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2022

Nome da obra: O PACTO MALICIOSO – PERIGOSOS E PROTETORES


1
Revisão e Preparação de Texto: Dani Smith Books
Diagramação: Mavlis
Capa: Mavlis
Nome do autor: Mari Cardoso
www.maricardoso.com.br

Copyright © 2022 por Mariana Cardoso

INFORMAÇÕES
Esta é uma obra de ficção que não deve ser reproduzida sem
autorização. Nenhuma parte desta publicação pode ser transmitida ou
fotocopiada, gravada ou repassada por qualquer meio eletrônico e
mecânicos sem autorização por escrito da autora. Salvo em casos de
citações, resenhas e alguns outros usos não comerciais permitidos na lei de
direitos autorais.
Esse é um trabalho de ficção. Todos os nomes, personagens, alguns
lugares, casos envolvidos, eventos e incidentes são frutos da imaginação da
autora. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas, ou eventos reais
é apenas espelho da realidade ou mera coincidência.
SINOPSE

Coraline Sutherland era uma rica garota nerd. Estudiosa, a filha caçula
da família não tinha muitos interesses além de arte e cultura. Sempre gentil
e querida por todos, causou uma completa surpresa ao ser pega com o carro
cheio de drogas, jogando o nome da família no olho do furacão pelo
escândalo que a levou para a cadeia. No entanto, ela não fazia ideia de que
sua vida mudou por ser alvo de alguém que deveria lhe amar.
Boas garotas precisam se tornar más para sobreviver.
Diablo cresceu nas ruas. Conheceu o caos e a morte antes mesmo de
sentir amor. Vivendo com Priest e Angel, se tornou um homem ambicioso e,
querendo ter o melhor, dedicou-se aos estudos para ser um advogado. Após
anos de uma carreira de sucesso, abandonou tudo para ser vice-presidente
do infame clube Devil’s Ride. Comandando um vasto território, dominando
boates e servindo o melhor do entretenimento adulto nas noites, também era
conhecido por ser um homem capaz de causar muita dor na vida dos
inimigos.
Diablo não salvava vidas. Ele as levava diretamente para o inferno.
Quando uma jovem inocente é jogada no mar com seu nome tatuado
no ombro, ele se vê inesperadamente ligado a alguém como nunca havia
acontecido antes.
E ele fará de tudo para proteger a mulher que roubou seu fôlego… e o
coração.
Sumário
SINOPSE
CARTA DA AUTORA
Prólogo
Prólogo
Capítulo Um
Capítulo Dois
Capítulo Três
Capítulo Quatro
Capítulo Cinco
Capítulo Seis
Capítulo Sete
Capítulo Oito
Capítulo Nove
Capítulo Dez
Capítulo Onze
Capítulo Doze
Capítulo Treze
Capítulo Quatorze
Capítulo Quinze
Capítulo Dezesseis
Capítulo Dezessete
Capítulo Dezoito
Capítulo Dezenove
Capítulo Vinte
Capítulo Vinte e Um
Capítulo Vinte e Dois
Capítulo Vinte e Três
Capítulo Vinte e Quatro
Capítulo Vinte e Cinco
Capítulo Vinte e Seis
Capítulo Vinte e Sete
Capítulo Vinte e Oito
Capítulo Vinte e Nove
Capítulo Trinta
Capítulo Trinta e Um
Capítulo Trinta e Dois
Capítulo Trinta e Três
Capítulo Trinta e Quatro
Capítulo Trinta e Cinco
Capítulo Trinta e Seis
Capítulo Trinta e Sete
Capítulo Trinta e Oito
Capítulo Trinta e Nove
Capítulo Quarenta
Capítulo Quarenta e Um
Capítulo Quarenta e Dois
Epílogo
Epílogo
CENA EXTRA
SOBRE A AUTORA:
AGRADECIMENTOS
CARTA DA AUTORA

Antes de começar a falar sobre este livro, eu quero agradecer a todas


as leitoras pelo sucesso incrível que vocês transformaram Priest e Serena.
MUITO OBRIGADA! E graças a todo barulho que fizeram que a história
de Diablo e Cora chegou com pouco mais de um mês para vocês. Estão
preparadas? Eu certamente estou ansiosa para que essa experiência seja
incrível e que cada leitora se apaixone como eu me entreguei a esses dois.
Diablo é quase impossível de descrever. Ele se enquadra bem no
quesito perigoso e protetor, mas ao descobrir o quanto é capaz de amor, ele
se torna um protagonista que na realidade NÃO PELO AMOR DE DEUS e
nos livros a gente grita SIM, MANDA MAIS! Cora não é somente uma
mocinha inocente e virgem, ela é mais que isso e sabe usar seus punhos na
hora certa.
E como devo avisar sempre, esse livro contém muitas cenas de
violência, sexo explícito, palavrões e pode conter gatilhos diversos para
leitores mais sensíveis. Não é considerado dark romance, porém, tem cenas
causam desconforto e um pouco de angústia. Tudo dentro do meu estilo e
obviamente, faço meu papel em salientar que nem todos irão gostar, alguns
sim, outros não e é excelente porque ler deve ser democrático.
É um romance, portanto, tem um final feliz e extremamente
recomendado para maiores de dezoito anos.

Com amor,
Mari Cardoso
Prólogo
Diablo
Ele estava queimando. Gritando e batendo no vidro, implorando para
que eu pedisse ajuda. O ar faltaria em breve e o fogo logo traria o
inconfundível cheiro de carne queimada.
Aquele filho da puta merecia.
Meu padrasto pervertido entrou no meu quarto uma vez e eu avisei
para não fazê-lo nunca mais. Ele tentou de novo e a vadia da minha mãe
estava bêbada demais para falar alguma coisa.
Eu avisei para o bastardo não tentar me tocar.
— O que você fez, monstro?! — Mamãe gritou, me puxando e caí no
chão. Ela bateu em meu rosto, mas eu levantei e peguei o frasco que havia
deixado cair.
— O que foi? — Eu me virei e joguei gasolina nela. — Quer ir para o
inferno com seu marido abusador?
— Você é louco!
— Eu sou o seu inferno. — Acendi o isqueiro e ela gritou, correndo
para longe.
Ela deveria ter cuidado de mim, me amado, alimentado e me feito
sentir feliz em casa. Mas ela apenas escolheu os homens ruins e o último,
me espancava sempre para sua diversão pessoal. Eu deixei o trailer pegando
fogo para trás e andei pela beira da estrada por longas horas até encontrar
uma cidade.
Del Ride.
Já tinha ouvido falar e só queria um pouco de comida.
Entrei em uma lanchonete, fedendo a gasolina e sujo da poeira, estando
a dias vivendo nas ruas e sem comer direito. A mulher atrás do balcão me
deu uma olhada.
— Oi, eu sou a Tina. Você quer um prato de sopa, criança?
— Não sou uma criança — rosnei, com a raiva familiar borbulhando
no meu peito.
— Quantos anos tem, docinho?
— Tenho onze anos, sou um homem — rebati, erguendo o queixo e
tirei o único dinheiro que tinha. Vinte dólares. — Traga toda comida que
esse dinheiro aqui pode pagar.
Ela pegou a nota e saiu, escolhi uma mesa no canto e fiquei atento a
todas as pessoas ao meu redor. Um garoto entrou pouco depois, ele usava
uma jaqueta de couro, bermuda e botas. Sem camisa. Falou com Tina, virou
em minha direção e parou perto da mesa.
— Soube que é um garoto com fome. — Ele era alto, mas bem mais
novo que eu.
— E o que tem com isso, pentelho?
— Eu sou Priest e aqui é meu lar. Se quer comida de graça, vem
comigo. — Ele me devolveu a nota. — Vem agora, porra.
Prólogo
Cora
Em um minuto, eu era uma garota feliz. Em sessenta segundos,
estava cantando minha música favorita a toda altura quando uma viatura
policial me mandou encostar meu carro, melhor dizendo, o carro da minha
irmã.
Era um conversível de luxo branco, lindíssimo, que ela ganhou dos
nossos pais. O meu estava sem seguro ainda e não podia usá-lo para longas
distâncias.
Pensei que fosse uma lanterna ou o fato de que troquei de pista sem
ligar a seta. Pensei que fosse qualquer coisa, não uma vistoria buscando
drogas, que eles encontraram no fundo falso da mala. A música alegre se foi
e em meio a uma multidão de pessoas que nos observavam naquela tarde
em uma área badalada de Los Angeles, eu ouvi a pior frase da minha vida:
“Coraline Sutherland, você tem o direito de ficar calada. Tudo o que
disser pode e será usado contra você no tribunal.”
Capítulo Um
Cora
Perto de Los Angeles
Califórnia
No mundo das pessoas ricas e precisando de um pouco de noção.
ANTES DE TUDO MUDAR.

O que eu poderia definir como felicidade verdadeira? Três anos


vivendo em um único lugar, convivendo com as mesmas pessoas, me fez
pensar que o tempo havia parado no primeiro dia em que colocaram as
algemas nos meus pulsos e me empurraram para o interior de um centro de
detenção e educação juvenil para jovens infratores.
Três anos que guardei o segredo de que, no final, eu não era culpada,
mas aceitei a sentença porque minha irmã mais velha tinha um futuro
brilhante pela frente. Três malditos anos em que não sabia mais quem eu
era, que aprendi que ser doce não me salvaria entre garotas realmente
perigosas.
Coraline, estudante atenciosa, educada e gentil, enfrentou problemas
com drogas e bebidas ao se relacionar com um grupo de meninos de
caráter duvidoso. Sua irmã, Amanda, era quem namorava um deles e sente
culpa pelos caminhos que Cora tomou para poder fazer parte da turma.
Parte do discurso da minha advogada ainda estava cravado na minha
mente.
Eu fui pega com um carro cheio de drogas. O carro era da minha irmã
e ela me emprestava de vez em quando. As drogas eram do namorado dela.
Como eu andava com eles, o juiz quis me usar como exemplo porque havia
uma série de meninas ricas como eu causando problemas ao sistema
judiciário e saindo impunes. Ele odiava meu pai e me condenou sem fiança,
dizendo que um tempo na detenção me faria bem.
Eu era uma adolescente. Como ser presa me faria bem aos malditos
dezessete anos?
— Cora? — mamãe me chamou do outro lado da mesa de jantar. —
Você está bem? — Ela pegou minha mão e fez o clássico olhar de quem
queria chorar mas não faria isso porque era uma mãe forte. — Eu sei que
foram anos difíceis. Acabou, Cora.
Acabou mesmo? Eu a encarei. Seus cabelos loiros perfeitos e o rosto
com muitos procedimentos estéticos, incluindo os lábios, com
preenchimento. Ela tinha sérios problemas em aceitar a idade. Sempre foi
muito bonita, refinada, nunca gritava ou perdia os modos. Ela nos educou
para sermos da mesma maneira.
— Eu tenho mesmo que voltar para Los Angeles? — Suspirei,
pensando em como encontraria as pessoas que fizeram parte da minha vida
e provavelmente, me tratariam como uma criminosa cheia de lepra. — Não
posso ficar com a vovó em Seattle?
Mamãe se moveu na cadeira, desconfortável.
— Querida, eu não sei como te dizer isso. — Ela apertou meus dedos.
— Sua avó faleceu há um ano. Sua psicóloga nos aconselhou a não dar a
notícia porque você estava muito fragilizada.
Soltei nossas mãos, virei o rosto e percebi que só fazia um dia que
estava fora e mamãe já havia me transformado em alguém como ela. Cabelo
cuidadosamente escovado, atrás das orelhas, um terninho rosa claro, calça
jeans, sapatos de salto e uma blusa bem passada.
Minha esperança era viver com a minha avó. Ela foi a única que não
me fez sentir culpa por acabar com a nossa família e estranhei não receber
mais suas cartas, porém, atribuí ao fato de que era idosa e precisava de
ajuda para escrevê-las. Ignorei sua ausência para poder manter minha
sanidade e continuar acreditando que ao sair, teria um lar longe de tudo que
me machucava.
— Seu pai e eu estamos organizando uma festa de boas vindas. —
Mamãe saiu do lugar e tocou meus ombros.
— Eu prefiro que não tenha nada, obrigada. — Ajeitei minha blusa.
— Não quero uma festa.
— Você ficou muito tempo fora, nossos amigos e familiares querem te
ver e desejar um novo recomeço na cidade. Antes de voltar a estudar, pode
ir trabalhar comigo. Amanda está se saindo muito bem no escritório com
seu pai.
Claro que sim. Amanda era perfeita e não errava nunca.
A maneira na qual meus pais tratavam meus anos na detenção juvenil
como se tivesse sido uma viagem de intercâmbio era estranha. Se não
tivesse saído em todos os jornais e revistas, com meu rosto bem estampado
como: FILHA DE ADVOGADO DOS FAMOSOS É PRESA POR
TRÁFICO DE DROGAS, eles teriam dito que estava vivendo na Inglaterra
para estudar. Durante muitos anos, meu pai foi um criminalista, mas ele
nunca explicou por que deixou tudo para atender apenas ricos e
celebridades em casos comuns.
O garçom trouxe nossas comidas. Minha boca salivou, fazia tempo
que um prato bonito e cheiroso não aparecia na minha frente, ao mesmo
tempo, meu estômago parecia torcido com a viagem que teríamos pela
frente para chegarmos em casa. Peguei o garfo, colocando o guardanapo de
linho no meu colo, ajeitando a postura e comecei a comer o delicioso ravioli
de espinafre e queijo.
Mamãe comeu apenas uma salada acompanhada de uma taça de vinho
branco, o tempo todo digitando mensagens. Devia estar garantindo que
minha recepção fosse incrível e memorável, como todos os eventos
produzidos por ela.
José, nosso motorista há anos, parou o carro na frente do hotel. Ele me
deu um sorriso contido, na frente dos meus pais ou irmã não falava comigo
da mesma forma como quando estava sozinha. Os funcionários tinham
regras e isso incluía não serem nossos amigos. Na cozinha, eu adorava
passar horas comendo tudo o que elas preparavam antes de todos e ouvindo
as fofocas. Senti falta de casa e ao mesmo tempo, não sentia mais que ali
era minha casa.
A viagem foi silenciosa. Mamãe cansou de tentar puxar assunto. Não
tinha nada para dizer e não queria ouvir as fofocas de pessoas que conhecia
antes da minha vida mudar. De braços cruzados, olhei para a janela,
sentindo o vento fresco no rosto e amando ver o mundo. Em três anos,
algumas coisas mudaram: havia novas redes sociais, novos aparelhos de
celular, a televisão estava mais fina e os carros um pouco mais modernos.
Pequenos detalhes sutis que não faziam diferença para quem
acompanhou a evolução, mas para mim, eram novidades interessantes de se
prestar atenção.
Nossa casa continuava igualmente grande, poderosa, bonita e para
minha tristeza, cheia de pessoas no gramado dos fundos, além de garçons e
um buffet. A música chegou a parar quando surgi na varanda. Todo mundo
me olhou, estavam curiosos sobre como eu iria agir. Será que pensavam que
eu iria jogar pó de cocaína para o alto? Sair atirando? Ou pensaram que eu
voltaria tatuada e com os cabelos raspados?
— Cora! — Papai subiu os degraus, quebrando o gelo do ambiente. —
Bem-vinda, filha. Eu senti sua falta. — Ele me abraçou e não consegui
retribuir todo aquele calor e saudade. Papai não acreditou em mim, ele disse
que Amanda jamais venderia drogas… mas e eu? Por que ele sequer
cogitou que eu era capaz daquilo?
Não falávamos mais sobre o que aconteceu. Cada vez que ia me
visitar, era como se eu estivesse em uma colônia de férias. Ele falava sobre
qualquer coisa inútil, menos sobre o elefante branco que me colocou ali, me
tratando como a filha amada, princesinha e enchendo “meu quarto” com
todas as regalias que conseguia por fora.
E no fim eu tinha que dar a maior parte das coisas, para manter uma
boa relação com as outras detentas.
Papai beijou minha testa e aquilo quase me fez chorar.
— Cora! Irmã! — Amanda entrou entre nós e me apertou. — Estou
muito feliz que esteja em casa novamente! Vamos nos divertir tanto!
Divertir? Ela estava falando sério? Olhei em seus olhos e constatei
que o tempo só havia me fodido. Eu estava magra e musculosa, porque se
não treinasse e tivesse força física, seria derrubada nas brigas generalizadas
que aconteciam no pátio da detenção. Ela? Caramba! Amanda parecia
recém-saída de uma revista, com os cabelos hidratados, longos, a roupa
certamente de alta costura e o corpo feminino de tirar o fôlego.
Suas joias eram lindas.
Eu não queria me divertir. Queria voltar três anos antes e nunca, em
hipótese alguma, ter entrado naquele carro e me afastado de todos os
amigos dela.
Amanda ignorou o fato de eu não ter compartilhado de sua alegria, me
virei de forma brusca para falar com nossos primos e tios. Alguns amigos
pareciam estar dançando a mesma música ignorante dos meus pais. Agiram
como se minha viagem alucinante dos últimos anos fosse a única pauta
possível e falaram sobre o quanto suas vidas estavam incríveis e eu havia
perdido todas as coisas boas.
Mamãe me deu um prosecco para brindar. O gosto era ainda pior do
que eu lembrava. Dei um gole, não sorri para nenhuma foto e logo que
possível, disse que estava cansada e queria ir para o meu quarto. Subi
sozinha, passando a mão nos quadros e fotos, vendo que a decoração estava
modificada e mais luxuosa.
Entrei no meu quarto e encostei a porta com o peito apertado. Senti
falta daquele lugar, da minha cama e até mesmo da estúpida mesa de
estudos em que eu sempre passava as tardes fazendo dever de casa e me
preparando para a faculdade. Sequei as lágrimas que caíram e fui para o
closet. Tudo estava do mesmo jeito. Aquelas roupas nem deveriam dar em
mim e estavam fora de moda.
Ouvi um barulho e me preparei. Não estava mais sozinha.
— Mamãe quis manter suas coisas para que você decidisse com o que
quer ficar. Vamos às compras durante a semana, tirei folga do escritório
para cuidar da minha irmãzinha. — Amanda parou atrás de mim no espelho
da minha penteadeira. — Essa casa ficou muito vazia e silenciosa sem você,
Cora. Vamos recuperar o tempo perdido.
— Saia do meu quarto — pedi, encarando-a. — Eu quero ficar
sozinha agora.
Amanda ficou vermelha. Eu nunca havia falado naquele tom com
ninguém. Ela me deu um olhar, como se sentisse pena de mim.
Inesperadamente, me abraçou, dizendo que me amava e saiu com seu andar
de miss universo, ombros eretos e cabeça erguida. Voltei a me encarar no
espelho, peguei uma caneca de cerâmica decorativa e a atirei contra o meu
reflexo, extravasando uma pequena fração de toda a raiva que tinha dentro
de mim.
Capítulo Dois
Cora
O escritório do meu pai estava duas vezes maior. Ocupava três andares
de um prédio famoso no centro da cidade, cheio de funcionários andando de
um lado ao outro. Ninguém olhou na minha direção, sequer pareciam se
importar com a minha presença e estavam ocupados demais com suas
demandas.
Amanda surgiu ao fundo, usando branco, parecendo um anjo.
Ela tinha uma sala privada. Mal havia se formado, ainda estava
estudando o que era necessário para ser uma advogada e tinha a porra de
uma sala enorme e privada.
— Não se preocupe com isso. Você terá a sua sala se não quiser
trabalhar com sua mãe. — Papai apertou meu ombro. — Amanda faz um
ótimo trabalho aqui. Ela é vivaz e tem o comando dos funcionários.
Eu dei ao meu pai um olhar intolerante. Não queria falar sobre
Amanda e seus feitos. Ela seguiu a vida plenamente, assumindo a postura
de doce garota perfeita, quando na época, era o namorado dela quem
podíamos chamar de traficante. Sempre fui a irmã nerd, que não teve um
namorado cedo, sem muitas amigas e que não gostava das mesmas coisas.
Preferia ler a sair.
Ficava vendo filmes nos finais de semana e minha ideia de diversão
era ir ao museu e parecer velha o suficiente para conseguir uma taça de
vinho.
Minha bateria social nunca foi muito grande e depois da detenção,
parecia menor ainda. Estar no escritório rodeada de muitas pessoas me
causou um pouco de exaustão. Papai tagarelou o dia inteiro sobre as contas
grandes de clientes que tinha e o quão importante nosso sobrenome se
tornou (mesmo com o escândalo que eu causei). Ele sempre pigarreava
quando falava do passado, ajeitando a gravata, mudando alguma coisa de
lugar em sua mesa sem nenhuma necessidade.
Observei-o e não agi, nem comentei sobre seus tiques nervosos.
Assenti e acenei nos momentos certos, falando só quando era necessário.
— Veio ver onde será sua futura sala? — Amanda desfilou para dentro
do escritório do papai com um sorriso enorme. Ela carregava algumas
pastas e as deixou no canto.
— Espero que Cora se anime, tenho certeza de que o amor por
advogar corre pelas veias dela, mas está tudo bem ser design de interiores
como a mãe. Ela faz muito sucesso. — Papai retrucou e Amanda parou ao
lado dele, com familiaridade e delicadeza.
— Sei que ela vai tomar a melhor decisão, sempre tomou. — Amanda
sorriu com carinho e por um segundo, todo rancor que borbulhava em meu
peito caiu um pouco, mas logo voltou. Se eu tomava ótimas decisões, por
que fui presa por dirigir um carro cheio de drogas?
Houve um pouco de silêncio constrangedor e felizmente, o telefone do
papai tocou. Mamãe estava pronta para nosso jantar em família. Peguei
minha bolsa, olhando-me no reflexo da porta, usando um vestido longo,
azul escuro e mocassins baixos com os cabelos soltos. Amanda estava de
saltos altos, parecendo mais alta e sofisticada.
Ao sair da sala do papai, vi um homem realmente bonito e jovem
subindo os degraus ao nosso encontro. Ele estava fechando o terno, ergueu
o olhar e sorriu, me tirando o fôlego e acendendo tudo dentro de mim.
Havia uma parte feminina e adormecida que não encontrou liberdade na
adolescência; por três anos, me tornei uma mulher, mas não tinha nenhuma
experiência no quesito sexual. Ele era perfeito, vestido em um conjunto de
três peças impecável, cabelos loiros cuidadosamente penteados para trás,
olhos azuis e covinhas.
O tipo de garoto com ar de príncipe encantado por quem eu me
apaixonaria antes de ser presa. Parei, sem ação e porque não havia como
passar, mas Amanda deu a volta por mim e correu para os braços dele. Ela
ajeitou sua gravata e o beijou apaixonadamente. Senti que meu mundinho
deu uma breve abalada, afinal, minha irmã gostava de homens tatuados, que
tinham uma tendência ao caos e atitudes dúbias.
Talvez ele não fosse santo, mas sua aparência colaborava.
— Amor, finalmente! Quero que conheça minha irmãzinha! —
Amanda virou e apontou para mim. — Cora chegou em casa essa semana.
— Estive viajando e não pude estar na sua recepção. — Ele tinha uma
voz adorável.
— É um prazer conhecê-lo. — Dei um aceno e segurei a bolsa para
que minhas mãos não ficassem livres. Papai o cumprimentou com alegria e
familiaridade, muito feliz em ver o genro.
— Vai nos acompanhar no jantar, Jude?
— Claro que vai — Amanda respondeu por ele, se aconchegando.
O casal maravilha foi em um carro diferente. Papai e eu paramos para
buscar mamãe e após mais alguns minutos desconfortáveis no carro,
chegamos ao restaurante. Era o favorito da minha família há muitos anos, a
recepcionista nos levou direto para a varanda e já tinha uma mesa pronta e
os menus bem distribuídos, explicativos. Escolhi uma salada e pasta. Papai
pediu a bebida para todos.
Olhei para os quadros e me distraí com a vista da praia, brincando
com os padrões da toalha.
— Então, Cora — Jude chamou minha atenção. — Tem se adaptado
bem à cidade?
— Ela tem, sim — Amanda respondeu por mim, com um grande
sorriso e esfregou a mão no peito dele, um ato sutil no qual aprendi na
cadeia que dizia: “esse é minha propriedade”.
— Não, não tenho — cortei-a, dando um gole da minha água. —
Ainda estou procurando meus antigos lugares favoritos.
— Pedi para minha assistente relacionar todos os museus e casas
culturais da cidade, assim poderá se ambientar novamente — mamãe
acrescentou e eu virei o rosto, surpreendida, porque aquilo era muito melhor
do que encher meu armário de roupas de grife. — Sua habilitação vai
chegar em alguns dias. Seu pai e eu vamos liberar um dos carros para que
possa ter mais liberdade para sair.
— Sem supervisão? — Amanda questionou como se fosse o fim do
mundo. — Nós não deveríamos conversar sobre isso com mais calma?
Eu a olhei, bem intensamente, no fundo dos olhos. Ela não recuou de
imediato, porque dentro dela, havia alguém que eu não conhecia. Mas era
minha irmã, eu a amava, só não queria que falasse por mim. Queria que me
pedisse perdão por ter assumido a merda que ela ia fazer por estar
apaixonada. Papai limpou a garganta.
— Coraline precisa retomar a vida normalmente, como uma garota da
idade dela. Em breve, vamos resolver sobre a faculdade. — Ele deu um
tapinha na minha mão e sorriu.
Jude puxou assunto de novo, ele queria me conhecer ou ao menos,
desejava buscar me entender. Era um advogado e estive na frente de muitos
nos últimos três anos e também, por toda minha vida. Respondi as
perguntas que ele fez, falamos sobre livros e arte. Como Amanda podia
estar namorando alguém que tinha os gostos parecidos com os meus e não
com os dela?
Ela manteve a expressão neutra, mas estava nítido o quanto se movia
incomodada com o assunto que meus pais alimentavam.
Já em casa, meus pais foram dormir e fiquei sozinha, pois Amanda
ficou com o namorado. Pude passear pela casa sem ter alguém querendo
saber se eu estava bem ou precisando de alguma coisa. Olhei todos os livros
na biblioteca, peguei alguns para ler no meu quarto e ao retornar, passei em
frente ao quarto de Amanda.
A porta estava fechada e entrei mesmo assim.
Estava diferente. Tons mais claros, sóbrios, mostrando maturidade e
desempenho. A cama grande no centro, não era nada no estilo adolescente
rebelde que ela antes mantinha ali dentro. Seus livros pareciam cópias dos
meus. As fotos, nos mesmos lugares que eu tiraria se pudesse. Amanda se
tornou a garota certinha que eu era. Porque talvez, persistir com a imagem
que ela tinha, causaria problemas para nossa família depois que fui presa.
Perguntei-me se ela estava feliz fingindo ser quem não era.
Deixei seu quarto e fui para o meu, fechando a porta com a chave.
Tomei banho, vesti um pijama e peguei meu telefone. Não tinha nenhum
contato além da minha família e funcionários. Mamãe reativou minhas
redes sociais e recebi várias mensagens de amigos da escola. Eu não tive
minha formatura, apesar de estar formada quando fui detida.
Li tudo e não sabia como responder. Alguns juravam que nunca
acreditaram que eu seria capaz de vender drogas. Outros, mandaram
piadinhas.
Fiquei olhando para o teto. Como iria retomar minha vida? De onde
partir? Voltar a estudar? Procurar um emprego? Estava ganhando uma
mesada do meu pai para comprar minhas coisas básicas, só não me sentia
bem sendo uma parasita. Nem queria estar em Los Angeles e talvez,
reconstruísse minha vida morando sozinha.
Meu sono não estava dos melhores. A detenção me fez não baixar
minha guarda porque aprendi, da pior maneira possível, a não relaxar. Na
primeira noite, me sufocaram, na segunda, tentaram me afogar. Aprendi a
lutar, a me defender, e os horrores que eu vivi lá dentro ninguém nunca iria
saber.
A garota perfeita refletida no espelho não parecia com alguém que
precisou sobreviver.
Peguei no sono abraçada com um travesseiro e ouvi o momento em
que Amanda chegou em casa. Ela parou na minha porta por uns segundos
antes de seguir para o quarto dela. Foi para a varanda e senti o cheiro do
cigarro. Meu quarto estava todo escuro, me movi com cuidado e parei perto
da porta da minha varanda. Ela estava mexendo no celular, só dava para ver
a luz e a ponta do fogo. O quarto dos nossos pais ficava do outro lado da
casa e apostava que eles não sabiam que a princesa perfeita deles fumava
escondido.
Tirei uma foto, sem um motivo aparente, mas guardei no meu drive.
Voltei para a cama, sem saber se deveria ficar em alerta com Amanda ou
preocupada com o rumo que minha família havia tomado depois de todo o
escândalo causado pela minha prisão.
Capítulo Três
Diablo
Del Ride
Um lugar remoto e infernal da Califórnia.

