Cassandra, é só isso.

— E o celular que eu te dei?

— Ele é muito moderno e complicado, além de sempre dar erro


quando tento ligar pra Itália.

— Deve ser algum problema no chip, é só mandar a Giulia consertar.

— Eu não preciso disso, Stuart. Minha amiga me deu esse aparelho


pra conversarmos.
Ela parecia nervosa, mas, ao mesmo tempo, eu não conseguia
identificar se era porque eu a flagrei fazendo algo errado, ou porque eu a
estava inspecionando. Eu não me orgulhava da minha atitude, mas não

conseguia tirar da minha mente aquela ideia de que estava sendo enganado.

— Então vai ser assim, não é? Você não vai me dizer a verdade. Não

sei por qual motivo ainda tento — rosnei, irritado.

— Eu não tenho nada a dizer. Eu nem sequer tenho privacidade nessa

casa, você conhece todos os meus passos, o que quer mais de mim? —
Giovana dizia, exasperada, e eu me sentia cada vez mais irritado, decidindo
finalizar aquela conversa antes que as coisas ficassem piores.

— Muito bem. Se é assim que você quer, é assim que as coisas vão
ser — finalizei, virando as costas e pouco me importando se havia alguém

no corredor.

— Stuart! Por favor! — ela ainda disse atrás de mim, mas eu apenas
fechei a porta e saí.

Eu não gostava daquela situação. Ficava o tempo inteiro imaginando


que tudo que havia acontecido era apenas a parte inicial de algum plano
maléfico e que ela estava me enredando para um xeque-mate. As coisas que

Bruce havia me dito rondavam meus pensamentos e se repetiam


continuamente.
Giovana, com suas atitudes dúbias, me confundia cada vez mais e me
atormentava não poder simplesmente obrigá-la a me dizer o que estava

acontecendo, por que ela escondia coisas tão pequenas de mim e por que ela
fingia gostar de mim, se, no fundo, eu era apenas um bom negócio.

Entrei sob a ducha fria, deixando aquela noite tão intensa para trás e
torcendo para que toda aquela raiva se dissipasse antes que eu precisasse
voltar para minha vida normal, onde minha preocupação mais importante

era cuidar das minhas garotinhas.

Aquele seria um longo dia.


 

Stuart havia visto o celular que eu usava para falar com meu tio

Tommaso e aquilo fez com que meu coração quase explodisse dentro do
peito com o nervosismo. Ele não podia saber de maneira alguma que eu

ainda tinha contato com ele, pois pensaria que nós dois éramos uma espécie

de dupla de charlatães e que tramávamos algo.

Na primeira vez em que ele me flagrou ao telefone, eu consegui

disfarçar melhor, afinal, ele não sabia que eu possuía aquele aparelho, mas,

depois de descobrir que eu escondia o objeto, ficou muito irritado comigo, e


aquilo não era nada bom, pois pensei que iríamos nos entender melhor

depois daquela noite, mas era apenas outra ilusão.

A realidade era que eu me preocupava com meu tio, apesar de tudo.

Ele estava envelhecendo, e eu sabia que precisava ajudá-lo de alguma


maneira, pelo menos por causa da memória do meu pai. O dinheiro que ele

ganhou de Stuart, embora eu não soubesse a quantia em detalhes, devia ter

sido suficiente apenas para pagar a enorme dívida dele, pelo menos era o
que ele dava a entender.

De qualquer maneira, respirei fundo e mantive a calma, não podia

piorar as coisas ficando nervosa demais, precisava focar nas minhas

obrigações, e foi o que eu fiz. Depois de um banho rápido, me arrumei para


ver como Paolo estava, para amamentá-lo e, então, depois fui encontrar as

meninas na sala.

O meu pequeno estava a cada dia mais lindo. Seus olhos eram duas

pedras preciosas faiscantes, ele sempre ria quando eu o encontrava e, às


vezes, eu sentia falta de quando éramos apenas nós dois.

Quando Paolo nasceu, eu mudei completamente. Antes, eu era uma


menina apaixonada pela vida, cheia de sonhos, sempre imaginando que iria

viajar pelo mundo e conhecer o globo. Naquele momento, eu havia me

tornado uma mulher, e tudo que eu sonhava, ou planejava, incluía aquele ser

ainda tão minúsculo, mas gigante dentro do meu coração.


Então, quando meu olhar passeava sobre a imagem do meu filho,
tudo mudava e qualquer mau-humor ia embora. Eu não me importava com a

ideia de que jamais seria amada verdadeiramente por Stuart, ou até mesmo

que ele me considerava quase uma criminosa, sempre esperando o pior de

mim. Era como se eu pudesse voltar no tempo e sentir o mesmo de quando

meu pai estava vivo e tudo era mais colorido.

Com meu menino no colo, sugando leite com avidez, eu me

recordava de todas as belezas que fui apresentada quando era pequena. Nós

tínhamos tão pouco, mas éramos tão felizes, e eu lembrava muito bem.

— Giovana, você precisa segurar o anzol com firmeza se quer

realmente pegar algo! — meu pai dizia em um tom didático, mas eu era

muito pequena para segurar com a força necessária. — É assim que se faz

— dizia e se aproximava, segurando meus braços na posição correta.

Às vezes, eu ficava entediada de esperar que algo mordesse a isca e

acabava me distraindo, o que piorava ainda mais minha habilidade, fazendo

com que os peixes sempre escapassem.

— Paciência é a chave de uma boa pescaria, Nana. Você nunca vai

ser boa o suficiente se não tiver essa qualidade — o senhor Paolo Grossi
explicava com tranquilidade e me olhava nos olhos de forma afável. Ele era

sempre gentil, até quando me dava uma bronca.


— Mas isso é muito chato! — eu reclamava um pouco, e ele ria.

— Paciência! — repetia de forma incansável. — Mas... caso seja tão

chato assim, você não precisa vir mais. — Ele dava de ombros de um jeito

engraçado. O vento forte sacolejava o pequeno barco.

— Não! Eu quero vir, sim, é claro que eu quero. — E foi naquele


instante que senti algo, mais uma vez. — Papai! Tem alguma coisa aqui! —

eu gritava eufórica, e ele vinha me ajudar de novo, empolgado como uma


criança.

— Vamos puxar!

E assim eu consegui pescar o meu primeiro peixe. Antes disso, só

havia conseguido alarmes falsos.

Papai preparou aquele peixe no jantar, junto de todos os outros que


ele conseguiu capturar, mas, na minha mente infantil, eu era parte
importante de tudo aquilo e havia conseguido ajudar a trazer algo para casa.

Foi uma sensação incrível de ser importante e fazer algo maior do que eu
mesma.

Olhando para Paolo, eu planejava ensinar tudo sobre o avô para ele,

planejava levá-lo até a Itália, mostrar as coisas boas que existiam naquele
lugar. Eu gostaria que ele tivesse uma infância tão feliz quanto a minha.
Com um suspiro, quando ele já estava alimentado e praticamente

dormindo, me levantei com meu filho no colo. Eu sabia que, se tudo desse
certo, ele teria uma vida boa, o que era suficiente para mim, por mais que a

minha não fosse nada tranquila para garantir isso.

As pequenas estavam muito entusiasmadas, elas se empolgavam

quando havia a oportunidade de irmos a qualquer lugar que fossem juntas, e


isso me deixava muito feliz.

— Caramba, Gio! Pensei que você não ia descer nunca. — Era Amy?

Ou seria Lilly? Com os uniformes idênticos, ficava mais complicado


identificar cada uma.

— Perdão, meu anjo, precisava cuidar do seu irmãozinho primeiro —


falei enquanto embalava Paolo no colo.

— Eu posso segurar ele? — Uma das meninas se aproximou, e eu


pude saber de quem se tratava pelo broche que ela usava escrito “Annie”.

— Claro, meu amor! Mas cuidado, como nós combinamos. — Ela se


sentou, e eu o entreguei em seus braços, como havíamos treinado várias

vezes.

— Agora só falta o papai, pela primeira vez ele tá mais atrasado que
todo mundo! — Lilly falou impaciente.
— Alguém disse que eu estou atrasado? — Finalmente ele apareceu
com suas roupas esportivas de final de semana. O perfume dele era forte,
marcante, refrescante sem ser exagerado, e trazia memórias.

Era estranho ver Stuart daquele jeito — uma sensação rastejava sobre
a superfície da minha pele e todas aquelas sensações me provocavam um

choque. A noite passada havia sido interessante, e eu chegava a ruborizar


quando lembrava o quanto eu enlouquecia perto daquele homem.

— Vamos, nós temos muito o que fazer hoje, princesas. — Ele sorriu,

bem-humorado.

Com a nossa pequena discussão pela manhã, eu achei até mesmo que

a postura dele seria diferente comigo, mas não, ele parecia reluzente, bem-
humorado.

— Vamos? — Ele olhou diretamente para mim, e eu concordei,


apenas acenando com a cabeça.

— Claro — disse depois e sorri discretamente, me colocando de pé.

Olívia já estava chegando, pois ela nos acompanharia naquele dia.

— Bom dia a todos. — Ela sorriu e as duas meninas correram para


um abraço de urso, enquanto Annie ainda segurava o irmão. — Agora é

minha vez — a moça disse enquanto tomava Paolo nos braços e o


transportava para o carrinho. Eu corri para ajudar, mas ela já havia feito
praticamente o trabalho inteiro.

Era estranho quando eu me dava conta de que Paolo não era mais
apenas meu. Eu queria protegê-lo de tudo e todos, mas outras pessoas já o
amavam e queriam estar por perto. Eu não pensava muito sobre isso, mas,

quando parava para refletir, me sentia levemente ansiosa e precisava de um


minuto para me acalmar, lembrar que era meu filho e que, assim como meu
pai fez comigo, eu precisava criá-lo para ser independente.

Durante o caminho, as meninas explicavam como funcionava o grupo

de escotismo, e eu escutava atentamente, afinal, era algo curioso para mim,


pois onde cresci não existia esse tipo de coisa.

— Nós ainda somos lobinhas, porque ainda não fizemos onze anos

— Annie dizia de maneira didática.

— Hoje nós vamos ter aula de primeiros socorros! — Amy parecia


muito animada.

— Eu quero aprender, porque, se alguém passar mal em casa, eu vou

poder ajudar — Lilly dizia com seu jeitinho fofo de sempre, ela era sempre

adorável.

— Eu até acho legal, mas, se tiver que fazer respiração boca a boca,

sem chance! — em tom de reclamação, Amy disse.


— Eca! — as outras duas disseram ao mesmo tempo, e os adultos

riram, é claro.

— Mas isso é muito importante, sabia? — Olívia disse. — Pra ser

babá, eu também estudei tudo isso.

— Então ser babá é tipo ser lobinho? — Lilly questionou, curiosa.

— Quase isso — Olívia respondeu de bom-humor.

O dia se passou como uma bruma de verão: rápido e agradável.

Depois das atividades das meninas, nós fomos até a sorveteria favorita

delas, e Stuart passou o tempo inteiro brincando com as filhas, enquanto


Olívia e eu conversávamos e observávamos. Eu tinha muita curiosidade

sobre aquela família, e Olívia já estava com eles havia muito tempo, apesar

de jovem.

— Stuart sempre foi um bom pai? — perguntei, impressionada com o


fato de que, apesar de ser muito sério e responsável, ele tinha muito jeito

com crianças.

— Sim, sempre. Ele tem adoração por essas meninas e agora por essa
coisinha linda — disse, apontando para o neném, que dormia tranquilo. —

É claro que, no começo, não foi fácil, mas, ainda assim, ele se esforçava ao

máximo.
— Imagino! Se cuidar de um bebê já é difícil, me questiono como

seria com três — falei, sem poder sequer cogitar essa ideia.

— Amber, a mãe delas, a pobrezinha! — Olívia dizia com um brilho

no olhar. — Ela chorava de dor porque precisava amamentar três crianças,


mas nem pensava em deixar de fazer isso, ela era muito forte.

Eu ainda não havia ouvido falar sobre Amber Silvestri, a esposa

falecida de Stuart, só algumas citações. Também havia uma foto dela em


um porta-retratos pequeno na sala de estar, como se todos tentassem evitar o

assunto na maioria das vezes.

— Como ela era? — perguntei, cheia de curiosidade.

— Uma mulher linda e forte, uma mãe dedicada. — Olívia sorriu


com encantamento, e eu vi em seus olhos a admiração. Todos eram tão

apaixonados por aquela mulher que era difícil lembrar-se dela sem se

entristecer. — Mas você não tem que se comparar com ela. — A moça se
virou para mim de um jeito compreensivo. — Vocês duas são muito

diferentes, mas são mães fortes e protetoras.

Eu correspondi aquele elogio com um sorriso. Eu realmente não

queria me comparar com aquela mulher tão distinta, na verdade, isso me


deixava um tanto insegura, não por ciúme, mas, sim, por temer não cuidar

tão bem da família quanto ela.


Respirei fundo, pensando que faria o meu melhor sempre, afinal, era

a única possibilidade.

Apesar do clima leve quando estava ao lado das meninas, Stuart

parecia ainda um tanto irritado comigo, apesar de não demonstrar. Eu estava

começando a conhecê-lo melhor do que ele gostaria e entendia a máscara de

polidez que ele utilizava para esconder a raiva.

Os detalhes denunciavam seu humor, por exemplo, quando ele

perguntava algo, sempre se dirigia para Olívia e se recusava a olhar nos

meus olhos. Ele pegava Paolo nos braços e o levava para passear longe de
mim, evitando ficar sozinho ao meu lado de qualquer forma.

Eu decidi dar espaço para ele, permiti que as coisas voltassem ao

“normal” por conta própria, então não forçava nenhuma aproximação,


apesar de achar triste que nós só nos déssemos bem quando a noite chegava

e o desejo tomava conta.

•••

Minha agenda não estava nem um pouco movimentada, apesar das

revistas que entraram em contato com Giulia em busca de uma reportagem


comigo.

— Eles querem saber como é a vida de uma família bilionária —

explicava, e eu me sentia esquisita. Por que alguém iria querer saber algo
sobre a minha vida? Aliás, eu não era bilionária, nem nunca seria, nada

daquilo me pertencia.

— Isso tudo é bobagem. Eu não tenho interesse em expor meu filho e

as trigêmeas, tampouco o Stuart.

— Seria uma ótima oportunidade de se projetar, você não vê? —

Giulia dizia com empolgação. — Eu posso escolher os looks mais incríveis

de todos os tempos, eles vão te adorar! — Ela parecia deslumbrada, e eu só


podia rir. — Vão te transformar em um ícone fashion e, quando

perguntarem quem está por trás disso, tudo você vai dizer: minha assistente

pessoal, Giulia Moretti.

— Não, você não precisa de mim pra isso, eu tenho certeza —


comentei com um bocejo, não estava dormindo muito bem nas últimas

noites.

— É óbvio que eu não preciso, mas, mesmo assim, seria um bom

salto inicial.

— Giulia, você é muito engraçada. — Eu sorri enquanto chacoalhava

um dos brinquedinhos de Paolo e ele sorria sem dentes.

— Eu não sou palhaça — disse em tom afetado, sabendo que não me


convenceria a nada daquilo.
Eu já estava assustada demais por saber que fotos minhas haviam ido

parar em algumas colunas sociais e sites de fofoca na internet por causa do


coquetel que havia acompanhado Stuart.

“O coração do bilionário viúvo tem nova dona”. As palavras

ecoavam na minha cabeça e, vez ou outra, eu voltava lá apenas para reler e

ter noção de que aquilo era a realidade.

— Uma hora ou outra você vai ter que se acostumar, Giovana. — O

tom dela agora era mandão, e era essa parte dela que eu detestava.

— Giulia, você deve ter muitos compromissos hoje, e eu não tenho


nenhum, acho que não posso mais ficar te prendendo aqui — disse e sorri.

Ela fez uma careta, entendendo perfeitamente o que estava

acontecendo. Giulia era esperta, pegava tudo no ar, era ácida, inteligente e,

apesar de me irritar várias vezes, já era parte da minha vida.

— Certo, Giovana, mas depois não diga que eu não avisei. Eu só

espero que você não acabe como uma esposinha medíocre e totalmente

dependente do marido, só mais uma “senhora Silvestri”.

— Giulia, acho que agora você tá indo longe demais — falei em tom

irritado, por que todos achavam que precisavam decidir por mim ou tomar

conta da minha vida?


— Não tá mais aqui quem falou. — Ela ergueu as mãos em rendição.
— Mas você precisa mesmo pensar sobre isso tudo, Gio. Eu gosto de você,

você é forte e independente, precisa lembrar quem você é, precisa fazer

coisas por si mesma.

— Aparecer em uma revista mostrando a “vida bilionária” que meu

marido me proporciona não vai me ajudar muito também — pontuei, e ela

pareceu desistir do argumento.

Eu poderia pedir para que Stuart mandasse Giulia embora, mas ter

alguém que era tão honesto comigo, a ponto de às vezes ser cruel, era algo

que me puxava de volta da minha bolha e eu ficava feliz em saber que

existia alguém ali que não iria só me bajular o tempo inteiro, como a
maioria das pessoas.

Respirei fundo, ficando realmente reflexiva com relação àquilo tudo


e ao rumo que minha vida estava tomando. Paolo sorria e colocava a

própria mãozinha na boca enquanto seus pezinhos sacolejavam. Eu


esperava que olhar para o meu filho me fornecesse algum superpoder,
alguma sabedoria superior, mas eu continuava apenas uma mulher comum,

procurando o próprio caminho.

Decidi que precisava mudar algumas coisas. Eu estava, na maior

parte do tempo, reclusa, tentando não me envolver tanto na vida das


meninas, por mais que elas me adorassem. Eu não queria que Stuart ficasse
com mais raiva ainda, vendo que eu estava me “aproximando demais”, por
isso evitava estar com elas quando ele estava no trabalho, pelo menos até
aquele momento.

Aquelas meninas não tinham mais a mãe, e eu jamais a substituiria,


mas, ainda assim, sabia que poderia ajudar a compensar aquela falta, por
isso disse que as acompanharia até a aula de equitação, afinal, o que poderia

haver de errado nisso? Eu só queria retribuir todo o carinho que elas tinham
por mim.

As fofinhas estavam usando o uniforme completo de hipismo e


ficavam ainda mais adoráveis com as luvinhas e botas. Nem preciso dizer

que elas ficaram totalmente empolgadas, estavam na fase que tudo era festa
e adoravam a companhia dos adultos. Exceto Amy, que parecia um pouco
triste ao saber que eu as acompanharia. Ao chegar lá, descobri o motivo: ela

estava fugindo das aulas desde que havia se recuperado da queda. Certo dia,
no café da manhã, nós havíamos falado sobre o assunto, mas ela ainda não
tinha conseguido superar aquela situação.

As outras meninas correram diretamente para o enorme centro de


treinamento, o lugar impressionante e infindável, enquanto Amy se sentava
em um banco. Claire ficou cuidando de Paolo por um tempo, enquanto eu

resolvi conversar um pouco com ela.


— Ainda não fez as pazes com Júpiter? — perguntei de maneira
cuidadosa. Ela estava zangada, sacudiu a cabeça em negação. — Não acha
que ele sente saudade de você?

— Ele é um cavalo, é selvagem. — Amy respondeu simplesmente, e


eu sorri com a constatação dela.

— Meu tio, às vezes, me chamava de selvagem — falei, me


recordando de mais um “apelido carinhoso” que meu tio usava comigo. —

Dizia que eu não tinha modos, que devia carregar carga que nem um
jumento. — Eu ri levemente, mas Amy me olhou impressionada, e eu me
arrependi de ter contado aquilo para ela, ela era só uma criança. — Mas era

só brincadeira dele. — Tentei amenizar a situação, ainda me sentindo


culpada. — De qualquer maneira, isso é importante, porque me fez perceber

que os seres selvagens também têm coração, também amam. Você nunca
machucou alguém que amava sem querer? — perguntei, e ela se pôs a
pensar.

— Uma vez eu empurrei a Lilly da cama, e ela se machucou, mas


uma vez ela também me empurrou enquanto nós brincávamos no jardim...

— Pois é, Amy, às vezes, mesmo que a gente não queira, acidentes

acontecem. Cair faz parte da vida.


Suspirei ao pensar no quanto isso realmente fazia parte da vida, em
todos os sentidos, não só o literal.

— Eu não quero te pressionar, nem nada do tipo, mas... se você


quiser tentar de novo, seria legal. Eu não posso prometer que você nunca

mais vá cair, mas posso prometer estar aqui pra te ajudar a levantar —
completei com um sorriso sincero. Os olhos da menina estavam reflexivos,
a expressão dela era taciturna. — Promete que vai pensar? — insisti, e ela

moveu a cabeça em concordância. — Muito bem, agora vamos assistir à


aula das suas irmãs e brincar com o Paolo — disse enquanto estendia uma
mão para ela, que a tomou rapidamente.

Nós passamos um bom tempo conversando, olhando para o


pequenino, que fazia festinha para nós o tempo inteiro, se alimentava e

dormia de novo — uma bela vida. Até certo momento em que Amy se
levantou do banquinho e começou a olhar fixamente para as irmãs.

— Tá vendo só? A Lilly sempre erra nessa parte — disse enquanto


apontava a irmã que, em vão, tentava guiar o cavalo através de um
obstáculo.

— Uma hora ela vai acertar — disse com confiança.

— Acho que eu preciso ir até lá, quem sabe eu não ajudo essa cabeça
de vento — pronunciou, me fazendo sorrir imediatamente, afinal, isso
queria dizer que... — Eu vou tentar montar o Júpiter de novo hoje —

pontuou, e meu coração saltitou de alegria.

Ao menos eu sabia que havia valido a pena ter desobedecido Stuart e


ido até aquele lugar, talvez as coisas começassem a dar certo.
 

Quando conheci Amber, ela era apenas uma professora do

fundamental. A maioria das pessoas que a conheceram depois não


acreditaria nisso por seu porte elegante, afinal, o mundo é preconceituoso

demais e julga a todos por suas profissões, aparências ou pelo lugar onde

vivem.

Nós nos conhecemos em um momento complicado da minha vida,

meu pai ainda estava vivo e meus irmãos ainda eram adolescentes, exceto

Dom, o mais velho. Eu vivia em um conflito mental gigante enquanto


tentava proteger a todos e, ao mesmo tempo, me desconectar do que não

poderia resolver.

Meu pai não era uma pessoa agradável e adepto dos castigos físicos,

embora Dom e eu tenhamos fugido um pouco dessa fase. O que mais sofria
com tudo isso era Greg, gêmeo de Josh. Saber que Gregory estava sofrendo

o tempo inteiro e deixando de ter uma vida normal me magoava muito.

Eu queria poder levar todos os meus irmãos embora daquela casa, ou,

ao menos, fazer com que meu pai desaparecesse. Quando eu não conseguia
proteger meus irmãos, simplesmente fugia para tentar fazer coisas normais.

Quando não estava trabalhando em nossa empresa, passeava por baladas,

cafés, lojas, bares, sempre tentando tirar a vida em casa da minha mente.

As brigas pioravam cada vez mais, e eu sabia que precisaria tomar

alguma atitude se quisesse evitar mais tragédias em minha casa. A vida já

era complicada demais. Eu não deixava que os meninos percebessem, mas

sofria muito ao ver tudo que acontecia.

Em um desses momentos em que eu tentava fugir da realidade,

acabei esbarrando literalmente em uma moça lindíssima que me olhou


aborrecida. O rosto dela estava franzido enquanto ela me lançou um olhar

de “você não olha por onde anda”.


— Perdão — disse enquanto olhava espantado. — Eu não estava
prestando muita atenção.

— Tudo bem — falou mais uma vez e seguiu caminho.

Eu não a vi mais por um bom tempo, enquanto a vida seguia de um

jeito que eu nem poderia explicar, eu só tentava sobreviver a cada dia.

Eu já tinha uma namorada na época, mas o olhar penetrante daquela

moça não saía da minha cabeça, como se tivesse ficado marcado, e eu me

pegava sonhando com ele em momentos diferentes.

Até o momento em que nós nos encontramos de novo. Muito tempo

já havia passado e eu estava tentando ter uma vida independente, por mais

que me sentisse mal por saber que meus irmãos mais novos continuavam

sob as garras do meu pai.

Eu tentava ser autossuficiente e viver uma vida normal, por isso

aluguei um apartamento comum, sem excesso de luxo, e andava pelo centro


de Nova Iorque, onde morava na época, pegando táxis e bebendo café

enquanto caminhava na rua. Eu queria ser um jovem comum e, nessa época,

já estava solteiro mais uma vez — pelo menos até encontrar aquele olhar de

novo.

Nós nos esbarramos mais uma vez, disputando um táxi. Sorrimos

enquanto reconhecíamos um ao outro lentamente. Foi uma cena engraçada


que nos levou a dividir o táxi e a trocar telefones.

O restante é história. Nós queríamos nos ver o tempo inteiro e, por

um momento, eu me esqueci do meu pai, do trabalho, de tudo: estava

perdidamente apaixonado. Ela tinha medo de que tudo estivesse


acontecendo rápido demais, mas eu tinha certeza de que estar ao lado dela

era o que eu queria.

Meus irmãos diziam que eu era muito apressado, um romântico


incurável, mas aquele era um amor que eu queria e precisava viver. Estar ao

lado de Amber era como andar em nuvens, diferente de qualquer coisa que
eu já tivesse vivido antes.

É óbvio que meu pai não concordava com aquilo, pois ela era apenas
uma pessoa comum, uma professora que havia lutado muito para conseguir

estudar, que tinha uma família simples, sem posses, e havia sido criada pela
mãe e pela avó. A avó faleceu pouco tempo depois de nós nos
conhecermos, algo que a atingiu de maneira muito forte.

Meus irmãos e eu nunca tivemos muito contato com nossos avós,


mas eu imaginava o quanto seria triste quando tia Gerta não estivesse mais

ao nosso lado e nem gostava de pensar nessa ideia.

Quando meu pai estava em casa, era como se tudo fosse frio e triste,

por isso, quando conheci a afeição de Amber, decidi que não me afastaria
mais dela.

— Você acha mesmo que nós devíamos nos casar assim tão rápido?
— dizia enquanto conversávamos deitados na sala de estar do meu

apartamento.

— Eu quero que você tenha tudo que sempre quis — dizia a ela com

honestidade.

— Eu tenho tudo que preciso. — O seu sorriso era doce. — Tenho

até você — completou e, em seguida, me deu um beijo.

O anel de diamante brilhava no dedo anelar de Amber e eu sempre a

flagrava olhando para ele.

— Parece que é um monstro de sete cabeças ou um carrapato

grudado em você — dizia enquanto observava a expressão dela.

— Não é isso. Só é esquisito. Fora da realidade. — Ela era jovem e


tinha seus pés no chão, nunca se deslumbrando demais com nada.

— A realidade é chata, eu quero viver o nosso sonho.

E era verdade. Esse era meu eu cheio de ilusões, diferente do adulto

que me tornei, sempre preocupado com as obrigações, com medo de que


algo terrível aconteça.

O casamento aconteceu e foi um dos dias mais felizes de nossas


vidas. Nós vivíamos em constante lua de mel, nos amando e procurando
soluções para os pequenos problemas.

Nós não planejávamos ter filhos, não tão cedo, mas, em certo

momento, Amber começou a se sentir estranha, e eu tive medo de que


houvesse algo errado, então corremos para o hospital para um check-up
completo que veio com a notícia de que nós seríamos pais.

Aquilo me pegou como um baque. Eu não estava pronto.

Tudo que meu pai havia feito conosco durante a infância e juventude

voltou como um soco, e eu entrei em crise.

Aquele parecia um obstáculo intransponível. Minha esposa estava

grávida, e eu seria pai, aquilo era inegociável, e eu não soube como


administrar. Era como se eu fosse fracassar sem nem ter tentado ainda.

Eu nunca demonstrei esse excesso de preocupação para Amber,


apenas disse o quanto estava feliz, o que não deixava de ser verdade, apesar
dos sentimentos contraditórios.

A surpresa veio depois, quando o médico revelou que nós seríamos


pais de gêmeos, coisa que deixou a família em êxtase, afinal, era algo

genético, os Silvestri tinham gêmeos, como Josh e Greg. Saber disso,


estranhamente, fez com que eu me sentisse mais tranquilo, porque me
lembrei de que fazia parte de algo maior, que era minha família e que, no

final das contas, as coisas sempre acabam se acertando.


Amber engordou bastante durante um curto período e ficava a cada
dia mais cansada, mas, segundo as informações dos médicos e nossas
pesquisas, era normal em uma gravidez de gêmeos, que é sempre mais

difícil.

Quando descobrimos nossa terceira filha, foi um choque enorme,

aquilo era praticamente impossível, mas estava acontecendo conosco.


Minha esposa ficou muito assustada, e eu também, é claro, mas eu estava
mais encantado do que qualquer coisa.

— Então quer dizer que nós vamos ter três meninas?! — perguntou

enquanto as lágrimas se acumulavam em seus olhos, aqueles olhos que eu


tanto amava.

Nós nos abraçamos e nossas emoções se misturavam, sentíamos

felicidade e medo.

No meio da gestação, Amber já não suportava mais a gravidez, ela


andava muito pouco e precisava de acompanhamento o tempo inteiro. Eu

estava sempre preocupado com ela, ansioso para que as meninas nascessem

logo para que ela pudesse recuperar sua saúde e nós pudéssemos ter nossa

família completa, mas quanto mais eu me sentia aflito, mais o tempo se


arrastava.
Amber era forte e aguentou o máximo que pôde, mas, em uma

gravidez de trigêmeos, a gestação nunca vai muito longe, por isso elas
nasceram com quase oito meses. Felizmente tudo correu muito bem e

nossas pequenas, depois de duas semanas no hospital, vieram para a nossa

nova casa.

Como teríamos uma família bem grande, trocamos nosso pequeno

apartamento na cidade grande por uma casa enorme em um lugar mais

tranquilo. Tudo estava preparado para receber nossas meninas e com muita

festa, como sempre, os Silvestri conheceram suas novas herdeiras.

