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Copyright© 2021 – Ray Pereira

Título: Amizade Colorida.

Revisão: Barbara Pinheiro.


Capa: L.A Creative
Leitura Crítica: Danielle Barreto

Todos os direitos reservados.


É proibido armazenar e/ou reproduzir qualquer parte desta obra, através de quaisquer meio, sem
permissão da autora.
Que a esperança nunca morra em nossos corações.
Sumário

Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Epílogo
Agradecimentos
Sinopse:

Qual a pior vergonha para se passar com o amigo que divide o apartamento com você?
Carlos é um garanhão que só quer trabalhar e curtir a vida. Kira, sua vizinha, precisa de um
novo local para morar, então, para ajudá-la, ele a convida para dividirem o apartamento, até que as
coisas se resolvam.
Kira trabalha em uma das empresas de TI mais importantes da Irlanda, uma mãe solo que faz
de tudo pelo seu filho.
Ela acaba descobrindo em Carlos um ótimo colega de apartamento, mas para complicar um
pouco a sua vida, é pega por ele em uma situação constrangedora.
Esse acontecimento muda a vida de ambos, pois desperta um desejo que nunca tiveram um
pelo outro, então decidem embarcar em uma amizade colorida cheia de regras.
A mais importante é: não se apaixonar.
Porém irão perceber que, quando se trata de regras, nem sempre podemos mandar no coração.

"Amizade colorida não é quando dois amigos colorem juntos, man? " — Uma divertida
comédia romântica que fará você se divertir e se emocionar.
Prólogo

Sabe quando dizem que em um minuto tudo pode mudar? Pois bem! Foram necessários apenas
cinco segundos para que a minha mente só pensasse em uma coisa.
Depois daquele episódio vergonhoso, minha cabeça não cansava de repassar os instantes que
eu mais queria esquecer.
Seria impossível. Eu sabia.
Alguns acontecimentos faziam parte da lista de momentos que nós nunca estamos preparados
para ver.
Pouco importa a idade ou o nível de amizade que você tenha com a pessoa. Existem
momentos que são absurdamente constrangedores. Para quem viu, e para quem estava cometendo o
ato.
Nesse caso, eu não sabia qual a pior posição para se estar.
Deveria ter sido apenas um dia normal. Eu tinha saído para trabalhar. Os marcadores de
tempo indicavam que o dia seria frio. Depois de tantos anos morando fora do país, já tinha passado a
apreciar o clima aqui.
Havia finalizado uma reunião proveitosa e estava no caminho certo para tornar-me sócio da
empresa. Foi um dia agitado e cansativo. Eu sabia que eu poderia finalizar meu trabalho de casa, sem
problemas. E, vocês vão concordar comigo, nada melhor do que um banho quente e relaxante. Era
exatamente nisso em que pensava quando decidi finalizar o trabalho diretamente da minha
confortável casa.
Talvez, até conseguisse ver um filme na Netflix com a Kira, minha ex-vizinha e atual colega
de apartamento e seu filho, à noite, depois que tivesse finalizado alguns projetos.
E, foi pensando nisso, que saí da empresa pronto para alguns merecidos momentos de
descanso. Porém tudo saiu do controle no momento que pus os pés em minha residência.
Talvez, se eu tivesse a chance de voltar no tempo, eu voltaria. Talvez não. Era difícil saber
agora. Especialmente quando as imagens estavam tão vivas em minha lembrança.
Eu vou contar a vocês sobre o momento que mudou tudo.
O dia em que, pela primeira vez, a minha mente esqueceu quem ela era e que eu, nunca,
jamais, deveria desejá-la. Seria uma tremenda loucura.
O dia em que descobri, na pele, que sim, as pessoas podem ficar paralisadas, em choque.
A primeira coisa que percebi ao abrir a porta de casa foi o cheiro de alho e ervas. O que
denunciava que Kira tinha conseguido dar uma passada em casa durante seu horário de almoço e
assado um pão, como tinha comentado, mais cedo, que faria. Olhei para o relógio pendurado próximo
à mesa de jantar, lugar estratégico para que ela estimulasse o filho a comer de acordo com seus
ponteiros e números. Pela hora indicada, ela já estaria na empresa novamente.
Usando os próprios pés, tirei os sapatos, deixando-os na porta, já sabendo que isso geraria
uma pequena discussão depois.
O refrão de Drive começava a tocar em meus fones sem fio. Incubus era uma banda que ouvi
bastante nos anos dois mil e ainda costumava escutar, às vezes. Comecei a desabotoar os botões da
camisa social que vestia e a atirei no chão. Mais uma mania que irritava minha companheira de
apartamento, mas, tantos anos morando sozinho tinha me levado a adquirir hábitos reprováveis.
Entretanto, isso eu removeria antes que a Kira quisesse arrancar alguma parte do meu corpo, como já
havia prometido.
Segui pelo corredor, mesmo tentado a parar na cozinha e fuçar as panelas. Faria isso depois
de um banho, e antes de me sentar e espreguiçar-me no sofá macio da sala.
Entrei no quarto, prendendo o celular na boca, enquanto desabotoava e tirava a calça, dando
o mesmo destino que a camisa — o chão. Removi os fones, deixando-os em cima da cama, escolhi
uma toalha nova no guarda-roupa cor de mogno e segui a caminho do banheiro.
Parei, quando seguia em direção ao cômodo, ao ouvir um som abafado vindo do outro lado
do corredor.
― Olha só quem esqueceu a TV ligada ― sussurrei para mim mesmo, sentindo-me vitorioso
por Kira cometer, enfim, um delito em suas próprias regras. E, conhecendo-a bem, sabia que jamais
admitiria sua culpa.
Sem provas, sem crime. Era o que ela sempre dizia.
Foi por isso que voltei ao quarto e peguei meu celular. Sendo esse o segundo erro que cometi.
Finalizei a pouca distância entre nossos quartos, abrindo a câmera e dando início a uma gravação.
Eu não estava prestando atenção em todos os sinais que o universo disponibilizou ao meu
redor.
A falta de atenção, caros amigos, cobra seu preço.
Todo o resto aconteceu rápido demais, mas, também em câmera lenta. Ao abrir a porta,
deparei-me com algo inesperado. Ouvi um gemido, a televisão mostrava um homem deitado sobre
uma mulher na cama. Pela expressão deles, era uma daquelas cenas bem intensas.
Porém não foi nisso que meus olhos se fixaram.
Em cima da cama, com o corpo coberto de suor, estava ela. Kira. Minha ex-vizinha. Minha
nova colega de apartamento. Com os seios fartos deliciosamente à mostra. A auréola pequena
marcando um lugar perfeito para ser chupado. O bico, entumecido, implorando por atenção. Uma mão
passeava entre eles, excitada. A outra mão segurava o vibrador entre suas pernas.
O gemido novamente.
Era ela.
Meu pau respondeu, automaticamente a todos os estímulos que a cena poderia conceder,
ficando mais duro que pedra, na mesma hora. Kira pressionou ainda mais o aparelho em sua boceta,
com os olhos fechados e a boca levemente aberta, gemendo alto demais para a minha sanidade
mental.
Eu ia gozar assistindo àquela cena, pensei, no exato momento que ela chegou ao ápice,
movendo um pouco a cabeça para trás, com uma expressão de satisfação. Aturdido, deixei que
celular em minha mão caísse, fazendo um estrondo.
Sobressaltada, Kira abriu os olhos, movendo a cabeça na direção do som. Nossos olhares se
encontraram e meu nome saiu de sua boca, ofegante e espantada, em meio a um gemido que tentou
conter enquanto seu corpo ainda apresentava os últimos espasmos de prazer.
Eu nunca, repito, nunca, tinha vivenciado nada parecido em minha vida.
E, por mais que uma parte da minha mente soubesse o quão vergonhosa aquela situação era,
outra parte não conseguia deixar de repassar a cena em minha mente, e, especialmente meu nome
saindo de seus lábios naquele momento repleto de luxúria.
E foi assim, que os cinco segundos mais longos da minha vida aconteceram.
Vocês vão conhecer o resto da história. Eu juro. Mas antes, é preciso que entendam como
chegamos nesse momento.
Então se senta, que lá vem história.
Capítulo 1

Eu deveria estar concentrado na tela do computador à minha frente onde montava o plano de
marketing da minha cliente favorita, na empresa em que trabalhava.
Sabia disso.
Mas era impossível pensar em qualquer coisa sentindo o aroma que invadia minha casa.
Comida caseira e quentinha.
E o melhor era que eu não precisaria lidar com a louça na pia para lavar.
Então, movido por necessidades fisiológicas claramente conhecidas como fome, levantei-me,
deixando o trabalho inacabado, acabei seguindo para a cozinha em busca de um pequeno pote onde
pudesse pedir qualquer coisa para minha vizinha e amiga, Kira.
Conhecemo-nos anos atrás, quando ela estava chegando ao prédio carregando um bebê e
algumas malas, com nenhum ser humano à vista para ajudá-la.
Eu voltava do mercado com alguma comida congelada na sacola, quando ouvi a mulher
soltando um palavrão, ao mesmo tempo em que chutava a enorme mala preta, tentando fazê-la
inclinar-se, para que entrasse no elevador. O pacote azul berrava em seu colo, querendo atenção, e a
primeira coisa que registrei, foi a sua cara de desespero, como se, a qualquer momento, fosse se
juntar ao bebê e começar a chorar também.
Ofereci ajuda e ela até tentou me convencer de que estava sob controle, mas seus protestos
cessaram quando, sem esforço algum, enfiei as malas no elevador, fazendo com que a garota pudesse
se concentrar no pequeno em seus braços. Falava alguma coisa sobre ele ter que aguardar só mais um
pouquinho para comer, pois já estavam chegando.
Descemos no mesmo andar, e, para a minha surpresa, a mulher seria minha vizinha. Contou
que moraria por um tempo com a amiga, Dara, que morava no apartamento em frente ao meu.
Ajudei-a, abrindo as portas e colocando as malas para dentro. Kira não pareceu se sentir
confortável aceitando o auxílio, mas sorriu, agradecendo.
E foi assim que nossa história começou.
Sorri, ao pensar naquele dia.
Muita coisa mudou, desde então. Kira, especialmente. Ela não era mais aquela menina
desajeitada que estava aprendendo a lidar com uma criança e com as responsabilidades da vida
adulta. Tornou-se uma mulher segura de si e que colocava as necessidades do filho acima de
qualquer coisa.
Liam também tinha mudado muito. O garoto não era mais um bebê que chorava o tempo
inteiro, mas, uma criança alegre que, no auge dos seus cinco anos, exibia janelinhas na boca.
O pequeno adorava me vencer no videogame e, apesar da insistência da mãe, para não
acostumar mal o moleque, deixando-o ganhar sempre, não conseguia me conter. Seu rostinho de
satisfação por ter me superado era um ótimo motivador. Já Dara, sua amiga com quem dividia o
apartamento, tinha ido morar com o namorado. Ela e Liam viviam sozinhos, há um ano.
Seguindo o cheiro de comida fresquinha, não demorou para que eu atravessasse os poucos
passos que separavam a minha porta da sua e acabasse batendo, com toda cara de concreto no
universo, na madeira escura e fria, que me impedia de ver a sua casa, embora soubesse exatamente o
que encontraria, assim que a porta fosse aberta. O corredor de paredes brancas, onde as fotos que
acompanhavam toda a evolução do filho ficavam emolduradas.
― Papai!!! ― Ouvi a voz do pequeno Liam, ainda ao longe, soar, animada.
Meu coração se partiu um pouco por decepcioná-lo. Certamente, o pai estava atrasado para
buscá-lo.
― Oi, amigão ― falei, para que ele não ficasse ainda mais frustrado quando a porta fosse
aberta ―, sou eu, seu parceiro.
Permaneceu em silêncio por alguns instantes. Quando ouvi sua voz, a animação não estava
mais tão presente.
― Man[1], é o tio Carlos ― anunciou, e, mal conseguindo ouvir seu tom agora, soube que o
pequeno tinha se afastado da porta.
Assim que Kira a abriu, rolou os olhos ao dar de cara com o recipiente branco de louça em
minhas mãos.
― Que tal um pouco de farinha de trigo, para um amigo que precisa fazer panquecas para se
alimentar?
Fiz a melhor carinha estilo gato do Shrek que consegui.
― Nem vem, que eu sei que você veio jantar — acusou.
― Você não pode me culpar. ― Ergui a mãos, rendido, quando ela me olhou com os olhos
semicerrados. ― Sério, o cheiro dessa comida, com certeza, vai atrapalhar o funcionamento dos
restaurantes da rua. Você vai ter uma fila de clientes aqui na porta.
Kira abriu espaço, deixando-me entrar.
Não me fiz de rogado. Fechei a porta em seguida, seguindo-a pelo corredor até que
estivéssemos na cozinha, que eu já conhecia também, especialmente por seguir o mesmo padrão que a
minha. Móveis cor de madeira, planejados para atender a todas as necessidades dos moradores.
― Você não precisa forçar ― falou, começando a despejar o conteúdo da panela em uma
travessa de vidro, fazendo meu estômago roncar. ― Vou te alimentar, como sempre, aliás.
Sorriu. Eu sabia que não era uma reclamação.
Ela garantia minha boa alimentação quase sempre, e eu a tinha em altíssima conta por causa
disso. Era exatamente por isso, que sempre apresentava bons amigos para Kira. Se ela fosse ter uma
relação séria que, pelo menos, fosse com um cara que gostasse de mim e me permitisse comer em sua
casa, de vez em sempre.
― O que aconteceu? ― perguntei, baixo, indicando, com o queixo, o corredor que levava
para os quartos, onde Liam estava.
― Sean mandou mensagem, dizendo que teve um imprevisto no trabalho e não sabia se
conseguiria vir. ― Rolou os olhos, colocando a panela, já vazia, dentro da pia.
― Se ele não aparecer, levo o moleque pra fazer uma noite de garotos com muito videogame
na casa da frente. ― Pisquei para ela.
― Não precisa fazer isso. ― Kira chegou um segundo depois com meu prato e uma taça.
― Fala sério, quando eu rejeito uma partida?
― Sempre que tem mulher envolvida? ― Ergueu uma sobrancelha.
Balancei a cabeça em negativa.
― Sei como ele estava ansioso para sair com o pai, não transar um final de semana não vai
me matar. ― Cutuquei sua cintura com o cotovelo.
― Estava mesmo. Espero que ele venha, mas, de toda forma, agradeço.
Kira e Sean, o pai do seu filho, se esforçavam para manter uma reação de respeito. Ela
sempre dizia que quando se tem filhos, o melhor a fazer, é tentar ao máximo evitar brigas
desnecessárias pelo bem da criança.
Ela sempre dizia que o Sean não era um homem ruim, apenas não era o cara certo para ela, e
que ficarem juntos apenas para manter as aparências, no fim das contas ia acabar magoando-os e, por
consequência, fazer com que o Liam crescesse em um lar hostil.
E eu concordava. Nada pior para um filho do que crescer vendo seus pais brigando.
Kira era uma mulher daquelas que, para mim, não tinha defeito. Divertida, leve e parceira. O
tipo de mulher que a maioria dos caras daria um rim para poder passar a vida inteira, e o idiota a
deixou escapar. Não fazia o menor sentido para mim.
― Filho, jantar ― chamou o pequeno que, instantes depois, e com a expressão desanimada,
passou pela porta, carregando seu duende verde favorito.
― Ei, amigão ― baguncei seus cabelos quando se aproximou ―, olha só quem veio jantar
com você! ― Abri os braços, indicando a mim mesmo, orgulhosamente. ― Que tal se, depois do
jantar, nós jogarmos um pouco de videogame? Aposto que ganho de você naquele jogo de corrida
novo.
― Eu ganho de você. ― Pôs a mão na testa, apoiando o cotovelo na mesa, como se fosse a
coisa mais óbvia no planeta. ― Tenho mais tempo pa teinar, porque a man diz que criança não
tabalha. ― Deu de ombros.
― Você tem um ponto, moleque. ― Ele deu um sorriso um pouco maior que o anterior. ― Eu
tenho que trabalhar muito, mesmo, para alimentar nosso vício em jogos.
― Você ― Kira apontou o garfo em minha direção ― precisa é parar de viciar meu filho
nessas porcarias.
― Não, man. Ele não pecisa disso ― Liam falou, sentindo-se o dono de toda a sabedoria. ―
Somos amigos, e amigos gostam de fazer coisas que se divetem juntos. Jogar é legal. Que nem
quando a senhora e a tia Dara ficam vendo filmes e ficam tistes e choram depois.
― Ele devia pensar em ser advogado. Vejo que tem futuro ― brinquei com minha amiga, que
me olhou de forma a deixar claro que o melhor a se fazer era ficar caladinho.
Enquanto jantávamos, Liam contou sobre o dia dele na escola e sobre como aprendeu que, se
misturasse cores diferentes, conseguia formar cores novas. Depois explicou que Melany, sua babá, o
ajudou na tarefa de casa e vi quando a expressão de minha amiga vacilou um pouco. Ela acabava se
cobrando demais, e, muitas vezes, se sentia uma péssima mãe por não conseguir ajudar mais o filho
nas tarefas de casa, ou buscá-lo na escolinha tanto quanto gostaria. Mas, o que realmente importava,
era que o filho era amado, e Liam sabia que a mãe andaria sobre brasas por ele.
Assim que terminamos de lavar a louça do jantar, Sean chegou, de surpresa, para buscar o
filho. Ele não simpatizava comigo e, mesmo não tendo nada contra ele, o homem não estava
exatamente na minha lista de pessoas favoritas do mundo, porém, éramos educados o suficiente para
não causar nenhuma situação em que pudéssemos constranger o garoto.
Depois de me abraçar e se despedir da mãe, Liam foi com o pai. Seria o final de semana
dele, e o menino estava animado com a promessa de que iam assistir a uma partida de Rugby.
― E então, o que quer fazer? ― perguntei, me sentando ao seu lado. ― Ainda está cedo, e o
Cao, aquele cara do trabalho que você conheceu, não para de me atormentar. O rapaz gamou em você
e quer sair novamente. ― Arqueei as sobrancelhas para ela. ― Podemos sair nós três ― sugeri.
― Você está se oferecendo para ficar lá no meio de nós dois, segurando vela? ― Franzi o
cenho.
― Ah, claro que não. ― Fiz um gesto de desdém com a mão. ― Você sabe que eu arrumo
companhia fácil.
Kira rolou os olhos, sabendo que era verdade.
― Aí, não me leva a mal, mas achei ele um babaca ― falou, desanimada, deixando o corpo
afundar no sofá. ― Eu realmente não sei o que acontece com os homens do planeta. São todos uns
tapados.
― Vou tentar não levar pro lado pessoal ― brinquei e ela riu. Pus suas pernas em meu colo,
dando início a uma massagem em seus pés. Kira relaxou imediatamente e uma ideia desagradável me
passou pela cabeça. ― Ele fez ou falou alguma coisa que...
― Não ― cortou, apressada. ― Quer dizer... ele quis ser engraçado, mas soltou algumas
piadas tão machistas, que mal consegui comer, de tanto nojo que fiquei dele. ― Suspirou. ― Eu só
queria conhecer alguém legal, sabe? Confiável e decente. O cara que eu levaria para conhecer meu
pai, apresentar ao meu filho. Pensar em passar por tudo isso e não dar em nada é exaustivo, porque
depois começa tudo de novo... ― Deu de ombros como se não fosse nada de mais.
― Mas, para encontrar o cara certo, você precisa estar disposta a tentar. Isso inclui, conhecer
uns errados às vezes. Te ajuda a ter em mente o que você não quer...
Minha amiga soltou um suspiro ruidoso.
― Levando em conta a quantidade de garotas com as quais você sai, posso imaginar que deve
saber o que não quer, né?
Apertei seu de pé de leve, fazendo-a protestar.
― Não sou eu quem está em busca de um relacionamento aqui...
― Eu sei, mas... ― Fez um bico com os lábios, pensativa. ― Sei lá, eu queria sentir quando
conhecesse o homem certo, sabe? Como costumam dizer os livros. Mãos suando, coração acelerado,
o click de que é aquela pessoa. ― Suspirou, encostando a cabeça no braço do sofá. ― Pra você é
sempre tão fácil. Conhecer pessoas, não se apaixonar, se divertir.
― Fazer o que, se eu gosto da melhor parte da vida. ― Dei de ombros.
― Você nunca encontrou ninguém que te fizesse sair de órbita? Sentir algo diferente do que
sentia por outras pessoas? Alguém que fez com que pensasse que poderia ser pra sempre?
― Sim ― falei, sério, o que fez com que ela se surpreendesse, Kira puxou os pés, sentando-
se, como se eu tivesse uma grande fofoca para contar. ― Foi há muito tempo e nada sério. Eu era um
adolescente idiota, e ela não queria nada comigo. ― Dei de ombros como se não fosse nada de mais.
― Depois disso, posso dizer que me sentir assim não é exatamente a minha prioridade, mas fazer
sentir ― levantei a sobrancelha de forma sugestiva ― satisfação garantida.
Kira mordiscou o lábio, balançando a cabeça em negativa, como se estivesse ponderando
sobre algo muito importante.
― Então, quer dizer que toda essa cretinice surgiu de um coração partido? ― Abriu a boca,
como se estivesse em choque. ― Eu não consigo ver o grande conquistador barato, dono das
cantadas mais fajutas, sofrendo por um amor não correspondido. ― Tinha uma expressão divertida
no rosto. ― Mas é bom saber que existe um coraçãozinho ― apertou o indicador contra meu peito ―
capaz de amar alguém aí dentro.
― Ei, eu amo muitas pessoas ― me fingi de ofendido. ― Amo minha família, o Liam, gosto
um pouquinho assim de você ― mostrei, com o polegar e indicador, um pequeno espaço entre os
dedos ― e, claro, amo toda a diversidade feminina que passa por minha cama.
Pisquei para ela.
― Você é um babaca. ― Empurrou meu braço, rindo.
― Aliás, falando nisso, tenho uma cantada para você. ― Era uma tradição nossa. Todas as
vezes que estávamos juntos, nos divertindo, eu contava uma cantada idiota, o que sempre a fazia rir.
― Manda ver ― pediu, cruzando as pernas e virando o corpo de frente para mim.
― Gata, eu até queria passar uma cantada pra você, mas eu não consigo, porque ainda
não aprendi a falar a língua dos anjos.
Kira gargalhou. De verdade.
Jogou a cabeça para trás, fazendo com que os cachos dançassem com a movimentação.
― Tem outra. ― Modifiquei um pouco a voz antes de continuar: ― Você imagina mais ou
menos quantas tintas eu tenho que usar para pintar um clima entre a gente?
― Que horror! ― decretou, depois que conseguiu parar de rir. ― É sério que as garotas
caem nessas coisas?
Era sempre essa sua reação. Kira ria e me achava um babaca, com cada uma das cantadas
meticulosamente calculadas para soarem bregas e divertidas. Eu nem sabia o motivo de continuar, só
gostava de aquilo ser algo bobo e divertido entre nós.
Algo nosso.
― Aos montes. ― Ergui uma sobrancelha.
Kira balançou a cabeça em negativa, ainda rindo, mas percebi quando conteve um bocejo.
Na mesma hora, senti o celular vibrar em meu bolso. Peguei o aparelho e a ruiva, com quem
estive na semana passada, estava me convidando para um revival.
― Noitada? ― quis saber, se aproximando para ler a mensagem.
― Só uma garota. ― Franzi o cenho, tentando lembrar se eu tinha gostado o bastante dela
para dar outra chance.
― Vai lá. ― Kira se levantou, espreguiçando-se. ― Vou aproveitar para dormir. Essa mania
do Liam, de agora, acordar junto com o sol, está me matando.
Eu não queria mesmo ir. Na verdade, gostava de passar a noite conversando bobagens com
ela. Às vezes tanto quanto de sair para uma diversão noturna. Mas, pela sua expressão, parecia
cansada mesmo.
― Bem, já que estou sendo dispensado... ― Fiquei de pé, dando de ombros. Kira bocejou.
― Vê se não some o fim de semana inteiro, e esteja recuperado da noitada, na segunda. Deus
me livre, ter que pagar para ir ao trabalho tendo um motorista saudável à minha disposição. ― Beijei
o topo de sua cabeça, antes de seguir para a porta.
― Alguém já te disse que você é uma carona muito exigente? ― Dei um cutucão com o
cotovelo, o que a fez rir. ― Obrigado pelo jantar. Como sempre, uma maravilha. ― Abri a porta,
vendo-a conter outro bocejo. ― Dorme bem.
Sorri para Kira, antes de fechar a porta e deixar uma amiga sonolenta para trás. A noite era
uma criança, e ela estava apenas começando.
Capítulo 2

― Man, man ― a voz animada demais do meu filho deixava claro o que ele queria ―,
vamos brincar. ― Usou o indicador e o polegar para abrir meus olhos. ― O sol já nasceu, olha.
Resmunguei alguma coisa, mudando de posição na cama.
― Filho, ainda está muito cedo. Vem se deitar aqui com a mamãe ― chamei, ainda sonolenta.
Senti quando o colchão afundou e dei graças aos céus por ele ter se rendido. Esperei, de
olhos fechados, que se aconchegasse ao meu lado, porém, quatro pequenas peças geladas passaram
por meu braço.
Pronto. Virei pista de carrinho, mais uma vez.
― Olha, man, uma corrida. ― Meu filho posicionou o outro carro sobre mim, e começou a
fazê-los correr por meus braços, coluna e pernas.
Ok, adeus dormir.
― E quem está vencendo? ― quis saber, soltando um bocejo em seguida.
― O carro vede da esperança. ― Sorri.
Desde que Carlos tinha comentado com ele, uma vez, sobre o verde simbolizar esperança,
tinha se tornado a cor favorita do meu filho. Claro que Carlos teve que explicar também o que isso
significava. Meu amigo disse que esperança era como ter fé de que algo bom aconteceria.
― E será que a man pode ter esperança de que meu filho lindo vai dormir mais um pouco?
Liam fez uma cara de pensativo, colocando o indicador nos lábios, como eu costumava fazer
quando ele me pedia algo.
― Ní hea[2] ― negou, usando o gaélico, e suprimindo um sorriso travesso.
Suspirei.
― Bem, já que não posso dormir, que tal uma... ― aproximei-me lentamente do meu filho
―... chuva de cócegas. ― Joguei-o na cama, pressionando os dedos contra sua barriga, fazendo-o
gargalhar.
Quando achei que estava de bom tamanho, parei, deixando que ele respirasse.
― Vamos começar a nos arrumar para a escola então, mocinho? ― perguntei, passando as
mãos pelos fios castanhos.
― Ní hea[3], man. ― Sua expressão mudou, deixando claro seu desagrado. ― Não quero ir
para a escola.
― Você sabe que tem que ir. ― Ergui uma sobrancelha.
― Se a senhora ligar pra escola e disser que eu estou doente, eu não peciso ir. Os adultos
aqueditam quando é outro adulto que fala. ― Deu de ombros, como se fosse uma coisa muito clara.
― Não sei se o mocinho lembra, mas nós já conversamos sobre a importância de falar
sempre a verdade ― recordei, batendo com o indicador em seu nariz. ― Agora, vamos antes que o
tio Carlos diga que vai nos deixar a pé.
Liam foi para o banho, enquanto eu preparava seu café da manhã e arrumava seu lanche.
Bocejei, ainda sentindo o torpor do sono em meu corpo. Meu filho apareceu usando a camisa
social claramente torta, e o suéter verde por cima. Sem calças. Nem sempre ele as apreciava.
Gostava muito de praticar o nudismo, quando possível, ou quase sempre. Dizia que seu piupiu
gostava de ficar livre.
― Não acha que esqueceu nenhuma peça de roupa, querido? ― Semicerrei os olhos em sua
direção.
― Ní hea. ― Sorriu, sabendo do delito.
Pequeno meliante.
Achava lindo quando Liam utilizava a língua materna da Irlanda. Sorri, caminhando em sua
direção e levando-o para o quarto, a fim de arrumar sua roupa. A escola, absurdamente católica,
escolha do pai, ainda mantinha o ensino de algumas das tradições do país. Então, apesar de o inglês
ser o idioma oficial, a língua materna ainda era passada para as crianças. Sean achava importante
que o pequeno mantivesse em sua vida raízes com a cultura do país, e eu concordava plenamente.
Afinal, sabia como era ter parte de sua cultura negada.
Meu pai trabalhava fazendo viagens e conheceu minha mãe, uma angolana, quando estava a
trabalho, em Cardiff, no país de Gales.
Papai contava que quando se encontraram pela primeira vez, minha mãe o confundiu com um
dos funcionários do hotel onde estavam hospedados, como forma de desculpa, ele pediu que ela
aceitasse seu convite para jantar. Mesmo quando ambos já tinham voltado para seus respectivos
países, continuaram se comunicando por cartas. Um ano depois, se reencontraram no mesmo hotel, a
essa altura, apaixonados.
Quando se casaram, minha mãe já estava grávida. Meu avô, por parte de pai, considerava a
união um erro, e nunca aceitou o relacionamento deles. Consequentemente, eu também acabei
tornando-me renegada para ele. Íamos muito pouco até sua casa, pois ele sempre arrumava uma
forma de brigar com minha mãe. Todas as vezes que voltamos, foi por minha vó, que era, sem dúvida,
um anjo por aturar o marido.
Enquanto minha mãe era viva, nós fomos muito felizes, vivendo em uma casa repleta de
alegria. Eu tinha dez anos quando ela partiu, atropelada por um motorista bêbado.
De certa forma, além de perdê-la, eu perdi meu pai também.
Ele não suportava ficar sem minha mãe. Não conseguia viver na mesma casa onde havia sido
feliz anteriormente.
Perdeu o brilho e a vontade de viver.
Minha vó sugeriu que fôssemos para a casa dela, pelo bem de papai. Eu aceitei, mesmo
sabendo, com a pouca idade que tinha, que não seria fácil para mim. Ainda que minha avó realmente
quisesse cuidar de mim e do meu pai, meu avô, com certeza, tornaria minha vida um inferno.
Aos poucos, meu pai voltou a trabalhar fazendo viagens. Logo começou a passar mais tempo
viajando e eu o via cada vez menos, infelizmente, isso apenas tornava meu contato com meu avô
maior. Da mesma forma que sua aversão a mim.
Normalmente, costumava ignorar minhas tentativas de falar com ele. Fingia que eu não
existia. Quando se dirigia a mim, era sempre para me humilhar ou exaltar sua bondade em me
acolher, quando ninguém mais me queria. Agia sempre longe de papai, e eu nunca contei nada, não
querendo forçá-lo a ficar com medo de que, assim, fosse perdê-lo novamente.
Anos mais tarde, quando completei dezoito anos, tentou me casar com um homem que tinha
quase o triplo da minha idade. Foi a primeira vez, em anos, que meu pai fez algo por mim, ao
enfrentar meu avô, dizendo que não permitiria aquilo. O homem ficou furioso conosco, já que o noivo
em questão era seu amigo, e isso lhe deixaria em uma situação vergonhosa.
Decidida a não ficar mais naquele lugar, fui para Dublin fazer um curso de TI. Segundo o
desagradável homem, meu curso tinha sido escolhido a dedo para que, em meio a tantos homens, eu
achasse um idiota disposto a me bancar, como minha mãe tinha feito com meu pai — em suas
palavras.
Eu jurei a mim mesma que seria diferente, que conquistaria o que quisesse, sozinha. Então foi
um enorme susto quando, ainda cursando a faculdade, faltando pouco para me formar e começando
um trabalho que eu amava, me descobri grávida. Tinha feito tudo certinho, mas algo falhou.
Sean foi muito responsável. Foi comigo dar a notícia ao meu pai e garantir que assumiria suas
responsabilidades. Moramos juntos por algum tempo, mas não deu certo — outro motivo de vergonha
para meu avô.
Minha vó quis que eu voltasse para sua casa. Dizia que cuidaria de mim e do Liam, mas
conviver com ele seria padecer no inferno — e o cara lá de baixo, com certeza, não seria o Lúcifer
do Tom Ellis.
Já meu pai se ofereceu para morar comigo e me ajudar com tudo, mas ele estava começando
uma relação e, pela primeira vez, parecia feliz com alguém. Não queria atrapalhar.
Eu precisava me formar e viver a minha própria vida. Foi quando Dara me convidou para
morar com ela, garantindo que me ajudaria com tudo.
Foi no dia da minha mudança que conheci o Carlos. Um brasileiro que veio trabalhar em uma
empresa de marketing, aqui em Dublin. Ele também foi um enorme suporte ao longo dos anos. O
sonho de Dara era dormir com ele, mas, apesar de ser um conquistador barato, tinha uma política de
evitar pessoas próximas, como colegas de trabalho e vizinhas que podiam se tornar potenciais
perseguidoras.
Mesmo com uma criança pequena, que chorava o tempo inteiro, e sem ter nenhuma obrigação
ou laço sanguíneo comigo, fui muito mais acolhida por minha amiga da faculdade do que por meu
avô.
Depois que Liam nasceu, inacreditavelmente, o homem tornou-se louco pelo bisneto e vivia
cobrando que eu o levasse para vê-lo. O que eu não fazia com frequência. Voltava a Galway apenas
para o encontro de feriado anual, uma tradição que começou com o seu bisavô, de reunir toda a
família e ele insistia em manter.
Não demorou para que Liam e eu nos encontrássemos na porta, quando ele estava prestes a
bater.
― Bom dia, garotão. ― Meu amigo passou a mão pelo cabelo do meu filho, bagunçando os
fios. Dei um tapa em sua mão. Ele sabia que a escola era criteriosa com a aparência.
― Bom dia, tio Carlos. ― Liam deu um sorriso banguelo. O mais lindo do mundo.
― Trouxe alguma coisa para seu motorista particular comer? ― Sorriu de lado, mostrando as
covinhas que costumavam fazer com que conseguisse qualquer coisa.
― Eu acho que o único motivo para você me dar carona, é ter café da manhã de graça ―
brinquei.
Carlos piscou para mim, como se concordasse, me fazendo balançar a cabeça em negativa,
enquanto eu fechava a porta. Meu filho seguiu-o. O elevador se abriu, fazendo com que Carlos
tivesse que segurar a porta para mim, gritando que me deixaria para trás, se eu não corresse. Liam
contou ao meu amigo sobre um novo jogo que seus colegas da escola falavam muito, claro que pouco
depois já estavam pesquisando sobre o jogo e fazendo planos para comprar.
Assim que chegamos ao térreo, Carlos foi buscar o carro e pediu para que aguardássemos na
frente do prédio. Liam estava quieto ao meu lado, chutando pedrinhas, esperando. Aproveitei para
checar as mensagens, o que fez com que eu me distraísse e me assustasse quando ouvi uma voz
chamando ao longe.
― Senhor Walsh. ― Franzi o cenho para o senhor de óculos e cabelos brancos que já se
encontrava bem perto. Olhei para o aparelho em minha mão, buscando confirmar a data em que
estávamos. ― Bom dia! Pensei que só iria vê-lo aqui há cinco dias... eu não...
― Não, não. ― Gesticulou, mostrando que não deveria me preocupar com aquilo. ― Não
vim cobrar o aluguel. Na verdade, vim aqui para conversar com você. ― Assenti, estranhando. Olhei
para o lado, meu filho continuava entretido com as pedrinhas. Guardei o aparelho no bolso, voltando
a olhar para o locador do meu apartamento. ― Eu sei que é inadequado, mas tive alguns problemas
e, eu não sei como dizer isso de uma forma que seja menos constrangedora, mas vou precisar do
apartamento de volta.
Senti meu coração parar por alguns segundos, enquanto minha mente processava a
informação.
― Mas... ― pisquei por alguns segundos ―... eu fiz alguma coisa que não devia? ―
questionei, sem compreender o motivo de sua decisão. ― Se for uma questão de reajuste, nós
podemos...
― Não, não, menina. Você foi uma das minhas melhores inquilinas. Eu sei que isso é
inesperado, mas realmente é necessário. O apartamento faz parte da herança que minha esposa deixou
para minha filha, e ela está exigindo seus bens agora. ― Deu um suspiro, como se estivesse
realmente sentido. ― Sinto muito, mas você tem duas semanas para sair.
O senhor Walsh deu um sorriso sem graça, antes de se despedir.
Era isso.
Em duas semanas, eu seria despejada e não fazia a menor ideia do que fazer.
Capítulo 3

― Você, Murphy, não vende maquiagens. ― Apertei o botão no controle preto que segurava,
passando para a imagem de mulheres e homens de etnias diferentes, maquiados, exaltando pontos
mais marcantes em seus rostos. ― Você vende a possibilidade de exaltar a beleza das pessoas. E
digo pessoas, independente do sexo.
A mulher arqueou a sobrancelha, parecendo muito interessada.
E a enorme sala de reuniões contava apenas conosco. Eu, Murphy e meu chefe. As demais
cadeiras dispostas na enorme mesa de reunião estavam vazias, a não ser pelas duas pessoas que
ocupavam os lugares mais próximos a mim.
― As pessoas querem se sentir bonitas, confiantes, e é isso que vamos vender com sua nova
coleção de cosméticos orgânicos. O que acha de lançarmos um desafio? ― Apertei o botão, mais
uma vez, observando a tela mudar para a próxima imagem. ― Aproveitaremos as redes sociais, e
pediremos que as pessoas postem vídeos fazendo suas maquiagens usando os seus produtos.
Podemos lançar, talvez, uma enquete e os mais votados podiam participar de uma premiação em uma
festa onde fariam uma produção ao vivo e primeiro lugar poderia, não sei, ganhar um curso de
maquiagem. ― Dei uma piscadela para a mulher, que riu.
Sorri, vendo os olhos satisfeitos da mulher brilharem em expectativa, depois de algumas
horas, mostrando-a todas as propostas que tínhamos em mente, para que ela decidisse a sua
preferida.
Essa era uma senhora especial. Ao longo dos anos, Murphy se tornou mais que uma cliente,
uma amiga e, muitas vezes, mãe também, já que a minha estava a oito mil e quinhentos quilômetros de
distância. Mais precisamente no Brasil, enquanto o filho desgarrado foi tentar a vida na Irlanda.
― Uau! Vendo você falar assim, sobre o meu produto, até eu senti vontade participar do
concurso — a senhora Murphy, CEO da Altyd Mooi[4], falou, empolgada, depois de uma sugestiva e
nada discreta olhada para meu chefe.
Por Deus, comigo aqui não.
― Você é talentoso, garoto ― completou, em seguida.
― Não faço nada de mais ― menti, descaradamente, para parecer modesto. Um produto pode
ser o melhor do mundo, mas sem a publicidade correta, é quase impossível que ele seja cobiçado. E
eu sabia bem fazer com que as pessoas cobiçassem qualquer coisa. ― O mérito do produto é
totalmente da senhora. ― O que era verdade. ― Minha função é, apenas, fazer com que o cliente
sinta necessidade de ter sempre o melhor. E, neste caso, não existem dúvidas de que quer estar
Sempre Bonita.
― Um encantador, esse moleque ― sussurrou, como se eu não pudesse ouvir. ― Juro que se
seu chefe não tomar cuidado ― falou, encarando meu amigo que estava à sua frente, torcendo para
que a reunião fosse finalizada o mais breve possível ―, vou roubar você para mim, garoto.
Ela riu.
― Esse pupilo já me vendeu sua alma, anos atrás. Sinto muito, mas vai ter que procurar outro
para você. ― Os olhos se semicerraram para ela.
― Não existe nada impossível para mim, O’Connor. ― Usou um tom desafiador, elevando a
sobrancelha. ― Pensei que já soubesse disso.
O homem deu um sorriso de lado, e provocador.
A senhora Murphy e meu chefe e amigo irlandês, mantinham um caso, que fingiam acreditar
estar em segredo, há anos.
Assim como eu, a mulher em questão não pertencia àquelas terras. Veio morar na Irlanda
vinte e um anos atrás, quando, em sua cidade, Ituri, na África, teve início um conflito de grupos
étnicos que resultou na perda do seu marido e quatro filhos.
A Irlanda foi um recomeço, e, segundo ela, nunca esperou que, de uma pobre viúva fugindo
do país, acabaria se tornando uma das pessoas mais ricas de Dublin.
Dizem que foi sorte, mas só Deus sabe o tamanho do meu esforço. Todo esforço tem a sua
recompensa. Era o que ela sempre me dizia.
Cocei a garganta, interrompendo o flerte descarado dos pombinhos dissimulados.
― Já que minha popularidade está em alta, acho que esse é um bom momento para negociar
um aumento ― brinquei, fazendo-os rir.
― Se eu te pagar ainda mais do que você já ganha, seu salário será superior ao meu, moleque
petulante.
― Te ofereço o dobro do que esse mão de vaca te paga. ― Ergueu a sobrancelha bem-
desenhada para mim.
Ri.
Eu não precisava mesmo de um aumento. Ganhava muito bem e jamais conseguiria expressar
em palavras o quão grato era por ele ter me dado essa chance, quando eu não passava de um zé
ninguém.
― Desculpa, senhora Murphy, mas temo pela minha alma. ― Fiz uma cara de desolado.
― Ora, quando se cansar desse mal-humorado, minha empresa está à sua disposição. ―
Levantou-se, erguendo a mão para que eu a apertasse. ― Mal vejo a hora de ver essa propaganda
pronta.
― Tenho certeza de que será mais uma parceria de sucesso. ― Girei sua palma, dando um
beijo nas costas de sua mão.
― Já deu sua hora, Don Juan ― O’Connor falou, severo, o que nos fez sorrir de forma
cúmplice.
Minha presença já não era bem-vinda.
Saí da sala fechando a porta, ouvindo, logo em seguida, a tranca ser passada. Rolei os olhos.
Tão discretos.
Segui o caminho para a minha sala, feliz, observado meus colegas trabalhando nas baias.
Quando cheguei à Irlanda, onze anos atrás, não fazia ideia do que queria da vida. Meu único objetivo
era ser bom naquilo que eu tinha descoberto amar.
E ali estava eu, trabalhando em uma das melhores empresas de publicidade do país, e se tudo
desse certo, em breve meu sonho de virar sócio se tornaria realidade.
Ninguém levava fé em mim quando decidi vir morar fora. Naquela época, eu era apenas o
fanfarrão, baderneiro e jamais chegaria aos pés perfeito e queridinho da família, tipo a Betina,
milionária do Youtube. Todo mundo deve ter um primo desses, e, o fato de Samuel[5] ser o preferido
até mesmo da minha irmã gêmea, Laís, sempre fez com que eu me sentisse excluído e rejeitado,
afinal, gêmeos deviam ter uma ligação única, era isso que diziam.
Comecei um curso de Marketing apenas para meus pais pararem de azucrinar a minha cabeça.
Começaria uma faculdade quando eu descobrisse o que eu queria da vida, porém, acabei me
identificando com o curso.
Foi lá que conheci meu professor, Kevin O’Connor, irmão do meu chefe e melhor amigo.
Quando o homem notou meu talento nato, me convenceu a tentar uma oportunidade de crescimento.
Vim para a Irlanda fazer um pequeno estágio que, acabou se tornando meu primeiro emprego. Foi
aqui que comecei a faculdade e me especializei no ramo que sou apaixonado e um dos melhores do
mercado também. Devia tudo aos O’Connor, eles acreditaram em mim mais do que qualquer outra
pessoa antes.
Apenas ano passado, depois de dez anos morando aqui, retornei ao Brasil para o casamento
da minha irmã. Foi lá também que fiz as pazes com meu primo, e, de certa forma, acabei juntando-o
com o amor da sua vida, a Jaísa.
Eu fui fruto de um romance digno de contos de fadas, minha irmã se casou com o cara por
quem não queria nem ter saído a primeira vez, e meu primo namorava o maior clichê de todos, a
melhor amiga.
Eu era a exceção. O cara que nasceu para ser o solteirão da família.
Era bonito.
Algo que não se podia negar. Fato que me ajudava com as mulheres. Curtíamos uma — ou
algumas, dependendo da garota — noites juntos, e depois adeus. Eu gostava de viver dessa forma,
claro. Mas às vezes me pegava pensando que não queria ser um velho sozinho.
Depois de ver minha família feliz com seus respectivos pares, percebi que gostaria de ter
alguém com quem pudesse compartilhar o meu futuro. Alguém com quem pudesse construir uma
família.
Um lar.
Samuel me disse que eu saberia quando acontecesse. Que quando eu tentasse imaginar uma
vida sem a sua presença em meu futuro, seria como viver sem ar. Parecia desesperador a perspectiva
de viver algo assim.
Então, por ora, não era tão ruim viver sem o amor. Eu sabia que me divertiria muito até que
ele me encontrasse.
― Está atrasada ― falei para Kira, assim que ela se sentou em seu lugar à minha frente, para
nosso almoço das terças.
Mesmo que ela fosse a minha carona exigente de todos os dias, gostávamos de manter essa
rotina. Fazia parte de nossos planos conhecer a maioria dos restaurantes da cidade, experimentar e
darmos uma de críticos gastronômicos, avaliando os melhores pratos.
Escolhemos o Crow Street Restaurant nessa terça. O chão de linóleo amadeirado, combinava
perfeitamente com as paredes de tijolos crus, dando um toque rústico ao local. Pequenas e discretas
luminárias ficavam pouco acima das mesas para duas pessoas. Exatamente em uma delas, eu a
esperava.
― Eu sei, desculpa. ― Ergueu a mão, assumindo a culpa, em seguida pôs a bolsa presa na
cadeira e o sobretudo verde-musgo sobre as pernas longas, deixando a blusa cinza que modelava seu
corpo à mostra. ― Sabe aquele dia em que você não devia nem ter saído da cama? É exatamente
hoje! Você nem imagina.
― Aconteceu alguma coisa? Você estava bem em um momento e depois ficou tão calada no
carro. ― Franzi cenho para ela, afastando um pouco o pequeno jarro na mesa com uma flor amarela,
que me impedia de ter uma visão completa da mulher à minha frente.
Kira não era o tipo de pessoa que reclamava de nada. Aguentava os trancos e barrancos com
um enorme sorriso nos lábios grossos, que contagiavam a todos ao seu redor.
― Nada de mais. ― Suspirou, dando um gole da água em minha taça. A encarei, deixando
claro que não acreditava em uma única palavra. ― O senhor Walsh pediu o apartamento. Disse que
tenho duas semanas.
Tentou sorrir, mas estava mais do que claro que aquilo não estava mesmo em seus planos.
― Ele pediu o apartamento? ― Arregalei os olhos, perplexo. Seria praticamente impossível
encontrar uma inquilina como ela, que fazia questão de manter todos os pagamentos nos dias certos e
nunca tinha dado trabalho algum ao homem. ― Ele não pode fazer isso.
― Pode. ― Suspirou, contando o que o homem tinha dito mais cedo para ela. ― Preciso
achar outro lugar rápido. Sabe como isso vai ser inconveniente? Passei horas pesquisando
apartamentos hoje e é tudo bem mais caro e absurdamente menor. Vai ser uma enorme mudança para
o Liam, especialmente.
― Você não pode sair de lá. Sério. Quem vai me alimentar? ― Franzi o cenho, sabendo que a
faria rir, mas realmente chateado com a situação.
― Não posso ir para tão longe assim. ― Deu de ombros. ― Com um aluguel exorbitante,
você acha que vou perder minha carona de cada dia?
Sorri para minha amiga, sentindo-me chateado. Seria estranho acordar todos os dias, sabendo
que ela não estaria mais a alguns passos de distância.
― Por que não vem morar comigo? ― sugeri, surpreendendo, inclusive, a mim mesmo. ―
Tenho quartos vagos. Podíamos dividir o aluguel, e não seria uma grande mudança para o Liam.
Dei de ombros, como se não fosse nada de mais.
― Você sabe que o Liam só tem cinco anos, não é? ― Ergueu uma sobrancelha para mim.
Assenti. ― E sabe também que se dar bem com uma criança, e morar com ela, são coisas
absurdamente diferentes?
― Tipo?
― Liam vai bagunçar todo o seu apartamento ― começou.
― Seria o nosso apartamento. Então, ele deve bagunçar. Aliás, já tive cinco anos, sabia?
― Às vezes, você parece não ter saído dessa idade. ― Semicerrei os olhos para ela, que fez
uma careta. ― Sem falar que ele não tem nenhuma noção de que pode aproveitar a infância e dormir
o máximo que puder.
― Felizmente, existe uma coisa chamada porta. ― Pisquei para ela.
― Você não faz ideia mesmo do que está sugerindo, Carlos. ― Balançou a cabeça em
negativa. ― Além do mais, você teria que encontrar outro lugar para levar os encontros.
― Não me importo com isso. Olha só, para quem está te oferecendo abrigo, você está
encontrando empecilhos demais. ― Mordiscou o lábio, parecendo surpresa. ― Eu confio em você, e
gosto do Liam. Somos amigos. Tenho certeza de que esse será um bom arranjo. E, depois, você vai
poder procurar um bom lugar com tempo, e não desesperada. Quando encontrar, se achar que morar
comigo não é tão bom assim, pode sair.
Kira fez uma careta engraçada.
― Você está pensando em ter alguém na cozinha, não é? ― Apertou os olhos em minha
direção.
― Sabe, não tinha pensado sobre isso ― fiz uma cara de quem avaliava algo ―, mas já que
você está se oferecendo tão gentilmente.
― Você é um mentiroso.
Kira sorriu, e logo o garçom se aproximou para que fizéssemos nossos pedidos.
― Liam está com a babá? ― perguntei.
― Não, com a avó. Ela me pediu para que ele dormisse lá. Eu devo ser uma péssima mão por
ter ficado feliz.
― Você não é uma péssima mãe por querer uma noite de sono ― garanti, achando graça da
arte do moleque. ― Aliás, eu era igualzinho ao Liam quando criança, minha mãe conta que só voltou
a dormir depois que nós fizemos dez anos.
― Essa não é uma notícia animadora ― comentou, fazendo uma careta.
― Se serve de consolo, eu tinha companhia na hora de acordar a nossa mãe.
― Ela merece ir para o céu, juro.
― Levando em conta que eu era uma peste, concordo plenamente.
― Você ainda é uma peste ― apontou, alargando o sorriso. Não discordei.
Enquanto aguardávamos nossos pratos, falamos sobre nossos trabalhos e trocamos algumas
experiências. Ela era uma talentosíssima funcionária da instalação da maior empresa de serviços on-
line e software em sua sede instalada em Dublin. Trabalhava na área de TI. Quando nos conhecemos,
não sabia muito sobre a área de informática, mas pesquisei bastante para compreender melhor o que
fazia quando começava a falar sobre códigos e coisas do tipo.
― Consegui a conta sobre a qual falei com você ― contei, animado, enquanto nossos pratos
eram trazidos pelos garçons.
― Eu não tinha dúvidas de que seria sua. Você é o melhor. ― Balancei a cabeça em negativa,
constrangido com o elogio direto. ― Não tenho dúvidas de que será o novo sócio em breve.
Eu era ótimo em mostrar que eu era bom, mas péssimo em lidar com elogios assim, diretos e
despretensiosos.
Colocou uma enorme garfada na boca, gemendo ao sentir o gosto da comida na boca.
― Tenho trabalhado muito para isso. ― Espetei, com o garfo, um pedaço de sua carne,
recebendo um tapa na mão. ― Amo aquela empresa e sou grato por tudo que o senhor O’Connor fez
por mim.
Enfiei o pedaço roubado na boca, e tive certeza de que meu prato não chegaria aos pés do
seu. Será que ela aceitaria trocar comigo?
― Sabe ― começou, encarando-me ―, essa é uma das coisas que eu mais admiro em você.
― Sorriu ternamente.
― Huuuuum, eu ser o melhor? ― Semicerrei os olhos em sua direção.
Kira gargalhou, de forma divertida.
― Não, idiota. ― Riu levemente. ― Embora você possa ser muito convencido às vezes,
sempre trabalha duro quando tem um objetivo. Isso é admirável. A maioria das pessoas desiste de um
sonho quando encontra dificuldades, você se prepara para todas elas, porque sabe que por mais
difícil que possa parecer, vai valer a pena.
― Sabe, acho que esse foi o melhor elogio que me fizeram até hoje. Claro, depois de
elogiarem o tamanho do meu pau ― brinquei, um pouco embargado com suas palavras.
Eu gostava de como Kira me via. Um adulto responsável em seu trabalho, ao invés de um
cara que só queria foder e mostrar para família que podia ser alguém na vida.
― Você é um babaca. ― Revirou os olhos.
― Você sabe, faz parte do meu charme ― retruquei, enquanto comíamos, dando um sorriso de
lado. ― Aliás, o que acha dessa? “Gata, por você eu viro ateu. A-teu dispor.”
Kira gargalhou.
― Meu Deus ― riu, cobrindo os lábios com a mão ―, eu não acredito que ouvi isso. Onde
estão as mulheres com senso neste mundo?
Balançou a cabeça em negativa, fazendo os cachos voarem.
― Felizmente, poucas mulheres têm um senso elevado, Tirnanoge[6].
Kira rolou os olhos para o apelido dado, anos antes, pouco depois de nos conhecermos,
quando almoçamos juntos pela primeira vez e perdemos a hora. Brinquei que ela era o tipo de pessoa
que me fazia sentir o tempo parar. Foi ela quem me contou sobre a ilha mitológica.
De acordo com os irlandeses, Osi, filho de um guerreiro mítico, passou três anos na ilha
Tirnanoge e, quando retornou às terras Irlandesas, descobriu que trezentos anos tinham se passado,
desde a sua partida.
― Infelizmente, para mim, meu trabalho não espera. ― Fez uma careta olhando o relógio,
assim que acabou de comer. ― Eu tenho mesmo que ir.
― Ei, Kira ― chamei, segurando sua mão ao notar seu olhar preocupado ―, eu falei sério.
Quero mesmo que vá morar comigo.
Ela sorriu.
― Eu sei. E sou grata por ter oferecido isso.
Kira beijou minha bochecha, antes correr de volta para o trabalho.
Capítulo 4