Senti um dedo molhado no meu ouvido. Mesmo com o barulho do


ventilador ligado na minha direção, pude ouvir Serena soltar uma risadinha
de algum lugar da sala. Peter enfiou o dedo no meu ouvido, arrastando-o
para meu nariz. Ele também puxou meu cabelo, querendo que abrisse os
olhos. Pisquei e sorri, ele mordeu minha bochecha, ficou de pé e subiu no
meu peito. Moleque atentado do caralho.
— O que você quer, pestinha? — Agarrei-o e sem aviso, joguei para o
alto. Ele caiu em minhas mãos, rindo e Serena gritou comigo. — Eu não
vou deixá-lo cair, desesperada.
Serena apenas me deu seu olhar de mamãe furiosa e voltou para a
cozinha com um pano de prato. Estava lavando a louça do almoço que
Priest havia preparado horas antes. Ela era esposa do meu melhor amigo,
presidente do clube e pai do garotinho que não queria me deixar tirar um
sono necessário após ter passado a noite inteira acordado na boate.
Priest e Serena estavam casados há um tempo e logo se tornaram pais.
Priest já era pai de Cedrick, meu afilhado. Seus filhos eram como meus
filhos também. Eu os amava como amava Stormi e perto deles, podia ficar.
Peter me deu um sorriso enorme e apontou para seus brinquedos no canto,
deixando claro que gostaria de brincar comigo.
Peguei um carrinho, fazendo barulho como um idiota, mas ele riu,
então estava tudo bem. O importante era que ele ficasse feliz. Em sua curta
vida, já havia nos trazido muitas alegrias. Nunca imaginei que Priest
pudesse ser pai novamente, não com a resistência que tinha a se aproximar
intimamente de qualquer mulher.
— Ele precisa tirar uma soneca de quarenta minutos. — Serena se
aproximou novamente.
— Eu cuido disso. Só assim ele vai me deixar dormir.
— Tem certeza? — Ela mordeu o lábio. — Posso tomar aquele banho
bem demorado sem me preocupar?
— Some daqui. — Apontei para a escada.
Serena soprou um beijo para Peter e avisou que já voltava. Ele sorriu,
sem se importar muito. O problema era quando ele a via arrumada e com a
bolsa, o berreiro começava e era impossível de controlar. Quando ele
nasceu, descobri que ainda não tinha perdido o jeito de fazer uma criança
dormir. Um bebê que mamava no peito era mais difícil, mas Priest logo deu
um jeito do moleque se acostumar com a mamadeira e assim, Serena não
precisava ficar com o menino o tempo todo.
Peter dormiu vinte minutos depois e seu pai entrou em casa
silenciosamente. Olhou para o garoto dormindo e uniu as mãos, como se
agradecesse aos céus.
— Ele acordou antes que os galos cantassem e ficou importunando a
mãe dele do meu lado da cama, me chutando. Queria tudo e chorava por
qualquer coisa. — Priest se jogou no sofá. — O que você tem?
— O que quer dizer com isso?
— Eu te conheço como as linhas da minha mão. Você só fica por perto
quando está paranoico ou precisando se acalmar. Serena e o menino te
fazem pisar no freio, ouvi vocês conversando, mas não contou a ela o que
realmente tem. Se está com algum problema, fale, vamos quebrar a porra
toda. — Ele esticou as pernas à frente.
— Não tem nada de errado e talvez isso seja a porra do problema.
Muito tempo de paz, sinto um desconforto, até porque, ainda não descobri
onde o desgraçado do Javier está para que Stormi possa ter uma vida. —
Respirei fundo, olhando Peter dormir no meu colo e absorvi um pouco de
sua calmaria. — Não sei. Serena disse algo sobre sexto sentido, porém, não
acredito nessa merda.
— Estou cansado de te dizer que não devemos ignorar nossas
intuições. Foi isso que nos manteve vivos por tanto tempo. — Ele inclinou-
se para frente. — Com nossos passados fodidos, quem imaginaria que hoje
estaríamos aqui? Olhe para o clube e para tudo que temos.
— Não consigo acreditar que perdi o rastro do Javier. Ele está
confiante depois de ter matado Tereza e eu tenho certeza de que teve ajuda.
Com toda exposição em relação a Serena, ele pode ter se rastejado até um
de nós fazendo rondas e a encontrou. — Levantei e coloquei Peter no berço
portátil que Serena deixava na sala. — Como pude permitir que ele a
matasse?
— Apesar do seu apelido, você não é Deus para que possa impedir
qualquer coisa.
— Vai se foder. Como se sentiria no meu lugar se fosse a Serena?
— Em primeiro lugar, Serena é minha esposa, mãe do meu filho e tem
uma relação excelente com meu outro filho. Ela é a mulher que eu amo,
então, obviamente, eu estaria com ódio e muito transtornado. — Priest me
pegou pelo braço e nos levou para a cozinha. — Está maluco, caralho?
Tereza fodeu com sua vida em toda oportunidade que teve e te impediu de
ser pai. Ela te jogou nesse pesadelo e você… nem sabe se é o pai biológico
da menina, não que isso importe agora. Eu sequer a vi na vida. É
completamente diferente se fosse a Serena, até mesmo para você.
Fui até a geladeira, pegando uma cerveja. Estava um calor miserável e
minha cabeça parecia que ia explodir.
— E nem por isso devo vingar a morte dela?
— Sim. Pela Stormi. — Ele se apoiou no balcão. — Pela Tereza? Eu
nunca desejei a morte dela, mas gostaria ter lhe dito algumas verdades.
Eu não precisava de ninguém para me defender, embora meus amigos
tivessem uma opinião completamente diferente. Priest sempre foi feroz em
relação àqueles com quem tinha uma relação íntima. Ele tinha muito
ressentimento por Tereza não ter me deixado chegar perto de Stormi e por
mais que soubesse dos motivos dela, servi para sustentar e proteger. Nunca
quis fazer um DNA. Deveria, mas não fiz.
Depois de um tempo, já não fazia a mínima diferença se ela era minha
filha ou não. Eu era um adolescente quando me envolvi com uma mulher
mais velha e casada. Perdemos contato por muitos anos, até que sua vida
mudou drasticamente e elas foram parar na porta da minha casa em Los
Angeles.
— Estão com um humor ruim? — Angel entrou pelos fundos. — Vejo
fumaça saindo dos ouvidos de vocês. Aconteceu alguma coisa enquanto
estive fora? — Ele deixou um engradado de cerveja no chão e olhou para a
sala. — O bom motivo do silêncio.
— Você ainda vai ter filhos. — Priest bufou. Angel correu para a
mesa, batendo na madeira e eu ri. — Diablo está sentimental.
— Ahh! Vai tomar no seu cu, porra — vociferei alto demais e Serena,
que descia a escada, jogou seu chinelo em mim. — Não estou sentimental,
cacete. Era uma conversa sobre tudo estar calmo demais.
Priest riu, satisfeito por ter me irritado. Angel me analisou de cima a
baixo antes de abrir a boca.
— Gosto da calmaria. — Ele deu de ombros. — É melhor ter paz para
fazer nossas coisas sem ninguém enchendo o saco. Já bastam os idiotas
assediadores da boate.
Angel estava transtornado com um grupo de adolescentes assediando
as garotas.
— Eu também adoro. — Serena passou por nós, parando no meio. —
Não é como se a vida de vocês fosse parada, é um clube, rotas, muitas
reuniões e empreendimentos para gerenciar. É melhor que fique tudo bem.
Não tinha mais nada para dizer, eles estavam certos, tivemos meses
agitados e não precisávamos de mais problemas, ainda mais com um bebê
pequeno entre nós.
Del Ride precisava manter a fama de pacífica que nós lutamos muito
para conquistar. A ordem era nossa e foda-se quem não gostava. Era só sair
da cidade. Quando Priest começou a dominar as ruas, eu já estava no
inferno, mas ele me ajudou a ter um lar. Não tínhamos ninguém, fizemos do
clube a nossa vida e depois, encontramos Angel.
Priest decidiu acender o fogo da churrasqueira novamente, temperei
mais carnes e sentamos do lado de fora, aproveitando o fim de tarde com
um bom churrasco junto a alguns membros do clube. Serena ficou indo e
vindo, fazendo suas funções no bar e no escritório, nos deixando de olho no
pestinha que, entre alguns brinquedos e corridas, enfiava alguma coisa que
não devia na boca.
Passei o tempo entre beber, correr atrás de Peter e ficar bêbado o
suficiente para dormir na minha noite de folga. Depois que a família
maravilha se mudou para a casa que construíram, eu tomei conta do
apartamento. Angel perdeu na queda de braço. Ele queria muito e ficou
choramingando pelos cantos que ainda dormia em um quarto pequeno por
ser o caçula de nós três. Com um pouco de pena, liberei meu antigo quarto,
ainda com o direito de ameaçá-lo se levasse qualquer puta para aquelas
paredes sagradas.
Minha casa ainda estava em construção.
Deitado em minha cama, olhei para o teto com a cabeça girando. A
sensação incômoda simplesmente não passava. Peguei meu telefone para
verificar o segurança que pagava para cuidar de Stormi na Inglaterra e ele
disse que estava tudo bem, ela estava em casa estudando e comendo sushi.
Estava me sentindo um merdinha por simplesmente não conseguir
dissipar o caos que crescia no meu peito.
Consegui dormir porque estava alterado, mas não fiquei na cama o
suficiente para descansar. Levantei, tomei banho para me refrescar, vesti
uma calça jeans, botas e o colete. Antes do dia amanhecer, montei em
minha moto e andei pelas ruas da cidade, devagar para que o ronco do
motor não acordasse a vizinhança.
Já na estrada, acelerei, deixando a mulher da minha vida ganhar força
e velocidade bem no meio da pista. O sol estava nascendo ao fundo, abri
meus braços, gostando do vento no rosto e peguei a direção novamente até
o mirante que dava para ver boa parte da cidade e o oceano.
Acendi um cigarro e fiquei olhando para o horizonte.
Fosse o que fosse, eu estava pronto.
Capítulo Quatro
Cora
Amanda quis que eu a acompanhasse em uma tarde de compras com
suas amigas para que eu pudesse me enturmar. Mamãe insistiu muito. Eu
não saía de casa e não tinha vontade de socializar com ninguém. Um
repórter idiota achou que seria interessante falar sobre minha rotina sendo
uma garota rica fora da cadeia e eu voltei a ter meu rosto estampado nas
mídias sociais como alguém que feriu a sociedade e estava circulando com
um carro de luxo.
Eu feri a sociedade? Minhas mãos não tinham calos quando fui presa.
Minhas unhas eram cuidadosamente feitas toda semana e sequer havia
segurado em uma faca antes de precisar aprender a me defender lá dentro.
Eles queriam atacar minha família a todo custo e meus pais eram ótimos em
fingir que nada estava acontecendo.
A negativa deles me causava um arrepio tenebroso na espinha, porque
no fundo, me fazia sentir que tudo que passei era fácil de ser esquecido. E
não era. Minha irmã era a primeira a ignorar o passado em alguns
momentos, exceto se a minha liberdade pudesse ferir tudo que conquistou
na minha ausência.
— Eu acredito que Jude irá me pedir em casamento esse fim de
semana e convoquei todas as minhas amigas para me ajudarem a escolher o
vestido desse momento especial. — Ela passou um pouco mais de batom
nos lábios e me deu um sorriso. — Tente ser legal.
— Minha simpatia e educação não são o suficiente para as suas
amigas?
Amanda suspirou, encostando no banco. Olhou-me com seu ar
superior, de que eu estava fodendo com seu planejamento.
— Não foram fáceis para ninguém os últimos anos, não só para você,
então, todos estão tentando seguir em frente. Pode ajudar? O que você quer
de mim, Coraline? — resmungou e eu ri sombriamente, sentindo meu
interior queimar.
— Um pedido de desculpas seria o suficiente. Você sabe que eu não
sabia das drogas no seu carro.
— E eu sabia? — Ela levou a mão ao coração. — Fomos enganadas
pelo mesmo homem! Ele nos usou, não tenho culpa. Acha mesmo que eu
seria capaz de te mandar para a cadeia? Depus a seu favor em cada
oportunidade que tive e virei noites pesquisando brechas na lei, tentando
convencer os promotores da sua inocência. — Amanda derramou algumas
lágrimas. — Eu te amo, Cora. Não foi fácil viver sem você.
Ela fazia parecer que eu estava morta e, do nada, voltei à vida. Foi tão
difícil viver sem mim que nunca foi me visitar, na desculpa de que passar
pela porta da cadeia lhe dava ataque de ansiedade. Mamãe e papai iam
regularmente, assim como a minha advogada ou alguns dos seus
estagiários.
— Espero que um dia me perdoe. — Ela me abraçou apertado. — Te
amo muito, irmã. Vem, vamos fazer compras.
A mudança repentina de humor me deixou tonta e o fato dela jurar que
jamais me prejudicaria também, mas, havia uma pequena parte dentro de
mim que pedia para que eu ficasse em alerta. Não fazia ideia de como,
quando ou porque, parecia não fazer sentido. Saindo do carro, uma brisa fez
com que meu cabelo levantasse e respirei o ar puro, ao mesmo tempo, meu
coração apertou com a sensação de que estava sendo observada. Olhei ao
redor, sem achar nenhuma pessoa óbvia me encarando e segui Amanda para
a loja de grife com umas garotas escandalosas, bebendo champanhe na
recepção.
Antes ou depois da cadeia, uma coisa era certa, eu não conseguia ficar
perto daquelas garotas fúteis. Foi difícil aturá-las a tarde toda, nem por todo
o champanhe do mundo. Amanda estava certa de que uma aliança de
noivado havia sido comprada porque Jude deu a entender, brincando com
seus dedos na noite anterior.
Ela achava que haveria um pedido de casamento só por que ele
brincou com os dedos dela? Amanda devia ter batido com a cabeça muito
forte na privada. Aquilo era surreal de inútil e fútil.
— Eu tenho que ir agora — avisei a minha irmã.
— Tem algum compromisso? — Ela franziu o cenho.
— Sim. Mamãe pediu para que eu buscasse uns tecidos na casa da
vizinha e eu não quero chegar tarde — menti descaradamente, usando um
comentário da nossa mãe no café como desculpa, peguei minha bolsa e me
despedi de suas amigas.
— Eu não lembrava que sua irmã era tão bonita, Amanda. Mesmo
com tudo que aconteceu, ela ainda parece uma princesa — uma amiga dela
cochichou, mas o nível de álcool a impediu de falar completamente baixo.
— Sim. Cora é sempre perfeita, desde o dia em que nasceu —
Amanda murmurou e eu saí, ignorando o comentário.
Usei o GPS para me orientar e encontrei uma corretora de imóveis que
disse que tinha bons apartamentos de um quarto em bairros comuns para me
mostrar. Visitamos três, gostei de um e disse que entraria em contato assim
que conversasse com meus pais sobre os custos iniciais. Até encontrar um
emprego, precisaria da ajuda financeira deles.
Baixei um aplicativo para saber melhor sobre as linhas de ônibus e fui
até a praia, onde comprei um sorvete e sentei na orla. Algumas pessoas se
divertiam andando de patins e skate, vários casais aproveitavam para tirar
fotos e namorar. Observei aquelas pessoas aproveitando uma normalidade
que havia morrido em mim. Não conseguia me sentir parte de uma
sociedade, eu estava na margem, apenas olhando o que elas eram capazes
de viver. Não parecia que aquilo me pertencia.
Terminei o sorvete e me levantei com o copinho vazio, jogando-o fora
e alguém esbarrou em mim. Virei, assustada, pronta para atacar e o garoto,
um adolescente, ergueu as mãos assustado e pedindo desculpas antes que o
jogasse no chão. Várias pessoas pararam para olhar, eu me desculpei,
pegando minha bolsa que caiu e saí apressada, sentindo um pouco de pânico
de ser reconhecida e alguém viralizar na internet a notícia de que eu quase
agredi uma criança.
Entrei no primeiro táxi que encontrei, ditando o endereço, ele me deu
uma olhada e seguiu adiante, meio que feliz por ser uma corrida longa.
Felizmente, ele não era do tipo que gostava de conversar e fez todo o trajeto
em silêncio. Ao chegar em casa, meus pais estavam na sala de estar,
conversando e bebendo vinho.
— Ora, ora. Chegou a mentirosa. — Amanda cruzou os braços com
um ar desafiador. — Você disse que tinha algo a fazer e simplesmente
sumiu. O que foi fazer, Cora? Está de volta aos velhos hábitos?
— Por velhos hábitos você diz visitar museus ou passar a tarde na
biblioteca lendo? Deve saber bem, Amanda. Afinal, seus gostos estão
incrivelmente semelhantes aos meus — rebati, sem paciência.
— O que está querendo dizer? Estou preocupada com você e vem me
atacar? Faz ideia do que nós sofremos com a sua prisão para você estar
buscando drogas novamente?
Deixei minha bolsa no aparador e lhe dei um sorriso.
— Vai se foder — falei tranquilamente.
— Já chega disso! — Mamãe saltou de pé. — Cora, por favor, modos.
Não usamos essas palavras aqui em casa. — Ela pegou minha mão. — Você
quer conversar?
— Amanda, nos dê licença para conversar com sua irmã — papai
pediu e ela o olhou incrédula, grunhindo. — Por favor, filha.
Saindo como uma criança birrenta, batendo os pés, ela fez questão de
bater a porta do quarto tão forte que os cristais do lustre tremeram. Sentei
no sofá, na frente dos meus pais e coloquei o cabelo atrás da orelha.
— Quer nos dizer onde estava? — Mamãe começou, pegando na mão
do meu pai, como se eles precisassem de apoio para me enfrentar. O que
eles pensavam que iria fazer? Avançar neles? Gritar?
— Sei que meu telefone é monitorado. Vocês sabem onde eu estava.
— Respirei fundo. Mamãe ficou vermelha.
— Ainda assim, queremos te ouvir. Cora, não somos seus inimigos, só
queremos entender. — Papai inclinou-se para frente e ofereceu sua mão. —
Fale conosco, filha.
— Eu não aguentei ficar perto da Amanda e das amigas dela. Elas são
idiotas e falam coisas estúpidas — confessei com um suspiro. — Estar ali
fez com que eu me sentisse ainda mais anormal. Como se eu não
pertencesse mais a lugar nenhum e está difícil me adaptar novamente, até
nas coisas que eu gostava antes. Perdi muita coisa, meus amigos, a escola,
não sei mais se eu gosto de ler os antigos livros e se eu ainda amo ver arte.
— Oh querida, você não precisa sair com as amigas da sua irmã.
Vocês sempre foram diferentes. — Mamãe sentou ao meu lado e me
abraçou. — Tenha um pouco mais de paciência consigo mesma, não vai ser
fácil, mas vai se encontrar. Você não é anormal, Cora. Sempre foi incrível,
linda e tão inteligente!
— E se eu me perdi para sempre, mãe? Lá dentro era horrível e eu
sinto medo de tudo, de voltar, de ficar presa. — Comecei a chorar e ela só
me apertou. Papai correu para o meu outro lado.
— Você não se perdeu. O dia mais feliz da minha vida foi quando
nasceu, Cora. Sonhei tanto com você. É perfeita, filha. Vai passar, ok? Tudo
isso vai passar.
Fiquei entre meus pais, acalmando o choro, mas a dor do meu coração
não passava.
— Fui ver alguns apartamentos. Eu tenho vinte anos agora, preciso
começar minha vida adulta e estava pensando que, talvez, deva começar a
ter independência. Depois, fui para a orla tomar sorvete e olhar o mar.
Papai pediu um tempo para pensar sobre a questão de morar sozinha,
ele achava que era cedo demais depois de tudo que eu passei e
definitivamente não seria nos bairros que escolhi. Ele afirmou que tinha
amigos com bons apartamentos em áreas luxuosas e eu precisaria ter um
segurança comigo. Mamãe brincou sobre nos divertirmos com uma nova
decoração para o meu quarto, talvez assim me sentisse mais independente e
menos uma adolescente perdida.
Quanto a trabalhar, aceitei a proposta de mamãe de ficar no escritório
dela fazendo alguns serviços básicos até me ambientar e escolher o que iria
fazer no próximo semestre na faculdade. Depois do jantar, no qual Amanda
fingiu que eu não havia mandado ela se foder, falando sem parar sobre seu
dia de compras e ao mesmo tempo, detonando uma das amigas que estava
presente, me perguntei se voltaria a me acostumar com aquela rotina.
Tudo que sentia era uma vontade enorme de correr para bem longe.
Capítulo Cinco
Cora
A campainha de casa tocou em um sábado ensolarado. Amanda gritou
para que eu atendesse, dizendo ser seu namorado. Continuei deitada, ela
implorou com uma voz de cachorrinho e me movi, com preguiça e um
pouco de chateação por ter minha leitura interrompida. Papai estava no
trabalho e mamãe em algum lugar da casa ajeitando as flores nos vasos.
Abri a porta e me deparei com Jude. Ele estava informalmente
vestido.
— Cora, ei! Caramba, quase não consigo te ver.
— Talvez seja porque você namore a minha irmã? — Inclinei a
cabeça para o lado.
— Ah, te achei super divertida. Deveríamos sair mais vezes.
Depende. Ele vendia drogas? Cruzei meus braços e lhe dei uma boa
analisada.
— Amor! Oi! — Amanda desceu as escadas pronta para ir à praia ou
piscina. — Que bom que chegou! — Ela o beijou apaixonadamente bem na
minha frente, dei as costas com um arrepio de nojo.
— Viu se sua irmã quer ir conosco?
— Ah, ela nem gosta de pegar sol. — Amanda riu, me deu uma
olhada e agarrou a mão do namorado. — Vamos. Não vamos deixar nossos
amigos esperando. — Ela me soprou um beijo e saiu rebocando o
namorado, deixando a porta aberta. Fechei e voltei a me deitar.
Parte da minha mente ficou resmungando pelo fato de que não tinha
amigos e uma vida social para aproveitar o sol lá fora enquanto a outra
parte tentava voltar a ler o livro. Joguei meu cabelo volumoso para trás e
ouvi uma risada, virei e mamãe estava na porta com uma garrafa de água.
Sua expressão divertida me amoleceu um pouco.
— Sempre uma Rapunzel. Tive medo que perdesse todo esse cabelo.
Bem que tentaram.
— Acho que é uma característica difícil de perder, mamãe. Terminou
com as flores?
— Pensei em surpreender seu pai com um almoço e depois, um pouco
de sol no clube com direito a bebidas coloridas, cheias de gelo e álcool o
suficiente para rirmos sem motivo. Quer vir comigo?
— Eu topo o almoço. O clube, eu vou pensar.
Era cheio de gente insuportável e esnobe.
Empolgada em passar um tempo com meus pais, corri para me
arrumar e apenas escovei o cabelo, deixando-o solto. Passei um creme para
hidratar as pontas, que ajudaria os cachos a ficarem mais domados. Ele era
muito volumoso e longo, o adorava, foi uma das poucas coisas que
consegui manter na cadeia. Melhor dizendo, no centro de detenção juvenil.
Mamãe quis ir dirigindo, colocamos música e fomos falando sobre o
livro que eu estava lendo. Meus pais sempre se interessavam pelos meus
títulos, geralmente eram sobre arte e cultura, brincavam que eu era um
pequeno poço de informações interessantes. Chegamos na empresa e
subimos direto. Enquanto minha mãe foi fuxicar a agenda do meu pai com a
assistente, eu parei em frente à parede de vidro, olhando para a cidade.
— Ei, lindinha. Veio me buscar? — Papai abriu a porta de sua sala.
Ele estava com um homem alto, atraente, que parecia ser advogado
também. — Sage Stapleton. É um advogado que conheço há muitos anos,
estávamos em reunião sobre um cliente em comum. Sage, esta é a minha
Cora.
— Eu não acredito que sua filha caçula já está desse tamanho.
— Ele era meu paralegal quando você nasceu — papai esclareceu e eu
sorri de forma simpática, apertando a mão do homem.
— Vejo você depois, Sutherland.
— Vem aqui, mocinha. Você está linda.
— Mamãe e eu viemos te sequestrar para o almoço e depois, ela quer
te levar no clube para ficar alegre e desconexa. Amanda saiu com o
namorado e os amigos.
— Eu adorei a ideia. Não quis ir com a sua irmã? Jude é um homem
centrado, inteligente, é um milagre que Amanda tenha assunto com ele.
Soltei uma risada e não falei nada, porque no fundo, Amanda não era
burra. Ela só gostava de coisas diferentes mas isso não a fazia uma pessoa
estúpida. As amigas dela sim, eram fúteis, irritantes e só pensavam em
roupas de marca. Segurei a mão de papai, ele e mamãe tiveram uma
pequena discussão sobre ela se meter nas coisas dele e depois, fomos
comer.
Meu apetite ainda estava estranho, meu paladar reclamava um pouco
do gosto da comida excessivamente gourmet que meus pais adoravam
comer. Eles se divertiram, pareciam felizes. Imaginei o quanto foi difícil
para minha família tudo que havia acontecido, por isso, aceitei ir com eles
ao clube.
— O que aconteceu com a placa dos Ward? — questionei a mamãe
quando paramos na entrada dos sócios fundadores.
— Ah, querida. Aconteceu um escândalo enorme e graças a isso,
pararam de falar da sua prisão. Foi uma coisa que abafou a outra. — Ela
segurou meu braço. — Serena Ward herdou tudo e simplesmente
desapareceu. Dizem que vive fora do país, escolheu ser discreta e com os
horrores que ela viveu, é completamente compreensível.
— Parece que a vida na alta sociedade nem sempre é perfeita.
— A vida de ninguém é.
Não quis mais pesar o assunto. Mamãe bebeu, dançou, conversou com
as amigas e eu fiquei deitada no sol, usando um biquíni comprado na loja
do clube, tomando vinho branco gelado e lendo no meu Kindle. Chegamos
em casa um pouquinho alegres, nosso motorista precisou nos buscar e um
segurança levou o carro de mamãe de volta para casa.
Tomei banho com o corpo ardendo e tirei uma foto de mim mesma
com as bochechas coradas. Hidratei meu cabelo ao som de minhas músicas
favoritas e ouvi o momento em que Amanda chegou em casa com o
namorado. Ela bateu em minha porta, perguntando se eu queria comer pizza
e só porque foi gentil, aceitei. Desci já pronta, Jude estava na sala e me deu
um aceno.
— Quer refrigerante ou suco, Cora? — Amanda gritou da cozinha.
— Suco!
— Ótimo. Refrigerante engorda — cantarolou e apareceu na sala com
um balde cheio de gelo e bebidas. — Passou o dia na piscina?
— Sim. O sol estava forte demais para ficar dentro de casa.
— Nós vamos sair com o barco amanhã novamente. Tem certeza de
que não quer vir conosco? — ela ofereceu, de bom humor. Eu não tinha
desculpas para dizer que não queria porque estava vermelha como um
tomate. — Poderia tentar ser um pouco mais sociável? Prometo que não vai
nenhuma das minhas amigas cabeça de vento.
— Nesse caso, eu já me animo — brinquei, pegando uma garrafa de
suco.
Amanda não ficou muito estressada por eu ficar conversando com o
namorado dela, entre comer pizza e trocar mensagens em seu telefone
celular, não prestou muita atenção. Jude ia dormir lá em casa, então deixei o
casal sozinho e subi.
Minha irmã me acordou cedo, dizendo que tínhamos que ir ao
mercado comprar alguns mantimentos para o iate da família do Jude, que
teria uma tripulação a bordo para nos servir.
Separei alguns livros porque sabia que eles iriam encher meu saco e,
por precaução, coloquei minha lista favorita para ouvir offline caso ficasse
sem sinal em alto mar. Com minha bolsa arrumada, apenas segui os dois
nos compromissos e embarcamos. Jude era animado e gentil, podia
entender por que minha irmã se apaixonou. Ela ria de tudo que ele falava,
mesmo aquilo que não tinha a mínima graça.
Devia ser paixão. Os livros descreviam algo sobre o tipo.
— Quer suco ou espumante? — Amanda me ofereceu com um
sorriso.
— Suco de laranja, do sem açúcar.
— Também quero! Vou deixar para beber mais tarde.
— Okay! Vou na cozinha pegar um lanche e volto com as bebidas. —
Ela levantou e prendeu o cabelo.
— Quer ajuda?
— Eu sei que você não é amiga da cozinha. — Amanda riu e foi
embora.
Do meu lugar, vi que falou com um membro da tripulação. Ele estava
formalmente vestido, mas me causava um pouco de arrepios. Jude não
conhecia nenhum deles, era uma equipe nova que os pais contrataram
temporariamente para substituir a equipe fixa, já que alguns estavam de
férias e outros haviam contraído uma infecção alimentar em uma festa que
o irmão caçula de Jude ofereceu na semana anterior.
— Sua irmã se dá bem com todo mundo, é impressionante — ele
comentou, observando-a interagir na cozinha.
Não podíamos ouvir o que estava falando, apenas víamos que
conversavam. Amanda era antipática e entendia que buscava causar uma
boa impressão para a família do Jude. Ela estava louca para que ele a
pedisse em casamento (eu não sabia o porque ele ainda não havia pedido) e
ter os funcionários falando bem dela para a mãe dele ajudaria. Era uma
tática antiga. Muitas garotas usavam disso para se promover e passar a
imagem que desejavam.
Amanda retornou com uma bandeja e a colocou entre nós. Agarrei um
sanduíche e o suco, comendo e olhando para o mar. Bebi todo o meu copo,
sentindo um gosto amargo no final. Fiz uma careta, limpando a boca e
suspirei com o arrepio que desceu pela minha espinha.
— O que tinha no suco, amor? Ele está estranho. — Jude olhou para o
copo.
— Amanda? — chamei sentindo a boca dormente, vendo que minha
irmã estava caindo da cadeira. Meu corpo foi desfalecendo, sendo tomado
por um frio intenso e um tremor que parecia que iria me quebrar em
milhares de pedaços até uma escuridão nebulosa me engolir.
Sentindo muito frio, abri os olhos e meu ombro queimava. Olhei para
o teto e parecia que eu ainda estava no iate, mas estava escuro. Tive um
vislumbre de algo amarelo e preto, uma voz sussurrante, mas não conseguia
acordar de verdade. De repente, eu estava consciente, alguém bateu no meu
rosto e eu gritei, me debatendo, lutando e me sentindo pegajosa.
Gritei com toda força que tinha, arranhando os braços da pessoa e
antes que pudesse fazer qualquer coisa, senti o impacto do mar gelado, onde
fui puxada para o fundo por uma onda grande. Minha mente estava confusa,
não conseguia chegar a nenhum pensamento coerente enquanto tentava
nadar. Bati meus braços e pernas, engolindo água.
O oceano iria vencer. Eu ia morrer.
Capítulo Seis
Diablo
Nunca fui muito amigo do mar. Eu não era fã de praia, embora
gostasse de admirar toda a paisagem exuberante ao redor de Del Ride. Era
pacífico. Gostava das gaivotas, tanto que tinha várias delas tatuadas nas
minhas costas, só não era fã de nadar e aprendi porque Priest me ensinou,
depois, ensinei a Angel e Cedrick. Nadar era importante, conhecer o mar
brabo da costa da cidade mais ainda e por isso, quando em um dia comum,
Serena gritou que uma mulher foi jogada no mar…
Eu corri para ele sem pensar duas vezes.
Tirei as roupas porque elas atrapalhavam. A mulher estava afundando,
seus cabelos pareciam avermelhados à distância e um pouco loiros. Era um
ponto branco no fundo do oceano. Estava frio. Priest me assustou ao nadar
perto de mim e fizemos esforço ao levá-la para a areia.
A mulher desmaiou novamente depois de vomitar. O que Priest e
Serena falavam ao meu redor era completamente confuso. Meu ouvido
parecia estar cheio de água e o esforço excessivo me deixou um tanto
cansado, principalmente porque havia bebido a noite inteira festejando com
os membros do clube e estava no meio de uma reunião na igreja
enfrentando uma ressaca.
Era um dia comum, de acordar e trabalhar normalmente para ganhar o
pão de cada dia. Outra mulher desconhecida chegando à cidade sem aviso
era de foder com a minha cabeça em poucos segundos. Os bombeiros da
praia estavam levando-a quando Serena me questionou, com seu olhar
intenso, se eu a conhecia.
A mulher que salvei minutos antes tinha meu nome tatuado no ombro.
Entrei na ambulância junto. Pierce estava na clínica quando chegamos, ele a
levou para uma sala e ficou lá dentro sem me dar notícias, mas era certo que
ela não sairia de Del Ride sem me dizer quem era e os motivos que a
levaram a fazer uma tatuagem com meu nome.
Priest trouxe roupas secas e aguardou comigo.
— Alguma notícia? — Angel chegou horas mais tarde.
— Ela estava drogada, com marcas de injeções no braço e ainda
assim, não sei quem ela é. — Encostei na parede, cruzando os braços.
O telefone de Priest tocou, ele se afastou para atender e imaginei que
fosse Serena querendo saber notícias, mas pelo tom, parecia ser outra coisa.
Ele respondeu baixo e encerrou a chamada, abrindo o aplicativo de
mensagens com um link. Parei ao seu lado para ler o que parecia ser uma
notícia de sequestro e desaparecimento.
HERDEIRAS SUTHERLAND SEQUESTRADAS.
Logo abaixo, uma foto da mulher com a irmã. Elas foram sequestradas
no iate do namorado da mais velha, que foi encontrado morto e à deriva.
Pediram resgate e só entregaram uma. Em anexo, havia informações de que
a caçula teve envolvimento com drogas no passado, mas não tinha mais
nada interessante.
— Eu conheço o pai dela. — Peguei o telefone de Priest. — Bill
Sutherland. Sage e eu fomos paralegals dele quando estávamos na
faculdade. Faz muito tempo.
— E por que ela seria jogada aqui com uma tatuagem no ombro? O
pai dela é nosso inimigo? — Angel pegou o telefone para ler. — Ela é
jovem, não tem aparência de mulher drogada e muito menos traficante.
— Não. Ele deixou a área criminalista e se tornou advogado de
pessoas famosas. Escolheu ser medíocre e rico, não só babaca e rico. — Eu
olhei para a foto de Coraline Sutherland. — Não lembro das filhas dele,
nem da esposa, não conheci ninguém íntimo porque não fazia a mínima
questão. Sage era quem tentava ser mais sociável no escritório.
— Nós não a sequestramos, ela foi jogada aqui. Vou pedir a Sage que
notifique a família, porém, eu não quero polícia e nenhum circo em Del
Ride. Nenhuma porra de atenção da mídia para esse lado ou eu vou queimar
tudo. — Priest pegou seu telefone de volta e foi se afastando.
O que eu tinha a ver com os Sutherland? Já fazia tanto tempo que não
trabalhávamos juntos, mais ainda, que eu deixei de advogar diretamente. Só
fazia algumas coisas para o clube, mas nada como pegar clientes e trabalhar
em grandes casos. Minha vida era totalmente dedicada ao clube e nada
mais.
Pierce saiu da sala de exames ao mesmo tempo em que a mulher foi
empurrada para o outro lado do corredor, provavelmente para um quarto.
Ele se aproximou, parecendo cansado e tirou as luvas, jogando-as em um
lixo próximo.
— Ela foi muito drogada, o organismo está lutando arduamente contra
as drogas, bebeu água, mas de modo geral está bem e vai sobreviver.
— Já descobrimos quem ela é e vem chumbo grosso na nossa direção
sem nem mesmo sabermos o motivo. — Assim que avisei, meu telefone
vibrou. Sage já estava em contato com o pai, eles estavam com a polícia
monitorando os possíveis sequestradores e a filha mais velha, que foi
entregue com o resgate, estava profundamente abalada dizendo que os
funcionários latinos do iate que haviam dopado os lanches.
Priest estava irredutível sobre permitir a aproximação de estranhos na
cidade, principalmente com aquela situação peculiar. As horas passavam, a
garota não acordava e eu não conseguia sair do hospital. Fiquei sentado nas
cadeiras próximas ao quarto com meus braços cruzados.
Angel assobiou no fim do corredor e me pediu para ficar de olhos
abertos, bateu no braço com dois dedos e moveu os lábios, dizendo que ia
para a escada. Eu me endireitei. Havia duas movimentações estranhas na
estrada. Tirei minha arma da cintura e a engatilhei, as enfermeiras se
assustaram e olharam para fora.
— Devemos trancar tudo?
— Eu ainda não sei, não fiquem dando mole por aí — avisei e parei
perto da porta.
Coraline ainda dormia. Ela estava com as mãos na própria barriga,
parecendo pacífica e um tanto pálida, usando uma camisola hospitalar. Meu
telefone vibrou e o peguei rapidamente. Angel mandou uma mensagem de
voz.
“Estão tentando entrar na cidade, são latinos fodidos e não parece ter
nenhum motivo relacionado ao clube”.
Se latinos sequestraram as filhas do Sutherland e poucas horas depois
que ele descobriu que a caçula estava viva, estavam tentando invadir a
cidade, aquela era uma missão para silenciá-la. Provavelmente imaginaram
que ela morreria afogada e só encontraríamos o corpo na praia. Coraline
estava com um alvo na testa e deveria saber mais ou… era um resgate.
Não podia considerá-la inocente. Seria tolice demais pensar que
apenas pela aparência angelical, poderia ser inofensiva. Eu olhei mais uma
vez para seu rosto e esperei que Angel me desse mais notícias dos ratos.
Serena chegou com algumas roupas, sendo gentil e dizendo estar
preocupada que a desconhecida não tinha nada para vestir.
— Eu conheço a irmã dela, não muito, apenas íamos ao mesmo clube
em que nossos pais eram sócios, para usar a piscina e pegar sol. — Ela
encostou na porta, olhando para Cora. — Essa aí quase não ia. Tenho
poucas lembranças dela. Sei quem é muito de longe…
— E o que sabe da irmã?
— Era um pouco vaca. Nada anormal na sociedade de garotas ricas.
— Serena deu de ombros. — Priest está irredutível porque a mídia está
fazendo uma grande cobertura. Soube que o pai dela está tão perdido e com
medo que pediu ajuda a Sage para lidar com o caos. — Ela tocou meu braço
para atrair minha atenção. — Quer ir? Peter já dormiu e Pink está como
babá dele. Eu posso passar a noite aqui, ela vai ficar assustada ao acordar e
encontrar apenas homens tatuados, usando coletes e tratando-a como uma
mulher perigosa.
— E ela pode ser perigosa — enfatizei.
— Em uma cama de hospital? Assim como eu era muito perigosa e
você me jogou em um porão sujo por longas fodidas horas? — Arqueou a
sobrancelha. Ela que procurasse a porra de um terapeuta para superar nosso
primeiro contato. Eu não tinha problema nenhum com o passado e confiava
nela, então, deveria ficar feliz.
— Eu vou ficar. É meu nome que está tatuado naquele corpo, além do
mais, você não deveria ter saído enquanto Priest está na estrada. Volte para
o clube, fique segura lá com as mulheres.
— Nick está comigo, eu não saí sozinha. Já aprendi minha lição. —
Serena ergueu a blusa mostrando que estava armada. — Eu também sou
uma Devil's Ride, bobinho. — Abriu um sorriso e tratou de se sentar em
uma cadeira, deixando claro que não iria embora.
Angel demorou para dar uma resposta, por fim, disse que não tiveram
alternativa, precisaram matar os homens e não tinham quaisquer
informações para dar. Merda. Bati meu punho contra a parede, não
gostando nem um pouco. Logo depois, Sage nos contactou e pediu para que
filmássemos Coraline, porque a mãe estava desesperada e queria vê-la. Eu
respondi que não era um caralho de um sequestrador para precisar dar
provas de vida.
Sem se mostrar ou falar muito, Serena fez uma chamada de vídeo com
Sage, ficou segurando o telefone para que a mãe e o pai de Coraline
pudessem vê-la. A mulher na chamada não parava de chorar, foi irritante.
Informaram que uma ambulância estava chegando na cidade para
transportá-la, o que era uma péssima ideia, porque se já tinham enviado
homens para matá-la antes, fariam isso de novo durante a viagem com
muita facilidade.
Liguei para Sage, ele reproduziu o que falei e em seguida, Bill pegou
o telefone:
— Você tem certeza?
— Absoluta.
— A ambulância não é segura. Cora só poderá vir para casa quando
acordar e em um esquema de segurança mais elaborado — ele falou com a
esposa e Sage.
— Eu vou protegê-la e levá-la em segurança, mas terá que ser do meu
jeito porque quero saber quem tatuou meu nome no ombro dela. Há algo
maior acontecendo, Bill. É o momento de ficarmos com os olhos bem
abertos. — Encerrei a chamada e olhei para Coraline dormindo. Ela era
uma incógnita que eu precisava desvendar o quanto antes.
Capítulo Sete
Cora
DEPOIS DE TUDO MUDAR.
Minha cabeça estava latejando quando abri os olhos. Olhei para a
porta do quarto, que parecia ser de um hospital e ela estava fechada.
Sozinha, levei a mão à têmpora, massageando e senti a garganta doer. Meu
corpo doía um pouco. Rígida, sentei com cuidado para não arrebentar o
acesso no meu braço e apertei o botão para chamar a enfermeira ou
alguém.
Água. Eu me sentia no fundo do mar. Fechei meus olhos, lembrando
das ondas me engolindo e do desespero de não conseguir emergir.
A porta foi aberta, me assustando e não era um funcionário hospitalar.
Fechei minha boca, com o coração falhando a batida. Ali estava um
homem alto, cheio de tatuagens nos braços, usando uma camisa preta, calça
jeans e um colete que parecia pesado. Ele me encarou com o cenho
franzido, olhando-me com uma intensidade com seus belos olhos escuros
que me fez querer deitar e cobrir meu rosto.
Seu pomo de adão subiu e desceu, antes que pudesse falar, tomei
coragem.
— Quem é você? — questionei, não permitindo que me intimidasse.
— Sou Diablo.
Era tudo que ele tinha a me oferecer?
— Quem tem um nome assim? — Soltei uma risada irônica. — É o
médico?
— Alguém como eu tem um nome assim. — Ele se aproximou,
analisando-me tão friamente que senti um arrepio na espinha. — Você foi
jogada no mar aqui perto da praia, eu te salvei com meu irmão e como
estava muito drogada, passou os últimos dois dias dormindo.
Mais lembranças surgiram como um chute no meu estômago. Senti
meu peito dar uma guinada frenética.
— O iate! Jude e Amanda estão bem? — Eu saltei da cama, tentando
ficar de pé. — Meus pais?
— Acalme-se. O médico não disse se podia levantar. — Ele me
empurrou de volta bruscamente e cambaleei, caindo sentada. — Sua irmã
foi libertada do sequestro depois que o resgate foi pago. Você já tinha sido
jogada aqui e quanto ao rapaz, ele foi morto.
Jude estava morto?
Sequestro? Uni minhas sobrancelhas. Fomos sequestrados? A última
coisa que lembrava foi de tomar o suco e comer um pouco, vi minha irmã
caindo e depois Jude questionando sobre o que estávamos bebendo.
Lembrava de sentir frio, do meu ombro queimar. Ergui a manga e olhei para
a letra fina. Em preto, estava escrito Atkinson.
Esfreguei o dedo em cima, sem acreditar, querendo apagar a todo
custo. Não saía, a pele estava sensível e um pouco vermelha.
— O que é isso? Que palavra é essa?
— O médico vai te atender. — Ele saiu e outro homem entrou. Foi
paciente e educado, tocando-me com muito cuidado. Em um exame rápido,
disse que eu ainda precisava de repouso, mas já podia viajar para Los
Angeles.
Aquilo era uma boa notícia?
O tal do Diablo me deu um telefone para que eu pudesse falar com
meus pais. Eles estavam abatidos, com os olhos fundos e muito aliviados
em falar comigo. Amanda chorou, fazendo um escândalo ao me ver e eu
não conseguia compreender direito o que eles diziam. Um sequestro?
Como, de repente, fomos sequestrados em alto mar se estávamos sozinhos
com a tripulação em um iate que era grande o bastante para parecer um
navio?
Uma enfermeira me acompanhou no banho e após me secar, vesti
roupas de alguém que não conhecia. Camiseta, calça jeans e um par de tênis
que coube perfeitamente em mim. Prendi meu cabelo em uma trança e em
seguida, um coque, para ficar bem arrumado. Nos fundos da clínica, no que
parecia uma entrada de carga, estava com um carro, duas motos e quatro
homens.
— Você vai no carro com eles dois. — Diablo apontou. — Angel e
Nick, um será motorista e o outro ficará no banco do carona. Você vai no
banco de trás. Eu e Pierce vamos seguir de moto.
— Por que meus pais confiaram em você? — Encarei-o com
ceticismo. Ele era o tipo de pessoa com quem meus pais nunca permitiriam
que ficasse sozinha.
— Trabalhei com seu pai há muitos anos.
Aquele homem não parecia alguém que podia estar relacionado ao
meu pai.
— Vamos. Não há mais tempo a perder. — Ele estalou o dedo. O tal
do Nick abriu a porta do carro para mim.
Por todo o caminho, me questionei o que havia acontecido. Os
homens no banco da frente ficaram em silêncio, não falavam um com o
outro. O carro era uma SUV toda escura e luxuosa, algo que se destacava
naquela cidade pequena com pessoas relativamente simples. Embora eles
estivessem tranquilos, mastiguei meus lábios, com a mente fervilhando.
Nada fazia sentido e estava difícil ignorar o comichão de que mais
uma vez, estava no olho do furacão sem ter feito nada. Na primeira vez,
Amanda não foi presa porque eu peguei o carro. Ela podia negar quantas
vezes quisesse, mas depois de eu ser jogada no mar enquanto ela foi
entregue depois do resgate ser pago e aparentemente ilesa, só me fazia
acreditar que sim, minha irmã sabia sobre as drogas.
Não foi um sequestro. Ela queria me matar? E quanto a Jude? E por
que nesse mundo Amanda me odiaria tanto ao ponto de ser capaz de fazer
tamanha crueldade?
Queria muito conseguir dizer para mim mesma que estava exagerando
e até mesmo sendo paranoica, eu desejava me recriminar por pensar algo
ruim da minha irmã. A cadeia me ensinou que coincidências não existiam,
ser inocente só me mataria e era por isso que eu estava com raiva.
Ao chegar em casa, agradeci aos rapazes, eles não iriam entrar. Deram
um aceno e saíram da propriedade ao mesmo tempo em que meus pais
correram e me abraçaram apertado. Olhei para o céu escuro, pedindo
calma.
Fomos orientados a entrar, nossa casa estava relativamente vazia,
havia um policial para colher meu depoimento e eu respondi todas as
perguntas com tranquilidade. Eu me sentia fora de órbita. Meu coração
acelerava, me aquecendo e me dava vontade de correr sem parar, gritando
muito, quebrando tudo e rasgando o que pudesse. Mas eu fiquei sentada,
olhando bem no fundo dos olhos daquele policial e percebi que meus pais
trocaram um olhar quando mencionei que Amanda conversou com a
tripulação e eu não.
Jude e eu ficamos nos sofás o tempo todo.
Tiraram uma fotografia da tatuagem, para fazer um reconhecimento
no banco de dados e depois, foram embora. Um advogado estava lá. Era
Sage Stapleton, e ele falava baixo com meu pai sempre que se aproximava.
Bebendo água, pelo reflexo da televisão, percebi que Amanda o observava
o tempo todo e disfarçava quando percebia alguma atenção.
Sem falar nada, levantei e fui até a cozinha. Mamãe me seguiu,
preocupada, meu nariz estava escorrendo e ela secou com a própria blusa
querendo saber se queria comer alguma coisa.
— Deixe-a respirar, mãe. — Amanda seguiu atrás de nós.
— Eu não sei onde você foi libertada. — Virei-me para ela.
— Estava em um hangar no porto, não sei como a polícia não me
encontrou. — Amanda fez um ar dramático.
— Como você acordou?
— Eu estava amarrada em uma cadeira, foi assustador, eles me
fizeram gravar um vídeo e eu só perguntava por você e Jude. — Ela chorou
e inclinei minha cabeça para o lado. A linguagem corporal não era de quem
estava chorando, daquele rosto amassado mal saíam lágrimas. — Tem
certeza de que não é capaz de reconhecer nenhum deles? Sabe, com seu
envolvimento no passado, talvez possa dar um nome para pegarmos o
culpado?
— O que você quer dizer, Amanda? — Mamãe foi severa.
Ela arregalou os olhos ainda mantendo o ar inocente.
— Só quero que esse pesadelo acabe, mamãe. Nossa família precisa
de paz! Cora pode saber quem é…
Puxei a faca do aparador e sem aviso, agarrei-a por trás, imobilizando-
a pelo cabelo.
— Se você se debater, essa faca vai atravessar seu rim e você precisará
de minutos para ser socorrida. Talvez possa viver com um rim, tudo vai
depender do quanto vai perder de sangue — falei no ouvido. Mamãe gritou
e cobriu a boca. Papai e Sage entraram na cozinha. — Cansei dessa porra,
Amanda. — Minha voz saiu calma e baixa.
— Coraline, pelo amor de Deus, solte sua irmã! — mamãe gritou em
desespero.
— Cora, filha. Acalme-se. — Papai foi mais contido, erguendo a mão.
— Irmã, o que é isso? — Amanda choramingou. — Papai, me salva!
— Para de palhaçada, lágrimas de crocodilo! Eu vou te dar uma única
chance de confessar para nossos pais que você sabia da porra daquelas
drogas no seu carro e a única vadia dormindo com os traficantes era você.
— Apertei a faca em sua cintura, ela sentiu a dor e gritou, mas eu não tinha
furado. Ainda. — Fale a verdade pela primeira vez, caralho!
— Amanda? — Mamãe exalou, encarando-a. — Você deixou que sua
irmã fosse presa?
— Mãe, eu sinto muito! Eu sabia que as drogas estavam lá, só não
sabia que Cora ia pegar meu carro!
Eu a empurrei e acertei minha mão aberta em seu rosto. Ela caiu
contra a porta, levando a mão na bochecha. Papai passou os braços em
mim, Sage pegou a faca e eles nos afastaram. Amanda tentou avançar e
Sage impediu.
— Sabia, sim! Você disse que não ia usar o carro naquele dia! Você
sabia que seu namorado iria transportar as drogas! Era você o tempo todo!
— gritei, apontando o dedo bem no centro de seu rosto. — Você me pediu
para dar uma carona para ele e no meio do caminho a polícia me parou por
conta de uma denúncia. Misteriosamente, quando estou de volta depois de
anos no centro de detenção, sou jogada ao mar e você é libertada. Quem é
você, Amanda?
— Bill — mamãe chamou. Amanda correu até ela, implorando
perdão, se ajoelhando, mas foi a minha vida que aquela piranha fodeu.
— Sage, você pode levar Cora lá para cima? Eu vou conversar com
minha filha mais velha e entender os fatos. — Papai me colocou nos braços
do outro homem.
Ele precisou de um pouco de força para me tirar da cozinha, eu gritei
para que me soltasse e fui para o meu quarto batendo a porta com
brusquidão. Tranquei-a, por não querer falar com ninguém.
Não sabia o que meus pais iriam fazer, mas eu estava farta da minha
irmã. Não podia perdoá-la. Ela nunca conseguiria me devolver o que
roubou e o ponto principal era: por quê?
O que eu fiz para que minha irmã me odiasse tanto?
Capítulo Oito
Cora
Fiquei no meu quarto por quase uma hora, até que perdi a batalha para
a raiva e saí dele novamente. Parei no corredor, estranhando o silêncio. A
casa era grande, mas sempre era possível ouvir as movimentações nos
cômodos. Olhei para o lado e peguei um candelabro de metal decorativo
que ficava no aparador ao lado de um vaso de flores. Dei a volta, não
querendo ignorar meu instinto e desci pela escada de funcionários.
— Deixe minha irmã no quarto e por último. A questão com ela é
pessoal. — Ouvi a voz de Amanda e parei completamente antes de surgir na
cozinha. — Eu não queria que sujassem o tapete da sala, porra.
— Relaxa, chica. Vai herdar tudo, é só mandar lavar. Ou comprar
outro.
Quem era o homem e o que estava dizendo?
Ele era latino.
Coincidências definitivamente não existiam.
Horror me lavou da cabeça aos pés e fiquei paralisada no lugar até que
os ouvi se afastando. Passei pela porta, agachando-me na cozinha e fui
andando abaixada até o corredor, disparando para o outro lado para ver o
que estava acontecendo. Parei no lado escuro do corredor e vi minha mãe
caída no centro da sala.
Ela estava morta. Estava prestes a gritar quando uma mão cobriu
minha boca. Ele me pressionou contra a parede para não me debater e o
medo fez com que minhas pernas tremessem.
— Quieta. — Reconheci a voz de Diablo. — Eles entraram segundos
depois que Sage saiu. Vamos embora daqui agora.
— Quem são eles? — sussurrei de volta.
— Homens do Santiago — murmurou baixinho e me puxou para trás.
— E quanto ao meu pai? Temos que levá-lo.
Diablo estava armado e passou para a minha frente. Não soltei o
candelabro, apenas agarrei o colete dele. De repente, ele me agarrou e
pressionou-me contra uma coluna. Ouvimos algo na cozinha, nada
realmente assustador, porém, um deles passou assobiando dizendo estar
acelerando um processo.
Andamos um pouco à frente e eu espiei o corredor. Papai estava de
joelhos no centro da sala. Ele olhou para o lado e parecia sozinho. Dei um
passo à frente, mas Diablo me segurou. Papai sinalizou que não.
— Vai, filha. Saia daqui, agora. — Ele moveu os lábios. — Agora.
— Não!
— Leve-a daqui e cuide dela — papai pediu a Diablo. — Saiam! —
Ele soou rouco e mais alto, um homem se aproximou e Diablo me puxou
para a escada.
— A piranha não está no quarto dela. Deve ter fugido quando subiu.
— Amanda desceu a escada. — Vamos levá-lo. Ainda preciso das senhas e
de todo o relatório financeiro da família. Quando Coraline perceber, não
terá mais nada por o que lutar. Além do mais, papai tem muitos segredos a
me revelar ainda.
— Por que está fazendo isso, Amanda? — papai questionou, com dor.
— Eu não vou te dar nada! Você traiu a nossa família! Matou a sua mãe!
— Ah, pelo amor de Deus. Alguém cubra a boca dele. — Amanda
estalou os dedos.
Papai olhou para o lado e sibilou um por favor para Diablo, voltando o
rosto rapidamente para a frente e se encolhendo no canto como um homem
submisso que ele nunca foi. Amanda estava no celular, trocando mensagens
como se o corpo da nossa mãe não estivesse a alguns passos dela. Eu tremi
com a segunda olhada do papai.
— O que ele quer? — Encolhi minhas pernas e Diablo me puxou para
seu colo, estávamos encurralados e poderíamos ser pegos a qualquer
momento.
— Ele quer que eu o mate — Diablo sussurrou. Meu coração
despencou até os pés. — Ele sabe que não vai resistir e vai dar a ela o que
precisa para que tenha todo o dinheiro. Vá para os fundos, eu vou te
encontrar.
— Você vai matá-lo?
— Ele já está morto, a diferença é que se eu matá-lo, sua irmã não vai
ter o que quer.
Escorreguei pela lateral da escada, me pendurando para o vão que
ficava ali com um vaso e precisava tomar cuidado para não quebrá-lo.
Diablo passou por cima, era maior e mais pesado. A casa estar escura era
uma vantagem para Amanda não ser observada pela cozinha e também, nos
dava a vantagem de sair pelos fundos.
Minha mente estava em pânico. Não conseguia pensar em nada.
Nenhuma alternativa para salvar meu pai e sairmos dali com vida.
— Coraline deve estar com Sage Stapleton — Amanda falou mais
alto, voltei alguns passos e espiei entre as brechas. — Esse filho da puta
deve tê-la ajudado a sair. Ele sabia que havia algo errado.
— Nada de mexer com Stapleton. Santiago deixou claro que você
pode brincar e perseguir sua irmã o quanto quiser, mas nada de se meter
com os Stapleton. — O homem mais alto e que parecia ser o líder falou
com tranquilidade.
Papai olhou novamente e foi um pedido que rasgou minha alma. Eu
travei, agarrando os braços de Diablo. Ele me encarou, ciente de que eu
havia entendido o desespero do meu pai, que estava com medo e com dor.
Ele seguiu olhando para onde achava que estávamos e meu coração se
esmigalhou em milhares de pedaços.
Ele apanhou mais uma vez e Amanda riu, ainda no telefone. Subi
minha mão para o peito de Diablo, estávamos entre duas colunas, local que
quando criança eu brincava de pique-esconde. Sempre que papai chegava
em casa, ele fingia me procurar porque já sabia onde eu estava, me erguia
acima de seus ombros e eu ria como se toda a felicidade do mundo vivesse
apenas dentro de mim.
Aquela dor que estava sentindo me dilacerava por dentro.
— Mate-o. Acabe com a dor dele, por favor — pedi e senti seu
coração bater mais forte. — Faça isso.
Amanda não podia vencer.
— Vá para a cozinha, libere o gás do forno e saia — ele pediu e
assenti. Olhei para meu pai pela última vez e deslizei pelo chão da sala de
jantar, arrastando as portas duplas que davam para o jardim o suficiente
para passarmos e antes que fizesse o barulho pela falta de óleo no trilho.
Senti algo molhado na minha mão e olhei para o lado.
Nossa cozinheira estava caída com uma faca cravada no peito. Eu
fechei seus olhos, pedindo desculpas mentalmente e continuei agachada até
o forno. Diablo queria explodir a casa com o gás, mas de um jeito rápido
não seria possível. Fiz uso do meu conhecimento para preparar um incêndio
que chegaria à explosão em segundos.
Assim que terminei, pensei que seria melhor se ele corresse caso
quisesse sair vivo. De onde eu estava não podia ver nada, mas ouvi os
disparos e a agitação, tiros mais baixos e coisas quebrando, assim como um
grito de Amanda. Diablo surgiu correndo, olhou para o fogo na cozinha e
sentiu o cheiro insuportável de gás. Puxou-me pelo braço e foi nesse
momento que percebi que ele tinha uma granada na mão.
Ele puxou o pino e a jogou.
Nós corremos, não o suficiente. A casa explodiu e a janela voou na
nossa direção, batendo nas minhas costas. Rolei pelo gramado, me
arrastando. Diablo levantou, me puxando pelo braço e não conseguia correr
direito, mas as coisas continuavam sendo arremessadas pelo fogo e logo os
bombeiros estariam ali, assim como a polícia.
Ele me arrastou com força até sua moto, montou e fui atrás por
instinto. Dando a partida, nos tirou de uma rua cheia de fumaça em direção
à estrada, que dava para uma trilha no alto do meu condomínio. Escondi
meu rosto em suas costas, protegendo-me das pedrinhas que voavam na
nossa direção pela velocidade das rodas no solo.
Diablo não parou mais, ele foi seguindo para a pista, enfrentando
avenidas e saindo da cidade para uma estrada desconhecida. Ele parou em
uma parte deserta, largando a moto de forma brusca e eu caí de joelhos no
chão. Senti o cano frio da arma na minha testa e ergui o olhar. Mesmo na
escuridão, podia ver o quanto ele estava assustador.
— Quem é você de verdade?
— Eu não sei. — Chorei, tremendo.
— Convença-me de que não está jogando o mesmo jogo que a piranha
da sua irmã.
A dor que eu sentia era forte demais e me impedia de falar. Papai e
mamãe. Eles estavam mortos. Amanda… destruiu toda a nossa família.
Lembrei do corpo da minha mãe, sem vida, perfurado, tanto sangue e meu
pai… implorando para que o matasse.
— Me mate — pedi, olhando para Diablo. — Por favor, me mate. Dói
tanto, apenas atire. — implorei e ele continuou parado. — Aperte o gatilho!
— Levantei e olhei em seus olhos. — Acabe com isso que está me
sufocando, por favor! Seu covarde, acabe comigo agora! — Bati em seu
peito repetidas vezes. Ele abaixou a arma. — Por que dói tanto?
— Não vai parar de doer.
Diablo olhou em meus olhos e exalou, me puxando para seus braços.
Deitei minha cabeça em seu peito. Agarrei sua camisa, apertando, minhas
pernas falharam e caímos no chão de terra batida daquele acostamento da
estrada.
— Amanda… ela matou meus pais. — Solucei. Meu corpo saltava
com espasmos e tremores.
— Temos que sair daqui. — Ele me ergueu, levando-me para a moto.
— Você vai ficar em Del Ride até saber o que vai fazer em seguida.
Eu parei de andar e ele virou em minha direção.
— Eu vou encontrar Amanda e irei matá-la. Ela vai pagar, sentindo
muita dor, por tudo que fez comigo, com minha mãe e meu pai.
— Precisa considerar o fato de que ela também está atrás de você e
querendo o mesmo, portanto, recomponha-se e suba na moto. Temos um
longo caminho pela frente, para a segurança do clube. Eles podem vir atrás
de nós, não que acredite que tenham me visto. Atiraram no escuro. — Ele
chutou uma pedra. — Vamos.
Amanda, se estivesse viva, poderia até conseguir me matar, mas não
seria fácil.
Capítulo Nove
Diablo
A estrada à minha frente parecia longa demais. Eu deveria ter ido
embora quando Coraline foi entregue segura na casa dos pais. Não fui,
fiquei vigiando a casa, observando as movimentações pelo matagal da rua
de cima, que dava para a floresta ambiental em que os ricos gostavam de
morar de perto. Vi o momento em que Sage foi embora, digitando uma
mensagem para mim, avisando que a merda era grande e que estava certo
de que a garota mais velha estava envolvida até o último fio de cabelo.
Eu também vi homens armados entrando na casa, deixando um novato
igualmente armado do lado de fora. Foi o primeiro que eu matei, pegando
sua munição e a granada, assim como duas facas. Sozinho, precisava de
tudo ao meu alcance. Entrando na casa, vi a loira sentada no sofá, sem
mover um músculo, observando um dos homens esfaquear a mãe. Bill,
amarrado e de joelhos, chorava copiosamente implorando que parassem.
A vadia era fria.
Não havia nenhum sinal de Coraline. Amanda estava se divertindo
com os pais primeiro. Depois, lidaria com a irmã, que parecia ser seu alvo
de ódio, algo que realmente causava alguma emoção nela. Eu já havia
encontrado psicopatas antes e aquela garota era do tipo mais cruel.
Ainda era preciso saber a conexão entre Amanda, a tatuagem que me
relacionava e o cartel. Ela estar com Santiago ou não, era um abismo entre
nós. Éramos inimigos, obviamente, nunca iríamos nos relacionar nem por
todo o dinheiro do mundo. Mas o que eu tinha a ver com aquela porra toda
para tatuarem meu sobrenome no ombro de Cora? Eles esperavam que ela
morresse e por ter meu nome tatuado, a culpa cairia sobre mim?
Nós não tatuamos nossas vítimas de sequestro. Fazia tempo que o
clube não sequestrava ninguém e normalmente, não eram inocentes, muito
menos filhas de papais ricos. Apenas pessoas envolvidas com nossos
negócios de alguma maneira.
Acelerei para chegar mais rápido e senti que os dedos de Cora na
minha camisa foram ficando cada vez mais frouxos. Ela também parecia
estar escorregando. Bati em sua coxa, ela saltou e percebi que não estava
dormindo e sim, desmaiando. Não sabia se estava ferida ou perdendo
sangue quando fugimos, faltava pouco para chegarmos a um posto
conhecido e mudei a estrada, alcançando o melhor desempenho da minha
moto, mas ela iria cair.
Parei no acostamento, pegando seu corpo mole, porém, seco. Não
havia sangue ou ferimentos aparentes, no entanto, estava pálida e sem
reação direta nas pupilas. Foi difícil montar na moto segurando-a de
encontro ao meu corpo e tive que tomar muito cuidado na pista até
conseguir chegar no posto.
— Jason! — gritei para o dono que era meu conhecido de infância. Eu
a tirei da moto, sentando na calçada com ela em meu colo.
— O que foi? Caralho, ela está morta? — Ele levou a mão à cabeça.
— Não. Desmaiada. Traga um suco e o que tiver para comer! — gritei
e dei uns tapinhas em seu rosto. Coraline abriu os olhos, trêmula.
— Eu ainda não tenho muita coisa, as mercadorias ainda estão
chegando. — Jason me entregou uma garrafa de suco e abri com
dificuldade, deitando-a em meu peito, pressionando minha palma em sua
testa para que bebesse o suco.
— Por que não me disse que era diabética?
— Eu não sou — gemeu, bebendo em goles suaves.
— Há quanto tempo não come, caralho?
— Desde o iate. — Bateu os lábios ressecados. No rosto, havia um
corte seco e outro no queixo, com um hematoma do impacto no chão.
Porra. Ela só ficou de pé por conta do soro e do tratamento na clínica,
mas não havia ingerido alimentos há muito tempo e ainda foi drogada nessa
equação. Jason encontrou barras proteicas, abri uma e ela deu pequenas
mordidas, ficando arrepiada. Seu estômago começou a contrair, ela não
podia vomitar e por isso, instruí que respirasse fundo para que se
acalmasse.
Aos poucos, ela foi melhorando, mas eu ainda não sabia se era o
suficiente para pegar a estrada. Teria que arriscar. Enchi o tanque. Mais
lúcida, Coraline montou atrás de mim e voltou a me abraçar apertado como
na primeira partida. Era provável que estivesse com frio, já que estávamos
em pleno amanhecer, me despedi de Jason e agradeci, dizendo que
mandaria o pagamento por um dos aspirantes. O dinheiro que tinha era
melhor guardar caso acontecesse alguma coisa no trajeto que faltava.
Eu tinha certeza de que não fui reconhecido, não conseguiram me ver
no escuro, atirei contra dois, matei Bill e corri. Estando em desvantagem,
não era um bom momento para bancar o estúpido.
Bill sabia que Amanda tinha mais planos ambiciosos que dependiam
dele. Ela deveria saber do acesso a alguma coisa muito valiosa, para querer
tanto que o pai ficasse vivo e revelasse. Ele também era um homem comum
que não resistiria a uma sessão de tortura, por esse motivo, sendo
consciente e um tanto vingativo, pediu a própria morte.
Eu faria a mesma coisa.
Não permitiria que a vadia loira vencesse se a vitória dependesse de
mim.
Eles estavam longe da cozinha o suficiente para sobreviver à
explosão, se foram espertos, correram tanto quanto Coraline e eu. Foi uma
distração perfeita para conseguirmos fugir. Só não imaginava que fosse
explodir muito e talvez, Coraline tivesse tudo a ver com aquilo. Esse era o
motivo de eu ter desconfiado dela primeiro. Conhecia todas as pessoas
perigosas e loucas da vida, a dor dela era verdadeira.
Naqueles segundos, em que minha arma estava apontada para sua
cabeça, ela quis morrer de verdade. Ainda desejava.
Era mais fácil se entregar ao luto.
A rota mais segura me fazia levar o dobro do tempo de Los Angeles a
Del Ride, quando vi a cidade, o sol já estava no alto e queimando meus
braços. Cora continuou agarrada em mim, sentia seu rosto pressionado no
centro das minhas costas e a cada nova curva, reagia com um gritinho.
Passei pelo centro como um foguete, exausto e só parei em frente ao clube.
Os homens pareciam prontos para sair.
— Porra! — Priest empurrou as portas abertas. — Cacete, irmão.
Onde se meteu?
— Foi uma longa noite e meu telefone acabou a bateria há muito
tempo.
— Vimos sobre a explosão, Sage disse que você não o respondeu
quando ele saiu da casa e passamos a madrugada preocupados. — Priest me
puxou da moto e quis olhar se eu estava inteiro. Coraline ficou de pé com
dificuldade.
— Alguma coisa sobre nós dois? — Eu quis saber.
— Nada. As autoridades não deram informações sobre os corpos,
Sage descobriu que tinha dois membros da família e três homens latinos,
com tatuagens do cartel do Santiago — Angel respondeu e olhou para
Coraline. — Eu deveria ter ficado. Você é muito teimoso.
— Não. Apenas agi por impulso e estava certo, minha intuição não me
enganou. Chame Pierce, ela precisa de atendimento médico e eu mijar, uma
bebida e gelo para minha testa.
— Coconut! — Priest gritou e Coco apareceu, me dando um olhar
preocupado e imediatamente foi para Coraline, que parecia que iria cair. —
Ajude a garota, eu vou chamar Serena.
— Vem, vamos para a clínica. Pierce vai cuidar bem de você.
Elas entraram e eu soltei um suspiro que estava preso no meu peito,
irritado e querendo quebrar alguma coisa. Fui direto para o bar, agarrando
uma garrafa de uísque e um aspirante me deu gelo com um pano. Minha
testa estava com um galo enorme, latejando, iria passar, mas enquanto isso
eu precisava de um pouco de alívio.
— O que ela está fazendo aqui? — Priest olhou para a escada.
— O que eu ia fazer? Jogá-la no fogo?
— Não sei, porra. O que ela está fazendo aqui? Que inferno
aconteceu? — ele vociferou, no seu grosso modo de agir.
— Vai se foder, eu tive uma noite infernal. A irmã mais velha é
psicopata, maluca, perigosa e…
Priest me ouviu atentamente sobre tudo, todos os detalhes que minha
mente conseguiu reunir e junto a Angel, fizeram possíveis conjecturas que
não davam em porra nenhuma. A tatuagem não me fazia imaginar uma
ligação, além de que Santiago era nosso inimigo. Mas por que em Cora? O
que Bill e a família tinham a ver? Se foi arquitetado por Amanda, qual seria
