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Playlist
Prólogo – Sean
1 – Sean
2 – Kara
3 – Sean
4 – Kara
5 – Sean
6 – Kara
7 – Sean
8 – Kara
9 – Sean
10 – Kara
11 – Sean
12 – Kara
13 – Sean
14 – Kara
15 – Sean
16 – Kara
17 – Sean
18 – Kara
19 – Sean
20 – Kara
21 – Sean
22 – Kara
23 – Kara
24 – Sean
25 – Kara
26 – Sean
27 – Kara
28 – Kara
29 – Sean
30 – Kara
31 - Sean
32 - Kara
33 – Kara
34 - Sean
35 - Sean
36 - Kara
37 - Sean
38 - Kara
39 - Sean
40 - Sean
41 – Kara
42 – Sean
43 – Kara
44 – Sean
Epílogo
Sobre a autora
Outras Obras
Contato
PLAYLIST
Chicago!
Olhei para o céu da cidade onde havia me estabelecido fazia
alguns anos e que era oficialmente a sede da Gaea. Ainda me
lembrava dos motivos que me fizeram escolher a Windy City, sendo
o mais forte deles pela influência de dois mentores que eu admirava
muito e que havia conhecido em palestras ao longo da minha vida
acadêmica, ainda muito novo.
O primeiro deles foi professor convidado em Harvard e,
mesmo lecionando em um curso diferente do meu, eu fazia questão
de assistir às suas aulas – que eram verdadeiras palestras repletas
de conhecimento. Robert Clark foi um dos grandes juristas que a
América já teve, um homem com conhecimento muito acima da
média e que podia discorrer sobre qualquer assunto com
propriedade, uma verdadeira enciclopédia ambulante. É certo que
ele poderia ter sido muito mais do que foi, porém o que tinha de
maturidade intelectual lhe faltava em emocional. Bob era explosivo,
inconstante e – assim como meu pai – se deixava levar por seus
desejos. Quando decidi que a sede da Gaea seria nos Estados
Unidos, quis que o escritório dele fosse nosso responsável jurídico e
isso me aproximou mais de Chicago.
O outro homem era o avô de um grande amigo, Michael
Griffin. O velho era uma máquina de fazer dinheiro e sabia tudo
sobre o mundo dos investimentos. Aprendi muito com ele quando
assumi, aos 18 anos, o banco Von Salis e, sob sua tutela, consegui
reestruturar os negócios. A ideia de criar um truste partiu dele e, no
começo, a Gaea foi idealizada apenas como uma empresa de
fideicomisso, uma administradora geral. Depois de um tempo é que
a natureza da empresa se expandiu e eu comecei a incorporar
essas empresas de vez, e não só administrá-las.
Da minha sala no altíssimo prédio onde funcionava a Gaea,
eu conseguia ter uma visão privilegiada do rio com a calçada –
ainda pouco movimentada – ao longo de sua margem, um projeto
de revitalização que vi sendo executado anos atrás e que
transformou a paisagem daquela área.
O centro de negócios de Chicago se tornou um grande ponto
turístico com o Riverwalk, o parque Millenium e os observatórios
criados para que se pudesse observar todo o skyline da cidade. Era
bom chegar perto da vidraça do escritório e observar a vida
acontecendo metros abaixo de mim.
— Sean?
Respirei fundo e me virei para encarar meu tio, Graham
Moore, que tinha acabado de entrar na minha sala, ainda com todas
as luzes apagadas, uma vez que o horário de trabalho ainda não
havia começado.
— Oi, tio! — Abracei-o. — Como sabia que eu estava aqui?
Sorriu.
— Soube que seu avião já havia pousado e, como você não
apareceu na sua casa... — Ergui a sobrancelha. — Sim, passei por
lá antes.
Dei de ombros.
— Quis vir direto para a empresa, passei muitos dias fora e...
— O que aconteceu? — Graham me interrompeu. —
Conversamos em um dia e, de repente, tudo o que me disse estava
cancelado e você estava enfiado no chalé de sua avó no interior da
Suíça.
Suspirei.
— Eu precisava resolver umas coisas por lá.
— Com a senhorita Howard?
Cruzei os braços, curioso, sem entender como ele soube que
Emily havia estado comigo por lá.
— Quem está te passando todas essas informações?
Meu tio riu.
— Nunca revelo minhas fontes, mas achei curioso, já que
você tem se desviado das atenções dessa moça há muito tempo.
— Nada mudou — reafirmei. — Foi apenas uma coincidência
Emily estar em Zurique quando eu cheguei. Ela tem se envolvido
nos negócios do pai e...
— Aproveitou para voltar aos Estados Unidos de carona
contigo.
O jeito que ele me olhava demonstrava que havia tirado suas
próprias conclusões e que me conhecia o suficiente para não se
meter na minha vida pessoal.