Motivos pelos quais morar com o Carlos seria uma péssima ideia:

Carlos não fazia ideia de como era dividir a mesma casa com uma criança. Ser amigo é
diferente de morar junto.
Carlos era amante de trabalhar durante as madrugadas e não era conhecido por ser silencioso.
Já eu, precisava de horas regulares de sono ou meu humor ficava péssimo.
Certamente, eu iria interferir em sua rotina de sexo. Afinal, com meu filho em casa, não seria
legal que ele levasse uma mulher em cada noite. A cabecinha dele ficaria confusa.
Carlos era um bom amigo, e nada mais atrapalhava uma amizade do que a proximidade
demais.

Motivos para que eu aceitasse a sua proposta:


Aluguel compartilhado era mais barato
Eu só tinha mais três dias, e ainda não havia encontrado nada que valesse a pena.
― Amiga, larga de coisa e aceita logo a proposta do Carlos ― Dara, minha melhor amiga,
repetiu a frase que mais ouvi nos últimos dias.
― Eu acho que não terei muitas escolhas, no final das contas. ― Tentei controlar a
respiração acelerada por conta da corrida que fazia em St. Stephens Green.
A brisa estava suave e eu gostava de correr quando precisava colocar os pensamentos em
dias, especialmente em lugares como esses, em que o verde predominava.
O parque era muito arborizado. Contava com uma fonte ao centro de seu espaço retangular
que somavam nove hectares e ainda nos presenteava com um lago, onde gaivotas e cisnes tinham
acesso.
― Vai ser bom ― afirmou, convicta. ― Eu não estou dizendo para você morar com ele pra
sempre, sabe? É só um tempinho para economizar. Quem sabe, com o dinheiro que você vai poder
guardar, não consiga fazer uma hipoteca e sair dessa vida de aluguel?
― Eu sei que é uma boa ideia, mas depois que você foi morar com o Flynn, eu meio que me
acostumei a morar sozinha e fazer tudo do meu jeito. ― Franzi o cenho, mesmo que ela não pudesse
ver através da chamada.
― Não vai ser por muito tempo, e não é como se acordar todo dia olhando os gominhos do
Carlos fosse um grande sacrifício. ― Ouvi a risada de minha amiga, maliciosa. ― Você vai poder
lavar bastante roupa naquele tanquinho, gata.
― Ai, meu Deus! Você é uma mulher comprometida, Dara. Por favor. Já devia ter superado
essa fixação.
― Comprometida sim, cega jamais, meu amor. ― Sorri. ― O Carlos é um gostoso, e eu não
tenho culpa de você ser chata o bastante para não ter coragem de olhar aquela delícia de forma bem
indecorosa.
― Queria que seu futuro marido te ouvisse.
Rolou os olhos.
― Se depender dele, não nos casamos nunca ― suspirou, triste ―, mas ele sabe da minha
tara no Carlos e que sou frustrada por nunca ter conseguido dar para aquele homem.
― Descaramento nasceu e ficou morando em você, hein? ― comentei, fazendo minha amiga
gargalhar. ― Mas eu acho que você está certa. Passar um tempo com o Carlos não é a pior das
ideias. Vão ser só alguns meses. Até eu encontrar algo definitivo para mim e para o Liam.
― E o que o pedaço de gente achou, sobre morar com o tio?
― Ele está achando que vão viver em uma colônia de férias, jogando videogame o dia
inteiro.
― Bem a cara dele. E se você não tomar cuidado, vai ser isso mesmo que vai acontecer. Os
dois te enrolam como ninguém.
― É, eu sei... terei que ser a adulta da casa. ― Suspirei, dramática. ― Mas me conta, vão
viajar em segunda lua de mel para onde mesmo?
Passamos o resto do tempo falando sobre a viagem que minha amiga e o namorado fariam
para a Grécia.
Flynn a amava com adoração, porém, sempre dizia que não tinham necessidade nenhuma de
se casarem. Para ele, oficializar um casamento era inútil e brega, o oposto de minha amiga, que
sonhava com o vestido branco, véu, grinalda e buquê.
Era pedir muito isso em minha vida? Um homem apaixonado, aventuras românticas e um sexo
de fazer meus olhos revirarem nas órbitas?
Aparentemente, sim.

― Quer ajuda? ― Carlos perguntou, em tom de deboche, enquanto eu carregava uma enorme
caixa pesada para sua casa.
― Não, imagina. ― Rolei os olhos, entrando no apartamento, já lamentando que as paredes
brancas, em breve precisariam ser pintadas novamente. Liam achava que tudo que era branco,
precisava de cor. ― Pode me deixar fazer todo o trabalho pesado sozinha.
― Já que você insiste... ― Abriu um sorriso de lado, mas pegou a caixa de minhas mãos,
como se não pesasse nada.
― Sozinha não, man, eu estou aqui para te ajudar ― meu filho falou, aparecendo na porta do
nosso antigo apartamento, carregando uma pequena caixa com seus brinquedos prediletos.
― Você, meu amor, é o meu homem favorito no mundo inteiro. ― Sorri para meu pequeno,
enquanto o assistia se esforçar para mostrar que estava bem, carregando seus pertences. ― E você
― apontei para Carlos, prestes a jogar a caixa no sofá ―, cuidado com isso. São as louças da minha
mãe. Vieram do País de Gales.
― Se cada caixa que eu pegar, você me disser para ter cuidado, vou te atirar pela janela ―
falou, usando o tem sério, mas com uma expressão divertida no rosto.
― Você não pode atirar a man pela janela, tio Carlos. Ela não sabe voar ― Liam reclamou,
chegando finalmente à sala, e deixando sua caixa bem no centro do cômodo.
― Verdade, amigão ― Carlos apressou-se em corrigir ―, é bom ensinar ela a voar antes.
Meu filho fez uma carinha engraçada.
― E como alguém pode aprender a voar? ― questionou, pensativo.
Senti meu coração na boca, só de imaginar o que podia estar passando pela imaginação fértil
de Liam. Olhei feio para Carlos.
― Sabe, amigão, algumas pessoas, como os heróis, nascem com poderes. Como eu não sou
um, nem você, são muitoooooos anos de estudo e, depois que você se torna piloto de avião, pode
voar pelo céu inteirinho.
― Ah ― sua voz soou desanimada ―, então eu não vou voar nunquinha. ― Sentou-se no
chão, começando a tirar seus brinquedos da caixa, espalhando-os ao redor. ― Não gosto de estudar,
sabe? Ir pa escola muitos anos vai me deixar muito cansado.
― Mas, como você é criança, e crianças fazem o que os pais mandam, é bom o senhor saber
que tem muitos anos de estudo pela frente ― anunciei. ― Agora, guarda novamente esses
brinquedos, leva essa caixa para o seu novo quarto, senão vamos acabar tropeçando em você aí,
parado.
Meu filho fez o que eu havia pedido, sem reclamar, desaparecendo pelo corredor branco e
sem graça, no qual eu daria um jeito, em alguns instantes.
― E você, para de colocar coisas na cabeça dele.
― Não foi culpa minha ― ergueu os braços, fingindo-se de inocente ―, mas, se serve de
consolo, eu jamais te atiraria pela janela. Quem faria as melhores comidas para mim?
― Você não tem jeito. ― Sorri.
Balancei um pouco a camisa que usava, tentando, de alguma forma, aplacar aquele calor que
fazia. Apesar de o tempo não estar ameno, a movimentação constante fazia meu sangue esquentar.
― Enquanto os bonitinhos ficam aí, conversando, muitas caixas deixam de ser trazidas,
sabiam? ― Dara entrou na sala, indicando a caixa que segurava e que quase a escondia por
completo. ― Onde coloco esta?
― Aqui, pode me dar. Eu levo isso. Pelo visto, serei o burro de carga do dia... ― Carlos
resmungou, brincando.
― Ai ― minha amiga se sentou no sofá, esparramando-se ―, estou exausta.
― Nós acabamos de começar ― lembrei a folgada, que já queria fugir do trabalho.
― Quando fui morar com o Flynn, jurei que jamais faria uma mudança, e cá estou eu... se
tivesse lembrado como é exaustivo, tinha te incentivado a contratar uma equipe.
― Claro ― rolei os olhos ―, faria todo sentido contratar uma equipe para atravessar o
corredor.
― Você devia se orgulhar ― comentou, encostando a cabeça no braço do sofá. ― Estaria
ajudando na movimentação financeira do país e fortalecendo os vínculos empregatícios dos
funcionários com a empresa.
― Você devia se orgulhar, por ter a chance de ajudar sua melhor amiga a fazer a mudança. ―
Ergui uma sobrancelha para Dara.
― Convencida, ela, né? ― perguntou a Carlos, que tinha acabado de retornar para sala.
― Demais. Precisa de um choque de realidade. ― Piscou, passando por mim em direção ao
meu futuro ex-apartamento. Atravessei os poucos passos de distância logo atrás dele, que passou
expressando assombro. ― Pra uma pessoa de pouco tamanho, você possui muitas coisas ―
reclamou, ao perceber minha sala repleta de caixas.
― Para alguém tão grande, você devia ter um cérebro maior e mais capaz de conter a língua.
― Rolei os olhos.
Não era tão baixinha quanto ele gostava de fazer parecer, e não sabia o motivo daquilo me
incomodar, mas me sentia com três anos, prestes a dar língua ao valentão da sala quando ele falava
sobre minha estatura.
― A Irlanda não possui cobras, por ter uma língua venenosa, dessas à disposição do país. ―
Cutucou minha costela com o cotovelo, fazendo-me rir um pouco, mesmo contra a minha vontade. ―
E, só pra você saber, eu tenho muitas coisas grandes...
― Quer parar de ser engraçadinho e começar a ser produtivo? ― Apontei para as caixas. ―
Elas não vão mover-se magicamente.
― Às vezes, eu tenho dúvidas se você está contratando um colega de apartamento, ou se
acredita que ganhou um mordomo. ― Fez uma careta.
― Sou uma mulher esperta, que fez um ótimo negócio. Acertei um bom aluguel com um
funcionário mediano e um exímio motorista incluso. ― Foi a minha vez de piscar para Carlos,
pegando a caixa mais leve propositalmente, e levando-a para o novo apartamento.
Demorou um pouco, mas quase tudo foi devidamente levado para o novo lar. Dara ajudou-me
a colocar meus pertences nos lugares devidos e Carlos, bom, ele atrapalhou bastante, tentando nos
distrair.
Arrumar o guarda-roupa foi uma provação. Decidiu que seria juiz de minhas roupas, e dava
nota para elas, enquanto eu as guardava. Inclusive, vestiu um dos meus vestidos de ficar em casa,
para provar que seria lindo, mesmo que fosse mulher.
No fim do dia, quase todas as caixas tinham sido esvaziadas. O apartamento do meu amigo,
como o meu, possuía três quartos. Um deles, Carlos costumava usar como escritório. O meu novo
local de dormir. Ele não hesitou nenhum segundo em desfazer-se do seu local de trabalho, para que
me acomodasse, embora eu tenha dito, ao menos cem vezes, que não tinha problema algum dividir o
quarto com meu filho.
Liam ficaria com o outro quarto. Era um pouco menor, mas ele tinha adorado. Pendurei
quadros com seus heróis favoritos nas paredes, para dar um toque mais infantil ao lugar. Recusei uma
nova pintura, como Carlos havia sugerido. Não sabia quanto tempo aquele arranjo ia durar. Eu ainda
costumava imaginar que, ao fim do primeiro mês, meu amigo estaria rezando para que meu filho e eu
encontrássemos logo um lugar definitivo para nós dois.
― É, até que não fiou tão ruim ― comentei, observando-o terminar de se arrumar, enquanto
analisava a sala, que era um misto de coisas nossas.
Um vaso repleto de sinos-irlandeses ficava próximo à janela, ao lado de um pequeno móvel
com um Olho de Agamotto.
Porta-retratos com imagens minhas e de meu filho invadiram paredes, mesas decorativas e
todo lugar onde eu achei que poderiam caber.
― Verdade... tirando o fato de que, em algum momento, terei uma overdose de você ―
implicou, passando a colônia característica dele no pescoço, espirrando-o também no ar, fazendo
com que uma chuva de perfume caísse sobre ele.
― Eu sei. Gosto de fotos ― dei de ombros ― mas, em minha defesa, espalhei várias suas
também ― apontei. ― Quando minha mãe morreu, eu lamentei não ter tantas fotos com ela. Eu gosto
de pensar que meu filho terá muitas memórias eternizadas comigo. Nossa mente pode falhar, mas ele
sempre terá uma imagem minha. Uma coisa palpável, sabe? Então, Liam saberá que tivemos
momentos reais. O amanhã é imprevisível.
Carlos apenas assentiu, como se pensasse sobre aquilo.
― Não posso negar. Mas, só para você saber ― falou ―, você é como uma tartaruga
marinha. Vai viver mais de cem anos ― brincou, referindo-se a Nemo, desenho que assistimos com
meu filho, alguns dias atrás.
Ri, sentando-me no sofá, já abrindo as opções de filmes disponíveis para que meu filho
escolhesse quando chegasse à sala.
― Eu sei que é sua primeira noite aqui e que eu devia ser um bom anfitrião ― falou, puxando
o controle de minha mão ―, mas já tinha marcado de sair com uma gata. Ela me mandou mensagem,
lembrando há pouco. ― Arqueei uma sobrancelha para ele.
― Pode ficar tranquilo, vamos sobreviver sem você. ― Pisquei para ele.
― Tio Carlos ― Liam chegou à sala com seu coberto favorito arrastando no chão ―, aonde
você vai?
― Vou sair com uns colegas, amigão. ― Ergueu a sobrancelha em minha direção.
― Posso ir com você? ― Meu filho pareceu animado com a possibilidade.
― Não mesmo! ― respondi, enfática.
― Mas, man, eu também sou amigo do tio Carlos. ― Os ombros de Liam caíram um pouco.
― Não sou? ― perguntou ao meu amigo, com uma expressão triste.
― Claro que é, amigão ― afirmou, aproximando-se do meu filho e ficando da altura dele. ―
E eu vou te contar um segredo ― baixou o tom, como se quisesse realmente compartilhar algo apenas
com ele ―, você é mais legal que todos eles. Mas hoje, nós vamos para um lugar que crianças não
podem entrar. Se você quiser, podemos marcar um passeio de homens, só nós dois, o que acha?
― Eu quero. ― Sorriu, mostrando os dentinhos faltando, porém, logo em seguida sua
expressão mudou. ― Mas a mamãe vai ficar tiste aqui sozinha...
― A man vai sentir sua falta, mas aí ela vai poder fazer coisas de meninas, sem a gente aqui.
Liam pareceu pensar sobre isso por um minuto.
― É vedade.
― Então, estamos combinados. Nós dois faremos um passeio de homens, certo?
Meu filho assentiu e, em seguida, a campainha tocou, anunciando que a companhia da noite
tinha chegado para reclamar suas horas de direito.
― Boa noite, tio Carlos ― meu filho falou, abraçando o amigo. ― Se divete, mas lembra que
a gente também tem que se divetir.
― Pode deixar, amigão. ― Carlos bagunçou os cabelos do meu filho, antes de beijar o topo
da minha cabeça e seguir para a porta. ― Ei, Kira ― chamou ―, eu sei que o Natal ainda está longe,
mas estou em dúvida de qual presente pedir ao Papai Noel. ― Franzi o cenho, confusa. ― Você de
namorada, ou seu pai de sogro. ― Piscou, soltando um beijo de longe.
Balancei a cabeça em negativa, rindo, enquanto ouvia o click da porta indicando que ele
havia saído.
Liam se aconchegou ao meu corpo, escolhendo Espanta Tubarão, pela milésima vez. E assim,
eu e o homem mais importante da minha vida compartilhamos a nossa primeira noite na casa nova.
Ainda não sabia bem o que esperar, Carlos era divertido, e talvez morar com ele se tornasse
uma boa experiência para nós dois.
Só esperava que continuássemos sendo os bons amigos que sempre fomos.
Capítulo 5

― Cacete ― resmunguei, depois de ter batido o pé na quina da mesa de centro da Kira. Tanto
dedo para bater e tinha que ser logo a porcaria do mindinho.
Olhei ao meu redor, ainda não completamente adaptado às mudanças que aconteceram no
ambiente. Alguns dos brinquedos do moleque estavam espalhados pelo chão, fazendo-me lembrar da
minha própria bagunça em sua idade — e verdade fosse dita, a bagunça ainda permanecia.
― Tio Carlos falou palavra feia. Tem que colocar dinheiro na caixinha. ― A voz animada
demais para uma hora dessas da manhã me fez estremecer.
― Droga ― murmurei, para que não tivesse que dar dois dinheiros, ao invés de um ―, se
continuar tirando grana de mim assim, vai se aposentar antes dos doze.
Tirei da carteira uma cédula, depositando na caixinha que Kira tinha feito pouco depois que
se mudaram, ao perceber meu repertório de palavrões e brincadeiras de sentido duvidoso. Sempre
que minha amiga entendia algo que eu falava com duplo sentido, ficava mais pobre. Atualmente, eu
me encontrava duas semanas mais próximo da falência.
Ela estava certa quanto a uma coisa: morar com uma criança era completamente diferente de
ser amigo de uma criança. Quando Kira morava na porta à minha frente, eu entrava em sua residência
sabendo onde eu estava e o que não devia falar. Minha mente, agora, costumava me trair bastante, já
que estávamos em um local a qual ela estava habituada.
― O que é se aposentar, tio?
Meu Deus! Era muita dúvida para tão cedo.
― Se aposentar é quando você já trabalhou bastante e agora pode ficar em casa, sem
trabalhar.
Liam pareceu pensar um pouco, enquanto mastigava o cereal que sua mãe tinha colocado para
ele, pouco antes de entrar no banho.
― Quando uma pessoa se apo... apo...
― Aposenta ― completei, colocando um pouco do cereal de sua caixinha no meu prato e
sentando-me ao seu lado na mesa.
― Isso ― sorriu, grato pela ajuda ―, quando uma pessoa se... isso que o senhor falou, ela
ganha dinheiro?
― Ganha, sim. ― Liam deu uma risada tão cheia de significados, que ele nem precisou falar
para que eu soubesse o que passava por sua mente. ― Mas, só quem se aposenta, são pessoas
velhinhas, ou que trabalharam muito durante a vida e tem um dinheiro guardado.
― Huum. ― Fez um bico, frustrado.
Peguei meu celular, conferindo o que as pessoas tinham feito no final de semana. Samuca e
Jaísa; minha irmã e Maurício foram ao boliche. Meu chefe tinha ido ao cinema e eu tinha certeza de
que a senhora Murphy fez parte do programa. As fotos sobre a saída do final de semana ainda
estavam disponíveis nos stories de alguns dos caras com quem estivemos.
Murielle, a garota com quem havia saído no final de semana, já tinha mandado mensagem
dizendo que havia se divertido e perguntando se podíamos nos ver novamente. Dessa vez, nem
responderia.
Ela era divertida e boa de cama. O tipo de mulher que gostava de experimentar tudo. Porém,
depois de sair com ela três vezes seguidas, as coisas começavam a se complicar. Se bobear, ela já
estava pensando: eu posso fazer com que se apaixone por mim, e planejando uma mudança para meu
apartamento.
Deus me livre.
― Posso saber o motivo desse biquinho lindo? ― Kira perguntou para o filho, entrando na
sala com os cabelos enrolados em uma toalha. Usava uma calça jeans, blusa de alça branca e uma
expressão divertida, com os olhos semicerrados para mim.
― Eu descobi que queria ser aposentado, mas o tio Carlos explicou que para isso, eu peciso
tabalhar. ― Suspirou, como se a informação fosse desalentadora.
― Se esse garoto fosse filho de gente rica, seria o maior playboy de todos os tempos ―
brinquei com Kira, vendo-a abrir a geladeira para pegar seu copo de iogurte, antes de sentar
conosco.
Liam contou um pouco a atividade que tinha feito na escola no dia anterior, e contou também
que um colega estava rindo dele, por estar sem dentes. Kira disse que as janelinhas o deixavam fofo,
e o garoto afirmou que ser fofo não era coisa de menino. Que ele tinha que ser lindão.
― O Liam é uma figura ― comentei, vendo-o ir escovar os dentes, como a mãe mandou.
― Sim. ― Sorriu. ― É estranho lembrar que, quando engravidei, pensava nele como um
erro. Liam é meu maior acerto.
― Pela forma como vocês se completam, isso é visível.
― E você, tudo certo para o lançamento da campanha amanhã?
― Sim. Conferimos tudo ontem. ― Dei a última colherada no cereal. ― Todas as redes, além
das propagandas na televisão, vão começar. Murphy está muito animada com a final e muita coisa em
relação à festa está praticamente pronta. Recebemos boas propostas para televisionar tudo.
― Tenho certeza de que será um enorme sucesso. ― Pousou a mão na minha, deixando claro
seu incentivo.
Seu celular vibrou, fazendo barulho por conta do contato com a mesa.
Kira fez uma careta ao ler a mensagem em sua tela.
― O quê? ― quis saber, franzindo o cenho.
― Mensagem. Não sei qual a pior... Aquele Cao, que não desiste, ou meu pai, me lembrando
do feriado na casa do vô. ― Rolou os olhos.
― Pelo pouco que conheci do seu avô, nas festinhas do Liam, o homem da cara fechada, sem
dúvida. Mas aí, é só você não ir. E, quanto ao Cao, não responde. ― Dei de ombros.
― Você sabe que o vovô morre, se eu não levar o Liam para vê-lo. E tem toda aquela coisa
da tradição. ― Suspirou. ― Não posso, simplesmente, não ir.
― Então, já que faz tanta questão do Liam, devia te tratar melhor ― afirmei. Fui testemunha
de todas as vezes que o homem fingia não ver a neta, mas agia com o Liam como se ele fosse a
pessoa mais importante de sua vida.
― Bom, que tal falar com o Cao pra mim, já que o problema com minha família não tem
solução? ― Piscou os olhinhos, como se quisesse me encantar.
― Você quer mesmo que eu parta o coração de alguém? ― Pousei a mão no coração, como se
estivesse horrorizado com a possibilidade. ― Eu não sou o tipo de pessoa que brinca com os
sentimentos dos outros, Kira. Por quem me toma? ― Balançou a cabeça em negativa. ― Só diz que
não está a fim e pronto. Se ele vier falar comigo, prometo que te ajudo.
― Tá ― concordou, a contragosto. Kira detestava sentir que podia magoar alguém. ―
Liam!!! ― chamou, arregalando os olhos, levando-me a seguir seu olhar.
― Olha, man, meu piu quer voar ― declarou.
O pequeno meliante estava sem a calça, mexendo no pinto.
Agora a luta para fazê-lo vestir a roupa seria grande. Eu tive quase certeza de que Liam
acabaria vencendo, quando o vi correr para seu quarto e trancar a porta, dizendo que não queria ir
para a escola.
Realmente, ser só amigo da criança era mais fácil.

Liam aceitou abrir a porta e vestir o resto da roupa, depois de uma longa negociação
desesperada, por estarmos à beira do atraso. Consegui deixá-lo na escola e fazer com que Kira e eu
chegássemos às nossas empresas em tempo hábil, não sem antes ser lembrado de que precisava ir
direto para casa. A noitada de hoje tinha sido terminantemente proibida, pois Dara e Flynn iriam
jantar conosco, em forma de agradecimento pela ajuda da garota na mudança.
Estava em minha mesa, concentrado na campanha das maquiagens, quando meu chefe entrou
em minha sala, parecendo feliz demais para ser verdade.
― Carlos, quero conversar com você.
Aquela frase nunca era indicativo de algo bom. Enquanto meu chefe caminhava até a cadeira
que ficava em frente à minha mesa, comecei a pensar no que podia ter feito de errado, ou se tinha me
esquecido de um detalhe importante em algumas das campanhas que estava trabalhando. Mas, pelo
que conseguia me lembrar, estava tudo sendo feito corretamente.
― Claro, senhor ― assenti, observando-o sentar-se lentamente. ― Algum problema com a
campanha de amanhã?
Preocupei-me, já começando a abrir as pastas onde todos os meus arquivos e documentos
sobre a conta estavam salvos.
― Não, não ― negou, balançando a cabeça ―, tudo está certo para amanhã, e se existe
alguém mais satisfeito com uma ideia no mundo que a Murphy, eu gostaria de conhecer para contratar.
― Seria bom ter um concorrente à altura. ― Ergui uma sobrancelha. ― Desde que você
resolveu abandonar as campanhas, é até chato não ter com quem competir.
Ele riu.
― Sabe, você é um presunçoso, mas eu gosto de você. ― A afirmação assim, direta, pegou-
me desprevenido. Embora eu soubesse que meu chefe gostava de mim e considerava-me um amigo,
era estranho. Ainda mais vindo aleatoriamente daquela forma.
― O sentimento é recíproco, senhor. ― O homem riu um pouco pela minha cara de confusão.
― Você é um bom rapaz, tem visão de futuro, trabalha muito bem em equipe e é capaz de ter
ideias maravilhosas em meio a qualquer desastre. ― Balançou a cabeça em negativa, com um sorriso
no rosto que demonstrava estar pensando em algo engraçado. ― Tem trabalhado comigo por anos. É
meu melhor funcionário, e de longe, o que eu mais confio.
― E eu sou muito grato pela confiança, e por todas as oportunidades que tenho tido, desde
que cheguei a este país, senhor.
O’Connor ficou em silêncio alguns segundos.
― Eu estou ficando velho e quanto mais penso em minha vida, consigo recordar-me de
momentos que eu deixei de viver para fazer desta empresa o sucesso que é. ― Olhou em volta, pela
minha sala, parecendo voltar ao passado, quando começou em apenas um cômodo, como se
orgulhava de contar. ― Mas eu não quero mais desperdiçar momentos e pessoas.
― Decidiu se casar? ― quis saber.
― Não. Longe de mim ― pareceu ultrajado com a suposição ―, mas eu pretendo convidá-la
para fazer uma viagem, para nos conhecermos melhor. Para isso, preciso de um homem de confiança.
Alguém que eu tenha certeza de que vai dar conta desta empresa, e agir da mesma forma que eu
agiria, em qualquer problema que possa acontecer. ― Parou por alguns segundos. ― Eu treinei você
ao longo dos anos, e sei que dará conta, então, quero fazer uma proposta. Uma empresa fabricante de
joias feitas de pedras preciosas está interessada em fechar conosco. Se conseguir a conta, faço de
você o meu mais novo sócio.
Não consegui falar nada.
Meu coração batia no peito, acelerado. Eu amava aquela empresa. Era grato por tudo que os
O’Connor fizeram por mim, e ser sócio deles seria a confirmação de que todo o meu empenho tinha
valido a pena.
― Não gostou da ideia? ― meu chefe quis saber, depois de alguns instantes de silêncio.
― NÃO! ― Pulei da cadeira. ― Quer dizer, sim. Eu estou feliz com isso. Eu... Uau, nem sei
o que dizer. ― Rodeei a mesa, aproximando-me dele. ― Tenho certeza de que vou corresponder às
suas expectativas, senhor.
Ergui a mão para um aperto, mas o homem me puxou contra seu corpo, em um raro abraço.
― Eu não tenho filhos, Carlos ― falou, afastando-se, e seguindo em direção à porta ―, mas
se tivesse, gostaria que ele fosse um homem como você. Reunião na minha sala, em cinco minutos.
Quero te passar os detalhes sobre a conta.
E assim, o homem saiu da sala, deixando-me emocionado com suas palavras, e animado para
mostrar a ele que eu seria a pessoa certa para ajudá-lo no comando da empresa.
Capítulo 6

― Ai, meu Deus, Carlos! Isso é fantástico! ― Minha voz soou alta demais, mas foi difícil
conter a animação.
Eu sabia o quanto Carlos almejava tornar-se sócio da empresa pela qual ele vinha
trabalhando tão diligentemente nos últimos anos.
Pedi licença aos colegas com quem dividia a sala, e corri para me esconder no banheiro,
onde podia conversar com mais tranquilidade, enquanto ouvia seus relatos sobre como o chefe tinha
dado a notícia a ele.
― Sério, estou muito orgulhosa de você. Tenho certeza de que vai ganhar essa conta.
Minha bochecha doía de tanto sorrir. Eu estava absolutamente contente por ele. Ver um amigo
realizando um sonho era algo indescritível. Era como se fosse uma realização minha, e eu acho que
esse sentimento refletia muito o verdadeiro significado da amizade, se alegrar com a conquista do
outro, verdadeiramente.
― Eu vou trabalhar como louco, nos próximos dias. Preciso impressionar os proprietários.
― Tenho certeza de que vai impressioná-los. Já fui cobaia em algumas de suas
apresentações, e, se tivesse uma empresa, com certeza te contrataria ― garanti. ― Não se preocupa,
nem fica nervoso. Vai dar tudo certo. Hoje, no jantar, teremos duas comemorações.
― Não... na verdade, você é a única pessoa que vai saber disso por um tempo. ― Franzi o
cenho ao ouvi-lo.
― Ué? Você não vai contar a ninguém? ― Não fazia sentido para mim.
― Vou..., mas só quando tiver uma resposta concreta. Por enquanto, ainda é apenas um sonho.
― Suspirou. ― Não quero que me achem um fracassado, por chegar tão perto e perder, sabe?
― Ei ― chamei, mesmo sabendo que ele não podia me ver ―, você não é um fracassado. E,
mesmo que não ganhe a conta, o que nós sabemos que não vai acontecer, o mais importante é que
você está em busca do seu sonho. Você ama o que faz, é bem-sucedido. Chegou longe, Carlos, em um
país que nem é o seu. Você é tudo, menos um fracasso.
Meu amigo ficou em silêncio alguns instantes.
― Obrigado por me dizer isso.
― É a mais pura realidade ― afirmei. ― Mas, olha só, você é um bonitão que será
promovido em breve, mas eu sou apenas uma assalariada que precisa manter o trabalho porque, sabe,
meu colega de apartamento não vai ficar feliz se eu for demitida e não puder pagar a minha parte ―
brinquei.
― Tenho certeza de que seu colega de apartamento colocaria suas coisas em uma caixa e
depois jogaria tudo pela janela, se você atrasasse o pagamento. ― Riu. ― Te aviso quando estiver
saindo daqui para te buscar.
― Combinado. Estou pensando em almoçar em casa hoje... Quero adiantar algumas coisas
para o jantar.
― Precisa de carona?
― Não, já acertei com um colega. Foca na sua apresentação, e já que eu sei que serei sua
cobaia, vou querer crédito quando for promovido. Um jantar no restaurante mais caro da cidade.
― Olha só, como estamos ambiciosos hoje. Nos vemos mais tarde, então.
― Carlos ― chamei ―, obrigada por confiar sua conquista a mim.
― Acho que eu não confiaria a mais ninguém.
Aquela pequena frase ecoou em meus ouvidos por alguns segundos, aquecendo, de certa
forma, o meu coração. Eu confiava nele. Muito. E era bom saber que a amizade e confiança era
recíproca.
Estava feliz por Carlos quando retornei à minha sala. Um sorriso brincando no rosto pela sua
conquista. Não duvidava, de forma alguma, que a promoção estava garantida.
Eu gostava disso, de ver as pessoas progredindo em suas vidas e conquistando seus
objetivos. Senti o mesmo quando me formei, uma das maiores conquistas de minha vida.
Durante a faculdade, ouvi muitas piadinhas, já que era uma área de predominância masculina.
Entretanto, sem nós, mulheres, muitas descobertas na área da tecnologia poderiam ter demorado
muito mais de serem conquistadas.
Pensei em desistir várias vezes, mas uma coisa que aprendi foi que o meu lugar era onde eu
quisesse. E enquanto eu estivesse feliz, fazendo o que eu amava, aquele seria o meu lugar.
Eu esperava que as pessoas conseguissem enxergar isso o quanto antes, já que sonhos podiam
ser destruídos por palavras maléficas.

Os olhos de Daniel ardiam em promessas que eu esperava muito que ele fosse cumprir.
Suspirei, quando se livrou das primeiras peças, ficando com o torso nu. Os gominhos
perfeitamente marcados em seu abdômen eram apenas o princípio que levava ao caminho do que
eu torcia para ser uma ótima perdição. A calça ainda cobria uma parte importante de seu corpo, e
minha respiração acelerou, quando começou a abrir os botões da peça.
Puta merda, não vou me sentar por uma semana, mas vai valer a pena. Olhando para o pau
do homem pelado em minha frente, não pude deixar de pensar que, pela primeira vez em minha
vida, ia transar com um cara como as autoras costumavam descrever em seus livros.
Um pau de respeito.
― Pela sua cara, gostou do que viu ― brincou, voltando a se aproximar de mim. Me
beijou de forma sensual, afastando-se novamente e pegando uma camisinha na mesinha ao lado de
sua cama. Observei enquanto a colocava, pensando se doeria muito. ― Pronta? ― quis saber,
depois de ter posto a proteção, afastando nossos rostos.
― Eu já nasci pronta ― respondi. Ouvindo sua risada, antes de sentir Daniel entrando em
mim.
Gemi, sentindo a invasão. Daniel era grande, e esperou uns segundos.
Então começou, sutil. Devagar. Olhos nos olhos, esperando que eu me acostumasse com
ele. E então, os movimentos se intensificaram. E eu entendi o motivo de eles fazerem parte do
mapa de touro.
Havia vigor. Determinação. Firmeza. Mas ao mesmo tempo, havia sensualidade. Cuidado.
Delicadeza.
― Você é tão apertadinha ― falou, mordiscando meu lóbulo. ― Perfeita pra mim.
Rebolei um pouco, fazendo-o dizer algumas palavras desconexas.
O som dos nossos corpos se encontrando era estimulante. Daniel apertava minha bunda,
massageava meu clitóris.
Sussurrava coisas bonitas seguido de sacanagens.
Eu podia ouvir seu coração batendo, acelerado, entre seus gemidos. Meu corpo sabia
muito bem o que fazer. Nós encontramos um ritmo perfeito. Daniel chupava meu pescoço.
Massageava meus seios. Memorizava-me com as mãos. Eu fazia o mesmo. Passeava com os dedos
por seu corpo torneado buscando conhecer seus pontos. Puxava-o para mais perto quando sentia
que estava demais. Mordiscava seus lábios em meio a um beijo.
Estávamos entregues àquele momento.
Era único. E nosso.
Quando seus movimentos se tornaram mais intensos, senti que ele estava chegando lá. Eu
também.
Buscava qualquer coisa em que pudesse me segurar, porque dessa vez sentia que seria mais
intenso. Mais forte. Que tomaria tudo de mim.
― Eu vou gozar ― anunciou, quando não pôde mais conter. ― Goza comigo, Barbara.[7]
― Kira ― Richard chamou minha atenção. Assustada, ergui os olhos em sua direção. ―
Chegamos. ― Apontou para a janela, mostrando que já estávamos em frente ao meu prédio.
― Desculpa, me distraí lendo ― falei, um pouco constrangida, e com medo de ele ter
percebido que eu estava excitada por conta da cena que tinha acabado de ler.
Eu amava ler. Especialmente quando eu precisava esquecer algo. Era como viver a vida de
outra pessoa, conhecer homens inexistentes e ser feliz por alguns segundos.
― Não tem problema. ― Abri a bolsa para guardar meu Kindle. Pela visão periférica, vi
quando ele passou a mão aberta pela perna, como se quisesse controlar o nervoso. ― Antes que você
vá, queria te fazer uma pergunta, Kira.
― Sim. ― Sorri, fechando a bolsa, e encarando-o.
― Eu queria saber se você não quer aproveitar que estamos aqui, e de repente, almoçar
comigo. ― Pareceu aliviado em colocar as palavras para fora.
― Desculpa, eu não posso. ― Sorri, sem jeito. ― Na verdade, vou começar a preparar
algumas coisas para o jantar. Uma amiga e o namorado vêm jantar conosco.
Ficou em silêncio, como se esperasse algo, antes de voltar a falar:
― Que pena. Quem sabe numa próxima, né? Eu te mando mensagem, quando estiver saindo
de casa para passar aqui, então.
― Obrigada, mais uma vez, pela carona. Nos vemos daqui a alguns minutos ― Sorri. Seus
olhos levemente esverdeados recaíram sobre meus lábios, de forma quase automática.
― Sempre que precisar.
Desci do carro, ainda com a cena que o casal protagonizou em minha mente, de forma bem
vívida.
Eu precisava transar. Isso era um fato.
Entre o trabalho e dar conta do Liam, eu costumava esquecer que existia uma mulher que
precisava de atenção também. Estava há seis longos meses sem sexo, e a minha última vez tinha sido
horrível, dentro de um carro, com um cara que gozou segundos depois que começamos. Tive que
fingir um orgasmo, para não destruir o sentimento do ser que se achava o maior fodão.
Dara disse que eu devia era ter dado na cara dele, ao invés de ficar pensando em ferir a
masculinidade do homem, mas eu era péssima em lidar com situações em que eu podia deixar
alguém constrangido.
Logo que entrei no apartamento, fiz um sanduiche rápido e, enquanto devorava, aqueci a
panela que usaria para fazer o pão, como mandava a receita, já pré-aquecendo a massa, logo em
seguida, pensando em minha decadente vida amorosa.
Cao, o colega do Carlos, seguia, insistentemente, mandando mensagem. Dara achava que eu
devia dar uma chance e sair com o cara mais uma vez. Se eu sentisse que não dava para levar para
frente, pelo menos, o atraso eu tiraria.
O plano não era ruim.
Eu queria ser mais desinibida e dormir com qualquer um, mas eu precisava sentir que
confiava na pessoa antes de ir para cama. Então, eu precisava de alguns encontros, porém, levando
em conta que os homens com quem saía não me davam vontade alguma de marcar algo novamente, eu
ia ficando aqui, quase virgem.
Isso tinha que mudar.
Depois de seguir tudo que a receita pediu, o pão ficou pronto. O cheiro estava maravilhoso e
felizmente Richard ainda não tinha mandando mensagem. Eu devia ter mais dez minutos pelo menos.
Tentei afastar da minha mente a ideia que tinha passado. Usar meu consolo era algo que eu
tinha prometido que não faria mais. Não, enquanto não arrumasse vergonha na cara e transasse um
com homem de verdade. Mas eu estava ali, carente, e ele estava lá, guardado em alguma caixa, triste,
solitário e precisando de atenção.
Não fazia sentido ter pagado tão caro num objeto como aquele e deixá-lo sozinho, o coitado
podia até estragar.
Pelo bem dele, resolvi que não faria mal algum verificar se estava funcionando direitinho. E,
para saber disso, eu tinha que testar.
Quando dei por mim, já tinha pegado a mala que estava em cima do meu armário, retirado o
objeto que tinha ganhado um nome e posição social, afinal, agora era um duque delicioso. Minhas
peças de roupa já estavam no chão, e eu estava, completamente, pelada em cima da cama.
Liguei a televisão do meu quarto, adiantando os episódios para o capítulo cinco, cena da
estrebaria, momento exato em que ele começa a beijar o pescoço da Daph, depois de remover o
corpete.
Se tinha alguém no planeta de quem eu sentia inveja, era daquela mulher.
Era fácil demais imaginar as mãos do duque de Hastings passando por meu corpo. Fechei os
olhos, deixando-me envolver pelos sons que vinham da cena. Posicionei o duque na entrada da minha
boceta e fui, aos poucos, introduzindo-o, sentindo meu corpo começar a relaxar com a atenção.
Gemi, baixinho, sentindo como era bom.
Enquanto mantinha, com a mão direita, meu duque preso lá embaixo, com a esquerda, passei a
percorrer meu corpo, sentindo meus seios se entumecerem.
Minha mente começava a alertar-me de que Richard podia ter mandando mensagem e que se
eu perdesse a carona, ia me atrasar. Isso fez com que eu acabasse acelerando o processo, enfiando
tudo de uma vez. Meu corpo aceitou bem, e comecei o vai e vem de forma rápida. Precisava chegar
ao orgasmo.
Algumas estocadas depois e eu sentia que estava quase lá.
Quase.
Meu corpo estava entregue, minha mente relaxada e aquela sensação de que explodiria a
qualquer momento começava a se intensificar, até que eu explodi. Foi impossível conter o gemido.
Um baque estranho chamou minha atenção, e quando ergui o olhar, não pude acreditar no que
via.
Carlos estava parado.
Completamente em choque.
Involuntariamente, chamei seu nome, mas com o corpo ainda entorpecido, o som saiu
estrangulado, quase que como um gemido.
E, ali, eu quis morrer.
Capítulo 7

Puta que pariu!


