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Copyright © 2023 Nana Simons

O MONSTRO EM MIM

2ª Edição

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte dessa obra poderá ser reproduzida ou

transmitida por qualquer forma, meios eletrônicos ou mecânico sem consentimento e

autorização por escrito do autor/editor.

Capa: Ellen Ferreira

Revisão: Lidiane Mastello


Diagramação: April Kroes

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são
produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com fatos reais é mera

coincidência. Nenhuma parte desse livro pode ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer
meios existentes – tangíveis ou intangíveis – sem prévia autorização da autora. A violação

dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº 9.610/98, punido pelo artigo 184 do

código penal.

TEXTO REVISADO SEGUNDO O ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA.


Sumário
Avisos
Playlist
Epígrafe
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Epílogo
Agradecimentos
POR FAVOR, ANTES DE AVANÇAR NA LEITURA, LEIA ESSA
PÁGINA.

Sim, você já leu o nome desse livro e desses personagens por


aí.
Sim, essa é uma história nova.

A primeira versão de O monstro em mim foi escrita entre 2016


e 2017, quando eu estava começando a brincar de escrever e não
fazia ideia de que se tornaria uma carreira, mas hoje, aos 25, após
ter deixado meus livros durante 5 anos dentro da editora Qualis
(onde eles foram muito bem cuidados e serei sempre grata) precisei
dar a eles um novo tudo.

Luccare é um homem diferente, mas sua essência continua a


mesma. Ele é mais maduro, mais mafioso e eu confio 100% no que
fiz com ele nessa nova história.

Eu sei que o carinho pelas primeiras versões da “Série no


berço da máfia” vão continuar pra sempre no coração das
monstrinhas que leram e amaram esse universo desde o começo,
mas meu coração precisava de uma nova fase para eles.
Eu espero que vocês se apaixonem por esse novo mundo
assim como eu estou obcecada e encantada.

GATILHOS E CONTEÚDOS SENSÍVEIS

Quando peguei esse livro e decidi escrever uma nova história


em cima dele, sabia que viria pesado e com uma penca de gatilhos.
Você sabe o que te faz bem ou não consumir, mas eu preciso que
você leia atentamente onde está prestes a entrar antes de continuar.
Aceito ser julgada pelas coisas que saem da minha cabeça, mas
não aceito dizerem que não avisei:

Este livro é recomendado para maiores de 18 anos.

Este é um romance dark, nenhuma ação segue padrões ou


morais da sociedade. Existem práticas que não devem ser
reproduzidas na vida real e a autora não apoia o comportamento
dos personagens apresentados.

Além de todas as problemáticas do livro envolvendo máfia, o


relacionamento do casal é algo que não deve ser buscado e
desejado. Lucca não é um mocinho, ele é um vilão e ele vem contar
sua história sem censura e sem medo do que vão pensar sobre.

Relacionamento tóxico romantizado (não há agressão física


entre os personagens)
Descrições de torturas envolvendo negócios ilícitos

Linguagem adulta (palavrões, xingamentos e ofensas)

Estupro grupal (negócios da máfia)

Profanação de corpos e vingança envolvendo canibalismo

Há cenas de sexo descritas e algumas que em certos


momentos seguem fetiches e desejos não convencionais.

Por fim e muito importante, por favor, pague pelo meu trabalho.
600 páginas não se escrevem sozinhas. Foram meses de trabalho e
dedicação, eu mereço ser recompensada por isso, não compartilhe
esse material ilegalmente online.

Obrigada e com amor,


Nana Simons
Escute a playlist oficial do livro durante a leitura. aponte a câmera
para o código e seja direcionado para o Spotify ou nos links abaixo.

Spotify
Deezer
YouTube
A posse também possui o seu dono.
O sentimento de posse é como uma obsessão, se
com uma mão você domina, com a outra você é
aprisionado àquele vício. Pertencer a alguém é viver
dentro dela, invadir seus pensamentos, arder em sua
pele e pulsar em seu coração.
É mais do que amor. É mais do que paixão. É mais
do que ódio.
É a força de todos esses sentimentos juntos.
É ser devorada pela loucura e amar cada segundo.
Mesmo que isso te queime e lhe consuma todo o
fôlego.

Mila DeRossi Laurentino, 2023


Eu tenho vinte anos
E não dou a mínima, não tenho que provar nada
Eu não sou como vocês, que dão a alma ao dinheiro
Aos olhos de quem é puro, vocês são apenas covardes
Correrá em direção ao Sol
Ou à escuridão
Você estará pronto para lutar
Para buscar sempre a liberdade
maneskin, vent'anni
Olhei através da janela, observando o jardim bem-cuidado de
uma mansão milionária cheio de pessoas que viviam sob a minha
permissão, casavam-se de acordo com as necessidades que eu
acreditava ser prioridade da Cosa Nostra e tinham filhos para que o
meu exército crescesse.
Um império de morte e sangue, que eu orgulhosamente
dediquei à minha vida e abdiquei da minha moral para fazer de nós
a famiglia que ninguém ousaria tentar tocar.
Nasci para ser o rei da organização.
Porém, tornei-me o líder que eles respeitavam porque soube
abrir mão da minha humanidade, soube desde criança que meu
destino era muito mais do que ambições mundanas.
Buscas ordinárias como poder, dinheiro e reconhecimento não
me satisfaziam mais. Eu não procurava significados profundos para
a vida e redenção pelos meus pecados.
Contudo isso mudou; eu me via diante de uma missão
diferente das que já enfrentei: me casar.
Como a minha esposa encararia estar de mãos dadas comigo
quando fosse escolhida para satisfazer um homem como eu?
A Cosa Nostra se tornou um poderoso império que eu não
tinha como sair e não desejava.
A mulher condenada a se casar comigo deveria saber desde
cedo que viveria uma longa vida e seria protegida se soubesse que
não havia nada para mim acima da máfia.
Lancei um olhar para o relógio na parede de trás. Era incrível
como o filho da puta do meu irmão não conseguia fazer uma coisa
tão simples quanto chegar no horário. Eu estava cansado de ouvir
sobre as qualidades em massa das garotas preparadas para se
casar. Todas aquelas fotos com uma descrição completa de seus
cursos e a preparação de anos para se tornarem esposas tanto me
irritava quanto entediava.
Encarando as imagens na mesa, lancei um olhar para o relógio
e me levantei, ignorando os rostos sorridentes dispostos em cima da
mesa de mogno. Eu não desejava me casar e com certeza mataria
minha noiva num acesso de raiva, mas antes eu matá-la por
acidente, do que o meu irmão mais novo por diversão.
A porta foi aberta de repente, sem cuidado, Luigi me
encarando com seu sorriso louco abriu os braços.
― Irmão. Você me chamou?
Eu o encarei por um instante, perguntando-me porque fiz dele
o meu consigliere. Apontei para a mesa.
― Você está atrasado.
Ele riu, rapidamente ocupando a cadeira atrás da mesa e
estalou os dedos antes de começar a pegar as fotos e observar.
― Eu tinha um compromisso antes ― falou simplesmente.
― Eu imaginei pelo pingo de sangue na camisa.
Ele fitou sua roupa, torcendo o nariz.
― Eu disse ao filho da puta que ia matá-lo se ele me sujasse.
― Sua indignação me deixou curioso.
― Disse a quem?
― Um soldado da Camorra que pegamos mais cedo.
Ergui as sobrancelhas.
― Você pediu a ele para não sujar sua camisa?
― Sim. ― Fitou-me como se fosse óbvio. ― Mas agora eu já
matei, e estou irritado de novo. Bem, vamos lá, quem temos aqui.
São muitas opções, Labeli Fanaro, Mary Gianini, Alessa Bonucci. ―
Ele ergueu as sobrancelhas. ― Alessa é uma boa escolha, perfeita
demais, mas eu facilmente a tiraria do estado congelado de
perfeição.
Eu virei o rosto, encarando o fogo crepitando na lareira antiga
do escritório de Thomas.
― Fora de cogitação.
― Por quê? ― Ele me lançou um estreitar de olhos,
desconfiado.
― Próxima, Luigi.
Meu irmão jogou os pés por cima da mesa, rindo de repente.
― Evangeline é uma boa opção, já passou pelo meu controle
de qualidade. Boquete incrível, virgindade tirada pelo seu
consigliere. Se meu trabalho é aconselhá-lo, te aconselho a saber
que no fim todas elas vão se tornar insuportáveis demais para olhar
e pelo menos você tem o consolo do bom sexo.
― Eu não preciso de sexo em casa. Se minha esposa foder
ruim, eu vou comer nossas putas. Próxima.
― Virginia Ricci é bonita, seu pai é capo de Nova York.
― Quero uma siciliana. Sangue puro. ― Suspirei. ― Eu devia
ter chamado Dante para isso.
Luigi se levantou e jogou as fotos na lareira, parando à minha
frente.
― Dante te daria um monólogo sobre cada uma e blá-blá-blá.
― Ele fingiu bocejar. ― Eu estou sendo prático. Vamos sair, nada
melhor do que observar de perto.
Ele abriu a porta, levando-nos para o jardim da casa dos meus
pais, onde uma festa anual acontecia. Esse ano, o propósito não tão
secreto assim era encontrar uma noiva para mim. Eu estava mais do
que satisfeito em passar o resto da vida solteiro, mas a famiglia
precisava dos meus herdeiros e os capos começavam a pressionar
pelo fato de que eu não tinha família.
O que uma mulher mudaria?
No máximo me deixaria ainda mais cruel, já que eu não
poderia descontar nela todas as vezes que me irritasse dentro de
casa e teria que levar para a rua. Talvez esse fosse o propósito.
― Aí está ― disse Luigi, quase cantando. ― Um cardápio
muito bem-preparado do melhor que a Itália tem a oferecer.
Aproveite, irmão. ― Ele bateu em meu ombro. ― E lembre-se de
que nenhuma delas te negaria uma degustação antes de decidir o
prato.
Eu ignorei as analogias do meu irmão mais novo e segui pelo
jardim, caminhando até a mesa separada para nós. Eu estava perto
de fazer vinte e oito anos, mas me sentia com trinta a mais.
Eu não queria estar ali, procurando a porra de uma noiva.
Queria estar na rua caçando os filhos da puta ‘Ndrangheta e
exterminando a Camorra.
Encontrei Thomas ao lado de Ciro e Leon, próximos ao palco.
― Nenhuma delas serviu ― falei ao homem que costumava há
muito tempo, chamar de pai. ― Encontre mais opções.
Thomas franziu o cenho, inclinando-se para perto.
― Você deu uma olhada em Labeli, ela está logo ali. ― Ele
apontou para algum lugar atrás de mim, e eu relutei antes de me
virar e olhar junto. ― É a loira, alta, de olhos claros.
Eu dei uma olhada na garota. Era bonita.
― Os Fanaro são uma família fraca. Otto não vai durar dois
anos como capo. Por que eu deveria lhes dar tal poder?
― Eu concordo, mas foque na menina.
― Ela tem o que, quinze?
― Dezenove. Fará bons filhos e sua mãe teve dois meninos, o
que nos diz que ela vai prestar para isso. Loira, olhos claros e
magra. A aparência dela e sua virgindade são as únicas coisas que
você precisa considerar, filho.
Eu não sentia nada ao ouvi-lo me chamando de filho. A única
razão para ainda estar vivo foi porque não me deu um motivo
plausível para a famiglia matá-lo.
― Não. Ela não serve.
Eu virei o rosto, mas algo chamou minha atenção. Uma mulher
com cerca de 1,60 de altura, longos cabelos castanhos e um vestido
branco se aproximava. Ela tinha lábios grossos, um rosto
desenhado em perfeição e os olhos azuis inocentes. Pureza pingava
dela.
Desde o jeito que caminhava sorrindo, como se gentileza ―
algo que eu não costumava ver em meus dias ― estivesse tão
impregnado nela que nem pudesse disfarçar.
O vestido fazia uma curva no decote, mostrando os seios
fartos e o salto alto nem sequer a fez alcançar meu queixo quando
se aproximou.
― Boa noite ― falou suavemente. ― Papai, Anita não está se
sentindo bem. Posso pedir a Santo que nos leve?
Leon rapidamente segurou o braço da menina.
Papai? Eu definitivamente não prestava atenção à minha volta.
Não sabia que a caçula de Leon Bonucci estava tão crescida.
― Sim, pode, mas antes ― ele a virou para mim sem
sutilezas, como se estivesse exibindo uma joia cara ―, Luccare,
essa é minha filha, Abriela. Ella, apresente-se ao senhor DeRossi.
Ela arregalou os olhos, fitando seu pai como se ele tivesse
duas cabeças. Observei sua garganta lisa, a pele cremosa,
impecável, engolir em seco. Ela girou o rosto em minha direção,
mas ficou olhando meu queixo, evitando meus olhos.
― É uma honra, senhor DeRossi.
Eu não falei nada. Fiquei observando sua linguagem corporal
tímida, a forma como ela parecia se arrepender inteiramente de ter
chegado perto.
― Olá, Abriela.
Ao me ouvir, ela finalmente ergueu os olhos, fixando seu olhar
no meu como se fosse uma presa assustada ao perceber que seria
engolida pelo caçador. E eu poderia caçá-la. Não havia nada em
mim duvidando de que se eu tivesse a garota em minha cama, a
destruiria sem hesitar.
― Você pode ir, filha.
Ela parecia alheia a Leon, como se o comando de seu pai não
significasse nada. Eu estreitei meus olhos levemente, observando
quando seus lábios se separaram, como ela respirou fundo
enquanto me olhava.
Eu poderia foder essa garota pelo resto da vida. Sim, poderia.
A melhor forma de atrair um monstro para uma armadilha é
colocar aquilo que ele sabe que não pode e não deve tocar. O único
desejo da escuridão é ser tocado pela luz.
E tudo o que um homem como eu quer, é corromper tamanha
inocência.
Como seria quando ela me olhasse de baixo com aqueles
grandes olhos redondos, implorando... assustada?
― Vá ajudar a sua irmã, Abriela. ― Sob o meu comando, ela
piscou algumas vezes, engolindo com força e assentiu, murmurando
um cumprimento com a voz baixa antes de se afastar.
Leon me observava, mas eu não demonstrei nada, deixando
minha feição em branco. A verdade é que eu queria ir atrás de sua
filha que gritava honra, e desonrá-la das formas mais sujas que um
homem pode tocar uma mulher.
Quando ele se afastou parecendo confiante, eu me virei para
Thomas.
― Eu quero a menina Bonucci.
― Alessa?
― Não. A que estava aqui.
Thomas sorriu torto, como se soubesse cada pensamento sujo
da minha mente.
― Você não pode tê-la. Ela só tem dezessete. Você vai se
casar daqui a alguns meses.
Eu sorri, mas sem achar um pingo de graça e fechei o espaço
entre mim e o homem que doou seu esperma para soltar a praga
que me tornei no mundo.
― Eu posso ter qualquer coisa fodida que eu quiser. Diga a
Leon Bonucci que eu vou matar sua família na frente dele, caso a
prometa a outro homem e ele vai morrer apenas por seu
desrespeito.
Eu virei as costas, precisando de um copo de Bourbon e sair
daquela porra de lugar.
Homens como eu não foram feitos para eventos sociais.
Você não pode colocar um terno numa besta e esperar que ele
se comporte.
Eu queria muitas coisas, mas neste momento, só ver o sangue
de Abriela Bonucci em um lençol me satisfaria.
E você pode ver meu coração batendo
Agora você pode ver através do meu peito
Disse: Estou apavorada, mas eu não vou sair
Eu sei que tenho que passar este teste
Então, basta puxar o gatilho
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Rosas bonitas nasceram para serem temidas.
Fosse pelo medo de tocar os espinhos ou de arrancar
prematuramente as pétalas. Era natural que elas caíssem com o
tempo e apodrecessem, mas ninguém gostaria da ideia de destruir a
delicadeza da flor.
Embora tivessem destino certo, algo ficava além da aparência
de morte: o cheiro. Nunca foi possível arrancar o cheiro de uma rosa
madura e bela. Eu queria ser uma rosa.
Queria ser temida.
Queria ser perpétua.
Em noites como aquela... eu queria ser cheia de espinhos.
Todo o cenário foi feito para encantar, o meu vestido elegante,
o sapato perfeito e o cabelo emoldurando o rosto de boneca — que
eu passei a vida ouvindo ser tão lindo quanto o meu
comportamento.
As festas da Cosa Nostra eram famosas, nós adorávamos
celebrar, dançar, cantar e comer comidas típicas de nossa cultura.
Gostávamos de convidar estranhos e deixá-los ter uma degustação
do que era a nossa vida — ou parte do teatro —, sabendo que
quando acabasse eles voltariam a qualquer oportunidade sedentos
por mais.
Aprendi tudo sendo a melhor filha, a mais comportada, a
melhor aprendiz e a que com o tempo, aprendeu a amar a máfia. Eu
acreditava em nosso mundo e em nossas razões.
Eu faria qualquer coisa pela Cosa Nostra.
Eu seria qualquer coisa.
Meu retorno de uma viagem a Paris foi há quatro horas e eu
pensei que teria tempo para descansar, mas fui recebida por Alessa,
planejando como me enfeitaria para um baile que já estava em
andamento.
Enquanto isso, sua gêmea, Anita, nos observava como se
fôssemos loucas por gostarmos daquilo.
Olhando em volta do salão enquanto via algumas pessoas que
eu conhecia por toda minha vida e aquelas que já tinha ouvido falar,
não entendia o tédio da minha irmã. Crescer na máfia não foi um
mar de rosas, mas sendo o que o destino nos reservou, nós
usávamos tudo a nosso favor para ser feliz.
― Estou tão de saco cheio do teatrinho máfia italiana de
vocês. ― Anita revirou os olhos, bebendo sua segunda taça de
champanhe escondida, que ela tirava a cada poucos goles debaixo
da cobertura que a toalha da mesa oferecia.
Mesmo silenciosamente, eu tinha que concordar. Nós éramos
atrizes e atores dignos de um filme clássico. Era como ver o nosso
modo de vida nos filmes e documentários populares. Pessoas
glamourizando nossa cultura sem nem saber o que realmente
existia por trás das belas tomadas de Hollywood e mocinhas em
perigo prestes a serem salvas por seus noivos prometidos.
A primeira vez em que assisti a um filme sobre a máfia italiana,
perguntei-me quem poderia ter passado aquelas informações para
os roteiristas e produtores. Na internet, todos ficavam em êxtase,
animados e desejando fazer parte da nossa sociedade.
Foi quando percebi que alguns enfeites e a maquiagem que a
indústria passou mostraram uma ficção absurdamente diferente da
nossa realidade, principalmente, a tudo ao que nós, mulheres,
tínhamos que nos submeter. Era uma cultura muito diferente, e,
nela, cada um tinha seu papel definido; ou você lutava para fazer
dar certo, ou sua vida seria um inferno. O direito do “sim” e “não”
nos era tirado assim que o médico dizia aos nossos pais se
seríamos meninos ou meninas. Não existia glamour nos meus dias.
Existiam regras, punições, leis que não podiam ser quebradas e
instruções de como ser uma dama perfeita.
Com toda a certeza, O Poderoso Chefão não nos
representava. Nem Os Bons Companheiros.
― Abriela, se está em outro mundo, pegue uma carona com
Anita até o banheiro e se recomponha. ― Olhei para frente, para os
belos olhos verdes de Alessa, percebendo que estava divagando
até ela me sacudir.
― Desculpe, eu me distraí.
― Já estão anunciando o ponto alto da noite. ― Ela sorriu,
batendo palmas levemente junto com o restante do salão, fazendo
Anita bufar ao seu lado.
― Sim, vamos lá. ― Revirou olhos verdes, idênticos aos de
Alessa. ― Somos como Aia’s em O conto da Aia.
― Não seja ridícula, Anita. Aquilo é um horror ― retrucou
Alessa sem tirar o sorriso ensaiado do rosto, fazendo Anita franzir a
testa.
― E isso aqui é o paraíso?
― Não estamos sendo prostituídas e obrigadas a engravidar.
Anita riu.
― Sim, nós estamos. Várias de nós estão, na verdade, só não
chegou nossa hora ainda.
― É um pecado comparar a nossa realidade àquela ficção
macabra.
― A nossa realidade é macabra. Ou você acha que Labeli
queria estar prestes a se casar com um assassino que mata a
sangue frio?
A menção da noiva do chefe da Cosa Nostra me deu arrepios.
Eu costumava brincar com Labeli Fanaro quando éramos crianças.
Como de nós três, eu era a mais próxima em idade, meu pai e seu
pai faziam gosto da amizade, por isso, ela passava algumas horas
comigo todas as tardes que não tinha compromissos. Só que tudo
acabou mudando com a notícia de que o filho de Thomas DeRossi
se casaria, e por Labeli ser a filha do homem mais próximo de
Thomas, eles concordaram que ela teria a honra de se tornar a nova
senhora da famiglia.
Ela era muito parecida com Anita, e quando se negou, os
episódios de violência começaram. Havia histórias de que ela era
tão castigada por seu pai para ser uma noiva dócil e receptiva que
ela se perdeu na própria cabeça, ficando louca. Ela não falava mais,
não sorria, parecia existir apenas no corpo. Um corpo vazio e
assombrado.
Eu a procurei pelo salão, encontrando-a sentada ao lado do
pai, olhando num ponto fixo à frente. Com cabelos loiros presos no
alto da cabeça, seus saltos altos a deixavam ainda mais alta e o
vestido exibia uma magreza que a fazia parecer uma supermodelo
das passarelas da Victoria’s Secret.
― Labeli vai sobreviver ― disse Alessa, evitando olhar na
mesma direção que eu.
― Será? ― Anita sussurrou, sua voz em um tom quebrado me
entristeceu.
Pobre Labeli.
Se o assunto não tivesse se tornado tão tenso, eu estaria
sorrindo enquanto observava as duas fazendo o que mais adoravam
fazer: discutir. Fosse por muito ou por pouca coisa, às vezes sequer
precisavam de um motivo. Se pareciam tanto fisicamente,
principalmente, os olhos verdes e os cabelos escuros, contudo,
tinham personalidades completamente distintas uma da outra.
De onde eu estava sentada, conseguia uma boa visão de
Lorenzo e Santo; meus irmãos mais velhos conversavam com nosso
pai e com mais dois homens.
Olhei de volta para minhas irmãs.
― Vocês sabem que papai sente o cheiro de suas brigas a
quilômetros de distância.
Anita encolheu os ombros.
― O seu pai pode ir para o inferno. Deixe que pisque alguns
segundos a mais e eu estarei bem longe.
Alessa arrastou sua cadeira discretamente para mais perto
dela, e pegou sua mão, tirando a taça de champanhe de Anita, que
lhe desaprovou com o olhar. Alessa sorriu, mas de verdade ao
encarar a gêmea.
― Ouça o que Ella diz e vamos nos comportar.
― Não quero me comportar.
― E se eu pedir por favor?
― Vou pensar, mas não prometo nada. ― Anita não cedeu,
mas a sombra de um sorriso brincava no canto dos lábios.
― Dou uma desculpa para que você não precise vir ao
próximo evento beneficente.
Anita ficou chocada por alguns segundos, antes de colocar o
sorriso mais falso no rosto, fazendo-me rir, e endireitou a postura.
― Serei a dama mais comportada da noite.
Alessa abaixou a cabeça, escondendo o riso.
― Pestinha.
Eu sorri mais ainda, pois não importava onde eu estava, se
aquela vida era falsamente perfeita ou cheia de defeitos
verdadeiros, eu tinha uma família de verdade além da famiglia, e
eles sempre estavam lá para me lembrar disso. Papai e Lorenzo
eram distantes, mas eu me esforçava para acreditar que ainda
tínhamos um elo.
Anita não pensava da mesma forma, e eu não tinha certeza
das opiniões de Alessa sobre isso, mas eu sempre tive fé demais no
meu sangue para desistir.
― Senhoras e senhores, gostaria da atenção de vocês por
alguns minutos. ― A voz veio do palco, onde Marco Berlot se exibia
com um grande sorriso e um belo terno de três peças. ― Como
sempre, é um prazer estar com vocês nesta linda noite, todos são
bem-vindos. ― Houve uma pausa para alguns aplausos, e ele logo
voltou a falar: ― Nossas festas sempre muito agradáveis não
deixam faltar entretenimento para que saiam felizes, mas muito
ansiei por esta data em especial. Nesta noite, apresentaremos a
vocês as jovens solteiras mais adoráveis de nossas famílias!
Homens solteiros, vocês estão liberados para dar o maior lance por
uma bela dama com quem sintam o desejo de jantar... ― Suas
palavras ficaram perdidas e se tornaram baixas quando a atenção
dos convidados se dirigiu à porta de entrada do salão, que fechou
com um baque alto.
E com razão, pois ninguém menos do que Luccare DeRossi
havia acabado de chegar.
Durou apenas um momento, mas eu juro que pude ouvir
suspiros por onde ele passou.
Todos logo voltaram a fingir se concentrar, e Marco deu
continuidade ao seu discurso. Forcei-me a focar nas palavras dele,
mas simplesmente não conseguia desviar o olhar de Luccare.
Talvez fosse o fascínio por sua fama ou porque há pouco
falávamos de sua noiva. Provavelmente não fui a única, uma vez
que era impossível não perceber o clima tenso que se espalhara
pelo local. De fundo, conseguia ouvir Marco chamando as meninas,
destacando o sobrenome de suas famílias. Porém, meu foco ainda
permanecia em Lucca, enquanto ele se sentava com seus irmãos à
mesa mais distante do palco e acendia um cigarro.
Seus soldados se posicionaram atrás de sua cadeira, prontos
para arriscarem suas vidas por seu chefe, caso fosse necessário.
Seus irmãos falavam algo, mas ele simplesmente acenava ou
elevava o queixo, analisando todo o lugar sem expressar qualquer
reação.
Ele não tinha uma boa reputação, e eu não desejava estar no
lugar de Labeli nem de perto; aquele homem apenas me intrigava,
pois tudo que sabia sobre ele, ouvi das pessoas do nosso círculo
social, e não se tratava de coisas boas, mas eu também não era
cega.
Podia ser virgem e continuaria até depois do meu casamento,
mas reconhecia a beleza crua e sombria que aquele homem
carregava. Alto, forte e com um rosto certamente esculpido por
anjos, tinha uma aparência impressionante. Um líder nato, o
padrinho escolhido pelo destino para levar a Cosa Nostra ao
domínio da Itália, Europa e partes da América.
E o futuro marido de Labeli.
Nem mesmo quando minhas irmãs foram chamadas ao palco
eu parei de observá-lo.
Não sei se meu olhar foi tão intenso como eu imaginava, mas
ele eventualmente olhou para mim. Seus olhos azuis como o céu,
frios e distantes, cortaram diretamente os meus. Um arrepio passou
por meu corpo, e eu rapidamente desviei. No entanto, ainda sentia
seu olhar me queimando como fogo. Forcei-me a me concentrar em
outra coisa, mas tudo o que consegui foi focar em meu prato,
pedindo silenciosamente que conseguisse entrar nele e virar parte
daquele molho.
Minutos depois, minhas irmãs voltaram para a mesa. Anita
estava irritada, e Alessa, com um sorriso polido.
Todas as meninas jovens da famiglia eram obrigadas a
participar. Eles faziam parecer que era nossa maior honra estar em
cima do palco e arrecadarmos dinheiro para jantarmos com um
associado ou “amigo” da máfia. Tive o meu primeiro aos dezesseis
anos e achava inocente, pois nossa função era apenas sentar à
mesa com quem nos “alugou” para o jantar e ouvi-los falar. Éramos
como enfeites.
― Abriela Bonucci ― Marco me chamou, e eu me levantei
como fora ensaiado dias antes.
Minhas pernas tremiam e sabia o motivo. Eu não devia ter
prestado tanta atenção nele, mas como sempre, o fascínio que me
prendia àquele homem sempre que o via era algo impossível de
conter. Uma compulsão.
Respirei fundo a cada passo, ouvindo as palmas atrás de mim.
Eu usava um vestido branco que de acordo com a consultora que foi
a casa da minha família, era virginal o bastante para fazer os
homens perderem a cabeça, talvez até conseguir mais propostas de
casamento, mas o que importava isso agora, se meu pai estava
planejando me dar a um homem que com certeza não daria uma
segunda olhada para a minha virtude?
Ele se moldava ao meu corpo como cada acessório e cada
cacho feito no meu longo cabelo castanho-escuro. Tudo estava ali
para frisar minha beleza e minha idade. Por que isso os interessava,
afinal?
Eu tive sorte de não escorregar, ou o nervosismo me fazer
tropeçar em meus pés durante a caminhada.
Como eu esconderia de um futuro noivo aquela fixação por
ele?
Eu estaria condenada e condenaria toda a minha família.
Quando subi ao palco, Marco me deu um sorriso de apoio e
começou. Girando meus olhos de um canto para o outro para
acompanhar os lances, acabei pegando o olhar de Luccare sobre
mim várias vezes, e mesmo quando eu estava olhando em outra
direção, sentia que me observava.
Ele já esteve lá em casa duas vezes, na primeira, nem sequer
olhou para mim, mas na segunda, eu jurava que não desviou o
olhar, e dias depois ficou noivo da minha melhor amiga.
E eu me dividia entre raiva por tê-la perdido para ele e
felicidade, porque Labeli estava prestes a cumprir seu propósito de
vida na famiglia.
Como seria olhar para ele quando estivesse caminhando para
o altar prestes a dizer “sim” para seu irmão?
― VENDIDA! ― Marco gritou. ― Vendida para Lucio
Carmona. Venha buscar o seu prêmio, senhor!
Eu observei Lucio, um capitão na casa dos trinta anos levantar
para me buscar sob os aplausos extasiados dos convidados e
aceitei sua mão quando me estendeu. Evitei olhar para aquela mesa
por todo o percurso até a do senhor Carmona, mas mesmo assim,
sentia-me observada a cada passo do caminho.
Me engana uma vez, me engana duas vezes
Você é a morte ou o paraíso?
Agora você nunca me verá chorar
Simplesmente não há tempo para morrer
billie eilish, no time to die
Luccare DeRossi enfrentou o longo caminho descendo o morro
verdejante à frente que o levaria até o lago cristalino pouco visitado
e pouco conhecido.
Juliano estava poucos passos atrás com uma espingarda que
para qualquer um mandaria a mensagem de que estavam caçando,
não que a desculpa fosse necessária, já que em cada canto da
Sicília o rosto do senhor da Cosa Nostra era muito bem conhecido.
A proteção era ridícula, mas mesmo que Lucca ― como seus
irmãos e mãe o chamavam ―, soubesse se defender muito melhor
do que uma jaula inteira de lutadores clandestinos, a companhia de
Juliano era um lembrete de que mesmo que fosse um assassino
treinado e capaz, a famiglia nunca o deixaria fora de vista.
Há muito, muito tempo havia perdido a vontade e inspiração
para lutar contra.
Há cada poucos meses, Lucca se retirava de Milão, núcleo de
sua família e da Cosa Nostra na Itália, e passava alguns dias de
descanso na Sicília, buscando respostas para perguntas que não
conhecia.
Andava descalço, mesmo que a caminhada de mais de uma
hora a pé esfolasse a sola de seus pés, pois gostava de se sentir
conectado com a razão de estar ali. Solo. Grama seca, mas pura.
Orgulho.
Luccare entendeu com o tempo que não se tornou o melhor
entre todos os que vieram antes dele por ambição, mas porque a
única coisa que fazia seu coração bater, era a ideia de que a Itália o
pertencia. Usava um chapéu simples que ganhou de um camponês
na primeira vez que realizou o retiro, mesmo que a peça não o
protegesse do sol. Suas mãos calejadas de colocar força na
bengala para continuar firme debaixo do sol forte do extremo sul de
sua amada Itália não negavam como o percurso era difícil.
Mas difícil nunca parou Lucca, e impossível não existia para
ele.
Como o mais jovem chefe da Cosa Nostra tendo assumido o
poder, Luccare provou diversas vezes que não foi escolhido por seu
sobrenome, ou porque seu pai foi o chefe antes dele. O peso de ser
o homem mais temido da Itália, e, principalmente, de ter abdicado
de seu coração desde que se lembrava, era tão pesado que o
tempo o tornou leve.
Ele não buscava amor, não buscava família, dinheiro ou mais
poder.
Luccare tinha o órgão que as pessoas chamavam de coração,
oco. Completamente vazio, mas em volta havia crueldade, equilíbrio
e fé.
Não em Deus, mas em si mesmo.
Lucca buscava finalizar sua missão daqui a cinquenta anos,
deixando um sucessor apto e capaz, alguém ainda melhor do que
ele. Apenas quando a hora de seu descanso chegasse, ele
respiraria aliviado.
Sabendo que o pacto firmado com o diabo quando tinha oito
anos foi cumprido, e enquanto sua alma queimasse, finalmente se
permitiria sorrir para o trabalho que deixou para trás.
Eu sinto as sombras se arrastando até o teto
Um sopro no meu pescoço
E minha corrente sanguínea está congelando
Eu fugi para o inferno e voltei
Estou me sentindo um maníaco
Eles me caçam
Eles estão esperando no escuro
Com fome de seu coração
Os monstros em minha mente
cloudy june, monster in my mind
― Bom dia.
Eu fui a última a chegar na mesa para o café da manhã.
― Vocês já compraram vestidos para o casamento de Luccare
DeRossi? ― meu pai perguntou.
― Uma consultora trará diversas opções essa tarde, papai ―
Alessa disse sem tirar os olhos do jornal.
― Eu estava pensando em ficar em casa e vigiar o terreno ―
Anita provocou. ― Vai que dá alguma merda nesse casamento,
alguém tem que estar aqui para proteger o forte. ― Ela piscou para
mim quando balancei a cabeça.
Papai lhe deu um olhar de advertência.
― O seu vestido será numa cor escura e discreta. Sem decote,
sem fenda nas pernas, e se você ousar usar batom vermelho eu o
tiro da sua boca na frente de todos.
Ela desviou o olhar, sabendo que ele não estava mentindo.
― Será uma festa honrada ― Lorenzo disse. ― Se Anita se
atrever a nos fazer passar vergonha eu mesmo cuidarei dela.
― Nosso pai já disse o que fará se ela não se comportar. ―
Alessa o fitou diretamente. ― Eu mesma vou ficar grudada nas duas
durante todo o evento, Lorenzo. Você não precisa fazer nada.
― E eu fico de olho nas três ― Santo completou, piscando
para mim discretamente.
― Esse casamento não deveria acontecer assim ― meu pai
resmungou enquanto engolia, seus olhos acelerados não paravam
num ponto fixo.
― O que quer dizer, papai? ― Alessa questionou.
― As minhas filhas deveriam ser as primeiras opções, e não
Labeli. Todos sabem que aquela garota ficou louca.
― Também, olha o demônio com quem vão casá-la. ― Anita
encolheu os ombros.
― Pois se me fosse perguntado eu teria dado você a ele sem
exigir nada em troca, assim me livraria dos seus problemas, garota
insolente.
Anita abriu a boca, mas Alessa foi mais rápida.
― A famiglia sabe o melhor a se fazer. Se Labeli é a melhor
escolha para Luccare, que assim seja.
Meu pai lhe deu um olhar desagradável, mas ficou em silêncio,
aos poucos terminamos de comer. Papai fazendo um comentário
aqui e ali, e eu e minhas irmãs ficamos de companhia quando
terminamos, saindo da mesa apenas quando meu pai se levantou.
Subi as escadas apressada para o meu quarto.
Sabia que não deveria ter tais pensamentos, mas me perguntei
como seria se fosse eu a finalmente me casar amanhã. Homens não
faltavam, mas meu pai era exigente quanto a quem nos daria em
casamento.
Ele sempre disse que filhos homens serviam para honrar um
pai, e filhas serviam unicamente para transações políticas. Podia ser
frio, mas foi a forma como crescemos e aprendemos que o mundo
funcionava. O nosso mundo, pelo menos.
— Eu quero ir de vermelho — Anita murmurou, ignorando
todas as opções que Susan, uma stylist especialista em grifes e
eventos de gala, nos apresentou.
— Ela ficará com o azul escuro — Alessa rebateu, sorrindo
clinicamente para a mulher.
— Não sei por que ainda venho se as decisões serão tomadas
sem o meu consentimento.
— Susan, pode nos dar um momento? — eu pedi
educadamente, fechando a porta atrás dela. Encarei minha irmã do
meio. — Será que você quer morrer? Ou ser espancada
publicamente?
— Porque é isso o que nosso pai fará se você não se
comportar.
— Vocês falam como se eu fosse uma criança mimada
fazendo tudo para provocá-lo. — Anita se levantou, abrindo os
braços. Frustração desenhava seu rosto, mas Alessa e eu não
podíamos consolá-la, tínhamos que fazer com que visse que a
melhor jogada era agir de acordo com o que esperavam de nós. —
Eu não quero ir nesse casamento e agir como se fosse uma benção.
Caralho! Labeli está louca, porra. Literalmente enlouqueceu e vocês
acham que eu sou a maluca?
— Ninguém disse que você é. — A calma na voz de Alessa
nunca deixava de me impressionar. Ela parecia tão mais velha do
que nós.
— Papai diz o tempo todo. Eu provavelmente serei a próxima
na fila e estamos aqui fingindo que não. Isso é ótimo.
Houve uma batida à porta e Santo entrou. O suspiro
combinado de nós três era só mais uma prova de que nosso irmão
se tornou um alicerce, já que não confiávamos em nosso pai e muito
menos em Lorenzo.
— Vocês vão passar o dia todo neste quarto enquanto aquela
gostosa fica pra fora? Posso ocupá-la em meu quarto enquanto
terminam aqui.
Alessa abriu a porta resmungando e chamou Susan de volta.
— Ficaremos com o rosa pastel, o azul escuro e aquele
amarelo com fenda.
— O decotado?
— Não, sem decotes.
— Eu gostei do amarelo — concordei, mesmo sabendo que se
Alessa já tinha escolhido, aquela era a decisão final. Anita se
conteve, enquanto Susan se despedia e Santo a ajudava a levar a
arara e uma mala de sapatos para fora.
Eu me aproximei de Anita, abraçando-a quando ela se sentou
novamente. Embora mostrasse sempre sua força em forma de
rebeldia, nós víamos a tristeza em ter que viver a vida que vivia.
— Acho que as coisas são mais fáceis para mim porque tenho
vocês duas como irmãs — tentei consolá-la, e após alguns minutos,
ela passou o braço livre ao meu redor.
— Eu penso nisso todos os dias.
Alessa cruzou os braços, e embora o carinho brilhasse em
seus olhos, ela apenas assentiu e bateu palmas.
— Vamos dormir, amanhã será um longo dia.
Nós nos despedimos e cada uma foi para seu quarto, mas
antes de ir ao meu, decidi procurar Santo para questionar se ele
sabia como Labeli estava. Como ela não se comunicava mais com
as pessoas, a única forma de saber dela era através de outras
pessoas, e já que eu não podia deixar papai saber que eu estava
me intrometendo nos negócios da família, meu irmão bonzinho era a
única opção.
Desci as escadas descalça, pensando em esticar a caminhada
até a cozinha e comer mais um pedaço de torta de morango antes
que Santo devorasse até o farelo, mas a luz do escritório de papai
acesa chamou minha atenção.
Eu me aproximei, e pela fresta vi apenas ele e Lorenzo.
Os dois estavam de pé em frente à lareira e conversavam
baixo, mas consegui ouvir pelo menos uma parte do assunto, e
quando as palavras fizeram sentido para mim, desejei nunca ter
descido.
— O que o senhor acha que ele diria?
— Ele vai se casar com quem Thomas achar melhor. Eu já
perdi a chance de ter uma das minhas filhas com Lucca, não vou
agir tarde demais novamente.
— Não consigo imaginar Abriela com Luigi. Talvez Anita fosse
uma opção melhor, sem contar que é mais velha e já deveria estar
casada.
— Eu não quero dor de cabeça com isso. — Papai balançou a
cabeça, negando. — Casar Anita com o filho da puta mais explosivo
e problemático da famiglia seria uma combinação fatal. Ou ela vai
encontrar uma forma de se livrar dele, ou Luigi vai estrangulá-la na
noite de núpcias.
Lorenzo torceu o nariz.
— E ainda não podemos casar Alessa.
— Abriela é minha única opção.
Eu dei passos para trás até que bati na parede, quase
tropeçando no enorme vaso de palmeiras jamaicanas que papai
havia importado há dois meses. Ele não se importava com o item,
mas o preço chamativo e a aparência de realeza que completava
mais um dos cômodos da casa não poderia ser prejudicado.
Nós cinco aprendemos sobre manter a ordem desde cedo.
E agora papai me mostraria mais um desafio a seguir sem
evitar.
Luigi DeRossi...
Eu não podia engolir a saliva acumulada sem que pregos em
minha garganta impedissem. Aterrorizada, fiz o caminho cegamente
para o meu quarto, sentindo meus pés mais pesados a cada
segundo.
Quando fechei a porta atrás de mim, tapei a boca com as duas
mãos para esconder os gritos do choro. Luigi não era uma opção.
Jamais deveria ser.
Eu tinha pavor daquele homem, de suas histórias e de sua
aparência, e não porque ele era feio, mas tudo nele gritava perigo e
impaciência. Corria um boato de que ele matou uma pretendente
dois anos atrás apenas porque seu pai sugeriu o casamento, e é
claro que a história nunca foi confirmada. Para todos, Lucia morreu
junto de seu motorista em um acidente de carro.
Mas quem era idiota para acreditar?
Enfiei-me debaixo das cobertas, correndo contra o impulso de
bater à porta da Alessa e impedir que a vontade de papai fosse
cumprida, mas eu sabia o meu lugar.
Sabia que nunca deveria ir contra ele.
Meu pai podia não ser o chefe, mas era tão perigoso quanto
eles. E eu não era cega, apenas ignorava o fato.
Eu já sabia que não conseguiria pegar no sono, mas fechei
meus olhos com força enquanto lágrimas silenciosas caíam, e
quando houve uma batida à porta, eu estava tão desperta quanto há
seis horas, sabia que era Alessa.
E eu não tinha ideia de qual história contar para esconder as
bolsas debaixo dos olhos.
Acho que dei muito até enlouquecer
Apaixonada por jogos que eu não sei jogar
Pena que paguei sentimentos em vez de erros
Então eles vão virar e expor todas as suas falhas
Então é melhor puxar a cortina e segure os aplausos
mira housey, hold the applause
Embora a neblina na minha mente estivesse me impedindo de
agir como normalmente faria, eu estava tentando o meu máximo
para limpar a confusão de pensamentos que a envolvia. Parei no
corredor onde não seria vista por nenhum membro da minha família
que se amontoava no hall. Fechei os olhos brevemente, respirando
fundo, revi silenciosamente a conversa toda. Só consegui ficar mais
apavorada ainda.
Meu pai não era um homem ruim, ele foi bom para nós —
dentro do que se considera ser bom vindo de um homem da máfia.
Ele não sabia ser carinhoso e por muitas vezes foi rígido além do
necessário, mas ainda assim, melhor do que muitos patriarcas
conhecidos. O fato de me entregar em casamento para um
assassino e um dos homens mais cruéis que eu poderia imaginar,
fazia tudo dentro de mim se revirar.
Sentia-me em pânico e tentava desesperadamente controlar a
respiração. Anita e Alessa estavam a uma parede de distância e a
última coisa que eu queria era assustá-las.
Como seria quando eu visse Luigi DeRossi no casamento mais
tarde?
Como eu faria para não desmaiar e envergonhar minha família
na frente da Cosa Nostra?
Ensaiei uma expressão calma e tentei agir como se nada
estivesse errado.
Não esperei que meu pai me chamasse, e calculando meus
passos para não tropeçar, fui até eles. Papai deu uma olhada em
minha roupa e com um aceno de aprovação, abriu a porta.
— Abriela, Alessa e sua irmã vão com Lorenzo.
— Caso tenha esquecido o nome da sua terceira filha, é Anita,
papai. — A pitada de humor na voz de Anita me fez apertar seu
braço, e Alessa ficou rígida quando Lorenzo se aproximou.
— Eu não sou o frouxo do Santo, então, que tal você andar até
o carro com a boca fechada antes que eu estrague seu penteado
arrastando-a pelo cabelo?
— Que tal eu te castrar e você não vai poder colocar um dos
seus genes no mundo, stronzo — ela rebateu, caminhando
enquanto batia o ombro no dele ao passar.
Lorenzo cerrou a mandíbula, acenando para o carro.
— Andem.
— Eu esqueci uma coisa lá dentro — disse Alessa, já
recuando para dentro de casa. — Vão na frente, eu pego uma
carona com Leo.
Papai assentiu, mas Lorenzo começou a segui-la.
— Eu te espero.
— Lorenzo — papai o chamou. — Não temos tempo para isso,
quero pegar lugares na frente. Alessa pode ir depois, mas não
demore.
Ela assentiu e sumiu dentro da mansão. Lorenzo levou alguns
segundos, mas finalmente me acompanhou até o carro.
A viagem foi longe de agradável, eu já estava nervosa por mim
mesma, mas a tensão exalando de Anita só piorava. Segurei sua
perna, impedindo-a de continuar batendo o pé no assoalho.
— Desculpe — sussurrou. Encarava a cabeça de Lorenzo
como se fosse tirar uma arma da bolsa e pintar os vidros do carro de
vermelho.
— Será uma festa agradável — falei, mas minha voz trêmula
não enganou minha irmã, percebi pelo olhar franzido que me deu.
— O que há de errado?
— Como assim?
— Você está gelada.
Afastei minha mão de sua perna, mas Anita a segurou
novamente. Observava-me com atenção.
— Anita.
— Quer me contar alguma coisa?
Sim.
Deus, eu queria desesperadamente, mas como poderia com
Lorenzo atento a cada palavra e movimento?
— Não. — Forcei um sorriso, dando um aperto em seus dedos.
— Só estou ansiosa para saber como Labeli vai lidar com isso.
Esperei que ela fizesse um comentário ácido, mas Anita
apenas continuou me olhando, até que Lorenzo anunciou a nossa
chegada.
— Lembrem-se, se comportem. — Ele segurou o braço de
Anita antes que ela pudesse passar por ele. — Eu estarei de olho
em você cada porra de segundo.
— Aproveite enquanto tem olhos.
— Vou me divertir quando o casamento for seu, irmãzinha. —
O sorriso dele sempre me amedrontou, mas hoje havia algo mais
enchendo a minha mente. Luigi DeRossi.
Eu seria a noiva dele.
Bile me subiu e eu respirei profundamente, precisava falar com
as minhas irmãs.
— Repito — Anita respondeu. — Aproveite seus olhos, pois
pelo menos para arrancá-los da sua cara feia meu marido vai servir.
Lorenzo ia responder, mas Giorgia, a mãe de Luccare, Luigi,
Dante e Mia, sua irmã mais nova desaparecida e eventualmente
dada como morta, nos recebeu com um sorriso simpático e cortês.
— As belas meninas Bonucci. Benvenuto!
— Ciao, senhora. — Eu fui a primeira a cumprimentá-la, e
Lorenzo acenou de longe. Anita mostrou um sorriso forçado, mas
Giorgia, sempre extremamente elegante, deve ter fingido não notar.
— Vamos contar com a presença de Alessa também?
Minha irmã mais velha estava envolvida até o pescoço com a
organização de eventos da famiglia. Mães a queriam para festas de
noivado e casamento, esposas e procuravam para seus chás de
bebê e de cozinha, sem contar que quando tínhamos festas
comemorativas Alessa tinha o dedo em cada decisão tomada.
Eu sabia que ela tinha ajudado com detalhes da cerimônia e
festa de casamento DeRossi-Fanaro, mas não imaginei que tivesse
uma relação próxima com a mulher mais poderosa e bem-vista da
famiglia. Giorgia DeRossi.
— Minha irmã precisou se atrasar alguns minutos, mas estará
aqui em breve — Lorenzo garantiu.
Giorgia sorriu em agradecimento e liberou a passagem.
— Divirtam-se.
Meu coração apertou, mas não pude responder, estava muda
com a visão diante de mim. Praticamente toda a famiglia estava no
jardim perfeitamente decorado para nos receber. O espaço devia
acomodar facilmente quinhentas pessoas. Reconheci a maioria das
mulheres em seus belos vestidos com os cabelos perfeitamente
alinhados e me lembrei dos rostos de vários dos homens
espalhados pelo espaço.
Além do enorme espaço de grama verde com as cadeiras
posicionadas com flores penduradas e véus brancos acima de
nossas cabeças, a casa de tamanho exagerado devia estar
acomodando a família do futuro casal enquanto esperávamos.
Tudo estava perfeito.
A decoração branca, lilás e dourado, e as flores penduradas no
teto estavam exatamente como Alessa disse que a mãe de Labeli
exigiu.
— Perdi alguma coisa? — Virei-me para Alessa, que havia
acabado de chegar.
— Sua mãe substituta estava te procurando — Anita provocou,
rindo.
— Quem?
— Giorgia.
Alessa revirou os olhos.
— Se você viesse passar um tempo conosco quando eu te
convido, veria que ela é uma ótima companhia.
— Ela é casada com Thomas DeRossi e teve quatro filhos
dele. Isso me diz tudo o que preciso saber para recusar.
Pouco depois, os responsáveis pela cerimônia começaram a
guiar os convidados para as cadeiras, e as famílias com assentos
marcados — como a minha — ficaram com uma ótima visão do
altar. Eu fiquei olhando para a frente, evitando olhar ao lado e ver
Luigi, sabia que acabaria com todo o meu foco em me manter firme
para passar por aquele dia.
Eu só tinha me esquecido de um detalhe importante: ele
estaria no altar como padrinho.

Quando eu dobrei os joelhos do meu pai, Thomas, e


praticamente o obriguei a abrir mão do poder para que eu me
tornasse chefe, fui recebido por nossos soldados, capitães e capos
como nenhum outro chefe havia sido. Eles adoravam o chão que eu
pisava e tornaram a minha tomada ao poder mais fácil do que eu
queria que tivesse sido.
Porém, eu não dava a mínima.
O trabalho devia ser feito e eu não podia perder tempo com
suas bajulações e excesso de carinho, que em minha visão, era
abominável para essa vida.
Para que o trabalho fosse feito, sempre considerei tudo com o
máximo de lógica possível em cada situação.
Nós lidávamos com inimigos distintos, como Bratva, Yakuza e
os Cartéis mexicanos. Moto clubes estavam no topo do que eu
considerava escória e geralmente deixava para os subordinados
cuidarem.
Mas também lidávamos com inimigos “de dentro”.
Ainda que a minha Cosa Nostra fosse mais notória, e eu
tivesse fodido o meu caminho através do rabo da ‘Ndrangheta e da
Camorra, forçando-os a se curvar sobre o meu poder na Itália,
quando eles fugiram para os Estados Unidos eu os cacei, porque
queria firmar famílias nas cidades principais do país. Com a minha
tomada na Itália, restaram apenas alguns grupos em regiões
distantes que juraram não se intrometer em nossos negócios. Eu
deixei não porque acreditava ou tinha dó. Nunca fui um homem fácil,
mas era honrado e gostava de desafios.
Já meus irmãos me consideravam um filho da puta por deixar
rastros de uma história que poderia criar novos capítulos no futuro.
Eu não tinha nada a perder, e quando eles viessem atrás de mim,
eu apreciaria mais uma vitória contra suas tentativas.
Provei isso quando os expulsei, e provei novamente quando fui
para a América e matei cada um dos chefes das famílias
importantes espalhadas por Nova York, Chicago, Las Vegas, Texas
e Miami e só parei porque algo exigia a minha atenção.
Ou melhor, alguém.
Minha noiva italiana, traumatizada demais para dizer sequer
duas palavras quando estava no mesmo cômodo que eu. Eu lidei
com os malditos chefes de gangues e máfias rivais por vários anos
para proteger as casas da Cosa Nostra, mas lidar com a porra da
minha futura esposa era uma missão que não me deixava ansioso.
— Talvez ela esteja usando uma tática de sedução nova,
irmão. Deve considerar isso — Luigi zombou, sentado no sofá no
canto do quarto preparado para que eu me arrumasse.
Ajeitei a gravata, ignorando sua voz. Encarei-me no espelho.
— Posso procurar lugares discretos para interná-la e buscar
ajuda psiquiátrica — disse Dante, mais contido em suas opiniões e
mais equilibrado do que eu e nosso irmão mais novo juntos.
— Ela definitivamente vai precisar de ajuda depois de um
tempo casada com Lucca. — Luigi riu.
Embora a vida que levássemos nunca tivesse me permitido rir
ou sorrir e eu não sentisse falta disso, Luigi de alguma forma via
alegria até demais para quem ganhava seus dias matando.
— Estou falando sério — Dante rebateu. — Labeli será nossa
responsabilidade dentro de alguns minutos, eu não acho que você
quer um suicídio em sua casa e devemos cuidar disso. A garota
está claramente à beira de um colapso.
— Você parece a porra de um político falando — eu disse a
ele, virando-me e encarando ambos de frente. — Quanto ao que
será feito com ela, eu não me importo. Contanto que não vire um
problema dentro da minha casa.
— Pobre Labeli, a garota está tão triste por ter que se casar
com você que ficou louca.
— Por que eu não te arranjo um casamento e descobrimos se
a sua noiva ficará feliz, Luigi?
Ele abriu um sorriso torto, inclinando a cabeça enquanto
passava o polegar sobre suas iniciais no cabo da foice pesada —
sua companheira de todas as horas — que descansava no chão
entre as pernas.
— São tantas opções — ele suspirou —, eu dou preferência
para alguém de fora. Estou mais do que contente em ser usado para
aproximar nossa família da Yakuza. Gosto de orientais.
Nesses momentos, ninguém sabia dizer se Luigi estava
brincando ou falando sério. Meu irmão era a porra de um psicótico.
— Eu não preciso de laços com a Yakuza. Eles estão fadados
ao extermínio.
— Eu não posso me casar com uma das filhas de Toshiro
antes?
— Você está tentando me irritar propositalmente hoje? Vá
foder uma puta e controle o seu humor.
Luigi sorriu.
— Boa ideia.
Dante franziu o cenho, balançando a cabeça ao levantar o
rosto para o alto, como se buscasse orientação divina.
— Ninguém vai a lugar nenhum além da porra do altar. Luigi,
pare com essa conversa. Quando a hora do seu casamento chegar,
eu mesmo vou procurar sua esposa. E você — ele me fitou,
ajeitando seu terno antes de abrir a porta — é coisa da noiva se
atrasar, não sua.
Eu tomei o restante do Bourbon antes de sair com meus
irmãos ao meu encalço. Não havia ninguém nos corredores, só os
trabalhadores e soldados encarregados da segurança do lugar.
— Quem armou esse circo? — Luigi perguntou.
— A filha mais velha de Leon Bonucci — Dante respondeu.
Eu parei de andar quando avistei Giorgia. Ela mexeu na
gravata de Luigi e tirou o paletó de Dante.
— Alessa deixou claro que os padrinhos entrariam sem a
terceira peça.
— E por que a Bonucci está interessada em ver nossos
músculos? Cuidado, mamãe, pode perder outro filho para o
matrimônio em breve.
Ela balançou a cabeça.
— Não diga uma coisa dessas nem de brincadeira, você sabe
que uma palavra mal dita acabaria com a reputação da garota. —
Ela me olhou, mas não demoradamente — Está pronto?
— É claro.
Estava pronto para tudo o que envolvia a máfia desde o dia em
que nasci.
Nós nos encontramos
Eu te ajudei a sair de um lugar destruído
Você me deu conforto
Mas me apaixonar por você foi meu erro
Eu te coloquei no topo
Eu disse que não sentia nada, amor, mas eu menti
Apenas chame meu nome e eu estarei a caminho
the weeknd, call out my name
— Você fez um ótimo trabalho — papai disse a Alessa. A nota
de orgulho em sua voz era nítida.
— Obrigada, pai.
Uma música lenta e romântica começou a tocar vindo do
violinista e piano no pequeno palco ao lado direito do altar.
Não demorou para que Dante DeRossi aparecesse
caminhando elegantemente até a frente. Usava uma calça preta,
camisa branca e gravata lilás. Seus olhos azuis frios e calculistas
observavam toda a extensão do jardim quando se colocou em seu
lugar. Luccare deveria entrar primeiro com sua mãe, mas quando
Luigi apareceu, praticamente desfilando pelo longo caminho com um
sorriso enorme no rosto, todo o meu anseio virou uma bola de
temor. Senti-me covarde e fraca, porque sabia que aquele momento
chegaria devido ao mundo em que nasci, mas o casamento nem
havia sido confirmado e eu já estava perdendo a cabeça.
Eu queria ter a coragem de Anita e o equilíbrio de Alessa,
nenhuma delas estaria ficando louca como eu estava.
Será que foi isso o que aconteceu com Labeli?
Quando foi a vez de Luccare entrar, eu não me virei, na
verdade, baixei os olhos. Ver Labeli se casar com ele me causava
um conflito de sentimentos que eu não sabia definir ou explicar, mas
foi inevitável, pois quando a música da noiva começou a tocar, eu
ergui meus olhos e nem se tentasse eles iriam em outra direção que
não fosse ele.
Sua pele bronzeada fazia o terno de três peças tão escuro
quanto seu cabelo ser abraçado perfeitamente. Ele era alto, e em
cima do altar, ficava ainda mais. Seus olhos azuis profundos
observavam friamente a plateia antes de se fixar em um ponto no
final do corredor. Eu esperei para ver se conseguia captar qualquer
reação dele para ela, mas não houve nada. Era como se nada
especial estivesse acontecendo.
Sua expressão contida e inabalável era a mesma de sempre.
Mesmo no dia de seu casamento.
A mão direita de Labeli foi colocada sobre a dele quando seu
pai a entregou, e Luccare ergueu o véu que cobria seu rosto. Eu
jurava que podia ouvir suspiros. Labeli era linda. Os cabelos loiros
foram penteados para cima em um coque perfeito e alguns cachos
emolduravam seu rosto e pescoço fino.
O padre que eu já conhecia de todos os domingos na missa da
igreja fez um sinal para que todos se sentassem.
Eu queria ver o rosto de Labeli, mas só via o dele.
E mesmo assim não via nada.
Luccare tinha vinte e oito anos, o mais velho de seus irmãos e
dez a mais que eu. Eu não conseguia desviar o olhar, não
conseguia parar de buscar algo, qualquer coisa nele.
Talvez fosse bom que eu estivesse atenta.
Talvez se eu tivesse piscado, perderia.
Eu assisti em câmera lenta.
Foi como um acidente de trem, só que dez vezes pior. Você
sabe que vai bater e sabe que os trilhos não vão segurar o peso da
máquina, mas ainda fica para assistir o estrago.
Sem. Piscar.
Em um segundo, o padre estava falando sobre a benção de
realizar a cerimônia de um jovem casal destinado à felicidade
eterna, Labeli estava com o rosto voltado para o peito de Luccare, e
no outro, tudo mudou.
Foi muito rápido para processar.
— Deus está presente para unir este homem e essa mulher
em um compromisso de parceria, lealdade e fé.
No próximo, Labeli estava erguendo a mão esquerda, onde em
poucos minutos uma aliança de ouro seria colocada, segurando
uma faca firmemente entre os dedos enquanto a direcionava ao
peito de seu noivo.
O silêncio era ensurdecedor.
O vento bateu forte, jogando todos os véus pendurados para a
frente, em direção a eles.
Eu agarrei o braço de Santo, que estava de pé ao meu lado e
senti seu braço vindo em minhas costas, segurando-me. Não
consegui ver se a ponta afiada encostou, mas no momento em que
todos gritavam suas surpresas e horror, alguns se levantavam e o
padre tropeçava para trás, Luccare agarrou o pulso dela.
Eu estava paralisada.
Antes que qualquer um de nós pudesse piscar, eu vi os lábios
dele se movendo, então, com um olhar gelado e o rosto numa
máscara em branco, Luccare empurrou para a frente, virando o
pulso de sua noiva sem soltar a faca e a cravou no coração dela.
Eu ouvi o som abafado dos gritos da mãe da noiva e seu pai
implorando, mas era tarde demais. As pernas de Labeli dobraram
quando ela caiu, perdendo a força do corpo e seu noivo a segurou.
O pandemônio se iniciou a partir daquilo.
Os convidados estavam em choque demais para correr nos
primeiros minutos, mas no seguinte, quando Lucca olhou para as
fileiras de pessoas observando, convidados começaram a se
movimentar, buscando a saída.
Eu estava travada no lugar, incapaz de me mover.
Ele acenou para alguém, e Dante correu do altar, soldados se
posicionaram em volta dos convidados e a mãe de Labeli foi contida
pelo marido. Seu choro estrangulado por gritos que feriam meus
ouvidos era ouvido por todo o jardim.
— Me dê seu telefone — Santo exigiu, e eu vi que os homens
faziam a mesma coisa com as mulheres e crianças.
— Nós precisamos sair daqui — eu sussurrei, esmagando a
camisa do meu irmão entre os dedos.
Ele balançou a cabeça, e quando algo sombrio passou por
seus olhos, eu senti minhas próprias pernas falharem.
— Eu sinto muito, Ella.
— O-o quê? Por quê?
Anita parecia uma estátua ao meu lado, Alessa pegou sua
bolsa e entregou a papai, e eu me perguntei como minha irmã mais
velha parecia tão calma.
— Silêncio. — A voz de Lucca irrompeu as vozes, choros e
lamentos. Eu o fitei, meu coração trovejou no peito em puro terror
quando o vi de pé no altar, segurando Labeli. Sua cabeça estava
caída para trás, os olhos arregalados denunciando que ele tinha
acertado o coração. O risco de sangue na bochecha, que escorreu
da boca e o vestido branco manchado de vermelho eram a pintura
do pecado cometido.
Eu tampei meu próprio grito com as duas mãos, fechando os
olhos com força.
— Continuem em seus lugares, vocês vieram para um
casamento e um casamento será realizado. — Seus olhos
dispararam para a fileira que minha família estava e sem se
demorar, ele fitou meu pai. — Leon Bonucci, traga a minha noiva.
No momento em que ele disse isso, todas as cabeças se
viraram em nossa direção. Eu estava longe demais para expressar
qualquer reação. Vi-me sendo levada pelos braços pelo meu pai e
Lorenzo, e os rostos se tornaram borrões distantes.
Ouvia os gritos de Anita, e me perguntei se minha irmã era a
noiva, mas não fazia sentido.
Labeli estava morta...
Labeli estava morta.
— Labeli está morta — falei comigo vagamente.
Porta abriu, porta fechou, meus pés mal se arrastavam, eu
estava praticamente sendo carregada para onde quer que fosse, até
que fui colocada em um sofá branco. O quarto ocupado por
maquiagens em todos os cantos, uma arara de vestidos novos e
dois pares de sapatos brancos perto da porta fizeram meu coração
saltar.
Eu fechei os olhos com força, perguntando-me se era um
sonho. Um pesadelo.
— Abriela.
— Ella, escute-me.
— Abriela?
Eu fechei os olhos, afastando-me.
Acho que em algum lugar da minha mente eu já sabia. Eu
sabia o que estava acontecendo.
Os olhares, as visitas na minha casa no meio da noite, a
conversa de papai e Lorenzo...
“—... não vou agir tarde demais novamente.”
Oh, meu Deus.
— Ella. — A voz de Alessa e seu aperto em minhas mãos me
trouxe de volta ao presente. O quarto estava cheio. Havia duas
mulheres de preto mexendo nos acessórios e maquiagens em frente
à penteadeira, Giorgia e minhas irmãs.
— Alessa — sussurrei.
— Me escute, nós não temos muito tempo. Papai não pensou
que isso aconteceria, ninguém pensou.
— Ninguém esperava que aquela garota maluca fosse tentar
matar o meu filho, você quer dizer? — A voz abalada de Giorgia
tornou a coisa ainda mais real.
— Isso não é o que eu estou pensando. — Anita caminhava
pelo quarto depressa, indo e voltando, de um lado para o outro. —
Caralho, que porra!
— Ella, eu...
— Onde ela está? — A porta foi aberta e meu pai entrou.
— Papai. — Alessa entrou na minha frente, tudo o que eu
podia ver era suas costas. — Deixe-me ir no lugar dela.
— Não. Mova-se.
— Pai, é Abriela!
— Sei disso e Luccare sabe também. É ela quem ele quer.
Alessa me fitou como se não soubesse o que fazer. Eu nunca
tinha visto minha irmã daquele jeito, parecendo genuinamente
perdida. Seus olhos correram para a porta.
— Eu já volto, por favor, não façam nada.
— Mas isso não está certo — Anita gritou. — Eu vou lá dizer
ao psicopata que ele não pode ter a minha irmãzinha. Ela só tem
dezoito anos!
Papai a ignorou.
— Abriela. — Ele segurou o braço de Anita com força,
afastando-a de mim, e segurou meu rosto de ambos os lados — Eu
esperei muito por esse momento.
— Eu não sou a noiva dele, isso não estava planejado.
— Tem coisas que você não entenderia, mas basta saber que
é o melhor para a famiglia. Faça isso por nós, pela Cosa Nostra e
para honrar o seu sobrenome.
— Você ficou maluco, porra?! — Anita gritou, empurrando-o. —
Eu não vou deixar! Ele acabou de enfiar uma faca no coração de
Labeli! — Lágrimas escorriam em seu rosto furioso sem parar.
Papai se virou e jogou a mão aberta em seu rosto, minha irmã
tropeçou para trás, caindo e batendo as costas na quina da
penteadeira.
— Papai! — Peguei-me gritando, olhando para Anita no chão.
— Cale a porra da boca, ou eu vou garantir que você tenha um
destino muito pior do que um casamento!
— Leon — disse Giorgia, enquanto ajudava Anita a ficar de pé.
— Dentro de sua casa você cria seus filhos como quiser, mas não
posso admitir que trate uma dama na minha frente desse jeito.
Abriela precisa de um momento sozinha, por favor, vá.
Papai me implorava com os olhos para que obedecesse, e eu
me peguei dividida entre o dever e a vontade de gritar que a vida
era minha. Ele não estava preocupado com o que acabamos de ver
lá embaixo?
— Você foi criada para isso — disse ele. — Esse é o momento
que temos esperado. Cumpra o seu dever.
No momento em que ele se dirigiu para a porta, ela foi aberta e
Luccare estava ali.
Em seu braço repousava um vestido branco pintado de
vermelho da cintura para cima e seus olhos azuis vazios não
desviaram de mim quando ele se dirigiu às pessoas presentes no
quarto.
— Saiam. Preciso ficar a sós com minha futura esposa.
— Acredito que seria melhor alguém ficar aqui, não vejo como
seria bom para a reputação da minha filha que ela fique sozinha
com o noivo antes do casamento.
Olhei para meu pai de olhos arregalados e para Lucca
novamente, que apenas levantou uma sobrancelha e foi até a
estante de bebidas, serviu-se de Bourbon como se estivesse em
sua própria casa e tomou um longo gole antes de ficar a centímetros
do meu pai.
— Leon, você sabe que se eu quiser fazer algo com sua
preciosa filha, farei estando numa sala com cinquenta pessoas ou
apenas com ela. No entanto, não lhe dei a opção de discutir sobre
isso, eu mandei sair.
Anita se levantou do sofá e caminhou em passos firmes até
ele, mas Giorgia segurou seu braço antes que ela fizesse algo louco
e a levou para fora. Eu ainda pude ouvir seus gritos por cima das
batidas do meu coração.
— Deixe a minha irmã em paz! Ela é inocente, seu monstro!
Monstro. Não era isso o que tínhamos visto no altar? Algo
monstruoso?
Eu concordava com Anita, e quando fomos deixados a sós, eu
concordei intensamente.
— Finalmente a sós, Abriela — ele disse meu nome como se
experimentasse como soava, tão forte como sua voz era, enviou
calafrios através de mim e me dando conta do que ele podia fazer
comigo ali dentro sozinhos, lágrimas vieram aos olhos. — Enxugue
as lágrimas ou eu vou te dar motivo para soltá-las.
Engasguei com um soluço e coloquei a mão sobre a boca.
Meus olhos arregalados de medo. Medo puro e cru.
— Há um fascínio sobre você lá fora, Abriela Bonucci. Homens
dessa maldita família determinados a trocar negócios e entregar
diamantes de gerações para tê-la como esposa. Não era
exatamente confortável ouvi-los falando o quanto a minha possível
noivinha é desejável. — Ele me estudou analisando cada traço do
meu rosto, levantou a mão e eu vacilei, ele pareceu não se
incomodar e arrastou o dedo da minha têmpora ao queixo. — Talvez
você seja uma vadia manipuladora, todas vocês são, não é?
Eu ainda estava parada em silêncio quando ele deu uma volta
em torno de mim, parando atrás das minhas costas. Logo senti uma
fria lâmina arrastando pelo tecido do meu vestido amarelo da cintura
para cima, eu gritei quando as alças caíram, e segurei o tecido em
meu peito.
— Se esse for o caso, você vai aprender da pior forma que
comigo não há manipulação, futura esposa, portanto, não tente
brincar ou jogar comigo, você irá perder.
— E-eu não joguei com você.
— Você queria a minha atenção desde o momento que
começou a ouvir sobre casamentos. Eu ignorei, mas agora você tem
dezoito anos e eu preciso de uma esposa. Minha atenção é toda
sua. — Lucca saiu de trás de mim e andou até a porta, sem se virar
ele disse: — Vista-se.
O vestido foi jogado no sofá, o cheiro laminado de sangue
irritou meu nariz. Ouvi passos pelo corredor. Antes que ele fosse
embora, Luigi e Dante DeRossi apareceram.
Luigi me olhou e sorriu torto, Dante apenas levantou o queixo e
acenou.
— Aí está a noiva premiada. — O gigante sorriso de Luigi me
perturbou. Eu parei de tentar conter as lágrimas silenciosas.
— Não temos tempo para isso — disse Luccare.
— Lucca nunca soube se divertir. — Luigi invadiu o quarto e
meu espaço pessoal, fazendo-me recuar. Ele olhou para baixo e riu.
— Você vai fazê-la casar com esse vestido?
— Eu não vejo nenhum outro disponível.
— É desrespeitoso. — Surpreendi-me ao ouvir Dante dizer.
— É simbólico. — Luccare cravou os olhos em mim. — Um
casamento sangrento vai reforçar que ninguém fode com Luccare
DeRossi.
— Eu acho instigante, de repente fiquei louco para me casar.
— Vocês terminaram? — Eu procurei por Alessa ao ouvir sua
voz, mas ela estava lá fora e só entrou quando Lucca assentiu. —
Eu preciso ajudar minha irmã a se arrumar.
— Vocês têm dez minutos.
— Isso não é o suficiente, senhor DeRossi.
— Terá que ser. — Sua voz não dava abertura para discussão,
e quando ele virou as costas, seus irmãos o seguiram. Alessa
trancou a porta, encostando-se nela de olhos fechados por alguns
segundos, e quando abriu, todo o caos que eu tinha visto mais cedo
havia sumido.
— Você está bem? — perguntei baixinho.
Ela riu estrangulado.
— Você não existe, Ella. Está perguntando se eu estou bem
quando é a única nessa situação.
— Eu sabia que isso aconteceria algum dia.
— Você está em choque, isso é bom, vai te impedir de cair na
frente de todos. — Ela segurou o vestido de noiva arruinado pelas
alças e suspirou. — Eu tentei conseguir um vestido novo, mas ele
quer que seja esse. Quer que seja um lembrete de sua autoridade e
poder.
— Por que você acha que Labeli fez isso?
— Labeli teria matado Lucca ou se matado, todos sabiam
disso. Era apenas questão de detalhes.
Enquanto eu conversava com Alessa, sentia-me flutuando.
Sabia que estava ali, mas tudo parecia nublado, como um sonho
estranho.
Ela tirou meus sapatos, depois, tirou o vestido que Luccare já
havia cortado e quando começou a me vestir com a peça branca
manchada, meu estômago embrulhou.
Eu queria me manter fria e indiferente à situação, mas como
poderia? Alguém morreu usando a roupa que eu vestia agora. A
noiva do meu noivo.
— Eu era a segunda escolha?
Alessa estava arrumando o meu cabelo, mas fez uma pausa
para me fitar. Seus olhos verdes estavam cheios de amor e tristeza
por mim.
— Você era a primeira. ― Ela suspirou ― Pronta? ― Alessa
me deu um olhar reconfortante.
― Preciso estar ― tentei soar firme, mas saiu como um
sussurro.
― Tudo bem. Você vai ficar pronta e estará linda, como é
esperado. Esqueça o que aconteceu e passe por isso da melhor
forma que conseguir. Se torne uma casca, o teatro perfeito para
eles. Se Lucca é o chefe, você se tornará a mulher mais protegida e
invejada dessa organização. Eu sei que é difícil, mas uma hora tem
que acontecer com todas nós. ― Eu assenti, e ela continuou: ―
Você precisa se lembrar que seu sorriso será sua melhor máscara,
Abriela.
Houve uma batida à porta.
― Um segundo ― ela gritou. ― Eu estarei sempre aqui por
você. Para o que precisar. ― Alessa segurou minha mão. ― Vamos
fazer isso.
― Eu te amo.
― Eu te amo, meu anjo. ― Ela me abraçou, mas mesmo seu
abraço que sempre tinha tanto poder sobre mim não ajudou.
Dando-me uma última olhada, Alessa abriu a porta e saiu.
Juliano, um dos soldados que sempre estavam com Luccare
estava lá fora.
― Vou levá-la para o seu pai quando estiver pronta, senhora.
― Eu ainda sou senhorita.
Ele apertou os lábios, mas assentiu e fechou a porta.
Quando me vi sozinha, obriguei-me a ter coragem e fui até o
grande espelho do outro lado do quarto. A visão diante de mim não
era nem de longe o que eu sonhava quando pensava em meu
casamento.
Luccare destruiu isso.
Destruiu qualquer esperança de ter boas lembranças desse
dia.
Meu rosto estava pálido e meus olhos azuis intensamente
vermelhos, mas a maquiagem não foi borrada pelas lágrimas.
Minhas mãos tremiam visivelmente e eu precisava me lembrar de
não encostar no vestido, pois mancharia minha palma de sangue.
O vestido era lindo e eu facilmente o teria escolhido como meu
na loja, mas ele não era. Ele pertencia a alguém que acabara de
perder a vida e eu estava substituindo-a como se Labeli Fanaro não
significasse nada.
A enorme mancha de sangue em toda a parte de cima do
vestido parecia obra do diabo, uma piada macabra do destino.
Abaixo da cintura ele continuava branco como a neve.
Puro. Intocado.
Retratava a minha inocência manchada.
Solucei, mas nenhuma corrente de lágrimas novas caiu. Talvez
eu estivesse vazia.
Ver que aquilo realmente aconteceria fez algo estranho e
doloroso alastrar dentro de mim. Sentia-me em transe. Obrigada a
seguir o caminho que foi ensinado.
Mesmo com o vômito subindo pela minha garganta.
Mesmo com as dúvidas de como eu fui parar naquela posição.
Mesmo com o sangue de Labeli molhando minha pele por
baixo da roupa.
Se fosse para considerar que se tratava de um casamento
entre o chefe da máfia italiana e uma presa sem qualquer
capacidade de se defender, então sim, eu era a noiva perfeita.
Quando ouvi batidas à porta, respirei fundo. Deveria ser meu
pai para me levar ao altar.
Lentamente a abri, mas quando vi quem estava diante dela,
travei. Fitei Juliano, mas ele também mantinha seus olhos em
Thomas.
― Senhor DeRossi? ― Ele me olhou de cima a baixo e
assentiu com um olhar que reconheci como orgulho.
― Vai me deixar entrar? ― questionou com uma forma de falar
muito parecida com a de Luccare. Reparei que ele estava com as
duas mãos atrás das costas e estremeci, imaginando se seria uma
arma e eu era a próxima.
Como se notasse minha hesitação, colocou as mãos para
frente, entregando-me um buquê de rosas azuis, perfeito, que quase
fez meu queixo cair. Eu não esperava gentileza de ninguém além
das minhas irmãs naquele momento, com certeza não esperava
dele.
― Aqui está o buquê escolhido pelo seu noivo. ― Sorriu torto,
o que fez sua feição dura quase suavizar, e eu me perguntei se
Lucca seria da mesma forma, se me deixaria ver seu sorriso algum
dia.
― Obrigada. ― Peguei o buquê e tentei sorrir. ― Lucca
escolheu? ― perguntei, de repente, desejando que ele tivesse
pensado em fazer isso por mim, por... Nós. Era pedir demais me
sentir pelo menos um pouco reconfortada naquele momento?
O sorriso no rosto de Thomas foi substituído por uma carranca
idêntica à de seu filho. Ele entrou no quarto, fechou a porta e se
aproximou de um jeito que me fez sentir obrigada a recuar até
encostar na parede. Assustei-me, pronta para gritar, quando ele
colocou a mão sobre a minha boca.
― Eu não a escolhi na intenção de transformar o bastardo do
meu filho numa mocinha romântica. Te escolhi porque é bonita, vai
fazer filhos fortes para honrar meu sobrenome e dizem que é uma
boa menina. Lucca é o que é porque eu o fiz desse jeito, então, não
crie esperanças de adoçar o coração dele porque meu filho não tem
um. É sendo temido que ele me serve. Odiaria ter que tirá-lo da
jogada, portanto seja uma boa esposa obediente ― sussurrou
ameaçadoramente. ― Entendeu? ― Assenti. ― Farei visitas
esporádicas a vocês para ter certeza disso. ― Ele se afastou e
arrumou a gravata. ― Agora recomponha-se. ― Antes de sair,
disse, sem se virar: ― Eu prefiro que esta conversa fique apenas
entre nós e você vai me obedecer se não quiser vestir mais
nenhuma roupa com sangue.
Ele riu, observando o vestido.
― Fantástico.
Assenti novamente, mesmo sabendo que ele não veria por
ainda estar de costas. Fechei os olhos e esperei que a porta
finalmente batesse, respirando fundo e me recusando a chorar.
Mesmo que esse casamento não tivesse surgido da forma
como eu sonhei, não podia me dar ao luxo de chorar toda vez que
algo acontecesse. A única maneira de sobreviver à máfia era sendo
mais forte do que ela ou pelo menos tentar parecer.
Eu não deixaria de ser quem era, mas precisava ser forte.
Não sabia se deveria dizer a Lucca que o pai dele me
ameaçou, apenas tentaria lidar com isso. E também, Thomas falava
com confiança, então, quem me garantiria que Lucca acreditaria em
mim? Não queria começar nossa vida juntos já levando problemas
que o fariam pensar que queria colocá-lo contra seu pai.
Labeli tentou ir contra ele e acabou morta.
As palavras de Thomas rodavam à minha mente. Eu estava
assustada.
Mas não tinha escolha.
Estava decidida.
Decidida a lutar por esse casamento.
Decidida a viver.
Eu já tinha ouvido coisas que meu marido era capaz, mas ver,
mudou completamente o cenário.
Eu peguei o buquê, olhei meu cabelo uma última vez e fingindo
que não sentia o gelado do sangue em meu corpo, abri a porta.
Eu precisava lembrar que meu sorriso seria a melhor máscara
para sobreviver.
Sorriso brilhante, batom preto
Políticas sensuais
Quando você é jovem, eles deduzem que você não sabe nada
Mas eu te conhecia
Bêbado sob a luz da rua,
Eu te conhecia
Mão debaixo do meu suéter
Querido, beije para sarar
Você desenhou estrelas ao redor das minhas cicatrizes
Mas agora estou sangrando
taylor swift, cardigan
De braços dados com o meu pai, posicionei-me e esperei.
Quando a banda começou a tocar, eu sabia que era o meu sinal
para entrar.
Sabia que algo tinha acabado e algo se iniciava.
Enquanto os músicos tocavam o clássico The Second Waltz,
eu quis chorar porque amava aquela música e sempre que a ouvia
em outras cerimônias, dizia que seria conduzida até o altar também
com ela. Caminhei tão lentamente quanto podia, mantendo a
cabeça baixa e os olhos presos aos meus pés para ter a certeza de
que não tropeçaria, mas quando papai parou de andar e levantou
meu véu, tudo o que pude fazer foi fechar os olhos com força, logo
que o senti esticar meu braço e o toque firme e quente da mão do
meu noivo amparou a minha.
Olhei para cima, não tendo outra escolha a não ser encarar o
que vinha evitando desde que pisei no tapete vermelho. Lucca
estava simplesmente perfeito.
Não parecia que havia acabado de assassinar sua noiva a
sangue frio.
Nem que estava me obrigando a casar com ele no vestido
manchado do sangue dela.
Como as pessoas estavam vendo isso?
Eu peguei um vislumbre dos rostos impassíveis de Dante e
Luigi, e do outro lado, Alessa, inexpressiva. Foi o corte no canto do
lábio inferior de Anita que partiu meu coração. Ela foi ferida me
defendendo.
Lucca apertou minha mão, chamando minha atenção para si.
Eu subi, ficando de frente para meu noivo. Quando olhava para ele
antes, sem desconfiar que seria sua esposa e antes de ver o
assassino em ação, não conseguia entender como alguém tão
bonito podia guardar tanta maldade, ser tão cruel.
O terno incrivelmente preto estava intocado, mas a camisa
branca por baixo também estava suja de sangue e seus olhos tão
azuis quanto o céu naquela tarde guardavam mil tempestades que
poderiam devastar a Itália.
Eu sabia que me devastaria se eu desse um passo fora do
caminho certo.
Eu não podia sair destroçada no processo. Nem todos
mereciam uma salvação, mas para sobreviver, eu seria a de
Luccare DeRossi.
Meu coração batia violentamente. Lucca me encarava como se
não houvesse outro lugar para olhar. Mais de duzentos pares de
olhos estavam fixos em nós, agora, divididos pelo medo e pelo
respeito.
E por mim, compaixão.
― Estamos aqui hoje para celebrar a união de Lucca DeRossi
e Abriela Bonucci...
O padre era outro e eu fiz uma oração silenciosa para que o
padre Tito Capelli estivesse bem e eu o visse domingo. Eu não
podia ouvir nenhuma palavra, estava hipnotizada diante do olhar
firme de Lucca.
Quando ele citou os votos, fiquei observando com mais
fascínio ainda. Mesmo que fosse uma encenação, eu percebi que
gostava de ouvi-lo dizer palavras bonitas para mim.
O corpo sem vida de Labeli piscou em minha mente e eu
fechei os olhos brevemente, recitando os votos sem olhar nos olhos
do meu noivo.
― Eu, Abriela Bonucci, recebo-te como meu esposo, Lucca
DeRossi, e prometo ser fiel, te amar e te respeitar, na alegria e na
tristeza, na saúde e na doença, até que a morte nos separe.
O padre alcançou nossas alianças, abençoando-as
rapidamente, e nos entregou.
― Abriela, esta aliança representa minha fidelidade, meu amor
e minha proteção, a receba em nome do Pai, do Filho e do Espírito
Santo. ― Sua voz profunda ecoou na minha cabeça, fazendo-me
tremer.
― Lucca ― sussurrei, de repente me sentindo confusa com
tudo. Nós não tínhamos nem começado e eu já estava um caos. Ele
levantou uma sobrancelha, lançando-me um olhar severo.
Rapidamente me recompus e repeti as palavras, colocando a
aliança no dedo dele.
― Pelo poder concedido a mim, eu os abençoo e os declaro
marido e mulher. Bacia la tua sposa per farla tua moglie.[1]
Lucca pegou minha outra mão, colocando a direita dele sobre
meu coração e a minha direita sobre o seu. E declarou:
― Prometo pela Famiglia e pela honra. ― A sensação de seu
toque em minha pele nua sob o decote e os batimentos de seu
coração debaixo dos meus dedos me deixaram muda por um
momento.
Me respeite.
― Prometo pela Famiglia e pela honra ― finalmente repeti.
Sorria como se fosse sua melhor máscara.
Ele levantou sua mão, pegou minha nuca e puxando-me em
sua direção, selou nossos lábios. O mundo girou.
Não me ame, mas não me mate.
De repente eu não era mais Abriela, a noiva em perigo, e ele, o
homem que carregava o peso de tudo o que eu temia. Com seus
lábios sobre os meus, nosso destino estava cravado em pedra.
Era perpétuo.
Nós nos pertencíamos.
Quando você adormece
Com a sua cabeça em meu ombro
Quando você está em meus braços
Mas você foi pra um lugar mais profundo
Quando o esquecimento está chamando seu nome
Você sempre vai mais longe do que eu posso ir
bastille, oblivion
Os convidados já entravam na casa, as mulheres conseguiam
colocar um sorriso no rosto que não deveria estar lá e para os
homens, a demonstração de crueldade de Lucca não deveria ser
algo inédito, pois eles agiam como se nada tivesse acontecido.
E aconteceu.
Eu sabia que quando a ficha caísse, eu entraria em pânico.
Antes que eu me afastasse, Lucca segurou meu braço e
indicou Alessa me esperando ao lado dos músicos.
― Vá trocar seu vestido e volte rápido, temos convidados para
impressionar.
― Acho que você conseguiu impressioná-los por si mesmo.
Ele estreitou os olhos, seus longos cílios e as sobrancelhas
grossas ganhando destaque com o movimento.
― Isso é uma crítica?
― Você acha que deveria ser um elogio? Assassinou uma
mulher a sangue frio na frente de todas essas pessoas e me fez
subir no altar com o vestido dela.
― Você preferia que eu tivesse a deixado com o vestido ao
lado do padre enquanto nos casávamos?
― Eu preferia que tivesse cancelado e tivesse me dado um
momento para processar a ideia.
― Tempo para processar não mudaria o fato de que o
casamento ia acontecer.
― Mas mudaria a forma como eu encararia isso.
Lucca desabotoou o terno, tirou a gravata e olhou por cima da
minha cabeça.
― Se eu quisesse conversar com você sobre minhas ações,
teria pedido sua opinião. Eles me disseram que você era dócil e
controlada. Eu não gosto de ser enganado, Abriela, portanto, não
me faça sentir assim.
― Eu não sou um cão ― contive meu tom de voz ―, mas sim,
fui bem ensinada quanto aos meus deveres. Serei a esposa que
você precisa que eu seja, mas isso não significa nem por um
segundo que vou esquecer o que aconteceu hoje.
Lucca fechou o espaço entre nós, ele cheirava a determinação,
álcool e terror.
― Que bom, porque eu quero que se lembre.
Cada uma das minhas interações com ele tinha a capacidade
de se tornar catastrófica, mesmo sabendo disso e tendo sido
avisada, eu decidi ignorar. O que mais ele poderia fazer de pior?
Pior do que fez com Labeli, por exemplo.
― Por que eu?
O sorriso torto, nem de longe alcançando os olhos me
cumprimentou outra vez.
― Você não concorda que todo chefe precisa de uma esposa
para mantê-lo feliz? ― perguntou, irônico.
― Você não parece um homem que o casamento tornaria feliz.
― De fato, mas sei que você será uma boa e respeitosa
esposa, manterá sua postura e honrará a sua posição nesta
famiglia. Irá morar na minha casa, visitará seus familiares com meus
soldados e me avisará sobre qualquer lugar que queira ir, antes de
ir. Cumprirá com suas obrigações, Abriela, tanto na rua, quanto em
eventos, em casa e, principalmente, na minha cama. O que eu faço
não lhe diz respeito e não vou aturar crises de rebeldia. Você
entende? Eu espero que sim, nunca me considerei um bom
professor.
― O que quer dizer com “não me diz respeito”?
― Alguns dias chegarei tarde, outros apenas não voltarei pra
casa. Você vai perguntar, talvez eu responda, e talvez, não; então,
não faça uma cena por isso. Não questione qualquer regra ou
ordem minha e ficaremos bem.
Eu estava tendo dificuldades em encontrar palavras depois
daquela aula de porcarias que ele me deu.
― Um pouco machista? ― Assim que as palavras saíram eu
quis engoli-las de volta. Contudo, ele apenas sorriu de canto, sem
humor nenhum, tirando algo do bolso do paletó. Pegou minha mão e
colocou um diamante em meu dedo anelar. O anel que eu tanto
sonhei, o símbolo do amor e do verdadeiro respeito, que para Lucca
era apenas sua marca sobre mim.
― Você já me deu uma aliança. ― Enquanto eu olhava a linda
joia, ele inclinou meu queixo para cima e com aqueles intensos
olhos azuis me estudou.:
― Isso era de Giorgia ― disse como se não fosse nada. ― É
esperado que você use a joia da minha mãe. Estamos entendidos
quanto ao resto? ― Eu assenti, engolindo o nó na garganta. Ele
soltou minha mão. ― Ótimo, estou ansioso para isso, minha querida
esposa.
Minha querida esposa.
Encarando aquele anel, pensando em como faria para que
Lucca me visse com outros olhos. Mesmo que a máfia insistisse em
nos colocar como objetos em posições submissas a qualquer
situação, eu não me enxergava daquela forma. Acreditava mais em
minha força a cada dia. Não ter desistido da vida apenas porque
vivíamos de um modo fora do comum valia mais para mim do que o
que qualquer pessoa pensava. Eu não podia aceitar aquilo tão
pouco vindo dele.
Com um suspiro, passei os dedos levemente pelo diamante e
permiti que um pequeno fio de esperança voltasse a crescer dentro
de mim.
Minha.
Querida.
Esposa.
Essa frase tinha que significar algo mais e não apenas uma
ironia.
― Você é meu marido agora ― falei baixinho, lentamente,
experimentando cada palavra.
Ele me observou com seriedade, como se me analisasse, mas
estar sob seu escrutínio não era confortável. Eu duvidava que algum
dia se tornasse.
― Nós dois vamos sair ganhando com isso. Agora vá.
Forcei meus pés a recuar e lhe dei as costas. Não dei tempo
para Alessa dizer nada.
― Me leve para dentro e tire esse vestido de mim.
Minha irmã assentiu com força e nós entramos. Anita nos
esperava no topo da escada com um saquinho transparente com
pedras de gelo no lábio.
― Você está bem?
Anita revirou os olhos.
― É claro que você está mais preocupada com a minha boca
cortada do que com a sua situação fodida em todos os buracos.
Nós nos fechamos em um quarto e enquanto Alessa retocava
a minha maquiagem, Anita tirou o vestido de mim e passou um pano
molhado em minha pele manchada.
― Eu me sinto suja dos pés à cabeça. Como ele pôde...
como... como as pessoas ficaram ali paradas sem fazer nada?
― Pelo mesmo motivo que nós ficamos. ― Anita encolheu os
ombros. ― Somos covardes filhos da puta tão assassinos quanto
ele.
― Anita ― Alessa a repreendeu. ― Ele se defendeu, todos
viram isso. Labeli subiu ao altar determinada a matá-lo.
― Espera... está defendendo aquele homem?
― Estou dizendo o que aconteceu, Anita. Todos vão fingir que
nada aconteceu porque quando se tornaram parte da Cosa Nostra
concordaram com isso. Os associados presentes vão temer Luccare
e seu comando e as mulheres vão pensar duas vezes antes de
desafiar seus maridos.
― Viva a porra da Omertá ― Anita cantou com falsa
empolgação. ― Eu queria que uma bomba explodisse Milão.
― Como se a ‘Ndrangheta e a Camorra não estivessem
escondidas na Calábria e Nápoles só esperando para assumir o
território ― falei. ― Corte uma cabeça e duas vão nascer no lugar.
― Eu não acho que qualquer outra cabeça pode ser pior do
que os DeRossi.
― Precisamos ir ― disse Alessa. Ela recuou alguns passos,
deixando-me ver rapidamente o novo vestido branco no espelho. ―
Ella, eu te vi em uma discussão com ele. Por favor, não desafie
Luccare. Não faça com que ele sinta que precisa se defender de
você.
― Ele se defender de mim? ― bufei. ― Olha o meu tamanho!
― Por favor, me prometa.
― Sim, Ella, prometa ser uma boa esposa, engravidar e
esperá-lo descalça na cozinha enquanto ele brinca de Deus ― Anita
concluiu com sarcasmo.
― Você quer esconder seu machucado? ― Alessa questionou.
― Não, deixe que vejam como os homens dessa merda são
honrados e batem em suas filhas como se fossem traidores. ― Ela
me abraçou forte. ― Sinto muito que seja você e saiba que se
quiser sair disso, eu vou tentar dar um jeito.
― Não, não vai ― Alessa negou imediatamente. ― Eu gosto
de ter duas irmãs, não façam nada que mude isso.
Eu suspirei, e determinada a mostrar a elas que eu não seria
uma vítima nessa história, alisei a frente do vestido, virando as
costas para o espelho e as encarando.
― Eu não sou a primeira mulher em um casamento arranjado.
Lucca não vai me matar porque precisa de uma esposa e eu
pretendo ser a melhor. Vou passar por isso. Sou forte e sou
corajosa. Vou ficar bem.
Eu não sei como minha voz não tremeu, mas vi respeito nos
olhos das minhas irmãs.
― Pelo menos estamos na mesma cidade.
― E eu pretendo visitá-la sempre. ― Eu olhei para a porta, de
onde Santo nos observava.
― Entre ― eu disse, já correndo para abraçá-lo.
― Papai está procurando por vocês, me deixem falar com
Abriela um momento.
Quando elas saíram, eu e Santo ficamos em silêncio por
alguns minutos. Ele girava o anel em meu dedo, ali quieto, apenas
me deixando saber que estaria lá por mim.
― Conhecendo Lucca, ele virá buscá-la assim que ver Anita e
Alessa lá embaixo.
Meu riso esganiçado saiu acompanhado de um soluço.
― Eu estou com medo ― sussurrei.
― Eu também, pequenina. ― Meu irmão suspirou, envolvendo
seus braços ao meu redor.
― Como você acha que vai ser? ― Ele franziu a testa,
pensando sobre minha pergunta.
― Não vou adoçar para você, irmã. Ele não é uma boa
pessoa. Já o vi fazer coisas piores do que o que fez hoje e agir
como se nada o afetasse; como se não tivesse sequer uma alma.
Não é à toa que ele é o comando da Cosa Nostra. Eu deveria matá-
lo para que você pudesse ficar livre.
Eu bufei.
― Não diga essa besteira. Que liberdade seria essa, se para
ganhá-la eu teria que perder meu irmão?
― O tipo de liberdade que faz valer a pena viver ― sussurrou
como se estivesse falando consigo mesmo.
Pensei por alguns segundos no que ele disse, concluindo que
não concordava com aquilo.
― Vai dar certo.
― Não é porque eu me derreto por você e nosso pai nunca te
machucou que Lucca será igual. Ele é totalmente diferente de nós.
― Vai dar certo ― repeti.
― Abriela...
Virei-me para ele e, olhando em seus olhos, repeti o meu mais
novo mantra:
― Tenha fé em mim. Eu vou fazer dar certo.
Ele me encarou por alguns segundos, puxando-me para seus
braços logo depois.
― Eu estarei a uma ligação de distância. Apenas uma
mensagem, e eu estarei lá para acabar com o bastardo. ― Sorri.
― Não esperava nada menos de você.
― É bom saber disso. ― A voz de Lucca me fez pular do
pequeno sofá, e Santo ergueu o queixo. Ficando em minha frente.
― Ela é minha irmã mais nova, Lucca, proteger Abriela é
minha missão nessa terra.
Lucca o observou em silêncio, com as mãos cruzadas atrás
das costas e o rosto vazio.
― Pensei que sua missão fosse a famiglia.
― E é, mas a famiglia tem centenas de soldados. Minhas
irmãs só têm a mim.
― Abriela não te tem. ― O peso de suas palavras era enorme,
e me fez perceber pela primeira vez que eu não poderia mais
encontrar consolo e abrigo em minha família. Agora seríamos eu e
ele.
Nossa casa e nossa vida.
Lucca desviou os olhos de Santo para mim, e estendeu a mão
direita. O ouro do nosso anel recém-colocado cintilou no dedo
bronzeado.
― Agora, eu sou tudo o que ela tem. Abriela Bonucci está tão
morta quanto Labeli Fanaro. ― Os olhos azuis cruéis fixaram nos
meus e como se eu não tivesse escolha, me vi chegando perto e
pegando sua mão estendida. ― Abriela DeRossi pertence a mim.

Quando nós aparecemos no salão em frente aos convidados,


todos nos receberam como se fosse o casamento do ano. E talvez
fosse. Eu sabia que o casamento sangrento seria um assunto
sussurrado durante gerações ou pelo menos, até que algo tão
chocante quanto acontecesse.
Alessa se aproximou com um fotógrafo ao lado.
― Irmã, hora de registrar seu grande dia. ― Alessa sorriu, mas
não havia alegria em sua expressão.
Eu fitei Lucca, esperando sua resposta, mas Alessa parecia
pronta para finalizar a tarefa o quanto antes.
― Vamos tirar algumas fotos lá fora enquanto os convidados
se ajeitam aqui dentro. ― Lucca franziu a testa, mas concordou.
Não demoramos a encontrar um lugar no jardim que ela
considerasse bom o suficiente para as fotos ― Sorriam.
Minha irmã estava louca. Lancei-lhe um olhar de advertência
que ela ignorou, continuando a nos dizer o que fazer para ter suas
malditas fotos.
― Sorria ― Lucca reforçou, mas quando eu fiz isso, ele
continuou sério. ― É o suficiente.
― Que tal mais algumas daquele lado? A luz parece ótima! ―
o fotógrafo se empolgou. Ele provavelmente também foi trocado
enquanto eu me arrumava lá em cima, olhando ao redor, percebi
que mesmo os funcionários contratados não eram os mesmos.
― Não, já chega.
― O que aconteceu com as pessoas que estavam trabalhando
aqui antes de tudo acontecer?
― Antes de o que acontecer? ― Ele me provocava com o
olhar a dizer seu pecado em voz alta.
― Você sabe o quê.
O clique-clique junto ao flash sem pausa da câmera era
irritante, e Lucca colocou a mão para a frente.
― Eu mandei parar ― rugiu para o fotógrafo, e me fitou de
volta. ― Outros entraram no lugar. Não estão te servindo bem?
― É claro que estão, eu só me pergunto para onde eles foram.
O sorriso torto de Lucca era sombrio, e me dizia que eu não
aprovaria sua resposta.
― Quer mesmo que eu diga? ― Seu sorriso de repente
morreu. ― Mas que porra!
Não demorou cinco cliques a mais e ele avançou, arrancando
a câmera da mão do homem, fazendo o coitado arregalar os olhos e
se encolher de medo contra a parede de arbustos e flores.
Corri em direção a eles, colocando-me entre os dois.
― Saia da frente ― rosnou.
― Lucca, por favor, não me faça passar por isso de novo.
Ele não se comoveu com o meu pedido, mas recuou um
passo. Lucca jogou a câmera aos pés do fotógrafo.
― Tire o filho da puta da minha frente antes que eu o esfole
vivo.
― Ele está apenas fazendo seu trabalho.
Ele abriu os olhos, lançando adagas em minha direção, virou-
se para o homem e o agarrou pela garganta. O fotógrafo começou a
ficar roxo, suas mãos voaram para os braços de Lucca, tentando
inutilmente afastá-lo enquanto Alessa tentava argumentar.
Eu estava tão horrorizada percebendo que uma desgraça
aconteceria pela segunda vez que não me movi.
Continuei olhando para frente, onde meu marido estava
prestes a matar um homem.
Minha irmã segurava seu braço e eu queria afastá-la para que
não fosse atingida pela ira dele, mas não conseguia.
Lucca tinha os olhos distantes, apenas o corpo estava ali,
preso num momento só dele.
Se crueldade o movia e violência o cercava, de que seria feita
a nossa união?
De repente a cena diante de mim mudou. Dante e Luigi o
afastaram ― Dante com o braço em volta de seu pescoço por trás e
Luigi tirando o fotógrafo de seu alcance, garantindo que voltasse a
respirar.
Luccare pareceu sair de seu torpor, olhou para o fotógrafo que
agora tossia tentando recuperar o ar, olhou para minha irmã, que
estava ajoelhada ao lado de Luigi, e, por último, olhou para mim.
Seus olhos frios observavam-me sem dizer nada, e eu devolvi.
Ele fez um movimento para se aproximar, mas vacilei, dando
um passo para trás, fazendo com que sua fúria voltasse. Foi como
se ele tivesse acabado de acordar de um sonho.
― Você ia matá-lo só porque ele estava trabalhando. Ele foi
contratado para isso, Luccare, qual é o seu problema? ― eu me
desesperei.
― Ia, mas não matei, conforme-se.
― Irmão ― Dante disse ao fundo, sua voz beirando a
advertência.
Lucca o ignorou.
― Então? Não entendo por que está tão chocada ―
questionou. ― Não foi o que você ouviu sobre mim, Abriela? Não
foram essas as histórias que te contaram e o que comprovou mais
cedo?
Não tirei meus olhos dele mesmo quando se tornou demais
tentar entender.
― Abriela, seus convidados estão te esperando. Vá. ― A voz
firme de minha irmã me trouxe de volta.
― Mas, Alessa, ele quase...
― Quase ― interrompeu-me com firmeza. ― Frederick está
bem para continuar. E ele vai continuar de longe. Sim? ― Olhou
para o fotógrafo, que tremia, mas concordou.
― Ótimo ― Lucca rosnou. ― Vamos.
Ignorei sua ordem. Sinceramente, se tentasse me mover, meus
pés não obedeceriam.
― Não vou pedir mais uma vez, Abriela.
― Ella! ― A voz de Alessa suplicava, mas eu não queria
obedecer.
Eu estava arrependida. Eu queria voltar atrás, dizer não e não
ter entrado numa coisa que jamais poderia sair. Lucca realmente
não pediu novamente. Meus pés foram tirados do chão quando ele
se inclinou e sem avisar me ergueu no colo. Parecia fácil, como se
eu não pesasse nada, mas é claro que um homem que já devia ter
carregado muitos corpos ao longo da vida não teria dificuldade
comigo.
A tensão emanando de mim quando nossos corpos se
chocaram era palpável. Por puro reflexo, grudei meus braços ao
redor de seu pescoço.
Perguntei-me o que seria da minha vida, como eu conquistaria
a confiança de Lucca se ele perdia a cabeça com um fotógrafo sem
motivos, como faria com que me respeitasse se o temia a cada
passo dado e como faria com que gostasse de mim para que
pudéssemos viver pelo menos em paz, sem que o medo fosse meu
maior companheiro, se neste momento eu não gostava nem um
pouco dele?
Olhei para Lucca com o canto dos olhos. Sua mandíbula
perfeitamente desenhada estava cerrada e os olhos fixos no
caminho à frente.
Atravessamos o tapete e, assim que cruzamos a porta do
salão de festas, Lucca me colocou sobre meus pés delicadamente,
fazendo meu corpo arrastar ao longo do seu enquanto me descia.
Então, segurou minha cintura firmemente antes de soltar-me e
pegar minha mão. Ele não me deu um segundo olhar enquanto
caminhávamos até a mesa reservada para nós, nossos pais e
irmãos. Os convidados, de pé, aplaudiam e urravam em entusiasmo.
Colei o perfeito sorriso ensaiado no rosto e Lucca sustentava a
mesma expressão mortal de sempre. Será que ele não podia dar
sequer um sorriso fingido também?
É claro que não.
Ninguém ali estava esperando que ele gostasse do
casamento, apenas eu era obrigada a isso.
Fomos recebidos com abraços e cumprimentos em nossa
mesa. Logo ele puxou minha cadeira e afundou graciosamente na
sua.
Por fim, todos levantaram suas taças e brindaram à nossa
felicidade.
O jantar foi servido durante o brinde e eu me distraí comendo
tanto quanto podia. É claro que a comida não tinha gosto de nada.
Minha ansiedade mal me deixava prestar atenção nas conversas
aleatórias ao meu lado.
Todos ao redor conversavam.
Na nossa mesa, Anita se manteve em silêncio, fazendo
questão de aparentar todo o seu tédio, atraindo olhares de
advertência de Lorenzo e papai, como sempre. Alessa conversou
com Giorgia, já que nas poucas tentativas de puxar assunto comigo,
eu fui rasa e distante.
Lucca escolhia qual pergunta responder e às vezes participava
dos assuntos quando nossos pais ou seus irmãos falavam com ele,
mas na maioria das vezes dedicou seu tempo a observar o salão.
Nenhuma palavra sobre Labeli ou a sua família foi dita. O que
me fazia sentir cruel e desrespeitosa.
― Lucca. ― Michael Francheze, um capitão importante da
famiglia se aproximou com sua família, ele segurava um envelope e
educadamente acenou para mim, entregando-me. ― Parabéns pelo
casamento, chefe.
Chefe.
Aquela palavra nunca seria esquecida. Eu não me casei com
um homem que tinha má fama porque era apenas cruel, ele era
praticamente o dono daquelas pessoas. O líder de religiosos fiéis,
cegos pela fé na Cosa Nostra que não hesitariam em fazer até o
impossível para agradá-lo.
Sua esposa me cumprimentou com um abraço rápido, e
mesmo que ela sorrisse, a piedade em seus olhos tornou difícil para
mim devolver o gesto.
― Grazzie, Michael ― Lucca respondeu como se não fosse
nada, e me fitou. ― Sorria.
Ele ergueu a mão, fazendo um sinal para alguém e quase
imediatamente um garoto na faixa de quinze ou dezesseis anos se
aproximou de mim. Sua boina marrom e o terno preto deixavam
óbvio que era uma criança tentando ser adulto.
― Senhora DeRossi, deixe-me cuidar disso. ― Ele se inclinou
numa reverência, como se eu fosse uma rainha e pegou o envelope,
colocando-o numa cesta branca toda enfeitada com rosas
vermelhas.
A família Francheze não foi a única a nos presentear com um
envelope grosso.
Quando os Solano se afastaram, Anita inclinou-se em minha
direção olhando dentro da cesta.
― Aposto que eles se reuniram para comparar o tamanho dos
envelopes antes de entregar.
― Nossos homens sabem que Luccare não precisa de
dinheiro, Anita ― meu pai respondeu, batendo as cinzas do cigarro
num cinzeiro cheio e fedido no meio da mesa. ― É apenas um
gesto de respeito.
Ela estreitou os olhos e um sorriso torto, que me fazia prever
problemas, enfeitou seu rosto.
Quando Alberto Rizzo se aproximou com a esposa atrás, Anita
deu uma olhada no presente.
― Seu envelope é muito fino em comparação aos outros,
Rizzo, seu chefe vale tão pouco para você?
Pobre homem. Seu olhar aterrorizado pousou em mim, depois
em Lucca, e eu juro que ele começaria a implorar por sua vida a
qualquer momento.
― Lucca, eu...
Lucca se levantou e segurou os ombros de Alberto.
― Relaxe, companheiro. Você é um bom amigo, não se
preocupe.
― Eu disse a Martha que deveria caprichar no agrado, ela
deve ter se esquecido e...
― Deixe pra lá. ― A voz do meu marido não dava abertura
para que o assunto continuasse sendo discutido. Alberto parecia
prestes a infartar.
Eu me levantei e enlacei o braço de Lucca com o meu.
― Podemos dar uma volta pelo salão?
Eu não confiava em minhas pernas, mas quando olhei para
Anita e vi o enorme sorriso em seu rosto, sabia que ela não pararia
até provocar meu pai ou meu marido e conseguir uma reação.
― Passe para jantar em casa um dia desses ― Lucca disse a
Alberto vagamente, e os olhos do homem brilharam. Ele
provavelmente nunca foi tão feliz em sua carreira do que agora.
― Sim, senhor, eu... claro, chefe.
Demos meia-volta enquanto ele ainda agradecia.
― Tentando me tirar de perto de sua irmã?
Tentando impedir que ela se torne a próxima Labeli.
― Só estou cansada de ficar sentada ― menti.
Luccare sorriu ironicamente, inclinando a cabeça até tocar a
pontinha da minha orelha com os lábios.
― Não comece a mentir para mim, senhora DeRossi. Não sei
se sabe, mas não tenho boa fama com mentirosos.
Senhora DeRossi.
Sua voz combinada com o nome me deu calafrios e
inconscientemente apertei seu braço.
Nós fomos a algumas mesas, as famílias pareceram surpresas
quando nos aproximávamos, mas pareceram respeitar ainda mais
Lucca por isso. Uma delas estava particularmente barulhenta ―
mais do que as outras, se é que fosse possível, éramos italianos
afinal de contas ― e quando chegamos perto, eles se levantaram,
bateram seus copos na mesa, alguns até quebraram taças de
champanhe, e davam risada como se estivessem em um de seus
cassinos.
Luigi estava sentado no meio deles com um charuto na boca e
sorriu ao nos ver.
― Vejam se não é o chefe e sua bella donna!
― Encontre uma cadeira para o chefe, ande, Bonanza! ― um
dos homens velhos disse a um mais jovem, mas Lucca levantou a
mão.
― Estamos de passagem, eu ainda vou dançar com minha
esposa.
― Vocês podem não saber mais o que é isso, senhores,
porque estão velhos e seus paus não sobem, mas meu irmão vai
aquecer sua doce esposinha antes de aproveitar para a sobremesa.
Os homens gargalhavam a ponto de ficar vermelhos, era um
completo caos.
― O primeiro que conseguir me entregar a cabeça do
consigliere amanhã cedo, fica com o cargo dele ― disse Lucca,
fazendo ainda mais risadas soarem. ― Senhores.
Nós saímos e fizemos o caminho de volta.
― Eles bebem e falam de negócios como se estivessem em
um clube ― critiquei.
― Eles estão trabalhando.
Eu parei no meio do caminho e encarei meu marido.
― Você fala com eles.
― Não preciso tratá-los como pulgas no meu sapato para ser
respeitado. Faça com que pensem que estão ao seu lado e eles
farão de tudo para continuar com essa ilusão. Vão querer merecer
isso.
― E você nunca dará.
― Ninguém além dos meus irmãos estará ao meu lado.
Nem mesmo eu, refleti em silêncio.
― Meu pai sempre me protegeu dos detalhes do nosso
mundo, você também será assim?
― Você não é um soldado, mas não vou ficar sussurrando
dentro da minha própria casa. Contanto que saiba manter sua boca
fechada, sabendo que é o melhor para você e sua família, não tenho
problemas com o que vai ouvir.
Antes que eu me sentasse de volta à mesa, papai se levantou.
Eu estava desconfortável em todos os sentidos, mas piorou quando
me tirou para dançar.
Ele deveria ter dito não à família DeRossi. Deveria me proteger
do que Luccare havia acabado de fazer.
Sim, eu devia cumprir meu dever, e cumpriria. Agora que eu
estava dentro, faria de tudo para tornar essa vida confortável, mas
ele poderia ter evitado que eu estivesse ali.
Dançamos rapidamente e ele pareceu entender que eu não
queria conversar. Com Lorenzo foi a mesma coisa. Santo, como
sempre, foi doce e gentil, apenas me segurando firme e me
confortando silenciosamente. Dante me intrigava, porque me fazia
sentir como Santo, segura e tranquila. Passava-me uma sensação
de que nada me atingiria, por isso, nossa dança foi da mesma
forma. E, tão cavalheiro quanto podia ser, beijou castamente minha
mão antes de entregar-me a Luigi.
Eu me senti idiota por ter temido me casar com ele.
Se soubesse que meu destino já estava selado, teria dormido
melhor, já que demoraria a dormir bem por um tempo novamente.
― Não me pegue em lugares suspeitos, cunhada, meu irmão
está observando.
Senti meu rosto esquentar com seu comentário impróprio e
mal o toquei, fazendo de tudo para ficar o mais distante possível.
Ele tinha um sorriso cheio de intenções no rosto.
Segurou minha mão e deu uma volta pela pista, girando-me.
― Eles disseram para onde vocês vão? ― Luigi perguntou
assim que bati de volta contra ele.
― Você quer dizer... para a nossa noite? ― Engasguei, não
conseguindo terminar a frase.
Ele riu e balançou a cabeça para mim.
― Sim, para seu último sacrifício.
― O quê? ― perguntei, parando de dançar.
― Querida, não pare de dançar, meu irmão já está doido para
tirá-la de mim, não dê a ele uma brecha para isso. ― Olhei para o
lado, não acreditando, mas Lucca já estava de pé, com as mãos nos
bolsos, encarando-nos como um falcão a cada movimento.
Corei, desviando o olhar.
― Pare de tentar me assustar.
― Bem, quero apenas prepará-la. ― Deu de ombros. ― Não
posso ser culpado por tentar.
― Acho que você não é como Dante.
― Isso nos daria uma chance? ― Ele sorriu torto, mexendo
sugestivamente as sobrancelhas. Não pude evitar uma risada.
― Você é impossível.
Ele abriu a boca para falar, mas de repente fui arrancada de
seus braços, colidindo direto com o peitoral firme do meu marido.
Assim que sua mão tocou a minha, arrepiei-me da cabeça aos
pés. A outra segurou minha cintura, e ele começou a guiar a dança.
A música tocava, e a letra me fazia questionar por que diabos minha
irmã tinha escolhido aquela.
Sam Smith cantando sobre arriscar tudo, ser assombrado pelo
passado e um amor destinado não era nem no inferno a música que
eu pensaria para dançar com Lucca.
Não preparada para encontrar seus olhos, apoiei a testa em
seu peito permitindo tal intimidade por apenas um momento. Seu
cheiro invadiu meu cérebro, e a sensação de seus músculos rígidos
me segurando foi quase demais. Enquanto dançávamos e a letra da
música penetrava em meus ouvidos, minha mente gritava com cada
verso cantado.
Ele não tem um coração.
“Mas com você estou sentindo algo que me faz querer ficar”
Ele vai mentir a cada chance que tiver.
“Como posso viver? Como posso respirar? Quando você não
está aqui, estou sufocando”
Nunca haverá uma chance.
“Eu quero sentir o amor correndo pelo meu sangue, diga-me
se é aqui que eu desisto de tudo?”
Ele é um assassino e eu vi com meus próprios olhos.
“Milhões de cacos de vidro me perseguem do passado”
Ele vai me quebrar.
“Quando começarem a perder a esperança, saiba que não
terei medo”
Não vale a pena o risco.
“Se eu arriscar tudo, você poderia amenizar minha queda?”
Naquele momento ele me girou e eu voltei tão rápido quanto
podia para ele, olhando em seus olhos, quando Sam Smith ecoou
uma última vez.
“Por você eu tenho que arriscar tudo, porque já está escrito...”
Os convidados aplaudiram, e Lucca me apertou mais forte
ainda, descendo seus lábios sobre os meus num beijo que
encerrava o teatro perfeito. Eu me esforcei para sorrir.
Mas dei o que queriam.
Porque eu faria dar certo.
Depois da nossa dança ― que realmente me abalou ― Lucca
sumiu, reaparecendo quarenta minutos depois apenas para avisar
que estávamos indo.
Abracei minhas irmãs, Santo e Giorgia, evitando o contato com
nossos pais e irmãos.
Os convidados fizeram um corredor da saída até onde uma
limusine nos aguardava e nos jogaram arroz conforme passávamos.
Eu tremia, suava, meu corpo doía em lugares diferentes sem razão
física para isso. Todos sabiam que eu era virgem e era chegado o
momento no qual ele poderia fazer o que quisesse comigo.
Lucca abriu a porta da limusine e esperou que eu entrasse,
então, fechou-a, sentando-se à minha frente.
― Para onde vamos? ― indaguei, temendo a resposta.
Ele me olhou com tanta intensidade que quase tirou meu ar.
― Nossa casa.
Nossa. Casa.
Dois tiros não seriam tão ameaçadores quanto aquelas duas
palavras juntas.