o maldito motivo, se um dos homens do cartel disse para que não se
metesse com Sage e Priest, o que significava não se meter com o clube?
— Bem que você disse que estávamos em paz por muito tempo. —
Angel pegou meu uísque e virou. — Essa porra vai feder.
— Vai sim e não agora. Com essa atenção da mídia, Amanda vai
desaparecer por um tempo. Ela quer o dinheiro e sabe que não pode agir
porque deixou testemunhas, ao mesmo tempo, se for vista, vai ser pega —
Priest refletiu, bebendo diretamente da garrafa. — Teremos uma calmaria
antes da tempestade. Enquanto isso, o que vai fazer com a garota?
— O que tem?
— Você sabe que as regras não mudaram só porque Serena chegou.
Ela é mulher, bonita, livre… e aqui tem muitos homens.
— Se ela quiser ser puta aqui, eu não me importo.
Priest começou a rir.
— Eu não a autorizei a ser puta aqui. Qualquer vadia precisa de
aprovação. Você a trouxe para cá, adivinhe quem vai tomar conta dela?
Caralho…
— Não. Eu não vou fazer dela minha old lady. Vou levá-la embora na
primeira oportunidade que tiver.
— Sem saber o motivo da tatuagem? — Angel franziu o cenho. —
Qual o problema de cuidar dela?
— Cuide você. — Bati meu copo no balcão, perdendo as estribeiras.
— Eu? O problema loiro lá é todo seu. — Ele começou a rir. —
Diablo tem uma senhora. Ou os homens vão ficar muito felizes em se
divertir com ela. Será que é virgem? — Angel abriu um sorriso lascivo que
queimou tudo dentro de mim e causou uma fúria em que me vi avançando
nele e quebrando seus dentes.
— Você sabe o que fazer. — Priest deu um tapinha no meu ombro. —
Se ela vai ficar aqui, você toma conta, ela trabalha para o clube e vamos
seguir com a nossa rotina.
Fodam-se todos eles.
— Vamos brindar a Diablo e Cora. — Angel ergueu o copo.
— Você vai apanhar e sabe disso, não é? — Priest voltou a rir.
Bati com minha cabeça no tampo de madeira, xingando pela dor,
porém, merecendo muito mais com a dor de cabeça que havia acabado de
arrumar para a minha vida.
Capítulo Dez
Cora
— Como eu disse, ela foi liberada para viagem e repouso na casa dos
pais. A falta de alimentação com o corpo recuperando-se das drogas que
foram injetadas, somando ao estresse, causou esse colapso — O médico
falou da porta do quarto para Diablo, outros dois homens e a mulher, que
foi gentil comigo e eu ainda não sabia o nome dela. — Os cortes não foram
profundos, estão limpos e precisam somente dos cuidados básicos.
— Obrigada, Pierce — a mulher falou com tranquilidade. — Ela já
pode deitar no quarto?
— Mantenha as refeições no horário, para que ela se recupere,
comendo bem hoje e se hidratando, amanhã ela estará bem. Qualquer coisa
me chamem. — Pierce saiu do quarto.
— Bem, rapazes. Acho que ela precisa de uma ajuda feminina.
— Serena — o careca com aparência de vilão a chamou em um tom
severo. — Deixe que Diablo lide com isso agora. Depois, você ajuda.
— Seja gentil — A mulher que descobri se chamar Serena cochichou
com Diablo. Continuei olhando pela janela, que tinha uma boa visão para o
mar. Ouvi os demais saindo e notei que Diablo ficou, o perfume dele estava
presente em todo o quarto.
Se dependesse de mim, nós dois ficaríamos em silêncio, mas eu virei o
rosto para encará-lo e ouvir o que tinha a dizer. Enfiando as mãos nos
bolsos, encostou na parede. Estava sem camisa, jeans, um colete de couro e
botas sujas da terra batida predominante da região. Ele inclinou a cabeça
para o lado e soltou uma risada seca, como se não soubesse como começar
o assunto.
— O nome tatuado no seu ombro, é meu — ele começou e
imediatamente olhei para as letras. — Não faço a mínima ideia do motivo
pelo qual foi parar aí. Ainda não sei porque a sua irmã quis nos relacionar.
— Ela me queria morta e com seu nome no meu braço, provavelmente
te incriminar. Imagino que aqui seja o Devil's Ride. Já ouvi sobre vocês —
comentei, sem emoção, olhando novamente para a janela.
— Onde?
— Em uma pesquisa na cadeia. Soube que um dos presidentes de
vocês foi o mais procurado pela Interpol e já faz alguns anos que as
autoridades não sabem quem é o verdadeiro líder. — Brinquei com meus
dedos, um pouco ansiosa. — Eu queria saber quem comandava a venda de
drogas na região, para entender o que tinha acontecido comigo, mas agora
eu sei a resposta.
— Sua irmã parece estar envolvida com o cartel de Santiago há muitos
anos.
Piranha maldita.
— É, parece. — Fiz uma pausa. — Ela ainda deve querer me matar,
porque não vai conseguir receber a herança e nem ter posse de tudo dos
nossos pais sozinha. — Mordi meu lábio. — Acho que preciso te agradecer
por me ajudar. Eu não sei os seus motivos, nem o que estava fazendo na
casa depois de me deixar, mas…
— Não confiei no seu pai. Foi por isso que eu fiquei. — Ele foi
honesto. Papai foi enganado por Amanda. Por mais dissimulada que ela
fosse, nunca imaginei que seria capaz de matá-los. — Quando tem meu
nome e meu clube envolvido, sou capaz de ir até as últimas consequências.
Assim como parece que você foi uma vítima todo esse tempo e espero não
estar enganado. Aqui tem pessoas que eu amo e vou proteger com a minha
vida.
— Eu não tenho para onde ir e nem ninguém. — As lágrimas caíram
dos meus olhos e as sequei rapidamente, tentando segurar a vontade de
desabar.
— Sei disso. Não tenho o interesse de te deixar partir, não até ter
todos os fatos esclarecidos. — Ele se aproximou ainda mais e parou perto
da cama. — Aqui é um clube. Não um lugar qualquer. É sagrado e todas as
pessoas são importantes umas para as outras. Mulher nesse lugar tem papel
servil.
— Como? Mulheres aqui servem? — Eu virei minha cabeça tão
rápido que fiquei tonta. Em que momento regredimos à idade da pedra?
Devo ter ficado presa mais tempo do que imaginei para o mundo estar de
cabeça para baixo.
— Sim. Tirando Serena e as outras esposas oficiais, a maioria são
prostitutas que estão aqui para cuidar da limpeza, comida e do prazer
pessoal dos homens.
— É o quê? — praticamente gritei, ele se inclinou e parou com o rosto
a centímetros do meu, me deixando arrepiada de medo.
— Escuta só, gatinha furiosa. Você não vai mudar a ordem e não tem
para onde ir, então, vai dançar conforme as porras das regras.
Seu rosto bonito, intimidador, tão próximo do meu, trouxe um arrepio
à minha espinha de maneira inesperada. Não o suficiente para me deixar
tímida.
— E em que momento você achou que eu gostaria de ser prostituta?
— falei entre os dentes de volta. Ele estava muito enganado se pensava que
eu deitaria na cama ou deixaria qualquer homem tocar em mim em troca de
proteção.
— Você não vai ser uma prostituta do clube. — Ele segurou meu
queixo. — Vai ser minha mulher. — Seu nariz tocou o meu, mas não era
um toque de ternura. Era desafio. Testa na testa para ver quem derrubava o
outro primeiro. — Nenhum outro homem irá te tocar porque pertencerá a
mim.
— E você vai tocar em mim? — Meu coração falhou várias batidas.
Diablo riu sombriamente, soltando-me de um jeito brusco e recostei
na cama, esperando sua resposta.
— Se eu quiser? Sim. Mas você tem sorte, eu não quero. Só estou
interessado em saber por que meu nome está no seu braço e matar a piranha
loira da sua irmã por mexer com a minha família.
Seríamos dois a matar Amanda.
— Teremos que fingir ser um casal como nos filmes? — Puxei um
pouco mais a colcha, querendo me cobrir. Não era um bom momento para
me sentir exposta.
— Não será preciso, mas vamos ficar juntos, você vai cuidar de tudo
que me interessa e ajudar Serena na organização do clube. — Ele estalou a
língua. — Eu moro no apartamento pequeno aqui em cima, até tem dois
quartos, mas eu ocupei um deles porque não gosto de visitas e fiz de
armário para deixar minhas coisas organizadas. Então, só tem um quarto e
uma cama.
— Dividir a cama com você será o menor dos meus problemas
agora.
— Que bom que será madura quanto a isso. — Ele olhou para a
janela. — Espero que não seja a porra de uma bagunceira.
Soltei uma risada, enfiando a mão no meu cabelo, que estava sujo e
embolado.
— Esse será o menor dos seus problemas agora.
Ele me deu um olhar e um meio sorriso, depois franziu o cenho.
— Você quer subir? Tomar um banho…? Acho que Serena separou
algumas roupas. Hoje você descansa, amanhã vamos à rua. Sage está
acompanhando muito de perto a investigação, muita coisa será abafada na
mídia a pedido dos sócios do seu pai, mas eles são minoritários e se
Amanda conseguir pegar a parte dela e comprar a de algum deles, será um
embate feio — explicou e saí da cama com cuidado para não cair.
— E se eu comprar a parte deles?
— Sage verá isso. Talvez não seja uma boa ideia fazer qualquer
exposição com seu nome agora, não sabemos o que a polícia vai concluir no
inquérito. Podem encontrar câmeras de segurança que flagraram nossa fuga.
— Diablo estava sério e eu xinguei baixinho. Parecia que a cada nova
curva, meu pesadelo ficava um pouco maior.
— Eu não me importo com quem vá comprar, só não quero que seja
Amanda ou qualquer pessoa relacionada a ela. Eu tenho muito dinheiro na
minha conta pessoal, meu pai usava meu nome para algumas coisas… e sei
que ela também tem. — Coloquei meu cabelo atrás da orelha e foi como
uma bola de pelo de gato. — Eu tenho acesso às contas bancárias da minha
mãe.
— Dinheiro não será um problema agora. Todos os bens serão
bloqueados até a resolução, primeiro resolveremos, depois, ajustamos as
dívidas. — Ele passou a língua no lábio e reparei que tinha um corte
mínimo. — Vamos. Consegue subir a escada sozinha?
— Sem juros — falei e ele parou na porta.
— O quê? — Me olhou como se eu fosse uma barata pequena.
— Qualquer dinheiro que gastar comigo em algum plano que tivermos
para encontrar Amanda e descobrir sobre a tatuagem, não quero que me
cobre depois com juros. Não nego de pagar dívidas, só não gosto de
cobranças injustas. — Encolhi os ombros.
— Eu vou decidir como vou cobrar a dívida. — Diablo abriu um
sorriso provocante, me deu uma olhada de cima a baixo e saiu do quarto.
Mesmo arrepiada da cabeça aos pés, eu tive que segui-lo, precisava de
um banho e deitar antes que caísse. Diablo seguiu para um corredor e subiu
a escada estreita. O grande salão parecia movimentado, com um falatório e
percebi que alguns me olhavam. Deveriam saber que eu era a garota que foi
jogada no mar e depois, teve toda uma comoção envolvendo um dos
membros.
O apartamento era pequeno, a sala era menor que meu closet na casa
dos meus pais. No segundo quarto, ele pegou uma toalha limpa, uma
camiseta e cueca tipo short, empilhando tudo e me entregando. Estava
organizado, limpo e cheiroso.
— Aqui é meu quarto.
Havia uma cama grande e estilosa que parecia um futon, eu sabia que
era muito cara. Mamãe a usava quando decorava as casas de jogadores de
basquete, já que, normalmente, elas eram incrivelmente macias e
confortáveis. Em cada lado, móveis aparadores com gavetas. Ele tinha uma
espécie de cabideiro com outras opções de colete e um armário estilo
cristaleira repleto de várias armas e facas.
— Vou precisar colocar um cadeado com senha? — Arqueou a
sobrancelha.
— Não gosto de armas. — Me afastei, ansiosa.
— Soube que é boa com facas.
— Eu tive que aprender a ser. — Mordi meu lábio, olhando para o
banheiro.
— Não tem uma banheira, se for boazinha, posso arrumar um lugar
com uma.
— Eu não tive uma banheira por três anos, esse lugar é um luxo
comparado ao que tinha. Sei que meus pais eram ricos e eu tenho cara de
patricinha, provavelmente até seria se não tivesse vivido com outras
detentas.
Diablo não falou nada, só me encarou, como se precisasse de um
tempo para absorver a informação e fazer perguntas.
— O único luxo ao qual quero me permitir agora é uma escova de
cabelo e um creme. Seria possível? Meu cabelo é longo e cheio, preciso de
uma ajudinha para domá-lo.
Ele pareceu surpreso, piscou e assentiu, saindo do quarto dizendo que
iria conseguir o que eu queria. Fui até o banheiro, deixando as coisas em
cima de um aparador. Encontrei uma escova de dentes lacrada em uma
gaveta com muitas camisinhas. Abri e escovei os dentes, olhando para os
machucados no meu rosto. O médico disse que não ficariam cicatrizes se eu
cuidasse corretamente.
Tirei minha roupa, olhando as contusões e virei-me de lado, passando
o dedo na tatuagem. Amanda sabia de alguma ligação entre meu pai e
Diablo. Algum caso que ela estava usando de apoio…
Talvez ela acreditasse que os homens do clube iriam me matar se eu
conseguisse sobreviver ao oceano revolto da costa. E eu não ia descansar
até obter todas as respostas.
Capítulo Onze
Cora
Acordei sozinha no quarto, tinha dormido o dia inteiro e estava um
pouco enjoada. Toda suada, pensei no quanto aquele lugar era quente.
Minha cabeça doía do tanto que havia chorado antes de dormir. Ah… meus
pais. Caramba. De todos os cenários ruins que imaginei que um dia
aconteceria com a minha família, nunca cogitei um assassinato brutal.
Mamãe só queria fingir que nada estava acontecendo e nosso verdadeiro
inimigo estava dentro de casa.
Levantei para tomar banho de novo. Serena, a esposa de Priest, que
me era estranhamente familiar, deixou algumas roupas e eu fiquei
imensamente grata. Ela foi gentil, não falou muito ou foi invasiva. Diablo
conseguiu um creme que deixou meu cabelo maravilhoso, levei quase uma
hora para desembaraçar tudo, uma das meninas até me emprestou um pote
para que conseguisse hidratá-lo.
Parecia simples, mas não era. Na cadeia, qualquer gesto de gentileza
tinha um preço. Ali, além do fato de que eu estava sob aquele teto e
comendo a mesma comida sem pagar nada, foi extremo carinho. Elas
podiam simplesmente ter dito que não. Optei por vestir um short e camiseta,
estava tão quente que o ar parecia difícil de respirar.
Soltei o cabelo, abri a porta do quarto e espiei o lado de fora. Diablo
me disse para descer quando acordasse, a comida era servida no salão e
naquele dia fariam um churrasco para comemorar que ele estava bem e vivo
depois das coisas que haviam acontecido. Desci a escada com cuidado,
parando sem graça ao perceber que estava uma agitação de homens de
colete, bebendo, servindo seus pratos e focados em uma grande
churrasqueira na varanda.
— Oi, Coraline! — Serena se aproximou com um sorriso. — Eles
estão sentados do lado de fora porque estão fumando. Quer beber alguma
coisa?
— Água está bom.
Ela abriu uma geladeira, me entregou uma garrafa e pegou suco
também.
— Eu vou te apresentar às meninas amanhã, quando estiver mais
vazio. Quer companhia para atravessar o salão? — Serena olhou entre os
homens que estavam com a atenção em mim e percebeu que eu queria me
encolher. — Vai passar. A novidade sempre atrai um pouco de atenção.
— Não, eu posso ir sozinha. Obrigada.
Com ambas as garrafas nas mãos, desviei de uma garota rindo e
dançando para um homem sentado, dei a volta na mesa de sinuca e parei na
porta da varanda. Diablo estava sentado com o careca, eles fumavam e
riam, mas pararam ao me ver. Ele sinalizou para que eu me sentasse na
cadeira ao lado dele. O careca apontou para a mesa, onde eu poderia apoiar
as garrafas, agradeci e me sentei.
— Aquele idiota ali é o Angel. — Diablo ergueu o indicador
segurando a garrafa enquanto dava um gole da cerveja. O homem loiro,
alto, estava na churrasqueira e me deu um rápido aceno. — Você o
conheceu antes sem saber o nome dele direito, eu acho.
— Obrigada por me levar em segurança para Los Angeles.
— De nada, gata. — Ele piscou, me deixando um tanto embaraçada.
— Gata é meu punho na sua boca — Diablo resmungou.
— O que eu perdi? Angel está seduzindo a Cora? — Serena deixou
um balde com cervejas em cima da mesa. — Trouxe apenas porque fui
fazer meu drinque. Não achem que vou ficar a noite inteira servindo vocês.
— Coraline está aqui para isso. — Diablo deu de ombros e o encarei.
Eu nem sabia onde ficavam as cervejas.
— Ah, já vai começar essa merda? — Serena bufou. — Não faça isso.
— Eu não me meti no seu relacionamento com Priest. — Diablo
parecia imperturbável. — Ah, esse careca tatuado que não tira os olhos dos
peitos da esposa é o Priest. Ele é o nosso presidente.
Serena riu ao perceber que o marido estava de olho em seu decote e o
beijou. Priest apenas me deu um aceno, sem falar nada. Ele me dava a
vibração de que era alguém que eu devia ficar bem longe.
— Como gosta do seu hambúrguer? — Angel me questionou. —
Come carne, certo? Você parece do tipo que faz ioga e canta músicas de
meditação.
Eu era completamente o oposto, mas ele iria descobrir com o tempo.
Só tinha a aparência de doce menina. A essência se foi.
— Era só o que me faltava uma vegana nessa casa. — Priest
resmungou, sem parecer feliz. Serena o cutucou, pedindo para que fosse
educado.
— Eu como carne e prefiro bem passada, mas a maneira que for
preparar está bom para mim.
— Ele vai fazer bem passada — Serena garantiu. — Também quero.
— Outro hambúrguer? — Angel reclamou. Priest e Diablo riram. —
Como cabe isso tudo dentro do seu estômago?
— É um mistério da vida. Capriche no queijo também!
Peguei a garrafa de água e percebi que um homem me encarava do
outro lado. Ele parecia bêbado e tinha uma garota se esfregando nele. Outro
grupo parecia curioso, com olhares atentos nas minhas pernas e quis me
cobrir, ao mesmo tempo que segurei o desejo de levantar, pegá-lo pela nuca
e bater com o rosto dele na mesa por ser um porco lascivo.
Sem perceber, Diablo colocou a mão na minha coxa e com um
movimento simples do pé, puxou minha cadeira para trás. Queria ter aquela
força, minha panturrilha queimaria só com a tentativa. Voltei a olhar para o
grupo e eles dispersaram, como se eu não fosse mais interessante.
Apesar do clima festivo, assim que todos comeram e conversaram
mais um pouco, observei com fascínio a alegria que mantiveram em limpar
tudo, colocar as mesas no lugar, lavar as grelhas e transformar o salão em
um ambiente pronto para o café da manhã no dia seguinte. Serena foi para a
cozinha supervisionar a louça que os aspirantes, que entendi serem os
novatos do clube, estavam lavando.
— Em que posso ajudar?
— Pode secar comigo enquanto eles lavam? Gosto de ir para casa
deixando tudo guardado, assim posso brigar com qualquer espertinho que
usar a cozinha durante a madrugada. — Ela me entregou um pano. Eles
lavaram e saíram, rindo baixo, trombando um no outro. — Eu sinto muito
pelos seus pais. Eu os conheci quando criança e apesar de nunca ter sido
próxima, lamento mesmo pela morte deles.
— Você é uma Ward.
— Um dia eu fui, hoje sou orgulhosamente uma Stapleton. — Ela
sorriu com alegria. Seu marido era parente do Sage?
— Obrigada. Eu estava presa quando tudo aconteceu na sua família e
sinto muito também, mas fico feliz, você parece bem agora.
— A sensação é de que está quebrada por dentro, não é? Eu queria
dizer que vai passar rapidamente, mas não vai. Leva tempo. Comigo, o
clube ajudou a colar meus caquinhos. Não foi só meu marido e sim, cada
um deles. — Serena tocou meu braço quando percebeu que eu estava quase
chorando. — Ah, querida. Você pode desabafar. Está assustada e com medo,
sei que é difícil achar que pode confiar em qualquer um aqui.
— Tudo dói dentro de mim e parece que o que me mantém de pé é a
raiva. — Eu a encarei com lágrimas nos olhos. Serena me abraçou. — Meus
pais estão mortos e foi a minha irmã.
Eu a abracei por um longo tempo, me afastei e pedi desculpas por
molhar sua blusa.
— Meu bebê faz coisas piores. Suas lágrimas são bem-vindas, só
espero que se erga. Você tem uma batalha silenciosa e longa para enfrentar,
as coisas não são rápidas e se sua irmã estiver envolvida com Santiago, ela
não vai ter pressa. — Serena pegou um prato e me entregou, então voltamos
a secar a louça. Encostei na pia, curiosa.
— Como sabe disso?
— Amanda levou tempo para arquitetar todo esse plano, de te colocar
na cadeia, ganhar a confiança do seu pai e se aproximar cuidadosamente do
líder do cartel. Ela é fria, Cora. Você vai precisar ser muito pior do que ela.
— Ela encolheu os ombros. — Aprendi uma coisa ou outra convivendo
com esses rapazes. Também precisei colocar muitas das minhas emoções
mais fortes no bolso para vencer a guerra contra o meu padrasto.
Enquanto estávamos ali, ela contou tudo que havia passado, vi
algumas coisas na internet por curiosidade depois que falei com minha mãe,
mas não conhecia os detalhes. Nossa. Ela foi muito forte em aguentar tudo e
principalmente, não dar uma joelhada nas bolas de Priest quando ele a
tratou como escrava. Serena era inteligente, vencia suas batalhas usando a
mente e não a força. Ela dobrou o homem todo.
— E mais, ainda não encontramos todas as joias. Perdemos o rastro —
ela concluiu.
Lambi meus lábios, pensativa.
— Obrigada. Estou me sentindo menos azarada agora. — Soltei uma
risadinha.
— Não acredito que foi presa. Quantos horrores viveu lá dentro e seu
rostinho de boneca não te deixa contar?
Eu ergui minha camiseta e mostrei algumas cicatrizes.
— Quem fez isso com você? — Serena cobriu a boca.
— Lá dentro é outro mundo, é preciso saber como sobreviver. Quando
o sol vai embora, o pesadelo começa. Meus pais ainda tentaram me colocar
no melhor lugar… — Engoli em seco com as memórias. — Já passou.
Agora, estou em outra fase desse videogame.
— Gosto do seu senso de humor. — Ela sorriu e eu percebi que meus
dias ali não seriam muito ruins se pudéssemos ser próximas.
Terminada a cozinha, voltei para o apartamento sem falar com Diablo.
Ele parecia em uma séria conversa e não quis interromper. Talvez ele não se
importasse se eu saísse do salão para o quarto. Na sala, encontrei um bloco
de notas e levei para a cama, me sentando no centro do colchão e
escrevendo todas as coisas que lembrava que podiam me relacionar a ele
para que tivesse seu nome tatuado em meu ombro.
Ele entrou quase uma hora depois. Tirou as botas primeiro e pendurou
o colete, aproximando-se de jeans e sem camisa.
— O que está fazendo?
— Pensando sobre nossos pontos em comum. — Mostrei a ele a folha.
— Você disse que foi paralegal do meu pai.
— Eu servia café e pegava documentos.
— Quando meu pai era um criminalista? — Arqueei a sobrancelha
com ceticismo. — Já sendo um Devil’s Ride?
— A que ponto você quer chegar? Sim, eu fazia serviços sujos, mas
faço isso a minha vida inteira. Já pensou quantas garotas tatuadas iriam
surgir por todas as merdas ruins que espalhei por aí?
— Eu espero que mais nenhuma — rebati, impaciente com o tom dele.
— Estou tentando pensar. Esse seu humor esquisito está me irritando. Até
parece que não quer descobrir.
— Temos tempo. Isso é a próxima coisa da minha agenda, a primeira,
é que estamos no auge do verão e sabe o que acontece em Del Ride?
— Não? Eu, por um acaso, acabei de chegar aqui. — Revirei os olhos,
sendo debochada. Ele me agarrou pelo tornozelo, caí deitada e gritei com o
puxão brusco. — Homem das cavernas maldito!
— Não tenha esse comportamento displicente comigo ou vou te
ensinar bons modos. — Ele inclinou-se e arquejei. Ai dele se ousasse
encostar em mim! — No verão, temos a viagem de convite para o festival,
que é o melhor momento do ano e onde todos se divertem. Como minha
mulher, vai participar de tudo. Sou o vice-presidente, portanto, empenhe-se
em fazer parte disso.
— Obrigada por me atualizar da incrível agenda de Del Ride.
— Seu comportamento de patricinha rude não vai funcionar comigo.
— Ele agarrou meu queixo e se aproximou o suficiente para que eu sentisse
seus lábios nos meus.
— Meu comportamento vai depender exclusivamente do modo em
que falar comigo — retruquei, olhando em seus olhos, sem me importar se
poderia estar parecendo vesga. Meu peito subia e descia, ofegante. —
Como vai ser, Diablo?
— Você vai descobrir. — Ele me deu um selinho e foi para o banheiro.
Deixou a porta aberta e minha mente completamente confusa, como uma
gosma espalhada no chão.
Capítulo Doze
Cora
Diablo tomou banho de porta aberta e saiu nu do banheiro. Cobri meu
rosto, virando de lado, um tanto curiosa e mortificada. Eu não ia ficar com
ele, fingir ser mulher dele era uma coisa, ter relação íntima era outra. No
entanto, por entre meus dedos, dei uma olhada nos músculos trabalhados e
nas tatuagens.
Minha nossa senhora… ele era lindo demais.
— Timidez na sua idade?
— O que tem a minha idade? — rebati sem encará-lo.
— Na sua idade, eu já tinha uma criança nos braços e muitas contas
para pagar — ele resmungou, vestindo a cueca.
— É sempre tão ranzinza? — Virei de lado, encarando a parede. —
Tem filhos? Já foi casado?
— Mocinha curiosa. — Ele se aproximou da cama, tirando a coberta e
me mandou levantar. Bufei e cruzei os braços. — O que foi?
— Eu não sou sua mulher? Preciso saber coisas da sua vida.
Diablo riu, olhando para o teto. A risada dele era irritante mas também
me deu vontade de rir. Ele tinha um olhar debochado e maligno que me
enervava. Peguei um travesseiro e bati em sua barriga, sentando-me de
joelhos na cama e apoiando as mãos nas minhas coxas, como uma mocinha
comportada. Olhei para o desenho de uma caveira com chifres de diabo que
escapava da cueca, o símbolo do clube no centro do peito e uma tempestade
no coração. Abaixo, o pé de um bebê.
— Tem filhos?
— Esse primeiro pé aqui é de Cedrick, meu afilhado. O segundo, é de
Peter. Ambos são filhos do Priest.
— Serena já tem dois filhos?
— Não. — Ele sorriu. — Cedrick tem vinte anos agora. É um homem,
vive em Los Angeles, está estudando. Ele é fruto da relação de Priest com
uma puta miserável. Já Peter, é um bebê arteiro. Irá vê-lo amanhã.
— E a tempestade? — Apontei, querendo tocar porque era bem
bonita.
— Vai questionar o significado de cada tatuagem? — Ele colocou a
mão na barriga, como se estivesse pronto para dormir e me ignorar.
— Não estou com sono. Posso gastar todo meu tempo sendo curiosa.
— Lambi meu lábio e abri um sorrisinho para irritá-lo. — Já foi casado?
Vou apanhar de alguma mulher ciumenta?
— Algo me diz que qualquer mulher vai precisar se preocupar em não
apanhar de você. Você tem rostinho de anjo, mas para ter sobrevivido na
cadeia com essa cara de cordeiro pronto para o abate, significa que
aprendeu a bater. — Ele me olhou rápido. — Estou errado?
— Digamos que eu não caio sem lutar. — Dei de ombros. — Pare de
se esquivar.
— Nunca fui casado. A tempestade é uma longa história que eu não
vou te contar agora e se quiser saber o restante, eu vou querer algo em
troca.
— O quê?
— Não sei. Pode ser de beijos a lavar minhas roupas.
Comecei a rir de puro nervoso.
— Eu não vou te beijar só para que me conte uma história. Isso é
suborno.
— Sendo moralista a essa hora da noite?
— Você acabou de me chamar de patricinha rude e agora moralista? O
que acha que eu sou de verdade?
— Eu não sei. Fisicamente, tem atributos interessantes. Uma bunda
em formato de pêssego, empinada, coxas trabalhadas e seios que me fazem
imaginar como vão ficar na palma da minha mão — falou e me deu um
olhar aquecido. Ofeguei com uma risada, incrédula, sem saber como reagir.
Caramba! Ele era rude e direto ao ponto. — Tem um ar de quem é toda
quieta, mas na cama pode virar uma bela de uma puta safada.
— Ai, meu Deus! — Cobri meu rosto, mortificada.
Diablo torceu a boca com um sorriso malandro.
— Já a sua personalidade parece ser de um gato peludo. Aqueles
caros, bem bonitos, de pelos brilhantes, olhos puxados e unhas afiadas, que
ficam em cima da mesa.
— Eu não sou quieta, nem moralista, apenas… estou me descobrindo
depois que saí da cadeia. Minha vida estava confusa com a liberdade.
— Você terá tempo agora. Desistiu de saber sobre as tatuagens?
— Eu vou tomar banho — desconversei e saí da cama.
— Covarde — Diablo cantarolou. — Foi ter que lavar as roupas ou a
minha boca na sua o que te fez calar? — ele questionou da cama, dei-lhe o
dedo do meio e bati a porta, ouvindo-o dizer que eu estava mesmo
precisando aprender bons modos.
Tirei o cheiro de fumaça do corpo, sentindo falta de ter alguns
produtos pós-banho, mas não era motivo para uma crise porque fiquei
muitos anos sem. Minha roupa de dormir era uma calça e camiseta dele, que
ficavam grandes, porém, confortáveis. Apaguei as luzes, percebendo que
sua arma e faca estavam na mesinha ao lado. Ainda na mesma posição de
antes, ficou me observando. Puxei a colcha, já que o ar estava ligado e
deitei.
— Você vai ficar aí desse lado da cama, certo? — Conferi, apenas no
caso de precisar criar um muro de travesseiros.
— A cama é minha.
— Isso não responde a minha pergunta. — Franzi o cenho.
— Não sabe se deita de frente ou se vira a bunda para mim? — Ele
virou e tocou no meu quadril, enrolando parte da calça e me puxando para
si. Agarrei seu braço, empurrando minhas unhas sem saber ao certo o que
fazer e esperando. — Você pode dormir, Coraline. Gosto das minhas
parceiras participativas, não chorando de medo.
— Você não vai me forçar a transar?
— A única coisa que eu faço com homens abusadores é fatiá-los e dar
de alimento aos porcos. Já te disse, gosto de foder com quem quer foder
comigo. A não ser, é claro, que essa conversa seja porque quer sentar no
meu pau — ele falou baixo, mas arqueou a sobrancelha com um ar
divertido, ciente de que eu estava quase sufocando de vergonha. — Pode
dormir tranquila. — Colocando o cabelo atrás da minha orelha, fechou os
olhos e cansada como estava, não consegui pensar muito, peguei no sono.
Acordei a cada movimento dele, até ouvi algumas vozes no corredor
do lado de fora, mas nada que me assustasse ou me fizesse perder a vontade
de continuar naquele conforto gostoso. O clima estava perfeito. Senti uma
claridade nos meus olhos e abri, percebendo que estava no lado oposto da
cama, deitada de frente para a janela, com a cabeça e um braço no peito de
Diablo.
Ele estava com um dedo em cima do meu.
— Como vim parar aqui?
— Levantei para falar com Angel e você estava deitada do outro lado.
— Eu costumava dormir abraçada com um travesseiro. Desculpe. —
Me afastei gentilmente, com vergonha de ter agarrado o homem na primeira
noite em que dormimos juntos.
— Pode me usar. Não ligo de ter uma mulher me agarrando. — Ele
sorriu de lado, meio sonolento. — Você pode se esfregar em mim como um
gatinho toda noite como essa madrugada que vou acordar ainda mais feliz.
Desviei meu olhar para sua cueca e puxei um travesseiro, cobrindo
aquilo. Diablo começou a rir, ele estava fazendo de propósito para me ver
envergonhada. Esfregando o rosto sem conter a risada, disse que
precisávamos levantar para o café e depois me levaria na cidade para
comprar algumas coisas. Eu agradeci, estava usando uma única calcinha e
vesti-la meio úmida não era agradável (nem saudável).
Sem muitas alternativas de vestimenta, fiz o melhor com o que tinha.
Não era apegada a minha aparência como Amanda sempre foi, mas adorava
cuidar de mim mesma e poder me vestir dentro do meu estilo. Estava calor,
Diablo não se preocupou em colocar uma camisa com seu colete e calça
jeans.
— O café funciona como um buffet, você serve seu prato, pega a
bebida e busca uma mesa. Priest, Angel e eu sentamos no mesmo lugar
sempre. Quando Cedrick está na cidade, ele come conosco. Serena e Peter
nem sempre comem aqui, porque ela acorda muito cedo com o bebê, mas
está tentando fazê-lo entrar na rotina — me explicou previamente e fiquei
chocada com a quantidade de comida disponível. — Faça nossos pratos e
me encontre na mesa.
— Eu vou te servir? — Segurei seu braço.
— Sim. — Ele sorriu como um cínico.
O quê?! Não era piada a história de servi-lo como uma mulher dos
anos cinquenta? Só podia ser uma brincadeira de péssimo gosto.
— Não me olhe assim. — Diablo segurou meu queixo e beijou meus
lábios suavemente, com um roçar tentador e nada mais. — E nem faça a
porra de uma cena.
— Nesse momento, eu quero torcer suas bolas, mas vou te servir
rezando para que engasgue com a comida — falei baixinho e dei as costas,
indo para o balcão com os pratos.
Coloquei todas as coisas comuns que pessoas costumavam comer para
nós dois no mesmo prato porque ele só podia estar louco se cogitava que eu
ficaria de um lado ao outro. Depois, café preto para ele e suco de laranja
para mim. Serena entrou no salão com um bebê nos braços, despejando-o
no colo do pai. O garotinho riu com dentinhos adoráveis e enfiou a mão nos
ovos, levando à boca.
— Muito bem, já com fome. — Priest tirou o cabelo do menino da
testa. — Sua mãe insiste nesse corte ridículo.
— Bom dia a todos — falei com educação e me sentei. Angel estava
comendo e apenas acenou. Priest respondeu e logo precisou impedir que o
filho jogasse um copo de plástico longe.
— Não vai comer? — Diablo pegou um garfo.
— Vamos dividir o prato como dividimos a cama. — Sorri de forma
doce. — Esse lado é seu. Coma tudo, peguei com carinho.
Desconfiado, porém não o suficiente, ele pegou um bocado dos ovos,
comeu e quase engasgou. Engolindo com dificuldade, agarrou a caneca de
café dando bons goles mesmo estando quente. Angel e Priest começaram a
rir.
— O que você colocou na minha comida?
— Hum… apimentado demais? Eu pensei que você gostaria. Ai, me
desculpa.
— Coraline! — ele falou entredentes.
— Me desculpa. — Fiz um beicinho, dando o meu melhor olhar
inocente. — Esses acidentes não vão acontecer se você servir a sua própria
comida como um homem adulto e funcional. — Inclinei-me e dei um
selinho em seus lábios enquanto ele parecia uma estátua de cera. Ele não
fazia aquilo comigo? Então, bem feito. — Quer um pouquinho? — Ofereci
meus ovos. — Estão só com queijo.
Sem paciência, ele misturou tudo, espalhando um pouco mais a
pimenta e o queijo. Não ficou ruim, comi com um sorrisinho por ele estar
bufando.
— O que aconteceu que estão rindo? — Serena chegou com sua
comida. — Quer salada de frutas? Eu deixo na geladeira porque ninguém
além de Peter e eu comemos. Os meninos preferem as frutas cortadas em
grandes pedaços separadamente.
— Eu aceito, obrigada. — Peguei um pote.
— Diablo e sua senhora estão se acertando ainda. — Priest abriu um
sorriso afiado.
— Está tudo bem por mim. — Encolhi os ombros, ainda com ar
inocente.
Diablo respirou fundo, cavando o prato de comida e me deu uma
panqueca, quase como um sinal claro de que era melhor ocupar minha boca.
Angel e Priest não conseguiam parar de rir, felizmente, o bebê fez um
monte de gracinha, o que aliviou o humor do malvadão que eu estava
estranhamente relacionada dali em diante.
Capítulo Treze
Diablo
Serena quis fazer compras com Coraline, já que provavelmente minha
expressão era de quem estava prestes a cometer um assassinato. Elas foram
de carro, ouvindo música alta. Priest levou Peter para a oficina, precisando
começar a trabalhar e eu o segui de moto, tendo coisas a resolver no centro
além de vigiar as duas gastando dinheiro na rua principal. Encontrei
conhecidos, ajudei a sra. Debby a trocar o pneu do velho chevy e depois,
comprei cigarros.
— Sua boca ainda está ardendo? — Angel me provocou quando entrei
na oficina.
— Está muito cedo para eu mandar você se foder. Não comece, porra.
— Ela é louca, maluquinha... — Priest cantarolou, sacudindo Peter,
que ameaçava chorar. — Eu sei que você quer sua mãe, não vai rolar, então,
sem choro.
— Você não tem o que ele quer. — Gesticulei para os seios.
— Sim, essa porra vicia desde novo. Não é possível. — Priest colocou
Peter no chão. — Vá se sujar e adquirir anticorpos.
— Serena vai te matar se ele voltar sujo de graxa. — Angel deu a
Peter uma ferramenta para que batesse em uma lataria velha. Ele adorava
qualquer coisa que fizesse muito barulho.
— Depois de casado, tentar matar é a coisa mais normal do mundo. —
Priest sorriu e me olhou. — Então, sua boca está ardendo? Ela vai pirar com
as regras do clube.
— Ela vai precisar se acostumar para que os homens não fiquem
falando, com o tempo Serena colocou todos eles para correr, logo Coraline
vai se encontrar. Até lá, que siga a porra das regras. — Passei meu polegar
nos lábios, ainda queimando de tanta pimenta que ela havia jogado nos
ovos. — Enquanto isso, a filha da puta vai tentando me causar um infarto.
Angel riu e não falou nada, baguncei seu cabelo e fui para o escritório.
Ele odiava aquilo desde que o pegamos na rua, revirando um lixo a algumas
cidades de distância. Priest e eu éramos um pouco mais velhos. O
trouxemos para Del Ride e nunca mais nos separamos, então, quando eu
subi, sabia que iria jogar algo em mim por ter mexido em seu cabelo. Anos
e anos de convivência me fez desviar rindo antes de bater a porta.
Trabalhei na administração dos estabelecimentos, contei o dinheiro e o
guardei nas bolsas para que fossem levadas ao cofre. Sage me ligou e
trouxe notícias sobre a família Sutherland. Nem tudo estava sendo noticiado
e decidimos, por bem, tirar Coraline de foco para que seu nome fosse
caindo no esquecimento gradativamente.
— Vou até a loja — avisei ao descer. Peter correu na minha direção
com os braços erguidos, eu o peguei e beijei sua cabeça. — O que está
aprontando?
— Escondendo as ferramentas que o pai dele precisa usar. — Angel
riu. Priest estava deitado embaixo de um carro antigo, que uma vizinha
cuidava com todo zelo, mas era muito velho e sempre dava problemas.
— Apronte todas — aconselhei no ouvidinho dele e o coloquei no
chão.
Atravessei a rua, empurrando a porta da loja aberta. Serena estava
com a dona no balcão, falando sobre um vestido e fui direto para os fundos,
onde Cora escolhia camisetas.
— Sage ligou. Sua irmã não está morta, há imagens dela fugindo com
um dos capangas durante a explosão e é bem provável que esteja muito
ferida — falei de uma vez.
— Eu tinha a secreta esperança de que estivesse morta.
— A varredura nos escombros e no restante da casa terminou agora.
Apenas os corpos que já sabíamos estavam lá, a parte boa é que não
acharam imagens nossas fugindo pelo jardim, apenas dela e isso vai ser
ótimo a seu favor.
Cora mordeu o lábio, parecendo preocupada.
— Sabem dela?
— Não deu para acompanhar a direção em que ela foi. Sage vai entrar
com uma ação para que a mídia não fale sobre você ou mencione seu nome.
O advogado que usaremos de fantoche falará sobre sua prisão e que alguns
fatos foram levantados sobre você ter assumido a culpa pela sua irmã. —
Enfiei as mãos nos bolsos. — A intenção é jogar a imagem de Amanda no
fogo.
— E quanto aos sócios do meu pai?
— Estão preocupados, nenhum deles irá se pronunciar. Sage vai
cuidar de cada um deles pessoalmente, até porque, precisamos que a maior
parte venda as ações para você. Suas contas foram bloqueadas pela justiça
até a verificação dos fatos. Tudo entrará em um processo delicado…
— Quando Sage ligou? — Ela franziu o cenho.
— Há alguns minutos.
— E por que tomou todas essas decisões sem conversar comigo?
— O quê? — Soltei uma risada irônica. — Espera que eu te consulte a
cada novo telefonema?
Ela estaria em um caso sério de loucura se pensasse desse jeito.
— É a minha vida, Diablo. — Ela me encarou, irritada e mais uma vez
com lágrimas nos olhos. Eu odiava o quanto parecia fragilizada e pálida
como quando a tirei do mar. Eu nem sabia por que me importava, porra.
— É a nossa vida. Enquanto estiver aqui, minhas decisões serão
baseadas em proteger não só a você, como a todas as pessoas com quem me
importo. Quando tiver mais informações, eu te aviso.
Saí da loja, ignorando seu chamado, peguei um cigarro e comecei a
fumar encostado na parede. Fiquei ali por um tempo, bufando de raiva e
entrei de novo na loja. Serena me deu um olhar, recriminando meu
comportamento. Ela sempre tentava me convencer a ser mais sutil, mas a
patricinha chegou tarde demais, eu fui educado pela vida e ninguém me
ensinou a ser gentil.
Empurrei a cortina do provador, Cora tomou um susto e cobriu os
seios.
— Ei, dá licença? — ela reclamou e entrei no espaço. — O que você
quer agora?
Meu olhar estava nas marcas em seu corpo.
— Quem fez isso com você? — Toquei as cicatrizes nas costelas.
— Foi durante meus primeiros meses na cadeia, as cicatrizes ficaram
claras, se eu me bronzear quase não irão aparecer. Não sinto mais dor, está
tudo bem — ela me explicou, colocando a mão acima da minha.
— Esse hematoma está muito feio. — Tirei seu cabelo do caminho,
ela o puxou todo para a frente e pude ver melhor o quanto estava com uma
contusão horrível.
— Ele aumentou um pouco — falou baixinho.
— Foi a placa da casa que caiu em nós?
— Sim. Vai passar… você sabe, essas coisas levam tempo para curar.
— Ela ergueu o olhar e encontrou o meu através do espelho. — O que está
fazendo aqui?
— As decisões precisavam ser tomadas de forma rápida, para que
você ficasse segura aqui, sem rastros e sem que a polícia sentisse a
necessidade de te procurar. Temos muitos contatos e meios de fazer a coisa
toda acontecer, mas tudo depende da rapidez das nossas ações e decisões —
expliquei e ela assentiu, mesmo que ainda relutante. — Assim, você vai
poder assistir ao velório dos seus pais amanhã. Será privado, terá uma
cerimônia conforme pré-estabelecido em testamento. Como não haverá
convidados, poderá assistir a transmissão da capela por um sinal seguro.
— Eu achei que perderia.
— É por isso que foi rápido. — Enfiei as mãos nos bolsos.
Coraline virou devagar e parada à minha frente, retirou minhas mãos
de onde achei que estavam protegidas e me abraçou. Agradeceu baixinho e
percebi que ela estava quase chorando, mas olhei para sua bunda no reflexo
e sorri. Minhas mãos coçaram para descer de sua cintura para aquelas
nádegas, que mereciam um belo aperto.
— A propósito, essa calcinha é incrível. Pode levar várias e em cores
diferentes — falei em seu ouvido. Grunhindo, me expulsou do provador e
puxou a cortina.
— Idiota.
— Ao seu dispor, baby — falei do lado de fora. Serena se aproximou
com os braços cheios de roupas.
— Nós vamos demorar. Não é simples montar um armário, ainda mais
com o festival chegando, ficaremos sem tempo para isso. — Ela me
empurrou de seu caminho. — O almoço de Peter já está pronto. Só
esquentar.
— E quando foi que me tornei responsável por alimentar seu filho?
— Quando o batizou na igreja. — Ela sorriu doce e apontou para a
porta. — Saia. Você ensinou meu filho a falar vaca gorda, o mínimo que
pode fazer agora é alimentá-lo.
— Eu não acredito que ele fez isso. — Cora enfiou a cabeça do lado
de fora. — Que coisa feia, sem educação e muito baixo! Não é você quem
fica ameaçando me ensinar bons modos?
Serena começou a rir, ambas me desafiando. Olhei para Cora, com um
ar divertido.
— Foda-se. — Agarrei seu rosto e roubei um beijo porque eu era um
bastardo.
***
Elas não mentiram que iriam demorar. Levaram o dia inteiro fazendo
compras, eu perdi minha paciência quando entraram na farmácia e não
saíram nunca mais. Peter já estava de saco cheio de ficar conosco,
chamando pela mãe a cada trinta segundos. Angel perdeu a batalha para a
paciência e o levou para correr na areia da praia e cansá-lo.
— Acho que terminamos. — Serena atravessou a rua com duas bolsas
grandes. — Ela não vai passar pelo mesmo que eu. — Balançou as
sobrancelhas.
— Eu não tenho nada a ver com isso. Vamos chegar atrasados para
preparar o jantar, porra.
— Tina foi mais cedo, não sou irresponsável. — Serena apertou meu
nariz.
Coraline atravessou a rua mais devagar, eu podia perceber que estava
cansada. Seus cabelos estavam soltos, revoltos e usava um vestido branco,
com botas sem salto e uma bolsa pendurada nos ombros.
— Direto para casa — falei para Serena. Ela me deu a língua e saiu
em disparada. Priest odiava o quanto ela corria, mas até que a doida era boa
na direção.
— Se soubesse que iria embora com você, não tinha escolhido um
vestido — Cora comentou, mas estava se divertindo com Priest xingando
dentro da oficina que a mulher dele era louca.
— Ninguém mandou lotar o carro de bolsas. — Dei de ombros,
pegando sua mão e levando-a para minha moto. Montei primeiro e com
cuidado para não mostrar sua calcinha, Cora subiu atrás de mim. Ela passou
os braços por minha cintura e se aproximou hesitante, acariciei sua
panturrilha só para sentir a pele arrepiada e dei a partida, o ronco do motor
fazendo com que uma senhorinha que nos observava ao longe pulasse no
banco.
Sorri para ela de modo demoníaco, ela fez o sinal da cruz e entrou
correndo na loja. Coraline soltou um gritinho com a velocidade, me
apertando, mas não pediu para que eu diminuísse.
Capítulo Quatorze
Cora
Diablo não estava na mesa com seus amigos enquanto Serena e eu
estávamos escolhendo o que iríamos comer. Os homens bebiam e
beliscavam apenas as carnes, foi um dia cansativo, andei muito e
experimentei mais roupas do que em toda a minha vida. A distração foi
perfeita para acalmar a ansiedade, por dentro, eu me sentia queimando.
Sempre que tinha qualquer momento para pensar, a vontade era de correr de
volta para o oceano e permitir que as ondas me afundassem.
Mas eu tinha um propósito. Depois até poderia me permitir afundar,
no entanto, não morreria até derrubar Amanda. Nada me impediria de
arrancar fio por fio daquela cabeça loira pelo que fez a mim, a nossos pais e
pela destruição que ela nos trouxe.
Balancei a cabeça, saindo dos pensamentos obscuros e me deixei levar
pelo bom humor do grupo. Eles sabiam que eu não estava bem e admirei o
esforço que fizeram em tornar a noite agradável. Não me conheciam, mas
Serena disse que aquela família podia ser desbocada, se metia em tudo, mas
não existia melhor. Percebi que ficou sem graça, pelo fato de que havia
perdido meus pais, porém, eu entendi o que ela quis dizer.
Meus pais erraram comigo. Eles optaram pelas aparências e pelo
status, sei que sofreram também e não souberam lidar com o problema
enorme que minha prisão causou. Ainda assim, eu os amava muito por tudo
e a dor repentina me fez perdoá-los. Papai e mamãe seriam vingados, isso
não significava que eu não deveria apreciar o riso de quem estava ao meu
redor.
Três anos presa me ensinou a valorizar cada momento, tudo tinha
sabor de liberdade. A comida na mesa, o bom banho, dormir em uma cama
confortável. O centro de detenção era um pesadelo difícil de superar.
— Vocês deixaram o estoque de roupas para outras moças ou
trouxeram tudo? — Priest me deu um sorriso provocante.
— Sua esposa foi muito exigente com relação às vestimentas dos
eventos e parece que esse ano terão muitos até o Natal. — Olhei ao redor, à
procura de Diablo.
— Eu quero que ela se sinta à vontade e bem-vinda — Serena
adicionou e me entregou uma taça de vinho.
Na dica, Diablo desceu as escadas, de banho tomado e segurando uma
garrafa de vinho. Ele a abriu com toda pompa e cuidado comum de quem
conhecia bem sobre vinhos. Serviu nossas taças e se sentou ao meu lado,
tocando minha coxa como se eu fosse sua mulher de verdade e aquilo
confundiu minha mente. Nunca fui do tipo santa, já tinha beijado na boca e
passado a base oral quando nova, mas foi antes de ser presa.
Não me envolvi com ninguém nesse período. Homens eram uma
incógnita para mim. Ele era mais velho e muito bonito. Apesar do jeito
supostamente desleixado, calçava uma bota de marca cara, os jeans também
e as tatuagens eram muito bem feitas. O cabelo escuro era cuidadosamente
cortado e a barba, de quem usava bons produtos. Por dentro, o apartamento
era bonito, pintado, decorado com móveis requintados.
Diablo podia viver na simplicidade do clube, porém, não escondia o
gosto.
Eu tinha que dançar conforme a música que estava tocando na minha
vida. No clube, mulheres desacompanhadas não faziam parte sem ter que
servir aos homens solteiros (ou não) sexualmente. Serena disse que alguns
membros eram difíceis e cobravam muito as regras, ela teve que vencer
cada um no cansaço para ser respeitada. Se iria ficar ali por um tempo
indeterminado, com eles me protegendo, pela tatuagem ou não, tinha que
honrar todas as ordens.
Comi toda minha salada, relaxando com o vinho. Serena estava
contando uma gracinha de Peter antes de dormir quando vi uma morena
bonita passar por nós com um rebolar atraente. Angel olhou e sorriu,
acompanhei se Diablo iria olhar, ele riu também e me perguntei se dormia
com as garotas do clube e como aquilo funcionava. Percebendo que fiquei
tensa, me encarou e disfarcei, focando no vinho e nada mais.
— Quem vai ficar com o bebê para que possa ir na viagem? — Diablo
questionou Serena.
— Cedrick está vindo para os dias de festival, então, pedi que
adiantasse uns dias — ela respondeu com orgulho. Priest bufou.
— Serena negocia noites de irmão-babá em abatimentos nas parcelas
do carro dele.
— Por que não comprou à vista? — Angel franziu o cenho.
— Eu comprei, mas o dinheiro é meu, ele tem que trabalhar e me
pagar. — Priest deu de ombros, me fazendo rir. — Cedrick nunca vai
aprender o valor do dinheiro se eu der tudo a ele de mão beijada. Precisa
sentir que o salário de merda dele não paga nada e tem que ser grato ao teto
dos tios. Ele usou drogas, não vai ter nada de mim facilmente até que possa
confiar que não vai usar de novo. — E então, ele me encarou. — Você já
usou drogas?
— Não. Só fui acusada de vendê-las. O máximo que eu consumia
eram energéticos para virar a noite estudando. Eu queria ser aprovada em
Harvard.
— E foi? — Angel quis saber.
— Sim, mas fui presa. — Encolhi os ombros, pensando na bosta da
injustiça que aquilo significava para mim. Angel inclinou a cabeça,
entendendo.
— Eu me formei, ia fazer direito, mas a vida mudou e acolhi isso. —
Serena se solidarizou comigo.
— Agora não tenho a mínima vontade de estudar. Tudo se provou
inútil. Talvez com o tempo meu pensamento mude. — Soltei um bocejo e
cobri minha boca, pedindo desculpas. Meus olhos chegaram a lacrimejar.
Diablo apertou minha coxa suavemente e empurrou sua garrafa de cerveja.
— Foi um longo dia. Vamos descansar que amanhã tem mais. — Ele
se levantou, recolhendo a louça suja. — Angel, hoje é seu dia.
— Ah, não. Tenho um encontro.
— Encontro apenas depois de lavar a louça. Priest e eu votamos. —
Diablo riu. Priest não negou, mesmo ocupado em dizer coisas que pareciam
pervertidas no ouvido de sua esposa. Serena estava rindo como uma
garotinha e isso me fez rir também. — Vamos, se ficar acordada mais um
minuto, vai me levar à falência.
As sacolas estavam todas na sala.
— Vou arrumar amanhã, prometo. — Abri um sorrisinho. Era a casa
dele, estava certo em surtar com coisas bagunçadas. Mamãe não me criou
para causar uma zona no espaço privado de ninguém.
— Certo.
Peguei uma roupinha para dormir e fui para o banheiro. Tirei minha
roupa, virei de costas e olhei para o hematoma sentindo o quanto a área
estava cada vez mais dolorida. Talvez fosse normal. Entrei no chuveiro
quente, soltando um gemido e massageei minha nuca.
— Está tudo bem aí? — Diablo perguntou da porta e virei, o box tinha
o vidro embaçado do ombro para baixo, mas ele podia ver o contorno do
meu corpo nu.
— Apenas dolorida e um tanto cansada.
— Quer ajuda para tomar banho? — Ele sorriu de lado.
— Tudo que você quer é me ver nua e molhada, não é? — Virei
novamente, começando a lavar meu cabelo, porque era muito necessário.
— Não provoque um homem. Posso tirar minha roupa em um piscar
de olhos e estar aí dentro com você.
Mordi meu lábio, olhando-o sobre os ombros e sorri, provocante.
— Eu não preciso de ajuda, obrigada. Te encontro na cama.
Balançando a cabeça e com um risinho, ele se afastou e me deixou
terminar sozinha. Primeiro sequei meu cabelo com a toalha, depois usei o
secador com um creme modelador e prendi para que ficasse domado para o
dia seguinte. A roupa que vestia não era a mais comportada. Eu poderia
estar de burca, se ele quisesse abusar de mim, nada o impediria. O calor não
me permitia colocar calças e casacos.
Ele estava na cama com as mãos atrás da cabeça, me olhando com
interesse. Tirei a colcha do meu lado, apagando o abajur.
— Está cheirosa. — Diablo virou e senti sua perna tocar a minha.
— Comprei perfumes e coisas femininas, parece bobo, mas eu sinto
muita falta de ter essas coisas. Eu não sou a mais vaidosa das mulheres, mas
gosto de me cuidar e de me sentir bem. — Subi minha mão por seu braço e
tracei o desenho de uma cobra com a ponta dos dedos cuidadosamente.
— Como era na cadeia?
— Não podia ter nada direito. — Dei de ombros. Não era nada de
mais.
— Não nesse sentido. Como era lá? Como você sobreviveu lá? —
Senti-o ainda mais próximo e não me afastei, porque gostei da proximidade.
Sua curiosidade parecia genuína. Meus pais nunca me perguntaram como
eu fui capaz de me manter viva.
— Aprendi a sobreviver. Minhas primeiras semanas foram horríveis,
apanhei, fui roubada, fiquei sem comer, era constantemente jogada no chão
e humilhada. Elas sabiam que meus pais eram ricos e por isso, tomavam
cuidado em não foder com meu rosto, mas faziam tudo onde podia ser
coberto — confessei, sem encará-lo. Diablo tocou minha cintura. — Uma
vez, uma das garotas queria que eu fizesse as tarefas dela, me bateu com a
tampa do sanitário. Algumas das cicatrizes da costela provêm dessas
aventuras. Eventualmente, eu tive que reagir. Comecei a treinar cedo no que
eles chamavam de centro esportivo, a trocar minhas coisas caras que meus
pais enviavam com garotas mais fortes, ensinar coisas que sabia, dar aulas e
aprender como funcionava o jogo. Eu também consegui a amizade de uma
líder de grupo e ela me ensinou a bater muito. Eu também ensinei a ela
como ferir pessoas sem matar imediatamente, o que tornou útil minhas
aulas de biologia e muitos documentários criminais.
Fiquei arrepiada só de lembrar. Diablo encurtou todo o espaço que
existia entre nós e me puxou para seus braços. Fragilizada e
emocionalmente confusa, voltar aos tempos da detenção só trouxe lágrimas
aos meus olhos. Ele arrastou os lábios por minha testa, esfregando minhas
costas e fechei os olhos, chorando. Tremendo, me apertou um pouco mais.
Eu não sobreviveria na cadeia novamente.
Diablo me salvou do mar. Ele não era um bombeiro ou meramente
treinado, apenas viu uma mulher indefesa e se jogou. Depois, não ignorou
seu instinto e invadiu minha casa durante um ataque sem pensar nas
consequências. Nós dois não sabíamos por que o nome dele estava tatuado
no meu ombro, mas se eu acreditasse em destino, talvez tivesse alguma
coisa a ver com todos esses acontecimentos sem respostas.
Capítulo Quinze
Cora
Diablo acordou com um susto, eu olhei para o lado e sorri. Ele pegou
o telefone e leu a mensagem, sentando-se para expulsar o sono. Estava
acordada desde cedo, quieta no meu canto, tentando colocar meus
pensamentos em ordem e me acalmar. Cada vez que focava em qualquer
coisa sobre minha família, meu coração acelerava e o ar faltava. Um
colapso era tudo que eu não podia ter.
— Cora — ele me chamou e me sentei também. — O velório dos seus
pais precisou ser adiado. O legista teve um atraso no relatório e o translado
para a capela acabou atrasando também, mas Sage garantiu que os caixões
estão seguros.
— Vai acontecer, certo? E as lápides?
— A empresa do seu pai encomendou como estava no testamento.
Respirei fundo, com o coração doendo por não poder nem estar
gerenciando o velório dos meus pais. Apertei a mão dele em agradecimento
e voltei a deitar sem a mínima vontade de sair daquela cama ou fazer
qualquer coisa. Virei para o lado e abracei o travesseiro. Diablo deitou atrás
de mim e eu quis seu abraço, porque era tudo que eu precisava.
— Você pode me abraçar? — pedi baixinho.
Ele não falou nada, só passou o braço por minha cintura e se encaixou,
me deixando confortável e segura. Fechei os olhos novamente e, com um
cafuné, peguei no sono. Acordei horas mais tarde, surpresa por ele estar na
cama. Virei-me e olhei para seu rosto.
— Não desceu para comer? E a viagem? — Assustei-me um pouco ao
olhar o relógio digital na mesinha ao lado. Apoiando-se de lado, olhou para
o meu rosto e toquei seu queixo, passando o dedo na barba para fazer.
— Vamos sair daqui a pouco e eu pensei que podíamos ficar mais um
tempo na cama. Você parecia precisar descansar para estar muitas horas em
uma moto.
— Obrigada por ficar aqui comigo. — Deixei minha palma em sua
bochecha.
Sem falar nada, com um olhar intenso, ele inclinou-se e segurei seu
rosto. Seus lábios nos meus foram doces, nada do que imaginei que seria.
Um beijo suave, com a língua saborosa brincando com a minha e
queimando desejo na minha corrente sanguínea. Eu retribuí, deliciada e
gostando de sentir meu corpo vivo. Agarrando minha cintura, desceu as
mãos para o meu quadril e apertou.
Penetrei meus dedos nos cabelos de sua nuca, puxando-o para cima de
mim e ele não teve problemas em se encaixar entre minhas pernas. Arranhei
suas costas, descendo minhas mãos para sua bunda e caramba… alguém
malhava de verdade. Diablo riu e nos girou na cama, me fazendo ficar por
cima. Apoiei minhas mãos em seu peito, com meu cabelo caindo
bagunçado.
Eu não tinha que pensar muito sobre aquilo. Eu era uma mulher, ele
um homem, a matemática sequer precisava ser complicada. Joguei meu
cabelo para o lado, beijando seu pescoço, adorando a reação dele com
minha provocação. Soltando um grunhido profundo, apertou minha bunda e
pressionou a ereção em mim, causando uma rebolada involuntária.
— Ah, cacete. — Sua mão grande e tatuada foi direto para o meu seio,
beliscando meu mamilo e puxou. Porra, como era bom. Por que eu nunca
fiz aquilo antes? — Ah, baby. Que gemido gostoso…
Afastando o decote da minha camiseta de dormir, expôs meus
mamilos. Era a primeira vez que um homem experiente me tocava e eu
tinha que admitir que a diferença entre um que sabia o que fazer e outro que
só estava explorando era enorme. Arrastando beijos molhados pelo meu
pescoço e colo, uniu meus seios e lambeu.
Estava completamente entregue ao momento quando o telefone dele
vibrou embaixo do meu joelho, me fazendo saltar e rir. Diablo o pegou e
sua expressão não foi das melhores. Era hora de sair.
— Vamos voltar exatamente para esse ponto na primeira
oportunidade.
— Se você tiver sorte. — Dei-lhe um sorriso e saí da cama.
Minha calcinha estava molhada e as bochechas com um blush natural
que não saiu mesmo depois de eu ficar pronta. Gostei bastante do meu look:
short jeans, regata preta mais larga, um top escuro por baixo, cabelos presos
em um rabo de cavalo e botas. Não usei maquiagem ou iria derreter. Serena
me deu todas as dicas necessárias, inclusive, a de arrumar uma bolsa para
passar a noite fora se fosse preciso.
Ela foi enfática sobre camisinhas, calcinhas, prendedor de cabelo,
água e desodorante. Abri a gaveta do banheiro e procurei item por item, não
pretendia transar com ninguém, mas ela também disse que nunca saiu de
casa pensando que faria sexo e fez. Mordi o lábio, considerando, quando a
mão tatuada de Diablo se enfiou na gaveta e tirou vários preservativos.
— Esperançoso ou arrogante?
— Um homem confiante. — Beijou minha bochecha.
— Em fazer sexo comigo ou com outra mulher? — Cruzei os braços,
me virando. Ele parou o movimento com o cenho franzido. — Ontem, a
Coconut passou por nós e vocês olharam. Já dormiu com ela ou com
alguma garota daqui?
— Elas são prostitutas do clube, acho que já tem a sua resposta. —
Encolheu os ombros de maneira irritante ou eu que havia ficado
inesperadamente furiosa.
— É estranho pensar que transou com mulheres que convive
diariamente.
— Está com ciúme de putas que posso ter fodido?
A expressão dele, divertida, me fez crer que estava pronto para me
tirar do sério.
— Se isso acontecer entre nós, e não estou dizendo que irá, vai
continuar transando com elas?
— Acho que a minha resposta vai definir se vamos transar ou não. —
Ele começou a rir. Meu rosto estava quente e bati em seu peito. Divertido,
me encurralou na pia. Beijou meu pescoço e soltei um grunhido. — Sabe
como me chamam?
— Diablo?
— Pau gourmet. Dizem por aí que eu não fodo as putas do clube, só
mulheres desconhecidas. Sou vice-presidente, nós não nos envolvemos com
as garotas daqui, para não misturar as coisas. E isso vai ser um segredinho
nosso. — Piscou. Fiz um breve beicinho, porque ele não precisava ter
alterado minha pressão arterial.
— Você é advogado e bem articulado. — Peguei as camisinhas de sua
mão e as coloquei de volta na gaveta. — Vou pensar sobre isso.
Ele parecia imperturbável.
— Estamos atrasados. Vamos. — Deu um tapa na minha bunda. —
Desça esse short.
— O quê? Ele cobre toda a minha bunda! É confortável e larguinho.
— Eu sei… e é por isso que eu consigo enfiar a mão aqui. — Ele
apertou minha nádega, seus dedos tocaram meu centro suavemente e olhei
em seus olhos, muito surpresa. — Arrastando para a frente, é só empurrar
para o lado. Parece delicioso para mim, mas quando montar na moto, outros
vão ver sua bunda e eu não quero que vejam.
Exalei, arrepiada. Ele sequer estava me tocando onde queria, latejava,
mas a presença de seus dedos bem perto me causava uma ânsia para que me
tocasse logo. Minha boca ficou seca e pensei o quanto meu corpo estava
sedento.
— É tão lindo o arrepiar do seu corpo quando sente minhas mãos —
sussurrou, hipnotizante e com a boca perto da minha. Só lambeu meus
lábios, no mesmo momento em que seu indicador roçou meu clitóris por
cima da calcinha. Gemi e cobri minha boca.
— Eu soei como uma vadia.
— É exatamente assim que eu gosto. Geme gostoso assim de novo e
nós não vamos sair daqui. — Ele me atacou, prensando-me contra a parede.
— PORRA, ANDA LOGO! — Angel socou a porta da frente.
— Vamos lá, vice-presidente. Pense com a cabeça de cima. — Sequei
seus lábios, molhados pelo beijo que trocamos, com meu polegar. Abri a
porta, saí e Angel nos deu uma olhada. — O que foi?
— Esconde o pau duro, pelo menos. Atrasando a porra toda. — Ele
bufou para Diablo. Desci a escada, ignorando-os.
— Eu não sei do que está falando. — Diablo riu.
Serena acenou da moto de Priest e devolvi. O clima do lado de fora
parecia o bafo do inferno. Enrolei meu cabelo para colocar o capacete,
percebendo que aquela coisa me faria derreter como sorvete fora da
geladeira. A saída em grupo tinha uma formação, uma ordem importante a
ser seguida e fiquei impressionada. Era lindo de assistir.
Como pessoas que não faziam parte de uma família ligada pelo sangue
podiam ter tanta conexão? Eles se entendiam, agiam em conjunto e aquilo
me encantava. Priest ergueu o braço, ordenando e seguindo em frente com
Serena na garupa. Eu quis aplaudir. Diablo era o segundo. Angel estava
logo ao lado, um pouco mais atrás.
Agarrei a cintura de Diablo.
Os primeiros minutos da viagem foram divertidos, talvez até a
primeira hora, mas depois, minha bunda começou a doer e eu queria ir
andando pelo acostamento ao invés de estar sentada em uma moto quente.
Eles decidiram ir para a última cidade com os convites e então irem
voltando, até estar perto de Del Ride novamente.
A primeira parada foi em um posto. Eu desci, rígida, tirei o capacete e
fui para uma sombra.
— Você está agradavelmente vermelha. — Serena se esticou ao meu
lado.
— Agradável como um tomate, imagino. — Passei a mão no cabelo,
que deveria estar parecendo um solzinho, com a frente toda arrepiada.
— Vai se acostumar com as viagens, a primeira foi uma tortura, hoje
eu troquei o banco da moto e está tudo certo. — Ela apertou o bumbum, me
fazendo rir.
Serena parecia tão feliz fazendo parte daquilo, ela também ficou
sozinha na vida e encontrou nos Devil’s um lar. Eu poderia ter o mesmo?
Sem minha família, não tinha mais ninguém, aquele era um cenário que
nunca imaginei viver.
— Ei, amor — Priest chamou Serena, ela deu a mão a ele e, para a
minha surpresa, segurou a minha também. — Fiquem perto. Tem outras
pessoas por aqui.
— Tudo bem. Vamos sentar juntas no canto. — Serena o tranquilizou.
Nós pegamos dois bancos no fim do balcão, pedimos água e a
atendente simpática nos entregou uma cestinha com batatas chips e o menu.
Debatemos se deveríamos pedir uma salada ou um hambúrguer de frango.
O fato de estarmos inclinadas não me fez perder a noção do que estava
acontecendo.
Diablo estava do lado de fora abastecendo a moto, falando com Angel,
mas com o olhar atento em nós. Outras esposas sentaram perto, querendo
saber o que iríamos pedir, acabou ficando um grande grupo. Um homem
passou por nós, demorando mais tempo do que o saudável, olhando para a
minha perna e saiu, depois, tentou voltar de novo e eu impedi. Ele não ia
ficar roçando em mim feito um tarado.
— Espaço reservado para mulheres.
— Cora… — Serena me chamou baixinho.
— Ah, deixa eu fazer parte. — Ele sorriu, se achando encantador. —
Tenho certeza de que será divertido.
— Depende. Vou poder te transformar em uma mulherzinha? —
Arqueei a sobrancelha, desafiando-o.
— Você tem coragem, piranha. — Ele riu, tentando me intimidar com
todo aquele tamanho. Girei no banquinho, deixando-o pensar que eu iria me
encolher e virei, acertando meu punho em seu nariz. Quando ele se dobrou
de dor, completei com meu joelho no meio de suas bolas.
— Oh, merda… — Serena cantarolou quando os amigos dele ficaram
de pé.
— E aí, quem vai ser o próximo?
— Espero que nenhum deles — Diablo falou da porta. — Peguem seu
amigo e saiam.
Nenhum homem discutiu. Naquela região, era tolice brigar com um
Devil’s Ride, mas eu não estava com o símbolo do clube nas minhas costas,
como os membros do sexo masculino tinham. Depois que saíram rápido
com o idiota pingando sangue, ergui minhas mãos.
— O que foi? Por acaso eu ia deixar ele roçar em mim de novo?
— Eu vou ter que te amarrar ao meu lado? — Diablo bufou e saiu,
