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© Copyright 2023 J.

Marquesi

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e


acontecimentos descritos, são produtos de imaginação do autor.
Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é
mera coincidência.

Revisão: Analine Borges Cirne


Capa: Layce Design
Diagramação digital: J. Marquesi

Esta obra segue as regras do Novo Acordo Ortográfico.


Todos os direitos reservados.

São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer


parte dessa obra, através de quaisquer meios — tangível ou
intangível — sem o consentimento escrito da autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei nº.
9.610./98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.

Edição digital | Criado no Brasil


SUMÁRIO

Playlist
Prólogo – Sean
1 – Sean
2 – Kara
3 – Sean
4 – Kara
5 – Sean
6 – Kara
7 – Sean
8 – Kara
9 – Sean
10 – Kara
11 – Sean
12 – Kara
13 – Sean
14 – Kara
15 – Sean
16 – Kara
17 – Sean
18 – Kara
19 – Sean
20 – Kara
21 – Sean
22 – Kara
23 – Kara
24 – Sean
25 – Kara
26 – Sean
27 – Kara
28 – Kara
29 – Sean
30 – Kara
31 - Sean
32 - Kara
33 – Kara
34 - Sean
35 - Sean
36 - Kara
37 - Sean
38 - Kara
39 - Sean
40 - Sean
41 – Kara
42 – Sean
43 – Kara
44 – Sean
Epílogo
Sobre a autora
Outras Obras
Contato
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Prólogo – Sean

Zurique, 22 anos atrás.

Enfim, o dia chegou!


O pensamento era desprovido de qualquer tipo de
sentimento, apenas uma constatação de um fato indubitável. Havia
meses eu sabia que chegaria esse momento, que teria que estar
naquela sala, naquele lugar, naquele país.
Suspirei e olhei o céu cinza, as nuvens pesadas em um
prelúdio de tormenta, o vento fustigando as folhas das árvores
plantadas pelas ruas, enquanto a vida seguia na área agitada, cheia
de grandes escritórios, onde ficava a sede de um dos mais antigos
bancos suíços, banco esse que eu acabara de herdar.
Tinha certeza de que, em algum momento, aquilo iria
acontecer, e eu teria que tomar posse de um negócio que nunca
havia sido meu ou com que não tivera qualquer envolvimento, pelo
simples fato de que não tinha relacionamento com o dono daquele
lugar desde os meus 10 anos de idade.
Edwin von Salis era o nome do homem que fundou o banco
ainda no século XIX, e, da dinastia que adveio dele, estava meu pai,
Leopold von Salis, o homem que usara a sala onde eu estava de pé,
fitando a paisagem. O homem que se assentara na imponente
cadeira de couro como se fosse um tipo de deus, esquecendo-se de
qualquer coisa que não fosse seu dinheiro e seus prazeres.
A amarga lembrança da última vez que tinha estado naquela
sala brotou incontrolavelmente em minha mente, e a imagem que se
fez foi tão intensa que senti meu peito se agitar. A dor do menino
que não podia defender sua mãe do desgosto causado naquela
tarde, a culpa por ter insistido em visitar meu pai no meio de seu
horário de trabalho, a decepção por assistir ao ídolo cair do altar.
Aquele dia mudou nossa vida para sempre! Minha mãe e eu
nos mudamos para os Estados Unidos, onde a família dela morava,
e a única exigência que ela fez no divórcio, além de ficar comigo, foi
sobre minha educação.
Eu já era considerado um prodígio aos 10 anos de idade e,
ao chegar à América, concentrei toda a dor de ter minha família
dividida e de ser simplesmente ignorado pelo homem que eu amava
em ser o melhor em tudo o que eu fazia.
Foi assim que nasceu o golden boy da família Moore –
sobrenome materno que passei a usar, renegando o de meu pai – e
o garoto prodígio que, aos 18 anos, já era graduado em uma
universidade famosa, já havia feito duas pós-graduações e estava
em vias de ingressar no doutorado.
O homem de 18 anos que herdou um banco suíço após o pai,
com apenas 50 anos, infartar na cama de sua nova namorada, que
tinha a mesma idade de seu filho.
Uma mão trêmula tocou meu ombro, tirando-me das
lembranças amargas, e olhei para minha avó paterna, Katherina von
Salis, que parecia emocionada com nosso reencontro depois de
tantos anos de distância.
— Seja bem-vindo, Sean.
Apenas assenti, sem saber ao certo como lidar com ela ou
com qualquer pessoa da família de meu pai que havia aparecido
naquele dia, pois não nos víamos desde que deixei a Suíça, após o
divórcio, e desde então só tinha trocado alguns telefonemas e
cartas.
— Herr von Salis... Herr?[1]
Olhei distraído para a secretária, que estava parada à porta
do escritório, segurando uma pasta e percebi que ela estava falando
comigo.
— Não. — Balancei a cabeça e respondi em inglês: — Herr
von Salis está morto. Chame-me de senhor Moore.
A moça ficou claramente sem jeito, mas concordou, mudando
o tratamento imediatamente, entregando-me os papéis e
desaparecendo da sala.
— Você é um Von Salis, Sean — vovó frisou. — Ainda que
tenha vivido todos esses anos com a família Moore...
— Não, eu não uso esse sobrenome nem vou usá-lo. —
Respirei fundo e sentei-me à mesa. — Fiquei sabendo que as
coisas aqui andam um tanto quanto bagunçadas.
A senhora idosa, pertencente ao conselho diretor do banco,
sentou-se à minha frente.
— Já tivemos mais confiabilidade...
Ri.
— Estou ciente. Venho acompanhando a administração
vergonhosa de seu filho durante os anos em que estive estudando.
— Não tenho como refutar os fatos, que já são de seu
conhecimento.
— Por que não o afastaram?
Ela deu de ombros.
— A opinião de uma única mulher no conselho não faz muita
diferença, ainda mais se esta mulher é a mãe do CEO em questão.
— Os olhos dela brilharam. — Seu pai me chamava de traidora.
Automaticamente meu respeito por aquela pequena mulher
de cabelos grisalhos aumentou.
— Seu filho era um idiota.
— Novamente não posso contestar. — Sorriu. — Mas agora
temos você, e, desta vez, o conselho seguiu meu voto para colocá-
lo onde está.
Hum... A conversa começa a ganhar forma!, pensei, irônico.
— Não pense que irá me manipular por causa disso. Posso
ter apenas 18 anos, oma, mas há muito deixei de ser um menino
para ser guiado pela mão.
— Fico feliz em saber. — Ela se levantou. — Leopold era
meu filho, mas nunca deixou de ser um menino. Era inseguro nos
negócios, postergava mudanças e tomadas de decisão e, quando se
sentia pressionado, precisava de algo para se refugiar. Ele nunca
teve a barra da minha saia. Talvez por isso preferisse estar no meio
das pernas do maior número de mulheres possível.
Aquela declaração crua sobre meu pai me deixou sem fôlego,
e pude não só admirar a força, como também a lucidez de Katherina
von Salis. A mulher que eu tinha à minha frente demonstrava sua
força, por vezes contida por conta de seu papel na vida dos homens
da minha família, e era excepcional.
— Não vou seguir por esse caminho — afirmei. — Não vou
cometer os erros dele. Este lugar voltará a ter o prestígio que tinha
há mais de 100 anos, quando foi criado.
Não havia nenhum tipo de expressão que denunciasse seus
pensamentos; ela apenas me encarava.
— Tudo é transitório nessa vida, Sean, menos o legado que
você deixa. Houve três gerações de homens fracos na família Von
Salis, e o que eles deixaram está nesses relatórios. — Apontou para
a pasta. — Não seja fraco, aprenda a dominar suas paixões, a
controlar sua impulsividade e a focar no que realmente importa. É
relativamente fácil ter ascensão social hoje em dia, mas nada
substitui o prestígio de quem é rico há gerações. Você é um em um
milhão, e não pelo sangue nobre em suas veias, mas sim pelo que
já conquistou até aqui com tão tenra idade. Eu vejo seu potencial,
Sean Moore. Não desperdice minha fé.
Com essas palavras, ela saiu da sala, trajando seu conjunto
Chanel impecável, usando luvas, chapéu e com o sobretudo no
antebraço. O barulho do salto de seus sapatos foi amortecido pelos
tapetes persas que cobriam o assoalho de madeira de lei, mas
permaneceram as marcas de uma mulher que sabia onde pisava e o
fazia com confiança.
Simplesmente não dava para eu entender como aquela
mulher havia criado um homem tão patético como meu pai. Um ser
desprezível que não só traía sua esposa com todas as secretárias
que passavam pelo escritório, como gostava de fazer piadas das
indenizações e “pagamentos por silêncio” que fazia para cada uma
delas.
Domine suas paixões! A voz de minha avó soou na minha
cabeça claramente, assim como a lembrança da secretária sentada
no tampo da mesa de papai, completamente nua, enquanto ele
estava com a cara enfiada no meio de suas pernas.
Nos meus poucos anos de vida, especialmente quando entrei
na puberdade, nunca me permiti me envolver com qualquer mulher
que tivesse algum tipo de relação comigo ou com minha família,
nem mesmo as colegas de universidade. Eu transava com
desconhecidas, mulheres que via apenas uma vez e de quem
depois não tinha notícia, e abominava pagar por sexo.
Trauma, alguns diriam... Talvez fosse, mas sempre gostei de
ver como um treinamento para a posição que um dia assumiria.
Recostei-me na cadeira que foi usada por tantos antes de
mim e sorri, contente por saber que meus anos me testando seriam
provados.
Eu estava pronto para o desafio e iria desfrutar cada ano que
passaria à frente daquele navio naufragando até transformá-lo
novamente em uma potência.
A era do sobrenome Moore havia começado na Suíça, e,
como bom americano que eu era, teria prazer em expandi-la pelo
mundo.
1 – Sean

Genebra, tempos atuais.

Recusei novamente a bebida oferecida por um dos garçons


que transitavam pelo salão onde tinha ocorrido mais um dia de um
fórum internacional sobre negócios e fiquei observando como os
outros participantes não se importavam em consumir bebidas
alcóolicas mesmo estando em um “tanque de tubarões”.
Ri arrogantemente com o pensamento, debochando da
inocência de quem achava que estava ali entre “amigos” do ramo,
desfrutando de uma conversa informal após um dia interminável de
conversas e palestras em que a maioria não tinha prestado atenção
ou não tinha inteligência suficiente para acompanhar.
Eu conhecia a maioria ali – alguns que não me interessavam
o mínimo por serem completamente irrelevantes nos negócios e eu
simplesmente ignorava –, e todos sabiam quem eu era. Minha
posição diante daquelas pessoas era de salvador ou carrasco,
dependendo do ângulo que tinham sobre mim, pois estavam sobre
minhas mãos ou sob meus pés.
Ali, eu era mais íntimo daqueles homens do que as mulheres
que chupavam seu pau e mais importante do que as mães de sua
prole ou sua santa mãezinha. Eu era aquele que conhecia a saúde
de suas finanças e de suas empresas, tanto que podia dividir o
salão entre três grupos: os que me deviam; os que investiam
comigo; e os que tentavam estar em qualquer um dos grupos
anteriores.
Cumprimentei ao longe, apenas com um aceno de cabeça,
um dos herdeiros da maior fortuna da Grécia, que infelizmente
decidiu – por algum motivo idiota – se afundar na direção da
subsidiária da empresa na América do Sul.
Ah, Theodoros, ninguém te ensinou que o Brasil só é bom
para tirar umas férias? Sorri diante do pensamento, logo assim que
vi o outro que o acompanhava e que seguiu o mesmo destino,
embora seu irmão tivesse tido mais juízo e assumido a direção da
rede hoteleira de sua família nos Estados Unidos.
O sorriso morreu quando ele também me viu e veio todo
contente em minha direção.
Merda!
— Moore! — Frank Villazza estendeu a mão, e o
cumprimentei. — Você esteve cirúrgico na sua fala hoje. — O
sorriso debochado não passou despercebido. — Inteligência nunca
te faltou, apesar de ser um grande coglione!
Ergui uma das sobrancelhas.
— Não se esqueça de que o coglione aqui aceitou sua
inscrição no clube de golfe de Harvard. — Frank riu, porque, embora
tivéssemos quase a mesma idade, quando ele ingressou na
Business School, eu já havia me graduado havia alguns anos. —
Como vão suas crianças?
O italiano abriu um sorriso verdadeiro, e vi o brilho de orgulho
em seus olhos.
— Estão todos ótimos! Laura e Lucca vão ganhar um
irmãozinho em breve, e minha esposa conseguiu fazer o impossível:
me deixar ainda mais feliz.
Concordei, porque, muito embora eu não quisesse aquela
vida para mim, admirava quando um completo bon vivant como ele
se tornava um homem de família.
— Vocês, italianos, gostam de ter uma prole grande... —
provoquei. — Mas é bom vê-lo feliz desse jeito!
Frank ficou sério de repente.
— Soube da sua avó. Meus sentimentos.
Mantive meu sorriso, ainda que não tivesse mais vontade de
expressar aquela reação. Não queria falar da perda de Katharina
von Salis, muito menos deixar transparecer como foi ter de enterrar
aquela que foi minha conselheira e apoiadora por mais de 20 anos.
— Seus pais foram ao enterro e prestaram condolências por
toda sua família, mas obrigado. — Vi Tony Villazza vindo em minha
direção acompanhado de alguém que eu poderia chamar de amigo,
já que era um homem que tinha meu profundo respeito e admiração.
— Ah, olha só quem está aqui!
Cumprimentei os recém-chegados.
— Bela fala hoje, Moore — Michael Griffin, o CEO de uma
grande agência de investimentos americana, elogiou-me. — Tony e
eu estávamos falando exatamente sobre sua colocação quando o
vimos aqui.
— Eu estava dizendo que, quando o assunto foi levantado,
procurei você na sala, porque sabia que teria algo a acrescentar.
Frank riu alto.
— Ele é previsível, não é, Tony?
— Coerente. — O irmão de Frank não entrou na provocação.
— Moore e eu já havíamos conversado sobre isso quando nos
encontramos em Chicago.
Assenti, mais confortável com o assunto.
Eu gostava de Frank Villazza e sua irreverência, mas preferia
lidar com Antonio Villazza por ele ter a visão de negócios alinhada
com a minha. Admirava a maneira que o CEO da rede Villazza na
América do Sul via a vida, seu jeito descontraído desde sempre,
estampando revistas e conquistas; eu, no entanto, era discreto até
meu último fio de cabelo. A imprensa especulava sobre minha vida
pessoal, mas deixei bem claro, desde a primeira entrevista que dei,
que só falaria dos meus negócios e nada mais.
Minha postura, obviamente, não os impedia de especular, e
eu não deixava de viver por conta dos malditos paparazzi, mas
nunca fui amiguinho deles ou mesmo dei qualquer informação fora
as de trabalho, através da minha assessoria de imprensa, pois não
falava com qualquer repórter.
Alguns me achavam esnobe, arrogante, e eu era mesmo para
quem não estava acostumado com a vida que eu levava. Sabia que
minha imagem estava atrelada aos negócios, mas dentro de um
limite, e não toleraria qualquer um que tentasse ultrapassá-los.
— ...no baile? — O final da pergunta de Michael foi destinado
a mim, e só então percebi que, ao divagar, deixei de ouvir a
conversa.
— Não ficarei para o baile — informei-o e consultei as horas
no meu relógio de pulso. — Inclusive, já tenho que me despedir.
— Vai voltar para os Estados Unidos? — Tony questionou.
Respirei fundo, mas, em consideração ao respeito que nutria
por ele, respondi:
— Não, vou para Mônaco.
Imediatamente vi a expressão deles mudar, e um clima de
desconforto se abateu sobre os três homens que conversavam
comigo.
— Eu soube sobre a senhora Von Salis. — Michael tocou no
assunto que seria inevitável, já que eu havia revelado meu destino.
— Enviei um cartão com nossas condolências.
Assenti.
— Meu assistente contou-me. Obrigado.
Shelly Griffin, mãe de Michael, havia enviado um ramalhete
com as flores preferidas de minha avó, junto ao cartão. As duas se
conheceram rapidamente, mas gostaram uma da outra e
mantiveram algum contato. Era impossível alguém ter conhecido
minha avó e não a ter admirado, e Shelly era uma mulher tão
admirável quanto fora Katherine.
— Eu também não ficarei no baile. — Tony mudou de
assunto. — Tenho uma reunião amanhã pela manhã em Londres, e
Marina irá me encontrar por lá com as crianças. — Sorriu. — É meu
último compromisso de trabalho antes das férias.
— Pois Bella e eu vamos comparecer. Este baile já se tornou
tradição para nós. — O sorriso torto estava novamente na cara dele.
— Você também vem, não?
Michael assentiu.
— Aurora está ansiosa pelo baile e já fez amizade com
Isabella e a esposa de Theodoros...
— Maria Eduarda. — Frank ajudou-o a se lembrar.
— Sim! A chef de cozinha.
— Foi bom elas terem feito amizade, porque assim puderam
fazer companhia uma à outra enquanto estávamos participando dos
fóruns.
Pigarreei, incomodado com aquela conversa de “comadres” e
aproveitei a deixa de ser um solteiro convicto e não me imaginar
tendo aquele tipo de diálogo para me despedir.
— Bom, senhores, foi um prazer reencontrá-los, mas
necessito ir. Meu jatinho decola em menos de duas horas, e ainda
preciso chegar ao aeroporto.
— Foi bom vê-lo, Moore — Michael se despediu, seguido
pelos dois irmãos.
Caminhei pela sala em linha reta, na direção da saída, e,
enquanto o fazia, as pessoas iam se afastando para que eu
passasse e me cumprimentando. Fiz alguns acenos com a cabeça,
mas não parei para falar com ninguém. Estava indo bem até chegar
próximo à porta.
— Sean?
A voz conhecida me fez parar por um segundo e virar-me na
direção da pessoa.
Emilly Howard.
A belíssima mulher com quem eu havia tido um envolvimento
fazia algum tempo me encarava com um enorme sorriso e com seus
olhos cor de esmeraldas brilhantes. Ela era alta, a pele naturalmente
bronzeada, os cabelos tão negros e lisos que pareciam veludo
caindo às suas costas.
— Como vai, Em?
O sorriso aumentou por causa do apelido carinhoso.
— Ocupada. — Deu de ombros. — Tive que substituir papai
no fórum este ano. Ele disse que seria bom para os outros
começarem a me ver na direção da empresa.
Ah, Phillip... sempre forçando a barra!, pensei, mas não
proferi nenhuma palavra, pois sabia que Emilly não queria nem tinha
vocação para gerir o negócio da família.
Novamente olhei o relógio e aproveitei para encerrar a
conversa.
— Foi bom te ver, Em, mas preciso ir. Tenho um
compromisso.
Ela fez beicinho, e tive que me segurar para não ceder à
tentação de chamá-la para me acompanhar até Mônaco. Sabia que
não seria uma boa ideia, embora nossa química fosse boa e a
presença dela pudesse me distrair da difícil missão que era visitar o
apartamento de minha avó pela primeira vez após sua morte,
porque já havia sido complicado o suficiente fazê-la entender que eu
não era do tipo que queria uma relação séria com quem quer que
fosse.
— Não vai ficar para o baile?
Neguei.
— Como disse, tenho um compromisso.
— Tudo bem. Foi bom vê-lo de novo.
Acenei rapidamente em despedida e segui para fora do local
do evento, onde meu motorista, Basil, aguardava-me com o carro
pronto para me levar até o aeroporto.
— Boa noite, senhor — cumprimentou-me, enquanto eu
entrava na parte traseira do Mercedes.
— Boa noite, Basil. Informou ao comandante que eu não vou
auxiliá-lo hoje? — O motorista anuiu, e relaxei no banco, fechando
os olhos. Geralmente eu gostava de pilotar, mas naquela viagem
preferia ir sozinho, bebendo na suíte do jatinho. — Falou com a
governanta de Frau[2] von Salis?
— Sim, senhor. Ela o estará aguardando quando chegar.
Não falei mais nenhuma palavra até chegarmos ao aeroporto,
onde fui encaminhado para uma sala VIP até receber a informação
de que nossa decolagem já estava autorizada, e o avião, próximo a
taxiar pela pista.
Fiz exatamente aquilo que tinha pensado e segui diretamente
para a suíte, deixando a ordem para não ser incomodado durante o
voo. Um comissário deixou uma bandeja com alimentos e bebidas
logo depois que decolamos.
Seria uma longa hora de voo, ao mesmo tempo em que
pareceria curta diante do adeus que eu estava programado para dar.

Saí do banho e notei que meu telefone estava com a tela


acesa. Como eu silenciava todas as notificações, sabia que seria
uma ligação de alguém de minha família.
Sentei-me à beirada da cama do quarto que sempre utilizava
quando ia visitar minha avó e conferi a ligação perdida de Sylvia,
retornando-a imediatamente.
— Como você está? — ela atendeu já tocando no assunto.
— Estranho. — Era a palavra perfeita para resumir meus
sentimentos. — E a mamãe?
— Foi com meu pai até o centro de assistência — explicou.
— Estou sozinha aqui, então pode discorrer sobre se sentir
estranho.
Ri, porque, desde que Sylvia chegara à minha vida, 22 anos
antes, era impossível esconder-me dela atrás da minha capa de
frieza. Ela era a única pessoa que me conhecia de verdade e que,
sem eu nem mesmo precisar falar, sabia como eu estava apenas
pela minha expressão. O poker face ensaiado por anos não
funcionava com minha irmã caçula.
— Parece que o apartamento perdeu o brilho — confessei. —
Cheguei aqui e estava tudo como da última vez que vim, porém era
diferente.
— Entendo. Já resolveu o que vai fazer?
— Não. Achei que seria fácil, afinal, é só um imóvel valioso
que seria transformado em dinheiro ao ser vendido, mas não é. Há
tantas lembranças aqui, em cada móvel, em cada tapeçaria... É
difícil de explicar, Syl. Talvez você, recém-formada em psicologia,
possa.
Ela riu.
— Não sou sua terapeuta... Ah, lembrei, você nem tem uma!
— Não preciso — reafirmei minha posição com relação ao
assunto já exaustivamente conversado. — Eu lido bem com minhas
merdas. Só preciso de um tempo para me acostumar que ela já não
está mais aqui e, aí sim, vendo este elefante branco.
Pelo som que minha irmã produziu, eu sabia que aquela
desculpa não a havia convencido.
— Você ama esse apartamento, Sean. Acho que nossa casa
e sua casa nunca foram vistas verdadeiramente como seu lar, mas
esse apartamento, sim.
Tive que engolir aquela verdade, mas não me pronunciei. Saí
da casa da minha mãe ainda muito jovem para estudar, e, nesse
período, ela se casou e construiu outra família. Eles me acolhiam, e
eu me sentia integrado, tanto que Keith, o pai de Sylvie, tratava-me
com muito respeito e consideração. No entanto, quando estava com
minha avó, eu me sentia mais livre para ser quem era. Ela não
exigia de mim apego sentimental, mas incentivava meu intelecto, e
sua presença era tão marcante que não me importava que ela não
fosse dada a abraços e beijos como minha mãe era, pelo contrário,
era um alívio.
— Bom, vou passar uns dias aqui e aproveitar para fechar
alguns negócios. Tenho uma reunião agora no cassino em Monte
Carlo e amanhã já tenho um almoço agendado com um príncipe do
Catar.
Sylvia riu nervosa.
— Não consigo acreditar na vida que você tem. Parece coisa
de filme!
— Você poderia tê-la vivido comigo, mas prefere usar seu
talento para atender crianças revoltadas no centro de assistência do
seu pai.
Ela gargalhou.
— É isso que eu amo fazer, você sabe! Essa vida de James
Bond é só para você, mas, por favor, tome cuidado e tente não
chamar muita atenção sobre seu dinheiro.
Fui eu quem gargalhou dessa vez.
— Sylvia, eu chamo atenção naturalmente. — Ela bufou ao
ouvir minha voz arrogante. — Mas pode ficar tranquila, vou tentar
ser discreto.
Falamos mais alguns minutos ao telefone, e, assim que
desliguei, fui até o armário onde estava meu smoking Dolce, limpo e
passado. Separei um par de sapatos feitos à mão de uma das
sapatarias que eu amava na Europa e escolhi um Rolex para o
pulso.
Minha imagem era meu cartão de visitas para os investidores
da Gaea, então vestir-me com estilo, usando marcas de luxo e
produtos exclusivos, era mais do que simplesmente uma questão de
gosto, era uma necessidade.
O interfone do apartamento tocou quando eu estava
completamente pronto. Dei uma última olhada no espelho e atendi.
— Senhor Moore. — Era Basil. — Os carros estão prontos, e
eu, à disposição.
— Vou usar o Divo esta noite e eu mesmo vou dirigindo —
informei.
— Certo. Jimmy e eu vamos no Audi, então.
Respirei fundo, detestando ter de ser acompanhado, porém
ciente de que eram as regras do jogo quando eu decidia dirigir um
carro que, além de custar o resgate de um rei, era um modelo que
teve apenas 40 unidades vendidas no mundo todo.
Essa, no entanto, era a minha vida, e eu sabia que, apesar
de ter dinheiro suficiente para me proporcionar tudo o que queria,
exibi-lo poderia trazer consequências ruins.
Fazia parte do jogo!
2 – Kara

Chicago, tempos atuais.

— Bom dia, Kara! — minha mãe me cumprimentou assim que


entrei na cozinha.
— Bom dia! — Beijei-a, pegando o café que colocou em um
copo com isolamento térmico, um mimo que me dera no meu
aniversário do ano anterior.
Aquele era um ritual conhecido. Todos os dias eu acordava
para ir trabalhar, e ela já ficava à minha espera com o café
preparado e algum lanchinho para eu fazer nos 60 minutos que
passava viajando para chegar até o Loop – bairro extremamente
empresarial da cidade onde eu morava desde os meus oito anos de
idade – onde, de segunda a sexta-feira, eu ia para garantir uma
renda fixa para nossa família.
Ela me entregou o lanche, e eu a beijei na testa, recebendo
sua bênção.
— Teve alguma notícia da universidade? — perguntei antes
de sair, pois, na noite anterior, ao chegar, ela já estava dormindo.
Mamãe deu de ombros.
— Não, mas seu irmão está fazendo as aulas normalmente.
— Falei com minha supervisora, e, como ela está precisando
de pessoal, mas ainda não contrataram, deixou que eu dobre meu
turno por mais algum tempo. — Sorri animada por poder dar essa
notícia a ela. — Acho que, se eu conseguir dobrar por umas duas ou
três semanas, vamos conseguir colocar em dia a parte que a bolsa
de estudos não cobre.
Minha mãe me abraçou apertado.
— Deus a abençoe, mas me sinto mal por isso. Essa
responsabilidade não é sua, é minha!
— Besteira, mãe! A senhora cuidou de nós a vida toda e
continua cuidando. — Levantei meu lanche. — Estamos investindo
no futuro de Onur e tenho certeza de que, quando ele se formar um
médico, vai reconhecer o esforço que nós duas fizemos por ele.
— Onur é um bom menino! Seu pai estaria orgulhoso dele se
estivesse vivo.
Assenti e me despedi, sabendo que, por causa daquela
conversa, teria que correr até a estação de trem. Aquele era meu
percurso todos os dias desde que começara a trabalhar para o
grupo Gaea, havia três anos.
Comecei com o pessoal da faxina, pois uma vizinha nossa
trabalhava lá e me indicou, mas depois logo fui aproveitada pelo
pessoal da copa e passei a fazer e servir cafezinhos e qualquer
outra refeição que nos fosse solicitada. Éramos poucas na copa,
apenas cinco funcionárias em cada turno, e, além do serviço ser
menos pesado, o salário era um pouco maior.
Sabia que meu aspecto físico, além de minha postura no
trabalho, foi responsável pela singela promoção e agradecia demais
a Deus pela oportunidade, pois aconteceu bem quando meu irmão
mais novo começou o pré-médico.
Onur tinha apenas 18 anos e seu sonho sempre foi ser
médico. Ele era muito inteligente e esforçado, e eu gostaria que
tivesse as oportunidades que não tive. Embora também tivesse
potencial para conseguir uma bolsa de estudos, escolhi priorizar
trabalhar e ajudar minha mãe nas despesas de casa.
Joanna Fuller Çelik já havia passado por muita coisa na vida,
e o que eu pudesse fazer para ajudá-la a tornar seus fardos mais
leves, eu faria. Ela e meu pai, Ali Çelik, conheceram-se em Chicago
fazia quase 30 anos, apaixonaram-se, casaram-se, e, quando as
coisas ficaram complicadas para eles em termos financeiros, ela o
acompanhou para Istambul – de onde a família dele era – para que
o marido trabalhasse junto ao irmão mais velho em um famoso
mercado que existia lá.
Nasci em Istambul, 22 anos antes, e só pisei nos Estados
Unidos quando já tinha oito anos de idade. Meu pai foi atropelado
em uma das agitadas ruas da cidade, e mamãe decidiu voltar ao
seu país para estar perto de sua própria família. O que ela nunca
nos contou, mas que sabíamos, era que os Çeliks não aceitavam
muito o fato de papai ter se casado com ela.
Moramos alguns anos com nossos avós americanos, depois
mamãe conseguiu alugar a casa onde ainda vivíamos e nos
sustentava trabalhando em uma fábrica de dia e como garçonete de
um restaurante à noite.
Mesmo diante das dificuldades, nunca havia nos faltado
nada, inclusive carinho e amor, e mesmo sem a presença de nosso
pai, tínhamos sempre as lembranças dele reavivadas por ela e
éramos seguros sobre como nos amava também.
Quando terminei o ensino médio, decidi que iria trabalhar,
como já fazia nas minhas férias de verão, para ajudá-la em casa
com as despesas. Doeu-me, é claro, não dar continuidade aos meus
estudos, mas não me arrependia um dia sequer da minha escolha.
A única coisa que me preocupava era que eu precisava
melhorar minhas possibilidades para conseguir algo que pagasse
mais, e só iria conseguir isso se fizesse algum curso. Não havia
tempo para cursar uma universidade, porém, se pelo menos
começasse a fazer algo que me qualificasse, já melhoraria meu
currículo.
Entrei no trem – aliviada por não me ter atrasado a ponto de
perdê-lo – e sentei-me perto da janela para aproveitar os minutos
sentada antes de ter de sair correndo até a estação de metrô, já que
a ferrovia não ia até onde eu precisava ir, e o metrô não chegava a
Naperville, onde eu morava.
Vai valer a pena! Motivei-me mais uma vez, tomando um gole
do café delicioso de mamãe, feito à moda turca, como ela aprendera
a fazer, mantendo a fé em um futuro melhor.
Eu trabalhava duro, era cansativo, mas tinha a consciência
de que não era apenas eu naquela situação. Ao longo dos três anos
que me aventurei por aquela área tão rica e cheia de homens
poderosos de Chicago, recebi inúmeras propostas indecentes para
que eu ganhasse dinheiro mais rápido e aproveitasse melhor minha
aparência, contudo nunca me vi aceitando nada parecido.
Eu acreditava no amor e desejava ter um encontro como o
que os meus pais tiveram. Nunca havia me interessado por
ninguém, nem mesmo para trocar beijos, por ser tímida, ter sido
criada com valores morais rígidos e ter sido uma coisinha magrela e
pequena – que só tinha cabeça e olhos – grande parte da minha
adolescência.
Meu corpinho de extraterrestre só começou a ganhar forma
depois dos 18 anos, quando meus seios encheram e minha cintura
se destacou por causa dos quadris, que se alargaram. Ainda era
baixinha, media apenas 1,60m de altura, e, por causa do meu rosto
delicado, muitos achavam que eu ainda era mais nova do que
realmente era.
Sabia que era bonita e que ficava mais bela a cada ano que
se passava. Eu era a mistura de uma americana típica, de olhos
azuis e cabelos loiríssimos, com um turco moreno, de olhos
amendoados e cabelos crespos.
Olhei para a minha imagem refletida no vidro da janela do
vagão e pontuei cada traço meu, atribuindo-os à genética de minha
mãe ou de meu pai. O que eu via era uma jovem mulher de cabelos
fartos e escuros, com olhos grandes, em formato amendoado, de
um tom de castanho profundo, quase cor de chocolate, a boca cheia
e um queixo orgulhoso, como mamãe dizia que as turcas tinham.
Onur também havia herdado a cor dos cabelos escura como
era do nosso pai. Se não fossem seus olhos verdes, qualquer um
poderia jurar que se tratavam da mesma pessoa, ao comparar os
dois com aquela idade.
Fechei os olhos por um momento, tentando descansar um
pouco mais antes de começar mais um dia de trabalho, mas não
consegui, porque estava com a cabeça agitada demais pensando no
futuro.
Quando Onur terminasse o pré-médico e tivesse créditos
suficientes para ingressar na faculdade de medicina, certamente as
coisas ficariam mais caras, por isso eu precisava fazer algo para
melhorar meu salário. Necessitava ganhar mais dinheiro ou teria
que conseguir um segundo emprego.
Suspirei, pedindo a mim mesma um pouco de calma. Uma
mente conturbada dificilmente encontraria uma boa solução. Eu só
precisava de uma chance, uma oportunidade, porque era inteligente
e só precisava mostrar meu potencial para alguém que tivesse um
pouco de fé em mim.

O trabalho na copa do prédio onde funcionava o grupo Gaea


era intenso, mas muito mais tranquilo do que o da faxina. Limpei a
testa suada, por baixo da beirada da touca do uniforme, e continuei
a limpar uma das salas da diretoria. Recolhi os papéis picados na
cesta de lixo e os coloquei junto ao material reciclável, prestando
atenção se não havia qualquer documento ainda inteiro.
Os protocolos da empresa eram severos com relação às
informações, por isso tudo o que fosse jogado no lixo – documento
ou rascunho – precisava passar antes pela máquina de picotar. E
não era aquele tipo que fazia tiras de papel, mas uma que fazia
pedaços tão pequenos que pareciam confetes. Picar era da
responsabilidade da pessoa que o descartasse, mas, caso restasse
algum pedaço inteiro, o pessoal da faxina precisava passar pela
máquina antes de encaminhar para a reciclagem.
No começo era assustador saber que trabalhávamos com
informações que poderiam mexer com o sistema financeiro de tal
forma a causar prejuízos milionários. Por isso mesmo eu nunca quis
entender muito bem o trabalho das pessoas do último andar do
prédio – local esse que eu estava limpando.
— Kara? — Virei-me de repente ao ouvir a voz conhecida de
Tom Knightley e sorri para o homem alto, sempre bem-vestido e
com um sorriso simpático. — Você voltou para a equipe de limpeza?
— Não. — Terminei de jogar fora os papéis e lacrei o saco. —
Eles estão com pouco pessoal, e eu, com pouco dinheiro. Então...
Ele riu.
— Entendi! — Entrou na sala e abriu um armário usando uma
chave. — Espero não ter deixado muita bagunça para você arrumar.
Arregalei os olhos, pois sempre me encontrava com Tom na
copa, quando ele ia pegar um pouco de café para ir fumar no
terraço, e não fazia ideia de que ele era da diretoria. A verdade era
que eu, mesmo depois de anos trabalhando no grupo, nunca havia
conhecido pessoalmente nenhum diretor.
— Esta é sua sala?
Ele assentiu.
— Sim, eu sou assistente do doutor Moore. — Fiquei tão
pasmada com a informação que não consegui evitar abrir a boca de
surpresa, pois o doutor Moore era apenas o dono do grupo, o CEO
de todo o truste. — Nós estamos na sala de reuniões principal, mas
precisei pegar umas coisas aqui, por isso voltei.
— A sala de reuniões não está listada para a limpeza agora,
no meu turno. — disse, ainda chocada por conhecer e conversar
com aquele homem havia meses e não fazer ideia de que era da
alta cúpula da empresa. — O turno da manhã é que deve limpar.
Ele suspirou.
— Eu sei. Não tenho nem ideia da hora em que vamos sair
daqui, porque estamos falando com Tóquio, e o fuso... — Assenti,
entendendo, e ele fechou os olhos por um instante. — Estou bem
cansado esta semana, o trabalho tem sido intenso.
— Eu nem tenho te visto na copa — comentei, e ele assentiu.
— Nem sei se você terminou de assistir a Ask Taktikler[3].
O sorriso dele voltou, porque, além de ir à copa para pegar
seu cafezinho, Tom amava séries turcas a ponto de aprender o
idioma para acompanhá-las sem a necessidade de tradução e,
quando descobriu que o turco era meu primeiro idioma, ficou
animado em tirar suas dúvidas comigo.
— Pois é! Isto aqui tem andado uma loucura por esses dias,
e tenho chegado em casa tão tarde que só tenho tempo de dormir
umas horinhas antes de voltar. — Suspirou. — Tem um tempo que
eu não vejo aquele lindo do Kerem!
Eu já havia assistido à série toda, mas não ia dar um spoiler.
E, como também vinha trabalhando feito louca, podia entender o
cansaço ao qual ele se referia, pois, quando chegava em casa, caía
na cama feito uma pedra.
Mas, apesar do cansaço, não reclamava da oportunidade que
estava tendo de conseguir ganhar um dinheiro a mais, afinal, faltava
pouco para conseguir colocar em dia as dívidas que acumuláramos
ao longo dos meses de estudos do meu irmão.
Olhei para o relógio em cima da mesa e tomei um susto por
estar atrasada. Eu tinha mais algumas salas para limpar antes que
meu turno acabasse e, se ficasse de conversa com Tom, iria receber
uma reprimenda da minha supervisora.
— Eu preciso ir.
Ele se empertigou.
— Eu também! Foi bom te ver, Kara. Quem sabe amanhã
consigo um tempinho para tomar um café. Estará na copa?
Assenti.
— Como de costume!
Ele saiu da sala apressado.
Desliguei as luzes, tranquei a porta e segui para o próximo
escritório a ser limpo, dando de cara com um dos maiores cômodos
em que já havia entrado naquele prédio. Eram dois ambientes
compostos por uma sala com estofados modernos e confortáveis
em um canto e uma pequena mesa redonda com quatro cadeiras; e
um escritório amplo e iluminado com uma organizada mesa,
poltronas estofadas e uma vista de tirar o fôlego.
Esvaziei todas as lixeiras, depois aspirei os tapetes e limpei
as superfícies, tomando cuidado para não tirar do lugar ou danificar
qualquer coisa. No escritório havia um belo móvel de madeira, com
iluminação embutida e alguns objetos que pareciam caros e
pesados.
Demorei mais tempo do que o habitual para organizar tudo,
mesmo que a sala fosse uma das mais limpas em que já tivesse
entrado, pelo simples fato de sentir uma certa tensão dentro daquele
lugar.
Talvez por causa do medo de estar naquela sala imponente,
acabei esbarrando em uma pasta de couro, derrubando-a no chão e
espalhando alguns papéis sobre o tapete. Recolhi tudo rapidamente
e percebi que uma caneta havia rolado para debaixo da mesa.
Peguei o pequeno objeto e logo reconheci uma marca cara –
nem fazia ideia de que eles fizessem canetas – e vi a gravação de
um nome: S. Moore.
Gelei ao perceber que estava na sala do “chefão” e
imediatamente pus tudo no lugar, arrastando meu carrinho para fora,
rezando para não me encontrar com o homem misterioso, que tinha
fama de implacável e um tanto machista por não gostar de trabalhar
diretamente com mulheres.
Nunca o tinha encontrado pessoalmente nem queria, porque
já tinha uma péssima impressão do homem. As funcionárias do
grupo reclamavam que ele era frio e que deixava todos
desconfortáveis com suas exigências exageradas. Havia uma piada
interna de que ele era gelado como os Alpes de seu país de origem.
O Homem de Gelo exercia um fascínio e, ao mesmo tempo,
uma repulsa incrível entre as pessoas que o conheciam. Entretanto,
quem estava diretamente ligado a ele nunca pronunciava uma
palavra sequer, nem de elogio nem de crítica.
Talvez, se Tom aparecesse para o café, eu pudesse tirar
algumas dúvidas sobre Sean Moore. Como se você não tivesse
nada mais importante com que se preocupar!, pensei, antes de
partir para mais uma faxina em mais um dia longo da minha vida.
3 – Sean

— Alguém conseguiu contato com ele? — perguntei


exasperado, andando de um lado para o outro, preocupado com o
horário.
Eu tinha uma videoconferência marcada para dali a alguns
minutos, e meu assistente, Tom Knightley, ainda não havia
aparecido. Ele saíra após o almoço para resolver algum assunto
pessoal na agência bancária onde era correntista – algo que não
conseguiria fazer on-line nem após o horário em que saísse do
trabalho –, e, como eu não iria precisar dele, liberei-o para ir,
contudo ele não havia retornado nem dado notícias depois.
Eu mesmo já tinha ligado para seu celular, mas o aparelho
parecia não estar funcionando, o que me deixou tenso. Precisava do
auxílio de Tom naquela noite, pois eu não falava o idioma que o filho
da puta do dono da empresa que eu queria comprar fazia questão
de falar.
Inglês era uma língua universal, e, além dele, eu poderia falar
fluentemente alemão, francês, italiano e espanhol, mas o
desgraçado só falava seu próprio idioma e não iria contar com um
intérprete, ou seja, eu teria que me virar para conseguir me
comunicar.
Por sorte, Tom – por algum inexplicável motivo – conseguia
falar turco e fez todos os preparativos para a reunião com mestria, o
que me deixou aliviado por não ter que contratar um intérprete e
firmar um contrato de confidencialidade. Um dos grandes segredos
de uma negociação bem-feita era mantê-la em segredo até que
tivéssemos um acordo firmado, e, para que isso fosse possível, era
mister manter a imprensa bem longe do assunto.
Caralho, Tom, cadê você?, bufei irritado, esperando alguma
informação.
— Nenhuma notícia — informou Stanley, um dos diretores da
Gaea. — Pedi à minha secretária para tentar localizar algum parente
que possa... Ah, aí vem ela!
Olhei para a mulher que vinha em nossa direção, vestida
sobriamente com o uniforme da empresa – obrigatório até para as
secretárias executivas –, e esperei para ver o que ela tinha
conseguido averiguar acerca do sumiço repentino de meu
assistente.
— Falei com a mãe de Tom — ela disse após nos
cumprimentar, e, pela sua expressão, a notícia não era boa. — Ele
sofreu um acidente voltando do banco e precisou ser operado.
— Como é que é?! — O espanto não me permitiu processar o
que ela falou.
— Ele estava passando por uma calçada quando algo se
desprendeu de uma construção e o atingiu. Tom quebrou duas
costelas e por pouco não teve o pulmão perfurado. Na queda ele
quebrou o ombro...
Só pode ser sacanagem!
— Puta que pariu! — Perdi a compostura e olhei para
Stanley. — Vamos ter que cancelar a reunião com Abdullah.
O diretor financeiro ficou tão abalado quanto eu, afinal,
estávamos havia meses tentando convencer o turco teimoso a
negociar conosco.
— Não podemos encontrar outra pessoa que...
Mostrei meu Rolex para ele, interrompendo sua pergunta sem
sentido.
— Como? Em dez minutos? — Minha voz já estava alterada,
e eu odiava perder o bom-senso, principalmente na frente de
funcionários. — É uma merda eu não saber o mínimo da porra do
idioma nem para mandar uma mensagem desmarcando!
— Aldridge ajudou Knightley a traduzir os documentos. Talvez
ele saiba ao menos remarcar a reunião.
Respirei fundo, contrariado, mas concordei. Aldridge nunca
seria minha primeira escolha para me auxiliar em uma reunião
importante como aquela, entretanto, se ao menos o homem
pudesse nos fazer entender, eu já ficaria satisfeito.
— Peça a ele para me encontrar na sala de reuniões agora.
— Virei-me e segui o corredor exatamente na direção da sala
preparada para a videoconferência.
Era inacreditável que aquilo houvesse acontecido justamente
no dia marcado para conversar com Sama Abdullah. Eu estava
atrás daquela companhia fazia anos, enxergando seu potencial e
acompanhando as decisões erradas de seus diretores.
A Tron Turkey fabricava equipamentos eletrônicos que
poderiam ser incorporados a automóveis, mas que estavam sendo
utilizados para outros fins, o que era um desperdício, segundo o
pessoal de tecnologia que trabalhava comigo. Comprar a empresa
nos garantiria aquele projeto, e nós já tínhamos traçado todas as
estratégias para oferecê-lo a algumas montadoras de veículos e
negociá-lo pelo melhor preço. Era uma mina de dinheiro que o turco
tinha nas mãos, mas não havia se dado conta, enquanto nadava
contra a correnteza para manter a solvência de seu
empreendimento.
Entrei na sala completamente escura – o completo oposto de
como a encontrava toda vez que a usava – e percebi a falta de meu
assistente novamente. Acendi as luzes, verifiquei a climatização e
conferi os equipamentos utilizados para reproduzir a imagem da
chamada de vídeo para a tela maior.
Tudo estava em ordem, inclusive o pessoal da copa já havia
deixado uma máquina de café preparada e água. Dei de ombros ao
preparar minha própria bebida, coisa que era Tom que sempre fazia,
e me irritei com a demora de Aldridge.
Assim que o café ficou pronto, levei-o comigo para a mesa e
abri meu notebook, preparando-me para parecer consternado e
humilde por não conseguir levar aquela reunião à frente e não
transparecer minha frustração e impaciência.
Nós nunca deveríamos mostrar o quanto queríamos algo,
porque isso podia ser usado a nosso desfavor. O que eu tentava
fazer em uma negociação como aquela era passar a impressão de
que tinha um leve interesse na companhia, mas que quem precisava
que eu a comprasse era o dono dela. Tentava ser o “salvador” do
nome, da tradição, dos clientes e, como incorporava as empresas
que comprava ao grupo, mas não as desfazia, essa máscara de
bom moço ainda era sustentada.
Obviamente, com meu jeito de ser, minha ousadia em fazer
negócios e, principalmente, minha total falta de paciência com
idiotas, deixava claro que eu não era nem nunca fora um garoto
inocente. Era um lobo nos negócios, astuto, estrategista, racional e
frio. Quem me julgasse aquém disso nem merecia minha atenção.
O barulho desnecessário de porta se abrindo me fez olhar
para o homem que entrava na sala, atrasado, esbaforido e
parecendo estar indo para um paredão de fuzilamento. Aldridge
parecia um animalzinho acuado e assustado, pronto para fazer
tanatose[4].
Estou fodido!, pensei, apontando a cadeira ao meu lado.
— O dou-doutor mandou que eu viesse...
Contei até três para responder à pergunta idiota sem perder a
paciência, afinal, não precisava daquele rapaz se cagando nas
calças faltando apenas alguns minutos para a reunião.
— Mandei — respondi seco e apontei a tela do computador
onde o documento com todas as informações transcritas para o
turco aparecia. — Você ajudou Tom na tradução e na formulação
dessa pauta, então creio que consiga minimamente se comunicar
com Sama Abdullah.
O homem ficou mais branco que uma folha de papel.
— Eu... sim. Eu entendo alguma coisa de turco, mas... não
sei falar muito bem, sou melhor lendo e entendendo...
Caralho!
— Consegue, ao menos, tentar fazer parecer que preferimos
ter a reunião pessoalmente e marcar uma data oportuna para irmos
até ele ou ele vir até nós? — Vi o pomo de adão do homem se
mexer rapidamente antes de ele assentir. — Faça a chamada.
Estamos no horário.
Relaxa, Moore!, mandei-me mentalmente, odiando a
sensação de me sentir no escuro e assistido por um completo idiota.
— Merhaba! — Abdullah apareceu na tela, sentado ao lado
de mais dois homens.
Eu o cumprimentei com um aceno de cabeça, enquanto
Adridge o saudou em sua língua. Ele disse mais algumas palavras,
e fiquei esperando Aldridge traduzir, porém o imbecil continuou
gaguejando em turco, sem sequer se lembrar de que eu deveria
estar participando da conversa.
— Aldridge... Eu não entendo turco. Você deveria estar
traduzindo — lembrei-o sem alterar a voz e olhando fixamente para
os participantes da reunião, como se não estivesse me sentindo
tentado a matar o filho da puta que estava ali para me auxiliar.
O homem se agitou tanto que esbarrou na minha xícara de
café, espalhando o líquido por toda a mesa. Tirei o computador a
tempo e me ergui para não ser respingado pelo líquido quente.
Reprimi um palavrão, enquanto Aldridge ficava repetindo
pardon – um pedido de desculpas em francês – como se fosse um
disco arranhado.
O velho turco – filho da puta! – deu um leve sorriso e ficou em
silêncio, enquanto eu respirava várias vezes seguidas e solicitava
alguém da faxina para limpar aquela merda toda.
De repente, ouvi Abdullah mencionar Tom Knightley, e
novamente Aldridge gaguejou, enrolou-se e os deixou confusos –
inclusive um dos acompanhantes do turco riu alto.
— Cala a boca, Aldridge, e tente remarcar a porra da reunião
— falei baixo, quando minha vontade era berrar com ele. — Isto
aqui já virou um circo, então interrompa o espetáculo.
Escutei uma batida à porta, e uma faxineira entrou na sala.
— Com licença. — Passou por mim e foi direto até a mesa
limpar a bagunça, sempre de cabeça baixa.
A limpeza foi feita de forma rápida e eficiente. Ela recolheu a
xícara que havia caído no chão e se quebrado e separou os papéis
que se haviam molhado.
Pelo menos a limpeza funcionou hoje!
— Mais alguma coisa, doutor? — questionou baixinho.
— Sabe mexer na máquina de café? — Ela assentiu. —
Então me faça outro.
Voltei para a mesa.
— Senhor Abdullah, lamento ter que interromper nossa
reunião, porém meu assistente, Tom Knightley, sofreu um acidente,
e é melhor remarcarmos para poder discutir sobre a Tron Turkey
pessoalmente. — Olhei para Aldridge, que continuava calado. —
Está esperando o quê?
Aldridge ficou roxo e se engasgou, começando a tossir.
Rapidamente a faxineira o socorreu com um copo de água, e
Abdullah falou algo. A situação estava patética. Eu estava me
sentindo furioso com aquilo tudo, com a exposição da
incompetência da minha equipe e, principalmente, odiando não
saber o que estava acontecendo por simplesmente não entender
uma só palavra em turco.
— Kusura bakma! — Uma voz feminina ressoou e fez
Abdullah sorrir. Olhei para o lado, surpreso, e vi que a única mulher
presente era mesmo a faxineira. O turco falou com a moça, e ela me
encarou pela primeira vez desde que entrou na sala. — Ele está
propondo que falem pessoalmente em outra ocasião, já que... — ela
ficou vermelha — as coisas estão “tumultuadas” por aqui.
Apertei os olhos, desconfiado.
— Você fala turco?
Ela abaixou o olhar e suspirou.
— Nasci na Turquia. — Voltou a me olhar, mas eu estava
surpreso e desconfortável com aquela situação. A mulher era uma
faxineira, não era nem para estar na sala, quanto mais conversar
com Abdullah. — Sinto muito, só quis ajudar.
Ela estava prestes a deixar a sala quando a impedi, tocando-
a levemente no braço, resignando-me com o fato de que aquela
mulher era a melhor opção – se não a única, se eu considerasse o
estado lastimável de Aldridge – para eu ter algum entendimento com
Sama Abdullah.
— Diga ao senhor Abdullah que retornaremos contato para
marcar a melhor data... — Enquanto eu ia falando, a mulher ia
traduzindo, mas o turco a interrompeu.
A faxineira assentiu e logo traduziu:
— O senhor Abdullah disse que ainda não tem interesse no
negócio, mas que, se o senhor insiste em fazer uma proposta, ele o
espera em Istambul até o final da semana.
Arregalei os olhos.
— Você não entendeu errado?
Vi um certo brilho de desafio nos olhos dela, mas
rapidamente sumiu, retomando o ar submisso e humilde que tinha
desde que entrou na sala.
— Não.
Encarei Abdullah, ergui minha sobrancelha e mentalmente o
xinguei. O filho da puta queria ter o domínio da situação e me fazer
desistir, mas ele havia cometido um erro estratégico, já que sua
companhia possuía um conselho e que, estando em Istambul, eu
poderia conversar com cada membro que o compunha e convencê-
lo de que vender para mim era o certo a se fazer.
— Confirme minha ida. Amanhã mesmo embarco para
Istambul.
Ela falou com Abdullah, mas o homem não esboçou a reação
que eu imaginava, e sim sorriu feito um bobo. A mulher vestida com
o uniforme cinza de faxineira era pequena, magra e tinha os cabelos
cobertos por uma touca. O rosto parecia ser bonito, embora eu não
tivesse parado o suficiente para analisar seus traços, contudo seus
olhos, grandes, amendoados e escuros, chamavam a atenção de
longe. Vi que ela estava sem jeito, ruborizada, mas sorria e
respondia com facilidade ao que o turco lhe perguntava.
Pigarreei para lembrá-la de que deveria traduzir tudo para
mim.
— Ele disse que nos receberá na sexta-feira em seu
escritório...
— Espera! — Cruzei os braços. — Você não vai a lugar
algum!
Ela suspirou.
— Graças a Deus! — Seu tom de voz foi cortante, e ela
voltou a falar com o homem, que pareceu furioso.
— Moore! — Abdullah me chamou e apontou a faxineira. —
Ela vem!
Puta que pariu!
— Você disse algo para ele querer sua presença lá?
Ela ficou vermelha e seu rosto demonstrava sua indignação.
— Eu nem queria estar aqui! — Suspirou. — Eu não ia
traduzir isso, mas acho que vai ser melhor. Ele disse que sua equipe
é incompetente e que o turco do seu assistente é risível. Além do
mais, disse que o senhor não corresponde à fama que possui e...
— Chega! — repreendi-a e me levantei. — Encerramos a
reunião. Diga a esse desgraçado que na sexta-feira estaremos lá. —
Os belos olhos, que já eram grandes, ficaram ainda maiores de
susto. — Espero que tenha passaporte, moça da faxina, porque
você acaba de garantir uma viagem grátis para a Turquia.
Não esperei que ela traduzisse; fiz sinal positivo para
Abdullah e um cumprimento antes de interromper a ligação.
— Eu não posso ir com...
— Pensasse nisso antes de se intrometer onde não foi
chamada — respondi irritado e olhei para Aldridge. — Você está
demitido! — A garota ficou paralisada me olhando, enquanto o
homem saía da sala cabisbaixo. — Posso saber o nome da minha
mais nova “assistente”?
Aquela situação estava me deixando tão contrariado que eu
tinha vontade de despedi-la também, no entanto sabia que ia
precisar dela. Por algum motivo, o velho turco havia gostado da
faxineira, e, se tê-la por perto garantisse uma relação melhor entre
mim e ele, eu a suportaria.
Vi as lágrimas brilhando nos olhos escuros, mas, conhecendo
um pouco da manipulação perfeita que as mulheres conseguiam
fazer, não me deixei ser comovido.
Os lábios dela pareciam secos e trêmulos. Ela os abriu
algumas vezes, como se tentasse falar, mas sem conseguir. Temi
que em algum momento ela tivesse uma apoplexia e me perguntei
como seria conviver – alguns dias que fossem – com aquela
criatura.
— Kara. — A resposta soou baixa e trêmula, mas a ouvi. Ela,
porém, não percebeu e repetiu, demonstrando um pouco mais de
coragem: — Kara Çelik.
4 – Kara

Acordei com a cabeça latejando, provavelmente por conta


das poucas horas de sono que tive. Respirei fundo e fiz uma prece
para que a noite passada tivesse sido apenas um pesadelo com o
CEO gostoso e insuportável da Gaea exigindo que eu o
acompanhasse em uma viagem a um país que eu não visitava havia
mais de 10 anos.
Foi só um pesadelo!
— Que história é essa de que você vai viajar para Istambul
com seu chefe?
A pergunta, feita por Onur, foi como um balde de água fria
jogado na cara para acordar. Olhei na direção em que ele estava,
parado na entrada do meu quarto, e coloquei o antebraço sobre
meu rosto, tampando os olhos.
— Bom dia, Nu.
— Não me enrola, Kara! Quem é o homem que quer que
você vá sozinha com ele para o outro lado do mundo?
Tive vontade de rir ao identificar ciúmes e proteção em sua
voz. Ele era mais novo que eu, porém bem mais alto, e sempre
comprava minhas brigas. Éramos muito unidos desde sempre e
muito sinceros um com o outro.
— Sean Moore. — Cuspi o nome, ainda sentindo o ranço
causado pela arrogância e prepotência daquele homem.
— O quê? O Sean Moore?
Bufei.
— O próprio, em carne, osso e um ego maior que o mundo.
Meu irmão parecia assombrado, como se não pudesse
acreditar naquilo que eu tinha acabado de lhe dizer. Eu sabia que o
dono da Gaea era famoso e usado constantemente como exemplo
para jovens por ter se graduado tão novo e aumentado
exponencialmente a riqueza de sua família já abastada.
Onur tinha consciência de que eu trabalhava na sede de
escritórios do truste, mas, como comecei em cargos que eram
praticamente invisíveis para os executivos, nunca imaginamos que,
um dia, eu pudesse trabalhar diretamente para um deles.
Muito menos para o “poderoso chefão”!, pensei, ainda irritada
com a perspectiva de passar alguns dias na companhia daquele
homem.
A noite anterior fora surreal demais, e o que tinha começado
com apenas mais um turno dobrado, trabalhando na limpeza dos
escritórios, terminou de uma maneira que nem em meus mais
delirantes pesadelos ocorreria.
Eu estava saindo do escritório próximo à sala de reuniões
quando minha supervisora me mandou ir até aquele local
rapidamente – e de forma discreta – para limpar algo que tinha sido
derramado.
Fui sem fazer ideia de quem estava lá e quase caí dura para
trás quando dei de cara com ninguém menos do que Sean Moore.
Inicialmente pensei que pudesse ser alguém parecido com ele,
algum parente, pois eu o tinha visto pouquíssimas vezes em
publicações, mas o jeito arrogante e a postura de “dono do mundo”
me fizeram ter certeza de que se tratava do homem em pessoa.
Tentei não atrapalhar, fiz tudo rapidamente, mas o chefe
queria outro café – já que o seu havia sido completamente
derramado sobre a mesa –, e acabei ficando na sala e ouvindo a
forma grosseira com a qual ele tratava um dos executivos da
empresa.
Vi quando o homem se engasgou e fui ao seu socorro com
um copo de água assim Abdullah bei[5] começou a falar. Não pensei
muito, só agi no instinto de tentar ajudar alguém e falei com o
homem no telão, desculpando-me pelo incidente.
Não entendia por que Tom Knightley não estava na reunião,
já que era o assistente do senhor Moore e falava muito bem o turco.
Seu substituto estava perdido em responder coisas básicas, que até
mesmo um turista conseguiria fazer.
Foi um erro, eu sabia. Por um momento, pensei que o senhor
Moore iria me escorraçar da sala, porém, para minha surpresa, ele
pediu que eu atuasse como intérprete.
Não fiz nada com a intenção de melhorar de emprego ou
cavar uma oportunidade na empresa, eu apenas falava o idioma e
queria ajudar. Abdullah bei parecia ser um homem sensato. Foi
gentil ao conversar comigo e riu das trapalhadas do homem que
tentava falar seu idioma.
O que eu realmente não esperava era ser incluída em uma
reunião presencial em Istambul. Tentei negar, mas o turco insistiu
que eu deveria ir como intérprete do senhor Moore.
E toda aquela situação degradante aconteceu!
O jeito que Sean Moore falou comigo, como se fosse algo
impensável eu o auxiliar naquele trabalho pelo simples fato de ser
uma faxineira, deixou-me abalada. Sim, meu trabalho ali só era
notado quando não era feito ou bem-feito, e, na maioria das vezes,
os funcionários mais graduados da empresa fingiam que não
existíamos ou que éramos uma chateação.
Apenas uns poucos – incluindo Tom Knightley – se prestavam
a nos cumprimentar ou falar conosco. A maioria dos que
trabalhavam na faxina e copa era imigrante. Hispânicos, indianos,
árabes formavam um grupo eclético de trabalhadores dentro da
Gaea. É claro, havia alguns americanos, mas eram poucos e em
trabalhos bem específicos.
A comunidade turca em geral era bem-sucedida nos Estados
Unidos, mas havia os mais simples, aqueles que não deram certo
em seus negócios ou que vieram àquele país a fim de trabalhar para
algum compatriota abastado – como foi o caso do meu pai.
Eu não residia perto da comunidade, pois, quando minha
mãe, meu irmão e eu retornamos da Turquia, ela voltou a morar com
seus pais, e o pouco que eu ainda sabia da cultura do povo de meu
pai era através de coisas que ela contava.
Por isso mesmo, quando chegara em casa na noite passada
e contara a ela que teria que ir para Istambul, mamãe tinha ficado
emocionada.
— Você vai tentar contato com a família de seu pai? — Foi a
primeira pergunta dela assim que contei sobre a viagem.
— Não sei.
Naquele momento, foi a única resposta que eu consegui lhe
dar, porque ainda não tinha sequer digerido a ideia de que iria para
a Turquia, quanto mais avaliado se iria procurar pela família de meu
pai, que não fazia contato conosco desde que voltáramos a viver
nos Estados Unidos.
— Eu acho que não custa a você ao menos comunicar a eles
que estará uns dias em Istambul. Quem sabe alguns de seus tios e
primos não marcam um encontro?
Suspirei.
— Mãe, eu nem sei como vão ser as coisas por lá. Estou indo
a trabalho, para participar de uma negociação da qual não faço ideia
sobre o que é, com um chefe arrogante e que quer tanto minha
companhia quanto eu quero a dele!
Mamãe sorriu.
— Fico feliz por ele ser assim, tão repulsivo a você, mas
duvido que o contrário aconteça. — Ela pegou meu rosto entre as
mãos. — Você é uma das mulheres mais bonitas que eu já vi, e seu
pai sabia disso, tanto que ele dizia que você, quando crescesse,
valeria todos os tesouros de um sultão.
Gargalhei.
— Ah, mãe! Eu sou uma faxineira, imigrante e pobre. Tenho
certeza de que Sean Moore nem sequer vai pensar em mim como
mulher, não se preocupe com isso.
— Não estou! Conheço bem a filha que criei e sei que, se
você não quer uma coisa, não há nada que a convença do contrário.
Balancei a cabeça.
— Não é bem assim... Às vezes temos de ceder. Eu não
queria ir a essa viagem, mas terei que ir. Apesar de tudo, pode ser
uma oportunidade para melhorar as coisas por aqui. — Sorri. — Não
preciso de um homem rico, mãe, nem da fortuna de um sultão.
Quero apenas poder trabalhar, voltar a estudar e formar meu irmão.
Nós ficamos mais alguns momentos conversando, e, quando
entrei no meu quarto, peguei meu passaporte com uma sensação
estranha no peito. Ele tinha vencido havia alguns anos, e, mesmo
sob meu protesto, mamãe fez questão de renová-lo, tanto o meu
quanto o de Onur, alegando que não sabíamos as oportunidades
que poderiam surgir.
Dormi pensando naquela estranha “premonição” que ela teve
e tentando entender quais mudanças aquela viagem traria para a
minha vida, afinal, se eu fizesse um bom trabalho e mostrasse ao
senhor Moore que, apesar de não ter uma graduação, era
competente no que me fosse proposto fazer, seria a oportunidade
que eu precisava para dar uma guinada na minha vida.
Porém, se aquela viagem fosse um desastre, provavelmente
nem o emprego na faxina da Gaea eu teria mais.
Levantei-me da cama, passando por meu irmão, ainda
estático na porta do quarto, e segui para o banheiro com o celular
na mão a fim de conversar com Rosalia, minha melhor amiga, sobre
toda aquela situação. Todavia, assim que desbloqueei a tela, vi uma
mensagem de um número desconhecido.
“Senhorita Çelik, aqui é Lynn Ford, do jurídico da Gaea.
Mandamos alguns documentos via e-mail cadastrado no seu
contrato e pedimos que os leia, assine e nos retorne o mais rápido
possível.”
Meu coração disparou e, esquecendo momentaneamente
minha pressa em conversar com Rosalia, abri o e-mail e comecei a
ler os documentos. O primeiro deles era um contrato de
confidencialidade que me deixou trêmula ao ler sobre as multas e a
responsabilização que teria que suportar caso algo do trabalho para
que eu estava sendo contratada para fazer vazasse.
— Oh, Deus... Que loucura! — Assinei e passei para o
próximo.
Era o contrato de trabalho. Li cada detalhe para o que o
senhor Moore estava me contratando, achando algumas cláusulas
completamente absurdas, desde o horário em que deveria acordar
para estar à disposição dele até como me portar diante das outras
pessoas em reunião. Porém, toda a minha indignação passou assim
que vi quanto seria o pagamento para aqueles sete dias trabalhando
como sua intérprete na Turquia.
Saí do banheiro correndo e encontrei minha mãe na cozinha,
em sua rotina de sempre, preparando nosso desjejum.
— O que houve? — questionou assim que me viu.
Meus olhos estavam cheios de lágrimas, de esperança e
apreensão, mas um enorme sorriso se abriu.
— Vamos conseguir quitar as dívidas — anunciei, e ela ficou
confusa, olhando-me como se não tivesse entendido. — O que o
senhor Moore vai me pagar para ir como intérprete... quita tudo!
Minha mãe sentou-se à mesa e tampou o rosto com as mãos,
soluçando e agradecendo. Onur apareceu, e eu o abracei com
força.
Naquele momento entendi que tudo tinha mesmo um
propósito e que eu faria o melhor de mim para retribuir aquela
oportunidade. Então, se tivesse que engolir meu orgulho – e meu
gênio forte – para suportar trabalhar com aquele homem por uns
dias, eu engoliria.
— Nervosa? — Holly Matthews, secretária executiva da
Gaea, inquiriu-me, sentada ao meu lado dentro do carro que havia
sido mandado para me buscar em casa.
Tive pouquíssimo tempo desde o recebimento da notícia
sobre a viagem, a entrega dos documentos e assinatura do contrato
para me acostumar à ideia e, principalmente, organizar minhas
coisas. Contei com a ajuda de minha amiga de infância e vizinha,
Rosalia Mendez, para fazer minha mala, já que eu não fazia ideia de
que roupas levar para uma viagem de negócios.
— É o que dá para fazer com o que temos. — Deu de ombros
ao fechar a mala. — Vai estar arrumada e apresentável, embora
simples.
— O contrato diz apenas que eu tenho que estar vestida de
acordo com a ocasião, evitando qualquer constrangimento por parte
de meu empregador. Não estou levando nenhum tipo de roupa
imprópria para trabalhar, e, para as reuniões, os terninhos que me
emprestou vão servir.
Naquele momento, tentei ser positiva, mas ainda assim sentia
a insegurança de estar prestes a pisar em terreno desconhecido. Eu
usava uniforme na empresa e, no dia a dia, era a garota dos jeans,
camisa e tênis. O máximo que me arrumava era quando eu era
convidada para alguma festa ou jantar à noite, aí colocava vestidos
e sandálias... só!
Nos últimos anos, não tinha tido muito tempo para diversão,
então ou estava com o uniforme da coparia da Gaea ou de roupa
confortável e prática em casa.
Rosalia, sabendo disso, emprestou-me dois ternos femininos
pretos e duas camisas brancas, e peguei um par de sapatos da
minha mãe – porque minha amiga e eu não calçávamos o mesmo
número. Fora isso, minha mãe continha coisas básicas para ficar no
hotel e, caso houvesse oportunidade, para andar pelas ruas.
O único item diferente que eu estava levando era um hijab
que minha mãe havia ganhado de presente de meu pai quando se
mudaram para a Turquia. Ela me explicou que eu não era obrigada
a usá-lo, mas, caso fosse encontrar os parentes de papai, era
recomendável, por eles serem mais tradicionais.
Guardei a linda peça de seda na mala, contudo ainda não me
havia decidido a procurar meus parentes paternos.
— Difícil é me manter calma... — confessei, respondendo à
pergunta de Holly. — Aconteceu tudo muito rápido.
— Sim, mas aproveite a oportunidade! Foi uma sorte você
falar o idioma quando o senhor Moore mais precisava, então dê o
seu melhor. — Ela suspirou. — Você já deve ter ouvido dizer que ele
não gosta de trabalhar diretamente com mulheres... Você é uma
exceção que ele fez por extrema necessidade, então, por favor,
prove que ele está errado em não nos dar uma chance e o
surpreenda.
Quase não consegui respirar ao ouvir aquilo, ao sentir a
pressão que havia naquela viagem. Eu já tinha percebido e ouvido
uns rumores sobre não haver mulheres – além de Holly, que era
secretária executiva da diretoria – trabalhando no último andar do
prédio, bem como rumores de que ele não gostava de trabalhar com
o sexo feminino, mas não fazia ideia de que o senhor Moore já havia
deixado aquilo claro.
Por quê?
O carro nos deixou próximo a um jatinho – que de pequeno
não tinha nada –, e Holly foi resolver algo relacionado à minha
bagagem. Desci do carro e fiquei ao pé da escada, olhando para
aquele enorme avião como se nunca tivesse visto um em toda a
minha vida.
A verdade é que eu estava surpresa por saber que, quando
se ia de avião particular, não se pegava aquela fila enorme para o
check-in e que já éramos deixados na pista, perto da aeronave.
— Pronto! — A secretária voltou com um enorme sorriso. —
Sua documentação foi liberada e sua bagagem já está a bordo.
Um tripulante – usando um uniforme com a inscrição da Gaea
em um pin fixado na lapela de seu paletó – cumprimentou-me e me
ajudou a subir as escadas.
Puta que pariu!, xinguei mentalmente quando entrei em uma
pequena e muito funcional cozinha e fui levada a um espaço com
poltronas grandes, confortáveis e giratórias.
— Seja bem-vinda a bordo, senhorita Çelik. Sou Clay. Serei
seu tripulante juntamente a Jason — apontou outro comissário — e
estarei à sua disposição durante a viagem. — Eu mal ouvia o que
ele dizia, ainda impactada com aquilo que estava vendo. Não fazia
ideia de que aquilo existia, só havia viajado em classe econômica,
mas sabia que a executiva era mais confortável. No entanto, tinha
certeza de que não chegava aos pés daquilo que estava à minha
frente. — ...temos também a mesa para refeições. O salão principal
tem capacidade para 10 pessoas, além da suíte.
— Suíte? — não aguentei e indaguei.
Ele apontou para que eu o seguisse e, logo após a área onde
havia a mesa com mais quatro poltronas, abriu a porta de correr.
Novamente fiquei em choque. A suíte contava com uma cama de
casal, uma pequena escrivaninha e uma poltrona como as do salão
principal. Ao fundo, eu podia ver um banheiro pequeno, mas
completo.
— Caso queira descansar após a decolagem... — ele abriu
um painel onde estava uma enorme TV — basta vir para cá.
Assenti e retornei ao salão, onde me sentei em uma das
poltronas e fiquei aguardando a chegada do meu chefe “todo-
poderoso”. Fiquei surpresa quando fecharam a entrada e ativaram o
alarme de colocar o cinto.
— O doutor Moore não viajará conosco? — perguntei a um
dos tripulantes.
— Sim, mas ele viaja na cabine. — Riu. — Ele gosta de
pilotar.
Logo após isso, ouvi a voz do comandante informando o
tempo e condições de voo até Paris, onde faríamos uma escala por
segurança antes de seguirmos para Istambul.
— Boa viagem a todos. — A voz de Sean Moore ressoou
logo após as informações do piloto, e eu fechei os olhos nervosa.
Que homem doido!
5 – Sean

Resolvi aproveitar aquela viagem para fazer algo que eu não


conseguia tempo de fazer: pilotar. Sempre gostei da emoção de
levantar um jatinho e estabilizá-lo no céu, tanto que, desde que
adquiri minha primeira aeronave, tirei minha licença e depois só fui
fazendo os cursos específicos para cada modelo que ia comprando.
Já fazia alguns anos que eu tinha o jatinho que usaria para a
viagem até Istambul. Ele era um dos melhores do mercado, com
espaço interno suficiente para acomodar 10 pessoas e mais a
tripulação. A mesma empresa que fabricava o meu anunciou e
começou a venda de um modelo novo, maior, e eu estava
seriamente avaliando se trocava ou não.
Decolamos, e foquei integralmente minha atenção nos
aparelhos, auxiliando o comandante Stevenson a estabilizar o avião.
Assim que ele acionou o piloto automático, ergui-me do assento de
copiloto, deixando que Hauzenberg assumisse seu posto.
— Senhores, foi um prazer! — cumprimentei-os e saí da
cabine.
— Necessita de algo, senhor Moore? — Jason inquiriu-me
enquanto preparava algo na cozinha.
— Café.
Ele assentiu.
— Ristretto, espresso ou lungo? — Apenas ergui a
sobrancelha, porque ele já trabalhava comigo havia anos para
desconhecer como eu tomava meu café. — Ristretto.
Balancei a cabeça afirmativamente e entrei no salão, onde
Clay Jones estava de costas para mim, servindo a única ocupante
daquele voo além de mim.
Kara Çelik, a faxineira.
Ainda estava muito incomodado com o fato de ter de fazer
aquela viagem com uma mulher desconhecida e de quem eu não
tinha qualquer recomendação da sua competência para
acompanhar aquelas negociações, ainda que Tom Knightley,
durante uma chamada telefônica diretamente do hospital onde
estava internado, tivesse atestado que ela era excepcional no
idioma turco e muito inteligente.
Jason se afastou dela, e a vi pela segunda vez na vida, mas
sem o uniforme dos colaboradores da limpeza da Gaea. Os seus
olhos grandes se arregalaram quando me viram, como se não
esperasse minha presença, e notei como eles combinavam
perfeitamente com o tom de seus cabelos escuros.
— Boa tarde! — cumprimentei-a.
A mulher permaneceu muda, ainda em choque, e percebi a
tensão nas suas mãos, que seguravam as laterais de seu assento.
— O senhor... não deveria estar... — Apontou para a cabine.
Ri alto, entendendo que alguém a avisara de que eu estava
pilotando e que ela achava que estávamos sem ninguém auxiliando
na cabine de comando.
— Só faço as decolagens e pousos. A parte chata, deixo para
os profissionais — esclareci, antes de pegar o café que Jason me
serviu. — Foi tranquila a decolagem?
Ouvi quando ela respirou fundo.
— Foi, muito mais do que imaginei. Nunca tinha voado em
um avião vazio.
— Imagino... Uma vez peguei um voo comercial. É realmente
uma loucura a quantidade de pessoas dentro da aeronave.
Ela me encarou.
— Classe executiva?
— Naturalmente.
Kara Çelik riu, e no mesmo momento o café ficou parado na
minha boca pelo impacto da risada gostosa da mulher. Franzi o
cenho e prestei atenção nela, reconhecendo os traços mais orientais
do que europeus de sua parte turca. Certamente aquela mulher não
só nascera e vivera na Turquia, como havia sangue daquela região
em suas veias.
Ela não estava bem-vestida como a maioria das mulheres
com quem eu tinha contato profissional, pelo contrário, estava
parecendo uma universitária americana, com tênis, jeans e um
casaco largo. Os cabelos escuros, embora não estivessem
escondidos sob a touca do uniforme, estavam presos em um rabo
de cavalo, e ela simplesmente não usava nenhuma maquiagem
visível.
— Quanto anos a senhorita tem? — Vi-me questionando em
voz alta, um ato falho imperdoável.
Kara deixou de sorrir.
— Tenho 22 anos — respondeu rapidamente e ergueu o
queixo como se quisesse enfrentar algo.
— Achei que fosse mais jovem... — Pigarreei. — O jeito
como se veste a faz parecer uma estudante.
A forma como ela me olhou, soltando faíscas pelos olhos, já
me deixou em alerta, porém, como eu adorava um desafio, não a
pressionei a recuar dando um de meus olhares gelados que me
garantiram a fama de “Homem de Gelo”. Eu queria saber até onde
ela iria.
— Não estava nas regras que eu precisava me vestir
formalmente para a viagem. — Ela se olhou. — Acho que estou
adequada à ocasião, que pede roupas confortáveis.
Hum... Holly enviou umas regras para ela seguir!, pensei,
satisfeito por saber que eu não teria que lidar com aquele assunto.
— Quem vai dizer se o que você veste é adequado ou não
sou eu, senhorita Çelik. As regras são direcionamentos, contudo, se
o seu discernimento for inferior ao que espero, certamente irei
opinar.
Voltamos a nos encarar. Levou um tempo, mas ela abriu a
boca para retrucar, o que me gerou um certo frisson, porque
raramente as pessoas entravam em embates comigo.
— Eu...
O toque do meu telefone a interrompeu, e me peguei
frustrado com aquilo, mas, como estava esperando aquela ligação,
não pude ignorá-la. Levantei-me do meu assento e fui até a suíte
para poder falar com mais privacidade.
Todavia, antes de fechar a porta, dei um sorriso, achando
aquilo tudo divertido e diferente.
É, Moore, você está mesmo entediado!