Nos primeiros meses, tudo foi muito difícil, e Amber se esforçou

muito para amamentar as três pelo menos até os seis meses, mas, em certo

momento, aquilo se tornou desgastante demais e nós procuramos por outras


soluções. Ela tinha muita facilidade em distinguir as meninas, coisa que era

mais complicada para nós, reles mortais. Quando uma delas chorava, ela já

identificava quem era apenas pelo som.

O nascimento das pequenas fez com que eu admirasse ainda mais a


mulher com quem havia me casado, pois ela havia se mostrado uma

guerreira, uma mulher forte e incrível.

Assim que as meninas fizeram um ano, Amber decidiu voltar a


trabalhar aos poucos, naquele momento, eu a havia apoiado a criar um

projeto educativo, onde os profissionais pesquisavam possibilidades


diferentes e métodos não tradicionais. Aquilo a deixava muito satisfeita, e

nossas filhas eram a inspiração e motivação para ela, mas nosso pequeno

conto de fadas, nosso final feliz, não durou muito tempo.

Os sintomas vieram aos poucos e Amber parecia sempre estar


incomodada com alguma coisa, sempre sentindo dores ou enjoada. Nós

chegamos a pensar que poderia ser uma nova gravidez. Mesmo nos

protegendo, ainda poderia haver a chance e foi isso que nos levou ao
médico mais uma vez. Mas o resultado foi negativo, e nós respiramos

aliviados, afinal, seria uma loucura cuidar de outro bebê quando já tínhamos

três crianças pequenas.

Minha mulher, sempre tão vivaz, começou a perder peso e a não ter

disposição para absolutamente nada, embora estivesse sempre cuidando das

nossas filhas. Nós não quisemos acreditar que poderia ser algo grave, ela

sempre foi perfeitamente saudável e ativa, mas nada daquilo era normal,
então, mais uma vez, fomos ao médico.

No final do dia, depois de uma bateria de exames, nós receberíamos a

notícia de que havia algo estranho e que precisaríamos aguardar a biópsia.

No dia seguinte, nós ouviríamos as palavras que mudariam nossas vidas.

Neoplasia de esôfago. Metástase.


Eram palavras que não ouvíamos com muita frequência em nosso dia

a dia, mas que eu conhecia muito bem, afinal, minha mãe também havia
tido a mesma doença, não no mesmo lugar, nem da mesma forma.

Mais uma vez eu estava desestabilizado, confuso, solitário... Eu

abracei Amber para lhe dar forças, e ela chorou apenas um pouco, mas

chorou.

— Doutor, então quer dizer que eu vou morrer, não é verdade? —

perguntou de forma direta, se recompondo.

— Não necessariamente, quer dizer que precisamos começar o


tratamento o quanto antes pra que haja uma chance maior de regressão.

Nós sabíamos que as chances eram mínimas, que a palavra

“metástase” mudava tudo, mas, ainda assim, com toda a coragem do

mundo, ela aceitou todos os tratamentos, por mais que eles a deixassem
completamente debilitada. Amber queria viver mais pelas filhas, eu via na

forma com que ela olhava para as meninas, ela só queria ver as filhas

crescerem e creio que foi isso que a motivou a lutar tanto, mas o corpo dela
não suportou muito mais que dois anos.

Em casa, nós havíamos criado um verdadeiro centro médico para

cuidar dela, e eu o fazia com todo o prazer, treinava a aplicação de injeções,

a mistura da alimentação. Eu poderia contratar uma equipe que ficasse de


olho nela vinte e quatro horas por dia, mas eu sabia que ela se sentia muito

melhor quando eu estava lá, por isso as enfermeiras me ajudavam, mas eu

era seu principal cuidador. Aqueles seis meses pareceram décadas.

Minha família me apoiou como pôde, mas não era uma batalha que
alguém pudesse enfrentar por mim. Era difícil manter a postura otimista

para não atingir minhas filhas com a tristeza que me destruía por dentro,

mas eu fazia de qualquer forma, afinal, elas eram minhas prioridades.

Até o dia em que Amber começou a passar mal. Ela estava muito

fraca quando eu percebi que talvez fosse a última vez que nos

encontraríamos. Nós precisamos levá-la de imediato para o hospital, mas

ela teve uma parada cardiorrespiratória e não voltou mais.

Aquele foi, com toda certeza, um dos piores dias da minha vida,

competindo com o dia que soube da doença e morte de minha mãe. Eu não

sabia o que pensar, não sabia como agir, já não possuía lágrimas e estava
em choque. Todos diziam que ela havia descansado da dor, mas eu a queria

ali comigo e com nossas filhas. Eu queria que ela estivesse com elas no

primeiro dia de aula, que ela as visse se formando, conhecesse o primeiro

namorado delas... Mas nada daquilo iria acontecer, estava acabado.

Minhas filhas estavam perdendo a mãe — mais cedo do que eu, tão

cedo quanto meus irmãos. Aquilo me devastou completamente, era como se

nós estivéssemos amaldiçoados, como se a vida tivesse resolvido pregar


uma peça de péssimo gosto em nós. Nós éramos ricos, tínhamos todos os

bens materiais que alguém poderia imaginar, mas, ainda assim, perdíamos
as coisas que realmente importavam.

Aquilo doeu mais do que eu poderia esperar, mais do que eu poderia

aguentar. A depressão tomou conta de mim por um tempo, mas, em

momento algum, eu deixei de cuidar das minhas filhas, que, apesar de


pequenas, sentiram muito a perda da mãe, embora só fossem ter a plena

noção disso quando fossem maiores.

Quase inconscientemente eu escondi as fotos de Amber, deixando


apenas uma na sala para amenizar minha culpa, mas a realidade é que eu

não suportava olhar para aqueles olhos e saber que eles nunca mais iriam

brilhar para mim, eu não tinha forças suficientes para pensar naquilo sem
desabar, então tentava fugir sempre que podia.

O tempo passou e, com ele, a dor foi ficando cada dia mais tímida. É

claro que a perda não foi superada, mas nós encontramos caminhos para

seguir em frente, para sobreviver. Ter minhas filhas comigo sempre foi o
maior apoio que eu poderia desejar, o abraço delas todos os dias era o

remédio para aquele sofrimento tão terrível.

Depois de saber da existência de Paolo e principalmente após segurá-

lo em meus braços, mais uma vez eu senti o alívio assim como quando
abracei minhas filhas após o falecimento da minha esposa. Era como se,
pelo menos ali, as coisas continuassem corretas, como se a vida ainda
tivesse um propósito.

A mulher que havia trazido essa nova parte do meu propósito estava

ali comigo, se tornando parte da minha vida e representando a primeira


pessoa que me chamava atenção desde o falecimento de Amber. Ela era

agora importante para minhas filhas e para a minha família também — era

isso que me incomodava.

Saber que depois de todo o nosso sofrimento havia alguém se

aproximando de nós tanto assim era assustador, algo novo demais, muito

diferente. Com todo aquele tempo, havíamos aprendido a sermos apenas

nós em nosso pequeno mundo, mas as coisas não poderiam mais ser iguais
e era sobre isso que eu refletia todos os dias desde que toda aquela confusão

havia começado.

Mais do que nunca, quando fui até o centro de treinamento para

buscar as meninas, eu me senti transtornado. Havia meses que Amy não


subia em um cavalo e lá estava ela, treinando as mesmas acrobacias de
quando havia parado. Aquilo fez com que meus olhos se enchessem de

lágrimas — era uma emoção inexplicável.

Ao mesmo tempo, eu percebi a presença de Giovana ali, ela sorria e

torcia, enquanto Paolo estava em seu colo. O sorriso dela era tão bonito, ela
parecia tão feliz, de um jeito tão natural e ingênuo que eu mal podia
compreender, pois era algo que eu já não sentia há anos. Minha mente
insistia em perdoar Giovana, por mais que eu soubesse que ela não era
inocente. Não havia muito que eu pudesse fazer, então apenas me

aproximei.

— Papai! — Amy gritou de longe, sobre o cavalo, e eu acenei, nesse


momento, ela finalmente conseguiu fazer aquele salto, o mesmo que ela

estava treinando quando caiu.

Havia sido perfeito, tão perfeito que eu aplaudi enquanto sorria.

— Olá, Giovana — falei baixo, e ela sorriu timidamente para mim.


— Eu pensei que nós tínhamos um acordo — comentei no mesmo tom, e

ela olhou para baixo, estava pensativa, mas logo se voltou para mim com
uma resposta.

— O dia estava tão bonito, eu quis trazer o Paolo para dar uma volta.

— Ela foi simples e direta.

Eu não reclamei. O que eu iria dizer diante de uma cena como


aquela? As coisas pareciam tão bem. O medo continuava presente, eu sentia

que ele sempre faria parte de mim, afinal, era um mecanismo de defesa para
quem já havia sofrido muitos impactos, de qualquer forma, eu precisaria

aprender a lidar com isso e talvez dar uma trégua naquela guerra particular.
Pelo menos por enquanto.
 

As meninas pareciam diferentes depois do dia em que eu as

acompanhei até a aula de equitação. Elas pareciam contentes, mas, ao


mesmo tempo, hesitantes, e eu sabia que algo estava acontecendo.

No dia seguinte, durante um momento da tarde, enquanto descia com

Paolo para um passeio pelo jardim, as vi conversando baixinho, sentadas à


mesa no quintal. Elas pareciam segurar um tipo de livro. Eu me aproximei

lentamente para não assustar.

— Gio! — Amy falou com um sorrisinho amarelo e fechou o

misterioso livro.
— Olá, meninas! — Eu sorri com paciência, e elas estavam indecisas

sobre me chamar para ficar mais perto ou não, o que era muito estranho,
afinal, elas sempre pediam pela minha companhia.

— Você não quer se sentar com a gente? — Lilly disse com um


sorrisinho, e Annie lhe deu uma cotovelada, como alerta. — Ai, o que foi?

— falou sem compreender.

— Está acontecendo alguma coisa, mocinhas? — perguntei com

desconfiança e logo elas revelaram o tal segredo.

— É que... A gente estava vendo as fotos do casamento do papai. —

Quando Amy pronunciou aquelas palavras, eu tive uma sensação estranha,


mais uma vez, mesmo que de longe, me senti como uma intrusa.

— Isso não é nenhum problema e eu vou deixar vocês em paz para


continuarem o que estão fazendo — falei da maneira mais compreensível

possível e segui o caminho com Paolo dormindo preguiçosamente em meu

colo, ele ficava cada dia mais pesado.

— Hey, Nana! — Annie me chamou, e eu olhei para trás como em

um reflexo.

— Sim, meu anjo.

— Você pode ficar aqui com a gente? — pediu, e eu sorri com


ternura.
— É claro — concordei de imediato.

— Você quer ver? — Lilly questionou com um olhar inocente, e eu

concordei.

Elas me ajudaram, pegando o carrinho de Paolo, onde o coloquei

deitado confortavelmente bem próximo de mim.

O passado daquelas pequenas começava a vir à tona, e elas sentiam

que as coisas estavam mudando, por isso tentavam não perder o que já fazia

parte de suas vidas.

— É claro que quero ver — falei com simpatia, começando a

desfolhar o álbum delicadamente.

Aquelas fotos eram belíssimas e o álbum tinha uma capa de camurça

luxuosa. Era estranho ver tudo aquilo e lembrar como meu casamento com

Stuart havia acontecido — ele nem sequer havia olhado para mim.

As memórias daquele dia me atingiram de forma dolorosa. Eu nunca

desejaria que o dia do meu casamento tivesse sido daquela maneira, embora

entendesse que foi necessário. Imediatamente o rosto impassível de meu tio

Tommaso voltou à minha mente. Ele havia feito com que eu tivesse medo,

havia enchido minha cabeça com histórias terríveis, e eu estava fragilizada


porque havia acabado de passar por uma gestação difícil.
— Você vai se casar com o estrangeiro — falava com um olhar

perverso.

— Como assim? Eu mal conheço aquele homem — disse e, ao

mesmo tempo, refleti sobre o motivo de estar envolvida naquela confusão:


fugir de um casamento forçado.

Eu havia feito todas as escolhas mais insensatas da minha vida

exatamente porque queria minha liberdade, mas, no fim de contas, acabei


presa de novo e com muito medo de que qualquer coisa acontecesse àquele

pequeno ser que dependia de mim para absolutamente tudo.

Sozinha, eu poderia estar trabalhando e batalhando para conquistar

meus desejos, mas eu me sentia impotente sabendo que Paolo poderia sofrer
qualquer coisa.

— Menina, você nunca mais vai ver o seu filho se não aceitar o que
eu estou dizendo — explicava como se fosse óbvio. O quarto não era

pequeno, mas, ainda assim, eu me sentia enclausurada, como se estivesse


em uma prisão, pois a porta ficava sempre trancada.

— Do que o senhor está falando? — disse com desespero.

A ideia de perder meu filho e de nunca mais ver meu pequeno


causava um nó no meu estômago, e eu começava a tremer só de imaginar.
Eu jamais aceitaria viver sem meu filho, eu nunca suportaria essa ideia,

seria como morrer.

— Eu vou entregar seu filho ao estrangeiro e você nunca mais vai ver

essa criança. Você sabe que ele é rico? Bilionário! — Meu tio Tommaso
parecia contente ao pronunciar as palavras. — Não vai aceitar que o filho

dele viva aqui, nessa pocilga, e vai ser muito fácil pra ele tomar a criança de
você, por isso não vou me dar ao trabalho de lutar, vou entregar o menino, e

você vai ter que aceitar, ou prefere que seu precioso filho fique aqui e passe
fome com você?

— Não, titio! O senhor não vai fazer isso! Eu nunca permitiria que

meu filho passe fome! — disse aos gritos enquanto segurava Paolo no colo,
como se pudesse protegê-lo do mundo, como se fosse capaz de salvá-lo
daquele mundo terrível.

Eu imaginava que aquele homem fosse rico, mas não um bilionário,


aquilo me deixou um pouco chocada e preocupada, pois, desde sempre,

meu pai me explicou que o dinheiro movia o mundo e que era muito difícil
viver sem ele, que quem o possui tem todas as vantagens.

A família da minha mãe era de pessoas ricas, e eles nunca aceitaram


o fato de que ela havia se casado com um homem simples, eles a rejeitaram

e a mim também, pois nem sabendo da gravidez dela mudaram de ideia. Por
isso, sempre tive receio das riquezas, pois, às vezes, elas cegam as pessoas e
acabam com o caráter de algumas.

Eu tinha medo de que Stuart, por mais doce que ele aparentasse ser,
utilizasse seus privilégios sociais para levar meu filho, por mais que eu não
quisesse acreditar que ele seria capaz.

— A única forma de garantir que você e o menino tenham uma boa


vida é essa. Você vai se casar com ele e ponto. Aí você leva o sanguessuga
— apontou para o meu pequeno e inocente bebê — e eu não terei mais

despesas.

Naquele momento, meu tio já estava com um humor bem melhor,

pois sabia que seu plano era ótimo e que sua ideia tinha grandes chances de
funcionar — e funcionou.

— Aquele homem jamais vai aceitar se casar comigo — falei com


poucas esperanças, meu rosto inexpressivo enquanto eu olhava para o nada,

aquele era também o efeito dos comprimidos que meu tio me oferecia e eu
acabava aceitando para acalmar minha ansiedade, resultando em um

comportamento letárgico da minha parte.

— Se você colaborar comigo, vai sim. Em algum momento, pode ser

que você precise falar com o homem e, quando isso acontecer, precisa dizer
as palavras certas.
Naquele instante, eu comecei a imaginar que aquele plano do meu tio
seria uma via de escape, afinal, eu estava mais enredada do que nunca. Era
vergonhoso, mas era um mal necessário para salvar meu pequeno.

— O que o senhor quer que eu diga? — falei em uma pose de


desistência.

— Diga que ele só vai ver o filho se concordar com o casamento, que

você precisa de uma garantia de que ele não vai fugir das suas
responsabilidades.

Eu balancei a cabeça em negação. Aquilo não podia estar

acontecendo.

— Giovana, me ouça! — meu tio Tommaso falou em tom firme. —


Eu estou fazendo isso pelo seu bem e do bambino.

— Eu sou apenas um estorvo para o senhor, tio... Como o senhor

sempre fez questão de dizer... — Naquele instante, eu deixei que a amargura


tomasse conta do meu coração, coisa que eu nunca permitia.

Olhando para trás, eu nem conseguia reconhecer aquela mulher tão

enfraquecida, tão doente, eu não era aquela pessoa.

— Às vezes, eu me irrito e digo coisas que não deveria, mas não é


como se eu te odiasse. — Mais uma vez ele estava fingindo por interesse
próprio, era apenas isso, mas, pelo menos naquele momento, eu conseguia

identificar.

Eu sempre fui ingênua com meu tio por causa da sensação que ele me

trazia, a sensação de que uma parte do meu pai ainda estava viva, como se

eu não estivesse sozinha no mundo enquanto ele estivesse ali, mas eu me


obriguei a acordar naquele instante e entender que ele não era e nunca seria

meu pai. Meu pai havia partido, e eu precisava aceitar e seguir em frente.

— Gio! Você tá acordada?! — Amy me puxou do oceano profundo

das minhas memórias, me trazendo para o presente. O rosto daquelas


meninas era a mistura entre o pai e a mãe, mas os olhos eram os mesmos da

antiga senhora Silvestri.

— Sim, meu anjo — falei com prontidão.

— Eu falei que ela ia ficar chateada — Lilly sussurrou para Annie, e


eu não pude deixar de sorrir.

— Eu não estou chateada — pontuei com carinho. — Essas fotos são

lindas e é parte da história de vocês. Vocês sabiam que eu também perdi


minha mãe?

— É mesmo? — Annie falou com interesse.

— Sim, infelizmente ela partiu quando eu nasci.


— Quando a nossa mãe morreu, nós ainda éramos muito pequenas,

mas a Annie disse que se lembra dela — Amy explicou.

— É mesmo? Do que você lembra?

— Ela usava um lenço colorido na cabeça e nós ficávamos vendo

desenho na televisão — contava com naturalidade.

Aquelas três pequenas estavam criando maneiras de lidar com a

perda da mãe que elas mal lembravam, e eu entendia isso completamente.


Nunca ter visto minha mãe, não ter uma memória sequer dela, era muito

confuso para mim e demorou um bom tempo pra que eu começasse a

entender as coisas.

As trigêmeas eram tão jovens e precisaram lidar com a ideia de morte


desde muito cedo, elas se mostravam muito maduras e concisas com relação

ao assunto. Às vezes, as crianças revelam uma inteligência emocional bem

superior à dos adultos, e isso é impressionante.

— Me parece que ela era uma ótima mãe. — Sorri enquanto via
aqueles rostinhos sérios e preocupados. — Vocês não precisam se preocupar

comigo, eu sou amiga de vocês e sempre vou fazer de tudo pra que essas

memórias nunca desapareçam.

Direcionei meus olhos mais uma vez às fotos. O sorriso de Stuart em

cada uma delas era muito verdadeiro. As fotos na igreja, as bênçãos do


padre, as madrinhas e padrinhos, as damas de honra. Uma festa em um

jardim belíssimo. Eles formavam um casal tão bonito — isso me abalou um


pouco.

A pessoa que Stuart amou e foi arrancada dele de maneira trágica

estava ali me encarando naquelas fotografias, e isso me deixava um pouco

insegura, mas, ao mesmo tempo, eu imaginava que o que havia entre nós
era muito forte, pois ele jamais teria aceitado minha presença ali se não

houvesse um propósito.

Refletir sobre aquilo me fazia ter esperanças de que nós dois


conseguiríamos acertar as coisas, que poderíamos ser um casal “normal” em

algum momento, que aquele jogo doloroso iria ser deixado para trás, que o

orgulho podia ser superado e as mentiras perdoadas.

Meu coração começava a amar cada uma daquelas pessoas ao meu

redor e principalmente aquelas crianças, que, como eu, haviam perdido uma

das coisas mais preciosas para alguém que é a própria mãe. Eu sentia um

desejo imenso de proteger aquelas meninas, como se elas fossem minhas,


eu queria curar aquela dor no peito delas, mesmo sabendo que era algo

impossível de se fazer eu tentaria meu melhor.

— Obrigada por compartilharem comigo — eu disse com

honestidade enquanto olhava para aqueles rostinhos infantis tão


indecifráveis e, ao mesmo tempo, observava a razão principal da minha

existência dormindo ao meu lado.

Eu não podia me arrepender daquele casamento, porque foi através

dele que eu conheci pessoas boas e que agora eram importantes para mim,
além de ver Paolo tão tranquilo era o suficiente para que eu tivesse forças

para vencer qualquer obstáculo.

— Tem muito mais fotos, você quer ver a gente pequenininha? —


Lilly disse de uma forma extremamente fofa.

— Vocês ainda são pequenininhas! — brinquei, e elas protestaram de

bom humor. — Mas quero sim! — concordei com animação e fomos para

dentro da casa em busca dos demais álbuns[MG1].

Logo nós estávamos sentadas no tapete da sala, folheando dezenas de

álbuns com fotos de família enquanto elas me contavam suas histórias.

— Essa daqui é de quando nós andamos a cavalo pela primeira vez.

Eu não sabia fazer nenhum salto ainda — Amy explicava com os olhos
brilhantes. Ela tinha muita paixão dentro de si.

— Eu gosto mais das fotos da nossa visita à biblioteca de Londres.

Você já foi a Londres, Nana? — Annie perguntou, e eu ri. A única viagem


que eu havia feito para fora da minha terra natal havia sido exatamente para

estar naquela casa.


— Não, nunca fui — comentei com leveza.

— Então você precisa ir. Vou pedir pro papai levar a gente, com
certeza ele vai concordar! — Ela sorriu, animada.

— Tudo bem, eu vou adorar. — Sorri, embarcando naquela ideia.

— Olha, Giovana! — Lilly falou, me puxando pelo braço. — Essas

são de quando a gente nasceu. — Ela parecia contente com aquele álbum e
entregou em minhas mãos.

Meu coração se encheu de um calor agradável ao ver as fotos

daquelas pequenas na maternidade, e eu lamentava muito que Stuart não

pôde estar ao meu lado quando Paolo nasceu, teria sido um momento lindo
e memorável.

Naqueles álbuns, eu podia ver enquanto aqueles nenéns tão frágeis se

tornavam crianças saudáveis e alegres.

— Meu pai disse que minha primeira palavra foi abelha! — Lilly

ainda me contava detalhes sobre aqueles momentos.

— Uma boa palavra, — Sorri.

— A minha foi papai — Amy disse, dando de ombros.

— A minha foi mamãe — Annie contou com um olhar um pouco

triste, mas que logo se transformou em um sorrisinho.


— Meu tio Dom e nossa tia na época ajudaram a dar nosso primeiro
banho quando chegamos em casa.

Lembrei que Dominic estava sozinho com os filhos no dia em que

conheci a família e achei aquele fato curioso, além de ser um tremendo


achado ver aquelas fotos antigas e perceber como os membros da família

haviam mudado com o passar dos anos.

— Ela é linda — falei com simpatia.

— É, mas não era pra ser — Amy falou com naturalidade, e eu não
pude deixar de rir, era engraçado ver uma criança dizendo esse tipo de

coisa.

— Não era pra ser? — repeti, incrédula.

— É, você sabe, os adultos, às vezes, enjoam um dos outros e


acabam se separando.

A percepção aguçada dela era impressionante, então eu não pude


discordar.

— A Lou e o Matt disseram que foi melhor assim, então deve ser
verdade. — Annie deu de ombros, e eu não tinha nenhuma palavra sábia
para acrescentar, então apenas deixei que o assunto se esvaísse enquanto

olhávamos mais e mais fotos.


A tarde se passou assim e nós conversamos muito, enquanto elas me
inteiravam sobre o universo dos Silvestri, e eu adorava saber tudo aquilo.
Olívia trouxe suco e lanches pra nossa pequena reunião e eu percebi que

fazia muito tempo que eu não me sentia assim tão em casa, mais em casa
até do que quando vivia na pensão do meu tio.

Ao final da tarde, quase no início da noite, fomos surpreendidas por

Stuart, que chegava mais cedo. Ele nos cumprimentou e as meninas


olharam para ele de um jeito matreiro, como se tivessem sido flagradas.

— O que eu falei pra vocês sobre mexer no baú de fotos? — ralhou, e


era uma das poucas vezes que ele usava um tom mais sério com as meninas.

— Mas é que a Giovana nunca tinha visto as fotos, então nós


resolvemos mostrar — Annie justificou com clareza, e ele fez uma careta.

— Eu espero que esses copos de suco tenham ficado bem longe dos

álbuns — ele pontuou.

— Sim, papai — as três disseram em uníssono. A conexão entre elas


era tão perfeita que isso acontecia várias vezes durante um dia.

— Agora guardem tudo isso — ele ordenou.

A postura de Stuart era estranha, como se ele se recusasse a olhar


para aquelas fotos ou até mesmo pensar na existência delas. Então as
meninas obedeceram e começaram a recolher os objetos, depois subindo
para guardar tudo.

— Sinto muito por isso. — Ele coçou a testa e se ajoelhou para olhar
Paolo, beijando a testa dele com delicadeza. O pequeno dormia, e Stuart se
demorou, admirando a cena. — Às vezes, eu preciso colocar limites —

falou, sem tirar os olhos do bebê.

— Tudo bem, Stuart, elas só estavam animadas em me mostrar a vida

delas — falei com simplicidade.

— Elas são melhores do que eu em lidar com isso — ele disse

reflexivo, e eu não quis trazer questionamentos. — Vou tomar um banho e


logo vou cuidar do nosso reizinho — ele concluiu e se levantou.

Respirei fundo quando me vi sozinha, apenas na companhia do meu

bebê. Mais uma vez as palavras dolorosas de meu tio Tommaso tomavam
conta da minha mente, e eu rememorava o quanto ele havia me pressionado.

Antes de ir embora, ele disse para mim que levasse um celular e que

eu nunca deveria deixar que Stuart visse. Ele faria isso porque nós éramos
uma família apesar de tudo, não podíamos nos separar completamente, mas,
nas últimas semanas, tudo que ele fazia era ligar para me pedir dinheiro, e

eu já não tinha praticamente nada na conta que Stuart havia feito para mim
e depositava um valor semanalmente para minhas despesas pessoais.
Refletindo bem, eu chegava à conclusão de que não podia viver
minha vida inteira sob aquela manipulação, não podia viver à sombra de

alguém que jamais me amaria, que nunca sentiria por mim o que eu sentia
por ele. Não, ele nunca seria meu pai. Eu disse a mim mesma mais uma vez,
pois era difícil me convencer.

Stuart não demorou no banho e logo voltou para pegar Paolo, as


meninas vieram junto com ele, e os quatro estavam conversando sobre seus

dias. e eu um tanto distante e reflexiva, porque sabia que precisava tomar


decisões.

— Você pode tomar conta dele um pouquinho? — Sorri para Stuart,


que correspondeu da mesma maneira. Ele se tornava uma pessoa muito
mais alegre quando estava cercado pelos filhos.

— É claro! Por favor, descanse!

— Muito obrigada. Vou tomar um banho e me deitar um pouco até a

hora do jantar — eu disse antes de subir as escadas.

Sozinha, no meu quarto, eu encarei o aparelho celular. Era um


modelo antigo, que não se conectava à internet. Demorou alguns minutos

até que eu adquirisse coragem, mas depois de lembrar mais uma vez de
tudo que eu havia passado, desbloqueando memórias que eu me recusava a
trazer à tona... eu sabia que tinha que fazer.
Fechei meus olhos e o rosto dele estava ali me assombrando.

— Essa menina é escura demais, nem parece sua filha — tio


Tommaso dizia ao meu pai sem saber que eu podia ouvir. — Os avós que
cuidem dela! Você tem a chance de recomeçar sua vida, Paolo! — Ele

tentava convencer meu pai, que, nesse dia, quase o agrediu fisicamente, mas
não o fez por ser a pessoa mais amável que eu conhecia.

— Você não disse isso, Tommaso! — falou um tanto bravo e saiu da


sala, mas aquelas palavras nunca saíram da minha mente, embora eu

tentasse enterrá-las.

Foi pensando nisso que joguei aquele celular no chão e o pisoteei


incansavelmente, até que ele fosse apenas destroços.

Eu precisava deixar o meu passado para trás.

Mais uma vez repeti mentalmente: esse homem não é meu pai.
 

Meu pai nunca foi um homem carinhoso e eu tentava compensar isso

sendo o melhor pai possível para minhas filhas, embora sempre me sentisse
inseguro quanto a isso, afinal era doloroso cuidar delas sem o apoio de

Amber. Meus irmãos estavam sempre ao redor de nós quatro, assim como a

tia Gerta, e isso me acalmava um pouco quando as crises nos atingiam,


ainda que sempre existisse um vazio impreenchível nessa conta.

A presença de Giovana trouxe muito mais vida para aquela casa e era

como se aquele vazio ainda existisse, mas fosse muito menos agonizante.
Eu podia me recordar como era terrível voltar para casa nos primeiros dias

depois que... bom, depois que Amber morreu.

As meninas e eu passamos uns dias na casa de Dom, mas aquela casa

também nunca me trouxe boas memórias, pois era a casa onde crescemos
com nosso terrível pai. Então logo voltamos e eu cogitei vender a mansão,

mas as meninas eram muito pequenas e já teriam que lidar com a perda da

mãe, eu não as submeteria também aquela outra mudança tão brusca.

Tudo era cinza, e permaneceu cinza por um bom tempo. Sofrer em


silêncio era tudo que eu podia fazer, enquanto minha família mantinha uma

preocupação enorme comigo, mas eu precisava buscar forças, e as

encontrava no abraço das minhas filhas, que, felizmente, tomavam a maior


parte do meu tempo, o que era ótimo.

Os momentos mais difíceis eram aqueles em que a casa ficava em

silêncio e eu precisava lidar apenas com os meus pensamentos, a culpa

sempre me afligia e eu me perguntava se havia sido negligente demais, pois,


caso eu tivesse prestado mais atenção, ela ainda estaria viva.