Me diga uma coisa;


você nunca dançou com o demônio sob a luz do luar?
Coringa (Batman 1989)
Tudo bem
Se esconder onde você está seguro
Onde seu coração não quebra
Você está com medo
Tudo bem
Todo mundo está com medo
Então dance no escuro
Festeje com seus medos
Dance com a escuridão
au/ra, dance in the dark
Olhando para o lado de fora da janela, tentei me distrair
observando as ruas movimentadas de Milão. Eu precisava ficar
calma. Sabia o que aconteceria quando chegássemos à nossa nova
casa. Perguntei-me se ele sempre morou lá ou se comprou a casa
para nós. No fundo não importava, nós éramos estranhos unidos por
um contrato que só acabaria com um dos corações parando de
bater e uma casa nova ou velha não mudaria isso.
Eu sentia seus olhos em mim, mas não arrisquei devolver a
atenção.
Esfreguei os dedos no tecido do vestido, sentindo-me
desnorteada com a sensação de ser varrida fora do chão. Eu
acordei solteira, temendo me casar com um homem que não amava
e agora estava prestes a perder não só minha virgindade, mas
também todo o resto da minha vida para seu irmão.
Ouvindo as histórias sobre Luccare, eu comecei a orar para
que pelo menos conseguisse sair da cama pela manhã, porque não
haveria misericórdia da parte dele.
Podia sentir meu coração batendo por toda parte. E ao mesmo
tempo em que o medo começava a se espalhar, o perfume dele se
infiltrava em meu nariz.
Ao mesmo tempo em que eu queria pular do carro em
movimento, estava curiosa para saber como seria. Como seria tê-lo,
como seria seu toque.
Luccare nunca me amaria e não haveria adoração em seu
toque ou seus beijos. Ele me possuía. Eu sabia que ia me marcar e
comprovar o que todos já sabiam: eu era dele.
― Abriela. ― Olhei para o lado, vendo a porta já aberta.
Estava tão perdida em pensamentos que nem mesmo senti o carro
parando ou ele se movendo para fora. Fechei os olhos e respirei
profundamente. Silenciosamente, encorajei-me a fazer o que
precisava. ― Abriela ― Lucca chamou novamente, impaciente
desta vez, então, eu me movi.
Hesitante em pegar sua mão estendida para sair do veículo,
aceitei-a, por fim, não querendo irritá-lo. Percebi que essa hesitação
seria algo automático, afinal, eu viveria sob o mesmo teto que ele e
se fosse basear nossos dias no que tinha visto do meu marido até
ali, estávamos fadados ao inferno.
Eu com certeza fugiria de despertar o diabo.
― Bem-vinda à sua nova casa. ― Seu tom era profissional,
como se estivesse apenas riscando mais uma tarefa da grande lista
do dia.
Surpreendi-me ao ver um condomínio de casas ― mansões,
na verdade ―, e não uma cobertura estilo aquelas luxuosas da
América no Upper East Side. Ele devia ter muitos imóveis, mas eu
não tinha cabeça para refletir no motivo de ter escolhido uma
enorme casa residencial no estilo clássica, mas moderna, para
dividir comigo.
Era uma bela construção de três andares com colunas brancas
e paredes escuras em tijolos antigos, janelas de vidro decoravam do
chão ao teto algumas áreas do segundo andar. Os arbustos ao
redor e o terreno com uma grama verde saudável me fez respirar
um pouco aliviada. Apenas um pouco.
Lucca colocou a mão na minha cintura, dando um leve
empurrão para que eu andasse.
― Você morava aqui sozinho? ― arrisquei perguntar.
― Eu nunca morei aqui. É nossa estreia ― olhou-me
sussurrando quase misteriosamente ―, esposa.
Obriguei-me a continuar andando. Ele abriu a porta que dava
para um bonito hall de entrada, e, como não poderia ser diferente,
escuro mesmo nos detalhes. Preto, cinza e marrom preenchiam
tudo.
― Oh, podemos fazer um tour para eu conhecê-la, então? ―
Ele riu sombriamente e ao empurrar a porta para fechar, me levou
junto, encostando-me nela. Seus olhos viajaram dos meus lábios até
meu decote.
― O único tour que eu vou fazer será pelo seu corpo. Suba e
vá para o último quarto no corredor. Será o quarto que vamos dividir.
― Você não vem? ― Eu nem sabia por que perguntei. Se ele
não estava com pressa para ter uma noite de núpcias real comigo,
eu deveria estar aliviada e aproveitar cada minuto adiado.
― Preciso falar com meus homens primeiro. ― Com isso, ele
se virou e saiu andando, mas antes, olhou-me por cima do ombro
direito. ― Sugiro que tenha se livrado do vestido quando eu voltar.
Meu coração acelerou e brevemente parei para pensar nas
consequências de fugir por uma das janelas, ou subir a escada e me
jogar lá de cima, o que me parecia uma boa opção também.
Enquanto andava pelo corredor, senti como se estivesse indo de
encontro ao meu último momento de vida e me dei um chacoalhão
mentalmente por dramatizar tanto a situação, mas eu me daria esse
direito. Além de ser minha primeira vez, seria com o toque de um
homem que usou suas mãos para matar a mulher que deveria estar
onde eu estou.
Vendo um espelho na parede, parei de frente para ele e me
encarei. Suspirei e soltei o cabelo.
― Você consegue. Todas as mulheres passam por isso ―
repeti isso duas vezes. E depois mais uma só para tentar conseguir
a confiança necessária para enfrentar o que estava por vir. Não
funcionou. Corri para o quarto e me tranquei no banheiro. Em cima
da enorme pia de mármore pequena havia tudo o que eu precisava
e não tinha que pensar demais para saber que era obra da minha
irmã mais velha.
Se os detalhes eram para mim ou para Labeli era a questão.
― Dio, eu estou surtando ― sussurrei, olhando para o alto,
implorando que Deus ou meu anjo da guarda de alguma forma me
abraçasse e tirasse aquela sensação de morte.
― Acorda, acorda, acorda. ― Eu batia ao lado da cabeça, mas
quando abri os olhos, encarava-me no mesmo espelho e aquela
casa não era da minha família.
Sua máscara... Use uma máscara...
As palavras de Alessa vieram como um bilhete de biscoito da
sorte, mas nem a ouvir me acalmou.
Preparei-me tirando o vestido e decidi ficar com a lingerie
branca que usava antes. Comecei a soltar meu cabelo, mas parei ao
pensar que Luccare poderia querer fazer isso. Fiquei com os saltos
também.
Voltando ao quarto, sentei-me na beirada da cama. Cinco
minutos depois me decidi pelo meio. E por fim encostei na
cabeceira.
Será que ia doer tanto quanto diziam?
E se eu sangrasse demais?
Bufei. Ele não se importaria com a quantidade de sangue,
talvez isso até o excitasse.
― Anda logo ― sussurrei. Adiar era pior do que ficar
esperando. A sensação de ansiedade me fazia sentir que ia morrer.
Eu preferia que ele entrasse, tirasse minha calcinha e levasse minha
virgindade embora de uma vez.
Comecei a acompanhar no relógio, e quando não só os
ponteiros me confirmaram que eu estava ali há duas horas, mas
também o céu começou a escurecer, levantei-me da cama, tirei o
sapato que me incomodava e fui até a porta. Não ouvi nenhum som,
nenhuma voz. Ele disse que precisava falar com seus homens, mas
pensei que fosse dar algumas ordens e voltar.
Luccare já estava lá há mais de duas horas.
Fui ao banheiro, fiz xixi e voltei ao quarto. Sentei-me
novamente.
― Ai, merda! ― Pulei da cama ao me tocar que eu não podia
deixá-lo me ter pela primeira vez cheirando a xixi.
Coloquei a cabeça para fora e ao constatar apenas silêncio,
corri para o banheiro, grata por ter tanto uma banheira, quanto uma
ducha do outro lado. Tirei o sutiã e a calcinha, passando um lenço
perfumado na pequena peça antes de estendê-la no suporte de
toalhas e entrei debaixo d’água. Tomei todo o cuidado para ser
rápida, mas não arruinar a maquiagem.
Quando voltei ao quarto, continuava sozinha.
Eu peguei um chinelo de dedo, contente pelo conforto e vesti
um robe preto que também estava disponível no banheiro. Desci as
escadas devagar, mas poderia ter corrido e gritado ofensas a Lucca
que ele não escutaria. Nem sequer precisei de muito tempo para
perceber que estava sozinha na casa.
Arrisquei olhar pela janela, e ao ver Juliano, abri a porta da
frente. Quando me viu, seus olhos rapidamente desviaram.
― Senhora, por favor, entre e se vista de forma adequada.
― Onde está Lucca?
― O chefe teve negócios de última hora para cuidar.
Como é?
― Isso não pode ser verdade. ― Eu ri sem graça. ― Ele me
disse que subiria em poucos minutos.
― Senhora DeRossi, essa roupa realmente não é própria para
que seja vista fora de casa.
― Juliano, onde está o seu chefe?
― Lucca precisou pegar um voo de última hora.
― Um voo? Voo para onde?
― Senhora...
― Nós acabamos de nos casar. Para onde ele poderia ter ido?
― Nova York. Lucca está indo para Nova York.
Eu apertei o robe no corpo, sentindo-me pequena e
repentinamente... rejeitada.
― Ele ― minha voz falhou, limpei a garganta ― ele voltará
hoje?
Juliano hesitou, parecia sentir meu constrangimento, mas
ainda não me olhava.
― Não tenho como afirmar ou negar isso, senhora, mas peço
que...
― Eu já sei. Minha roupa não é adequada.
Dei meia-volta e fechei a porta, eu não pretendia bater, mas
aparentemente estava mais nervosa do que percebi. Ele me
mandou subir e esperá-lo e estava a caminho de Nova York?
Por que se casaria comigo e fugiria para outro país? Lucca não
é o tipo de homem que precisa fazer o que não quer, então,
obviamente, ir foi sua escolha, ao invés de cumprir seu papel como
meu marido.
Senti-me humilhada.
A sensação foi pior do que ser colocada como segunda opção
no altar. Muito pior do que ter que me casar com alguém por dever e
descobrir sobre o casamento dez minutos antes da cerimônia.
As pessoas diziam que a esposa do chefe seria a rainha da
Cosa Nostra quando ele se casasse, mas neste momento, eu me
senti como uma simples cortesã deixada de lado. Senti-me
desprezada e ridícula.
Eu não desejava Luccare e não esperava que me amasse,
mas por um momento, desejei que pelo menos me respeitasse o
suficiente para consumar nosso casamento.

Quando a campainha tocou dois dias depois, eu corri para


atender, na esperança de que meu marido estivesse de volta, mas
ao ver Juliano e aquele menino da festa visivelmente murchei e
senti uma irritação subir que quis expulsá-los.
― Nenhuma notícia? ― perguntei a Juliano.
― Não posso dizer onde ele está, mas garantiu que voltará
assim que possível.
Ergui as sobrancelhas, colocando a mão na cintura. O garoto
mais novo me observou com certa insegurança, parecia com medo.
De mim? Sério?
― O seu chefe não tem telefone?
― Ele tem.
― E você não pode me passar?
― Lucca prefere ficar isolado quando está tratando de
problemas no exterior.
Eu assenti, mais irritada do que fiquei ao ver seus rostos e não
o de Luccare.
― O que você quer? ― Eu odiava agir de tal forma, mas
estava tão brava que não conseguia fingir.
― Jimmy veio sob as ordens de Lucca.
― Olá novamente, senhora. ― Ele tirou a boina, inclinando-se.
― Por que você faz reverência para mim?
Ele sorriu e franziu o cenho.
― A senhora é uma rainha ― disse como se fosse óbvio. ―
Estou aqui para conseguir o que a senhora precisar. Ir à feira,
mercado, posso até ir buscar doces no meio da noite.
― Você buscaria o meu marido se eu pedisse também?
Ele paralisou, fitou Juliano e me encarou novamente.
― Se-senhora... não tenho certeza se posso fazer...
Juliano segurou seu braço e o empurrou para longe da porta.
― Vá vigiar o carro.
Jimmy correu como se eu fosse meu marido. Juliano limpou a
garganta.
― Senhora DeRossi, eu garanto que Luccare está fazendo o
possível para voltar rápido.
― Tenho certeza de que sim ― falei ironicamente. ― Eu sei
que mulheres se matam para evitar seus maridos, mas nunca ouvi
sobre maridos que fogem para ignorar suas jovens esposas.
Bati a porta, ignorando o que mais ele quisesse dizer.
Peguei o telefone, e, cedendo a o que eu queria fazer desde o
primeiro dia, disquei o número da minha irmã mais velha.
― Por que você está ligando para Alessa e não para mim? ―
A voz irritada de Anita me saudou do outro lado da linha.
Franzi a testa, confusa.
― Por que você está com o celular dela?
― Seu pai quebrou o meu celular porque eu queria te ligar
quando chegamos do casamento.
― Anita, você continua provocando-o.
― É minha única fonte de diversão, se ele infartar será um
bônus.
Dei risada. Minhas irmãs realmente eram a única coisa capaz
de me afastar da solidão da enorme casa que me cercava.
― Vá chamar Alessa. Eu quero falar com as duas.
― Ela vai ficar muito brava comigo, está procurando seu
telefone desde ontem, mas vou fazer isso por você. ― Passaram
alguns segundos e eu podia ouvi-la andando pela casa, uma porta
sendo aberta, então a voz abafada de Alessa.
― Você apenas pegou meu telefone sem minha permissão?
― Seu pai pegou a porra do meu.
― E aí você pega o meu no lugar? Jesus, Anita! Às vezes
ainda me pergunto por que não te assassinei no útero. ― Eu
gargalhei. Sentia tanta falta das duas que doía.
― Sua cretina! ― Alessa riu, enquanto Anita a xingava de
fundo.
― Ele te machucou? ― Sua voz foi de divertida para séria em
segundos. Eu quis desesperadamente poder abraçá-la e garantir
que tudo estava bem.
― Eu preferia que tivesse sido. ― Admitir em voz alta foi
horrível. Querer que meu marido tivesse sido ruim ao invés de ter
feito nada era um novo tipo de humilhação.
Houve um silêncio do outro lado, e para calar Anita, eu sabia
que tinha que ser sério.
― Espera ― disse Alessa. ― O quê?
― Abriela gosta de sadomasoquismo e não estávamos
sabendo? ― Anita perguntou baixo.
― Cale a boca, Anita. Abriela Bonucci, está mentindo para
nós? ― Pude ouvir Anita resmungando que se eu estivesse ela ia
cortar o pau dele e enfiá-lo em sua bunda.
― É DeRossi agora, e diga a Anita que não há necessidade de
ser tão sanguinária. Eu ainda quero ser a primeira de nós três a ver
o pênis dele. — Eu ri, tentando aliviar o clima. ― Ele simplesmente
foi embora.
― Sim, DeRossi. Vai levar um tempo até me acostumar que a
minha irmãzinha se casou ― ela se interrompeu bruscamente ―,
como assim ainda quer ser a primeira?
― Dio santo! ― Anita gritou. ― O chefe da máfia italiana é
brocha! ― Ela começou a rir histericamente, enquanto Alessa
tentava pará-la.
― O termo correto é impotente, garota, e tenho certeza de que
não foi isso que Ella quis dizer. Certo, irmã?
― Eu não sei ― sussurrei. ― Ele me mandou subir e esperar
por ele, já que tinha que dar algumas ordens a seus homens, mas
nunca voltou. Juliano vem diariamente e me atualiza de que ele está
bem e voltará quando puder, mas sou basicamente uma esposa
virgem e continuo solteira na rotina.
― Caralho. ― Anita estava chocada.
― Olha o linguajar ― Alessa a repreendeu, mas sua voz
estava cheia de tensão e surpresa. ― Escute, ele vai voltar. Não se
preocupe.
― Fique feliz por não ter que abrir as pernas para aquele
psicopata, irmãzinha. Talvez ele não volte.
― Eu quero que ele volte ― falei baixo, minha voz falha
denunciava as lágrimas caindo. ― Estou me sentindo rejeitada. Já é
ruim o suficiente que ele tenha me escolhido só porque matou
Labeli, mas nem sequer consumar nosso casamento e
simplesmente sumir? Eu sou tão feia assim?
― Você não é feia, longe disso ― Alessa garantiu, e Anita
concordava de um jeito nada delicado no fundo. ― Você é uma
boneca de tão linda, Ella. Um espetáculo. Sabe que papai recebia
propostas de casamento mensalmente de dentro e fora do nosso
mundo. Não pense que o problema é você nem por um segundo.
― Tenho certeza de que o pau dele é pequeno e está com
vergonha. Caralho, ele sabe que Ella vai nos contar e eu vou tornar
a informação pública.
Eu comecei a rir, mesmo chorando.
― Deus, eu sinto falta de vocês e só faz dois dias.
― Nós sentimos sua falta, irmãzinha ― ela disse, rindo. ― E
Alessa está certa, você é um nocaute de gata.
― Então porque ele... ele...
― Não te fodeu?
― Anita! ― Alessa gritou, ouvi estalos de tapas e sussurros
que não compreendi. ― Ele está tratando de negócios, como
Juliano disse. Sei que quando voltar vai cuidar muito rápido da sua
virgindade.
― E acho bom ele ser decente, se te machucar eu vou lidar
com o idiota. Ele vai descobrir que a Bratva e a Ndrangheta não é
nada perto de uma irmã vingativa.
Sorrindo agradecida, levei a mão ao peito, sentindo-o apertar.
― Obrigada por dizer essas coisas.
― Estamos aqui para isso ― Alessa garantiu.
― E é tudo verdade ― Anita concordou.
― Eu preciso ir agora, estava meio que surtando e não comi
nada desde ontem.
― Abriela Bonu... DeRossi, vá jantar agora!
― Eu vou, mamãe ― afirmei com uma risada. Alessa sempre
cuidaria de mim, não importava a minha idade e meu estado civil. ―
Amo vocês. Sempre. Passem a mensagem para Santo.
― Sobre Lucca DeRossi ser brocha e covarde? ― Anita ria
escandalosamente. ― Deixa comigo.
― Você sabe que ela não está falando disso, palhaça. ―
Alessa tentou ser séria, mas não conseguiu esconder a diversão em
sua voz. ― Também amamos você. Responda nossas mensagens e
nos atualize.
― E coma direito.
Quando desligamos, eu fiquei por um momento no mesmo
lugar. Sabia que tudo o que diziam era verdade, mas ainda me
sentia repulsiva. Talvez quando Lucca voltasse a sensação iria
embora.
Talvez eu rezasse para que nunca volte.
O único paraíso para onde serei enviado
Vai ser quando eu estiver sozinho com você
Eu nasci doente, mas adoro isso
Ordene-me que eu me cure
hozier, take me to church
Quando completou a terceira de semana silêncio, eu soube
pelas minhas irmãs que as pessoas da nossa sociedade
começaram a conspirar acerca do que podia ter acontecido. Alguns
diziam que Lucca me matou em nossa noite de núpcias, outros que
havia desfigurado meu rosto em um surto de raiva e por isso eu não
saía de casa, e Anita disse que ouviu algumas mulheres dizendo
que ele havia sido tão violento com sua esposa virgem que eu
estava em coma.
Era risível, mas começou a perder a graça quando o medo de
quanto tempo mais ele demoraria a voltar começou a me preocupar.
Eu não recebia visitas. Por mais que Anita quisesse vir, papai
não deixava, e Alessa praticamente não ficava em casa ocupada
com seus compromissos. Eu tinha meu celular, uma TV e um
notebook moderno.
Quase um mês de casada e continuava virgem.
Eu chorava quase todas as noites antes de dormir, o que era
ridículo; àquela altura já estava esperando que minhas lágrimas
tivessem secado. Eu me sentia desidratada.
Alessa me ligou mais cedo. Disse-me que já que eu não podia
sair de casa e ela estava em Roma resolvendo algumas
pendências, eu devia encher uma taça com o melhor tinto suave da
casa, encher a banheira e aproveitar com uma coletânea de Taylor
Swift; a especialista em términos e superações.
O que era irônico, já que eu praticamente nem comecei uma
relação e parecia realmente estar vivendo um término.
Eu estava fazendo exatamente isso quando Anita me ligou,
ficamos batendo papo por vinte minutos ― ou melhor, rindo sem
parar de suas besteiras ―, só paramos quando eu comecei a sentir
frio.
― Eu realmente deveria sair da banheira.
― Se eu fosse você, a esvaziava e enchia de novo com uma
nova água quentinha. Por que não tem uma hidro aí? Seu marido
fantasma é milionário!
Eu explodi em gargalhadas. Marido fantasma era o novo
apelido de Luccare, e um dos meus favoritos dado por minha irmã.
Fiquei séria após alguns minutos.
― Você acha que ele vai voltar?
― Vai, Ella. Tentei conseguir alguma informação aqui, mas
você sabe que seu pai e Lorenzo não falam de negócios em casa.
― Eles sempre tiveram medo da gente dedurar.
― O que eu totalmente faria se tivesse a chance.
Dando risada, respondi:
― Isso me faz pensar que eu preciso de uma hidromassagem
enquanto meu marido ainda é rico, vai que quando ele voltar eu
esteja tão brava que queira dedurá-lo?
― Não diga isso nem de brincadeira ― ela me repreendeu,
mas ria feito louca. ― Aquele psicótico não entenderia uma piada.
De repente a porta foi aberta num estrondo. Gritei, nada
aliviada mesmo quando processei o rosto conhecido de Luigi parado
ali e não alguém mascarado. Ele imediatamente virou de costas e
levantou as mãos no alto, xingando uma sequência de palavrões
que eu nunca ouvi antes.
― Caralho. Foi mal.
Levantei-me, escorregando no chão molhado e corri até minha
toalha em cima da pia, enrolando-me nela enquanto gritava com ele.
― Você ficou louco?! Foi muito mal! ― O cara de pau riu.
― Desculpe-me, eu juro que não vi nada.
Grunhi de irritação e rosnei:
― Você não pode entrar no banheiro quando alguém está no
banho! Saia daqui! ― Peguei meu celular do chão e coloquei no
ouvido assim que ele se foi, ainda rindo. ― Eu oficialmente odeio
Luigi DeRossi.
― Era Luigi? ― Anita exalou. Seu tom era seco, quase irritado.
― O que ele está fazendo em sua casa?
― Não sei, talvez Lucca tenha voltado.
― Eu duvido que se Lucca tivesse voltado ele estaria
explorando sua casa e entrando em banheiros fechados. ― Ela
parecia irritada, mas eu sabia que era pela antipatia atribuída aos
irmãos do meu marido.
― Bem, preciso descer para descobrir. Tenho que sair e
garantir que Lucca saiba disso pela minha boca, não quero morrer
hoje. ― Pensei um pouco se deveria fazer a pergunta que estava
querendo fazer e decidi que sim. ― Você tem algum problema com
Luigi, irmã?
― Não ― ela declarou rapidamente. ― Qualquer coisa nos
ligue ou mande mensagem, ok? Fique bem, amamos você. ― Ela
não me deu tempo de responder e desligou.
A chama de esperança crescendo em meu peito foi levemente
dispersada pelo medo de que Luigi contasse as coisas de uma
forma errada e eu nem tivesse tempo de falar antes de ser alvejada.
Vesti um conjunto de moletom, odiando que ele fosse me ver
pela primeira vez daquele jeito e desci. Encontrei Luigi sentado na
minha poltrona favorita lendo o jornal como se não tivesse invadido
a minha privacidade de dez formas diferentes cinco minutos atrás.
Ele devia ter me notado quando ainda estava caminhando pelo
corredor, mas levantou o olhar e sorriu apenas quando eu cruzei os
braços, observando-o em silêncio.
Seu sorrisinho torto me irritou tanto que eu quis enrolar o jornal
numa bola e fazê-lo engolir. O mesmo sorriso que eu tinha certeza
de que atraía qualquer mulher até sua cama.
― Irmã ― declarou cinicamente.
Revirei os olhos e coloquei as mãos na cintura, impaciente
para suas brincadeiras.
― Onde está Luccare?
Luigi pulou do assento e mexeu as mãos teatralmente.
― Está preparando algo para você comer como pedido de
desculpas pelo sumiço.
Minhas mãos caíram e senti meu coração saltar.
― Mesmo? ― sussurrei, sem tentar esconder a emoção.
Luigi bufou e riu.
― Claro que não. ― Minha irritação voltou com força total. O
sorriso idiota e iludido morreu na hora.
― Diga-me o que está fazendo aqui, principalmente se Lucca
não está em casa. ― Cerrei os olhos em sua direção e o ameacei:
― Ou eu vou ligar para ele e dizer que você entrou no banheiro
enquanto eu tomava banho. ― Levantei o queixo desafiadoramente.
Ele entortou a cabeça para o lado e sorriu.
― Você tem coragem, irmãzinha. ― Apontou-me o dedo e
declarou, sério: ― Com o seu marido, vai precisar disso, mas,
querida, não me ameace novamente. Eu não olharia para você se
Lucca não aprovasse. Já vi meu irmão usando muitos instrumentos
de tortura para sequer pensar em irritá-lo. Você não é nada mais do
que a esposa dele para mim.
Pensei por alguns segundos e decidi que podia acreditar
naquilo.
― Bem, onde ele está, então?
― Eu poderia dizer que ele está planejando um massacre
contra uma das famílias da máfia japonesa que quebraram um
acordo que fizemos, mas como seus ouvidos são sensíveis, vou
apenas dizer que está tratando de negócios.
― Meus ouvidos não são sensíveis, esqueceu que eu cresci
nesse mundo?
― Crescer nele e ser parte dele são coisas muito diferentes. ―
Ele pegou uma escultura estranha de cima da lareira e analisou com
uma careta. ― Que diabos é isso? Lucca jamais escolheria algo
assim.
― Duvido que ele tenha escolhido qualquer coisa dessa casa
― resmunguei.
Nem viver ali estava interessado, quem dirá decorá-la.
― O que você precisa, Luigi?
Ele estreitou os olhos enquanto se aproximava de mim.
― Você não deveria estar morrendo de medo de estar numa
sala sozinha comigo?
― Estou me apegando ao fato de Lucca ser seu irmão e seu
chefe. Isso me diz que não vai me machucar.
Ele encolheu os ombros.
― Está certa. Estou aqui porque ele não encontrou uma babá
para você ainda. ― Revirou os olhos.
― É por isso que Jimmy aparece uma vez ou outra?
Luigi riu.
― Não, Luccare teria que ser idiota para colocar aquele garoto
como sua proteção. Jimmy realmente é apenas seu garoto de
recados.
― Não preciso de uma babá.
― Meu irmão pensa o contrário. Vai me oferecer um café ou o
quê? ― Ele me analisou com as mãos enfiadas nos bolsos, seus
olhos azuis cínicos não me enganavam, tampouco sua postura.
Eu sempre consegui ler bem as pessoas.
Luigi escondia seu monstro debaixo da máscara do humor e
sarcasmo, mas eu tinha ouvido as histórias da foice. Eu realmente
esperava que meu marido não tivesse uma arma característica e
própria para fazer o que fazia.
Os cabelos escuros de Luigi não eram pretos como o de
Lucca, e seu rosto amigável poderia facilmente o fazer ser
confundido com um homem de negócios se fosse olhado
rapidamente, mas uma vez que você parava e o observava,
conseguia ver. Havia uma linha em seus olhos dividindo o ser
humano e o animal controlado pela selvageria.
Eu não queria ver seu lado animal. Jamais.
― Eu não sei se Lucca aprovaria estarmos sozinhos assim. ―
Ele sorriu misteriosamente e saiu andando pelo corredor até a
cozinha.
― Querida, eu sou bom em muitas coisas, mas na arte de
conhecer meus irmãos, sou especialista. ― Luigi me fitou por cima
do ombro e balançou as sobrancelhas. ― Caso queira umas dicas
para quando ele voltar.
Ele não precisou falar mais nada e eu já o estava seguindo.
Depois de colocar uma segunda xícara de café na frente de
Luigi, apoiei as duas mãos no balcão e cerrei os olhos para ele.
― Vai começar a falar agora?
Ele mastigou um pedaço de pão e calmamente levou a xícara
aos lábios, sorrindo contra a porcelana.
― Alguém está ansiosa para saber como adoçar o maridinho.
― Luigi, você se ofereceu para me ajudar, eu não pedi.
Lembra? ― Ele riu e limpou a garganta, cruzando os braços e
olhando-me seriamente.
― Eu estou de babá enquanto podia estar fazendo coisas que
com certeza me divertiriam mais, então me ajude aqui e seja uma
boa anfitriã.
Suspirando, cortei mais um pedaço de pão e me servi uma
caneca de chá.
― Não sou tão ruim.
― É impaciente ― ele encolheu os ombros ―, mas vai pegar
o ritmo de Lucca com o tempo.
― Alguma dica valiosa?
― Alimente-o bem.
Eu sorri, animada com a ideia.
― Isso é fácil, meu pai e meus irmãos adoram a minha
comida.
Luigi bufou.
― Alimente meu irmão com chá. Dê chá a ele diariamente, ele
adora. ― Franzi a testa em confusão. Tudo o que eu precisava era
dar-lhe chá?
― Tudo bem ― respondi lentamente ―, qual o favorito dele?
― Boceta. Dê a ele muitas e muitas doses de chá de boceta.
Meu rosto esquentou, eu senti todo o sangue ser drenado e
subir até minhas bochechas. Estava escandalizada por ele ter dito
aquilo. E, pior ainda, por só ter perdido meu tempo.
Levantando-me, comecei a retirar as coisas do balcão.
Inclusive sua xícara, para que não se servisse de novo.
― Saia da minha casa.
Semanas atrás eu jamais teria falado com o consigliere da
organização de tal forma, nem em sonhos. Na verdade, pouco olhei
para Luigi quando não tinha relações com sua família, eles eram
intocáveis. Como a realeza sombria do nosso mundo.
Esse casamento estava me mostrando que as aparências
realmente são tudo. O mundo precisava ver uma coisa, mas dentro
de paredes isoladas, poderia haver algo mais.
Ele riu intensamente e coçou a nuca.
― Eu estou brincando, mas qual é, sou novo nisso. Nunca
imaginei dar conselhos à esposa do meu irmão. ― Suspirou,
olhando-me de forma duvidosa. ― Antes de tudo, não ignore a ideia
de lhe oferecer constantes chás. ― Eu abri a boca para protestar,
mas fui interrompida: ― Querida, o trabalho dele é um inferno. Se
ao chegar em casa sua esposa não o satisfizer, sinto muito, mas
Lucca irá procurar em outros lugares. Sei que meu irmão entrou na
sua preciosa terra prometida ― ele ria como se acompanhasse um
show de comédia ―, isso irá acontecer constantemente, acostume-
se.
Eu realmente queria que aquilo fosse verdade, mas uma coisa
era certa, eu nunca diria a ninguém fora de nossa casa ― com
exceção às minhas irmãs ― o que acontecia na nossa privacidade.
Principalmente coisas sexuais ao meu cunhado.
Luigi cruzou os dedos sobre o mármore do balcão.
― Lucca nunca janta em casa. Quando morávamos na mesma
casa não importava o que Giorgia fazia, podia ser sua refeição
favorita, ele nunca se sentou para comer conosco. Não tire fotos
dele e não tente ultrapassar seus limites. Ser questionado o irrita e
ele não conversa muito. Lucca não é o cara mais falador que você
vai conhecer. E não me pergunte os motivos, a história é dele. Fora
isso, sorria e seja doce, é tudo o que você precisa fazer.
Sorrir e ser doce. Eu poderia fazer aquilo.
Eu me surpreendi que Luigi estivesse falando tanto, mas não
havia informações importantes ali que eu não fosse descobrir
sozinha. Agradeci o adiantamento.
― Agora pode me dizer quando ele voltará?
Meu cunhado bufou, levantando-se e olhando a tela do celular
quando começou a vibrar.
― Essa é uma pergunta impossível de ser respondida.
― E como eu vou saber?
Fixando seus olhos azuis em mim, Luigi falou com seriedade:
― Quando ele estiver aqui.
Às vezes palavras não são suficientes
Me prenda e me guie nesse seu beijo de ouro, mel escorrendo
de seus lábios
Eu agradeço a Deus e a minhas estrelas da sorte
Querido, você não sabe o que é?
Sim, amor, você é
Lindo, lindo, lindo, lindo anjo
Amo suas imperfeições, em todos os ângulos
camila cabello ft. bazzi, beautiful
Despertei com um barulho que parecia vir de dentro do quarto
e continuei deitada, pensando ser coisa da minha cabeça, mas
quando ouvi um resmungo baixo e risadas, pulei da cama, ligando o
abajur e derrubando-o no processo.
― Merda. ― Olhei para as duas sombras no canto perto do
banheiro, reconhecendo minhas irmãs pela forma como se
seguravam e davam risada. ― Suas vagabundas, quase me
mataram de susto!
Alessa correu na ponta dos pés para acender a luz. Seus olhos
verdes arregalados corriam acelerados por todo o quarto.
― Você acha que ela é santa? ― Anita perguntou,
cochichando. ― Foi tudo ideia dessa aqui.
― Eu tinha que passar um tempo com você. Acabou de se
casar e está vivendo sozinha.
― Foi sua ideia? ― Eu estava de boca aberta ― Pervertida! ―
Sentei-me de volta na cama, rindo. ― Vamos ter uma festa do
pijama? Por que não entraram pela porta da frente?
― Festa do pijama é o caralho ― Anita negou, abrindo uma
mala e tirando sapatos e três vestidos cheios de brilho e pouco
pano.
― Ah, não ― comecei a negar, mas elas estavam
determinadas.
― Temos que fazer isso ― Alessa insistiu. ― Juro. Primeira e
única vez. Precisamos aproveitar que o marido fantasma não está
na cidade.
Anita tropeçou em seus pés, batendo no chão enquanto
gargalhava.
― Marido fantasma!
― Vocês estão bêbadas?
Na mesma hora minha irmã do meio tirou uma garrafa de vinho
da mala, seu cabelo castanho perfeitamente preparado pelo
babyliss grudou na garrafa gelada. Os olhos idênticos aos de Alessa
estavam cheios de empolgação.
― Anita, realmente não é uma boa ideia ― eu tentei
argumentar pela milésima vez, enquanto ela caminhava em minha
direção com seu batom vermelho.
― É uma ótima ideia, Alessa e eu fazemos isso o tempo todo.
― Não, nós não fazemos. Aconteceu uma vez para nunca
mais ― Alessa protestou.
Anita jogou as mãos em desdém.
― Não importa. É sua primeira e última, por favor ― implorou,
fazendo biquinho e juntando as mãos. Levantei uma sobrancelha,
irredutível.
― Ella, viva pelo menos uma vez! Chega de livros e noites na
banheira.
― Eram livros com caras gostosos ― resmunguei. Que meu
marido jamais escutasse isso.
― Você alguma vez se mastur... ― Tapei a boca dela antes
que pudesse terminar a frase.
― Tudo bem, mas nós vamos planejar muito bem. Lucca pode
estar longe, mas ele ainda é um homem perigoso.
― Eu concordo com Abriela.
― Você concorda? ― Anita gritou com indignação. ― Foi sua
ideia!
― Podemos rir de apelidos entre nós três, mas fazer algo que
desrespeite Luccare em público... sabemos o que isso acarretaria.
― Eu não quero problemas, preciso que seja discreto. Ele tem
olhos em todos os lugares.
Anita abriu um sorriso inocente que parecia ainda mais
perverso e assentiu.
― Apenas um passeio inocente.
Concordei e me virei pra Alessa, sorrindo.
― Ela vai seguir as regras. ― Minha irmã levantou uma
sobrancelha, duvidosa.
― Vou rezar no caminho.
Nós saímos pela janela, escapamos pelos cantos escuros
como fugitivas e eu me surpreendi quando saímos direto na rua do
condomínio.
― Isso está muito estranho ― observei ―, não deveríamos ter
conseguido sair tão facilmente. Juliano guarda a minha porta como
um cão desesperado pelo último pedaço de carne. ― Minhas irmãs
trocaram um olhar culpado. ― O que vocês fizeram? ― Parei no
meio do caminho, colocando as mãos na cintura. ― Não vou me
mover até que digam a verdade. O que fizeram com Juliano?
Santo Dio! Se atacaram o soldado mais próximo do meu
marido, o pobre homem estaria condenado. Anita encolheu os
ombros.
― Eu posso ter colocado um alarme para disparar em algum
lugar da casa em prol de chamar a atenção de todos os soldados
para dentro.
Anita soltou como uma bomba de repente.
― Você fez o quê?! ― gritei.
― Relaxa, eles vão nos procurar por um tempo.
― Meu Deus, você é burra ou se faz? Anita, nossos celulares
são rastreáveis!
― Por isso eu os deixei para trás. Até nos encontrarem já
teremos dançado pelo menos algumas horas.
Eu comecei a me desesperar, respirando sem pausa,
engolindo o ar e mesmo assim, sentia-me sufocando.
― Não posso fazer isso ― sussurrei. ― Não posso. O que
estou fazendo? Lucca vai me matar.
― Não vai ― Alessa disse com firmeza.
― Você sabe que vai. É simples para ele, fez uma vez com
Labeli e vai fazer comigo. Ah, meu Deus...
― Calma! Relaxa, você está pirando ― Anita tentou me
acalmar.
― É claro que estou!
― Tá, digamos que ele nos encontre. Até voltar de Nova York
são horas e podemos te esconder enquanto tentamos falar com ele.
Dante pareceu até sociável, tenho certeza de que não deixaria
Lucca te machucar ― Anita falou, esforçando-se para me enfiar
dentro de um táxi estrategicamente parado fora do condomínio.
― E os seguranças do condomínio?
― Não havia nenhum. Só o porteiro. Passei por ele mostrando
uma boa parte do decote e lhe dando uma caixinha generosa.
Nós sussurrávamos e o taxista nos olhava pelo retrovisor de
cenho franzido. Pobre homem. Estávamos colocando a vida dele em
risco também.
― Vamos ficar uma hora. Uma hora e acabou.
Anita sorriu. Alessa apertou minha mão.
― Nós vamos cuidar de você, como sempre. Não se preocupe.
Eu não tinha tanta certeza disso sabendo quem era meu
marido.
Quinze minutos depois, estávamos paradas em frente à
Karenina, uma balada em Milão que até eu — que nunca tinha
pisado longe da vista do meu pai — já ouvi falar. Alessa tentava me
acalmar, mas eu tremia tanto que comecei a duvidar que poderia me
divertir. Anita sorria vitoriosamente por sua façanha, cumprimentava
várias pessoas no caminho e nos puxava como um trenzinho.
― Estou me sentindo tão irresponsável ― lamentei. ―
Amanhã é meu primeiro chá com as esposas da famiglia e eu
estarei com olheiras e cheirando a álcool, isso se não formos
descobertas.
― Ninguém vai ousar entrar no seu quarto. ― Anita jogou a
mão em desdém.
― Se eu não responder quando chamarem, vão sim.
― Você acha mesmo que Lucca está ligando pra você vindo
em uma balada, Ella? ― Revirou os olhos. ― Ele não vai te matar
por isso. Provavelmente está comendo todas as socialites e suas
filhas que passam pelo caminho dele em Nova York. Você pode e
deve pelo menos dançar um pouco.
― Não está ajudando, Anita ― Alessa a repreendeu.
Enquanto elas discutiam, minha mente viajou para o que
minha irmã falou. Eu não me permiti pensar sobre como Luccare
estava ocupando seu tempo livre na viagem, mas é claro que um
homem como ele não ficaria sozinho. Estaria muito bem-servido de
companhias variadas. Por que se prender à sua jovem esposa
inexperiente e virgem se pode abraçar o mundo?
Pensar que eu continuava virgem após quase um mês de
casada e nem sequer tinha visto o meu marido depois do sim e
imaginá-lo com outras fez com que uma raiva fora do normal me
acometesse, não por ciúme, mas pela falta de respeito. Aquela foi a
primeira vez em algum tempo que me senti injustiçada.
Lucca DeRossi nem se lembrava que eu existia.
Decidida, olhei para minhas irmãs, que ainda discutiam e falei
firmemente:
― Vamos dançar. ― Anita sorriu e ergueu as mãos,
comemorando com Alessa. ― Anita está certa ― eu disse
suavemente. ― Lucca está, provavelmente, tendo sua festa
particular agora, por que eu não posso?
Anita jogou o punho no ar e gritou:
― Isso, garota!
Eu deixei uma risadinha escapar e abracei minha irmã.
― Por favor, é realmente a primeira e a última noite da minha
vida. Eu nunca fiz nada assim. O que poderia dar errado?
Anita piscou para mim, Alessa sorriu, insegura, mas entrelaçou
os braços conosco e nos enfiamos no mar de pessoas dançando.
― É bem barulhento ― comentei com um grito que mais
parecia um sussurro. As luzes psicodélicas eram uma loucura, eu
mal conseguia me concentrar em seus rostos. A música alta me
ensurdeceu rapidamente.
― Achei! ― ela gritou, correndo. Alessa me olhou e logo
estávamos correndo atrás dela.
Encontramos uma mesa perto da pista e negando o convite do
garçom para subir a área VIP — na pista seria muito mais difícil ser
reconhecida —, fizemos nossos pedidos. Nada que uma boa gorjeta
não proporcionasse.
Anita segurou o garçom por alguns segundos, dispensando-o
com uma piscadela e um sorriso.
― Ela não podia perdoar nem o garçom. ― Alessa riu.
― Qualquer flerte é válido nessa vida, minha irmã ― Anita
brincou, dançando com os ombros.
― Eu nunca flertei ― desabafei, mas elas já sabiam disso.
― Aproveite essa noite.
Alessa arregalou os olhos.
― Nada de aproveitar, você vai dançar e apenas isso.
No mesmo momento, o garçom apareceu com uma bandeja
contendo três copos de dose, limão e sal. Alessa começou a
balançar a cabeça.
― Relaxa, é como suco de limão! ― Anita lhe deu um tapa no
braço.
― Eu disse que voltaríamos caminhando com nossos próprios
pés.
― Sim, irmã, e apenas para referência futura, uma bebidinha
não vai nos fazer voar.
Dei risada e antes que parasse para pensar, peguei o pequeno
copo e virei. Tinha um cheiro forte e ardeu minha garganta. Foi
minha primeira bebida alcoólica — tirando champanhe em ocasiões
muito especiais. Bati na mesa, balançando a cabeça.
― Dio! ― O líquido azedo arranhava minha garganta mesmo
depois de ter engolido. Gargalhei, tossindo com força. Ao sentir
minha pele arrepiar, sorri para minhas irmãs. ― Eu amei ― gritei e
pulei do banquinho. ― Vamos dançar!
E assim se passaram os próximos vinte minutos.
Eu nunca tinha dançado esse tipo de música em público, mas
aprendi rapidamente observando as pessoas. Anita era uma
dançarina nata, sabia cada movimento a se fazer, observá-la era
hipnotizante. E Alessa me surpreendeu, pois eu pensei que só sabia
dançar valsa, mas ela foi tão boa quanto Anita.
Neste momento percebi que mesmo com nossos limites,
minhas irmãs encontraram jeitos de viver e ter experiências, mas eu
me mantive em minha gaiola dourada obedientemente. Eu mesma
trancava a porta quando papai esquecia e dava a chave em suas
mãos.
Já sem ar, puxei Anita para perto e gritei:
― Eu vou pegar uma água.
Ela jogou a cabeça para trás, rindo. Seus olhos verdes
brilhavam olhando os meus, ela já tinha bebido dois drinks além da
tequila.
― Você não vem pra balada beber água, irmã. Eu vou pegar
algo para você; algo doce e fraco, não quero que tenha uma
ressaca de manhã.
Eu assenti e fechei os olhos assim que ela se afastou,
pegando nas mãos de Alessa para voltar a dançar. A música
pulsava dentro dos meus ouvidos, meu coração estava acelerado, a
adrenalina correndo forte bombeando em minhas veias. Estava tão
concentrada naquele clima, tão focada que Alessa teve que me
beliscar para que eu prestasse atenção no que dizia.
― Ai! O que foi?
― Aonde Anita foi? ― perguntou, olhando ao redor.
― Buscar uma bebida para mim. Eu disse que ia, mas ela se
ofereceu. ― Alessa parou de dançar e engoliu em seco.
― Não demoraria tanto tempo para pegar uma bebida. ―
Franzi a testa em confusão.
― Anita não foi há tanto tempo.
― Foi, sim. Já tocaram várias músicas desde então. ―
Arregalei os olhos e abri a boca, mas não consegui dizer nada.
Alessa fechou os olhos, respirando fundo, mas logo se
recompôs e sorriu.
― Nós vamos encontrá-la, só não se afaste de mim, está
bem? ― Assenti, seguindo-a.
Em algum momento da segunda volta que nós demos em todo
o lugar, eu deixei uma pequena lágrima de medo escapar e comecei
a refletir o quanto aquilo tinha sido uma péssima ideia.
Nós não éramos pessoas normais que podiam apenas sair e
aproveitar uma noite escondidas. Fazíamos parte da máfia italiana e
sabíamos o quão fácil tornamos para qualquer inimigo simplesmente
nos pegar e com certeza não seríamos devolvidas com vida.
Quinze minutos depois chamamos até mesmo o gerente para
ver se podíamos ter acesso às câmeras do lugar. Ele, é claro,
negou. Então, no exato momento em que comecei a discar o
número de papai do telefone emprestado do homem, Anita
apareceu.
Ela não tinha mais os mesmos olhos brilhantes, não tinha mais
o perfeito cabelo em ondas, nem o vestido liso e perfeitamente
arrumado. Minha irmã aparentava ter passado pelo inferno em
minutos.
Corremos para ela, inspecionando-a por todos os lados.
― Onde você estava? ― gritei. ― Eu não deveria ter deixado
você ir, Dio mio! Não deveria ter nem mesmo concordado com isso
tudo. Você está bem?
― Anita ― a voz assustada de Alessa me atordoou ―,
alguém... Alguém te...? ― Alessa deixou as palavras no ar quando
Anita balançou a cabeça, desviando o olhar ao mesmo tempo em
que tentava ajeitar o vestido, forçando um sorriso.
― Tudo bem se nós formos embora?
― Você tem certeza de que está bem? Porque eu acho que
não ― Alessa rosnou.
― Tenho. Não é porque minhas irmãzinhas são duas puritanas
que eu devo ser também. Eu estava me divertindo de outro jeito e
agora estou cansada.
Olhei-a por alguns segundos, não acreditando nem um pouco,
mas conhecia Anita bem o suficiente para saber quando a
pressionar e quando a deixar ter o seu tempo. Alessa ficaria de olho.
― Podemos ir, então ― Alessa declarou. Eu conhecia Anita
muito bem, mas Alessa era especialista nela.
Saímos pela porta traseira da boate e demos sorte de um táxi
estar passando bem naquele momento, pois menos de vinte
minutos estávamos de volta à minha casa.
Anita tinha feito piadinhas, zombado de como nossa noite fora
maravilhosa durante todo o caminho de volta, o que me fez pensar
que talvez estivesse falando sério sobre ter buscado um pouco de
diversão quando sumiu. Resolvi deixar o assunto de lado por
enquanto.
Assim que o táxi parou na frente do condomínio, senti um
alívio como nunca antes.
― Grazie a Cristo! ― Alessa sorriu para mim, deixando claro
que se sentia da mesma forma.
Nós caminhamos rindo baixinho, cochichando e tropeçando
em nossos pés até o mesmo lugar por onde tínhamos entrado, mas
quando eu vi todas as luzes da enorme casa acesas, entrei em
pânico.
― Alessa. ― Forcei seu nome para fora, travada no lugar.
Senti sua mão em minhas costas, empurrando-me para a
frente.
― Sabíamos que era um risco. ― Anita engoliu em seco. ―
Tenho certeza de que Juliano está apenas procurando direito.
Tanto o meu olhar quanto o de Alessa mostravam que ninguém
acreditava nisso. Os soldados se deram conta de que eu não estava
no momento em que saímos.
― Você não devia ter colocado alarme nenhum ― resmunguei.
― Não teríamos passado pelo jardim.
― Talvez fosse melhor ― disse Alessa, então, parou em nossa
frente. Seus olhos estavam sérios, analíticos. ― Vamos fazer o
seguinte...
― Eu gostaria de armar o plano de fuga ― Anita resmungou.
Alessa bufou.
― Eu teria que ser louca para permitir isso. Quietas ― disse
quando eu abri a boca. Obedeci. Minha irmã sabia ser assustadora
e incrivelmente mandona. ― Nós vamos entrar e quando formos
questionadas, diremos que foi minha ideia.
― Então não vamos mentir. ― Anita observou com um sorriso
atrevido.
― Você precisa me levar a sério. ― Alessa apontou o dedo e
quando ouvimos um carro ligando, ela olhou para trás. ― Chegou
alguém. Vamos.
Nós corremos em direção à casa, e quando abrimos a porta
minha primeira visão foi a de Juliano, papai e Lorenzo no meio do
hall. Os três estavam se armando e papai dava ordens em voz
baixa. Alguns soldados fora da casa ficaram olhando com
expressões que eu considerei preliminares do inferno que viria a
seguir.
Papai bateu palmas lentamente, nos fitou com tanto desgosto
que senti na pele. Cada vez que suas palmas se chocavam eu
sobressaltava. Temendo que sem a presença de Lucca, eu fosse
apanhar como quando era criança.
Mas isso não seria um castigo leve em comparação a o que o
meu marido poderia fazer?
― Maledetto, Santo ― sussurrei, essa noite tinha seguido
caminhos que embora pudéssemos esperar, nenhuma de nós
realmente acreditou que aconteceria.
Anita tomou a frente, começando a se explicar.
― A culpa foi totalmente minha! Eu arrastei as duas comigo.
Me castigue, mas não faça nada com elas. ― A cada palavra ela se
aproximava mais dele.
Ele soltou uma risada sem humor e chegou perto, até estar a
centímetros do rosto dela.
Ele agarrou seu queixo, puxando Anita para a frente.
― Por que será que eu já desconfiava disso?
― Pai. ― Alessa deu um passo à frente, mas Lorenzo se
colocou entre eles, impedindo-a. ― Foi minha ideia.
― Duvido muito disso. Você e Abriela não tem maldade para
tomar tal atitude.
― Papa, eu não queria nenhum problema, nós apenas...
― Eu garanto que foi minha ideia. ― Alessa ergueu o queixo.
Como ela conseguia continuar falando tão ferozmente sob tantos
olhares?
― Não vou fazer isso ― neguei veemente. ― Eu concordei em
ir.
― Então é bom que esteja preparada para as consequências
de sua escolha. ― A voz atrás de mim fez toda a minha pele se
arrepiar em terror.
Apenas pelos olhares das minhas irmãs eu sabia, sabia que
não teria espaço para conversa. Lucca surgiu de algum lugar nas
sombras, atrás de mim. Eu fiquei completamente imóvel por alguns
minutos, e quando resolvi me virar, senti sua mão circulando meu
braço.
Não só ele como Dante, e, pelo pouco que meus olhos
captaram, seis soldados invadiram a sala.
Seu olhar me queimava como fogo, com uma expressão
furiosa. Seus olhos viajaram do meu rosto para baixo, deslizando
pelo meu decote e parou no meio da coxa — onde o vestido curto
terminava.
Cerrou a mandíbula, fazendo um movimento com uma das
mãos, o que fez os soldados saírem da sala, deixando apenas
papai, nossos irmãos e as minhas irmãs presentes.
Eu me senti tão exposta em toda a minha vida.
Ele acendeu um cigarro, e deu a volta em mim, parando na
minha frente.
― Onde você estava? ― Suas palavras pareciam
perigosamente calculadas. Um tom baixo, sinistro. Seus olhos azuis
pegavam fogo, mas ao mesmo tempo, me encaravam como duas
pedras de gelo.
― Nós fomos a uma boate ― engoli em seco ―, só queríamos
nos divertir por uma noite, enquanto eu ainda podia.
Lucca inclinou a cabeça ligeiramente. Não havia nenhuma
emoção em seu rosto.
― E quem disse que você podia?
― Você estava em Nova York se divertindo, eu apenas saí
com as minhas irmãs ― sussurrei, tremendo.
― O comportamento de suas irmãs não é apropriado. Quando
concordei em me casar com você, não pensei que me causaria
problemas. Eu deixei muito claro o que esperava da minha esposa.
― Ele praticamente cuspiu as palavras, cheio de desprezo.
― Eu sei.
― Mas parece que esqueceu. Sabe quantos riscos vocês
correram esta noite? Alguém podia tê-las levado e não iriam ver sua
família nunca mais. Onde é que estavam com a porra da cabeça?
― Luccare, eu preciso falar com você ― disse Alessa, dando
um passo em nossa direção.
― Não há nada a dizer. ― Ele não tirou os olhos de mim. Eu
me sentia pequena, acuada e sufocada diante de seu olhar. Seu
corpo praticamente me engolia em altura. E seus braços e peito
grande feito uma muralha me impediam de ver minhas irmãs.
― Você não estava em Nova York? ― Eu tremi quando a
pergunta de Anita o fez cerrar a mandíbula. Seu olhar gélido para a
minha irmã era absolutamente aterrorizante.
― Leon, tire suas filhas da minha casa.
― Eu não vou deixar Abriela com ele.
― Anita ― eu a chamei. ― Obedeça, por favor.
― Tire as mãos de mim, idiota! ― Eu a ouvi batendo e
chutando, o tempo todo os olhos do meu marido estavam em mim.
Fechei meus olhos quando as vozes das minhas irmãs ficaram
distantes e de repente, a sombra de Lucca se foi. Eu soltei uma
respiração trêmula, pesada.
― Você vai lidar com ela? ― papai perguntou.
― Vá para a casa, Leon. Sua filha me pertence.
― Eu não sou uma criança ― falei de repente, atraindo todos
os olhares para mim.
― Ah, não? Não é o que parece. ― Ele levou o cigarro à boca
e tragou.
― Eu apenas reagi, Lucca. Qualquer pessoa teria ficado louca
trancada aqui como eu fiquei.
― Abriela! ― Virei-me diretamente para meu pai quando me
chamou. ― Essas são atitudes dignas da esposa do chefe?
Eu abaixei a cabeça. O olhar de Dante fixo em mim não
ajudou, pois ele parecia ainda mais assustador do que meu marido
e meu irmão mais velho juntos.
Aparentemente, enquanto eu obedecesse Lucca sem piscar,
teria sua simpatia, mas se eu saísse da linha seria tratada como um
inimigo da famiglia.
― Você precisa de algo? ― Dante perguntou a ele quando
papai saiu e éramos apenas nós três.
Lucca negou com a cabeça, apagando seu cigarro no cinzeiro
acima do aparador.
― Consiga as câmeras do lugar onde foram.
Dante assentiu.
― E os soldados responsáveis?
Meu marido me fitou inexpressivo.
― Descubra qual dos cadáveres as deixou fugir. Falarei com
eles amanhã.
Dante saiu após a segunda ordem e quando a porta bateu, eu
senti como se o tempo tivesse sido dividido.
Nosso casamento não começou com o sim, começava agora.
Você é toda minha
Eu vou fazer você se sentir como se fosse única
Me dê sua confiança
Olhe-me nos olhos e confesse sua luxúria
Fique de joelhos
Me implore para parar
Diga meu nome
Eu prometo que vou te amar se você fizer isso
Então faça isso por mim
rosenfeld, do it for me
Eu corri escada acima, fugindo do que quer que fosse
acontecer.
Obedeci ao meu pai e meus irmãos a vida toda, obedeci à
máfia e pessoas poderosas que podiam ditar o meu destino e de
minha família.
Eu podia obedecer ao meu marido, mas hoje, quando ele me
observava como se eu fosse um inseto debaixo de seu teto, tudo o
que eu queria era me esconder. Colocar uma porta entre nós antes
que ele me esmagasse.
― Abriela ― Lucca rugiu atrás de mim, seus passos pesados
ecoando pelo caminho. Eu corri até nosso quarto e quando empurrei
a porta fechada, ele a empurrou de volta, tirando-me do caminho
antes que a madeira batesse em mim. ― Correndo do lobo mau,
esposa?
― Me solte! ― Puxei meu braço, tirando o cabelo do rosto.
― Quanto você bebeu?
― Isso importa? Não é como se você ligasse pra qualquer
coisa que eu faço, nem em casa fica. Poderia ter se casado comigo
e me deixado ficar na casa da minha família, qual seria a diferença?
― Cuidado com seu tom ― rosnou.
― Ou o quê? ― Ergui o queixo. ― Vai me bater?
― Eu poderia.
― Mas vai? ― Minha pergunta o deixou em silêncio e eu vi em
seus olhos que ele poderia. Lucca tinha poder físico e a liberdade do
nosso mundo para fazer o que quisesse comigo. ― Assisti ao meu
pai bater na minha irmã a vida toda, apanhar não me assusta.
― E o que te assusta, Abriela? ― Ele se aproximou devagar,
seus pés flutuando sobre o chão. ― Você não queria se casar. Saiu
para me desafiar?
Eu queria me casar, mesmo que não imaginasse que seria
com ele. Parte de mim já se perguntou como seria.
E aqui estou eu.
― Saí porque a oportunidade surgiu ― sussurrei.
― Não, não foi por isso. Você teve três semanas para sair,
mas ficou aqui e me esperou como uma boa esposa. O que mudou
hoje?
― Tive vontade.
― Não, não teve. Qual é o problema, esposa? Comunicação
não é a chave para um casamento bem-sucedido?
― Pare de me chamar assim.
― É o que você é. Na saúde e na doença, na riqueza e na
pobreza, até que a porra da morte nos separe. Minha esposa.
Eu bati em seu peito com os punhos fechados.
― Se o fato de saber que estou amarrada a você para sempre
não me aterrorizasse tanto, talvez eu não precisasse cometer uma
burrice apenas para escapar desse pesadelo nem que fosse por
algumas horas! ― gritei, arfando. A raiva que enxerguei no rosto
dele quando cheguei pareceu ter ido embora na hora em que
terminei meu desabafo, dando lugar à máscara sem emoção
alguma; uma expressão dura e fria. Arrependi-me das palavras que
proferi no mesmo instante.
― É mesmo? ― rosnou. ― Acostume-se, pois você vai pedir a
cada segundo pra que esse pesadelo termine e ele não terá fim.
― Não esperava nada menos de você ― continuei. Lágrimas
grossas deslizavam pelas minhas bochechas. Meu coração doía.
Isso não era o que eu queria. ― Ficar longe todo esse tempo e
voltar apenas para me ameaçar.
Eu me afastei, no entanto, Lucca segurou meu pulso, colando-
me na parede.
― Eu te disse que não faço jogos. Se você tem algo a dizer,
abra a porra da boca e diga.
Eu dei risada.
Uma risada sem humor, feia e que eu nunca ouvi vindo de
mim.
― Se eu tenho algo a dizer? O que uma esposa virgem com
recém dezenove anos completados pode ter a dizer a você, Luccare
DeRossi?
Ele analisou meu rosto por um momento, e passou o polegar
rudemente pelo rastro de lágrimas de um lado do meu rosto.
― Você está brava.
Eu não estava.
Eu estava.
Eu estava?
― Te incomoda que eu não a tenha tocado. ― Sua voz era
baixa e grave perto do meu ouvido. ― Te deixa puta pra caralho que
eu não te fodi na nossa noite de núpcias porque você não é tão
inocente como todos pensam que é.
Eu me arrepiei. De medo, de ansiedade, de... algo que eu não
reconhecia, mas estava lá.
― E-eu ― gaguejei, desviando o olhar. ― Me solte, Lucca.
― Me diga, eu estou mandando. Por que me desafiou saindo
sem proteção e sem a minha permissão essa noite?
― Eu não preciso da sua permissão.
― Ah, precisa. Você precisa da minha permissão para fazer
qualquer coisa fodida, até mesmo respirar. ― Ele deslizou a mão
direita pela minha coluna. O vestido apertado fazia parecer que seus
dedos encostaram em minha pele, arrepiando-me. ― A única coisa
que me dá mais tesão do que foder sua pequena boceta virgem, é a
ideia de colocar uma bala na sua cabeça, porra, porque eu sei que
você vai me dar todos os tipos de problemas.
Abri os olhos e o encarei pelos cílios. Minha cabeça batia em
seu peito. Seu cheiro invadiu minhas narinas. A vontade de ir contra
ele era grande, mas eu tinha certo fascínio guardado há tanto tempo
por aquele homem que a ideia de morrer sendo sua esposa fez algo
em mim.
Eu o temia mais do que qualquer pessoa viva.
Eu o queria pela mesma razão.
Lucca segurou uma alça do meu vestido.
― Você quer saber se eu estava me divertindo em Nova York?
― Você não vai me dizer.
E eu não quero saber se houve “elas”.
― Eu organizei um ataque a um restaurante que queimou uma
família inteira da Cosa Nostra viva e quando voltei para o hotel,
havia um presente de casamento em minha cama. Você vai gostar
de saber que eu fodi a garota pensando na minha esposa, Abriela?
Ódio me subiu como lava quente quando o empurrei, tomando
distância de seu toque.
― Você deveria ser honrado e cumprir seus deveres comigo,
não na rua. Eu nunca neguei que faria minha parte!
Pensar no meu marido, ainda que eu não o amasse, tocando
outra mulher me enojou. Me revoltou.
Ele me observou por um momento, então, tirou o terno.
― Venha aqui. ― Não havia espaço para discussão em sua
ordem, mas eu neguei com um movimento de cabeça. ― Agora,
Abriela.
― Há quanto tempo você está em Milão?
― Acabou o tempo de perguntas, venha aqui. Agora. ― Eu me
aproximei lentamente, minhas pernas tremiam, assim como minhas
mãos quando ele as segurou e colocou em sua camisa. ―
Desabotoe.
― Eu não vou fazer isso agora.
Um sorriso torto desenhou seu rosto.
― Negue novamente quando eu estiver chupando sua boceta.
Escandalizei-me com seu comentário, ele terminou de tirar a
camisa e se inclinou, pegando-me no colo, segurando-me com uma
mão grande em minha bunda e a outra apoiou na parede. Nossos
olhos estavam alinhados agora, fixos e incapazes de desviar.
Pelo menos eu estava.
― Se eu disser “não”, você vai ouvir?
― Você não vai negar.
― Vou, porque agora sei que esteve com outra pessoa.
Seu rosto não se alterou.
― Se negar, estarei com outras de qualquer jeito. É uma
escolha sua. Eu gosto da perseguição, se você disser que quer que
eu lute pra te comer, eu vou lutar e vamos jogar esse jogo, mas não
vou te estuprar.
Eu estremeci, e ele começou a acariciar minhas nádegas com
a única mão que me segurava contra a parede.
― Não posso fazer amor assim ― sussurrei.
Ele ergueu uma sobrancelha grossa. Eram pretas como seu
cabelo. Ele era tão bonito. Dono de uma beleza que eu nunca vi
igual.
Seu peito era bronzeado, forte e musculoso, assim como os
braços. Senti-me pequena demais. Fraca e frágil.
Lucca poderia me quebrar sem esforços, e eu não falava
apenas fisicamente.
― Nós não nos amamos, não vamos fazer amor. Vamos foder
e gozar. Eu vou te dar prazer e arrancar meu prazer de você até que
saiba como me dar por conta própria.
Lentamente, ele ergueu as mãos e abaixou as alças do meu
vestido. Quando o tecido caiu abaixo dos meus seios, levantei o
braço para cobri-los, mas ele os segurou para baixo, repreendendo-
me com o olhar.
― Antes mesmo de você dizer sim, já era minha. Nunca teve
uma escolha, Abriela. Você e seu corpo são meus. Não esconda de
mim o que me pertence.
O contato gelado de seus dedos com minha pele quente me
fez retesar, eu estava tensa e receosa. Não o conhecia e estava
prestes a ter meu corpo exposto e tocado como ele quisesse.
Lucca respirou com força antes de virar e me colocar sobre a
cama, deixando seu joelho apoiado entre as minhas pernas,
mantendo-as abertas. Ele analisou minha pele exposta, absorvendo
os detalhes. Quando senti o toque leve como uma pena de seus
dedos na sola do meu pé, arrepiei-me e o primeiro instinto foi tentar
escapar, mas Lucca balançou a cabeça uma única vez.
― Eu te quero exatamente aqui, desse jeito. Me obedeça.
Ele foi subindo os dedos, deslizando pela minha pele,
causando-me um alvoroço por dentro.
― É a minha primeira vez. ― Por algum motivo eu senti a
necessidade de dizer, mesmo que ele soubesse.
Lucca parou sua mão na altura da minha coxa, dando um
aperto ao se abaixar e chegar a boca a centímetros da minha.
― E por isso eu sou um homem de sorte, mas não espere que
eu seja gentil.
― Eu não esperaria isso ― sussurrei, sentida.
― Você é mais bonita do que eu pensei que seria. Eu sempre
soube. ― Ele beijou um seio, depois o outro e passou a língua no
espaço entre eles. ― Tem o cheiro mais delicioso. ― Mordeu minha
orelha, arrepiando-me. ― E a pele mais perfeita. Como será seu
gosto?
Eu pensei que rasgaria minha calcinha após sua promessa de
não ser gentil, mas ele a tirou lentamente, passando o dedo pela
minha fenda antes de se abaixar para cheirá-la.
Meu corpo ficou ainda mais tenso, e seu olhar zombeteiro me
cumprimentou.
― Eu não gosto de boceta só pra gozar. Eu vou chupar, tocar
e cheirar a sua porque sou um homem faminto. Acostume-se.
Engolindo em seco com um gemido sôfrego, bati a cabeça
contra o colchão, estranhando as sensações que aquelas palavras
me causavam.
― E você cora, porra ― Lucca rosnou, e eu suspirei de
surpresa quando sua língua encostou em minha coxa. Ele segurou
minhas coxas com os braços fortes, impedindo-me de sair, mas
quando ele começou a lamber em lugares que me faziam querer
pular da cama de tanta pressão e tanto... prazer, eu fechei os olhos
com força, fingindo que nosso casamento era verdadeiro e que eu
não sofreria em suas mãos.
Só assim meu corpo relaxaria para receber prazer.
Ele era um mestre naquilo, fazendo-me gemer e suspirar,
querendo levar minhas mãos em seus cabelos e segurá-lo com
força.
Pegando meu clitóris entre seus lábios, ele chupou e
balançou a cabeça, arrancando um grito de mim. Eu empurrei seu
ombro, incapaz de aguentar tamanha pressão, mas Lucca não
parou, chupando minha boceta exatamente como disse que faria:
com fome.
Quando senti o segundo dedo dentro me penetrando, revirei
meus olhos de prazer, no entanto, a dor também presente me fez
apoiar os cotovelos na cama, erguendo meio corpo para observar o
homem que eu mal conhecia e com quem três semanas atrás
jamais teria sequer me imaginado naquela situação. Eu tinha certa
obsessão por Luccare, sim, mas sexo... eu não tinha nada a
comparar. Não me atrevi a desejá-lo daquele jeito porque era
impossível.
E lá estávamos nós.
Quando levantou a cabeça para me observar, seus olhos eram
uma mistura de excitação, desejo animal e a certeza de um homem
que sabia que não seria recusado.
Minhas costas arquearam, e ele começou a mover as pontas
dos dedos juntas dentro de mim mais rápido, aproximou o rosto e
finalmente me beijando. Meu estômago apertou, uma sensação
inebriante tomou conta de todo o meu corpo.
― Isso é um orgasmo ― sussurrou, mordendo meu lábio
inferior. ― E você me dará pelo menos dois por dia.
― Eu... ― gaguejei, sem ar ― eu vou te dar?
― Sim, Abriela. Eu vou pegar da sua boceta.
O orgasmo me atingiu como uma bomba. Eu poderia
facilmente estar quebrando em pedaços de um jeito que nunca senti
antes. Senti-me consumida pelo prazer. Eu segurei sua nuca,
puxando-o para perto, não deixando que levasse sua boca e seus
beijos para longe de mim.
Mas Lucca tinha outros planos.
Ele abriu sua calça, puxou-me para baixo e lançou-me um
último olhar antes de segurar minha nuca, aproximando nossos
rostos enquanto se posicionava em minha entrada.
― Lucca ― sussurrei, assustada.
― Agora você será verdadeiramente minha.
Quando ele me invadiu, arqueei com um grito, sentindo a dor
disparar em minha intimidade. Segurei seus braços, cravando as
unhas em sua carne. Ele me beijou quando lágrimas escaparam dos
meus olhos e eu os fechei, procurando respirar fundo para tentar
aliviar.
Ele desceu a mão até onde nos uníamos e começou a me
acariciar.
Eu choraminguei.
― Dói. Lucca... Parece que...
― Vai passar.
Mas não passou e Lucca não parou. Enquanto eu chorava,
cerrando os dentes para não gritar, seus olhos brilhavam olhando
para baixo, onde seu pau me penetrava lentamente, mas com
impulsos fortes. Eu sentia tudo. Suas mãos em minha cintura, a
força de seu olhar, seu suor misturando-se com o meu. E percebi
algo que até então não tinha sido tão clara para mim.
Esse é Luccare DeRossi.
O homem que não abaixava a cabeça para ninguém e que
nunca perdia o controle, estava se perdendo no meu corpo. Em
mim.
Soltei um pequeno gemido, atraindo seus olhos dilatados para
meu rosto.
― Grite se precisar, eu não me importo.
― Se estivesse insuportável, você pararia?
― Não. ― Ele franziu o cenho com sua resposta, e parou de
se mover. ― Você quer que eu pare?
― Não ― respondi de imediato. ― Eu sou sua esposa.
Minha virgindade era um obstáculo para eu o conquistar que
precisava ser tirada do caminho. Se o único momento que teríamos
perto seria o sexo, eu não podia ser virgem para sempre. Eu me
movi, fazendo seu pênis sair alguns centímetros e entrar
novamente.
― Sim ― rosnou. ― Você é.
Algo nele estalou depois disso. Ele começou a estocar mais
rápido, atingindo pontos que beiravam à dor, mas era mais gostoso
do que antes.
― Sua boceta é apertada pra porra, Abriela. Toda minha. Toda.
Fechei os olhos, espalmando seu peito, sabendo que minhas
unhas deixariam marcas por onde eu o apertei e o orgulho que senti
com isso foi inexplicável. O prazer se tornou demais e eu me vi
gozando uma segunda vez, mesmo chorando com aquela pitada de
dor.
E o levei comigo.
Lucca gozou com força, com o rosto vermelho e os olhos
apertados em direção ao teto. Suas veias saltadas no pescoço, no
estômago trincado e nas mãos que me seguravam. Eu pude sentir
seu sêmen escapando para fora de mim quando se levantou e ficou
parado de pé em frente à cama, observando-me.
Quando eu finalmente me sentei e estiquei a mão em direção a
ele, Lucca recuou alguns passos. Saindo do quarto em silêncio.
Levantei-me com dificuldade, sabendo que ficaria dolorida por
um tempo.
Meu rosto no espelho não tinha o brilho de quem havia
acabado de se tornar mulher. Eu me via como alguém que
completou uma missão. E uma completa idiota por ter desejado
cada segundo, mesmo quando sofri.
Estava cansada, com medo e com dor.
Queria tomar banho e esconder minhas lágrimas no chuveiro.
Aguardei no quarto quando terminei e vesti uma camisola
nova, querendo que voltasse e ficasse comigo, mas isso não
aconteceu. Quando ele não retornou para a cama duas horas
depois, eu fui atrás.
Encontrei a porta do escritório entreaberta com uma fresta de
luz, andei até lá e bati. Não obtendo resposta, entrei e encontrei
meu marido sentado em sua poltrona com uma bebida na mão. Ele
tinha vestido apenas uma calça de seda preta, deixando seu peitoral
totalmente exposto. A marca das minhas unhas estava lá.
― Você não voltou para a cama.
― Precisava de um cigarro.
Sua voz era distante, e eu senti frio apenas ao ouvi-lo.
― Só vim ver se estava tudo bem.
Lucca tomou um gole da bebida e girou o copo entre os dedos
enquanto me observava.
― Venha aqui.
― Lucca, eu...
― Sente-se em meu colo. Agora. ― Hesitei antes de fazer o
que mandou.
Lucca deixou o copo de lado e suas mãos foram acariciando
do meu joelho até a barra da camisola, levantando-a. Logo em
seguida, puxou as alças para baixo, em meu braço, expondo meus
seios pesados.
Ele levou a mão até eles, apertando e massageando, antes de
tomar um em sua boca.
― Eu amo os seus peitos. ― Não aguentando a sensação de
sua boca em mim, contorci-me em seu colo, buscando algum alívio.
Ele sorriu torto. ― Está agoniada, Abriela?
― Eu sinto alguma coisa ― sussurrei, fitando-o entre os cílios.
― É claro que sente. Tesão.
Ao puxar seu pau para fora da calça, ele me ergueu sem dizer
nada, só esperou que eu abaixasse. Ainda doía, e ele não me
forçou para baixo, mas o desafio em seus olhos não me deixou
recuar.
Eu queria senti-lo outra vez.
Lucca acariciou meu clitóris, fazendo a lubrificação em meu
núcleo aumentar e a vontade de sentir um orgasmo novamente
crescer em mim. Eu levei a mão à boca, passando dois dedos na
língua lentamente, sem olhar para ele e molhar seu pau com a
saliva em seguida.
Só percebi o efeito causado nele quando seu aperto em
minhas nádegas aumentou tanto que gritei, e ele rosnou:
― Ou você senta com essa boceta no meu caralho, ou me
chupa ou aprende a me masturbar agora.
― Por quê? ― Arregalei os olhos.
― Você não pode babar no meu pau e achar que eu não vou
querer foder todos os seus buracos, porra, estou tentando me
controlar.
Com sua admissão, eu engoli em seco e me abaixei
lentamente em cima de seu membro ereto. Ele era grosso, cheio de
veias saltadas e comprido, eu mal conseguia chegar até o final.
Lucca jogou a cabeça para trás, olhando-me nos olhos quando
começou a me descer para cima e para baixo bem devagar.
Não tinha nada a dizer.
Ele queria gozar e meu corpo o agradava. Por enquanto, eu
deixaria que essa fosse sua única motivação.
Eu me entreguei de bom grado a ele. E foi tão bom, ao mesmo
tempo que foi ruim. Se esse homem não fosse Lucca DeRossi, eu
não abusaria do meu corpo apenas para continuar perto dele.
O primeiro passo para dar certo.
Você é um feriado, um copo de oceano deslizando pela minha
garganta
e pousou nas minhas esperanças,
estou sonhando fora dos mapas, sem grades ocultas
estou fugindo
Eu te adoro como dias sagrados
Você se lembra?
Eu definitivamente me lembro
Estamos sonhando
Sentimentos governam
Estou pensando que é o sangue ruim
A cavalgada, a paixão
Minha cabeça está flutuando, mas meu coração está se
afogando em você
nao, bad blood
Meu dia começou com um banho de banheira e nenhum
telefonema das minhas irmãs, mas quando enviei uma mensagem,
Alessa disse que havia controlado os danos. Eu ia querer saber
detalhes depois, mas no momento, a única coisa que me passava
pela cabeça era em como seguir com os próximos dias.
Lucca não havia voltado de Nova York de bom humor. Ele me
fodeu na primeira vez e me fodeu na segunda também.
Aparentemente, minha virgindade só valia alguma coisa para
mim.
Quando ouvi a porta da frente bater mais tarde naquele dia,
meu coração acelerou. A tensão ganhou força, porém eu já tinha
tudo preparado, não voltaria atrás.
Diferente do que ele acreditava, um casamento não podia se
basear unicamente em sexo. Um de nós precisava querer fazer isso
funcionar, nem que fosse para que convivêssemos bem juntos
debaixo do mesmo teto.
Lembrando-me da conversa que tive com Luigi, uma ideia se
formou em minha mente e eu estava preparada para lutar para
defendê-la, mas assim que Lucca entrou em meu campo de visão,
eu quase derreti.
Meu marido era considerado por muitos — se não todos que o
conheciam — como um demônio, mas o disfarce era de um anjo.
Um anjo obscenamente lindo e profundamente obscuro.
Em algum lugar pelo caminho ele se desfez do paletó,
deixando apenas a camisa branca com as mangas puxadas até o
cotovelo. Cada músculo parecia lutar para se soltar do tecido, e eu
podia ver o perfeito contorno de seus braços fortes. Seu cabelo
desgrenhado, no qual ele parecia ter passado muito a mão para
jogá-lo para trás, apenas completava o pacote. Alguns fios roçavam
o colarinho da camisa e imagens da noite passada passaram em
frente aos meus olhos, quando eu me agarrei onde pude nele para
tentar lidar com as sensações que provocava. Inclusive em seu
cabelo.
Observei seu rosto tenso, como sempre, a testa franzida e as
olheiras se mostrando abaixo dos olhos. Nem isso diminuía sua
beleza. Então, seu olhar desviou de mim direto para a mesa posta
para duas pessoas.
Ele analisou a travessa de lasanha, uma garrafa de vinho tinto
e nossa sobremesa descansando.
Lucca jogou as chaves no balcão, fitando-me com uma
sobrancelha erguida.
― Gostou tanto assim da sua primeira vez?
Ignorei seu comentário irônico e tirei o avental, pendurando-o.
― Eu fiz o jantar. ― Tentei sorrir.
Ele me encarou seriamente antes de assentir uma única vez.
― Sirva-me.
Surpresa com seu pedido, fiquei ali por um momento. Eu
pensei que teríamos uma discussão sobre isso, levando em conta o
que Luigi me disse, mas rapidamente dei meia-volta, pegando um
prato.
Caminhei até a mesa, preparando delicadamente seu prato e o
coloquei na mesa esperando que se sentasse.
Antes que pudesse virar para encará-lo, senti sua mão me
abaixando sobre a madeira fria.
― Lucca ― sussurrei. ― O que...
― Quieta ― ele murmurou de volta no meu ouvido. Sua voz
acariciou meu pescoço, a respiração era calma e controlada, bem
diferente da minha. Eu não sabia como ele podia mexer tanto
comigo com apenas um toque. ― Fique exatamente assim ―
ordenou. ― Você está gostosa pra caralho nesse vestido, parece
que seus peitos vão pular cada vez que se mexe, porra.
Seu peito pressionava minhas costas e ele esmagou sua
ereção no alto do meu quadril. Ele subiu meu vestido e logo senti
um dedo me alisando.
― Lucca, isso não é certo.
― Por que não? Pessoas casadas só fodem na cama?
Sua voz ficou distante e quando senti um sopro em minha
bunda, percebi que abaixou atrás de mim.
Ele bateu em uma nádega, fazendo-me saltar.
Eu senti sua língua arrastando do interior da minha coxa para
cima, até o meu ânus. Eu apertei meus músculos, recebendo um
aperto de sua mão enorme em minha carne.
― Abra ― disse contra a minha pele, fazendo minha boceta
vibrar em resposta.
Os lábios dele beijaram e chuparam minha carne, meus lábios
e meu clitóris como se não pudesse parar. Ele rosnava baixo,
apertando minhas coxas, minha bunda e minha cintura.
Seus dedos escorregaram entre meus lábios, separando-os e
ele mordeu meu pequeno botão, fazendo-me gritar.
Ele me estapeou outra vez.
Lucca de repente se ergueu.
Seus dedos cravaram forte em minha cintura.
― Está dolorida? ― Ao encará-lo sobre o ombro e ver seu
olhar feroz, o suor na testa e as juntas dos dedos brancas, eu ia
negar. ― Não minta.
― Um pouco.
Ele enfiou um dedo em mim, arrancando-me um gemido. A
sensação de estar preenchida por alguma coisa era estranha, nova
e inexplorada, mas também era bom.
― Eu quero foder.
Ele parecia um animal que mal se controlava.
Abri minhas pernas, convidando-o silenciosamente para fazer
o que quisesse.
Lucca me observou por um curto momento antes de me
penetrar com seu pau enorme. Eu gritei, rouca. Seu corpo batia
contra o meu com força e num misto de sensações, minha mão
esbarrou no prato e na taça cheia de vinho, jogando-os no chão. Eu
me assustei, sobressaltando-me.
Lucca gemeu com o movimento.
― Caralho, que gostosa. ― Ele se inclinou em cima de mim,
mordendo meu ombro e chupando o meu pescoço. Eu gritava e
gemia com dor e prazer a cada estocada de sua grossura em meu
interior, ainda estava tão dolorida e sentia uma ardência cada vez
que ele saía a entrava de novo, mas quando ele ameaçou parar e o
atrito diminuiu, frustração me tomou.
Segurei seu pulso do lado da minha cabeça.
― Fique.
Ele me olhou nos olhos, mas não havia nada ali. Nem carinho,
nem cuidado, nenhum sinal de qualquer sentimento por mim.
― Lucca... ― choraminguei quando ele abriu minhas coxas
mais do que pensei ser possível.
Ele me circulou com o braço esquerdo, encontrando meu
clitóris com seus dedos habilidosos, depositando beijos na minha
nuca e arrepiando cada pedaço da minha pele.
― Porra. ― Lucca segurou meus quadris, apoiando seus
movimentos com uma mão na mesa e a outra espremendo minha
carne.
Abri a boca num grito silencioso, jogando a cabeça para trás.
Nenhuma mulher deve ter reclamado de seu tamanho, mas eu
queria ser a primeira, porque não éramos compatíveis nisso. Seu
pau era enorme e eu me via pequena em todos os sentidos perto
dele, principalmente lá.
Eu queria fazer amor, sentir o carinho da primeira, da segunda
e até da terceira vez, mas o homem com quem me casei queria o
alívio de chegar em casa e ter um corpo disponível.
Ele era meu dono e me fodeu com esse direito.
E eu deixei.
Seu ritmo acelerou e eu sabia que ele estava quase pronto
para gozar, porém eu também estava. Senti-me culpada, fria como
se estivesse traindo meus próprios valores por gostar de sua
brutalidade. Quando meus gemidos se tornaram mais sôfregos,
aquela sensação na boca do estômago foi aumentando e enquanto
eu gozava forte em torno de seu membro, Lucca puxou o pênis para
fora e deslizou de novo, fazendo-me morder meus lábios com força,
tentando conter um soluço enquanto ele investia em mim sem dó.
Ele gozou em mim, mas parecia ser tanto, que quando se
retirou, ainda senti jatos em minhas costas e bunda. Fiquei inclinada
sobre a mesa por alguns minutos, recuperando o fôlego.
Lucca me virou e, percebendo meu incômodo, jurei ter visto
um lampejo de algo diferente passar por seu rosto. Ele limpou
minhas bochechas com certo carinho olhando em meus olhos e
declarou:
― Eu já jantei. ― Deu meia-volta e saiu da sala de jantar.
Observar suas costas largas caminhando para longe estava se
tornando rotineiro para mim, o que não significava que doía menos a
cada vez que acontecia.
Eu esperei que ele tivesse sumido no corredor para me deixar
cair em uma cadeira, gemendo ao sentir uma dorzinha aguda ao
pressionar minhas pernas juntas.
Sexo era bom, eu estava aprendendo isso, mas no fundo da
mente, perguntava-me se algum dia seria diferente. Se me seguraria
com carinho e me confortaria quando acabasse.
Perguntei-me se ele já tinha se dirigido com amor para alguém.
― Eu não consigo entendê-lo, ele está acabando comigo sem
nem se dar conta ― sussurrei em meio às lágrimas que voltavam a
cair.
Nosso casamento não me deu muitas esperanças, mas eu
começava a me perguntar se poderia haver algo de bom nele.
E se eu estiver em chamas, você também se transformará em
cinzas
Mesmo no meu pior dia, será que eu mereci, querido
Todo o inferno que você me fez passar?
Porque eu te amei, juro que te amei
Até o dia da minha morte
Pegamos pedras, sem saber o que elas significariam
Algumas para atirar nos outros, outras para fazer um anel de
diamante
Você sabe que eu não queria ter que te assombrar
Mas que cena fantasmagórica
Você usa as mesmas joias que eu te dei
Enquanto me enterra
Se eu estou morta para você, por que você está no velório?
Xingando meu nome, desejando que eu tivesse ficado
Veja como minhas lágrimas ricocheteiam
taylor swift, my tears ricochet
― Vocês estão bem? ― perguntei para a minha irmã assim
que atendeu.
― Estamos inteiras se foi o que quis dizer ― Anita falou
suavemente.
― Mas preocupadas com você ― disse Alessa. ― Não temos
muito tempo, papai colocou Lorenzo como um cão de caça na nossa
porta.
― Eu estou bem, mas também estava preocupada.
― Vamos conversar melhor amanhã à noite.
Eu franzi o cenho para o tom animado de Anita.
― O que tem amanhã?
― O aniversário de Evangeline Berlot. Papai disse que Lucca
vai. Já comprou sua roupa? Talvez ele te deixe ir comigo e Anita.
― Espero que ele deixe, irmã, estou com saudades. Pensei
que nós odiávamos Evangeline, por que tanta empolgação para ir à
sua festa?
― Eu tenho meus interesses ― disse Anita vagamente.
― Eu não a odeio, você sabe disso. Mas se é para tomar um
partido, que seja o da minha gêmea. ― Alessa riu. ― E, além do
mais, você sabe que seria desrespeitoso rejeitar um convite da
famiglia.
Eu sorri tristemente. Sentia uma falta absurda de Alessa, de
sua leveza, de seu poder de me conseguir fazer sentir em casa e
em paz. Sentia falta de estar na presença dela e me pegar
constrangida, como se estivesse perto da realeza.
― Tudo bem. Vou falar com Lucca. ― Santo Dio, o medo que
aquela simples frase me proporcionou quase me fez fingir desmaio
e esquecer propositalmente. Eu estava com os meus sentimentos à
flor da pele.
― Podemos combinar a hora de ir. Eu não quero ir sozinha
com Anita, com você lá pelo menos tenho ajuda para impedi-la de
constranger a Evangeline.
Dei risada, pensando em quão louca minha irmã se tornava
quando se tratava de Evangeline.
― Falarei com Lucca e aviso vocês.
Do lado de fora, ouvi o barulho de pneus passando pelos
cascalhos e andei até a janela aberta para ver quem tinha chegado.
Assim que coloquei meus olhos no carro preto, eu o avistei
saindo do banco motorista e Jimmy do passageiro. Meu coração
começou a bater forte e rápido.
Medo, angústia e ansiedade se misturavam.
Respirei fundo e tentei aparentar tranquilidade.
― Irmã, ele está em casa, preciso ir.
― Sim. Bem, não esqueça de perguntar a ele se pode ir
conosco! ― ela disse apressadamente.
― Perguntarei. Falo com você depois. ― Desliguei e devolvi o
telefone à base.
Observei-o enquanto andava até a entrada de casa, e assim
que passou pela porta, eu corri para o espelho mais próximo para
me ajeitar.
Olhos vermelhos do meu choro pela noite passada, rosto
ligeiramente inchado e o cabelo perfeitamente em ondas. Ótimo. Eu
estava um desastre, mas duvidava que ele fosse reparar. Ouvi seus
passos pelo corredor, e meu coração batia mais acelerado cada vez
que o sentia mais próximo. Prendi a respiração quando o vi.
Deus, por que tão bonito?
Apesar disso, o temor ainda estava presente.
Ele passou pela porta e não me deu um segundo olhar quando
seguiu pelo corredor até seu escritório. Franzi a testa, confusa. Eu
não merecia sequer um cumprimento? No dia anterior me tratara
como se eu fosse uma das prostitutas de seus clubes, e hoje fingia
que não existia?
Fiquei por alguns segundos incerta sobre o que fazer,
pensando nas escolhas que eu tinha.
Eu poderia fazer o mesmo e ignorar sua existência, enquanto
ele queria assim, é claro. Ou eu podia enfrentá-lo. Colocando na
balança, percebi o quão estúpido soava.
Passados mais alguns minutos, eu comecei a pensar o que ele
estaria fazendo; se estava trabalhando, planejando alguma
crueldade — que era a base do seu dia a dia.
Mulheres na máfia precisavam se acostumar com o fato, e
fazer as pazes com a ideia de que faziam cabelo no salão, tinham
as unhas perfeitas, uma equipe de empregados para cuidar da casa
e compras caras, além de um cartão sem limites e férias a qualquer
momento porque a cabeça de seus maridos estava em jogo no dia a
dia fora de casa.
Sentir culpa nunca foi minha especialidade, eu sempre
acreditei que assim como quem nasce na política e cresce com pais
corruptos, eu precisava aceitar e fechar os olhos para os lados feios
de ter nascido no berço criminoso da Itália.
Nossas comidas caras, nossos vestidos bonitos e nosso estilo
de vida era manchado pelo sangue de inocentes e pelo sofrimento
de pessoas ruins.
Todas as partes da minha vida estavam condenadas.
Reconhecendo o meu papel, eu sabia que não podia viver
demonstrando o meu medo. Podia senti-lo, mas não deixar que ele
me moldasse. Fui até seu escritório.
A porta estava aberta, e eu simplesmente entrei. Precisava
mostrar a ele que não sentia medo. Falhei miseravelmente. Quando
ele bateu os olhos em mim, minhas mãos começaram a tremer e eu
gaguejei ao falar:
― Boa noite, Lucca.
Ele me fitou dos pés à cabeça, seus olhos distantes totalmente
vazios de emoção.
― Boa noite, esposa.
Eu odiava aquele tom de sarcasmo, odiava o quão fácil ele
conseguia me fazer sentir como uma criança indesejada.
― Preparou outro jantar para mim?
Raiva me subiu rapidamente com sua provocação, fechei as
mãos em punhos. Respirei fundo.
― Não, mas posso se você pretende sentar-se à mesa
respeitosamente ao invés de jogar a comida no chão.
Lucca recostou em sua poltrona, cruzando as mãos no colo.
― Se me lembro bem, quem derrubou foi você. ― Eu fiquei
em silêncio. ― O meu escritório não é um dos cômodos livres da
casa. Não entre aqui sem permissão novamente. ― Ergui uma
sobrancelha, surpresa. ― Ou haverá consequências.
Eu fiquei muda por alguns segundos, não acreditando no que
escutava.
― Esta é minha casa também. ― Minha voz se elevou sem
planejar, um contraste com o fato da coragem estar indo embora
como o diabo fugindo da cruz.
Luccare se levantou lentamente.
Eu vi uma arma em sua cintura quando o terno se abriu com o
movimento, e me perguntei se ele estaria armado o tempo todo.
― Você acha que porque carrega meu nome tem direitos
sobre minhas coisas? Os meus bens? ― Fiz menção de falar, no
entanto, ele bateu as duas mãos na mesa. Seus olhos pareciam
atirar punhais em mim. ― Abriela DeRossi, elevando sua voz como
se estivesse falando com o codardo do seu pai. Tem mais alguém
em casa?
― Não.
― Eu pensei que tinha me casado com uma mulher inteligente
o suficiente para saber que não deve gritar comigo ou achar que
pode me dar ordens, a única explicação é que está falando com
outra pessoa.
Ele se aproximou lentamente, fazendo-me recuar como um
cervo assustado.
― Que ousadia a minha pensar que posso entrar no escritório
do meu marido e falar com ele como se fosse uma pessoa normal.
Estamos casados há um mês e você não esteve a maior parte
desse tempo. Me casei com dezoito e fiz dezenove permanecendo
virgem. Eu fiz aniversário, Lucca!
― Então, esse é o seu problema? Está fazendo birra porque
eu não te fodi na noite de núpcias? Já resolvemos isso algumas
vezes. Sua boceta não está sendo usada o suficiente?
Eu ergui a mão, num surto de fúria por seu desrespeito para
dar um tapa em seu rosto, mas Lucca a segurou, batendo-me contra
a parede. Minha cabeça fez um som alto com o impacto. E eu perdi
completamente a cabeça.
― Foda-se você e suas ordens ridículas. Só porque estamos
casados não significa que eu sou seu tapete para ser pisado, não
vou viver com medo de você, eu não sou um de seus soldados!
Lucca piscou, observando meu rosto como se nunca tivessem
falado com ele de tal maneira. Eu duvidava que tivessem, duvidava
que alguém já tivesse sentido tal desejo de morte.
No fim, eu não era tão diferente assim de Anita.
Ele segurou meu pulso contra a parede do lado da minha
cabeça e segurou meu queixo, pressionando-o com força enquanto
me fazia fitar seu rosto.
― Está certa, você não é um soldado, mas neste momento,
está me implorando para ser tratada como um. Não te avisaram que
não se brinca com um homem como eu, Abriela? Me desafiar não é
uma boa ideia. Viu com seus próprios olhos como Labeli pagou por
cometer o mesmo erro.
Pânico me cegou quando ouvi o nome dela saindo de sua
boca tão perto da minha. Eu joguei o braço em sua direção,
querendo afastá-lo, levantei a perna para acertá-lo no meio das
pernas, mas Lucca me segurou, virando-me e me prendendo
minhas costas contra seu peito.
Eu me debatia, e como se fosse uma brincadeira do destino
para me condenar de vez, percebi o exato momento em que cometi
o maior erro da minha vida.
Até ali, tudo podia ser consertado, mas quando meu cotovelo
bateu em sua arma e ela disparou, jogando meu marido para trás
com um grunhido escapando do fundo de sua garganta, eu me virei,
aterrorizada, e vi sangue manchando sua calça cinza na coxa.
― Lucca. ― Minha voz falhou, eu balançava a cabeça,
recuando enquanto o observava.
Ele pressionou a perna, erguendo a outra mão para pegar a
arma.
― Caralho! ― gritou. Diante de tudo o que já tinha ouvido falar
dele, todas as histórias e casos em que ele sempre foi o vilão,
perguntei-me se seria neste momento que tudo acabaria para mim.
Seus olhos azuis eram selvagens, encarando-me com uma frieza
sem igual, e eu não duvidava que poderia me tornar mais um
capítulo das histórias de terror que contavam sobre ele .
Eu corri para fora com tudo o que tinha, se chegasse até a
porta conseguiria fugir e me abrigar na casa do meu pai até que ele
estivesse calmo. Lucca sabia que foi um acidente. Labeli morreu por
fazer a mesma coisa, mas eu não planejei atirar nele.
Por que sua arma estava destravada, afinal de contas?
Passei pelo longo corredor, ouvindo-o grunhir e me chamar,
mas não parei. Meus olhos estavam borrados com lágrimas quando
tentei abrir a porta, mas pelas janelas vi seus soldados correndo
para entrar.
― Abriela!
Seu chamado me assustou, e vi o quão perto Lucca estava.
Adentrei na sala no momento em que ele segurou meu pulso, mas
antes que pudesse sequer começar a implorar pela minha vida,
senti meu pé tropeçar em algo e de relance, vi a mesa de centro
muito próxima do meu rosto enquanto meu corpo caía feito um peso
morto.
Uma dor cortante atingiu todo o meu corpo. A última coisa que
vi, foi o rosto de Lucca muito próximo. Tudo ficou escuro.
Eu estou costurando os remendos direto na minha pele
Estou contando os dólares para me comprar
Estou me perdendo para a competição
Em que ponto eu comecei
Pra pensar que eu ganhei
Porque eu não tenho alma
Vivo em um buraco que cavei
E eu vou desmoronar
sub urban, patchwerk
Inferno.
Porra.
Matar minha jovem esposa não era exatamente o que eu
queria.
― Caralho! ― esbravejei, ajoelhando ao lado dela. O sangue
saindo da porra da minha perna era minha última preocupação.
Enrolei meus braços em torno de Abriela, mas poderia ser perigoso
movê-la.
Hesitei, recuando, e conferi seu pulso. Estava normal.
Houve uma comoção quando a porta foi arrombada, e
liderados por Juliano, virei-me para encontrar Jimmy, Grego e
Mattia.
Eles fizeram uma parada abrupta na porta, analisando a cena
à frente.
O corpo de Abriela estava caído em cima da mesa de centro,
entre os sofás de couro e a porra da lareira crepitando ainda que
fosse verão.
― Apague aquela porra ― ordenei, e Jimmy abaixou os olhos,
dando a volta o mais longe possível de onde eu estava. Pegou o
vaso de flores na estante e despejou no fogo baixo. Queimando as
flores e apagando as chamas restantes.
― Lucca? ― Juliano me chamou.
Ele não estava assustado, apenas espantado.
Eu entendia. A visão não deveria ser das mais tranquilas.
O vidro da mesa estava despedaçado ao chão, o sangue da
minha perna pingou por todo o caminho que percorri perseguindo-a.
E Abriela parecia sem vida, jogada entre a madeira que a segurava
de atingir o chão. O pescoço torto e os olhos fechados.
Seu cabelo escondia o rosto, e eu queria afastá-los, mas me
levantei e segurei sua cabeça.
― Mattia, sem alarde, vá chamar o médico. Não diga a
ninguém onde vai.
Ele assentiu e saiu prontamente.
― Juliano, me ajude a pegá-la e colocá-la no sofá até o doutor
chegar. Grego, limpe esse sangue. ― Fitei o tapete todo enrolado
no meio da sala, que tinha provocado a queda. ― Leve essa merda
para fora.
Eles me obedeceram sem hesitar. Jimmy correu da sala e
voltou pouco depois com um travesseiro, colocando debaixo da
cabeça dela. Seus olhos corriam todo o corpo da minha esposa com
preocupação.
― Padrinho ― disse ele. Sua voz estranhamente infantil me
lembrou o fato do garoto ter apenas quinze anos. ― Sua perna está
sangrando.
― O que aconteceu?
Ignorei a observação de Jimmy e a pergunta de Juliano. A
partir dali, conclusões seriam tiradas, e eu não seria idiota de pensar
que o assunto ficaria dentro das minhas portas. Homens civis
conversavam, mas soldados falavam ainda mais quando pensavam
ser assuntos banais.
Diriam que eu tentei matar minha esposa, depois de ter
matado minha primeira noiva.
Diriam que ela me atacou, e eu reagi, assim como fiz com
Labeli.
Muito seria considerado verdade absoluta, outras informações
seriam especulações jogadas ao vento, mas falariam.
E as únicas duas pessoas capazes de confirmar, jamais fariam
isso.
Como algo tão despretensioso virou tamanho caos? Eu ainda
estava processando tudo o que aconteceu. A porra da arma
destravada, Abriela gritando e conseguindo me tirar do sério
facilmente como ninguém podia.
Meus olhos turvos, o incômodo na minha perna, o sangue em
minhas mãos.
Eu queria um casamento simples, algo para manter a porra da
boca dos tradicionalistas fechada, mas estava casado há um mês e
talvez já tivesse matado a minha esposa.
Queria pedir para ser deixado sozinho, contudo, minha cabeça
estava confusa pra caralho e neste momento, não confiava em mim.
Tirei meu paletó e coloquei em suas pernas, impedindo que meus
homens ficassem observando o que me pertencia e dei meia-volta.
― Estarei no meu escritório. Diga ao doutor para ir me ver
quando terminar.
Duas horas se passaram até o médico muito bem pago pela
famiglia entrar em meu escritório. Ele bateu, esperou, e quando foi
autorizado, seu rosto velho e cansado me cumprimentou.
― Eu quero perguntar o que aconteceu? ― Ele deslizou os
olhos para a minha coxa exposta por um rasgo que fiz na calça
social. ― Deixe-me ver isso.
― Concentre-se na tarefa que foi chamado para fazer. Ela vai
viver?
― Vai.
― Ficará com cicatrizes?
― Foram cortes superficiais. Só me preocupo com uma
concussão tardia, mas vamos esperar que ela acorde.
― E isso será quando?
Ele suspirou.
― Eu não posso responder isso, Lucca.
Eu não gostava quando as coisas fugiam do meu controle e o
médico sabia disso. Trabalhava há sete anos ao meu lado como
chefe da organização, e antes disso, como um soldado do meu pai.
― Consiga anticoncepcional para ela, algo cem por cento
efetivo.
― Ela precisa ir a um ginecologista, o que eu não sou.
Eu o fitei com seriedade, deixando claro que não estava
pedindo.
― Tenho certeza de que você tem bons amigos no ramo.
Consiga para mim.
― Posso considerar um favor?
Bufei.
― Continue tentando, doutor.
Para alguém conseguir que eu devesse um favor, a questão
tinha que ser além de extrema. Algo que me deixasse sem saída. E
esse não era o caso.
Eu sabia o poder de deixar alguém segurar a porra de uma
arma em sua têmpora. Sabia que nunca mais queria estar à mercê
de alguém.
Saí do escritório, e de relance, vi uma enfermeira cuidando de
Abriela na sala. Peguei meu telefone e disquei o número de Giorgia.
― Lucca? ― Havia surpresa em sua voz. Eu não costumava
ligar para muitas pessoas e Giorgia era uma delas.
― Preciso que venha até a minha casa e cuide de uma
situação.
Ela ficou em silêncio.
― Sua esposa está bem?
― É o que eu preciso que você garanta. ― Ela suspirou,
estava pensando os piores cenários, eu tinha certeza. ― Consegue
vir ou devo pedir a outra pessoa?
― Não ― ela disse imediatamente. ― Estarei aí em breve.
Eu assenti, mesmo que não pudesse ver.
― Esperarão por você.
Desliguei.
O meu quarto foi usado por mim míseras vezes, uma para
foder minha esposa e duas para dormir, estava organizado, cheirava
bem e tinha o leve perfume de Abriela no ar. Eu me peguei parando
em frente à cama, observando seu lugar desarrumado e o meu,
perfeitamente feito.
As estantes com bolsas de maquiagem, pincéis e caixas de
perfume, ainda por organizar. Metade de suas roupas ainda estava
em malas. As minhas foram organizadas dois dias antes do
casamento, porque aquele era o lugar que eu dividiria com Labeli
Fanaro.
Eu fechei meus olhos por um momento, trancando meus
pensamentos e inclinações profundamente e segui para o banheiro.
Precisava tomar banho, colocar um bom terno, tomar alguns
remédios para amenizar o incômodo na perna e fazer um curativo.
Comecei a me perguntar qual castigo minha esposa merecia
por isso.

Assim que entrei no local da celebração do aniversário da filha


de Franccesco Berlot na noite seguinte, percebi que como sempre,
o lugar parou conforme as pessoas se davam conta de que eu
cheguei. Dizer que eu não gostava da atenção seria mentira, mas
não pelas razões ridículas que levavam uma celebridade a adorar a
fama.
Saber que nosso círculo social parava para me observar
chegar e depois disso, ficavam atentos a cada movimento meu,
significava que o respeito que eu recebia, não vinha apenas dos
meus soldados.
O poder que eu conquistei, não era visto apenas lá fora, onde
meus inimigos montavam estratégias de guerra para me derrubar.
E o nome que construí para mim não era passageiro. Luccare
DeRossi ficaria marcado mesmo depois que eu morresse.
Franccesco rapidamente veio me receber com sua filha
pendurada no braço.
Evangeline abaixou a cabeça numa reverência discreta, e seu
pai me estendeu a mão.
― Lucca, obrigado por vir ao aniversário da minha linda filha.
Eu não estava ali por razões sociais, mas assenti.
― Feliz aniversário, Evangeline.
― Obrigada, padrinho. ― Seu sorriso era enorme, e eu
entendi o porquê meu irmão gostava de foder com ela por todos os
cantos.
Perguntei-me se Franccesco sabia disso.
Perguntei-me quanto tempo mais levaria até que eu precisasse
me livrar da vagabunda quando ela resolvesse chantagear Luigi a
se casar por ter tirado sua virgindade.
Não havia nenhuma maneira na terra ou inferno que eu
permitisse que a garota carregasse meu nome.
― Com licença ― falei educadamente, mas ambos sabiam
que era uma forma de dispensá-los.
Encontrei Dante caminhando entre as mesas ocupadas do
salão e estreitei os olhos. Algo estava errado. Ninguém iria reparar,
mas eu conhecia meu irmão a vida inteira para saber quando um
centímetro de sua máscara estava fora do lugar. Ele me viu e veio
em minha direção.
― Se eu fosse você, dava o fora.
― Por quê?
― Sua cunhada descontrolada está fazendo perguntas
demais, desesperada para saber onde está Abriela.
Cerrei a mandíbula.
― Você devia se casar com ela. Um ano presa a você e a
garota perderia essa atitude irritante.
Ele ficou me observando por um momento. Enfiou as mãos
nos bolsos e reparei tardiamente que estavam se contorcendo
sutilmente.
― Não é porque você se casou que todos fomos possuídos
pelo espírito do matrimônio.
Encolhi os ombros.
― Preciso falar com Otto Fanaro. Você o viu?
― Ele estava nas salas privadas a última vez que o vi.
― Ótimo. ― Preparei-me para sair, mas parei bem perto do
meu irmão. ― Dante, pare com a porra da coca. Eu estou vendo
sinais por toda a parte. Não quero boatos sobre o meu subchefe e
sua capacidade de cumprir com as obrigações no cargo na famiglia.
― Diga a Luigi para parar de comer virgens antes de vir me
falar sobre o meu dever com a Cosa Nostra. E pare os boatos sobre
você e seu casamento sangrento. Vocês, meu irmão, são os únicos
sob o holofote.
― Se eu for atingido, você assume o meu lugar, lembre-se
disso.
Ele ergueu a cabeça, sua expressão deixando claro que
estava muito ciente disso.
― Qualquer um que ousar questionar minha autoridade e
capacidade vai pagar com a vida, meu irmão.
Ele deu meia-volta, indo em direção à saída. Eu peguei um
copo de whisky oferecido por um garçom e eu me concentrei no que
vim fazer. Atravessei o salão parando apenas algumas vezes para
atender quem surgia em meu caminho. Vi Alessa Bonucci, vi Anita
Bonucci.
Vi Leon e Lorenzo Bonucci.
Vi Santo Bonucci.
Eu não estava fugindo deles, mas sabia o quão rápido o
assunto poderia crescer e neste momento, eu preferia evitar uma
grande cena pública.
Cheguei às salas privadas guardadas por Leo, um soldado
antigo e bem-preparado que estava acostumado a eventos da
famiglia. Acenei para ele ao passar.
― Ninguém entra.
Mas qualquer um poderia sair quando eu começasse a falar
com Otto Fanaro.
Quando entrei, a mesa de pôquer parou, todos os olhos se
voltaram para mim.
― Lucca! ― Simone levantou, prendendo o charuto entre os
dentes e fazendo gestos para um soldado de sua família pegar uma
cadeira a mais.
Eu ergui a mão.
― Não vim jogar.
― Veio falar de negócios, chefe? ― Éder perguntou, olhando
suas cartas.
Eu cravei meus olhos em Otto Fanaro.
― Me acompanhe até a outra sala, Otto.
Um silêncio absoluto se fez quando ele ficou me olhando por
alguns segundos, certamente, lembrando-se de quando eu enfiei
uma faca no coração de sua irmã e dispensei o corpo em seu colo
como se não valesse nada.
Porque não valia.
Não quando ela estava prestes a se tornar a rainha da Itália e
escolheu tentar tirar a vida do rei. Labeli devia saber que a única
coisa que conseguiria, era sangrar sobre o meu trono.
Otto me seguiu após um momento. Os homens presentes
fingiram não prestar atenção. Quando fechei a porta atrás de mim,
Otto me encarou.
― Lucca.
― Como vai, Otto?
Ele encolheu os ombros.
― Cuidando de minha família, mantendo minha atenção em
nossos negócios.
― Ansioso para se tornar capo?
Ele me considerou com cuidado.
― Quando meu pai se cansar eu estarei pronto, chefe. Nem
um dia a mais e nem um a menos.
Eu me aproximei um pouco mais, fitando meus pés antes de
encará-lo fixamente.
― Posso confiar que essa é a única coisa em sua cabeça?
É claro que eu não podia, mas toda pergunta feita era apenas
para observar suas reações. Seu pai já estava velho, Otto seria
capo da família Fanaro em breve. Eu precisava saber se ainda
existiria uma família até lá, ou se deveria pensar em outros nomes
para substituir.
― O que mais há para pensar? ― Eu fiquei em silêncio. Ele
suspirou. ― Lucca, não vou ficar aqui e fingir que não estou puto
porque você tirou minha irmã de nós. Minha mãe chora todas as
noites e a culpa é sua, mas sei que ela procurou por isso. Quando
fui iniciado, eu sabia que meu dever com a Cosa Nostra viria antes
disso. Você não a matou por capricho, mas porque ela o traiu.
― Eu ouvi sussurros em Nova York. Uma movimentação sobre
a insatisfação de uma ou duas famílias quanto a minha família no
poder ― menti. ― Seria os Fanaro, Otto?
― De jeito nenhum.
Negou muito rápido.
Respondeu tudo mais rápido ainda sem pensar, como se já
esperasse aquela conversa. Como se tivesse ensaiado a cada
minuto.
Eu não acreditei nem por um segundo. E a partir dali, sabia
que precisava ficar atento.
Se Otto não estava cedendo à sua raiva, é porque precisava
seguir um plano. E se havia um plano, havia mais pessoas
envolvidas.
Otto Fanaro me trairia em breve.
A única questão, era quando, onde e com quem. Eu estaria
preparado. Não me tornei chefe sendo estúpido como ele, olhando-
me com aqueles olhos cheios de ódio e recitando um discurso
ensaiado.
Se eu colocasse as mãos em quem levou Mia, minha irmã,
jamais o olharia nos olhos e respeitaria sua decisão de tirar meu
anjo de mim. Nem que ela tivesse traído a família, nem que tivesse
enfiado uma faca na cabeça de meu pai quando ele ainda era o
chefe.
Eu ofereci minha mão, humilhando-o a pegar e dar um beijo no
anel que concretizava o meu poder sobre sua vida e sua família.
Sua existência.
― Se você ouvir algo, fale comigo. Apenas comigo.
Ele assentiu.
― Eu farei isso, prometo pela minha honra e da minha família,
padrinho.
Levantei-me, dando-lhe às costas na certeza de que não me
atacaria por trás e saí.
Do lado de fora, já no salão de festa Juliano observou a porta
pela qual saí antes de me observar atentamente.
― Chefe.
Uma palavra apenas.
Nenhuma pergunta, nenhuma dúvida.
Apenas um decreto de quem eu era.
Lucca DeRossi; não apenas um nome.
Mas o peso e a glória de ser quem eu sou.
Até onde posso dizer, é meio louco
Que você se importe de alguma forma
Convencendo a todos de que você pode me salvar
Mas foi você quem me derrubou
Por que você quer me ver sangrar?
Por que quer me ver desmoronar?
Tenta encontrar o pior em mim
Mas eu não vou te seguir pro lado escuro
E daí se eu não for
E daí se eu não for tudo o que você queria que eu fosse?
bea miller, like that
Meu corpo parecia flutuar, mas minhas costas estavam
pousadas sobre algo macio. Um colchão quente.
Tentei abrir os olhos, contudo, a luz ardeu minhas íris e a dor
me bateu com força. Todo o meu corpo parecia estar sendo
cutucado com agulhas.
Caí novamente na escuridão.
Quando tentei abrir os olhos pela segunda vez, consegui. A luz
vinha de um abajur do lado da cama e eu não reconheci o lugar,
esperava estar em meu quarto, mas apesar de ter uma cama e uma
cômoda perto da porta, não havia janela ou qualquer decoração.
Tentei me lembrar de como tinha ido parar lá, porém, não
conseguia, só me recordava dos últimos momentos.
Eu disparando acidentalmente a arma de Lucca, atingindo sua
coxa, ele correndo atrás de mim, provavelmente para me matar.
Eu seria a próxima Labeli.
Não demorei sequer um mês para levá-lo ao ponto de querer
se livrar de mim.
Eu deveria ter ficado quieta. Deveria ter me comportado.
Meu coração acelerou, meu corpo ainda doía. A respiração
acelerada fazia meu peito se expandir e doer.
― Grazie a Dio[2], você acordou! ― Olhei lentamente para o
lado, vendo uma senhora desconhecida. Seu forte sotaque da Sicília
veio acompanhado de um suspiro pesado, e os olhos preocupados
me analisavam por inteira. ― Como se sente?
Embora preocupada, seus olhos atentos estavam sedentos
para me ouvir.
― Eu... bem. Onde estou? ― Franzi a testa ao sentir uma
pontada do meu lado.
― É sua costela, pensamos estar quebrada, mas os exames
não mostraram nenhum dano permanente ou difícil de recuperar.
Apenas os cortes.
― O quê? ― sussurrei. ― Eu... eu não me lembro de nada
disso.
Ela tocou minha testa.
― Está sem febre. O doutor deixou remédios para dor e eu já
estou preparando a banheira. Está com fome?
― Senhora...
― Martina.
― Martina ― falei. Ela devia ter por volta de cinquenta anos e
a forma como lidava comigo dizia que já tinha visto esse cenário
mais vezes do que gostaria.
― Onde está o meu marido? Ele está aqui?
Martina balançou a cabeça.
― Pense apenas em ficar bem agora, vamos tomar um banho,
tomar seus remédios para dor e descansar. Vou ficar aqui com você.
Um pensamento horrível passou pela minha mente, e eu
desviei os olhos dela.
― Va bene[3].
― Não vou sair do seu lado, não precisa se preocupar.
Eu nem sequer a conhecia, mas acreditei em suas palavras.
― Va bene ― repeti. ― Eu... ― comecei, mas fechei a boca.
Ela ficou em silêncio por um minuto ao me encarar.
― O doutor disse que poderia acordar confusa. É normal, mas
não teve uma concussão. A queda foi muito recente, temos que
observar ― Ela fitou um pequeno relógio na mesa de cabeceira. ―
Seus cortes foram superficiais.
Meu pulso acelerou, a dor de cabeça aumentando.
― Martina ― falei, chorosa. ― Eu o machuquei? Ele me
expulsou? Eu... ele...
― Minha filha, se ficar se agitando desse jeito, nenhum
remédio vai tirá-la dessa cama. Descanse e quando acordar
falaremos.
Comecei a negar, mas ela já estava enfiando a agulha de uma
seringa em meu braço.
Quando acordei novamente, o mesmo quarto escurecido me
cumprimentou. Eu estava sozinha, e antes que Martina ou alguém
mais me sedasse outra vez, fiz um esforço para sentar e jogar os
pés para fora da cama.
Fiquei tonta, uma forte náusea me atingiu, mas me segurei de
olhos fechados por alguns segundos, e fiquei de pé. Minha cabeça
doía como nunca, e minhas pernas estavam moles, como se
escolhessem dormir um pouco mais, mesmo que minha cabeça já
estivesse completamente desperta.
A porta de repente foi aberta, e ao me ver de pé, Martina
colocou a bandeja que carregava sobre a cômoda e correu para me
segurar.
― Eu estou bem, Martina.
― Sabe o que acontecerá caso se acidente outra vez,
senhora? ― Fiz um movimento para lutar contra, mas suas mãos
em meus ombros, empurrando-me na cama e os olhos
desesperados me pararam. ― Por favor, senhora. Imploro pela
minha vida!
― Va bene, va bene!
Ela me observou atentamente por alguns segundos antes de
se afastar. Suspirando, pegou a bandeja e se sentou ao meu lado,
na beira da cama.
― Faz dois dias que estou aqui?
Ela hesitou.
― Três.
― Mas mais cedo...
― Ontem. Eu a dopei para que descansasse mesmo contra a
sua vontade. Estou apenas obedecendo ordens. Vejo que acordou
melhor.
Eu escondi minha indignação, porque suspeitava muito bem de
quem as ordens estavam vindo. Fitei o acesso pendurado em meu
braço, sentindo o ardor do que provavelmente veio me alimentando
enquanto eu estava dormindo.
― Se eu prometer obedecer, vai me dar algumas respostas?
― Algumas eu posso dar, mas coma. Esse é o trato.
― Onde estamos?
― Na Sicília. ― A colher caiu da minha mão e bateu com força
no prato, fazendo a sopa espirrar em minha pele, no edredom e em
Martina. ― Menina, seja cuidadosa!
― Mas isso não é possível, eu vivo em Milão. Nossa casa é lá.
― Eu não sei quais são os planos do padrinho, senhora, mas
aqui é a sua casa. Esse quarto.
Balancei a cabeça.
― Não, não é possível. Onde está o meu telefone? Preciso
falar com Lucca.
Ela se levantou.
― Vou deixar a bandeja, termine de comer e vou pegar daqui a
pouco.
― Não, espere!
Levantei-me, mas minhas costas doíam, tudo ainda doía. O
tempo que levei para sair da cama e alcançar a porta, ela já estava
fora. E eu me peguei trancada.
― Martina! ― Bati na madeira com força, gritando seu nome.
― Martina, volte aqui!
Eu escorreguei para o chão devido a fraqueza do corpo e senti
minha cabeça ficando pesada. Eu ia desmaiar. Mas antes, arranhei
a porta e bati sem parar, girando a maçaneta como se a chave
estivesse à minha disposição e fosse abrir a qualquer momento.
― Martina! Lucca! ― Minha voz começou a ficar rouca,
contudo, eu não desistiria, o que ela quis dizer com o quarto será
minha casa? ― Alguém!
A porta se abriu, batendo em mim e me derrubando, e antes
que eu pudesse me levantar, fui erguida por dois pares de mãos. O
rosto de Juliano entrou em meu campo de visão apenas a tempo de
eu o ver me sedando outra vez.
― Não, por favor... não...
Eu arranhei seu braço ao segurá-lo, e vi quando ele
reconheceu o filete de sangue na carne.
― Durma, senhora DeRossi.

As visitas de Martina se tornaram menos frequentes, e quando


eu registrei o quinto dia jantando, comecei a me perguntar se eu
tinha virado uma prisioneira de Lucca. Eu tentei ser polida, educada
e me comportar, mas cada dia passado sem ver a luz do dia e
reconhecer quando a noite caía, parecia me deixar à beira da
loucura.
― Meu marido entrou em contato hoje?
― Eu não tenho contato com ele, senhora, Juliano é quem me
dá as instruções do dia a dia.
― Estamos no campo?
― A senhora já me perguntou isso e eu já lhe respondi.
― Me respondeu que não vai dizer nada.
― Mas respondi.
Ela costurava minha única camisola disponível e me observava
jantar.
― Se você não estivesse me mantendo aqui presa como um
animal, eu poderia gostar de você.
Eu tinha passado os últimos dias depois que acordei
revezando minhas atividades entre levantar da cama, ir ao banheiro,
voltar para a cama, comer e receber Martina. Eu passeava pelo
quarto para alongar as pernas e não acostumar meu corpo em uma
única posição. Não tinha nada para me distrair daquele inferno.
Eu sentia falta de Anita, de Alessa e de Santo como louca. Não
tinha ideia de como Lucca estava lidando com a minha ausência,
mas rezava para que Alessa mantivesse Anita longe de problemas.
Ainda assim, a causa da minha constante angústia era não saber
dele.
Eu queria me desculpar pelo acidente, e também estava com
tanta raiva que às vezes desejei ter acertado o tiro em algum lugar
mais arriscado. Eu não sabia o quanto podia ser angustiante ficar
presa e isolada, mas agora que experimentei, sabia que quando
Lucca me tirasse dali, eu nunca mais iria querer viver algo parecido.