— Mais alguma coisa, senhor Moore? — o mensageiro do


hotel onde estávamos hospedados inquiriu, e neguei, entregando-
lhe uma gorjeta.
— Estamos felizes em recebê-lo no Villazza Istambul, senhor
Moore — o gerente, que nos acompanhou desde a chegada,
enfatizou. — Estou à disposição para qualquer coisa que necessitar
ou quiser.
— Obrigado, Thomaz. No momento está tudo em ordem.
Ele fez um cumprimento com a cabeça e se afastou,
seguindo o mensageiro, que já estava aguardando o elevador para
deixar a cobertura.
Fechei a porta e olhei em volta, satisfeito com a qualidade
dos hotéis da família de Frank e Antonio Villazza, reconhecendo o
primoroso trabalho feito pelo velho Andreas, charmain da rede, o
patriarca dos italianos.
A viagem até Istambul foi tranquila. Por segurança, fizemos
uma pequena pausa em Paris para reabastecer, apenas porque eu
tinha um excesso de precaução com relação à autonomia do
combustível, muito embora fosse conhecido que o modelo do meu
jatinho aguentava voar mais de 11 mil quilômetros – o que daria
para ir até Istambul –, mas eu nunca arriscava comprovar.
Kara Çelik foi uma companheira quieta e tranquila de viagem,
o que me deixou deveras aliviado, porque pude trabalhar e fazer
contatos durante as horas em que ficamos no ar.
Não fiquei muito tempo na suíte; terminada a conversa, voltei
para a sala principal. A tripulação estava servindo um jantar leve.
Kara, talvez pelo nervosismo da primeira viagem em um jato,
preferiu não comer e se retirou para tentar dormir.
Não a vi até pararmos em Paris, onde trocamos meia dúzia
de palavras corriqueiras, e, quando retomamos o voo, ela ficou
assistindo a algum streaming de vídeos enquanto eu trabalhava.
Achei curioso que ela não tentasse entabular nenhum tipo de
conversação entre nós e fiquei curioso para saber se aquilo também
estava nas “regras” que o jurídico havia feito e mandado junto ao
contrato de trabalho e o de confidencialidade. De qualquer forma,
achei bom que ela ficasse na dela e não tentasse uma aproximação
pessoal.
Olhei na direção das portas duplas de madeira adornada,
onde ficava a suíte dela interligada à minha por uma enorme sala de
estar, e pensei sobre aquela configuração de hospedagem. Não era
o que eu teria escolhido a princípio, porém entendia o erro, já que
toda vez que eu me hospedava na cobertura – ou, no caso daquele
hotel clássico, que só possuía três andares, na melhor suíte –, meu
assistente sempre ficava próximo.
O que foi alegado pela secretária executiva da diretoria da
Gaea foi que não havia quartos disponíveis, além da segunda suíte
integrada à que reservaram para mim.
Respirei fundo e segui para meu quarto, onde as enormes
janelas davam vista para um dos pontos turísticos mais aclamados
de Istambul, a Mesquita Azul. Entendi por que os Villazzas
mantiveram a arquitetura e a decoração tão clássica e típica, em
contraste com seus hotéis modernos ao redor do mundo. Dentro do
meu dormitório, eu conseguia me sentir verdadeiramente
transportado para uma época de sultões.
Tirei os sapatos e segui, sentindo a maciez dos tapetes
persas no chão, até o banheiro, completamente revestido de
mármore, e retirei toda a minha roupa para tomar um banho. Eu
precisava descansar um pouco e iria aproveitar o horário da manhã
para isso, só começando a trabalhar após o almoço.
Teria um dia longo, eu previa, tentando situar a senhorita
Çelik sobre o negócio e explicando a ela o que eu gostaria que
fizesse.
A sorte está lançada!, pensei, sem muitas expectativas sobre
a mulher que trabalhava na limpeza.
6 – Kara

Estou de volta!, pensei assim que pisei no aeroporto, mas a


sensação de reconhecimento me deixou assim que o carro que foi
nos buscar começou a trafegar por ruas de que eu não tinha a
mínima lembrança.
Percebi, então, que estávamos na parte europeia de
Istambul, um lugar rico e repleto de pontos turísticos que, quando
criança, nunca visitei. Pode parecer estranho que eu não
conhecesse bem a cidade onde residi na minha infância, mas a
verdade é que minha família paterna era muito tradicional e seguia
uma linha bem conservadora do islamismo, não frequentava muito
os locais onde havia turistas. A cidade era cosmopolita demais para
eles, assim, não tive a oportunidade de conhecer aqueles bairros
chiques e conhecidos de Istambul. Por isso mesmo, quase perdi o
fôlego quando percebi que o hotel em que estávamos hospedados
ficava exatamente no meio de dois locais que eu sempre havia
sonhado conhecer: a Mesquita Azul e a Ayasofya.
Novamente olhei para a paisagem à minha frente, sem poder
acreditar na oportunidade que estava tendo, sem entender, mas
agradecida por estar voltando para a Turquia de um jeito que nunca
– nem mesmo nos meus sonhos mais fantasiosos – ousara sonhar.
O hotel era um deslumbre com sua arquitetura otomana, a
decoração tão típica e tradicional que me emocionava. Os tapetes,
os quadros, os lustres, tudo era de uma riqueza que dava medo de
tocar, mesmo assim eu não perdia uma só chance de resvalar para
saber se eram mesmo de verdade, e não fruto de uma fantasia
proveniente de alguma história contada por minha mãe.
Afastei-me um momento da janela e suspirei, observando o
quarto de princesa onde eu iria passar uns pares de noite. A cama
era enorme, com uma colcha linda, muitos travesseiros e a
cabeceira ornamentada. O assoalho de madeira estava todo coberto
com tapetes, e, em conjunto com a cama, havia um armário –
também entalhado com linhas clássicas – com as portas revestidas
com espelhos. Em um canto, perto da porta que certamente me
levaria ao banheiro, tinha uma linda poltrona e uma mesinha com
bloco de notas do hotel e uma caneta.
Corri até o banheiro e mais uma vez fiquei deslumbrada. Abri
o boxe e, empolgada, liguei o chuveiro, que tinha tantos jatos que
certamente massagearia meu corpo inteiro. O vapor denso encheu o
ambiente rapidamente. Tirei cada peça que tinha coberto meu corpo
por horas e me joguei naquele banho escaldante e perfeito.
Finalmente me senti relaxar e percebi o quanto aquela
viagem havia sido tensa. A energia daquele homem parecia me
consumir, e eu simplesmente não conseguia não notar que ele
estava ali, ao meu lado, ainda que totalmente compenetrado em seu
trabalho.
Sean Moore quase não falou comigo a viagem toda. Parecia
que ele estava focado no trabalho e que eu era uma mera
inconveniência que tinha que suportar. Pois bem, eu já havia tido
uma péssima primeira impressão dele, e ela não se desfez nas
horas que passamos juntos durante o voo. Então o que fiz foi dar-
lhe o mesmo tratamento que estava recebendo e o ignorei de volta.
Ri de mim mesma debaixo do chuveiro, imaginando que ele
nem devia ter percebido que eu também não queria conversa. Eu
não existia em seu universo, era só mais uma funcionária a quem
ele pagava – muito bem, nesse caso – e esperava que um bom
trabalho fosse feito em troca.
Era isso! Eu ia fazer um trabalho foda, estudaria todos os
pormenores daquela negociação – assim que me liberassem as
informações – e faria a melhor tradução possível a fim de ajudá-lo a
ter êxito no que pretendia obter. Iria provar para aquele homem frio
e elitista que eu não precisava de um diploma para ser inteligente e
saber abraçar as oportunidades!
Saí do banho com a alma revigorada e me deitei na cama,
adorando a brisa fresca da manhã de uma primavera que tinha
cheiro de mudanças. Deixei minha mente vagar e acabei
adormecendo.
Acordei com o aparelho de telefone – na mesinha de
cabeceira – tocando sem parar. Levei um tempo para descobrir de
onde vinha o som, até que vi a peça vintage e atendi:
— Alô...
— Você tem cinco minutos para se apresentar para o
trabalho. Não se atrase.
Pisquei algumas vezes ao ouvir o barulho da ligação
interrompida e demorei para entender o que estava acontecendo.
Pulei da cama apressadamente quando meu cérebro registrou que,
provavelmente, eu havia dormido demais e que meu chefe
insuportável já estava puto por causa do meu atraso.
Merda!
Peguei um dos terninhos que Rosalia me emprestou – o mais
velho deles, porque eu estava guardando o mais novo para a
reunião com Abdullah bei –, prendi meu cabelo em um coque
apertado e saí do quarto.
Como iríamos trabalhar no quarto do hotel, não achei
necessário passar nada no rosto, nem mesmo um batom, e,
percebendo que o termostato estava ajustado para uma temperatura
amena, decidi ir sem o paletó do terninho.
Sean Moore estava ao telefone, de costas para mim,
andando de um lado para o outro. Aproveitei que ele não estava
vendo e dei uma conferida no corpo dele e em como suas roupas
pareciam ter sido modeladas para que as vestisse. Provavelmente
eram!
Ele não estava de terno, mas usava uma calça de alfaiataria
e uma camisa que de longe já se notava ser cara. Ergui a
sobrancelha, surpresa por constatar que ele fazia algum exercício –
e não ficava o dia todo em escritório fazendo dinheiro, como pensei
a princípio – e que seu corpo estava em ótima forma. Inclusive seu
traseiro redondo, que esticava a calça toda vez que ele andava.
— ...estamos combinados assim. Espero que não esqueça e
que faça conforme direcionei. — Ele se virou e me encarou um tanto
confuso. — Mantenha-me informado, Graham.
Ele desligou e não disse nada, apenas me observava como
se nunca tivesse me visto antes. Por um momento, cheguei a
pensar que havia esquecido que era eu quem o acompanhava, mas
esse pensamento não combinava com o homem de negócios
implacável que devia saber de cada detalhe de suas negociações.
— Boa tarde! — Resolvi quebrar o gelo.
Sean Moore parecia ainda mais confuso.
— O que é... isso? — Apontou para mim, e fiquei confusa.
Olhei para mim mesma, temendo ter calçado um pé de cada
sapato ou, pior, ter calçado um par de tênis em vez dos scarpins da
minha mãe.
Tudo ok!, pensei aliviada e voltei a encará-lo.
— Desculpe-me, não entendi a pergunta.
— Como eu não pensei nisso antes? — Riu, e eu senti o
corpo todo tremer, tamanha a frieza que aquele som produziu. —
Você pensa se vestir assim para trabalharmos?
Meu coração disparou.
— Eu acho que estou vestida de maneira adequada, como
sugeriu o...
Parei de falar quando ele passou por mim como uma bala na
direção do quarto que eu estava usando.
— A governanta ainda não veio arrumar nossas coisas... —
disse, e fiquei ainda mais perdida. — Você deve ter algo melhor
para vestir.
O quê?!
Saí correndo atrás dele e o impedi de ir até onde estava a
minha mala quando percebi o que pretendia.
— Você não pode mexer nas minhas coisas! Isso é invasão
de privacidade...
— Não é quando você trabalha para mim e a forma como se
apresenta pode repercutir negativamente na minha imagem. —
Desviou-se de mim e abriu minha mala. — Puta que pariu! Como
imaginei!
— Isso é...
Congelei quando ele começou a simplesmente pegar minhas
roupas e jogá-las para o lado. Acho que nunca me senti tão
humilhada por algo de que eu nunca tinha sentido vergonha. Sabia
que eu não tinha nada caro ou de grife, mas escolhi aquilo que tinha
de melhor, e ele...
— Precisamos resolver isso! — Sua voz soou irritada.
— O senhor não tem o direito de... — Ele pegou o saco onde
eu guardava minhas roupas íntimas, e agi rápido, puxando-o de
suas mãos. — Isto é um absurdo! Não pode simplesmente entrar no
meu quarto e vasculhar minhas coisas!
Ele bufou, mas pareceu não levar minha indignação muito a
sério, mexendo em seu telefone.
— Ciao, Maria — falou com alguém, olhando para a tela do
celular. — Estou em viagem e com um problema dos grandes que
só você pode solucionar.
Ouvi a voz de uma mulher respondendo-lhe com um forte
sotaque italiano. Ela riu, e eles trocaram cumprimentos antes de
voltar ao assunto do “problema”.
— Olha! — O desgraçado simplesmente apontou a câmera
na minha direção.
— Madonna mia! Recolheu alguma garota órfã, querido?
Meu sangue ferveu e me cansei de ouvir aqueles insultos
sem reagir.
— Foda-se! — exclamei irritada e saí do quarto batendo a
porta, deixando-o lá dentro.
Não tinha ido até ali para ser humilhada daquela forma por
aquele homem que achava que todo mundo tinha acesso ao seu
mundo luxuoso. Estava tão chateada com o que ele fez que nem
pensei numa possível demissão, só agi por impulso, motivada por
minha indignação por conta de seu comportamento invasivo.
Saí da enorme suíte, que horas antes havia me deixado
encantada, e comecei a andar pelos corredores do hotel sem
prestar atenção aos detalhes de sua decoração, em passos rápidos
e raivosos.
Desci as escadas antigas, cobertas por tapetes grossos que
abafavam o toque-toque do salto dos scarpins que minha mãe havia
me emprestado, e parei ao chegar ao suntuoso saguão.
O que eu queria, afinal? Voltar para Chicago a pé? Respirei
fundo e virei-me um pouco, dando de frente para enormes portas
abertas para um pátio interno. Decidi que precisava de mais algum
tempo para me acalmar, senão o que restava da minha temperança
ia me abandonar e eu ia dar uns belos tapas na cara daquele chefe
esnobe.
O jardim interno era um sonho – que eu certamente
exploraria em outro momento –, e percebi que havia uma espécie de
restaurante bem no meio das plantas e flores. Fui até lá com a
intenção apenas de conhecer, mas, assim que pisei no local, mudei
de ideia e pedi um chá para tentar manter a paz interior.
Informei o número da suíte onde estávamos e assinei o
recibo, degustando calmamente do melhor chá preto que já havia
tomado na minha vida. Mamãe sempre manteve a tradição de papai
com relação ao chá, e era uma delícia poder provar o que ela tanto
elogiava e dizia sentir falta da Turquia.
Não sei ao certo quanto tempo permaneci sentada,
calmamente tomando a bebida acolhedora e quente, porém, quando
retornei à suíte – com muita fome, é bom frisar –, já era noite.
Estava tudo escuro à minha volta, e fiquei um tempo parada na
porta, aproveitando a luz do corredor para memorizar o caminho
mais rápido até meu quarto. Não havia nenhum barulho, e fiquei em
parte aliviada por não ter de me encontrar de novo com o senhor
Moore.
— Já se acalmou? — A voz dele soou assim que fechei a
porta, e senti um tremor percorrer todo o meu corpo. Fechei os
olhos e me virei para encará-lo, parado na saída para a varanda. A
parca luz não o iluminava bem, contudo era impossível não ver um
homem daquele tamanho preenchendo o vão da porta. — Espero
que o chá tenha produzido algum efeito, porque tudo o que mais
abomino é chilique de mulher.
Um, dois, três..., contei mental e lentamente, sentindo o
sangue voltar a ferver.
— Chá preto não é calmante, pelo contrário, então não abuse
da sorte — avisei entredentes.
Um silêncio tão profundo pairou no ambiente que eu quase
podia apostar que ele ouvia o som descompassado das batidas do
meu coração.
Sean Moore suspirou rapidamente.
— Maria mandou um personal shopper para vê-la —
anunciou, surpreendendo-me. — Ele deve chegar em alguns
minutos.
— Eu não...
— Não vou discutir sobre isso, senhorita Çelik. — Pisquei
forte quando ele acendeu a luz de um abajur. — Do jeito como se
veste, é impossível que me acompanhe.
A intenção era replicar, porém não consegui falar nada,
chocada com a aparência do homem de pé à minha frente.
Eu tinha noção do quanto ele era bonito, charmoso e com um
sex appeal inigualável, mas geralmente o banqueiro se vestia de
maneira formal, sóbria, o que o deixava um tanto antiquado.
Todavia, não naquela noite!
Ele usava calças de linho, com um camisa branca bem leve e
usava uns sapatos feitos de um couro que parecia muito macio e
confortável. Os cabelos não estavam extremamente penteados
como sempre pareciam, tinham um ar revolto, como se ele tivesse
deixado que a brisa da noite os bagunçasse.
Ele franziu de leve a testa, deixando antever as pequenas
rugas de expressão que a maioria tentava ocultar, mas que ele
exibia com segurança, sabendo que lhe conferia ainda mais
magnetismo. Os olhos claros estavam levemente apertados, como
se me avaliassem minuciosamente.
— Eu...
Não consegui concluir a frase, porque bateram à porta da
suíte. Sean Moore passou por mim para atender, e um rastro de
perfume ficou pelo caminho que fez. Respirei fundo, tentando
reconhecer a fragrância, no entanto sem fazer ideia do que era,
apenas que combinava perfeitamente com quem a usava.
Ouvi meu nome sendo citado na conversa, logo atrás de mim,
e quando me voltei para cumprimentar o recém-chegado, quase tive
um pequeno infarto vendo a quantidade de araras de roupas que
entravam com ele.
Puta merda!
7 – Sean

As luzes da cidade de Istambul à noite eram uma das coisas


mais lindas que eu já havia visto, pois, como na área em que o hotel
era situado só havia construções com poucos andares, o destaque
ficava todo para a Sultanahmet Camii – a Mesquita Azul –, que se
erguia majestosamente iluminada, e a Ayasofya – ou basílica de
Santa Sofia, o símbolo de Istambul.
Nada de prédios gigantes formando um skyline cinzento, mas
sim a história resplandecendo na disputa entre as duas construções
que ficavam uma de frente para a outra e disputavam entre si a
beleza daquela área da cidade.
A verdade, entretanto, era que eu conhecia apenas aquele
pedaço de Istambul. Nunca havia estado na cidade, a não ser que
fosse para fazer negócios. Costumava mais ir a Ancara – a capital
do país – do que à bela e cosmopolita cidade dividida entre dois
continentes.
Levantei-me da chaise onde estava sentado, apreciando a
vista e degustando um raki, bebida incomum ao meu paladar,
embora eu já tivesse provado suas variações em outros países,
como o ouzo, na Grécia, e o araque, no Líbano, todos feitos à base
de destilado de uva e anis e misturados com água, o que deixava
sua cor esbranquiçada parecendo leite.
Ouvi o sotaque carregado do personal que Maria havia
contratado e tentei não pensar sobre a acompanhante tão diferente
que eu havia “ganhado” para aquela viagem inusitada.
Tentei, porque me foi impossível não pensar em Kara.
Eu estava intrigado de uma forma estranha com a moça e
não sabia ao certo o motivo para aquela sensação. Talvez tivesse
criado expectativas ruins sobre ela, achando que seria uma
companhia inconveniente e esperando que, de alguma forma, ela
tentasse se aproximar de mim. Positivamente, isso não ocorreu,
contudo despertou minha curiosidade, principalmente após sua
corajosa reação ao me enfrentar por causa da revista que fiz em
seus pertences.
Ri comigo mesmo ao lembrar-me das expressões em seu
rosto, principalmente quando peguei a pequena bolsinha que
deveria conter seus itens íntimos. Bom, se a lingerie seguia o
mesmo padrão das roupas, ela tinha ainda mais motivo para
escondê-las.
Entrar em contato com Maria Comparatto, uma personal
stylist que ajudei a começar a carreira, indicando-a para auxiliar
pessoas que haviam enriquecido, mas que não sabiam nada sobre
como se vestir e se portar dentro do novo círculo que estavam
integrando, foi um ato puramente egoísta, pois pensei apenas em
preservar a minha imagem ao vestir melhor minha nova “assistente”,
porém, depois que Kara saiu daquela forma – visivelmente ofendida
–, percebi que eu deveria ter seguido por um caminho menos
agressivo.
Não era culpa da moça que ela não estivesse preparada para
aquela viagem, e eu tinha certeza – após o pouco que a havia
conhecido – de que ela tentara o melhor. Se as coisas não tivessem
sido feitas tão apressadamente, talvez eu pudesse ter providenciado
meios para que ela já viesse com roupas e acessórios condizentes à
sua nova função.
Foi um enorme erro de minha parte não ter pensado
naqueles detalhes, contudo era algo com que eu normalmente não
precisaria lidar, por sempre ter pessoas à disposição para fazer isso
para mim.
Se fosse Tom que estivesse comigo, eu não precisaria me
preocupar com esse tipo de coisa. A verdade é que Kara e eu não
estávamos preparados para lidar com os pormenores da viagem.
Fiquei um tempo preocupado com ela quando sumiu depois
da discussão sobre sua mala, mas então o hotel me informou que
ela estava no restaurante do jardim bebendo um chá, e achei melhor
lhe dar o tempo necessário para se acalmar.
A camareira apareceu para arrumar nossas coisas, e eu pedi
que separasse as roupas de Kara em uma bag de lavandeira,
temendo que a moça orgulhosa insistisse em usar o que havia
trazido.
Novamente a voz alta do profissional enviado por minha
amiga chamou minha atenção, mas não consegui identificar o que
conversavam, pois estavam falando em turco. Fiquei um tempo
apenas ouvindo, gostando da sonoridade daquele idioma na voz de
Kara, achando que a combinação de seu timbre com as palavras
soava muito sensual.
Mas que merda de pensamento é esse?
Nem terminei de tomar minha bebida, achando que o raki
estava entorpecendo meus sentidos e me fazendo pensar em coisas
que normalmente não pensaria.
Fiquei mais um tempo admirando a vista da varanda e
estranhei quando não consegui ouvir mais nenhuma palavra vinda
da sala. Fui até lá, mas não havia mais ninguém, nem mesmo uma
só peça das inúmeras que o homem tinha trazido consigo.
— Demir bei disse que a conta seria enviada depois.
Virei-me para encarar a mulher que falava comigo, pegando-
me de surpresa, e não consegui conter um sorriso ao vê-la
perfeitamente vestida para um jantar simples e elegante.
— É isso mesmo. — Olhei-a mais detalhadamente, focando
em seu rosto belíssimo, um tanto repuxado pelo coque firme. —
Solte os cabelos.
Falei sem pensar, e ela também ficou surpresa. Achei que iria
replicar, dizer que gostava daquele jeito e que eu não deveria me
meter com o modo que se penteava, porém suspirou e retirou o que
prendia suas madeixas, deixando as ondas escuras caírem
livremente por suas costas.
— Não tive tempo de secar. — Olhou-me desafiadora. —
Este é meu cabelo natural.
Não consegui ter reação, pois os cabelos cacheados e
escuros produziam uma diferença enorme na imagem dela. Não
havia prestado muita atenção em Kara quando nos conhecemos em
Chicago, pois ela estava usando uniforme, e uma touca cobria seus
cabelos. No avião, ela estava com os fios presos em um rabo de
cavalo liso e, naquele dia, mais cedo, eles estavam firmemente
fixados em um coque.
A transformação que ocorreu com aquele simples gesto de
soltar os cabelos foi enorme, e percebi que, diante de mim, estava
uma mulher. Sim, parecia óbvio, mas Kara era jovem, e eu a via
como uma menina, por isso mesmo não prestava muita atenção.
Mas, naquele momento...
— Algum problema? — perguntou, o queixo erguido, a pose
defensiva.
Busquei meu controle de volta e dei um sorriso frio.
— Fome. Vocês demoraram demais, mas espero ter valido a
pena.
Percebi quando ela deu uma leve rolada de olhos.
— Não pedi por isso. Poderia muito bem continuar usando as
roupas que trouxe.
Ergui a sobrancelha e a olhei seriamente.
— Não é sobre você usar aquelas roupas, senhorita Çelik,
mas de usá-las enquanto trabalha para mim.
Ela sorriu.
— Uso uniforme enquanto trabalho para o senhor —
alfinetou-me.
Meu sorriso foi ainda maior que o dela, pois, querendo me
afrontar, conseguiu me dar uma saída perfeita para encerrar de vez
aquela discussão desmedida.
— Pois considere agora que essas roupas serão seu
uniforme durante o tempo em que irá me assistir nesta viagem. —
Percebi que a deixei sem argumentos e me virei na direção da porta
principal da suíte. — Temos uma reserva que estamos quase
perdendo e que só não cancelaram porque é para mim.
Seguimos para fora do hotel, e, assim que pisamos no
saguão, avistei o motorista colocado à minha disposição para
aquela viagem. Ele me cumprimentou em inglês, mas, quando viu
minha acompanhante, o fez em turco, como se adivinhasse que ela
provinha daquele país.
Tive que admitir que Kara dificilmente iria conseguir passar
despercebida em algum local, principalmente diante da
transformação que se dera nela, não pelo belíssimo conjunto de
calças pantalonas de um azul profundo com uma camisa de seda e
um blazer alongado claro, quase branco, mas tão somete por seus
cabelos.
Ela chamava a atenção, percebi isso durante o caminho até o
carro. As pessoas olhavam enquanto andávamos, e alguns homens
pararam até mesmo de conversar para observá-la melhor. O
trabalho do profissional contratado por Maria havia sido impecável,
tanto que eu podia ver que, além das roupas, ela estava usando
assessórios e calçados adequados para um jantar.
— Vamos aproveitar o tempo de viagem até o restaurante
para reprogramar os compromissos de amanhã, já que hoje foi
perdido o dia — falei assim que me sentei ao lado dela no banco de
trás do carro.
— Claro! — Kara sacou o celular da Hermés que estava
usando e me encarou. — A parte da manhã estava sem nenhum
tipo de compromisso agendado, porém podemos discutir sobre a
reunião com Abdullah bei. Ainda não consegui ler o dossiê que me
entregou totalmente, mas amanhã estarei ciente de cada detalhe.
Concordei.
— Perdemos tempo demais, e eu preciso que a senhorita
esteja totalmente afiada com relação ao que preciso, para que me
auxilie não só com o idioma.
— Sim. Conhecendo o assunto, posso fazer as traduções
com mais precisão — disse, enquanto anotava no seu celular com
uma rapidez que me impressionou. — No almoço tem uma reserva
para uma reunião a ser confirmada por Chicago, no entanto ainda
não tive nenhum retorno. Posso tentar eu mesma confirmar pela
manhã?
Eu não havia passado todas as atribuições de Tom para ela,
deixando algumas coisas para serem providenciadas pela secretária
executiva da empresa, entretanto não fazia sentido eu ter que
utilizar duas profissionais se uma só poderia assumir tudo.
— Peça à senhorita Matthews que lhe encaminhe todos os
compromissos já agendados para os dias que passaremos aqui. —
Ela assentiu. — Amanhã discutiremos como iremos adaptá-los de
acordo como as coisas forem evoluindo.
Esperei que ela terminasse de mandar um e-mail para a
secretária, observando-a atentamente, até que me encarou.
— Algo mais?
Neguei.
— Não, vamos apenas jantar e terminar esse dia cedo para
que possamos descansar. Se eu tiver um pouco de sorte, ainda hoje
conseguirei me encontrar com algumas pessoas do conselho diretor
da Tron. — Sorri. — A informação que tenho é de que alguns são
assíduos frequentadores do restaurante ao qual vamos.
Não consegui decifrar sua expressão nem tive tempo para
avaliar mais minha nova assistente, pois, como o restaurante ficava
próximo ao hotel onde estávamos, chegamos ao nosso destino.
Ajudei-a a descer do carro, e entramos juntos, lado a lado, no
suntuoso restaurante, detentor de duas estrelas Michelin. Eu já
havia estado nele uma ou duas vezes quando visitara Istambul
anteriormente, mas nunca em companhia feminina – mesmo que de
uma funcionária –, e temia que isso chamasse a atenção.
Eu não era uma celebridade, nem todos me reconheciam nas
ruas, porém, em locais como aquele, frequentado pela elite da
cidade, principalmente por pessoas do ramo empresarial, era
facilmente reconhecido.
— Uau! — Kara finalmente falou – se podíamos considerar
uma interjeição como fala –, olhando em volta, completamente
deslumbrada.
— Sim, a decoração é espetacular — comentei, já pegando a
carta de vinhos e escolhendo um mesmo antes de um sommelier
chegar. — A comida faz jus à fama também.
— Minha mãe ainda prepara algumas receitas que aprendeu
com minha avó e tias. Pode não ser nada requintado, mas
dificilmente vou a algum restaurante típico e acho melhor que a
comida dela.
Encarei-a e sorri.
— Tempero de mãe não tem concorrente. — Ela ficou
visivelmente surpresa com o que falei, e isso me fez achar graça. —
A minha mãe também cozinha bem.
Ela riu.
— Bom, quantas surpresas em um dia! Eu nem imaginava
que o senhor tinha uma mãe... — piscou para mim — quanto mais
uma que cozinha.
A ironia contida no comentário geralmente me irritaria, mas,
contradizendo o meu bom senso usual, ri.
— Acredite, a maioria dos meus conhecidos lembram que eu
tenho mãe, principalmente quando estão com raiva. — Pisquei de
volta.
Kara deu uma risada tão gostosa que me contagiou de certa
forma e me fez rir junto de forma leve e descontraída. O vinho
chegou e o aprovei, esperando que a taça dela fosse preenchida
para brindarmos.
— Está ao seu gosto? — inquiri quando bebeu o primeiro
gole.
Ela deu de ombros.
— Não entendo de vinhos, mas, sim, está gostoso.
— É o que importa, afinal.
Discutimos sobre o cardápio, que trazia opções tradicionais e
revisitadas da cozinha otomana, e, enquanto esperávamos a
comida, um grupo de pessoas me chamou a atenção.
— Aí estão eles! — informei para ela, mas, como não
entendeu, expliquei: — Can Avci. Está no seu dossiê.
— Sim. Um dos investidores da Tron.
— Exato! Pensamento moderno, tem investimentos na área
de tecnologia praticamente no mundo todo. É uma boa aposta, caso
seja necessário recorrer ao conselho para venderem a empresa,
não?
Kara parecia confusa.
— Mas eles podem vendê-la contra a vontade de Abdullah
bei?
Tomei mais vinho antes de responder:
— Podem pressioná-lo, e, como a maioria das ações estão
nas mãos dos acionistas, é uma pressão esmagadora.
— Já fez isso antes?
Ela parecia bem curiosa.
— Algumas vezes... Meu trabalho é um jogo de estratégia,
senhorita Çelik. Não entro para perder nunca, por isso nem sempre
a negociação é bonita ou pacífica. Esteja ciente e preparada.
— Obrigada pelo aviso.
O rosto dela era tão expressivo que parecia estar esperando
um banho de sangue, o que me fez rir. Eu não tinha dúvidas de que
muitos dos homens com quem havia negociado ou forçado a vender
uma empresa queriam ver-me morto. Não exagerei quando disse a
ela que minha mãe era repetidamente lembrada – de forma
pejorativa – por eles. A verdade é que eu tinha acumulado muito
dinheiro e poder nos últimos 20 anos, mas também feito muitos
inimigos.
A refeição foi agradável, e a conversa girou apenas sobre o
material que havia sido entregue a ela para estudar. Percebi que o
pouco que ela tinha lido já tinha absorvido, deixando um prospecto
promissor para nossa primeira reunião de trabalho.
Kara Çelik não seria a primeira escolha que eu faria como
assistente – talvez nem mesmo a última –, porém eu estava
disposto a ser, pela primeira vez, surpreendido pelo acaso.
8 – Kara

Que homem intratável!, pensei pela milésima vez naquele


dia, anotando e passando e-mails como nunca imaginara que
conseguisse fazer em toda a minha vida.
Entendi por que Tom precisava tomar tantos cafés por dia e
fugir para fumar, afinal, em poucas horas de trabalho, Sean Moore
estava esgotando toda a energia do meu corpo com seu jeito
acelerado de trabalhar, mandando-me fazer várias coisas ao mesmo
tempo.
Ele começou me explicando com detalhes sobre a
negociação que faria, colocando-me a par da situação da empresa
que pretendia comprar e a sua proposta. Não me revelou muito, no
entanto tudo o que me fez entender foi que não tinha intenção de
acabar com a empresa, mas sim remodelá-la. Pediu que eu
estivesse atenta aos resultados da Tron que estavam no meu dossiê
para que fizesse uma tradução consciente do que estava falando.
Depois, sem nenhum aviso, começou a ditar um memorando
para eu enviar para seu braço direito, o CPO da Gaea, Graham
Moore. Obtive acesso à conta que Tom Knightley usava para as
correspondências da diretoria executiva e localizei o e-mail do
executivo – tudo isso enquanto ele ditava feito um louco.
— Pode repetir a última frase? — Interrompi-o em certo
momento. — Não pareceu coesa ao resto do texto.
Arrependi-me assim que falei isso, pois o senhor Moore fez
uma cara de tanta contrariedade que era melhor eu ter deixado
como estava, contudo nem eu, que estava redigindo, estava
conseguindo acompanhar sua linha de raciocínio, quiçá quem iria
ler.
— Hum... Releia o que ditei. — Ele ficou quieto enquanto eu
o fazia e então respirou fundo. — Tem razão, estou dando voltas
desnecessárias. Apague tudo e vamos retomar.
Olhei para os cinco parágrafos que já tinha escrito em uma
velocidade inacreditável e, com dor no coração, apaguei um a um.
Nem bem terminei de limpar o documento, Moore disparou a ditar
novamente, andando pela sala enquanto falava – irritantemente
devagar —, sobre o mesmo assunto.
Mas que porra de homem!, xinguei-o mentalmente,
percebendo que estava fazendo aquilo apenas por pura pirraça por
eu ter dito que o texto não tinha ficado coeso.
Quando finalmente terminamos a missiva, fingi que a relia –
tão vagarosamente quanto ele a havia ditado – e o encarei. O
desgraçado estava me olhando com um sorriso debochado, mas no
olhar do que propriamente na boca, e isso me deixou com o coração
acelerado.
Sean Moore era arrogante, prepotente, irritante, mas ninguém
podia dizer que não era gostoso. Deus, como era gostoso!
Deu uma piscada longa e reclinou a cabeça um pouco.
— Perfeito! A coesão agradou a senhorita agora?
Fingi pensar, assim como fingi reler, deixando-o esperar por
minha resposta, e percebi que ali estava um ponto fraco do meu
chefe insuportável: ele odiava estar errado!
— Muito melhor que o primeiro texto, embora creio que
pudesse ser mais sucinto e...
— Há coisas que você não entende, minha querida senhorita
Çelik. — Cruzou os braços. — Graham precisa de tudo explicado
nos mínimos detalhes, porque ele executa tudo ao pé da letra. Se
eu pedir, ele faz; do contrário, não. Esse é um detalhe que o senhor
Knightley conhece, mesmo porque trabalha comigo há anos, e não
por alguns dias.
A reprimenda foi eficaz, e admiti que talvez tivesse sido
precipitada em achá-lo um tanto prolixo em seus memorandos,
afinal, era o primeiro que eu tinha que escrever para ele.
— Conseguiu confirmar meu compromisso do almoço? —
inquiriu de repente.
— Sim, quer dizer... consegui uma resposta. — Sorri sem
jeito. — O senhor Ahmet ainda não retornou da Capadócia, mas
espera conseguir encontrá-lo antes de seu retorno a Chicago.
— Bem... tomara que consigamos nos reunir. Eu gostaria
muito de conversar pessoalmente com ele. — Sean olhou pela
janela. — Ao que parece, terei de almoçar sozinho.
Fechei a capa do iPad e imediatamente me pus de pé para
sair o mais rápido possível de sua presença, já que esperava passar
o tempo durante o seu almoço lendo o dossiê sobre a empresa Tron
e fazendo algumas pesquisas.
— Espero que tenha um almoço agradável! — Sorri e fiz
menção de sair da sala.
— Teremos! — O sorriso dele parecia o do Lobo Mau. —
Nunca tenho tempo de sobra para conhecer a cidade, e, como você
é local...
Ri alto.
— Local? Saí daqui ainda menina! Não posso ser
considerada uma local.
O jeito que ele me olhou me deixou um tanto desconsertada.
— Hum... Então também seria bom para você andar por aí.
Não!
— Eu tinha planejado estudar melhor sobre...
— Você terá tempo para isso mais tarde, quando eu estiver
em reunião. Não irei necessitar da sua assistência na
videoconferência — informou decidido. — Vou pedir ao concierge do
hotel que nos indique um guia e...
Mas que porra!
— Eu realmente não quero sair agora.
— Mas eu quero. — Pegou o telefone. — Você tem 15
minutos para trocar de roupa se quiser.
— Não creio que necessite de mim para fazer turismo —
insisti.
Ele riu e me pediu um minuto com o dedo enquanto pedia ao
hotel um guia para nos levar até o Grand Bazaar.
— No seu contrato diz que sua função é me assistir em tudo
o que for necessário durante a viagem, e eu acho necessário andar
um pouco pela cidade — explicou ao desligar. — Esse é o seu
trabalho, Kara Çelik. Você só tem 12 minutos agora.
Minha vontade era de jogar o iPad na cabeça dele, mas
respirei fundo, contei até dez e decidi colocar uma roupa mais
adequada ao passeio: tênis e calça jeans!
Como minhas coisas não estavam no armário junto às roupas
e acessórios novos, presumi que estivessem ainda dentro da mala,
guardada no maleiro.
— Puta que pariu! — Não consegui resistir ao xingamento ao
abrir a mala e encontrá-la completamente vazia. Não, ele não fez
isso! Saí do quarto irritada, mas não o encontrei na sala. Então
segui para o quarto dele e esmurrei a porta. — Não acredito que
jogou minhas roupas...
Parei de falar assim que notei que ele tinha aberto a porta
ainda sem camisa, mostrando a perfeição de seu torso coberto com
pelos aparados rente à pele, mas que não conseguiam esconder a
perfeição dos seus músculos. Senti um formigamento estranho, e
minha boca se encheu de água, fazendo-me emitir um barulho ao
engolir a saliva.
Olhei para o alto, encarando-o, achando-o ainda mais alto,
ainda mais forte, ainda mais gostoso... como se fosse possível.
Kara... volta para a Terra!
— O que tem suas roupas? — perguntou ele distraidamente,
vestindo a camisa, parecendo não notar que eu via seus
movimentos em slow motion e com o solo de saxofone de Careless
Whisper – música que minha mãe amava – tocando na minha
cabeça. — Senhorita Çelik?
Oh, Jesus!
Pisquei algumas vezes para voltar à realidade – e fazê-lo se
mover na velocidade normal – e desviei os olhos dele.
— Minha... mala. — Engoli em seco. — Está vazia.
— Ah, isso! — Ele voltou a entrar no quarto, abotoando os
punhos da camisa social. — Achei que já tivesse toda a roupa
necessária para seus dias aqui.
Não entrei no quarto, embora quase não pudesse ouvi-lo,
mas pude sentir perfeitamente o cheiro de seu perfume, que parecia
dominar todo o ambiente. Minha pele esquentou e arrepiou ao
mesmo tempo, e a visão do peitoral dividido, dos gomos em seu
abdômen e dos pelos escuros cobrindo tudo não saía da minha
cabeça.
Será que eram macios?
Balancei a cabeça, tentando trazer de volta um pouco do foco
necessário para brigar com ele por causa do que fez com minhas
roupas. Indignação, humilhação... raiva... Cadê essas coisas, que
eu deveria estar sentindo?
— Eu não vou caminhar pelo Grand Bazaar usando sapatos
de salto alto! — Consegui externar um pouco da minha indignação.
— Preciso dos meus tênis!
Sean voltou a aparecer dentro do quarto e parecia que estava
contendo um sorriso. Era irritante aquela expressão de deboche que
sempre parecia estar em seu rosto quando eu ficava brava com
alguma coisa que ele fazia.
— Aposto que o senhor Demir incluiu algum sapato
confortável nas compras que fez para esses dias. Você não precisa
daqueles tênis surrados.
Sim! Vibrei ao perceber que a raiva e a indignação estavam
retornando... provavelmente porque ele estava completamente
vestido.
— Eu quero meus tênis surrados!
Ele deu de ombros.
— Infelizmente, não há nada que eu possa fazer quanto a
isso. Suas roupas foram substituídas, e, se não há um par de tênis
adequado entre os calçados que Demir trouxe, pode solicitar que
venham alguns pares e...
Não esperei que ele concluísse, percebendo que não havia
mais o que fazer com relação aos tênis. Eu poderia agir feito uma
criança birrenta e usar a falta do calçado para não o acompanhar,
contudo não ia dar o gostinho de ele dizer que eu parecia uma
menina.
Abri o armário e procurei a roupa que Demir bei havia
deixado para que eu a usasse em ocasiões informais e dias de
folga. Peguei um vestido levinho, sandálias sem salto e um
casaquinho. Vesti-me o mais rápido que pude e prendi os cabelos
em um rabo de cavalo.
— Seus cabelos ficam mais belos soltos. — Foi a primeira
coisa que Sean disse ao me ver pronta. — Embora eu ache que
eles presos assim combinem com o jeito que se vestiu.
— Você é o entendido de moda aqui, não eu.
Ele riu.
— Não sou entendido de moda, apenas tenho bom gosto. —
Piscou. — E preciso admitir que, mesmo vestida com aquele
terninho feminino de má qualidade, você estava mais bonita que a
maioria das mulheres que conheço.
Arregalei os olhos ao ouvir o elogio, mas ele não pareceu ter
dito nada de mais, porque simplesmente foi andando para fora da
suíte como se não tivesse acabado de admitir que me achava
bonita.
Bonita, não! Mais bonita que a maioria das mulheres que ele
conhecia!

— Experimente esse! — Sean me entregou mais um lenço de


seda.
Peguei a peça magnífica, pensando naquela que minha mãe
havia ganhado do meu pai e que tinha insistido para que eu a
trouxesse comigo.
— Havia um lenço de seda na minha mala... — falei,
encarando-o, tentando manter a emoção distante ao pensar que
pudesse estar no lixo. — Era algo de família.
Ele assentiu.
— Eu vi e o guardei, não se preocupe.
Aquela informação me deixou desconfiada.
— O que você fez com as minhas roupas, afinal?
— Experimente o lenço — insistiu.
— Não preciso de um lenço! — Olhei para a peça linda e, de
repente, vi sua etiqueta. — Principalmente um lenço nesse valor!
Sean se aproximou mais de mim, pegou o lenço da minha
mão e, quando pensei que fosse devolvê-lo, abriu a peça e colocou-
a sobre minha cabeça, tentando, em vão, utilizá-lo como um véu.
— Hayir!
O vendedor o interrompeu e lhe mostrou como dobrá-lo para,
então, colocá-lo sobre meus cabelos. Sorri para o homem e lhe
agradeci em turco, fazendo com que ele sorrisse e comentasse o
quanto o americano era desastrado.
— O que vocês estão falando?
— Ele está me dando dicas — menti, usando a mesma
olhada debochada que ele me dava sempre que pensava algo sobre
mim e não dizia. — É lindo!
Nossos olhos se encontraram pelo reflexo do espelho.
— É... — Pigarreou. — Vamos levá-lo! — anunciou para o
vendedor.
— Não! — protestei, tirando-o de mim. — Eu não preciso...
— Talvez precise e, caso necessário, é melhor garantirmos
que tenha um! — Ele pagou pelo lenço. — Vamos comer algo.
Concordei sem discutir, porque estava com fome depois de
ficarmos quase duas horas andando de loja em loja, das luxuosas
às mais simples, do Grand Bazaar.
Durante o percurso, paramos em uma loja linda, com várias
peças que pareciam antiguidades, mas que sabíamos que não
eram, porque era completamente proibido sair da Turquia com
alguma peça autêntica, tanto que na própria loja era emitido um
certificado de que aquilo não se tratava de uma relíquia, mas sim de
uma cópia.
Ficamos um bom tempo olhando detalhadamente as peças.
Algumas, Sean fotografou para mandar para sua decoradora e,
depois de seu aval, fechou a compra de algumas peças para serem
enviadas a um chalé de inverno que ele estava reformando na
Suíça.
Embora eu tivesse saído do hotel contrariada por causa do
passeio, tive que admitir que foram horas muito aprazíveis e que a
companhia do homem que vivia me irritando foi muito agradável.
Eu o admirava por sua cultura e pelo jeito com que ele
compartilhava o que sabia comigo, mas sem parecer estar me
dando uma aula. Por incrível que parecesse, o jeito esnobe o havia
abandonado e ele realmente parecia estar se divertindo em meio ao
caos que era aquele mercado lotado de turistas e habitantes.
Decidimos comer em um restaurante que ficava em um
rooftop com vista para o Bósforo. Demoramos um pouco para
chegar por conta do trânsito pesado, mas a belíssima vista e a
culinária mediterrânea fizeram o tempo perdido no percurso valer a
pena.
— Caso tenhamos mais tempo livre até o dia da reunião,
podemos visitar as mesquitas perto do hotel — Sean sugeriu
quando estávamos tomando um chá digestivo após o almoço.
— Não há tempo livre na sua agenda — informei-o. — Além
disso, precisamos voltar ao hotel para sua videoconferência.
Ele assentiu e pediu a conta.
— Eu deveria ter cancelado esses compromissos —
confessou dentro do carro. — Acho que seria bom se eu tivesse
tirado esses dias aqui apenas para a reunião com o velho Abdullah.
Mais uma vez fiquei surpresa, porque não esperava que ele
pudesse reclamar por estar trabalhando. O homem tinha fama de
ser uma máquina, quase inumano de tanto que trabalhava. Ouvi
rumores na empresa de que ele fazia negócios até quando estava
fazendo sexo. É claro que era um exagero, pelo menos eu achava,
contudo comecei a me questionar sobre aquele fato quando
viajamos para a Turquia.
— Quer que eu tente remanejar alguns compromissos? —
ofereci, e ele sorriu, negando.
— É besteira, porque vai só me fazer trabalhar ainda mais no
futuro. — Suspirou, encostou a cabeça no encosto do banco e
fechou seus lindos olhos azuis. — Minha avó deve ter se revirado no
túmulo ao me ouvir cogitar a hipótese de procrastinar trabalho.
Havia um tom divertido na sua voz, mas também não me
escapou algo mais sutil, quase que uma tristeza. Eu não sabia muito
sobre a vida de Sean Moore, o poderoso Homem de Gelo, mas
começava a desconfiar que nem tudo era como parecia ser.
9 – Sean

Escutei a movimentação de Kara na sala de estar da suíte e


conferi as horas no meu relógio, constatando que realmente era
muito cedo. Eu nem havia saído da cama ainda e era conhecido
como um madrugador. Sentei-me curioso, porque geralmente,
quando ela acordava, eu já estava à mesa do desjejum lendo
notícias.
Trabalhávamos até bem tarde, e ela ainda fazia pesquisas,
lidava com minha agenda e com os novos compromissos que iam
surgindo ao longo das reuniões que eu fazia por ligação ou
videoconferência. A cada nova tarefa que passava para ela, eu
ficava surpreendido com sua maneira de resolver as coisas e a
forma rápida com que pensava.
Tive de admitir, em dado momento, que a havia julgado mal e
que, mesmo sem uma formação acadêmica ou mesmo experiência
na área, Kara Çelik era motivada, determinada e disposta a
aprender tudo de maneira rápida. Ela nunca me dizia que não sabia
fazer algo, mesmo quando eu tinha certeza de que nunca havia
feito, mas logo trazia alguma solução ou a tarefa perfeitamente
cumprida.
Ela não sabia, mas eu conseguia monitorar tudo o que ela
fazia no iPad da empresa, e vi que estava pesquisando muito sobre
cada assunto que falávamos e que entrou em contato com Holly
Matthews para tirar algumas dúvidas também. Kara se virava como
podia, mas não desistia sem tentar, e isso era uma das coisas que
mais me impressionavam nas pessoas. Ela queria aprender, queria
executar e não de qualquer jeito, queria fazer o trabalho à altura do
que Tom fazia, e eu não tinha uma só vírgula para reclamar dela.
Além disso, durante esses dias que estávamos passando
juntos, sempre mantinha uma postura profissional. Eu nunca tinha
passado tanto tempo trabalhando diretamente com uma mulher e
estava extremamente satisfeito ao perceber que a maioria dos meus
receios eram infundados, pelo menos em relação a ela.
“Sangue é mais denso que a água!” Esse ditado nunca tinha
feito tanto sentido quanto nesses dias, em que a admiração
profissional por Kara aumentou tanto quanto a admiração pessoal.
Alguma coisa naquela mulher me atraía, despertava uma certa
curiosidade que eu geralmente não sentia em relação a mulher
alguma.
Já me interessara por muitas ao longo da minha vida adulta,
mas eram sempre situações tão certas de acontecer que eu não
perdia muito tempo pensando nelas. Geralmente havia interesse de
ambas as partes e acontecia sexo algumas vezes e,
esporadicamente, alguns jantares e eventos em comum.
Escolhi viver assim para manter distância e deixar bem claro
quais eram as minhas intenções. Eu não era um homem que
namorava ou que mantinha uma relação, fosse qual fosse, com uma
mulher por muito tempo. Gostava da minha liberdade, de ter uma
relação leve, sincera e satisfatória. Foi uma escolha que fiz quando
trabalhava tanto para reerguer o patrimônio dilapidado por meu pai
que mal tinha tempo para mim mesmo, quanto mais para outra
pessoa.
As coisas mudaram, meu ritmo de trabalho ainda era intenso,
mas não em comparação ao que era antes. Mesmo assim, eu
preferia permanecer solteiro. Já tinha ouvido algumas pessoas
dizerem que me casei com o banco, e, se a analogia era feita por
conta do compromisso, eu não poderia retrucá-los.
Gaea Trust era minha prioridade, e por isso mesmo não havia
espaço para outras. Como eu não queria tratar uma família –
esposa e filhos – como meu pai fez, era mister que eu
permanecesse só.
Tomei uma longa ducha refrescante e separei meu terno para
a tão aguardada reunião que teria naquela tarde com Abdullah.
Finalmente o dia havia chegado e, a partir dele, eu poderia decidir
qual seria a melhor estratégia a seguir.
Se a reunião fosse um fiasco e eu não conseguisse
convencer o velho turco a me vender a empresa, seria necessário
partir para o plano B e ir atrás de cada membro do conselho
administrativo e cada investidor da Tron.
Saí do quarto descalço, apenas vestindo uma bermuda e
uma camisa simples preta. Balancei meus cabelos, que ainda
estavam bem molhados e procurei por minha companheira de suíte
barulhenta, mas não a vi em local algum.
— Bom dia, senhor! — o mordomo que todos os dias vinha
acompanhar a montagem da nossa mesa de desjejum me
cumprimentou.
— Bom dia! Viu a senhorita Çelik?
— Ela está na varanda — apontou.
Agradeci a eles, deixei-os terminar o serviço, mesmo tentado
pelo cheiro de café fresco, e fui reunir-me com Kara. Quando entrei
na varanda, vi que ela falava ao telefone e parecia um tanto tensa.
— Eu não sei se quero ir! — Sua voz soava aborrecida. — Eu
sei, mas não vejo ninguém há anos. Eles nunca nos procuraram
nem para saber se estávamos vivos ou mortos. Por que tenho que ir
atrás deles agora?
Encostei-me no guarda-corpo de cimento da varanda, e ela
me viu, sorrindo sem jeito.
— Mãe, depois nos falamos. Juro que vou pensar na
possibilidade, mas, como adiantei, voltaremos amanhã, e eu não
creio que consiga tempo para ir até o outro lado da cidade. — Ela
suspirou enquanto escutava a outra pessoa falar e desligou o
telefone. — Bom dia!
— Bom dia! Deu percevejo na sua cama?
Ela sorriu, mas ainda assim a tensão não a abandonou.
— Quase não dormi — confessou. — Estou tensa e com
dúvidas.
Franzi a testa.
— Sobre?
— Será que estou mesmo preparada para auxiliá-lo? Não
entendo nada desses negócios e, até dias atrás, fazia cafezinho na
empresa.
Ri.
— Besteira! Você se sairá muito bem. Quem fará as
negociações sou eu, e, pelo modo como você estudou a empresa e
os termos da minha proposta, fará uma ótima tradução!
— Não sei...
— Mas eu sei! E, se eu digo que irá bem, pode apostar nisso!
— Ela me encarou, e achei melhor tentar outra abordagem. —
Fazemos uma boa equipe, Kara Çelik.
Ela assentiu, deu um suspiro longo e olhou para a Mesquita
Azul.
— Vai precisar de mim amanhã, antes de partirmos? —
perguntou baixinho. — Minha mãe quer que eu vá a Üsküdar[6], do
outro lado do Bósforo. A família do meu pai mora lá.
Tentei avaliar sua expressão, decifrar o que sentia e se a
impressão que tive de tensão por causa daquele assunto era
mesmo real, mas não consegui. Kara olhava para longe, como se
prestasse atenção às altas torres da Mesquita Azul.
— Você quer ir? — respondi com uma pergunta.
Ela deu uma risada nervosa.
— Não sei. — Balançou os ombros. — Eles não mantiveram
contato conosco desde que fomos aos Estados Unidos. Lembro-me
bem pouco dos meus avós, dos meus tios e primos e acho que não
saberia o que lhes dizer.
— Bom, você tem um tempo livre amanhã, porque só
conseguimos autorização para decolar na parte da tarde, sendo
assim, sua manhã está livre. — Ela suspirou, e eu não soube se foi
porque se sentiu aliviada ou mais pressionada ainda. — Pensei em
fazermos o tour pelas mesquitas daqui do entorno. É quase um
crime irmos embora sem visitá-las, mas se quiser ir ver sua família...
— Acho que mamãe me matará se eu não for — confessou
resignada. — Vontade de ir, não tenho, mas... Vou enviar uma
mensagem para um de meus primos pela rede social. Já faz um
tempo que o encontrei e que estamos seguindo um ao outro, mas
nunca sequer trocamos um cumprimento.
Eu nunca havia conseguido entender essa insistência de mãe
ou pai de tentar nos aproximar de pessoas com quem não temos
nenhuma intimidade apenas por compartilharmos o mesmo sangue.
Sempre achara essa situação forçada e sem sentido, tanto que
algumas pessoas já tinham tentado contato comigo alegando algum
vínculo familiar distante, e simplesmente as ignorei. Eu tinha poucos
amigos, escolhidos por afinidade, consideração e afeto, e preferia a
companhia deles à de gente que só aparecia quando achava
conveniente ou quando tinha algo a ganhar.
Porém, respeitei a posição de Kara com relação à vontade da
mãe dela. Eu não tinha como julgar a relação das duas. Talvez ela
se submetesse àquela visita desconfortável apenas para não
entristecer sua mãe, e eu nunca julgaria um filho que tenta alegrar
sua progenitora. Gratidão era um sentimento que eu respeitava
demais e que me fazia admirar quem o possuía.
— O desjejum está servido, senhor! — o mordomo anunciou
da porta da varanda, e eu assenti.
— Vamos? Teremos um longo dia pela frente e precisamos
nos alimentar bem. — Ofereci minha mão a ela, que a olhou como
se fosse um tipo de animal peçonhento, por isso não aguardei que a
aceitasse, recuando e saindo da varanda sem esperá-la.
O que está acontecendo com você, Moore?!
Terminei de me arrumar para a reunião, ajeitei bem a gravata
e conferi o corte do terno de um designer italiano novo que tinha
feito a modelagem exclusivamente para mim. Não era fácil comprar
esse tipo de roupa pronta, mesmo em lojas de alta costura, porque
eu era um homem grande, alto, com muito ombro, peito e, para
coroar, possuidor de uma bunda que já havia desistido de tentar
diminuir. Se o corte não fosse perfeito, tudo ficava muito agarrado
ao corpo, e eu não me sentia confortável.
Quando eram peças casuais, era mais fácil de disfarçar,
contudo os artigos de alfaiataria tinham que ser bem-feitos, senão
ressaltavam ainda mais minhas coxas, a bunda e... até meu pau,
por causa dos tecidos geralmente mais fluídos para um bom
caimento.
Daquela vez, entretanto, eu estava confortável. A calça do
terno ainda evidenciava muito meus atributos, mas o paletó tinha um
corte impecável e cobria bem, disfarçando um pouco. Lembrei-me
de quando tentei fazer uma dieta absurdamente restritiva, achando
que, se secasse bem, conseguiria ter uma linha corporal mais
elegante, o que não resultou em nada, afinal de contas, aquele era o
meu biotipo, herdado de algum antepassado fortão, porque nem
meu pai nem minha mãe tinham aquela constituição.
Penteei um pouco os cabelos, mas não passei pomada nem
produto algum que os deixasse no lugar. Eu gostava de como meus
cabelos ao natural equilibravam minha imagem, deixando-me
menos travado.
Espirrei meu perfume, desenvolvido apenas para mim e que
usava havia anos, tornando-se um elemento marcante e indubitável
da minha presença em algum recinto.
Esperei por Kara na sala comum da suíte e me servi de uma
dose de uísque enquanto ela terminava de se arrumar. Não fazia
ideia do que ela iria vestir, mas, de acordo com tudo o que eu tinha
visto até aquele momento do novo guarda-roupa dela, tinha certeza
de que seria aprovado.
A porta do quarto dela fez barulho, e eu me virei para vê-la.
Esperei que saísse por completo e a olhei dos pés à cabeça.
Kara estava linda e profissional, usando um vestido que ia até
suas canelas, serpenteando seu belíssimo corpo. Não havia decote,
e as mangas eram compridas. A cor do vestido era de um tom um
pouco mais escuro que a pele dela, o que ressaltava os cabelos
escuros, lisos e modelados como se ela tivesse passado o dia nas
mãos de um cabeleireiro. A maquiagem estava sutil e a deixou
ainda mais bonita, com aquele olhar misterioso e sensual.
— Aprovada? — A voz continha algum sarcasmo, mas
também soava um tanto ansiosa.
— Totalmente! — Aproximei-me dela. — Como fez isso
sozinha com seus cabelos?
Kara riu.
— Anos de prática e falta de grana para pagar a um
profissional. Só preciso de um sacador e uma boa escova e...
— Está lindíssima! — Interrompi-a com o elogio. Ela sorriu,
porém apenas até que eu pegasse uma mecha de seus cabelos e a
esfregasse entre os dedos para sentir a maciez. O sorriso se desfez,
e ela me encarou como se eu cometesse um crime. Porra! Afastei-
me, deixei o copo com a bebida quase intacta em cima do aparador
e respirei fundo. — Vamos?
— Claro!
Esperei que ela pegasse sua pasta com o iPad e todos os
documentos necessários à reunião e a acompanhei para fora da
suíte. Estava me sentindo desconfortável depois do que fiz – e sem
entender por que fiz – e achei melhor não entabular nenhum tipo de
conversa.
Descemos os três andares do hotel mudos dentro do
elevador e voltamos a proferir algumas palavras quando
encontramos o chofer que estava nos levando pela cidade de
Istambul naqueles dias, cumprimentando-o. Seguimos em silêncio,
um sentado ao lado do outro, no banco traseiro do Mercedes.
Notei que as mãos de Kara pareciam um tanto trêmulas e
temi que estivesse nervosa demais. Era a primeira reunião da qual
ela participaria, traduzindo um idioma que era seu também, mas
precisando me auxiliar na negociação e em tudo de que eu
precisasse.
— Você vai se sair bem! — incentivei-a. — Confie em tudo o
que passamos e repassamos juntos esses dias. Montamos um
ótimo material, e, se a negociação for malsucedida, não será por
sua culpa, mas porque aquele velho é teimoso feito uma mula!
Ela sorriu.
— Obrigada por isso. — Olhou-me. — Não só pelas palavras
agora, como pela oportunidade. Nunca tinha sequer sonhado em
viver uma experiência como esta, em todos os sentidos.
Aquela fala me desconsertou, não por ser um agradecimento
– eu já estava acostumado com pessoas gratas por coisas que
obtinham através dos meus conselhos, ações ou incentivos –, mas
porque as palavras dela vieram carregadas de um sentimento que
despertou sensações muito boas em mim.
Sensações essas que eu raramente tinha!
10 – Kara

Sean Moore tinha razão. Abdullah bei era um homem


extremamente teimoso! Eu já estava ficando irritada com ele e suas
questões, entrando em assuntos que não eram pertinentes ao tema
– e que eu não fazia ideia do que se tratavam –, falando da época
da gestão de um tal Von Salis à frente do banco que operava a
Gaea.
Até quem acompanhava o turco durante as negociações
parecia estar entediado com o rumo da reunião, e eu, sinceramente,
começava a duvidar que teríamos algum desfecho naquele
encontro.
— Bayan[7] Çelik — o turco me chamou. — De que parte da
Anatólia vêm os Çeliks?
Olhei brevemente para Sean.
— Do oeste, próximo ao Iraque, Abdullah bei. — Voltei a
mostrar-lhe as prospecções. — Se o senhor puder ver aqui as
perdas recentes e...
— Seu pai lhe deu um nome muito forte, não? Aço negro.
Respirei fundo.
— Não, mamãe foi quem escolheu Kara, porque é um nome
bastante usado em seu país e porque ela era fã de uma heroína que
se chamava assim. Papai aprovou, mas, mesmo tendo esse
significado, quem escolheu foi minha mãe.
— Ah... Sua mãe é americana!
— Do que vocês estão falando, afinal? — Sean parecia
frustrada ao fazer essa pergunta.
— Ele está perguntando sobre minha família.
Ele franziu a testa.
— E o que isso tem a ver com a reunião?
Assenti e voltei a puxar assunto sobre o dossiê de perdas
que tínhamos feito sobre a empresa, mas ele novamente o ignorou.
— Senhor Moore, acho que ele não está interessado.
Meu chefe riu, levantando-se.
— Percebi isso desde que pisamos aqui. Despeça-se.
Arregalei os olhos, com o coração acelerado.
— Não vamos tentar...
— Não. Perdi duas horas da minha vida com essa simulação
de uma reunião séria. Não adianta tentar negociar com quem não
quer ouvir. Despeça-se!
Ele apenas cumprimentou os presentes com a cabeça e saiu
da sala. Pelo que pude ver através de seu andar, embora sua
expressão não denunciasse, Sean estava completamente
enraivecido com aquela perda de tempo.
Despedi-me deles, encerrando a reunião e senti um pouco da
irritação de meu chefe quando o velho turco deu uma risada e disse
que a empresa dele não seria tocada por um americano. Senti um
nó na garganta, tamanha vontade de dizer àquele homem que,
primeiramente, Sean Moore era suíço de nascimento, e que sua
tentativa de brincar com ele fora a pior ideia que lhe havia passado
pela cabeça – e, se eu fosse levar em consideração as decisões de
negócios que ele havia tomado ao longo dos anos, ideias ruins
nunca lhe faltaram –, porém decidi apenas sair e deixar as coisas
seguirem seu curso natural.
Certamente, eu não iria querer estar na pele de Abdullah bei.
Encontrei-me com Sean no saguão do prédio onde ficava o
escritório principal da Tron, mas, diferentemente do que pensei, ele
parecia extremamente bem-humorado para quem tinha tido uma
péssima reunião de negócios.
— Vamos! — Ergueu a cabeça assim que me aproximei,
deixando de lado o telefone, que estava olhando.
— Está tudo bem? — questionei preocupada.
Ele riu.
— Nada diferente do que concluí com cinco minutos de
conversa. Só o deixei seguir e fiquei analisando seu desempenho,
que por sinal foi além das minhas expectativas.
Sorri, feliz com aquele elogio.
— Então fiz valer minha vinda para cá?
— Fez, sim, mas ainda não acabou. — Piscou, mas logo
percebeu que eu não tinha entendido. — Explicarei melhor daqui a
pouco.
Fiquei confusa, mas, como ele passou a maior parte do
tempo ao telefone, trocando mensagens com alguém, não estendi o
assunto, embora estivesse me sentindo frustrada por minha primeira
reunião como assistente e intérprete ter sido um fiasco.
Jurava que Sean estaria irritado, mas, para meu total
espanto, nunca o tinha visto tão à vontade com uma situação como
aquela.
Homem maluco!, pensei, respirando fundo e com os olhos
fechados, enquanto esperava para chegarmos ao hotel. Estranhei,
pois estávamos levando mais tempo que o normal, mas, quando
olhei pela janela do carro, notei que estávamos atravessando o
Bósforo por uma de suas pontes.
— Estamos indo para o lado asiático? — inquiri.
Ele apenas assentiu, sem me olhar direito, continuando com
sua conversa por mensagens.
Meu coração disparou, porque ali, naquele lado, foi onde
nasci e vivi até os oito anos de idade. Era a Istambul de meu pai e
dos pais dele, onde ainda residiam tios e primos. Peguei meu
telefone e conferi o chat da rede social onde havia encontrado um
dos meus parentes turcos, porém não havia resposta alguma sobre
um possível encontro.
É melhor assim!
Deletei a mensagem – que provavelmente estava parada em
algum tipo de filtro – e decidi que, mesmo que tivéssemos tempo no
dia seguinte, eu não iria procurar pela família Çelik.
— Recebi a indicação de um café que serve uns aperitivos
interessantes neste lado do Bósforo — Sean voltou a falar, e eu o
encarei. — Além disso, vou me encontrar com uma pessoa para
preparar tudo para amanhã.
Franzi a testa, sem entender, porque já estava tudo pronto
para nosso retorno a Chicago.
— Houve alguma mudança nos planos?
Ele sorriu.
— Você é ansiosa, senhorita Çelik. — Encarou-me, e senti
por um momento meu corpo pegar fogo. — Mas, sim... houve uma
mudança de planos para amanhã, e, por causa dela, vamos atrasar
nossa volta por mais alguns dias.
Mais alguns dias... com ele! Meu coração disparou.
— Por quê?
Antes que ele me respondesse, o carro fez uma manobra e
entrou em uma área muito cheia de pessoas e com uma vista de
tirar o fôlego. O motorista encostou para que nós descêssemos e
avisou que iria procurar um local para nos esperar.
Desci do carro com o auxílio cavalheiresco de Sean e o segui
até um badalado local cheio de luzes e muitas mesinhas ao ar livre,
debaixo de uma varanda. A vista era impressionante, principalmente
com a iluminação belíssima do pôr do sol.
— Por favor... — Ele puxou a cadeira para que eu me
sentasse e esperou que eu estivesse acomodada antes de fazer o
mesmo, de frente para mim. — Lembra-se do senhor com quem eu
queria almoçar, mas que não estava na cidade?
— Sim, Ahmet bei.
— O próprio! — Sorriu, parecendo admirado. — Ele está na
região da Capadócia para um evento que reúne muitos empresários
e investidores do mundo todo e confirmou, um pouco mais cedo,
hoje, que pelo menos três dos maiores acionistas – e que ainda
fazem parte do conselho – da Tron também estão por lá.
— Você irá...
— Sondá-los, apenas isso. — Cumprimentou o garçom e
pediu a carta de vinhos e drinques. — Tenho informações de que
alguns dos acionistas não estão contentes com a forma com que
Abdullah vem levando a Tron, e seria interessante conhecer a
opinião deles sobre uma possível venda da empresa.
— Acha que conseguirá apoio?
Ele riu, o ar arrogante que eu já tinha visto algumas vezes –
principalmente quando se tratava de negócios – presente em sua
expressão.
— Não tenho dúvidas! Acionista quer rentabilidade, e, da
forma conservadora com que Abdullah tem gerido a empresa, eles
sabem que estão perdendo dinheiro. Não irei falar de negócios
diretamente, apenas criar uma ponte para conversas e a
apresentação de uma proposta.
Assenti.
— Quanto tempo mais iremos ficar no país?
Ele ergueu uma das sobrancelhas e me encarou curioso.
— Tem algum compromisso inadiável em Chicago, senhorita
Çelik?
Percebi o tom irônico e não baixei a cabeça com a pergunta
em resposta ao meu questionamento. Sean, por vezes, parecia
pensar que controlava a vida daqueles que trabalhavam para ele.
Infelizmente, devia ser daquele jeito mesmo.
Cruzei os braços e sustentei seu olhar.
— Tenho uma vida além do trabalho, senhor Moore.
Aquilo o surpreendeu, porque talvez esperasse que eu me
sentisse constrangida por tê-lo questionado.
— Eleja suas prioridades, senhorita Çelik. O que vai ganhar
por esses dias extras compensa qualquer compromisso pessoal
perdido.
Tive vontade de rir, porque eu queria apenas poder dar uma
data de retorno à minha mãe, mas ele pareceu entender que eu
tinha algum tipo de encontro inadiável. Era interessante que
pensasse daquela forma, e talvez ficasse decepcionado ao saber
que eu nunca havia tido encontros do tipo que pensava que eu teria.
— Dinheiro não é tudo, senhor Moore.
A risada incrédula dele me fez sentir vergonha pela
provocação por um momento. Devia parecer extremamente ridículo
aos seus ouvidos, uma pobretona falar que dinheiro não era tão
importante.
— Continue a pensar assim e, daqui a alguns anos, ainda
estará aceitando empregos aquém de sua capacidade. — Sorri, e
ele se aproximou mais, inclinando-se sobre a mesa. — Sim, Kara
Çelik, te fiz um elogio implícito, mas foque também na minha crítica.
Respirei fundo.
— Eu só preciso avisar minha mãe sobre meu retorno —
confessei. — Ela ficará preocupada se eu não der notícias e não
aparecer.
Sean ficou sério por algum tempo, apenas me encarando. Eu
não podia nem mesmo supor o que estava pensando, já que sua
expressão não denunciava nada do que se passava em sua mente.
— A senhorita ainda mora com sua mãe? — Assenti, sem
nenhum problema em admitir aquilo. — Teve que pedir permissão
para vir?
Novamente, a ironia não passou despercebida. Suspirei
irritada.
— O salário que me pagava não me permitia morar sozinha e
ajudar minha família. — O sorriso dele morreu. — Além disso,
diferentemente de você ou das pessoas que conhece, meu pai não
deixou nada quando morreu, apenas saudade e dois filhos
pequenos que minha mãe lutou muito para sustentar. — Ergui meu
queixo. — Moro com ela, com meu irmão mais novo e, sim, devo-lhe
satisfação, não só por estar debaixo de seu teto, mas também
porque não quero preocupá-la sem motivo.
Os olhos azuis dele brilhavam – ou talvez fosse a luz do
poente refletindo-se neles – de forma diferente, e um sorriso se
desenhou em sua boca linda, ressaltando o maxilar forte e o furinho
no queixo.
— É raro ver isso hoje em dia — comentou. — E não me
refiro apenas ao fato de você ainda morar com sua família, mas pela
gratidão e reconhecimento que tem por sua mãe.
— Eu a amo, senhor Moore. E não penso que todo sacrifício
que ela fez foi sua obrigação por ser minha mãe. Ela poderia ter
ficado aqui, neste país, sendo sustentada pela família de meu pai,
mas preferiu voltar aos Estados Unidos por mim e Onur.
— Para dar a vocês melhores oportunidades...
— Não só isso. — Interrompi-o. — Tenho 22 anos e, mesmo
ainda residindo na casa de minha mãe, sou uma mulher
independente e com direito a fazer escolhas. Se nós tivéssemos
ficado aqui, certamente eu já estaria casada com alguém que meus
tios escolheriam e, no máximo, trabalharia ajudando-os com o
comércio. — Olhei em volta, para toda a modernidade do lugar,
parecendo a Istambul do outro lado do Bósforo, e suspirei. — Este
aqui é um local turístico, por isso parece ser igual ao lado europeu.
Só que, se formos para onde nasci, perceberá que as mulheres
locais estão usando hijab, com roupas mais modestas, e será mais
raro encontrar uma garrafa de vinho.
— Entendi. Sua família é mais tradicional. — Concordei e
esperei que ele olhasse a carta de vinhos e de drinques. — Há boas
opções aqui. — Entregou-me. — Escolha algo libertador.
Sorri.
— Não sei escolher vinho.
— Então escolha drinques! Só não gosto de nada muito doce.
Arregalei os olhos.
— Quer que eu escolha para nós dois?
— Quero. Tome as rédeas do nosso fim de tarde.
O jeito que falou aquilo unido à história que eu tinha acabado
de lhe contar calaram fundo dentro de mim. Eu entendi o significado,
e me tocou poder fazer as escolhas para nós dois ali, naquele lugar
que tinha tantas questões para mim. Certamente era uma atitude de
Sean Moore que eu nunca esperaria e que, talvez pela surpresa, me
fez olhá-lo não apenas por seu aspecto físico – delicioso, por sinal
–, como percebê-lo como pessoa pela primeira vez.
E foi uma percepção explosiva que deixou meu coração
completamente derrubado!
11 – Sean

O voo para a Capadócia, saindo de Istambul nas primeiras


horas do dia, não demorou muito. Sempre pensei – e confirmei –
que dinheiro e contatos moviam o mundo, e naquele lugar não era
diferente.
O contato que Ahmet enviou para nos encontrar no café
naquela noite já tinha praticamente todas as coisas ajeitadas: o
plano de voo, a autorização para decolagem e pouso do meu jatinho
e o aluguel dos dias em que o avião ficaria à espera.
— O hotel estava cheio, mas Ahmet bei ficou de conseguir
uma vaga. Qualquer imprevisto, há outros na região, embora todos
os participantes da conferência estejam em um só.
Concordei, mas torci para que a influência de Ahmet fosse
suficiente para nos colocar no mesmo hotel que os acionistas da
Tron.
Eu não iria participar das palestras – mesmo porque eram
sobre turismo e o potencial econômico da Anatólia, o que ainda não
tinha nenhum interesse para mim, afinal de contas, a Tron ficava no
lado europeu de Istambul, e a finalidade que eu gostaria de dar a ela
nada tinha a ver com turismo.
A ideia era ficar no mesmo hotel com a desculpa de estar em
viagem de “férias” e encontrar-me casualmente com as pessoas
com quem eu gostaria de conversar. Não precisaria de muito
esforço para acessá-las, pois, em cada lugar que eu chegava, a
fama do meu nome e dos meus negócios falava por mim.
Kara escondeu um bocejo, sentada ao meu lado no carro que
aluguei assim que cheguei ao pequeno aeroporto de Nevşehir. O
trajeto até o hotel onde ficaríamos não era muito longo, mas, como
saímos muito cedo de Istambul, minha assistente estava caindo de
sono.
Também... Tentei conter o sorriso ao me lembrar de que, na
noite anterior, ela havia se empolgado com a escolha dos drinques e
ficado um pouco alta com a quantidade de álcool que ingerira. Foi
engraçado vê-la tão descontraída, rindo, contando histórias de sua
infância, reclamando de uma supervisora – de quem eu nunca tinha
ouvido falar – e depois se retratando, com medo de que sua fala
pudesse prejudicar a mulher.
— Eu não me envolvo na contratação e demissão de
funcionários, senhorita Çelik, pelo menos, não os que não fazem
parte da diretoria.
Ela pareceu aliviada e se abriu mais, contando de seus
colegas e – surpreendentemente – de meu assistente, Tom
Knightley. Ao que parecia, os dois se conheciam, e não somente
isso, estabeleceram um certo grau de amizade ao longo do tempo
em que tomavam café na copa da empresa.
Estranhei que Tom nunca tivesse falado nada, mas logo o
compreendi, afinal, como eu mesmo havia dito, mal conhecia os
funcionários de serviços gerais da empresa, apenas sabia que
existiam porque o prédio estava sempre limpo. Como poderia ter
percebido a existência da senhorita Çelik?
Olhei para a minha companheira de viagem. Os cabelos
estavam lisos e soltos, e ela vestia um conjunto de camisa e calça
de linho cru, além de usar os belos e confortáveis tênis que o
consultor de compras havia enviado, ainda de madrugada, quando
soube que passaríamos um tempo no interior da Turquia.
Então olhei para o seu rosto, prestando atenção a cada
detalhe de seus traços, e percebi que nunca devia tê-la visto antes
daquela noite na empresa, porque seria simplesmente impossível
não a ter notado.
Começando pelos olhos dela, grandes e em formato
amendoado, com as extremidades mais puxadinhas do que o
começo. O nariz altivo, perfeito para o rosto marcante e que fazia
uma bela complementação com seu queixo arredondado e com uma
leve marcação dividindo-o. Para finalizar, havia a boca... Senti-me
salivar por um motivo totalmente impróprio ao olhar os lábios cheios,
perfeitos e visualmente macios.
Kara me fitou de repente, como se tivesse sentido a
avaliação minuciosa que eu fazia dela, e ficamos nos encarando por
um tempo. O clima dentro do carro ficou denso, levemente
eletrificado, e eu tive novamente vontade de comprovar se os lábios
dela eram quentes e macios como imaginei que seriam.
— Já estamos chegando ao hotel — informou o motorista, em
um inglês com forte sotaque. — Vocês ainda vão conseguir ver os
balões no céu.
Kara sorriu animada, e o semblante sexy se transformou,
iluminou-se, o que ressaltou ainda mais a sua juventude. Pigarreei e
parei de olhá-la, lembrando-me de que ela havia nascido no mesmo
ano em que assumi a direção do banco Von Salis.
Dezoito anos de diferença de idade não era pouca coisa e...
Franzi a testa ao perceber o rumo dos meus pensamentos, sem
entender o motivo pelo qual eu estava contabilizando nossa idade,
afinal, não importava o mínimo que eu tivesse 40 anos e ela, apenas
22, pelo menos, não para que pudesse trabalhar comigo
temporariamente.
Trabalhar!, ressaltei para mim mesmo, fixando o pensamento
na palavra que devia servir de sinal vermelho para toda e qualquer
relação que pudesse vir a surgir – ou que eu quisesse que surgisse
– entre nós.
— Eu sempre ouvi falar dos passeios de balão na Capadócia,
mas nunca imaginei que os veria de perto.
A voz emocionada e o leve suspiro que ela deu foram a
confirmação que eu precisava para buscar, com o concierge do
hotel em que ficaríamos, informações sobre o tal passeio. Kara teria
muito tempo livre, já que eu não precisaria de uma intérprete a todo
tempo e ela só cuidaria da demanda dos meus compromissos – que
foram todos reagendados para outros dias.
O hotel onde Ahmet estava – com os demais participantes da
reunião sobre turismo – era algo de cinema. Conhecido como “Cave
Hotel”, era um cinco estrelas construído como se ainda fosse uma
casa dos trogloditas,[8] que viveram naquela região em tempos
remotos. Parecia ter sido escavado na pedra e sua arquitetura era
impressionante e combinava perfeitamente com o vale onde se
encontrava, em meio às chaminés de fadas[9]. Parecia fazer parte do
cenário natural, mas, como o uso daquelas formações rochosas foi
proibido havia algum tempo por causa de segurança, era algo
projetado pelo homem para integrar-se ao que foi construído pelo
tempo e o clima do lugar.
Fomos muito bem recepcionados e, assim que entrei no
saguão do hotel, vi uma figura conhecida e querida por mim.
— Moore! — Ahmet Öztürk, um dos homens mais
respeitados do país e que trabalhava para o governo turco havia
décadas, cumprimentou-me. — Fiquei feliz e entusiasmado em
poder ajudá-lo.
Ahmet andou comigo até a recepção e ele mesmo confirmou
minha reserva.
— O hotel está muito cheio, mas fiz uns ajustes com a
gerência e consegui liberar uma bela suíte para você. — Eu lhe
agradeci e concluí a documentação da hospedagem. — O seu
assistente, o senhor Knightley, terá que dividir o quarto com o
pessoal da organização do evento e...
— Dividir? — Parei de escrever e o encarei. — Como assim,
dividir?
Ahmet deu de ombros.
— Pedi que colocassem uma cama extra no quarto do meu
auxiliar, porque não temos mais nada disponível. — Ele olhou em
volta e percebeu a presença de Kara, mais afastada e visivelmente
deslumbrada com toda a arquitetura do hotel. — Tom Knightley não
veio?
Respirei fundo e neguei com a cabeça.
— Minha assistente... — Chamei a atenção de Kara, que se
aproximou. — Senhorita Kara Çelik.
Ahmet arregalou os olhos, e eu podia imaginar o motivo.
Estudamos juntos em Harvard e, embora ele fosse 10 anos mais
velho que eu, nos tornamos grandes amigos, a ponto de não
perdermos contato nem mesmo quando ele retornou ao seu país.
Ele sabia muito bem que eu nunca aceitava trabalhar diretamente
com uma mulher e, inclusive, conhecia o motivo pelo qual eu não o
fazia.
— Senhorita Çelik — cumprimentou Kara. — É de família
turca?
Ela sorriu para ele, e eu vi que deixou o velho Ahmet
encantado.
— Nasci aqui, mas me mudei com minha mãe para os
Estados Unidos ainda criança, quando ela retornou ao seu país de
origem.
Ele parecia cada vez mais surpreso.
— Eu não sabia que o senhor Knightley havia saído da Gaea.
— Não saiu — esclareci. — Tom sofreu um acidente e
precisou ficar hospitalizado às vésperas da reunião com Abdullah,
então, como o velho se recusava a tratar de negócios em inglês, a
senhorita Çelik veio para me auxiliar com o idioma.
— Ah... — Ahmet tentou ser discreto, mas percebi que
avaliava e aprovava a minha nova assistente. — Eu não fazia ideia
da substituição. — Encarou-me aflito. — Não sei se consigo
encaixar a senhorita Çelik em outra acomodação, a não ser que ela
não se incomode em dividir o quarto com meu auxiliar, que, posso
garantir, é um homem respeitoso e...
— De maneira alguma! — Refutei a ideia imediatamente.
— O que está acontecendo? — ela questionou baixinho.
Respirei fundo.
— O hotel está muito cheio e só há um quarto disponível —
resumi.
Kara arregalou os olhos, ficando ainda mais linda.
— Eu... posso ficar em outro hotel...
O quê?! Ela perdeu o juízo?!
— Não! — Percebi o quanto fui agressivo com aquela
pequena palavra apenas por causa da reação dos dois. — Eu...
precisarei de você aqui.
Ela suspirou, e Ahmet me olhava de um jeito estranho.
— Então como resolveremos? — indagou ele.
— Não é possível colocar a cama extra na minha suíte?
Kara voltou a me encarar surpresa, e Ahmet não estava
diferente, mas não comentou nada comigo, apenas perguntou ao
gerente do hotel se era possível aquela mudança repentina.
— Infelizmente, não cabe uma cama extra na suíte do senhor
Moore, mas há um pequeno sofá...
Merda!
— Então ficaremos os dois na minha suíte.
— Senhor Moore... — Kara tentou falar, mas eu não estava
com a mínima vontade de ter que lidar com aquilo, então apenas fiz
um gesto de cabeça para ela, que se calou.
— Cabem duas pessoas na suíte que me designou, não? —
inquiri irritado ao gerente.
— S-sim... — Ele olhou para Ahmet. — É nossa suíte
reservada para casais em lua de mel, por isso não tem cama extra.
Puta que pariu!
Ahmet tentava conter o riso, eu percebi, enquanto Kara
olhava para seus próprios pés. A situação era constrangedora, e
certamente eu nunca teria escolhido aquela opção se não fossem as
circunstâncias. Contudo, ela e eu éramos adultos e poderíamos
dividir um quarto sem nenhum tipo de envolvimento íntimo.
Caminhamos em silêncio até a suíte designada a nós dois e
esperamos o carregador colocar as malas dentro do quarto para,
então, avaliarmos a situação.
— Eu posso dormir no sofá — ofereci.
Kara riu, e sua risada me surpreendeu e ativou minha
curiosidade, porque não entendi o motivo daquela reação.
— Naquele? — Apontou para um lado do quarto.
Gemi e ri também ao ver o pequeno, enfeitado e
aparentemente desconfortável sofá.
— É melhor eu dormir lá. Pelo menos não vai ficar muito do
meu corpo para o lado de fora — ela continuou falando, segurando
o riso no processo.
Fui até o móvel e sentei-me, atestando o que havia
imaginado.
— Nem pensar! É lindo, combina perfeitamente com a
decoração do quarto, mas definitivamente não foi feito para passar a
noite.
— Então o que faremos?
Olhei para a enorme cama – muito maior do que uma king
size – ricamente adornada, parecendo um local onde certamente um
sultão se deitaria com uma ou várias concubinas de seu harém.
— Há muito espaço disponível na cama — concluí. — E, pela
quantidade de almofadas, você pode até construir uma parede entre
nós dois.
Ela riu.
— Parece o cenário de um livro, não? — Caminhou até a
janela. — Algum conto de As Mil e Uma Noites. E... uau! — Ela
abriu as cortinas e a porta e saiu para a sacada. — Venha ver isso!
Juntei-me a ela curioso e, assim que olhei para o céu, entendi
seu entusiasmo. Salpicados entre as poucas nuvens daquele dia,
havia uma quantidade absurda de balões coloridos que, pela
altitude, já deveriam estar encerrando o passeio.
Olhei em volta, um tanto frustrado por aquela não ser uma
viagem de férias, e reconheci que aquele era um local em que eu
gostaria de passar um tempo em outra oportunidade.
— É lindo demais! — Kara comentou encantada.
Olhei para ela, o sorriso em seu rosto iluminado pelos
primeiros raios da manhã, sua beleza única completando aquele
cenário idílico, e imaginei se minha próxima viagem para aquele
lugar seria tão instigante como estava sendo aquela.
Eu não pedira uma assistente, nunca desejara ter uma, na
verdade. Kara entrou na minha vida inesperadamente, e eu
suspeitei que iria detestar tê-la por perto. Mas então ela me
surpreendeu, e eu a admirei como profissional e me senti mais
relaxado em sua presença.
E, ao que parecia, o relaxamento foi tanto que eu agora
estava admirando-a em um nível mais pessoal.
Aproximei-me mais, apoiando minhas mãos no muro de
pedra que circulava a sacada, ficando ao seu lado. Ela me olhou
ainda sorrindo.
— Obrigada por essa experiência.
O agradecimento me desarmou, e eu tive que engolir em
seco algumas vezes para não demonstrar. Balancei a cabeça
apenas, como se aceitasse sua gratidão, e voltei a olhar os balões
no céu.
Controle-se, Moore! Não permita que o sangue fale mais alto
que seus princípios.
12 – Kara

Eu iria guardar cada momento como aquele para sempre em


minha memória, pois sabia que a chance de revivê-lo era remota
demais. Quando uma garota com salário baixo, que mal cobria as
despesas de sua família, iria viajar com tamanho luxo? E, ainda por
cima, recebendo!
O que tinha acontecido naquela noite no prédio da Gaea – o
café derramado e eu estar fazendo outro turno – só podia ser aquele
tipo de coincidência que muda a vida de uma pessoa.
Certamente, a minha vida estava mudando!
O senhor Moore e eu não havíamos falado sobre as
prospecções do meu trabalho depois da viagem, mas, pelo pouco
que ele já demonstrara estar satisfeito com meu desempenho como
sua assistente, eu estava esperançosa de que houvesse uma
recolocação na empresa para mim. Não com ele diretamente, pois
já havia Tom, e eu não gostaria de tomar o lugar de um amigo, mas
talvez com algum outro diretor.
Aquela simples mudança iria abrir as portas de sonhos que
eu não tinha conseguido conquistar por falta de dinheiro. Uma
universidade – mesmo que em um curso noturno – e melhores
condições para minha mãe, que poderia deixar um dos seus
empregos e, enfim, ter um pouco de descanso.
Eu não pleiteava muita coisa da vida, apenas poder estudar
para seguir crescendo profissionalmente e dar algum conforto à
mulher que se sacrificou para me criar e que ainda tinha tanto a
viver, mas não tinha tempo para coisas simples como sair com suas
amigas e paquerar um pouco.
Joanna Fuller era jovem, ainda nem tinha 50 anos, e já falava
como se tivesse passado da idade de sonhar. Minha mãe merecia
se divertir um pouco, conhecer pessoas e, quem sabe, viver um
grande amor. Entretanto, nas condições em que vivíamos, não era
possível, para ela, abrir mão da renda de um de seus empregos.
Precisávamos de cada dólar que entrava.
Todavia, se eu fosse promovida... Suspirei, ainda olhando
para o céu onde, mais cedo, dezenas – quiçá centenas – de balões
coloridos pontilhavam o azul. Respirei fundo, buscando o perfume
marcante de meu chefe, mas já havia se dissipado com o vento
depois de tantas horas.
Apenas a sua presença em minha mente era que não sumia,
e, a cada pensamento que eu tinha, voltava a pensar nele e nos
dias que estávamos passando juntos.
Virei-me e olhei para o interior da luxuosa suíte que
estávamos dividindo. Tudo aquilo parecia um sonho, um filme
romântico e clichê em que duas pessoas precisavam compartilhar o
quarto por não haver mais disponíveis.
Ri ao pensar nisso, porque sempre havia amado esse tipo de
filme!
É claro que nenhuma produção à qual eu tivesse assistido
possuía aquela suntuosidade toda. Geralmente, o perrengue era
menos chique do que aquele que eu estava vivendo com Sean
Moore.
Entrei no cômodo e passei a mão nas paredes, que pareciam
ter sido esculpidas em rocha, mas, na verdade, aquela era somente
uma técnica de revestimento que utilizaram para dar a sensação
das cavernas da Capadócia. O chão de madeira, completamente
coberto por tapetes, aumentava a suntuosidade e trazia aconchego
ao quarto.
A cama, imensa e central, dominava a suíte. Ao seu lado,
havia duas mesinhas de cabeceira de madeira maciça com um
abajur em cima de cada. Em um dos cantos tinha uma escrivaninha
linda e, na pequena sala de estar, o sofá de dois lugares mais lindo
que eu já havia visto e outra mesinha – redonda –, com arranjo floral
e um bloco de notas.
As portas e janelas do hotel seguiam um estilo clássico
árabe, com curvas na parte superior formando arcos. Entrei no
banheiro, todo de mármore, com boxe com chuveiro duplo e
lavatórios duplos. A parte do vaso sanitário ficava reservada em um
pequeno cômodo.
Passei a mão nos roupões felpudos e calcei um dos pares de
chinelos de veludo disponíveis, retornando ao quarto para continuar
a exploração. Abri os armários, ainda vazios – eu não sabia se
esperava a camareira chegar para arrumar nossas roupas ou se eu
mesma devia arrumá-las –, e as outras portas, como as da varanda.
Segurei o fôlego, deslumbrada.
Era uma varanda também, com vista para uma área mais
deserta da cidade, um longínquo vale de chaminés de fadas. Nela
havia uma jacuzzi dupla e uma mesinha redonda para refeições, e
me imaginei tomando o café da manhã ali, vendo o sol nascendo ao
longe, iluminando aquelas formações rochosas impressionantes.
— Senhorita Çelik? — ouvi a voz de Sean me chamando.
Ele havia descido para conversar em particular com Ahmet
bei, e eu fiquei no quarto com a orientação para que descansasse,
porém permaneci na varanda, pensando na vida e no futuro.
— Estou aqui! — respondi, e ele apareceu.
— Puta que pariu! — Soltou a exclamação, e não consegui
não rir. — É uma vista impressionante.
Concordei.
— Eu tinha achado a suíte pequena em comparação àquela
em que estávamos em Istambul, mas agora entendi que eles
focaram em outras coisas. — Apontei a jacuzzi.
— Sim, são suítes com finalidades diferentes — explicou
enquanto se aproximava. — A em que estávamos antes era para
uma família ou um grupo grande, e esta é para um casal —
pigarreou — em lua de mel.
Ri, porque, sempre que aquele assunto era mencionado, eu
sentia que ele ficava desconfortável.
— Creio que serve para casais em qualquer ocasião, não só
em lua de mel.
— Sim, mas certamente para... — encarou-me — sexo.
Dessa vez, fui eu que fiquei sem jeito e acabei me
engasgando com minha própria saliva, tossindo a ponto de não
conseguir falar. Sean sorriu, sabendo que minha reação foi em
relação ao seu esclarecimento. Minha imaginação voou para um
lugar ao qual não deveria ir, para uma situação que não deveria
acontecer, mas que se projetou em minha mente como um filme.
Nós dois usufruindo daquele lugar como deveria ser.
Senti o rosto ficar vermelho e não entendi o que estava
acontecendo comigo, afinal, nunca havia experimentado nada
semelhante. A atração que eu sentia por meu chefe era totalmente
inconveniente e inoportuna, além de ser unilateral. Se ele soubesse
o que eu havia imaginado – o que havia desejado –, certamente me
demitiria.
— Acho melhor... — clareei a garganta — eu entrar e arrumar
nossas coisas, porque...
— Não precisa. — Interrompeu-me. — A camareira já vem.
Vim buscá-la para comer algo, já que tomamos nosso café da
manhã de madrugada, em Istambul.
Assenti.
— Eu deveria ter me trocado, mas fiquei distraída com a vista
e com a suíte.
— Quer que eu a espere se trocar?
Arregalei os olhos, pensando que ele estaria no quarto
enquanto eu tomasse meu banho, e neguei veementemente. Aquela
situação era muito diferente da que tínhamos vivido em Istambul,
afinal, nossa acomodação no Villazza contava com duas suítes
integradas por salas, então eu usava meu próprio banheiro,
enquanto ele usava o dele; nesse hotel, no entanto, precisaríamos
compartilhar tudo... inclusive a cama.
Acompanhei-o para a área externa do hotel e fiquei cada vez
mais encantada com o que via. Entramos em um enorme terraço, na
altura do segundo andar, com uma piscina belíssima, muitas mesas
e cadeiras e a vista maravilhosa que tínhamos da nossa varanda
pequena.
— Pedi que nos servissem um brunch completo. — Sentou-
se. — Se tivéssemos vindo direto para cá quando chegamos,
poderíamos ter tomado o desjejum assistindo aos balões no ar.
Sorri, adorando a ideia.
— Podemos tentar amanhã.
Ele suspirou.
— Infelizmente, amanhã tenho uma reunião na hora do café.
— Franzi a testa, porque não sabia daquele compromisso. — Ahmet
acabou de agendar para mim.
— Com os acionistas? — inquiri baixinho.
— Não, embora eles estarão presentes. Amanhã vou me
encontrar com um grupo de empresários e amigos de Ahmet que
estão aqui. Vai ser mais um encontro social do que uma reunião de
negócios.
— Entendi. Não vai ser aqui? — Apontei o terraço.
— Não, vai ser na área interna do hotel. — Ele sorriu quando
um garçom se aproximou com uma enorme bandeja e foi montando
nossa mesa com frutas frescas e secas, pães, pastas e um
fumegante e belíssimo bule com chá. — Mas você pode ficar aqui e
ver os balões se quiser. Não irei precisar do seu auxílio, todos falam
inglês e, como não é uma reunião formal, não há necessidade de
levar assistente.
Sorri, mas me senti deixada de lado. Eu imaginei que ele iria
precisar de mim o tempo todo, assim como havia acontecido em
Istambul.
— Vou conversar com Holly e adiantar algumas coisas dos
seus compromissos...
— Senhorita Çelik, por que não aproveita o lugar um pouco?
Falei com o concierge, e tem um grupo de turismo que sai do hotel
todos os dias para visitar os mosteiros, igrejas e as cidades
subterrâneas que têm por aqui.
Voltei a me sentir mais animada, porque não imaginei que
teríamos tempo para fazer turismo e, mesmo sem ele, eu estaria em
um grupo, então não me sentiria só.
— Obrigada pela sugestão. Vou aceitar!
— Fico feliz em saber. — Pegou sua xícara de chá, mas fez
careta quando o tomou. — Vou pedir café também!
Ri.
— Não o vi beber chá em nenhum dia desde que chegamos.
Dê uma chance!
Ele negou.
— Dei todas as chances possíveis na minha infância, quando
minha mãe me obrigava a tomar por conta de propriedades
medicinais que sempre desconfiei serem mais placebos do que
eficazes.
— O senhor é cético!
Piscou.
— Cético e ateu. — Arregalei os olhos ao ouvir aquela
confissão. — Eu acredito no trabalho, na dedicação e nas pessoas.
Só!
— Não é possível! Não é esquisito não ter a quem recorrer
quando as coisas ficam difíceis e nem a quem agradecer quando
ficam boas?
— Não — respondeu calmamente, porém com um leve
sorriso. — Minha mãe tenta me convencer há anos sobre a
existência de algo maior, mas ainda não encontrei fundamentos
suficientes para aceitar seus argumentos.
— Acho uma existência triste... — falei sem pensar e me
senti sem jeito, afinal, ele não pedira minha opinião, apenas contara
um fato. — Perdoe-me. Eu não deveria achar nada.
Sean deu de ombros.
— Todos temos opiniões a respeito dos outros. Não se
preocupe por externar, mas não tente impor uma verdade que é sua
a outra pessoa. Eu não me incomodo de me acharem estranho ou
triste, apenas quando tentam fazer com que eu aceite algo que não
consigo aceitar.
— Eu não faria isso. — Olhei para meu prato e senti certa
melancolia. — A família de meu pai queria que minha mãe se
convertesse à religião deles. Ela se adequou aos princípios
enquanto morava aqui, mas nunca deixou sua fé. Isso não deveria
ser imposto a ninguém, é algo que tem que vir do coração, senão é
vazio.
— Nisso concordamos, senhorita Çelik. — Ele fez um gesto
para o garçom. — Tudo o que acontece naturalmente tem grandes
chances de dar certo. — O jeito que ele me olhou deixou meu corpo
alerta. — Veja só nós dois. Eu não estava procurando um novo
assistente – e certamente não uma mulher –, e agora admito que
tem sido positivamente surpreendente tê-la trabalhando comigo.
Meu coração disparou e não consegui conter um suspiro de
satisfação. Devia ser apenas isso, orgulho de mim mesma por ter
feito bem o trabalho para o qual ele havia me contratado, porém me
alegrou saber que Sean gostava da minha companhia e não se
arrependia de ter me trazido consigo.
Kara, controle seu coração inexperiente! Um alerta soou na
minha mente, mas eu achava que era tarde demais. Gostei das
palavras dele não apenas por causa do trabalho e comecei a
desejar que ele também gostasse de estar comigo, assim como eu
vinha adorando a sua companhia.
— Sempre lhe serei grata por essa oportunidade.
— Também lhe sou grato por isso, senhorita Çelik. Eu gosto
quando consigo encontrar alguém jovem e responsável, com sede
de aprender e crescer. Continue assim.
O tom paternal não me passou despercebido, e me senti um
tanto boba por pensar que um homem com a vivência dele – e não
apenas relacionada aos seus anos a mais – pudesse notar e se
atrair por uma mulher como eu.
Devia ser simplória demais perto das outras mulheres que ele
conhecia, além de pertencer a uma classe social imensamente
distante da sua. Era 18 anos mais nova e totalmente inexperiente...
Bom, ele não tinha como saber disso, mas eu, sim, e era um ponto
que devia levar em consideração também.
Esquece essas fantasias com o homem!