Nenhuma expressão no mundo poderia fazer jus ao que sentia nesse momento. Do
constrangimento com a cena, passando pela vontade louca de me jogar sobre aquela mulher nua na
cama e foder com ela, até que meu nome fosse a única coisa da qual conseguisse se lembrar.
― Puta que pariu!
― Ai, meu Deus!
Falamos juntos, claramente descobrindo que ainda tínhamos voz. Virei de costas, ao passo
que ela puxou o lençol para cobrir seu corpo.
Agora ela realmente ia me achar um pervertido.
― Desculpa, eu não pensei que você...
― O que você está fazendo em casa?
Mais uma vez, falamos juntos.
Os sons de um casal gemendo não ajudava a porcaria da minha cabeça — a de cima e a de
baixo também — a se concentrarem em outra coisa, que não em Kira, pelada, na cama, gemendo.
Pensar na cena novamente fez meu pau latejar.
― Ai, droga, droga, droga ― o desespero era nítido em sua voz ―, cadê essa merda de
controle? ― Comecei a virar o rosto para ajudar na busca. ― Fica quieto! Não se mexe ― gritou. ―
Não olha!
― Eu só queria ajudar a encontrar o...
― Não precisa ― grunhiu. ― Que merda você está fazendo em casa?
― Eu vim finalizar os trabalhos daqui. Achei que ia me relaxar ― me defendi. ― Você quem
devia estar no trabalho. O que está fazendo aqui, a essa hora? Aliás, não responde, não! — pedi,
rapidamente, sentindo as imagens anteriores voltarem com força para minha cabeça.
Merda!
― Carlos!!! ― ralhou, nervosa. ― Ai, droga! Cadê, cadê, cadê? Achei! — gritou e, em
seguida, o som da TV desapareceu, como num passe de mágica.
Ficamos em silêncio.
Eu, de costas, completamente sem saber o que fazer. Kira parecia constrangida demais para
pensar em falar algo. Permanecemos assim por alguns instantes.
― Tá ― falou, depois de soltar, ruidosamente, a respiração. ― Isso, claramente não devia
ter acontecido.
― Estamos de acordo quanto a isso. ― A resposta saiu bem rápido.
― Ok ― pausou ―, então, vamos fingir que isso nunca aconteceu, certo?
― O que aconteceu? ― perguntei, usando um tom debochado. ― Eu entrei em casa e fui
tomar banho. Nem vi que você ainda estava aqui.
― Na verdade... você ia tomar banho, mas percebeu que estava ocupado e precisou esperar.
Minha mente automaticamente começou a produzir a cena de Kira no banho, cheia de sabão,
pedindo para que eu entrasse no chuveiro com ela.
Mais uma vez, meu amigo latejou em minha calça.
― Sabe, você nunca passa frio, porque está sempre coberta de razão. ― Cocei a garganta,
percebendo que minha voz estava estranha, depois da minha visão. ― E, enquanto isso, eu estarei no
meu quarto, jogando algum jogo idiota.
― Perfeito. A última vez que nos vimos foi quando você me deixou no trabalho.
Agora, a visão de Kira saindo do carro, e sua bunda perfeitamente moldada pela calça que
vestia tomava outras dimensões em minha mente.
Puta que pariu!
Ela não!
― Exatamente. Quando te deixei no trabalho ― concordei, embora minha mente tivesse
outros planos.
― Então, eu vou...
― É melhor eu ir...
Mais uma vez, falamos juntos.
― Eu vou para o quarto, e você para o banheiro.
― Isso. Daqui a pouco o Richard passa para me buscar ― informou.
Mas quem diabos é Richard? Quis perguntar. Mas o momento já era constrangedor o
bastante.
Fui em direção ao meu quarto, tendo certeza de uma coisa, por mais que eu quisesse, aquela
cena jamais sairia da minha mente. Seria impossível agir como se não tivesse acontecido.

Saí do quarto apenas quando tive certeza de que a Kira não estava mais em casa. Estar preso
em minha mente foi torturante.
A cena toda não parava de repassar, como um looping. As mãos dela passeando por seu
corpo. A forma como arqueava as costas, como se estivesse tocando nos lugares certos e sentindo
prazer. Sua boca levemente aberta, buscando ar. Os gemidos.
Parecia um adolescente tarado, que tinha visto pornô pela primeira vez, o que era estranho.
Eu nunca tinha visto a Kira daquela forma. Como mulher. Já tinha cansado de ver seus seios
expostos, enquanto amamentava, já tínhamos saído juntos algumas vezes com amigos, nos víamos
todos os dias, enquanto eu a levava para o trabalho, mas nunca, desde que a encontrei naquele
elevador, eu tinha sentido aquilo.
Desejo.
Kira era linda. Encantadora. Eu sabia disso.
Mas sabia que ela não era para o meu papo. Agora, depois daquele incidente, eu já tinha me
aliviado, pensando nela algumas vezes, mas era só minha mente vacilar por um instante, lembrando-
me do que havia acontecido, que meu pau não resistia.
Já tinha, inclusive, procurado ajuda na internet, buscando dicas do que fazer para que meu
amigo relaxasse. As respostas eram as mais inusitadas. Desde imaginar a rainha Elizabeth pelada, a
cantar o hino nacional, ou imaginar-se tomando banho frio na Antártida, nada funcionou. Nem mesmo
a minha tentativa horrível de cantar o hino irlandês, que não é dos mais fáceis, ajudou.
Agora, Kira estava preparando o jantar sozinha. Eu devia estar ajudando, afinal, morava
naquela casa e, também, comeria. Nós compartilhávamos todas as tarefas, a única coisa que ela não
me deixava fazer, era cozinhar. Não fazia ideia de como ela passou a acreditar nisso, mas a mulher
pensava que eu mal sabia fritar um ovo.
Como desculpa pelo meu comportamento vergonhoso de ficar no quarto e não ajudar, eu diria
que ela devia ir dormir, enquanto eu limpava tudo. Assim, nós não ficaríamos sozinhos no mesmo
ambiente, e eu não precisaria passar pelo constrangimento de ter que disfarçar meu pau duro por
causa dela.
Esperei o horário mais próximo possível do combinado com a Dara para sair do quarto e me
trancar do banheiro. Se tudo desse certo, só sairia de lá quando Dara e o namorado chegassem.
Levei comigo um suéter creme e preto, com uma calça cáqui. Assim que terminei o banho e
estava pronto, percebi que ainda precisava protelar mais. Escovei os dentes, usei enxaguante bucal,
fio dental e teria, com certeza, pensado em algo mais para fazer, se a campainha não tivesse tocado.
Fiquei em silêncio, tentando ouvir o que falavam, lá da sala.
― Ai, amiga, só de chegar à porta, sinto minha coluna reclamar da dor que senti depois de
carregar todas as suas caixas para cá ― comentou, entrando, com a voz abafada pela distância.
― Ela mal carregou duas caixas ― Kira respondeu, e eu tinha certeza de que tinha rolado os
olhos para dramatizar a fala.
Ouvi quando Kira cumprimentou Flynn, e Liam saiu do seu próprio quarto, animado com os
visitantes.
Agora, sim, estava em ambiente seguro.
― E cadê o bonitão?
― O bonitão está aqui, em carne e osso. ― Saí do banheiro, ainda sem coragem de encará-la.
Vi quando o pequeno vulto correu em minha direção, agarrando minhas pernas ao me alcançar.
― Tio Carlos, eu senti saudade de tade, a man disse que eu não devia te acodar, poque o
senhor estava pecisando dormir.
A reação lá embaixo ao ouvi-lo falar sobre Kira e as imagens de mais cedo invadirem a
minha mente, foi instantânea.
Hino da Irlanda.
Hino da Irlanda.
Hino da Irlanda.
Repassava a letra complicada, enquanto Liam me encarava, aguardando uma resposta.
― O tio vai trabalhar até mais tarde hoje, então precisou dormir durante à tarde ― expliquei
―, mas agora, eu acho que é um bom momento para isso.
Abaixei-me rapidamente, fazendo cócegas em sua barriga. O pequeno gargalhou, contorcendo
o corpo, enquanto tentava livrar-se de mim.
― Para, tio!!! ― pediu, gargalhando.
Coloquei uma das mãos em suas costas para equilibrar seu corpo, quando parei.
Ao erguer o olhar, foi ela quem eu vi primeiro. Tinha um sorriso no rosto, divertindo-se,
observando minha interação com o pequeno. Kira estava linda. E era engraçado só agora conseguir
perceber isso, de verdade. Usava uma saia jeans pouco acima do joelho e um suéter preto, justo,
revelando todas as curvas. A gola em V marcava um caminho para os mesmos seios que, horas antes,
estavam livres e prontos para serem...
― Carlos? ― Dara estalou os dedos, chamando minha atenção ―, aconteceu alguma coisa?
Você estava meio estranho.
― Não. Nada. ― Cocei a garganta, já sabendo que essa noite seria ainda mais difícil do que
eu tinha previsto. ― É um prazer receber vocês aqui. ― Sorri. ― E, pelo cheiro, tenho certeza de
que vão apreciar o jantar.
Cumprimentei-os e emplaquei uma conversa com Flynn, namorado da Dara, sobre um assunto
que, em tese, me distrairia. O cara era um ótimo gamer, e não demorou para que eu, ele e Liam
estivéssemos completamente concentrados em Gran Turismo Sport.
Ouvia as risadas de Kira e Dara da cozinha, fofocando sobre alguma coisa, e me perguntava
se elas tinham conversado sobre o que aconteceu mais cedo. Kira assegurou que não tinha acontecido
nada, então duvidava. Ela devia, mesmo, preferir que ninguém mais soubesse daquilo.
Porém, como o bom fofoqueiro que era, passei meu controle para o Liam, com a desculpa de
estar com sede.
Segui em silêncio pelo corredor, tentando ouvir algo, mas falavam baixo demais e riam como
hienas. Calaram-se, assim que passei pela porta.
― Atrapalho, pelo visto. ― Ergui a sobrancelha para Dara.
Minha maior concentração, entretanto, estava em Kira, que pareceu ficar tensa, encostando o
corpo ainda mais na bancada da pia. Infelizmente, para nós dois, ela estava exatamente em frente ao
armário onde os copos ficavam. Segui em sua direção. Nossos olhos se cruzaram por alguns
segundos. Poucos. Mas o suficiente para que todos os meus músculos estivessem cientes de sua
presença no pequeno ambiente.
Kira deu um passo para o lado, abrindo espaço para que eu pegasse o copo. Dei dois passos
para trás, afastando-me, já com o objeto em mãos. Tudo acontecia muito rápido, porém, eu sentia que
era como se estivesse em câmera lenta.
Como se ela, realmente, tivesse conseguido fazer o tempo parar.
Segui até a geladeira.
Era um hábito que as pessoas aqui estranhavam. A maioria costumava beber água da torneira
mesmo.
― Você nunca atrapalha, bonitão. ― Dara sorriu, enquanto eu enchia meu copo. ― Estava
falando com minha amiga que ela devia arrumar um boy bem gostosão e fazer uma viagem para a
Grécia também. ― Fez um bico, enquanto eu dava um gole no líquido gelado. ― Não, pensando bem,
os gregos são divinos demais para você não aproveitar. Você pre-ci-sa ir solteira e disponível para
pegar vários deuses gregos.
― E eu achando que vocês estavam aqui falando sobre coisas produtivas. ― Dei mais uma
golada, balançando a cabeça em negativa, como se estivesse decepcionado com o papo.
― Nada mais produtivo que um bom orgasmo, não concorda?
Foi impossível conter. Cuspi a água, causando uma bagunça na cozinha, com a imagem de
Kira tendo um orgasmo e depois me chamando, retornando com força à minha mente. Quanto tempo
mesmo eu tinha conseguido ficar sem pensar naquilo? Ah, dois minutos, talvez.
― Carlos! ― Dara pareceu assustada, tomando o copo da minha mão, rapidamente, como se
eu fosse derrubá-lo.
― Desculpa, eu só... ― tossi, para disfarçar ―... me entalei.
― Eu não sabia que você era tão sensível para falar sobre orgasmos.
― Não sou. Você só me pegou desprevenido ― garanti, enquanto pegava um pano para secar
o chão. Naquele momento, com a Kira ao meu lado, meus pensamentos não eram nem um pouco
confiáveis.
Kira continuou calada. Mordiscava os lábios, nervosa. Constrangida, com certeza. Eu não
gostava daquilo.
Respirei fundo. Não precisávamos ficar daquele jeito. Não tinha sido nada de mais. Daqui a
dois dias, com certeza nós estaríamos rindo de toda aquela confusão.
Era isso.
Meu pau estava animado, porque ver Kira daquela forma foi uma novidade, mas eu queria
que as coisas ficassem normais, e, para isso, eu tinha que parar de pensar naquilo.
E era o que eu faria.
A partir de agora.
Capítulo 8

― Tá, tem alguma coisa errada aqui ― Dara comentou, assim que Carlos voltou para a sala.
― Como assim? ― Franzi o cenho para minha amiga, virando de costas, em seguida,
procurando alguma coisa, qualquer coisa, para fazer.
― Carlos não te provocou em nenhum momento. Nenhum, mesmo! E você nem está olhando
na cara dele. ― Dara se aproximou, segurando meus ombros e me fazendo virar de frente para ela.
― Me conta o que aconteceu.
― Não aconteceu nada ― garanti, livrando-me de suas mãos.
― Kira, você é uma péssima mentirosa ― lembrou. ― Vai, poupa nosso tempo. Você sabe
que vai me contar, mais cedo ou mais tarde, e, nesse caso, o mais cedo é melhor.
Rolei os olhos, abrindo os armários para pegar as louças. Separei cinco e levei-as para o
balcão da cozinha, enquanto ia buscar os talheres.
― Eu estava com o duque hoje e ele me flagrou ― contei, de uma vez, sem nem olhar para
ela.
― Espera ― parou à minha frente me impedindo de andar, o que não era difícil levando em
conta que duas pessoas já eram o bastante para superlotar o cômodo ―, o duque, duque ― simulou a
altura do homem para que eu entendesse que se referia ao amor de dez entre dez mulheres da
atualidade ―, ou o duque seu...
― Com os dois ― assumi, mortificada.
― Ai, meu São Patrício[8] ― clamou pelo santo padroeiro da Irlanda. Nem ele foi capaz de
me salvar dessa vergonha. ― Como foi que isso aconteceu?
Os olhos arregalados deixavam claro que contar tinha sido uma péssima escolha. Ela não me
daria paz.
Desviei de minha amiga, deixando os talheres sobre os pratos brancos.
Suspirei, de costas para ela.
― Eu estava no meu quarto, no horário de almoço ― comecei, morta de constrangimento. ―
Estava carente, precisando de uma ajudinha e o duque estava lá de consolo para mim... só que
quando eu cheguei lá, o Carlos tinha ido ao meu quarto, achando que eu tinha esquecido a TV ligada.
A mesma televisão onde passava uma cena quente entre ele e a Daph. Foi horrivelmente
constrangedor.
Minha amiga estava estranhamente em silêncio.
― Ele viu, literalmente, você chegando lá? ― sussurrou, como se não quisesse que ninguém
mais ouvisse.
― Sim...
― E aí? ― quis saber.
― E aí que eu estou morta de vergonha e se pudesse, teria cavado um buraco e me escondido.
― Afastei-me de Dara, voltando para os armários para pegar algumas taças e o copo do meu filho.
― Vai me dizer que você não deu nenhuma olhada ― perguntou, parando à minha frente, e
erguendo a sobrancelha.
Mordisquei o lábio sem saber como dizer que sim. Eu tinha, por alguns segundos, dado uma
conferida, e, meu Deus, ele estava prontíssimo. Também devia ser indelicado comentar que eu fiquei
pensando em como seria sentir o Carlos dentro de mim e que, por isso, eu mal conseguia encará-lo.
Por medo de que ele notasse minha vontade enorme de dar para ele.
― Ele estava ou não...
― Estava ― sussurrei.
― Ai, meu Deus ― falou, colocando a mão sobre a boca ―, e você não fez nada sobre isso?
― Claro que não! ― falei, perplexa. ― Você queria que eu atacasse o homem?
― Amiga, essas teias de aranha aí embaixo ― apontou na direção da minha amiga
abandonada ―, precisam sair. Era uma oportunidade maravilhosa. Você estava doida pra dar, e ele
estava excitado.
― Claro que não! É o Carlos e nós moramos juntos. Ia ser constrangedor. Aquele momento
foi um acidente, e olha só como estamos esquisitos... Nós juramos que íamos esquecer aquilo.
― Dá pra notar como vocês são bons em esquecer. ― Deu uma cotovelada em minha costela.
― Mas, me conta, é grande ou não? A cueca era branca? Você precisa transar com ele e realizar meu
sonho.
― Cueca branca. Grande, tipo muito grande. E não, não vamos transar.
― Se você diz ― falou, suspirando em seguida, como se estivesse imaginando a cena. ―
Neste momento, que se dane a Daph, eu só tenho inveja de você.
Ri de minha amiga que não tinha mesmo jeito.
Eu daria qualquer coisa para que aquele momento deixasse de existir, e a minha amiga
querendo passar aquela vergonha no débito.
Eu tinha certeza de que, no fim das contas, as coisas iam acabar melhorando.

O jantar foi tranquilo.


E constrangedor.
Dara tentava a todo momento fazer com que eu e Carlos nos falássemos, e deu certo, embora
nossos olhares estivessem em qualquer lugar que fosse longe o bastante um do outro.
Os garotos, incluindo meu filho, foram limpar a cozinha, enquanto Dara e eu conversávamos
na sala. Depois, Liam foi dormir e nós acabando jogando uma partida de baralho.
Dara e Flynn foram embora não muito tarde, já que amanhã era dia normal de trabalho. Assim
que ficamos sozinhos, nos despedimos e fomos para nossos quartos.
Sem piadinhas. Sem conversas. Sem risadas.
Ouvi quando, mais tarde, a porta da frente fechou-se. Mais uma noite de aventura. Ouvi
também o momento exato, horas depois, que ele retornou. Não tinha motivos para estarmos
constrangidos, a vida estava seguindo seu curso normal e hoje seria um dia completamente diferente.
Pelo menos, era disso que eu tentava me convencer, enquanto vislumbrava a porta do meu
quarto, apenas ouvindo a movimentação do lado de fora e me perguntando como que o humor de
Carlos estaria. Eu gostaria muito que as coisas voltassem ao normal, o quanto antes.
Uma batida na porta me assustou. Vi pela frestinha quando a sombra dele afastou-se um
pouco. Munida de muita curiosidade e pouca coragem, segurei a maçaneta, respirei fundo e abri a
porta, como teria feito em qualquer dia, antes de ontem.
Ele tinha os braços cruzados e o cabelo levemente bagunçado. Usava uma calça de moletom e
camisa preta sem manga que destacava os músculos em todos os lugares certos e que eram os mais
errados possíveis para minha recém-descoberta falta de concentração perto dele. Estava lindo, e eu
não conseguia mais parar de pensar em como seria ter sua barba raspando por meu corpo...
Digo, Carlos estava normal. Absolutamente normal.
Queria estapear minha própria cara por pensar essas coisas.
Franzi o cenho para ele, quando continuou em silêncio, mas Carlos olhou para o chão.
Seguindo seu olhar, encontrei um cubo de gelo grande, que devia ter sido feito em um copo de
plástico. Ao lado, um martelo.
― O que é isso? ― perguntei, estranhando a escolha de objetos molhando o chão em frente
ao meu quarto.
― Você deve imaginar o que precisa fazer. ― Deu uma risada de lado e um passo para trás,
como se temesse que eu acabasse machucando-o sem querer.
Mordi a parede interna da boca, tentando não sorrir. Abaixei-me, e, com o martelo, bati
algumas vezes no gelo. Tentei não fazer muito barulho para que Liam não precisasse acordar antes da
hora. Quando o gelo se quebrou, retirei uma pequena embalagem plástica que envolvia um bilhete,
impedindo-o de se molhar.
“Agora que quebramos o gelo, que tal a minha cantada do dia?”
“Na sua família vocês fabricam perfume? Porque você é a essência que falta em minha
vida.”
Eu ri.
― Você é muito bobo, mas essa foi boa.
Carlos relaxou, como se, assim como eu, só estivesse esperando uma chance de que as coisas
voltassem a ser como antes.
Então, se nós dois queríamos a mesma coisa, ficaria tudo bem.
Capítulo 9

Uma semana.
Uma semana desde que o incidente, como eu costumava chamar, tinha acontecido.
Uma semana sem que eu conseguisse pensar em mais nada que não nela. Eu já tinha até
pesquisado o significado da palavra obsessão na internet. Talvez, realmente, eu precisasse me tratar.
Minhas duas cabeças só pensavam em uma coisa, na coisa errada.
Foder a Kira.
Depois que Dara e Flynn foram embora, mandei mensagem para um contato aleatório,
convidando-a para curtir a noite. Ela topou, claro. Mas, nada saiu como o esperado.
Eu sabia que aquela era a maior desculpa esfarrapada que um homem podia dar, mas era a
mais pura realidade. Nunca tinha acontecido aquilo comigo. Apesar da Krys ser maravilhosamente
gostosa, meu amigo lá de baixo não conseguiu se animar.
Sentia-me castrado.
Felizmente, existiam muitas outras formas de fazer uma mulher chegar ao orgasmo, e eu tinha
conseguido, com maestria, feito meu papel.
Não queria ter voltado para casa naquela noite, mas sabia que Kira precisaria de carona para
o trabalho, e era eu quem deixava o moleque na escola. Aquilo, seja lá o que fosse que estivesse
acontecendo, não podia alterar as minhas responsabilidades. E não tinha alterado, desde então.
Desde a brincadeira com o gelo, estávamos quase normais.
Quase.
Meu pau ainda se animava muito quando a via, pensava nela ou quando minha mente
lembrava, mesmo sem querer, daquela cena.
No dia seguinte, depois de ver as propagandas que idealizei na televisão e nas redes sociais,
Kira, sem pensar, jogou-se em meus braços como forma de comemoração, e eu me senti um canalha
por todos os pensamentos ordinariamente impuros sobre o que eu queria fazer com aquele corpo
quente e convidativo.
Eu estava vivendo no inferno, desejando minha colega de apartamento.
Dei alguns tapas em minha testa, como se aquilo fosse ajudar meus pensamentos a voltarem
ao normal.
Eu tinha que focar no projeto. Aquela era a chance da minha vida, e eu não podia desperdiçar
aquilo por causa de uma foda. Especialmente por se tratar de uma foda que não aconteceria.
Logo, a recomendação médica que minha cabeça prescreveu era a óbvia: eu precisava
transar.
Tinha certeza de que minhas bolas estavam roxas. Aliviar-me sozinho estava insustentável.
Parecia um adolescente na puberdade e odiava aquilo.
― Você está bem, Carlos? ― meu chefe perguntou, parado à minha porta, parecendo
preocupado. ― Está com uma cara estranha...
― Sim. ― Ergui os olhos para ele, voltando, em seguida, o olhar para o computador,
tentando fingir que tinha pensado em alguma coisa. ― Tudo ótimo.
― Estou impressionado com o sucesso da campanha de maquiagens. Sabíamos que tinha tudo
para dar certo, mas a adesão tem sido muito maior do que o esperado ― comentou, entrando na sala.
Sorri, feliz com o alcance. Todos os dias acompanhava os vídeos e já contávamos com o
triplo de inscritos que tínhamos pensado inicialmente.
― E o novo projeto? ― quis saber, encarando-me de forma estranha.
― Estou focando nele. ― Apontei para a tela do computador aberta à minha frente, sem
nenhuma ideia, ainda. ― Quero uma coisa diferente e inovadora.
― O que tem em mente? ― perguntou, entrando em minha pequena sala e sentando-se na
cadeira à minha frente.
Olhei para a minha mesa onde fotos de minha família estavam presentes. As mulheres da
minha vida. Elas eram minhas principais referências de força feminina.
Pensei em Kira também. Cuidando do Liam, mesmo que o pai não fosse completamente
ausente, ela sempre batalhou para ter sua vida, seu dinheiro e não depender do pai dele para nada.
Como ela, existem muitas outras.
Por que não ressaltar e exaltar isso?
E, com essa campanha, era isso que eu queria. Exaltar a capacidade das mulheres fazerem o
que elas quiserem. De serem quem elas quiserem, de terem o poder de comprar suas próprias joias,
sem precisar esperar por ninguém para isso.
― No Brasil, existe um vídeo onde perguntaram a uma mulher quem era o velho rico que a
estava bancando. Ela respondia que trabalhava para poder bancar seus próprios luxos. Que ela era
seu próprio velho rico.
Fiz uma pausa, me lembrando do vídeo que a namorada do meu primo me mandou,
perguntando se não tinha nenhum velho rico para ela aqui, em um grupo da família, apenas para
irritar o Samuca, pensando em como podia explicar o que estava em minha cabeça.
― Nós vivemos em uma época em que as mulheres não precisam dos homens para nada. Um
momento de mulheres fortes e cada vez mais seguras de si. Que sabem o que querem. Então, por que
ficar esperando que alguém as presentei com um diamante ou um colar de pérolas? Por que não elas
mesmas serem a fonte do poder?
O homem à minha frente assentiu, sério.
― E você tem algum slogan em mente?
― Acho que podíamos pensar em algo como: “Ilumine-se, liberte-se. Você tem o poder.”
O’Connor ficou em silêncio. As mãos unidas, os indicadores tocando os lábios como
costumava fazer quando tentava analisar minunciosamente alguma informação.
― Se você não tiver gostado, eu posso pensar em outra coisa também...
― Eu adorei, Carlos ― falou, por fim, encerrando meu nervosismo. ― Eu acho que você
está certo. Em meio a tantas mulheres fortes, seguir fortalecendo-as, ou, no mínimo, não atrapalhando
em seus processos, é algo importante a se fazer. ― Sorriu. ― Eu sabia que tinha tomado a decisão
certa, te oferecendo sociedade.
― Bom, agora só falta realizar uma boa apresentação e convencê-los de que essa ideia é a
melhor.
― Tenho certeza de que não vai ter dificuldade com isso. Você sempre convence todo mundo
a fazer exatamente o que quer. ― A forma como levantou a sobrancelha não deixou claro para mim se
aquilo tinha sido um elogio. ― O problema é mulher, não é?
― Ainda não sei o motivo pelo qual você acha que eu tenho um problema ― retruquei.
― Talvez por essa sua cara de quem precisa de socorro.
Suspirei.
Eu não queria contar a ninguém o que aconteceu, mas também não sabia mais o que fazer. Já
tinha decorado de trás para frente o hino da Irlanda, Croácia e até do Japão.
― É ― admiti, deixando a cabeça repousar, no confortável encosto da cadeira. ― É um
problema com mulher.
― E de qual tipo de problema estamos falando?
― Um problema delicioso, e que, mesmo sabendo que não devo chegar perto, minha mente
não consegue parar de pensar ― confessei.
― É a garota com quem divide o apartamento, correto? ― Assenti, feliz em não precisar
explicar. ― Você acha que ela também se sente atraída por você?
― Eu não sei ― fui sincero. ― Quer dizer, somos amigos. Não devia ter isso de atração
entre nós dois.
Pela primeira vez, eu não sabia se uma mulher me desejava. Acho que por nunca ter pensado
na Kira de uma forma sexual, também nunca reparei se ela demonstrava algum tipo de interesse dessa
forma em mim.
― Então eu acho que vocês deviam conversar, e, se for algo que os dois querem, podem
aproveitar juntos. ― Deu de ombros. ― Se vocês têm abertura para conversar sobre qualquer coisa,
é válido saber o que ela pensa a respeito. Como eu disse a você, o tempo é precioso. Não devemos
deixar de ser sinceros com as pessoas à nossa volta, em nenhuma circunstância.
Fazia um pouco de sentido.
E, sim, nós tínhamos liberdade o bastante para falar sobre qualquer coisa, desde que as
palavras Kira e vibrador não estivessem presentes na mesma sentença.
― Eu acho que isso pode acabar estragando tudo ― falei, por fim, depois de lembrar como
levou um tempo para que nós dois conseguíssemos retornar ao que éramos antes, sem que nos
sentíssemos constrangidos.
As coisas estavam começando a melhorar agora. Não podia dizer que não conseguia parar de
pensar em transar com ela, desde o dia fatídico.
― Bom, garoto, então eu realmente não vejo como você pode resolver o seu problema.
― Eu não vou transar com a Kira ― afirmei, tentando convencer a minha mente que pensar
em seu corpo debaixo do meu era uma péssima ideia.
― Não falei nada. ― Ergueu as mãos, como se estivesse defendendo-se. ― Na verdade, só
queria te entregar uma coisa.
Tirou de dentro do paletó que vestia dois envelopes.
― O que é isso? ― Franzi o cenho, pegando-os de sua mão.
― Convites para a premiação das maquiagens.
― Dois? ― questionei, abrindo um deles e admirando o trabalho maravilhoso da equipe de
designer.
O’Connor deu um sorriso de lado.
― Não espero menos de você do que uma bela acompanhante. ― O’Connor sorriu,
levantando-se. ― Sabe de uma coisa, quando temos tão perto de nós uma coisa que queremos tanto, é
quase impossível resistir. Se ela também quiser, será como tentar evitar a explosão do fogo entrando
em contato com a gasolina. Impossível.

Não conseguia tirar as palavras de O’Connor da minha mente.


Impossível.
Será mesmo que acabar em uma cama com ela seria inevitável?
Desejar uma mulher nunca tinha sido tão difícil. Na verdade, sempre foi fácil demais. Uma
saída, uma conversa, um flerte, uma noite.
Com Kira tudo era diferente. Nós tínhamos um laço, e isso era muito mais importante do que
saciar o meu pau. Mas, meu amigo tinha me ajudado a vida inteira, eu devia ser capaz de fazer algo
por ele, presenteando-o com o que ele mais queria nesse momento.
Passei as mãos pelo rosto, exasperado, desejando mais do que nunca que a famosa máquina
do tempo do Doc Brown[9] fosse real e pudesse me transportar para o passado, ao invés do futuro,
para que eu consertasse aquela merda.
Estava ficando maluco pensando nisso. Queria que uma solução caísse do céu. Qualquer
coisa que me ajudasse a tirar a ideia de tudo que eu queria fazer com a Kira da minha mente.
― Amiga, amizade colorida é tudo e se alguém te disse o contrário, estava mentindo para
você. ― A garota sentada na mesa ao lado da minha acabou empolgando-se, falando alto demais com
a garota sentada à sua frente, com uma expressão constrangida no rosto.
Inevitavelmente, comecei a prestar atenção na conversa. Foi mais forte do que eu. Bebi um
gole de água da minha taça já cheia, enquanto aguardava um cliente que queria conversar sobre um
projeto.
― Ai, eu não sei ― a outra garota falou baixo, olhando para os lados, como se quisesse ter
certeza de que ninguém a ouvia. Parecia insegura. Mordiscava os lábios, como se pensasse sobre o
assunto, porém, seus olhos tinham um brilho de quem não achava a ideia tão ruim.
Peguei o celular, fingindo estar interessado em algo que acontecia em meu feed, mas com
meus ouvidos bem atentos à conversa alheia. Eu podia até ter saído do Brasil, mas com certeza o
Brasil não saiu de mim.
― Olha só, você confia no Gael, são confidentes. Ele conhece suas inseguranças, e, acredite,
nada como fazer sexo com alguém em quem confiamos e nos ajude a superar nossas neuras. Deu
muito certo comigo. ― Deu de ombros. ― Eu acho que vai ser ótimo para você. Gael tem cara de
quem sabe muito bem satisfazer uma mulher entre quatro paredes, e eu tenho certeza de que, depois
dele, você estará muito segura para transar com o homem que quiser.
Eu queria parar de prestar atenção, mas o fofoqueiro que existia em mim não conseguia.
― Claro que não vai estragar a amizade ― a primeira falou, fazendo um gesto de desdém
com a mão, para uma pergunta que não consegui ouvir, graças a ideia que começava a se formar em
minha mente. ― Sem falar que é uma forma maravilhosa de se descobrir e saber do que gosta e não
gosta na cama. Depois, quando estiverem a fim de parar, fim da história. Sem mágoas.
Simples assim.
Amizade colorida não parecia ser algo complicado. E, se analisarmos bem, todo mundo sai
ganhando.
Pude sentir que aquelas duas palavras podiam mudar o rumo de muita coisa, dali em diante.
Ou ela me acharia maluco, ou toparia e acabaria com aquela ideia fixa de que havia se formado
dentro de mim.
Capítulo 10

Carlos estava estranho.


Muito. Muito estranho.
― Como foi no trabalho? ― quis saber, entregando a ele uma travessa com salada, para que
levasse para a mesa.
― Tranquilo. ― Saiu da cozinha em direção à sala. ― Na verdade, eu tive uma ideia para o
projeto que pode me garantir a sociedade.
― Que maravilha ― precisei falar mais alto para garantir que ele me ouvisse ―, e quando
vou saber qual é a ideia?
Fui surpreendida por sua presença na cozinha novamente. Tinha voltado para buscar as
demais travessas.
― Quando tudo estiver pronto ― pegou as duas que estavam sobre o balcão, e eu o segui
com a jarra de suco que Carlos tinha feito mais cedo. ― Mas, posso dizer que você foi uma das
pessoas que me inspirou nessa campanha.
― Eu? ― Franzi o cenho para ele, depois de colocarmos tudo na mesa. ― Como assim?
Carlos apenas sorriu.
A droga de um sorriso que me deu uma comichão lá embaixo, pensando em como seria aquela
expressão em momentos que não deveriam passar com tanta frequência por minha mente.
Fingir que nada tinha acontecido era uma porcaria, e Dara estava certa. Nós dois éramos
péssimos nisso.
A história de quebrar o gelo, em primeira instância, tinha funcionado bem, e eu confesso que
achei o gesto bem fofinho. Porém, a longo prazo, eu tinha dois sentimentos conflitantes, a vergonha de
ter sido pega naquela situação, e a vontade enorme de me sentar naquele homem.
Destaque para a vontade de me sentar nele.
Eu não tinha sido bem sincera com a Dara. Carlos estava muito excitado quando me viu no
meio da minha atividade. O volume em sua cueca branca, de barra cinza, não me deixava negar.
Era bom saber que podia excitar alguém como ele. Um cara que costumava ter todas as
mulheres aos seus pés.
O problema, era que ter visto que ele queria, me fez notar o quanto eu também queria. Tinha
sido uma fração de segundo, eu sabia. Porém eu vinha tenho sonhos comigo cavalgando sobre ele, até
que nós dois chegássemos ao ápice. Coisa que, claramente, jamais aconteceria.
E eu nunca havia tido qualquer forma de pensamento erótico com Carlos antes. A culpa era
toda minha. Eu não devia mesmo ter tido a brilhante ideia de me aliviar com a droga da porta do
quarto aberta. Não que eu tivesse deixado de fazer, mas eu estava mais criteriosa. Costumava fazer
quando tinha certeza de que todos estavam dormindo, e, agora, eu tinha um rosto real para invadir
minha mente quando me libertava.
― Você saberá na hora certa. ― Apertou meu nariz de leve. Sorri, dando um tapa, de
brincadeira, em sua mão, sentindo o local onde ele tocou em combustão. Era como se todas as vezes
que Carlos me tocava, eu pegasse fogo. ― E, a propósito, tenho um convite para você na final do
concurso. Quero-a como minha acompanhante.
― Nada de mocinhas que você conheceu em um bar? ― Semicerrei os olhos para ele.
― Não, só a que conheci em um elevador mesmo. ― Piscou para mim.
― Vou pensar se você merece a minha companhia.
― Duvido que alguém mereça mais. ― Tentou me beliscar de brincadeira, mas desviei,
tentando fugir da sensação que seu toque me traria.
― Man ― Liam chegou com uma expressão triste, sentando-se em seu lugar à mesa ―, acho
que eu tô dodói. Não posso estudar amanhã.
Carlos riu, achando graça do descaramento do meu filho. Se existisse um prêmio para falta de
vontade de estudar, Liam, com certeza, seria medalha de ouro. E olha que ele ainda estava na parte
boa da escola. Quando os números começassem a se misturar com as letras, pronto.
― Ah, tá sentindo o quê, meu amor? ― quis saber, aproximando-me dele e pousando a mão
em sua testa gelada.
― Minha barriguinha está fazendo assim. ― Gesticulou, com as duas mãos, fazendo uma
bagunça com elas em frente ao rosto.
― Que pena, Kira ― Carlos suspirou, dramaticamente ―, acho que vamos ter que comer
aquele doce que trouxe, sozinhos.
― É ― beijei o topo da cabeça de Liam ―, não tem problema, querido. Depois do jantar, a
mamãe vai te dar um chá para melhorar a barriguinha.
― Mas eu também quero comer o que o tio Carlos trouxe ― reclamou, com a expressão
inegavelmente melhor.
― Sinto muito, amigão. Isso é só para pessoas que não estão dodóis.
Liam fez um biquinho, pensativo.
― Man, acho que minha barriguinha quer muito comer o docinho, poque ela parou de doer.
― Passou a mão pela barriga, como se quisesse mostrar que estava tudo bem agora.
― Sabe o que eu acho? ― Meu filho balançou a cabeça em negativa. ― Que sua barriguinha
é muito inteligente.
Beijei sua cabeça, fazendo um pouco de cócegas em sua barriga.
Durante o jantar, Liam contou sobre o dia na escola e a atividade que já tinha sido feita,
juntamente com a babá. Melany morava no andar de baixo e estava juntando dinheiro para comprar
seu primeiro carro, então, quando me perguntou se eu precisava de ajuda com Liam e que sua mãe
estava de acordo, não pensei duas vezes.
Liam saía da escola pouco antes das duas, e a garota ia buscá-lo, ajudava com as tarefinhas e
distraía meu pequeno até que estivesse de volta.
Nos garantindo que sua barriguinha estava melhor e que amanhã ela não doeria novamente,
depois do jantar, todos comemos chocolate e aproveitamos para ver um desenho na Tv. Meu pequeno
dormiu antes do fim, e Carlos o levou para cama, enquanto eu retirava as coisas da mesa para que ele
lavasse a louça.
E, mais uma vez, ele estava estranho.
Carlos não era o tipo de pessoa que gostava de ficar em silêncio quando tinha alguém ao seu
lado. Sempre queria conversar, mesmo que fosse para soltar suas cantadas sem noção, mas hoje ele
estava estranhamente silencioso, e, pelo que conhecia dele, tinha alguma coisa que o incomodava.
― Tá bom ― falei, encostando-me no balcão da cozinha, quando o silêncio se tornou
insustentável ―, pode me falar o que está acontecendo.
― Não está acontecendo nada. ― Deu de ombros.
― Tá, sei. ― Rolei os olhos, sentindo uma pequena insegurança em seguida. ― Te conheço.
Sei que tem alguma coisa te incomodando. Você está sem coragem de falar que Liam e eu não
devemos continuar aqui, é isso?
― O quê? Não! ― Virou em minha direção, surpreso com a minha conclusão. ― Eu gosto de
ter vocês aqui. É até mais divertido voltar para casa, na verdade.
Jogou, em meu rosto, um pouco da água que jorrava da pia, enquanto ele enxaguava a louça.
― Babaca ― reclamei, rindo, enquanto enxugava o rosto com as mãos.
Carlos fechou a torneira, movendo o corpo de forma que conseguisse ficar de frente para
mim.
― Por que você pensou isso?
Mordisquei os lábios, nervosa.
― É que... aquele dia, acabou se tornando um elefante branco entre nós. Ninguém fala sobre
ele, mas sabemos que ele está lá. ― Fiz uma careta, observando sua expressão, ainda indecifrável.
― Você acha que devemos falar sobre o assunto? ― Cruzou os braços em frente ao corpo.
― Acho que... Não tem muito o que falar. ― Dei de ombros. ― Entretanto, não falar não tem
funcionado e nós sabemos disso. Eu realmente não sabia que você viria para casa, não queria causar
essa situação toda entre nós e...
― Ei ― falou, pondo as mãos, enormes, tinha acabado de constatar, em meus ombros ―, eu
não culpei você em nenhum momento pelo que aconteceu. Foi só... um infeliz acidente ― concluiu.
― É... eu não saio com ninguém há algum tempo e chega um momento em que transar faz falta
― rolei os olhos ―, mas você, com certeza, não deve saber o que é isso.
Uma expressão divertida passou pelo seu rosto, como se eu estivesse muito longe da verdade.
― Na verdade, sei sim.
― Desculpa, mas conheço seus hábitos. ― Arqueei uma sobrancelha para ele.
Carlos ficou em silêncio alguns segundos, apoiando uma das mãos no balcão, encarando-me,
como se ponderasse sobre algo.
― A verdade é que sim, tem uma coisa me incomodando e muito, Kira ― admitiu, erguendo a
cabeça, e olhando para o teto por alguns segundos, como se precisasse organizar os pensamentos. ―
Não é fácil falar sobre isso, e não existe nenhuma forma de falar sobre esse assunto sem ser direto, tá
bom?
― Nós sempre somos diretos um com o outro ― lembrei-o, cruzando os braços em frente ao
meu corpo. ― Podemos falar sobre tudo, sempre.
A respiração dele estava alterada. Rápida demais.
Carlos estava nervoso. E eu nunca o tinha visto daquela forma.
― A verdade é que desde aquele maldito dia, eu não consigo parar de pensar em como seria
estar dentro de você ― confessou, deixando-me sem ar. ― Em como seria fazer você gozar e te ver
chamando meu nome, mas dessa vez, pelo motivo certo. Por saber que eu quem tinha te
proporcionado aquele momento.
Carlos suspirou, relaxando o corpo, como se estivesse aliviado por eu ter admitido isso.
Ficamos em silêncio por algum tempo.
Eu, por não saber o que falar. Ele, por aguardar alguma reação minha.
Puta que pariu. Ele queria fazer sexo comigo!
― Uau ― consegui reagir, depois de algum tempo.
― Eu te disse que não era uma coisa fácil de falar. ― Repuxou a boca um pouco mais para o
canto, em um meio sorriso perfeito.
― É, você disse ― concordei, ainda um pouco zonza.
― Olha só.... ― Deu um pequeno passo à frente, ficando um pouco mais perto de mim. Seu
corpo emanava um calor intenso e o ar dentro da cozinha, que não era grande, começava a ficar
escasso. ― Eu não sei como você se sente, nem quero que você pense coisas erradas a meu respeito,
mas eu acho que tenho uma ideia inteligente, e preciso que você seja mente aberta quanto a isso,
certo?
Uma ideia?
Não conseguia pensar em nenhum palpite sobre o que ele estava prestes a sugerir. Minha
mente tinha parado na parte onde ele dizia que não parava de pensar em me fazer gozar chamando seu
nome.
― Hoje, no almoço, ouvi duas meninas falando sobre amizade colorida. ― Era impressão
minha, ou a noite estava ficando cada vez mais quente? ― Eu acho que podia ser uma coisa boa para
nós dois. De qualquer forma, com esse novo projeto, não vou poder ficar saindo por aí. Preciso
conquistar essa sociedade. E, bom, nós podemos ir treinando, até você se sentir pronta para conhecer
outra pessoa, sexualmente falando.
As palavras de Carlos não faziam muito sentido em minha mente. Ele queria transar comigo?
Quer dizer, ele queria isso mesmo?
― O que você acha? ― Parecia nervoso. Como uma criança pega no flagra fazendo algo
errado.
― Eu... ― Parei. Amizade colorida. Nunca tinha pensado muito sobre isso. Claro, desde que
tinha visto o pacote dele naquele dia, sim, eu pensava em transar com ele. Mas nunca tinha cogitado
a hipótese de amizade colorida com alguém. ― Nós moramos juntos ― lembrei.
― Eu sei. Isso só facilita as coisas ― piscou para mim ―, é absurdamente conveniente. Não
podemos negar.
A maior parte de mim, estava em polvorosa com a possibilidade, e gritava para que eu
dissesse que sim. Minha parte cética e lógica, dizia que no fim aquilo daria merda das grandes,
afinal, nós éramos amigos e eu não queria que nada se perdesse.
Bati com os dedos no mármore frio da bancada da cozinha, pensando sobre o assunto. Acho
que, sei lá, três noites não fariam mal a ninguém. Seria uma experiência. Mas, para isso, eu precisava
de garantias.
― Regras ― falei, encarando-o pela primeira vez. ― Precisamos de algumas regras para
que as coisas não saiam do controle. ― Ele abriu a boca para falar, mas ergui o indicador. ―
Supondo que eu aceite ― concluí.
― Claro. Regras ― assentiu, me pegando pela mão e arrastando-me para sala. Puxou uma
cadeira para mim na mesa, e desapareceu pelo corredor, dizendo que buscaria um papel, voltando
logo em seguida.
Aquilo, com certeza, era uma enorme loucura da qual eu podia me arrepender. Que eu
certamente me arrependeria. Mas, era uma loucura que, talvez, o risco valesse a pena.
— A amizade não pode mudar — pedi que ele escrevesse, pois, minhas mãos ainda tremiam
um pouco. Acho que era mesmo a minha maior preocupação. ― Ser sempre sincero ― sugeri, mais
uma vez. Carlos concordou, anotando a nova regra no papel.
― Não ter vergonha de contar suas preferências. ― Ideia dele, claro. E eu sabia que essa
regra era muito mais para mim, entretanto, no fim, Carlos acabaria se beneficiando da regra também.
― Nada de dormir na mesma cama ― pontuei. ― Já temos a desvantagem de morar juntos,
acho que isso acabaria atrapalhando as coisas. Na cama, somos amigos coloridos. Fora dela, somos
só nós dois. Os mesmos que sempre fomos.
Meu amigo assentiu, enquanto deslizava a caneta pelo papel.
E assim, fomos criando nossas próprias regras para algo que era absolutamente novo para
mim.
Era assustador, mas também confortável.
Quando nós dois estávamos confortáveis o suficiente para brincar com a situação, Carlos
escolheu a última regra, brincando.
― Eu sei que sou um cara altamente apaixonável, então acho que não se apaixonar podia
estar entre as regras.
Rolei os olhos.
― Sabe o que eu acho? Que você está sugerindo isso por saber que, no fim das contas, vai
ficar caidinho por mim ― entrei na brincadeira.
Carlos riu.
― Certo, então ― falou, começando a escrever a última frase das nossas regras. ― Última
regra: não se apaixonar.
Encaramos um ao outro antes de termos uma crise de riso, certos de que aquela regra seria a
mais desnecessária de todas. Carlos não era o que eu buscava e se apaixonar nunca esteve em seus
planos.
Na sexta, depois que Sean viesse buscar nosso filho, daríamos início ao nosso jogo.
Torcia para que, no fim das contas, não acabasse me arrependendo.
Capítulo 11

O conceito de tempo era uma coisa engraçada.