— Exatamente.
Era um alívio poder encerrar aquele assunto, mesmo porque
eu não queria voltar a pensar naqueles poucos dias que passei na
Suíça, e não apenas por causa da companhia de Emily Howard,
mas principalmente por conta do que havia acontecido na
Capadócia.
Você nunca foi um covarde, Sean, mas sempre tem a
primeira vez!, concluí ao pensar no problema que eu teria que
resolver.
— Bom, falando do que interessa, fiz o que você me pediu e
enviei o convite para os acionistas da Tron para virem a Chicago e
todos responderam positivamente. — Sorri satisfeito com a
informação. — Deixei todas as instruções necessárias com a
senhorita Matthews e...
— Com Holly Matthews? — Estranhei. — Por quê?
— Como assim, “por quê”? Knightley ainda está de licença
médica.
Sim, eu sabia que Tom ainda não tinha voltado, mas pensei
que... Enfim, era melhor eu perguntar de uma vez sobre o assunto,
já que teria que o resolver em breve.
— E a senhorita Çelik?
Graham ficou surpreso e visivelmente confuso com minha
pergunta.
— Não sei, achei que ela havia sido contratada apenas para
te auxiliar com a tradução do turco.
Pigarreei levemente, pois sempre mantive diálogo aberto com
meu tio, pois, além de trabalhar comigo, ele era meu amigo, com
quem eu dividia muito sobre minha vida pessoal e profissional.
Contudo, sobre o assunto Kara Çelik, eu não me sentia à vontade
para abrir completamente o que aconteceu.
— Ela acabou funcionando como assistente também —
comentei, um tanto incomodado com o assunto. — Por quanto
tempo mais pretende ficar em Chicago?
Graham riu.
— Querendo me ver longe? — Sua sobrancelha direita se
ergueu e ele me olhou profundamente. — Você está estranho, Sean.
Suspirei.
— Cansado. Talvez eu devesse...
— Ah, perdão! Não sabia que estavam aqui — Holly
Matthews se desculpou, parada na soleira da porta que tinha
acabado de abrir sem se anunciar. — Bom dia, doutores.
— Bom dia — respondi.
— Vim deixar esses arquivos aqui. — Ergueu uma pasta. —
São algumas anotações que Kara Çelik fez durante a viagem.
Caralho! Sentia-me irritado por ficar incomodado, com uma
leve taquicardia, toda vez que o nome de Kara era mencionado.
— Ela não fez tudo no arquivo digital? — Aproximei-me de
Holly e estendi a mão para pegar os papéis.
— Fez, sim, mas me entregou também algumas
considerações que anotou de próprio punho e, como não sabia se
eram relevantes ou não, visto que ela é inexperiente, achei melhor
deixar aqui para que o senhor as avaliasse e aí, sim, eu as
transcrevesse.
Assenti e abri a pasta, reconhecendo a caligrafia delicada e
feminina de Kara. Os traços no papel combinavam com a
personalidade dela e foi impossível afastar da memória os últimos
momentos que passamos juntos naquele hotel na Capadócia.
Por mais que eu tentasse evitar pensar sobre aquilo, volta e
meia as lembranças retornavam, imagens tão reais que traziam de
volta as sensações, a excitação e o prazer daquela noite. Ainda que
eu estivesse arrependido do que houve, era simplesmente
impossível não querer de novo e era por aquele motivo que eu
precisava tirar a senhorita Çelik de perto de mim.
— Ela ainda não retornou ao trabalho? — inquiri, sem olhar
para a secretária executiva.
— Retornou, sim, já têm uns dias.
Encarei-a, estranhando.
— Então por que ela mesma não veio me entregar isso?
Holly parecia confusa, e olhei de esguelha para onde meu tio
estava.
— Ela retornou para a antiga função dela, senhor Moore. —
Minha reação deve ter sido tão surpresa que Holly ficou nervosa. —
Foi ela mesma quem voltou. Entregou-me tudo o que tinha feito na
viagem e os aparelhos, já vestida com o uniforme da copa.
Imediatamente imaginei Kara vestida com aquele uniforme
largo, cinza, sem forma e com aquela touca na cabeça e me senti
tão enfurecido que Holly começou a gaguejar, tentando explicar:
— Não havia ne-nenhum tipo de direcionamento sobre
qualquer mudança de cargo. O RH havia... O contrato era apenas...
Saí da sala sem que ela acabasse de falar, andando a
passos largos pelo corredor da empresa, até chegar a um lugar em
que eu nunca tinha pisado antes, mas sabia onde era: a copa.