Depois do café da manhã tardio, retornei à suíte sozinha, pois


Sean tinha dito que precisava acertar umas coisas, e pude tomar um
longo banho e trocar finalmente a roupa com a qual tinha viajado.
A camareira realmente arrumara tudo no lugar, porém, eu não
soube por quê, tomei um susto quando abri o armário e vi as roupas
e acessórios de Sean juntos aos meus pertences.
Novamente fui invadida por uma vontade que eu nem devia
imaginar ter e rapidamente a refutei, escolhendo um vestido leve,
que ia até as canelas, com um casaquinho e um par de sapatos
lindos e confortáveis que havia chegado com o par de tênis no meio
da madrugada.
Penteei meus cabelos e decidi novamente deixá-los secar ao
natural. Passei protetor solar e fiz uma leve maquiagem, apenas
para passar o restante do dia no hotel e almoçar mais tarde.
Estava quase terminando de me arrumar quando ouvi batidas
à porta. Já estava pronta para perguntar quem era quando Sean se
anunciou:
— Posso entrar?
Ri e entendi que ele estava tentando evitar qualquer situação
constrangedora.
— Pode! — Esperei que ele ingressasse na suíte para
esclarecer: — Vou sempre trocar de roupa ou fazer qualquer coisa
íntima no banheiro, então não precisa se anunciar toda vez que
quiser entrar.
— Obrigado. Vou me lembrar disso. — Ele olhou em volta. —
A camareira já veio? — Assenti. — Bom, espero que tenha levado
as peças que pedi para passar. — Observei-o pegar roupas no
armário. — Vou tomar um banho. Falei com o pessoal do hotel e
marquei alguns passeios para você. Prefere ir hoje ou amanhã?
Tentei não ficar toda derretida por ele ter pensado em mim.
— Amanhã. Hoje vou ficar por aqui, explorar perto do hotel e
descansar um pouco.
— Boa escolha! — Sorriu. — Eu vou participar do almoço
com todo o grupo que está na convenção e fui convidado a assistir
às palestras da tarde. Não tive como recusar o convite. — Fez uma
careta.
Ri.
— É bom te verem integrado às atividades daqui, senão
desconfiariam que está à caça de alguém.
Ele ficou me olhando e suspirou.
— Deixei informações aqui e ali de que minha viagem para cá
era recreativa e... bem, como você e eu estamos neste quarto... —
Arregalei os olhos quando entendi o que quis insinuar. — Realmente
não tenho qualquer intenção de participar, esses dias todos, de
palestras sobre o turismo, então esse foi o melhor jeito de justificar
minha estada aqui.
— Entendi... Então eles não sabem que sou sua assistente?
Sean negou.
— Apenas Ahmet e o gerente do hotel, mas não precisamos
nos preocupar nem com um nem com o outro. Ahmet é meu amigo
há anos, e o gerente é amigo dos meus euros. — Gargalhou
cinicamente. — Bom, vou me preparar para o sacrifício de hoje.
Vejo-a mais tarde.
Fiquei estática, imaginando que ele havia feito as pessoas
pensaram que éramos um tipo de casal... amantes... certamente
com algum tipo de ligação íntima.
Eu não sabia como lidar com aquilo e, muito menos, como
agir quando estivéssemos juntos perto das pessoas que iríamos
conhecer. Além do mais, o que aquela situação mudava entre nós?
Eu teria que fingir ser sua namorada ou algo assim?
Ele me beijaria?
Meu Deus, não sei beijar nem de mentirinha!
13 – Sean

— Não — respondi a Felippe Santoro. — Estou em uma


espécie de viagem de lazer pela Turquia.
— Hum... — O espanhol sorriu interessado. — Eu o vi no
terraço com uma bela jovem que, pela aparência, deve ser alguma
modelo turca ou árabe.
Ergui a sobrancelha quando ele falou de Kara e não gostei do
tom que ouvi em sua voz. Eu conhecia bem aquele homem para
saber que tinha bom faro, não só para os negócios, como também
para mulheres.
— É... Ela nasceu aqui na Turquia, mas fazia anos que não
visitava seu país, então viemos juntos.
Está fazendo merda, Moore!, minha consciência gritou.
— Então não terá tempo de participar dos debates e
palestras conosco.
— Temo que não, embora hoje eu tenha aceitado o convite
da organização, porque minha... companhia deseja passar o dia
descansando.
Santoro sorriu malicioso.
— Ela faz bem. A noite aqui em Göreme é bem animada em
alguns bares e restaurantes.
— Sim, eu soube.
Dei uma desculpa qualquer e fui para a suíte onde estava
hospedado. Tinha ficado mais do que o necessário nas áreas
comuns do hotel – o que ocasionou o chato encontro com Santoro –
para dar tempo e privacidade à Kara.
Quase entrei sem bater, então respirei fundo e me anunciei
para não correr o risco de encontrá-la de toalha ou – pior – nua.
Meu corpo respondeu imediatamente ao pensamento e eu
me lembrei da fantasiosa desculpa que dei a Santoro – um
irremediável fofoqueiro – para minha viagem até a Capadócia. Era
justo que eu contasse à Kara que imaginavam que nós nos
relacionávamos de maneira íntima, e não profissional.
Quando ela respondeu que eu podia entrar, eu não estava
preparado para o que veria. Fiquei alguns segundos sem raciocinar
direito, olhando aquela mulher cheirosa, refrescada, com os cabelos
lavados e uma roupa casual, mas muito elegante. E a ideia de que
poderia ser verdade, que poderíamos ter algo além do profissional,
começou a se insinuar na minha cabeça com mais força.
Não, porra! Eu não faço isso! Ordenei-me a lembrar-me de
meu pai e do quanto eu abominava o jeito com que ele conduzia as
coisas.
Trocamos uma conversa amena sobre nossos dias e escolhi
informar-lhe sobre o que eu tinha feito antes que ela fosse tomada
de surpresa por alguém.
— Deixei informações aqui e ali de que minha viagem para cá
era recreativa e... bem, como você e eu estamos neste quarto... —
Ela ficou apavorada quando entendeu as implicações do que eu
havia feito. — Realmente não tenho qualquer intenção de participar,
esses dias todos, de palestras sobre o turismo, então esse foi o
melhor jeito de justificar minha estada aqui.
— Entendi... — Kara parecia perdida, chocada. — Então eles
não sabem que sou sua assistente?
Neguei.
— Apenas Ahmet e o gerente do hotel, mas não precisamos
nos preocupar nem com um nem com o outro. Ahmet é meu amigo
há anos, e o gerente é amigo dos meus euros. — Tentei fazer uma
piada, mas ela não riu, nem mesmo sorriu, e aquilo me deixou sem
jeito, sem saber o que fazer ou como agir. Decidi, então, pela
escolha óbvia: fugir. — Bom, vou me preparar para o sacrifício de
hoje. Vejo-a mais tarde.
Fiquei um bom tempo dentro do banheiro, tentando entender
o porquê de estar agindo daquela forma. Eu não era um homem
fraco, nunca havia me deixado levar por atração, curiosidade ou
qualquer coisa que não fosse um objetivo claro e um negócio
lucrativo.
Kara Çelik não era nada disso, pelo contrário, ela significava
problema, era uma funcionária, de família pobre, sem o requinte
social ou as conexões que eu achava primordiais. Envolver-me com
ela, ainda que casualmente, era assinar uma confissão de que,
mesmo tentando ser diferente, eu era igual ao meu pai.
Além, é claro, de correr o risco de ser processado e ter meu
nome envolvido em algum escândalo, o que eu não desejava de
maneira alguma.
Debaixo da água potente do chuveiro, tentei colocar minha
cabeça no lugar e até pensei que estava sendo bem-sucedido.
Contudo, ao sair, percebi os itens pessoais de Kara na bancada de
um dos lavatórios. Escova de dentes, de cabelos, hidratantes,
perfume... Peguei o frasco e vi que era um dos mais baratos
daquela marca, mas que, ainda assim, nela parecia ser uma
fragrância especial.
Olhei para mim mesmo no espelho, ainda úmido do banho,
mexendo nas coisas de uma mulher que estava do outro lado da
porta de madeira que delimitava a área do quarto e a do banheiro,
mas que parecia estar a léguas de distância de mim, por vários
motivos.
Terminei de me secar, coloquei uma roupa mais formal por
causa da maldita convenção e saí descalço do banheiro, com os
cabelos ainda úmidos e despenteados.
Não a vi no quarto, mas sabia, por seu perfume, que ainda
estava por perto. Saí para a varanda menor e a encontrei admirando
a paisagem. Os cabelos estavam soltos, secando ao vento,
espalhando o cheiro bom de seu xampu.
— Eu sei que não foi o que combinamos, por isso posso
pensar em um valor adicional para...
— Valor adicional? — Ela me encarou. — O que eu teria que
fazer por causa dele?
Engoli em seco, porque – pasmem – uma possibilidade
indecente me passou pela cabeça. Seria mais seguro se
acontecesse em um acordo de negócios, com cláusulas e...
Balancei minha cabeça, lembrando-me de que Kara não era uma
profissional do sexo e certamente se ofenderia se eu tentasse algo
do tipo.
— Nada, senhorita Çelik. Seria apenas pelo inconveniente da
fofoca.
Ela deu de ombros.
— Não me incomodo com isso. Nunca mais verei essas
pessoas novamente. Além do mais, eu basicamente estou aqui a
passeio e quase não tenho trabalho a fazer, então vou aproveitar a
viagem.
— Estamos quites, então? — inquiri curioso, porque ela
poderia lucrar muito mais se me deixasse acrescentar um valor
extra por aquela mentira.
— Estamos, senhor Moore, não se preocupe. — Sorriu, mas
depois respirou fundo. — Eu só gostaria de saber o que o senhor
espera que eu faça esses dias. — Não entendi a pergunta, e ela a
reformulou: — Como devo me comportar quando estivermos juntos.
— Ah... Isso! — Tentei soar leve e despreocupado, mas a
verdade é que eu não estava me reconhecendo, e isso me
assustava, porque estava tendo uns pensamentos absurdos sobre
poder abraçá-la e beijá-la com a desculpa da mentira. — Sou um
homem discreto, senhorita Çelik. Seja apenas você mesma. Não
precisamos fazer nada além de sermos duas pessoas que apreciam
a companhia uma da outra.
— Está certo.
— Mais alguma dúvida? — Senti que ela ia dizer algo, mas
então negou e voltou a prestar atenção na vista. — Espero que
tenha um bom resto de dia.
— Obrigada. O senhor também.
Gargalhei e olhei-a ali, sozinha, sentindo uma vontade
enorme de mandar tudo para o caralho e permanecer com ela.
Moore!

Já havia anoitecido quando finalmente saí do salão nobre


onde estava acontecendo a convenção, que, ao final das contas,
não foi de todo ruim. O organizador fez questão de evidenciar minha
presença e me convidou para uma palavra, contudo dispensei,
alegando que estava ali apenas para ouvir, afinal, estava de férias.
Houve uma pequena comoção entre os presentes e, ao final,
tive que aguentar um grupo que queria marcar reuniões e alguns
que queriam, ali mesmo, discutir sobre negócios e investimentos.
— Pessoal, Moore está de férias. — Ahmet foi ao meu
socorro. — Além do mais, ele já deixou sua companhia sozinha por
tempo demais. Vamos respeitar os momentos de lazer do homem!
E foi graças àquela intervenção que eu saí ileso, sem firmar
nenhum tipo de compromisso de atender ou conhecer propostas dos
participantes.
— Nosso grupo para o café da manhã está todo confirmado
— ele me informou enquanto esperávamos o elevador —, inclusive
todos os acionistas da Tron que estão aqui.
— Você é foda! — elogiei-o.
— Bom, eu não sabia que iriam te anunciar daquele jeito.
Sinto muito por isso, mas, de certa forma, ajudou, assim como a
história que você contou para o Santoro. Ao final das contas, foi
melhor ter vindo com uma assistente do que com o velho Tom.
Gargalhei, porque meu assistente estava longe de ser um
velho, embora trabalhasse comigo há mais de dez anos.
— Espero que sim!
Despedi-me dele, que seguiria para mais um compromisso, e
fui para a suíte. Tinha pegado algumas dicas para jantar e, quem
sabe, beber um pouco antes de encerrar a noite, porém, quando
entrei no quarto, percebi não só o ambiente na semipenumbra como
a silhueta de Kara sob as cobertas em um dos cantos da cama.
Suspirei, vendo os planos para jantar com ela irem por água
abaixo e decidi tomar umas doses de uísque no bar do hotel, antes
de me deitar. Mas me lembrei a tempo de que deveria estar
acompanhado e pedi que me trouxessem uma garrafa ao quarto – já
que as que estavam disponíveis no barzinho não me agradavam.
Fiquei bebendo na varanda maior, admirando o lindo céu estrelado.
Desliguei o telefone e, pela primeira vez em muito tempo,
senti um certo tipo de paz. Não sei bem por quanto tempo fiquei
nesse estado contemplativo, mas, quando voltei a entrar, mais da
metade da garrafa de uísque havia sido consumida.
Eu não usava pijama para dormir, geralmente dormia nu ou,
no máximo, de cuecas, então tive que improvisar e pegar a roupa
mais confortável que tinha para tentar não ofender a sensibilidade
da minha companheira de quarto.
Foi um inferno dormir vestido, mas, depois de alguns
minutos, o cansaço bateu e o álcool fez o efeito que eu buscava,
levando-me à terra onde não havia bancos a gerir nem empresas
para consolidar.
Ao longo da noite, fui ficando mais confortável e gozei de um
sono reparador, até de repente começar a sentir muito calor e uma
pressão estranha no meu peito. Tentei me livrar do que quer que
estivesse me prendendo e, em um estado de semiconsciência,
achei que minha roupa havia embolado em mim e que estava
tentando me matar.
Abri os olhos assustado e fui saudado pela luz do sol a
banhar o cômodo com seu forte brilho dourado. Senti o delicioso
perfume de Kara, o cheiro do xampu dela, e notei os cachos dos
seus cabelos espalhados por meu peito e alguns fios presos à
minha barba crescida.
Imediatamente despertei – todo o meu corpo despertou – ao
perceber que, em algum momento, ela havia rolado pela cama e
acabado grudada em mim. Sua cabeça descansava no meu peito, e
uma de suas pernas estava sobre meus quadris, perigosamente
perto de uma parte minha que latejava, quente, anunciando suas
intenções.
Puta que pariu!
Meus dedos correram involuntariamente pela curva da sua
cintura, e a sensação da seda quente do pijama que ela vestia me
deixou ainda mais excitado. Imaginei como seria tirar o tecido de
cima da sua pele, sentir a textura, a maciez... Travei quando percebi
o que estava fazendo, a mão perto dos quadris, já na bainha da
camisa da roupa de dormir, pronto para pôr em prática os
pensamentos que eu não deveria ter tido.
Ia tirar a mão, mas Kara se moveu mais rápido e levantou a
cabeça, encarando-me sonolenta e um tanto perdida. Fiquei parado,
olhando-a de volta, temendo o que pudesse fazer se eu me
movimentasse e ela acordasse de vez, no susto.
Demorou algum tempo para que ela se desse conta de onde
estava, de como estava e em cima de quem estava, e seu
constrangimento foi palpável, além de visível.
— Oh, meu Deus! — Ela se afastou assustada, sentando-se
na cama.
Ainda parecia perdida, olhando em volta, fazendo o
reconhecimento do quarto. Olhou-me de soslaio duas vezes,
parecendo querer conferir se eu estava mesmo ali.
Segurei o riso e fiquei deitado, esperando que dissesse algo.
— Desculpe-me por... — Balançou as mãos e foi se
arrastando para a beirada da cama. — Não imaginei que eu fosse...
— Tudo bem! — Dei de ombros como se não fosse nada de
mais.
Mas foi, e eu ainda estava sofrendo os efeitos do corpo dela
colado no meu.
— Eu estava muito cansada ontem, achei que só ia cochilar
um pouco, mas... — Suspirou e se levantou. — Prometo que essa
noite vou tentar me manter no meu canto da cama.
Ri, sem conseguir conter-me.
— Talvez fosse o caso de usarmos a barreira de travesseiros
— sugeri, brincando, mas ela ficou séria, e eu percebi que o
constrangimento havia voltado.
Cala a boca, Moore!
— É... Não vou esquecer de fazer...
Aprumei meu corpo na cama, ainda mantendo-me coberto,
porque meu pau simplesmente ainda não tinha voltado ao normal, e
tentei usar a entonação de voz mais tranquila que eu pudesse.
— Senhorita Çelik, está tudo bem, não foi nada de mais!
Relaxe!
O suspiro longo apenas confirmou a impressão que tive de
que minha fala a havia deixado tensa. Respirei fundo, levantei-me
da cama – com a roupa toda amarrotada – e decidi deixá-la um
pouco sozinha para que pudesse ter privacidade.
— Você não tem um compromisso agora, no desjejum? — ela
me lembrou, e eu concordei, indo conferir as horas, estranhando
não ter lembrado.
Eu mantinha o trabalho como prioridade na minha vida e, por
isso mesmo, nunca relaxava a ponto de esquecer uma reunião.
Felizmente, não estava atrasado, mas não tinha tempo a perder.
— Não se importa se eu tomar banho e me preparar
primeiro? — inquiri.
Ela negou.
— Eu não tenho compromisso, tenho tempo. Precisa que eu
o ajude em alguma coisa?
Lembrei-me, então, da roupa que eu havia pedido para ser
lavada e passada.
— Pode ver com o serviço do hotel se minha roupa já está
pronta?
— Claro! Estou aqui para isso!
Fiquei parado, olhando para Kara – que já tinha pegado o
telefone e entrado em contato com a recepção do hotel –, sem
entender por que o que ela disse havia me incomodado.
Sim, ela está aqui temporariamente como minha assistente!,
raciocinei comigo mesmo, temendo estar começando a acreditar na
mentirinha que eu havia criado para justificar nossa presença
naquele lugar.
14 – Kara

Respirei melhor quando Sean entrou no banheiro a fim de se


arrumar para a reunião que tinha marcado para o desjejum.
Eu não entendia como havia rolado toda a distância daquela
cama enorme e parado praticamente sobre ele, mas, ainda que
tivesse acontecido de maneira involuntária, parecia que meu corpo
sabia.
Sonhei com o seu toque na minha pele. Sonhei com seu
perfume. Sonhei que ele se aproximava de mim para cheirar meus
cabelos e que seu coração disparava do mesmo jeito que o meu.
Desejo! Finalmente estava acontecendo comigo o que ouvia várias
amigas descrevendo ao longo dos anos.
Teve uma época em que achei, sinceramente, que era
assexuada e até fiz pesquisas na internet sobre o assunto. Não é
que eu não me interessasse ou não reparasse nos meninos; só não
sentia vontade de me aproximar deles fisicamente.
Era estranho explicar aquilo, e a única pessoa que me
compreendia e me dava todo o apoio que eu precisava era Rosalia,
minha melhor amiga. Foram anos questionando-me sobre como me
sentia, sobre minha sexualidade e, por fim, sobre a falta dela.
Minha mãe achava normal e dizia que o único homem por
quem ela sentira atração física havia sido meu pai e que, quando eu
conhecesse alguém que mexesse inteiramente comigo – e não só
com meus hormônios –, iria sentir desejo por aquela pessoa.
Será que isto finalmente aconteceu? Olhei para a porta do
banheiro e gemi. Mas tinha que ser justamente com meu chefe?
Estarmos dividindo o mesmo quarto era suficientemente
íntimo, ainda mais com aquela atração tão inoportuna que eu sentia
por ele. Seria necessário um autocontrole enorme para que eu não
demonstrasse o quanto ele mexia comigo, principalmente porque eu
sabia que ele nunca contratava mulheres.
Eu não podia fazer nada que não só prejudicasse meu
trabalho como também desse razão àquela besteira dele de não
contratar mulheres para trabalhar diretamente consigo.
Sean era bonito, charmoso, gostoso e rico... Sim, ele era isso
tudo! Assim como era arrogante, prepotente, esnobe e um tanto
misógino. Cabia a mim provar a ele que não era tão irresistível
quanto se imaginava ser.
Que Deus me ajude!, pensei assim que o vi sair do banheiro
usando apenas o roupão do hotel – que, mesmo sendo grande,
ficava justo e curto nele. Olhei para as coxas fortes, tendo certeza
de que, em algum momento do dia, aquele homem fazia exercícios
pesados.
Estava tão absorvida naquela contemplação imprópria que,
quando bateram à porta, pulei de susto na cama e ganhei um olhar
questionador do gostoso... quer dizer, do meu chefe.
— Deve ser da lavanderia! — Corri para atender e pegar a
roupa dele.
Estava tão nervosa ainda por meu comportamento lascivo de
comê-lo com os olhos que não me lembrei de pegar dinheiro para a
gorjeta, então ele se aproximou de mim na porta e sorriu para a
senhora, entregando-lhe alguns dólares.
Respirei fundo e meu coração disparou com o cheiro do seu
perfume.
— Senhorita Çelik?
Pisquei algumas vezes e o encarei.
Ele sorriu.
O. Filho. Da. Puta. Sorriu!
Fiquei ali, parada, presa ao sorriso lindo daquele homem
lindo, ainda úmido por causa do banho, com os cabelos molhados e
achando uma graça que um cachinho caía sobre sua testa...
— Senhorita Çelik?
Balancei a cabeça, saindo do transe.
— Oi!
Ele apontou para o meu peito, e, franzindo a testa, olhei para
baixo.
— Ah... — A roupa que a funcionária do hotel havia
entregado ainda estava comigo, agarrada e abraçada contra meu
busto. — Desculpe.
Entreguei-lhe as peças – que por sorte não amassaram – e
desviei os olhos, temendo ficar enfeitiçada por aquela beleza
máscula, com os olhos azuis mais impressionantes que eu já havia
visto e o sorriso de um homem que tinha segurança de que era
bonito.
— Acho que você está precisando de um café bem forte! —
ele comentou, enquanto separava o que ia vestir. — Não vou mais
usar o banheiro, então...
Nem esperei que terminasse de falar e saí correndo,
buscando refúgio em um local seguro e colocando uma porta de
madeira bem sólida entre nós.
O que estava acontecendo comigo? Qual a razão daquelas
reações tão absurdas? Talvez eu precisasse de conselhos e tivesse
que fazer uma ligação longa para Chicago a fim de perguntar à
Rosalia o que eu poderia fazer para aquilo parar.
Estava inconveniente demais, e a qualquer momento ele iria
perceber e eu seria demitida, além de ter minha dignidade
seriamente abalada.
Quando terminei minha higiene matinal, Sean já não estava
no quarto. Senti um alívio e, ao mesmo tempo, um vazio por saber
que iria passar um dia inteiro sem sua presença. Olhei pela janela e
percebi que os balões já estavam todos baixos, prontos para
terminar mais um dia de passeio.
Suspirei, conformando-me de que não teria voo de balão para
mim naquela viagem. Tinha falado com o guia turístico do hotel no
dia anterior, e ele havia me dito que não havia vagas nos grupos e
que todos já haviam agendado previamente, com meses de
antecedência.
— É que nem todo dia é possível voar, apenas quando as
condições do clima estão totalmente favoráveis. Os balões saem
com no mínimo 16 pessoas na cesta, e a maioria já está lotada.
Agradeci a ele e marquei um passeio para o dia seguinte no
horário do almoço. Iríamos para a vila de Göreme conhecer as
lojinhas e depois aos sítios históricos. Eu teria a tarde toda ocupada,
enquanto Sean faria o que tinha vindo fazer ali que não precisava da
minha ajuda.
Andei pelo quarto e notei o roupão que ele havia usado após
o banho em cima da cadeira da pequena escrivaninha. Estranhei a
peça ali, porque, naqueles dias de convivência, eu já havia notado
que meu chefe era metódico e mantinha tudo em perfeita ordem.
Então me lembrei de que, quando ele se vestira, eu estava no
banheiro, por isso não voltara a pendurar o roupão.
Peguei a peça e, impulsionada por aquela nova Kara que
estava nascendo em mim, aspirei o perfume dele que tinha ficado
no tecido. Meu corpo reagiu e, pela primeira vez, experimentei a
sensação de excitação sexual. As batidas do meu coração se
tornaram frenéticas, minha pele ficou quente e um desespero se
abateu sobre mim de uma forma que eu não sabia explicar.
Fiquei sem fôlego, sem chão, parecia procurar por algo que
desse alívio para aquela sensação aterradora e, ao mesmo tempo,
surpreendentemente boa.
Levei o roupão de volta ao banheiro correndo e o pendurei ao
lado do outro – que era para mim –, afastando-me dele como se
possuísse algum tipo de encanto que estava mexendo com minha
razão.
Preciso conversar com Rosalia! Tomei a decisão instantes
antes de pegar o telefone e fazer uma ligação de vídeo para minha
amiga.
— Ah, lembrou que eu existo?! — ela atendeu fingindo estar
brava, mas com um enorme sorriso desenhando-se em seus lábios
pintados de vermelho. — Quase tive um treco quando sua mãe me
avisou que você não ia voltar na data combinada. — Percebi que ela
andou para longe e entrou em um lugar mais silencioso do que
aquele em que estava antes. — Pronto, me conta tudo!
Ri nervosa, sem saber como começar a falar.
— Não estou te atrapalhando? — questionei, ouvindo um
som alto distante.
— Nada! Estou em uma casa noturna com uns amigos, mas
aqui, dentro do banheiro, consigo te ouvir bem. Que horas são aí?
— Ainda é de manhã. Desculpa te ligar tão tarde, Rosa, mas
preciso muito falar contigo.
Ela ficou séria.
— Aconteceu alguma coisa? — O tom preocupado aqueceu
meu coração. — Kara, é por isso que não voltou?
— Não... não aconteceu nada de mais. A viagem foi
estendida alguns dias porque acabamos vindo para a Capadócia e...
— Mentira! — O sorriso enorme voltou. — Você sempre quis
conhecer esse lugar! Já andou de balão?
Suspirei.
— Não e não vou conseguir. Não tem vaga. — Balancei a
cabeça. — Mas não é sobre isso que preciso falar contigo. — Olhei
para a porta do quarto. — Estou dormindo com meu chefe e...
— O quê?! — O grito que ela deu me assustou, e
rapidamente a interrompi.
— Não! Droga, Rosa, não estou pensando direito. —
Coloquei a mão no rosto e respirei fundo. — Nós estamos dormindo
no mesmo quarto.
— Sim, eu sei, você me mandou mensagem contando sobre
a suíte enorme e...
— Não... Lá em Istambul, nossas suítes eram ligadas por
uma enorme sala, mas aqui... — virei a câmera para mostrar — é
um quarto só!
— Puta que pariu, mulher! Que lugar lindo!
Ri de desespero.
— Rosa... nós estamos dividindo a mesma cama. Você
entendeu?
— En-ten-di. — Ela arrastou cada sílaba da palavra. — Mas é
só isso, não é? Ele tem sido respeitoso contigo?
Novamente suspirei.
— Tem.
Rosalia fez uma careta.
— E... você... não queria que ele fosse? — Uma de suas
sobrancelhas se ergueu bem alto. — É isso, Kara? — Assenti, e ela
deu risada. Gargalhou, na verdade. — Madre de Dios, já era hora,
manita!
— Você entende a situação de merda em que estou aqui? Ele
é meu chefe, tem 18 anos a mais que eu, é um homem vivido, e
eu...
— É linda, inteligente...
— Rosa, ele deve me achar simplória! Eu trabalhava na
limpeza.
— E daí? Só por isso você não pode ser linda e inteligente?
Sorri tristemente, sabendo que a realidade não era bem
aquela dos livros e filmes em que a moça pobre conquistava o
coração do CEO milionário.
— Não é assim que funciona, você sabe. Ele não me olha...
Bem, ele tem sido respeitoso, e eu...
— Você já está suspirando por ele... — O desânimo na sua
voz foi evidente. — Amiga, eu te diria para se jogar e tentar ver se
ele deseja você também, mas, conhecendo-a como conheço... Kara,
você não é uma mulher de fazer sexo casual. — Rosalia piscou. —
A gente achava que você nem era uma mulher para fazer sexo
nenhum...
Novamente o desespero me atingiu.
— Por que justamente com ele?
Minha amiga sorriu maliciosa.
— Justificável, não é? Ele é um verdadeiro gostoso, e vocês
dois estão juntos há dias. Acho natural. Você nunca teve tempo para
nada, amiga. Estudava, ajudava a cuidar do Onur, trabalhava como
babá nos finais de semana. Depois começou nesse emprego lá na
Gaea. Quando você teve tempo de verdade para conhecer alguém?
— Eu tentei, mas nunca ninguém me interessou. Não da
forma que sinto agora.
— Eu te amo, amiga, você sabe, e, sinceramente, acho que
você deve tentar pensar em outra coisa. Já, já vocês retornam para
cá, e aí a vida real vai afastar vocês. Não faça nada que possa
machucá-la ou, pior, prejudicar seu futuro.
Concordei, porque era exatamente aquilo que eu queria ouvir.
Não que eu tivesse coragem de tentar alguma coisa com Sean, mas
ouvir aquilo de minha melhor amiga me ajudava a parar de flutuar
em direção a fantasias impossíveis.
— Obrigada, Rosa. Eu te amo também!
Conversamos mais um pouco sobre outros assuntos e quase
perdi o desjejum, porque, quando desci, faltavam poucos minutos
para o hotel encerrar o horário daquela refeição.
Terminei de comer e fui encontrar o guia de turismo que havia
agendado meu passeio para a vila. Encontrei-o cercado por mais
alguns hóspedes. Cumprimentei as pessoas – cinco mulheres e três
homens – e fiquei aguardando com o grupo a chegada do veículo
que nos levaria à área onde ficavam as lojinhas e ao restaurante
onde iríamos almoçar.
Durante a pequena viagem, sentei-me ao lado de uma
senhora que estava muito animada e que já havia feito o voo de
balão no dia anterior e me descreveu com detalhes suas
experiências na Turquia desde que havia chegado com o marido
para uma quinta lua de mel.
— São vinte anos de casados. Temos que manter o fogo da
paixão aceso! — Riu, piscando para o marido, que estava sentado a
seu lado. — Fred e eu viajamos duas vezes ao ano, mas sem sair
dos Estados Unidos. Uma com as crianças, e a outra só um final de
semana prolongado para nós dois. Mas, desde quando fizemos
cinco anos de casados, escolhemos uma viagem internacional para
passar umas semanas em lua de mel. Então, contando com a das
nossas núpcias, essa é a quinta viagem de pombinhos que
fazemos. — Suspirou. — Fomos para Portugal, Espanha e França;
depois para a Itália e Grécia; então visitamos o Brasil; na quarta vez,
a Austrália; e finalmente chegamos ao pacote Turquia, Israel e
Jordânia.
O homem apenas balançou a cabeça, mas sorriu e fez
carinho sobre a mão da esposa. Eu achei lindo aquele casal e não
conseguia não imaginar se meus pais estariam assim se papai não
tivesse morrido quando eu ainda era criança.
Certamente, a vida que eu conhecia não iria existir. Talvez
não tivesse ido morar nos Estados Unidos, nem tivesse ido trabalhar
na Gaea, nem, muito menos, estaria viajando na companhia de
Sean Moore.
— Vinte anos de casados! — o homem sentado ao meu lado
comentou. — Raridade ver isso nos dias de hoje, não?
Olhei para ele e concordei. Eu não tinha reparado muito em
quem se sentara ao meu lado, já que, desde que havia entrado na
van, estabelecera conversa com a senhora Fleming, mas tive que
admitir que era um homem muito bonito. Cabelos claros, olhos azuis
ou verdes – eu não tinha certeza – e feições marcantes. Estava
bem-vestido, mas em um estilo casual, leve e confortável.
— Sim, acho que sim — respondi à pergunta dele. — Mas é
lindo!
— Concordo. Os relacionamentos hoje em dia estão cada vez
mais líquidos. — Deu de ombros. — As pessoas amam e desamam
com uma velocidade inimaginável. — Concordei, e ele continuou: —
Já percebeu que perdemos o senso do tempo? As coisas andam tão
corridas que está tudo em ritmo acelerado. Não temos mais canções
favoritas; as músicas são lançadas, fazem sucesso e, de repente,
lançam outra, e você nem teve tempo de avaliar a anterior. Assim
está sendo com os livros, filmes e todo o resto.
— Eu não tinha parado para pensar sobre isso — confessei.
— Você parece ser uma mulher bem jovem. Talvez não tenha
o saudosismo de quem cresceu nos anos 80 e 90, como eu. — O
sorriso ficou ainda mais charmoso. — Eu lembro que, quando uma
música atingia o top ten de uma publicação – seja a Billboard ou a
Rolling Stones –, ficava semanas nele, e nós aprendíamos a tocar,
víamos o clipe na MTV, as apresentações na TV e, por fim, as
turnês. Hoje em dia não dá tempo de acompanhar o hype, é
meteórico.
— Acho que tem razão. Sem falar que nem tudo que está no
hype é bom, porque há ferramentas, agências, técnicas para fazer
acontecer.
— Exatamente! — disse animado. — Liam Stanton —
apresentou-se, estendendo a mão.
Eu o cumprimentei e sorri de volta.
— Kara Çelik.
Liam não escondeu a surpresa.
— É daqui? Seu inglês é de quem nasceu na América.
Ri.
— Não, eu nasci aqui, mas fui morar ainda criança nos
Estados Unidos. Família metade turca, metade americana.
Ele ficou me olhando intensamente.
— A mistura deu certo!
Senti meu rosto queimar com o elogio indireto, mas fui salva
de qualquer tipo de resposta quando nossa van parou e o guia
anunciou nossa chegada.
— Uau! — exclamei, olhando em volta.
— Lugar lindo, não? Nunca me canso de vir para cá.
— É a primeira vez que venho.
— Então, se me permite, seria um prazer acompanhá-la
durante o passeio.
Instintivamente, eu iria dizer não, porém algo me impeliu a
aceitar. Não era o primeiro homem que me elogiava ou que
demonstrava algum interesse, e, sempre que isso acontecia, eu me
afastava ou o repelia por achar que nunca me interessaria por
ninguém.
Bom, aquela teoria havia sido derrubada durante aqueles
dias que eu estava passando na companhia do meu chefe, então
por que não testar para ver se eu poderia me interessar por outro
homem?
Não é possível que apenas Sean Moore me atraia!
15 – Sean

Às 2h da tarde, eu já não tinha mais nenhum compromisso e


não sabia mais o que fazer para passar o tempo. Voltei para a suíte,
mas não encontrei Kara. Pensei em relaxar um pouco, ler notícias,
assistir a qualquer besteira na televisão, contudo não consegui me
concentrar em nada.
Liguei o iPad e tentei ler relatórios, responder a alguns e-
mails pessoais e mensagens no celular, mas, ainda assim, me
sentia desconfortável.
Fui até a recepção e perguntei sobre minha companheira de
quarto. Fui informado de que ela havia saído com um grupo para
fazer turismo. A informação me deixou frustrado, mesmo que ela ter
ido conhecer a região tivesse sido uma ideia minha.
— Vocês têm o roteiro das visitas? — inquiri ao concierge.
— Temos, sim.
— Então preparem um carro para me levar até a vila, que vou
me encontrar com eles por lá.
— Sim, senhor.
Fiquei esperando no lobby. Pensei em mandar uma
mensagem para Kara a fim de avisá-la de que estava indo a seu
encontro, mas decidi fazer uma pequena surpresa.
Já havia passado algumas horas que ela tinha saído do hotel
e já deveria ter conhecido bastante coisa ao longo desse tempo,
mas pelo menos eu teria o resto da tarde ocupado e, mais à noite, a
sua companhia.
Suspirei, um tanto irritado por estar tão dependente da
presença daquela mulher. Já havia viajado sozinho inúmeras vezes
e sempre me sentira bem, diferentemente dessa vez, em que
bastava Kara não estar presente para eu me sentir solitário ou sem
vontade de fazer qualquer coisa sem ela.
— O grupo está a caminho do Museu a Céu Aberto de
Göreme — o motorista informou. — Antes eles almoçaram e
visitaram as lojinhas. — Se eles estiverem dentro de alguma das
igrejas, será quase impossível encontrá-los.
Respirei fundo e desci logo no começo do caminho do
museu. O sol estava a toda, e não havia muita gente no caminho.
Eu não sabia qual era o itinerário dentro do complexo religioso, mas
não seria completo, visto que, pelo que li no folder de turismo, em
poucas horas estariam fechando.
Caminhei um pouco, aproveitando para observar as rochas
talhadas pelo tempo e pelo clima, percebendo que a natureza
trabalhava obras de arte perfeitamente e que nossa perspectiva do
belo vinha do natural.
Ouvi vozes alegres e muitas risadas e me aproximei de uma
enorme árvore toda cheia de penduricalhos de vidro que brilhavam
ao sol. O vento fazia com que uma peça esbarrasse na outra,
criando lindos sons que lembravam o tintilar de sinos.
Não foi difícil reconhecer Kara toda esticada, pendurando um
dos olhos de vidro na árvore, enquanto era apoiada por ninguém
mais, ninguém menos que Liam Stanton.
Observei-os de longe, a risada dela me deixando com uma
sensação incômoda, estranha, e o olhar de caçador de Liam
fazendo meu sangue ferver de raiva. O homem era mais ou menos
da minha idade, mas parecia um garoto – um cachorrinho, na
verdade –, sempre ao encalço de Kara.
Você pode ser o caçador, mas eu sou o próprio Lobo Mau!
Minha irritação se duplicou ao me dar conta de que eu estava
incomodado com ele perto de Kara e que, mesmo sabendo da
fofoca de que eu estava ali acompanhado, ele fez questão de ficar
em cima da minha mulher.
Percebi quando ela me viu. O sorriso diminuiu um pouco, os
olhos se apertaram, como se ela quisesse ter certeza de que estava
realmente me vendo e, de repente, outro tipo de sorriso se abriu, um
carregado de surpresa e de algo mais... Algo que não tinha quando
ela estava sorrindo para Liam Stanton.
O empresário do ramo alimentício me viu e todo o seu bom-
humor se esvaiu por um momento, embora tivesse sido rápido, mas
o suficiente para eu entender que minha presença frustrara alguma
ideia dele.
Ainda bem que vim!, pensei, indo cumprimentá-los.
— Moore! — Liam me cumprimentou primeiro. — Que
surpresa encontrá-lo aqui!
Ri, sarcástico.
— Não sei por que, já que nos vimos mais cedo e você sabia
que eu estava na Capadócia. — Dei de ombros e peguei Kara pela
cintura. — Consegui chegar a tempo!
Ela pareceu confusa, mas sorriu.
— Estamos começando o percurso agora. Nos atrasamos
nas lojas do centro de Göreme. — Levantou uma sacola. — Não
resisti e comprei umas coisinhas.
— Que bom que se distraiu, mesmo sem mim. — Olhei para
Liam. — Obrigado por fazer companhia à Kara até eu chegar.
— Foi um prazer! — O sorrisinho de canto de boca me irritou.
— A senhorita Çelik é uma ótima companhia.
Apertei mais Kara contra mim.
— Eu sei. Não é à toa que ela veio comigo. — Encarei-a, e
seu olhar perdido, cheio de dúvidas, de repente se desfez. —
Vamos continuar o passeio?
Kara assentiu, seus olhos escuros brilhando de um jeito
diferente, o sorriso franco e lindo enfeitando seu rosto bonito.
Fizemos a caminhada toda lado a lado, prestando atenção ao que
os guias explicavam ao longo da estrada e parando para fotografar.
Ela amava fotos!
A cada coisa diferente – fosse uma árvore enfeitada com
moringas ou uma rocha em formato artístico –, ela parava na frente
para se fotografar. Demorei apenas alguns segundos para perceber
que, se eu tirasse a fotografia, conseguiria um ângulo melhor, e fiz a
besteira de me oferecer como seu fotógrafo particular.
Fiquei com o telefone dela na mão, capturando-a feito um
louco, mesmo sem estar fazendo pose – inclusive, essas foram as
fotos que mais gostei de tirar, quando ela ficava relaxada, ria de
alguma coisa ou se espantava com algo que achava bonito –, e
pensando em quantas vezes eu ficava estático em algum local para
ser registrado por algum profissional, mas sem sentir um só pingo
da alegria que ela demonstrava.
Aquela nova função que comecei a desempenhar iniciou uma
reação inusitada em mim: eu me senti à vontade! Não precisei me
preocupar com minha imagem, com meu nome, com os investidores
ou com qualquer coisa que não fosse me divertir.
Aproveitei o passeio ao máximo, entrando nas igrejas e
mosteiros, contando alguma coisa engraçada para fazer Kara rir,
fotografando-a na penumbra. Admirei a sua concentração quando o
guia contava alguma história e como suspirou quando entrou na
Igreja Escura, a mais conservada do complexo, e viu as pinturas e
entalhes ainda conservados fazia quase 10 séculos.
Cada detalhe foi absorvido. Conversamos sobre eles e,
quando entramos em pequenos e escuros túneis para ter a
experiência que os antigos cristãos tinham, porque a maioria das
igrejas na época eram escondidas e só se acessavam por pequenos
labirintos, aproveitei a oportunidade para tocá-la novamente com a
desculpa de ajudá-la.
— Dê-me sua mão — solicitei, e ela prontamente atendeu.
Andamos assim, de mãos dadas, por um longo trecho –
mesmo sem a necessidade de ajuda ou guia – e fizemos do passeio
um momento marcante, pelo menos para mim. Eu já havia adorado
a companhia dela no dia em que fomos ao Grand Bazaar, e nossa
visita ao Museu de Göreme apenas reforçou o quão agradável e
divertido era estar ao lado de Kara.
Já estava anoitecendo quando retornamos ao hotel – ela e eu
voltamos no carro que havia me levado. Foi uma satisfação não ter
que dividir também a viagem com Liam Stanton. O homem não
tirara os olhos dela nem mesmo quando eu estava junto, o que me
irritou sobremaneira, mas, ao final, teve que voltar de van com os
outros.
— Foi surpreendente o passeio. Me diverti muito! — Kara
comentou com o concierge, que foi nos recepcionar assim que
voltamos.
— É uma pena que não tenhamos conseguido vaga em
nenhum dos balões, senhorita Çelik — lamentou o homem.
— Você queria fazer o voo de balão? — inquiri, e ela deu de
ombros.
— Não têm mais vagas! — respondeu conformada. — E,
mesmo se tivesse, acho que, no final, eu não teria coragem. — Ela
se aproximou de mim rindo e sussurrou ao meu ouvido: — Eu tenho
medo de altura, senhor Moore.
Se Kara esperava que eu risse ou comentasse qualquer
coisa sobre o que tinha acabado de revelar, ficou frustrada, porque
simplesmente não consegui raciocinar depois de sentir o sopro das
suas palavras na minha orelha. Meu sangue correu mais rápido nas
veias, dirigindo-se para uma só direção: meu pau.
Sorri sem jeito e tentei ficar na mesma posição em que
estava, temendo que qualquer movimentação pudesse deflagrar
minha condição.
— Ah... Sean! — Ahmet me chamou animado, e eu tive
vontade de xingá-lo. Respirei fundo e me virei lentamente para a
direção em que ele estava. — Como vai, senhorita Çelik? — Kara
lhe respondeu, mas eu continuava imóvel ao seu lado. — Consegui
duas entradas para a festa de encerramento amanhã e... Está tudo
bem?
Merda!
— Cansado das andanças, apenas — respondi irritado,
enquanto pensava em coisas que normalmente me fariam broxar:
queda das bolsas, investidores furiosos, meu nome na lama e o
fantasma de meu pai rindo e dizendo que eu era tão merda quanto
ele havia sido.
Funciona, caralho! Lutei contra o meu corpo, que se recusava
a compilar o mix de horrores que fiz e processá-los, esfriando meu
sangue e murchando minha ereção.
— Mais tarde vamos sair em grupo para uma casa noturna
que tem apresentação de danças — Ahmet continuou. — Vai um
grupo pequeno e um dos peixes que você quer pescar.
Respirei fundo, obrigando-me a pensar minimamente no que
havia me levado até aquele lugar – e não eram férias com Kara
Çelik – e assenti.
— Contem conosco. A que horas vão sair?
Ele sorriu e olhou para Kara.
— Minha esposa está muito curiosa sobre você, senhorita
Çelik. — Aquilo, sim, conseguiu me deixar perto da normalidade.
Por que Sam estava querendo conhecer Kara? — Vamos sair perto
das 11h da noite.
Ahmet me olhou novamente, o olhar de águia tão cobiçado
nos negócios por várias empresas e que lhe rendeu um alto cargo
no governo. Meu amigo enxergava longe e tinha certa facilidade
para ler o interior das pessoas que o cercavam.
Fechei-me ao máximo, encarando-o de volta com frieza,
como se nada me tirasse do prumo e, de repente, uma série de
questões não tivessem sido levantadas na minha mente.
Despedimo-nos. Kara e eu seguimos para o andar em que
ficava nossa suíte – nossa suíte... não a suíte que dividíamos. Mas
que porra estava acontecendo comigo? – e, assim que entramos no
cômodo, ela falou:
— Pode usar o banheiro primeiro... — Fiquei confuso com o
oferecimento, e ela completou: — Para poder descansar logo.
Ri, negando.
— Não estou tão cansado assim. Era uma desculpa para não
estender muito a conversa. — Sentei-me na cadeira e tirei os
calçados. — Se bem que aquela jacuzzi lá fora cairia bem hoje. O
que acha?
Pela expressão no seu rosto – de absoluta surpresa –, Kara
não esperava aquele convite, assim como não entendia direito a
intenção dele. Não que eu não quisesse foder com ela nas águas
quentes e borbulhantes daquela banheira enorme, tendo aquela
vista como testemunha, mas, quando fiz a pergunta, apenas tinha
pensado em relaxar.
Que idiota!
— Quer que eu... tome banho contigo? — A voz dela,
baixinha, e o rosto corado apenas ressaltaram a burrice daquele
convite.
— Foi só uma ideia para relaxarmos, mas é bobagem. —
Ergui-me. — Pode usar o banheiro primeiro.
Ela ficou parada, olhando-me. Notei que esfregava os dedos
das mãos com o polegar repetidamente e me senti mal por tê-la
deixado nervosa.
— Não foi nada de mais, senhorita Çelik. — Sorri, tentando
acalmá-la. — Não seria para entrarmos nus na banheira... — Ela
paralisou e os olhos amendoados pareceram ficar ainda maiores. —
Foi um convite feito sem nenhuma segunda intenção.
Ainda que eu possuísse segundas, terceiras e muitas mais a
respeito dela!
Ela soltou o ar devagarinho e se virou. Achei que iria para o
banheiro, mas me surpreendi quando abriu o armário, onde estavam
nossas coisas.
— Eu tenho um maiô... — Foi a vez de a surpresa ser da
minha parte. — Não provei, mas deve servir.
Colocou a peça na frente de seu corpo, e apenas isso foi
suficiente para eu perceber que tinha sido um idiota mesmo. Aquela
mulher me despertava um tesão que havia muito não sentia. É claro
que podia ser por conta da nossa convivência forçada naqueles
dias, porque Kara não fazia meu tipo de mulher, mas o fato era que,
sabendo o que acontecia com meu corpo quando ela se aproximava
demais, a ideia de ficar com ela seminu em uma banheira foi a pior
aposta que eu já havia feito na minha vida.
É só dizer não! Ou melhor, é só dizer a ela que aproveite para
relaxar sozinha...
— Vou encher a jacuzzi.
A partir daquela decisão, naquela noite, eu já não poderia
dizer que Sean Moore era dono e senhor de toda sua razão.
16 – Kara

Você está brincando com fogo!, pensei enquanto trocava de


roupa no banheiro, vestindo o maiô que Demir bei insistira que eu
tivesse, mesmo que eu tivesse lhe dito que não ia precisar de roupa
de banho. Percebi que o homem sabia montar uma mala para
viagem como ninguém, pensando em absolutamente todas as
ocasiões.
Olhei-me no espelho de corpo inteiro que tinha em uma das
paredes e suspirei de prazer. Nunca tinha vestido nada parecido
com aquilo e me sentia, ao mesmo tempo, sexy e elegante. Passei a
mão pelo tecido do maiô, seguindo as curvas do meu corpo, e
minha pele se arrepiou quando minha imaginação voou longe.
Como seria sentir as mãos de Sean no meu corpo vestindo
apenas aquilo? Meu coração já havia ficado acelerado assim que
ele me abraçou pela cintura quando chegou inesperadamente ao
passeio que eu estava fazendo. Eu nem podia imaginar o que
aconteceria se ele me tocasse sem nenhuma roupa...
Fechei os olhos e deixei que as imagens tomassem conta da
minha mente. Nunca tinha feito aquilo ou me sentido daquele jeito.
Era como se meu corpo tivesse ficado mais sensível a tudo, desde o
ar ao meu redor até o leve roçar do tecido fino e macio no meio das
minhas coxas.
Não resisti e deslizei a mão até o ponto que parecia latejar.
Respirei mais fundo ao sentir que tudo havia ficado ainda mais
intenso. As batidas do meu coração aumentaram, o sangue pareceu
correr mais rápido e meus pelos se arrepiaram.
Abri os olhos e me vi ali, corada, com uma expressão
estranha, o bico dos seios marcando o tecido do maiô, a mão
pressionando fortemente entre minhas coxas.
Eu nunca havia me tocado antes porque simplesmente não
tinha vontade. Nada nunca havia despertado em mim o desejo de
ter prazer, de descobrir como seria aquilo que ouvia minhas amigas
descreverem. Mas, desde que Sean entrara no meu caminho, eu
estava me abrindo, ansiando, sonhando com todas aquelas
possibilidades inexploradas.
Ouvi um barulho, que pareceu ser a porta do quarto, e parei
de me tocar, mesmo que ainda desejasse mais. Sentia-me um tanto
frustrada, como se não tivesse conseguido o que queria, mas não
era hora nem lugar para todas aquelas descobertas.
Fantasiar com meu chefe com ele do outro lado da porta não
era algo que eu tinha coragem de fazer. Joguei água no rosto
enquanto me encarava no espelho e tentava acalmar meus
hormônios.
— Não é nada de mais, Kara. Vocês vão apenas dividir a
jacuzzi como se estivessem num clube, compartilhando a piscina —
recitei para mim mesma, tentando me convencer daquilo, mas
querendo mais.
A batida à porta me fez pular de susto.
— Tudo bem por aí? A banheira já está quase cheia.
Vesti o roupão e dei duas respiradas bem profundas antes de
abrir a porta do banheiro... apenas para perder o fôlego de vez.
Sean Moore e seus quase dois metros de altura em um corpo
perfeitamente proporcional e esculpido estava parado me olhando,
usando apenas um calção de banho.
Vi a expressão dele mudar para um jeito curioso, uma
expressão que eu nunca havia visto e aquilo me fez estremecer.
— Tudo bem? — voltou a perguntar. — O maiô serviu?
Apenas assenti, achando impossível falar – ou tirar os olhos
do corpo dele –, e Sean ergueu as sobrancelhas como se não
estivesse entendendo o que estava acontecendo comigo.
Destrava, mulher, por favor!, meu cérebro ordenava, mas o
comando não era obedecido por meus membros.
Não sei por quanto tempo fiquei ali, apoplética, sem saber o
que fazer – embora soubesse o que gostaria de fazer –, sem
coragem de me mexer e acabar me jogando nos braços dele de
uma forma que me envergonharia e o deixaria furioso.
Então Sean me tocou e eu pareci despertar, sentindo o toque
de sua mão no ombro como se não tivesse o roupão criando uma
barreira entre nossa pele.
— Se não está se sentindo à vontade para...
— Não é isso! — falei, talvez depressa demais ou com muita
intensidade, porque ele deu um leve sorriso. — Eu só... — Droga! —
Eu... — Pensa, pensa! — A água está quente? Não gosto de água
fria.
Sean riu e aquele sorriso o deixou ainda mais irresistível. Tive
vontade de sair correndo do quarto e me esconder em um dos
apartamentos nas rochas que havia visto no tour pela cidade.
— A água está perfeita.
Forcei um sorriso e consegui andar, caminhando com ele até
a varanda com a belíssima visão do céu do fim de tarde na
Capadócia. As cores, uma mistura de azul-escuro, roxo e um leve
púrpura, encantaram-me. Abri o cinto do roupão e estremeci quando
senti os dedos de Sean roçarem meus ombros ao me ajudar a tirar a
peça.
Ele estava atrás de mim; eu podia sentir sua presença e seu
perfume. O calor que eu sentia à frente do meu corpo vinha da água
tépida da banheira, mas certamente não se comparava ao que
emanava do corpo dele. Aquilo me fez arrepiar de antecipação da
cabeça aos pés, e estremeci quando o cálido sopro de sua voz soou
bem perto do meu ouvido:
— Deixe que eu a ponho dentro.
Fui erguida em seus braços enquanto ele entrava na jacuzzi
e me depositava lentamente na água quente e borbulhante. Por
alguns momentos, ficamos muito próximos, o corpo dele quase em
cima do meu, nossas pernas emboladas, os olhos azuis dele fitando
profundamente os meus.
— Quente o suficiente? — perguntou, e eu gemi.
— Perfeita!
Ele sorriu e se afastou, encostando-se na borda do outro
lado. A banheira era tão grande que Sean conseguiu esticar suas
pernas por completo, e seus pés ficaram ao lado do meu quadril. Eu
estava tensa, não por vergonha ou medo, mas por puro tesão, por
uma vontade reprimida e tão avassaladoramente potente que me
fazia querer gritar de frustração por não a poder realizar.
Fechei os olhos e tentei lembrar-me da minha conversa com
Rosalia em detalhes, listando todos os motivos que eu tinha para
me manter longe daquele homem deitado tão perto de mim. Eu tinha
que tirar o melhor daquela experiência e, já que não podia tê-lo
como queria, deveria canalizar aquele desejo todo para conhecer
novas pessoas e iniciar, finalmente, minha vida sexual.
— Vi que Liam Stanton estava te fazendo companhia no
passeio.
Quase afundei de susto quando ele citou o homem que me
acompanhara durante as compras em Göreme. Liam havia sido
muito gentil comigo o tempo todo, e eu mal tive tempo de me
despedir ou de agradecer a ele pela companhia. Almoçamos juntos,
conversamos bastante e o convenci, durante uma visita a uma
lojinha, a levar um Nazar[10] de vidro para colocar na porta de seu
apartamento.
— Sim. O senhor Stanton foi muito gentil.
Sean riu de um jeito que não significava graça ou simpatia.
— Liam gentil? — Balançou a cabeça. — Não seja ingênua,
senhorita Çelik. Aquele homem é uma ave de rapina e só estava
caçando uma nova presa.
Pensei no comportamento de Liam e não o vi fazendo
absolutamente nada de mais. Sim, percebi que ele havia se
interessado por mim, mas foi muito respeitoso o tempo todo e me
fez sentir muito à vontade na sua presença, diferentemente do que
ocorria quando eu estava próxima a Sean.
— Bom, se ele estava à caça, certamente a presa não era eu.
— Dei de ombros. — Ele foi apenas atencioso e muito divertido.
O semblante de Sean se fechou, e vi seus olhos apertarem.
— E quanto à senhorita? Gostou da atenção que recebeu
dele?
Estava na ponta da minha língua uma negativa, mas de
repente senti a necessidade de mostrar a ele que eu era uma
mulher que apreciava, sim, ser bem tratada e notada.
— Como eu disse, me diverti com ele.
Sean, que estava esparramado na banheira, sentou-se e se
aproximou de mim. Senti o clima tenso. Seus olhos pareciam um
tanto ameaçadores e seu maxilar estava contraído.
— Peço desculpas, então, por ter interrompido sua diversão,
mas advirto-a a tomar cuidado. Liam é um homem que não respeita
muito as regras, e isso pode ser prejudicial ao seu futuro.
Franzi a testa e, em vez de me encolher diante da sua voz
baixa e amedrontadora, ergui minha cabeça e o encarei.
— Isso é algum tipo de ameaça?
Ele negou.
— Não, é uma advertência, afinal, você está aqui a meu
serviço, e eu não aprovo esse tipo de comportamento.
Meu sangue ferveu com a sua insinuação.
— Que tipo de comportamento?
Ficamos nos encarando, bem próximos, o clima denso, o ar
pesado. Eu sentia meu corpo tremer dentro da água quente, e meus
músculos, ao invés de encontrarem o relaxamento pretendido com
aquele banho, estavam mais tensos do que a corda de um arco.
— Não me provoque, senhorita Çelik — Sean sussurrou, os
olhos fixos nos meus. — Não encoraje Liam Stanton.
A rebeldia que queimava em mim de vez em quando acendeu
e eu me arrastei um pouco na banheira, ficando bem perto dele.
— Senão?
Os olhos de Sean se desviaram dos meus e focaram na
minha boca. Novamente o ponto sensível entre minhas pernas
pulsou, meu abdômen se contraiu e, involuntariamente, esfreguei
meus lábios um no outro, como se esperasse, aguardasse,
desejasse um beijo.
Meu primeiro beijo!
Ele se aproximou lentamente. Senti seu fôlego contra meu
rosto, e meus olhos foram se fechando, o coração tão agitado que
parecia querer saltar, minhas mãos espalmadas no fundo da
banheira, prontas para se erguerem e se agarrarem em seus
ombros fortes.
O toque estridente do telefone dele me despertou. Eu o vi
fechar os olhos, bufar e se erguer da banheira, parecendo levar
consigo todo o calor das águas borbulhantes.
Fiquei quieta, imóvel, acompanhando-o com os olhos,
enquanto ele pegava uma tolha e ia até a mesinha de café para
pegar o aparelho.
Novamente o ouvi respirar fundo.
— É Ahmet. Preciso atender — disse sem me olhar, saindo
da varanda e me deixando na total escuridão, excitada e perdida.
Meus olhos se encheram de lágrimas, senti um bolo na
garganta e meus lábios tremeram. Dobrei os joelhos e abracei as
pernas, pedindo a mim mesma para ter autocontrole, sem entender
aquilo que havia acabado de acontecer.
Não era coisa da minha cabeça. Sean Moore ia me beijar!
Estava tudo diferente. A camaradagem que havia se
estabelecido entre nós havia sumido e, dentro do belo carro que o
hotel havia colocado à nossa disposição, só imperava o silêncio.
Na verdade, a falta de comunicação havia começado logo
depois de Sean informar-me que Ahmet e seu grupo já estavam
saindo do hotel e esperavam nos encontrar em uma casa noturna.
Tomei banho e me arrumei em total silêncio. Sean também
não tentou falar nada, arrumou-se e manteve uma distância
incômoda de mim o tempo todo.
Fiquei confusa, sem saber o que devia pensar daquele
comportamento, tentando entender se eu havia cruzado algum limite
para o ter deixado daquela forma. Comecei a pensar que eu havia
entendido errado o que iria acontecer na jacuzzi e que talvez tivesse
feito papel de boba – ou pior, oferecida – ao fechar os olhos,
esperando um beijo dele.
Eu não queria ter estragado nossa convivência, embora
tivesse que reconhecer que, do jeito que ele havia me
desestabilizado emocionalmente – não de propósito, é claro –,
aquilo seria passível de acontecer. Estava lidando com sentimentos
e sensações que desconhecia, novos e incontroláveis. Sabia que,
em algum momento, poderiam explodir e me expor.
Estava constrangida, sem saber se dizia alguma coisa para
me desculpar, se fingia que nada tinha acontecido e o tratava como
antes ou se deixava as coisas como estavam.
— Não vamos demorar muito por lá. — Ele quebrou o
silêncio. — Amanhã cedo temos um compromisso.
Concentrei-me e tentei voltar a tratá-lo como ele esperava.
— Alguma reunião?
Negou.
— Vou me reunir com dois acionistas da Tron apenas na hora
do almoço. — Olhou-me pela primeira desde o incidente na
banheira. — Você irá participar como espectadora. Será bom para
você, afinal, aquela reunião com Abdullah foi uma piada.
Assenti e senti um pouco de esperança de poder voltar à
convivência pacífica e profissional que havíamos estabelecido em
Istambul.
— Obrigada.
Sean continuou sério.
— Você está aqui para isso, senhorita Çelik.
Sim, aquele era o meu lugar, e ele me lembrou disso de
maneira clara, direta, embora sutil. Ainda que estivéssemos saindo
juntos como um casal para sustentar a desculpa dele para os
demais empresários presentes no hotel, eu era apenas sua
assistente temporária e nada mais. A faxineira que queria ascender
na empresa trabalhando corretamente e com eficiência para provar
a ele que era capaz.
Sorri, embora estivesse me sentindo constrangida, e não
disse mais nada. Quando chegamos à casa noturna, prontamente
fomos levados até a mesa onde estavam Ahmet e seus amigos, e
Sean falou baixinho, apenas para eu ouvir:
— Vamos entrar no papel, senhorita Çelik, pelo menos aqui.
— E pegou minha mão. — Tente se divertir ao meu lado também.
Aquela frase lembrou-me da discussão que tivéramos
momentos antes na jacuzzi e não apenas isso, como o quase
primeiro beijo que ele me deu.
Respirei fundo, achando difícil me divertir, mas disposta a
fazer de tudo para que todos pensassem que era a melhor noite da
minha vida.
17 – Sean

Não precisei esperar o despertador tocar para acordar para o


compromisso que havia marcado para aquela manhã. O dia nem
tinha amanhecido ainda quando me adiantei, saindo do pedaço de
cama que restara para mim depois que Kara “murou” a cama com
uma fileira generosa de travesseiros.
Tomei uma ducha rápida, vesti-me e fiquei um tempo
enrolando dentro do banheiro, pensando se não seria uma ideia
melhor cancelar o que havia planejado fazer, afinal, o clima entre
mim e ela pesou de uma forma estranha depois daquele banho na
jacuzzi.
Eu soube que era uma péssima ideia desde o primeiro
momento, mas, quando ela aceitou compartilhar a banheira comigo,
não tive como voltar atrás. Foi impossível dizer não àquela
possibilidade! Mas eu deveria, afinal de contas, era o mais velho e o
chefe dela, e a situação que causei, além de constrangedora,
poderia gerar repercussões negativas.
Principalmente se o celular não tivesse tocado!, refleti,
assumindo que estava pronto para agarrá-la pela nuca e devorar
sua boca de lábios carnudos. Se eu tivesse tocado Kara naquela
hora, temia não conseguir parar e não gostaria de me imaginar
colocando-a na posição de temer dizer não por medo de prejudicar
seu trabalho.
Eu não queria ser esse tipo de homem e nunca tinha sequer
sido tentado a sê-lo, não antes de a conhecer. Kara Çelik não fazia
nada, apenas existia, e aquilo era suficiente para eu querer quebrar
todas as minhas regras e levá-la para a cama.
Foi difícil, para mim, passar a noite com ela naquele clube,
mesmo estando rodeados de pessoas. Quase não consegui tirar os
olhos de cima dela e prestar atenção ao jovem acionista com quem
queria fazer negócios.
Kara estava linda na noite anterior e fora muito bem-recebida
pelas outras mulheres do grupo. Eu poderia até apostar que
Samantha Öztürk, que conheci na universidade quando ela ainda
era Samantha Bailey e namorava Ahmet, a havia adorado. As duas
passaram boa parte da noite conversando e se divertindo.
Foi uma mistura de sensações ver Kara solta, bebendo seus
drinques, dançando e se divertindo. Fiquei contente por ela estar
aproveitando a noite, mas, ao mesmo tempo, puto por eu não estar
fazendo o mesmo!
Em um dado momento, enquanto conversava com Ahmet e
os dois acionistas da Tron, sem falar de negócios diretamente, mas
já estabelecendo uma conexão com eles – coisa que meu nome por
si já fazia – e aproveitando a oportunidade para poder deslumbrá-los
com a possibilidade de terem uma empresa dentro do meu grupo,
um rapaz se aproximou de onde Kara e as outras mulheres
dançavam, e eu simplesmente parei de prestar atenção na
conversa, que era meu principal interesse para estar naquele lugar.
Fiquei ali, fingindo entender o que todos conversavam, mas
tomando conta para ver se o homem não iria se aproximar demais
ou fazer qualquer graça com Kara.
— Moore... — Ahmet me chamou baixinho. — Ela é mesmo
sua assistente?
A pergunta fez com que eu desviasse os olhos de Kara.
— Claro — respondi, sério. — Temporária, mas é.
Meu amigo não pareceu convencido.
— Stanton disse que você não gostou de saber que ele a
estava acompanhando essa tarde no Museu a Céu Aberto. Disse
que você estava com ciúmes, o que ajudou a reforçar sua desculpa,
mas fiquei pensando...
— Não fique. Pensar demais às vezes prejudica mais do que
ajuda. — Cortei-o, e ele ergueu levemente as mãos em sinal de
rendição, desistindo de tocar no assunto.
Voltei a fingir me integrar à conversa do meu grupo, mas
sempre tomando conta – de esguelha – da minha assistente
temporária.
Internamente, eu me dava várias desculpas para aquele
comportamento possessivo e tão incomum de minha parte: ela era
muito nova; estava a meu serviço; eu não queria que ninguém se
aproveitasse dela etc... Entretanto, quando eu lembrava que o mais
provável aproveitador era eu mesmo, sentia vontade de encerrar
aquela viagem e ficar o mais longe possível dela.
Nunca havia me envolvido com nenhuma mulher que
trabalhasse para mim, mas agora me pegava pensando em foder
com minha assistente de apenas 22 anos! O que estava
acontecendo comigo?
O som do despertador me tirou dos pensamentos da
torturante noite anterior. Sim, porque só consegui relaxar um pouco
quando voltamos ao hotel e dei uma desculpa qualquer a fim de
deixá-la se preparar para se deitar sozinha. Desci para o bar do
hotel e passei algumas horas por lá, bebericando uma dose de
uísque. Quando retornei à suíte, Kara já dormia, encolhida em seu
canto e cercada por uma verdadeira muralha de travesseiros e
almofadas.
Afastei os pensamentos e saí do banheiro, encontrando-a
sentada na cama. O tesão pulsou forte em meu corpo, fustigando
uma área que eu não gostaria que despertasse. Kara era sexy de
manhã, com os cabelos levemente bagunçados, o olhar sonolento
e...
— Que horas são? — perguntou, bocejando.
— São 4h da manhã — respondi, enquanto pegava um par
de tênis. — Você tem 15 minutos para se aprontar.
— Aprontar? — Sua voz demonstrava surpresa. — Para quê?
Sean Moore, você deveria ter cancelado essa merda!
— Temos um compromisso agora.
Olhei-a, e parecia tão confusa que achei que iria se negar a
participar de qualquer coisa naquele horário indecente... Indecente
como os meus pensamentos sobre ela.
Kara suspirou, um tanto irritada, e foi para o banheiro. Voltou
instantes depois, com os cabelos ondulados penteados com os
dedos e o rosto lavado.
— Posso saber que tipo de compromisso é? Preciso escolher
minhas...
— Ponha a roupa mais confortável que tem e leve um
casaco. Ainda deve estar frio lá fora. — Caminhei até a porta do
quarto. — Espero-a no saguão.
Era maldade não dizer a ela para onde estávamos indo, mas
achei que seria melhor pegá-la de surpresa. Estava ainda pensando
em uma desculpa que justificasse o motivo de eu ter me dado ao
trabalho de fazer tudo aquilo e não queria ser questionado antes de
saber o que lhe dizer.
Sorri quando ela apareceu, o semblante fechado, um tanto
emburrada e ainda bocejando.
— Não vamos tomar o desjejum?
— Não. — Fiquei sério. — Não dá tempo. Mais tarde
comemos algo.
Mentiroso!, minha cabeça acusou.
O motorista do carro do hotel fez sinal para mim, e eu tive
que dar um leve empurrão nas costas de Kara para que ela
andasse, pois, ao que parecia, ainda dormia em pé.
Era compreensível. Havíamos chegado quase às 2h da
manhã, e ela apenas cochilara. Talvez eu devesse mesmo ter
cancelado aquilo, mas queria fazer, por mais insano que parecesse.
Queria proporcionar a ela aquela experiência.
— Ainda está escuro... — ela comentou dentro do carro. —
Estamos indo para longe?
— Não, é perto daqui.
Ela me encarou.
— Por que tanto mistério?
Ri e dei de ombros.
— Porque é uma surpresa.
Esperei que ela reagisse, mas se passaram uns bons
segundos até que voltasse a falar:
— Surpresa? Para mim?
Desviei os olhos dos dela e tentei me concentrar na estrada.
— E para quem mais seria?
Quando o carro diminuiu a velocidade e entramos em uma
grande baixada, Kara finalmente se deu conta do que ia acontecer.
Seu suspiro de puro êxtase fez com que o motorista desse uma
risadinha e a olhasse pelo retrovisor.
— Chegamos — anunciou o óbvio.
— Estamos aqui para ver apenas ou...
Abri a porta do carro, saí e estendi a mão para ajudá-la a
descer.
— Não, senhorita Çelik. Nós vamos voar!
O barulho das chamas de ar quente inflando os balões se
sobrepôs à voz dela e não consegui ouvir o que me dizia, mas, pelo
seu olhar de deslumbramento e medo, eu sabia que tinha
conseguido impressioná-la.
— Como? Não havia vaga em mais nenhum grupo...
Sorri arrogante.
— Não vamos em um grupo. — Apontei para o balão com o
nome da empresa que eu havia contratado. — Apenas nós dois.
— Mas... o concierge disse que a cesta era para no mínimo
16 pessoas e...
— Sim. Eu comprei os 16 lugares. — Ela me encarou
assustada, e eu ri. — Você precisa aprender umas coisinhas sobre
mim ainda. — Fiquei sério. — Prezo exclusividade, não gosto do
comum e não meço esforços para ter o que desejo.
Kara abriu a boca para dizer algo, mas desistiu e desviou os
olhos a fim de observar todos os grupos esperando para entrar nas
cestas e alçar voo. Eu nunca tinha visto tantos balões juntos em um
só local e não fazia ideia de que tantas pessoas se acumulariam ali
naquela madrugada.
O passeio que contratei teria três horas de duração e, ao
final, um desjejum completo nos esperava, após sermos resgatados
por um carro – com cesta e tudo – e levados de volta ao ponto
inicial.
Eu nunca tinha feito aquele passeio, também seria minha
primeira vez, apenas porque nunca me interessara ficar em uma
cesta no céu, basicamente à deriva, indo para onde o vento
soprasse. Estar fora do controle nunca foi meu estilo, contudo as
coisas pareciam diferentes daquela vez, e eu estava disposto – pelo
menos no que se referia a proporcionar o prazer daquele voo a Kara
– a me deixar ir sem destino.
Ajudei-a a subir na cesta e depois entrei, cumprimentando o
piloto do balão, que, antes de iniciar o voo, nos deu algumas
instruções e explicou a rota. Kara agarrou um apoio no centro da
cesta, perto do piloto, e sorriu nervosa. Ela havia me dito que tinha
medo de altura e eu podia apostar que estava entre apavorada e
excitada com aquela aventura.
Não forcei a barra, mesmo querendo levá-la para a borda da
cesta de modo a poder acompanhar a subida, que acontecia
lentamente, em meio a um barulho quase ensurdecedor da chama
que inflava o balão com ar quente e o fazia subir.
— Tudo bem? — inquiri, e ela apenas balançou a cabeça.
Fiquei bem próximo dela, temendo que pudesse passar mal
ou ter uma crise de pânico, porém logo o sol começou a se levantar
no céu, colorindo tudo à volta com cores impressionantes, e, pela
expressão dela, o deslumbre com a quantidade de balões à nossa
volta tirou toda preocupação que tinha.
Ela procurou o celular no bolso do casaco e, mesmo ainda
um pouco nervosa, começou a fotografar tudo. Neguei quando
apontou a câmera do aparelho na minha direção, mas depois acabei
sorrindo e permitindo que ela registrasse aquele momento.
— Eu nunca vou me esquecer disto, senhor Moore!
Estendi a mão para ela.
— Confia em mim e vem aqui na beirada. Garanto que a vista
é muito melhor!
Kara respirou fundo.
— Se eu não conseguir...
— Você vai! Você tem conseguido coisas que nunca pensou
poder fazer antes, não foi? — Ela assentiu. — Vem comigo.
Kara pegou na minha mão e, olhando-me fixamente,
acompanhou-me até a borda da cesta, deixando o vento balançar
seus cabelos soltos.
— Uau! — O sorriso dela compensou tudo, mas ainda estava
trêmula. Por isso, postei-me levemente atrás de si e a envolvi com
meu braço, enlaçando-a pela cintura a fim de firmá-la. — É muito
bonito!
Concordei, mas não olhando para a bela visão da geologia
única da Capadócia aos nossos pés, e sim encarando cada detalhe
de seu rosto.
— É linda! — Kara me olhou. — Você é linda!
— Obrigada, senhor Moore.
— Sean — sussurrei. — Pode me chamar de Sean, Kara.
Os olhos dela se iluminaram e seu sorriso pareceu emitir
mais calor do que o sol que havia acabado de nascer.
— Obrigada, Sean. Por tudo isso!
Não sei o que aconteceu, mas senti um nó na garganta e
uma vontade irresistível de tocá-la mais, de acariciá-la. Não deveria,
eu sabia que seria errado, mas não contive meu braço quando se
ergueu nem meus dedos, que roçaram de leve no rosto dela. Kara
fechou os olhos e suspirou, claramente apreciando o carinho.
Aquilo me animou, impulsionou, e eu não saberia dizer quem
se aproximou primeiro, mas substituí os dedos pelos lábios, e o que
era para ter sido apenas um beijo inocente em sua bochecha de
repente se transformou em algo mais.
Minha boca deslizou pelo rosto dela e nossos lábios se
encontraram, devagar a princípio, como se testassem uns aos
outros, experimentassem e, enfim, se aprovassem. Kara abriu a
boca um pouco, e aquela pequena brecha me incendiou e me fez
invadi-la com minha língua.
Ela demorou a reagir, e eu senti um breve gelar na pele ao
pensar que estava forçando-a a algo que não queria, mas então
correspondeu, timidamente, diferentemente do que eu estava
acostumado, porém de um jeito que me fez perder o que sobrava da
razão e agarrá-la com força, colando-a contra meu corpo,
devorando sua boca como gostaria de ter feito dias antes.
O tesão que eu vinha reprimindo desde o começo daquela
jornada se viu livre e não me poupou, castigando-me com uma
ereção dolorida, a ponto de eu achar que meu coração havia
descido para a cabeça do pau, de tanto que latejava.
Pensamentos intrusos de razão tentavam dissipar aquela
nuvem de desejo que havia me envolvido, mas perdiam a batalha a
cada vez que a língua de Kara roçava a minha.
Eu a queria e tinha o que queria sempre!
Gemi contra seus lábios e havia começado a morder seu
queixo quando a cesta deu uma leve balançada no ar e me fez
voltar à realidade do lugar em que estávamos.
Em um voo de balão, sobrevoando a Capadócia, com o piloto
e vários turistas em volta.
Porra!
Abri os olhos e tive que encarar uma mulher que parecia tão
confusa com aquilo tudo como eu estava. Pela primeira vez em
minha vida, não sabia o que dizer, muito menos como agir.
Fui salvo pelo piloto, que começou a nos apontar alguns
pontos para visualizar. Aproveitei aquele ensejo e me afastei dela,
fingindo prestar atenção no que o homem dizia, sem coragem de
encarar a mulher que trabalhava para mim e que eu, sem controle,
havia forçado a me beijar.
18 – Kara

Sean Moore tinha acabado de me beijar!


Era impossível controlar as batidas do meu coração, e isso
não tinha nada a ver com a adrenalina daquela aventura
inesperada, muito menos com a surpresa que ele havia feito para
realizar minha vontade de voar no céu da Capadócia.
Se estivéssemos em qualquer lugar do mundo, sob qualquer
situação, e ele me beijasse, eu estaria da mesma maneira.
Meu primeiro beijo! Tive vontade de tocar meus lábios, que
ainda estavam com a sensação dos dele, mas me contive, tentando
não demonstrar o quão inexperiente eu era.
Será que ele conseguiu perceber que eu não sabia o que
fazer?, pensei, temendo que não tivesse gostado e que por isso
tivesse se afastado e passado o resto da viagem inteira longe de
mim, olhando-me poucas vezes e em todas parecendo
constrangido.
Não foi um passeio ruim, mas, apesar do momento mágico
que vivenciamos com aquele beijo, depois tudo pareceu muito frio.
Tentei aproveitar ao máximo, mas a descontração havia
abandonado aquela cesta, e o que restava eram apenas as
curiosidades e as explicações que o piloto fazia questão de nos dar.
Fomos resgatados e levados até o local onde um delicioso
café da manhã – com direito a champanhe – nos esperava. Sean
trocou algumas palavras comigo e até mesmo se ofereceu para tirar
fotos minhas, contudo eu o sentia mais distante e comecei a temer
que estivesse seriamente arrependido do idílio que tivemos.
Retornamos para o hotel um pouco antes do horário do
almoço, e ele não subiu para a suíte, indo diretamente para o bar,
usando a desculpa de ter assuntos a acertar com Ahmet bei.
Aquele distanciamento me deixou tensa, mas, se ele ia fingir
que nada havia acontecido, eu também poderia fingir, muito embora
não desgrudasse da memória o toque e a emoção que seus lábios
proporcionaram aos meus. Nada do que eu tinha vivido antes em
minha vida poderia se assemelhar àquele momento. Meu corpo
ganhou uma nova energia, tudo palpitou, o dia ficou mais brilhante,
o sol, mais quente. E não interessa a opinião de quem acha
corriqueiro um beijo, para mim foi especial.
O primeiro! Depois de achar que eu nunca sentiria vontade
de ter aquilo com alguém, simplesmente desfrutei da experiência,
pelo menos enquanto ela durou, porque, dali para frente, eu não
podia saber como seria a convivência com Sean, afinal de contas,
ele tinha uma certa fama de evitar trabalhar com mulheres, e podia
muito bem ser para evitar que aquele tipo de coisa acontecesse.
Bom, mas eu não o obriguei a me beijar!, pensei enquanto
penteava meus cabelos úmidos do banho, vestida com o roupão do
hotel e sentada na beirada da cama. O beijo havia acontecido de
comum acordo, mesmo que por um deslize momentâneo ou fosse o
que fosse que ele alegaria. Ele me beijou e eu o beijei, nada mais
do que isso!
O barulho da porta se abrindo me alertou de sua presença e,
em vez de me levantar correndo e me esconder no banheiro, fiquei
no mesmo lugar. O silêncio me incomodou um pouco, mas não a
ponto de eu ser a primeira a quebrá-lo. Aguardei, passando a
escova pacientemente pelos fios de meu cabelo, esperando uma
palavra ou mesmo alguma atitude dele.
Embora parecesse calma, meu coração estava acelerado e
eu sentia um frio na barriga. A ansiedade quase me fez agir, mas
meu orgulho me impediu a tempo.
— Eu... — ele começou a falar, e eu finalmente o olhei, o
impacto de sua imagem causando sempre a mesma sensação
deliciosa em meu corpo, aquela atração forte que me abraçava tão
completamente que me aquecia dos pés à cabeça. Sean pigarreou.
— Eu sinto muito pelo que aconteceu mais cedo hoje.
Droga! Lamentei o começo da conversa, pois não era o que
eu queria ouvir, mas entendi que não havia outra coisa a se fazer.
Engoli em seco e dei de ombros.
— Aconteceu, foi o momento. — Desviei os olhos, pois não
conseguiria mentir encarando-o. — Não foi nada de mais.
Ouvi quando ele suspirou longamente.
— Bom, não concordamos nisso.
De novo meu coração acelerou e eu fiquei com aquela
sensação de suspense, esperando ouvir algo favorável, mesmo em
circunstâncias desfavoráveis.
Esperança!
— Como assim?
Sean andou até o armário e pegou uma muda de roupa limpa
e mais fresca.
— Eu não beijo funcionárias, senhorita Çelik. — A voz dele
soou grave, séria e seu olhar não estava diferente, levando para
longe qualquer resquício de esperança que ainda me restava. —
Não sou esse tipo de chefe e não acho que você seja esse tipo de
profissional, então lamento pelo momento e dou minha palavra de
que, daqui em diante, a senhorita não será incomodada com
avanços pessoais e desrespeitosos.
Eu não sabia o que dizer. Fiquei paralisada, escova na mão,
olhando para aquele homem que tinha acabado de se desculpar por
ter me proporcionado um dos momentos que eu mais desejei que
acontecesse e garantindo que não iria mais se aproximar de mim
daquela forma.
Eu deveria dizer a ele que desejava os seus avanços
pessoais? Que eu queria mais do que aquele beijo que trocamos no
céu da Capadócia? Eu não soube o que dizer, temi me expor, ser
mal interpretada e parecer ter exatamente o comportamento de
quem, provavelmente, ele sempre quis evitar: mulheres que se
envolviam para ter alguma vantagem.
Sean entrou no banheiro, e eu rapidamente me arrumei.
Coloquei o maiô que havia usado rapidamente naquele banho de
banheira tenso que tomamos juntos, uma saia envelope de linho
com uma camisa do mesmo tecido, calcei sandálias e desci para o
terraço, disposta a aproveitar o dia lindo e ensolarado à beira da
enorme piscina do hotel.
— Kara!
Samantha Öztürk fez sinal para que eu me juntasse a ela e
mais duas mulheres que estavam a uma mesa embaixo de um
ombrelone.
— Mikaela, Zeynep, essa é Kara Çelik, a namorada de Sean
Moore.
Arregalei os olhos e instintivamente neguei a afirmação dela.
— Não, não... Estamos viajando juntos. Não posso dizer que
somos...
— Ah... — Ela riu. — Não querem rotular a relação! — Ela me
pegou pela mão e me puxou para mais perto, fazendo-me sentar-me
em uma das cadeiras vazias. — Esses jovens de hoje estão assim,
mas eu entendo. Demorei meses até aceitar assumir um
relacionamento sério com Ahmet, principalmente por conta da
distância. Eu tinha medo de que ele voltasse a morar aqui na
Turquia, mas, desde a primeira vez que pisei neste país, me
apaixonei por ele.
— Sim, este país é belíssimo! — Mikaela elogiou. — Toda
vez que temos uma desculpa para sair um pouco de Nova Iorque e
vir para cá, eu largo tudo e venho sem pensar duas vezes.
— Já eu divido meu tempo entre Londres e Istambul —
Zeynep me contou. — Meu marido é inglês, mas nós temos muitos
negócios aqui.
— E você, Kara? O que faz nos Estados Unidos?
Fiquei nervosa, sem saber o que deveria dizer, afinal de
contas, não poderia contar a verdade e dizer que, até uns dias atrás,
eu era copeira da Gaea e que depois me transformei em assistente
temporária de Sean Moore.
— Eu...
— Ah, essa piscina hoje está ricamente frequentada pelas
hóspedes mais lindas do hotel!
Liam Stanton apareceu, usando apenas um calção de banho,
expondo seu belo e escultural corpo à visão de todas nós. Admirei-
o, achei-o belo, contudo, mesmo reconhecendo ser ele um
espécime masculino incrivelmente charmoso, não senti nenhum
pingo da atração que sentia sempre que Sean – geralmente vestido
– estava por perto.
— Liam, seu sedutor barato! — Samantha o cumprimentou
com um beijo na bochecha. — Já conhece a senhorita Çelik?
— Já tive esse prazer! — Ele se aproximou. — Como vai?
Sorri.
— Muito bem, e você?
— Melhor agora... — olhou-me intensamente e depois
desviou os olhos para as outras mulheres — cercado por mulheres
tão lindas!
As três riram, ralhando com ele, mas obviamente encantadas
com seu jeito galante, mas eu me senti sem jeito com o interesse
que vi em seu olhar, afinal, ele sabia que eu tinha ido naquela
viagem acompanhada e mesmo assim me olhava daquela forma.
Eu sabia que entre mim e Sean não havia nada, mas Liam
devia acreditar que tínhamos um caso, mesmo porque estávamos
juntos, no mesmo quarto, e o senhor Moore fez questão de reforçar
a fofoca quando nos encontrou no passeio em Göreme.
— Posso me reunir a vocês? — ele perguntou e logo se
sentou em uma cadeira ao meu lado.
— Não vai participar do último dia de reuniões? — Mikaela
questionou.
— Não, não fiquei muito animado com as apresentações. —
Deu de ombros. — Acho que tudo o que eu tinha para saber aqui, já
soube.
— Confesso que meu marido ficou bem surpreso ao ver que
você iria participar, já que não é da área do turismo.
Ele sorriu galante e piscou para Samantha.
— Nunca se sabe onde uma boa oportunidade surgirá. Além
disso, eu estava precisando de uns dias em um lugar como este. —
Olhou-me de esguelha. — E não me arrependo de ter vindo e
conhecido tantas pessoas interessantes.
— É sempre bom fazer contatos — Zeynep ressaltou, e ele
concordou.
Aquele era um grupo com que eu nunca pensei que um dia
pudesse estar enturmada. Pessoas ricas, bem-sucedidas, que se
conheciam e se respeitavam. Eu me sentia uma fraude e ficava
imaginando o que sentiriam se soubessem que eu era do serviço
geral e que servia cafezinhos e esvaziava lixeiras.
— ...mas vai participar da festa à noite, não? — questionou
Samantha a Liam. — Ahmet preparou um baile de encerramento
memorável, com minha ajuda, claro.
Pisquei várias vezes para voltar a prestar atenção no
assunto, mas, antes que ele pudesse responder, um garçom
passou, entregando bebidas. Eu mesma não havia pedido nada,
mas um copo me foi entregue e, como o dia estava quente, provei
do delicioso e refrescante drinque.
— Pode apostar que vou à festa! Senhorita Çelik estará
presente?
Terminei de engolir a bebida e assenti.
— Sean e eu estaremos lá a convite de Ahmet bei.
— Ótimo! — Ele ergueu seu copo em um brinde e sorriu. —
Está gostando de estar de volta ao seu país?
Suspirei, tentando não pensar nos últimos acontecimentos.
— Muito! Não imaginava que retornaria...
— Não tem mais familiares aqui?
Dei de ombros.
— Perdi contato.
— Entendo. Você mora atualmente em Chicago, não? —
Assenti. — Eu me divido entre a Windy[11] e Nova Iorque. Acho que,
daqui a alguns anos, não terei mais base da empresa em Illinois,
apenas em Manhattan.
— Chicago é uma cidade maravilhosa, mas realmente é em
Nova Iorque o coração dos negócios americanos. A Gaea está na
cidade porque ainda tem muitas empresas ligadas ao grupo por lá...
— Mas Moore tem um escritório em Nova Iorque também,
com finalidades diferentes do de Chicago, porque lá é ligado
diretamente ao banco que ele herdou da família. É uma agência de
investimentos fortíssima, e o tio dele é o responsável. — Fiquei
quieta, pois não fazia ideia de nada daquilo que ele estava me
contando. — Ele já a apresentou para a família?
Pisquei algumas vezes e neguei.
— Estamos nos conhecendo melhor.
Liam riu mais alto, chamando a atenção das outras mulheres.
— Eu nunca dou esse tipo de conselho, mas você é uma
garota muito interessante e eu acho que merece. — Ele se
aproximou de mim e disse baixinho: — Um homem, quando está
realmente interessado em uma mulher, não mede esforços para tê-
la em sua cama. Depois disso, abre-se a possibilidade para duas
situações: ou ele vai levando, conhecendo melhor, até perder o
interesse, ou mergulha de cabeça. Moore é um homem de negócios
conhecido por ter o lado emocional compatível aos Alpes de seu
país natal. Sabia que o apelido dele é Homem de Gelo?
— Sim... — respondi vagamente, refletindo no que ele
acabava de me revelar. Fazia sentido para mim aquele modo de agir
dos homens. E, mesmo me aconselhando por pensar que Sean já
havia me levado para a cama, eu me senti atingida por aquelas
palavras.
Ele me beijou e pediu desculpas, ou seja, não houve nenhum
interesse verdadeiro, nada despertou nele. Não devia ser apenas
pelo fato de termos um contrato de trabalho, mas sim porque ele
não sentia atração por mim.
Eu não valia a pena para Sean e fui muito arrogante – e
iludida – ao achar que, por eu estar atraída por ele, o sentimento
fosse recíproco.
— E então? — Liam inquiriu, mas não entendi, pois não
estava prestando atenção ao que ele falava. — Aceita dançar uma
música comigo hoje à noite?
— Claro! — Sorri, tentando parecer empolgada. — Lembre-
me...
— Lembrá-la do quê?
A voz de Sean, atrás de mim, fez minha pele arrepiar.
— Moore, que prazer vê-lo aqui! — Liam levantou-se para
cumprimentá-lo. — Fico feliz em saber que não sou mais o único
homem a desfrutar da companhia dessas mulheres maravilhosas!
Eu me virei para olhá-lo e notei que sua mandíbula estava
tencionada, embora ele estivesse sorrindo.
— Como vão? — Sean cumprimentou as mulheres à mesa e
se sentou na cadeira vazia do outro lado da mesa, ficando de frente
para mim. — Fico feliz que tenha se integrado ao grupo, querida.
Samantha e suas amigas são companhias ótimas.
— Kara é um doce, Sean! — Samantha me elogiou. — Além
do mais, temos que apoiá-la, pois é nova nisso de acompanhar –
mesmo em férias – um homem de negócios. — Piscou para mim. —
Vocês nunca param de trabalhar.
Sean negou.
— Sem trabalho nesta viagem, Sam. Hoje mesmo, Kara e eu
tivemos um delicioso e romântico passeio de balão.
Fiquei tensa com essa citação, mas o objetivo dele foi
atingido, pois as mulheres suspiraram.
— Foram com o grupo do hotel?
— Não. Fizemos um passeio apenas a dois. — Sam bateu
palmas animado. — Era o sonho de Kara fazer esse passeio, e eu
quis que fosse especial. — Ele me encarou e seus olhos continham
um brilho divertido. — Espero que tenha superado suas
expectativas, querida.
Sorri para ele, queixo erguido.
— Foi surpreendente.
O jeito que aquele homem me olhava estava me deixando
desconcertada e acalorada, por isso levantei-me, alegando calor, e
tirei a roupa, ficando apenas de maiô.
— A piscina está ótima, Kara! — Mikaela se animou e ficou
só de traje de banho para me acompanhar em um mergulho. —
Ninguém mais vem?
— Mais tarde, talvez — Sam respondeu, e Zeynep
concordou.
Aproveitei a companhia de Mikaela e nos sentamos à beira
da piscina, com os pés dentro da água. Descobri que a mulher era
uma ótima pessoa para se conversar e que tinha um humor muito
interessante, sempre me fazendo rir.
De repente, uma sombra se fez sobre mim e ergui a cabeça
para ver Sean segurando o chapéu que Samantha usava.
— Sam acha melhor você colocar isto para se proteger. —
Ele se abaixou, de repente, ao meu lado e pôs o chapéu em mim. —
Como aqui venta bastante, camufla um pouco o calor do sol, e não
queremos você dolorida essa noite, não é?
A voz maliciosa não passou despercebida para Mikaela, que
disfarçou uma risada. E eu, como não sabia o que falar para ele de
volta, abaixei o rosto, quando na verdade queria fuzilá-lo com o
olhar por me provocar – mesmo fingindo – daquela forma.
Eu estava sem jeito, e ele não saía de perto de mim, então
decidi sair de perto dele. Tirei a peça cara da cabeça e entreguei-a
em suas mãos.
— Não vou precisar disto agora. — Pulei na piscina, tendo
um pequeno ressalto por causa da água gelada, mas depois
sentindo o alívio daquele frescor em um dia como aquele.
— Sabe nadar bem? — ele perguntou.
Fiz um biquinho.
— Como um peixe! — Sorri e mergulhei rapidamente para
molhar os cabelos.
— Peixe, não, uma sereia! — elogiou sorrindo, enquanto eu
colocava os fios escuros para trás e os ajeitava para não ficar
despenteada. Estava confiante, sentindo-me segura ali, cercada de
água gelada e longe de seu olhar de Lobo Mau, até que ele passou
o chapéu para Mikaela, tirou a camisa, expondo a todos aquele
corpo perfeito e enorme, e se jogou na água em um mergulho
perfeito. Tentei acompanhá-lo, mas o reflexo do sol não deixava ver
ao certo para que direção Sean tinha ido.
Mikaela ria e falava algo com Sam e Zeynep, que ainda
estavam à mesa. O tempo passou e eu comecei a ficar preocupada
porque Sean não emergia, então um arrepio cruzou minha pele e
sua voz soou baixinho ao meu ouvido:
— Sua pele está arrepiada. Sente frio?
Ele estava atrás de mim e esfregava os dedos pelas minhas
costas. O arrepio aumentou ainda mais, porém não era de frio,
porque meu corpo se aqueceu tão rápido que eu temia criar
borbulhas em volta de mim.
Sean riu e voltou a falar:
— Estão todos nos olhando, principalmente Liam Stanton. —
Fechei os olhos, sentindo as carícias de seus dedos nos meus
ombros, pouco me importando com a plateia. — Acho que
precisamos deixar claro que esta não é uma viagem de negócios,
pois não confio nem um pouco nele.
Abri os olhos e o fitei de soslaio.
— É? E como nós...
— Eu vou ter que beijar você de novo. — Estremeci com a
ideia – não de repulsa ou medo, mas de puro tesão e expectativa.
— Não precisa ficar preocupada, será apenas um beijo falso como
os dos filmes. Imagine que é uma atriz apenas desempenhando um
papel.
Respirei fundo.
— É mesmo necessário?
Ele me segurou mais firmemente e, antes de me girar em
seus braços, colando meu corpo de frente ao dele, respondeu sério:
— É imprescindível!
Então eu esperei.
Ergui levemente o rosto, fechei os olhos e esperei pelo beijo
cálido, singelo e carinhoso igual ao que trocamos no voo de balão.
Entretanto, ele não aconteceu!
A enorme mão de Sean se apossou da minha nuca, usando a
raiz do pé dos meus cabelos como âncora, embolando seus dedos
no meio das madeixas e me puxando levemente por ali. Abri os
olhos surpresa, e ele sorriu, colando-se a mim e tomando minha
boca de assalto, sem qualquer vestígio de inocência ou carinho.
Eu estava sendo devorada, desfrutada, degustada e me
sentia muito bem como o objeto daquela adoração labial. A mão
dele em minha cintura me apertava mais e mais, suas coxas
batendo nos meus quadris e seu sexo – oh, meu Deus! – esmagado
entre nós na altura do meu umbigo.
Tudo estava girando, assim como tudo havia deixado de
existir. Naquele momento, eu me esqueci de onde estava, com
quem estava e do porquê estava. Nada mais importava, a não ser
aquela boca carnuda que buscava a minha com fome, molhando
meus lábios com sua saliva cheia de desejo, procurando minha
língua dentro da boca e brincando com ela.
Como isso é gostoso!
Eu me pendurei nele, abracei-o pelos ombros e me apoiei
totalmente em seu corpo. Alguns sons escapavam de nossa boca,
mas eu não sabia dizer se vinham de mim, dele ou de ambos.
Sean desviou os lábios por alguns segundos dos meus e
mordeu meu queixo, lambendo-o em seguida, partindo para meu
pescoço.
— Ei, acho melhor vocês dois irem para o quarto! Tem mais
gente chegando à piscina.
A voz de Mikaela foi mais potente do que qualquer água fria
que jogassem em nós. Eu fiquei parada, constrangida com a minha
atuação, enquanto ele parecia confuso, como se tivesse acabado de
sair de um transe.
— É melhor eu... sair. — Quebrei o silêncio, e ele concordou.
— Vá primeiro. Eu preciso dar umas braçadas antes.
Saí pela borda e, assim que me ergui, Liam estava de pé,
segurando uma das toalhas que eram disponibilizadas para os
hóspedes. Sorri sem jeito e lhe agradeci com um aceno de cabeça.
Parecia que ele ia falar algo, mas desviou o olhar e se afastou no
mesmo momento em que senti o braço de Sean enlaçar minha
cintura.
— Quer voltar para o seu grupo ou prefere subir para se
secar e trocar de roupa na suíte? — inquiriu, aceitando uma toalha
que um funcionário levou para ele, mas sem me olhar diretamente.
Meu coração ainda batia tão alto que eu estava com
dificuldades de raciocinar. Ainda estava processando o beijo e como
ele havia mexido comigo. Nunca tinha sequer imaginado sentir
aquilo e, por mais que ainda não entendesse, queria mais e mais.
— Subir... — sussurrei.
Percebi que foi a resposta que ele desejava, porque deu um
leve sorriso e começou a andar. Dei apenas um adeus de longe
para as mulheres, e as três responderam ao cumprimento, mas
apenas Samantha falou:
— Aproveitem, mas não percam o horário do baile!
As três deram risinhos divertidos, e todos à mesa pareciam
muito felizes com o espetáculo que Sean e eu demos antes com
aquele beijo.
Todos, menos Liam Stanton, que me olhava como se tivesse
pena de mim.
19 – Sean

Você é um grande filho da puta, Moore!