afinal, a lanchonete ficou inesperadamente vazia após o meu showzinho.
Capítulo Dezesseis
Diablo
— Você vai se comportar agora? — Soltei a mão de Cora e ela apenas
me deu um olhar irritado. — O que foi? Não gosta de ser provocada?
Dando uma voltinha na minha frente, colocou as mãos no meu colete
e me puxou para si. Ficou na ponta dos pés e olhou em meus olhos com um
sorrisinho.
— Na última vez que um cara me provocou, ele quebrou o nariz
acidentalmente nos meus punhos. Vai continuar?
— Vai me bater, baby? Isso é sexy. Vamos praticar isso na cama?
Tenho certeza de que alguém aqui tem um quarto para nos emprestar. —
Sorri de lado e desci as mãos para sua bunda, apertando de forma rude.
Cora soltou um som estrangulado, tímida pela atenção que recebemos, mas
era bom para que todos soubessem que a “loirinha gostosa” era minha.
Essa mesma loirinha arrebentou o filho de um político, que de vez em
quando aparecia em Del Ride fazendo graça com os outros playboys da
cidade. Ele não reconheceu Serena, por isso mexeu com Cora, mas eu
sequer precisei conversar com ele no meu modo tradicional, pois ela já
tinha quebrado o homem. Sem arrependimentos, ela só pediu desculpas por
causar a confusão.
— Eu não vou bater em ninguém aqui, vou deixar isso com você. —
Ela piscou.
— Obrigado. Vamos embora em uma hora.
Priest estava fazendo a social com o presidente local e a esposa.
Apresentei Coraline, ignorando os comentários sobre estar com uma old
lady nos braços. Foram muitas piadas. Tais como Priest ter me mordido
com o bicho do matrimônio e daí para pior. Cora ficou com as bochechas
vermelhas, o olhar correndo por todo lado, tentando absorver as
informações.
Ela e Serena foram até o bar, pediram água e ambas me encararam
antes de voltar a cochichar. Priest tirou a camisa, elas riram e eu olhei para
o meu amigo.
— O que deu nelas? Engoliram uma hiena, porra? — Ele cruzou os
braços. Serena e Cora riram de novo. — O que foi, cacete?
— Nada, amor. Comporte-se, se alguém tocar em você, eu tenho uma
nova amiga que bate muito bem. — Serena apontou para Cora.
— Ei! Vocês não vão deixar isso de lado? — Cora estava vermelha.
— Não. — Priest e Serena riram. — E pode deixar, amor. Eu vou me
comportar para que Cora não precise bater em mais ninguém hoje.
— Não precisamos mais de guarda-costas. — Angel se aproximou
com um risinho que fez Cora cobrir o rosto. — Vai, bate em mim. Adoro
mulher que bate.
— Quem vai bater em você sou eu — avisei. Ele estava me
provocando por saber que eu ia sentir ciúme dela. Dançou ao meu redor,
irritante como sempre.
— Ele me infernizou perturbando Serena, agora é sua vez de aguentar.
— Priest bateu em meu ombro.
— Vamos arrumar uma old lady para ele? — Cocei meu queixo e as
meninas gritaram que tinham muitas sugestões. Cora estava sufocando com
a vontade de gargalhar, mas sem intimidade o suficiente para se soltar.
— Não. Sai. Fui embora. — Angel saiu de perto rapidamente, me
fazendo rir mais ainda. Ele tinha alergia a relacionamentos. Angel era
sentimental e um tanto diferente, sexo era só de uma noite e bem longe de
Del Ride. Nada de envolvimentos profundos, tudo o que importava na vida
dele era o clube. Para amarrá-lo, uma mulher primeiro teria que deixá-lo de
joelhos.
Cora esticou a perna, mostrando alguma coisa para Serena e eu
acompanhei com o olhar. Ela era muito mais nova do que eu, mais do que
qualquer outra mulher com quem me envolvi na vida. Eu estava me
formando no ensino médio quando ela nasceu, trabalhei com o pai dela e
apesar de nunca tê-la visto antes, não cogitei nada no sentido sexual na
primeira vez em que nos vimos. Nem na segunda ou terceira, mas foi
vendo-a andando de pijama no meu quarto o que me fez perceber que ela
era gostosa.
E minha.
Estava permitindo que ela mexesse comigo porque, no fundo, eu a
queria. Era desejo carnal, o homem cruel e pecaminoso louco para devorar
a inocência dela, explorar o corpo virginal. Era um lado bastardo que eu
deveria mas não queria controlar. Meu desejo era de reivindicar cada
milímetro daquela pele com a boca.
— Você foi bem longe marcando sua mulher — brincaram comigo.
— É coisa nossa — desconversei e sinalizei para Priest que
deveríamos ir embora.
O convite estava feito e o festival prestes a começar. Parei ao lado de
Cora e peguei sua mão, levando-a para a moto novamente. Nós voltamos
para a estrada menos de trinta minutos depois e seguimos para a última
cidade, onde paramos por quase duas horas. Enfrentamos a noite na viagem
e não choveu, como estávamos em cima da hora, decidimos não parar para
descansar.
— Acho que a minha bunda está dormente. — Cora saiu da moto,
bocejando.
— Eu posso fazer uma conferência minuciosa, o que acha? — Desci
atrás dela, pegando a mochila e seguimos para o interior do clube, onde
alguns membros já estavam acordados para começar a montagem das
barracas. Exaustos, subimos para o apartamento.
Coraline coçou os olhos, se livrou da camiseta e foi para o banheiro
dizendo que precisava tirar todo o pó da estrada.
— Durma um pouco. Logo a barulheira vai começar. — Deixei as
coisas no canto.
Não sabia se ela estava acordada o suficiente para me ouvir. Tomou
banho e apenas deitou, reclamando que a região do hematoma estava
doendo, o que provavelmente foi por todo o sol quente que tomou no
ombro. Assim que me lavei, ignorei seus resmungos e fui dar uma olhada,
passei pomada lutando com suas mãos me mandando parar.
— Você é chata até dormindo, puta que pariu.
— Eu sei — retrucou e agarrou o travesseiro.
Descansei por uma hora e logo levantei, precisando agitar tudo. Priest
e eu descarregamos o caminhão com os brinquedos infantis que Serena
alugou. A equipe de montagem chegou cedo, assim como os moradores da
cidade que tinham barracas. A logística era conhecida por todos e ainda
assim, sempre acontecia algo errado. Tive que usar meus dons de eletricista
para ajudar a ligar os fogões elétricos de um food truck.
— Eu vou querer batatas grátis a noite toda.
— Você vai ter. — O dono riu depois que consertei.
O festival atraía pessoas de toda a região e era uma enorme injeção de
dinheiro para a cidade. Todos os membros do clube trabalhavam para
garantir a segurança e fazer com que a festa começasse alegre e terminasse
do mesmo jeito. A expectativa era de local cheio.
Olhei a hora e subi correndo, parando na porta ao ver Serena ali.
— Ela quis fazer isso sozinha, mas vou esperar aqui. — Ela me deu
um olhar triste.
— Não é uma boa ideia que passe por isso desacompanhada.
— Dê um tempo a ela, Diablo. — Serena me impediu de passar. — É
muita coisa para assimilar. Ela está tentando e o velório vai ser a despedida
dos pais para começar a vida aqui e esperar o tempo certo de agir.
— Eu…
— Sei que vocês têm uma ligação. — Serena olhou em meus olhos.
— Primeiro o mar, depois a casa… vocês têm uma conexão, mas também
tem que tomar cuidado porque ela é uma pessoa que precisa sentir a
independência.
— Acha que temos uma ligação? — Desviei meu olhar do dela e
encarei a porta.
— Por que você entrou no mar sem pensar? Por que ficou vigiando a
casa? Acha mesmo que foi por causa da tatuagem?
Cora soltou um gemido agudo e um soluço, chorando mais alto.
Serena cobriu a boca, com os olhos enchendo-se de lágrimas e eu perdi a
batalha, abrindo a porta. Ela estava no sofá, com o notebook no colo e a
cerimônia fúnebre sendo transmitida no computador. Sentei ao seu lado,
toquei suas costas e ela me abraçou.
Sage estava no local, garantindo que a transmissão fosse segura e que
o velório ocorresse privado e em paz. Os advogados do escritório também
estavam presentes, assim como dois sócios, todos de preto e em silêncio. Os
caixões foram levados para a área externa e na descida pela grama, Cora
cobriu o rosto, murmurando baixinho que aquilo doía muito.
Uma hora depois, a transmissão foi encerrada. Seus olhos estavam
vermelhos e inchados. Ela ficou encarando a parede. Serena lhe deu água e
um calmante.
— Por que eu fui escolhida para passar por isso?
— Você não foi escolhida. Sua irmã trouxe esse inferno para a vida de
vocês, não é sua culpa, não carregue um peso que não te pertence — Serena
rapidamente respondeu. — Não vá por esse caminho, Cora. Foi presa
injustamente, jogada no mar e depois quase assassinada. A culpa de tudo
isso nunca foi sua e nem será.
— O que eu faço agora? — Cora questionou baixinho, fungando.
Notei que umas gotas de lágrimas caíram em sua coxa.
— Siga sua vida, reconstrua o que for possível e nunca deixe de lutar.
— Serena colocou o cabelo dela atrás da orelha. — Vá descansar um pouco.
Foi um longo dia, amanhã começará o festival e sei que terá muitos motivos
para sorrir.
Cora foi para a cama, letárgica pelo calmante, eu a cobri e encostei a
porta. Serena disse que ficaria na sede, perto o suficiente para ouvir se ela
chamasse. Voltei para o lado de fora, avistei Cedrick saindo da praia com
Peter no colo, ficando perto das barracas que estávamos montando.
— Deixa que terminamos aqui, já fez muito. Vai ficar com sua mulher.
— Priest me empurrou para longe da montagem. — Ela está precisando de
alguém ao lado dela.
— E desde quando ficou sensível assim? — brinquei, sem parar de
olhar para a janela do quarto. — Ela está dormindo.
— Desde que eu conheci Serena. Olha, quando uma mulher faz parte
da nossa vida, tudo muda. Algumas coisas que a gente acha que são
palhaçadas e que estão cheias de merda, para elas, são muito importantes.
Faz sentido na cabeça delas, não me pergunte como ou o motivo, Serena
tenta me explicar e só me causa um monte de nó. — Gesticulou como se
elas fossem loucas. — Só faça o que estou te falando, mesmo que não tenha
razão.
— Acho que você está certo. Mulheres são de outro mundo.
— Completamente insanas. Acha que a irmã dela vai aparecer em
breve?
— Não. Parecia muito ferida no vídeo, vai levar um tempo, enquanto
isso, vou buscar todos os meios de ligação com Sutherland para que
Amanda tenha tatuado meu nome no ombro da irmã.
— Ela só queria nos incriminar. — Priest cruzou os braços, também
olhando para o alto. — O mar é muito bravo aqui e Coraline estava
drogada. Seria impossível sobreviver se Serena não estivesse na praia com
Peter. Eles não devem tê-la visto porque costuma ficar sentada atrás das
pedras por causa do vento…
— Teríamos a mídia e a fúria de uma família rica na nossa cola, além
de ter que reduzir nossos negócios e ficar na encolha. Tempo perfeito para
Santiago tentar expandir pelas nossas terras e conquistar nossos pontos.
— Ela não conseguiu, o que não significa que, se sobreviveu aos
ferimentos, não vá tentar de novo. Vamos rezar para que tenha se queimado
demais e contraído uma infecção.
— Seria sorte demais e eu não estou acostumado com isso.
Deixei Priest no pátio e subi as escadas, estava sujo de terra, graxa e
tinta. Eu não chegaria perto da minha cama daquele jeito, fiz o máximo de
silêncio possível, tomei banho e vesti uma cueca. Puxei a colcha, deitando-
me atrás dela para que quando acordasse, me encontrasse ali.
Capítulo Dezessete
Cora
Minha cabeça estava zunindo quando abri os olhos, que pareciam ter
areia. Diablo dormia, os barulhos do lado de fora tinham diminuído, mas
ainda havia pessoas montando as barracas para o dia seguinte. Eu me
levantei, meio zonza, busquei um remédio para dor e tomei. Fiz xixi e sem
pensar muito, voltei para a cama. Estava agradável e eu não queria acordar
ainda.
— Você está bem? — Ele me puxou para deitar mais perto. — Mãos
molhadas…
— Sou uma mocinha educada, lavei minhas mãos depois de fazer xixi.
— Coloquei minhas pernas entre as dele. Ninguém havia me dito que
dormir com outra pessoa acalentando meus sentimentos era bom. Eu estava
carente e não faria nada para lutar contra isso no momento.
— Ainda tem duas horas para ficar na cama, volte a dormir — ele
comandou, me fazendo rir porque nem dormindo conseguia tirar o tom de
ordem da boca.
Beijei suas costas e cochilei, com o pensamento mais tranquilo. Pelo
menos, meus pais tiveram um bom velório, foi emocionante e, mesmo de
longe, pude dizer adeus.
Mamãe morreu brutalmente e papai escolheu a morte para não sofrer
tortura, não entregar o que Amanda tanto queria e finalmente, mesmo que
tenha sido no final da vida, eles puderam ver quem ela era de verdade. Eu
tinha que aceitar que eles se foram, mas eu estava viva.
Precisava me restabelecer, erguer a cabeça, viver o que fosse possível
e vencer minha irmã.
Quando acordou de verdade, Diablo virou na cama, me abraçando.
— Obrigada.
— Pelo quê? — Sua voz estava rouca.
— Por estar aqui. Você entrou para ficar comigo mesmo quando eu
quis ficar sozinha e isso fez toda diferença. — Beijei seu queixo. — Tem
feito muito por mim e acho que até agora não tenho feito tanto por você. A
vida me ensinou que tudo precisa de uma troca, como uma balança e estou
disposta a fazer um pacto com você. O que precisa de mim?
Diablo afastou um pouco o rosto e me olhou com cuidado. Ele tirou
meu cabelo do rosto, acariciando minha bochecha.
— Um pacto? Você sabe que eu não sou um homem bom e disposto a
negar quando me oferecem algo que possa ser do meu interesse. — Ele
olhou em meus olhos. — Não espere de mim atitudes de um príncipe
encantado. Não sou um homem que cresceu imaginando se relacionar, um
pacto comigo é para sempre.
Engoli em seco, sentindo um tremor nas mãos e o coração acelerando,
um calor que subia da planta dos meus pés até a cabeça. Minha pulsação
batia forte atrás dos ouvidos.
— Eu sei. — Minha voz saiu como um ofego. — Vamos fazer isso. —
Lambi meus lábios, subindo minha mão para seu pescoço e fechei os olhos.
— O que você quer de mim?
— Você. — Ele não hesitou e um arrepio desceu pela minha espinha.
— Seja completamente minha, em parceria, no clube, na vida, em tudo. Se
vamos jogar esse jogo, quero total entrega. Quero seu corpo por inteiro, sua
mente, seu coração e o que mais tiver para me dar. Quero sexo, fodas
deliciosas e noites de prazer. Trabalhe comigo e seja membro integral, dê
sua vida pelo clube.
— Parece um pacto bem malicioso da sua parte. — Toquei seu peito e
me inclinei, beijando-o, selando um caminho que, para mim, não havia mais
volta. Eu estava ali e aquele era o meu destino. Diablo segurou meu cabelo,
me possuindo, tomando controle do beijo e ficou por cima, mostrando o
poder que tinha sobre mim.
— Está selado. — Ele sorriu contra a minha boca, desceu para meu
pescoço e o chupou.
Diablo me beijou mais uma vez e saímos da cama, para ajudar na
montagem do festival que começaria à noite. Troquei de roupa, descemos e
o salão estava cheio. Fui para a cozinha, onde Serena estava com Peter e as
meninas.
— Bom dia.
— Eu sinto muito pelos seus pais. — Coconut me deu um abraço.
— Contei a elas uma breve e resumida história do porquê está aqui.
Não tivemos muitas oportunidades de ficarmos juntas e achei que seria bom
para quebrar o gelo — Serena me explicou. Eu entendia que ela não queria
ser invasiva com a minha história e que as meninas também estavam
receosas com a minha presença.
— Obrigada por me receberem aqui — falei baixo, um pouco tímida.
— O que vamos fazer hoje?
— Os aspirantes cuidaram da limpeza esse ano, vamos apenas
supervisionar a arrumação do salão. A cozinha vai ficar fechada, apenas o
bar vai funcionar à noite e todos os copos, talheres e pratos serão de
plástico. — Serena foi distribuindo as tarefas. Eu fiquei com o
abastecimento do bar com ela.
Sentei-me no chão para conseguir organizar todas as garrafas. Não
sabia como as mães faziam tudo com seus bebês por perto! Peter mexia em
tudo com um sorriso traquina no rosto. Dei-lhe um beijo e o chamei de
malandrinho por ficar passando por cima de mim como se fosse um tapete
para alcançar seus objetivos.
— Cedrick! — Serena chamou. — Pegue seu irmão aqui!
— Esse carro está saindo mais caro do que o combinado. — Cedrick
se aproximou e me deu um olhar cuidadoso. — Olá. Acho que ainda não
nos conhecemos.
— Essa é Cora. — Serena gesticulou entre nós. — Ele é filho mais
velho do meu marido, antes já era meu amigo e também é afilhado do
Diablo.
— Seja bem-vinda à família. — Ele sorriu, pegando Peter e se
afastou.
Nós terminamos de arrumar o bar e fomos atrás dos homens.
— Ei, vai dar tempo de fazer minha tatuagem hoje? — Serena cutucou
Diablo antes de sentar no colo do marido.
— Sossegue, Serena — Priest respondeu baixinho.
— Você é um tatuador? — questionei a Diablo e ele me puxou para
sentar entre suas pernas no banco.
— Eu aprendi e passei a fazer a tatuagem de alguns membros do
clube.
— Quero fazer uma. — Virei e olhei para seu rosto. — Faz em mim?
É pequena.
— Ela vai ter uma tatuagem! — Serena olhou para o marido com um
ar de cachorrinho. — Vai, amor.
— Depois, patricinha. Seu desenho é grande e vai ocupar muito o dia.
— Ele a beijou.
Diablo levantou e me chamou, segurei o cós de sua calça e fomos para
os fundos. Eu nunca tinha entrado na igreja, ele explicou previamente que
era proibida a entrada ali sem um convite, a porta ficava fechada o tempo
todo. Em anexo, havia uma sala pequena, com uma cadeira igual às que os
tatuadores usavam.
— Tem um equipamento pronto?
— Esses caras gostam de fazer isso mais do que possa imaginar, ficou
mais fácil manter tudo aqui. Pode deitar. Já sabe o que quer?
— Sim. Eu quero a palavra “home” abaixo do meu seio, perto do
coração. — Apontei e ele assentiu, fechando a porta.
— Vai ter que tirar a blusa. Vou preparar a letra.
Expliquei mais ou menos como queria, ele desenhou perfeitamente e
no tamanho ideal. Sentei-me na cadeira, prendi meu cabelo e antes de
deitar, tirei a blusa. O top que usava por baixo também precisou sair. Ao se
deparar com os meus seios expostos, Diablo só me deu uma olhada,
colocando as luvas. Puxou o banquinho, sentou ao lado e fiquei observando
o modo como preparava tudo.
— Você quer cobrir a do ombro?
Eu olhei para ela e mordi o lábio.
— Ainda não — falei baixinho.
Diablo olhou nos meus olhos sem falar nada por um tempo e depois,
deu um meio sorriso.
— Ok. Vou começar.
Antes de limpar minha pele, inclinou-se e deu um beijo no meu
mamilo, provocando-o rapidamente com a língua e passando o líquido
gelado. Fiquei arrepiada e ele riu.
— Fique tranquila. É uma palavra pequena e vai acabar logo —
avisou antes de começar. Hum, a primeira coisa que senti foi o quanto
queimava, segurei meu peito para não atrapalhá-lo e aguentei, trincando um
pouco os dentes. Com a mão livre, apertei o banco. — Viu? Foi rápido. —
Pegou o espelho, dando uma última limpada. — Por que a palavra casa
nesse local em específico?
— Minha casa vai ser onde meu coração estiver — expliquei e ele
assentiu. — Adorei, obrigada. Vou pensar em outros desenhos para tatuar
em mim.
— Não vá ficar como um gibi.
— A pele é minha. — Pisquei e saí do banco, pegando minha blusa.
Não era uma boa ideia colocar o top onde poderia machucar o desenho. —
Você é todo tatuado e quer falar dos meus desejos?
— Você é minha. — Ele pontuou com calma, junto a um sorriso
arrogante.
— Nosso pacto inclui você decidir quantas tatuagens terei? —
Coloquei minhas mãos na cintura e ele assentiu sem nenhuma vergonha. —
Então é melhor que não faça nada sem meu conhecimento. — Abri a porta e
saí.
— Isso mesmo, vá rebolando essa bunda. Te encontro no quarto.
Virei e dei a língua, saindo rapidamente. Como estava sem sutiã, não
fiquei perambulando pelo clube, a blusa não tinha a melhor cobertura e
decidi subir. Separei minha roupa para a noite, ouvindo o barulho das motos
se aproximando e vários membros das sedes vizinhas, convidados e
moradores da cidade já começando o festival.
Deixei tudo organizado para poder me arrumar com calma.
Diablo entrou no quarto, me pegando seminua. Ele tirou a roupa atrás
de mim, sem se importar que na primeira vez que fez aquilo eu quase tive
um colapso. Abrindo o chuveiro e temperando a água, tirei minha calcinha,
colocando-a no cesto de roupa suja junto ao short e a camiseta. Encostado
na parede do chuveiro, ele ergueu o indicador e me chamou com uma
mordida no lábio tão sexy que trouxe uma queimação para o meu interior.
Entrei com cuidado, deixando que a água me molhasse. Ele empurrou
o vidro do box e escorregou as mãos para a minha cintura. Tomei meu
tempo olhando para aquele corpo, apreciando cada contorno de músculos,
as cores diversas se misturando em milhares de desenhos, dos pequenos aos
grandes.
Desci meu olhar para a tatuagem assustadora da caveira com chifres
de diabo. A toquei, traçando as pontas e passei pelo outro lado, passando
por cima dos pelos pubianos aparados. Ele me deixou investigar tudo, sentir
o que eu queria e ao voltar o olhar para seu rosto, encontrei desejo.
— Terminou sua inspeção minuciosa?
— É o primeiro homem completamente nu que vejo. Minhas
experiências íntimas anteriores foram bem limitadas nesse quesito —
confessei e estranhamente, sem vergonha. Ele sabia que eu não tinha
experiência e não era idiota, estava ali porque queria.
— Nunca procurou pornô para se masturbar antes? — Ele pegou meu
cabelo com cuidado e colocou para trás.
— Não. Meu acesso à internet era monitorado e tinha medo que me
pegassem. Eu era uma boa garota. — Abri um sorrisinho provocante. —
Agora, estou me relacionando com um homem perigoso, tatuado, de apelido
peculiar e que prometeu me ensinar muitas coisas pervertidas.
Diablo riu, segurando minha nuca e antes de me beijar, falou:
— Você está muito certa, baby.
Capítulo Dezoito
Cora
Meus lábios formigavam com a intensidade do beijo que ele me deu,
pressionando-me contra a parede fria do azulejo. Apoiei a mão na porta e o
encarei, respirando fundo para acalmar as batidas frenéticas do meu coração
com aquele olhar de profunda admiração e tesão. Eu nunca fui olhada
daquela maneira antes. Não era o tipo de garota que arrancava reações
absurdas dos homens, talvez pelo meu estilo e antes, por ser muito nova.
Estava sendo diferente.
Com ele tudo era diferente.
Diablo subiu as costas dos dedos tatuados pela minha pele e fui
arrepiando conforme o contato. Ele chegou perto dos meus mamilos e
beliscou, dando um puxão que me fez reagir com um gemido longo.
Enquanto brincava com meu lábio senti seu pau duro contra minha barriga.
Apertou minha bunda rudemente, me ergueu em seu colo e soltei um
gritinho. Abracei-o, rindo contra sua boca e mesmo molhados, nos levou
para a cama.
Deitou-me com cuidado e mantive minha respiração sob controle para
me acalmar. Havia um fogo correndo pela minha corrente sanguínea. Eu o
queria tanto. O latejar entre minhas pernas era hipnotizante, me fazia querer
pressionar as coxas.
— Qual vai ser minha lição número um? — eu o provoquei,
mordendo meu lábio. A vergonha da nudez já havia desaparecido há muito
tempo. Meus olhos não conseguiam desviar de seu corpo e principalmente,
daquele impressionante pau duro.
— Como gozar na minha boca. — Ele sorriu de lado. — Baby, não
olhe para o meu pau lambendo a boca assim, me faz desejar tanto fodê-la e
ter toda minha porra na sua garganta... — confessou e eu ri. — Ah, esse
sorrisinho safado.
— Estou mais do que disposta a tentar.
Diablo me beijou, pressionando a ereção entre minhas pernas e a
extensão de seu pau fez uma massagem deliciosa em meu clitóris. Eu reagi
com um arranhão em seu braço. Ele fez mais algumas vezes, uma dança
gostosa, me levando à borda de um precipício em que eu queria me jogar de
cabeça.
— Minha puta. — Ele mordeu meu pescoço, me deixando corada e
não reclamei, ali, eu não estava me importando em ser uma completa vadia,
o prazer era além do que um dia imaginei ser possível.
Diablo agarrou meus seios, olhando-os com admiração e então,
inclinou-se sobre meu mamilo esquerdo, lambendo-o antes de dar uma
chupada que ligou tudo dentro de mim. Ele adorou minha reação, divertiu-
se com o quanto seu toque me incendiava, deu um beijinho acima da minha
nova tatuagem e eu sorri. Casa. Meu coração estava ali, naquele momento,
entregue sem nenhum tabu ou medo, então, eu estava em casa. Aquilo
significava paz para mim.
Dando a mesma atenção impressionante ao outro seio, me contorci no
lugar conforme foi descendo os beijos por minha barriga. Ele ficou de
joelhos no chão, dobrando minhas coxas, o rosto bem em frente à minha
boceta. Ergueu o olhar e eu senti algo além de uma camada emocional.
Senti a alma dele na minha, uma conexão poderosa que invejei em muitos
livros que li. Ele não estava brincando naquele pacto e nem eu.
Ele me via.
Mordi o lábio para conter o sorriso repleto de emoção e assenti, era
minha primeira vez e estava certa do que queria.
Correspondendo ao meu sorriso, brincou com meus grandes lábios,
espalhando a umidade e fechei os olhos. Minha boca abriu sozinha, era
demais para conter. Apertei o lençol e mordi meu dedo para segurar o
gemido ao ter sua boca na minha boceta. Ele lambeu meu clitóris, chupando
e explorando minhas dobras com tesão. Meus nervos sensíveis imploravam
por uma emoção que não conhecia.
Agarrei seus cabelos, desfalecendo, caindo em uma espiral intensa e
incrível.
Sentei-me desesperada com as reações do meu corpo. Diablo segurou
meu rosto e me beijou. O gosto da minha excitação estava em seus lábios e
não me importei. Passando o braço por minha cintura, me levou para o meio
da cama, subindo em cima de mim. Eu ainda estava em um estágio de pura
adrenalina e excitação, maravilhada e me sentindo fora desse mundo.
— Sua expressão de prazer é a mais linda do mundo. — Acariciou
meu rosto. — A mais perfeita. — Beijou-me mais uma vez.
— Eu quero você. — Arranhei sua nuca.
— Eu sei, loirinha. Estou tão duro e louco por você... — Esfregou o
nariz no meu, encostando minha testa na dele e mordi sua boca. — Vou te
comer agora.
Diablo pegou uma camisinha e me ensinou a como colocar com seu
jeito divertido e atraente. Eu me sentia uma mariposa, batendo asas
livremente em um caso sério de paixão por aquele pau. Eu o toquei mais de
uma vez, explorando-o e louca para colocá-lo em minha boca. Parecia ser
bom…
— Se doer, vamos parar — ele avisou baixinho.
— Vai doer.
Não havia como fugir da parte dolorosa.
Eu senti tudo, não só a invasão mas o prazer de estar junto e com toda
aquela conexão imensurável. Minhas emoções corriam para todo lado, me
deixando levar, eu o abracei com minhas pernas e braços, com seus
gemidos profundos no meu ouvido e de tempos em tempos, nossas bocas
unidas. Não gozei como antes e estava bem quando ele gozou, meu coração
era mais do que um martelar. Era uma batida louca.
— Você é minha, baby.
Não respondi, arrastei meus lábios de seu queixo para o pescoço,
chupando-o.
— Porra. — Ele riu meio gemendo e não parei até ter a certeza de que
haveria uma grande marca ali. — Filha da puta, vai me deixar todo
marcado.
— Você é meu. Não ouse ter outro perfume além do meu em seu
corpo.
— É mesmo? O que vai fazer? — Arqueou a sobrancelha, me
desafiando.
— Não queira pagar para ver. — Mordi-lhe o ombro e ele não
escondeu que doeu.
Diablo riu e saiu de dentro de mim. Daquela vez, tomamos banho de
verdade e mais tranquilos. Eu estava dolorida, como se tivesse malhado por
horas e tomei um relaxante muscular. Estava secando meu cabelo e
modelando quando ele precisou descer e as meninas me chamaram para
ficar no quarto delas, fazendo maquiagem e os cabelos.
— Você precisa de uma roupa mais curta e mais sexy. — Serena
ergueu as peças que levei. — Esse short serve. Alguém tem uma tesoura?
— Vou depená-lo para você. — Coconut pegou da mão dela e foi para
a cama.
— Essa maquiagem está muito angelical. Nessa noite você precisa
mostrar seu poder como mulher do Diablo. — Pink se aproximou e me
analisou. — Vamos escurecer essa sombra.
— Por que isso tudo? Está quente lá fora…
— Se você em algum momento sentiu ciúme de nós, vai perceber que
somos cadelinhas adestradas comparadas às mulheres que frequentam o
festival — Coconut respondeu e as outras riram, concordando. — Teve um
ano que Serena jogou um copo em Priest e no outro, ela subiu no palco da
garota molhada só porque ele a provocou.
— Esse ano ele vai ficar pianinho. — Serena sorriu, orgulhosa.
— Não faço ideia de como Diablo irá se comportar. Ele estava solteiro
nos outros anos, não podemos usar como referência. — Encolhi os ombros,
pensando no chupão que deixei no pescoço dele e na tarde maravilhosa que
tivemos juntos. Meu corpo parecia ligado na tomada, queria dançar, pular,
rodopiar por aí. Provavelmente, meus hormônios estavam liderando meus
pensamentos.
As meninas me transformaram em outra mulher. A bota de salto
deixou minhas coxas mais atraentes, o short estava mais curto e a meia
escura disfarçava o fato de que se eu me inclinasse, a popa da minha bunda
ficaria de fora. O top de mangas foi ajustado o suficiente para minha
tatuagem aparecer e deixei o cabelo solto, bem volumoso.
Fiquei atônita.
— O que foi? Não gostou? — Serena parou ao meu lado, colocando
os brincos.
— Eu adorei. Não imaginava que fosse tão bonita, sempre fui
discreta, usando roupas claras e confortáveis, assim pareço outra pessoa.
Talvez alguém que sempre quis ser e nunca pude.
— Agora você pode ser quem quiser.
Quando saí da cadeia, a liberdade parecia sem sentido, como se eu não
fosse capaz de me ajustar à sociedade novamente, mas estando ali, eu
estava me encaixando. Era estranho dizer o quanto eu nunca imaginei que
seria capaz de viver entre criminosos enquanto cumpria pena, porque não
foi dessa maneira que fui criada.
***
O festival já estava muito cheio do lado de fora. Serena e eu demos as
mãos, as meninas foram para suas posições no salão, trabalhando no bar e
mais tarde, estariam disponíveis. Diablo estava bebendo cerveja com Priest
quando me viu. Ele parou com a garrafa perto da boca e me olhou.
— O que aconteceu com seu short? — Ele me segurou e passou a mão
na minha bunda, conferindo se era possível abaixar um pouco mais.
— Sofreu um ataque. A tesoura não conseguia parar de picotá-lo, foi
impressionante. — Abri um sorriso.
— Muito curto, gostosa. — Ele beijou meu pescoço.
— Você gostou?
— Muito. Está me dando algumas boas ideias. — Mordeu o lóbulo da
minha orelha.
— Que isso, que isso! Quantas mulheres lindas! — Angel se
aproximou fingindo um desmaio. — Por favor, senhoras. Não me façam
entrar em uma briga hoje.
— Você é tão bobo, Angel. — Serena apertou a bochecha dele. — Só
falta você, agora.
— Cedrick tem mais chances de ter uma senhora do que eu.
Na dica, o filho mais velho de Priest engasgou com a cerveja,
negando.
— Eu aprecio isso e dispenso. — Angel ergueu as mãos.
— Falta só mais uma mulher desconhecida chegar à cidade precisando
de proteção e o elo estará completo — Cedrick brincou e olhei para Diablo.
Eu era a segunda a estar ali, mas nosso pacto ia além daquilo, porque ele
escolheu me salvar e eu escolhi me entregar àquela vida. Com ele, não
ficaria sozinha.
Diablo parecia saber o que eu estava pensando, porque ele me abraçou
e beijou minha bochecha. Aquela família era um conjunto de pessoas que
ficaram sozinhas na vida e decidiram se unir em um elo muito mais forte do
que a ligação sanguínea. Eu retribuí o beijo, satisfeita por estar em seus
braços. Esperava que aquele sentimento que estava crescendo dentro de
mim sem freio não fosse mais um motivo para eu ter meu coração
quebrado. Eu não tinha forças para impedir uma paixão.
Naquele jogo, minha inexperiência me faria perder.
E talvez, não seria a pior coisa que me aconteceu.
Capítulo Dezenove
Cora
Diablo e Priest foram levados por Angel para cumprimentar os
presidentes de outros clubes que estavam em um camarote vip para assistir
ao show. Era função deles manter todo mundo entretido, então, Serena e eu
fomos andar pelas barracas. Eu comprei alguns cordões e anéis, uma
pulseira e várias camisetas temáticas de bandas que gostava de ouvir,
guardei no apartamento e voltei. Também pedi um lanche e comi enquanto
Serena verificava seu bebê na casa da avó postiça.
— Ela é mãe de Sage e não do meu marido, mas adora Peter como se
fosse um neto e sempre é a babá para noites assim. — Serena guardou o
telefone e olhou para uma barraca com várias bebidas. — Estou de folga,
tirei leite o suficiente para meu filho mamar quando voltar, então, vamos
beber!
— Eu nunca bebi muito.
— Também não. Engravidei logo que tive liberdade para beber e
fiquei amamentando, agora que estou experimentando mais. Já provou
tequila?
— Não. E você?
— Também não. Vamos? — Ela sorriu com cara de quem estava
disposta a aprontar.
— Vamos. — Peguei sua mão e fomos para a barraca.
Pedimos duas doses para começar, o rapaz explicou rapidamente
como deveríamos fazer e viramos. Desceu queimando tudo e tossi, com os
olhos lacrimejando. Abanei meu rosto, sentindo tudo rodar previamente e
quando o mundo voltou para o eixo, apenas gritei que deveríamos beber
mais. Escolhemos um drinque no cardápio e fomos bebendo, olhando os
brinquedos.
— Eu nunca fui em um carrossel antes. — Serena se apoiou na grade.
— Ei, moço! Podemos dar uma voltinha ou é só para crianças?
Ele nos olhou meio estranho e deixou, abrindo a portinha mesmo sem
ingressos. Talvez soubesse quem éramos. Montei em um cavalo, segurando
meu copo e bebi enquanto dava as voltas, observando as luzes e sentindo
felicidade. O vento batia no meu rosto, sacudindo meus cabelos e abri os
braços. Caramba… por que eu nunca me permiti ser feliz antes?
Meus pais viviam dizendo que eu deveria sair mais, conhecer novas
pessoas e tentar me encaixar com amigos da minha idade. Ser diferente não
me ajudou a colecionar momentos memoráveis, porque quando minha
adolescência começou de verdade, fiquei reclusa no centro de detenção.
Mamãe estava certa em dizer que eu tinha novas oportunidades,
infelizmente, seria sem eles, mas eu faria jus a minha existência.
— Eu adorei isso! Podia ser um pouco mais rápido. — Serena ligou o
braço ao meu.
— As meninas não podem se divertir?
— Acredite em mim, elas estão se divertindo. — Serena riu e apontou
para Coconut virando uma garrafa de tequila na boca de um homem. —
Elas não estão aqui obrigadas, é complicado explicar os motivos e eu passei
a deixar isso como um muro entre nós. Respeito a decisão de vida delas e as
regras do clube. No fim, é importante cada um fazer a sua parte para tudo
funcionar.
— Ainda me sinto perdida. Não sei o que fazer, eu não tenho outro
lugar para ir e nem ninguém para viver. Estou feliz que me acolheram aqui
e não quero ser um peso morto. — Olhei na direção de Diablo e me
surpreendi com seu olhar no meu. Ele nunca ia me perder de vista? Estava
fumando e me deu um meio sorriso. Não consegui conter o meu em retorno.
— Sei que nós não nos conhecemos a fundo e você não tem motivos
para confiar em mim, mas eu cheguei aqui exatamente como você e quero
que tenha a certeza de que tem alguém para conversar. — Serena parou na
minha frente. — Você vai aprender e se ajustar. Talvez sendo menos
atrapalhada do que eu fui.
— Ficou assustada em ter um laço com um homem como Priest?
Não conseguia entender a ligação que tinha com Diablo. Quando
ele me olhava, parecia parte do meu ser, alguém que estava todo tempo
na minha vida. Talvez estivéssemos apenas destinados a ter nossos
caminhos cruzados. Nunca fui fácil de conversar e ser compreendida,
mas com ele… tudo era simples.
— Claro que sim, mas era isso ou morrer. Por fim, se tornou a melhor
coisa da minha vida. Não vai ser diferente com você. — Ela apertou meu
ombro. — Vamos nos divertir?
Balancei a cabeça, abri um sorriso e olhei ao redor.
— Que tal o touro mecânico?
Serena acompanhou meu olhar.
—Você sabe que estamos relacionadas a homens territoriais e
ciumentos, certo? Montar em um touro vai chamar a atenção e eles ouvirão
todo tipo de piada.
— Eu acho que não entendi e também acho que não quero entender,
portanto, eu vou tentar. — Virei tudo que tinha no meu copo e parei em
frente ao bicho. — Quanto tempo tenho que aguentar para ganhar a garrafa
de tequila?
O cara me deu uma olhada lasciva.
— Se você vai montar naquele touro, pode montar em mim também.
Que tal? — Ele balançou as sobrancelhas. Apoiei meus braços na grade
com um ar tedioso.
— Eu prefiro montar apenas no touro e se você insistir, aquela garrafa
de tequila vai conhecer um buraco do seu corpo onde o sol não bate. Que
tal? — Arqueei uma única sobrancelha, com um sorrisinho debochado.
Serena estava com os braços cruzados atrás de mim, desafiando-o
igualmente.
— Acho que é melhor ficar só com o touro. — Ele abriu a portinha
para que eu pudesse passar e explicou rapidamente como funcionava.
Tive dificuldade de subir naquela coisa enorme, Cedrick entrou para
me dar apoio e eu agarrei o segurador. Percebi que uma multidão se reuniu
para ver meu desempenho. A expressão de Diablo não era das melhores e
fingi que não o vi, concentrada. No primeiro tranco, pensei que fosse voar
longe, mas na verdade, os que vieram em seguida foram muito piores. Eu
me agarrei com toda minha força.
A multidão gritou, me incitando a ficar mais tempo, até que ficou forte
demais e eu fui jogada longe. Caí no colchão inflável e tudo girava. Ouvi
um par de botas se aproximando e Diablo entrou no meu campo de visão.
— Então você aguenta um touro entre as pernas? — Ele esticou a mão
e me ajudou a levantar. — Bela desenvoltura. — Tirou meu cabelo do rosto.
— Engraçadinha.
— Eu prefiro montar em algo que não me jogue tão longe.
— Coraline… — ele falou baixinho.
— Foi divertido. — Comecei a rir, cobrindo a boca. — Se alguém
fizer piada sobre isso, me avise que eu vou ter uma conversinha.
— Sossega, mulher. Vem, vou te manter do meu lado, assim não vai
parar no palco na competição da camisa molhada. — Ele me levou pela
cintura. Priest e Serena seguraram o riso. Cedrick e Angel gargalhavam. —
Calem-se, porra! — Diablo explodiu, mas não era comigo, então, não me
importei.
— Foi só um touro mecânico. Por que vocês são tão machistas? —
Coloquei minha mão na cintura. — Quer que eu diga que monto em você
também?
— Quieta. — Diablo me beijou. — Você bebeu o quê?
— Mais tequila? — Serena sugeriu com alegria.
— Hoje elas estão para o crime. — Cedrick ficou de pé e disse que ia
pegar doses para todos. Peguei uma garrafa de água no balde que estava
com eles e bebi para equilibrar o tanto de álcool que já havia ingerido.
— Ah, eu amo essa música! — Serena levou Priest para dançar.
Virei de frente para Diablo, ele analisou meu rosto e sorriu de lado,
passei meu braço por seus ombros. Segurando minha cintura, dançamos de
um lado ao outro, ao som do rock suave com uma batida melodiosa boa o
suficiente.
— Nunca dancei agarradinho antes — confessei, olhando em seus
olhos. Ele inclinou-se e me deu um beijo suave nos lábios. — Faltei ao meu
baile.
Diablo me deu uma rodopiada, indo para o lado mais escuro e me
pressionou ainda mais entre seus braços.
— Não é uma arte que eu queira dominar, mas é bom, sentir o
cheirinho delicioso do seu pescoço e poder descer minhas mãos para essa
bunda gostosa e apertar — ele falou contra minha pele, beijando acima da
minha pulsação e não economizou no aperto.
— Por que não?
— Nunca quis compromisso, minha vida é muito louca e é difícil
conhecer uma mulher maluca o suficiente para fazer parte dela.
— E eu sou? — Afastei meu rosto um pouco. Fiquei na dúvida se
deveria ficar ofendida ou não. Quer dizer, eu nunca fui a mais insana do
meu grupo de amigas na escola, apenas me tornei a mais corajosa.
Diablo fez uma expressão divertida.
— Nunca conheci uma doida que ameaça um homem três vezes maior
do que ela dizendo que vai enfiar uma garrafa de tequila no cu dele. — Ele
riu baixinho.
— Ops! Foi meio que sem pensar…
Não sabia que mais alguém tinha ouvido minha gracinha.
— E se ele reagisse, Cora?
— Eu ia enfiar a garrafa na bunda dele, ué. — Dei de ombros,
desviando meu olhar. — Aprendi que não devo fugir das brigas que arrumo.
Talvez você não saiba que um homem com raiva não se compara a várias
mulheres furiosas presas em um único lugar.
Diablo ficou sério, pegou meu queixo e ergueu para que eu olhasse em
seus olhos.
— Alguns homens aqui não toleram nenhum tipo de gracinha vinda de
mulheres, eles se sentem ameaçados por qualquer merda. Quero que tome
cuidado.
— Ele pode falar o que quiser sem pensar e eu que tenho que tomar
cuidado com a minha reação?
— E se ele te batesse?
— Eu apanharia e bateria de volta o máximo que conseguisse. Você
não vai me convencer a ser uma mulher calada, Diablo. Deixei minha irmã
fazer o joguinho dela por medo de reagir. Tenho isso, sabe? Apanhei na
cadeia até aprender a reagir, tive que perder meus pais para acordar e reagir
contra a minha irmã. — Sustentei seu olhar sem arrependimentos. —
Ninguém vai me impedir de lutar minhas batalhas agora. Não se preocupe,
vou lidar com as brigas que eu arrumar.
Ele balançou a cabeça, me deu um sorriso e me beijou deliciosamente.
Encostou a testa na minha e acariciei sua nuca, sem querer sair dali.
— Como se eu fosse deixar que qualquer um encostasse em você. O
homem ou mulher que se meter no seu caminho, vai ter que lidar com meu
tipo de inferno.
— Hum, então eu tenho um macho malvado.
— Você tem, e se continuar sendo debochada, eu vou dar uns tapas na
sua bunda. Sua insolência me estressa. — Ele estalou a língua. Tudo para
conseguir me bater.
— E a noite está só começando. — Comecei a rir, sem conseguir levá-
lo a sério.
Fui salva por Cedrick chegando com as tequilas. Serena e eu pegamos
os copos, brindando e virando de uma vez só, sem sal e limão. Tudo puro.
Eu pulei no lugar.
— Elas vão aloprar hoje — Priest murmurou e eu sorri, querendo
aproveitar cada minuto de felicidade, porque ainda havia um buraco de dor
no meu peito que me afundaria se eu permitisse.
Capítulo Vinte
Diablo
Cora grunhiu e cobriu o rosto quando acordou. Ela virou para o lado,
gemendo e era claro que estava enfrentando uma ressaca. Sentei-me na
cama, pegando meu telefone, eram cinco da manhã e eu tinha que dar uma
olhada por aí para ter certeza de que estava tudo bem. Não dormimos muito,
apenas três horas, trouxe-a para dentro, já estava mais do que louca e antes
que arrumasse briga com alguém, achei melhor encerrar a festa.
Desci sem camisa, com o colete e passei entre aqueles que se
recusavam a acabar com a alegria. As garotas estavam limpando o salão,
algumas aparentavam ter acabado de acordar. O café da manhã seria servido
normalmente, tínhamos muitos convidados.
Peguei um café, andando pelas barracas vazias e parei ao lado de
Nick.
— Tudo tranquilo?
— Nenhuma movimentação estranha e ninguém fora do esperado.
Apesar da quantidade de pessoas na cidade, nada novo. Também não
percebi ninguém olhando demais para Serena ou Coraline. — Ele pegou um
cigarro, chutando um pouco de areia da bota. — Vendemos muito. Já
mandei o dinheiro para a contagem com Angel e ele ficou de colocar no
cofre.
— Continue de olho. Ainda não confio que eles não sejam corajosos o
suficiente para se aproximarem, apesar de que seria uma estupidez
completa. — Bebi meu café e deixei a caneca na mesa. — Vou subir. Me
chame se precisar de alguma coisa.
— Sim, claro. Ninguém vai chegar perto delas — ele confirmou,
olhando para a praia. Era importante para meus próximos passos que os
homens de Santiago ficassem bem longe da nossa rota de entrega de drogas.
Assim que Priest sinalizasse, seria hora de colocar nosso plano em ação:
avançar até a linha do Estado, dominando um lado inteiro da Califórnia e o
restante que se estapeasse para lá.
Coraline estava sentada na cama quando voltei. Seus olhos inchados e
o cabelo em pé me deram vontade de tirar uma foto para registrar. Eu não
estava acostumado a viver com uma mulher por perto, talvez Serena tenha
aberto um caminho para Cora, porque seu mau humor e a expressão furiosa
não me assustaram em nada.
— Se está de ressaca, a culpa é exclusivamente sua. — Tirei minhas
roupas e voltei para a cama. Tentei dar-lhe um beijo, mas ela estava irritada
e desviou.
— Cale-se — murmurou, pegando a garrafa de água.
— Não aguenta uma dose de verdade tão cedo?
— Sua voz está muito estridente. — Massageou as têmporas.
— Vem aqui, tequileira. — Fiz com que deitasse perto de mim porque
eu era um idiota e queria sentir o corpo dela.
— Nunca mais quero chegar perto de uma garrafa de tequila na minha
vida. Até meus olhos ardem e minha boca… por que ela está latejando?
— Isso é minha culpa. Você estava bêbada e excitada, talvez os beijos
antes de dormir tenham sido um pouco brutos.
— Transamos de novo? — Ela arregalou os olhos. — Eu não lembro
disso!
— Não! Como disse, estava bêbada, só te coloquei para dormir.
— Por um segundo fiquei assustada…
— Já te disse que prefiro parceiras conscientes e participativas —
adicionei irritado só por ela cogitar que a foderia completamente bêbada.
— Parceiras? — Coraline guinchou. Ah, foda-se. — No plural?
— Porra, para de ser maluca! Você entendeu o que eu quis dizer.
— Entendi? — Ela desafiou, me dando um olhar de aço. — Eu
entendi que você prefere suas parceiras, no plural, o que significa mais de
uma mulher. E onde achou que vou aceitar que tenha outras mulheres?
— Não foi isso o que eu quis dizer. — Suspirei. Por que ela tinha que
surtar com uma simples frase?
— Para um advogado, precisa pensar melhor no que fala. — Virou de
lado, puxando a colcha e ficou quieta. Encarei o teto contando até cem,
respirei fundo e me virei, também abraçando-a apertado só para explodir
sua irritação um pouco mais e para melhorar, beijei seu ouvido.
— Sim, eu disse várias mulheres, porque eu sou um homem e mando
nessa porra de relação. Se eu quiser ter um harém, terei — falei baixinho,
com vontade de rir. Eu sabia que ela podia montar bem em um touro, a
questão era saber se eu aguentava muito tempo. Gargalhei com sua reação,
se debatendo, tentando me morder e minha risada fez com que relaxasse.
Ao soltá-la, pulou em cima de mim quase me sufocando. — Calma,
mulher.
— Se eu arrancar seu pau fora, não vai ter para mulher nenhuma —
murmurou contra meus lábios e eu ri mais ainda.
— E vai ficar sem?
— Só usei uma vez. — Ela continuou e então, seus olhos brilharam de
uma maneira maldosa. — E nem foi lá grandes coisas.
Filha da puta.
— Agora vai ter que levar meu pau todo na boca para que veja o quão
grande coisa ele é. — Mordi seu ombro, ela riu, me desafiando e sentou na
minha cintura.
— Será mesmo? — Arqueou a sobrancelha, atrevida.
Arrastei minha mão por sua coxa e enfiei meu indicador na calcinha,
puxando um pouco. Apenas subi e desci, mas ela olhou em meus olhos com
um ar sexy que me deixava maluco. Não estava forçando e não foi
ensaiado, era natural dela, essa não inibição em jogar, em não querer
calcular cada passo para me manipular. Ela apenas se deixava levar ao
sentir meu toque.
— Tira essa camiseta — ordenei, meu tom brusco fez com que risse.
— Agora, Coraline. Você disse que meu pau não era grande coisa e agora
vai tomar ele nessa boca até retirar o que disse.
Sem retirar a provocação, ela tirou a camiseta e foi escorregando pelas
minhas pernas. Brincou com a borda da minha cueca e eu estava gostando
bastante do quanto ela podia entrar na brincadeira. O corar das bochechas
ainda estava ali, mas o olhar era de quem não ia ceder ao possível medo.
Toquei meu pau, deixando-o crescer bem na frente dos seus olhos e sua
reação me fez sorrir.
— É simples assim?
— Isso é só pela expectativa da sua boca nele em alguns segundos. —
Empurrei a cueca para baixo, ela riu e o pegou, separei meus lábios com o
contato. — Se não é grandes coisas, tente levá-lo até a garganta. — Elevei
o desafio.
— Sem te morder? — Ela riu e cobri meu pau. Nem de brincadeira ela
podia mordê-lo. — Calma, calma. Não vou arrancá-lo com os dentes,
embora, mereça. — Assoprou, lambendo a cabeça. Ah… porra, sim.
Concentrada e sem desviar os olhos dos meus, me deu uma chupada
deliciosa, mesmo que com traços inexperientes, estava indo muito bem.
Muito gostoso.
— Oh, cacete. Está muito bom, baby. Continue… — Agarrei seu
cabelo, induzindo seus movimentos com suavidade. Percebi que
gradativamente ela foi tentando levá-lo mais fundo e cada vez que
conseguia, quase me fazia gozar e seu olhar determinado aumentava. —
Isso, delícia.
E porra… ela levou tudo. Fechei meus olhos, maravilhado, me
sentindo entre o céu e o inferno. A partir daquele segundo, seu boquete
ficou ainda melhor e impossível de segurar. Ela foi acelerando, percebendo
o quanto estava perto de gozar e avisei quando cheguei ao meu limite.
Surpreendendo-me, ela engoliu. Sua careta me fez rir, mesmo com a mente
na lua de tanto tesão. Ela se sentou, pegou a camiseta e cuspiu.
— Não ouse sonhar sempre com isso porque não vai rolar. Esse gosto
é… — Estremeceu e sorriu, satisfeita consigo mesma.
— Não vai retirar o que disse ou eu vou ter que te foder rude agora?
— Com essa ameaça, quer mesmo que eu retire?
Safada. Derrubei-a na cama e sua risada morreu com meu beijo. Sua
boca tinha um gosto que combinava com o meu. Era sabor de intimidade e
prazer, a respiração dançava no mesmo ritmo que a minha, ambas repletas
de tesão e muito desejo um pelo outro. Sua calcinha foi para longe e entre
suas pernas, encontrei o paraíso que me fascinava.
Com a boca em sua boceta, segurei suas coxas, impedindo de me
sufocar enquanto delirava de prazer. Ela puxou meu cabelo e vermelha com
os olhos brilhando. Subi beijos por sua barriga e peguei a camisinha, pronto
para estar dentro dela.
— É tão bom estar dentro de você, minha gostosa.
Cora fechou os olhos, beijei um, depois o outro e ela gemeu,
chupando minha língua e erguendo o quadril de encontro ao meu. A cama
batia contra a parede, nossos gemidos ecoavam pelo quarto…
— Ainda não é grande coisa, baby?
— Meu homem de ego ferido. — Ela me beijou, mordendo meu lábio
inferior demoradamente. Gozei e a fiz gozar mais uma vez. Ela me
arranhou todo, ficou vermelha e abriu um sorriso delirante. — É uma
grandíssima coisa.
Olhamos um para o outro e soltamos uma risada.
— Você é linda. — Beijei-a, deitando na cama.
— Isso é você induzido pelo orgasmo — murmurou com um pouco de
sono. — Não sabia que sexo fazia a gente suar tanto.
— É o melhor exercício de cardio — brinquei, ela bufou e bocejou em
seguida. Tomamos um banho gelado, que não foi o suficiente para fazê-la
sair da cama, mas eu tinha uma reunião para começar o dia.
Vestido, desci a escada, o salão estava cheio e algumas meninas
limpando as mesas para liberá-las a novos grupos. Priest estava na igreja,
olhando para o mapa à sua frente. Ainda sozinhos, conversamos sobre o
plano ambicioso que passamos os últimos meses traçando cuidadosamente
para subir de nível nos negócios. Estava na hora de abrir para os membros
de outras sedes e assim unificar a intenção.
Nós trocamos um olhar, certos de que o momento era perfeito. Com
todo o caos se aproximando pela história de Cora, tínhamos uma
justificativa para atacar e dominar o que nos interessava, acuando Santiago
e outros cartéis do outro lado da praia. Nossa droga era melhor, só
precisávamos de mais estabelecimentos e por consequência, mais pontos de
vendas.
Angel parou ao nosso lado, assobiando e abriu um sorrisinho
insolente. Como sargento das armas, passou muito tempo se preparando
para nos manter abastecidos com o que viria a seguir.
— Posso deixá-los entrar? — Ele estava louco para ver o caos
acontecer.
— Sim, deixe-os entrar — Priest ordenou.
Armas, facas e celulares ficavam do lado de fora. Todos os bancos
foram ocupados, assim como as cadeiras principais ao redor da grande
mesa. Como de costume, pegamos nossas cervejas e brindamos ao líquido
sagrado. Em seguida, eu os deixei saber o que faríamos. Muita gente não
nos conhecia… ainda. Seríamos os seus novos pesadelos.
Capítulo Vinte e Um
Cora
Desci as escadas para o salão segurando a saia do meu vestido, mesmo
estando de short por baixo. Ventava do lado de fora, mas era um vento
quente. Serena estava em uma mesa com Peter, ele gritava e ela parecia
querer sair correndo. Fui até o buffet, me servi um prato generoso e peguei
café. Eu não costumava beber, mas a cafeína parecia uma ótima ideia para
tirar a sensação de ressaca.
— Bom dia! Você está bem? — Coloquei o prato na mesa e ofereci
uma banana para Peter. Ele a agarrou e tentou tirar a casca sozinho, o que
fez com que parasse de gritar.
— Existe um problema sério em beber demais e passar o tempo que
tinha para dormir curtindo com seu marido. No dia seguinte, seu bebê passa
a falar a palavra mamãe cinquenta vezes por segundo — ela me respondeu
com um olhar sonolento. — Quando ele tirar a soneca, também irei.
— Preferiu namorar, é? — brinquei, pensando que eu também, ao
invés de dormir, mesmo com a cabeça latejando, quis fazer outras coisas
mais interessantes com Diablo.
— Sim. É impossível resistir. — Balançou as sobrancelhas, rindo. —
Vai dizer que você resistiu?
— Para ser bem sincera, antes de Diablo me fascinar com aquele ar de
gostoso malvado, eu preferia garotos certinhos. Tive um namoradinho, ele
foi minha primeira experiência mais íntima, de toques nas partes, mostrar os
peitos e fazer oral. — Movi os lábios para não contaminar os ouvidos do
bebê. — Estou experimentando algo novo e adulto, muito diferente do que
imaginei. Foi simplesmente uma realização indescritível.
— Eu fico pensando como deve ter sido difícil para você não poder
viver a sua vida. Por mais que a minha fosse tediosa, foi por escolha,
acreditei em um babaca que amava. — Serena colocou Peter e a banana no
chão, ele esfregou a fruta no móvel e nos deu um sorriso sapeca. — Agora,
você… caramba. Como é a penitenciária?
— Se você acha que viveu pesadelos, aquele lugar…
— Eu mataria sua irmã. Na verdade, eu quero matá-la. — Serena
estalou a língua.
— Olha… minha maior frustração sempre será nunca entender que
diabos aconteceu com ela, mas prefiro assim. Entendê-la poderá me fazer
ser como ela e isso eu sei que não serei. — Bebi meu café e ele desceu
deliciosamente bem. — Como eles conseguem beber e ficar bem? Diablo
estava pleno essa manhã, desceu duas vezes antes de mim e eu só queria
dormir.
— Eu ainda quero dormir. — Serena bocejou. — Esse garoto está
longe de conseguir entrar no modo soneca. — Apontou e olhei debaixo da
mesa. Ele comia a fruta tranquilamente. — Anticorpos. Não se preocupe.
Sei que lavaram o chão hoje cedo, no mais, ele rola por todo lado. Já comeu
areia, fica na oficina e leva ferramentas a boca e não morreu, está tudo
certo.
— Nunca fiquei com um bebê antes, mas posso tentar cuidar dele para
que consiga dormir.
— Em outra oportunidade irei aceitar, mas hoje ele está grudento
porque passou a noite longe. Vai ficar chato o dia inteiro.
Serena parou de falar e olhamos em direção aos homens. Eles saíram
em um grande grupo ruidoso, pedindo cerveja e se espalhando pelas mesas.
Do lado de fora estava vazio, a maior parte chegava ao festival tarde para
noite, assim podiam aproveitar mais tempo com os brinquedos e as
atrações.
— Papai! — Peter gritou ao ver Priest.
— Oi, moleque. — Ele o pegou e beijou. — Estão bem, senhoras? —
Aumentou o tom de voz e eu estremeci.
— Fale baixo... — Serena grunhiu.
— Com dor de cabeça, amor? — Priest sentou ao lado dela. — Quer
mais tequila?
— Simplesmente pare — ela pediu, encarando-o bem séria. — Eu não
vou me compadecer se você ficar doente ou coisa do tipo.
— Eu nunca fico doente. — Priest sorriu, arrogante. Tive a sensação
de que doente ele poderia ser pior do que uma criança, mas fiquei calada.
Diablo se sentou e beijou meu ouvido. Puta merda, senti vontade de
arrancar o braço dele fora. Tremi toda por dentro e ao invés de responder,
bebi meu café.
— Já a adestrou, Diablo? — Angel estranhou ao me ver quieta,
abrindo um sorriso travesso de quem só queria irritar.
— Ah, foda-me. Não me arrume problemas. — Diablo bufou
baixinho, me fazendo rir. Ele ficou um pouquinho surtado quando enchi o
saco por conta da frase mal colocada na madrugada anterior. Era melhor
que prestasse muita atenção no que fosse fazer ou falar perto de mim.
— Angel, eu tenho uma coisa aqui para você. — Estendi minha mão
fechada. Rindo, ele segurou meu punho e no mesmo segundo ergui meu
dedo do meio. — Bom dia!
— Loirinha, você é um diabinho. — Angel me deu o dedo de volta.
Depois de comermos, o grupo se dispersou um pouco. Os homens
tinham coisas para fazer com os convidados, as garotas estavam dormindo,
ajudei no preparo do almoço e a limpar a cozinha. Serena me convidou para
sua casa e nós comemos sanduíches no quintal, bebendo chá gelado e
brincando com o bebê. Foi gostoso, ficamos em paz. Relaxei tanto que
peguei no sono deitada no sofá, surpresa que meus músculos não estavam
tensos.
Fui acordada com um beijo suave e só não me assustei porque
reconheci o perfume. Diablo estava inclinado sobre mim, com um sorriso,
tirando meu cabelo do rosto.
— Ei, dorminhoca. Quer dormir um pouco mais na cama? — Arrastou
o polegar pelo meu rosto.
— Já estou descansada. — Soltei um bocejo, cobri a boca e me sentei,
passando para seu colo só porque ele era grande o suficiente para me
acolher. Deitei minha cabeça em seu peito, ainda acordando, e ele me
abraçou. — Estou curiosa. O que os outros homens falaram sobre você estar
comigo?
— A maioria dos homens não se importa com o que eu faço, contanto
que não atrapalhe o clube. Além do mais, eles admiram quem tem uma
bunda bonita como propriedade. — Enfiou as mãos por baixo do meu
vestido.
— Sua propriedade? Ah, vai à merd… — Diablo cobriu minha boca,
dando um tapa estalado na minha nádega e comecei a rir.
Os dias restantes do festival foram tranquilos e diferente do primeiro,
eu não bebi tanto, apenas brinquei em todos os brinquedos possíveis e
ajudei no bar quando Coconut passou mal. Foi minha primeira vez servindo
e tinha que ser bem rápido, precisava de muita atenção. Não deixei cair
nada! Serena quebrou três copos e cada vez que acontecia, todos gritavam,
porque já sabiam que iria acontecer.
— Ei, bar girl. — Diablo parou ao meu lado e me deu um beijo de
cinema, marcando seu território.
— Mijar nela não seria mais eficiente? — Serena provocou.
— Não dê ideias. — Cedrick riu e pegou uma cerveja. — Nunca vi
meu padrinho tão possessivo.
— Estou apenas te beijando. Não surte — Diablo se desculpou e o
encarei, desconfiada. Aqueles homens no bar estavam sendo simpáticos
porque Serena os assustava até a morte e também tinham medo do
Priest. Percebendo que eu era a mulher do Diablo, suas mãos sequer
estavam apoiadas no balcão. Só queriam beber em paz, longe da
barulheira do show do lado de fora.
— Não vou surtar.
Uma semana depois, ainda estávamos limpando o clube e
desfazendo as barracas quando Diablo e Priest viajaram sozinhos, eu
não sabia dos detalhes e Serena apenas encolheu os ombros, dizendo
que no momento certo eles iriam falar. Minha rotina nos últimos dias
tinha sido faxina, cozinhar, ajudar na contabilidade do bar que ficou
uma zona com o festival e ter alguns momentos bons com Diablo no
apartamento que, estranhamente, fazia tudo valer a pena.
Ele era muito inteligente e gostava das mesmas coisas que eu.
Lemos alguns livros no quarto e alugamos documentários na televisão.
Priest ficava bebendo e Serena assistia conosco. Cedrick aproveitava
para fazer todas as perguntas possíveis para seu padrinho, me
causando admiração por estar com alguém inteligente e um tanto culto,
mesmo no ambiente do clube.
O buraco no meu peito ia cicatrizando aos poucos, porém, quando
ficava sozinha, ainda sentia vontade de gritar e quebrar muitas coisas
ao meu redor. Lembrar da minha mãe morta e do meu pai implorando
pelo fim da sua vida queimava o ódio dentro de mim.
— Está preocupada? — Coconut me questionou ao perceber que eu
não parava de olhar para a janela. — Logo eles voltam.
— É a ansiedade da separação — Serena brincou comigo.
— Pelo menos eles deixaram Angel e Nick. Pierce está de plantão, a
alguns minutos de distância, vamos ficar bem. — Coco me tranquilizou e
levou uma caixa de cerveja para a grande geladeira.
Serena era quem administrava tudo no clube. Diablo ficava com os
estabelecimentos e a oficina. Eu não quis ser invasiva e só ajudei com o que
me foi solicitado, ficando mais à vontade na cozinha porque sempre quis
preparar refeições em casa, minha mãe nunca permitiu, só precisei usar a
lógica para aumentar a quantidade. Peguei algumas receitas de temperos na
internet e até fui à cidade em busca de mais material, onde aproveitei para
fazer compras para o apartamento também.
Era a primeira vez que eu andava parcialmente sozinha. Angel ficou
do lado de fora, fumando e falando ao telefone. Empurrei o carrinho um
pouco cheio e parei na frente da sessão de chocolates, pegando alguns para
fazer um grande bolo. Fazia anos que não preparava um doce, precisaria
lembrar a receita, mas tinha certeza que seria uma sobremesa que todos
adorariam.
— Mais uma garota bonita se juntando aos estranhos da cidade. —
Ouvi uma mulher comentar no outro corredor, pensando que estava falando
baixo.
— Ela deve estar enfeitiçada.
Ri baixinho. Sim, estava sendo conduzida pela mágica do clube. Ou
seduzida pelo sexy e misterioso homem com expressões sombrias.
— Eu me pergunto o que os pais dessas meninas acham. Deve ser
uma decepção enorme criar uma filha com todo o carinho e no futuro, ela
se envolver com bandidos tatuados.
Empurrei o carrinho para longe, não querendo mais ouvir. Se meus
pais estivessem vivos, eles iriam me prender no quarto em casa para nunca
chegar perto de Diablo. Ainda era estranho pensar que no passado, papai
trabalhou com Diablo. Ele era um criminalista, eu podia entender que não
fazia tudo da maneira mais honesta possível, mas se envolver com o clube?
Papai sempre foi tão careta com coisas simples!
Os Sutherland eram famosos por manter a linha e pela reputação
impecável. Um casal muito apaixonado, mantendo a chama do amor depois
de anos e duas filhas lindas. Até que eu fui presa e eles nunca souberam
como lidar com a má fama. Ainda mais depois que papai deixou de ser um
criminalista para se afastar de qualquer coisa ruim.
Parei no caixa e tirei o rolo de dinheiro da bolsa, pagando tudo à vista
enquanto Angel carregava as bolsas para o carro. As senhoras continuaram
me olhando, eu retribuí e abri um sorriso provocante. Se elas queriam falar
sobre mim, tudo bem. Podiam julgar o quanto quisessem, não sabiam o que
eu havia passado e a opinião delas não importava.
Os amigos politicamente corretos da minha família não aparentavam
estar procurando por mim e nem preocupados em saber a verdade.
Certamente estavam se reunindo no clube e fofocando sobre todas as
tragédias com ar de horror e recato. Os sócios de papai deviam estar
pensando no que fazer com as ações de uma empresa no olho do furacão a
um preço de causar prejuízos.
— Ei, Sage acabou de mandar mensagem. — Angel me entregou seu
telefone e eu respirei um pouco aliviada.
Eram boas notícias.
Nenhum sinal de Amanda e a empresa de fachada que Diablo
mantinha conseguiu comprar dez por cento das ações. Era pouco, precisava
de mais, porém, me deu esperanças de que iria conseguir.
— Diablo deve te ligar à noite, mas não usem meu telefone para fazer
sexo virtual. Isso é nojento, não contaminem meu aparelho. — Ele sorriu de
lado enquanto dirigia.
— Vai se foder — murmurei, tentando conter a risada.
Angel continuou com um sorrisinho irritante no rosto por todo o
caminho e eu pensei no quanto estava com saudade daquele estúpido
grandão que me enchia o saco do amanhecer ao anoitecer.
Esperava que Diablo voltasse para casa logo.
Capítulo Vinte e Dois
Cora
Diablo precisou passar mais uma noite fora. Ele foi muito breve no
telefone, pude falar mais quando Priest ligou para Serena, mas eles
pareciam com pressa, o que ativou os gatilhos dela de que alguma coisa
estava acontecendo e nós não sabíamos. Angel pediu para dormirmos no
mesmo lugar, ele passava a noite na sala revezando com Cedrick muito
sutilmente e eu ocupei o quarto de hóspedes.
— Pode usar a banheira o quanto quiser — Serena brincou ao arrumar
a cama. — Foi uma das coisas da minha vida de patricinha que mais senti
falta.
— Estou me sentindo melhor. Na cadeia, eu sonhava em tomar um
bom banho. Aquele bem gostoso, de cuidar da pele, sair limpa e cheirosa.
— Sentei-me na poltrona. — Não era costume de todo mundo ser higiênico
lá.
— Nos estados mais frios sei que a galera não toma banho, entendo,
mas aqui? Puta merda, é calor o tempo todo, só tem o refresco do mar. —
Ela riu e mostrou brevemente onde ficavam as toalhas. — Fique à vontade,
ok? Peter chora à noite, ele vai dormir comigo e já peço desculpas se te
acordar.
— Aqui é a casa dele e é só um bebê, não se preocupe comigo.
— Posso entrar? — Cedrick bateu na porta e enfiou a cabeça nela
entreaberta. — Eu fiz a comida e o pestinha jogou macarrão por todo lado.
Vou dar banho nele enquanto comem com calma.
— Obrigada! — Serena apertou as bochechas dele. — Seu pai te falou
alguma coisa que eu não possa saber?
— Não. Eu juro.
Serena ainda ficou desconfiada, porém, aceitou a resposta.
A casa dela era bonita, grande, havia sido desenhada por eles e
construída por membros do clube. Logo ao lado, estava a construção da
casa do Diablo e ele me pediu para escolher o que quisesse, porque seria
onde viveríamos. Descemos juntas e escolhemos nos sentar na varanda,