Todos os funcionários – que estavam começando seu turno
ainda – se assustaram quando entrei. Alguns estavam sentados à
mesa, tomando café, enquanto outros terminavam de se ajeitar. O
cheiro da bebida havia se espalhado no ambiente e eu vi a
organização daquilo que geralmente nunca notava – o aparador da
minha sala sempre com água fresca, frutas e café – sendo
preparado.
— Bom dia, senhor Moore — uma senhora com uniforme
diferente – um terninho cinza – me saudou e eu a reconheci, pois
era quem geralmente nos servia em reuniões. — Posso ajudá-lo?
— Bom dia. — Olhei em volta. — A senhorita Çelik já
chegou?
A mulher prontamente assentiu.
— Ela está trocando o uniforme, porque trabalhou no turno da
limpeza à noite. Vou mandar chamá-la.
— Faça isso e peça para ela ir até minha sala imediatamente.
Saí com a mesma pressa que entrei, mas ainda mais
aborrecido por saber que ela continuava dobrando os turnos. O que
pretendia, afinal?
Coloquei os papéis sobre a mesa, mas meus olhos foram
atraídos para a letra dela. Comecei a ler o documento, prestando
atenção nos detalhes que ela adicionou, até ter a cabeça
completamente invadida por imagens suas e o que eu estava
evitando a qualquer custo acontecer: lembranças daquela noite.
Eu gozei feito um bicho, enlouquecido, desvairado, sem
nenhum controle sobre meu corpo. Ainda estava tentando recobrar
o fôlego, a pele suada, o cheiro delicioso de sexo e prazer no ar e
Kara ali, ao meu lado, trêmula e totalmente relaxada.
Sorri quando ela se aninhou em mim, ronronando como uma
gata manhosa. O cheiro dela, pelo qual sempre me sentira atraído,
parecia mais forte e eu toquei sua pele quente, contornado com os
dedos as formas de seu corpo, até sentir que ela havia adormecido.
Levantei-me da cama com cuidado para não a acordar.
Queria que ela descansasse um pouco antes de iniciarmos
novamente aquela viagem louca ao prazer e entrei no banheiro para
retirar a camisinha e tomar um banho.
Olhei-me no espelho e estranhei a expressão no meu rosto.
Era novidade aquele relaxamento todo, porque, mesmo quando eu
fazia sexo, não me deixava livre totalmente, estava sempre
mantendo alguma distância. Eu adorava trepar e, principalmente,
era louco pelo tesão da minha parceira, fosse quem fosse. O prazer
da mulher comigo era imprescindível ao meu, e com Kara não foi
diferente. Senti que ela havia desfalecido em meus braços, ido às
estrelas, tido várias pequenas mortes de gozo, porém a diferença
era que eu a acompanhei em todos esses momentos.
Eu me deixei levar por ela tanto quanto ela se deixou levar
por mim, e aquilo era algo que geralmente não acontecia. O sexo
que eu fazia era orquestrado, eu era o maestro que fazia as coisas
acontecerem e que só no último movimento é que me soltava para
participar do prazer. Entretanto, com Kara, fui regido tanto quanto a
regi e aquilo foi foda demais.
Dentro daquele banheiro, em um hotel da Capadócia, senti
meu corpo acordar novamente, pulsar de tesão apenas com as
lembranças de uma foda bem dada e percebi que havia muito tempo
que eu estava apenas aliviando meu corpo com sexo, e não
usufruindo dele como deveria ser.
Olhei para meu pau, já duro de tesão, a vontade de voltar
para a cama, acordá-la e... gelei ao perceber sangue na camisinha.
Demorei alguns segundos para voltar a raciocinar, tamanho o susto
da descoberta, então retirei o preservativo e o olhei de perto,
confirmando minhas suspeitas.
— Será que a machuquei? — inquiri a mim mesmo, tentando
lembrar-me de alguma queixa, algum som de dor, mas tudo o que
eu recordava era do óbvio prazer que Kara sentia.
Então, como se algo se destravasse dentro de mim, recordei
a sensação que tive quando a penetrei. Eu havia parado por alguns
segundos porque estranhei a pressão que senti, como se algo se
rompesse, alguma barreira deixasse de existir, mas então ela
rebolou contra mim e eu simplesmente segui, porque estava
gostoso demais para parar e analisar o que havia sido aquilo.
Hímen! Virgindade!
Eu havia deflorado uma virgem!
Fiquei sem ar, porque simplesmente aquilo nunca tinha me
ocorrido e, ao mesmo tempo, meus pensamentos dispararam
buscando respostas, afinal, se Kara ainda não havia transado com
ninguém a vida toda, por que me deixara ser o primeiro? Por que
não havia me avisado? O que ela pretendia com aquela cilada?
Tentei pensar com calma, desacelerar meu corpo, tomei uma
ducha rápida, mas nada conseguiu me acalmar. Eu me sentia
sufocar, temendo descobrir que, depois de anos tomando cuidado,
tinha caído na pior armadilha que poderia cair.