No segundo mês, Martina disse que tinha autorização para me


levar para fora de casa.
Eu não perdi tempo e saltei da cama, mas ela me disse que eu
precisava estar apresentável. Na mesma hora, imaginei que Lucca
estava lá.
Eu finalmente teria a chance de tentar voltar a Milão. Estava
sendo bem tratada, tinha refeições boas, sobremesas gostosas,
banho de banheira e um rádio ― que tocava apenas CD’s, mas
ainda era algo além da minha voz, de Martina e de Juliano.
Diariamente, me senti escória.
Como se eu não fosse uma princesa da máfia italiana.
Como se a minha casa ― uma das famiglias mais influentes
do nosso círculo ― não fosse respeitada, honrada e reconhecida
por todos.
Lucca me transformou em um bichinho que tinha hora para
deitar, comer e abanar o rabo.
Martina aos poucos, me revelou suas origens. No começo, eu
só buscava informações que me ajudassem a ter alguma vantagem
em meu exílio, mas aos poucos criei certo apego por sua
companhia, e ela, pela minha. Crescendo com empregados e meus
irmãos, nós entendemos a importância de não confiar em quem nos
rodeava, contudo, conviver bem. Eu sabia um pouco mais sobre ser
humana do que meus irmãos e irmãs. Fui a caçula, mais de uma
vez fui cuidada pelas empregadas porque papai não estava.
Agora eu sabia que seu nome era Martina Menezzi, tinha
cinquenta e um anos e dois filhos. Ao falar deles, notei o quão
chateada ela ficava. A filha era prostituta em um dos clubes da
famiglia e não queria saber da mãe, pois não aceitava não ter
nascido em uma família rica, então, escolheu outro jeito de
conquistar o que queria.
O menino, Arturo, de apenas vinte e dois anos, era um iniciado
a caminho de ser um soldado.
Disposto a matar e morrer.
Martina me explicou que seu filho morava com ela até um
pouco antes de eu chegar a Sicília, e que planejava segui-lo até
Milão. Quando eu perguntei se foi por isso que ela estava ali, ela
não respondeu, mas não precisava.
Eu acho que para não perder o filho como perdeu a filha,
Martina recorreu ao meu marido e decidiu fazer o que fosse preciso.
Siciliana, de fato.
Nascida na máfia, com toda a certeza.
Eu não quis chateá-la dizendo que se ele não tivesse entrado
por vontade própria, seria caçado. Eles não tinham o sangue de
uma das famílias, mas o pai deles era um soldado fiel, pelo que me
disse brevemente, então, a organização cuidaria dela, mas teria que
receber algo por isso em troca.
― Seu chapéu, senhora.
Eu o peguei de sua mão em frente à porta, respirando algumas
vezes antes de deixar que abrisse.
― Já disse para me chamar de Abriela. Tudo bem, estou
pronta.
Eu não sabia o que esperar do lado de fora da casa, mas tirei
os sapatos e me preparei. Quando o sol me recebeu, batendo em
minha pele e a aquecendo, parecia uma coisa nova. De outro
mundo. Era como se eu nunca tivesse sentido o sol, ar puro e
escutado os sons de folhas de árvores antes.
Dei alguns passos à frente, saindo do piso e pisando na
grama. Meus pés sentiram terra, pedrinhas e o quentinho da grama
que cercava a casa. Na verdade, cercava tudo. Dando uma rápida
olhada ao redor, eu vi que não tinha nada perto.
― Estamos explorando um novo território da Sicília, hein? Não
há nada além de nós. ― Suspirei.
Eu nunca me daria por contente com algo tão pequeno.
Martina balançou a cabeça, repreendendo-me.
― A senhora não está pensando em fugir, não é? O padrinho
foi muito bom em ter concedido esse agrado, mostre que soube
valorizar. ― Ergui uma sobrancelha, silenciosamente questionando.
Ela suspirou e andou até ficar ao meu lado, apontando para fora. ―
Você não pode ver, mas há mais de dez homens rondando a casa.
― Arregalei os olhos, incrédula.
― Você não pode estar falando sério. Eu não vejo ninguém.
― É exatamente por isso que eles estão aqui. O senhor Lucca
não a deixaria sozinha, ou você, menina boba, pensa que ele não
imaginou que uma hora você pensaria em fugir?
― Isso não é um agrado a ser valorizado, Martina. É como
ganhar passeios regulares na prisão por bom comportamento. Você
sabia que a primeira noiva de Lucca enlouqueceu?
Ela acenou, desviando o olhar. É claro que sabia, devia saber
até como ela morreu.
― Se você acha que vou aprender a valorizar grama no meio
do nada, prepare-se, pois vai me ver seguindo o mesmo caminho
que ela.
Você não tem lugar para se esconder
E estou me sentindo como um vilão, estou faminta por dentro
Uma vez que olhar em meus olhos
Você estará correndo porque estou chegando
E vou te comer vivo
Somos os reis da matança, estamos à procura de sangue
Vamos pegá-los, um por um
A caçada apenas começou
Monstros presos na sua cabeça
Monstros debaixo da sua cama
Nós somos monstros
ruelle, monsters
Acenei para os dois soldados que fumavam encostados num
Cadillac preto em frente ao edifício comprado na parte mais pobre
de Milão com o propósito de servir como base para nossos negócios
mais violentos e entrei. O fato de eu ter criado um cemitério no
terreno atrás dele era apenas um bônus.
Nós usávamos um esquema arriscado, mas eu gostava de
saber onde estavam os corpos que minha organização havia
cuidado naquele prédio.
A polícia não aparecia para se intrometer nas minhas coisas, e
desde que meus homens nunca abrissem a porra da boca,
estaríamos seguros. Soldados da Cosa Nostra que serviam a mim
sabiam que era melhor enfrentar uma vida na cadeia do que as
consequências de me trair.
Passei pelo térreo sentindo um cheiro de tinta que se tornou
reconfortante com o tempo.
Os elevadores à frente eram um verdadeiro jogo de roleta
russa. Ninguém sabia quando iam parar e se obedeceria aos
comandos acionados. Eu tinha o palpite de que a qualquer momento
a fera cairia e levaria junto quem quer que estivesse dentro. O
prédio tinha oito andares, e contava com um estacionamento
subterrâneo completamente isolado.
Luigi realizou uma verdadeira obra-prima com o projeto de
salas.
No total, ficamos com sete cômodos bem equipados com as
mais variadas ferramentas de comunicação, como eu gostava de
chamar tecnicamente aparelhos de tortura. Havia um vestiário com
aventais, chuveiro e torneiras à vontade. Dante também achou uma
boa ideia incluir uma sala de equipamentos médicos, apenas para
casos de quando os convidados tentavam partir antes da hora.
O piso era todo em cimento, e as paredes foram apenas
rebocadas.
Ninguém estava ali procurando beleza no local de trabalho, eu
não era a porra do gerente de um concurso de decoração.
Embora os talentos dos meus soldados se revelassem mais e
mais cada vez que eu os soltava no nosso parque escondido para
brincar.
Tínhamos a equipe de limpeza, que embora trabalhasse rápido
quando terminamos de conversar com nossos convidados, não
conseguiam tirar todo o sangue do chão e paredes, por isso,
manchas escurecidas estavam pintadas pelos cantos. Se alguém de
fora entrasse, confundiria com umidade, mas nós sabíamos que era
uma bela mistura dos restos de quem entrou com vida e saiu
carregado pelas mãos dos homens mais corrompidos da Itália.
Se o inferno era um lugar tão parecido com aquilo que
construí, então eu podia ser chamado do próprio diabo.
Porra, eu desafiaria o diabo a não enlouquecer nos corredores
da porra do meu edifício. O cheiro de sexo, bebida e drogas invadiu
minhas narinas. Eu estava acostumado.
Nos andares acima, meus homens começavam a construir
quartos individuais. O conceito de vida na Cosa Nostra para os
soldados era diferente do que o esperado de capos e capitães. Os
soldados levavam muito a sério os riscos de construir uma família,
ter seu próprio lugar e conciliar uma vida comum com seu dever.
Então alguns deles preferiam viver juntos ali, acordar e comer
qualquer merda, se exercitar juntos, conversar sobre o que quer que
fosse e de vez em quando se afundar em bocetas variadas.
Para mim, era um risco. Eu não gostava da ideia de que
qualquer inimigo pudesse simplesmente colocar uma bomba lá
dentro, e eu perderia pelo menos vinte homens de uma só vez.
― Chefe. ― Um soldado acenou enquanto eu passava pelo
estreito corredor, ouvindo as vozes deles por todos os cantos.
Continuei caminhando para onde minha atual fonte de irritação
estava.
A segunda sala tinha a porta aberta e eu podia ouvir os gritos,
o forte cheiro de urina e as vibrações de violência pulsando nas
paredes.
― Você acabou com o meu carro preferido. Talvez eu tire o
seu brinquedinho favorito em troca. ― O homem soltou um grito de
puro terror. Típico.
Meu irmão gargalhou como a porra de um lunático.
Luigi não se incomodava com a sujeira. Havia sangue em sua
bochecha, testa e a camisa estava completamente arruinada de
respingos vermelhos.
Como Consigliere da Cosa Nostra, a principal função de Luigi
era me aconselhar, me ajudar a encontrar soluções, me auxiliar com
estratégias e pensar junto comigo.
Era irônico que a pessoa que deveria garantir a paz entre mim
e as famílias do círculo, fosse também o meu melhor agente do
caos.
O que ele realmente gostava era de estar em ação. Não havia
nada que o alegrasse mais do que torturar um homem em busca de
informação, só superava se ele pudesse torturar alguém enquanto
fodia uma mulher com peitos enormes.
O cheiro da morte era irresistível para ele.
Meu irmão brincava com sua foice ― que eu achava bizarro
pra caralho ― e se divertia esfolando seus alvos vivos. Neste
momento, ele usava uma pinça para segurar a pele do queixo do
homem, enquanto com um cutelo, cortava o recorte do rosto.
― Luigi.
Meu irmão virou o rosto rapidamente, seus olhos arregalados,
cheios de diversão e sadismo nem sequer piscavam.
― Irmão ― ele me cumprimentou de volta e voltou a sua
tarefa.
― Conseguiu alguma coisa?
― Algumas ― Luigi murmurou.
Um homem normal teria se retraído ao vê-lo puxando o couro
da pele que formava o rosto daquele cara.
Um homem com escrúpulos teria recuado alguns passos
quando ele cansou de gritar, a voz ficou fraca e o corpo começou a
sacudir com força.
― Não, caralho, não. Não! Eu não terminei ― Luigi gritou,
dando socos no peito, em cima do coração como se fosse adiantar.
Meu irmão urrava como um animal enfurecido, afastou-se,
deixando suas ferramentas no chão e alcançou uma motosserra
pequena pendurada na parede. Eu recuei a tempo do sangue não
lavar minhas roupas quando Luigi atravessou o peito, barriga e
pescoço repetidas vezes.
O barulho de carne, sangue e órgãos batendo no chão se
assemelhava a bexigas d’água sendo atiradas.
― Então morra de uma vez, filho da puta.
Embora ele fosse um exibicionista em suas torturas, eu
precisava de silêncio.
Aproximei-me, dando uma boa olhada no homem sentado e
amarrado na cadeira.
― Luigi, acredito que você deu a ele incentivos suficientes
para falar. ― Movi meus olhos para meu irmão. ― Ele já havia dito
tudo.
― Você precisa de mim agora? Irmão, minha coleção não é
brincadeira. ― Eu sabia que o carro pouco importava para ele. Luigi
queria sangue.
― Reunião, agora. Eu quero todos os capos aqui.
Ele jogou a cabeça para trás e fechou os olhos. Depois focou
no homem novamente e sussurrou próximo a ele:
― Deus, obrigado por mais um dia de trabalho e por abençoar
meus caminhos. Amém.
Se eu já não tivesse visto meu irmão rezar sobre os corpos
que mutilava, ficaria desacreditado em como ele se dedicava e
realmente parecia acreditar que Deus estava ao seu lado.
― E eu pensando que só não morri ainda porque vou à missa
todos os domingos. Meu consigliere é um verdadeiro pastor.
Luigi encolheu os ombros, ignorando conscientemente meu
sarcasmo.
― É uma pena que o diabo tenha mais influência sobre mim.
Um sorriso diabólico cresceu em seu rosto.
Eu deixei meu irmão ir se preparar e saí, mas não me
surpreendi quando o vi jogar uma água no rosto e me seguir.
Caminhei pelo lugar e quando cheguei à sala de reuniões, afundei
na minha cadeira.
Peguei o maço de cigarros no bolso do paletó e acendi um,
tragando profundamente. Eu odiava cigarros. O cheiro, o gosto e o
quão debilitante poderiam ser. E aquela era provavelmente a razão
pela qual fumava tanto, era algo que iria me destruir lentamente.
A única coisa que pode me matar sou eu ou algo que eu
permitir.
Peguei minha pasta e tirei alguns documentos dos cassinos e
dos bordéis que precisava analisar na hora seguinte. Logo meus
capos foram começando a chegar, um por um. Cada um pousou um
beijo na minha mão e tomou seu próprio assento.
Dante chegou e sentou-se no seu lugar, na cadeira ao meu
lado. Luigi nunca conseguia ficar parado, e ficava dando voltas pela
sala enquanto ouvia.
Jimmy entrou e serviu a cada um o que queríamos beber,
deixando as garrafas no centro da mesa com cigarros e charutos.
Quando ele saiu, acenei para Luigi.
― Meus amigos ― meu irmão mais novo abriu os braços ―,
eu agradeceria pela presença, mas vocês, fodidos, estão cumprindo
uma simples obrigação. Porque demoram tanto para chegar é a
porra da minha dúvida.
Houve murmúrios sobre a distância e o horário, e o fato do
encontro não ter sido marcado com antecedência.
― Então eu preciso ligar antes e perguntar se estão livres? ―
perguntei friamente.
Ninguém respondeu.
― Será que devemos disponibilizar um calendário e esperar
que preencham para nos adequarmos a seus horários? ― Dante
questionou.
Nenhuma resposta.
Na verdade, ninguém nos olhava nos olhos.
Luigi riu enquanto caminhava até o cofre da sala, digitou a
senha, tirando uma pequena caixa dourada que me entregou.
― Eu adoraria ouvir as opiniões deles sobre isso. Aqui estão
seus pertences. ― Peguei meu anel preto com as iniciais da família
DeRossi e coloquei-o no dedo, passando a caixa para Dante, que
pegou um anel igual ao meu, apenas de uma cor diferente. Ele
passou para Éder, que estava ao seu lado, e assim por diante. Até
que todos portassem seus anéis.
A máfia tinha aquele pequeno costume. Nós não
começávamos uma reunião sem as marcas de nossas famílias.
Quando me tornei o chefe, Thom insistiu que eu acabasse com
aquilo. Nem lhe dei atenção. O primeiro chefe da família DeRossi
usou aquele anel, havia tantos anos que eu nem podia precisar. Era
uma tradição que eu faria o possível para manter, pelo menos
enquanto me sentasse naquela cadeira.
Assim que todos estavam com seus anéis, levantamos a mão
direita e declaramos em uníssono:
― Prometo pelo sangue e a honra. Me mato ou deixo que um
irmão me mate antes de trair a famiglia.
Era a mais pura verdade.
Se um deles fosse trair a Cosa Nostra, era melhor que
colocasse a porra de uma bala na cabeça ou cortasse os pulsos,
porque se eu os encontrasse, desejariam o fogo do inferno.
― Simone ― eu chamei.
― Chefe.
― Na última reunião você disse que estava tendo problemas
com os policiais da Calábria. Eu estive lá meses atrás e não
enfrentei a mesma questão.
― Ainda estou. Eles cobraram mais do que o combinado. As
famílias se recusaram a pagar, e, para piorar, soube agora há pouco
que Santino Legali foi preso. Parece que o pegaram negociando
uma grande carga pelo telefone.
― Devo supor que vocês já estão em contato com o nosso
pessoal dentro da polícia? ― perguntei.
― Fiz algumas ligações assim que soube, mas ele foi pego
pelo FBI. O pessoal em Chicago está frenético tentando ver o que
descobre, ele estava passando muito tempo por lá. Ninguém sabe
se ele vai falar.
― Se ele tiver sido inserido no programa de proteção a
testemunhas, descubra onde ele está. Garanta que não abrirá a
boca nunca mais.
― Ratos! ― Ciro Gianni exclamou irritado, ele era sempre o
primeiro a perder a paciência nas reuniões de controle.
Pablo Fraccele assentiu.
― Estão por toda a parte.
― Esses filhos da mãe andam em carros de milhões e comem
as melhores vagabundas que nós criamos e treinamos, tudo graças
à famiglia. Mas na hora que a polícia aperta, eles quebram a
promessa sem pensar duas vezes. Eu me lembro da época em que
nossos homens feitos não tinham medo de nada ― Graziano
Ferrare resmungou, enquanto acendia um charuto.
Aquilo viraria um debate.
― Basta. ― Olhei para Simone. ― Não quero meu nome ou
meu rosto estampados nos jornais. Nenhum de nós quer isso. Então
faça com que Santino não fale. Você deveria ter os policiais nas
mãos da famiglia, mas vejo que está falhando. ― Usei todo meu
autocontrole para não colocar uma bala no cérebro de Simone. Ele
me tirava do sério.
― Vai dizer que você não adoraria dar uma entrevista, chefe?
― Éder brincou.
― Ser uma prostituta da mídia? Minha promessa vale mais do
que isso.
― Tem alguém vendendo no território da famiglia. Cocaína
pela metade do preço, mais química do que pó ― disse Leon.
Levantei as sobrancelhas para ele. Meu sogro não me
encarava, e eu decidi pressionar para ver até onde ele aguentaria.
Tínhamos um elefante na sala e ninguém estava falando sobre isso.
Eu recebia ligações e visitas de suas duas filhas e de Santo, mas
Leon se acovardou de qualquer confronto comigo.
― Tem algo lhe impedindo de fazer seu trabalho direito, Leon?
― Encaramo-nos por um tempo. Continuei desafiando-o a me
responder. Estava louco para saber se ele finalmente seria homem e
defenderia sua filha.
― Vou arrumar alguém para cuidar disso ― concordou por fim.
Eu quis desesperadamente o matar. Fraco, covarde e frágil,
essas eram palavras que definiam Leon para mim. E eu gostaria de
me esbaldar em seu sangue.
Se alguém desaparecesse com a sua filha, você não age como
se ela nunca tivesse existido. Você vai atrás.
Pelas próximas duas horas, nós cuidamos dos negócios da
famiglia. A ‘Ndrangheta sob o controle de Drago, a Camorra
enfraquecida e quase extinta da Itália, o FBI, inimigos calmos
demais. Eu estava acostumado. Os anos de prática como chefe da
Cosa Nostra me treinaram bem o suficiente para saber quando algo
estava chegando.
Quando acabou, eles foram colocando os anéis na caixa. Leon
se levantou em silêncio, mas Lorenzo, que estava sentado atrás
dele, parou na minha frente.
― Você pode sair, nós terminamos.
― Eu exijo saber onde a minha irmã está.
Poucas vezes eu sentia algo diferente de raiva, tédio e
irritação.
Às vezes alguém me divertia, mas era raro.
Ao sentir um sorriso lentamente crescendo em meu rosto
enquanto Luigi ria, eu percebi que Lorenzo conseguiu tal façanha.
― Ah, você exige? ― questionei.
― Lorenzo ― Leon o chamou, segurando o braço do filho.
Simone e Éder ainda estavam na sala, parados na porta para
ver o que aconteceria. Meus irmãos estavam apenas observando.
Leon me olhou, cheio de medo e preocupação no olhar.
― E você, meu sogro, também exige?
Ele engoliu em seco.
― Tenho certeza de que Abriela lhe deu motivos para castigá-
la. Espero ver minha filha em breve, mas não vou questionar suas
decisões.
Ele mal me olhava.
Ele me tirava do sério. Covarde do caralho.
― Leon ― falei com calma, aproximando-me dos dois. ― Eu
gostaria de arrancar seu coração com minhas próprias mãos e jogar
aos cães.
Segurei a parte de trás da cabeça de Lorenzo e bati seu rosto
contra a mesa.
As gargalhadas de Luigi, extasiado, junto ao coro de surpresas
eram o único som além dos gemidos do meu cunhado.
Eu me inclinei para baixo, falando perto de seu rosto:
― Você não exige nada de mim, seu merdinha.
Quando soltei sua cabeça, Leon o pegou antes que caísse e
saíram com pressa.
― Que dia lindo, porra! ― Ignorei os gritos de Luigi, acenei
para Dante e peguei meu maço de cigarro na mesa.
Ao acender um, encontrei o olhar do meu irmão do meio.
― Pare com esse jogo, Lucca. Três meses se passaram,
Abriela precisa voltar.
― Abriela não precisa de nada que eu não achar que precisa.
― Quer mesmo comprar esse confronto?
― Quem vai me desafiar?
― Por uma jovem inocente? ― Dante se ergueu, ficando na
mesma altura que eu. ― Eu.
― Vai começar uma busca pelo país atrás da minha esposa?
― Eu sei onde ela está, Lucca. Acredite quando eu digo que
se Abriela for pega pela ‘Ndrangheta enquanto estiver longe,
teremos uma guerra nas mãos. Resolva seus problemas
matrimoniais em casa.
― Eu não pretendo que ela volte ― comentei distraidamente.
Dante balançou a cabeça.
― Lucca, pense além do que está acostumado a pensar. Você
pode mantê-la isolada em sua casa ou em qualquer lugar perto
daqui. Perto de nós.
― Case-se e cuide da sua esposa, Dante.
Eu fitei meu irmão por alguns segundos antes de sair da sala.
Havia muitas razões para que eu tivesse escolhido Dante para
ser meu subchefe. E quando ele estava certo em uma discussão
comigo, me lembrava mais uma dezena delas.
Juro pela minha vida
Ao meu amado, eu nunca mentiria
Ele disse, seja verdadeira, eu jurei, vou tentar
No final, é ele e eu
Ele está fora de si, eu estou enlouquecendo
Nós temos esse amor do tipo maluco
Eu sou dele e ele é meu
Não veria motivo para viver se um de nós morresse
halsey ft. g-eazy, him & i
O dia estava frio, mas a casa era aquecida. Eu usava um
vestido como uma boa camponesa siciliana e um casaco longo. A
bota branca tinha salto grosso, não impedindo minhas caminhadas
ao redor da casa e no lago próximo, que eu tinha autorização para ir
com um soldado.
Quatro meses.
Esse era o tempo do meu isolamento.
Eu pensava em Lucca todos os dias, sonhava com ele
aparecendo como um príncipe no cavalo branco para me resgatar.
No entanto, ele era o único vilão ali, não é? Fiz as pazes com esse
pensamento. Acostumei-me com a ideia de que talvez nunca fosse
ver minhas irmãs e Santo novamente, chorei, me recompus e rezei
por eles. Torci para que sempre se lembrassem de mim sorrindo.
Feliz.
Diferente de como estava agora.
Por isso, naquela manhã, eu resolvi fazer algo que Martina
havia me avisado para não tentar: fugir.
― Menina! ― ela gritou ao ver Juliano me arrastando de volta
para a casa.
Eu não fui longe. Bati uma pedra na cabeça de um soldado
que me vigiava e corri. Corri para longe mais rápido do que já havia
feito antes. Meus pulmões ardiam, suor começava a brotar em
minha pele e meus pés cansados não aguentavam mais. Foi
quando parei por apenas alguns segundos que ouvi as motos atrás
de mim. Fui rodeada por cinco, e todos os soldados apontavam
suas armas para mim.
Juliano balançou a cabeça, repreendendo-me, e me levou de
volta para a casa como se eu fosse uma criança.
― Deixe-a comigo agora ― ela implorou a ele, segurando-me.
Eu mal conseguia ficar de pé tamanho o cansaço e a dor nas
pernas. Minha garganta ardia.
― Água, Martina ― pedi com a voz fraca.
Ela lançou um olhar cheio de insegurança para ele, e Juliano
cerrou a mandíbula.
― Eu não vou tocá-la, Martina, vá pegar a água. E depois a
prepare. Luccare vai chegar a qualquer momento.
― O quê? ― consegui perguntar, mas ele já estava dando as
costas. Quando Martina voltou, eu agarrei suas mãos, ignorando o
copo oferecido. ― Lucca está vindo? Mas... mas eu pensei...
― Eu lhe disse que ele nunca avisava nada, menina tola! Você
resolveu aprontar logo quando terá que encará-lo.
Meu coração implodiu em sensações.
Fazia tanto tempo que eu não o via, mas nunca consegui
esquecer cada uma de nossas conversas ou cada uma das vezes
que ele me tocou.
Que fez uma fantasia de adolescência se tornar realidade.
Como ele me fez vestir sangue e me aprisionou.
Lucca era um monstro, mas a faísca que senti ao saber que
estava prestes a vê-lo, me provava que seu lado mais sujo me
chamava. E que uma pequena parte de mim não queria negar o
pedido.
Ele provavelmente teria uma cicatriz do tiro e talvez tivesse um
arranhão da minha unha se eu tivesse acertado aquele tapa. O meu
rosto estava completamente curado de um hematoma que antes
cobria a bochecha, e nenhum corte feito pelos vidros da mesa
deixou cicatriz.
― Vamos. Temos que te colocar no banho e fazê-la se acalmar
antes que ele chegue.
― Não ― neguei, livrando-me de seu aperto. ― Deixe que ele
veja o que fez. Eu não vou fugir outra vez.
― Menina, só estou pedindo que...
― A resposta é não, Martina! Não vou me sentar como uma
boa esposinha para que ele fique confortável em seu papel. Lucca
quer ser odiado? Que bom, vou odiá-lo. Se quer ser o grande lobo
mau da história...
― Você será a Chapeuzinho Vermelho? ― A voz que eu não
escutava há muito tempo me interrompeu, e eu não me virei de
imediato. Apenas a constatação de sua presença era mais do que
suficiente para me impactar e congelar meus pensamentos. ― Me
deixe a sós com minha esposa, Martina.
Escutei seus pés se aproximando, talvez estivesse pisando
com um pouco mais de força para me assustar, contudo, eu falava
sério quando disse que não ia fugir. Pela primeira vez na vida
entendi Anita, seu senso de autopreservação danificado e suas
escolhas em desafiar homens que poderiam acabar com sua vida.
Eu me virei lentamente, encontrando o olhar de Lucca. Ele era
imparável, impossível de desvendar e olhando-o atentamente
depois de meses, ele parecia ainda pior do que a pessoa com quem
me casei.
― Me diga, Abriela, você sabe o que o lobo mau fez com a
Chapeuzinho de verdade? ― Ele segurou a ponta de uma mecha do
meu cabelo castanho e a deslizou pelo dedo, enrolando-a devagar.
― Ele a devorou e não tinha nenhum caçador para salvá-la ou
vovozinha que aquecesse o coração dele.
Dei um passo atrás e afastei sua mão com um empurrão. Ergui
o queixo e respirei fundo.
― Eu quero voltar para Milão.
― E eu queria ser filho único, mas as coisas não são tão
simples quanto queremos, não é?
― Isso é simples. Você não tinha o direito de me prender aqui,
eu não sou alguém que pode ser esquecida. Minha família é
importante, Lucca. Eu não sou seu bichinho de estimação.
Lucca virou de costas, tirando o paletó e deixando sobre um
banco de couro. Não consegui me mover. Meu cérebro estava em
câmera lenta, esperando e processando. Tentando encontrar
caminhos seguros para falar com ele e não levar um tiro na testa.
Ele se virou de repente, seus olhos me penetraram analisando todo
meu corpo lentamente e quando passou para meu rosto, deu alguns
passos à frente. Quando chegou perto novamente e levantou a mão,
eu apertei minhas mãos em punhos e fechei os olhos, preparando-
me para o que viria a seguir.
― Abra os olhos ― ele disse suavemente. Era como o sibilar
de uma cobra; suave e baixo, mas eu sabia que podia ser atacada a
qualquer momento. ― Abra, Abriela.
Eu obedeci, fitando seus olhos vazios sem conseguir esconder
nos meus tudo o que se passava em minha cabeça. Não esperava o
toque delicado de seus dedos no meu lábio.
Precisei de muita coragem para abrir a boca.
Eu não conhecia esse homem, não sabia nada sobre ele.
― Você vai me matar?
Ele inclinou a cabeça ligeiramente.
― Eu poderia tê-la deixado morrer sem mover um músculo,
você mesma se encarregou de cavar sua própria cova.
― Eu não sou burra, só estava fugindo.
― Depois de me dar um tiro.
― Você assassinou Labeli porque ela levantou uma faca para
você, eu sabia o que podia fazer comigo por disparar sua arma.
Ele pressionou os lábios numa linha fina.
― Parece que estou constantemente me defendendo das
mulheres com quem estou destinado a ficar.
Assassinar era uma palavra muito mais pesada do que matar.
Ele matou Labeli.
Você assassinou Labeli.
Ele pareceu reagir de acordo com a força da minha acusação.
― Por favor ― falei devagar, lambendo os lábios secos.
― Por favor, o quê? ― questionou com a voz abafada,
observando meus lábios.
― Não me machuque e me deixe voltar para Milão.
― Agora você não está gritando. O medo te cala? Vai implorar
para que eu não te mate como implorou meses atrás para que eu
não parasse de te foder?
Fechei meus olhos com força, apertando-os. Eu odiava quando
ele falava daquele jeito.
Mas ao mesmo tempo, esperava que dissesse algo assim.
― Não tem que ser assim, você não precisa me odiar.
Podemos tentar ser felizes, eu te perdoo, você me perdoa. ― Ele se
afastou e virou-se de costas.
― Suas palavras doces não vão mudar quem eu sou, minha
esposa. ― Lá estava. Aquele sarcasmo irritante.
Aproximei-me novamente, respirei fundo e me coloquei à sua
frente.
― Você gosta disso? De me causar sofrimento? De me
machucar dessa forma? ― perguntei num sussurro.
Ele franziu a testa.
― Ao contrário do que pensam fora dessas portas, eu não
joguei você contra aquela mesa, Abriela, e você sabe muito bem
disso. Eu não ergui a mão para você e não te dei um tiro. E embora
pudesse ter feito tudo isso e pudesse ter arrancado sangue da sua
boceta quando tirei sua virgindade, porque eu posso, porque você é
minha. Eu fui devagar, te dei prazer. Eu não sou um sádico.
Vacilei para trás.
― Pode não ser sádico, mas também não é bom. Nós
brigamos porque não há respeito, porque você me trata como se eu
fosse um incômodo quando poderíamos ser parceiros e... ― Ele se
aproximou e rosnou contra o meu rosto:
― Pense com a porra da cabeça. Abra seus olhos, eles
servem para enxergar, não apenas para te fazer ser bonita. Isto aqui
não é um filme onde tudo acaba perfeito, menina. Eu não vou me
apaixonar no fim do dia.
Eu estava chocada, surpresa e machucada com suas palavras.
Lucca caminhou até o bar e se serviu de uma dose de Bourbon.
― Você não tem que se apaixonar por mim, eu não pedi isso
― declarei irritada ―, mas nós estamos casados, e eu não quero
que nossos filhos cresçam no mesmo ambiente em que você
cresceu. Vendo e ouvindo tudo o que ouviu. Meus filhos serão bons.
Eu não quero ser a mulher que vive no meio do mato em exílio toda
vez que você fica irritado e resolve me deixar um ano sozinha!
Ele desceu o copo com força no balcão do bar, seus olhos
ardendo em fúria.
― O que foi que você disse?
Eu não era um soldado, mas sabia bem o valor de manter a
boca fechada.
― Tire essa porra de ideia de ter filhos de sua cabeça. Tome
anticoncepcional.
Como ele podia dizer aquilo?
― A principal intenção do nosso casamento é gerar um
herdeiro, Luccare.
Ele riu. Entretanto era uma risada horrível, cortante.
― Confie em mim, você não quer um herdeiro meu. Sou um
monstro, esqueceu? Comece a tomar alguma coisa, o médico da
famiglia vai receitar para você.
Vendo que fiquei em silêncio, ele levantou meu queixo e,
olhando fundo em meus olhos declarou:
― Não ouse tentar me enganar com isso, Abriela. Eu mato
você e a criança sem hesitar.
Ele me soltou após ter dado seu recado.
― Então é isso? Se casou comigo, mas não pretende atingir o
maior objetivo desse casamento?
― O maior objetivo desse casamento é que eu seja casado. O
que já considero um sucesso.
― Está dizendo que essa será a minha vida? Se eu te irritar
serei mandada para algum deserto, nunca terei filhos e você nunca
me amará?
― Não, dependendo do que você fizer, te deixarei escolher
seu próximo destino. Neve, litoral ou tempo seco. Pode considerar
isso um gesto de boa vontade.
― Está falando sério? Você tem noção que se passaram
quatro meses?
― Sim, tenho. E a única razão pela qual vou te deixar voltar
para Milão é porque temos compromissos sociais, mas nunca se
esqueça do que sentiu enquanto esteve aqui, assim não vai querer
me testar outra vez.
― Eu fugi hoje. E vou continuar fugindo.
Inclinando a cabeça ligeiramente para o lado, Lucca encolheu
os ombros.
― Isso só me trará a satisfação de castigá-la. Martina vai
ajudá-la a arrumar suas coisas.
― Vai dizer que veio aqui apenas para me buscar?
― Sim. Cansei de ficar sozinho em casa. Vamos ver como
você lida com sua segunda chance em nossa casa. ― Seu sorriso
cínico era feroz, e passava tantas mensagens de promessas
sórdidas que eu me encolhi. ― Vamos a um evento hoje à noite,
tenho certeza de que não preciso te dar um manual de como se
comportar.
Segurei-me até chegar no quarto. Assim que fechei a porta, a
primeira lágrima rolou. Cerrei os olhos com força e respirei fundo
várias e várias vezes, impedindo que outras a seguissem.
Entrei no banheiro, abri minha bolsa de maquiagem e me olhei
no espelho.
Eu tinha uma máscara para colocar no rosto, não podia perder
tempo.
Eu mato você e a criança sem hesitar.
Sem hesitar.
Ele podia não ter me matado, e ao contrário do que muitos
pensavam, não causou meus ferimentos, mas depois daquela
conversa, eu sabia que meu casamento com Lucca sempre
caminharia em uma linha tênue.
Comecei a pensar que talvez ter morrido aquele dia não seria
tão ruim assim, comparado a uma vida ao lado do meu marido.
A verdade começa a se mostrar
Amante, caçador, amigo e inimigo
Você sempre será cada um destes
Peças quebradas na noite
Cantando como em uma canção de ninar vazia
Você e eu, sempre disfarçados
Nada é justo no amor e na guerra
fleurie, love and war
Não tive tempo de fazer nada quando chegamos a Milão. Eu
queria ligar para as minhas irmãs, mas Martina ― que nos
acompanhou na viagem ― me informou que eu deveria me arrumar
rapidamente e ficar pronta para sair.
Entrar naquela casa não teve o impacto que pensei que teria,
acho que eu tive muito tempo para pensar naquele dia e refletir em
tudo o que aconteceu. Não havia mais o que remoer. Tudo foi dito.
Tudo foi acertado e não tínhamos mais nada a dizer.
Meu marido não podia me ver no topo da escada, respirando
profundamente e criando coragem para descer e encontrá-lo, então
aproveitei o momento. Lucca não era fã de ficar dando detalhes, e
eu imagino que quando disse que não precisava me dar um manual,
estava incluído vestimenta nisso. Eu escolhi um vestido branco de
seda com mangas caídas, não usava sutiã, mas coloquei um
adesivo nos mamilos, odiava a ideia de que pudessem ficar
aparecendo.
Minha sandália René Caovilla com uma tira em volta do
tornozelo era preta e adornada por cristais. René era conhecido por
seus sapatos joia e eu adorava o trabalho da grife.
Se Lucca não aprovasse, além de um bruto, era cego.
Parecia o tipo de roupa certa quando o meu marido ― um
magnata dos negócios para o mundo, oficialmente ― me disse que
íamos a um evento. Desci lentamente cada degrau e a cada passo
ficava mais ansiosa. Confesso que, por dentro, queria que aqueles
quatro meses, o tiro e o acidente com a mesa não tivessem
acontecido e essa noite fosse um encontro para nós dois.
Eu não precisava que ele se apaixonasse por mim, falei sério
quando disse isso. Mas para mim, e para parte da adolescente de
quatorze anos que ainda vivia em mim, ter Luccare DeRossi era
mais do que suficiente.
Ele só precisava ser convencido a me dar o que eu sempre
quis; uma família, prestígio em nosso mundo e orgulho para o nome
de onde eu vim.
Abriela Bonucci não podia se tornar uma pária pelas ações de
Abriela DeRossi.
Eu manteria a esperança em conseguir conviver
pacificamente. Não existia divórcio na máfia e viver um
relacionamento onde havia ódio mútuo não estava nos meus planos
para o resto da vida.
Ao pé da escada, Juliano estava à minha espera. Ele acenou
para mim e nos levou para fora de casa. Assim que pisei no
gramado, tive a visão de Lucca encostado no carro, um Maserati
que ainda nem havia sido lançado. Lucca conseguiu de alguma
forma, que o primeiro modelo fosse dele.
Com o telefone na orelha, encarava os próprios pés.
Vestia um smoking todo preto, e o sobretudo em seu braço me
dizia que logo, logo, ele estaria completamente vestido e pronto
para mostrar ao mundo uma de suas facetas, aquela que todas as
mulheres gostariam de ter, e que os homens adorariam ter nascido.
Ainda me chocava o quanto ele era bonito e naquela noite
parecia mais ainda.
Juliano me ajudou até metade do caminho, andando ao meu
lado caso eu me desequilibrasse nos cascalhos. De repente Lucca
colocou o telefone no bolso já encerrando sua ligação e levantou a
cabeça, olhando diretamente para mim. Ele levou alguns segundos
me observando antes de caminhar a passos decididos, parar na
minha frente e oferecer a mão, que eu hesitei antes de pegar.
― Vou segui-los com o Audi, Lucca.
Ele assentiu silenciosamente. Seus olhos azuis estavam
ocupados me analisando.
Juliano se afastou, eu troquei o peso dos pés, ajeitei a alça da
bolsa na mão direita e devolvi o olhar.
― Você não me deu muitos detalhes de onde vamos, então...
Seus olhos foram parar no meu decote, arrastando-se até a
enorme fenda do vestido, e sua mandíbula trincou.
Será que ele tinha gostado, pelo menos, da minha roupa?
― Eu não sei como vou fazer negócios querendo te dobrar
sobre a mesa a cada minuto fodido.
Engoli em seco. Ele gostou.
― Todos iam ver.
― Todos iam saber que você é minha.
A posse em sua voz, a determinação em seus olhos. Tudo era
tão ele, que eu desejei que me dobrasse.
Balancei a cabeça.
Dio Santo, eu queria que ele me dobrasse sobre o carro agora
mesmo.
Dei um passo atrás com o pensamento. Quatro meses. Quatro
meses isolada e sozinha, sem notícias da minha família.
― Posso considerar isso um elogio?
Ele fechou o espaço entre nós, seus dedos subiram da
pontinha dos meus até meu ombro, arrepiando-me. Lucca segurou
meu queixo, virando meu rosto enquanto me observava.
― Não é porque eu não tenho sentimentos por você que sou
cego, Abriela. Você é a mulher mais linda da famiglia. Todo mundo
sabe disso. Só não tive que disputar você porque ninguém tinha
tanto desejo de morte para tentar competir. Seus peitos são meus.
― Ele deu um aperto forte em meu seio esquerdo, fazendo-me
saltar. Deslizou a mão para trás, segurando minha bunda ― Sua
bunda é minha. Para ver, para tocar...
― Lucca ― sussurrei.
― Para foder. ― Ele se inclinou no meu ouvido. ― Homens
ficam burros quando sentem desejo, portanto, ser casada comigo
nem sempre vai impedir que você repare em olhares. E você vai me
avisar sobre cada um deles.
― Vou condenar por livre e espontânea vontade qualquer um
que me olhar? ― perguntei ceticamente.
Ele sorriu torto, seu cabelo preto penteado para trás faria com
que fosse confundido com um astro de Hollywood facilmente.
Entretanto, os olhos cruéis não dariam chance para que alguém
tentasse se igualar a ele.
― Eu te toco porque sou rei. Não pense que vou deixar nossos
súditos livres para te admirar sem que haja consequências.
― Va bene ― sussurrei depois de alguns segundos pensando
em sua resposta. Voltei meu olhar para longe enquanto ele abria a
porta do carro.
Eu não sabia o que dizer. A coisa toda parecia irreal demais.
Decidi ficar em silêncio e me concentrar em fazê-lo lembrar
disso; que eu era boa demais para ser admirada por quem não
merece.
E que até mesmo ele estava incluso nessa lista.
Lucca podia não me amar, mas acabou de confessar sem
perceber que pelo menos o meu corpo tinha além de seu desejo,
mas também sua devoção.

Lucca parou o carro em frente ao Palácio Milano, um dos


restaurantes com espaço para shows mais antigos e importantes de
Milão. A duas quadras dali, ficava o Teatro La Scala ― um dos
teatros mais importantes do mundo.
A rua era muito bem frequentada, assim como a região, e se
nós estávamos ali, era realmente uma grande noite.
Meu marido, demonstrando um cavalheirismo que eu ainda
não conhecia, abriu a minha porta, ajudou-me a sair e pegou minha
bolsa para que eu segurasse e ajeitasse o vestido. Por fim, deu um
beijo nas costas da minha mão para sermos fotografados em frente
à reluzente entrada do Palácio.
― Há uma festa acontecendo?
― Algo assim ― murmurou, abaixando a cabeça e nos
guiando para dentro rapidamente.
― Senhor e senhora DeRossi! ― gritavam.
― Luccare!
― Uma foto do casal mais badalado do momento, por favor!
― Está esplêndida, senhora DeRossi!
Estava me sentindo no Oscar, com flashes e pessoas nos
cumprimentando a cada passo. Sorri e agradeci a cada elogio
recebido, e não me passou despercebida a forma como Lucca não
se esforçava nem um pouco para tentar parecer gentil.
Ele tinha a atenção total sobre si. As pessoas se forçavam
para ter uma conversa com ele, desistindo logo quando viam que
ele não era nada sociável. Todo mundo queria ter a atenção do meu
marido.
Os gritos pararam quando entramos e estávamos seguros
atrás da porta dupla. Juliano ficou a uma distância confortável, mas
seus olhos não nos deixavam.
Finalmente conseguimos respirar no espaço onde estavam as
mesas. Lucca pegou minha mão que ainda estava em seu braço, e
inclinou-se para falar no meu ouvido:
― Vamos cumprimentar o anfitrião, sua esposa está com ele,
puxe assunto com ela quando formos para a mesa. ― Assenti.
― Nós vamos nos sentar com o dono da festa?
Esse seria o meu primeiro evento como esposa de Lucca
DeRossi.
― É claro. Eu não compareço a eventos fora da famiglia se for
para ser tratado como um convidado qualquer.
― Todo mundo aqui sabe quem você é?
Ele me fitou como se eu vivesse em outro mundo.
― Todos sabem quem nós somos e o que fazemos. Mas
sabem que é melhor manter a boca fechada e comprar a mentira.
Preparei-me para fazer o papel da dama perfeita durante toda
a noite.
― Lucca! ― Um homem o abordou quando chegamos perto
das mesas em frente ao palco. Eu imediatamente o reconheci como
o governador, Mauricci Fontanio.
Eu contemplei o que estava acontecendo e por um momento,
por apenas um segundo, pensei nos cidadãos de Lombardia. O
governador do estado e meu marido, o chefe do crime organizado
de maior notoriedade do país e talvez do mundo, estavam jantando
juntos publicamente.
― Mauricci ― eles apertaram as mãos ―, esta é minha
esposa, Abriela DeRossi.
Ele deu um beijo em minha mão, observando-me com olhos
curiosos, e embora tenham desviado rapidamente para o meu
decote, eu esperava que Lucca não tivesse visto.
― Belíssima, Abriela, como eu ouvi falar. Essa é minha
esposa, Andrea.
― Olá ― eu disse a ela com um sorriso. ― É um prazer.
― É todo meu. ― A bonita loira devolveu o sorriso, porém, me
incomodou o sorriso maior ainda que deu a meu marido. ― Bom vê-
lo novamente, Lucca.
Lucca ficou em silêncio. Puxou minha cadeira e se ajeitou em
seu lugar, colocando o braço no encosto do meu assento. O
governador parecia acelerado, ligeiramente afobado.
― Eu vi as fotos do casamento. Foi há alguns meses, não? ―
perguntou para mim.
― Sim. ― Eu sorri para o meu marido, não me abalando
quando não devolveu o gesto. ― Eu nem acredito que faz tão pouco
tempo, às vezes parece muito mais.
Andrea segurou minha mão por cima da mesa.
― Deixe-me ver esse anel. Ah, Mauricci, veja o tamanho do
diamante!
O governador riu e ergueu as sobrancelhas para Lucca.
― Você vai me colocar em apuros, companheiro. Querida, eu
não estou no patamar de Lucca DeRossi.
Meu marido passava lentamente o dedo indicador pelo queixo,
observando o Mauricci.
― Tenho certeza de que você dará seu jeito.
Mauricci riu, mas enquanto eu o observava jogar a cabeça
para trás e gargalhar, encontrei algo em seus olhos: desespero. Ele
não achava por um minuto que seria tratado como igual por Lucca, e
por isso, estava aterrorizado. Percebi que suava, que suas mãos
tremiam ao levantar o copo e que sua esposa sorria forçada,
olhando de um para o outro.
Ele bateu nas costas de Lucca como se fossem velhos amigos,
meu marido olhou para a mão do homem em seu ombro e lhe
lançou um olhar nada agradável, fazendo o outro parar de rir, limpar
a garganta e endireitar a postura imediatamente.
― Bem, meu caro amigo DeRossi, vamos tratar de negócios.
Senti-me frustrada, porém, já esperava. Lucca não me levou
para acompanhá-lo, eu só fazia parte da fachada. Do esquema para
falar dos negócios da famiglia. O Governador não era da máfia, mas
provavelmente um associado, dado que homens da lei e homens do
crime não dividiriam uma mesa em público, ainda por cima com
suas esposas se não tivessem o mesmo assunto a tratar e
estivessem fingindo algo.
Eu e Andrea, nada mais éramos do que parte do disfarce.
― Lucca, eu estou cem por cento tranquilo de falar sobre
nossos assuntos na presença de minha mulher, gostaria que você
tivesse certeza da descrição da sua.
Senti-me ofendida. Ele sabia que eu cresci na máfia?
Eu morreria enterrando os segredos e os pecados do meu
marido comigo.
― Está me perguntando se a mulher com quem confiei em me
casar trairia a famiglia, governador? ― ele respondeu num tom
perigosamente calmo, enquanto contornava a borda do copo
redondo com a ponta dos dedos.
O homem tossiu e gaguejou.
― E-eu jamais insinuaria isso, meu amigo, apenas quis
garantir. Você sabe que um homem na minha posição não pode
correr riscos.
― Não se preocupe com Abriela. Preocupe-se com a sua
mulher, e garanta que ela não esteja falando dos negócios da minha
famiglia nos salões de beleza que frequenta.
Mauricci engoliu em seco e assentiu.
― É claro. Ela sabe o silêncio que deve manter sobre o que
escuta.
― Ótimo, não quero perder mais tempo. Eu preciso de
assinaturas e alvarás, você vai conseguir isso para mim até a
próxima semana. Temos um grande projeto em andamento para a
praça Delarmo, mas as coisas demoram quando precisam ser feitas
dentro da legitimidade. Dante está em contato com duas
construtoras, você vai passar os detalhes que faltam para que ele
conclua o negócio.
Eu fiquei sentada, ouvindo por, no mínimo, uma hora e meia,
enquanto eles falavam sobre negócios que ficariam em minha
cabeça, mas jamais sairiam da minha boca. Foi um tédio e, mais
uma vez, eu estava muito perto e ao mesmo tempo muito longe
dele.
Durante os assuntos que foram abordados, eu só conseguia
sentir dó das pessoas que acreditavam e confiavam no governo
daquele homem, porque ele nada mais era do que um porco sujo.
Suas piadas, declarações ofensivas sobre diversas pautas e a
forma como lidava tão alegremente com sua corrupção eram a
prova disso. Eu sabia que não podia falar nada sobre esse assunto,
porque nasci numa organização criminosa, mas além de não ter tido
escolha, nunca roubei nem uma moeda de alguém. Aquele homem
escolheu, e eu podia ver a ganância corroendo-o. Era triste. Não
justificava, mas a famiglia nunca se comprometeu com o povo, nem
fez promessas para ganhar sua confiança. Muitas vezes fizemos até
mais do que os que tinham essa função.
― Você pode me acompanhar até o toilette, querida? Preciso
retocar meu batom ― Andrea me convidou, já se levantando.
Olhei para Lucca. Ele franziu a testa, mas assentiu.
Caminhamos pelo salão lado a lado.
A esposa de um mafioso da raiz da Sicília.
A esposa de um político corrupto que prometeu cuidar do
estado.
Enquanto a esperava sair da cabine, ajeitei meu cabelo de
frente para o espelho. Estava retocando o batom quando a porta se
abriu e reconheci a pessoa atrás de mim pelo reflexo.
― Evangeline? ― Franzi a testa. O que ela estava fazendo
aqui?
Ela não parecia surpresa em me ver. Evangeline nunca tinha
me feito nada diretamente, mas por algum motivo minha irmã Anita
e ela nunca se deram bem, e eu nunca me associaria a alguém que
minhas irmãs não estivessem próximas. Seu sorriso branquíssimo
enfeitava o rosto bonito como se fosse noite de Natal e o cabelo
ruivo puxado num penteado para trás combinava com o casaco de
pele.
― Abriela, olá, querida! Que surpresa ver você aqui.
― Também estou. ― Guardei meu gloss e me virei para ela. ―
Está aqui com alguém?
― Sou próxima à filha do governador, portanto sempre tenho
convites para essas superfestas.
Ela falava rápido, com os olhos semicerrados.
― Você está bêbada? ― Nós nem mesmo conversamos.
Nunca fomos amigas, e nossos assuntos em eventos onde nos
cruzávamos nunca passaram de cordialidades. Contudo, não seria
bom para nós se ela fosse pega numa situação constrangedora lá
fora.
― Apenas alegrinha. ― Ela riu. ― Eu estava querendo te ver,
lamentar por não ter te visto na minha festa.
Eu tinha até me esquecido de seu aniversário com tudo o que
aconteceu.
Forcei um sorriso.
― Parabéns atrasado.
Ela encostou na pia e enrolou um cacho do cabelo ruivo no
dedo.
― Obrigada, mas não se preocupe, Lucca a representou muito
bem.
Saber que Lucca foi à sua festa quando eu estava isolada
quase fez meu sorriso vacilar. Quase.
― Que bom. Tenho certeza de que ter Lucca em sua
comemoração foi muito satisfatório.
― Com certeza ― ela falou baixo, como se estivesse prestes a
me contar um segredo. ― Acho que você sabe que eu sempre tive
laços mais próximos com os irmãos DeRossi.
Eu estreitei os olhos.
― Na verdade, não sei disso.
― Bem ― ela riu ―, seu marido e eu temos mais assuntos em
comum do que você pensa.
Andrea saiu da cabine nesse momento e cumprimentou
Evangeline, mas as duas se encaravam como se estivessem
competindo.
― Vou voltar para a festa.
Quando ela saiu, eu fiquei esperando Andrea terminar para
voltarmos ao salão.
Minha cabeça viajou para o fato de que Evangeline podia ser
uma amante de Lucca. Ela era uma filha da famiglia, mas tratando-
se dele, eu não confiava completamente em sua capacidade de
respeitar tanto assim as regras.
Além disso, eu fiquei fora quatro meses. Meu marido não teria
transado com outras?
Também considerei que eu não tinha motivos para dar ouvidos
às suas mentiras, mas no fundo, eu sabia que não deixaria o
assunto quieto. Eu queria voltar para a mesa e perguntar a Lucca
sem ficar dando voltas se já esteve com ela.
Ele e o governador continuaram tratando de assuntos que eu
não estava interessada e me concentrei no show que acontecia. Era
um especial de clássicos, contando com uma orquestra, um quarteto
de cordas e Lavinia Vivera, uma cantora que tinha ganhado um
prêmio de revelação no ano passado.
― Vamos embora ― Lucca me chamou de repente,
inclinando-se para mim.
Eu o fitei.
― Você terminou?
Ele assentiu.
Eu queria dançar, queria sentar em outra mesa e tomar uma
taça de champanhe com ele, mas seus olhos distantes e a atitude
fria me diziam que não era o momento para sequer pedir.
Nós nos levantamos, e Mauricci apertou a mão de Lucca.
― Muito obrigado pela oportunidade, padrinho. Não vai se
arrepender.
Lucca o observou de cima, era mais alto, mais largo. E muito
mais poderoso.
― Eu realmente espero que não, sabemos quem tem mais a
perder, Mauricci.
O governador engoliu em seco e assentiu. Abriu um sorriso
inseguro para se despedir de mim, e eu rapidamente troquei
telefone com sua esposa, sabendo que nunca ligaria.
― Vamos sair pelos fundos. Não quero encontrar os fotógrafos
novamente. ― Lucca de repente olhou por cima da minha cabeça.
― Porra. Fique aqui. Exatamente aqui, eu já volto.
Segurei sua mão mais forte.
― Não me deixe sozinha.
Ele franziu o cenho.
― Você é minha esposa e cada maldita alma viva presente
sabe disso. Apenas fique aqui, eu volto em cinco minutos.
Eu assenti e o observei se afastar até que desapareceu no
salão.
Vi Juliano de longe, e ele estava parado a uma boa distância
de mim. Ofereci-lhe um sorriso fechado, apenas para dizer que
estava tudo bem, mas então me lembrei que ele foi o único a
impedir minha fuga mais cedo e desviei o olhar, irritada ao pensar
nisso.
As pessoas estavam dançando na pista ao som de uma
interpretação de And the Waltz goes on pela orquestra. Eu queria
que Lucca voltasse, esquecesse os negócios por dois minutos e me
tirasse para dançar, mas ao invés de demonstrar minha frustração,
eu coloquei um sorriso no rosto e fiquei no meio do salão como uma
coluna do palácio.
― É um pecado capital que uma mulher tão linda não tenha
sido tirada para dançar.
Eu me sobressaltei ao ouvir a voz masculina atrás de mim e
me virei. Encontrando um homem alto como Lucca. Ele tinha um
sorriso fechado, o rosto bem desenhado e com certeza seria
considerado um belo partido. Mas para uma garota do mundo real,
não para mim.
― Meu marido vai cuidar disso quando retornar.
Ele tirou as mãos dos bolsos e fez uma reverência nada sutil,
oferecendo-me a mão.
― Eu insisto. É apenas uma dança, prometo que te devolverei
inteira para o seu marido assim que ele voltar.
As pessoas começaram a olhar, eu estava sem graça. Recusar
dançar com alguém era considerado falta de respeito e educação de
onde eu vinha, e eu não podia deixar de pensar que Lucca preferiria
que eu não ficasse com uma imagem ruim, mesmo que isso
envolvesse uma dança rápida com um desconhecido.
Dei uma olhada na direção de Juliano e vi que ele tentava
atravessar o salão em minha direção, mas enquanto me distraí, o
homem alto pegou minha mão, envolveu o braço em torno de mim,
apoiando sua mão esquerda em minha cintura e me levou para o
meio da pista de dança.
― Você ficou maluco? ― Eu sorria, mas meu coração batia
acelerado.
Algo estava errado.
― Eu teria que ser idiota para não querer dançar com a mulher
mais intrigante da famiglia, Abriela.
Arregalei os olhos. Vi Juliano chegando perto, mas o homem
aproveitou o momento que a música ficou mais agitada para nos
girar para longe.
― Você não sabe o que está fazendo, meu marido...
― Lucca é um velho conhecido, tenho certeza de que não vai
se importar de eu ter tirado sua noiva do tédio.
― Esposa ― o corrigi.
Ele apertou a mão em minhas costas e sorriu abertamente.
― Como foi o casamento? Eu soube que foi caótico.
Ele me girou outra vez, mas antes que pudesse me pegar,
alguém segurou minha mão.
― Lucca. ― Suspirei de alívio.
Meu marido me puxou para seu corpo, colando meu lado em
seu peito.
― Luccare DeRossi ― o homem abriu os braços ―,
Justamente o homem que eu queria ver.
Seus olhos cinzentos mudaram quando viu Lucca. E seu rosto
se contorceu num sorriso louco.
― Drago ― disse Lucca, sem revelar nada em sua expressão,
mas eu sentia seu corpo retesado em tensão.
Ah, meu Deus.
Drago Salvatore? O chefe da ‘Ndrangheta. O maior inimigo do
meu marido.
Eu não podia acreditar que estava nos braços dele.
― Eu sempre soube que você era louco, mas parece ter
perdido um pouco mais do juízo tocando em minha esposa.
Drago riu, aproximando-se. Eu me pressionei contra Lucca.
― Eu não fui convidado para o casamento do ano e para ser
honesto, fiquei curioso para ver sua nova aquisição.
― Toque nela novamente, chegue perto ou respire o mesmo ar
que Abriela e eu vou até a Calábria pessoalmente dizimar o que
restou da sua família fodida.
Drago parou de sorrir. Seus olhos se tornaram estranhamente
vazios.
― Quando você matou o meu pai, eu te prometi que o faria
pagar. Não precisará esperar muito mais para me ver cumprindo
essa promessa, DeRossi.
O que estava acontecendo? Eu olhei ao redor procurando
Juliano, por mais que não estivéssemos falando alto, as pessoas
não conseguiam disfarçar seus olhares. Tanto Lucca, quanto o
nome de Drago Salvatore eram reconhecidos por suas atividades na
Itália.
Eu precisava de ajuda para acabar com aquele embate antes
que a cena do meu casamento se repetisse.
― Faça o seu pior ― disse Lucca.
― Lucca, por favor. ― Coloquei as mãos em seu peito,
tentando chamar sua atenção. Seu coração batia muito acelerado e
ele não desviava os olhos de Drago. ― Luccare!
― Chefe. ― Juliano apareceu ao seu lado. ― Precisa de algo?
Drago sorriu e inclinando a cabeça em minha direção,
começou a recuar alguns passos.
― Até logo, padrinho. ― Seu tom de ironia fez Lucca dar um
passo à frente. Eu o segurei no lugar, minhas mãos pressionando
fortemente no peito.
Quando Drago sumiu de vista, Lucca fechou os olhos por dois
segundos e me fitou.
― Que porra você pensou que estava fazendo?
― O que? Eu... eu não tive culpa.
― Estava sorrindo para ele? ― rosnou em meu rosto. ―
Olhou para o filho da puta?
― Não! Ele chegou por trás e praticamente me arrastou para a
pista, eu nem o reconheci.
― Lucca? Quais são as ordens?
― Vamos embora, preciso encontrar meus irmãos. Descubra
onde o filho da puta está hospedado em Milão e fique de olho nele.
Se Drago saiu da Calábria sem que eu soubesse, é porque alguém
o está ajudando. Quero saber tudo sobre suas conexões, onde
anda, com quem ele fode e quantas vezes vai ao banheiro.
Absolutamente tudo, porra.
Ele segurou meu pulso e me levou para fora do Palácio sem a
mesma paciência de quando chegamos, e ao pararmos perto do
carro, Lucca me bateu contra a porta e segurou meu rosto com uma
mão, apertando meu queixo.
― Lucca...
― Aquele desgraçado é meu inimigo. O que foi que eu te
disse? Eu não jogo, eu não brinco e não vou ser contrariado ou
manipulado só porque você tem uma boceta que eu gosto de foder.
Eu virei o rosto, mas ele me puxou de volta. Seus olhos me
observavam como se eu fosse um traidor, como se estivesse se
preparando para me torturar em busca de informações.
― Eu já disse que não fiz nada! Ele apareceu e me levou!
― Preste atenção, Abriela. Eu não tenho escrúpulos, não serei
feito de idiota. Nunca. Ouviu bem? Vou matar o próximo homem
com quem você se atrever a sequer olhar ou falar, e você vai me
assistir torturando-o antes disso. Quando terminar ― ele se inclinou
para perto, colando a boca em meu ouvido. Lágrimas grossas
escorriam pelo meu rosto, e o frio as tornava gelada em minha
bochecha ― vou te foder em cima do corpo morto apenas para
lembrá-la do que acontece quando não me obedece.
Ele me soltou, abriu a porta e me colocou para dentro. Minha
visão estava turva, manchada por lágrimas e embaçada.
Eu chorei baixinho quando o carro deu partida, e enquanto ele
corria sem nenhum cuidado pelas ruas de Milão, não fiz questão de
me segurar. O caminho todo para casa foi feito em silêncio.
Qual era a chance da minha esposa estar envolvida no plano
contra mim ao lado de Otto Fanaro, que poderia ser a conexão com
Drago?
Eu fitei Abriela pelo canto dos olhos, mas ela olhava para fora,
chorava baixo. Se não fossem os soluços movimentando o peito, eu
diria que caiu no sono. Estávamos em Milão, que além de ser o meu
território mais do que declarado, era completamente impossível que
qualquer um dos meus inimigos, fosse a ‘Ndrangheta ou a Camorra,
entrassem sem ser detectados.
A força policial era minha, pelo menos a parte que importava
para que meus negócios não fossem prejudicados. As ruas eram
minhas. Eu era informado sobre tudo, qualquer sussurro, qualquer
agitação. Tudo me pertencia.
Eu deixei Abriela em casa e quando ela entrou, dei partida. Eu
tinha assuntos a resolver que não podiam esperar. A noite era muito
mais bem-vinda para tratar de negócios.
Eu estava penteando o cabelo em frente à minha penteadeira
após um banho, encarando o fio do telefone cortado do meu lado
quando Lucca entrou no quarto. De início, eu não ergui o olhar, mas
podia ver seus pés pelo espelho e vi quando ele fechou a porta e
parou. Estava me encarando.
Engoli em seco.
― Apesar de tudo, você se comportou muito bem essa noite.
― Como uma cadelinha adestrada ― murmurei.
― Para quem diz não querer um casamento baseado em ódio
mútuo, você não perde tempo em me fazer provocações.
Guardei a escova na gaveta e me levantei, virando para
encará-lo.
― Te falar a verdade é fazer uma provocação? ― Bufei. ― Se
você tivesse se casado com a minha irmã, teria ficado viúvo em uma
semana.
Seus olhos brilharam, mas eu não sabia por quê.
― Preciso fazer uma viagem. ― Senti uma onda de
desapontamento ao perceber que nosso casamento seria
basicamente feito da ausência dele, mas um fio de esperança me
tomou quando ouvi suas próximas palavras: ― Venha comigo.
― Está falando sério? ― Ele me olhou por algum tempo antes
de se aproximar.
― Não tivemos uma lua de mel, e não estou dizendo que será
uma, mas você pode ir e conhecer um novo país. Vai lhe poupar de
ficar escondida entre as paredes desta casa.
Eu estava surpresa, de tudo o que esperava de Lucca, aquilo
definitivamente não era uma opção.
― Está bem.
Eu não achava que tinha uma escolha, mas concordar para
mim era importante. Mesmo que eu não tivesse direito a opiniões
em nosso casamento, percebi que gostava quando ele me dava a
ilusão de que eu tinha isso.
― Falando em sua irmã. ― Ele tirou a mão do bolso e me
ofereceu meu celular. ― Acho que deve estar ansiosa para falar
com elas.
Eu apertei o aparelho entre os dedos, querendo ter certeza se
era real ou minha mente estava pregando uma peça em mim.
Meu primeiro instinto foi agradecer, mas eu não devia nada a
ele. O celular era meu.
― Vou ligar para elas.
Lucca sorriu torto.
― Não mereço uma recompensa?
― Eu sou sua prostituta ou sua esposa? Ganho algo que já
era meu e pago com sexo?
Lucca andou rápido em minha direção e me segurou pela
cintura, girando meu corpo para que ficasse com as costas
grudadas em seu peito.
― Você será o que eu quiser. ― Sua voz sussurrada em meu
ouvido arrepiou cada canto do meu corpo. ― Minha esposa durante
os jantares de família. ― Lucca segurou meu pescoço,
pressionando ligeiramente contra ele, fazendo-me arfar. ― Minha
parceira ao ouvir segredos da Cosa Nostra. ― Sua mão enorme
desceu para os meus seios, apertando-os um de cada vez. Eu senti
seu membro endurecer e pressionar minhas costas. ― Minha
prostituta quando estivermos a sós. Vai gemer como uma
vagabunda, suspirar como uma cadela no cio e cada vez que gozar
na minha língua, no meu pau ou nos meus dedos ― ele atravessou
minha barriga, meu umbigo e puxou a barra da camisola para cima,
expondo minha calcinha branca rendada ao segurar o meio das
minhas pernas e apertar. Eu gritei, assustada, corada e sem ar ―,
vai saber que foi o seu marido e seu dono quem te dominou. Porque
você é minha.
Arfando, eu me desvinculei sem dificuldade porque ele me
deixou ir e tropecei para longe. Afastei o cabelo do rosto e o fitei
sem medo.
― Quantas mulheres foram suas nos últimos quatro meses,
Lucca? Com quantas você me traiu e humilhou?
Ele começou a tirar a roupa. Primeiro, a camisa, depois, a
calça e sem nenhuma vergonha, arrancou a cueca na minha frente,
expondo seu pênis duro, grosso e cheio de veias salientes
apontando em minha direção.
― Isso importa? No fim da noite, você é a única rainha da
Itália.
― É claro que importa! ― Eu recuei enquanto ele se
aproximava, mas quando meus joelhos bateram na cama e eu caí
sentada sobre nosso colchão grande e macio, não tinha mais para
onde ir. Lucca apoiou os punhos na cama ao meu lado, abaixando-
se até que seu rosto estava na altura do meu.
― Abra as pernas ― sussurrou.
Seus olhos azuis brilhavam com desejo e sedução.
― Não!
Lucca segurou meu pescoço e me empurrou para trás,
deitando-me.
― Me negar não faz sua boceta ficar menos molhada, Abriela.
― Ele lançou um olhar entre minhas pernas, eu as pressionei juntas
e desviei o olhar ao sentir a umidade presente. Lucca sorriu torto, e
lentamente desceu a mão é minha vagina, alisando de cima para
baixo através da calcinha.
Eu mordi o lábio inferior, escondendo o gemido que ansiava
escapar. Lucca buscou meus olhos, forçando-me a encará-lo
enquanto ele me acariciava e segurava seu pau, apertando-o a
ponto da cabeça ficar roxa.
― Me negue o quanto quiser ― ele pressionou mais forte,
colando os lábios no meu ouvido. ― Nós dois sabemos que
eventualmente você vai quebrar.
Eu fechei os olhos, mas de repente o toque se foi e ao me
sentar na cama, vi suas costas enquanto ele se afastava e entrava
no banheiro. Eu caí para trás, arfando pesado, juntando minhas
pernas para me esconder da vontade de levar as mãos até lá e
continuar o que ele começou.
Ou pior, chamá-lo para fazer isso.
Isso vai me arruinar
É quase como um suicídio em câmera lenta
Assistindo seu lado ruim ficar entre você e eu
Eu ainda quero você, mas não pelo seu lado ruim
Não pela sua vida assombrada
Só por você
Eu lido com a sua mente perigosa
Mas nunca com você
Quem vai te salvar agora que eu fui embora?
foxes, devil side
O cheiro forte de café me acordou, e o sol quente lá fora
clareava todo o quarto.
― Vamos despertar, menina. ― A voz de Martina era alegre e
me levou de volta aos meses que passamos juntas na Sicília. A
ligação que criamos ia além de ela ser minha empregada.
Martina se tornou uma espécie de figura materna. Eu a
adorava.
― Está muito cedo ― resmunguei, vendo que não passava
das oito no relógio.
― Esse é o horário que mulheres bonitas acordam e vivem,
menina!
Eu dei risada, levantando-me a contragosto.
Estava morta de sono. Nós transamos por horas durante a
madrugada. Quando eu pensava que tinha acabado, meu marido
me acordava para explorar algo novo.
Sexo oral era incrível. Ele sabia fazer coisas com sua boca que
eu jamais imaginaria.
E a forma como ele me ensinava de um jeito delicado na
cama, ainda que mandão, ia contra todas as suas palavras vis fora
dela.
Depois da última vez que... fodemos, como Lucca diz ― com
ele enterrado profundamente dentro de mim, minhas lágrimas de
exaustão, prazer e sensibilidade molhando o lençol ―, eu fui tomar
banho e ao sair, encontrei-o deitado com sua boxer preta, com um
braço sobre os olhos. Eu aproveitei esse momento para observar
seu corpo. Ele era todo forte, trincado. Com músculos nos braços,
abdômen e pernas.
Para dormir, deitei delicadamente na cama e me virei para o
outro lado. Fechei os olhos por algum tempo e quando me virei
novamente, ele já não estava mais na cama. No começo pensei que
tê-lo visto tivesse sido apenas uma miragem, mas o lençol
amassado confirmava o contrário. Ele não voltou para o quarto, e eu
fiquei ali até que o sono finalmente me venceu.
O meu marido, o mais cruel dos homens, carregava uma
beleza dos deuses, a indiferença de um homem sem vínculos e era
dono de inúmeros clubes de prostituição.
― Eu não fodi ninguém além de você, desde Nova York.
Aquela admissão ainda assombrava meus pensamentos e
quando me lembrei dela, parei no caminho para o banheiro,
sentindo um calor diferente.
Quando eu perguntei a Lucca porque ele não tinha me traído,
ele tampou minha boca e continuou me penetrando com mais força.
― O padrinho saiu de casa calmo hoje. Imagino que a noite
tenha sido esclarecedora ― Martina sondou assim que me viu
entrando na cozinha meia hora depois.
Eu estreitei os olhos.
― Nós conversamos, mas não vou esquecer nem tão cedo
que perdi meses da minha vida por nada.
― Então ao invés de tentar acalmar as coisas, a menina vai
buscar igualar a situação?
― Não, não quero me vingar. Só queria que... ― Hesitei.
Conversar assim com alguém de fora era um erro e percebi que eu
precisava falar sobre isso, mas com quem devia ouvir. Com quem
eu confiava tudo de olhos fechados. Eu suspirei e sorri. ― Só quero
que tenhamos um novo começo.
Martina sorriu aliviada.
Tomei uma vitamina deliciosa feita por ela e comi torradas.
Estava com muita fome, para a minha surpresa. Comi duas fatias de
pão com queijo e um copo de suco. Quando terminei, Martina
ergueu as sobrancelhas.
― Se não tivesse voltado ontem, eu diria que a menina está
comendo por dois.
Suas palavras azedaram meu humor e reviraram meu
estômago.
Fizeram-me lembrar que Lucca não queria filhos, e eu jamais
teria uma família para amar e cuidar.
Minha vida seria sempre isso.
― Eu preciso ligar para minhas irmãs, Martina.
― É claro. Vou descobrir o que colocar em suas malas.
― Como sabe que... ― Interrompi-me, é claro que ela sabia.
Martina sorriu.
― Luccare me deu instruções sobre a viagem, menina.
― É claro.
Eu me despedi com um sorriso e saí da cozinha.
Precisava ligar para Anita e Alessa, marcar um encontro, ver
minhas irmãs e abraçá-las. Neste momento, parecia que as coisas
só ficariam bem se eu estivesse no meu porto seguro ― que eram
elas.
Alessa atendeu no quarto toque, mas houve apenas silêncio
do outro lado da linha.
― Irmã? ― perguntei baixinho.
Eu nunca fiquei tanto tempo sem falar com elas, era como se
meu corpo e mente dependessem das duas e agora eu não
soubesse como agir.
― Abriela? ― A voz de Alessa era surpresa, chocada. ― Eu
esperava que fosse Lucca, eu... ― ela fez uma pausa e a ouvi
engolir com força ― eu pensei que... ah, Jesus. Anita! Anita, venha
aqui agora!
― Não, espera, você consegue vir aqui? Eu realmente preciso
ver vocês.
― Sim, é claro. Papai colocou um bloqueio na casa para
impedir Anita de fazer besteira, mas agora que está de volta até ele
deve querer ir aí.
― Eu preferia ver só vocês duas.
― Eu vou dar um jeito, Ella, eu... estou tão feliz de te ouvir.
Espere e nós já estamos chegando.
Alessa não mentiu quando disse que não demoraria. Menos de
quarenta minutos depois, minha casa foi praticamente invadida
pelas minhas irmãs. Duas italianas de sangue quente gritando com
Juliano e Martina como se os dois não trabalhassem para Luccare
DeRossi.
Alessa não demorou a me encontrar e quase não levantei do
sofá a tempo de ser embalada por seu abraço apertado.
― Eu nem acredito que é você de verdade ― murmurou em
meu pescoço.
Anita ainda estava gritando com Juliano em algum lugar da
casa, e quando me afastei de Alessa, dei risada.
― Parecia que eu nunca mais ia viver isso.
― Eu quase matei Lucca, tem noção? Nós invadimos o
escritório dele. Se eu não tivesse controlado Anita, ela teria
apontado uma arma para ele. Deixa eu olhar pra você. ― Alessa
estava segurando meu rosto e me analisando em todos os cantos
quando Anita finalmente surgiu na porta.
Seu rosto franziu ao me ver e lágrimas começaram a cair pelas
bochechas quando minha irmã correu em minha direção,
abraçando-me ainda mais apertado do que Alessa tinha feito.
― Oh, meu Deus. Sinto muito que você tenha passado pelo
que quer que aquele monstro filho da puta fez.
― Eu estou bem, irmã, de verdade.
Anita afastou o rosto, fitando-me nos olhos.
― Como isso é possível? ― Ela parecia desesperada. Eu me
senti mal por ter escolhido fazer sexo com o homem que nos fez
passar por tudo aquilo ao invés de ligar para elas e livrá-las de tanta
preocupação. ― Ele te levou para longe por meses, Ella. Meses!
― Onde você estava? ― Alessa questionou.
― O que ele fez? Que tipo de tortura? Eu vou garantir que ele
receba o dobro e pior! ― Anita ameaçou.
― Nós precisamos avisar Santo.
― Esperem! ― tentei argumentar.
― Santo pode começar algum tipo de rebelião ― disse Anita.
― É o que ele deveria fazer. Abriela foi vítima de cárcere, abusos
físicos e psicológicos. Vai saber o que aquele psicopata fez com ela.
― Não podemos ser extremas. E não diga que Santo vai
começar uma rebelião nem de brincadeira, Anita.
― Irmãs... ― tentei outra vez.
― Luccare DeRossi deve pagar pelo que fez com a nossa
irmã!
― Anita, ele...
― Me escutem! ― gritei, fazendo ambas girarem a cabeça em
minha direção. ― Chega.
Alessa engoliu em seco, tomando a frente e segurando a mão
de Anita, assentindo.
― Me desculpe, é só... passamos meses pensando sobre o
que poderia estar acontecendo.
― Lucca não disse nada?
― Só que você estava segura. Enviava fotos suas passeando
perto de um lago e sentada em um banco em frente a uma casa de
merda ― Anita explicou num tom mordaz. ― Eu deveria ter matado
aquele desgraçado e feito ele enfiar as fotos na porra da bunda.
― Linguajar, Anita.
― Alessa, me poupe. ― Anita se aproximou, levou-me até o
sofá e nós nos sentamos. ― Me conte. O que aconteceu?
Eu respirei fundo, sabendo que resumir a situação seria
impossível.
― Eu fiz o que Alessa me disse para não fazer. O desafiei.
― Seja mais específica.
― Cobrei coisas, disse algumas verdades e agi de um jeito
que deixaria Anita orgulhosa.
Isso tirou um sorrisinho perverso da minha irmã.
Alessa suspirou.
― Santo Deus...
― E isso foi motivo o suficiente para que ele te mandasse
embora? ― Anita perguntou.
― Eu dei um tiro nele. Quer dizer, disparei sua arma e acertou
na perna. Saí correndo quando vi o que fiz e caí em cima da mesa
de vidro que ficava aqui. ― Olhei para o local, vendo a nova mesa
de madeira num corte de tronco que decorava a sala. ― Foram
cortes superficiais. Um médico da região me tratou, e eu tinha
Martina, aquela senhora que vocês encontraram.
― Espera... ― Alessa ergueu as mãos. ― Tudo isso
aconteceu e nós não ficamos sabendo? Ele nem sequer se
preocupou em falar?
― Eu fui alimentada, podia andar pelos arredores da casa e
tinha soldados me protegendo. Mas é claro que eu estava louca
para voltar. Lucca disse que seria um castigo toda vez que eu o
desafiasse. A próxima vez pode ser um ano, quem sabe. ― Soltei
uma risada sem graça, infeliz. ― Ele generosamente até disse que
eu podia escolher o destino do meu exílio.
As duas me encaravam em choque. Porém, o silêncio durou
pouco, até que Anita começou a gritar ameaças e sua indignação.
― Se ele ousar te levar para longe novamente, eu juro...
― Ella ― Alessa me chamou num tom urgente, mas calmo. ―
Me diga a verdade. Lucca está... ele tem ― ela hesitou, fazendo
uma longa pausa ―, ele te machucou? Ele te bateu, te... te...
― Estuprou? O que você acha?
― Anita ― eu a chamei. ― Eu entendo porque vocês
perguntariam isso, mas honestamente, não. Ele nunca me
machucou. Pelo menos não fisicamente.
Alessa me observava sem piscar.
― Você jura? Sabe que eu queimaria o mundo pra te proteger,
não sabe?
― Eu sei. ― Meu sorriso era sincero, e me inclinei para
abraçar minha irmã mais velha. ― Eu sei que você desafiaria a
famiglia, a Cosa Nostra e o padrinho por mim.
Minha irmã desviou o olhar, mas assentiu.
― Sim, eu faria tudo isso.
― Está me dizendo a verdade? ― Anita perguntou. ―
Verdade absoluta?
― Sim, eu juro. Eu sei que Alessa me disse para não o
desafiar, mas...
― É impossível ― Alessa sussurrou. ― Não estou te
culpando, só você sabe o que passa no seu dia a dia, mas agora o
importante é que se recupere. E que Lucca saiba que nunca mais
vai levá-la para longe de nós.
Eu suspirei.
Confirmei sem dizer nada, apenas olhando em seus olhos.
Minha irmã olhou para cima, seus olhos verdes determinados
pareciam cansados e cheios de coisas a dizer, mas antes que
pudesse, houve uma batida no batente do arco entre a sala e o
corredor. Eu me surpreendi ao ver Giorgia. Ela tinha olhos
marejados e uma expressão preocupada.
― Ah, que ótimo ― Anita murmurou.
― Anita, comporte-se ― disse Alessa.
― Abriela, querida! Grazzie a Dio. ― Surpreendendo-me,
Giorgia me abraçou. Alessa recuou alguns passos, observando-nos
atentamente. ― Você está bem ― afirmou, depois franziu o cenho.
― Você está bem?
― Eu estou. Apenas me adaptando à minha volta à casa.
Ela suspirou, passava os dedos entre os fios do meu cabelo.
― Não por vontade própria ― Anita resmungou.
Giorgia lhe lançou um olhar pesaroso, seus olhos brilhavam de
tristeza. Eu queria tomar um banho, beber água e deitar. Parecia
que enquanto eu estivesse dormindo, nada poderia me alcançar.
Meu marido não podia me alcançar.
Ou sua mãe.
Ou as perguntas incansáveis.
Eu só queria ver minhas irmãs e garantir que elas soubessem
que eu estava bem.
― Querida, tudo o que eu queria te dizer é para ter fé, mas sei
que não é justo te pedir isso.
Olhei atentamente para ela. Giorgia era uma mulher linda, não
havia nem sinais de idade em seu rosto. Como se não bastasse sua
beleza exterior, parecia ser boa por dentro, mas a tristeza em seus
olhos azuis não podia ser negada.
― O que quer dizer? ― perguntei, receosa.
― Meu filho é um homem complicado, mas ele não precisa
que sua mãe venha defendê-lo, na verdade, acho que nós duas já
vimos atos de Luccare que não deixa espaço para algo bom ser dito
sobre ele. Eu só quero saber... preciso saber, que ele não a
machucou.
― Como assim?
Ela suspirou.
― No dia do seu acidente, ele me chamou e eu cuidei de você
com o médico. Aquela queda... aquilo não é um disfarce para
abuso? Ele te empurrou? Ele tocou em você?
― Giorgia...
Ela me interrompeu, erguendo a mão. Sua aliança com
Thomas DeRossi brilhava no dedo anelar, mas essa conversa
parecia muito diferente da que tive com seu marido.
― Não minta, Abriela, por favor. Eu conheci sua mãe. Sei que
é considerado normal as mulheres em nosso mundo aturarem
coisas assim, mas eu não vou dormir sossegada sabendo que
minha nora passa por isso.
Ela ia tomar partido por mim contra seu filho, se necessário?
Olhei para Alessa. Seus olhos verdes não diziam nada, e ela
não fitava Giorgia. Olhava para mim.
― Seria bom ter sido avisada do que aconteceu com a nossa
irmã, senhora DeRossi ― Anita praticamente cuspiu.
― Eu garanti que Abriela estivesse bem, mas não podia ir
contra o meu filho e meu capo. Sinto muito por isso.
Fitei minha sogra e alcancei sua mão.
Me consolar nesse momento era importante para mim de uma
forma que ela jamais entenderia. Minhas irmãs foram meu ombro e
minha única casa durante anos, mas agora, independentemente de
como tínhamos chegado até ali, Giorgia parecia querer fazer parte
disso. Estávamos unidas por algo que ia além da famiglia, dos
negócios da máfia ou do meu casamento com seu filho mais velho.
― O que te deu força todos esses anos? ― sussurrei a
pergunta.
Ela sorriu tristemente e acariciou meu rosto.
― Ser mãe. ― Riu e balançou a cabeça. ― Desde quando
meus filhos começaram a falar, eu ouvi julgamentos sobre eles.
Diga-me, como ser forte estando sob olhares constantes, ouvir o
tempo todo o quanto Luigi é um cafajeste de primeira linha e saber
que ele carrega... ― ela fez uma pausa, apertando os olhos
fechados ― carrega uma foice com suas iniciais para fazer o que
faz. Saber que Lucca só é o chefe dessa organização porque se
tornou tão cruel quanto o anterior. E Dante... ― Ela piscou,
afastando as lágrimas. ― Eu nem sequer conheço aquele homem.
O meu filho. Abriela, eu os criei. Eu os vi ainda bebês, os ensinei a
andar e falar. Como posso virar as costas para meus filhos quando o
mundo todo já fez isso antes mesmo que eles dessem seus
primeiros passos?
― Eles não são homens inocentes ― disse Alessa.
― Eu já perdi uma filha! Eu perdi Mia. Não posso perdê-los.
― E eu não vou perder a minha irmã caçula ― afirmou Anita.
― Sei que não são bons e não tiro suas culpas, mas ainda
assim, sou sua mãe.
Eu fiquei em silêncio, contudo, sentia todos os pares de olhos
em mim.
― Lucca não fez isso, eu juro. Eu fui a única a machucá-lo. O
resto da coisa toda foi um acidente infeliz. Se posso ser honesta,
fico surpresa que ele tenha me socorrido. Me deixar lá embaixo para
morrer seria mais fácil e mais a cara dele. Eu só não consigo
perdoá-lo por escolher me deixar longe como castigo. Pelo menos
ainda não.
― Ele não pode arriscar um confronto dentro das famílias de
Milão. Papai é um capo velho, tem amigos e influência. Lucca já
dividiu opiniões depois do que fez no dia do casamento.
― Então ele não me salvou, só queria evitar problemas na
famiglia. ― Eu forcei um sorriso. ― É claro. A Cosa Nostra sempre
em primeiro lugar.
― Sinto muito, querida. ― Giorgia se levantou, mas antes que
saísse, eu a parei com minhas palavras:
― Eu não entendo por que não posso simplesmente odiá-lo. O
que ele fez no casamento, seu sumiço depois e o fato de que eu
poderia ter morrido aquele dia porque ele não sabe me tratar com
respeito... Então esses quatro meses longe... Eu apenas... não
consigo ― desabafei. Sentia que era tão errado me esforçar por
Lucca e por esse casamento. E Giorgia entendia porque era sua
mãe. E Alessa entendia porque era perfeita, porque servia a máfia
como um bom soldado.
Anita nos encarava como se fôssemos loucas, mas eu sabia
que ela estaria do meu lado, mesmo que reclamando.
Quando se tratava das minhas irmãs, eu tinha o anjo e o
demônio em cada ombro e eu me dividia escutando-os.
― Eu sinto muito, querida ― sussurrou. ― Queria poder te
dizer que tudo vai ficar bem, mas não quero mentir para você.
― Eu sei.
― Mas estou com você. ― Segurou meu rosto, olhando-me
profundamente nos olhos. ― Eu não tive alguém para me dizer isso
quando me casei com Thomas, por isso, vou dizer a você. Seja
forte. Mesmo que lute sozinha, o meu ombro será seu sempre que
for necessário. Perdi minha filha porque não a protegi o suficiente,
não vou deixar que sua família perca você.
Eu sorri em meio às lágrimas e a abracei. Abraçada com
minha sogra naquele momento, me perguntei se minha mãe estava
de alguma forma, cuidando de mim.
Quando Giorgia se foi, Alessa e Anita começaram a receber
ligações de papai obrigando-as a irem embora.
― Sinto muito, Ella, mas temos que ir ― disse Alessa.
― Manda esse velho ir se foder.
― Anita, eu já estou de volta e estou bem. Lucca quer que eu
vá a uma viagem fora do país com ele, mas quando eu voltar
devemos marcar um almoço ou jantar. Temos muito a atualizar.
― O carro está na porta ― Martina anunciou ao entrar na sala.
Minhas irmãs não foram gentis, nem mesmo Alessa, mesmo
que eu tivesse dito que ela não tinha culpa. Martina não podia ir à
polícia, é óbvio. Tampouco me ajudar a fugir.
Lucca era rei e sua palavra absoluta.
Ninguém ia contra.
Mas elas não se importavam, por isso, me abraçaram e
passaram por Martina como se ela não estivesse no mesmo
cômodo.
― Nos veremos em breve.
― Cuidado com essa viagem, fique em contato conosco.
Eu as observei indo embora da porta, e quando fechei, me virei
para ela.
― Sinto muito por isso, eventualmente elas vão entender que
você foi mais minha amiga do que de Lucca nesses últimos meses.
― Está tudo bem, menina. Eu devo explicações apenas a você
e ao padrinho. Farei uma sobremesa gostosa para suas irmãs a
próxima vez que vierem. Também vou preparar um chá e as deixarei
muito à vontade.
― Não se preocupe com nada disso. Vamos subir e cuidar das
minhas malas, acho que Lucca deve chegar em breve para irmos
embora.
Ela assentiu e sem dar mais detalhes de seu plano para
conquistar minhas irmãs, me seguiu para o quarto.

Juliano me disse que o carro estava pronto às quatro da tarde,


e eu esperei enquanto ele e Jimmy levavam minhas malas para o
carro. Despedi-me de Martina e enviei uma mensagem a Anita e
Alessa dizendo que já estava indo encontrar meu marido.
Anita respondeu com um emoji de vômito, e Alessa agradeceu
por atualizá-las.
Elas eram tão diferentes, mas eu me sentia completa estando
nesse meio. Não mudaria nada das duas.
Quando chegamos ao aeroporto internacional de Malpensa,
Jimmy ficou no carro e Juliano me levou através dos portões de
embarque e fez todos os procedimentos comigo. Eu não dirigi a
palavra a ele em nenhum momento, mas queria perguntar onde
estávamos indo para que Lucca entrasse num voo comercial no
meio da tarde.
Do que se tratava aquela viagem, afinal?
― Lucca nos espera lá dentro. O voo é às cinco.
― Obrigada por me informar.
Ouvi seu suspiro ao meu lado.
― Não vou pedir desculpa por obedecer o meu capo, senhora
DeRossi.
― Eu não te cobrei nada e também não espero que nenhum
de vocês, que vivem em função dele, reconheçam como tratar
alguém de forma humana. Podemos continuar sem o bate-papo?
― Como a senhora preferir.
Não demorou para que eu visse Lucca. Ele estava perto das
enormes janelas de vidro do chão ao teto que davam vista para a
pista de pouso e decolagem. As duas mãos estavam enfiadas nos
bolsos da calça social preta e eu podia ver seu perfil. O rosto sério,
mandíbula forte e trincada, o nariz ligeiramente torto e a boca
carnuda.
Imagens daqueles lábios tomaram minha mente e eu desviei o
olhar, mantendo minha atenção em tudo, menos nele, até que nos
aproximamos o suficiente.
― Senhor ― Juliano chamou.
Lucca olhou diretamente para mim. Observou minha calça
jeans e a jaqueta curta, minhas botas de couro e a mala na mão de
seu soldado.
― Isso é tudo?
― Não gosto de levar muitas roupas quando viajo, prefiro
comprar lá.
Seu lábio contraiu num sorriso irônico.
― Como é bom usufruir dos luxos dessa vida, não?
Se seu comentário foi feito para me atingir, não funcionou. Eu
já tinha feito as pazes com o fato de que nosso dinheiro era sujo e
fazia o que podia para de alguma forma, tentar compensar. Já fui
voluntária, fazia caridade, me envolvia em projetos sociais quando
Alessa precisava de ajuda e isso não era uma forma de aliviar a
culpa, mas de dividir pelo menos um pouco do que eu tinha.
― Melhor do que ficar me lamentando, não? ― Meu sorriso
inocente fez Lucca estreitar os olhos, entretanto, ele não disse nada.
― Como estamos com a vigilância? ― ele questionou a seu
soldado.
― Tudo perfeitamente em ordem, mas, Lucca, tem certeza de
que quer fazer isso? Posso ir com você.
― Eu já disse que não, não entendo a insistência.
― Estou pensando em várias possibilidades, só isso.
― Está tentando me irritar logo cedo.
― Estamos tensos com tudo o que tem acontecido ― Juliano
falou devagar. Ao mesmo tempo que temia Lucca, ele também se
preocupava. Ver isso tão nítido em seu rosto me assustou. Lealdade
cega não era difícil de encontrar em nosso mundo, mas alguém que
verdadeiramente tivesse zelo e talvez... apego... era raro. Juliano se
importava com Lucca. ― Eu não quero pensar que não fizemos todo
o possível para mantê-lo fora de riscos. O jato seria muito mais
adequado.
― Maledetto Santo Dio[4] ― Lucca murmurou, impaciente. ―
Se eu cortasse sua língua você não falaria tanto.
Eu não ouvi a voz de Juliano depois disso.
Ele assentiu, recuou alguns passos e olhava ao redor,
analisando tudo e todos enquanto esperávamos.
― Você já saiu do país três vezes ― Lucca afirmou de
repente.
― Sim. Estive duas vezes em Paris e fui aos Estados Unidos
muitos anos atrás.
― O que achou da América?
Ele estava tentando puxar assunto ou tudo aquilo tinha um
propósito obscuro, como tudo o que Lucca fazia?
― Interessante. Se parecem conosco em algumas coisas.
― Consegue se imaginar como uma americana?
― Não ― respondi tão rápido que dei risada. ― Quer dizer,
temos família lá, mas sei que meu lugar é na Itália. Deus me
colocou exatamente onde eu precisava estar.
― Então Deus te colocou no meu caminho. ― Lucca ergueu
uma sobrancelha. ― Que bom Senhor.
É claro que nada entre nós podia ser dito com o coração. Ele
não conseguiria entender a minha conexão com Deus, fé e todas as
esperanças que eu carregava dentro do peito.
Aquele homem não fazia nada além de buscar formas de
quebrar meus sonhos e quanto mais eu falasse, ainda mais me
abrindo assim tão fácil, pior seria.
Estava lhe dando munição e diferente de mim, ele sabia bem
como acertar um alvo.
Foi apenas quando ouvi a primeira chamada para embarcar
que me ocorreu um pensamento muito ruim.
― Lucca...
― Sim, esposa?
Sua voz era tranquila, quase bem-humorada. Com seus óculos
escuros cobrindo os olhos e o terno preto sem gravata, ele não
podia passar despercebido. Eu via os olhares das mulheres e
surpreendendo-me, nunca vi Lucca devolvendo a atenção.
― Por que estamos indo para a Albânia? ― perguntei
baixinho, e quando embarcamos no avião, não me passou
despercebido que não entregamos nenhum documento.
Ele levou alguns segundos para responder e meu coração
estava quase saindo pela boca.
― Gosto da comida de lá.
― Lucca, o que nós vamos fazer?
― Eu tenho assuntos a tratar.
Olhei ao redor antes de sussurrar:
― Em território inimigo?
― A Albânia é um país muito grande, Abriela, nem todos são
parte da máfia albanesa ou estão sob o controle de Adonis Bakin.
Além do mais, estou te levando junto pelo passeio. Este assunto
não lhe pertence, então, não deve se preocupar com ele.
― Não é assunto meu que estejamos indo direto para a
morte? ― Desta vez ele virou o rosto para mim e ergueu os óculos,
seus olhos frios mostrando o descontentamento com minhas
palavras.
― Indo para a morte? Nós somos fracos, Abriela? A famiglia e
seu poder são pequenos e frágeis?
― Eu não quis dizer isso, só fico preocupada.
― Eu não sou a porra de um menino amador segurando uma
arma pela primeira vez. Sei exatamente o que estou fazendo.
Quando eu disser que não deve se preocupar, você obedece. Olhe
as vitrines, gaste a porra do cartão de crédito e olhe para o lado
quando eu for tratar de coisas que não te envolvem.
Fechei os olhos e me recostei no assento. A Bratva era a máfia
russa com quem, por anos, nós vivemos em uma violenta guerra.
Mas a máfia albanesa já havia causado alguns problemas quando
se envolveu com cartéis. Eu não era idiota de pensar que os
desacertos e os ataques tinham acabado, apenas ficavam muito
bem escondidos de quem não estava por dentro dos assuntos da
famiglia. Nós éramos poderosos, e poder que ameaçava poder
tornava-se concorrência. Naquele mundo, isso não era uma coisa
boa, nenhum dos lados gostava.
Durante a primeira meia hora de voo eu não consegui parar de
pensar no que podia acontecer nessa viagem. Logo caí no sono e
cochilei pelo tempo restante, acordando apenas quando pousamos.
Enquanto seguíamos num táxi para o hotel onde ficaríamos
hospedados, eu olhava as ruas através da janela fechada, mas
também espiava Lucca com o canto dos olhos.
Meu marido olhava para fora, mas eu me perguntava se estava
realmente vendo algo. Se estava prestando atenção em alguma
coisa além de seus próprios pensamentos.
Quando a porta do elevador fechou, ele olhou para os dois
lados do corredor antes de pegar minha mão e colocar uma arma
nela.
― Fique aqui, se alguém aparecer aponte essa arma. Preciso
conferir se o quarto é seguro.
Eu me assustei, imediatamente a empurrando de volta para
ele.
― Lucca, o que...
― Posso confiar que não vou levar um tiro dessa vez?
Engoli em seco, assentindo sem muita certeza.
― Minha primeira providência ao voltarmos a Milão será te
ensinar como usar uma arma.
Neguei veemente.
― Não quero aprender.
Ele enfiou o cartão de acesso no quarto.
― Mas vai, a vida de uma esposa da máfia não é só
comparecer a jantares e fazer compras. Você pode ser pega de
surpresa a qualquer momento. ― Ele bateu o pé no chão com força,
fazendo-me saltar. ― Se isso te assusta, imagine o que um
guerreiro da Bratva fará.
Ele entrou e menos de cinco minutos depois estava de volta.
― Entre.
Eu estava louca por um banho e para esticar minhas costas na
cama, contudo, Lucca parecia inquieto, olhando pela janela e dentro
dos armários.
― Está tudo certo?
― Tome um banho, eu tenho algumas ligações para fazer. ―
Sua atenção em minha pele exposta depois de tirar a jaqueta era
óbvia, e quando ele começou a se aproximar, eu rapidamente me
afastei, entrando no banheiro.
Eu não sentia culpa em fazer compras com dinheiro sujo e
usufruir da vida manchada de sangue, mas ser tocada pelo meu
marido? Bem, eu ouvi a vida toda que isso seria um sacrifício
obrigatório pela famiglia, no entanto, ninguém me avisou dos riscos
de gostar.
Quando saí do banho, estava sozinha no quarto, mas havia
uma mensagem em meu telefone avisando que estava me
esperando no bar. Eu realmente queria descansar do voo, mas eu
podia deitar quando voltasse a Milão, por agora, queria aproveitar
todas as oportunidades de estar junto com ele e buscar por mais de
sua companhia.
Eu tinha um milhão de perguntas, mas não parecia que Lucca
queria respondê-las, na verdade, eu nem sabia porque exatamente
ele me trouxe junto.
Respirando profundamente algumas vezes, abri a mala e
comecei a procurar alguma roupa para usar. Se ele estava me
esperando no bar do hotel, um vestido e sandália deveria servir.
Olhei-me no espelho grande e estava tentando puxar o zíper
de trás quando a porta se abriu.
― Eu esqueci... ― Lucca fez uma pausa ao me ver e fez uma
varredura pelo meu corpo antes de fechar a porta. ― Você fica bem
de branco.
Minha mente imediatamente pensou sobre manter apenas
minhas peças favoritas coloridas no guarda-roupa, me livrar do resto
e comprar uma variedade de vestidos e calças brancas, mas eu
balancei a cabeça, expulsando a ideia absurda.
― Obrigada. Pode me ajudar? ― Indiquei as costas com a
mão, e Lucca caminhou lentamente em minha direção.
Seus olhos azuis me observavam com uma intensidade
marcante, como se fosse me devorar e ao mesmo tempo, tivesse
raiva de me ver em sua frente. Promessas recheadas de
significados que eu não entendia, não conseguia ler e não podia
perguntar.
Quando seus dedos roçaram minha pele debaixo para cima,
fechando o vestido, eu me arrepiei e contraí os músculos das
costas, atraindo seu olhar através do espelho.
― Realmente gosto de você de branco, senhora DeRossi. ―
Sua voz baixa e rouca fez um turbilhão de sensações explodirem
em minha cabeça.
― Eu gosto de você de terno ― sussurrei.
Lucca colocou as mãos nos meus ombros e se inclinou,
colando a boca em meu ouvido.
― Mas te prefiro sem nada ― ele soltou e se afastou, pegando
minha pequena Prada na mala e me oferecendo. ― Pronta?
Eu suspirei, aceitando-a.
― Sim.
― Sorria, Abriela. Será uma noite movimentada.

Ele não estava mentindo.


Quando uma limusine parou na porta do hotel para nos buscar,
uma mulher de vermelho, muito bem-vestida estava nos esperando
com duas taças de champanhe e enquanto Lucca recusou a sua,
encorajou-me a pegar a outra, mas antes que eu bebesse, ele fez
um sinal para esperar.
― Você não vai se importar de tomar um gole da taça da
minha esposa primeiro, Aslan. ― Não foi uma pergunta, mas a
mulher respondeu mesmo assim.
― É claro que não, Lucca. ― Ela me fitou. ― Permita-me,
senhora DeRossi.
Eu lhe entreguei, mas ao invés de observá-la, fitei meu marido.
Intrigada com o sorriso torto, sutil que surgiu em seu rosto.
Quando ela me devolveu, havia uma marca vermelho brilhante
na borda, e eu não queria tomar, mas segurei.
― Agora podemos ir ― disse Lucca.
Não conversamos durante o caminho, mas ela me observava
curiosamente, e nem sequer piscava na direção de Lucca.
Eu queria buscar segurança em seus braços, me encostar nele
e segurar sua mão, mas sabia que era melhor não me mostrar fraca
diante de outras pessoas e menos ainda demonstrar afeição a ele.
Para o mundo, Lucca não tinha motivos para me proteger se eu
ficasse no caminho de coisas maiores.
E eu queria acreditar que se precisasse, ele faria isso.
Eu estava com medo. Mesmo quando entramos em uma
garagem subterrânea e saímos da limusine direto para um elevador
que foi até o último andar eu ainda tremia e não confiava em meus
pés.
Estar com meu pai e meus irmãos era uma coisa, mas esse
era Lucca. Meu marido não era qualquer um. Ele comandava a
maior organização criminosa da Itália. Da Europa, talvez, disputando
apenas com a Bratva em tamanho e poder.
Nada era garantido.
Eu podia estar respirando agora e estar morta daqui a dois
minutos.
Lucca tinha noção de como era vê-lo do lado de fora?
Saímos direto para um terraço. Havia pelo menos seis homens
sentados em sofás pretos que formavam um círculo, e ao redor,
mulheres dançando nuas e seminuas. Além da música baixa que
tocava, tinham homens espalhados pelo espaço ― que imaginei
serem seguranças.
― Lucca! ― um homem com sotaque forte chamou,
levantando-se do sofá de braços abertos. Havia um sorriso sincero
em seu rosto, mas dado ao fato de que ele estava recebendo o meu
marido, o quanto podia ser confiável? ― Vejo que aceitou meu
convite.
― Adonis ― ele respondeu, fazendo-me gelar.
Eu olhei novamente para o homem jovem, surpreendendo-me
por ele ser o chefe da máfia albanesa. Esperava alguém velho,
barrigudo e de cabelos brancos, mas Adonis era bonito, tinha uma
barba grande e bem cortada, vestia um terno cinza e era apenas
alguns centímetros mais baixo do que meu marido.
― Ficamos felizes em recebê-lo ― um segundo homem disse
atrás dele e desviou o olhar para mim. ― E trouxe companhia. Nós
temos mulheres à vontade, mas admiro seu bom gosto, DeRossi.
Ah, meu Deus.
Ele realmente me confundiu com uma prostituta?
Lucca ficou imóvel por alguns segundos, então pegou minha
mão esquerda e a levantou.
― Essa é minha esposa, Kirkin. ― Sua voz era gélida, e ele
me soltou rapidamente, mas antes que qualquer um pudesse prever
o que aconteceria, Lucca avançou e segurou o pescoço do homem,
empurrando-o e praticamente o carregando pelo pescoço. Bateu
sua cabeça na grande mesa redonda entre os sofás. ― Seria bom
vocês pesquisarem sobre seus convidados da próxima vez.
― Luccare ― Adonis o chamou numa voz tensa, mas já era
tarde.
Lucca pegou uma faca entre as armas dispostas na mesa,
apertou a garganta do homem, fazendo-o abrir a boca e segurou a
ponta de sua língua. Eu mal tive tempo de virar o rosto antes que o
corte fizesse o sangue jorrar de sua boca.
Meu marido se levantou, deixando o homem caído e ajeitou o
terno pelo colarinho. Voltou até onde eu estava, apoiou a mão em
minhas costas empurrando-me levemente e nos levou até um dos
sofás.
O silêncio era absoluto, com exceção dos gritos incoerentes e
desesperados do tal Kirkin.
― Por onde começamos? ― Lucca perguntou após um
suspiro.
― Leve-o daqui ― disse Adonis, e rapidamente dois homens
pegaram o homem pelos braços e o levaram pelo mesmo elevador
que entramos. ― Eu poderia ter lidado com isso ― falou com calma,
fitando Lucca.
― Ele insultou a minha esposa, isso não é perdoável. Ele teve
sorte que não o joguei daqui de cima.
Eu tremia, mas quando o ouvi dizer isso, ergui o queixo, meus
olhos buscando seu rosto por qualquer indício do que estava
pensando, mas Lucca estava inexpressivo. Como sempre.
Eu me senti estranhamente protegida... inevitavelmente grata e
lascivamente atraída por suas palavras e seu ato cruel.
Qual era a porra do meu problema?
Adonis se sentou num sofá à nossa frente e indicou a mesa.
― Sirvam-nos. ― Ele girou seu olhar atentamente para todos
os homens presentes, e até para a mulher que havia nos buscado.
― Vamos falar de negócios.
Quando voltamos ao hotel, cerca de quatro horas depois, eu
estava exausta emocionalmente, mas não podia deixar passar a
chance de tentar falar com ele. Entender tudo o que tinha escutado
e visto essa noite.
― Você vai se aliar à máfia albanesa?
Lucca não respondeu por alguns segundos. Tirava o terno de
frente para a janela, olhando para fora.
― Adonis Bakin está perdendo terreno na Albânia com a
aliança entre o governo e os cartéis. Temos algo em comum.
― Isso não responde a minha pergunta ― engoli em seco ―,
a Cosa Nostra nunca fez negócios com alguém de fora.
― É claro que já fez, eu apenas prefiro deixar certos assuntos
em segredo. Nem tudo o que é feito, é bom ser revelado.
Eu pensei um pouco.
― E o que foi aquilo com... ― fiz uma pausa, tentando me
lembrar do seu nome. Mas me senti mal por isso também, o homem
quase morreu por minha causa ― Kirkin.
― Acha que eu deveria tê-lo deixado te chamar de puta e fingir
que não ouvi?
― Não, mas cortar sua língua foi um pouco extremo, não
acha?
Lucca soltou uma risada sinistra, virando-se de frente para
mim. Antes eu tinha a visão dos músculos de suas costas largas,
mas agora podia ver seu peito definido, e junto, as cicatrizes que
enfeitavam de um jeito bruto, mas ainda assim, hipnotizante sua
pele bronzeada.
― Acho que fiz pouco. Eu deveria ter cortado seu pau e o feito
engolir. Deveria ter forçado alguém da organização de Adonis foder
sua bunda para humilhá-lo como ele tentou humilhar você. Mas
cortar sua língua vai impedir que ele diga qualquer merda
novamente.
Eu desviei o olhar, chocada com sua brutalidade.
― Às vezes... se você mostrasse um pouco de compaixão sua
vida não teria tantos riscos. Se mostrasse perdão pelo menos uma
vez, seria perdoado.
Ele inclinou a cabeça para o lado, observando-me
curiosamente.
― Quem foi que enfiou tantos contos de fadas na sua cabeça?
Revirei os olhos.
― Esquece, você não entende.
― Abriela, no mundo em que vivemos, qualquer um poderia
ser o capo. Qualquer um poderia ser o padrinho. Mas eles são a
Cosa Nostra porque eu sou seu líder, e eu mantenho essa posição
como o mais sucedido que já sentou naquela cadeira porque nada
me para. Se depender de mim, as coisas serão olho por olho e a
porra do mundo pode ficar cego. Tenha consciência de que eu
jogaria uma sequência de mísseis para destruir um país inimigo
inteiro se necessário.
― Mesmo sabendo que há mulheres e crianças e...
― Mesmo se Deus aparecesse à minha frente e dissesse que
eu vou para o inferno se fizesse isso. Nada. Me. Para ― declarou,
enfático. Seus olhos tinham uma determinação de ferro e uma frieza
que nunca vi. ― Você falar comigo sobre compaixão e perdão
mostra que definitivamente não tem ideia de com quem se casou.
― Eu sei quem você é ― falei, mas não tinha certeza se
realmente sabia.
― Tem certeza, Abriela? ― Ele se aproximou até estarmos a
menos de um braço de distância, e me analisou de corpo inteiro. ―
Quer que eu te peça perdão?
Encarei seu peito. Meu Deus, ele era enorme. E não só no
tamanho, altura e largura. Mas sua presença era uma coisa que
dominava todo o lugar.
Ele não precisava falar para ser ele. Não precisava agir.
Apenas respirar fazia dele Luccare DeRossi.
― Não, eu não espero gentilezas de você.
― Bom. Muito bem, isso já é um começo.
― Do quê?
― Do resto da sua vida.
Lucca me observou por mais um momento, então foi para o
banheiro e fechou a porta.
Eu soltei a respiração pesada que segurava e desabei na
cama.
Não precisava pensar muito para lembrar das coisas terríveis
que ele fez comigo e ter certeza de que ele realmente não tinha um
traço de bondade em seu corpo, mente ou coração.
Mas nem isso me fez querer estar menos com ele.
Vou usar aquele vestido que você gosta, apertado
E faço meu cabelo bem, bem bonito
E sincronizar minha pele com as batidas do seu coração
Porque eu só quero estar bonita para você
Deixe eu te mostrar como estou orgulhosa de ser sua
Deixe esse vestido uma bagunça no chão
E ainda fico bonita para você
selena gomez, good for you
Acabei cochilando e acordei com o quarto vazio e escuro. Mas
nem isso me assustou. Talvez meus instintos soubessem que eu
vivia com a pessoa mais perigosa com quem podia cruzar, por isso,
o que mais havia para temer?
Tomei um banho demorado, deixando a água quente lavar meu
corpo da sujeira daquela noite e o vapor infiltrar profundamente
meus poros. Se eu tivesse o poder de esquecer o que aconteceu, o
rosto de Kirkin, o momento que ele percebeu que talvez fosse
morrer... o rosto de Adonis tomando consciência de que mesmo
estando em seu país e território, não podia ir contra Lucca.
As chamas que eu senti me queimarem quando quis beijá-lo
ao ouvi-lo dizer que ninguém insultava sua mulher.
Desliguei o chuveiro quando minha pele começou a enrugar.
Vesti o roupão, apostando que Lucca ainda não tinha voltado para o
quarto, mas me surpreendi ao ver que estava lá ao abrir a porta.
O quarto ainda estava numa penumbra impossível de
reconhecer qualquer coisa, mas ele se sentou no sofá próximo à
janela, onde nem as luzes da cidade iluminavam o cômodo. Apenas
a iluminação do notebook me deixava ver seu rosto congelado em
concentração.
Será que se ele fosse feio seria mais fácil resistir a esse
fascínio?
Eu duvidava.
Ele era o homem mais bonito que eu já tinha visto, mas nem
mesmo a beleza era capaz de anular tanta desumanidade.
Bonito, cruel, faminto por sangue e orgulhoso de seu poder.
Esse era o meu marido.
E eu... uma pobre alma que se perdeu facilmente para ele.
Encantada pelos atos maléficos que cometia em nome de me
defender. Fascinada pelo fato de ele amar tanto nosso país que se
tornou o líder de homens tão ruins quanto ele.
Eu não conseguia me mover, fiquei observando-o.
Seus cabelos estavam bagunçados, sua postura era relaxada,
mas ainda assim, ele parecia feito de pedra. Deixei meus olhos
vagarem pelo seu peito mal iluminado. Eu podia ver os poucos
cachos escuros sobre sua pele e por um momento meus
pensamentos voaram sobre passar meus dedos por eles.
― Se você tem algum pingo de sanidade, sugiro que pare de
me olhar assim e vá se deitar. ― Sua voz era rouca e baixa.
― Eu sou sua esposa.
― Eu não me esqueci. ― Dei leves e lentos passos até ele e
me ajoelhei na sua frente.
― Eu quero ser sua mulher também.
Um sorriso irônico cruzou sua expressão até então, vazia.
― Parece que eu não sou o único perdido em pecados aqui.
Minha jovem esposa ficou excitada vendo como eu arranquei a
língua de alguém por ela.
Eu desviei o olhar, deixando minhas mãos caírem do laço do
roupão.
― Isso... eu... Não tem nada a ver.
― Então você me deseja? ― Ele colocou o notebook na
pequena mesa ao lado do sofá. ― Quer ser tocada pelo monstro?
― A provocação em sua voz baixa e rouca era clara, e eu devia ter
me afastado. Queria me afastar, mas uma parte minha ― aquela
que eu estava começando a reconhecer e querer lutar contra ― se
sentiu tocada e... molhada com suas palavras.
― Eu vejo o jeito como você olha para mim. Você me tocou
antes.
― Eu não poderia mantê-la virgem.
― Mentira ― respondi incisivamente, sentindo-me ofendida e
rejeitada. ― Você gosta de estar comigo.
― Sim, eu gosto de foder você.
Respirei fundo, procurando coragem.
― Então... me toque. Você disse que não tem escrúpulos ou
moral. Disse que nada te para.
― Eu disse, mas você me olha como se esperasse que eu
fosse te levar para a cama e prometer coisas. Eu não vou te dar
esperança de algo que nunca vai existir.
Eu me levantei lentamente e me sentei em seu colo. Uma
perna de cada lado. Senti-o ficar tenso na mesma hora.
― Abriela. ― Era uma advertência clara, e eu ignorei. ― Não
provoque se não está disposta a receber tudo que eu tenho pra dar.
Peguei suas mãos e coloquei sobre minhas coxas. Abri o
roupão e o deixei deslizar pelos meus braços, caindo aos pés de
Lucca.
― Eu sei que você me mataria se eu ficasse no seu caminho,
sei que nunca vamos ter uma família e que ― fiz uma pausa,
digerindo as próximas palavras ― que nunca vou ter o seu amor.
Mas apenas hoje, quando eu preciso esquecer tudo o que vi mais
cedo e nós estamos nessa cidade incrível, me dê essa ilusão.
Desejo puro e cru incendiou seus olhos. Lucca respirava
pesado, seu peito subindo e descendo. Eu espalmei as duas mãos
em sua carne, sentindo-o quente.
― Não vai significar nada para mim ― disse ele.
Eu assenti olhando em seus olhos uma última vez antes de
levantar minhas mãos, que tremiam mais do que tudo e segurar seu
rosto, aproximando-me delicadamente e juntando nossos lábios.
Pretendia continuar daquele jeito, mas ele separou nossas bocas e
grunhiu.
― Vai ser do meu jeito.
Lucca segurou minha nuca e beijou minha boca ferozmente.
Ele foi o meu primeiro beijo, mas eu sabia que diferente de
muitas mulheres do nosso mundo, ninguém podia ser melhor. Nós
não nos amávamos, porém estávamos tão atraídos um pelo outro
que nada mais importava.
Eu queria dar tudo o que tinha, queria que ele deixasse meu
corpo exausto a ponto da minha mente implorar que parasse, e ele
parecia um animal me dominando. Dando tudo o que eu tinha para
aguentar e quando eu não aguentava, ele me forçava a isso.
Sua língua passava por cada canto da minha boca. Ele
deslizou as mãos pela minha pele e segurou meus seios, apertando
tão forte que eu gritei contra sua boca. Lucca agarrou meus quadris
e me puxou para frente, fazendo-me sentir seu pênis duro em minha
entrada. Havia apenas sua calça de seda entre nós.
― Lucca... ― sussurrei alucinada.
― Quieta ― sussurrou de volta. ― Você pediu, agora vai
tomar.
Tirei minhas mãos de seu cabelo e segurei o cós da calça,
tentando puxá-la para baixo. Assim que consegui, toquei levemente
a pele quente.
― Vai me chupar primeiro. Ajoelha. ― Seus rosnados contra a
minha boca eram selvagens, faziam algo em mim tremer. Ele
desceu a mão em minha bunda num tapa ardido.
Eu escorreguei de seu colo para me ajoelhar novamente de
frente para ele.
― Eu não sei se já sou boa nisso ― murmurei, envergonhada.
Ele empurrou a calça mais para baixo, e eu a tirei de seus
calcanhares, jogando de lado. Lucca segurou meu queixo,
inclinando-se e mordeu meu lábio.
― Você não tem ideia de como isso me deixa louco. ―
Tomando coragem, eu envolvi minha mão em volta dele e apertei-o
levemente. ― Mais forte.
Fiz como ele disse, apertando, movendo minhas mãos e
apertando a carne dura entre meus dedos. Eu olhava atentamente,
querendo pegar e explorar cada pedacinho. A vontade que veio de
enfiá-lo na boca me fez lamber os lábios.
― Porra, Abriela ― ele grunhiu, segurando meu cabelo ao se
inclinar. Suas coxas fortes me apertaram entre elas.
O abdômen dele contraía com meus movimentos e foi lindo ver
sua reação. Eu podia não ser especialista, mas ele gostava. Eu
pressionei meus seios em suas pernas, fechando os olhos quando
senti o atrito dos pelos em meus mamilos.
Ele estreitou os olhos azuis, cravando sua atenção em meus
olhos, meus seios e minhas mãos.
Eu estava tão excitada que se tocasse meu clitóris com um
pouquinho de força, ia gozar.
Eu queria tanto vê-lo gozar que chegava a doer.
― Você vai me avisar se eu estiver fazendo errado? ―
perguntei, insegura.
Ele levantou uma sobrancelha.
― Não poderia ser melhor. ― Inclinando-se, reivindicou meus
lábios. O aperto dos meus dedos parecia deixá-lo louco.
Ele começou a empurrar os quadris para encontrar minhas
mãos, mas eu me afastei antes que gozasse, ouvindo sua
respiração e os sons brutos que escapavam de sua garganta,
envolvi a cabeça de seu pênis em meus lábios. A coroa estava
molhada e tinha um toque salgado que me fez esfregar os lábios
como se passasse batom.
― Ah, caralho...
Ele se recostou no sofá novamente.
Eu ergui minhas mãos e toquei sua barriga, incapaz de manter
meus dedos longe dele.
Incapaz de parar de buscar qualquer proximidade.
Gemi com a boca nele e tentei engolir mais, mexendo minha
língua como se chupasse um sorvete delicioso. Meu Deus, era tão
gostoso. E Lucca não gostava das coisas devagar, ele queria força.
Percebi que gostava de ser chupado como gostava de me
comer.
Forte, rápido.
E dei isso a ele.
Chupei e comecei a mover minha cabeça para cima e para
baixo, perdendo um pouco os sentidos e revirando os olhos quando
senti suas mãos girando meus mamilos.
Rosnando, ele segurou meu cabelo quando eu senti o líquido
quente em minha garganta. Olhei para cima e seus olhos azuis
brilhavam de puro desejo. Ele nunca esteve tão bonito.
Quando fechou os olhos e soltou meu cabelo, eu deixei minha
cabeça cair contra sua perna e fiquei lá. Embora pulsasse de
desejo, não queria quebrar o momento, podia aguentar.
No entanto, não demorou muito, Lucca levantou-se, jogando-
me em seu ombro e me derrubando na cama.
― Lucca!
Admirei seu corpo duro, definido e poderoso de longe. Ele
caminhou até o frigobar, onde acima, havia uma garrafa de Bourbon.
Eu não podia negar que queria que me abraçasse, queria senti-lo
em volta de mim, mas não me atreveria a pedir isso.
Ele deixou claro do que se tratava e eu concordei.
Ele tomou uma dose sem tirar os olhos de mim. Eu apertei
minhas coxas juntas, buscando algum alívio para aquela dor.
Lucca reparou e deu um leve inclinar de lábios.
― Esperando alguma coisa? ― Ele se inclinou em cima de
mim, colocando um joelho entre minhas pernas e beijando meu
pescoço, revezando com mordidas leves que arrepiavam minha
pele.
Eu gemia sem disfarçar, segurando seu cabelo, apertando
seus braços.
― Sua boca é o paraíso, mas aqui ― ele levou sua mão até o
meio das minhas pernas e passou os dedos levemente pela minha
abertura ― será infinitamente melhor ― sussurrou, e eu gemi.
― Lucca, eu não posso esperar. Por favor, faça amor comigo.
― Ele balançou a cabeça e enfiou um dedo em mim.
― Chame pelo que realmente é. ― Eu gritei quando senti um
segundo dedo me alargando e sua boca sobre meu mamilo.
― Por favor...
― Esses peitos, porra! Diga para mim o que é. O que eu disse
que íamos fazer, Abriela? ― Fechei meus olhos bem espremidos e
agarrei os lençóis.
― Coloque seu pau em mim. ― Ele deu um tapa no meu
clitóris que me fez gritar.
― Diga, caralho. ― Eu perdi a cabeça, louca de vontade,
desejo e tesão.
― Foda-me! ― gritei.
Lucca facilmente me virou de barriga para baixo, erguendo
minha bunda e sussurrou no meu ouvido:
― Isso é o que é. Uma foda.
Mais uma vez eu afastei suas palavras da minha cabeça e
foquei na sensação de seu corpo junto ao meu, de seus braços
fortes me segurando. Eu só queria sentir. A cabeça de seu membro
encostou em meu clitóris e ele me torturou, roçando-o algumas
vezes antes de finalmente me penetrar.
Meu grito era desesperado. Eu me sentia incrivelmente
preenchida.
Lágrimas brotaram em meus olhos.
― Eu sou um homem terrível, mas as coisas que penso sobre
você... Você é o meu maior pecado, Abriela. ― Seus rosnados no
meu ouvido eram alucinantes, fazendo-me guardar cada uma das
sensações no fundo da mente. Ele agarrou minha cintura e
movimentou os quadris, empurrando profundamente dentro de mim.
“Você é meu maior pecado, Abriela.”
Eu deixei aquela frase acariciar meu coração e a guardei numa
caixa de memórias imaginária, onde estavam todas as palavras
bonitas que já me disse.
Lucca saiu de dentro de mim e enfiou dois dedos, levando-os,
em seguida, à minha boca.
― Chupe, sinta o seu gosto. Entenda porque eu me perco na
sua boceta.
Suguei seus dedos enquanto ele mergulhava dentro de mim
outra vez e a cada estocada parecia ir mais fundo. Todo aquele
monte de sensações, o cheiro de sexo no ar, suas mãos fortes e
calejadas, estavam me deixando louca. Ele puxou sua mão, e eu
gritei ao sentir os dedos cheios da minha saliva e excitação em meu
clitóris, onde ele beliscava e acariciava, deixando-me à beira do
orgasmo.
― Porra, Abriela ― ele chamou como uma canção, cada
palavra acompanhada de uma investida em mim.
Olhei por cima do ombro, gritando, quando os primeiros
espasmos controlaram totalmente o meu corpo, e eu o senti mais
apertado dentro de mim, minha boceta o envolvendo quase a ponto
da dor. Ele ia tão fundo que eu mal podia respirar. Fiquei em meus
joelhos, encostando em seu peito e envolvi as mãos em seu
pescoço por trás, puxando-o para um beijo que foi o seu fim.
Enquanto eu gozava forte em seu pau, Lucca derramava todo o seu
sêmen dentro de mim.
Eu mal acalmei minha respiração, e ele já estava saindo de
mim, indo até a janela com um cigarro.
Tudo o que eu queria era ter o poder de ler a mente dele.
Saber o que se passava por trás daquela dureza.
Enquanto o observava, a exaustão foi ganhando força, logo o
sono me engoliu.
Ainda estava escuro quando abri os olhos, mas assim que fui
tomando consciência do meu corpo e local, percebi que minha
perna estava sobre outra perna e meu braço, em volta de uma
estrutura grande e forte.
Além dos olhos, eu não movi um músculo.
Em algum momento Lucca deve ter voltado para a cama e
estava num sono pesado para não ter percebido que eu estava
agarrada a ele como um bicho-preguiça a um galho de árvore.
Apenas fiquei ali, observando — agora muito alerta — como
meu marido parecia incrivelmente bonito e pacífico dormindo. Ainda
tenso, mas tão bonito.
Levantei um pouco a cabeça para olhar o relógio ao lado da
cama. Quase quatro da madrugada.
Eu deveria arriscar me mexer e arriscar tê-lo olhando para mim
como se tivesse cometido um crime ao tocá-lo? Deveria fingir que
continuava dormindo, mesmo que meu corpo estivesse em alerta?
Mais uma vez me peguei dividida entre aquela sensação de o
que devia fazer e o que queria fazer.
Devia me afastar dele e voltar a dormir, esquecer que isso ―
esse momento ― aconteceu.
E queria levantar minha mão e acariciar seu rosto, seu peito,
seus braços, todo ele. Todas as partes que não eram minhas, mas
sabia que já era sorte demais eu ter acordado e nos pegado
daquela forma.
Eu sabia que não ia conseguir pregar os olhos novamente, e
abusando da sorte, pousei a mão levemente exatamente onde batia
seu coração.
Vários pensamentos passaram pela minha cabeça.
Será que estarmos dormindo desse jeito ainda fazia parte do
meu pedido a ele? De que pelo menos naquela noite ele me desse o
que eu desejava? Ou dormíamos juntos sempre, e eu nunca
percebi?
Sentindo as batidas do coração de Lucca, aquele que ele
insistia em dizer que não tinha, perguntei-me se seria possível fazê-
lo bater por mim.
Algo aconteceu pela primeira vez
No pequeno paraíso mais obscuro
Abalada, tonta, eu só preciso de você
Por você, eu passaria do limite
Eu desperdiçaria meu tempo
Eu perderia minha cabeça
Meu nome é o que você quiser que seja
E eu só vou te chamar de meu
Estou fora de mim, mas sou seu amor
Ecos do teu nome dentro da minha mente
Auréola, escondendo minha obsessão
E amor, por você, eu cairia em desgraça
Apenas para tocar seu rosto
Se você fosse embora
Eu te imploraria de joelhos para ficar
Não me culpe, o amor me deixou louca
Se você também não fica, não está fazendo direito
Senhor, salve-me, minha droga é meu amor
Vou usá-la pelo resto da minha vida
taylor swift, dont blame me
Era uma ironia perversa do destino que eu tenha acordado
com o corpo completamente relaxado. Eu devia estar morrendo de
medo, assustada e fragilizada, e saber disso era a pior parte.
Porque eu não estava.
Quando acordei, Lucca estava abotoando uma camisa preta e
já com calça e sapatos para sair.
― Bom dia ― falei. Minha voz rouca parecia o único indício de
cansaço.
― Vamos tomar café da rua. Vista-se e me encontre no bar.
Ele me deixou sem dizer mais nada e eu me levantei, sentindo-
me uma idiota por desejar tocá-lo e me contentando com sua posse
porque não podia ter seu carinho, enquanto ele me tratava pior do
que uma prostituta da Cosa Nostra.