Existiam dias em que, apesar de sabermos que os ponteiros do relógio conseguiram marcar
suas vinte e quatro horas, temos a impressão de que elas passaram tão rapidamente que o dia foi
finalizado em minutos.
Porém existiam aqueles dias em que, por mais que saibamos que os ponteiros do relógio
marcaram as mesmas vinte e quatro horas, a sensação é de que os segundos se arrastam para passar.
Essa semana inteira seguiu dessa forma. Aguardar a sexta foi uma tarefa hercúlea e,
finalmente, ela havia chegado.
Costumava brincar com ela sobre os dias estarem demorando demais, e até fiz um X no
calendário que ficava em nossa cozinha. Porém eu sabia que Kira estava nervosa. E, porra, eu
também estava.
Seria uma experiência diferente e eu queria que fosse algo memorável para ela.
Sentado no sofá, vendo um programa infantil com músicas chicletes, chatas, passando na TV,
observava a cena que se desenrolava. Kira conversava com Liam sobre a tarde que ele desejava
passar na casa de um dos coleguinhas da escola para seu aniversário. Liam tentava convencê-la de
que merecia ir, enquanto a mãe seguia insegura com o fato de os pais não terem sido convidados.
Ele estava no meio do motivo número seis pelo qual devia ir à festinha do amigo, quando o
pai chegou. O pequeno correu para abrir a porta, animado com as promessas de muita diversão
durante o final de semana, Liam despediu-se de mim e da mãe, não antes que Kira tivesse a chance de
contar ao pai do moleque sobre os planos com os amiguinhos, para que pensasse e opinasse quanto
ao assunto.
O fato de não gostar do cara, não queria dizer que ele era um pai ruim. Kira e Sean
costumavam decidir quase tudo referente à vida do filho juntos e eu acreditava ser uma relação
saudável. Os dois o amavam e queriam o melhor para ele. Sean nunca fugiu das responsabilidades de
pai, como muitos homens que eu via por aí.
Estava presente nas apresentações da escola, e, mesmo nos dias não acordados, acabava
passando um tempo com o filho para que ele não sentisse que não era importante para o pai.
Eu admirava isso.
Observei-a enquanto os levou até a porta, permanecendo lá até depois que as portas do
elevador se fecharam.
Kira usava um vestido na altura do joelho, sandália rasteira e tinha o cabelo preso em um
rabo de cavalo. Podia ver, pela forma como suas costas movimentavam-se, que estava nervosa.
Protelou a volta ao apartamento, e eu dei a ela o tempo que precisava. Não queria apressar,
nem fazer com que se sentisse ainda mais tensa. Fingia estar atento à Tv, que eu mudava de canal,
sem ao menos prestar atenção, como se procurasse algo que me interessasse.
Nada poderia ser mais atrativo do que aquela mulher. Naquele vestido. Com as curvas
completamente desenhadas.
Eu podia me impedir de ir até ela, mas não podia fazer nada com a reação do pau, que tinha
esperado tantos dias para, finalmente, poder estar dentro dela.
Sem pressa alguma, fechou a porta, encostando-se à madeira.
Sorri para ela.
― Enfim sós, é bom o bastante para ser dito nesse momento?
Mordiscou a boca, em uma tentativa falha de não sorrir.
― Acho que não muito adequado ― afirmou, sem saber muito bem o que fazer. ― Eu preciso
de alguns instantes. Tenho que tomar banho.
― Se quiser companhia, pode ser uma ótima ideia começar por lá. ― Sorri, de forma
sugestiva.
― Carlos! ― Tinha o rosto tomado pelo constrangimento.
Quis me aproximar, mas sabia que Kira precisava sentir-se segura primeiro. Mesmo que para
isso estivesse prestes a me matar de ansiedade.
― Tudo bem ― ergui as mãos ―, serei um homem paciente. ― Olhei para baixo, puxando
um pouco o cós da calça moletom que usava ― Calma aí, amigão, quando ela estiver pronta.
Kira rolou os olhos e seguiu pelo corredor, em direção ao banheiro. Assentiu, antes de entrar
e fechar a porta.

― Acho que estou pronta. ― Kira apareceu na sala, nervosa. Meus olhos percorreram seu
corpo parcialmente coberto. Usava, como eu, uma calça moletom cinza que combinava perfeitamente
com a blusa preta e justa, deixando suas curvas bem à mostra.
Porra, como eu nunca tinha visto como ela era gostosa?
Eu não sabia o que fazer.
Embora meu amigo estivesse reclamando comigo pela demora, era a primeira vez, eu me
senti como um rapazote indo perder a virgindade, sem a menor ideia do que fazer a seguir.
A única coisa que eu sabia, era que tinha que ser especial para ela, mesmo que não soubesse,
ainda, do que ela gostava.
Dei alguns passos em sua direção, olhando-a como se pudesse sentir o seu gosto, mesmo sem
tocá-la. Uma espécie de descarga elétrica passou pelo meu corpo quando encostei minha mão em sua
cintura, trazendo-a para mais perto de mim.
― Nervosa? ― falei, baixinho, próximo do seu ouvido.
― Não ― mentiu. Eu ri.
― Prometemos que seríamos sinceros, Kira ― lembrei-a, subindo um pouco a mão com
delicadeza, enquanto repousava meus lábios na base de seu pescoço.
― Carlos ― ofegou, quando esfreguei meu corpo contra o seu, para que ela pudesse sentir o
que a sua visão me causava ―, o que você está fazendo? — sussurrou.
O peito subia e descia. Rápido.
Ela estava em expectativa, tanto quanto eu.
― Tentando descobrir do que você gosta ― expliquei, deixando uma trilha de beijos que ia
até o ponto onde o decote da blusa permitia. ― Acho que você gosta de tudo isso.
Sorri contra sua pele.
― Acho... ― começou, parando em seguida para engolir em seco ―... acho que estou
nervosa.
― Se você não tivesse dito, eu nem teria notado ― brinquei, afastando um pouco meu rosto
de sua pele. Ela tinha um cheiro bom. Cheiro de orvalho. Acabei pensando em verde, de repente,
mesmo sem saber o motivo. ― Somos apenas nós dois, certo? Não precisa ficar nervosa. Se, em
algum momento eu fizer algo que você não goste, é só falar. Se ficar desconfortável e quiser parar, é
só falar também. ― Beijei a ponta do seu nariz. ― Isso ― gesticulei de mim para ela ― é para ser
divertido. Bom. Combinado?
Kira assentiu, como se não se sentisse capaz de falar.
― E, para provar, tenho uma pergunta para você. ― Mordiscou o lábio, tentando não sorrir,
já sabendo o que esperar. ― Sabe qual a diferença entre clima e tempo?
― Não. ― Seus olhos demonstravam curiosidade, o que me fez rir um pouco.
― Clima é o que está rolando entre a gente, e tempo é o que estamos perdendo.
― Tá, essa foi considerável. ― Sorriu, fazendo com que alguma coisa estranha acontecesse,
balançando meus órgãos internos.
― Quer ficar aqui? ― Com cuidado, joguei seus cachos para o outro lado, deixando o
pescoço ainda mais exposto. Passei a ponta do indicar, vendo como Kira ficava arrepiada. — Ou
prefere começar pelo quarto?
― Quarto ― sussurrou, quase sem forças.
― Você quem manda. ― Antes que ela pudesse se dar conta, a peguei em meus braços,
carregando-a como se fosse um bebê.
Ela riu.
― Carlos, me põe no chão ― resmungou, balançando as pernas.
― Estou com pressa, gatinha. Quanto antes chegarmos ao meu quarto, mais poderemos
aproveitar.
Atravessei em tempo recorde o pequeno corredor, chutei a porta e, pouco depois, estava
repousando seu corpo sobre a cama macia, que afundou com o peso dos nossos corpos.
Rimos juntos, um para o outro.
Um pouco de nós em meio à tensão sexual quase palpável. Eu a desejava. Mais que tudo.
Minha ereção deixava isso bem claro.
Estar dentro de Kira era a única coisa que eu queria nesse momento. Não. A segunda. A
primeira era dar a ela tanto prazer, que ela nunca mais precisasse recorrer àquele brinquedo.
Com o polegar, acariciei sua bochecha. Kira fechou os olhos, inspirando fundo. Meus dedos
chegaram até seu queixo. Ergui um pouco seu rosto em minha direção. Eu ia beijá-la.
Precisava sentir seus lábios.
Com nossas bocas coladas, não demoramos a encontrar o nosso ritmo. Ela gemia contra meus
lábios puxando-me para mais perto. Meu corpo seguia em chamas por ela. Clamava. Mas ainda era
cedo.
Passei meus braços por debaixo do seu corpo, mão dentro da blusa. Seu corpo arrepiando-se.
Abri o fecho do sutiã e, com o indicador, segui a borda da peça até chegar à parte da frente.
Lentamente, minha mão parou em cima do seu seio esquerdo. Apertei um pouco. Kira arqueou o
corpo gemendo em minha boca. Belisquei, de leve, seu bico. Ela gostava. Seu corpo a entregava.
Repeti o gesto no seio direito.
― Carlos ― sussurrou, afastando o rosto do meu, alguns centímetros, em busca de ar.
― Você gosta disso? ― quis saber, apertando mais uma vez seu bico.
Assentiu, falando algo incompreensível.
Meu pau ficava mais duro a cada segundo. Eu podia explodir a qualquer momento, mas ainda
tinha muito o que fazer com ela.
Eu queria dar tudo.
Colei nossos lábios por uma fração de segundos, retirando a mão de dentro de sua blusa. Com
cuidado, removi a peça, deixando expostos os seios que, antes, me deixaram excitados apenas com
ela mesma tocando-os. Agora estavam ali, para mim.
― Tão lindos ― murmurei, passando a palma de um bico a outro, vendo-os ficar
entumecidos.
― São pequenos ― reclamou, contorcendo-se um pouco embaixo de mim.
― Você não sabe o quanto está enganada, Kira. São perfeitos ― garanti.
Seus olhos encontraram os meus.
Queimavam. Queriam mais.
Mais. Era a única coisa que eu pensava.
Mais dela.
Brinquei com a ponta da língua em um de seus bicos. Kira fez um som como se aprovasse o
gesto. Meu amigo lá embaixo pulsou, firme.
Aguenta mais um pouco, amigão.
Suguei seus seios. Um de cada vez.
Apalpei. Mordisquei. Lambi. Chupei.
Em todo o processo, Kira se contorcia. Queria mais. Apertava-me contra seus seios. Gemia.
Puxava o cabelo da minha nuca.
Eu gostava.
Kira esfregava as pernas uma na outra, tentando encontrar alívio.
Não agora.
Deslizei os dedos por sua barriga, seguindo por dentro da calça, chegando ao cós da sua
calcinha. Kira ergueu o quadril, esperando que eu removesse a peça. Não o fiz. Pus uma das mãos no
meio de suas pernas, por cima da calcinha.
― Puta que pariu, você está molhadinha para mim, Kira ― sussurrei em seu ouvido.
Cheguei um pouco da calcinha para o lado, enfiando um dedo em sua entrada. Arqueou o
corpo, apertando meu ombro.
― Carlos ― choramingou.
― O quê? ― Mordisquei sua orelha.
― Por favor. ― Enfiei mais o dedo em sua boceta molhada. Falou alguma coisa com a
respiração acelerada.
Eu sabia o que ela queria. Eu também queria.
Tinha imaginado um cenário diferente. Eu ia chupá-la. Faria o melhor sexo oral que ela já
tinha experimentado. E, só depois que tivesse sugado tudo que Kira tinha para me dar, entraria nela.
Mas eu não podia mais esperar.
Nem mais um minuto.
― Eu juro que vou te chupar até seus olhos revirarem, Kira ― enfiei ainda mais o dedo, ela
rebolou contra ele ―, mas agora, se eu não estiver dentro de você, vou acabar gozando feito um
adolescente nas calças.
Forcei o dedo um pouco mais, antes de removê-lo. Kira pareceu sentir falta do contato com a
minha mão.
― Você ainda está muito vestido ― reclamou, tentando controlar a respiração.
― Esse é um problema que podemos resolver rapidinho. ― Sorri de lado, ficando de pé. Em
poucos segundos, a camisa que eu usava tinha ido parar em algum lugar, minha calça seguia o mesmo
caminho.
Sua respiração ficou mais pesada ao encontrar meu membro ereto, completamente pronto para
ela.
― Você não estava brincando quando disse que é grande. ― Seu olhar, carregado de desejo,
seguia imóvel em meu amigo, pronto para ela.
― Eu não brinco com coisa séria, Kira. Você devia saber disso. ― Peguei o pacote de
camisinha no bolso da calça jogada pelo chão, colocando-a em seguida, observando a forma como a
mulher pelada em minha cama me encarava. Segurei a base do meu pau, fazendo o movimento de vai
e vem, lentamente, enquanto caminhava como uma onça em busca da presa, na direção de Kira, que
passou a língua pelos lábios. ― Agora, tem uma grande parte minha, querendo dizer oi, para uma
parte muito deliciosa, sua.
― Bom, diga à sua parte enorme, que a casa é dele. Pode entrar e fazer o que quiser. ―
Piscou para mim.
Porra!!! Essa mulher ia mesmo me matar!
― Seu desejo é uma ordem ― anunciei, colocando meus braços ao redor do seu corpo, de
forma que não pudesse fugir de mim.
Aos poucos, fui me aproximando com os olhos cravados em seus lábios grossos. As
respirações foram misturando-se até se tornarem uma só. Nossos lábios, novamente, sedentos,
querendo mais.
Ajeitei meu pau em sua entrada.
Kira agarrou o lençol com força, esperando pelo momento.
― É agora que meu nome vai ficar gravado para sempre em sua memória ― murmurei,
beijando seu pescoço.
― Você é sempre assim, tão convencido? ― perguntou, com a mão livre, afastando alguns
fios da minha testa.
― Quase sempre ― admiti, investindo contra seu corpo.
Kira fechou os olhos. Gemeu alto.
Esperei um pouco sua respiração se acalmar. Um sorriso brincou em seus lábios.
― O que você está fazendo? ― Abriu os olhos.
― Só aproveitando ― respondi, mordiscando sua orelha.
― Aproveita depois ― pediu. ― Me faz gozar, Carlos.
Não precisei de mais nenhum incentivo. O vai e vem entre nossos corpos começou, intenso.
Insano. Impetuoso.
Kira gemia. Pedia mais. Queria forte.
E eu dava. Dava tudo que ela queria.
Era um alívio estar ali. Eu não precisava mais cantar hino, só aproveitar. Apertei seus seios.
Ela mordeu meus lábios. Chupei seu pescoço. Ela firmou as unhas em minhas costas.
A cada estocada, sentia que ia mais fundo. Mais longe.
― Puta que pariu, Kira ― murmurei, esfregando meu rosto em seu peito ―, você é muito
apertadinha.
― Carlos ― gemeu meu nome, exatamente como vinha sonhando nos últimos dias.
― Ainda não, Kira ― pedi, tomando, urgente, seus lábios, mas parando com o movimento.
Murmurou, contra meus lábios, alguma coisa incompreensível.
Eu não estava pronto para o momento acabar.
Sabia que tinha mais. Que não acabaríamos ali. Mas eu ainda não me sentia pronto para
deixar aquele momento, aquela primeira vez, acabar.
Aos poucos, recomecei os movimentos. Kira passou a arquear o corpo em minha direção
sempre que eu investia contra ela. Nossos corpos suados mostravam que estávamos prontos para nos
render.
Senti quando seu corpo começou a contrair e apertar meu pau.
― Ainda não ― pedi. ― Só mais um pouco.
Investi uma, duas, três, quatro.
― Eu... quase... lá... ― Sua voz entrecortada deixava claro que não resistiria mais tempo.
Eu estava pronto. Pronto para me libertar.
― Vem, goza comigo, Tirnanoge ― sussurrei.
Ela fez como pedi.
Gozamos juntos. E foi, sim, memorável.
Capítulo 12

P.U.T.A.Q.U.E.P.A.R.I.U.
Talvez fosse essa a única frase que eu conseguia pensar nesse momento, enquanto sentia a
respiração descompassada, o corpo suado e ainda trêmulo dos espasmos daquele orgasmo fantástico.
Fechei os olhos, sentindo um sorriso bobo se formar em meu rosto. É como dizem, nada como
um bom sexo para desestressar uma pessoa.
Não podia negar que quando Carlos veio com essa ideia de Amizade Colorida, eu tive
certeza de que não daria certo. Na verdade, até o momento em que ele começou com aqueles beijos
em meu pescoço, ainda acreditava que acabaria voltando atrás e desistindo.
Felizmente, o homem sabia como distrair uma pessoa de uma decisão equivocada.
Outra coisa sobre a qual ele estava certíssimo, era em relação ao tamanho do seu membro.
Ele era mesmo superdotado. Não que eu fosse, em algum momento, admitir isso ao Carlos.
Suspirei, sentindo o corpo leve.
― Tinha certeza de que depois de uma sessão comigo, esse sorrisinho bobo ia ficar aí,
pintando seu rosto. ― Contornou, com o indicador o canto do meu lábio.
― Você tem um ego enorme ― brinquei.
― Já sabemos o que eu tenho de enorme, não precisa ficar abordando o assunto a todo
momento. ― Dei um cutucão nele com o cotovelo. ― E então, o que achou?
Tentou fazer com que a pergunta saísse casual, mas parecia ansioso com a resposta.
― Se te treinarmos direitinho, daqui a uma ou duas semanas, no máximo, você estará no
ponto ― provoquei, deitando-me de barriga para baixo e sustentando o peso do meu corpo nos
cotovelos.
― Ah, é? Você quer treinar mais? ― Os olhos pareciam brasas acesas, e Carlos jogou o
corpo sobre o meu, mordiscando meu ombro.
― Para, Carlos. ― Tentei afastá-lo, rindo.
― Você vai receber um belo treino, agora ― brincou, fazendo cócegas, o que foi injusto,
aliás,
Fez com que eu mudasse de posição, ficando com a barriga para cima. Carlos se sentou sobre
minhas pernas, tendo o cuidado de não me esmagar com seu peso e prendeu minhas mãos acima da
cabeça.
Seu amigo já estava cutucando-me novamente.
Eu ri.
― Mas não sou eu quem precisa treinar. ― Ergui uma sobrancelha, tentando soltar meus
braços, sem sucesso.
― Bom, você é quem está aqui disponível para ser meu objeto de treino. Mas não se
preocupe, garanto bons momentos.
Carlos levou o rosto à curva do meu pescoço, beijando e mordiscando, fazendo com que eu
me contorcesse de cócegas.
Minha barriga roncou.
Foi um som tão alto, que pegou nós dois de surpresa. Ficamos um tempo apenas nos olhando,
antes de cairmos na gargalhada, como dois idiotas.
― Acho que gastei todas as suas energias, Tirnanoge. ― Puxou meu lábio inferior com o seu,
antes de sair de cima de mim.
― Eu já estava com fome antes. ― Dei língua, como uma menina de dois anos.
― Fica aí ― levantou-se, pelado, com o membro quase em riste ―, vou pegar alguma coisa
para você comer.
― E você vai assim, pelado? ― Franzi o cenho.
― Kira, a única pessoa que está nesta casa, vai me ver muito pelado pelos próximos dias. ―
Piscou, antes de sair do quarto.

Seria estranho, eu acho.


Comer no quarto dele, não continuar transando. Aliás, se eu soubesse que ele realmente era
isso tudo na cama e ainda podíamos ser as mesmas pessoas divertidas e amigáveis, eu mesma teria
sugerido a amizade colorida e poupado o duque de protagonizar cenas tórridas comigo.
O cheiro de ovos e bacon fritos fez com que meu estômago roncasse ainda mais.
Minha mente conseguiu imaginar a cena a seguir. Carlos entrando no quarto com uma bandeja
de café nos braços. Não era uma coisa incomum, ele já tinha feito isso por mim quando morávamos
separados, nos meus aniversários, ou mesmo o Valentine’s Day, levando em conta que ambos sempre
estavam solteiros. Mas não assim, não depois de transar. Isso podia, futuramente, confundir as coisas
e eu precisava me resguardar ao máximo.
Talvez devesse existir alguma regra sobre isso.
Preguiçosamente, levantei-me da cama, vesti a camisa do Carlos que estava no chão, ainda
com a essência do seu perfume, e segui para a cozinha, onde o cheiro de comida fresca estava muito
bom.
Sua bunda estava completamente de fora. Uma tirinha verde estava presa um pouco abaixo do
meio das costas, e outra rodeando seu pescoço. Usava um avental velho que eu não fazia ideia de
como ele tinha achado. Na parte da frente, mesmo sem ver, tinha certeza do que estava lá. Pequenos
trevos desenhados por toda a sua extensão.
Sorri com a cena.
― Ei, achei que tivesse dito para me esperar na cama. ― Olhou-me rapidamente, antes de
desviar, mas, como se só naquele momento tivesse percebido algo, voltou seu olhar para mim,
analisando-me de cima a baixo. ― Pensando bem, vir aqui, vestida desse jeito, também é muito bom.
Deu um sorriso sacana e eu rolei os olhos.
― Posso saber o que teremos para comer? ― Aproximei-me do fogão, tentando espiar o que
estava no fogo.
― Truque do mestre. ― Ergueu o braço para impedir minha passagem. ― Eu já estou
pensando na sobremesa. ― Passou a ponta dos dedos pela minha coxa, parando na barra da camisa
que eu usava. Meu corpo não devia reagir assim tão rápido, não é? Parou quando ouviu o estalar de
algo no fogão. ― A senhorita, senta lá e espera, está me distraindo assim, vestida que nem um
pecado ambulante. ― Apontou para a bancada.
― Espero mesmo ― garanti, depois de alguns segundos tentando assegurar que minha voz
não fosse me trair. Caminhei para o lugar onde ele havia apontado, e impulsionei meu corpo para me
sentar na bancada. ― Espero que você saiba o que está fazendo e não queime a casa inteira.
― Antes de você aparecer em minha vida, com a função de me alimentar, eu costumava fazer
isso sozinho. ― Tirou duas fatias de pão da torradeira, e pôs em um prato, completando-o com os
ovos e o bacon, que estavam cheirando muito.
― Você se alimentava de congelados ― acusei.
― Bom, eu sobrevivi. ― Sorriu, entregando-me um prato, e, enquanto eu o apoiava em
minhas pernas, pôs um copo de suco ao meu lado.
― Vamos ver a nota que você merece ― brinquei, aproximando a colher com um pedaço dos
ovos fritos da boca, e assim que senti o gosto, acabei gemendo, com os olhos fechados. ― Uau,
definitivamente esse foi o melhor ovo que já comi na vida.
Carlos tinha uma expressão engraçada quando abri os olhos. Quase sofrida.
― O quê? ― quis saber, franzindo o cenho.
― Você não pode gemer assim e esperar que isso não tenha nenhuma reação sobre mim ―
explicou, dando, sorrateiro, alguns passos em minha direção, parando em frente às minhas pernas. ―
Alguém aqui embaixo já quer a sobremesa.
― Avisa ao bonitão que sobremesa é só depois do almoço ― brinquei, enquanto ele
mordiscava minha orelha.
― Bom, você está sobre a mesa ― murmurou ―, acho que podemos levar isso em
consideração.
Seu tom de voz estava diferente. Mais sexy.
― Bancada. Isso é uma bancada ― lembrei, passando a mão pelos fios em sua nuca,
trazendo-o para mais perto.
― Acho que nós dois sabemos que isso não faz diferença alguma.
E não fazia mesmo.
Entretanto, o que ele fez depois, com certeza, fez muita diferença.
A barba em seu rosto fazia cócegas, ao mesmo tempo em que me arrepiava completamente.
Os lábios já deixavam uma trilha de beijos pela mandíbula e pescoço. E era bom.
Bom demais.
Involuntariamente, abri as pernas para que ele se encaixasse entre elas, o que deu a ele um
acesso maior ao meu corpo.
Eu tinha falado sério na cama, não precisava esperar. Percebi, assim que começou com os
beijos, ainda na sala, que meu corpo teve uma reação imediata a ele.
Nunca tinha imaginado que uma coisa dessas pudesse acontecer. Que a pessoa que morava ali
na frente, ou atualmente no quarto à minha frente, pudesse fazer com que meu corpo se acendesse tão
facilmente.
Suas mãos, preguiçosamente, passearam por minhas pernas, enquanto seus lábios exigiam
posse sobre a minha boca. Arfei quando seus dedos foram aproximando-se do lugar onde ele
realmente queria encontrar.
Puxei seu cabelo com força, quando Carlos intensificou o beijo. Meu coração batia
acelerado. Apertei seu ombro, querendo mais. Rodeei seu corpo com minhas pernas,
involuntariamente trazendo-o mais para perto. Carlos estava bastante excitado.
Era bobagem, e eu sabia disso. Mas ri, repentinamente feliz, por sentir que, mesmo depois de
já ter transado comigo, ele ainda me desejava.
Quando Carlos sugeriu amizade colorida, pensei que depois da primeira vez, ele desistiria.
Tínhamos transado alguns instantes atrás e ele parecia ainda mais sedento.
― Posso saber qual a graça? ― Abandonou meus lábios.
― Nenhuma ― menti, puxando seu rosto para o meu novamente.
Um beijo furioso. Feroz. Faminto.
Ele era intenso em tudo que fazia, e eu gostava disso.
― Aposto que você não vai ver graça no que vou fazer agora ― sussurrou em meu ouvido
―, embora, eu tenha certeza de que depois, vai ficar com aquele mesmo sorrisinho bobo, lindo, de
mais cedo.
Antes que eu pudesse reagir, apertou meus seios.
― Você é deliciosa, Kira ― falou, baixo, em meu ouvido ―, e eu não vejo a hora de estar
em você novamente. Mas antes ― foi descendo as mãos, aos poucos ―, eu tenho uma promessa a
cumprir.
Não foi necessário que eu perguntasse a ele qual era a promessa. Com um maldito sorriso de
lado, começou a ajoelhar-se à minha frente, afastando, com cuidado, minhas pernas.
― Se eu fosse você, me segurava bem ― dito isso, enfiou a cabeça entre as minhas pernas,
erguendo um pouco a camisa que vestia.
Mordiscou minhas coxas, enquanto levava o rosto para onde queria. Estava perto, e eu podia
sentia a respiração quente e ofegante. Passou o dedo, soltando um gemido de prazer.
Arfei, quando sua língua tocou meu centro. Certeiro.
Tudo que me restava fazer, era sentir. Um misto de sensações. Eu havia me tornado incapaz de
falar. Incapaz de formar um pensamento coerente.
O filho da mãe sabia mesmo o que dizia quando pediu que segurasse a bancada. Segurou
firme minha bunda, trazendo meu corpo mais para frente, para que me alcançasse melhor.
Carlos lambia. Sugava. Mordiscava meu clitóris.
Brincava com a língua firme, fazendo-me gemer cada vez mais alto. Delirante. Sedenta. Ele,
pelo visto, gostava do que fazia. A cada gemido, era como se o incentivasse a prosseguir.
Queria falar. Pedir que não parasse. Porém uma missão impossível.
Era bom demais.
Passou a massagear o clitóris, me estimulado. Prendi sua cabeça entre minhas pernas, em um
pedido mudo para que não parasse. Inclinei um pouco o corpo, colando parte das minhas costas na
parede fria que contrastava completamente com o meu estado.
Pegando fogo.
Sentia que estava quase lá. A sensação de que explodiria a qualquer momento se tornava cada
vez mais forte.
― Goza pra mim, Kira ― pediu. ― Me deixa sentir seu sabor.
Então, fiz o que ele queria. E, como havia prometido, meus olhos reviraram.
E foi ali, com a respiração descompassada, na bancada de nossa cozinha, que eu me dei conta
de que estava fodida. Até aquela brincadeira acabar, Carlos tinha me tornado em uma pessoa
insaciável.
E eu queria aproveitar o máximo que pudesse, porque aquele tinha sido o melhor sexo da
minha vida.
Pouco depois, com a respiração mais controlada, Carlos se levantou, dando um beijo rápido
em meus lábios.
― Que tal se a gente tomar um banho, acabar de comer e terminar de ver Vikings?
― Nem precisa perguntar, estou sempre pronta para assistir àquela série pela trama ―
respondi, sorrindo, vendo-o revirar os olhos.
― Espero que pela trama certa. ― Apertou meu nariz, ajudando-me a descer da bancada e
começando a limpar a bagunça que fizemos. ― Você tem dez minutos, ou começo sem você.
Menos de vinte minutos depois, uma bandeja de comida estava sobre nossas pernas, enquanto
nós, bem limpos, começávamos mais um capítulo de nossa série favorita.

O dia estava relativamente bonito.


Liam, eu e Dara estávamos fazendo compras para a tão aguardada viagem dela, que
aconteceria em duas semanas.
Seguíamos pela Caple St. Entrando e saindo de brechós, providenciando o que minha amiga
garantia serem as últimas peças para fechar, enfim, a mala. Eu tinha certeza de que até a data da
bendita viagem, minha amiga descobriria algo absurdamente importante durante a viagem e cismaria
que tinha que ter.
As nuvens cobriam todo o céu, deixando-o completamente cinza. Sem dúvida teríamos uma
noite bem chuvosa, para a minha tristeza.
Eu tentava esconder o sorriso involuntário em meu rosto, mas não havia a menor
possibilidade de isso acontecer. Levávamos já uma semana de sexo intenso todos os dias, depois
tanto tempo sem transar com ninguém além dos meus brinquedos, era uma puta sorte ter encontrado
alguém tão insaciável e absurdamente divertido quanto ele.
Eu estava gostado bastante daquele acerto.
Carlos e eu acabamos nos dando conta de que éramos como fogo e gasolina. Qualquer chance
de estarmos sozinhos, em qualquer ambiente, tornava impossível conter a atração, o que também
tinha nos rendido momentos e histórias engraçadas, como ter sido pegos no banheiro de um dos
restaurantes, em nosso almoço das terças.
E eu, que achava que não passaríamos da primeira transa, nem sabia mais quantas vezes
tínhamos feito qualquer coisa, menos dormir, e nem tínhamos terminado a semana ainda.
Não que eu estivesse reclamando, claro.
― Tá, você já pode me dizer quem é ― Dara falou, analisando, atentamente, uma calça jeans.
― E nem adianta me dizer que não é ninguém. Pela sua cara, dá pra ver que está t-r-a-n-s-a-n-d-o ―
soletrou a palavra, mesmo tento diminuído o tom para que meu filho não ouvisse. ― Tem um bom
tempo que eu não te vejo assim, com essa carinha de boba.
― Eu não sei do que está falando. ― Ergui um vestido de alça com estampa de flores azuis.
― Este aqui combina bastante com você.
Aproximei-me de minha amiga, pondo a roupa, ainda no cabide, em frente ao seu corpo.
― Não desconversa. ― Deu um tapa em minha mão de leve. ― Conta logo.
Sorri.
Eu ia contar de qualquer jeito. Apesar de os sites sobre os quais tinham muitas matérias sobre
o que não fazer em uma amizade colorida, dizerem expressamente para manter a relação em segredo,
era mais forte que eu. Precisava de alguém para debater sobre o assunto e me dizer para parar na
hora certa. Estávamos mantendo bem as coisas, e eu não queria que nada mudasse.
― O Carlos ― falei, rápido, antes que acabasse desistindo.
Dara parou.
― Você ― olhou para Liam, que estava distraído, passando seu carro em um dos armários de
roupas ― t-r-a-n-s-o-u com o Carlos? ― sussurrou, agarrando meu braço, para que eu contasse
melhor a fofoca.
― Sim ― admiti ―, ele sugeriu que nós dois tentássemos uma amizade colorida depois
daquele incidente, sabe? ― Uma mulher entrou na loja, segurando a coleira de um pequeno cachorro
latindo e meu filho resolveu tentar brincar com o animal. ― Em suas palavras exatas, ele disse ―
continuei, seguindo Liam com o olhar ― a verdade é que desde aquele maldito dia, eu não consigo
parar de pensar em como seria estar dentro de você. Em como seria fazer você gozar e te ver
chamando meu nome, mas dessa vez pelo motivo certo. Por saber que eu quem tinha te
proporcionado aquele momento.
― MENTIRAAAAAAAA. ― Olhei para os lados, beliscando seu braço, constrangida.
― Cala boca, Dara ― murmurei, sorrindo, sem graça, para as pessoas que olhavam para nós
duas, como se fôssemos malucas. Chamei Liam para onde nós pudéssemos vê-lo e segui com minha
amiga me puxando, para uma nova seção de roupas, menos movimentada.
― Quero saber T-U-D-O! Ai, meu Deus, eu nem acredito que você realizou minha fantasia
nada secreta. ― Ri. ― Como ele é? Quero os detalhes.
Claro que ela queria. Rolei os olhos, mas contente por ter alguém com quem falar sobre o
assunto.
Acabei contando até mais detalhes do que eu — ou ela — esperávamos. E, falar sobre Carlos
e eu na cama, me fez sentir vontade de voltar para a cama com ele.
― Uau ― abanou a mão em frente ao corpo ―, se deu bem, amiga. Até valeu a pena ser pega
na situação constrangedora, para agora ter umas noites bem quentes, sendo comida pelo gostosão.
― Não fala assim ― pedi, com vergonha, mas concordando por dentro. Se não fosse aquela
situação, nós dois, possivelmente, jamais pensaríamos em aproveitar umas noites de sexo casual.
― Sabe o que eu acho? ― Ergueu uma sobrancelha pra mim.
― Se eu disser que não, você vai falar da mesma forma.
Minha amiga riu para mim, apenas confirmando minhas suspeitas.
― Eu acho que vocês dois vão acabar protagonizando uma delas comédias românticas que
nós já vimos umas cem vezes.
― Claro que não ― declarei, empurrando contra seu peito um suéter. ― Nós dois somos
adultos o bastante para saber que isso é só sexo.
― Bonito esse. ― Estendeu a peça para analisar melhor, antes de continuar: ― Isso seria só
sexo, se vocês já não tivessem uma relação bacana.
Rolei os olhos.
― Isso é só sexo, justamente por termos uma relação legal. Entendemos as regras ―
expliquei.
― Ai, meu Deus ― falou, empolgada ―, vocês fizeram regras?
― Claro. Isso torna tudo mais seguro ― garanti.
Minha amiga deu o maior sorriso que seu rosto permitia.
― Sabe de uma coisa? Nós assistimos a todos aqueles filmes, e você, com certeza, entendeu
tudo errado. Se o próprio Ashton Kutcher e a Mila acabaram juntos, mesmo tendo protagonizado
histórias sobre amizade colorida, nem todas as regras de mundo fariam seu coração ― apontou para
meu peito ― ficar mais seguro. Mas eu realmente vou ficar quieta e assistir a essa trapalhada de
camarote. ― Apontou para um cardigã mais ao longe. ― Uau, como não vi isso antes?
Antes que eu pudesse, ao menos processar, minha amiga seguia para a peça, como se tivesse
encontrado um pote de ouro no fim do túnel.
Capítulo 13

― Ei! ― Abri uma pequena fresta na porta do quarto de Carlos. O homem parecia
compenetrado demais no que estava fazendo e não me ouviu, para variar. Quando começava a
trabalhar em um projeto, era quase impossível pará-lo. Seguia assim, vidrado na tela, desde ontem à
noite, depois de mais uma rodada de sexo. ― Carlos!
O homem, assustado, olhou para trás, exibindo um sorriso de lado ao focar em meu rosto.
― Saudade, Tirnanoge? ― Fez um sinal com a mão, me chamando.
Entrei no quarto, deixando a porta aberta. Parei, de pé, em suas costas, observando a tela do
seu computador.
― Está lindo. ― Sorri, observando os planos para seu próximo projeto, sem saber o que
fazer com as mãos.
Elas pareciam ter vida própria e queriam acomodar-se em seus ombros, ou circundar seu
pescoço. Meus lábios formigavam de vontade para lhe dar um beijo na bochecha. Fiz o que devia
fazer, me controlei, prendendo minhas mãos em minhas costas.
Era difícil saber o que a Kira, amiga do Carlos, faria, e o que a Kira, amiga colorida do
Carlos, queria fazer. Às vezes tinha medo de que ele interpretasse de forma errônea meus atos.
Outras, eu temia que esse equívoco partisse de mim. Afinal, quando foi que meu coração passou a
bater mais forte, exatamente como fazia agora, quando ele sorria para mim e por que raios eu estava
ficando nervosa demais na presença dele?
Não tinha nenhum motivo para isso. Possivelmente, depois de chegar do trabalho e se tancar
no quarto, ao invés de ficar na cozinha me atiçando, como sempre, ele nem quisesse mais transar
comigo. Já devia ter enjoado.
Eu precisava, realmente, estar ponta para quando me dissesse que não queria mais, e eu
esperava que ele não fizesse isso hoje, com meu filho na sala.
― Tão lindo quanto eu, suponho ― brincou, virando um pouco a cabeça, de forma que
pudesse me ver.
― Eu fico pensando que alguém vai ter que te treinar direitinho, um dia, para que perca todo
esse ego, sabe. ― Rolei os olhos, dramaticamente.
― Isso é um oferecimento? Acho que daqui a pouco, você vai aparecer na cama com um
chicotinho, para garantir que eu esteja bem treinado. ― Ergueu a sobrancelha. ― Não que eu tenha
algo contra, aliás, é uma boa sugestão, hein?
Balancei a cabeça em negativa, tentando não sorrir.
― Hora de comer, Carlos ― anunciei, dando um tapinha de leve em seu ombro.
― Uau! ― Abriu a boca, como se estivesse surpreso. Franzi o cenho para ele, sem
compreender. ― Antigamente, as pessoas costumavam ser mais discretas quando pediam para serem
comidas.
― Meu Deus, você é um pervertido ― afirmei. Dessa vez foi impossível não rir.
Carlos virou toda a cadeira em minha direção, parando de frente para mim.
Involuntariamente, minhas mãos acabaram parando em seus ombros. Foi impossível controlá-las.
― Eu acho, de todo meu coração, que você vai aproveitar muito da minha perversão. ―
Passou a ponta dos dedos pela minha perna, vagarosamente. Meu corpo tinha se adaptado rápido
demais a ele, e acabei soltando um suspiro quando alcançou a parte mais próxima da minha virilha.
― O jantar vai esfriar ― argumentei, esforçando-me para que minha voz saísse com alguma
dignidade, e não demostrasse que eu já estava atiçada para ele.
― Acho que tem coisas mais importantes esquentando aqui. ― Beijou a parte frontal da
minha blusa, exatamente onde os seios estavam.
― Estou falando sério ― insisti. ― Você precisa dar cinco minutos à sua mente, fazendo
outra coisa.
― Minha mente está bem concentrada em outra coisa agora ― rebateu. Apertei seu ombro
com força, quando suas mãos encontraram exatamente o que buscavam.
Soltei um gemido.
― Mais tarde, quando o Liam estiver dormindo ― falou baixinho, ainda esfregando as mãos
entre minhas pernas ―, espero que você esteja tão pronta para mim, como está agora.
Puta que pariu.
Respira, Kira.
― Acho que, um dia desses, preciso dar o troco. Deixar você pronto para mim, só para não
poder te satisfazer naquele momento ― brinquei, enquanto ele se levantava.
― Isso é impossível, Tirnanoge. Eu estou sempre pronto para você. ― Mordiscou meu lábio,
antes de se afastar. ― Vamos?
Sorriu, descaradamente, saindo do quarto.
Eu o segui, com o coração estranhamente acelerado com suas palavras.
Sempre pronto para mim.
Mas, até quando?