Eu fazia de tudo para manter aquelas ideias desagradáveis longe da


minha cabeça, mas elas não pediam permissão e roubavam parte da minha

força vital.
Depois de um ano, eu tentei voltar a me relacionar com as pessoas,
mas era como se eu tivesse esquecido como se fazia esse tipo de coisa, além

da percepção que eu chegava sempre ao final de um encontro: nenhuma

daquelas pessoas chegava aos pés de Amber.

No final, eu sempre estava em relacionamentos de uma noite só e

nada mais, nada caminhava para frente, nada funcionava. Eu cheguei à

conclusão de que devia ficar sozinho, e talvez fosse melhor assim, porque

nenhuma mulher poderia viver na casa em que a mãe das minhas filhas

viveu.

Meus irmãos diziam que eu precisava voltar a viver, que eu era

jovem e que não tinha motivos para desistir de me relacionar e outras coisas

do tipo, mas a verdade é que, depois de viver um grande amor, eu havia me

tornado muito exigente e não havia cruzado com uma mulher sequer que
fizessem meu coração se abalar minimamente.

Não é como se eu nunca ficasse carente ou tivesse desejos sexuais, só

era muito complicado abrir meu coração pra qualquer pessoa, como se isso
fosse me trazer algum tipo de sofrimento. Minha única preocupação era

tomar conta das minhas filhas e, em certo período, eu acabei me tornando

uma espécie de hipocondríaco superprotetor, pois não conseguia conceber a

ideia de que minhas filhas pudessem adoecer de qualquer maneira, então eu

precisava estar sempre um passo à frente e, quando elas tinham uma gripe
sequer, isso me desestabilizava, embora eu sempre escondesse das outras

pessoas.

Eu me sentia culpado sempre que me atraia por qualquer mulher,

como se isso fosse uma traição com Amber, e era difícil vencer esse
bloqueio.

— Você tem direito de ser feliz de novo — Dom sempre me dizia.

— Então por que até hoje você não se casou de novo? — rebati certa
vez.

— Porque é diferente... Foi uma escolha minha não ter um


relacionamento sério. Mas você sempre sonhou em ter uma família, sempre

foi romântico, não é justo que você não se permita isso.

As palavras dele me tocaram de uma maneira bastante delicada e isso


fez com que eu decidisse tentar, por mais que isso tenha sido muito difícil
no começo. Com o tempo, achei certo equilíbrio e decidi voltar a conhecer

pessoas, tentar encontrar alguém para compartilhar a vida, mas isso acabou
por se tornar uma atividade de risco, principalmente porque as meninas

cresceram e detestavam quaisquer pretendentes que eu pudesse achar.

Certa vez me aproximei de uma amiga de longa data da família e


decidi convidá-la para um passeio com as meninas. Na minha cabeça,

aquele era um relacionamento em potencial e achei que as trigêmeas iriam


adorar a ideia, mas nada funcionou como eu imaginava e, no final do dia, eu

tinha uma mulher completamente irritada comigo que nunca mais falou
comigo.

Amy teve a incrível ideia de brincar de cabra-cega com a moça, que


acabou caindo na piscina enquanto ela dava as coordenadas do lugar para

onde minha amiga deveria ir. Isso aconteceu depois de outros diversos
problemas como molhos caindo em peças de roupas e comentários como “o

da mamãe era melhor”.

Nós tivemos uma conversa muito séria sobre como aquela moça
poderia ter se machucado de verdade naquele dia, e elas ficaram de castigo

por uma semana. Esse foi o ápice para mim, então, resolvi simplesmente
continuar sozinho, afinal, queria poupar nossa família desses pequenos
dramas.

Por isso, quando toda a situação com Giovana aconteceu, eu imaginei


que o inferno iria se instaurar naquela casa e que nós viveríamos em pé de

guerra, pois elas nunca aceitariam alguém novo. Greg me ajudou no


momento de contar o que havia acontecido, e aquela foi uma das conversas

mais complicadas de toda minha vida — mesmo para mim, que tinha que
convencer acionistas e investidores de todos os países, pessoas instruídas e

poderosas, quase todos os dias.


— Eu conheci uma moça — falei com pesar, e elas fizeram um som
de reprovação, com um olhar muito zangado.

— Você tá namorando, papai? — Lilly perguntou diretamente, e eu


suspirei.

— Não, eu... — Eu não sabia o que dizer. Eram apenas três crianças

me encarando, e eu não sabia o que fazer.

— O pai de vocês encontrou uma pessoa especial e agora vocês vão

ter um irmãozinho. — Gregory tentou ajudar, mas eu temi que tivesse sido
direto demais.

— O quê?! — Elas arregalaram os olhos com o choque.

— Como assim? — Amy estava muito confusa.

— É isso que vocês estão ouvindo. Agora ele vai precisar viajar pra

buscar a esposa e o irmãozinho de vocês — Gregory continuou tentando


explicar, mas eu teria preferido que ele mantivesse o silêncio. De qualquer

maneira, as meninas o adoravam, principalmente porque ele conversava


com elas como se fossem adultas.

— Tipo uma esposa encomendada? — Annie questionou curiosa, e


eu bufei.

— Sim.

— Não.
Gregory e eu afirmamos e negamos ao mesmo tempo, as meninas
ficando ainda mais confusas, e eu sem saber como dizer qualquer outra
coisa.

— Como é o nosso irmão? — Lilly logo mudou de assunto, como se


todo o contexto simplesmente não importasse. As meninas se levantaram e

começaram a pular, comemorando a ideia de ter um irmão.

Gregory e eu nos entreolhamos estupefatos enquanto a cena se


desenrolava. Depois disso, eu não precisei explicar mais nada,

absolutamente nada. Elas só se importavam com o fato de que teriam um

irmão e queriam que eu fosse logo pra buscar a criança.

Quando Giovana chegou com nosso pequeno, foi como se o mundo

delas ganhasse várias cores, como se fogos de artifícios brilhassem nos

olhos daquelas meninas. Aquela alegria era inédita e me deixou atordoado,

pois eu não esperava aquilo.

Elas adoraram Giovana desde a primeira vez, porque ela havia

trazido ao mundo o irmão delas, e era só o que elas queriam.

— Ela é muito linda — Annie disse com a boca aberta em forma de

“o”.

— Sim! — Amy sussurrou de volta.


Elas conversavam baixinho depois do primeiro encontro,

comentando suas percepções daquele momento.

Giovana havia encantado todas as pessoas da minha família, e aquilo

só poderia significar algo bom, afinal, eles não costumavam errar com

relação às pessoas, eles sabiam quando alguém tinha um bom coração,


assim como souberam que Suzy, esposa de Greg, era uma pessoa honrada,

assim como souberam que Amber também era, apesar do meu pai sempre

buscar motivos para falar mal dela.

Eu precisava dar algum crédito aquela mulher, ela era um ser puro
que havia sido manipulada por um homem cruel, o homem que a criou por

quase toda a vida. Todas as vezes em que eu chegava e ela estava com

minhas filhas, eu podia sentir o clima agradável de diversão e carinho entre


elas. Nem se eu quisesse poderia tirar aquilo delas.

No final das contas, eu sabia que não queria viver sem Giovana, eu

estava gostando daquela convivência, gostava da atenção e do cuidado que

ela tinha com todos ao seu redor e da forma com que ela se preocupava em
conversar da mesma maneira com pessoas ricas e pessoas menos abastadas.

Ela era bonita por dentro e por fora.

Giovana não era acomodada, e eu sempre a via na cozinha, ajudando


os funcionários a fazer as coisas, pois gostava de ser útil, o quarto dela era

sempre extremamente limpo e organizado, além de nunca deixar qualquer


outra pessoa fazer aquele trabalho. Ela dava um bom exemplo para minhas

filhas, que começaram a ser mais organizadas e prestativas.

Eu não podia fingir não ver como as coisas haviam mudado para

melhor depois que ela havia chegado. Os acionistas que a conheceram


tiveram uma ótima impressão dela, apesar da curiosidade por sua origem.

Giovana era uma peça rara, como se tivesse sido colocada em meu caminho

porque minhas filhas e eu precisássemos dela em nossas vidas.

Naquele dia, depois que eu as encontrei vendo os nossos álbuns

fotográficos, eu me senti estranho, principalmente quando me pus a pensar

na forma como aquelas memórias haviam sido construídas. Antes da


tragédia, nossa vida era como um conto de fadas e, naquele momento, era

como se tivéssemos a oportunidade de começar de novo.

A vida inteira de Giovana havia sido difícil e talvez por isso, em

alguns momentos, ela tenha que ter deixado certas amarras morais de lado,
apenas porque precisava sobreviver. No final, ela era apenas uma menina

que ainda não havia completado nem seus vinte anos.

Eu tinha uma bagagem pesada e variada que carregava comigo, tinha

experiência e conhecia um pouco mais sobre a natureza humana, já ela


sempre tentava enxergar o melhor nas pessoas, e isso trazia problemas

severos para ela em diversas ocasiões. Pensei que talvez eu devesse relaxar,

fazer com que as coisas funcionassem, ser mais compreensivo.


Depois do jantar, chamei Giovana para conversarmos um pouco e nos

sentamos perto da piscina, nas espreguiçadeiras. As estrelas refletiam nas


águas como na primeira vez que nos encontramos, eu jamais esqueceria.

Mas ali não havia estrelas se comparado àquele pequeno vilarejo tão

mágico.

— Eu te chamei aqui porque queria agradecer — eu disse com


honestidade, e ela sorriu.

Naquele momento, Paolo já estava muito bem cuidado e descansando

de sua difícil vida de bebê. Nesses momentos, Claire ou Diane cuidavam


dele, elas se revezavam em plantões, e isso me deixava mais tranquilo, pois

se nem eu ou Giovana estivéssemos disponíveis, elas podiam atender às

necessidades dele.

— Não vejo motivos pra que você me agradeça — ela falou com seu

jeito simples, e eu olhei para o alto antes de encontrar seus olhos mais uma

vez.

Quando a encarei de novo, foi como se eu tivesse sido acertado por


uma flecha. Nada havia mudado. Eu ainda me sentia daquela maneira e

chegava a ser engraçado. Quando estávamos juntos, era como se o mundo

girasse mais devagar e, ao mesmo tempo, como se cada hora passasse em

um minuto — algo inexplicável.


— E eu não vejo motivos para não agradecer. — Nós rimos juntos.

Com ela, era tão fácil. Quando nós não nos lembrávamos do passado,

conseguíamos rir com uma facilidade tão grande, que era até esquisito. —

As minhas filhas... Elas mudaram desde que você chegou aqui.

— Elas sempre foram incríveis... São crianças tão inteligentes,

espertas, amáveis...

— Sim, mas, ainda assim, elas parecem... Como dizer? Bem mais
felizes e animadas. Elas acordam pensando no próximo desafio do dia, mas

de uma maneira saudável. Antes, sempre que eu apresentava qualquer

pessoa para elas, elas tentavam me provocar de todas as maneiras e

arruinavam meus encontros.

Giovana riu com minha expressão, devia ser mesmo engraçado.

— Eu não consigo imaginar uma coisa dessas — ela dizia com uma

expressão amena, relaxada.

— Pois saiba que essas anjinhas nem sempre são tão anjinhas.

Giovana pareceu pensativa, como de costume, mas, dessa vez, era

como se houvesse alguma coisa no ar, como se ela quisesse dizer algo e

estivesse formulando a frase durante aquele silêncio que se instalou entre


um assunto e outro.
— Eu gostei muito de ver aquelas fotos e conhecer um pouco mais

sobre a vida de vocês. Sempre fico com medo de parecer uma intrusa para
elas, mas elas me tratam tão bem, como uma amiga de verdade.

— É porque você tem toda a paciência do mundo com elas e sempre

dá muita atenção, algo que elas adoram — expliquei como se fosse simples.

— Bom, por mais que eu não mereça nenhum agradecimento, quero


dizer que fico feliz em saber que eu posso ajudar em algo. Eu sei como é

crescer sem uma mãe... — Os olhos dela brilhavam ao falar aquelas

palavras, era um assunto que provocava muitas emoções, e eu podia


compreender isso. — Se eu puder ajudar, nem que seja um pouco, para que

elas não se sintam tão mal, vou ser a pessoa mais feliz do mundo.

— Com certeza você já ajuda muito, elas percebem que vocês

compartilham esse aspecto em comum, assim como eu, que também não
cresci com minha mãe. É como se nós todos estivéssemos conectados de

alguma forma. Bom, elas, ao menos, tiveram a chance de conhecer você e

pode ser que tenham a sorte de crescer ao seu lado também. Esse
comentário iluminou o rosto de Giovana, que corou imediatamente. — Eu

admiro seu desprendimento e sua bondade, é sério.

— Mesmo sem confiar em mim? — Ela ergueu uma sobrancelha,

mas sua expressão era de pesar.


— Você acha que eu realmente não confio em você? Talvez a minha
parte racional e sóbria tente não confiar, mas, se eu não confiasse em você,

nem que isso só seja explicado de uma maneira sobrenatural, nunca deixaria

você aqui convivendo com minhas filhas todos os dias. Seria estupidez e
criancice da minha parte não admitir. Eu só tenho medo de que essa minha

parte intuitiva possa errar.

— Então sou eu quem agradece por isso — ela respondeu de maneira

solene, e a minha única resposta foi um sorriso e um menear de cabeça. —


Eu queria que as lembranças do dia do nosso casamento fossem tão bonitas

quanto aquelas.

— Não, Giovana, por favor... É por isso que a gente sempre acaba
brigando. Essas memórias, eu não quero lembrar isso.

— Eu sei, eu sei. Perdão. É só que... Eu me sinto culpada —


confessou com um olhar triste.

— Nós vamos... Nós vamos superar isso — disse, um tanto hesitante.


— Como você mesma disse naquele dia, eu me casei com você porque quis

— pronunciei em um tom bem-humorado, e ela pareceu um tanto sem


graça.

— Eu não quis falar daquele jeito...


— Tudo bem, eu gostei de ver seu lado mais feroz. Você é uma
mulher e tanto, cheia de energia, corajosa. Isso me encanta. — Era estranho
começar a falar sobre meus sentimentos com ela, afinal, eu havia temido

por um bom tempo me abrir assim e era sempre complicado ultrapassar


aquelas paredes. — E, sim, eu me casei com você porque quis. Você não
mentiu.

O olhar dela pareceu se acender por um segundo, como se uma faísca


lhe colorisse ainda mais. A pele cor de noite que cobria o corpo fazia com
que minha visão passeasse por ela quase que sem minha permissão, era

difícil não admirar.

— Quer saber? O que você acha de começarmos de novo? De onde


começamos? — perguntei enquanto era tomado por certa empolgação.

— Como assim? — Ela me olhou contente e curiosa.

— Bom, você sabe que os negócios da minha empresa com a Itália


estão sendo muito prolíferos e eu agendei uma reunião de negócios para o
final de semana em que as meninas acamparão... Se você quiser, pode me

acompanhar, então você, Paolo e eu podemos aproveitar e transformar essa


viagem em um pequeno passeio. Imagino que você sinta falta da sua casa
do coração.
Nesse momento, ela pareceu se emocionar ainda mais, como se nós
dois tivéssemos sido transportados para um mundo encantado, onde nada
triste ou desagradável existe.

— Sim, sinto tanta falta que chega a doer. Eu sinto o cheiro das uvas
todos os dias quando acordo e, quando olho pela janela, espero encontrar o

riacho que serpenteava pelo vilarejo. — A forma como ela descrevia era tão
apaixonada que eu não conseguia parar de prestar atenção.

— Então isso é algo que eu quero fazer por você — eu disse com
carinho enquanto estendia uma das minhas mãos para segurar as dela.

Virados de frente um para o outro, nós nos olhávamos diretamente,


como se nada mais houvesse. Eu queria que aquele momento durasse pela
eternidade.

— Quem sabe nós não podemos olhar as estrelas ao ar livre mais


uma vez? — sugeri com doçura, e ela concordou, sacudindo a cabeça,
parecia empolgada, e isso fez com que eu me sentisse extremamente

afortunado, capaz de ser feliz mais uma vez.

— Eu adoraria isso, Stuart.

O olhar dela era vivaz, como alguém que acaba de descobrir algo
muito bonito e quer admirar por mais tempo. Nós nos aproximamos

lentamente e permitimos que nossas testas se tocassem, nossas respirações


se chocando, até nossos lábios se encontrarem em um beijo calmo e
afetuoso, diferente de tudo que já havíamos compartilhado.

Não havia raiva, ressentimento ou desconfiança, apenas paz.


 

Eu não sabia que sentia tanta falta da Itália até voltar. Era como se

meu corpo automaticamente se conectasse ao ambiente quando colocamos


os pés em terra. As casas de pedra e os tijolos vermelhos, as escadinhas de

degraus curtos e os telhados de cerâmica, tudo compunha um cenário que

eu adorava observar.

O que mais me deixou feliz entre tudo era o fato de estar ali com

Paolo, porque, apesar de pequeno, ele também pertencia àquele lugar, assim

como eu.
Apesar das quase dez horas de viagem, eu me sentia revigorada por

simplesmente estar ali. O hotel em que nos hospedamos em Florença era


esplendoroso, muito mais elegante e luxuoso do que qualquer coisa que eu

já tivesse visto em toda minha vida.

Passei um bom tempo observando cada detalhe da decoração. Os

lustres eram compostos de diversos elementos sinuosos e emitia uma

iluminação suave, que completava de maneira refinada a composição com


os móveis clássicos de madeira. Aquela era uma Itália que nem mesmo eu,

que vivi naquele lugar a vida inteira, conhecia.

Claire também olhava fascinada para tudo e se aproximou de mim,

sorrindo.

— Isso tudo é impressionante, eu sabia que as coisas na Itália eram

bonitas, mas tudo que vi até agora é de tirar o fôlego. — Ela estava

impressionada com a arquitetura da cidade, a beleza das ruas e, naquele

instante, com as decorações do hotel.

— Concordo com você, também é a primeira vez em que me hospedo

em um hotel como esse. — Sorri enquanto balançava Paolo que parecia


feliz.

— Nossos quartos estão liberados — Stuart disse com satisfação, ao


mesmo tempo em que se aproximava. — Arthur vai cuidar do restante.
Arthur era o assistente de Stuart e o acompanhava em algumas
viagens de negócios, ele era bom em cuidar de todas as pequenas

burocracias que esses eventos envolviam.

— Ele é eficiente e bonito, não é? — Claire disse baixinho para mim

enquanto nos dirigíamos para o elevador e eu só pude rir. Era difícil para

mim ver beleza em qualquer homem quando tinha Stuart ao meu lado, mas

precisava admitir que o rapaz tinha boa aparência e era um tanto

responsável.

O quarto do hotel era tão impressionante quanto o hall de entrada.

Estar ali, naquele lugar, olhando para todos os lados, fazia com que eu me

sentisse uma rainha.

— Eu posso cuidar dele um pouquinho enquanto vocês organizam as

coisas — Claire disse, estendendo os braços para o meu pequeno.

Eu sempre hesitava quando isso acontecia. Por mais que eu

precisasse me acostumar com a ideia de que meu filho era um ser

independente de mim, era complicado me afastar dele nem que fosse por

alguns minutos.

— Tudo bem — eu disse enquanto sentia aquele familiar aperto no

peito observando a moça carregá-lo.


— Ele vai ficar bem, você não precisa ficar preocupada, é sério —

Stuart disse ao pé do meu ouvido enquanto me abraçava por trás de maneira


afetuosa.

Aquele gesto me pegou de surpresa, era doce, íntimo, diferente de


tudo que nós já havíamos compartilhado naquele pequeno tempo de

convivência. Estar nos braços daquele homem acelerava meu coração, mas,
ao mesmo tempo, acalmava minha alma.

— Eu fico tão preocupada quando ele não está comigo, é como se

algo pudesse acontecer — tentei explicar.

— Eu entendo. Também tenho essa sensação constantemente, mas,

como já criei três meninas, aprendi a controlar. Eu sempre digo a mim


mesmo que elas estão em boas mãos e que vão ficar bem, no final das

contas, isso funciona.

— Obrigada — eu disse com um sorriso enquanto me virava pra ele.

— Não é o que eu planejava para uma viagem “romântica” — ele fez


as aspas com os dedos —, mas acho que vai ser bom pra você ficar por aqui

esses dias.

Ouvir que ele tinha a intenção de fazer uma viagem romântica


comigo me deixava com uma sensação boa e fazia com que eu me sentisse

querida e com que as borboletas no meu estômago acordassem.


— É tudo perfeito, Stuart. Perfeito — repeti com ênfase, e ele

depositou um beijo suave sobre meus lábios.

Aquela era uma nova fase para nós. Sem olhares estranhos, sem

acusações, era como se Stuart estivesse dando uma chance para os seus
próprios sentimentos, e isso me fazia muito feliz.

— Infelizmente vou ter que sair para uma reunião de negócios, mas
amanhã o dia será todo nosso, o que acha? — disse enquanto afagava meus
ombros.

— Acho ótimo — concordei, olhando em seus olhos.

— Então tudo bem — ele disse com uma piscadela.

Depois disso, nós nos despedimos e eu fiquei sozinha com Claire e

Paolo. Eu estava praticamente em casa, mas ainda não era o suficiente. Eu


queria rever o vilarejo com meus próprios olhos, queria sentir que toda
minha vida não havia sido apenas um sonho, que as coisas permaneciam no

mesmo lugar.

Minhas lembranças, meus pensamentos, tudo me deixava em


conflito, como se fosse impossível conciliar minha nova vida com tudo que

eu já havia enfrentado durante aqueles anos passados. Eu não gostava da


ideia de desagradar a Stuart, mas, ao mesmo tempo, não podia deixar de ser

eu mesma.
Depois de me perder em pensamentos, acabei por chegar a uma
decisão, então fui até o quarto de Claire, que era ao lado do nosso e,
também, possuía um berço, assim como o que reservamos.

— Ele dormiu? — perguntei quando a encontrei ao lado do meu


pequeno.

— Não, está brincando agora.

Ele movia as mãozinhas no ar enquanto o móbile pendia sobre seu

corpinho. Aquelas bochechas fofinhas e aquela roupinha macia faziam com


que eu me derretesse a cada vez que olhava para o meu filho.

— Stuart saiu, e eu achei que poderíamos fazer alguma coisa nessa


tarde — comentei despretensiosamente.

— Claro! Eu ganhei um mapa e peguei o telefone de um dos guias


mais famosos do lugar, tenho certeza de que ele vai aceitar nos levar pra
conhecer os principais lugares daqui. São tantos pontos turísticos!

— Não é disso que eu estou falando, Claire — falei, sacudindo a


cabeça lentamente. — Estou falando de irmos até o vilarejo onde eu vivia.

— Mas, senhora, não seria melhor irmos quando o senhor Silvestri


estiver disponível?

— Não, isso é algo pessoal, eu preciso fazer sozinha, além do mais,


sei que, se Stuart se encontrar com certas pessoas naquele lugar, pode
acabar em uma confusão, e essa é a última coisa que eu quero.

— Mas ele não vai gostar nada disso, eu tenho certeza.

— Eu preciso fazer uma coisa muito importante e nada do que você

disser vai me convencer do contrário — falei de forma firme, mas sem


perder a polidez.

— Senhora Grassi...

— Com certeza o senhor Silvestri já desaprovou muitas coisas que eu


fiz, mas isso não quer dizer que eu devo me acovardar.

— Senhora Grassi, por favor. — Os olhos dela pareciam

desesperados.

— Claire, você precisa me ajudar! — insisti.

— Mas se ele me demitir? — Seu tom ainda apresentava aflição.

— Eu prometo por tudo que é mais sagrado, pela memória do meu

pai, que não vou deixar isso acontecer. — A coisa mais importante para

mim sempre foi a lembrança que tinha do meu pai; eu nunca mentiria sob o
nome dele.

A moça respirou fundo e olhou para as próprias mãos. Por alguns

segundos, pensou, mas não demorou a responder.

— Tudo bem, eu te ajudo. Para onde nós vamos? — Com um sorriso,

eu a abracei.
— Muito obrigada, Claire!

•••

Eu sabia que sair sem avisar Stuart não era a coisa mais prudente a se

fazer, mas, se eu lhe contasse o que eu pretendia fazer, ele com certeza

tentaria me impedir, e isso era algo que eu não poderia permitir, afinal,
aquela era uma oportunidade única — eu não sabia quando visitaria a Itália

novamente.

Com um bom valor, conseguimos um motorista para nos levar para

onde desejássemos. O assistente de Stuart não sabia que eu havia saído, e eu


não havia pedido escolta dos seguranças que estavam nos acompanhando

durante a viagem. Aquele lugar era perfeitamente seguro, e eu sabia muito

bem, afinal, era minha casa.

A viagem levou mais ou menos meia hora, o vilarejo não ficava


longe dali, apenas ficava um tanto escondido para os que não conheciam

bem o lugar. Logo percebi também que meu celular estava sem sinal, como

era comum na região.

Meu coração estava um tantinho angustiado, porque eu me sentia mal

de sair daquela maneira, ainda mais sabendo que poderia provocar uma

reação ruim em Stuart, mas eu precisava estar naquele lugar mais uma vez.
Eu queria muito ir até o vilarejo, mas a primeira parada que fizemos

foi na casa de Cassandra, minha amiga, a pessoa que sempre me ajudou

quando possível. Quando ela me viu, quase não acreditou e me olhou


abismada.

— Giovana! Você está inacreditável! Engordou, está reluzente e

linda! E Paolo, meu Deus! Está enorme e perfeito! — falava alto enquanto

me abraçava forte, quase me tirando do chão, e depois segurando Paolo


com carinho nos braços.

Estar ao lado da minha amiga fez muito bem para mim, embora agora

eu me sentisse deslocada ali, apesar de só ter passado um tempo curto fora.

— Eu estou tão feliz em te ver! — disse enquanto a observava,


tentando gravar cada detalhe, afinal não queria esquecer como era a

sensação de estar ali.

Muito educada e hospitaleira, ela nos chamou para entrar e nos


ofereceu o melhor café da região, que Claire achou forte demais, mas eu

amava.

— Não há cafés como esse nos Estados Unidos — falei, cheirando o

aroma da bebida mais querida de boa parte dos italianos.

— Você deve sentir falta de casa, não é? — Cass me olhava com

carinho.
— Um pouco, mas estou feliz — eu disse enquanto olhava para

Paolo e depois para Claire, que sorriu.

— Então eu não estou mais preocupada — ela pontuou.

Eu estava evitando, mas sabia que em algum momento precisaria

perguntar, pois era impossível ignorar o assunto. Depois de algumas


palavras, atualizações sobre a vida desde que eu havia partido, que não

eram muitas, finalmente eu disse o que me afligia.

— Você tem notícias do meu tio? — perguntei com seriedade, e

aquela simples declaração fazia com que um arrepio percorresse minha


espinha.

Cassandra parecia estranha e sua feição mudou completamente.

Havia alguma coisa da qual ela sabia, alguma coisa que não era boa.

— Giovana... Eu nem sei como dizer isso... — falou com pesar, e


meu coração disparou, antevendo uma tragédia.

— O que houve, Cassandra? — insisti.

— Giovana, seu tio está no hospital, ele se machucou seriamente

porque se envolveu em uma briga.

— Como assim? — falei com os olhos arregalados com a notícia,

enquanto uma parte de mim, apesar de tudo, ficava aliviada em saber que

ele estava vivo. — Um homem da idade dele? Se envolvendo em brigas?


— Dizem que não foi, de fato, uma briga, e, sim, um acerto de

contas. Os capangas de Salvatore foram vistos saindo da taberna e logo

depois Tommaso foi encontrado desacordado, disseram que todo o dinheiro

dele foi levado. Ao que parece, ele planejava fugir e não pagar Salvatore
por aquela dívida. Quando você foi embora, ele conseguiu um prazo maior

e disse que pagaria aos poucos, mas o plano era realmente ir embora daqui e

usar tudo que tinha em benefício próprio.

Um turbilhão de pensamentos me atingiu em cheio e eu fiquei me

questionando o que meu tio estava fazendo com o dinheiro que eu havia

enviado para ele, além da boa quantia que com certeza Stuart havia lhe

dado quando ele praticamente me vendeu.

— Isso não é possível, Cassandra! Eu tenho certeza de que ele tinha

dinheiro suficiente para pagar a dívida e ainda viver bem! Por que ele faria

isso?

— Tommaso sempre foi assim, Nana, sempre quis mais, mas nunca

quis se esforçar. Você se recusava a ver isso, porque o amor sempre te

deixou cega, mas a verdade é que ele é um homem sem escrúpulos.

A verdade é que eu sempre consegui enxergar que tipo de pessoa


meu tio era, mas tentava me enganar, dizendo a mim mesma que ele fazia

isso por ter tido uma infância difícil e por já ter sofrido muito na vida. Eu
achava que ele um dia cairia em si e passaria a valorizar as coisas pequenas

da vida, mas ele nunca iria mudar — foi o que eu descobri da pior forma.

— Mas me diga... Você sabe como ele está? — perguntei em um tom

seco.

— Parece que fraturou umas costelas, mas nada muito grave, está se

recuperando. Não deve demorar a voltar para casa.

— Cassandra, você poderia me ajudar com uma coisa? — perguntei

quando imediatamente tive uma ideia.

— É claro, é só dizer.

•••

O vilarejo não parecia ter mudado muito desde a última vez em que

estive lá. Na realidade, nada havia mudado, era como se o tempo ali

passasse de maneira mais lenta, era até estranho para mim, depois de
observar a rotina frenética das pessoas em minha nova casa.

Nós estávamos paradas em frente à porta de madeira dos fundos. O

riacho corria atrás de nós, intocado, aquele som me acalmava um pouco,

enquanto Cassandra e Claire pareciam um pouco nervosas.

— Podem ficar tranquilas, eu sei o que estou fazendo — falei com

confiança, e minha amiga rolou os olhos.


— Sei — ela debochou, e eu lhe mostrei a língua. Estar com ela era
agradável porque eu podia me lembrar de quando nós duas éramos apenas

garotinhas sonhadoras e bobas.

Não demorou muito, e eu encontrei, exatamente onde sempre


deixávamos, a chave estava enterrada em um grande vaso de plantas.