― Acha que temos tempo para algumas compras antes de


voltar ao hotel? ― perguntei, dando mais uma golada em meu café
com creme.
Ele ergueu uma sobrancelha escura sem tirar os olhos do
celular.
― Vai comprar um presente para mim, esposa?
― Quero encontrar alguma coisa para minhas irmãs e minha
sogra.
Dessa vez, eu consegui sua atenção. Os olhos de Lucca
voaram nos meus.
― Pensei que eu a tinha avisado sobre intimidades com a
minha família.
― Nós somos casados. Ela é minha família agora também.
― Limite-se a cumprimentos formais, para seu próprio bem.
Ele voltou a fitar o celular.
Não percebeu que eu estava de branco porque ele gostava de
mim assim.
Não reparou que eu usava um brinco que encontrei numa
caixinha de veludo quando ainda estava isolada na Sicília ― por
orgulho, eu não quis perguntar a Martina quem me enviou, mas
quem poderia ser além dele?
― Estamos sentados aqui há pelo menos meia hora e você
não tirou os olhos do telefone ― falei suavemente, mesmo que
minha irritação estivesse quase explodindo por sua falta de atenção.
― Estou me atualizando das notícias da nossa pátria. Mas
essa nota de sarcasmo em sua voz ― ele estalou a língua ―, não
se engane ao pensar que pode me controlar, Abriela. Você me
pertence, mas eu não pertenço a ninguém.
― Foi esse o lema que você usou para me trair nos quatro
meses que me manteve longe? ― Engoli em seco. Aproveitar que
estávamos em público para tentar deixá-lo sem saída podia ser
estúpido e se virar contra mim, mas era minha única opção. Eu
estava sendo corroída por curiosidade.
Lucca sorriu.
Meu Deus.
Que sorriso terrível.
Eu vi algo parecido quando assisti a um filme de terror. Parecia
que a maldade nos olhos do ator não podia ser contida, como se as
sombras de tudo o que era ruim no interior vazasse através de seu
rosto.
Quando Lucca deixou o telefone na mesa e sorriu torto, com
seus olhos azuis dilatados eu senti arrepios dos pés à cabeça. Ele
pegou minha mão em cima da mesa e discretamente me puxou,
fazendo meu estômago bater na mesa e minha taça cheia de água
cair, atraindo a atenção de um casal na mesa ao lado.
― Sorria ― disse ele. Eu obedeci, sentindo-o apertar minha
mão.
― Luccare...
― Eu precisava de sexo como preciso de ar para viver na
juventude, muito tempo atrás. Até os dezenove ainda era governado
pelo tesão, mas quando você se torna um homem obcecado por
dilacerar corpos e sente prazer vendo sangue escorrer dos lugares
mais inexplorados do corpo... sexo se torna algo até mesmo...
dispensável. Eu gosto de foder você, minha esposa, porque não
importa quantas vezes eu tenha o seu corpo, toda vez que termino,
ainda há um pingo de sangue no lençol. Ou no meu pau. Gosto de
te comer porque seus olhos gritam de terror, mas seu corpo quer
gozar em minhas mãos.
Ele me soltou e eu me recostei na cadeira, respirando
pesadamente.
― E-eu preciso ir ao banheiro.
― Você não vai a lugar nenhum. ― Eu fiquei paralisada,
evitando seus olhos. ― Olhe para mim, Abriela. Agora.
Eu engoli em seco e o fitei.
― Eu não tenho que ouvir essas coisas, você me dá nojo.
― Era nojo em sua boceta ontem, depois que eu cortei a
língua de um homem por ter te ofendido? ― Ele inclinou a cabeça
de lado, observando-me. ― Eu não te traí, Abriela. Poderia, mas
não preciso de uma mulher sentando na porra do meu pau para
conseguir alívio. Para isso eu mato. Para isso eu torturo. Nos quatro
meses que você ficou fora. ― Ele se recostou na cadeira, abrindo o
guardanapo no colo com tanta classe que nem parecia ele. ― Eu
me ocupei de dizimar até o último membro do Cartel Santamaria.
Deixei meus homens para fazerem o que quisessem com as
mulheres, liberei as crianças para a rua à sua própria sorte e
explorei minha criatividade com os homens. Um por dia. Um por
noite. Quando acabei fui te buscar.
A sinceridade e calmaria com que ele me confessou tal crime...
tais atrocidades, teriam me feito levantar e correr do restaurante se
não fosse o grande burburinho se formando ao nosso redor. As
pessoas se levantavam, choravam, os trabalhadores pararam.
Celulares tocando em cada mesa e certo caos na rua.
― O que está acontecendo?
― Nada que nos diga respeito. ― Havia algo na voz dele.
Satisfação talvez? Eu não sabia, mas de repente a TV do salão foi
ligada e todos fizeram silêncio para ouvir. Imagens de uma explosão
tomavam a tela. Eu cobri a boca com as mãos, tamanha a força do
vídeo.
“A polícia albanesa investiga um ataque que aterrorizou a
população nessa manhã. Essas imagens são diretamente da Praça
Skanderberg, centro de histórias da cidade e onde ocorrem grande
parte das festividades de Tirana que nessa manhã foi acometida por
um ato de violência sem precedentes. As pessoas que passavam
por perto ou conseguiram fugir, ainda estão muito abaladas para
falar o que sabem com clareza, mas acreditam se tratar de bombas
que explodiram em mais de um local. A estátua do herói nacional,
Skanderberg, não sobreviveu ao ataque que deixou
aproximadamente noventa mortos e vinte feridos. O Museu de
História Nacional localizado na praça também não ficou de pé. É
uma manhã de luto e revolta para a nação, e esperamos ter
respostas das autoridades em breve, mas acima de tudo, torcemos
para que peguem os culpados antes que ataquem novamente.
O país lamenta a perda dos lugares históricos e referências
para a cultura e informação. Existem suspeitas de um ataque
terrorista, mas nada confirmado. Continue acompanhando as
notícias para saber mais informações.”

Em meio ao choro, tristeza e revolta das pessoas, eu tirei


meus olhos da TV e fitei meu marido. Que tinha os olhos fixos e
vazios na tela, e uma mão no queixo, apoiando-se na mesa.
Eu não teria suspeitado.
Mesmo tendo visto o que vi ontem, mas quando a jornalista
voltou a falar sobre justiça, o lábio de Lucca contraiu, e a sombra de
um sorriso apareceu antes que ele me fitasse.
Não.
― Lucca ― chamei com cuidado. Seria errado da minha parte
acusá-lo sem ter certeza, mas algo em mim tinha.
― Sim? ― Ele parecia ansioso. Havia desafio em seus olhos,
como se torcesse para que eu perguntasse.
― Você acha que o incidente de ontem tem algo a ver com
isso?
― Esta é realmente a pergunta que você quer fazer? ― Eu
fechei os olhos, negando-me a acreditar.
Noventa mortos.
Vinte feridos.
Bombas em praça pública destruindo partes de um lugar que
ainda lutava para se reconstruir das manchas de seu passado.
Como ele pôde?
Aliás... como eu hesitei em acreditar?
― Por quê? ― Minha voz era apenas um sussurro.
Lucca encolheu os ombros.
― Negócios.
― Pessoas morreram! Sem contar as que perderam seus
empregos, as crianças que vão crescer e não terão esses lugares
cheios de história para visitar e conhecer.
Ele franziu a testa.
― Você continua agindo e pensando como se eu me
importasse.
Ele jogou seu dinheiro sujo na mesa e se levantou, segurando
meu cotovelo e me levando para os fundos do restaurante. Quando
fechou a porta do que parecia uma dispensa, eu me puxei de seu
aperto.
― Por favor, Lucca, me diga que não fez isso pelo que Kirkin
disse ontem?
Ele riu sombriamente.
― Abriela, eu não sou tão dramático. Isso já estava planejado.
Por mim, uma única nação ficaria de pé além dos destroços desse
mundo: a Itália. E nela, a famiglia reinaria sobre o caos. Essa é uma
mensagem para os albaneses de que eu farei absolutamente tudo
para queimar quem tentar contra nós.
― Você ama tanto sua nação que esquece que eles vão
revidar! Eles sabem que você está aqui. ― Aproximando-se, ele
pegou uma mecha do meu cabelo e colocou atrás da orelha,
lançando-me um olhar zombeteiro.
― Por que eu atacaria a cidade onde estou em lua de mel com
a minha esposa? ― ele sussurrou, acariciando minha bochecha.
Então, eu percebi.
― Você me usou.
Ele me olhou por um tempo.
― Vamos voltar ao hotel e fazer as malas. Preciso estar de
volta à Itália ainda hoje.
Ele se virou para sair, mas eu corri atrás enquanto lágrimas
caíam pelo meu rosto, eu desferi um tapa em seu rosto. O diamante
do meu anel de noivado cortou seu lábio, imediatamente formando
uma gota de sangue.
― Você é um monstro!
Lucca segurou meus pulsos em sua mão direita e me
empurrou contra a parede atrás de mim. Eu fiz um som de dor ao
bater as costas, ele se abaixou ao nível dos meus olhos.
― Sim, eu sou. Considere-se a minha maior vítima, pois
enquanto meus inimigos encontram consolo na morte, você nunca
vai acordar desse pesadelo.
Ele se ajoelhou à minha frente e segurando o tecido de linho
entre minhas coxas, puxou e rasgou, desequilibrando-me.
― Lucca! ― gritei, tentando me afastar, mas ele rapidamente
voltou a sua altura e ergueu minha perna direita.
Quando passou dois dedos no tecido da minha calcinha, eu
comecei a chorar.
Porque eu não queria, mas queria. Eu sempre ia querer aquele
homem.
E porque aquilo em seus olhos que me chamava me fez
segurar seu pescoço. Quando ele afastou a calcinha fina para o
lado, eu enfiei meu rosto em seu pescoço, sentindo-o me penetrar.
Meu gemido saiu entre um soluço e outro. Conforme Lucca
investia com impactos fortes, mas devagar, eu não tentei esconder
meu desespero.
Chorei segurando seu cabelo preto enquanto ele me
humilhava.
Porque sabia que eu não diria não.
Porque ele sabia que no fim do dia, alguma coisa me fazia
ceder a ele, ainda que eu quisesse.
Nós buscamos um ao outro com uma fome arrebatadora. Nós
não nos beijamos, mas nossos corpos lutavam em uma corrida pelo
ápice.
Eu gozei mordendo seu pescoço, e ele gozou mordendo o meu
ombro. Eu gritei com a pontada de dor que se espalhou pela região.
Ele se afastou, fechando o zíper da calça e tirando seu terno.
― Vista isso. ― Ele jogou a peça em mim. ― Deve ficar um
vestido em você.
Eu olhei a mordida em meu ombro, vendo-a ficar arroxeada e
vestígios de sangue. Olhei para ele assustada.
― É do meu lábio. Parece que embora eu aprecie violência,
um de nós gosta de incluí-la fora do sexo no casamento.
Eu não ia deixá-lo me fazer sentir culpada por ter lhe batido.
― Eu não queria isso.
Lucca estreitou os olhos.
― Não. Minta. Para. Mim ― ele disse cada palavra com o
peso de uma sentença antes de caminhar para longe. Segurou a
maçaneta da porta, mas me fitou sobre o ombro antes de abrir. ―
Agora que você acordou e percebeu que sou realmente um
monstro, pare de sonhar. As fantasias que você tem comigo não vão
acontecer.
Eu estou indo direto para o castelo
Eles querem fazer de mim sua rainha
Dizendo que eu provavelmente não deveria ser tão má
Eu estou indo direto para o castelo
Eles trancaram o reino
Dizendo que eu provavelmente deveria manter minha linda
boca fechada
halsey, castle
Duas semanas se passaram desde que voltamos à Itália, mas
nenhum dos dois tocou no assunto. Eu não falei sobre o que tinha
acontecido. Nem o sexo, nem suas ameaças, Kirkin ou o ataque
terrorista que deixou na verdade, cento e vinte pessoas mortas em
uma única manhã.
Eu chorei nos três primeiros dias e fui à igreja rezar pelas
almas de quem foi e de quem ficou sofrendo por aquelas pessoas.
Lucca sabia porque viu meu rosto inchado e meus olhos
vermelhos quando me procurava para sexo, mas nunca disse nada.
O que eu agradecia profundamente.
Eu queria conversar sobre tudo aquilo com minhas irmãs, mas
não podia. Essa foi a única instrução que ele me deu.
― O que acontece nos meus negócios, diz respeito a mim. Se
alguém souber de coisas que deveriam ficar dentro dessa casa, eu
vou começar a matar pessoas que você ama ao invés de isolá-la do
mundo.
Eu vivia para odiá-lo e esperava por momentos em que sua
gentileza limitada apareceria. Como quando ele me levou até a casa
do meu pai para ver minhas irmãs e abriu a porta, esperando no
carro até que alguém me recebesse. Ou quando ele me apresentou
um jardineiro, dizendo-me que eu tinha carta branca para fazer o
que quisesse porque o jardim estava ridículo e a casa de um chefe
precisava ser bem-cuidada.
Porém, eu aprendi a observá-lo melhor e reconhecer suas
facetas.
A paranoia que nunca ia embora, os pesadelos que ele tentava
esconder para não me acordar, a quantidade absurda de cigarros
que fumava e o quanto bebia todas as vezes que voltava tarde
demais para a casa.
Em todas elas, sexo foi a combinação que o aliviava. Ou pelo
menos parecia acalmá-lo.
Ele voltava para a casa no meio do dia e me fodia, não
importando onde eu estava. No banho, cozinhando, no jardim, na
piscina, em nossa cama. Qualquer lugar.
Ele aparecia me dando ordens e ia embora como se fosse
minha obrigação recebê-lo, satisfazê-lo e calar a boca.
E era. No mundo dele era, e eu aprendi que deveria ser assim.
Mas com o passar dos dias isso começou a me fazer questionar
tudo o que aprendi, porque eu queria mais.
Depois de almoçar, procurei Juliano pela casa e o encontrei
conversando com o jardineiro nos fundos.
― Boa tarde, Juliano. Eu gostaria de ir comprar algumas
coisas, mas posso pegar um táxi se você estiver ocupado.
Ele ergueu as sobrancelhas, como se dissesse “acha que eu
sou idiota?”
― Boa tentativa, senhora DeRossi. Onde quer ir?
Encolhi os ombros.
― Eu quero comprar comida, talvez alguns doces. Estou com
vontade. ― Minha boca encheu d’água só de pensar nas maravilhas
que encontraria para comer.
Quando chegamos ao centro, pedi que Juliano estacionasse
próximo à avenida dos comércios.
― Quero caminhar e dar uma olhada em tudo.
Observei todas as lojas pelas quais passamos como se fosse
uma turista. Eu nunca tinha visitado o centro com o intuito de
comprar e explorar. Papai nunca deixaria, nem mesmo
acompanhada.
Parei em algumas e comprei algumas coisinhas, deixando as
sacolas pesadas com Juliano. Eu não era louca por doces, mas nos
últimos dias estava procurando receitas e desejando comer algo
diferente.
Entrei num Pet Shop para comprar comida para peixes já que
perto de casa havia um lago. Fiquei olhando tudo em volta quando
um choro baixinho me chamou a atenção.
Comecei a procurar e vi quando a atendente do balcão revirou
os olhos.
― Só um minuto, senhora, esse cachorro não para de vir pedir
comida.
Ela foi até a porta e começou a fazer sinal para um pequeno
cão sair. Ele hesitava, recuando passos cuidadosos para trás e a
fitando com tanto medo e tristeza que me partiu o coração.
― Ei ― eu a interrompi. ― Vocês têm mais do que o suficiente
para dar um pouco a ele.
Ela riu sem humor.
― E quem é que vai bancar duas refeições por dia, madame?
― Cuidado com o seu tom ― Juliano disse atrás de mim.
― Está tudo bem, Juliano.
Um homem da terceira idade apareceu vindo de uma porta nos
fundos.
― Está tudo bem por aqui? Eu ouvi... ― Ele parou de falar
quando colocou os olhos em Juliano e abaixou a cabeça. ― Senhor,
posso lhe ajudar em algo?
― Diga a sua funcionária para mostrar respeito, Túlio.
Eu nunca o tinha visto daquele jeito, mas entendi por que era o
soldado de maior confiança do meu marido.
― O que você fez, Angie?
― Está tudo bem ― interferi. ― Eu só quero comida de peixe
e deixar créditos para que deem ração para aquele cachorro ―
apontei para fora, mas ele não estava mais a vista ― um momento.
Eu saí da loja procurando-o. E o encontrei deitado, respirando
de um jeito fraco e com a língua para fora. Ele estava muito sujo,
mas eu não identifiquei machucados visíveis.
Pobre criaturinha.
― Juliano, consegue pegá-lo? ― Antes de ouvir sua resposta
voltei para dentro da loja, pegando dois cobertores, a ração mais
cara do lugar e a comida de peixe. Deixei em cima do balcão. ― No
cartão, por favor.
― É por conta da casa, senhora.
Franzi o cenho.
― De jeito nenhum, eu insisto. Angie não fez nada errado.
Cobre a conta.
Túlio engoliu em seco, mas balançou a cabeça.
― Senhora, por favor, aceite como um presente. ― O
desespero em sua voz e o fato de que ele não me olhava nos olhos
deixava claro que seu medo seria impossível de superar.
Eu cuidaria daquilo depois. Peguei as coisas do balcão e
assenti.
― Obrigada.
Juliano me esperava do lado de fora com desconfiança.
― Abriela ― ele hesitou, curioso.
― Eu vou levar esse rapaz para a casa. Olhe só pra ele. Está
faminto e sujo.
― Senhora, eu acredito que seja óbvio, mas o chefe não vai
aprovar isso.
Eu me levantei com o cachorro enrolado no cobertor no colo e
estreitei os olhos.
― Sabe por que eu ainda não estou morta, Juliano? Porque
sei convencer meu marido de coisas que vocês apenas sonham.
Agora por favor, me leve para casa.
Eu não devia ter dito aquilo, mas Lucca tirou tantas vidas em
nome da famiglia, talvez aceitasse salvar apenas uma que não o
afetaria em nada.
Minha vida era uma rotina agonizante, e, certamente, ter
companhia seria bom.
Eu sabia o básico sobre cuidados com um cão, mas podia
contratar um adestrador caso ele desse trabalho e tínhamos
dinheiro mais do que suficiente para cuidar de suas necessidades
como veterinário, alimentação e mimos.
Eu estava encantada por aqueles olhinhos caídos que me
observavam como se implorasse por ajuda. Por colo.
Ele me lembrava de mim. Sabia que estava condenado, mas
ainda tinha esperanças de um final feliz.
Ele era tão pequeno e cabia tão bem no meu colo que eu não
queria soltá-lo nunca mais.
Passavam das quatro da tarde quando pisei dentro de casa.
Fiz Juliano parar em um veterinário, e após alguns exames ele
foi liberado para um banho. Seus pelos foram devidamente
aparados e ele foi vacinado para imunidade, raiva e gripe.
Tomando vermífugo e antipulgas, eu esperei que fosse
aplicado o soro por quarenta minutos, já que ele apresentava sinais
de desidratação e má alimentação. Os exames de sangue seriam
liberados em vinte e quatro horas, mas ele não precisou ficar
internado.
Quando perguntei ao doutor se ele tinha uma raça analisou
melhor o meu bebê resgatado.
― Acredito que ele tenha em torno de 3 a 5 anos e é uma
mistura que conhecemos como Cockapoo.
― Mistura? ― Eu sorri observando seus olhinhos que não
desgrudavam de mim mesmo quando o veterinário falava.
― Poodle e Cocker Spaniel. ― Ele sorriu. ― Esse mocinho
vale muito no mercado. Seria bom castrá-lo. Imagino que a senhora
não vai buscar o dono?
― Eu sou sua dona. Eles o abandonaram. Ele é meu.

Coloquei o pequeno rapaz no chão e assim que ele sentiu o


sofá, ergueu a cabeça e observou tudo em volta. Ele se levantou e
ficou olhando para o chão.
― Você quer descer? Quer explorar?
Com a língua para fora, ele colocou as duas patinhas da frente
em minhas pernas e se esticou para lamber meu rosto.
Rindo, eu o desci no chão.
Ele ficaria bem e ao pensar nisso, senti uma verdadeira alegria
explodir no peito.
O cãozinho começou a cheirar sem parar, vagando pela sala.
Sem conseguir me segurar, enviei uma foto para Anita, Alessa e
Santo. Minhas irmãs acharam graça e, assim como eu, ficaram
encantadas de primeira. Todos queriam atualizações diárias. Eu
recusei uma chamada de vídeo de Anita, recebendo uma
mensagem de volta dizendo que eu pagaria por isso.
Eu precisava pegar meu notebook e comprar algumas coisas
essenciais para ele. Seus potes de comida, os remédios receitados,
vitaminas e alguns brinquedos.
Quando me levantei para fazer isso, ouvi a porta abrindo e
passos no corredor.
O cachorro correu naquela direção e no mesmo instante Lucca
e mais quatro homens apareceram. Os latidos do cachorro e suas
patinhas aceleradas no chão fizeram o silêncio parecer interminável.
Todos o observavam.
Ele corria e batia feito louco nos pés dos homens. Eu o peguei,
sorrindo sem graça.
― Senhores, peço desculpas, ele ainda é um bebezinho.
Evitei o olhar do meu marido, embora o sentisse.
Eu era tão estúpida. Não seria dificuldade nenhuma para
Lucca apenas dar um tiro no meu cachorro. E eu podia jurar que ele
faria isso, só pela cara com a qual estava me olhando.
O mais velho sorriu e passou a mão pela cabeça do cãozinho.
― Senhores, terei que remarcar nosso encontro ― falou sem
desviar o olhar de mim.
Os homens assentiram, rapidamente voltando atrás no
caminho. Lucca saiu para levá-los até a porta e quando voltou, seu
olhar podia ter me queimado viva.
― O que é essa coisa nos seus braços, Abriela?
Engoli em seco.
― Este é meu novo cachorro.
― Eu não me lembro de ter dito que você podia comprar um.
― Não comprei. O resgatei da rua.
Lucca riu sem humor.
― Ainda por cima é um vira-lata. Livre-se disso.
― Lucca! Ele não dará trabalho, você não vai nem mesmo
notar sua presença. Eu prometo! ― Forcei um sorriso.
― Abriela. ― Ele caminhou a passos lentos em minha direção.
― Eu mato para viver e planejava hoje mesmo matar um dos
homens que estava aqui como uma demonstração para os outros do
porquê me obedecer é importante.
― Eu sempre te obedeço. E nosso cachorro também vai.
Lucca estava inexpressivo.
― Se você não se livrar dele, eu farei isso.
Eu dei um pulo para trás. Horrorizada.
― Ele é apenas um cachorrinho! Isso seria assassinato.
Ele não disse nada por alguns segundos, apenas me
observou.
Até que começou a rir.
Lucca segurou o batente do arco da sala e jogou a cabeça
para trás, rindo.
Meu Deus.
Que visão.
Eu pensava que ele era bonito normalmente, gozando,
sorrindo torto e estreitando os olhos para mim.
Mas rindo...
Eu fiquei maravilhada.
Ele era tão bonito e todo seu rosto iluminou, a risada
reverberando pelo cômodo. Eu nem tinha notado que estava
sorrindo também.
― Então... Não é um problema que eu já tenha matado mais
pessoas do que posso contar, mas o cachorro é assassinato?
Eu não podia me conter.
― Lucca... sua risada é a coisa mais bonita que já ouvi.
Quando eu disse isso, foi como se um alarme tivesse
disparado para ele. O sorriso morreu e o olhar iluminado foi perdido,
não havia mais nada. Apenas a fria casca novamente.
Eu dei um passo para perto dele.
― Lucca, eu... ― Ele levantou a mão.
Ele engoliu com força, cerrando a mandíbula.
― O mantenha longe de mim e eu vou evitar que ele tenha um
encontro precoce com a morte.
― Vai me deixar ficar com ele?
― Você deveria ter me pedido, Abriela, mas sim. Considere
como um ato de minha infinita bondade. ― Eu escolhi ignorar seu
sarcasmo e assenti, muito desconfiada para dizer qualquer outra
coisa.
Lucca nos deu mais um olhar antes de se virar e sair.
Eu me sentei no sofá novamente e olhei para ele.
Sua pelugem caramelo e os cabelinhos cacheados faziam dele
o cachorro mais lindo que eu já tinha visto. O focinho preto molhado
com uma franjinha de pelos em cima, era a coisa mais fofa.
Um nome vibrava em minha mente e eu não poderia escolher
outro.
― Seu nome será Rossi. Você foi o único que conseguiu
arrancar uma risada do senhor, DeRossi. Ponto para você, meu
menino bonzinho.
Ele forçou o rosto para a frente, lambendo meu nariz, testa e
bochechas. Quando terminou, eu estava rindo e o abracei.
Deixando-o correr livre pela casa logo após.
― Ella? ― Martina chamou.
― Na sala ― gritei de volta.
Ela apareceu sorridente com Rossi no colo.
― Quem é esse que foi me visitar na cozinha?
― Ele chegou até lá sozinho? ― Dei risada.
― Eu estou cozinhando, acho que ele está com o focinho bom.
― Com certeza.
Rapidamente contei a ela como o encontrei e conversamos
sobre como seria a nova experiência. Quando ela brincou
mencionando que eu estava treinando para o herdeiro de Lucca, eu
sorri, mas com certeza não alcançou meus olhos.
Eu a acompanhei até a cozinha para um café, mas assim que
me sentei, o telefone na sala começou a tocar.
― Por que eu não coloquei esse aparelho aqui? ―
resmunguei. ― Mal fico na sala.
Eu frequentava poucos cômodos diariamente da casa, a
cozinha, o jardim e meu quarto praticamente preenchiam meu dia.
Eu definitivamente mudaria o telefone de lugar.
― Sim?
― Abriela? ― A voz acelerada do meu pai me assustou,
imediatamente pensei que algo tinha acontecido com alguma de
minhas irmãs.
― Papai, o que houve?
― Ligue a TV. Feche as janelas e tranque as portas. Eu sei
que Juliano não está aí porque o vi numa reunião uma hora atrás.
― Pai, o que...
― Escute-me com atenção. Lucca mantém armas em vários
lugares da casa. Sei que na lareira da sala há duas presas por
dentro bem em cima. Eu estou enviando Nero e Carlo para ficar com
você. Te ligo em breve.
Eu estava tremendo, ansiosa e mal conseguia focar meus
olhos nos móveis em busca do controle da TV, mas o encontrei
enfiado no meio do sofá, provavelmente arte de Rossi, que estava
no meu pé com a língua para fora.
― Está tudo bem, querido. Tudo bem.
Disquei o número da minha casa de infância, mas ninguém
atendeu.
― Martina! ― eu a chamei, procurando a arma no lugar que
meu pai deu a dica.
Martina apareceu no momento que tirei dois revólveres da
lareira, e me olhou assustada.
― Ella, o que está fazendo?
Entreguei-lhe o controle.
― Coloque no noticiário ― pedi enquanto observava a arma.
Eu não fazia ideia do que fazer com ela. ― Meu pai ligou e me disse
que está mandando soldados pra cá. Para eu fechar tudo e ficar
armada.
― Eu não entendo... ele não disse o que pode ter acontecido?
― Não.
Seus olhos passavam entre mim e a televisão, e quando
finalmente encontrou o canal, meus olhos foram atraídos para as
imagens e a voz do repórter no fundo.
“As autoridades acreditam se tratar de um confronto entre duas
máfias locais. A Camorra e a Cosa Nostra. Ambas as organizações
têm fama e reconhecimento no submundo, e embora suas
atividades prejudiquem o país de diversas formas, é inegável que a
siciliana Cosa Nostra se tornou maior e ainda mais influente do que
a rival, nascida em Nápoles.”
― Ah, meu Deus ― eu sussurrei, caindo no sofá com as mãos
na boca.
Martina se sentou ao meu lado.
― Calma, menina.
― Para sair no jornal é ruim, certo? Papai sempre me disse
que ninguém se atrevia a falar sobre nós. Mas isso está em rede
nacional!
Martina me observou calada, sabia que eu estava certa.
“ ― Temos maiores informações sobre a origem do confronto,
Leo?”
“― Nada confirmado por enquanto, Nádia, mas devido à
quantidade de policiais, dizem que se trata de muitas fatalidades em
ambos os lados, incluindo um dos chefes.”
“― Leo, então está me dizendo que esse confronto levou a
morte do líder da Cosa Nostra ou da Camorra?”
Eu não podia ouvir mais. Corri para o meu quarto e tranquei a
porta, ignorando as batidas de Martina. A ânsia e o enjoo vieram
com tudo, e me ajoelhei sem forças na frente da privada, vomitando
incessantemente.
Ouvi o choro de Rossi atrás de mim, mas não podia consolá-lo
agora, não quando eu precisava de consolo. Voltei ao quarto depois
de escovar os dentes e destranquei a porta.
― Estou bem, Martina, só preciso de um tempo sozinha.
Ela me olhou com preocupação.
― Tem certeza, menina?
― Sim, apenas... só preciso de um momento.
― Va bene. ― Ela hesitou, mas recuou e voltou para baixo.
Encostei a porta e me apoiei nela, sentindo as lágrimas
caírem.
Luccare não podia estar morto. Eu o tinha visto a pouco tempo,
eu estava falando com ele... ele riu para mim.
― Não ― sussurrei.
Eu queria vomitar novamente.
Desencostei da porta, mas antes que pudesse ir longe, uma
tontura forte me pegou e eu sentei na cama, fechando os olhos.

Acordei sentindo um cheiro familiar e um sorriso se estendeu


em meu rosto. Ao abrir os braços, percebi que tinha um corpo
grudado em mim.
― Dado a esse sorriso, posso confirmar que sim, você está
vivendo o sonho de todos os homens da famiglia. ― Anita alisava
meu cabelo. Ela riu baixinho da própria piada.
Alessa estava de pé perto da janela, mas forçou um sorriso e
veio se sentar ao meu lado.
De repente, eu me lembrei do porquê estava no quarto e
imaginei porque elas estavam ali.
― Eu... ― comecei. Engoli em seco quando a voz travou. ―
Vocês...
Elas vieram me dar a notícia. Eu fechei os olhos, não querendo
que vissem quando eu começasse a chorar pelo homem que
consideravam um monstro ― e que realmente era.
― Ella? ― Alessa me chamou.
― Ele está morto ― falei. ― Eu vi o jornal agora há pouco.
Anita franziu o cenho.
― Papai te ligou três horas atrás e nós chegamos pouco
depois disso. Você tirou um cochilo de pelo menos duas horas.
― O quê? ― Espantei-me com o quanto tinha dormido. ―
Então há alguma atualização? Tiveram notícias?
Alessa negou.
― O carro que ele estava com Juliano explodiu quando
estavam indo embora. Houve um tiroteio onde Lucca pretendia sim
matar Lucky Marandini.
― Esse é o líder da Camorra?
― Sim, mas quando estavam saindo a polícia chegou em
peso. Ninguém sabe o que houve depois disso. Alguns armazéns da
famiglia foram expostos e a polícia invadiu. Assim como as duas
famílias do nosso lado tiveram a casa explodida.
― Algum capo? ― perguntei.
― Não. Ninguém importante.
Anita bufou.
― Você realmente disse isso, Alessa?
― Você entendeu. Eu quis dizer na organização. Eles o estão
procurando, irmã, mas tudo indica... ― Alessa não terminou a frase
quando um soluço me escapou, e eu deixei minha cabeça cair sobre
o colchão.
Não podia acreditar. Não. Mesmo.
― Tem que ser um engano, precisam encontrá-lo, ele é o dono
de tudo isso! Como pode... C-co-mo?
Eu podia dizer que estavam surpresas com a minha reação,
mas minhas irmãs me abraçaram uma de cada lado e seguraram
minha mão enquanto eu chorava.
― Ella, tudo ficará bem. Luigi e Dante estão em contato
conosco. Vamos saber quando o encontrarem. ― Eu segurei seu
rosto, olhando profundamente em seus olhos verdes.
― Vivo, irmã. Eu preciso dele vivo, comigo! Você tem que me
prometer!
Ela deixou uma lágrima escapar e fechou os olhos.
― Ella, não posso...
― Eu preciso dele! ― supliquei a ela, porque era verdade. A
mais dolorida, mas eu precisava dele comigo. Sem nem ao menos
entender direito os meus sentimentos, uma certeza invadia meu
peito: eu precisava de mais tempo para mostrar a ele que podíamos
ser bons juntos, que ele podia aprender a ser feliz, mas para isso...
precisava dele comigo.
― Eu sei, eu prometo. ― Alessa olhou para Anita, sabendo
que era uma promessa já quebrada. Ela não podia me prometer
aquilo.
Nenhuma delas podia. Ninguém podia.
Quando minhas lágrimas e os soluços já não eram tão
intensos, Anita buscou um copo d’água. Elas queriam que eu
tomasse um calmante, mas qual o sentido? Eu acordaria sabendo
que ele não estaria aqui.
― Eu sei que vocês estão pensando em como sou idiota por
estar chorando.
Anita suspirou.
― Não entendo, mas não vou te julgar. Imagino que não haja
como mandar no coração.
― Anita ― Alessa interrompeu. ― Todos sabemos sua opinião
sobre Lucca, mas este não é o momento.
― Tudo bem ― sussurrei. ― Eu sei que não somos fãs dele
desde muito antes de eu me casar, mas não consigo sentir nenhum
tipo de alegria ou alívio com a possibilidade de ele estar... ―
Respirei fundo. Eu não conseguia finalizar a frase sem sentir uma
dor esmagadora no peito.
― É o seu coração, Abriela. Ninguém pode condená-la por
seus sentimentos.
― Ele é a pior pessoa que já conheci em toda minha vida ―
eu disse, ignorando o que Alessa tinha dito.
A sensação era de que eu iria explodir com tudo o que vinha
guardando. Estava sentada entre as duas pessoas que confiava na
vida e sabia que não tinha porque lidar com tudo sozinha. Sentia
seus olhos em mim, esperando, como se soubessem que algo
estava por vir.
Elas me conheciam bem demais para não notar.
― Acho que sou apaixonada por ele desde antes de entender
o amor ― sussurrei. No momento que disse, sabia que não podia
pegar as palavras de volta e senti um alívio tão grande que meu
corpo ficou pesado. ― Invejei Labeli durante todo o noivado e ficava
me imaginando no lugar dela. Quando ele me mandou colocar
aquele vestido ― balancei a cabeça, lembrando-me do momento ―,
eu pensei que ia morrer por suas mãos porque não chegaria de pé
no altar. Não sentindo o sangue dela em mim. Não daquele jeito,
mas a questão era que... eu queria chegar lá. Eu estava conformada
e ansiosa para me casar com ele.
― Está tudo bem, Ella ― disse Alessa.
― Nosso papai doente nos forçou a aprender desde cedo que
devíamos querer isso. Você aprendeu e ainda tem esses ideais
fortemente na cabeça.
― Não é isso, Anita. ― Engoli em seco, envergonhada. ―
Eu... Eu ― Hesitei, fechando os olhos.
― Abriela, nós somos suas irmãs. Sabe que pode dizer tudo e
nenhuma outra alma saberá disso.
― Eu sei ― olhei Alessa nos olhos ―, esse é o problema. Eu
quero gritar para toda mulher que o olha, que ele é meu. Quero
satisfazê-lo e quero parar de me sentir culpada pelo prazer que sinto
toda vez que ele me toca. Eu me sinto suja, mas imploro por mais.
Ele me diz as coisas mais absurdas e ainda assim eu o desejo!
Anita franziu a testa.
― Ele não te forçou na noite de núpcias?
― Não ― sussurrei. ― Nem depois. Nunca. Eu o quis todas as
vezes, e o fiz me querer quando ele não me procurava. Ele me
confessou coisas horríveis, me humilhou de formas que talvez só eu
tenha percebido.
Mas ele também cortou a língua de um homem por mim.
― Ella ― Alessa começou cuidadosamente. ― Você é jovem e
sempre foi romântica. Diferente de mim e Anita, você queria
casamento, amor e filhos. Se Lucca te oferece isso, é normal que
você se sinta afeiçoada a ele mesmo sabendo o que ele faz para
viver.
Eu bufei.
― Lucca não me oferece amor e filhos. Isso é o que vocês não
entendem. Ele me disse até que mataria eu e um possível bebê se
eu engravidasse.
― Se ele não estiver morto, vou matá-lo ― Anita declarou.
― Talvez tudo seja parte da minha fantasia ridícula de que ele
poderia se importar comigo um dia.
Alessa suspirou.
― Ele se importa irmã. ― Eu bufei, e ela me olhou seriamente.
― Você é minha irmãzinha e, acredite em mim, eu o mataria se
achasse que ele pode ser perigoso pra você. Todos têm uma
história e eu não sei quão distorcida a dele é para que seja assim,
mas há algo de bom lá. Eu já vi.
― Como assim? ― Ela balançou a cabeça e suspirou,
desviando o olhar.
― Não importa. Eu só quero que você saiba que quanto maior
for a sua luta, maior será a vitória. Então, não desista do que você
sente ou quer.
― Esse é o seu conselho pra ela? ― Anita perguntou.
― Nós dissemos que não íamos julgar, Anita.
― Mas eu vou! Ele vai matá-la e seu próprio filho se ela
engravidar? Ouviu a parte que ele a humilhou? Ou que ele não dá
uma foda pra ela?
― É escolha dela. ― Alessa suspirou.
― Escolha? ― Anita riu. ― Deixe-me te contar uma coisa
sobre escolhas, irmã, nem sempre nós a fazemos porque está certo.
Às vezes é necessário!
Alessa assentiu lentamente e se levantou.
― Acredite, eu sei disso melhor do que ninguém.
― Alessa ― eu a chamei quando abriu a porta do quarto.
― Vou tentar falar com Luigi.
Anita olhou para a porta alguns segundos antes de virar-se
para mim.
― Não me esconda mais nada. Principalmente essas merdas
que acabou de contar aqui.
― É o meu casamento, Anita, não dá pra respirar e ligar pra
contar.
― É claro que dá. Ella, eu faria qualquer coisa por vocês. Seria
presa, morta ou enviada a um castigo, fosse prostituição ou
qualquer outra coisa. Faria tudo. Isso quer dizer que eu preciso
saber se Lucca é um bom marido.
― Não ― respondi sem hesitar. ― Ele não é, mas isso não faz
com que a dor de pensar em perdê-lo seja menor.
Ela suspirou, e pela primeira vez na vida eu vi Anita sem saber
o que dizer. Levantei-me da cama, precisava ir até Alessa e ver se
descobriu algo com Luigi, mas assim que coloquei os pés no chão
quase caí. Minha visão ficou escura e senti mais uma daquelas
fortes tonturas.
― O que foi isso? Vai com calma, você passou por fortes
emoções hoje.
― Eu tenho tido essas tonturas, é um saco. ― Anita me
segurou.
― Mais de uma vez?
― Sim, tonturas e enjoos. ― Respirei profundamente algumas
vezes. ― Já estou melhor, obrigada.
― Você vomitou?
― Duas ou três vezes, o que isso tem a ver? Preciso de um
banho.
― Você tem tido tonturas, vomitou e dormiu muito sem
perceber essa tarde. Como está a sua menstruação? ― ela
desafiou com as mãos na cintura.
― O que você...
― Me diga.
Revirando os olhos, passei por ela e entrei no banheiro.
― Isso não é motivo de preocupação, eu já fiquei meses sem
meu ciclo, não é novidade.
― Mas antes você não tinha um pau gozando em sua linda
florzinha.
Eu a fitei escandalizada.
― Anita! Não importa quanto tempo eu passe com você, nunca
vou achar essa linguagem normal. Pare de ser curiosa, essas coisas
são particulares minhas, e eu não...
― Eu aposto meus lindos seios enormes e naturais que você
está grávida.
Parei o que estava fazendo e a observei pelo espelho.
― Não diga isso nem de brincadeira, principalmente em voz
alta.
― É um fato.
Joguei as palavras de Anita para um cantinho do
esquecimento. Pensar sobre isso só me deixaria mais magoada.
― Eu estou ligando agora para um consultório no centro. É
melhor prevenir do que remediar.
Ignorei-a novamente e me neguei a pensar por um segundo na
possibilidade do que ela disse ser real. Ouvi seus passos se
distanciando e respirei fundo. Deixei meu olhar cair em minha
barriga e meu coração acelerou.
― Por favor, não faça isso comigo.
Eu tomei um rápido banho e ouvi Anita falar no telefone o
tempo todo. Assim que saí, ela me encontrou com um grande
sorriso.
― Horário marcado.
Ela se jogou na cama.
― Temos uma hora e meia para chegar lá. Alessa não pode ir,
disse que foi chamada para algo urgente.
― Eu não quero! Você perdeu a parte que eu falei que Lucca
ameaçou uma futura criança? Ele vai nos matar se sequer existir
algo além de mim neste corpo.
Anita revirou os olhos e levantou-se.
― E se ele estiver morto, você terá um bebê com aqueles
terríveis e monstruosos olhos azuis.
― Anita, seu sarcasmo não é bem-vindo agora. Eu estou
preocupada e fragilizada com tudo isso. Papai me mandou pegar
uma arma, sabia?
― A resposta para tudo com o seu pai são armas e facas, não
fico surpresa. E eu nunca vou pedir desculpas por odiar o seu
marido. Ele é um homem horrível que merece passar a vida na
cadeia, mas minha função aqui é cuidar de você. Agora me diga,
prefere já saber ou ser pega de surpresa depois?

Talvez eu devesse ter dito a ela que preferia ser pega de


surpresa. O consultório no terceiro andar de um prédio num bairro
tranquilo e de classe alta da cidade me passou confiança na
segurança do procedimento, mas eu ainda sentia medo.
Deixei o Tito, o soldado que substituía Juliano, esperando e
garanti que ficaria bem, mas ele não me deixou subir sem ter
certeza e acabou preferindo esperar do lado de fora, perto do
elevador.
― Não acredito que você me convenceu a isso ― lamentei,
ouvindo o riso baixo de Anita ao meu lado.
― Não seja covarde, eu adoraria que você tivesse um bebê.
― Para que ele morra junto comigo assim que seu pai souber
de sua existência?
― Ele não faria isso, eu já te disse. Cão que late demais só
quer assustar, mas, no fim, não morde. Esse é o seu marido.
― Realmente estamos falando do mesmo homem?
― Luccare precisa de um herdeiro. Ele pode ser o fodão e
matar qualquer um que disser algo contra isso, mas o fato é que
esperam um filho. Se ele ― ela fez uma pausa, como se apenas
dizer isso a deixasse irritada ― ousasse tocar em você ou o seu
bebê, eu vingaria você primeiro, deixando claro para todos o que e
porque ele fez, e depois ficaria de luto. Eu buscaria a morte dele,
Ella, sei que Alessa ficaria ao meu lado.
― Tem gente que não ligaria.
― Mas buscariam respostas. Por que o chefe matou a esposa
grávida? Por que ele não quer um filho? Essas são dúvidas que um
homem como Lucca não quer despertar. Confie em mim, daremos
um jeito.
Eu suspirei.
― Que Deus me perdoe, mas neste momento só vou torcer
para estar doente ao invés de... grávida.
Ela segurou meu rosto, falando devagar e afetuosamente:
― Ella, ele tem que ser muito idiota pra achar que fodendo
como estão você não ia engravidar. Eu me ofereço para ser a
próxima Bonucci a casar se você não estiver grávida.
Dei risada, mas me senti levemente desesperada.
― Realmente está colocando fé nisso. ― Eu suspirei,
recostando-me na cadeira confortável. ― Ele me mandou tomar as
pílulas, mas não tenho tomado desde que voltei. Na verdade, nunca
tomei direito mesmo antes disso.
― Tudo vai ficar bem, irmã. Sério.
Eu queria acreditar nela, mas apenas eu sabia a forma como
Lucca fez aquela ameaça.
― Abriela DeRossi ― chamou uma mulher jovem de jaleco
próxima ao balcão da recepção.
Anita ficou de pé e me estendeu a mão, encorajando-me.
Respirei profundamente antes de me levantar e começar a caminhar
para dentro da sala. A coisa toda foi um borrão para mim. A médica
tentou ser o máximo simpática possível, mas com meus
pensamentos divididos entre o perigo que Lucca poderia estar
correndo e a possibilidade de uma gravidez, eu estava aérea.
Anita era a única que conversava com a mulher e segurava a
minha mão o tempo todo. Eu tirei sangue, fiz xixi num palito e até
mesmo abri as pernas em cima da maca, enquanto a doutora
enfiava algo, que eu nem mesmo quis saber o que era, dentro de
mim.
Quando pude me vestir novamente, a doutora saiu do banheiro
do consultório com o teste de gravidez na mão e um sorriso gentil
no rosto.
― Ansiosa?
― Mais do que tudo. ― Engoli em seco.
Eu nunca estive tão grata por ter minha irmã comigo, mesmo
com suas piadas e sua linguagem incontrolável. Anita era um
suporte mais do que necessário naquele momento.
― Bem... parabéns, Abriela. Você está grávida.
Todo esse tempo você me deixou querendo mais
Me fazendo engolir todo o meu orgulho
Me pergunto de onde veio essa parte de você
Estava escondida no raso de seus olhos
E me diga, por que meu coração queima quando eu vejo seu
rosto?
wafia, heartburn
Havia uma vida crescendo dentro de mim há aproximadamente
4 meses e uma semana. Eu me encarava no espelho vislumbrando
o meu maior sonho e talvez minha condenação, mas o brilho em
meus olhos não podia ser negado.
Mesmo que Lucca tentasse me tirar aquela alegria, eu estava
me sentindo tão preenchida e tão realizada que aproveitaria o
quanto durasse.
Ao pensar nisso, uma vozinha no fundo da mente sussurrou
que eu deveria lutar para ir até o fim.
Eu poderia? Poderia ir até o fim sabendo que se Lucca
estivesse vivo, aquela era a última notícia que esperava receber ao
voltar para a casa?
Há quase dois dias ninguém tinha notícias dele, e eu sabia que
só estava conseguindo me alimentar e dormir decentemente porque
tinha consciência da gravidez.
Quando Anita e eu voltamos do consultório, eu não podia
esconder meu sorriso, e Martina notou que algo tinha acontecido.
― Teve alguma notícia do padrinho, Abriela?
― Não, Martina, infelizmente. ― Eu fiz uma pausa, desejando
contar a ela, mas não podia. Não enquanto Lucca não soubesse. ―
Ninguém ligou?
― Não, menina, mas... ― ela hesitou, dando uma olhada para
trás antes de se aproximar ― Dante DeRossi está aqui.
Arregalei os olhos, olhando além dela.
― Onde? Para falar comigo?
― Eu acho que sim, ele não disse nada, na verdade. Apenas
entrou e disse para eu não me preocupar com sua presença, mas é
difícil, você sabe. Ele parece... assustador.
Assustador era pouco para descrever Dante DeRossi, mas eu
assenti, tentando tranquilizá-la.
― Tudo bem. Vou falar com ele.
Martina assentiu.
― Está tudo bem, menina?
― Sim, claro.
Às vezes parecia que ela via além de mim. E a pior parte era
que eu não queria esconder nada dela, Martina conquistou muito
mais do que minha confiança. Ela ganhou meu amor.
Eu queria fugir para outra direção cada vez que entrava em um
cômodo, mas quando não o encontrei no primeiro andar, comecei a
pensar que tinha ido embora e Martina não percebeu. Fiquei
aliviada, mas quando entrei no quarto que dividia com Lucca, levei
um susto tão grande que gritei. E Dante, de pé em frente à janela,
virou o rosto ligeiramente para me observar.
― Perdão, não queria assustá-la.
Ele estava falando sério?
Engoli em seco. Minhas mãos tremiam e eu senti uma gota de
suor escorrer em minhas costas. Eu realmente não queria ter uma
conversa sozinha com ele. Luigi era assustador, mas pelo menos eu
sabia o que esperar dele. Agora Dante... a grande questão com
Dante era que ninguém sabia nada sobre ele. Não seus talentos no
trabalho, nem seus hábitos, eu sei de pessoas que diziam nunca
sequer ter escutado sua voz.
E aqueles olhos... se eu fosse um homem sentado numa
cadeira à sua mercê, imploraria pela morte. Morreria antes de
chegar até suas mãos.
Ele me encarou por um momento com as mãos nos bolsos da
calça cinza antes de dar poucos passos à frente.
― Feche a porta, por favor.
Isso que eu sentia era medo passivo? É isso o que significa
não saber o que esperar, mas ter uma ideia de que poderia ser
fatal?
Eu fiz como pediu e cruzei os braços.
― Teve alguma notícia de Lucca?
― Você espera que sim ou que não?
Eu o observei por alguns segundos. Não fazia ideia do que
responder. A verdade absoluta? Meia verdade? Deveria mentir?
Porque nesse momento, parte de mim queria que meu filho
estivesse seguro e eu só teria certeza disso se Lucca não voltasse.
Dante assentiu firmemente uma única vez.
― Seu silêncio diz mais do que qualquer palavra, Abriela.
― Eu... eu estou grávida. ― Foi a primeira vez que eu disse
em voz alta, e junto da confissão um sorriso idiota alargou meus
lábios, assim como lágrimas de felicidade começaram a cair. ― Oh,
meu Deus... eu estou realmente grávida ― sussurrei.
A expressão de Dante não se alterou.
― Eu presumo que meu irmão não saiba.
― Eu acabei de descobrir.
Dante ficou me olhando enquanto eu passava por ele, abria a
janela e me sentava na cama. A doutora garantiu que a falta de
sintomas nos primeiros meses era perfeitamente normal, mas me
receitou vitaminas, uma nutricionista e que bebesse muita água até
nossa próxima consulta.
Quando eu pensava no contraste da normalidade disso, com o
medo de dizer ao meu marido, percebia o mundo em que estava
prestes a condenar o meu bebê.
― Você não parece surpreso ― apontei. ― Por favor, diga
alguma coisa. Esse silêncio está me assustando.
― Você não tem motivos para me temer a não ser que seja
uma ameaça a Lucca ou à Cosa Nostra. O que eu realmente não
acho que seja.
Soltei uma risada sem humor.
― A única ameaçada aqui sou eu.
― O que isso quer dizer?
― Seu irmão deixou claro o que faria se eu engravidasse. Ele
vai matar a mim e o bebê assim que souber.
Dante caminhou lentamente pelo quarto, pegando porta-
retratos vazios e olhando atentamente, mexendo no tecido da
cortina, empurrando um par de sapatos de Lucca para o canto com
o pé.
Parecia uma eternidade até que ele voltou a me fitar.
― Ele não fará isso.
― Infelizmente não tenho nenhuma garantia.
― Se Lucca tentar contra um membro da Cosa Nostra. ― Ele
fez uma pausa. ― Se sequer ameaçar um herdeiro legítimo, como
subchefe, eu tenho a total autonomia para impedi-lo.
― Ele é seu irmão, me desculpe, Dante, mas eu duvido que
você me escolheria acima dele.
Ele não tinha gestos, não tinha manias, não parecia
reconhecer nada. Tanto seus olhos, quanto seu rosto não se
alteravam. Portanto, quando ele me olhou após minha declaração,
eu não fazia ideia se estava bravo, irritado ou tinha considerado
insolência da minha parte.
― A Cosa Nostra sempre virá em primeiro lugar, Abriela, e isso
inclui um herdeiro não nascido. Cuide de sua saúde, me ligue se
precisar de alguma coisa e principalmente, continue vivendo sua
vida.
Ele deu meia-volta em direção à porta.
― Dante, espera... ― fiquei de pé ― ele... você acha que ele
vai voltar?
― Lucca é o líder mais poderoso e imbatível que essa
organização já viu. Ele não cairia por tão pouco. Mas ele cairá se
colocar as mãos em você ou no seu filho.
Eu me senti estranhamente protegida.
Inevitavelmente agradecida, ainda que isso fosse o mínimo
vindo dele.
― Obrigada ― sussurrei.
― Mais uma coisa... ― Ele se aproximou sem que eu
esperasse e pegou minha mão. Eu recuei, mas seu olhar me fez
ficar paralisada. Ele girou o anel de casamento, analisando-o. ―
Lucca tem te tratado com decência?
― Eu não sei o que quer dizer.
Dante ergueu as sobrancelhas.
― Ele te bateu? Te estuprou?
― Não. ― Engoli em seco.
― Me diga a verdade. Eu sei quem meu irmão é, e sei que
você, mulheres, costumam ficar caladas quando isso acontece.
― Não. Ele não me bateu ou estuprou.
― Mas te enviou para a Sicília após um acidente que ninguém
sabe como aconteceu.
Eu me afastei quando ele me soltou.
― Parei de pensar nisso há um longo tempo, Dante. Tento
fingir que não aconteceu.
Ele assentiu, observando-me. Seu olhar fixo e aquele silêncio
era algo que ele fazia muito, acabei percebendo em poucos minutos
de conversa. Eu não sabia o que ele estava tentando pescar, mas
ficava tensa toda vez que acontecia.
Por fim, disse:
― Sente-se. ― Eu hesitei. ― Já te disse que não sou uma
ameaça para você, Abriela, na verdade, estou pronto para protegê-
la contra o meu irmão. Confie nisso.
Passei a ponta da língua pelos lábios secos e me sentei.
― Va bene.
Ele levou um momento para falar.
― Eu imagino que ter crescido uma filha da máfia não foi fácil.
― Surpreendi-me com o assunto, mas fiquei em silêncio. Algo me
dizia que era importante. ― Eu sei que crescer nesse mundo,
mesmo sendo um menino, não foi fácil. Thomas gostava que todos
em casa ouvissem o que ele fazia com nossa mãe. Lucca tinha 8
anos, eu tinha 6, e Luigi apenas 4. Mia ainda não tinha nascido.
Houve uma noite que a ouvimos gritar mais alto que das outras
vezes. Luigi começou a chorar em desespero, e nós sabíamos que
se Thomas o pegasse seria muito pior. Nós sempre aprendemos
que homens não deviam chorar.
Meu coração doeu pela imagem que passou na cabeça. Três
pequenos meninos ouvindo sua mãe sofrer nas mãos do carrasco.
Do próprio pai.
― Vocês não eram homens, eram apenas crianças. ― Minha
voz não escondia o quanto eu lamentava.
Dante encolheu os ombros.
― Quando você nasce na máfia não tem permissão para ser
criança.
― Ainda assim ― sussurrei.
Eu me lembrava das aulas de etiqueta, das aulas de idioma e
dos instrumentos que papai nos fez aprender a tocar apenas para
que tivéssemos mais atributos a contar na hora de atrair um bom
pretendente.
― Lembro-me de Lucca ter me mandado tapar a boca de Luigi
para que nosso pai não ouvisse, daí ele se levantou do canto onde
estávamos no quarto e pegou um taco de beisebol com o qual nós
raramente brincávamos. Foi andando devagar até a porta, deu-nos
uma última olhada e saiu. Luigi começou a se debater em meus
braços, e eu não era muito maior e o deixei escapar. Meu irmão
tentou abrir a porta, mas Lucca a tinha trancado por fora. ― Ele
respirou por um momento antes de continuar: ― Um tempo depois,
os gritos de mamãe pararam. Eu esperei que Lucca voltasse, mas o
sono acabou vencendo e dormimos encostados na porta depois de
muito esperar. Lucca não voltou naquela noite, nem na manhã
seguinte. Apenas semanas depois.
― O que aconteceu? ― Eu estava ansiosa para conhecer o
resto da história.
― Lucca voltou em carne e osso, mas ele não era mais o meu
irmão. Aquele garoto protetor e inocente havia sido deixado em
algum lugar. Nunca mais o encontramos.
― Dante, eu não entendo. Acha que seu pai fez algo com ele?
― Sei que fez. Isso é quem Thomas é. Lucca nunca mais
brincou escondido comigo e Luigi e tampouco falava conosco.
Lembro-me que depois de ele ter voltado, todo o seu
comportamento mudou. Giorgia sofreu demais, eu a vi chorando
pelos cantos da casa mais vezes do que pude consolar.
― Luccare nunca contou o que houve?
― Nunca. Abrir o coração não é algo que nós gostamos de
fazer. Talvez tenhamos puxado a característica de nosso pai. Ele
não falou sobre aquelas semanas e nunca tocou no assunto.
― Vocês não tentaram descobrir?
Pela primeira vez Dante sorriu ironicamente.
― Acho que com esses meses de casamento você já
percebeu que meu irmão não gosta de ser questionado.
― Eu sei. O que aconteceu depois?
― Thomas começou a passar um tempo com ele, tempo até
demais. Eu raramente o via sorrir ou agir como uma criança normal
como era antes. Digamos que Lucca cresceu e permaneceu assim.
Lágrimas picaram meus olhos e eu não conseguia mais
segurá-las.
Sua voz tensa deixava claro que embora não demonstrasse
suas emoções, aquelas lembranças eram mais profundas e
dolorosas do que pareciam. Eu quase podia sentir sua dor. Não sei
o que faria se “perdesse” algum de meus irmãos daquela forma. E
com certeza ele não tinha me contado toda a história.
― Thomas me procurou antes do casamento ― admiti. Por
algum motivo eu sentia que podia contar com Dante. Eu sentia
verdade em suas palavras.
― Não fico surpreso com isso. Tenho certeza de que ele
causou uma impressão e tanto.
― Basicamente queria me alertar sobre os riscos que eu
correria se tentasse mudar Lucca.
― Thomas sabe que não controla mais seus filhos e que nós
observamos nossa mãe de perto, portanto, ele não pode mais fazer
o que fazia antes. Giorgia era uma jovem muito cobiçada e quando
a família dela lhe negou a permissão para o casamento, ele deu um
jeito de acabar com o meu avô para que conseguisse o que queria.
― Ele matou o pai dela?
― Não pareça tão surpresa.
― Eu estou chocada, assustada e muito, muito brava. Giorgia
passou por muito.
― Isso não é nem um por cento, Abriela, mas estou te
contando para que saiba que meu irmão não é meu pai. Ele tem
volta.
― Ele não parece perdido. As coisas que ele diz e faz são a
prova disso. Lucca é cruel e gosta disso.
― Não estou dizendo que ele vai te amar, que vai amar seu
filho e vocês vão colocar cercas brancas em volta da casa, mas o
homem que protegia seus irmãos tão ferozmente não matará o
próprio filho.
Um momento de silêncio se passou entre nós. Parte de mim
queria concordar, mas a parte que zelava pelo meu bebê recém-
descoberto queria dar um jeito de ir embora imediatamente.
― Dante, você acha que... que eu posso fazer algo?
Ele balançou a cabeça.
― Acreditar que pode mudá-lo é a mesma coisa que assinar
sua sentença de morte, Abriela.
Ergui o queixo. Estar com Lucca já era um risco, amá-lo e
querer que ele me amasse, podia sim ser minha morte. Mas qual
era a minha alternativa? Criar uma criança com medo do meu
marido? Não poder dizer ao nosso filho ou filha que fiz tudo o que
podia para lhe dar um pai de verdade?
Eu não podia me contentar com tão pouco.
― Você nunca acreditou que podia? ― perguntei. ― Nem por
um minuto pensou em como seria ter aquele garoto de volta?
Minha pergunta deixou Dante sem palavras. Eu percebi isso
sem precisar conhecê-lo. Ele me fitou com incerteza, como se
esperasse tudo, menos aquilo.
― Esperança de que podemos ser bons foi o que fez de nós
três o que somos. O último traço de humanidade que havia em meu
pai foi embora com Mia. Ela era a menina dos olhos dele, a única
que tinha seu carinho, mas assim que ela se foi ― ele fez uma
pausa, sua mandíbula apertando com força ―, meu pai sentiu que
precisava nos moldar como fez com Lucca. Desconfio que não
passamos pelo mesmo que ele passou, já que meu pai sempre foi
duro com ele. Nós... ele sorria muito. Brincava de piratas conosco
quando Thomas saía de casa, colocava até um tampão no olho e
dizia ser o caçador de tesouros mais temido do mar. Já eu era o que
Thomas considerava fraco. Perguntou se eu queria perder minha
virgindade com um homem quando eu tinha doze. Para ele, minha
mania de abraçar e ser educado era um problema.
Aquilo era terrível. Tão horrível que eu quis vomitar.
― E Luigi? ― perguntei num sopro de voz.
― Sempre suspeitamos que as agressões durante a gravidez
tivessem feito Luigi como ele é. Sempre gostou de brincar com
coisas perigosas, tinha um fascínio por sangue que beirava à
loucura. Ele se cortava algumas vezes para ver a cor do sangue e
contar quanto tempo levaria até secar.
Tapei a boca, fechando os olhos com força.
― Estou te perturbando? ― Embora sua voz fosse clínica, eu
tinha que apreciar o cuidado.
― Continue, por favor.
― Esse não é mais quem Lucca é. Nem quem eu sou ou Luigi
é. Aquele era um garotinho de muito tempo atrás e não há nada
dele em meu irmão.
Ele pegou a carteira do bolso e se aproximou de mim,
mostrando-me um pequeno cartão.
Ao pegá-lo e ver do que se tratava, meu coração deu um salto.
Na fotografia desgastada pelo tempo havia três meninos pequenos;
dois com os cabelos pretos e olhos azuis, e um com o cabelo
castanho quase loiro.
Lucca sorria de boca fechada, tinha um boné na cabeça e o
braço sobre o pescoço do menor, Luigi, que estava no meio. Ele
parecia estar dando uma gargalhada na hora em que bateram a foto
e sua cabeça repousava no ombro do terceiro menino, que esticava
a mão para frente com o polegar levantado.
Ao ver aquela foto eu tive minha resposta.
Eu não tomei minha decisão porque estava com medo de fugir
e sofrer as consequências.
Não tomei minha decisão porque não queria ser um desgosto
e uma vergonha para minha família.
Eu tomei minha decisão pelo sorriso e o brilho nos olhos dele.
Pela forma como se agarrava a seus irmãos, como olhava com
adoração para cima da foto, onde provavelmente sua mãe segurava
a câmera. Pelo simples fato de que já houve um bonito sorriso
naquele rosto.
Um que eu tive um vislumbre e queria ver muito mais.
Quando minha ficha caiu de que eu me casaria com Luccare
DeRossi, eu esperava tudo. E queria que o casamento desse certo
porque seria o mais perto que eu poderia chegar a realizar meu
sonho.
Ter minha família, honrar meus deveres com a famiglia e criar
meus filhos com o amor que não recebi dos meus pais.
Eu faria de tudo para recuperar pelo menos a parte dele que
zelava pela família de sangue e quisesse seu filho. Seria estupidez
esperar que o sorriso daquele garotinho da foto brilhasse mais uma
vez, no entanto, eu podia desejar que meu filho olhasse para nós
dois daquele jeito.
Ainda que seu pai nunca me amasse.
Ainda que eu esperasse a vida toda por um coração que não
estava mais aqui.
Deitada na cama na mesma noite, eu olhava para o relógio
constantemente.
1h17min.
Nenhuma palavra de Lucca. Sem vê-lo, ser tocada por ele ou
ter uma notícia de onde ele estava.
Considerei rezar, mas Deus escutaria minhas preces?
Misturada à felicidade de me tornar mãe de alguém, também
havia o medo de seu pai nunca voltar para a casa ― e eu sabia que
seria boa nisso sozinha, mas eu não queria estar sozinha.
Tentando escapar, havia os pensamentos mais tortuosos,
aqueles que me faziam sentir culpada por condenar uma vida a isso.
Uma criança no meu mundo estaria fadada a uma vida miserável.
Ele seria um menino que ocuparia seu lugar na máfia; ou seria
uma menina, criada para ser uma boa esposa e mãe. Sem direito a
sonhos.
Eu me revirei na cama por horas até que sem sucesso em
dormir, me levantei. Mas assim que pisei no chão ouvi um barulho
vindo do andar de baixo — vidro quebrando e passos pesados me
fizeram correr para atrás da porta, trancando-a.
Concentrei-me em respirar fundo e tentar manter a calma.
Onde estavam os soldados?
Eu olhei pelo quarto procurando meu celular, mas lembrei de
tê-lo deixado na sala carregando ao lado do telefone. Afinal, eu não
queria ser a primeira a receber uma notícia ruim e Martina me
avisaria se fosse algo positivo.
Onde está Martina?
Não ouvindo mais nada por alguns minutos, ponderei entre
ficar no quarto e me esconder ou descer. A casa era cercada por
soldados leais a Lucca, e eu não tinha dúvidas de que pelos
corredores também havia alguns. A adrenalina e o medo pulsavam
na mesma batida.
Talvez tivesse sido uma criança da vizinhança ou um gato.
Rossi estava deitado na cama sem se abalar com o meu tormento.
Apertei o robe em meu corpo e abri a porta.
Coloquei a cabeça para fora e dei uma olhada no corredor.
Vendo que não tinha ninguém, corri na ponta dos pés até a escada
e comecei a descer lentamente. Parei no meio brevemente tentando
ouvir algo, mas só havia silêncio.
Ao colocar o pé no último degrau, senti meu corpo ser puxado,
batendo direto contra um peito rígido atrás de mim. Em pânico,
preparei-me para gritar por socorro até que a mão de quem quer
que fosse se fechou sobre minha boca. Não pensei duas vezes
quando comecei a me debater contra o homem que me segurava.
― Fique quieta, Abriela. ― Congelei ao ouvir a voz.
Aquela voz.
No mesmo momento, ele tirou a mão da minha boca e me
virou para si. Colocando o indicador sobre os lábios.
Eu assenti, engolindo em seco.
Mal podia acreditar que o estava vendo.
Lucca se abaixou e me ergueu nos braços, subindo a escada
rápido e sem dificuldade. Ele só me soltou quando fechou a porta do
quarto.
Lágrimas vieram aos meus olhos.
― Lucca ― sussurrei, ainda não tendo certeza se era
realmente ele ali. Desci meus olhos pelo corpo, lentamente
analisando. Sua camiseta, antes branca, tinha um rasgo coberto de
sangue no ombro e suja por inteiro do que parecia ser fumaça e
poeira. Seu cabelo ficou completamente acinzentado. ― Está
mesmo aqui?
Ele franziu a testa enquanto me olhava.
― Por que o choro?
Eu solucei junto de um riso sem humor.
― Fui ao inferno e voltei pensando que estava morto, agora
você aparece cheio de sangue e completamente sujo. O que
aconteceu?
― Fale baixo ― ele rosnou em meu rosto, olhando acima da
minha cabeça em direção à janela. ― Ninguém sabe que estou aqui
e quero manter assim até amanhecer.
― Como? Mas por que ninguém sabe?
― Porque eu não confio em ninguém.
Eu queria dizer que ele estava aqui, portanto, algo nele dizia
que podia tentar confiar em mim. Porém, sabia que eram os
hormônios da gravidez me deixando emotiva sem razão.
― Você está bem?
Ele deu uma olhada em meu corpo, seus olhos me avaliando
inteira.
― Eu estava até te ver desfilando pela casa com essa roupa
de foder. Meus homens andam pela casa, Abriela, comece a se
vestir de forma apropriada antes de sair do quarto.
― Eu não planejava sair ― murmurei. ― Ouvi um barulho lá
embaixo e fiquei com medo.
― Você fica com medo e decide que é inteligente sair do
quarto para ver o que é?
― Eu não podia ficar aqui parada. ― Ele balançou a cabeça
antes de suspirar.
― Definitivamente preciso te ensinar a atirar.
― O que foi aquele barulho? Você pulou a janela?
Lucca me fitou como se eu fosse louca.
― Um soldado me viu e eu não podia arriscar que ele abrisse
a boca.
― O que isso quer dizer?
Lucca ergueu as sobrancelhas.
― O que você acha?
Eu fechei os olhos com força.
― Lucca... você podia ter falado com ele antes.
Ele pressionou a mão contra o ombro.
― Seria impossível, eu rasguei sua garganta com minha
melhor garrafa de uísque antes que pudéssemos conversar.
Eu o encarei com horror.
― Matou sem nenhuma razão um dos homens que servia
fielmente você? Lucca, ele podia ter família!
Seus olhos só mostravam indiferença.
― A Camorra quase teve sucesso em sua missão de me matar
e tiveram informações graças a alguém de dentro. Eu vou limpar e
purificar a famiglia com lealdade absoluta custe o que custar.
― Qualquer um? ― questionei, indignada.
Ele levantou meu queixo e olhou profundamente em meus
olhos antes de sussurrar:
― Quem for preciso.
Engolindo em seco, respirei profundamente, sentindo a
ameaça em sua declaração. Ele se afastou, indo para o banheiro,
lembrando-me de que podia estar ferido.
Entrei no banheiro atrás dele.
Lucca estava de costas com a cabeça abaixada enquanto
desabotoava a camisa. Eu fiquei em sua frente e coloquei as mãos
sobre as dele.
― Deixe-me fazer isso ― sussurrei tão baixo que até duvidei
se ele tinha conseguido ouvir. Contudo, depois de alguns segundos,
suas mãos caíram nas laterais do corpo, e ele levantou a cabeça o
suficiente para me olhar.
Minhas mãos tremiam tanto que pensei que Lucca fosse me
afastar, mas ele apenas continuou ali, com os olhos fixados em mim.
― Por quê? ― perguntou de repente.
― Por que o quê?
― Por que quer fazer isso?
Encolhi os ombros.
― Às vezes é bom ser cuidado. E você é meu marido.
― Então é por dever.
Eu fitei seus olhos brevemente.
― Nem tudo se resume à famiglia, Lucca.
Eu sentia sua respiração em meu rosto, meus dedos tocaram
seu peito nu e eu repeti o movimento não querendo perder a
sensação de sua pele quente. Demorando mais do que o necessário
no último botão, empurrei a camisa delicadamente para fora de seus
ombros, tomando cuidado para não encostar na ferida. Além de
sujo, seu corpo estava machucado, com arranhões e contusões por
toda a parte.
― Eu devo chamar o médico para ver esses ferimentos e te
dar algo para dor.
Lucca bufou.
― Sei lidar com um arranhão, Abriela. Além do mais, ninguém
pode saber que estou aqui.
― Mas...
― Eu disse ninguém.
Suspirei, sentindo-me culpada por ter que esconder de sua
família que ele estava seguro e bem. No entanto, assenti, ele sabia
o que era melhor.
Ajoelhei-me na sua frente e tirei seus sapatos. Subi as mãos
por suas pernas até parar no cós da calça, olhei em seus olhos e
soltei o cinto, para logo depois desfazer o botão e o zíper antes de
puxá-la para baixo junto com a cueca.
Lucca inclinou a cabeça.
― Por que está corando, esposa?
Abaixei a cabeça, envergonhada. Aparentemente tudo o que
ele havia passado não impediu que seu outro Lucca se animasse
com minhas ações. Tentando ignorar o latejar que começou no meio
das minhas pernas, levantei-me e fiz o possível para manter os
olhos longe daquela parte dele.
Virei-me e fui até a banheira, ligando a água e olhei para ele
novamente.
― Eu já volto. ― Quando fui passar por ele, segurou meu
braço e falou em meu ouvido:
― Quantas vezes eu já te avisei para não me provocar se não
pretende terminar o que começou?
Todo meu corpo se arrepiou, suas mãos fortes e seu pau
encostando em minha perna me faziam muito consciente de onde
estávamos indo.
― Só vou pegar uma roupa para você.
― Eu não vou precisar.
Eu não pude evitar.
Quando Lucca empurrou meu cabelo para trás, eu o fitei e de
repente lágrimas vieram aos meus olhos. Fiquei na ponta dos pés,
puxei sua cabeça delicadamente para baixo e selei nossos lábios.
Obrigada, Deus, por trazê-lo de volta para mim.
Ele não se moveu, apenas deixou que eu aproveitasse o
momento.
― Por favor... — sussurrei. Ele sugou uma respiração e
passou um braço pela minha cintura, puxando-me para perto. Eu
abri a boca quando senti seu membro roçar duro como pedra pela
minha coxa e ele aproveitou, enfiando a língua em minha boca.
Passei meus dois braços pelo seu pescoço e me deixei ser
levada. Ele me puxava contra si cada vez mais. Só quando grunhiu
eu percebi que tinha apertado seu ombro. Afastei-me rapidamente.
― Desculpe.
― Eu já disse que posso lidar com isso. ― Lucca me ergueu,
sentando-me sobre o gabinete livre da pia e eu deixei meu corpo
cair até estar escorado no espelho.
Lucca segurou minha camisola pela barra, puxando-a até que
a arrancou do meu corpo.
― A torneira ― alertei sem ar.
― Foda-se ― ele sussurrou em meus lábios antes de me
beijar outra vez.
Sua língua balançava contra a minha, suas mãos acariciavam
e passeavam pelo meu corpo apertando e sentindo a pele. Eu me
segurei em suas costas, sentindo os músculos contraírem conforme
ele se movia e respirava pesado no beijo.
― Lucca... ― Ele não parou, apenas quando eu senti seu pau
em minha abertura, abri os olhos e espalmei seu peito, segurando-o.
― Lucca, pare.
Ele franziu o cenho, dividido entre fazer o que eu pedia e o que
ele queria.
O que eu também queria.
― Precisamos cuidar de você.
― Me dar é uma forma de cuidado.
Não pude evitar sorrir.
― Eu vou te dar, só quero garantir que está bem primeiro.
Ele abaixou a cabeça, olhando entre nós. E quando levantou a
cabeça com seus olhos azuis brilhantes, eu sabia que ele iria
ignorar.
― Talvez um dia eu me desculpe por alguma coisa, mas por
desejar sua boceta como água no meio do deserto, jamais.
Seu beijo era tão possessivo quanto a forma como separou
mais minhas pernas e me penetrou num único impulso. Lucca enfiou
a mão entre nós, pressionando meu clitóris e entrando e saindo da
minha boceta sem parar.
Ele era grande, grosso e seu braço livre me segurava tão perto
que meus seios estavam esmagados no peito forte.
Eu queria gritar, e gritei. Gritei alto, obrigando-o a tapar minha
boca, minha cabeça caiu contra o espelho e Lucca segurou minha
bunda, puxando para mais perto e me fodendo sem pausa.
Ele mordeu meu ombro no mesmo lugar da viagem, onde
ainda estava arroxeado, mas foi mais forte dessa vez, e eu gozei
quando pressionou meu clitóris mais forte, esfregando-o
incansavelmente.
Quando parei de tremer e estava quase me desfazendo, ele
puxou para fora e me segurou por alguns segundos.
Eu envolvi meus braços ao seu redor, desesperada para que
não me soltasse.
Fechei os olhos planejando ficar ali por um tempo, mas Lucca
tinha outros planos. Ele se afastou, deixando-me sentada no
gabinete. Eu ainda tentava acalmar a respiração quando ele entrou
na banheira, fazendo a água vazar por todo o chão. Meu marido
fechou os olhos em alívio.
Ajoelhei-me ao lado da banheira e peguei o sabonete, prestes
a começar a passar nele quando Lucca segurou meu pulso.
― É o suficiente, Abriela. Você pode sair.
― Eu não quero ir a lugar algum ― falei sinceramente.
Ele cerrou a mandíbula.
― Esse é o problema.
― Lucca, é apenas um banho. Só quero ajudá-lo a se sentir
confortável.
Ele me fitou por algum tempo antes de finalmente fechar os
olhos e assentir. Comecei por seus braços, seu pescoço, peito e
abdômen. Quando cheguei à cintura, seu pau ainda estava ereto.
Ele não tinha gozado.
― Nos filmes românticos geralmente é o homem quem faz isso
― ele comentou.
Encolhi os ombros. Deveria, mas se apenas um de nós tinha
isso para oferecer, eu me acostumaria a ser eu.
― Luccare DeRossi não é um homem romântico, estou me
acostumando com isso.
Ele abriu os olhos e focou em mim.
― É uma vida miserável essa ao meu lado.
Eu não esperava ouvi-lo dizer isso, tampouco admitir o peso
que a declaração carregava, mas o que eu conhecia dele, afinal de
contas?
Neguei com a cabeça.
― É complexa, mas eu sempre fui rápida em me adaptar a
situações difíceis. Na maioria das vezes acabei gostando delas.
Lucca franziu o cenho, seus lábios apertando juntos. Ele pegou
o sabonete da minha mão e o soltou na água.
― Junte-se a mim.
Eu não demorei a obedecer.
Eu entrei com um pé após o outro, sentando-me de frente para
ele.
O canto de seu lábio contraiu em diversão.
― Já não passamos do ponto de sutilezas, Abriela? Monte em
mim.
Certa de que estava corando, fiz como mandou. Não pude
evitar soltar um gemido quando seu pênis roçou entre meus lábios.
Sentir suas mãos calejadas em meus seios era bom, mas
quando ele abocanhou e mordeu um mamilo após o outro, eu
agarrei seus cabelos na nuca e puxei, rebolando no colo e buscando
mais da fricção deliciosa. Lucca se afastou e me olhou nos olhos,
meus peitos estavam vermelhos de seus chupões, havia marcas de
mordidas e meus mamilos estavam duros e doloridos.
Conte a ele sobre a gravidez ― pensei, mas o beijei para não
fazer besteira e agir por impulso.
Os beijos molhados depositados em meu pescoço, suas mãos
apertando minha cintura e me levantando... tudo era demais. Eu
estava louca de tesão.
― Você está ferido.
Lucca inclinou a cabeça, enrolou meu cabelo em seu punho e
me puxou, grudando os lábios em meu ouvido.
― Eu teria que estar morto e enterrado para não agir quando
sua boceta está esfregando em mim assim.
Eu suspirei, gemi, mordi sua orelha e sussurrei:
― Então eu sou toda sua.
Os olhos de Luccare brilharam em surpresa e posse.
― Nunca se esqueça ou tenha dúvidas disso.
Lucca me penetrou sem dificuldade, jogando meu corpo para
trás, espalmando minha barriga, o que me fez ficar tensa, mas
rapidamente começou a mover minha cintura, controlando a forma
como seu pau latejante se movia dentro de mim.
Eu joguei a cabeça para trás, gemendo sem parar.
Eu era dependente dele. Sentia meu coração batendo forte e
coloquei a mão direita em cima do seu coração.
― Aperte seus mamilos para mim, bella, me deixe ver isso.
A voz rouca falando besteiras baixinho me fazia delirar.
Quando gozei, quase não sentindo mais meus seios de tanto
que os apertei e ele apertou. Lucca me acompanhou minutos
depois, investindo fundo até que explodiu em meu interior.
Eu o beijei novamente, meu corpo escorregadio deslizando em
cima do seu.
Lucca segurou meus seios, mas quando eu gemi
dolorosamente ele parou de apertá-los.
― Eles estão diferentes ― murmurou.
Eu congelei, mas por sorte, ele não deu atenção para isso.
― Isso é ruim? ― perguntei.
― Nada no seu corpo é ruim, Abriela, ele é uma tentação. Se
eu ficar aqui vou passar a noite te comendo.
Eu me levantei ainda atordoada e peguei nossas toalhas.
Não me preocupei em colocar uma roupa antes de cair na
cama.
Eu só queria me cobrir e me esconder antes que ele visse algo
além do que eu estava pronta para dizer.
Lucca enrolou a toalha na cintura, observando-me quando
caminhou até a janela e se sentou no beiral, acendendo um cigarro.
Ele continuava me olhando enquanto tragava e deixava a
fumaça voar para longe.
Sustentei seu olhar enquanto pude, mas logo o sono me
consumiu. Dormi com meu coração mais do que aquecido.
Mas meus pensamentos... não havia sono que me impedisse
de ter pesadelos com o que podia acontecer futuramente.
Mantive tudo aqui dentro
E mesmo eu tendo tentado, tudo desmoronou
Eu tentei tanto e cheguei tão longe
Tive que cair, que perder tudo
Mas no fim, isso nem mesmo importa
linkin park, in the end
Abri os olhos lentamente e saltei da cama assim que as
imagens da noite passada vieram à minha memória. Eu não
precisava nem me preocupar que fosse um sonho, minha falta de
roupa e algumas áreas sensíveis no corpo diziam tudo.
Ele estava vivo. Ele estava bem.
Sorrindo, tomei um rápido banho e decidi chamar uma
massagista. Meu corpo estava muito dolorido. Eu precisava contar
de uma vez a ele que estava grávida ou teria que arriscar começar a
negar sexo ao meu marido. Bufei. Isso seria impossível, eu só tinha
uma opção.
Vesti-me para o dia e desci as escadas escutando vozes
vindas da cozinha.
Lucca estava de pé com uma xícara na mão, Dante ocupava
uma banqueta e ouvia Luigi contar alguma história ― que eu não
entendi nenhuma palavra, já que ele mais ria do que falava.
― Bom dia ― cumprimentei com um pequeno sorriso. ― Sinto
muito, não sabia que estavam tendo uma reunião.
― Entre, bonita, é a sua casa ― Luigi me convidou com
aquele sorriso cínico de quem não tinha medo do perigo óbvio.
― Bom dia, Abriela. ― Dante acenou.
Eu fiquei na porta, incerta sobre o que fazer.
― Sente-se e tome seu café, Abriela ― Lucca ordenou. Eu me
aproximei e sentei-me em um dos bancos do balcão. Havia café,
bolo, chá, suco, geleia e baguetes. Eu não pestanejei antes de
pegar uma fatia do maravilhoso bolo, finalizá-la e rapidamente
rechear dois pedaços de pão.
Levantei-me e fui até a geladeira, pegando a caixa de suco de
laranja. Quando me virei, os três me encaravam em silêncio.
― Alguém está com fome ― Luigi zombou. Lancei um olhar
em sua direção, fazendo-o rir.
― Como está Giorgia? ― Tentei mudar de assunto.
Eu realmente estava com fome.
― Agora está tranquila, mas foram dois dias infernais. ― Ele
suspirou fingido, fitando Lucca com um bico. ― Não posso culpá-la,
senti falta do meu carrasco também. ― Sentou-se do meu lado e
arrancou o segundo pedaço de bolo da minha mão, dando uma
mordida. ― Delicioso. ― Piscou.
― Luigi ― Dante advertiu.
Ele riu e passou um braço pelo meu ombro. Além desse toque,
nossos corpos não se encostavam.
― Relaxa, irmão. Não é crime desfrutar um belo café da
manhã com uma bela mulher.
Antes que qualquer um pudesse dizer mais alguma coisa,
Lucca tirou uma faca do porta facas e atirou em nossa direção. Eu
gritei, fechando os olhos e tampando o rosto.
A lâmina passou por cima do meu ombro, cortando a mão de
Luigi. Ele gemeu e pulou da cadeira. Eu fiz o mesmo, encostando na
parede oposta.
― Disgraziato![5]
Lucca atravessou a sala e empurrou Luigi contra a parede,
pressionando o antebraço em seu pescoço.
― Machuquei seu dedo, irmãozinho? Toque na minha esposa
novamente e vou cortar a porra da sua garganta.
Luigi deu uma gargalhada meio abafada.
― Isso é novidade. Viu só, Dante? Eu não sabia que você era
ciumento, irmão.
― Eu vou aturar suas gracinhas até o túmulo porque você é
meu irmão, Luigi, mas se cruzar a linha com a minha mulher, vou
garantir que chegue lá precocemente. Ouviu bem?
O sorriso sumiu do rosto de Luigi.
― Ele entendeu o recado, irmão ― disse Dante sem se alterar.
Lucca deu um sorriso sombrio e bateu seu irmão contra a
parede mais forte.
― É bom que tenha.
Luigi moveu seus olhos para mim, demorando mais do que o
necessário antes de fechá-los e abaixar a cabeça para seu irmão.
― Eu entendi, irmão. Respeito sua esposa e seu casamento.
― Eu espero que sim, caso contrário... ― Lucca afastou-se e
arrumou seu terno, deixando as palavras no ar.
― Eu disse que entendi.
Houve um momento de silêncio antes que Dante se
levantasse, pegando seu terno do banco vago ao lado. Era possível
cortar a tensão no ar.
― Devemos ir.
― Eu diria que foi uma boa forma de iniciar o dia, não? ― Luigi
sorriu.
Eu balancei a cabeça, mas não olhei em sua direção.
― Luigi esquece que seu parquinho é lá fora e eu não sou fã
de participar das brincadeiras ― disse Lucca, aproximando-se e
deslizando a mão do meu pescoço até a nuca onde a repousou,
olhando-me nos olhos. ― Eu voltarei tarde. Tenho coisas a resolver.
Assenti com um pequeno sorriso. Seu toque gentil em frente
aos seus irmãos me surpreendeu, mas talvez fosse só sua forma de
afirmar ainda mais a Luigi que eu era dele.
― Vou preparar o jantar.
― Estamos convidados? ― Luigi perguntou.
Lucca piscou, seus olhos fixos em mim. Eu toquei seu braço.
― Tenha um bom dia.

Os olhos azuis inocentes da minha esposa imploravam que eu


não punisse meu irmão por sua falta de respeito. E eu não o faria,
Luigi não entendia coisas básicas como limite e obedecer regras,
mas eu havia aprendido a lidar com ele. Às vezes ignorá-lo era a
melhor saída.
No fim, meu irmão não tinha culpa de ter nascido com a
cabeça fodida.
Eu dei as costas a Abriela e saí da casa. Entrei em meu carro
e Dante entrou no banco passageiro, nós esperamos Luigi alcançar
sua moto e quando eu olhei para a enorme mansão adquirida
exclusivamente para o meu casamento, minha esposa nos
observava da porta.
― Freud explicou muitas coisas ― disse Dante ―, mas com
certeza não conseguiria explicar como é possível que essa garota te
olhe como se você fosse sua salvação.
― Ela se casou comigo obrigada, esse olhar não é de
esperança, é pura sobrevivência.
Meu irmão me deu um breve olhar antes de colocar seus
óculos escuros e acenar para a rua.
― Vamos embora, o dia vai ser cheio.
― Por isso temos a noite, irmão.
Nós adentramos o prédio da famiglia com cerca de quinze
soldados nos seguindo para dentro. A demonstração de hoje seria
pública e nossos homens estavam ansiosos para ver.
Otto Fanaro estaria lá, e seria bom que ele assistisse a um dos
meus shows antes de resolver se seguiria ou não com sua
vingança.
― Nino diz que Otto chegou mais cedo ao lado de Lorenzo ―
Luigi avisou.
― Então talvez esse seja o segundo nome na nossa lista.
Dante ponderou meu pensamento.
― Não acho que andariam lado a lado publicamente se
estivessem envolvidos no mesmo plano.
― Depois de hoje nós vamos descobrir. ― Eu tomei a frente,
subindo as escadas para o terceiro andar, onde o espaço livre foi
sendo aos poucos, preenchidos por homens que serviam à Cosa
Nostra.
Eu segurei uma corrente disposta no chão próximo à cadeira e
observei as correntes presas ao teto que na ponta, continham dois
ganchos. Eu sorri.
― Quem montou essa bela obra de arte? ― perguntei. Os
homens concordaram com resmungos e assovios e alguém
empurrou Joel Magnani para a frente. ― Foi você, companheiro?
Ele assentiu.
― Sim, chefe.
― Fique na frente, veja como vou fazer bom aproveito do seu
trabalho. Hoje ― fiz uma pausa, caminhando pela sala com a
corrente na mão, arrastando-a pelo chão ―, faremos história. Há
anos temos lutado contra os avanços de nossos inimigos em nosso
território. Graças ao esforço e trabalho duro, vamos exterminar a
Camorra.
Os gritos de excitação dos soldados e irmãos que lutaram,
perderam amigos e família e finalmente poderiam ver o fim de uma
das nossas ameaças, me confirmaram que todo o sangue perdido
valeu a pena.
Eles ainda estavam gritando formas como eu deveria arrancar
sangue de Lucky Marandini quando ele foi arrastado por Juliano e
Nino para o meio da sala. Estava sujo e ensanguentado, sem
camisa e seu rosto estava inchado com um olho fechado. Quando o
soltaram, ele caiu com um gemido, apoiando as mãos no chão.
― Essa é a primeira vez que nos encontramos em anos,
Lucky, e a melhor posição que você tem a me oferecer é a de
quatro?
― Foda o rabo dele, padrinho!
― Mostre como a Cosa Nostra faz, chefe!
― Eu deveria ― murmurei quando o silêncio se fez presente
outra vez. Fui até o canto, perto da janela e peguei a única cadeira,
arrastando-a até alguns metros de Lucky e me sentei. ― Sabe, eu
me lembro quando matei meu primeiro homem. Foi o seu irmão,
Rio. Você se lembra, Lucky? De como eu enfiei minha faca
profundamente no intestino dele e rasguei, derramando seus órgãos
e tripas no seu tapete persa?
Lucky ergueu a cabeça, seus olhos furiosos fixos nos meus.
Ele sorriu de forma doente.
Se pensava que podia ser mau, eu mostraria a ele a extensão
do meu ódio.
Se Lucky era ruim, eu era o demônio.
― Eu me lembro, Lucca, foi por isso que eu deixei meus
homens foderem a sua irmã quando a sequestrei e depois a matei.
Nem um único som podia ser ouvido.
A verdade é que eu não havia caçado cada soldado da
Camorra e matado, junto com suas famílias porque eu queria que a
Cosa Nostra fosse a única organização do país. Eu derramei
sangue e os fiz correrem assustados porque Lucky mandou fotos da
minha irmã e nos deixou saber o que fez com Mia com seus 6 anos
de idade. Eu sabia que nunca a teríamos de volta, e decidi que
ninguém mais iria ferir minha família, mas para garantir isso, eu
precisava extinguir meus inimigos da face da terra.
Lucky encerrava um ciclo e depois dele, eu iria atrás de Drago
Salvatore.
Eu me levantei, sorrindo sombriamente. Ele esperava que suas
palavras me fizessem acabar com isso rápido, mas eu tinha tantos
planos para Lucky, que apenas quando ele fosse uma bagunça de
sangue, carne e ossos, eu terminaria.
― Engraçado você mencionar minha irmã, Lucky. Nós vamos
jogar um jogo hoje e você terá uma escolha. ― Eu fitei Luigi. ―
Traga nossa convidada.
Meu irmão esfregou as mãos, rindo e pegando sua foice
apoiada na parede e sumiu entre os homens. Alguns minutos se
passaram até que ouvimos o barulho de rodinhas enferrujadas
ecoando na sala.
― Yo, ho. todos juntos Nossas cores erguer... Ladrões e
mendigos, jamais irão morrer... ― Luigi cantava. Quando os homens
abriram espaço para que passasse, meu irmão empurrava uma
gaiola com alguém dentro. Ele a deixou a uma boa distância de
Lucky e começou a bater o cabo de sua foice no chão. ― Todos
juntos... ― Ele sorria de forma doente, circulando as grades que
prendiam Fiona Marandini, a esposa de Lucky. ― Com as chaves
da prisão e o diabo de prontidão...
Lucky arregalou os olhos, sua indiferença e provocação indo
embora quando a mulher ficou de joelhos e agarrou as grades.
― Lucky... querido. ― Ela chorava, soluçando e segurando o
vestido rasgado ao meio que ameaçava expor seu corpo. ― Lucky!
― Fiona, tudo ficará bem ― ele garantiu, engolindo em seco.
― Ficará, Lucky? ― perguntei, levantando-me.
― Ladrões... e mendigos. ― Eu ouvia Luigi murmurando a
canção, sua foice batendo no chão, seus passos caminhando pela
sala.
― Fiona ― falei devagar. ― Uma de suas empregadas nos
confirmou após um bom tempo de conversa que devido ao tamanho
de Mia, ela precisava de cuidados. Fiona, diga-me, não foi você
quem banhou minha irmã e a alimentou antes que seu marido a
levasse?
A mulher gritava seu desespero em forma de lágrimas e
soluços altos.
― Senhor DeRossi, eu juro... juro que se soubesse...
― Seu marido aparece com uma criança em casa e você não
sabia que devia fazer algo? Mesmo quando ele lhe disse para limpar
melhor as partes íntimas? ― Dante questionou, impassível.
Ela abaixou a cabeça, negando veemente.
― Eu não podia negar... mas não fiz nada com ela. Eu cuidei
dela! Eu cuidei!
Inclinei a cabeça para o lado, abrindo a porta da gaiola e
aceitando a mão que a mulher me estendia.
― Eu sei que cuidou. Eu sei.
Olhei para trás, acenando para Dante. Meu irmão me deu sua
própria versão de um sorriso antes de tomar o meu lugar, empurrar
Fiona para dentro e abrir os braços.
― Um presente por seu bom serviço prestado. A todos os
soldados que quiserem cuidar de Fiona como ela cuidou de Mia
DeRossi... sintam-se livres.
― Não! ― Lucky gritou, tentando se arrastar em direção à
gaiola. ― Fiona, não! Eu faço qualquer coisa, Lucca, eu juro! Eu
entrego tudo o que sei!
Estalei a língua. Eu sabia que seria divertido, mas não que
seria tanto.
As risadas e gritos de guerra rodeavam o lugar quando eu
ajoelhei na frente de Lucky e segurei seu rosto.
― Eu não menti quando disse que te daria uma escolha.
Abaixem ― poucos segundos depois, os ganchos começaram a
descer e eu segurei um, colocando-o sobre o antebraço de Lucky
―, você vai sentir uma picada, mas acredito que Mia sentiu algo
bem pior. ― Ele arregalou os olhos e seu grito excruciante
combinou com o de sua esposa quando eu enfiei o gancho em sua
pele entre os ossos e a carne. Segurando o outro gancho, dei uma
olhada para trás, onde uma fila se formava fora da gaiola.
Um soldado já estava lá dentro colocando Fiona de quatro, e
outros enfiaram as mãos entre as grades para tocá-la.
Lucky chorava, babava e tinha catarro escorrendo de seu nariz
quando levantei seu braço esquerdo e o fisguei com o gancho,
sorrindo.
― Com um som sepulcral, vem convocar pra retornar... ao
destino final ― Luigi cantava, gargalhando e agitando os homens
presentes.
― Ao fim da Camorra!
― Foda-se, Marandini!
Quando Lucky estava devidamente enganchado, eu acenei
para Jimmy, e ele começou a puxar a alavanca que ergueria
Marandini do chão.
Ele gritava em dor e agonia, e quando apenas seus dedos
estavam encostando no chão, mandei Jimmy parar.
― Agora ― falei, dando a volta em torno dele. ― Mia tinha
seis anos. Tinha três irmãos. Tinha uma legião de homens para
protegê-la, mas você nos mostrou que nem isso era suficiente para
salvá-la.
― DeRossi, eu juro...
Segurando uma faca com o punho apertado, apertei em suas
costas, fazendo o primeiro corte.
Os gemidos e gritos de socorro de Fiona penetravam meus
ouvidos como doses de adrenalina, e o corpo de Lucky tremendo
me excitava de um jeito que me fazia querer enfiar a mão entre suas
entranhas e arrancar tudo, fazendo-o mastigar e engolir.
Eu parei no sexto corte e voltei à sua frente. Ele arfava, seus
olhos conformados, mas desesperados.
― Dante ― chamei.
Meu irmão tinha suas próprias formas de punir alguém, mas
deixou de lado e pegou um pedaço de arame farpado. Aquela
merda cortava suas mãos, mas Dante nem piscou com o próprio
sangue em suas mãos.
Enquanto ele enrolava o arame no peito e barriga de Lucky, eu
me aproximei da gaiola.
Fiona tinha o pau de um homem profundamente enfiado em
seu rabo e outro fodia sua boca. Em certo momento, eu tive um
vislumbre dela alcançando o pênis de um do soldado que esperava
na porta e me aproximei mais.
― Você está aproveitando isso?
A humilhação e vergonha em seus olhos era tudo o que eu
precisava ver.
― Não a matem ― disse Dante. ― Eu tenho um destino
melhor para ela.
― Por favor ― Lucky implorou novamente ―, a minha
escolha, Lucca, a minha escolha.
― Jimmy, vá buscar nosso presente para Lucky.
― Minha vez ― disse Luigi, chegando perto.
― Não o mate. Ainda não.
Meu irmão ergueu sua foice e a desceu sobre o rosto de
Marandini. Sem dificuldade, Luigi desenhou o recorte do rosto e
quando terminou, colocou a foice sobre seu mamilo, arrancando-o.
Meu irmão segurou os ombros de Marandini e o puxou para
baixo, fazendo um grito pungente ecoar pelo espaço, sobressaindo
os de Fiona. Luigi se inclinou, fechando os dentes sobre o outro
mamilo e o mordeu, arrancando-o e cuspindo no chão.
Eu segurei seu ombro e o empurrei. O sangue em sua boca e
camisa, além do olhar ansioso para mais me fizeram rir.
― Queremos que ele sinta mais, irmãozinho. Muito mais que
isso.
Luigi assentiu e antes que eu piscasse, bateu a lâmina de sua
arma favorita no pé de Lucky, cortando do tornozelo para baixo.
Eu pensava que o homem não podia gritar mais alto, mas
estava enganado.
Luigi pela primeira vez estava sério, e aproximando-se de
Marandini, segurou seu pau sobre a calça.
― Por Mia. Pela honra da minha família. ― Luigi apertou até
que o corpo de Lucky começou a ficar vermelho.
Suor brotava em cada pedaço da pele.
Eu dei uma olhada em volta, vendo orgulho, crueldade e
monstros por todos os lados. Os homens que me acompanhavam
tinham o mesmo desvio que eu e meus irmãos. Precisavam de
sangue, de morte, de dor.
Isso era a máfia.
A famiglia.
A porra da Cosa Nostra.
― Senhor ― Jimmy chamou, e eu ergui os braços, chamando
a atenção de todos.
― Companheiros! Eu prometi a Lucky uma escolha. E vou dar
a ele.
Todos fizeram silêncio, os dois soldados que estupravam Fiona
pararam e saíram da gaiola, sem se preocupar em cobrir sua nudez.
Os choramingos da mulher continuavam, assim como os gemidos
sôfregos de Lucky.
Jimmy atravessou a sala com um carrinho contendo cinco
pratos tampados e eu lhe dei espaço para parar em frente a
Marandini. O homem observava atordoado, sem saber o que
esperar e provavelmente desejando a morte mais do que já desejou
qualquer coisa na vida.
Eu me posicionei atrás do carrinho e fitei Lucky.
― Aqui está sua escolha, Marandini. Salve sua esposa e tome
o lugar dela para fazer companhia aos meus soldados ou ― segurei
a primeira cloche, erguendo-a para exibir um prato de sopa ―
venha e se alimente dos seus filhos.
O corpo de Lucky caiu como se ele não estivesse preso. Seu
peso fazendo os braços esticarem ainda mais conforme gritava a
plenos pulmões, xingando-me e me amaldiçoando. Seus olhos
vermelhos e o único aberto parecia ainda mais inchado,
completamente injetado.
Se ele pensou por um momento, que eu deixaria barato, ou
que eu arrancaria algumas unhas e estaria satisfeito, nunca esteve
tão enganado.
― O-o quê?
― Coma seus filhos, porra. Ou foda nossos soldados ― Luigi
gritou, apontando a foice para ele.
― Eu conferi o tempero ― acrescentei. ― O sabor não é dos
melhores, mas vai te satisfazer bem como uma última refeição.
― Lucca... são os meus ― ele engoliu em seco ―, são meus
filhos? Você... você...
― Me encarreguei de cortar Suzano e Luciano pedaço por
pedaço até sua morte iminente, mas fui gentil com sua Rebekah. Eu
enfiei uma faca em seu coração antes de cortá-la.
Levantei o restante das cloches, exibindo um prato com tiras
fritas do fígado de Luciano e sorri ao ver um purê de batatas
acompanhando, isso com certeza tinha sido obra de Luigi. Na
próxima, havia picadinho dos pulmões de Suzano.
― Aqui temos as tripas e bucho dos três juntos. ― Apoiei as
mãos na superfície do carrinho. ― Não achei justo alimentar os
cães com essa parte.
Lucky começou a vomitar, escorrendo em seu pescoço, peito e
no chão e Fiona implorava a Deus por misericórdia.
― Lucca...
― Escolha, ou eu vou te forçar a fazer as duas coisas. ― Tirei
o terno enquanto chegava perto da minha vítima a qual mais me
dediquei na vida. ― Escolha. ― Peguei uma mala debaixo do
carrinho e a joguei no chão, abrindo e tirando um martelo. Não
demorei a acertar o joelho de Lucky com força. ― Escolha, Lucky.
― Eu não posso, eu não posso!
Luigi se aproximou com uma arma de pregos, mirando e
atirando em seu corpo enquanto eu martelava em diferentes partes
do corpo.
― Escolha ou eu vou escolher por você.
― POR FAVOR!
― Jimmy, abaixe o gancho. Lucky terá seu rabo arrebentado
pela Cosa Nostra por alguns dias enquanto pensa.
Jimmy correu para fazê-lo e quando os pés de Lucky tocaram
o chão, ele finalmente cedeu.
― EU VOU COMER! Eu vou comer, por Deus, Lucca, seu
desgraçado doente, eu vou comer!
Eu deixei o martelo cair e ergui a mão para Luigi, cruzando os
braços para encarar Marandini.
― Não foi difícil, foi?
― Você vai queimar, Lucca, vocês todos vão queimar.
Meus homens riram, e eu encolhi os ombros.
― Sugiro que vá preparando o inferno pra mim, já que chegará
lá primeiro. Agora, Lucky... eu quero que se solte daí e vá fazer o
que escolheu.
― Mas... mas como?
Eu me aproximei, segurando seu pescoço e apertando.
― Puxe a porra dos seus braços dos ganchos até que esteja
livre e vá comer, cadela.
Quando ele hesitou, Dante se aproximou e segurou sua mão,
puxando o braço com um único impulso. O grito de Lucky penetrou
meus ouvidos de forma ardida, e seu braço caiu frouxo ao lado do
corpo.
― Faça a mesma coisa com o outro ― disse meu irmão
colado ao seu rosto. ― Sua choradeira está me irritando pra
caralho, se você não se soltar e comer a porra da refeição que
preparamos, eu vou te dar para os cães.
Chorando em silêncio, Lucky assentiu. Ele começou a tentar
puxar, mas não tinha força. A dor devia ser agonizante. Eu sorri.
― Eu não consigo... Eu não consigo...
Luigi revirou os olhos e se aproximou, batendo a lâmina da
foice no braço do homem e cortando em diferentes lugares.
― Considere como uma ajuda.
Ele não parava de bater e Lucky parecia à beira da loucura.
Bem-vindo à porra do clube.
Luigi poderia facilmente ter feito um corte que livraria o braço,
mas ele só queria ter uma chance de fatiar Marandini o máximo
possível. Pedaços de carne caíam no chão e o cheiro de sangue era
sentido sem precisar respirar fundo.
― Solte-se, porra!
Com um último grito, Marandini conseguiu se livrar, caindo com
um impacto pesado no chão, o barulho de osso quebrando quando
o rosto foi direto no concreto explicou porque ficou imóvel por alguns
segundos.
Eu me virei para os soldados na gaiola.
― Façam o seu pior com a prostituta. Ela não merece prazer.
Ela preparou minha irmã de seis anos para ser levada à morte.
Vingança, ódio e dever preencheram os rostos dos homens
que me serviam, e quando Lucky começou a se mover novamente,
os homens encheram a gaiola, agarrando sua esposa e puxando-a
como se fosse uma boneca de pano.
Eu lancei um olhar para Dante.
― Desculpe, irmão, acho que ela não vai sobreviver para seus
planos.
Dante encolheu os ombros.
― Eu não esperava o contrário. ― Ele agarrou os cabelos da
nuca de Lucky e o arrastou até o carrinho. Luigi puxou a cadeira e
os dois o sentaram.
Eu tirei os garfos e colheres de seu alcance e inclinei a
cabeça.
― Coma o seu buffet da morte, Lucky. Foi feito com lágrimas,
sangue, suor e dor.
Chorando e tremendo, ele mal conseguia levantar os braços.
Eu esperei pacientemente por três minutos. Contei na cabeça. Não
disse uma palavra.
― Eu não con...
Não o deixei terminar a frase, peguei as tiras de fígado e enfiei
em sua boca, fechando-a até que ele começou a mastigar.
― Agora entendo porque foi tão fácil derrubar a Camorra,
Lucky, você não sabe dizer nada além de “não consigo” ― observei.
― E “eu não posso” ― Luigi completou com um sorriso
ansioso.
Lucky engoliu. Logo depois começou a ter ânsia.
― Se você vomitar, te farei comer o vômito.
Ele fechou a mão sobre a boca e enfiou os dedos na sopa,
levando devagar aos lábios. Fechou os olhos quando começou a
mastigar.
― Perdoe-me se sentir algum cabelo, não tenho tanta
experiência como açougueiro. Quando Luigi arrancou o couro
cabeludo da sua filha pode ter deixado algo para trás.
― Eu não estava exatamente pensando na higiene da coisa,
irmão ― ele se defendeu.
― Jesus Cristo, tenha misericórdia da minha alma, senhor ―
Marandini começou a rezar.
Dante bufou.
― Eu pensei que demoraria um pouco mais até ele aceitar
Jesus.
De repente ouvi um estalo alto e Fiona começou a gritar sem
parar.
― Desculpe, chefe ― um soldado disse quando olhei naquela
direção. ― Eu quebrei seu braço.
Ao fitar Fiona, seu rosto estava intacto, nenhum dos homens a
agrediu. Havia apenas lágrimas, suor e porra por todo o seu corpo.
Ela chupou mais paus do que muitas prostitutas.
― Acabe com isso ― eu disse a Dante.
Meu irmão assentiu, foi até a gaiola e tirou a mulher,
colocando-a ao meu lado.
Eu segurei seu queixo, erguendo seu olhar para o meu.
― Vou lhe oferecer misericórdia se você quiser ― falei
suavemente.
Os olhos de Fiona brilharam com esperança. Ela não pensou
duas vezes quando assentiu.
― Eu imploro... eu não aguento mais, não aguento mais nada.
― Eu quero queimá-la viva ― disse Luigi.
Eu resolvi pensar sobre seu pedido, mas antes que pudesse,
Dante segurou seu queixo e a lateral da cabeça e num único golpe,
quebrou o pescoço da mulher. O estalo alto foi ouvido, mas não foi
mais alto que o rosnado de irritação de Luigi.
― Eu ia finalizar, irmão.
― Foi o suficiente.
Dante nunca concordou com tal castigo para ela. Mexer com
mulheres era um limite para o meu irmão. O corpo caiu como um
saco de ossos aos nossos pés.
Analisei por um instante antes de voltar a Lucky, que parecia já
não estar mais ali.
Abri a última cloche e quando ele visualizou um coração cru,
forrado numa piscina de sangue, começou a vomitar tudo o que
havia comido. Eu o peguei sem cuidado, manchando minhas mãos
e espremendo o órgão antes de levá-lo aos lábios e morder. A
textura espessa, gosmenta e fria em minha língua era nojenta, mas
eu a mastiguei de boca aberta, com Lucky observando.
Eu sorri, sentindo o sangue escorrer em meu queixo e
pescoço.
― Esse era Luciano, o herdeiro do seu trono, Lucky. Seu filho
que governaria a Camorra depois de você.
Eu engoli e o joguei no chão, pisando em cima com um forte
impacto e esmagando sob meu pé.
Quando Lucky caiu de joelhos e começou a chorar, Luigi se
aproximou e eu tive tempo apenas de dar um passo atrás antes que
meu irmão descesse sua foice no pescoço de Lucky Marandini.
Luigi limpou a testa com as costas da mão, erguendo o rosto
com um grande sorriso e exibindo respingos de sangue na própria
pele.
― Cortem as cabeças ― sussurrou, feliz.
― É o fim da Camorra ― Dante declarou.
Eu e meus irmãos nos fitamos por um momento com o silêncio
de cinquenta homens presentes.
Era o fim de uma vida vingando a perda da nossa irmã.
Sei que você me ama
Meu bem, você não precisa dizer
Você sabe que pode confiar em mim
Está tudo bem, é complicado
Você é tão bonito que dói
Vou rezar para o Senhor
Para que, amor, eu seja sua
Amor, eu sou sua
isabel larosa, i'm yours
Eu vi Lucca chegando pela janela, e quando estacionou o
carro, fechei o portãozinho de Rossi para que não saísse e fui
recebê-lo na porta. Eu estava decidida a contar sobre nosso bebê.
Eram apenas cinco da tarde, então imaginei que finalizou seus
compromissos mais cedo. Eu começaria o jantar em breve e quem
sabe ele poderia me fazer companhia.
Eu podia pedir. Ontem vi algo diferente, percebi que talvez aos
poucos poderíamos criar uma convivência.
Abri a porta para ele quando Lucca entrou em nossa casa
havia algo em seus olhos.
― Chegou cedo.
Eu não tive tempo de perguntar o que aconteceu. Suas mãos
grandes seguraram meu rosto como se precisasse me sentir, e ele
tirou minha roupa rapidamente, encostando-me na parede,
erguendo minha perna e encostou a testa na minha.
― Puxe meu pau para fora e coloque em você ― rosnou. Seus
olhos estavam fixos nos meus.
Sem fôlego pelo beijo, eu obedeci. Atrapalhei-me com o cinto,
mas rapidamente o livrei e esfreguei a cabeça de seu membro duro
em minha abertura.
Lucca me penetrou sem dificuldade, assim que eu o senti,
minha boceta ficou molhada, cheia de excitação e vontade. Mesmo
antes de descobrir a gravidez eu o recebia facilmente.
Ele bateu forte, rápido e eu não gozei, mas ele sim. E foi tão
rápido que eu estranhei. Lucca enfiou o rosto em meu pescoço e
apoiou os antebraços em ambos os lados da minha cabeça por
alguns segundos.
― Você está bem? ― sussurrei, passando as mãos em seu
cabelo.
Ele pegou minha mão, livrando-se do meu toque e a prendeu
na parede, junto à outra. Lucca desceu seus dedos até minha
boceta, onde enfiou dois dedos e massageou meu clitóris com o
polegar até que eu estava gozando e apertando seus dedos entre
minhas mãos.
― Estou ― respondeu finalmente. ― Estou bem pra caralho.
Quando ele subiu as escadas sem dizer nada, eu fui ao
lavabo, limpei seu esperma escorrendo nas minhas pernas com
lenços e lavei meu rosto, encarando-me no espelho por alguns
segundos.
Isso foi o que eu esperei a vida toda enquanto sonhava em me
casar?
Com certeza não, mas olhando para nós, percebi que não
conseguia imaginar algo diferente. Será que ele conseguia?
Lucca me encontrou na cozinha separando as coisas para o
jantar.
Ele encheu uma xícara de café e abriu as portas que davam ao
jardim, observando o trabalho do jardineiro.
― Está ficando bonito ― comentei.
Ele assentiu, mas não disse nada.
― Seus cabelos estavam molhados quando chegou. Tomou
banho no trabalho?
Lucca ergueu uma sobrancelha e sorriu ironicamente.
― Eu passo tão pouca confiança assim, Abriela?
― Eu sei que você não me traiu. ― Peguei a tábua para cortar
os legumes e uma faca bem afiada. ― Essa é a minha forma de
dizer que não importa como você chegar em casa, não tem que se
preocupar com a minha reação.
Ele me observou com surpresa por alguns minutos, por fim,
deu um aceno.
― Anotado.
― Você quer...
― Senhor DeRossi. ― Martina apareceu de repente,
interrompendo-me de convidá-lo a me ajudar. Ela tinha os olhos
arregalados. ― O detetive Zaza Pellet está na porta. Ele pediu para
ver o senhor e Abriela.
Imediatamente fiquei alerta.
― Ele está sozinho?
― Sim, padrinho.
― Venha comigo, Abriela. ― Olhei para sua mão, que ainda
me esperava, e, trêmula, lentamente coloquei a minha em sua
palma.
Lucca dispensou Martina com um aceno.
Ele segurou meu queixo.
― Olhe para mim antes de responder qualquer coisa. Dentro
daquela sala, você precisa ser a esposa da máfia, não só a minha.
Entendeu? Ele vai usar qualquer coisa que você disser contra a
famiglia.
― Eu sei. ― Engoli em seco ― Por que ele está aqui?
― Porque ele é burro pra caralho e está se esforçando para
me irritar.
Um homem alto e na faixa dos trinta anos, usando um terno e
sapatos baratos andava pela nossa sala e olhava ao redor. Do sofá,
Rossi rosnava para ele baixinho.
― Pellet. ― O homem se virou para Lucca com um sorriso frio.
Ele não era nada diferente dos homens da famiglia.
Zaza era careca, e tinha um corpo forte.
― DeRossi. ― Nenhum dos dois se moveu para um aperto de
mão. Eu treinei a vida toda para momentos como aquele.
Não sei de nada.
Não vi nada.
Sim, meu marido estava comigo.
Não, eu não ouvi nada sobre isso.
― Olá ― eu acenei com um sorriso simpático ―, posso
oferecer um café?
Zaza sorriu de volta, cínico.
― Não, senhora DeRossi, não vou demorar. ― Ele se
aproximou e pegou minha mão, dando um beijo. ― É mais bonita do
que eu ouvi falar.
― Obrigada. ― Recuei um passo.
Lucca não tirava os olhos gélidos dele.
― Seu marido e eu somos velhos conhecidos.
O homem me olhou.
― Lamento chegar a essa hora. Eu soube dos riscos de vida
de Lucca e decidi passar para ver se posso ajudar em algo. Caso o
senhor tenha visto quem explodiu o seu carro ou o porquê.
― Pare de enrolar, Pellet, vá direto ao ponto.
Zaza desviou o olhar para mim.
― Sinto muito que isso tenha acontecido pouco depois de
voltarem da lua de mel.
Eu olhei para meu marido, e ele assentiu sutilmente.
― Sim, mas o importante é que Luccare está bem.
― Lembra-se de quais lugares visitaram quando estavam em
Tirana?
― Apenas alguns restaurantes, não tivemos tempo para
passeios. Eu tive uma infecção alimentar horrível.
― Espero que esteja melhor.
― Estou, obrigada.
― E Lucca cuidou de você, ou a abandonou em algum
momento e se separaram no passeio?
Olhei para o homem à minha frente, entendendo onde queria
chegar. Ainda que algo fosse dito aqui, ele não precisava ouvir, só
queria que Lucca soubesse que ele sabia de tudo. Sabia que Lucca
tinha ordenado o ataque à cidade que deixou dezenas de mortos.
Colei meu sorriso ensaiado no rosto e sentei-me no sofá,
acariciando a cabeça de Rossi.
― Lucca não me deixou nem por um minuto. Fora o tempo que
passeamos, ele se preocupou apenas em me mostrar cada parte do
nosso quarto de hotel.
Zaza sorriu e após um momento em silêncio, me fitou com o
rosto irritado.
― Obstrução da justiça é crime, mocinha. A essa altura
deveria saber.
Lucca soltou uma risada sombria.
― Você vir até aqui, imaginando que minha esposa é burra o
suficiente para cair em sua armadilha suja, é ofensivo.
O detetive fuzilou Lucca com os olhos.
― Seu complexo de Deus é o que vai derrubá-lo, DeRossi, e
eu estarei lá para fechar o caixão.
Lucca estampou o sorriso mais ameaçador que eu já tinha
visto em seu rosto.
― Enquanto isso, você continuará sendo apenas uma
pequena peça no meu jogo.
― Estou cavando, descobrindo e sua hora vai chegar.
― Nunca lhe disseram para não se meter com meninos
grandes, Pellet? ― O detetive abriu a boca, mas Lucca se
aproximou. ― Eu sugiro que você saia. Vá prender traficantes e
cafetões de esquina, é o que você faz de melhor.
― Ou o quê? ― Ele deu os últimos passos que faltavam para
eles ficarem quase nariz com nariz.
― Serei obrigado a colocar você para descansar assim como
fizemos com o seu parceiro.
Eu me mantive impassível, mesmo curiosa e tensa por não
saber se ele se referia à aposentadoria ou morte.
Lucca me observou por cima do ombro.
― Saia daqui, Abriela.
Ele não precisou dizer duas vezes. Eu peguei Rossi e só parei
quando chegamos ao jardim. Respirei o ar puro profundamente,
pensando que a tarde não tinha seguido como eu planejava.
Fiquei ali alguns minutos, até que ouvi um carro se afastar.
Voltei para a cozinha.
Quando Lucca me encontrou, ficamos nos observando por um
momento.
― Você o matou?
― Não.
― O parceiro ― esclareci, sem saber se ele falava sobre Zaza
ou o parceiro dele.
― Não, Dante o fez.
― E ele sabe disso?
― Sabe que foi a Cosa Nostra.
Lucca atravessou o cômodo e pegou a faca que eu usava
antes, dedicando sua atenção a cortar o frango rapidamente e em
cortes retos, deixando em pedaços iguais.
― Exibindo sua habilidade com facas?
Eu não entendi o sorriso torto que cruzou seus lábios.
― Poucas pessoas podem me chamar de exibido, mas quando
me mostro, dou um show. Eu vi seu cachorro rosnando para Zaza.
― Rossi é protetor.
Lucca parou a faca no alto, e só então eu percebi que era a
primeira vez que ouvia o nome.
― Rossi? ― Havia algo em seus olhos, mas eu não conseguia
identificar o que. Diversão? Curiosidade? Indignação, talvez?
Encolhi os ombros.
― Pensei que combinava com ele.
Lucca começou a cortar alguns legumes dessa vez, o silêncio
era confortável, mas eu queria falar com ele. Queria fazer
perguntas, descobrir mais sobre ele e saber se ele tinha as mesmas
curiosidades sobre mim.
― As empregadas da minha casa me ensinaram a cozinhar,
espero que goste da comida. Caso contrário, posso pedir a Martina
para assumir as refeições.
― Você cozinha bem. Come diferente das outras mulheres,
mas cozinha bem.
Franzi o cenho.
― O que quer dizer?
― Você come massa, proteínas. Não era o que eu esperava.
A faísca de ciúme foi acesa em meu peito.
― Sou bem diferente das modelos que você devia namorar
antes.
Ele bateu a faca na tábua uma última vez, deixando os
cogumelos, cenouras e pimentões perfeitamente cortados, e ergueu
uma sobrancelha para mim.
― Não estou reclamando, Abriela.
― Vou pegar um vinho, qual seu favorito?
― Eu não bebo vinho, mas aceito um Bourbon.
― Jim Bean ou Maker’s Mark?
― Bean.
Eu fui até a sala, atrás do pequeno bar para nos servir.
Quando estava escolhendo a garrafa de vinho, percebi...
― Puta merda ― sussurrei, imediatamente levando a mão à
barriga.
Eu estava grávida.
Enquanto retornava para ele com seu copo, pensei em uma
desculpa para ficar no suco.
― Mudou de ideia?
Dei-lhe um pequeno sorriso quando parei ao seu lado.
― Acho que um suco natural vai cair melhor.
Ele assentiu e pegou seu copo, fechando a porta do jardim ―
por onde um vento frio começava a entrar.
Eu queria tanto perguntar sobre sua família e o que ele
pensava de nosso casamento, se estudou algo ou a vida toda foi
dedicada somente à famiglia. Se alguma vez se apaixonou e quais
países gostaria de visitar.
Queria descobrir se ele tinha tempo livre e o que fazia nele.
Queria mais momentos de gentileza como esse.
Queria tanto, tantas coisas...
Mas quando tomei coragem para puxar assunto novamente, o
celular de Lucca tocou, e ele saiu da cozinha sem dizer uma
palavra. Eu esperei que voltasse, mas não aconteceu.
O esperei até às dez, mas sabendo que precisava me
alimentar, jantei na sala de jantar sozinha em uma mesa de doze
lugares.
Talvez eu nunca tivesse resposta para todas aquelas
perguntas, mas em breve, teria pelo menos mais uma cadeira
ocupada.
E tudo que eu te dei se foi
Desabou como se fosse pedra
Achei que tínhamos construído uma dinastia que o céu não
poderia abalar
Achei que tínhamos construído uma dinastia que o para
sempre não pudesse separar
A cicatriz que eu não posso reverter
Quanto mais cura, mais machuca
Te dei cada pedaço de mim
Não é à toa que está faltando
miia, dynasty
Eu saí de casa acompanhada de Martina e encontrei Lucca,
Dante e Luigi me esperando. Houve um minuto de silêncio quando
me notaram, e Lucca aproximou-se de mim. Colocando uma mão
em minhas costas, sussurrou:
― Você está mais bonita do que a noiva.
Sorrindo, evitei seus olhos e ajeitei sua gravata preta. Eu
queria que combinasse com o meu vestido, mas duvidava que
Lucca concordasse em usar algo terracota.
― Você ainda não viu a noiva ― respondi.
― Eu não preciso.
Eu fitei seus olhos azuis, encontrando orgulho e posse. Será
que os meus mostravam os mesmos sentimentos? Porque eu queria
que sim.
― Cada dia uma nova face diferente, irmão ― disse Luigi. ―
Ontem um ciumento, hoje o último romântico ― ele cutucou Dante
com o cotovelo ―, o que veremos amanhã?
Lucca me deu o braço e descemos dois degraus até seus
irmãos.
― Por que você não faz o seu melhor para me irritar e nós
descobrimos?
Luigi riu.
― Se os pombinhos precisam de um momento a sós...
― Sejamos polidos perto da única dama presente ― Dante
exigiu. ― Se vocês dois terminaram, eu quero chegar logo, para ir
embora rápido. Você está muito bonita, Abriela ― falou com uma
pequena reverência de cabeça.
― Obrigada, Dante.
Meu cunhado era um mistério para mim. Enquanto em Luigi
havia esse claro desequilíbrio, parecendo que ele vivia entre
extremos, Dante parecia ter saído diretamente de outra época. Sua
educação, postura e forma de falar e agir faziam parecer que coisas
como juramento, honra e nobreza se originaram a partir dele.
Já o meu marido... ele não conhecia nada além de brutalidade
e violência.
― Quem não sabe o que você faz, pode facilmente confundi-lo
com um lorde ― comentei, mas rapidamente olhei para Lucca. ―
Quer dizer...
Luigi começou a gargalhar e caminhou até um dos três carros
parados em frente à casa.
― Um lorde, porra ― ele repetia rindo.
Dante não pareceu se incomodar com meu comentário, mas
eu podia ouvir a risada de Luigi mesmo já dentro do carro, e quando
ele acelerou seu CCXR Trevita ― um carro que Santo encomendou
igual no momento em que o consigliere começou a desfilar com ele
pelas ruas de Milão ― passou por nós e gritou.
― Vamos, Dante, acelere sua carruagem ou se atrasará para o
baile!
O som do motor era ouvido mesmo quando ele sumiu de vista.
Lucca deu partida, balançando a cabeça, mas não saiu. Ele
esperou Dante passar por nós, então se virou para mim.
― Sinto muito ― falei. ― Eu nem sequer pensei antes de falar,
só...
― Dante tem esse efeito nas pessoas. Elas falam com ele,
esperam sua compreensão e geralmente vão até ele para resolver
coisas que não confiam que eu não vou agir de forma ― Lucca
hesitou.
― Impulsiva e explosiva? ― completei.
Ele me deu um olhar de advertência.
― Cuidado, Abriela. De forma radical. Não me importo que
você se dê bem com os meus irmãos, apenas não deixe que as
pessoas de fora vejam esses momentos. Piadas, proximidade e...
familiaridade.
― Acho que ninguém espera isso de vocês. Talvez mesmo se
vissem duvidariam de seus olhos.
Lucca olhou para a frente, acelerando o carro.
― Talvez, mas eu não estou disposto a arriscar.
Quando chegamos ao local do casamento de Mary Gianini e
Oscar Tomaro, fomos recebidos pelos pais deles e por Oscar, que
ofereceu a mesa ao lado da sua para Lucca. Meu marido negou
educadamente, dizendo que preferia ficar longe das atenções. Eu
cumprimentei as mulheres e esperei que Lucca falasse com os
homens com quem parecia escolher querer falar e encontramos
Luigi e Dante numa mesa mais afastada.
― Tenho certeza de que eles tentariam colocá-lo na mesa dos
noivos se não fosse deselegante.
― Tenho certeza de que sim, mas eu prefiro ficar numa
posição onde tenho uma ampla visão do local.
― Você está sempre alerta, Lucca, não é cansativo? Não
poder beber champanhe, aproveitar e relaxar?
Ele inclinou a cabeça de lado.
― Se eu não estiver alerta o nosso mundo entra em colapso,
mas não se preocupe, tenho meus momentos de aproveitar e
relaxar. ― Quando ele piscou, eu corei, entendendo o que quis
dizer.
Virei para a frente, vendo os olhos de Luigi fixos em mim. Eu
ofereci um pequeno sorriso e fitei Lucca outra vez. Ele estava
inclinado para trás, ouvindo algo que Juliano dizia.
Seu cabelo incrivelmente preto estava penteado para trás,
dando ainda mais destaque para os olhos azuis celeste. E os lábios
cheios numa linha reta me traziam lembranças das coisas que ele
podia fazer quando relaxava e aproveitava comigo, fazendo coisas
em mim.
Ele era lindo, tinha a beleza de um deus, inteligente,
impressionante em todos os sentidos. Eu estava feliz que Labeli
morreu.
Engasguei com meu suco, arregalando meus olhos ao
perceber que pela primeira vez o pensamento que tantas vezes
ameaçou cruzar minha mente, finalmente correu livre.
Observei meu marido sem piscar profundamente.
As coisas que eu pensava sobre ele, e com o passar do dia
sentia cada dia mais forte, me assustavam, mas também não me
surpreendiam. Afinal, eu fui feita para isso.
Mesmo que tivesse me casado com o vestido manchado de
sangue de alguém.
Mesmo que ele nunca fosse meu.
Era difícil ser a mãe da máfia italiana. Difícil me encontrar
nessa posição com dezoito anos. Era quase impossível que eu
conseguisse algum dia ganhar seu coração para mim.
Mas era ainda mais complicado explicar para a minha cabeça,
como me apaixonei por ele.
― Tendo boas lembranças do seu casamento, bonita? ― Luigi
perguntou.
Eu pisquei para longe de Lucca, observando meu cunhado.
Não foi a primeira vez que me chamou pelo apelido, mas era
estranho ouvir na frente de Lucca.
Lucca acendeu um cigarro. Dante cruzou as pernas e bufou.
― Nunca haverá nada como o casamento sangrento.
― As pessoas chamam assim? ― perguntei, chocada e triste.
― E de algumas outras formas ― Lucca comentou ―, mas
não se preocupe. Suas fotos ficaram bonitas, não?
Eu não gostava quando ele era irônico, fazendo tão pouco de
coisas que significavam muito para mim.
― Você não pode parar isso? ― inquiri.
Os olhos de Lucca estavam cheios de arrogância e sarcasmo
quando me observou.
― Por que eu faria isso?
― Ele gosta de seus súditos tremendo de medo e o chamando
de mestre. Meu presente de aniversário serão cordas e algemas. ―
Luigi virou sua taça de champanhe e se inclinou para pegar a de
Dante. ― Se me dão licença.
Ele sumiu entre os convidados. Eu me levantei, irritada que
nosso casamento fosse apenas mais uma artimanha para que seus
homens o temessem. Lucca não precisava disso, ele já era infame.
Todos tremiam em sua presença, as histórias sobre ele o
precediam.
Sua fama o precedia.
Eu sempre seria lembrada como a noiva substituta que se
casou sob o sangue da primeira.
― Preciso ir ao banheiro, volto logo.
Lucca fez um sinal com a mão e logo Juliano estava me
seguindo.
Eu me virei para o soldado quando estávamos longe.
― Não precisa me seguir, estamos entre a famiglia.
― Onde geralmente os piores perigos se escondem, senhora.
― Juliano, por favor.
Ele ergueu o queixo e cruzou as mãos atrás das costas,
posicionando-se no corredor que levava ao banheiro do salão. A
cerimônia começaria em breve e já que Lucca teria que se sentar na
frente, eu queria estar à altura dele para o nosso primeiro evento
social da famiglia juntos.
Fui ao banheiro porque minha bexiga nunca estava vazia, e
fiquei aliviada por não sentir nenhum enjoo naquela manhã. Quando
saí, lavei as mãos e retoquei o batom, e quando fui em direção à
porta, ela se abriu antes de mim, revelando uma mulher jovem com
o rosto levemente abatido. Ao descer os olhos e ver sua barriga de
grávida, um sorriso preencheu meu rosto.
― Quantos meses?
Ela engoliu em seco, recuando quando eu saí do banheiro.
Estávamos sozinhas ali, mas o barulho de vozes e a música da
recepção do casamento chegava até nós.
― Eu não estou me sentindo bem. ― Ela fechou os olhos,
cambaleando. Corri para segurá-la, ainda que fosse dois pés mais
alta do que eu, e quando toquei sua barriga, fiquei cheia de
ansiedade para sentir a minha própria.
Mas tudo mudou em um instante.
No segundo em que me aproximei, senti o cano de uma arma
em minha costela. Suguei uma respiração profunda, fitando os olhos
da mulher, em pânico.
― O que está fazendo? ― sussurrei.
― Eu não quero te machucar, senhora DeRossi, mas venha
comigo. Eu sei que Juliano Bartolini está esperando. Vamos sair e a
senhora vai dizer que me ajudará e volta logo.
― Ir com você? Ficou louca? Meu marido vai...
― Ele não vai fazer nada, porque eu só quero conversar. Só
preciso de um momento com a senhora, eu juro.
Eu encarei seus olhos castanhos buscando qualquer sinal de
drogas ou saber se a mulher era maluca, mas ela parecia tão
assustada quanto eu.
― Eu farei o que você quiser, mas tire essa arma de mim. Por
favor.
Ela olhou ao redor, incerta, e eu logo senti o revólver
desencostar, mas ela me empurrou para a frente.
― Vamos logo.
Eu saí ao lado dela, respirando pesado, perguntando-me como
falaria com Juliano sem dar na cara o que estava acontecendo e
não colocar meu bebê em risco. Até ele conseguir entender e me
defender, que garantia eu tinha de que a mulher não dispararia?
Eu o encontrei na mesma posição, mas ele já olhava para o
corredor, esperando-me. Seus olhos analisaram a mulher antes de
se aproximar.
― Juliano, eu preciso de um momento a sós com essa moça.
Vou levá-la até um dos quartos.
Ele estreitou os olhos.
― Levarei a senhora para a mesa e volto para localizar a
família da moça.
Eu senti a arma em minhas costas. Minhas pernas tremiam,
minha mão direita imediatamente alcançou meu ventre.
― Juliano, eu disse que vou ajudar essa mulher grávida. Se
você quiser pode me acompanhar, mas esperará fora do quarto.
Ele suspirou e após um momento pensando sobre, assentiu.
― Tem alguns quartos que darão privacidade à moça no
segundo andar.
Ele tomou a frente, mas virava para me conferir a cada poucos
segundos. Eu não sentia mais a arma em meu corpo, e suspeitei
que a mulher a havia guardado ou escondido em algum lugar do
longo vestido e a echarpe que descansava em suas costas e
ombros, praticamente cobrindo suas mãos e braços.
Eu mal conseguia caminhar sem pensar no que ela podia
querer comigo e que eu devia avisar Juliano daquela arma, porém,
não conseguia pensar em nada além dos diversos cenários
possíveis se eu a desobedecesse.
Quando chegamos a um dos quartos, Juliano abriu a porta,
rapidamente verificou dentro e acenou.
― Tudo certo. Lhe darei alguns minutos, Abriela.
― Eu sairei em breve. ― Eu não sabia como estava
conseguindo esconder o tremor da minha voz, mas Juliano assentiu.
― Vamos dar privacidade a moça, não entre sem ser autorizado.
Ele não parecia seguro ou confiante, mas concordou e fechou
a porta quando entramos.
― Eu me sentiria melhor se colocasse sua arma em algum
lugar longe de mim.
― Você não dita as regras aqui, senhora DeRossi. Eu quase
não consegui fazer isso, mas agora que estamos sozinhas percebo
como foi fácil. Como você não é tão intocável assim. ― Suspirou,
suas mãos tremiam.
― Eu vim de bom grado.
― O que importa? ― ela se exaltou por um momento,
fechando os olhos, como se tentasse se recompor. ― Eu tive que
drogar um soldado e roubar essa arma só para conseguir dois
minutos da sua atenção.
Franzi o cenho, mais confusa do que já estive na vida.
― E eu estou aqui, se tivesse dito que queria falar comigo, eu
teria te encontrado.
Ela balançou a cabeça.
― Não com Luccare te observando ― seu tom era
amargurado ―, ele não tira os olhos de você. É como se... como se
não conseguisse prestar atenção em outra coisa quando você está
perto.
Eu não tinha resposta para isso. Observei a mulher à minha
frente, seu tom choroso e sua expressão magoada. Eu jamais me
imaginei nessa situação, sempre pensei que estaria protegida e por
Lucca ser quem era, eu não teria que ver seu passado.
― Quem você foi para o meu marido? ― Meu tom era
cortante. Eu odiei ter que perguntar isso.
Eu queria pegar aquela arma e disparar nela, mas só o
pensamento me fez sentir nojo de mim mesma. Ela estava grávida.
Independentemente de onde essa conversa estava indo, a única
machucada seria eu.
― A pergunta, senhora DeRossi, é quem ele foi para mim.
Meu nome é Stela. ― Ela baixou a cabeça, fazendo as curtas
mechas loiras caírem em seu rosto.
― Qual o seu sobrenome? ― eu perguntei, lentamente.
Seu riso zombeteiro encheu o quarto, ela abriu os braços.
― Eu não tenho sobrenome. Sou uma simples garota que vive
em Nova York. ― Ela respirou fundo, olhando profundamente em
meus olhos. ― Uma mulher que seis meses atrás teve um encontro
com o seu marido.
Eu levei um momento para entender e fazer suas palavras se
assentarem em meus pensamentos. Seis meses. Estávamos
casados há cinco.
Eu tinha quatro de gravidez.
― Eu sei que Lucca teve mulheres antes de mim, não é
novidade.
Mantive-me a uma distância segura e cruzei os braços.
Eu nunca fui de perder a cabeça, ou julgar alguém, mas o fato
de aquela prostituta ter me ameaçado e atraído até ali sob pretextos
que eu não fazia ideia me tirou do sério. Havia uma janela de vidro
atrás dela e eu dei um passo à frente, sentindo uma fúria tão grande
de ciúme que me vi empurrando-a.
Eu fechei os olhos brevemente, cravando meus pés no lugar
para impedir meus impulsos de se tornarem realidade. Uma garota
dos clubes de Nova York, uma funcionária do meu marido.
Eu sabia que Lucca não era inocente, nem de longe. Ele já
tinha dormido com muitas mulheres por aí e me admitiu isso sem
piscar ou hesitar. Por que ela me procurou para esfregar isso na
minha cara?
Mesmo com o turbilhão dentro da minha cabeça, forcei-me a
agir como a dama educada que sempre fui.
― Eu não sou uma simples prostituta com quem seu marido
dormiu, senhora DeRossi.
― Stela ― experimentei seu nome, dizendo lentamente. ― Eu
não acho que temos muito tempo, não vai demorar até que Juliano
chame Luccare. Eu não sei por que você considerou importante vir
aqui e sinceramente, não me importo, contanto que vá embora
agora não farei nada sobre isso. Vou esquecer, e se você tem no
mínimo alguma estima pela sua própria vida, saberá que é hora de
ir. Lucca não vai gostar de saber...
― Garotas dos clubes não podem engravidar ― ela me
interrompeu.
― Eu sei disso. Você quer ajuda?
Eu não queria dar, é claro que não. As meninas dos clubes de
prostituição da famiglia não podiam comprometer seu trabalho, seu
corpo e sua dedicação. E principalmente, arriscar suas vidas com o
possível pai de seu filho.
A famiglia se certificava de que houvesse muita proteção e
anticoncepcional para não haver riscos. Ela me olhou com lágrimas
nos olhos, embora também houvesse raiva.
― Eu não quero que entenda minha vinda aqui como
desrespeito. Mas eu não tenho saída. Eu não vou ser condenada à
morte e não vou ficar calada enquanto perco o único ganha pão que
tenho.
― Stela...
― O seu marido vai me matar.
― Lucca nem sequer sabe da sua gravidez, ele não toma
decisões tão pequenas assim. Isso nem sequer chega aos ouvidos
dele.
― Mas chegará quando eu espalhar que meu filho é um
bastardo do chefe da Cosa Nostra.
Não.
Eu não podia acreditar naquilo.
― Você está esperando um filho do meu marido? ― As
palavras tinham um gosto ruim na minha boca, até mesmo dizê-las
era absurdo.
Meu Deus.
Eu ia matá-la.
Afastei-me dela, de repente sentindo falta de ar. Meus olhos
arderam com lágrimas. Eu sentia mil lâminas perfurando meu peito.
Queria desesperadamente gritar e acordar daquele pesadelo.
Ainda que fosse mentira ― o que eu acreditava com todo o
meu coração que sim ― apenas ouvir tal coisa era o suficiente para
que todo o meu orgulho, confiança e felicidade pela minha própria
gravidez fosse ameaçada.
Eu fui até ela a passos largos apontando o dedo em seu rosto,
segurando-me para não acertar o tapa que meu corpo implorava
para ser dado.
― Como pode dizer tal absurdo? Você quer morrer?
― Eu não estou mentindo! Estive com ele seis meses atrás e
apenas com ele!
Aquela situação era no mínimo impossível de se lidar. Lucca
nunca aceitaria isso. Ele não quer um filho meu, quem dirá de uma
prostituta.
― Eu provavelmente morrerei antes do meu filho vir ao mundo
e não vou aceitar isso. ― Ela me olhou com olhos vermelhos, com
lágrimas escorrendo pelas bochechas coradas. ― Luccare tem a
obrigação de...
A porta de repente foi aberta e Dante entrou.
Meu desespero era palpável e minha fúria estava a ponto de
explodir.
Meu cunhado nos observou por um momento antes de trancar
a porta.
― Lucca ficou preso com uma situação e me mandou procurá-
la. Está tudo bem?
― Me tire daqui, não posso ficar aqui, Dante ― sussurrei. ― E
ela está armada.
Ele rapidamente pegou seu próprio revólver e mirou na mulher.
Ela parecia congelada de pânico.
― Ele estava lá, ele sabe que não é mentira. Quando Luccare
me recebeu em seu quarto de hotel, foi o subchefe quem abriu a
porta. Eu tinha o cabelo ruivo, se lembra?
Dante franziu o cenho.
― Sim, eu me lembro de você. O que está fazendo aqui?
― Eu quero dinheiro e uma garantia de que vou sobreviver,
faça isso acontecer e em troca não contarei a ninguém que meu
filho é um DeRossi.
Dante ficou paralisado. Embora seu rosto não demonstrasse
nada, os olhos dilatando e o peito subindo e descendo com força
foram um sinal de que a notícia bateu tão forte nele quanto em mim.
― Ela está mentindo ― declarei. ― Isso não é possível.
― Eu não estou! ― Stela gritou.
Dante abaixou a arma e foi até ela, revistando-a com calma e
quando encontrou a arma, apontou para a porta.
― Suma daqui.
Ela piscou várias vezes, encarando-o como se não
acreditasse.
― Mas eu...
Dante aproximou o rosto a centímetros do dela.
― Seu movimento de se aproximar de Abriela assim foi
ridículo e eu deveria matá-la por isso, mas se o que diz é verdade,
eu saberei em breve. Vá embora, antes que seja o meu irmão a
entrar por aquela porta, ele não será misericordioso como eu.
Stela olhou entre nós dois por um momento antes de sair, e
com o coração acelerado, eu fui atrás, mas Dante me segurou pelo
pulso e bateu a porta.
― Você não vai a lugar algum.
― Dante! ― gritei, tentando me soltar.
Ele pegou seu celular do paletó e discou antes de colocar na
orelha.
― Alerte Boni, Rafaelle e Diego de que uma mulher loira, 1,75,
vestida de preto e grávida passará pelos portões. Fiquem alerta, se
a perderem de vista é melhor já irem cavando suas covas. Levem-
na para meu apartamento seguro.
Ele guardou o aparelho e me soltou, observando-me com
cuidado.
― Por que veio até aqui com ela?
Eu nem conseguia pensar. Tudo o que eu queria era chamar
Lucca e implorar que a desmentisse, que desse um jeito nisso.
― Você ouviu alguma coisa do que ela disse?
― Ela dormiu com Lucca, eu estava lá. Há uma possibilidade
de ser verdade e eu vou descobrir se é.
Arregalei os olhos. O pânico crescente em meu peito tornou
todo o meu corpo mole e eu caí de joelhos.
― Não ― sussurrei. ― Não pode ser verdade... eu não vou
aceitar isso. O filho de uma... de uma prostituta! Eu não vou aceitar
ser a mulher que... Ah, meu Deus ― solucei, deixando as lágrimas
grossas caírem enquanto um choro feio se iniciava. Dante tocou
meu braço, mas o empurrei. ― NÃO ME TOQUE! Como ele pode
me dizer que mataria a mim e nosso filho se eu engravidasse, mas
nem sequer se preocupa em usar um preservativo com suas
prostitutas?!
Dante ergueu meu queixo.
― Acalme-se e olhe para mim. Abriela, agora.
― Eu não posso. Serei humilhada, a minha família vai ser uma
piada para a famiglia. Todos vão saber que o filho de uma prostituta
é o primogênito do meu marido! Já não basta tudo o que ele fez
comigo?
― Não vamos começar a pensar demais sem ter certeza dos
fatos.
Bufei um riso incrédulo, sem humor.
― Quando eu disse sim para me casar com ele, não concordei
em ser humilhada dessa forma.
― Abriela, porra! Eu sou o segundo no comando dessa
organização, mas continuo guardando os seus segredos como se
fossem meus ― declarou. ― Confie em mim quando eu digo que
vou investigar isso.
Segurei sua mão, impedindo-o de me deixar sozinha.
― Prometa que não vai dizer a Lucca.
Ele estreitou os olhos.
― O que, exatamente?
― Ambas as coisas. Tenha certeza primeiro, por favor, Dante.
Por favor.
Ele hesitou, mas por fim assentiu.
― Por enquanto eu ficarei em silêncio, mas quando tiver uma
solução pra tudo, Lucca saberá.
― Por mim.
Dante suspirou, pensando por um momento antes de tirar um
lenço do bolso do paletó e me entregar.
― Recomponha-se, não queremos que meu irmão comece a
pensar demais.
Ele sabia o peso de um segredo como aquele. Sabia as
consequências caso fosse verdade.
Eu apertei a mão em meu peito, onde a agonia me impedia de
respirar direito e chorei.
Se aquilo fosse verdade, eu jamais conseguiria me levantar.
Seria a minha ruína.
Eu encontrei Lucca no caminho de volta para a mesa, ele
olhava ao redor, parecendo procurar por mim.
― Onde você estava?
Minhas narinas inflaram, eu queria gritar e desabafar toda a
fúria que sentia. Queria deixá-lo saber que pela primeira vez em
meses, não suportava vê-lo. Que se eu pudesse, faria uma tentativa
contra ele assim como Labeli fez.
Eu engoli minhas lágrimas, piscando algumas vezes e lhe
oferecendo um sorriso.
― Fui ao banheiro, mas acabei encontrando uma colega e
fomos para o segundo andar conversar um pouco.
― Que colega? ― Ele não estava desconfiado, só queria ter o
controle da situação, como sempre.
Eu percebi nesse momento que era assim que minha sogra se
sentia diariamente, que era assim que minha mãe se sentiu
enquanto esteve viva. Que esse fogo doloroso que me fazia querer
empurrar Lucca e correr para longe, era o que elas sentiam por seus
maridos.
Eu precisava atuar em público, mas não pensava que teria que
fingir para ele também. E agora eu estava.
Isso me doeu mais do que todas as possibilidades que eu
encarava.
― Ninguém importante, acabei tendo um enjoo por não ter
comido nada e ela me ajudou.
Ele franziu o cenho, segurando meu cotovelo.
― Está se sentindo bem? Vamos levá-la até a cozinha, vou
mandar prepararem algo.
Sim, contanto que você tire suas mãos engravidadoras de
prostitutas de mim.
― Eu estou bem, consigo esperar até a cerimônia acabar ―
respondi docemente. ― Vamos nos sentar?
Lucca me observou por um momento antes de se virar para
Juliano.
― Tenho que ir lá dentro um momento.
Ele me levou para o inferior da propriedade, seguindo até a
cozinha.
― Lucca, eu disse que não é necessário.
― E eu digo é que. ― Ele se virou para o chefe, que nos fitou
sem entender. ― Prepare algo rápido para minha esposa comer.
― Lucca. ― Eu estava constrangida, principalmente com o
olhar que o homem me deu.
― Serviremos os pratos após a cerimônia, que vai acontecer
agora, senhor.
Lucca levou a mão atrás das costas e bateu sua arma no
balcão do homem, apoiando ambas as mãos e fitando-o com aquele
olhar gelado, que fez o chefe recuar e tombar em outro, que
derrubou uma frigideira cheia de molho no chão.
― Senhor. ― Ele ergueu as mãos.
― Quão difícil será conseguir um simples tira gosto nessa
cozinha? ― ele rosnou, olhando para cada trabalhador presente.
Rapidamente três pratos foram colocados à minha frente. Meu
estômago estava embrulhado, mas não era de fome.
Eu fitei as opções, encolhendo pelos canapés com fricassé e
maçãs caramelizadas. Comi rapidamente, sentindo os olhos de
Lucca em mim o tempo todo. Quando finalizei, ele guardou o
revólver e me ofereceu a mão.
― Agora sim nós podemos ir.
Ele me levou até o salão fechado onde a cerimônia já
acontecia, mas tive sorte de não ter perdido a entrada de Mary.
Eu assisti como Mary entrou com seu vestido branco sereia
impecável e encontrou Oscar no altar com um sorriso, entregando o
buquê para sua primeira madrinha e fitando seu noivo com orgulho
e confiança.
Aquela não foi a forma como eu encarei Lucca quando nos
casamos, tampouco como eu me sentia sobre ele agora, mas sua
presença ao meu lado me engolia, e no fundo, eu sabia que
independente do que Dante descobrisse... nada mais seria como
antes.
Ao mesmo tempo que aquela percepção se instalava em
minha mente e tentava penetrar meu coração, Lucca se inclinou e
disse em meu ouvido:
― Como eu disse, você está mais bonita do que a noiva, bella.
Como posso viver? Como posso respirar?
Quando você não está aqui, me sinto sufocando
Eu quero sentir o amor correndo pelo meu sangue
Me diga, é aqui que eu desisto de tudo?
Por você eu tenho que arriscar tudo
Porque o destino está selado
Se eu arriscar tudo
Você poderia amenizar minha queda?
sam smith, writings on the wall
Quando chegamos em casa, seguimos silenciosamente para o
quarto após desejar boa noite a Martina. Eu não precisava de mais
uma dose de Lucca e seus sinais mistos, então fechei e tranquei a
porta do banheiro antes que ele entrasse comigo.
Percebi que não conseguiria fazer nada além de pensar em
Stela e sua revelação, ficar ansiosa pela resposta de Dante e odiar
meu marido, escondendo as lágrimas na água do chuveiro.
Saí em silêncio, mas antes que me deitasse, ele se colocou à
minha frente usando apenas a calça social. Eu mantive meu foco
em seu peito forte cheio de cicatrizes.
― Vou me deitar, boa noite, Lucca.
― Você está calada. Por quê?
― Só estou cansada e com dor de cabeça.
Ele ergueu meu queixo, inclinando a cabeça. Parecia que a
cada dia juntos, ele conseguia me ler melhor, ao contrário de mim,
que o enxergava mais e mais como um enigma.
― Vai me dar a desculpa da dor de cabeça?
― Eu estou cansada ― sussurrei. Ele deslizou a mão pela
minha cintura, puxando-me para seu peito. ― Não! ― Espalmei seu
peito, empurrando-o e fixando meus olhos nos seus.
Lucca segurou meu pescoço, mantendo nosso olhar.
― Você é minha e não vai dizer não para mim.
― E o que você vai fazer?
Ele nos virou, rapidamente me derrubando na cama e ficando
sobre mim. Eu não o queria, não queria seu toque e não suportaria
sua proximidade.
― Tomar o que é meu, porque você não me diz que porra
fazer. Eu já te disse para não jogar comigo.
Meu pulso acelerou, a vontade de acertar seu rosto com um
tapa crescendo junto com o embrulho no estômago. Lucca abriu
meu robe, expondo meus seios, e a primeira lágrima caiu quando
sua coxa foi no meio das minhas pernas, pressionando minha
boceta e ela respondeu.
Tudo voltou.
As palavras de Stella, a minha gravidez ainda mantida em
segredo, ele me odiando e me procurando quando precisava de
sexo...
Eu virei o rosto e vomitei em nossa cama. Não porque me
sentia mal fisicamente, mas porque mesmo odiando-o, meu corpo o
desejava. Mesmo estando com raiva dele, eu faria qualquer coisa
que ele mandasse.
Lucca rapidamente saiu de cima de mim, segurando o meu
cabelo e meu corpo, e levando-me ao banheiro quando parei de
vomitar.
― Martina, chame Martina ― murmurei, sem olhá-lo.
Lucca hesitou, mas saiu, deixando-me apoiada na pia.
Martina entrou quando as lágrimas já tinham molhado todo o
meu rosto, eu parecia uma criança frágil e desesperada. Ela fechou
a porta, desculpando-se com Lucca e me acolheu, abraçando-me.
― Ah, menina... o que aconteceu?
Eu balancei a cabeça. Não queria falar. Eu não podia.