Eu ficava repetindo essa frase para mim mesmo durante todo
o trajeto da piscina até a suíte onde Kara e eu estávamos
hospedados. A verdade era que eu não estava me reconhecendo,
utilizando de subterfúgios para ter aquilo que queria, mas não
admitia.
Aquele homem não era eu, definitivamente, e, ao mesmo
tempo que aquela descoberta me deixava receoso, também me
atraía. Poucas coisas na minha vida saíam do meu planejamento,
mas, desde que Kara surgiu, tudo parecia estar acontecendo no
improviso, no acaso. Era como se eu tivesse perdido o controle e
deixado que cada coisa acontecesse naturalmente.
Não tinha pensado em ir para o terraço, muito menos para a
piscina, mas, ao notar que Kara havia tirado do cabide o maiô que
tinha usado naquele dia da banheira, logo coloquei um calção de
banho. A intenção era apenas tomar uma bebida gelada e apreciar a
companhia dela, mas o que eu não imaginava era que ela estaria
com companhia.
Eu vi o jeito que Liam Stanton olhava para Kara e não gostei
nem um pouco dele, porque reconhecia a mim mesmo desejando-a
daquele jeito. Isso me incomodou, talvez até mais do que isso,
deixou-me irritado. Liam não teria o escrúpulo que eu estava tendo,
mesmo porque ele não precisava, já que não era o empregador de
Kara como eu. Se ele tentasse conquistar minha assistente, não
mediria esforços e, talvez, ela aceitasse seus avanços.
E por que não? Kara era uma mulher linda, solteira e não
havia nenhum tipo de obstáculo para o desenvolvimento de
qualquer relação entre eles. Liam nunca teria de usar um
relacionamento de mentira como desculpa para beijá-la.
Você é um hipócrita, Moore!, minha consciência acusava.
— O baile de hoje à noite será um evento formal... — Puxei
assunto para quebrar o silêncio entre nós. — Você tem alguma
coisa assim para usar?
Kara piscou algumas vezes, como se estivesse tentando se
concentrar no que eu perguntei, e aquilo me deixou curioso acerca
de seus pensamentos.
— Tem um vestido que Demir bei insistiu para que eu
tivesse...
— Vamos conferir.
Ela me encarou.
— Por quê? Acho que sei diferenciar um vestido casual de
um formal, senhor Moore. Além disso, se ele não servir, não
teremos tempo hábil para comprar outro.
Ri.
— Dinheiro faz qualquer tempo ser hábil, senhorita Çelik.
Abri a porta da suíte e, assim que entramos, o telefone
começou a tocar. Foi Kara quem o atendeu, enquanto eu separava
um dos meus ternos para mandar passar para ser usado à noite.
— Eu adoraria! — ouvi-a dizer animada e fiquei tenso,
imaginando que poderia ser Liam Stanton do outro lado da ligação.
— Combinado, estarei lá no horário! Obrigada!
Pigarrei e olhei para ela, esperando que me participasse do
assunto, contudo ela apenas me ignorou, tirando a toalha que
estava envolta em seu corpo – o que me deixou instantaneamente
excitado com a visão de suas curvas naquele maiô – e foi para o
banheiro.
— Quem era? — inquiri, por fim.
— Como?
Ela apareceu à porta, e tive que fazer um esforço gigante
para não ir até ela e usar qualquer desculpa para agarrá-la, jogá-la
na cama e...
— Ao telefone. — Tentei me manter concentrado.
— Ah, era uma ligação para mim, não um recado para o
senhor.
Kara ergueu a cabeça e olhou fixo nos meus olhos. Aquela
postura desafiadora fez meu sangue correr mais rápido e aumentou
o fluxo de sangue que se depositava no meu pau.
Eu me virei de costas para ela, fingindo escolher um sapato e
disfarçando meu estado lamentável sob o calção úmido.
— Espero que a senhorita se lembre de que, para todos os
efeitos, estamos juntos, como um casal, nesta viagem. Caso queira
aceitar as investidas de outro homem, saiba que é livre para isso
após o término do seu trabalho comigo.
Kara riu, atraindo minha atenção.
— Obrigada pelo esclarecimento! — E fechou a porta do
banheiro na minha cara, sem dizer mais nada.
Fiquei enfurecido e fui até a porta do banheiro, disposto a
exigir que ela me contasse qual era o compromisso que havia
firmado com Liam Stanton por telefone. Todavia, parei quando uma
mensagem chegou ao celular, enviada pelo hotel, confirmando
horário para Kara no spa naquela tarde.
Reli a mensagem algumas vezes e concluí que Samantha
devia ter reservado para que as mulheres presentes pudessem se
aprontar para a festa juntas. Ri de mim mesmo com sarcasmo,
achando-me um idiota e não acreditando na ceninha possessiva que
estava prestes a fazer ao exigir que ela me desse explicações.
Mas que porra!
Fui até a varanda e fiquei um tempo por lá, respirando fundo,
tentando entender o que estava acontecendo e admitindo, por fim,
que eu desejava Kara e que a impossibilidade de ter meu desejo
satisfeito estava me frustrando e me fazendo agir de forma
irracional.
Era isso! Eu nunca soube lidar bem com os “nãos” da vida,
sempre fui atrás do que queria até conseguir, mas, naquele caso,
satisfazer minha vontade era ir contra tudo em que eu acreditava.
Era ser igual ao meu pai, a única coisa que sempre me recusei a
ser.
Voltei para dentro do quarto e pedi a uma camareira que
fosse buscar meu terno para passar e os sapatos para lustrar, bem
como retornasse ao quarto para arrumar nossas coisas enquanto
estivéssemos na festa, já que a intenção era voltarmos para
Istambul depois do almoço no dia seguinte.
Kara saiu do banho no momento que eu solicitava o serviço
por telefone.
— Meu vestido também precisa passar. Peça para levarem
com seu terno e para me entregarem no spa.
Fiz o que ela pediu e, assim que desliguei, a encarei.
— O hotel confirmou seu horário no spa hoje.
Ela sorriu.
— Espero que não tenha problema eu ir me arrumar com
Samantha e as amigas dela.
Filha da puta!, pensei, vendo seu olhar divertido e o esforço
que fazia para não rir. Kara sabia que eu estava curioso por causa
da ligação e escondeu do que se tratava apenas para me contrariar.
— Nenhum! — Apontei para meu terno. — Vou tomar um
banho. Você poderia entregar minhas coisas quando a camareira
vier?
— Claro! Estou aqui para atender suas necessidades, senhor
Moore.
A frase provocadora não passou despercebida a mim e, se
fosse outra mulher, eu simplesmente teria ignorado, mas, por ser
Kara, foi impossível não provocar de volta.
— É? — Aproximei-me dela. — Acha que está fazendo um
bom trabalho quanto a isso?
Vi quando ela engoliu em seco e respirou fundo.
— O senhor é quem tem que julgar.
Os olhos escuros não se desviaram dos meus.
— Hum... — Enrolei uma mecha molhada de seus cabelos no
meu dedo indicador. — Não sei se todas as minhas necessidades
estão sendo satisfeitas, Kara.
Ela suspirou quando eu disse seu nome, entreabrindo os
lábios, ficando ainda mais sexy.
— Se o senhor puder esclarecer todas, talvez eu consiga
fazer melhor o meu trabalho.
Balancei a cabeça.
— Algumas não se trata de trabalho.
Vi quando ela segurou o fôlego e seus olhos brilharam. Kara
não estava imune a mim ou mesmo amedrontada. O clima que eu
sentia pairando entre nós era elétrico, cheio de tensão sexual e
desejo insatisfeito.
— Então é ainda...
A batida à porta a fez se afastar, e eu saí daquele torpor
causado pelo tesão. Balancei a cabeça e entrei no banheiro,
deixando que ela atendesse à camareira e entregasse nossas
roupas.
Estava difícil demais manter o controle com aquela mulher
por perto, e eu sabia que estava a um passo de ligar o foda-se e
apenas ir atrás daquilo que queria. Se não tivesse me comprometido
a participar do evento de Ahmet, daria um jeito de ir embora e pôr
fim àquela situação tão fora da curva em minha vida.
Voltaríamos para Chicago, eu buscaria uma colocação
melhor para Kara – bem longe de mim – e seguiria minha vida.
Certamente teria alguns contatos que estariam felizes em aliviar a
tensão sexual que estava acumulada ao longo daqueles dias na
Turquia.
É isso! Eu só precisava de uma mulher que me atraísse e
que me enchesse de tesão tal qual Kara tinha feito e então poderia
me satisfazer e tirar a garota da minha cabeça. Sim, porque a
senhorita Çelik não era nem o tipo de mulher por quem eu me
interessava – bem-sucedidas, emocionalmente e financeiramente
estáveis, que não tinham relação de trabalho ou negócios comigo e
mais velhas que ela, com certeza! A última vez que tive relação
sexual com uma mulher na faixa dos 20 anos de idade foi quando
eu era universitário.
A primeira vez que fiz sexo foi com uma veterana de outro
curso em Harvard. Ela tinha uns 21 anos, e eu era seis anos mais
novo. Sei que pode parecer estranho, afinal, eu era um garoto de 15
anos, mas, como já estava emancipado, terminando a universidade
e trabalhando na minha área, a “maturidade” não foi um fator
discrepante para nós.
Depois dela me relacionei com mulheres mais velhas e que
queriam o mesmo que eu: sexo casual. Até aquele momento, nunca
tinha tido um relacionamento, namorado ou tido um caso. Já havia
trepado com a mesma mais de uma vez, mas era geralmente
quando acabava encontrando em algum lugar, depois de um tempo
e quando tinha sido bom o suficiente para repetir.
Meu jeito frio de lidar com minhas relações – fossem elas de
quais tipos fossem – me rendeu o apelido de Homem de Gelo e isso
nunca me incomodou, pelo contrário, eu não escondia quem era
nem como agia. Então, quando percebia que alguma mulher queria
mais do que aquilo que eu estava disposto a dar, simplesmente me
afastava – antes ou depois de ter feito sexo.
Já havia deixado de foder com algumas mulheres gostosas
por causa das expectativas delas e não me considerava um homem
babaca por conta disso. As melhores coisas na vida aconteciam
quando duas pessoas estavam bem acordadas e tinham os mesmos
objetivos; se saísse disso, era encrenca na certa!
Olhei na direção da porta fechada do banheiro e refleti sobre
que tipo de mulher Kara Çelik era. Ela era muito jovem, mas isso
não queria dizer muito sobre experiências sexuais nem como ela se
relacionava. Talvez, até mesmo pela pouca idade, ela preferisse
relações casuais e não quisesse se prender a nada até o momento
em que tivesse conquistado primeiro seus objetivos individuais.
Dei de ombros, pensando comigo mesmo que não adiantava
ficar conjecturando, principalmente se minha decisão era de me
manter afastado dela.
Tomei meu banho, aproveitei e acertei a barba – mesmo
preferindo deixar isso para um profissional – e, quando voltei para o
quarto, não havia mais sinal de Kara. Aproveitei que estava sozinho
e liguei para meu tio, Graham Moore.
— Ah, o garoto deu sinal de vida! — atendeu rindo, de bom-
humor como sempre.
Poucas coisas na vida me eram tão preciosas quanto minha
mãe, minha irmã e meu tio Graham. Ele foi, durante um bom tempo,
minha referência de homem e, quando assumi os negócios de
minha família paterna, a pequena empresa que ele tinha foi a
primeira a ser incorporada ao banco Von Salis. A partir dela demos
origem à Gaea.
— Oi, tio! Como andam as coisas por aí? — perguntei,
servindo-me de uma dose de uísque e indo para a varanda onde
ficava a jacuzzi, com sua belíssima vista.
— Estou em Chicago, Sean. Nova Iorque está no ritmo
normal de sempre: acelerado! — Riu. — Mas tudo correndo bem.
— Algum problema em Chicago? — inquiri com certo
estranhamento, já que nada de anormal havia chegado ao meu
conhecimento.
— Não, vim para ver Mandy. Amanhã é aniversário dela e
não pôde ir nos encontrar em Nova Iorque em razão dos exames da
universidade.
Gemi, pois tinha esquecido completamente.
— Obrigado por lembrar! Vou pedir à senhorita Matthews que
compre algo e mande entregar para ela.
Graham riu alto.
— Pode deixar que eu compro e te mando a conta. Como
estão as coisas por aí? Algum avanço?
Não o que eu queria... Pigarreei.
— Sim. Dois acionistas que fazem parte do conselho
demonstraram insatisfação com as decisões de Abdullah e disseram
que não são os únicos. Hoje à noite irei participar de um evento
onde eles estarão e vou marcar uma reunião em Istambul. Eles
ficaram ansiosos para conversar comigo, mas eu disse que estava
em viagem recreativa. — Ri. — Aquilo que o senhor me ensinou
sobre demonstrar interesse demais... lembra?
— Claro! Estávamos negociando um videogame com nosso
vizinho em um bazar de garagem. — A lembrança me fez sorrir. —
Você queria muito aquele aparelho, porque não se fabricava mais há
anos e o dele estava seminovo.
— Sim! E sua lição foi: se mostrar que quer muito, vai
supervalorizar algo que podemos comprar por uma pechincha. E foi!
Lembro que ele ainda abaixou o preço depois de sua conversa e eu
fiquei lá, apenas ouvindo e aprendendo. Você foi um ótimo mestre!
— Que nada! Fazer dinheiro já estava no seu sangue! Anos
depois você enjoou do brinquedo e o vendeu por dez vezes o valor
que ele custou.
— É... Eu lembro! — Dei um longo gole na bebida.
— Bom, já que tocou no assunto... sobre sua viagem ser
recreativa. — Ele ficou um tempo mudo e, quando voltou a falar,
parecia desconfortável. — Alguém comentou comigo sobre você
estar acompanhado por uma jovem...
— Sim, estou — respondi, já prevendo o que ele ia dizer.
— É a moça que o acompanhou para fazer a tradução?
Merda!
— É, sim. O que estão falando aí, tio?
— Nada de mais. Um conhecido, que trabalha com Liam
Stanton, comentou comigo que vocês se encontraram na
Capadócia, onde, coincidentemente, você está de férias com sua
namorada no mesmo hotel que alguns empresários turcos.
Apertei o copo com força, imaginando que Liam devia ter
mandado alguém especular com meu tio. Bem típico dele!
— O que disse a ele?
— Que não conhecia sua agenda pessoal. — Deu uma risada
seca. — Sean, o que Liam Stanton faz em um congresso sobre
turismo?
Perseguindo minha assistente!
— Segundo Ahmet, Liam disse que tem interesse em investir
na área, mas me pareceu suspeito também.
— Vou mandar averiguar isso. Não gosto nada do jeito
dissimulado de Stanton. Enviou Albert com uma desculpa
esfarrapada apenas para ver se conseguia informações sobre sua
estada na Capadócia. Assim que voltar a Nova Iorque, irei descobrir
as reais intenções dele.
— Eu lhe agradeço, tio. Espero estar de volta em dois dias,
no máximo. Ainda o encontrarei em Chicago?
— Sim, ficarei uns dias aqui com sua prima.
— Preciso de uma vaga para... — Uma batida à porta me
interrompeu. — Nos falamos pessoalmente, é melhor!
Despedi-me dele e fui receber minha roupa, vinda da
passadoria. Estava me sentindo estranhamente ansioso por aquela
noite, ainda que tentasse a todo momento me convencer de que
seria uma noite normal, apenas com algumas definições no que se
referia aos negócios e nada mais.
— Boa noite, senhor! — A camareira sorriu e me estendeu
dois cabides, um contendo meu terno, e o outro com o vestido –
lindo e elegante – de Kara.
Peguei meu terno e expliquei a ela sobre o pedido de minha
assistente:
— A senhorita Çelik irá se vestir no spa do hotel. Por favor,
leve o vestido dela até lá.
— Perfeitamente!
Dei-lhe uma gorjeta e coloquei meu terno, perfeitamente
passado como eu gostava, pendurado no armário. Sorri ao perceber
que os trajes combinavam, meu terno e o vestido dela num tom
fechado de azul, quase confundível com o preto.
O pouco que vi do vestido de noite me agradou, embora
reconhecesse que a elegância da simplicidade pedia alguns
acessórios que certamente Kara não teria. Pensando nisso, entrei
em contato com o gerente do hotel através do telefone, torcendo
para conseguir o que estava planejando para surpreender minha
assistente mais uma vez naquele dia.
— Em que posso ajudá-lo, senhor Moore? — o gerente me
atendeu.
20 – Kara

— Que tal esse? — Samantha me mostrou outro modelo de


penteado em seu celular. — Acho que ficaria muito elegante com o
modelo de vestido que você descreveu.
Olhei para a foto e concordei com ela, gostando de como o
penteado deixaria de fora minha nuca, meus ombros e todo o meu
colo.
— Gostei desse! — disse ao cabeleireiro. — Só que, se fosse
possível, gostaria que fosse mais leve, sem tanto produto que
endureça os fios.
— Nada de laquê! — Samantha determinou. — Acho que dá
para aproveitar os cachos lindos que nossa Kara tem!
— Certamente! — ele concordou, pegando meus cabelos e
balançando-os.
Ele me virou de costas para o espelho, alegando que queria
ver minha reação ao penteado já pronto, e começou a trabalhar.
Tentei relaxar, mesmo estando ansiosa, e foquei em como aqueles
momentos ali com aquelas mulheres haviam sido únicos.
Eu nunca tinha ido a um spa, mas achava que sabia como o
local era e o que se fazia por lá. Porém, não podia estar mais
errada!
Os profissionais do lugar – requintado, tranquilo e confortável
– nos receberam primeiro com uma massagem relaxante incrível, e
eu, como havia acordado cedo e dormido tarde, acabei
adormecendo.
Depois da massagem, fui levada até uma sala, onde tomei
banho e vesti um roupão felpudo antes de ter meus cabelos lavados
e hidratados enquanto uma manicure fazia minhas unhas e uma
pedicure cuidava dos meus pés. Eu me senti como uma princesa,
bebi champanhe, ri e conversei muito com Samantha, Zeynep e
Mikaela.
Havia mais umas cinco mulheres no spa, mas apenas as
cumprimentei, pois estavam separadas em outros grupos e não tive
oportunidade de me aproximar delas.
Fizemos uma refeição leve conforme todas terminavam de
ser atendidas e então me sentei na cadeira para ser maquiada e
penteada. Meus cabelos foram secados com difusor, de maneira a
ressaltar meus cachos, e nunca na vida eu havia feito uma
maquiagem tão espetacular quanto aquela.
Quase ri quando a maquiadora me perguntou qual era o
estilo que eu gostava, porque geralmente eu apenas usava blush,
batom e máscara de cílios. Tentei fazer algo melhor, usando base,
corretivo e iluminador, quando cheguei a Istambul, depois de ter
visto alguns tutoriais que Rosalia me indicou.
— Você não precisa de muita coisa, sua pele é linda! — a
moça havia dito. — Vamos só intensificar sua beleza e fazer um
olho bem dramático para a noite.
E ela fez!
Quando me olhei no espelho, percebi que estava com medo
de não me reconhecer, mas aquilo não aconteceu. Ainda era eu,
mas com um olhar misterioso, sexy, mais mulher do que menina.
O primeiro pensamento que cruzou minha cabeça foi sobre
Sean e como ele iria reagir ao me ver naquela noite. O vestido azul-
escuro de seda era simples, mas, eu tinha certeza, muito elegante.
Quando o provei no hotel em Istambul, com Demir bei, senti-me
transportada para uma realidade de tapetes vermelhos e glamour e,
por aquele motivo, neguei a escolha.
Por sorte, o personal shopper era um profissional que sabia o
que fazia e me garantiu que, em algum momento, estando ao lado
daquele homem, eu iria precisar daquele tipo de roupa.
— Ah, que peça linda! — Ouvi Samantha suspirar e abri os
olhos, deparando-me com meu vestido junto aos de outras
convidadas em uma arara de rodinhas. — Aposto que esse é o seu!
— Assenti, sentindo-me orgulhosa. — Além de linda, sabe escolher
qual estilista vestir! Eu amei essa coleção, vi em um desfile em
Milão.
Eu não fazia ideia de quem era a estilista, apenas que o
vestido devia valer o que eu ganhava em um ano trabalhando nos
dois turnos. Minha mãe era costureira, sempre trabalhou em fábrica
antes de seus dois empregos atuais, e eu entendia um pouco de
tecido e modelagem, mesmo que não conhecesse moda ou
acompanhasse os estilistas famosos.
— Pronto! — o cabeleireiro anunciou, já girando a cadeira. —
Veja se ficou do jeito que queria.
— Uau! — Inclinei-me na cadeira para me aproximar do
espelho, virando a cabeça para tentar enxergar de todos os ângulos.
— Um minuto! — Ele pegou um enorme espelho e o
posicionou atrás de mim, ajudando-me a ver atrás.
— Está belíssimo! — Zeynep aplaudiu.
Concordei, sentindo um bolo na garganta, porque me ver
daquele jeito era algo que não havia imaginado. Tentei não chorar
para não borrar a maquiagem e sorri feliz por aquela oportunidade,
desejando ligar para minha mãe e para Rosalia e dividir com elas
minha alegria.
Podia parecer bobagem para as mulheres presentes, algo
corriqueiro, mas para mim era como um presente. Não fui ao baile
de formatura, mas, sempre que sonhava com aquele dia, era
daquele jeito que eu estava nos meus sonhos.
— Se Moore já não estivesse de quatro por você, querida,
certamente você o deixaria nessa posição hoje! — Samantha riu. —
Vou ajudá-la a se vestir enquanto Mikaela é penteada!
Levantei-me da cadeira, mas, em um impulso, abracei o
cabeleireiro e lhe agradeci, deixando-o surpreso e depois segui com
Samantha até outra sala, onde tirei o vestido da capa e alisei as
camadas de seda pura da saia como se estivesse fazendo-lhe
carinho.
— Eu estava louca para usá-lo! — admiti.
— Pois bem, chegou o momento!
Sorri e dei alguns pulinhos, ficando de frente para o espelho
de corpo inteiro. Coloquei o vestido sobre o corpo e esperei que
Samantha fechasse os botões minúsculos que ele tinha nas costas.
O modelo era fluido, longo, com uma saia com caimento
perfeito, marcando as curvas dos meus quadris e se abrindo a partir
dos joelhos até cair rodada no chão. Ela era ligada ao busto por
uma faixa, o decote em V pronunciado nas costas e no colo era o
ponto focal da peça, pois a seda havia sido trabalhada toda
drapeada na vertical, criando uma impressão de alongamento.
— A escolha do penteado realmente foi perfeita! Você está
linda! — Samantha me ajudou a calçar as sandálias e depois
procurou algo na capa do vestido. — Trouxe suas joias contigo,
querida?
Ah, merda!
— Não... Eu... — Pensei no colar simples que eu tinha e nos
brincos que estavam no meu nécessaire no quarto. — Ficaram lá
em cima, na suíte. Mas... — engoli em seco — talvez não use nada.
O que acha?
Ela deu de ombros.
— Linda como você é, realmente não precisa, mas um belo
colar alongado no meio desse decote ficaria lindo!
Concordei, mas sabendo que eu não tinha o que fazer, pois o
colar que eu tinha, além de fino e curto, não tinha nem mesmo um
pingente para enfeitar o tanto de pele do meu colo que estava à
mostra.
— Sean já deve estar pronto. — Sorri e a abracei. —
Obrigada por essa tarde tão deliciosa!
— Foi um prazer poder conhecê-la melhor. Conheço Sean
desde a universidade e... bom, nunca o tinha visto com ninguém. —
Sorriu. — Que bom que você apareceu na vida dele!
Ela nem podia imaginar que eu realmente apareci no
caminho dele e, se não fosse em razão de horas extras e um
cafezinho derramado na mesa, ele não saberia sequer meu nome.
Aquela constatação me causou uma sensação estranha,
porque me dei conta de que, se Tom não tivesse se acidentado e eu
não tivesse dobrado o turno naquele dia, eu estaria seguindo minha
vida – de casa para o trabalho – e nunca teria a chance de conviver
com Sean e sentir todas aquelas coisas que ele me fazia sentir.
E não, não era pelas coisas que Sean Moore podia me
proporcionar, mas sim pelo que eu sentia quando estávamos juntos.
Ele me despertou o desejo, fez-me conhecer a sensação de querer
alguém e de arder por um toque apenas que fosse.
Despedi-me de todas, peguei minhas coisas e voltei para a
suíte, respirando fundo para me encontrar com Sean vestida
daquele jeito, esperando uma reação positiva a todas as escolhas
que eu havia feito para aquela noite.
Bati à porta, esperando que ele respondesse. Meu coração
palpitava e eu estava bem agitada, ansiando que Sean me visse
com toda aquela produção. Esperava que ele gostasse do vestido,
da maquiagem e do cabelo e que ficasse encantado comigo como
eu sempre ficava...
Ele abriu a porta, e meus pensamentos fugiram no mesmo
instante.
Eu esperava impacto, esperava sorrir elegantemente e talvez
até dar uma voltinha descontraída para que ele me olhasse por
inteiro, mas fiquei petrificada com a visão dele!
Puta merda!
Sean estava parado, segurando a maçaneta da porta, vestido
com um terno impecável, uma camisa tão alva quanto a neve e uma
gravata de dois tons, discreta e elegante. A roupa era linda, eu sabia
que vestiria bem qualquer homem, mas espetacular daquele jeito só
estava porque era ele!
Um homem de mais de 1,90m, forte, bem-vestido, com um
rosto que podia ser usado como modelo de perfeição masculina
estava à minha frente, olhando-me intensamente, como se me
avaliasse dos pés à cabeça com suas íris azuis brilhando.
Respirei fundo e sorri, balançando um pouco o corpo,
fazendo com que a saia do vestido – levemente esvoaçante –
bailasse em volta das minhas pernas.
Sean pigarreou e saiu do meio da porta, deixando que eu
entrasse.
— Achei que eu a iria encontrar lá embaixo — comentou,
postando-se de frente para um espelho e ajeitando os punhos da
camisa, que ainda estavam abertos.
Desviei os olhos daquele monumento humano, coloquei
minhas coisas em cima da poltrona do quarto e segui até o banheiro
para pegar meu nécessaire e colocar minhas apagadas bijuterias.
— Eu pensei em testar alguns acessórios — justifiquei.
Sinceramente, eu esperava que pelo menos os brincos
ficassem bons, mas a verdade era que eu estava ansiosa demais
para encontrá-lo e usei aquela história como desculpa para subir até
a suíte e ver a reação dele sem termos ninguém por perto.
Bom, não foi como eu esperava! Dei de ombros ao pensar
que ele não disse nada, nem mesmo deu um sorriso de agrado.
Coloquei os brincos nas minhas orelhas e suspirei, porque
realmente pareciam fora de contexto diante de toda aquela
produção. Eles não combinavam com a elegância do vestido, mas
era o que eu tinha para usar, então resolvi deixá-los, porém sem o
colar.
— Ah... Você tem brincos — Sean disse assim que saí do
banheiro.
— Tenho... — respondi, sem entender. — São simples, mas...
— Se importa se... — ele pegou uma caixa — usar algo
diferente?
De novo meu coração acelerou e eu fiquei levemente tonta
ao perceber o que ele tinha nas mãos.
— Não... — Encarei-o. — Não me importo.
Sean sorriu e abriu o estojo, expondo dois belíssimos brincos
cheios de pedrinhas brilhantes. Toquei-os com cuidado e ri nervosa.
— Espero que isso não seja diamante...
Ele os tirou da caixa, esperando que eu tirasse os meus, e
depois os entregou a mim para que eu os colocasse. Posicionei-me
diante do espelho ao qual ele estava se arrumando antes e admirei
as duas delicadas peças.
— Gostou?
Encarei-o pelo reflexo do espelho e sorri, assentindo.
— São lindos! — Mexi no lóbulo das orelhas para vê-los
brilhar, então vi quando Sean se aproximou por trás e, sem avisar,
colocou uma linda corrente clara no meu pescoço, com um pingente
em forma de lágrima com pedras brilhantes em volta de uma
enorme turquesa, que ficou bem entre meus seios. — Meu Deus!
Toquei a pedra, que havia visto pela primeira vez de perto em
Göreme, em uma lojinha de artesanato, e lembrei-me de que o guia
havia explicado que era natural dali e que o nome do país havia sido
escolhido por conta daquelas pedras.
— Quando vi o colar, pensei que ficaria lindo em você.
Fiquei emocionada com aquele gesto e senti meus olhos
úmidos.
— Como foi que... Quando?
Sean se aproximou mais, encostando seu corpo no meu, e
segurou meus ombros.
— Tive um spoiler do seu vestido quando a camareira veio
entregar meu terno. — Sorriu charmoso. — Pensei que você tinha
que ter uma joia para descansar no meio do seu decote.
Os dedos dele desceram pela minha pele, seguindo a
corrente e pararam perto do pingente. Eu sentia o calor da palma de
sua mão sobre meu mamilo direito e quase não conseguia respirar
de antecipação, esperando que ele me tocasse.
Não tiramos os olhos um do outro, os dois de frente para o
espelho, os últimos raios do sol daquele dia entrando no quarto
pelas frestas das cortinas, deixando tudo ao nosso redor dourado,
parecendo mágica.
Meu corpo se aqueceu, senti uma pressão diferente e
gostosa entre minhas coxas. Meus lábios formigavam e meus
mamilos se eriçaram, marcando a seda do vestido. Eu respirava
curto, rápido, mas, fora isso, não me movia, apenas aguardando
qualquer gesto dele para me derreter em seus braços.
Sean se inclinou sobre mim, encostou o nariz no meu
pescoço e me cheirou, causando um turbilhão de sensações em
minha pele, fazendo-me arrepiar inteira.
— Você é linda, Kara! E está deslumbrante esta noite. —
Segurou-me pela cintura e me virou, colocando-me de frente para si.
— Eu terei um enorme prazer em estar ao seu lado!
Sorri, ainda trêmula.
— Eu também! — Tomei coragem e acariciei seu rosto. Sean
fechou os olhos. — Você está incrível!
Sorriu e me olhou divertido.
— Fazemos, então, um belo casal!
Oh, Deus, não me deixe levar isso a sério!
Suspirei, sabendo que já havia perdido aquela guerra com
meu coração.
— Fazemos!
21 – Sean

Kara estava um verdadeiro espetáculo aos olhos e aos


sentidos! Eu fiquei um tempo sem saber o que dizer assim que abri
a porta e a vi no corredor, lindamente arrumada para o evento
daquela noite. Não tive reação, mas também não consegui tirar os
olhos dela.
Observei-a enquanto subíamos até o rooftop do hotel, onde
aconteceria o baile de encerramento do congresso, e a admirei com
aquele vestido e as joias, que combinaram perfeitamente com seu
tom de pele. Tive vontade de rir quando ela arregalou os olhos ao
ver os brincos e brincou que esperava que não fossem diamantes
de verdade.
É claro que eram, assim como todas as pedrinhas que
circulavam a turquesa no pingente do colar, que era feito de platina.
Eram joias caras, exclusivas, tive que fazer seguro e declarar a
compra para o governo, mas valeu a pena cada minuto que perdi
diante da burocracia. O conjunto deixou a beleza clássica de seu
vestido de seda ainda mais sofisticada.
Kara me olhou de esguelha e sorriu, conferindo o cordão,
levando a mão rapidamente até o pingente. Notei que ela estava
nervosa, afinal, era seu primeiro grande evento de luxo, junto a
empresários do mundo todo.
— Você está magnífica! — ressaltei o elogio e apoiei a mão
nas suas costas, insinuando meus dedos pelo decote traseiro do
vestido, massageando sua pele. — Certamente serei o homem mais
invejado da noite.
Kara quase não respirava. Senti-a estremecer na minha mão
e sua pele ficou levemente arrepiada. Ia perguntar se estava com
frio, quando ela fechou os olhos e gemeu baixinho, o som
escapulindo por seus lábios entreabertos.
Ela está reagindo a mim!, pensei com satisfação. Os mamilos
entumecidos marcavam a seda do vestido, e ela se esfregava mais
contra minha mão.
Aquilo me deixou louco! Kara ronronava feito uma gata,
apreciando meu toque, desfrutando daquela intimidade leve e
roubada em um momento efêmero. Aproximei-me mais,
encostando-a no meu corpo para que sentisse o quanto estava me
deixando excitado, e a reação dela ao sentir meu pau duro foi ainda
mais sensual do que se tivesse me tocado: ela parou de mexer os
ombros contra minha mão e começou a rebolar contra minha
ereção.
Puta que pariu! Tudo o que eu queria era pegá-la pela
cintura, surpreendendo-a a ponto de vê-la arregalar os olhos e abrir
a boca, sem saber o que estava acontecendo. Então, empurrá-la
contra a parede metálica do elevador, arrancando um gemido pelo
material gelado contra sua pele quente, segurar firme em sua nuca
e devorar sua boca com todo o ardor que eu sentia.
Dane-se o batom borrado;
Dane-se meu terno amarrotado;
Dane-se a risada de outros convidados quando a porta do
elevador se abrir...
O som real me fez voltar à realidade também e perceber que
não estava apenas desejando fazer aquilo, eu havia feito!
Kara estava esmagada contra o elevador, o batom vermelho
levemente borrado, os lábios inchados, meu corpo colado ao dela,
minha mão segurando firme em sua nuca.
Em seu olhar era possível notar surpresa, mas também
desejo e a frustração por não podermos continuar aquele beijo.
Esqueci que tínhamos alguns espectadores e encostei minha testa
na dela.
— Borrei seu batom — informei rindo.
Kara sorriu de volta.
— O maquiador disse que não transferia. — Ela passou o
polegar pelo meu lábio inferior. — Acho que não fizeram teste com
um beijo seu.
Gargalhei alto e a peguei pela mão, conduzindo-a para fora
do elevador.
— Vamos achar um toalete para que possa retocar seu
batom, e eu, limpar minha boca.
Passamos pelas pessoas com rapidez, sem olhar
diretamente para elas a fim de que não nos parassem a caminho do
banheiro. Deixei Kara em frente ao toalete feminino e entrei na porta
ao lado, onde indicava ser o masculino.
As instalações eram boas, com muitos produtos disponíveis
para os convidados da festa. Peguei um lenço umedecido e passei
no lábio onde ainda tinha pouco resquício do batom dela.
— Já começou bem a noite, hein, Moore? — um homem me
saudou. Eu o olhei sério pelo espelho e ele logo sumiu da minha
visão.
Eu nunca dava intimidade para quem não conhecia de
comentar sobre minha vida pessoal, muito menos fazer qualquer
tipo de brincadeira que pudesse expor a mim e Kara.
— Preciso manter o controle da situação! — falei comigo
mesmo, olhando-me no espelho.
Por mais que eu já não tivesse dúvidas com relação à
atração mútua que sentíamos, não mudava nada quanto a ela ser
minha funcionária e estar naquela viagem comigo a trabalho.
Lavei as mãos e, quando saí, Kara já havia saído e
conversava com o insuportável Liam Stanton. O homem era pior do
que um cão perdigueiro, parecia que sentia o cheiro de Kara e a
perseguia, pois não era possível que, no meio de toda aquela gente
– tinham mais de 100 convidados ali presentes –, ele tivesse
encontrado justamente ela.
— Liam! — cumprimentei-o e abracei Kara. — O primeiro
rosto conhecido com quem nos encontramos. Que coincidência!
Ele sorriu de lado.
— Ouvi comentarem que a mulher mais bela da festa havia
chegado e eu tinha certeza de que falavam de Kara.
Ela sorriu lisonjeada, mas também era visível que estava um
tanto constrangida com toda aquela atenção dele.
— Sim, ela é a mulher mais bela da festa, mas está muito
bem acompanhada. — Pisquei para Kara a fim de descontraí-la um
pouco. — Vamos, querida?
— Vamos! Foi um prazer revê-lo, senhor Stanton.
Sorri, todo vitorioso, para Liam, despedindo-me dele com um
aceno de cabeça. Sempre fui um homem competitivo e adorava
ganhar a maioria das batalhas que travava – estou sendo modesto
aqui. A sensação de saber que Kara estava ao meu lado, enquanto
poderia estar com qualquer um naquele ambiente, era tão foda
quanto triunfar em uma negociação.
Vi muitos rostos conhecidos e, até encontrarmos nossos
amigos, cumprimentei cada um apenas com gestos, sem parar para
conversar.
— Aí está ela! — Samantha foi quem nos recepcionou da
mesa à qual estava sentada. — Não disse que estava lindíssima,
Ahmet?
Meu amigo de longos anos assentiu e me deu uma olhada
profunda, cheia de perguntas tácitas.
— A bela do baile! — Pegou a mão de Kara e inclinou-se
como se fosse beijá-la, em um gesto de galanteio antigo e elegante.
— Está belíssima, senhorita Çelik.
— Obrigada, Ahmet bei.
Samantha puxou Kara para apresentá-la a mais duas
mulheres que estavam sentadas à mesa junto a Mikaela e Zeynep,
que ela havia conhecido mais cedo.
— Vocês parecem realmente um casal de verdade.
O comentário de Ahmet me fez parar de prestar atenção em
Kara. Não esperava ter aquele tipo de conversa com ele, ainda que
tivéssemos alguma intimidade por conta dos anos de amizade
construída desde que eu era um menino.
— A ideia é parecermos mesmo um casal. Que bom que
estamos dando veracidade à história que inventei. — Encarei-o
sério. — Mas nós não somos.
— Conhecendo você, sei que não, mas confesso que às
vezes chego a duvidar. Samantha comentou comigo hoje sobre o
beijo cinematográfico que vocês trocaram na piscina. Ela não sabe
dos motivos que o trouxeram até aqui, então está toda feliz por
você, inclusive disse que Kara foi a melhor mulher que apareceu em
sua vida.
— Espero que esconder dela o que Kara realmente é não te
ponha em apuros.
Ele deu de ombros.
— Sam compreenderá que apenas mantive minha palavra,
mas prepare-se para uma ligação com xingamentos. — Riu. —
Conversei com Tarik e Faruk hoje mais cedo e os dois estão muito
animados com a perspectiva de a Gaea comprar a Tron.
— Sim, os dois ficaram deslumbrados ao me conhecer e
tomar café conosco. Eles não me preocupam. — Apontei
discretamente para onde estavam outros dois acionistas – mais
conservadores – da empresa que eu queria adquirir. — Mohamed e
Farid são os que me preocupam, mas consegui fazer com que eles
me encontrem ainda por esses dias em Istambul.
— Então vai mesmo ficar mais uns dias? — Assenti. — Faruk
vai fazer a ponte com os outros membros do conselho.
— Abdullah não vai aguentar a pressão.
Sorri, já sentindo o gosto da vitória.
— A ideia é essa!
— Não, não, não! — Samantha se aproximou. — Aposto que
estão falando de trabalho! Sean está de férias, Ahmet, e a festa hoje
é para diversão! — Ela me puxou para sentar-me junto à Kara e
apresentou-me aos outros convidados.
— Está tudo bem? — perguntei baixinho à minha assistente.
Ela sorriu e, surpreendendo-me, pegou minha mão debaixo
da mesa. Estava gelada, e eu compreendi que Kara estava nervosa.
Esfreguei minha mão na dela para transmitir alguma segurança e
sorri.
— Você precisa se soltar um pouco. — Ergui a taça de
champanhe e logo apareceu um garçom e a encheu. — Só não
exagere, ok?
Ela ergueu a sobrancelha diante do meu conselho, mas
tomou um gole.
— Não aprecia mulheres que bebem, senhor Moore?
— Não aprecio exageros, senhorita Çelik.
— Hum...
Esperei que dissesse algo a mais, porém tomou mais um
gole curto da bebida e não se pronunciou. Depois se entreteve
conversando com as mulheres à mesa e acabei seguindo o mesmo
caminho, trocando algumas palavras com Ahmet e seus amigos.
Não conhecia ninguém ali profundamente, mas sabia o que
faziam e qual empresa representavam. A área do turismo nunca me
atraiu realmente, então dificilmente eu investia no ramo. Mas, claro,
eles sabiam quem eu era e certamente adorariam que me
interessasse por seus negócios, por isso davam detalhes e faziam
com que parecessem muito lucrativos.
O jantar finalmente foi servido e, graças ao bom-senso de
quem organizou tudo, os discursos só aconteceram após a
sobremesa. Foi uma parte enfadonha, e aproveitei o tempo para
conversar com Kara.
— Já havia ido a algum evento assim? — inquiri, mesmo
antecipando que a resposta dela seria não.
— Nunca. Só tinha visto em filmes. — Sorriu, mas depois
mordiscou o lábio inferior e se aproximou, confessando baixinho: —
Esta parte é chata.
Tive que me segurar para não gargalhar, porque ela colocou
em palavras o que 99% dos presentes pensavam.
— Faz parte do protocolo, mas também acho um porre. —
Pisquei. — Eu me lembro do meu baile de formatura na
universidade. Estava desesperado para a entrega de diplomas
terminar para que eu pudesse me acabar na festa.
— E se acabou? — Seu olhar curioso demonstrava o quanto
queria saber dessa fase da minha vida.
— Não realmente. Eu era um pé no saco naquela época,
levava as coisas muito a sério. — Dei de ombros. — Talvez fosse
por me cobrar uma maturidade exacerbada para provar que, mesmo
tão novo, eu era digno de confiança.
Ouvi quando ela suspirou.
— Eu entendo você. — Seu olhar era distante e sua voz,
baixa. — Claro que não sou um tipo de gênio que se forma na
adolescência... — Eu ri e ela me olhou surpresa. — Você não pode
achar normal ter se formado com 15 anos de idade!
Meu sorriso sumiu.
— Não acho, Kara, mas foi o que aconteceu comigo, porém
não me acho um tipo de gênio. Focado, talvez... — Ela rolou os
olhos, como se eu estivesse usando de falsa modéstia. Então, eu
não soube por quê, sentei-me de frente para ela e disse algo que
nunca havia confessado nem para mim mesmo: — Eu gostaria de
ter tido uma vida normal. — Kara ficou séria. — Terminar o ensino
médio com o pessoal da minha idade, cursar a universidade e fazer
todas as bobagens que os universitários fazem, mas não foi o que
aconteceu.
— Eu nunca havia pensado que... — Engoliu em seco, sua
garganta chamando minha atenção. — Deve ter sido difícil se
adequar.
Opa! O som de “pena” na voz dela me deixou incomodado e
logo abri um sorriso irônico e completamente frio.
— Nada com que eu não pudesse lidar. — Peguei meu copo
de uísque e o balancei, sem realmente vontade de tomá-lo. — E
você? Fez todas as besteiras que uma adolescente faria?
Kara enrugou a testa e negou, sem sorrir.
— Não dava.
Mais uma vez esperei que continuasse e, como percebi que
ia encerrar o assunto, deixando-me curioso, perguntei:
— Por que não?
Mais um suspiro.
— Minha mãe tinha dois empregos, senhor Moore, e ainda
costurava aos finais de semana. Tudo isso para que pudéssemos
viver sem depender de ninguém. Comecei a ajudá-la assim que
pude, primeiro com empregos de verão e sendo babá à noite.
Depois, assim que terminei os estudos, com emprego de tempo
integral.
— Na Gaea. — Ela assentiu. — Sua mãe já se aposentou?
— Não e está longe de isso acontecer, mas agora não
costura mais. Onur, meu irmão, trabalha nas férias e eu...
— Faz dois turnos, quando deveria estar estudando —
completei.
Ela deu de ombros.
— É a vida. Você se graduou cedo; talvez eu não me gradue
nunca.
Apertei a mão dela com força.
— Não use essa palavra. Nunca é tempo demais para quem
só está começando a vida.
O jeito que ela me olhou quando eu disse aquilo, uma típica
frase de camiseta, fez meu abdômen se contrair e meu sexo inchar.
Kara era uma mulher bonita, jovem, atraía-me muito, mas algo
dentro dela, exposto por seus olhos amendoados enormes, fisgou-
me.
Bebi todo o uísque de uma só vez e o garçom encheu o copo
de novo, enquanto eu tentava encontrar um ponto de equilíbrio para
a minha razão, que estava à beira do precipício, pronta para pular e
me abandonar naquela noite.
Tentei listar todos os motivos pelos quais não deveria me
envolver – de forma alguma – com Kara Çelik, mas o único que
ficava rodando infinitamente em minha mente era o fato de ela ser
minha funcionária.
A pista de dança foi aberta, com um DJ tocando músicas
eletrônicas animadas, e vi Kara sendo arrastada para dançar com
Samantha e as outras mulheres.
— Não vai dançar? — Ahmet me perguntou, e eu apenas
bufei qualquer coisa, fazendo-o rir. — Por que será que Stanton
veio, afinal?
O nome do homem me fez olhar na direção que Ahmet
observava e o vi dançar em volta do grupo feminino como fazem as
abelhas em volta de um enorme e apetitoso pote de mel.
— Ele não deve ter o que fazer — respondi entredentes,
mesmo tendo tido o mesmo pensamento e pedido a meu tio para
averiguar.
Ahmet me olhou de soslaio.
— Moore, o homem é extremamente bem-sucedido. Acha
mesmo que está aqui sem motivos? Você está aqui sem motivo?
Desviei os olhos de Liam e voltei minha atenção a Ahmet.
— Sabe de algo? — Ele negou. — Desconfia?
Ele sorriu malicioso.
— Sabe que sua poker face nunca foi boa comigo. Desconfio,
assim como você. — Voltou a olhar o homem dançando no meio do
grupo de mulheres. — Ele anda cercando demais o grupo de
Samantha. Minha esposa diz que Liam apareceu várias vezes em
locais onde estavam somente elas.
Franzi a testa, lembrando que, mais cedo, na piscina, ele
também estava no grupo de mulheres.
— O que esse filho da puta quer?
Assim que acabei de fazer a pergunta retórica, a música
mudou e vi, segundos antes de abandonar meu copo na mesa e
caminhar com passadas largas para a pista, Liam se aproximar de
Kara.
— ...prazer desta dança?
Ouvi o final do convite e, com um sorriso de satisfação,
respondi:
— Sinto muito, Stanton, Kara reservou a primeira dança a
dois para mim. — Puxei-a pela cintura. — Certamente há alguma
mulher sem acompanhante no salão para dançar contigo.
Liam ergueu as mãos em sinal de rendição e saiu, fazendo
um gesto cortês com a cabeça para Kara. Ele me encarou antes de
virar as costas e pude ler naquele olhar que o jogo ainda não tinha
acabado. Aquilo me intrigou ainda mais, porque eu não conseguia
entender o que aquele homem queria comigo.
Liam Stanton e eu nunca fizemos negócios juntos nem nunca
disputamos – nem no trabalho, muito menos pelas mulheres –, e
aquela atitude dele, cercando Kara, mesmo sabendo que ela e eu
estávamos juntos, começava a me irritar.
— Tudo bem?
A voz dela me trouxe de volta ao momento e eu assenti,
segurando-a mais firme em meus braços.
— Sabe dançar? — perguntei apenas por diversão, mas o
rosto dela revelou a verdade antes mesmo de sua resposta.
— Não. — Riu nervosa. — Eu ia negar o pedido do senhor
Stanton e retornar à nossa mesa, mas...
— Eu surgi. — Interrompi-a antes que descrevesse minha
incursão possessiva para tirá-la de Liam, sendo que ela nem tinha
intenção de aceitá-lo. Idiota! — Bom, não vai ser a primeira vez que
você faz uma coisa inédita comigo.
No mesmo instante que eu disse isso, Kara ficou levemente
ruborizada e sorriu acanhada. O jeito que ela mordia o lábio inferior
– levemente, não com sedução ou com intenção – era um indicativo
de que tinha ficado nervosa.
O gesto me despertou curiosidade, afinal, estava falando da
viagem e de todas as coisas que ela não tinha imaginado viver e
que vivera em minha companhia, porém certamente ela não havia
pensado o mesmo que eu.
Tentei conduzi-la com movimentos o mais simples possível.
Não era difícil dançar uma balada romântica a dois, nada
complicado como um tango ou uma valsa, e Kara me seguiu
levemente, deixando-me guiar seus passos, entregando o controle
de seu corpo para mim.
Foi sexy pra caralho! Uma dança inocente me fez ferver de
tesão e eu fiquei imaginando se na cama ela seria tão entregue
como estava sendo no salão.
Moore! Minha consciência tentou me alertar quando minha
imaginação foi por esse caminho, mas já era um esforço fracassado
lutar contra meu corpo e o que eu queria.
Acariciei suas costas, gostando da sensação da seda
deslizando sob minha mão e pensei em uma área do corpo de Kara
que seria suave ao toque, quente, macia e – por favor! – úmida.
Instintivamente comecei a traçar círculos com os dedos, a apertá-la
mais contra meu corpo e a observá-la com fome.
Kara fechou os olhos, erguendo um pouco a cabeça,
deixando de prestar atenção ao ritmo da música, agindo
automaticamente aos meus movimentos. Senti seu fôlego quente,
seu perfume simples e gostoso e me perdi totalmente na sensação
de completo fascínio.
Eu estava enfeitiçado, era isso! Tudo deixava de ter
importância quando o desejo por aquela mulher nublava meus
pensamentos. Só conseguia pensar em como seria e quando a teria
em meus braços, gemendo, suando e pedindo mais.
O quadro que era pintado pelo meu tesão não era simples,
mas cheio de cor, produto de marcas avermelhadas na minha pele
causadas pelas unhas e pelos dentes dela, arranhões deixados por
minha barba nos seios macios e sensíveis, lábios inchados e
brilhantes em volta da cabeça do meu pau...
Moore!
Mais uma vez tentei me conter, respirei fundo, olhei em volta,
mas na verdade nem ouvia mais a música, muito menos as pessoas
à nossa volta. Estava em um torpor estranho, concentrando apenas
na mulher que havia entrado na minha vida fazia pouco tempo e que
me fez reconsiderar um dos meus mais inquebráveis princípios.
Ela é sua funcionária, Moore... Sua funci... o... ná....
Os dedos de Kara acariciaram minha nuca. Seus olhos
brilhantes não escondiam o desejo e, daquela vez, ela se
aproximou, esticou-se – mesmo estando de saltos altos – e roçou de
leve sua boca na minha.
Foda-se!
Ajudei-a inclinando-me um pouco e retribuí o beijo
profundamente, buscando sua língua com a minha, apreciando o
sabor de champanhe em sua saliva. Paramos de dançar e nos
agarramos um ao outro em desespero.
Já era... Estou perdido!
22 – Kara

Eu não soube o que deu em mim para tomar a iniciativa,


apenas fiz aquilo que sentia vontade de fazer e, quando dei por
mim, meus lábios já estavam colados nos dele. Foi um beijo singelo,
um pouco tímido se comparado à potência do meu desejo por ele,
mas, como eu não sabia se seria bem recebido – ou correspondido
–, fui devagar.
E Sean não só o recebeu bem, como retribuiu da forma com
que eu queria ter dado o beijo, cheio de paixão, fazendo-me sentir
as pernas bambas e tudo ao redor desaparecer. Já não existiam
mais pessoas na pista de dança, nem as vozes das conversas ao
nosso lado, muito menos a melodia que a banda tocava. Meu corpo
apenas se movia com o dele, nossas línguas também bailando no
mesmo ritmo, meu coração disparado de expectativa e alegria.
Eu não sabia mensurar se o tempo de duração do beijo foi
longo ou curto, até mesmo essa percepção se perdeu, mas, quando
deixamos de nos beijar, ficamos um tempo com o rosto ainda
próximo um do outro, até eu me aconchegar no peito largo dele,
sentindo-me nas nuvens, como um tipo de Cinderela numa noite
encantada.
Tudo era novo para mim e eu estava confusa. Sentia-me
como descreviam minhas amigas quando estavam apaixonadas,
mas ainda tinha medo de pôr qualquer tipo de nome naquela
experiência. Minha única certeza era a de que meu corpo desejava
o dele e que queria mais do que somente aqueles beijos
esporádicos.
Sean alisava minhas costas e a gente se balançava, mal
movendo os pés, no ritmo lento da música romântica que tocava.
Somente quando a banda parou de tocar é que nos separamos. Ele
sorriu, fez uma carícia em meu rosto e se aproximou. Achei que iria
me beijar novamente, mas então sussurrou no meu ouvido:
— Acho que, depois disso, ninguém mais vai ter dúvida
alguma... Foi uma bela representação.
Meu corpo paralisou e ficou repentinamente frio depois dessa
declaração. Eu o encarei e o vi sorridente, leve, como se realmente
tudo aquilo não passasse de uma brincadeira. Respirei fundo e
assenti, sem conseguir retribuir o sorriso, sentindo a decepção de
saber que toda aquela profusão de sentimentos que tomou conta de
mim não foi nada para ele.
— Obrigada! — respondi seca, mas sem demonstrar muito
minha frustração.
Ele ficou sério, enrugou a testa, pensei que ia dizer algo
mais, porém olhou para o lado e acenou para alguém.
— Tenho que conversar rapidamente com algumas pessoas.
Se importa se...
— De maneira alguma. Sei que estamos aqui a trabalho. —
Apontei na direção em que o grupo de Samantha estava. — Vou
ficar com elas.
Sean se despediu de mim no meio da pista de dança e foi na
direção de Ahmet, que estava com mais dois homens, aguardando-
o. Fui na direção das mulheres com quem havia feito amizade
durante aqueles dias e, no caminho, aceitei mais uma taça de
champanhe, sentindo a garganta um tanto embargada depois do
que havia acontecido.
— Ah... Aí está ela! — Sam me recebeu. — Deixe-me
apresentá-la a outras pessoas que ainda não conheceu.
Cumprimentei dois casais e mais três mulheres – duas delas,
tinha visto de relance no spa mais cedo – e cheguei a trocar
algumas frases com eles, mas não estava mesmo no clima para
conversar, então fingi dançar sozinha, bebendo o champanhe e –
ridiculamente – procurando por Sean no meio da multidão.
— Quer mais uma? — Sam me ofereceu mais uma taça, mas
neguei. — Olha, eu estou verdadeiramente surpreendida! Há anos
conheço Sean e nunca o tinha visto olhar e tocar uma mulher em
público como ele faz contigo. — A alegria na voz dela parecia
genuína. — Eu sei que você disse que ainda estão se conhecendo e
querem ir devagar, mas — se abanou — que beijo foi aquele!
Sorri sem jeito.
— Não sei o que dizer! — Fui sincera.
— Nem precisa! Algumas coisas não precisam ser resumidas
em palavras quando se sente no ar. Eu vejo o seu olhar apaixonado
na direção dele e percebo também que ele está encantado contigo
e, creia-me, somos amigos desde a faculdade e nunca vi o Homem
de Gelo derreter, só com você.
Bela representação... As palavras dele voltaram a ressoar
nos meus ouvidos e tive que admitir que meu chefe era realmente
bom em convencer pessoas, até do que não era real. Para ele, tudo
aquilo era uma atuação apenas para manter a justificativa que deu
para esconder o motivo real de sua visita.
— Eu o acho maravilhoso — reconheci e dei de ombros. —
Mas não sei se...
— Não pense tanto, querida! Deixe acontecer, e o que tiver
que ser, será. — Ela se aproximou mais. — Eu conheci e ouvi dizer
sobre várias mulheres que tentaram de tudo para conquistá-lo e
acho que esse foi o erro delas. Não tente conquistá-lo, seja apenas
você. Viva com ele o que tiver que viver, aproveite os momentos, se
divirta sem pensar muito em como ele está se sentindo, foque no
que você sente. Sean é um homem inteligente, ele só aposta no que
acredita que será excelente, em coisas reais. — Sorriu. — Você,
Kara Çelik, me parece muito real.
Eu estava vivendo algo inédito, sozinha, cheia de dúvidas e vi
em Samantha uma mulher com a idade da minha mãe, alguém em
quem eu podia confiar. Não podia ser totalmente sincera com ela,
afinal de contas, eu tinha um contrato de confidencialidade sobre
aquele trabalho e não teria como contar sobre a farsa sem dizer o
motivo dela, mas poderia falar um pouco sobre mim.
— Eu não pertenço a isso aqui. — Fiz um gesto para a
luxuosa festa. — E não tenho a mesma experiência e vivência que
as mulheres do meio dele.
Ela assentiu.
— Você é jovem, está começando sua vida, e me arrisco a
dizer que tudo isso que você diz não ter é exatamente o que chama
a atenção dele. Então novamente aconselho: seja apenas você. Ele
sabe quem você é, não sabe? — Aquiesci com a cabeça. — É o que
importa!
Suspirei, porque o conselho dela seria maravilhoso se Sean
realmente estivesse encantado por mim, e não apenas cumprindo
um papel. Se, de verdade, ele me quisesse como eu o queria...
Estremeci só em pensar, porque, ainda que fosse por breves
momentos, apenas para dar vazão ao desejo que sentia, eu seria
toda dele.
Nunca entendera o conceito de sexo casual – ou qualquer
tipo de sexo – por não sentir vontade, por nada ter me despertado o
tesão por alguém, mas com ele, eu gostaria de experimentar. Queria
aquela experiência, queria aquele momento e talvez tivesse que
deixar claro para ele.
Mas como?

— Cansada? — Sean perguntou assim que fechamos a porta


da suíte, no meio da madrugada, depois que resolvemos sair da
festa.
— Um pouco. — Sorri. — Mas feliz. Não tenho costume de
sair de noite para me divertir e realmente gostei muito da noite e da
companhia de todos.
Ele me encarou sério.
— Você se integrou fácil, percebi que conversou com várias
pessoas e dançou bastante.
Dei de ombros.
— Eu estava lá, não havia nada de mal em me divertir.
— Não disse isso como crítica, pelo contrário. Você tem...
algo que conquista as pessoas. Só ouvi elogios ao seu respeito,
tanto por sua beleza, por sua postura e, claro, por seu carisma. —
Riu. — Acho que estavam um pouco aturdidos por sermos tão
diferentes.
Franzi a testa.
— Diferentes?
Ele não respondeu imediatamente, tirou o paletó, depois a
gravata e se concentrou nas suas amadas abotoaduras.
— É... Eu sou um homem frio, reservado, distante, e você é
toda calorosa, aberta e receptiva. São duas abordagens diferentes,
mas que conquistam de um jeito ou de outro.
Sentou-se na beirada da cama para descalçar os sapatos.
— Essa sou eu, senhor Moore. Não ajo assim para
conquistar nada nem ninguém, apenas sou eu.
Sean pegou os sapatos, guardou-os e começou a desabotoar
a camisa. Eu sentia a temperatura do quarto levemente mais alta,
minha boca salivava a cada botão que saía da casa e meus olhos
estavam fixos no peitoral com pelos bem aparados, desnudando-se
pouco a pouco.
— É exatamente isso! — Encarou-me. — É você, senhorita
Çelik.
A conversa que tive com Samantha foi relembrada naquele
instante e o desejo de descobrir se ela estava certa em relação ao
que intuiu acerca dele aumentou. Eu precisava saber se aquela
atração era recíproca ou se ele realmente estava apenas fingindo na
frente dos outros.
Virei-me de costas para ele e, sem pensar muito, pedi:
— Pode me ajudar com os botões do vestido? Quando o
coloquei, tinha Samantha para me ajudar, mas...
Antes mesmo que eu terminasse a frase, ele estava lá, bem
atrás de mim, executando a tarefa que eu acabara de solicitar.
— Antes de você tirar o vestido, queria reafirmar o quanto
estava linda! — Sua voz baixa no meu ouvido arrepiou minha pele, e
eu gemi baixinho.
Sentia seus dedos movimentarem o tecido lentamente. Não
eram muitos botões e, para dizer a verdade, eu achava que
conseguiria desabotoá-los sozinha, mas, lembrando-me do clima
que se estabeleceu entre nós quando ele colocou o colar em mim
antes da festa, eu queria que ele me tocasse de novo.
Estávamos sozinhos ali, não tinha público para convencer de
nada, então, se algo acontecesse, era porque era real.
Suspirei quando senti sua mão espalmada na base da minha
coluna. Sean já havia terminado de abrir o vestido, mas continuava
ali, às minhas costas, respirando tão pesado que era possível sentir
o ar quente em meu ombro.
— Tudo bem? — inquiri baixinho.
Ouvi uma risada, e a mão deslizou pela minha cintura, por
baixo da seda.
— Não. — A resposta seca me deixou nervosa. — Já tem um
tempo que não está nada bem.
Estava ali, o desejo nu e cru que eu tanto queria sentir. Vinha
dele, saía de mim, misturava-se, tornava-se forte e criava uma
tensão carregada de eletricidade entre nós. Era palpável, inegável e
irresistível.
— Por quê? — Dei um passo para trás e me encostei nele.
Fechei os olhos quando encostou o nariz no meu pescoço.
— Porque não sei representar com você. Não sei ser frio e
distante contigo, não quando eu me sinto queimar toda vez que está
perto.
Minhas pernas ficaram bambas, eu mal conseguia respirar,
mas sentia que precisava dizer algo, deixar claro como o queria, e
aquela era a oportunidade.
— Eu também não sei representar, Sean. — Usei o nome
dele. — E me sinto queimar no mesmo fogo.
Ele cheirou longamente meu pescoço e sua mão apertou
mais firme minha cintura.
— Tem certeza disso?
Sorri e assenti.
— Como nunca tive antes em minha vida.
O beijo na nuca veio de surpresa, mas foi como uma lufada
de prazer que envolveu todo o meu corpo. Segurei o ar e me senti
derreter nas labaredas dos lábios dele em minha pele. Fechei os
olhos e me deixei ser guiada pelo desejo que despertou em mim.
Não daria para explicar com palavras todas as sensações
que tive naquela noite. Meu corpo ficou diferente, minhas pernas
pareciam bambas e eu me sentia flutuar como se ainda estivesse
em um balão, voando sobre as chaminés de fadas.
O toque de Sean em mim, forte como se quisesse ter certeza
de que eu realmente estava ali, trazia-me uma sensação
maravilhosa, uma segurança espetacular de que, como mulher, eu
era desejada com paixão.
Ouvia a respiração dele, senti quando deslocou uma das
alças grossas do meu vestido, depois a outra. A seda deslizou pela
minha cintura, pelos quadris e se amontoou sobre meus pés.
Eu estava quase nua, apenas de calcinha e sutiã, de frente
para um espelho, sob o olhar dele.
Voltei a abrir meus olhos e confirmei que ele me fitava pelo
reflexo do espelho. O rosto de Sean parecia ainda mais másculo.
Ele estava sério, seu maxilar quadrado acentuado, a testa
levemente franzida.
Sua mão começou a acariciar minha pele exposta, fazendo-
me arrepiar de antecipação do prazer que sentiria com ele. Vi um
pequeno sorriso antes de ele mordiscar a curva do meu pescoço e
subir pelo meu rosto. Sean me virou de frente para si mesmo,
entranhou seus dedos em meus cabelos e foi retirando um a um os
grampos que o mantinham no lugar.
Eu ansiava pelo beijo, um doce como o que trocamos no
balão, seguido por um cheio de tesão com foi o da piscina mais
cedo. Sem perceber, estava encarando sua boca bem desenhada,
sentindo as madeixas caírem ao redor dos meus ombros, tentando
adivinhar como seria o sabor do beijo dele naquela noite.
— Kara... — sussurrou. — Você está me olhando como se
quisesse me devorar inteiro.
Ri, porque era exatamente isso que eu queria.
— Eu disse que não sabia representar. — Nossos olhares se
encontraram. — Eu quero, Sean!
Sua garganta se moveu quando ele engoliu.
— Estou à disposição!
Ai, meu Deus!, pensei em pânico, sem saber o que fazer,
mas, como todas as novidades que estavam acontecendo na minha
vida, decidi manter a calma e começar aos poucos.
Eu era louca pelo queixo dele, por aquele furinho tão sexy no
meio dele. Várias vezes, ao longo daqueles dias, imaginei como
seria mordê-lo, lambê-lo ou simplesmente tocá-lo.
Estava tremendo quando coloquei o dedo, arrancando um
suspiro de Sean. Então, mais confortável, aproximei-me, esticando-
me ao máximo, e beijei-o usando apenas meus lábios. Sean gemeu
e segurou meus ombros com mais firmeza. Sorri rapidamente e
raspei meus dentes levemente.
Aquilo foi o estopim para que ele explodisse e tomasse meus
lábios com sofreguidão, beijando-me profundamente, exigindo
minha língua, enquanto a dele explorava a minha boca. Nossos
corpos se aproximaram, tocaram-se, grudaram um no outro, e as
mãos dele, antes mais calmas, com toques mais localizados,
deslizaram por todo o meu corpo.
Senti quando o sutiã foi aberto. A peça ficou presa entre nós
por algum tempo, até que Sean se afastou. O olhar dele sobre mim
não deixava dúvidas do quanto gostava do que via, assim como a
inegável ereção que dava volume à frente de sua calça.
Ele era um homem grande, e eu não esperava que seu
membro fosse diferente. Talvez tivesse sido prudente eu avisá-lo da
minha virgindade, contudo, quando ele começou a chupar meus
seios, lambendo-os, mordiscando-os, esqueci qualquer assunto, que
não o prazer do toque dele.
O fogo que me queimava foi alimentado. Eu me contorcia de
prazer nos seus braços, sentindo sua saliva molhar a pele sensível
dos meus mamilos, os dentes arranhando, instigando, deixando-os
mais túrgidos. Eu estava quente, a pele levemente umedecida, o
sexo latejando e uma sensação tão diferente que eu apertava as
coxas como se aquilo pudesse me ajudar.
Minhas pálpebras estavam pesadas, mas não era de sono. O
coração batia tão forte e minha respiração estava tão pesada que
parecia que eu corria uma maratona. Tudo era muito intenso,
inexplicável, delicioso, mas, ainda assim, eu queria mais.
Segurei Sean pelos cabelos, levantando seu rosto e o beijei,
gemendo desesperada, implorando, com aquele beijo, alguma
solução para o que estava acontecendo comigo. Era um desespero
tão pungente que eu tinha ganas de apertá-lo, mordê-lo. E o fiz.
Chupei seus lábios com força, prendi o inferior com os dentes,
enquanto me esfregava em seu corpo.
Minhas mãos foram em busca do contato com sua pele,
terminando de tirar sua camisa e buscando o cinto que mantinha
sua calça no lugar. Ele teve que me ajudar com a tarefa, porque eu
estava em um estado de aceleração em que mal conseguia
coordenar meus movimentos.
Dei um passo para trás, na esperança de recobrar o juízo e
respirar melhor, mas foi um erro. Sean não só se livrou do cinto,
como, em um só movimento, retirou a calça e a roupa íntima.
Puta que pariu!
Perdi o fôlego ao vê-lo completamente nu e me senti tão
pequena, tão indefesa que arregalei os olhos.
Sean não deve ter percebido, pois caminhou até onde eu
estava feito uma pantera, seus músculos bem trabalhados sendo
ressaltados a cada passo, seu pau gigante – eu não tinha outra
palavra para descrever – completamente duro, reinando soberbo
entre suas coxas musculosas.
Salivei ao olhar aquele homem perfeito e, mesmo receosa
por conta da nossa diferença de tamanho, eu tinha plena certeza do
que queria.
Sean me pegou pela cintura e me ergueu com uma facilidade
absurda. Ele me olhava tão intensamente que seus olhos azuis
pareciam me hipnotizar. Nunca havia notado, mas havia um
pequeno toque de marrom em uma de suas íris. Ia comentar sobre
aquilo, quando tudo se perdeu na minha cabeça.
Ele me levou para a varanda escura, o vento gelado arrepiou
minha pele.
— Eu imaginei você aqui, nua, gozando sob as estrelas.
Olhei para o céu e vi exatamente o cenário que ele havia
vislumbrado. Achei que fosse me colocar em uma das cadeiras, mas
apoiou-me no parapeito de mármore.
— Sean?
Ele colocou um dedo sobre meus lábios, calando-me.
— Pode se inclinar, o parapeito é largo. — Assenti, mas cheia
de dúvidas. — Daqui a pouco vai amanhecer, e o céu, ao longe,
estará cheio de balões. Não temos muito tempo.
Ia perguntar para que, mas não precisei.
Minha calcinha foi retirada, minhas pernas, abertas. O susto
foi enorme. Meu instinto foi de tentar fechá-las de volta e esconder
minha intimidade, então senti o toque dele e qualquer receio se
desfez.
Eu estava começando a me acostumar com a escuridão, via
os contornos de Sean, sentia a quentura que emanava de sua pele,
mas o toque de seus dedos exploradores sobre minha boceta
parecia ser exatamente aquilo de que eu estava precisando.
Deixei-me levar, inclinei-me sobre o mármore como ele havia
sugerido, abri mais as pernas, permitindo sua total exploração. Os
dedos acariciavam meu sexo de um jeito a espalhar toda a umidade
que tinha brotado dele. Eu conseguia sentir a facilidade com que
deslizavam entre meus lábios íntimos e o quanto aquela roçar
estava me consumindo.
Gemi, o som sendo levado pelo vento, espalhando-se por
todo aquele cenário fantástico da Capadócia. Eu me sentia
selvagem, de certa forma, por estar tendo aquela primeira
experiência ali, de volta à minha terra, debaixo das estrelas.
De repente senti que meus músculos ficaram tesos. Sean me
tocava em apenas um ponto específico, massageando em círculos.
Parecia que eu estava flutuando, ao mesmo tempo que tinha uma
necessidade premente que não sabia identificar. Eu já havia tentado
me tocar ali, mas sempre achei tão idiota que não ia em frente, não
sentia vontade, então descobrir aquele prazer foi como um belo
despertar.
— Você é gostosa pra caralho! — Sean falou antes de se
enfiar entre minhas coxas e abocanhar meu sexo.
Era o pequeno empurrão que eu precisava para cair,
completamente rendida, à força daquele prazer. Foi assustador,
forte, inenarrável. A língua dele parecia me incendiar, seus beijos
me deixaram sem fôlego, e eu gritei como um bicho selvagem na
madrugada.
Sean ria quando me pegou nos braços – eu ainda estava
estremecendo, sem conseguir falar – e me levou para a cama. Seu
beijo tinha um sabor diferente, meu gosto, meu cheiro, o cheiro de
uma mulher que havia conhecido o prazer pela primeira vez.
Não pensei muito; era impossível me concentrar em qualquer
coisa que não naquelas sensações absurdamente deliciosas que
me deixavam fora do ar. Era embriagador, viciante, e tive apenas
alguma noção de que ele procurava algo, depois se tocava para,
enfim, se posicionar na minha entrada, brincando safado, sorrindo a
cada vez que eu rebolava os quadris implorando por mais.
Tive um flash de lucidez por um momento, minha consciência
avisando que eu deveria conversar com ele sobre minha virgindade,
mas aquilo parecia tão pequeno diante de tudo o que já havia
acontecido, apenas um pedaço de membrana que seria rompida,
que me deixei levar.
A penetração foi firme. Senti apenas uma pressão dentro de
mim, como quando se tira a rolha de um champanhe. A dor foi
ínfima perto do que se passou logo após.
Abracei Sean com as pernas, ele me beijou, gemendo na
minha boca, enquanto ondulava seus quadris, seu pau entrando e
saindo de mim, preenchendo-me completamente, proporcionando
um prazer imensurável.
— Você é incrível, Kara... — gemeu. — Puta que pariu, que
loucura deliciosa!
Eu queria dizer alguma coisa, mas só conseguia exprimir
sons de puro deleite.
Ele ergueu minhas pernas, colocando-as sobre seus ombros,
e a penetração ficou diferente. Eu sentia seu membro tocando em
pontos que me faziam arrepiar. Novamente meus músculos
responderam àquele estímulo. Respirei rápido, fechei os olhos e me
deixei ir em mais uma onda avassaladora de prazer.
— Goza gostoso... — ouvia-o dizer.
Sean me segurou firme e rolou na cama, colocando-me por
cima dele, controlando meus movimentos com as mãos em meus
quadris. Eu o queria todo, mas não conseguia recebê-lo por inteiro,
por isso, apesar de eu estar por cima, foi ele quem controlou o ritmo.
A visão que eu tinha enquanto subia e descia, sentando-me
gostoso nele, era privilegiada. Era poderoso saber que ele sentia
tanto prazer quanto eu, que nossa química realmente era algo forte
e que não apenas eu a sentia.
Ele me encarou. Trocamos um longo olhar sem palavras.
Então voltou a me tocar, roçando seu polegar no meu clitóris,
deixando-me novamente muito molhada e pronta para explodir de
prazer.
E eu explodi!
Nada mais restou de mim depois daquele orgasmo. Fui
abraçada por ele, que se sentou na cama e me tocou enquanto eu
convulsionava, gemia e lágrimas desciam pelo meu rosto. Ouvi seus
gemidos também, roucos, altos, quase doloridos, e soube que ele
estava gozando comigo, seu pau bombeando dentro de mim.
Ele riu quando nos acalmamos, beijou minha testa e me
deitou consigo.
Eu estava esgotada, feliz. Meus olhos quase não conseguiam
ficar abertos. E a última coisa que ouvi foi:
— Esta noite superou qualquer expectativa!
23 – Kara

Estiquei meu corpo, sentindo que tudo havia mudado, e as


imagens da noite passada vieram lentamente, arrancando-me um
sorriso e um suspiro longo. Virei-me na cama, mas ela parecia larga
demais, pois não consegui encontrar o calor e firmeza dos músculos
de Sean.
Abri os olhos, pisquei algumas vezes e, arrastando as
cobertas, olhei para meu corpo, ainda nu, deitado sobre os lençóis
alvíssimos do hotel, porém sozinha. Conferi as horas e percebi que
já estava quase na hora do almoço – e do horário em que
voltaríamos para Istambul. Estranhei ele não ter me acordado mais
cedo.
Provavelmente quis me deixar descansar depois da noite
passada!, pensei entre muito feliz e um tanto envergonhada.
Eu não era mais virgem e tinha conhecido o prazer nos
braços daquele homem incrível. Não tinha como comparar e muito
menos experiência para saber sobre a desenvoltura de Sean na
cama, todavia, pelo modo como me senti, podia dizer que era
espetacular.
Lembrei-me de que minhas amigas compartilharam comigo a
sua primeira vez, e nada do que elas disseram se parecia com o
que eu vivi. Rosalia disse, na época, que havia sido bom, mas
apressado. Relatou sobre a dor horrenda que sentiu e que o prazer
não havia compensado o penar.
Pois bem... Eu não senti dor, apenas uma pressão, e o
prazer... Suspirei de novo, sem nenhuma modéstia ao rir alto. Foi
delicioso demais tudo o que Sean fez comigo!
Pensar nele me fez notar novamente o quão silencioso
estava o quarto, então me levantei e o chamei, abrindo a porta do
banheiro devagar, temendo que ele o estivesse utilizando. Nada!
— Sean?
Vesti o roupão e olhei em todos os cantos, mas não havia
sinal dele. Estava prestes a lhe mandar uma mensagem quando
ouvi uma batida à porta e ri, porque ele ainda estava se anunciando
antes de entrar.
— Está aberta!
Esperei, sorriso aberto, coração disparado e, muito
provavelmente, despenteada e com o rosto inchado.
— Kara? — Samantha apareceu na fresta da porta e meu
sorriso morreu.
Segurei mais firme a aba do roupão e a saudei:
— Olá!
— Bom dia! Que bom que já está acordada! — O sorriso era
caloroso, mas eu via algo estranho em seus olhos. — Precisa de
ajuda? — Ela deve ter percebido minha confusão com sua pergunta,
porque logo completou: — Com as malas.
— Ah! — Ri. — Não, elas estão...
Gelei ao apontar para onde estavam minhas coisas
juntamente às malas de Sean e olhei sem entender para Samantha.
— Ele disse que não queria acordá-la, porque chegou muito
cansada ontem. — Samantha começou a explicar o sumiço das
malas dele, e a dor no meu peito apareceu de um jeito chocante. —
Sean teve um imprevisto na Suíça, na sede do banco, e precisou
partir imediatamente, ainda ao romper da manhã.
Eu não conseguia respirar direito, mas me mantive firme, sem
querer desmoronar na frente dela. Escuta, Kara, tem explicação!
— Ele foi embora? — Minha voz estava trêmula.
— Teve que ir, querida! — Samantha se aproximou. — Mas
não precisa ficar preocupada, vamos providenciar seu retorno aos
Estados Unidos por instrução dele, assim que desembarcarmos em
Istambul. Ahmet já contactou alguns conhecidos para comprar uma
passagem em classe executiva para hoje ainda ou, se você quiser,
pode ficar uns dias conosco. Iríamos adorar recebê-la em nossa
casa.
Juro que tentei processar todas aquelas informações, mas
minha consciência não ajudava, ficava repetindo o tempo todo que
ele havia me deixado, que havia me abandonado, afinal, por que
não me acordaria? Eu trabalhava para Sean e o lógico seria que ele
me levasse consigo para resolver o “problema” que havia aparecido.
O homem nunca viajava sem assistente, pelo amor de Deus!
— Kara?
Assenti, respirei fundo e forcei um sorriso.
— Tudo bem. Só preciso de alguns minutos para me arrumar.
Samantha me observou por um tempo antes de concordar.
— Estamos aguardando-a para almoçar e logo depois
embarcaremos para Istambul.
Ela acenou uma despedida e, assim que o trinco da porta foi
acionado, fechando-a, eu desabei, chorando feito uma criança, sem
fôlego, enquanto lágrimas grossas escorriam pelo meu rosto.
Corri até o telefone celular, mas não havia nada, nenhuma
palavra, nenhuma justificativa, além do recado que ele havia
deixado para mim com Samantha. Pensei em mandar algo, ligar,
perguntar o que havia acontecido, mas estava sentindo tantas
coisas ao mesmo tempo que desisti da ideia.
Eu nem mesmo sabia o que dizer!
Minha vontade era gritar, sumir, sufocar dentro de mim aquela
dor que estava vindo à tona. Não era exagero meu, estava havia
muitos dias convivendo com Sean para saber que aquele homem
não iria deixar um recado se quisesse realmente falar comigo.
A noite passada tinha sido intensa, maravilhosa, mas talvez
para ele fosse um erro enorme, afinal, ele era conhecido por não
trabalhar diretamente com mulheres, provavelmente para evitar
qualquer tipo de situação e, na primeira vez que quebrava essa
regra, acontecia o inevitável.
Sentei-me na beirada da cama, as lágrimas caindo,
soluçando sem parar, tentando encontrar fôlego e alguma força para
fazer aquilo que teria que fazer. Precisava me arrumar, viajar para
Istambul e ficar à espera de uma vaga em um voo para retornar aos
Estados Unidos. O cafajeste me abandonou em um país longe da
minha casa, mas pelo menos teve a dignidade de providenciar meu
retorno.
Engoli o resto do choro e tomei para mim as minhas
responsabilidades. Eu não fui forçada, quis dormir com ele, apenas
aproveitar o momento e foi isso o que aconteceu. Sean não teve a
hombridade para me encarar no dia seguinte, mas eu era mulher
suficiente para desprezá-lo por isso, mas não pelo que eu também
quis.
A noite anterior ficaria guardada como uma lembrança boa e
uma prova de que eu podia viver minha vida e encontrar novas
pessoas e, quem sabe, me apaixonar por alguém que me amasse
também e formar uma família. Antes, claro, tinha outros objetivos. A
viagem e a convivência com o senhor Moore havia me ensinado
muito. Ainda não sabia como iria guinar a minha vida, mas iria
começar a procurar cursos e, com o dinheiro que havia recebido por
aqueles dias – pelo meu trabalho –, poderia começar essa
mudança.
Fui para o banheiro, tomei um longo banho – ainda
soluçando, mas chorando menos – e, por fim, me olhei no espelho
para me arrumar.
As joias!
Levei a mão até o meio dos meus seios, onde estava o
pingente e me senti mal. Tinha certeza de que eram peças caras e
não queria que elas tivessem a conotação de pagamento por um
serviço extra.
Eu não era prostituta!
Retirei com cuidado as peças, coloquei-as no estojo em que
vieram e as guardei em minha mala de mão.
Vesti-me com uma roupa simples e confortável, bem como
calcei tênis e desci com as malas, encontrando-me com um
pequeno grupo me aguardando na recepção do hotel.
— Ela chegou! — ouvi quando Samantha comentou com
Ahmet bei.
— Estou pronta.
Sorri, tentando demonstrar que estava tudo bem, mas senti
um incômodo e percebi que, no meio do grupo, estava Liam me
encarando.
— Não vai almoçar? — Samantha perguntou. — Tivemos que
comer com o primeiro grupo que ia embora e não pudemos esperá-
la, mas eu lhe faço companhia se...
— Não, eu estou bem. — Dei de ombros. — Só preciso de
água.
Samantha riu.
— Ressaca?
— Um pouco — menti, pois nem tinha bebido para ter esse
efeito colateral.
Depois dessa conversa, começaram a fazer a finalização de
contas do hotel – as minhas já estavam todas pagas por Moore – e
uma van foi nos buscar para nos levar até o aeroporto, onde o
jatinho contratado por Ahmet iria aguardar o grupo para embarque.
Coincidentemente, sentei-me novamente ao lado de Liam,
mas, como não estava com bom humor e muito menos com vontade
de conversar, simplesmente o ignorei durante a viagem.
Apenas quando chegamos ao aeroporto é que ele tentou
contato comigo.
— A senhorita está bem?
Respirei fundo, sem conseguir me conter.
— Claro! — Dei um sorriso amarelo. — Apenas um pouco
chateada pelas férias terem acabado. A Capadócia é linda! E o
senhor?
— Estou bem e, francamente, aliviado por voltar para casa.
— Riu. — Gosto de tomar conta dos meus negócios bem de perto.
Aquiesci, sem saber mais o que falar com ele, e fui salva de
um silêncio constrangedor quando Samantha me chamou para
avisar que havia vaga em um voo direto para Chicago na manhã
seguinte.
— Eu estou indo para Chicago hoje. — Liam nos
interrompeu. — Meu jatinho está no aeroporto em Istambul e vamos
decolar para os Estados Unidos assim que chegar lá. — Olhou-me.
— Se a senhorita Çelik quiser uma carona...
— Nós não iremos nos importar em hospedá-la por uma
noite, Kara, mas a decisão é sua, querida.
Eu só queria ir embora e, por isso mesmo, nem titubeei ao
dar minha resposta:
— Eu vou com o senhor Stanton.
Liam sorriu contente com minha decisão e Samantha me
olhou um tanto preocupada, mas não se opôs. Embarcamos e,
durante o trajeto de Nevsehir até Istambul, consegui me manter
afastada de todos, fingindo estar dormindo.
Mas ali, enquanto todos achavam que eu descansava em
paz, minha cabeça estava trabalhando freneticamente, avaliando
todas as possibilidades do futuro. Eu esperava mudar de posição
depois daquele trabalho, conquistar uma vaga dentro de algum setor
da Gaea que não o de serviços gerais e, assim, ter um salário
melhor e poder custear uma universidade noturna. Contudo, diante
da reação do senhor Moore depois da noite de intimidade que
tivemos, talvez o mais lógico seria eu começar a procurar um novo
emprego.
A cada minuto que se passava sem nenhuma notícia dele,
meus pensamentos só seguiam para o pior cenário, e eu ia
acumulando mais e mais mágoa e sentindo mais e mais dor. Tinha
sido minha primeira experiência e teve aquele resultado tão forte de
rejeição.
O que não me mata, me fortalece! Repetia essa frase como
um mantra, tentando não me entregar ao que realmente queria, que
era me abraçar, virar uma bolinha de autocomiseração e chorar por
toda a ilusão desfeita.
Em Istambul, despedi-me de Ahmet bei e Samantha, sentindo
as lágrimas queimarem meus olhos, mas consegui segurá-las com
dignidade.
— Esperamos vê-la de novo, minha querida! — Sam soou
sincera. — Eu realmente acredito naquilo que conversamos ontem,
mas, na maioria das vezes, nós, mulheres, temos a visão mais clara
que os homens.
Saber que ela havia entendido que Moore tinha simplesmente
se desfeito de mim, me abandonado, feriu meu ego, mas, ainda
assim, dei de ombros.
— Não importa! Os dias naquele lugar valeram a pena e
adorei conhecê-la.
Ela sorriu, mas não parecia alegre.
— Não desanime! — Bateu levemente em minha mão e foi
cumprimentar Liam, recomendando-lhe cuidar de mim durante o voo
e garantir que eu chegasse em segurança em casa.
— Eu mesmo a levarei até o portão, senhora Öztürk.
Ele se aproximou de mim e, tocando levemente em minhas
costas, me encaminhou para a sala de embarque, onde iríamos
esperar para embarcar.
— Meu jato não é tão moderno quanto o de Moore, mas
faremos uma viagem confortável e tranquila — garantiu. — Teremos
que parar em Paris, mas vai ser rápido, apenas para abastecimento,
e então seguiremos para Chicago.
— Tudo bem. — Olhei-o. — Muito obrigada por isso.
— Não é nada de mais, estamos indo para o mesmo destino.
Franzi a testa.
— Achei que seus negócios ficavam em Nova Iorque.
— E ficam, mas minha família é de Chicago e, se eu voltar de
viagem e não for ver minha mãe e irmãs, elas aparecerão no meu
apartamento em Manhattan e acamparão por lá. — Riu. — Melhor
evitar drama.
Pela primeira vez sorri de verdade.
— Família apegada?
Ele fez uma careta.
— Apegada é pouco! Meus pais me ligam várias vezes ao
dia, sem se importar se estou ou não em reunião. Às vezes eu me
sinto um garoto que acabou de sair do ninho. — Piscou. — Eles
esquecem que já estou perto de completar 40 anos.
Olhei aquele homem, alto, bem proporcionado, com alguns
fios grisalhos nos cabelos escuros e constatei que, definitivamente,
ele não parecia um garoto.
— E suas irmãs? — Senti-me curiosa de verdade sobre sua
família, e aquela conversa estava me ajudando a deixar meus
pensamentos sobre Moore longe.
— São quatro, um pouco mais velhas que eu, mas tão
superprotetoras como meus pais. Sou o caçula, afinal.
— Eu as entendo. Tenho um irmão caçula, Onur, e às vezes
me sinto como se fosse a mãe dele também. — Suspirei, com
saudades de casa. — Vai ser bom reencontrá-los.
Liam tocou com carinho em minha mão e ia dizer algo
quando fomos chamados para o embarque.
Realmente o avião dele não era tão grande nem tão moderno
quanto o de Moore, mas, como ele mesmo afirmara, era confortável
e a viagem seria menos desgastante do que uma comercial, ainda
que de primeira classe.
Esperei todos os procedimentos antes da decolagem e,
quando já estávamos no céu, estabilizados e tranquilos, deitei minha
poltrona e relaxei na penumbra feita pelas janelas fechadas, sem
conseguir suprimir um soluço e as lágrimas silenciosas.
— Eu não sei o que aconteceu entre vocês, mas quero que
saiba que, qualquer coisa que precisar, Kara, pode contar com
minha amizade.
Olhei na direção da voz calma e não percebi nenhum tipo de
movimento. Liam continuou sentado em sua poltrona, mesmo
depois do que disse, como se não esperasse que eu lhe
respondesse de volta. Sequei as lágrimas do meu rosto e engoli as
que faltavam cair, não por vergonha ou ego, apenas porque as
palavras dele me confortaram de verdade.
— Obrigada, senhor Stanton. Eu vou ficar bem!
24 – Sean