onde fomos servidas com grandes pratos de macarronada que Cedrick
preparou e estava uma delícia. Angel ficou na parte da frente, tenso, não
estava nem brincando como de costume.
— Acha que tem a ver comigo? — Olhei para a escuridão da praia.
— Não sei. Priest costuma me contar por partes, sou meio histérica.
Depois que Peter nasceu, fiquei mais ainda. A única coisa que tenho certeza
é que eles não nos deixariam expostas e inseguras.
Ficar sem Diablo me fez pensar muito sobre nós, sobre estar no clube
e a intensidade em que tudo acontecia ali. Era impressionante o quanto Del
Ride impregnava na pele e transformava tudo que eu conhecia como vida
em pó. Cada pessoa ali dentro era diferente e carregava uma história que foi
me moldando, amassando e me renascendo. Ouvi o passado das meninas,
dos garotos que Priest pegou na rua para cuidar, o motivo de sempre ter
muita comida e o trabalho de caridade.
Passei vários dias embalando alimentos, contando latas de comida,
etiquetando e catalogando para poder enviar aos centros comunitários.
Serena e eu passamos dois dias trabalhando na logística de cobertores e
casacos, porque o clube entregava tudo do inverno antes dele mesmo
chegar.
— Acho que está tudo pronto. — Fiquei em pé, me esticando. Estava
rígida de estar no mesmo lugar há muito tempo.
— Tudo etiquetado. Não acredito que já terminamos, fazer isso
sozinha era bem mais complicado, você é ótima com logística. — Serena
alongou as costas e olhou para fora, as janelas estavam batendo por causa
do vento forte. — Vai chover muito hoje. Tempo bom para ver filme e
comer pipoca.
Trancamos a sala com as coisas e fomos jantar cedo. O salão estava
vazio e Peter correu à vontade, ainda sem sono e com brinquedos
espalhados pelo chão. Ele jogou algumas coisas para o alto, se divertindo e
aproveitei para aprender a ligar o gerador se a luz faltasse por causa da
chuva forte.
— É tedioso dormir sozinha. — Serena suspirou, brincando com a
comida.
— Eu durmo sozinho todos os dias e estou perfeitamente bem. —
Angel jogou um amendoim para o alto e pegou com a boca.
— Você não dorme com suas parceiras? — questionei, picando um
guardanapo.
— Não. Sexo e tchau. — Ele sorriu, orgulhoso. Serena e eu reviramos
os olhos. — Nem comecem. Dormir pode dar qualquer esperança de que
será algo mais. Deitar com alguém é confiança e intimidade, a pessoa está
do seu lado vulnerável. É abrir uma parte da sua vida que ninguém faz
parte, então, não. Eu não vou dormir com as mulheres que eu fodo.
— Priest dormiu comigo na primeira noite. — Serena sorriu para ele.
— Mas transaram? Não. Ele não ia permitir que você se machucasse
aqui, o mesmo serve para o diabo loiro. Diablo iria cortar todos os homens
pela metade. — Angel pegou mais amendoins do saco. — Eu sei que alguns
caras aqui jamais tocariam em vocês sem consentimento, só não coloco
minha mão no fogo por todos. Homens são abusadores por instinto.
— Por que está falando isso? — Franzi o cenho.
— Não estou dizendo que todos os homens são abusadores, mas eles
podem ser. Um exemplo disso é o sentimento de posse. Vocês possuem um
relacionamento e estão juntos, mesmo assim, isso não dá o direito aos seus
companheiros de forçar o sexo quando vocês não querem. — Ele olhou ao
redor e se inclinou. — Alguns maridos acham que podem, sim. Já sabem o
lugar da mulher aqui no clube, isso nunca vai mudar, foi dessa forma que
foi fundado e faz parte das regras. Priest e Diablo sabem disso mais do que
ninguém. Aqui não é a Disneylândia e nem um romance em que os
mocinhos vão encontrar redenção, por isso, vocês foram dormir com eles,
assim ninguém se atreveria.
— É interessante ver que você tem esse pensamento — analisei, me
perguntando o que tinha por trás daquilo tudo.
Diablo nunca me explicou por que ele não me forçaria e imaginei que
tinha a ver com o fato de que não era normal e minimamente aceitável
romantizar o estupro em nenhum nível. Encarando a realidade, me
perguntei quantas mulheres viviam situações de abuso em seus lares e
sequer sabiam, porque entendiam ser um direito dos parceiros.
— O corno do meu pai abusava da minha mãe o tempo todo. Foi por
isso que eu fugi, eu gosto de transar, mas não de forçar o sexo. Tem homem
que acha excitante a mulher ter medo dele. — Ele piscou e abriu um
sorrisinho. — Não se preocupem, vocês são senhoras do clube e ninguém
pode tocá-las.
— E quanto às garotas?
— Agora existem regras — Serena me respondeu com mais
convicção. — Elas têm dias de folga, podem dizer que não e determinar o
que vão ou não fazer na cama. Não se preocupe, todas elas estão aqui
porque querem e no fim, a vida chegou a isso, até mesmo por escolha.
Conversei pessoalmente com cada uma porque precisava dormir sem ter
isso pesando na minha consciência.
— Eu já falei, aqui não é a Disneylândia — Angel murmurou e
assenti, recado dado e compreendido. Não tentaria mudar as regras, apenas
seguir o jogo como todo mundo.
A chuva não parava de cair. Serena e eu assistimos filmes na sala com
as meninas, comemos pipoca e falamos besteira até tarde. Quando deu uma
trégua, as garotas voltaram para o clube e nós subimos para dormir. Peguei
no sono rapidamente, porém, acordei assustada com um trovão que parecia
ter feito a casa tremer. Sentei-me na cama, ouvi vozes e abri a porta do
quarto.
Priest estava na sala com Serena. Desci rapidamente, procurando por
Diablo e ele não estava ali.
— Cadê ele?
Priest abraçou Serena. Ela me deu um olhar preocupado que me
deixou em alerta.
— Está na clínica com Pierce.
Diablo estava ferido? Olhei para a chuva do lado de fora e sequer
pensei, corri para os fundos, ignorando o chamado de Priest para que
esperasse e atravessei o quintal correndo. Escorreguei em uma quantidade
insana de água que descia como um rio para a praia, rolei um pouco e me
levantei. Minha calça do pijama ficou toda molhada.
— Você é louca, porra! O solo é cheio de pegadinhas quando chove!
— Priest me pegou no colo, estava molhada e com uma ardência na pele.
Ele entrou no clube com um chute na porta, assustando Nick.
— A noivinha apaixonada caiu e cortou a perna — ele avisou, me
levando para a clínica. Diablo estava sentado, sendo costurado na barriga e
bebendo vodka direto da garrafa. Ele quase jogou Pierce longe, preocupado
comigo. — Fique aí, porra. Vocês dois vão se machucar.
— O que aconteceu?
— Por que você está ferido? O que houve? É grave? — Eu me ajustei
na outra cama.
— Foi um corte idiota, estou bem. Não é para se preocupar por
besteira. — Diablo suspirou e olhou para Priest. — Eu pedi para não
acordá-la e não contar a ela.
— O diabo loiro saiu feito uma louca na chuva, o que eu ia fazer,
caralho? — Priest se irritou, torcendo a camiseta molhada.
— Ela está bem aqui e sim, eu vou me preocupar! — Ergui minha
mão. — Você saiu tem vários dias, foi todo misterioso no telefone, mal
falou comigo e ao retornar, está ferido?
— Ok. Eu vou cuidar disso aqui e ver sua perna, aí vou deixá-los para
conversar. — Pierce entrou no assunto, empurrando Diablo deitado. — Vai
ficar uma cicatriz ridícula porque você não parou quieto desde que chegou.
Cruzei meus braços, molhada da chuva, suja de terra e desconfortável.
O corte na minha perna precisou de uma limpeza. Diablo ficou de pé logo
que o médico acabou comigo e sem me deixar andar, me pegou no colo
também, mas sério. Subiu as escadas para o apartamento, empurrou a porta
com o pé e me deixou no banheiro antes de voltar para trancar tudo.
Tirei minha roupa, deixando-a no canto, olhei para a minha perna e
parecia tudo bem. Ardeu mais na hora do que estava doendo. Não precisou
de pontos.
Diablo voltou para o banheiro e acariciou meu rosto.
— Você é uma desesperada. — Balançou a cabeça suavemente. —
Estou bem.
— Fiquei preocupada. Tem certeza de que não está doendo? — Toquei
sua barriga suavemente. — O que foi isso? Entrou em uma briga?
— Ei, sem esse olhar de choro. Eu sou um filho da puta que não
quebra fácil — garantiu com o clássico sorriso arrogante. — Sentiu minha
falta?
— Diablo? — ofeguei, sem paciência. Ele ia ficar me enrolando?
— Estamos com novos planos e no meio do caminho, tivemos um
embate. Deixei que ele me cortasse para que Priest pudesse matá-lo. —
Encostou a testa na minha. Estava muito aliviada que ele finalmente voltou
para casa.
— No futuro, se Priest precisar de uma vantagem, não use sua pele ou
qualquer parte do seu corpo para isso — falei baixinho, abraçando-o. —
Sim, senti sua falta. Da próxima vez, vou na garupa da sua moto.
Diablo ficou quieto por um tempo, apenas apreciando nosso contato,
beijou minha testa e esfregou minhas costas. Não me movi porque senti que
precisava daquilo mais do que qualquer coisa. Eu o vi em ação, era
monstruoso e frio. Sabia das suas habilidades e me perguntei se em um
combate com menos adrenalina e mais perigoso do que presenciei, ele seria
pior.
— Também senti sua falta — falou baixo e foi o suficiente para me
aquecer por inteiro.
Capítulo Vinte e Três
Diablo
Cora se moveu na cama, agitada em seu sono. A chuva ainda caía e
por isso, todos estavam mais quietos em seus quartos depois do café da
manhã. Ela quis dormir mais, a noite foi um pouco estressante para todos
devido à reunião de urgência que tivemos na igreja, por conta do ataque na
estrada fora do nosso território.
Um trovão rasgou o céu e ela se sentou, assustada, um tanto ofegante.
— Está tudo bem, é só a chuva. — Toquei suas costas.
— Tive um sonho ruim — resmungou, deitando com a cabeça em meu
peito. Puxei sua perna para cima de mim. Sonolenta, buscou aconchego e
segurança. Eu dei. Ela sempre buscava abrigo em mim. Beijei-lhe a testa,
observando o quanto seu rosto era bonito quando estava calma. Ela podia
ser doce em um minuto e a fera mais furiosa do mundo no outro.
Virei um pouco mais de lado, nos cobrindo com a coberta fina, já que
o ar estava desligado e a chuva manteve a temperatura fresca. Dormi na
estrada, dividindo quarto com Priest ou em postos de gasolina, fazendo
pessoalmente o mapeamento das áreas que iríamos invadir
progressivamente nos próximos meses. Foi desconfortável. Fui criado na
rua mas gostava de conforto, de me lavar adequadamente, ter roupas limpas
mesmo no meu estilo reduzido.
Estava pouco me fodendo para o apelido de gourmet, eu era chato pra
caralho quando se tratava de higiene pessoal. Priest e Angel enlouqueciam
comigo. Cedrick foi criado tomando banho como uma pessoa normal, eu
tinha um ataque com sujeira e me emputecia quando o clube ficava largado
porque eu era o único limpando. Ainda bem que Serena chegou com as
mesmas manias que eu.
Claro que meu nariz não era tão sensível quanto o delas. Cora fazia
uma careta quando o cheiro de mijo ficava mais forte do que ela era capaz
de tolerar. Ela também me fazia lavar o sanitário cada maldita vez que
cismava que o banheiro podia estar sujo. Era foda pensar no quanto minha
vida mudou desde que ela surgiu no mar. Não foi quando fizemos o pacto,
foi antes. Tirá-la do oceano mudou tudo.
— Volte a dormir — ela pediu baixinho. — Não está cansado?
Não estava. Nós fodemos antes de deitar. Eu estava cheio de
necessidade, tesão e saudade. Precisava de sexo mais do que de alimento e
minha garota me deu a boceta do melhor jeito possível, querendo estar
comigo a todo custo, me abraçando com os olhos marejados por eu ter
ficado muito tempo longe.
Sexo era mais do que bom. Era incrível pra caralho. Cora ainda estava
aprendendo nosso ritmo, se descobrindo, e isso era novo para mim, que
sempre transei com mulheres experientes, que sabiam o que fazer e tinham
o próprio interesse. Nunca me relacionei com alguém que confiava em mim
para ser fonte e dar-lhe todo o ensinamento sobre uma vida íntima a dois.
Cora era ansiosa. Estava em um ritmo louco de querer viver a vida.
Queria fazer tudo de uma vez só, experimentar bebidas, descobrir novas
posições, dançar músicas que antes era proibida de ouvir e aos poucos, ia
mostrando facetas reprimidas pela criação tradicionalmente rica. Também
houve o tempo em que passou na cadeia, que lhe ensinou a ser feroz e um
tanto louca da porra.
— Pode descansar, estou aqui com você — garanti e lhe dei um beijo
suave na boca. Ela segurou meu rosto, aprofundando e brincando com
minha língua. — Você quer foder, gostosa?
— Acho que você precisa de mais umazinha para dormir — ela
brincou, trilhando a mão safada pelo meu peito até chegar ao meu pau livre
da cueca. — Não é à toa que ele está assim. — Tocou uma punheta suave,
gostosa e mordi seu lábio. Aproveitei que ela estava sem calcinha e
esfreguei seu clitóris, só para começarmos a brincadeira.
— Estou excitado porque você estava esfregando a bunda nele antes,
não tem como resistir.
— Que bom. Te quero sempre excitado. — Ela sorriu, mas ouvi um
barulho na porta, o que me fez pegar a arma e ficar atento.
— Não atire — Angel falou do outro lado. — Usei minha chave. Você
precisa vir e é sério. — Ele deu um toque na madeira e saiu rapidamente.
Merda.
— Já volto.
— Tudo bem. — Cora se sentou na cama, preocupada. — Pode me
avisar se for sair novamente?
— É impossível passar com a estrada assim, mas eu aviso. Volte a
dormir. — Vesti a calça jeans, enfiando as botas nos pés e peguei o colete.
Como ela estava sem roupa, tranquei o apartamento, desci as escadas
correndo e entrei no escritório. Priest e Angel já estavam lá dentro, com
expressões sérias que fizeram meu coração acelerar.
— Aconteceu alguma coisa com Stormi?
— Não. Cristo, não. — Priest ficou de pé rapidamente. — Não é sobre
sua filha. Bem, é sim, mas não dela. — Ele me empurrou um envelope. —
Isso foi entregue aqui. Serena recebeu sem saber o que era, deixou aqui em
cima.
— O que é, caralho?
Peguei as folhas e olhei para as fotos, sentindo meu estômago contrair
ao ver Tereza morta, retratada como o bastardo sádico a deixou. Em
seguida, fotos de Cora no festival, montada no touro e depois, abraçada
comigo, com um sorriso no rosto. Era um recado claro do imbecil. Ele
matou Tereza porque um dia ela se envolveu comigo e agora, sua vingança
era Coraline.
— Não, porra! Não! — Arremessei as folhas longe. — Como ele
chegou tão perto? Como ninguém o reconheceu, inferno?
— Duvido muito que ele tenha vindo aqui pessoalmente. — Angel
pegou a foto. — Estão muito distorcidas e com péssima qualidade, foram
feitas de longe e por um telefone celular. Pode ter sido apenas um olheiro.
— Um olheiro bom o suficiente para dar informações a Javier! Eu
tenho que ligar e saber como Stormi está. — Enfiei a mão no bolso e peguei
o telefone, ligando rapidamente para o segurança. Ele já havia me dado um
relatório naquele dia bem cedo, mas era importante que não relaxasse. Ela
estava levando uma vida tranquila, estudando, aprendendo francês e
tentando seguir em frente. O desgraçado não iria tirar sua paz.
E muito menos chegaria perto de Coraline.
— Eu vou matá-lo. — Respirei fundo. — Muito lentamente.
— Nós estaremos com você — Priest confirmou. — Não vamos
permitir que nada aconteça com Coraline. Se você fez um pacto com ela,
estamos juntos. Ela também é uma parte nossa agora — ele prometeu e
assenti, tentando me acalmar.
— Por que ele não te deixa em paz? Tudo porque comeu a mulher
dele quando adolescente? Metade da cidade fez isso! — Angel bufou,
incrédulo e com raiva. — Nós somos seus amigos e nunca vimos sua filha
por causa desse desgraçado. E agora ele acha que pode chegar perto da
Coraline? Não vai acontecer.
— Não mesmo! — Priest confirmou, com o mesmo ódio que corria
nas minhas veias. Eu não trouxe Cora para o clube para ser protegida dos
perigos da família dela e ser morta pelo meu passado fodido.
Precisava estar muitos passos à frente dele. Javier matou Tereza e eu
não ia permitir que machucasse mais alguém com quem eu me importava.
— Eu quero revisar as câmeras de segurança, sei que eram muitas
pessoas, mas pelo ângulo e momento em que Cora estava no touro,
podemos ter uma noção. — Olhei para o computador, formulando um
plano. — Qualquer pessoa estranha que surgir, vamos notar na rotina da
cidade. Para chegar perto, precisa estar aqui.
— Você é quem entende dessa porra. — Priest empurrou o
computador em minha direção. Angel estava encostado na parede com uma
expressão pensativa.
— Peraí, porra. Por que Javier mandaria alguém vir olhar aqui? Qual
motivo ele teria para desconfiar que Diablo está com uma pessoa? Se a irmã
de Cora está em um relacionamento com Santiago, e ele sabe que Sage é
um de nós… Javier recebeu a dica. — ele concluiu e eu queria saber como
aqueles dois mundos haviam colidido.
— E por que Santiago aceitaria alguém como Javier?
— Eles não são como nós, Diablo. Não há honra entre eles, não são
uma família, é tudo sobre dinheiro e negócios. — Priest cruzou os braços
com um olhar preocupado. — Eu vou dar um jeito de descobrir isso. King
poderá nos ajudar, em nosso último encontro, falamos sobre. Vou apenas
retornar o assunto por mensagem e enviamos a ele algum brinde.
Nervoso como estava, fui para a varanda fumar e colocar meus
pensamentos em ordem para não fazer besteira. Sempre fui o mais racional,
enquanto Priest era cabeça quente e Angel o mais pacífico. Ele agia no
momento certo e da maneira mais silenciosa possível, como um rato
traiçoeiro, por isso o apelido. Agia como um anjo e podia ser um justiceiro
sem perdão.
Sempre me orgulhei de manter a cabeça no lugar mesmo no caos da
morte de Tereza. A ideia de Javier chegar perto de Cora, me causava uma
queimação…
— Você está bem? — Serena parou na porta, cruzando os braços.
— Estou assimilando tudo.
— Desculpa não ter aberto o envelope. — Ela encostou na parede, se
aproximando devagar, daquela maneira gentil de nunca ser invasiva.
— Não. Foi melhor assim. Você não deveria ter visto aquele horror e
também assustaria a Cora.
Serena ficou quieta, me deixando fumar, mas eu sabia o que iria
perguntar.
— Ainda não contei a ela sobre Stormi.
— Tem medo do quê?
— Não sei. Talvez ela pense que não sou homem o suficiente, que não
fiquei perto da minha filha, que nem sei se é verdadeira ou não. — Bati a
ponta do cigarro, olhando para a chuva caindo forte. — Nunca briguei com
Tereza sobre Stormi. E se Cora achar que eu nunca vou ser um bom pai?
— Fez o que achou melhor. — Serena tocou meu ombro. — A vida
era perigosa, você teve um longo caminho na faculdade, se formou em
Direito e depois lidou com todas as coisas bizarras que aconteceram. Tereza
estava certa em proteger Stormi, por mais que tenha uma pontada de
egoísmo, vocês dois concordavam que ela merecia o melhor. Cora vai
entender mas, talvez, seja o momento de tirar essa história do caminho do
relacionamento de vocês. Não cabem segredos, sabe? Machuca muito.
— Não tenho a intenção de machucá-la.
— Não sinta medo de que ela não será compreensiva. Cora é um osso
duro de roer, ela pensa primeiro em quebrar os braços e depois, conversar.
Parece alguém que eu conheço — brincou comigo, me fazendo rir. —
Quem diria que Diablo iria se envolver com a versão delicada e feminina do
Priest?
— Ah, porra! Vá se foder, isso não!
Serena não se continha na risada. Cora e Priest eram sim, parecidos,
batiam muito primeiro e conversavam depois. Mas ele era um brutamontes
e minha mulher pequena, delicada e adorável (quando não estava fazendo
ameaças).
— Pare com isso, mulher chata. — Empurrei-a de leve. Serena passou
o braço pelo meu, deitando a cabeça em meu ombro. — Acha que Cora
pode se encontrar aqui? Eu sei que ela fez o pacto, ela sabe que não é
leviano, mas… não quero condená-la.
— Tarde demais, diabão. — Serena deu um tapinha no meu peito. —
Ela já está aqui de corpo e alma. Você está com ela na mesma intensidade?
Com um sorriso suave, foi se afastando para dentro do salão e voltei a
olhar para a chuva, pensando que era tarde demais para mim há muito
tempo. Afinal… por que eu pulei no mar para salvá-la? Que força era
aquela que nos mantinha tão unidos, mesmo com pouquíssimo tempo um
com o outro?
Eram perguntas que, não tendo a credulidade de Priest, não tinha
como responder.
Capítulo Vinte e Quatro
Cora
Priest assobiou da entrada do clube, chamando meu nome. Deixei a
cozinha, reconhecendo as caixas de itens que pedi pela internet. Saí
pulando, empolgada e quando as segurei, me dei conta de que eram mais
pesadas do que havia imaginado. Nick as ergueu para mim, levando e abri
tudo: potes organizadores, balanças, aventais, luvas térmicas, aparadores e
um monte de outras coisas muito necessárias para conseguir cozinhar.
Separei tudo que era novo, lavei e coloquei nos armários. A chuva
ainda estava caindo, já era o terceiro dia que oscilava entre aumentar e
diminuir. De madrugada, sempre tinha trovoadas assustadoras. Segundo a
previsão, logo o sol voltaria. Com o tempo chuvoso, o clube ficava vazio,
somente quem morava por ali circulava pelo salão. A estrada estava cheia
de lama e isso impedia qualquer um de se aproximar.
Serena e eu fomos à cidade duas vezes com a caminhonete, buscar
encomendas, mas ficamos atoladas e apesar de ter sido muito engraçado
tentar tirar o carro do lugar, causou um pouco de estresse em Diablo. Ele
ficou irritado, todo grosseiro, reclamando que havíamos ficado expostas à
toa e poderíamos ter sofrido um acidente. Fez um escândalo desnecessário
pelo qual não permiti que me influenciasse, eu estava muito feliz para
sequer me chatear com aquilo.
— Oi, gostosa. — Diablo me abraçou por trás. — O que é isso tudo?
— Apontou para as facas alinhadas no balcão em cima de um pano de
prato. — Está praticando alguma coisa?
— Comprei uma pedra de amolar que pesquisei na internet e elas
ficaram simplesmente perfeitas, estão cortando carne como se fosse
manteiga. — Dei a ele uma e saí da frente, deixando um pedaço de filé na
tábua. — Experimenta.
Sem acreditar muito em mim, ele franziu o cenho e arregalou os olhos
quando percebeu que eu estava certa.
— Porra! Eu adorei isso! — Abriu um sorriso perverso.
— Só Diablo para encontrar uma companheira que gosta de facas. —
Nick apoiou-se no balcão. — Eu vou poder comer esse filé aí?
— Todos irão. Será o jantar de hoje — avisei com um sorriso.
— Sua comida é maravilhosa. — Diablo me deu um beijo na
bochecha e saiu com Nick para carregar as caixas pesadas de material da
obra que foram entregues pelo caminhão logo cedo.
Coconut e Serena estocavam as cervejas, já que o festival secou a
despensa do bar. Venderam muito, mais do que do lado de fora, o
diferencial da bebida gelada e da rebolada de Coco atraiu muitos clientes
para dentro. Colocamos música enquanto as meninas limpavam o segundo
andar, a tranquilidade que a chuva trouxe foi bem-vinda, mas ainda não
tinha entendido por que Diablo estava com um humor ruim.
Preparei o jantar caprichado, arrumamos uma grande mesa, colocamos
as travessas no centro e todo mundo se serviu com ansiedade. Pink e Tina
estavam sem aparecer no clube por conta da estrada fechada, o café da
manhã na lanchonete era algo que eu não tinha frequentado ainda e era
tradição entre eles.
— Vocês lembram quantas vezes Serena gritou por encostar em uma
comida crua? — Priest provocou a esposa.
— Ei, eu aprendi! — Serena apertou o braço dele.
— Sim. — Angel abriu um sorriso maldoso. — Quantos copos ela
quebrou?
— Me deixem em paz. — Serena bufou e voltou a comer.
Diablo estava tentando jantar e administrar as mãos de Peter, era fofo
vê-lo com tantas habilidades com o bebê. Eu nunca pensei em crianças, não
sabia se queria tê-las, talvez por ser nova demais, mas Diablo queria filhos.
Não naquele momento. Ele apenas sabia que gostaria de ter. Fiquei em
silêncio. Sem saber se deveria dar-lhe uma resposta ou pensar sobre o
assunto, encolhi os ombros e deixei passar.
Depois que a louça foi lavada, cada um foi para seu próprio canto.
Tomei um banho bem demorado, escovei meu cabelo no chuveiro para
desembaraçar e depois, cuidei de cada cacho, secando com difusor e
enrolando as partes que ficaram bagunçadas. Assim que ficou pronto,
enrolei com cuidado, coloquei a touca de cetim e um pijama confortável.
— Parece o lobo mau da chapeuzinho vermelho — Diablo brincou,
deitado na cama. Ele saiu do banho muito antes, de cabelo molhado, e ficou
todo esticado, só de cueca.
— Meu cabelo amanhece melhor quando durmo com a touca.
— Eu sempre tiro ela à noite.
Dei a ele um olhar incrédulo, colocando as mãos na cintura porque até
então, vinha culpando meu sono agitado.
— Se meu cabelo acordar com um único nó, vai ter que penteá-lo
novamente. — Engatinhei para o meu lado, pegando meu livro. — Essa
chuva está deixando todo mundo dentro de casa.
Diablo virou na cama, abraçando meu quadril, deitando a cabeça no
meu colo abaixo do livro para ganhar cafuné. Faltava uma hora para que
tomasse sua medicação para o corte não inflamar, Pierce foi enfático sobre
o cuidado. Já havia deixado água no quarto, ou ele tomaria com uma
garrafinha de vodka só para me enlouquecer.
— Tenho uma filha — ele falou baixinho e pensei não ter ouvido
direito. Abaixei o livro, olhando-o. — Stormi é o nome dela. Eu não sei se
ela é minha filha biológica, mas isso nunca importou, sempre assumi a
responsabilidade pelos cuidados dela, desde que soube de sua existência.
— Uma filha? E onde ela está? Você disse que nunca foi casado antes.
— Franzi o cenho. Diablo sentou-se na cama. — Não foi um casamento?
— Não. Eu tinha dezessete quando conheci a mãe dela. Ela e o marido
eram membros do clube de outra cidade, passavam um tempo aqui em Del
Ride quando o pai de Priest era o presidente. — Ele começou a contar sem
desviar os olhos dos meus e percebi estar bastante preocupado com a minha
reação. A mulher era casada? — Tereza era uma mulher muito bonita,
atraente, de parar o trânsito. E ela sabia disso. Gostava de toda a atenção
que recebia. Javier era ciumento, mas ao mesmo tempo, eles faziam
algumas fodas em grupo.
Engoli o ciúme a seco. Eles ainda tinham contato?
— Tipo ménage ou orgia?
— Os dois. Enfim, uma noite, ela foi até o meu quarto. Não vou dizer
que pensei em quaisquer aspectos morais, apenas fodi a mulher que queria
ser fodida. — Diablo encolheu os ombros. — Tivemos alguns outros
encontros. Javier descobriu e a coisa ficou feia. Ele simplesmente surtou e
enfiou a porrada nela. Nós fomos até lá, Priest o expulsou do grupo e Tereza
sumiu. Ela foi embora e por oito anos, não soube dela. Até que um dia, em
Los Angeles, estava advogando com Sage no primeiro ano do nosso
escritório e ela apareceu com Stormi.
— Sua filha?
— Ela disse que sim, mas eu não era o único ali, então…
— O que havia acontecido? — Peguei sua mão, querendo saber toda a
história.
— Tereza havia passado os últimos anos fugindo de Javier, mas ele a
tinha encontrado e quebrado toda a casa. Ela precisava de ajuda, de mais
dinheiro e um lugar para ficar com a nossa filha. — Ele limpou a garganta.
— Fiquei tão atordoado que não pensei em nada. Eu peguei as duas e as
levei para um lugar seguro, foi aí que uma guerra começou. Javier soube
que eu estava com elas, protegendo-as e cuidando de tudo. Desde então, ele
tentou pegá-las com a habilidade de não ser visto. Nunca consegui
encontrá-lo, procurei usando todos os meios e gastando muito dinheiro
nisso. Troquei a identidade delas, até por um tempo, usei de maneira ilegal
o programa de proteção à testemunhas, para que pudessem ficar fora do
radar.
Diablo mudou de posição, sentando-se ao meu lado, com as costas na
parede.
— Ela nunca permitiu que eu fizesse parte da vida de Stormi. Tereza
dizia que a minha vida era muito perigosa, que a menina podia morrer só de
estar comigo e eu pouco a vi, sempre de longe, só pude dizer oi uma vez —
ele falou baixo. Era uma mágoa grande, me virei de lado e parei entre suas
pernas. — A mãe dela não estava errada. Minha vida sempre foi muito
perigosa e isso me fez ficar longe também.
— Sinto muito que nunca pôde estar com sua filha. Por que não me
contou isso antes?
— Eu não sei. Stormi é uma parte muito complicada da minha vida.
— Ele tocou meu rosto. — Javier matou a mãe dela e a deixou em uma
situação crítica no hospital por um tempo. Logo que melhorou, eu a mandei
para fora do país com dois seguranças em tempo integral.
— Ele ainda a procura?
— Eu não tenho certeza se ele sabe que Stormi está viva, mas agora,
quer se vingar de mim. Há uns dias recebi uma foto, que pode ter a ver com
sua irmã também…
Diablo contou sobre a angústia que passou sem compartilhar comigo e
fazia todo sentido o humor ruim, a proteção em não me deixar ir à cidade
sozinha e tentar me manter no clube a todo custo. Inclinei-me e beijei seus
lábios, ele fechou os olhos e me abraçou, subi em seu colo, ficamos
agarradinhos e acariciei seus cabelos sem me preocupar com Javier e
Amanda. Eles que viessem, estava pronta para brigar, no fim, eu ficaria
bem. Nós ficaríamos bem.
— Você está chateada comigo?
— Depende. Tem mais algum segredo do passado que você não tenha
me contado?
— Não. Nenhum segredo — ele prometeu e encontrei seu olhar triste.
— Sinto muito, baby. — Acariciei seu rosto, sentindo a dor, por mais
que ele não estivesse falando sobre a parte emocional de sua história. —
Ainda há tempo de ser pai da Stormi. Quando tudo isso passar, vocês
poderão criar um laço. Toda garota quer ter um bom pai por perto. Se você
é incrível com os filhos de Priest, também será incrível com a sua. Um dia,
quero conhecê-la e espero que ela goste de mim.
— Eu sei que é impossível ela não gostar de você. — Diablo sorriu
contra meus lábios, beijei-o uma vez, outra, mais uma e mais uma. Comecei
a rir e caímos na cama, embolados um no outro. Expulsei meu livro e
alguns travesseiros do colchão com as minhas pernas.
— E você? Gosta de mim? — Segurei seu rosto.
— Como pode ter alguma dúvida do quanto gosto de você, porra? —
Ele rolou para cima de mim, erguendo meus braços e me prendeu. — Meu
diabinho loiro, sou louco por você, mesmo quando acorda parecendo um
sol, cuspindo fogo como um dragão ou está com os punhos fechados,
ameaçando empurrar uma garrafa de tequila em um homem de quase cento
e cinquenta quilos.
Abri um sorriso, sem esconder o quanto estava apaixonada e pensei
que não queria. Foda-se se era rápido, impulsivo, intenso. Não me
importava.
Eu era dele irrevogavelmente.
Capítulo Vinte e Cinco
Cora
O problema da raiva era que ela podia ser incontrolável. Amanheci
pensando em Amanda, ela estava bem o suficiente para ligar os pontos entre
o passado de Diablo e minha segurança. Um informante de Sage disse que
ela estava ferida e sendo tratada na mansão de Santiago enquanto o mesmo
estava fora do país, com a esposa, que vivia no México. Diablo disse que
iria tentar saber mais sobre o relacionamento deles, porém, era preciso ter
muito cuidado.
Na manhã seguinte após a nossa conversa, Priest recebeu uma ligação
com alguns detalhes importantes. A descrição de Javier batia com a de um
homem visto em um dos restaurantes de Santiago. Os infiltrados não
podiam perguntar muito ou seriam pegos. Eu não sabia como o clube
conseguia espalhar pessoas dentro do território inimigo, mas tinha algo a
ver com um tal de King, que era associado deles.
O crime era uma coisa organizada mesmo. Na minha inocência, achei
que era só sair e vender drogas. Era muito mais complexo e cuidadosamente
detalhado, envolvia muito dinheiro e pessoas comprometidas. O que me
levava à minha irmã: qual a porra da motivação dela? Ela achava mesmo
que eu iria permitir que ficasse com todo o dinheiro dos nossos pais?
Nunca. Amanda teria o pior da vida, eu faria questão de dar isso a ela.
Furiosa, dentro da academia, cheguei à conclusão de que bater no saco
de areia não era o suficiente. Agarrei um pedaço de madeira e comecei a
espancar com toda a força que tinha. Soltei um grito, descontando minha
energia caótica ali, até que o pedaço de madeira se rompeu, enfiando uma
farpa no meu dedo.
— Merda. — Tirei com a pontinha da unha.
— O coitado do saco não tem nada a ver com seus problemas. —
Diablo estava inclinado na janela. — Quer falar sobre o motivo de estar
prestes a quebrar a academia?
— Estou só treinando. Descontando minhas frustrações. — Ofereci
sem muita desculpa.
— Está com raiva de mim por causa da Stormi?
— Não. Não fiquei com raiva por não ter me contado da sua filha,
nosso relacionamento não começou da maneira mais convencional, com um
encontro e perguntas sobre a vida um do outro. — Sequei o suor que
escorria pelo pescoço. — Vou subir. Preciso tomar banho.
Ele não me seguiu, franziu o cenho e ficou quieto no mesmo lugar. Eu
estava nojenta. Estava lavando meu cabelo quando Diablo parou na porta
do box.
— Emburrada.
— O que você quer? — Virei-me, perdendo um pouco da paciência.
— Quero saber o que está errado.
— Eu não sei, acho que é irritação do meu período e apenas raiva.
Não é de você, ou da minha vida atual, acordei pensando na minha irmã e
fiquei furiosa. — Apoiei meu condicionador na prateleira.
— Ah, então é TPM? — Ele sorriu de lado.
— Não comece — avisei, erguendo o dedo para dar ênfase.
— O quê? — Se fez de inocente.
— Já sei que quando estou irritada, você começa a me irritar mais
ainda porque parece ser um tipo de diversão perversa me ver espumando.
Diablo abriu um sorriso e, sem aviso, joguei água nele. Surpreso,
secou os olhos e me deu um olhar malvado. Merda. Estava encurralada no
banheiro. Ele tirou a jaqueta com cuidado, deixou-a em cima do aparador e
o restante da roupa saiu com rapidez. Ele pisou na área do chuveiro já
atacando minhas costelas, me fazendo gritar e debater.
Virando-me, segurou a massa pesada do meu cabelo, embolando-a em
seu punho e tomou minha boca em um beijo que mudou o tom da
brincadeira para um muito mais aquecido. Soltei um gemido, deixando
claro que estava gostando do rumo da conversa. Ele me surpreendeu ao se
ajoelhar atrás de mim, dando um tapa bem dado na minha nádega esquerda
e em seguida, um beijo com mordida.
— Empine essa bunda, baby — pediu, movendo meu quadril para trás.
— Isso, assim. — Afastou minhas nádegas, empurrando a língua em
minhas dobras. Abri a boca em choque e logo deixei escapar um gemido,
uma explosão de excitação me fazendo buscar apoio nas torneiras do
chuveiro.
— Puta merda. — Tremi. — Amor, que delícia.
Cobri minha boca.
Caralho, eu chamei Diablo de amor.
— Ah, porra. O quanto eu gostei de ouvir isso… — Ele beijou minhas
costas, mordendo meu ombro e parou com a boca próximo ao meu ouvido.
— Me chamou de amor, gostosa?
— Hum… sua boca estava fazendo um serviço melhor lá embaixo —
rebati, tentando soar desinteressada. Ele não caiu no meu blefe, empurrou
um dedo dentro de mim e me contorci, maluquinha por mais. — Sua língua
é muito boa no que faz, mas já que está aqui, mete gostoso. — Olhei em
seus olhos em desafio, ele sorriu e puta merda, tudo dentro de mim se
tremeu com a potência daquele olhar.
Diablo mordeu meu pescoço, ajeitou a posição do meu corpo e
começou a me torturar lentamente, brincando com o pau entre meu clitóris e
o ponto sensível em minha entrada. Minha pele não tinha mais espaço para
se arrepiar e um calor desceu por minha espinha. Ele encaixou, pronto para
meter, e olhei sobre meus ombros, rebolando, convidando-o para dentro.
Eu nunca tinha sido ousada no sexo, sempre permitia que ele
conduzisse tudo, mas ao ver o prazer e luxuria dominar seu rosto com meu
movimento, tudo mudou. Ganhei uma inesperada confiança e a agarrei,
enlouquecendo-o. Diablo gemeu profundamente, de um jeito masculino e
cru, sem esconder o quanto estava excitado. Ele afundou os dedos no meu
quadril, segurando firme e o banheiro foi preenchido pelo som dos nossos
gemidos, sua pélvis batendo contra meu bumbum ruidosamente.
Gozando, ele puxou meu cabelo, colando a boca no meu ouvido.
— Eu amo quando você goza no meu pau, amor.
Meu corpo inteiro tremeu. Quando ele saiu de dentro de mim, virei
meu corpo, me sentindo uma geleia, mas o fiz gozar com a minha mão,
beijando a boca pela qual era intensamente apaixonada. Trocamos um
sorriso, mas ele deu um jeito de assumir um olhar maligno e implicante.
— Então, só para constar, você me chamou de amor primeiro.
— Não sei do que está falando. — Peguei meu sabonete líquido.
— Sabe sim, basta assumir. — Abraçou-me e fingi que ele não existia.
— Você sabe que somente um amor organizou uma viagem para que possa
se distrair por uns dias…
— Sério? Vamos viajar?
— Não é bem uma viagem como deve estar acostumada. Priest e eu
temos que fazer visitas sociais em algumas sedes dos clubes, principalmente
as de lugares mais afastados, que nem sempre estão nas nossas festas. É
bom para manter o olho nos negócios e falar sobre os problemas. — Ele
segurou minha cintura. — Serena vai, então, você vai também.
— E quem disse que estou acostumada com viagens? Esqueceu onde
passei os últimos anos? Papai trabalhava muito, ele nunca tinha tempo de
sair do país e mamãe não fazia nada sem ele, o máximo que nos
aventuramos foi em Paris, nos dezesseis anos da Amanda e foi muito rápido
— expliquei, me secando. — Tenho vontade de conhecer a Europa, fazer
um tour cultural, museus, peças de teatro, comer muito na Itália. É um
plano futuro.
— Um plano futuro? — Ele pegou a toalha também.
— Nós não podemos sair do país? — questionei mais baixo,
preocupada.
— Ah, sim. Eu não sou um foragido da polícia, só achei que estava
fazendo planos sem mim. — Diablo teve o desplante de ensaiar um
beicinho. Comecei a rir.
— Hum, acha que vai se livrar de mim? — Passei meus braços por
seus ombros, beijando-lhe o queixo, ficando nas pontas dos pés para
alcançar os lábios.
— Espero que não, loirinha. Vá fazer uma mochila de roupas. — Deu
um tapa na minha bunda.
Diablo ocupou o banheiro para fazer a barba e desejei muito termos
outra pia para que eu pudesse cuidar do meu cabelo ao mesmo tempo. Usei
o banheiro do closet e organizei uma mala, eram vários dias, não ia dar tudo
em uma mochila, me perguntei se poderíamos ir de carro, assim não
precisaria abrir mão de nada.
— Não dá para levar essa mala grande. — Ele parou na porta, ainda
enrolado na toalha, cruzando os braços.
— Eu não posso ficar na estrada com pouca roupa. O que eu vou
vestir?
— Leva uma calcinha reserva, um short e duas camisetas! — Ele
ergueu as mãos, exasperado. O senhor cheio de botas e calças diferentes
estava querendo reduzir as minhas peças? Nem fodendo!
— Nesse calor? — Arregalei os olhos. — Eu vou ficar suada, a roupa
vai ter cheiro! Por que eu não posso ir dirigindo? Tenho certeza de que
Serena também vai querer levar mais roupas!
— Coraline, uma mochila e nada mais. — Diablo saiu como se a
palavra final dele fosse feita para ser obedecida. Bufei, ignorando-o,
arrumando tudo bonitinho e me vesti. Sem que visse, desci com a mala e a
deixei no salão, ouvindo a discussão de Serena e Priest pelo mesmo
motivo.
— Ah, puta que pariu! — Priest viu minha mala.
— Amém! — Serena ergueu as mãos e arrematou a chave do carro
dele. — Eu vou dirigindo, tenho carteira há anos e sei lidar com a estrada à
noite! O carro é blindado! — Ela estava vermelha e com as veias salientes.
— Essa conversa não precisava ter sido tão exaustiva.
Priest não falou nada, apenas saiu. O que havia de errado com esses
homens teimosos? Além de só terem falado da viagem em cima da hora,
ainda por cima não queriam que levássemos roupas! Depois de revirar os
olhos, ela ergueu a mão e batemos. Diablo resmungou, passando direto por
nós, mas levou a minha mala para que eu não precisasse carregar nenhum
peso.
Estava engraçado acompanhar os dois bufando, muito tempo presos
dentro de casa deixou o humor dos homens completamente alterado. Aquela
viagem seria divertida e uma vozinha me dizia que também seria
surpreendente.
Capítulo Vinte e Seis
Diablo
Coraline estava na cozinha fazendo sanduíches para todos. Ela
cismou que os homens precisavam enfrentar a primeira parte da estrada
bem alimentados e eles adoraram, qualquer desculpa para comer era válida.
Fiquei impressionado no quão rápido conseguiu organizar cinquenta
sanduíches com latas de refrigerantes. A viagem seria social e não com todo
o grupo, porque os negócios precisavam continuar, mas a maioria que não
era casado e com tempo livre, iria.
Parei ao lado dela, ainda irritado pela insistência e teimosia que fez
com que conseguisse ir de carro com Serena. Era melhor que elas não se
afastassem das motos, ou eu daria meia volta. Já estava estressado só de
pensar em dar alguma merda na estrada, não queria tirá-la do clube, mas ela
estava tendo alguns surtos de raiva e eu precisava de uma distração para vê-
la feliz.
— Quer com ou sem mostarda? — Ela me deu um sorriso brilhante.
— Não precisa preparar o meu.
— E a história de ter que servir meu homem? — Arregalou os olhos e
bufei.
— Você sempre estraga minha comida.
— Já tem um tempinho que não faço isso. — Beijei sua bochecha. Ela
só não estava fazendo porque eu mesmo estava me servindo. Quando fazia,
era por iniciativa própria, não pela obrigação de cuidar de mim. Dividíamos
os cuidados do apartamento em uma planilha, assim não teriam brigas e
nem pegadinhas por parte dela. — Homenzinho adestrado. — Me deu um
tapinha e ri. — Quer falar alguma coisa? Está com aquela tensão esquisita.
— Quero que venha comigo no escritório — pedi, segurando sua mão.
Priest e Serena já estavam ali dentro, ele observava a esposa colocar
munição em um pente e Coraline travou no lugar. Ela detestava armas de
fogo, mas precisaria superar isso porque não viajaria desarmada, ainda mais
longe de mim. Serena já tinha bastante familiaridade, ficava segura em
usar.
Cora prestou atenção atentamente em cada explicação que dei e sendo
uma boa aluna, não precisei dizer nada duas vezes. Ela estava séria, como
se a ideia não fosse confortável, mas não falaria nada por entender ser
necessário. Um pouco mais tranquilo, terminei de carregar as bolsas para o
carro e Priest ordenou a formação.
— Ei, vem aqui. — Parei-a antes de ir para minha moto. Cora estava
no alto da calçada e ainda assim, eu era mais alto. Encostei minha testa na
dela, que arrastou o nariz no meu antes de me dar um suave beijo.
— Vai ficar tudo bem — ela garantiu.
— Eu sei. Se comporte, ok?
— Vou dar o meu melhor — prometeu e beijei-a novamente, liberando
para que entrasse no carro. Priest e Serena terminaram de falar, observamos
as duas entrarem no carro e fomos para a formação.
A primeira parte da viagem foi tranquila, estrada livre, sol bonito mas
não tão forte e vento gostoso batendo no rosto. Vigiei Serena e Coraline
pelo retrovisor mais de uma vez, elas estavam falando sem parar, comendo
e cantando músicas alto o suficiente para ouvirmos nos centros das cidades
ou quando parávamos em sinais.
Chegamos ao primeiro encontro no final do dia. O clube estava cheio.
O presidente local, muito feliz em nos receber, mandou preparar um
churrasco digno da realeza. Muita carne e bebida.
— Faz muito tempo que não temos vocês por aqui, tinha que mostrar
o nosso melhor e que, felizmente, os negócios estão indo muito bem. —
Jared sorriu de lado. Priest deu um aceno, ainda taciturno. — Felicidades
pelo casamento. O chefe casou e te picou com o desejo do matrimônio?
Priest soltou uma risada seca. Ele, de todas as pessoas ao nosso redor,
era o último que imaginamos que iria casar. Mas a felicidade que tinha era
merecida. Foi duramente conquistada.
— Ainda não trocamos alianças. — Olhei para Coraline, que bebia
água e falava com Nick. Ele estava incumbido de segui-las para todo lado e
as duas passaram a chamá-lo de cachorrinho só para nos irritar.
— Mas é sério o suficiente? — Ele quis saber, aparentando alegria e
não apenas uma curiosidade. — Sou casado há trinta anos, tanto tempo
quanto lidero esse clube. Minha esposa é uma parte vital, mesmo não tendo
mulheres entre nós, ela é um pilar aqui. Desejo o mesmo para vocês.
Dei um aceno de agradecimento e peguei uma cerveja, horas na
estrada me deu muita vontade de beber. As esposas se espalharam entre as
mesas, conversando alto e com a música, o ambiente ficou animado. Depois
de comermos, os homens se reuniram em um salão para uma conversa
franca sobre os ataques nas fronteiras e como iríamos mudar nossa
abordagem com inimigos nas estradas federais.
Era importante manter a rota de drogas segura. Nossos associados
contavam com entregas nas datas, para alimentar os negócios diversos que
nos cercavam. Era um equilíbrio delicado, com os novos planos,
precisávamos tomar muito cuidado e alinhar a comunicação para que não
houvesse falhas. Ficamos até tarde, já era meio da madrugada quando
fomos para o hotel próximo, levando um tempo para distribuir os quartos.
— Eu não acredito que o hotel está cheio. — Priest estava furioso.
— Não tem problema dividirmos o quarto. — Serena pegou o cartão
chave. — Será como uma festa do pijama.
— Foda-se. Elas vão falar a porra da noite inteira — murmurei e ele
balançou a cabeça, resignado.
— Ei, baby! — Cora pegou sua mochila com as roupas de passar a
noite. — Anime-se, vai ser divertido! Nunca participou de um
acampamento?
Eu tinha mais de quarenta anos nas costas para aturar um
acampamento, porra.
— Eu vou fumar.
Priest agarrou o maço e sentamos na escada, ouvindo pela janela as
duas no banheiro ao mesmo tempo, falando tanto que as palavras entravam
atrofiadas e estridentes nos meus ouvidos.
— Não é a primeira vez que dividimos um quarto, sozinhos ou até
mesmo com mulheres. — Priest tragou e olhou para o alto. — Ninguém nos
contou que esposas podiam falar tanto. Passaram o dia inteiro viajando,
como ainda têm energia?
Cora apoiou-se na janela e acenou, divertida, dizendo que o banheiro
ficaria livre em dez minutos. Acenei, sem conter a risada. Ela estava feliz,
então, eu me sentia no direito de ficar alegre também.
— Quando dividíamos o quarto com mulheres, era orgia, as putas iam
embora depois que acabávamos. Essas aí são nossas esposas e elas estão
destinadas a nos dar todos os cabelos brancos que a vida não nos deu.
— Filhas da puta — Priest murmurou.
Quando finalmente liberaram o quarto, estavam vestidas, com meias e
cabelos presos. Pareciam até que tinham combinado as roupas, como
gêmeas.
— Serena está com fome, vamos assaltar a máquina de biscoitos e
bebidas. — Cora vestiu um casaco. Parou na minha frente, dei um bom
cheiro em seu pescoço e em seguida, um beijo nos lábios, lhe arrancando
risinhos.
— Não me olhe assim, faz horas que jantei. — Serena rapidamente se
defendeu da expressão divertida do marido. — Meu estômago não tem um
buraco negro e pelo menos, dessa vez, não estou te pedindo para ir buscar
depois de se deitar.
— Fiquem na direção da janela — Priest pediu, sem esconder a
diversão.
Ele foi tomar banho primeiro e fumei mais um cigarro, para acalmar a
vontade de pegar tudo e voltar para Del Ride. Priest quase não fumava
mais, não depois do nascimento de Peter, porque sabia que era
extremamente prejudicial a ele. Eu também sabia que não era bom para
mim, mas não me importava o suficiente ainda para parar pela minha saúde.
Ocupei o banheiro, ainda ouvindo-as falar, escolhendo qual chocolate pegar
e me sequei, o tempo todo atento, até que elas ficaram quietas.
Priest ergueu o rosto, sentando-se na cama. Serena estava de costas
contra a máquina e Coraline fingia amarrar os sapatos, ambas olhavam para
a estrada, pegaram as coisas e voltaram andando, aparentando
tranquilidade. Abri a porta para que pudessem entrar, elas passaram e olhei
para fora. Havia um carro, todo preto, estacionando cuidadosamente do
outro lado da rua.
Esperei para ver quem sairia e para minha surpresa, foi um homem
com uniforme policial. Parecia ser o Xerife da cidade.
— Nem fizemos nada e ele já quer nos expulsar? — Priest riu quando
o homem acenou, sinalizando que queria falar conosco.
Nick foi andando até ele, ouviu o que tinha a dizer e virou-se, dando
um sinal de que estava tudo tranquilo. Descemos a escada lado a lado,
olhando para o velho que parecia intimidado, mas não se deixou abalar.
Ergueu o queixo, estufou o peito e colocou as mãos na cintura.
— Soube que os Devil’s Ride estavam hospedados aqui e quero falar
com o líder.
— Sobre o quê? — Priest arqueou a sobrancelha, desafiando-o.
— Sobre um maldito de jaqueta de couro que anda apavorando as
mulheres da minha cidade. Me disseram que vocês podem cuidar desses
assuntos extraoficialmente.
— Como assim, velho?
— Já chamei a capital, o FBI e pedi reforços. Eles dizem que não há
estatística suficiente para cuidarem do caso. Meus homens são idosos, não
têm treino para lidar com ele. É um infeliz, que anda na calada da noite
abusando das mulheres e as que sobrevivem ao ataque, ganham uma marca
de chifre de diabo nas costas. — Ele tirou do bolso um papel amassado. —
Esse é o retrato falado. A cidade não tem muitos fundos, mas estou disposto
a negociar.
— Qual é o seu interesse pessoal nisso ao ponto de desafiar as leis? —
Priest questionou antes de pegar o papel.
— Ele mexeu com a minha neta. Ela está no hospital, tão traumatizada
que não consegue falar. Prometi a minha filha que iria até o inferno para
pegar esse homem e eu vou. — O velho se encheu de emoção, era um ódio
cru que trouxe um arrepio à minha espinha. Eu conhecia bem aquele
sentimento.
Priest e eu trocamos um olhar. Era possível ser uma armadilha da
própria polícia para nos pegar, um ataque silencioso e até mesmo a
sequência da investigação do FBI que já derrubamos algumas vezes ao
longo dos anos. Nós tínhamos informantes e olheiros em todo lugar,
pessoas que amavam o clube e abriram mão de suas vidas para nos proteger
e pessoas que amavam outras pessoas, que podiam ficar facilmente na nossa
mira se não fizessem o que queríamos.
Ao desdobrar o papel, eu soube que não era uma pegadinha.
O retrato falado era de Javier.
— Sua neta é loira ou morena? — questionei com o estômago doendo.
— É loirinha, rostinho de anjo. Por quê?
Javier estava machucando mulheres loiras e marcando-as com chifres
de diabo como um recado para mim: Ele machucaria Cora.
Capítulo Vinte e Sete
Cora
Serena estava dirigindo em alta velocidade pela estrada,
acompanhando o grupo de motos em direção à nossa última parada antes de
retornarmos para Del Ride. A tensão era grande ao saber que Javier estava
aterrorizando as pequenas comunidades na beira do oceano, como um
recado para o meu namorado. Ele estava pegando mulheres loiras e isso
causou uma dor de cabeça em mim que não passava.
— Em que nível acha que Amanda está envolvida nisso? — Serena
questionou.
— Javier nunca matou ninguém em massa, como um assassino em
série. Ele cometeu assassinatos como matador de aluguel ao longo dos anos,
mas nada que relacionasse a Diablo. — Olhei para a tela do iPad no meu
colo, congelada na imagem dele, na sombra de uma casa, à espreita como
um demônio maldito. — Amanda gosta de marcas. Ela tatuou o nome de
Diablo no meu braço, mostrando ao papai que sabia de seu passado
imperfeito. Certamente, descobriu alguma coisa terrível que meu pai fez
com Diablo e ela deveria estar usando isso como artifício para aterrorizar
meus pais para que fizessem o que ela queria.
— Faz sentido a sua linha de raciocínio. Seus pais eram viciados em
manter a boa imagem.
— Esse é o ponto. Diablo foi paralegal do meu pai em um período em
que minha mãe classificava como obscuro. Papai ganhou muito dinheiro
defendendo bandidos, livrando-os da cadeia. E se em algum caso ele
confrontou Santiago? — Virei-me no banco, olhando para Serena. —
Quando meu pai deixou a área criminalista, Diablo já estava com escritório
próprio e não sabe o porquê.
— Sage disse que questionou seu pai mais de uma vez e nunca obteve
uma resposta satisfatória, mas sim, tem razão. Amanda te marcou com o
sobrenome do Diablo e agora, depois de encontrar com os homens de
Santiago, Javier passou a matar garotas loiras e deixar marcas? Não é
coincidência.
— Depois que fui presa, aprendi que coincidências não existem —
falei com pesar. Serena respirou fundo, ajeitando a postura, assumindo um
ar confiante.
— Os caçadores que Priest contratou vão encontrá-lo, é tudo que
tenho pedido no meu íntimo. Se ele está tão perto, sinto que podemos
perder o controle e sempre que isso acontece, um de nós acaba ferido. —
Serena olhou pelo retrovisor. — A viagem tinha tudo para ser tranquila.
— Se ele terminar morto no final dela, vamos voltar para casa em paz.
— Dei de ombros. Javier não tinha o direito de tirar toda a felicidade de
Diablo só porque ele um dia transou com a mulher dele.
Na minha opinião, Tereza era uma vaca egoísta e pedófila, afinal, ela
tinha trinta anos e ele dezessete. Depois, não quis deixá-lo fazer parte da
vida da filha, como se a própria não fosse membro do clube.
— Esse é o melhor cenário. — Serena sabia o caminho para onde
estávamos indo, mas para não atenuar o estresse dos homens, não
avançamos porque eles estavam muito preocupados. Era difícil imaginar
que Javier teria coragem de ficar muito perto, provavelmente, vigiaria a
passagem do clube de longe e encontraria uma maneira de atacar se essa
fosse a sua intenção momentânea.
Ele podia ter outros planos ou seguir novas ordens.
Uma hora depois, chegamos à sede do clube local. Serena estacionou
onde Priest indicou e ele sinalizou para esperarmos no carro. Diablo me deu
um aceno e eles entraram. Era uma oficina grande, com um pátio espaçoso
e um salão. Provavelmente, os quartos ficavam no segundo andar, porque
soubemos que alguns membros moravam no local.
— Qual o motivo da tensão aqui?
— Priest deve matar o presidente essa noite. — Serena estourou uma
bola de chiclete. — Ele é um cuzão sem precedentes. Ano passado, tive
uma troca nada gentil com ele, porque a esposa estava com hematomas
horríveis no rosto. Ela jurou que não apanhou dele, nós não acreditamos,
apenas não pudemos fazer nada.
— E por quê Priest irá matá-lo?
— Por ferir as regras do clube. Há outros homens aqui causando
desentendimento. Os membros estão preocupados e com os novos planos,
precisamos ter certeza de que todos estão alinhados na mesma ideia, sem
espaço para erros. — Serena encolheu as pernas no banco, abraçando-as. —
Aqui eles são bem escrotos quando se trata de mulher. Fique atenta.
— Não estou com humor para gracinhas.
Nick sinalizou que podíamos sair.
— Será uma noite interessante, então. — Ela riu e abrimos a porta do
carro.
Toda noite, nós apenas tirávamos algumas roupas da grande mala e
colocávamos na mochila para levarmos para nosso quarto. Abrimos a mala,
peguei uma cueca limpa para Diablo pensando que ele não merecia ter
ocupado metade do meu espaço por ser um reclamão de que carreguei
coisas demais. Até me perguntou por que eu precisava de maquiagem, só
não briguei porque disse logo em seguida que eu ficava mais bonita com o
rosto natural.
Reunimos tudo e entramos depois. Os homens estavam espalhados
pelo salão, cumprimentando-se, mas havia uma tensão no ar. Diablo pegou
minha mão, andamos juntos até o bar e depois guardamos as coisas. O
clima estava ruim até para passear pelo local. Serena e eu escolhemos ficar
no quarto, comendo besteiras na cama. Ela aproveitou e fez uma chamada
de vídeo com a mãe de Sage, que estava cuidando de Peter.
— Cedrick está muito empenhado em Los Angeles — Serena
comentou.
— Sente falta de lá? — Estiquei minhas pernas na cama com um
pirulito na boca.
— Não. Sou infinitamente mais feliz em Del Ride. E você?
— Fiquei fora da cidade por muito tempo. Logo que saí da cadeia,
minha mãe me vestiu com as mesmas roupas de antes, me levou a um hotel
cinco estrelas e me deu um prato de comida que custava muito caro, com
sabores que eu nem me lembrava mais.
— Não foi o que você queria?
— Eu me senti ridícula, e o sentimento permaneceu por um longo
tempo. Não conseguia me encaixar na sociedade, era como se eu fosse um
peixe fora do mar.
Serena mudou de posição, ficando na minha frente para poder olhar
para o meu rosto.
— Eu me senti assim por um tempo e na verdade, era porque não
estávamos em lugares que nos pertenciam. É muito importante ser amado,
aceito, com defeitos e qualidades. O ser humano não nasceu para ser só
julgado. — Ela pegou um chocolate e deu uma boa mordida. — Você
jamais voltaria a ser a garota que foi antes de ser presa, assim como eu
nunca conseguiria ser a Serena sem graça de antes.
— Um brinde a nós.
— Um belíssimo brinde, senhora. — Serena piscou, divertida.
Na hora do jantar, nos arrumamos para descer. Pensei que encontraria
as outras esposas para conhecermos, mas só havia homens e prostitutas
locais. Elas serviam as mesas e saíam do nosso caminho, quase pedindo
desculpa. Priest estava desconfortável, vi uma quantidade de coletes
jogados no canto e aquilo significava que os donos… poderiam não existir
mais.
O presidente comia, falando alto, sendo arrogante e conhecendo
Diablo como conhecia, sabia que ele estava por um fio.
— Comam e voltem para o quarto — Priest falou baixo, quase
entredentes. — Não será necessário fazer a social.
— Aconteceu alguma coisa? — Toquei o braço de Diablo.
— Muitas coisas. — Ele bufou, bebendo uísque.
— Quer outra bebida? — ofereci, desejando acalmá-lo. — Vou buscar.
— Fique.
— Ei, só vou até o bar. Já volto. — Estava usando uma calça larga e
camiseta, nenhuma roupa que fosse passível de um homem me assediar,
embora não houvesse desculpa mesmo se estivesse nua.
Pedi mais uma dose de uísque e ao meu lado, uma garota do clube
pedia para um idiota parar de tentar abaixar seu top na frente de todos. Ela
estava tentando conduzi-lo para o quarto e acalmá-lo. Não se mete,
Coraline. Pedi a mim mesma, ela poderia lidar com aquilo, mesmo com um
porco safado tentando deixá-la nua ao ouvir sucessivos nãos.
Respirei fundo, esperando o copo com a dose, já que a menina atrás
do balcão parecia ainda mais nervosa e preocupada com a amiga. Se fosse
Coconut ali, seria diferente. A sede principal do clube podia ser grosseira,
cheia de modos rudes que apavorariam a alta sociedade, mas nenhum dos
homens agiria daquela maneira com Priest, Diablo e Angel por perto.
Fiquei olhando para os itens de oficina mecânica, tentando me distrair.
Engoli em seco quando ela soltou um não mais choroso e perdi toda minha
compostura.
— Ei, você ouviu a palavra não? — Virei bruscamente.
— É melhor não se meter. — Ele sorriu para mim. — A puta está aqui
para isso. Ou você quer assumir o lugar dela?
— Saia daqui — falei com a garota, ela arregalou os olhos e saiu
correndo.
— Parece que a mulher de Diablo quer vir para a cama comigo!
— Ah, não. — Ouvi Serena murmurar e duas cadeiras arrastando para
trás.
Ergui minha mão, parando os dois.
— Deixa ela bater primeiro — Priest murmurou baixinho para Diablo.
No meu campo de visão, vi os homens levantando lentamente, alguma coisa
iria acontecer e seria exatamente quando eu agisse. Nick me deu um sorriso
torto.
— E aí, puta. Vai tirar a roupa?
— Eu vou. Depois de acabar com você. — Sorri e peguei a chave de
roda, partindo para cima dele. Acertei-o no ombro, pescoço e rosto. O
primeiro golpe foi de surpresa, o segundo, ele tentou reagir, desorientado
pelos pontos específicos onde o atingi. Com sobrepeso e lento pela bebida,
desviei fácil de seu caminho. Serena colocou o pé na frente, ele caiu de cara
no chão e tentou rolar, mas coloquei meu pé em sua garganta. O nariz dele
estava explodindo sangue. — Na próxima vez em que uma mulher disser
não, você guarda a porra das suas mãos sujas. Agora, vou te deixar para que
se entenda com o meu marido. Ele não gosta muito quando me xingam.
— Ei, Diablo. Você não vai ensinar o lugar da sua mulher no clube?
— O presidente local estava vermelho de raiva.
— Quer que eu te ensine o seu lugar? — Virei-me em sua direção,
ameaçando-o com a chave.
— Vai me atacar agora? Onde já se viu, Devil’s Ride comandado por
bocetas!
Meu sangue ferveu em segundos. Antes que pudesse avançar, Diablo
me pegou pela cintura, me afastando e de repente, me jogou em seus
ombros. Ultrajada, me debati e gritei. Serena cobriu o rosto, querendo rir.
Priest cochichou alguma coisa com ela, fazendo-a vir atrás de nós com
tranquilidade e fechando a porta que dava para a escada.
Eu não a vi mais quando Diablo entrou no quarto e me jogou na cama.
— Que porra de palhaçada foi essa? — Levantei, furiosa. — Você vai
deixar aquele idiota falar comigo daquela maneira?
— Não. O único a te chamar de puta sou eu. — Ele sorriu torto.
— E por quê me tirou de lá, então? — Coloquei minhas mãos na
cintura.
— Porque eu posso, porque eu quis e porque eu vou lhe ensinar o seu
lugar agora.
Capítulo Vinte e Oito
Cora
— Ensinar o meu lugar? Você está louco? — explodi. Diablo riu
sombriamente, pegando uma faixa de corda de uma das bolsas, puxando-a
de forma rude. — Que porra é essa? Vai me bater? Tenta a sorte, idiota.
— Quieta — ordenou, me deixando com ainda mais raiva.
Diablo não estava se importando com as minhas ameaças, ele me
olhou de cima a baixo, quente, faminto. O que queria? Transar ou ganhar
um chute nas bolas?
— Vou te fazer comer toda essa corda — avisei. Parando na minha
frente, segurou meus braços para trás e passou a ponta da língua em meu
lábio inferior. — O que está fazendo?
— Eu te mandei ficar quieta — falou em meu ouvido, descendo a
boca para meu pescoço. O que ele estava fazendo ali deveria ser um crime.
Minhas pernas falharam e senti um arrepio descer por minha espinha de
maneira deliciosa. — Deite-se.
O tom de ordem me deixou tensa, mas obedeci. Deitei no centro da
cama e ele amarrou a ponta da corda na grade. Sem aviso, puxou minha
calça bruscamente pelas pernas, jogando meus sapatos longe. Mordi o lábio,
ansiosa e gritei com o rasgo na minha camisa. Ele a deixou em pedaços,
algumas partes beliscaram minha pele e não me importei.
Debruçando-se sobre mim, segurou meu queixo e me beijou.
— Fico maluco quando você avança em alguém. Dividido entre te
matar por se colocar em risco e ficar orgulhoso pra caralho que minha
mulher bate muito bem. — Chupou meu lábio e gemi baixinho. — É
melhor você aprender o momento de calar a boca, porra.
— Ou o quê?
— Você vai aprender. — Beijou-me novamente, me atiçando.
Aquele era o meu lugar? Amarrada na cama e recebendo bons beijos?
Diablo desceu a boca para os meus seios cobertos pelo sutiã e mordeu
a renda fina, arranhando meus mamilos. Ergui o rosto, observando-o
arrastar a boca pecaminosa por minha barriga, chegando acima da minha
calcinha. Com um sorriso perverso, ele mordeu a parte de seda, chegando-a
para o lado. Abri minhas pernas, sem nenhuma vergonha, oferecendo minha
boceta a ele.
Queria segurar seu cabelo, puxá-lo e estar amarrada apenas
intensificava o quanto aquela chupada estava me enlouquecendo. Ergui o
quadril e Diablo me segurou no lugar. Seria no ritmo dele, ordem dele,
desejo dele. Porra. Meu ventre pulsava. Puxei as cordas, querendo mais,
implorando.
Meus gemidos estavam impossíveis de serem contidos. Eu não quis
me calar. Queria que todos ouvissem o quanto ele era capaz de me
enlouquecer. Gozei, tentando controlar minhas pernas. Afastando-se, sem
me dar tempo, abriu a calça e tirou. Minha mente parecia flutuando em
nuvens, olhei para meu próprio corpo arrepiado e senti a luxúria que
exalava em ondas. Toda a raiva se transformou em tesão.
— Isso vai ser rude e muito bruto — ele grunhiu e, sem me dar tempo
para assimilar as palavras, meteu fundo.
Gritei. Meu doce Jesus!
Segurando minhas pernas unidas, Diablo estava sendo tudo que nunca
foi antes e aquilo era maravilhoso. Não poder arranhá-lo por estar com as
mãos presas tornou a sensação ainda mais intensa.
Aquela posição fazia com que seu pau tocasse em um ponto sensível
que me levava à beira do precipício.
— Você gosta disso, safada? Hum? Esses gemidos gostosos…
— Eu amo seu pau, porra — choraminguei.
— Vire-se. Use os cotovelos como apoio — ele mandou, dando um
tapa em minha bunda que me fez estremecer. Obedeci, sentindo seu corpo
me cobrindo e a boca próximo ao meu ouvido. — Avise-me se for demais.
Puta que pariu. Eu podia sentir todo aquele pau, meus nervos dando
choque, me perdi completamente. O orgasmo me atingiu em cheio. Diablo
me soltou, depois afundou os dedos em minha cintura, estocando
intensamente até gozar.
— Eu não sei o que deu em você, mas, espero que aconteça outras
vezes — comentei, meio sem fôlego, sentando-me na cama.
Diablo riu e me abraçou apertado. Meu coração estava tão acelerado
quanto o dele, nossas bocas se encontraram sem restrições, compartilhando
o beijo gostoso, contemplado de paixão. Deitei minha cabeça em seu
ombro, ainda zonza do sexo, de tudo que havia sido completamente surreal.
— Eu amo você — falou baixinho no meu ouvido.
O meu sorriso cresceu ao ponto de que poderia rasgar a minha face.
— Eu te amo. — Segurei seu rosto, olhando em seus belos olhos
escuros. — Amo tanto que simplesmente sei que é meu par perfeito.
— Minha combinação explosiva. — Esfregou os lábios nos meus.
— Está tudo bem, baby?
— Essa noite vai ser intensa, eu perdi minha cabeça, precisava de
você.
— Estou aqui para sexo alucinante sempre que precisar. — Soltei uma
risadinha e parei, engolindo em seco e procurando me controlar. — Vá lá
fazer o seu papel em proteger esse clube. Estou aqui e vou ficar bem.
— Eu vou surtar se você se ferir.
— A coisa está mais séria do que imaginou?
— Muito. Javier esteve por aqui — falou bem baixinho. — Não posso