Eu não vi Lucca nos dois dias depois daquilo, mas diferente


das outras vezes, não perguntei por ele ou me importei de onde
poderia estar. Eu queria ficar livre de sua presença enquanto minha
mente trabalhava e meu coração se acalmava.
Quando Alessa me ligou, convidando-me para almoçar, eu
aceitei, concordando de encontrá-la no Palazzo. Seria uma boa
forma de distrair minha cabeça e conversar com minha irmã sobre a
minha gravidez. Desde que eu descobri, não tinha dúvidas de que
Anita contaria. Alessa e eu trocamos mensagens e conversamos ao
telefone, mas Alessa raramente tinha tempo livre para
comemorarmos juntas.
O Palazzo não ficava longe de onde morávamos, então, em
menos de 20 minutos havíamos chegado. Pedi a Juliano que me
esperasse do lado de fora, e ele encontrou um café ao lado, onde
podia ver a saída da calçada.
Avistei Alessa assim que entrei no restaurante, a ansiedade
para vê-la quase me fez correr até a mesa, mas mantive a postura e
deixei para demonstrar toda a saudade quando nos abraçamos. No
momento em que nos soltamos, ela me segurou pelos ombros e me
analisou por completo.
― Eu já vejo um brilho diferente em você ― ela disse baixinho,
rindo.
Dei risada.
― É um novo iluminador que comprei ― brinquei, fazendo-a
revirar os olhos. ― Digamos que essa gravidez ainda não está
reluzindo e iluminando todos os cantos da casa.
Seus ombros caíram quando nos sentamos frente a frente.
― Você ainda não contou para Lucca.
Eu mal o vi em dois dias, irmã. Além do mais, outra mulher diz
estar grávida dele e eu terei a certeza disso amanhã, quando Dante
me enviará o resultado do teste de DNA.
É claro que eu só respondi:
― Ainda estou com muito medo para explorar esse território,
nós sabemos que meu marido não é exatamente aberto a coisas
que ele já havia me recusado.
― Ella, Lucca, vai aceitar o bebê. É seu herdeiro. Eu já te
disse isso.
― Como você pode ter tanta certeza? Eu o conheço há
meses, vai por mim, sei o que estou falando.
Alessa desviou o olhar, recostando-se na cadeira. Ela estava
aflita, e eu imaginava que era por não saber como me ajudar ou até
resolver meus problemas por mim.
― Eu só sinto, não sei. Estou sendo lógica, nenhum chefe
descartaria um herdeiro como se não fosse importante.
E se for um bastardo? Minha língua coçava para perguntar
sobre um filho fora do casamento, o que Lucca faria? O que um
homem na posição dele faria? Eu conhecia o meu marido em casa,
mas as coisas que ele era capaz pela famiglia apenas ouvi falar.
― Eu vou pensar no assunto ― disse por fim.
Eu não devia manter mais um segredo de Lucca, enquanto
revelava para outras pessoas, mesmo que fosse minha irmã ― a
pessoa que eu mais confiava.
― Mas me fale de você. ― Ela sorriu, empolgada. ― Como
está se sentindo com a gravidez? Tendo enjoos, desejos?
― Eu me sinto ― fiz uma pausa, suspirando de alegria ― me
sinto plena. É uma sensação de estar completa que nunca senti
antes, Lessa. Como se tudo no mundo estivesse no lugar. Nem o
meu marido e nossos problemas estragam isso.
― E não devem mesmo. Você nasceu para ser mãe. Tentava
cuidar de mim e Anita mesmo que fosse mais nova e nem
conseguisse nos acompanhar ― demos risada ―, você sempre foi
forte e determinada. Meu maior alívio é que esse casamento vai te
dar o que sempre desejou.
Eu assenti. Ela estava certa.
― Eu não esperava nada de bom, você sabe disso. Se eu me
casasse com qualquer outro homem sabia que poderia contar com
um pouco da interferência de papai, mas sendo o chefe? ―
Balancei a cabeça. ― Lucca nunca vai me machucar, pelo menos
não fisicamente e o que mais eu posso pedir além disso?
― Irmã, você pode desejar amor, pode desejar uma vida feliz.
― Em nosso mundo eu devo estar contente com qualquer
bondade, Alessa, ou está sugerindo que eu me sente com Lucca e
exija encontros semanais, além de ele me dizer que me ama?
― Deus, não. Lucca não é esse tipo de homem. Quer dizer...
não parece esse tipo de homem.
― Com certeza não, mas saber disso não me faz desejar
menos que fosse. ― O sorriso complacente e triste de Alessa quase
me levou às lágrimas novamente. ― Deus, eu estou uma máquina
de hormônios. Lágrimas, emoção e risos o tempo todo!
Ela riu.
― Isso se chama estar gerando uma vida, irmãzinha, e você
deve aproveitar cada momento da experiência. Se por acaso tiver
desejos na madrugada e não puder contar com o seu marido, eu
estou a um telefonema de distância.
― Você vai buscar para mim? ― Estreitei os olhos, duvidando.
― Não, mas posso acordar Santo e mandá-lo ir.
Nós estávamos gargalhando quando o garçom chegou para
anotar os pedidos, e após aceitar a recomendação do chef,
esperamos que ele estivesse afastado.
― Tudo está perfeito com relação a isso, mas quando eu paro
para pensar em todo o resto, em Lucca e nosso casamento ― me
interrompi, frustrada.
― O quê? ― Alessa pegou minha mão por cima da mesa. ―
Fale comigo. Não sou exatamente especialista em relacionamentos,
mas sempre soube como acalmar seu coração.
Era verdade. Minha irmã sabia como controlar todas as
situações difíceis colocadas à sua frente.
― Eu sei que não devo me iludir ou criar esperanças, mas ele
me dá sinais mistos. Uma hora eu acho que nunca vou alcançá-lo e
no minuto seguinte ele age diferente, como rir de algo relacionado a
Rossi. E ele riu de um jeito que por um momento parecíamos um
casal normal tendo uma conversa divertida ― contei, tanto
entusiasmada quanto confusa.
― Eu não acho que alguém já o viu rir desse jeito. ― Ela
parou de falar e de repente um sorriso surgiu em seu rosto. ― Ele
riu. ― Eu assenti, sorrindo. ― Não é ridículo? Eu e você sentadas
aqui feito duas idiotas intrigadas e esperançosas porque seu marido
riu.
Quando ela disse isso, eu percebi o quanto era ridículo, de
fato. E comecei a rir, Alessa me acompanhou. Eu não sabia se eram
meus hormônios dessa vez, ou o desespero de tudo o que estava
enfrentando gritando e se expressando de outra forma que não
fosse o choro.
― Sou uma idiota que acredita em contos de fadas, Lucca
mesmo já me disse isso.
Alessa negou veemente.
― Não, nunca deixe que ele tire essas pequenas coisas que te
fazem ser quem é. Sua esperança, bondade, compaixão... tudo isso
faz parte do seu caráter. Se o seu coração te diz para ter
esperanças, então tenha. Deus sabe que você dobrou nosso pai
mesmo quando Anita e eu não conseguimos.
― Às vezes eu quero acreditar que serei o suficiente, mas ele
vem e me desarma completamente.
― O que seu coração te diz?
― Para ir em frente, para fazer o que for preciso por ele.
― Então o escute. ― Alessa sorriu com compreensão. ―
Ignorar seu coração nunca foi seu forte.
― E se eu me magoar?
― Bem ― ela encolheu os ombros ―, teremos muitas noites
de oração esperando que Deus não permita que Lucca volte do
trabalho.
Cobrindo o rosto, balancei a cabeça.
― Alessa!
Ela jogou a cabeça para trás, rindo.
― É exatamente o que Anita diria.
― E você pensaria sem dizer em voz alta.
Ela ergueu sua taça d’água e eu ergui a minha de suco.
― Um brinde a isso.
O almoço chegou e nós nos atualizamos de tudo enquanto
comíamos. Passar o tempo com Alessa sempre me fazia sentir
revigorada. Sua inteligência e foco, a forma como ela conseguiu
fazer de sua vida muito mais do que os deveres das mulheres da
máfia ditavam. Alessa era a minha inspiração e orgulho. Ela era
perfeita em tudo e todos os sentidos.
Durante a sobremesa, eu tomei coragem para perguntar algo
que estava perturbando minha mente desde o casamento de Mary e
Oscar.
― Lessa.
Imediatamente recebi seu olhar atento.
― Sim?
― Você vem fazendo eventos para a famiglia, conhece mais
pessoas do que nós e tem relações até próximas com muitas
famílias.
Ela concordou com um gesto, como se não fosse nada.
― Não que eu adore, mas com o tempo se tornou parte da
rotina. Ainda que não quisesse mais fazer nada disso, não seria
bem-visto.
― Todas essas famílias têm crianças? Filhos e netos?
― É o tradicional, sim. Ella, se isso é sobre você e Lucca...
― Não. Eu... ― deixei meus talheres no prato ― você
conheceu algum bastardo? Já soube de algum boato ou de fato
temos alguém na famiglia?
Ela franziu o cenho, estranhando o tópico.
― Por que a curiosidade?
― Nada demais, é só que... essa coisa toda de filhos me fez
pensar sobre.
― Bem, lembro-me de uma família quando éramos crianças.
Aconteceu em Nova York, um capo teve um filho fora do casamento.
Eles consideram uma coisa horrível de acontecer e desonrosa, é
claro.
Eu tentei manter minha feição vazia e parecer o mais
desinteressada possível.
― Eu vou dizer, mas isso não é conversa que se repita. O
homem engravidou a prima da esposa, com quem ele tinha um caso
antigo e nasceu um menino. A prima morreu no parto.
― Com quem o bebê ficou? Com o pai?
― Sim, foi considerada a punição pelas indiscrições dele e a
esposa pagou por isso. Cresceu com as duas crianças do casal. O
menino tentou a sorte em algum cargo alto, mas ele nunca teria
respeito, então, se tornou um soldado descartável.
― Mas ele foi aceito na famiglia.
― Aceito é uma palavra muito forte, irmã. Ele era uma criança
indesejada, concebido fora do casamento. O pai perdeu toda sua
moral e seu respeito, e a esposa perdeu a honra. É desonroso ter
um bastardo. A pior parte é que o menino não tinha culpa, mas toda
a sua vida foi escrita no momento que o pai o assumiu.
― O que você acha disso? ― Engoli em seco. Eu tinha medo
da resposta de Alessa, porque ela era a pessoa mais certa e
respeitável que eu conhecia. Seu caráter era inquestionável.
Se ela me dissesse que achava abominável, eu me sentiria
ainda pior.
Mas e se...
― Eu acho que ele deveria ter cuidado do bebê em silêncio.
Devia ter dado dinheiro e o deixado fora dessa vida.
― Se um dia meu marido tiver um bastardo eu vou me lembrar
disso ― fingi brincar, arriscando que minha irmã visse a verdade.
― Eu espero que isso nunca aconteça, Ella, porque não
consigo te ver deixando uma criança abandonada sabendo que a
culpa não é dela.
Eu senti uma pontada forte no peito, sem saber se estava
aliviada por ela confirmar o que eu pensava ou entristecida por
todos saberem o quão fraca eu era.
Esse era o meu medo.
Que minha irmã falasse aquilo que eu negava aceitar até
mesmo para o meu reflexo no espelho.

Minha mente se voltava para Stela cada vez que eu me


distraía depois da conversa com Alessa.
O que ela estaria fazendo?
Onde estaria?
Será que se alimentou? Será que estava cuidando das
necessidades do bebê?
Eu tinha raiva por me preocupar tanto, mas sabia que seria
assim mesmo se não tivesse conversado com a minha irmã e visto
as coisas pelo outro lado. Uma vez Anita me disse que minha
compaixão seria o maior motivo do meu sofrimento no nosso mundo
e minha empatia era rara. Apenas agora eu entendia o que minha
irmã quis dizer.
O bebê de Stela não foi gerado durante o meu casamento ― o
que não fazia doer menos ―, mas me fazia sentir melhor como
mulher.
Em uma mão, eu segurava o meu destino e na outra, o de
Stela e seu filho.
No momento em que Lucca soubesse, ele seria o único a
tomar as decisões de vida e morte ou futuro.
Stela não me parecia nada maternal, e eu não queria nem
pensar qual destino aquele bebê teria.
Mas não era problema meu, tocando minha barriga, suspirei.
Eu já tinha minhas próprias batalhas para lutar.
“―... não consigo te ver deixando uma criança abandonada
sabendo que a culpa não é dela.”
Eu fitei Rossi, que brincava aos meus pés com seus três
brinquedos favoritos ― um urso de pelúcia rosa, um porco marrom
que fazia um barulho insuportável e um milho que tinha um assobio
dentro, mas quando fui investigar porque não fazia mais o som,
encontrei um rasgo e o apito não estava dentro. Poderia ser Rossi,
se não fosse reto e claramente de uma faca, o que me levou a
Lucca. Além de tudo, ele estava destruindo os brinquedos do meu
cão que o irritava.
Ele faria o mesmo com o nosso filho?
E com o seu bastardo?
Eu me condenei mentalmente por chamar a criança de um
nome tão desagradável, mas o que mais eu podia fazer? Eu estava
trabalhando minha mente de todas as formas para continuar com
pensamentos positivos e encontrar formas de resolver a situação, só
que por enquanto, nada tinha me ocorrido.
Não até que meu telefone tocou na manhã seguinte e eu vi o
nome do meu cunhado piscando na tela.
― Sim? ― Minha voz era fraca, e eu me encarava no espelho
quando atendi, fitando meu rosto vermelho e cansado, com bolsas
debaixo dos olhos.
― É verdade, Abriela. ― Ele suspirou. Eu não sabia se sua
voz tensa e o tom hesitante se davam porque ele estava recebendo
o choque da informação ou porque sabia que eu estava à beira de
um colapso. ― O exame é compatível, eu não sei como, mas Stella
está esperando um filho de Luccare.
Uma gota no oceano
Uma mudança no tempo
Eu estava rezando
Para que você e eu
Pudéssemos ficar juntos
É como desejar a chuva
Enquanto eu estou no meio do deserto
Mas estou te segurando
Mais perto do que nunca
Porque você é meu paraíso
ron pope, a drop in the ocean
As coisas não eram as mesmas desde que descobri que ele
havia engravidado outra mulher. Não recebi consolo de Dante,
embora ele fosse um homem cortês, ele ainda era um assassino e o
irmão de Luccare. Meu único pedido foi que não contasse a ele, pois
Lucca a mataria no minuto que soubesse.
Depois de eu ter vomitado na nossa cama, Lucca passou a
dormir no quarto ao lado e nunca me perguntou o que houve, o que
por um lado, me senti grata, mas por outro abandonada.
Ele realmente não se importava com nada que me envolvia?
No mínimo, me enxergava como apenas um corpo livre para
seu acesso e fácil de seduzir.
Eu acordei por volta das três da manhã sozinha em nossa
cama ouvindo barulhos no andar de baixo. Abri a porta devagar e
olhei da ponta da escada, mas eu só podia ouvir a voz de Lucca e o
que parecia ser vidro caindo. Voltei ao quarto para calçar meus
chinelos, fechei a porta para Rossi não sair e desci
apressadamente.
Uma escultura de barro estava destruída entre o corredor e a
sala de visitas, podia ser alguém invadindo, mas minha
preocupação venceu o medo e no fim do corredor esbarrei com
Lucca, que surgia no hall.
Ele segurou meus braços, impedindo-me de cair com nosso
impacto. Sua camisa estava aberta, exibindo o peito suado, os
cabelos despenteados como eu nunca vi fora do quarto.
― Lucca?
― Ela já foi embora, não se preocupe com a bagunça ― ele
falava devagar e meio embolado, só então notei que segurava uma
garrafa de Bourbon.
― Ela? ― eu recuei. ― Trouxe uma mulher para a minha
casa?
Ele riu, cambaleando quando passou por mim e seguiu pelo
corredor.
― É claro que me perguntaria isso.
― Lucca. ― Engoli em seco, seguindo-o para seu escritório.
― Você está bêbado.
― Estou, Abriela. ― Virou-se para mim, abrindo os braços.
Seus olhos azuis estreitaram e arregalavam conforme falava. ―
Estou bêbado pra caralho.
― Quem estava aqui?
― Martina. Martina estava aqui, e quando eu quase cortei sua
garganta com um pedaço de vidro, ela achou melhor sair de perto.
Fechei os olhos, apertando-os juntos. Uma das coisas que eu
sempre pedi a Deus foi que meu marido não tivesse gosto por
álcool. As esposas sofrem muito mais quando seus maridos são
viciados, mas ao invés de me preocupar com Martina e sua saúde,
eu me senti aliviada por não ser uma amante.
Respirando profundamente, eu engoli meu desgosto por mim
mesma.
― Vamos ― engoli em seco ―, vou te ajudar a tomar um
banho e vamos dormir.
― Dormir? Eu não quero dormir, as coisas que eu quero fazer
seriam pesadas demais para a minha esposa. Talvez ela vomite só
de pensar.
Eu ignorei seu sorriso feio e perturbador enquanto me
observava e bebia direto da garrafa.
― Lucca, por favor. ― Eu me aproximei, tocando seu braço.
Ele se afastou, jogando a garrafa na lareira. O fogo intensificou por
dois segundos, explodindo antes de acalmar novamente.
― Suba e vá dormir, Abriela.
― Eu vou te ajudar. Não vou deixá-lo aqui quebrando a nossa
casa. Você é meu marido.
Ele soltou uma gargalhada sombria, aproximando-se de mim e
segurando meu rosto com ambas as mãos.
― Não percebeu ainda? ― ele disse entre dentes, afirmando
cada palavra com força. ― Eu sou o seu marido, mas metade de
mim é o monstro que vagueia por essa casa desejando fazer com
você coisas que te dariam pesadelos e o assassino que mal
consegue limpar o sangue das mãos.
Coloquei minhas mãos por cima das suas, olhando-o nos
olhos.
― Eu sei quem você é ― sussurrei. ― E isso não me assusta
mais.
― Mas deveria, então corra, Abriela. Se tranque em seu quarto
enquanto meu corpo ainda está me dizendo para te deixar ir.
― Eu não vou fugir. Eu me casei com você e sei que todos
esperam que isso seja válido apenas quando se trata de eventos
sociais e um herdeiro, mas não é assim para mim.
Seus olhos azuis dilataram e ele me soltou, indo devagar para
o outro lado da sala.
― Fugir. Essa é uma boa palavra ― ele repetiu. Eu não sabia
o que estava acontecendo, nunca sequer imaginei encontrar Lucca
daquele jeito. ― Você já quis?
Aquela era uma visão nova e completamente diferente de tudo
o que eu já tinha visto dele. Nem de longe poderia chamar de
vulnerável, tampouco de fraco, apenas... perdido.
Mas esse era o perigo de homens como ele, quando se
perdiam, cometiam atos insanos porque não acreditavam que
tinham para onde voltar.
Como ajudar um homem que nunca mostrou precisar ser
ajudado?
― Lucca...
― Responda-me.
Eu troquei o peso dos pés, em dúvida se respondia a verdade
ou mentia, mas nesse estado talvez ele nem se lembrasse amanhã,
e se essa era a única forma de eu ter um momento que não fosse
ensaiado e distante com o meu marido, eu tinha que aproveitar.
― Você não facilitou para que eu não quisesse ― ela
respondeu baixo, num fio de voz.
Virei-me, encontrando-a de cabeça baixa. Sua camisola
branca que tentava cada célula do meu corpo a rasgá-la e tomá-la
como minha a deixava parecendo ainda mais inocente. Quando ela
ergueu o rosto, os olhos azuis assustados ― embora ela dissesse o
contrário ― e confusos me encararam como se ela esperasse
desesperadamente que eu explicasse porque estava procurando
conforto no fundo de uma garrafa de Bourbon.
Como explicar?
Como dizer a única mulher que já me fez agir com impulsos
que eu desconhecia, e conseguiu ser o centro dos meus
pensamentos quando eu nunca senti nada por ninguém antes?
Eu não a amava e não estava apaixonado, mas essa noite,
com a chuva caindo lá fora e os olhos inocentes de Abriela me
fitando como se eu fosse digno de esperança e salvação, eu quis
fazer um favor a ela e livrá-la de uma vida comigo.
No fim, não havia porque deixar que passasse anos esperando
e desejando coisas que nunca teria, eu podia livrá-la agora.
― Eu posso te ajudar ― falei sem pensar.
O álcool nunca teve controle sobre mim, assim como nada
tinha, mas pela primeira vez; eu me senti misericordioso o suficiente
para ser impulsivo.
― O quê? ― Confusa, ela franziu o cenho, parecia dividida
entre chegar perto ou sair do escritório de vez. ― Lucca, você está
bêbado.
Eu me aproximei a passos rápidos, deslizando minhas mãos
por seu cabelo, até que meus dedos circularam seu pescoço sem
apertar.
― Não há divórcio na máfia. Você nunca será livre de mim.
― Eu sei disso.
― Se o seu pai e irmãos invadissem essa casa eu poderia
matá-los por sequer tentar tirar você de mim.
Ela engoliu em seco, seus olhos cada vez mais atentos e
aflitos.
A beleza de Abriela era extraordinária, algo que nunca vi. Os
cabelos escuros e longos, aquela boca carnuda e o sorriso
esperançoso que escorregava em seu rosto mesmo quando ela não
notava.
Ela era linda, jovem e no mundo lá fora, teria tido uma bela
vida, mas comigo... se ela soubesse que cada entranha do meu
corpo se rasgava numa corrida de quem se divertiria destruindo-a
de dentro para fora, nunca mais diria que sabia que estava presa
comigo com tanta calma.
Se ela soubesse que monstros não eram apenas contos de
ficção, mas que era casada com um, não dormiria mais a noite. Se
ela sequer entendesse que eu originei a porra do lobo mau e dos
bichos que atormentavam cabeças e corações, jamais iria sorrir
daquele jeito para mim outra vez.
― Lucca, ninguém vai fazer isso, eu...
― Eu deveria matar você ― falei, encarando seus lábios,
desejando assistir sua reação às minhas palavras sem perder um
único suspiro. Ela segurou meus pulsos, apertando-os e tentando se
soltar. Seus olhos redondos encheram-se de lágrimas. ― Se eu te
matar agora será rápido e fácil e você não vai ter que correr o risco
de acabar como ela.
Eu não salvei Giorgia.
Eu não salvei Mia.
Eu não salvaria Abriela.
Abriela mal ouviu minhas palavras, estava alerta demais
esperando que eu fosse esmagar seu pescoço para prestar atenção
em qualquer coisa além disso.
― Por favor ― sussurrou, deixando uma lágrima grossa
escorrer de seus olhos. ― Por favor, escute o que está dizendo...
Olhe pra mim, Lucca.
― Eu sou um homem condenado, Abriela. Te desejei quando
não deveria fazer isso, e disse ao seu pai que se ele te casasse com
alguém, eu iria matá-lo e a todos da sua família.
― O-o que? Mas...
― Se você acabar como ela, também será culpa minha. De
uma forma ou de outra... sempre será culpa minha.
― Mas Labeli...
― Labeli não era nada. Você nasceu para ser a rainha da
Cosa Nostra ao meu lado, mas a única coisa que eu posso te
prometer é um reino de sangue e morte.
Ela soluçou, e eu estava dividido entre transar com ela ou
sufocá-la e assistir à vida deixando seus olhos, sabendo que seria a
morte mais bonita da minha vida miserável.
Ela era a porra de um anjo brilhando na escuridão e nem se
dava conta da dimensão disso.
Ele não falava coisa com coisa. Suas palavras pareciam uma
divagação bêbada que eu deveria deixar entrar por um ouvido e sair
pelo outro. Lucca não estava em si, seus olhos diziam isso, seu
corpo e a forma como me tocava suavemente, mesmo enquanto
dizia que deveria me matar.
Eu senti medo.
Quis fugir.
Quis abrir mão da honra de ser sua esposa e sair por aquela
porta porque era isso o que meu corpo e minha mente me gritavam
para fazer, mas como eu poderia ignorar meu coração, que me fazia
erguer as mãos para o seu rosto e acariciá-lo como se ele fosse
merecedor de afeto e carinho?
― Eu estou destinado a acabar sozinho ― sussurrou, seus
olhos vazios estavam distantes. Eu nem sabia se ele me enxergava.
Suas pernas fraquejaram, e eu tentei segurá-lo enquanto
recuava até seu sofá em frente à lareira.
― Mia ― ele murmurou, fechando os olhos quando sua
cabeça tombou no encosto. ― Mia...
― Lucca ― sussurrei, em lágrimas, mas não tive resposta.
Continuei acariciando seu rosto, sem resposta. Eu sabia que podia
olhar aquele rosto brutalmente lindo e hipnótico pelo resto da vida.
Ele havia desmaiado de bêbado ou caiu no sono.
Eu não sabia, contudo, enquanto tentava processar o que tinha
acabado de acontecer ali, percebi também que se ele tivesse me
matado, o meu lamento não seria por estar morta, mas sim por não
ter tido a chance de ser amada por aquele homem.
Eu estava apaixonada por Luccare DeRossi.
Durante toda a noite
Eu vou estar acordado
E eu vou estar com você
Nós não temos passado, nós não vamos retroceder
Continue comigo para a frente durante toda a noite
Oh, durante toda a noite de hoje
Sabendo que nós sentimos o mesmo sem dizer
sleeping at last, all through the night
Eu acordei sozinha em nossa cama, mas sabia que dormi no
sofá sobre o corpo dele. Em dias, eu não tinha dormido tão
confortável.
Foi meu celular tocando na mesa de cabeceira que me tirou do
sono.
― Sim? ― Minha voz denunciava que não tinha acordado
completamente.
― Abriela, é Dante. Pode me encontrar em meia hora?
― Eu não ― comecei, mas me parei, lembrando-me da
conversa com Alessa. ― É sobre ela? ― perguntei baixinho.
Ele levou um momento para responder.
― Posso resolver isso de outra forma.
― Como?
― Levá-la para abortar, acabar com isso antes que vá longe
demais.
― Ela quer?
― Não, ela quer dinheiro. O procedimento seria feito contra a
sua vontade.
― Não ― respondi de imediato, tocando minha barriga, que
começava a mostrar uma pequena curva.
Ela podia não querer o bebê e nós teríamos que lidar com isso,
mas apenas a ideia de prendê-la e realizar um aborto sem seu
consentimento me fazia pensar no tipo de mãe que eu seria para a
minha criança se permitisse.
― Eu vou encontrar você.
Vinte minutos depois, eu saía de casa com Dino, meu soldado
e segurança do dia. Eu gostava dele porque não fazia perguntas, e
após dizer a ele que passaria o dia com Alessa, esperei que pedisse
autorização de Lucca e seguimos para onde eu encontraria na
verdade, Dante, que me esperava com Stela.
― A senhora precisa que eu entre?
Era um edifício residencial que nunca passei por perto, mas
assim seria mais fácil enganar meu segurança.
― Não, não vou demorar. Obrigada.
Meu coração estava acelerado, e eu olhei para trás em certo
ponto, perguntando-me se estava fazendo a coisa certa. Quando
Lucca soubesse disso poderia me matar.
Se ontem ele disse aquelas coisas, eu não duvidava que seria
capaz.
Meu cunhado me esperava na porta em frente ao elevador.
― Olá, Abriela. Entre.
― De quem é esse apartamento?
― Meu, é seguro.
― Dante ― falei, meio hesitante. ― O que ela te disse?
― Nada diferente do que falou pra você. Chantagens,
ameaças e palavras de uma mulher desesperada que sabe que vai
morrer.
Ele virou as costas, mas eu toquei seu braço. Ele me
amedrontava e eu não queria passar nenhum limite, arriscando seu
humor calmo.
― Você realmente faria o aborto?
― Eu não quero ― ele disse com sinceridade. ― Deus sabe
que eu iria ao inferno e tomaria o lugar do diabo para proteger meu
sangue, mas no fim não sou eu quem vai ter que assumir essa
responsabilidade.
― Mas ela não precisa morrer caso se comporte, não é?
Ele inclinou a cabeça, observando-me em silêncio.
― Vamos falar com ela e acabar com isso.
Encontrei Stela em um quarto que aparentemente não era
usado. Ela estava sentada na cama, o único móvel do cômodo, ao
me ver se levantou rapidamente.
― Que bom que conseguiu vir, eu pensei que ficaria sendo
jogada de um lado para o outro até o final disso.
― Disso? ― perguntei.
― Da gravidez, é óbvio.
― É do meu sobrinho que estamos falando, cuidado com a
porra da sua boca ― Dante alertou numa voz tão suave que eu dei
alguns passos para longe dos dois, posicionando-me perto da
janela, apenas por segurança.
― O que você quer Stela, de verdade? ― indaguei. ―
Sabemos que Lucca não vai te dar nenhum reconhecimento, ele
não pode. E seu filho terá uma criação humilhante.
Ela riu sem humor.
― Não preciso ser lembrada disso. Sei que se eu não fizer um
acordo, vou morrer antes de ele vir ao mundo.
― Você quer ser mãe?
― Você planejou isso? ― Dante questionou, e quando Stela
hesitou, ele se aproximou a passos largos e agarrou seu pescoço.
― Responda-me, ou o meu irmão será sua última preocupação.
― Não, ok? Eu não quero ser mãe. ― Sua voz era chorosa,
mas ela parecia mais brava do que triste. ― Eu paguei um cliente
que não era da famiglia para pegar o preservativo que Luccare
jogou no lixo. Quando ele saía nós sempre éramos tiradas do
quarto. Eu acho que jogavam o lixo fora, mas como foi um cliente
que entrou antes do pessoal da limpeza, ele teve tempo de dar uma
desculpa e enrolar enquanto eu mexia no lixo.
Eu estava atordoada.
― Você... você caçou no lixo apenas para engravidar?
― Eu tinha que arriscar a me salvar. Era apenas questão de
tempo antes de ficar muito velha para os programas e ser expulsa
do clube. Os capos de Nova York são monstros.
Dante se afastou, soltando-a.
― E o que você acha que nós somos?
Ela se afastou dele, seus olhos vidrados em terror.
― Eu achei que pelo menos teria uma chance de vender o
bebê. Estaria morta de um jeito ou de outro. ― Ela me fitou. ―
Arrisquei, senhora DeRossi. Eu tive que arriscar.
― E como você fica agora? ― perguntei. ― Não tinha
nenhuma chance do seu plano dar certo, Stela!
― Eu jamais poderia ser uma mãe. Uma boa mãe. E eu não
confiaria a ninguém mais a vida do meu filho. Não sou insensível, eu
o amo. Da minha forma, mas amo. Aqui, tendo o filho dele, posso
pelo menos garantir uma boa quantia para começar uma vida nova
longe.
― E a criança? ― Dante inquiriu. ― Em algum momento
pensou nas consequências para ela? Que será uma criada ou
enviada aos clubes se for uma menina, ou pior, se casará com
alguém descartável que vai humilhá-la só por ser quem é. Ou um
menino que ninguém respeitará.
Mantive meus olhos fixos nela. Dividida entre odiá-la e
entendê-la.
― Pelo menos ele terá um teto. Eu não consigo ver a senhora
DeRossi maltratando o meu filho.
Foi impossível não me abalar com suas palavras. Eu
realmente parecia tão manipulável?
Aproximei-me dela lentamente.
― Você acha que as coisas são tão simples? Você chega e
joga um bebê em meu colo e eu vou me tornar a madrasta mais
jovem e sem honra da famiglia?
Agora ela parecia desesperada e com medo. Buscando
argumentos e formas de nos convencer.
― As pessoas dizem que mãe é quem cria. Quem cuida e dá
amor. Eu não sou esse tipo de mulher. Mesmo que eu o ame agora,
não seria o que ele precisa. É por isso que peço que a senhora fique
com meu filho e seja a mãe que eu não poderia ser.
― Isso é impossível! ― gritei. ― Ele será tratado como
escória! E Lucca... ninguém vai acreditar que essa gravidez
aconteceu antes do casamento. Trair a famiglia dessa forma seria a
ruína dele como chefe.
Ela respirou fundo e concordou, com mais lágrimas banhando
seu rosto.
― Tudo bem, e se... e se...
― Já chega ― disse Dante, e antes que eu pudesse pensar,
ele tirou sua arma do coldre no peito e mirou na cabeça dela.
― Dante! ― gritei. ― O que está fazendo?
― Acabando com isso de uma vez.
Eu me aproximei dele em choque.
― Dante, não faça isso.
― Por que não? É só uma puta. Se balançar a Itália teremos
mais dez em uma mão, eu não tenho costume de matar mulheres
por diversão, mas com certeza aprecio matar aquelas que merecem.
E Stela foi burra em pensar que sairia ilesa disso.
― Dante, pense no bebê, por favor. Ela está grávida de um
DeRossi.
Seus olhos azuis acinzentados fixaram-se nos meus.
― Ela está, Abriela. O que você vai fazer com isso? Eu não
posso esconder algo assim do meu irmão para sempre. Você
decide. Agora. Ela vive e vamos fazer isso do nosso jeito ou ela
morre e nunca mais pensaremos na traidora?
O quê? Ele estava colocando a escolha em minhas mãos?
Esperando que eu decidisse se duas pessoas seriam salvas ou
condenadas? Dante não sabia que se eu não estivesse grávida,
apontaria aquela arma para mim mesma diante de tal situação.
Eu imaginei Lucca, descobrindo o filho bastardo, sua ira e o
ódio que destinaria a mim caso eu ajudasse Stela, mas também
imaginei um menininho de cabelos escuros e olhos azuis, sorrindo
torto como o pai e correndo pela casa.
Sem Stela. Vivo. Comigo. Como sua protetora e alguém que
nunca o deixaria saber o tipo de vida que ele teria se descobrissem
seu segredo.
“― Se um dia meu marido tiver um bastardo eu vou me
lembrar disso.”
“― Eu espero que isso nunca aconteça, Ella, porque não
consigo te ver deixando uma criança abandonada sabendo que a
culpa não é dela.”
Eu fechei os olhos, ciente de que sua arma ainda apontava
para ela e ouvindo-a chorar, soluçando incansavelmente, fiquei na
frente de Stela, protegendo-a com meu próprio corpo.
― Eu não posso matar o filho de Lucca. Não posso.
Dante levou um momento, mas abaixou o revólver, assentindo.
Eu ajoelhei na frente de Stela quando ela caiu no chão e a segurei,
tirando os cabelos loiros do rosto para fitar seus olhos.
― Está tudo bem. Stela, ficará tudo bem.
Ela me observou com tanta esperança quando eu disse isso,
que quase acreditei em minhas palavras, mas quando encarei meu
cunhado por cima do ombro, o seu olhar era mais claro do que um
lago de água cristalina.
Nada ficaria bem.
Você me fez experimentar algo
Que não posso comparar a nada
Que eu já conheci, e tenho esperança
Que depois dessa febre eu sobreviverei
Sei que estou agindo feito louca
Estou presa, me sentindo chapada
Com a mão no coração, estou rezando
Para sobreviver a isso tudo
Você me deixou em pedaços
Brilhando como estrelas e gritando
E cada segundo é uma tortura
Amor, não, eu não posso escapar
Esse é um conto de fadas moderno
Sem finais felizes, sem vento soprando em nossas velas
Mas não consigo imaginar minha vida sem os momentos de
tirar o fôlego acabando comigo
Há um milhão de motivos para que eu desista de você
Mas o coração quer o que ele quer
selena gomez, heart wants what it wants
Naquela noite eu estava na sala com Rossi, acariciava seus
pelos macios buscando o conforto que não viria de nenhum outro
lugar, perguntando-me se minha vida com Lucca seria uma eterna
aposta. Aposto que dessa saio viva, aposto que agora ele me mata,
posso apostar que vamos brigar o resto da vida e ninguém vai
ganhar.
― O que eu deveria fazer, Rossi?
Ele me fitou com os olhos redondos sonolentos, como se
dissesse “eu não sei, mas se você puder parar de me chamar e me
deixar dormir, ficarei mais feliz”. Eu queria que a única preocupação
da minha vida fosse escolher um bom canto da casa para tirar
sonecas durante todo o dia, mas aqui estava eu, pensando em
como contar ao meu marido que ele não teria um filho, mas dois.
― Eu gostaria que meus problemas se resolvessem com um
cochilo ― murmurei, recostando-me no sofá.
― Não é como se você tivesse uma lista de preocupações. ―
A voz de Lucca atrás de mim me assustou, sobressaltei-me,
levantando rapidamente, levando a mão ao peito.
― Lucca, não entre assim. Você me assustou.
Ele inclinou a cabeça para o lado conforme tirava seu
sobretudo e o pendurava no encosto da poltrona, descendo os dois
degraus até a minha altura na sala.
― Quem poderia ser além de mim e Martina? Está esperando
visitas?
― Não. ― Olhei no relógio, vendo que faltavam dez minutos
para as nove. ― Vou esquentar nosso jantar.
Lucca segurou meu braço quando passei por ele, seus olhos
me examinando sem piscar. Eu nunca sabia como ele ia agir, o que
faria a seguir, e odiava isso, tanto quanto gostava.
Lucca me surpreendia, me desafiava, e mesmo que uma parte
minha estivesse odiando-o, a outra esperava passar o tempo com
ele.
Nós não conversamos sobre a madrugada passada, e por
mais que eu quisesse falar disso, não toquei no assunto. Se ele
quisesse dizer algo, eu já sabia exatamente o que falar. Não
precisou de muito para descobrir que a mulher a quem se referia era
Mia. O aniversário do sequestro e morte da minha finada cunhada
era de conhecimento público, mas ninguém imaginava que isso
abalava a família DeRossi.
Lucca devia se perguntar se foi um pesadelo ou se realmente
tive um vislumbre dele daquele jeito.
Eu não via como fraqueza, para mim, alguém que aguentava
as coisas que Dante me disse e depois suportava a dor da perda de
uma irmã, era forte demais. Eu sabia que se perdesse uma das
minhas irmãs ou Santo não sobreviveria.
― Precisa de algo? ― perguntei quando ele não me soltou.
― Não. ― Lucca me deixou ir, passando por mim quando
seguiu em direção à sala de jantar.
Eu rapidamente preparei tudo na cozinha e servi nossos
pratos, respirando fundo algumas vezes antes de entrar na sala de
jantar e colocar o seu à sua frente e tomar o meu lugar ao seu lado.
― Como foi o seu dia?
Ele mastigou por um longo tempo antes de erguer os olhos.
― Ocupado.
― Alguma novidade?
― Realmente está me perguntando sobre o meu trabalho?
Eu engoli o pedaço de frango recheado e bebi alguns goles de
água.
― Às vezes eu esqueço ― murmurei.
― E o seu, esposa? ― Ele deixou os talheres no prato,
fazendo um barulho alto ao cair. ― Como foi o seu dia?
Eu ignorei a pontada de culpa e encolhi os ombros, sorrindo.
― Foi tranquilo.
― Qual foi o passeio com a sua irmã?
― Alessa é... Alessa. Você sabe. Íamos almoçar e depois fazer
compras, mas ela recebeu uma ligação importante e precisou sair.
Voltei para casa rápido, pode confirmar com Dino.
Lucca sorriu, então se levantou e começou a caminhar a
passos lentos, até parar atrás de mim.
― Dino não pode falar agora. ― Ele segurou meus ombros,
massageando suavemente, mas firme. ― Ele está ocupado tirando
um cochilo no fundo do rio Navigli.
Eu suspirei em horror, e apoiei as mãos na mesa para levantar,
Lucca me pressionou para baixo de novo.
― Eu não disse que você pode sair.
― Por quê? ― perguntei num fio de voz. ― Por que você fez
isso?
Ele se inclinou até a minha altura e grudou os lábios em meu
ouvido.
― Porque eu descobri que minha esposa é uma vagabunda
mentirosa, e já que meu soldado não podia controlá-la, ele não me
servia para nada.
Lucca agarrou meu braço e me levantou, grudando nossos
olhos ao me girar em sua direção.
― O que... Lucca...
― Agora me diga o que Dino não foi capaz de dizer. ― Ele
agarrou a faca que usava para comer e a bateu na mesa, enfiando
na madeira perto da minha mão de maneira que o talher ficou de pé,
com a ponta para baixo. ― Alessa Bonucci estava na casa da
família Gianini no momento em que você pediu que ele me ligasse.
E você, Abriela, onde estava?
Seus olhos frios e incontroláveis, porém distantes, estavam
fixos nos meus. Lucca parecia uma muralha de pedra impedindo-me
de sair, prendendo-me entre seu corpo e a mesa.
― Lucca, eu juro...
― Não, eu juro. Eu matei homens por muito menos, e não vou
hesitar em cortar a sua garganta se não me disser a verdade.
― Eu não...
Ele acariciou minha bochecha, eu senti sua aliança de
casamento deslizando pela minha pele.
― A verdade. Eu gosto da verdade, não importa as
complicações que traga.
Meu primeiro instinto foi mentir outra vez, mas seus olhos, sua
postura, sua voz... tudo me dizia que ele enfiaria aquela faca em
mim se eu não dissesse. Lucca já sabia onde eu estava, ele só
queria me ouvir confessar que tentei ser mais esperta do que ele.
― Eu não estava com Alessa, mas ― fiz uma pausa ao sentir
uma lágrima deslizar pela minha bochecha ―, Lucca, por favor.
― Não é difícil confessar, você estava no apartamento do meu
irmão, fodendo com ele como a boa traidora que você é. Eu pensei
que duraria mais tempo. ― Ele segurou meu queixo com força,
virando o meu rosto como se estivesse observando os detalhes. ―
Sua beleza me deixa louco, Abriela. E eu quero comer você aqui e
agora, mas como eu poderia? Eu não sou um homem que pode ser
traído.
De repente, sua mão foi embora, e a faca estava grudada em
minha garganta.
― Lucca! ― gritei, segurando o colarinho de sua camisa,
chorando em desespero. ― Não faça isso, eu juro que não foi
assim...
Ele não parecia sequer me ouvir, com uma mão em minha
cintura e a outra segurando a faca, ele me observou por mais alguns
segundos antes de abaixar a boca na minha e num suspiro
assustado, minha boca se abriu e ele enfiou a língua, encontrando a
minha num beijo que me deixou sem fôlego. Meu corpo todo tremia,
meu coração batia tão acelerado que parecia ser a única coisa que
meu ouvido captava.
A adrenalina de ter a serra da faca contra a minha pele era
demais e eu chorava em seus lábios, com sua mão deslizando da
cintura até a minha bunda. Ele chupou o meu lábio inferior em sua
boca, então a minha língua. Era inebriante. Ele sugou levemente e
se afastou, fitando meus olhos.
― Adeus, Abriela.
― Eu estou grávida! ― gritei sem pensar.
Eu sabia que nada o pararia. Fechei os olhos com força,
apertando-os até que senti pontadas nas têmporas. O meu choro
parecia ecoar pela casa, e quando minhas pernas fraquejaram,
Lucca me segurou.
Só então eu abri os olhos.
Lucca tinha um olhar assassino que eu só tinha visto quando
atacou o fotógrafo em nosso casamento. Abri a boca para falar, mas
ele rugiu antes de mim.
― Não é possível. Eu te avisei sobre isso. Se esperava que
isso fosse te salvar, apenas te condenou.
― Vamos conversar sobre isso ― sussurrei, soluçando.
Um arrepio correu pela minha espinha. Há muito tempo eu não
sentia medo dele, mas o pânico novamente me tomou. Ele se
afastou, passando as mãos pelos cabelos e apontou a faca para
mim.
― Você está mentindo.
― É claro que não! Acha que eu arriscaria a minha vida por
uma mentira? ― Eu aproveitei o momento para dar a volta,
colocando a mesa entre nós.
― Está grávida do meu irmão? ― Seu sorriso cruel veio
acompanhado de um rosnado, enquanto se aproximava, fazendo-
me ir para trás até bater na parede.
― Eu não tenho um caso com Dante! Eu jamais faria isso. Eu
tenho você, por que te trairia com o seu irmão?
Lucca bateu na parede ao lado da minha cabeça, assustando-
me. Seus olhos arregalados pareciam loucos de... ciúme? Lucca
parecia dominado por posse e desapegado do controle que sempre
o mantinha naquela postura inabalável.
― Eu te disse o que faria, eu te avisei que qualquer homem
que chegasse perto...
Ele balançava a cabeça, e num ato de burrice ou coragem, eu
segurei seu rosto, tentando fazê-lo olhar para mim.
― Olhe para mim, Lucca, por favor ― sussurrei. Meus olhos
estavam embaçados, e eu pisquei, limpando a visão. Sentia meu
rosto todo molhado.
Lucca suava, alguns frios do cabelo negro grudaram em sua
testa, seu peito subia e descia com força.
― Você esteve no apartamento dele. Ficou lá e saiu, e Dino
disse que não sabia de nada.
― Eu contei a Dante que estava grávida. Eu estava assustada
com a sua reação, precisava de alguém para me proteger.
Ele franziu o cenho, então começou a rir.
― Eu vou matá-lo.
― O quê? Não!
― Por que não? Por que não quer que eu o mate?
― Porque ele é seu irmão e seu subchefe, significa que você
confia nele. Por que mataria um dos poucos homens que confia na
vida por mim?
― Porque ― ele bateu na parede ― você ― de novo ― é
minha!
Nós dois respirávamos pesado. Seus lábios entreabertos
disparando o hálito de menta, misturado com nicotina em meu rosto.
Eu estava com medo, não fazia ideia do que ele faria a seguir,
mas tudo o que eu queria era beijá-lo.
Eu virei o rosto, impedindo meus próprios impulsos.
― Eu estou grávida, Lucca ― repeti. ― Pedi a Dante que não
deixasse você me matar, como prometeu. E ele garantiu que vai
impedi-lo se tentar fazer alguma coisa.
Ele me observou em silêncio, antes de encostar a testa na
minha e soltar uma longa respiração.
― Antes eu achava que precisaria de mais do que uma leve
irritação para matar um dos meus irmãos, acontece que a única
coisa que precisei foi uma mulher.
Quando ele se afastou e saiu da sala, eu pensei que tivesse
ido pegar uma arma para terminar o serviço, mas quando ele não
voltou e a porta da frente bateu, tudo o que pude fazer foi sentar-me
na cadeira e finalizar meu copo d’água.
Se Dante realmente fosse honrado, cumpriria sua palavra e eu
viveria para ver meu filho, caso contrário, eu ia saber quando
Luccare voltasse para me matar.
Por que todos os monstros aparecem à noite?
Por que dormimos onde queremos nos esconder?
Por que eu corro de volta para você como
Se eu não me importasse se você estragasse minha vida?
Eu sou viciada no jeito em que você machuca
Me conte lindas mentiras
Olhe no meu rosto
Me diga que você me ama
Mesmo que seja falso
E você pode me guiar
E deixar essas perguntas nos meus lençóis
all time low, monsters
Quando eu entrei no apartamento de Dante ― que não era o
que Abriela havia visitado naquela manhã ―, eu o encontrei na sala,
sua cabeça inclinada na mesa de centro, sentado no sofá, com três
linhas de cocaína formadas em sua frente. Eu esperei que ele
cheirasse uma antes de me aproximar e segurar seu cabelo, dando
um murro em seu rosto.
Meu irmão foi pego de surpresa. Estava de calça moletom e
sem camisa, numa visão muito diferente do que costumava exibir no
dia a dia.
― Que porra é essa, Lucca?! ― rugiu, vindo para cima de mim
pronto para devolver.
― Você tem sorte, eu ia chegar e nem me preocuparia em
entrar. Ia disparar uma bala em sua cabeça direto da porta.
Ele franziu o cenho, colocando as mãos na cintura.
― E por que caralho você faria isso?
― Porque eu acabei de vim de um jantar, onde a sobremesa
foi ter acusado minha esposa de trepar com você!
Ouvi uma risada atrás de nós, e só então vi Luigi deitado no
sofá em frente à janela. Ele tinha um saco de gelo na cabeça e não
parava de rir.
Eu estava pensando em disparar aquela bala na boca do filho
da puta.
Dante me observou, parecendo entender o porquê eu cheguei
como o fiz.
― Ela te contou.
― Que tem uma abominação crescendo em seu ventre? Sim,
porra, eu praticamente arranquei a informação dela.
― Por isso você é um bom chefe ― Luigi gritou, divertindo-se
com a situação como o doente que era.
― Ela me esclareceu seus medos quanto à sua reação e eu
prometi protegê-la.
― Contra mim, Dante?
― Contra qualquer um que ameaçar a minha família.
Lancei-lhe um sorriso irônico.
― E quem vai protegê-la de você quando começar a ficar
paranoico e atacá-la em seus ataques de violência?
Dante cerrou os punhos, erguendo o queixo.
― Questione o meu trabalho, questione a minha saúde e até a
minha competência, Lucca, mas jamais questione a minha devoção
quanto ao nosso sangue.
Luigi finalmente se levantou, espreguiçando-se.
― Você é quem deveria se proteger, irmão, engravidando a
nação como se fosse o Papai Noel do esperma ou alguma merda
parecida.
― Luigi ― Dante o advertiu.
― O quê? ― meu irmão mais novo questionou. ― Ele vai
saber em algum momento, é bom que seja antes que os bebês
comecem a explodir das bocetas para o colo dele.
― Dante ― meu tom não deixava espaço para enrolação ―,
que porra o seu irmão está falando?
Ele cravou os olhos em mim. Não havia julgamento, apenas
raiva e preocupação.
― Uma prostituta de Nova York chamada Stela tentou armar
um golpe contra você. Ela pegou seu preservativo do lixo e se
engravidou. Você não é pai de uma criança, Lucca. É pai de duas.
Luigi parou ao meu lado e estalou a língua, balançando a
cabeça.
― E vocês pensando que eu tirando a virgindade das filhas da
famiglia seria o maior problema.
Ele foi até o bar e serviu dois copos, bebendo um e me
entregando o outro.
Eu estava atordoado para falar. A coisa toda era irreal.
― Não me diga que você foi ingênuo o suficiente para
acreditar nisso.
― Eu acredito, e a ciência já comprovou com um exame de
DNA.
― Fez um exame de DNA sem a minha permissão? ― inquiri.
Agora eu estava louco para definitivamente assassinar o meu irmão.
― Fiz, e você pensou que eu seria capaz de ter um caso com
a sua mulher. Quando foi que eu lhe dei motivo para acreditar que o
trairia desse jeito?
― Isso não importa.
Eu virei as costas, precisando de um momento para me
recompor antes de encarar meus irmãos outra vez. Eu me lembrava
de Stela. Nunca esquecia um rosto e jamais perdia na memória um
nome que me foi apresentado. Quando eu a fodi em Nova York não
significou absolutamente nada, ela era um corpo disponível para me
fazer gozar e eu aproveitei.
E agora meu irmão me dizia que ela tinha armado contra mim?
Seu capo?
Eu poderia sonhar com as diferentes formas que poderia matá-
la e nem sequer ficaria atormentado ao acordar.
― Onde ela está? ― perguntei num tom calmo, mas Dante me
conhecia muito bem.
― Em um lugar seguro.
Eu os encarei. Luigi estava atento, encostado no batente da
porta com os olhos arregalados e um leve sorriso no rosto.
― Você está aproveitando a porra do show?
Ele piscou para mim, encolhendo os ombros.
― Só estou curioso para saber como vocês dois vão resolver
uma merda desse tamanho.
― Dante, me diga onde a prostituta está.
― A prostituta grávida do seu filho.
Eu abri os braços.
― Você fala como se isso tivesse alguma importância para
mim.
― Deveria ter.
Nós nos encaramos em silêncio por um momento. Ao longo
dos anos trabalhando para forjar a Cosa Nostra na rocha que ela
era, nós tivemos inúmeros embates, mas nenhum deles levou eu e
meus irmãos a estarmos em lados opostos de uma briga.
Sabíamos que nada era capaz de nos deter ou derrubar, a não
ser que nos virássemos um contra o outro.
Éramos a porra de um gigante que só morreria se resolvesse
se matar.
Mas agora, isso não parecia prestes a ser resolvido facilmente.
Dante me fitava com uma mensagem clara no olhar. Para ele, suas
promessas eram inquebráveis.
Eu não tinha tanto respeito por sua palavra assim. No
momento em que descobrisse onde a puta estava, daria fim a sua
vida.
― Va bene, va bene ― disse Luigi, colocando-se entre nós
dois. ― Por que não resolvemos isso de outro jeito? ― Ele me fitou.
― Você, pegue sua esposa e lhe dê um chá para eliminar a criança
― ele se virou para Dante ―, me entregue a...
― Eu dei a minha palavra de que ela sobreviveria até o fim da
gravidez.
― Perfeito, irmão, ninguém vai fazê-lo quebrar sua promessa.
― Eu vou ― rebati.
Luigi revirou os olhos.
― Espere a puta ter o bebê, eu me livro do bastardo e você
nunca precisará sequer saber se é menino ou...
― É um menino ― disse Dante.
Ele me observou como se esperasse uma reação para sua
confissão. Eu não tinha nada para dar. Não senti nada ao ouvir isso,
nem apego, nem orgulho e muito menos vontade de criar.
― Ótimo ― disse Luigi. ― Mais um soldado para a famiglia.
Viu só? Se vocês confiassem mais na palavra de seu conselheiro
resolveriam seus problemas mais facilmente.
― Diga-me onde ela está, Dante. Eu quero segurar seu
pescoço e esmagá-lo até que ela se afogue com o próprio sangue.
― Eu não posso.
Eu ri amargamente.
― Se você não me disser, eu vou atrás dela, da família dela
e...
― O bebê é seu, irmão. Eu sei que você acha que pode se
livrar disso com a morte dela, mas o que vai fazer depois? Matar
Abriela também?
― Nada me daria mais satisfação. Me surpreende você pensar
que eu aceitaria isso, mas você não cansa de colocar as suas
fantasias na frente do que realmente importa! ― esbravejei.
Ele fechou a distância entre nós, dando a volta em Luigi.
― A minha única fantasia é manter nossa família unida, esse
sempre foi o meu propósito. Por que dar a essas crianças o destino
que Thomas facilmente teria escolhido para nós?
― Não me compare com ele ― rosnei. ― Eu quero acabar
com isso antes que vá longe demais, o seu pai não hesitou em
colocar filhos no mundo, soltando o que nós somos por aí a fora!
― Ai. ― Luigi massageou o peito. ― Por que tanto amor
nesse coração, Luccare? ― Seus olhos brilhavam com diversão.
― É por isso que deu abrigo a Jimmy? Por que não quer ser
pai? ― Dante perguntou. ― Eu vejo como você o ensina e como
fala com ele, Lucca. Você está pronto. Não estou dizendo que
precisa amar seu filho, mas ter um herdeiro é essencial em sua
posição.
― A única razão daquele garoto estar aqui é porque é
siciliano, não há ninguém lá fora que vá sentir falta dele e daqui a
um ou dois anos pode se tornar um soldado.
Meu irmão balançou a cabeça.
― Você o estava treinando para tomar sua cadeira.
― Não seja ridículo, Dante.
― Se esse for o caso eu vou concordar com Dante, para isso
existe o bebê que está a caminho ― Luigi comentou, abrindo os
braços e dando risada. ― Você tem dois. Tire no cara ou coroa para
decidir quem assume a famiglia.
― Cale a porra da boca, Luigi. ― Lancei-lhe um olhar cortante,
mas o filho da puta não ligava.
― Irmão, o mais velho aqui é você! Deveria saber que não se
transa sem camisinha por aí, ainda mais com uma meretriz. Não
que eu tenha algo contra, sou apaixonado por elas.
Eu suspirei, irritado. Aquilo estava levando mais tempo do que
eu planejava e eu odiava quando minhas demandas não eram
atendidas na hora.
Comecei a me questionar quais seriam as consequências de
em uma única noite matar meu subchefe, conselheiro, minha
esposa grávida e uma prostituta esperando um bastardo.
― A Cosa Nostra sempre será prioridade para mim, Lucca,
mas você sabe que quando eu estiver entre o nosso sangue e a
máfia, vou escolher vocês. É o seu filho na barriga daquela mulher.
Ele é nosso sangue bastardo ou não. Eu a escondi e vou entregá-la
a você quando a criança nascer ― Dante declarou sem nem
pestanejar.
― Ter um menino vai fortalecer sua posição, irmão ― Luigi
apoiou. ― Eu posso cuidar dele se você quiser.
Eu preferi guardar para mim que ninguém precisava de mais
um psicopata solto entre nós. Porque isso era o que aconteceria se
Luigi convivesse com qualquer criança.
― Não vai acontecer. ― Coloquei todo o uísque para dentro e
dei meia-volta, mas antes que chegasse à porta, Dante entrou na
minha frente.
― O que você vai fazer?
― Eliminar um problema.
Dante suspirou. Seus olhos azuis acinzentados parecidos com
os de Giorgia, não tinham os mesmos sentimentos mistos que
nossa mãe demonstrava tão claramente, mas nos do meu irmão
havia certo desespero em me fazer entender e compartilhar de seus
valores.
― Lucca, sabe que o principal motivo deste casamento é dar
força à sua posição e ter filhos. Futuras gerações da família...
― Ninguém precisa de um filho meu para continuar.
― Irmão ― Dante segurou meu ombro com força ―, quando
tudo isso acabar, quando o poder se esvair e formos velhos demais
para que soldados nos temam, vamos olhar para o lado e nos
encontrar sozinhos. Você tem a chance de não deixar apenas uma
história de caos e guerra. Se aceitar isso, estará diante de um
legado de sangue e honra. ― Ele fechou os olhos brevemente. ―
Esqueça os medos pessoais que te fazem recusar um filho e pense
como o chefe da famiglia. Coloque sua cabeça nos negócios se isso
ajudar e finja que não se importa. Como você seria visto se fosse
casado com uma jovem bonita e saudável e não gerasse filhos?
― Verão você como fraco, irmão ― Luigi apontou.
― Eu vou matar qualquer um que questionar minha posição e
força.
― Você não pode matar todo mundo, Lucca. Sei que nossa
resposta imediata para tudo é eliminar o problema e jogar numa
cova sem nome, mas isso ― ele se interrompeu, balançando a
cabeça. ― Sei que parece inimaginável de repente ser pai de uma
criança, mas alguns meses atrás eu não diria que estaria casado e
que sua esposa sobreviveria seis meses e olhe agora.
― Não tem comparação. Eu me casei para o benefício da
famiglia.
― Filhos são benefícios para a famiglia também.
Eu dei a volta em meu irmão, decidindo que já tinha passado
da hora de encerrar o assunto com eles. Eu descobriria onde a
prostituta estava por conta própria.
― Você sabe, Lucca. Você sabe no fundo que se matar essa
criança, jamais irá se perdoar.
― Eu já me perdoei por coisas piores.
― Perdoou mesmo, irmão? Pelo que eu vejo, você apenas se
tornou seu próprio réu, júri e carrasco.
Eu olhei para trás, encontrando Luigi fitando um ponto fixo na
janela, sem mover um músculo. E Dante me observando pronto
para continuar falando pelo tempo que precisasse para me
convencer do contrário.
― Você não sabe de nada.
― Thom fodeu a nossa cabeça, mas o único culpado das suas
escolhas é você. Não se torne aquilo que mais odiamos.
Eu analisei meu irmão por mais um momento antes de me
aproximar até estarmos a centímetros de distância e tirei minha faca
do coldre no peito sem Dante ver. Segurei seu ombro e no segundo
seguinte a enfiei em sua barriga, ele sangraria, mas não seria fatal.
Passei tempo mais do que suficiente abrindo homens para saber o
que podia matar e o que só assustava. Isso era para deixá-lo saber
que eu não precisava de seus conselhos familiares de merda.
Quando ele grunhiu de dor, caindo com um joelho no chão, eu
me inclinei até encostar a boca em seu ouvido, segurando sua nuca.
― Guarde suas filosofias para você ou vá dizê-las para Luigi.
Seu irmãozinho psicótico pode fazer bom uso delas, melhor do que
eu.
Dei meia-volta e saí do apartamento ouvindo a risada de Luigi
me acompanhar para fora. Eu estava sentindo coisas estranhas
vibrando em meu peito e uma vontade assassina de... de... eu não
sabia. A porra do sentimento nem sequer me era familiar.
Eu entrei no carro, esmurrando o volante repetidas vezes, mas
não passou. Eu pensei que ajudaria com a raiva esfaquear meu
irmão, entretanto, só fiquei mais puto.
Algo estava errado, e parecia que matar minha esposa e a
porra da maldita prostituta não resolveria isso.
Vamos terminar espetacularmente
Para que todos saibam quem somos
Então, vamos dançar como duas sombras
Aproveitando um dia de glória
O diabo está em seu ombro
Estranhos em sua cabeça
Como se você não lembrasse
Como se pudesse esquecer
Foi apenas um momento
Foi apenas uma vida
Mas esta noite você é um estranho
Apenas uma silhueta
Apenas me segure
aquilo, silhouette
Eu esperei que ele voltasse. Esperei sentada naquela cadeira
encarando a porta da cozinha para que ele aparecesse e eu
pudesse implorar pela minha vida e a do nosso bebê. Não pensei
por um segundo que pudesse apelar pela bondade de seu coração
― porque isso não existia, não com ele.
No entanto, se eu falasse os pontos lógicos da situação talvez
pudesse vencê-lo. Eu duvidava que alguém pudesse vencer
qualquer batalha contra Luccare, mas pela criança que sempre
sonhei crescendo em meu ventre eu tentaria.
Só que ele não voltou.
Minhas costas eventualmente começaram a doer e eu precisei
subir para o quarto, dizendo a mim mesma que o esperaria na
cama, mas a gravidez cobrava tanto do meu corpo que cochilei sem
perceber e fui despertada por um cheiro de cigarro forte e o vento
gelado arrepiando minha pele.
Acordei assustada, vendo uma sombra em frente à janela,
coberta pela fumaça.
Sentei-me, esfregando os olhos. Ele ocupava toda a poltrona e
na outra mão, tinha um copo com pelo menos três doses de um
líquido cor âmbar.
― Você não pode escondê-la para sempre ― ele falou baixo,
sua voz grave e dura. Eu paralisei por um momento, percebendo
que Dante contou sobre a gravidez de Stela. Eu queria fazer isso,
mas talvez ter deixado seu irmão com aquela tarefa tivesse sido
mais inteligente. Eu suspirei de alívio. Ela estava bem. Eles estavam
bem.
― Dante? ― perguntei com medo, tanto por não conseguir vê-
lo no escuro e não poder adivinhar sua reação, quanto pela resposta
que viria.
― Ele vai viver.
Senti uma pontada de culpa, mas ao mesmo tempo, tentei me
apegar ao meu novo mantra: eu não pedi por nada daquilo.
― Eu preciso te explicar porque fiz as coisas dessa forma.
Porque é importante proteger Stela e...
― Não diga esse nome dentro da minha casa. ― Seu tom era
uma geleira congelante, impossível de ser discutido. ― E eu não
preciso entender nada. Você foi estúpida o suficiente para acreditar
nas besteiras que uma puta te falou, foi ingênua achando que podia
entrar num jogo como esse e ganhar.
― Não é um jogo. É um bebê. Parece pouco pra você, mas eu
não vivo meus dias matando pessoas e torturando em busca de
meus próprios benefícios. Eu não vejo a vida com tão pouco valor!
Não serei a culpada da morte de uma criança.
― E qual valor você terá quando esse bastardo vier ao
mundo? O que acha que vão dizer? A famiglia vai te mastigar e
cuspir como se não valesse nada.
Eu comecei a chorar. Era um choro baixo e vulnerável que me
fez querer me abraçar, porque ele não faria isso e eu estava numa
posição tão desprotegida que me sentia fraca até mesmo para
discutir.
― Esse é o meu sonho, Lucca, desde que eu era uma
garotinha. Pode ser estúpido pra você e eu não ligo. Me casar,
cuidar da minha casa e do meu marido, eventualmente ter um bebê,
talvez dois ou três. ― Levantei-me da cama e fiquei de pé ao lado
dele, onde poderia ver seu rosto, e ele poderia ver o meu. ―
Sempre foi o meu sonho. De tudo o que eu não posso ter, todas as
coisas que não posso fazer. Há uma vida lá fora que jamais vou
experimentar, mas você pode e viveu tudo isso. Você engravidou
uma mulher que não era sua esposa e eu não me importo se foi por
querer ou por acidente. Eu nunca saberei o que é ter outro homem e
essa é a diferença entre nós. Tudo o que estou te pedindo é que me
deixe dar à luz a essa criança. Eu só quero ser mãe e fazer minha
vida ter algum sentido.
Algo brilhou em seus olhos. Ele abaixou a cabeça e deixou o
copo no chão, apagando o cigarro dentro dele.
― Apenas a imagem de outro homem a tocando me deixa
assassino, Abriela. Eu vou mutilar corpos apenas por ter que
imaginar isso.
Eu franzi o cenho.
― Você sente ― comecei a perguntar naturalmente,
esquecendo por um segundo que nada em meu relacionamento
podia ser considerado natural ― sente ciúme?
Lucca se levantou e em poucos passos estava à minha frente.
― Não ― ele não hesitou, e nada em seu rosto dizia o
contrário ―, mas eu tenho orgulho e honra. Eu fui o único a
devastar você e nenhum outro fará isso. Nenhum outro pode sequer
imaginar. Eu não compartilharia você nem com uma mulher.
Engoli em seco.
― Eu não ia querer isso ― sussurrei.
Um sorriso malicioso cresceu em seu rosto. Seus olhos
estavam provocativos, ao mesmo tempo que beiravam à
impaciência, e eu me perguntei se estava bêbado de novo.
― Ia. Iria sim, mas jamais terá a chance de querer ou não.
Passei a língua pelos lábios.
― Me deixe ter o nosso filho, por favor. Eu prometo que se me
der permissão jamais vou pedir outra coisa. E se me ajudar com
Stela...
― Minha resposta é decreto, Abriela. Não vai acontecer.
Eu não podia deixar que fosse sua decisão final. Eu nem
sequer entendia porque era tão importante pra mim que Stela
ficasse bem, mas Lucca não sairia desse quarto até concordar que
ela merecia uma chance. Sem ter outra ideia, eu me ajoelhei.
Segurei seus tornozelos e subi as mãos até seus joelhos, eu joguei
a cabeça para trás, buscando seus olhos.
Meu coração batia forte, acelerado feito louco, mas a
perspectiva de não conseguir seu sim me deixava à beira da
loucura.
― Eu preciso ter o seu filho, Luccare, eu preciso disso. Por
favor...
Quando mais uma lágrima grossa escorreu e rolou até meus
lábios, Lucca se inclinou segurando meu queixo. Embora houvesse
desejo em seus olhos, sua expressão era severa.
― Se qualquer pessoa se ajoelhasse diante de mim e
implorasse, eu a mataria apenas pelo gesto ridículo de fraqueza. O
filho de outra mulher não vai ser a sua realização, no mínimo só te
causará mais problemas.
― Eu também pensei assim, mas ela não quer o bebê. Ela só
quer dinheiro e uma nova vida.
― E com a nova vida dela você destrói a nossa.
Meu choro se intensificava e meus olhos estavam ardendo,
inchados. Eu não tinha mais argumentos.
― Ninguém precisa saber que ele não nos pertence. Eu terei
uma menina ― abaixei a cabeça, constrangida ―, ela espera um
menino.
Lucca recuou, e eu fui junto, sendo obrigada a apoiar as mãos
no chão quando me desequilibrei. Ele ficou em silêncio, observando-
me.
― Eu serei humilhada de qualquer jeito quando revelar o sexo
do nosso filho.
― Você não pode pegar uma criança e fingir que é sua.
― Posso! ― gritei, desesperada. ― Posso e juro que consigo.
É o que eu quero, Lucca, me conceda isso. Seja bom para mim pelo
menos uma vez.
Ele se abaixou e segurou meus braços, levantando-me do
chão.
― Pare. Isso é insano, e eu já disse que não quero uma
criança, quem dirá duas.
― Não é a situação ideal, mas você nos colocou nessa
posição quando decidiu comer uma puta! ― Meu tom era
amargurado e tão irritado que mal reconheci minha voz.
Lucca soltou uma risada feia, segurando meu rosto em uma
única mão, fazendo-me fixar meus olhos nos seus.
― Eu e meus hábitos infames, não é, minha esposa? De um
lado, tenho uma puta que só aceitava dinheiro, e aqui, divido a casa
com uma puta de luxo, certamente com pedigree que foi vendida
para mim em troca de riquezas, um nome para lhe dar orgulho e
agora luta para me fazer aceitar o golpe da barriga que tramou
mesmo quando eu disse o que faria se acontecesse.
Eu não sabia se foram os hormônios, a minha irritação ou o
cansaço de continuar lutando contra ele, mas ao ouvi-lo se referir a
mim como apenas uma prostituta me fez erguer a mão direita e
jogar em direção ao seu rosto, mas ele segurou meu pulso.
― Se você me bater, eu vou te devolver de maneiras que um
tapa cheio de ódio vai parecer brincadeira de criança.
Eu solucei, sentindo as lágrimas descendo cada vez mais
rápido.
― Isso não é sobre você ou sobre mim, se eu sou uma
prostituta me deixe ter uma parte da casa e criar seus filhos ― eu
falei no plural com desgosto, e ele percebeu. A raiva borbulhava
dentro de mim como eu nunca senti. ― Não terá que me ver, a não
ser quando quiser me foder e tirar sangue de mim, como o animal
que você é. Se diz tão honrado, mas ameaça a vida de alguém que
ainda nem nasceu. Se você fosse tão forte me deixaria...
Ele agarrou meu pescoço, puxando-me para perto conforme
me enforcava e rosnava em meu rosto:
― Não tente me manipular, Abriela, nesse jogo eu sou a porra
de um campeão invicto. ― Ele fez uma pausa antes de afrouxar o
aperto e segurar minha nuca. ― Mas tudo bem. Fique com eles,
deixe que cresçam e venham ao mundo.
― O quê? ― sussurrei, sem acreditar no que ouvia.
― Fique com as duas crianças, mas não tenha dúvidas. Eles
não são bebês, são frutos do diabo porque eu as fiz. E prepare-se
para escolher, Abriela. ― Ele abaixou o tom de voz, falando numa
voz tão suave que me deu arrepios. ― Quando nascerem, você vai
escolher quem vive e quem morre.
Eu balancei a cabeça com força e segurei sua mão.
― Lucca, se você tem um pingo de respeito por mim, se há
alguma parte de você que pelo menos gosta de mim... me apoie. Se
não puder me apoiar, apenas não me tire isso. Deixe-me cuidar
desses bebês! ― supliquei.
Ele se inclinou e rosnou pausadamente:
― O menino ou a menina, e você vai escolher.
― Não seja cruel! São os seus filhos!
― Pare de dizer isso! ― Ele fechou os olhos e apertou as
mãos em punho.
― Eu não vou parar, porque é verdade. São apenas bebês, e
enquanto forem inocentes eu vou protegê-los, não importando se
têm os seus genes, se estão destinados à crueldade. Por enquanto
são vidas que merecem misericórdia. Tenha um pouco pelo menos
uma vez na sua maldita vida!
Seus olhos se abriram com os meus gritos. O azul
tempestuoso e distante estava dilatado. Encarando-me com raiva e
fúria.
Ele estava ofegante quando abriu os braços e reparei que suas
mãos tremiam. Mas o que me chocou, foi a forma como por um
momento pareceu ter escapado de uma jaula da qual ficou cativo
por uma vida inteira e gritou:
― Não há lugar para misericórdia na porra da vida. Não há
misericórdia na máfia e eu jamais serei um homem que se dobra
aos desejos e vontades de alguém!
Ele foi em direção à porta, preparando-se para sair e em um
momento de desespero, eu peguei o vaso com um buquê parecido
com o do nosso casamento e o atirei em sua direção. Eu fechei os
olhos antes de ver o que atingiu, mas ouvi o vidro quebrando no
chão e me apoiei na cama, sentando-me e abaixando a cabeça.
Minha garganta ficou seca, e o nó tornou difícil respirar.
De repente, eu senti seu toque em meu rosto e vacilei para
trás. Lucca torceu o rosto, tocando-me novamente.
― Eu tenho homens o suficiente para tirar sangue, não vou
machucar você. Já disse isso. Agora esse buquê… parece que eu
não sou o único perigo para as crianças.
― Você colocou uma faca em minha garganta. Se eu tivesse
me deitado com o seu irmão, estaria morta.
― Nesse caso você teria merecido a morte.
― Você machucou Dante?
― Meus irmãos aguentam muito mais do que homens normais,
Abriela.
Eu fiquei em silêncio por um minuto, mas foi o suficiente para
Lucca tirar a camisa e acender outro cigarro, descendo as alças da
minha camisola uma de cada vez com uma única mão, enquanto me
observava sobre a baixa luz que entrava pela janela.
― Você teria mesmo me matado? ― perguntei em um
sussurro quando meus seios ficaram à mostra. Lucca parecia
vidrado, apertando-os, girando meus mamilos quando ficaram duros
e se inclinou para chupar.
― Sim ― ele respondeu em minha pele, chupando forte.
Segurei seus ombros, afastando-o para olhá-lo nos olhos.
― Como pode ser capaz de tentar me matar em um momento
e no outro está prestes a fazer sexo comigo?
Com a minha pergunta eu vi algo que nunca tinha presenciado
antes. Os olhos dele ficaram escuros como se algo tomasse conta
de seu corpo, como se Lucca ― o homem que garantia não me
machucar ― não estivesse mais ali. Pelo menos não apenas ele.
― Porque você não significa nada para mim. Eu posso desejar
cortar sua garganta porque temos um problema, mas poderia comer
sua boceta porque ela aperta meu pau como se ainda fosse virgem.
Eu poderia fazer as duas coisas ao mesmo tempo, Abriela.
A forma como ele dizia meu nome era hipnótica e uma imagem
perturbadora assombrou minha mente: eu deitada, Lucca passando
uma faca pela minha garganta enquanto me fodia e rosnava em
meu ouvido.
Eu tremi.
― Você gosta disso ― ele observou, surpreso. ― Gosta das
porras imundas que eu faço com você. Gosta de se imaginar nessa
posição.
Eu não gostava, nada em mim via atração nisso.
Balancei a cabeça, mas não consegui dizer nada.
Ele jogou o cigarro pela janela e me deitou, ficando entre
minhas pernas e roçou sua dureza em meu núcleo. O suspiro
involuntário que me escapou não passou despercebido por ele.
Lucca mordeu meu pescoço, agarrou meu cabelo e me
colocou de pé sem delicadeza, dando um tapa em minha bunda
antes de me inclinar sobre a janela. Meu tronco para fora, eu olhava
para trás ― para dentro do quarto ― com olhos arregalados.
― Lucca, o que está fazendo?
― Eu vou te mostrar o que é foder com um animal.
Antes que eu pudesse lutar contra, ele me penetrou um dedo,
fazendo minha boceta imediatamente apertar e sugá-lo forte,
vazando lubrificação como se eu não tivesse acabado de ouvir
aquelas coisas absurdas.
Fechei os olhos, humilhada. Ao mesmo tempo, o movimento
de um segundo dedo dentro de mim fez minha cabeça girar, o vento
frio da noite em meu rosto molhado de lágrimas e meus seios
roçando nos tijolos da janela, soltando poeira e pedrinhas que
machucavam meus braços, mas nada disso importava. Eu estava
ficando louca, molhada e ansiosa para as sensações que ele
sempre despertava em mim.
― Sua boceta está molhada por que eu te deixei ter o meu
filho ou por que eu disse que te mataria e foderia ao mesmo tempo,
Abriela?
Eu gemi com o terceiro dedo, levando a mão até sua cabeça,
segurando o cabelo e puxando.
― Pare com isso ― implorei com um sussurro.
― Parar com isso ― ele girou os dedos, torcendo-os e
esfregando nas minhas paredes internas ― ou parar de jogar na
sua cara que você gosta de dançar com o diabo?
― Lucca...
― Quando você conta para as suas irmãs o tipo de monstro
terrível que eu sou e pede proteção para o meu irmão, também diz a
eles o quanto gosta de ser arrombada pelo monstro? ― Ele
esfregou o rosto em minhas costas, mordendo, lambendo e tirando
os dedos, enfiando seu pau todo de uma vez. ― Que você geme
como se desejasse que eu te parta ao meio?
― Lucca! ― gritei, e precisei me segurar nos batentes da
janela. Ele me batia forte por trás, seu braço rodeando minha cintura
e os dedos esfregando meu clitóris. De repente, senti algo afiado em
minha coluna, e ele a deslizou para cima, chegando à minha nuca.
Quando reconheci a ponta afiada de uma faca meu corpo gelou.
Minha boceta o apertou em tensão, e meus gritos de prazer
tornaram-se gemidos arrancados de mim. ― O que está fazendo?
Ele arrastou a faca com o lado sem corte do meu pescoço por
toda a extensão das costas, metendo cada vez mais forte e quando
senti um fiapo de dor, sabia que havia me cortado.
Eu não sabia por que, não entendia, mas no momento em que
ele segurou meus ombros e a faca ficou a centímetros do meu rosto,
eu não lutei contra, aceitei suas investidas fortes, aceitei o risco da
ponta afiada cortar minha pele e aceitei o início de um orgasmo que
me fez começar a tremer e rebolar contra seus impulsos.
― Por favor... isso, continue assim, Lucca.
Ele rosnou, estapeando minhas nádegas de um lado e do
outro, seus dedos amassando minha carne nos apertos.
Ele de repente se abaixou e cuspiu em meu ânus, e eu fiquei
reta.
― Lucca, não.
Ele virou meu rosto, apertando meu queixo com os dedos
molhados dos meus fluidos e mordeu meu lábio.
― Você não me diz não. Nunca.
― Mas eu...
― Tudo isso é meu, Abriela. Sua boceta, seus peitos e seu cu.
Tudo o que eu quiser é meu.
Ele me abaixou novamente, e eu fechei os olhos apertados.
Ele era grande. Enorme, e não tirou seu membro de dentro da
minha boceta quando começou a massagear a parte mais
inexplorada do meu corpo com o polegar.
A faca que havia sumido da minha pele, de repente foi levada
para lá, eu senti a ponta em minha nádega direita.
Gritei em antecipação, dizendo a mim mesma para ficar calma
porque ele não enfiaria uma lâmina em mim. Porém, quando um
cabo de madeira começou a ser introduzido na minha bunda, junto
com a fricção de seus dedos em meu clitóris e a faca sendo
penetrada ao contrário, foi demais... eu me senti tão cheia.
Tão preenchida.
Tão suja.
Naquele momento, com o prazer rodeando minha mente, com
Lucca rosnando grave, com o cabo de uma faca profundamente
enfiado em minha bunda e o membro grosso do meu marido
acabando com a minha boceta, eu gozei forte.
Ele conseguir me colocar de lado e ainda assim me penetrar
com as duas coisas, sem se machucar, sem me machucar e sem
perder o ritmo, provava o quão experiente era.
Gozei minha vergonha, meu desejo e meus medos.
E Lucca me segurou por alguns minutos, gozando junto
comigo. Quando enfim se retirou, ele não me soltou, mas eu senti
seu esperma escorrendo pelas minhas coxas. A vontade que senti
de passar o dedo e levar aos lábios veio sem razão, e eu a reprimi.
Nós passamos tantos limites, eu mal me reconhecia.
Ele me deitou na cama, de lado e segurou meu peito com
força, apertando-o.
― Hoje eu não vou chupar o leite do seu peito para que você
não morra de vergonha, Abriela. Mas ele está escorrendo, assim
como a sua boceta.
Ele ergueu minha perna e me penetrou novamente. Eu mal
conseguia gemer, falar ou responder às suas provocações.
Quando ele terminou e me deixou na cama, eu não sentia mais
meu núcleo, não aguentava mais gozar e vi sangue no membro de
Lucca quando ele se levantou.
― Lucca, espera.
Ele seguiu o meu olhar.
― Não é da sua gravidez, você sempre sangra.
Engoli em seco.
― Eu posso... posso realmente ficar com o bebê?
Ele se aproximou da cama devagar e se inclinou para beijar
meus lábios suavemente, afastando-se apenas poucos centímetros
e olhou em meus olhos.
― Você acabou de pagar por ele como uma boa putinha, então
sim, fique com o seu filho.
Sorrindo friamente, Lucca deu meia-volta e saiu do quarto.
Eu me virei de costas, respirando pesado.
Ele sabia que eu odiava as coisas a que me sujeitava.
Mas não porque de fato não gostava, e sim porque nada do
que fazíamos dentro da nossa casa representava a garota que eu
fui ― e pensei ser a vida toda.
Perto de Lucca, uma dúvida começava a se tornar certeza em
minha mente.
Ele era mesmo o bicho papão dos meus pesadelos, contudo,
eu não era mais inocente. Talvez eu tenha dançado tanto a música
tocada pelo diabo nos últimos meses ― transando com ele,
convivendo com ele, reconhecendo e entendendo suas faces ― que
ela despertou um monstro adormecido em mim.
Te vejo no escuro, todos olham pra você, meu mágico
Todos olham pra nós, você faz todo mundo desaparecer,
e me corta em pedaços
Gaiola de ouro, refém dos meus sentimentos
Porque nos despedaçamos um pouco
Mas quando você fica sozinho comigo, é tão simples
Porque, amor, eu sei o que você sabe
Podemos sentir isso
E todas as nossas peças se encaixam nos lugares certos
Eu sou sua para guardar
E eu sou sua para perder
taylor swift, so it goes
Os gritos que irrompiam da minha casa quando cheguei com o sol
quase se pondo vinham da garagem, por isso não me preocupei, mas
me irritava que os soldados estivessem brigando como se fossem
crianças sem disciplina.
Eu pisei na grama recém-aparada, cortando o caminho e
encontrei Jimmy Sciaro, o garoto mal tinha pelos na porra do saco e
pensava que podia enfrentar meus soldados altamente mortais.
― Tu desgraziato![6] Você está morto! ― Jimmy gritava, impedido
de levantar do chão pela bota pesada de Marcel em seu estômago. ―
Eu vou matar você e toda a sua família. Vou deixar apenas um vivo
para voltar e matá-lo quando ele formar família, idiota!
Marcel riu, fazendo pouco caso. Eu suspirei, erguendo as
sobrancelhas para as ameaças feitas pelo temperamento impossível e
uma voz que variava entre grossa e fina ― graças à puberdade.
Quando eu tinha quinze não era tão estúpido.
― Tenho certeza de que eu já disse essas palavras algumas
vezes.
Ao me ver, os dois pararam. Marcel abaixou a cabeça, tomando
distância de Jimmy, que estava me olhando com o rosto vermelho e as
palavras mal contidas.
― Luccare, nós estávamos... ― Marcel tentou explicar, mas ergui
a mão, interrompendo-o.
― Senhor ― Jimmy deu dois passos à frente ― Marcel estava me
ensinando a lutar.
― E por esse favor você achou melhor ameaçar gerações do
nome dele? ― Seus olhos se arregalaram e pude vê-lo estremecer. ―
Você terminou o show?
― Chefe ― disse Marcel. ― Eu não achei que o senhor estava
aqui.
― Eu estou me fodendo se vocês quebram pernas entre si ou
revezam suas irmãs, mas não façam essa merda na minha casa. ―
Cheguei ainda mais perto e rosnei contra seu rosto: ― Você é um
homem feito há anos, Marcel, não aprendeu melhor do que dar bola
para o temperamento de uma criança?
Ele olhou ao redor, aparentemente procurando uma saída, mas
vendo que não havia nenhuma, abaixou a cabeça e assentiu. Eu tirei
seu chapéu e o joguei no chão.
― Saia da porra da minha frente.
Eu mal pisquei e o homem havia sumido. Jimmy engoliu em seco.
Eu abri os braços numa pergunta silenciosa. Jimmy ficou na minha
frente, remexendo-se sobre os próprios pés.
― É assim que pretende se tornar um capitão respeitável? Sendo
morto numa briga de rua que claramente ia perder?
Eu acendi um cigarro, esperando sua resposta.
― Eles fazem pouco caso de mim. Agem como se eu fosse sua
cadela e vivesse para obedecer suas ordens.
― Todos os soldados são assim.
― Mas eu não sou um soldado ainda, senhor. Sou só um garoto
de rua que você resgatou por algum motivo. Ninguém me respeita
agora e nunca vão respeitar!
Mia era a porra do motivo.
Eu recebi a notícia da morte da minha irmã na mesma hora que
Jimmy ― uma criança abandonada nas ruas da Sicília que vivia de
migalhas de padarias e restaurantes me pedia uma moeda. Eu estava
sentado à mesa de um restaurante a céu aberto, tomando café antes
de embarcar para Miami. Lembrava-me de olhar para aquele garoto
pobre e sem expectativas de uma vida longa e pensar que dar um
objetivo de vida a ele me faria sentir menos culpado por não ter
protegido a minha irmã.
Não funcionou e eu parei de tentar.
Homens como eu não conheciam redenção porque não buscavam
por ela, e também não a mereciam.
Quando aprendi isso, me tornei incapaz de sentir ou me moldar.
E isso me salvou.
― Devo ter cometido um erro então, pensando que você poderia
se tornar algo mais do que sujeira de rua e o abrigando na organização.
― Não foi o que eu quis dizer, senhor. ― Lágrimas surgiram em
seus olhos. Porque é que de repente todo mundo fica chorando na
minha frente como se eu tivesse solução para todos os problemas? ―
Eu sou grato. Eu sou. Só não sei o que fazer.
― Silêncio. Eu não me importo.
― Desculpe, senhor.
― Não me peça desculpas, Jimmy, porra. Eu não sou seu pai
para ser chamado de senhor e te ensinar boas maneiras. Brigue, treine
e lute para se tornar um homem de valor, um capitão por quem vão se
orgulhar de trabalhar. Não se torne mais um cabeça quente que vai
morrer com o primeiro tiro quando sair numa missão.
― É o que eu quero. O que mais quero é que Sciaro se torne um
sobrenome importante na famiglia.
Eu assenti. Eu acreditava que os homens que trabalhavam e
viviam para a Cosa Nostra precisavam ter ambição e se provar. Não me
importava suas questões pessoais. Se tinham o sangue siciliano
correndo nas veias, podiam fazer qualquer porra de coisa.
Principalmente fazer parte do exército que eu precisava para que
ninguém nos tocasse.
― Primeiro de tudo, nunca mais venha com esse temperamento
de merda para cima de mim. Eu deixei que você ficasse e ainda não lhe
mandei fazer nenhum serviço, porque você é uma criança, porém, sabe
quem eu sou e sabe o que faço.
Eu olhei para além de nós, vendo que já anoitecia e estava
ansioso para entrar em casa e ver que tipo de luta teria com a minha
esposa. Precisava terminar logo com isso.
― Um amigo estava jantando em um restaurante em Milão uma
noite quando um mafioso chamado Brown começou a ofendê-lo. Brown
era um assassino de aluguel e pensou que sua reputação de ser
violento assustaria o meu amigo. Meu amigo ouviu tudo em silêncio. O
velho nunca falava demais e nem revelava seus pensamentos. Pouco
tempo depois disso, o corpo de Brown foi encontrado em um porão em
Milão. Todas as pessoas do submundo sabiam que ele havia morrido
por ter insultado o meu amigo, mas ninguém ia falar nada sobre isso.
Você ameaçou meu soldado e mesmo que isso não vá acontecer, agiu
pela raiva. Precisa se controlar, ouvir muito e falar pouco. Por mais
tentador que seja, nunca fale demais. Boca fechada e olhos abertos.
Entendeu? ― O garoto assentiu freneticamente, concentrado nas
minhas palavras.
― Sim, senhor, chefe.
― Algum recado para mim?
― Nada importante. Abriela foi ao mercado hoje, acho que passou
a tarde cozinhando.
É claro que passou. Minha esposa estava determinada a fazer da
minha vida o cenário do conto de fadas perfeito.
Eu adorava cozinhar.
Definitivamente essa foi uma característica que me salvou na
gravidez, afinal, minha fome não passava. Enquanto colocava a
lasanha no forno, passei as mãos pela barriga que acordou
ligeiramente maior naquela manhã. Eu não queria pensar que a forma
como o meu marido fazia amor comigo tinha algo a ver com isso, mas
em minha cabeça, eu me perguntava se chamar minha atenção
crescendo não era a forma da bebê me avisar que as coisas estavam
pra lá do que ela aguentava.
Talvez eu devesse conversar com Lucca sobre ficar sem sexo até
o final da gestação.
Fechei o forno e comecei a rir. Que absurdo.
― Quer compartilhar a piada, esposa?
Eu me assustei, virando rapidamente para vê-lo parado na porta,
com Jimmy ao lado.
Uma crise de risos me atingiu, e eu apoiei as mãos no balcão,
abaixando a cabeça para que nenhum dos dois visse as lágrimas e o
enorme sorriso que nem tinha razão.
― Abriela? ― Ao ouvir o chamado dele, ergui a cabeça e o
observei por um momento. Tão bonito. Forte. Distante. Impenetrável.
Em que mundo esse homem ficaria sem sexo por meses até que
eu me sentisse pronta outra vez? Bati no balcão, sentindo minhas
bochechas doerem de tanto rir.
Suspirei, buscando fôlego e quando me acalmei, finalmente olhei
para eles, recompondo-me.
― Estou fazendo lasanha, alguém quer jantar?
― E por que você está fazendo? Onde estão os empregados
desta casa?
― Eu amo cozinhar, Lucca.
Ele deu a volta no balcão, pegou a concha e provou o molho que
fervia.
― Está bom.
Estreitei os olhos.
― Como eu disse... sou boa nisso. Cozinhava para minha família
o tempo todo.
Lucca abaixou os lábios até o meu ouvido:
― Uma pena para eles ter perdido tanto talento. Seu rosto está
vermelho. ― Ele tocou meu queixo rapidamente. Jimmy desviou o
olhar, cruzando as mãos nas costas. ― Por que estava rindo?
― Eu me perguntava qual a chance de você concordar com uma
greve de sexo até que eu tenha o bebê ― falei baixinho, evitando que
Jimmy ouvisse.
Lucca ergueu as sobrancelhas grossas, parecendo ter dúvidas se
ouviu direito.
― Saia, Jimmy.
Eu não gostava daquele tom de voz, ele aparecia pouco antes de
Lucca começar a me ofender, como ontem à noite.
Quando o rapaz se foi, ele inclinou a cabeça para o lado.
― Você conseguiu me chocar como há muito tempo não faziam.
Eu massageei minhas bochechas, aliviando a contração chata dos
músculos pelas risadas.
― Acho que acabou a vergonha entre nós depois de ontem. ― O
final da frase foi dita num fio de voz. Eu nem podia pensar em nós dois
naquele quarto sem querer me enfiar num buraco de tanta vergonha.
― Depois de eu ter comido o seu cu com uma faca e deixado sua
boceta em estado dormente?
Dei a volta na pia, engolindo em seco. Parei do outro lado do
balcão, fitando-o com seriedade.
― Pare de me dizer essas coisas.
― Por que, Abriela? Você gosta de ouvir.
― Eu não sou uma prostituta. Estou grávida do seu filho, moro na
sua casa e cozinho pra você mesmo sem saber se vai voltar para a
casa. Podemos concordar que mereço respeito?
Ele me observou calado. Lucca, que sempre tinha tanto a dizer,
ficou mudo. Quando finalmente cruzou os braços e limpou a garganta,
eu soltei a respiração que prendia.
― Você merecerá o meu respeito quando o conquistar.
― Até lá eu serei chamada dos nomes mais humilhantes e servir
como um brinquedo sexual?
― Você gosta de ser o meu brinquedo sexual, e gosta mais ainda
quando eu te chamo por nomes humilhantes.
Eu estava ultrajada. Suas palavras me chocaram de uma forma
que eu mal conseguia olhá-lo novamente.
― Como consegue seguir em frente depois de ontem? Depois de
tudo?
― Com tantos meses de casamento, era esperado que você
tivesse percebido que eu não vou sentar e discutir nossos problemas.
― Ontem não foi um problema, Lucca, se eu fosse uma esposa
normal pediria o divórcio e nunca mais falaria com você novamente.
Seus olhos brilharam em desafio. Ele parecia querer rir, deslizou
uma mão em minha cintura e pressionou os dedos sem me apertar. Era
a sua forma de mostrar que eu era dele, que ele estaria sempre ao meu
lado, fosse para me punir ou para me usar.
― Você não é uma esposa normal, e nosso casamento é tudo
menos comum. Pare de se julgar e aproveite o caminho, Abriela. Devia
ficar feliz que eu volto para a casa ansioso pra te ver.
― É o mínimo ― murmurei, cansada. ― Eu sou sua mulher.
― Sim, e eu já tive inúmeras, mas nenhuma me fez ansiar por
cinco minutos como você faz. Chega desse assunto.
Eu tentei não buscar significados profundos no que disse e limpei
a garganta, afastando-me alguns passos outra vez.
― Não gosto assim ― engoli em seco ―, não gosto desse
tratamento fora... ― Hesitei, reconhecendo que eu estava prestes a
admitir isso em voz alta. ― Não fora do quarto.
Lucca de repente fechou a distância entre nós outra vez. Eu nem
estava surpresa que ele buscasse me tocar. Era inevitável que ele me
alcançasse, não importando quanto espaço eu tentasse colocar entre
nós. Ele segurou o meu rosto. Na minha fantasia, Lucca me beijaria e
diria algo carinhoso, mas a realidade era muito diferente dos meus
sonhos.
― Eu vou matar por você e vou te defender no mundo lá fora. Em
público, você será sempre uma rainha respeitada pelo rei da porra
desse mundo. Mas dentro da minha casa, onde é o objeto constante do
meu desejo e eu mal posso te olhar sem querer me enfiar em você...
Não há nenhuma chance de greve de sexo, tampouco que eu pare de
fazer as coisas que gosto só porque sua consciência fica pesada por
aproveitar.
Eu me afastei, segurando seus pulsos. Era bom tocá-lo, apenas
sentir Lucca, sua pele quente e essa proximidade.
― A maioria das pessoas mal podem sonhar em estar tão perto
de você ― sussurrei, erguendo a cabeça para olhá-lo no fundo dos
olhos. ― Eu estava aterrorizada quando nos casamos e tem dias que
eu ainda não sei como você vai reagir a um simples “bom dia”.
Ele piscou uma vez. Duas vezes. E recuou dois passos atrás.
― Eu não vou prometer que vou fazer amor com você, já
estabelecemos que isso é impossível.
― Eu sei. Não envolver qualquer tipo de... ― como eu podia citar
a faca sem ser vulgar e morrer de constrangimento? ― de perigo. Já é
o suficiente.
― Eu gosto de perigo, Abriela. Se não posso foder a minha
esposa como quero...
― Vai fazer isso na rua? ― Irritação me dominou, e de repente eu
quis jogar a forma da lasanha nele. ― Faça isso. Quem sabe o nosso
filho ganha mais um irmão.
Dei meia-volta, mas Lucca segurou meu braço, encostando-me no
balcão.
― Cuidado com o que você diz ― rosnou. ― Paredes têm
ouvidos, mas as paredes da nossa casa ficam ainda mais atentas
durante o dia.
― Então não diga a uma grávida cheia de hormônios em fúria que
vai traí-la!
Ele franziu o cenho, seus olhos genuinamente intrigados.
― Você não esperava traição em seu casamento? Nosso mundo
está cheio disso.
― Sim, e eu estava pronta para aceitar.
― E o que mudou?
― Meu marido é você. Eu não estou disposta a te dividir.
Um silêncio desolador se instalou na cozinha. O forno apitou, mas
eu sabia que não estava pronto. Rossi latiu de algum lugar da casa. Eu
até conseguia ouvir o tique-taque do relógio na parede.
Nenhum de nós esperava a minha admissão. Embora eu não
escondesse os meus sentimentos, já era humilhante o suficiente senti-
los, eu não queria dizê-los a alguém que jamais retribuiria.
― Acho que ficou pronto ― falei. Eu precisava tirar aquela
lasanha do forno, mesmo que o queijo não tivesse gratinado o
suficiente.
― Vou mandar Jimmy sair e volto para pegar as coisas.
― Ele não quer ficar para jantar?
O sorriso torto de Lucca me cumprimentou, fazendo minhas
pernas fraquejarem.
― Eu já lhe dou um teto e pagamento. Ele não vai ficar e comer
da minha comida.
― Eu só vou preparar uma marmita, por favor. Ele deve estar com
fome. Jimmy é só um garoto, Lucca.
Ele balançou a cabeça.
― Todo mundo tem uma justificativa pra você, não é? Não é
porque ele é jovem que é diferente de qualquer soldado que faz o que
eu ordeno. Pare de ver bondade onde ela não existe, Abriela.
Eu queria dizer a ele que não podia, porque isso significava parar
de defendê-lo para mim mesma também.
― Um prato de comida não mudará isso.
Eu cortei um pedaço da lasanha, servindo em um prato e depois
coloquei mais um em uma embalagem, fechando e entregando a ele.
― E esse? ― Ele apontou para o prato bem servido no balcão.
― É seu.
Ela não ergueu a cabeça quando confessou que tirou o primeiro
pedaço da lasanha para mim antes de servir para outra pessoa. Eram
pequenas coisas como essas que me faziam perder a cabeça.
Eu nunca precisei lidar com gentileza, para mim sempre foram
perda de tempo.
Eu lidava com riscos, com sangue e com promessas cumpridas e
não cumpridas.
Agora um prato de lasanha? Aquela garota sabia quem eu era, o
que eu fazia, e continuava batendo de frente comigo, cozinhando para
mim e me propondo greves de sexo.
Eu fui até Jimmy, que estava sentado no sofá com o cachorro em
seu colo e tive vontade de esganar Abriela por me ver na posição de
permitir tal cena e ainda lhe entregar uma marmita.
A porra de uma marmita.
Jimmy ficou de pé em um pulo.
― Chefe.
Praticamente joguei a embalagem em sua mão e apontei para a
porta.
― Fora.
Ele correu ― literalmente correu ― porta afora.
O cachorro ergueu as orelhas, grunhindo como se fosse me
enfrentar.
― Minha casa virou a porra de uma pensão?
Me questionei em voz alta. Falando sozinho, caralho.
Voltei para a cozinha, encontrando Abriela lutando para tirar outra
travessa do forno.
― Eu disse que levava.
Ela se assustou, quase deixando cair. Eu peguei o peso de vidro,
queimando minhas mãos no processo.
― Lucca, as luvas! ― Levei até a sala de jantar e esperei por ela.
Que voltou com um pano molhado e um copo com gelo. ― Me dê suas
mãos. Deixa eu ver.
― Isso não é nada.
Ela revirou os olhos e bateu o pé. Minhas sobrancelhas subiram
de surpresa.
― Eu quero ver!
Eu não podia dizer que já tinha sonhado em me casar. Minha
infância não foi bonita o suficiente para que eu tivesse desejos com
uma esposa, e minha adolescência foi fodida demais para cogitar. De
qualquer jeito, eu estava preso a uma mulher que não alcançava o meu
queixo em estatura e não pesava mais de sessenta quilos. Eu poderia
quebrar seu pescoço com uma única torção, mas ainda assim, ela
encontrava formas de me mostrar gentileza.
― Seu pai devia ter te preparado melhor.
Ela me fitou com dúvidas, confusa do que eu dizia.
― Eu não achei que fosse precisar te ajudar com uma
queimadura, claro que não treinei para isso.
― Eu não dou a mínima para a queimadura, se meus ferimentos
mais graves fossem esses eu ainda seria um homem puro.
― Então ― hesitou ―, do que está falando?
Eu me sentei, levando-a junto. Abriela arregalou os olhos quando
a puxei para o meu colo.
― Eu te tratei como se fosse nada ontem, e aqui está você
arrumando motivos para cuidar de mim.
― Você não precisa ser cuidado ― ela engrossou a voz, dando-
me um olhar inseguro. ― É o que sempre diz.
Sua brincadeira não me fez sorrir, no entanto, eu quase admirei
sua tentativa de zombar de mim. Era preciso ter coragem para isso.
― É verdade, mas isso não muda o fato de que seu pai devia ter
endurecido você. Se seu marido fosse outro, você correria muitos
riscos.
― Apanhar? ― Ela encolheu os ombros. ― Se você me
perguntar... acho que machucados físicos são mais fáceis de lidar do
que aqueles que machucam a mente. Eu posso esquecer que minha
coluna dói, posso esquecer que cortei o dedo na cozinha, mas não
posso esquecer coisas como as que você me disse ontem. Que eu
significo nada pra você e que paguei pelo meu filho com sexo.
Ela ergueu a cabeça, fitando meus olhos sem hesitação. Minha
esposa podia ter apenas dezoito anos, mas tinha firmeza, e aguentava
uma briga comigo ― coisa que eu não podia dizer de mais da metade
dos homens que me encontravam no dia a dia.
Eu a tirei do meu colo e puxei meu prato, já estava frio, mas eu
não falei nada.
― Parece que a prática levou à perfeição ― declarei após engolir
a primeira garfada.
― Fico feliz que gostou.
Nós limpamos nossos pratos em silêncio.
― Você nunca pareceu apavorada por ter se casado comigo.
Ela me olhou com espanto.
― Você definitivamente não tem uma boa reputação. Mas eu
cresci na famiglia, vi casamentos como este acontecerem o tempo
todo. Sabia que uma hora ou outra ia ser minha vez.
― Eu nunca serei um marido perfeito.
Ela abaixou os olhos azuis redondos, fazendo seus longos cílios
negros destacarem-se contra a pele. Abriela parecia um desenho. Uma
aparição. Minhas exigências quanto ao casamento não incluíam uma
noiva bonita, no fim, nunca pensei que isso faria diferença.
Mas saber que ela ocupava um lugar na minha estante, fazia-me
um pouco mais orgulhoso das minhas conquistas.
Ela era minha.
Marido perfeito ou um canalha para o resto da vida ― ela
continuaria sendo minha.
― Tenho um presente pra você.
Ela franziu o cenho.
― Sério?
Eu me levantei e estendi a mão.
― Depois de uma refeição e um discurso sobre os meus
comportamentos, eu acho que você merece.
Ela sorriu, mas acabou pegando minha mão.
Levei Abriela através da casa, fazendo uma pausa na porta do
porão.
Seu sorriso escorregou do rosto e ela segurou na parede, como
se temesse que eu fosse deixá-la lá embaixo.
― Lucca...
― Para provar que vou apoiá-la.
Eu destranquei a porta e a empurrei, acendendo a luz da escada.
Ela olhou para baixo. Ela parecia com medo.
E devia ter.
Eu desci um degrau de cada vez, dizendo a mim mesma que
Lucca não me deixaria presa. Ele me seguiu, mas ainda me sentia
insegura.
― Eu nem sabia que tínhamos um porão ― observei.
Ele acendeu uma outra luz, deixando-me ver uma cama com sofá
ao lado e uma pequena mesa. Na única cadeira disponível, Stela
estava sentada.
Eu fiquei paralisada.
― Meu presente te deixou sem palavras?
― Stela. ― Eu corri até ela, hesitando ao ficar a poucos passos
de distância. Ela usava um vestido preto colado que mostrava a barriga
grande. Ódio e inveja me dominaram. Porque era filho de Lucca.
Porque era um menino.
― O que ela está fazendo aqui?
A mulher olhava para ele como se estivesse perdida. Seus olhos
inchados e o rosto avermelhado mostravam que estava chorando, e a
cama arrumada me dizia que ela não estava aqui há muito tempo.
― Dante tem certos limites quando se trata de cuidar de situações
delicadas. Digamos que eu vou lidar com isso até que acabe.
― Até eu dar à luz e você poder me matar? ― ela questionou.
Lucca sorriu friamente.
― Não fale comigo, puta. A única razão para ainda estar
respirando é a minha mulher. Mostre respeito.
Stela tremeu e abraçou os joelhos, fitando-me com um pedido de
socorro nos olhos.
O que eu podia fazer por ela?
Ou melhor... eu queria fazer algo?
Parte de mim queria entender por que ela estava ali e debater
com Lucca, mas a outra parte, aquela que eu começava a descobrir,
me dizia que contanto que ela estivesse bem cuidada e o bebê mantido
em segurança, não me dizia respeito. Afinal, ela pediu por isso quando
tentou dar um golpe no chefe da Cosa Nostra.
Eu ergui o queixo, limpando a garganta.
― Você está bem?
Ela assentiu ferozmente, alternando a atenção entre mim e Lucca.
― Sim, mas eu não concordei com isso. Abriela, por favor. Eu
nem sei como vim parar aqui.
Eu o fitei por cima do ombro.
― Ela foi machucada no percurso?
― Não. Juliano lhe ofereceu cocaína e ela entrou no carro por
livre e espontânea vontade.
Eu a observei outra vez, tinha pena dela. Uma compaixão que
superava meu ciúme e inveja. Talvez seria mais fácil odiá-la se eu
tivesse me casado com qualquer outro homem. Ou se ela não olhasse
para ele como se desejasse ter mais do que dinheiro e uma nova vida.
Dei meia-volta e subi as escadas, ouvindo os passos calmos de
Lucca me seguindo.
Os gritos de socorro de Stela só pararam quando ele trancou a
porta, colocando uma barreira entre nós e ela.
― Isso não é certo.
― É a coisa menos errada que já fiz.
― Ela foi sequestrada, Lucca. Nenhuma mulher merece isso.
Ele ficou a centímetros de distância.
― Não tente jogar a carta do feminismo comigo, eu não ligo para
essas merdas. Mulher ou não, eu vou matá-la se ela fizer algo além de
respirar. Ela se fodeu com a minha porra para engravidar, lembre-se
disso quando a sua bondade ultrapassar a razão.
― Não é porque ela é uma mulher da vida que é ruim! ― Segui
Lucca escada acima para o nosso quarto.
― Uma prostituta, Abriela. Diga a palavra. Você é pura demais até
para chamá-la pelo que é.
― E o que vai acontecer?
― Eu vou mantê-la naquele porão até que a criança tenha
nascido.
― E aí?
Ele me olhou como se fosse óbvio.
― E aí eu vou matá-la.
― Simples assim?
― Simples pra caralho assim. Você é ingênua demais para seu
próprio bem.
Ficamos parados nos observando por um minuto ou dois. Quem
estava contando?
Eu já tinha me perdido no tempo àquela altura.
― Talvez mais um tempo casada com você me faça ficar alheia a
sequestros dentro da minha própria casa.
Ele sorriu ironicamente.
― Talvez. Mas uma certeza é que o tempo não me deixa alheio a
nada. Essa criança será responsabilidade totalmente sua. Eu nunca a
desejei e nunca vou desejar.
― Qual criança?
― As duas.
Quando Lucca saiu do quarto, eu corri para o banheiro e vomitei a
lasanha que passei a tarde preparando.
Eu não poderia partir nem mesmo se eu quisesse
Porque algo continua a me puxando de volta pra você
Desde a primeira vez que nos amamos
Há uma energia quando você me abraça
Quando você me toca, é tão poderoso
ellie goulding, powerful
O medo era estranho.
Eu nunca fui alguém que fugia quando sentia medo,
simplesmente não tinha essa opção.
Sentia medo do futuro, mas não havia como desviar do que já
foi planejado desde o meu nascimento; casamento, filhos e
obediência cega acima de tudo.
Sentia medo do meu pai, mas não conseguia me afastar
porque queria tentar acalmá-lo antes que ele batesse tanto em Anita
que ela desmaiaria de dor.
Sentia medo de perder Santo, mas ele era um homem feito.
Seu destino seria a cadeira ou a morte, e para homens da máfia a
prisão era uma piada.
E por fim, temia o meu marido, mas era um medo diferente.
Dele, eu tinha mais motivos para correr do que para ficar, mas eu
paralisava todas as vezes que imaginava uma vida sem ele.
Eu acordei, me vesti, cozinhei e fui dormir durante uma
semana. Sete dias. Sabendo que havia uma mulher presa contra a
sua vontade no porão da minha casa.
E todas as vezes que Lucca foi para a cama e me fitou com
olhos desafiadores, esperando que eu dissesse algo, eu me calava.
Parte de mim achava que Stela merecia.
A outra, sabia que eu faria uma loucura pelo meu casamento.
E uma pequena parte ― tão pequena que eu mal considerava
― queria libertá-la. Essa sempre era calada pelo que eu
considerava a razão e a coisa certa a se fazer pela minha família:
ignorar o fato de que ela estava ali.
Por isso, eu chamei a pessoa que mais entendia de
sentimentos à flor da pele e atitudes imorais para me ajudar. Eu não
podia contar sobre a gravidez de Stela, mas podia desabafar sobre
outras coisas e ouvir conselhos e consolos como se estivesse
falando a verdade.
― Ele fez o quê? ― Anita questionou num tom que beirava a
um grito, mas também falhou como um sussurro. A surpresa em sua
voz era evidente. ― Quando eu penso que esse cara não pode ficar
pior. ― Ela ri de mau gosto, sentando-se no sofá. ― Sério, estou
surpresa que ele te deixou ficar com o cachorro.
Eu havia contado a ela sobre o sexo, mas escondi a parte que
me sentia culpada por fazer sexo e me divertir com ele quando Stela
era uma refém em nossa casa.
― Não é só culpa dele, eu também participo.
Ela balançou a mão em desdém.
― Você está vivendo uma crise de síndrome de Estocolmo.
Não é culpa sua.
Dei risada.
― Não estou não.
― Ella, não é como se você fosse se apaixonar por esse cara.
― Seu tom era de certeza absoluta, mas quando fiquei em silêncio,
minha irmã franziu o cenho. ― Não. Não, não, não, Abriela! Não
faça isso comigo.
Ergui as mãos em rendição.
― O que eu podia fazer? Ele... ele... ― Eu queria encontrar
formas de explicar porque o sentimento crescia em mim, mas não
conseguia. ― Ele é... você sabe. Tudo aquilo.
― Ele é bonito pra caralho, mas só de saber quem é como
pessoa, eu me sinto enojada. Quero dar um tiro na cara dele.
Apontei-lhe o dedo.
― Não se atreva a estragar aquele rosto.
Anita balançou a cabeça.
― Não acredito que estou rindo disso, eu deveria te dar uma
bronca e tentar fazê-la se voltar contra ele e essa situação. Tenho
certeza de que Alessa te daria um sermão dos bons, cheios de
frases de efeito e reflexões.
― Alessa me apoiou em lutar pelo nosso casamento.
― Vadia ― Anita murmurou. ― Ok. Eu vou fazer uma
tentativa. O que ele tem de bom além do sexo?
Estreitei os olhos em sua direção, e ela sorriu maliciosamente.
― Você sabe que eu não tenho pontos positivos para contar.
Anita começou a rir e se levantou, caminhando pela sala. Eu
parei para observar. Minha irmã tinha as unhas muito longas e
pintadas em um vermelho vivo, o batom não era diferente. O jeans
preto acentuava suas curvas sutis e ela facilmente passaria o dia
naqueles saltos altíssimos sem desfazer o cabelo enrolado em
ondas. Ela fazia qualquer um parar para admirá-la.
― Não estou surpresa, além do lindo sobrinho ou sobrinha que
vou ganhar, ele está apenas cumprindo sua obrigação de marido e
te dando orgasmos incríveis. ― Ela segurou um retrato com uma
foto do nosso casamento. ― Uau. Ele não imprimiu as fotos com o
vestido sangrento ― Anita arregalou os olhos, fazendo uma falsa
expressão de choque ― da noiva que matou no altar.
― Eu já sei o que você pensa, Anita. Te chamei porque não
aguentava mais me julgar olhando no espelho. E eu estou grávida.
Eu estou muito grávida, muito hormonal e muito... argh! Eu não sei,
às vezes me sinto maluca.
― É genética.
― A verdade é que eu só preciso de um abraço e alguém que
me diga que tudo ficará bem.
Ela parou de rir, mas ainda sorria e não hesitou em me abraçar
apertado. Ela não me soltou quando se afastou.
― Você não está feliz, Ella. Só está satisfeita que ele seja
obcecado por você. Eu vejo isso em seus olhos e nunca vou apoiar.
Nunca vou olhar para o seu marido e dizer que ele é bom pra você.
Eu vou simplesmente me sentar e observar enquanto uma nova
versão sua desabrocha. Sempre vou ficar do seu lado, então sim, eu
te julgo. Mas julgamentos vindo de alguém que é julgada todos os
dias não deve ter o valor moral que você procura. Definitivamente
deveria falar com Alessa.
Eu ia responder, mas uma porta fechou e eu ouvi passos
chegando perto.
― Se eu não sou o homem mais sortudo do mundo, ninguém
mais é. ― Ao ouvir a voz de Luigi, minha irmã ficou paralisada. Ela
fechou os olhos brevemente e ergueu o queixo ao abri-los, virando-
se para encarar meu cunhado. ― Estou numa sala com Anita
Bonucci e Abriela DeRossi ― ele disse ao se aproximar dela,
estendendo a mão para ela segurar.
A expressão de desgosto de Anita combinou com o tapa que
ela deu em sua palma para afastá-lo.
― Se quer continuar sendo um homem sortudo e vivo, sugiro
que não me toque.
O sorriso de Luigi era difícil de entender, mas a forma como ele
olhou para Anita... aquilo não era nada complicado. Eu olhei entre
os dois, alternando minha atenção enquanto eles se encaravam.
Ele finalmente desviou e se voltou para mim.
― Cunhada. Como vai? ― Anita observou Luigi me dando um
beijo na bochecha e um meio abraço. ― E meu sobrinho?
Eu ainda não queria anunciar que era uma menina,
principalmente, tendo Stela carregando o herdeiro que todos
desejavam de verdade. Acariciei minha barriga.
― Está bem. ― Eu forcei um sorriso. ― O que faz aqui, Luigi?
― Eu estava passando pela vizinhança e resolvi aparecer.
Eu tinha certeza de que ele foi conferir meu estado ou o de
Stela, mas não podia falar na frente da minha irmã. Droga. De
repente me senti uma grande mentirosa.
― No meio da tarde? ― Anita ergueu as sobrancelhas. ― O
que o infame Luccare DeRossi diria se soubesse que seu irmão faz
pausas no trabalho para conferir sua esposa?
Luigi riu e sentindo-se em casa, foi até o bar, colocando dois
copos no balcão e enchendo-os. Lucca sentiria falta daquele
Bourbon. Ele sempre sabia quando algo estava fora do lugar. Mordi
o lábio inferior para conter o sorriso. Anita não precisava saber, mas
sempre que algum pensamento assim me atingia, eu percebia que
conhecia meu marido mais do que me dava crédito.
― Eu gosto de algumas coisas fodidas, amor, mas grávidas
não são meu tipo ― ele piscou para mim ―, sem ofensas, bonita.
― Não ofendeu.
― Agora eu estou surpresa! ― Anita nem ouviu o que eu
disse, atropelando minhas palavras e seguindo Luigi. Ela tirou um
dos copos de sua mão e virou de uma vez.
― Que eu não fodo grávidas?
― Não, que você tenha um tipo. Gigolos não pegam qualquer
coisa que veem pela frente?
Luigi sorriu sombriamente e apontou para ela com o copo,
enfiando a outra mão no bolso.
― Me considere um tipo diferente de gigolo, Bonucci. Eu sou
daqueles que espera e fica muito mais satisfeito quando o tipo certo
aparece e praticamente implora por mim.
O rosto da minha irmã ficou vermelho.
― O que só me confirma que definitivamente existem
mulheres loucas no mundo.
― Ok ― eu falei alto, chamando a atenção dos dois. ― Eu
ainda estou aqui.
Mas não parecia.
Anita não tirava os olhos furiosos dele, e Luigi a encarava pela
borda do copo como se observasse a carne antes do abate.
Meu Deus.
Eu parei um momento para observar a cena. Com um terno
azul marinho, calças combinando e um sapato italiano, Luigi ainda
era mais alto que Anita. Ela alcançava seu queixo com aquele salto,
mas ainda precisava erguer um pouco a cabeça.
Minha irmã tinha as mãos na cintura, numa postura que ela
sempre usava para enfrentar nosso pai. O ódio da minha irmã pela
máfia ia além da razão, ela agia sem pensar mesmo nesses
momentos, estando diante do consigliere da famiglia.
― Eu não posso me estressar, esqueceram? ― Dessa vez,
Anita voltou a me fitar, piscando e balançando a cabeça como se
antes estivesse em transe. ― Luigi, obrigada por vir. Eu aviso o seu
irmão que passou por aqui.
Ele assentiu com um sorriso cínico, e passou por Anita lhe
dando um leve empurrar de ombro a ombro. Minha irmã fechou os
olhos apertados, esperando até que a porta fechasse novamente.
― O que foi isso? ― perguntei.
Ela forçou um sorriso, no entanto, o vinco na testa denunciava
a tensão.
― Esqueci de mencionar mais um ponto negativo de Luccare.
Eu suspirei, dando risada.
― Qual?
― O irmão dele.