Chicago!
Olhei para o céu da cidade onde havia me estabelecido fazia
alguns anos e que era oficialmente a sede da Gaea. Ainda me
lembrava dos motivos que me fizeram escolher a Windy City, sendo
o mais forte deles pela influência de dois mentores que eu admirava
muito e que havia conhecido em palestras ao longo da minha vida
acadêmica, ainda muito novo.
O primeiro deles foi professor convidado em Harvard e,
mesmo lecionando em um curso diferente do meu, eu fazia questão
de assistir às suas aulas – que eram verdadeiras palestras repletas
de conhecimento. Robert Clark foi um dos grandes juristas que a
América já teve, um homem com conhecimento muito acima da
média e que podia discorrer sobre qualquer assunto com
propriedade, uma verdadeira enciclopédia ambulante. É certo que
ele poderia ter sido muito mais do que foi, porém o que tinha de
maturidade intelectual lhe faltava em emocional. Bob era explosivo,
inconstante e – assim como meu pai – se deixava levar por seus
desejos. Quando decidi que a sede da Gaea seria nos Estados
Unidos, quis que o escritório dele fosse nosso responsável jurídico e
isso me aproximou mais de Chicago.
O outro homem era o avô de um grande amigo, Michael
Griffin. O velho era uma máquina de fazer dinheiro e sabia tudo
sobre o mundo dos investimentos. Aprendi muito com ele quando
assumi, aos 18 anos, o banco Von Salis e, sob sua tutela, consegui
reestruturar os negócios. A ideia de criar um truste partiu dele e, no
começo, a Gaea foi idealizada apenas como uma empresa de
fideicomisso, uma administradora geral. Depois de um tempo é que
a natureza da empresa se expandiu e eu comecei a incorporar
essas empresas de vez, e não só administrá-las.
Da minha sala no altíssimo prédio onde funcionava a Gaea,
eu conseguia ter uma visão privilegiada do rio com a calçada –
ainda pouco movimentada – ao longo de sua margem, um projeto
de revitalização que vi sendo executado anos atrás e que
transformou a paisagem daquela área.
O centro de negócios de Chicago se tornou um grande ponto
turístico com o Riverwalk, o parque Millenium e os observatórios
criados para que se pudesse observar todo o skyline da cidade. Era
bom chegar perto da vidraça do escritório e observar a vida
acontecendo metros abaixo de mim.
— Sean?
Respirei fundo e me virei para encarar meu tio, Graham
Moore, que tinha acabado de entrar na minha sala, ainda com todas
as luzes apagadas, uma vez que o horário de trabalho ainda não
havia começado.
— Oi, tio! — Abracei-o. — Como sabia que eu estava aqui?
Sorriu.
— Soube que seu avião já havia pousado e, como você não
apareceu na sua casa... — Ergui a sobrancelha. — Sim, passei por
lá antes.
Dei de ombros.
— Quis vir direto para a empresa, passei muitos dias fora e...
— O que aconteceu? — Graham me interrompeu. —
Conversamos em um dia e, de repente, tudo o que me disse estava
cancelado e você estava enfiado no chalé de sua avó no interior da
Suíça.
Suspirei.
— Eu precisava resolver umas coisas por lá.
— Com a senhorita Howard?
Cruzei os braços, curioso, sem entender como ele soube que
Emily havia estado comigo por lá.
— Quem está te passando todas essas informações?
Meu tio riu.
— Nunca revelo minhas fontes, mas achei curioso, já que
você tem se desviado das atenções dessa moça há muito tempo.
— Nada mudou — reafirmei. — Foi apenas uma coincidência
Emily estar em Zurique quando eu cheguei. Ela tem se envolvido
nos negócios do pai e...
— Aproveitou para voltar aos Estados Unidos de carona
contigo.
O jeito que ele me olhava demonstrava que havia tirado suas
próprias conclusões e que me conhecia o suficiente para não se
meter na minha vida pessoal.
— Exatamente.
Era um alívio poder encerrar aquele assunto, mesmo porque
eu não queria voltar a pensar naqueles poucos dias que passei na
Suíça, e não apenas por causa da companhia de Emily Howard,
mas principalmente por conta do que havia acontecido na
Capadócia.
Você nunca foi um covarde, Sean, mas sempre tem a
primeira vez!, concluí ao pensar no problema que eu teria que
resolver.
— Bom, falando do que interessa, fiz o que você me pediu e
enviei o convite para os acionistas da Tron para virem a Chicago e
todos responderam positivamente. — Sorri satisfeito com a
informação. — Deixei todas as instruções necessárias com a
senhorita Matthews e...
— Com Holly Matthews? — Estranhei. — Por quê?
— Como assim, “por quê”? Knightley ainda está de licença
médica.
Sim, eu sabia que Tom ainda não tinha voltado, mas pensei
que... Enfim, era melhor eu perguntar de uma vez sobre o assunto,
já que teria que o resolver em breve.
— E a senhorita Çelik?
Graham ficou surpreso e visivelmente confuso com minha
pergunta.
— Não sei, achei que ela havia sido contratada apenas para
te auxiliar com a tradução do turco.
Pigarreei levemente, pois sempre mantive diálogo aberto com
meu tio, pois, além de trabalhar comigo, ele era meu amigo, com
quem eu dividia muito sobre minha vida pessoal e profissional.
Contudo, sobre o assunto Kara Çelik, eu não me sentia à vontade
para abrir completamente o que aconteceu.
— Ela acabou funcionando como assistente também —
comentei, um tanto incomodado com o assunto. — Por quanto
tempo mais pretende ficar em Chicago?
Graham riu.
— Querendo me ver longe? — Sua sobrancelha direita se
ergueu e ele me olhou profundamente. — Você está estranho, Sean.
Suspirei.
— Cansado. Talvez eu devesse...
— Ah, perdão! Não sabia que estavam aqui — Holly
Matthews se desculpou, parada na soleira da porta que tinha
acabado de abrir sem se anunciar. — Bom dia, doutores.
— Bom dia — respondi.
— Vim deixar esses arquivos aqui. — Ergueu uma pasta. —
São algumas anotações que Kara Çelik fez durante a viagem.
Caralho! Sentia-me irritado por ficar incomodado, com uma
leve taquicardia, toda vez que o nome de Kara era mencionado.
— Ela não fez tudo no arquivo digital? — Aproximei-me de
Holly e estendi a mão para pegar os papéis.
— Fez, sim, mas me entregou também algumas
considerações que anotou de próprio punho e, como não sabia se
eram relevantes ou não, visto que ela é inexperiente, achei melhor
deixar aqui para que o senhor as avaliasse e aí, sim, eu as
transcrevesse.
Assenti e abri a pasta, reconhecendo a caligrafia delicada e
feminina de Kara. Os traços no papel combinavam com a
personalidade dela e foi impossível afastar da memória os últimos
momentos que passamos juntos naquele hotel na Capadócia.
Por mais que eu tentasse evitar pensar sobre aquilo, volta e
meia as lembranças retornavam, imagens tão reais que traziam de
volta as sensações, a excitação e o prazer daquela noite. Ainda que
eu estivesse arrependido do que houve, era simplesmente
impossível não querer de novo e era por aquele motivo que eu
precisava tirar a senhorita Çelik de perto de mim.
— Ela ainda não retornou ao trabalho? — inquiri, sem olhar
para a secretária executiva.
— Retornou, sim, já têm uns dias.
Encarei-a, estranhando.
— Então por que ela mesma não veio me entregar isso?
Holly parecia confusa, e olhei de esguelha para onde meu tio
estava.
— Ela retornou para a antiga função dela, senhor Moore. —
Minha reação deve ter sido tão surpresa que Holly ficou nervosa. —
Foi ela mesma quem voltou. Entregou-me tudo o que tinha feito na
viagem e os aparelhos, já vestida com o uniforme da copa.
Imediatamente imaginei Kara vestida com aquele uniforme
largo, cinza, sem forma e com aquela touca na cabeça e me senti
tão enfurecido que Holly começou a gaguejar, tentando explicar:
— Não havia ne-nenhum tipo de direcionamento sobre
qualquer mudança de cargo. O RH havia... O contrato era apenas...
Saí da sala sem que ela acabasse de falar, andando a
passos largos pelo corredor da empresa, até chegar a um lugar em
que eu nunca tinha pisado antes, mas sabia onde era: a copa.
Todos os funcionários – que estavam começando seu turno
ainda – se assustaram quando entrei. Alguns estavam sentados à
mesa, tomando café, enquanto outros terminavam de se ajeitar. O
cheiro da bebida havia se espalhado no ambiente e eu vi a
organização daquilo que geralmente nunca notava – o aparador da
minha sala sempre com água fresca, frutas e café – sendo
preparado.
— Bom dia, senhor Moore — uma senhora com uniforme
diferente – um terninho cinza – me saudou e eu a reconheci, pois
era quem geralmente nos servia em reuniões. — Posso ajudá-lo?
— Bom dia. — Olhei em volta. — A senhorita Çelik já
chegou?
A mulher prontamente assentiu.
— Ela está trocando o uniforme, porque trabalhou no turno da
limpeza à noite. Vou mandar chamá-la.
— Faça isso e peça para ela ir até minha sala imediatamente.
Saí com a mesma pressa que entrei, mas ainda mais
aborrecido por saber que ela continuava dobrando os turnos. O que
pretendia, afinal?
Coloquei os papéis sobre a mesa, mas meus olhos foram
atraídos para a letra dela. Comecei a ler o documento, prestando
atenção nos detalhes que ela adicionou, até ter a cabeça
completamente invadida por imagens suas e o que eu estava
evitando a qualquer custo acontecer: lembranças daquela noite.
Eu gozei feito um bicho, enlouquecido, desvairado, sem
nenhum controle sobre meu corpo. Ainda estava tentando recobrar
o fôlego, a pele suada, o cheiro delicioso de sexo e prazer no ar e
Kara ali, ao meu lado, trêmula e totalmente relaxada.
Sorri quando ela se aninhou em mim, ronronando como uma
gata manhosa. O cheiro dela, pelo qual sempre me sentira atraído,
parecia mais forte e eu toquei sua pele quente, contornado com os
dedos as formas de seu corpo, até sentir que ela havia adormecido.
Levantei-me da cama com cuidado para não a acordar.
Queria que ela descansasse um pouco antes de iniciarmos
novamente aquela viagem louca ao prazer e entrei no banheiro para
retirar a camisinha e tomar um banho.
Olhei-me no espelho e estranhei a expressão no meu rosto.
Era novidade aquele relaxamento todo, porque, mesmo quando eu
fazia sexo, não me deixava livre totalmente, estava sempre
mantendo alguma distância. Eu adorava trepar e, principalmente,
era louco pelo tesão da minha parceira, fosse quem fosse. O prazer
da mulher comigo era imprescindível ao meu, e com Kara não foi
diferente. Senti que ela havia desfalecido em meus braços, ido às
estrelas, tido várias pequenas mortes de gozo, porém a diferença
era que eu a acompanhei em todos esses momentos.
Eu me deixei levar por ela tanto quanto ela se deixou levar
por mim, e aquilo era algo que geralmente não acontecia. O sexo
que eu fazia era orquestrado, eu era o maestro que fazia as coisas
acontecerem e que só no último movimento é que me soltava para
participar do prazer. Entretanto, com Kara, fui regido tanto quanto a
regi e aquilo foi foda demais.
Dentro daquele banheiro, em um hotel da Capadócia, senti
meu corpo acordar novamente, pulsar de tesão apenas com as
lembranças de uma foda bem dada e percebi que havia muito tempo
que eu estava apenas aliviando meu corpo com sexo, e não
usufruindo dele como deveria ser.
Olhei para meu pau, já duro de tesão, a vontade de voltar
para a cama, acordá-la e... gelei ao perceber sangue na camisinha.
Demorei alguns segundos para voltar a raciocinar, tamanho o susto
da descoberta, então retirei o preservativo e o olhei de perto,
confirmando minhas suspeitas.
— Será que a machuquei? — inquiri a mim mesmo, tentando
lembrar-me de alguma queixa, algum som de dor, mas tudo o que
eu recordava era do óbvio prazer que Kara sentia.
Então, como se algo se destravasse dentro de mim, recordei
a sensação que tive quando a penetrei. Eu havia parado por alguns
segundos porque estranhei a pressão que senti, como se algo se
rompesse, alguma barreira deixasse de existir, mas então ela
rebolou contra mim e eu simplesmente segui, porque estava
gostoso demais para parar e analisar o que havia sido aquilo.
Hímen! Virgindade!
Eu havia deflorado uma virgem!
Fiquei sem ar, porque simplesmente aquilo nunca tinha me
ocorrido e, ao mesmo tempo, meus pensamentos dispararam
buscando respostas, afinal, se Kara ainda não havia transado com
ninguém a vida toda, por que me deixara ser o primeiro? Por que
não havia me avisado? O que ela pretendia com aquela cilada?
Tentei pensar com calma, desacelerar meu corpo, tomei uma
ducha rápida, mas nada conseguiu me acalmar. Eu me sentia
sufocar, temendo descobrir que, depois de anos tomando cuidado,
tinha caído na pior armadilha que poderia cair.
Eu era o chefe dela!
Kara Çelik era uma faxineira!
Eu a apresentara a um mundo totalmente diferente do seu!
Ela havia bebido na festa!
Eu a tinha deflorado!
Todos esses detalhes me contavam uma história cujo final eu
conhecia bem, afinal de contas, meu pai quase faliu os negócios da
família depois de tantos escândalos envolvendo mulheres com
quem ele se envolvia e que depois o processavam por assédio
sexual.
Mulheres que trabalhavam para ele.
Assim como Kara trabalhava para mim.
Saí do banheiro, e ela continuava dormindo. Minha vontade
era acordá-la e lhe perguntar por que havia me escondido que era
virgem e o que pretendia obter de mim, mas estava tão indignado
com aquilo tudo que achei melhor deixar as coisas como estavam e
apenas me afastar.
Eu precisava de um tempo para digerir o que havia
acontecido e agir com a frieza pela qual era conhecido.
Mandei uma mensagem para meu piloto, vesti-me e peguei
minhas malas. Encontrei-me com Ahmet, ainda acordado por causa
da festa, e expliquei a ele que havia surgido um imprevisto e que eu
iria para a Suíça, além de pedir a ele que ajeitasse a volta de Kara
para Chicago.
Fiquei horas na sala de espera do aeroporto enquanto meu
piloto agilizava nossa partida. Não consegui dormir, não consegui
relaxar. Olhava para meu telefone de minuto em minuto esperando
uma mensagem dela, mas sem saber o que fazer se chegasse
alguma.
Pela primeira vez em muitos anos, eu me sentia perdido e
fiquei assim, sem sossego, muito depois de ter chegado a Zurique.
— Mandou me chamar?
A voz de Kara tirou-me daquelas lembranças e eu a olhei
parada na porta, segurando a maçaneta.
Ela estava mesmo vestida com o uniforme dos serviços
gerais, o mesmo que usava quando a conheci, mas segurava uma
sacola nas mãos.
— Entre e feche a porta — respondi seco e a aguardei se
aproximar, mas não o fez, ficou perto da porta, como se temesse ter
de fugir a qualquer momento.
Porra!
— Como vai? — perguntei, para iniciar a conversa.
— Bem.
O clima era pesado, desconfortável, e a postura dela traduzia
bem a tensão que sua voz transmitia.
— Recebi isso aqui hoje. — Apontei suas anotações. —
Quem te deu ordem para passar seu trabalho à senhorita
Matthews?
Ela franziu as sobrancelhas e me encarou, séria.
— Meu contrato acabou, eu voltei para as minhas funções e
achei que...
— Você não tem que achar nada, senhorita Çelik. — Cortei-a,
mas ela continuou me olhando com seriedade.
— Não faz parte das funções do serviço geral portar esse tipo
de informação sobre a empresa. Eu desempenhei o trabalho pelo
qual havia sido contratada e, uma vez finalizado...
— Mas quem disse que finalizamos? — Andei em sua
direção. — Saímos de Istambul com um acordo de compra?
Fechamos o negócio?
Ela piscou várias vezes.
— Não, mas...
— Não tem “mas”. Tom está se recuperando e esse assunto
— apontei para minha mesa — ainda requer discrição máxima. Não
vou envolver mais uma pessoa, então, enquanto seu trabalho for
necessário, você continua.
Ela respirou fundo tão forte que eu consegui sentir sua
respiração.
— Prefiro não continuar.
Aquilo me fez gelar, pois eu esperava que, a qualquer
momento, ela fosse falar do que aconteceu na Turquia e propor
algum tipo de acordo para não me processar ou expor meu erro.
— Por que não?
Seus lábios estavam trêmulos, mas ela se mantinha firme,
olhos nos meus.
— Porque existem pessoas mais capacitadas que eu para
auxiliar o senhor.
Aquela desculpa não me convenceu.
— Então, infelizmente, senhorita Çelik, nós teremos que
dispensá-la da empresa. — Ela engoliu em seco, piscou algumas
vezes, mas continuou de queixo erguido. — Não posso permitir que
a senhorita continue na limpeza depois de ter tido acesso a todas as
informações da diretoria. É mais fácil demiti-la, indenizá-la e deixá-la
seguir para outra oportunidade sob a égide do nosso contrato de
confidencialidade.
— Tudo bem — respondeu firme e me estendeu a sacola. —
Isto aqui lhe pertence. — Apenas espiei dentro da sacola, mas
soube imediatamente do que se tratava. — As roupas estão dentro
da mala no almoxarifado. — Deu de ombros. — Eu não sabia onde
deixá-las.
Aproximei-me mais dela.
— Tudo isso é seu, senhorita Çelik.
Ela negou.
— Não. Foram ferramentas necessárias para que eu
realizasse meu trabalho, assim como o telefone e o iPad. Uma vez
que retornei e que me desligarei da Gaea, todas essas coisas estão
sendo devolvidas.
Comecei a me sentir irritado com o jeito dela.
— Não comprei essas coisas com o dinheiro da empresa,
foram presentes.
Kara ficou ainda mais séria.
— Nunca pedi e não quero nenhum presente. — Pigarreou.
— Posso ir?
Apertei com tanta força a alça da sacola que tinha medo de
que ela partisse, tamanha a minha raiva. Eu não queria tocar no
assunto sobre nossa última noite juntos, mas foi humanamente
impossível deixar de questionar:
— Por que foi para a cama comigo, Kara?
Ela ficou pálida, desviou os olhos e, por um momento, pensei
que fosse sair correndo.
— Não quero falar sobre isso. O aconteceu naquela noite foi
um erro. Estávamos animados, tínhamos bebido e... bom, somos
dois adultos que se deixaram levar. — Encarou-me. — Não precisa
se preocupar, não pretendo nunca falar daquela noite, com
ninguém.
Se ela tivesse me dado um soco no queixo, eu teria sentido
menos o impacto do seu desprezo. Deveria me sentir aliviado por
ela dizer aquilo, por me despreocupar sobre quaisquer tipos de
implicações ao meu nome, ao meu patrimônio e minha reputação,
mas não me senti, pelo contrário. Kara me fez sentir como se eu
fosse um canalha.
— Não estou preocupado — menti. — Só lamento saber que,
mesmo concordando que aquela noite foi um erro, a senhorita não
queira continuar o trabalho que estava fazendo. Terei várias
reuniões com os turcos e seria imprescindível ter alguém...
— Minha decisão já foi tomada. Precisa de algo mais?
Porra!
— Não.
Ela acenou com a cabeça e saiu no exato momento em que
tio Graham retornou para minha sala.
— Sujou algo na sua...
— Não. — Interrompi-o. — Era a senhorita Çelik
apresentando pessoalmente seu pedido de demissão.
Sentei-me em minha cadeira, meu corpo tenso.
— Ela não quis continuar como copeira?
Ri.
— Não quis continuar como minha assistente.
Graham franziu a testa.
— Achei que era você quem não... — Ele parou de falar
quando empurrei as anotações dela em sua direção. — Ah... ela é
boa! Minuciosa!
— E eu não tinha percebido nenhum desses pontos que ela
anotou aí — confessei. — Ofereci a ela a vaga de Tom, enquanto
estivesse afastado, mas recusou.
— Sério? Por quê? — Não respondi, fiquei balançando a
cadeira de um lado para o outro, feito criança. — Sean, o que
aconteceu?
— Tivemos um mal-entendido no último dia, mas já
esclarecemos.
— Mal-entendido? — Graham riu. — Você nunca foi homem
de mal-entendidos, sempre foi muito direto e claro com o que quer.
— Ergueu as sobrancelhas. — A não ser que...
Ergui-me rapidamente para pôr fim ao raciocínio de meu tio
antes que ele chegasse bem perto da verdadeira história sobre o
“mal-entendido” com a senhorita Çelik.
— Tio, hoje o dia promete ser intenso, ainda mais sem a
presença de Tom, então, se o senhor puder me deixar...
Ele riu.
— Entendi o recado! — Ergueu as mãos. — Não vou
importuná-lo mais.
Graham saiu do meu escritório, deixando-me a sós com
todos os questionamentos que se formaram na minha cabeça
depois daquele pequeno embate com Kara. Tudo tinha saído como
eu queria que saísse desde o começo, afinal. Acabaria qualquer
vínculo com a moça e eu poderia seguir em frente. No entanto, a
atitude dela me surpreendeu demais.
Olhei para a sacola com as joias que eu havia comprado
naquela noite, joias que eram as únicas coisas que ela usava
quando deslizei minhas mãos sobre sua pele, quando adorei seu
corpo com o meu, quando provei o sabor de sua boceta macia e...
virgem.
Estremeci ao lembrar. Tentei não ir por esse caminho, tentei
expurgar de mim toda aquela sensação ímpar causada talvez pelo
lugar, pela inexperiência dela ou mesmo por minha falta de sexo
constante. Não importava mais nada, estava tudo resolvido e eu
deveria estar me sentindo aliviado.
Deveria!
25 – Kara

Cheguei trêmula ao almoxarifado, sem ar, impactada depois


de ter confrontado meu chefe, ou melhor, meu ex-chefe. Estava
esperando a oportunidade fazia dias de poder devolver todas as
coisas dele que estavam comigo e, inocentemente, pensei que
pudesse continuar na empresa executando o meu trabalho de antes,
afinal de contas, nunca tinha cruzado com Sean Moore antes
daquela noite fatídica em que me chamou para limpar um cafezinho
derramado.
Pensei que pudesse continuar sendo invisível, como qualquer
outra funcionária dos serviços gerais que ele nunca sequer notava,
mas estava errada. É claro que esperava que ele pudesse querer
me demitir, mas nunca, em hipótese alguma, depois da forma como
me tratou – ou não tratou, dado seu silêncio total –, cogitei a
possibilidade de ele me pedir para continuar substituindo Tom
Knightley.
Trabalhar para ele já era ruim o suficiente, mas eu ainda
precisava do emprego e por isso poderia me sujeitar àquela
situação, no entanto trabalhar com ele era impossível!
Sentei-me em um banquinho em meio a vassouras, rodos e
mops e fechei os olhos para me acalmar. Tinha sido difícil olhar para
ele e continuar de cabeça erguida, a mágoa era grande, assim como
outros sentimentos que eu não queria nomear. Aquele homem foi o
primeiro para mim em vários aspectos, não apenas em razão da
virgindade, mas principalmente porque ele me fizera sentir.
Levei muitos dias para lidar com aquilo tudo. Chorei a viagem
toda em silêncio, de Istambul até Paris, onde fizemos uma parada,
então Liam começou a puxar assunto comigo, contar-me coisas
aleatórias sobre sua família, sua infância e como começou no ramo
em que atuava.
A presença dele e o jeito que se empenhou para me fazer
sentir melhor aqueceram meu coração e, de algum jeito, eu deixei
de chorar e me sentir miserável. Levou um tempo, mas interagi com
ele, porém sem revelar absolutamente nada sobre o que havia
acontecido.
Ele, achando que eu estava em uma espécie de romance
com Moore, deve ter subentendido que o idílio havia acabado, e o
deixei tirar suas próprias conclusões.
— Trabalha com o que mesmo em Chicago? — perguntou-
me em algum momento.
— Com o que aparecer... — Tentei ser vaga, mas percebi que
isso o havia deixado confuso. — Venho de uma família simples,
comecei a trabalhar cedo como você, então vou aproveitando todas
as oportunidades que surgirem.
Ele sorriu encantado.
— Está empregada nesse momento?
Dei de ombros.
— Até o momento, acho que sim, mas não sei como ficarão
as coisas depois que eu voltar. Penso que seja a hora de mudar e
tentar algo novo.
Sorriu.
— Bem, eu sempre tenho espaço para alguém jovem e com
vontade de crescer.
Aquilo me enterneceu.
— Obrigada!
Depois daquela conversa, chegamos a Chicago. Ele se
ofereceu para me levar até em casa e, como estava esgotada,
aceitei. Percebi que ficou surpreso com meu endereço e mais ainda
quando viu a vizinhança humilde e a casa simples em que eu
morava.
Não soube o que pensou, porque certamente minhas malas,
roupas e joias não combinavam com o cenário que encontrou. Tive
receio de que pensasse o pior de mim, mas, quando desci do carro,
me acompanhou até a porta e ressaltou seu oferecimento de
emprego, entregando-me um cartão moderno com seu número
pessoal.
— Uau! — Lembrei-me de ser a primeira palavra de minha
mãe quando entrei em casa. — É mesmo minha filha?
Sorri sem jeito, esforçando-me para não chorar, abraçá-la e
desabafar. Não podia fazer aquilo, ela não aguentaria e não me
deixaria retornar ao trabalho.
— Oi, mamãe!
O abraço foi caloroso, mas ela logo me soltou e espiou de
novo pela janela.
— E aquele homem lindo era o seu chefe?
Neguei.
— Não, um amigo que me deu uma carona até aqui.
Vi que ela havia estranhado, mas não disse nada, recebendo-
me como se eu tivesse ficado anos fora de casa.
Voltei à rotina de trabalho no dia seguinte e, desde então,
esperei pelo retorno de Sean. Criei tantos cenários na minha
cabeça, e no final nenhum deles se concretizou e acabei sem
emprego, de uma forma ou de outra.
A porta do almoxarifado se abriu de repente e minha
supervisora apareceu parecendo irritada.
— É verdade que pediu demissão? — inquiriu-me à queima-
roupa.
Suspirei.
— Sim.
Ela bufou.
— Eu sabia que aquela história de você viajar com o chefão
como assistente ia subir à sua cabeça! Aposto que queria continuar
no cargo, e ele não quis e a dispensou. Fez alguma bobagem
durante a viagem?
O tom acusador e o jeito agressivo foram a gota d’água e,
como eu não tinha mais nada a perder, simplesmente tirei o crachá
e a touca e os joguei no chão.
— Tudo o que eu tinha para tratar sobre esse assunto foi
tratado com o senhor Moore. Se quiser saber detalhes, vá até sua
sala e pergunte a ele!
A mulher ficou boquiaberta, porque sempre fui uma
funcionária calma e submissa e ela certamente não esperava meu
rompante. Eu estava cansada, não era daquela forma que queria
deixar aquele emprego, mas nada havia saído como eu havia
imaginado.
Saí do almoxarifado e segui para o vestiário, onde troquei de
roupa, recolhi os poucos pertences que tinha no armário e passei no
RH antes de me despedir para sempre do prédio e dos escritórios
da Gaea.
Fiz o trajeto para casa refletindo sobre o que fazer. Eu tinha
recebido um bom dinheiro por aquele trabalho na Turquia, mas ele
não duraria para sempre, principalmente com as despesas para
manter meu irmão nos estudos. Eu não teria tempo para lamber
minhas feridas, tinha que começar imediatamente a procurar outro
emprego, qualquer um que fosse, e atrasar novamente os planos
para meu futuro.
Quando entrei em minha rua, andando a pé, em vez de ir
direto para minha casa, fui para a de Rosalia.
— O que houve? — perguntou ela assim que abriu a porta
para eu entrar. Sorri triste e vi os olhos cor de mel de minha amiga
faiscarem de raiva. — Aquele filho da puta te demitiu?! Eu vou até lá
falar umas verdades para aquele cabrón desgraçado.
Segurei-a pelo braço, porque a conhecia bem o suficiente
para saber que não estava apenas ameaçando.
— Não. Eu pedi demissão.
Rosalia riu.
— Ele te levou a isso! — gesticulava enquanto falava. — Vou
ligar para meu primo advogado e...
— Não. — Enfatizei a palavra com um olhar decidido.
Ela me ignorou e começou a mexer na agenda do telefone.
— Javier saberá o que fazer! Vamos deixar aquele
comemierda um pouco menos rico, isso eu posso te garantir! —
Tomei o celular de sua mão. — Kara! Eu sei que você é uma pessoa
do bem, mas... ele era seu chefe, no me jodas!
— Não estou brincando contigo! Eu te contei cada detalhe
daqueles dias e você sabe bem que eu quis transar com ele. Ele
não me ameaçou, não me obrigou... Eu quis, Rosa!
Ela bufou.
— Você não sabia o que queria! Ficou encantada com...
— Não. Você me conhece, sabe que não iria para a cama
com ele apenas por estar deslumbrada. Eu quis fazer sexo pela
primeira vez e foi com Sean Moore.
— Mas aposto que ele a forçou a se demitir. O que
aconteceu?
— Podemos falar disso enquanto tomamos um café? Não
comi nada hoje e...
Nem precisei continuar, fui logo arrastada até a pequena
cozinha, onde me sentei em uma banqueta enquanto ela passava
um cafezinho fresco e cheiroso como somente ela sabia fazer.
Eu tinha sorte por tê-la comigo e por poder contar com seu
ombro e sua personalidade forte para extravasar um pouco.
— Acho que café será uma bebida leve, mas, como você vai
dormir aqui hoje, vamos tomar um vinho essa noite.
Ri.
— Vou dormir aqui?
Ela balançou sua longa cabeleira encaracolada.
— É óbvio, sua bobinha! Hoje é a noite oficial de maldizer e
xingar o pirusudo fujão!
Ninguém, absolutamente ninguém no mundo poderia me
fazer rir naquele momento, a não ser minha amiga Rosalia Mendez.
Eu ri tanto que nem percebi que estava chorando junto.

Procurar trabalho não seria fácil, por isso mesmo comecei a


empreitada já no dia seguinte à minha demissão. Eu compreendia
que meu currículo não era suficiente para que eu galgasse uma
vaga muito além daquilo que já vinha fazendo, então, em vez de
buscar emprego em empresas, escolhi focar em algo mais dentro da
minha realidade e fui atrás de oportunidades no comércio.
Sempre me elogiaram por saber lidar com as pessoas, ser
calma e por minha aparência e, como aquele setor estava aquecido
e cada vez mais as pessoas compravam e compravam, achei que
seria um bom começo.
Candidatei-me a algumas vagas em lojas de vários shoppings
e algumas butiques, pensando mais nas comissões do que
propriamente no salário. Fiquei o dia todo fazendo contatos,
procurando agências que pudessem se interessar pela minha
experiência na Gaea e me conseguissem alguma colocação nova.
Eu queria ter algo concreto antes de contar à minha mãe que
havia saído da empresa e que estava em um novo emprego. Temia
que, se contasse a ela, pudesse desconfiar que algo sério havia
ocorrido na viagem para a Turquia, e eu não queria preocupá-la,
não quando tinha ficado tão feliz por eu ter voltado ao país do meu
pai, onde nasci, e conhecido a Capadócia, que era seu sonho.
Tive que rever ao lado dela as fotos que tirei, mas ocultei
algumas onde Sean aparecia. Depois disso, passei a não mais olhá-
las, porém não tive coragem de me desfazer delas, afinal, faziam
parte da minha história, que, mesmo que tenha tido o fim que teve,
era parte de mim.
Quando anoiteceu, fui surpreendida com a visita de Rosalia,
que anunciou que iria dormir comigo naquela noite e, como boa
amiga que era, ajudou em minha busca conversando com
conhecidos e me indicando para várias vagas que tiveram retorno.
Estávamos deitadas na cama, agendas – sim, aquelas de
papel, que quase ninguém mais usava, mas que nós ainda
amávamos – nas mãos e computador ligado em pesquisas, quando
um pequeno papel preto caiu na cama e Rosalia o pegou.
— O que é isso? — perguntou, aproximando o cartão. —
Liam Stanton?
Encarou-me, e eu suspirei.
— O homem que me deu a carona de volta para casa.
Ela se sentou na cama, pegou o notebook e pesquisou o
homem.
— Joder, chica! Que homem da porra, Kara!
Assenti.
— Ele é bonito, sim... Tem um charme, mas...
Rosalia me fuzilou com o olhar, porque sabia que eu o iria
comparar com Moore.
— Te deu carona, te trouxe em casa e ainda deixou o
número... Por quê?
— Disse que, se eu precisasse de algo, que ligasse.
Ela bateu palmas.
— Está aí a solução! Ligue para ele e peça um emprego!
Ri nervosa.
— Rosa, ele fez isso por educação. Eu era uma mulher
abandonada e chorosa. Foi um cavalheiro.
Minha amiga se aproximou.
— Foda-se! Ele ofereceu ajuda e você precisa, então... Quem
não quer fazer algo, não deve se prontificar a fazer. — Apontou para
meu telefone. — Ligue!
Arregalei os olhos.
— A essa hora? Está doida?
— Está certa, não vamos parecer desesperadas. — Pensou
um pouco. — Amanhã você liga para agradecer a ele por tudo o que
fez e aí comenta que o hijo de puta te demitiu e...
— Ele não sabe que Sean era meu chefe.
— Porra, ele só tem que saber que você agradeceria uma
ajuda agora, que está desempregada! — Eu ia negar, mas ela se
antecipou. — Ele ofereceu!
Suspirei.
— Está bem, amanhã eu ligo.
Ela esticou o dedo mindinho na minha direção.
— Promete?
Gargalhei, porque fazíamos isso quando éramos crianças.
Enganchei meu mindinho no dela.
— Prometo!
Quase não consegui dormir à noite, rolei na cama pensando
em tudo o que tinha para fazer no dia seguinte e nervosa por ligar
para um conhecido e cobrar algo que ele podia ter feito apenas por
educação. Eu não gostava de artimanhas e não sabia se iria seguir
o conselho de Rosalia sobre fingir que estava ligando apenas para
agradecer-lhe.
Se eu ligasse, seria para dizer o que estava acontecendo e,
assim como fiz com vários possíveis empregadores, saber se havia
alguma vaga em aberto em que eu poderia me encaixar.
Quando o dia amanheceu, fui acordada por Rosalia com uma
caneca de café em uma mão e o meu celular na outra.
— Bom dia! Você tem trabalho a fazer.
Suspirei, sabendo que não adiantaria discutir com ela. Digitei
o número do telefone pessoal de Liam, mas, depois de chamar
algumas vezes, a chamada foi desviada para uma caixa postal.
— Ele não atende — anunciei, já desistindo.
— Tem outro número!
Bufei irritada e tentei o outro telefone.
— Stanton e Co., bom dia! — uma mulher atendeu, e eu
engoli em seco.
— Bom dia. Eu gostaria de falar com o senhor Stanton.
— O senhor Stanton está viajando no momento, mas posso
anotar o recado para quando voltar.
Estranhei a simpatia e duvidei que realmente passasse algo
para o chefe, porém, sob o olhar julgador de Rosalia, achei melhor
deixar uma mensagem curta.
— Diga a ele que Kara Çelik entrou em contato.
— Pode deixar, senhorita Çelik. Algo mais?
— Não — respondi e vi que minha amiga queria voar no meu
pescoço. — Muito obrigada pela atenção.
— Disponha!
Encerrei a ligação, pronta para ouvir um sermão, mas fui
salva quando minha mãe entrou no quarto, parecendo assustada.
— O que foi? — Levantei-me de uma só vez e fui até ela, que
estava pálida.
— Você pagou as despesas anuais de seu irmão? — inquiriu,
desnorteada.
Pisquei algumas vezes, sem entender e neguei.
— Eu ia pagar a despesa desse mês e de mais uns dois...
Ela me estendeu uma carta da instituição onde ele estava
cursando o pré-médico e eu vi que se tratava de um recibo de
quitação.
Senti as pernas tremerem e olhei para minha amiga
completamente apavorada, porque a única pessoa que tinha
condições de fazer aquilo e que sabia do desafio que minha mãe e
eu tínhamos para manter Onur no curso era o Homem de Gelo.
Por que ele faria aquilo?
26 – Sean

— Senhorita Matthews, venha à minha sala agora!


Desliguei o telefone, irritado. A voz certamente transpareceu
minha frustração e aquilo era sinal de que eu já estava no limite.
Andei pela sala enquanto a secretária executiva da diretoria não
aparecia para amenizar um pouco meu mau-humor, mesmo
sabendo que aquele milagre não aconteceria.
Eu estava havia dias tentando voltar à minha rotina normal de
trabalho, contudo, sem a assistência ímpar de Tom Knightley, estava
me sentindo perdido e extremamente contrariado por ter de dividir
com os outros diretores o trabalho de Holly Matthews.
É claro que eu sabia fazer tudo o que Tom habilmente fazia
para mim. Um dos grandes segredos de uma boa liderança é saber
fazer o trabalho dos liderados, afinal de contas, para eu mandar
fazer e saber que estava sendo bem-feito, era necessário o mínimo
de conhecimento. Mas entre saber fazer e ter que fazer havia uma
distância gigante.
Otimizava meu tempo não ter que ficar explicando,
mostrando ou mesmo pedindo a Tom que executasse uma tarefa de
suas atribuições, o que não estava ocorrendo com a senhorita
Matthews. Eu entendia que a secretária estava sendo tão
incompetente comigo por ter de atender aos outros diretores e suas
próprias demandas, entretanto, enquanto Tom não retornasse, ela
teria de se empenhar mais.
Se Kara não tivesse... Freei o pensamento antes mesmo de
concluí-lo. Eu não queria pensar sobre Kara Çelik nem ficar
comparando seu trabalho – curto e impecável – com o de outra
pessoa. Tinha a sensação de que ela iria ser excepcional na
substituição de Tom, porém, devido ao que aconteceu na Turquia, a
decisão de ela se afastar foi a melhor.
Sem dúvida alguma!
— Pois não, senhor Moore? — Holly se apresentou
parecendo muito mais agitada que o normal.
— Eu tentei visualizar o cronograma sobre a visita do pessoal
da Tron, mas não encontrei no sistema interno. — Ela se encolheu e
eu percebi que estava irascível demais. Respirei fundo. — Não
quero ter que ficar tomando conta das tarefas que a senhorita
precisa executar. Não é uma preocupação que eu gosto ou quero
ter, contudo, quando percebo que não há nada, me parece muito
néscio da minha parte não a supervisionar.
Notei que ela engoliu em seco.
— Ainda estou tentando coordenar tudo — justificou-se. — O
horário dos voos, os motoristas para os traslados, os hotéis e... o
senhor me pediu para fazer isso há 24 horas.
Franzi a testa, sem poder acreditar no que estava ouvindo.
— E ainda não fez?!
Ela desviou os olhos.
— Eu tenho mais três diretores para atender e...
— Eu sou o CEO, senhorita Matthews — pontuei o óbvio. —
Acha que os demais diretores têm prioridade a mim?
Rapidamente ela negou.
— Não, mas é que... bom, o senhor sempre teve um
assistente, e eu estou um tanto perdida com essas coisas. Tenho
falado com Tom e ele tem me ajudado no que é possível, visto o
estado dele.
— Suas desculpas não resolvem o problema. Eu preciso do
roteiro da visita e a confirmação de cada nome que a senhorita Çelik
deixou nos arquivos. Posso esperar por mais 24 horas — encarei-a
sério —, não mais do que isso.
Vi Holly perder a cor e sair praticamente correndo da minha
sala, como se temesse por sua vida se demorasse mais tempo
comigo. Achei que tinha sido até agradável demais com ela. Se não
fosse por causa da negociação da Tron e a necessidade de sigilo
absoluto naquela negociação, eu já a teria dispensado.
A verdade era que eu estava sem tempo e sem pessoal
adequado para aquele trabalho e por isso estava sobrecarregando a
secretária da diretoria. Mais uma vez comecei a pensar em como
Kara lidaria com as minhas demandas profissionais e fiquei irritado
por pensar tanto nela.
Eu não a demitira, embora tivesse sido meu primeiro
pensamento quando cheguei a Chicago, foi ela quem se negou a
trabalhar diretamente comigo, preferindo seguir sendo copeira.
Respirei fundo, porque todas as vezes que pensava em como ela
me olhou, principalmente ao devolver o presente que eu lhe havia
dado na nossa última noite, ficava frustrado.
Kara Çelik se mostrou uma mulher orgulhosa, teimosa e...
burra!
Sim, burra!
Eu não me envolvia no trabalho do meu diretor de pessoal,
mas, quando o contrato dela com a Gaea terminou, tivemos que
liquidar também os outros contratos acessórios que foram feitos
para a viagem e, assim, a empresa pagou os extras pela assistência
que ela me deu na Turquia.
Era uma bela quantia para alguém que ganhava tão pouco no
serviço geral da empresa, contudo, pelo que mandei investigar da
vida financeira dela e da família depois das conversas que tivemos
durante a viagem, era insuficiente para que se mantivesse até
encontrar outro emprego e ainda arcasse com os estudos do irmão.
Foi então que me lembrei de um fundo de assistência à
educação que eu havia montado anos atrás e que meu padrasto,
com os serviços sociais que fazia, administrava. Não precisei falar
muito sobre o garoto, apenas o currículo escolar dele ao longo de
sua vida acadêmica foi suficiente para que julgassem que ele
merecia a bolsa, e assim todo o pré-médico de Onur Çelik foi
garantido financeiramente por um fundo que não tinha nenhuma
ligação comigo e que, por isso mesmo, Kara não poderia dar um de
seus chiliques de orgulho e recusar a ajuda.
É claro que eu havia feito aquilo apenas porque era um
garoto com uma possibilidade de mudar a história de sua família.
Nada tinha a ver com o tempo que passei com Kara na Turquia ou
com o que havia acontecido entre nós por lá. E foi também apenas
para comprovar as coisas que me contou que passei, em uma noite
aleatória, em sua rua e fiquei um tempo parado dentro do carro,
olhando para a sua casa.
A garota tinha feito um bom trabalho e tinha potencial para ir
muito longe em qualquer empresa, mas, devido a um erro de
julgamento meu, poderia vir a passar necessidades, e eu não iria
permitir aquilo.
Ainda não sabia como iria fazer isso sem que alguém
questionasse a minha motivação, mas iria conseguir algo muito
melhor do que ser faxineira em alguma outra empresa para ela. Não
por achar que devia algo para Kara, mas porque acreditava que ela
merecia crescer e ter oportunidade de voltar a estudar e se tornar a
executiva incrível que poderia ser.
Era isso! Apenas um caso de caridade como os vários que eu
fazia – apenas não diretamente – e nada mais.
Voltei a me sentar em minha cadeira e a ler o documento na
tela do meu laptop, mas, entre uma frase e outra, ainda podia ouvir
minha consciência sussurrando:
— Mentiroso!

Assim que entrei no restaurante, Emily Howard se ergueu e


sinalizou com a mão, indicando onde estava sentada. Forcei um
sorriso e segui até a mesa já ocupada por ela.
Emily me abraçou e eu beijei sua bochecha para
cumprimentá-la.
— Que bom que pôde vir! — Seu sorriso se ampliou. — Eu
estava te devendo esse jantar e, assim que retornei de Nova Iorque,
reservei este restaurante. Gostou?
Assenti.
— Você tem bom gosto. — Pisquei em brincadeira. — Mas
você não me deve nada, Em.
— Claro que devo! Foi muito mais confortável ficar no seu loft
com vista para o Central Park do que em um hotel qualquer.
Inclusive, amei sua empregada!
— Paula a atendeu bem? Ela deve ter ficado animada por ter
alguém a quem cuidar. — Dei de ombros. — Quase não vou lá.
— Ela é uma fofa! Mas acho que confundiu um pouco as
coisas. — Emily se aproximou mais de mim. — Achou que eu era
sua namorada.
Pigarreei.
— Certamente você explicou a ela que somos amigos. —
Frisei a palavra, e ela riu.
— Certamente!
Olhei em volta, porque havia entendido que seria uma
pequena reunião com um grupo de amigos em comum.
— Não vai vir mais ninguém? — questionei.
— Vai, sim... Ah, inclusive já estão chegando! — Apontou
com a cabeça e eu olhei para trás, vendo um conhecido meu do
clube ao lado de uma bela moça. — Frederick Jennings e Roxanne
Stanton.
Cumprimentei o casal e identifiquei uma das irmãs de Liam.
— Como vai, Sean? — Frederick me cumprimentou no exato
momento em que mais dois casais se juntavam a nós.
Esperei que mais pessoas chegassem, porém, quando os
garçons começaram a trazer champanhe e aperitivos, percebi que
era um encontro de “casais” e que eu era o par de Emily.
Merda!
— ...Liam chega amanhã e vem direto para Chicago — ouvi
Roxanne comentar em algum momento. — Ele disse que tem um
compromisso no almoço e que depois se juntará a nós para o jantar.
— Ela me olhou de esguelha. — Claro que todos estão convidados
a vir até minha casa para o meu aniversário.
Não reagi ao convite, porque era mais do que óbvio que eu
não seria um dos presentes na comemoração. Nunca fui próximo
aos Stantons e, embora tenha cruzado com Liam algumas vezes,
nunca fomos amigos ou fizemos negócios juntos. A única ligação
que tínhamos era no encontro anual dos egressos de Harvard e nas
reuniões do clube de golfe.
Jamais tive nenhuma vontade de me aproximar do
empresário e, depois do modo como ele se portou na Capadócia,
cercando Kara mesmo sabendo que ela e eu estávamos juntos, era
que eu não tinha mesmo o menor interesse em me acercar dele ou
de sua família.
O jantar se arrastou por longas horas e, apesar da armadilha
criada por Emily, acabei desfrutando da companhia das pessoas à
mesa. Tinham sido dias tensos desde minha volta – na verdade,
muito antes dela – e eu precisava me distrair um pouco.
— Vou encerrar a noite por aqui. — Fui o primeiro a
debandar, erguendo-me. — Foi agradável a companhia de todos
vocês, mas amanhã o escritório me espera bem cedo.
Emily se pôs de pé também.
— Será que poderia me deixar em casa? Também tenho que
ir.
— Claro!
Despedimo-nos de todos e seguimos para fora do
restaurante, onde Basil, meu motorista, aguardava-me.
— Meus amigos são ótimos, não são? — Emily inquiriu assim
que entrou no carro. — Achei que você iria adorar distrair a cabeça
um pouco dos negócios.
Suspirei.
— Eu já conhecia a maioria deles, Em. Nosso círculo social
não é tão grande, muito menos diverso.
Ela riu e enganchou o braço no meu.
— Você ficaria surpreso com as pessoas de fora do nosso
ciclo que eu conheço. Surpreso ou escandalizado! — Riu. — Eu não
imagino você interagindo com um trabalhador comum.
Puta que pariu!, xinguei mentalmente, porque qualquer coisa
era motivo para me fazer pensar em quem eu não queria. Imaginei o
que Emily diria se soubesse que não só interagi com uma
trabalhadora como também desfrutei de cada minuto daquela
interação.
Dentro e fora de uma cama!
— Não posso ser julgado por ter amigos dentro do meu
círculo social — defendi-me. — É natural, afinal de contas, os locais
onde frequento são também frequentados por eles.
— Eu sei, bobinho! — Beijou meu pescoço, e eu fiquei tenso.
— Você faz bem em manter distância de pessoas que, ao saberem
quem é você, possam querer apenas emergir. Há muito alpinista
social, principalmente entre as mulheres.
— Não precisa ser pobre para ser interesseira — alfinetei, e
ela se afastou. — Não sou modesto, Em, e nós sabemos bem que
entre todos os presentes no restaurante hoje, eu era o homem mais
rico.
— E o mais bonito! — Tentou suavizar a conversa. — É um
combo de respeito!
Dei de ombros, porque sabia que a maioria das mulheres me
viam daquela forma: um combo. Talvez eu chamasse a atenção
apenas por ser bonito, mas certamente ser rico como Creso me
tornava ainda mais atraente.
— Só que este combo aqui sempre deixou claro que não
seria de ninguém. — Encarei-a sério. — E nem posaria de casal,
mesmo para uma amiga.
Emily ruborizou.
— Faltaram mais amigos, por isso ficamos em par. — Ergui
minha sobrancelha, pois não acreditei naquilo de forma alguma. —
Mas todos concordam que fazemos um belo casal, Sean! E olha, eu
vou herdar uma empresa tão lucrativa quanto a sua e...
— Nem continue, por favor. — Virei-me de frente para ela. —
Nós já conversamos sobre isso e o que aconteceu entre nós...
— Eu sei. — Respirou fundo. — Você se deixou levar.
— Exato! Eu a considero uma amiga, nada mais.
Ela ia dizer algo, mas o carro parou em frente ao prédio onde
morava.
— Não vai adiantar, então, te convidar para subir e
rememorar aqueles momentos em...
— Não. — Cortei-a com delicadeza e beijei seu rosto. — Boa
noite, Em.
Ela sorriu.
— Ainda te ganho pelo cansaço, Sean Moore.
Ri.
— Pode ser, mas preferia que não tentasse.
Emily fez um biquinho e saiu do carro, deixando-me
finalmente a sós com meus pensamentos conflituosos e
indesejáveis sobre regras quebradas. Emily foi um erro de percurso,
algo que eu normalmente não fazia, envolver-me com amigos, e
Kara...
Bufei, fechando os olhos.
Kara também tinha sido, mas, ao contrário do que havia
acontecido com Emily, o arrependimento durou pouco e meu corpo
ainda insistia em querer repetir aquele erro gostoso.
— Para casa, doutor? — Basil perguntou.
Porra!
— Vamos, mas antes passe de novo naquele endereço da
outra noite.
Segui de olhos fechados até a casa onde a família de Kara
morava, debatendo sobre meus motivos continuamente em
pensamentos. Eu me sentia um otário, uma espécie de tarado que
ficava vigiando a vida da mulher que desejava e não podia ter.
Abri os olhos apenas quando o veículo parou. Fiquei alguns
segundos tomando conta da porta, prestando atenção em cada
movimento, ansioso para ver a silhueta dela em qualquer uma das
janelas da casa.
Um movimento na rua me despertou do transe e eu vi uma
morena baixinha, com longos cabelos cacheados e um corpo
escultural atravessar o jardim da casa de Kara e aguardar na porta.
Não soube por que, mas segurei momentaneamente o fôlego
quando a porta se abriu e Kara apareceu – de pijama, ao que
parecia – e abraçou a outra mulher, levando-a para dentro de casa.
Não consegui pensar por alguns segundos e, assim que o
transe passou, pedi a Basil que nos tirasse dali, porém, ao invés de
ir para casa, pedi que parasse em um bar.
Eu precisava beber!
27 – Kara

Eu estava moída de tanto cansaço! Podia me lembrar de


como foi para conseguir meu primeiro emprego, o quanto tive que
andar, a quantas entrevistas fui, entretanto agora as coisas
pareciam mais difíceis. Talvez por aceitar fazer qualquer tipo de
trabalho lícito antes, e agora ter um pouco mais de exigência. A
verdade era que eu não sabia quanto tempo mais minhas
preferências poderiam continuar contribuindo para minhas escolhas,
afinal, eu precisava de um emprego.
Aquela situação de terem pagado toda a educação de Onur –
no pré-médico, pelo menos – me desconsertou e, após um pouco de
pesquisa, descobri que a fundação que escolheu meu irmão nada
tinha a ver com meu ex-chefe, o que foi um alívio.
Ou quase...
Ainda não entendíamos como Onur havia sido agraciado se
nem ao menos tinha se inscrito para receber uma bolsa. Ele nem
sequer sabia da existência da tal instituição, o que era estranho.
Alguém o havia indicado e eu não conseguia imaginar quem poderia
ter feito aquilo.
Certamente não fora Sean Moore! Ele não tinha por que fazer
algo daquele tipo pela minha família, afinal de contas, havia deixado
bem claro que não tinham pendências entre nós, e eu já tinha
recebido o dinheiro combinado pelo trabalho na Turquia.
A bem da verdade foi que saber que Onur tinha os estudos
garantidos trouxe um alívio que minha mãe e eu não esperávamos e
ela até sugeriu que eu não trabalhasse e voltasse a estudar, porém
eu tinha consciência de que, se fizesse aquilo, ela iria continuar
trabalhando em uma porção de empregos para nos manter, e eu
não queria isso.
O que podia fazer era buscar um emprego onde pudesse
encerrar o expediente a tempo de ir para aulas noturnas. Fiz
algumas entrevistas visando esse objetivo, mas ainda não tinha tido
retorno de nenhuma.
— Não vai jantar? — Mamãe apareceu na porta do meu
quarto e eu tirei os olhos das páginas de um livro que não estava
realmente lendo.
— Estou sem fome agora. Posso esquentar mais tarde se
quiser comer.
Ela sorriu, mas parecia preocupada.
— Você tem comido menos que o normal. Tome cuidado para
não ficar doente. — Assenti. — Boa noite!
— Boa noite, mãe!
Ela foi para o seu quarto e eu conferi as horas, percebendo
que estava muito cedo ainda e que iria demorar para dormir. Tentei
me concentrar na leitura, mas, a cada fala do personagem
masculino, imaginava a voz de Sean, o olhar dele, o cheiro... até
que deixei o livro de lado e peguei outro.
Não demorou muito, deparei-me com o mesmo problema. Era
sempre ele que eu via nas cenas, eram as mãos dele que me
tocavam quando o personagem tocava a mocinha, e a sua boca que
me devorava quando o protagonista levava a mulher para a cama.
Desisti, percebendo que não importava qual livro de romance
eu escolhesse, ele sempre seria o personagem principal, o “avatar”
perfeito para qualquer uma das histórias de amor que eu lesse.
Liguei a TV e vi surgir o Homem de Aço voando na tela. O
Superman do filme era o Christopher Reeve, mas eu podia ver Sean
Moore no lugar dele, com seus músculos perfeitos, os olhos azuis
brilhantes e o sorriso de molhar qualquer calcinha.
Desliguei a televisão e abri as redes sociais, vendo um vídeo
idiota atrás do outro de forma a sobrepujar a imagem do meu ex-
chefe em minha cabeça. Aquilo só podia ser uma espécie de
obsessão que não me deixava. Eu via Sean em qualquer lugar,
representado sempre por homens poderosos, gostosos e
apaixonantes.
Esquece Sean, Kara!
Quando meu telefone tocou, quase o lancei para longe,
tamanho o susto do toque alto. Havia esquecido de silenciá-lo e
estranhei que alguém desconhecido – o número não estava na
minha agenda – me ligasse àquela hora, porém, como tinha feito
algumas entrevistas de emprego, achei melhor atender.
— Kara?
Uma voz conhecida falou meu nome assim que disse alô,
mas não consegui identificar.
— Sim, é ela. Quem fala?
A risada foi fundamental para que eu soubesse que se
tratava de Liam Stanton.
— Desculpe-me pelo horário, só peguei seu recado há pouco.
— A voz divertida não me deixou mais dúvidas. — É Liam Stanton.
Como vai, Kara?
— Vou bem, senhor Stanton.
A risada dele foi alta e contagiante, tanto que eu sorri.
— Chame-me de Liam, por favor. Necessita de algo?
Respirei longamente.
— Liguei apenas para agradecer mais uma vez — menti, sem
coragem de fazer o que Rosalia havia sugerido e lhe pedir um
emprego.
— Foi um prazer ajudá-la, Kara. — Ficou em silêncio por um
tempo e me senti desconfortável, sem saber se deveria desligar ou
puxar assunto, mas então ele me surpreendeu: — Estarei em
Chicago por alguns dias e, se você não estiver ocupada, que tal um
almoço?
Meu coração disparou e eu me sentei na cama, sem saber o
que deveria responder. Temia que meu contato fosse mal
interpretado, mas também não gostaria de ser rude negando.
Poderia dizer que estava com os dias cheios, contudo poderia ser
uma oportunidade de emprego que estaria jogando pela janela.
Fechei os olhos e pedi ajuda a Deus para que iluminasse
minha cabeça a fim de que eu tomasse a melhor decisão.
— Ah, meu Deus! — Abri os olhos assustada, ouvindo a
campainha tocar.
— Algum problema?
Ri nervosa e me levantei para ver quem poderia ser àquela
hora.
— Alguém chegou aqui. Pode me dar um minutinho para eu
atender?
— Claro!
Deixei o telefone em cima da cama e saí correndo, sentindo-
me aliviada e atendida quando vi Rosalia pelo olho mágico da porta.
— Graças a Deus! — Abracei-a apertado. — Liam Stanton
está ao telefone e me chamou para almoçar...
— Ei, calma! — Rosalia me segurou pelos ombros assim que
entramos em casa e fechamos a porta. — Era o que queríamos,
não?
Neguei.
— Não! Foi loucura ter ligado para ele. O que vai pensar de
mim?
— Amiga, se concentra! Você precisa de um emprego e tem
contato com um empresário que pode ter uma vaga. Simples assim!
Se ele quiser algo em troca, você lhe dá um belo chute no saco e
manda cogerse!
Mordi o lábio, tremendo inteiramente.
— Acha que não é esquisito? Tem certeza?
— Ele não foi gentil contigo? — Assenti. — Não ofereceu
ajuda? — Novamente não tive como negar. — Vai almoçar com ele,
conversem e, se se sentir à vontade, conte a ele que se demitiu e
espere para ver o que ele fala. Se te oferecer um emprego sem
querer nada em troca, aceite!
Ainda assim, eu me sentia mal com a situação, porque
parecia que eu estava usando-o. Uma verdadeira interesseira indo
atrás dele apenas para conseguir algo que queria.
Rosalia percebeu que eu estava me debatendo para tomar
uma decisão e me empurrou até o quarto.
— Se você não aceitar, eu pego o telefone e aceito por você!
Anuí e tomei fôlego.
— Oi, Liam, desculpe a demora. Minha amiga chegou aqui.
— Tudo bem.
— O almoço ainda está de pé? — questionei sem jeito.
— Para amanhã, se aceitar.
Engoli em seco, olhei para Rosalia, que se agitava feito uma
doida varrida e fechei os olhos.
Seja o que Deus quiser.
— Então nos vemos amanhã!
Ele quis vir me buscar em casa, entretanto neguei, anotando
o nome do restaurante onde ele pretendia fazer a reserva e
marcando um horário para encontrá-lo por lá.
Eu queria que parecesse realmente um almoço descontraído,
e não um encontro ou coisa do tipo, por isso preferi encontrá-lo
diretamente no restaurante. Não sabia se ele tinha ficado muito
satisfeito com o arranjo, mas foi a melhor solução que achei.
— Pronto, Rosa, satisfeita?
Ela me abraçou forte e nós duas caímos na cama.
— Vou ficar quando te vir toda linda trabalhando em uma
grande empresa, estudando e realizando seus sonhos. Você
merece, amiga!
Suspirei, tentando me agarrar àquela esperança de conseguir
alcançar tudo aquilo que Rosalia me desejava. Talvez o primeiro
passo para conquistar meus sonhos fosse dado no dia seguinte.
Que seja o que Deus quiser!

O dia começou intenso na minha casa e, por mais que eu


tivesse decidido não sair à procura de trabalho na parte da manhã,
acordei bem cedo com minha mãe e Rosalia se preparando para
seu expediente.
Tomamos o desjejum juntas, conversando sobre os planos
para aquele dia, mas não toquei no assunto do almoço perto de
minha mãe. Apenas quando fiquei a sós com minha amiga é que
demonstrei meu nervosismo e uma certa insegurança por não saber
se tinha feito a coisa certa aceitando aquele encontro.
— Não se desperdiça nenhuma oportunidade na vida! —
Rosalia ralhou comigo. — Se você não se sentir à vontade com ele,
me manda uma mensagem, que eu te ligo dizendo que aconteceu
uma emergência. — Riu. — É só um almoço, mulher!
Assenti, afinal de contas, estive praticamente sozinha com
Liam durante todo o trajeto de horas entre a Turquia e os Estados
Unidos e ele se comportou como um cavalheiro. Eu não tinha motivo
para achar que ele seria diferente comigo por causa daquele
almoço.
Comecei a me arrumar depois que a casa ficou vazia e
novamente a insegurança me bateu, pois Liam tinha me conhecido
vestindo roupas de grife, e tudo o que eu tinha para usar eram as
minhas velhas roupas de lojas populares. Tentei escolher algo que,
mesmo se ele reconhecesse como barato, seria elegante e bonito e
optei por um vestido simples, de verão, com comprimento médio e
uma cor neutra.
Calcei sandálias de tiras sem salto, porque, dependendo de
como fosse o almoço, eu iria começar de lá mesmo a minha
peregrinação para achar outro emprego. Não dava para contar com
o ovo antes de a galinha o botar, então, ainda que não ficasse tão
linda quanto com calçados de salto, as rasteiras eram práticas.
Fiz uma maquiagem leve e, como já havia lavado e secado
os cabelos, optei por deixá-los soltos. Conferi todos os itens dentro
da minha bolsa, inclusive dinheiro para pagar minha parte da conta,
e me encarei durante um bom tempo na frente do espelho.
Você consegue!, encorajei-me mentalmente.
Abri a porta da frente da casa com esse mantra se repetindo
na minha cabeça, focada e um tanto distraída, e quase gritei quando
dei de cara com um rosto conhecido que também parecia surpreso.
— Eu estava prestes a bater — Holly Matthews disse, rindo.
— Como vai, Kara?
Pisquei algumas vezes, sem entender o que a secretária
executiva estava fazendo parada na porta da minha casa àquela
hora.
— Oi! — cumprimentei-a, ainda confusa. — Eu estou bem...
Que surpresa!
Ela suspirou longamente.
— Perdoe-me por aparecer assim de repente, mas será que
você teria uns minutos para conversarmos?
Mordi o lábio e conferi a hora, recalculando o percurso até o
restaurante, temendo chegar atrasada.
— Se não for demorar muito. — Fui sincera. — Já estava de
saída.
Holly sorriu compreensivamente.
— Vou tentar ser o mais breve possível!
Afastei-me para que ela pudesse entrar em casa e a levei até
o sofá.
— Aceita algo?
Negou.
— Não quero te atrasar — disse ainda em pé. Foi então que
percebi que estava muito nervosa.
Meu coração disparou.
— Aconteceu alguma coisa?
— É o senhor Moore.
Senti meu estômago se contrair e minhas pernas tremeram.
Várias possibilidades horríveis passaram rapidamente pelo meu
pensamento e todas me deixaram morrendo de medo.
— O-o que... Deus do Céu, ele está bem?! — não consegui
disfarçar a preocupação na minha voz.
— Não! Na verdade, ninguém está bem. Ele tem feito da vida
de todos um inferno desde que voltou de viagem. — Holly tomou
minhas mãos. — Eu conversei com Tom e ele me aconselhou a falar
contigo.
Franzi a testa, sem entender.
— Falar comigo sobre o quê?
— Eu sei que estamos exigindo demais e que a pressão de
trabalhar com Moore é insuportável, porém não estou dando conta
e, bem... você está inteirada do assunto, conhece bem os
pormenores e...
Foi naquele momento que entendi o sentido da visita dela.
— Eu não trabalho mais na Gaea.
— Eu sei! Mas tenho certeza de que, diante do quadro atual,
o senhor Moore a recontrataria. Você fez um trabalho impecável na
Turquia, eu acompanhei, ajudei-a, lembra? — Assenti. — Agora sou
eu quem precisa da sua ajuda! Se eu continuar trabalhando com
ele, certamente perderei meu emprego. Tenho filho pequeno, sou
mãe solo e não posso...
— Ele não irá demiti-la!
Holly riu.
— Quase fez isso hoje. Minha sorte é que Graham Moore
estava presente e o impediu. Kara, eu não viria aqui implorar se não
fosse importante.
Fechei os olhos, pois era difícil para mim ter que dizer a ela
que o que me pedia era impossível.
— Tenho certeza de que o senhor Moore não irá me
recontratar.
— Mas o senhor Graham, sim! Foi dele a ideia de eu vir aqui
pessoalmente conversar contigo. — Arregalei os olhos. — Ele
também acha que você é a única, nesse momento, que pode
substituir Tom.
Neguei.
— Ele nem me conhece! Sabe que eu era copeira antes de...
— O senhor Moore sabe de tudo e viu seu trabalho. Estou
aqui com o apoio dele, assim como ele estará ao seu lado quando
for readmitida. — Holly suspirou. — Inclusive disse que seu salário
pode ser negociável devido à urgência.
Afastei-me dela com o coração agitado e a cabeça confusa.
— Não é sobre o salário... É que... trabalhar novamente com
Sean Moore?
Ela não tinha ideia do que me pedia!
— Diga ao menos que aceita conversar com o senhor
Graham — insistiu. — Esse negócio é muito importante para o
senhor Moore e temo que ele não esteja bem assistido para seguir
com as negociações.
Merda!
— Tudo bem! — Holly pareceu aliviada. — Não prometo
voltar, apenas conversar com o senhor Graham.
Holly me abraçou apertado.
— Obrigada, Kara! Ele a espera ainda hoje...
— Eu tenho um compromisso antes, mas posso encontrá-lo
para um café.
— Certo! Vou providenciar tudo e vou te mantendo informada.
— Sorriu. — Muito obrigada, não sei o que fazer para lhe agradecer.
Ri, olhando para o relógio e temendo deixar Liam esperando.
— Comece me dando uma carona até o Looping.
28 – Kara

Senti o quanto estava nervosa apenas quando me vi em


frente ao restaurante onde Liam estava me esperando. Estava
atrasada, mesmo com a carona de Holly, e ansiosa por conta da
conversa com a secretária executiva da Gaea e o encontro que teria
mais tarde com o tal Graham Moore.
A incerteza da decisão de retornar à empresa, de voltar a
trabalhar com Sean, consumia todos os meus pensamentos e eu
nem sabia como conseguiria manter uma conversa coerente com o
empresário que me aguardava para o almoço.
Deveria ter encontrado uma desculpa e desmarcado!, pensei
enquanto reunia coragem para entrar no estabelecimento.
Respirei fundo, olhei meu reflexo no espelho do hall de
entrada e me anunciei:
— Boa tarde, sou Kara Çelik e...
— Senhorita Çelik, queira me acompanhar! — A hostess não
me deixou completar a sentença, demonstrando que já sabia onde
deveria me levar e até a quem.
Assim que vi o ambiente, senti um frio na barriga e aquela
minha ideia de pagar minha parte da conta me deixou desanimada.
Era um restaurante luxuoso – foi ingenuidade minha achar que não
seria, afinal de contas – e certamente o preço dos pratos faria jus a
todo o requinte que eu via.
Pensei na roupa que estava vestindo, infinitamente menos
sofisticada que a das outras mulheres presentes e, ao invés de me
encolher, mantive a postura e ergui o queixo, lembrando-me do que
Demir bei havia me ensinado em sua curta aula sobre elegância: a
atitude certa sustentava qualquer tipo de look, e mostrar segurança,
independentemente do que se vestia, era primordial.
Liam me aguardava em uma espécie de terraço, com uma
vista linda em uma área com um paisagismo elegante e bem-feito.
Assim que me viu, sorriu e se ergueu, deixando o telefone de
lado.
— Senhorita Çelik!
Cumprimentou-me com um beijo e todo meu nervosismo
acabou, lembrando-me da forma cuidadosa e amistosa com a qual
ele havia me tratado na viagem de volta para Chicago.
— Chame-me de Kara! — Sorri. — Como vai, senhor
Stanton?
— Trabalhando feito um louco como sempre, Kara. —
Afastou a cadeira para que eu me sentasse e aguardou que eu
estivesse confortável antes de tomar assento de frente para mim. —
Sabe que não é justo que eu a chame pelo nome, mas você
continue me chamando de senhor, não é? Só ressalta o quanto sou
mais velho...
Ri, achando aquilo uma bobagem.
— Não tem a ver com a idade, senhor...
— Liam! — Ele me interrompeu. — Nada de senhor ou
senhorita por aqui, combinado?
Aquiesci e logo depois se aproximou um garçom para anotar
nossos pedidos.
— Eu adoraria tomar uma garrafa de vinho para acompanhar
a refeição, porém daqui a pouco tenho outra reunião. Mas se você
quiser...
Neguei.
— Tenho outro compromisso mais tarde também. Um suco
seria perfeito!
Terminamos os pedidos e ficamos sozinhos novamente.
— Eu estava curioso para saber de você e pensei em
convidá-la para jantar quando retornasse a Chicago. Foi uma
deliciosa surpresa sua ligação.
Sorri sem jeito, porque apenas liguei por pura pressão de
Rosalia.
— Eu gostaria de lhe agradecer por tudo o que fez por mim
no nosso retorno aos Estados Unidos. — Ele balançou a cabeça
negando, como se eu não precisasse agradecer-lhe. — Eu não
estava bem naquele dia...
— E agora?
A pergunta me fez piscar.
— Como?
Ele riu.
— Como você está agora? Resolveu as questões que a
magoaram?
Imediatamente pensei em Sean, nos dias que se passaram
antes que ele reaparecesse e na nossa conversa dias atrás. Senti
meu coração se apertar, no entanto sem toda aquela dor que senti
durante o voo no jatinho de Liam.
— Estou melhor, sim — afirmei, encarando-o.
Achei que fosse entrar no assunto, perguntar sobre Sean ou
qualquer coisa do tipo, afinal de contas, mesmo eu não tendo
contado a ele o que acontecera, era claro que ele sabia o motivo da
minha tristeza, pois eu estava voltando de carona para casa,
abandonada pelo homem com quem passei dias fingindo ter um
relacionamento.
Mas, surpreendentemente, ele começou a falar de sua
própria vida, passando pelo assunto como se realmente apenas
minha afirmação de estar bem fosse o suficiente.
— Vou ficar uns dias em Chicago por motivos pessoais. A
gente podia marcar um jantar ou...
— Liam!
A voz surpresa de uma mulher o fez parar de falar e, pela sua
expressão, ele também não esperava encontrá-la.
— Mãe! — Ergueu-se sorridente e cumprimentou a elegante
senhora.
Morena, alta, com cabelos lisos cortados em estilo Chanel, a
mulher exalava requinte e riqueza. Antes de ter passado aqueles
dias com Sean, eu nunca poderia ter percebido os detalhes sutis no
estilo dela.
“Quem é elegante não ostenta, é simples, embora saiba que
aquela simplicidade custa mais que um carro popular.”
Imediatamente me lembrei de uma fala de Sean que achei, à época,
bem esnobe, e constatei que ele sabia o que dizia. “Ostentação é
para quem quer autoafirmar dinheiro, porém quem é rico não
precisa afirmar nada, apenas é.”
— Deixe-me apresentá-las! — A voz de Liam acabou me
trazendo de volta ao momento e eu me levantei para saudar sua
mãe. — Essa é Kara Çelik, mãe. Nos conhecemos na Capadócia.
— Ah... Eu amo aquele lugar mágico! — A mulher me
cumprimentou com beijos. — Sou Melanie Stanton, mãe desse
rapaz desnaturado que nem avisa à mãe que já chegou em casa!
Ri, adorando o jeito descontraído dela.
— É um prazer!
Liam estava visivelmente sem jeito.
— Mãe, não sou mais um rapaz e nunca fui desnaturado,
apenas ocupado.
Melanie rolou os olhos.
— Ele usa essa desculpa desde a época que cismou que ia
ser o primeiro milionário da família! — Apertou a bochecha dele
como se ainda fosse um garotinho. — Por acaso viu sua irmã? Ela
ficou de me encontrar aqui para o almoço.
Liam puxou uma cadeira para que ela se sentasse conosco,
enquanto negava.
— Se eu soubesse que vocês viriam para cá, teria marcado
meu encontro para outro restaurante — comentou, recebendo uma
olhada feia da mãe. — Privacidade é algo que as mulheres da
minha família não conhecem, Kara!
Dei de ombros.
— Sua mãe é bem-vinda a nos fazer companhia...
Melanie gargalhou.
— Já gostei dela, Liam! — Bateu na minha mão. — Mas não
vou ficar muito tempo, querida, apenas até... — Parou de falar de
repente e retirou os óculos escuros, deixando-me ver de onde Liam
havia puxado a cor lindíssima – entre o verde e o azul – de seus
olhos. — Lá está ela!
O semblante dele demonstrava que realmente não esperava
uma reunião familiar e eu sorri para ele, tentando demonstrar que
estava tudo bem. Na verdade, estava mesmo, porque eu estava
tensa sobre o que iria conversar com ele, e ter encontrado sua mãe
deixou as coisas mais engraçadas e tirou um pouco da tensão que
eu sentia.
— Kelly é minha terceira filha — Melanie explicou. — Liam já
comentou que tem quatro irmãs e que ele é o único menino da
ninhada?
Ri e assenti, porque ele havia me contado isso na viagem.
— Kara já faz uma ideia de como eu sofro! — debochou, mas
sua mãe não prestou atenção, erguendo e acenando para a
belíssima moça que vinha na nossa direção. — Mamãe é meio
italiana, minha avó era da Sicília, por isso não sabe fazer nada sem
agitar as mãos.
— Eu estou ouvindo, Liam! Já disse que você deve agradecer
à mamma pela sua aparência, ou acha que seu porte e sua pele
bronzeada vêm da nossa parte americana?
Olhei para ele com mais detalhe e concordei com ela, pois
Liam tinha aquele sex appeal latino.
— Desculpe-me pelo atraso, mãe! — Kelly a cumprimentou.
— Estava fazendo compras com Em e, quando vi... — Ela parou de
falar quando se deu conta da minha presença. — Olá!
Liam nos apresentou e sua irmã foi tão simpática quanto sua
mãe. Pude perceber o quão ligados eles eram e que havia sempre
uma provocação no ar, um deboche, porém, acima de tudo, muito
amor.
As duas se despediram, indo para sua própria mesa, e eu me
vi novamente sozinha com Liam, contudo não houve tensão, porque
acabamos enveredando pelo tema família e conversamos como
bons e velhos amigos.
O almoço foi agradável, não só pela companhia, como pela
deliciosa comida. Sorri de leve ao pensar que, meses atrás, eu
passava perto daquele restaurante e não me imaginava um dia
fazendo parte da clientela e provando seus pratos fantásticos.
Minha vida tinha mudado drasticamente... e tudo por causa
de Sean Moore.
Não pense nele, Kara!, minha consciência pediu, todavia eu
não conseguia evitar. A cada momento ficava imaginando como
seria estar naquele lugar com Sean ou poder conhecer sua família e
ficava me perguntando se eles seriam tão acolhedores quanto os
Stantons foram comigo.
Bom, era verdade que eu iria conhecer outro Moore naquela
tarde... mas por motivos profissionais apenas, único motivo que me
ligava a Sean.
— Preciso ir — informei assim que terminamos de tomar
café. — Tenho um compromisso de trabalho daqui a alguns minutos.
Liam assentiu.
— Tem como chegar lá a tempo ou...
— É aqui próximo. — Sorri em agradecimento pela
preocupação. — Gostei muito do nosso almoço!
Ele riu.
— Você parece surpresa com isso!
Senti meu rosto corar.
— Eu estava com medo de ficarmos sem assunto —
confessei.
— Bom, não ficamos, embora também não tenhamos entrado
no assunto que eu...
— Já estamos indo! — Melanie o interrompeu novamente e
ele fechou os olhos, parecendo frustrado. — Kara querida, vamos
dar uma festinha para Lauren, minha quarta filha, nesse final de
semana. Tenho certeza de que Liam iria adorar acompanhá-la.
Liam gargalhou bem alto.
— Mãe! — repreendeu-a. — A última vez que tentou cavar
um encontro para mim, eu estava terminando o colégio!
— E deu certo! — Piscou. — E como você poderia convidá-la
se nem sabia da festa, já que não fala conosco há dias?
Ele suspirou.
— Está certo! — Encarou-me. — Eu adoraria acompanhá-la à
festa de minha irmã, mas não vou censurá-la se quiser evitar aquele
pequeno hospício.
Ri, sem saber o que responder.
— Vamos nos falando e combinamos tudo. Ainda não sei
como será minha semana nem meu final de semana.
Ele assentiu, recusou-se a dividir a conta comigo e me
acompanhou até a porta do restaurante, seguindo com sua mãe e
irmã para um lado, enquanto eu chamava um táxi para ir até o
prédio da Gaea.
Holly estava ocupada quando me anunciei na portaria e quem
me recepcionou foi um homem que eu nunca tinha visto antes na
empresa. Ele me levou até uma sala e pediu que eu aguardasse um
pouco, enquanto o doutor Moore terminava uma reunião.
Meu coração ficou disparado quando ele falou daquele jeito,
pois não sabia se estava se referindo a Sean ou a Graham. Fiquei
sentada no sofá, batendo meus dedos sobre os joelhos conforme
aguardava. Os minutos foram passando e, quando quase estavam
se transformando em uma hora, a porta se abriu e um homem alto,
com cabelos grisalhos e olhos azuis, entrou.
Levantei-me e ele balançou a mão na minha direção.
— Pode ficar à vontade, senhorita Çelik. — Aproximou-se. —
Acho que não nos conhecemos, não é? Sou Graham Moore,
responsável pelo escritório da Gaea em Nova Iorque.
— Como vai, senhor Moore?
Ele ficou sério.
— Preocupado. — Sentou-se à minha frente. — A senhorita
Matthews deve ter adiantado o assunto e comentado o verdadeiro
inferno que está a diretoria executiva, não?
Assenti.
— Com Tom afastado, creio que a demanda...
— Meu sobrinho está insuportável, senhorita Çelik, e eu não
sei o que o tem deixado tão irascível desse jeito, mas, se
conseguirmos aliviar um pouco a pressão causada pela negociação
com a Tron, acho que o ajudaria muito.
Respirei fundo e decidi ser clara:
— Eu não sou assistente, nem mesmo uma secretária. Não
tenho formação, trabalhava como faxineira e depois fui para a copa.
Não estou no nível de Tom e Holly Matthews. Não sei se posso
ajudar.
Ele ficou um tempo parado, olhando-me sério e depois pegou
um iPad que estava em uma mesinha ao lado.
— Tenho seu currículo comigo, senhorita Çelik, contudo, mais
importante que aquilo que a senhorita não é, é aquilo que pode
fazer. Vi seus relatórios, a organização da agenda de Sean nos dias
da viagem, as observações que anotou e comentários feitos na
pesquisa sobre a Tron. Essas coisas não precisam de diploma,
apenas de alguém que tenha o necessário para executá-las e
percebê-las e, pelo trabalho deixado aqui — apontou o aparelho —
a senhorita tem essa qualificação.
Ouvir aquilo de um homem de negócios tão distinto me
animou. Era uma oportunidade maravilhosa, mas ainda tinha um
problema naquele sonho em forma de emprego: Sean Moore.
— Talvez seu sobrinho não concorde com o senhor —
arrisquei.
— Ele concorda, sabe por quê? — Aproximou-se. — Sean
iria dispensá-la até que viu seus relatórios e anotações. — Meu
coração disparou e senti um aperto estranho ao perceber que, sim,
embora tenha pedido para eu continuar a trabalhar com ele, pensou
em me demitir depois do que aconteceu entre nós. — Ele é um bom
julgador de profissionais e nunca aposta em algo que não vá dar
certo. Foi a senhorita quem pediu demissão, não? — Anuí. — Peço
que reconsidere.
Suspirei.
— Não vejo como...
— Escute minha proposta. — Interrompeu-me. — Fique
conosco até Tom Knightley retornar, o que deve levar algumas
semanas somente, e, assim que isso acontecer, eu mesmo irei
realocá-la em uma outra empresa do nosso grupo, com as mesmas
funções e salário.
Arregalei os olhos, sem poder acreditar.
Ganhar o que um assistente ou mesmo uma secretária
executiva ganhava iria possibilitar que eu pudesse ajudar minha
mãe e ainda bancar meus estudos. Sem contar com a possibilidade
de ascender ainda mais depois de formada e com alguma
experiência. Aquela proposta poderia fazer toda a diferença no meu
futuro e realmente mudar minha vida.
Mas ainda havia Sean!
Mordi o lábio, sem saber o que devia responder, e devo ter
sido tão transparente quanto à minha dúvida que Graham ergueu
suas sobrancelhas e, adotando uma postura mais profissional,
estendeu a mão na minha direção:
— Posso contar com sua colaboração, senhorita Çelik?
29 – Sean

— Com licença!
Kara entrou na sala segurando algumas pastas, arrumou
todas na mesa grande, onde eu teria uma reunião, e, sem me olhar,
saiu.
Respirei fundo, desviando os olhos dos números e
prospecções na tela do meu notebook e pensando em quanto tempo
mais iria durar aquela situação incômoda entre nós.
Graham, seu filho da puta!, xinguei meu tio mentalmente,
lembrando-me de que tudo aquilo era culpa dele.
Levantei-me e fui conferir o material que Kara havia deixado
sobre o tampo da mesa redonda. Abri a pasta e encontrei um iPad
com caneta e, dentro dele, todos os arquivos necessários, além de
bloco de notas habilitado para a reunião. Ela já tinha entendido os
protocolos da empresa sobre papel – e seu uso mínimo – e estava
desempenhando fantasticamente as funções de Tom.
Embora falássemos pouco, estávamos conseguindo manter
uma sintonia profissional exemplar. Eu precisava dar poucas
instruções e ela desempenhava suas tarefas sem ficar me
perguntando e sempre as cumpria por inteiro.
Minha agenda estava perfeita, documentos em ordem, e,
quando eu pensava em lembrá-la de algo a ser feito, ela já havia
feito. Cuidou da viagem e da reserva para o grupo de acionistas da
Tron, reservou restaurantes, alugou carros, estava acompanhando
diariamente toda e qualquer informação sobre a empresa e me
encaminhava via e-mail tudo o que achava relevante.
Eu estava impressionado, não podia mentir. Nunca tinha visto
alguém aprender em alguns dias o que levei anos para ajustar com
meu assistente. É claro que Tom a ajudou nos primeiros dias,
remotamente, e ainda Kara contava com o suporte de Holly, mas,
ainda assim, era admirável o quanto estava se esforçando para
fazer um trabalho primoroso.
Eu nada tinha o que reclamar dela profissionalmente e
deveria estar satisfeito com o trabalho prestado, mas o clima
estranho entre nós me incomodava.
Achei que a tensão se dissiparia com o tempo e, para ser
sincero, esperei até alguma aproximação da parte dela – não que
desejasse aquilo, seria inconveniente –, mas, quando ela se
manteve fria e restringindo nosso contato ao estritamente
necessário, fiquei sem entender.
Fui contra a volta dela! Quando Graham me contou sobre a
reunião, a proposta e a reconsideração de Kara – tudo feito às
minhas costas –, fiquei enlouquecido de raiva por ele estar se
metendo sem fazer ideia do que tinha de verdade acontecido.
— Ninguém está aguentando mais! — ele alegara. — Holly
está a ponto de pedir demissão e eu não sei como ficaria isso aqui
sem ela com os outros diretores. Pense bem, Sean! Kara fez um
excelente trabalho, está ciente sobre a negociação, fala a língua
deles... É perfeito!
Não, porra, não era! Como eu iria explicar que, de
companheira de viagem/namorada, ela havia se tornado minha
assistente? Aquilo iria ser estranho e poderia sujar minha reputação.
Neguei a ajuda dele e me recusei a aceitar Kara de volta,
mas Graham já havia acertado tudo.
— Ela já está recontratada e começa amanhã! — disse
incisivo. — Não precisa me agradecer!
Não dormi na noite que antecedeu a volta dela, achando
melhor me preparar para o reencontro estando completamente
satisfeito fisicamente. Saí, conheci uma mulher bonita e aleatória,
fodi como um bicho a noite inteira. Cheguei confiante à empresa,
mas, assim que a vi, vestindo uma roupa do mesmo estilo da que
usou no primeiro dia da viagem, senti meu corpo se contorcer.
— Bom dia! — cumprimentei-a. — Vou pedir para alguém
levar suas roupas até sua casa e...
— Não é necessário, tenho as minhas próprias roupas para
usar.
Apertei meus olhos, meu sangue ferveu.
— Não perguntei se era necessário, é uma ordem. Sua
imagem é a extensão desta empresa e não podemos ser
associados a isso. — Apontei seu corpo e imediatamente senti meu
pau se contorcer. Porra! — Dê um jeito nisso! — falei entredentes,
entrando na minha sala puto, sem entender por que ela me causava
aquela excitação sem propósito, afinal, eu tinha exaurido meu corpo
na noite passada, não estava abstêmio como quando viajamos
juntos.
Naquele dia quase não a vi mais e cheguei a achar que Kara
não voltaria mais para a empresa, então, no dia seguinte, a vi
usando novamente as roupas de grife que compramos na Turquia e
novamente senti desejo e, sem motivo algum, me aproximei para
pedir algo idiota apenas para saber se ela ainda usava o mesmo
perfume.
Eu estava fazendo papel de idiota e, se ela percebesse
aquilo, iria tirar vantagem, então, nos dias que seguiram, mantive
minha vontade de estar perto dela sob controle e a excitação quase
nula, concentrando-me ao máximo no trabalho e prestando menos
atenção a ela.
O fruto proibido!
A expressão que minha avó usava para descrever o tesão
que meu pai tinha pelas secretárias vinha sempre à minha cabeça,
lembrando-me de que eu não era igual a ele e que devia manter
minha cabeça fria e meu pau sob controle.
Conferi as horas e notei que faltava pouco para meus
parceiros de negócios chegarem para nossa reunião, porém nem
Kara nem mesmo o pessoal da copa foram até a minha sala para
abastecer o pequeno aparador com água, café e comestíveis, o que
era estranho, porque meu pessoal sabia que eu detestava serviço à
francesa e, para evitar que outras pessoas estivessem na sala
enquanto tratava de negócios, pedia que tudo fosse deixado no
buffet para que a própria pessoa se servisse.
Saí da minha sala e, na antessala, onde Kara havia se
instalado, não encontrei ninguém. A mesa dela estava vazia, mas
seu telefone e iPad se encontravam sobre a mesa. Estranhei,
pensei que pudesse ter acontecido uma emergência, então fui para
o corredor do andar da diretoria e vi uma faxineira passando
aspirador em um canto.
— Sabe onde está minha assistente, a senhorita Çelik?
Primeiro a mulher ficou paralisada, olhos arregalados, depois
vermelha como um pimentão.
— Ela estava na copa, senhor Moore.
Assenti e fui na direção apontada pela mulher, mas, antes de
entrar no recinto, ouvi risadas e a voz de Holly Matthews:
— Vamos, Kara, vai ser divertido! Não é sempre que recebo
convites para esse clube e meu irmão está doido para conhecer
você!
Minha expressão se fechou imediatamente, porque eu não
pagava as duas para ficarem de conversa sobre coisas fora do
trabalho.
— Eu não sei, nunca fui a um clube de jazz antes, ainda mais
nessa área tão luxuosa. — Ela riu. — Não saberei o que fazer.
— Eu estarei lá! — A secretária executiva a incentivou. —
Vai, eu preciso confirmar!
Senti algo estranho queimar meu estômago – provavelmente
desgosto pela atitude antiprofissional de ambas – e entrei na copa.
Holly, que bebia calmamente uma xícara de café, engasgou-se
quando me viu, mas Kara apenas me olhou como se não
entendesse o que eu estava fazendo ali.
— O serviço de copa ainda não foi montado na minha sala,
senhorita Çelik — falei sério. — E falta menos de uma hora para a
reunião. Não acha que deveria estar agilizando isso, ao invés de
ficar aqui fofocando?
Os olhos escuros dela se apertaram.
— Estou no meu intervalo, senhor Moore — informou com o
queixo erguido e se afastou de Holly. — Além do mais, estou
esperando a entrega dos canapés que encomendei e que, para que
não ficassem murchos e velhos, pedi que entregassem 30 minutos
antes do horário, que é tempo suficiente para os copeiros daqui
arrumarem. — Virou-se de costas para mim, lavou sua xícara na pia
e, antes de sair, olhou para Holly: — Pode confirmar minha
presença.
A secretária não escondeu um sorriso.
— Perfeito! Nos encontramos às 8h da noite na porta do
clube!
— Precisa de algo mais, senhor Moore? — minha assistente
me perguntou, pois eu não parava de encará-la.
— Não, apenas que se atenha ao trabalho quando estiver na
empresa.
— Sim, senhor!
Kara passou por mim, caminhando em direção à nossa sala.
Olhei para Holly, que também estava pronta para sair da copa, mas,
seguindo um impulso idiota, coloquei-me em seu caminho.
— De que clube estavam falando?
Ela pareceu confusa, mas talvez por causa da minha
expressão contrariada, revelou:
— Do Cole Jazz.
Apenas balancei a cabeça, como se a informação não fosse
relevante e fui atrás de Kara, contrariado com a atitude dela e
incrédulo por ter aceitado o que era claramente um encontro às
cegas com o irmão de Holly Matthews.
Virgenzinha do pau oco!
— Saiba que, se algo der errado nessa reunião por conta de
seu planejamento, toda a responsabilidade recairá nas suas costas
— ameacei-a quando passei por sua mesa, à qual já estava
sentada, mexendo no computador.
Kara me encarou.
— Não haverá nenhum problema, senhor Moore. Trabalhei
na copa, conheço a equipe e os fornecedores, dará tudo certo. — A
sobrancelha dela se ergueu. — Algo mais?
Fiquei olhando-a, tentando reconhecer aquela mulher
confiante à minha frente, tão diferente da insegura e submissa Kara
que passou dias comigo na Turquia. E, sem conseguir controlar os
rumos dos meus pensamentos, lembrei-me de como ela se portou
na minha cama, como uma mulher que sabia o que estava fazendo,
como alguém experiente, quente, sensual e fogosa, não como uma
virgem.
— Não, senhorita Çelik. Não preciso de mais nada.
Entrei na minha sala e decidi esquecer aquela história com
Kara de vez. Tínhamos chegado a um acordo e, se ela estava
cumprindo-o muito melhor do que eu esperava, deveria estar me
sentindo aliviado, e não... irritado.
Foda-se ela!