Meu corpo inteiro pedia cama, e eu queria, mais que tudo, dar isso a ele. Porém meu filho
tinha uma ideia de que julgava ser boa demais para não ser aproveitada.
Liam estava afoito com a promessa de que íamos à pequena feira de artesanato que foi
montada na Saint Stephen’s Green. Mal acabamos de jantar, e meu filho correu para o quarto,
garantindo que conseguiria se arrumar sozinho. Ajudei Carlos a tirar a mesa e, enquanto ele lavava a
louça, fui me arrumar.
Meu amigo recusou nosso convite para sair, afirmando que precisava adiantar sua
apresentação o máximo possível.
Ouvi as vozes do meu pequeno e de Carlos na cozinha, o que significava que Liam estava
pronto. Depois de finalizar o meu cabelo, corri para o cômodo, encontrando meu pequeno secando
alguns objetos que não o fariam se machucar.
Observei, por alguns instantes, a interação entre os dois. Liam contava ao tio sobre como
quando números diferentes eram somados, uma nova quantidade surgia. Carlos, por sua vez, prestava
atenção, como se falassem sobre o assunto mais interessante da face da terra.
Como mãe, era impossível não sentir meu coração acelerar um pouco com a cena. Eu gostava
que eles se dessem bem, e sabia que Liam, ainda que convivesse muito com o pai, sentia falta de
viver com ele.
― Acho que podemos ir, filho ― interrompi, assim que finalizou a explicação.
Os dois olharam para mim. Carlos sorria, mas à medida que seus olhos passavam pelo meu
corpo, o sorriso desaparecia do rosto, dando lugar a uma expressão intensa.
― Pra onde você vai vestida tão... ― deu um passo para frente, parando em seguida, ao
lembrar que tínhamos uma criança ―... assim?
― Nós vamos à feirinha, tio. Não lembra?
Relutante, seus olhos deixaram meu corpo para encarar meu filho.
― Lembro, sim. ― Olhou-me novamente. ― Na verdade, decidi que vou com vocês. ―
Passou a mão molhada na calça que vestia, deixando a marca das mãos. ― Vou me trocar e já volto.
― E seu projeto? ― perguntei, quando começou a caminhar em minha direção.
― Meu único projeto, nesse momento, é desfilar por aí com a mulher mais... ― Tossi, para
que não falasse nenhuma besteira. ― Já volto.
Piscou ao passar por mim.
Não demorou e já caminhávamos em meio à arborizada praça. Liam seguia ao lado de Carlos,
de mãos dadas, conversando sobre um jogo que pretendiam jogar no final de semana.
A noite estava fresca, e não fria como costumava ficar àquela hora. A feira garantiu mais
pessoas que de costume na rua. Sorrisos amigáveis e conversas repletas de contentamento.
― Olha, tio Carlos ― meu filho apontou para uma barraquinha onde um jogo de mira com
argolas estava sendo disponibilizado ―, vamos bincar?
Antes mesmo que meu amigo pudesse responder, o pequeno já puxava sua mão e só pararam
quando estavam em frente ao local escolhido por Liam.
― Carlos ― murmurei ao seu lado, enquanto pagava ao senhor por duas fichas ―, não se
deixa enganar pelo meu filho. Sei que você tem um trabalho a fazer. Não precisa mudar seus planos.
Meu amigo virou-se em minha direção, encarando-me por alguns segundos, com muita
intensidade, como se eu tivesse dito alguma coisa errada.
― Não estou mudando nenhum plano, Tirnanoge. ― Deu um passo em minha direção, quase
destruindo toda a distância que havia entre nossos corpos. ― Só um desvio de rota para aproveitar
com pessoas importantes momentos que, com certeza, vão valer a pena.
― Um passeio que podemos fazer depois, isso não tem que ser prioridade agora...
― Shiu. ― Pousou o indicador em meus lábios, silenciando-me. O hálito quente tocava
minha pele, e ele usou um tom baixo o bastante para que meu corpo inteiro se arrepiasse. ― Pode só
aproveitar minha ilustre presença, sem reclamar?
Bufei, querendo soar irritada, mas sorri levemente para ele. Carlos pousou os lábios em
minha bochecha fazendo com que meu coração disparasse em meu peito.
― Vem, tio. ― Liam tinha as argolas em uma das mãos, enquanto, com a outra gesticulava,
chamando-o.
E ele foi, fazendo com que meu coração tentasse se recuperar dos solavancos que dava em
meu peito.
A noite estava muito agradável, e de barraca em barraca, o sorriso no rosto do meu filho
apenas intensificava-se. Quando suas energias estavam quase todas, enfim, gastas, nos sentamos em
um dos banquinhos de madeiras dispostos no parque. Liam comia um dos mais queridos pratos de rua
do país, fish and chips. Eu estava sem fome e Carlos também não quis comer, mas Liam estava tão
feliz, que achamos que seria bom passar mais alguns minutinhos sentados, para que ele aproveitasse
um pouco o momento.
Minha cabeça estava encostada no ombro de Carlos, enquanto falávamos sobre o que
tínhamos que comprar, ainda durante a semana.
― Que tal conhecer o futuro do jovem casal? ― O vestido vermelho da mulher, que parou
repentinamente à nossa frente, assustou-me, estendendo a mão para mim.
― Não, obrigada. Não somos um casal ― respondi, erguendo a cabeça.
― Ela quer, sim ― Carlos respondeu por mim, cutucando-me com o cotovelo ―, ou vai
dizer que está com medo de saber que o futuro te reserva alguém que não é tão perfeito quanto eu?
Rolei os olhos, escondendo a frustração que assolou meu coração com aquela frase. Eu já
sabia daquilo, claro, mas era diferente ouvi-lo dizer.
― Claro que não ― menti, sabendo que, na verdade, o que eu não queria era falar em
romance com alguém que eu não conhecia, ao lado da pessoa que vinha fazendo com que eu me
sentisse confusa em relação aos meus sentimentos e que, claramente, não pensava em mim de
nenhuma outra forma.
― Man, o que a moça vai fazer? ― Liam perguntou, com uma expressão engraçada no rosto.
― Ela vai ler a mão da man ― expliquei.
Liam se levantou, curioso, olhando para minha palma virada.
― Mas não tem nada escrito, man ― questionou, observando minha mão sem nenhuma
palavra escrita.
― Eu vou ler o destino de sua mãe, pequeno. ― A mulher sorriu para meu filho, explicando
sobre destino e como é possível saber o que estava por vir.
― Então? ― Carlos questionou a mulher de meia-idade, que ainda esperava com a mão
estendida.
― Sua linha do amor é muito definida ― afirmou, depois de uma rápida olhada em minha
mão.
― E o que isso quer dizer? ― meu amigo perguntou, antes de mim.
― Quer dizer que essa linda moça aqui é muito verdadeira e dedicada.
― Quanto a isso, nenhuma surpresa. Mas já podemos saber quando a mocinha aqui vai
descobrir o amor de sua vida? ― Carlos franziu um pouco o cenho ao proferir as palavras.
― O sim que você disse vai mudar toda a sua vida ― sorriu ― e em meio ao sofrimento,
você vai ter certeza do amor que desabrochará.
Senti meus batimentos mais fortes.
― Em meio ao sofrimento? ― repeti, confusa.
― Exatamente ― sorriu de forma enigmática ―, mas lembre-se que o amor quase nunca deve
ser racionalizado demais. Os melhores amores costumam surgir quando menos esperamos. Só é
necessário coragem para dizer sim e arriscar.
Assenti, ainda sem entender muito bem o que aquelas palavras significavam.
― Sua vez. ― Ergui a sobrancelha para meu amigo, desafiando-o.
― Você sabe que isso de amor não cola comigo, né? ― Deu de ombros, estendendo a mão.
― Pode falar para ela que meu coração é grande demais para uma mulher só.
A mulher à nossa frente sorriu para sua mão, como se tivesse visto algo muito engraçado.
― Algumas vezes, vale a pena espiar o destino, em outras, nós mesmos temos que perceber a
sorte que ele coloca em nosso caminho.
― O que isso quer dizer? ― quis saber, tão curioso quanto eu.
― Quer dizer, que você vai perceber quando o tempo parar, e vai descobrir que nenhuma
regra é capaz de domar um coração.
Carlos ficou em silêncio alguns segundos, antes de assentir e puxar sua mão de volta.
― Também quero saber o meu destino, moça ― meu filho pediu, estendendo a mão para a
mulher, que lhe garantiu que a vida lhe reservaria muitas surpresas boas, deixando-o feliz.
Carlos lhe pagou, depois de termos agradecido, mas as palavras não saíam da minha mente.
O que estaria por vir?
Capítulo 14

Vir para o pub com os colegas de trabalho pareceu uma boa ideia, a princípio.
Agora eu já não tinha tanta certeza. Minha mente estava em muitos lugares, menos aqui, com
os caras com quem já tinha feito essa mesma programação, inúmeras vezes.
Parte de mim pensava no slide em meu computador, que estava a instantes de ser finalizado.
E seguiu assim o dia inteiro.
Minha mente estava completamente em branco. Começava a duvidar da minha ideia e tinha
certeza de que seria dispensado da conta perdendo, assim, a chance de sociedade.
Bati os dedos, freneticamente, na pequena mesa do pub onde nossos copos aguardavam uma
nova rodada.
E, claro, a outra parte da porra da minha mente, e a maior, devo confessar, só conseguia
pensar em uma coisa: nela.
Kira tinha se tornado um vício.
Acreditei que aquela primeira vez seria suficiente para desopilar aquela tensão sexual entre
nós dois. Mas, puta que pariu, cada parte de mim, queria, a cada segundo, estar dentro dela.
Eu me pegava pensando, em alguns momentos, se amizade colorida tinha algum prazo.
Não falamos sobre isso, mas esperava que não.
As coisas continuavam bem normais nos momentos em que estávamos em casa. Víamos
filmes, ríamos e conversávamos sobre as mesmas coisas de sempre. Eu ainda a levava ao trabalho e
a buscava também. Ela ainda cozinhava e ficava tagarelando em seu ouvido, enquanto secava a louça.
Tive medo de que, depois da nossa primeira vez, Kira acreditasse que tudo não tivesse
passado de um erro e acabasse desistindo.
Era estranho como as coisas ainda seguiam normais.
No quarto, éramos nós, mas completamente diferentes. Não havia inibição, só desejo de
agradar o outro, de juntos, chegarmos exatamente onde queríamos.
Em alguns momentos, chegava a me assustar com aquilo. Com o desejo e intensidade. Com a
forma como nós nos encaixávamos, nos entendíamos.
Como as coisas pareciam fluir naturalmente.
Era certo, mas também errado.
Era repouso, silêncio, tranquilidade.
Era desordem, confusão, caos.
Era tesão, desejo, insanidade.
Novidade. Talvez fosse por isso que meus sentimentos eram complexos. Tínhamos apenas
uma semana. À medida que as coisas fossem se acomodando. Que eu me acostumasse a ela, todo esse
desejo, no mínimo, seria menos intenso.
Queria estar com ela a todo tempo possível, e, por isso, ao vê-la tão irresistível indo à praça
com Liam, não pude dizer não.
Estava se tornando impossível recusar, qualquer coisa que fosse, para estar com ela, e eu já
me dava conta disso.
Ainda pensava no que a cigana havia dito. Eu não usei o apelido para me referir a Kira em
sua frente, o que tornava impossível que ela tivesse blefado. Eu sabia que apenas ela fazia o meu
mundo parar. E quanto mais repassava suas palavras em minha mente, menos queria pensar naquilo.
Suspirei, batucando os dedos novamente no móvel. Olhei para as horas marcadas em meu
celular. Tinha uma mensagem dela, e, por algum motivo, eu não consegui responder. Ela queria saber
onde eu estava.
Horas atrás, tinha mandado mensagem perguntando se estaria tudo bem, caso eu não pudesse
dar carona a ela. Depois que confirmou, e respondi sua mensagem perguntando se tinha acontecido
algo, não respondi mais nenhuma de suas mensagens.
Fechei os olhos, massageando as têmporas.
Eu estava ansioso, mas não sabia explicar por qual motivo.
― Não foi, Carlos? ― Malvino, um dos caras do trabalho, perguntou. Abri os olhos, tentando
entender sobre o que falavam.
― A gostosa que você conheceu aqui, no mês passado. ― Fez um gesto com as mãos,
ilustrando os seios da mulher. ― Conta aí, transou com ela, não é?
― Claro que ele comeu ― Galeno afirmou, olhando para a garçonete que servia nossos
copos. ― Esse daí trepa com tudo que se mexe.
Os caras riram, e eu acabei ficando incomodado com o comentário. Sim, era verdade. Eu
nunca fiz distinção entre mulheres. Pegava todas. Elas só tinham que estar sóbrias e querendo.
― E qual delas vai ter a honra de conhecer seu pau hoje? ― Caoilainn olhou ao nosso redor,
fazendo uma inspeção nas mulheres que estavam no pequeno bar. ― Olha aquela ruiva ali ― apontou
com o rosto ―, a bunda pequena, mas, por experiência própria, elas são uns furações na cama. Ei,
gata ― falou mais alto, acenando para a mulher que olhou em nossa direção, muito mais para saber
quem estava passando aquela vergonha, do que interessada ―, meu amigo aqui a quer levar para
conhecer a cama dele.
A mulher revirou os olhos no mesmo instante que Galeno mandou o idiota calar a boca.
― E como é que você tá fazendo pra comer a mulherada, agora com a Kira morando com
você? ― Malvino quis saber.
Inspirei fundo, com um pouco de raiva, sabendo quem se sentiria atraído com a informação.
― A Kira tá morando com você? ― Caoilainn pareceu subitamente interessado na conversa.
― Estou focado no projeto que o O’Connor me passou. ― Dei um gole na cerveja,
ignorando, deliberadamente, Cao. ― Até que tudo dê certo, nada de mulher no apartamento.
― Espera ― Cao trouxe o corpo mais para frente, ficando mais perto de mim ―, a Kira,
minha Kira, está em sua casa?
Não gostei da forma como ele falou minha Kira. Ela não era de ninguém, muito menos dele.
Na verdade, ela era muito mais minha.
Minha amiga. Minha colega de apartamento. A minha melhor foda.
Eu podia estar em casa transando loucamente, mas estava aqui, bebendo com esses idiotas.
Eu realmente era um acéfalo.
― Ah, qual é, cara, fala logo ― pediu.
― Ela e o moleque foram passar um tempo lá em casa ― expliquei. ― Tiveram um problema
com o apartamento.
― Porra, e você nem fala nada, cara? ― reclamou, batendo com a mão em meu peito. ―
Você tem que me ajudar. Me chamar para jantar lá no seu apartamento... Quem sabe não ganho uma
sobremesa também. ― Trinquei os dentes com força. Ele não podia falar assim dela. Kira, com
certeza, não ia ser sobremesa de ninguém. ― Kira tá fazendo jogo duro e quanto mais ela me rejeita,
mais eu quero foder com ela.
― Parte pra outra, Cao. ― Balancei a cabeça em negativa, tentando controlar aquela pontada
em meu coração, e fingir que não sentia o gosto amargo em minha boca. ― Ela já disse que não está
a fim de sair com você novamente. Perdeu a chance, cara.
― Ah, cara, se eu insistir mais um pouquinho, eu sei que ela vai ceder. Elas sempre cedem.
― Piscou.
Fechei uma das mãos discretamente, tentando convencer a mim mesmo que não tinha nenhum
motivo para que eu quisesse matar o Cao aqui mesmo. Além do mais, tinha testemunhas.
― Caralho, Cao ― Galeno se intrometeu. ― Não é assim que funciona, não. A mulher não
quer, você vai pra outra!
― Não, porra. ― Esfregou os olhos com a mão. ― Eu sei que se eu insistir, ela vai ceder. E
ela nem devia fazer esse jogo duro, é mãe solteira.
Abri a mão, fechando-a novamente. Trinquei a mandíbula com força, tentando achar um
motivo para não quebrar a cara do filho da puta.
― Cao, você já bebeu demais, melhor ir pra casa, cara. ― Malvino se levantou, como se
quisesse estimular Cao a fazer o mesmo.
― É sério, cara ― riu, olhando para mim ―, eu sei que ela é sua amiga e tudo, mas ela devia
agradecer por ter alguém querendo comê-la e se ela for tão boa na cama como parece, até levo o
pequeno problema pra casa também. Mas aí, ela tem que dar a bunda, né? Criar moleque dos outros
é digno da bunda.
Antes que eu pudesse pensar em minhas ações, estava de pé, segurando Cao pela camisa,
forçando-o a fixar as pernas no chão também. No instante seguinte, mesmo com ele ainda trôpego,
meu punho acertou em cheio seu rosto. E de novo. E de novo. E mais uma vez.
Uma pequena confusão se formou. A mesa foi parar no chão, algumas pessoas se afastaram,
outras pareciam querer entender o que tinha acontecido. Eu só sabia que tinha que quebrar a boca
daquele desgraçado. Em um momento de descuido, ele acertou meu rosto.
Senti duas mãos me puxando para longe do babaca, enquanto Malvino o puxava para longe de
mim.
― Você tá louco, cara? ― gritou, com um pouco de sangue escorrendo do canto dos lábios.
― Você tá maluco? Olha só o que você fez.
Ri, com ironia. Ele nem sabia tudo que eu queria fazer.
― Dá próxima vez, fala com mais respeito dos outros, idiota ― retruquei. ― Ser mãe solo
não desqualifica ninguém. E ela tem, sim, que agradecer por ter juízo suficiente para não cair no papo
de gente que nem você. E tem mais uma coisa... ― Me sacudi um pouco, torcendo para que Galeno
afrouxasse o aperto. Apontei o dedo em riste. ― Da próxima vez que você chamar o moleque de
problema, eu juro, vou te bater tanto, que você vai ficar de um jeito que ninguém vai te reconhecer.
Balancei meu corpo com força, até que Galeno me soltasse, peguei meu celular, a carteira e
chave do carro que caíram no chão, junto com a mesa, no chão.
Kira e Liam não mereciam ser tratados daquela forma. Kira era prática, divertida e
encantadora. Liam era o garoto mais inteligente que eu conhecia. Eles eram maravilhosos demais e
saber que mais pessoas podiam vê-los assim, me deixou furioso.
Minha respiração estava rápida demais e eu não sabia explicar o que tinha acontecido
comigo, só sabia que eu não aceitaria que ninguém, fosse quem fosse, falasse da Kira daquela forma,
ou de forma nenhuma.
Passei todo o caminho de volta para casa sentindo meu coração arder de raiva. Do Cao, mas
de mim, especialmente.
Definitivamente, eu não devia apresentar mais ninguém à Kira. Aliás, isso estava mais do que
decidido. Eu não apresentaria mais ninguém a ela.
Tinha um puta respeito pelas mães solos do mundo inteiro. Se dedicar a cuidar dos filhos,
muitas vezes, sozinha, trabalhar, dar conta de tudo que se tem que fazer em casa, a maioria das vezes
mal tendo nem tempo para cuidar de si mesmas, é cansativo.
Tinha visto isso na prática com minha tia, e hoje via com Kira. Era uma mãe incrível e
dedicada, uma talentosa profissional e uma mulher maravilhosa. Não permitiria que ela fosse tratada
daquela forma.
E o jeito como falou de Liam, como se o moleque fosse um peso. Liam era um garoto
especial, e se fosse para algum dia Kira estar com alguém, que fosse por alguém que amasse tanto o
moleque, quando a ela.
Eles mereciam isso.
Mereciam o melhor.
Um dia Kira encontraria esse cara. E, por mais que eu torcesse muito pela felicidade de
minha amiga, estranhamente, alguma coisa dentro de mim não gostou dessa constatação.
A casa estava silenciosa, e eu tinha certeza de que Kira estava me odiando um pouco nesse
momento.
Só quando fui abrir a porta de casa, me dei conta de que minha mão estava coberta de sangue.
Meu e do Cao. Andei, vagarosamente, até a pia do banheiro, ligando a água e mergulhando a mão.
Senti o ardor, mas pressionei os lábios, temendo fazer barulho. Não queria acordar Liam ou Kira.
Fechei a torneira com cuidado, olhando meu reflexo no espelho. O canto da minha boca
estava um pouco machucado, mas nada que causasse preocupação. Minha mão, em compensação,
doía um pouco.
― Carlos? ― A voz sonolenta de Kira estava perto demais para que eu conseguisse fechar a
porta do banheiro, sem que ela me visse antes. ― Onde você estava? Estava preocupada com...
Parou, ao me encarar. Depois seguiu o olhar por todo meu corpo, com uma expressão aflita.
― O que aconteceu? ― Deu um passo à frente, encarando minhas mãos machucadas.
― Não foi nada ― retruquei, enquanto ela as segurava para analisar.
― Você está bem? ― quis saber, olhando-me com uma expressão estranha. Eu não conseguia
encará-la. Ainda estava com raiva do que o Cao havia dito. Kira segurou meu rosto de forma que
nossos olhos se encontraram.
Assenti.
Deu um sorriso fraco.
― Quer me contar o que aconteceu? ― Sua mão ainda estava em meu rosto. Sentia a quentura
de sua pele contra a minha.
E era bom.
Balancei a cabeça em negativa. Ela não pareceu feliz, mas concordou com um fraco aceno.
― Toma um banho, vou fazer um curativo depois, tá certo?
Ainda sem conseguir usar as palavras, assenti.
Sorriu fraco para mim, antes de dar as costas.
― Kira ― chamei. Ela virou-se em minha direção. Sem conseguir me conter, abracei-a.
Sentir seu corpo contra o meu foi acalentador.
Ela retribuiu.
Beijei o topo de sua cabeça antes de, mesmo sem querer, permitir que ela saísse do meu
abraço.
Por mim, ela poderia ficar ali, segura em meus braços, para sempre.
Capítulo 15

― Sua mão ainda está horrível ― afirmei, entregando a caixinha de cerais que utilizava nos
dias em que eu estava com preguiça ou atrasada demais para fazer alguma coisa mais saudável para
meu filho. ― Devia ter ido ao médico, como eu te disse umas cem vezes.
― É só um machucado, vai passar. ― Abriu e fechou a mão, como se quisesse comprovar
isso.
Revirei os olhos. Oh, homem teimoso!
― Tio Carlos, conta de novo, você machucou a mão? ― meu filho perguntou, mais uma vez,
apenas para ouvir Carlos se gabar sobre uma história ridícula com a mulher com quem ele devia
estar prestes a levar pra cama.
Conseguia até visualizar como era a mulher que ele defendia. Um corpo escultural, seios
fartos — diferente dos meus —, cabelos longos e possivelmente era loira. Ao longo dos anos, notei
que ele tinha uma preferência pelo tipo.
Nós não tínhamos falado nada sobre exclusividade. Acho que não imaginamos que
chegaríamos tão longe. Quase duas semanas. Mas não achei que ele fosse sair com outras mulheres,
já que devia estar bem focado no projeto que poderia mudar sua vida.
Claramente, me enganei.
― Eu estava sentado com uns amigos... ― começou a contar, mais uma vez. Por que meu
filho não podia simplesmente enjoar e me ajudar a não deixar aquelas imagens em minha mente?
Quer dizer, claro que eu estava feliz que o Carlos tinha ajudado uma mulher. Nós, mulheres,
bem sabemos que não é fácil viver em um mundo machista. Bom mesmo seria se não precisássemos
nos defender por sermos tratadas como iguais, como seres humanos, independente do órgão sexual
entre nossas pernas.
E, apesar de saber como ser defendida e sentir-se protegida, às vezes, era importante, não
conseguia deixar de sentir uma pontada no peito, pensando em quem mais estava com eles. Será que
ele estava flertando com a mulher que defendeu? Era uma pergunta idiota, eu sabia. Não tínhamos que
dar satisfação ao outro. Porém, por algum motivo, não conseguia deixar de me preocupar com aquilo.
― E aí chegou um cara bem malvado ― meu filho completou, levantando-se da mesa,
afastando um pouco os braços do corpo, como se mostrasse que o cara malvado era também muito
forte.
― E esse cara malvado falou coisas bem feias sobre uma mulher. E, sabe, um homem de
verdade não deixa que outros homens falem nada de ruim ou façam mal às mulheres. ― Sorri um
pouco.
Gostava quando Liam e Carlos conversavam sobre assuntos importantes de uma forma que
meu filho conseguisse refletir sobre suas atitudes e mais, que ajudassem a moldar o seu caráter no
futuro.
― É vedade, tio Carlos. ― Sentou-se em seu lugar, dando uma colherada no cereal. O espaço
onde antes estava completamente vazio em sua boca, já tinha uma pontinha branca, indicando o
nascimento de um dentinho. ― A man uma vez me disse que eu não podia mais puxar o cabelo da
Mirela, que é minha coleguinha da escola. E depois eu dei uma flozinha para ela ficar feliz e me
perdoar e aí eu pometi a man que não ia mais machucar minhas coleguinhas.
― Isso aí, amigão. Toca aqui. ― Carlos ergueu a mão para que se cumprimentassem com um
daqueles tapas no ar. ― Quero ver você tratando todas as garotas assim. ― Piscou para Liam.
― Mas... ― interrompi, erguendo o dedo para meu filho ―... apesar das intenções do tio
Carlos serem muito boas, agir com violência não é certo, ok, mocinho?
Liam assentiu, parecendo não compreender o motivo de não precisar bater em alguém por
estar fazendo algo errado, mas eu conhecia meu filho e sabia que qualquer explicação nos faria
perder a hora para a escola. E disso ele ia gostar muito, inclusive.
― Man, mas eu não quero estudar nem tabalhar. ― Cruzou os braços, demonstrando sua
insatisfação, assim que pedi que fosse pôr sua farda.
Suspirei. Todo dia era a mesma história. Educar um filho repetindo os mesmos ensinamentos
era, muitas vezes, enervante.
― Ai, meu amor, mas pra isso você teria que ter nascido em berço de ouro. ― Aproximei-
me de sua cadeira, beijando o topo de sua cabeça. ― O que não é o seu caso.
― Man. ― Ficou de pé rapidamente, cruzando os braços. ― Eu vou bigar com o papai. Se
ele tivesse compado um beço de ouro, não ia pecisar ir pra a escola chata. ― Fez um biquinho.
Carlos riu.
Foi estranho, porque não foi nada de mais. Quantas vezes Carlos já tinha dado risada, ou até
mesmo gargalhado, comigo? Mas, meu coração pareceu errar uma batida. Pus a mão sobre o peito,
como se fosse o bastante para controlar aquela loucura que tinha acontecido.
Semicerrei os olhos para meu amigo rapidamente.
― Pois é, seu berço foi de madeira, coisa de quem precisa estudar muito para ter um bom
trabalho quando crescer. Então, vai logo ― apontei na direção do corredor que o levaria ao seu
quarto ―, senão o tio Carlos vai embora e nos deixa aqui.
― Deixo você ― ergueu uma sobrancelha para mim ―, o garoto pode ir comigo.
Rolei os olhos quando os dois bateram as palmas. Um tempinho atrás, meu filho ainda me
defenderia...
O berço pode até não ter sido de ouro, mas a cumplicidade masculina, essa sim vem de berço
para berço. Oh, raça unida.
Sentei-me em uma das cadeiras da mesa, sentindo-me cansada. Uma pena que filhos não
tenham um botão de soneca para nos deixarem dormir, pelo menos, aqueles cinco minutinhos a mais,
que é o sonho de toda mãe.
― Você está tensa ― Carlos afirmou, repousando as mãos em meus ombros, começando uma
massagem relaxante. ― Aconteceu alguma coisa?
SIM! NÃO QUERO QUE TRANSE COM OUTRAS GAROTAS! Quis gritar.
― Não. Tudo bem ― respondi, fechando os olhos e permitindo, mesmo que por alguns
instantes, que as mãos mágicas do meu amigo me fizessem esquecer de tudo.
― Você sabe que está mentindo. ― As mãos alcançaram meu pescoço. ― E eu acho que
posso arrancar a verdade de você ― sussurrou.
― Carlos, o Liam está aqui ― murmurei, ao sentir suas mãos descerem um pouco mais pelo
meu colo e instalarem-se dentro de minha blusa, dando um aperto por cima do sutiã.
― Eu sei. ― Colou os lábios em meus ouvidos, antes de completar: ― E, só por isso não
vou executar o que minha mente está pedindo agora.
― Que seria? ― quis saber, com a voz falha.
― Foder você, em cima dessa mesa, até que me conte tudo que está preocupando essa
cabecinha linda. ― Afastou-se, deixando a minha mente imaginar a cena.
Filho da... Não, xingar a mãe de alguém era contra os meus princípios. Mas ele sabia muito
bem que aquilo me deixaria com vontade.
Antes que meus pensamentos conseguissem produzir uma imagem menos tórrida, Liam
voltava para a sala, carregando o suéter e com os botões da camisa com as casinhas todas trocadas,
mas, dessa vez, pelo menos, usava calças.
― Vem cá, amigão ― Carlos aproximou-se do pequeno ―, deixa eu te ajudar com isso.
Sorri, vendo a interação de Carlos com meu filho. Sempre dava um quentinho no coração
observá-los. Gostava da cumplicidade e amizade eu tinham.
Senti o celular vibrar no bolso da minha calça. Fiz uma careta ao ver o conteúdo da
mensagem. Será que dizer que não vi por que o celular estava com o Liam era uma desculpa boa o
suficiente para faltar à reunião anual de feriado da família?
― Más notícias? ― perguntou, com as sobrancelhas franzidas, como se, dois segundos atrás,
não tivesse mencionado as palavras, foder, mesa e você. Meu corpo, infelizmente, não conseguia ter
o mesmo controle que o desse filho da mãe.
― Só meu pai, me lembrando do encontro de feriado com a família. ― Rolei os olhos, já
imaginando um fim de semana inteiro ouvindo meu avô passar o tempo se dividindo entre me ignorar
e criticar cada decisão que tomei na vida.
Ele jamais me perdoaria por ter nascido, tampouco por ter atrapalhado seus planos de me
tornar uma mulher dependente financeiramente de um velho machista, que faria de tudo para me
impedir de viver.
E, apesar de amar o meu filho, ele também jamais me deixaria esquecer que eu o criava
sozinha, como uma rameira que vivia dormindo com um e outro por aí. Pouco importava se o pai do
Liam tinha sido a minha primeira transa, e importava menos ainda que eu não levasse a vida devassa
que ele acreditava.
Seu problema comigo nunca teria fim. Não depois do meu pai ter abandonado o futuro que
meu avô tinha planejado por minha mãe. Por nós.
E, por mais que eu detestasse passar qualquer segundo naquela casa, e tivesse certeza de que
meu avô aproveitaria todas as chances do mundo para continuar insistindo que eu era uma péssima
pessoa e mãe, eu não conseguia não ir. E tudo pelo meu filho. Sabia que o Liam sentia falta do
bisavô. Aquele era o único momento em que eu me permitia passar por isso, pelo meu filho.
― Man, eu vou ver o sin-seanathair[10]? ― Sua voz animou-se, de imediato.
― Sim ― dei o meu mais brilhante sorriso forçado ―, daqui a alguns dias, você vai vê-lo,
amor.
― Eu sinto saudade dele, man ― confessou, com Carlos já fechando o último botão de sua
camisa. ― Queria que o sin-seanathair morasse mais petinho da gente. O tio Carlos podia ir
também ― animou-se com a ideia. ― O sin-seanathair ainda não teve tempo de ficar muito amigo
do tio Carlos, poque eles só se veem bem rapidinho assim. ― Juntou o indicador e o polegar,
indicando o pouco tempo que eles tiveram chance de conviver, felizmente. ― Acho que se eles
ficarem juntos assim ― abriu um espaço maior entre os dedos —, vão ficar bem, bem, bem amigos.
Foi impossível conter o sorriso diante da felicidade do meu pequeno.
― O tio Carlos deve ter coisa melhor para fazer no feriado, meu amor. ― Peguei sua mochila
no cantinho perto da porta.
― Na verdade, meus planos são bem chatos. Vou ficar em casa, vendo TV. ― Deu de ombros.
― Então, tio ― segurou a mão de Carlos, não a minha ―, você devia ir com a gente pra
viagem de família ― pediu, animado, seguindo meu amigo que abria a porta.
― Não sei... Se sua mãe não vir nenhum problema. ― Deu de ombros, como se não fosse
nada de mais.
Claro que havia um problema. Um enorme.
― Maaaaaan, diz ao tio Carlos que ele pode ir ― pediu. ― Vai ser tão divetido!
― Se ele quiser, claro que pode ir, querido.
Meu filho saiu pulando de felicidade e, durante todo o caminho, foi contando como era a
casa, quem Carlos conheceria, e o quanto se divertiriam juntos.
Eu me sentia um pouco malvada, sabendo que, assim que possível, faria Carlos desistir de
viajar conosco.
Tê-lo perto da minha família, sem dúvidas, era uma péssima ideia.

Eu gosto de muitas coisas sobre a Irlanda.


Não conheci muitos lugares além daqui, claro. Quando minha mãe era viva, e nós morávamos
como uma família, juntos, não tínhamos muito tempo para viajar, tendo em vista que meu pai já
viajava bastante. Minha mãe tentava compensar esse fato, levando-me a uma porção de lugares
interessantes. Depois. Ela gostava das tradições que aprendia aqui, e sempre me contava algumas
delas.
Uma das tradições dizia que se você vir uma moeda no chão, independente do valor, e não
pegar, trazia pobreza. Se um pescador quisesse continuar tendo pesca em abundância, ele devia
evitar mulheres ruivas. Coceira no nariz indicava briga, a menos que alguém dê um tapa em sua mão
e você revide.
Uma delas, hoje, eu tinha comprovado sua eficácia. Uma das tradições dizia que quando você
vir um magpie, sozinho, você precisa cumprimentá-lo. Porém, se ele estiver acompanhado, era sinal
de sorte.
Quando o dia começava com a confirmação da minha presença no final de semana da família,
era um claro sinal de que tudo mais daria errado. E eu podia provar isso.
O magpie estava pousado em uma árvore, cantando, quando eu fui deixar o Liam na escola.
Apressada, passei direto, deixando de lado o costume de infância. Dei um beijo na cabeça do meu
filho, e voltei para o carro.
Carlos não pareceu muito convencido de que não ia gostar da família e ainda teve o
descaramento de dizer que não decepcionaria meu filho, desmarcando com ele.
― Você não quer que eu vá, né? ― meu amigo perguntou, assim que voltei para o carro.
― Não é que eu não queira. ― Coloquei o cinto de segurança, antes que ele desse partida. ―
Minha família é... ― franzi o cenho, pensando na melhor forma de responder ―... complicada —
acabei falando e não dizendo nada.
― Kira, toda família é complicada ― garantiu. ― Se você soubesse como meu primo
Samuel[11] e eu éramos até o ano passado, tenho certeza de que chegaria à conclusão de que Liam, no
auge dos quatro anos, era um poço de maturidade.
― É diferente, Carlos. ― Suspirei, pondo a cabeça no encosto do carro. Não queria falar
sobre isso, mas também não podia deixá-lo no escuro. ― Existe um bom motivo para que eu quase
nunca vá lá. Meu avô e eu não temos a melhor das relações. Na verdade, posso até dizer que ele me
odeia. Ia ser constrangedor pra você. Acredita em mim.
― A coisa é tão ruim assim? ― Seu rosto perdeu o divertimento.
Assenti, sentindo-me incapaz de falar sem que meu coração acabasse partindo-se em mil
pedaços e eu começasse a chorar na frente dele.
― E o seu pai? ― quis saber. Desviando o olhar rapidamente da estrada, me fitando por
alguns instantes.
― Meu pai sabe que não nos damos muito bem, mas acha que é bobagem. Eu nunca tive
coragem de contar a ele como a convivência era difícil. Não queria que ele ficasse se sentindo ainda
pior, depois que a minha mãe morreu. ― Dei de ombros. ― Então, eu só me finjo de surda, e pronto.
― Bom, então temos um motivo melhor ainda para que eu vá. ― Deu um sorriso de lado para
mim, fazendo meu coração doer, estranhamente. ― Eu jamais deixarei alguém te magoar, enquanto
você estiver comigo.
Mordi o lábio, tentando evitar que as lágrimas que se acumulavam em meus olhos
transbordassem. Era bom saber que alguém se preocupava com você. Eu gostei da sensação.
Era minha obrigação estar presente naqueles momentos, por ser parte da família. Já ele, podia
escolher estar em qualquer lugar.
E, com certeza, ele deveria preferir ficar bem longe.

― Conseguiu, Kira? ― Maire, minha colega de trabalho, perguntou, de pé, ao meu lado,
erguendo um copo de café da Starbucks em minha direção.
― Ainda nada. ― Suspirei, sentindo-me exausta, e aceitando o copo de café que ela me
estendia.
Gemi um pouco ao sentir o gosto amargo em minha boca. Era tudo que eu precisava.
Eu amava o me trabalho. Mesmo.
Resolver problemas com sistemas era algo lógico. Independentemente do tempo, eu sabia que
existia um problema que seria facilmente resolvido, assim que a fonte dele fosse descoberta.
Logo, eu não era muito boa com gerenciamento de coisas complexas, como pessoas e
sentimentos. Eu gostava da objetividade e certeza que eu tinha em meu trabalho de que o problema
podia ser resolvido. Isso era muito mais complicado quando se trabalhava lidando com pessoas.
Entendendo o que as pessoas querem, ajudando a cuidar de seus sentimentos ou ensinando,
defendendo... Eu gostava da paz que eu sentia quando eu e meu computador trabalhávamos juntos, em
busca de uma solução que estava ali, que dependia do meu empenho e esforço para ser descoberta.
Mas hoje vivíamos um dia especialmente difícil.
O site da empresa tinha entrado em um bug maluco. Não importava onde os clientes tentavam
acessar, eram redirecionados para um link que não tinha absolutamente nada a ver com nosso
conteúdo.
Passamos a manhã inteira tentando resolver, porém, quanto mais buscávamos arrumar o
problema, mais acabávamos arrumando outro.
Toda a equipe estava trabalhando para resolver.
Minha cabeça já doía de tanto tentar entender o que estava acontecendo, sem êxito algum. Eu
odiava não conseguir resolver algo.
Era meio que uma obsessão.
― Queria saber o que aconteceu com essa porcaria ― Mai reclamou, observando, tão atenta
quanto eu, a tela do meu computador.
― Também queria. ― Inspirei fundo, soltando o ar com força. ― Isso nunca tinha acontecido
antes. Eu não entendo ― reclamei.
Fechei os olhos por um segundo, tentando repassar em minha mente os códigos que estavam
em minha tela. Muitas vezes, fazer isso acabava me ajudando.
Mas hoje, nada.
Senti meu aparelho vibrar ao meu lado. Abri os olhos e franzi o cenho, preocupada. ao ver o
número da escola do meu filho chamando. Fiquei mais assustada ainda quando me pediram que eu
fosse à escola, com urgência. Sean mandou-me uma mensagem, assim que finalizei a ligação,
avisando que tinha recebido uma ligação da escola. Combinamos que passaria no trabalho para me
buscar.

A conversa com a diretora foi o mais desagradável possível.


Para ser sincera, eu nunca quis tanto que um buraco no chão se abrisse e me engolisse.
Sean estava puto comigo. Parte de mim não tirava a sua razão, a outra parte queria mandá-lo à
puta que pariu. Afinal, era normal que as crianças ouvissem o que não deviam e falassem algo
absurdamente constrangedor, não é? Bom, não sei se todas as crianças, mas o meu filho se encaixava
bem demais nessa descrição.
Nós caminhávamos pelo pequeno jardim, depois de já termos passado pela enorme porta de
acesso à escola. Íamos em direção ao carro do Sean, com meu filho contando como estava feliz por
nós dois termos ido buscá-lo.
― Papai, po que você não comprou meu beço de ouro? ― falou, de repente, cruzando os
bracinhos na frente do corpo, bravo.
― Berço de ouro, filho? ― perguntou, sem entender aonde Liam queria chegar. Já estávamos
perto o bastante do seu carro e, levando em conta seu humor, pegar um táxi parecia uma ótima opção.
― Sim, a mamãe disse que só quem não pecisa tabalhar é quem nasce em beço de ouro ―
explicou. ― Se o senhor tivesse compado um beço de ouro pa mim, eu não ia precisar tabalhar que
nem você e a man, poque eu ia ser beeeeeem rico.
Em outra ocasião, Sean teria achado graça, mas não hoje.
― Parece que a sua mãe anda te ensinando muitas coisas que não deveria ― falou, olhando-
me enviesado, enquanto abria o carro para colocar Liam preso na cadeirinha que ainda usava.
― Eu não sabia que ele estava ouvindo a minha conversa ― me defendi, abrindo a porta e
entrando no banco do carona.
Eu também estava constrangida, claro. Não era todo dia que eu era chamada na escola do meu
filho, para reclamarem que ele estava chamando as coleguinhas para ter uma amizade colorida.
― Tinha certeza de que rolava alguma coisa entre vocês dois ― falou alto demais, o que me
fez olhar para trás, como forma de advertir sobre o que falar.
Entreguei meu celular a Liam, para que ele se distraísse, vendo um desenho, enquanto eu e
seu pai nos entendíamos.
― Nunca esteve acontecendo algo entre nós. Mas, sei lá, duas semanas atrás nós
conversamos e achamos que não seria uma ideia ruim, se a gente...
Deixei a frase no ar, com medo de que Liam ouvisse a conversa e depois reproduzisse. Um
susto já era demais.
― Agora é muito conveniente que você se preocupe com o que ele ouve.
Mordi a parede interna da boca.
Não era justo. Não mesmo.
― Você fala como não fizesse o mesmo que eu ― acusei.
― Pelo menos, eu não deixo o meu filho saber o que faço. ― Aumentou o tom de voz, me
levando a olhar pelo retrovisor para garantir que Liam estava ouvindo o desenho.
Parecia compenetrado demais.
― Eu não vou discutir, Sean. Também não vou me desculpar pelo que aconteceu. Foi uma
fatalidade e podia, muito bem, ter acontecido com você.
― Não. Foi uma irresponsabilidade sua ― afirmou, dando seta, antes de mudar a direção na
pista.
Suspirei, controlando a vontade repentina de chorar.
Eu já me sentia péssima o suficiente para dar ouvidos ao que o homem ao meu lado dizia.
Quer dizer, eu realmente não devia ter aquele tipo de conversa com meu filho presente, mas eu
realmente achei que ele estivesse distraído quando estávamos na loja.
E a forma como a diretora tinha olhado para mim, cheia de julgamentos, como se toda a minha
decência devesse ser colocada xeque não ajudava na sensação de derrota que eu sentia. Como se não
importasse tudo de bom e correto que eu tinha ensinado ao Liam a vida inteira, um pequeno deslize
provava que eu era uma péssima mãe.
Levei meu filho para casa e resolvi que seria uma boa almoçar com ele. Melany já tinha dito
que poderia ficar com ele mais cedo, para que eu pudesse voltar ao trabalho.
― Filho, por que você chamou sua coleguinha para ser sua amiguinha colorida? ― perguntei,
depois de ouvi-lo me contar sobre cada detalhe de sua animada manhã, na escola, sem atividade.
Tinha sido um dia com muitas brincadeiras.
― Porque eu queria colorir um desenho com ela, man ― explicou, dando de ombros, como
se não fosse nada de mais.
― Como assim, meu amor? ― Franzi um pouco o cenho, sem entender muito bem o que ele
quis dizer.
― Man, amizade colorida não é quando você e outra pessoa vão colorir um desenho juntos?
― Deu de ombros, como se fosse uma coisa lógica. ― Eu só queria que ela pintasse o desenho que a
professora nos deu comigo. Não sabia que a ela ia ficar tão brava.
Sua expressão triste partiu meu coração, mas ao mesmo tempo foi necessário que eu
mordesse um pouquinho a boca, para que não caísse no erro de sorrir.
A inocência das crianças era realmente algo surpreendente.
― E onde você ouviu essas palavrinhas, filho? ― Passei a mão por seu cabelo, jogando-o
para trás, formando um topete engraçado.
― Eu ouvi a senhora e a tia Dara convesando na loja das roupas. ― Deu mais uma garfada
no almoço preparado de última hora.
― Sabe, meu amor, quando ouvimos conversa de adultos, não podemos contar para outras
pessoas. É como contar o segredo de alguém, e isso pode acabar prejudicando uma pessoa, você
entende? ― expliquei.
― Foi por isso que o papai bigou com você, man? ― Seu rostinho parecia preocupado
demais com algo que não competia a ele se envolver.
― Seu pai estava chateado comigo porque eu falei algo que não devia ― menti. ― Mas pode
desmanchar essa carinha, está tudo bem. ― Pisquei para o pequeno.
Ele deu um sorriso para mim que fez com que meu coração derretesse um pouquinho.
― Man ― chamou ―, eu te amo um tantão assim. ― Abriu bem os braços para ilustrar o
tamanho do seu amor.
― E eu te amo um tantão assim. ― Abri os meus braços para que ele pudesse ver o tamanho
do meu amor, embora eu soubesse que nada no mundo seria capaz de medi-lo.
Liam podia me meter em umas confusões, uma vez ou outra, mas, sem dúvida, era a melhor
coisa que tinha me acontecido.
Capítulo 16

― É agora que vai me contar o motivo para que um dos meus melhores funcionários e,
possível futuro sócio, ter passado os últimos dias com a mão arrebentada? ― O’Connor questionou,
pela milésima vez, desde o dia posterior à briga. ― O mais engraçado é que outro dos meus
funcionários andou pelos corredores da empresa com o rosto bem machucado. Estou rezando para
que as duas coisas não tenham nada a ver, Carlos.
Empurrou um copo de uísque em minha direção, e eu o aceitei de bom grado. Tínhamos saído
para almoçar um pouco mais tarde que o horário habitual. O The Shack Restaurant Temple Bar não
ficava tão distante de casa.
O ambiente era bem acolhedor. Rústico. Exatamente do jeito que a Kira gostava. Tinha
certeza de que ela amaria o lugar. As paredes eram cobertas com portas de madeira, e continham
ainda uma prateleira na parte superior com livros e louças antigos. Além de pequenas luminárias,
quadros diversos davam o toque final ao ambiente.
― Nós saímos, ele falou merda da Kira, e eu o enchi de porrada ― assumi, já imaginando o
sermão que acabaria levando.
Estranhamente, O’Connor ficou em silêncio. Deu um gole em sua bebida saboreando-a. Fiz o
mesmo, aproveitando que não precisava me defender, por enquanto, das suas acusações certeiras.
Quando ele me pediu que contasse o que houve, o fiz.
― Espero que tenha batido forte o bastante para que ele se lembre, para sempre. ― Ergueu o
copo no ar, como se brindasse comigo.
Repeti seu gesto, surpreso.
― Não vai ter bronca?
― Não hoje ― deu um pequeno sorriso, antes de virar todo o líquido do copo na boca ―,
mas isso significa que vocês transaram?
― Eu não posso defender uma amiga, sem nenhum tipo de interesse? ― Analisei sua
expressão de sabichão.
― Você está transando com ela ― afirmou. ― Por isso está, todos os dias, olhando tão
intensamente para o relógio. Contando as horas para voltar pra casa, não é?
Porra! Ele tinha percebido?
― Não é assim, como você está pensando ― me defendi, pedindo duas novas doses ao
barman. ― Nós conversamos e resolvemos tentar uma amizade colorida.
O’Connor assentiu, lentamente.
― E como anda esse arranjo?
― Muito bom, na verdade. ― As doses foram postas em nossa frente. ― Estamos nos
entendendo bem.
― Então, é só sexo?
― Sim. Claro. Só sexo, deixamos isso bem claro um para o outro. ― Meu amigo balançou a
cabeça, rindo. ― O quê? Não acredita? Foi você mesmo quem sugeriu.
― Eu acho, garoto, que transar uma vez é completamente diferente de fazer uma maratona de
sexo ― deu um gole ―, mas essa é uma coisa que eu tenho certeza de que vai aprender, de uma
forma, ou de outra. Por ora, acho que devemos nos concentrar nisso aqui. ― Apontou para a tela do
meu computador onde minha apresentação estava quase finalizada.
E nos concentramos.
Ao fim do almoço, tínhamos tudo pronto. A sensação de dever cumprido era grande, tanto
quanto o nervosismo para saber se minha ideia seria aprovada. Porém, pensar naquilo me fazia
perceber que eu ainda não estava pronto para o grande momento. Quando a ideia da amizade colorida
surgiu, um dos motivos era ter mais tempo livre para focar no trabalho, sem a necessidade de
precisar conhecer mulheres fora. Sem a necessidade disso, eu voltaria a ter tempo livre, e, para ser
muito sincero comigo mesmo, não estava pronto para deixar de transar com a Kira.
Muito pelo contrário.