Aquela era a chave de emergência e estava um pouco oxidada.

Quando entramos na hospedaria pela cozinha, tudo ali parecia morto.


Havia poeira e algumas teias de aranha, as coisas também estavam fora do

lugar, algumas quebradas no chão.

— Quem será que trancou as portas? — questionei em voz alta.

— Com certeza algum dos parceiros do seu tio, provavelmente a


mesma pessoa que o achou caído.

Acendi as luzes e senti uma aura pesada quando olhei para todos os
lados do salão. Aquele era o lugar onde eu trabalhei durante minha infância

e juventude. Agora, mais madura, eu conseguia perceber que aquilo não era
trabalho, e, sim, uma forma de escravidão. Suspirei aliviada ao saber que

não passaria mais por aquilo.

— Vocês poderiam cuidar do meu anjinho só por uns minutos? Eu

preciso mesmo fazer uma coisa.


Eu estava me despedindo daquele lugar de uma vez por todas, então
queria olhar mais uma vez para aqueles espaços agora desabitados. No
corredor, fechei os olhos e quase pude ouvir as conversas e risos que

costumavam ecoar por ali. Aquilo era um adeus.

Enquanto percorria o lugar me lembrei de um cômodo que me era


completamente vedado, eu jamais havia entrado ali, nem quando meu pai

ainda era vivo: o escritório de meu tio no porão. Então foi para lá que eu me
dirigi, pois era a única parte do prédio que eu desconhecia.

Abri a porta com medo, como se eu pudesse ser flagrada a qualquer


momento, pois era como se meu tio farejasse cada vez que eu passasse ali

por perto, sempre me ameaçando de ganhar uma surra, caso entrasse ali.
Mas lá eu estava, e ele nunca mais iria me agredir.

A porta rangeu, como se reclamasse da invasão, e eu acendi a

lâmpada. O lugar não parecia ter nada de especial, na verdade, era um tanto
claustrofóbico, até mesmo desagradável e úmido. A mesa dele estava cheia
de papéis e, ao lado, garrafas de vinho vazias se amontoavam, meu tio

sempre foi um beberrão.

Quando me acomodei na cadeira dele, senti uma espécie de poder,


como se meu passado não fosse mais uma amarra para mim. Mexi nos

papéis sobre a mesa e encontrei diversas contas e boletos, além de algumas


cartas com propagandas, nada anormal. Foi só quando comecei a vasculhar
as gavetas que percebi como as coisas estavam estranhas.

Na primeira gaveta, havia fotos, muitas fotos. Eram fotos minhas


quando criança e outras já mais velha, havia cópias das mesmas fotos, o que
era totalmente estranho. Nessas fotos, eu estava sempre distraída e, em

outras, posava, pois foram tiradas em dias especiais e datas comemorativas.

Quanto mais eu olhava para tudo aquilo, mais achava coisas que eu

não conseguia explicar, como diversas fotos de minha mãe e meu pai. Ao
encontrar aquilo, não pude abafar a emoção e impedir minhas lágrimas.
Meu tio sempre dizia que possuía poucas fotos deles, pois éramos pobres

demais para esse tipo de lembrança. Ele só me deu algumas fotos dos dois
porque eu insisti muito e, apesar dos castigos, não desisti. Acho que ele me

premiou apenas pela insistência.

Em outra gaveta, encontrei uma resma de papéis presos por uma


linha grossa. Por algum motivo, achei aquilo muito suspeito e decidi olhar o

que era. Quando abri, foi difícil conter minhas emoções, eu senti como se
pudesse desfalecer a qualquer momento: ali estava dezenas de cartas
enviadas pela família de minha mãe, minha família!

Eu não quis acreditar quando passei os olhos naqueles papéis, mas


tudo parecia muito verdadeiro. A pessoa que se correspondia com ele
cobrava provas de que eu estava viva e, bem, era como se ele estivesse
transmitindo minha vida para outros sem que eu soubesse.

Meu peito nunca esteve tão apertado quanto naquele momento.


Quando eu achava que não poderia me decepcionar mais com meu tio,

descobria mais um dos seus golpes. Era difícil até mesmo ler, eu estava
tomada pelo ódio e pela raiva por uma vida que havia sido tomada de mim.
Eu queria me controlar, mas levei alguns minutos até conseguir, com

paciência, começar a ler aquelas cartas. Minhas mãos tremiam e minha


garganta ardia, eu tinha muito medo de descobrir minha própria história,
mas, como sempre, o medo nunca me parou e eu segui em frente.
 

Somente ao voltar da reunião, um pouco mais cedo do que o

planejado, percebi que Giovana não estava no hotel. Os seguranças


simplesmente não sabiam sobre o paradeiro dela, e não era para menos, pois

eu mesmo havia dito que, caso precisássemos de escolta, iríamos entrar em

contato e que eles não precisavam guardar o quarto, nem nada do tipo. Eu
me arrependi amargamente de não ter colocado um homem na frente do

nosso quarto vinte e quatro horas.

Uma forma de agonia nova me atingiu com força. Aquela


desconfiança voltou à minha mente, afinal, nós estávamos na Itália, bem
perto do vilarejo onde aquele homem asqueroso vivia. Eu não poderia ter

sido tão ingênuo e levado Giovana para matar a saudade de sua terra natal, e
ela ter correspondido fazendo alguma bobagem, não é verdade?

Giovana teria fugido com meu filho? Essa questão me causava um


forte desespero, mas, antes de ter um surto, eu resolvi respirar até me

acalmar. Giovana não faria algo do tipo. Não era ela que era má, e, sim, o

tio que a coagiu durante toda a vida, eu sabia disso! Ela não fugiria com
nosso filho, ainda mais levando Claire.

Mas e se ele a tivesse convencido? É claro! Ela esteve se

comunicando com ele esse tempo inteiro, por isso parecia tão culpada

quando a vi falando naquele celular velho, é claro! Bebi um copo de água e


dispensei a ajuda de Arthur, que também não sabia de nada. Eu ligava para

as duas constantemente, mas, se elas estavam realmente naquele vilarejo,


dificilmente iria conseguir falar com alguma delas.

— Giovana, por que você é tão irresponsável! — grunhia sozinho no


carro alugado que dirigia.

Tantas coisas, nenhuma delas boas ou saudáveis, se debatiam dentro


da minha mente. As vozes que se misturavam em meus pensamentos

falavam sobre sequestros, mortes, desaparecimentos, tudo que pudesse

elevar minha ansiedade.


Ao chegar naquele vilarejo, dessa vez usando um mapa que eu já
tinha salvado da localidade, as memórias daquela noite e dia fatídicos me

encontraram, fazendo com que eu me sentisse no mínimo esquisito. Era

uma memória agridoce ouvir o som do riacho, ao mesmo tempo em que era

doloroso dar de cara com a porta daquele estabelecimento.

Eu bati na porta com força, mas ninguém veio atender. Era estranho,

porque aquele lugar estava sempre aberto. Pensar que não havia qualquer

pessoa ali só piorava minha sensação de preocupação, eu estava quase

enlouquecendo quando Claire me chamou.

— Senhor Silvestri! — disse vindo do outro lado, e eu praticamente

corri até ela.

— Onde ela está? E Paolo?! — perguntei sem tomar fôlego, enquanto

ela me encarava de olhos arregalados.

— Venha comigo, senhor Silvestri — ela respondeu, tentando manter

a serenidade, e me guiou enquanto dava a volta no prédio. As palavras dela

me deixaram mais calmo, pois, se ela estava bem, queria dizer que Giovana

e meu filho também estavam.

Logo encontramos outra porta, a porta por onde entramos no dia em

que fomos flagrados na beira do riacho. Eu não saberia explicar como me

sentia ao reviver aquelas lembranças e, ao passar naqueles cenários, era


como entrar em um universo alternativo, eu não estava preparado para

aquilo.

Quando vi Cassandra, a amiga de Giovana, com Paolo nos braços,

finalmente respirei tranquilo e o peguei no colo.

— Giovana enlouqueceu?! O que ela tinha na cabeça de vir até aqui?


Logo no covil daquele desgraçado! — disse de forma enfática, e Paolo se

mexeu desconfortável. — Perdão, meu amor, perdão — disse enquanto lhe


beijava a testa e o acalmava. — Então? Onde ela foi?

Não era possível! Aquelas mulheres estavam em silêncio e ninguém


me explicava o que estava acontecendo ali, até o momento em que Claire

apontou para trás e, quando me virei, vi Giovana. Seu rosto era


desconsolado, seus olhos estavam vermelhos. Aquele homem teria a

agredido mais uma vez?! A vontade que eu tive, segundos antes, de gritar
com ela havia passado completamente, eu odiava vê-la daquela forma,
ainda mais sabendo que ela não estava tentando me trair, estava

provavelmente apenas preocupada com o tio, por isso havia ido até aquele
lugar.

— Giovana! Você poderia ter me dito que queria vir aqui. Eu não
ficaria feliz, mas seria muito mais seguro do que vir sozinha — reclamei, e

ela começou a chorar, sem conseguir dizer alguma coisa que parecia
engasgada.
— Tudo bem, ok? Eu não vou brigar com você. — Ela era jovem, e

eu já havia cometido erros piores quando tinha a idade dela, não podia
julgar sua atitude, mas nós, definitivamente, teríamos que conversar sobre

isso com seriedade.

— Você pode deixar o Paolo com Cassandra e Claire? Eu gostaria de

lhe mostrar uma coisa — disse quando conseguiu respirar melhor, e eu


fiquei preocupado mais uma vez.

— Tudo bem — concordei sem questionar muito e coloquei Paolo

em seu carrinho, acariciando sua bochecha antes de deixá-lo ali.

Depois disso, Giovana caminhou como se me mostrasse o caminho, e

eu a segui em silêncio, sem perguntas, até chegarmos a uma porta de


madeira, que ela abriu. Ali havia uma espécie de porão, pois descemos

umas escadas apertadas e com degraus pequenos.

Naquele lugar, havia muitas coisas espalhadas por todos os lados,

como se fosse uma espécie de depósito, mas o que mais chamava a atenção
era a mesa e a cadeira atrás dela, como se fosse também um escritório.

Giovana se sentou na cadeira e começou a mexer em uns papéis que já


estavam sobre a mesa. Ela parecia um pouco catatônica, sem reação.

Logo a mulher mais linda e com os olhos mais tristes me estendeu


um papel. Parecia uma carta, e, então, ela me lançou um breve olhar, como
se me pedisse para ler, mas, pelo visto, estava em outro idioma.

— Perdão, eu leio para você — Giovana começou a ler quando

percebeu que eu não compreendia.

Tommaso,

Nós fizemos tudo que você pediu e, ainda assim, você nos impede de

ver nossa neta, se as coisas continuarem dessa maneira, não enviaremos


mais dinheiro algum. Nós queremos fotos atualizadas e falar com ela por

telefone. Por mais que ela tenha ressentimento conosco por causa da mãe,
nós precisamos que você nos envie provas de que pelo menos ela está viva.

— Que porra é essa? — perguntei de maneira espontânea enquanto


olhava de forma indignada para ela. Eu não podia compreender o que estava
acontecendo ali, mas não me parecia nada bom.

— É o que eu estou tentando entender até agora — ela disse, dando


de ombros, estava muito triste. — Parece que meu tio tem aplicado golpes

desde sempre. — Giovana estava visivelmente desolada com a situação.


Aquele era o ponto fraco dela: quando se tratava de sua família. — Sofia

Campos é minha avó — pontuou, e eu identifiquei o nome na assinatura da


carta.

Eu dei a volta na mesa e me ajoelhei na frente dela, tomando seu

rosto em minhas mãos para que ela olhasse para mim.


— Infelizmente nem todas as pessoas no mundo tem um coração tão
doce quanto o seu, Giovana, elas se aproveitam dos outros sem sequer
pensar duas vezes. Seu tio é uma dessas pessoas.

— Eu não esperava nada disso. Ele sempre me disse que a família da


minha mãe havia a rejeitado por causa do casamento com meu pai, um

simples marinheiro. Essa foi a história em que eu sempre acreditei, e agora


descubro que ele mantinha contato com eles o tempo inteiro! Eles estavam
preocupados comigo, preocupados com minha mãe! Veja isso. — Ela me

estendeu uma carta que havia deixado separada, a data era antiga,

provavelmente de quando ela ainda nem havia nascido, lhe entreguei para
que ela traduzisse para mim.

Querida filha,

Sabemos o quanto nossa separação foi dolorosa e quantas feridas

foram deixadas. Sabemos também o quanto erramos em não sermos mais


compreensivos com você. É impossível descrever a dor de uma mãe e um

pai ao serem tão bruscamente separados da própria filha.

De maneira tola, achamos que lhe abandonando de vez faríamos

com que você se arrependesse e voltasse para nós, mas agora


compreendemos que você é uma mulher adulta. Desde que recebemos seu

cartão contando sobre a gravidez, ficamos muito pensativos e decidimos

escrever essa carta, espero que você a leia com o coração aberto.
Saiba que deixamos de lado a ideia tola de lhe tirar a herança.

Tenha certeza de que, no dia em que partirmos desse mundo, você ainda
terá tudo a que tem direito. Nós a amamos, filha, assim como já amamos a

criança que você carrega.

Não nos opomos à ideia de que vocês vivam na Itália, mas, por favor,
venham nos visitar, nós sentimos muito a sua falta.

Com amor,

Mamãe.

Ao terminar de ler aquelas palavras, mais uma vez Giovana estava


emocionada, era uma dor muito grande para ela saber que havia sido

apartada de sua família e forçada a uma vida tão difícil pela ganância e

crueldade do tio que nunca a enxergou como ser humano.

— Ele enganou a minha avó, se passou pela minha mãe, é possível


perceber pela carta seguinte. — Ela pegou outra carta.

Querida filha,

Nós entendemos que ainda esteja chateada conosco, mas ficamos


felizes em ajudar de alguma forma, embora esperemos que um dia você nos

perdoe e venha nos ver, ou ao menos nos diga como lhe encontrar.

Enviamos a quantia que você pediu para seu tratamento médico

durante a gravidez e uma quantia a mais para quaisquer despesas que


venham surgir.

Com amor,

Mamãe.

— Ele pediu dinheiro em nome da minha mãe e, ainda assim, ela


morreu por complicações no parto, ou seja, esse dinheiro nunca foi entregue

para os meus pais. Meu tio deixou que minha mãe morresse. Ele é um

monstro! — A voz dela estava embargada, e eu estava completamente


chocado, sem saber o que dizer, não poderia falar que estava tudo bem, pois

sabia que não estava.

Eu a abracei e deixei que ela desabasse em meus braços. Não havia

muito mais que eu pudesse fazer em uma situação como aquela. Eu estava
revoltado e triste por Giovana, queria poder matar Tommaso, porque era o

que ele merecia por ter roubado a vida de uma garotinha.

— Você tem certeza de que ela não recebeu nenhum tratamento?

— Sim... Meu próprio tio dizia que nós éramos muito pobres, por

isso minha mãe e meu pai morreram tão jovens. Ele dizia que minha mãe

era burra por ter aberto mão da herança pra viver com um pé-rapado como

meu pai. Isso quando ele não dizia que aqui não era meu lugar, que eu era
escura demais, que iriam achar que não era filha do meu pai.
A cada coisa que Giovana me contava, mais eu me surpreendia com a

maldade que uma pessoa pode ser capaz de cometer. Ela era tão doce e
verdadeira, como alguém poderia submeter alguém a tantos maus-tratos?

— Eu sinto muito por isso, Giovana. Você é a última pessoa no

mundo que deveria passar por tudo isso.

— Me desculpe por ter vindo aqui, mas eu tive medo de que você

não gostasse da ideia... Acho que era um pressentimento. Acho que eu

precisava vir aqui descobrir toda a verdade, alguma coisa me fez vir até

aqui.

— E quanto ao seu tio? Onde ele está?

— Ele está no hospital, levou uma surra e perdeu todo o dinheiro que

nós demos a ele — Giovana disse como se ainda tentasse absorver a

situação, era como se ela estivesse incrédula. Ela espalmou uma das mãos
na própria testa em um gesto de descrença.

— Nada fora do esperado para alguém como Tommaso. Eu não

duvidaria de nada que você me dissesse sobre ele agora... Mas você disse

algo que eu não sabia... Como assim o dinheiro que nós demos a ele?

Ela parecia envergonhada e olhou para baixo, antes de começar a

explicar.
— Bom, ele me deu um telefone quando eu fui embora, disse que

precisávamos nos falar, porque ele estava muito velho e precisava de mim.

Por compaixão... — Eu bufei, e ela se interrompeu por alguns segundos. —

Por compaixão, eu falei com ele algumas vezes, mas ele me ligava o tempo
inteiro pedindo dinheiro e não acreditava quando eu dizia que não tinha

mais. Ele queria que eu mentisse pra você e pedisse mais dinheiro, mas eu

me recusei a fazer isso. Eu peço perdão por não ter te contado antes.

— Eu imaginei que fosse essa a situação — pontuei.

Eu nem sequer conseguia imaginar como eu me sentiria se fosse

exposto às informações como as que ela descobriu em apenas um dia. Eu

gostaria de poder proteger Paolo e Giovana de todos os problemas do


mundo, gostaria que eles nunca precisassem sofrer.

— São muitas coisas pra um coração tão bondoso, por que nós não

voltamos ao hotel e descansamos um pouco? Nós podemos pensar sobre


isso tudo depois, com a cabeça mais fria, o que acha? — Ela moveu a

cabeça em concordância, mas o desânimo estava estampado em seu rosto.

— Vamos, minha senhora, eu vou cuidar de você. — Eu lhe estendi uma

mão, que ela tomou, e nós voltamos para o salão juntos, depois de recolher
todas aquelas correspondências, documentos e fotos.

Claire e Cassandra nos receberam muito preocupadas, mas eu disse a

elas que Giovana precisava de um tempo antes de poder contar sobre aquele
assunto, pois era tudo muito delicada.

Pedi para Cassandra que nos acompanhasse até o hotel, pois Giovana
iria gostar da companhia dela naquele dia tão triste, e ela concordou. Nós

avisamos aos pais dela que ela voltaria somente no dia seguinte e pudemos

seguir caminho.

Foi estranho ver o quanto Giovana estava triste, afinal, ela era sempre
uma estrela brilhante que animava todos ao redor, mas, naquela noite, ela

não pôde esconder e, depois do jantar, contou o que havia descoberto para

sua amiga e chorou mais um pouco com ela.

Percebi que, para ela, era como viver o luto pela morte da mãe mais

uma vez, pois ela acreditava que sua progenitora poderia ter sobrevivido,

caso o tio não tivesse agido daquela maneira.

Eu as deixei sozinhas e, tarde da noite, Giovana me ligou dizendo


que Cassandra havia ido dormir e perguntou se eu poderia lhe fazer

companhia. Logo nós estávamos juntos mais uma vez, mais uma vez sob

aquele céu tão misterioso e sedutor, mas agora em uma situação muito mais
difícil, embora eu achasse que isso seria impossível.

— Sabe... Às vezes, eu me sentia culpada pela morte da minha mãe.

— Giovana decidiu quebrar o silêncio com a frase que me deixou perplexo.

— Como assim? Você era só um bebê!


— É claro... Mas, se ela não tivesse engravidado de mim, poderia
estar viva até hoje. É como se nós duas não pudéssemos existir no mesmo

mundo. Isso é meio doloroso — falava com serenidade enquanto as estrelas

refletiam em seus olhos de oliva.

— Vocês existiram no mesmo mundo da maneira mais pura que

poderia haver, a conexão que vocês compartilharam é maior do que

qualquer outra... — disse brandamente, colocando meus braços sobre os

ombros dela, acolhendo seu corpo esguio perto de mim.

— Eu queria ter pelo menos uma lembrança dela, entende?

— Acho que sim. Eu tenho lembranças da minha mãe, embora elas

sejam borradas em sua maioria. Meus irmãos acham que Dom e eu nos
lembramos de muitas coisas da nossa mãe, mas a realidade é que a maioria

dessas memórias é incompleta, distante e, também, rara...

— Isso é péssimo — ela murmurou. — O dia em que meu pai morreu

foi o pior dia da minha vida, também foi a única vez que vi meu tio chorar,
deve ser por isso que eu acreditava que ele amava meu pai de alguma

forma... Hoje eu sei que ele é incapaz de amar qualquer pessoa.

Ela ficou em silêncio por alguns segundos e logo continuou sua fala,
como se pensasse alto, como se estivesse perdida pelo labirinto das próprias

vivências.
— Meu pai mal havia sido enterrado, e meu tio vendeu nossa casa.
Lembro até hoje de estar juntando minhas coisas e ele se aproximou, me
entregando uma mala, disse que tudo que eu precisava cabia nela, que o que

não coubesse ali, iria para o lixo, porque era desperdício — concluiu com
risinho amargo. — Eu tinha uma boneca que adorava e não pude ficar com
ela, porque ocupava espaço demais...

Ela olhou para as próprias mãos, que agora estavam apoiadas sobre o
parapeito da varanda do quarto, seu rosto era reflexivo, mas não triste como
antes, era como se sua expressão demonstrasse determinação.

— Não me olhe desse jeito, Stuart, eu estou bem. — Ela me lançou

um sorriso. Giovana ficava tão bem sorrindo que eu gostaria que ela nunca
mais ficasse triste.

— Eu vou cuidar de você e do Paolo com a minha própria vida, você

pode apostar — eu disse e lhe beijei a testa.

— Obrigada... Acho que com vocês dois por perto vai ser mais fácil
seguir em frente. — As palavras dela soavam verdadeiras.

As estrelas ainda reluziam, e Giovana não chorava mais. Em seu


rosto, eu podia ver força e um desejo quase palpável de superar todos os

obstáculos.
 

Seria mentira se eu dissesse que foi fácil encontrar a força de que

precisava naquele momento, mas, de certa maneira, eu senti que estava


crescendo enquanto pessoa, que estava me tornando uma mulher mais

madura.

Descobrir daquela maneira que as coisas mais importantes da minha


vida haviam sido arrancadas de mim de forma tão cruel e injusta foi um

choque, mas também uma motivação.

Depois de muito pensar e refletir sobre cada um daqueles

acontecimentos, depois de ter lido e relido aquelas cartas, tentando encaixar


as datas e posicionar os acontecimentos, percebi que talvez aquela fosse

uma oportunidade de reencontrar minha família.

Eles não nos haviam abandonado completamente, como meu tio

sempre me dizia e fazia questão de pontuar. Era por isso que ele me tolerava
e continuamente dizia que ninguém mais no mundo me queria, no final das

contas, eu sempre fui a galinha dos ovos de ouro para ele.

Nas últimas cartas, minha família se mostrava receosa e minha avó

dizia que não iria mais mandar dinheiro, caso ele não enviasse informações
mais concisas e se não os deixassem falar comigo por telefone. Eles

estavam desconfiados de que eu nem estivesse mais com ele e pararam de

sustentar os vícios do meu tio, o que o levou aquela dívida enorme.

Stuart estava cansado e acabou indo dormir. Sozinha, eu passei a

noite inteira em claro, repassando tudo mentalmente e olhando as fotos de

meus pais. Era como se eles estivessem perto de mim o tempo inteiro, me

protegendo e me dando amor. Apesar de tudo, meu coração estava calmo.


Por mais que eu tivesse perdido muita coisa, meu filho teria todo o amor do

mundo, e isso era suficiente para mim.

Quando o dia começou a clarear, acabei adormecendo na cadeira

acolchoada da varanda, mas, ao acordar, percebi que estava na cama. Foi

um momento confuso perceber que eu estava despertando e que todos os

acontecimentos anteriores eram reais. Ao lado da cama, na mesa de


cabeceira, havia um recado à moda antiga, escrito em um papel: fomos até a
praça central, mas logo estaremos de volta. Já passava das onze da manhã.

A sensação de estar apenas comigo mesma naquele quarto foi


estranha e eu me dei conta de que não era o tipo de pessoa que passava

muito tempo sozinha. Lembrei-me do final de minha gravidez, quando

passei a maior parte do tempo no quartinho que Giuseppe havia arranjado

para mim. Eu estava isolada e isso me fez muito mal.

Aqueles momentos foram complicados, era como se eu não pudesse

ser eu mesma, como se a vida não tivesse muita razão de ser. Perder as

esperanças não era algo que fizesse parte de mim, mas, naqueles momentos,

quase aconteceu. Felizmente tudo havia mudado, e eu estava otimista,

apesar de ainda sentir muita raiva.

Depois de todo aquele tempo refletindo, decidi o que precisava fazer.

Depois que Stuart, Paolo e Claire voltaram do passeio que Cassandra

lhe havia oferecido, pois conhecia bem a cidade, muito mais do que eu, que

raramente saía do vilarejo, conversei um pouco com minha amiga, mas ela

logo teve que partir. Nós dissemos adeus com promessas de nos vermos

logo.

Quando Stuart e eu ficamos a sós novamente, eu precisei de coragem

para contar sobre meus planos.


— Eu gostaria de ver meu tio — disse a frase com firmeza — pela

última vez — pontuei.

O olhar de Stuart era compreensivo, ele sabia que eu tinha muitas

coisas pendentes e que não ter aquele último encontro poderia ser muito
pior para mim psicologicamente, talvez eu precisasse mesmo do

fechamento daquele ciclo, por mais doloroso que pudesse ser.

Ele concordou em me levar até o hospital onde meu tio Tommaso


estava e assim nós fizemos. Aquele ambiente séptico e sem cores fez com

que eu despertasse para a realidade: meu tio havia ido parar ali pelos seus
próprios pecados.

Antes de entrar na enfermaria, o que eu senti foi diferente de medo,


foi hesitação. Cheguei a me questionar se deveria mesmo fazer aquilo, ou

apenas ir embora e nunca mais falar com ele. Optei por continuar e a
recepção que tive foi óbvia.

— Giovana, sua ingrata! — Foram as primeiras palavras que saíram


da boca de meu tio; nada fora do esperado. — Como pôde me abandonar?
Não me atendeu, desligou o telefone! Agora aparece aqui com a cara mais

lavada, sua inútil! Eu quase morri por sua culpa!

Aquele homem decrépito, cheio de marcas de agressão,

completamente acabado, ainda demonstrava sua essência cruel e


abominável. Eu já não conseguia olhar para ele da mesma maneira, por

mais semelhante que ele fosse ao meu pai. Eu havia aprendido a desassociar
os dois.

— Eu vim me despedir — falei com simplicidade, e ele me lançou


mais uma vez aquele olhar que eu conhecia muito bem. O olhar carregado

de escárnio que me causava arrepios, pois era o prenúncio de alguma frase


cruel.

— Se despedir? Então você veio até a Itália pra se despedir de mim?

Veio dizer adeus à sua única família. A pessoa que te criou a vida inteira?
Você precisa de mim, Giovana! — Ele fez questão de pronunciar cada

palavra com gosto, enquanto eu apenas escutava.

— Vim me despedir da pessoa que tentou fazer com que minha vida

fosse uma completa mentira, mas a verdade sempre surge, não importa que
alguns tentem impedir.

Ele me encarou em silêncio por alguns segundos, como se tentasse


entender do que eu realmente estava falando. — Sim, eu já sei de tudo

agora. Sei que você enganou meus avós, sei que você me enganou e até ao
meu pai.

— Tudo que eu fiz foi por você, pra manter você alimentada! —
gritou a plenos pulmões, mas não tinha forças para sustentar aquela postura
agressiva por muito tempo.

— Não me importa o que você venha a dizer nesse momento, não me

importa nem um pouco. Eu só quero que você saiba que não estragou minha
vida, que eu vou realizar todos os meus sonhos ao lado de pessoas que eu
amo e ao lado de pessoas que irei aprender a amar. Bem longe de você —

finalizei com frieza.

E aquela foi a última vez que me dirigi a meu tio Tommaso. Eu lhe
dei as costas, ao mesmo tempo em que ele gritava e esbravejava. Eu já não

me importava mais. Quando saí, Stuart passou um braço sobre meus


ombros e nós fomos embora daquele lugar.

— Eu estou orgulhoso de você — ele falou enquanto dava um beijo


carinhoso no topo da minha cabeça.

Eu me senti muito mais leve, como se tivesse juntado as peças de um


quebra-cabeça complexo. Depois daquela visita nada agradável, nós

finalmente pudemos aproveitar o tempo como uma família.

— E imaginar que eu passei toda minha vida aqui por perto, mas

jamais fiz um passeio de verdade por Florença — falei, admirada, enquanto


olhávamos as belezas do cenário que a Praça Michelangelo oferecia.

— Agora nós vamos fazer todos os passeios possíveis, você pode ter

certeza — Stuart disse enquanto segurava Paolo no colo, como se tentasse


mostrar tudo a ele.

— Eu queria que as meninas estivessem conosco — falei enquanto

lembrava aquelas pequenas com carinho. Elas faziam muita falta, tudo era
mais quieto sem a presença delas.

— Não se preocupe que elas não vão nos deixar em paz enquanto não

conhecerem a Itália. — Ele sorriu com um olhar otimista, como se em seus

pensamentos surgisse uma nova perspectiva.

Meu coração ficou apertado quando pensei que elas estavam tão

longe. Uma sensação muito parecida com a que eu tinha quando tinha medo

de que algo acontecesse com Paolo. Em pouco tempo, nosso vínculo havia
se tornado algo muito forte, diferente de tudo que eu já havia

experimentado.

Ali, diante da vista panorâmica mais perfeita de Florença, eu

compreendi que estava no lugar correto e que faria de tudo para que as
coisas funcionassem daquela vez.

•••

Nós estávamos sozinhos pela primeira vez em um bom tempo. O

quarto era agradável e a sensação que eu tinha era de alívio, um alívio que
já não conhecia há eras. Pela primeira vez, eu pude me sentar e perceber
que eu não devia nada a ninguém. Respirei fundo, aproveitando essa nova

percepção de vida.

Stuart parecia mais bonito ainda sentado sob a faixa de luz que

entrava pela janela do quarto. Ele trabalhava em seu notebook, e eu apenas

conseguia olhar. Seu rosto era concentrado e sua barba estava começando a
crescer mais do que de costume, sua camisa estava com os botões abertos

em uma atitude relaxada.