— Agradeço a presença de todos e espero que a reunião do


próximo mês seja ainda mais satisfatória que essa — agradeci aos
participantes da reunião, já no corredor do lado de fora da minha
sala e voltei para a minha mesa.
Ouvi Kara falar com um e outro, e uma mulher da limpeza
apareceu empurrando um carrinho e perguntando se podia recolher
a louça suja e retirar o que sobrou dos alimentos servidos.
Assenti e a deixei trabalhar, indo até meu banheiro privativo.
A reunião tinha sido um sucesso e, embora fosse duro
admitir, era verdade que o trabalho de Kara com cada detalhe foi
espetacular. A garota estava provando que meu feeling sobre ela
estava certo e que seria, no futuro, uma executiva muito
competente.
A equipe da copa montou o aparador com sanduíches,
canapés e bebidas exatamente no tempo que ela havia me
informado e, sim, pela primeira vez, os alimentos estavam muito
mais agradáveis do que nas outras reuniões.
Eu fazia questão de que aqueles poucos colaboradores se
reunissem comigo em minha sala, visto que era uma reunião de
resultados e que alinharíamos ali estratégias para novos negócios e
projetos em andamento. Nem todos os diretores compareciam,
apenas os que dirigiam as empresas mais relevantes do grupo. Era
uma reunião mais intimista, discreta e com pessoal de confiança.
Kara entrou apenas quando foi solicitada e, depois de mais
de quatro horas reunidos, dei fim ao encontro já perto das 7h da
noite.
“...encontramo-nos às 8h em frente ao clube.” Sacudi a
cabeça quando a lembrança do combinado entre Holly e Kara voltou
à minha memória. A secretária executiva da diretoria havia marcado,
com seu próprio irmão, um encontro às cegas para Kara e ela
aceitara!
Puta que pariu! Será que minha assistente estava à procura
de diversão naquela noite? Será que, depois do que houve entre
nós na Turquia, ela tinha percebido que havia perdido tempo se
mantendo virgem e estava tentando recuperá-lo?
Eu fui o primeiro homem dela, mas aquilo não significava que
seria o último... ou o único!
Movi o pescoço de um lado para o outro a fim de aliviar um
pouco a tensão nos meus ombros que senti de repente e saí do
banheiro, encontrando minha sala já limpa e sem nenhum sinal da
faxineira.
Faxineira... Lembrei-me de quando vi Kara pela primeira vez.
— Senhor Moore? — ela me chamou, elegantemente vestida,
com a bolsa já pendurada no ombro. — Estou encerrando por hoje.
Até amanhã!
Enruguei a testa, porque, durantes aqueles dias que
vínhamos trabalhando juntos, ela se despedia perguntando se podia
ir ou se eu iria precisar dela para mais alguma coisa, todavia não
naquela noite.
Pensa, Moore!
Como fiquei mudo, apenas olhando-a, ela saiu, fechando a
porta e, no mesmo instante, tive uma ideia ridícula, porém a qual
não pude resistir.
— Senhorita Çelik! — chamei-a, indo até a porta.
Ela já estava saindo para o corredor, mas parou e se virou
para mim.
— Sim?
— Tom reuniu um apanhado de reportagens sobre mim e o
arquivou nos armários da minha sala. Eu precisava dessa pasta.
O jeito que ela me olhou me fez querer rir, mas me segurei.
Certamente Kara não esperava que eu pedisse algo a ela àquela
hora da noite.
— O senhor precisa disso agora?
Ergui uma sobrancelha.
— Não estaria pedindo se não precisasse imediatamente.
Ela respirou fundo.
— Tom não digitalizou essas reportagens? Se tiver em
arquivo digital, é só...
— Não, senhorita Çelik, a parte impressa foi guardada
fisicamente, como eu solicitei. Não são recortes, são revistas,
jornais e publicações na íntegra que eu quis preservar para o futuro.
— E o senhor precisa disso para hoje?
Minha paciência se esgotou.
— Eu detesto me repetir, senhorita Çelik.
O suspiro de puro aborrecimento não passou despercebido,
mas ela tirou a bolsa do ombro, pendurou-a em sua cadeira e veio
até mim.
— O senhor sabe ao menos em que armário ele guardou o
arquivo?
É claro que eu sabia! No armário do escritório da minha casa!
Mas ela não precisava saber daquilo.
— Não tenho ideia! — Entreguei a chave do armário da
minha sala para ela, onde, pelo menos, umas cinquenta caixas a
aguardava. — Necessita de ajuda?
Ela negou sem me olhar.
— Não quero atrapalhar o senhor. — A ironia em sua voz foi
evidente.
Ri.
— Não estava falando de mim, mas tem razão, não quero
outras pessoas remexendo meus arquivos.
Sentei-me à minha escrivaninha sentindo uma enorme
satisfação e a vi andando com as costas eretas, pisando firme,
entrar no armário.
— Puta merda!
Tive vontade de gargalhar, porque aquele lugar era um dos
pontos de discussão entre mim e meu tio Graham. Se fosse por
mim, tudo aquilo já teria ido para o lixo, no entanto meu tio tinha
apreço e apego por algumas das coisas que ali estavam e somente
por aquele motivo eu ainda as conservava.
Olhei para o relógio, tentando calcular quanto tempo a
deixaria em sua procura vã e decidi que duas horas era tempo
suficiente para que ela perdesse o encontro às cegas e se cansasse
a ponto de não querer mais sair com ninguém.
Você é um babaca, Moore!, minha consciência gritou,
contudo escolhi ignorá-la, afinal de contas, eu estava fazendo um
favor para Kara livrando-a do que poderia ser uma noite enfadonha
com um desconhecido que, certamente, não iria interessá-la.
Era para o bem dela que eu lhe havia dado aquela missão
ingrata, porque, embora ninguém soubesse, eu tinha plena
consciência de que Kara era uma moça inexperiente que poderia
ser facilmente enrolada ou enganada por um músico de clube de
quinta categoria.
Ela não merecia aquilo, merecia mais!
Durante as duas horas que fiquei fazendo basicamente nada,
sentado à minha mesa, mentalmente repeti que tinha feito aquilo
apenas pelo bem dela, mas internamente eu sabia que meu motivo
não tinha sido tão altruísta assim.
30 – Kara

Filho da puta arrogante!


Porco miserável!
Ditador desgraçado!
Abri outra caixa e a poeira me fez espirrar de novo e esfregar
meu nariz. A vontade que eu tinha era de mandar queimar aquele
arquivo de coisas inúteis no dia seguinte. Peguei uma luva de
baseball e a joguei para dentro da caixa novamente, tornando a
fechá-la.
Por que aquele homem, amante de tecnologia, ainda guarda
essas merdas todas?, era minha pergunta a cada caixa que eu abria
dentro daquele armário que, até poucos dias, não sabia que existia.
É claro que tinha notado a porta na mesma parede da
entrada do banheiro dele, mas achei que era um tipo de closet ou
algo assim. Somente quando Tom falou sobre o depósito – sim,
porque era o nome real daquele lugar – é que me dei conta de que
havia coisas guardadas ali.
Só não imaginei que fossem tantas!
Meu celular vibrou no meu bolso e eu o peguei, tomando um
susto ao perceber que estava dentro do maldito arquivo havia mais
de uma hora.
— Kara? — A voz de Holly, abafada por um som alto ao
fundo, lembrou-me do compromisso que eu tinha assumido com ela
e, por causa da urgência do meu chefe, não consegui cumprir e
acabei esquecendo.
— Holly, me desculpe, mas o senhor Moore me pediu para
fazer algo e eu ainda estou na empresa, sem hora para ir embora.
Diga a seu irmão que eu adoraria ter ido vê-lo tocar, mas que não
faltará oportunidade!
— Não se preocupe, querida! Fiquei preocupada quando
você não apareceu, mas entendo. — Riu. — Já trabalhei
pessoalmente com Moore... Deus me livre!
Engoli a vontade que tive de xingá-lo como merecia e expor
minha revolta para Holly, então apenas me desculpei pelo “bolo”
mais uma vez e voltei a mexer por um bom tempo nas prateleiras
daquele inferno cheio de caixas.
— Nada ainda?
Pulei com o coração disparado pelo susto e acabei
derrubando um pequeno globo terrestre pesado no chão. Abaixei-
me para pegá-lo no mesmo momento em que Sean fez o mesmo e
nossas mãos se tocaram em cima do objeto. Retirei a minha
apressadamente e ele pegou o globo, olhando-o detalhadamente.
— Ainda nem sinal das revistas — comentei, mas ele não
parecia me ouvir.
Sorriu, surpreendendo-me.
— Eu ganhei esse peso de papel do Graham quando
assinamos o contrato fundando a Gaea. — Olhou-me. — Nem me
lembrava dele! Não tem valor monetário, é desses enfeites
comprados em qualquer lojinha, mas o significado...
Ele estendeu o objeto para mim a fim de que eu o guardasse,
mas não o peguei.
— Por que não o coloca na sua mesa? — inquiri.
Ele deu de ombros.
— Não uso mais papel, senhorita Çelik.
— E daí? Aposto que o senhor Moore não deu isso a você
para que o usasse dessa forma. Se tem significado para o senhor,
acho que deveria vê-lo mais.
Aquele homem enorme, parado na entrada do depósito,
encarou-me de um jeito intenso, fazendo meu corpo reagir, minha
pele arrepiar, como quase sempre acontecia desde que voltamos a
conviver.
Eu me mantinha sempre com raiva dele, alimentando o
rancor pela atitude que teve comigo na Turquia e o modo como me
tratou depois. Estava decidida a cumprir com o que havia acordado
com Graham Moore, trabalhar para Sean até Tom poder voltar e
depois se recolocada em uma das empresas do grupo, porém bem
longe do grande CEO arrogante.
Na maioria das vezes, ignorar a atração que sentia por ele
era fácil. Sean era um chefe intratável, intragável e irritante e eu me
apoiava nesses três adjetivos para me manter sob controle e não o
ver mais envolto em corações como aconteceu na nossa primeira
experiência trabalhando juntos.
Rosalia me ajudava diariamente a renovar o ranço por ele. Eu
chegava do trabalho geralmente no mesmo horário que ela e aí
fofocávamos sobre nosso dia. Eu xingava Sean, e ela me
incentivava a colocar aquilo tudo para fora, alegando que não
externar aqueles sentimentos podia ser perigoso. Eu não escondia
da minha amiga que ainda sentia desejo por ele, que o homem era
quente, apesar de seu coração gelado, então falar mal dele,
ressaltar seus defeitos era um modo de manter a tentação longe.
Não que houvesse alguma...
Era claro que, mesmo que eu ainda sentisse algum resquício
de tesão por ele, meu chefe já havia superado qualquer tipo de
atração por mim. O homem me tratava friamente, estava sempre me
testando para ver se eu cometia algum erro que pudesse justificar
se livrar de mim, sempre se metendo no meu trabalho ou duvidando
da minha competência.
Eu não sabia se o acordo que fiz com Graham ainda teria
validade caso fosse dispensada por Sean antes de Tom voltar, mas,
se ele alegasse que eu era incompetente, certamente iria prejudicar
outra contratação.
Era por aquilo que eu me esforçava todos os dias, estudava
como uma louca quando estava em casa, revisava a agenda dele
várias vezes e tentava adiantar o que pudesse antes mesmo de ele
me pedir para fazer algo.
O trabalho ajudava e, mesmo ficando esgotada, eu sabia
que, mantendo a cabeça ocupada, tinha poucas chances de fazer
besteira... como aconteceu na Capadócia.
Sean pigarreou e, para minha surpresa, baixou a mão.
— Tem razão! Vou colocá-lo na minha mesa. — Aquiesci e
voltei a olhar dentro da caixa, suspirando de tédio quando vi que
não havia nenhum tipo de publicação nela. — Chega por hoje,
senhorita Çelik.
Levantei a cabeça, confusa.
— Mas... eu achei que precisava disso para hoje.
— Mudei de ideia. Procuramos essas coisas outra hora, já
está tarde.
Sean deu meia-volta e saiu do armário, retornando para sua
sala e me deixando parada no meio daquele entulho, fervendo de
raiva por ter passado duas horas inteiras à procura de nada e
perdido o compromisso que havia marcado com Holly.
Não que eu quisesse realmente ir...Suspirei com raiva,
colocando a caixa no lugar.
Não queria conhecer ninguém, muito menos ir a um encontro
às cegas, mas aceitei por pura birra depois que Sean apareceu na
copa e ficou insinuando que estávamos à toa, fofocando, no horário
de trabalho.
Certamente iria me arrepender de estar num clube depois de
ter saído de casa muito cedo e trabalhado o dia todo, quando ainda
teria que fazer o mesmo no dia seguinte, pois ainda era meio da
semana.
Eu estava tão estafada que tinha recusado todos os convites
que tive para sair à noite, mesmo nos finais de semana. Era
compreensível aquela minha introspecção, primeiramente porque
nunca fui uma mulher que saísse muito – mesmo porque não tinha
tempo ou dinheiro para essas coisas – e estava realmente
interessada em fazer meu trabalho dar certo, então todo tempo livre
que tinha era voltado para entender como funcionavam as coisas na
Gaea.
Liam entendeu perfeitamente quando recusei o convite para
estar com sua família em um final de semana, dias antes. Contei a
ele que tinha começado um trabalho novo e que precisava me
adaptar a ele primeiro. Não entrei em detalhes, muito menos contei
que meu chefe era Sean Moore, e ele, além de me compreender,
ainda me incentivou.
Holly estava insistindo naquela história de eu conhecer seu
irmão fazia tempos já, e eu sempre declinava, porém daquela vez...
Moore, filho da puta!
Saí do armário e o tranquei, colocando a chave em cima da
mesa do meu chefe, que estava confortavelmente sentado em sua
cadeira, lendo algo na tela do notebook.
— Posso ir agora? — perguntei irritada.
Vi sua testa se enrugar, mas ele não me olhou.
— Não está com fome?
Oi? Pensei não ter ouvido direito, mas, quando ele voltou a
questionar sobre meu apetite, ainda sem me olhar, comprovei que,
embora não estivesse surda, estava ficado um pouco lerda.
— Estou e é por isso que gostaria de encerrar o dia e ir para
casa, jantar com minha família.
Ele me olhou rapidamente e voltou sua atenção ao
computador.
— Vou pedir ao meu motorista que a leve para casa...
— Não é...
— ...é mais rápido e seguro — continuou falando, enquanto
mandava uma mensagem no celular. — Pronto. Boa noite, senhorita
Çelik!
Tive que travar os dentes, tamanha minha vontade de gritar,
todavia, como já estava cansada, desisti da revolta e decidi aceitar a
carona de bom grado, afinal, era o mínimo que ele podia realizar
depois de me fazer perder horas da minha vida por nada.
Não o cumprimentei de volta; sinceramente, ele parecia nem
estar prestando atenção ao que eu dizia. E saí da sala o mais rápido
possível. Quando cheguei à portaria do prédio, vi que o Mercedez
que ele usava oficialmente para o trabalho ainda não estava à
minha espera, por isso respondi a umas mensagens de minha mãe
e de Rosalia, aguardando-o aparecer.
“Que chefe filho da puta, amiga! Parece até que fez de
propósito, só para você perder o encontro!”
Rosalia escreveu e eu ri, achando aquela hipótese um
absurdo.
“Não, ele não tinha como saber nem motivo para fazer isso!”
“Você que pensa, amiga! Fica esperta com esse homem!”
Eu estava digitando outra recusa ao que ela supôs, mas
avistei o carro que iria me levar para casa e me despedi dela.
“Vem com cuidado e, quando chegar, vamos conversar com
detalhes sobre o que ele fez hoje. Sessão xingamento de hoje vai
ser intensa!”
Basil, o motorista de Sean, com quem tive pouca interação,
mas já conhecia, abriu a porta do carro para mim, e eu, rindo da
mensagem de Rosalia, entrei distraída.
— Notícia boa?
— Puta... — Coloquei a mão sobre meu coração, freando o
xingamento completo ao ver Sean sentado ao meu lado no banco
traseiro. — O que... está fazendo aqui?
Ele riu.
— É meu carro e estou indo para casa!
O veículo começou a andar e eu olhei pela janela.
— Tinha entendido que seu motorista me levaria...
— Entendeu certo. — Reclinou-se no banco, relaxando, e
fechou os olhos. — Vamos levá-la para casa e depois seguirei para
a minha.
Que loucura era aquela que eu estava vivendo! Eu não queria
ir para casa com ele! Não queria dividir o banco traseiro com ele,
porque, mesmo em um carro tão espaçoso e confortável, Sean era
enorme e suas pernas esbarravam nas minhas.
Fica calma, Kara!
— Não quero desviá-lo de seu caminho. Pode pedir ao seu
motorista para me deixar em uma estação...
— Eu não me importo em fazer o desvio. — Abriu um olho só.
— Mas gostaria de relaxar um pouco no percurso. Por que não faz o
mesmo?
Ele me mandou relaxar, quando o que eu queria de verdade
era segurá-lo pelo pescoço e apertá-lo até que arregalasse aqueles
lindos olhos azuis. Eu estava brava, raivosa, prestes a explodir de
indignação e...
Sean colocou a mão sobre minha coxa, fazendo com que eu
parasse de sacudir a perna, algo que fazia sempre quando estava
muito nervosa.
— Relaxa! — voltou a pedir, mas, daquela vez, com voz
suave e soltou minha perna. — O dia hoje foi longo, o caminho até
sua casa não é curto, então aproveite para descansar um pouco. —
Vi quando ele mexeu no telefone e logo depois uma música suave
encheu o ambiente.
Tentei fazer o que me pediu e, encolhendo-me no canto do
carro, deitei a cabeça no encosto e fechei os olhos, cantando a
música mentalmente, tentando não pensar nele, não sentir sua
presença, mas essa resolução durou pouco e eu me sentei ereta
novamente, encarando o homem, que parecia prestes a dormir.
— Como você sabe que o caminho até minha casa é longo?
Ele abriu os olhos de uma só vez e eu pude ver algo diferente
em sua expressão. Durou apenas alguns segundos, mas eu podia
jurar que era a cara de quem havia sido pego fazendo algo errado.
— Eu sei seu endereço, senhorita Çelik, consta no seu
contrato de trabalho. Além disso, conheço muito bem esta cidade.
— E você lê todos os contratos de trabalho de seus
funcionários? — inquiri, ainda mais curiosa.
— Não, apenas daqueles que me interessam.
Não esperava por aquela resposta, por isso engoli em seco.
Pensei em encerrar o assunto, mas meu coração disparado e
minhas pernas trêmulas não permitiram minha discrição.
— Em que sentido?
Ele enrugou a testa.
— Como?
Ri nervosa.
— Em que sentido eu te interesso? — Pigarreei. — Como
funcionária, quero dizer.
O filho da puta parecia divertido com a situação e deu de
ombros.
— Você trabalha pessoalmente para mim. Eu querer saber
detalhes da sua vida é perfeitamente normal.
— Que detalhes da minha vida o senhor sabe?
Daquela vez o sorriso não foi contido e ele também se sentou
direito e se aproximou de mim.
— Muitos mais dos que estão no seu arquivo, Kara!
Arregalei os olhos, os batimentos frenéticos no peito, minha
pele inteira arrepiada. Não sabia o que dizer ou o que fazer diante
daquela resposta, muito menos diante do olhar dele, por isso voltei a
me encolher perto da porta e olhei pelo vidro da janela, fingindo
prestar atenção na paisagem.
Sean riu, mas também voltou à posição de antes. Fechou os
olhos, porém, em vez de ficar como se estivesse tentando dormir,
começou a cantarolar a música baixinho, fazendo meu corpo arder a
cada palavra.
Filho da puta!
31 - Sean

As coisas estão saindo do seu controle, Moore!, pensei assim


que coloquei em minha mesa o globo terrestre de metal, pesado e
cheio de significados, que havia ganhado de meu tio Graham
quando abrimos a Gaea.
Não me lembrava de por que aquele objeto havia ido parar no
limbo do arquivo, mas ele já devia estar fazia algum tempo por lá,
então, quando o vi na mão de Kara, senti como se o tempo voltasse
e relembrei as sensações que me acometeram quando o sonho de
ter uma empresa construída por mim, embora subsidiada pelo
banco da minha família, foi realizado.
Eu estava na faixa dos vinte e poucos anos, mas já tinha
experiência profissional e o sucesso de ter salvado o banco da
ruína. Era apontado como prodígio, o novo “Rei Midas”, antes de
que a alcunha preferida da impressa e dos empresários fosse
“Homem de Gelo”. Na verdade, eu pouco me importava com o que
pensavam de mim, queria resultados, queria fazer meu nome,
queria ser o melhor. Não aguentava mais ser citado por minha
pouca idade e ver expressões de dúvida e incredulidade quando me
apresentava como o gestor do Von Salis ou o CEO da Gaea.
Eu queria respeito e o obtive!
Olhei novamente para o peso de papel e ri da leitura errônea
que meu tio havia feito de mim quando iniciei aquele projeto com
ele. Ao contrário do que pensou, eu não estava preocupado em ser
o dono do mundo, porque entendia que dinheiro sem respeito, sem
prestígio, significava apenas números no saldo da minha conta.
Não queria que as pessoas quisessem ter o que eu tinha;
queria que elas desejassem ser eu!
Acomodei-me melhor na minha cadeira e fiquei olhando para
a tela do computador sem realmente enxergar nada, enquanto me
questionava se havia atingido meu objetivo. Eu era, sim, admirado,
invejado, temido, odiado e reverenciado. Então tinha tido êxito?
— Posso ir agora? — A voz irritada de Kara interrompeu
meus pensamentos, e todo questionamento, toda reflexão sumiu,
restando apenas a mesma sensação de adrenalina quando aquela
garota estava por perto.
Eu havia jogado sujo com ela, era impossível não admitir,
porém nunca fiquei arrependido de tomar decisões difíceis,
principalmente quando sabia que era o melhor a ser feito.
Definitivamente, um encontro às cegas era uma burrice que
eu a havia salvado de cometer, mesmo que a tenha feito ficar em
vão na empresa até aquele horário.
Talvez devesse tentar apaziguar minha consciência...
— Não está com fome? — inquiri, ainda sem encará-la.
Kara demorou a responder e, quando o fez, sua voz
transmitia toda sua irritabilidade pelo trabalho ridículo que a fiz fazer:
— Estou, e é por isso que gostaria de encerrar o dia e ir para
casa, jantar com minha família.
Senti-me um babaca por alguns segundos, olhei-a e sua
imagem cansada e empoeirada só serviu para me deixar ainda mais
ciente do quão idiota fui.
— Vou pedir ao meu motorista que a leve para casa... — ela
tentou me interromper, mas fingi que não a ouvi — é mais rápido e
seguro. — Peguei o celular e enviei uma mensagem ao Basil:
“Tire o carro e espere a senhorita Çelik na entrada do prédio”
— Pronto. Boa noite, senhorita Çelik!
Esperei por uma recusa ou mesmo por algum tipo de
agressão verbal – já que o humor dela não estava bom –, no
entanto Kara não fez nada, apenas respirou fundo e saiu da sala
sem ao menos me cumprimentar de volta.
Garota atrevida!, pensei rindo, achando-a ainda mais atraente
do que quando nos conhecemos antes.
Descobri, naquele curto espaço de tempo, que eu gostava de
irritá-la e que suas reações – que ela tentava, mas não conseguia
esconder de mim – me davam uma sensação de contentamento.
Era insano e um tanto imaturo, mas eu gostava daquela brincadeira
de cão e gato e não queria que tivesse encerrado.
Na verdade, não tinha que acabar!
Mandei outra mensagem para meu motorista, pedindo que
me esperasse antes de ir buscar a senhorita Çelik e desci até a
garagem pelo outro elevador.
Temi que ele já estivesse esperando-a na portaria – mesmo
sabendo que não partiria sem mim –, mas atrapalharia o elemento
surpresa que eu tinha em mente. Por sorte, ele ainda me aguardava
na garagem.
— Boa noite, senhor!
— Boa noite, Basil. Quero te pedir algo diferente hoje. —
Parei antes de entrar no carro e o olhei enquanto segurava a porta.
— Vamos levar a senhorita Çelik para casa, mas, como ela
trabalhou até esse horário e não teve tempo de comer, nem eu,
quero que dê uma parada no Mack’s.
— Está certo, senhor.
Entrei no carro e mandei mensagem para meu amigo
Mackenzie Nelson, dono de uma lanchonete que havia caído nas
graças dos americanos. No ano passado, eu o havia ajudado a
expandir o negócio, franqueando e vendendo milhares de unidades
tanto nos Estados Unidos quanto no Canadá.
Raramente eu ia até o local, mas achava que Kara iria gostar
da atmosfera descontraída dos lanches diferentes que ele
preparava.
Estou apenas tentando compensá-la um pouco por ter feito
com que ela perdesse o programa com Holly e seu irmão!
Quando o carro finalmente parou em frente ao prédio, vi que
ela estava distraída ao celular. Sua expressão era muito diferente da
que geralmente tinha quando eu estava perto: descontraída,
animada, feliz.
Esperei que ela entrasse no carro para contar o que iríamos
fazer, mas estava tão distraída, rindo de algo que havia lido no
telefone – talvez conversando com algum homem – que não
percebeu minha presença. Aquilo me irritou, porque, não importava
onde eu estivesse, sabia exatamente quando ela estava por perto.
— Notícia boa? — Disparei a pergunta, fazendo com que ela
se assustasse.
Kara xingou e me olhou como se eu fosse um fantasma. Por
ter colocado a mão no peito, devia ter tomado um susto digno de um
encontro com um ser sobrenatural.
— O que... está fazendo aqui?
Ri, notando que eu tinha conseguido manter o elemento
surpresa que queria.
— É meu carro e estou indo para casa!
Ela desviou o olhar, prestando atenção na rua, através da
janela, e eu me questionei sobre ela estar pensando em pular do
carro.
— Tinha entendido que seu motorista me levaria...
— Entendeu certo. — Ah, como eu adorava irritá-la!
Acomodei-me melhor no banco e fingi estar relaxado e sonolento. —
Vamos levá-la para casa e depois seguirei para a minha.
— Não quero desviá-lo de seu caminho. Pode pedir ao seu
motorista para me deixar em uma estação...
Nem pensar, senhorita! Tive vontade de rir, principalmente
pelo tom calmo e doce que usou comigo, quando, na verdade, devia
querer pular no meu pescoço.
— Eu não me importo em fazer o desvio. Mas gostaria de
relaxar um pouco no percurso. Por que não faz o mesmo?
Eu não podia vê-la, com um olho só aberto, mas conseguia
sentir a tensão dela de onde estava. Não era exatamente aquilo que
eu tinha previsto, mas, já que íamos por aquele caminho, que fosse
assim!
De repente senti meu banco tremer um pouco e, pela
vibração, só podia ser Kara balançando a perna impacientemente.
Toquei em sua coxa – um erro filho da puta – e pedi a ela que
relaxasse um pouco. Deveria ter tirado a mão do seu corpo logo em
seguida, mas não consegui e demorei mais do que precisava,
achando qualquer bobagem para falar:
— O dia hoje foi longo, o caminho até sua casa não é curto,
então aproveite para descansar um pouco.
Calculei que uma música suave ao fundo pudesse deixá-la
mais tranquila, por isso peguei o telefone e coloquei uma canção
qualquer para tocar. Fiquei aliviado quando vi que ela havia se
deitado mais no banco, embora estivesse esmagada perto da porta
como se tivesse medo de que eu a atacasse.
— Como você sabe que o caminho até minha casa é longo?
A pergunta me pegou de surpresa e eu quase me engasguei
com minha saliva quando a engoli. Puta que pariu! Havia cometido
um ato falho pelo simples fato de querer estender o assunto com a
mão na perna dela.
Idiota, pensa rápido!
Aleguei que tinha visto o endereço dela no contrato de
trabalho e sabiamente ela me questionou sobre a atenção aos
contratos de todos os trabalhadores da empresa.
Pensei em dizer que sim, mas era óbvio que ela saberia que
eu estava mentindo, afinal de contas, aquele serviço nem mesmo
chegava até minha sala, ficava com a equipe de relações humanas
e consequentemente no máximo iam até o diretor do departamento.
Então resolvi ser sincero.
Muito sincero!
— Não, apenas daqueles que me interessam.
Vi que a havia desconsertado, mas não esperava o
questionamento de volta.
— Em que sentido?
— Como?
Ela pareceu sem jeito, como se tivesse se arrependido da
pergunta.
— Em que sentido eu te interesso? — Limpou a garganta e
explicou: — Como funcionária, quero dizer.
Achei interessante ela ficar tão constrangida com aquilo tudo,
pois, desde que voltamos a conviver, estava sentindo-a mais
confiante e quase nunca a via sem graça ou sem palavras, estava
sempre com uma expressão ou uma resposta na ponta da língua
para me responder à altura.
— Você trabalha pessoalmente para mim. — Decidi ser um
pouco cínico. — Eu querer saber detalhes da sua vida é
perfeitamente normal.
— Que detalhes da minha vida o senhor sabe?
Foi impossível não voltar no tempo depois daquela pergunta!
Impossível esquecer o cheiro dela, o sabor de sua boceta, a
quentura de sua boca molhada em minha pele. Era humanamente
difícil manter longe da cabeça os sons de prazer que ela havia
emitido, os tremores que seu corpo dera quando gozou, a ardência
de suas unhas cravada nas minhas costas.
Ajeitei-me um pouco no banco, meu sexo duro, latejando de
tesão. E talvez fosse por conta do desejo que nublou todo meu
raciocínio que decidi intensificar a provocação:
— Muitos mais dos que estão no seu arquivo, Kara!
Ela arregalou os olhos, visivelmente compreendendo que eu
estava falando da trepada maravilhosa que demos na Capadócia,
então recuei, voltei para minha posição original, ri e comecei a
cantarolar a música que estava tocando.
— Eu... não acho que devemos ir por esse caminho.
Olhei-a preguiçosamente.
— Do que está falando?
Ela pigarreou e eu achei que ia começar com aquela história
de nunca mais mencionarmos o que tinha acontecido, de ter
esquecido o que houve entre nós, uma de suas exigências para
voltar a trabalhar comigo.
— A rota que seu motorista está fazendo. — Apontou para a
rua. — Se ele tivesse virado duas quadras atrás, nós chegaríamos
mais rápido à minha casa.
Gargalhei, sem conseguir me conter, por ela ter
simplesmente desviado do assunto.
— Não estamos indo diretamente para sua casa — revelei, e
ela novamente ficou em choque. — Trabalhamos direto hoje e
merecemos uma refeição rápida.
Negou.
— Prefiro comer em casa.
— Já fiz as reservas.
— Reservas? — Pude sentir o desespero na sua voz. — Não
quero ter que me sentar, cansada e suja, em um restaurante e...
— Calma, você vai gostar do lugar. Confie em mim.
Ela riu.
— Como se você fosse digno de confiança!
Pisquei algumas vezes, porque realmente senti algo na
entonação da sua voz. Mágoa! Eu a havia magoado e aquilo estava
claro. Engoli em seco ao perceber que, indo embora do jeito que eu
fora, pensei somente em como eu estava me sentindo ao descobrir
que ela era virgem e que havia me enganado de propósito.
Porra, Moore, ela era virgem e você a abandonou em um
quarto de hotel de outro país! Se havia me sentido um babaca antes
por ter sabotado o encontro dela, naquele momento estava me
sentindo o maior canalha do mundo.
Respirei fundo, sentindo-me mal, mas sem saber o que dizer,
e decidi parar de provocá-la do jeito que estava fazendo. Podia ser
um jogo engraçado para mim, porém poderia machucar ainda mais
uma pessoa que não merecia ser magoada novamente.
— Se quiser, podemos ir direto para sua casa. — Rendi-me,
e ela me olhou desconfiada. — Fico no restaurante e peço ao Basil
para levá-la sozinha.
O carro parou e logo fomos iluminados pelo letreiro de neon
da lanchonete. Kara foi atraída pelas luzes e olhou pelo vidro da
janela.
— Você quer jantar no Mack’s?
A pergunta me surpreendeu. Dei de ombros.
— O dono é meu amigo — justifiquei, pronto para descer do
carro e me despedir dela. — Espero que consiga descansar,
senhorita Çelik.
Ela sorriu.
— Depois de experimentar o sanduíche mais famoso da
cidade, certamente dormirei como uma pedra!
Franzi a testa.
— Vai descer do carro comigo?
— Com certeza, senhor Moore! — Ergueu o queixo. — Nunca
dispenso comida, principalmente uma que sempre quis
experimentar, porém quero deixar algo bem claro antes de
entrarmos.
Senti meus batimentos cardíacos aumentarem e esperei que
ela me repreendesse pelas brincadeiras e pela provocação no carro.
— Quem convida, paga a conta!
Ri, sentindo um enorme alívio.
— Não era minha intenção fazer diferente!
Basil abriu a porta do carro para Kara descer, e eu a
encontrei na calçada. Certamente estaríamos os dois
completamente deslocados no lugar, já que era frequentado por
artistas alternativos, jovens e estudantes, mas eu não me importava.
Entrei no espaço caótico e muito original da lanchonete e
imediatamente Mackenzie e sua esposa, Lila, receberam-nos.
— Moore! — O homenzarrão bateu nas minhas costas. —
Veio provar o melhor hambúrguer dos Estados Unidos?
— Do mundo, meu amigo! Você precisa valorizar seu
negócio! — Cumprimentei-o. — Como vai, Lila?
— Vou bem, Moore! — Ela olhou para minha companhia. —
Seja bem-vinda!
— Kara, esses são Mack e Lila, os responsáveis pelas
receitas que viciam à primeira mordida! — Apresentei-os. — Kara é
uma colega de trabalho e queria muito conhecer o maravilhoso
Mack’s.
— Vamos servir o menu degustação para vocês! —
Mackenzie bateu no meu ombro. — Meu amigo aqui precisa manter
esses músculos inchados.
Kara riu, mas ficou vermelha, e eu preferi não comentar nada.
Fomos colocados a uma mesinha num canto mais tranquilo
do estabelecimento e, nem bem sentados, já fomos recebidos com
bebidas e petiscos.
— Meu irmão iria amar isso aqui! — ela comentou, olhando
em volta.
— Traga-o aqui um dia. Aposto que ele vai gostar de ter um
dia livre dos estudos para se fartar com um hambúrguer gigante.
Ela me encarou séria.
— Onur conseguiu uma bolsa de estudos que vai cobrir todo
o pré-médico.
Mantive minha expressão neutra, porque percebi o olhar
sagaz dela.
— Que bom! Você disse que ele era um aluno esforçado.
A sua sobrancelha esquerda subiu.
— Ele é, mas não se inscreveu para a bolsa que ganhou. —
Inclinou-se na minha direção. — Cheguei a cogitar a ideia de ter
sido você...
Engoli em seco, mas ri.
— Kara, sou um banqueiro, não acumulo meu dinheiro
fazendo caridade por aí. — Pisquei e tomei um longo gole da
cerveja produzida artesanalmente e que era forte como um coice.
Resolvi mudar de assunto: — Isto aqui é do demônio. Peça um
refrigerante.
— Por quê? — Ela bebeu longamente e seu rosto ficou
vermelho. — Meu Deus do Céu, o que ele põe aqui?
Ri quando ela pegou a garrafa d’água que fora servida junto e
a esvaziou.
— Cerveja de especiarias e pimenta — Lila comentou, rindo.
— É boa para limpar o paladar e começar os trabalhos.
Depositou uma enorme bandeja com vários hambúrgueres de
tamanho médio, além de batatas e outros acompanhamentos.
— Espero que goste, Kara! — Olhou-me. — Moore já é de
casa! Mack está fazendo o seu predileto.
— Ah, ele nunca me decepciona!
Ela saiu e eu continuei sorrindo, porque realmente adorava o
sanduíche que ele havia nomeado de iceburger em minha
homenagem, mas meu sorriso morreu quando notei que estava
sendo observado com curiosidade.
— Você fica diferente aqui.
O comentário me deixou confuso.
— Não entendi.
Ela balançou os ombros.
— Nós já comemos juntos em vários locais, mas em nenhum
deles você ficou... — apontou — feliz como está agora.
Peguei um sanduíche.
— Eu gosto de hambúrguer!
Ela não pareceu nada convencida da minha resposta e, como
eu não queria entrar em detalhes sobre aquele assunto, me
concentrei em comer o que o casal havia preparado especialmente
para nós.
A verdade era que eu não queria mostrar a ela que o Homem
de Gelo, embora fosse essencialmente frio e racional, também podia
ter um coração quente, principalmente quando o assunto era amigos
verdadeiros.
32 - Kara

— Foi uma noite maravilhosa! — confessei, ainda dentro do


carro, em frente à minha casa. — Adorei conhecer o Mack’s!
Sean riu.
— Sabia que iria gostar! Era o mínimo que eu poderia ter feito
depois de você ter ficado horas dentro daquele arquivo.
Franzi a testa.
— Aquilo não combina contigo, sabia?
Não soube se era por conta das cervejas diferentes que
experimentei, ou por estar feliz e satisfeita com a refeição, ou
mesmo por causa da ótima companhia que eu lembrei que ele podia
ser, mas eu estava mais corajosa para dizer o que pensava e mais
relaxada com relação a como tratá-lo.
— Sabia! — Riu. — Há anos venho tentando acabar com
aquele quartinho, mas nunca tive tempo para olhar item por item e
saber o que mandar reciclar. Não é algo que eu possa pedir para
alguém fazer por mim.
— Sim. Qualquer pessoa poderia ter jogado fora aquele peso
de papel.
Sean assentiu.
— Você é especial, Kara Çelik. — Segurei o fôlego ao ouvir
aquilo. — Raramente erro quando vejo potencial em alguém e sei
que não errei contigo, pelo menos nisso.
Sorri um tanto sem jeito.
— Espero que não. — Respirei fundo, um tanto chateada
comigo mesma por ter esperado outro tipo de explicação para ele
me achar especial. Eu não deveria pensar mais em Moore como
homem, apenas como chefe. — Boa noite. Obrigada pela carona!
Abri a porta do carro e saí apressada, querendo logo entrar
em casa e poder ficar aninhada na minha cama. Não queria nem
mesmo falar com Rosalia naquela noite, apenas ficar quieta,
processar tudo o que tinha acontecido e deixar ir.
Eu não queria voltar a sentir por Sean admiração, atração ou
mesmo... Era melhor nem nomear o que sentia por ele, quer dizer, o
que achava que tinha sentido na Turquia.
— Vou levá-la até a porta!
Tomei um susto quando ele tocou meu cotovelo, caminhando
ao meu lado na calçada em direção à entrada da casa de minha
mãe. Fiquei tão nervosa que travei e o olhei apavorada.
— Não precisa!
Sean riu.
— Mas eu quero.
Ri também, mas de puro nervosismo, olhando para o fim da
rua, onde Rosalia morava.
Deus do Céu se ela o vir aqui! A melhor solução era ir rápido,
dispensá-lo assim que chegasse à porta e entrar antes que minha
mãe ou minha amiga aparecessem.
Apressei o passo, deixando-o para trás por uns segundos, e,
assim que pisei na varanda, abri a bolsa à procura das minhas
chaves, porém tremia tanto que não conseguia pegá-las.
— Precisa de ajuda? — Senti uma pitada de deboche nas
palavras dele, mas não me irritei, concentrada em procurar as
malditas chaves antes que...
— Boa noite!
Fechei os olhos assim que ouvi a voz de minha mãe.
— Olá! Deve ser a senhora Çelik!
Merda!
— Sim, sou eu. — Mamãe me olhou curiosa. — Eu estava
preocupada, Kara.
— A culpa foi minha, senhora Çelik. Prendi Kara até tarde no
trabalho e, como recompensa, fomos comer uns sanduíches com
uns amigos.
Cala a boca, Sean!, tive vontade de gritar.
— E o senhor é...?
Ele pareceu surpreso por minha mãe não o reconhecer, então
estendeu a mão.
— Sean Moore, senhora.
Minha mãe ficou paralisada, branca como cera, e apenas
seus olhos se moveram, desviando-se dele para mim, como se me
pedisse explicação, mesmo sem dizer nada.
— Senhor Moore, como pode ver, cheguei em casa bem.
Muito obrigada pela preocupação. — Forcei um sorriso. — Nos
vemos amanhã.
Ele ergueu a sobrancelha e tentou manter o sorriso de
deboche, provavelmente por ter percebido que eu queria tirá-lo de
perto de minha mãe, mas se controlou e jogou todo seu charme
para cima da protetora Johanna Çelik:
— Kara tem se saído extraordinariamente bem na empresa,
apesar de eu ser um tirano na maior parte das vezes.
Minha mãe, como a maioria faria, derreteu-se ao ouvir aquele
elogio sobre mim. E eu maldisse mentalmente Sean por fosse o que
fosse que pensava estar fazendo ao prolongar o assunto na porta
da minha casa.
— É uma ótima chance para lhe agradecer, senhor Moore,
pela oportunidade dada à minha filha.
— Não precisa agradecer, ela merece pelo potencial que tem.
— Sorriu galante. — Aposto com a senhora que, após essa
experiência comigo, ela estará apta a trabalhar em qualquer
empresa que quiser!
Pigarreei, lembrando-me de uma experiência que tive com
ele e com a qual minha mãe nem poderia sonhar.
— Está com frio, filha? — Johanna me perguntou,
arregalando os olhos. — Que falta de educação a nossa, ficar
conversando com o senhor Moore na porta de casa! — Encarou-o.
— Vamos entrar, que eu irei preparar um café para nós.
— Mãe... — Tentei detê-la, porém ela fingiu que não me
ouviu, então recorri à ajuda de Sean, porque obviamente ele não
queria conhecer minha casa. — O senhor Moore deve estar
cansado e...
— Nunca estou cansado demais para um café!
Fiquei paralisada quando o vi entrar, seguindo minha mãe,
que não parava de falar sobre mim e como eu era uma boa filha e
fora ótima aluna na escola.
Deus do Céu, me ajuda aí!
— O que ele faz aqui?
Gemi ao olhar para trás e ver Rosalia com a cara amarrada
de poucos amigos.
Merda! Será que esta noite não vai ter fim?
Respirei fundo.
— Ele me deu uma carona até em casa — contei, sentindo-
me cansada. — Trabalhei até tarde, Rosa, e tudo o que quero é
tomar um banho e dormir.
Ela cruzou os braços.
— Então por que ele entrou?
Ergui as mãos.
— Não conhece minha mãe?
— Kara, você não vai... — Nem tive tempo de pedir à minha
amiga para sumir de vista, pois mamãe já estava na porta. — Rosa
querida, vem tomar café conosco!
Neguei com a cabeça, implorando que ela não fosse, mas,
pelo sorriso que deu, já sabia que não me atenderia.
— Claro! Um café era tudo o que eu estava precisando!
Entrei junto a Rosalia, e a primeira imagem que vi foi a de
Sean – enorme como era e bem-vestido como sempre – em pé na
sala, perto dos porta-retratos que minha mãe amontoava em cima
de um aparador. Lembrei-me das fotos que ela amava exibir – a
maioria vergonhosa demais para mim e Onur – e fechei os olhos,
imaginando o que Sean estaria pensando.
— Vocês formam uma bela família, senhora Çelik — ele
comentou, afastando-se.
Minha mãe sorriu.
— Chame-me de Jo! Os amigos de meus filhos são meus
amigos também — disse, indo para a cozinha e deixando-me
vermelha de constrangimento.
— Mãe, ele é meu chefe! — ralhei entredentes.
Sean riu e encarou Rosalia.
A linda, exuberante, sensual Rosalia Mendez.
— Então você é o famoso Sean Moore! — Minha amiga foi
até ele e estendeu a mão.
— Eu mesmo — ele respondeu sério, e eu tentava ver se
havia algum interesse em seus olhos. — Você deve ser Rosalia. —
Minha amiga e eu ficamos surpresas por ele saber quem era ela e
transparecemos o espanto, pois ele logo esclareceu: — Kara falou-
me sobre você durante a viagem.
Assenti, lembrando-me de que havia contado muitas coisas a
ele, porém não imaginava que ele se recordasse de tudo.
— Ah... Ela faz isso! Também falou bastante do senhor
depois da viagem.
Puta que pariu! Eu queria que o chão se abrisse debaixo dos
meus pés depois da declaração dela.
Sean desviou os olhos para mim por alguns segundos e, sem
deixar de sorrir, disse apenas:
— Imaginei que o faria, afinal são amigas de infância, não?
Rosalia se aproximou mais dele.
— Não somente isso! Kara é a irmã que eu não tive. Não sei
se ela contou, mas sou a única mulher entre muitos meninos. Meus
irmãos são bons de briga e me ensinaram muitas coisas...
Sean riu alto.
— Aposto que sim, senhorita Mendez! Coitado do homem
que a enfezar!
Prendi o fôlego ao notar a tensão de minha amiga e, como já
a tinha visto botar para correr um folgado e outro, temi pela
integridade física de Sean.
— Acho bom que o senhor...
— Aqui está o café! — Mamãe entrou no momento certo, e
eu voltei a respirar aliviada.
Puxei Rosalia para perto de mim e a encarei, puta.
— Ficou doida? — cochichei, enquanto mamãe servia Sean.
— É bom que ele saiba que você não está desamparada! —
Ela o olhou desafiadoramente. — Esse homem tem segundas
intenções contigo.
Tive vontade de rir.
— Não seja absurda! Ele apenas quis ser gentil e me trazer
em casa depois de um dia cheio e cansativo.
Rosalia fez sua famosa cara de deboche.
— Está tentando me enganar ou se enganar?
— Meninas...
Mamãe nos chamou e nos aproximamos, tomando assento
no sofá e aceitando o cafezinho que ela havia preparado. Fiquei
tensa durante os minutos que ele levou para beber a deliciosa
bebida – que minha mãe serviu em sua melhor porcelana – e quase
saltei do sofá apressada quando Sean anunciou que precisava ir
embora.
— O senhor é bem-vindo sempre que quiser!
Ele sorriu do jeito que eu tinha certeza de que fazia qualquer
mulher – independentemente da idade – se apaixonar.
— Obrigado pelo café e pela recepção, senhora. Tenha uma
boa noite!
Ele se despediu dela e caminhou para a porta, tendo a mim e
Rosalia como companhia.
— Rosa, vem aqui, que quero te mostrar algo na cozinha.
Arregalei os olhos quando ouvi o chamado de minha mãe, e
Rosalia rolou os olhos, percebendo que tudo o que Johanna queria
era se livrar dela.
— Estou indo, tia Jo! — Olhou sério para Sean. — Adeus,
senhor Moore.
Ele sorriu.
— Até breve, senhorita Mendez!
Abri a porta para ele e fiz careta.
— Desculpe-me por tudo isso!
Ele franziu a testa daquele jeito delicioso que o deixava
irresistível.
— Sua mãe é admirável e tão bela quanto a filha. — Piscou.
— Boa genética, apesar de você ter mais os traços da família de
seu pai.
Dei de ombros.
— Onur é a cara dele.
— Eu vi nas fotos. — Riu divertido. Em um impulso, mostrei-
lhe a língua, sabendo bem que ele estava rindo das fotos
constrangedoras da nossa infância.
Sean ficou sério e se aproximou mais de mim, fazendo com
que eu deixasse a irreverência de lado e ficasse com receio de ter
ido longe demais.
— Tenho certeza de que Jo não aprovaria esse seu gesto —
falou baixinho. — E nós sabemos que há coisas muito melhores
para você fazer com sua língua.
Arfei nervosa, sentindo meu corpo queimar e o rosto arder,
enquanto uma onda forte de excitação percorreu-me dos pés à
cabeça.
— Concordamos em não falar mais sobre...
— Não falar sobre o assunto é o menor dos sacrifícios, Kara.
— O olhar azul dele parecia me afogar, consumir e, se o que eu via
brilhar nele não fosse desejo, eu realmente não sabia nada da vida.
— Quanto ao resto... está ficando cada vez mais difícil.
Engoli em seco, tentando manter minha cabeça fria.
— Talvez fosse melhor, então...
— Não existe nada a se fazer! — Deu de ombros. — Eu
preciso de você no trabalho e quero você na minha cama.
Neguei.
— Isso não está certo! — Minha voz quase não saiu, fraca,
assim como meu controle.
Ele riu e tocou levemente meu rosto.
— Nisso estamos de acordo. — Esperei mais algum
movimento, uma aproximação e – por misericórdia – desejei muito
um beijo. — Boa noite, senhorita Çelik.
Tremi quando ele me chamou assim, sentindo todo o tesão
que ele sentia reverberar em cada letra.
— Boa noite, senhor Moore.
Fiquei parada na porta, vendo-o atravessar a rua e entrar no
carro. Minutos depois, quando o veículo seguiu para longe, fechei a
porta e encostei minha testa nela, tentando achar fôlego e razão em
meio ao turbilhão de sensações que ele acendera em mim.
Tranquei a casa, gritei um cumprimento à minha mãe, que
ainda estava na cozinha, e busquei refúgio no meu quarto.
— O que está rolando? — Rosalia estava à minha espera.
Ri, balancei a cabeça e, sem querer esconder algo de minha
amiga, corri para abraçá-la.
— Ele me deixa doida, Rosa!
Minha amiga riu.
— Chiquita, você e a maioria da população feminina ficam
doidas por ele facilmente!
Estranhei o elogio indireto.
— Achei que não gostasse dele.
— Amiga, não gosto, mas não sou cega! — Riu. — Ele quer
você, Kara. Sabe disso, não sabe?
Se ela houvesse feito essa pergunta dias antes, eu poderia
negar com sinceridade, porém, depois daquela noite, especialmente
da nossa despedida na sala, não tinha dúvidas.
— Sei... — Mordi o lábio. — Mas isso não é o pior!
Rosalia gargalhou.
— Não, não é! Você o quer também. — Anuí, e ela se sentou
na beirada da minha cama. — Sabe que eu não sou contra você se
divertir e desfrutar de um bom prazer, mas o que me preocupa é:
você vai saber fazer apenas isso?
Senti meu coração se apertar, compreendendo o que ela me
dizia.
— Não sei...
— Pois é! Espero que você pelo menos tente proteger seu
coração, porque seu corpo já está sob o domínio dele. — Ela pegou
minha mão. — Só quero que saiba que, não importa o que
acontecer, eu vou estar aqui para você.
Abracei-a com força, agradecida por ter aquela linda e
protetora amiga ao meu lado. Eu não sabia nem como nem quando,
mas tinha certeza de que iria me envolver sexualmente com Sean
de novo, e saber que ela me apoiaria independentemente do que
acontecesse já me deixava mais segura.
Era apenas uma questão de tempo entre mim e Sean.
33 – Kara

Eu estava confusa, sem saber se tinha entendido direito o


que havia acontecido na minha casa na noite anterior ou se aquilo
tinha sido fruto da minha imaginação.
Cheguei ao escritório com um humor diferente das outras
vezes, sentindo-me mais leve e sem aquela apreensão que me
tomava toda vez que entrava no escritório de Sean. Cumprimentei-o
com um belo sorriso:
— Bom dia, senhor Moore!
Ele não me olhou e disse sério:
— Bom dia! Está atrasada, senhorita Çelik.
Estranhei o tratamento frio.
— Passei antes na diretoria de pesquisa, como o senhor me
pediu, para cobrar o relatório que ainda não foi enviado. Fiz isso por
e-mail, memorando e decidi ir até lá pessoalmente para saber o que
estava impedindo o envio do documento.
Enfim tive sua atenção.
— Conseguiu descobrir?
Suspirei.
— O sistema deles travou e o pessoal de TI já estava lá
tentando resolver. Eles estão sem nenhum acesso à área restrita,
por isso não conseguem gerar o relatório.
Sean sacudiu a cabeça.
— E não poderiam ter respondido isso nas
correspondências?
Como eu não queria prejudicar ninguém, apenas dei de
ombros.
— Conversei com o técnico e ele disse que talvez
consigamos acesso daqui da diretoria executiva, com a senha geral,
mas não tenho essa senha.
— Só eu a tenho. — Sean parecia irritado. — Consigo
acessar qualquer dado de qualquer setor com ela, mas nunca a uso,
afinal de contas, delego funções exatamente para não ter esse
trabalho.
Assenti.
— Então esperamos o conserto do sistema deles para fechar
o relatório que temos que enviar ao banco?
Sean emitiu um rosnado baixo e estendeu a mão.
— Seu iPad. — Entreguei o aparelho para ele, que digitou
algo e me entregou de volta. — Vou autorizar seu aparelho por
algumas horas, mas seja rápida e específica e acesse apenas o que
precisamos.
Meu coração disparou.
— Sim, senhor!
Ele voltou a prestar atenção em seu computador e, segundos
depois, recebi uma notificação de autorização de acesso. Fui para
minha mesa e vi que todos os dados da empresa estavam liberados
para mim, não apenas aqueles que eram concernentes à minha
função.
Acessei a área de pesquisa e achei lá o que precisava. Meus
dedos estavam trêmulos quando mandei importar o arquivo e fechei
o sistema, saindo daquele mundo de informações que era a espinha
dorsal da Gaea.
Demorei horas fechando o relatório nos moldes que o Banco
Von Salis exigia e, assim que terminei, encaminhei-o para Sean.
Só então é que consegui respirar tranquila e pude voltar a
pensar naquilo que havia acontecido na noite passada e no modo
como ele me tratou naquele dia.
Será que ele é bipolar?
Meu celular vibrou com uma mensagem e vi o nome de Liam
Stanton na tela.
“Estou em Chicago.”
Ri da maneira direta dele.
“Olá, senhor Stanton! Bem-vindo de volta!”
Mal enviei a mensagem, chegou outra.
“A primeira coisa que minha mãe fez quando cheguei em
casa foi cobrar uma visita sua. Você conquistou o coração dela!”
Senti um aperto no peito e desviei os olhos rapidamente para
a porta da sala de Sean. Dei de ombros, porque eu realmente não
estava fazendo nada de errado. Gostava de Liam, e ele tinha
demonstrado ser um amigo. Quanto a Sean... Bom, ele era meu
chefe, apenas isso.
“Gostei dela também! Mande um abraço.”
Daquela vez ele demorou mais tempo para enviar outra
mensagem, tanto que imaginei que nem fosse mais falar nada.
Deixei meu telefone de lado e voltei ao computador para terminar de
confirmar a agenda de Sean e ler os e-mails que haviam chegado.
— Senhorita Çelik. — A voz de meu chefe me fez pular de
susto, pois eu estava concentrada no trabalho, e ele quase nunca
saía da sala para falar comigo, geralmente me chamava à dele. —
Encontrei uma divergência no relatório.
Ele se aproximou e me mostrou, apontando com o dedo.
— Mas essas informações foram apenas extraídas do arquivo
original. — Abri meus arquivos para mostrar a ele. — Veja aqui, está
igual.
De novo aquele rosnar baixinho, e eu senti meu corpo inteiro
arrepiar. Sean estava com uma mão apoiada no tampo da minha
mesa e inclinado sobre meu ombro de forma que eu conseguia
sentir seu perfume e o calor da sua pele.
Fechei os olhos, inspirei fundo, usufruindo daquele contato
efêmero por alguns instantes.
— Você tem razão, o erro veio da fonte. — Sua voz soou bem
perto da minha orelha, e eu estremeci. — Mande uma comunicação
ao setor responsável e peça uma errata com a assinatura do diretor
do departamento.
Olhei para ele e aquiesci.
— Algo mais?
Sean sorriu.
— Com relação ao trabalho, não, senhorita Çelik.
De novo senti aquela atração intensa. Queria entrar no jogo
dele, saber o que responder diante daquela declaração. Meu
telefone vibrou novamente e aquele som – que pareceu um
pequeno terremoto dessa vez – fez com que eu piscasse e Sean
franzisse o cenho.
Peguei rapidamente o aparelho, já sabendo que devia ser
mais uma mensagem de Liam e o silenciei.
— Vou enviar o pedido de retificação — falei, nervosa.
— Faça isso e se concentre no trabalho. Deixe para
conversas particulares na hora de seu intervalo.
Tive que engolir em seco, porque, mesmo sendo
completamente desnecessária aquela reprimenda, afinal, meu
trabalho estava sendo feito em dia, senti-me mal, tanto que guardei
o telefone na bolsa e não voltei a olhá-lo até a hora do almoço.
Eu estava certa ao supor que era uma mensagem de Liam,
mas fiquei surpresa com a “convocação” para um almoço na casa
da família dele no sábado.
“E nós não aceitamos outra negativa! Até lá.”
Sorri, aceitando minha derrota e retornei respondendo que
iria, sim, ao almoço. Instantes depois, Holly apareceu, como sempre
fazia, e me chamou para comer algo com ela em um bistrô perto do
prédio onde funcionava a empresa.
Pedi a ela um momento e bati à porta da sala de Sean.
— Estou saindo para almoçar. O senhor deseja algo?
Ele fez um gesto com a mão, erguendo um dedo, pedindo
que eu aguardasse enquanto terminava de escrever algo ao
telefone.
— Tem algum vestido de festa, além daquele que usou na
Capadócia, entre as coisas que compramos? — inquiriu, e eu
neguei. — Então aproveite e estenda seu horário de almoço para
providenciar um. Irei mandar o endereço da loja de uma conhecida
minha.
Entrei e fechei a porta.
— Desculpe, mas para que vou precisar do vestido?
Ele enfim se dignou a me olhar.
— Sábado à noite acontecerá um evento beneficente no
Museu da Ciência e Indústria de Chicago e confirmei minha
presença com acompanhante.
— Eu serei sua acompanhante? — perguntei o óbvio devido
ao nervosismo.
Ele riu.
— Parece que sim, senhorita Çelik. Vai ser bom para a
senhorita poder conhecer pessoalmente algumas das pessoas com
quem vem tendo contato por causa da minha agenda. Networking
no nosso mundo é essencial!
Assenti, entendendo o que ele queria dizer, mas sem me
acalmar totalmente, afinal, uma coisa era eu participar de um baile
em outro país, com pessoas que nunca mais iria ver, outra bem
diferente era estar em um local onde a nata da sociedade de
Chicago estaria presente.
— É nesse sábado?
— Sim, às 10h da noite, e o dress code é black tie —
informou e voltou a se concentrar na tela de seu computador. Como
continuei parada na entrada de sua sala, olhou-me rapidamente. —
Mais alguma dúvida?
— Não...
— Então bom almoço. — Apontou para a porta.
Respirei fundo e saí da sala, pálida como um papel, nervosa
sobre que tipo de roupa teria que usar e como iria me arrumar.
Talvez precisasse reservar horário em um salão de beleza e... Gemi
ao lembrar que havia confirmado o almoço na casa de Liam.
— Que merda!
Holly me olhou intrigada.
— Aconteceu alguma coisa?
Reparei na secretária executiva da empresa, sempre bem-
vestida, e pensei que poderia ser uma boa ideia pedir-lhe algum
conselho, mas não o fiz, temendo suscitar algum tipo de comentário.
— Não, apenas mais um trabalho que ele me deu para fazer,
por isso não vou conseguir almoçar contigo, vou resolver logo.
Holly riu.
— O homem é um carrasco, não é? Bom, quer um
sanduíche?
— Não, obrigada, como qualquer coisa.
Ela se despediu e eu fiquei esperando a mensagem com o
endereço da loja onde deveria comprar o vestido. Esperava, com fé,
que não fosse um daqueles locais onde a vendedora te julgava,
olhando dos pés à cabeça, porque eu iria precisar de ajuda.
Muita ajuda!
— Seja bem-vinda, querida! — Melanie Stanton me recebeu
na porta de sua casa, ao lado de Liam, já com uma bebida
refrescante na mão.
O dia estava terrivelmente quente e úmido e, embora
Chicago tivesse a fama de ser a Cidade dos Ventos, não havia uma
só brisa soprando naquele sábado ensolarado.
Aceitei a bebida e os cumprimentei, seguindo-os até a área
da casa onde ficava um enorme jardim com piscina. Nunca tinha
estado naquela parte de Chicago e ver aquelas casas enormes, com
quintais gigantes, foi uma surpresa e uma lembrança de que eu não
estava no meu hábitat. Era bom manter meus pés no chão. Mesmo
que estivesse, por ora, convivendo com pessoas com aquele poder
aquisitivo, eu era uma garota da periferia pobre, filha de imigrante, e
não fazia parte do meio social delas.
A agitação no jardim me mostrou que o almoço era uma
espécie de pool party, pois, tirando Liam e Melanie, as outras
pessoas presentes estavam com trajes de banho, sentadas à beira
da piscina ou dentro dela.
— Minhas irmãs resolveram convidar as amigas para o
almoço — Liam esclareceu, justificando a pequena algazarra. —
Temos roupa de banho extra se você quiser participar.
Neguei.
— Não, vim apenas para o almoço e nem vou poder alongar
muito a visita, porque tenho um compromisso de trabalho mais
tarde.
— Ah, que pena! Pensei que passaria a tarde conosco! —
Melanie lamentou. — Estava aqui dizendo ao Liam que...
— Mãe. — Liam a interrompeu e depois olhou para mim. —
Quer conhecer a casa, Kara?
Sorri, realmente interessada.
— Claro!
Foi realmente uma manhã muito satisfatória e me senti muito
à vontade com os Stantons. Fiquei surpresa ao saber que a família
faliu quando Liam estava na universidade e que, se não fosse por
um amigo dele, não teria conseguido se formar.
Conheci as irmãs dele – que, embora não se juntassem ao
grupo, passaram para me cumprimentar – e ouvi Melanie contar
sobre a morte traumática do marido, anos atrás, e o quanto Liam fez
de tudo para que ele se curasse.
— ...mas chegou o momento que todos sabíamos que não
teria mais jeito e que, dali em diante, seria só sofrimento, então, da
mesma forma que Liam lutou para que meu Harry se curasse, o
apoiou quando decidiu pela morte assistida.
Senti a dor dela ao me contar a história e admirei ainda mais
Liam por sua coragem e pelo modo como tratava a família. Era
visível o amor entre eles. Assim como eu me tornei um dos esteios
da minha família após o falecimento do meu pai, vi que com Liam
havia acontecido o mesmo.
Imaginei como devia ter sido difícil para ele viajar com o pai
até um dos estados onde a morte assistida era legal, ficar lá com ele
e depois voltar com o corpo para Chicago a fim de que a mãe e as
irmãs pudessem enterrá-lo. Entendi, a partir dos momentos que
passei ali com aquela família, por que um empresário tão bem-
sucedido fazia tanta questão de estar perto de seus familiares
sempre que era possível.
Quando deu a hora de eu ir embora, lamentei de verdade não
poder ficar mais e saí da casa prometendo outra visita, mesmo sem
a presença de Liam, que ficaria um bom tempo fora dos Estados
Unidos a negócios.
— Eu adoraria conhecer sua mãe. Traga-a contigo quando
vier me visitar de novo — Melanie pediu quando nos despedimos.
Liam e eu ficamos do lado de fora da casa esperando o carro
que eu pedi para me buscar.
— Tem certeza de que não prefere que eu a leve?
Sorri.
— Não precisa, mesmo, fique aqui com sua família. — Toquei
em seu ombro. — Adorei passar essas horas com vocês!
Ele sorriu satisfeito.
— Sabe o que é engraçado? Quando eu a vi naquela van,
sabia que você conquistaria minha mãe. — Fiz uma expressão de
incredulidade e ele riu. — Não sei por que, mas algo em você me
lembra dela. — Deu de ombros. — Sua beleza me atraiu, claro, mas
perceber isso me fez querer te conhecer melhor.
Meu sorriso foi morrendo aos poucos.
— Liam, eu... — Suspirei. — Eu o vejo como amigo.
O carro chegou assim que eu disse isso, e ele abriu a porta
de trás para eu entrar.
— Já é um começo! — Piscou e fechou a porta, despedindo-
se com um aceno.
Aquela situação me deixou nervosa, porque eu não queria
criar expectativas além das que podia cumprir e, naquela ocasião,
não era por ele que eu me sentia atraída nem com ele que eu queria
mais do que amizade.
Infelizmente, eu não conseguia querer outro além do senhor
Moore!
34 - Sean

O carro parou em frente à casa de Kara exatamente no


horário em que eu havia combinado com ela na sexta-feira, antes de
terminar o horário de trabalho. Aquele havia sido um dia estranho,
principalmente depois do que eu falei para ela sobre querê-la em
minha cama. Eu não soube como agir dentro do escritório.
Por isso é que eu nunca gostei de misturar as coisas!
A atração que eu sentia por Kara era avassaladora e me
rendi a ela, isso era um fato, mas ainda precisava descobrir como
iria gerenciar duas coisas diferentes – o trabalho e o prazer – com a
mesma mulher. Que eu sentia vontade, toda vez que a via, de tocá-
la e imaginei várias vezes, ao longo do dia, como seria delicioso
poder fodê-la sobre minha mesa, eu o fiz, mas, dentro de mim,
enraizado por muitos anos, havia uma voz que dizia que aquilo era
errado.
Estava com o propósito firme de separar as coisas, de
conversar com Kara e tentar adequar nossa situação. Trabalho seria
trabalho, então, na empresa, ela continuaria sendo apenas minha
assistente, mas fora... Suspirei ao pensar nas delícias que iríamos
viver fora do prédio da Gaea.
Mantive minha postura profissional quando ela chegou e,
confesso, fui até um pouco ranzinza demais com ela em razão do
pequeno atraso que teve, mas eu necessitava daquela distância,
precisava deixar claro como as coisas iriam funcionar. Então,
verificando alguns pontos do relatório que ela fez – habilmente em
tempo recorde –, vi uma coisa que me deixou fora do eixo.
Mensagem de Liam Stanton...
Fingi que não vi, fingi que não me importei, mas, quando
entrei na minha sala, estava espumando de ódio. Por que, diabos,
Liam estava mandando mensagem para Kara? Quando foi que ela
dera seu número para ele? O que eu não estava sabendo?
Poucas coisas na minha vida me desestabilizavam, porém
aquela foi uma delas, e tive que admitir que Kara era quem
conseguia me tirar do eixo. Qualquer coisa relacionada a ela mexia
comigo, principalmente com um sentimento que eu nem imaginava
que iria nutrir por alguém: posse!
Ela era minha!
Eu fui seu primeiro homem e não queria que mais ninguém a
tocasse!
A irracionalidade daquele pensamento me desconsertava,
mas era real, estava lá a todo momento quando eu pensava nela.
Então, talvez ainda sob os resquícios do homem das cavernas no
meu DNA, enviei uma mensagem ao comitê que estava organizando
o evento no Museu da Ciência e Indústria e pedi que incluísse uma
acompanhante em meu convite.
Eu apostava que tinha deixado os organizadores surpresos,
afinal, geralmente ia sozinho e gostava disso, principalmente porque
me possibilitava sair acompanhado com alguém interessante. Mas
não daquela vez! Eu iria acompanhado com Kara, e todos os
grandes empresários daquela cidade iam perceber que ela não
estava disponível!
Se Liam Stanton iria comparecer, eu não tinha ideia, mas
adoraria que fosse!
— Maluco irracional! — falei comigo mesmo, descendo do
veículo e indo até a entrada para tocar a campainha. — Você deve
estar enlouquecendo, Moore! Finalmente o sangue dos Von Salis
está falando mais alto — resmunguei enquanto esperava ser
atendido.
— Ele chegou! — ouvi um grito vindo de dentro da casa e
sorri, reconhecendo a voz da amiga de Kara. — Boa noite! — Ela
sorriu forçado ao abrir a porta.
— Boa noite, senhorita Mendez. Kara está...
Antes que eu concluísse a frase, a mulher fechou a porta
atrás de si e me olhou sério, parecendo uma leoa prestes a atacar
para proteger seu filhote.
— Olha só, você não é meu chefe, então vou ser muito clara
contigo, cabrón! — Franzi a testa, mas continuei quieto, esperando
que ela terminasse a ameaça que certamente viria após aquele
xingamento. — Kara é a pessoa mais pura e maravilhosa que eu
conheço. Se a fizer chorar de novo, por Dios que te mato!
Geralmente eu não responderia a alguém que falasse comigo
naquele tom, porém a expressão de novo chamou minha atenção e
me senti mal por pensar que, depois de como reagi na Capadócia,
magoei Kara a ponto de fazê-la chorar, por isso assenti.
— Não acontecerá de novo.
Rosalia respirou fundo e voltou a abrir a porta, segundos
antes de Kara aparecer.
— Puta que pariu! — Não consegui conter a expressão e,
pela primeira vez, Rosalia me olhou e sorriu de verdade.
Kara estava usando um vestido vermelho que contornava seu
corpo perfeitamente e, a cada passo que dava, fazia com que eu
perdesse o fôlego. O modelo não tinha alças e o decote em formato
de coração ressaltava os belos seios dela, assim como o corpete
justo marcando sua cintura fina e revelando a curva tentadora dos
seus quadris.
— Boa noite, senhor Moore! — cumprimentou-me, e eu fiquei
com o olhar fixo em sua boca carnuda com um brilho levemente
rosado.
Encarei-a por fim, adorando como a maquiagem dela havia
deixado seus olhos – tão lindos e expressivos – ainda mais
dramáticos.
— Boa noite, senhorita Çelik. — Estendi a mão para ela. —
Vamos?
Ela sorriu, pegou minha mão e se despediu da amiga,
acompanhando-me até o carro onde Basil nos aguardava segurando
a porta aberta. Kara cumprimentou meu motorista antes de entrar e
eu dei a volta, juntando-me a ela no banco traseiro pelo outro lado
do veículo.
— Desculpe se eu... — ela começou a falar, mas eu
simplesmente não ia conseguir conversar naquele momento.
— Esse batom borra? — perguntei antes de puxá-la pela
nuca e afundar minha boca na dela.
A princípio pensei que Kara iria resistir, porém essa ideia
durou apenas até eu sentir seus lábios moverem-se contra os meus,
sua língua ir ao encontro da minha, safada e quente, e seus braços
me enlaçarem pelo pescoço.
Eu sabia que estávamos dando um pequeno show para Basil
– que certamente estaria confuso por me ver aos beijos com minha
assistente –, mas não me importava nem um pouco com a opinião
dele ou mesmo com o que poderia pensar. Naquele momento, com
ela de novo em meus braços depois de semanas de distanciamento,
minha maior preocupação era devorá-la de forma a aplacar a fome
enquanto estivéssemos no evento e, ao mesmo tempo, deixar a
promessa de como iria apreciá-la com calma mais tarde.
Sim, porque definitivamente não haveria a menor chance de
eu passar mais uma noite sozinho em minha cama, excitado,
pensando em ter Kara Çelik comigo. Ela estaria lá, inteira, entregue,
derretendo-se em minhas mãos, na minha boca, no meu pau, como
havia feito na Turquia.
Kara gemeu, a boca pregada na minha, e meu corpo tremeu
em resposta. Eu estava tão ereto que possivelmente poderia
arrebentar a braguilha da minha calça. Meus dedos brincaram com
os cachos soltos dos cabelos dela e o beijo se suavizou até que
nossos lábios se desgrudaram.
Abri os olhos e a encontrei me fitando. Senti a potência do
desejo dela e aquilo me acalmou, pois foi a confirmação que eu
precisava para entender que não havia mesmo mais volta, que
aquilo – apesar de errado – era o certo.
Ali, naquele momento, dentro do carro em movimento, deixei
de ser o “senhor Moore” e ela deixou de ser a “senhorita Çelik”.
Éramos apenas um homem e uma mulher que se desejavam a
ponto de não conseguir separar seus lábios, mesmo sem estarem
se beijando.
Eu respirava a respiração dela, e esse gesto tão comum, mas
tão vital, impregnava-se em mim e acendia ainda mais o tesão que
já me consumia por inteiro. Minha vontade era a de poder jogar
aquele evento pelos ares, pedir a Basil que nos levasse até minha
casa e fazer com ela uma festa particular muito mais prazerosa do
que aquela a que estávamos indo.
— Meu batom conseguiu resistir novamente? — ela indagou
baixinho, com um sorriso.
Lambi seus lábios devagar, arrancando dela um gemido e
fazendo com que fechasse os olhos.
— Eu não me importo se você chegar à festa com esse item
de maquiagem faltando em seu rosto — comentei e depois me
aproximei de sua orelha para sussurrar: — Na verdade, nem me
importo mais em chegar à festa.
Kara suspirou.
— Mas temos que ir?
Aquela pergunta, cheia de desejo e com a clara intenção de
que eu respondesse negativamente, deixou-me ainda mais duro.
— Temos... — Beijei seu pescoço, fazendo sua pele arrepiar.
— Eu prometi a um amigo que daria lances no leilão que ele
organizou para angariar fundos. Teremos que exercitar nossa
paciência mais um pouco. — Sorri, acariciando seu rosto.
— É... Só mais um pouco.
Concordei, quando na verdade queria protestar. Durante
semanas tentei me convencer a não me aproximar mais
sexualmente de Kara, até que perdi essa batalha e me rendi.
Esperar, mesmo que durante poucas horas, seria um suplício, mais
difícil do que todos os dias que se passaram sem que ela estivesse
nos meus braços.
Coloquei uma mecha de seu cabelo atrás da orelha,
admirando a forma como ela se arrumou para aquela noite. Kara
parecia muito mais confiante e madura do que quando fomos para
Istambul e aquilo me deixava ainda mais atraído por ela. Era algo
além do físico, além da beleza natural que ela exalava. Kara me
atraía completamente, pelo modo como lidava com a vida, pela
coragem de enfrentar desafios e pela sua desenvoltura ao fazer o
melhor em tudo a que se propunha.
Foram tantas descobertas que a vi fazer durante o período
que estávamos convivendo que passou a ser normal eu admirá-la
por cada coisa nova que aprendia. Eu havia me tornado fã dela,
coisa rara de acontecer normalmente, e me pegava vibrando a cada
acerto e torcendo a cada novo desafio que a via assumir.
Ainda não sabia como ficariam as coisas entre nós depois
daquela noite, mas não estava dando muita importância àquilo.
Decidi resolver as situações de acordo com que elas fossem
aparecendo. Se, por acaso, ela não conseguisse separar as coisas
no ambiente de trabalho, eu teria que arranjar alguma solução.
Todavia, algo precisava ficar bem claro: ainda que eu tivesse
que ficar sem assistente, não ficaria sem a mulher! Kara podia vir a
não trabalhar mais comigo, porém, enquanto aquela atração
persistisse, eu a desejaria em minha cama.