Eu era o chefe dela!
Kara Çelik era uma faxineira!
Eu a apresentara a um mundo totalmente diferente do seu!
Ela havia bebido na festa!
Eu a tinha deflorado!
Todos esses detalhes me contavam uma história cujo final eu
conhecia bem, afinal de contas, meu pai quase faliu os negócios da
família depois de tantos escândalos envolvendo mulheres com
quem ele se envolvia e que depois o processavam por assédio
sexual.
Mulheres que trabalhavam para ele.
Assim como Kara trabalhava para mim.
Saí do banheiro, e ela continuava dormindo. Minha vontade
era acordá-la e lhe perguntar por que havia me escondido que era
virgem e o que pretendia obter de mim, mas estava tão indignado
com aquilo tudo que achei melhor deixar as coisas como estavam e
apenas me afastar.
Eu precisava de um tempo para digerir o que havia
acontecido e agir com a frieza pela qual era conhecido.
Mandei uma mensagem para meu piloto, vesti-me e peguei
minhas malas. Encontrei-me com Ahmet, ainda acordado por causa
da festa, e expliquei a ele que havia surgido um imprevisto e que eu
iria para a Suíça, além de pedir a ele que ajeitasse a volta de Kara
para Chicago.
Fiquei horas na sala de espera do aeroporto enquanto meu
piloto agilizava nossa partida. Não consegui dormir, não consegui
relaxar. Olhava para meu telefone de minuto em minuto esperando
uma mensagem dela, mas sem saber o que fazer se chegasse
alguma.
Pela primeira vez em muitos anos, eu me sentia perdido e
fiquei assim, sem sossego, muito depois de ter chegado a Zurique.
— Mandou me chamar?
A voz de Kara tirou-me daquelas lembranças e eu a olhei
parada na porta, segurando a maçaneta.
Ela estava mesmo vestida com o uniforme dos serviços
gerais, o mesmo que usava quando a conheci, mas segurava uma
sacola nas mãos.
— Entre e feche a porta — respondi seco e a aguardei se
aproximar, mas não o fez, ficou perto da porta, como se temesse ter
de fugir a qualquer momento.
Porra!
— Como vai? — perguntei, para iniciar a conversa.
— Bem.
O clima era pesado, desconfortável, e a postura dela traduzia
bem a tensão que sua voz transmitia.
— Recebi isso aqui hoje. — Apontei suas anotações. —
Quem te deu ordem para passar seu trabalho à senhorita
Matthews?
Ela franziu as sobrancelhas e me encarou, séria.
— Meu contrato acabou, eu voltei para as minhas funções e
achei que...
— Você não tem que achar nada, senhorita Çelik. — Cortei-a,
mas ela continuou me olhando com seriedade.
— Não faz parte das funções do serviço geral portar esse tipo
de informação sobre a empresa. Eu desempenhei o trabalho pelo
qual havia sido contratada e, uma vez finalizado...
— Mas quem disse que finalizamos? — Andei em sua
direção. — Saímos de Istambul com um acordo de compra?
Fechamos o negócio?
Ela piscou várias vezes.
— Não, mas...
— Não tem “mas”. Tom está se recuperando e esse assunto
— apontei para minha mesa — ainda requer discrição máxima. Não
vou envolver mais uma pessoa, então, enquanto seu trabalho for
necessário, você continua.
Ela respirou fundo tão forte que eu consegui sentir sua
respiração.
— Prefiro não continuar.
Aquilo me fez gelar, pois eu esperava que, a qualquer
momento, ela fosse falar do que aconteceu na Turquia e propor
algum tipo de acordo para não me processar ou expor meu erro.
— Por que não?
Seus lábios estavam trêmulos, mas ela se mantinha firme,
olhos nos meus.
— Porque existem pessoas mais capacitadas que eu para
auxiliar o senhor.
Aquela desculpa não me convenceu.
— Então, infelizmente, senhorita Çelik, nós teremos que
dispensá-la da empresa. — Ela engoliu em seco, piscou algumas
vezes, mas continuou de queixo erguido. — Não posso permitir que
a senhorita continue na limpeza depois de ter tido acesso a todas as
informações da diretoria. É mais fácil demiti-la, indenizá-la e deixá-la
seguir para outra oportunidade sob a égide do nosso contrato de
confidencialidade.
— Tudo bem — respondeu firme e me estendeu a sacola. —
Isto aqui lhe pertence. — Apenas espiei dentro da sacola, mas
soube imediatamente do que se tratava. — As roupas estão dentro
da mala no almoxarifado. — Deu de ombros. — Eu não sabia onde
deixá-las.
Aproximei-me mais dela.
— Tudo isso é seu, senhorita Çelik.