― Ei, amigão. Que carinha é essa? ― perguntei, ao entrar em casa e dar de cara com o
pequeno sentado no sofá, sozinho, com o rosto apoiado em uma das mãos fechada, com uma
expressão triste.
Kira tinha vindo sozinha hoje. Avisou que sairia um pouco mais cedo e que eu não deveria me
preocupar.
― Acho que a man está tiste comigo ― confidenciou, soltando o ar desanimadamente.
Sentei-me ao seu lado, colocando minha sacola com os pertences do trabalho apoiados na
perna do sofá.
― Acredito que isso seja um pouco difícil ― garanti, virando um pouco em sua direção. ―
Sua mãe ama você demais, para ficar brava com você, por algum motivo.
― Mas dessa vez eu sei que ela está, tio. Ela e o papai até brigaram hoje por causa de uma
coisa que eu fiz, mas ainda não entendi por que todo mundo ficou bravo comigo ― mais uma vez,
soltou o ar, agora, mais dramaticamente.
Ok, se os pais do garoto brigaram, talvez ele realmente tenha feito algo bem ruim.
― E onde sua mãe está?
Apontou para o corredor, indicando o quarto.
― Que tal me contar o que aconteceu? Assim, eu posso te ajudar a descobrir se a Kira está
ou não chateada com você. ― Ergui uma sobrancelha para o garoto.
― Lá na escolinha hoje, a professora deu um desenho pra gente pintar, aí eu chamei a Mirela,
que é minha amiguinha, pa gente ter uma amizade colorida, que nem a que você tem com a mamãe, e a
gente pintar o desenho juntinhos. ― Eu queria rir na mesma medida que estava petrificado com
informação que o Liam me passou. Realmente, não tinha sido bom. O menino pôs indicador em frente
aos lábios, como se pensasse. ― Mas agora, eu não me lembro de ver o senhor e a man pintando
juntos... Quando é que vocês colorem os desenhos, tio Carlos? Posso colorir também com vocês,
quando forem brincar novamente?
Pisquei, atônito, sem saber o que dizer ao menino.
― E aonde foi que você ouviu que a man e eu temos uma amizade colorida? ― Acabei
distraindo-o com outra pergunta para evitar as respostas que ele queria.
― A man contou para a tia Dara. Eu achei bonito, porque a man está sempre feliz e sorrindo
quando está conversando com você. Aí eu pensei que se a Mirela também colorisse comigo, ela
podia ficar feliz que nem a mamãe fica do seu lado.
Meu coração bateu, freneticamente, com a constatação do pequeno. E eu sorri. Gostei de
saber que, mesmo em sua percepção infantil, eu fazia a mãe feliz. E, fazendo um rápido balanço de
nossas vidas, Kira também me fazia feliz. Não apenas porque estávamos transando quase toda noite,
mas porque, quando estávamos juntos, era como se, realmente, o tempo parasse. Como se eu não
precisasse de mais nada quando estávamos juntos. E, no fim das contas, os momentos em que eu mais
estava feliz, com ela, eram também os momentos em que Liam estava junto.
O pequeno nunca foi um empecilho ou um peso em nossas saídas ou mesmo quando
estávamos em casa, desfrutando de algum momento juntos. Estar com os dois, era como estar
completo.
Era como ter uma família.
Minha respiração, involuntariamente, acelerou com o pensamento. Era isso. Liam e Kira,
eram para mim, família.
― Sabe de uma, Liam ― apertei seu nariz ―, você e sua mãe também me fazem muito feliz.
E eu tenho certeza de que a sua mãe não está brava, só... cansada do trabalho. Mas, aposto que ela
vai ficar muito feliz quando entender por que você chamou sua coleguinha para pintar com você.
― Você acha, tio? ― Pareceu bem esperançoso.
― Tenho certeza de que sim ― garanti. ― Mas o que acha, se eu for seu advogado e ir lá no
quarto falar bem de você para ela?
― Huuum ― fez uma carinha de quem analisava a proposta ―, eu acho que isso pode deixar
ela feliz.
Beijei a cabeça do Liam, seguindo para o quarto da Kira. Dei duas batidas na porta e a
encontrei deitada no centro da cama, olhando para o teto, com uma expressão desolada.
― Ei ― chamei. Kira fechou os olhos, ao invés de me olhar, como sempre. ― Sabia que se
você fosse um país, seria o México? ― Cheguei meu corpo para o mais perto possível do seu. Kira
não respondeu. ― Não quer saber o motivo?
Fingiu me ignorar por alguns instantes, porém, eu a conhecia bem demais. Sabia que não
resistiria à curiosidade. Suspirou, dando-se por vencida.
― Por quê? ― perguntou, por fim.
― Porque você Mexicomigo ― Kira riu.
Meu coração pareceu acender um pouco com o som de sua risada. Fazia bem, e eu gostava de
vê-la feliz. Faria qualquer coisa para que ela estivesse sempre rindo.
― Você é um bobo, sabia? ― perguntou, virando um pouco o corpo em minha direção,
abrindo os olhos.
Seu olhar estava triste e distante, embora o sorriso ainda brincasse em seus lábios.
― De acordo com o Liam, eu te faço feliz, sempre. Então, vou considerar isso um elogio. ―
Bati o indicador em seu nariz, fazendo-a revirar os olhos.
― Você não sabe o que aconteceu hoje. ― Dessa vez, eu quem me movi, até que nossos
corpos estivessem frente a frente.
― O Liam me contou ― anunciei, pondo minha mão em sua cintura e puxando-a para mais
perto de mim. Inspirei em seu pescoço. Eu adorava o cheiro dela. De orvalho. De coisa boa. ― E eu
vim aqui como advogado de defesa. ― Mordisquei sua orelha, antes de me afastar um pouco de seu
corpo, para que pudesse olhar em seus olhos, sentindo, imediatamente a falta do osso contato. ― Ele
me disse que acha lindo você estar sempre feliz comigo, e que por isso chamou a amiguinha para
colorir com ele. Porque queria que a Mirela também ficasse feliz quando estivesse com ele.
Kira fechou os olhos, sorrindo um pouco.
― Você precisava ver a forma como a diretora da escola me olhou, Carlos. ― Puxei seu
corpo para ficar sobre o meu. Kira entrelaçou as penas com as minhas, e comecei um cafuné, fazendo
com que ela se remexesse até encontrar uma posição mais confortável. ― Parecia que ela queria
dizer que eu não tinha moral o bastante para educar uma criança, sabe? Como se duvidasse da minha
capacidade.
― Kira. ― Afastei um pouco seu rosto do meu corpo, para que ela pudesse me ver. ― Eu
duvido que exista alguém com mais moral para educar uma criança do que você. Sem contar que sua
vida sexual, em nada, te desmerece como mãe. Você também é mulher, e uma mulher incrível, diga-se
de passagem. ― Aproximei minha boca de seu ouvido, sussurrando: ― Digo com conhecimento de
causa.
Ela riu.
― É só que, às vezes, eu tenho essa dúvida, sabe. Se eu realmente sou uma boa mãe. Se faço
o bastante...
― Você é uma mãe incrível, Kira. Liam não podia ter uma mulher mais inacreditavelmente
maravilhosa como mãe ― garanti, beijando o topo de sua cabeça. ― Isso de mãe perfeita não existe.
Crianças são diferentes e não possuem manual. É à base da tentativa e erro, e eu juro que todas as
suas tentativas têm apresentado resultados positivos, afinal, Liam é a criança mais incrível que eu
conheço. Claro que, a convivência diária comigo faz com que tenha um pouquinho do meu charme
também...
Deu um tapa de leve em meu peito e ficou em silêncio mais um pouco, enquanto eu seguia
fazendo carinho em seus cabelos.
― Só você para me fazer rir ― confessou e, por algum motivo, eu me senti bem com aquilo.
― Eu fiquei pensando, se isso que nós estamos fazendo, se não pode complicar as coisas. ―
Dessa vez foi ela quem se afastou um pouco para me encarar. ― Olha só o que o Liam fez...
Meu coração doeu com a possibilidade de ela desistir de nós. Do que estávamos fazendo. Era
bom demais para que eu deixasse que acabasse assim, e eu tinha certeza de que ela também estava
curtindo. Kira só estava assustada, com medo.
― Vem cá, Tirnanoge. ― Kira aconchegou o rosto em meu pescoço. ― Eu sei que é egoísta
da minha parte, mas não estou pronto para que nós dois deixemos isso de lado.
Ela não falou nada, passando a mão, lentamente, pelos fios de cabelo em minha nuca.
― É isso mesmo que você quer? ― questionei, sentindo que o quarto ficava pequeno demais.
O ar começava a faltar, mas era importante que ela soubesse que se não quisesse mais, eu a
respeitaria. ― Não quero que continue, só porque...
― Não ― sussurrou. ― Não é isso que eu quero. Acho que também não estou pronta para
pararmos de... você sabe.
Soltei o ar com força, sentindo o mundo voltar a girar novamente.
― Enquanto você quiser, enquanto me quiser, eu estarei aqui para você. Da forma que
precisar, Kira. Sempre. ― Ela assentiu. ― Acho que seu filho está apaixonado ― sussurrei,
trazendo-a mais uma vez para perto do meu corpo, grato por ela não querer ir, ainda.
― Claro que não. ― Apertou meu ombro em protesto. ― Ele só queria colorir um desenho
com a colega. ― Suspirou.
― Ninguém quer fazer a outra pessoa feliz se não gostar dela ― pontuei, beijando um ponto
pouco abaixo de sua orelha, que eu sabia que ela adorava.
― Bom, você também gosta de me fazer feliz ― passou uma das mãos por meu pescoço ―, e
nem por isso está apaixonado por mim.
Por um momento, me senti totalmente sem ação. Meu corpo travou e, pela sua expressão, Kira
também foi pega desprevenida por suas próprias palavras.
Era estranho a forma como meu coração bateu descompassado apenas com a menção à
palavra apaixonado. Imediatamente lembrei-me de como tinha gostado de o Liam ter percebido que
eu fazia sua mãe feliz, ou da raiva que senti do Cao, por ter falado daquela forma sobre a Kira, e,
pouco mais cedo, sobre o O’Connor ter mencionado o fato da diferença entre transar uma vez, e
incontáveis, como nós dois estávamos fazendo.
― Acho, que você devia tomar um banho ― Kira sugeriu, com a voz repleta de incerteza.
― Sim ― concordei, balançando a cabeça, tentando remover aquelas ideias da minha
cabeça. Eu não estava apaixonado. ― Você tem razão.
Levantei-me, mas beijei sua cabeça antes de me afastar, com a voz de Samuca sussurrando em
minha mente: você saberá que está apaixonado quando não puder imaginar seu futuro sem aquela
pessoa.
Será que eu podia imaginar minha vida sem a Kira?
Não podia falar nada quanto ao futuro, mas hoje eu tinha certeza que não. Eu a queria ao meu
lado de todas as formas que pudéssemos ficar juntos.
E foi exatamente por isso que eu acabei tendo uma ideia um tanto ousada. Só me restava
torcer para que não tivesse me enganado quanto a isso.
Capítulo 17

“Acordada?”
A mensagem de Carlos me pegou de surpresa. Passava das dez e logo depois de sair do meu
quarto mais cedo, ele avisou que tinha uma coisa importante para resolver e não retornou para o
jantar.
Aquela coisa em meu peito insistia em querer me sufocar. Eu sabia que Carlos tinha
começado a transar comigo por causa do trabalho, mas ele não era do tipo que se acostumava a ficar
tanto tempo com uma única mulher.
Era estúpido da minha parte, eu sabia, mas eu estava com ciúme. E me sentia uma idiota por
isso. Carlos não era meu. Não era nada além do meu amigo com quem eu transava casualmente todos
os dias. Algumas vezes, duas ou três vezes em um mesmo dia.
Mais cedo, quando sugeri que parássemos, meu peito apertou tão forte, que senti como se não
pudesse respirar. Eu não podia parar com aquilo. Não quando estava tão bom. Não quando ainda
faltava pouco tempo para que ele não precisasse mais de mim.
Entretanto, eu queria que ele precisasse. Sempre.
Olhei para a tela do meu celular, pensando se soaria desesperada, caso respondesse logo.
Mordisquei os lábios.
“A luz do seu abajur está acesa, sei que está aí.”
Com um suspiro derrotado, coloquei meu Kindle de lado onde lia meu mais novo queridinho
do momento, Meu querido meio-irmão, abrindo a conversa dele em seguida.
“Estava lendo. Precisa de alguma coisa?”
Antes mesmo que eu pudesse pensar em guardar meu aparelho, o celular vibrou em minha
mão.
“Pode vir ao meu quarto, por favor? Tenho uma surpresa para você.”
Franzi o cenho. Uma surpresa?
“Tá bom.”
Respondi, sucinta, porém animada.
“Não precisa bater, só entrar.”
Carlos sabia que eu era movida pela curiosidade. Respirei fundo, pondo as pernas para fora
da cama, calçando as pantufas e vestindo o robe branco pendurado em um pequeno cabideiro
próximo à janela. A porta do quarto estava destrancada e assim que a abri, vi o homem com quem
dividia a casa usando uma roupa completamente diferente do que estava acostumada.
O ambiente mais escuro que o normal era iluminado apenas por uma fraca luz azulada, quase
ofuscada pela fumaça branca que saía de algum canto do quarto. Antes que eu pudesse chamá-lo, sua
silhueta me chamou atenção.
A calça e camisa bege com listras amarela deixava claro que o homem à minha frente estava
fantasiado, mas, caso não estivesse tão óbvia, o capacete amarelo e a mangueira enrolada em seu
pescoço denunciariam.
― O que você está fazendo? ― perguntei, totalmente descrente, entrando de vez no quarto,
analisando o homem à minha frente.
Eu nunca tinha comentado com Carlos sobre aquilo, e possivelmente com ninguém, aliás, mas
sim, eu tinha uma tara enorme por bombeiros e uma das minhas fantasias mais secretas, era
justamente aquela.
Parte de mim queria rir de nervoso, com medo de que Carlos achasse um desejo bobo. A
outra estava bastante surpresa, mas o coração era unânime. Ele galopava no peito.
― Bom, fiquei sabendo que uma residente aqui tem muito fogo para ser apagado. ― Carlos
deu um passo em minha direção, totalmente seguro de si. ― E eu resolvi vir, porque adoro me
queimar com esse tipo de fogo.
Senti meu corpo inteiro se acender.
Puta que pariu! Não acreditava que ele tinha feito aquilo por mim.
― Com mangueira e tudo? ― Apontei com o rosto para a mangueira, que estava presa em seu
ombro.
― Essa é a mangueira menor, você precisa mesmo ver a outra. ― Piscou, aproximando-se
mais, até que suas mãos estivessem em minha cintura, me puxando contra seu corpo.
Era impossível deixar de sentir sua rigidez.
― Foi para isso que você saiu hoje? ― quis saber, rodeando seu pescoço com meus braços,
sentindo-me uma idiota por ter duvidado dele.
― Sim. ― Beijou minha bochecha, esfregando-se em mim para que sentisse sua ereção. ―
Te falei que um dos objetivos era realizar nossas fantasias.
Arfei com o contato, aproximando-me ainda mais, em uma tentativa de intensificar nosso
contato.
― E eu posso saber como você sabia especificamente sobre isso? ― Foi difícil fazer com
que a pergunta saísse. Os lábios dele estavam em todos os lugares possíveis, tornando minha
capacidade de raciocínio quase inexistente.
― Eu sei te ler, Tirnanoge. ― Suas mãos passaram a caminhar por meu corpo de forma
voraz, apertando todos os lugares que ele já sabia que me deixavam excitada, e meu coração pareceu
errar uma batida ao ouvir o apelido que tinha me dado, naquele momento. ― Aprendi a conhecer
você ― garantiu. Eu não podia negar. ― Agora, me espera na cama ― colou nossos lábios
rapidamente ―, o show está apenas começando.
Não entendi o que quis dizer, mas segui sua instrução. Os primeiros acordes de Set You Free
começaram a tocar no exato momento em que me dei conta do que show significaria.
Carlos nunca brincava se não tivesse a intenção de ir com tudo. Então não podia dizer que foi
um choque quando deu início, despudoradamente, a uma dança sensual, abrindo a camisa da farda e
relevando uma camiseta branca que exibia perfeitamente os músculos bem torneados.
Eu sabia que ele era um bom dançarino. Tinha conseguido me arrastar para algumas boates
poucas vezes, porém, ainda assim, mal pude crer em seus movimentos bem coreografados apenas
para mim. A camisa branca, já suada, acabou perdendo espaço em seu corpo deixando à mostra seu
tórax e o tanquinho de deixar qualquer uma de queixo caído.
Mexia o quadril para frente e para trás, pouco antes de rodar a mangueira ao lado do corpo,
piscando para mim. Eu ri. A cena toda era deliciosamente engraçada, e eu não podia deixar de me
sentir envaidecida. Nunca tinha ficado com um cara que se prestasse a um papel desses por mim. A
última vez em que um homem delicioso dançou seminu para mim, foi na despedida de solteira de uma
prima da Dara, e porque estava sendo pago para isso.
Carlos tirou a calça, mostrando que já estava pronto para o próximo ato, se aproximou,
lentamente, olhando em todo o tempo para meus olhos. Pus minhas mãos em seu peito, descendo,
lentamente. O peito subia e descia rapidamente, ansioso pelo toque que ele esperava.
Segurou minhas mãos quando cheguei ao cós da cueca preta que usava.
― Você é uma garota muito levada, Tirnanoge ― passou a mão por meu cabelo, acariciando
meu rosto com suavidade ―, mas antes, eu tenho uma coisa importante para te dizer: eu sei que você
não é fritura, mas eu só tenho óleos para você.
Eu ri, mas o clima descontraído durou pouco. Mais uma vez minhas mãos passaram a
percorrer seu corpo, era claro o quanto já estava excitado, e eu, claro, sedenta por ele.
― Acho que está na hora de descobrirmos se essa mangueira realmente é capaz de apagar
fogo. ― Ergui uma sobrancelha para Carlos, que mordeu meu lábio, puxando-o um pouco.
― Você vai se arrepender de ter colocado essa questão em dúvida ― anunciou.
Eu não tive tempo de protestar. Em seguida, éramos língua, lábios, corpos unidos, e gemidos.
Éramos tudo que eu queria, constatei, sabendo que infelizmente as melhores coisas tendem a
durar pouco.

As coisas estavam boas demais para ser verdade.


Apesar de já terem passado dias, desde a performance de Carlos como bombeiro, eu ainda
sorria ao me lembrar daquela noite. Talvez por ter sido a coisa mais despretensiosa que alguém já fez
por mim na vida. Tinha sido perfeito, e, certamente, não me arrependia nem um pouco de ter
sobrevivido ao dia seguinte, sendo abastecida por litros de café.
Valeu a pena cada segundo.
E, claro, era exatamente por saber que as coisas estavam indo tão bem que eu tinha certeza de
que o final de semana na casa do meu avô seria um desastre.
― Você ainda pode mudar de ideia ― lembrei, mais uma vez, quando já estávamos perto o
bastante da casa em Galway.
― Você também pode ― garantiu. ― Se não quer ir, não é obrigada.
Rolei os olhos.
― Não é tão simples. Meu filho e meu avô se amam. ― Dei de ombros. ― Não posso
impedir que meu filho tenha contato com ele, só porque nós dois não nos entendemos.
Carlos tirou os olhos da estrada por alguns instantes para me encarar, como se eu fosse doida.
― Justamente por vocês não se darem bem, que tem todo o direito de não querer que o
homem conviva com o Liam.
― Eu só não quero sentir que estou impedindo meu filho de uma parte da sua vida, sabe?
― Ei, fica tranquila, Kira. Eu já os conheço. E, se serve de consolo, já não gosto do seu avô
por ele ser um babaca com você. Então, relaxa. ― Piscou para mim.
― Você nem imagina o quão babaca ele pode ser ― afirmei, baixo o bastante para que ele
não ouvisse.
Liam e Carlos passaram a maior parte da viagem brincando de encontrar palavras que
tivessem as letras das placas dos carros que estavam à nossa frente. E, mesmo perdendo com uma
larga distância, meu filho tinha amado a brincadeira, e o enorme sorriso que ostentava era a prova
disso.
À medida que íamos nos aproximando da cidade, sentia o nervoso crescer. Carlos tinha me
dito diversas vezes que existem famílias malucas no mundo, e, bem, eu não discordava, mas ele não
conhecia a minha.
Só o fato de ele aparecer comigo, seria o bastante para que meu avô fizesse questão de
maltratá-lo.
À medida que íamos passando pela cidade, eu conseguia me lembrar de como era um lugar
gostoso para se viver.
Galway era uma cidade charmosa e portuária, quase medieval. Minha mãe gostava de me
contar a história dela, foi fundada durante os séculos 13 e 14 com a finalidade de servir como vila de
pescadores, porém, passou por diversos momentos, como a dominação pelos ingleses em 1232. Já
em 1396, a cidade foi cedida para famílias de mercadores. No século 16 tornou-se um dos mais
importantes portos, porém, um ataque em 1651 acabou por interromper o crescimento da cidade por
muitos anos. Apenas o início de 1900, por conta do crescimento no turismo e na população
estudantil, a cidade pôde se estabelecer com o brilho e tranquilidade que possuía nos dias de hoje.
Suspirei, logo que entramos na rua. A casa imponente apontava no meio da rua. Os detalhes
de pedra combinavam com o tom branco das paredes e o azulado do telhado de madeira.
O jardim frontal da casa, sempre bem-cuidado pela minha vó, permanecia intacto. As
orquídeas borboletas e eufrásias irlandesas ainda embelezavam o local. Eu tinha lembranças boas
naquele lugar. Em especial, quando meu avô não estava presente.
― Chegamooooos ― Liam gritou, em êxtase, tentando soltar-se de sua cadeirinha. ― Man, o
sin-seanathair vai ficar tão feliz quando me vir.
Sorri para o pequeno, ainda tentando protelar o momento que precisaria descer do carro,
enquanto soltava o meu cinto de segurança para ajudá-lo a sair da cadeirinha.
― Vai, sim, meu amor. O sin-seanathair sente sua falta também. ― Forcei o sorriso. Assim
que se viu solto, abriu a porta correndo para o jardim.
― Pronta? ― Carlos quis saber, quando encostei a cabeça no assento do carro, de olhos
fechados.
― Não. Mas eu nunca estou. ― Sorri, soltando o ar com força.
― Ei... ― Virou meu rosto da direção do seu, e, com a mão livre, segurou minhas mãos que
repousavam sobre minha perna. Abri os olhos sabendo que era o que ele esperava que eu fizesse. ―
Eu sei que você está nervosa, mas vai dar tudo certo, Tirnanoge. E se alguma coisa te aborrecer, juro
que dou uma de homem das cavernas, coloco você em minhas costas, e saímos correndo daqui.
― Vou confiar nisso. ― Apertou um pouco a mão, como se confirmasse suas palavras.
Respirei fundo, abrindo a porta do carro.
Esperava que realmente tudo acabasse bem.
Capítulo 18

O desconforto da Kira em estar naquele lugar era quase palpável. Entendia também seu mal-
estar, especialmente, por estarmos indo para um lugar que não era neutro, como quando nos víamos
rapidamente nas festas do Liam, mas sim na casa do homem.
Nem de longe a mulher que caminhava até a porta ao meu lado parecia a pessoa que eu
conhecia. Vê-la daquela forma me fazia ter vontade de tomá-la em meus braços até que todas as suas
angústias fossem dissolvidas e me fazia ter ainda mais certeza de que precisava estar ali. Não
permitiria que maltratassem a minha Kira.
A porta encontrava-se escancarada devido à euforia de Liam ao finalmente estar no ambiente
do qual sentia falta. Uma senhora de cabelos brancos e sorriso simpático nos recebeu à porta. Usava
um vestido lilás, com um avental lhe tapando a frente da roupa.
― Seanmháthair. ― Sorriu, abraçando a pequena mulher que, mesmo com as rugas da idade,
mostrava ser dona de uma beleza peculiar. ― Que saudade da senhora.
― Minha garotinha. Senti muito a sua falta, grand-daugther. Sempre sinto ― suas mãos
enrugadas acalentaram as costas tensas de Kira. ― É muito bom tê-la aqui. ― Sorriu para a neta,
quando se afastaram, voltando o corpo para mim. ― E esse rapaz bonito, já é seu namorado?
Kira balançou a cabeça em negativa, com um sorriso tímido no rosto, como se esperasse por
aquilo.
― A senhora sabe que o Carlos é um amigo. ― Arqueou uma sobrancelha como se pedisse
para que a senhora se comportasse ― Carlos, você deve se lembrar da minha sanmháthair, Mab.
― Como poderia esquecer uma mulher tão encantadora? ― Beijei as costas da mão que tinha
estendido para mim.
― Gosto desse rapaz, sempre tão cortês. Um homem como esse não encontramos todos os
dias, filha ― brincou com a neta.
― É algo que eu costumo dizer a ela sempre, mas infelizmente não tenho o valor merecido.
― Pisquei para minha amiga, deixando-a ainda mais constrangida.
― E cadê todo mundo? ― Franziu o cenho, parecendo analisar a casa.
― Seu pai vai chegar mais tarde, vem com a namorada. Disseram que tem um anúncio
importante para fazer. Liam passou por mim correndo e foi encontrar com seu avô, nos fundos.
Agora, se você me permite, vou acomodar esse rapaz bonito no quarto de visitas, o seu, você já
conhece o caminho. ― Deu um pequeno sorriso para Kira, e eu estendi o braço para a senhora ao
meu lado.
― Nem acredito que em dois segundos você conquistou minha sanmháthair ― sussurrou,
chateada, quando passei por ela.
― E olha que eu nem precisei de uma boa cantada. ― Ergui nossas malas, começando a subir
as escadas, ouvindo histórias sobre como Kira era uma adorável garotinha quando criança.

O quarto onde fui instalado era bonito.


A parede central tinha um tom caramelo. A cama ficava no centro do cômodo e era muito
confortável. Duas mesas laterais serviam de suporte para um abajur de um dos lados e alguns livros
do outro.
A simpática senhora conversou um pouco comigo, antes de me deixar sozinho para que
pudesse me acomodar. Não demorou para que Kira batesse à minha porta.
― Ei ― sorriu, antes que eu abrisse espaço para que ela entrasse ―, então, gostou do
quarto?
Passou os olhos pelo lugar, como se lembrasse de algo que não fazia bem, antes de se sentar
na cama.
― Sim, muito confortável. ― Sentei-me ao seu lado. ― Só ainda não entendi o medo em me
trazer aqui. Sua vó é uma senhora muito gentil.
― Em compensação, meu seanathair faz com que a Leanan Sidhe pareça uma santa. Sabe a
lenda contando que ela fazia com que os homens se apaixonassem por ela, e quando partia, eles
ficavam tão deprimidos que morriam? ― Assenti. ― Toda vez que venho aqui, sinto como se
morresse um pouco mais.
A dor que senti vendo sua expressão de sofrimento foi quase física. Era insuportável assistir
àquilo. Seus olhos tornaram-se opacos, como se não estivesse mais ali comigo, mas recordando-se
de momentos dos quais eu nem conhecia, mas daria um braço para que ela esquecesse.
― Você sabe que Dexter é uma das minhas séries favoritas, aprendi muitos truques. Se quiser
uma vingança, só me dizer o nome e sobrenome. ― Pisquei para Kira, que deu um empurrão em meu
ombro.
― Obrigada por tornar tudo mais leve, sempre. ― Encostou a cabeça em meu ombro.
Involuntariamente, beijei sua testa e a puxei para um pouco mais perto. Estava acostumado ao
calor do seu corpo e a todas as sensações que estar próximo à Kira me fazia sentir.
Eu gostava daquilo.
Era serenidade.
Cedo demais, afastou-se, como se, ao contrário de mim, que me sentia confortável junto a ela,
a proximidade a incomodasse.
Não gostei da percepção. Era algo estranho, sentir que ela não queria estar perto de mim,
quando eu sentia necessidade de preencher cada segundo possível do meu tempo ao seu lado.
― Acho que eu devia... ver se estão precisando de mim. ― Levantou-se, pondo as mãos em
frente ao corpo.
― Vou com você. ― Dei de ombros, levantando-me também.
― Você veio dirigindo, Carlos. Devia aproveitar para descansar um pouco.
― Não preciso de descanso. ― Puxei um pouco seu corpo, de forma que estivéssemos o
mais próximo possível. Podia sentir as batidas descompassadas de seu coração. ― A menos que
você queira descansar comigo. ― Beijei seu pescoço, automaticamente, movimentou-o, tornando
ainda mais fácil o acesso à sua pele. Arrastei lentamente meus lábios até chegar próximo à sua boca.
― Aí, eu poderia facilmente reconsiderar — sussurrei, deixando um beijo casto em seus lábios.
― Carlos, não estamos no quarto, nós combinamos que...
― Nós, com certeza, estamos em um quarto. E, se não me falha a memória, nós fizemos
muitas coisas em um banheiro, na sala, cozinha... ― apontei, e poderia ter continuado. A lista não era
exatamente pequena.
― Você entendeu o que eu quis dizer ― passou as mãos por meus braços ―, não quero
passar uma impressão errada sobre nós. Aqui, nós somos amigos, certo?
― Eu posso ser o que você quiser, onde você quiser ― afirmei, beijando a ponta do seu
nariz, mas dando-me conta da força, também da verdade em minhas palavras.
Eu realmente podia ser o que Kira quisesse que eu fosse.
― Ótimo, porque aqui eu preciso do meu amigo.
Assenti, com um misto de sentimentos.
Parte de mim tinha certeza de que ali, ou em qualquer outro lugar, talvez eu não quisesse mais
ser apenas o amigo. A outra parte não sabia o que mais podia ser. Nós juramos que o sexo não
mudaria em nada a amizade, mas, de alguma forma, nada mais era como antes.
De alguma forma, transar com Kira acabou tornando-se a coisa que eu mais queria e pensava
durante o dia. E eu seria capaz de conseguir uma forma de parar o tempo para que pudesse continuar
com ela.
Eu não sabia se havia uma forma de fazer com que aquele desejo parasse. Não fazia nem ao
menos ideia se era isso que eu queria.
Por ora, tinha certeza do que não fazer. Eu não podia deixá-la se afastar.
Nem mesmo agora, quando ela parecia querer manter-se irritantemente distante de mim.
Eu a seguiria. Ao inferno, se fosse preciso. Mas felizmente, só precisava chegar à cozinha.

O cômodo em questão conseguia mesclar perfeitamente o moderno com o retrô. Um fogão a


lenha mantinha o ambiente bem aconchegante. Ainda não estávamos no inverno, mas a temperatura
não estava das melhores.
Kira e a senhora Mab conversavam amigavelmente sobre assuntos leves referentes à infância
de minha amiga e, enquanto cortava batatas, peguei-me sorrindo algumas vezes, apenas por vê-la
leve e feliz, completamente diferente de quando chegamos.
― Pronto, iníon, você e seu amigo já me ajudaram muito. Por que não leva o moço bonito
para conhecer um pouco da cidade?
― Ah, não ― gesticulou com a mão, desfazendo do conselho ―, a senhora sabe como o
seanathair é. Vai implicar, e eu não quero problema com ele.
― Kira, meu amor ― segurou as mãos dele, dando dois tapinhas carinhosos ―, você já é
uma mulher adulta, conquistou tantas coisas ao longo dos anos. E eu sei que jamais devia dizer isso,
afinal, ele é meu marido e eu lhe devo respeito e obediência, que São Patrício me perdoe, mas você
não pode ficar esperando que seu seanathair aprove você toda vez que vem aqui, querida. ― A
senhora beijou suas mãos. O carinho inesperado fez com que Kira deixasse rolar algumas lágrimas
que tentava esconder.
― Eu sei ― admitiu, soltando o ar com força ―, só é mais forte do que eu.
― Então seja mais forte que você, querida.
Kira assentiu, formando uma linha tímida com os lábios.
― Acho que um passeio pode fazer bem ao Carlos ― concordou, beijando o rosto da avó. ―
Obrigada por me guiar sempre, mesmo quando eu acho que já sou grandinha o suficiente para lidar
comigo mesma.
― Ninguém nunca é grande o suficiente para um pouco mais de sabedoria, querida. Agora
vão e me deixem preparar o jantar, esse menino precisa comer, olha só como está magrinho...
― Vem ― Kira chamou, ao passar por mim, empurrando o indicador contra minha costela e
eu a segui.
Não foi nada difícil entender os motivos para que Liam amasse aquele lugar e estivesse tão
animado com a visita. A área verde era enorme, e eu tive a sensação de que quando, enfim, entrasse
em casa, estaria tão cansado que tentaria enganar a mãe para fugir do banho antes de dormir.
A voz animada do pequeno vinha de uma casa de madeira em cima de uma árvore. A
construção era enorme e muito bem-feita, quem quer que tivesse construído, tinha realizado um
excelente trabalho.
Paramos a uma boa distância da árvore na qual a casa estava construída e Kira soltou um
assobio ritmado para o pequeno, suspirou, como se carregasse um enorme fardo ao estar ali.
― Seanathair ― Kira cumprimentou o senhor rechonchudo, que apareceu na varanda da casa
de árvore ―, esse é meu amigo, Carlos. Acho que o senhor já sabia que ele viria conosco.
― Senhor. ― Gesticulei com a cabeça para o homem no alto.
O homem permaneceu em silêncio, olhou-a por alguns instantes com frieza, antes de repousar
o olhar em mim, medindo-me da cabeça aos pés.
― Tio Carlos! Vem aqui ver como a casa que o sin-seanathair fez pra mim é inquível ―
chamou, animado, gesticulando com as mãos para que eu subisse. ― Esse é o tio Carlos que eu falei,
sin-seanathair, ele é muitooooooo legal! Vem brincar com a gente, tio.
― Meu amor, a man vai comprar algumas coisas para o jantar ― mentiu. ― Quer vir
conosco? Acho que o tio Carlos vai gostar de ver um pouquinho da cidade com você.
Liam fez uma careta engraçada, demonstrando sua indecisão. Parte dele queria ficar com o
avô que mal via, e outra estava animado em ser um guia turístico.
― Você vai ficar bavo se eu não for com o senhor, tio? É que eu estou com tantaaaaaaa
saudade assim ― abriu os braços, mostrando uma quantidade imensa ― do sin-seanathair.
― Não, não vou ficar bravo, prometo.
Sorri para Liam, que soltou o ar com força, como se estivesse aliviado.
― Então, outo dia eu te levo pa ver um lugar beeeeem legal.
Assenti, vendo o pequeno nos dar tchau e puxar o avô para dentro da casa.
Kira expirou com força, nervosa.
― Podia ter sido pior. ― Deu de ombros, como se não se importasse com o fato de o avô não
ter lhe dirigido à palavra. ― Vamos?
Seguimos em silêncio para o carro, mas me peguei pensando em quantas vezes ela não foi
uma criança negligenciada querendo um pouco do afeto que lhe era negado.
Ela não merecia aquilo. Kira mereceria ter todo o amor que as pessoas conseguissem dar-lhe,
seria o mínimo, tendo em vista que era amor a única coisa que ela destinava às pessoas ao seu redor.
Capítulo 19

Não se apaixonar.
A maldita regra era uma brincadeira entre nós dois. Nem devia contar. Mas agora parecia a
mais difícil de cumprir, porque o meu coração idiota batia descompassado por ele.
Por causa do maldito músculo, eu estava descumprindo várias regras.
Ser sempre sincera e não permitir que nada mudasse a amizade, eram as mais atingidas, a meu
ver.
Depende do ponto de vista, claro.
Será que não contar que quando eu quase fugi dele do quarto, mais cedo, por sentir que meu
coração estava reagindo diferente à sua presença, era falta de sinceridade? Eu considerava medo de
mudar a amizade, logo, talvez não cumprir uma regra em detrimento do cumprimento da outra não
fosse uma falta grave.
A verdade era que eu estava confusa.
Toda vez que ele se aproximava, que me tocava, que sorria para mim, alguma coisa muito
intensa acontecia em meu peito. Algo errado.
Nós tínhamos um acordo, regras. Era nisso que eu precisava focar.
Ainda que as coisas mudassem dentro de mim, nunca mudariam para ele. Carlos gostava da
vida de garanhão que levava. Mais dia menos dia teríamos aquela conversa, em que determinaríamos
a hora do fim e eu precisava me adaptar a isso.
― Você está calada. É por causa do seu avô? ― quis saber, diminuindo a velocidade na qual
andávamos pela movimentada rua de paralelepípedo da Quay Street. O point dos restaurantes, bares,
cafés, lojas e pubs.
― Não ― olhei para ele rapidamente ―, só pensando bobagem.
― Se quiser falar...
― Eu sei. É só bobagem, coisas do trabalho, juro.
Ficamos em silêncio alguns instantes. Carlos chutou uma pedrinha e nós caminhamos,
encarando-a, para ver qual seria seu destino final.
― Gostei deste lugar. ― Olhou ao redor, admirando o espaço. As construções em formato
medieval davam um charme incrível ao lugar. ― Você vinha muito aqui quando morava na casa de
seus avós?
― Não muito. ― Ei. ― Eu saía pouco. Meu avô era muito controlador. Meu pai quase nunca
estava em casa e minha vó, sob hipótese alguma, podia discordar do marido. Não era o seu papel.
Ela me dava cobertura algumas vezes, dizia que eu precisava de experiências jovens.
― Sua vó parece ser uma pessoa muito legal.
Foi impossível conter o sorriso.
― Ela é sim. Foi o que me ajudou a manter a sanidade, sabe? Se eu tivesse que ficar sozinha
com o meu avô, teria enlouquecido.
― Ele te ignorava?
― Quando eu tinha sorte ― rolei os olhos ―, às vezes era ofensivo, outras me mandava
fazer todas as coisas que ele tinha vontade que eu fizesse. Mas a maioria das vezes, me ignorava. Eu
me esforçava para ser a garota que ele queria. Dei o melhor de mim na escola, em casa, mas nada do
que eu fazia era suficiente. Eu queria dizer que não me importo mais, que tudo ficou no passado e que
não ligo para a opinião dele, mas eu me importo. É mais forte que eu, e me odeio por isso. Porque eu
ainda venho me sentindo uma menina de dez anos, querendo agradar alguém que não está nem aí pra
mim. ― Balancei a cabeça em negativa. ― Eu sou mesmo uma idiota.
― Você não é uma idiota. ― Segurou minha mão, entrelaçando nossos dedos e fazendo com
que ficássemos frente a frente. ― Você era uma criança, passando por uma fase difícil e com
necessidade de sentir-se amada depois que sua mãe morreu. Acho que, talvez, ser aceita por ele, te
fizesse sentir mais aceita pela família, especialmente, depois que seu pai se foi. Mesmo que sua avó
te ame incondicionalmente, ainda que seu pai tivesse sido o mais presente dos homens, sem a
aprovação do seu avô, é como se faltasse algo.
― Carlos ― interrompi, sentindo que começaria a chorar.
― E eu acho que é por isso que você ainda vem aqui. ― Passou a mão por minha bochecha,
limpando uma lágrima solitária, olhando-me nos olhos. ― Você vem, ano após ano, mostrar que tem
um bom emprego, um filho maravilhoso, mora em um lugar bacana. Acho que você quer mostrar ao
seu avô suas conquistas para que, quem sabe, ele se orgulhe de você, e se você quer saber de uma
coisa, Kira, se ele não é capaz de ver a mulher incrível que é, isso é um problema dele, não seu. ―
Seus dedos passaram a então acariciar, lentamente, meu rosto ― Porque, sem dúvida, você é a
mulher mais extraordinária que eu conheço.
Engoli em seco, sentindo meu coração bater tão rápido, que me fazia sentir que eu poderia, a
qualquer momento, ter um treco.
Extraordinária.
Pisquei, e algumas lágrimas novas escorreram pelo meu rosto. Eu nunca tinha me sentido tão
exposta em minha vida. Ninguém nunca tinha conseguido me entender tão bem.
Porque, por mais que eu negasse, eu sabia que lá no fundo tudo que Carlos tinha dito era
verdade. Cada palavra.
Liam era, sim, uma desculpa que eu utilizava para mostrar a ele que as coisas estavam dando
certo para mim, me fazendo crer que um dia ele me veria, sorriria e abriria os braços para mim.
Que isso bastaria para que todos os anos anteriores fossem apagados.
― Você não necessita da aprovação dele, Tirnanoge. Você não carece da aprovação de
ninguém. A única coisa que você tem que fazer, é seguir sendo essa mulher admirável que mora aí
dentro. ― Colocou a mão em meu coração, e eu tive medo de que ele notasse que, naquele momento,
todas as batidas eram destinadas a apenas uma pessoa.
A ele.
Aos poucos, e olhando-me a cada segundo, como se quisesse ter certeza de que desejava o
mesmo que ele, aproximou-se, vagarosamente. Nossas respirações, nossas peles, nossos lábios. Cada
pequena parte de nós foi fundindo-se aos poucos em um beijo completamente diferente de tudo que eu
já havia sentido.
Não era tesão. Desejo.
Era diferente.
Havia carinho, entrega, cumplicidade e confiança.
Aquele foi o beijo mais verdadeiro que eu tinha recebido e eu precisava que Carlos
entendesse que a recíproca era verdadeira. Queria que ele notasse como aquele beijo também era
diferente para mim.
Cheio de significados, sem barreiras.
Quando nos afastamos, Carlos deu pequenos beijos em meus lábios e por toda a extensão do
meu rosto.
― Eu sei que você vai dizer que não foi isso que combinamos ― falou, colando nossas
testas, com a voz mais rouca que o normal. Ainda não tinha coragem de abrir os olhos. Temia pelo
que Carlos pudesse ver. Estava com medo de assustá-lo. Eu não sabia o que era possível enxergar em
meus olhos. ― Mas eu quero esse momento com você, Kira, sem regras, sem acordo, sem pensar em
futuro, em depois, em nada. Só nós dois, com beijos em público e tudo mais que tivermos vontade.
Ainda com os olhos fechados, tentei controlar minha respiração afetada pela intensidade do
momento.
Carlos não falou nada. Sentia seus dedos subirem e descerem pelo meio de minhas costas,
fazendo-me arrepiar.
Essa tarde.
Só nós.
Eu sentia que aquilo podia ser complicado, que devíamos seguir as regras e não agir como
dois adolescentes irresponsáveis, mas também queria sentir a sensação de fingir que era real. Que
seu coração batia tão acelerado quanto o meu, por ele, naquele momento.
Abri os olhos, encarando-o rapidamente, antes de selar nossos lábios superficialmente.
― Eu aceito.
Sorri. Antes que ele colasse nossos lábios mais uma vez, pude ver que um arco-íris pairava
no céu, finalizando em nossa direção.
Aquilo tinha que ser um bom presságio.

― Não acreditooooo que você beijou a menina que seu primo gostava. ― Empurrei Carlos
de leve. ― Como você faz isso?
― Oh, meu sorvete ― reclamou, tentando não deixar a bola de creme cair do chão. ― Beijei,
eu estava com raiva dele, e achei que beijando a Jaí, o idiota ia se dar conta de que estava afim dela
e ia assumir o sentimento.
― Se eu fosse seu primo, teria cortado seu brinquedo. ― Arqueei uma sobrancelha para ele.
― Isso seria uma pena, porque aí você não teria como se divertir atualmente ― falou, baixo,
com os lábios gelados encostados em meu ouvido.
― Ainda bem que seu primo não é nadinha parecido comigo, então ― brinquei, colocando
uma colher cheia na boca, sentindo o gosto do chocolate derreter em minha língua.
― Ainda bem mesmo. Isso seria um enorme problema ― piscou ―, mas, é bom saber que
temos aqui uma gatinha ciumenta. Deus me livre, você colocar essas garrinhas de fora.
Quis falar que não seria necessário, já que ele não era nada meu, além de sexo causal, porém
me lembrei do nosso acordo recente.
Hoje éramos apenas nós.
Carlos insistiu que parássemos em uma sorveteria. Disse que seria uma espécie de
treinamento para encontros. Quem sabe ele não acabaria se tornando adepto a uma mulher só.
Eu estava gostando. Muito. Mas também tentava não dar importância a isso. Não era
importante.
Destravei a tela do meu celular, olhando para a próxima pergunta sugerida pelo site. Eu
sugeri que fizéssemos perguntas fáceis um ao outro, coisas que, muitas vezes acabamos deixando
passar, por já falarmos sobre tantas coisas.
― A coisa mais importante em uma pessoa? ― perguntei, tomando mais uma colherada do
meu sorvete.
Carlos bateu as pontas dos dedos na mesa algumas vezes, enquanto pensava na resposta.
― Acho que verdade. Uma pessoa que mostra quem ela é de fato. E você? ― devolveu.
― Lealdade. Quando você é leal a si mesmo e aos seus princípios, será em todo o resto.
― Uou, que profunda! ― brincou, comendo um pouco do seu sorvete.
― Me dá um pouco? — pedi, já abrindo a boca. Carlos veio com a colher em minha direção,
até resolver mudar o destino, e lambuzar meu nariz.
― Carlos! ― reclamei, pegando o guardanapo e limpando meu rosto. ― Você consegue ser
pior que criança. ― Rolei os olhos e, assim que ele se distraiu um pouco, enchi a minha própria
colher e espalhei sorvete por todo seu rosto.
Semicerrou os olhos para mim, sorrindo.
― Eu espero que você saiba correr rápido o bastante ― ameaçou.
― A culpa não foi minha, eu só me defendi ― apontei. O lado esquerdo do seu lábio ergueu-
se um pouco, em um sinal claro de que aquilo não ficaria assim. ― Carlos ― alertei, levantando-me,
e vendo-o fazer o mesmo.
― Nem adianta ― declarou, ao ver-me encarar o portão preto que nos levaria direto a uma
das ruas da cidade ―, eu vou te pegar.
Balançou o sorvete em minha frente.
― Vamos ver.
Corri.
Assim que alcancei a calçada, senti meus pés saírem do chão. Seu braço livre rodeou minha
cintura, prendendo-me à parede.
― O que eu faço agora, Tirnanoge?
Meu coração disparou um pouco ao vê-lo utilizar o apelido. Era exatamente assim que me
sentia agora. Fora do tempo, fora do espaço.
― Me beija ― pedi.
― Isso é o que eu já tenho vontade de fazer sempre, Kira. ― Beijou minha bochecha. Fechei
os olhos em expectativa, e pouco depois sua língua gelada invadia minha boca.
― Ah, a glória do amor da juventude ― alguém comentou, passando por nós.
Eu devia ter percebido como aquela pequena frase, juntamente com o beijo, fizeram meu
coração bater de uma forma diferente.
Talvez tivesse sido melhor.
Mas, a única coisa que eu conseguia pensar, era que se eu pudesse fazer um pedido, desejaria
que nós dois pudéssemos seguir assim, o tempo inteiro.

Já estava anoitecendo quando chegamos em casa.


Liam voltou para o quarto, animado pela tarde divertida que havia tido com o bisavô. Porém
eu mal conseguia prestar atenção nas palavras do meu filho, tentando entender por que raios aquele
beijo tinha sido tão diferente.
Para mim, pelo menos.
Muitas dúvidas pairavam em minha cabeça, e a principal delas era se ele também tinha
sentido aquilo. Aquela coisa estranha que aconteceu em meu peito, enquanto nossos lábios estavam
atrelados.
― Man, eu estava pensando ― Liam segurou meu rosto em direção ao seu, para que eu
prestasse atenção ―, hoje com o sin-seanathair, teve muita coisa legal, daí ele disse assim ―
inchou as bochechas para que parecesse um pouco com as do homem ― “Sabe, Liam, eu tenho que
agadecer todos os dias a Deus por você”. ― Soltou o ar da boca antes de continuar: ― Se a gente
tem que agadecer Deus, a quem Ele agadece? A Ele mesmo? Será que Ele diz: que eu abençoe o meu
dia, muito obrigado, amém?
Ri.
― Não, meu amor, ele não agradece a Ele mesmo. ― Passei a toalha pelos seus fios de
cabelo molhados, antes de enroscar o tecido por seu corpo e levá-lo, carregado, para sua cama. ―
Deus fica esperando que a gente fale com Ele, e fica muito feliz quando isso acontece. Especialmente
quando agradecemos por algo que Ele nos deu, e, por isso, nós agradecemos tanto a Ele.
Beijei sua bochecha, abrindo a perna de um dos lados da cueca para que ele vestisse. Esperei
que mais uma pérola fosse lançada, mas pareceu se contentar com a resposta.
Animado em passar mais tempo com a parte da família que quase não via, Liam arrumou-se
rapidamente, indo para o andar de baixo. Eu protelei o momento por todo tempo que foi possível, e
foi pensando em meu amigo jogado aos lobos, que decidi não fingir uma indigestão.
Todos estavam na sala de estar quando cheguei. Assistiam a um jogo de futebol. Meu filho,
concentrado, estava sentado no colo de Carlos que sorriu, assim que cheguei à porta, como se tivesse
sentido a minha presença. Devolvi o gesto, aproximando-me um pouco.
― Oi, meu amor. ― Papai levantou-se, dando um beijo em minha bochecha. ― Você está
linda.
― São seus olhos. Lindo está o senhor, Briana tem feito um bom trabalho cuidando de você,
gatão. Mas, se eu fosse ela, ficaria com os dois olhos bem abertos, um cinquentão boa-pinta é tudo
que as mulheres querem hoje em dia.
― Mas esse cinquentão já tem dona, e eu sou bem ciumenta. ― Briana entrou na sala, com os
longos cabelos ruivos, indo de um lado para outro, como se estivesse em um comercial de xampu. ―
Como está, querida?
Beijou meu rosto.
― Estou bem, Bri.
Sorri para a mulher. Quando papai e ela começaram a se relacionar, foi fácil para mim não
gostar dela, afinal, sabia que era só mais uma artimanha do meu avô para que, enfim, papai cedesse à
sua vontade. Porém, com o tempo, vi o quanto, ela era uma boa pessoa, e que fazia meu pai muito
mais feliz do que tinha sido em todos os anos, depois da minha mãe.
― Lembram-se do Carlos, imagino. ― Ergui a mão em direção ao meu amigo, que acenou
para eles.
― Sim. O garoto que sabe escolher time. Estávamos conversando há pouco sobre política ―
meu pai garantiu, sorrindo de forma misteriosa.
Conversamos um pouco sobre como Liam tinha crescido desde a última vez que nos vimos,
seis meses atrás, quando papai e ela almoçaram conosco.
― Ah, você desceu ― vovó apareceu na porta da sala ―, estava esperando só você, para
irmos para a sala de jantar.
― Como sempre, atrasando a vida de todos.
Mordi a parede interna da bochecha, tentando disfarçar minha irritação.
― Papai, por favor, podemos jantar em paz? — meu pai reclamou, ao mesmo tempo que
minha vó falou algo em gaélico. Senti o olhar de Carlos sobre mim, mas não tive coragem de olhar
para ele, sabia que podia desmoronar.
― Só estou falando o que todos sabemos ser verdade. ― Deu de ombros, levantando-se para
que o seguíssemos ao local indicado.
Como sempre, sua vontade foi feita.
Sem que ninguém contestasse. Ele jamais admitiria isso.
Notei que meu amigo adiantava os passos para chegar ao meu lado, porém, apressei-me
também.
Não podia falar com ele, enquanto sentia, mais uma vez, meu coração sangrar. Aquele homem
nunca deixaria de me fazer sentir novamente como uma garotinha desejando mais do que qualquer
coisa a sua aprovação.
― Você está bem? ― Foi impossível ignorar o homem que foi posto à minha frente. A
pergunta foi feita de forma que apenas pudesse ler seus lábios.
Assenti, em seguida, ajeitando meu filho em sua cadeira ao meu lado.
Liam estava falante e contava todas as novidades de uma só vez, muitas vezes atropelando a
si mesmo.
― E como estão as coisas no trabalho? ― papai questionou, um pouco mais alto para que
pudesse ouvi-lo.
― Estão bem. Novos desafios todos os dias, mas eu amo. ― Sorri, começando a colocar o
prato do meu filho mais tagarela que o grilo falante.
― Claro que ama. Vive cercada de homens o tempo inteiro ― meu avô novamente alfinetou.
― E se o senhor conhece bem a sua neta, sabe que ela é mais competente de que todos os
homens de seu setor, juntos ― Carlos defendeu. ― Deveria orgulhar-se da neta que tem. Aliás, não
sei se o senhor sabe, mas muitas tecnologias de hoje só são possíveis por causa das mulheres. O
primeiro algoritmo construído para ser processado por uma máquina, foi criado por uma mulher. Ada
Lovelace. Considerada também a primeira programadora de nossa história. Margaret Headfield
desenvolveu o programa de voo utilizado no projeto Apolo 11, em sua primeira missão à lua ―
parou para respirar, dando um gole na água em sua taça ―, Hedy Lamarr, que além de atriz, inventou
uma tecnologia capaz de controlar torpedos à distância durante a Segunda Guerra Mundial mudando a
frequência de sinais dos rádios, para não serem descobertos pelos inimigos. Através da invenção
dela, o desenvolvimento do Wi-fi e Bluetooth foram possíveis.
Todos ficaram em silêncio por alguns segundos, surpresos. Inclusive, eu, que jamais
imaginaria que Carlos soubesse tanto sobre minha profissão. Meu filho seguia sendo entretido pela
avó, para que não percebesse a situação na mesa.
Meu avô deu uma risada sem som algum.
― Conhecendo a neta que tenho, devo imaginar todos os motivos que você ― olhou-o como
se o analisasse ― esteja aqui, especialmente saindo em sua defesa.
― O tio Carlos sempre defende a man. A gente até mora com ele ― Liam interrompeu, antes
que alguém pudesse falar algo, sorrindo, satisfeito. ― A man e o tio até tem aquela amizade de
colorir juntinhos, que é bem lindo.
O homem riu sem humor nenhum, balançou a cabeça em negativa, e, sem que usasse palavras,
conseguiu cravar uma estaca em meu peito.
Aquele, decididamente, seria um péssimo fim de semana.
Capítulo 20

Eu devia ter ficado calado.