— Moore!
Virei-me em direção à voz que me chamava e vi, surpreso,
Robert Clark Junior vindo até mim acompanhado de sua belíssima
esposa.
— Quem é ele? — Kara sussurrou.
— Advogado. Uma das empresas de gestão da Gaea
administra o escritório da família dele. — Suspirei. — Espero que
não por muito tempo mais.
Percebi o olhar confuso de Kara.
— Prejuízo?
Ri e neguei.
— Não, é rentável, mas poderia estar muito melhor se ele
voltasse a trabalhar lá. — Voltei a olhar para o homem que se
aproximava. — Depois conto detalhes. — Encerrei a conversa
quando estendi a mão para cumprimentar o homem alto e loiro. —
Bob Junior! — Usei propositalmente o apelido que sabia que ele não
gostava.
O homem gargalhou.
— Você não consegue mais me irritar, Moore! — Olhou para
Kara. — Lembra-se de Laura, minha mulher?
Sorri ao lembrar-me do baile em que a tinha visto pela
primeira vez e ficado embasbacado com sua beleza.
— Claro! — cumprimentei-a. — A senhora continua
belíssima!
A brasileira sorriu e desviou seus olhos verdes e curiosos
para Kara.
— Não vai me apresentar à sua acompanhante? — inquiriu,
sorrindo para Kara.
Respirei fundo e encarei Robert, mas o homem apenas a
olhava com curiosidade, nada mais.
— Essa é Kara Çelik. — Pisquei para ela. — Kara, esses são
Robert e Laura Clark.
Eles a cumprimentaram e Robert começou a conversar
comigo sobre uma questão do escritório – do qual insistia em não
mais fazer parte, mas ainda recebia o lucro como herdeiro –,
enquanto Laura e Kara se aproximaram.
Percebi, pelo canto dos olhos, que as duas sorriam e
conversavam com entusiasmo e, embora eu não conseguisse ouvi-
las – por ter de prestar atenção a Robert e por causa das conversas
ao nosso redor –, relaxei ao ver que estavam se dando bem.
— Michael não virá? — perguntei a Robert sobre seu melhor
amigo.
— Deve estar chegando a qualquer momento — informou e
olhou rapidamente para Kara. — Está melhor acompanhando dessa
vez, Moore.
Concordei, sentindo uma mistura de orgulho e de irritação por
ele notar a beleza de Kara.
— Soube que teve problemas com minha companhia do ano
passado. — Ri. — Foi uma demissão merecida, mas escandalosa.
Não tive mais nenhuma notícia dela.
— Nem eu, graças a Deus! — Um sorriso de deboche
apareceu no rosto dele. — Resolveu tomar posse do meu antigo
título de rei das universitárias? A moça já tem idade para beber ou
precisa de uma ID falsa?
Respirei fundo e mantive a seriedade.
— Quando você vai retornar ao legado? — Mudei para um
assunto que iria irritá-lo tanto quanto me chateou a piadinha sobre a
idade de Kara que ele fez para mim.
Robert ficou sério e deu de ombros.
— Não tão cedo. Estou gostando desse negócio de começar
do zero.
Gargalhei.
— Você levou contigo um dos nossos maiores cliente, seu
filho da puta! Isso não é começar do zero.
Robert riu e apontou.
— Falando nele.
Olhei para onde indicava e vi Michael Griffin entrar no salão
do museu acompanhado de sua estonteante esposa ruiva.
Ouvi Kara e Laura rirem, e essa última acenou para Aurora,
fazendo com que o casal viesse ao nosso encontro. A senhora
Griffin questionou o marido sobre Kara, pelo menos foi o que deu
para entender da leitura labial rápida que fiz, e Michael deu de
ombros, mas eu podia ver uma certa curiosidade em seus olhos.
Eu tinha certeza de que seria mais um me questionando
sobre ela e fazendo algum tipo de piada sobre nossa diferença de
idade. Eu era o mais velho dos três e o único que permanecia
solteiro, então esperava artilharia pesada vinda da união dos dois
que se renderam ao casamento.
Olhei novamente para Kara e a peguei me encarando de
volta. Ela sorriu, suas bochechas ficaram levemente coradas e eu
tive que manter o resto de controle que possuía para aguentar mais
encontros e conversas naquela noite, quando tudo o que queria era
pegá-la pela mão e levá-la a um lugar onde não precisasse dividir
sua atenção com mais ninguém.
A noite prometia ser longa!
35 - Sean

As paredes tremeram assim que entrei na mansão clássica


onde eu morava desde que resolvi me estabelecer em Chicago,
anos antes. Um quadro caiu, fazendo barulho, e Kara riu, mesmo
com minha boca devorando a dela. O riso durou apenas um
segundo; logo em seguida sua língua estava novamente se
esfregando na minha.
Chupei seus lábios como gostaria de estar fazendo com sua
boceta. Calma, Sean! Minhas mãos pareciam enlouquecer tocando-
a por cima do tecido macio do vestido, apertando-a e espremendo-a
contra meu corpo excitado.
Eu estava a ponto de explodir, essa era a verdade!
Aquelas horas no museu foram divertidas, mas eu contava
cada minuto, ansiando sair do meio daquelas pessoas para estar a
sós com ela. Tentei me comportar no caminho de volta, dentro do
carro, para não a expor aos olhos curiosos de Basil, porém, assim
que abri a porta de casa e me vi na escuridão do corredor, sozinho
com Kara, não consegui mais conter a necessidade que sentia de
tocá-la... inteira!
Podia sentir a quentura de sua pele sob o vestido, queria me
livrar do tecido e vê-la novamente em sua nudez perfeita, deixando-
me louco como naquele hotel longínquo.
Abri os olhos e me afastei, observando-a fixamente,
desejando poder ler seus pensamentos e sensações. Daquela vez
eu não me contive e talvez tivesse sido afoito demais com ela, sem
observar os cuidados que sua primeira experiência exigia; nesse
momento eu queria proporcionar a ela muito mais! Queria que
sentisse mais prazer, que sentisse mais o quanto me tinha nas
mãos, o quanto meu tesão por ela era algo absurdo, impossível de
ser explicado.
Kara sorriu para mim e esfregou seus lábios lentamente. Não
foi um movimento calculado, ela apenas estava sentindo a mesma
sensação de formigamento que havia nos meus por causa dos
beijos.
Peguei-a pela cintura com firmeza e facilmente a ergui nos
meus braços. Ela emitiu um gritinho e riu, fazendo com que eu
sorrisse ante sua surpresa. Levei-a até a sala principal da mansão,
com seu teto alto em estilo catedral e os enormes vitrais que a
deixavam clara, mesmo com a iluminação toda apagada.
Coloquei-a no chão novamente, de pé, em cima do enorme
tapete persa que cobria o chão e me aproximei.
— Eu queria fazer uma coisa mais cedo hoje — comentei.
Ela respirou fundo.
— O quê?
Pisquei e acionei a assistente virtual da casa.
— Tocar La Vie en Rose, Louis Armstrong.
O som do trompete encheu a sala, baixinho e sensual como
devia ser. O clarão da lua cheia passava através das enormes
claraboias no teto, e comecei a dançar com Kara, devagar, beijando
seu pescoço, deixando a deliciosa melodia ditar o ritmo daquela
sedução.
Eu sabia que nós tínhamos ido juntos para minha casa
naquela noite para foder gostoso, mas não era apenas isso que eu
sentia vontade de fazer com Kara. Diferentemente de com qualquer
outra mulher, eu queria seduzi-la, deixá-la completamente louca de
tesão e, principalmente, ciente de que eu estava disposto a qualquer
coisa para dar-lhe prazer.
Quando a voz potente do cantor começou a cantar a versão
em inglês da música francesa, fiz com que ela rodopiasse nos meus
braços e retornasse de costas para mim. Coloquei seus cabelos por
cima do ombro e lambi sua nuca, descendo pela coluna até onde
começava o vestido.
Não resisti; era mister confessar que gostaria de ter dançado
mais, porém, ao enxergar o zíper da peça, comecei a abri-lo e, a
cada pedaço de pele a mais que via, enchia de beijos.
Notei que ela usava lingerie também vermelha. O sutiã sem
alças não tinha fecho nas costas. Abri o vestido até a cintura e
deixei que ele, pelo peso do próprio tecido, se embolasse a seus
pés. Assim que isso aconteceu, Kara deu um passo para fora da
roupa e eu novamente a virei, colocando-a de frente para mim.
— Você é linda! — reafirmei antes de beijá-la.
Kara se pendurou no meu pescoço – mesmo com os saltos
altos, ela ainda era bem mais baixa que eu – e eu aproveitei para
colá-la ao meu corpo, para deixá-la sentir como eu estava duro,
como a desejava ardentemente.
Ela gemeu quando movi os lábios em direção ao seu queixo
e jogou o corpo para trás, dando-me acesso a seu pescoço.
Beijei cada centímetro da pele exposta e, achando o fecho
frontal do sutiã, livrei seus maravilhosos peitos para minha
contemplação. Segurei-os, apertando levemente os montes pesados
e brinquei com os mamilos escuros com os polegares.
Kara soltou um longo suspiro e gemeu baixinho, acendendo a
minha vontade de ouvi-la gritar.
Tomei um dos mamilos na boca, prendendo-o com os dentes
para em seguida chupá-lo com determinação. O movimento de
sucção intercalava com o roçar da minha língua. Os gemidos
aumentaram de intensidade, de volume, e ela segurou-me pelos
cabelos, vibrando nas minhas mãos.
Agarrei sua bunda gostosa, apertei-a, separei as nádegas
levemente, enfiei meus dedos por dentro da calcinha vermelha
acompanhando o cós, até chegar à parte da frente. Desci pelo corpo
dela deslizando minha língua, deixando um rastro molhado em sua
barriga, penetrando seu umbigo, até chegar aonde minhas mãos já
estavam.
Ajoelhei-me aos pés dela e a fiz afastar as pernas um pouco,
apenas o suficiente para que eu pudesse ter algum acesso a seu
sexo.
Puxei a calcinha com os dentes e a estiquei com a mão. O
tecido, uma seda fininha, não aguentou e uma das laterais acabou
se partindo. Sorri e a olhei, pensando em me desculpar por aquilo,
contudo Kara estava totalmente entregue ao momento, perdida nas
sensações, inebriada de prazer.
Forcei a outra lateral e, quando a peça se desfez,
simplesmente a descartei, jogando-a no chão a esmo. Gemi quando
me vi de frente para sua virilha e, sem esperar mais, depositei um
beijo bem no meio de seu monte de vênus. Cheirei longamente
aquele lugar que exalava desejo e fiquei ainda mais excitado. Para
mim, cheiro de mulher com tesão, de boceta molhada, era melhor
do que qualquer fragrância inventada pelo homem.
Eu precisava tê-la inteira, sentir seu sabor, provar da sua
excitação, do seu orgasmo, compartilhar com ela o prazer dos
nossos corpos e trazer alívio ao que vínhamos nos negando desde
que voltamos aos Estados Unidos.
Ergui-me de supetão, assustando-a, e a peguei no colo
novamente, caminhando com rapidez até as escadas que nos
levariam até minha cama. Galguei cada degrau com pressa e
determinação – correndo, na verdade – e, assim que entrei na suíte,
a coloquei em cima do colchão.
O quarto estava escuro e definitivamente não podia continuar
daquele jeito. Acendi as luzes indiretas que ficavam na parede,
amarelando o ambiente, e, sem querer saber de mais nada além da
mulher na minha cama, puxei-a para a beirada e abocanhei seu
sexo com fome.
Porra, que delícia!
— Sean! — ouvi quando ela gemeu alto e se contorceu.
Chupei seus lábios com força e depois introduzi minha língua
em sua entrada, colhendo seu prazer, sentindo seu gosto,
aumentando os líquidos que a deixavam cada vez mais pronta para
mim.
Lambi em volta de sua boceta e, quando toquei levemente,
apenas com a pontinha da língua, seu clitóris, Kara estremeceu.
— Por favor... — implorou.
Franzi a testa e a olhei, sentindo-me um pouco perverso.
— O que você quer?
Ela mordeu o lábio. Achei que não teria coragem de me dizer,
mas fui surpreendido.
— Que você chupe aí!
Sorri e dei uma chupada rápida. Os músculos dela se
retesaram, mas logo relaxaram quando parei.
— Assim?
Ela gemeu e negou.
— Não... Igual você fez antes...
Lambi sua boceta com a língua solta, toda para fora, de baixo
para cima, mas não me demorei no clitóris inchado.
— Quer gozar de novo na minha boca, Kara?
Ela suspirou.
— Quero!
A resposta me deixou fervendo.
— Se eu fizer você gozar na minha boca, posso gozar na sua
também?
Ela assentiu freneticamente.
— Vai gostar de chupar meu pau? — Outro gesto afirmativo.
— Vai me chupar até eu gozar?
Não esperei pela resposta e fiz exatamente aquilo que ela
estava querendo. Suguei aquele pequeno ponto sensível,
molhando-o bastante com minha saliva, fazendo-o vibrar dentro da
minha boca, até ouvi-la gritar e suas pernas se fecharem com
tamanha força que me fizeram crer que conseguiriam esmagar
minha cabeça.
Sua boceta se encharcou, o cheiro do êxtase me deixou
embevecido. Separei-me dela apenas para tirar minhas roupas o
mais rápido possível. Senti os seus olhos acompanhando cada
movimento meu, até mesmo quando abri um móvel e peguei os
preservativos.
Coloquei a camisinha, mas não me deitei em cima dela, pelo
contrário, caí de costas no colchão e a puxei para cima de mim.
— Eu quero ver você! — disse, conduzindo-a, sentando-a no
meu pau. — Quero ver seu corpo se movendo sobre o meu e sua
expressão de enlevo quando o orgasmo chegar.
Quando meu pau começou a entrar no corpo dela, deixei de
pensar ou mesmo coordenar as palavras. Necessitava apenas
sentir, assistir e deixar que o desejo que nos consumia pudesse ser
satisfeito.
Kara se sentou sobre mim o máximo que conseguiu e,
sabendo que sua boceta apertada não comportaria todo o meu
tamanho, fiz com que se inclinasse sobre mim, apoiando os joelhos
no colchão.
Ela rebolou, eu fui mandado para as estrelas!
Travei minha mandíbula e contraí meu abdômen, controlando
o impulso de relaxar diante da deliciosa sensação que clamava por
liberação. Guiei seus quadris um pouco, ajudando-a com os
movimentos, até que ela se soltou completamente, divertindo-se
com o poder de me fazer gemer e sofrer de tesão.
Com as mãos espalmadas no meu peito, Kara subia e descia,
rebolava, esfregava-se, ia mais fundo ou quicava curto. Meu corpo
estava em ebulição, o som dos nossos gemidos se misturava e eu
me pegava perdido dentro dela, sentindo sua boceta contrair meu
pau, a quentura, a umidade, tudo perfeito.
Deixei-a ditar o ritmo, aprender o que mais gostava de fazer
naquela posição, mas, quando meu corpo clamou por mais, segurei
sua bunda, impedindo-a de usar os quadris para se movimentar,
dobrei minhas pernas e soquei com vontade, estocando meu pau
sem parar, em um ritmo intenso e prazeroso.
Kara gritou, seu corpo tremeu, suas unhas se afundaram na
minha pele. Eu me perdi na beleza de sua expressão enquanto
gozava de novo, encharcando ainda mais o meu pau, deixando tudo
tão mais gostoso que nem mesmo a camisinha me impedia de
sentir.
Foi espetacular vê-la daquela forma, seus peitos balançando,
a barriga contraída, as coxas tensas e sua pele completamente
eriçada de puro êxtase. Continuei e continuei, levando-me ao limite
do que conseguiria, tentando não a acompanhar naquele gozo
perfeito, mas, quando ela chamou meu nome, ofegante, gemendo
alto, não deu mais para segurar.
Foi certamente o orgasmo mais intenso da minha vida! Eu
sentia meu pau pulsando dentro dela, expulsando, liberando meu
sêmen como tiros. Tremi inteiro. O calor que sentia era sufocante e
fazia com que eu transpirasse como se houvesse feito um exercício
pesado.
Kara caiu sobre mim, resfolegando, e eu relaxei, abraçando-a
enquanto também tentava recuperar o fôlego.
— Foi... — ela sussurrou — maravilhoso! Me senti como se
estivesse nas nuvens!
Sorri e concordei, porque eu também sentia como se tivesse
atingido o céu.

O sol da manhã me acordou.


Havia esquecido de fechar as persianas do quarto na noite
passada, por esse motivo, assim que o dia clareou, a luminosidade
atrapalhou meu sono. Estiquei-me um pouco na cama, uma
sensação de languidez tão prazerosa que me fez sorrir. Tinha
dormido pouco, até gostaria de dormir mais, porém, se eu
acordasse uma vez, não costumava pegar mais no sono.
Abri os olhos, pisquei e fitei a janela que havia deixado nua,
sem a proteção da persiana que me impediria de acordar tão cedo
em um dia em que não precisaria ir ao escritório. Suspirei,
conformando-me com aquele despertar e me movi, sentindo um
corpo macio e quente ao meu lado.
Kara!
Olhei para o lado e a vi ainda dormindo. Ao que parecia, a
luminosidade não a impedia de seguir dormindo, o que era ótimo
para mim, pois poderia ficar observando-a por alguns momentos,
iluminada por aquela luz tão poética do sol da manhã.
Que mulher linda!, pensei, olhando seus cabelos espalhados
no travesseiro, seu rosto de traços tão marcantes relaxado,
entregue aos sonhos. Fitei a boca carnuda, levemente aberta e sua
respiração constante, profunda, quente, escapando por entre a
brecha de seus lábios.
Meu corpo acordou também, meu pau endureceu ante a
simples visão de Kara adormecida e nua ao meu lado. E a vontade
de tocá-la, fazê-la acordar comigo dentro de seu corpo foi
esmagadora.
Contive-me, é claro! Na noite anterior, tínhamos aproveitado
parte do tempo que perdemos depois da viagem, e ela devia estar
cansada por conta da maratona sexual, afinal de contas, era
iniciante naquele jogo.
Tive que respirar fundo para me levantar e evitei olhá-la. O
melhor que eu tinha para fazer era adiantar algumas coisas, conferir
meus e-mails e resgatar o vestido dela na sala antes que Gina
acordasse. Ri ao pensar na reação da minha governanta ao ver a
roupa no cômodo, principalmente a calcinha rasgada.
Vesti um roupão e saí do quarto. Por sorte, a casa ainda
estava silenciosa. Não que Gina já não estivesse em suas funções,
porque simplesmente a mulher não parava, nem mesmo aos finais
de semana. Trouxe-a da Europa comigo, uma mulher italiana que
vivia na Suíça havia anos e que foi trabalhar na minha casa assim
que assumi o banco Von Salis, fazia 22 anos. Era ela quem
organizava toda minha vida domiciliar, quem lidava com as outras
empregadas, quem planejava os eventos quando era necessário ter
algum na mansão, porém, apesar disso, nunca teve que lidar com
uma mulher na casa, pelo simples fato de eu não levar nenhuma
para dormir na mansão.
Dei de ombros, recolhendo as roupas de Kara, não querendo
me aprofundar demais naquela questão de estar fazendo coisas que
normalmente não faria com mulher alguma. Sempre mantive minha
vida privada completamente distante da profissional, contudo nem
mesmo as mulheres com quem havia me envolvido antes tinham
penetrado no santuário do meu lar.
Por que Kara Çelik? Aquela certamente era uma pergunta
que eu não queria responder. Poderia tê-la levado ao meu
apartamento na área central da cidade, perto do prédio da Gaea,
mas não, optei por trazê-la até a mansão, na Gold Coast.
— Bom dia, Moore! — A voz de Gina me paralisou ainda no
segundo degrau da escada. Havia algum tempo que eu pedia a ela
que não me chamasse mais de “senhor Moore”, esperando que ela
me tratasse por Sean, contudo ela apenas aboliu o pronome de
tratamento. — Deseja um café da manhã reforçado hoje?
Ri, mas estava sério quando a encarei.
— Sim, um especial.
Ela sorriu.
— Para duas pessoas?
Franzi a testa, mas logo relaxei e sorri de volta.
— Para duas, sim.
Ela apontou o vestido pendurado no meu braço.
— Já mandei preparar, afinal de contas, acho que o senhor
ainda não se modernizou a ponto de usar um belo vestido vermelho
à noite, não é?
Riu alto.
— Gina... — chamei-a com tom mais ameaçador, o que a fez
gargalhar. — Prepare uma bandeja. Eu mesmo irei levar o café para
o quarto.
A governanta estalou a língua e balançou a cabeça.
— Pobre moça, ficará confinada no quarto...
Segurei o riso e respondi, subindo as escadas:
— Duvido que ela irá reclamar!
Ouvi quando ela me chamou de safado baixinho, mas já não
conseguia olhá-la para tentar intimidá-la com um olhar severo. É
claro que não adiantaria de nada, afinal de contas, fazia muito que
nossa relação estava mais relaxada. Eu considerava Gina como
parte da minha família e, até Kara chegar, era a única mulher com
quem me permitia trabalhar diretamente.
Havia algum tempo que estávamos conversando sobre sua
aposentadoria, porque ela estava prestes a fazer 70 anos e eu
achava o trabalho e todas as responsabilidades que ela tinha muito
pesadas para que seguisse fazendo tudo sozinha, mas Gina foi
completamente contrária. Comprei para ela uma belíssima casa no
litoral italiano, na Costa Amalfitana, porém nem mesmo a
possibilidade de usufruir de uma boa renda mensal, descansando à
beira-mar, foi suficiente para que ela aceitasse parar de trabalhar.
Abri a porta do quarto lentamente e constatei que Kara
continuava a dormir do mesmo jeito que estava quando saí.
Coloquei suas roupas sobre uma poltrona e, evitando ficar olhando
para ela e me excitar, decidi tomar uma ducha fria para começar o
dia.
As sandálias de salto alto que ela usava estavam no chão do
banheiro, o que me fez rir, porque ela ainda as usava na nossa
primeira trepada e só as tirou quando viemos tomar banho juntos.
— Você e sua mania de me deixar com alguma coisa no
corpo. — Ela tinha brincado comigo, lembrando que, na Turquia,
não permiti que retirasse a joia que lhe tinha dado de presente.
Eu ainda estava com aquele colar guardado. Kara havia
aceitado as roupas de volta, alegando que o fazia apenas em razão
do trabalho, mas negou quando tentei devolver também a joia.
Aquilo tinha me deixado irritado e prometi a mim mesmo que não iria
mais tentar devolver o presente. Pensei em vendê-lo ou doá-lo para
alguma instituição, mas não tive coragem, e ele continuava
guardado comigo.
Abri a água da ducha bem fria e me coloquei todo debaixo do
potente jato que saía dela. Espalmei as mãos na parede e deixei
que o banho me relaxasse e acalmasse um pouco o tesão que ardia
toda vez que eu estava próximo de Kara.
Olhei para meu pau e assenti satisfeito por ele estar em
descanso, reagindo exatamente como eu queria com aquele...
— Bom dia!
Merda!, pensei assim que vi que nem toda a água fria do
mundo iria conseguir conter minha excitação, afinal de contas,
estava ali, duro e pronto apenas por causa de um cumprimento de
Kara.
Virei-me de frente para ela, e seus olhos se arregalaram.
Ela estava enrolada no lençol e eu abri a porta de vidro do
boxe, atraindo seus olhos para o local que queria que visse.
— Bom dia! — saudei-a de volta.
Ela sorriu e notei suas faces avermelhadas.
— Eu acordei e não te achei na... cama.
— Achei melhor deixá-la dormir em paz, porque eu... — olhei
para baixo, encarando a cabeça inchada do meu sexo — já estou
acordado há algum tempo.
— Podia ter me acordado também.
Voltei a olhá-la e me surpreendi quando soltou o lençol.
— Caralho, Kara... Tem certeza de que...
Ela não me respondeu, apenas entrou no boxe e passou a
mão pelo meu corpo.
— Você diz que eu sou linda, mas... — riu — já se olhou no
espelho? — Fechei os olhos quando ela começou a contornar todos
os gomos do meu abdômen. Minha pele se arrepiou, e não foi de
frio. — Quando te vi assim, sem camisa, em Istambul, tive vontade
de te tocar. — O carinho que fazia prosseguiu, tateando minha
virilha e, por fim, tomando posse daquela parte de mim que clamava
por ela. — Eu nem poderia imaginar que um dia estaríamos assim.
— Você gosta? — perguntei com a voz torturada por conta da
punheta tímida que estava recebendo, mas que estava sendo
suficiente para me deixar absolutamente fora de mim.
— De te tocar? — Assenti. — Muito!
Gemi e fechei os olhos quando aumentou a pressão de seus
dedos no meu pau e começou a movimentar mais rápido.
— Desse jeito eu vou... Puta que pariu!
Olhei assustado para ter certeza de que estava sentindo o
que realmente estava acontecendo e estremeci ao encontrá-la de
joelhos no piso molhado, tocando a cabeça do meu pau com a
ponta da língua, explorando devagar como se estivesse testando.
— Eu preciso que me ensine como te dar prazer assim —
falou bem próximo do meu membro, sem me olhar. — Quero fazer
você sentir o que sinto quando me lambe...
Foda-se! Entreguei os pontos, mandando todo o controle
pelos ares e a segurei pelos cabelos.
— Comece beijando, depois lamba inteiro, como se fosse um
delicioso pirulito e, quando quiser que eu goze, mame com fome.
Kara pareceu pensar um pouco, então abriu a boca.
Aproveitei a oportunidade e enfiei meu pau até onde conseguia ir,
estocando devagar a princípio, mantendo-a firme pelos cabelos.
Estava ditando o ritmo até que ela me parou, segurando-me pelos
quadris, afastou-se e encarou-me:
— Deixa que eu faço...
A partir daí, já não dominei mais nada, fui apenas sua cobaia,
e ela experimentou meu membro de todas as formas possíveis,
lambendo, chupando, mordiscando, perguntando de tempos em
tempos, com voz inocente, se estava gostoso.
Porra, eu vou adorar ensinar essa mulher a foder!
36 - Kara

— Chegamos! — Sean anunciou, parando o carro próximo à


casa de Rosalia. — Tem certeza de que quer ficar aqui?
Aquiesci.
— Não posso chegar à minha casa vestida assim. — Ri. —
Minha mãe não é tão moderna.
Esperei alguma reação dele a esse comentário, afinal de
contas, Sean devia se envolver com mulheres maduras,
independentes e que não precisavam inventar desculpas para
dormir fora de casa, mas ele não falou nada nem demonstrou nada
com aquilo que eu havia dito.
Minha inexperiência me deixava um pouco insegura com
relação a ele, mas, quando estávamos juntos, como durante a noite
e o banho daquela manhã, eu simplesmente esquecia todas as
nossas diferenças e só pensava em como erámos incríveis. O
desejo entre nós era tão forte que mal conseguíamos tirar as mãos
um do outro e aquele era um dos motivos de eu estar chegando em
casa tão tarde, já na metade do dia, e tão cansada.
— Tem certeza de que ficará bem? — Senti a preocupação
na voz dele. — Se sentir alguma coisa, é só me...
— Estou ótima! — Toquei em sua coxa e senti o músculo se
contrair. — Foi uma noite maravilhosa.
Ele sorriu e se aproximou de mim.
— E uma manhã também!
Concordei, lembrando-me do sexo no chuveiro. Eu me senti
bem tomando a inciativa. Não havia entrado no banheiro para
aquilo, mas, ao acordar sozinha na cama de novo, fiquei um pouco
nervosa, temendo um déjà-vu, então ouvi o som do chuveiro e, sem
pensar muito, me levantei e fui conferir.
Encontrei aquele homem todo, nu, molhado e excitado. Foi
gostoso demais perceber o quanto ele me queria ainda, mesmo
depois de termos passado boa parte da noite transando. Quis
mostrar a ele que eu o queria igualmente e, como estava louca para
apender a fazer sexo oral como ele fazia comigo, aproveitei o
momento, despi não somente o lençol, mas minhas inibições e parti
para cima dele.
Comecei de joelhos no meio do boxe e terminei em pé, de
costas para ele, apoiada na parede do chuveiro, enquanto ele me
fodia devagar, mordendo meu pescoço e falando um monte de
sacanagem no meu ouvido.
Eu nunca poderia imaginar que aquele homem de negócios
tão sério fosse tão safado assim.
Depois do sexo, ele saiu do quarto e retornou com uma
bandeja sortida com nosso desjejum. Fiquei curiosa por conta do
que ela continha – certamente não daria tempo de ele mesmo ter
preparado – e descobri que não estávamos sozinhos na casa.
— Gina trabalha comigo há mais de 20 anos — explicou. —
Encontrei-a mais cedo e pedi que preparasse nosso café.
Sorri e tentei não demonstrar minha apreensão por saber que
não estávamos sozinhos naquela casa enorme, porém logo esqueci
de qualquer outra pessoa que não fosse Sean quando ele me tocou
e começou a me beijar de um jeito impossível de resistir.
Passamos a manhã toda na cama, entre beijos, safadezas e
sexo, comendo uma fruta ou outra que havia restado na bandeja.
Aquele idílio só foi interrompido quando eu, preocupada com o
horário, disse que precisava ir para casa.
— Mamãe acha que estou na casa de Rosalia — revelei,
colocando o vestido.
Sean sorriu convencido.
— Então já havia se programado para dormir aqui comigo?
Dei de ombros.
— Se não dormisse, iria para Rosalia da mesma forma,
porque saímos bem tarde do evento e, naquele horário, minha mãe
já estaria dormindo — justifiquei. — Mas sim, esperava passar essa
noite contigo.
Ele me abraçou pelas costas.
— Suas expectativas foram atendidas? — sussurrou no meu
ouvido, fazendo minha pele arrepiar.
Suspirei, mas esperei alguns segundos para responder.
— Hum... — Virei minha cabeça para olhá-lo. — Superadas!
Sean me apertou mais forte contra seu corpo, expondo seu
estado de excitação.
— Não pode ficar o dia todo mesmo? Ainda tenho uns
truques na manga para te mostrar.
Ri e joguei meus quadris para trás, afastando-o.
— Guarde seu coelho na cartola, Mr. M. — Ele gargalhou e
eu me virei para abraçá-lo. — Preciso mesmo ir...
Ele finalmente assentiu e apontou para a calcinha.
— E quanto a isso?
Olhei para a calcinha rasgada e dei de ombros.
— Vou ter que ir embora sem ela. Jogue fora.
Sean gemeu.
— Acho melhor eu me arrumar para levá-la. — Estranhei,
pois nunca o tinha visto dirigir. — Não vou gostar nada de saber que
você está sem calcinha no carro com Basil. — Abri a boca para
protestar, mas ele me silenciou com um selinho. — Não demoro!
E foi assim que entrei em um dos carros esportivos que ele
mantinha em sua garagem e, sentada no banco do carona, fui
levada para casa com a roupa do dia anterior, sem calcinha, e com
meu chefe como motorista.
Um movimento na casa de Rosalia chamou minha atenção e
eu deixei as lembranças daquela manhã de lado e vi quando minha
amiga saiu de sua casa. Suspirei e olhei para Sean, porque estava
difícil sair do carro, e ele também não parecia ansioso para que eu
me fosse.
— Sua amiga... — Apontou e riu. — É melhor você ir, porque
senão ela vai achar que estou mantendo-a contra a vontade aqui.
— Que exagero! — rebati, rindo.
— Ela não simpatiza muito comigo! — Piscou. — Nos vemos
amanhã no escritório?
Respirei fundo, porque, ainda que estivéssemos em um clima
delicioso, eu não sabia o que esperar quando voltássemos a ser
apenas chefe e assistente.
— Claro!
Sorri e acenei um adeus antes de sair do veículo. Fiquei
parada na calçada esperando que ele fosse embora e só então é
que Rosalia se aproximou de mim.
— Achei que vocês iam ficar namorando dentro do carro o dia
todo!
Revirei os olhos.
— Não estávamos namorando, apenas conversando.
A cara debochada dela demonstrava que não levou em conta
minhas palavras.
— Bom, se você queria chegar despercebida depois de uma
noite de farra, falhou miseravelmente. — Fez um gesto para a casa
da vizinha do outro lado da rua. — A senhora Jensen está
pendurada na janela desde que o carro nada discreto de seu chefe
chegou aqui com o motor roncando.
Suspirei.
— Eu não pensei que ele viesse pessoalmente me trazer.
Rosalia sorriu.
— Era o mínimo depois do que fez na Turquia! — Rosalia me
abraçou. — Vamos entrar, porque quero saber detalhes dessa noite!
— Rosa! — Ri, negando. — É um assunto íntimo.
Ela gargalhou.
— Bobagem, chica! Melhores amigas são para essas coisas!

— Pronta para irmos almoçar? — Holly apareceu na minha


pequena sala, e eu, depois de horas, desviei a atenção do
computador.
— Não posso — lamentei. — Preciso terminar de organizar
essas coisas para o senhor Moore.
Ela se sentou em uma cadeira perto da minha.
— Essa ida dele de última hora para Nova Iorque embolou a
agenda toda, não?
Suspirei.
— Totalmente!
Não era só a agenda que estava embolada, mas eu inteira!
Cheguei à empresa na segunda-feira de manhã e o vi por
alguns minutos, antes de ele subir até o heliponto do telhado e
seguir para o aeroporto, onde o jatinho o esperava para levá-lo até
Nova Iorque.
— Aconteceu uma situação séria com Graham por lá e eu
vou precisar ir — contou, apressadamente arrumando algumas
coisas no escritório. — Vamos manter contato por telefone, preciso
de sua ajuda nesse momento.
É claro que percebi a ruga de preocupação em sua testa.
— Foi algo grave?
Sean respirou fundo e assentiu.
— Graham teve um mal-estar e foi internado, mas meu tio é
cabeça-dura demais para aceitar fazer repouso, então vou até lá
conversar com sua equipe e depois vou arrastá-lo para cá, para
perto de sua filha.
Ele me beijou, um beijo longo e cheio de saudade, antes
mesmo de se despedir. Desde então, eu vinha reorganizando seus
compromissos e dando apoio à distância a tudo o que ele precisava
em Nova Iorque, mas, ainda assim, talvez por causa do final de
semana, eu estava sentindo falta dele.
— O chefão avisou quando volta? — Holly inquiriu, fazendo
com que eu voltasse a prestar atenção nela.
— Não, mas acho que ainda deve demorar por lá.
Ela sorriu.
— Deve ser um alívio ficar esses dias sem ele por perto,
não? Moore é bonito de se ver, mas muito exigente. Eu mal
conseguia respirar quando trabalhei diretamente com ele.
Eu não podia dizer a ela que não, não era um alívio ficar
longe dele. Queria que estivesse por perto, queria saber como seria
nossa convivência após a noite que passamos juntos novamente,
mas, por conta da pressa com que ele teve que sair de Chicago,
não deu para sentir o clima.
Vínhamos nos falando durante esses dias por mensagem,
coisas de trabalho e conversas triviais. Geralmente ele puxava
assunto comigo à noite, quando eu já estava em casa, deitada na
minha cama e me perguntava como tinha sido meu dia, o que eu
estava fazendo e quais eram meus planos para o dia seguinte.
“Graham tem estado mais teimoso que o normal, mas creio
que, assim que for liberado pelos médicos, vai voltar comigo para
Chicago, querendo ou não. Estou louco para te ver novamente!”
Aquelas poucas frases soltas no meio de sua conversa
sempre me deixavam mais animada, mas eu me continha, seguindo
os conselhos de Rosalia.
“Também tenho sentido sua falta no escritório.”
Ele não demorava a questionar:
“Só no escritório é que faço falta?”
Aí eu ria e me desmanchava.
“Você sabe que não!”
Assim, os dias foram passando e outro final de semana
estava se aproximando. Conversei com Rosalia sobre o que estava
sentindo, e o que minha amiga me dizia era para deixar as coisas
acontecerem no seu tempo. Dessa forma, eu ia seguindo minha vida
como se nada tivesse mudado, sem criar qualquer expectativa sobre
Sean.
— Kara? — Holly estava abanando a mão na minha frente, e
eu percebi que estava divagando, sem responder a ela.
— Eu estou me acostumando ao ritmo de trabalho dele. —
Dei de ombros. — Estranho quando ele não está.
Ela se levantou.
— Pois eu vou almoçar. Não vem mesmo?
Neguei.
— Trouxe um sanduíche, obrigada.
Ela se despediu e eu voltei ao trabalho, concentrando-me em
colher todas as informações que Sean havia me pedido, mas
novamente fui interrompida, dessa vez pela vibração do telefone.
“Kara, veja se acha para mim, naquele depósito da minha
sala, uma pasta etiquetada como surpresa.”
Li a mensagem e respirei fundo, porque odiei a experiência
frustrante que havia tido dentro daquele armário entulhado de
velharias, mas respondi:
“Estou indo lá.”
Peguei a chave na gaveta da escrivaninha dele e entrei.
Acendi a luz e olhei as várias caixas de arquivo que eu tinha que
abrir e procurar. Comecei com as que ficavam na prateleira perto da
porta, mas, como não achei, segui para as do fundo, que eu nem
tinha conseguido abrir da vez que procurei pelos recortes de jornais
de Sean.
Fiquei animada quando encontrei uma caixa cheia de pastas
e fui pegando uma por uma para ler a etiqueta, quando de repente
tudo escureceu e meu coração acelerou. Meus olhos haviam sido
tampados por duas mãos enormes, o cheiro de um perfume
inesquecível encheu o ar e uma voz rouca e animada soou no meu
ouvido:
— Surpresa!
37 - Sean

Eu não esperava ter que passar dias longe de Chicago e,


daquela vez, minha frustração não dizia respeito apenas ao
trabalho. Não queria ter deixado Kara naquela primeira semana,
pareceria a ela que eu novamente fugi como um covarde, e não era
nada disso.
Recebi a notícia sobre a internação de Graham já a caminho
do escritório. Ele havia acordado, feito sua corrida matinal e, quando
estava no banho, desmaiou e bateu a cabeça. Se não fosse por sua
empregada, que chegou minutos depois e estranhou que ele ainda
estivesse em casa, talvez ele não tivesse sido socorrido a tempo.
O hospital me ligou assim que ele deu entrada, porque eu era
o contato de emergência dele, e não pensei duas vezes, pedi a Gina
para preparar uma mala e fui ao escritório – principalmente para dar
uma satisfação a Kara – enquanto Basil ia buscar minha bagagem
em casa e me encontraria no aeroporto.
Foi tudo muito corrido, mas deu tudo certo!
Meu tio tinha tido um infarto leve – um aviso, segundo o
cardiologista –, mas ele não havia aceitado bem o diagnóstico e
pedido para consultar outro especialista. Fiz a vontade dele e
novamente o mesmo resultado: ele precisava diminuir o ritmo.
Realizaram um cateterismo nele. Fiquei ao seu lado, porque
o teimoso se recusava a informar à minha prima, alegando que não
queria tirá-la dos seus afazeres em Chicago.
— Está bem, não vou dizer nada a Mandy, mas você irá
comigo para Chicago a fim de se restabelecer. — Ele começou a
protestar, mas logo o interrompi. — Isso aqui não é uma
negociação, Graham, é uma imposição.
Desde esse dia, ele vinha falando comigo pelo canto da boca,
sempre murmurando e de cara fechada. Tio Graham era uma
máquina de trabalhar e sempre detestou “dar trabalho”, por isso eu
entendia sua frustração por estar sob supervisão médica.
Certamente eu estaria com o mesmo mau humor.
Aproveitei os dias em que estava na Big Apple e organizei
algumas coisas no escritório da Gaea na cidade, nada muito
trabalhoso, pois Graham era um exemplo de gestor, mas, como ele
precisaria ficar longe do trabalho por um tempo, achei melhor
conversar com o segundo no comando, que também era o diretor
financeiro do escritório em Nova Iorque. Durante essas reuniões,
contei com o apoio à distância de Kara e mais uma vez fiquei
surpreendido com a eficácia da minha assistente.
Percebi que não havia missão que eu lhe desse que ela não
a completasse, ainda que tivesse que buscar ajuda, informação ou
estudar sobre o assunto. Ela mergulhava de cabeça no que eu
requeria e me entregava resultado. Acabei por pensar que na cama
ela era exatamente assim, porque, muito embora eu ainda sentisse
uma certa inexperiência, ela estava aberta a provar e experimentar
tudo comigo.
E eu não via a hora de poder mostrar a ela tudo o que queria!
Era estranho eu estar me sentindo tão ansioso por estar com
alguém, mas era verdadeiro. Fiquei chateado por passar todos
aqueles dias longe, afinal de contas, depois do expediente, não
seríamos mais apenas chefe e assistente, mas dois adultos dando
prazer um ao outro. Talvez fosse em razão do tempo em que eu não
me envolvia com alguém ou até mesmo a empolgação da novidade,
não importava, eu sabia que não queria mais perder tempo e que
iria aproveitar cada oportunidade para estar dentro de Kara.
— Senhor Moore?
A secretária do médico que acompanhava meu tio me
chamou e eu deixei de pensar em coisas que me excitavam – Kara
Çelik – e a segui até o escritório do doutor.
Ele me cumprimentou e me indicou o local para me sentar em
frente à sua escrivaninha.
— Daremos alta ao senhor Graham Moore hoje, conforme
havíamos combinado, porém necessito que o senhor faça-o seguir
minhas recomendações quando estiver em casa.
Concordei.
— Ele vai comigo para Chicago, e minha prima já me garantiu
que não tirará os olhos dele. Ela é médica também e tirou férias
para ficar com o pai.
Vi alívio nas feições do médico.
— Ótimo! — Entregou-me uns papéis. — A alta dele já está
assinada, assim como todas as medicações que prescrevi.
Fiquei surpreso, pois ainda esperava que a alta de meu tio
acontecesse apenas no final do dia, não nas primeiras horas da
manhã, mas agradeci ao médico e, assim que saí da sala, mandei
mensagem para meu piloto, pedindo a ele que organizasse nossa
ida imediata para Chicago. Eu não queria dar margem para que meu
tio mudasse de ideia ou se enfiasse em seu apartamento.
Cheguei a escrever uma mensagem para Kara, avisando-a
de que estaria de volta, mas pensei melhor e decidi que uma
surpresa seria preferível a uma mensagem qualquer.
— Bom dia! — Entrei no quarto do meu tio e já o encontrei
vestido e pronto para sair.
Ele bufou, visivelmente contrariado.
— Pensei que ia sair daqui antes que você voltasse! — Deu
uma olhada contrariada para a enfermeira. — Pedi para adiantar
minha alta, mas não para chamar meu sobrinho.
A moça deu de ombros e saiu do quarto, deixando-nos
sozinhos.
— Pare de aterrorizar a pobre da enfermeira! — ralhei com
ele. — Já está pronto para irmos?
Suspirou audivelmente.
— Tenho opção de não ser sequestrado por você?
— Nenhuma! — Peguei a mala dele. — Mandy está ansiosa
para tê-lo por perto.
— Você é um grande filho da mãe!
Ri, ajudando-o a caminhar, ouvindo seus resmungos até o
carro, onde fingiu dormir até chegarmos ao aeroporto. Tivemos que
ficar um tempo na sala VIP de embarque, pois o plano de voo ainda
estava sendo autorizado, então ele aproveitou a oportunidade para
me irritar perguntando se eu tinha feito todas as coisas que
precisavam ser feitas na empresa enquanto ele esteve ausente.
— ...remarcou minha viagem para a Suíça? — perguntou.
Estranhei, pois não tinha visto nada de viagem na agenda da
empresa.
— Suíça? Por quê?
Graham bufou e rolou os olhos.
— A vistoria do chalé que você mesmo me pediu para fazer
depois da reforma. O empreiteiro me avisou do término uns dias
antes de eu... passar mal.
— Ah... Sim, não me lembrava disso. — Fui sincero. —
Quando o senhor ia?
— Já era para eu ter ido.
Ri.
— Bom, vou remarcar a vistoria... — Uma ideia inicialmente
absurda passou pela minha cabeça, então sorri. — Ou eu mesmo
irei.
Graham olhou-me como se eu tivesse perdido o juízo.
— Você? E desde quando parou seu trabalho para esse tipo
de coisa?
Fiz a cara mais inocente que sabia fazer.
— Uns dias de folga não me farão mal.
Ele pôs a mão na minha testa.
— Será que é você quem está precisando ser internado
agora?
Ri.
— Talvez...
Graham apertou os olhos, desconfiado.
— O que está acontecendo que eu não sei?
Não precisei responder – ou, no caso, inventar uma desculpa
–, porque logo fomos chamados para o embarque e depois, dentro
do jatinho, ele se concentrou em apenas reclamar de estar sendo
obrigado a dar trabalho para a filha.
— Um absurdo o que você está fazendo comigo!
Fingi que não estava ouvindo, ocupado demais em programar
alguns dias em uma pequena vila suíça em um chalé alpino... a
dois!

Entrei na empresa sem parar em nenhum setor, como


geralmente fazia, seguindo direto para o andar onde ficava minha
sala. Havia acabado de deixar Graham com Mandy – sob protestos,
é óbvio –, prometendo passar por lá depois para conversarmos com
calma.
Peguei o celular e enviei uma mensagem para minha
assistente:
“Kara, veja se acha para mim, naquele depósito da minha
sala, uma pasta etiquetada como surpresa.”
Ri, porque, como da outra vez que ela entrou no depósito,
não havia nada a ser achado por lá, era apenas uma desculpa para
que eu pudesse surpreendê-la com minha volta, afinal de contas,
ela não estava contando com minha chegada ao escritório naquele
dia.
Sabia que ela estaria por lá simplesmente por não ter
recebido a mensagem dela comunicando que estava saindo para o
almoço e se eu iria precisar de algo.
Passei pela sala dela, confirmando que não estava, porém
suas coisas ainda permaneciam sobre a mesa e sua bolsa estava
pendurada no local de sempre. Entrei sem fazer barulho na sala e
segui, pé ante pé, até o depósito. Para minha felicidade, Kara
estava de costas para a porta, mexendo em uma caixa de uma das
prateleiras do fundo.
Prendi a respiração, concentrado em não fazer barulho algum
e, quando me aproximei dela o suficiente, tampei seus olhos com
minhas mãos e sussurrei:
— Surpresa!
Beijei seu pescoço, inalando o delicioso cheiro que se
desprendia de seus cabelos presos. Ela colocou a caixa no lugar e
se virou. Um enorme sorriso demonstrava que eu tinha acertado em
fazer aquele estratagema para enganá-la.
— Você quase me matou de susto! — Riu e bateu no meu
peito.
Pisquei para ela.
— Achei que ia gostar de me ver.
Kara ficou séria. Eu podia sentir sua respiração pesada, o
movimento sutil de sua respiração por baixo do vestido comportado
que usava.
— Gostei...
Puxei-a para perto de mim e a vi arregalar os olhos quando
sentiu minha ereção.
— Muito?
Ela apenas assentiu, soltando um suave gemido antes que
eu tomasse posse de seus lábios. Não tinha como conter o beijo,
muito menos o tesão que senti apenas por tê-la por perto. Seria
impossível que eu não atacasse sua boca, com a fome que estava
acumulada durante todos aqueles dias.
Segurei sua bunda e a puxei ao máximo contra meu corpo,
esfregando-me nela, desejando livrar-nos de qualquer barreira que
impedia que eu envolvesse meu pau na doce carne apertada de sua
boceta.
Kara se apoiou firme nos meus ombros, senti sua perna se
elevar, buscando ampliar o contato de nossos sexos e aquilo
explodiu em mim como uma bomba de desejo. Eu necessitava
daquela satisfação, do prazer que sentia quando a tinha em meus
braços.
Ela rebolou contra mim e eu gemi, afastando um pouco
minha boca da sua.
— Alguém pode entrar. — Foi ela quem trouxe de volta a voz
da razão.
Respirei fundo.
— Tem razão!
Tentei me afastar, mas ver seus lábios vermelhos e inchados
por causa do meu beijo, os mamilos marcando, eriçados de tesão,
contra o tecido fino de seu vestido levou o que me restava de
sanidade.
Peguei-a pela mão e a arrastei até minha sala, percebendo a
confusão em sua expressão, sem entender o que eu pretendia.
Foda-se! Nunca tinha tido fetiche sobre meu escritório, mas com ela
eu estava tendo vontade de fazer tudo o que não quis fazer antes na
minha vida.
Tranquei a porta do escritório e a peguei pela cintura,
sentando-a sobre o tampo da minha mesa. Encaixei-me entre suas
pernas, colando nossos corpos e voltei a beijá-la intensamente. Eu
sentia a pele dela se arrepiar a cada toque meu enquanto deslizava
por seus ombros as alças largas de seu vestido.
Mudei o beijo para seu pescoço e toquei reverentemente
seus peitos por baixo do sutiã rendado e delicado. O fecho dele,
dessa vez, era nas costas e eu habilmente o soltei.
Afastei-me dela apenas o suficiente para assistir enquanto a
desnudava, expondo os bicos levemente marrons. Kara estava
ofegante, assim como eu, e eu a achei ainda mais bonita daquele
jeito do que quando estava completamente arrumada.
Os olhos dela transmitiam o fogo que estava nos
consumindo, ardiam, imploravam por prazer e eu não pude resistir a
isso. Lambi seus seios devagar e depois aprisionei um dos mamilos
na boca, chupando-o com força, fazendo com que ela gemesse e
me segurasse pelos cabelos.
Senti quando ela se inclinou e aproveitei para deitá-la sobre
minhas coisas. Subi seu vestido até a altura dos quadris e retirei –
sem rasgar – sua calcinha clara e simples. Kara abriu as pernas e
eu arquejei ao ver sua boceta pequena, mas já claramente úmida.
Eu era viciado em tê-la na minha boca! O sabor de Kara, a
textura de seus lábios na minha boca, macios e suculentos, em
contraste com o clitóris inchado e duro que implorava por ser
estimulado fazia com que eu salivasse de vontade de chupá-la por
horas.
— Sean... — gemeu.
— Eu sei, querida, também quero!
Atendi seu pedido silencioso e me embriaguei de seu sabor
de mulher. Kara se contorcia na mesa a cada lambida, cada leve
sucção que eu dava em sua boceta. Minha roupa parecia ter
começado a pesar demais no meu corpo, incomodando-me,
apertando meu sexo, que se inchava e crescia, aprisionado na calça
e cueca.
Levantei-me e ela me olhou curiosa e um tanto frustrada. Eu
sabia que ainda não tinha atingido o orgasmo e foi proposital minha
pausa. Retirei o preservativo da minha carteira, abaixei a calça e a
roupa íntima e, sem me masturbar, tocando meu pau apenas para
encapá-lo com a camisinha, voltei para perto dela.
Esfreguei a cabeça do meu membro em sua entrada, usando
sua própria lubrificação para facilitar os movimentos e a masturbei
assim, massageando seu clitóris, fazendo-a gemer mais rápido, até
que notei a contração típica de seu corpo antes do gozo e, sem
aviso algum, penetrei-a fundo, enquanto ela era arrebatada por uma
onda de orgasmo.
Firmei-a pelos quadris e estoquei sem parar, sentindo o
aperto de sua boceta no meu pau, a quentura de seu gozo
encharcando minha virilha, conforme eu entrava e saía sem parar.
Comecei a suar, minha pele úmida agarrando na camisa,
minha testa ficando molhada, mas não parava, não podia parar,
precisava da liberação que meu corpo estava clamando fazia dias.
Kara sentou-se segundos antes de meu pau pulsar e eu
explodir minha porra dentro dela. Sua boca procurou a minha,
sugando meus lábios, minha língua, abafando meus gemidos
descontrolados de puro deleite.
Que caralho de coisa gostosa foi essa?!, foi a primeira coisa
que pensei assim que estagnei e tentei recobrar o ar. Ela sorria
contra minha boca, descabelada, parcialmente vestida e com o rosto
rubro.
O cheiro de sexo no ar contrastava com a seriedade do meu
escritório, mas não me importei nem um pouco em quebrar a
“santidade” do meu local de trabalho com uma funcionária. Analisei
rapidamente como me sentia e descobri que não estava arrependido
ou mesmo com nojo por ter feito algo que meu pai fazia.
Não era o mesmo! Eu não havia me imposto para Kara, ela
me queria de verdade, como eu a ela.
38 - Kara

Se alguém tivesse me falado, meses antes, que eu voaria


para a Turquia em um jatinho particular com um dos homens mais
lindos e mais ricos do mundo, eu teria rido, e se a mesma pessoa
tivesse a audácia de dizer que eu iria não somente para meu país
com esse homem, mas para o dele, eu iria rir mais ainda.
Minha fé nunca teria sido suficiente para imaginar e crer no
quanto minha vida ia mudar de uma hora para a outra. E eu não
estava falando apenas das viagens, do luxo ou do emprego dos
sonhos, era principalmente por ele, Sean Moore, o responsável por
eu me sentir completa em todos os sentidos.
Eu estava apaixonada por ele, era inegável! Como se poderia
impedir o curso de um rio depois que ele aflorou na superfície? A
paixão que Sean me despertou, o desejo que descobri com ele, tudo
isso só tinha uma consequência: amor!
Falhei em proteger meu coração como Rosalia me
aconselhou, porque simplesmente eu já o tinha entregado a Sean
com minha virgindade naquele hotel na Capadócia. Porém, em vez
de ter me sentido desesperada ao confessar à minha amiga que
aquela era uma batalha perdida, me senti plena e confiante.
— É sobre meu sentimento com relação a ele, nada mais —
disse a ela. — Sim, estou apaixonada, mas não, não acho que ele
tem obrigação de sentir o mesmo.
Rosalia suspirou.
— E então? Como ficam as coisas?
— Assim. Eu estou feliz do jeito que estamos, mas tenho
consciência de que, quando não estiver me sentindo assim mais,
será a hora de cair fora.
— E vai conseguir? Dentro de uma relação, seja ela como for,
nem sempre os envolvidos têm uma visão clara do que realmente
está acontecendo.
Sorri para ela e peguei sua mão.
— É por isso que eu confio em você! Sei que, quando me vir
diferente do que estou agora, vai me avisar.
Ela concordou e me abraçou, desejando sorte.
Eu estava decidida a ter aquela experiência ao lado de Sean.
É claro que seria perfeito se ele se apaixonasse por mim também,
mas o mundo não era perfeito e eu sabia disso desde os oito anos
de idade, quando meu pai morreu, deixando uma esposa que o
amava e dois filhos que eram queridos e protegidos por ele. Sempre
que eu questionava o assunto, minha mãe me dizia uma frase que
nunca tinha feito tanto sentido quanto estava fazendo agora: nada é
eterno, mas podemos eternizar os momentos enquanto eles
existirem.
E era exatamente o que eu iria fazer! Eternizar cada beijo,
cada conversa, cada carinho com Sean. Não escolhemos por quem
nos apaixonamos, mas podemos escolher a quem vamos amar, e
eu queria amar alguém que me amasse de volta. Se essa pessoa
fosse Sean, ótimo; se não, a vida teria que seguir.
Foi pensando exatamente assim que aceitei viajar novamente
com ele. O convite me pegou de surpresa e eu ainda estava
tentando voltar com minha alma para o corpo após o sexo intenso e
completamente inesperado no escritório.
Sean havia me surpreendido não só com sua chegada
repentina a Chicago, como pelo modo que me devorou sobre sua
mesa e depois com o convite para ir com ele para a Suíça.
— Não vi nada assim na agenda... — comentei, estranhando
o compromisso.
Ele beijou minha testa e riu.
— Não é uma viagem de trabalho. Na verdade, é uma
desculpa para passarmos um tempo sozinhos, você e eu. — Aquilo
me pegou desprevenida e demorei a reagir, então ele emendou: —
Meu tio era quem iria para verificar o final de uma obra em uma das
minhas propriedades, mas, como precisa fazer repouso, me
prontifiquei a ir e pensei em levá-la comigo.
Mil coisas se passaram na minha cabeça, mas a que
prevaleceu foi o entusiasmo em saber que teríamos alguns dias
juntos, sem trabalho, com alguns momentos bons para guardar na
memória.
— Adorei a ideia!
Naquela mesma noite, disse à minha mãe que teria que viajar
a trabalho – nem quando eu era criança mentia tanto para ela e isso
me constrangia – e já comecei a preparar minhas malas.
— E aí, gostou? — Sean perguntou, fazendo com que eu
deixasse de pensar no que aconteceu antes de eu chegar àquele
paraíso que ele chamava de “chalé”.
Pelo amor de Deus! O homem não tinha noção do tamanho
das coisas?, pensei, admirada com a construção imponente no topo
de uma colina com uma vista privilegiada de montanhas e
cachoeiras.
— Parece um sonho! — Suspirei. — Quando você disse
Suíça, imaginei que iríamos para Zurique, onde fica a sede do Von
Salis.
Ele alargou o sorriso, olhando detalhadamente a construção,
que brilhava ao sol. A expressão de pura felicidade no seu rosto me
abalou, porque eu nunca o tinha visto daquela forma, parecendo um
menino feliz na manhã de Natal.
Percebi ali a conexão que Sean tinha com aquele lugar. Não
era apenas um chalé qualquer, mas havia alguma memória afetiva
que o deixava contente. Havia laços, acolhimento, tudo o que um lar
devia ter.
— Eu nasci aqui — contou. — Passei boa parte da infância
neste lugar com minha mãe e depois, quando retornei, era aonde eu
vinha para ver minha avó, antes de ela se mudar para Mônaco.
— É sua casa de família?
Negou.
— Não, mas era o nosso lugar favorito. Vínhamos esquiar
aqui no inverno, na primavera andávamos pelas trilhas e no verão
desfrutávamos das cachoeiras. — Respirou fundo. — Esse era meu
paraíso particular.
Eu não tinha como não concordar com ele. Realmente
Lauterbrunnen era um paraíso no meio dos Alpes Suíços. O lugar
parecia estar vivo com a água de seus rios fluindo claras, de um
azul profundo, e com cachoeiras que pareciam cair no meio da
estrada.
Eu já estava sentindo efeitos do fuso horário, pois não
paramos desde que saímos de Chicago, mas todo o cansaço
desapareceu quando vi aquela vila que parecia ter sido tirada de um
livro fantástico.
Foram oito horas de voo até Berna, depois seguimos de carro
por mais uma hora de viagem. Pela segunda vez, vi Sean dirigindo.
Fiquei um tempo apenas prestando atenção nele, vendo como
parecia tão em casa, tão feliz por estar de volta àquele lugar,
exalando bom humor e animação. Era uma visão tão diferente do
Homem de Gelo do escritório, o CEO temido e respeitado, e eu me
sentia privilegiada por poder ver aquele lado da personalidade dele
exposta, porque tinha noção de que ele não a mostrava a qualquer
pessoa.
Olhei para ele, parado fora do carro, admirando a construção
de madeira à nossa frente e sorri. Talvez atraído pelo meu olhar, ele
me encarou e franziu a testa do jeito mais charmoso que fazia
sempre que ficava confuso ou curioso.
— Obrigada por compartilhar seu paraíso comigo.
Momentaneamente Sean ficou sem palavras, apenas me
encarando sério. Era notório o quanto sua cabeça estava tentando
processar minhas palavras.
Respirou fundo, sorriu rapidamente e pigarreou.
— Não quer entrar para conhecer?
Aquiesci, mas uma sensação estranha tomou conta de mim,
como se ele não tivesse me dito o que realmente queria dizer, mas
sim aquilo que foi mais fácil.
O interior do chalé era muito mais do que eu esperava em
muitos sentidos. Sim, a construção era grandiosa, com o pé direito
alto, um belo acabamento de madeira e pedras, porém não havia
suntuosidade dentro dela, mas sim aconchego. Eu podia apostar
que quem decorou o lugar não tinha sido um profissional, mas
aqueles que habitaram o espaço e fizeram dele um lar.
O sofá de couro tinha marcas e locais mais gastos que
outros. A lareira de pedra antiga ainda conservava uma cornija de
madeira com ganchos, sinal de que muitas meias haviam sido
penduradas ali em uma decoração natalina. A quantidade de porta-
retratos era enorme, espalhada por cada móvel antigo de madeira.
Fechei os olhos por um instante e respirei fundo, jurando para
mim mesma que conseguia sentir o cheiro característico de
chocolate quente e biscoitos caseiros. Não havia essas iguarias ali,
mas era como se cada pedacinho do chalé estivesse impregnado
com aquelas lembranças olfativas. Imaginei Sean ainda pequeno,
ao lado da mãe e da avó, abrindo presentes e recebendo carinho.
Felicidade! Sorri ao perceber que o cheiro que eu sentia era o
da felicidade.
— Tudo bem? — questionou ele, colocando nossas malas em
um canto.
— Tudo!
Novamente a testa franzida.
— Eu preciso ir para a parte de trás da propriedade para
conferir com o empreiteiro os consertos que foram feitos no telhado
e na calefação. Se importa de ficar sozinha por uns minutos?
— Não, desde que eu já possa explorar.
Ele riu.
— Sinta-se em casa!
Sean saiu por uma belíssima porta de madeira com uma
árvore entalhada bem no meio dela, e eu olhei melhor em volta. A
sala tinha dois níveis, o da entrada do chalé – onde eu estava – e,
depois de dois degraus, um outro cômodo com uma pequena mesa
de madeira e cadeiras estofadas ao lado de uma pequena e
equipada cozinha.
Peguei nossas malas e segui pela sala de jantar, reparando
na cristaleira repleta de porcelanas. Entrei em um corredor. Havia
três portas nele – a do banheiro, de um quarto e a da suíte.
Como eu não sabia onde ele iria dormir, deixei as malas no
corredor e entrei na suíte para conhecer, já que era um cômodo bem
grande e, diferentemente do quarto e do banheiro, não podia vê-lo
todo da porta. Fiquei encantada com a enorme cama com dossel
reinando no centro da habitação. Em um dos cantos, um roupeiro
com muitas portas, uma escrivaninha belíssima e antiga, parecendo
coisa de filme de época. Na parede oposta a essa, ao lado da porta
do banheiro privativo, uma penteadeira que seguia o mesmo padrão
das demais peças.
O banheiro era confortável, um pouco maior que o principal, e
contava com um boxe com ducha, sanitário, pia e uma banheira
antiga, estilo vitoriano, para uma pessoa.
— O quarto da avó — concluí, pelos móveis bem femininos.
Em uma mesinha de cabeceira havia um porta-retratos
grande, com moldura de prata, e, curiosa, peguei o objeto para
examinar a foto. Reconheci Sean, mesmo ainda criança, ao lado de
uma jovem belíssima, uma senhora com a mesma coloração de
olhos dele e um homem que sem dúvida alguma devia ser seu pai.
— Uma das últimas fotografias que tiramos aqui. — Pulei de
susto ao ouvir a voz dele e me virei para vê-lo. — Achei que ela nem
existia mais.
— Faz muito tempo que não vem aqui? — inquiri, colocando
a moldura no lugar.
— Alguns anos. — Olhou em volta. — Era o quarto da minha
avó, mas eventualmente minha mãe também ficava aqui, quando
vínhamos sem ela.
Eu sabia que sua avó havia falecido meses antes e que sua
mãe morava nos Estados Unidos com o novo marido e a filha mais
nova, fruto de seu segundo casamento. Sabia também que Graham
era seu tio materno e que Sean era o único Von Salis ainda vivo.
— Você se parece com seu pai — comentei.
— Espero que só fisicamente. — Riu, e senti uma amargura
em sua risada. — Está com fome? Acabei de descobrir que o casal
que toma conta da propriedade está visitando familiares em Lucerna
e, como não esperavam minha visita, a casa está desabastecida.
Vamos ter que comer em um restaurante da vila.
— E podemos comprar mantimentos também, caso tenha um
mercado.
Sean gargalhou.
— Aqui é pequeno, mas tem um pouco de tudo. A cidade
recebe muitos turistas e, pouco mais acima, na montanha, há uma
belíssima estação de esqui que só abre na temporada de inverno.
Agora, no verão, as trilhas estão abertas e é possível visitar várias
das 72 cachoeiras.
Arregalei os olhos.
— Podemos visitar algumas?
Sean me abraçou.
— Estou ansioso para isso, mas antes... — beijou-me
lentamente — estou morrendo de fome.
Suspirei.
— Eu também. É longe até o local onde vamos comer?
O sorriso safado não passou despercebido.
— A dois passos!
Antes que eu pudesse fazer qualquer pergunta sobre aquela
resposta, ele andou levando-me consigo, e ambos caímos sobre a
enorme cama da suíte.

— Você nasceu aqui, pelo amor de Deus! — gritei para ele.


Sean continuou sem se mover.
— Detesto água gelada e, nessas alturas, você já deveria ter
percebido.
Fiz careta e me enfiei novamente debaixo da queda d’água
de uma das poucas cachoeiras onde era possível tomar banho.
Agitei meus cabelos molhados e olhei para minhas roupas
molhadas, mas sem me importar muito com elas, sentindo-me
refrescada e energizada.
— Você é um Homem de Gelo fajuto, sabia?
— Não tenho mais 20 anos. Se eu entrar debaixo dessa
água, no outro dia estarei acamado. — A sua expressão de pena de
si mesmo me fez rir.
— Você não quer é molhar essas suas roupas caras, isso
sim.
Sean deu de ombros.
— Não vim de sunga... As opções eram ficar e assistir a você
se divertir ou entrar na queda pelado. — Piscou. — Não queria criar
uma comoção!
Gargalhei.
— Convencido!
— Minto?
— Não. Provavelmente eu teria que usar as habilidades de
luta, que eu não tenho, para afastar as pessoas de tamanha
tentação. — Entrei na brincadeira.
— Viu só? Agradeça ao meu bom senso por preservar sua
integridade física. — Aproximou-se. — E o acesso exclusivo ao meu
corpo nu.
Arrepiei-me, mas não de frio, e sim com sua voz baixinha no
meu ouvido.
Era o segundo dia que estávamos na vila e o primeiro que
decidimos sair do chalé para explorar o lugar. Depois de matar a
fome do corpo um do outro, Sean acabou por achar um lugar que
entregava refeições e permanecemos em casa, praticamente o
tempo todo na cama.
Quando amanheceu, ele propôs o passeio e programou
nosso almoço no restaurante mais charmoso e conhecido do centro
da vila. Aquela viagem realmente não parecia em nada com a
primeira que fizemos juntos e estava sendo uma experiência
maravilhosa em termos pessoais para mim.
Estar com ele todo aquele tempo, com intimidade, podendo
conhecê-lo fora do ambiente de trabalho, só estava reforçando
minha paixão e minha admiração.

O cheiro delicioso tomou conta de todo o chalé e eu respirei


bem fundo, tomando conhecimento de cada detalhe do aroma
quando saí do banho quente. Estava de toalha na cabeça e usava
apenas um roupão, porque sabia que iríamos comer em casa, mas
pensei que, igual ao que acontecera na noite passada, pediríamos
comida.
Sean sorriu assim que me viu e limpou as mãos em um pano
de prato antes de me abraçar pela cintura.
— Está cheirosa! — elogiou-me.
— Pensei o mesmo da sua comida! — Ri. — O que está
preparando?
— Nada elaborado, apenas uma receita que minha avó fazia,
talvez a única que soubesse. — Pegou o prato, onde vi dois lindos
bifes à milanesa. — Chama-se schnitzel e nada mais é do que um
belo bife de vitelo empanado. — Segurei o prato com o preparo
fumegando. — E, para acompanhar, uma salada de folhas verdes,
fritas e, claro, um molho à base de emmental[12].
— Parece o paraíso! — Ajudei-o a arrumar a mesa. — Não
sabia que você cozinhava.
Sean riu.
— Eu não cozinho, apenas não passo fome. — Piscou. —
Quando eu era mais jovem, gostava de passar uns dias isolado, em
cabanas nos Alpes, e precisava saber, pelo menos, fritar um bife.
Tive a ajuda de um amigo que é chefe de cozinha, mas não me
aprofundei muito na arte, aprendi apenas o essencial para poder
comer o que eu cozinhava.
Tirei a toalha da cabeça, deixando os cabelos soltos para
secarem naturalmente, e sentei-me à mesa.
— Devo me preocupar com minha saúde?
Sean riu.
— Nunca! — Aproximou-se de mim. — Já te disse que sou
excelente em tudo o que me proponho a fazer.
A voz sussurrante e sexy me fez esquentar e estremecer.
— Veremos... — provoquei, e ele me beijou.
— Quer apostar que nunca comeu um bife tão bom quanto o
meu?
Ergui a sobrancelha.
— E qual seria o objeto da aposta?
O sorriso safado o denunciou antes mesmo de dizer:
— Ganho o direito de te mostrar algo novo.
Arrepiei-me.
— E tem algo que ainda não tenhamos feito?
Ele riu e foi se sentar em seu lugar.
— Apostamos?
Estendeu a mão na minha direção e eu a peguei,
concordando.
Cortei um pedaço do bife para prová-lo sozinho, sem a
interferência do molho cheiroso e, assim que o coloquei na boca,
sabia que havia perdido a aposta. Estava crocante por fora, mas
macio, suculento e no ponto perfeito, a carne desmanchava na
minha boca, revelando a potência do tempero que ele havia usado.
Filho da mãe!
— Hum... — disse assim que terminei de mastigar. — Vou
provar com seu molho.
O próximo pedaço foi coberto com o espesso e brilhante
molho de queijo, e a explosão de sabores em minha boca fez com
que eu me traísse e soltasse um leve gemido de satisfação.
Sean riu, servindo vinho em nossas taças.
— Não precisa dizer mais nada!
Parei de mastigar.
— Mas eu não disse nada!
Ele me encarou.
— Eu conheço seus gemidos de prazer, e esse certamente
foi um deles.
Suspirei.
— Está realmente delicioso! O que você usa para ficar tão
crocante?
— Pão. — Apontou para a bancada. — Tostei um pouco o
pão e depois o triturei para empanar, fica mais saboroso. Espero
não ter baixado a qualidade do dia, já que almoçamos tão bem
naquele restaurante mais cedo.
Sorri com carinho diante da preocupação dele.
— Definitivamente não! Estou passando muito bem nesta
viagem. — Pisquei. — Em todos os sentidos!
Terminamos de comer entre risos, provocações e conversas
mais sérias, pois, assim que retornássemos, teríamos que nos
encontrar com o grupo de acionistas da Tron, que chegaria aos
Estados Unidos para ser convencido de que o melhor para a
empresa seria ser vendida para a Gaea.
Eu havia deixado tudo pronto, reservado os quartos de
acordo com as preferências de cada um, feito reservas em
restaurantes e planejado locais de Chicago para que pudessem
visitar. Precisávamos recebê-los bem para causarmos boa
impressão e facilitar as negociações.
Não tínhamos conversado sobre questões do trabalho ainda,
mas inevitavelmente elas apareceram na conversa e, por incrível
que pudesse parecer, quem as interrompeu foi Sean:
— Não vamos falar mais disso! — disse, recolhendo os
pratos. — Sobremesa?
— O que temos?
Ele me mostrou duas barras de chocolate.
— O melhor do mundo!
Aceitei um pedaço, mas, quando o colocou na minha boca,
ao invés de soltar, deixou os dedos e eu acabei por chupá-los com o
doce. Senti quando o olhar dele ficou mais intenso, vi suas narinas
se dilatarem lentamente, a respiração se tornar mais rápida.
Não tive tempo para tomar a iniciativa, fui logo erguida e
carregada para a sala, de frente para a lareira, que queimava
lentamente, de modo a deixar o ambiente – frio, mesmo na
primavera – agradável. Sean colocou-me sobre o tapete fofo e abriu
meu roupão, deixando-me nua com poucos movimentos.
— Você é... — Afastou-se para me ver. Eu estava em pé,
iluminada pelas chamas da lareira, completamente exposta ao olhar
faminto dele. — Linda! Absurdamente linda!
Sorri e, munida de uma confiança altíssima por conta das
palavras dele, dei uma pequena volta, erguendo meus braços,
esticando-me toda, enquanto meus quadris balançavam lentamente.
Ele se juntou a mim, embora não tenha me tocado, mas eu
podia sentir pelo calor que emanava de seu corpo. Acompanhou
minha dança sem tentar conduzi-la, sendo guiada por movimentos
tão naturais que eu nem pensava ao executá-los, eles apenas
aconteciam.
A primeira parte que ele tocou do meu corpo foi a minha mão.
Seus dedos longos se entrelaçaram nos meus, depois guiaram meu
braço para meu seio e eu senti o aperto, as carícias, na palma da
minha mão. O mamilo intumescido me fazia arrepiar, a pressão que
ele colocava sobre minha carne produzia gemidos de pura vontade.
Seus lábios roçaram no lóbulo da minha orelha antes de
beijar meu ombro. A outra mão enlaçou minha cintura, mantendo um
ritmo gostoso, movendo meu corpo contra o dele. Eu podia sentir
sua excitação, seu cheiro delicioso, o hálito quente toda vez que ele
respirava.
— Vou poder cobrar minha aposta hoje?
O jeito que ele falou perto do meu ouvido fez minhas coxas
sentirem a umidade do meu sexo.
— Pode.
Eu não sabia o que era, mas estava disposta – e ansiosa – a
experimentar tudo o que ele quisesse me mostrar.
Sean ajoelhou-se atrás de mim e, segurando minhas
nádegas firmemente, começou a lamber e beijar em cima do meu
cóccix.
Fechei os olhos e me deixei levar pela quentura molhada de
sua língua deslizando devagar pela minha bunda. Gemia toda vez
que ele chegava perto do lugar que eu nem imaginava que poderia
vir a sentir tanto prazer. Eu arfava de tesão, completamente
enlouquecida com aquela descoberta.
É claro que já tinha ouvido relatos sobre sexo anal e que
algumas mulheres gostavam, mas eu nunca tinha tido coragem de
tocar no assunto com Rosalia, mesmo porque não fazia nenhum tipo
de sexo antes de conhecer Sean, então, com ele, eu queria
experimentar de tudo!
Fui guiada por ele até o banco almofadado que ficava
debaixo de uma enorme janela e que tinha vista para as montanhas.
— Fique de joelhos — disse em minha orelha, e eu fiz o que
pediu, colocando-me de frente para a vista. — Isso, agora separe
bem as pernas...
Sean me segurou pelos quadris, colocou uma mão sobre
minha coluna e pressionou para baixo, fazendo com que eu me
inclinasse e empinasse minha bunda. Arfei quando ele se ajeitou
entre minhas coxas, a língua se esfregando em meu sexo,
estimulando meu clitóris e depois penetrando meu rabo, molhando-o
e alargando-o.
Era uma sensação deliciosa demais, um tesão que eu não
conseguiria explicar. A respiração dele ali me excitava, a barba me
deixava mais sensível e o jeito como me chupava, como se bebesse
meu prazer, levava-me às nuvens. Eu gemia, rebolava, as mãos
espalmadas no vidro da janela, a quentura do ambiente deixando-o
embaçado.
Gozei como louca, não me contive, liberei todo o êxtase, meu
corpo estremecendo, enquanto eu me liquefazia em sua boca. Senti
quando se afastou, mas não tive tempo para olhar nem perguntar
algo, logo fui invadida por seu pau e ele me segurou pelos cabelos.
— Vamos brincar um pouco hoje, apenas uma iniciação —
rosnou no meu ouvido enquanto me estocava firme. — Mas um dia,
Kara, quando estiver pronta, vou foder seu cu exatamente como
estou fazendo com sua boceta agora.
— Sim...
— Você quer isso? — Mordi o lábio inferior e assenti. — Não
ouvi, Kara. Você quer que eu foda aqui?
Assim que perguntou, senti-o enfiar o dedo devagar, girando,
forçando mais e mais. Gemi alto, surpresa com o quanto aquilo era
gostoso, então ele parou.
— Ainda não ouvi sua resposta!
— Eu quero... — choraminguei.
Sean riu.
— Quer o quê?
Mordi o lábio novamente, excitada, mas constrangida.
— O que você falou que ia fazer.
Sean gargalhou, voltando a me comer com força, e enfiou o
dedo profundamente em mim.
Fechei os olhos com força, estremeci, minha pele arrepiou e
saí de mim em um orgasmo totalmente fora de controle. Sean não
parava; quanto mais eu gemia e me contorcia de prazer, mais rápido
ele me fodia.
Minhas pernas já estavam bambas quando ele me puxou do
banco e me deixou ajoelhada no chão, puxou a camisinha para tirá-
la de seu pau e se masturbou. Ver aquele homem maravilhoso,
enorme, todo e completamente perfeito, excitado, desesperado de
tesão por mim, dava-me uma deliciosa sensação de poder.
— Abra a boca! — ordenou.
Ele me segurou pelos cabelos e, assim que obedeci, senti os
jatos quentes de sua porra dentro da minha boca, enquanto os sons
que ele emitia provavam o quanto estava tendo prazer.
39 - Sean

Olhei-me no espelho, conferindo se tudo estava a contento e


respirei fundo, tentando focar no que realmente precisava da minha
atenção. Eu andava distraído, pensando em várias coisas que não
no trabalho, e isso era algo tão incomum que me surpreendia.
Aconteceu de eu estar com uma certa inquietação desde que
Kara e eu retornamos para Chicago, depois de um final de semana
delicioso na Suíça. Eu não soube se foi pelo saudosismo ativado
pelo lugar onde passei momentos felizes da minha infância ou se foi
por estar lá com ela, porém senti vontade de estender aqueles dias
e lamentei ter aquele compromisso de trabalho para cumprir.
Os acionistas da Tron chegaram à cidade um dia depois do
nosso retorno aos Estados Unidos e, como eu previra, Kara ficou
completamente sobrecarregada com todos os detalhes da recepção
deles. Por mais que tivesse deixado tudo organizado, ela fazia
questão de estar por perto.
Combinamos que ela ia trabalhar indiretamente com eles, por
isso deixamos à disposição do grupo dois guias que os levariam
para conhecer alguns pontos turísticos da cidade e poderiam
conseguir o que mais necessitassem. O primeiro compromisso
efetivamente que teríamos com eles seria um jantar, antes da
reunião formal.
Conferi meu telefone para saber se ela tinha me enviado
alguma mensagem, no entanto não havia nenhuma notificação de
Kara. Bufei, um tanto irritado com aquela mania recém-adquirida de
esperar ansioso por algum contato dela e por ter ficado tão
aborrecido quando ela preferiu ir dormir em casa depois do nosso
retorno.
Era apenas por eu ter ficado uma semana longe, em Nova
Iorque, e não ter conseguido repor todos esses dias juntos, eu vivia
me justificando toda vez que me pegava frustrado por não a ter ao
meu lado na cama à noite.
Eu sabia que precisava ir com calma, estava pisando em
tereno desconhecido, agindo de um jeito novo naquele
envolvimento. Não dava para comparar a experiência que eu estava
tendo com Kara com nenhuma outra que tive antes. Não era apenas
uma noite de sexo, uma satisfação momentânea antes de buscar
mais em outros corpos, era... mais, e não conseguir definir aquilo
me deixava um tanto confuso.
Ter passado aquele tempo com ela na Suíça, mostrado
partes tão íntimas da minha vida, compartilhado o único espaço do
qual eu tinha lembranças felizes da minha infância foi especial para
mim, mas ao mesmo tempo acendeu uma luz de alerta no meu
cérebro.
O telefone vibrou e meu coração disparou de maneira
vergonhosa. Corri para verificar o aparelho e um sorriso idiota se
formou quando li a mensagem dela dizendo que já estava a
caminho no carro com Basil. Calculei mentalmente o tempo que eles
levariam para chegar até minha casa e servi-me de uma dose de
uísque.
Peguei-me imaginando como ela estaria vestida, qual cor de
batom usaria e, principalmente, como seria sua lingerie. Logo senti
meu corpo responder à imagem mental que criei sobre a nudez de
Kara. Estávamos cada vez melhores na cama, a química só
aumentava, o sexo ficava mais intenso, mais gostoso, o contrário do
que sempre pensei que seria quando praticado sempre com a
mesma pessoa.
Mas não era a mesma pessoa... Era Kara!
Fechei os olhos e balancei a cabeça assim que esse
pensamento se formou. O que estava acontecendo comigo, afinal?
Terminei a bebida e desci para esperá-la na entrada da casa e não
nos atrasarmos para ir ao maldito jantar daquela noite.
Pela primeira vez, lamentava profundamente ter um
compromisso de trabalho à noite, porque tudo o que eu pensava era
em ter Kara na minha cama, passar uns momentos com ela assim
como fizemos na Suíça.
Ouvi o som do carro parando em frente ao portão da minha
casa e não esperei que Basil ou Kara anunciassem que já haviam
chegado, saí antes mesmo que Gina aparecesse na sala. O
motorista desceu do carro assim que me viu passar pelo portão, e
abriu a porta de trás.
— Boa noite, senhor Moore.
Cumprimentei-o de volta e entrei no veículo, vendo Kara no
canto, lindamente vestida de preto.
— Boa noite...
Silenciei-a com um beijo, segurando-a pela nuca.
— Esta foi a última vez que você vai para a casa de sua mãe
para se arrumar — disse, tentando conter aquela sensação de
desespero em razão da vontade insuportável que estava de mandar
a reunião para a puta que pariu e levá-la para dentro de casa. —
Qualquer outro compromisso que tivermos depois de um dia de
trabalho, você vem comigo para cá e aqui se arruma.
Kara pareceu confusa.
— O que aconte...
— É perda de tempo!
Ela riu.
— Sean, não estamos atrasados! Aconteceu alguma coisa?
Respirei fundo, obrigando-me a colocar a cabeça no lugar.
Era verdade que eu achei desnecessário ela atravessar a cidade
para poder se aprontar e, sim, queria que tivesse vindo para casa
comigo, assim poderíamos ter tomado banho juntos e... Merda, eu
tenho me sentido sozinho desde que voltamos para Chicago!
— Vai dormir aqui em casa esta noite?
Kara sorriu e me abraçou.
— Vou, inclusive já trouxe a roupa para a reunião de amanhã.
Como um idiota, essa notícia me deixou mais calmo e, enfim,
pude relaxar e pensar apenas no jantar, já que sabia que a teria
comigo o resto da noite, até a manhã seguinte. Era inquietante o
apego que eu estava sentindo por Kara, a falta que ela fazia quando
o horário de trabalho terminava. A volta para casa sozinho me
deixava desanimado.
Ela pegou minha mão e sorriu.
— Sou muito mandão, não?
— É — concordou comigo. — Não tive tempo nem de
cumprimentar você antes de entrar dando ordens.
Suspirei e dei de ombros.
— Eu sou direto e você sabe que essa história de não poder
dormir comigo sem ter uma desculpa para dar à sua mãe me
incomoda. — Resolvi ser sincero. — É frustrante querer você e
saber que me quer também, mas dormimos separados.
O sorriso dela murchou um pouco e eu me senti um idiota por
fazer aquele tipo de cobrança, contudo, como eu mesmo havia dito,
sempre fui um homem direto com relação ao que queria ou não.
— Eu sei que é. Também me sinto assim, mas o que eu vou
fazer? Moro com minha mãe, Sean, e não posso simplesmente
dormir fora de casa todas as noites sem questionamentos. Nunca fiz
isso antes!
Encarei-a sério.
— Imagino que não, mas você não é mais uma menina.
Ela apertou minha mão um pouco mais forte.
— Não sou, mas sempre fui uma filha responsável e
obediente. Minha mãe não é uma pessoa retrógrada e certamente
entenderia se eu passasse a noite fora com alguém com quem
esteja me relacionando. — Ouvi quando ela respirou fundo. — O
problema é que...
— Esse alguém sou eu, seu chefe.
Kara apenas assentiu e eu me senti um babaca por estar
pressionando-a daquela forma. A mulher era virgem até uns meses
atrás. Era completamente compreensível que aquela situação com a
mãe dela acontecesse. A questão era que, se ela não sabia lidar
com nosso arranjo, eu menos ainda.
Não queria nomear o que estávamos vivendo, muito menos
criar qualquer expectativa, porque era a minha primeira vez também
com a mesma mulher por um longo período. Não sabia se iria durar,
se viraria um compromisso, apenas tinha certeza de que não
gostaria de perdê-la.
— Acho que devemos nos concentrar agora no jantar desta
noite, que é muito importante. — Foi ela quem voltou a pensar no
trabalho, para minha total mortificação. — Alguns dos acionistas que
estão aqui me conhecem da Capadócia, então precisamos pensar
no que dizer para que...
— Nada mudou. — Interrompi-a, como já estava se tornando
um costume naquela noite, um péssimo hábito. — Você está indo
como minha acompanhante ao jantar. Deixe comigo! — Alisei seu
rosto, admirado como a cada dia ela ficava mais linda. — Por falar
nisso, você está belíssima hoje!
O sorriso cheio de satisfação me trouxe uma sensação
maravilhosa. Eu me sentia muito bem ao lado de Kara e não só no
sentido profissional, principalmente tendo-a ao meu lado fora do
trabalho. Gostava de conversar com ela, da interação que tínhamos,
na cama e fora dela, e me fazia feliz vê-la feliz.
Chegamos ao restaurante onde iríamos receber os acionistas
da Tron no horário que ela havia planejado, de modo a já estarmos
esperando-os quando chegassem. Fomos encaminhados para a
mesa que havia sido reservada, no melhor local do restaurante, com
vista para o lago.
— Ótima escolha — elogiei-a enquanto seguíamos a hostess,
porque tinha conhecimento de que Kara havia estado ali para avaliar
a mesa e o menu antes de tudo.
— Obrigada!
Eu não conseguia tirar os olhos dela, resplandecendo
daquele jeito diante do reconhecimento do seu trabalho bem-feito.
Kara me encantava, deixava-me embevecido e...
— Sean?!
Parei assim que vi Emily Howard ao lado de seu pai,
Thompson, saindo de uma das mesas do restaurante. Observei
rapidamente o local e constatei que eles já deviam estar de saída,
pois havia um garçom limpando o lugar em que estavam.
— Howard! — cumprimentei o seu pai e depois me dirigi a
ela: — Emily, como vai?
— Muito bem! Surpresa por encontrá-lo aqui. — Olhou
fixamente para Kara. — Emily Howard, como vai? — Estendeu a
mão para a minha acompanhante.
Kara sorriu, simpática e animada.
— Vou bem, obrigada!
Respirei fundo, sabendo que precisava fazer as
apresentações.
— Essa é Kara Çelik. — Fui suscinto, sem querer dar
detalhes do que Kara representava na minha vida.
— É um prazer, senhorita Çelik. Nos falamos por telefone
dias atrás — Howard a cumprimentou, enquanto Emily a observava
friamente.
— Ah, sim, senhor Howard!
O homem virou-se na direção da filha e explicou:
— A senhorita Çelik está substituindo Tom Knightley, que se
acidentou.
Merda! Eu não fazia ideia de que Thompson Howard havia
entrado em contato com Kara.
— O senhor Howard ligou para marcar uma reunião, mas o
senhor Moore estava em viagem — Kara explicou para Emily.
— Ah, vocês trabalham juntos! — Ela parecia realmente
surpresa. — Uau! Sean nunca havia contratado uma mulher como
secretária antes. É novidade! — Estava sorrindo, mas não tirava os
olhos do braço de Kara enganchado no meu. — Eu a conheço de
algum lugar, não?
Aquilo me deixou ainda mais incomodado.
— Creio que me lembraria se...
— Ah, claro! Da casa de Liam Stanton! — Eu estava pronto
para intervir e dizer que ela devia estar confundindo Kara com outra
pessoa, mas Emily continuou: — Eu estava lá no almoço na piscina
dias atrás, sou amiga de Kelly Stanton.
Tentei, mas não consegui não olhar de esguelha para Kara a
fim de avaliar a reação dela, esperando que negasse e desfizesse o
mal-entendido.
— Não a vi lá, por isso não a reconheci. — A admissão me
fez franzir o cenho rapidamente, porém sentia como se estivesse a
ponto de explodir.
Lembrei-me de ter visto o nome de Liam na tela do telefone
dela, todavia me esqueci de perguntar por que estava mantendo
contato com ele. Entretanto, naquele momento, ciente de que ela
frequentava a casa dele, não teria como não a questionar sobre o
assunto.
— ...é uma pena que já estejamos de saída — Howard
falava, mas eu já não prestava atenção no que dizia, os
pensamentos acelerados por conta do envolvimento de Kara e Liam.
— Espero que tenham um bom jantar!
Agradeci aos dois, no entanto, antes de se afastarem, Emily
perguntou:
— Sean, por acaso uma maleta minha ficou no seu jatinho
naquele dia que voltamos juntos da Suíça?
Fiquei tenso e neguei.
— De qualquer forma, irei perguntar ao piloto e ao pessoal de
bordo.
Ela sorriu.
— Eu agradeceria muito! — Acenou e acompanhou o pai
para fora do restaurante.
Respirei fundo e segui com Kara até nossa mesa. Assim que
nos acomodamos, encarei-a.
— Foi à casa de Liam Stanton?
Ela desviou o olhar.
— Sim, a mãe dele me convidou para almoçar e...
— Conhece a família dele? — Kara anuiu. — Desde quando?
Ela suspirou.
— Liam nos apresentou em um almoço.
Arregalei os olhos.
— Liam? — Meu coração batia tão forte e eu tinha vontade
de gritar, tamanho... ciúme que sentia pela intimidade com que ela
falava o nome dele. — Kara, o que eu não estou sabendo? Desde
quando Stanton é Liam para você?
Ela me olhou e a senti tensa.
— Ele me... — começou, mas então sua postura mudou. —
Os acionistas chegaram. — Colocou-se de pé e sorriu.
Caralho!
Não tive o que fazer a não ser me erguer e tentar fingir que
estava tudo bem e que poderia me concentrar naquela merda toda,
quando queria gritar e exigir explicações de Kara.
Desde quando ela e Stanton se conheciam? Por que toda
aquela intimidade?
Não prestei muita atenção ao jantar e deixei que ela
conduzisse as coisas. Já não me reconhecia como o empresário frio
e objetivo que não era abalado por nada. Kara Çelik conseguia me
abalar!
Contei cada minuto naquela maldita mesa, interagi,
conversei, tentei ser o mais amigável que conseguia, porém não via
a hora de estar sozinho com ela para cobrar explicações e entender
o que estava acontecendo.
A oportunidade se deu quando todos voltaram para seus
hotéis e nós dois esperávamos Basil ir nos buscar.
— Kara...
— Sean, por favor, não há nada de mais nessa história!
Eu detestava quem começava uma conversa negando
qualquer coisa, principalmente quando parecia ser a máxima “não é
nada disso que está pensando”. O caralho com aquilo tudo!
— Então me conte a porra da história para eu julgar se há ou
não alguma coisa de mais!
O jeito que eu falei aquilo foi, sim, agressivo e percebi isso
quando Kara arregalou os olhos e olhou para os lados a fim de
comprovar que não havia ninguém próximo.
— Eu o considero um amigo, só isso.
Foi a pior resposta que ela poderia ter me dado.
— E desde quando? — Segurei-a pelo braço. — Vocês já se
conheciam antes da Capadócia?
— O quê? — Ela tentou puxar o braço. — Não, claro que
não!
— Então vocês se encontraram aqui em Chicago e fizeram
amizade? — Ela assentiu. — Por quê? Quando foi isso?
Kara suspirou.
— Sean, solte-me, por favor. — Sua voz calma e cansada me
irritou ainda mais, porém soltei seu braço. — Liam me ajudou
quando precisei de ajuda, apenas isso.
Nunca tive tanta vontade de socar a cara de alguém quanto
estava naquele momento de surrar Stanton.
— Kara, me conte a história toda.
Ela fechou os olhos.
— Quando você me deixou para trás na Capadócia, eu fiquei
arrasada! Não sabia o que pensar e... bom, ele me ofereceu carona
para voltar para casa e...
Segurei-a pelos ombros e virei-a de frente para mim.
— Eu pedi a Ahmet que providenciasse seu retorno, não a
deixei desamparada ou coisa assim!
O olhar dela me queimou e senti a tensão nos seus ombros.
— Não? Eu acordei sozinha, nua, numa cama longe de casa.
Eu havia ido para lá contigo e você não teve a decência nem de se
despedir!
— E aí você se jogou nos braços de Liam Stanton!
Kara se contorceu para se livrar do meu toque.
— Eu não me joguei nos braços de ninguém! — gritou. — Ele
me ofereceu ajuda para voltar para casa porque naquele dia não
havia voo e percebeu que eu não estava bem! Liam foi um
cavalheiro comigo, não fez perguntas nem mesmo quando eu
chorava feito uma idiota por sua causa!
Se Kara tivesse me dado um tapa, eu não teria sentido mais
o impacto de sua mágoa do que com aquelas palavras. Dei um
passo para trás, envergonhado do meu comportamento, com raiva
de mim mesmo por tê-la ferido e indignado por saber que quem a
consolou foi o filho da puta do Stanton.
Basil chegou com o carro naquele instante. Abri a porta para
que Kara entrasse antes dele, mas não a acompanhei. Precisava de
tempo para digerir tudo aquilo, para me acalmar e engolir meu
orgulho, assumindo que eu tinha mesmo feito uma grande merda.
— Sean? — ela me chamou, já acomodada, confusa.
— Basil irá levá-la para casa. Eu preciso de um momento.
Daqui a pouco vou.
Fechei a porta e, entendendo que eu não iria, o motorista
colocou o carro em movimento, levando-a para longe de mim.
Eu era um grande idiota e tinha sorte de ela ainda ter me
dado outra chance. Caminhei em direção a Riverwalk. Precisava
pensar e avaliar todos os sentimentos confusos dentro de mim e
não conseguiria fazer isso perto de Kara, não naquele momento.
Nunca havia sentido ciúmes, nem mesmo aquela dor que
queimava minha garganta e desesperava meu peito pela simples
ideia de perder alguém. Eu tinha medo de perder Kara, medo de
que ela percebesse que eu não valia a pena, medo de que ela não
me perdoasse pelo modo como a tratei na Turquia.
Tinha pavor ao pensar que ela poderia nunca me amar,
porque, definitivamente, eu já estava apaixonado por ela.
40 - Sean