confiar em mais ninguém. Priest não dará uma segunda chance.
— Tudo bem, tudo bem. — Acalmei as batidas do meu coração. —
Vamos nos preparar. Sabe que sei me cuidar. Serena e eu somos espertas,
vamos lidar com quaisquer eventualidades e na pior das hipóteses,
entraremos no carro e vamos para um lugar seguro.
— Você me promete que vai pensar em ficar segura ao invés de entrar
na briga?
— Eu prometo. — Fui sincera. Eu sabia que meu instinto era bater,
mas Diablo precisava estar com a mente livre de todo o senso de proteção
que tinha por mim. Seu papel como vice-presidente no clube era mais
importante do que meu sangue quente.
Meus hormônios felizes me ajudaram a conduzir a tensão de vê-lo sair
para fazer coisas perigosas. Eu me levantei, arrumando todas as coisas
rapidamente, tomando um banho ligeiro e me vesti com roupas mais firmes,
armada, com uma faca na bota. Prendi o cabelo e fui até o quarto de Serena.
Ela também estava pronta.
— Priest disse que Nick irá nos buscar na hora certa de irmos para o
carro.
— Javier esteve aqui. — Encostei contra a parede. — E se ele estiver
aqui perto? E se tudo isso for uma armadilha?
— É bem provável que tenha tentado fazer aliados e o ponto é que não
sabemos qual deles pode ter cedido. Esse território pertence ao clube, o
presidente aqui deve lealdade ao Devil’s Ride. — Serena foi para a janela,
observando a rua. — Meu sexto sentido está gritando. Acho que devemos ir
para o carro. Nick é um só…
— E se ele surtar por não nos encontrar aqui?
Ouvimos passos se aproximando e nos preparamos perto da porta.
— Serena? — Nick chamou dando duas batidas ritmadas na madeira.
— Cora?
Peguei minha mochila. Serena foi na frente, entre Nick e eu.
Descemos bem próximos, virando a esquina para a garagem. Estava tudo
silencioso, mas podia ouvir a voz de Priest e a maneira como Diablo riu me
fez querer correr na direção oposta. Serena apertou meus dedos, me
puxando para si. Prometi que não entraria na briga com ele, porque era um
homem que sabia se cuidar.
Entramos no carro e Nick sumiu na escuridão. Os vidros eram
blindados, estávamos seguras ali. De repente, um homem saiu correndo
com fogo nas costas. Saltei no lugar. Serena cobriu a boca, arregalando os
olhos. Nós congelamos ao ouvir os passos e uma risada. Era Diablo.
E aquela risada era tenebrosa e horripilante. Estagnei, sentindo um frio
de medo subir pelas minhas pernas. Era o inferno de Diablo.
— Puta merda, que assustador — Serena falou baixinho.
— Você gostou de trair o clube? — Diablo parou perto dele, que
implorava para que apagassem o fogo. O cheiro de queimado estava
impregnando o carro e Serena fechou os vidros, ligando o sistema de
circulação de ar.
— Leve-nos mais para trás — pedi, ela deu ré e paramos quase do
outro lado do clube.
Diablo sequer se importou, muito concentrado em torturar o homem à
sua frente com o pior que ele tinha dentro de si.
Não conseguia desviar os olhos. Era monstruoso, assustador e sem
alma ver alguém queimar na sua frente e não fazer absolutamente nada.
Mas aquele homem fez alguma coisa para algo maior que a sua existência:
traiu o clube. Fechei meus olhos ao ouvi-lo gritar que só havia dado a dica
das cidades onde existiam mulheres indefesas.
Quando a adrenalina passasse, Diablo ficaria arrasado ao saber que
foram homens de confiança que ajudaram Javier a marcar garotas como um
recado para ele. Todas elas lembravam a mim, por serem loiras, mas para
ele, era como se Javier pudesse machucar sua filha. Ele sentia a dor daquele
Xerife e de todos os pais.
— Puta merda, eu não acredito nisso. — Serena ofegou. — Aquele
Xerife estava certo. Tinham homens do clube no meio. O Devil's Ride
protege os seus e não entrega mulheres inocentes para psicopatas.
Priest bateu na janela, nos assustando.
— Vão para o hotel. Nick estará com vocês. — Ele estava com as
mãos sujas de sangue. Meu estômago embrulhou. — Fiquem atentas. Angel
já está lá.
— Vamos ficar bem — Serena prometeu com tranquilidade, já ligando
o carro.
Nick entrou no banco de trás e deitou, para que ninguém visse que
estava conosco.
Serena acelerou pela estrada escura, sem medo. Eu admirei o quanto
sua aparência não demonstrava a força e a coragem que tinha. Ela era
pequena, delicada, com uma voz suave e sempre calma. Escondia a fera que
vivia dentro dela, alguém entregue ao clube e capaz de tudo para proteger
quem amava.
Ela virou no pátio do hotel e freou. Engatilhei a arma, preparada.
— Nick? Tem muito sangue no pátio — avisei, desesperada.
Angel.
Serena e eu nos entreolhamos, mas a maneira com que ela virou o
carro fez com que o farol iluminasse um canto. Ele estava caído ali, com as
mãos na barriga. Nick saltou, correndo em direção a ele e nós fomos atrás.
— Fui pego de surpresa. — Angel cuspiu sangue, pressionando a
barriga. — Javier deixou um recado antes de ir.
Filho da puta miserável.
— Ele disse que voltará depois, que já causou o estrago que gostaria.
— Angel começou a rir, delirando. — Eu vou matá-lo tão lentamente…
— Eu sei que vai, querido. — Serena passou a mão na testa dele. —
Agora nós vamos cuidar de você.
— Não se preocupe, docinho. Sou um filho da puta que não morre
fácil.
Com tanto sangue escorrendo da barriga dele, eu não tinha tanta
certeza se conseguiríamos ajuda a tempo. O medo estava me paralisando,
mas eu precisava agir. Serena e eu trocamos um olhar assustado e
decidimos o que fazer para salvar a vida de Angel.
Capítulo Vinte e Nove
Diablo
Encostei-me na parede, sentindo como se meu mundo estivesse sendo
engolido. Estávamos na nova clínica da cidade, maior e mais equipada, mas
que ainda não era grande o suficiente para ser considerada um hospital. Só
não precisávamos mais enviar alguns casos para a cidade vizinha. Pierce era
um bom médico. Ele salvou a vida de Priest uma vez, agora a de Angel e
sempre estava disponível para cuidar dos membros do clube.
Priest estava no quarto, ajudando a transportar Angel de uma cama
para a outra porque as enfermeiras não tinham força o suficiente. Eu me
questionei como Coraline e Serena conseguiram levantá-lo para que Nick
pudesse segurá-lo por baixo, sem causar mais danos ao ferimento.
Estive no local. Eu vi a pegada delas, as roupas imundas de sangue e a
mancha enorme em todo o pátio daquele hotel pequeno à beira de uma
estrada pouco movimentada.
As enfermeiras saíram e eu entrei. Foram dois longos e malditos dias.
Angel me deu um sorriso da cama, tirando o cabelo dos olhos e mostrando
o dedo do meio.
— Você está com o fodido olhar de quando me achou na rua, porra. —
Ele soou rouco, cansado. — Estamos ligados pelo resto da vida. —
Apontou para a marca na barriga. — Acho isso sexy.
— Vai se foder, idiota. — Bufei.
Ele abriu um sorrisinho irritante.
— Vou dizer para todas as mulheres que tenho uma marca de chifres
de diabo na minha barriga porque fomos um casal e rompemos. As
mulheres adoram um homem de coração partido.
— Eu vou te matar — avisei, porque ele estava tentando me fazer
perder a paciência só para mostrar estar bem.
— Não vai, não. — Angel continuou sorrindo. — Queria beber um
drinque. Quando serei liberado?
— Você vai respeitar todos os cuidados, seu filho da puta — Priest
falou pela primeira vez desde que entrei no quarto. — Nada de sexo com as
enfermeiras, nada de festa nesse quarto e muito menos bebidas.
— Eu sei me comportar. — Angel uniu as mãos, com uma expressão
que fazia jus ao apelido. Priest colocou a mão na cintura, parecendo um pai
cansado. — Eu juro. Sei que da última vez eu abri meus pontos por ter
convencido a enfermeira a sentar no meu pau sem fazer muito esforço, mas
foi por um estudo clínico. Queria saber se o acidente de moto tinha
danificado meu equipamento. Agora, sei que dessa vez é sério.
Apenas suspirei. Ele era terrível. Não falei nada porque não adiantava.
Cora abriu a porta, espiou o lado de dentro e sorriu, mostrando que estava
com as bolsas de Angel. Ele ergueu as mãos, alegre por ter seu xampu e
pediu que selecionássemos a enfermeira mais bonita para lhe ajudar no
banho.
— Seu banho vai ser no leito. Se controle. — Cora bateu em seu
braço. — Acho que tem tudo aqui. — Ela conferiu e ele abriu a boca. —
Sim, Serena foi na cozinha avisar que você não gosta de sopa de batatas.
— Agora, estão liberados para irem embora. Nick vai passar a noite
comigo, portanto, voltem amanhã. — Angel bateu palmas.
Eu não queria ir embora. Parecia que deixar o hospital me faria perder
o controle, que ele não ficaria bem, mas eu deveria aceitar aquele momento
de descanso e principalmente, poder finalmente conversar com Coraline.
Não sabia o que ela havia enfrentado sozinha com Serena para salvar Angel
e por esse motivo, queria ouvi-la. Já estava acostumado com muito sangue,
ela não.
Cora e Serena foram embora na frente. O clube estava quieto, vazio,
as meninas limpando tudo com o espírito baixo. Priest foi para casa e eu
subi as escadas, entrando no apartamento. Vi uma pequena mala em cima
da cama e meu coração acelerou.
— Aonde você vai?
Coraline saiu do banheiro segurando seus frascos de produto para
cabelo.
— Tomar banho na casa de Serena. — Ela sorriu, terminando de
guardar as coisas. — Quer me esperar lá?
— Ah… a banheira. — Respirei aliviado.
— Estou precisando. Meu cabelo está todo embolado e sinto que
preciso esfregar todo o sangue para fora da minha pele — explicou e eu
apenas a encarei. — O que foi, amor?
— Nada. Foram longos dias. — A abracei bem apertado, precisando
estar naqueles braços mais do que respirar. — Vou com você entrar naquela
banheira.
— Tudo bem, mas prometi a Serena que olharia Peter para que ela
também tivesse um longo banho.
— Sem problemas. Também preciso ficar com aquele pestinha.
De mãos dadas, peguei sua bolsa e atravessamos o terreno entre o
clube e a casa de Priest. Entramos pelos fundos, encontrando Serena dando
o jantar a Peter. Ele estava de banho tomado, amassando uma batata com a
mão. Priest deu a ele uma cenoura, concentrado nos movimentos para
comer.
Subimos para que eles pudessem ter um tempo em família. Cora
deixou a mala no chão e foi tirando as coisas, espalhando-as de modo que
pudéssemos usar. Enquanto a banheira enchia, nos lavamos no chuveiro
com a esponja, tirando toda a sujeira da estrada. Sangue, terra, gasolina e
todo o caos que nos acompanhou na viagem. Ela entornou um pouco de
essência de lavanda na água, fazendo mais espuma.
Entrei com cuidado e me sentei na ponta.
— Posso lavar seu cabelo?
— Eu adoraria.
— Me explique como. Eu uso apenas um tipo de xampu.
Deitei a cabeça dela no encosto, estiquei todo o cabelo e lavei com
cuidado, desembaraçando conforme ela me ensinava. Enxaguei com o
chuveirinho e depois, usei o condicionador. Cora ficou quieta, apreciando,
soltando sons de agrado. Disse para deixar o creme um pouco, embolando
um coque no alto e me convidando para entrar.
Sentei na outra ponta, pegando seu pé e comecei a massagear.
— Angel está bem — ela falou, olhando para o meu rosto.
— Javier não o matou porque não quis.
— Não o matou porque é um covarde. Ele sabia que todo o montante
do clube estava na cidade e escolheu atacar um sozinho só para deixar esse
recado. Ele não tem pressa em te enlouquecer, Diablo.
— Mas eu tenho pressa para matá-lo. — Lavei meu rosto.
— Amor… — Ela mudou de posição, deitando-se em cima de mim.
— Stormi está segura. Javier não faz ideia de que ela sobreviveu ao ataque,
ou ele não estaria atrás de mim ou de você. Isso é o que importa, enquanto
ele estiver focado em nós, sua filha estará segura. — Segurando meu rosto,
olhou em meus olhos. — Nós vamos encontrá-lo.
— Se a porra do clube não tivesse me distraído, eu estaria no hotel e
não Angel.
— Vamos encontrá-lo — afirmou, com muita certeza. — Sem olhar
para o que poderia ter sido feito, apenas no que iremos fazer agora.
Tínhamos dois grandes problemas. Amanda e Javier. Em algum ponto,
eles se encontravam e isso fazia um meio em comum. Nós apenas
precisávamos montar o quebra cabeça. Eu poderia agir com mais clareza
quando conseguisse comprar a maior parte das ações, para que a irmã dela
não tivesse o direito ao escritório do pai. A empresa da mãe não tinha
sócios, teria que ser vendida para que as duas pudessem dividir o valor.
Eu não queria que Amanda tivesse um centavo e tudo isso precisaria
acabar antes da justiça descongelar os bens. A piranha não respondia ao
chamado da justiça.
Sage nos disse que o promotor a chamou mais de uma vez para dar
esclarecimentos, foram descobertas várias tentativas da advogada de
Coraline, baseando-se em brechas na lei e casos em outros estados, para lhe
tirar da cadeia. Todos foram negados. Não fazia ideia se Amanda tinha essa
influência, ou se os inimigos do pai delas simplesmente aproveitaram o
momento.
Eu acreditava nas duas coisas. Quando Sutherland era criminalista, ele
era o demônio na vida de muitos.
— Ainda preciso saber por que meu pai deixou a área criminalista —
Coraline falou baixinho contra o meu peito.
— Sage colocou Cedrick para ler todos os casos do seu pai no ano em
que mudou de área. O ponto principal é a viagem para Aspen.
— Ficamos lá o verão inteiro, eu era muito pequena. Não consigo
lembrar se papai permaneceu o tempo todo. — Cora bocejou, estava na
hora de encerrar nosso banho.
— São muitos processos. Cedrick tem feito boas anotações e até
cruzou com algumas informações pertinentes. No entanto, todos parecem
perigosos… e com motivo. Um deles, a mãe enlouqueceu com a
condenação, matou um paralegal e a assistente da recepção do escritório —
contei e puxei o ralo para a água ir descendo.
— O quê? Isso é horrível! — Ela se afastou, chocada. — E o que meu
pai fez?
— Abafou o caso da mídia e limpou a bagunça para que não atraísse
mais olhos para o escritório. — Acariciei suas costas, acalmando-a.
— É muito difícil pensar no meu pai como esse homem. Eu não o
conhecia. — Sentou-se, abraçando as pernas. — Isso é muito frustrante.
Papai sempre pareceu ético e preocupado, caramba, ele foi de uma carreira
para outra como se fosse nada! Como se pessoas não tivessem morrido…
Cora suspirou e ficou de pé, saindo da banheira e pegando uma toalha.
Ela secou o rosto e foi enxaguar o cabelo, escovando-o debaixo da água.
Terminei meu banho, me vesti e a esperei.
— Podemos apenas descer, ficar com Peter e depois comer uma pizza
com as pessoas que amamos? Depois, eu quero deitar com você, fazer amor
e sentir seus pés nos meus na cama — ela me pediu com os olhos brilhando
de lágrimas.
— É claro que sim. Você merece um tempo de tudo isso.
Assim que ficamos prontos, descemos e encontramos Peter dentro de
sua caixa de brinquedos, jogando tudo para fora. Priest estava filmando e
rindo. Sentei-me no chão, incentivando meu afilhado a fazer bagunça.
Serena deu a Cora uma taça de vinho cheia e nós ficamos ali, curtindo o
bebê enquanto os pais tiravam um tempo.
Peter andou de sua maneira desengonçada em direção a Cora, pedindo
um abraço e ela deu, empolgada, enchendo-o de beijos. A risada dele tornou
tudo melhor. Ele era doce, inocente e nos olhava como se fôssemos as
pessoas mais importantes de sua vida. Sem saber e se importar que o mundo
lá fora era cruel e nós, apesar de não andarmos no lado supostamente certo,
não éramos os piores vilões que caminhavam nessa terra.
Capítulo Trinta
Cora
As semanas seguintes foram inesperadamente tranquilas. Por algum
motivo, eu me perguntei quando aconteceria algo ruim que nos tiraria
daquela rotina alegre. Nós nos preparamos para o Dia de Ação de Graças,
porque todo o clube tinha muitos motivos para agradecer naquele ano.
Priest me deu o aval para fazer compras especiais.
O chefe sabia como me fazer feliz: liberando dinheiro para comprar
comida. Eu estava amando cozinhar e todos adoravam experimentar minhas
invenções culinárias. Meus bolos para o café da tarde sempre eram os
favoritos.
Serena e eu nos divertimos escolhendo perus enormes para dar uma
boa quantidade de comida. Nós fomos ao mercado municipal bem cedo
para acharmos os melhores legumes, carregamos tudo para o carro com a
ajuda de Nick e ao descarregar, lavei, separando e pesando para termos as
porções corretas.
— Eu mataria por uma bebida de abóbora hoje. — Serena suspirou.
— É por isso que te chamam de patricinha — brinquei, descascando
batatas. — Estou com muita vontade de comer um bolo de aniversário,
daqueles bem recheados e gostosos.
— Sabe que é a segunda vez que fala isso? — Serena sentou-se no
balcão, cruzando as pernas e me deu um sorrisinho provocante. — Tenho
um teste de gravidez.
— Não estou grávida.
— Você não toma remédio e contar só com camisinha é furada. — Ela
cruzou os braços, divertida. — Se não quer filhos, precisa se prevenir de
alguma maneira.
— Eu não sei se não quero. — Respirei fundo, apoiando as mãos na
pia. — Diablo é louco por Peter e é mais louco ainda por tudo que não
viveu com Stormi. Ele ama Cedrick incondicionalmente e é um homem
incrível, fico pensando o quanto seria bom para ele ter filhos.
— Ele engana com esse jeito seco e irritado, mas é um homem
maravilhoso para o meu filho e sei que será um pai ainda mais foda. Priest
me surpreende todos os dias, ele tem habilidades surreais com Peter e eu
fico maravilhada, sabe? Meu pai, um homem rico e estudado, nunca foi
nem metade do que Priest é com os filhos. — Serena cruzou as pernas com
um ar sonhador. — Eu não me arrependo da maternidade. Peter trouxe
alegria e um amor inexplicável, mas é uma entrega. Uma vida em que eu
vivo ao redor dele. Claro que eu tenho muita ajuda, posso sair, beber até
mais tarde, porém, toda responsabilidade é minha e do pai.
— Sou nova, vivi presa e depois, perseguida pela minha irmã. E aí, eu
fico rodando sobre ser isso muita responsabilidade, sobre querer ou não por
causa de tantas coisas e no fundo, eu penso: preciso de tanto? Tenho tudo
que nunca tive aqui.
— Cora… — Serena me segurou e eu parei de andar pela cozinha. —
Só existem duas pessoas que podem decidir ter filhos. Você e Diablo. O
restante? Fodam-se.
Dei a ela um sorriso, vendo que estava tendo um ataque praticamente
à toa. Nós ouvimos o som alto e um carro parando, ela sorriu e desceu,
empolgada. Saindo rapidamente, correu para os braços de Cedrick.
— Estou com o carro cheio de processos e pesquisas, mas cheguei
com bebidas da cidade. Tem que esquentar um pouco. — Ele tirou uma
caixa do Starbucks do carro.
— Por favor, me diga que tem cookies. — Agarrei o saco de papel.
— Calma, loirinha. — Cedrick riu e tirou uma caixa com doces, bolos
e cupcakes. — Meu padrinho mandou trazer. Disse que a mulher dele não
parava de falar de bolos.
— Meu Deus! — Minha boca salivou como se eu fosse desmaiar.
Peguei a caixa e voltei para a cozinha, abri e mordi o primeiro
cupcake que achei. Delicioso. Aquela massa e recheio, impossível
reproduzir. Serena e Cedrick riram, esquentando as bebidas, o cheiro de
abóbora logo tomou conta da cozinha. Diablo apareceu e me pegou no meio
de uma segunda mordida, sujei meu buço com creme.
— Você é maravilhoso — falei de boca cheia.
Seu olhar ficou indecifrável por um tempo.
— Isso foi apenas para que pare de resmungar sobre bolo na minha
cabeça antes de dormir. — Ele beijou minha testa. — Satisfeita, amor? —
questionou mais baixo.
— Oba! Bolinhos! — Angel apareceu, andando com a mão na barriga.
Priest estava logo atrás dele, nos olhando com diversão.
— Como foi a caminhada? — Serena estava com o nariz sujo de
chocolate. Priest limpou e lhe deu um beijo. — Fui contaminada pelo
desejo da Coraline.
— Sem mais desejos para você — Priest brincou, mas o olhar não
parecia de alguém que ficaria muito triste se a esposa estivesse grávida
novamente. — Está feliz agora, Cora? Vai parar de nos infernizar sobre
fazer uma festa de aniversário?
— Eu vou parar. Obrigada por trazer tudo isso, Cedrick.
— Não foi nada. — Ele terminou sua bebida e agarrou um donut. —
Eu vou comer isso aqui e vou para o escritório. Estou com muitas coisas
para fazer.
— Vão precisar de ajuda na cozinha hoje? — Diablo me abraçou. —
Nick me disse que trouxeram muitas coisas. Teremos quantos convidados?
— Todas as famílias do clube confirmaram. Será uma noite mágica,
eu tenho certeza disso e merecemos depois de tudo o que aconteceu. —
Serena estava exultante de alegria. — Ah, eu tenho que ligar para a empresa
dos brinquedos. Contratei algumas diversões para distrair as crianças
enquanto os pais comem.
Todo mundo se dispersou para seus compromissos e eu continuei na
cozinha, com uma lista de itens para fazer, um jantar imenso para preparar.
Diablo ficou encostado no balcão, mexendo em seu telefone, me
observando trabalhar. Ele me ajudava a pegar coisas pesadas, roubando
alguns beijos no caminho. Nós dançamos abraçadinhos quando uma música
romântica começou a tocar.
— Se você pudesse fazer um pedido de ação de graças hoje, o que
seria?
— Eu pediria a Coraline Sutherland para ser minha esposa — ele
respondeu baixinho. — Quero que ela use um vestido branco bonito e diga
sim para mim.
Eu parei, respirando fundo e abri minha boca em choque, começando
a rir.
— Você está me pedindo em casamento?
— Já tem meu nome tatuado no seu ombro, falta em uma certidão,
além do mais, você pode sempre dizer que sim logo para acalmar a minha
agonia, porra. — Esfregou o nariz no meu, ainda dançando comigo.
— Faça a pergunta — pedi, sem desviar os olhos dos dele.
— Coraline, aceita ser minha esposa?
— Eu aceito. — Fiquei na ponta dos pés e o beijei.
Diablo riu e me rodou pela cozinha. Ao me colocar no chão, abraçou-
me apertado. Ele enfiou a mão no bolso e de dentro de um saquinho de
veludo, tirou uma aliança que parecia estar ali há um tempo.
— Desde quando está querendo me pedir em casamento?
— Há alguns dias. Eu pensei em vários momentos, até mesmo quando
caminhamos na praia, mas todos me pareceram piegas e idiotas. Nada como
nós.
— Aqui foi bem melhor. — Ergui minha mão e ele colocou o anel. —
Ficou perfeito.
A pedra era um pouco azulada, linda e eu sabia o que significava. O
oceano. Eu tinha medo do mar. Não chegava perto da beira quando ia à
praia, mas entendia o significado. Foi ele que nos uniu da maneira mais
assustadora possível, escolhida pelo destino, porque não havia nada no
mundo que me tirasse dos braços do homem que eu amava. Incrivelmente,
ele me amava muito de volta.
— Serena me ajudou com o tamanho, mas fui eu que escolhi — ele
soou orgulhoso.
— É lindo. Estou apaixonada. — Beijei-o repetidamente. — Eu te
amo.
— Estou louco para ser seu marido legalmente.
— Em todo restante, você já é. Exceto quando foi um cuzão querendo
que eu lambesse o chão que você pisa.
— Mulher, mulher. — Ele apertou minha bunda de um jeito rude. —
Já sabe que aqui você cozinha, lava e passa. Tanto que está na cozinha,
preparando o jantar de ação de graças para todos.
— Eu vou enfiar uma cenoura em um lugar que…
Diablo me beijou para calar minha boca, tentando não rir e falhando
muito. Ele escondeu o rosto no meu pescoço. Serena e Priest voltaram para
a cozinha e eu gritei, mostrando meu anel, como uma mulher boba e sem
preocupações que só precisava pensar em vestido de noiva e decoração.
Serena gritou comigo, me abraçando e eu a belisquei por esconder aquele
segredo de mim, mas estava perdoada. Priest já sabia, eu não ficava
ofendida com a relação deles, sem segredos e eternamente juntos.
— Agora tem todo o motivo do mundo para ter um bolo com recheio.
— Serena e eu continuamos abraçadas. — Pedi para Cedrick trazer todos os
sabores do catálogo para casamento, assim você ia matar seu desejo e ao
mesmo tempo, escolher o sabor.
— Você é uma rata sorrateira.
— Apenas quando a ocasião pede. — Ela estava muito feliz por nós.
— E Cedrick com aquele ar de menino inocente sabia de tudo? —
Coloquei minhas mãos na cintura.
— Todo mundo estava empenhado em te pegar de surpresa. — Diablo
mordeu o lábio.
— Acho que tenho mais um motivo para agradecer esse ano! —
Continuei mostrando minha aliança com um sorrisinho alegre.
Eu nunca havia cozinhado em datas comemorativas. Na cadeia, tinha
um menu especial e normalmente, eu cedia meu prato por nunca me
importar muito em comer tudo. Aquele ano tinha um sabor diferente. Meus
pais costumavam preparar uma festa muito chique, com um menu caro,
muitos pratos, chef especial e garçons fazendo todo o serviço. Ali, em uma
grande família, arrumamos a mesa, eles me ajudaram com as vasilhas
pesadas e nos divertimos com música e drinques especiais da Coconut.
Não estava com o melhor vestido. A aliança que usava era a coisa
mais cara que tinha no corpo. Meu vestido cinza ficou respingado de
comida e meu cabelo embolado no alto. Depois de tudo pronto, me
empenhei em estar arrumada e digna das pessoas que escolheram me
acolher. Mais uma desconhecida que chegou a Del Ride precisando de
ajuda e eles não hesitaram.
Ali eu encontrei um lar, amigos e um amor para a vida toda.
Capítulo Trinta e Um
Cora
Era meio da noite e eu não conseguia dormir. Deitada de lado, olhei
para minha aliança e foi o único motivo que me fez abrir um sorriso. Diablo
virou na cama, me abraçando e eu sorri mais ainda. Como ele conseguia
sentir sempre que precisava do abraço dele? Beijando meu ombro,
perguntou baixinho porque eu estava acordada.
— Comeu demais no jantar? — Levou a mão para a minha barriga,
dando um tapinha e dei-lhe uma cotovelada.
— Não. — Soltei uma risadinha. — Perdi o sono, isso sempre
acontece quando deito cedo demais. Não te vi chegar. Foi tudo bem no
clube?
— Tudo bem nos negócios, só fechamos a oficina um pouco mais
tarde. Ficou na cama lendo?
— Os aspirantes ganharam o incrível direito de lavar toda a louça
quando terminei a comida. Serena e eu jogamos cartas, mas Peter ficou
irritado e ela o levou para dormir. — Virei e o abracei, me escondendo
completamente com a coberta e com ele. — Tomamos uma garrafa de
vinho. Deve ser por isso que não te ouvi entrar.
— Vocês duas estão secando a minha adega — ele falou baixinho.
— Somos casados. Tudo que é seu, é meu.
— Falta a festa.
— Em alguns dias, bobo. — Soltei um bocejo, sentindo os olhos
pesados novamente.
Diablo cantarolou para me fazer voltar a dormir. Eu continuei
abraçadinha a ele, na delícia que era dividir a cama. Serena e Priest viviam
brigando por espaço. Diablo e eu poderíamos dormir em uma cama de
solteiro, de tanto que gostávamos de ficar junto, aquilo só me fazia pensar
no quanto cada casal encontrava a sua maneira de ser feliz e conviver a
dois. Tanto que, apesar de não brigarmos pela cama, brigamos pelo cardápio
do casamento e até mesmo pela decoração, porque o senhor gourmet tinha
uma opinião sobre tudo.
Era uma festa pequena, para os membros do clube, Sage e a família.
Não havia a mínima necessidade de estarmos nos desentendendo.
Felizmente, ele era bem mais paciente com nossas brigas, talvez por ser
mais velho e mais maduro. Eu não queria ser madura, apenas agir conforme
a minha idade e ele que lidasse com aquilo.
Ninguém mandou casar com uma mulher mais nova.
Meu vestido foi encomendado na internet e não era de noiva, apenas
branco, talvez meio bege. Era longo e bonito, porém, nada aparentando ser
de casamento. Eu queria algo bonito, que combinasse comigo e não fosse
muito chamativo ou bufante. Refletindo sobre o passado, nunca pensei no
meu casamento. Nem sonhei com o grande dia quando era uma garotinha,
eu era focada no futuro, nos estudos, não no príncipe encantado.
Saí da cama cedo e me arrumei para o café da manhã na lanchonete. A
maioria dos membros tinha virado a noite nos negócios, eles se reuniam
como tradição e eu me deliciei com ovos e bacon.
— As panquecas daqui nunca deixarão de ser deliciosas. — Angel
pegou um bocado. — As suas são melhores, não me olhe assim. — Ele
piscou para mim.
— Não estou com ciúme. É deliciosa, vocês não estavam mentindo.
Deve ser a baunilha. — Cortei mais um pedaço, arrastando no molho. —
Preciso descobrir o segredo. Será que elas me contam?
— Duvido muito. — Serena riu, roubando o meu último pedaço. —
Embora eu deteste cozinhar, já usei todos os meus dons para convencer
Tina e ela simplesmente finge que eu não existo.
— Diga que Angel vai deixá-la sentar no pau dele, que ela conta. —
Priest riu com Diablo.
— Sai fora, porra. Acabei de colocar um piercing no meu pau, não vai
ser com a boceta velha da Tina que vou estrear. — Angel fez o sinal da
cruz, arrepiado. Eu cuspi meu café, engasgando. — Qual é o problema de
ter uma joia no meu melhor amigo?
— Você nunca vai crescer, caralho? — Diablo bufou, dando tapinhas
nas minhas costas. — Ele não avisa quando vai soltar essas merdas.
— Um piercing? Lá? — Serena arregalou os olhos. — Por quê?
— É exótico. Tenho chifres de diabo na barriga, uma argola no pau,
falta uma tatuagem diferente. Topa? Vai desenhar em mim, não vai?
— Eu vou, agora, cale a porra da boca — Diablo grunhiu.
— Vai tatuar o pau dele? — Priest fingiu puro choque.
— Claro que não. Ele quer uma tatuagem na barriga, para cobrir a
cicatriz da facada. Vou fazer quando Pierce liberar. Ainda é cedo demais.
Angel apenas sorriu. Ele já tinha causado caos o suficiente e
perturbado Diablo ao ponto de parecer alterado. Apertei sua coxa para que
ficasse calmo e relaxasse. Cair na pilha toda vez que os amigos dele
abrissem a boca o faria infartar antes do tempo. Eu ri de sua expressão meio
irritada, o senso de humor escorrendo pelo ralo.
— Que tal levarmos Peter no parquinho enquanto o sol está mais
forte?
— Vamos — Serena concordou e saímos dali rapidamente.
Voltamos de carro e ela parou na garagem de casa, fizemos silêncio
para não acordar Cedrick. Ele estava com pendências no escritório do tio e
ainda por cima, fazendo a pesquisa para Diablo. Peter acordou feliz,
observá-lo olhar para a mãe com amor, erguendo os braços e pedindo um
abraço, me trouxe um quentinho ao coração. Aquele amor era inigualável.
— Ah, caralho! Puta que pariu! — Cedrick gritou de seu quarto e
ouvimos alguma coisa cair. — PAI! PORRA! — Ele abriu a porta e saiu
correndo.
— O que foi, garoto? — Serena gritou com ele, segurando Peter.
— Você! — Cedrick me agarrou. — Vem aqui! Liga para o meu pai,
chame todo mundo! — falou com Serena, com os olhos arregalados.
— O que está acontecendo, Cedrick? — questionei ao ser rebocada
para o quarto dele.
— Eu acho que descobri tudo. — Ele levou as mãos à cabeça. — As
fotos, eu preciso achar as fotos da piranha da sua irmã — murmurou,
revirando as folhas, gaguejando que havia descoberto tudo.
— Ele está precisando dormir, eu acho — falei com Serena. Ela estava
com a mesma expressão preocupada e assustada que eu, enquanto Peter ria
com dois dedos na boca, olhando o irmão com muito interesse.
— JOIAS! É isso que liga vocês duas! — Ele berrou, apontando entre
nós. — Joias da mãe de Serena nos brincos de Amanda.
Catando as fotos, ele bateu em uma do dia em que voltei para casa.
Amanda estava exuberante, com joias que, segundo ela, foram um presente
do namorado. No entanto, os brincos faziam parte das fotos que foram
recuperadas do esconderijo do padrasto de Serena, como uma espécie de
catálogo.
— Essas joias nunca foram encontradas e perdemos o rastro — Serena
comentou, meio que em choque. — Amanda está com as joias da minha
mãe. Esse dinheiro me pertence!
— Como seu padrasto lunático e minha irmã psicopata têm algo em
comum?
— Santiago. — Serena respirou fundo. — Gary deve ter dado algumas
joias a Santiago em troca de informações na época. Santiago deu à sua irmã
e ela usou como um prêmio na frente de todos.
— Não é só isso. — Cedrick pegou outros papéis. — Eu anotei aqui,
olha. Falei com meu tio. Lembra quando buscamos os documentos da
fundação das empresas nas Bahamas e nunca encontramos o advogado
citado?
— Eu lembro mais ou menos. Nós não nos aprofundamos nisso —
Serena soou sem graça.
— São vários nomes falsos. Vários advogados com registros falsos,
alguns já até morreram. Até fui na lápide de um deles para ter certeza. —
Cedrick pegou uma pilha de processos. — Esses advogados, todos eles,
receberam fundos de trabalhos feitos. Inclusive, da sua mãe, Serena.
Seguindo o rastro do dinheiro, eu chego a uma empresa de um único sócio.
— Cedrick olhou para mim. — Archie Sutherland. Eu acabei de descobrir
isso, minha busca acabou de dar o resultado.
— Esse é meu tio e ele… desapareceu há anos. Meu pai nunca fala
dele. Foi antes do meu nascimento e eu nem sei se ele foi dado como morto,
sei lá — gaguejei, ficando de pé. — Tem como saber o que aconteceu com
ele? Eu sou péssima, nem lembrava da existência dele.
— Seu pai deve ter feito de tudo para que as pessoas esquecessem do
próprio irmão, para que ele pudesse agir em ilegalidade. — Serena colocou
Peter no chão. — Ele nunca deixou os negócios antigos. Apenas mudou o
nome e disfarçou seus atos. E por quê?
— E como meu pai trabalharia para sua mãe?
— O clube. Eles eram sócios do mesmo clube — Serena refletiu,
mordendo a pontinha da unha.
— Eu só não entendi ainda. Todos os casos não são exatamente
ilegais, ele estava trabalhando e acumulando informações. — Cedrick parou
um pouco. — Eu tenho todos os processos aqui, tirando aberturas de
empresas em paraísos fiscais, ele acessava casos criminais…
— Casos criminais? — insisti quando ele parou de falar. — Casos que
envolvem drogas? Amanda descobriu isso. Ela sabe que papai estava
envolvido de alguma maneira e há alguma coisa entre as joias e a tatuagem,
que ela usou como chantagem. Papai pediu para morrer. Ele estava
desesperado por um segredo que deveria levar para o túmulo.
— Eu sinto muito, Cora. — Serena me abraçou. Eu queria chorar só
de lembrar o olhar dele, implorando, e o quanto foi difícil pedir para Diablo
matá-lo. — Agora faz todo sentido o quanto seu pai implorou pela morte.
Ele sabia de alguma coisa importante que sua irmã queria, temos que
descobrir o que é antes dela.
— Coitado do meu pai. Eu nunca soube quem ele era de verdade… —
Deitei minha cabeça em seu ombro. — E ainda assim, parece simplesmente
horrível escolher a morte do que se render à tortura da própria filha.
Alguém que ele amava e confiava.
Qual seria a verdade por trás de tudo aquilo? Como meu destino e o de
Serena estavam intrinsecamente ligados? Eu já sabia que não fui jogada
naquela praia com a tatuagem no braço por coincidência, mas talvez não
fosse apenas por Diablo. Tinha tudo a ver com Serena também.
O que Amanda sabia?
Capítulo Trinta e Dois
Diablo
Coraline vestia um short curto, botas e uma camiseta que roubou do
meu armário. Andava na minha frente, rebolando e sorri, porque amava
aquela bunda. Eu não era o único hipnotizado naquele rebolar, mas todos
sabiam que ela me pertencia. Ela era minha da cabeça aos pés. Olhando
sobre os ombros, me deu um sorriso lindo e voltou para a frente, enfiando o
pirulito na boca.
Encostou no carro em frente à oficina, cruzou as pernas e seguiu
chupando a bola doce e rosa. Parei na frente dela, segurei-lhe o queixo e a
beijei.
— Adoro seu beijo possessivo — ela murmurou contra meus lábios.
— Eu sei que você fica louca. — Mordi seu lábio. — Comporte-se,
baby. Eu já volto.
Cedrick estava jogado no sofá do escritório do pai, Priest atrás da
mesa ligando o notebook e nós estávamos esperando Sage ligar para dar
alguma notícia com relação às descobertas do meu afilhado. O moleque era
um gênio. Do alto, fiquei de olho em Cora e ao mesmo tempo, com a mente
correndo para todo o lado.
Sutherland tinha algo bom e isso era um fato. Ele sabia que não
conseguiria não contar para Amanda caso fosse torturado. A maldita
descobriu alguma coisa, ambas as teorias eram boas. Se ele estava em posse
das joias de Serena, que Gary não conseguiu pegar, era muito dinheiro.
Qualquer um mataria por aquilo, era uma matemática simples que estava
acostumado a lidar. Pessoas ambiciosas faziam qualquer coisa para ter uma
grana fácil.
E se Sutherland tinha informações importantes sobre pessoas
perigosas, era um dossiê. Valia muito mais que dinheiro.
— Faz uma nova tatuagem em mim hoje? — Cedrick pediu e o
encarei. — Eu mereço. Descobri muitas coisas importantes ontem.
— Quer o seu pagamento em forma de tatuagem? — Priest cruzou os
braços.
— Não. Quero meu pagamento e uma tatuagem. Qual é, pai. Eu vou
sair com uma garota quando voltar para a cidade e preciso ter grana na
conta.
— Está saindo com alguém fixo? — Quis saber. Ele não tinha se
envolvido sério com ninguém depois da morte de Suzie e não parecia
pretender.
— Não. É só uma garota, mas eu pago as contas. — Deu de ombros,
como se não fosse nada de mais. — E eu não quero uma namorada, apenas
sexo, e as meninas sabem disso.
— Use camisinha. Eu não quero ser avô — Priest falou sério.
— Nem quero te acompanhar no hospital porque seu pau está podre e
caindo — adicionei com uma risada.
— Não quero engravidar ninguém. Essa coisa de ser pai meio que
morreu depois que a peste do meu irmão nasceu. — Cedrick começou a rir.
— O moleque dá muito trabalho, porra.
— Ele dá muito menos trabalho do que você, o que significa que só
vai piorar daqui pra frente. O importante é que tem muita saúde para
esbanjar. — Priest ficou de pé. — Sage está ligando. Essa parte é toda sua.
Sentei-me na cadeira, ansioso, mas não havia muitas novidades ainda.
Claro que saber sobre a vida secreta do Sutherland abriu um leque de
opções e novos caminhos para investigarmos. A única coisa boa era que
Coraline e eu éramos os novos sócios majoritários do escritório do pai dela,
com isso, era só liquidar a empresa e começar o processo de venda logo que
Amanda morresse.
Também podíamos impedir o acesso dela, bloquear os arquivos e os
casos ativos seriam passados para outros escritórios, assim como os
funcionários. O prédio seria completamente esvaziado em algumas
semanas.
— Sutherland não deixaria as informações sigilosas e as joias longe,
ele nunca desviava das rotas comuns e estava sempre no escritório. Se
existir alguma coisa a ser encontrada, está lá dentro, em algum lugar.
Precisaremos começar a procura quando não tiver mais ninguém por ali.
— Sage recostou na cadeira. — É uma pena ver um negócio acabando.
— Ele morreu, tudo era centralizado nele, isso aconteceria cedo ou
tarde. Coraline não tem interesse em continuar com os negócios dos pais.
— Santiago sabe que estamos atrás de sua amante e ele simplesmente
deu de ombros. Está no México com a mulher doente. Qualquer coisa que
Amanda fizer, ela está com aliados que conquistou por conta própria. Tudo
que precisamos fazer é tirá-la do cerco de proteção dele — Sage esclareceu
e lhe dei um aceno. — Estive com King. Ele não deu detalhes, disse que
tem associados que talvez possam nos ajudar se tiverem interesse e acho
que estava falando da máfia italiana.
— Muitas organizações perigosas envolvidas sempre dá merda, porra.
Vamos fazer isso sozinhos, sem atrair atenção — Priest falou do sofá e
concordei.
— Vou voltar para minhas pesquisas e estarei aí a tempo de celebrar
o casamento.
— Não se atrase.
— Eu não vou perder isso, não se preocupe. — Sage sorriu e encerrou
a ligação.
Cedrick saiu, ciente de que eu precisava falar com o pai sem que
ouvisse o assunto e ficou do lado de Cora. Eles começaram a conversar.
— Há um grupo dos Malignos se agrupando ao sul da nossa fronteira
— avisei a Priest. — Estou ficando irritado com o quanto eles estão
conseguindo ganhar recursos.
— Vamos acabar com eles antes que consigam fazer qualquer coisa —
Priest determinou. — Reúnam os homens. Vamos deixar Serena e Coraline
em casa, em segurança. Diga a Angel para separar todo o equipamento e
cara… sem muitos incêndios. Foi difícil disfarçar aquele monte de corpos
queimados.
— Eu não sei se posso prometer isso. — Encolhi os ombros.
— Filho da puta. — Priest riu e pegou as chaves. — Tenho que ir
embora.
— Leve Coraline para casa, vou fechar a oficina.
— Certo. Elas querem fazer um jantar de casais, seja lá o que essa
porra signifique, esteja em casa para jantar. — Ele saiu batendo as botas
pesadas na escada de ferro.
Priest era bruto como um muro de concreto. As meninas queriam a
porra de um enfadonho encontro duplo porque mulheres quando se unem,
querem fazer coisas juntas. Serena era muito reservada em sua vida com
Priest, ela adorava as meninas do clube, mas não se abria. Quando Coraline
chegou, levou pouquíssimo tempo para que elas ficassem unidas como
irmãs.
Em alguns momentos, era irritante pra caralho, em outros, ficava
aliviado que Cora tivesse alguém para conversar e fazer coisas de menina
das quais eu não tinha a mínima paciência. Elas falavam muito e riam na
mesma intensidade. Era bom que a mulher da minha vida tivesse afinidade
com a esposa de Priest, porque nós dois éramos irmãos e nada iria nos
separar.
— Fala aí. — Angel entrou no escritório. — Três carros prontos. Nick
vai ficar para entregar aos clientes, todos já pagaram.
— Ótimo. Vamos fechar cedo?
— Liberado. Louco para tomar um banho. — Ele passou a mão no
cabelo. — O pestinha do Peter me sujou de purê de batata quando ficou
aqui.
Falei com ele para preparar um bom material para lidarmos com os
Malignos em uma viagem nos próximos dias. Terminei de fazer a
contabilidade do dia, separando as notas frias e fechei o escritório. Cora me
enviou uma foto de si mesma, pronta para o jantar. Gostosa pra porra…
estava com muita pressa para chegar em casa.
Angel e eu saímos juntos, fazendo um barulho bastante ruidoso na rua
só para irritar as vizinhas senhoras de idade. Elas sempre nos xingavam. Eu
ri e respondi o palavrão delas com meu dedo no meio, acelerando pelas
ruas. Era uma ótima coisa que o nosso canto da cidade fosse reservado para
nossas bagunças. Não ter vizinhos era uma maravilha.
Subi para o apartamento e Cora estava sentada na cama, passando
creme nas pernas com muita empolgação. Ela não parou de falar desde o
minuto em que passei pela porta, ficou no banheiro tagarelando e me
seguindo no outro quarto para me vestir. Ela me causava uma loucura
quando resolvia falar demais.
— Você está ligada nos duzentos e vinte volts.
— Essa coisa toda que Cedrick descobriu me deixou triste de
primeira, mas hoje eu acordei com tanta esperança. — Ela me abraçou,
dando um suspiro de felicidade. — Já não me importa agora que eu não
conhecia meu pai. Eu tive uma ideia.
— Que ideia? — Acariciei seu rosto.
— Na cadeia, por um ano, fui próxima de uma garota. Sei que é clichê
ela ser latina e estar automaticamente relacionada a Santiago, mas você
disse que o cartel associado aos King não vive aqui na América. Eles estão
no México. — Ela ajeitou uma ruga da minha camisa.
— Segundo a informação que temos, sim. Por quê?
— Ela me deve alguns favores e podemos pagar por outros. E se a
procurarmos em Los Angeles? Sei onde a família dela mora, ou a região.
— E o que falaremos com ela, Cora?
— Priest me contou sobre a reunião com Sage. E se causarmos uma
ruptura na proteção de Amanda dentro do cartel? Ok que Santiago não vai
expulsar a amante, mas e se os homens dele deixarem de apoiá-la? E se
mostrarmos que eles podem ganhar mais ficando fora dessa briga? — Ela
ergueu o olhar, me fitando com intensidade. — Vocês disseram que eles não
possuem lealdade e nem laço de amizade, é tudo sobre dinheiro. Serena deu
a ideia que se encontrarmos as joias, teremos muitas coisas valiosas para
oferecermos. Tudo que eu quero é Amanda.
— E como sabe que pode confiar nela? Não está mais na cadeia.
— Não sei, mas é uma opção de jogo. Eu não vou desistir, Diablo.
Não vou parar até que Amanda pague por tudo que fez com a nossa família
— ela soou firme e concordei, entendendo o sentimento. Por esse motivo,
eu disse que iria pensar.
Não era fácil para minha natureza protetora aceitar qualquer situação
que Coraline pudesse ficar em risco. Com um sorriso, segurou meu rosto e
me beijou. Empolgada, pegou minha mão e me levou para o lado de fora,
querendo jantar e conversar a noite inteira. Em poucos dias, ela seria minha
para sempre, na lei de Deus e dos homens. E aquele era o único momento
da minha vida pelo qual realmente me sentia cheio de ansiedade.
Capítulo Trinta e Três
Cora
Serena soltou a saia do meu vestido e deu um passo atrás, levando as
mãos à boca, orgulhosa do trabalho de me arrumar para o dia do meu
casamento. Pink fez o meu cabelo, já que estava acostumada a lidar com
cachos e eu não queria alisar nem mesmo para um dia especial. Diablo se
apaixonou por mim com a juba quase indomável. A maquiagem foi feita
por Coco e depois, fiquei sozinha com minha madrinha e única
companheira que estava se tornando a melhor amiga que uma garota
poderia ter.
— Sei que gostaria da sua mãe aqui — ela falou com pesar.
— Minha mãe nunca estaria aqui se eu estivesse me casando com
Diablo. No entanto, não consigo imaginar outro homem que me faria tão
feliz em se tornar esposa. — Eu a encarei pelo espelho. — Por mais
doloroso que seja, esse é o meu destino e é o certo.
Se fosse em outro momento da minha vida, meu cabelo estaria
cuidadosamente escovado com um penteado elegante. O vestido seria um
modelo exclusivo de alguma marca de luxo, assim como os sapatos. Cada
detalhe do casamento seria pensado para exibir o poder do sobrenome da
minha família e o quanto meus pais eram ricos.
Aquele casamento era diferente. Na sede de um clube de motos, com
as mesas e cadeiras decoradas com toalhas de mesa de linho que escolhi na
internet e só vi quando chegou. Vasos de flores encomendadas na única
floricultura da cidade. Toda comida preparada por nós e não por um buffet
chique. Os aspirantes seriam os garçons, os doces eram as únicas coisas
mais caras do serviço.
— Você está linda, Cora. Seu rosto exala felicidade, seu olhar está mais
leve. É como se a garota arisca com muito medo finalmente encontrasse o
seu lugar. — Serena olhou em meus olhos através do espelho e me abanei,
precisando conter a vontade de chorar. Agradeci com um sorriso, porque era
verdade. Ela pegou um saquinho de veludo em suas coisas. — Priest e eu
queremos dar um presente. Diablo me deu um belíssimo par de brincos no
dia do meu casamento e desde que cheguei aqui, depois que superou a
desconfiança, ele me tratou como um irmão amoroso e protetor.
— Ele é muito desconfiado, não é? — Soltei uma risada, lembrando
que só acreditou em mim porque viu em meus olhos que eu não estava
mentindo. — Estou casando com um homem que grudou o cano da arma na
minha cabeça.
Serena soltou uma risadinha. Ela ainda jogava na cara dele o porão
horripilante que eu não pisava se não fosse necessário. Diablo gostava de
ficar ali para pensar, com todas aquelas marcas nas paredes, enquanto eu
ficava maluca na ponta da escada, esperando-o terminar de concluir seus
pensamentos.
— Ah, ele também te salvou do mar, cuidou de você na estrada e
explodiu sua casa para que pudessem fugir. Não é de todo ruim. — Ela me
abraçou e nós rimos. — Caramba, um terapeuta nunca pode nos ouvir ou
seremos amarradas em camisas de forças. Vem, vamos te casar e depois,
beber muito! Hoje eu vou deixar a noiva louca!
— Mais? — Cedrick parou na porta. — Está linda, Cora!
— Veio nos buscar? — Serena questionou, animada.
— Meu padrinho está criando buracos no chão. — Ele revirou os
olhos.
— Nunca vi homem mais ansioso para casar do que ele. Bom, estamos
prontas, vamos! — Serena pegou os buquês.
Priest e Serena eram nossos padrinhos na lei, na igreja e na cerimônia.
Angel faria a celebração, nós já estávamos casados na prefeitura, aquilo era
mera formalidade e um momento para nossas fotografias. Não estava
nervosa e muito menos com medo. Tudo que sentia era felicidade. Um amor
sem igual crescia por Diablo a cada novo dia, porque ele era companheiro,
amigo e principalmente, protetor. Seu abraço me fazia sentir a mulher mais
segura do mundo e expulsava meus medos.
Serena atravessou o pequeno tapete vermelho, alugado para a ocasião e
com a música, andou até Priest. Diablo e Angel me esperavam no
lindíssimo arco de flores. Eu sorri e acenei para o meu marido, que estava
perfeito em seu colete de gala branco com dourado, usando preto por baixo.
Segurei o braço de Cedrick e, confiante e juntos, caminhamos.
— Aqui está, padrinho. — Cedrick me entregou a Diablo.
— Obrigado, meu filho. — Eles se abraçaram rapidamente com
clássicos tapas fortes nas costas. Cedrick parou ao lado do pai, que segurava
Peter. O bebê me deu um sorriso e eu sorri. Tão foto.
— Você está perfeita. — Diablo segurou minhas mãos.
— Vamos começar. — Angel ajeitou a gravata que colocou por baixo
do colete. Ele me deu uma piscadinha. — A noiva está muito linda, não
acham?
— Eu ainda tenho o direito de te dar um soco, mesmo sendo o
celebrante — Diablo murmurou, me fazendo rir e belisquei seu braço para
que não ameaçasse Angel.
Nossa cerimônia foi doce, divertida e no tempo o suficiente para ser
incrível. Fiquei surpresa que Angel se empenhou em dizer algo bonito para
nós dois e não apenas muitas piadas que me fariam querer matá-lo. Ele nos
declarou marido e mulher e beijei a aliança do meu marido, onde ele havia
tatuado a letra C dias antes. Mesmo com saltos, fiquei na ponta dos pés e
joguei meus braços por seus ombros.
— Eu te amo… — falei contra seus lábios, ele apenas sorriu e me
beijou daquela maneira possessiva e dominante. — Caramba.
— Quer pular para a lua de mel? — provocou-me e fomos
interrompidos por uma chuva de pétalas de rosas brancas.
Viramos para os nossos convidados e ergui nossas mãos, muito feliz,
incapaz de me conter. Abraçamos nossos amigos. Serena me apertou, dando
pulinhos.
— Seja bem-vinda à vida de casada, diabo loiro. — Priest apertou meu
ombro e Peter quis vir no meu colo.
— É agora que toda a parte divertida realmente começa — Serena
brincou.
Angel pegou o champanhe, reuniu a todos e estourou, servindo nas
taças. Eu queria cortar o bolo enquanto ainda estava arrumada, porque sabia
que quando a bebida e a bagunça começassem, estaria destruída. Diablo
havia sido previamente avisado que eu desejava ter um álbum de casamento
e por isso, não se opôs em fazer as milhares de posições que Cedrick nos
colocou próximos da decoração e também do lado de fora. Collins, a esposa
de Sage, trabalhou com publicidade e tinha um conhecimento estético
avançado, porém, parecia uma general do ângulo perfeito.
Minha vida passou por muita tensão nos últimos meses, mas eu
também encontrei momentos felizes. A dor de perder meus pais nunca iria
passar, estava aprendendo a lidar com ela, assim como a saudade e a certeza
de que nunca iria vê-los. Papai não pôde me levar ao altar e eu não
considerava que minha mãe estaria presente no meu casamento com Diablo,
pelo menos não com felicidade. Mas eu estava feliz e me permiti ficar ainda
mais na festa.
— Tequila, senhora? — Cedrick colocou os copinhos na minha frente.
— Sim, por favor. Atenção, meninas! Vamos mostrar para esses
homens como se bebe de verdade! — provoquei. Diablo riu e começou a
bater palmas, aceitando o desafio.
Priest me deu uma olhada e revirou os olhos, apontando para Peter
entre suas pernas, achando muito divertido a mãe dele pular depois de virar
um copo. Eu pulei também, sentindo tudo queimar, fiz uma dancinha e
Angel aumentou o som. Pulei para o meu marido, pegando suas mãos e o
levei para dançar.
— Depois de jogar o buquê, quero te levar em um lugar — cochichou
em meu ouvido e fiquei curiosa.
— A madrinha está tão louca quanto a noiva, então, o papel de hidratar
a noiva está comigo. — Collins me entregou uma garrafa de água. — Beba
tudo e coma um doce. — Empurrou o chocolate na minha boca.
— Eu vou jantar, juro. — Comecei a rir, porque bem, sóbria eu não
estava completamente. Collins me deu mais um docinho e voltei a dançar.
Rodopiando com Angel e depois, indo parar nos braços do meu marido
novamente.
Ele me deu um olhar divertido, com a clássica mordidinha no lábio e o
abracei. A música ficou lenta e suas mãos desceram da minha cintura para a
curva do meu bumbum.
— Hoje não é o primeiro dia da nossa vida a dois, começou quando
fizemos o pacto, mas ser sua esposa tem um sabor completamente
diferente.
— Eu sei, baby. — Ele me encarou com umas ruguinhas de felicidade
ao redor dos olhos e as covinhas fofas de quando sorria. Ele vivia sério,
com o olhar centrado e intenso, mas quando abria um sorriso, era
simplesmente perfeito.
— Serena disse que meu rosto exala felicidade, mas acho que é reflexo
do seu. Qual é a minha surpresa? Vai, estou curiosa!
— Então, vamos lá.
Segurando minha mão, me puxou suavemente para área externa da
festa e passamos por alguns convidados bastante bêbados. Acariciei seu
braço, seguindo pelo novo caminho que Priest abriu entre a casa dele e o
clube. Para minha surpresa, havia uma sequência, levando diretamente para
o novo deck de madeira que contemplava até a frente da casa de Diablo.
— A casa está pronta?
— Depois de quase um ano, sim. — Diablo me parou em frente a ela.
— Ontem estava cheio de tapumes e muitas pessoas andando de um
lado ao outro! Eu pensei que fosse levar mais alguns meses… — balbuciei,
chocada, as luzes do jardim estavam acesas e só faltavam as plantas, que eu
mesma havia encomendado e levaria mais uns dias para chegar.
— Eu sei, pedi para cobrirem tudo porque queria surpreender minha
mulher. Eles estavam fazendo um mutirão, terminando os detalhes,
colocando as pedras e ligando a energia. — Diablo me abraçou por trás. —
Só precisamos nos mudar e esperar que o restante dos móveis sejam
entregues.
— Ela é linda.
Era grande e iluminada. Cinco quartos, seguindo o mesmo modelo da
casa de Serena. Uma lindíssima residência à beira da praia, acima das
pedras, com uma belíssima visão para o mar. A única coisa que faltava era a
piscina entre as casas, porque a fundação do terreno de Angel estava
começando. Ele também teria a própria casa, mesmo sem ter uma senhora.
— O quarto da frente é o nosso e o ao lado, será do nosso primeiro
bebê — comentei e ele parou de acariciar meu braço. — O que foi? Eu não
estou grávida, bobo.
— Sei que não está, mas é a primeira vez que diz abertamente que
teremos filhos.
— Não te respondi naquele dia e tirei um tempo para pensar quais
eram os meus motivos para não ter filhos. Todos eles eram vindos apenas
do medo que a sociedade costuma colocar nas mulheres e isso não me
pertence. — Eu me virei e segurei suas mãos. — Aqui vivemos de acordo
com as nossas regras e da maneira que desejamos. Quero ser mãe dos seus
filhos e ter uma família.
— Podemos ter tudo, Coraline. Nada nos impede. Assim que essa
história com Amanda encerrar, vamos encomendar nosso bebê.
— Tudo bem. — Beijei-o com todo meu amor.
Eu nunca imaginei que um dia viveria uma paixão intensa e verdadeira
como aquela. Era muito melhor do que todos os sonhos bobos que tive
olhando para o teto da cadeia, pensando que, ao sair, existiria algo para mim
na sociedade. O destino sabia que por mais que vivenciasse todo o
pesadelo, teria uma luz maravilhosa no fim do túnel.
Capítulo Trinta e Quatro
Cora
Diablo me ajudou a subir no banquinho, segurando minha cintura
quando desequilibrei um pouco e sorri. Prometi que estava bem, aticei as
meninas fingindo jogar e dancei um pouquinho para o delírio do meu
marido ciumento. Ele limpou a garganta, me apressando, louco para nossa
saída de lua de mel. As garotas estavam empolgadas para pegar as flores,
joguei forte, sem calcular direito, o buquê passou por elas…
Caindo diretamente no colo do Angel, que bebia uma cerveja. Ele
engasgou, pulando do lugar como se meu buquê tivesse alguma praga.
— Não, nem fodendo! — ele gritou, chutando-o para longe.
— Deixa de ser bruto! — Serena pegou o buquê. — É seu! Você é o
próximo! — Ela o entregou. — Sorria para a foto!
— Vai negar o meu buquê? — Me aproximei, fazendo um beicinho.
— Não vou casar, isso é uma superstição estúpida. — Revirando os
olhos, segurou as flores e me deu um sorriso, olhando ao redor. — Qual das
damas gostaria de ter essas flores? Posso fazer uma troca, e…
— Já chega de dar palco para esse idiota. — Diablo parou ao meu
lado. — Estou pronto para começar nossa lua de mel — falou em meu
ouvido.
Não era o melhor momento para sairmos do país, principalmente com
tantas coisas a serem feitas, mas nós decidimos pegar alguns dias
completamente isolados em uma casa de praia que ele compartilhava com
Priest. Não fiquei chateada por ter sido também o local em que Serena
passou a lua de mel, eu sabia que Diablo e eu teríamos tempo para
viajarmos para fora do país depois que todas as nossas questões pendentes
se resolvessem.
Troquei de roupa, tomei um banho no processo e vesti um macacão
branco e tênis, com os cabelos presos e sem a maior parte da maquiagem.
Minha mala não tinha muitas roupas, porque eu não pretendia usá-las.
Diablo vivia na agitação, passando as noites no clube e o local raramente
ficava vazio. Só tínhamos privacidade no apartamento e com todos os
compromissos de rotina do salão, eu queria ficar completamente sozinha
com meu marido.
— Aqui é lindo. — Virei-me no banco, olhando para a praia. Não
pretendia entrar no mar, estava frio para começo de conversa, mas a
paisagem era linda em qualquer época do ano.
— Fica ainda melhor com o amanhecer. — Diablo parou o carro na
garagem. — Vou verificar a casa. Me espere aqui.
— Sério? Nós dois sabemos que eu posso ir com você.
— Posso fazer papel de marido protetor agora? — Ele bufou, saindo
do carro armado e esperei como uma boa menina. Retornando, abriu a
minha porta, oferecendo a mão e a peguei.
Diablo me ergueu no colo para passar pela porta e abracei seu pescoço,
olhando a casa com admiração. Ele me deixou no chão perto da sala,
voltando para o carro para buscar nossas bolsas no porta malas. Ao fechar a
porta, tirei o tênis, agarrei minha mala e avisei que iria subir.
— Você quer beber mais alguma coisa? — Ele foi até a cozinha,
pegando uma garrafa de água.
— Eu acho que não é uma boa ideia se você quiser se divertir hoje. —
Balancei as sobrancelhas, subindo a escada para o quarto principal.
Serena deve ter pedido para o caseiro deixar tudo preparado e eu
adorei as velas, a espuma de banho e as flores brancas como decoração.
Soltei meu cabelo, passando um gloss e vesti as roupas de núpcias que
havia separado. Deixei alguns brinquedinhos na gaveta ao lado da cama,
jogando as almofadas excedentes no chão.
Eu tinha uma conexão tão intensa com Diablo que ao entrar no quarto,
senti sua presença mesmo sem ouvir seus passos. Ele encostou na parede,
enfiando as mãos nos bolsos e cruzando os tornozelos, apenas me
observando. Seu olhar desceu sobre meu corpo, quente e causou um
rebuliço avassalador dentro mim.
— Você vai ficar aí, me olhando e quieto? — Virei-me de frente. Eu
tive muita vergonha do meu corpo, estava cheio de marcas, nem deixei que
minha mãe me visse sem roupas. Eu odiava as cicatrizes, mas Diablo nunca
me fez sentir menos mulher e atraente. Ele me dava tudo.
— Estou contemplando o quanto sou um filha da puta sortudo por ter
uma esposa gostosa pra caralho.
Caramba. Eu me tornei uma esposa!
— Vem aqui beijar a sua mulher. — Ergui meu indicador e o chamei.
Diablo caminhou na minha direção como um homem hipnotizado. Eu
adorava o quanto ele era grande e podia me cobrir com um abraço. O calor
de seu corpo e o perfume eram o que me mantinha em segurança na cama à
noite, trazendo uma calmaria ao meu coração.
Toquei as lapelas do colete dele e tirei com cuidado, ciente de que não
poderia deixar cair no chão. Deixei na poltrona com carinho e voltei para a
camisa, abrindo botão por botão, revelando aquele peito tatuado. Beijei
acima de seu coração, jogando a camisa no chão e levei minhas mãos para
sua calça.
Puxei o cinto, jogando-o longe, abri o botão e desci o zíper. Meu
marido ficou com as mãos relaxadas ao lado do corpo, me deixando despi-
lo. Quando estava fora das calças e apenas com a cueca branca, fiquei na
ponta dos pés e coloquei suas mãos em mim. Beijei-lhe o pescoço,
mordendo o lóbulo de sua orelha e sussurrei o quanto estava gostoso e era
todo meu.
Com um grunhido e um gemido baixo, ele apertou minhas nádegas.
Beijei-lhe o queixo, levando minha boca para a dele. Diablo me ergueu no
colo, abracei-o pela cintura com as pernas e agarrei o cabelo, tomando seus
lábios com todo o meu amor. Ele gemeu, gostando do meu ataque.
Deitou-me na cama e me admirou, passando o indicador entre meus
seios, descendo até o umbigo, sorrindo suavemente ao beijar minha
tatuagem com seu nome. Apesar de ser uma marca que havia sido feita no
meu corpo sem o meu consentimento, decidi que não iria apagar, aquele era
meu novo sobrenome e o registro da família que estava construindo.
Eu tirei a lembrança ruim, substituindo por uma muito boa.
Acariciei seu braço, me sentando lentamente e parei com meu rosto de
frente ao dele. Coloquei minha mão em sua bochecha, beijando-o,
provocando com a língua, chupando brevemente. Diablo desceu a mão para
o meu seio, empurrando a renda do sutiã para baixo e beliscou meu
mamilo, puxando entre seus dedos.
A mão tatuada segurou meu pescoço.
— Você é minha, Coraline. — Ele olhou em meus olhos. — Minha
para amar, idolatrar, beijar e admirar. Totalmente minha como esposa,
amiga e futuramente, mãe dos meus filhos. Eu te amo.
Meus olhos encheram-se de lágrimas. Ele nem sempre dizia que me
amava com todas as letras, suas atitudes diárias eram uma prova de amor
constante. Nunca senti a necessidade de pedir por declarações exuberantes,
porque os atos de carinho eram simplesmente maiores que tudo.
— Eu te amo tanto.
— Ei, sem choro.
— Não estou chorando, apenas emocionada pelo quanto a minha vida
mudou. Meu mundo ficou de cabeça para baixo para que eu pudesse
encontrar o meu lugar, minha verdadeira personalidade e o amor da minha
vida. — Eu o puxei para cima de mim, sentindo seu corpo musculoso
moldando-se ao meu. Dobrei minhas pernas, impulsionando um pouco do
meu quadril para roçar em sua ereção que crescia.
Diablo tirou meu cabelo do rosto, apoiando os braços ao lado da minha
cabeça.
— Eu não sou um homem bom, nunca serei o príncipe encantado que
uma mulher como você imaginou que um dia se casaria. Mas eu farei de
tudo para ser o melhor homem, amigo e marido desse mundo.
Eu sabia que sim, por isso não hesitei em estar ao lado dele, sem me
importar com o que fazia para viver. Ser advogado era a profissão mais
suave. Havia o Diablo assustador, capaz de fazer de tudo para proteger o
clube e a família, assim como eu, porque era isso o que ele era da cabeça
aos pés: perigoso e protetor.
O homem que não salvava ninguém, escolheu me salvar duas vezes.
Arrastei meus lábios nos dele, carinhosa e apaixonada. Arrastei minhas
unhas na pele da nuca, subindo para o cabelo. Diablo dobrou as pernas e
ficamos encaixados. Ele se afastou um pouco, assistindo-me expor meus
seios, dobrando a renda completamente. Meus mamilos estavam
duríssimos, apenas uma pequena parcela do quanto estava excitada e nós
sequer havíamos começado.
Sua olhada de desejo trouxe uma torção ao meu ventre e me contorci,
meio ofegante. Descendo a boca para meu peito, chupou, tremulando a
língua de um jeito delicioso que arrancou um gemido longo da minha
boca.
— Que delícia, amor. — Diablo foi descendo os beijos por minha
barriga.
Minha calcinha era branquinha, bem virginal, já que ele havia me
provocado antes, dizendo que eu parecia uma boneca com minha aparência
de anjo e era brava o tempo todo. Ela estava molhada e grudada nos meus
grandes lábios. Ele a puxou com o indicador e fiquei arrepiada, porque meu
marido estava perto de descobrir minha surpresa de casamento.
— Coraline! — Diablo falou entredentes, preso entre estar com ciúmes
e admirado.
— Oi, amor da minha vida? — Abri um sorriso provocante.
— Você… quem… — gaguejou, apontando para a tatuagem.
— Gostou?
— Porra! Eu amei, caralho! Puta que pariu, eu amei muito! — Ele
surtou um pouco, me fazendo rir mais ainda. Deu um beijo acima do
desenho de fogo, com seu nome real adornado de maneira delicada e
elegante, na lateral da minha virilha. Ficava escondido com a calcinha, ele
seria o único que a veria ali. — Quem fez? Quem viu a sua boceta?
Revirei os olhos. Ninguém me viu nua. A mulher me cobriu inteira,
deixando apenas a área do desenho descoberta e foi extremamente
profissional. Serena ficou sentada ao meu lado o tempo todo e Priest do
lado de fora, atento, desconfiado e pronto para atirar se eu gritasse.
— Esse é o motivo pelo qual eu pedi que Priest e Serena me levassem
a Del Price. Encontrei uma tatuadora discreta lá, a mesma que colocou o
piercing em Angel. Ela foi incrível em reproduzir o desenho… — expliquei
baixinho, amando a reação dele. — Você, Diablo, é como o fogo, mas o
Gareth, é o meu marido. Ambos estão eternamente marcados em mim.
Seu olhar no meu foi o mais doce e indescritível, transbordava tudo
que sentia por mim, me deixando sem fôlego e com a sensação de que meu
peito estava esmagado. Forte demais para aguentar aquilo tudo, sentei-me
na cama, abraçando-o.
— Debaixo de todo o meu sangue ruim, das manchas imperfeitas do
nosso passado e dos caminhos dúbios que nos trouxeram até aqui, encontrei
em você o que sempre busquei na vida: um lar — falou baixinho em meu
ouvido.
Um dia, eu fui quebrada.
E ele havia acabado de colar todos os meus pedaços.
Capítulo Trinta e Cinco