Tinha que ter ficado.
Mas não pude. Não depois de ver como as palavras daquele homem a afetavam. Não
enquanto eu sabia o quão incrível Kira era. Não sabendo que me calar a faria duvidar mais de si
mesma. Não sabendo que aquele homem continuaria magoando-a se eu aceitasse as mentiras que
insistia em querer afirmar em sua cabeça.
Jamais permitiria que a magoassem em minha frente.
Kira pediu licença e trancou-se no quarto, assim que o jantar acabou. Eu ajudei na limpeza da
cozinha, e sem a presença do velho bisavô, que assistia ao desenho com o Liam, as coisas foram até
divertidas.
― Obrigada pela ajuda. ― A senhora Mab me passou o último prato que devia enxugar.
― Imagina. ― Sorri, secando o prato branco, e colocando-o no lugar.
― Não só por isso, mas também por tê-la defendido no jantar.
Balancei a cabeça em negativa.
― Eu jamais permitiria que alguém a magoasse, seja da forma que for.
― E eu fico feliz por saber que minha menina está bem com você. ― A mulher abriu a
torneira, começando a limpar a pia ― Ela precisa de pessoas boas ao lado dela, depois de tudo que
passou na vida. Por mais que meu filho a ame e que o sentimento seja recíproco, é difícil para eles
manterem uma relação que devia ter sido construída lá atrás, mas não existia chance de que ele
continuasse aqui, e ficasse bem. ― Fechou a torneira, secando-a.
― Eu sei que, às vezes, nós precisamos nos afastar, para que possamos nos encontrar ―
garanti.
― Sim. Mas, para que ele se encontrasse, minha menina precisou lidar com meu marido, que
nunca esteve disposto a dar uma chance a ela.
― Eu não consigo entender o motivo. ― Apoiei-me na bancada da pia, vendo-a finalizar a
limpeza.
― O casamento do nosso filho com a Lueji, mãe da Kira, o pegou de surpresa. Minha nora
era uma mulher maravilhosa. Eu a vejo muito na Kira. ― Sorriu, nostálgica. ― Nos pequenos gestos
e no coração de ouro. Mas meu marido nunca aceitou a união. Achava que nosso filho estava
perdendo grandes chances na vida. Quando a Kira nasceu, foi como um lembrete do que, para ele, era
um erro.
― Kira nunca foi, nem nunca será, um erro.
Pareceu feliz com o comentário.
― Eu sei eu não. ― Sorriu. ―Tenho certeza de que vocês serão um casal que vão se apoiar e
crescer muito juntos.
― Ah, não ― neguei, sem graça ―, não somos um casal. Kira e eu somos amigos, e tenho
enorme carinho por ela.
A mulher assentiu, não acreditando muito.
― É o que vocês estão dizendo, mas só de ver como se olham, como se cuidam, como você
cuida do Liam, não tem como ter dúvida. ― Pareceu feliz com a constatação. ― Dá última vez que
os vi juntos, eu achava que não era possível mesmo que houvesse algo, mas desta vez, alguma coisa
mudou. Talvez nem vocês tenham se dado conta ainda, mas essa relação já não é apenas amizade. ―
Tinha a expressão serena, recheada de sabedoria. ― Quando for vê-la, por favor, diga que a vovó
mandou um beijo de boa noite.
Piscou para mim, antes de sair da cozinha.
Esperei que todos tivessem ido dormir e, após ter certeza de que não havia ninguém andando
pela casa, bati em sua porta.
― O que está fazendo aqui? ― sussurrou, olhando para os lados, como se temesse que
fôssemos pegos.
Usava uma trança lateral e o roupão branco estava preso ao seu corpo.
― Queria saber como você estava. ― Toquei seu rosto com cuidado. ― Você está bem? ―
Assentiu. ― Posso entrar?
― Carlos ― franziu o cenho ―, eu não sei se é uma boa ideia.
― Por favor ― pedi, enrolando meu indicador na ponta de sua trança ―, só quero conversar
com você.
Mordiscou o lábio por alguns segundos, antes de abrir espaço. Caminhei pelo quarto, olhando
tudo ao meu redor. As paredes lilases com lavandas em seu papel de parede. Um quadro de fotos
vazio, livros nas estantes.
Parei em frente à cama, chamando-a com o indicador.
― Senta aqui comigo. ― Bati com a mão na cama, bem no espaço vazio ao meu lado. ―
Tenho uma coisa para te dizer.
Sabendo do que se tratava, tentou conter o pequeno sorriso que brotava em seu rosto. Sentou-
se.
― Gata, o que eu sinto por você é motorista ― virei um pouco meu rosto em sua direção,
para que pudesse encarar sua expressão confusa ―, porque passageiro é que não é.
― Você é impossível. ― Riu, encostando a cabeça em meu ombro.
― Não, só faço o impossível para te ver sorrir
Ouvi quando ela fungou. Meu coração pareceu afundar dentro do peito. Odiava vê-la sofrer.
Entrelacei nossos dedos.
― Obrigada por estar aqui. ― Apertei um pouco nossos dedos, tentando passar-lhe um pouco
de conforto.
― Vem cá ― chamei, levando nossos corpos para trás, apoiando-nos na cabeceira de sua
cama. Assim que apoiamos nossos corpos, Kira voltou-se a aconchegar-se a mim.
Ficamos em um silêncio confortável, lado a lado, com nossas mãos juntas. Quentes. Era
confortável.
― Então, esse era o seu quarto ― olhei em volta, mais uma vez ―, muito bonito.
― Foi minha vó quem arrumou tudo. Disse que eu seria como a filha que ela não pôde ter ―
comentou. ― Ela se esforçou muito. Mas eu costumava fingir, sabe? Mentia para mim mesma e
imaginava que minha mãe ainda estava aqui. Que ela me protegeria de tudo. Que a vida ainda era
boa, fácil.
― Acho que todos nós criamos um mundo de faz de conta para nos esconder quando as coisas
apertam.
― Você também tinha o seu? ― Moveu o rosto para que pudesse me olhar.
Assenti.
― Eu fingia que era o meu primo. Divertido e que todas as meninas queriam ter por perto.
Samuel sempre foi o que as pessoas mais gostavam. ― Dei de ombros. ― Tinha inveja dele.
― E você veio para cá ― concluí.
― E te conheci. ― Balancei o ombro fazendo-a rir.
― Com um bebê chorando e quase às lágrimas também.
― Acho que foi ali que minha vida mudou. ― Ergui nossas mãos unidas, beijando o dorso da
sua.
― Péssima ideia pra você ― brincou, franzindo o cenho.
― Com certeza, a melhor coisa pra mim. Você foi uma das melhores coisas que aconteceu em
minha vida, e talvez não tivesse suportado por tanto tempo este país sem você.
Kira não respondeu, mas seu corpo subia e descia no mesmo ritmo que o meu. Nossas
respirações estavam seguindo o mesmo ritmo.
Ela levantou o olhar, as íris brilhavam.
― Carlos, me beija ― pediu, sussurrando, e aproximando o rosto até que nossos lábios se
roçassem.
― Kira, não sei se é uma boa ideia. Não quero que...
― É o que eu quero ― pediu, aproximando-se um centímetro mais. Os lábios entreabertos
resvalando, suavemente, os meus. ― Me beija, por favor. Eu preciso de você.
Com a mão livre, toquei seu rosto, trazendo-a para mais perto de mim. Colei nossas testas.
― Não estava nos meus planos fazer isso, Kira. Não hoje ― sussurrei ―, mas eu também
preciso de você. ― Passei a mão por seus cabelos, sentindo sua textura macia. ― Preciso de você o
tempo todo. Sempre. É como um vício — confessei, esperando que ela fizesse ou falasse algo para
me parar. Ela arquejou, surpresa com minhas palavras, mas não tentou impedir-me.
Beijei sua testa, sua bochecha, a ponta do seu nariz, até chegar aos seus lábios, que eu já
conhecia tão bem.
Entretanto, foi diferente. Enlouquecedoramente diferente.
Como beijá-la pela primeira vez.
Um misto de sensações. Meu coração parecia querer explodir.
Devíamos ter parado ali. Eu devia ter sido forte o suficiente para impedir que suas pernas
rodeassem meu corpo, enquanto ela se sentava em meu colo.
― Carlos ― sussurrou, quando meus lábios deixaram os seus, trilhando um caminho
impensado até próximo do seu seio.
Eu a encarei.
Era como se estivéssemos presos, hipnotizados. Incapazes de perceber que existia um mundo
além de nós e daquele momento.
Moveu a mão, tocando meu rosto delicadamente. As pontas dos dedos roçando levemente
pela linha do meu maxilar.
Sua respiração quente pinicava em meu rosto, enquanto aproximava-se de mim. Beijou meu
queixo, subindo aos poucos, passando pela bochecha, enlaçando meu pescoço em seguida. A ponta
das unhas deslizando pelos fios de cabelo na nuca.
Kira friccionou nossos corpos, fazendo com que meu pau, já latejante e completamente duro,
reclamasse pela falta dela.
Não fui ao quarto pensando nisso. Tudo que realmente queria era saber se estava tudo bem.
Confortá-la. Ouvir sua voz, vê-la sorrir da forma leve que aquecia meu coração. Precisava ver a
minha Kira.
― Eu não quero fazer nada que...
― Quero você, Carlos.
Kira tentou desatar o nó do roupão, contive suas mãos, deixando-as cair ao lado do seu
corpo. Tinha expectativa no olhar. Acompanhou enquanto meus dedos desceram até o local onde eu
precisava desamarrar. A respiração intensificou enquanto me assistia, aos poucos, remover a peça.
Por baixo, usava um sutiã de renda vermelho. Pequeno.
Meus dedos deslizaram por seus ombros, desnudando-os. Revelando seus braços, seu colo,
sua barriga.
Ergueu o corpo alguns centímetros, enquanto jogava o pedaço de pano para longe de nós. A
calcinha, também vermelha, era um pecado.
Queria-a nua.
No corpo. Na alma.
Para mim.
Suas mãos passaram por dentro de minha camisa, arrepiando minha pele. Aos poucos, retirou
a camisa, pousando os lábios em meu pescoço. As unhas fincadas em minhas costas.
Inverti nossas posições, beijando seus lábios.
Era mais que um beijo. Mais que o encontro de duas bocas ávidas. Sedentas.
Sentia como se minha alma pudesse tocar a dela.
A bermuda que usava, em poucos instantes, estava no chão. Capturei seu mamilo rijo, vendo-a
arfar, rouca, enquanto estimulava-a com a outra.
Meu corpo ardia por ela. Eu a desejava. A queria.
Necessitava.
Afastei suas pernas, lentamente. Kira as enroscou em minha cintura. Arremeti contra seu
corpo. Apertada. Deliciosa.
Minha.
Encontramos nosso ritmo, enquanto nossas línguas trabalhavam ávidas por mais. Por tudo
aquilo que pudéssemos dar.
― Carlos ― murmurou, pressionando o corpo ainda mais contra o meu. Mordendo meu
ombro. Apertando-me.
― Você é maravilhosa, Kira. ― Afastei do seu rosto suado alguns fios que insistiam
permanecer grudados. ― Perfeita.
Olhava-a nos olhos, não queria que restassem dúvidas. Os olhos encheram de lágrimas.
Precisava que minhas palavras ficassem gravadas em sua mente. Que ela jamais esquecesse.
― Encantadora. ― Beijei uma pálpebra, depois outra.
Lágrimas escorreram de seus olhos.
― Nunca duvide disso. ― Afastei meu rosto alguns centímetros, apenas para que pudesse
olhar em seus olhos novamente. ― Não deixem que te façam duvidar. Você é perfeita, Kira. Perfeita.
Nossos olhares estavam presos um ao outro.
Estávamos desnudos de corpo, entregues de alma.
― Carlos ― murmurou, pouco antes. Senti quando sua necessidade aumentava, os gemidos
intensificavam.
Beijei-a, temendo que fôssemos ouvidos.
Pus minha mão entre suas pernas, massageando o clitóris, ao mesmo tempo em que
intensificava as estocadas.
Juntos, atingimos o orgasmo.
Nunca tinha sido daquela forma. Como alcançar o céu.
Kira, com a respiração ainda agitada, aconchegou o corpo, encaixando-se perfeitamente ao
meu, beijei sua testa, afagando seus cabelos.
― Isso foi intenso. Bom ― comentei, com os lábios em sua cabeça, onde depositei um beijo.
Meu corpo estava relaxado. Aproveitando o calor do seu corpo.
― Eu disse que depois de um tempo de treinamento, você estaria muito bem. ― Sorri, vendo-
a erguer o rosto um pouco, colando nossos lábios rapidamente. Voltou o corpo para perto do meu.
Os olhos se fecharam, preguiçosamente.
― Você precisa ir para o seu quarto ― comentou, com os olhos quase fechando.
― Eu sei. Já vou. ― Passei o indicador por seu braço. ― Só me deixa ficar mais um pouco
com você, Tirnanoge. Só preciso sentir que o tempo parou aqui, para nós dois.
― Só mais um pouco ― informou. ― Eu também queria parar o tempo aqui.
Sorri, depositando mais um beijo em sua cabeça, subindo e descendo com os dedos em suas
costas.
A imagem da Kira sorrindo enquanto adormecia em meus braços fez com que uma coisa
acendesse em meu peito, e, de repente, eu percebi que podia ter aquilo todas as noites, sem enjoar
nunca.
Talvez ela estivesse mesmo certa, desde o princípio. Talvez realmente fosse inevitável que
me apaixonasse por ela.
Só me restava torcer para que ela pudesse sentir, pelo menos, um pouquinho de como eu me
sinto a seu respeito.
Capítulo 21

Do meu quarto, conseguia ouvir os sons que vinham do andar de baixo. Eu não tinha a menor
vontade de me juntar à mesa do café da manhã, mas era uma tradição antiga, e não queria ser eu a
primeira a desonrá-la.
Encarei meu reflexo no espelho, torcendo alguns dos cachos para formar uma espécie de arco
com meu cabelo, juntando as suas pontas na parte de trás da cabeça.
Mordi os lábios, preocupada com mais uma regra descumprida. Acordei, com um tímido raio
de sol incomodando meu rosto. Os braços de Carlos estavam ao meu redor, trazendo-o para mais
perto do seu corpo.
Levei um tempo analisando seu rosto, sereno. Ao mesmo tempo em que foi confortável, era
como caminhar em direção a um penhasco.
Eu estava caindo.
Despencando.
E a queda seria brusca.
Terminei meu cabelo, encarando pela última vez meu reflexo no espelho. Usava uma calça
jeans com suéter branco. Estava bem apresentável.
Ajudei minha vó com a mesa do café da manhã quando cheguei à cozinha. Liam estava no
colo do meu pai e ambos divertiam-se conversando sobre alguma coisa.
Notei quando Carlos chegou à cozinha, mesmo sem que ele tivesse dito uma só palavra. Era
como se o ar estivesse diferente. Mais pesado.
Assim que a mesa estava pronta, todos nós nos sentamos para comer. O clima divertido
tornou-se tenso e opressor, assim que meu avô se sentou, dirigindo o olhar recheado de acusações
para mim, sem falar uma só palavra.
― Tudo bem? ― Carlos, que se sentou ao meu lado, perguntou.
Assenti, com um sorriso.
Eu estava feliz de verdade. A noite que passamos juntos foi a melhor da minha vida, sem
nenhuma sombra de dúvida.
O humor do meu avô não foi o suficiente para que ninguém deixasse de se divertir. As
conversas foram fluindo, mesmo que o homem que mais parecia um dementador, sugando nossa
felicidade, mantivesse a cara fechada.
― São Patrício me defenda, de entrar em um desses aviões de metal. ― Minha avó balançou
a cabeça em negativa para Briana, que tentava convencê-la a sair do país. ― Um dia as pessoas vão
concordar comigo. Gente foi feita para andar sobre dois pés ― afirmou.
― Eu amo a sensação de voar ― meu amigo comentou, dando um gole no café antes de
continuar: ― Da última vez, eu fui ao Brasil, foram mais de vinte horas e uma escala na França.
― Tenho certeza de que a senhora ir amar voar de avião, mãe ― meu pai intrometeu-se. ―
Já disse que podemos ir para onde a senhora quiser.
― Mas o destino quer que eu continue aqui mesmo, meu filho.
― Ah, a moça que diz os destinos também leu a mão da senhora? ― Meu filho tinha os olhos
brilhando. ― Ela leu o destino da man, do tio Carlos e leu a minha mão também ― falou, orgulhoso.
― Não é legal que ela sabe ler, ser ter nenhuma letrinha na nossa mão?
Papai riu e teria comentado algo, mas foi interrompido.
― Uma cigana! É para esse tipo de lugar eu você leva meu neto? ― bradou. ― Não satisfeita
em destruir a vida do seu pai, agora também quer desvirtuar o próprio filho.
― Pai! ― papai exclamou, assustado. ― A Kira não destruiu a minha vida.
― Claro que destruiu ― o homem devolveu, bravo ―, se aquela sua mulher não tivesse
engravidado, você não teria sido obrigado a se casar.
― Eu me casei com a Lueji porque queria passar a vida ao lado dela, e o senhor sabe disso
― gritou. ― Kira foi uma conquista. Uma benção que nos uniu ainda mais até sua morte.
― Besteira. ― Balançou a cabeça em negativa. ― Essa garota infame destrói tudo que toca.
E se você acha ― apontou o dedo indicador mim ― que permitirei que destrua a vida do meu neto,
com essas permissividades, você está muito enganada. Acha que eu não sei que esse daí ― apontou o
rosto para Carlos ― saiu do seu quarto agora pela manhã? Imagino o que não deve acontecer no
antro onde vivem. Você nunca valeu nada, garota. Desde que nasceu, só trouxe problemas para as
nossas vidas.
Várias vozes se levantaram ao mesmo tempo, todas querendo, de alguma forma de defender,
mas foi a do meu filho que se sobrepôs, para mim.
― Sin-seanathair, po que o senhor está gritando com a man? ― Liam tinha encolhido um
pouco o corpo, assustado com a forma que o avô falava.
Eu não teria me importado em ser alvo da sua ira, mais uma vez. Já tinha me habituado, mas
ver Liam naquela posição, fez com que eu me visse quando criança, hostilizada, com medo, sozinha.
Ele não faria com que o meu filho sofresse.
― Porque a sua man ― começou, mas foi interrompido pela minha vó.
― Ei, Liam ― chamou sua atenção, levantando-se, rodeando a mesa e chegando ao meu
pequeno ―, que tal se você e a Bri forem colher umas flores lá fora e fazer um buquê para dar de
presente a man?
Briana assentiu, levantando-se, indo em direção ao meu filho.
― Isso quer dizer eu agora é conversa de adulto, né?
Bri assentiu, segurando a mão de Liam. A sala permaneceu em silêncio, mesmo depois que a
porta foi fechada.
― Kira ― meu pai começou.
― Quer saber... ― Ri pelo nariz, interrompendo-o. Balancei a cabeça em negativa,
encarando o senhor de cabelos e rugas, sentado à ponta da mesa, me lembrando do que Carlos havia
me dito. Eu não precisava da aprovação dele. Carlos estava certo. ― Eu cansei. Nunca entendi o
motivo pelo qual o senhor não gosta de mim, mas eu consegui ver, se o senhor quer me odiar, não é
culpa minha. ― Sorri, secando uma lágrima que escorreu por meu rosto. Falar aquelas coisas era
como tirar um peso das minhas costas.
Como me libertar.
Lembrei-me do que a cigana tinha dito sobre dizer sim. Talvez não fosse exatamente o eu ela
quis dizer, mas eu sentia que, naquele momento, eu precisava dizer sim para mim. Para o meu filho.
Respirei fundo, sentindo que, naquela casa, era a primeira vez em que respirei de verdade.
― Eu achei que um dia sua aprovação seria importante para mim. Pensei que suportaria todas
as suas ofensas e que, um dia, o senhor veria como foi injusto comigo. ― As lágrimas voltaram a se
acumular em meus olhos e seguiam caindo como cascatas. ― Aguentei calada tudo que me disse ao
longo dos anos, para não magoar papai. Mas o senhor não vai fazer isso com o Liam. Não vai me
desmoralizar na frente dele, nem magoar o meu filho ou me dizer como eu devo criá-lo, afinal, uma
pessoa como o senhor, que não sabe dar afeto, seria um péssimo exemplo, de qualquer forma. O
senhor não fará ao meu filho o que fez comigo.
― Quem você acha que é para falar dessa forma comigo? ― Levantou-se, jogando o
guardanapo que estava sobre sua perna na mesa.
― Eu sou a pessoa que finalmente percebeu que não me falta nada. ― Sorri, limpando as
novas lágrimas que escorriam por meus olhos e encarando, rapidamente, Carlos, que sorriu,
orgulhoso. ― E se não me falta nada, eu não preciso me humilhar por suas migalhas.
― Você é uma...
― Lembra-se do que me prometeu, quando chegamos? ― perguntei, interrompendo meu avô,
ao meu amigo, que assentiu.
― Me espera no carro ― levantou-se, colocando a mão no bolso e entregando-me a chave
―, vou arrumar nossas coisas.
Carlos beijou minha mão antes eu que me virasse, saindo, deixando vozes agitadas
chamando-me.

Duas batidas na janela do carro me assustaram. Papai tinha uma expressão furiosa, mas ao
mesmo tempo decepcionada no rosto.
― Posso entrar? ― perguntou.
Assenti, destravando o carro.
― Filha... ― Parou, sem saber o que dizer.
Funguei, sentindo mais lágrimas se acumularem em meus olhos.
― Eu sinto tanto que tenha feito você passar por isso ― falou, passando as mãos pelo rosto,
resignado.
― A culpa não é sua, pai ― garanti.
― Claro que é, meu amor. Eu sempre soube que meu pai tinha suas implicâncias com você.
Mas nunca imaginei que teria chegado tão longe, que tinha feito você acreditar naquelas mentiras...
― Balançou a cabeça em negativa. ― Se eu tivesse sido um pai mais presente, se não tivesse
precisado fugir, me esconder... ― Papai passou as costas das mãos no rosto, limpando as lágrimas.
― Eu devia ter ficado e enfrentado tudo com você. Me perdoa, filha. Me perdoa por ter feito com
que você se sentisse menos que essencial. Eu pensei que indo embora, estaria te protegendo. Te
protegendo de ter um pai fraco, triste. Incapaz de viver. E te dando uma família. Pessoas em quem
você pudesse se inspirar. Só não queria que você se decepcionasse com seu pai, cada vez que me
olhasse, meu amor.
― Pai... ― Ele me puxou pelos seus ombros, abraçando-me. Chorava.
― Pensei que estando aqui, em família, estava te dando uma chance de ser feliz ― explicou,
ainda em lágrimas. ― Eu quero que você saiba, meu amor, que eu tenho muito orgulho de você. Da
mulher forte que se tornou, e da pessoa com o coração mais lindo que possa existir no mundo. Da
mãe maravilhosa e que cria o Liam muito bem, querida.
Sorri, em meio às lágrimas, abraçada com ele.
― Eu amo você, Kira. Amo muito. E tenho certeza de que sua mãe, de onde estiver, se
orgulha muito de você. De quem você é. ― Afastou-se um pouco, passando os polegares em meus
olhos para limpá-los. ― E, sabe de uma coisa? Eu fico satisfeito em saber que você tem ao seu lado
alguém capaz de enfrentar o mundo por você, como aquele seu namorado.
― Carlos é só um amigo, pai ― garanti, passando as mãos pela bochecha, tentando secar as
lágrimas.
― Aquele garoto está apaixonado, querida. E se me permite ser sincero, você também. ―
Passou as mãos de forma carinhosa por meu rosto. ― Você não precisa ter medo de que ele te magoe
ou te abandone. Ele não é como eu, Kira. Ele é do tipo que fica.
― O senhor não sabe do que está falando ― brinquei, negando com a cabeça.
― Vem aqui. ― Abriu o braço para que eu pudesse me aconchegar.
Foi um momento reconfortante, daquele que é capaz de curar feridas. Ficamos naquela
posição por um tempo, até que Carlos nos encontrou com nossas malas e Liam em seu colo.
Papai se despediu de mim, beijando minha testa, e indo ajudar meu amigo com as malas. Liam
abriu a porta, sentando-se no banco traseiro com uma das mãos escondidas nas costas.
― Man, pra senhora não ficar mais tiste. ― Mostrou um pequeno ramo de flores.
― Obrigada, meu amor. ― Sorri, aceitando as flores, e beijando sua mãozinha.
― Eu estava pensando, man, o tio Carlos te defende, e cuida bem de mim ― pousou o
dedinho indicador nos lábios como se pensasse ―, hoje à noite, quando for agadecer, vou dizer
obrigado ao Papai do céu, poque o tio Carlos é da nossa família.
Meu filho exibiu as janelinhas que começavam a ser preenchidas pelas pontinhas dos dentes
que estavam nascendo.
Devolvi o gesto, com aquelas palavras em mente. Liam via Carlos como parte da família, mas
até onde isso era saudável para mim, e pior, para ele?
Capítulo 22

Kira estava quieta.


A cabeça encostada no vidro do carro, batendo com o indicador na perna seguindo o ritmo da
canção dos Beatles, sua banda preferida.
Eu entendi o que ela quis dizer quando alegava que uma coisa era conhecer sua família pelos
aniversários de Liam, onde nos víamos rapidamente, e conviver em uma casa com eles.
Sabia que a relação dela com o avô não era das melhores, porém, não imaginava que chegava
a ser ofensiva como foi. Foi horrível vê-la sendo hostilizada, mas fiquei orgulhoso ao vê-la reagir.
― Quer parar para comer alguma coisa? ― perguntei, olhando-a rapidamente.
Balançou a cabeça negando, apenas.
Olhei pelo retrovisor observando Liam dormindo tranquilamente e bem preso em sua cadeira.
― Não quer conversar?
Novamente, negou.
Era incômodo lidar com seu silêncio. Saber que estava triste e magoada fazia com que eu me
sentisse impotente.
― Ei... ― Virou um pouco o rosto em minha direção. Os olhos ainda estavam um pouco
inchados e eu senti meu coração partir um pouco mais. ― Deixa eu te perguntar uma coisa
importante.
Franziu o cenho para mim.
― O quê?
― Você tem uma colher aí? ― perguntei, com um sorriso no canto dos lábios.
― Colher? ― Sua expressão mostrava que começava a duvidar da minha sanidade mental.
― Sim. É que por você, eu estou dando sopa. ― Rolou os olhos, mostrando um sorriso
contido.
― Bem melhor agora. É assim que eu gosto de te ver.
Kira voltou a encostar a cabeça no vidro fechado da janela do carro, fechando os olhos em
seguida.

Desde que chegamos em casa, algumas horas atrás, Kira estava em seu quarto, deitada,
encarando o teto, como se buscasse a resposta para algum problema importante.
Não quis conversar e mal comeu alguma coisa.
Queria fazer algo que pudesse ajudá-la, mas não sabia o quê. Com isso em mente, saí em
busca de alguma coisa que pudesse animá-la.
Andando pelas ruas onde poucas lojas estavam abertas em nosso bairro, foi difícil pensar em
algo. Caminhei até chegar ao ST Street Garden[12], onde me sentei, frustrado, observando todo o
verde ao meu redor, em busca de uma ideia.
Era uma cor que me agradava desde a infância. Me relaxava. O fato de representar a
esperança fez com que eu gostasse ainda mais. De certa forma, era como se eu esperasse que algo de
bom surgisse através da tonalidade.
Suspirei, sentindo-me frustrado por não ter um pensamento claro sobre o que podia fazer pela
Kira para devolver o brilho aos seus olhos, agora distantes. Decidido a voltar para casa, quando algo
no chão chamou minha atenção. Sorri, feliz ao me dar conta de que não voltaria para casa com as
mãos abanando.
Corri para uma pequena loja de conveniência que estava prestes a fechar, comprando os
materiais necessários para que pudesse fazer algo especial.
Estava entrando no prédio, quando vi o carro do Sean sair com o pequeno no banco traseiro.
Estranhei, já que esse final de semana, por conta da reunião com a família da Kira, Liam ficaria
conosco.
A casa estava silenciosa quando entrei. Ansioso para dar o que estava pensando, fui para meu
quarto montar a surpresa. Demorou mais do que eu tinha imaginado. Porém, logo que a frase que
escrevi secou, fui, ansioso, até seu quarto, onde permanecia deitada.
― Posso? ― perguntei, depois de abrir um espaço na porta.
― Claro. ― Ajeitou-se na cama, enquanto eu entrava no quarto, com as mãos atrás do corpo.
― Liam saiu com o pai? Quando estava chegando, o vi no carro do Sean.
― Sim. Falei que estávamos de volta, e ele quis levar nosso filho. ― Sua voz parecia
distante, triste.
Assenti.
― Trouxe uma coisa para você. ― Subi na cama, aproximando-se do seu corpo. ― Um
presente.
Kira semicerrou os olhos em minha direção.
― Um presente? Do nada?
Dei de ombros, sorrindo.
― Bom, você pode agradecer aos céus por ter um cara tão incrível quanto eu em sua vida.
Kira riu, rolando os olhos.
― Sempre tão modesto ― concluiu.
De repente, me senti sem graça. Como se ela fosse me achar um bobo por ter feito aquilo.
― Será eu posso ver meu presente, ou vai me dizer que não existe nada melhor que sua
companhia? ― Cutucou minha costela com o cotovelo.
― Eu podia dizer que sim, mas tem um presente mesmo. ― Sentindo-me uma criança sendo
pego fazendo algo errado, tirei as mãos de trás do corpo, mostrando o objeto que escondia.
― Isso é incrível! ― Sorriu, pegando o quadro de minhas mãos.
Um trevo de quatro folhas estava em um dos dois espaços para foto, prensado entre o vidro e
um desenho da terra verde dividindo espaço com o céu azul. A frase “Para que encontrar trevo de
quatro folhas” estava sobre o céu, acima do trevo que tinha colado no desenho. Do outro lado uma
foto nossa, sorrindo, com Liam, pequeno, sentado, em nossas pernas, lado a lado. Abaixo da foto, a
finalização da frase “se eu já encontrei vocês?”
Seus olhos marejaram, enquanto passavam pela moldura, como se quisesse guardar na
memória cada pedaço daquela imagem.
― Eu juro, que este é o melhor presente que já ganhei em minha vida ― falou, erguendo o
olhar, emocionada, em minha direção, em seguida. ― É perfeito!
― Exatamente como você. ― Aproximei-me, aos poucos, na intenção de colar nossos lábios.
As sensações eram intensas. Meu coração batia acelerado, nossas respirações demonstravam
expectativa. Nossos lábios se roçaram e o beijo, por mais rápido que tivesse sido, com certeza,
ficaria registrado em minha mente para sempre.
― Obrigada ― murmurou, enquanto nos afastava. ― Obrigada por me fazer sentir especial.
― E você é ― passeei com o polegar por sua bochecha ―, você é única. A mais especial de
todas, Kira. Sempre vai ser. ― Mordeu o lábio, controlando as lágrimas. ― Vem aqui.
Chamei, aninhando-a em meus braços. Ficamos ali, deitados. Ela com a cabeça em meu peito.
Beijei sua testa, pensando em como eu queria que ficássemos assim, para sempre.
Eu precisava ser sincero com ela, mas não sabia qual seria sua reação. Depois da festa da
campanha de maquiagem, conversaria com ela.
Não queria mais amizade colorida, ou prazos.
Samuca estava certo, não conseguia ver uma vida sem ela ao meu lado. Queria Kira para
sempre.
Não apenas para sexo, mas como parceira, mulher. Como a pessoa por quem eu pararia o
tempo em qualquer circunstância, porque tê-la comigo, havia se tornado mais importante que
qualquer outra coisa.
Capítulo 23

― Kira ― gritou, impaciente, da sala onde me esperava para vermos um filme.


NA SALA.
Era um indício de que não rolaria nada depois. Estava sendo assim nos últimos dias. Ele não
me procurava mais para transar, o que só significava que tinha enjoado de mim, e, com certeza, já
estava dormindo com as centenas de mulheres que aguardavam para tê-lo de volta.
Faltando poucos dias para a final do concurso, na festa, ao vivo, Carlos estava trabalhando
nos últimos dias desde o nascer dos primeiros raios de sol, até o último segundo do dia. Mal
tínhamos conseguido nos ver durante a semana, e, mesmo sabendo que ele era muito responsável com
o trabalho, não conseguia deixar de imaginar que entre uma coisa e outra ele podia estar se
divertindo com outras.
Eu odiava isso. Pensar em Carlos beijando outras mulheres. Imaginá-lo fazendo com elas as
coisas que fez comigo nas últimas semanas. Fazê-las se sentirem especiais.
Certamente, eu era uma filha da puta egoísta, mas sim, não queria que mais ninguém estivesse
com ele.
Eu ainda repassava, mesmo dias depois, suas palavras em minha mente:
“Você é a mais especial de todas. Sempre vai ser.”
Claro que seria. Mas não como meu coração idiota queria.
Depois que meu filho falou sobre Carlos ser parte da nossa família, não conseguia mais parar
de pensar sobre aquilo. E, para ser sincera, acho que ele também acabou percebendo mudanças em
mim.
Dara estava certa, o que começou com um acordo, acabou dando errado, exatamente como os
filmes sugeriam. O mal do telespectador é achar que comigo vai ser diferente. Diferente uma
porcaria!
Eu tinha me apaixonado, e isso era uma droga.
Depois de me dar o quadro, que tinha ganhado estadia fixa na mesa ao lado da minha cama,
dormimos abraçados.
Quebramos mais uma regra.
Nós ainda não tínhamos transado nenhuma só vez depois de termos dormido juntos, na casa
do meu avô, e isso bagunçava minha cabeça.
Nos últimos dias, Carlos me levou comida na cama, assistia a filme abraçado comigo,
contava suas cantadas infames, ainda almoçávamos às terças, mas era como se não houvesse mais
nenhum interesse sexual dele por mim. Ele não me procurava e isso acabava me confundindo. Se
nosso acordo era sexual, por que motivo ele tentava ser fofo, quando nada disso era necessário?
E era por tudo isso que eu estava considerando a proposta que o Sean tinha me feito, quando
veio aqui, dias atrás. Uma casa perto da sua tinha ficado livre, e ele queria que eu me mudasse para
que estivesse mais perto do Liam. Com certeza, era, na verdade, uma forma de me afastar do Carlos e
do que ele considerava ser uma influência ruim para o Liam.
Em uma tentativa ridícula de fazer com que olhasse para mim novamente, pedi que me
esperasse para tomar um banho. Agora, estava cheirosa o bastante, enquanto olhava meu reflexo no
espelho. Vestia um short de dormir curto, que marcava a calcinha de renda vermelha que ele adorava.
A blusa folgada e de tecido fino também deixava à mostra partes do sutiã da mesma cor.
Se ele não me levasse para cama hoje, com certeza, era porque não queria mais manter nosso
acordo e estava com medo de magoar meus sentimentos e a melhor coisa a fazer, seria devolver a ele
sua liberdade. Não queria que o fato de morarmos juntos tornassem as coisas estranhas.
― Estou indo ― gritei de volta, passando a mão pelos cabelos e soltando os cachos.
Soltei o ar que nem sabia que prendia ao chegar à sala. Estava nervosa e me sentindo uma
idiota tentando seduzir um safado. Carlos estava com um casaco de moletom e usava calça do mesmo
modelo, nenhuma parte do corpo à mostra, o que me fazia duvidar ainda mais de suas intenções,
levando-me a sentir ainda mais como uma tonta.
Estava dando meia-volta quando ele olhou para trás com um sorriso no rosto, que foi
diminuindo ao descer o olhar sobre mim. Limpou a garganta, antes de me olhar nos olhos. As íris em
chamas.
― Pensei que ia desistir. ― Tentou soar divertido, mas havia uma tensão em sua voz.
― Você me deixou escolher o filme, acha mesmo que eu ia desistir, justo hoje? ― Sorri,
ainda sentindo-me um pouco constrangida com seus olhares.
Permanecia parada no mesmo lugar, ainda sob o peso de sua inspeção sobre meu corpo.
― Não vem? ― Ergueu uma sobrancelha.
Expirei com cuidado, tentando esvair a tensão que sentia. Caminhei em direção a ele no sofá.
Carlos abriu os braços para que me aninhasse junto ao seu corpo.
― Já escolheu o filme? ― Me passou o controle.
― Claro, Se meu apartamento falasse. Um clássico. ― Rolou os olhos.
― Só você para me fazer assistir a um filme em preto e branco.
Beijou minha cabeça, como era de seu costume. Meu coração batia tão forte que podia sair
pela boca com esse gesto simples.
Carlos colocou uma almofada e depois a vasilha de pipoca em seu colo. Durante a maior
parte do filme, fazia cafuné em minha cabeça, enquanto fingia que assistia. Estava distraído com
alguma coisa que o incomodava.
― Preocupado com a final do concurso, no final de semana? ― Encarei-o.
― Um pouco. ― Fez uma careta. ― Tenho certeza de que será um grande marco para as
nossas vidas.
― Vai ter a resposta da sociedade lá? ― Pus um punhado de pipoca na boca.
― Sim ― sorriu ― e, se tudo der certo, pagarei minha dívida com você.
― Claro que vai. ― Rolei os olhos. ― Vou escolher o restaurante mais luxuoso ― brinquei
― e pedir os pratos mais caros que eles tiverem.
― Eu nem fui promovido e você já quer me falir. Muito admirável de sua parte. ― Carlos
mexeu na calça, parecendo incomodado com algo.
Sorri, ao perceber que meu plano estava funcionando. Só precisava que ele tomasse a
iniciativa. E, conhecendo-o bem, não demoraria.
― Cada um luta com as armas que tem e eu tenho fome. ― Dei de ombros.
― Pois, pra mim, comer lanche de rua, ou ir ao restaurante mais caro de todos não faria a
menor diferença, se eu estivesse com você, Tirnanoge. Você sempre faz com que o tempo pare, de
qualquer forma.
Mordisquei o lábio, feliz. Gostava que ele se sentisse daquela forma comigo. E estava sendo
o mesmo para mim. Estar com Carlos era uma forma de esquecer que todo o resto existia, porque, em
nossa bolha, só existíamos nós dois.
― E você, já decidiu o que vai fazer quanto a proposta do Sean? ― perguntou, depois de um
tempo pensativo.
― Ainda não. ― Virei um pouco o rosto para vê-lo. ― Já está fazendo planos para o caso de
irmos? ― Dei um sorriso especulativo.
― Na verdade, só não consigo mais pensar em nossa casa sem vocês. ― Meu coração
acelerou, enquanto ele tirava uma mecha de cabelo do meu rosto, olhando-me com desejo.
Nossa casa.
Aquelas duas pequenas palavras tinham peso. Era como se ele me considerasse parte daquilo
também, e eu gostei do sentimento de pertencimento a algum lugar. A um lugar onde alguém me
queria.
Onde ele me queria.
Sorri.
Só restava saber se nós nos queríamos da mesma forma.

Frustrada, era assim que eu me sentia.


Vimos o filme por horas. Conversamos, Carlos fez massagem em meus pés e nos divertimos.
Exatamente como antes.
Em nenhum momento tentou nada comigo. O que provava que eu quem havia confundido as
coisas e me deixado levar pelos sentimentos. As regras que eu havia quebrado em meu coração,
ainda seguiam valendo para ele.
No final das contas, ele estava certo.
Fui eu quem me apaixonei.
Encarei o celular por alguns segundos, onde a mensagem de Sean ainda brilhava na tela.
Precisava de uma resposta, urgente.
O pai do meu filho conseguiu segurar a casa, sem compromisso, pelo máximo de tempo que
pôde, aguardando que eu me decidisse. A casa era grande e contava com uma área verde bem
modesta, onde meu filho poderia brincar à vontade.
O lugar ideal para se criar uma criança.
A verdade é que eu estava protelando a decisão por causa dele. Queria ter certeza de que não
haveria nenhuma chance entre nós. E não há.
Eu me apaixonei, não ele.
Abri o aplicativo de mensagens, hesitando antes de digitar as palavras que partiriam meu
coração naquele momento, mas que certamente seria uma cura, mais tarde.
“Pode fechar. Vou aceitar.”
Enviei, fechando os olhos com força.
Era o melhor a se fazer.
A casa estaria disponível para mim, assim que assinasse os papéis. No final de semana,
depois da festa do Carlos, nós começaríamos a fechar caixas novamente, assim como eu fecharia meu
coração.

― Cheguei ― Carlos, que tinha ido buscar sua roupa para a festa da empresa, anunciou, ao
abrir a porta.
Fechei os olhos com força, ainda deitada em minha cama, imaginando contar a ele que tinha
tomado, enfim, a minha decisão. Conversei com Dara logo que confirmei com o Sean e ela achava
que era uma burrada eu ir embora sem ao menos ter uma conversa sincera com o Carlos.
Eu não podia fazer isso. Não teria coragem.
Ouvi quando Liam saiu do seu quarto, afoito.
― Tio Carlos, o senhor sabia que a mamãe e eu vamos ter uma casa nova? ― falou, animado.
Carlos ficou em silêncio por um tempo, antes que eu pudesse ouvir a sua voz.
― É mesmo? ― O tom estava um pouco desapontado.
― É, sim ― afirmou o pequeno. ― Eu vi quando ela contou pa tia Dara no telefone. Eu vou
ficar tiste poque eu gosto de morar com o senhor. Aí eu fiquei pensando, e acho que o senhor devia
morar com a gente na casa nova.
― Eu acho que sua mãe não ficaria feliz com isso. ― Pelo som que fazia, tinha colocado
alguns sacos na mesa.
― O senhor esqueceu que eu disse que a man sempre fica feliz quando o senhor está perto?
Suspirei.
Às vezes, achava que meu filho gostava mesmo era de me fazer passar vergonha.
― É verdade ― a voz de Carlos parecia distante ―, eu tinha esquecido.
Coloquei as mãos sobre o rosto, tentando esconder minha frustração. Soltando o ar com força,
levantei-me, sabendo que precisava ir para a sala.
Liam ainda falava alguma coisa, e eu já não prestava atenção. Infelizmente, porque meu filho
tinha tirado o dia para me fazer passar vergonha.
― Sabe, tio, a Milena lá da sala, disse que tem um padasto que é bem legal. Depois ela
contou que o padasto só é padasto, poque se casou com a man dela. Eu gosto um tantão assim do
senhor ― abriu bem os braços ―, e o senhor também gosta muito de mim e da man, que eu sei... se o
senhor já é da nossa família, po que não pode ser meu padasto também?
Queria que o chão me tragasse naquele momento.
Carlos riu.
― Liam ― interrompi, constrangida. Carlos ergueu uma sobrancelha para mim, aguardando
minha reação, entretanto, me olhava de forma acusatória.
Eu ia contar a ele, claro. Mas não era assim que as coisas deviam ter acontecido.
― Sim, man ― perguntou, olhando-me, sorrindo.
― Por que não vai ao seu quarto um segundo, para a man conversar com o tio Carlos?
― Tá. Mas deixa ele me contar antes, se quer ser meu padasto. ― Olhou para Carlos
novamente, com um sorriso no rosto.
É isso. Filhos nasceram para fazerem seus pais passarem vergonha.
― Agora, Liam ― fui enfática.
O pequeno soltou um suspiro, derrotado.
― Tá bom, tio. Você me conta depois ― murmurou.
― Espera um pouco ― pediu Carlos, antes que Liam se virasse.
― Sim, sim, sim ― Liam respondeu animado, sorrindo, enquanto meu coração disparava
aguardando o que Carlos diria.
― E como eu também te amo de um tantão assim ― Carlos abriu os braços ― trouxe uma
coisa para você. — Pegou um pacote em cima da mesa entregando-o para meu filho. ― Esses são
alguns brinquedos de quando eu era criança, e eu gostava muito deles. Pedi à minha mãe que me
mandasse. ― Aproximou o pacote do meu pequeno que estava bem animado, retrocedendo um pouco
depois. ― Eu queria ter certeza de que posso confiar em você e que vai cuidar muito bem deles.