Eu me sentia bem.

Paolo estava dormindo pacificamente no berço posicionado no quarto


de Claire, que fez questão de que eu “descansasse”, por mais que fosse

quase impossível ficar totalmente tranquila quando meu bebê não estava

por perto, tentei fazer o que ela dizia, afinal, os últimos dias não haviam
sido nada fáceis ou típicos. Talvez eu precisasse realmente de um tempinho

sem pensar em nenhuma responsabilidade, por mais que fosse complicado.

Quando percebeu que estava sendo observado, Stuart parou o que

estava fazendo e fechou o notebook, deixando o objeto sobre uma mesa no


canto. O dia estava acabando aos poucos e o pôr do sol era um espetáculo.

— Posso saber em que você está pensando? — disse com um sorriso

simpático.
— Gosto de te admirar. — Dei de ombros com leveza, e ele se

aproximou.

— Te admirar também é um dos meus passatempos favoritos... —

disse com doçura, acariciando meu queixo de um jeito delicado.

A troca entre nossos olhares era tão intensa que eu podia sentir as

faíscas. Eu não estava preocupada, só queria aproveitar aquele instante e,

naquele momento, consegui esvaziar meus pensamentos e mergulhar


naquele afeto que me fazia tão bem.

Stuart sentou-se atrás de mim na cama, e eu pude sentir seu calor, seu

perfume delicado e conciso atingindo meu olfato como uma memória

deliciosa. Ele afastou meus cabelos, deixando minhas costas expostas e


depois, com cuidado, afastou as alças finas do meu vestido. O simples toque

me fazendo estremecer.

As mãos dele pressionavam minhas espáduas com maestria,


aplicando a pressão correta e causando uma sensação que me trazia a

sensação de que poderia me dissolver. Ele se demorou massageando as

minhas costas, fazendo com que toda a tensão que eu sentia fosse se

dissipando devagar.

Ele me tocava devagar, não havia nenhum vestígio de pressa ali,

como se nós estivéssemos nos conhecendo naquele momento, como se


fôssemos apenas duas pessoas apaixonadas e perdidas uma na outra,

experimentando as maravilhas de um amor recém-descoberto.

Quando me virei para ele, não hesitei em juntar nossos lábios em um

beijo cheio de paixão, meticuloso, ardente. De repente, nós éramos apenas

peles e lábios e sensação; cada toque, um arrepio; cada suspiro, um tremor.

Aquilo era completamente novo para mim. Eu podia me entregar sem culpa,
podia simplesmente deixar acontecer.

Nós nos pertencíamos, e eu sabia agora.

As mãos dele eram tão grandes que era como se quase pudessem dar
a volta em minha cintura. Seu toque firme, com a compressão perfeita, fazia

com que eu me derretesse. Não era necessário muito para que Stuart me

tivesse em seus braços, completamente entregue.

Meu corpo respondia com fúria a qualquer estímulo que viesse dele e
não demorava nada para que a umidade e a vibração no ponto entre minhas

coxas se tornassem impossível de ignorar, assim como o volume sob as

calças dele.

Eu nunca imaginei que pudesse desejar tanto um homem quanto


desejava Stuart. Ele fazia com que cada pessoa que eu já tivesse conhecido

se tornasse completamente desinteressante. O olhar sarcástico dele, com seu


meio-sorriso quando estava bem-humorado, abalava todas as minhas

estruturas e me assombrava quando não estávamos juntos. Eu o adorava.

A forma com que ele me olhava agora era diferente, não havia

desconfiança ali, apenas um homem doce e vulnerável, como ele era por
dentro. Então nós nos deixamos ir com os beijos demorados que logo nos

levaram para aquela cama confortável na Itália.

O corpo dele sobre o meu me lembrava da primeira noite em que


estivemos juntos. Havia sido como um sonho e agora era mais do que isso,

porque eu sabia que era só o começo de nossas vidas um ao lado do outro.

Sem pensar muito, intuitivamente, Stuart começou a tirar meu

vestido. Nós já nos conhecíamos, nossos corpos eram íntimos, então aquela
dança era muito mais precisa, muito mais exata. Ele beijou meu pescoço,

mordiscou meu ombro, deixou que sua língua deslizasse até um dos meus

mamilos, arrepiando minha pele e fazendo com que meu corpo inteiro
queimasse de desejo. O percurso de sua boca seguiu explorando a pele

sobre minhas costelas, até minha cintura, enquanto eu me agarrava aos seus

ombros largos como se minha vida dependesse disso.

As mãos afoitas do meu parceiro, que agora trocava a postura serena


por uma atitude mais ávida, arrancaram meus shorts junto de minha

calcinha, e eu arfei — cada pedaço de mim rompendo como uma sinfonia.


Ele não esperou muito para me tocar, seu rosto cheio de voracidade me

instigando, acordando a luxúria que havia em mim.

Com um de seus dedos, ele me penetrou, sentindo a umidade entre

minhas pernas, me fez gemer baixinho enquanto me preenchia. Aquilo era

insano, me fazia querer mais. Olhou em meus olhos, me penetrando com

eles também, e lambendo minhas coxas enquanto começava a movimentar


aquele único dedo aos poucos.

Meu corpo era uma antena captando todas as energias que emanavam

de Stuart e era pura paixão o que eu recebia dele.

— Eu quero você. Agora — sussurrei, e ele não demorou a obedecer,

se despindo em seguida.

Olhar para ele tão excitado por minha causa fazia com que eu me

sentisse desejada, uma mulher completa. Quando ele me tomou de vez,


encaixando nossos corpos, unindo nossos sexos em uma junção perfeita, foi

como tocar o céu. Ali eu entendi a perfeição de conseguir o desejo carnal e

os sentimentos que se tem por uma pessoa.

Ele se moveu devagar primeiro, aumentando o ritmo aos poucos,


enquanto o suor porejava na superfície das nossas peles. Meus quadris se

mexiam, tentando acompanhar todo aquele apetite, o que era até simples,

pois estávamos em harmonia em todos os aspectos.


Stuart segurou uma de minhas mãos, colocando sobre meu clitóris,
dizendo para que eu me tocasse, indicando que ele estava próximo ao seu

ápice. Quando comecei aquele pequeno movimento circular no ponto mais

sensível do meu corpo no momento, não demorou muito para que eu


atingisse um orgasmo fabuloso, diferente de todos os outros, muito mais

longo e mais forte, sendo seguida imediatamente por ele, que se derramou

em meu interior.

A maneira como todo meu corpo se tornou dormente depois daquele


momento foi uma novidade grata para mim, era como se eu sequer pudesse

me mover, como se todas as minhas energias tivessem sido dissipadas e

uma sensação de relaxamento sem igual tomasse conta de mim.

Não foi como das outras vezes, era algo novo. Não era meramente

sexual, nós fizemos amor.

•••

— Eu nunca me senti assim antes — Stuart me confessou, enquanto


nos observávamos. Estávamos nus, mas eu não tinha vergonha, me sentia à

vontade ao lado do meu marido agora.

— O que você quer dizer com isso? — questionei curiosamente,


querendo detalhes, querendo ouvir mais de sua voz. Minha sobrancelha se
ergueu de maneira automática e meu rosto se movimentou para que minha
expressão se evidenciasse mais.

— Bom... — Ele parecia lutar com os pensamentos para encontrar as

palavras. — É diferente. Isso que nós temos, eu nunca experimentei. Nossa


diferença de idade é bem óbvia. — Não pude resistir a um risinho nesse
segundo.

— Nem tão óbvia assim — falei com simpatia.

— Você é um tanto gentil. — Ele franziu o cenho. — Enfim...


Quando eu estou com você, sinto como se fosse pra ser. Apesar de toda
experiência, de todas as pessoas que passaram por minha vida, ainda assim

é novo.

Ouvir as palavras dele fazia com que meu coração bombeasse o


sangue um pouco mais rápido. Eu gostava daquela sensação. Não era

ansiedade, nem medo, era antecipação pelo futuro e apreciação pelo


presente. Era felicidade.

— Eu realmente nunca me senti assim antes... — Stuart estava

pensativo.

— Nem com... — Quando dei por mim, já havia dito as palavras, por
mais que tenha me arrependido em seguida, pois certos assuntos não
precisam ser tocados.
— Nem com Amber — ele confirmou enquanto segurava meu rosto
com uma de suas mãos, acariciando meu queixo com o polegar. — Amber
foi uma das pessoas mais importantes da minha vida, porque foi através

dela que eu conheci minhas filhas e foi com ela que vivi momentos muito
especiais, além de ter descoberto que era possível, sim, ter amor em um

casamento, diferente do que meu pai fazia parecer. Meu coração sempre vai
ter um espaço pra ela. Mas você, Giovana, me fez acreditar em alguma
coisa superior, como destino, almas gêmeas, todas essas coisas que eu

sempre considerei estupidez.

Eu não sabia como corresponder àquelas palavras, porque elas


atingiam minhas emoções de maneira direta, provocando um misto de

sentimentos agradáveis que eu jamais poderia descrever, então apenas sorri


enquanto me aproximava dele mais uma vez e aspirava seu perfume
amadeirado, que já me remetia à sensação de proteção e alegria.

Eu sentia um pouco de medo de não corresponder a todas as

expectativas de Stuart e das meninas, mas, ao mesmo tempo, sabia que nós
descobriríamos juntos uma maneira de sermos felizes e convivermos com
as cicatrizes de nossos passados tão conturbados. Finalmente eu poderia

deixar o capítulo triste da minha história para trás e escrever um novo.


 

Giovana não sabia, mas eu havia ficado muito mais consternado do

que demonstrei ao saber o que o tio fez com ela. Eu prometi que a ajudaria
a entrar em contato com a família materna e procurei Dominic para me

ajudar com aquela tarefa assim que voltamos da Itália. A família dela era

abastada, segundo as informações que ela havia me dado, então não seria
difícil encontrar informações daquelas pessoas.

— O tio dela a enganou a vida toda, dizendo que a família não a

queria, mas, na realidade, estava manipulando seus avós para que


mandassem dinheiro que, supostamente, seria para ajudar a neta. — Quando
eu terminei de dizer as palavras, pude notar a expressão perplexa de Dom

que me encarava incrédulo.

— Eu não consigo medir o sofrimento dessa garota... Isso é uma

coisa horrível.

— Exatamente! Eu estou até agora sem saber muito bem como agir
diante disso, é um assunto delicado. Em uma pesquisa simples, encontrei

algumas informações sobre a avó dela, que é a responsável por uma das

maiores empresas de confecção têxtil no Brasil. São donos da marca Campi,


com filiais por todo o país.

— Impressionante — ele disse com uma expressão admirada.

— Eu pensei que poderia fazer uma surpresa pra ela promovendo

esse encontro — falei enquanto refletia sobre como faria isso.

As últimas cartas enviadas pela avó de Giovana já datavam de dois


anos atrás, o que explicava a pressa de Tommaso para casar a garota; a

fonte havia secado, e ele não possuía mais dinheiro, apenas dívidas.

— Bom, meu irmão, no final das contas, ao menos, a inocência de

Giovana foi provada.

— No fundo, eu já sabia que ela não tinha más intenções, apenas uma

percepção errada do tio. Como eu poderia julgá-la por isso, Dom? Nós
mesmos já agimos várias vezes como idiotas para agradar nosso pai, um
homem completamente desagradável e tóxico. — Suspirei, e ele concordou
com um menear de cabeça. — Eu me sinto péssimo por ter sido tão cruel

com ela... Ela já sofria tanta pressão daquele canalha!

— Eu sei, eu sei, mas você também foi enganado. Na verdade,

nenhum dos dois teve culpa, os dois sofreram golpes...

— Eu poderia ter sido mais compreensivo. Sou um homem

experiente, e ela é uma garota, eu deveria ter imaginado.

— Não há como voltar no tempo, então tudo que você pode fazer é

tentar compensar de alguma forma, e não se preocupe, porque eu vou ajudar


com isso.

•••

— Nana? — O apelido carinhoso soava um tantinho estranho saindo

dos meus lábios, mas era agradável alcançar aquela nova fase. Eu queria me

aproximar dela, queria que ela se sentisse segura de que as coisas haviam
realmente mudado e nós poderíamos agir como um casal normal.

O sorriso lindo e resplandecente que ela me ofereceu em resposta

provou que a estratégia era boa, que estávamos em sintonia. Paolo estava

em um tapetinho macio e esticou o pescoço ao ouvir minha voz, ele estava


se desenvolvendo bem e já nos reconhecia mais facilmente.
— Como o nosso pequeno príncipe passou o dia hoje? — perguntei

enquanto afrouxava o nó da gravata, deixava os sapatos no canto do quarto


e caminhava de meias até o centro do cômodo, ao lado dela e em frente a

ele.

— Nós passeamos um pouco pelo jardim, e eu li algumas histórias.

As irmãs dele brincaram um pouquinho com ele também, mas precisaram ir


para as aulas extracurriculares, contra a vontade, é claro — concluiu, de
bom humor.

Aquilo tudo era tão perfeito que eu mal podia acreditar. Aquela vida
era mesmo real ou estava preso em uma realidade paralela criada por

inteligência artificial? Havia tanto tempo que eu não sentia meu peito tão
leve, tão cheio de paz, que era complicado assimilar.

— Ele sente sua falta — ela comentou quando viu o quanto ele me
olhava.

— Também sinto a falta dele a cada segundo — eu disse enquanto o


tomava em meus braços. Aquele cheirinho de talco característico
acalmando qualquer ansiedade que pudesse haver dentro de mim.

Ficamos ali por um tempinho, apenas aproveitando a presença um do


outro, junto ao nosso pequeno. Estávamos orgulhosos do que havíamos

feito, felizes por nossa família.


— Mais tarde, depois que você descansar, eu gostaria de conversar

um pouco — Giovana disse após algum tempo.

— É claro, quando você quiser — respondi de imediato.

Havia certa preocupação no fundo de seu tom de voz, e eu já


imaginava quantas questões se passavam por sua mente naquele momento.

Depois que voltamos da Itália, ela teve um pouco mais de tempo para
processar tudo e isso deve ter criado perguntas e reflexões.

Depois do jantar, quando as crianças foram para cama, pudemos nos


encontrar finalmente e falar sobre os assuntos de adultos que eram tão
complicados. Logo estávamos ao ar livre, como gostávamos tanto, à beira

da piscina, em um dos bancos.

— Você disse que queria conversar... — Tentei criar a deixa para

qualquer assunto que ela quisesse abordar.

— Bom, sim. São tantas coisas. Eu ainda nem sei por onde começar...

— Comece por qualquer lugar, no final, nós vamos nos entender. —


Sorri de maneira cúmplice, ao que ela correspondeu da mesma maneira.

— Eu não sei se nosso relacionamento começou da melhor maneira.


Um casamento forçado nunca poderia ser a melhor maneira — explicou,

gesticulando, e eu a escutava com atenção. — Consigo lembrar quando meu


tio disse que eu iria me casar com o dono de uma vinícola. Eu estava
apavorada, não conseguia dormir só de pensar no que poderia acontecer
comigo nas mãos daquele homem. Salvatore nunca teve uma boa fama e
nunca tratou bem as mulheres... — Suspirou, fechando os olhos por alguns

segundos. — Meu medo fez com que eu impusesse um casamento pra outra
pessoa...

— Giovana, você não precisa... — Tentei interrompê-la, porque


aquilo não era justo, eu não queria que ela continuasse sofrendo por coisas

que não eram culpa dela.

— Por favor, Stuart, eu preciso dizer tudo! — insistiu.

— Tudo bem, me desculpe pela interrupção — respondi de forma

neutra, afinal, eu não tinha direito de impedi-la de se expressar e tirar


aqueles sentimentos pesados de suas costas.

— Sem problemas. — Giovana me ofereceu um meio-sorriso


tristonho. Após uma pausa, ela prosseguiu: — Bom, nós acabamos casados.

— Dessa vez foi um risinho irônico que escapou, como se aquela situação
tivesse algo de cômico. — Sempre que eu penso no ridículo dessa situação,

não posso deixar de me punir mentalmente. Tudo que eu fiz por uma pessoa
que nunca me amou. — Ela parecia desapontada, e eu não pude evitar tocar
seu rosto numa carícia espontânea, como se eu pudesse consolá-la um

pouco.
— Você e Paolo são as melhores coisas que surgiram na minha vida
nos últimos tempos. Meu único arrependimento foi não ter te trazido pra cá
comigo. Eu deveria ter insistido, insistido tanto que você aceitaria. — Ela

sorriu um pouco com minhas palavras e isso me deixou um pouco mais


animado. — Depois do que seu tio fez com você na frente de todos, eu

jamais deveria ter te deixado sozinha.

— Você não é culpado, não tinha responsabilidade alguma por mim!


— Ela parecia agora indignada. — Não é justo procurar culpa onde não

existe.

— Eu paro quando você parar — falei para que ela percebesse o que
estava fazendo.

— Ok! — finalmente concordou. — Mas, mesmo assim, eu preciso

dizer: nós não precisamos seguir com esse casamento só porque temos um

filho — pontuou.

— É isso que você queria falar o tempo inteiro? — Havia uma

pontada de insegurança que me atingia naquele instante, mas eu não estava

muito surpreso. Giovana era muito jovem, ainda tinha muitas coisas a

descobrir, e estar casada ainda tão jovem poderia ser um empecilho, eu


jamais a submeteria a isso. — Giovana, você é livre para viver. — Eu sorri,

tentando parecer acolhedor enquanto ela ainda me olhava de forma

hesitante.
— Eu não estou mais te obrigando a ter um compromisso comigo,

Stuart, isso foi uma loucura do meu tio... — Ela parecia triste.

— Você nunca me obrigou. No fundo, você sabe que eu queria estar

com você. Não daquela maneira, é óbvio, mas ter você ao meu lado e na

minha casa durante as últimas semanas foi maravilhoso. Nós podemos


terminar com esse casamento agora e começar do zero, ou podemos

continuar, se você quiser.

— Você realmente quer continuar casado comigo? — O olhar dela

era cheio de dúvidas.

— Sim, Giovana, eu quero — falei de maneira bem-humorada, e ela

riu, um riso alegre.

Ela se levantou do banco para se sentar em meu colo e envolver meu

pescoço com seus braços, depositando um beijo doce em meus lábios.


Giovana parecia feliz agora, diferente de alguns segundos atrás.

— Eu nunca pensei em me separar de você. Quero dar uma chance

pro que estamos vivendo aqui. É uma coisa boa, afinal — falei baixinho,
próximo ao rosto dela. — Mas preciso saber se isso te deixa satisfeita

também, pois já tomaram decisões demais por você nessa vida.

— Sim, eu quero continuar — ela concordou e me abraçou. Aquele


abraço significava muito, como se fosse a primeira vez que nos
abraçávamos de verdade, como se selássemos um acordo.

— Decidida essa parte da história, a mais importante — pontuei —,

gostaria de saber o que você quer fazer com relação a sua vida na Itália.

Acredito que não seja justo deixar pra trás o único bem que você herdou do
seu pai.

Dessa vez ela suspirou cansada e voltou a sentar-se ao meu lado. Não

era um assunto fácil, mas eventualmente precisaríamos tomar aquelas


decisões.

— Eu pensei em muitas coisas. Pensei, inclusive, em esquecer tudo,

nunca mais pensar sobre aquele lugar, afinal, sobraram mais memórias ruins

do que boas, mas... Realmente não seria justo. Eu não sei, pode ser que,
quando Paolo for mais crescidinho, quando eu conseguir um emprego,

possa comprar a metade do meu tio. Seria uma questão de honra.

— Giovana, você sabe muito bem que eu posso fazer isso por você.
Seu tio mais do que nunca precisa de dinheiro e não pensaria duas vezes

antes de aceitar.

— Stuart, você já fez muito por mim, mas isso é algo extremamente

pessoal, um tipo de favor que eu não quero aceitar. — Ela parecia decidida,
e eu sabia que não podia competir com sua obstinação, por isso sequer

tentei.
— Tudo bem... Nós vamos dar um jeito nisso também. Você já

pensou em que área pretende atuar? — perguntei, curioso, não me


recordava de termos tido esse tipo de conversa “banal” antes.

— Bom, eu sempre costurei minhas roupas, fazia alguns vestidos... É

claro que não sou nenhuma profissional, mas vi que existem algumas

faculdades de Moda muito boas no país. — Ela ainda parecia um pouco


tímida para falar sobre o assunto, como se fosse algo ainda fora de sua

realidade.

— Me conte mais sobre isso — falei, interessado.

— Eu já conversei com Giulia sobre isso, mas ela sempre me olha de

um jeito estranho, como se eu fosse caipira demais pra entrar no ramo. —

Ela rolou os olhos rindo.

— Sobre essa coisa de assistente... Você também não precisa, se não


quiser — falei quando me recordei da existência de Giulia Moretti e de sua

personalidade “afável”, para não dizer o contrário.

— Acho que você a contratou pra implicar comigo de alguma forma,

mas, no final das contas, aprendi a gostar dela — sorriu mais uma vez —,
ela nunca conheceu garotas como eu, pois sempre teve uma vida

confortável, então acho que eu causo uma espécie de estranhamento.


— Não deveria, porque você não perde em nada pra ela, nem pra

qualquer dondoca. Você se expressa muito bem, é bilíngue, uma leitora

assídua, aprende rápido, uma mãe perfeita...

— Chega, Stuart — ela disse, dando um tapinha em meu ombro de


leve, seu rosto corava.

— Você tem dificuldade em ouvir elogios, porque se acostumou a

ouvir muita estupidez saindo da boca do seu tio, mas essa é a verdade. Você
é praticamente perfeita, seu único defeito é ser boa demais. — Dessa vez,

ela não pode evitar um riso nervoso.

— Por favor, vamos com calma — ela pediu, e eu sacudi a cabeça em

concordância.

— Tudo bem, tudo bem... Bom, no final das contas, um assunto ficou

em aberto...

— Imagino o que seja — falou enquanto mordiscava os lábios, um

pouco nervosa.

— Sua família — falei de maneira direta, e ela concordou.

Ela respirou profundamente e cruzou os dedos das mãos sobre o colo

enquanto olhava para frente pensativa.

— Pois é, Nana, muitas questões...


— Eu gosto quando você me chama assim — ela disse de forma

adorável. — Mas não facilita o assunto.

— Eu sei. — Tentei soar o mais compreensivo possível.

— Eu gostaria de encontrá-los, mas não sei se tenho coragem. Eu

procurei um pouco sobre eles e reli aquelas cartas também... Descobri que

minha avó foi uma pessoa importante na indústria têxtil no Brasil, acredita?
Hoje está aposentada, mas é um grande nome.

— Confesso que também pesquisei sobre sua família — comentei,

pois sabia que não havia mais lugar para mentiras e omissões entre nós
dois.

— Você deve ter descoberto bem mais do que eu. — Ela parecia

muito interessada enquanto me encarava.

— Ativei alguns contatos e posso dizer que não vai demorar muito
pra sabermos o necessário... — falei, deixando certo mistério no ar, e ela

pareceu se agradar disso.

— Que bom. — Ela sorriu, um pouco mais tranquila. — Eu não


quero que eles pensem que eu sou igual ao meu tio, sabe? Não quero que

achem que me aproximei só por causa do dinheiro.

— Eu tenho certeza de que eles vão adorar te conhecer, assim como

todas as pessoas com quem você cruzou nessa vida... Às vezes fico
procurando as razões por você não ter sido tratada com todo esse amor
durante a sua vida inteira, realmente não faz sentido.

— Pessoas como meu tio acreditam que são superiores às outras por

causa da cor de pele, ou por causa de suas origens... Ele não aceitava que
uma pessoa como eu, que ele sempre considerou inferior, pudesse ter coisas

boas. Por muito tempo, eu tentei negar a mim mesma essa verdade, mas

hoje vejo claramente.

Aquele era um assunto grave, uma situação pela qual eu jamais havia

passado e jamais passaria, pois tinha muitos privilégios. Por isso decidi que

faria de tudo para tentar entender Giovana e protegê-la das coisas ruins do

mundo.

— Às vezes eu temo por Paolo também. Sua pele não é como a

minha, mas, em muitos lugares, ele sempre será visto apenas como não
branco, por isso sempre vou lutar pra que ninguém nunca o trate como

inferior jamais.

— Pode ter certeza de que eu vou lutar com você — eu disse

enquanto segurava uma das mãos dela. — Me veio uma coisa à mente agora
— falei de repente, mudando completamente de assunto e tentando trazer
um clima mais ameno.

— O quê? — Ela parecia curiosa.


— Você nunca entrou no meu quarto.

— Isso é verdade — aquiesceu.

— Gostaria de ver como é?

— Se você achar uma boa ideia...

— Vamos! — disse, puxando sua mão para que ela levantasse.

Nós cruzamos o jardim e, quando estávamos subindo as escadas, ela


quase se virou para ir ao quarto do segundo andar.

— Quando eu disse meu quarto, estava falando do meu quarto de


verdade.

— Você está falando sobre a Suíte Master? — Ela estava


desconfiada.

— Você pode chamar assim se quiser — concordei. — Vamos! —


disse mais uma vez e não demorou muito para que chegássemos até os
aposentos que eu mesmo já não usava havia algum tempo, pois havia me

instalado em um quarto mais próximo ao de Paolo.

Eu jamais havia levado uma mulher ali desde que Amber falecera.
Era a primeira vez que eu abria meu coração e as portas do meu quarto para

alguém. Quando abri espaço para que Giovana entrasse, pude ver a
expressão de choque em seu rosto. Aquele lugar era realmente um exagero,
tinha três ambientes diferentes e uma decoração clean — uma pessoa
poderia facilmente viver ali sem precisar sair para qualquer outra coisa.

— Impressionante — foi o que ela disse, ainda passando os olhos por


toda parte. — Uma mansão dentro da mansão. Espetacular e... — fez uma
pausa dramática — desnecessário — concluiu, e nós dois rimos muito com

a colocação.

O novo clima que existia entre nós era maravilhoso, nós nos

entendíamos bem, não havia qualquer ressentimento ou coisa do tipo. Eu


estava definitivamente satisfeito com nosso novo convívio.

— Não seja implicante — eu disse enquanto fazia cócegas em minha


esposa e ria mais um pouco. — Tudo nessa casa é seu também, e você tem
direito de opinar. Nós podemos repensar a decoração ou até uma mudança

— falei, dando de ombros, afinal, estava disposto a deixá-la feliz.

— Hum... — Ela bateu no queixo com o dedo indicador, como em


uma expressão pensativa. — Acho que isso pode ficar pra depois, por

enquanto eu estou contente com a suíte máster — Giovana disse de um jeito


bem-humorado que elevava meu espírito de uma forma quase
desconcertante.

— Como você preferir, minha deusa — respondi enquanto me


aproximava dela e agarrava sua cintura, eu já estava com saudade daquele
corpo, daquele cheiro.

Devagar, sem me afastar dela, fiz com que nos aproximássemos da

beirada da cama king size feita sob encomenda. Quando estávamos perto da
ponta do colchão, fiz com que ela se deitasse, enquanto se movia com os

cotovelos para se acomodar melhor, e eu colocava meu corpo sobre o dela.

— Nós ainda temos muitos momentos para viver aqui — eu disse,

fitando seus olhos, neles eu podia ver o brilho da vida, uma beleza
inexplicável.

— Aqui ou em qualquer lugar, Stu, desde que eu possa estar sempre

com você — ela disse baixinho, e eu nem soube como responder, apenas
conectei nossos lábios para selar o momento de magia.

Era como se uma parte que havia sido danificada em mim, aos
poucos, começasse a se reconstituir. Estar com Giovana era como viver
novamente e aquele era apenas o nosso começo.
 

O Brasil era muito mais interessante do que eu poderia prever. Era

um país iluminado e com uma diversidade enorme de pessoas. Quando pus


o primeiro pé em solo brasileiro, me senti acolhida de uma forma que

jamais havia sentido antes, como se a vida começasse a fazer muito mais

sentido.

Paolo já estava bem mais pesado, pois estava crescendo muito

rápido, mas, ainda assim, eu adorava carregá-lo no colo, pois sabia que esse

tipo de coisa não duraria por muito tempo, pois logo ele estaria grande
demais. O tempo havia passado tão rápido que eu mal pude me acostumar.
Era como se há dias ele fosse um neném dependente de mim para tudo, e

agora era um bebê enorme que já tinha melhor controle do corpo e fazia
barulhos o tempo inteiro.

Estar com meu menino no colo, além de estar ao lado das minhas três
enteadas, me dava muito mais segurança para o que estava prestes a

acontecer. Meu aniversário de vinte anos estava próximo e a família

Silvestri havia me dado o maior presente de todos os tempos.

Alguns dias antes, menos de duas semanas antes, Stuart disse que
precisava me contar uma coisa, e eu fiquei completamente curiosa, pois a

expressão no rosto dele era de alegria genuína.

— Vamos, diga logo — eu insisti para que ele contasse rápido, e ele

se aproximou para segurar minhas mãos e olhar nos meus olhos.

— Eu prometi uma coisa, então Dom me ajudou, e nós conseguimos.

— Conseguiram o quê? — Eu estava ansiosa.

— Nós contatamos sua família, e eles querem te ver o quanto antes,

Giovana. Se você quiser também, é claro.

Naquele momento, foi como se minha alma saísse do corpo e

levitasse pelo quarto. Eu não soube como responder, apenas senti como se

todo o calor do meu peito fosse roubado e como se meu coração fosse uma
centrífuga de roupas.
— Isso é sério? — Eu sorri, sentindo todos os meus membros
dormentes.

— Seríssimo, meu amor.

— É tão estranho, porque agora parece real. É de verdade. — Eu

estava mil vezes mais entusiasmada e ansiosa do que imaginei que ficaria.

A sensação era enlouquecedora, pois eu estava com medo, mas, ao mesmo

tempo, queria vê-los o mais rápido possível. — Meu Deus, Stu! Eu te amo,
te amo muito! — Eu fiquei na ponta dos pés para abraçá-lo de um jeito

efusivo, e ele me girou no ar.