Ela negou.
— Não. Foram ferramentas necessárias para que eu
realizasse meu trabalho, assim como o telefone e o iPad. Uma vez
que retornei e que me desligarei da Gaea, todas essas coisas estão
sendo devolvidas.
Comecei a me sentir irritado com o jeito dela.
— Não comprei essas coisas com o dinheiro da empresa,
foram presentes.
Kara ficou ainda mais séria.
— Nunca pedi e não quero nenhum presente. — Pigarreou.
— Posso ir?
Apertei com tanta força a alça da sacola que tinha medo de
que ela partisse, tamanha a minha raiva. Eu não queria tocar no
assunto sobre nossa última noite juntos, mas foi humanamente
impossível deixar de questionar:
— Por que foi para a cama comigo, Kara?
Ela ficou pálida, desviou os olhos e, por um momento, pensei
que fosse sair correndo.
— Não quero falar sobre isso. O aconteceu naquela noite foi
um erro. Estávamos animados, tínhamos bebido e... bom, somos
dois adultos que se deixaram levar. — Encarou-me. — Não precisa
se preocupar, não pretendo nunca falar daquela noite, com
ninguém.
Se ela tivesse me dado um soco no queixo, eu teria sentido
menos o impacto do seu desprezo. Deveria me sentir aliviado por
ela dizer aquilo, por me despreocupar sobre quaisquer tipos de
implicações ao meu nome, ao meu patrimônio e minha reputação,
mas não me senti, pelo contrário. Kara me fez sentir como se eu
fosse um canalha.
— Não estou preocupado — menti. — Só lamento saber que,
mesmo concordando que aquela noite foi um erro, a senhorita não
queira continuar o trabalho que estava fazendo. Terei várias
reuniões com os turcos e seria imprescindível ter alguém...
— Minha decisão já foi tomada. Precisa de algo mais?
Porra!
— Não.
Ela acenou com a cabeça e saiu no exato momento em que
tio Graham retornou para minha sala.
— Sujou algo na sua...
— Não. — Interrompi-o. — Era a senhorita Çelik
apresentando pessoalmente seu pedido de demissão.
Sentei-me em minha cadeira, meu corpo tenso.
— Ela não quis continuar como copeira?
Ri.
— Não quis continuar como minha assistente.
Graham franziu a testa.
— Achei que era você quem não... — Ele parou de falar
quando empurrei as anotações dela em sua direção. — Ah... ela é
boa! Minuciosa!
— E eu não tinha percebido nenhum desses pontos que ela
anotou aí — confessei. — Ofereci a ela a vaga de Tom, enquanto
estivesse afastado, mas recusou.
— Sério? Por quê? — Não respondi, fiquei balançando a
cadeira de um lado para o outro, feito criança. — Sean, o que
aconteceu?
— Tivemos um mal-entendido no último dia, mas já
esclarecemos.
— Mal-entendido? — Graham riu. — Você nunca foi homem
de mal-entendidos, sempre foi muito direto e claro com o que quer.
— Ergueu as sobrancelhas. — A não ser que...
Ergui-me rapidamente para pôr fim ao raciocínio de meu tio
antes que ele chegasse bem perto da verdadeira história sobre o
“mal-entendido” com a senhorita Çelik.
— Tio, hoje o dia promete ser intenso, ainda mais sem a
presença de Tom, então, se o senhor puder me deixar...
Ele riu.
— Entendi o recado! — Ergueu as mãos. — Não vou
importuná-lo mais.
Graham saiu do meu escritório, deixando-me a sós com
todos os questionamentos que se formaram na minha cabeça
depois daquele pequeno embate com Kara. Tudo tinha saído como
eu queria que saísse desde o começo, afinal. Acabaria qualquer
vínculo com a moça e eu poderia seguir em frente. No entanto, a
atitude dela me surpreendeu demais.
Olhei para a sacola com as joias que eu havia comprado
naquela noite, joias que eram as únicas coisas que ela usava
quando deslizei minhas mãos sobre sua pele, quando adorei seu
corpo com o meu, quando provei o sabor de sua boceta macia e...
virgem.
Estremeci ao lembrar. Tentei não ir por esse caminho, tentei
expurgar de mim toda aquela sensação ímpar causada talvez pelo
lugar, pela inexperiência dela ou mesmo por minha falta de sexo
constante. Não importava mais nada, estava tudo resolvido e eu
deveria estar me sentindo aliviado.
Deveria!
25 – Kara
— Com licença!
Kara entrou na sala segurando algumas pastas, arrumou
todas na mesa grande, onde eu teria uma reunião, e, sem me olhar,
saiu.
Respirei fundo, desviando os olhos dos números e
prospecções na tela do meu notebook e pensando em quanto tempo
mais iria durar aquela situação incômoda entre nós.