Naquela noite, eu tomei banho e esperei Lucca na cama.


Estava lendo a décima página de um livro sobre a primeira gravidez
quando ele entrou. Segurava seu terno preto na mão e tirava os
sapatos. Ele me olhou por alguns segundos ao fechar a porta e
passou a mão pelos cabelos, jogando-o para trás.
― Abriela. ― Sua voz rouca, sexy e irresistível me
cumprimentou.
― Boa noite, Lucca.
Como seria se não tivéssemos nos casado? Por que eu era a
segunda na fila? Por que minha irmã disse que eu era a primeira?
Por que eu nunca perguntei isso a ele?
Marquei a página e fechei o livro, e quando Lucca estava
entrando no banheiro, eu o parei:
― Meu pai ia me casar com Luigi.
As costas de Lucca retesaram ao me ouvir, sua cabeça ergueu
e mesmo sem vê-lo, eu podia adivinhar sua expressão. Ele levou
dez segundos para se virar, e quando o fez, não hesitou em segurar
meu cabelo pela nuca e colar nossos lábios conforme falava:
― Seu pai tem medo da própria sombra, ele não iria contra a
minha palavra quando eu disse explicitamente que você não seria
dada a ninguém além de mim.
Eu engoli em seco, segurando o seu pulso com as duas mãos.
Ele não puxava ou apertava, era apenas para me manter ali. Lucca
e seus toques; eu estava me acostumando com eles a cada dia
mais.
― Eu era a segunda opção, só estamos aqui porque Labeli
morreu.
― Estamos aqui porque eu não queria foder ela, eu queria
você. E eu tenho tudo que eu quero.
― Eu o ouvi, Lucca. Ele falava com Lorenzo e eu ouvi.
Ele inclinou a cabeça para o lado.
― Não importa como as coisas aconteceram, seguraram você
longe de mim porque era menor de idade, mas no momento em que
fez dezoito e ninguém mais podia me parar, eu sabia que te faria
minha.
Eu balancei a cabeça, confusa com sua admissão.
― Mas... mas Labeli...
― Eu disse que não importa como aconteceu. Você é minha.
Por que estamos falando disso? A visita de sua irmã e meu irmão
causou algum problema?
― Não. Anita ficou até o fim da tarde, mas Luigi não demorou.
Lucca sorriu com ironia.
― Eu sei.
― É claro que sabe. ― Bufei, voltando para a cama.
Lucca abriu a camisa de botões e segurou o batente.
― Vou te dar a chance de responder uma pergunta e nunca
mais falaremos sobre os negócios envolvidos em nosso casamento.
Eu assenti.
― Va bene.
― Preferia estar casada com o meu irmão?
Para qualquer pessoa, não haveria nada de diferente em sua
voz. Era uma simples pergunta, mas para mim que o conhecia há
tão pouco tempo que parecia muito mais do que era, a ameaça
estava ali. A frieza e a posse.
Anita estava certa. Lucca era obcecado por mim.
Ao invés de responder com um simples sim ou não, caminhei
até ele outra vez e empurrei sua camisa pelos ombros. Segurei seu
rosto e o puxei para baixo, erguendo-me na ponta dos pés para
beijá-lo levemente.
― Eu costumava sonhar com um marido que me amasse. ―
Meus ombros caíram, porque sim, eu estava prestes a admitir algo
feio demais para ele. ― Mas agora não consigo ver nada mais
comum do que o amor. Ele perdeu a graça.
Lucca travou a mandíbula, cerrando-a com tanta força que os
músculos do rosto contraíram.
― Não quer mais um casamento comum?
― Que efeito um casamento comum teria para mim, se me
tornei alguém que se orgulha de ser sua posse?
Lucca me observou por alguns minutos. Mas era diferente
dessa vez.
Era como se ele estivesse me vendo. Me enxergando.
Nós nos beijamos por um longo tempo antes de ele subir a
mão direita acariciando minha barriga por dentro do vestido, e
quando travou, eu sabia que sentiu a curva da nossa filha. Resgatei
sua mão e a levei ao meu quadril, recuperando o foco dele para o
resto do meu corpo.
Segurei seu cabelo com as duas mãos, puxando-o ainda mais
para baixo. Eu queria mais.
― Lucca... ― ofeguei contra sua boca.
― Não me tente, Abriela... ― ele gemeu quando me apertou
contra seu corpo.
― Você não faria nada que eu não queira. ― Eu o beijei com
força, sentia seu pênis rígido em meu estômago. Eu o queria
demais.
A gravidez realmente aumentava o tesão ou eu só parei de
sentir vergonha de pedir o que desejava?
Os olhos de Lucca brilharam, e seus lábios repuxaram-se num
sorriso tanto malicioso, quanto provocador.
― Não coloque tanta confiança nas mãos de um homem como
eu.
― Eu confio em você. Acho que mesmo se não confiasse...
ainda ia te querer.
Ele rosnou e me girou, encostando-me na parede enquanto
beijava minha boca, meu pescoço e abaixava minha camisola,
apertando e lambendo meus seios. Lucca fazia sons que eu nunca
ouvi antes. Uma mistura de rosnado e grunhido, me apertava e
passava as mãos em mim, seguindo os movimentos do meu corpo
com os olhos como se estivesse hipnotizado.
― Você é minha. Para sempre.
Ele não está dizendo que te ama, pensei comigo,
repreendendo o meu coração de levar as coisas para o outro lado.
De repente ele me ergueu, e eu enrolei minhas pernas em seu
quadril. Lucca continuou me beijando, tirando o meu juízo e fazendo
o meu corpo arrepiar, ansiar e implorar por ele. Eu comecei a
rebolar em seu comprimento. Minha calcinha e sua calça impedindo-
nos de acelerar as coisas.
Soltei um grito frustrado.
― Tire isso!
Lucca sorriu com malícia.
― Por que a pressa? Eu vou ter você de qualquer jeito.
― Sei disso ― olhei no fundo de seus olhos ―, mas eu quero
agora.
Lucca não perdeu tempo.
Ouvi o barulho do cinto abrindo, e ele sentou na beirada da
cama, subindo o tecido de seda da minha roupa comigo montada
nele. Tremi por inteira quando separou os lábios da minha
intimidade devagar, eu já estava molhada e joguei a cabeça pra trás
para receber seus beijos e chupões no pescoço. Minhas costas
arquearam com força, jogando os seios em seu rosto. Lucca os
observou com atenção, e me observando atentamente, apertou e os
massageou antes de abocanhar e chupar com força.
Soltei um grito quase desesperado ao sentir a combinação
deliciosa de sua boca em cima e seus dedos embaixo.
Eu mesma me atrapalhei em segurar a base de seu pênis e
montá-lo, deslizando para baixo em seu comprimento grosso
mesmo quando ardeu e meu corpo tentou lutar contra.
Eu apertei seu ombro procurando apoio quando me movi
balançando minha bunda para cima e para baixo, e Lucca bateu em
minhas nádegas, respirando pesadamente em meu ouvido.
― Seu coração está batendo na boceta, porra. Eu a sinto
espremendo o meu pau.
Não precisou de mais do que isso, eu gozei forte, conforme ele
me apertava em seu colo, como se quisesse me empalar até o
máximo possível e estivéssemos nos esfregando em nosso suor e
fogo. Percebi que minhas unhas estavam cravadas em suas costas
e as tirei quando os tremores passaram.
― Desculpe ― sussurrei.
― Não me peça desculpa, isso é bom pra caralho.
Lucca me tirou de seu colo e imediatamente me colocou de
costas na cama. Sua mão enrolou em meu pescoço e ele levantou
minha perna em seu ombro. Quando me penetrou outra vez, eu
gozei de novo, sentindo-o pulsar dentro de mim.
Ele entrava e saía rápido, bruto, era tão experiente que quase
fazia minha cabeça explodir de prazer. Eu comecei a me perder,
sensibilizada ao máximo e o apertei com força, envolvendo seu pau
como se o apertasse em minhas mãos.
Eu adorava essa fome que nós compartilhávamos, poderia
provocá-lo o dia todo se soubesse que acabaríamos daquele jeito.
Quando ele gozava forte dentro de mim, fazia com que eu me
sentisse dele, como se estivesse dividindo algo seu comigo,
marcando-me.
Ele não tirou os olhos de mim enquanto se derramava fundo
dentro de mim, e eu me perguntei como alguém pode te olhar dessa
forma e ser tão terrível em outros momentos?
Lucca deitou e me puxou para cima dele, eu me ajeitei
montada em suas pernas e me inclinei para depositar um beijo em
sua bochecha. Ele ficou rígido embaixo de mim, mas não fez nada,
então, aproveitei-me da situação, beijando sua testa, seus olhos,
seu pescoço e, por fim, dei-lhe um selinho.
A intensidade de seus olhos em mim era esmagadora.
― Se você não me expulsar, não vou sair daqui ― eu
sussurrei, querendo que ele ignorasse e me deixasse ficar perto por
mais um tempo. Seus braços se apertaram em minha cintura.
― Se eu não desejasse a minha esposa poderia fingir que ela
não existia ― ele falou baixo depois de algum tempo, analisando
todo o meu rosto.
― Mas você me deseja.
― Isso é um eufemismo. Eu me desconcentro em reuniões
pensando se você está segura, se algum soldado precisou entrar e
te viu com alguma roupa imprópria, penso que eu deveria reuni-los
em uma sala e transar com você para que todos saibam que você é
minha.
― Lucca. ― Arregalei os olhos, surpresa e um pouco chocada.
― Labeli Fanaro não teria sido um problema. Ela gritava boa
esposa e obediência. Ela não me olharia com olhos enormes e
redondos, nem teria essa boca carnuda que foi feita para me
chupar. Por isso você deixou de ser uma opção. Eu queria destruir
sua inocência no momento que te vi.
Eu suspirei. Ao ouvi-lo, meu corpo se mostrou pronto para se
entregar a ele novamente.
― Labeli era minha amiga antes de ficar noiva.
― Eu não a conhecia. Não me arrependo do que fiz.
― Não acha que havia outra forma de resolver aquilo?
Lucca franziu o cenho.
― Conversar com você depois do sexo não significa que eu
me tornarei um bom homem, Abriela. Não havia nenhuma chance
de ela escapar daquilo com vida e ela sabia disso, Labeli queria
morrer.
― Como... como sabe disso?
― Ninguém faz algo tão estúpido esperando ter sucesso.
Ainda que ela tivesse acertado a faca em meu coração teria sido
alvejada pelos meus irmãos e soldados. Digamos que você foi
esperta em dizer sim.
Eu me levantei um pouco, apoiando minha mão em seu peito.
― Eu nunca diria não. ― Olhei para longe, admitindo a
verdade sobre aquilo pela primeira vez. ― Eu queria você desde os
meus quatorze anos.
Ele ergueu as sobrancelhas, zombando da minha confissão.
― Quatorze? Eu não teria olhado pra você.
Eu sorri.
― Isso é o que me deixa tranquila em ter a nossa filha com
você ― falei sem pensar. Lucca moveu os olhos para longe do meu
rosto, tirou-me de seu colo e ficou de pé. ― Lucca, eu não...
― Eu vou protegê-la ― ele disse numa voz cortante, sem me
fitar. ― Essa criança será a mais segura da Itália, mas é apenas
isso.
Ele pegou sua calça e camisa do chão e entrou no banheiro.

― Bom dia, pombinhos. ― A voz cantarolando me acordou


junto do barulho do disparo da arma vindo do meu lado.
― Filho da puta!
― Caralho, Lucca, quase acertou meu peito!
Eu me sentei depressa, quase esquecendo de levar o edredom
para esconder meus seios. Lucca não foi tão cuidadoso, ele foi até
seu irmão mais novo completamente nu e agarrou o colarinho de
Luigi.
― Ficou maluco, porra?!
Luigi riu, erguendo as mãos em rendição.
― É urgente. Eu vim ontem e você não estava, preciso dar
uma palavra com os dois.
― A minha mulher está nua e eu durmo com uma arma
debaixo do travesseiro, se eu tivesse te matado por acidente você
nem teria um velório, imbecil.
― Parem de gritar, por favor.
Eles me ignoraram.
― Por que você não cobre seu pau antes de se aproximar
tanto, irmão? Eu morreria por você, mas encarar essa visão sem
vodka pela manhã é impossível.
― Luigi ― repreendi, ele devia parar de provocar seu irmão.
― Saia do meu quarto e não terá que ver.
Eu me levantei, enrolando o edredom em meu corpo e corri
para ficar entre os dois.
― Parem! Lucca, já chega. ― Minha voz não era um
comando, mas ele inclinou a cabeça mesmo assim.
― Vá para o banheiro.
― Não até eu ter certeza de que não vai matar seu irmão.
― Ninguém sentiria falta dele.
― As virgens da famiglia sentiriam. ― Ele me fitou e piscou,
sorrindo maliciosamente. ― Sua esposa sentiria.
Eu precisei colocar as mãos no peito de Lucca ao vê-lo
avançar, nisso, soltando o edredom. No mesmo momento Luigi o
segurou em minhas costas e Lucca o segurou em meu peito,
impedindo que caísse e eu ficasse nua.
― Abriela ― meu marido rosnou.
― Por favor. Se ele veio até aqui desse jeito tem uma boa
razão.
As narinas dele inflaram e seu peito subia e descia com força
antes de travar a arma e jogá-la na poltrona.
― Pronto, agora vá colocar uma roupa pelo amor de Deus.
Eu hesitei, mas fui. Rapidamente vesti minha camisola e um
robe de algodão antes de voltar e encontrá-los na mesma posição.
Luigi abriu as cortinas, deixando o sol entrar, assobiando como se
Lucca não o observasse feito um falcão de olhos atentos.
― O que é tão importante? ― perguntei.
― É bom que seja ― Lucca murmurou.
Luigi caminhou pelo quarto com um sorriso.
― Boatos sobre a sua gravidez estão correndo, precisamos
anunciá-la.
Balancei a cabeça com força.
― Não quero.
― Bonita, nesse caso não há o que querer.
― É uma menina, Luigi.
Ele abriu os braços.
― E?
― A famiglia vai receber a notícia como se eu tivesse
fracassado. Não posso fazer isso.
Meus olhos encheram d’água.
― Ninguém vai ousar falar merda sobre isso ― disse Lucca.
― Não na nossa frente.
― Se falarem, eu vou saber e eventualmente vou fazê-los
pagar.
Luigi acenou, concordando com o irmão.
― Eu quero ver quem será burro o suficiente para dizer uma
vírgula contra a minha sobrinha. Nós vamos fatiá-los e servir para os
cães.
Eu sorri em agradecimento, mas isso não resolvia a questão.
― Não me sinto pronta, Lucca, podemos esperar mais um
pouco? ― Eu toquei minha barriga. Parecia que nossa bebê estava
segura sendo um segredo e eu tinha medo do que aconteceria se a
revelasse. ― E se... ― eu me sentei, começando a hiperventilar ―,
e se a Bratva ou a Camorra souberem e... nossa filha não estará
segura. Eu acho melhor esperar. Eu quero esperar.
Luigi olhou para Lucca com aquela expressão de leveza e bom
humor, mas eu via preocupação em seus olhos. Lucca estava me
olhando de cenho franzido, era como se ele não soubesse o que
fazer comigo. Luigi se aproximou e ajoelhou em minha frente.
― Eu perdi minha virgindade com quatorze, mas queria ter
feito com quinze. É que meu pau simplesmente não ficou duro pela
puta que meu pai escolheu.
― Luigi ― Lucca chamou.
Eu estava confusa.
O que aquilo tinha a ver?
― Certo ― respondi, hesitando sobre o que ele esperava
ouvir.
― Então eu fui até um puteiro incrível que a ‘Ndrangheta
comandava em Nápoles e passei três dias e três noites observando
tudo, até que encontrei a puta perfeita. Ela me chupou feito um
aspirador.
Ele parou e suspirou, olhando para longe como se estivesse
lembrando de algo importante.
― Que bom, Luigi. Mas... ― cocei a cabeça ― o que isso tem
a ver com a minha gravidez?
Ele sorriu.
― Nada, eu só queria te distrair desse surto. Irmão, reserve
uma data para o jantar.
Eu comecei a rir. Era uma risada forte e alta, que fez ambos
pararem para me observar. Pela primeira vez em meses eu vi os
olhos de Lucca suavizarem, mostrando-me uma expressão livre e
verdadeira.
― Ele é impossível! ― comentei entre as gargalhadas, e os
lábios de Lucca contraíram.
― Saia, eu te encontro no escritório.
Luigi assentiu, mas me olhou da porta antes de sair.
― Significa também que eu posso ser louco, mas não faço as
coisas de qualquer jeito, bonita. Sua filha estará protegida.
Eu toquei minha barriga e sorri para ele. Isso significava tudo
para mim.
― Obrigada. ― Quando ele se foi, eu me virei para Lucca. ―
Ela vai mesmo ser a garota mais segura da Itália.
Lucca assentiu.
― Vai. Eu só espero que ela não tenha o seu sorriso.
Franzi o cenho.
― Por quê?
― Porque eu terei que matar cada homem que o ver, assim
como quero matar meu irmão agora.
Eu convoquei você, por favor, venha até mim
Não enterre os pensamentos que você realmente quer
Eu te encho, beba do meu copo
Dentro de mim está o que você realmente quer
Basta chamar meu nome
Sou sua para domar
Vou ter o que é meu
Você vai ter o que é seu
No meio da noite
elley duhe, middle of the night
Dois dias depois eu estava à beira de um colapso.
― Por que seus irmãos podem saber, mas as minhas irmãs e
Santo, não? ― Ele levantou uma sobrancelha para mim e acendeu
um cigarro.
― Primeiro, meus irmãos sabem porque você contou quando
foi esconder a prostituta.
― Não deixa de ser injustiça ― resmunguei. ― Elas são
minhas melhores amigas, confio nelas.
― Eu não confio. Meus irmãos não abririam a boca sobre
qualquer coisa que fosse me prejudicar ou prejudicar a famiglia.
― Anita e Alessa também não!
― Sob certas torturas até homens treinados quebram. Suas
irmãs foram treinadas para aguentar a dor e, ainda assim, não
falarem nada? ― Balancei a cabeça negativamente. ― Meus irmãos
foram. Então é melhor que elas não saibam, há muito em jogo, e eu
não vou arriscar.
Assenti. Mesmo sabendo que ele estava certo, doía ter que
mentir para elas.
Quando meus cunhados chegaram, Dante trazia uma garrafa
de Bourbon e Luigi carregava quatro de champanhe. Ele sorriu ao
me ver.
― Bonita, grávidas não deveriam usar vestidos floridos e
feios?
Eu alisei meu vestido branco apertado de alças e sorri,
envergonhada.
― Você não pode sair por aí dizendo coisas deselegantes
assim as mulheres. Como diz meu marido, nada em nosso
casamento é comum.
― Tem razão ― ele fingiu uma careta arrependida ―, terei
mais compaixão com as mamães que cruzarem meu caminho.
Talvez eu seja recompensado.
Lucca desceu os degraus até ele e ficou na minha frente,
fitando o irmão mais novo.
― Eu aturei você falando do seu pau, da sua virgindade e
tocando o que é meu. Não vou levar na esportiva se começar a
insinuar seus fetiches para a minha mulher.
Dante me analisou em silêncio, antes de encarar Lucca.
― Vamos ao seu escritório, precisamos falar sobre Otto.
Luigi ergueu as mãos.
― Eu só vou falar sobre móveis e carros a partir de agora.
Lucca ergueu as sobrancelhas, voltando para Dante.
― Que tal não falar nada com ela?
Aquilo era ridículo, eu não poderia falar com o meu cunhado?
Realmente não ia acontecer.
― Lucca, os convidados ― o lembrei.
Ele lançou um olhar para Luigi.
― Eu volto logo.
Quando se afastaram, Luigi me deu um sorriso forçado e
começou a seguir seu irmão, mas antes que pudesse ir mais,
coloquei-me à sua frente, tocando seu peito para tentar inutilmente o
manter parado. Ele olhou para minhas mãos e me encarou de volta.
― Mantenha as mãos afastadas, bonitinha, são as regras. ―
Ignorei seu sarcasmo.
― O que está acontecendo entre você e a minha irmã?
Ele levantou os braços e inclinou a cabeça para o lado,
fazendo sua voz soar num tom falso de indignação.
― Absolutamente nada. ― Tirando as mãos dele, dei um
passo para trás e cerrei os olhos.
― Luigi, é sério. Eu vi como vocês se enfrentaram aquele dia.
Anita pode odiar a máfia, mas ela não é odiosa de graça.
― Você procura muitas qualidades nas pessoas erradas, não
é? ― Ele sorriu com ironia.
― Eu prefiro acreditar que todos temos potencial para a
bondade, mas não mude de assunto. Você quer... você a quer?
O sorriso escorregou de seu rosto.
― Nós estávamos quase nos matando e você acha que isso
tem a ver com atração?
Eu hesitei, abaixando a voz.
― Alguns meses atrás eu não veria assim, mas agora...
entendo que nem sempre uma relação é feita apenas de amor.
Luigi riu, enfiando a mão no bolso da calça. Ele não usava
gravata, mesmo que estivesse de terno, e tinha um crucifixo
pendurado em seu pescoço.
― Eu não amo a sua irmã, Abriela. Ela é chave de cadeia, e
embora eu goste disso, não tenho o desejo de me envolver com
alguém assim.
― Como assim?
― Ela é louca pra porra. ― Ele olhou por cima do meu ombro,
por onde seus irmãos haviam saído. ― E digamos que eu já
coloquei meu coração em mais problemas do que posso lidar.
― Oh... ― Engoli em seco e assenti. ― Desculpe, então, eu...
eu entendi errado.
― Acontece. ― Ele piscou e saiu, indo em direção à cozinha.
Ao mesmo tempo, a campainha tocou e eu fui atender.
― Querida! ― Minha sogra me abraçou com força, sorrindo
abertamente ao me observar. ― Então é verdade.
Encolhi os ombros.
― Deveríamos anunciar só depois do jantar, mas como eu
conseguiria esconder de você?
Ela riu, abraçando-me outra vez.
Thomas entrou logo atrás. Se eu não tivesse sido ameaçada
por aquele homem e soubesse como ele tratava a esposa e os filhos
quando ainda eram crianças, talvez acreditasse no beijo que ele deu
em sua têmpora e no modo que apoiava suas costas.
― Abriela. ― Ele me cumprimentou com um beijo na mão e
falou com Giorgia sem olhá-la. ― Pegue uma bebida para mim,
querida.
― Claro.
Quando ela saiu, eu forcei um sorriso.
― Como vai, senhor DeRossi?
― Me chame de Thomas, somos uma família. E você vai nos
abençoar com mais um DeRossi futuramente.
― Eu estou muito feliz com isso, mas só vamos anunciar após
o jantar.
Ele jogou a mão em desdém.
― Era questão de tempo até que você engravidasse, o meu
filho nunca falha. Já escolheu o nome do menino?
Eu congelei. O que diria agora?
Eu desviei o olhar, esperando que Deus tivesse piedade de
mim e fizesse alguém tocar a campainha. Thomas me encarava
esperando uma resposta com aqueles olhos idênticos aos de Lucca,
mas não tinha o mesmo encanto. Meu marido não só me desejava e
protegeria, ele também me reconhecia como um ser humano e
nunca faria o que Thomas fazia com Giorgia.
Eu detestava aquele homem.
― Tudo é tão recente. ― Ri sem humor, minhas mãos
tremiam. ― Vamos pensar sobre isso com cuidado.
― O nome dele precisa ser forte e digno de nossa família. É o
futuro capo. Eu vou falar com o meu filho sobre isso, ele vai saber o
que fazer. ― Para um bom entendedor, ele estava dizendo que não
adiantava falar sobre isso comigo já que seu filho era o homem da
casa e tomaria as decisões. ― Estou satisfeito que nossa conversa
no casamento foi escutada e levada em conta, Abriela. Você se
comportou e fez um filho em questão de meses. Boa garota.
Eu era um cachorro para ser elogiada por “boa garota”? Engoli
uma série de desrespeitos e assenti.
― Tudo por Lucca. Pela famiglia ― me corrigi rapidamente.
Eu me virei para sair de perto dele, mas Thomas segurou meu
pulso.
― Eu espero que aquela conversa não tenha chegado aos
ouvidos de Lucca.
Eu estreitei os olhos.
― Eu agradeceria se o senhor me soltasse.
― Lucca sabe?
― Não.
Ele pressionou mais o aperto e eu tentei puxar, mas Thomas
sorriu de forma vil.
― Pelo seu olhar eu imagino que não há muito espaço para
conversar nesse casamento. Meu filho deve ser mais parecido
comigo do que eu imaginava.
Eu estava tão absorta com o fato de que ele estava a uma
torção de machucar de verdade o meu braço que não vi Luigi se
aproximando. Ele segurou o ombro do pai sem fazer alarde, sua
mão direita grande e cheia de anéis deixando as veias visíveis
quando afastou Thomas de mim.
― Que porra passou na sua cabeça para pensar que poderia
tocá-la, pai? ― A forma como ele disse pai tinha tanto sarcasmo e
ele sorria conforme o rosto de Thomas ficava vermelho.
― Luigi...
― Estou dividido se conto a Lucca. ― Thomas gemeu e eu vi
que Luigi torcia seu pulso. ― Ou arranco sua mão aqui mesmo. Não
é como se você precisasse dela velho como está.
Thomas lhe implorou com os olhos.
― Filho.
A campainha tocou e Luigi não o soltou. Eu vi Giorgia vindo
pelo corredor e coloquei as mãos sobre as do meu cunhado,
fazendo-o olhar para mim na mesma hora.
― Luigi, por favor. Tem alguém na porta e sua mãe está vindo.
― Peça desculpas ― ele disse a Thomas, mas não tirou os
olhos de mim.
― O quê? Não.
― Luigi! ― insisti.
― Desculpe-se, Thom.
Meu sogro gemeu, olhando para mim com olhos estreitos.
― Me desculpe! Desculpe. Eu não deveria tê-la tocado em sua
casa.
― Você não deve tocá-la nunca. Ela não é sua para isso.
Meu cunhado fitou meus olhos ao dizer, foi a primeira vez que
vi Luigi tão sério. Sem piadinhas, ironias e provocações. Ele desviou
a atenção para os meus lábios por um breve momento antes de
torcer de vez o pulso do pai, soltando-o. Thomas engoliu um grito e
me observou com cuidado, tão surpreso quanto eu com o que tinha
acontecido ali.
Thomas olhou entre nós dois antes de sorrir e começar a se
afastar.
― Ela não é sua também, meu filho. ― Ele me observou
novamente. ― Vou atender os convidados.
Luigi ficou paralisado ao ouvir isso, e seus olhos seguiram
Thom até ele sumir.
Eu engoli em seco.
― Você quebrou o pulso dele?
― No máximo luxou. ― Ele sorriu, mas agora que eu vi sua
verdadeira face; sem as distrações e aquela personalidade
cafajeste, sabia reconhecer quando estava forçando e quando era
verdade. ― Eu vou ver meus irmãos.
― Luigi ― chamei. Ele gemeu, olhando acima da minha
cabeça. ― Olhe para mim.
― Eu não posso, ok? Prefiro não olhar. Desejar a mulher do
meu irmão é um pecado com punições que a minha posição não vai
me proteger. Por isso, fique longe de mim.
Arregalando os olhos, olhei para trás para ter certeza de que
ninguém tinha ouvido aquilo e sussurrei. Eu estava tão atordoada
com suas palavras que mal consegui reagir.
― Luigi você...
― Você pertence ao meu irmão, é um limite que não vou
ultrapassar.
Eu hesitei, procurando palavras.
― Me perdoe se dei a entender qualquer coisa além de... ―
Ele me cortou. As palavras estavam saindo afobadas da minha
boca, repletas de surpresa.
Luigi sorriu torto e passou por mim na intenção de sair.
― Não se desculpe.
Puxei seu braço, fazendo-o parar e olhar para o meu rosto.
― Eu amo o seu irmão ― declarei pela primeira vez, surpresa
comigo mesma pela admissão. ― Eu o amo. Ele quase me matou
por pensar que Dante e eu tínhamos um caso. Nós não podemos
falar esse tipo de coisa. Eu não quero você morto.
― Ouvi sobre isso.
― Me desculpe. ― O que eu poderia dizer? Ele aproximou-se
novamente e olhou para trás antes de se inclinar e beijar minha
testa.
― Talvez a minha loucura tenha visto algo em você, mas eu
não vou perseguir meu desejo. Eu vejo o que você faz com o meu
irmão e invejo isso. Se Lucca não fosse parte de mim, eu lutaria por
você.
Seu beijo em mim nada mais significou do que um sentimento
de segurança. Um carinho como o de Santo. Como poderia sequer
comparar com o que a simples visão do irmão dele me causava?
― Luigi... ― sussurrei. ― Obrigada por ter me defendido.
Ele assentiu.
― Sempre.
Eu sabia o que isso significava. Nada quebrava mais um
coração do que desejar o que não se pode ter. Como eu, ansiando
pelo amor de Lucca.
Eu ainda estava processando aquela conversa quando minha
família me encontrou. Eu me esforcei para sorrir e colocar a
conversa para trás.
― Você fez muito bem, Ella. Isso é perfeito! ― Meu pai me
abraçou rapidamente. ― Já fez o ultrassom?
Engoli em seco, recebendo seu abraço como um gesto
político, porque é o que era.
― Vamos falar sobre isso depois do jantar, papai.
Papai não sabia ter compaixão e decência, eu já sabia disso
há muito tempo, mas de repente as coisas pareciam ainda mais
claras.
Era tão ridículo assim da minha parte querer que meu próprio
pai me amasse como uma família normal?
Que ele me dissesse que ia amar meu filho sendo menino ou
menina?
Que perguntasse se eu não gostaria de voltar para casa por
um tempo e refletir já que meu marido era alguém de fama tão
duvidosa? Eu não poderia concordar, é claro, se havia uma coisa da
qual eu tinha certeza era que no meu casamento não existiria
espaço para separação, pausa no relacionamento, ou até mesmo
deixar que alguém de fora soubesse o que acontecia dentro das
paredes de nossa casa. Mas ainda seria bom saber que se
interessavam.
Na infância, vi o ciclo se repetir muitas e muitas vezes, e nunca
foi um problema para mim. Afinal, na minha tenra visão de vida,
mamãe apanhar sempre que papai chegava irritado fazia parte,
porque depois, ela sempre nos servia o jantar e também dormia no
mesmo quarto que ele.
Ela também não falava nada quando Anita apanhava, ou
quando Alessa se tornou quieta demais.
Ela me vestia, me colocava na cama e conversava conosco.
Ela ria muito quando estava sozinha com os filhos. Até que um dia
não estava mais entre nós.
Eu fui a muitos casamentos enquanto crescia, minha
adolescência foi recheada deles. As noivas diziam “sim” sorrindo e
os noivos pareciam homens fortes e orgulhosos. O que havia de
errado na união daquele amor? Quando eu era pequena não
entendia por que as noivas deixavam o sorriso escorregar do rosto
quando pensavam não ter ninguém olhando. Eu nunca tinha
entendido. Não até que eu estava com um belo vestido de noiva
manchado de sangue e o véu na cabeça pronta para dizer sim.
Aprendi com dezesseis anos o verdadeiro motivo dos
casamentos da famiglia. Negócios, dinheiro e poder. Pura
conveniência.
Política.
Uma transação.
Poder e interesse.
Se assinassem contratos não me surpreenderia, mas mesmo
naquela idade e com esse conhecimento, eu não perdi a esperança
no amor, na fé de viver meu conto de fadas.
Sim, e olhe só o que o meu havia trazido de brinde.
Eu tinha treze anos quando ouvi falar sobre Luccare DeRossi
pela primeira vez. Estava brincando de esconde-esconde com as
filhas pequenas de duas mulheres que tinham ido jantar em nossa
casa com seus maridos, e resolvi que era uma boa ideia me
esconder delas no escritório de papai.
Eu, é claro, só não contava que entrariam para uma reunião
minutos depois. Lembro-me de ter ficado imóvel, sentada e
completamente espremida dentro da lareira que tinha uma pequena
porta de correr, pedindo desesperadamente que eles não
resolvessem acendê-la.
Fiquei muito aliviada quando se sentaram para conversar.
Nunca dei muita bola para seus assuntos, pois papai sempre
dizia que quando ele entrava no escritório era para falar sobre
coisas que não deveríamos saber. Aprendemos a lição quando Anita
espionou uma vez e as consequências não foram nada boas para
ela. Eu ainda me lembrava de seu choro estridente sentada numa
cadeira no meio do escritório. Eu, Alessa, Santo e Lorenzo
estávamos enfileirados lado a lado e observamos enquanto nosso
pai cortava o cabelo de Anita na altura da orelha e jogava no fogo
da lareira.
― O garoto sabe usar uma arma ― um deles comentou
naquela época.
Eu tinha pavor de armas ou qualquer ferramenta que pudesse
fazer mal a alguém, então tentei com mais afinco pensar em
qualquer coisa que tirasse o foco dos meus ouvidos do que diziam.
― Sim, uma arma, uma faca e qualquer coisa que você der a
ele. Não é o que ele usa, é ele. O garoto nasceu para matar. ― Eu
tremi quando meu pai disse aquilo.
― Ainda assim, Lucca DeRossi é apenas uma criança que não
oferece perigo a nenhum de nós.
Um deles bufou.
― Uma criança que embrulhou a cabeça de um candidato e
enviou à sua família, só porque o homem não cumpriu seu acordo
com a máfia. Repense, Simone.
― Eu sugiro que nos mantenhamos de olhos abertos. Thom
fará de tudo para não perder a cadeira de chefe ― meu pai
declarou.
― Nós também faríamos! ― Simone exaltou-se.
― Sim, faríamos. Mas ainda nos importamos com algo além
disso; eu tenho minhas filhas a quem devo proteger. Vocês também.
Thom quer manter o poder dele sobre a famiglia e não se importará
com o que tiver de fazer no caminho para conseguir.
Eles se moveram para fora da sala momentos depois, e eu
aproveitei para fugir. O nome Lucca DeRossi não saiu da minha
cabeça desde então.
Eu o vi pessoalmente, pela primeira vez, aos quatorze.
Lembro-me de tê-lo achado um príncipe, e minha imaginação
adolescente simplesmente criou sonhos e imagens na mesma hora.
Os sonhos foram destruídos pouco a pouco conforme eu ouvia
mais e mais sobre ele. Na época, lágrimas de decepção me
acompanhavam sempre que eu pensava nele, como se a realidade
de o homem dos meus sonhos ser capaz de tamanhas crueldades
estivesse me apunhalado sem dó.
Pobre criança ingênua.
Ainda assim, o fascínio não foi embora, parecia que cada vez
que eu ouvia algo sobre ele, sentia a necessidade de ouvir mais e
mais.
Eu não fui boba e ingênua apenas naquela época, mas agora
estava grávida da filha dele e não fazia ideia de como tornar minha
gravidez um orgulho para Lucca.
Lorenzo me deu um beijo na têmpora, apertando meu ombro.
― Um grande orgulho para nossa família, Ella.
Eu forcei um sorriso de agradecimento.
― Obrigada.
Santo tomou-me em seus braços, levantando-me do chão e
sorrindo. Ele não deveria fazer isso, mas estávamos com tanta
saudade que não o culpei.
― Papai vai te repreender por esse...
― Excesso de afeto público ― Anita completou, imitando a voz
do nosso pai.
― Vocês deveriam se comportar mais, insolentes. ― Alessa
entrou na brincadeira ao me abraçar. ― Que saudade, irmãzinha. ―
Ela tocou minha barriga sutilmente. ― Já dá pra ver, Ella.
― Eu sei ― sussurrei, sorrindo. ― Estou comendo feito louca.
― Não é só isso, você está brilhando. ― Ela acariciou meu
rosto antes de se dirigir à minha sogra. ― Como vai, Giorgia?
As duas entraram em uma conversa num canto e eu me virei
para ver Santo observando os porta-retratos em cima da lareira.
Luigi havia sumido ― provavelmente foi atrás de Dante e Lucca.
― Onde está o resto da nossa linda família?
Eu sorri para Anita.
― Se está se referindo a meu marido e seus irmãos, estão no
escritório.
― Travando grandes e importantes batalhas, tenho certeza.
Martina está cozinhando? ― Ela cheirou o ar. ― Ela cozinha bem
demais. Vou roubá-la para mim.
― Não vai não, mas posso dividi-la com você quando se casar.
Anita torceu o nariz.
― Ooook ― disse arrastado. ― Hora de ir até o bar e pegar
vodka pura para beber como se fosse água.
Eu dei risada, mas quando a vi caminhar até lá, percebi que
falava sério.
― Quando eu vejo o nosso pai, Thomas e Luigi no mesmo
cômodo, quase me apaixono por Lucca ― Anita zombou.
― Ele é lindo ― eu concordei, sorrindo.
― Não é por isso, maluca. É por ele não te tratar como lixo.
Nisso eu tinha que concordar.
Dante e Lucca voltaram, e eu fiz o possível para não olhar para
Luigi. Os homens se reuniram perto do bar, e eu chamei minha
sogra com um aceno, dizendo para se aproximar. A música
agradável, os sons de copos e as conversas para preencher o
silêncio dominavam o ambiente.
― Vocês são lindas. Certamente o trio de meninas mais
bonitas da famiglia ― Giorgia disse, sorrindo.
Lucca me olhou no mesmo momento e tomou um gole de sua
bebida, é claro que ele ouviu. Estávamos separados, mas bem
perto. Thom soltou uma risada exagerada.
― Meu filho é um homem de sorte.
Alessa sorriu educadamente sem mostrar os dentes. Anita
abriu a boca, mas um olhar de nosso pai a cortou.
― Minhas filhas puxaram a beleza da mãe ― meu pai
comentou, erguendo o copo em nossa direção.
― Certamente ― Thomas assentiu. ― Vamos conversar sobre
continuar juntando os genes em breve, Leon.
Alessa franziu o cenho, focada na conversa.
― De repente Dante e Anita?
Minha irmã cuspiu a vodka que fingia ser água na mesma
hora, fazendo-me cair na risada. Alessa rapidamente levantou em
busca de guardanapos e Giorgia parecia chocada demais para dizer
qualquer coisa.
Anita tinha os olhos arregalados, e eu culpei a gravidez
quando precisei cobrir a boca de tanto que ria. Dante? E Anita?
Seria o apocalipse. Ou minha irmã ia fazê-lo ficar louco e perder
aquela calma e seu controle inabalável, ou ele ia transformá-la em
uma santa.
― Me desculpem. ― Comecei a tossir, batendo no peito.
Lucca e Giorgia se aproximaram. O olhar do meu marido dizia mais
do que mil palavras.
― Se comporte.
― Eu estou tentando ― sussurrei.
― Ela está grávida, Lucca ― Giorgia intercedeu por mim. ―
Os choros, as risadas, todas as emoções vêm em ondas
incontroláveis em todos os momentos. Mesmo os inoportunos.
― Mais uma falha de nascer mulher. Que bom que estamos
livres disso ― Lorenzo comentou, rindo. Thomas e meu pai se
juntaram a ele.
Dante estava parecendo uma estátua ao lado de Luigi, e meu
cunhado estava olhando para todas as direções, observando cada
um presente. Minha sogra deu um aperto em minha mão, e eu sorri
agradecida.
― Eu acho que seus irmãos deram pane no sistema, Lucca ―
comentei. Ele olhou para os dois rapidamente, cerrando a
mandíbula.
― Você está bem?
― Sim, só fiquei chocada com a sugestão. Você acha que
nossos pais vão casar Anita e Dante?
― Dante não se casaria com ela de jeito nenhum.
― Ei!
― Abriela, enquanto Alessa é o alvo de todos os jovens
solteiros, Anita só é desejada por um motivo, e há muitas conversas
por aí de que ela já não tem mais honra a oferecer. Ninguém vai se
casar com ela.
Eu fitei minha irmã, sentindo-me triste por ela mesmo sabendo
que ela ficaria em êxtase se soubesse disso. Ela não se casaria na
máfia, mas jamais poderia ter alguém lá fora. Então estaria
condenada à solidão.
Lucca inclinou a cabeça.
― Você não ficou feliz com isso.
― Eu não quero que minha irmã seja motivo de piada ou
desrespeito.
Ele assentiu, entendendo.
― Posso forçar Dante a se casar com ela. Ele faria pela
famiglia.
― Não ― neguei veemente. ― Ela nunca me perdoaria por
isso e não seria feliz. Vamos deixar como está e ver o que acontece.
Martina entrou na sala neste momento e anunciou que o jantar
seria servido. Nossa família nos seguiu e rapidamente ocupamos
nossos lugares. Eu fiquei ao lado de Lucca, que sentou na ponta e
Thomas ocupou o lugar na outra. Anita ficou entre Luigi e Giorgia, e
Alessa ao lado de Lorenzo e nosso pai. Santo ficou ao meu lado.
Mais cedo, eu tentei convencer Lucca a fazer um discurso
antes de comermos, mas ele dispensou minha sugestão erguendo
minha perna contra a porta e me fazendo sexo oral. Quando
terminou, eu tentei levá-lo para escovar os dentes e tudo o que ele
disse foi:
― Deixe que venham na minha casa e sintam o cheiro da sua
boceta no meu rosto. Foi pra isso que me casei com a mulher mais
gostosa da famiglia.
Eu lhe dei um olhar pidão, mas ele ignorou. As conversas na
mesa eram trocadas sem muita importância. Os homens não
falariam de negócios e nós tínhamos que preencher o silêncio com
frivolidades que ninguém se importava.
Martina adentrou com duas mulheres contratadas para o jantar
daquela noite. Enquanto ela apresentava os pratos, as duas nos
serviam.
― A comida está maravilhosa ― Giorgia elogiou.
― É verdade. Martina trouxe essa receita de Tortelli da Sicília?
― Alessa questionou.
Eu sabia que estava puxando conversa fiada e entrei na dela.
― Eu acho que sim. Tentei fazer essa Polenta Al Funghi para o
jantar outro dia e ela riu ao experimentar, disse que precisava me
mostrar como aperfeiçoar certos pratos.
O vinho era servido sempre que uma taça esvaziava. Eu não
mexi na minha e Giorgia também não.
― Minha nora, você deixa seus empregados falarem com você
assim? Em minha casa ela aprenderia uma bela lição ― disse
Thomas.
― Abriela sempre gostou de confraternizar com o proletariado
― Lorenzo zombou.
― Por isso ela se tornou mais inteligente e humana do que
você ― Anita devolveu do outro lado da mesa.
Luigi sorriu, e eu vi Giorgia abaixar a cabeça.
― Minha filha ― papai a chamou. ― Seu irmão quis dizer que
Abriela sempre foi a mais coração mole de nós.
Eu sorri forçado, concordando para não continuar dando corda
para o assunto. Nós jantamos trocando comentários aqui e ali, mas
claramente ninguém estava à vontade.
Lucca esvaziou sua taça no momento em que Martina
terminou de retirar os pratos com as duas meninas.
― Não traga a sobremesa agora ― ele declarou com firmeza.
Elas saíram rapidamente, fechando a porta atrás de si.
― Martina fez um merengue delicioso ― compartilhei. Deus,
eu estava tão nervosa que começaria a tagarelar sem sentido muito
em breve. ― Podemos comer e depois ir para a sala, querido. O
que acha?
― Não ― ele disse sem enrolação. ― Abriela gostaria de
compartilhar algo com vocês.
Sua voz soava tão animada quanto soaria se estivesse em um
enterro. Sem contar que eu quase cuspi minha água ao ser pega de
surpresa. Eu tinha pensado que nós terminaríamos a sobremesa e
falaríamos bem depois, mas ele tinha outros planos. Virei minha
cabeça para olhá-lo, mas Lucca apenas levantou uma sobrancelha.
― Agora? ― Ri nervosamente.
― Sim, Abriela. Agora. Nossa família está ansiosa, esposa.
Levantei-me com as pernas e mãos trêmulas, não encarando
ninguém e limpei a garganta.
― Primeiramente, obrigada por terem vindo. Sei que já
ouviram os boatos e marcamos esse jantar para confirmar.
Meu pai ficou de pé de imediato, encarando-me com um brilho
nos olhos que eu não via há muito tempo. Na verdade, não sabia se
já tinha visto alguma vez.
― Filha?
― Eu estou grávida ― revelei, ansiosa entre estar empolgada
e com medo do que aconteceria até o fim da gravidez.
Eu ainda encarava Lucca ― com muito medo de olhar para
qualquer lugar que não fosse a estranha segurança de seus olhos
azuis ― quando a nossa família começou a se levantar. Os homens
o cumprimentaram primeiro, mas Giorgia e minhas irmãs vieram até
mim ― mesmo que já soubessem.
― Eu tinha certeza antes mesmo de vir aqui. Você está ainda
mais bonita. Está emanando luz ― minha sogra comentou,
emocionada.
Quando nos afastamos, eu fiz questão que visse a mesma
emoção em meu rosto.
― Eu vou precisar de um monte de conselhos e apoio.
Giorgia suspirou, parecendo estar sem palavras.
― Eu nasci para ser a avó desse bebê, Ella. Estou
prontíssima!
Eu me sentia sufocada enquanto meu irmão e papai me
abraçavam, mas quando foi Santo, nós compartilhamos um sorriso
cúmplice e ele me abraçou com tanta força que eu quis pedir para
nunca ir embora.
Lucca me observava perto de sua cadeira, ele literalmente não
desgrudava os olhos de mim.
Dante me cumprimentou com polidez, mas Luigi fez toda uma
gracinha fingindo estar surpreso e emocionado. Thomas não o
repreendia em nenhum de seus comportamentos, fossem
brincadeiras, ele se atirando ou fazendo piadas impróprias.
Eu me perguntava por quê. Será que tinha medo de seus
filhos?
No dia do nosso casamento, temi Thomas pensando que ele
comandava a vida e as ações de Lucca, mas depois de ver o que
Luigi fez hoje, eu sabia que Thomas era apenas um velho que já
não tinha mais poder.
Depois de toda a euforia passar, voltamos todos à sala. Luigi e
Anita foram buscar champanhe e comemoramos como se fosse Ano
Novo outra vez. Meu sorriso era verdadeiro, ainda que estivesse
nervosa e muito temerosa com várias coisas, mas Lucca estava
sempre ao meu lado.
Ele parecia me rodear o tempo todo. Fosse com toques,
olhares ou palavras. Ele sempre estava lá e isso me deixava tão
segura que assustava.
― Eu estou tão animada pra ser tia! ― disse Anita.
― Quando você descobriu? ― Giorgia perguntou.
― Algumas semanas atrás.
― É o momento perfeito ― falou Alessa. ― Esse bebê vai
trazer muita felicidade.
Embora minhas irmãs já soubessem, eu apreciava o fato de
estarem ainda mais empolgadas com a novidade agora que todos
saberiam.
― Já estou apaixonada e aceito a missão de ser a babá. ―
Anita sorriu.
Metade dos olhares na sala se voltaram a ela, principalmente o
de Lucca, que a ignorou completamente.
― Eu serei babá ― disse Luigi, aproximando-se e apertando
meu ombro. ― Minha cunhada sabe que não há ninguém mais
responsável para cuidar do herdeiro do trono.
― Não está cedo demais para começar a lembrar o destino da
criança? ― minha irmã questionou amargamente.
― Nunca é cedo para firmar uma posição quando se nasce na
máfia, Bonucci.
― E nunca é tarde demais para decidir tirar a sua influência de
perto dele.
Luigi passou a língua pelos lábios, sorrindo.
― Fico feliz por Abriela. A criança vai deixá-la com menos
tempo para precisar aturar você.
O queixo da minha irmã caiu em ultraje.
― Eu espero que você leve um tiro até o nascimento, assim o
bebê não vai ter o desprazer de te conhecer.
― Touchè. ― Luigi riu brevemente, levantando a taça para ela.
― Xeque-Mate ― rebateu. ― Idiota, estúpido. Que a porra do
pau dele caia.
Por sorte, ela disse a última parte em voz baixa.
― Anita, pare com isso ― disse Alessa. Sua gêmea encolheu
os ombros, mas eu a via jogando olhares na direção do meu
cunhado vez ou outra.
Thomas levantou a taça em minha direção.
― Minha linda nora... Que esse garoto venha ao mundo com
saúde e sangue forte!
― Eu espero que seja uma linda menininha. Vou ensinar
muitas coisas a ela ― disse Alessa.
Giorgia sorriu.
― Ela seria um primórdio tendo vocês três por perto. E a
beleza dessa criança? Os olhos azuis de Lucca e Abriela
combinados.
― Será um menino ― Thomas replicou, bufando.
― Se for uma menina, será cuidada e protegida. Meu irmão e
cunhada tem minha palavra ― Dante se manifestou. Embora
estivesse mais distante de todos, ele observava tudo atentamente.
― E a minha também ― Santo assentiu, piscando para mim.
― Ainda não sabemos, mas podemos torcer. ― Anita sorriu.
― E eu vou torcer até o nono mês.
― Não diga besteiras, menina ― papai a repreendeu. ―
Torceremos para a continuidade da famiglia.
Da famiglia, não da família.
Aquilo dizia tudo.
― É claro, porque a Itália já não está infestada de assassinos
psicóticos o suficiente.
Houve um momento de silêncio depois de sua declaração,
então Thomas se aproximou com o semblante tenso, e eu me
levantei para ficar na frente de Anita, mas Lucca segurou meu braço
antes, balançando a cabeça.
Alessa chegou a passos largos e graciosos, ficando ao lado de
Anita. Aquela era a forma dela de protegê-la e analisar bem o que
aconteceria antes de agir.
Thomas deixou sua taça de lado e apontou o dedo para ela.
― Eu já tinha ouvido falar do seu desrespeito, mas não
imaginei que fosse tão absurdo. É desonroso.
― Fui criada por mafiosos, o que o senhor esperava de mim?
― Sua voz escorria sarcasmo.
Ele olhou para meu pai e balançou a cabeça.
― O que lhe faltou foi alguém para colocá-la em seu lugar.
― Muitos tentaram, mas não encontrei ninguém que fosse
homem o suficiente. ― Ela o fitou de cima a baixo. ― E não acho
que o senhor conseguiria também. ― Os olhos de Thomas
arregalaram-se ao ouvi-la.
Meu Deus.
Anita não estava sequer disfarçando. Nós sempre nos
preocupamos com sua postura e comportamentos, embora eu a
amasse, sabia que uma hora ou outra se meteria em problemas. A
vida de uma mulher na máfia era baseada em um manual de
sobrevivência que tinha como bases se deixar ser controlada e
manipulada.
E Anita nunca pôde ser moldada ou contida.
― Ora, sua vaga...
― Thomas ― Lucca advertiu, interrompendo-o.
Papai chegou perto, vermelho de raiva, e colocou sua bebida
sobre a mesa de centro, encarando meu sogro com um olhar mortal.
― Estamos todos empolgados e à flor da pele, não vamos
estragar a noite.
― Eu concordo com isso ― disse Giorgia, aproximando-se de
Thomas e tocando seu braço.
Meu sogro a afastou sem delicadeza.
― Eu exijo...
― São gêmeos! ― eu soltei sem pensar, sem raciocinar o que
estava subindo e saindo da minha boca. Simplesmente disse. Todas
as cabeças viraram-se em minha direção.
― Como é? ― Santo questionou.
― Um menino e uma menina. Não há necessidade de brigas.
Teremos a nossa princesinha e o herdeiro de Lucca. ― Eu evitei o
olhar do meu marido o máximo que pude, mas quando a força de
sua atenção em mim ficou pesada e impossível de ignorar, eu o fitei.
― Surpresa!
A risada de Luigi tomou conta do ambiente, enquanto minhas
irmãs e sogras se abraçavam e meu pai e Thomas comemoravam
― tendo esquecido completamente a faísca de um minuto atrás.
Lucca cerrou a mandíbula, assentindo para os parabéns e
comemorações de todos. Eu fui abraçada outra vez, minha barriga
foi tocada e eu me emocionei, mesmo sem conseguir identificar o
porquê.
Minhas irmãs me arrancaram do aperto de Lucca.
― Vamos até o jardim! ― Anita gritou. ― Hora das meninas!
Eu as segui para fora junto com minha sogra, mas antes olhei
por cima do ombro. A casa era uma confusão de gritos bêbados e
sóbrios, risadas e muita celebração.
No entanto, foram os olhos do meu marido prometendo-me o
inferno na terra que me chamaram a atenção.
Ninguém se importa a menos que você seja bonita ou morta
Qual é o sentido de ser bom se você pode ser adorado em vez
disso
Eu venderia minha alma se isso significasse que nunca
morrerei
É tão fácil estar fora de alcance
Talvez eu esteja podre, mas não serei esquecido
nas colinas
Talvez eu seja corrupto, mas não consigo o suficiente
aidan alexander, the hills
― Eu demiti Martina ― falei para Lucca quando completamos
vinte minutos de silêncio absoluto sentados na mesa do restaurante.
― Pedi a ela que ficasse com minhas irmãs até a bebê nascer.
― Até os bebês nascerem ― ele respondeu sem me olhar. ―
Você vai convencer todo mundo esquecendo que está grávida de
gêmeos e citando sempre somente a sua filha.
Eu esperei o garçom, Vitto, que se aproximava da mesa pegar
nossos pedidos e sair antes de responder. Aquele era o restaurante
italiano favorito de Lucca, o chef o conhecia e eu fui apresentada e
tratada como uma princesa. Quando chegamos, minha gravidez não
passou despercebida. As pessoas me cumprimentavam, sorriam
para mim e acho que só não pediam para sentir o bebê porque
Lucca estava comigo.
― Eu não esqueço, mas não preciso ficar mencionando
quando estamos apenas nós dois.
Ele não respondeu.
O almoço chegou e comemos, mas o espaguete começou a
me enjoar, muitos pedaços de tomate ― coisa que eu geralmente
adorava. Eu bebi toda a minha água e chamei Vitto, pedindo mais.
― Lucca, por favor.
Ele ergueu seus olhos azuis penetrantes para mim.
― O último mês não lhe deu o menor indício de que eu não
serei seu parceiro nisso?
Ele se referia ao fato de ter praticamente me ignorado
completamente, vindo até mim apenas quando queria sexo. Não
conversávamos mais, não tínhamos tempo juntos. Ele transava
comigo quando sentia vontade, e sempre me colocando de quatro
ou debruçando-me em algum móvel. Sempre de costas. Ele não
queria ver minha barriga grande, não tocava meus seios porque eles
sempre vazavam, estavam enormes e cheios de veias que eu o via
encarando quando eu estava por perto.
― Nós somos casados.
― Somos ― confirmou como se não significasse nada. ― Mas
quando você decidiu tomar uma decisão que mudava ambas as
nossas vidas sozinha, isso deixou de importar.
― É a solução mais lógica, Lucca. Ela terá o seu filho de
qualquer jeito, porque não o adotar?
― Você quer fingir que o filho de uma prostituta é seu. Você
enlouqueceu, Abriela.
― Eu te vi cometendo atos horríveis e não te acusei de estar
louco. Eu fiquei ao seu lado. Só quero proteger todos os envolvidos
no problema que você causou.
― Não seja hipócrita, esposa. Você não aguentou a pressão
de ter uma filha menina que seria considerada um fracasso e se
aproveitou da situação.
Eu tive aquela conversa comigo mesma inúmeras vezes desde
o jantar um mês atrás. Acusei-me e me defendi do que ele dizia, por
fim, percebi que aquela era uma escolha que eu já cogitava, mas
ainda não conseguia admitir. A pressão de Thomas e do meu pai
apenas me ajudou a tornar público e assim eu não teria como mudar
de ideia. Assim Lucca não me faria escolher entre um e outro.
― Por que me trouxe aqui se não vai falar comigo?
― Porque nós temos uma aparência a manter. Eu estou preso
a você e à teia que criou nas nossas vidas, assim como você está
presa a mim.
― A diferença entre nós é que eu aprendi a aceitar e lidar com
isso, mas você só sabe me tratar como uma criança ingênua que
vive fazendo burrices.
― E essa é a verdade ― ele rosnou.
Dois dias depois do jantar em casa, eu comecei a receber
ligações das esposas da famiglia convidando-me para chás,
almoços e jantares. Eram as minhas boas-vindas ao círculo de
mães e mulheres que Giorgia praticamente comandava.
Eu fui a alguns, almocei com minhas irmãs e passei um tempo
indo e vindo do porão, onde não conversava com Stela, mas via sua
barriga crescendo diariamente.
Eu lidei com isso, mas Lucca não. Ele continuava com sua
teimosia de fingir que as coisas simplesmente sumiriam. Eu, nossa
filha, o seu filho e Stela. Além do mais, eu sabia que alguma coisa
estava acontecendo dentro da organização. Ele recebia Dante e
Luigi com mais frequência, e passava mais tempo no escritório,
falando ao telefone em voz alta e gritando com seus soldados do
lado de fora da casa.
― Eu estou pronta para ir ― murmurei.
― Eu ainda estou terminando a...
Levantei-me antes que ele continuasse e não olhei para trás.
Juliano me seguiu para fora do restaurante. Eu odiava ser mal-
educada, mas estava tão irritada que nem consegui sorrir para Vitto
ao sair.
― Abriela. ― Ouvi Lucca chamar, mas só parei quando ele
segurou meu cotovelo.
― O quê?
― Pare de birra, eu disse que...
― Eu não me importo com o que você disse! Quer saber? Vou
aproveitar que estou grávida e fazer o que eu quiser. Se quiser
matar a mim e ao seu filho, é escolha sua. Tchau.
Puxei o braço de seu aperto e saí caminhando pela calçada da
avenida.
Ele andou ao meu lado. Seus passos largos, o terno
balançando com o vento e os cabelos bagunçados davam a ele uma
visão surreal de ser olhada. Eu não entendia como conseguia ficar
tão brava e ao mesmo tempo, desejá-lo tanto.
― Argh! Malditos hormônios!
― Uma hora você terá que parar de culpar os hormônios.
Eu parei na mesma hora e virei para ele.
― Agora meus hormônios são o problema e não você? Não o
seu comportamento?
Lucca franziu o cenho, fechou o espaço entre nós e segurou
meu pescoço.
― Já chega, porra. Eu aturei cinco minutos, mas não vou
engolir mais. Entre no carro e vamos embora. Agora.
― Ou o quê?!
― Eu não posso matar você, mas tenho certeza de que Anita
adoraria experimentar umas férias na Sicília. Lembra-se da casa
que você chamou de lar por quatro meses?
Meus olhos se expandiram.
― Não faria isso, Lucca.
― Me teste e descubra.
Eu o encarei por um momento, lembrando-me de todas as
ameaças que ele fez e cumpriu. Lembrando-me das histórias que
ouvi sobre ele antes de sermos casados.
Eu assenti.
― Leve-a para casa, Juliano.
― Espera, você não vem?
― Agora ― ele disse ao soldado, ignorando-me.

Eu esperei Abriela sair antes de caminhar até o carro preto que


me esperava na esquina. Eu tinha duas armas carregadas, três
facas e meu telefone. Chamar reforço não adiantaria, pois não
chegariam a tempo, mas eu enviei uma mensagem a Luigi, dizendo
para ficar alerta e ir para a minha casa.
Para ser honesto, eu estava curioso com a natureza daquele
contato.
Quando fechei a porta do carro, o sorriso doente de Drago
Salvatore me cumprimentou.
― Lucca. ― A familiaridade com que disse meu nome fazia
parecer que éramos velhos amigos, quando na verdade, eu adoraria
enfiar uma bala no meio de seus olhos.
Eu não o torturaria. Ele não valia o meu tempo.
― Quando você faz coisas assim eu me pergunto se é a porra
de um louco ou apenas burro.
― Eu fui internado por um período, isso é verdade, mas sou
um novo homem. E muito determinado.
O carro começou a se movimentar. Ele sorriu, mostrando
alguns dentes de ouro na boca.
― O que você quer, Drago?
Ele se inclinou para a frente, apoiando os cotovelos no joelho.
Seus cabelos loiros escuros estavam raspados do lado, e o pescoço
e as mãos cobertas por tatuagens. Ele era um ladrãozinho que me
ofendia apenas por pensar ser digno de estar na minha presença.
― Você não se aguenta, não é? Sua esposa está grávida, de
gêmeos ― gritou, batendo palmas e gargalhando. ― E você entra
num carro com o único cara no mundo que teria coragem pra te
matar.
― Você teria que ter dois paus e aprender a ser um bom chefe
antes de pensar que pode me matar.
Ele ergueu as sobrancelhas. Eu não gostava de sua
expressão, parecia que ele sabia algo e estava querendo brincar
comigo antes de revelar o que era.
Eu era a porra de um jogador, mas tinha ouvido falar sobre as
manipulações de Drago, a forma como ele jogava com a cabeça das
pessoas fazendo tortura física parecer piada perto do que fazia com
a mente.
Contudo, eu não era uma vítima. E eu não era fraco.
― Eu não quero matar você, Lucca, falei que eu teria coragem
porque tenho. Só que você é melhor vivo do que morto. Por que eu
estaria lutando para reerguer a ‘Ndrangheta se não tivéssemos
inimigos para deixar o jogo divertido?
― Reerguer a ‘Ndrangheta? ― perguntei com um sorriso
irônico ― Você tem senso de humor, Drago.
― Eu ouvi o que fez com Marandini e sua esposa. Sei que os
poucos soldados que sobraram estão se escondendo na Calábria,
na Sicília e fugindo da Itália, trocando de identidade, eliminando
pontas soltas.
― Está contemplando o seu futuro?
Ele sorriu.
― Na verdade, foi bom para enxergar que a informação que eu
tenho vale tanto pra você que nada mais vai importar.
― E por que você me ajudaria?
― Porque você não vai fazer comigo o que fez com a
Camorra. Eles eram fracos, eram burros. Eu sou um mestre em
estratégias. Eu sou o meu capo, meu consigliere e meu executor. Eu
não confio em ninguém e por isso a ‘Ndrangheta vai superar a Cosa
Nostra.
Eu tive que rir.
― Essa droga é das boas. Aproveite e faça muito dinheiro com
ela enquanto eu não estou dedicando meu tempo livre pra caçar
vocês.
Toquei a maçaneta quando o carro parou em um farol, mas as
palavras de Drago me impediram de abrir a porta.
― Eu posso te dar um nome fundamental para impedir o golpe
que está se formando contra você. Chegou aos meus ouvidos como
uma proposta, mas eu revelo aqui e agora.
― O que você quer em troca? ― eu o testei, mesmo já
sabendo a resposta.
Ele levou um momento para responder.
― Nada.
Isso me deixou mudo por um instante.
― Nada?
― Absolutamente nada. Viva, cace cartéis, cace a sacra
corona unita, faça o que quiser. Mas deixe a ‘Ndrangheta em paz.
Pelo menos enquanto cuida dos seus inimigos.
― Você quer que eu abra caminho para que tome conta de
várias cidades até que se torne inalcançável? ― Dei risada. ― Eu
posso simplesmente arrancar a informação de você, Drago.
― Na verdade, não pode. ― Ele sorriu abertamente, seus
olhos verdes arregalados pareciam em êxtase. ― Eu não pretendo
ficar aqui. Quero ir para Nova York, você nem sequer vai me ver.
Concentre-se na Bratva se isso te deixar feliz. Eu quero uma trégua.
― Adeus, Drago.
Ele abriu sua jaqueta de couro, exibindo bombas presas em
seu peito.
― Surpresa!
― Eu sei que você é louco, mas caso eu tenha que explicar...
se explodir isso, você morre também.
― Eu sei, e estou pronto. Prefiro morrer agora do que ser
caçado como Marandini foi. Eu quero paz, Lucca e você vai
concordar.
― Eu não aceito ultimatos, filho da puta, e com certeza não
vindo de você.
Ele me analisou por alguns minutos. Arrastava a língua pelos
lábios como se observasse uma refeição à sua frente. Caralho, eu
queria matá-lo.
― Seu pai nos informou de uma reunião na igreja Santa Maria
que está em reforma. Você e seus irmãos estarão lá. No último
momento vai perceber que alguns homens não chegarão. Isso é
porque Otto Fanaro comprou de mim explosivos que vão deixar
vocês enterrados sobre as pedras da igreja.
Eu levei um momento para fazer minha cabeça funcionar após
a revelação, não demonstrando nada em minha expressão. Aquela
informação era tão secreta que ninguém além dos meus irmãos
sabia.
― Otto tem planos para vender os seus gêmeos, eu me ofereci
para comprar. Mas eu terei misericórdia da sua esposa e vou exigir
que Otto a faça gozar quando for estuprá-la.
Minha mente ferveu. Eu vi vermelho. Todo o autocontrole foi
embora no momento que ele citou Abriela.
Eu me joguei em Drago, esquecendo-me completamente das
bombas em seu peito e desferi murros em seu rosto até que o
bastardo estava gemendo de dor com um olho inchado e sangue
escorrendo da boca e nariz. Quando me afastei, ele ria. Cuspindo
no chão.
― Caralho, eu sabia. Ninguém tem uma mulher daquela e não
sente nada. Você gosta dela.
Eu o soquei novamente.
― Pare a porra do carro ― gritei, e o motorista obedeceu.
― Nós temos um trato, Lucca! ― Drago gritou da janela
enquanto eu me afastava, a empolgação em sua voz não
denunciava que eu quase o matei com minhas próprias mãos
segundos atrás.
Pegando um táxi na avenida, me dirigi direto para a casa.

Luigi estava encostado na porta de casa quando eu cheguei.


Ele sorriu ao me ver, mas seus olhos vagaram pela rua conforme se
aproximava e depois me levava para dentro.
― Lucca não está ― falei ao entrarmos.
― Eu sei. Vim ver como você e seus gêmeos estão ― ele
zombou.
― Pare com isso. ― Tirei meus saltos e deixei a bolsa em
cima do aparador, pegando apenas o celular para responder às
mensagens do grupo com minhas irmãs.
Santo queria uma foto da barriga, pois não nos víamos desde
o jantar. Eu parei em frente ao espelho do corredor e fiquei de lado,
sorrindo para a câmera. Digitei um coração e bloqueei a tela. Luigi
estava encostado na parede da frente me olhando. Senti-me corar.
― Como você é casada com Lucca e ainda cora?
― Ele é ele, eu sou eu. ― Ele me seguiu escada acima, e eu
me virei, estreitando os olhos. ― Onde pensa que vai?
― Seguir você como um stalker.
Segurei o sorriso e balancei a cabeça, eu ia mandá-lo embora,
mas de repente tive uma ideia.
― Você realmente gosta da ideia de ter uma sobrinha?
― Claro que sim, ela me dará motivos para matar.
― Luigi, é sério.
Ele revirou os olhos e colocou a mão no peito.
― Sim, Abriela, sinto borboletas no estômago e meu coração
pulsando forte ao pensar na linda garotinha que você vai cuspir pela
boceta. E me arrepio ao pensar que ela é uma junção dos seus
fluidos e da porra que meu amado irmão derramou em você.
Eu fiz uma pausa na frente da porta que íamos entrar,
gargalhando tanto que fiquei sem ar.
― Eu não acredito nos absurdos que saem da sua boca e
você ainda tem a cara de pau de dizer pra mim!
Ele sorriu e indicou a porta com a cabeça.
― Sim, sim, não conte ao seu marido. O que tem aí?
Eu hesitei, respirando profundamente e soltando o ar. Eu vinha
trabalhando naquele cômodo nas últimas semanas e Lucca sabia,
pois os soldados autorizavam a entrada dos trabalhadores e ficavam
com eles o tempo todo dentro de casa, mas ele fingia ignorar.
Assim como eu ignorava as coisas que Luigi me confessou no
jantar e nunca disse a Lucca. Eu me sentia culpada, mas preferia
acreditar que era o melhor para todos nós.
― É o quarto dos bebês.
Luigi segurou meu braço antes de entrar.
― Sei que Lucca não vai falar com você sobre isso, mas tem
certeza, Abriela? Sabe o problema que pode estar se metendo se
assumir o menino?
― Ninguém vai saber.
― Nenhum segredo fica escondido para sempre, bonita.
Pense nisso até o nascimento.
― Eu estou decidida. Vou amá-lo e cuidar dele como farei com
Vittoria.
Ele suspirou.
― Vittoria, hein?
Encolhi os ombros e abri a porta.
― Ela saberá que é uma vencedora desde o nascimento,
mesmo com todos dizendo o contrário.
Luigi assentiu e me seguiu para dentro. Eu precisei de um
momento antes de conseguir dizer algo. Rossi nos alcançou e
entrou, esfregando-se no tapete, fazendo-me rir.
Minha respiração ficou presa. Meus olhos marejaram no
mesmo momento e um caroço na garganta impediu o soluço de
escapar.
― É perfeito! ― sussurrei.
O quarto era tão delicado que eu tinha medo de tocar qualquer
coisa e quebrar. Tirei meu sapato e mandei Luigi fazer o mesmo.
― Eu vou olhar daqui.
Era o quarto perfeito para o príncipe e a princesa da Cosa
Nostra. Paredes em tons pastéis, rosa, amarelo e azul se
combinavam. Havia borboletas e pássaros e abajures em estilo
clássico em cima de uma linda cômoda branca.
Passei a mão pela madeira clara dos dois berços, pelo lençol e
cheirei as mantas. Peguei uma almofada e sentei-me na poltrona
com apoio de pé na frente. Aquele móvel era para amamentar o
bebê. Voltei a olhar ao redor do quarto, ainda sentada. Entrava uma
luz natural por trás das cortinas da grande janela. Havia uma
cadeira de balanço no meio, além de uma cômoda com uma
pequena banheira embutida em cima.
― Pra que a estante? Eles vão nascer ricos, não mutantes.
Dei risada e enxuguei as lágrimas.
― Encomendei todos os tipos de livros úteis. Desde “O que
fazer com o recém-nascido” até “As primeiras palavras”.
Eu teria minha sogra e minhas irmãs para ajudar com as
crianças, mas provavelmente não dependeria de uma babá ― o que
significava que eu precisava ter total ciência e controle do que fazer
com eles.
Eu só tinha como estar mais feliz se Lucca fizesse parte
daquele momento comigo.
Quando saí, fechei a porta e chamei Rossi. Eu estava
emocionada e pronta para um banho, mas senti uma necessidade
de ir ver Stela que segui direto para o porão.
― Abriela, não vou te deixar entrar aí sozinha.
― Então me espere aqui em cima na porta. Eu preciso de um
momento com ela, Luigi.
Ele demorou, mas concordou.
― Vou sentar aqui na escada e esperar, mas você vai gritar se
ela chegar minimamente perto.
― Va bene.
― Prometa, Abriela. Eu estou aqui para te proteger.
― Eu prometo.
Eu desci e a encontrei deitada no sofá, a barriga estava
descoberta, e ela usava apenas um shorts curto e sutiã esportivo.
― Suas roupas não me servem mais. Eu estou emagrecendo
aqui embaixo ― disse ao me ver.
― Olá, Stela. ― Ela assistia ao episódio de um reality show, e
não tirava os olhos da tela para me encarar. Eu peguei a única
cadeira na pequena mesa e me sentei longe. ― Luigi está na
escada, então não tente nada.
― Eu estou parecendo uma bola, acha mesmo que vou tentar
algo? E eu tenho uma vida depois que essa criança nascer, não vou
estragar essa chance.
Eu esperava que meu rosto não transparecesse minha culpa
ao ouvi-la. Ela não tinha chance alguma, Stela acabou com seu
futuro quando me procurou. Na verdade, acabou com a própria vida
quando tramou contra Lucca.
― O que você pensa em fazer depois disso tudo?
Ela me analisou com uma mistura de desconfiança e
curiosidade.
― Vou pra bem longe, onde ninguém vai me achar.
Dependendo de quanta grana Luccare me der, vou comprar uma
boutique. Quero um carro bacana e farei novas amizades. Quero
recuperar o tempo perdido.
― Pretende estudar?
― Não, isso é para idiotas.
Eu queria dizer que engravidar propositalmente e vender o
bebê era para pessoas além da idiotice, mas resisti.
― O quarto da minha filha ficou pronto. Acabei de dar uma
olhada.
Ela encolheu os ombros.
― E daí?
Eu dei risada, mas era de tristeza.
― Eles têm razão. Todos eles. Eu realmente fico tentando
encontrar coisas boas em todo mundo, mesmo naqueles que eu sei
que não há nada de bom para resgatar. ― Eu me levantei, mas
antes de sair a fitei. ― Você pretende vê-lo algum dia? Quer voltar
daqui a cinco anos ou dez e encontrar seu filho?
― Não. Eu disse que essa coisa de maternidade não é pra
mim.
― Sim, você disse, mas e se mudar de ideia?
Ela suspirou, revirando os olhos.
― Vou voltar e dar uma olhada no bastardo, mas não é como
se ele tivesse algo a me oferecer. Provavelmente vai me odiar por
colocá-lo nessa vida.
Por um momento eu quis bater nela. Quis realmente me jogar
em Stela e agredi-la. Como alguém podia falar daquele jeito de uma
criança? A criança que estava dentro dela!
Antes que eu tivesse tempo de continuar debatendo comigo
mesma, ouvi uma voz distante, que foi ficando cada vez mais perto
e mais alta.
― Abriela! Porra!
Stela pulou do sofá e ajeitou o cabelo.
Eu estreitei os olhos, apontando para ela.
― Não olhe para o meu marido ― rosnei. ― Nem sequer
pense nele.
Virei as costas e subi as escadas. Luigi não estava lá, mas
encontrei Lucca no meio do caminho. Ele parecia enlouquecido ao
me ver, e seus olhos dilatados estreitaram.
― Ficou maluca, porra?!
― Eu só estava falando com ela.
Quando fechou a porta e trancou Stela lá embaixo sozinha
novamente, Lucca começou a andar de um lado para o outro.
― Qual é a porra da necessidade de descer e ver essa puta?
― ele gritou em meu rosto.
― Queria falar com ela!
― Você fica constantemente fazendo coisas que me obrigam a
reagir. Me obrigam a olhar para você e reconhecer que precisa da
minha proteção e do meu amparo. Eu não pedi por isso quando me
casei. ― Ele segurou os fios do cabelo, puxando-os. Seu rosto
estava vermelho, os olhos inquietos. ― Eu tenho que te tirar dos
braços dos homens que caem aos seus pés como parasitas
ansiando pelo que é meu. Tenho que te impedir de ser atacada por
uma puta que você acolheu, tenho que acordar e passar o dia me
perguntando se você está segura!
― E por que, Lucca? Por que não me deixa fazer as coisas e
quebrar a cara? Você me disse que viveria a sua vida e eu nunca
deveria te cobrar nada.
Ele se apressou até mim e segurou meu rosto, enluvando-o
com as duas mãos.
― Eu. Não. Consigo ― rosnou.
― Por que, Lucca? Por quê?
― Porque você é minha! ― ele rugiu.
Eu balancei a cabeça, encarando seus olhos azuis perfeitos
sem piscar.
― Lucca... por quê?
― Porque eu me importo, porra!
― E você não quer ― completei por ele.
― Eu não posso, Abriela. Eu não posso.
― Nós somos casados, o que acontece em nossa casa fica
aqui. Não tenho motivos para dizer às outras pessoas como você
me trata.
Seus olhos se tornaram distantes outra vez, e ele tirou as
mãos de mim, recuando alguns passos.
― Não. Eu não vou deixar. Isso não vai acontecer.
― Lucca, somos só nós dois.
― Nunca é apenas nós do... ― Ele se interrompeu, olhando
além de mim e de repente começou a correr pela casa.
― Lucca?
Eu o segui até seu escritório, onde ele começou a revirar tudo.
Sua mesa, os papéis, seu computador e o telefone. A janela e o
vaso de flores, até que ele virou o notebook e começou a batê-lo na
mesa. Eu me assustei, saindo e o olhando de fora, cobrindo a boca
para esconder meu espanto.
― Lucca, per l’amor di Dio![7]
Ele parou quando a tampa se soltou e caiu no chão, uma
pequena sombra preta foi junto. Parecia uma moeda e ao pegá-la,
Lucca ficou observando o mini objeto entre os dedos antes de
apertá-la em seu punho e fechar os olhos. Ao abrir, eles estavam
concentrados e vazios outra vez.
Eu quis chorar.
Eu queria aquela abertura de segundos atrás, queria aquele
homem que perdia o controle e me dizia as verdades e seus
pensamentos ocultos. Eu queria aquela parte dele para mim.
Foi tão rápido, mas foi mais do que tive em meses.
Ele colocou o indicador nos lábios, indicando que eu ficasse
em silêncio e deixou o objeto em cima da mesa, saindo e fechando
a porta.
― O que está acontecendo?
― Uma escuta. Não fale nada importante a partir de agora,
não até que eu veja se há mais.
― Está tudo bem? ― Luigi apareceu no final do corredor,
olhando-me dos pés à cabeça. ― Ouvi uns barulhos.
Lucca o fitou em silêncio por um minuto antes de começar a rir.
Era uma risada feia e nada verdadeira.
― É claro ― falou consigo mesmo, abaixando a cabeça. ― Vá
para o nosso quarto, Abriela.
― O quê?
― Vá. Agora.
Eu resolvi obedecer, olhando Luigi uma última vez. Eu queria
agradecer por ter ficado comigo, mas Lucca já parecia
desequilibrado o suficiente.
Eu me sentei na beirada da nossa cama e o esperei. Graças a
Deus nenhum barulho de móveis quebrando ou tiros vieram do
andar de baixo, mas eu o esperei ali. Imóvel. Quando ele entrou e
fechou a porta, me observou por um momento antes de dizer:
― Luigi está apaixonado por você.
Minhas mãos congelaram. Não me atrevi a encará-lo.
― Não. ― Bufei. ― Ele não... ele não está.
― Não minta para mim. Ele está apaixonado por você, e você
sabe disso.
Eu permaneci em silêncio. Não olhei para ele, mas senti
quando ele me levantou e me girou, pressionando o calor de seu
peito rígido em minhas costas.
― Não vou aceitar uma traição, Abriela. ― Encarei-o,
incrédula.
― Eu nunca te trairia, já falamos sobre isso! Principalmente
com seu irmão! ― Ele estreitou os olhos, seu rosto era uma
máscara fria.
― Por que não? Só por que ele é meu irmão? ― ele
continuou, antes que eu pudesse responder: ― Sente alguma coisa
por ele?
― Não! ― respondi exaltada. Virei-me e o encarei de frente,
Lucca estremeceu ao sentir minha barriga pressionando sua cintura.
Aquilo era ridículo, uma hora ele teria que encarar. Não tinha como
ignorar seus filhos para sempre. Eu deslizei as alças do meu vestido
pelos ombros e empurrei o tecido até a cintura. Meus mamilos
enrijeceram em contato com o vento gelado da noite entrando pela
janela. Peguei suas mãos, levando-as até meus peitos sensíveis e
as apertei, amassando minha carne. Gemi e dei um beijo no topo do
seu tórax. ― Eu não sinto nada por ele. Nem por ele, por Dante ou
qualquer outro. Não posso sequer olhar para outro homem que não
seja você, Lucca.
― Mas eles te olham. Eles te cobiçam ― rosnou.
― Mas eu sou sua.
Ele inalou com força.
― Sim, você é ― ele sussurrou com olhos incendiados de
prazer e me beijou ferozmente.

― Por que você acha que eu sangro toda vez?


Eu não esperava a pergunta, mas passei dois dedos pela
abertura da boceta e vi apenas meu gozo.
― Não sangrou nessa.
Ela arfou. Eu sorri de canto, esperando que meus olhos
transparecessem os pensamentos diabólicos que dominaram minha
mente.
― Por que você acha?
Suas bochechas ficaram vermelhas e eu sabia o que ela
pensava.
Abriela desviou o olhar.
― Diga-me, Abriela. Eu quero ouvir como você quer perguntar.
― Eu... eu não sei.
Inclinei-me para trás, afastando nossas mãos.
― Diga ou eu vou arrancar de você.
Ela corou forte, seus olhos azuis brilhando com timidez e certa
malícia. Seis meses atrás aquela garota jamais pensaria naquele
tipo de conversa. Saber que eu fui o primeiro a destruir sua pureza
me fazia sentir a porra do vencedor de uma guerra. Saber que eu
seria o único a apagar aquela luz brilhante de inocência enchia o
demônio que vivia em mim de orgulho.
― Eu...
― Eu vou levantar e sair do quarto e você não vai gozar de
novo.
Ela lambeu os lábios, olhando entre mim e a porta. Ela não
queria que eu saísse.
― Você acha que eu sempre sangro por quê...
― Por quê? ― empurrei.
Ela riu e cobriu o rosto com a mão.
― Porque o seu pau é enorme?
A frase mal foi dita por um sussurro, se não estivesse tão
silencioso eu não escutaria.
― Eu não ouvi, Abriela.
Ela descobriu o rosto com a profundidade da minha voz.
― Eu sangro porque seu pau é enorme?
Caralho.
Ver aquele rosto dizer aquelas coisas me fazia ficar com tanto
tesão que parecia que a porra do meu pau nunca mais ficaria mole.
Doía pra caralho. Me fazia ficar maluco por ela, sedento para tocá-la
e sentir seu corpo.
― Me chupa. Agora.
Ela não pensou uma vez antes de abaixar até meu colo e
enfiar meu pau na boca.
Ela passou a mão livre pelo meu peito e raspou as unhas até
alcançar meu ‘V’. A respiração pesada, entrecortada e os olhos
cheios de desejo me fizeram rosnar em antecipação. Eu queria
afundar em sua boca de uma vez.

(…)

Lucca respirou profundamente e murmurou um xingamento.


Ajeitei-me entre suas pernas, arrastando as unhas sobre sua
pele quando o segurei com a outra mão e apertei de leve.
Passei a língua olhando em seus olhos. Ele passava as mãos
pelo meu cabelo, com os olhos estreitos, a boca deliciosa
entreaberta. O desejo explícito de Lucca sempre despertava em
mim a vontade de fazer tudo o que viesse à mente com ele sem
pensar demais. Só dando lugar a o que queria de verdade. Segurei
suas coxas musculosas ao levá-lo até a metade dentro da boca.
Eu amava aquela intimidade. Isso foi o que eu sonhei em um
marido.

(…)
Meus dentes estavam cravados no lábio inferior, tamanho
prazer que sentia por aquela boca. Nem o boquete mais profissional
de uma puta me deu tanta satisfação.
Eu segurei seus seios redondos e firmes, revezando minha
mão livre entre um e outro. Ela tinha a porra dos peitos mais
gostosos que eu já pus meus olhos.
Cada vez que sua boca avermelhada se apertava ao redor do
meu pau eu gemia mais alto, mais rouco e mais perto de gozar em
sua garganta.
Ela apertava meu pau com as mãos, punhetava ao tirar quase
toda a boca e ficar lambendo a cabeça como se experimentasse um
sorvete do caralho.
Eu fechei meus olhos com força, louco demais para continuar
fitando aqueles olhos e não a matar com tamanha força que
desejava foder.
― Isso, porra! Abriela... isso. Chupa meu pau com força, do
jeito que eu gosto.
Comecei a meter em sua garganta, batendo minha pélvis em
sua testa, forçando-a a me engolir o máximo. Suas tentativas de se
afastar eram nada diante da minha força, e quando ela ergueu os
olhos para mim e lágrimas começaram a escorrer deles, eu senti
meu pau pulsar, as veias quase explodindo de vontade de gozar e
eu me deixei ir.
Gozei forte e soltei o cabelo de Abriela, mas ao invés de sair,
ela cravou as unhas em minhas coxas e o lambeu até que estivesse
limpo.
Ela se levantou, engoliu com força, deixando-me ver que
nenhuma gota foi perdida e passou o dedo pelos lábios, chupando-o
antes de fechar os olhos.
― Boa garota ― sussurrei, segurando seu queixo.
Seu sorriso de dedicação ao me fitar, orgulhosa por ter me
agradado, me fazia querer começar tudo de novo.
― Tudo pra você ― ela sussurrou de volta.
Poucos segundos depois, deixei-a encostar a cabeça em meu
peito.
Ela caiu no sono três minutos depois.
Não me deixe triste, não me faça chorar
Às vezes o amor não é o suficiente e a estrada se torna difícil
Venha dar um passeio pelo lado selvagem
Me deixe te beijar intensamente sob a chuva forte
Você gosta das suas garotas insanas
Escolha as suas últimas palavras, esta é a última vez
Porque você e eu
Nós nascemos para morrer
lana del rey, born to die
Depois daquela noite, onde Lucca confessou que se importava
comigo, eu nunca mais desci para ver Stela e não dei mais abertura
para encontrar Luigi sozinha. Eu confiava em meus sentimentos por
Lucca e jamais o trairia, mas não confiava que meu marido fosse se
controlar se pensasse que seu irmão tentou alguma coisa.
Os dias foram se passando, até que completavam semanas e
eu me vi com sete meses antes mesmo de conseguir refletir sobre o
fato de que daqui dois meses a minha menininha estaria em meus
braços. O plano estava traçado: Antony nasceria antes, mas ficaria
escondido em casa até que a minha filha estivesse aqui. Se
necessário, nós a deixaríamos longe das vistas até que ambos
aparentassem o mesmo tamanho.
Lucca não mudou, mas ele não me ignorava mais. Nós
voltamos a jantar juntos, ele não ficava completamente paralisado
ao sentir ou tocar minha barriga, e meu coração se fortificava com
isso. Uma vez nós estávamos transando e ele segurou minha
cintura, batendo-me em seu membro com força e rápido. Eu estava
de costas na cama, e Lucca em cima de mim. De repente, ele voou
e foi parar do outro lado do quarto, encarando minha barriga como
se fosse um bicho de sete cabeças.
Tive uma crise de risos porque foi a primeira vez que vi seu
pau amolecer.
Eu expliquei que Vittoria estava chutando, mas Lucca estava
muito atordoado para querer entender. Aquele era um dos pontos
altos da experiência. Poder sentir minha filha mesmo que ela ainda
não estivesse no alcance das minhas mãos. Acontecia
frequentemente, e às vezes, durante a madrugada eu descia para a
sala, onde podia acender a luz e ficava observando seus pés
ondulando minha barriga por horas e horas. Os enjoos foram
embora e a gravidez parecia um paraíso agora.
Tirei inúmeras fotos, encomendei roupinhas de todos os estilos
e contratei uma equipe para construir um closet no banheiro ao lado
do quarto dela. Nele eu queria um espelho, uma pequena cadeira e
um pelo tapete felpudo. Vittoria já tinha tantas roupas que os sacos
se espalhavam pela casa.
Damon também ganhou um pouco de tudo, mas eu tentava
não me esquecer que ela não seria tão amada por muitas pessoas.
Ele receberia o mundo assim que nascesse, e ela teria que lutar por
isso.
Alessa ficava abismada, mas Anita apoiava meu consumismo
quando se tratava da sobrinha.
Tudo estava indo bem.
Eu estava vivendo o sonho e não queria acordar.
Nós fizemos um grande chá de bebê com a presença das
esposas da família em um salão e no bar atrás das portas, os
maridos comemoravam o filho homem. Eu só permiti bexigas rosas,
em homenagem a Vittoria. Eu odiava que ela fosse ignorada e
agissem como se sua vida não fosse tão importante quanto a do
filho de Lucca.
A do meu filho.
Recebi presentes, conselhos bons e ruins, e alguns muito
duvidosos. Descobri que a vida na máfia podia ir além do que meus
temores me apresentavam, mas que eu não queria fazer parte da
famiglia da forma como Alessa fazia. Aquelas pessoas eram
oportunistas e eu não conseguia identificar quem realmente se
importava comigo e gostava de mim, e quem só estava ali me
dedicando um dia inteiro porque eu era casada com o homem mais
poderoso do país.
Por um momento, estar mentindo para eles me fez sentir
vingada.
E por isso, eu agradecia ao meu futuro filho.

Eu encarei a cena à minha frente perguntando-me que tipo de


lições, Deus, o destino ou a porra da vida estavam querendo me
ensinar. Luigi estava de braços cruzados do outro lado da sala, sua
foice atrás dele, com sangue do cabo à lâmina.
Ele estava nu quando eu cheguei ao seu apartamento e agora
que colocou uma calça, encarava junto comigo como se não
soubesse o que dizer.
― Você percebe que eu não tenho como ir ao capo da família
dele e dizer que seu filho morreu sem uma explicação, certo?
Luigi encheu a boca de ar, encolhendo os ombros.
― Derrame cerebral não pede muitas explicações. Anemia
severa, ou de repente um mal súbito.
― Um mal súbito que explodiu o cérebro dele? Tá me
gozando, porra? ― A cabeça de Lorenzo Bonucci estava partida ao
meio. O chão era uma bagunça de sangue e água. ― Ele está
fodido, Luigi. Você matou o filho da puta?
Luigi coçou a cabeça e riu, mas parou ao ver minha expressão.
― Ele está morto no meu apartamento.
― Então você o matou.
― Lucca, como seu irmão, basta dizer que ele mereceu. Aceite
a minha palavra ou me puna.
― Eu preciso saber o que houve aqui.
― Eu não posso dizer. Ele mereceu.
Eu me aproximei do meu irmão, apontando o dedo em seu
rosto.
― Estou no meio de uma caça a traidores e você me vem com
isso?
Ele estreitou os olhos.
― Eu nunca trairia você ou a famiglia, não tem a ver com a
Cosa Nostra.
― Tudo o que envolve um homem feito morto envolve a
famiglia. Ele é filho de um capo, ele seria o capo em no máximo dez
anos!
― Ele seria um capo de merda e você o teria matado se
tivesse a chance.
― Eu tenho a chance de matar quem quiser diariamente, isso
não significa que vou. Nós seguimos regras ainda que sejamos a lei.
Se houvesse um motivo para matá-lo, eu mataria.
― Houve um motivo.
Eu suspirei, erguendo o rosto para encarar o teto.
― Mas você não vai me dizer.
― Não.
― E como é que nós ficamos?
― Me deixe cuidar disso, console sua esposa e pareça
surpreso quando Leon contatar você.
― Eu tenho uma mulher maluca em casa, empilhando caixas
de brinquedos e sacolas de roupas pelos cantos, ela fez um chá de
bebê que saiu nos jornais dois dias atrás. Agora eu tenho que ir lá e
dizer a ela que seu irmão morreu repentinamente?
Ele inclinou a cabeça, analisando-me.
― Você não quer mentir pra Abriela.
― Cale a boca, Luigi.
― Não, sério ― ele riu ―, você não quer ir para a casa e ficar
calado diante de uma mentira, sabendo o que aconteceu de
verdade.
― Você está delirando.
Virei de costas, passando as mãos pelo rosto.
― Pelo menos não foi Santo. Eu acho que nenhuma das
meninas Bonucci gostava desse aqui.
Eu abri os braços.
― Essa não é a questão, porra! Eu poderia odiar você ou
Dante, mas se te matassem eu iria atrás de sangue!
― Isso é fofo, cuidado Lucca, posso pensar que seu coração
está descongelando. ― Ele sorriu ao ver minha expressão
assassina. ― Relaxa, eu sei o que fazer. Confie em mim.
Eu olhei profundamente em seus olhos loucos e levei um
momento, mas acabei assentindo. A pior parte era que eu confiava
nele. Quando fechei a porta do apartamento e entrei em meu carro,
esmurrei o volante e dirigi para a casa. Eu odiava situações que
fugiam do meu controle, mas Luigi era meu consigliere e eu sabia
que ele falaria o que houve quando sua cabeça estivesse de volta
no lugar.
Ele era complexo e pensava diferente, mas nunca falhou em
uma missão, comigo ou com a famiglia.
Quão louco eu era por confiar no homem mais desequilibrado
que conhecia eu não sabia, mas não tinha como arrancar o que
aconteceu dele e nesse momento, eu já tinha as mãos cheias de
problemas que precisava resolver.