Diablo
Coraline estava com os cabelos espalhados na minha cintura, a boca
tornando difícil sequer pensar. Reuni a massa loira cheia de cachos, tendo
uma belíssima visão daquela boquinha engolindo meu pau. Olhando em
meus olhos, abriu um sorriso safado ao chupar a cabeça, me provocando e
tocando uma punheta deliciosa. Seu corpo estava suado e vermelho, o olhar
brilhante e excitado me deixava ainda mais duro.
— Vem, amor. Senta no meu pau — pedi, louco para gozar naquela
boceta.
Mordendo o lábio como a safada por quem eu era profundamente
apaixonado, ela se afastou e montou em meu colo de forma invertida.
Olhando-me sobre os ombros, encaixou meu pau em sua entrada molhada,
brincando comigo. Dei-lhe um tapa na bunda, segurando sua nádega só para
ter uma deliciosa visão dela sentando completamente.
— Oh, porra! — Segurei seu quadril, grunhindo.
Ela ergueu as mãos, mexendo o cabelo, rebolando e testando os
movimentos para me enlouquecer. Amassei sua bunda, cheio de tesão e
mordi o lábio com força. Coraline estava me atentando desde o amanhecer,
me levando perto de gozar e parando, desinibida, brincando com meu
desejo. Só deixei porque era uma completa delícia ter minha esposa
completamente soltinha comigo.
Intensificando os movimentos, inclinou-se para frente, se deixando
levar no orgasmo. Foi um espetáculo. Empurrei-a gentilmente para que
ficasse com a bunda empinada na minha frente. Agarrei seu cabelo,
curvando suas costas e mordi-lhe o ombro, com meu pau todo dentro. Eu a
fodi até gozar e me perdi completamente ao senti-la me apertar,
encontrando o orgasmo mais uma vez.
Caímos na cama, abraçados, recuperando o fôlego, até que ela
começou a rir baixinho, tremendo contra o meu peito.
— Eu só queria desejar bom dia para o meu marido.
— Confesse que está me pentelhando desde as quatro da manhã. —
Beijei sua testa, acariciando suas costas. Ela ergueu o rosto e me beijou
preguiçosamente.
— Estamos em lua de mel, não precisamos dormir — falou contra
minha bochecha, serelepe e seu estômago roncou tão alto que foi possível
ouvir. Ergui minha cabeça, olhando para sua barriga e comecei a rir. —
Acho que precisamos sair dessa cama e comer.
Eu peguei sua mão e a levei para o chuveiro, em seguida, preparei
panquecas com frutas. Era seu desejo da manhã e prometi que a mimaria
pelo resto da minha vida. Servi os sucos e ela ficou na mesa, decorando o
prato com morangos e banana.
— Não jogue muito mel — pedi, ainda na pia, procurando não deixar
a louça suja.
— Eu sei a quantidade que devo colocar na minha panqueca —
cantarolou, me ignorando. Ela sempre sabia tudo, a senhora inteligente do
universo que claro, nunca errava.
— Coraline…
— Não me ensine o que fazer — ela se irritou, apertando mais forte o
vidro. A tampa explodiu, virando todo o mel no prato dela. — Viu? Se não
tivesse se metido, minhas panquecas teriam salvação.
— Achou que isso tudo aí era só para você, porra? Virei seu escravo
nesse caralho? — Joguei o pano no meu ombro. Inacreditável.
Ela arregalou os olhos, chocada e abriu um sorrisinho.
— Você me fodeu praticamente todas as noites desde que casamos e
está economizando na comida? Tenho que repor essas calorias! — Ela
cortou um pedacinho e enfiou na boca. — Está uma delícia, vem. Não sei se
vou conseguir te esperar.
— Vou preparar os ovos.
— Sem pimenta ou queijo — ela avisou, severa e ignorei.
Nós não fizemos nada além de ficarmos dentro de casa. Estava
ventando do lado de fora, Coraline não parecia interessada em conhecer a
cidade e o máximo que nos aventuramos foi indo ao mercado comprar mais
comida e vinho. Foi melhor do que qualquer viagem internacional, turismo
ou passeios cuidadosamente programados. Vi televisão depois de muitos
anos, assisti a filmes e comi todas as besteiras deliciosas que minha esposa
preparava.
Nós namoramos a cada minuto possível. Diferente da lua de mel de
Priest, não voltamos para casa com um corpo na mala, apenas roupas e
algumas histórias divertidas a dois. Escolhi o meio da madrugada para
retornarmos a Del Ride. Com tranquilidade, estacionei na garagem da
minha casa pela primeira vez.
— Nossas coisas já estão aqui?
— Serena quis muito te fazer essa surpresa. Ela estava ansiosa e
empolgada.
Coraline olhou para a porta com um sorriso.
— Ela é um dos melhores presentes que ganhei esse ano. Aqui vocês
são tão unidos, uma família forte, que está junto em todos os momentos. —
Pegou minha mão e entrelacei nossos dedos. — Serena é a irmã que eu
deveria ter tido de verdade.
— A vida sempre dá um jeito de trazer para perto aquilo que
merecemos. Vamos entrar?
Assentindo, saiu do carro, me provocando sobre querer verificar a
casa e apenas a mandei calar a boca. Chamando-me de grosso, foi andando
na frente. Ela abriu a porta dos fundos, acendendo a luz da cozinha, que era
um dos cômodos mobiliados. A geladeira veio do apartamento, o restante,
estava comprado e guardado há um tempo e foi instalado quando o cômodo
ficou pronto.
Passando para a sala de jantar, que ainda não tinha mesa e cadeiras,
ela desviou o caminho para a de estar e parou no meio do corredor,
acendendo a luz. A escada ficava entre o que seria um escritório meio
biblioteca, com uma sala de televisão e um quarto de hóspedes que também
estava vazio. Antes dela, seria meu quarto da bagunça, mas decidi levá-lo
para o porão e deixar que ela pudesse escolher o que fazer ali.
— Que bom que alguns móveis foram entregues, vai ser divertido
decorar e deixar toda a casa do nosso jeito. — Ela passou a mão no móvel e
foi para a escada. Subi atrás dela, os primeiros quartos estavam vazios e
assim ficariam por um tempo, apenas o principal estava arrumado. —
Serena organizou até suas roupas.
— Ela me conhece.
— Isso é ótimo, porque eu odeio arrumar seu lado do armário, acho
que vou pagá-la para isso.
Cora soltou uma risada e foi para o banheiro. Sim, as coisas dela
ficavam uma zona e ela jurava estar organizado.
— Vai ficar tudo do seu jeito?
— Claro que sim, a casa é maravilhosa, é linda.
Coraline foi criada em uma mansão que deixava a casa dos famosos
como uma cabana pobre na beira da estrada. A explosão sequer derrubou
trinta por cento de toda a construção, nem abalou as estruturas. O primeiro
carro que teve foi um conversível de luxo. Eu tinha dinheiro e condições de
dar a ela uma boa vida, mas não fazia parte do nosso estilo. Eu não estava
preocupado sobre o que poderia dar no sentido material, porque tive a sorte
de encontrar uma mulher que me amaria mesmo debaixo de uma ponte.
Sem sono, quis arrumar nossas roupas, colocando-as para lavar e
depois, tomou banho. Ainda faltavam alguns ajustes que eu passaria os
próximos dias organizando. Nós dormimos as horas restantes e depois,
fomos tomar café na casa dos vizinhos para montar a árvore de Natal tardia.
Nenhum de nós tinha ideia do momento em que se deveria começar, mas as
meninas queriam que Peter tivesse memórias natalinas.
— Olá, pombinhos. — Priest abriu a porta com a voz rouca de sono.
— Oi, bebê! — Coraline foi direto para Peter.
— E aí, imbecil. — Bati em sua nuca e ele tentou me acertar com um
soco.
— Ah, oi! Desculpe! — Cora ficou com as bochechas vermelhas. — É
que ele está muito lindo com esse pijama de pelúcia.
— Estou acostumado a ser ignorado por causa da criança. — Priest
sorriu de lado.
Fui direto para a cafeteira e enchi minha caneca. Angel e Cedrick
estavam no chão da sala, lendo o manual das luzes. Serena desceu com uma
caixa de itens decorativos. Como elas pareciam empolgadas demais com a
árvore e menos com a comida, assumi o preparo com Priest. Era melhor que
não reclamassem do meu tempero, porque ia fazer do jeito que sabia.
— Sage me ligou cedo. Ele não sabia se você já estava de volta. —
Priest parou ao meu lado, falando baixo. — Conseguiu algumas fotos de
Amanda. Ela está viva e ainda no complexo do Santiago. Parece que não sai
de lá há alguns meses. Nossa fonte descobriu que ela soube da compra do
escritório, teve um rompante de raiva e quebrou um quarto inteiro.
— Santiago segue no México?
— Sim. Dizem que a mulher dele está muito doente e ele não vai
deixá-la, nem mesmo pelos negócios, ao que parece, não está interessado no
que a amante está aprontando. No entanto, ela tem aliados e são esses que
temos que atingir. — Priest quebrou alguns ovos na vasilha para um grande
omelete.
— Recebemos os alvos? — Cortei o presunto, de olho em Coraline,
mas ela estava bastante alheia à nossa conversa. Escolhendo ser ignorante
nesses dias, ela só queria ser uma noiva e depois, uma recém-casada. Eu dei
a ela dias de paz e tranquilidade que eram mais do que necessários para
sobreviver nessa vida maluca em que fazíamos parte.
— Sim. Alguns, para nossa felicidade, circulam justamente nas áreas
que desejamos. Assim que sair do modo marido apaixonado, vamos caçar.
Temos um território para conquistar e alguns filhos da puta para eliminar.
— Priest me deu um aceno e Angel se debruçou no balcão, roubando alguns
pedaços de queijo.
— Temos material suficiente? — Bati na mão dele quando tentou
pegar de novo.
— Enquanto estava na sua festa de amor, fui às compras e também
recebemos algumas trocas que fizemos com King. Meu arsenal está cheio.
— Angel me deu um sorriso provocante. — E de nada sobre o seu porão.
Organizei tudo lá.
— Eu não tive oportunidade de ver a casa inteira, viemos de
madrugada para pegar a estrada tranquila e eu não queria que algo desse
errado.
— Vamos passar pelas festas, prometi a Serena que ficaríamos em
casa e depois, se preparem para nossa viagem — Priest determinou como
presidente e assentimos. Ele trocou um olhar com Angel, abrindo um
sorrisinho. — E aí, maridinho? Sobrevivendo?
— Você está vivo e nós dois sabemos que o mais idiota e sem noção
entre nós é… — Eu ia falar que era ele, mas Angel estava no meio. —
Deixa. Não faria um pingo de sentido te chamar de sem noção com o
loirinho com olhos de anjo aqui.
Angel bufou, sem falar nada. Cedrick se juntou a nós, pegando uma
cerveja preta na geladeira e fez as panquecas. Nossa conversa girou em
torno dos negócios, a faculdade dele, o trabalho pouco remunerado no
escritório e de vez em quando a gargalhada de Coraline invadia a cozinha.
Ela estava com um gorro de Mamãe Noel, erguendo as luzes e fazendo
caretas para Peter.
Como era possível amar tanto uma mulher? Era questão de honra dar a
ela o fim daquela história com a irmã. A vingança seria completa.
Capítulo Trinta e Seis
Cora
— Você está pronta? — Cedrick bateu na porta do meu quarto. —
Angel já voltou com o carro abastecido — avisou e engoli em seco, secando
minhas mãos suadas na roupa.
— Estou descendo em um minuto.
Ouvi seus passos se afastando e voltei para a frente do espelho.
Aquelas roupas pertenciam ao meu antigo eu. Tons claros, blusa larga, calça
jeans e sapatos baixos. Meus cabelos estavam escovados e havia uma tiara
delicada em minha cabeça. Eu me recusei a tirar a aliança, embora
soubessem do casamento, Sage achou que seria mais prudente me dar um ar
de jovem inocente em vez do de mulher casada.
Depois de meses, estava em Los Angeles para prestar depoimento
presencialmente na frente de várias pessoas sobre minha prisão no passado,
o sequestro arquitetado por Amanda e a explosão da nossa casa. A família
de Jude também estaria lá e eu só me comprometi em aparecer porque eles
mereciam justiça pelo filho morto pela minha irmã. Com tantos processos
correndo ao mesmo tempo, Amanda era oficialmente uma foragida da
polícia e a minha vontade era de dizer a eles que quando a encontrassem,
seria apenas o corpo.
O motivo de estar ali também tinha tudo a ver com os planos de Priest
e Diablo em expandir o território do clube. Foi muito difícil para meu
marido não estar comigo, eu pude ver a decepção em seus olhos quando
bati o pé e disse que poderia fazer aquilo sozinha. Eu o amava intensamente
e confiava em seu amor e proteção, mas também era uma mulher capaz de
fazer algumas coisas sem ele.
Não significava que meu marido fosse menos homem ou que eu não
precisava dele. Apenas podia enfrentar algumas batalhas contando apenas
com a força dos meus punhos.
Desci a escada com minha pequena mala, Serena ficou de pé e pegou
sua bolsa.
— Acabei de receber a mensagem do telefone descartável.
— Vai dar tudo certo. — Respirei fundo, ajeitando meu cabelo,
odiando o quanto estava liso e me remetendo a uma Coraline que minha
mãe insistia em vestir e eu a detestava.
— Tem que dar. Priest e Diablo estão na estrada, aguardando nosso
sinal. — Serena pegou minha mão e saímos juntas.
Angel e Nick estavam conosco, usando roupas comuns,
completamente disfarçados para que não parecessem membros de um clube
de homens perigosos. Sage estaria por perto, apenas como um advogado
amigo da família, outro homem, de um escritório usado como fantoche para
os interesses de Diablo, estava me representando.
No fundo, eu estava com medo de ser presa novamente. Era um pouco
do pânico de tudo que vivi no passado, entrando em uma sala de justiça
como aquela e saindo algemada. Não havia motivos para ter medo, foram
meses de trabalho árduo, manipulações necessárias e levantamento de
provas contundentes para mostrar que minha irmã era a mentora de tudo
que havia acontecido comigo e com minha família.
Por dentro, eu era um misto de medo e raiva. Uma queimação intensa
ao relatar, mais uma vez, tudo que Amanda me fez passar.
Quando acabou, fui dispensada friamente, sem mais perguntas. Para
todos, eu não estava na residência quando meus pais morreram e sim, saí
minutos antes com Sage para me acalmar e me recuperar de tudo o que
havia passado, porque meus pais queriam conversar com minha irmã
sozinhos. A briga foi relatada e a confissão de Amanda principalmente.
Sage era minha testemunha.
— Eu lamento profundamente — falei baixinho para a mãe de Jude.
— Obrigada por vir. Sei que é difícil aparecer, ainda mais com a sua
irmã solta por aí, envolvida com pessoas perigosas.
— Terá justiça. Acredite em mim. — Apertei sua mão e me afastei.
Serena estava me esperando dentro do carro com Angel e Nick. Já de
volta à segurança, deixamos o estacionamento rapidamente e me livrei
daquela camisa larga, de patricinha, ficando com a blusa preta por baixo.
Prendi o cabelo e vesti minha jaqueta de couro, pegando meu telefone para
tirar uma foto e enviá-la para o meu marido por mensagem, mostrando que
estava muito bem e inteira.
Troquei meus sapatos por minhas botas, guardei a minha faca, Nick
me entregou a arma e a enfiei na cintura, na parte de trás. Serena prendeu os
cabelos e também tirou as roupas comuns. Angel dirigiu até um lado da
cidade muito perigoso, mas nós avisamos que estávamos indo e sendo
esperados, então tivemos nossa passagem liberada.
— Eu vou na frente e não discuta comigo. — Angel vestiu o colete.
— Ela precisa me ver para aparecer.
— Fique entre Nick e eu. — Angel foi enfático. Serena abriu a porta
do carro e ficou de guarda, com a arma engatilhada. Nem Priest conseguiu
fazer com que ela ficasse em casa com Peter.
Era um milagre eles terem concordado com o encontro com minha
antiga colega de cadeia. Luci apareceu no complexo de apartamentos que
vivia com toda a família, acompanhada de dois primos. Segundo Sage, era
sobrinha de Santiago por casamento, mas todos trabalhavam para o cartel
de alguma maneira.
— Ei, chica linda. — A garota alta e morena que não havia mudado
nada desde a última vez em que nos vimos me deu um abraço. Brincou,
apoiando o queixo em minha cabeça. — É ótimo te ver fora daquele
inferno.
— Também estou feliz em te reencontrar. — Dei um tapinha em seu
ombro.
— Devil's Ride? Nunca iria imaginar, patricinha. — Ela olhou para
Nick e Angel em seus coletes, parados com as mãos à mostra, mas prontos
para agir se fosse necessário.
— Foi coisa do destino, eu também não imaginava. Escuta, preciso te
falar uma coisa. É sobre a amante do seu tio — comecei e Luci fechou a
expressão, porque não precisava explicar de que tio eu estava falando. —
Ela é minha irmã.
— E isso vai te ajudar de que maneira? — Luci arqueou a
sobrancelha.
— Não somos amigas. Eu e ela temos uma história mal resolvida e
tenho certeza de que sabe mais detalhes do que está fingindo não saber. —
Enfiei minhas mãos nos bolsos, relaxando a postura porque não queria que
ela pensasse que eu estava na defensiva. — Estou disposta a pagar muito
bem para que tire Amanda do complexo protegido do seu tio.
— Ela tem fortes aliados lá dentro. Com o passar dos anos, provou
lealdade e valor, entregou informações importantes que livraram muitos dos
nossos. — Luci estalou a língua. — Não é amada por todos, porém, foi
esperta o suficiente para conquistar o lugar em que está. Agora, se tem um
preço… é claro que podemos conseguir uma conversa diferente com
pessoas que importam dentro do complexo. E será isso que vou fazer por
tudo que me ajudou dentro da cadeia. O restante, terá que ser pelo que tem a
me oferecer.
— Ótimo. — Tirei minha mão do bolso. — E o que acha de
negociarmos um valor inicial?
Luci sorriu e chamou o primo. Angel e Nick se aproximaram. As
negociações começaram e nós marcamos um outro encontro com bastante
tranquilidade. Havia milhares de jovens garotos armados ao nosso redor,
porém, como tudo correu bem, saímos de lá sem problemas. Enviamos a
mensagem para Diablo e Priest agirem. Como esperamos, Luci e os primos
entraram em contato com outros membros do cartel.
Vários membros do clube estavam espalhados pela cidade, para caçá-
los e eliminar a maioria que poderia apoiar Amanda. Nossa intenção era
enfraquecê-la para que não tivesse valor e fosse fácil tirá-la da redoma que
se escondeu como uma puta covarde que era.
— Vamos fazer alguma parada? — Serena questionou.
— Não. Priest já está me enlouquecendo, ele quer que leve vocês duas
para a segurança de Del Ride o mais rápido possível — Angel respondeu do
banco da frente. — Eu é que não sou maluco para não obedecer.
— Meu marido raspa a cabeça, mas a barba vai ficar branca se
continuar nesse ritmo — Serena brincou enquanto digitava mensagens para
ele. Nick recebeu a confirmação de que haviam começado a caçada e torci
para que tudo desse certo.
Angel dirigiu tão rápido que me causou enjoo. Ele não fez nenhuma
parada e com isso, cheguei no clube com a bexiga cheia, louca de fome e
sede.
— Mamãe! — Peter correu para Serena com os bracinhos levantados.
Ele estava com Pink o dia inteiro.
— Oi, meu amor! Você se comportou com a titia?
— Não. — Peter riu. Ele era um malandrinho.
Corri para o banheiro, me aliviando, louca para tomar banho, mas o
cheiro do jantar venceu. O salão estava com alguns aspirantes e outros
membros que ficaram na cidade para tocar os negócios, fazer a segurança,
além de algumas esposas que os maridos estavam fora e gostavam de ficar
juntas, compartilhando boas energias.
Serena fez Peter dormir e o deixou no carrinho. Nós jantamos,
lavamos toda a louça depois e organizamos a cozinha sem pressa. Quando o
salão ficou vazio, não fizemos um movimento de irmos embora,
compartilhando uma garrafa de vinho.
— Você estava nervosa de manhã — ela comentou de forma delicada
e me deu o clássico olhar compreensivo. — Senti medo todas as vezes que
precisei voltar lá quando foi a minha vez de estar no olho do furacão.
— Tive um pouco do sentimento de quando saí da cadeia. Uma
angústia e ansiedade de não pertencer mais àquele lugar, o medo de sair
daquela sala algemada novamente… — Brinquei com a minha taça,
olhando para o vinho. — Só que diferente de quando saí da cadeia, dessa
vez eu tinha aquele quentinho no fundo do coração de que eu tinha um
lugar para voltar. Uma família me esperando sem ter vergonha de mim. Sei
que meus pais me amavam, mas eles estavam desesperados para fingir que
toda a dor que eu vivi nunca existiu e aquilo me magoava muito.
— O que você viveu foi um pesadelo, Cora. Tinha todo direito de ficar
ferida.
— Eu só queria que eles não tivessem me tratado como se eu fosse
tirar uma faca da cintura e matá-los, quando na verdade, quem assassinou
mamãe foi a filha que fingiu o tempo todo o quão era perfeita. — Apoiei
meus cotovelos na mesa. — Queria mais tempo com meus pais e vou viver
para sempre com essa coisa inacabada entre nós. Amanda tirou eles de
mim.
Esfreguei minhas têmporas, não querendo chorar, cansada de sentir a
dor de tê-los perdido daquela maneira. Não importava as falhas, eles não
eram perfeitos, tinham segredos e poderiam ter agido diferente comigo, mas
durante a minha vida toda foram pais incríveis que me dedicaram muito
amor.
— Você já pensou que, talvez, era isso que ela sempre quis? Talvez
fosse um ciúme doentio, patológico, que foi alimentado com a inveja
surreal que ela tinha de você. — Serena olhou para Peter. — Eu sou filha
única e não sei como funciona essa coisa de ter irmãos, mas vejo o quanto
Priest, mesmo com a diferença de idade absurda entre os dois filhos, faz
questão de tratar ambos com amor e respeito. Ele vive me dizendo que não
quer que Cedrick, adulto ou não, sinta que Peter é mais amado por ele por
ser fruto de um casamento feliz. Em algum momento, Amanda se sentiu
preterida. Já pensou nisso?
Eu odiava o quanto Serena era observadora. Ela trouxe todas as coisas
que contei a ela ao longo dos meses em que estávamos juntas para chegar a
uma conclusão e me levar a isso com seu jeitinho de saber juntar as peças
importantes.
Levei minha mão à nuca, sentindo uma pontada repentina no coração.
A realização chegou a doer. Mamãe dizia que o dia mais feliz da vida dela
foi o meu nascimento. Não o das filhas. Amanda sempre reproduzia essa
fala com um tom amorosamente falso, dizendo que o meu aniversário era o
ponto central da nossa família e eu nunca percebi o quanto ela ficava
ressentida.
— Eu acho que Amanda não gosta de mim desde o dia em que eu
nasci. Ela não foi planejada, mamãe nunca escondeu o quanto foi difícil
estar grávida na faculdade, precisando abrir mão de tudo. Eu fui planejada
cuidadosamente para nascer no momento certo. — Olhei para Serena com
os olhos arregalados. — Amanda me odeia porque nossos pais a fizeram
sentir como um acidente enquanto eu era a filha perfeita. Somando com o
fato de que ela é naturalmente ruim e muito filha da puta, não preciso
pensar em mais motivos.
— Eu não queria jogar isso na sua cara, mas foi o que pensei muito
nos últimos meses e hoje, te ouvindo falar naquele depoimento, fez ainda
mais sentido. — Serena pegou minha mão. — Você ficou se martirizando,
querendo entender por que sua irmã te escolheu como alvo se ela deveria te
amar, mas na verdade, nunca foi sua culpa e espero que agora entenda isso.
Não carregue esse fardo, Cora. Ele não te pertence.
— Obrigada. — Respirei fundo para não chorar. — Eu a amei a minha
vida inteira, é muito difícil aguentar a dor da traição e saber que ela ficava
perto de mim pensando em como me foder e pior ainda, me matar.
Eu não conseguia imaginar se um dia pararia de doer. Pensei em todos
os momentos que passamos juntas, que eu confidenciei minha vida e a
busquei como apoio porque era minha irmã mais velha. Todas as noites que
a apoiei em brigas com nossos pais, em que fiquei na cama dela até tarde
ouvindo as muitas aventuras com namorados e a incentivando a não desistir
dos estudos porque papai dizia que ela tinha que ser brilhante o tempo
todo.
Dei a ela o que tinha no meu coração.
Amanda retribuiu minha entrega com ódio e revolta.
Capítulo Trinta e Sete
Cora
Diablo entrou em casa pelos fundos, perto das três da manhã. Ele
passou direto para a escada, mostrando estar sujo e eu continuei no mesmo
lugar, aquecida com uma colcha e olhando para a lareira acesa porque
apesar de não nevar, estava frio. Fiquei ansiosa depois da minha conversa
com Serena e não consegui dormir. Havia acontecido tanta coisa naquele
dia e era apenas a primeira semana do ano.
Natal e Ano Novo foram tranquilos, fizemos uma grande festa no
clube, dançamos, bebemos e nos divertimos muito. Vários móveis foram
entregues nesse período e pude colocar parte da minha nova casa no lugar,
decorando aos poucos, me concentrando nos cômodos mais habitados e nos
desejos do meu marido.
Virei ao ouvir seus passos na escada, ele estava com uma calça de
pijama tentadoramente caída no quadril, exibindo a tatuagem de diabo que
eu nem achava mais tão assustadora e parou no encosto do sofá. Segurou
meu cabelo e o puxou gentilmente, levando minha cabeça para trás e
beijando minha boca.
Hum… aquele beijo era tudo para mim.
— Por que não está na cama? — questionou ao dar a volta e sentar ao
meu lado, puxando a colcha e as minhas pernas para ficarmos pertinho um
do outro.
— Estava te esperando. — Beijei seu ombro, com saudades.
— Eu vou voltar para a sede daqui a pouco. — Seu tom ainda estava
meio frio. A carga obscura em que ele mergulhava sempre que estava em
ação era conflituosa para mim.
— Há convidados no porão?
— Foi necessário trazer um quando percebemos que ele tinha muitas
respostas para nossas perguntas. — Ele virou o rosto e me beijou de novo.
— Fiquei muito preocupado em te deixar sozinha em Los Angeles. Você e
Serena são teimosas demais. — Estalou a língua. Meu eterno herói protetor.
— Eu fui e voltei muito bem, estava armada, protegida e ao mesmo
tempo, pronta para brigar. — Segurei seu rosto, olhando em seus olhos. —
O que importa é que o plano deu certo. Conseguiram ver toda a
movimentação e agora temos a chance de pegá-la. Mais do que antes, estou
cansada de esperar.
Ele olhou em meus olhos, pensativo, e recostou um pouco mais.
— Amanda não está saindo do complexo, segundo nosso amiguinho
no porão. Ela sabe que está por um fio porque todos os planos deram errado
apenas com a sua sobrevivência — Diablo falou baixinho. — Ela quer as
joias e mais fundos para financiar sua morte com mercenários conhecidos.
Nenhum dos aliados no cartel estão interessados em brigar conosco,
principalmente depois que nos casamos. Eles sabem que a fúria de mexer
com a esposa de um Devil's Ride é impossível de ser contida.
— Ela sabe que perdeu. — Respirei fundo, me afastando um pouco
por estar com raiva. — Covarde. Só teve força agindo silenciosamente,
como uma traidora.
— Isso é excelente para nós. Priest irrita com esse jogo de esperar e
cansar o inimigo, mas ele nunca está errado. Foi a mesma coisa com Gary.
Nós agimos de todos os lados, cercando-o silenciosamente. Fazer sua irmã
perder o acesso ao dinheiro e torná-la vilã de toda história publicamente deu
trabalho, gastamos muito dinheiro, mas está valendo a pena. — Ele me
puxou para perto novamente. — Não fique longe. Seu marido está com
saudades.
— Apenas um dia longe de mim e já ficou assim? — Pulei para seu
colo, abraçando-o. — Foi uma aventura grande e no fim, estamos juntos.
— Não tente me convencer a sair e correr risco novamente, não vai
acontecer. — Esfregou o nariz no meu.
— Sou grandinha e posso me cuidar.
— Não. — Ele apenas grunhiu e o beijei para encerrar o assunto. —
Vou te levar para a cama, foi um longo dia e amanhã também será.
Precisamos descansar um pouco.
Deitei por uma hora e não consegui pegar no sono. Diablo voltou para
a sede do clube e eu o observei da janela, tomando café. Certa de que não
voltaria a dormir, decidi cuidar das minhas coisas pendentes para não ficar
ansiosa. Sempre que minha mente começava a me pregar peças para ficar
com raiva, eu me sentia inútil e ainda mais furiosa.
Na hora do café, o clube estava vazio, somente com membros
moradores, então foi mais fácil organizar tudo. Serena estava com Peter no
colo, mas sempre com um olhar atento à porta que dava para a escada. Eu
morri de curiosidade, queria ouvir o que estava acontecendo e ter mais
informações.
Angel saiu de lá com uma expressão carregada e disse para Coconut
mandar as meninas para os quartos, os aspirantes tinham que ficar de olho
na estrada.
— Leve o bebê para casa. — Ele piscou para Serena, voltando para
baixo.
— Você vem comigo? Depois cuidamos da cozinha. — Ela pegou a
bolsa de Peter.
— Eu já vou. Só irei pegar umas coisas no apartamento para que
Angel consiga se mudar completamente — desconversei, ela assentiu e foi
andando. Eu parei, com o pano de prato na mão e a curiosidade me venceu.
Empurrei a porta aberta o suficiente e parei no primeiro degrau,
ouvindo gemidos dolorosos de alguém sofrendo. Priest estava encostado
contra a parede, de braços cruzados, olhando fixamente para frente e Angel
mexia em algumas peças de prata pequenas que pareciam itens cirúrgicos
bem afiados. Mordi o lábio, com o coração acelerado e desci mais um
pouco ao ver a mesa de ferro velha, um fio de sangue pingando no chão e
escorrendo diretamente para o ralo.
Diablo estava sem camisa, suado, seus cabelos um pouco
bagunçados.
— Por favor, me salve — O homem pediu baixinho, com uma súplica
desesperada de quem já estava delirando.
Diablo riu sombriamente, causando uma ânsia no meu estômago.
— Eu não nasci para salvar vidas. Estou aqui para te levar diretamente
para o seu pior pesadelo. Se espera paz e redenção, encontrou a pessoa
errada. Está pronto para experimentar o inferno? — Ele acendeu um
maçarico e o levou diretamente para uma ferida que pulsava sangue. As
pernas do homem encolheram tamanha dor e o grito deixou os pelos da
minha nuca em pé. — Recebeu dinheiro para matar minha esposa? Então,
você vai pagar…
— Eu vou dizer tudo o que quiser, apenas pare!
— Quem mais Amanda pagou? — Diablo o queimou novamente.
— Apenas eu e mais dois. Eles foram mortos na estrada, eu juro. —
Ele chorou e Diablo se inclinou um pouco mais. — Ela só quer as joias para
desaparecer. Amanda sabe que os dias como amante principal de Santiago
estão contados. Ele está interessado em outra garota loira mais jovem!
Covarde. Ela era o pior tipo de pessoa. Ia sumir para voltar quando
menos esperasse, talvez não mais pelo dinheiro, porque aquilo ela já havia
perdido. A herança dos nossos pais nunca iria para ela.
As joias. Por que ela tinha certeza de que papai estava com o restante
das joias? A mãe de Serena poderia tê-las enfiado em qualquer lugar! Ele
ser um advogado dela não garantia que estava fazendo as transações.
— Eu não sei mais nada! — o homem gritou, chorando. — Tudo que
eu sei é que ela estava chantageando o pai pelo passado. A tatuagem na
irmã, foi feita para que ela fosse encontrada morta e com o nome de um
homem perigoso, que o pai dela havia se envolvido no passado, ocultado
crimes e lavado dinheiro. Amanda queria infernizar a vida dos pais antes de
matá-los para ficar com a herança e eu ajudei só com isso, não fiz mais
nada, eu juro! Não toquei na sua esposa, não fui eu que fiz a tatuagem nela!
Diablo o queimou um pouco mais e foi o suficiente para mim. Seus
gritos ficariam eternamente marcados na minha mente. Dei meia volta e
parei na cozinha, respirando fundo, lavando minhas mãos excessivamente
para sair o cheiro da carne queimada da minha alma. Priest saiu em seguida,
encostando a porta.
— Eu sei que não deveria ter ido lá, mas eu precisava ouvir — falei
baixo, secando meu rosto.
— Você está bem? Vai vomitar? — Ele questionou em sua brutalidade
usual.
— Não estou bem, mas não vou vomitar.
Tudo ao meu redor parecia girar, meu peito doía e estava difícil
respirar.
— O que foi, Cora? Você parece que vai desmaiar. — Priest se
aproximou quando quase caí. — Merda! — Ele me ergueu em seu colo,
levando-me para uma mesa. — Seu marido não pode ficar com você agora,
porra. Eu vou te levar para ficar com Serena, ok?
— Eu consigo andar até lá. — Fechei meus olhos, tentando me
orientar.
— Não vou te deixar cair. — Priest me ignorou e me pegou
novamente.
Serena ficou agitada ao me ver chegar com seu marido e tirou as
almofadas do sofá para que eu me deitasse. Encolhi as pernas, ouvindo-os
falando baixinho mas não entendi o que era. Ela ajoelhou ao meu lado,
tirando o cabelo da minha testa.
— Priest exagerou, eu podia andar.
— Eles são assim, quando eu estava grávida, me carregavam na
escada o tempo todo. — Ela secou minha testa. — Fale comigo, Cora. Você
não deveria ter ido até o porão.
— Não estou assim por tudo que vi lá.
— Então, o que é?
— Estou cansada, Serena. — Meus olhos se encheram de lágrimas. —
Eu só quero ser feliz. Amanda roubou três anos da minha vida, ela só não
tirou mais porque eu vim parar aqui e ainda assim não posso sequer passar
um mês sem ter medo de estar grávida porque não posso trazer uma criança
ao mundo para que ela venha a ferir. Estou errada em estar tão cansada?
— Oh, querida! — Serena me abraçou apertado. — Você tem todo
direito de estar exausta por tudo que sofreu.
— Só preciso de um encerramento. Quantas coisas eu não poderei
viver porque minha irmã pagou homens como aqueles que estão lá no porão
para me destruir?
— Mais nada. — Serena olhou em meus olhos. — Você não
descansou um minuto. Não ficou por aí fingindo que nada aconteceu, é por
isso que está cansada. Gastamos dinheiro, articulamos planos, pagamos
muitas pessoas e tirando Javier, tudo deu certo. É por isso que estamos aqui,
obtendo informações importantes para terminarmos. Vai acabar, Cora.
Confie.
Assenti, absorvendo sua confiança e ela se esticou ao ouvir alguém se
aproximando da porta dos fundos. Sentei-me e olhei também. Era Angel
com Priest.
— Boas notícias, senhoras. — Angel abriu um sorrisinho charmoso.
— Sage acaba de encontrar um cofre com as joias e muitas informações
importantes sobre o passado de Bill Sutherland.
— Ai, meu Deus! — Cambaleei ao ficar de pé. — O que meu pai
estava fazendo que Amanda descobriu?
— Ele era informante do FBI. — Priest estava sério. — Seu pai tinha
muitas informações sobre o crime organizado. Uma pasta repleta de atos
nossos do passado, quando eu ainda não era presidente. Só não entendemos
por que ele nunca enviou, mas Sage encontrou a comunicação dele com um
agente do FBI. Há alguns anos, seu pai é quem vem denunciando vários
crimes, incluindo alguns que envolviam Santiago, como uma foto
verdadeira dele e da esposa, foi tudo revelado para os federais.
— Mas não responde como ela sabia disso — Serena refletiu.
— Havia uma escuta no escritório do seu pai que levava para a sala de
Amanda. Ela ouvia tudo o que ele falava o dia inteiro, só nunca conseguiu
encontrar as provas — Angel explicou e me sentei novamente, com a
cabeça explodindo. — São muitos áudios para ouvir. Sage disse que vai
fazer um compilado e logo nos dará informações, de primeira, é isso. Temos
as joias e agora, podemos agir com mais brusquidão para pegar sua irmã.
— Você realmente vai dar as joias para isso, Serena?
— Eu vou dar o que eu tiver para nossa família ter paz — Serena
confirmou, olhando em meus olhos e virou para o marido. — Ofereça as
joias aos caçadores que trabalhamos. Quem pegar Amanda primeiro, ganha
tudo — determinou.
Priest sorriu e saiu com Angel. Senti em meu coração que faltava
muito pouco.
Capítulo Trinta e Oito
Diablo
Eu odiava Los Angeles há muito tempo. Não tive uma boa relação
com a cidade, mesmo fazendo muito dinheiro ali, nada se comparava ao
meu lar. Talvez estivesse velho, cansado de aventuras, querendo Del Ride
como um porto seguro e não mais a agitação. Mas o clube vivia com o
melhor da noite e isso nós nunca cansaríamos de oferecer.
Estava deitado no chão frio de um galpão úmido à beira do píer, numa
área afastada da cidade, com o rosto ardendo e o lábio cortado porque eu
tive que deixá-los me bater um pouco. A adrenalina corria pelas minhas
veias. A garota entrou no meu campo de visão e pensei no quanto ela era
jovem demais para estar naquela vida, mas era esperta e soube como aceitar
o dinheiro.
Fui sequestrado. Quem diria? Diablo, um homem temido, pego por
inimigos filhos da puta. Olhando para o teto, fingi que os imbecis ao meu
redor não existiam. Era questão de tempo até minha família invadir a porra
daquele lugar e me levar para casa, porque eu sabia que eles nunca
cansariam de mim. Era assim que a lealdade acima de qualquer coisa
funcionava no meu mundo e eu tinha isso dos meus melhores amigos.
Eu tinha isso do clube.
Coisa que aqueles demônios que me pegaram sozinho no posto de
gasolina não tinham, porém, fazia parte de um plano maior. Nossa cartada
final.
— É ele? — Ouvi a voz feminina de Amanda. — Quem diria que
minha irmãzinha sonsa casaria com um homem como ele?
— Você deveria parar de subestimar sua irmã, piranha invejosa —
falei do meu lugar, sem precisar olhá-la para saber que ficou com raiva. —
A queimadura te fez bem. É por isso que Santiago está chutando sua bunda?
Já te fodeu toda e vai para a próxima loirinha inocente e virgem. Acho que
ele te trocaria fácil pela sua irmã. Mais bonita, mais inteligente, gostosa,
fode bem… — cantarolei e ela só respirou fundo, ergui o rosto e lhe dei um
sorriso exuberante. — Quer vir aqui sentar no meu pau?
— Calem a boca dele! — ela ordenou e ganhei um chute, fiz mais
show do que realmente doeu. — Falta pouco. Logo eles vão entregar as
joias e vocês terão o pagamento.
Eu comecei a rir, sem parar, porque sim… a festa estava quase
começando. Ao fundo, podíamos ouvir o som que eu mais amava na vida.
As motos. O chão tremeu, Amanda virou-se com os olhos arregalados e
percebeu que, inesperadamente, ficou sozinha comigo. A garota e os demais
homens saíram pelos fundos.
— Acho que a minha cavalaria está chegando. Última chance, vadia.
— Soltei parcialmente minhas mãos e fiquei de pé. — E aí? Vamos brincar
agora? — Amanda deu um passo para trás, olhando ao redor, procurando
uma fuga e visivelmente confusa. — Você deveria saber melhor que a
lealdade de algumas pessoas está no dinheiro. Achou mesmo que a família
do Santiago ia proteger a amante dele?
Ela virou bruscamente e parou ao ver Coraline do outro lado do
galpão. Não era para ela ter entrado enquanto eu não estivesse solto, porque
eles prenderam a corrente em uma coluna e não me soltaram antes de sair.
Foda! Podia ser a porra de uma armadilha também. Por que Coraline estava
sozinha?
— Oi, irmã! — Cora deu um passo à frente. Ainda não, porra. Ainda
não!
— Cora. — Amanda soou fria.
— Ah… por que não parece feliz em me ver depois de tanto tempo,
irmãzinha? Sou aquela de sempre, sua caçulinha… e nós temos muito a
conversar. Apenas eu e você.
— Não adianta correr — avisei, me movendo o quanto conseguia para
ficar entre as duas. Na lateral, vi Angel e Priest entrando no galpão. —
Peguem ela — pedi aos dois. Eles se adiantaram, porém, pareciam atentos
ao que acontecia do lado de fora.
Amanda fez um movimento inesperado, ela estava armada.
Foda-se, não. Não, porra! Foi muito rápido e eu apenas me joguei
com tudo que tinha. Em um segundo, ela estava apontando para Coraline,
despreparada e sem experiência, no outro, ela caiu no chão, atingida por
Priest. Então, eu ouvi o grito desesperado de Coraline, tocando-me em todo
lugar. Olhei para baixo e vi sangue saindo da minha barriga.
— Você pulou na frente! — Cora gritou, com as mãos vermelhas. —
Amor, ela não ia me atingir. Tinha a coluna para me esconder! — brigou
comigo, os olhos cheios de lágrimas.
— Por que você é sempre teimosa e furiosa?
— Foi assim que se apaixonou por mim! — Ela me olhou,
pressionando a ferida. — Diablo, não ouse morrer. Eu vou te matar!
— Eu não vou morrer — garanti, sentindo frio mas não dor.
— Não, amor. — Ela me sacudiu. — Gareth! Abra os olhos agora! —
Coraline me bateu e apesar de saber que os outros estavam falando comigo,
eu só podia ouvi-la. — Amor, por favor, te imploro. Não me deixe!
Eu sabia que não iria deixá-la. Em uma escuridão solitária e dolorosa,
eu sentia coisas desconexas no meu corpo, mas navegava em um limbo
silencioso. Estava ali, perdido, sem saber para que lado ir dentro da minha
própria mente. Era um caos que nós não previmos quando criamos o plano
para Amanda acreditar que seus aliados que restaram haviam conseguido
me pegar, em troca das joias que nós espalhamos estar em posse.
Ela queria fugir, estava desesperada porque o cerco estava se fechando
e não tinha mais o apoio do amante. Santiago recebeu muito de Sage para
não brigar conosco, assim como teve o que Amanda havia prometido: todas
as provas que Bill Sutherland acumulou para entregar ao FBI. Ele tinha algo
mais valioso do que brigar por uma guerra que ela inventou contra a própria
irmã.
Se os planos dela deram errado, ele não se interessava.
Foi fácil pagar todo o restante para fazê-la pensar que havia
conseguido me capturar. Coraline queria que fosse ela, mas eu não confiava
que minha esposa ficaria bem e pela vida dela, eu daria a minha. Em
questão de dias, fui pego no posto, no lugar combinado, levado para onde
Luci havia previamente nos dito junto a seus primos. Eles bateram em mim,
mas nem de perto com a força que fariam se fosse um sequestro verdadeiro
e tiveram a prova para entregar a Amanda, atiçando o interesse dela em sair
do complexo pela primeira vez e cair na nossa armadilha.
E ela caiu, mas poderia ter matado Coraline.
Por que ela entrou antes de Priest verificar se Amanda estava
desarmada?
Teimosa, maldita.
— Ei, cara. — Ouvi a voz de Priest. — É melhor você acordar, porra.
— Não ouse brincar com a morte, filho da puta. — Angel me cutucou
em algum lugar que doeu muito. Eu abri os olhos, zonzo. — Muito bem, ou
eu teria que dizer a todos que você morreu de tanto me amar.
— Vai se foder, caralho. O que um homem tem que fazer para
descansar de um tiro em paz? — Minha voz saiu arrastada, a língua, seca,
parecia pesar uma tonelada. — Por que vocês não entraram antes?
— Havia mais gente do lado de fora do que nos sentimos confortáveis
e a sua mulher é teimosa feito uma mula. Ela sequer estava preocupada com
Amanda, não ia parar até que te visse bem.
— Por favor, não me diga que a piranha morreu. — Tentei erguer
minha mão e meu braço caiu, pesado. — O que me deram?
— Ela viveu o suficiente para Coraline ter o que precisava. O que
importa agora é você. Pierce disse que está fora de risco preocupante e
precisa se cuidar. Só não queríamos te deixar pensar que podia ficar em
coma, porra. — Priest retrucou.
— E onde está minha esposa?
— Tombada. — Angel riu e virei o rosto. Coraline estava dormindo na
cama ao lado, coberta com uma colcha. — Tivemos que pedir alguns
calmantes, ela não dormia e se recusou a comer direito nos últimos dois
dias. Estava nervosa e com medo, sabe que pode ficar uma fera indomável,
então, o jeito foi derrubar o dragão.
— Não chame minha mulher de dragão, filho da puta — falei baixo,
sem tirar os olhos dela, da expressão serena de quem estava profundamente
mergulhada em um sono induzido por drogas. — Coloque a cama dela aqui
perto e abaixe essa grade entre nós dois.
— Ela quase cospe fogo como um. — Angel encolheu os ombros, mas
fez o que pedi. Só de sentir o cheiro daquele perfume doce, me senti
melhor. Queria afundar minha mão em seu cabelo macio e não conseguia
me mover direito ainda.
— Vou chamar Pierce e dizer que acordou. Ainda não pode ser levado
para Del Ride, mas conseguimos manter vocês seguros aqui. — Priest
apertou meu pé. — Não volte para o limbo novamente ou serei obrigado a
te enfiar a porrada.
— Eu só vou ficar descansando. Estou acordado e bem, confie em
mim, você não vai viver sem que eu esteja te infernizando a cada novo
segundo.
Eles saíram sem fazer muito barulho e voltei a encarar minha esposa.
Eu sabia que ela sentiria a minha presença como fazia na cama e chegaria
mais perto, buscando o calor do meu corpo e não foi diferente, mesmo
tombada. Pierce entrou e me examinou junto a um outro médico que eu não
conhecia, mas foi tranquilo, olharam a incisão e me explicaram sobre a
cirurgia de emergência.
Perdi muito sangue no local e imaginei o quanto deve ter sido
assustador para todos eles. Quando foi Angel e Priest, eu quase perdi a
minha cabeça, porque eu podia causar muita dor a quem entrasse no meu
caminho como inimigo, mas amava a minha família e não queria perdê-los
por nada nesse mundo.
Coraline deve ter surtado. Mas eu faria pior no lugar dela e por isso
não julguei. Queria que ela acordasse para me ver bem e deixar todas as
preocupações de lado porque enfim, estava completamente livre para ser
feliz do jeito que sempre sonhou e merecia.
E eu estava mais do que pronto para realizar todos os sonhos dela.
Capítulo Trinta e Nove
Cora
Amanda estava sentada na cama, olhando para a janela, fingindo que
não me ouviu entrar no quarto do hospital em que estava. Ela foi movida
para aquela área reservada para não atrair muita atenção e apesar das
algemas prendendo-a na cama, o policial responsável por tomar conta dela
teve as mãos agradavelmente molhadas para dar uma voltinha. Eram
incríveis as conexões do clube.
Diablo sequestrado, Amanda presa. Tudo para que eles tivessem um
atendimento a curto prazo ali em Los Angeles, porque não daria tempo de ir
para Del Ride. Pierce chegou o mais rápido que pôde, mas Sage tinha
clientes que eram médicos renomados, que sabiam bem quem ele era e o
que fazia, nos ajudando sem fazer perguntas e seguindo nossas ordens.
Os cantos das minhas unhas ainda estavam sujos do sangue do meu
marido e senti meu coração pesar por toda dor que passei nas últimas horas.
No entanto, era meu momento com ela. Amanda sobreviveu à cirurgia e
estava finalmente acordada.
— Pare de fingir que eu não estou aqui. Sei que você é capaz de
encarar todo o restante do mundo com frieza, menos a minha existência. —
Parei perto da cama. — Eu, a irmã que você odeia e despreza, de pé e
inteira. Você aí, na cama. Qual a sensação de ter falhado?
Ela virou e me encarou com ódio.
— O que foi, Cora? Vai me bater estando presa nessa cama? Hum?
Esse é o seu tipo de coragem?
Abri um sorriso, tirando uns vidrinhos do meu bolso e deixei na
mesinha ao lado, rasgando algumas agulhas e preparando as seringas
conforme a instrução de Pierce.
— Nos últimos quatro anos da minha vida, você me amarrou em uma
guerra sem que eu pudesse lutar de volta. O que te faz pensar que eu sou o
tipo de pessoa que só viria dar um discurso superior e sair? — Bati no
vidrinho, puxando o líquido para dentro. — Eu não sou a mocinha dos
livros que cresci lendo. Aquela que tem medo e hesitação de se vingar da
filha da puta que destruiu toda minha vida por ser uma vaca invejosa.
Então… — Peguei a conexão dos fios de medicação e engatei a seringa. —
Você vai ficar aí, sentindo dor. E eu vou assistir.
— Eu vou gritar e você vai voltar para a cadeia novamente. Não era
esse seu maior medinho? Ficava choramingando para mamãe, ganhando
colo e abraço dela?
Ela ainda sabia como apertar meus gatilhos.
— Não fale da minha mãe quando você a matou tão friamente. Não
ouse falar dos nossos pais, nada do que eles fizeram na vida justifica o que
você fez com eles. — Empurrei o líquido dentro.
Amanda soltou um grunhido quando começou a queimar. Seu rosto
estava ficando vermelho, os olhos pesados. Ela se debateu.
— Você nunca mereceu nada do que teve, Coraline. — A voz saiu
rouca, com um grunhido de ódio que seria assustador se eu não estivesse
com tanta raiva quanto ela. — Tudo que nossos pais faziam era amar você e
só você. Eu era o acidente da faculdade, a filha que chegou para atrapalhar
os planos do casal perfeito, a que fez com que eles se casassem às pressas e
fazia a mamãe chorar todos os dias por estar frustrada! Eu fui rejeitada todo
maldito tempo até que você nasceu e eles viviam dizendo que eu tinha que
te amar! — ela gritou, cuspindo em mim e devolvi com um tapa em seu
rosto de imediato.
— E em que momento você pensou que isso era minha culpa? Eu não
pedi para nascer e eu te amava! Eu te amava muito, Amanda! Você era
minha melhor amiga! Eu nunca tive culpa! — gritei de volta. — Você me
mandou para a cadeia só para se livrar de mim, depois me jogou no mar
para que eu morresse.
— E infelizmente, não morreu. Minha vida teria sido infinitamente
melhor se você nunca tivesse existido para roubar o amor dos meus pais —
ela falou baixo, entredentes, sentindo dor e não recuando. — Tudo mudou
no dia em que a mamãe engravidou de você. Eu nunca mais tive um colo e
nem abraços. Nem a vovó aparecia na cidade para me ver, tudo era você! —
Ela riu sombriamente. — Você não sabe o quanto foi incrível vê-la morrer.
Tão idosa, sozinha, só fiquei olhando sem chamar os médicos.
Amanda me encheu com tamanha fúria que peguei o bisturi e avancei,
mas alguém segurou meu braço. Ela começou a rir, enquanto eu gritava que
iria arrancar os olhos dela. Priest foi me puxando para trás, enquanto me
debatia e Angel fechou a porta, tomando o bisturi de mim.
— Eu sei que você está com raiva, bate em mim o quanto quiser, mas
se continuar, você vai ser uma assassina — ele falou no meu ouvido. —
Você é do tipo furiosa e corajosa, mas não vai carregar esse fardo sem
necessidade.
— Não! Ela não pode viver depois de tudo que fez! — Eu chorei,
arranhando seus braços. — Me solta, Priest! Me solta!
— Toda vez que Serena matou, foi por defesa e ela sofreu com
pesadelos. Eu conheço o seu coração, Coraline. Como presidente do clube
que faz parte, eu não permito que mate sua irmã. — Ele me soltou e
escorreguei no chão, abraçando minhas pernas. — Seu marido precisará de
você quando acordar.
— Faça essa dor parar! — pedi, olhando em seus olhos. — Só faça
essa dor parar!
— Não vai passar agora, mas nós vamos te colocar para dormir e
quando acordar, Diablo vai estar te esperando.
Priest me ergueu em seus braços e me embalou no peito, com o abraço
de irmão mais velho que eu precisava naquele momento. Ele me levou para
o quarto de Diablo, que descansava no pós-cirúrgico, ainda desacordado.
Pierce me deu uma medicação, Angel me cobriu e eu apenas esperei que
toda tempestade dentro de mim finalmente acalmasse.
Senti um toque suave nos meus lábios e bati na mão que estava
perturbando meu sono, mas foi a risada profunda que me fez abrir os olhos
e me sentar assustada. Diablo gemeu de dor por ter acertado seu braço e riu.
— Dorminhoca do caralho. Não ia acordar nunca, porra? — Ele pegou
minha mão.
— Você está sentado!
— Só um pouco, para comer, já que fui liberado para levantar um
pouquinho. Está dormindo tem mais de treze horas, já chega.
— Ah, amor! Me desculpa! — Peguei sua mão, louca para abraçá-lo.
— Eu deveria ter esperado, só que estava muito nervosa e ansiosa. Fiquei
com medo de que Amanda tirasse você de mim e por fim, minha
imprudência fez com que ela quase conseguisse. Me perdoa.
— Eu sei que estava com medo e que não fez de propósito, foi culpa
de Priest e ele vai me ouvir falar sobre isso para sempre. — Diablo abriu
um sorrisinho.
— Não. Você sabe que sou bem difícil de segurar.
— Sei disso, mas está tudo bem. Ela não queria me atingir e sim a
você.
— Você pulou na frente, idiota.
— Eu prometi que iria te manter segura para sempre. — Ele tocou
meu rosto. — Eu te amo, Coraline.
— Eu te amo muito mais, Gareth. — Inclinei-me com muito cuidado,
evitando tocá-lo para não machucar e beijei seus lábios. — Quase morri
pensando que tinha te perdido para sempre e essa é uma sensação terrível.
Nunca mais quero passar por isso.
— Sinto muito por te assustar. — Diablo arrastou o polegar no meu
lábio.
— Antes de eu dormir, Amanda estava viva.
— Priest disse que te trouxeram aqui e quando voltaram, ela estava
morta.
— Como assim? — questionei e olhei para a porta. — Eles mataram
Amanda?
— Não foram eles. — Diablo atraiu meu olhar novamente. —
Voltaram lá e ela estava morta. Enquanto dormia, o pessoal que está
trabalhando conosco aqui recuperou algumas imagens e conseguimos ver
um homem entrando no quarto segundos depois que Priest te pegou no colo.
Ele estava escondido no corredor o tempo todo, usando um uniforme de
enfermeiro.
— Seria alguém do cartel do Santiago? — sussurrei, completamente
confusa.
— Não. Sage vai te mostrar a fotografia depois. — Ele sinalizou para
que eu me aproximasse. — Estou com dor.
— Ai, meu Deus! Vou chamar a enfermeira!
— Não. Eu quero beijos da minha enfermeira favorita. — Diablo
sorriu de lado, sacana, eu ri e subi em seu colo, mas sem liberar meu peso e
o beijei com todo meu amor. — Porra, mulher. Vai me deixar de pau duro
aqui no hospital?
— Eita, caralho! — Angel abriu a porta. — Só porque vocês são
casados pode rolar sexo no hospital? Sendo assim, aceito o casamento!
— Deixa de ser idiota. — Eu pulei da cama. — Chega de hospital para
todos nós. Vamos voltar para casa e ficar em paz.
— A senhora é quem manda.
Já acordada e um pouco recuperada, decidi que não ia chorar a morte
de Amanda, mas havia algo no meu peito que implorava para colocar aquilo
para fora. Eu me afastei deles, dizendo que ia falar com a enfermeira e saí
do quarto, indo até uma área de fumantes para me acalmar. Ela não merecia
minhas lágrimas e muito menos o sufoco do meu coração apertado.
Um homem apareceu pela outra porta, alguns metros longe de mim,
eu ia sair para que ele pudesse fumar em paz e parei ao olhar para seu rosto.
— Você é irmão do meu pai. — Ofeguei, pensando que se ele estava
ali, provavelmente foi quem matou minha irmã. Ele iria me matar? Ergui
meu queixo. Me derrubar facilmente que não seria.
— Descanse, pequena. Seu pesadelo acabou — ele falou com
tranquilidade. — Eu quis estar lá quando você nasceu, mas foi melhor para
toda família que vocês ficassem longe de mim. Agora que Amanda está
fora, você precisa destruir todas as provas que seu pai mantinha sobre a
minha existência, Coraline. Ninguém pode saber que estou vivo.
— Por que isso tudo? Quem é você de verdade?
— Você vai descobrir. Queime tudo — pediu de um jeito bem severo e
senti que se eu não fizesse, também estaria na mira dele. Ao virar para sair,
eu o chamei.
— Por que você a matou? Ela não estava com as provas.
— Ela matou meu irmão e a minha cunhada. Ao chegar aqui, ainda
descobri que matou a minha mãe. No meu mundo, pessoas como ela são
eliminadas. — Com um olhar sombrio, ele saiu novamente. Corri atrás e
empurrei a porta da escada, sem saber se ele tinha subido ou descido. Fiquei
estagnada no lugar, chocada e encostei na parede.
Os Sutherland nunca foram o que demonstravam ser. Minha família
era uma farsa.
Capítulo Quarenta
Cora
Serena jogou algumas madeiras secas na grande fogueira e eu
terminei de picar todos os papéis enquanto Diablo jogava as fitas e as caixas
de papel. Tudo que era incriminatório em relação ao clube, ao meu tio, meu
pai e ao passado estava sendo queimado. Meu pai matou um homem com
meu tio, mas diferente do outro, ele foi pego.
A negociação consistia que ele se tornaria informante do FBI por
todos esses anos e assim, não cumpriria pena. Ele mudou de carreira, criou
diversos “personagens", usando identidades de pessoas mortas e por trás da
fachada de advogado íntegro, entregava o crime, ao mesmo tempo, fazendo
parte dele de algum modo.
O homem que meu pai matou era um pai de família. Testemunha de
um cliente dele, que havia assassinado a esposa a sangue frio. Ele ia perder
o caso e escolheu silenciar a pessoa que o faria perder. Esse cliente estava
livre até os dias atuais e me deu nojo saber que era alguém da alta
sociedade, convivendo entre os ricos, como se fosse alguém perfeito.
E eu me perguntava se foi a única pessoa que meu pai matou. Ele
ainda teve o desplante de ficar decepcionado comigo por drogas que na
realidade eu nunca vendi. Ora essa…
Meu tio era um assassino de aluguel procurado pela INTERPOL e
ninguém sabia o seu verdadeiro rosto.
Depois de um mês da morte de Amanda, o inquérito da explosão foi
encerrado e a casa liberada. Mandei retirar todas as coisas, vendi algumas,
doei as peças de arte para pequenos museus, fiquei com poucas fotografias
dos meus pais, da minha infância e algumas roupas. O restante, estava
queimando. Tudo para enterrar o passado de uma família que eu não fazia
mais parte e não queria tantas lembranças. Ficaria com as boas e estava
decidida a reconstruir minha vida.
Priest acendeu o fogo no pano molhado, colocando no lugar certo e
em pouco tempo, a chama se alastrou. Para mim, aquela fogueira enterrava
tudo que eu estava desesperada para esquecer. Meu pesadelo tinha acabado.
Estava livre de segredos e conspirações. Anos antes, eu era só uma menina
pensando no futuro. Não havia como recuperar o que perdi e a dor ainda
estava no meu coração, porém, o peso não mais.
A liberdade tinha um sabor gostoso.
— Você está bem? Se quiser chorar, eu juro que não vou ficar
impaciente. — Diablo me abraçou por trás.
— Pode bancar o macho que não aguenta lágrimas na frente dos seus
amigos, seu segredo de ser o dono do melhor abraço confortador está
guardado comigo — falei baixinho, beijando seu braço. — O que
aconteceria se meu pai entregasse tudo que tinha do Santiago, do clube e da
família King para o FBI?
— Ele deu pequenas informações, não o suficiente e por algum
motivo que só ele poderia responder, acumulou e guardou o restante. Talvez
usasse em um momento crítico…
— É comum?
— Claro que sim, amor. Segredos valem mais do que dinheiro. —
Diablo beijou minha bochecha. — Não se preocupe com isso. Talvez ele
nunca tenha feito nada, porque de algum modo, revelaria que seu tio está
vivo e toda pirâmide de lavagem de dinheiro, estelionato e falsas
identidades viriam à tona. Não teria acordo com o FBI que o livrasse de
pagar por tudo isso, fora que iria expor pessoas muito perigosas. Gente que
não brinca, Cora.
— Ainda bem que isso acabou.
— É esquisito querer assar alguma coisa nisso? — Angel inclinou a
cabeça para o lado, me fazendo rir.
— Vamos deixar queimar o suficiente para não ter recuperação e
depois mandar os aspirantes cuidarem de todo o lixo — Priest falou,
abraçado com Serena.
— Esse cheiro vai impregnar no meu cabelo — falei baixinho.
— Vem, vamos para casa. — Diablo me soltou só para pegar minha
mão.
Os aspirantes ficaram vigiando a fogueira, em um matagal longe da
nossa casa e voltamos a pé, com tranquilidade, conversando. Serena e eu
combinamos de malhar cedo no dia seguinte, desejando voltar para nossa
rotina mais do que tudo. Diablo ainda não podia pegar peso, não que ele
estivesse obedecendo as recomendações médicas. Nem mesmo o jejum
sexual durou muito.
Eu era uma otária, cedi pela ânsia e desespero de estar com ele,
agradavelmente surpreendida que nem mesmo um tiro, perder sangue e uma
cirurgia tirou o desejo do homem. Tudo bem que não foi logo que saímos do
hospital e sim, umas semanas depois, porque ele podia ser o meu herói, mas
não era de ferro.
Entramos pelos fundos, quase não usávamos a frente da casa, apenas
as duas portas da cozinha. Eu era meio chata com limpeza e ficar aspirando
a sala por causa da areia da praia já era mais do que o suficiente.
— O que vamos colocar nessa parede da sala de jantar? — Diablo
parou entre as portas.
— Está a fim de assaltar um museu? — Balancei as sobrancelhas. —
Estou brincando. Encomendei um quadro de uma artista de Los Angeles
que eu acompanhava antes de ser presa. Deve chegar em alguns dias e é
lindo.
— Vou adorar deixar os otários na frente do quadro pensando no
significado da arte. — Ele abriu um sorrisinho adorável.
— Priest vai perder a paciência e picar meu quadro todo.
— Como sabe? — Franziu o cenho, me abraçando e começou a rir. —
Era o que você faria, certo?
— Como sabe? — Arregalei os olhos, ainda me divertindo.
Subimos a escada para o nosso quarto, ele tinha um trabalho a fazer no
computador, usando a mesa da varanda, e eu fiquei lendo na cama. Com
meu livro, um romance que Serena havia me emprestado, olhei para meu
marido aproveitando o vento da praia com o notebook no colo, as pernas
esticadas, sem camisa e os cabelos bagunçados. Era impossível conter a
vontade de abraçá-lo e dizer o quanto o amava.
Nada podia me impedir, então, eu fui até ele e o peguei de surpresa,
ganhando um lindo olhar e todo seu amor de volta.
As semanas seguintes me fizeram entrar na rotina novamente. Eu
assumi a cozinha do clube, até estudando um pouco melhor os cardápios,
assim como passei a lidar com toda logística das doações. Serena
administrava o clube e o bar, era fácil ter nossas tarefas relacionadas,
porque nos entendíamos muito bem e era uma sessão de risada o dia todo.
Em um sábado comum e de sol, fomos às compras na cidade.
— Tenho que passar na farmácia — ela me avisou, com os braços
cheios de bolsas.
— O que precisa? — Olhei para a oficina. Diablo e Priest riam
maldosamente enquanto Angel parecia muito chateado.
— Teste de gravidez. Não estou atrasada, mas eu gosto de ter na
gaveta para meus dias de paranoia. — Serena abriu um sorriso e foi direto
para a sessão certa, pegando dois. — Quer um?
— Pode ser. Deve ser bom ter um guardado. — Dei de ombros,
agarrando a caixa.
Pagamos nossas compras, ela o escondeu entre as roupas e eu apenas
enfiei o meu na bolsa. Diablo não era do tipo fofoqueiro, ele só mexia nas
minhas coisas se eu pedisse algum favor, fora isso, ele deixava minha zona
no armário do meu jeito e organizava o dele como um senhor de idade
muito chato.
— Nós vamos pegar Peter na mãe de Sage e vamos embora — Serena
avisou ao entrar na oficina. — Te espero para jantar em casa?
Eu me refugiei nos braços de Diablo, falando baixinho que queria
ficar sozinha com meu marido, ele riu e prometeu que não iria demorar.
Angel começou a fazer sons de vômito e eu estava particularmente
contando os dias para o pentelho encravado encontrar um amor e ficar
apaixonado para que pudesse me vingar a cada minuto possível.
Fiquei com Serena enquanto Diablo não chegava. Meu jantar estava
praticamente pronto e o dela ainda não. Peter a deixava meio louca por
aprontar muito e eu brinquei com ele no quintal, depois dei banho e ainda
ganhei um chamego na cadeira de balanço. Ele dormiu segurando minha
mão.
— O moleque te pegou de jeito. — Diablo entrou de fininho no quarto
de Peter.
— Ele é irresistível, ainda mais quando fica fazendo carinho no meu
pescoço para dormir.
— Vamos colocá-lo no berço. — Diablo o pegou de mim com
maestria e levou para o outro lado, dando um beijo na testa. Peter
choramingou um pouco e ele rapidamente soube o que fazer, falando baixo
e com tranquilidade, dando ao menino paz e segurança para voltar a
dormir.
Se eu pudesse, derretia ali mesmo. Era lindo de assistir. Meus ovários
pareciam em colapso e ao mesmo tempo, sentia a dorzinha de que Diablo
podia ter vivido tudo aquilo com Stormi. Ela estava bem na Inglaterra, um
pouco chateada por Javier ter sumido de novo, mas sua rotina seguia
tranquila na cidade. Os seguranças relataram que Stormi estava com
dificuldade de se habituar, sempre reclamava que sentia falta de casa e eu
sabia que para ela, era ainda mais difícil: só teve a mãe a vida inteira e
depois, a perdeu brutalmente, precisando sair do país em seguida.
De mãos dadas, voltamos para casa, ele abriu um vinho para mim logo
que comecei a tirar a comida da geladeira. Legumes cozidos, purê e ele
grelhou o frango rapidamente na churrasqueira do lado de fora.
Organizamos nossos pratos na cozinha.
— E se deixarmos de usar camisinha? — sugeri, brincando com a
minha cenoura no molho da salada. Diablo parou de cortar o frango.
— Você quer parar de se prevenir?
— Não é como se a gente não vacilasse de vez em quando, mas eu
acho que podíamos simplesmente abolir o uso e deixar rolar? — Mordi meu
lábio, pensativa. — Sabe o que eu realmente quero dizer agora, certo?
Diablo limpou a boca, olhando para frente e levou a mão à nuca.
— Não sei o que te responder, acho que só quero te beijar pra caralho.
— Ele empurrou seu prato e me abraçou.
— Sabe que ainda não estou grávida e precisamos começar a praticar
sem impedimentos para acontecer…
— Deixa essa porra aí. — Ele soltou meu garfo e me pegou no colo,
soltei um grito com o susto e bati nele, derrubando um copo no balcão.
Sorte que estava vazio. — Vamos começar a fazer bebês agora mesmo!
— Eu tenho vontade de fatiar as suas bolas quando me pega assim! —
Bati de novo em seu ombro. Diablo riu, não se importando com a minha
fúria. Subiu a escada fingindo que iria me deixar cair por estar pesada, me
assustou mais duas vezes, tentei chutá-lo e acertei a parede.
Puta que pariu.
— Você é tão assustadora quanto um gatinho para mim, sossega. —
Me jogou na cama, tirando a camisa.
— É melhor fazer um showzinho mais excitante. — Dei de ombros.
— Você quer uma dancinha? — Fingiu que iria dançar ao tirar o cinto,
bati palmas, louca para ter meu exemplar de stripper sexy em casa. — Nos
seus sonhos. Eu não vou rebolar para foder. Tá maluca, cacete?
— Alguém já te disse que é um grosso, sem educação… — comecei a
falar e Diablo me silenciou com um beijo. Nossa, que boca gostosa.
Esqueci o que estava falando, completamente dominada por ele.
Capítulo Quarenta e Um
Diablo
Coraline estava dormindo no centro da cama, nua, com os braços
abertos e eu tirei uma foto para que ela acreditasse que nunca ficava parada
em um único lugar durante a noite. Fui para a varanda com meu copo de
suco, porque eu não sabia onde ela tinha enfiado minha garrafa de uísque.
Pedi para esconder de Angel, não para desaparecer com ela, porra. Minha
mulher levava tudo ao pé da letra.
Meu telefone vibrou e tirei do bolso do pijama, olhando o código de
área e meu coração acelerou. Era o segurança de Stormi.
— O que aconteceu? — atendi, preocupado. — Ela está bem? O que
houve?
— Pai? — A voz suave e baixa de Stormi quase me fez cair. Ela
nunca falou comigo antes, nem mesmo quando a levei para a Inglaterra,
ficou muda ao meu lado e sem me responder diretamente. — Desculpa
ligar essa hora, é que eu precisava falar com você e eu… não consigo te
chamar pelo outro nome. E no fim, acho que você é o meu pai, não é? —
ela gaguejou um pouco. — Desculpe.
— Não, tudo bem. Eu sou seu pai. — Respirei fundo.
— Eu sinto muito pela única vez que estivemos perto um do outro.
Não consegui falar com você porque estava triste e com medo, de luto, sem
me entender e nesse tempo todo, você nunca deixou faltar nada para mim.
— Ela parecia muito nervosa e me perguntei se era por falar comigo ou se
algo estava acontecendo.
— Stormi, eu sei que sua mãe não me pintou como um homem bom e
eu também sei que não sou. Mas nunca irei te ferir e farei o que puder para
te proteger, para ser feliz, porque é isso o que pais fazem. Não é?
— Mamãe estava com medo. — Stormi soou triste. — Ela nunca disse
coisas ruins de você, também não disse boas, apenas ficava falando que eu
tinha que aprender a me cuidar e eu não soube fazer isso. Só que estando
aqui, não consigo me encaixar e eu quero muito voltar para os Estados
Unidos.
— Stormi…
— Sei que ele sumiu, pai. Eu só não aguento mais me sentir sozinha
aqui. — Ela respirou fundo, se acalmando. — Me deixa voltar. Vamos
procurar um lugar seguro para que eu possa viver…
— E não quer terminar seu curso? — Deixei o copo em cima da mesa,
encostando na parede, ainda sem acreditar que Stormi estava falando
comigo diretamente.
— Eu quero, mas, assim como eu vivo segura aqui em uma grande
cidade, talvez eu possa ter um lugar que tenha independência e o direito de
construir a minha vida.
— Tudo bem. Sei mais ou menos a data que seu curso termina e vou
organizar tudo, vai ser mais seguro para você.
Ela ficou quieta por um momento.
— Espero que estando mais perto, possamos nos ver também —
Stormi falou baixinho. — Deveríamos nos conhecer melhor.
— Eu adoraria, Stormi.
— Você era um adolescente, isso é bizarro na minha cabeça, fiquei
muito magoada com a minha mãe quando soube da sua idade. Achei
absurdo, mas ela devia ter os motivos dela e… você era uma criança,
fazendo parte do clube ou não. — Ela soou um pouco amarga. — Sinto
muito por tudo. Não tenho muita desculpa.
— Eu era sim, uma criança, mas só sei disso agora que estou velho.
Mas eu já fazia muitas coisas, Stormi. Já era adulto para muitas partes da
vida há muito tempo e apesar de tudo, eu não me arrependo, porque daquela
relação errada, veio você e tenho certeza que sua mãe também não se
arrependia. Ela te amava mais do que tudo e eu sempre sonhei poder fazer
parte da sua vida. — Parei de falar por alguns segundos e engoli em seco.
— E você não me deve desculpas.
— Agora poderemos fazer parte da vida um do outro.
— Sim, poderemos — confirmei, feliz pra caralho, querendo gritar e
soltar fogos.
Stormi encerrou a chamada com suavidade e eu amei ouvir a voz da
minha filha. Foda-se um DNA, porra. Ela era minha menina. Antes de
desligar, perguntou se poderia me ligar mais vezes e confirmei que sim,
exultante pra caralho. Voltei para dentro e me sentei na cama, acordando
Coraline.
— Stormi falou comigo. — Eu a sacudi. Sentando-se na cama com
sono, levou alguns segundos para a mensagem fazer sentido.
— Sua filha te ligou? — Cora abriu um sorriso lindo. — Ah, meu
amor! Que felicidade!
Não existia absolutamente nada melhor do que compartilhar minhas
alegrias com alguém que me entendia e me amava. Eu achava que o
casamento era difícil. Sempre ouvia os homens reclamando de suas esposas
e sim, Coraline podia ser louca do nada e surgir com um humor ruim
complicado de lidar, mas a nossa convivência era maravilhosa. Ela se
entregou ao clube, ao nosso relacionamento e à própria vida de corpo e
alma.
Eu me preocupei que o sentimento depressivo ainda permanecesse
depois que tudo passasse. Mas ela se empenhava em ser feliz. Escolhia ser
alegre e olhar para as boas coisas que tínhamos. Era preciso muita conversa,
de uma maneira irritante e invasiva, porém, conhecer os defeitos e
qualidades do outro era vital para nossa sobrevivência a dois.
***
Priest me ajudou a encontrar um lugar seguro para Stormi voltar para
casa. Angel ficou ocupado com novos equipamentos, fazendo algumas
viagens necessárias para organizar nosso material de guerra e com isso, eu
tive que ficar mais em Del Ride e na oficina, para cobrir a ausência dele nas
semanas seguintes.
Quando Stormi chegou, seus seguranças a levaram para a residência
que comprei, um bonito apartamento no centro de São Francisco. Também
consegui que tivesse um emprego com um antigo conhecido de extrema
confiança. Ela seguiria sendo vigiada de perto, com uma rotina cuidadosa,
mas a cidade era grande e fora da nossa rota de convívio, assim estaria
longe dos holofotes e perto o suficiente para visitas.
— Vocês estão prontas? — Priest gritou de sua sala para a escada.
— Um minuto! — Serena gritou de volta.
— Peter está pronto! — Cedrick desceu com o garoto. — E como
estou?
— Estão todos ótimos, vamos logo! Vamos nos atrasar! — gritei,
ansioso. — Angel tinha que estar aqui, só falta ele, porra.
— Calma, teremos outras oportunidades, é só o primeiro dia. —
Cedrick bateu no meu braço. — Não fique nervoso, padrinho.
— Esperei muito por esse dia — confessei, sem me importar com o
que eles iriam pensar do meu momento de sentimentalismo.
— Irmão, eu tive a honra de criar esse moleque com você e sei que
mesmo agora, será um pai foda para Stormi. — Priest parou ao meu lado.
— Se Cedrick sobreviveu, qualquer um que chegar agora vai estar no lucro.
— Bom saber que eu fui cobaia. — Cedrick começou a rir.
Coraline e Serena finalmente desceram, prontas.
— Como estou? — Cora rodopiou com um lindo vestido preto com
bolinhas brancas, sapatilhas e o cabelo cheio de cachos perfeitos.
— Maravilhosa como sempre. — Eu me inclinei e beijei seus lábios.
— Vamos. Não quero me atrasar.
Usamos as duas SUV's escuras para a viagem. O tempo todo nos
certificamos de que a estrada estava segura, usando os aspirantes para irem
na frente, vigiando o caminho. Fizemos acordos necessários com as
patrulhas locais para não sermos pegos de surpresa pelo novo agrupamento
dos Malignos e muito menos, por Javier, que podia estar em qualquer lugar
em sua miserável existência.
Estacionamos dentro do prédio de Stormi e o segurança, Killian, veio
nos receber informando que ela nos aguardava no apartamento.
— Fique calmo. — Cora apertou minha mão. — Está tudo perfeito.
— Estou calmo.
Entramos no elevador todos juntos, saímos no andar e eu toquei a
campainha. Stormi parecia estar do outro lado, porque logo abriu a porta
com um grande sorriso.
— Oi, gente! — Ela acenou, parada no lugar.
— E quem precisa de DNA, porra? Ela é a sua cara! — Priest falou
atrás de mim, quebrando a tensão e todos riram.
— Uma versão infinitamente mais bonita. — Cora deu um passo à
frente. — Olá, estou muito feliz em te conhecer. Eu sou Coraline, esposa
desse homem que o gato comeu a língua.
— Meu pai disse que você era linda e ele não estava exagerando. —
Stormi e Cora trocaram um abraço e meu coração parecia que ia explodir no
peito. — Oi, pai.
— Oi, filha. — Eu a abracei. Caramba. Ela era pequena e cheirosa,
minha menina. — Estou feliz em te ver.
— Eu também — Stormi sussurrou e fungou, me apertando um pouco
mais.
— Quero que conheça meu irmão da vida. Priest e a esposa, Serena.
Esses são meus dois afilhados, filhos do meu coração, Cedrick e Peter.
— Caramba! É uma família grande agora! — Stormi abriu um
sorrisão.
— Definitivamente, não precisa de DNA! — Serena a abraçou
apertado. — Seja bem-vinda à nossa família, Stormi.
Priest limpou a garganta, também feliz por finalmente conhecer minha
filha. No passado, eu sequer tive direito a ver fotografias dela. O máximo
que Tereza me deu foram alguns desenhos que Stormi fez para mim e com o
passar do tempo e a falta de convivência, ela não fez mais. Peter abriu um
sorriso, acenando, com sua simpatia herdada da mãe. Cedrick ficou na dele,
ele sempre era mais quieto e reservado de primeira.
— Ainda falta um, mas ele estava ocupado com o trabalho e não
conseguiu chegar a tempo. Mas isso vai ser resolvido em breve.
— Eu fiz lasanhas! Não sou a melhor cozinheira, mas a vizinha me
deu um livro de receitas e eu segui à risca. Parece bom.
— O cheiro está delicioso, pode apostar. — Cora e Serena foram com
Stormi para a cozinha.
Eu olhei ao redor, aceitando a bebida oferecida. O mundo podia pegar
fogo lá fora, eu estava pouco me fodendo, dentro do meu peito, era só
explosão de felicidade.
Capítulo Quarenta e Dois
Cora
Alguns meses depois.
Diablo havia passado a madrugada no clube trabalhando e eu não
consegui esperá-lo acordada. Pela manhã, ele dormia pesado, roncando
baixinho no meu ouvido e por mais que tivesse sido um dos motivos pelos
quais perdi o sono, eu ri. Um ano dividindo a cama com ele. Um ano
completo havia se passado e eu estava em paz, podendo acordar sem medo
e não havia dinheiro no mundo que pagasse aquela tranquilidade.
Coloquei minha mão na testa, pela quinta manhã consecutiva sentindo
náuseas. Acreditava que era o momento de pegar o teste e fazer. Levou mais
tempo do que o esperado para engravidar e minha médica disse que era
perfeitamente normal alguns casais não conseguirem de primeira. Eu fiz os
exames necessários, Diablo também, estava tudo certo para concebermos.
Eu não coloquei muita pressão nisso, até porque, estive ocupada com
minhas funções no clube, fazendo amizade com Stormi mesmo que por
troca de mensagens (ela era como o pai, impressionante como o DNA não
precisava de uma convivência. Tal como Diablo, era curta, direta ao ponto,
sempre sacana e adoravelmente cretina com as respostas). Cedrick
finalmente ganhou um apartamento, o que fez com que eu entrasse em um
modo louco de decoração.
Ele estava feliz com o local só dele, os custos estavam sendo pagos
pelo pai, porque o salário de Cedrick era de estagiário-perto-de-passar-fome
e o tio disse que não lhe daria um aumento até que provasse seu valor para a
empresa. Isso fazia com que o garoto trabalhasse em todos os bicos que
surgiam pela frente. Eu pagava para lavar os carros, meus tapetes e passar
minhas cortinas. Serena explorava na função irmão-babá sem culpa.
Diablo era o único que dava dinheiro a ele escondido e Angel
comprava tudo o que ele queria sem questionamentos. Priest ficava maluco
de raiva. Eu amava a minha família incondicionalmente.
Saí da cama de fininho, fui para o banheiro e encostei a porta só para
Diablo não me pegar no meio do teste. Li as instruções e segui as etapas
cuidadosamente, esperando o resultado enquanto me arrumava para
começar o dia. Prendi o cabelo, lavei o rosto e escovei os dentes, foi o
tempo para o teste apitar e o resultado surgir na tela.
Levei a mão à minha barriga, louca para gritar e me aquietei. O
escondi no fundo da gaveta, vesti minhas roupas de ginástica, tomei café e
fui correndo para a casa de Serena porque iria precisar muito da ajuda dela.
— Ah, oi! Desculpa invadir! Achei que tivesse saído já! — Entrei e
bati nas costas de Priest, que estava tirando o lixo.
— Algum bicho te mordeu, diabo loiro? Tá com pressa de quê?
— Vamos malhar! — Disfarcei o quanto estava ofegante e querendo
pular no lugar com uma repentina vontade de praticar exercícios físicos.
— Você está esquisita. — Priest me olhou desconfiado. — Serena está
se vestindo. Já comeu alguma coisa?
Passei correndo por ele, subindo a escada e abri a porta do quarto dela.
— Priest, me dá licença! — Serena brigou e parou ao me ver. —
Caramba, achei que fosse o fofoqueiro do meu marido. Pedi uns minutos
sem ele andando atrás de mim feito uma sombra porque preciso fazer isso
aqui! — Mostrou o teste com alegria. — Estou atrasada! Quer fazer um
comigo?
— Tudo bem. Vamos fazer como naqueles vídeos da internet e ver
qual é o positivo e o negativo?
— Boa ideia, vai ser divertido!
Ela também seria surpreendida com a minha boa notícia.
Peguei um e fui para o outro banheiro, fazendo xixi o suficiente para o
teste e coloquei a tampinha no lugar. Nós os deixamos no balcão e eu queria
muito rir, porém, consegui me manter séria e por ela estar ansiosa, não
prestou tanta atenção em mim. Serena se vestiu, vigiando Priest no primeiro
andar e Peter ainda dormindo.
— Ah, caralho! — ela gritou, pegando os testes. — Coraline!
— Estou grávida! — sussurrei meio gritando. Serena se jogou em
mim tão forte que quase caímos na banheira, cobri sua boca para não falar
muito alto.
— Espera! — Ela se afastou rapidamente e pegou o outro. — Os dois
deram positivo! Cora? Estamos grávidas!
Cobri minha boca sem acreditar que seríamos amigas de barriga
também.
— Eu não acredito que estamos grávidas ao mesmo tempo! —
Trocamos um abraço apertado e eu comecei a chorar. — Que droga, fiquei
emocionada!
— Ah, para! Vou chorar também! — Serena abanou o rosto. —
Precisamos falar com a médica.
— O motivo pelo qual vim aqui como uma desesperada é porque eu
quero muito fazer uma surpresa para Diablo. Ele merece saber dessa
gravidez da melhor maneira possível.
— Claro que vou te ajudar e aproveitar para deixar meu marido um
pouco mais careca, que com a nossa sorte, vem outra peste por aí.
Ficamos no banheiro, falando baixo, até que Priest nos pegou e ficou
ainda mais desconfiado. Serena arrumou um motivo para começar uma
briga com ele e, sem nenhuma razão aparente, pegou a bolsa e a chave do
carro, saindo sem dar satisfações. Enviei uma mensagem para Diablo,
contando que iria à cidade e depois o encontraria no clube.
Sorte que meu marido era muito tranquilo.
— Tranquilo? Ele tem é medo que você jogue uma coisa nele! —
Serena bufou quando li a mensagem fofa dele em voz alta. — Priest que
ama me atentar. Ele gosta de me ver irritada, isso parece que dá um prazer
enorme a ele!
— Diablo também, a diferença é que a minha mordida dói.
— Eu não consigo morder Priest. A não ser que a gente vá fazer
outras coisas… — Ela abriu um sorriso sacana. — Eu não resisto àquele
homem, tanto que estou grávida de novo! — Bateu no volante, empolgada.
— E se forem duas meninas? Elas serão melhores amigas! Por que estou tão
ansiosa?
— Eu não sei, só sei que estou nervosa. — Ergui minhas mãos,
tremendo. — Acho que a ficha está caindo agora. Ai, meu Deus! Serena!
Tem um bebê dentro de mim!
— Outra coisa entrou aí, querida. Consequências — ela me provocou
e eu explodi em uma risada alta.
— Você é tão idiota!
— É por isso que você me ama! — cantarolou e parou em frente à
loja. — Então? Como vamos surpreender nossos maridos hoje?
— Eu tenho uma ideia.
Saímos do carro empolgadas e como sempre, levamos uma eternidade
na rua. Desencontrei de Diablo o dia inteiro propositalmente, com medo de
não conseguir esconder o quanto queria surpreendê-lo à noite. Agendei uma
consulta, peguei os primeiros folhetos que a enfermeira da clínica me deu
para leitura, livros e voltamos para o clube perto da hora do jantar.
Eu salivei com a macarronada do buffet e devorei meu prato, mal
deixando o molho.
— Hoje vocês fizeram compras novamente? — Diablo colocou a mão
na minha coxa. — Estão encomendando mais coisas pela internet?
— Chegou uma nova coleção e fomos antes de todas, para garantir as
melhores peças. — Serena inventou uma desculpa. — Vocês vão sair hoje?
— Não. Nick vai ficar no clube. — Priest nos deu uma olhada. Ele
sabia que alguma coisa estava acontecendo e não falou nada.
— Eu vou só dar uma olhada em uns processos que Sage me enviou
para analisar, mas depois estou livre. — Diablo virou o rosto na minha
direção, percebendo que Priest estava nos encarando, depois virou para a
esposa. — O que está havendo?
— Topa um filminho hoje? — desconversei, soando doce.
— Claro. — Ele me deu um beijo.
Consegui ir para casa antes dele, literalmente fugindo pela lateral da
igreja, deixei as luzes principais apagadas e me sentei na sala com a caixa
bem escondida. Enquanto ele não chegava, fiz um lanchinho, por algum
motivo que só meus hormônios poderiam explicar, cenoura com mel
pareceu uma excelente combinação para uma sobremesa.
— Muito bem, loirinha. Você e Serena quando começam de
segredinho, costumo ficar longe, mas dessa vez estou curioso por estar
agindo estranho. Cedrick fez alguma merda que Priest irá matá-lo de
verdade? — Diablo entrou em casa, tirou o colete e o pendurou com
cuidado, em seguida, chutou as botas longe, andando até o sofá só de calça
jeans e meias. — Ele foi pego fodendo alguém no carro dentro do campus
de novo?
— Não. Embora eu duvide que ele tenha parado de usar o carro como
abatedouro, ele está se comportando. — Comecei a rir e bati no lugar ao
meu lado.
— Cenoura e mel? Você está bem? — Ele agarrou o pote com as
minis cenouras besuntadas, cheirou-as e abusadamente, levou para longe de
mim.
— Ei, é meu. Devolve — ordenei, ele bufou e pegou de volta. —
Acho que vai ter que se acostumar com algumas coisas estranhas a partir de
agora.
— Mais? — me provocou e lhe dei um chute. — Contenha-se. Ainda
não desisti de te ensinar bons modos.
— Boa sorte — falei de boca cheia. — Chegou uma encomenda para
você. Está ali na segunda gaveta. — Apontei para o móvel aparador, ele se
esticou, abriu e tirou a caixa. Sacudiu um pouco, fez um barulho suave e
olhou o remetente.
— Comprou alguma coisa para mim na internet ou foi Stormi?
Ela usava meu nome para comprar algumas coisas, dei a ela um cartão
adicional e seu apartamento estava registrado no meu nome, por isso não
seria incomum.
— Eu não sei, abre. — Dei de ombros, sendo irritante de propósito.
— Sabe a paciência? Eu nunca tive, Coraline! — Ele bufou, agarrei a
bochecha dele e o beijei, falando foda-se bem devagar contra seus lábios,
tal como fazia comigo quando ficava furiosa. Divertido, me jogou no sofá e
gritei, escapando. — O que está aprontando, mulher?
— Abre a caixa, amor — pedi suavemente, voltando a me sentar.
Sem paciência, rasgou o embrulho, viu a caixa branca por baixo e
ficou sem entender nada. Virou e puxou a fitinha, levantou a tampa e ficou
completamente estático analisando o conteúdo. Devagar, pegou um
sapatinho branco, porque ainda não sabia o sexo, depois o teste de gravidez
e a chupeta também de cor clara. Virou a cabeça devagar e sua boca estava
um pouco aberta, o olhar brilhando com uma emoção que me fez largar as
cenouras e chorar.
— Cora… vamos ter um bebê? — ele questionou em um sussurro, a
voz embargada tamanha emoção. — Não brinca comigo.
— Não é brincadeira. Eu fiz o teste hoje e corri para comprar essa
pequena surpresa, porque você merecia saber da maneira mais fofa que eu
pudesse fazer em pouco tempo.
— Tem um bebê nosso aqui dentro. — Colocou a mão na minha
barriga. — Caralho… — Me puxou para um abraço apertado, escondendo o
rosto no meu pescoço. — Eu te amo muito, meu diabinho loiro. — Voltando
a tocar minha barriga, me deu um olhar divertido. — Serei pai!
— Stormi é oficialmente uma irmã mais velha.
— Eu nem acredito que está grávida e vou poder passar a gravidez
com a minha filha junto. — Ele balançou a cabeça, sorridente. — Porra,
puta que pariu! Eu quero soltar fogos nesse caralho! — gritou e eu ri,
cobrindo meus ouvidos. — Coraline! Vamos ter um bebê, porra! — Saltou
comigo no colo, me rodopiando. — Opa, porra. Desculpa. Você está bem?
— Estou ótima, mas evite fazer isso no futuro. — Bati em seu peito.
Caindo de joelhos na minha frente, ergueu minha blusa e começou a
encher minha barriga de beijos, falando baixinho com o bebê que
provavelmente ainda era menor do que um feijão. Aquela felicidade
borbulhante no peito, que um dia achei que nunca iria experimentar, era
muito melhor do que qualquer final feliz dos contos de fadas.
Epílogo
Diablo
Alguns poucos meses depois
Virei-me na cama, enfiando a mão na camiseta da Cora para sentir
meu pequeno moleque chutar. Ele não me decepcionou, movendo-se na
barriga da mãe e ela continuou dormindo. Fechei os olhos, querendo
cochilar novamente. Depois de uma noite intensa e sangrenta, estar ali era
meu ponto de paz no meio de tanto caos. Parecia que a minha vida nunca
encontraria a calmaria, mas eu tinha uma esposa maravilhosa, um bebê a
caminho e um bom relacionamento com minha filha mais velha.
Estava quase dormindo quando ouvi um gritinho, o som da porta da
geladeira batendo e um ofego. Saí da cama o mais rápido que pude, armado
e desci as escadas como um raio. Stormi estava na cozinha com as mãos na
boca e um pão caído aos seus pés. Angel, do outro lado, só de cueca e com
a boca cheia.
— Eu não te disse para andar com calças aqui dentro? — explodi com
ele.
— Andaria se a sua esposa não fosse maníaca por lavar roupa e me
deixasse sem nada para vestir hoje! — Angel retrucou, pegando a toalha da
mesa para se cobrir. — O que você está fazendo aqui? — questionou a
Stormi.
— Eu? O que você está fazendo aqui? — ela rebateu, cruzando os
braços. — Aqui é a casa do meu pai!
Angel ficou repentinamente pálido.
— Eu não sabia que vocês se conheciam — comecei, confuso e um
tanto desconfortável. — Stormi, filha. Esse é Angel, meu amigo, irmão da
vida. Ele esteve viajando nos últimos meses e está dormindo aqui em casa
esses dias porque o apartamento foi ocupado temporariamente com uma
família que perdeu a casa na última tempestade.
— O amigo que eu não consegui conhecer por estar fora? — ela
murmurou, mudando o peso dos pés. — Ah…
— Stormi veio para o chá de bebê das meninas. Sage a buscou de
madrugada, chegou aqui e você estava no clube — expliquei a Angel. —
Cara, o que foi? Por que está com essa expressão de moleque maldito,
porra?
Eles ficaram em silêncio. Stormi encarava qualquer coisa, menos os
meus olhos e Angel parecia que ia vomitar. De algum modo, minha mente
somou dois mais dois. Respirei fundo, me sentindo sem forças.
— Pai, por favor, se acalme… — Stormi falou baixinho.
— Eu conheci Stormi pelo nome de Diana — Angel começou a falar.
Oh, caralho, não! Simplesmente, não, porra!
— Não me diga que você fodeu a minha filha! — berrei com Angel.
Ele ergueu as mãos.
— Eu não sabia que ela era sua filha, a única foto que vi dela ainda
era adolescente e eu não estava aqui quando foram visitá-la! Mas estive em
São Francisco a negócios há uma semana e nos conhecemos em um bar…
— Angel ergueu as mãos. — Te juro que eu não sabia que essa louca era
sua filha!
— Louca?! — Stormi gritou.
— É, louca e mentirosa! Seu nome não é Diana!
— Eu não sou obrigada a dizer meu nome verdadeiro! — Ela pegou
um pão e jogou nele. — E além do mais, você disse que seu nome era
James!
— O meu nome é James! — Angel rebateu. — Angel é apelido,
gênia!
— Gênia? Inacreditável, seu porco miserável!
Enquanto eles gritavam, eu só conseguia pensar em uma coisa. Olhei
para minha arma, chegando à conclusão que sim, meu melhor amigo havia
transado com a minha filha.
— Eu vou te matar, Angel!
— Pai! Não! — Stormi me agarrou.
Epílogo
Cora
— Meu pequeno malandrinho — falei baixo, segurando os dedinhos
do meu bebê com apenas uma semana de nascido. — Eu não lembro mais o
que é dormir e você parece tão pacífico deixando a mamãe maluca.
— Pacífico? Ele não se importa. — Diablo bufou ao meu lado. —
Garotinho lindo do papai, hora de ir para o berço.
— Vai deixá-lo aqui, certo? Não sei se quero ficar longe. — Estiquei o
braço, querendo pegá-lo de volta.
— Se ele ficar aqui, não vai dormir e está precisando descansar. —
Diablo saiu do quarto com ele e fiz um beicinho, meio consternada, mas ele
tinha razão. Precisava de sete dias de sono, porém, dormir até a próxima
mamada parecia ótimo também.
Meu amado e lindo filho chegou ao mundo depois de um trabalho de
parto repleto de adrenalina. Ele também trouxe um amor sem igual,
inexplicável e puro ao meu coração. Charles Neil Atkinson trouxe a
verdadeira definição de felicidade para a minha vida.
Charles, em homenagem ao padrinho Priest, ganhou o segundo nome
de Neil. Embora a relação de Angel e Diablo estivesse esquisita, nosso filho
também homenageou seu outro padrinho. Não importava o que fosse
acontecer, nossa família seguia inabalável e unida. Stormi era uma irmã
presente e o relacionamento com o pai florescia do jeito que os dois
sonharam a vida inteira.
Continuamos tomando todas as precauções em relação a Javier e o
gasto de dinheiro para encontrá-lo seguia sendo exorbitante. Nunca
havíamos estabelecido um preço para nossa paz e só a teríamos por
completo quando ele deixasse de ser uma ameaça para a vida de Stormi,
pagasse por todas as vidas que feriu e parasse de querer se vingar do meu
marido. Para isso, eu não tinha problemas em assumir que ele precisava
morrer.
O mundo não precisava de pessoas como ele. Não faria falta e eu não
me preocupava com quem poderia me julgar por desejar aquilo. Se a justiça
e a cadeia fossem o suficiente para psicopatas como ele, poderia até ter uma
opinião diferente.
— Ele seguiu pleno. — Diablo deitou atrás de mim. — Entre ele e
meu anjinho de rosa, não sei quem chorou mais essa madrugada.
— Seu filho — murmurei com um bocejo. — Finalmente, Serena
ganhou o refresco de ter uma filha calma como ela.
— Calma? — Diablo bufou. — Tudo bem, ela é mais calma que você.
Se tivermos uma menina, ela vai ser furiosa, bad girl.
— Vamos pensar no próximo filho quando conseguirmos dormir, ok?
Rindo, meu marido me colocou de conchinha e me abraçou apertado.
Suspirei e simplesmente fechei os olhos, estava segura e podia dormir sem
medo.