Graham, seu filho da puta!, xinguei meu tio mentalmente,
lembrando-me de que tudo aquilo era culpa dele.
Levantei-me e fui conferir o material que Kara havia deixado
sobre o tampo da mesa redonda. Abri a pasta e encontrei um iPad
com caneta e, dentro dele, todos os arquivos necessários, além de
bloco de notas habilitado para a reunião. Ela já tinha entendido os
protocolos da empresa sobre papel – e seu uso mínimo – e estava
desempenhando fantasticamente as funções de Tom.
Embora falássemos pouco, estávamos conseguindo manter
uma sintonia profissional exemplar. Eu precisava dar poucas
instruções e ela desempenhava suas tarefas sem ficar me
perguntando e sempre as cumpria por inteiro.
Minha agenda estava perfeita, documentos em ordem, e,
quando eu pensava em lembrá-la de algo a ser feito, ela já havia
feito. Cuidou da viagem e da reserva para o grupo de acionistas da
Tron, reservou restaurantes, alugou carros, estava acompanhando
diariamente toda e qualquer informação sobre a empresa e me
encaminhava via e-mail tudo o que achava relevante.
Eu estava impressionado, não podia mentir. Nunca tinha visto
alguém aprender em alguns dias o que levei anos para ajustar com
meu assistente. É claro que Tom a ajudou nos primeiros dias,
remotamente, e ainda Kara contava com o suporte de Holly, mas,
ainda assim, era admirável o quanto estava se esforçando para
fazer um trabalho primoroso.
Eu nada tinha o que reclamar dela profissionalmente e
deveria estar satisfeito com o trabalho prestado, mas o clima
estranho entre nós me incomodava.
Achei que a tensão se dissiparia com o tempo e, para ser
sincero, esperei até alguma aproximação da parte dela – não que
desejasse aquilo, seria inconveniente –, mas, quando ela se
manteve fria e restringindo nosso contato ao estritamente
necessário, fiquei sem entender.
Fui contra a volta dela! Quando Graham me contou sobre a
reunião, a proposta e a reconsideração de Kara – tudo feito às
minhas costas –, fiquei enlouquecido de raiva por ele estar se
metendo sem fazer ideia do que tinha de verdade acontecido.
— Ninguém está aguentando mais! — ele alegara. — Holly
está a ponto de pedir demissão e eu não sei como ficaria isso aqui
sem ela com os outros diretores. Pense bem, Sean! Kara fez um
excelente trabalho, está ciente sobre a negociação, fala a língua
deles... É perfeito!
Não, porra, não era! Como eu iria explicar que, de
companheira de viagem/namorada, ela havia se tornado minha
assistente? Aquilo iria ser estranho e poderia sujar minha reputação.
Neguei a ajuda dele e me recusei a aceitar Kara de volta,
mas Graham já havia acertado tudo.
— Ela já está recontratada e começa amanhã! — disse
incisivo. — Não precisa me agradecer!
Não dormi na noite que antecedeu a volta dela, achando
melhor me preparar para o reencontro estando completamente
satisfeito fisicamente. Saí, conheci uma mulher bonita e aleatória,
fodi como um bicho a noite inteira. Cheguei confiante à empresa,
mas, assim que a vi, vestindo uma roupa do mesmo estilo da que
usou no primeiro dia da viagem, senti meu corpo se contorcer.
— Bom dia! — cumprimentei-a. — Vou pedir para alguém
levar suas roupas até sua casa e...
— Não é necessário, tenho as minhas próprias roupas para
usar.
Apertei meus olhos, meu sangue ferveu.
— Não perguntei se era necessário, é uma ordem. Sua
imagem é a extensão desta empresa e não podemos ser
associados a isso. — Apontei seu corpo e imediatamente senti meu
pau se contorcer. Porra! — Dê um jeito nisso! — falei entredentes,
entrando na minha sala puto, sem entender por que ela me causava
aquela excitação sem propósito, afinal, eu tinha exaurido meu corpo
na noite passada, não estava abstêmio como quando viajamos
juntos.
Naquele dia quase não a vi mais e cheguei a achar que Kara
não voltaria mais para a empresa, então, no dia seguinte, a vi
usando novamente as roupas de grife que compramos na Turquia e
novamente senti desejo e, sem motivo algum, me aproximei para
pedir algo idiota apenas para saber se ela ainda usava o mesmo
perfume.
Eu estava fazendo papel de idiota e, se ela percebesse
aquilo, iria tirar vantagem, então, nos dias que seguiram, mantive
minha vontade de estar perto dela sob controle e a excitação quase
nula, concentrando-me ao máximo no trabalho e prestando menos
atenção a ela.
O fruto proibido!