Minha felicidade com os preparativos da chegada das crianças


foi estremecida numa tarde de sexta-feira, quando o telefonema de
papai chegou, dizendo que o corpo de Lorenzo foi encontrado em
uma lixeira num beco sujo e abandonado ao lado de um restaurante
no bairro vizinho deles.
Primeiro eu fiquei chocada, abrindo e fechando os olhos e
tentando acordar do pesadelo, mas quando Alessa pegou o telefone
e começou a falar comigo numa voz calma e absurdamente
automática, como se não estivesse falando do seu irmão, eu percebi
que era verdade.
― Anita está bem? ― perguntei. ― E Santo?
Alessa demorou um momento para responder.
― Eu acho melhor não responder a essa pergunta, Ella. Nós
nos vemos no enterro.
Quando ela desligou, eu corri até Lucca no escritório. Lágrimas
molhavam o meu rosto e quando ele ergueu a cabeça ao me
perceber chegar, seus olhos me analisaram por um momento.
― Lucca ― sussurrei. Ele se levantou e caminhou até mim. ―
É Lorenzo... ele... eu não sei, ele... ele morreu.
Meu marido não disse nada, mas me deixou apoiar a cabeça
em seu peito enquanto eu chorava, esfregando minhas costas.
― Vai ficar tudo bem.
― Era o meu irmão mais velho, Lucca, e ele foi encontrado em
uma lixeira!
― Ele sabia dos riscos dessa vida. Não é algo inédito de
acontecer.
Eu me afastei.
― Como pode ser tão frio com relação ao meu irmão?
Lucca suspirou, fitando-me como se aquela conversa fosse a
última em sua lista de prioridades.
― Abriela, eu entendo que esteja abalada nesse momento,
mas eu não a vi abraçando-o como abraça Santo, ou falando com
ele no jantar como falou com seus outros irmãos.
Eu desviei o olhar.
― Que diferença isso faz? Ele não deixa de ser meu irmão
porque somos distantes.
― Eu sei que não, mas se você procurar em suas lembranças
uma memória boa com ele, conseguirá encontrar?
Eu abri a boca para responder que sim, é óbvio que tinha, mas
não conseguia. Porque não encontrei nada de bom para citar. Lucca
ergueu as sobrancelhas, como se me desafiasse a contrariá-lo.
― Eu me lembro dele batendo em Anita ― falei baixinho,
sentindo o gosto salgado das lágrimas em meus lábios. ― Ele
dizendo coisas horríveis sobre nós três, falando de Alessa como se
ela fosse uma formiga debaixo de seu sapato. Lembro das vezes
que humilhou Santo por ser o filho mais velho e primeiro na linha de
sucessão.
Lucca me observou calado enquanto eu falava, seus dedos
fechados em torno da minha nuca, os olhos analisando-me como se
entendesse profundamente cada palavra.
Contudo, ele não tinha como entender, porque se Lucca
compreendesse meus pensamentos, significaria que éramos mais
parecidos do que eu queria admitir. Que eu era capaz de pensar
coisas que deveriam ser mantidas o mais secretamente possível.
E que ele era capaz de vê-las mesmo que eu escondesse.
― Imagino que por ser quem é, seu coração esteja buscando
motivos para sofrer, mas está tudo bem não sentir tristeza por ele ter
ido. ― Eu balancei a cabeça, fechando os olhos. ― Abriela ― sua
voz firme e forte me fez fitá-lo novamente ―, você não tem que
forçar o luto. Está tudo bem ficar aliviada por não ter que ouvi-lo
falando da sua filha outra vez, batendo na sua irmã e humilhando
seu irmão.
Eu chorei.
As lágrimas chegaram como um tornado, uma atrás da outra.
Eu mal conseguia respirar.
Não por Lorenzo, mas porque Lucca estava certo.
Eu não sentia nada. Talvez uma tristeza por quem poderíamos
ter sido, pela irmandade que ele escolheu atacar sempre que pode.
― Ele podia ter tido Santo como você tem seus irmãos ―
desabafei entre um soluço e outro. ― Por que ele escolheu isso?
Ser assim? Ser lembrado como o irmão que todos ficamos aliviados
por ter ido embora. ― Coloquei a mão no peito, batendo onde meu
coração ficava. ― O que há de errado comigo, Lucca? Porque eu
estou dizendo essas coisas e pensando essas coisas? Ele é meu
irmão!
Eu me virei, segurando o porta canetas de sua mesa e o
atirando na parede. Meu choro era alto e forte, e Lucca me observou
por dois segundos antes de envolver seus braços em mim.
― Você vai se machucar. Pare com isso.
― Não! Eu quero sentir falta dele, quero dizer algo bonito em
seu caixão. Eu não quero que ele vá embora como se não tivesse
valido nada para nós.
Lucca segurou meu rosto, fazendo-me encará-lo.
― Então faça isso. Diga algo em seu velório, faça as pessoas
pensarem que você se importa. Você pode fazer o que quiser, porra.
É a rainha da famiglia. E, Abriela, não há nada de errado com você.
Por isso você está sentindo, porque seu coração vale mais do que o
seu irmão valia por inteiro.
Eu puxei respirações profundas; sendo amparada pela
segurança de seus braços. Lucca estava tenso, o rosto
completamente contraído, os músculos travados. Ele não estava
confortável na posição de precisar me consolar, mas eu apreciava
que tivesse feito, mesmo sem saber como.
Eu puxei seu rosto para baixo e o beijei devagar, dizendo sem
palavras o quanto estava grata por ser ele ao meu lado.
― Estamos admitindo coisas feias e pecados que não devem
ser ditos, não é?
Lucca assentiu, sua mandíbula estava tão travada que se
fosse cerâmica quebraria.
Porém, ele era tão lindo. Uma beleza diabólica e fatal. Eu
entendia todas as mulheres que já estiveram com ele. Entendia
aquelas que tiveram seus corações quebrados e se iludiram
pensando que o teriam.
Lucca não precisava ser controlado, ele não podia. Ele
precisava de alguém para andar ao seu lado e impedi-lo de cair nos
precipícios pelos quais andava dia após dia.
Ele precisava de uma parceira que não fosse chorar porque
ele matou alguém.
― Eu estou feliz que Labeli está morta.
Lucca precisava de uma parceira que entendesse as razões do
que ele fazia. E eu entendia isso.
Eu não era inocente a respeito de como as coisas aconteciam
dentro da máfia. As lágrimas já haviam secado no meu rosto, e a
compreensão de que nunca mais veria Lorenzo se instalou em
minha mente quando chegamos ao cemitério. Meu pai não queria
um velório, ele queria enterrar o filho e buscar vingança.
No caminho de casa até lá, eu perguntei a Lucca se ele sabia
o que tinha acontecido.
― Não.
Eu observei seu rosto, mesmo sabendo que não reconheceria
se estivesse mentindo e fiquei em silêncio.
Acariciei minha barriga muito visível, vesti um clássico tubinho
preto e um casaco comprido. Olhei para baixo o tempo todo,
convencendo-me de que assim ninguém veria em meu rosto o que
eu pensava.
Minhas irmãs e Santo estavam atrás de papai. Eu o abracei
primeiro, passei para o meu irmão murmurando um “sinto muito” em
seu ouvido e abracei minhas irmãs.
Santo seria capo agora. Quando papai se aposentasse, meu
irmão carinhoso, forte e destemido se tornaria líder de uma família
da Cosa Nostra. Ele teria um alvo em suas costas e seria obrigado a
formar família para continuar o legado.
O padre foi rápido com um breve discurso, e o cemitério estava
cheio de homens importantes da máfia e soldados que deviam
conhecer Lorenzo. Os rostos eram máscaras inexpressivas.
Eu estava ao lado de Lucca, praticamente apoiada em seu
corpo e do meu lado, um pouco mais distante, estava Dante. Luigi
estava atrás de mim.
Para toda e qualquer atitude que fugia às regras havia sempre
uma punição e dependendo de sua gravidade, levava à morte.
Ser um homem feito significava se tornar soldado, futuramente
capo e no caso de Lucca, o chefe da famiglia. O padrinho. Aquele
para quem as pessoas corriam e se reportavam como se ele fosse
de sua família, como se fosse sua responsabilidade.
Na idade certa, quando os pais dos meninos da nossa
sociedade acreditavam ter chegado o momento, eles passavam por
um ritual de iniciação, onde um simples filho com um sobrenome se
tornava alguém de poder.
Mais um mafioso.
Eu cresci e envelheci ano após ano sabendo que os homens
da minha casa saíam e podiam não voltar.
Quando éramos crianças, Lorenzo se mantinha longe de nós
por ser o mais velho, mas isso não era motivo para que
simplesmente não o amássemos. O que nos tornou tão distantes
foram suas atitudes, o jeito como começou a falar conosco e nos
tratar a partir de certa idade. A culpa não era apenas dele. Desde
cedo, foi inserido em sua cabeça que o poder, o dinheiro, e as
influências que conquistaria na famiglia eram as coisas mais
importantes na vida. Eu só podia pensar que aquelas ideias haviam
criado raízes profundas no cérebro do meu irmão e ele não teve
outra válvula de escape como Santo ― que se apegou a nós para
não perder sua humanidade.
― Uma das irmãs Lorenzo Bonucci vai dizer algumas palavras
― disse o padre.
Eu ainda estava criando coragem para me dirigir a todas
aquelas pessoas, mas não precisei, pois Alessa deu alguns passos
à frente com as mãos cruzadas em frente ao corpo.
Ela estava toda de preto, com um coque preso na nuca e
óculos escuros que escondia seus olhos e sua expressão.
Eu não entendia por que Alessa faria isso. O mais lógico seria
papai. Lorenzo não era carinhoso comigo, mas pelo menos me
reconhecia. Ele nem sequer falava com Alessa.
Franzi o cenho, fitando Anita, mas minha irmã tinha os olhos
perdidos no chão como se nem estivesse ali.
― Lorenzo era um bom irmão. Enquanto crescíamos ele foi
fundamental para nos ensinar lições, aconselhar e unir nossa
família. Hoje perdemos um ente querido que não será esquecido e
jamais vamos nos recuperar de sua perda. Descanse em paz,
irmão.
Ela voltou ao seu lugar ao lado de Anita e o padre encerrou o
momento de palavras, dando-nos liberdade para jogar as flores no
caixão.
Santo foi em direção à saída, e eu me peguei querendo segui-
lo, mas Dante olhou para mim:
― Não.
Eu joguei uma rosa na cova funda que meu irmão estava e
voltei para o meu marido. Quando os homens começaram a se
reunir em vários pontos do lugar, eu fui até minhas irmãs.
― Você está bem? ― perguntei a Anita.
Ela encolheu os ombros.
― Quero ir para a casa.
― Alessa, como você está?
― Eu disse que acho melhor não responder a essa pergunta,
Ella. ― Ela evitava meus olhos.
― Por quê? ― Segurei seu braço, impedindo-a de se afastar.
Os olhos de Alessa estreitaram em mim.
― Não faça cena, Abriela.
― Eu não sou mais uma criança. Você não tem que me
proteger.
Alessa sorriu de um jeito tão frio, tão desconhecido para mim
que eu recuei um passo, soltando-a.
― Eu estou feliz que seu irmão está morto. Ele era um pedaço
de lixo e mereceu o fim que teve. Espero que apodreça no inferno.
Ela saiu pela mesma direção que Santo, e eu fiquei ali,
olhando-a até que ela ficou muito pequena e as árvores a
esconderam.
Anita não tinha se movido um passo sequer.
― Vou levar suas irmãs para a casa. ― Ouvi a voz de Luigi
atrás de mim.
Anita ergueu a cabeça na mesma hora.
― Fique longe de mim, porra.
Ela deu meia-volta e saiu, andando a passos apressados para
a saída.
Eu fitei Luigi.
― O que...
Ele passou por mim, dizendo por cima do ombro:
― Vá ficar com Lucca. Não saia de perto dele. ― E foi atrás da
minha irmã.
Eu queria segui-los e cuidar disso, mas virei, encontrando os
olhos de Lucca em mim e parecia que nossos corpos se chamavam
para estar perto. Enfiei as mãos nos bolsos e caminhei em direção a
ele.
Minhas irmãs ficariam bem um dia sem mim, neste momento,
eu tinha que cuidar das minhas próprias questões.
Quando me encostei em Lucca, ele tocou minhas costas.
― Miei amici[8], devo levar minha esposa para casa. Falamos
outro dia, hoje é sobre Lorenzo. Descansem hoje e lutamos
amanhã.
Fiquei agradecida quando ele me segurou pela cintura de lado
e caminhamos devagar até o carro. Juliano parecia querer me dizer
algo, mas ficou em silêncio. Eu lhe dei um pequeno sorriso fechado.
Nada precisava ser dito. Eu só queria me deitar, dormir e
esquecer que isso aconteceu.
Eu sei que você acha que me conhece
Mas você nem viu ainda o meu lado sombrio
Isso aqui é só pra você
Então, amor, cuide bem de mim
Amor, é todo seu se você me quiser
Vamos colidir
Eu sei que estou viva quando nos tocamos
Você tem o meu coração
E ninguém faz eu me sentir como você
justine skye ft. tyga, collide
Eu ouvi o carro de Lucca chegando quando estava deitada
confortavelmente na espreguiçadeira da piscina. Aproveitei a tarde
de sol para aquecer o corpo, me energizar e encher de vitaminas
para a minha pequena.
Passava mais uma camada de protetor na barriga e não
conseguia mais ver minha intimidade, o que sempre me fazia rir.
Precisei tirar minha cabeça das coisas que me preocupavam
nas últimas semanas, como o comportamento recente do meu pai
com a morte de Lorenzo e a gravidez de Stela.
Ela daria à luz a qualquer momento, mas eu ainda tinha um
tempo pela frente ― mesmo com o tamanho da minha barriga
dizendo o contrário. Seu humor estava terrível, e muitas vezes me
peguei querendo voltar atrás em minha decisão e ir vê-la, mas
deixei isso com os irmãos do meu marido e Jimmy ― o garoto foi
praticamente rebaixado a babá ―, que levavam comida para ela
algumas vezes por dia e a deixavam subir para tomar banho. Eu
queria levá-la ao médico, chamar alguém para checar o filho de
Lucca, mas os três homens que dominavam a Itália me disseram
que estava fora de cogitação.
Ser casada com Lucca já era pressão o suficiente, mas Luigi e
Dante pareciam mais presentes no dia a dia. Eu gostava da troca
estranha que eles compartilhavam, de como um completava o outro,
de como Lucca parecia não suportar Luigi em casa, mas também
não o expulsava. Com o tempo me acostumei com a presença e
familiaridade. Acostumei-me a ter jantares invadidos por eles e por
ter Lucca tirado de mim no meio de uma conversa.
No entanto, isso também não significava que eles não
escondiam segredos de mim, ou que eu era tratada como igual. Me
reconhecer como a esposa de Luccare, não fazia deles homens
doces e benevolentes.
Lucca entrou em meu campo de visão tirando os óculos
escuros e caminhando lentamente em minha direção. De repente
ele parou, desviando o olhar de mim e apontou para a saída.
― Que porra você está fazendo aqui?
Eu me virei, vendo o soldado se aproximar apressadamente.
― Senhor...
― Apreciando a minha esposa de biquíni, Leo?
― De jeito nenhum, senhor, eu...
― Fique no muro do lado de fora, ninguém vai entrar na porra
da minha casa. Saia antes que eu te afogue nessa piscina.
Leo saiu no instante em que Lucca terminou a frase.
Ainda esfregando minha barriga, eu ergui uma sobrancelha.
― Seus soldados já não o temem o suficiente? Vão começar a
evitar minha presença como se eu fosse uma praga.
Ele olhou para o movimento de minhas mãos e cerrou a
mandíbula, desviando os olhos após alguns segundos.
― Se estão secando a minha mulher em um micro biquíni
dentro da minha casa do caralho, então, não, não me temem o
suficiente.
― Ele não estava me secando. Eu nem o notei ali.
― O que torna tudo pior. Quando você estiver livre vou te
treinar com uma arma.
― Não quero treinar. Jamais vou segurar uma arma sabendo
que Vittoria está em casa. ― Eu me levantei, mas desequilibrei e
sabia que ia cair, mas Lucca me alcançou e envolveu as mãos em
minha cintura, mantendo-me firme no chão. Eu engoli em seco ao
ver seus olhos arregalados quando percebeu que tocou minha
barriga fora do sexo. ― Acho que peguei sol demais ― sussurrei.
Lucca desviou os olhos da minha barriga para meus olhos,
minha boca, meu pescoço. Ele me analisou por vários segundos,
parecia tempo demais para não derreter sobre o escrutínio daquele
homem.
― Eu preciso ir atrás de Leo ― falou com os dentes cerrados.
― O quê? Por quê?
― Não é certo que um homem tenha essa visão e saia vivo.
Ele não é digno de te ver assim, eu só consigo pensar em arrancar
a cabeça do filho da puta.
Inclinei a cabeça para o lado, segurando sua camisa na altura
do peito.
― Não é certo que ele veja sua mulher grávida da sua filha?
Lucca estreitou os olhos, mas não de um jeito ruim, era como
se ele estivesse processando as coisas. Como lidar com o fato de
que aos vinte e oito anos de idade, um homem que pensava que já
sabia tudo estivesse aprendendo e enfrentando novas sensações
que nunca lhe foram despertadas antes?
Eu peguei sua mão em minhas costas e a deslizei devagar
para a frente. Lucca não tirou os olhos dos meus.
― Ela é sua, Lucca. Eu sou sua.
Sentir sua palma quente pela primeira vez foi um choque, e
lágrimas vieram aos meus olhos. Eu me sentia em um filme de
romance, não porque estávamos nos declarando e uma música
linda tocava de fundo, mas porque estava experimentando diversos
níveis de plenitude.
Seu toque. Sua total atenção. Até mesmo a percepção de que
ele não fazia ideia do que estava acontecendo.
Ele balançou a cabeça, parecendo acordar e recuou.
― Eu não serei pai. Não nasci pra isso, mas não vou negar
que saber que minha semente colocou uma vida dentro de você me
deixa com tesão pra caralho. ― Ele segurou meu queixo. ― Se eu
não soubesse que a prejudicar vai tirar você de mim, eu te dobraria
sobre essa espreguiçadeira e te foderia até você desmaiar.
Ele me beijou com tanta intensidade, explorando minha boca
com a língua, segurando minha mão apertado, seus dedos grossos
subindo do meu pulso para a nuca, onde ele sempre segurava e me
puxava para perto. Mas dessa vez quando tentei me aproximar,
Lucca quebrou o beijo e se afastou.
― Não deixe ninguém ver o que é meu, Abriela, ou o sangue
deles estará em suas mãos.
Ele sorriu torto, saindo como se cada vez que chegasse não
levasse uma parte do meu coração.
A NOITE SEM FIM
Seu rosto assombra meus sonhos uma vez agradáveis
Sua voz expulsou toda a sanidade em mim
Essas feridas não vão cicatrizar
Essa dor é muito real
Tem muita coisa que o tempo não pode apagar
Quando você chorou, eu enxuguei todas as suas lágrimas
Quando você gritou, eu lutei contra todos os seus medos
Eu segurei a sua mão por todos esses anos
Mas você ainda tem tudo de mim
amy lee (Evanescence), my immortal
Lucca veio para casa e nós almoçamos juntos ― eu almocei e
ele fez de mim sua sobremesa. Palavras dele.
Pensei em passar a tarde na piscina como vinha fazendo nos
últimos dias, mas um sangramento pela manhã me fez deitar na
cama e ficar o dia vendo filmes com Rossi. Deixei o ar ligado e me
cobri, aproveitando o tempo como se fosse uma tarde de inverno.
Minha médica conseguiu me tranquilizar sobre isso, dizendo ser
normal, mas eu deixei claro que se acontecesse outra vez iria até
ela.
Meu coração estava apertado, uma ansiedade urgente
travando meu corpo e pensamentos.
Eu tirei um cochilo de tarde, forçando-me a desligar os
pensamentos ruins e quando acordei, estava escuro lá fora. Eu
tremia e suava e desliguei o ar ao perceber que sentia muito mais
frio do que deveria. Quando tentei levantar da cama, senti uma
tontura forte e caí sentada, respirando de olhos fechados e
esperando que passasse, mas o mal-estar se tornou uma dor forte
no pé da barriga, que evoluiu para pontadas agudas.
― Não pode ser ― sussurrei, tocando minha barriga e
acariciando-a. ― Está tudo bem, meu amor. Mama vai cuidar de
você. Tudo bem...
Mas ela não se acalmou.
Eu me levantei apoiando na cama, segurando o pé da barriga
e gemendo de dor. Abri a porta e arrisquei um olhar para as
escadas, mas eu duvidava que conseguiria chegar lá embaixo, além
do mais, eu precisava de repouso. Peguei meu celular, mas não
tinha sinal. Enviei uma rápida mensagem para Lucca pedindo que
enviasse um médico pra casa, quando o sinal voltasse ele
receberia.
Enquanto isso, eu me sentei na cama e respirei fundo várias
vezes, cerrando os dentes quando a dor irradiava por todo o meu
corpo.
Caía uma tempestade lá fora, e eu chamei por ajuda por
alguns minutos, mas ninguém ouvia. Eu estava sozinha, começava
a me assustar com a profundidade da dor e não tinha ideia de
quanto tempo Lucca demoraria.
Eu me levantei, mas senti algo escorrendo pelas pernas e
quando ergui minha camisola, uma linha fina de sangue corria para
baixo da coxa.
― Não. ― Engoli em seco. ― Não, Dio mio.
Olhei para o celular em cima da penteadeira, arrependendo-
me de ter deixado tão longe e me levantei de uma vez, dando dois
passos antes de cair de joelhos no chão.
Lágrimas nublaram minha visão, meus braços pareciam ter
perdido a força e uma imensidão de possibilidades fez minha
ansiedade me engolir numa névoa de desespero. Eu fiz o meu
possível usando toda a força para me erguer e sentar no chão,
arrastando-me devagar até o telefone, mas a dor era tanta que eu
só tive tempo de agarrá-lo, discar o número de Lucca e esperar três
tentativas antes que tivesse sinal. Quando ele atendeu, eu só
consegui sussurrar:
― Eu estou com medo, venha para casa.
E desmaiei.
Meus olhos piscaram para a luz e eu me curvei em posição
fetal, gritando com a agonia que sentia entre as pernas. Olhei para
trás, vendo um rastro de sangue fraco por onde me arrastei.
Ouvi passos na escada no mesmo momento.
― Socorro! ― Minha voz era fraca, mas não precisei gritar
outra vez.
Lucca preencheu a porta e travou ao me ver, seus olhos
arregalando-se e os lábios se separando como se estivesse prestes
a começar a gritar ordens. Ele pegou sua arma e correu para se
ajoelhar na minha frente. Suas mãos enluvando meu rosto e os
olhos me analisando por cada centímetro.
― Você está bem? O que aconteceu? Alguém entrou aqui?
Os olhos estavam acelerados, olhando para trás, em direção à
janela e à porta, fitando a porta do banheiro e o meu rosto.
― É Vittoria ― sussurrei, soluçando ―, sou eu.
Ele fitou o sangue em minhas roupas e no chão.
― Eu vou te levar para o hospital.
Ele passou as mãos por baixo de mim, mas quando me ergueu
eu gritei tão alto que Lucca estremeceu.
― Onde dói?
― Tudo... ― Eu chorei, lágrimas molhavam meu rosto, minha
boca estava cheia de saliva seca e meu nariz escorria. Eu não
queria abrir os olhos para a realidade de que minha filha queria
nascer prematura, não queria pensar em todo aquele sangue e nem
no que podia acontecer. ― Me coloque na cama, dói demais.
Lucca obedeceu, rapidamente me encostando na cabeceira.
― Nós temos que ir ao hospital, Abriela.
― Eu não posso! As pessoas vão saber que não são gêmeos
se eu der à luz Vittoria agora.
― Foda-se! Quem liga para essa porra de mentira?
― Eu ligo! Não vou colocar a vida do seu filho em risco.
― E vai colocar a da sua?
Eu solucei, segurando minha barriga quando outra pontada
forte de dor me atravessou.
― Eu fiz tudo certo, Luccare, juro que fiz ― murmurei aos
prantos. ― Tomei minhas vitaminas, repousei, não usei drogas ou
bebi, mesmo que quisesse uma taça de vinho de vez em quando.
― Não é culpa sua, pare com isso. Se eu te levar agora...
― Não! ― gritei, e agarrei sua mão quando a tortura tomou
meu corpo outra vez. ― Ainda não está na hora ― eu sussurrei,
balançando a cabeça para Lucca.
No mesmo momento, gritos e um choro alto vieram da escada.
Jimmy surgiu na porta de olhos arregalados, carregando Stella.
― Lucca... e-eu... eu não sei o que fazer.
Eu ergui a cabeça, vendo-a jogada em seus braços, as mãos
sobre a barriga enorme de nove meses e o rosto molhado. Ela
estava lá embaixo em trabalho de parto?
Não era possível.
Lucca lhe deu um olhar por cima do ombro, seus olhos
possuídos por algo que eu nunca vi antes, mas não respondeu. Sua
atenção voltou para mim. Ele me segurou pela cintura, apoiando-me
perto, sem tirar os olhos de mim.
― Tem muito sangue. ― Ele engoliu em seco.
― Você já viu isso antes. Ah! ― tentei brincar, mas uma dor
forte cortou meu estômago e eu gritei alto, curvando-me e sendo
amparada por ele.
― Senhor? ― O desespero na voz de Jimmy ampliava o meu,
e Lucca pareceu perceber isso.
― Leve-a para o quarto ao lado e chame Dante, ele saberá o
que fazer.
― Lucca ― eu gritei, e agarrei seus braços como o único
apoio possível, sentindo minhas unhas perfurarem sua carne. ―
Dói!
― Abriela, respire. ― Ele me fitava com os olhos franzidos, as
sobrancelhas grossas quase se juntando, sua expressão era nova.
Ele parecia com medo, como se estivesse passando pela batalha
mais difícil da guerra. ― Respire fundo. Eu não sei o que fazer,
porra, me diga o que fazer!
― Só faça parar a dor. Eu não aguento isso!
― Eu não posso tirá-la sem ter certeza de que ambas ficarão
bem.
Eu gritei tão alto que Lucca estremeceu, e ao sentir uma dor
aguda e profunda entre as pernas, levei a mão direita até lá.
Quando a trouxe de volta ao rosto, sangue encharcava meus dedos.
― Eu a sinto, Lucca ― eu solucei. Meus cabelos estavam
grudados na testa, suor cobria meu corpo e tudo doía de um jeito
que eu nunca pensei ser possível. ― Tire-a, por favor!
― Jimmy! ― ele gritou. ― Jimmy, porra!
O garoto apareceu na porta afobado, suando e com o rosto
estampando seu terror.
― Senhor, a criança vai nascer!
Lucca abaixou a cabeça, amaldiçoando baixo, quando ergueu
os olhos de novo havia uma mensagem clara em seu rosto;
nenhuma quantidade de gritos o preparou para os meus.
― Ligue para Luigi e para Dante!
― Eu fiz isso, senhor. O subchefe está trazendo Luna agora,
eles chegarão em breve.
― Diga que ela venha para cá direto. Ela não vai para a
prostituta, ela vem para Abriela!
― Não ― gritei, agarrando minha cintura ao sentir uma
pressão forte. Ergui a cabeça, batendo-a na cabeceira, e Lucca se
apressou em segurá-la em sua mão.
― Não faça isso!
― Ela vai nascer, eu sei disso. ― Agarrei sua mão, implorando
com os olhos. ― Nossa menina vai estar aqui a qualquer momento,
Lucca. Stela está sozinha, eu sei que você a odeia, mas deixe Luna
cuidar dela. Pegue uma toalha e água e me ajude a ter a nossa fi...
AH! ― eu gritei do fundo da garganta, tremendo e tentando fechar
as pernas, mas senti um líquido quente e sorri, fitando Lucca com
meu rosto banhado em lágrimas. ― A bolsa estourou! Rápido,
pegue ela! Eu vou empurrar.
Ele arregalou os olhos e subiu na cama, abrindo minhas
pernas, ergueu a camisola e tirou minha calcinha, mas de repente
Lucca travou. Seus olhos cravados em minha vagina como se não
soubesse o que fazer. Seu pomo de adão movendo com força
quando engoliu.
― Abriela... ― Eu não me apeguei a tensão em sua voz. Sabia
que ele preferia não estar ali, mas nada além de Vittoria importava.
― Eu já posso empurrar? ― perguntei com ansiedade. Meu
coração batia tão acelerado que eu o sentia em todos os lugares.
― Jimmy, chame uma ambulância.
― O-o quê?
― Isso não foi sua bolsa, bella. É sangue. Muito sangue.

Eu observei Abriela assentir com firmeza, porém, sabia que


tinha ignorado o que eu disse. Ela segurou um travesseiro debaixo
de cada braço e puxou uma longa respiração, então começou a
empurrar.
― Não! ― Tentei impedi-la ao ver a quantidade de sangue
grosso que vazou de sua vagina, mas seus olhos azuis tinham uma
determinação que nunca vi ali. ― Não faça isso, porra!
― Não tente me parar ― ela rosnou ―, minha Vittoria vai vir
ao mundo.
Eu abri suas pernas e dei uma olhada. Eu podia ver a cabeça,
mas não tinha um bom pressentimento. Algo me dizia que não
deveríamos fazer isso aqui e desse jeito. Ela ainda tinha um mês
pela frente, talvez mais, e a quantidade de sangue em sua roupa, no
edredom e na cama... aquilo não podia ser normal.
Eu só tinha visto tanto sangue quando torturei e matei homens.
Ver aquilo na cama que dividia com a minha mulher era diferente.
Sempre pensei que estava preparado para tudo, mas via que
não. Definitivamente, anos como o chefe da Cosa Nostra não me
treinou para o que eu sabia que ia acontecer.
― Lucca, pegue ela! ― Seus gritos numa mistura rouca de
choro e angústia faziam minha cabeça doer.
Algo em mim doía.
Eu assenti, sabendo pelo olhar de Jimmy na porta que ele via
o mesmo que eu.
― Empurre ― ordenei.
Não precisou de muito. Ela gritou e empurrou, entregando tudo
de si para dar à luz à filha. Eu conseguia ver a cabeça saindo e a
segurei, sentindo a moleira e a pele nova, pureza intocada e que eu
nunca deveria tocar.
Eu me afastei daquilo, afastei-me do fato daquela ser a jovem
que eu destruí durante meses e me excitei com isso. Afastei-me do
fato de ser dez anos mais velho do que ela e não ter o mínimo de
consideração com as coisas que a fazia passar, porque eu não
tinha. Eu não me importava.
Abriela era minha posse e eu não era um bom homem. Jamais
seria.
Mesmo aqueles sentimentos que ela despertava em mim não
seriam o suficiente para mudar minha essência, o fato de eu gostar
de infligir sofrimento e dor. Nada me salvaria das mortes que eu
carregava em meus ombros.
E nem todo o poder que consegui com tais ações mudaria o
destino daquela criança.
Eu me tornei o chefe diante da minha esposa fraca e corajosa.
Inundei minha mente de pensamentos lógicos, me fechei para não
ser capaz de sentir qualquer coisa com relação àquela cena.
Encarei como um trabalho que envolvia gritos, sangue e dor pra
caralho.
Afastei-me da constatação de que ela nunca mais seria a
mesma no momento que o corpo sem vida daquele ser humano
minúsculo escorregou em minhas mãos.
Eu ergui meus olhos para ela, recusando-me a olhar demais
para Vittoria, e sem Abriela perceber, fechei seus olhos com o dedo
indicador e o dedo médio após passar a faca pelo cordão umbilical.
Por alguma razão eu não queria que ela visse aberto olhos que
nunca mais se abririam outra vez.
Talvez ela tivesse menos pesadelos por isso.
Talvez.
Mas não ia acontecer.
Quando entreguei a filha de Abriela em seus braços, a luz de
seus olhos se apagaram, e embora ela sorrisse para o rosto pálido
da menina, eu sabia que tudo nela morria junto.
Meus dedos tremiam e os batimentos do meu coração eram
rápidos o suficiente para eu pensar que ele ia sair pela boca a
qualquer hora. Minha garganta se apertou ainda mais enquanto
lágrimas teimavam em cair. Um soluço me rasgou e eu cobri minha
boca para não atrapalhar o sono dela.
Não.
Seu descanso eterno.
― Abriela ― Lucca me chamou após cinco minutos me
observando em silêncio. Ou passou mais tempo? Eu não sabia.
― Shi... me dê um momento com ela.
Eu olhei pela janela antes de voltar a olhá-la.
Será que se minha menina tivesse nascido chorando eu teria
conseguido ouvir seus gritos com a tempestade?
Eu podia ouvir os gritos de Stela tentando dar à luz a um
menino saudável e forte. Podia ouvir Lucca me chamando em voz
baixa. Podia ouvir meus pensamentos ― não conseguia entendê-
los, mas conseguia ouvir.
Então acho que sim, eu teria escutado Vittoria.
Fechei os olhos tentando imaginar como seria.
Como minha linda filha choraria? Eu daria tudo para conseguir
ouvir a vida toda.
― Eu sonhei com você ― sussurrei perto de seu rosto. ―
Sonhei com uma linda garotinha de cabelos escuros e olhos azuis.
Eu nunca veria seus olhos.
Eu nunca veria mais do que aquela pouca penugem preta em
sua cabeça.
Eu sorri.
Meu coração parecia rasgado de dentro para fora, o sangue
estava se espalhando lentamente por dentro, fazendo minhas
entranhas queimarem feito lava quente. Derretendo tudo dentro de
mim.
― Isso é uma punição? ― perguntei a mim mesma, a Deus, a
Lucca.
Uma lágrima deslizou caindo direto em sua pequena têmpora,
fazendo parecer que Vittoria chorava.
― Estou sendo punida porque amei você e esse anjo não
merecia pais terríveis como nós? ― Eu fitei Lucca nos olhos e não
encontrei nada em sua expressão.
Ele não olhava para Vittoria, seus olhos estavam em mim.
Segurei sua mãozinha que não era do tamanho do meu dedo e
deslizei levemente minha mão por seu corpo cheio de sangue e
vérnix. Ela ainda estava protegida.
Eu ofeguei, tentando respirar desesperadamente. Era tanta
dor. Nunca senti algo tão doloroso na minha vida.
Eu não seria mãe. Não de Vittoria.
― Oh, Dio...
Tentei levantar, mas minhas pernas tremiam tanto que caí.
Lucca me segurou, erguendo-me outra vez.
― Me dê ela, Abriela, vou cuidar disso.
Eu o empurrei com uma mão.
― Disso? ― rosnei. ― A nossa filha não é isso. Ela é um anjo.
Ele se afastou, engolindo em seco quando assentiu uma única
vez.
Eu peguei uma toalha, caminhando muito lentamente, a dor
que sentia em meu corpo era quase esquecida pela dor no coração,
mas eu limpei Vittoria, conseguindo uma visão de seu pequeno
corpinho perfeito. Sua pele teria sido branca, mas era pálida.
― Talvez seus olhos fossem azuis.
O meu sonho de ter uma família descia pelo ralo do destino.
Não importava a ameaça de Lucca, nem o mundo em que nasci.
Nada importava, porque eu não veria minha filha crescer.
Segurei Vittoria em meu peito e fechei os olhos, começando a
niná-la e balançá-la no meio do quarto.
― Lembre de mim, hoje eu tenho que partir... Lembre-se de
mim ― cantarolei, sentindo as lágrimas vazarem dos meus olhos
sem pausa.
― Abriela...
― Mesmo se o tempo passar, lembre-se de mim, se esforce
pra sorrir... ― acariciei seu rostinho ― não importa a distância
nunca vou te esquecer. Cantando a nossa música, o amor só vai
crescer...
Encostei a testa em sua cabecinha, desejando mais do que
tudo que já desejei na vida que seu coração batesse, que eu o
sentisse de alguma forma. Minha voz se tornou um borrão distante
com os soluços e o choro que se intensificava.
― E até que eu possa te abraçar, lembre-se de mim...
Não havia o que dizer. Mesmo quando tentei dissuadi-la de
sair de casa com a tempestade que caía e os trovões constantes,
Abriela se afastou como se não suportasse meu toque e saiu.
Imediatamente ficou coberta pela chuva e cobriu o rosto de
Vittoria como se fosse fazer alguma diferença se a menina sentisse.
Eu a um passo de distância, segurando-a quando ela ameaçava cair
e tirando as mãos dela quando insistia em continuar caminhando.
Reconheci Leo nos seguindo e ergui a mão, indicando que ficasse
para trás.
Abriela foi para a parte de trás da casa, entrando em uma
pequena floresta particular do condomínio. Ela seguiu entre as
árvores se segurando nos galhos, tentando não cair e nem derrubar
Vittoria. Estava escuro e eu nem tinha uma lanterna, apenas a
iluminação da casa nos seguia para dentro, mas começou a ficar
mais e mais distante.
Minha esposa parou em certo ponto e se ajoelhou na terra,
uma árvore grande, com um tronco largo estava disposta com
arbustos a cercando.
Foi onde Abriela colocou Vittoria no chão e começou a cavar.
Eu levei um momento para entender o que acontecia à minha
frente e me ajoelhei diante dela, segurando seus pulsos e vendo as
pontas dos dedos começarem a cortar e sangrar.
― Abriela, pare com isso. ― Ela balançou a cabeça, fechando
os olhos e tentando alcançar o chão novamente. ― Abriela!
― Eu preciso disso! ― gritou. Eu não sabia o que eram
lágrimas ou gotas em seu rosto, mas os olhos vermelhos e
inchados, a roupa lavada de sangue e as mãos vermelhas me
diziam que só ia piorar. A não ser que eu tomasse a frente, ainda
que precisasse fazer o que ela quisesse. ― Lucca, por favor. ―
Seus olhos desesperados imploraram por qualquer alívio, que de
alguma forma eu conseguisse tirar a dor dela. ― É a nossa filha, é
Vittoria... Ela está morta. Morta!
― Eu sei ― respondi, sem saber o que mais eu podia dizer. ―
Eu sei.
― Isso dói. Por que dói tanto? Por que está doendo tanto? ―
Ela segurou o cabelo no topo da cabeça e puxou, fechando os olhos
com força. ― Meu peito vai explodir! Eu não posso suportar...
Não era justo.
Não era justo com ele, comigo e principalmente com ela. Com
o nosso pequeno anjo.
Lucca segurou meus pulsos, afastando minhas mãos da
cabeça e me olhou nos olhos da forma mais gentil que já fez em
meses.
― Eu vou fazer isso ― sussurrou. O azul de seus olhos estava
escuro, seus lábios apertados e o cabelo pingando na testa.
Ele tinha a roupa arruinada, assim como eu.
E quando ele continuou cavando onde eu comecei, eu peguei
Vittoria e acariciei seu rosto, fitando o rostinho pequeno e pálido
porque sabia que seria a última vez. Eu queria gravar cada detalhe
dela em minha memória para que nunca fosse esquecida.
― Eu sempre serei sua mamma.
Minutos se passaram, mas quando eu tirei os olhos dela,
Lucca tinha cavado um buraco pequeno e fundo na terra. Quando a
chuva passasse eu escreveria algo. Eu faria uma cova.
Eu não deveria enterrá-la na terra, mas eu precisava que
minha filha descansasse. Ela não merecia uma caixa oca e estar em
meio a estranhos.
― Eu não sei se posso fazer isso ― sussurrei. ― Lucca...
Ele passou as mãos no rosto e chegou perto de mim, dizendo
com convicção:
― Você pode fazer o que quiser.
Ele me dizia muito isso, repetiu mais vezes do que eu podia
contar. Mas era verdade? A única coisa que eu queria era criar uma
bebê saudável e feliz, e não pude.
― Não ― falei de volta. ― Não posso. Mas farei isso por ela.
Eu beijei sua testa por alguns segundos, sentindo uma dor
física excruciante quando Lucca a tirou de mim e meus braços
estavam livres do peso dela.
Ele me olhou com hesitação, como se esperasse que eu
mudasse de ideia. Eu não mudaria.
― Espere! ― gritei, inclinando-me para a frente e beijando seu
rosto outra vez. Beijei sua mãozinha, a enrolei melhor no cobertor e
assenti. Pressionando o pequeno peito, que era menor do que
minha palma. ― Tudo bem.
Lucca enterrava minha tristeza, minha perda e meu sonho
realizado.
Com os dedos sangrando e as palmas das mãos cheias de
cortes preenchidos com terra molhada, Lucca gentilmente ajeitou
nossa filha e colocou no pequeno buraco na terra.
Ele ergueu os olhos para mim, fitando-me numa mistura de
pesar, dúvidas e falta de rumo.
― Tem certeza?
Eu assenti.
Ele pegava a terra com as mãos, colocando com delicadeza
em cima de Vittoria, cobrindo-a dos pés à cabeça. Eu observei o
rostinho sumir, seus pequenos pés serem engolidos pela terra e caí
sentada. Meu choro era audível mesmo com a tempestade.
Quando terminou, eu me atirei em seus braços e ele me
recebeu de braços abertos.
Eu não merecia luz, não deveria conhecer bondade e estava
destinado a ser punido por trevas sempre que tentasse tocar o que
não foi feito para mim.
Aquela pequena cova não foi a primeira que cavei, nem de
longe.
Mas foi a única que me fez questionar vida e morte em tantos
anos.
Quando eu abracei Abriela e a deixei chorar em meu peito
sobre o túmulo de nossa filha morta, um pedaço de mim desejou ser
digno de tocar a luz pelo menos uma vez.
Velha alma, suas feridas estão à mostra
Eu sei que você nunca se sentiu tão sozinha
Mas aguente, levante a cabeça, seja forte
Aguente, aguente até que os ouça chegar
Aí vêm eles
Pegue um anjo pelas asas
Implore-a por qualquer coisa agora
sia, angel by the wings
Eu mal conseguia caminhar.
Lucca me segurou algumas vezes no caminho, impedindo-me
de cair. A realidade era que mais enterrada num buraco fundo do
que eu me sentia; era impossível.
Ele me ergueu ao chegar no pé da escada, mas eu neguei.
― Me coloque no chão, eu vou andando.
― Você nem devia estar de pé.
― Lucca. ― Ele me interrompeu com um único olhar.
― Já chega. Você deu as ordens, eu te deixei fazer o que
queria. Estou assumindo de volta agora.
Ele subiu as escadas e só me colocou no chão quando
chegamos ao segundo andar porque um grito alto cortou o ar.
Era Stela gritando e chorando.
Eu me apressei como consegui até o quarto, abrindo a porta e
a encontrando na cama, com uma mulher na faixa de sessenta anos
entre suas pernas. Stela pingava de suor, a pele estava vermelha e
tinha algumas veias saltadas nas mãos, testa e pescoço. Ela sentia
dor e não disfarçava isso.
― OH, SANTO DIO! TIRE ESSA COISA DE MIM, ESTÁ ME
MATANDO!
Fechei meus olhos, respirando profundamente.
Seus gritos me lembraram os meus e eu recuei um passo,
batendo no peito de Lucca. Ele deixou sua mão cair ao lado do
corpo, encostando levemente na minha. Nós não nos mexemos.
Nós nos mantivemos parados como estátuas, observando a
prostituta dando à luz ao seu filho.
Jimmy estava sentado no chão com um olhar aterrorizado,
mas seus olhos amoleceram ao me ver.
― Empurre uma última vez, Stela!
Ela gritou e empurrou. Sua feição se contorceu com dor e
agarrando os laços do lençol, ela abriu a boca, jogando a cabeça
para trás.
Então aconteceu.
Um grito novo, jovem e trêmulo encheu o quarto.
Eu me aproximei da parteira sem perceber que me movia e
olhei por cima de seu ombro, parando de respirar por um momento
ao ver o rostinho enrugado, a penugem em excesso de pelos pretos
na cabeça e braços e perninhas chutando o ar.
Em suas mãos estava o pequeno corpinho, coberto de sangue
e chorando. Eu podia ver os fios de cabelo escuro e agradeci aos
céus por não serem loiros como os dela.
Minha visão embaçou pelas lágrimas.
Stela soluçou um choro baixo, e se ajeitou com esforço,
estendendo a mão para a mulher.
― Me deixe segurá-lo, Luna.
Luna mediu três dedos acima da barriguinha e cortou o cordão
umbilical com uma tesoura. Limpou com um algodão e envolveu
com um tecido leve. Ela ficou de pé e apontou o banheiro.
― Vou limpá-lo primeiro.
― Não ― disse Stela, balançando a cabeça. ― Deixe eu ver
seu rostinho primeiro.
Luna assentiu e se moveu para ela, mas antes que pudesse,
eu me vi avançando:
― Não.
A mulher olhou para trás, fitando-me com curiosidade.
― Entregue-o para mim.
Os olhos de Stela arregalaram.
― O-o quê? Mas... eu quero vê-lo, Abriela!
Eu queria muitas coisas também, a maior delas era que minha
filha tivesse vindo ao mundo chorando alto, chutando e procurando
colo. Mas não podemos ter todos os nossos desejos realizados.
― Para quem eu o entrego? ― Luna questionou. Sem hesitar,
parei em sua frente e estendi os braços.
― Ele é meu.
Eu vi uma lágrima escorrer por seu rosto, os olhos de Stela me
acompanhavam e ela abria e fechava a boca, como se não
conseguisse sequer colocar em palavras o que pensava.
― Abriela, ele é meu filho ― gritou. ― Eu tenho o direito de
vê-lo!
Eu olhei em seus olhos por um momento, sem sentir nada pela
mulher ou seus sentimentos. Dei meia-volta e encontrei Lucca
bloqueando o caminho na porta.
― Apenas uma vez, Luccare, por favor! Por favor ― Seu choro
ficava mais intenso, a força de suas súplicas atingindo coisas em
mim que doíam demais para serem mexidas.
Involuntariamente apertei o bebê contra meu peito.
― Você terminou? ― ele perguntou. Sua voz não tinha um
pingo de emoção. Ele nem sequer deu nem um olhar para o
embrulho em meus braços.
Fechei meus olhos, assentindo.
Eu avancei e Lucca saiu da frente. A última coisa que ouvi
antes de fechar a porta do meu quarto foi a mulher que deu à luz ao
meu filho gritar o meu nome.

― Ela não pode fazer isso ― Stela bradava sua indignação,


olhando para a porta com o rosto banhado de lágrimas.
― Você não podia ter engravidado de mim sem a minha
vontade e olhe onde estamos.
Arregalando os olhos, começou a chorar baixinho como se
soubesse exatamente o que iria acontecer. Não adiantaria nada
implorar ou fazer escândalo.
― Eu só queria ver o meu filho uma vez... só uma vez!
― Jimmy, dê a Luna uma carona para a casa.
― Sim, senhor. ― O garoto rapidamente se recompôs, mas
parecia atordoado.
― Garanta que ela saiba como a famiglia é grata por seu
serviço ― falei, olhando nos olhos da mulher mais velha. ― E que
nós sabemos tratar de igual para igual. Seja leal e esqueceremos
seu nome. Lembre-se de nós e vamos ter certeza de que não se
lembre de mais nada.
― Se eu soubesse que estava entrando na casa do demônio
jamais teria aceitado o trabalho ― ela disse com coragem ao passar
por mim, olhando-me nos olhos. ― Minha mãe contava histórias
sobre homens como você na Sicília e eu nunca acreditei. Mas vejo
em seus olhos mortos que é verdade. Adeus, senhor DeRossi.
Eu a deixei ir.
Existem pessoas que não precisam de demonstração de força.
Luna sabia quem eu era e se a história sobre conhecer o demônio
era o que ela contaria por aí, eu estava ansioso para saber o que
isso me renderia.
Enfiando as mãos nos bolsos, caminhei lentamente até a cama
e sentei-me do lado da mulher deitada e suada. Próximo o suficiente
para conseguir senti-la tremer.
Ela soluçou, dando espaço para mais uma crise de choro.
― Senhor DeRossi, por favor...
― Não comece com isso, nós dois sabemos como vai
terminar.
― O senhor acha que é fácil ser uma puta da máfia? Os
homens vão até os bordéis e despejam toda a raiva deles em nós.
Eu estava cansada daquela vida ― ela divagou com tanta
esperança nos olhos que me entediou. Não era possível que
realmente acreditou que poderia ter outro destino. ― O senhor era
solteiro quando fiz aquilo, pensei que fosse minha chance de
receber uma pensão pelo resto da vida.
― Eu nunca conheci minha mãe, mas, ao te ouvir, sei que ela
era exatamente como você. Aquela criança tem sorte de não
precisar te conhecer.
Eu me levantei quando ela segurou minha mão e fui até a
porta, ainda ouvindo seu choro baixo, suas súplicas.
― Tenha compaixão, Luccare... Eu vou sumir. Vou fazer o que
você quiser.
Eu me virei para fitá-la e vi seus olhos implorando misericórdia.
― Essa é a questão, Stela, eu não quero nada de você. ―
Tirei a arma das costas e apontei.
Mirando em sua cabeça, só tive tempo de ver os olhos e boca
abrindo-se num grito silencioso ao registrar o que aconteceria.
O tiro foi silencioso, mas a linha fina de sangue que escorreu
do pequeno buraco um pouco acima do vinco entre os olhos não
deixava dúvidas.
Stela estava morta, sobre a cama que deu à luz ao meu filho
bastardo e seus olhos estavam abertos, fixos em mim.
Ela não foi a primeira mulher que matei, mas seria a única que
não me daria pesadelos.
Ele dormia tranquilamente em meu colo.
Eu virei a cadeira de amamentação para o berço dele,
tentando não ver o de Vittoria, que estava vazio.
Seu pequeno peito subia e descia ritmicamente.
A chuva passou. Não havia sinais da tempestade lá fora.
Mas a noite não acabava.
Eu não conseguia parar de passar a mão por seus cabelos
negros, nem de alisar suas bochechas rosadas, não podia soltar sua
mãozinha. Ainda não tinha visto seus olhos, mas torcia para que
fossem como os de Lucca.
Eu estava triste.
Eu estava apaixonada.
Eu estava morta.
Mas aquele garotinho exigia vida de mim.
― Eu não sei como ser uma boa mãe pra você tendo perdido
parte do meu coração.
O bebê se remexeu no meu colo e abriu lentamente os olhos.
Meu coração explodiu quando os vi.
Eu não sabia como era possível sentir algo tão poderoso em
questão de segundos, mas quando ele piscou duas vezes e seus
olhinhos fixaram em mim, eu soube que jamais poderia abandoná-
lo. Mesmo se Vittoria estivesse aqui. Ele estava destinado a ser seu
irmão mais velho e sempre seria.
Eu solucei, sentindo lágrimas caírem em meu peito uma atrás
da outra.
Em uma única noite eu tive meu coração arrancado do peito e
destruído, mas essa criança me olhava como se esperasse poder
reconstruí-lo.
Fechei os olhos com força, apertando-os e apertando o
garotinho em meu peito.
Eu me tornei mãe de um pequeno anjo no céu, mas algo me
dizia que aquela linda criaturinha me faria sorrir de novo algum dia
na Terra.
Anjos e demônios sempre brigam por mim
Me leve para o paraíso, me acorde deste sonho
Mesmo com a luz do Sol, nuvens sombrias estão sobre mim
Eu me apaixonei pelo diabo
E agora estou com problemas
Estou sob o seu feitiço
Alguém me mande um anjo
Para me emprestar uma auréola
Eu me apaixonei pelo diabo
Por favor, me salve deste inferno
avril lavigne, i fell in love with the devil
Eu só deixei Alessa e Anita me visitarem em casa quatro dias
após o nascimento de Damon Lucca.
Minha família estava desesperada para me ver, e os boatos
corriam de que apenas o menino DeRossi havia sobrevivido ao meu
parto prematuro.
Eu sabia que Lucca tinha cuidado de Stela, sabia que ele não
deixaria Jimmy presenciar tudo se acreditasse que nos trairia. Sabia
que ninguém descobriria o nosso segredo.
Eu não me ressenti de Damon.
Eu sofri a perda de Vittoria todos os dias sozinha e calada.
Definitivamente não chamei minhas irmãs para uma tarde de
choros e desabafos que me fariam pensar naquela noite infernal
novamente.
― Entrem ― eu disse a elas assim que as vi. Rossi pulou do
meu colo e foi em direção às duas, mas ambas pareciam
petrificadas, sem saber o que fazer comigo.
Alessa parou por um momento no arco entre o corredor e a
sala de visitas e me analisou dos pés à cabeça. Sua feição
mostrava o quão devastada estava, com os olhos vermelhos, mas
livres de lágrimas mostravam que primeiro ela cuidaria de tudo,
inclusive de mim, depois lamentaria.
― Ella ― disse Anita com a voz esganiçada, abraçando-me
com força. Era estranho ser tocada por alguém depois de manter
Luccare longe todos esses dias.
O pequeno Damon era o único que eu me permitia passar
algum tempo e dedicar atenção. Ele tirava os pensamentos ruins da
minha mente, desviava meu foco de coisas que só me fariam sofrer.
― Onde está Luccare? ― ela perguntou. ― Ele não está te
deixando sozinha, está?
― Eu estou bem pra ficar sozinha.
Anita franziu o cenho, segurando meus ombros enquanto me
olhava.
― Nós podemos ficar com você. Por que não vem passar uns
dias em casa?
― Eu prefiro ficar com Damon, ele ainda é muito pequeno para
estar lá fora.
Alessa finalmente se aproximou, e após hesitar, me abraçou.
Minha irmã suspirou em meu ouvido.
― Você não está sozinha.
Eu forcei um sorriso fechado, desviando o olhar do escrutínio
de ambas.
― Eu preciso de ajuda.
― É claro ― Anita confirmou rapidamente. ― O que você
quiser, mas, Ella...
― Tem o berço lá em cima. Damon está dormindo no meu
quarto, peço que não entrem. Não quero acordá-lo agora. E tem as
roupinhas, os presentes do chá de bebê ― eu cocei a cabeça,
jogando o cabelo para fora do rosto ― Droga. Tem um monte de
caixas que chegaram de Nova York e Miami cheias de presentes.
― Ella ― Alessa me chamou.
― Acha que conseguimos encontrar algumas crianças para
doar em tempo recorde? ― Fitei Alessa. ― Você pode fazer
praticamente tudo, então... será que consegue? Será que pode se
livrar de tudo?
― Abriela, fale conosco!
― Anita! ― eu me exaltei, fechando os olhos. ― Eu não
posso. ― Pisquei as lágrimas longe, e engoli com força o caroço na
garganta. ― Sei que vocês estão comigo e sei que se eu precisar
posso chamá-las, mas tudo o que eu preciso hoje é me livrar de
tudo o que Vittoria não vai... usar. ― Minha voz travou, ficando
presa na garganta como se alguém tapasse minha boca.
― Nós vamos cuidar disso ― disse Alessa ―, mas eu não
posso revirar sua casa sem saber o que você está realmente
pensando disso.
― Eu estou pensando que enterrei a minha bebê. Estou
pensando que não posso olhar mais um único dia para o closet
cheio de vestidos e sapatinhos que passei meses escolhendo. Eu
não posso falar sobre a minha filha. Porque ela não está aqui e
porque eu não estou na fase de aceitar isso ― suspirei, olhando
para o teto ―, então podemos, por favor, tirar tudo da minha casa?
Alessa não se moveu, nem disse nada.
Anita assentiu freneticamente.
― O que você quiser.
Ela deu um rápido olhar para Alessa antes de sair da casa e
voltar com cinco homens que carregavam carrinhos e caixas
fechadas.
Eu me virei de costas, encarando a lareira apagada.
― Eu devia acender isso ― murmurei.
― Está calor, Ella. Você não acende a lareira no calor.
― Talvez eu devesse. ― Abri os braços, encarando-a. ―
Talvez eu realmente devesse acender a lareira, sentar aqui e
contemplar o fogo.
― Eu sei que dói. ― Ela abaixou os olhos, trocando o peso
dos pés. ― E você tem todo o direito de ter seu tempo. Nós só não
sabemos como lhe dar.
Eu fitei minha irmã sempre séria e distante, reconhecendo em
seus olhos o desespero em me consertar. Em me deixa perfeita
novamente.
Mas isso seria impossível.
― Eu vou subir e ficar com Damon ― sussurrei. ― Pode
cuidar de tudo?
Ela assentiu e eu saí, mas quando cheguei ao arco, Alessa me
chamou.
― Ella.
― Sim?
― Me desculpe por não ter conseguido te proteger disso. De
tudo isso. ― Eu franzi o cenho. ― Eu fiz o que pude.
― Alessa... do que está falando? Eu fiquei grávida e eu a
perdi. Não tem a ver com você.
Ela balançou a cabeça.
― Eu prometi que faria tudo para manter você e Anita a salvo
e sei que estou falhando nisso. Eu sei. E vejo nela todos os dias e
vejo em você.
Eu me aproximei novamente e segurei seu rosto, procurando
na imensidão de seus olhos verdes o motivo daquela declaração.
― Lessa... nós não somos idiotas. Você é diferente, sabemos
disso. Mas não é sua obrigação se encarregar da nossa felicidade.
Você sempre esteve aqui pra mim. ― Segurei suas mãos e as
apertei. ― Quando estiver pronta, eu estarei aqui pra você também.
Ela franziu o cenho, desviou os olhos e negou com um sorriso
gentil.
― Eu estou bem. Estou perfeita, desde que vocês estejam
também.
Eu não concordava e tinha muito a dizer sobre aquilo, mas
estava tão cansada e começava a me sentir inquieta por ficar tanto
tempo longe de Damon.
― Eu preciso subir.
― É claro, vá. Nós cuidamos disso. E quando podemos vê-lo?
― Pode apenas não ser hoje? ― sussurrei, e ela assentiu.
É claro que minhas irmãs queriam ver o meu filho recém-
nascido. Qualquer família normal teria corrido para o hospital, mas
tudo nessa situação era diferente.
Damon nasceu com nove meses, era grande e forte. Saudável.
Qualquer um que o visse agora saberia.
Enquanto eu subia as escadas e fechava os olhos ao passar
pela porta do quarto das crianças, senti aquela culpa esmagadora
novamente, mas eu não podia dizer a elas. Jogar aquele segredo
nas duas pessoas que eu mais amava não era justo.
Eu fechei a porta do quarto devagar, observando o garotinho
num macacão azul dormir entre meus travesseiros com os olhos
bem fechados, suas mãos de dedos gordinhos apertados em
punhos e os cabelos grandes e pretos contrastando com a cama
branca.
Eu sorri, deitei-me ao seu lado e o abracei.
Fiquei olhando seu rostinho por uma hora. Ouvi quando
desmontaram o berço, quando enfiaram as roupas em sacos e
quando derrubaram algo da escada, mas me fechei pra tudo.
Minhas irmãs cuidariam disso.
Eu só precisava ficar aqui e esquecer o porquê tinham
estranhos revirando minha casa.

― Eu preciso falar com você.


Eu amamentava Damon na sala quando ouvi a voz de Lucca.
Ele completava duas semanas de nascimento e meu peito tinha
tanto leite que meu filho se fartava e eu estava tendo dificuldades
em lidar com os desafios da amamentação. Virei-me para encará-lo.
― Sim?
Lucca franziu o cenho ao ver meu rosto molhado com
lágrimas.
― O que houve?
― O que você precisa, Lucca?
Ele se aproximou e segurou meu queixo, erguendo minha
cabeça.
― Diga-me o que há de errado.
Tudo estava errado.
Eu estava morta de cansaço, de dor e com a cabeça cheia de
coisas que nenhuma mãe deveria pensar com um bebê recém-
nascido no colo. Lucca não parava em casa e Damon só estava
aqui há duas semanas, mas parecia dois meses.
― Eu não quero falar sobre isso.
― Mas vai ― decretou.
Sentindo a raiva ferver meu estômago, eu afastei Damon, feliz
que ele tivesse caído no sono e me recostei no sofá, deixando
Lucca ver meus seios. Ele franziu a testa, inclinando-se em minha
direção.
― Está pingando sangue, Abriela.
― Isso é porque o seu filho gosta do meu leite. ― Ele foi até o
bar e pegou alguns guardanapos, entregando para mim. Eu ignorei.
― Você vai olhar para ele, pelo menos?
Lucca me fitou com desaprovação e aproximou os lenços do
meu seio, limpando o sangue e analisando os machucados do bico
do meu seio.
― Devia parar de fazer isso.
― Fazer o quê? Prover comida pra ele?
Eu olhei para o rostinho formado no pequeno bebê em meus
braços. Nas últimas duas semanas passei a depender tanto dele,
que já não sabia mais quem eu era se não fosse sua mãe. Eu me
pegava horas com Damon no colo, analisando cada traço que
parecia mudar dia após dia. Contando os dedinhos dos pés
enquanto ele mamava e conversando com ele enquanto sugava
meu leite, e mesmo em meio à dor excruciante de tê-lo maltratando
meus seios revezadamente, eu encontrava forças para deixá-lo
saber que estava tudo bem.
Damon nasceu perfeitamente saudável. Eu o levei ao pediatra
para fazer todos os exames necessários e fui elogiada pelo ótimo
cuidado com um recém-nascido, mesmo sendo mãe de primeira
viagem. A verdade é que eu sentia a maternidade como algo
natural. Dar banho não foi um problema, e eu reconhecia na maioria
das vezes, o que ele precisava. É claro que às vezes batia uma
insegurança, quando me sentia incapaz e caía no choro junto com
ele, mas fui aprendendo. Precisava aprender. Damon dependia
completamente de mim.
Ele era forte, saudável e também tinha pulmões de aço. Ficava
acordado metade da noite, mas dormia o dia todo.
Rossi imediatamente se apaixonou por Damon. Ele arrastava
sua caminha para a frente do berço e dormia a noite toda, ignorando
os gritos por atenção do irmão. Além de sempre se sentar aos meus
pés quando o pequeno estava no colo.
Olhar o meu filho era uma lembrança constante de seu pai, e
eu sabia que ele se tornaria uma cópia de Luccare quando
crescesse. Os olhos eram tão azuis quanto os dele, contudo, tinham
um brilho que os do marido talvez nunca tivessem visto.
A nossa conexão era de outro mundo. Eu sentia tanto amor
fitando o meu filho quando ele mamava, que só pararia quando
fosse recomendado para a sua idade.
― Você está chorando e sangrando. Por que sofrer quando
temos tanto dinheiro para cuidar das necessidades da criança de
outra forma?
Eu ri sem humor.
― Você é o único que pode me fazer sangrar e eu devo aceitar
calada, Lucca?
Foi algo cruel de se dizer, eu sabia, e apertei a perninha de
Damon como um pedido silencioso de desculpa. Ele levantou e
jogou os lenços no fogo, afastando-se de mim.
― É impossível falar com você.
― Então me deixe sozinha, você é muito bom nisso!
― Que porra você quer de mim? ― ele esbravejou, fazendo
Damon sobressaltar em meu colo e torcer o rostinho, ameaçando
chorar novamente. Eu rapidamente coloquei o peito em sua boca, e
ele o sugou com força.
Apertei os olhos fechados, odiava que Lucca estivesse vendo
isso.
― Nada, Lucca, nesse momento só quero que me diga o que
veio dizer e vá embora.
Ele me analisou por um momento, passando as mãos pelo
rosto.
― Seu pai está causando problemas. Os homens não estão
felizes com seu comportamento e os capos exigem que algo seja
feito.
― E por que precisa falar comigo? Se acha que ele vai me
ouvir...
― Não, não é isso. Só quero avisá-la de que Santo será
nomeado o novo capo da famiglia Bonucci.
Engoli em seco, assentindo devagar.
― Obrigada por me dizer. ― De repente, pensei em algo. ―
Ele precisará se casar, não é?
― Sim. Por ser seu irmão, darei a ele algumas opções.
Minhas sobrancelhas subiram de surpresa.
― Uau. Meu irmão tem mais respeito do que eu.
Lucca apertou os lábios numa linha fina.
― Era só isso. ― Ele virou as costas, mas eu não tinha
acabado.
― Você não se importa, não é?
Ele parou, levando alguns segundos para virar e me encarar
novamente.
― Com o que, Abriela?
― Com tudo. ― Sorri sem humor. ― Seu cabelo continua
perfeito, você se exercita toda manhã, sua voz nunca falha e sua
postura... não parece a de um pai que acabou de perder a filha.
Sabia que esse aqui é o seu bebê no meu colo?
Ele não abaixou os olhos.
― Eu não tenho tempo para lamentar pra sempre.
― Como é? ― Eu mal podia acreditar no que escutei. ― É
isso o que eu estou fazendo? Lamentando?
Eu deixei Damon em seu carrinho, aproveitando que
adormeceu e fui até Lucca a passos rápidos. Ele ergueu o queixo,
sem tirar os olhos de mim.
― Cuidado.
― Cuidado, você! Eu cansei, Lucca. Não tenho mais nada.
Nada. Por que você é assim? Deveríamos estar passando por isso
juntos, mas você nunca a quis, não é? Provavelmente ficou feliz
quando a tirou morta de dentro de mim.
Ele virou a cabeça, fechando os olhos com força.
― Você está triste e cansada, essa conversa acabou.
Eu segurei seu pulso e bati em seu peito com o punho
fechado.
― Eu sempre vou estar triste, e você é o que me cansa!
Ele me olhou com olhos incendiados de fúria e segurou meu
queixo, empurrando-me para trás até que minha cabeça e costas
bateram na estrutura da lareira. O fogo começou a esquentar
minhas pernas e eu gemi, mas os olhos de Lucca diziam que ele
não dava a mínima.
― Você não a queria ― rosnei. ― Você não se importa. Nunca
ligou. Eu estive sozinha e ainda estou. Eu odeio você, Lucca.
ODEIO!
Ele afastou minha cabeça e a bateu de volta, fazendo-me
gemer com a pontada de dor.
― Eu cortei o cordão umbilical com a mesma faca que já
assassinei pessoas, eu fechei seus olhos sem vida. Eu te ouvi dizer
que me ama pela primeira vez estando perdida em tristeza e luto!
Eu me importo pra caralho, porra, mas às vezes queria não dar a
mínima. ― Ele me soltou, e eu cambaleei, apoiando no sofá e
tossindo.
― Por que você é assim? Por que é tão difícil aceitar que
existe algo aqui? Meu luto seria menor se você o dividisse comigo,
Lucca... minha dor seria menos profunda.
― Quem te disse isso, porra? ― ele gritou a pergunta. A feição
retorcida em fúria e... medo? ― Quem te disse que dores do
coração doem menos? ― Ele fechou o punho e bateu no peito com
força a cada palavra: ― Toda dor que dói aqui, dói mais fundo e dói
pra sempre a cada fodido dia!
Eu me aproximei novamente e segurei seu pescoço,
impedindo-o de desviar os olhos azuis turbulentos que mais
pareciam o mar tempestuoso.
― Então sofra comigo! Seja. Meu.
Ele fechou os olhos com força, segurando o meu pulso.
Quando abriu, algo havia mudado.
― Eu não posso ser seu, Abriela... você não entende? Não há
nada em mim pra dar.
― Sempre tem alguma coisa sobrando. Eu te amo, Lucca ―
confessei novamente, sem me importar. ― Me dê o que tem.
― Não sabe o que está me pedindo.
― Então me diz! O que te fez assim? Meus irmãos eram
homens feitos e só isso não os tornou monstros. Por que tornou
você?
Ele me fitou com tanta intensidade naqueles olhos que um
arrepio atravessou minha espinha. Minhas pernas fraquejaram.
Lucca foi até o bar em toda a sua altura e largura imponentes e
serviu um copo de Bourbon.
― Quer saber o que fez de mim um monstro? ― Ele tomou um
gole, batendo a bebida no balcão. ― Sente-se, bella. Quando eu
terminar você vai pegar seu filho e correrá tão rápido que nem
mesmo cem homens da Cosa Nostra sob o meu comando vão te
encontrar.
Se você me achasse, você me salvaria?
Se você me tocasse, isso me quebraria?
Por favor, desça
Resgate meu coração
Eu vou afogar sem você
liz longley, rescue my heart
Estava escuro lá fora, mas não havia chuva para disfarçar o
barulho que vinha do lado de fora do nosso quarto. Trovões não nos
distraíam dos gritos da mamãe. Os pingos fortes no vidro da janela
não baixaram o volume dos barulhos que papai fazia.
Cinto.
Grito.
“Vagabunda!”
Uma cadeira quebrando na parede.
Eu tapei a boca de Luigi, tentando evitar que papai o ouvisse e
entrasse no quarto.
― Por favor, irmãozinho, pare de chorar! ― eu sussurrei em
seu ouvido. Ele tinha que parar porque homens não choravam.
Papai sempre dizia, e da última vez que Dante não obedeceu,
sofreu as consequências.
Papai estava sempre bravo.
Enquanto eu balançava meu segundo irmão mais novo,
tentando acalmá-lo, outro grito estridente ecoou pelas paredes de
casa. Eu odiava quando mamãe chorava. Ela era tão bonita e
quando papai não estava em casa, ela sempre nos fazia biscoitos e
brincava com a gente. Papai não sabia. Na verdade, ele não podia
saber. Não precisávamos usar os ternos durante todo o dia, nem
tínhamos que ficar sentados assistindo aos programas que papai
mandava sobre matemática, números e palavras difíceis.
Mamãe era diferente. Ela era bonita demais para chorar.
― Está demorando mais do que a última vez para acabar ―
Dante falou baixo, enquanto se espremia mais ao meu lado.
― Lucca, eu não quero que a mamãe chore. ― Luigi soluçava
no meu colo. Quando ouvimos o barulho de vidro quebrando do lado
de fora ele estremeceu.
Eu amava a mamãe, mas não gostava do papai. Sabia que era
um menino mal por isso e nunca pedi desculpas. Eu não queria que
nosso pai voltasse para a casa e algumas vezes, quando mamãe
estava preocupada com ele, eu pedia a Deus que não o deixasse
voltar.
― Eu vou sair e ver o que está acontecendo ― disse Dante.
Eu segurei seu braço, balançando a cabeça.
― Não, eu sou o mais velho. Fique com Luigi.
Dante olhou para a porta de olhos arregalados.
― Lucca, eu não sei se deveria. Papai está sempre bravo com
você, se eu for, meu castigo será menor.
― Não, Dante. Eu tenho que cuidar de vocês.
Mais um grito da mamãe cortou o ar.
Dante estremeceu ao meu lado e Luigi pulou de susto,
chorando mais forte. Eu olhei para meu irmão. Os olhos de Dante
estavam arregalados e ele tinha os lábios tão apertados um no outro
que estavam rachando, mas ele era meu assistente no comando
das navegações, ou seja, quando papai começava a gritar e quebrar
as coisas, ele precisava assumir o segundo lugar para cuidar de
Luigi. Coloquei nosso irmãozinho em seu colo e levantei.
― Fiquem aí — disse e me voltei para Dante: — Tape a boca
dele e não saiam deste quarto até que eu volte.
Corri até o canto do quarto, alcançando um bastão de
baseball. Lancei um último olhar aos meus irmãos e peguei a chave
pendurada na porta. O medo nos olhos deles era tudo que eu
precisava para sair e trancá-los lá dentro.
Ouvi Dante me chamando, mas eu não podia voltar. Precisava
cuidar deles e garantir que mamãe não chorasse mais. Segurei o
bastão pesado com as duas mãos e caminhei até o final do
corredor.
Eu só tinha oito anos, mas aquilo não significava nada na
famiglia. Nosso pai fez questão de nos ensinar isso.
A porta meio aberta me mostrou porque conseguíamos ouvir
minha mãe.
Ela estava deitada no chão e eu conseguia ver seu corpo se
mover devagar. Havia sangue na parede branca atrás dela e seus
cabelos escondiam o rosto. Ela não usava muita roupa e meu pai
estava sentado na cama olhando para ela enquanto fumava aquela
coisa fedida que ele gostava tanto.
― Pare de chorar como se eu estivesse te espancando,
vagabunda! ― ele gritou e se levantou. ― Isso é só um castigo leve,
mas se continuar dando esse show, posso pegar pesado. ― Eu
tinha ficado chateado muitas vezes, mas quando ele chutou minha
mãe na barriga e vi sangue em sua boca, senti algo diferente de
tristeza. Não entendia o que era aquilo, mas entrei no quarto
correndo com o bastão nas mãos, parando na frente dela.
― Deixe minha mãe em paz ― gritei, tentando levantar o
bastão bem alto.
Mamãe me olhou, seus grandes olhos marrons se expandindo
amedrontados. Ajoelhou-se e me empurrou para fora.
― VÁ PARA O SEU QUARTO, LUCCA! NÃO SAIA DE LÁ! ―
Ela soluçava e engasgava, havia tantas lágrimas saindo de seus
olhos e sangue em sua camisa. O olho começava a ficar roxo.
Eu me senti quente por dentro, como se alguém estivesse
batendo no meu peito e me provocando. Era... raiva.
― Mama, eu vim proteger você.
Ela chorou mais forte, e meu pai gargalhou.
― Vá para o seu quarto, seu merdinha, e fique lá chorando
como a menininha que é com seus irmãos. ― Ele me olhou
enquanto pegava o cabelo da minha mãe e a arrastava pelo quarto.
― Não, deixe ela!
Meu pai a jogou na cama e subiu em cima dela, rasgando sua
roupa.
― Quer saber? Fique... quem sabe me ver sendo homem te
ensinará como ser um.
Minha mãe se debatia, chorando forte, gritando em desespero
que ele parasse. E meu pai sorria para mim. Quando ele abriu sua
calça e seu pênis ficou à mostra, eu me afastei.
― Thom, não faça isso ― ela implorava, empurrando-o. ― Ele
é só uma criança, por favor, Thom! Lucca, corra! Corra, filho!
Eu corri.
Mas corri para a frente, e quando ergui o bastão e bati nas
costas do meu pai, ele ficou imóvel, fitando-me como se fosse me
matar.
Vi o exato momento em que ele se deu conta do que eu fiz.
Conhecia aquele olhar muito bem.
Ele estava muito furioso. Papai saiu de cima da mamãe e me
puxou pela camiseta, batendo com força em meu rosto. Eu fiquei
tonto, tropeçando.
― NÃO! SOLTE O MEU BEBÊ! THOM, POR FAVOR, POR
FAVOR, DEIXE-O EM PAZ! ― Papai me jogou no chão e a pegou
pelo pescoço.
― Esses meninos são três bichinhas do caralho pelo jeito que
você os trata. Sua prostituta imunda, eu vou ensiná-los a serem
homens e não envergonhar meu nome! ― Ele deu um tapa que fez
seu rosto virar. Levantei-me novamente e corri para ele. Desferindo
socos por suas pernas e mordendo qualquer lugar onde alcançava.
Eu só conseguia ouvir os gritos de minha mãe no fundo. Meu pai me
segurou. Vi quando seu punho se lançou no meu rosto.
O grito da minha mãe foi a última coisa que ouvi quando
apaguei.

O zumbido alto me acordou no escuro.


Medo agarrou minhas entranhas e eu estava estranhamente
cansado. Era como se meu corpo estivesse incapaz de se mover.
Eu dormi novamente.
Despertei com a sensação de estar sendo afogado. Havia
água em meu nariz e na boca, impedindo a respiração de fluir. Eu
tossi, engasguei, mas não havia ar.
Fui puxado para trás e finalmente recuperei o fôlego. Enquanto
ofegava, abri os olhos e estava em um lugar diferente.
― Veja só... a mocinha finalmente resolveu acordar. ― Ouvi a
voz do meu pai e ele bateu palmas em seguida, fazendo a dor em
minha cabeça intensificar.
― Pai... ― Eu senti uma dor aguda em minhas costas, e ao
virar a cabeça, vi com olhos embaçados um soldado alto e forte com
uma corda grossa na mão, preparando-se para me acertar
novamente. ― Não, por favor!
Ele ignorou.
― Aqui você não me chama de pai. Eu sou seu capo. ―
Caminhando até onde eu estava ajoelhado no chão, segurou meus
cabelos e me arrastou de volta para um barril, onde enfiou minha
cabeça. Eu me debati, ofegando por ar, empurrando com as mãos
pequenas para que me deixasse sair, mas ele não abrandou.
Eu apaguei outra vez.
Despertei com o soldado prendendo meus braços e pernas em
uma cadeira. O lugar era escuro e tinha apenas uma lâmpada velha
que piscava, mal iluminando o cômodo de chão de cimento bruto e
as paredes brancas manchadas e mofadas. Eu gritava e me
debatia, chorando, pedindo pela minha mãe. O pânico incendiava
meu peito, eu queria fugir, não reconhecia aquele homem e embora
já tivesse visto meu pai bravo, aquilo era muito diferente do que ele
fazia em casa.
― Eu só queria ajudar a mamma, pai. Luigi estava chorando
e...
O homem me deu três tapas, eu senti o ardor por todo o meu
rosto. As cordas apertando meus tornozelos e pulsos doíam tanto
quanto.
Onde está minha mãe?
Meu pai estava assobiando, com as mãos no bolso e um
sorriso no rosto assistindo. Ele acenou para o homem, e o senti se
afastar, mas não saiu da sala.
Meus soluços eram incontroláveis.
― Você vai aprender muito com o tempo que passaremos
juntos, Luccare. ― Ele se inclinou e desferiu um soco no meu rosto.
Eu senti o gosto de sangue que já estava acostumado, e quando ele
abaixou no chão e começou a rir, eu fechei os olhos, torcendo para
ser um pesadelo. ― Olhe o que temos aqui ― Ele segurava um
dente e de repente, ver aquilo irradiou uma dor profunda em minha
boca.
― Tudo bem, tudo bem! ― gritei, fraco como podia. ― Serei
um menino melhor, pai, por favor... estou com medo.
― Você aprenderá a não chorar e não será esse merdinha
fraco por muito mais tempo. ― Ele olhou para o homem no canto da
sala e sorriu maldosamente. ― Vamos começar.
Naquela noite eu tomei meu primeiro tiro. Foi na perna. Doeu,
queimou e ardeu. E eu desmaiei de tanto chorar, sendo chutado
pelo meu pai e seu soldado.
Na visão deles, um homem só se tornava homem pela dor e
qualquer resquício de humanidade ou fraqueza eram empecilhos
para que se tornasse um homem feito digno dos trabalhos que a
máfia impunha.
Porém, eu sabia que não era tudo sobre a minha iniciação.
Ele estava descontando em mim o ódio pela minha mãe, seu
ódio pela minha insistência em desafiá-lo ao defender meus irmãos
e o jeito como eu invadi seu quarto e me levantei por ele.
No segundo dia, eu acordei com um balde de água gelada em
minha cabeça e tive meu primeiro ferimento de faca. Papai assistiu
enquanto três de seus soldados faziam cortes em minhas costas,
arrancando gritos de mim até que ele os parou e se abaixou até a
minha altura.
― Sabe quando eles vão parar, Luccare?
― Por favor. ― Eu tremia, suava frio. Não sentia minhas
costas, mas sentia a dor profunda que os ferimentos causavam. ―
Pai...
― Eles vão parar quando você receber esses cortes sem gritar
e espernear como uma mocinha.
Três horas depois, eu havia falhado de novo.

No terceiro dia, uma mulher entrou no cômodo e tirou a minha


roupa.
Ela era adulta como a minha mãe, mas sorria com os lábios
vermelhos de um jeito estranho.
― Ele parece com você, Thom ― ela ronronou. ― Será que
vai se tornar uma fera na cama como o pai?
Meu pai sorriu para ela como se estivesse acostumado com as
coisas que dizia, e apontou para mim.
― Fique à vontade para despertar esse monstro nele.
Seu sorriso era doentio, eu virei o rosto e vomitei água quando
ela arrastou as unhas compridas pintadas de vermelho pelo meu
peito e as cravou em meu estômago.
― Quantos anos ele tem, Thom?
Meu pai encolheu os ombros.
― O suficiente para se tornar um homem feito.
Ela sorriu para mim, mas havia algo sujo em seus olhos. Eu
não gostei. Eu queria ser desamarrado e correr. Ir embora, buscar
mamma, Luigi e Dante e nunca mais voltar para ver meu pai.
Ela segurou meu pênis e abaixou o rosto, fazendo-me gritar de
susto quando o enfiou na boca.
― Veja isso, Dickhead. ― Ele bateu no ombro do soldado. ―
O que acha?
― Parece delicioso, chefe.
― Quer participar? Foda o cu dela. A puta de cinquenta anos
chupando um garoto de oito ― meu pai riu alto ―, ela vai fazer um
baita estrago.
A mulher fez um barulho com a boca em mim, fazendo meu
corpo vibrar. Minha cabeça girou, eu não fazia ideia do que estava
acontecendo. Não entendia.
― Está gostando, Luccare? O que sua mamma pensaria
disso?
Ela subiu as mãos, tocando em mim e meu pai me mandou
tocar nela, mas eu não sabia como. Eu estava amarrado.
Ele chegou por trás e passou a faca na corda da mão
esquerda, raspando a lâmina em meu dedo. Eu contive o grito no
fundo da garganta quando ele segurou meu pulso e colocou uma
arma em minha mão, o sangue escorrendo do corte mostrava ser
mais profundo do que eu pensei.
― Você aprenderá a atirar com a mão esquerda primeiro.
Agora, treine.
Com lágrimas deslizando como cascatas pelo meu rosto, eu
balancei a cabeça. Meu pai mirou o cano da arma na testa da
mulher e ela arregalou os olhos, ameaçando se levantar.
― Fique exatamente onde está, puta, ou eu vou te fazer sofrer.
Continue chupando. Vamos, Lucca, goze. Goze ou eu vou fazê-lo
atirar nela.
Eu cerrei os dentes, fechando os olhos com força.
― Pai, por favor! ― gritei.
― Você é um homem e vai gozar com um boquete, vamos,
porra!
Eu gritei, chorando e sentindo tudo de uma vez. Os cortes
feitos à faca, os machucados da corda em minhas costas, o peso da
arma em minha mão, um arrepio em minha espinha e a vontade de
pegar a cabeça do meu pai e explodi-la. Raiva cega e crua me
inundou e eu segurei a arma, jogando-a para trás em seu rosto. Meu
pai amaldiçoou e eu vi o soldado vindo em minha direção, mas
minha visão estava girando e de repente... tudo parou.
Havia apenas o riso do meu pai, o soldado esperando novas
ordens parado à minha frente e no colo, a cabeça estourada da
mulher, ainda a boca em mim, seus olhos arregalados. Havia
sangue em meu peito, meus braços, minha mão estava encharcada.
E os pedaços de carne no chão aos nossos pés me fizeram
começar a gritar, desesperado, assustado.
Eu queria me esconder.
Eu queria fugir.
Até que senti uma picada em meu pescoço e apaguei.
No nono dia, papai se sentou à minha frente, esperando
enquanto eu bebia água.
― Você tem oito anos, mas vai crescer e precisa ter algo
profundamente fixado em sua mente, Luccare.
Eu queria ir embora.
Queria minha família, não o monstro sentado à minha frente.
― Em nosso mundo, há uma coisa que homens devem
valorizar mais do que tudo. Mais do que esposas, amantes, filhos e
dinheiro. Muito mais do que fama e poder. Suor e sangue
conquistam, juramento e honra perpetuam, para a Cosa Nostra eu
entrego tudo o que sou até o fim da vida.
Eu solucei, abaixando a cabeça. Meu pai me acertou um tapa
no rosto.
― Repita, Luccare, repita isso. É o lema da nossa famiglia.
Você vai segui-lo até o dia da sua morte.
― Suor e sangue perpetuam o juramento. ― Ele me acertou
com mais um tapa, fazendo meu rosto virar e minha cabeça bater no
encosto da cadeira.
― Errado. De novo.
― Honra e suor.
Ele me acertou outra vez.
― Novamente, Luccare.
― Pai... ― implorei.
― Novamente, Lucca! ― gritou em meu rosto, cuspindo saliva
em meus olhos e boca.
Eu respirei fundo algumas vezes, tentando me distrair das
dores, deixando de lado o quanto meu corpo estava cansado,
lutando contra o sono. Tentei me lembrar de suas palavras, me
concentrar em sua voz, esvaziar minha cabeça e repetir o que meu
pai disse.
― Suor e sangue...
― Mais alto.
Eu gemi ao sentir seu anel cortar minha bochecha.
― Suor e sangue conquistam, juramento e honra perpetuam,
para a Cosa Nostra eu entrego tudo o que sou até o fim da vida ―
gritei, olhando no fundo dos olhos do meu pai.
Ele sorriu, parecendo pela primeira vez na vida, orgulhoso.
― Você será uma besta, Luccare. Quando for adulto, nenhum
terno sob medida vai esconder suas raízes.
Eu joguei a cabeça para trás. Meu peito doía, meu coração
sangrava.
Pensei que tinha acabado, mas de repente o meu pai tirou um
canivete do bolso e segurou minha mão, empurrando a ponta
embaixo da unha.
Eu gritei.
― Pai!
― Repita, Lucca. Repita até que esse juramento esteja
cravado em sua mente, até que seja a única coisa que você se
lembra!
Eu parei de acreditar em Deus naquele dia.

Os próximos dias seguiram com mais daquela tortura. Na


maior parte, papai me dizia que eu era fraco e jogava algum jogo
mental, onde eu sempre perdia.
Papai jogou uma mulher nua na sala.
Um de seus soldados tirou a roupa e ficou atrás dela. Eu não
sabia o que estava acontecendo. Não entendia, mas sabia que a
estava machucando e por mais que eu pedisse para parar, ele não
parava.
― Por favor! Por favor! ― Ela chorava, gritando ao tentar se
afastar de Big Boy.
A mulher era pequena demais em comparação a ele. Os gritos
da moça pareciam os da minha mãe penetrando meus ouvidos, mas
eu não podia chorar, não queria mais chorar.
Pare os gritos!
Tampei meus ouvidos, mas meu pai acertou minha têmpora
com uma arma.
― Ouça, Luccare, você quer que ele pare? Acabe com seu
sofrimento.
Ela estendeu a mão para mim e foi atingida por diversos
murros em sua cabeça do homem que estava atrás dela.
― Por favor! Faça parar!
― Pare de machucá-la, pai, faça isso. Eu imploro! Guardarei
os segredos e vou me lembrar do juramento!
― Coloque uma bala na testa dela e toda a dor vai acabar.
― O quê? ― sussurrei.
De novo não... De novo não!
A mulher me olhou com os olhos arregalados e voltou a gritar
histericamente. Peguei a arma e apontei para ela, mas quando fui
atirar, mirei no soldado. A bala acertou seu ombro. Meu pai
gargalhou e bateu palmas. Comecei a tremer na cadeira.
― Agora ela vai sofrer as consequências do que você fez.
Quando ele disse isso, dois soldados apareceram sem suas
calças.
Eles começaram a tocá-la, fazendo-a usar suas mãos e boca
em seus pênis, assim como meu pai fez aquela outra mulher fazer
comigo.
Meus ouvidos doíam com seus gritos. Eles não paravam de
machucá-la. Ela me fitou com os olhos vazios.
― Me mate, acabe com isso, por favor. ― Eu balancei a
cabeça negando. Ela começou a implorar. Gritava cada vez mais
alto. Peguei a arma e mirei.
Com ela olhando em meus olhos, eu atirei e acertei seu
coração.

Eu não sabia o que era dia e noite.


O sangue seco desde o primeiro dia estava grudado em minha
pele.
Eu estava morrendo de fome e sede.
Quando os soldados levaram uma televisão grande e
colocaram na minha frente eu já não tinha mais voz para pedir ao
meu pai que parasse. Apenas seguia suas ordens sem hesitar. Eu
dizia o que ele queria e agia como ordenava. Àquele ponto, eu não
sabia se resistiria se ele me mandasse fazer mal aos meus irmãos.
A televisão ficou comigo na sala por horas, ligada numa tela
listrada em preto e branco, até que eventualmente uma imagem
apareceu. Era eu.
Assisti em choque tudo o que tinha acontecido desde o
primeiro dia.
Vi quando matei, quando chorei e quando fui maltratado.
Cada minuto do meu inferno foi gravado.
Quando não consegui olhar mais, fechei meus olhos e apenas
ouvi. Os gritos, a agonia sem fim, o desespero e a dor dominavam
tudo.
Naquele dia algo se quebrou dentro de mim.

Um dia, finalmente, meu pai ― que eu aprendi dever chamar


apenas de Thomas ― chegou cedo, sorrindo abertamente. Ele me
soltou e me levou para fora da sala, colocando-me dentro de um
banheiro e ordenando que eu tomasse banho e vestisse a roupa
que escolheu.
Quando fiquei pronto, nós nos sentamos em uma mesa
elegante, onde um belo café da manhã foi servido.
Eu não disse uma palavra.
As roupas machucavam meu corpo já ferido e me mover fazia
minhas lembranças de tudo voltarem com força total.
― Você vai para casa hoje, Luccare ― Thomas comentou
enquanto me observava comer devagar. Eu assenti e tomei um gole
do suco. Tinha um gosto horrível. ― Antes de irmos, você deve
entender uma coisa. ― Eu esperei que falasse. Duvidava que
qualquer palavra pudesse ser pior do que aquela sala. ― Seus
irmãos não devem saber o que aconteceu aqui. Giorgia também
não.
― Mam... Giorgia sabe que estou aqui? ― Thomas levantou
uma sobrancelha.
― Você ia falar mamma, mas voltou atrás e falou o nome dela.
Aprendeu suas lições muito bem, Lucca, estou orgulhoso.
Ouvir que ele estava orgulhoso era algo que sempre quis, mas
quando finalmente aconteceu, não fazia diferença nenhuma.
Eu o odiava.
― Legal ― resmunguei.
― Você sabe que por ser um bastardo, eu pensei que nunca
teria orgulho de você. ― Juntei minhas sobrancelhas, não
entendendo.
― Um o quê?
― Um bastardo. ― Ele apoiou os cotovelos na mesa e sorriu
perversamente. ― Acha que minha esposa é sua mãe? Você saiu
do ventre de uma prostituta, uma daquelas mulheres. Não é nada
mais do que um fardo para Giorgia.
Naquele momento eu me perdi.

Quando o carro de Thomas estacionou em frente à mansão


que eu reconhecia como minha casa, eu dei uma olhada para o
arbusto onde escondemos brinquedos para que ele não visse, fitei
as pedras que subíamos para fingir sermos piradas e fechei os
olhos, balançando a cabeça.
Nada seria como antes.
Quando eu fechava os olhos, só via dor, sangue e sofrimento.
Eu não queria descer e Thomas percebeu, empurrando-me
para fora.
Luigi e Dante estavam sentados no sofá da sala de estar e
Giorgia andava de um lado para o outro. Assim que nos viu ela
correu para mim, ajoelhando-se e me apertando em seus braços.
― Ah, querido... finalmente. Eu estava tão preocupada, Lucca!
Uma parte de mim queria abraçá-la de volta, sentir alívio por
estar em casa e em "segurança", mas não fiz isso. E quando ela
olhou nos meus olhos com lágrimas caindo, tudo o que eu vi foram
as mulheres que matei.
Seus gritos imediatamente encheram minha cabeça e eu me
contorci, escapando de seus braços. Ela franziu o rosto, fitando
Thomas sem entender.
Luigi desceu do sofá de mãos dadas com Dante e veio me
abraçar, mas eu corri para o lado de Thomas.
Luigi fez uma careta, estendendo a mão para mim. E Dante
parecia zangado.
― Lucca, vamos ficar juntos agora, irmão.
Tudo o que vi neles foi pureza.
Eles não tinham sangue nas mãos e nenhuma morte em seus
ombros. Eu não podia sujá-los daquela forma. Dante, o menino de
ouro, sempre obediente e com um bom coração.
Eu só faria mal a eles.
Eu era um menino ruim e eles eram bons.
Tornei-me um homem feito e sabia que não podia contaminá-
los com meus pecados e minha sujeira.
Sendo o irmão mais velho, eu faria qualquer coisa para que
nada mal os alcançasse, mesmo que esse mal fosse eu.
Luigi correu para mim, acostumado a ter meu colo.
― Irmão?
Eu respirei fundo, inflando o peito.
― Eu sou um homem agora. Você é só um bebê. Vocês dois
são.
Meu pai sorriu, sentindo-se vitorioso e apertou meu ombro.
― Vamos, Lucca.
Olhei para minha mãe que estava no chão, parecendo
desolada. Para Luigi, cujos lábios tremiam, e Dante, que abaixou a
cabeça quando o fitei.
Virei-lhes as costas.
Eu protegeria minha família até mesmo de mim.
é a luta das nossas vidas
Você e eu, nós fomos feitos para prosperar
E eu sou o seu futuro, eu sou o seu passado
Nunca se esqueça que fomos feitos para durar
Saia das sombras e entre na minha vida
Silencie as vozes que te assombram por dentro
Basta dizer que você está ferido, vamos enfrentar o pior
Ninguém te conhece, da maneira que eu conheço
Olhe nos meus olhos, eu nunca vou te abandonar,
Basta dizer a palavra, vamos enfrentar o mundo
you me at six, take on the world
― Eu matei Dickhead quando fui iniciado no fogo, mas nada
vai desfazer o que aqueles dias me fizeram. E eu não quero que
desfaçam.
― Oh meu Deus, Lucca... ― Ele estava de pé, com o braço
apoiado na lareira e os olhos fixos no fogo. O azul completamente
tomado por chamas laranjas.
Eu me aproximei devagar e passei meus braços ao redor dele.
Lucca sobressaltou, fitando-me com o cenho franzido.
― O que está fazendo?
― Eu... Eu só quero te abraçar.
Ele balançou a cabeça, rindo sem humor.
― Eu acabo de te contar os pecados que cometi e você me
abraça?
Dei-me conta de que minhas mãos fechadas em punhos
apertavam as unhas contra a pele. Lágrimas corriam pelo meu
rosto, fazendo-me provar seu gosto salgado. Meu corpo todo tremia
com os soluços.
― Eu já odiava seu pai desde o dia do nosso casamento, mas
agora eu o mataria se pudesse. Você era uma criança, não tinha
ideia do que estava fazendo!
― Eu não preciso de consolo, Abriela, tampouco que me diga
que todas minhas transgressões são justificadas.
― Porque você se orgulha delas.
― Sim, eu me orgulho pra caralho de tudo.
Olhei para o meu bonito marido, desejando mais do que tudo
acariciar seu rosto e dizer a ele palavras bonitas. Seu rosto estava
congelado em pedra, os olhos vidrados como se ele ainda estivesse
preso às memórias de sua infância. A forma como Lucca detalhou
seu ódio, sua repulsa e o profundo desgosto consigo mesmo foi de
quebrar o coração. Os meninos da máfia eram iniciados ainda
adolescentes, mas o que foi feito a Lucca era a pior forma de abuso
e brutalidade.
Algo tão profundo que deixou cicatrizes não só no corpo, mas
em sua alma. Tudo o que ele se tornou foi um reflexo do que lhe foi
feito naqueles dias.
Olhando para Lucca, eu não conseguia ver o pequeno menino
quebrado, mas via claramente as cicatrizes que ficaram no homem.
Tudo o que eu sentia por ele só aumentou. Se pensava que eu ia
correr, estava certo, mas eu correria para ele.
Eu segurei as lapelas de seu terno e o empurrei até o sofá,
onde ele caiu sentado.
― Abriela ― rosnou entre dentes cerrados.
Sentei-me em seu colo, incapaz de manter distância. Busquei
seus olhos e sussurrei:
― Lucca...
― Ninguém tem conhecimento disso.
Eu assenti devagar, desabotoando sua camisa branca.
― Eu não direi a uma alma.
― Nunca falei sobre isso. É a primeira vez que coloco as
palavras para fora da minha boca. ― Eu continuei em silêncio, sem
saber o que dizer, mas usei minhas mãos trêmulas para abrir seu
cinto e zíper da calça.
― Não importa o que você acha. As coisas que aconteceram
com você foram terríveis, mas ter colocado para fora te ajudará a
superar e...
Ele franziu o cenho, segurando meus pulsos.
― Não quero superar. Na minha posição essa distância com a
minha humanidade é uma vantagem valiosa. Não te disse isso na
intenção de te dar esperanças de que posso me tornar alguém
melhor. Não vai acontecer, Abriela. ― Abri a boca para responder,
mas ele balançou a cabeça. ― Não. E não quero falar mais. ―
Encarei seus lindos olhos azuis e passei os dedos pelo cabelo
macio.
Suspirei.
― E o que você quer? ― sussurrei.
Lucca passou um braço em torno da minha cintura e o outro
segurou minha nuca.
― Eu quero você.
― Então me pegue ― murmurei. ― Eu sou sua.
Estava preparada para deixá-lo me tomar como quisesse.
Porque aquele momento não tinha a ver comigo, e sim com ele.
Qualquer outro sentimento desapareceu, restando apenas a
necessidade de estar ali quando ele claramente precisava de mim.
Aquele era o homem que tinha me feito sofrer por meses, mas
também o dono do coração frio por quem me apaixonei.
Era o homem que tinha me engravidado, e que também cavou
uma cova para a nossa filha comigo em meio a uma tempestade.
Lucca era mais digno do que sabia, e muito mais poderoso do
que as pessoas tinham conhecimento. Eu nunca pensei muito sobre
o que significava ser amada pela morte, mas me tornei amante dela
sem perceber.
E por isso, se eu fosse para o inferno, iria sorrindo.
Eu só levantei o vestido e segurei seu membro ereto.
― Acho que precisamos ir devagar.
Lucca pressionou minha nuca e capturou meus lábios num
beijo faminto.
― Não.
Eu não sabia como seria recebê-lo após o parto traumático,
mas assenti. Eu daria o que ele quisesse. Acariciei sua extensão de
cima para baixo, e Lucca soltou minha boca, focando seus olhos em
mim.
Ele exibia aquela expressão séria, com olhos estreitos e a
boca entreaberta que me prometia coisas insanas em silêncio.
Segurei seu membro contra minha entrada e me abaixei devagar.
Cerrando a mandíbula, ele segurou minha cintura, apertando firme.
Eu fiz uma pausa, respirando fundo ao sentir uma dor
diferente, parecida com a da minha primeira vez. Ele ficou quieto,
fitando-me enquanto me esperava decidir se eu seguiria em frente
ou iria recuar. Eu respondi passando os braços por seus ombros e
deixando que ele me guiasse. Segurando seus cabelos, comecei a
me mover.
Doía, era ruim e eu não senti prazer, contudo, era o mais
completa que eu me sentia em dias.
As chamas refletindo em nós, alaranjado à meia-luz da sala,
eram uma combinação tão erótica, triste e visceral com os sons que
saíam de sua garganta. Nossas bocas unidas abafaram os gemidos
enquanto eu rebolava, incomodava com a forma como ele
começava a me abaixar com força em seu pau.
Não demorou para eu estar chorando em seus ombros,
abraçando-o apertado enquanto ele gozava segurando minhas
nádegas, profundamente enterrado em mim.
Seu corpo estava todo tenso, mas sua voz era baixa.
― Não posso te dar o que você quer.
Eu assenti.
― Eu não quero declarações e café na cama, quero apenas
que dentro das paredes desta casa nós possamos ser eu e você. Do
jeito que estamos agora.
Ele pegou uma mecha do meu cabelo e colocou atrás da
orelha.
― O coração é só um órgão do meu corpo, Abriela, e ele não
vai amolecer. Pode viver com isso?
Não, eu não podia.
Mas assenti mesmo assim, porque viver sem ele de qualquer
jeito não era uma opção.
― Se for preciso viver uma mentira, que seja. Ao menos eu
tenho você.
Seu corpo endureceu, porém eu ignorei.
Meu último pensamento foi que, finalmente, eu iria dormir em
seus braços sabendo que tinha tudo o que precisava dele.
Assim que a campainha tocou no dia seguinte, eu corri do
jardim e olhei pelo olho mágico, vendo Giorgia esperando. Eu
hesitei. Minha sogra tinha formas de acessar coisas que eu queria
manter escondida e eu não estava pronta para falar de tudo.
Damon estava dormindo em seu moisés feito sob medida no
jardim, o dia estava quente. Eu só queria terminar meu chá gelado e
esquecer que o mundo lá fora existia.
A campainha tocou novamente.
Eu coloquei um sorriso ensaiado no rosto e abri a porta.
― Giorgia! ― Eu a abracei, mas ela me apertou com um
pouco mais de força, e quando se afastou, seus olhos analisavam-
me como se eu fosse transparente e ela visse tudo dentro de mim.
― Eu não aguentava mais esperar para ver meu neto, Ella.
Pode me chamar de abusada, mas só saio daqui depois de colocar
meus olhos em Damon ― ela fez uma pausa ― E depois vou ficar
para me convencer de que você está bem.
Eu levei alguns segundos para deixá-la entrar.
― Ele está no jardim.
Minha sogra passou por mim com e deu um aperto em meu
ombro, indo direto naquela direção.
Cada passo dela com seus saltos ecoando fazia meu coração
bater mais rápido. Eu respirei fundo algumas vezes antes de segui-
la.
Quando a encontrei, ela já tinha Damon em seus braços, o
rostinho dele em seu ombro e sua mão esfregando as costas do
meu filho. Giorgia tinha os olhos fechados e lágrimas escorriam por
seu rosto.
― Grazzie, grazzie[9] ― ela sussurrava repetidamente.
Eu peguei um copo com chá pra ela e me sentei na cadeira ao
lado do moisés. Eu duvidava que ela fosse colocá-lo de volta.
― Estávamos aproveitando o fim do sol.
― Você está exatamente como eu quando Lucca chegou.
Nervosa, ansiosa, preocupada... desconfiada.
Forcei um sorriso, encolhendo os ombros.
― Deve ser coisa de mãe de primeira viagem. Estou ansiosa,
realmente.
Ela me olhou atentamente, antes de se sentar na cadeira à
minha frente, ainda mantendo Damon aninhado.
― Eu ficava pensando todo o tempo como seria quando ele
finalmente estivesse em casa. ― Giorgia sorriu. ― E quando, enfim,
o tive em meus braços, não queria deixá-lo por nem um minuto.
Amava abraçar, tocar, apertar, dar banho. Eu amei até mesmo trocar
as fraldas. Me perguntava todos os dias... Será que ele vai me
amar?
Meus olhos marejaram porque era exatamente o que eu sentia
e pensava.
― Eu estou aproveitando essas primeiras semanas. ― Engoli
em seco. ― Tem sido mágico.
Giorgia riu.
― Mágico, Ella? Imagino pelo seu rosto abatido como está
lidando com as dores, as mudanças de humor, os seios
machucados, o cansaço. Algo me dizia que eu devia vir vê-la. Eu
tive quatro e criei três até a vida adulta, digamos que sei o que fazer.
Eu mesma a teria chamado se tivesse disposição para encarar
os olhos da minha sogra.
― Obrigada por ter vindo. ― Mordi o lábio inferior, lembrando-
me da conversa com Lucca na noite passada e das coisas que ele
me contou.
― Eu sei de tudo, Ella.
Meus olhos expandiram conforme eu entendia o que quis dizer.
― Tudo? Tudo o quê?
Giorgia suspirou, cruzando as pernas.
― Digamos que Luigi fala demais quando bebe.
Seus olhos eram tão gentis e tinha um sorriso tão
reconfortante que eu senti um pouco do peso do meu peito ser
erguido e arremessado longe. O peso daquele segredo, de não
poder compartilhar minhas fraquezas, de estar presa à pele da
esposa do chefe da Cosa Nostra e por isso, precisar seguir em
frente sem demonstrar fragilidade quando tudo o que eu me sentia
era frágil.
Uma lágrima escorreu do olho quando limpei a garganta.
― O que ele disse?
― Tudo, Ella. ― Ela fitou o rostinho de Damon. ― Damon é
precioso demais, eu sinto muito que não podemos conhecer nossa
pequena menina.
― Vittoria ― falei pela primeira vez em dias o nome dela,
sentindo aquela mesma dor profunda.
― É um lindo nome. ― Giorgia se inclinou para a frente e
pegou minha mão, dando um aperto. ― Você é jovem e poderá
realizar esse sonho outra vez. Enquanto isso, Damon vai te mostrar
como é sentir o amor mais puro. Vai te fazer prender a respiração
com seus sorrisos e chorar como nunca quando a primeira palavra
for “mamma”. ― Ela ergueu o queixo, engolindo com força. ― Vai te
fazer sentir orgulho de ter mentido para todos para protegê-lo assim
como eu, e você não vai nem se lembrar que não deu à luz a ele.
Meu coração pulou ao ouvir isso.
― Giorgia ― sussurrei, em alerta olhando para os lados.
― O que eu quero dizer... É que não importa que esse bebê
não tenha seu sangue. Ele não poderia ter uma mãe melhor do que
aquela que abriu mão de seus próprios princípios para lhe dar uma
vida melhor do que a que estava destinado.
Caí em lágrimas, afundando o rosto em minhas mãos e
soluçando. De repente ela estava de pé, abraçando-me com Damon
entre nós.
― Shh... tudo bem, menina linda. Tudo bem...
Ela sabia. Ela entendia.
Ela ganhou Lucca, mas perdeu Mia. Assim como eu com
Vittoria e Damon.
Eu chorei mais forte, a ponto da minha cabeça doer e meu
coração ficar cheio a ponto de explodir com sentimentos me
atacando de todos os lados.
Eventualmente, Giorgia foi até a cozinha quando me acalmei,
voltando com dois copos e uma jarra de água. Eu tomei longos
goles até esvaziá-lo. Envergonhada, a encarei.
― Thomas me enviou para o Alasca durante a gravidez da
prostituta que deu à luz a Lucca. Me fez viver com ela e um soldado
por meses. Me fez servi-la e aparecia eventualmente para fazer
sexo com ela na minha frente. Eu disse a todos que estava
deprimida, meus amigos e família, disse que queria ficar sozinha.
― Sinto muito, Giorgia.
Sempre que eu pensava que Thomas tinha atingido um ponto
mais alto com suas ações, descobria algo que o tornava ainda pior.
― Eu não lamento. Ter Lucca em meus braços foi o contrário
do que ele esperava.
Eu queria dizer a ela que Lucca se abriu comigo e me contou
coisas que ela precisava ter conhecimento. Giorgia passou as
últimas duas décadas tentando conquistar o próprio filho, mesmo
que Lucca não precisasse dela agora, ela merecia aquele alívio.
Eu hesitei por tempo demais, se alguém pudesse arrancar
minha dor do peito, eu queria que fosse feito e ela merecia o
mesmo.
― Giorgia, eu quero falar sobre aquelas duas semanas que
Lucca passou longe quando era criança. Quando Thom o levou.
Seus olhos se perderam na hora, sendo inundados por uma
tristeza profunda e ela assentiu.
― Não há muito o que dizer, foi há bastante tempo.
― Lucca me disse o que aconteceu.
― Ele... ele contou?
― Sim ― sussurrei. ― E eu sei que ele pode e vai
provavelmente ficar muito furioso comigo quando souber que te
contei, mas você merece saber. ― Respirando profundamente, falei
primeiro sobre como tudo naquela noite começara com o desejo
dele de proteger a mãe.
Contei-lhe sobre o ódio que eles sempre nutriram por Thomas,
como ele ficou apavorado quando acordou naquele lugar. Meu
coração doía com cada enxurrada de lágrimas que deslizavam pelo
rosto dela. Eu a poupei dos detalhes, mas disse a ela como Thomas
contou a Lucca que Giorgia não era sua mãe, em como ele se
sentiu um peso, como se sentiu sujo. E por fim, a necessidade de
proteger seus irmãos mais novos ser mais forte do que tudo, a ponto
de ele decidir se afastar, mesmo tão jovem.
Quando terminei, Giorgia tinha lágrimas por todo o rosto. Eu
não podia fazer nada além de abraçá-la.
― Eu amo os meus filhos mais do que tudo, Abriela. Mesmo
Mia, a minha pequena garotinha, que não está mais aqui. Os amo
da mesma forma, mas Lucca sempre foi especial. Você sabe o que
é irônico? Ele veio da única mulher que Thom amou. Mas quando
descobriu que ela estava grávida, a mandou abortar. Eu era sua
esposa, ela era a amante, ele não podia assumir um filho fora do
casamento. Então ela me procurou e ameaçou contar a todos que
estava esperando o bebê dele se não lhe déssemos dinheiro. Thom
ficou furioso, mas disse que quando a criança nascesse ele lhe
daria mais até do que ela pedia.
― Então... a mãe biológica de Lucca está em algum lugar por
aí? ― Giorgia balançou a cabeça.
― Thom não perderia a oportunidade de me fazer sofrer pelos
seus próprios erros. Ele sempre gostou disso. Então, mandou que a
matassem e trouxe a criança para casa. Imaginou que me
humilharia me fazendo cuidar do bebê.
― Mas isso não aconteceu ― sussurrei, já começando a
entender.
Ela sorriu levemente, com um brilho nos olhos.
― Não. Eu amei o pequeno bebê no momento em que o vi.
Thom não gostou, é claro. Apesar de seu propósito ser me deixar
miserável, me deixou feliz. Ele foi ficando cada dia mais cruel e mais
amargo. ― Seu rosto mudou, trazendo toda sua tristeza à tona
novamente. ― O que ele fez com meu bebê... eu devia tê-lo
protegido mais. Tinha que ter sido uma mãe melhor, para os três!
― Giorgia, por favor... Não é sua culpa. Uma esposa da máfia
não pode se proteger quando o marido quer atacar.
Ela se levantou, passando as mãos pelo rosto.
― Meu filho acha que eu o odeio porque ele não é meu!
― Qualquer um pode ver que você o ama. Só a forma como
olha para ele mostra isso! Eu precisava te dizer o porquê... você
precisava saber que Lucca não te odeia. Acredito que tenha se
afastado porque pensou que estava te machucando. Ele era só uma
criança. ― Minhas últimas palavras saíram como um sussurro. Mas
ela entendeu.
Sabia que meu marido estava destruído por dentro, que não
havia nada nele para ser salvo ou consertado, mas se eu tinha o
poder de tirar aquele olhar triste de Giorgia, faria isso. Aquela
mulher viveu de forma miserável por toda a sua vida, não merecia
sofrer mais.