— Seus avós estão loucos pra falar com você, pediram pra que nós

fizéssemos uma chamada de vídeo se você concordasse.

— É claro! — respondi de imediato. — Não sei se estou pronta... —


Voltei atrás em seguida, e Stuart riu.

— Bom, nós podemos deixar isso para o seu aniversário, se você


achar melhor. — Ele deu de ombros, mas eu estava preocupada.

— E se eles pensarem que é algum tipo de desfeita? — Eu estava

mesmo preocupada.

— Eu juro que eles não vão — afirmou com segurança, e eu fiquei

um pouco mais aliviada.


Um tempinho curto se passou e, na antevéspera do meu aniversário,

Stuart pediu para que eu arrumasse minhas coisas e escolhesse uma boa
roupa, pois havia uma surpresa para mim no dia seguinte. É claro que eu

mal pude dormir, pois imaginei que estava relacionada à chamada de vídeo
que faria com minha família materna, então, quando as meninas vieram me
acordar, eu já estava arrumada. Stuart não estava mais no quarto, o que não

era tão incomum, pois ele sempre se levantava antes de mim e não me
chamava, para não incomodar, embora eu dissesse que gostava de acordar

no mesmo horário que ele para aproveitarmos melhor o tempo juntos.

— Gio, o papai pediu pra que nos ajudássemos em uma coisa —

Amy falou com um sorriso enorme e com uma nova janelinha, que havia
surgido nos dias anteriores.

— Eu já até imagino sobre o que seja. — Eu sorri, animada e

nervosa, respirei fundo e apenas deixei que meu coração batesse com força.

— Mas você vai precisar usar isso! — Lilly disse empolgada,

mostrando o tapa-olhos e pedindo para que eu abaixasse com um gesto, o


que fiz também, apesar da coisa começar a ficar mais misteriosa.

— Meu Deus do céu! O que vocês estão aprontando? — questionei e


ouvi risinhos.
— Não se preocupe, Giovana, eu estou aqui do seu lado. — Ouvi

uma voz e, em seguida, passos. Era Claire com Paolo no colo, eu sabia, pois
reconheceria aqueles barulhinhos em qualquer lugar.

— Meu anjinho. — Sorri, estendendo os braços, mesmo vendada,


para segurá-lo. Fiquei impressionada com minha habilidade, mesmo sem

ver nada. Eu queria muito ver o meu bebê, mas me decidi embarcar naquela
brincadeira e não retirar a venda. Entreguei Paolo para Claire mais uma vez,

tentando não deixar que a preocupação me tirasse a alegria do momento. —


Ok, e agora? — perguntei e só ouvi aqueles risinhos infantis mais uma vez.

— Calma! Nós vamos te guiar. — Era a voz de Annie.

Nos momentos seguintes, eu fiquei completamente desorientada,


confiando apenas naquelas meninas que me guiaram até um carro, com

muita dificuldade, diga-se de passagem, mas sem nenhum tombo, o que já


era bom.

A viagem foi curta e, quando chegamos, precisei fazer mais uma


caminhada perigosíssima com minhas guias nada jeitosas, mas sobrevivi.

Logo, pelo vento que me atingiu, percebi que estávamos em algum lugar a
céu aberto, e eu fiquei curiosa.

— Pronto, Giovana, pode olhar — as meninas diziam com


empolgação.
Quando retirei o tapa-olhos, não pude acreditar no que estava à
minha frente e, também, não pude conter as lágrimas de emoção. A família
Silvestri estava ali em peso, absolutamente todos vieram! Meus olhos

percorriam a fileira de pessoas, passando por tia Gerta na ponta direita,


Dominic, Louise, Matt, Gregory, Suzy, Ayo, Joshua, Stuart, Amy, Annie,

Lilly e Bruce! Até o irmão mais novo havia vindo, mesmo que eu
acreditasse que ele nunca gostaria de conviver comigo, uma estranha.

Também foi o mesmo Bruce que veio até mim. Ele sorria e parecia
muito simpático, era tão bonito quanto os outros, mas seu aspecto era mais
bem-humorado e jovial do que o dos irmãos, como se ele tivesse um pouco

menos de responsabilidade na vida, mas provavelmente era só impressão


minha, pois todos os Silvestri viviam ocupados.

— Giovana, eu sou Bruce e a nossa família resolveu fazer uma


pequena surpresa para você. Todos abriram espaço em suas agendas para
viver esse fim de semana em família... E eu... Bom, estou aqui

principalmente para conhecer você e meu sobrinho — ele completou e se


aproximou para um abraço.

Paolo estava em meu colo e sorria para o tio, ele já estava tão esperto
e crescido. O tempo passa rápido quando se tem um bebê.

— Muito obrigada pelo carinho, Bruce. Paolo também estava ansioso


para te conhecer — falei com animação. — Você gostaria de segurá-lo? —
perguntei, e ele gesticulou em negação, eu só pude rir com a cena, ao
mesmo tempo que os outros, que estavam um pouco distantes, mais perto
do avião particular da família, se aproximavam. Quando menos percebi,

Stuart estava ao lado dele.

— Vamos lá, deixa de ser covarde e segure seu sobrinho — Stuart

interveio.

— Eu tenho medo de fazer alguma coisa errada e...

— É muito fácil, tio, é só não deixar a cabeça do bebê se

desestabilizar. — Annie surgiu, já ensinando as lições que havia aprendido

muito bem e expressando as palavras difíceis que adorava.

— Vamos lá, garoto! E quando for sua vez? — Dominic disse em um


tom engraçado.

— Vira essa boca pra lá — Bruce disse com uma expressão

assustada. — Mas eu vou segurar meu sobrinho. — Ele se rendeu. — Se a


Giovana permitir, é claro.

— Por favor — eu disse enquanto, cuidadosamente, lhe entregava

meu bem mais precioso e percebi que ele até levava jeito pra coisa.

Depois daquela cena tão atípica, todos se aproximaram para me


cumprimentar calorosamente, e as meninas não saíam do meu lado, assim

como tia Gerta. Então, após aquele pequeno ritual, decidi perguntar:
— Nós vamos todos para o Brasil? — Não cabia tanta alegria em

mim, era como se meu corpo fosse pequeno demais pra conter a agitação.

— Não é demais? — Suzy falou com seu sorrisão sempre reluzente.

— Eu nem consigo acreditar — falei enquanto imaginava que

poderia acordar a qualquer momento daquele sonho. Fiquei me perguntando


se, em algum lugar, meu pai estaria me vendo e se ele estaria tão feliz

quanto eu.

Eu me senti muito agradecida ao perceber quantas pessoas haviam

mudado suas rotinas apenas para estarem ali comigo naquele momento tão
importante.

— Muito obrigada, Stu. — Eu sorri enquanto o abraçava forte. Com

ele, eu sempre me sentia segura, ele havia se tornado tudo que eu poderia

querer de um marido.

— Tudo que eu venha a fazer por você sempre será pouco, meu amor.

— Ele beijou o topo da minha cabeça.

Assim nós viajamos para o Brasil e foi uma viagem divertida, diga-se
de passagem. Josh e Bruce puxavam músicas que as pessoas cantavam em

carros quando estavam dirigindo, enquanto Stuart e Dominic pediam paz.

Greg e Suzy jogavam cartas com as meninas, inclusive com Louise, e eu


conversava com tia Gerta, que me dava muitos conselhos sobre
absolutamente qualquer coisa. Matt havia se escondido nos fundos do avião

e não largava seu Ipod.

Estar no país onde minha mãe nasceu causava uma sensação

estranha, como se eu pudesse voltar no tempo de alguma maneira e me


conectar com ela. Eu olhava para todos os lados e imaginava que as

energias dele estariam ao redor de mim.

Nós chegamos no horário da noite e ficamos hospedados em uma


fazenda em Minas Gerais. O lugar era maravilhoso e ouvir os sons da

natureza me deixava encantada. As meninas ficaram extremamente

empolgadas para ver os cavalos, enquanto todos pareciam extasiado com a


beleza natural do lugar.

Aquele cantinho do mundo me lembrava muito também minha casa

na Itália, as estrelas brilhando no céu, os riachos, os animais e até os

mosquitos. A noite foi fresca e até mesmo fria em alguns momentos, mas,
no dia seguinte, o sol estava iluminando tudo, e o céu, muito azul.

Em vez de uma chamada de vídeo, eu ganhei um encontro pessoal

com minhas duas famílias! Eu estava muito animada, e Claire me ajudava a

pensar em como me arrumar, já que Giulia estava muito ocupada em uma


Convenção de Moda no Chile.
— Você acha que esse está bom? — dizia enquanto me olhava no

espelho, já havia experimentado três vestidos diferentes: Prada, Gucci, nada


parecia ser bom o suficiente.

— Giovana... Eles não vão se importar nem um pouco com a roupa

que você vai usar, afinal, você é a neta deles, são vinte anos de atraso para

esse encontro! — Claire disse com uma perspicácia incrível.

— Você tem razão. — Eu sorri. — Mas eu quero que eles tenham

uma boa impressão de mim — falei com certo desânimo, pois não é nada

agradável ficar insegura.

— Que tal aquele florido? — questionou, revirando uma das malas.

— Deve estar por aqui, tenho certeza de que Giulia e eu colocamos. Ah,

sim, as duas haviam arrumado minhas malas sem que eu percebesse, o que
não era muito difícil, afinal, eu não era a pessoa mais atenciosa com roupas

na face da Terra.

— Ah, você fala sobre o bege com flores cor-de-rosa? Aquele é um

vestido da minha mãe, ela mesma o fez, e eu o reformei. Acho que é velho
pra um encontro tão importante.

— Pois, pra mim, ele parece perfeito! Você quer algo mais

representativo do que isso?


Claire tinha toda razão, e eu acabei me decidindo depois daquilo. O

dia demorou a passar porque eu estava ansiosa, mas, quando escureceu, eu

sabia que minha vida iria mudar completamente mais uma vez.

A família inteira saiu em comboio para o jantar que seria servido na


casa da minha família materna. Eu não conseguia manter as mãos no lugar e

quase roí todas as unhas, apesar de Giulia quase me matar quando eu fazia

esse tipo de coisa.

Fomos recebidos por funcionários muito gentis e que falavam

perfeitamente inglês, que logo nos encaminharam até um lindo salão de

aparência rústica. Os Silvestri eram barulhentos e o lugar ganhou vida

quando todos entraram.

Não demorou muito para que um par de idosos surgisse. Os dois

tinham a pele escura como a minha e, no rosto deles, eu podia distinguir os

traços que existiam na face de minha mãe de maneira facilmente


reconhecível, apesar de eu tê-la visto apenas por fotos.

Eles me distinguiram com facilidade, e eu pude ver nos olhos de

ambos, principalmente de minha avó, a emoção crescente enquanto as

lágrimas começavam a se formar. Naquele instante, foi como se não


existisse ar para respirar, e eu comecei a caminhar mais rápido em direção a

eles, sem pensar muito, meu corpo apenas foi.


— Giovana! — a velha mulher disse com carinho enquanto ainda nos

observávamos sem conseguir desviar o olhar. A balbúrdia dos Silvestri se


transformando em silêncio.

— Minha neta! Por favor, dê aqui um abraço no seu avô! — aquele

senhor disse, comovido, e eu me aproximei. Ambos me abraçaram e o calor

deles fez com que eu tivesse a sensação de completude pela primeira vez.

Aquele abraço durou uma eternidade enquanto eu tentava captar cada

coisinha daquele cenário, pois queria que aquela memória durasse para

sempre dentro da minha mente.

— Eu pensei que não iríamos viver o suficiente pra ter a chance de

pedir perdão a você, minha filha — a senhora Campos dizia emocionada,

sua voz falhando um pouco.

— Não há mais nada a ser perdoado, vovó, não mais. — O termo


saiu espontaneamente dos meus lábios, e ela pareceu ficar feliz com isso. —

Eu gostaria que os senhores conhecessem a família do meu marido, que

agora é minha também, e, principalmente, o seu bisneto: Paolo.

Stuart se aproximou com nosso bebê no colo, e meus avós foram até
eles para um cumprimento longo. Eles estavam tão encantados e

emocionados que eu tive até medo de que pudessem passar mal ou algo do
tipo, mas, felizmente, tudo continuou bem enquanto eu assistia à cena mais
surreal de todos os tempos.

Assistir aos meus avós segurarem seu bisneto enquanto conversavam

com meu marido, minhas enteadas e o restante da família era algo que eu
não cogitaria nem em meus mais loucos sonhos. Aquela era mesmo uma

noite especial.

Nós tínhamos tantas coisas para conversar, tantas questões para


serem respondidas que eu mal conseguia decidir por onde começar, mas,

pelo visto, eles sabiam muito bem. Antes do jantar, todos nos reunimos em

uma sala de estar, onde quase tudo era de madeira, causando uma sensação

de aconchego. As crianças já estavam à vontade e brincando pela casa,


enquanto os adolescentes já haviam se perdido pelos jardins com seus

celulares. Nós, os adultos, estávamos falando sobre tudo e escutando as


histórias dos meus avós, que não saíram de perto de mim e Paolo nem por

um minuto.

Em certo momento, quando estava quase na hora de irmos para a sala


de jantar, meu avô, que tinha um porte elegante e refinado, além de uma voz

gentil, se levantou para anunciar algo:

— Eu gostaria muito de agradecer a presença de todos vocês e

agradecer também por cuidarem tão bem da Giovana. Apesar de todas as


coisas tristes que aconteceram e todos os golpes que sofremos, finalmente
temos motivos para celebrar. Minha filha — ele se dirigiu a mim, como se
pedisse para que eu levantasse, o que fiz de imediato —, sua vó e eu não
podemos devolver os anos perdidos, nem podemos tê-los de volta, mas,

como sinal do nosso amor, eu gostaria de lhe entregar isso — disse, me


entregando uma chave e uma moldura com um papel. Minha avó sorria e
Stuart também, é claro que ele sabia de todos os planos.

— Vovô, do que se trata...?

— A hospedaria que seu pai comprou agora é sua, completamente


sua. Nós enviamos um representante que resolveu tudo com aquele... com
aquele crápula. — Quando se referiu ao meu tio, seu olhar logo mudou, mas

ele não se permitiu abalar. — A lembrança do seu pai vai estar sempre com
você — finalizou e me deu um beijo na testa.

Eu mal podia acreditar e nem queria aceitar aquilo, mas sabia que era

um sinal de paz e boa vontade e que era importante para eles. No final das
contas, fiquei aliviada em saber que a única coisa que meu pai havia
deixado não estava mais nas mãos de meu tio e, no fundo, apesar de tudo,

também diminuía minha preocupação saber que meu tio não estava
completamente sem dinheiro. Eu me punia mentalmente por ser tão boba,
mas há certas coisas que não se podem mudar.

— Esse é o segundo dia mais feliz da minha vida, só perdendo pro


dia em que Paolo nasceu — eu disse a eles, que pareceram muito satisfeitos
com a declaração, que era, primeiramente, honesta.

O jantar foi de uma beleza imensurável, e eu descobri que a

gastronomia de Minas Gerais é uma das melhores do mundo, o que


comprovei ao provar tudo que foi servido. A feijoada foi o ponto alto da
noite para mim, enquanto as crianças ficaram muito mais interessadas nos

doces servidos na sobremesa.

A melhor parte de tudo era o clima agradável que se formou ali,

como se fôssemos todos velhos conhecidos. Eu me sentia mal ao imaginar o


quanto meus avós se arrependeram de terem sido tão incompreensivos com
minha mãe, mas me acalentava pensar que agora eles poderiam ter um

pouco de paz.

Enquanto todos conversavam e conheciam o restante da enorme

construção, meus avós me levaram até um lugar que, para eles, era muito
especial. Quando abriram a enorme porta de mogno, revelaram um quarto
adolescente intocado. Eu já sabia do que se tratava.

— Sua mãe dormia aqui. Nós não mudamos absolutamente nada —


pontuaram e abriram espaço para que eu visse tudo.

O quarto era espaçoso, cheio de pôsteres na parede, e havia uma

máquina de costura profissional no canto.


— Quando eu vi você, foi difícil não cair aos prantos, ainda mais ao
perceber que você usava o vestido favorito da sua mãe — minha avó disse,

voltando a se emocionar.

— Eu resolvi usá-lo exatamente por isso. Queria que ela estivesse

presente de alguma maneira. — Eu sorri ao perceber que eles conheciam


aquela peça.

— Eu me arrependo amargamente das palavras que disse a ela. Todos


os dias — minha vó dizia abraçada ao meu avô.

— Nós não queríamos que ela sofresse ou passasse qualquer

necessidade, por isso fomos tão duros, mas veja o resultado. — Ele suspirou
com tristeza.

— Isso já passou, eu entendo. Sei que eu faria qualquer coisa pra


proteger meu filho, isso poderia distorcer meus julgamentos... — disse
enquanto me lembrava que acabei acatando ao plano do meu tio de obrigar

Stuart a se casar comigo. — Eu só quero aproveitar o tempo com vocês


agora, nada mais.

— Giovana, eu sei que é um assunto delicado — minha avó começou

de repente —, eu sei como as coisas aconteceram com seu tio e como você
conheceu a família Silvestri. Eu só gostaria de dizer que nós somos sua
família e que, caso você queira, pode vir viver conosco ou em qualquer
lugar que queira, nós vamos fazer qualquer coisa por você e o nosso

pequeno.

Eu entendia que eles queriam me ajudar, até porque a maneira como


as coisas se constituíram eram bastante questionáveis, mas uma coisa da

qual eu tinha certeza naquele momento era que gostaria de continuar ao


lado de Stuart.

— Eu agradeço de todo coração — respondi com afeto —, mas eu


amo o Stuart. Por mais que nosso casamento tenha começado da maneira

errada, eu tenho certeza de que é com ele que quero ficar.

— Você tem certeza de que é essa sua vontade? — meu avô


perguntou.

— Sim, vovô, toda a certeza.

— Então você tem todas as bênçãos que pudermos oferecer. — Eles

sorriram de forma que emanava paz, e eu correspondi da mesma maneira.

— Esse é o melhor aniversário da minha vida!

Estar ali com os dois sozinhos, no quarto que fora de minha mãe,
fazia com que eu não tivesse mais a antiga sensação de ter vindo “do nada”,
finalmente eu conhecia minha família e estava feliz em saber que eles eram

boas pessoas, não apenas os pais que abandonaram a filha por se casar com
um homem pobre.
Nós conversamos por um bom tempo e depois nos reunimos com os
outros. Quando chegamos, todos ficaram em silêncio mais uma vez, o que
era esquisito. Stuart se levantou e veio até mim. Olhou para o meu avô,

como se esperasse um tipo de permissão, o que ele concedeu.

— Giovana, hoje é seu aniversário e eu me perguntei que tipo de


presente poderia oferecer a você...

— Não! Chega de presentes! — falei, envergonhada, cobrindo o

rosto. Era estranho ser o centro das atenções.

— Você nem sabe o que é — ele desdenhou, e eu fiz uma careta, que
foi se desfazendo aos poucos enquanto eu o observava se ajoelhar. Era

como se tudo passasse em câmera lenta.

Em poucos segundos, quase todos seguravam um celular para


registrar a cena, enquanto eu tentava processar tantas informações.

— Giovana, você aceita se casar comigo de novo? Agora da forma


certa? — perguntou após abrir uma caixinha que continha um anel de...

diamante? Respirei fundo, tentando manter meus pensamentos no lugar e


permanecer de pé com as minhas pernas trêmulas.

Levei alguns segundos para conseguir me pronunciar sem gaguejar


completamente, mas ele esperou com paciência, enquanto os Silvestri
entoavam um coro de “aceita, aceita”, e meus avós sorriam.
— Sim, Stuart — falei com a emoção embaçando minha voz. — Pra
você, sempre foi sim.
 

Depois de tudo que havia acontecido, eu jamais me imaginei em um

altar novamente. Jurei a mim mesmo que nunca mais faria algo do tipo, que
poderia até mesmo me unir a alguém, mas sem pompa alguma, apenas em

uma cerimônia legal. Mas aquela era uma promessa que eu não poderia

cumprir.

A decoração e o cenário do casamento eram as coisas mais perfeitas

que eu já havia visto em toda minha vida. Ouro Preto, em Minas Gerais, no

Brasil, era realmente uma das cidades mais lindas do mundo, e eu estava
completamente encantado, extasiado. Sim, com a ajuda da minha família e
dos avós de Giovana, nós preparamos uma cerimônia no país da mãe dela,

que ocorreria na manhã seguinte ao seu aniversário.

Foi engraçado como, depois da notícia do casamento, todos

enlouqueceram e respiraram fundo, afinal, para os Silvestri, é praticamente


impossível guardar segredo, eu nem sabia como eles haviam aguentado

tanto. Suzy e tia Gerta sequestraram Giovana para ajudá-la a se preparar, e

nós fomos separados naquela noite.

A minha despedida de solteiro foi passear com as crianças pela


propriedade da família Campos e conversar com meus irmãos sobre tudo

aquilo.

— Eu falei que casamento surpresa era o ideal — Josh disse, tecendo

elogios a si mesmo, como sempre.

— Mas pouco original, né? — Gregory disse, pois o casamento dele

também havia sido uma surpresa.

— E o que importa essa coisa de originalidade se a ideia é boa? —

Dom apareceu com a voz da razão. — E você, Bruce, o que acha? —

perguntou ao outro, que estava entretido com algum jogo no celular.

— Hã? Eu concordo.

— Com o quê? — falei em um tom de desafio.


— Com qualquer coisa que vocês tenham dito — ele respondeu,
arrancando risada de todos nós.

Aquela noite foi a mais atípica da minha vida, e eu mal consegui


dormir. Quando abri os olhos de manhã, percebi que havia chegado o

momento. Quase num piscar de olhos, também eu me vi vestido de maneira

formal para esperar a mulher mais perfeita do mundo no altar.

O arco sobre mim estava todo decorado com flores naturais e, na


parte de trás, havia uma cadeia de montanhas verdejantes, enquanto nós

podíamos ouvir o canto dos pássaros e sermos abençoados pelo azul do céu

na manhã calma. A atmosfera etérea e bucólica era tudo que aquele

momento precisava.

Como não pudemos decidir qual das meninas levaria as alianças sem

causar uma enorme briga, concordamos que a melhor opção seria deixar a

tarefa para Ayo, resultado com o qual todas anuíram ao final.

Depois da passagem delas, foi a vez da minha adorada noiva.

Naquele momento, eu tive mais certeza do que nunca de que jamais havia

visto uma mulher tão linda quanto ela. Seus cabelos estavam soltos e

cacheados e o vestido, delicado, de mangas longas, combinava


perfeitamente com seu romantismo. Giulia havia acertado mais uma vez nas

opções que havia enviado.


Em vez de entrar com um buquê de flores, Giovana passou pelo

tapete branco com nosso filho no colo, enquanto eu me segurava para


conter as lágrimas. Eu sabia que seria o noivo mais chorão da família, e isso

era indiscutível. Enquanto ela se aproximava lentamente, eu pensava em


tudo pelo que havíamos passado, por todo o sofrimento que enfrentamos e
superamos.

Eram tantas alegrias de uma vez só que eu nem conseguia me


permitir relaxar, como se minha mente já estivesse acostumada a

permanecer em estado de alerta para eventuais problemas. Ainda assim, eu


sabia que, aos poucos, iria reaprender e me permitir ser feliz de novo.

Os últimos meses, incrivelmente, haviam sido os mais loucos de toda


a minha existência. Todos os acontecimentos foram inesperados e, no final
das contas, pareciam também ter sido orquestrados por forças superiores

para que tudo se encaixasse no momento correto e me levasse até o instante


da cerimônia em que Giovana olhou em meus olhos e disse as palavras:

— Ontem, quando fui pedida em casamento — ela falou e não pôde


conter um riso acanhado, assim como nossa pequena grande plateia, que lhe

acompanhou no gesto, depois prosseguiu —, fiquei me perguntando o que


eu poderia dizer hoje, como eu poderia expressar tantos sentimentos? É

claro que praticamente não consegui dormir e, ainda assim, não achei as
palavras. Seria impossível, em poucas horas, resumir tudo que eu passei e
tudo que significa esse momento para mim, mas eu gostaria de agradecer.

Agradecer a você, Stuart, por não ter desistido mesmo quando as coisas
ficaram complicadas, e me ajudou a trazer ao mundo minha razão de viver,

também a vocês, meninas — ela falou se dirigindo às trigêmeas, que


estavam lindas em seus vestidos de dama de honra —, eu nunca teria

redescoberto como é possível ser feliz sem vocês. — As pequenas sorriam.


— Assim como não saberia a sensação de ser querida se não fosse por essa
família que me acolheu e me fez reencontrar minhas origens. — Ela sorriu

para os Silvestri e depois para seus avós, que pareciam radiantes. — Hoje é,
com certeza, o dia mais recompensador da minha vida — Giovana finalizou

com seus olhos cor-de-oliva cheios de lágrimas, e eu a abracei, apesar de


aquela não ser bem a ordem certa das coisas.

Após ter uma percepção quase palpável dos sentimentos dela, ficava
mais complicado falar sobre os meus, pois também havia sido difícil tentar
resumir aquela história e como fui afetado por ela.

— Em certo momento da vida, eu acreditei que seria incapaz de amar


novamente, achei que meu peito havia ressecado, que eu não poderia me

apaixonar mais uma vez. Talvez eu realmente precisasse esperar, precisasse


me curar primeiro, para só então estar pronto para o maior amor da minha
vida. — Eu havia pensado nas ideias, mas tentei soar o mais natural

possível, embora, no meio da fala, tenha deixado o que havia treinado de


lado e simplesmente começado a dizer o que achava que deveria. — Eu é
que agradeço a você, Giovana, por completar a minha família, que sempre
foi perfeita e que agora é mais do que isso. — Sorri, emocionado, e nós nos

comunicamos através de um olhar que eu jamais esqueceria.

Depois das nossas juras de amor eterno, o celebrante nos autorizou o

beijo que selava aquele compromisso. Aquele beijo tinha o gosto do nosso
amor, trazia uma percepção diferente de tudo e nos carregava para uma

dimensão, onde apenas nós dois existíamos. Por um instante, o tempo


parou, e o mundo nos pertencia.

O primeiro casamento, aquele sem confiança e cheio de tristeza,

havia sido deixado para trás de uma vez, nós havíamos superado aquilo
tudo, e nossa vida se tornou uma coisa completamente diferente, cheia de

satisfação e felicidade.

Nós havíamos nos encontrado em um mundo com bilhões de pessoas

e, mesmo morando em continentes diferentes, eu era grato por isso e


sempre seria.

Durante a festa, fiquei feliz em dividir aquela vista tão esplêndida


com as pessoas mais importantes do meu mundo. Os avós de Giovana eram
pessoas agradáveis e pareciam ter amadurecido muito com os anos, eles

demonstravam enorme arrependimento por suas atitudes impensadas.


Por mais que nós já estivéssemos juntos havia algum tempo, eu
estava ansioso para nossa noite de núpcias, pois sentia como se aquilo fosse
a conclusão de um capítulo muito importante para nossa história.

Giovana usava um vestido leve, que Giulia também havia escolhido,


para que ela usasse na festa e ficasse confortável. Eu a abracei pela cintura

assim que chegamos ao quarto, seu cheiro sempre me lembraria das uvas da
Itália e seu olhar sempre me lembraria do céu noturno estrelado.

Não saía da minha cabeça a primeira vez que nos amamos, sendo

banhados pela lua e pelo riacho daquele pequeno vilarejo. Nós nos

tornamos um desde aquele dia, e eu sabia que não nos separaríamos mais.

— Eu te amo mais que tudo, sabia? — sussurrei ao pé do seu ouvido,

recebendo em resposta um daqueles sorrisos perfeitos que só havia no rosto

dela.

Beijei seus lábios com delicadeza e sabia que me contentaria em


apenas olhar para ela pelo resto da vida. Aos poucos, o beijo se tornava

mais intenso, fazendo com que nos conectássemos mais intensa e

profundamente. Eu daria minha vida por aquela mulher, porque ela havia

me mostrado novamente o que era viver.

Nós nos afastamos e colamos nossas testas. A maquiagem dela

começava a se desfazer, mas sua pele continuava perfeita, e eu gostava de


admirar cada marquinha, cada sinal, até qualquer coisa que pudesse ser

chamada de “defeito”, tudo era encantador.

Devagar, acariciei seu rosto, deslizando as costas da mão sobre sua

bochecha macia. Ela fechou os olhos sob o meu toque, relaxando, como se

estivesse viajando em seu próprio mundo por um momento. Não pude


esperar mais e a beijei mais uma vez, com mais voracidade e paixão. Ela

correspondeu da mesma forma, nossas línguas se encontrando em uma

dança afoita.

Não demorou muito para que nossos corpos começassem a se


pressionar um contra o outro de maneira orgânica. Com Giovana, era como

se tudo acontecesse de forma natural, cada toque, cada suspiro, cada

movimento... Nós apenas nos aproximávamos e deixávamos a mágica


acontecer.

Tentei não ser afoito demais, queria que aquele momento fosse

perfeito, então, devagar, fiz com que o zíper central, nas costas daquele

vestido tão delicado, deslizasse lentamente, retirando-o com cautela para


revelar a lingerie branca impecável que ela usava.

Parei por alguns segundos apenas para observar: ela era uma obra de

arte sem igual. Giovana tentou se cobrir com os braços quando percebeu
que eu a observava, mas eu segurei uma de suas mãos e, com minha outra

mão, fiz com que nossos olhos se tocassem.


— Você é a criatura mais linda que eu já tive o prazer de observar

nessa vida — falei de bom humor, ela sorriu e pôs os braços ao meu redor,

em seguida, desabotoando minha camisa social. Eu adorava quando ela


tomava qualquer iniciativa, aquilo era excitante.

Livre da camisa, eu mesmo me desfiz das calças que utilizava e, em

seguida, fiz com que minha mulher se deitasse na cama. Eu nunca fiz o tipo

possessivo, mas gostava de sentir que ela era minha naqueles momentos
específicos.