Desembacei o espelho do banheiro antes de conferir meu


rosto, mas, apesar do banho quente e relaxante, as marcas da noite
não dormida estavam ainda ali, lembrando-me de tudo o que havia
acontecido horas antes.
Depois de ter passado quase uma hora andando a esmo na
margem do Rio Chicago, chamei um táxi e fui para casa disposto a
conversar com Kara, pedir-lhe perdão e confessar o que estava
sentindo por ela. Não esperava que a justificativa de estar
apaixonado pela primeira vez na vida pudesse ser suficiente para
acalmá-la depois do modo como a tratei na porta do restaurante,
porém esperava que pudéssemos chegar a um acordo, e eu estava
pronto para negociar duro, como fazia no meu trabalho, para não
correr o risco de perdê-la.
Surpreendi-me ao descobrir que ela não estava em minha
casa e, ao questionar Basil, o motorista revelou que ela havia
pedido que ele a deixasse na casa de Rosalia, na mesma rua que a
mãe de Kara morava.
Como eu já havia ido até o endereço da melhor amiga dela,
não pensei muito, entrei em um dos meus carros esportivos e fui até
lá. Estacionei o carro em frente à casa de Rosalia e enviei
mensagem para Kara:
“Estou parado em frente à casa de Rosalia. Gostaria de
conversar contigo.”
Fiquei nervoso, achando que ela não veria, todavia
respondeu:
“Já estou na cama. Amanhã conversamos.”
Definitivamente, não era a resposta que eu esperava, então
saí do veículo e toquei a campainha, não me importando com o
adiantado das horas.
Rosalia foi quem atendeu e não parecia nada satisfeita.
— Não recebeu a mensagem? — perguntou assim que me
viu.
— Preciso falar com Kara. — Não estava disposto a ceder. —
Peça a ela que...
— Senhor Moore, aqui não é seu escritório — Rosalia
respondeu, cruzando os braços. — Kara disse que amanhã
conversa com o senhor. Por favor, deixe-nos dormir em paz.
Ignorei a primeira regra que se aprende quando se está
negociando, não demonstrar desespero!
— Por favor, Rosalia, eu preciso esclarecer as coisas! Sei
que exagerei na minha reação.
Ela sorriu e eu achei que iria ceder.
— O nome do que o motivou a agir daquele jeito com minha
amiga, senhor Moore, é ciúme! — Ela se aproximou e cochichou: —
Espero que amanhã o senhor esteja pronto para admitir para ela o
que sente. Kara é a mulher mais sensível e amorosa desse mundo e
merece ser amada da maneira certa. — Assenti, mas ela não me
deixou falar mais nada. — Boa noite!
A porta bateu na minha cara e eu respirei fundo, sentindo-me
um idiota. Até a amiga de Kara, que não me conhecia bem, sabia
que eu estava apaixonado por ela. Só eu mesmo levei tanto tempo
para perceber.
Mas percebi e agora sei o que fazer! Não voltei a insistir,
retornei para o carro e a deixei dormir em paz, pensando em fazer o
mesmo. Entretanto, já passava das 4h da manhã e eu ainda não
havia pregado o olho. Fiquei um tempo andando pela casa e decidi
sair um pouco, porque necessitava acalmar meus pensamentos.
Troquei de roupa e saí para correr. O exercício sempre me ajudou a
ordenar as ideias nos momentos mais tensos da minha vida
profissional, então pensei que poderia acontecer o mesmo na
pessoal.
Corri margeando o lago, vendo aos poucos o sol clarear o
céu em uma miríade de cores, até destacar o azul celeste, trazendo
o vento úmido e os sons de uma cidade acordando. Não retornei
para casa, fui direto para o escritório, onde um banheiro completo
com chuveiro me esperava na minha sala. Provavelmente foi o
banho mais longo que tomei naquele espaço desde que foi
construído. Deixei a água morna cair sobre meus músculos tesos da
corrida, relaxando meus ombros.
Suspirei, já de frente para o espelho em cima do lavatório,
com a toalha enrolada em volta dos quadris, e joguei água gelada
no meu rosto. Havia algum tempo que eu não ia ao barbeiro e meus
cabelos estavam maiores do que eu costumava usá-los. Penteei-os
para trás usando um pouco de pomada para mantê-los no lugar, já
que, por estarem mais compridos, também estavam mais
encaracolados nas pontas. Por fim, fui até um armário onde ficava
um terno e sapatos reservas.
Aquelas roupas ficavam ali para ser usadas em uma
emergência, e eu nunca as tinha sequer utilizado até aquele
momento. Fiquei um pouco desanimado ao me ver menos alinhado
do que normalmente, porém me conformei ao constatar que aquele
não seria um dia normal.
Consultei as horas e calculei o tempo que ainda faltava para
que Kara chegasse ao trabalho. Assim que ela pisasse na Gaea, eu
iria chamá-la para minha sala e esclarecer as coisas. Havíamos
chegado a um ponto que não dava para ficar com acordos tácitos;
era necessário colocar todas as cartas na mesa e expressar o que
queríamos um do outro.
Eu a quero, apenas isso! A minha esperança era de que ela
me quisesse da mesma forma.
De repente a porta da minha sala se abriu e uma faxineira –
com o mesmo uniforme que Kara usava na primeira vez que nos
encontramos – me encarou assustada.
— Perdão, senhor Moore, não sabia que o senhor já estava
aqui.
Dei de ombros.
— Pode entrar e fazer seu trabalho.
Andei até a vidraça e fiquei observando o Rio Chicago com
suas margens revitalizadas, enquanto ela recolhia o lixo das lixeiras
e organizava alguns itens.
— Precisa de alguma coisa, senhor? — perguntou antes de
sair.
— A senhorita Çelik já chegou?
Negou.
— Ainda não.
Aquiesci e ela saiu da sala, deixando-me novamente sozinho
e ansioso pela chegada de Kara.
O som da campainha do ramal interno soou da minha mesa
e, desanimado, atendi à ligação:
— Moore!
— Senhor Moore, soube que já estava na empresa. Bom dia!
— A gerente de RH estava do outro lado da linha. — Estou entrando
em contato para avisar ao senhor que a licença médica de Thomas
Knightley acaba nesta semana e que ele voltará ao trabalho na
próxima segunda-feira.
Franzi o cenho, sem entender o que fazer com aquela
informação, afinal de contas, Tom era meu assistente, mas havia
Kara. Meu coração disparou ao me lembrar do que combinamos e
que havia chegado o momento de recomendá-la para outros
empresários e deixá-la sair da Gaea.
Para longe de mim! Aquele pensamento me trouxe uma
sensação ruim, um aperto estranho em meu peito, seguido de um
engasgo que me fez pigarrear.
— Agradeço a informação. — Foi tudo o que consegui
responder antes de encerrar a ligação.
Kara não seria mais minha assistente em poucos dias, eu
deveria integrá-la a outra empresa do grupo, onde ela conheceria
novas pessoas e conviveria mais com elas do que comigo. Eu
deveria estar vendo pelo lado bom, afinal de contas, ela não sendo
mais minha funcionária direta, seria mais fácil assumir qualquer
relação pessoal entre nós, porém só de imaginar que não a teria na
sala contígua à minha me deixava mais entristecido.
Um barulho me chamou a atenção e rapidamente abri a porta
da sala, encontrando-me com ela ligando seu computador e
guardando seus pertences para começar mais um dia de trabalho.
Kara não havia percebido que eu estava observando-a – certamente
não contava que eu já estivesse na empresa – e pude ver as linhas
debaixo de seus olhos e a aparência de cansada que ela exibia,
como se, como acontecera comigo, não houvesse dormido.
— Bom dia! — saudei-a, e ela pulou de susto.
Respirou fundo, a mão sobre o peito, e me fuzilou com o
olhar.
— Bom dia, senhor Moore!
Tentei dar um sorriso ante o tratamento formal, mas estava
tão nervoso que não consegui. Nem mesmo quando fui fechar meu
primeiro negócio me senti daquele jeito.
— Venha até minha sala, Kara, precisamos conversar.
Ela não se moveu.
— Tenho algumas coisas a fazer, afinal de contas, a reunião
com os acionistas acontecerá depois do almoço.
Aproximei-me dela.
— Você terá tempo de se certificar de tudo, mas precisamos
conversar antes. Por favor, venha!
Ela suspirou e concordou.
Seguimos mudos até minha sala. Eu fechei a porta e apontei
o jogo de sofás para que ela pudesse se sentar.
— Dormiu bem? — inquiri e recebi outra olhada irritada.
— Você deve saber que não. — Sentou-se. — Que ideia foi
aquela de incomodar a família de Rosalia àquela hora da noite?
Sentei-me de frente para ela.
— Cheguei em casa e você não estava lá. Por que foi
embora?
Kara riu.
— Era a única coisa que eu poderia fazer depois da cena
lamentável na porta do restaurante. Eu trabalho para você, nós
temos também um envolvimento pessoal, mas não sou propriedade
sua, senhor Moore! Não consegui entender sua reação a algo que
aconteceu antes de nos envolvermos.
Ri nervoso.
— Não foi antes! Liam Stanton se aproximou de você
sabendo que nós dois estávamos juntos na Capadócia...
— Nós não estávamos! — Ela me interrompeu, incisiva. —
Eu estava a trabalho e ambos representávamos um papel, até que...
— Engoliu em seco. — Bom, até a noite do baile.
Mesmo sabendo que ela estava dizendo a verdade, aquilo
me incomodou.
— Você nunca me disse que voltou para Chicago com Liam
nem que ambos se tornaram amigos. Por que me escondeu isso,
Kara?
— Não escondi — sussurrou. — Quando você deixou a
Capadócia, foi para a Suíça?
Estranhei a pergunta.
— Por que quer saber?
— Porque também não me disse que ficou acompanhado lá,
afinal de contas, a senhorita Howard estava procurando a mala dela
que ficou no seu jatinho.
— Emily estava com as amigas e nos encontramos em
Zurique. Nada de mais!
Ela balançou a cabeça.
— Ela voltou para cá contigo de carona e não foi nada de
mais, mas eu ter voltado com Liam...
Ergui-me.
— São coisas completamente diferentes!
— Por quê?
— Emily e eu somos amigos há muitos anos e...
— Nunca aconteceu nada entre vocês?
Encarei-a e me perguntei por que estávamos discutindo
novamente, quando tudo o que eu queria era pedir desculpas pelo
meu comportamento e acertar as coisas com ela.
— Kara, escuta. Eu não sei lidar com esta situação. É tudo
novo para mim e ontem eu acabei me descontrolando. — Andei até
ela e me abaixei, pegando sua mão. — Não gostei de saber que
Liam continua rondando você, mas não por desconfiar de qualquer
coisa, mas porque sei que ele a quer.
Kara riu.
— Eu não o quero. Isso não é o suficiente?
Assenti.
— Kara, eu...
— Sean! — A porta se escancarou com força, assustando-me
e vi meu tio entrar na sala parecendo nervoso.
Afastei-me de Kara e fui até ele, temendo que tivesse
acontecido algo e sem entender por que ele estava ali, afinal, ainda
estava se recuperando.
— Tio, o que houve?
Ele arfava e me olhava de um jeito que estava me deixando
assustado.
— Senhor Moore, o senhor necessita de algo? — Kara se
aproximou também, sua voz claramente preocupada.
— Os acionistas... — Graham balbuciou, olhando para ela e
depois me encarou. — Vocês têm notícias dos acionistas?
Kara me olhou confusa.
— Temos uma reunião marcada para...
— Eles não virão! — Graham anunciou. — É provável que
estejam voltando para Istambul ou já tenham regressado.
Kara negou.
—- Acalme-se, senhor, eu mesma marquei o voo de retorno
para eles e não é hoje...
— Kara. — Interrompi-a. — Entre em contato com os hotéis
onde eles estão hospedados, por favor. — Olhei para meu tio. — O
que o senhor ficou sabendo?
Eu confiava minha vida àquele homem e sabia que, mesmo
afastado, os contatos que ele tinha nunca o deixariam de fora de
qualquer notícia quente que circulasse no meio empresarial.
— Abdullah vendeu a Tron.
Ri nervoso, negando aquela informação.
— Impossível!
— Não é. — Suspirou. — Soube de fonte segura.
Kara voltou à minha sala e estava pálida.
— Eles encerraram as contas e partiram. — Olhou
rapidamente para meu tio e depois para mim. — Todos!
— Caralho! O que está acontecendo? — Não contive mais
minha raiva, sentindo que tinham feito algum tipo de jogo comigo.
— Eles vieram para cá apenas para distraí-lo, Sean. —
Graham confirmou minhas suspeitas. — Abdullah fechou negócio
com o aval deles e o que eu soube era que o turco alardeou que
venderia para o diabo, mas nunca para você.
— Filho da puta! — gritei. — Para quem ele vendeu?
Graham ficou ainda mais agitado.
— Isso que é o mais estranho, filho. Quem comprou também
sabia sobre o chip que eles desenvolveram e já havia negociado o
fornecimento dele ao governo para ser implantado em
equipamentos de defesa.
Arregalei os olhos, porque aquela informação era secreta e
eu nem havia entrado em contato com o governo para que eles não
passassem a dica para outras empresas que poderiam se interessar
pela empresa turca.
— Foi um americano? — perguntei entredentes.
Graham assentiu.
— Liam Stanton.
O nome do desgraçado caiu como uma bomba sobre mim e
imediatamente olhei para Kara, que parecia em choque. Lembrei-me
de Liam naquele hotel da Capadócia e da estranheza que tive do
interesse dele pelo turismo, já que não era sua área. O filho da puta
devia estar levantando informações ou...
Não! Tentei frear o pensamento, mas ainda assim ele se
formou.
Kara e ele tiveram várias interações durante aquela viagem e
não apenas na Capadócia, como mantiveram contato enquanto ela
já estava trabalhando para mim.
Meu sangue ferveu e eu mal conseguia coordenar a fala
quando inquiri:
— O que você tem a ver com isso, Kara?
Ela arregalou os olhos e eu senti o mundo desmoronar.
— Eu... não se-sei do que você está falando!
Aproximei-me dela.
— Como Stanton poderia ter sabido sobre uma tecnologia da
Tron que eu só tive acesso depois que um dos funcionários da
empresa se demitiu e foi trabalhar para uma empresa ligada à
Gaea?
Ela retrocedeu um passo.
— Eu não sei...
— Será que eu a magoei tanto naquela noite que, quando ele
se apresentou como um salvador, você acabou revelando tudo? —
Kara negou, mas não havia outra possibilidade, tudo se encaixava.
— Será que você aceitou voltar a trabalhar comigo para obter mais
informações? Será que você foi para a cama comigo para...
O tapa no meu rosto soou tão alto que, por um momento,
meus ouvidos zuniram, e eu a olhei surpreso. Kara estava
visivelmente enraivecida e transtornada.
— As acusações que você está fazendo são ridículas e
totalmente incabíveis! — Seu queixo tremia, seus olhos brilhavam,
rasos de lágrimas, mas ela mantinha uma postura de altivez. — Eu
nunca disse a Liam que trabalhava para você, nunca revelei nada a
ele, mesmo porque nunca perguntou. Não sei como ele soube, mas
não foi por mim. Lamento que você tenha perdido o negócio, mas
lamento muito mais ter confiado em você!
Ela simplesmente virou as costas e saiu da sala, deixando-
me plantado sem saber o que fazer ou o que pensar.
— Sean... — Graham tocou meu ombro. — Ei, ele pode ter
obtido essa informação de qualquer um. Por que acusar a moça?
Respirei fundo.
— Descobri ontem que ela vem mantendo contato com ele,
inclusive frequenta sua casa e conhece sua família. — A dor da
traição me doía de um jeito que não conseguia descrever. — Kara
nunca comentou comigo sobre sua amizade com Liam. Não parece
suspeito?
— O que ela disse quando você a questionou sobre isso?
— Que era grata a ele por tê-la ajudado em um momento que
precisou. — Não tive coragem de dizer a Graham que eu a tinha
magoado. — E que mantiveram contato depois disso.
— E não pode ser verdade?
Virei-me e encarei meu tio. Sentia os olhos arderem de um
jeito estranho e parecia que um bolo se formava em minha
garganta.
— Liam se interessou por Kara desde a primeira vez que a
viu. Ele a cercava na Capadócia e...
— Ela correspondia a ele?
Neguei, lembrando-me de como Kara correspondia a mim.
— Não sei o que pensar! — Ri nervoso. — Não sei como agir.
Graham riu.
— Creio que estamos falando de algo mais do que uma
simples relação de trabalho aqui, não? — Concordei. — Você a
ama?
Merda! Senti meu rosto molhar de repente e ele me abraçou
com força, enquanto eu soluçava feito uma criança.
— Amo, tio! Eu amo Kara Çelik.
41 – Kara

Eu só posso estar tendo algum pesadelo!, pensei enquanto o


táxi me levava para casa.
Tinha dormido mal depois da discussão que tive com Sean na
porta do restaurante. Não havia compreendido a atitude dele e,
quando me deixou sozinha no carro para retornar para sua casa,
decidi que não iria dormir na mansão e pedi ao motorista que me
levasse para a casa de Rosalia.
É claro que, assim que me viu, minha amiga percebeu que
havia acontecido algo sério. Ela apenas me abraçou e me
acompanhou para dentro de sua casa silenciosamente, pois seus
pais já estavam dormindo.
— Quer tomar um banho? — perguntou, e eu concordei,
necessitando de um tempo sozinha para lidar com meus
sentimentos.
Não demorei muito no chuveiro, apenas tempo suficiente
para entender por que eu não estava chorando. Estava com raiva da
atitude de Sean e da maneira como ele havia me tratado.
Somente quando me sentei na cama de Rosalia e contei à
minha amiga o que aconteceu foi que consegui chorar e colocar
para fora em forma de lágrimas a minha frustração por uma noite
tão especial ter terminado daquele jeito.
— Ele ficou com ciúmes, Kara — Rosalia asseverou.
Neguei, porque aquilo não combinava com meu chefe.
Ciúmes? Não Sean Moore!
— Não creio que tenha sido isso. — Suspirei. — Posse,
talvez. Sean sempre diz que odeia dividir o que é seu e que tem
dificuldade em aceitar perder para alguém.
Rosalia deu de ombros.
— Então ele acha que Liam é uma ameaça.
— Deve achar. — Deitei-me na cama. — A verdade é que ele
não vai muito com a cara de Liam, e nunca entendi bem o porquê.
— Talvez pelo senhor Stanton nunca ter pedido a bênção
dele como os outros fazem. — Olhei para minha amiga, curiosa com
aquela informação. — Eu li a biografia de Liam, e ele literalmente
veio do nada. A família dele, até uns anos atrás, era como as
nossas.
— Sim. Mas, antes de saber, eu poderia jurar que ele era rico
de berço, como Sean.
Ela me abraçou.
— Quer que eu mande alguém dar uma surra no seu chefe?
Ri, mas neguei rapidamente, porque ela era capaz de fazer
isso se eu pedisse.
— Amanhã vou conversar com ele. — Suspirei. — Acho que
está na hora de encerrar esse idílio antes que eu saia machucada.
— Já não está?
Fechei os olhos e não respondi, porque sabia que sim.
Apenas por pensar em parar de sair com Sean, de ter de me
distanciar dele, eu sentia uma dor grande e um aperto no meu peito.
Obviamente, eu iria sofrer, mas, antes de tudo, queria preservar o
que restava do meu coração, e a cada dia que se passava, eu
perdia mais um pedaço dele para Sean.
— É exatamente por estar apaixonada por ele que eu sofro
quando age daquela forma. Porque eu me importo e, quanto mais
me importar, mais vou me machucar.
— Você tem razão! Converse com ele e resolvam as coisas
da melhor forma para os dois. — Rosalia me encarou. — Ninguém é
feliz amando sozinho.
— Eu sei...
Depois daquela conversa, ela e eu nos deitamos. Quando eu
estava prestes a pegar no sono, Sean começou a me mandar
mensagens. Inicialmente, pensei em ignorá-las, mas, quando li que
ele estava em frente à casa de Rosalia, respondi que
conversaríamos no dia seguinte.
Não adiantou, e ele tocou a campainha, assustando-me.
— Fique aí. — Rosalia me parou assim que me levantei da
cama. — Você disse a ele que conversariam amanhã, então deixe
que ele espere.
— Mas e se ele não for embora?
Rosalia riu, segura de si.
— Ele vai.
Ela saiu do quarto, mas não voltei a dormir, fiquei dando
voltas, apertando as mãos, temendo incomodar os pais de minha
amiga, temendo não ter ido falar com Sean e até mesmo ter que
falar com ele no dia seguinte.
As coisas não estão indo por um bom caminho!
Meu coração quase parou quando a porta se abriu, mas
respirei aliviada quando minha amiga entrou no quarto.
Ela sorria, e aquilo me deixou curiosa.
— O que houve?
Rosalia se deitou.
— Você tem a faca e o queijo na mão, amiga. — Piscou. —
Eu estava certa, eram ciúmes, e o homem está louco atrás de você.
Amanhã é hora de colocar as cartas na mesa!
Aproximei-me dela.
— Como assim?
— Seja sincera com ele. Diga que não dá mais para continuar
do jeito que vocês estão, porque você se apaixonou e...
— Não posso dizer isso! — Interrompi-a em desespero.
— Pode e deve! Você sempre foi sincera com tudo, Kara,
principalmente com seus sentimentos; por que não ser com ele?
Eu tinha medo.
Medo da rejeição.
Medo da exposição.
Medo de machucar-me ainda mais por me abrir com ele.
— Kara... — Ela se sentou e tomou minha mão. — Você
confia no Sean?
Suspirei, lembrando-me da forma como ele havia me tratado
depois da nossa primeira noite e como estava me tratando depois
que nos acertamos.
— Confio — respondi com sinceridade.
— Pronto! Cartas na mesa amanhã. — Sorriu. — Talvez as
dele te surpreendam!
Não consegui dormir depois daquela conversa, fiquei a noite
toda rolando na cama e, assim que o dia amanheceu, me arrumei
para ir ao trabalho. Estava ansiosa, queria resolver logo as coisas,
mas Rosalia me segurou o quanto pôde no café da manhã,
aconselhando-me a ir devagar e deixar que ele começasse a falar.
— Chegamos, senhorita! — O taxista me tirou do devaneio
que consumiu todos os meus pensamentos durante a viagem até
minha casa.
Paguei-lhe e desci do carro, andando rapidamente até a
segurança do meu lar. Minha mãe não estava em casa naquele
horário, e eu poderia deixar as lágrimas caírem e gritar ou
simplesmente pegar um pote de sorvete, colocar um filme antigo –
Sem Reservas era o filme que sempre me deixava feliz nos
momentos tristes – e ficar embolada na minha cama.
Nunca tinha sofrido por amor, mas sempre tem a primeira
vez, e eu não saberia dizer que aquele total estado de choque em
que eu me encontrava era normal, mas estava reagindo de maneira
diferente a todos os filmes e livros de romance que já havia lido. Era
como se eu não tivesse me dado conta do que tinha acontecido,
como se meu cérebro se recusasse a aceitar não somente o fim,
mas a forma como ele se deu, com a acusação.
Fechei a porta e dei dois passos dentro da sala quando
minha mãe surgiu, vinda da cozinha.
— Kara?
Ah, merda!
A tal da anestesia passou, e a dor no meu peito foi tão
grande que eu mal conseguia respirar. Minha mãe deixou o pano
que segurava cair de suas mãos e correu na minha direção,
amparando-me em seus braços, enquanto eu soluçava feito criança.
Não conseguia falar, apenas chorava como havia muitos
anos não acontecia. Um choro de dor, de desespero, que vinha do
profundo da minha alma, impossível de ser contido. Era tão forte,
tão poderoso que eu mal conseguia me sustentar de pé, envergava
meu corpo, meus joelhos se dobrando, e minha mãe ali, apoiando-
me para não cair.
Eu não conseguia falar, a cada vez que tentava respirar e me
acalmar era tomada por outra avalanche de emoção que me
destruía. As palavras duras de Sean ecoavam em looping na minha
memória, ferindo-me a cada repetição, deixando-me sem forças,
sem fôlego.
As mãos de minha mãe afagavam minhas costas, a parte da
frente de sua blusa molhada por minhas lágrimas, seu corpo
tremendo a cada vez que o meu estremecia. Ela não disse nada,
não perguntou nada, ficou apenas ali, sendo minha mãe, apoiando-
me sem saber o motivo, reunindo suas forças para me fortalecer.
Quando meu pranto se apaziguou, ela me ajudou a ir até o
sofá, secou meu rosto com suas mãos e ajeitou meus cabelos.
— Vou pegar um pouco de água para você. Vai ficar bem?
Assenti, as lágrimas ainda rolando silenciosas, minha
garganta apertada e uma pergunta sendo constantemente repetida
em minha cabeça: por quê?
Peguei o copo d’água que minha mãe me estendeu e a vi
sentar-se ao meu lado e voltar a acalentar minhas costas. Suspirei e
fechei os olhos, agradecendo-lhe por tê-la ao meu lado naquele
momento e por não me perguntar nada sobre o motivo de eu estar
daquele jeito.
Bebi toda a água e ficamos ali, sentadas no sofá, uma ao
lado da outra, mudas, apenas o som da nossa respiração
preenchendo o ambiente silencioso. Eu me sentia tão cansada,
esgotada emocionalmente, que me deitei em seu colo e, enquanto
ela afagava meus cabelos, acabei adormecendo.

— Mas a senhora não perguntou nada?


Acordei ouvindo a voz de Rosalia ao longe e pisquei,
sentindo meus olhos pesados e inchados. Olhei em volta e
reconheci a sala da casa de minha mãe, então as lembranças de
mais cedo daquele dia voltaram e fechei os olhos, tentando bloquear
a dor que elas traziam.
— Não precisei perguntar para saber que Kara estava
magoada. Muito magoada, Rosa. Foi ele?
Arregalei os olhos diante daquela pergunta e prendi a
respiração, esperando pela resposta de minha amiga.
— Deve ter sido. Eles iam conversar hoje... — Ouvi quando
ela suspirou. — Kara vai me matar quando souber que contei à
senhora sobre ela e o senhor Moore.
Ah, não, Rosalia!
— Você só confirmou o que eu já havia intuído, querida.
Achei que as coisas estavam indo bem entre eles.
Rosalia sussurrou algo que não consegui ouvir e minha mãe
xingou, surpreendendo-me, pois nunca a tinha visto falar um só
palavrão.
— Eu mato aquele cabrón se machucou minha amiga! Ela
não disse nada mesmo?
Ouvi o som dos passos delas e fechei os olhos, fingindo que
ainda dormia para não ter que responder a perguntas naquele
momento. Eu não estava pronta para aquilo e não queria reviver
aquela cena no escritório da Gaea.
— Acho que a última vez que vi minha filha chorar daquele
jeito foi quando o pai dela morreu — mamãe falou, e eu quase
solucei. — Eu podia sentir a dor dela, era como se uma faca
rasgasse meu...
Uma batida à porta a interrompeu, e eu tive vontade de me
levantar do sofá e me esconder no quarto, mas continuei deitada.
Não queria que ninguém me visse, mas tinha certeza de que, fosse
quem fosse a visita, iria ser mandada embora por minha mãe e
minha amiga.
— Eu não acredito na sua cara de pau! — Rosalia gritou, e
eu me sentei de repente.
— Eu preciso falar com Kara.
Tremi, arregalei os olhos e olhei para minha mãe, que parecia
tão chocada quanto eu ao reconhecer a voz de Sean.
— Eu não quero falar com ele... — sussurrei.
Imediatamente ela se aproximou de mim, ajudou-me a
levantar-me e, com claras intenções de fuga, começou a me levar
pelo braço em direção ao corredor que conduzia aos nossos
quartos.
— ...meu assunto não é contigo! — A voz dele soou mais
alta, e de repente apareceu na sala.
Parei e o encarei.
Sean parecia nervoso, agitado, o rosto contorcido de
preocupação, as rugas em sua testa mais vincadas que o normal.
— Kara, nós precisamos...
— Saia da minha casa imediatamente, senhor Moore. —
Minha mãe, como uma leoa, interpôs-se entre nós. — Eu não o
convidei a entrar, e invasão de propriedade ainda é um crime muito
sério neste país!
Ele a olhou por um momento, mas depois desviou os olhos
para mim.
— Kara, por favor...
— Saia. — Reforcei o pedido de minha mãe. — Não temos
nada mais a falar.
Reunindo o pouco de orgulho que me restou, aprumei meu
corpo e saí da sala, trancando-me em meu quarto, deixando o
homem que eu amava, o primeiro homem que me despertou paixão,
o primeiro que eu beijei, o primeiro com quem fiz sexo, para trás.
Encostei a cabeça na porta fechada e chorei silenciosamente,
dando-me conta de que, sim, o momento patético das mocinhas de
romance sofredoras havia chegado para mim.
42 – Sean

— Esperei muito anos para ver você amando alguém! —


Graham sorriu e me abraçou mais apertado. — O que planeja fazer
agora?
Sequei minhas lágrimas e me afastei, tentando raciocinar
como sempre fazia até encontrar a melhor saída para um problema.
— Esclarecer as coisas. — Pigarreei. — Eu preciso saber o
que ela sente por mim.
— E sobre sua desconfiança?
Dei de ombros e quase não me reconheci.
— O negócio está perdido, não interessa como se deu o
vazamento de informações. Eu magoei Kara tempos atrás e, se ela
contou algo sobre o negócio a Liam Stanton quando se sentia
machucada, não a culpo. — Encarei meu tio, que estava mais
surpreso do que eu. — O que me interessa é o que ela sente por
mim hoje, e, se ela me amar... — estremeci — se ela me amar como
eu a amo, será melhor do que qualquer negócio rentável do mundo!
Graham sorriu largo.
— O que você está esperando para ir atrás dela?
Gargalhei feito um louco, assentindo.
Aquele certamente era o dia mais insano da minha vida,
afinal de contas, eu tinha acabado de perder um negócio de bilhões
que estava pesquisando havia tempos e não me importava o
mínimo. Tudo o que eu queria era me desculpar com Kara e tê-la de
volta.
Engoli as lágrimas que umedeceram meus olhos, fui para o
banheiro a fim de jogar uma água no rosto, recompor-me e reunir
forçar para lutar pela mulher que eu amava. Podia ter perdido
aquele negócio, mas não descansaria enquanto não garantisse que
não iria perder Kara.
Quando saí do banheiro, meu tio tinha acabado de atender
ao telefone em minha mesa e me olhou assustado:
— É Abdullah — anunciou. — Ele quer falar contigo.
Meu sangue ferveu, mas controlei minha raiva, porque aquele
não era o momento de dar o troco.
— Não falo turco.
Meu tio riu.
— O desgraçado está falando em inglês.
Marchei até minha escrivaninha e peguei o telefone, pronto
para xingar aquele filho da puta até sua quinta geração.
— Como é a sensação de ter o tapete puxado pelas costas?
— O inglês carregado de sotaque foi completamente compreensível,
assim como o tom de deboche em suas palavras. — Um dos
acionistas que você abordou sorrateiramente é amigo de infância do
meu filho e nos alertou sobre seu jogo sujo. — Riu. — Eu sabia que
não poderia controlar todos aqueles abutres que só pensam no
lucro, por isso mandei chamar Liam Stanton e aceitei sua proposta.
Respirei fundo.
— Eu estou muito bem, Abdullah. A Tron era só mais um
negócio, como qualquer outro para mim, diferente do que era para
você.
O turco riu.
— Sim, tem razão. Eu construí aquela empresa dentro de um
mercado e a fiz ser o que é hoje, atraindo abutres como vocês,
americanos. Não estou totalmente satisfeito por ter perdido minha
empresa, mas me resta o consolo de não ter sido para um filho da
puta como você!
Gargalhei.
— Acho que não conhece Liam Stanton tão bem quanto
imagina. — Minha voz estava mais rouca que o normal, tamanho
controle que estava exercendo sobre minha raiva. — Tenho certeza
de que, quando começar a ver seus brinquedos sendo usado em
armas contra seus irmãos, vai desejar ter negociado comigo!
Pelo silêncio do outro lado da linha, eu soube que ele não
tinha noção do que eu estava dizendo, e aquilo foi extremamente
satisfatório. Era o momento em que eu, normalmente, desligaria o
telefone, mas decidi fazer uma pergunta sem pretensão alguma de
resposta:
— Quando Stanton fez a proposta de compra para você?
— Antes da sua, mas não insistiu quando recusei. Ele é mais
sutil, porém mais traiçoeiro!
A indignação na voz de Abdullah me encheu de satisfação.
— Isso não é problema meu. Passar bem, Sama Abdullah!
Desliguei o aparelho e encarei meu tio, que parecia
estarrecido.
— Você revelou a intenção do governo de usar os chips!
— Não revelei nada, apenas deixei subentendido que poderia
acontecer. — Dei de ombros. — Liam tentou comprar a Tron antes
de mim. — Meu coração estava disparado de alívio e medo. — Kara
nem mesmo trabalhava comigo quando isso aconteceu.
— É o que parece.
— Caralho, tio! — Coloquei as mãos na cabeça. — Fui injusto
com ela, e aqui estava eu, querendo ir até sua casa e dizer que a
perdoava e entendia! Ela é quem tem que me perdoar!
Graham pôs a mão no meu ombro.
— Boa sorte! Vai atrás dela logo!
Não demorei um segundo para processar aquelas palavras, e
minhas pernas se moveram rapidamente, meu corpo impulsionado
pelo desejo de acertar as coisas com a mulher que eu amava e pelo
medo, sim, verdadeiro pavor, de perdê-la.
Poderia apostar, pelas expressões de completo espanto das
pessoas pelas quais passei na minha saída desesperada da
empresa, que os funcionários estavam me achando completamente
maluco. Não tomei conhecimento de ninguém, não parei, não olhei,
não cumprimentei; tinha apenas um objetivo à minha frente e,
enquanto não o alcançasse – com ou sem êxito –, não iria perceber
mais nada ao meu redor.
Como havia ido até o escritório naquele dia sem carro, senti-
me aliviado ao ver Basil no estacionamento, lustrando o Mercedez,
a postos se eu precisasse de seus serviços. Não seria o caso
naquele dia, e ele se deu conta disso quando entrei no carro, sem
ao menos cumprimentá-lo, atrás do volante e dei a partida no
automóvel que nunca tinha dirigido desde quando havia sido
adquirido.
Basil se afastou do veículo – talvez lendo em meus olhos
algum tipo de loucura –, e eu arranquei com o carro, tirando-o o
mais rápido possível da garagem no subsolo do prédio.
Tive que prestar atenção ao trânsito, porque, naquele horário,
as vias estavam cheias de pessoas que estavam deixando seu
trabalho para ir almoçar, e a demora causada por aquele tumulto me
deixou ansioso e agitado. Eu repassava em minha cabeça tudo o
que iria falar para Kara, porém o mais importante de tudo era não
cometer o erro que havia cometido mais cedo naquele dia: não
começar a conversar dizendo a ela que a amava.
Inconscientemente comecei a fazer uma prece, pedindo
ajuda aos Céus que eu conseguisse convencê-la dos meus
sentimentos e que ainda me achasse digno de ter uma nova
chance. Eu havia magoado Kara mais de uma vez, e era bem
possível que ela não me quisesse de volta.
Não! Tentei parar aquele pensamento derrotista. Eu não tinha
que pensar em derrota sem nem mesmo ter tentado.
Quando finalmente parei em frente à casa de Rosalia,
primeiro local que pensei em que Kara estaria, desci do carro
atabalhoadamente, tropeçando nas coisas e toquei a maldita
campainha da casa tantas e tantas vezes que o som do
equipamento já estava gravado na minha memória. Como ninguém
foi me atender, dei uma espiada em uma das janelas que estavam
sem cortinas e não notei nenhum movimento na casa.
Respirei fundo e meus olhos foram para o final daquela
mesma rua. Meu coração acelerou e corri até a casa da mãe de
Kara, torcendo para que ela estivesse por lá ou sua mãe
conseguisse me dizer onde eu poderia encontrá-la.
Bati à porta com força, várias vezes seguidas, fazendo a
madeira tremer. Não demorou muito e Rosalia, visivelmente
enfurecida, apareceu.
— Eu não acredito na sua cara de pau! — gritou antes
mesmo de eu abrir a boca para perguntar por Kara.
Aquela reação já me provava que ela não só estava ali, como
já havia contado à amiga o que aconteceu.
Caralho! Minha vontade era simplesmente empurrá-la para o
lado a fim de que saísse do meu caminho e entrar na casa para falar
com quem eu havia ido encontrar, mas tentei me acalmar, pois sabia
que Rosalia era como uma irmã para ela.
— Eu preciso falar com Kara.
Rosalia afastou as pernas, aprumou o corpo e cruzou os
braços, encarando-me como se quisesse me fuzilar. Acho que, se
tivesse uma arma consigo, certamente o faria!
— Eu avisei que, se fizesse merda com ela de novo, teria que
se ver comigo, não avisei? Acha que simplesmente vai chegar aqui
dizendo que quer falar com ela e vamos nos curvar, atendendo ao
seu desejo, assim, sem uma única explicação do motivo que fez
minha amiga chegar em casa arrasada, chorando feito uma criança?
Se Rosalia tivesse me estapeado, eu não sentiria tamanha
dor como senti quando ela revelou que Kara havia chorado. Sabia
que a tinha magoado de novo e saber que a fiz chorar mais uma vez
me cortou o coração, feriu-me de verdade. Prometi a mim mesmo
que aquilo nunca mais aconteceria se ela me perdoasse.
— Houve um mal-entendido e... — comecei a justificar, mas o
olhar de descrença dela me fez voltar à razão. Eu não tinha que dar
satisfações a ela, tão somente à Kara. — Meu assunto não é
contigo!
Perdi a paciência e avancei. Rosalia ainda tentou impedir,
mas, apesar de ser obstinada, a mulher não chegava à altura do
meu peito, e rapidamente a tirei do caminho.
Entrei na casa – onde outrora havia sido bem recebido – e
percebi o clima tenso assim que me encontrei com Johanna na sala,
mas não prestei atenção a ela, notando os olhos inchados de Kara e
sua expressão assustada por me ver ali.
Deus, eu preciso consertar as coisas!
— Kara, nós precisamos...
— Saia da minha casa imediatamente, senhor Moore. —
Johanna me interrompeu séria, severa, e a pequena mulher pareceu
crescer diante de mim para proteger sua filha. — Eu não o convidei
a entrar, e invasão de propriedade ainda é um crime muito sério
neste país!
Admirei-a por aquela postura. Não faria diferente se um filho
da puta houvesse magoado minha filha, porém a ignorei como fiz
com Rosalia, simplesmente porque necessitava conversar com
Kara.
Apenas com Kara!
— Kara, por favor...
— Saia — ela ordenou entredentes, sua voz trêmula. — Não
temos nada mais a falar.
Ela saiu em disparada para o interior da casa, e eu tentei
segui-la, mas fui impedido por sua mãe, que ergueu um dedo na
minha direção e disparou:
— Fique onde está! — O tom autoritário não admitia
desobediência, e eu parei. — Não me meti quando desconfiei que
estava acontecendo mais do que uma simples relação de trabalho
entre o senhor e minha filha. Não o fiz porque conheço minha Kara
e sabia que ela nunca faria nada que não quisesse fazer. Vocês são
adultos e, apesar da diferença entre ambos, acreditei que algo
especial podia estar acontecendo desde o dia em que você esteve
em minha casa e que conversamos.
— Senhora Çelik, eu cometi um erro hoje e gostaria de tentar
consertar as coisas com sua filha. — Tentei ser humilde, mas sem
entrar em muitos detalhes.
— Minha filha não quer conversar com o senhor.
— É, ela não quer! — Rosalia reafirmou às minhas costas.
Anuí.
— Eu a magoei, tenho consciência disso, mas prometo que
isso não voltará a acontecer.
Rosalia riu.
— Não é a primeira vez que promete isso!
Encarei-a.
— Não, não é. — Bufei.
— Então acho que é melhor o senhor sair e deixar minha filha
em paz.
Voltei a olhar para Johanna e senti um aperto enorme no
peito.
— Não posso. — Meus olhos arderam, e vi os dela se
abrirem espantados.
Ela deu um passo em minha direção.
— Por quê?
Engoli em seco, meus lábios tremeram, olhei para o corredor,
onde Kara havia desaparecido, e admiti em voz alta, desejando que
ela pudesse escutar:
— Porque eu a amo.

As pedras de gelo tilintavam no copo de uísque enquanto eu


andava de um lado para o outro. Sempre me julguei um homem
paciente, que sabia esperar o melhor momento para tirar o maior
proveito de cada situação, contudo aguardar quando o que estava
em jogo não era meu bolso, mas sim meu coração, era muito
diferente.
Era necessário, eu sabia, por isso estava recolhido,
trabalhando de casa, basicamente existindo, enquanto os dias iam
passando.
Estava seguindo um conselho – coisa que eu odiava dar ou
receber – de Johanna Çelik, deixando a poeira baixar para que Kara
pudesse me ouvir sem toda a mágoa latente que causei ao acusá-la
injustamente apenas por estar com ciúmes.
A verdade era aquela! Nunca desconfiei que Kara pudesse
me trair nos negócios, mas saber que ela ainda mantinha uma certa
relação, mesmo que apenas cordial, com Liam Stanton, havia me
tirado do eixo e, como nunca havia sido um homem inseguro para
nada, foi difícil, para mim, entender o que estava acontecendo.
Descobri que eu era uma bagunça com relação a
sentimentos e relações pessoais, tanto que, ao me dar conta disso,
fui imediatamente visitar minha mãe, a quem não via fazia algum
tempo, para entender o motivo de tanto bloqueio emocional.
Ela riu quando lhe contei o que havia acontecido e como eu
estava lidando com aqueles dias longe de Kara.
— Eu sempre achei que, em algum momento, ser o Iceman,
o Homem de Gelo, ia te incomodar — disse, mexendo
carinhosamente nos meus cabelos. — Você não era assim quando
criança, filho, era todo sentimento, carinhoso, amoroso, mas, depois
da separação, foi se fechando e focando cada vez mais nos seus
estudos e... — Suspirou. — Era mais fácil, para mim, fingir que não
via nada e apenas me orgulhar do gênio que você era.
— Você não teve culpa, mãe. — Abracei-a. — As coisas
foram como deveriam ser.
Ela riu e concordou.
— Achei que nunca chegaria o dia que te veria apaixonado
desse jeito. — Beijou minha testa. — Ela deve ser muito especial.
— Ela é, mãe! Kara é fantástica! Espero que consiga, um dia,
trazê-la aqui para conhecer vocês.
— Eu aposto que vai!
Passei dois dias com minha família e senti um certo alívio
tendo todo o conforto e o carinho das pessoas que me amavam.
Estava me sentindo derrotado, e alguma coisa me incomodava
naquela inércia toda.
Minha irmã, talvez por me conhecer bem e ser uma estudiosa
da mente humana, levou-me até o aeroporto e, no caminho, quando
expressei minha insatisfação por dar aquele tempo necessário à
Kara, riu e me deu o melhor conselho do mundo:
— Dê tempo a ela, sim, mas não a deixe esquecê-lo. —
Piscou. — Você pode se manter afastado, mas não a deixe pensar
que é porque não quer estar junto dela.
— Como assim?
— Sean! — Gargalhou. — Você é bem inteligente para saber
o que deve fazer! Ganhe-a pelo cansaço! — Riu. — Nós adoramos
um homem que não desiste da gente.
— Mas a mãe dela disse que é melhor que eu não insista em
querer vê-la.
— E ela tem razão, mas você pode se fazer presente sem
estar presente.
Foi a partir daquele dia que comecei a operação “não deixe
Kara te esquecer”. Como um bom romântico que nunca fui, apelei
para o maior clichê de todos.
Não sabia se estava surtindo algum efeito, porque ela
continuava em silêncio, e eu não esperava mesmo que viesse me
procurar, contudo, dias depois, um movimento inesperado me
encheu de desespero, mas também de esperança e incredulidade.
Uma proposta inesperada, um gesto altruísta e a
possibilidade de finalmente resolver as coisas.
A sorte foi lançada!
43 – Kara

— Chegou mais um! — A voz animada de minha mãe


sacudiu meu coração. Novamente fingi não me importar, mas
aguardava ansiosamente cada nova entrega feita na minha casa.
Ela apareceu com um sorriso radiante e uma cesta enorme
com queijos, pães e doces. Reconheci algumas das iguarias que
comemos em uma lojinha artesanal da Suíça.
Mamãe me entregou o cartão e conferi mais uma mensagem
de Sean:
“Você me fez relembrar das coisas simples que eu amava
quando criança.”
Meus olhos se turvaram de lágrimas, e os momentos que
passamos naquele chalé alpino vieram com força, fazendo crescer
ainda mais a saudade que eu estava sentindo dele.
Já havia se passado uma semana desde aquela manhã
fatídica no escritório e da visita que ele havia me feito à tarde,
quando eu me recusara a recebê-lo. Não queria conversar com ele
nem o ver, precisava colocar em ordem meus sentimentos e me
fortalecer para seguir em frente, afinal de contas, ele não havia me
procurado mais, e eu sinceramente achei que tudo estava resolvido.
Foi então que, havia alguns dias, começaram a chegar
presentes à minha casa. Nada caro e a maioria com algum
significado. Vinham acompanhados por cartões e pequenas
mensagens que estavam alimentando minha esperança. Ainda
estava magoada, pois, mesmo que ele tenha descoberto que eu
nada tive a ver com a perda do negócio na Turquia, fui a primeira
pessoa de quem ele desconfiou, e isso me doía profundamente.
Os presentes foram uma surpresa depois de um silêncio
opressor e, mesmo sabendo que fui eu quem disse que não
tínhamos mais nada a falar, internamente esperei que ele insistisse
e, como não o fez, entendi que chegara à conclusão de que eu não
valia a pena.
— Por que será que, de repente, ele começou a enviar essas
coisas? — questionei, olhando minha mãe.
Ela deu de ombros.
— Deve ter sido o jeito que ele arrumou para falar contigo,
mas sem falar diretamente. — Ela sorriu. — De qualquer forma, a
mensagem está clara, não?
— Não. Eu entendo que ele está demonstrando que sou
importante em sua vida, mas até que ponto? Até a próxima
desconfiança? Até a próxima fuga por não saber lidar com algo
novo? Nunca estive apaixonada antes e nem por isso corri para as
montanhas quando aconteceu!
— As pessoas são diferentes, Kara. Talvez, se você
aceitasse conversar com ele...
Respirei fundo, negando.
— Ainda não sei como vou reagir quando o vir, mãe. Não sei
se estou pronta para ter certeza de que ele não sente o mesmo que
eu sinto por ele.
Ela riu.
— Está temendo à toa, minha filha! — Apontou em volta as
dúzias de buquês espalhadas pela casa, muitos sem vaso, pois
chegavam de hora em hora.
Ergui-me.
— Sean deveria saber que o dinheiro dele e o que ele pode
comprar não importam para mim. — Deixei o bilhete numa mesinha.
— Eu preciso juntar meus cacos e voltar a trabalhar. Falei com Holly
ontem, e ela disse que Tom já havia voltado da licença médica. É
hora de eu conversar com Graham Moore e cobrar minha colocação
em outra empresa do grupo.
— Converse primeiro com Sean, filha.
Não respondi e segui para o meu quarto, onde uma bexiga
flutuava. Ela tinha o mesmo formato e as mesmas cores do balão
em que voamos juntos na Capadócia, onde havia sido nosso
primeiro beijo. Abri novamente o cartão pendurado nele e solucei
lendo como ele havia narrado a vontade que teve de me beijar e
como foi especial.
Acariciei a letra dele no papel, e seu perfume único voltou à
minha memória, fazendo com que eu respirasse mais fundo, como
se pudesse captá-lo. Mas não podia, era apenas uma memória
olfativa.
— Eu não sei o que fazer... — sussurrei. — Estou morrendo
de saudades, queria correr para os braços dele, mas não posso
simplesmente aceitar o modo como me tratou.
Fiz uma pequena oração, pedindo ajuda aos Céus para que
iluminassem meu caminho e me mostrassem para onde eu deveria
ir. Em algum momento, teria que conversar com ele, ouvir o que
tinha a me dizer e expor também tudo o que eu estava sentindo.
Em algum instante teria que dizer a ele que eu o amava e
que não poderia mais seguir daquela forma, sem ser correspondida.
— Kara? — minha mãe me chamou do outro lado da porta
fechada, com uma leve batida à madeira. Imediatamente meu
coração disparou e segurei um pouco a respiração, imaginando que
Sean finalmente tinha aparecido para conversar.
O que eu devo dizer? Como devo agir?
— Kara, filha, você tem uma visita!
Oh, Deus! Passei a mão no rosto e corri até o espelho para
ver se meus olhos estavam muito vermelhos.
— Quem... é? — Tomei coragem de perguntar e abri a porta.
Mamãe sorriu, mas sem muita animação. — Disse que é um amigo
seu, Liam Stanton.
Dizer que fiquei surpresa era o mínimo. Eu estava estarrecida
com aquela visita, ainda mais depois de tudo o que tinha acontecido
e o que eu estava sentindo naqueles dias.
Fiquei olhando para minha mãe sem saber o que dizer, e
acho que meu espanto foi tanto que ela percebeu.
— Devo pedir a ele para voltar em outro momento? —
perguntou baixinho.
— Não — respondi, ainda um tanto anestesiada pela
surpresa. — Eu vou falar com ele, mãe.
Ela enrugou a testa.
— Tem certeza?
Assenti, saindo do quarto e seguindo pelo corredor até o
homem moreno e alto entrar na minha linha de visão. Assim que me
viu também, sorriu, as mãos nos bolsos, o olhar de admiração de
sempre.
— Kara! — cumprimentou-me. — Como vai?
Esperei minha mãe passar por nós e seguir para a cozinha e
o encarei.
— O que faz aqui, senhor Stanton?
Liam ergueu uma sobrancelha.
— Estive tentando falar contigo, mas seu telefone...
— Está desligado.
A postura dele mudou de descontraída para algo mais rígida,
mais formal.
— Você soube da Tron, não foi?
Ri amarga.
— Até agora não entendi qual era o seu jogo. Queria
conseguir informação ou...?
— Não tinha jogo algum. Estou há mais de um ano tentando
negociar com essa empresa, por isso estava na Turquia quando nos
conhecemos. — Riu. — E, quando Moore apareceu com a desculpa
esfarrapada de estar de “férias” com uma suposta namorada...
Arregalei os olhos.
— Então você sabia que eu trabalhava para ele?
— Sabia, Kara. E no começo achei mesmo que era apenas
uma farsa, mas depois percebi que acontecia realmente algo entre
vocês. Tive a certeza quando ele sumiu e te deixou daquele jeito.
Desviei os olhos, constrangida.
— O que você queria comigo, afinal?
Liam pegou no meu queixo.
— Conhecer você melhor, mas cheguei tarde, não? —
Concordei com a cabeça. — Pois é... sorte nos negócios, azar no...
— Você sabia que Sean também estava interessado na Tron?
Ele aquiesceu.
— O mesmo filho da puta que me repassou a informação da
tecnologia que eles estavam desenvolvendo vendeu-a para Moore.
Era uma corrida de quem convencia Abdullah primeiro. — Sorriu. —
Moore irritou o homem ao tentar derrubá-lo através do conselho, e
eu levei a vantagem.
Suspirei.
— Ele achou que eu estava espionando para você.
Liam gargalhou, levando meu comentário na brincadeira,
mas, quando percebeu que eu estava séria, parou.
— Espera... Moore demitiu você?
Dei de ombros.
— Não sei, mas me acusou.
Minha mãe entrou na sala com um sorriso tenso e colocou
sobre a mesinha uma bandeja com água e duas xícaras de café.
— Por que vocês não se sentam para conversar?
Liam agradeceu a ela e elogiou o cheiro do café, mas minha
cabeça não conseguia ficar presa ao diálogo entre eles, apenas
processava tudo aquilo que ele havia me dito sobre como as coisas
aconteceram. Uma pergunta martelava minha mente a todo instante:
será que Sean sabia?
Vi quando ele pareceu se dar conta da quantidade de flores
na sala e dos cartões – com a letra de Sean – em cima da mesinha
onde minha mãe havia colocado a bandeja. Sentei-me na poltrona
de frente para ele e fui direto ao assunto:
— O que o senhor queria falar comigo?
Respirou fundo.
— Tinha uma oferta para lhe fazer. — Sorveu um gole do
café. — Uma oferta profissional, agora que fechei com a Tron. —
Novamente ele me deixou surpresa. — Vou precisar de alguém de
confiança em Istambul e, como você é cidadã turca, fala bem o
idioma...
— Não tenho interesse, mas obrigada pela oferta. — Cortei-o.
Liam sorriu.
— Imaginei que seria essa sua resposta. — Ele ficou um
tempo me olhando e depois observou os cartões na mesa, antes de
voltar a me encarar. — E se o trabalho for em Nova Iorque?
— Como assim?
Ele se ajeitou no sofá.
— Vamos presumir que Moore realmente a demitiu ou que
você não queira mais trabalhar com ele. Eu ficaria feliz em tê-la em
minha equipe.
Eu estava cada vez mais confusa.
— Por que eu?
— Soube do trabalho que realizou na Gaea, principalmente
com os acionistas. Eles falaram muito bem da senhorita. Sei que é
esforçada, determinada e quer crescer e admiro essas qualidades
em uma pessoa. Tive que trabalhar muito para chegar aonde
cheguei, não nasci em berço de ouro, mas também sei reconhecer
as pessoas que me deram oportunidade. — Ele se aproximou. — É
isso que estou fazendo agora, Kara.
Minha pulsação acelerou e a cabeça começou a processar
todas aquelas palavras. Eu não tinha ideia de como ficaria meu
futuro na Gaea depois de tudo, mas não me sentia bem em
trabalhar com Liam depois do que houve com a Tron.
— Eu não sei o que dizer.
Ele assentiu, terminou de tomar o café e se levantou.
— Vamos fazer o seguinte: eu a convido para ir até Nova
Iorque e conhecer toda a equipe que trabalha comigo. Meus
negócios não são tão diversificados como os de Sean, nem a
empresa é grande como a dele, mas estamos crescendo. Aceita?
Suspirei.
— Preciso resolver primeiro minha situação na Gaea.
— Entendo e aprecio sua lealdade, mas é uma visita informal,
sem nenhum compromisso.
Olhei para o lado e vi minha mãe na porta da cozinha
fazendo sinal de positivo para mim.
— Tudo bem. Eu vou até lá conhecer sem nenhum
compromisso.
— Ótimo! — Sorriu. — Estou indo para lá hoje, mas mando
alguém entrar em contato e combinar sua ida. Pode ser?
Anuí e o acompanhei até a saída, ainda sem entender tudo o
que estava acontecendo.
— Filha, o moço veio te oferecer emprego?
Fechei os olhos.
— Ai, mãe, não sei se devo ir!
— Por causa do senhor Moore? — Concordei. — Fale com
ele e resolva a situação de vocês de uma vez.
Meu coração se apertou de medo.
— Não sei se estou pronta para isso, mãe. Sean me magoou
demais.

Como prometido, dias depois de Liam ter estado na minha


casa, chegou ao meu e-mail as informações de embarque e de
hospedagem em Nova Iorque. Um carro enviado por Liam iria me
buscar no aeroporto e me levaria diretamente para o hotel. Logo
depois eu iria para o escritório, na outra parte de Manhattan.
Assim que aquela viagem se tornou real, senti a necessidade
de conversar com Sean. Até rascunhei uma mensagem, mas não
tive coragem de enviá-la. De qualquer maneira, eu já havia decidido
que, mesmo indo conhecer a equipe de Liam, não aceitaria o
trabalho.
No dia marcado, na sala de espera do aeroporto, aguardando
o plano de voo do jatinho de Liam ser aprovado para eu embarcar,
meu coração se apertou e senti vontade de desistir da viagem.
— Senhorita? — uma moça da tripulação me chamou. —
Podemos embarcar.
Fiquei parada, olhando para a mulher, sem conseguir me
mover. A única coisa em que pensava fazer realmente era conversar
com Sean. Eu estava pronta!
— Pode me dar um minuto? — inquiri, e a moça assentiu.
Afastei-me dela, peguei meu telefone e, para não ficar
mudando palavras e revisando a mensagem até que ela não
passasse de algo que eu não queria dizer, liguei para o número
pessoal de Sean.
Respirei fundo enquanto esperava a ligação completar,
coração disparado, mãos suadas e várias frases passando pela
minha cabeça, construindo diálogos longos e com tantas variantes
que uma leve dor de cabeça começou a se instalar.
Dei um pequeno pulo de susto quando ouvi o primeiro e
longo som de chamada e admiti que não teria mais volta: ele veria
minha ligação, mesmo se não a atendesse. A cada novo som sem
resposta, crescia minha ansiedade, e comecei a andar dentro da
sala de espera sob os olhares dos funcionários e da comissária que
aguardava meu embarque.
Estava distraída, acompanhando os toques sequenciais da
chamada, sempre esperando o próximo e já me convencendo de
que ele não queria me atender, quando:
— Kara?
Perdi o fôlego num instante, minhas pernas ficaram como se
fossem gelatina e o som da minha voz não saía, embora minha
mente estivesse congestionada de palavras.
— Kara, você está bem? — A voz de Sean soou preocupada.
Respirei fundo.
— Não, não estou bem. — Assumi a verdade e comecei a
chorar, soluçando como criança, gaguejando, tentando dizer a ele
tudo o que, durante todos aqueles dias, eu ensaiei dizer: — Eu...
você...
A comissária se aproximou de mim e, com uma voz baixinha
– e olhar assustado –, informou que necessitávamos embarcar.
Neguei.
— Desculpa — sussurrei.
Imediatamente ela entendeu que eu não entraria no avião e
voltou para perto do balcão, onde pegou o telefone, provavelmente
para informar o resto da equipe.
— Kara? — Sean voltou a me chamar. — Kara, onde... — De
repente a ligação dele ficou muda por uns instantes.
Funguei e decidi começar a falar devagar:
— Eu não estava pronta para te ver, por isso não o recebi
naquele dia e pensei que você não se importava, porque depois
sumiu, mas começaram a chegar os presentes...
— Você está pronta para me ver agora? — ele perguntou,
inseguro, sua fala pausada.
— Estou.
A ligação caiu, e eu olhei para o aparelho sem entender,
porque havia sinal e bateria. Provavelmente tinha acontecido algo
com a linha de Sean. Sequei os olhos, fui até o sofá onde estava
minha pequena mala de mão, quando alguém estendeu um copo
d’água na minha direção.
— Obrigada! — Peguei-o e me virei, porém não consegui
beber.
Parado, bem-vestido e visivelmente emocionado, estava à
minha frente o homem que eu amava.
— Como você sabia...
Sean sorriu.
— Vem, eu te explico tudo. — Estendeu a mão para mim, e
eu a peguei, sentindo novamente aquela emoção que sempre
esteve à nossa volta quando nos tocávamos por qualquer motivo.
A comissária sorriu para mim ao pegar o copo, e eu o
acompanhei para fora da sala, esperando sairmos do aeroporto, no
entanto entramos no carro que fazia o transporte até o jatinho.
Olhei-o confusa, e ele sorriu.
— Já te explico o que está acontecendo. — Seus olhos
brilharam. — Mas preciso admitir que gostei muito mais da forma
como as coisas aconteceram do que como Stanton planejou.
— O quê?
Ele não respondeu, apenas me abraçou apertado e pareceu
soluçar.
O que estava acontecendo?
44 – Sean

Parecia um sonho que Kara estivesse nos meus braços


novamente. Um sonho lindo, depois de noites insones e pesadelos à
espreita. Eu me sentia aliviado, mas não completamente, por ela ter
me ligado antes que tivesse embarcado. Estava temeroso da sua
reação se soubesse que eu estava esperando por ela dentro do
jatinho de Stanton.
Parecia coisa de filme, mas era isso. Liam planejou um modo
de ela conversar comigo – querendo ou não –, e eu, sem
alternativas melhores, literalmente embarquei em sua ideia.
Ainda não conseguia acreditar no que ele havia feito,
aparecendo em minha casa sem ser convidado.
— Senhor Moore? — Gina apareceu no escritório no andar
térreo da mansão. — O senhor tem visita.
Parei de ler o documento e franzi a testa, sem entender,
afinal de contas, ela sabia que, naqueles dias, eu não estava
recebendo ninguém.
— Mande embora — rosnei, sem querer saber de quem se
tratava.
Ela elevou o queixo.
— Eu tentei, senhor, mas se recusa a ir.
Ergui-me da poltrona.
— Chame a polícia! Quem é essa pessoa?
— É o senhor Liam Stanton.
Balancei a cabeça, temendo não ter ouvido corretamente,
mas era mesmo o desgraçado do Stanton ali, em minha casa.
— Chame a... Não! — Ergui a mão. — Deixe comigo, Gina,
pode voltar para o que estava fazendo antes.
Ela assentiu e saiu da sala.
Liam Stanton!, pensei no desgraçado enquanto me servia
uma generosa dose de uísque. Além de ardiloso, filho da puta, ainda
era sem educação! Eu não deveria esperar nada diferente de um
sujeito como ele.
Fui andando calmamente – completamente o contrário de
como estava me sentindo – até o hall de entrada da propriedade e,
assim que o vi, apertei o cristal do copo.
— Forçar entradas em locais onde não é bem-vindo é mais
uma de suas façanhas, Stanton?
Ele deu de ombros.
— Não vim aqui para brigar, Moore.
Ri alto.
— Não sujo minhas mãos com gente da sua laia, não se
preocupe. Quero apenas entender o que o faz crer que desejo
conversar contigo, principalmente em minha casa.
— Kara.
Uma pequena palavra, um nome de apenas quatro letras
proferido por ele, e o Lobmeyr[13] em minha mão se partiu no chão
para logo em seguida eu andar até onde ele estava e segurá-lo
firme pelo colarinho.
— Quem é você para falar o nome dela?! — As palavras
saíram cuspidas de raiva. Liam ficou momentaneamente
desconsertado, mas depois voltou a usar a máscara de homem
tranquilo de sempre.
— Sou amigo dela e estou aqui por consideração a ela, não a
você.
Aquilo me irritou ainda mais.
— Enfia a sua consideração no cu, seu filho da puta
sorrateiro!
Stanton respirou fundo.
— Não vim falar de negócios. Você e eu sabemos como esse
mundo funciona e não vou me desculpar por fazer bem o meu
trabalho. Não é por isso que vim aqui!
— Nem deveria ter vindo! — Comecei a arrastá-lo para fora
da sala.
Liam era alto como eu, porém em um estilo mais slim,
elegante, enquanto eu gostava de ser forte e pesava muito mais do
que ele.
— Eu vim pela Kara! — gritou. — Ela está sofrendo, seu
desgraçado!
Parei de andar.
— E como você sabe disso?
Liam balançou a cabeça.
— Fui vê-la. — Minha mandíbula se contraiu. — Kara está
abatida, acho que até mais magra e...
— Fique longe dela! — Sacudi-o, gritando. — Por sua
causa... por sua...
— Ela me contou o que aconteceu. — Suspirou. — Na
verdade, ela não me recebeu bem, nunca a vi tão furiosa. — Sorriu.
— Moore, aquela mulher te ama.
Ouvir aquilo me desarmou, e eu o soltei. Sentia mágoa, uma
certa dor de cotovelo por ela tê-lo recebido, mas queria entender o
motivo pelo qual Liam tinha ido me procurar.
— O que você quer aqui, Stanton?
— Ajudar.
Ri amargo.
— Não preciso da sua ajuda!
— Mas eu quero dá-la mesmo assim, por Kara.
O ciúme me consumiu.
— Você a queria, não é?
Deu de ombros.
— Ela me chamou a atenção, sim, e eu achei que a história
de vocês era apenas atuação para justificar sua presença na
Capadócia. — Encarou-me. — Percebi que não era e mais cedo,
quando a visitei, tive a certeza de que o que você sente por Kara é o
mesmo que ela sente por você.
— E o que isso importa a você?
— Realmente, não muito, mas fiquei com dor na consciência
por saber que minha relação de amizade com ela motivou a briga de
vocês. — Seu olhar era condenatório. — Acusá-la de ser espiã! Que
ideia mais absurda, Moore!
— Eu não podia imaginar que você tinha as mesmas
informações que eu ou que tivesse ido atrás de Abdullah.
— Esse é o segredo do negócio, não? Eu também não sabia
do seu interesse pela Tron, não até encontrá-lo na Turquia e vê-lo
cercar os acionistas da empresa.
— Não quero falar disso, já é assunto encerrado. — Cortei-o.
— Como você acha que pode ajudar Kara?
Ele riu.
— Ajudar vocês dois! — ressaltou. — Kara está magoada
com o que você fez e não é a primeira vez...
— Vá se foder! — explodi, sabendo que ele se referia a
quando a trouxe de volta para Chicago.
— Enfim, vi seus cartões e suas flores na casa dela. — Eu ia
falar algo, mas ele não permitiu. — A mãe dela foi chamá-la no
quarto, fiquei sozinho na sala e bisbilhotei um pouco.
— Por que foi procurá-la?
— Fui oferecer uma colocação na minha equipe que vai
trabalhar com a Tron.
Meu coração disparou ao imaginar que Kara pudesse ter
aceitado trabalhar com ele e, pior, se mudar para Istambul.
— Ela aceitou? — perguntei receoso.
— Não, ela não está em condições de pensar nisso agora,
mas a convenci a visitar meu escritório em Nova Iorque. — Fechei
os punhos, sentindo raiva. — Como ela ainda não sabe como ficará
a sua situação no emprego atual, seria uma boa ideia ter opções.
— O emprego dela está garantido independentemente do que
acontecer entre nós.
Liam sorriu.
— Muito bom ouvir isso, não esperava diferente.
Minha paciência com ele já havia esgotado, então pedi que
fosse direto ao assunto e revelasse por que estava na minha casa.
— Kara acha que vai para Nova Iorque daqui a dois dias, no
meu jatinho. Disse a ela que já estaria na cidade, esperando-a, mas,
na verdade, estou indo para Istambul hoje à noite.
— Não entendi...
Liam suspirou.
— Você vai estar num jatinho alugado esperando-a e vai
“sequestrá-la” para algum lugar tranquilo para conversarem a sós.
— Isso é ridículo!
Liam colocou a mão no meu ombro.
— Não, amigo, isso é romântico! Se eu tivesse alguma
dúvida de que Kara não o amasse, nunca planejaria algo assim,
mas acontece que não tenho dúvidas e... — olhou-me de cima a
baixo — também não tenho nenhuma com relação ao que você
sente por ela.
Pensei que aquela ideia era uma verdadeira loucura e que eu
não podia cogitar um absurdo daqueles. Hipócrita!
Nos dois dias que faltavam para a “tal viagem” de Kara,
planejei tudo para sumir por alguns dias do mapa com ela. Não
conseguiria sair dos Estados Unidos por não ter o passaporte dela,
então lembrei-me de um lugar que havia comprado anos atrás e que
nunca realmente o tinha utilizado.
No dia combinado com Stanton, eu estava uma pilha de
nervos, temendo algo dar errado ou que ela simplesmente se
negasse a ir comigo. Provavelmente eu teria coragem de sequestrá-
la, mas não queria chegar a esse ponto para que pudéssemos nos
acertar.
Quando tudo ficou pronto no aeroporto, embarquei primeiro e
fiquei esperando. Os minutos pareceram horas e, de repente,
chegou a notícia de que ela havia pedido um tempo antes de
embarcar.
Fiquei lívido, achei que Kara tivesse descoberto algo sobre o
plano e, quando meu telefone tocou e o nome dela apareceu na
tela, atendi tendo a certeza de que ela iria brigar comigo por conta
daquela loucura, xingar-me e pedir que eu nunca mais me
aproximasse dela.
A sua voz me pareceu triste e cansada, mas não raivosa.
Havíamos trocado apenas algumas palavras quando a equipe de
bordo foi avisada de que ela não embarcaria. Entrei em desespero,
estava prestes a revelar-lhe que eu estava esperando-a no jatinho,
quando ela disse:
— Eu não estava pronta para te ver, por isso não o recebi
naquele dia e pensei que você não se importava — fungou —,
porque depois sumiu, mas começaram a chegar os presentes...
— Você está pronta para me ver agora? — perguntei de
forma calma, voz baixa, coração na mão e esperança nas alturas.
— Estou.
Senti-me explodir de felicidade com aquela resposta. É claro
que não significava ainda que ela havia me perdoado, mas poder
conversar com ela, contar-lhe como me sentia e, principalmente,
descobrir se ela correspondia aos meus sentimentos era melhor do
que ficar naquela aflição em que estava nos últimos dias.
Saí do avião feito um louco, correndo pela pista sob os
olhares assustados dos trabalhadores da área, e cheguei em tempo
recorde à sala VIP onde os passageiros de jatos particulares
ficavam esperando o momento de embarque.
— Sean? — Kara me chamou, e eu me concentrei nela,
confirmando que estava mesmo ao meu lado, não era um sonho,
como eu havia tido naqueles dias em que estávamos distantes. — O
que está acontecendo?
Sorri.
— Eu ia sequestrá-la — confessei, e ela arregalou os olhos.
— Nunca pensei que fizesse nada desse tipo algum dia, mas, por
você, eu estava disposto a tudo. — Ergui a sobrancelha. — Inclusive
de aceitar esse plano maluco de Liam Stanton.
Kara pareceu ainda mais surpresa.
— Liam e você planejaram me sequestrar?
— Ele deu a ideia, eu comprei, e aqui estamos. — Acariciei
seu rosto. — Mas gostei mais do plot que você deu à história.
— Eu não consegui embarcar, não sem falar contigo. Passar
o dia em Nova Iorque conhecendo outras pessoas não era o que eu
queria, mesmo que soubesse que não iria aceitar o emprego. Só
havia uma pessoa com quem eu queria conversar.
Suspirei.
— Por que demorou tanto?
Os olhos dela se encheram de lágrimas.
— Você me feriu.
— Eu sei. — Beijei sua testa. — Eu fui um idiota, ciumento.
Nada daquilo teria acontecido se eu não estivesse morrendo de
ciúmes de sua amizade com Stanton.
— Ele te contou o que houve? Foi por isso que tentou falar
comigo...
— Não. — Interrompi-a. — Minutos depois que você deixou a
sala, mesmo sem saber ainda o que estava por trás daquele
negócio frustrado, eu decidi que iria atrás de você. — Encarei-a. —
Ainda que você realmente tivesse feito algo para que eu perdesse
aquela negociação, o que não fez, eu não me importaria.
Kara apertou os lábios antes de perguntar:
— Por quê?
Senti um nó na minha garganta e um frio na barriga. Havia
chegado o momento de rasgar meu peito, de dizer a ela palavras
que nunca havia dito a mulher alguma.
— Porque eu amo você, Kara Çelik, e esse sentimento vale
mais do que qualquer aquisição bilionária que eu pudesse fazer.
Imaginei várias reações dela para aquele momento, mas não
o choro copioso que se seguiu. Mesmo assustado pelo inesperado,
abracei-a com força, consolando-a. Queria muito que ela me
dissesse como se sentia também, porém fiquei ali, com ela em
meus braços chorando feito uma criança.
Kara só parou de chorar quando chegamos ao nosso destino.
Ela tentou secar o rosto quando descemos do carro que nos levou
da sala de espera até o jatinho e ainda soluçava quando entramos
na aeronave.
O avião não era tão confortável quanto o meu, mas, como
faríamos uma viagem de pouco mais de duas horas até Nova
Iorque, ele iria servir. Não usei o meu porque certamente Kara
reconheceria a aeronave, o que, no final das contas, foi uma grande
besteira.
Nós nos acomodamos nas poltronas, uma ao lado da outra, e
seguimos todos os procedimentos de decolagem. Kara aceitou um
copo de água que uma comissária lhe ofereceu, e eu, uma dose de
uísque.
Estava nervoso, ansioso por causa do silêncio dela, temendo
que Kara não tivesse os mesmos sentimentos por mim. Não
importava, eu poderia conquistá-la, eu me esforçaria ao máximo
para que ela me amasse tanto quanto eu a amava.
— Sean? — ela me chamou baixinho quando a aeronave já
estava estabilizada no ar. — Esse jatinho não tem cabine dormitório,
tem?
Franzi a testa e neguei.
— Sente-se cansada?
Kara sorriu.
— Não. — Aproximou-se de mim. — Só queria fazer amor
contigo sabendo que você me ama.
Okay! Nenhuma conversa picante teria o mesmo efeito em
mim como as palavras dela tiveram. Meu pau latejou tão forte que
eu amaldiçoei aquela ideia idiota de Liam Stanton de eu alugar um
jatinho para que ela não desconfiasse antes de me ver.
Caralho! Se estivéssemos no meu jato, já estaríamos nus em
cima da cama, e as duas horas até Nova Iorque iriam passar como
se fossem minutos.
— Sean? — ela voltou a me chamar, e eu concentrei o resto
de sangue que havia no meu corpo – e que não estava no pau –
para usar meu cérebro e concentrar-me no que dizia. — Eu amo
você! Acho que me apaixonei por você desde nosso primeiro
encontro. — Riu. — Claro que não sabia disso, afinal de contas,
você era insuportável.
Congelei diante das palavras que tanto queria ouvir. Pisquei
várias vezes para ter certeza de que aquilo havia mesmo
acontecido, que Kara tinha acabado de dizer que me amava.
— Diga de novo — implorei.
Ela riu.
— Você era insuportável...
Gargalhei.
— Não, isso eu sempre soube! — Segurei o rosto dela entre
as mãos. — Diga que me ama.
Kara me beijou suavemente, então abriu seus enormes olhos
amendoados e me fitou cheia de sentimento.
— Eu amo você, Sean Moore Von Salis.
Suspirei, cheio de emoção, o peito inflado de felicidade e um
contentamento que nunca havia experimentado. Nada, nem mesmo
o negócio mais rentável do mundo, poderia se comparar ao fato de
que eu era amado por ela.
— Saiba que, a partir de agora, você me pertence e eu não
vou deixá-la ir nunca mais!
Kara riu.
— Isso parece um tanto implacável, senhor Moore!
Pisquei para ela.
— Eu sou implacável, senhorita Çelik!

Abri a porta de mais de dois metros de altura sem nenhuma


dificuldade, mas fiz uma careta quando o interior, completamente
vazio, apresentou-se a nós.
— Nunca pensei em mobiliar esta casa. Comprei-a pelo
investimento, porque o antigo dono liquidou a empresa e, como
estava com uma dívida altíssima, este patrimônio estava incluído.
Kara riu, dando um giro de 360 graus na enorme sala com
piso de mármore.
— Parece um castelo! — Aproximou-se das enormes janelas
que davam vista para o mar e para a praia deserta, usada apenas
pelos donos das mansões ao longo dela. — Eu sempre sonhei em
conhecer os Hamptons, só tinha visto pela televisão. — Riu. — Eu
amava Revenge.
Franzi a testa, sem ter ideia do que ela estava falando,
ansioso por tirá-la de lá para ir até o pequeno gazebo de praia que
eu vi sendo sacudido pelo vento ao longe. Iria escurecer dali a
alguns minutos, e eu queria poder aproveitar o pôr do sol ao lado de
Kara.
— Venha comigo! — Peguei-a pela mão, arrastando-a
apressado pelo enorme salão de mármore.
Kara riu do meu afobamento quando tentei abrir a porta para
sair no terraço que dava acesso à praia. Eu não me lembrava de ter
me sentido daquele jeito algum dia da minha vida, com as mãos
trêmulas, suando frio, desesperado para amá-la e matar de vez todo
o medo que senti de perdê-la.
— E as nossas coisas? — ela perguntou, apontando para a
sua pequena mala junto à minha, que abandonamos na entrada da
casa.
— Não iremos precisar delas!
Finalmente consegui abrir a porta e acessei a área de lazer
da casa, com sua enorme piscina, que tive que contornar para
encontrar a escada que descia para a areia da praia.
— Isso parece um labirinto! — reclamei, e ela riu.
— Sinta esse cheiro! — Kara parou, inalando devagar a
maresia. — A última vez que senti o cheiro do mar, estávamos em
Istambul.
O sorriso cheio de lembranças que ela deu me deixou mais
calmo e eu a abracei.
— Vai parecer cruel o que vou dizer, mas ainda bem que Tom
não pôde me acompanhar naquela viagem.
Ela assentiu.
— Ainda bem que você precisou de uma faxineira na noite
daquela reunião.
Ri, mais relaxado.
— Falando dessa maneira, posso começar a acreditar que
estava no nosso caminho nos encontrar.
— Mas estava! — afirmou. — Eu já te contei que, antes de te
conhecer, nunca tinha sentido nada por ninguém, nem mesmo
atração física? Não sabia, mas esperava por você! Jamais havia
sequer beijado alguém!
Puta que pariu! Não havia condições de ouvir aquela
declaração e ficar ali, parado no meio daquela escadaria.
Ergui Kara no colo e desci os degraus de pedra o mais rápido
que consegui. Quando finalmente chegamos à areia, branca e fina,
ela arregalou os olhos, vendo a tenda branca brilhando contra o sol.
— Sean! O que é aquilo?
— Nosso pequeno refúgio! Quando decidi te sequestrar para
cá, pedi que montassem. — Sorriu. — Eu esperava que desse tudo
certo.
Ela suspirou quando afastei uma das cortinas que protegia o
interior. No centro da tenda havia uma cama baixa sobre um enorme
tapete que nos manteria fora do contato com a areia. Ao lado da
cama estava uma mesa com frutas dispostas e, no chão, um cooler
cheio de bebidas.
— Isso parece um sonho! — Kara admirava tudo em volta.
— Você é um sonho! — Puxei-a para mim. — Quero você
nua quando o sol se pôr.
Afastei as cortinas de tecido diáfano, prendendo-as nas
estruturas do gazebo, deixando a luz do sol e o vento entrarem.
Peguei uma garrafa de champanhe no cooler e a abri.
— A nós dois, para sempre!
Brindamos com as taças cheias do líquido dourado
borbulhante e, sem poder esperar mais, beijei-a, excitado,
enlouquecido de vontade de me perder em seu corpo.
Retirei suas roupas devagar, sempre enchendo-a de beijos,
e, quando Kara ficou completamente nua, afastei-me para olhá-la.
— Tem certeza de que ninguém vai nos ver aqui? — ela
inquiriu.
— Tenho. As casas vizinhas são de veraneio e, no momento,
não há ninguém nelas...
Não consegui acabar de falar, porque Kara saiu da tenda em
disparada, rindo, em direção ao mar.
— Vem! — gritou para mim, nua, como uma linda sereia de
cabelos longos e cacheados.
Seu chamado foi como um canto que me enfeitiçou, e não
parei para pensar em possíveis consequências de cairmos no mar
completamente pelados, apenas arranquei minhas roupas e a segui,
alcançando-a depois de um longo mergulho.
— Você é doida, sabia? — gargalhei, abraçando-a.
— De vez em quando é bom não ter juízo! — Piscou.
Eu adorava quando ela me provocava daquele jeito. Era difícil
resistir a realizar qualquer loucura quando ela sorria como uma
garota levada. Ela me beijou, matando qualquer pensamento,
fazendo meu corpo ferver, mesmo na água fria.
Minhas mãos passearam por suas curvas, sua boca devorava
a minha cheia de fome, e eu deixei que ela conduzisse nosso fogo.
Kara abraçou minha cintura com as pernas, e eu segurei-a pelas
nádegas, meu pau já totalmente ereto, o sangue pulsando com
força, minha cabeça girando de tanto desejo.
Não falei nada, apenas saí do mar, levando-a encarapitada
em mim até depositá-la, molhada e salgada, sobre a cama coberta
com lençóis de linho.
Beijei-a inteira, sentindo seu sabor, sua pele mesclada com
mar e sol, uma combinação perfeita para me enlouquecer. Não
saberia explicar, mas tudo estava mais forte, mais intenso, como se
estivéssemos fazendo sexo pela primeira vez de novo.
Kara gemeu, gozando na minha língua como eu adorava,
contorcendo seu corpo, apertando minha cabeça entre suas coxas.
Quando senti que os últimos tremores em seu corpo se acalmaram,
ajoelhei-me na cama e observei como ela chupava meu pau com
maestria, do jeito que eu a havia ensinado, levando-me à beira do
orgasmo.
— Eu adoro sentir sua boca em mim! — confessei,
segurando-a pelos cabelos molhados, forçando-a a me receber mais
e mais fundo em sua garganta. — O jeito como você me come me
deixa completamente fora de mim.
Segurei mais firme suas madeixas, fazendo-a olhar para cima
e a beijei, antes de virá-la de bruços na cama.
— Empina sua bunda para mim... — ordenei e, assim que
obedeceu, penetrei-a de uma só vez, aproveitando sua boceta ainda
molhada com seu gozo.
Minhas mãos apertaram seus quadris quando senti meu
corpo ser atingido por uma sensação inigualável. Eu não entendia o
que era aquilo, porque estava tão diferente, tão forte.
— Sean... — Kara gemeu.
Olhei para baixo, para a junção de nossos corpos e vi meu
pau saindo dela brilhando. Parei, respirei fundo e novamente
estoquei, reparando na deliciosa sensação que era fazer sexo sem
nenhuma barreira. Era a primeira vez que eu não usava proteção e,
ao invés de aquilo me deixar apreensivo, eu estava desfrutando.
Aumentei os movimentos, e tudo em volta deixou de existir.
Concentrei-me apenas nela e no prazer que ambos
compartilhávamos, tendo a certeza de que, daquele dia em diante,
Kara faria parte da minha vida de um jeito que ninguém mais tinha
feito.
Eu, Sean Moore, um homem que já havia nascido com
bilhões na conta bancária, descobri naquela tarde que havia
conquistado a maior riqueza quando uma jovem faxineira entrou na
minha sala para limpar um café derramado.
Epílogo

— Está nervosa? — Rosalia me perguntou.


Ri.
— Claro! Espero por isso há anos; como não estaria? —
Olhei-me novamente no espelho, conferindo cada detalhe da minha
roupa, confirmando que estava tudo perfeito. — Sean já está no
lugar?
Rosalia assentiu.
— Visivelmente ansioso. Sua mãe teve que fazer chá para
acalmá-lo. Vi que Onur e Sylvia estão inseparáveis. Percebeu? —
Rosalia mudou de assunto.
— Eles têm muita coisa em comum, ambos trabalham com o
cérebro humano e gostam das causas sociais, além disso, meu
irmão é completamente fã de Keith.
Sorri ao lembrar-me de como Onur havia ficado quando
descobrimos que a bolsa de estudos que lhe possibilitou estudar em
umas das melhores universidades do país e realizar seu sonho de
ser médico viera de uma fundação presidida por Keith Jordan, que
era ninguém menos que o padrasto de Sean.
A indicação do nome de Onur foi feita pelo próprio Sean, logo
depois de termos retornado de Istambul. Eu tive uma leve
desconfiança quando, de repente, todos os problemas financeiros
em razão da educação de meu irmão haviam sido resolvidos, mas
só soube a verdade depois que conheci a família Jordan.
Claire, minha sogra, e Sylvia, minha cunhada, receberam-me
com festa quando fomos visitá-los para anunciar o casamento.
Fiquei surpresa ao perceber a simplicidade com que a família de
Sean vivia, mas percebi que aquele estilo de vida era o que a fazia
feliz. A suntuosidade e riqueza vinha dos Von Salis, e Sean era o
único ainda vivo que carregava o sobrenome.
— Kara, está na hora! — Rosalia me deu um beijo. — Brilhe,
minha amiga!
Despedi-me dela e segui para o local onde estavam
concentrados todos os formandos daquele ano. Acenei para alguns
amigos que fiz e me coloquei na fila para entrar no salão onde
ocorreria nossa cerimônia de formatura.
Sim, eu me formei!
Parecia mentira que aquele momento havia chegado e,
fazendo uma retrospectiva da minha vida, tudo tinha valido a pena!
Sean e eu nos casamos no final do verão, um mês depois da
nossa reconciliação. Escolhemos fazer uma cerimônia simples,
apenas com nossos familiares e amigos mais chegados.
Eu disse sim em uma belíssima tarde, com o sol se pondo, o
céu levemente alaranjado, de frente para o mar, nos Hamptons.
Aquela casa se tornou um lugar importante para nós, tanto que
resolvemos reformá-la, mobiliá-la e passamos lá pelo menos uma
semana inteira, todo verão.
Não virei uma dondoca, mesmo me tornando a esposa de um
bilionário. Continuei trabalhando, mas com minha cunhada, que
estendeu o programa social de sua família para Chicago. Eu me
encontrei ajudando jovens a conseguir trabalho e apoiando sua
carreira e estudos através das bolsas.
Comecei na universidade logo depois do casamento e,
depois de anos de felicidade, muito trabalho e estudo, o dia de
receber meu diploma finalmente havia chegado.
Foram quatro lindos e felizes anos!
Os aplausos me fizeram voltar àquele momento e me
preparei para entrar com minha turma no salão. A primeira pessoa
que vi foi Sean, lindo e maravilhoso, meu marido, meu homem.
A cerimônia passou muito rápido, principalmente porque eu
estava nervosa, então, quando chegou a hora de fazer meu
discurso, respirei bem fundo e, tremendo, me posicionei no púlpito.
— Hoje termina mais um ciclo em nossas vidas... — Fui lendo
meu texto devagar, sabendo que estava no centro das atenções e
que, embora o discurso fosse sobre nossa turma, sobre nossos
sonhos e conquistas, eu tinha incluído uma parte particular de última
hora: — Meu grande sonho sempre foi poder estudar, me formar e
ter uma carreira. Estou realizando esse sonho hoje, porém, quatro
anos atrás, tive o privilégio de conquistar algo que nem mesmo
havia sonhado. — Olhei para Sean, que sorriu para mim. — Meu
marido sempre me incentivou, acreditou em mim e foi aquele que,
mesmo a contragosto, me deu a primeira oportunidade de fazer
minha vida mudar. Por causa do exemplo dele, hoje me dedico a
ajudar jovens a encontrarem essas oportunidades. Tenho aqui meu
canudo, minha carreira, meu casamento feliz... — Solucei e parei
um pouco, percebendo que Sean ficou apreensivo. — Mas faltava
algo. — Sorri, sentindo as lágrimas caírem. — Bom, foi difícil
guardar esse segredo, mas eu queria contar em um momento
especial e peço licença para quebrar o protocolo. — Tirei o
microfone do lugar e caminhei até a beirada do palco, olhando
diretamente para Sean. — Amor, nós vamos ter um bebê!
A comoção foi enorme. Todos os meus colegas de turma se
levantaram aplaudindo, e Sean, depois de um momento de choque,
invadiu o palco e me abraçou com força, enquanto nossos familiares
choravam comemorando.
Parecia exagero, mas não era. Nós nunca evitamos filhos.
Nunca tomei contraceptivo e, depois que nos declaramos, não
usamos mais camisinha. Visitamos especialistas e não havia nada
errado, nem comigo nem com ele, mas nada dava certo.
Então deixamos o assunto de lado e vivemos nossas vidas,
fazendo planos para tentar mais métodos no futuro ou mesmo
pensar numa adoção.
Não sei como aconteceu nem quando, apenas que um dia
havia me dado conta de que estava atrasada e fiz um exame de
farmácia. Depois do positivo, confirmei com um de sangue e um de
imagem. E lá estava, nosso pequeno pontinho de amor, pulsando
cheio de vida.
— Quer me matar do coração? — Sean riu, mas seus olhos
estavam marejados. — Eu te amo, senhora Moore!
Ri alto, porque era sempre gostoso quando ele me chamava
assim.
— E eu amo você, senhor Moore!

FIM!
Sobre a autora

J. Marquesi sempre foi apaixonada por livros e, na


adolescência, descobriu seu amor pelos romances. Escreveu sua
primeira história aos 13 anos, à mão, e desde então não parou mais.
Só tomou coragem de mostrar seus escritos em 2017, tornando-se
uma das autoras bestsellers da Amazon e da Revista VEJA.
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[1]
Nota da autora: tradução de herr (alemão) – senhor.
[2]
Nota da autora: frau é o equivalente alemão para senhora.
[3]
Nota da autora: Ask Taktikler, em português Táticas do Amor, é uma série turca.
[4]
Nota da autora: tanatose – técnica que alguns animais utilizam de se fingirem de mortos
para enganar predadores.
[5]
Nota da autora: p ode ser um título nobiliárquico ou de um alto funcionário do governo
turco, como também "senhor" da maneira mais respeitosa.
[6]
Nota da autora: Üsküdar é uma ampla área residencial na porção asiática de Istambul.
[7]
Nota da autora: senhorita em turco.
[8]
Nota da autora: homens que moravam em buracos cavados na rocha na Capadócia.
Tais moradias são chamadas “troglis”, daí o termo troglodita.
[9]
Nota da autora: as chaminés de fadas, conhecidas também como hoodoos ou rochas da
barraca, são impressionantes formações rochosas espirais que vão da altura de uma
pessoa até 40 metros, presentes na Capadócia.
[10]
Nota da autora: Nazar ou Pedra Contra Mau-olhado é como também é conhecido o
Olho Turco.
[11]
Nota da autora: Windy City (Cidade dos Ventos), apelido da cidade de Chicago.
[12]
Nota da autora: emmental é um tipo de queijo suíço, originário de Berna, amarelo, com
casca dura, textura média e com furos em seu interior. Tem sabor levemente adocicado.
[13]
Nota da autora: copo de cristal da marca Lobmyer, uma empresa austríaca fabricante
de cristais com 200 anos de história.

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