A expressão que minha avó usava para descrever o tesão
que meu pai tinha pelas secretárias vinha sempre à minha cabeça,
lembrando-me de que eu não era igual a ele e que devia manter
minha cabeça fria e meu pau sob controle.
Conferi as horas e notei que faltava pouco para meus
parceiros de negócios chegarem para nossa reunião, porém nem
Kara nem mesmo o pessoal da copa foram até a minha sala para
abastecer o pequeno aparador com água, café e comestíveis, o que
era estranho, porque meu pessoal sabia que eu detestava serviço à
francesa e, para evitar que outras pessoas estivessem na sala
enquanto tratava de negócios, pedia que tudo fosse deixado no
buffet para que a própria pessoa se servisse.
Saí da minha sala e, na antessala, onde Kara havia se
instalado, não encontrei ninguém. A mesa dela estava vazia, mas
seu telefone e iPad se encontravam sobre a mesa. Estranhei,
pensei que pudesse ter acontecido uma emergência, então fui para
o corredor do andar da diretoria e vi uma faxineira passando
aspirador em um canto.
— Sabe onde está minha assistente, a senhorita Çelik?
Primeiro a mulher ficou paralisada, olhos arregalados, depois
vermelha como um pimentão.
— Ela estava na copa, senhor Moore.
Assenti e fui na direção apontada pela mulher, mas, antes de
entrar no recinto, ouvi risadas e a voz de Holly Matthews:
— Vamos, Kara, vai ser divertido! Não é sempre que recebo
convites para esse clube e meu irmão está doido para conhecer
você!
Minha expressão se fechou imediatamente, porque eu não
pagava as duas para ficarem de conversa sobre coisas fora do
trabalho.
— Eu não sei, nunca fui a um clube de jazz antes, ainda mais
nessa área tão luxuosa. — Ela riu. — Não saberei o que fazer.
— Eu estarei lá! — A secretária executiva a incentivou. —
Vai, eu preciso confirmar!
Senti algo estranho queimar meu estômago – provavelmente
desgosto pela atitude antiprofissional de ambas – e entrei na copa.
Holly, que bebia calmamente uma xícara de café, engasgou-se
quando me viu, mas Kara apenas me olhou como se não
entendesse o que eu estava fazendo ali.
— O serviço de copa ainda não foi montado na minha sala,
senhorita Çelik — falei sério. — E falta menos de uma hora para a
reunião. Não acha que deveria estar agilizando isso, ao invés de
ficar aqui fofocando?
Os olhos escuros dela se apertaram.
— Estou no meu intervalo, senhor Moore — informou com o
queixo erguido e se afastou de Holly. — Além do mais, estou
esperando a entrega dos canapés que encomendei e que, para que
não ficassem murchos e velhos, pedi que entregassem 30 minutos
antes do horário, que é tempo suficiente para os copeiros daqui
arrumarem. — Virou-se de costas para mim, lavou sua xícara na pia
e, antes de sair, olhou para Holly: — Pode confirmar minha
presença.
A secretária não escondeu um sorriso.
— Perfeito! Nos encontramos às 8h da noite na porta do
clube!
— Precisa de algo mais, senhor Moore? — minha assistente
me perguntou, pois eu não parava de encará-la.
— Não, apenas que se atenha ao trabalho quando estiver na
empresa.
— Sim, senhor!
Kara passou por mim, caminhando em direção à nossa sala.
Olhei para Holly, que também estava pronta para sair da copa, mas,
seguindo um impulso idiota, coloquei-me em seu caminho.
— De que clube estavam falando?
Ela pareceu confusa, mas talvez por causa da minha
expressão contrariada, revelou:
— Do Cole Jazz.
Apenas balancei a cabeça, como se a informação não fosse
relevante e fui atrás de Kara, contrariado com a atitude dela e
incrédulo por ter aceitado o que era claramente um encontro às
cegas com o irmão de Holly Matthews.
Virgenzinha do pau oco!
— Saiba que, se algo der errado nessa reunião por conta de
seu planejamento, toda a responsabilidade recairá nas suas costas
— ameacei-a quando passei por sua mesa, à qual já estava
sentada, mexendo no computador.
Kara me encarou.
— Não haverá nenhum problema, senhor Moore. Trabalhei
na copa, conheço a equipe e os fornecedores, dará tudo certo. — A
sobrancelha dela se ergueu. — Algo mais?
Fiquei olhando-a, tentando reconhecer aquela mulher
confiante à minha frente, tão diferente da insegura e submissa Kara
que passou dias comigo na Turquia. E, sem conseguir controlar os
rumos dos meus pensamentos, lembrei-me de como ela se portou
na minha cama, como uma mulher que sabia o que estava fazendo,
como alguém experiente, quente, sensual e fogosa, não como uma
virgem.
— Não, senhorita Çelik. Não preciso de mais nada.