Desci meu rosto para a altura das coxas dela, mordiscando a região e

lhe arrancando alguns sons indecifráveis, enquanto, de olhos fechados, ela


mordia o lábio inferior. Devagar, afastei mais suas pernas, me posicionando

ali de joelhos confortavelmente e depois rolando aquela peça ínfima para

baixo.

Logo ela estava livre para mim e seu olhar era de prazer e entrega,
não havia nenhum medo, remorso ou culpa, apenas deleite. Quando tomei

seu clitóris entre meus lábios, movimentando minha língua de forma

circular bem lentamente, ouvi seu gemido de satisfação, que me deixava

ainda mais entusiasmado pela atividade.

Deixei que minha língua se demorasse ali, saboreando, degustando...

O sabor dela era maravilhoso, o melhor que eu já havia provado. Eu nunca

me cansava de estar ali, havia se tornado um dos meus lugares favoritos no


mundo. O melhor de tudo era poder olhar seu rosto contorcido de prazer e

saber que eu era o responsável por aquilo.

Eu movia meus lábios e a língua de forma lenta e erótica, enquanto

ela agarrava meus cabelos e me arranhava devagar, me deixando ainda mais

ávido. Aos poucos, aquela movimentação se tornava mais intensa, e ela

rebolava o quadril contra o meu rosto em um frenesi delirante.

— Agora... — disse manhosamente enquanto me puxava para si,

nossos corpos se colando e meu quadril se projetando para frente apenas

para penetrá-la de uma vez só, arrancando dos dois sons que eram a
manifestação daquele prazer insano.

Eu parei por um momento, apenas para sentir aquela conexão, apenas

para oficializar aquele ato. Nós estávamos colados, suados e cheios de


tesão. Nossos olhos faiscavam de desejo, e eu sabia que nos pertencíamos.

Eu me movimentava bem devagar, e ela acompanhava esse ritmo,

embora nenhum dos dois parecesse apto a prolongar o ato por muito tempo,

porque nossa tensão já era explícita. Nossos corpos iam e vinham dentro
daquela agitação, e nós não podíamos conter os gemidos que escapavam de

nossos lábios.

Em pouco tempo, alcançamos o ápice, deixando que a corrente de

prazer se espalhasse por nossos corpos, olhando um nos olhos do outro. O


rosto cansado e satisfeito de Giovana me fazia o homem mais feliz do

universo, como se tudo se resumisse aquele momento entre nós.

Eu sabia que pensar nisso era de uma cafonice sem tamanho, mas

agora eu tinha a sensação de que nossa união estava consumada.

Nós tomamos um banho demorado e bem quente, cheio de

brincadeiras e malícias. Era bom finalmente sermos marido e mulher. De

verdade. Saímos do banheiro e nos entreolhamos, agora relaxados, com


roupas limpas e confortáveis.

— Eu estava pensando — ela começou a dizer com doçura —, eu sei

que é nossa noite de núpcias...

— Mas... — falei, bem-humorado, fazendo com que ela sorrisse e


cumprindo meu mais importante objetivo de vida.

— Seria tão lindo passar esse momento ao lado dos nossos filhos —

completou e me olhou tímida. Ela disse “nossos filhos”, no plural, e isso me

levou a um estado novo de felicidade e contentamento.

— Eu entendo o que você quer dizer. Depois de formar uma família,

as nossas prioridades e conceito de alegria mudam tanto — falei com

orgulho de nós dois.

— Exato! Eu amo cada momentinho a sós com você, mas estar aqui

na terra da minha mãe, com Paolo e as meninas, meus avós e sua família,
ufa! Isso é indescritível, e eu não queria perder nem um segundo disso.

As palavras dela me fizeram refletir sobre como eu me senti quando


descobri sobre a paternidade. Eu queria estar perto do meu filho vinte e

quatro horas por dia. Quando Tommaso negou meu direito mais básico, que

era conhecer meu próprio filho, eu enlouqueci e acabei tomando as decisões

mais insensatas que poderia tomar.

Ser pai é como se tornar um protetor eterno de um tesouro, pelo

menos era como eu me sentia. A responsabilidade e o amor eram as coisas

que tomavam conta de todos os meus dias.

— Giovana, você está certa! — falei, empolgado. — Acho que

podemos aproveitar mais um pouco mais tarde.

Nós nos olhamos de forma cúmplice e simplesmente saímos juntos.

Quando nós voltamos para a enorme sala e encontramos todos


conversando, eles nos olharam desconfiados, e os adolescentes com uma

careta de nojo, o que me fez rir.

— O que foi? — perguntei, me sentando com Giovana em meio a


todos. — Nós decidimos dormir mais tarde.

— Eu queria muito que esse dia não acabasse nunca, queria ficar

mais tempo com vocês — Giovana disse com sua voz angelical.
— Vocês acham que vão passar a madrugada inteira falando mal de
mim, e eu não vou estar aqui pra me defender? — falei em um tom afetado

de brincadeira.

— Ninguém estava sequer falando de você, Stuart — Josh retribuiu a


implicância.

— Vocês são tão engraçados — Giovana disse radiante.

— Ela é tão fofa — Suzy falou, olhando para ela com encantamento.

— Eu concordo — disse, fazendo minha esposa corar adoravelmente.

As meninas correram para se amontoar ao nosso redor, e Giovana

pegou Paolo em seus braços mais uma vez, o que pareceu lhe trazer muito

alívio. Nós seguimos a noite falando sobre amenidades e sobre como aquele

era o país mais lindo que já havíamos visitado.

Todos pareciam felizes e nós gastamos horas e horas conversando,

enquanto, aos poucos, alguns iam ficando com sono e indo para seus
aposentos. No final, só restamos Gregory, Dom, Giovana e eu. Nós falamos

sobre nossas infâncias, e Giovana contou sobre como seu pai a havia
ensinado a pescar, entre outras coisas, o que deixou meus irmãos muito
interessados em combinar um dia de pescaria, entre outras centenas de

planos. Abracei Giovana, e ela se acomodou em meu ombro, enquanto


deixávamos o tempo passar.
O clima era agradável e, se eu pudesse pedir qualquer coisa ao
universo, não o faria, pois seria ingratidão pedir qualquer coisa quando tudo
que eu poderia querer já estava em meus braços e ao meu redor.
 

Amy não estava nem um pouco nervosa, pois havia levado bem a

sério que cair é algo normal. Eu sabia que era, ainda mais ali, naquele
instante. Tinha certeza de que, se não tivesse cometido tantos erros, jamais

teria encontrado Stuart e estaria vivendo aquela história de amor. É claro

que eu não aconselhava ninguém a agir com tanta imprudência, assim como
fiz naquele momento, mas não poderia dizer que estava exatamente

arrependida.

Naquele momento, era como se todos os meus fantasmas tivessem


sido expurgados, e eu pudesse viver minha vida plenamente. Eu já havia
começado a faculdade de Moda que tanto desejava e tinha contato com

meus avós o tempo inteiro, eles queriam que eu produzisse roupas para a
marca da família e pensavam em expandir para os Estados Unidos.

Nós também já estávamos combinando nosso próximo encontro, que


seria muito maior, afinal, em meu casamento, nem todos os Silvestri

puderam estar presentes, e o restante da família de minha mãe também não,

aquilo tudo abria um belo precedente para novos encontros — o que eu iria
amar de todo meu coração.

Stuart disse que não havia convidado a família Silvestri inteira para o

casamento, pois, na última reunião de família em que todos estiveram

juntos, também havia acontecido situações bem complicadas, devido a uma


rixa antiga de Greg com um dos primos. Com o passar do tempo, eu estava

conhecendo mais sobre a história da família e me sentindo como integrante


real, até mesmo Bruce havia se aproximado de mim depois do casamento.

Eu também possuía meu próprio negócio, mesmo sendo pequeno: a


hospedaria na Itália. Meus avós haviam me presenteado com aquele bem

extremamente simbólico para mim e Paolo. É claro que eu precisava de

alguém que cuidasse muito bem de tudo e foi por isso que deleguei essa

tarefa a Cassandra e aos seus pais, que aceitaram de bom grado e muito

felizes. Eles cuidariam das reformas necessárias e iriam gerir o negócio

como meus representantes. É claro que os amigos de meu pai, Antonio e


Francesco, teriam atendimento gratuito por lá enquanto vivessem. Nós
também tivemos a ideia de produzir nosso próprio vinho da casa, que se

chamaria “Giuseppe”, como o homem que tanto me ajudou.

Meu tio havia sumido do mapa, e isso me deixava satisfeita, pois eu

não lhe desejava nenhum mal, mas também não gostaria de ter contato com

ele nunca mais. Eu realmente estava em paz.

Eu estava cheia de ideias e com a mente fervilhando de empolgação,


então era nesse clima que assistia a minha enteada participar daquela

competição. Apenas Amy havia passado para a final, então Lilly e Annie

apenas assistiam com animação ao espetáculo, assim como vários membros

da família: Dominic, Bruce, Gregory, Suzy e Ayo.

Stuart parecia um tanto nervoso enquanto observava tudo, acredito

que ele ainda estava preocupado pelo acidente que ela havia sofrido.

Segurei sua mão para lhe dar confiança, e ele sorriu para mim. Paolo sorriu

para ele em meu colo e acho que isso o tranquilizou um pouco mais.

Foi nesse exato momento que ouvimos a plateia se manifestar com

sons de admiração e lá estava ela, nossa menina, dando seu salto mais

bonito, passando pelo obstáculo com graça e leveza. Nós aplaudimos com
vigor e gritamos de euforia. Aquele salto com certeza lhe renderia a vitória,

eu ainda não entendia muito sobre hipismo, mas sabia e isso foi confirmado

logo em seguida.
— Essa é a minha amazona! — Stuart disse com empolgação

enquanto assobiava. Eu nunca o havia visto tão espontâneo e informal,


aquilo era incrível.

Nós vibramos muito, assim como os outros membros da família que


nos acompanhavam. Durante o almoço, Amy fez questão de dedicar o

prêmio a mim, me arrancando algumas lágrimas, como era especialidade


daquelas pequenas.

— Se não fosse a Giovana, eu nunca teria voltado a treinar! — falou

enquanto me abraçava pelos ombros, era a coisa mais fofa do universo.

— Se não fosse a sua coragem — pontuei.

— Nada disso! — insistiu. — Foi você que me ajudou!

As palavras dela fizeram com que todos sorrissem e Suzy fizesse um


belo anúncio.

— Ela está certa, Giovana! Isso tudo se tornou uma corrente de

coragem — falou com orgulho. — Adivinha só quem perdeu o medo e vai


começar a fazer aulas com as meninas? — disse com alegria.

— Eu não acredito! — Stuart sorriu, olhando para Ayo que, de


repente, havia ficado muito tímida.

— Mãe! Não era pra contar agora! — reclamou, e todos riram com a
cena.
Em pequenos momentos como aquele era que eu me sentia a pessoa

mais sortuda do mundo, afinal, era aquela vida que eu queria viver.

Stuart

Depois da belíssima vitória de Amy, nós decidimos aproveitar o dia


naquele enorme complexo cheio de atrações e com um restaurante incrível.

Nós pudemos relaxar e conversar sobre coisas do dia a dia e deixar o


trabalho um pouco de lado, o que era muito necessário às vezes.

Greg e Suzy comentavam sobre como Ayo estava se tornando uma


pintora incrível, enquanto eu comentava sobre as aulas de idioma que as
meninas estavam fazendo. Havia dias em que elas conversavam entre si em

alemão só pra não me deixar entender.

— Isso é completamente irritante — falei enquanto reclamava com

Annie e Amy que eram as mais arteiras. Elas se acabavam de rir, e os outros
faziam o mesmo.

Bruce apenas ria de mim, porque, quando era criança, fazia o mesmo.
Ele e Joshua começaram a treinar árabe apenas para me irritar e deixar o

resto da família fora da conversa.

— Eu também vou aprender alemão, vocês vão ver.

— Eu acho fascinante o estudo de idiomas, sei um pouco de espanhol


e francês, mas ainda quero aprender muito mais — Suzy falou com
animação, ela era sempre expansiva quando comentava sobre seus hobbies.

— A Giovana também sabe falar italiano, é claro, e português.

— Português, nem tanto — ela disse com certa timidez, e eu alisei

seu ombro.

— Não seja humilde. Você conversou com seus avós em português

várias vezes.

— É porque eles têm uma ótima dicção — ela afirmou.

— Eu sei que vocês adoram essas conversas, mas vou aproveitar meu
dia sem os aborrecentes hoje — Dominic falou de repente, fazendo com que

todos rissem. Era fato que, se os garotos estivessem ali, já estariam


infernizando a vida de Dom para que eles fossem embora rápido.

— O que você pretende fazer, Dom? — Bruce questionou, curioso.

— Andar a cavalo, é óbvio. O que tem de melhor aqui?

— Cuidado, acho que a última vez que você andou a cavalo foi
quando tinha uns vinte e oito anos, o que faz muuuuito tempo — Greg
disse, estendendo a palavra para dar dimensão do que queria dizer, e nós

seguimos rindo.

— Que engraçado, jovenzinho — Dom respondeu com sarcasmo e


logo se despediu. — Até logo! — Sorriu e se retirou.
Nós ficamos lá, como sempre, aproveitando apenas a companhia uns
dos outros, o que era a melhor coisa do mundo. Quando começávamos a
falar, o assunto nunca terminava, e foi assim que a tarde se passou,

enquanto as meninas brincavam com as outras crianças que faziam aulas


com elas.

Aos poucos, o dia foi se apagando e nós vimos que começava a


anoitecer, pois o céu ganhava uma cor alaranjada belíssima, o que chamou a
atenção de Gregory.

— Vocês acham que o Dom ainda vai demorar por muito tempo? —

ele questionou com certa preocupação.

— Acredito que não. Ele sempre gosta de parar em algum lugar pra

ver o pôr do sol. Vamos só esperar anoitecer e ele vai estar aqui rapidinho.

— Não sei não... — Greg ainda estava preocupado, mas aquele era o

jeito dele.

— Vocês conhecem o Dom, ele adora ficar sozinho — pontuei.

Eu imaginava o quanto devia ser difícil ter filhos adolescentes

sempre reclamando de tudo e que ele apenas queria relaxar em um

momento de solidão.

— Tudo bem, mas, se ele não aparecer assim que a noite cair, eu vou

ligar pra ele — Greg disse mais uma vez, e eu concordei.


Nós seguimos conversando, mas eu sentia que meu irmão não

conseguia se tranquilizar, estava sempre olhando para a porta, esperando


que Dominic aparecesse ali.

— Ok, Greg, eu mesmo vou ligar — eu disse, pegando o celular, pois

já estava aflito com a aflição dele.

— Não deve ser nada, Greg, ele só deve estar aproveitando, a gente

acaba esquecendo a vida. Eu sei como é. — Suzy tentou acalmá-lo com sua

experiência de aventureira.

Eu já estava ligando para ele, mas o celular apenas chamava. A


atitude nervosa de Greg já havia me afetado, e eu começava a me alterar.

— Calma, pessoal, daqui a pouco ele vai estar aí. — Bruce tentava

apaziguar, e Giovana já mudava sua expressão.

— Não, o Dom já teria voltado. — Gregory se levantou, e eu fui atrás


dele, desligando o celular, pois de nada adiantava aquela ligação que não

era atendida.

— Aonde você vai? — questionei, segurando o braço de Greg, que


estava obstinado.

— Procurar o Dom, o que você acha? — Ele havia ativado o modo

rabugento.
— Eu vou também — falei, e ele seguiu caminhando. — Nós vamos

ver onde o Dom está, cuidem das meninas — pedi em voz alta e os que

haviam ficado concordaram.

Nós saímos e perguntamos aos seguranças se o haviam visto, eles


disseram que ele havia ido até os estábulos. Nos estábulos, pedimos

informação a um funcionário, que confirmou que ele havia saído com um

dos cavalos. Ele também parecia preocupado, mas não quis expressar de
forma muito veemente para não nos deixar mais inculcados.

Gregory e eu saímos com a 4x4 e fomos em busca dele pelo terreno

lamacento daquela região.

— Você vai ver só, quando nós estivermos bem longe, alguém vai
ligar dizendo que ele chegou — falei para tentar amenizar a tensão, mas era

em momentos como aquele que a mesma sensação desesperadora que eu

sentia quando minha mãe ou Amber estavam doentes aparecia.

Em certa altura, não havia mais como seguir de carro, e nós

decidimos caminhar, vimos uma parte dos arbustos que parecia amassada e

acreditamos que ele havia entrado por ali. Ligamos a lanterna do celular e

procuramos por muito tempo. O espaço verde daquele lugar era muito
amplo e já estava escuro.
Nós tivemos que voltar quando percebemos que poderíamos acabar

perdidos e a última vez em que eu havia me perdido tinha me rendido um


casamento forçado e o encontro com um velho cruel.

Todos ficaram desesperados quando voltamos sem Dominic, mas

tentei não mostrar nervosismo. Nós chamamos a equipe de resgate do lugar

e voltamos para a floresta. Pedi para Bruce, Giovana e Suzy cuidarem das
meninas, também para que não contassem ainda sobre aquilo para tia Gerta.

Pedi para que avisassem aos meus sobrinhos que o pai voltaria no dia

seguinte, mas para não se alarmarem.

O grupo de busca era pequeno e, depois de algumas horas, recebemos

a notícia de que o cavalo havia sido visto correndo em disparada sozinho,

do outro lado do terreno.

Eu estava com medo, muito medo. Sabia que Bruce também estava,

por isso me olhou de maneira aflita e preferiu não nos acompanhar, eu sabia

que ele tinha seus traumas apesar de nunca demonstrar.

Nós estávamos cansados e paramos por um momento para beber água


e nos sentar em uma pedra. O líder da equipe se aproximou e seu rosto

parecia carrancudo.

— Seu irmão foi encontrado, ele estava desacordado, mas já está

recebendo os primeiros socorros.


Enquanto ele dizia, eu apenas podia ver seus lábios se movendo, pois

era como se meu cérebro estivesse desligando aos poucos.

— E-ele está bem? — gaguejei, sem saber o que falar.

— Nós ainda não sabemos — o homem pontuou com seriedade.

Eu estava assustado, mas não podia perder o foco, então apenas

abracei Gregory, que parecia muito mais sem reação do que eu.

— Eu quero vê-lo, pode me levar até ele?

— Sim, nós vamos fazer isso — o homem afirmou.

— Vai ficar tudo bem — sussurrei para Greg, que ainda não havia

dito palavra alguma.

Geralmente era Dom que gerenciava as crises, mas, naquele instante,


ele era a crise; isso me desestabilizou. Eu estava tão acostumado, assim

como todos os outros, a recorrer ao nosso irmão mais velho que era muito

estranho não poder contar com ele.

Quando finalmente o vimos desacordado e ensanguentado, Greg não


pôde mais se conter e chorou de preocupação, enquanto eu tive que me

manter firme, pois era o segundo mais velho, precisava agir como tal.

Aquilo significava muita coisa, uma enorme responsabilidade.

— Vai ficar tudo bem — eu repeti para meu irmão, mas, na verdade,
era como se eu estivesse falando comigo mesmo.
Aquele havia sido um dia tão agradável e agora tudo havia mudado,

mas eu tinha fé de que tudo acabaria bem, nossa vida era resolver
problemas. Agora era minha vez de manter a postura, pois eu era o segundo

no comando e estava preparado para quase qualquer coisa, além de que,

acima de tudo, eu era um Silvestri, e isso era o suficiente.


 

Quando acordei, tudo parecia confuso, e eu não me recordava nem de

onde estava, nem como havia ido parar ali. Meus pensamentos estavam tão
nublados que eu precisei repetir várias vezes informações sobre mim. Meu

nome é Dominic Silvestri. Eu tenho dois filhos. Isso mesmo, eu tenho dois
filhos. Sou divorciado e tenho quatro irmãos. Muito bem.

Tentei abrir os olhos, mas o excesso de luz fez com que eu me


arrependesse imediatamente, fechando-os mais uma vez, pelo menos até me
acostumar com o ambiente e com a ideia de estar acordando. Mas por que

eu estava acordando mesmo? Por que minha cabeça doía e meu cérebro
estava caótico?

Lentamente as memórias começaram a ser desbloqueadas em minha


mente enquanto eu tentava processar o que havia ocorrido. Tentei me mover

um pouco, mas fui afligido por uma dor na costela, além de não conseguir

sequer mexer o braço, como se algo o estivesse prendendo.

Minha garganta parecia extremamente ressecada e eu podia sentir


meus cílios um tanto grudados e gosmentos. Quanto tempo eu havia

dormido? A minha coluna estava em frangalhos e, quando tentei tocar

minha cabeça com o braço que estava livre, senti uma faixa ao redor dela.

O corpo de Bruce, meu irmão mais novo, estava estirado sobre uma

poltrona acolchoada na frente da cama em que eu estava, ele parecia

sonolento, mas começou a abrir os olhos aos poucos. Pode ser que eu tenha

feito algum barulho que chamou sua atenção, ou ele apenas sentiu que eu
havia acordado.

— Dom! — meu irmão gritou euforicamente ao acordar e perceber


que eu também havia despertado. Depois disso, recebi o abraço mais

doloroso de toda minha vida.


Para minha felicidade, não demorou muito para que os sinais
elétricos dentro da minha cabeça clarificassem toda a situação, fazendo com

que eu rememorasse o que havia acontecido e percebesse que tudo havia

começado quando fui assistir a um campeonato infantil de hipismo em que

minha sobrinha estava competindo.

A memória veio como um raio. Um dia ensolarado, cavalos, a queda

abrupta.

Aquele dia tinha tudo para ser uma lembrança bonita no álbum de

família, mas, pelo visto, eu havia causado muita preocupação e cada

milímetro dolorido em meu corpo comprovava isso.

— Puta merda, isso dói pra caralho! — Foi tudo que eu pude dizer

com minha voz enferrujada, e ele se afastou em um sorriso que expressava

um misto de alegria e preocupação.

— Porra! Eu pensei que você ia morrer! — exclamou de volta, em

um tom tão fervoroso que eu podia sentir aquela vibração.

— Obrigado por me receber tão calorosamente de volta ao mundo

dos vivos... — falei com um tom de sarcasmo, e ele sorriu mais uma vez.

Aquele sorriso me disse tudo. Era o sorriso do pequeno Bruce, não


daquele homem formado que nós conhecíamos tão bem. Era o mesmo

sorriso que ele nos oferecia quando ganhava algum doce, e a imagem era
vívida na minha mente. Nosso caçula correndo pela sala com seus quatro

anos, tão pequeno, tão ingênuo...

Eu percebi, naquele instante, que estava realmente ficando velho e

que a situação havia sido mesmo séria, afinal, aquela não era uma reação
comum do meu debochado e distante irmão mais novo.

— Desculpa — ele disse baixo. Essa também não era uma palavra

comum em seu vocabulário.

— As crianças estão bem? — perguntei com uma leve preocupação,

embora, em meu interior, tivesse certeza de que eles estavam ótimos.

— Se você está se referindo aos nossos queridos demônios

adolescentes quando diz “crianças”, sim. Estão muito bem, tão preocupados
quanto todos nós. Eles me surpreenderam. Lou passou todas essas noites

dormindo ao seu lado e indo pra escola de manhã.

Quando ele disse “essas noites”, algo apitou para mim.

— Bruce, há quanto tempo eu estou dormindo? — questionei


finalmente, porque a curiosidade já estava me deixando aflito.

— Três dias. Três. Dias — ele disse de maneira admirada. — Você


quase nos matou de susto. Os médicos disseram que você iria acordar a
qualquer momento, mas nós ficamos desesperados assim mesmo. Meu
Deus, eu nem acredito, eu tô tão aliviado. — Ele suspirou e ficou me

encarando por um tempo. Aquilo foi definitivamente esquisito.

— Cara... Você tá muito estranho. — comentei, sacudindo a cabeça

em negação. — Bom... Além desse fato curioso, você sabe me dizer o que
mais aconteceu comigo? — O gesso no meu braço e perna esquerda eram

reveladores.

— Bom, seu braço quebrou em umas dez partes diferentes... O


médico deve te explicar melhor. Só sei dizer que agora você tem alguns

pinos no seu corpinho. Vai ter que andar por aí com exames médicos, pelo
menos se quiser passar pelos detectores de metal sem problema.

Pronto. Bruce já havia recuperado sua personalidade ácida de


sempre, e isso me deixava contente, pelo menos em partes.

— Porra... Que merda! E a empresa? — A pergunta saiu pelos meus


lábios praticamente sem minha permissão. Trabalho sempre foi o que me

manteve vivo, como se fosse o oxigênio correndo pelo meu corpo.

— É sério, Dom? Eu acabo de dizer que você ficou três dias

dormindo, quebrou o braço, a perna, tem mais pinos que o Frankenstein, e é


essa a pergunta que você me faz? Você não confia no Stu?

A verdade é que a minha inquietação não tinha nada a ver com

desconfiança, afinal, meu irmão, o segundo mais velho depois de mim, era
a pessoa mais honesta, franca e trabalhadora que eu conhecia. Minha
preocupação com trabalho tinha raízes mais profundas e começava com a
criação que recebi do meu pai, o homem mais inflexível do mundo. Assim

como Gregory, meu irmão do meio, eu carregava cicatrizes profundas


daquela convivência, mas reconheci que Bruce estava certo e que eu

precisava organizar minha mente antes de qualquer coisa.

— Claro que eu confio no Stu — falei com um leve tom de

indignação. — Eu só tô tentando entender tudo que aconteceu.

— Quando te encontraram, você estava no chão, cheio de sangue e


com o braço parecendo uma borracha. Greg disse que foi uma cena horrível

de se ver.

— Agradeço mais uma vez pelas descrições gráficas da coisa. —

Rolei os olhos, e ele sorriu de novo. Era muito para Bruce em um dia.

— Eu fico feliz que você esteja de volta. Espero que você não se

importe, mas pode ser que a família Silvestri apareça aqui em peso daqui a
pouco. — A notícia era boa, mas eu não sabia se estava pronto para aquele

tipo de emoção. De qualquer maneira, um pouco de apoio faria bem.

— Em que momento você avisou? — Ergui uma sobrancelha com a

constatação de que nem havia notado.

— Eu sou eficiente — ele me respondeu com uma piscadela.


— Ok. Você viu meu celular? — perguntei, olhando com muita
delicadeza para os lados, pois qualquer movimento mais brusco era capaz
de causar uma sensação lancinante por todo meu corpo.

— Ah, tem isso. Ele tá confiscado com sua filha. Ela disse que,
quando você acordasse, não queria que você fosse correndo ver como estão

as coisas no trabalho. Lou disse que agora você vai estar em férias forçadas,
nada de home office, ou coisas do tipo.

— Fala sério. Vocês não vão me tratar que nem uma criança só

porque eu estou velho e quebrado? — Bufei com certa irritação, mas a

realidade era que eu jamais conseguiria ficar irritado de verdade naquele


momento, porque gratidão era o que preenchia meu peito. — Onde já se

viu? Uma pirralha de treze anos tentando organizar minha vida — falei

mais para mim mesmo, mas a declaração estava preenchida de bom humor.

Eu amava muito meus filhos. — Porra, então me dá um copo de água pelo


menos — pedi, e ele me olhou de forma suspeitosa.

— Certo, mas o médico disse que você não pode beber muito agora,

só meio copo — respondeu quase com vergonha. Eu fui compreensivo,


afinal, não devia ser nada fácil dar esse tipo de notícia para alguém, ainda

mais para uma pessoa que dormiu por três dias depois de um acidente

horrível e um número de cirurgias considerável.

— Tudo bem, Bruce. Meio copo vai ser o suficiente.


Eu não iria discutir, apesar de sentir minha garganta em um estado

deplorável. Tentei ver o lado bom das coisas. Ao menos, eu estava vivo para
contar aquela história.

Ele me entregou meio copo de água, e eu fiquei me questionando se

estava meio cheio ou meio vazio, no final das contas, definindo para mim
mesmo que era apenas um copo com cinquenta por cento do seu conteúdo

— essa constatação era suficiente.

•••

No final do dia, eu estava me sentindo absolutamente bem. Muito


bem, não fossem as fraturas e membros imobilizados, as escoriações e as

marcas arroxeadas. Havia sido um acidente bem feio. Na realidade, havia

causado um burburinho terrível na família que começava a repensar os


esportes a serem praticados por seus filhos.

Os primeiros a chegarem ao hospital para me ver foram Stuart e

Gregory, logo Josh, irmão gêmeo de Greg, também apareceu. Bruce havia

ido até sua casa para tomar banho e trocar de roupa, além de cuidar de
algumas obrigações profissionais. Sentir o abraço, muito mais delicado do

que o de Bruce, dos meus irmãos fez com que eu me sentisse tranquilo,

como se pudesse estar certo de que as coisas ficariam bem e de que não
havia motivos para desespero.
— Você consegue se lembrar do momento do acidente? — Josh

sempre foi o indagador da família e é claro que ele seria o primeiro a

levantar essa questão.

— Sim, eu lembro perfeitamente. Bom, não perfeitamente, mas como


se fosse um vídeo que é interrompido de maneira abrupta. Foi estranho e

tão violento que eu nem entendi o que aconteceu. Já fazia muito tempo que

eu não andava a cavalo e pensei que seria que nem andar de bicicleta.

— Só se for porque você sempre foi o que caiu mais — Stuart

debochou, e todos nós rimos. Naquele momento, rir começava a doer

também, enquanto, aos poucos, eu tomava os sentidos do meu corpo.

— Quem vê o Dom assim, hoje, todo sério, formal, pai de família,


não tem nem noção da quantidade de merda que ele aprontava quando era

criança e adolescente. — Stu foi o meu companheiro durante os anos da

juventude e o que mais recordava daqueles momentos duvidosos.

Às vezes eu me sentia até um pouquinho hipócrita quando chamava

atenção dos meus filhos por alguma traquinagem, porque realmente eu era o

pior, até pior do que Joshua, que tinha uma fama terrível.