Antes de ir embora, Giorgia ofereceu sua casa para nós


fazermos a apresentação de Damon à famiglia quando eu estivesse
pronta e me obrigou a subir para o quarto e dormir enquanto ela
cuidava de seu neto.
A confiança e a conexão que eu sentia com aquela mulher foi
mais do que suficiente para que eu subisse e me deitasse, dormindo
por horas seguidas. Acordei com os seios duros, doloridos e
enquanto me levantava, a porta foi aberta e minha sogra colocou
Damon deitado ao meu lado.
― Hora de experimentar um dos maiores prazeres de ser mãe,
Ella.
Ela limpou as lágrimas do meu rosto e me ajudou a arrumá-lo,
e quando ele começou a sugar, eu fechei os olhos, tamanho o alívio.
Sorrindo para a minha sogra, nós ficamos em silêncio vendo
Damon olhar para todas as direções no teto com aqueles olhinhos
azuis profundos. Naquele silêncio compartilhamos mais do que
palavras poderiam dizer.
Sabe, todas as mulheres mais sábias tiveram que fazer desse
jeito
Porque nós nascemos para ser os peões dos jogos dos
amores
Então eu te disse que nada foi por acaso
E que na primeira noite que você me viu, nada iria me parar
Eu preparei o terreno e logo vi um sorriso feroz
No seu rosto, você sabia o tempo todo
Você sabia que eu sou uma mestra da manipulação
E agora você é meu
É, tudo o que você fez foi sorrir
taylor swift, mastermind
― Pare de me olhar com esses olhinhos de quem sabe que vai
ter tudo o que desejar no mundo ― murmurei, segurando suas
pequenas mãos enquanto ele chutava o ar. ― Você sabe que não
consigo te negar nada.
Cada nova descoberta era incrível para mim. Todas as vezes
que ele sorria era como se o mundo todo estivesse aos meus pés.
Seus olhos idênticos aos de seu pai tinham um brilho inocente que
só uma criança poderia ter, e eu sempre me perguntava se Lucca
fora assim alguma vez.
Seu pequeno punho apertou meu dedo indicador com força,
enquanto ele sorria.
― Eu sei, meu amor, mamma também ama você. ― Dei-lhe
um beijo na bochecha gordinha.
Ajeitei seus cabelos pretos para trás, fazendo um topete que
não era normal em uma criança de dois meses.
Estava nervosa, ansiosa e não tinha ideia do que aconteceria.
O dia seria longo e quando eu me pegava pensando que toda a
minha família estaria lá para me dar apoio, lembrava que o restante
da famiglia fora convidada também.
― Vamos ― murmurei, beijando sua cabeça.
Fiquei parada no topo da escada por um tempo, apertando-o
contra mim. Seu pequeno corpinho se encaixava no meu colo tão
perfeitamente, o cheiro gostoso de bebê impregnava em mim por
toda parte... Como era possível amar tanto alguém daquela forma?
Quando cheguei à sala, a conversa imediatamente parou e
meus olhos foram direto para meu marido. Lucca, como todos os
outros homens, estava de preto.
Era um momento muito importante e simbólico, onde Damon
seria visto pela primeira vez e reconhecido como um membro da
família por seus nonni.
Avôs geram os filhos e filhos geram netos.
Uma linha de geração a geração que em nosso mundo não
podia ser quebrada.
E Damon seria celebrado como um príncipe. A maior benção
que Deus nos enviou.
Eu tentei não pensar em Vittoria, de que ela deveria estar ali
também porque isso me faria correr e me esconder.
Meu pai se aproximou devagar, sorrindo e pegou Damon dos
meus braços, enquanto Thomas abria a garrafa de vinho seco mais
antiga que havia na casa. Vestindo somente suas fraldas, meu bebê
teve seu pré-batizado. O avô paterno despejou o líquido em uma
colher e colocou na pequena boca de Damon, gritando “Uva!”, e nós
respondemos com "Vida!".
As palmas que se seguiram o assustaram e ele torceu o
rostinho, prestes a chorar. Anita e Alessa foram em sua direção,
pegando-o. A emoção em seus rostos por ver o sobrinho pela
primeira vez era nítida.
Dante e Luigi observavam de longe, lado a lado. E enquanto
Dante analisava tudo com seriedade, Luigi tinha um sorriso no rosto,
brincando com o terço pendurado no pescoço.
Não deveríamos conversar porque aquele domingo era
sagrado, mas todos estavam empolgados demais para obedecer.
― Ele é tão gordinho ― Alessa observou, segurando sua mão.
― Ele mama demais ― respondi com um sorriso. ― É um
guloso.
― Veja só, é igual ao tio ― Luigi zombou.
Anita revirou os olhos.
― Ele é um bebê, não ofenda o meu sobrinho.
― Estaria ofendendo se dissesse que ele tem algo de você,
Bonucci.
― Vá se foder, você é um porco ― ela rosnou.
― Anita! ― papai a repreendeu. ― Respeite a casa do
padrinho. É dia do batizado do filho homem!
― Eu quero dizer algo antes de irmos, enquanto estamos em
família. ― Engoli em seco, observando os rostos que me
encaravam com surpresa. ― Hoje também seria o batizado de
Vittoria, e quando estivermos na igreja eu gostaria que todos
fizessem orações por ela.
― É claro, Ella. ― Alessa me abraçou.
― É honrado que façamos isso ― Dante concordou de longe.
― Também não quero ouvir nada sobre o filho homem. Vittoria
não teria sido menos do que Damon.
Minha sogra assentiu, sorrindo com orgulho, e ao fitar Lucca,
encontrei surpresa e satisfação em seus olhos.
― Vamos ― ele disse, e todos o seguiram para fora.
Seguimos para a pequena igreja onde o batizado aconteceria.
Muitos carros já estavam estacionados. Para mim, era um dos
momentos mais importantes da vida do meu bebê, onde ele seria
abençoado e encontraria Deus para protegê-lo no caminho que o
nosso mundo o obrigaria a trilhar, mas para a máfia era como o
evento do ano.
Quando eu pedi a Lucca que fosse algo pequeno e íntimo, sua
resposta foi simples.
Não.
Assim que descemos do carro passamos a meia hora seguinte
recebendo os cumprimentos dos Capos de Miami, Chicago e Nova
York. Além de pesares por Vittoria. Eu fiquei satisfeita em não ouvir
um único comentário sobre o sexo do meu filho, não sabia o que
teria feito se alguém desrespeitasse a minha filha daquela forma.
Primeiro, iríamos assistir à missa como todos os domingos,
depois Damon seria batizado. Nós nos sentamos nas primeiras
fileiras. Anita, com o afilhado no colo, e Luigi sentado a contragosto
ao seu lado. Os dois não se suportavam, eram parecidos demais,
mas eu esperava que encontrassem um meio termo pelo bem de
Damon.
Lucca observava tudo com seus olhos de falcão, mas
permanecia calado.
Emoção me dominou quando o padre começou a fazer as
rezas e minha irmã e cunhado seguraram meu bebê, vestido na
mesma camisola branca que Lucca tinha usado.
Ele só acordou quando a água bateu em sua testa, o chorinho
ecoando pelas paredes antigas enquanto o coro entoava uma
canção.
Apesar da certeza de que tínhamos muitos inimigos, sabia que
meu filho estava guardado, e eu tinha certeza de que Deus o
protegeria de todo o mal.
Lucca dirigia com a feição séria. Seus dedos apertavam o
volante com força, e ele fazia as curvas de forma brusca até eu lhe
pedir para ir devagar, já que Damon estava no banco de trás.
Os cenários do que poderia acontecer hoje me tiravam a calma
que já não existia. Meu filho seria nada mais do que um objeto a ser
exibido.
Todos olhariam para ele em busca de algo para falar. Um
defeito na pele, no corpo, no cabelo, no rosto ou uma peça de roupa
amassada. Cada pequeno detalhe seria analisado. E, por fim, eles
passariam o resto da festa bajulando meu marido por ter feito um
filho perfeito. Não tinha ideia do que Lucca estava pensando, mas
sua mandíbula trincada e os nós dos dedos já brancos de tanto
apertarem o volante me diziam que ele estava tão entusiasmo para
a festa quanto eu.
― Eu não preciso te lembrar que você é a rainha e pode fazer
o que quiser ― ele disse de repente.
Eu o fitei com surpresa.
― Todos vão esperar que eu responda a todas as perguntas e
seja falsa, Lucca. Vão me apontar todos os dedos.
Ele estacionou na entrada da casa dos meus sogros e me
olhou.
― Você vai entrar lá, mostrar seu filho e responder o que
quiser. Se te apontarem o dedo, eu vou lidar com isso.
― Nós não podemos desrespeitar as pessoas da famiglia, não
seria bem-visto.
― Eu posso fazer qualquer porra, e você, bella, tem carta
branca do chefe para seguir o mesmo caminho.
Um sorriso sincero brotou em meu rosto.
― O padrinho está abençoando minha rebeldia?
Ele sorriu torto, seus olhos cruéis ansiando por caos, mas ele
não podia soltar seus desejos de anarquia dentro da famiglia.
― Moderadamente, não seja como sua irmã ou eu vou
castigar você.
― Me castigar? ― Abaixei a voz, sentindo um calor no
estômago que me fez sorrir, porque senti falta disso. Eu só tinha
experimentado luto, tristeza e temor. Damon era o alívio dos meus
dias, trazendo-me paz, conforto e felicidade. No entanto, eu senti
falta de ser olhada daquele jeito por Lucca, senti falta de desejar ser
vista por ele.
― Abriela, Abriela ― recitou num tom rouco, mordendo o lábio
inferior. ― Não me provoque quando não vai gostar de ser levada
para um dos banheiros dessa mansão e ser fodida pelo lobo mau.
Eu me arrepiei, suspirando.
― Eu aceito o seu antigo quarto também.
Lucca riu baixo. Uma risada provocativa e cínica.
― E eu pensando que tinha me casado com um anjo ―
murmurou, olhando no fundo dos meus olhos.
Eu me inclinei mais, esmagando meus seios ― e agradecendo
por estarem um pouco melhores graças as dicas de remédios e
tratamentos de Giorgia ― em seu braço. Eu suguei seu lábio em
minha boca por dois segundos, beijando-o rapidamente.
― Nenhum anjo fica puro por muito tempo quando vive com o
diabo ― sussurrei.
Lucca rosnou e agarrou os cabelos da minha nuca, mas antes
que pudesse fazer o que pretendia, alguém bateu no capô do carro,
fazendo-me sobressaltar.
― Saiam, porra, a festa não vai começar sem vocês ― Luigi
gritou lá de fora. Anita revirava os olhos, empurrando-o para passar
e abrir a minha porta.
― Não acredito que está sendo corrompida por ele aqui, Ella,
em público?
Luigi se aproximou dela por trás, chegando a boca perto de
seu ouvido.
― Vai dizer que você nunca se corrompeu em público,
Bonucci?
― Fique longe de mim, maledetto! ― Ela virou com a mão
erguida para dar um tapa em seu rosto, mas Lucca segurou seu
pulso e a puxou para perto.
― Lucca! ― chamei.
― Fique fora disso, Abriela.
Eu odiava isso, que ele mudasse tanto quanto alguém estava
perto. Odiava me sentir um lixo quando me sentia tão desejada um
minuto atrás.
― Não fale assim com a minha irmã ― Anita rosnou.
― Não abra a boca com o seu desrespeito pra mim, garota, eu
vou fatiar você e engolir crua antes mesmo que pense ter garra pra
falar assim comigo. Luigi, você dá corda e brinca com isso, mas
quando essa puta levanta a mão para o consigliere, é hora de parar
com os joguinhos. ― Ele a soltou bruscamente, fazendo Anita
recuar alguns passos.
Ela torceu o nariz, estreitando os olhos, e avançou para Lucca.
Luigi segurou seu braço, mas ela deu um murro no peito de
Lucca mesmo assim.
― Eu não sou puta, e eu não dou a mínima para você e seu
consigliere de merda. Vá se foder!
O rosto de Lucca se transformou em pedra e eu assisti em
câmera lenta quando ele pegou sua arma do coldre no interior do
terno e a colocou na têmpora da minha irmã, olhando em seus
olhos.
― Você vai se foder, puta ― rosnou.
Os olhos de Anita brilharam com lágrimas de ódio, mas ela não
recuou. Minha irmã ergueu o queixo.
― Atire, me fará um favor.
Lucca destravou a arma e sorriu, pressionando-a mais forte.
― Será um prazer.
Luigi bateu na mão de Lucca, e se colocou na frente de Anita.
― O problema são os meus jogos, resolva comigo, irmão.
Lucca lhe apontou o revólver.
― Saia da minha frente, porra. Ela quer morrer? Ela vai
morrer.
― Não! ― gritei e segurei seu sobretudo. ― Lucca, por favor,
por favor! É a minha irmã!
― Abriela ― rosnou.
― Não! Lucca, juro pela vida do meu filho, se você atirar eu
vou embora. Eu pego essa arma e atiro em meu peito!
Ele fitou Luigi, que praticamente escondia a minha irmã com o
corpo.
― Luigi pare de sorrir, isso é sério! ― implorei.
Ele ergueu as mãos.
― Só estou defendendo a honra de sua irmã, não é isso o que
somos? Honrados.
Eu o ignorei, fitando Lucca outra vez. Ele abriu a boca, e por
um momento eu senti, simplesmente sabia que ele ia dizer que não
dava a mínima.
― Por favor ― sussurrei, implorando com o olhar grudado no
seu.
Eu vi um turbilhão de coisas passarem em suas íris azuis, ele
franziu o cenho com a arma para o peito de Luigi, que antes mirava
a cabeça da minha irmã.
― Saia da frente ― disse entre dentes cerrados.
― Eu não posso, ela é meu coração, Lucca. Por favor.
― Seu coração vale tão pouco assim?
― Ela é meu coração, mas você também é. ― Ele piscou ao
me ouvir, como se eu estivesse ficando louca. ― Não faça isso
comigo.
― Tudo bem, porra ― disse Luigi. ― Eu vou parar com os
jogos. É o batizado de Damon, não precisamos dessa bagunça.
― Ela tem que aprender a respeitar a lei. E eu sou a porra da
lei!
― Luccare. ― Ouvi a voz de Dante e quando ele se aproximou
e segurou o cano da arma por cima da mão de Lucca, meu marido
não recuou. ― Se você quer puni-la faça isso de outra forma, ela é
a madrinha do seu filho. Você vai se arrepender disso. Abaixe a
porra da arma ― Dante rosnou, mas seu tom estava cheio de algo a
mais.
Eles eram completos opostos. Lucca apontava uma arma para
a minha irmã, um pedaço de mim.
Luigi era louco o suficiente para se colocar na frente daquela
bala, sabendo quem seu irmão era e do que era capaz.
E Dante ia contra Lucca mesmo sabendo que podia ser punido
por isso.
Isso me fazia sentir tanto protegida, quanto condenada.
No fim, era impossível saber qual deles era o mais letal.
Eu dei uma olhada em seu rosto, vendo que parecia diferente,
mas eu não sabia o que era.
― Lucca. ― Levei minha mão ao seu coração, pressionando-a
onde batia tranquilamente, como se ele não estivesse ameaçando a
vida da minha irmã.
― FAÇA ISSO LOGO! ― Anita gritou.
― Caralho, já chega ― disse Luigi, e a puxou para trás,
levando-a para dentro da mansão enquanto Anita xingava e era
impedida de voltar por ele. Dante abaixou a mão de Lucca e pegou
a arma, enfiando-a em seu paletó. Ele apontou para o carro com
uma expressão severa e um tom clínico.
― Abriela, pegue Damon e nós vamos entrar. Precisa de um
momento, meu irmão?
― Não ― disse Lucca, dando a volta e caminhando alguns
passos, passando a mão pelos cabelos e ajeitando o sobretudo por
cima do terno. ― Vamos fazer isso.
Dante se aproximou e colocou o dedo em seu peito. A
expressão séria e ameaçadora como eu nunca vi antes.
― Tem. Certeza?
― Sim ― Lucca rosnou e empurrou seu dedo.
Eu peguei Damon e me aproximei novamente.
― Estamos prontos.
Dante tirou um lenço do bolso e me entregou.
― Enxugue seu rosto.
Eu levei os dedos ao rosto, percebendo que nem sequer notei
que estava chorando, tamanho o meu choque.
Lucca me estendeu as mãos.
― Me dê ele, eu devo apresentá-lo. ― Eu hesitei, surpresa
demais com o pedido. Dante assentiu.
― É a tradição. O homem leva o filho homem e o apresenta à
sociedade.
Eu concordei e quando o fiz, percebi que nada teria me
preparado para a visão de Lucca segurando Damon no colo. Era a
primeira vez, mas eu sentia que meu coração estava acostumado
com aquela cena. Emocionei-me e pisquei algumas vezes para
afastar as lágrimas.
Eu ajeitei o cabelo do bebê e ele sorriu para mim. Inclinei-me e
beijei seu pequeno nariz. Lucca o carregava em um braço, virado
para a frente, e Damon segurava sua mão, explorando os dedos
longos do meu marido com seus pequenos dedinhos cheios de
baba.
Pegar Damon para mim pela primeira vez foi uma experiência
de outro mundo, mas Lucca estava tratando como se estivesse
carregando uma bolsa cheia de armas, para ele, nosso filho era o
mesmo que isso. Algo para fortificar seu poder e sua posição.
O herdeiro da máfia.
O príncipe da Cosa Nostra.
Quando nós entramos, a casa cheia de pessoas influentes em
nosso círculo abriu espaço para passarmos.
― Oba!
― Viva, Damon Lucca DeRossi!
― Salute![10]
As palmas, a música baixa, e os rostos desconhecidos
deveriam ter perturbado o meu filho, mas Damon ria e balançava as
mãos no ar. Lucca acenava para os cumprimentos e aceitou os
apertos de mão com sua expressão neutra de sempre.
Havia tanto orgulho e devoção nos olhos das pessoas
conforme passávamos, mas quando olhavam para Damon parecia
algo mais, era como se vissem nele o que Lucca era e estivessem
vendo o que meu filho seria futuramente.
Eu queria pegá-lo e correr para o mais longe possível.
― Padrinho ― Mario Cognato, o subchefe de Nova York, tinha
lágrimas nos olhos quando pegou a mão de Lucca e beijou seu anel.
― Viva e salute ao pequeno Damon.
Ele me ignorou, mas sua esposa pelo menos trinta anos mais
jovem que ele me deu um sorriso.
― Parabéns, senhora DeRossi. E sinto por Vittoria.
Suas palavras, ainda que ensaiadas, significavam mais para
mim do que ela podia imaginar. Eu amava Damon, mas vê-lo sendo
homenageado e reverenciado quando ela era esquecida, fazia as
feridas do meu coração sangrarem.
Nós passamos por todos na casa, e eventualmente pudemos
nos separar. Giorgia pegou Damon, e eu fiquei com Alessa.
― Você viu Anita? ― perguntei.
― Não, mas vi algo que não queria.
― Lucca ia matá-la ― soltei, fazendo Alessa arregalar os
olhos e quase cuspir seu champanhe.
― O quê?!
― Ela o irritou, ela... você sabe. Desrespeitou Luigi e ele de
uma vez só e Lucca perdeu a cabeça, apontou uma arma para a
cabeça dela.
― Caralho ― Alessa murmurou baixo. ― E eu pensando que
estava perturbada o suficiente.
― O que houve?
― Eu acabei de ver o subchefe cheirando cocaína no lavabo
do segundo andar enquanto Carmén Verona chupava ele e Denise
Colombo era masturbada.
― Por Carmén?
― Por ele!
― Meu Deus. ― Eu estava escandalizada. ― O subchefe de
Nova York?
Alessa me fitou como se eu fosse louca.
― Dante, Abriela. Dante DeRossi.
― O quê? ― elevei a voz. Alessa balançou a cabeça,
fechando os olhos.
― E o pior é que ele nem me viu. Ele continuou fazendo
enquanto eu estava ali chocada demais pra dizer algo. Foi o grito de
Denise que me acordou e eu fechei a porta rapidamente.
― Carmén não é casada com Danilo Marcone?
― Sim, e está grávida.
― Meu Deus ― repeti. Eu não sabia mais o que dizer. ―
Dante não parece ser capaz de algo assim.
― Só porque ele fala bonito e acha que vive em mil e
seiscentos? ― Ela bufou. ― Homens são homens, Ella. Por dentro,
todos são podres independentemente de como se parecem por fora.
Sorria, as esposas estão vindo.
Alessa sorriu brilhantemente e eu fiz o mesmo.
Aida Tomaro foi a primeira a me abraçar, seguida por Belinda
Gianni veio em seguida, Gema Fraccele e Leana Graziano tinham
seus sorrisos perfeitos no rosto enquanto me cumprimentavam e
cada uma encontrou um espaço na roda.
― Estou tão feliz que está aqui com seu bebê! ― disse Leana.
― Sim! E devo dizer que estou tão feliz por ser um menino! ―
Belinda era a única que tinha um sorriso sincero no rosto e essa foi
a única razão para eu não ter ficado irritada. Belinda sofria há anos
com os julgamentos de ter três meninas.
― Belinda, siga o exemplo ― Aida destilou seu veneno.
O marido dela, Simone Tomaro, era o homem mais asqueroso
que eu já conheci. O que fazia deles um belo casal. A maioria das
mulheres da máfia eram difíceis de engolir, mas Aida tinha minha
completa antipatia.
Belinda abaixou a cabeça, envergonhada.
― Eu estou feliz pelo nascimento do filho do padrinho.
― Eu também tive uma menina, Aida, mas ela morreu. ― Eu
sorri sem mostrar os dentes e toquei o braço de Belinda. ― Estou
feliz que a sua é saudável e forte.
Gema apontou para Aida.
― Ela não teve culpa de ter uma menina. Melissa é uma
garotinha adorável.
Aida ficou tensa, irritada por ser colocada na posição de não
ter ninguém concordando com seu ponto de vista.
― Eu não falei por mal, é claro. Respeito sua dor, Abriela, e
sinto muito.
― Acho que filhos são bênçãos, independente do sexo. Tenho
certeza de que Ciro é feliz com suas três meninas ― disse Alessa,
sorrindo para Belinda. O que a fez parecer aliviada.
Naquele mundo, depois de ter me casado com Lucca, minha
palavra era mais importante do que a delas. Então, se eu apoiava
Belinda, as outras mulheres não tocariam mais no assunto, pelo
menos não em público.
― Podemos ver o bebê? ― Gema perguntou.
A pergunta era apenas formalidade, se eu não as deixasse vê-
lo e pegá-lo, seria desrespeitoso. Naquela noite eu deveria
apresentá-lo às pessoas.
― É claro. ― Forcei um sorriso e ao dar uma olhada no salão,
vi Anita. Acenei para a minha irmã, chamando-a.
Ela parecia aérea, mas eu imaginava que fosse pela situação
com Lucca.
― Você está bem? ― perguntei baixinho ao pegar Damon.
― Sim.
Coloquei o bebê de frente para as mulheres, segurando-o
firmemente contra meu peito.
― Senhoras, conheçam Damon Lucca DeRossi. ― Ele tinha
os olhinhos abertos e sustentava um bico. Leana chegou perto dele
e segurou sua mão.
― Dio... os olhos dele são iguais aos de Luccare.
Gema assentiu.
― Verdade, o cabelo também.
― Acho que será tão bonito quanto ― Aida falou, olhando para
o bebê e franzindo o nariz logo depois. ― Eu acho que o nome dele
deveria ser apenas Lucca.
― Você acha demais, Aida ― Anita resmungou, olhando com
tanto tédio para a cena que eu quis rir.
― O nome dele é Lucca ― eu disse tranquilamente.
― O segundo nome, sim, não o primeiro.
― Lucca aprovou Damon se chamar Damon ― decretei. Na
verdade, Lucca não tinha nem mesmo falado sobre o assunto
comigo, mas ela não precisava saber.
― Só estou dizendo. É o primeiro filho dele, e você foi
abençoada com um menino, deveria ter honrado seu marido
colocando o nome dele no herdeiro.
Controlando-me para não a mandar ir à merda, eu sorri.
― Com licença, senhoras, meu filho deve estar com fome.
Belinda arregalou os olhos.
― Por favor, não o alimente aqui, podemos levá-la a uma sala
privada, assim os homens não vão ver.
Eu a encarei por um momento. Eu a tinha defendido e ela com
certeza não soube retornar o favor.
Alessa, num tom que vagava entre mordaz e educado disse:
― Se seu marido não for estúpido o suficiente para olhar para
os seios da mulher do padrinho, você não deveria se preocupar,
Belinda.
― Não é por isso ― ela negou nervosamente. ― Ciro é muito
fiel. É que não acho um comportamento adequado, isso é tudo.
― Fiel? ― Anita questionou, colocando as mãos na cintura. ―
Diga isso para as putas dos clubes da famiglia.
― Eu volto logo! ― interrompi antes que pudesse continuar,
mas tarde demais e entrei na primeira porta que vi, seguida pelas
duas. Quando Alessa a fechou, nós caímos na gargalhada.
― Jesus! A cara dela foi impagável ― disse Alessa, ainda
rindo.
― Eu aposto que elas estão te colocando na lista negra das
festas do chá da famiglia neste momento, Anita.
― Espero que sim. Era tudo que eu queria. ― Ela pegou meu
bebê e se sentou.
― Como se já não bastasse a quase morte e a orgia com
drogas no banheiro, ainda arrumamos confusão com as esposas da
famiglia ― Alessa ponderou.
― Orgia com drogas? ― Anita gargalhou. ― Caralho, conta
isso direito!
Pelo resto da noite Damon passou de braço em braço, de colo
em colo, sendo apresentado a todos. Eu começava finalmente a
relaxar vendo que ninguém estava me importunando. Os homens
me parabenizaram por ter tido um menino após os aperitivos serem
servidos, e eu já não aguentava mais. Tive que ouvir, inclusive,
sobre como o meu corpo estava em forma apenas dois meses
depois de ter ganhado o bebê. Para a minha sorte, quando elas
quiseram se aprofundar neste assunto, Luigi chegou e me salvou do
embaraço.
Quando Lucca finalmente se aproximou de mim e me entregou
Damon de volta, eu já estava quase bocejando de sono e cansaço.
― Já podemos ir? ― perguntei.
― Em cinco minutos, eu preciso fazer algo antes.
Ele deu leves batidas em seu copo de Bourbon, chamando a
atenção das pessoas. Quando todos pararam o que faziam e
fizeram silêncio para observá-lo, Lucca começou:
― Em nome da minha família recém-aumentada, e da nossa
sociedade em Milão, agradeço à presença de vocês, companheiros
nesse dia importante e memorável. Eu gostaria de aproveitar o
evento festivo e a quantidade de ouvidos atentos para comunicar a
vocês uma nova união entre as famiglias em nosso país. ―
Sussurros surpresos e ansiosos encheram o ar. ― Sem delongas...
Vocês sabem que Santo vai assumir a cadeira da família Bonucci
como capo.
Houve aplausos e comemorações, algumas pessoas perto do
meu irmão apertaram seu ombro e eu podia ver olhares de jovens
solteiras analisando-o.
― Mas há uma outra família que precisa de uma visão mais...
atual para o futuro. Por isso, anuncio que Otto Fanaro e Anita
Bonucci vão nos presentear com um belo casamento, e assim,
vamos fortalecer laços quebrados no passado.
Eu apertei Damon em meus braços e busquei Anita,
encontrando sua taça aos seus pés. Ela tinha a boca aberta em
choque, e olhava para todos que falavam com ela com os olhos
aterrorizados.
Eu comecei a me mover em direção a ela, mas Lucca me
segurou antes, seu sorriso diabólico era conhecedor e intencional.
― Lucca, o que você fez?
― A castiguei de outra forma. Agora estou pronto para ir.
Ele segurou meu braço, arrastando-me para fora, obrigando-
me a acompanhar seus passos. Eu olhava para trás, sem conseguir
ver Anita, mas torcendo para que Alessa a encontrasse.
― Me deixe ficar com ela, Lucca, por favor!
Ele colocou Damon no banco de trás e se aproximou de mim,
dizendo a centímetros do meu rosto:
― Você queria que ela vivesse, ela vai viver. Mas levará a
porra da vida do meu jeito, quem sabe assim ela aprende a seguir
algumas regras.
Eu fui enfiada dentro do carro e toquei o vidro, fechando os
olhos ao sentir meu coração se partindo pela minha irmã.
Anita jamais aceitaria isso de bom grado, na verdade, ela ia
preferir estar morta.

― Não foi tão ruim quanto pensei que seria ― eu disse a ele
após tomar um banho naquela mesma noite. Lucca estava distante
e calado, o que não era raro, mas definitivamente tinha algo o
incomodando. Eu queria falar sobre Anita, apelar para seu lado
humano com as razões pelas quais deveria desistir do que fez.
Lucca apenas acenou em concordância.
― Você acha que seria diferente se fosse uma menina?
Ele ficou quieto por alguns segundos, depois falou:
― Eles não estariam tão empolgados.
― Foi por isso que você fez o que fez? Para aproveitar a
empolgação de todos?
Ele me deu um olhar cortante.
― Eu já disse que não vou conversar assuntos da famiglia
com você.
― Lucca ― sussurrei, sentando-me ao lado dele na cama. ―
Ela é minha família, me diga que fez isso sem pensar, que foi
impulsivo.
― Eu não ajo por impulso, todas as minhas decisões são
pensadas de todos os ângulos possíveis.
― Mas isso é absurdo! Você vai condenar minha irmã àquele
homem e a uma vida infeliz!
― Cedo ou tarde toda garota da máfia será condenada a um
homem ruim, sua mãe foi, você foi e sua filha... ― ele fez uma
pausa, esfregando o rosto ― chega, Abriela.
Ele ia dizer que minha filha também teria sido. E eu me senti
horrível que por um momento, a constatação de que Vittoria não
sofreria como as garotas da máfia sofrem, me fez sentir certo
conforto.
― Anita não merece isso, Lucca. Ela não faz por mal, isso é
reflexo do tratamento que teve em casa. O ódio de Lorenzo, os
modos como papai escolhia discipliná-la.
― Você e Alessa passaram pelo mesmo e não se tornaram
desrespeitosas. O que Anita faz passa dos limites, eu não posso tê-
la gritando comigo como se eu fosse seu amigo. Eu não sou, porra.
Eu sou seu capo!
― Ela sabe disso! Ela está arrependida, eu sei que está. Se
você me deixar...
― Abriela ― ele disse num único sopro, sua voz determinada
e firme. ― Você se casou comigo e sua família ficou para trás. Eles
têm que ficar. Você é minha esposa e me apoiará. Sua irmã merece
um castigo que ninguém estava disposto a dar a ela, mas eu estou.
Meus olhos lacrimejaram e eu senti meu peito apertar.
― Ela não merece ― sussurrei.
― Você não me conhecia quando nos casamos. Lembra-se do
que eu fiz? Se lembra como eu te obriguei a casar no vestido
manchado de sangue de Labeli? Esse é quem eu sou, você é a
única aqui se convencendo do contrário.
― Eu pedi para não a matar e você não a matou. Isso tem que
significar algo.
Lucca me observou em silêncio por um momento.
― Significa que uma pequena parte de mim se satisfaz com o
que temos. Uma parte que restou da minha humanidade se importa
com você, mas isso não quer dizer nem por um momento que eu
vou deixar minhas ações serem governadas pela sua boceta. Ou
que meu coração vai amolecer graças a nossa vida juntos. Eu sou o
que sou e sua irmã se casará com Otto. Isso vai lhe ensinar bons
modos.
Ou será a morte de Otto Fanaro, pensei comigo.
Lucca segurou meu queixo, aproximando nossos rostos.
― Você é minha, bella. E não tem nada que possa fazer sobre
isso. Me odeie, me ame, seja como for, estamos juntos até o dia da
minha morte.
Eu fechei os olhos com força, sentindo lágrimas deslizarem
pelo meu rosto.
― Você sabe que eu jamais conseguiria te deixar, mesmo se
pudesse ― admiti, cravando minhas unhas em suas coxas.
Lucca inclinou a cabeça para o lado.
― É isso o que faz de nós tão letais.
― Mas com Anita não será assim, ela não vai se render a Otto.
― Essa é uma escolha dela e não temos nada a ver com isso.
Talvez você devesse aconselhá-la, mostrar os benefícios de se
entregar ao lado sombrio de um casamento como esse.
Eu passei a língua pelo lábio inferior, odiando-me por desejá-lo
naquele momento, mesmo quando queria matá-lo pelo que fez com
Anita.
― Eu jamais vou aconselhar que ela sinta esses sentimentos.
O que eu e você temos não é normal. Eu morreria por você, Lucca,
mesmo sabendo que você não faria o mesmo por mim.
Ele fechou os olhos, travou a mandíbula e segurou meu
pescoço, aplicando apenas um pouco de pressão.
― Morrer é fácil, Abriela. Alguns minutos de sofrimento e essa
vida acaba. Eu estou fodido estando na minha pele.
― Por quê? ― sussurrei a pergunta, fechando os olhos
quando ele arrastou os lábios pelo meu pescoço.
― Porque matar e morrer por alguém não é nada, quando
você percebe que prefere viver para essa pessoa.
Meus olhos se abriram, e eu encontrei os seus gélidos e
profundos fixados nos meus. Eu segurei seu rosto e o puxei para
cima de mim, recebendo-o sem dificuldades quando arrastou minha
calcinha para o lado e me penetrou de uma vez.
Com cada estocada funda, suas mãos passeando pelo meu
corpo e meus gemidos tomando conta do quarto, eu percebi que
estava irrevogavelmente e nada arrependida por ter entregado meu
coração para esse homem.
Eu mataria.
Eu morreria.
E eu iria viver para Lucca DeRossi.
E a parte mais aterrorizante disso, foi ouvi-lo confessar que
faria o mesmo por mim.
O amor é o mais doce sentimento,
abertamente acredito
Os leões estão em casa
As flores estão no ar
Falhando contra a escuridão
Ninguém precisa ver isso
Fogo na água é o corpo do nosso amor
feist, fire in the water
Eu nunca fui um homem paciente.
Conforme crescia percebi isso em cada uma das minhas
ações. Em como gostava de tudo do meu jeito e na minha hora, em
como burrice me irritava e como não ter tudo o que eu precisava
resolvido me tirava do sério. Matei por muito menos e me senti
aliviado, como se essa merda fosse me ajudar com alguma coisa.
Mas eu não podia matar Dante. Certamente não podia matar Dante
e Luigi. Só que eu desejava essas duas coisas mais do que tudo
alguns dias e não poder realizá-las me irritava pra caralho.
― O prazer da vida de vocês dois é me atormentar.
Luigi riu, seguindo-me para dentro do prédio de Dante. O
porteiro fingiu não nos ver e eu apertei o botão do elevador
repetidamente.
― Porra ― rosnei.
― Não vai chegar mais rápido se você ficar socando essa
merda. Relaxe, ele deve estar se recuperando de uma noitada ―
Luigi disse como se não fosse nada.
― Eu quero que ele, sua noitada e seu sono de recuperação
se fodam. Eu precisava dele e ele não estava lá.
― Abriela está te deixando sentimental, irmão. ― Ele bateu
em minhas costas com as duas mãos. ― Peça o divórcio e volte
para a vida boa de verdade com a gente.
Para o caralho com isso.
― Você vai morrer de gonorreia enquanto Dante se afoga no
vômito da overdose e eu vou cortar o seu pau cheio de verrugas e
enfiar em sua garganta, filho da puta.
A porta do elevador abriu. A gargalhada de Luigi me seguiu
quando ele abriu a porta do apartamento de Dante com uma
paciência que me testava.
― Bem-vindo, alteza ― zombou.
Eu bati a porta atrás de mim e me virei, pronto para gritar seu
nome, mas a cena diante de mim interrompeu qualquer
pensamento.
― Melhor jeito de começar o dia, porra! ― Luigi gritou, fazendo
a prostituta de cabelos loiros e curtos pular do colo de Dante.
De olhos arregalados, ela tampou os seios com o braço e
segurou sua camisola na cintura.
― Existe uma campainha lá embaixo, filho da puta ― Dante
rosnou, levantando-se.
Ver meu irmão em suas duas facetas era algo curioso e
confuso pra caralho.
Lá fora, um homem de outro século assumia o corpo de Dante,
mas quando as portas se fechavam, o assassino viciado em
autoflagelo se escondia no conforto do escuro. Os olhos cinzentos
de Dante, dilatados e bem alertas nos fitaram com desagrado. Ele
tinha o pau pendurado para fora do terno caro denunciando o que
fazia há poucos minutos.
A mulher olhava incerta de um para outro e para o outro. Como
se temesse o que podia acontecer. Dante tirou o preservativo e
jogou a arma no sofá.
― Saia, Amira. ― Ela não perdeu tempo em obedecer ao seu
comando. E não fugiu de mim o olhar magoado que deu a ele.
― Puta merda! ― Luigi exclamou entre o riso e a surpresa.
Dante ajeitou o pau dentro da calça e arrumou o paletó.
― Quero a minha chave de volta.
― Quem é essa mulher? ― perguntei.
― Ninguém.
Eu fitei Luigi, que tinha um sorriso doente no rosto. Ele estava
se divertindo, o que significava que sabia de algo.
― Quem é ela? ― repeti a pergunta com mais ênfase dessa
vez.
Dante caminhou até estar à minha frente e apontou para o
chão entre nossos pés.
― Uma hóspede na minha casa. Minha casa. Ou seja, minhas
regras.
― Amira Cardinale ― disse Luigi.
― Cardinale?
― Sim, Nova York e essas merdas. ― Luigi caiu
dramaticamente em uma das poltronas do cômodo escuro e
suspirou. ― Eu a encontrei dois anos atrás em um bordel caindo
aos pedaços e a trouxe para Dante ― suas sobrancelhas dançaram
―, mas a ideia era que ele encontrasse um lugar seguro para ela,
não que a mantivesse como seu pet domesticado, mas eu entendo.
Boquete incrível e boceta apertada pra caralho, eu também teria
ficado com ela por um tempo.
― Você a quer? ― perguntei ao meu subchefe.
― Eu já a tenho, mas se está perguntando se quero me casar,
a resposta é não.
― Ninguém fica com alguém por anos sem que sinta algo.
Luigi abriu os braços, ainda sentado.
― Se for levar por esse lado, Dante sente coisas por muitas
mulheres, como Denise e Carmén.
Dante o fitou com surpresa, como se não entendesse como
era possível Luigi saber tal informação.
― Cale a boca, maníaco filho da puta.
― Como você faz pra gerenciar essas duas personalidades lá
fora? Deveria me ensinar alguns truques, eu fico com todos os
julgamentos quando você claramente é pior.
― Como se você desse uma foda por julgamentos.
― Eu não me importo com suas múltiplas personalidades,
contanto que elas não os impeçam de atender a porra do telefone.
― Fitei Dante. ― Quer ir avisar a sua prostituta que estamos
saindo, irmão?
Ele me deu um olhar que mostrava sua impaciência em lidar
com o assunto e passou por mim, saindo pela porta.
― Vamos logo com isso.
Luigi o seguiu com um sorriso no rosto, e quando entramos no
elevador, eu percebi pelo rosto dele que as piadas estavam longe de
acabar. Seria a porra de um longo dia.

Eu estava deitado quando o primeiro resmungo de choro soou.


Com as costas retas, encarando o teto e sentindo a mão de Abriela
em meu peito, eu fiquei imóvel, esperando que ele parasse, ou ela
acordasse para cuidar do garoto. Na minha caminhada como o mais
jovem chefe da Cosa Nostra, me peguei em diversos embates,
nenhum sendo fácil de solucionar. Eu não gostava de situações
sociais, mas precisava conversar e manter o mínimo de contato com
pessoas ao redor do mundo. Ir a eventos era uma das coisas que
mais me entediavam, contudo, eu tinha que estar lá e mostrar
respeito, sabendo que seria respeitado de volta.
Na máfia tradições eram tudo. Significavam poder, família,
costumes que não deviam ser perdidos e uma constante luta para
ver quem permaneceria de pé.
Quando me casei com Abriela, eu não esperava filhos e
certamente não pretendia sentir tanta fome dela, me sentir
assassino com o simples pensamento de alguém a tocando e
ameaçando tirá-la de mim. Aquele casamento testava minha razão,
a lógica e ameaçava trazer à tona emoções que eu enterrei
profundamente, evitando sofrer outra vez, como quando tinha oito
anos e me preocupava com minha mãe e irmãos a ponto de ignorar
tudo e lutar por eles.
Aquele não era mais eu.
Aquele momento me levou de volta à minha infância, quando
Luigi chorava e eu me desesperava para acalmá-lo, esperando que
Thomas não ouvisse e punisse o meu irmão mais novo. Porém, não
havia um Thomas para assombrar Damon, e por mais que ele não
fosse crescer com um exemplo de pai, eu não seria como o meu
monstro foi para ele. Em breve, o garoto ia descobrir que havia
muitas coisas piores na vida do que sentir fome de madrugada e
depender de alguém para alimentá-lo.
Eu o peguei no colo, lembrando-me da sensação de segurar
Mia ainda bebê e quando seus olhos azuis bateram nos meus, o
choro parou como mágica. Seus gritos acalmando enquanto me
observava.
Olhei para Abriela vendo que ainda dormia.
― Eu não tenho beijos e voz fofa para falar com você, garoto.
Ele fez um barulho do fundo da garganta, olhando-me com
suas íris azuis iguais às que eu encarava todos os dias no espelho e
fez um bico, ameaçando começar a gritar novamente.
Ele cabia quase perfeitamente em minhas duas mãos
enquanto o segurava com os braços esticados, mantendo-o longe.
― Não comece a chorar, eu vou te colocar na cama do
cachorro.
Ele riu, mas gemia baixo, como se estivesse segurando o
choro. Ou o forçando? Talvez ele fosse parecido com Luigi.
Seus dedos pequenos e babados seguraram os meus, olhando
com curiosidade as minhas mãos sujas e manchadas de sangue.
Assim como eu fiz com Abriela, estava diante de uma vida inocente
e eu sabia que aquele garoto não receberia nada de bom vivendo
comigo.
Saí do quarto fechando a porta atrás de mim. Havia uma
manta azul pendurada na escada, eu agarrei e caminhei até o jardim
da casa. Ao passar pela cozinha, vi Juliano sentado na banqueta, e
ele parou a xícara de café no caminho para a boca ao me ver.
Erguendo as sobrancelhas em surpresa.
― Nem uma palavra sobre isso ― rosnei, enrolando o garoto e
abrindo a porta para o jardim.
Ele ergueu as mãos, seus lábios contraindo.
― Eu não ia falar nada.
O bebê ainda tinha os olhos em mim quando eu saí para a
noite. Estava quente e ele olhou ao redor rapidamente antes de
decidir que não estava interessado e voltar a me encarar.
― Pare de me olhar assim. ― Ele balançou os pequenos
punhos cheios de baba no ar e sorriu.
Eu não era um homem de sorrisos e não entendia o que tinha
acabado de sentir. E amor, bondade e compaixão no mundo da
máfia não eram coisas que um chefe deveria sentir, por isso, eu
jamais me permitiria tais sentimentos.
― Não tenho nada de bom para oferecer, garoto, mas juro pela
minha honra que vou proteger você e vou garantir que cresça um
homem honrado ― falei, sentindo-o apertar meu dedo em suas
mãos ao me ouvir. Ele me olhou por mais alguns minutos antes de
encostar a cabeça no meu peito, fechando lentamente os olhos até
dormir.
Seu peito subia e descia grudado ao meu. A respiração estava
alta, eu conseguia ouvir claramente no silêncio da noite.
Quantos homens no nosso mundo corrompido possuíam algo
assim?
Todas as famílias eram construídas na base das aparências.
Esposas conformadas e fracas, maridos que não pensariam duas
vezes em eliminá-las se fosse preciso, porque elas eram nada mais
do que uma garantia de herdeiros.
Eu era poderoso.
Minha palavra era lei, e falar comigo ou mesmo estar na minha
presença era uma honra. Tinha tantos inimigos que mal podia
contar, e a cada dia essa lista crescia mais.
Permitir-me sentir qualquer coisa, seria dizer aos meus
adversários exatamente como me atingir. No entanto, por um
momento, enquanto estávamos escondidos pela noite e ninguém
conseguia me ver, eu me permiti.
Minhas noites se tornaram um ritual, e eu me via seguindo o
mesmo caminho quase diariamente, encontrando uma manta,
enrolando Damon e encontrando silêncio no jardim. Quando
crescesse, esses momentos não seriam poluídos pelas coisas ruins
que eu faria com ele porque nem se lembraria disso.
Uma semana depois, quando eu o coloquei adormecido de
volta em seu berço, senti uma presença quieta no quarto e olhei por
cima do ombro, encontrando os olhos curiosos e emocionados de
Abriela.
― É impossível resistir.
― Algumas pessoas diriam que também é minha obrigação
cuidar dele durante os choros da madrugada.
Ela assentiu.
― Ninguém te culparia por se apegar a ele, Lucca. Damon é
uma parte sua.
― Você vê flores em todo lugar que olha, esposa. ― Passei a
mão pela extensão do longo cabelo castanho escuro. ― O que eu
preciso fazer pra quebrar suas esperanças?
Ela sorriu, entrelaçando os dedos nos meus.
― Nada quebra as minhas esperanças, Lucca, eu sou
inabalável.
― Ah, é?
Ela assentiu, recuando e me puxando junto.
― Uhum. ― Quando suas costas bateram na cômoda de
Damon, eu a ergui, sentando-a e me enfiando entre suas pernas.
Abriela gemeu ao me sentir duro e pronto dentro da calça de flanela.
― Além de ter crescido na máfia italiana, me casei com o chefe ―
sussurrou. ― E dizem por aí que ele é o homem mais cruel da Itália.
― Eu já ouvi que ele é o pior na América também. ― Arrastei
as costas da mão direita pela coxa, esfregando sua calcinha,
sentindo-a ficar molhada. Ela jogou o pescoço para trás, abrindo-se
mais. Eu rasguei o tecido de renda com facilidade e me abaixei,
passando a língua pelos lábios fechados antes de subir com a
ponta, abrindo-os e encontrando seu clitóris. Abriela tentou fechar a
perna, mas eu segurei um joelho, mantendo-a arreganhada para
mim.
Seus olhos se expandiram, cheios de desejo, mas ao olhar
atrás de mim, ela começou a empurrar minha cabeça.
― Lucca... Damon. Estamos no quarto dele. ― Eu segurei sua
mão, impedindo-a de me tirar e chupei com força o botão inchado.
Abriela gritou e eu me levantei, tampando sua boca. Ela passou a
língua pelos meus dedos, fazendo-me grunhir de tesão.
― Você ficou molhada pensando que quem te come é o
homem mais terrível do país e quer me convencer de que se
importa de trepar no quarto do seu filho?
Ela revirou os olhos e meus dedos pegaram a umidade que
escorreu de sua boceta com minhas palavras.
― Você é a porra de um demônio, Abriela. Inocente, mas suja
pra caralho. Me faz pecar, mas me faz querer rezar também.
Ela me puxou, beijando-me com força, desesperada e ao se
afastar, segurou meu pau.
― Se eu sou uma menina suja, me castigue ― sussurrou,
olhando fixamente em meus olhos.
Eu rosnei, e a tirei de cima da cômoda, abaixando-a no chão.
Ela fez menção de me chupar, mas eu precisava estar dentro dela.
Agora.
― De quatro, porra.
Abriela se abaixou devagar, engolindo em seco sem tirar os
olhos de mim. Ela fez como eu mandei, ficando em suas mãos e
joelhos e me olhou por cima do ombro. Eu me abaixei atrás dela,
empurrando para dentro de sua boceta pingando sem cerimônias.
Ela tampou a própria boca, lançando um olhar arrependido para o
berço.
Sua boceta rosa brilhava, encharcando minha extensão com
os líquidos e pingava no chão. Na porra do tapete.
Meus impulsos se tornaram tão profundos vendo-a se segurar
para não perder o controle, que seu cotovelo dobrou, fazendo-a cair.
Ela gritou, e tentou engatinhar para fora do quarto. Eu agarrei seu
cabelo, puxando-a para o meu peito e apertei seu seio, esquecendo-
me por um momento do mamilo. Abriela gritou de dor, e eu puxei
minha mão, vendo um pequeno rastro de sangue no dedo. Ela
segurou meu pulso, levando de volta para o seio e apertou sua mão
sobre a minha.
― Eu gosto disso.
Rosnando, eu apertei, evitando o mamilo, e segurei sua cintura
fazendo da minha esposa uma boneca de pano no meu pau
conforme metia sem dó, arrombando sua boceta lisinha, sentindo
um prazer que fazia minha cabeça girar, suor escorrer pelas costas
e minhas bolas apertarem pela vontade de gozar.
Abriela começou a tremer, ficando vermelha nos ombros, nas
costas e na bochecha que corava quando segurei seu rosto e o virei
para beijar sua boca, ela gozou com a respiração cortada, tentando
me fazer soltá-la pela pressão da minha boca, meus braços e meu
caralho.
― Filha da puta ― grunhi, e após dois segundos, derramei a
minha porra na boceta da minha mulher. Ela caiu para frente eu fui
junto, ficando em cima de suas costas com os antebraços apoiados
no chão.
Abriela de repente começou a rir e virou o rosto, beijando meu
queixo, mandíbula e boca.
Seus olhos azuis estavam brilhando.
― Satisfeita? ― perguntei. Minha voz rouca e baixa a fez
engolir em seco, assentindo.
― Eu te amo ― sussurrou. ― Eu te amo tanto que dói, Lucca.
Meu pau contraiu dentro dela, e sem que eu esperasse gozei
outra vez, mordendo seu ombro com força.
Abriela puxou meus fios do cabelo, gemendo.
Eu caí de costas no chão, apreciando quando ela montou em
cima de mim.
― Vamos para o nosso quarto ― pediu com um beicinho
brincalhão e cheio de desejo.
― Não. Vamos fazer na garagem do vizinho ― falei sério, mas
ela riu.
E me abraçou.
Eu me apaixonei por você
Ferida e sem esperança
Perdida nesse sentimento, talvez eu esteja me curando
Não conseguiria ter medo se eu tentasse
Porque nada nunca pareceu tão certo
Apenas um olhar seu, eu me desfaço
Então aqui vou eu, falando sinceramente
Eu acho que isso é pra sempre pra mim
demi lovato, 4 ever 4 me
Quando nos deitamos em nossa cama mais tarde após um
banho, Lucca pegou seu tablet, dando uma olhada nas notícias pela
internet e lia uma matéria sobre uma investigação envolvendo um
político do sul.
― Você o conhece?
― Sim.
― Acha que ele será condenado?
Um sorriso irônico cruzou seu rosto.
― Não.
― Mas ele é culpado?
Lucca me olhou de canto, seus cabelos molhados pendurados
na testa se davam um ar tão sexy, e os ombros fortes, musculosos
exibidos pela falta de camisa eram uma combinação infalível para
que eu perdesse o raciocínio.
― Sim.
Revirei os olhos.
― Pode dizer mais do que sim e não?
Ele levou um momento para bloquear o tablet e colocar sobre
a mesa de cabeceira, virando metade do corpo para me encarar.
― O que você acha sobre política? ― perguntei sinceramente.
Lucca suspirou.
― Eu sou um político tanto quanto sou um mafioso, não acho
nada sobre. Mas esse cara seria preso, porém, fez um acordo com
a famiglia.
― É sério?
― Sim. Temos um império de petróleo no nome da família que
vale quase um trilhão graças a esse acordo e ele ganhará sua
liberdade.
― Você não se importa com o fato de que ele deveria ser
punido?
Lucca suspirou, fitando-me com certa impaciência.
― Se você for pensar dessa forma, eu deveria ser punido,
Abriela, assim como meus irmãos e os seus. É a vida como ela é.
Sim, era. Mas não significava que eu não podia me sentir mal
pelas ações dos homens que eu amava saírem impunes.
― Você já matou um inocente?
― Já.
― Um padre?
― Um pastor.
Engoli com dificuldade.
― Já matou uma...
― Criança? Sim, Abriela. Já fiz a maioria das coisas que
podem ser consideradas imperdoáveis, mas estou me fodendo para
isso. Eu cresci assim e vou morrer assim.
― Eu sei.
― Não parece que sabe. Você vive em cima de um muro onde
um lado aceita que quer estar aqui mesmo eu sendo o que sou e o
outro, que quer lutar contra.
Estreitei os olhos, irritada.
― Eu não quero mudar você, me apaixonei assim, mesmo
sabendo os desafios do nosso casamento. Eu estou cem por cento
nisso, já deu pra perceber. Todo mundo vê que a idiota que foi
segunda opção se apaixonou pelo seu algoz. ― Desci da cama,
indo em direção à porta. ― Eu preciso de um momento sozinha.
Lucca não me deu tempo de fugir, ele me agarrou pela cintura
e me jogou na cama, subindo em mim.
― Pare com essa porra de segunda opção.
― É a verdade ― gritei. ― E eu posso até mentir para todos lá
fora, mas nunca minto pra mim mesma, Lucca. O nosso casamento
é a coisa mais sombria que eu já vivi, daria pesadelos a qualquer
um, mas eu ainda estou aqui. Desde os meus quatorze, eu sigo
aqui!
Ele saiu de cima de mim imediatamente, seus olhos possuídos
por algo que não reconheci.
― Não diga essa merda.
― Você nem sabia quem eu era, mas eu sabia quem era você
e eu te queria! Mesmo com quatorze, quinze e dezesseis. Eu te
quero agora... mas eu sou só uma substituta. Porque se Labeli não
tivesse te rejeitado você estaria casado com ela agora e não
comigo!
Ele segurou meu pescoço, levantando-me da cama e abaixou
o rosto. Sua respiração forte soprava meu rosto. Seu cheiro de
menta, Bourbon e sabonete fresco inundaram meus sentidos.
Porém, eu tentei empurrá-lo mesmo assim.
― Labeli não me rejeitou, ninguém me rejeita ― ele rosnou. ―
Aquela putinha foi até o meu escritório no dia seguinte do anúncio
do noivado e pediu pra ser fodida. Eu comi a boceta dela todas as
vezes que ela fugiu da porra do ballet pra me dar.
Quando ele me soltou, eu tinha lágrimas deslizando pelas
bochechas.
― O-o quê? ― sussurrei. Eu não acreditava no que tinha
escutado. Labeli não era assim, ela simplesmente não era. ― Mas
ela... ela ficou louca.
― Não, ela estava obcecada por mim e depressiva por não ter
a minha atenção. Me viu com outra mulher e sabia que eu a trairia
no casamento. Ela sabia que não possuía nada que me atraísse o
suficiente para eu parar de foder outras. Um dia antes do
casamento, ela foi até mim e me pediu pra fazer com ela o que eu
gostava de fazer com as prostitutas porque queria aprender a me
agradar igual a elas. E eu fiz. Eu a fodi forte, a fiz sangrar e ela foi
embora chorando, chamando-me de monstro. Exatamente como
você.
Eu balancei a cabeça com força, negando-me a acreditar
naquilo. Eu cresci com Labeli, eu a conhecia!
― Labeli não faria isso, ela valorizava...
― Ela era a porra de uma menina que pensava que podia lidar
com um homem e quando viu que não dava conta, fugiu. Então não,
você não foi minha segunda opção, Abriela. Eu exigi você, mas te
mantiveram longe porque era menor de idade, e quando eu pude tê-
la, disse a Thomas que queria outra. Eu já sabia que você ia foder a
porra da minha cabeça.
Eu estava boquiaberta, chocada demais para dizer qualquer
coisa. Eu fodi sua cabeça? Bem, ele fodeu muito com a minha e eu
não o estava culpando por isso. Mas esse era Luccare DeRossi,
afinal de contas. Foi necessário meses para admitir algo assim.
― Eu não vou dizer que te amo, um homem como eu não
pode acreditar no amor. Mas te digo isso: você é minha, eu vou
matar qualquer um que tentar machucá-la e vou te proteger como
seu marido e seu capo. Mas eu não sou um homem normal, eu sei
como matar, não sei e não quero ser alguém que vai te fazer chorar
com porra de palavras bonitas. Não vou fazer declarações, Abriela,
esqueça, não é quem eu...
Eu não deixei que terminasse, me joguei em seus braços e o
beijei.
E Lucca me pegou.
Suas mãos segurando minha bunda quando envolvi as pernas
em sua cintura.
Ele me beijou com fogo e sem fôlego, fazendo-nos perder o
rumo de qualquer conversa, porque na verdade, não havia outro
caminho a seguir além daquele.
Lucca podia não saber amar com palavras, mas com certeza
sabia como me mostrar que eu era dele quando me possuía.
Basta um olhar pra me deixar sem ar
Duas almas em uma só carne
Porque eu estou em chamas como mil sóis
Eu jamais te queimaria mesmo que eu quisesse
Essas chamas, nesta noite
Olhe nos meus olhos e diga que você me quer
Como eu quero você
Oh amor, deixe-me ver dentro do seu coração
Todas as rachaduras e pedaços partidos
As sombras na luz
Não há necessidade de esconder
ross copperman, hunger
Eu disse a Lucca que queria me mudar. Sendo o homem que
tomava todas as decisões ― sendo essas refletidas em tantas
casas e famílias ―, ele raramente deixava tarefas na mão de
alguém, por isso, quando me disse para encontrar um lugar que eu
preferisse viver, foi uma grata surpresa.
Eu estava de olho em um condomínio bem localizado e novo,
onde tinham apenas sete mansões de luxo ― clássicas e modernas
― construídas.
Nos meus planos, eu convenceria Anita a se mudar para o
lado e futuramente, Alessa, quando se casasse. Santo também
podia ir morar perto. Estaríamos todos em constante vigilância, mas
deixei aquela parte do plano fora do conhecimento do meu marido.
Mas então...
O que faríamos com Vittoria?
Uma missa na pequena floresta atrás de nossa casa foi
marcada e o padre pregou sobre perdão. Aquele que devemos
oferecer a nós mesmos e as pessoas, assim como Deus nos
ofereceu. Eu me perguntei se os homens da famiglia se sentiam
sensibilizados. Será que se arrependiam? Sentiam culpa ou
remorso?
A resposta veio fácil quando me lembrei das conversas com
Lucca, onde ele deixava claro que nada daquilo importava.
Alessa segurava Damon no colo um pouco mais distante, e
Anita estava ao meu lado. Ela ficou calada desde que chegou, e só
compareceu por respeito a mim.
Quando o padre se foi, uma equipe entrou e eu rapidamente
voltei para o interior da casa, sabendo que estavam lá fora com
Lucca e seus irmãos, retirando os restos mortais de Vittoria para
levá-la ao mausoléu da família DeRossi, que meu marido ordenou
ser construído em tempo recorde para proteger a memória dela.
― Eu gostaria de ficar bêbada ― eu disse às minhas irmãs
dez minutos depois de ficar em silêncio na sala, ouvindo-as bater
papo apenas para preencher o espaço vazio.
Elas estavam esperando que eu fosse desmoronar a qualquer
momento.
― Eu topo ― concordou Alessa, balançando Damon em seu
colo. ― Podemos começar assim que esse rapazinho dormir.
― Eu preciso ir. ― Anita forçou um sorriso, pegando sua
bolsa.
― Anita, por favor, fique.
― Ella, não me peça isso. Eu não posso ficar no mesmo
espaço que seu marido.
― Eu sei, mas hoje é o segundo pior dia da minha vida. ― Eu
engoli o choro, puxando uma longa respiração. ― Lucca está lá fora
desenterrando a minha filha e eu não faço ideia do que fazer para
esquecer isso. Estou a ponto de surtar, então se posso pelo menos
beber, que seja com as minhas melhores amigas.
Anita olhou para a porta, hesitando, mas quando fechou os
olhos e suspirou, eu sabia que ela ficaria.
― Va bene, mas só um pouco.
― Só um pouco ― concordei, mesmo sabendo que não
conseguiríamos parar cedo.
― Vou chamar Martina. ― Alessa pegou seu telefone.
― Sinto falta dela, eu a quero de volta.
― Vai sonhando. ― Ela bufou. ― Ela vai para a minha casa
comigo.
― Não ― Anita negou prontamente. ― Eu já vou me casar
com aquele frango torto e você ainda fica com Martina? Ela é meu
consolo, vadia, consiga a sua ― disse Anita.
― Podemos discutir o fato de que ela veio da Sicília para ficar
comigo?
― Não ― responderam em uníssono.
Fui incapaz de segurar o riso.
― Nós podemos ficar com Damon ― defendi, mas pelo olhar
que ambas me deram, eu sabia que era uma sugestão já
descartada. ― Talvez não ― murmurei, fazendo Anita rir.
― Você tem certeza de que é isso o que quer fazer?
― Sim ― suspirei ―, a alternativa é chorar e lamentar a perda
de Vittoria mais uma vez. Eu nunca vou parar de chorar pela minha
filha, mas nesse momento... eu estou cansada de chorar.
Por um lado, eu me sentia uma porcaria de mãe, me culpava
por ter passado apenas dois meses e admitir que não queria mais
viver chorando a perda dela, sabia que precisava estar de luto para
sempre, mas eu tinha Damon, tinha minhas irmãs, tinha um marido
por quem era loucamente apaixonada. Deus me tirou Vittoria por
alguma razão, contudo, me deu tanto para me ajudar a passar pela
dor que ignorar todos esses momentos e me fechar em mim mesma
como fiz no começo não parecia justo e nem certo com quem estava
aqui e precisava de mim, como o meu filho.
― Nós vamos fazer o que você quiser ― disse Alessa,
passando a mão pelo meu rosto, onde limpou algumas lágrimas que
eu nem percebi estar derramando. ― Não é errado querer seguir
em frente, Ella, você é jovem, amou Vittoria enquanto a tinha aqui e
sempre vai amá-la. Seu anjo sabe disso.
Anita fungou ao meu lado e ficou de pé, batendo palma.
― Va bene! Então nós vamos beber. Por Damon, por Vittoria,
porra, até pelo meu casamento.
― O quê? ― A expressão chocada de Alessa espelhava a
minha.
Anita caminhou até o bar, onde pegou uma garrafa de Bourbon
de Lucca e duas de vinho.
― Ele não vai durar muito, assim como Labeli não durou com
Luccare. O seu marido vai entender quem eu sou, minha irmã. E vai
ser pelo jeito ruim.
Ela pegou copos e taças, deixando tudo na mesa de centro e
se sentou, servindo-nos.
― Anita, não diga isso.
― Só estou avisando a vocês, não precisam sofrer por minha
causa, vou me livrar fácil desse castigo.
― E pagará com a sua vida ― disse Alessa.
― Não quero falar sobre isso, só quero beber e esquecer.
― É fácil dizer isso quando você joga a bomba e quer fugir! ―
protestei, recebendo um olhar desagradável dela.
― Você quer beber para esquecer, e eu vou te apoiar, por que
não faz o mesmo comigo?
Anita costumava usar o álcool para ocupar sua mente, e se
distrair dos problemas em casa, mas isso nunca me preocupou. Não
até agora. Se aquele casamento a fizesse começar a afogar tudo
em bebida, procurando soluções no fundo das garrafas, teríamos
que intervir. E é claro, antes que ela tentasse algo contra Otto.
Eu fechei os olhos com força quando uma imagem do rosto de
Anita no lugar de Labeli cruzou minha mente.
― Eu estou amamentando ― murmurei.
― Tire o leite, podemos guardar e você dá pra ele depois ―
disse Alessa.
― Perfeito! ― gritei, levantando-me e correndo para a cozinha.
― Traga limão, uma faca e sal ― Alessa gritou.
― Não temos tequila ― devolvi.
― Vamos mandar buscar.
Caímos na risada, e eu pensei que pela primeira vez estava
livre para me divertir em casa como bem quisesse com as minhas
melhores amigas. Sem meu pai, sem Lorenzo, sem ninguém nos
criticando, nos batendo e interrompendo qualquer conversa quando
ríamos alto demais.
Porque as meninas não devem se divertir, elas devem sentar
de pernas cruzadas e costas retas. Para o inferno com isso. Na
minha casa, íamos nos sentar no chão para jantar se eu quisesse.
― Esqueçam as taças ― gritei a caminho da cozinha. ―
Vamos beber vinho direto na garrafa.
Uma garoa fina se iniciou enquanto eu observava os quatro
homens contratados para cuidar do enterro apropriado da minha
filha deixarem a propriedade com ela. Senti um aperto estranho no
peito, como se deixar que algo meu se afastasse fosse uma falha.
Como se eu tivesse deixado chegar onde chegou.
Não salvei Giorgia, não salvei Mia e não fiz absolutamente
nada por Vittoria.
O sangue delas estava em minhas mãos. Se eu permitisse que
minha consciência assumisse meu corpo mesmo que por cinco
minutos, seria capaz de ver os estragos. O sangue entre meus
dedos, escutaria os gritos, sentiria seus cheiros antes da morte.
Foi por isso que quando Luigi colocou a mão em meu ombro,
eu não cedi ao instinto de curvar a cabeça e deixar aquele
sentimento se espalhar e consolar a perda, eu simplesmente
mantive a cabeça reta, olhando para o que era um buraco
remendado de terra onde minha filha esteve por dois meses.
― Estamos aqui pra você, irmão ― disse Dante. ― Sempre.
A palavra de Dante era algo impossível de ser quebrado. Ele
nunca falhava com seus deveres, nunca deixava de cumprir uma
promessa. E quando ele me dizia que estaria comigo sempre, eu
não duvidava por um segundo disso.
― A morte não é ruim, ela está livre da vida que teria tido. A
parte ruim é que eu não tenho motivos para me vingar por esse
túmulo.
Eu me peguei dizendo, e reconheci a estranheza e surpresa
em seus rostos. Meses atrás eu teria guardado tal desabafo
sentimental.
― Encontraremos algo à altura para que desconte sua raiva ―
Luigi brincou, mas eu ouvi pesar em sua voz.
Muitas vezes me perguntei como era para o meu irmão sentir
tanto e conseguir expressar, sendo que eu mal sentia as coisas e vi
Dante escondendo tudo o que se passava dentro de si a vida toda.
Se Luigi quisesse chorar, ele o faria, assim como gargalhava em
público sem medo do que diriam e do que o chamariam.
Eu me virei ao ouvir passos na grama e vi Alessa com Damon
enrolado em um cobertor e um guarda-chuva sobre a cabeça.
― Desculpe interromper, Luccare, mas nós precisamos de
ajuda com Damon.
― Eu estou de saída. Ligue para Martina, ela está em outra
casa, mas é de Abriela.
― Martina está ocupada. E me desculpe, mas não é correto
dizer que ela pertence a minha irmã.
― Advogados e suas coisas ― Luigi murmurou, fitando-a
atentamente.
Os olhos de Alessa viajaram alertas para atrás de si e de volta
para Luigi.
― Fale baixo, por favor ― ela pediu.
Ela me implorou com os olhos que parasse a conversa de girar
em torno dela e indicou o menino com o queixo.
― Algum problema lá dentro? ― Ela hesitou, trocando o peso
dos pés. Eu ameacei avançar em direção à casa. ― Alessa.
― Elas estão ficando bêbadas ― soltou, fazendo-me parar de
imediato. ― Homens são proibidos por motivos óbvios e eu preciso
cuidar delas, por isso preciso que fique com Damon.
Apertei os lábios numa linha fina, reprovando a atividade
interna das três. Avancei dois passos, mas Alessa negou com a
cabeça.
― Por favor, Lucca, deixe Ella ter esse momento. ― Ela
suspirou e seu tom estava cheio de desaprovação. ― E Anita
também precisa disso.
― Eu fico com ele. ― Dante esticou os braços.
― Eu prefiro que seja Lucca ― disse ela, dispensando-o.
― Posso segurar. ― Luigi encolheu os ombros. ― Tenho
muito a ensinar para esse garoto, e quando mais cedo começar será
melhor.
Ela lhe deu um olhar duvidoso, provavelmente pensando se
deveria confiar, mas lhe entregou a Luigi.
Dante abriu os braços numa pergunta silenciosa.
― Com licença ― disse polidamente ―, eu fiz algo que me
colocasse na sua lista de quem pode ou não cuidar de Damon?
Ela parou, e virando o rosto devagar para olhá-lo, eu vi seus
olhos verdes sérios e distantes.
― Sim, mas acho que você não gostaria de tal exposição,
subchefe.
Ela voltou a andar, e Dante a seguiu com os olhos até certo
momento.
E foi atrás dela.
Luigi estreitou os olhos, balançando Damon.
― Veja só, garoto, isso será interessante.
Ele segurou o braço dela, e Alessa ficou tensa, dizendo algo
que fez Dante soltá-la e dar um passo atrás. Reconheci quando meu
irmão abaixou a cabeça num pedido de desculpas. Alessa lhe deu
as costas e entrou na casa, e Dante enfiou as mãos nos bolsos,
caminhando lentamente até nós.
Luigi ergueu a mão do garoto e acenou para nosso irmão.
― O que foi, tio? ― Fingindo uma voz infantil, Luigi estava
empenhado em irritar Dante. ― Descobriu que é difícil conseguir
amansar uma mulher quando está sóbrio?
― Se você não fosse a porra de um doente mental, eu
revidaria. Mas vou respeitar o momento que estamos vendo Lucca
passar.
Luigi riu.
― Uma hora ou outra você vai ter que foder sem coca, irmão,
mas eu aconselho desconsiderar Alessa Bonucci.
Meu irmão mais velho avançou, mas eu entrei no meio deles.
Dante respirou fundo, tirando um lenço do paletó e passando na
testa.
― Se terminamos por aqui, eu tenho que ir.
Eu assenti. Foi bom Alessa ter aparecido, eu estava me
expondo demais.
― Terminamos.
Entretanto, Dante não foi longe. No momento em que ele nos
virou as costas, dois carros de polícia apareceram avançando na
rua do condomínio e pararam em frente à minha calçada.
Três homens saltaram; dois de colete e um vestido
socialmente.
Zaza Pellet.
Eu peguei Damon de Luigi e vi pelo canto dos olhos que Dante
observava a cena antes de acontecer, preparando-se para tudo.
― Lucca DeRossi ― disse Zaza, aproximando-se com os dois
ao seu encalço. Apertei Damon em meu braço. ― Nos encontramos
outra vez.
― Você invadiu minha casa outra vez. ― Olhei para o policial
do lado esquerdo quando ele colocou a mão na cintura,
evidenciando sua pistola.
Caralho, ele queria ver quantas armas e facas eu tinha
espalhadas pelo meu corpo?
Eu comia homens como Zaza no café da manhã, e limpava os
dentes com policiais medíocres como ele.
― Venho lhe trazer uma intimação, Lucca. Seu irmão, Luigi
DeRossi também foi citado. Compareçam no dia e hora marcada.
― Queria tanto nos ver que veio pessoalmente, Zaza?
Ele encolheu os ombros para a provocação do meu irmão mais
novo.
― Apenas garantindo que meus homens não cheguem
fatiados dentro dos envelopes na delegacia.
Luigi riu, colocando a mão no peito, zombando do homem.
― Esse tipo de acusação logo para cima de nós?
Segurando meu filho com um braço, caminhei até ficar frente a
frente com ele.
― Você parece estar querendo me irritar. Eu sugiro que
repense, vá para a casa e esqueça a porra do meu nome. Essa é
uma briga que não quer ter comigo, Zaza.
Por um momento sua postura vacilou e ele desviou o olhar.
Mas logo inflou o peito de novo.
― Você cumpre o seu dever como acha que é o correto,
DeRossi, não pode me culpar por fazer o mesmo.
Seria tão fácil colocar uma bala na cabeça dele e dos outros
dois, e eu nem sujaria meu terno. O estúpido estava me afrontando,
querendo alguma reação, mas eu era mais esperto do que isso.
Eu era um homem de honra. Conflitos com outros não me
deixavam tenso e nem tentado a dizer a verdade. Seria capaz de
mentir diante de um padre, de um juiz ou de um policial. Homens
feitos não vacilavam.
Eu fui fundado no crime, cada camada minha veio disso. A
população italiana fazia vista cega para nosso estilo de vida, mas a
polícia não seguia o mesmo caminho.
Eu não escolhi ser um mafioso, mas nasci um e após entender
o que era a Cosa Nostra, escolhi me tornar Luccare DeRossi. E isso
nunca significou pouco.
É claro que ele tinha que estar envolvido. Desde que foi
transferido para a Itália, fez a missão de sua vida me colocar atrás
das grades.
― Se isso tem a ver com Santino, você tem que ser estúpido
para acreditar ― disse Dante.
Nosso capo havia sido preso, mas ele sabia o que fazer.
Santino era um homem honrado, mesmo sob a provocação
mais exagerada sabia que não devia trair a famiglia.
Havia duas constantes em nosso mundo: a máfia e a polícia.
Só eles pensavam que éramos duas coisas diferentes.
Aquele lado da lei não se misturava com pessoas como nós ―
ou juravam que não, mas nós sabíamos melhor. A máfia era
construída sob uma base de homens de honra que levavam sua
palavra a sério e aceitavam desde o primeiro dia que não
recorreremos à polícia para nada.
Se fôssemos roubados desde nossas casas até nossos carros;
a justiça era nossa.
Se nossa esposa fosse abusada, a justiça deveria ser feita por
nossas mãos.
Tínhamos ligações com corruptos, mas não éramos como eles.
Homens feitos não se escondiam atrás de máscaras de bom moço.
Se eu fosse condenado por um crime que não cometi cumpriria
a minha pena sem aceitar acordos, sem ceder à pressão deles.
Uma de nossas maiores leis deixava claro as consequências
de cooperar com autoridades de qualquer forma. A contramão de
nossos deveres e crenças.
A omertà não se quebrava. Nosso código de honra e silêncio
forjado em fogo expressava por si só a condenação por trair.
A morte.
― Você não vai realizar seu sonho de me ter em sua sala na
delegacia, Zaza ― zombei, e como se concordasse, Damon riu.
Zaza estreitou os olhos, ajeitando seu chapéu e o sobretudo
bege.
― Incrível como se acha o dono do mundo mesmo em tal
situação.
― Você é só alguém que gosta muito de me fazer perder
tempo. Eu vou entrar em minha casa e você pode ir para a sua e
bater uma em minha homenagem.
A expressão raivosa que eu conhecia bem veio à tona. Ele
olhou para meus irmãos, depois para mim novamente.
― Santino está preso. Logo vai falar e você e toda essa corja
vão cair. ― Ele estava tentando me assustar, me pressionar.
Logo eu?
― Boa sorte com isso ― Dante declarou.
― Vou te dar um conselho... procure um advogado; vá atrás do
melhor. Porque quando Santino falar, será colocado sob nossa
proteção pelo resto da vida e será sua ruína.
Encarei-o em silêncio.
Ele gostava de despejar palavras de efeito para mim, me
provocar e causar uma reação, mas nunca funcionou. Eu, assim
como meus irmãos, sabíamos que falar demais podia ser a ruína de
um homem poderoso.
Eu sempre sabia exatamente como agir.
Em meio aos perigos, segredos e raras pessoas de confiança
que estavam entre nós, a vida se tornava naturalmente perigosa e
uma palavra mal pensada significava vida ou morte.
Liberdade ou prisão.
Não importava o quanto queria respondê-lo, ameaçá-lo e fazê-
lo calar a porra da boca. Eu deveria sentar e ouvir. Porque, no fim,
ele foi o único que falou. Descobri todos os seus pensamentos, e ele
não conseguiria nada de mim.
― Vá embora, Zaza. Já deu o seu recado.
― Você já está arruinado, DeRossi, mas acha certo arrastar
aquela jovem menina junto com você? E, pior ainda, esta criança
inocente? Tenha alguma decência, pelo menos enquanto seus
pecados não alcançaram os dois.
Esperamos em silêncio enquanto eles entravam nos carros e
saíam, e eu fiquei paralisado por mais um momento depois.
― Você definitivamente precisa se mudar, está muito exposto
aqui ― disse Luigi.
― Não tenho medo desse merdinha.
Virei-me, indo em direção à casa.
― Eu vou cuidar de Santino antes que ele se torne um risco
real.
Eu concordei com Dante.
― Vamos encontrar uma forma de descobrir o que Zaza sabe,
eu quero me livrar dele. Sua visita foi um desrespeito que não vou
tolerar.
Zaza estava certo.
Mas eu não dava a porra da mínima.
Abriela seria minha para sempre e Damon seria um homem
pior do que eu me tornei. Eu garantiria isso.
E seu coração encostado em meu peito
Seus lábios pressionados no meu pescoço
Estou me apaixonando pelos seus olhos
Sim, eu tenho sentindo de tudo
Do ódio ao amor, do amor à luxúria, da luxúria à verdade
E acho que foi assim que eu te conheci
Então eu te abraço apertado para te ajudar a se entregar
Beije-me como se quisesse ser amada
ed sheeran, kiss me
Quando acordei, estava deitada com as costas grudadas no
peito de Lucca, e segurava o braço embaixo da minha cabeça como
se me agarrasse e não pudesse soltar.
― Desculpe ― murmurei, sabendo que devia estar
desconfortável. Olhei por cima do ombro e encontrei seus olhos
azuis bem acordados. ― Oi ― sussurrei.
Lucca me deu a sua versão de um sorriso ― lábios fechados,
com uma leve curva de um lado e os olhos livres de máscara. Eu
quase me derreti.
― Ressaca? ― perguntou.
Eu neguei com a cabeça, e surpreendentemente não senti
nada.
― Não ― dei risada ―, nem acredito. ― Virei-me, levando a
mão ao seu rosto. ― Abandonei minhas irmãs, não foi?
Seu corpo balançou num riso silencioso.
― Elas sabiam que você não duraria muito.
― Você não voltava nunca ― me defendi.
― Não demorei tanto, mas quando voltei a porta do quarto
estava trancada. Fiquei no escritório até Alessa avisar que você
tinha caído no sono e elas estavam de saída.
Bati na testa, gemendo.
― Sou uma vergonha. Eu dei a ideia de ficar bêbada e não
aguentei duas taças de vinho.
― Você é pequena demais para ficar bêbada.
Torci o nariz.
― O que isso tem a ver?
― Eu não quero que beba quando eu não estiver por perto.
Uma taça de vinho no almoço com suas irmãs, tudo bem, desde que
um soldado de confiança esteja sempre perto.
Ergui as sobrancelhas.
― Está me proibindo de beber?
― Não, estou impondo limites.
Eu queria rebater, mas eu já tinha vencido com relação à
mudança de casa e não queria abusar. Além do mais, ele não tinha
como saber se eu passasse de uma taça de vinho.
Como se lesse meus pensamentos, Lucca estreitou os olhos.
― Eu vou saber se mentir, bella.
Revirei os olhos e me levantei, sentando-me de frente para ele.
― Como foi lá? ― perguntei baixinho.
― Tudo bem, te levarei para visitar.
― Ficou perfeito para ela? ― Engoli em seco. Lucca alisou
meu pescoço, meus braços e segurou minha mão.
― Ficou como você vai olhar e se orgulhar.
Eu me inclinei, beijando seus lábios levemente.
― Obrigada.
Ele assentiu, mas percebi que havia algo errado. Lucca era
naturalmente calado, mas o vinco entre suas sobrancelhas me fazia
pensar que algo aconteceu.
― Está tudo bem?
Ele me olhou sem piscar, seus olhos azuis fixos e
concentrados nos meus.
― Zaza Pellet esteve aqui.
― Hoje? Mas... eu não vi nada.
― Você já devia ter subido para o quarto.
Balancei a cabeça. Ele estava com Damon na hora. Minhas
mãos foram para os lábios, escondendo a vontade de gritar.
― Damon. ― Eu ameacei pular da cama, mas ele me segurou.
― Lucca...
― Ele está bem. Ficou no meu colo o tempo todo.
Meu coração ainda estava acelerado, mas fiquei aliviada.
― Isso não é certo, ele não devia passar por isso tão jovem.
― Ele passará por coisas piores, Abriela.
― Eu sei ― sussurrei ―, mas não agora. Por que ele esteve
aqui?
― Tenho certeza de que sabe a resposta para isso.
Balançando a cabeça, eu fiquei de pé.
― Não! Lucca, isso... oh, Dio mio! Mas ele não te levou, certo?
Você está aqui!
― Por enquanto. ― Eu o encarei com horror.
― Como pode estar tão tranquilo? Ele não pode te jogar na
cadeia, você é Luccare DeRossi! E-ele sabe quem você é, ele não
pode... ― Eu estava divagando, falando sem parar e o caroço
gigante na minha garganta se tornava mais sufocante a cada
respiração.
Como eu poderia seguir em frente se ele fosse preso?
― Logo agora que tudo estava se ajeitando e nós
encontramos nosso caminho juntos.
Ele se colocou de pé e segurou meu rosto.
― Você está em choque, fique calma.
Lágrimas deslizaram pelas minhas bochechas, parando em
seu polegar.
Levei minhas mãos ao seu peito.
― Não podem tirar você de mim, não agora!
― Me escute, Abriela, eu preciso de você com a cabeça
focada. Eu tenho um traidor e um capo preso. Talvez ele aceite um
acordo e vai entregar a cabeça de quem for para poder viver.
― Não, você nunca seria preso ― respondi, ainda tentando
buscar qualquer fio de esperança.
― Com suposições e investigações vagas, não.
Absolutamente, não. Mas com um capo falando o que sabe... há
uma chance. Ele pode testemunhar. E se acontecesse seria por um
longo tempo.
― Não... não! Isso... nós vamos resolver. Você, você vai
resolver! Você sempre resolve...
― É diferente desta vez. ― Ele continuou traçando cada
contorno do meu rosto. ― Não estarei aqui para desapontá-la.
― Pare com isso! ― esbravejei, afastando-me ― Não venha
com esse papo de despedidas. Eu não serei esposa de um homem
preso. Não vou perder você, Lucca!
― Eu não vou me despedir, esse não é meu estilo. Só quero
deixar avisado que você não deve sequer pensar que poderá viver
sua vida, não há nada que possa fazer que eu não vou saber. Se
conhecer pessoas, lugares e decidir viajar o mundo eu vou analisar
tudo e vou cuidar das coisas que não gosto. Você não vai esquecer
que eu existo.
Eu senti um calafrio percorrer minha pele.
― Eu nunca poderia te esquecer, Lucca, nem se quisesse.
Eu sorri, porque no meio dos piores cenários ele ainda
conseguia arrancar um sorriso de mim.
― Eu te perdoo por tudo.
Lucca não parecia surpreso, mas me alcançou e me puxou
para si novamente.
― Não consigo pensar em uma boa razão para me perdoar de
bom grado.
― Porque eu te amo e isso é mais do que o suficiente! ―
respondi sem nem mesmo tentar esconder minha indignação com
sua afirmação.
― Essa é a nossa diferença ― disse quase amargurado. ―
Você me deu incontáveis motivos para enxergar que havia algo
entre nós. Em contrapartida, o que eu fiz pra que você me amasse?
Eu peguei cada um dos seus sonhos e os despedacei, venho
despedaçando-a durante todo o nosso casamento do inferno. Como
pode pensar em mim como alguém digno de ser amado?
Não havia vulnerabilidade ou vitimismo em seu discurso. Cada
palavra foi dita com curiosidade e afeição genuína.
Lucca me amava.
Eu sentia isso. Via em seus olhos. Por mais que ele não
conseguisse dizer.
Ninguém passa pelo que nós passamos sem que acabe
amando incondicionalmente ou odiando a ponto de querer matar. Ou
as duas coisas juntas.
― O meu coração é seu e se permitir que você o parta é o que
preciso fazer para provar isso... por mim tudo bem. Porque sei que
vai voltar para recuperá-lo depois.
― Sabe qual a minha única maldita certeza nessa vida? Que
eu vou queimar no mais doloroso inferno, mas não me arrependo,
não tenho remorso por nada do que fiz. Cada uma delas trilhou um
caminho que trouxe você pra mim.
― Ah, Lucca. ― Minha voz saiu em meio a um soluço. Senti
meus joelhos fraquejarem, e antes que eu pudesse cair, seus braços
já estavam ao meu redor.
― Você tem o meu perdão, o meu amor e a minha alma. Eu te
amo, Lucca. Você destruiu cada um dos meus sonhos, mas me deu
coisas novas para sonhar. E mesmo que para outras pessoas
pareça distorcido, não me importo. Porque você me faz feliz. Por
favor... aceite isso. Eu amo você ― sussurrei as últimas palavras,
sentindo novas lágrimas caírem.
Ele desviou o olhar e encarou o chão.
― A única forma de parar isso é condenando uma série de
pessoas. Meses atrás eu não teria hesitado.
― Lucca ― balancei a cabeça ―, fique comigo. Fique comigo
até nossos últimos dias, faça o que for preciso para não se afastar
de Damon e de mim.
Ele franziu o cenho, afastando um pouco para trás a fim de me
observar melhor.
― O que está me pedindo?
― Eu não me importo com o que precisará ser feito. Também
nasci nesse mundo e sei como as coisas funcionam, apenas me
prometa que ficará aqui conosco, onde é o seu lugar.
― Esse era o meu plano.
― Então eu o assino junto com você ― sussurrei.
Lucca me puxou para um beijo apaixonado, mordendo meus
lábios e segurando meu cabelo com força. Quando se afastou, eu
estava pegando fogo e precisava dele para acalmar o turbilhão
dentro de mim.
― Ficamos juntos ― reforcei, olhando em seus olhos.
Ele não disse nada, mas a certeza em seus olhos me
confirmou.
Eu não demorei a me agarrar àquele beijo. Estar com ele era
tudo o que eu precisava. Sabia o que tinha acabado de pedir.
Assinamos juntos a sentença de morte de quem quer que fosse
preciso matar. Talvez agora Lucca não se sentisse tão indigno,
afinal, o sangue não estaria só nas mãos dele, mas nas minhas
também.
Afastei-me ligeiramente e limpei a garganta.
― Eu não preciso de muito, mas realmente gostaria de ganhar
flores um dia.
Lucca sorriu.
E se tinha uma parte do meu coração que já não era dele, se
tornou naquele momento.
Você é a luz, você é a noite
Você é a cor do meu sangue
Você é a cura, você é a dor
Você é a única coisa que quero tocar
Você é o medo, eu não ligo
Pois eu nunca estive tão extasiada
Me siga até a escuridão
Deixe eu te levar além do céu
Você vai ver o mundo ganhar vida, vida
Você aparece e some no precipício do paraíso
Só você faz meu coração pegar fogo
Pelo que está esperando?
Me ame como só você faz
ellie goulding, love me like you do
Damon completava seis meses de vida.
Eu não queria fazer apenas um bolinho em casa, eu queria
comemorar com algumas das pessoas que sabiam o nosso maior
segredo e com as que eu mais amava.
A ideia de aproveitar um sábado ensolarado foi minha, e Lucca
rapidamente a descartou, mas eu estava aprendendo que quando
sabia que ele diria não para algo, eu devia fazer e depois lidar com
o meu castigo por tê-lo desobedecido.
E ele sabia me castigar de formas que me faziam desejar
nunca ser uma boa garota outra vez.
Lucca estava no escritório com Dante resolvendo alguns
assuntos, e eu aproveitei o tempo sozinha para organizar os
petiscos que passei a manhã preparando. Jimmy havia armado os
guarda-sóis e deixado toalhas na espreguiçadeira próxima à piscina.
Eu estava ansiosa para passar o dia entre nós. Anita não
protestou quando convidei e isso me deu esperanças de que ela
tivesse entendido as razões de seu casamento. Lucca chamava de
punição, mas Otto era jovem e bem apresentável. Era possível que
os dois se apaixonassem. Eu estava torcendo por isso.
― Ei, bonita ― a voz inconfundível de Luigi chamou. Olhei
para o lado, vendo-o entrar pelas portas do jardim, tirando o sapato
antes de pisar na grama.
Eu sorri, mas meu sorriso vacilou ao ver uma mulher entrando
atrás dele.
Era jovem e bonita, uma cabeça mais alta que eu e tinha o
cabelo ruivo, combinando com os olhos num tom azul bonito. Ela
agarrava-se a Luigi como se sua vida dependesse dele.
Ela colocou uma mão em meu ombro e deu um beijo em cada
lado.
― Senhora DeRossi, é um prazer estar na sua casa, obrigada
por me receber, sou Isabela Gianni.
― Olá, Isabela ― respondi. ― Seja bem-vinda.
Eu não podia culpar Luigi por levar alguém. Em breve Anita
compareceria com Otto aos encontros e eventos, e Alessa, Dante e
Luigi precisavam seguir seus caminhos.
Ele tirou os óculos escuros do rosto e me abraçou de lado.
― Onde está o nosso querido padrinho?
Dei risada.
― Como você está? ― perguntei. Ele deu de ombros e jogou
um braço ao redor da menina. ― Você me conhece, não tem tempo
ruim.
― Oh, que fofo! Damon é o bebê mais lindo que já vi ―
Isabela elogiou, ganhando um sorriso sincero meu.
Luigi desviou os olhos de mim para a porta de entrada do
jardim, onde Alessa e Anita traziam Damon.
Eu vi sua mandíbula endurecer, então, ele tirou o braço da
menina e saiu de perto.
― Vou falar com Lucca.
Eu apontei para a casa.
― Ele está no escritório com Dante.
Luigi deu um meio sorriso e seguiu para dentro.
― Finalmente chegaram! ― falei, abraçando-as.
Minhas irmãs se aproximaram e ao ver Damon sorrindo para
mim, peguei-o e abracei forte contra meu peito, dando-lhe vários
beijos.
Elas se cumprimentaram, e graças ao nosso círculo social, não
precisavam de apresentação. Era difícil alguém que não se
conhecesse ou não tivesse escutado falar.
― Como vai, Alessa?
― Bem. E sua mãe? ― Minha irmã era tão educada, eu não
tinha sequer me lembrado de perguntar sobre Belinda.
― Na Europa com papai. Eu preferi ficar.
― Você perdeu uma viagem à Europa? ― Anita perguntou.
Neste mesmo momento, os três homens saíram da casa, já
sem camisa e totalmente à vontade.
Eu amava meu marido, mas não era cega à beleza dos irmãos
dele. Eles eram tão diferentes, mas tinham uma beleza hipnotizante.
Eu só conseguia observar Lucca. Seus músculos contraindo
conforme andava, seu peito firme, duro e aqueles poucos pelos que
lhe davam um charme irresistível. Um homem comum jamais
nasceria assim, aquela beleza, todo ele… foi feito para ser Luccare
DeRossi.
Ele foi planejado. Feito para mim.
E eu tinha o direito de babar o quanto quisesse.
― Feche a boca, irmã ― Anita provocou. ― Vai entrar
mosquitos.
Isabela olhou na mesma direção e sorriu.
― Eu normalmente iria com eles, mas algo mais interessante
do que a Europa me prendeu aqui.
Anita ergueu uma sobrancelha, contudo, logo desfez a
expressão quando viu que eu a estava observando.
― Eu vou colocar meu biquíni.
― Eu te acompanho ― disse Isabela.
Anita sorriu forçadamente.
― Não precisa.
― Eu vou colocar também.
Minha irmã a fitou por dois segundos, mas pareceu demorar
muito mais. Foi uma bela encarada.
― Claro. ― E saiu em passos apressados com a menina
correndo para alcançá-la.
― Olha quem encontrou o caminho de volta para casa — eu
disse a Lucca quando se aproximou. Ignorando seu físico, pulei
Damon em meu colo. ― E ele se comportou, não é?
― O bebê mais comportado do mundo. ― Ela sorriu,
carinhosa.
― Posso ser um bebê muito comportado se quiser me levar
para a sua casa. ― Luigi pegou a mão dela e beijou-a. Alessa
revirou os olhos, afastando-se.
― Você é repugnante.
― Por quê? ― perguntou, fazendo-se de inocente.
― Você veio com aquela garota e mesmo que esteja brincando
comigo, poderia chateá-la fazendo isso.
― Não se preocupe, eu tenho muito amor para dar. ― Alessa
bufou e começou a andar até a casa. Luigi assobiou.
― Eu sou o único que tem dó do futuro marido dela? ―
Tomando as dores da minha irmã, saí de perto de Lucca e estreitei
os olhos no meu cunhado.
― Por que dó?
― A mulher é a maldita rainha do gelo, porra. Vai congelar o
pau do marido dela antes mesmo que o filho da puta consiga meter.
O meu virou um boneco de neve só por pensar.
Dante colocou os óculos escuros e seguiu em direção ao bar.
Lucca rosnou para o irmão mais novo.
― Não fale do seu pau para a minha mulher, imbecil.
Luigi riu, pegou Damon e começou a caminhar pelo jardim.
― Vou vestir algo para entrar na piscina.
Lucca me fitou com olhos assassinos.
― Espero que seja algo que não me faça querer degolar meus
irmãos.
― Será algo exatamente assim.
Ele rosnou quando saí correndo para dentro da casa.
Chegando à escada, gritei:
― Meninas? ― Elas gritaram do meu quarto e eu segui na
direção. Antes, passei no quarto de Damon e peguei seu traje de
banho.
― Amarre meu biquíni pra mim.
― Você precisa usar algo tão pequeno? ― Ela sorriu pelo
espelho.
― Era o maior que eu tinha.
Revirei meus olhos.
― É claro que era. ― Alessa saiu do banheiro usando um
vestido curto de verão e se sentou na cama, esperando-nos.
― Já parou pra pensar que pode estar sentada onde Luccare
goza? ― Anita provocou.
Isabela engasgou do outro lado do quarto.
― Não seja deselegante com as visitas. ― Torci o nariz,
sabendo que Isabela levaria tudo o que ouvisse para fora da minha
casa.
― Acompanhada de quem ela está, deveria estar acostumada.
Não é, Isabele?
― É Isabela ― a menina corrigiu enquanto ajeitava a parte de
cima ― também muito pequena ― de seu traje de banho. Ela e
Anita pareciam ter comprado na mesma loja.
― Não é tudo a mesma coisa? ― Anita se afastou e caminhou
até a porta.
Isabela a fitou com estranheza, mas não disse nada. Observei
as duas saírem.
― Devemos nos preocupar? ― perguntei à minha irmã mais
velha.
Alessa franziu os lábios, mas balançou a cabeça.
― Ela vai se comportar.
― Eu espero que sim. ― Cruzei os braços, observando-a de
perto. ― Você tem estado ausente, está tudo bem?
Ela ficou de pé.
― Claro. A famiglia está com a agenda lotada de eventos. ―
Sorriu, mas não chegou aos olhos. ― Vamos descer antes que seu
marido suba para buscá-la.
― Eu vou colocar meu biquíni e poderemos descer.
Rapidamente coloquei um top branco sem alças e um pequeno
shorts de pano leve. A parte de baixo estava lá, mas a ideia de ficar
andando seminua na frente de Luigi não me agradava. Não porque
eu acreditava que ele faria algo, mas porque eu sabia como se
sentia.
Assim que voltamos ao quintal pude ouvir a voz exaltada de
Isabela. Ela gritava de dentro da piscina, balançando as mãos no ar.
E Luigi igualmente molhado pairava ao seu lado.
― O que está acontecendo? ― inquiri.
― Essa piranha me empurrou dentro da piscina!
― Ei! ― repreendi Isabela. ― Não diga essas palavras perto
do meu filho.
Por um momento ela se acalmou.
― Sinto muito, Abriela, só que não serei tratada como nada
menos do que mereço. Se Anita só sabe agir como uma selvagem,
não vou tolerar.
Anita apontou para a porta.
― Ali está a porta e depois dela você encontrará a rua. Boa
sorte.
Isabela suspirou e abraçou Luigi.
― Você faz jus à sua reputação, Anita Bonucci, mas eu sou
superior e vou fingir que isso não aconteceu. ― Ela olhou para
Luigi, dando-lhe um beijo rápido. ― Podemos tomar uma bebida,
docinho? ― Luigi deu um tapa na bunda dela e sorriu.
― Depois deste show? Precisamos. ― Ela riu, puxando-o
enquanto passavam do lado de Anita.
Eu me aproximei de Anita.
― Irmã?
― Quem ela pensa que é para falar comigo daquele jeito? ―
Anita disse como se estivesse falando sozinha, seus olhos focados
num ponto fixo à frente.
― Anita! ― Eu a sacudi.
― O quê? ― rosnou.
― Está tudo bem?
― Ela pensa que eu mereço o que dizem de mim só por tê-la
jogado na piscina? Definitivamente não sabe do que sou capaz. ―
Ela tirou o copo da mão de Alessa e bebeu de uma vez. ― Ela não
faz nenhuma ideia do caralho, porra.
Suspirei. Seria um longo dia.
― Seus peitos são silicones? Você é tão pequena, não podem
ser seus ― Isabela comentou ao lado de Anita após o almoço.
Nós estávamos compartilhando histórias em espreguiçadeiras,
enquanto Lucca e seus irmãos se sentaram a uma mesa com
guarda-sol e conversavam a tarde toda. Damon era revezado de
colo em colo, mas sem dúvidas preferia quando Luigi brincava com
ele dentro da piscina.
Eu tinha certeza de que esse era o contra-ataque da menina
por Anita tê-la chamado de Isabele o dia todo e ainda a ter
empurrado na piscina.
Tratando-se de Anita, ela deveria ter ficado quieta.
Minha irmã foi rápida na resposta.
― Pergunte ao seu pai, ele olha tanto quando me vê que vai
saber lhe dizer se são ou não.
Luigi cuspiu a bebida, encarando minha irmã de olhos
arregalados.
Alessa deu uma gargalhada, que disfarçou com uma fingida
crise de tosse. Isabela estava chocada demais para se defender.
― Eu só fiz uma pergunta ― disse ela.
Anita não se importava.
― E eu só respondi.
Alessa e eu puxamos um assunto qualquer, querendo ao
máximo trazer alguma normalidade à situação. Minha irmã e a
acompanhante de meu cunhado tinham se cutucado em todas as
oportunidades possíveis.
Tudo ia bem, até que não ia mais.
Luigi insistiu que Damon conseguiria nadar sozinho.
Anita enlouqueceu. E eu também, mas minha irmã estava
respirando explosivos naquela tarde.
― Leve meu afilhado um passo mais perto da piscina e vou
fazer você engolir toda essa maldita água! ― ela gritou. Meu
cunhado levantou uma sobrancelha.
― Está falando comigo, Bonucci?
― É óbvio! Saia dessa margem com ele.
Luigi chegou mais perto da beirada, apenas uns três passos de
entrar na água. Eu me levantei. Olhei para Lucca, que encarava seu
irmão aparentemente tranquilo, acreditando que Luigi não faria
aquilo. Estava só querendo provocar minha irmã. E, é claro,
conseguiu.
― Venha pegá-lo.
― Deixa de ser ridículo!
Mais um passo.
― Luigi ― Lucca advertiu.
Mais um.
Minha irmã voou, correndo na direção dele, chegando perto
quando Luigi apenas esticou os braços e a empurrou dentro d’água,
jogando-se, em seguida, numa espreguiçadeira e rindo.
Eu fiquei estática, antes de finalmente cair na gargalhada,
assim como todos ao redor. Anita submergiu, gritando maldições
para ele, possuída de ódio. Se pudesse, ela o teria matado ali
mesmo.
Eu olhei de um para o outro.
As engrenagens da minha mente girando sem parar.
E eu percebi que talvez houvesse mais acontecendo do que eu
estava vendo.
Eu olho tão profundamente em seus olhos
Eu toco você cada vez mais e mais
Quando você sai eu te imploro para não ir
Chamo seu nome duas ou três vezes
Seu toque está me fazendo parecer tão louca agora
Seu beijo me fez esperar que você me salve
Seu amor está me fazendo parecer louca
beyonce, crazy in love (sofia karlberg version)
― Precisará de mais alguma coisa hoje, chefe? ― Juliano
perguntou quando estacionei na porta de casa e desci do carro. Ele
deu a volta para assumir o volante.
― Veja se está tudo pronto para amanhã e avise Alessa Bonucci.
Isso é tudo.
Assentindo, ele deu partida e eu me vi diante da casa que dividia
com a minha família.
Lembrava-me como era chegar em casa alguns meses atrás.
O silêncio absoluto, a ponto de conseguir ouvir qualquer mínimo
som.
A decoração escura e sombria combinava com tudo o que havia
dentro de mim.
Eu encontrava descanso fumando o quanto pudesse e bebendo
duas vezes mais.
Ao fechar a porta atrás de mim, o cheiro de bolo recém-assado e
café fresco invadiu minhas narinas. Havia fotos por todos os lugares ―
a maioria de Damon e de Abriela ― e o silêncio fora substituído por
risadas e latidos.
Todos os dias.
Deixando minha mala e casaco no hall, adentrei o corredor em
direção à sala, onde Abriela estava sentada no grande tapete de pelos
que ela tinha ansiosamente esperado chegar da Índia. Rossi ― o cão
que eu ainda não admitia ter meu nome, estava com eles. Sempre
grudado em Damon.
Ela não me viu chegando, estava distraída com os dois. Fiquei no
arco, encostado ao batente observando o que minha vida tinha se
tornado.
Seu cabelo estava solto, alcançando sua cintura fina e ela usava
um de seus típicos vestidos simples de algodão, com uma alcinha
caindo pelo braço, deixando claro o quão à vontade ela se sentia.
Abriela era a porra de uma contemplação do paraíso.
Do outro lado do tapete, um Damon com oito meses ria sem
parar. O macacão com estampa e touca de zebra era um detalhe
desagradável.
Ele tinha a cabeça um pouco inclinada, rindo e babando,
enquanto o cachorro pulava e latia em volta dele. Abriela batia palmas,
cantando alguma música de aniversário, mesmo que não fosse o dele.
Abriela colocou uma bolinha no espaço entre eles, prendendo a
atenção de Damon.
― Você quer a bolinha, bebê? Vá pegar!
O cão latia sem parar, eu não entendia como ela tinha paciência
para lidar. Damon apoiou-se em suas mãos e joelhos para começar a
engatinhar.
― Como a mamãe vai aguentar esse bebê? Você é a criança
mais fofa do mundo, Damon Lucca! ― Sua voz, sua postura, o jeito
como ela olhava para a criança.
Tudo isso ainda era misterioso demais para mim. O fato de ela ter
conseguido manter sua pureza em meio aos meus pecados.
E ao mesmo tempo que eu reconhecia não ser digno, sabia que
jamais a deixaria ir.
Ela o puxou do chão, distribuindo beijos por todo o garoto.
A pressão em meu peito me impediu de fazer ou dizer algo, e eu
fiquei apenas os olhando. Incapaz de acreditar que tudo fosse meu.
Não havia um único momento que me fez amar Abriela Bonucci
após se tornar uma DeRossi.
Ela era minha desde o momento que a vi no jardim da mansão
que cresci. Ela era minha quando tirei sua virgindade e quando a
mandei embora porque era incapaz de lidar com a imensidão de fúria,
desejo e dúvidas que ela me causava.
Tudo me fez amá-la.
― Olha quem está em casa, filho ― ela falou. Abri meus olhos e
encarei a cena à minha frente.
Damon sorriu para mim, batendo palmas como se me ter em
casa fosse o ponto alto do seu dia.
― Diga “oi” para o papai, Lucca ― sussurrou, fitando-me com
olhos atrevidos.
Eu comecei a andar quando ela o chamou pelo meu nome. Ela
sabia que era algo que sempre me desestabilizava.
Aproximando-me, pisei no tapete de sapatos, fazendo-a estreitar
os olhos e sentei-me ao seu lado. Segurando seu cabelo, puxei sua
cabeça para perto, dando um beijo que mostrava o que eu não
conseguia colocar em palavras.
O beijo não durou muito, embora eu gostaria de tê-lo alongado
mais, mas uma pequena mão se meteu entre nossos narizes.
― Você vai continuar nos interrompendo por mais quanto tempo,
garoto? ― Ele riu mais ainda e esticou os braços para mim.
Ele tinha um grande sorriso com poucos dentes no rosto.
Segurei-o de pé, dando-lhe livre acesso para passear suas mãos pela
minha barba por fazer.
Fui cruel, perverso e desumano desde que me lembrava. Jamais
poderia pensar que era digno de ter aquela família.
No entanto, um homem como eu não se importa de pegar o que
não foi feito para si. Nós apenas pegamos.
E eu não pretendia soltar nunca mais.
Eu não encontrei a calmaria, cura como essa não existia. Eu
estava além de reparação.
Porém, certamente encontrei a casa perfeita para abrigar o
monstro que vivia em mim.

― Eu quero ter outro filho ― eu disse a Lucca quando deitei


Damon em seu berço mais tarde naquela noite. Lucca me fitou sem
surpresa, mas ficou calado. ― Você não quer?
― Você não deveria me perguntar isso.
― Lucca, eu sei que sua opinião mudou. Damon é a luz dessa
casa.
― Você é a luz da casa.
Revirei os olhos.
― Aos seus olhos eu ando sobre as águas, não é justo. O
médico disse que eu sou saudável, que não fiz nada de errado para ter
causado o que aconteceu com Vittoria. Só não tive sorte.
Seus olhos azuis fixaram nos meus.
― Se quer um filho, ele é seu. Você é a rainha, Abriela.
― Posso fazer o que eu quiser ― completei o que ele ia dizer
com um sorriso.
Lucca sorriu torto, segurando meus cabelos na nuca.
― A parte boa é que precisaremos tentar até que tenha o
seu filho.
Eu saí de seu aperto, sorrindo.
― Não fale assim, eu já tenho um filho.
― Você sabe o que eu quis dizer.
Caminhei até o berço onde o pequeno bebê dormia pacificamente
e o observei. Cada contorno de seu rosto, cada movimento de seu
pequeno corpinho, cada barulho que fazia. Facilmente o peguei no
colo e o abracei.
Seu cheiro invadiu minhas narinas. E eu senti a paz que só
Damon me dava.
― Vê esse cabelo? É exatamente como o seu. Esses olhinhos...
São idênticos aos seus. ― Virei-me para Lucca. ― O sorriso dele
quando me vê é tudo o que eu preciso para saber que sua primeira
palavra será mamma. Ele é todo você, Lucca e por isso, ele é meu.
Quando você me amarrar, faça devagar, esqueça o tempo
Troque de posição, possua minha alma
Cale a boca e me escute
Olhe nos meus olhos
Nunca minta pra mim
nicholas bonnin, shut up and listen
Lucca estava sumido o dia todo.
Quando acordamos pela manhã, em torno de sete horas,
nosso bom dia foi muito bem dado quando o acompanhei no banho
e ele me deixou na cama para depois sair.
Mas passava de meia-noite e eu não tinha notícias do meu
marido.
Quando a uma da manhã eu ouvi a porta fechar, corri da sala,
esquecendo a babá eletrônica na mesa de centro e mesmo tonta,
cheguei ao corredor a tempo de vê-lo entrando com uma mulher.
Ela tinha cabelos ruivos, devia ter a minha idade e se vestia
com calça e bota de couro.
Lucca ergueu as sobrancelhas ao me ver.
― Pensei que estaria dormindo.
Coloquei as mãos na cintura.
― Como? Com o meu marido desaparecido. ― Lancei um
olhar a mulher. ― Mas já está explicado. ― Dei meia-volta,
cambaleando e senti Lucca me segurar. ― Me solte!
Meu coração afundou ao perceber que tudo o que vivemos nos
últimos meses foi pura ilusão da minha cabeça. Eu pensei que ele
estava apaixonado por mim, mas Lucca tinha razão, ele não podia
mudar. E isso incluía suas traições.
― Abriela.
― Não fale nesse tom comigo. ― Chorei, quase gritando e
apontei para ela. ― Tire essa mulher da minha casa.
Ela arregalou os olhos, erguendo as mãos.
― Olha, desculpe, mas...
― Não se desculpe. A essa altura eu já devia ter me
acostumado com as prostitutas do meu marido invadindo nossa
casa.
― Já chega. Serena, vá embora. Amanhã eu chamo, caso
precise.
― Não ― neguei veemente, alcançando-a, mas Lucca me
puxou. ― Deixe que ela fique! Eu durmo no quarto de Damon pra te
dar privacidade!
A mulher me deu um último olhar antes de literalmente sair
correndo, subir numa moto e sumir na noite. Quando fitei Lucca, sua
expressão era uma mistura de quem queria rir e quem estava muito
irritado.
― Isso era necessário?
― Sim, era. Não fale comigo, traidor, e não me toque.
Sua risada baixa e rouca me acompanhou enquanto eu
caminhava até a cozinha.
― Eu vejo pelos seus passos que andou bebendo.
Virei-me para ele, apontando o dedo.
― É, Luccare DeRossi, eu estou bêbada! Algo me dizia que eu
precisaria beber pra aguentar à noite de espera. Você não tem o
direito de me repreender por isso quando chegou em nossa casa
com uma vadia vestida de couro.
Lucca me observou por alguns segundos em silêncio, sua
expressão neutra e paciente. Mas os olhos estavam incendiados.
― Eu devia ― ele começou a tirar o terno, depois passou para
os botões da camisa branca ― fazer você se ajoelhar aqui e meter
meu pau na sua garganta até que chorasse, bella. Até que você
esteja respirando e engasgando com a minha porra.
Eu recuei conforme ele avançava. Mas quando bati no balcão,
Lucca me alcançou.
― Se pensa que vai me tocar depois de...
― Serena é tatuadora. Ela faz as artes dos soldados e
trabalha no corpo deles. Eu achei que seria uma boa surpresa de
casamento para a minha mulher.
Ele de repente virou, tirando completamente a camisa e
exibindo suas costas.
― Ah, meu Deus, Lucca! ― gritei, levando as mãos à boca.
Minha visão ficou borrada com as lágrimas não derramadas e eu
levei uma mão até suas costas, parando a poucos centímetros antes
de tocá-la. ― O que... você... eu pensei que odiasse tatuagens ―
sussurrei.
Ele me fitou por cima do ombro, seus olhos dilatados e cheios
de promessas sombrias para mim.
Em toda a extensão de suas costas havia riscos e sombras
pretas, mas no meio, havia o meu rosto. Eu parecia uma deusa
representada em tinta preta e pele branca. Meus olhos estavam
fechados, meus lábios entreabertos e minhas mãos seguravam o
rosto. O anel que ele colocou em meu dedo no dia que nos casamos
era visível também.
Meu cabelo solto e escuro caía em ondas, misturando-se às
sombras do desenho de fundo.
Quando ele viu que eu não conseguiria dizer nada, virou para
mim, erguendo-me e me sentando no balcão.
― Eu esperava te deixar sem palavras, esposa, que bom que
consegui.
Eu funguei, cobrindo meu rosto.
― Você pode, por favor, andar apenas sem camisa?
Lucca riu, afastou minhas mãos e segurou meus pulsos para
baixo.
― Minha mulher é ciumenta pra caralho. Serena não vai nem
querer receber pelo trabalho.
― Você pode fazer uma transferência, não precisa vê-la. Meu
Deus. ― Eu chorei mais forte, soluçando. ― Você é tão gostoso.
Os olhos de Lucca brilhavam com diversão, mas eu estava
verdadeiramente impactada e abalada com o que ele fez. Aquilo não
era um simples presente. Qualquer um que me conhecesse e visse
suas costas, saberia que era eu.
Ele estava se dando para mim por completo, e declarando
para quem quisesse ver que era meu.
Eu limpei meu rosto enquanto o sentia alisando minhas coxas
com suas mãos ásperas debaixo para cima e ao contrário, enviando
arrepios por todo o meu corpo.
― Foi uma vergonha, não foi?
― A sua crise de ciúme com a garota? Não, me deixou com
tesão pra caralho.
― Me deixou também ― sussurrei, envergonhada.
Lucca subiu a mão pela minha barriga e ao passar pelo meu
seio, apertou-o, demorando um pouco ali antes de segurar meu
pescoço e puxar minha boca para a sua.
― Então por que não me diz como quer ser fodida?
Passei a língua pelos lábios, umedecendo-os e segurei seu
pulso que me segurava.
― Como se eu fosse sua, como se quisesse entrar em mim e
ficar pra sempre. ― Estiquei a mão para trás, alcançando o porta
facas e peguei uma, fazendo todo o resto cair no chão com um
baque.
Os olhos de Lucca escureceram ao ver, e sua respiração ficou
mais pesada.
Ele arrastou o braço pelo balcão, derrubando taças, copos e
um porta-retrato do nosso casamento ao chão, quebrando-os.
― Uma bagunça do caralho ― ele sussurrou contra os meus
lábios.
― Assim como nós.
Eu acariciei seus cabelos e o beijei. Minha língua viajou dentro
de sua boca, acariciando a dele, chupando e mordendo. Lucca
rosnou, apertando minha cintura com força, e só então eu percebi
que seu telefone estava tocando.
Ele se afastou um pouco e pegou o aparelho, xingando ao ver
o nome.
― O quê? ― esbravejou.
Ele ouvia atentamente, mas seus olhos estavam cravados em
mim. Minha saia tinha subido até a cintura e eu peguei a faca
escolhida, passando pelas minhas coxas e subindo até o meio das
minhas pernas, onde provavelmente ele conseguia ver uma mancha
úmida na calcinha.
Eu arrastei o lado sem corte para cima e para baixo, jogando a
cabeça para trás.
― Mate-o, você tem minha permissão ― disse Lucca para
quem quer que fosse.
Eu gemi, aumentando a pressão da madeira em meu clitóris.
De repente, minha mão foi substituída pela sua e ele usou a lâmina
para cortar minha calcinha, inclinando-se e lambendo-a com força,
fazendo-me cair com os cotovelos para trás.
― Lucca, sim... por favor...
― Não é da sua conta, cuide disso, porra.
Jogando o telefone no balcão ao meu lado, eu percebi que ele
estava gravando com a câmera para baixo, registrando meus
gemidos e todos os barulhos que íamos fazer.
Ele arrastou beijos pelo meu osso púbico, subindo para o
umbigo e sugando meu seio com força. Eu gritei, agarrando seus
cabelos. Em poucos minutos eu estava sendo preenchida por ele.
Seu pau me batia forte e com aquela dureza me abrindo, me
deixando mais e mais molhada.
Evitei arrastar as unhas pelas costas mesmo quando ele
espremeu a carne da minha bunda entre os dedos, fazendo meu
clitóris pressionar com força e ser espremido por sua pélvis. Nossos
gemidos se misturavam, nossa pele suava junto, misturando seu
perfume ao meu e sua fome à minha.
Eu amava tanto aquele homem que chegava a doer.
Eu daria a minha vida por ele.
Quando me casei com Lucca esperava tudo, menos amor,
parceria e tamanha devoção, mas no fim, fazia sentido que fosse
assim.
Monstros passam a vida perseguindo um único tipo de presa, e
quando encontravam o objeto de sua obsessão, nunca deixavam ir
embora.
Meu marido me encontrou.
Enquanto ele me quisesse eu estaria aqui.
E se um dia aquele fogo acabasse, nós queimaríamos o
mundo juntos buscando uma forma de acendê-lo outra vez.
Ao mesmo tempo, encontraríamos calma em meio as
chamas.
Juntos.
Lucca era meu alimento e eu sabia que sempre seria uma
mulher faminta por ele.
Estamos enterrados em sonhos quebrados
Estamos atolados sem um fundamento
Eu não quero saber
Como é viver sem você
Não quero conhecer
O outro lado do mundo sem você
Isso é justo, ou é o destino?
Ninguém sabe
As estrelas escolhem seus amantes
ruelle, the other side
Quando o pé direito pisou na terra, levantando poeira com a
força que os saltos bateram no chão, eu esperei que ela saísse
antes de ir buscá-la. Olhando para uma das poucas mulheres que
tinham o meu respeito, eu não conseguia deixar de sentir orgulho.
― Está pronta?
Ela assentiu sem hesitar.
― É hora de acabar com isso.
― Então vamos.
― Espere. ― ela sorriu com os olhos marejados e me
abraçou. Eu mantive meus braços retos ao lado do corpo, mas
quando ela começou a fungar em meu ombro, coloquei uma mão
em suas costas. ― Obrigada por tudo o que fez por mim, Lucca.
Obrigada por tudo.
Ela me soltou.
― Limpe seu rosto, não vamos deixá-los ver que estava
chorando.
Alessa riu.
― Estou feliz pela minha irmã ter você. Ela merece ser feliz.
Vocês dois merecem. ― Saber que eu tinha a aprovação dela não
deveria me deixar satisfeito, mas deixou.
Ela pegou minha mão direita e deu um beijo no anel, como
apenas meus homens feitos faziam. Era a demonstração máxima de
respeito a mim.
― Alessa, já passamos desse ponto.
― Eu nunca poderei pagar o que você fez todos esses anos
atrás. Eu nunca teria sido livre.
Cerrei a mandíbula, sentindo a raiva me preencher.
― É passado. Um passado distante que nunca mais vai te
alcançar.
Aquela menina tinha passado por tanta merda que deixou sua
cabeça fodida de várias formas, e eu era a única pessoa que sabia
o que tinha acontecido. O segredo estava bem guardado até mesmo
de sua família.
― Antes de entrarmos, isso chegou pra você na associação
hoje de manhã. ― ela me entregou um pequeno envelope marrom.
― Entrarei atrás de você.
Alessa concordou com um aceno e seguiu para dentro do
prédio onde os homens da Cosa Nostra limpavam suas almas com
sangue, carne podre e enterravam corpos cheios de história.
Eu olhei ao redor antes de abrir o envelope. Havia um pequeno
bilhete e uma polaroide.

“A paz é um objeto estimado e sensível, que facilmente


pode ser quebrado. Homens como você não a merecem, mas
homens como eu nasceram para tirá-la de você toda vez que
pensar que conseguiu alcançá-la.”

Na foto nova, brilhando com verniz, havia um rosto


envelhecido pela idade que eu pensei que ela jamais alcançaria.
Eu perdi o chão, sentindo meu joelho desabar sobre a terra
malcuidada em frente ao edifício onde tirei inúmeras vidas como
vingança por sua morte.
Eu podia esquecer muitas coisas, mas sempre me lembraria
daquele momento.
Onde eu abri um envelope e descobri algo que mudava tudo.
O coração de um homem como eu não se desesperava fácil,
mas o meu doeu como apenas a morte de Vittoria fez doer.
Doeu ao perceber que acreditei em uma mentira por tanto
tempo.
Porque Mia estava viva.
Monstrinhas,
Só estamos aqui hoje porque vocês apoiaram essa série e
todos os meus livros que vieram após ela como se eu fosse a
melhor escritora que já leram, como se meu trabalho valesse a pena
cada centavo, cada minuto do relógio e cada lágrima derramada.
Obrigada por esse apoio, por me incentivarem a ser melhor, por me
darem a confiança necessária para reescrever o que eu considero o
trabalho da minha vida.
O monstro em mim é apenas o começo. Eu não pretendo
parar. Os próximos monstros vem sem demora, e vem com a fúria
de mil mafiosos, enlouquecidos de paixão e consumidos por amor,
além da violência tatuada em seus ossos.
Eu não sei aonde esse livro vai, mas até aqui, valeu a pena
cada dia que passei trabalhando nele.
É difícil falar desse livro e desse universo que criei tantos anos
atrás sem que meus olhos encham de lágrimas. Eu tinha vinte e um
quando finalizei o quinto e último livro dessa série naquela época, e
até hoje tenho guardado print’s e mensagens de como ficamos
desoladas (nós, fãs loucas desses personagens mafiosos) quando
eu decidi colocar um fim nesse ciclo. Naquela época, meu sonho era
ser psicóloga, não escritora, e conforme acompanhava autoras que
admirava e me espelhava, sempre as via colocando um fim e pensei
que também precisava.
Mas hoje sei que não.
Não se preocupem, o antigo Antony e agora Damon, terá sua
história contada outra vez, e Anya segue sendo sua alma gêmea.
Assim como Elena também terá seu momento, mas não vou negar
que existem personagens que imediatamente estão gritando na
minha cabeça. Como Mia e Santo.
Eu sei que vocês acompanham séries de livros que não tem
fim e eu pego como exemplo aquela que talvez seja a minha
favorita, Irmandade da Adaga Negra. JR Ward é uma autora que
não tem limites, sua mente viaja sem ponto final e não importa que
nós não conseguimos decorar todos os nomes dos livros, ou que
não sabemos a ordem cronológica de todos os livros que estão
dentro daquele universo; ela continua escrevendo porque é o que
seu coração manda.
Por isso, já vou tranquilizar vocês de que “Cosa Nostra:
legados de sangue” terá uma série derivada, onde as histórias de
Damon, Elena e mais alguns vai entrar.
E sim, entre todos os planos, encontrarei um tempo para trazer
os livros da Bratva e Liga dos diamantes, são histórias que tem
muito do meu coração e eu não vou abandoná-las por muito mais
tempo.
No entanto, os monstros precisam da minha atenção. Eu não
posso deixar vocês sem Dante e Luigi agora.
O livro 2 chegará muito mais rápido do que vocês imaginam.

Durante o caminho eu tive o apoio de pessoas que nunca


soltaram a minha mão. Esse livro foi o primeiro que trabalhei tendo
leitoras betas ao meu lado e se eu disser que não foi a experiência
mais incrível que já tive escrevendo estarei mentindo.
Gi, obrigada por ter aceitado fazer parte disso. Eu sei que no
fundo você só veio para descobrir se eu ia matar o Dante, mas tudo
bem, eu só planejo te tirar daquele grupo quando você me disser:
Nana, não dá mais pra mim.
E de verdade? Não acho que vá fazer isso. Então, bem-vinda
ao nosso contrato que vai durar tanto quanto a minha carreira. Eu
sei que muito desse livro te abalou, te fez chorar e te fez rir, mas
quero que você saiba que seus áudios bêbados no grupo quase
soltando spoilers e dando um infarto na Camila, tornou muitos
momentos escrevendo capítulos sombrios, mais leves.

Pri, eu sei que você está comigo fielmente desde que me


conheceu e como você mesma diz, está no meu barco e não abre
mão. Sei que se ele furasse e a água começasse a invadir, daria um
jeito de me ajudar a tapar o buraco.
Você esteve comigo lendo os meus clichês mesmo quando sei
que sua alma pertence ao mundo dark, e por isso, te chamar pra ser
uma das betas do seu personagem favorito dessa série foi uma
escolha perfeita. Com os seus poemas em forma de áudio, seu
apoio incondicional, sua sinceridade e sensibilidade em me dizer o
que você estava achando e me deixar saber que mesmo quando era
incrível, eu tinha potencial pra muito mais, eu nunca vou esquecer.
Em muitos momentos quando eu olhava para a minha escrita e
só via críticas, me lembrava de você falando comigo e me olhando
nos olhos na Bienal: a Nana que escreveu “Aprisionada a você” está
aí em algum lugar.
E ela estava mais do que nunca, mais do que a própria
Geovana na hora de escrever esse livro.

Mila, colocar você em um agradecimento e dizer coisas


repetidas é inevitável, porque tudo o que eu podia falar foi dito
enquanto trabalhávamos madrugada adentro nesse livro. Camila,
obrigada. Você não sabe quantas vezes me impediu de abrir o
grupo e falar: ok, meninas, é isso. Espero que vocês encontrem
livros incríveis pra ler, mas acho que eu estou quebrada e não sou
mais uma autora que vai escrever coisas que vocês querem.
Eu sei que todas as vezes que você me chamou de cretina foi
por uma boa razão, e todas as vezes que compartilhamos
discussões de áudios imensos nos trouxe até aqui. Essa série me
trouxe você, espero que fique pra sempre.
Essa parceria nos livros, a forma como você ama meus
personagens como se eles tivessem saído do mesmo mundo que
você, me faz te amar mais e ser ainda mais grata do que já sou.
Você é um monstro, Mila, um monstro na amizade, na garra, na
vontade de fazer acontecer. Você é um monstro, e com essa série
nós aprendemos muito sobre eles: são os melhores tipos de pessoa.

Jaque, trabalhar comigo não é fácil (pode parecer que é, mas


eu sei dos meus surtos de vez em quando, onde eu penso em
excluir tudo e sumir no mundo e aí você ficaria nas Europa olhando
a minha evaporação tipo??????) Não vou fazer isso, prometo.
Obrigada pela coragem de vir, de entrar pra somar, de conseguir me
acalmar quando eu só to vendo o lado ruim de tudo. Obrigada pela
parceria e por dividir o que você sabe, que não é pouco, comigo.
Sou muito feliz por te ter em Dark City, que façamos coisas
maravilhosas juntas por aqui. Amo você.

Zoe, minha ............ . Você é o resultado de todas as vezes que


eu me senti sozinha e implorei ao universo que me mandasse
alguém pra me entender. Sua amizade é o abrigo que tantas vezes
eu implorei pra vida me trazer. Nos conhecemos lobos solitários
anos atrás, mas essa é a matilha de dois mais bonita que eu já vi.
Não vejo a hora da gente ter setenta anos e sermos insuportáveis
juntas.
Você muda diariamente meus pensamentos, você me motiva,
me inspira e me faz ver o mundo com mais brilho quando eu perco o
encanto.
Obrigada por ser a minha pessoa. Sempre.
Você sabe o que foi chegar até aqui. Sei que cheguei porque
tinha você.

Larissa, quando eu paro de escrever e te mando mensagem


dizendo que quero chorar de saudade não é exagero. Eu não sei
amar direito. Sei amar minhas amigas, sei amar meus cachorros,
mas você sabe que eu sou igual meus personagens pra amar: toda
errada e muito confusa.
Pensando bastante, percebi que não posso falar de você sem
agradecer pela inspiração em certas cenas desse livro. Você sabe o
quanto eu odeio escrever aquelas coisas que minhas leitoras amam
ler (vocês sabem o que é, cretinas), mas ter a última romântica ao
meu lado, me amando de forma digna de um romance me inspirou
como mágica. A faca, sabe? É sobre os xingamentos, entende?
Obrigada por ficar aqui quando eu estava atolada de trabalho e
nosso dia era resumido em mãos entrelaçadas por um ou dois
minutos quando eu dava pausas pra pensar no próximo parágrafo.
Minha companheira, eu amo você.

Augusto e Romero, que diariamente acalmaram minhas crises


de ansiedade com abraços, beijos e conchinhas, é sempre por
vocês.

Dark City e todas as meninas... eu ia escrever os nomes aqui,


mas não quero ser injusta com cada comentário, cada mensagem
de amor, cada dia de conversas e teorias no nosso grupo. Eu amo
vocês. Sem mais, com muito amor. E sim, vocês já podem começar
a cobrar o próximo.

Explodindo de amor,
Nana Simons

[1]
beije sua noiva para torná-la sua esposa.
[2]
Graças a Deus
[3]
Tudo bem
[4]
Maldito, Santo Deus
[5]
Desgraçado
[6]
Seu desgraçado
[7]
Pelo amor de Deus
[8]
Meu amigo
[9]
Obrigada, obrigada
[10]
Saúde!

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