Entrei na minha sala e decidi esquecer aquela história com
Kara de vez. Tínhamos chegado a um acordo e, se ela estava
cumprindo-o muito melhor do que eu esperava, deveria estar me
sentindo aliviado, e não... irritado.
Foda-se ela!
— Moore!
Virei-me em direção à voz que me chamava e vi, surpreso,
Robert Clark Junior vindo até mim acompanhado de sua belíssima
esposa.
— Quem é ele? — Kara sussurrou.
— Advogado. Uma das empresas de gestão da Gaea
administra o escritório da família dele. — Suspirei. — Espero que
não por muito tempo mais.
Percebi o olhar confuso de Kara.
— Prejuízo?
Ri e neguei.
— Não, é rentável, mas poderia estar muito melhor se ele
voltasse a trabalhar lá. — Voltei a olhar para o homem que se
aproximava. — Depois conto detalhes. — Encerrei a conversa
quando estendi a mão para cumprimentar o homem alto e loiro. —
Bob Junior! — Usei propositalmente o apelido que sabia que ele não
gostava.
O homem gargalhou.
— Você não consegue mais me irritar, Moore! — Olhou para
Kara. — Lembra-se de Laura, minha mulher?
Sorri ao lembrar-me do baile em que a tinha visto pela
primeira vez e ficado embasbacado com sua beleza.
— Claro! — cumprimentei-a. — A senhora continua
belíssima!
A brasileira sorriu e desviou seus olhos verdes e curiosos
para Kara.
— Não vai me apresentar à sua acompanhante? — inquiriu,
sorrindo para Kara.
Respirei fundo e encarei Robert, mas o homem apenas a
olhava com curiosidade, nada mais.
— Essa é Kara Çelik. — Pisquei para ela. — Kara, esses são
Robert e Laura Clark.
Eles a cumprimentaram e Robert começou a conversar
comigo sobre uma questão do escritório – do qual insistia em não
mais fazer parte, mas ainda recebia o lucro como herdeiro –,
enquanto Laura e Kara se aproximaram.
Percebi, pelo canto dos olhos, que as duas sorriam e
conversavam com entusiasmo e, embora eu não conseguisse ouvi-
las – por ter de prestar atenção a Robert e por causa das conversas
ao nosso redor –, relaxei ao ver que estavam se dando bem.
— Michael não virá? — perguntei a Robert sobre seu melhor
amigo.
— Deve estar chegando a qualquer momento — informou e
olhou rapidamente para Kara. — Está melhor acompanhando dessa
vez, Moore.
Concordei, sentindo uma mistura de orgulho e de irritação por
ele notar a beleza de Kara.
— Soube que teve problemas com minha companhia do ano
passado. — Ri. — Foi uma demissão merecida, mas escandalosa.
Não tive mais nenhuma notícia dela.
— Nem eu, graças a Deus! — Um sorriso de deboche
apareceu no rosto dele. — Resolveu tomar posse do meu antigo
título de rei das universitárias? A moça já tem idade para beber ou
precisa de uma ID falsa?
Respirei fundo e mantive a seriedade.
— Quando você vai retornar ao legado? — Mudei para um
assunto que iria irritá-lo tanto quanto me chateou a piadinha sobre a
idade de Kara que ele fez para mim.
Robert ficou sério e deu de ombros.
— Não tão cedo. Estou gostando desse negócio de começar
do zero.
Gargalhei.
— Você levou contigo um dos nossos maiores cliente, seu
filho da puta! Isso não é começar do zero.
Robert riu e apontou.
— Falando nele.
Olhei para onde indicava e vi Michael Griffin entrar no salão
do museu acompanhado de sua estonteante esposa ruiva.
Ouvi Kara e Laura rirem, e essa última acenou para Aurora,
fazendo com que o casal viesse ao nosso encontro. A senhora
Griffin questionou o marido sobre Kara, pelo menos foi o que deu
para entender da leitura labial rápida que fiz, e Michael deu de
ombros, mas eu podia ver uma certa curiosidade em seus olhos.
Eu tinha certeza de que seria mais um me questionando
sobre ela e fazendo algum tipo de piada sobre nossa diferença de
idade. Eu era o mais velho dos três e o único que permanecia
solteiro, então esperava artilharia pesada vinda da união dos dois
que se renderam ao casamento.
Olhei novamente para Kara e a peguei me encarando de
volta. Ela sorriu, suas bochechas ficaram levemente coradas e eu
tive que manter o resto de controle que possuía para aguentar mais
encontros e conversas naquela noite, quando tudo o que queria era
pegá-la pela mão e levá-la a um lugar onde não precisasse dividir
sua atenção com mais ninguém.
A noite prometia ser longa!
35 - Sean
FIM!
Sobre a autora