— Vocês falam demais, eu quero saber como aconteceu! — Josh


disse em reclamação, e todos ficaram em silêncio, me olhando.
— Eu estava andando a passo calmo até chegarmos a uma região de

campo aberto, onde aceleramos um pouco. Depois disso, continuei até uma
área de mata, na realidade, eu não estava muito interessado em explorar

aquela área, ainda mais que eu não conhecia...

Os olhos dos meus irmãos permaneciam grudados em mim. Eu passei

a maior parte da minha vida adulta tentando afastar os holofotes e resolver


os problemas dos outros, mas, naquele instante, as luzes estavam focadas na

minha história e eu era o problema.

— Bom, o cavalo estava um pouco rebelde, e eu estava tentando


fazer com que ele voltasse, até que uma cobra apareceu no nosso caminho.

Ele simplesmente saiu em disparada e tudo que eu fiz foi tentar me segurar

o mais forte possível, mas vocês sabem como é...

Lembrar-me daquilo trazia um frio na barriga, o mesmo que eu senti

no momento do acontecimento. Era como se eu precisasse lutar pela minha

vida, ao mesmo tempo em que não sabia o que fazer, foi tudo tão rápido que

eu nem consegui pensar até a queda.

— Depois disso, eu acabei batendo em um tronco no meio do

caminho. Essa é a parte onde a história fica nublada, eu não conseguia

entender o que estava acontecendo, agora eu sei que fui arremessado de

forma violenta, nem consegui me mexer. — Porra! Eu morri. Era meu


pensamento. Eu fodi com tudo, que irresponsabilidade, Dominic! Que
merda, cara... Agora você vai morrer aqui no meio da mata e ninguém vai te

encontrar — dizia, tentando reproduzir meus pensamentos naquele

momento de aflição e confusão.

Aquela memória trouxe lágrimas aos meus olhos, pois pude


rememorar o quanto me senti agoniado com a ideia de deixar meus filhos

sozinhos, era como se eu fosse a pessoa mais estúpida do mundo. Até a voz

mal-humorada do meu pai ressoou em minha cabeça, e eu fiquei me


questionando se estava vendo fantasmas ou se apenas alucinei.

Você é mesmo um frangote, Dominic. Que exemplo você é pros seus

irmãos, Dominic?

Só ali, tentando contar tudo aos meus irmãos, eu consegui recuperar


aquelas lembranças, inclusive as divagações acontecendo dentro da minha

cabeça, apenas esperando pelo desmaio que não demorou a vir.

Não me lembro de nenhum sonho durante aqueles dias, mas, aos

poucos, me lembrei de tudo que se passou na minha cabeça quando achei


que iria morrer.

Mas eu estava lá, mais vivo do que nunca, apesar de todas as injúrias.

Josh estava quase chorando quando terminei de falar. Ele não


costumava demonstrar muito esse tipo de sentimento, mas aquela situação

acabou deixando quase todos mais sensíveis e, de certa forma, acabou nos
aproximando mais. Logo, minhas cunhadas Suzy e Giovana, com meus

sobrinhos Paolo e Ayo, apareceram para me visitar também, mas não antes
da chegada de tia Gerta, que me encheu de amor e palavras de conforto.

— Logo você vai ficar bem. Nós vamos cuidar de você — afirmou

com carinho, e eu rolei os olhos não por ingratidão, mas, sim, por saber que

teria que contar mais do que eu gostaria com a colaboração de outras


pessoas.

— Titia, a senhora sabe que eu sei me virar muito bem — respondi

com brandura. — Mas eu agradeço muito pela gentileza, é sério.

— Ah, meu anjo, não é porque você é o mais velho que eu vou deixar

de te tratar como meu bebê. — Aquela frase me arrancou uma risada

sincera, que doeu, é claro. Um homem de quase quarenta anos sendo tratado

como um bebê.

— A senhora é a mulher mais perfeita do mundo, sabia? — afirmei,

dando uma piscadela para ela, que correspondeu me mandando beijos.

Eu sempre fui um homem independente e sempre vivi minha vida de

forma discreta. Precisar dos outros era algo que nunca havia se passado pela
minha cabeça, e isso fazia com que eu me sentisse extremamente

desconfortável, embora eu ainda estivesse tentando evitar esse pensamento

e focando no presente.
Passei aquelas horas cercado por aquelas pessoas tão importantes,
que estavam sempre próximas a mim, nos melhores e piores momentos. Foi

como se, aos poucos, eu pudesse colocar meus pés no chão.

Meus filhos demoraram um pouco mais a chegar, porque Stuart fez


com que os dois fossem à escola, por mais que eles tivessem implorado

para ficar comigo, pelo menos foi como ele me contou.

Então, quando eles finalmente chegaram, eu vi minha vida desenrolar


diante dos meus olhos em um instante, cheio de memórias e sentimentos.

Fiquei reflexivo e tive tempo para pensar na minha própria existência

naquela tarde, algo que eu nunca conseguia pelo excesso de tarefas.

Meu coração se sobressaltou como na primeira vez em que os vi.


Cada um deles. Lou com seu rostinho angelical, e Matt com sua expressão

desconfiada. Era como se todo o peso do mundo fosse depositado nas


minhas costas, pois eu precisava proteger aqueles seres de qualquer dor ou

sofrimento. Logo fiquei angustiado, porque meu pai foi horrível e não
soube proteger seus cinco filhos nem dele mesmo.

Minha preocupação acabou dobrando com o passar dos anos, pois a


mãe de Matt e Louise foi embora, ela já não estava interessada na vida que
havia criado para si mesma.
Quando nos casamos, fui alertado por diversas pessoas do interesse
dela, mas, no final das contas, tive que compreender sozinho quem ela era,
porque, naquela época, estava apaixonado demais para aceitar.

É óbvio que eu tinha minha parcela de culpa em tudo aquilo e


precisava aceitar que cometi erros enquanto acreditava estar fazendo a coisa
certa. A dedicação quase doentia que eu oferecia a Silvestri Petrolífera S.A.

acabava fazendo com que eu não tivesse tempo para prestar atenção em
outras coisas. Então, só quando meu casamento entrou em crise, o que não
levou muito tempo, eu percebi que precisava ser um pai melhor e mais

presente, felizmente percebi antes que os estragos fossem maiores.

Ali estavam eles. A razão de acordar todos os dias.

Respirei fundo e parecia que eles se aproximavam em câmera lenta.


Eu aceitei a dor com gratidão quando eles me abraçaram, era pouco se

comparado com a felicidade que eu tinha de conviver com aquelas criaturas


jovens e cheias de sonhos. Eles eram a parte mais bonita de mim, a parte
pela qual eu estaria sempre disposto a me sacrificar.

— Paaaaaaai! Eu sabia que você ia acordar hoje, eu sabia! — Lou


falava insistentemente.

— Eu também falei — Matt disse um pouco mais contido, mas


também feliz.
Eu nunca estive tão contente em ver aqueles dois, era como se fosse
nosso primeiro encontro. Eu estava grato por termos mais tempo juntos.

Tantas vezes eu pensei que estivesse errando na criação daqueles


garotos, principalmente por não ter muitas referências, mas, naquele
instante, eu senti como se tudo estivesse muito bem, meu coração parecia

triplicar de tamanho quando estávamos juntos.

Eu não estava mais com medo. Era como se minha vida estivesse

recomeçando, apesar dos ossos quebrados.


INSTAGRAM
ENGANANDO O CEO INDECENTE

A entrevista de emprego para o cargo de secretária foi no meio da


gravação de um filme adulto e meu futuro chefe surgiu de repente atrás

de mim e me fez uma única pergunta:

— Você ficou excitada, Ingrid?

— Minha calcinha ficou arruinada, Sr. Scalamandre. Confesso que


não tenho experiência em cinema adulto, mas sou a assistente pessoal que

o senhor precisa. O senhor estaria cometendo um grande erro senão me

contratar, porque o que me falta em experiência, eu compenso com muito


trabalho duro, nunca me atraso, nunca fico doente, não tenho vícios e não

tenho vida pessoal. Estou disponível a qualquer hora, não há nada que
distraia do meu foco.

+18

SINOPSE:

William Scalamandre.

Um homem que tinha tudo.

Fortuna.

Mulheres.

Bonito e sedutor.

Bilionário, dono da maior produtora de filmes adultos de Los

Angeles.

Mas será que ele tinha tudo mesmo?

Só amou uma vez, quando era muito jovem, e perdeu a menina que
teve seu coração para um câncer.

Mas, muitos anos depois, uma garota que nunca deu um beijo na
boca chegou para mudar pra sempre a vida do bilionário CEO do Sexo,

como ficou conhecido.  Will não entendia o porquê daquela sua jovem

secretária inexperiente o afetar de uma forma que o fazia querer muito mais
que apenas ter uma assistente competente e que sempre fazia mais do que
era esperado dela.Contudo, conseguir uma secretária como Ingrid foi

muito, muito difícil, e ele não queria abrir mão disso.  Mesmo que

precisasse ignorar o que seu coração dizia.

Ingrid Menezes foi expulsa de casa pelo pai, um delegado de polícia

repressor, abusivo e violento. Ela só queria ter uma vida como todas as

outras moças de sua idade e queria poder ir pra faculdade de Cinema, sem

ter que fazer tudo escondido. A moça de 22 anos já tinha sido abandonada

na infância pela mãe. Agora estava sozinha no mundo.

Sem casa. Sem família. Sem dinheiro. Ela acabou tendo que morar

em um quartinho sujo e com ratos passeando atrás das paredes. Era tudo

que suas economias de estudante bolsista podiam pagar. Ela não gostava de

mentiras, mas precisa desesperadamente de um emprego e mentiu para


conseguir a vaga de secretária do Rei do Cinema Adulto de Los Angeles.

Se apaixonar pelo sedutor William Scalamandre foi quase inevitável,

perder sua virgindade com ele em um baile de máscaras também.  Mas


agora Ingrid está grávida do chefe, e William Scalamandre a demitiu

depois que descobriu sua mentira e que ela traiu sua confiança.

Mas e quando o CEO do Sexo descobrir que a mulher desconhecida

com quem ele dormiu no baile de máscaras é a mesma que transformou o

CEO indecente em um homem capaz de amar outra vez?


ATENÇÃO: Este livro contém cenas de sexo explícito e linguajar

inapropriado para menores de 18 anos. Contém gatilhos, palavras de baixo


calão e conduta inadequada de personagens.

AVISO: O livro I da Série Família Scalamandre conta a história de


Huggo Scalamandre e  o livro III contará a história do irmão caçula

Arthur Scalamandre. Poderão ser lidos separadamente, pois se tratam de


histórias independentes.
O CEO QUE NÃO PODIA SER PAI:
SÉRIE FAMÍLIA DONOVAN - LIVRO 1 
 

Contrato de apenas receber prazer oral.


CEO que é abandonado pela esposa ao ficar impotente.
Clichê chefe e estagiária.
AGE GAP.
Mocinha virgem que engravida do chefe.
Gravidez muito inesperada.

O CEO bilionário ALEC DONOVAN tinha tudo que um homem

poderia desejar: sorte no amor e sucesso nos negócios.  Vivia um


casamento feliz com a esposa perfeita, mas uma tragédia mudou todos os

seus planos e sonhos de ter uma família grande. Ser pai era o que ele mais

desejava. Ele se tornou um homem recluso após sofrer um acidente que


mutilou seu corpo terrivelmente ao tentar salvar a vida mulher que amava.

Ele foi abandonado pela esposa e viu seu mundo desmoronar. Sua vida
perfeita ruiu. Alec Donovan havia ficado impotente e os médicos disseram

que ele, muito provavelmente, não poderia mais ser pai e que nunca mais

teria uma ereção. E foi assim por cinco longos anos, ele nunca mais sentiu
desejo ou pôde dar prazer a uma mulher. Até o CEO conhecer Lila.

LILA HARRISON não teve uma vida fácil.Fugiu para bem longe
de um padrasto abusivo e de uma mãe que nunca demonstrou amor para

estudar e ter um futuro diferente do que diziam que ela teria. Foi assim que

ela se tornou a melhor amiga da sobrinha de Alec Donovan, além de ser


estagiária em sua empresa, mas o CEO não sabia disso quando se envolveu

em uma briga na noite em que se conheceram. Ele só queria protegê-la

daqueles homens.

Lila era virgem, mas não era boba. Sabia que nunca tinha

experimentado antes o desejo que sentia pelo tio de sua melhor amiga Mas,

quando o CEO bilionário Alec Donovan revela seu segredo, ele também lhe

faz uma proposta.

Um contrato é assinado entre o CEO e a jovem 17 anos mais

nova que aceita a proposta dele de apenas receber prazer oral e nada mais.

“Vou te dar prazer apenas com a minha boca.


Mas, quando o corpo de Alec desperta de tesão por Lila, ele realiza o
maior sonho de sua vida. O CEO, que não podia ser pai, engravida a jovem

que o fez acreditar que poderia ter a chance de amar e ser feliz outra vez.
ME APAIXONANDO PELO MEU CHEFE INSUPORTÁVEL:
SÉRIE FAMÍLIA CAMPANELLI - LIVRO 1
 
CLICHÊ CHEFE E SECRETÁRIA;
AGE GAP;
FAKE DATING;
ENEMIES TO LOVERS.

MALCOM CAMPANELLI é o chefe que ninguém quer ter.

De que adianta um salário obscenamente alto se, para recebê-lo, é


preciso passar 24 horas do dia à disposição do homem mais insuportável e

grosso do mundo?

SAVANNAH ARMSTRONG  precisava muito daquele emprego.

Precisava muito mesmo, já que estava prestes a ser despejada por estar
devendo quatro meses de aluguel.  Daquela entrevista, viria a resposta se

ela teria ou não um teto sob sua cabeça quando voltasse pra casa naquele
dia.

Mas nada a preparou para o lindo, másculo e perfeccionista CEO


Malcom Campanelli no auge de seus 36 anos, nem mesmo o treinamento

que recebeu secretamente da assistente idosa dele, que está louca para se

aposentar, mas precisa de uma substituta que aceite ter o diabo em pessoa
como chefe. Tudo que Savannah faz parece estar errado. O chefe a ignora

ou a crítica, quando não faz questão de dizer que ela não está fazendo

direito o trabalho para o qual está sendo paga, gentil como um cavalo,
dando coices. E todos que trabalham na Diamantes Campanelli parecem ter

medo do bilionário.

Para piorar, a mente de Savannah parece ter vontade própria agora e


vive bombardeando a moça de vinte e quatro anos, nos momentos mais

inapropriados, com cenas muito eróticas dela e do chefe, e Savannah nunca

se sentiu assim por nenhum homem antes.

INSUPORTÁVEL.

TIRANO.

INTIMIDADOR.

O PRÓPRIO DIABO ENCARNADO.


É isso que quem conhece Malcom Campanelli pensa a seu respeito.
Ele intimida seus funcionários, que evitam, a todo custo, cruzar o caminho

do CEO mais temido e respeitado de Nova Iorque.

Malcom foi criado para comandar um império, e é o que ele faz de

melhor. Ter o total controle de tudo sobre sua empresa e sua vida é o que ele

mais preza. Um chefe que não admite falhas. Ele nunca agradece. Nunca

pede desculpas. Nunca diz por favor. Mas, para infelicidade de Malcom,

sua assistente pessoal, a insubstituível senhora Marshall, está decidida,

dessa vez, a não adiar mais sua aposentadoria e o obriga a entrevistar e

escolher uma substituta. É assim que Savannah Armstrong entra em sua


vida. E ele torna a vida da moça com sotaque sulista um verdadeiro inferno,

mas se surpreende com a forma que ela diferente de todos nunca de

intimida perto dele.

O que Savannah não entende foi como aceitou a proposta de fingir

ser namorada de Malcom Campanelli para a mãe, que ele reencontrou

muito doente e que não via desde menino.

Mas fingir estar perdidamente apaixonada por seu chefe insuportável

depois de conviver com o verdadeiro Malcom Campanelli, que mais

ninguém conhecia, acaba deixando de ser fingimento depois da primeira

noite de amor dos dois.


É quando Malcom percebe que não está mais no controle de seu

coração.

ATENÇÃO: Este livro contém cenas de sexo explícito e linguajar

inapropriado para menores de 18 anos. Contém gatilhos, palavras de baixo


calão e conduta inadequada de personagens.

AVISO: Este é o livro 1 da Série Família Campanelli.  O livro 2

contará a história de ARTUR CAMPANELLI.

Todos os livros da série poderão ser lidos separadamente, pois se

tratam de histórias independentes.


 
 
 
 
 
 
A ESPOSA TEIMOSA DO CEO CONTROLADOR:
SÉRIE FAMÍLIA SILVESTRI - LIVRO 1
 

Eu me chamo  GREGORY SILVESTRI  e estou ferrado! Melhor


dizendo, me ferraram! Meu próprio sangue...

O problema de pertencer a uma família grande é que todos acham

que têm o direito de se meter e dar palpites na minha vida pessoal. Mas o
idiota do meu irmão gêmeo superou nossa tia casamenteira e me jogou de
cabeça na pior furada de toda a minha vida quando me deu um contrato

para assinar no meio daquela papelada toda, eu nem li, porque jamais
pensei que ele seria capaz de me enganar dessa forma.

Joshua me cadastrou no programa Combinação Perfeita que vive


enviando notificações de possíveis  matches  para ele no nível "solteiro à
procura", mas para mim o negócio foi muito mais sério: o babaca me
cadastrou no nível "até que a morte os separe", ou seja, sem saber de nada,
eu concordei em me casar com uma total desconhecida escolhida por

um algoritmo de um software no prazo de até três meses. Depois disso,


aquele contrato estúpido seria anulado.

Meu irmão pelo menos foi honesto e listou no perfil tudo que eu — o
gêmeo insuportável e antissocial — apreciava na vida, ou seja,  quase

nada  e todo tipo de diversão que eu não suportaria por mais de dez
minutos, ou seja, quase tudo.

Joshua era apenas três minutos mais velho que eu e se esforçou para

listar as poucas qualidades que via em mim, mas para reunir os meus
defeitos, ele recorreu a cada um de nossos outros três irmãos para fazer uma

"inscrição fiel à verdade". E, pelo jeito, meus defeitos eram muitos, sem
mencionar a lista das muitas coisas que eu simplesmente nem sequer
consideraria fazer em um encontro. O que significava que todos os meus

quatro irmãos intrometidos eram os culpados pela ruína de minha paz de


espírito.

E para minha grande infelicidade ainda tem a cereja do bolo, faltando


apenas 24 horas antes do final do prazo para eu ter de novo minha vida

perfeitamente sob controle, do jeito que eu sempre quis que fosse, uma
"combinação perfeita" foi encontrada pelo maldito algoritmo do programa
de relacionamentos quando eu já havia até esquecido dele.

E foi assim que SUZY ABERNATHY, a mulher mais improvável por


quem eu poderia me apaixonar agora é minha esposa e vamos dividir o
mesmo teto.

Esse livro contém: AGE GAP + SLOW BURN + MOCINHA


ATREVIDA QUE MORA EM UM MOTOR HOME + CEO

RECLUSO QUE ODEIA SURPRESAS+ DIVIDIR O MESMO TETO

+ MUITAS CENAS HOT.

ATENÇÃO: Este livro contém cenas de sexo explícito e linguajar

inapropriado para menores de 18 anos. Contém gatilhos, palavras de baixo

calão e conduta inadequada de personagens.

AVISO: Este é o livro 1 da Série Família Silvestri. O livro 2 contará

a história de STUART SILVESTRI.

Todos os livros da série poderão ser lidos separadamente, pois se


tratam de histórias independentes.
 
GRÁVIDA DO CEO PROTETOR:
SÉRIE FAMÍLIA LANCASTER - LIVRO I
 
 
Uma comissária de bordo muito certinha.

Um viúvo bilionário.

Uma aventura de uma noite.

Um elo para uma vida inteira.

Por uma confusão na troca de exames, disseram a ELISA

AGOSTINI que ela tinha apenas três meses de vida. Que deveria desfrutar
seus dias resolvendo suas pendências e fazendo tudo que sempre quis fazer

e nunca pôde. Foi assim que a comissária de bordo, que era conhecida por
ser a pessoa mais previsível do mundo por seus colegas, em uma noite de

loucura, embarca no voo do jato particular do CEO da Lancaster Airlines.

Elisa ouve uma conversa que não deveria ouvir de que o CEO viúvo
OTTO LANCASTER, descobriu, depois de um ano de luto e muita dor pela

morte de sua adorada esposa, que ela o traiu com seu melhor amigo. No

entanto, agora Otto Lancaster decide ir à forra. O CEO mais desejado do


país se manteve celibatário por tempo demais e, no momento, ele vai

dormir com a primeira mulher que queira transar com ele naquela noite.

Otto Lancaster não consegue esquecer e nem encontrar a comissária


de bordo que lhe deu a melhor noite de sua vida após um ano do mais duro

golpe que recebeu. Quando, enfim, a reencontra, nove meses depois, ele

descobre que a consequência da noite de loucura dos dois está prestes a


nascer. Elisa vai encontrar no CEO protetor o que ela nunca teve a vida

inteira. E Otto fará de tudo para proteger e cuidar da sua nova família ao se

ver fascinado pela comissária de bordo que lhe deu a chance de ser feliz

novamente.

ATENÇÃO: Este livro contém cenas de sexo explícito e linguajar

inapropriado para menores de 18 anos. Contém gatilhos, palavras de

baixo calão e conduta inadequada de personagens.


AVISO: Os outros livros da Série Família Lancaster contarão as
histórias dos irmãos de Otto Lancaster. Poderão ser lidos separadamente,

pois se trata de histórias independentes. O próximo livro será do Michael

Lancaster.
 
A ESPOSA SEM MEMÓRIA DO CEO: FAMILIA QUOTAR -
LIVRO 1
 
 

"Grávida, sem memória e me apaixonando outra vez pelo amor da


minha vida."

O CEO bilionário Andras Quotar ama sua esposa mais do que tudo no
mundo.

Mas, depois do acidente, Milena PERDEU A MEMÓRIA e não se


lembra mais dele.

Tudo que Milena Medeiros sabia foi que dormiu com vinte e quatro

anos e acordou três anos depois, casada e grávida do homem mais rico da
Hungria. Nada veio fácil na vida de Milena. No entanto, a estudante de

Desenho Industrial, finalmente, teve a chance de viver longe da indiferença


do pai quando ganhou uma bolsa integral para concluir seu curso em

Budapeste. Na capital da Hungria, ela conheceu o homem que mudaria seu

destino para sempre. Milena saiu do dormitório da universidade disposta a


encarar a primeira noite de bebedeira com suas novas amigas do

intercâmbio. Uma noite e três doses de uma bebida que ela nem lembrava o

nome. Foi só o que precisou para Milena acordar na cama de Andras


Quotar.

O que ela não conseguia entender era como não se lembrava de

nada depois daquela noite.

Ao acordar em um hospital, ela se viu grávida e com uma aliança de


casamento no dedo. Além disso, todos que Milena conhecia afirmavam

categoricamente que aquele homem lindo, rico e que parecia

completamente apaixonado por ela era seu marido há três anos. Falaram

que ela sofreu um acidente, ou algo assim, e que teve um forte trauma na

cabeça.

O que aconteceu com os três últimos anos da sua vida? Ela

simplesmente não lembrava.


Mas a principal pergunta que Milena se fazia agora era: e se ela
nunca se lembrar do homem apaixonado que diz ser seu marido?

ATENÇÃO: Este livro contém cenas de sexo explícito e linguajar

inapropriado para menores de 18 anos. Contém gatilhos, palavras de baixo

calão e conduta inadequada de personagens.

AVISO: Os outros dois livros da Série Família Quotar contarão as

histórias dos irmãos Adam e Jordi. Poderão ser lidos separadamente, pois

se trata de histórias independentes.


 
CEO SEM CORAÇÃO: FAMÍLIA SALOMON – LIVRO 1
 

Depois de morar na rua e comer do lixo por meses, Liliana foi

aliciada para vender seu corpo.

O CEO Gustavo Salomon não fazia ideia que aquele clube

exclusivo vendia a virgindade de moças.

E foi lá que ele conheceu Liliana.

 
A mãe de LILIANA a odiou desde que soube que estava grávida. O

pai dela, um homem abusivo e violento, tinha prazer em obedecer às ordens

de sua mãe e batia nela com uma ripa de madeira que mantinha ao lado da

mesa de jantar; quando não a amarrava pelos braços, deixando-a suspensa,

apenas com a ponta dos pés tocando o chão. Liliana já havia quebrado as

pernas em três lugares e, por isso, mancava um pouco. Aos dezoito anos, no

hospital depois que o pai, em outro acesso de fúria, a jogou da janela do

segundo andar, Liliana encontrou sua chance de fugir daquela vida de maus

tratos e medo.

No entanto, após quatro meses vivendo nas ruas, sem conseguir

emprego e comendo do lixo, ela foi aliciada para participar de um leilão em

troca de dinheiro suficiente para lhe permitir recomeçar sua vida como

quisesse, mas havia uma condição: em troca, Liliana teria que vender sua

virgindade. Depois de conhecer o que era passar fome e frio nas ruas, a

moça se viu sem alternativas e aceitou a oferta.

O bilionário  GUSTAVO SALOMON  era conhecido por ser um homem

inflexível e impiedoso nos negócios de sua família, além de nunca se


envolver emocionalmente com as mulheres que levava para sua cama.

Enquanto a maioria de seus irmãos namoravam e desfrutavam das

vantagens de ser um Salomon, ele não encontrava tempo para perder com

algo tão desnecessário como relacionamentos amorosos.

Uma noite, ele foi convidado para ir a um clube muito exclusivo. Lá,

viu horrorizado a virgindade de uma moça que mais parecia um anjo ser

negociada pelo maior lance. Gustavo não apenas acionou seus contatos na

polícia e encerrou toda a rede de aliciamento e prostituição, como também

resgatou a moça de olhar assustado e inocente e a levou para sua casa.

Contudo, depois que seu olhar e o de Liliana se cruzaram e ela se recusou a

se afastar do único homem que já a protegeu, Gustavo Salomon entendeu

que sua vida nunca mais seria a mesma. Ele a protegeria de tudo e de todos,

se fosse preciso.

ATENÇÃO: Este livro contém cenas de sexo explícito e linguajar

inapropriado para menores de 18 anos. Contém gatilhos de abuso físico e

psicológico, palavras de baixo calão e conduta inadequada de personagens.


AVISO: Os outros livros e spin offs da Série Família Salomon

contarão as histórias dos irmãos e primos de Gustavo. Poderão ser lidos

separadamente, pois se trata de histórias independentes, mas poderão

trazer spoilers dos livros anteriores.  O próximo livro será de Patrício

Salomon.
 
UMA FAMÍLIA INESPERADA PARA O CEO:
SÉRIE FAMÍLIA BRUSMAN - LIVRO I
 
 
 

Arturo não acreditou na única mulher que o amou

incondicionalmente. Ele humilhou e expulsou Natália de sua vida. Três

anos depois acabou descobrindo que é pai e agora ele a quer de volta a

qualquer preço.

ARTURO BRUSMAN comanda seus negócios com mãos de ferro e

é conhecido por sua busca pelo perfeccionismo em tudo na vida. Um


homem que se fez sozinho e, por ter conhecido a extrema pobreza, entende

o valor de cada centavo que ganhou e não aceita nada que não se enquadre

em seus padrões exigentes. Contudo, o nome do bilionário que construiu

um império na indústria de software aos trinta e quatro anos também ficou

famoso após a revelação do teste de paternidade de sua ex-noiva, uma

exuberante modelo internacional, ter dado negativo e a notícia vazar para a

mídia.

NATÁLIA MEIRELLES  era a assistente da assistente do CEO

Arturo Brusman e quem, na verdade, fazia todo o trabalho e nunca recebia o

crédito. A moça tímida com excelentes ideias e que era extremamente

competente em tudo que fazia foi injustamente demitida. Natália nunca se

importou em trabalhar até depois do horário até engravidar e se tornar mãe

solo. No entanto, após uma grande injustiça, Natália acabou sendo demitida

quando mais precisava do emprego.

Anos se passam e o acaso faz com que o filho de três anos de Natália

e o chefe que a humilhou publicamente ao mandá-la embora, além de


garantir que ela não conseguisse um bom emprego na cidade, fiquem cara a

cara. Arturo Brusman nem precisa fazer as contas entre o dia da realização

de sua vasectomia e a idade daquela criança que é sua cópia em miniatura

para saber quem é o pai daquele garotinho.

Para não perder a guarda do filho, Natália aceita os termos do

contrato e se casa com o homem mais controlador e detestável que

conheceu em sua vida. É assim que ela se torna a esposa do único homem a

quem entregou seu corpo e seu coração, mas que, ironicamente, nem se

lembrava da noite em que tudo aconteceu. Todavia agora é ela que não o

quer e, por mais que tenha concordado em usar seu sobrenome, na cama de

Natália, Arturo não é bem-vindo.

ATENÇÃO: Este livro contém cenas de sexo explícito e linguajar

inapropriado para menores de 18 anos. Contém gatilhos, palavras de baixo

calão e conduta inadequada de personagens.

AVISO: Os outros dois livros da Série Família Brusman contarão as

histórias dos irmãos Anton e Gustavo. Poderão ser lidos separadamente,


pois se trata de histórias independentes.

 
 

Danielle Viegas Martins nasceu em São Luís - MA, mas mudou-se

para a cidade do Rio de Janeiro em 2001. Tem formação em Letras,

Português - Inglês e Mestrado em Educação. Desde 2010, Danielle é

funcionária pública da UFRRJ.


A autora começou a escrever, publicando capítulos semanais do livro

“Estarei ao seu lado” na plataforma Wattpad em 2017, onde escrevia sob o

pseudônimo Tess91 para se preservar caso os leitores não se interessassem

por seus livros. Contudo, suas histórias já ultrapassaram cento e sessenta e

sete milhões de leituras online.

A autora sempre foi apaixonada por livros e entre os escritores

favoritos estão Aluísio de Azevedo, Ganymédes José e Charlotte Brontë.

Todos os livros da autora possuem um personagem Gustavo em

homenagem ao seu filho.

 
 

[MG1]Afinal elas estavam numa mesa do jardim

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