FIM
E o próximo livro...
CENA EXTRA
Lucia DeLucca
Para todas as leitoras da série Poder e Honra que muito perguntaram por
esse momento.

Não existia absolutamente nada melhor do que chegar em casa,


comer um delicioso espaguete com queijo, beber um bom vinho e ficar no
meu sofá com um livro. Estava exausta de um dia inteiro de atendimentos
na clínica e mais feliz ainda por ser a primeira vez que tirava férias depois
de anos. Após a morte do meu pai, mergulhei ainda mais no trabalho e não
consegui me desvencilhar das necessidades das pacientes para tirar folga.
Estiquei minhas pernas, com a lareira acesa, vendo que chovia muito
do lado de fora. Nada incomum em Chicago naquela época do ano. Estava
dando um gole do meu vinho quando a porta fez um estrondo, saltei do
lugar e me virei, assustada. Por que meu guarda não impediu aquilo?
Apavorada, levantei e agarrei o atiçador de fogo, indo até a porta sem
saber o que fazer. Morava em uma região dominada por membros da
famiglia, se fosse um ataque, logo alguém me ajudaria, ou assim esperava.
Não era como se eu fosse a mais querida, devido ao meu jeito nada
simpático de ser e também, por ser uma mulher com trinta anos e solteira.
No mundo em que vivia, estava mais do que encalhada, mas escolhi a
medicina e ela não parecia casar com um homem também.
— Doutora! Abre a porta! Precisamos de ajuda! — Marcelo, meu
guarda, gritou do lado de fora e bateu na madeira mais uma vez. Mesmo
assustada e confiando nele, abri e ele carregava, junto a nosso chefe,
Damon Galattore, um homem grande que perdia muito sangue.
— Leve-o para a mesa da cozinha! — gritei, correndo até meu
escritório, pegando a maleta. — Busque toalhas e água quente, também
pegue todo álcool e luvas que encontrar na minha despensa! — ordenei a
Marcelo e ele saiu rapidamente. — O que aconteceu, chefe?
— Boa pergunta, eu o encontrei assim — Damon me respondeu,
rasgando a camisa do homem desacordado. — Consegue ajudá-lo?
— Farei o melhor aqui, caso contrário, precisaremos levá-lo com
urgência para minha clínica. — Vesti as luvas, olhando as pupilas. Apesar
de estar pálido, o homem era lindo.
— Confio em você — Damon falou com severidade. — Ele precisa
viver. Faça o seu melhor.
Aquele não era um pedido fácil de obedecer, porque apesar de ter uma
vasta experiência na medicina, eu não lidava com feridos a bala em uma
base diária.
Horas depois e suada, finalmente consegui estabilizar o homem, mas
ele precisou ser levado para a clínica, para mais cuidados. Acompanhei,
levando-o para um quarto tranquilo.
Ajustei a medicação e o soro, preocupada. Tirei as luvas, jogando-as
no lixo e parei ao lado dele, intrigada, curiosa e com medo de que morresse.
Ainda parada ali, peguei sua mão e senti a textura da pele calejada. Ele se
mexeu, agitando as pálpebras e apertou meu punho, me assustando e
impedindo-me de me afastar.
— Quem é você?
Engoli em seco, assustada.
— Sou Lucia DeLucca, sou médica e eu… cuidei de você — gaguejei,
me sentindo ansiosa. Mesmo sabendo que ele não tinha condições de me
ferir, tinha um aperto forte.
— Onde está Galattore?
— Ele foi embora e disse que voltaria quando acordasse — murmurei
e soltei meu punho, dando um passo para longe, mas agradavelmente
hipnotizada pela beleza daquele rosto. — Qual seu nome? Você quer que eu
chame um familiar?
— Meu nome não importa e eu não quero que chame ninguém.
— Eu vou te chamar de desconhecido?
Olhando para o teto e provavelmente sentindo dor, ele murmurou um
palavrão.
— Meu nome é Sutherland e é tudo que vai te interessar agora.
Com cuidado, me aproximei novamente e toquei seu punho.
— Eu vou te examinar agora. Tudo bem?
— Não me importo de ter uma mulher bonita me tocando — falou
baixo, sonolento e por algum motivo idiota, fiquei com as bochechas
quentes.
SOBRE A AUTORA:

Mari Cardoso nasceu no início da década de noventa, na região


dos lagos do Rio de Janeiro. Incentivada pela mãe, que lia histórias
bíblicas e entre outras, sempre teve aguçado o amor pelos livros.
Em 2008, passou a se aventurar no mundo das fanfics da Saga
Crepúsculo até que, anos mais tarde, resolveu começar escrever
originais. Em 2019, iniciou a carreira como autora profissional e hoje
tem duas séries em destaque: Elite de Nova Iorque e Poder e Honra,
dezessete livros publicados e algumas milhares de leituras
acumuladas.
Tornou-se autora best seller no ano de 2020 com o romance
Perigoso Amor – Poder & Honra.

Ela possui
Suas redes sociais:
www.instagram.com/autoramaricardoso
www.twitter.com/eumariautora
http://www.maricardoso.com.br/
Grupo do Facebook.
AGRADECIMENTOS

Este trabalho não seria possível com a incomparável ajuda profissional da


revisora Dani Smith, da betagem sensível da Paula Guizi. Agradeço
imensamente o apoio dessas mulheres no período de construção da história.
Não poderia deixar de fora a torcida das minhas leitoras nos grupos de
contato e o carinho excepcional (e paciência) da minha amada mãe nos dias
de muito trabalho.
Gratidão eterna.

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