― Vou sim, tio ― deu pulinhos de ansiedade ―, juro, juradinho. ― Beijou os dedos
formando um X com eles em frente aos lábios.
― Estou confiando em você, campeão. ― Carlos entregou ao meu filho um pacote de
tamanho considerável. ― Abre lá no chão do seu quarto, que estou indo te ensinar como brincar com
eles.
― Obrigado, tio Carlos. ― Abraçou o tio, que estava um pouco abaixado para que meu filho
o alcançasse, antes de correr para seu quarto.
― O que é isso? ― perguntei, apontando com o rosto para o corredor por onde Liam tinha
acabado de passar.
― Algumas coisas minhas que vão fazê-lo esquecer o videogame um pouco. ― Deu um
sorriso forçado. ― Sei que você não gosta, e me lembrei de alguns brinquedos importantes, para
mim, na infância.
Deu de ombros como se não fosse nada de mais.
― Obrigada. ― Sorri, emocionada que ele tenha feito isso.
― Não foi nada de mais. ― Pegou a roupa que havia colocado em cima das costas da
cadeira, pendurando-a no braço e seguindo para o quarto.
― Eu estava esperando você chegar para te contar ― comecei. ― Sean precisava de uma
resposta, e eu me lembrei do que a cigana falou sobre dizer sim às oportunidades.
Carlos assentiu, abrindo o guarda-roupa e pendurando a peça que tinha acabado de chegar.
― Quando você vai? ― Não me olhou para perguntar.
― No próximo final de semana. Ainda teremos mais alguns dias para te incomodar. ― Tentei
sorrir.
― Vocês não incomodam, já disse isso. ― Pareceu bem chateado.
Passou a camisa que vestia pela cabeça, retirando-a do corpo e ficando só com a calça. Por
alguns segundos, me perdi analisando os gominhos de sua barriga.
― Mas ― virei o rosto tentando retomar o foco ―, você vai poder ter sua vida normal,
agora. ― Voltou para o guarda-roupa, buscando algo para vestir quando saísse do banho. ― Vai se
tornar sócio e não vai mais precisar de mim, de qualquer forma.
― Não vou mais... ― parou a procura, virando-se em minha direção ―... como assim? ―
Franziu o cenho.
Mordisquei o lábio inferior, nervosa.
Carlos não tinha culpa que meu coração tivesse tomado o caminho errado e se apaixonado
por ele. Não era justo culpá-lo por cumprir aquilo que planejamos.
― Não é nada. ― Balancei a cabeça em negativa. ― Esquece.
Dei alguns passos em direção à porta, mas ele me alcançou a tempo.
― Não, começou, agora termina ― pediu. ― Você acha que eu mantenho você aqui pra
cozinhar, é isso? Não te convidei para ser minha empregada, Kira. Te chamei para morar comigo,
porque gosto de você, porque sua companhia me faz bem.
Olhei para o chão.
― Não é isso, olha, Carlos, esquece.
Sua expressão mudou completamente. Foi quando ele entendeu o que eu quis dizer.
― Pelo sexo? ― falou baixo, por causa do Liam, mas a irritação era notável a quilômetros
de distância. ― Você acha que eu só quis transar com você, por causa da promoção?
― Não, claro que não! Mas foi o que você disse também, que facilitaria você não ter que sair
para... ― fiz uma careta ―... procurar alguém.
― Eu não... ― começou, parando em seguida, como se não conseguisse pensar em nada que
pudesse falar. Horrorizado demais. ― Jamais sugeriria que você viesse morar aqui, planejando
transar com você, se é isso que está pensando de mim.
― Não foi isso que pensei ― apressei-me em dizer. ― É só que...
Ele riu, balançando a cabeça em negativa.
― Só que seria conveniente para mim e você aceitou, com medo de que eu te colocasse para
fora?
― Claro que não, Carlos ― falei mais alto. ― Você está distorcendo tudo que eu falei. Eu só
quis dizer que sem mim e o Liam aqui, você vai poder trazer quem você quiser aqui pra cá ―
retruquei, nervosa.
― Porque, afinal, eu não consigo ser um cara monogâmico ou manter o pau dentro das calças
― falou, magoado.
― Eu não disse isso ― afirmei. ― Mas, sim, você gosta de transar com mulheres diferentes
o tempo inteiro, Carlos. Isso nunca foi segredo! Ir embora seria conveniente para você. Todo mundo
sabe que você não é do tipo que se compromete. ― Fechei os olhos, respirando fundo. ― Uma hora
ia acontecer, eu teria que voltar a ter um lugar com o Liam. A casa que o Sean conseguiu é
inesperado, sim, mas com um bom valor e nem é tão distante daqui. Ainda vamos nos ver. As coisas
não têm que mudar, só vão voltar a ser como antes.
Carlos assentiu, parecendo triste.
― É, talvez seja melhor mesmo tirar o Liam de perto de mim, afinal, não queremos que ele se
pareça comigo, um homem que não se compromete com nada.
― Carlos, não foi isso que eu...
― Quer saber, eu não quero mais te ouvir.
Ele passou por mim, resgatando a camisa, que pouco antes tinha jogado no chão, e parou a
porta do quarto de Liam.
― Ei, amigão, me esqueci de comprar uma coisa no caminho para casa. Já volto para brincar
com você, tá?
Liam assentiu, voltando a se distrair com a enorme quantidade de brinquedos espalhados pelo
chão.
― Carlos ― chamei, quando passou por mim novamente ―, espera, vamos conversar. Eu
não quero brigar com você e não foi isso que eu quis dizer, você sabe. Só disse que você não é o tipo
de cara que quer se comprometer emocionalmente, e não tem nada de errado nisso.
Ele não me respondeu. Sequer me olhou.
Simplesmente saiu, deixando-me atônita com sua reação. No fim das contas, nem sabia dizer
qual foi o motivo da briga, eu só queria mesmo que ela acabasse.
Capítulo 24

Saí de casa sem rumo.


Estava muito chateado, para ser sincero. Não esperava brigar com Kira aquela noite. Queria
que estivéssemos em paz.
Precisando desabafar, liguei para meu primo, o que não estava se mostrando uma boa ideia.
Felizmente, a Jaí estava com ele, trazendo um pouco de sensatez ao diálogo.
― Existem caras chatos no mundo, mas você acabou de subir para a categoria dos
insuportáveis. ― Samuca riu. ― A garota não te aturou nem por dois meses, cara. Eu sempre soube
que conviver com você não é fácil. Felizmente, não sou o único.
― Amor, para com isso, não tá vendo que o Carlos está sofrendo. ― Jaísa deu um beliscão
no braço do meu primo babaca.
― Obrigada, Jaí. E, Samuel, espero que isso fique roxo. ― Apontei para o braço. Samuca
ergueu o dedo do meio para mim.
― Eu acho que isso tudo foi uma enorme besteira. Você está bravo porque ela vai embora, e,
eu acho que ela vai embora por notar que está gostando de você. ― Deu de ombros. ― Acho eu você
não devia deixá-la ir embora ― Jaísa falou, como se fosse a coisa mais fácil do mundo.
― Engraçado, depois que você quis ir embora da minha casa, até carona com o Carlos pegou,
né? ― meu primo, imaturo, retrucou.
― Samuel, dá pra você deixar de ser o centro das atenções um pouquinho? O meu problema
é mais sério! ― Rolou os olhos, de forma dramática.
― Eu concordo com a Jaí ― falou, com o rosto sereno. ― Acho que vocês deviam conversar
e você mostrar a ela que você realmente quer que ela fique.
― Sim, claro. Tenho uma ótima forma para conseguir isso. Cárcere privado, o que acham? ―
Jaísa gargalhou em resposta.
― Prefiro não responder. ― Samuca tomou à frente. Ele sabia que talvez a Jaí até desse a
ideia. ― Deus me livre ser preso como sem cúmplice. Nunca se sabe quem está ouvindo nossas
conversas.
― Conversa com ela, Carlos ― Jaí sugeriu, mais uma vez. ― No fim das contas, acho que
vocês só não querem mesmo é assumir o que sentem um pelo outro, com medo de se machucarem, e
acabam magoando ao outro no processo de se protegerem.
Bati o indicador de forma frenética no volante do carro estacionado o mais distante que eu
consegui ir de casa.
― Você acha mesmo? ― Jaísa assentiu.
― Eu ainda acredito que, levando em conta tudo que você falou sobre o pai dela, a Kira deve
ter medo de ser abandonada, como foi quando criança. Se o pai dela, com a melhor das intenções, a
deixou, como confiar em alguém?
― Sabe, faz sentido. Às vezes a vontade de nos protegermos é tanta, que acabamos magoando
as pessoas que amamos.
― Seja adulto e converse com ela.
Fiquei em silêncio com uma ideia passando pela minha cabeça.
― Ah, quando ele pensa assim, é porque lá vem uma enorme besteira ― Samuel implicou.
― Na verdade, eu gosto de competir. E tenho certeza de que a ideia que eu tive vai viralizar.
― Sorri.
― Isso tudo é pra competir com a gente, amor. ― Cutucou Jaí, que estava mais ansiosa
mesmo para saber qual era a minha ideia.
Felizmente, ela adorou.
Abri a porta, tentando fazer o mínimo possível de barulho. Já não estava mais chateado e,
depois de ouvir o que Jaísa disse, concordei com ela. Talvez tudo que a Kira precisasse fosse de
certezas, certezas concretas. Pensando nisso, entrei em contato com pessoas que pudessem me ajudar
a realizar o que pensei.
Ela estava sentada no sofá com a televisão ligada. Nossos olhares se encontraram, assim que
abri a porta.
― Eu não quis falar o que eu disse ― cuspiu as palavras, levantando-se, como se guardar
aquilo estivesse torturando-a. Fechei a porta, dando alguns passos em sua direção, enquanto ela
disparava falando. ― É sério. Eu também sei que você sempre diz que nós temos que ter certeza do
que queremos, e não acho que você está errado em curtir, enquanto não acha a pessoa que te tira do
eixo, sabe? E, sim, você é comprometido com tudo que se propõe a fazer, é dedicado como ninguém
em suas relações e está sempre lá, quando precisamos de você. Você consegue deixar todo mundo
feliz, Carlos, e isso é incrível, e...
― Shiu. ― Pousei o indicador em seus lábios, assim que me aproximei dela. ― Não precisa
falar nada.
― Não, o que eu disse foi horrível e eu nem sei no eu estava pensando. ― Os olhos
encheram-se de lágrimas. Balançou a cabeça em negativa. ― Acho que eu estou com medo, na
verdade ― revelou. ― Ficar aqui com você é bom e seguro. E eu me sinto em casa, finalmente. E eu
estou morrendo de medo de sair daqui e sentir sua falta, não me adaptar e querer voltar e... me
perdoa. Eu não quis dizer nada daquilo.
― Eu sei ― falei, puxando-a contra meu corpo. ― Se você realmente quiser ir, vou te apoiar.
Se sentir minha falta, posso te ver a hora que quiser, ou você pode voltar, Kira. Você nunca vai deixar
de ser minha Tirnanoge.
― Achei que você ia me odiar ― confessou, com medo.
― Eu até posso ficar com raiva de você ocasionalmente, em algumas vezes querer te matar,
mas sempre vai passar, Kira. Eu nunca trocaria tudo que vivemos ou tudo que ainda passaremos
juntos, por causa de algumas palavras ditas no calor do momento. Nós somos mais fortes que isso. ―
Segurei seus ombros, afastando-a um pouco. ― O que eu sinto por você é mais forte que isso. Eu
estou aqui, Kira. E estou para ficar.
Seus olhos tinham uma pergunta refletida: o que você sente por mim?
Ela teria a resposta em breve.
Fechou os olhos, abraçando-me novamente.
― Obrigada ― falou, baixinho. ― Obrigada por ficar.
Beijei, como de costume, o topo de sua cabeça, torcendo para que ela, assim como eu,
escolhesse ficar comigo para sempre.
Capítulo 25

Eu estava linda.
Nunca tinha me visto daquela forma em minha vida.
O vestido dourado possuía um decote profundo e alças finas. Com um estilo esvoaçante,
cintilava, fazendo com que eu me sentisse uma verdadeira princesa dos contos de fadas. Meu cabelo
estava solto e os cachos decidiram que colaborariam comigo, ficando bem definidos.
Usava um brinco bem pequeno e mais nenhum acessório, além da bolsa clutch em tom sóbrio.
Carlos tinha chegado há pouco tempo. Passou o dia inteiro fora, ajudando com os detalhes da
festa. Eu o aguardava para irmos, e estava nervosa. Já tinha acompanhado Carlos em alguns outros
eventos, claro. Mas esse era diferente. Maior. E, ainda por cima, seria televisionado.
A campanha inteira foi um sucesso. A linha de maquiagem vegana explodiu e Carlos contava,
orgulhoso, que eles precisavam produzir mais, pois todos os produtos tinham esgotado.
A senhora Murphy, dona da empresa, fez questão de ela mesma, segundo Carlos, assistir a
todos os vídeos e selecionar os finalistas. Certamente estava muito feliz e eu sentia-me satisfeita pela
campanha de Carlos ter alcançado tanto sucesso.
A empresa onde ele trabalhava recebeu muitas solicitações de trabalho para Carlos nesse
meio tempo, o que só mostrava que não existia a menor chance de que não fosse nomeado sócio da
empresa. Embora ele vivesse dizendo que não pode contar com o ovo que ainda não saiu da galinha.
Meu celular vibrou, indicando uma mensagem da minha melhor amiga. Por causa da viagem,
falei bem menos que se costume com ela. Ansiosa para ver a foto que tinha me mandado, desbloqueei
a tela, abrindo o aplicativo de mensagem.
Sorri ao ver a primeira imagem de minha amiga mostrando o enorme diamante que usava no
anelar direito.
VOU CASAR!
A frase veio junto com a imagem, assim como vários emojis de coração.
AI, MEU DEUS!
Enviei, juntamente com um sticker da Mia da novela mexicana Rebelde desmaiada no chão,
em uma de suas icônicas cenas.
Desejei felicidades, enviando, em seguida, muitas imagens do rostinho com o coração nos
olhos e garanti que queria saber de tudo, assim que ela estivesse de volta.
Abri as fotos para ver melhor. A tradicional pergunta Casa Comigo? foi escrita na areia da
praia. Flynn estava ajoelhado e minha amiga, emocionada, com uma mão no rosto, enquanto a outra
seguia estendida para que o anel fosse colocado em seu dedo.
― Uau! ― A voz de Carlos, perto demais, me assustou. ― Você está... ― soltou o ar com
força, olhando-me como se fosse um predador encarando a presa ―... deslumbrantemente fascinante.
― Obrigada. ― Sorri, timidamente, sentindo o coração se agitar no peito. ― Você está lindo.
Sério. Devia cogitar vestir-se assim mais vezes.
E era verdade.
Usava um terno de gala preto, os cabelos penteados para trás, mas, apesar da roupa
tipicamente masculina, ele exalava um ar de sensualidade incrível.
O tipo do homem que queríamos nos sentar e não levantar nunca mais.
― Posso saber o que estava divertindo tanto você no celular? ― Apontou com o rosto para o
aparelho em minha mão, dando alguns passos para mais perto.
― Dara ― sorri, abrindo a imagem e virando para que ele pudesse ver ― vai se casar.
― Uau! ― Pegou o aparelho da minha mão, passando as fotos. ― Pela cara de felicidade
dela, você vai ouvir cada detalhe. Boa sorte ― brincou.
― Um dia, se a minha vez chegar, vai ser a hora dela de me ouvir. ― Dei de ombros.
― Se, não ― aproximou-se um pouco ―, tenho certeza de que seu dia vai chegar. ―
Acariciou os meus ombros e desceu as mãos até as minhas, fazendo com que nossos dedos se
entrelaçassem. ― Levou uma das mãos aos lábios, beijando as costas dela. ― Podemos ir?
Assenti.

Segundo Carlos havia me contado, a festa, inicialmente foi programada para acontecer na
própria empresa de cosméticos, porém, tomou uma proporção muito maior, e uma das emissoras
locais cedeu um dos estúdios para a realização do evento, em troca de exclusividade.
O estúdio em questão era enorme, e contava com uma decoração impecável. O centro era
marcado por três palcos que imitavam o formato redondo das sombras em pó. Cada um com uma cor
diferente, mas que faziam parte de uma mesma paleta de cores.
Muitas pessoas passeavam pelo ambiente, algumas delas aproveitando para experimentar as
amostras disponíveis. Garçons muito bem-arrumados passavam por entre os convidados com
bandejas servindo os comes e bebes.
― Uau, capricharam mesmo ― comentei, observando novamente o ambiente. Notei que
algumas entrevistas eram concedidas aos jornalistas da emissora. ― Você deve estar muito
orgulhoso.
Carlos sorriu, soltando o ar com alívio.
― Muito. Nem consigo acreditar que tudo está dando tão certo. Valeu a pena cada segundo
que passei exausto durante a semana.
Senti uma pontada de culpa pelo meu surto de ciúme que tive, enquanto o pobre trabalhava
feito um condenado.
― E olha que a noite ainda está no começo. ― Passei a mão por seu braço. ― Acho que
teremos muitas surpresas ainda.
― Você nem faz ideia, Tirnanoge. ― Sorriu, enigmático.
Antes que eu pudesse perguntar o que ele queria dizer, uma mulher se aproximou. Era linda e
tinha um sorriso contagiante, nem precisei que fôssemos apresentadas para gostar dela.
― Olha só como esse garanhão está maravilhoso ― comentou, dando um beijo em seu rosto.
― E você, deve ser a mulher inteligente que não vai deixar esse homem escapar, não é?
Sorri para ela.
― Sempre querendo que eu me enforque ― Carlos respondeu, balançando a cabeça em
negativa. ― Essa é Kira. ― Virou-se para mim. ― Kira, Murphy, dona e idealizadora da marca.
― Muito prazer, Kira. ― Surpreendeu-me com um abraço.
― O prazer é todo meu, senhora.
― Ah, não, senhora, não. Pode me chamar de você. ― Deu um tapinha afetuoso em minha
mão. ― E então, sem rótulos mesmo?
Olhou de um para o outro.
― Te dou um, quando você e O’Connor definirem o de vocês. ― Piscou para a mulher.
― Você não vale nada, garoto. Mas, apesar disso, veja só o que conseguiu ― olhou ao redor
admirada ―, não tenho palavras que possa agradecer, Carlos. Essa é, sem dúvidas, uma das
melhores noites da minha vida.
― Obrigada, Murphy. ― Pareceu tocado com as palavras da mulher. Discretamente, subi e
desci a mão alguns dedos por seu braço, em uma forma de demonstrar o quanto estava feliz por ele.
― Ah, aí está ele. ― Um outro homem juntou-se a nós com duas taças na mão, entregando
uma a mulher que já estava conosco. ― O homem do momento e... ― Parou a frase, gesticulando
para um dos garçons que passavam, sugerindo que nós também pegássemos nossas taças para um
brinde. Olhou para mim quando Carlos entregou-me uma taça. ― Essa moça estonteante deve ser a
Kira. ― Sorriu para mim, olhando para Carlos em seguida.
― Kira, esse é meu chefe, o homem horrível que vem me explorando nos últimos anos. ―
Riu para o homem.
― Sempre dramático demais, mas nunca exagerado. Você é ainda mais bonita pessoalmente,
querida.
― Obrigada ― agradeci, tímida. ― Suponho que deva ter ouvido como sou uma péssima
colega de apartamento.
Dei um gole no champanhe, sentindo o olhar reprovador de Carlos sobre mim.
― Na verdade, soube que não conseguiu aguentar o meu novo sócio, e vai embora.
Levei a mão à boca, tossindo, incomodada com o gole do líquido que desceu pelo lugar
errado. Carlos estava estático ao meu lado, e o homem à nossa frente sorria para ele, orgulhoso,
como um pai estaria de um filho.
― Sócio? ― Carlos repetiu, descrente. ― Você mostrou alguma coisa a eles sem mim? Eu
disse que...
― Não ― fez um gesto com a mão ―, ouviram os comentários sobre a festa e como as redes
sociais se movimentaram por causa da sua campanha. A visibilidade que você trouxe para a marca e
para a empresa, Carlos, pode garantir aquele aumento que te faria ganhar mais que eu.
O homem enorme a meu lado nem sabia o que falar. Permaneceu estático.
― Eu disse que conseguiria ― falei, sentindo os olhos marejarem, vendo-o me olhar, como
se ainda não acreditasse. ― Você merece, Carlos.
Meus braços rodearam seu pescoço e eu nem me importei que estivéssemos fazendo uma
cena. Ele tinha conseguido e eu não podia estar mais feliz.
― Eu sabia ― repeti, ainda abraçada a ele.
Carlos apertou nossos corpos, sem conseguir pronunciar uma palavra. Afastou-se um pouco,
olhando em meus olhos e sorrindo. Pensei que fosse me beijar. Depois de tanto tempo, meu corpo
reagiu instantaneamente ao pensamento, como se precisasse daquele beijo tanto quanto alguém
precisa de água no deserto, mas fomos interrompidos.
― Agora vou poder descansar em paz ― seu chefe comentou, com um toque de orgulho na
voz ―, todos os problemas serão enviados cordialmente para o meu mais novo sócio, afinal, ele tem
mais disposição que eu.
― Como se você já não fizesse isso ― reclamou, sorrindo, ao mesmo tempo que abraçava o
homem.
― Agora, pelo menos, será oficial. Estou orgulhoso de você, moleque. Muito orgulhoso.
Mesmo de costas para mim, tinha certeza de que ele estava com os olhos cheios de lágrimas.
A mulher também o cumprimentou, feliz por sua conquista, e O’Connor sugeriu um brinde.
Carlos entrelaçou nossos dedos, enquanto brindávamos.
E o mundo pareceu um pouquinho mais certo.

Carlos foi arrastado pelo chefe pelo salão, sendo apresentado como o novo sócio da
empresa. Perguntou se eu me incomodaria em ficar sozinha alguns minutos, mas não ficou satisfeito
por ter que ir sem mim.
Eu aproveitei o momento para analisar ainda mais a festa, a noite era embalada ao som de
instrumentais de músicas que faziam sucesso no momento. Cantarolava baixinho quando me esbarrei
com alguém.
― Desculpa ― falei, rapidamente, virando-me na direção do corpo alto. ― Richard? ―
Franzi o cenho, estranhando a presença do meu colega de trabalho ali.
― Kira ― pareceu animado ao me ver ―, uau, você está maravilhosa.
― Obrigada. ― Mexi no cabelo, sem graça com o elogio.
― Não esperava te ver por aqui ― falou, passando o olhar por mim.
― Também não ― comentei, feliz em ter um rosto conhecido com quem podia conversar.
― Minha irmã é uma das finalistas do concurso e eu vim como seu acompanhante ―
explicou.
― Ah, que legal. Ela deve estar muito ansiosa.
― Sim. Vai poder fazer um curso na área que ama, se vencer ― explicou.
― Bom, já tenho para quem torcer, então. ― Sorri.
― Fico feliz em saber, é muito importante para mim, saber que tenho seu apoio. ― Colocou
as mãos no bolso. ― E você? Conhece algum dos concorrentes de minha irmã?
― Não, vim com o Carlos, um amigo. Ele é o responsável pela publicidade. A ideia do
concurso foi dele.
― Então tenho um duplo motivo para agradecer ao seu amigo. ― Sorriu de lado. ― Pela
chance que minha irmã está tendo e por tê-la trazido aqui, esta noite.
― Estou feliz por ter vindo também, ter um rosto conhecido é sempre bom.
Ele assentiu, tirando as mãos do bolso, parecendo nervoso.
― Kira, eu...
― Voltei ― Carlos apareceu do nada, me assustando ―, sentiu minha falta?
Olhou Richard rapidamente, antes de voltar a atenção para mim.
― Carlos, esse é o Richard, meu colega de trabalho. ― Apontei na direção do homem que
me olhava, desconfiado. ― Esse é o amigo de quem te falei ― expliquei, olhando para Richard. ―
A irmã dele foi uma das selecionadas para a final.
Carlos assentiu, com cara de poucos amigos, apertando a mão que Richard lhe oferecia.
― Eu preciso que você venha comigo a um lugar ― falou, rapidamente.
― Agora? ― estranhei.
― Sim, agora. É urgente. ― Pela sua forma de falar, parecia mesmo.
― Tá bom. ― Olhei para Richard, enquanto Carlos entrelaçava nossos dedos. ― Nos vemos
por aí.
Meu colega anuiu, parecendo querer dizer, na verdade, que sabia ser improvável que nos
víssemos ainda hoje.
― Carlos ― falei, tentando ganhar sua atenção, enquanto ele me direcionava entre as pessoas
―, aonde vamos?
― Vamos dar uma volta ― foi tudo que disse, sem explicar nada.
― Uma volta? Agora? ― Apressei os passos para ficar um pouco mais perto dele, para que
pudéssemos falar melhor. ― Você acabou de virar sócio, não pode sair daqui. Esta noite é a mais
importante da sua vida.
― Sim, eu sei. Mas preciso te levar a um lugar. Podemos voltar depois.
― Você está ficando doido ― comentei, assim que passamos pela saída do estacionamento.
Pegou a chave do carro do bolso, destravando-o ainda a uma boa distância de nós.
― Sim, estou. E se não fizer isso agora, vou ficar mais doido ainda ― retrucou, abrindo a
porta do carro para que eu entrasse.
― Como assim? ― quis saber, impedindo-o de fechar a porta.
Carlos suspirou, aproximando o corpo do meu, já sentada no banco do carona, e me envolveu
em abraço.
― Estou com saudade de você ― confessou, encostando a cabeça em meu ombro por alguns
instantes.
― Você só ficou longe por alguns minutos, Carlos. Não precisa ser tão dramático ―
brinquei, mas passei os braços por seu corpo, aproveitando o momento. Em breve, não nos veríamos
mais todos os dias.
Ele beijou meu ombro antes de se afastar, fechando a porta do carro e rodeando-o. Entrou
pela sua porta, e aproximou-se de mim, abrindo o porta-luvas.
― Precisa colocar isso ― me entregou um tapa-olhos ― e com conhecimento de causa, sei
que não vai borrar sua maquiagem, confio no produto.
― Pra onde você vai me levar? ― Franzi o cenho, estranhando.
― É um segredo, Tirnanoge. Vai ter que confiar em mim.
― Eu confio. ― Sorri, colocando o acessório nos olhos.
Não levamos muito tempo no carro, aparentemente estávamos perto do local da festa, o que
seria lógico, já que esse doido não devia sair, de forma alguma.
― Nada de espiar ― pediu. ― Vou abrir a porta para você.
Ouvi, cheia de expectativas, quando a porta do seu lado foi fechada. Pouco depois, abriu a
minha, segurando minha mão. Ajudou-me a descer do carro e dava instruções sobre em que direção
ir, ainda que estivesse de mãos dadas comigo.
A única coisa que conseguia pensar era que, talvez, ele estivesse me levando ao famigerado
restaurante cinco estrelas, já que sua promoção tinha saído, finalmente. Mas não faria o menor
sentido ele deixar o trabalho, em uma noite especial, para jantar fora. Seria loucura.
― Pronto ― informou, quando paramos. ― Nós chegamos.
― Onde? ― perguntei, levando minha mão livre aos olhos.
― Ao lugar que eu sempre estou quando ficamos juntos ― sussurrou, pondo a mão sobre a
minha, e ajudando-me a remover a venda dos olhos.
Sorri, ao ver, em um estúdio, árvores, pequenas folhas e um minilago à nossa frente. Apesar
do local fechado, uma brisa refrescante tocava nossos corpos. Pessoas caminhavam ao nosso redor,
como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Como se aquela ilha fosse real.
― Não acredito que você fez isso. ― Olhei para Carlos, que parecia feliz por eu ter
admirado o gesto.
― Vem aqui ― pediu, erguendo uma mão para mim. Eu aceitei, claro.
Carlos nos levou até o centro da pequena floresta de mentira, passou o braço por minha
cintura, e começou a nos balançar no ritmo de When I’m Sixty-Four dos Beatles, que começava a
tocar.
A letra, basicamente, girava em torno de uma pergunta. Você ainda irá precisar de mim
quando eu tiver sessenta e quatro?
― Eu pensei em mil formas de te dizer isso ― falou. ― E eu queria que você percebesse
que, independente de estarmos em uma cama, vendo filmes na sala, ou tendo nossos destinos
descobertos por uma cigana, é aqui que eu estou em cada um desses momentos. Em Tirnanoge. Você
faz o tempo parar para mim, Kira. Quando estamos juntos, eu não preciso de mais nada. Só de você.
Minha respiração estava descompassada. O coração acelerado, e por mais que parte de mim
tentasse manter os pés no chão e ver que esse gesto era do Carlos, meu amigo, a outra parte insistia
em dizer que, talvez, ele fosse dizer as palavras que meu coração gostaria tanto de ouvir.
― Eu vou precisar de você sempre, Kira. Com sessenta e quatro, setenta, noventa e três. Por
quantos anos eu viver, em cada respiração que eu der, a cada batida do meu coração. A cada segundo
que o relógio contar. ― Carlos afastou nossos corpos apenas para que pudesse ver meu rosto. ― Por
você, eu sou capaz de tudo. De qualquer coisa.
Do nada, as pessoas ao nosso redor pararam de dançar. Ficaram imóveis. O vento que,
instantes atrás, balançava meus cabelos, sumiu completamente.
As lágrimas escorreram por minhas bochechas quando eu entendi. Ele tinha parado o tempo
para mim.
― Fica comigo, Kira ― pediu, passando o dedo delicadamente por meu rosto, secando
minhas lágrimas. ― Eu quero que você seja minha Tirnanoge, e que eu também faça o tempo parar
para você, para sempre.
Tentei sorrir, mas com certeza, fiz uma careta ao ser derrubada pelas lágrimas.
― Eu pensei que você não me queria mais ― confessei, sentindo um aperto no peito. ―
Aceitei ir embora, porque seria demais pra eu assistir, enquanto outras mulheres teriam o que meu
coração mais desejava.
Carlos sorriu.
― Eu nunca vou deixar de querer você, bobinha. ― Beijou minha testa.
― Você não... depois da casa do meu avô, você se distanciou de mim, e eu achei que tinha
enjoado.
― Aquela foi, sem dúvida, a melhor noite da minha vida, Kira ― suas palavras eram tão
verdadeiras, que não deixavam margem de para dúvidas ―, mas você estava fragilizada por conta de
tudo que tinha acontecido com seu avô. Eu só queria que soubesse que não estava ali com você pelo
sexo, mas por você. Por quem você é aqui dentro. ― Pousou a mão em meu coração. ― Por você ser
a mulher que eu amo.
Meu corpo gelou, como se o sangue tivesse parado de passar pelas minhas veias. Minha
respiração falhou.
― Você... me ama? ― perguntei, incrédula.
Ele riu, colocando uma parte do meu cabelo atrás da minha orelha.
― Só você ― sussurrou ―, para sempre.
Sorri, chorando ao mesmo tempo.
― Uma vez, quando eu era pequena, quis ir até o final do arco-íris em busca do tesouro.
Queria, porque queria, ficar rica com aquele pote, mas minha mãe me explicou que, na verdade, ele
não existia. Que era uma simbologia, e, na verdade, o pote era como algo que queríamos muito ―
passei uma mão com cuidado por seu rosto também, vendo-o sorrir ―, e eu nem sabia que te amava
também, até perceber que era você lá, no fim do arco-íris, para mim.
Carlos colou nossas testas, antes que seus lábios tomassem os meus.
E como eu senti falta daquele beijo. No fim das contas, era como se, depois de tanto tempo,
eu estivesse completa.
Finalizou o beijo bem antes do que eu esperava.
― Você tem um celular aí?
Aturdida, estranhei.
― Celular? ― repeti, ainda confusa.
― Sim. Preciso dizer à minha mãe que acabei de conquistar para ela, a nora de seus sonhos.
Sorri, percebendo a piada.
― Você não perde a chance. ― Passei os braços por seu pescoço.
― Com você? Nunca. Agora você é minha, para sempre.
Seus braços rodearam minha cintura e eu sorri, enquanto me beijava, pensando na ironia do
destino. Às vezes, criamos tantas regras acreditando ser o melhor para nós, quando tudo que
precisamos é deixar que o destino trace seus próprios planos.
Afinal, regras foram feitas para serem quebradas. Coisas boas podem nascer a partir dessa
premissa, como, por acaso, encontrar o amor da sua vida.
Epílogo 5 anos depois

Eu odiava ler.
Kira sempre dizia que todo mundo gosta de ler, só não descobriu ainda o tipo de leitura que te
faça abandonar tudo para descobrir o final da história.
E, para o choque de 0 pessoas, ela estava correta.
Fizemos publicidade para o lançamento de um livro através de uma editora. Era o segundo de
uma trilogia. O primeiro tornou-se best-seller, então decidiram investir ainda mais no marketing do
segundo.
Eu não conhecia nada sobre o mundo da história, e ficou a meu cargo trabalhar com o projeto.
No fim das contas, eu amei.
Quando eu e Laís éramos crianças, ela gostava dos contos de fadas que acabavam sempre da
mesma forma, todo mundo feliz para sempre. Mais tarde, na adolescência, quando os romances
tomaram conta de suas prateleiras, costumava dizer que não existia nada melhor que ler o epílogo de
uma história. Saber que depois do felizes para sempre, havia algo mais.
Claro, eu achava uma idiotice.
Isso, até hoje.
Minha esposa, juntamente com o projeto, me converteu em um hábil leitor de ficção
científica, distopia e suspense. Já meus filhos, me tornaram um contador de histórias infantis do tipo
que se veste de princesa para interpretar bem o papel.
E foi aí que as palavras de minha irmã finalmente fizeram sentido. Era sempre bom saber
como estava o futuro dos personagens. Saber que três anos depois, eles não tiveram uma briga épica
e se separaram, ou que as coisas do dia a dia acabaram afastando-os.
Nada disso acontecia aos heróis da história.
O amor sempre venceria.
Eu observava o apartamento quase vazio no qual vivemos muitos anos felizes. Nem sempre
fáceis, mas recheado de coisas boas.
Um ciclo se encerrava naquele momento, e eu sentia saudade daquele lugar que foi nosso lar.
Onde tínhamos criado inúmeras memórias.
― Ainda lembro, como se fosse ontem, você carregando as caixas para embarcar nessa
loucura de morarmos juntos. ― Kira abraçou-me por trás.
― Eu também. ― Envolvi suas mãos com as minhas. ― Quem diria que de lá pra cá, tantas
coisas iam mudar?
― Três filhos. ― Suspirou. ― É o bastante, a fábrica está fechada.
― Eu acho que devíamos trabalhar com números pares.
― Tá, na próxima, você vai ter o bebê ― brincou.
Sorri, sentindo uma paz.
Os anos que passaram foram ótimos.
O pai da minha esposa se aproximou muito de nós, tentando recuperar o tempo perdido, e
decidido a conviver com os netos o máximo que podia. A senhora Mab mostrava-se uma senhora
cada vez mais babona com os bisnetos. Já seu marido, dois anos depois de termos ido embora, sem
olhar para trás, procurou Kira para conversar.
Durante esse tempo, sua relação com Liam mudou muito, ele mesmo passou a querer evitar o
homem. Kira decidiu que não se envolveria e respeitaria a decisão do filho. Se quisesse estar com o
bisavô, era um direito seu.
A conversa foi desagradável, mas o homem assumiu e reconheceu que culpou Kira e sua mãe
erroneamente por esperar demais do filho e ver-se decepcionado com ele.
Apesar de viver bem, tendo deixado o passado para trás, ela disse que o perdoaria, no fim
das contas. Por ela mesma.
Kira disse que a falta de perdão pode levar alguém a ficar preso em amargura, e que isso não
era o que ela queria.
Mas, sim, uma vida diferente para todos nós, e nossos filhos. Lana nasceu pouco depois de
decidirmos oficializar nosso casamento. Fomos apenas ao cartório e nos casamos. Simples e
descomplicados. Tudo que queríamos era oficializar o que ambos já tinham aceitado no coração:
estaríamos juntos para sempre.
Quando minha família veio nos visitar, nossa filha tinha acabado de completar seis meses e
Jaísa fez questão de organizar uma cerimônia simples, para pelo menos termos registros do momento.
Lennon nasceu um ano e meio depois da pequena. Foi concebido em um carro, numa noite chuvosa,
quando Dara se compadeceu de nós, ficando com as crianças por algumas horas.
― Nem fomos ainda e eu já estou com saudade ― confessou, pousando o rosto em minhas
costas.
Íamos para uma casa maior. Liam já estava na idade de dormir sozinho, levar os amigos para
dormir em casa e ficarem jogando e vendo desenhos. Lana e Lennon também iam ganhar seus quartos
próprios.
― Quero te mostrar uma coisa ― Segurando sua mão, seguimos para o quarto onde a fiz
sentar na cama. ― Quando eu estava arrumando algumas das caixas para a mudança, encontrei uma
coisa que vai te deixar feliz.
Franziu o cenho, estranhando.
― Uma coisa que vai me deixar feliz?
― Sim. ― Pisquei, abrindo a caixa que eu tinha feito questão de deixar em cima da pilha. ―
Achei uma coisa muito importante para nós dois, e, foi através dele, que nós começamos um certo
acordo...
Mostrei para ela o duque.
― Ai, meu Deus! ― Pôs as mãos em frente ao rosto. ― Como você encontrou isso? Pensei
que tinha jogado fora!
― Eu resgatei ― confessei ―, afinal, sou muito grato a esse amigão aqui. ― Balancei o
vibrador em frente ao rosto, fazendo-a gargalhar. ― E aí, eu tive algumas ideias sobre o que fazer
com isso. ― Ergui uma sobrancelha.
― Você não pode estar falando sério. ― Mordia o lábio para disfarçar o sorriso.
― Nunca falei tão sério em toda minha vida. ― Aproximei-me, beijando seus lábios com
delicadeza, deitando-a na cama aos poucos.
Uma das coisas que mais amava em Kira, era sua intensidade. Não precisávamos de muito
para excitar o outro. Estávamos sempre prontos, mesmo com o passar dos anos.
O beijo tornou-se chamas em poucos instantes. Nossas línguas travavam uma deliciosa
batalha com gosto daquilo que estava ao nosso lado ao longo daqueles anos.
O amor.
Meu pau latejava dentro da calça e minha Tirnanoge remexia-se embaixo de mim.
Kira usava um short de dormir curto, e a blusa seguia o mesmo padrão. Um pouco
transparente, inclusive.
Minhas mãos passearam por seu corpo, encontrando a barra do short e encontraram o ponto
certo entre suas pernas.
Gemeu, quando enfiei dois dedos de uma vez, e, com a mão livre, ergui um pouco a blusa,
chupando os seios já entumecidos, alternando, posteriormente, mordidas em sua pele, fazendo com
que arrepios percorressem seu corpo. Meus dedos movimentavam-se dentro dela, e eu sentia seu
corpo me apertando um pouco mais, enquanto meu rosto afundava na curva do seu pescoço.
Puxou os fios do meu cabelo pela nuca, do jeito que sabia que eu adorava. Continuei sugando
seus seios, vendo-a se contorcer embaixo de mim pedindo por mais.
Minha mulher exercia um forte controle sobre mim.
E eu a queria. Sempre.
Com cuidado, ergui suas mãos, removendo sua blusa e jogando-a no chão. Nossas
respirações estavam afoitas, às vezes parava com os beijos para me olhar. Havia fogo, paixão,
cuidado, desejo e amor.
— Você é tão perfeita, Kira. Completamente feita para mim — sussurrei, ouvindo um gemido
como resposta, quando afundei ainda mais meus dedos nela.
Como se estivesse ansiosa por meus lábios, puxou-me pelos cabelos, trazendo-me para mais
perto novamente.
Abri os lábios para receber sua língua, como se já esperasse por isso. Ainda buscávamos
cada canto da boca um do outro, como se estivéssemos fazendo aquilo pela primeira vez.
Suspendi um pouco o seu corpo, colocando o brinquedo de borracha entre nós, enquanto ela
murmurava alguma coisa inaudível. Gemeu, enquanto a beijava novamente.
Ela estava mais que pronta. Sabia disso.
Passei os dedos por sua barriga, sentindo sua extensão. Sempre fiz questão de explorar cada
pequeno pedaço de sua pele, como se em cada vez descobrisse algo novo. Um lugar que a fazia
suspirar diferente, qualquer coisa.
Interrompi o beijo, voltando a dar atenção ao seu pescoço e lóbulo. Beijei o colo, seios,
barriga.
Apertou com força o lençol quando puxei o short para o lado, juntamente com a calcinha,
brincando com a ponta do seu brinquedo de plástico em sua entrada.
Kira se contorceu, mordendo meu pescoço.
— Quando eu te vi usando isso, pela primeira vez — sussurrei em seu ouvido, prendendo seu
corpo entre o meu e a cama —, queria pegar esta porcaria, jogar pela janela, e me enfiar em você,
Kira, até que você só conseguisse pensar em mim.
Kira gemeu, quando coloquei mais do brinquedo dentro dela. Afastei-me, para pudesse ver
bem o eu estava fazendo.
— Você gosta disso? — Movimentei um pouco, sentindo suas unhas cravarem em qualquer
parte do meu corpo que conseguisse alcançar. — Gosta, não é?
Repeti o movimento, sentindo suas unhas ainda mais fortes em meu braço.
Falou algo inaudível.
— Acho que você quer mais, não é? — Kira empurrou a cabeça contra a cama, mordendo os
lábios com força, enquanto eu enfiava mais do brinquedo em seu corpo.
— Carlos — murmurou, por fim.
— Você pensava em mim, quando usava isso? — Enfiei mais um pouco, fazendo movimentos
circulares, e retirando um pouco o objeto de sua boceta.
— Só depois — confessou. — Depois daquele dia, eu só pensei em você.
— Eu também — admiti, dando mais uma enterrada com o brinquedo nela —, eu também só
sabia pensar em você, meu amor.
Meu pau latejava na calça moletom que eu vestia, e eu precisava, desesperadamente dela.
Empurrei o pau de plástico mais um pouco em seu corpo, vendo-a erguer-se em minha
direção.
— Agora, Tirnanoge, que já matamos a saudade desse nosso amigo, eu vou te mostrar o que
um pau de verdade pode fazer. — Mordisquei seu lábio, levantando-me e jogando minhas roupas de
qualquer forma no chão.
Kira também se apressou em se livrar do short e da calcinha que ainda vestia. Beijei seu
monte de vênus, mordiscando o clitóris e passando a língua pelos grandes lábios.
Em seguida, meu corpo estava sobre o seu.
Tirei, da frente de seu rosto, os fios de cabelo que estavam colados, impedindo-me de vê-la
totalmente.
— Eu te amo tanto, Kira. — Colei nossos lábios rapidamente, empurrando meu corpo contra
o seu, fazendo-a arquear um pouco em minha direção.
Nossos corpos encontraram um ritmo perfeito. Sabíamos exatamente o que fazer para dar
mais prazer ao outro.
— Eu te amo — sussurrou, entre as estocadas.
A voz denunciava que estava perto.
Gemidos, sussurros, promessas apaixonadas e o som dos nossos corpos se encontrando era a
música que compúnhamos naquele momento.
Até que, juntos, gozamos.
Nós não apenas preenchíamos nossos corpos, mas era como se nossas almas tivessem uma
ligação única.
Eu não acreditava em sorte.
Sempre soube que tínhamos que lutar para conquistar aquilo que almejávamos. Mas eu sabia
que Kira se mudar para o apartamento em frente ao meu, não tinha nada a ver com meus esforços.
Foi sorte, minha sorte, nosso destino.
Ela era meu trevo.
Estávamos destinados a nós mesmos.
Então, se eu fosse escolher um epílogo para a nossa história, eu podia dizer que quando o
destino age, o felizes para sempre é inevitável. Mas que a vida segue, o casal enfrenta as
dificuldades, e seguem juntos, independente das circunstâncias, porque não existe nada mais forte no
mundo, que o amor.
Ou, no nosso caso, uma amizade colorida.
Agradecimentos

Um livro, decididamente, não é feito sozinho.


São tantas e tantas pessoas envolvidas nesse processo. Pessoas, sem as quais tudo seria ainda
mais difícil.
Primeiramente, meu agradecimento a minha família. Minha mãe e irmão que me apoiam e
incentivam o tempo todo. Muito amor e eterna gratidão a vocês.
Uma das coisas pelas quais mais sou grata no meio literário, foram as amizades que construí
e tenho construído no meio do caminho.
Taiane, Fabi e Valdirene, minhas conterrâneas e parceiras para toda hora. Obrigada por
estarem lá o tempo inteiro e nunca me deixarem cair. Sou grata demais a todas vocês.
A CLAV-BR, Crys, Lucy, Ariane, Vall e Bah, o que seria de mim sem nossos papos mais
descontraídos e também os mais profundos? Esse grupo também é uma escola, e aprendo com vocês
para em todos os aspectos da vida. Obrigada por fazerem parte dos meus dias. Sejam eles eufóricos
ou tristes. Vocês são demais.
Bah e Crys, obrigada por serem sempre um porto nos dias mais sombrios, pelos puxões de
orelha mais sinceros e por sempre acreditarem em mim, quando eu mesma não consigo.
Dani, minha beta, amiga de todas as horas e confidente. O que eu faria da minha vida sem
você para trocarmos mensagens o dia todo? Obrigada por sempre me apontar o caminho (seja sempre
literário ou não) quando eu, decididamente, não faço ideia do que fazer. Você e sua forma única de
ver a vida me inspiram.
Bia, Tati e Tali, nem sei o que faria sem vocês. Sério! Obrigada pelos conselhos, paciência,
ânimo e por serem tão incríveis. Vocês são maravilhosas demais!!!
As meninas do Amores da Ray, só tenho gratidão por serem tão amigas de todas as horas!
Amo vocês todinhas!
E agradeço a você, querida (o) leitor, que chegou até aqui. Espero que tenha se divertido com
esse casal e o menino mais fofo que já criei.
Espero que nos vejamos em breve.
Mil beijos, Ray.

[1]
Mãe em gaélico.
[2]
Não em gaélico
[3]
Não, em gaélico
[4]
Sempre bonita
[5]
Personagem do livro Apenas Amigos: era o que eles diziam
[6]
Ilha Irlandesa, onde, seguindo as tradições, o tempo parece às vezes, parar. Conhecida também como Ilha da Juventude.
[7]
Trecho do livro As desventuras de se apaixonar por um homem de aquário, peixes, áries e touro.
[8]
Padroeiro da Irlanda
[9]
De volta para o futuro
[10]
Bisavô
[11]
Personagem do livro Apenas amigos: era o que eles diziam.
[12]
Praça pública no centro de Dublin

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