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Sumário

DEDICATÓRIA
PRÓLOGO
UM
DOIS
TRÊS
QUATRO
CINCO
SEIS
SETE
OITO
NOVE
DEZ
ONZE
DOZE
TREZE
QUATORZE
QUINZE
DEZESSEIS
DEZESSETE
DEZOITO
DEZENOVE
VINTE
VINTE E UM
VINTE E DOIS
VINTE E TRÊS
VINTE E QUATRO
VINTE E CINCO
VINTE E SEIS
VINTE E SETE
VINTE E OITO
VINTE E NOVE
TRINTA
TRINTA E UM
TRINTA E DOIS
EPÍLOGO
CAPÍTULO BÔNUS
PEDIDO DA AUTORA
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Copyright © Mary Oliveira
Todos os direitos reservados.

Criado no Brasil.

Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas. Nomes, personagens, lugares e
acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes,
datas e acontecimentos reais é mera coincidência.

Todos os direitos reservados. São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte
dessa obra, através de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o consentimento escrito da
autora.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n°. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do
Código Penal.
DEDICATÓRIA
A você, que carrega feridas nunca cicatrizadas da infância. Você
merece amar e ser amado. Ciclos que existiram na sua vida não
precisam ser perpetuados.
PRÓLOGO

Quão estúpida uma garota precisa ser para se apaixonar pelo melhor
amigo do seu irmão?

Você pode ser compreensivo e dizer: ninguém manda no coração. E


eu sentiria um pouco de alívio e talvez até concordasse, mas vamos
reformular essa pergunta para você entender meu ponto:
Quão estúpida uma garota precisa ser para se apaixonar pelos quatro
melhores amigos do seu irmão ciumento e superprotetor?

Sim, fiz isso quatro vezes. Em períodos diferentes da adolescência,


okay, mas quatro vezes, entendem? É estupidez. Especialmente porque meu
cupido idiota decidiu que seria uma ótima brincadeirinha sem graça me
deixar meio obcecada pelo mais cafajeste de todos.

Maverick Bradshaw.

O cara popular que vive rodeado de amigos e garotas. O


engraçadinho que adora provocar, mas também é leal e protetor. O dono do
sorriso mais lindo e da gargalhada mais estranha. O running back do time
de futebol americano da universidade. O cafajeste que se orgulha de não ter
transado duas vezes com uma mesma mulher.

O meu par no baile de formatura do ensino médio.

— Ainda não acredito que você socou meu parceiro do baile —


chiei para o meu irmão mais velho, parado ao meu lado à frente da mansão
da nossa família.

— Ele tentou beijar você! — Liam retrucou, fazendo um gesto


abrangente com os braços, como se nem acreditasse que eu estava
reclamando por ele socar o único cara que me convidou para o baile mais
importante da minha vida, o único que teve coragem depois de Liam
ameaçar todos os outros. — E você obviamente não queria ser beijada por
ele.

Eu realmente não queria, mas isso não vem ao caso. Quem diabos
achou que seria uma boa ideia colocar Maverick no lugar do meu parceiro?
Como Liam concordou com isso?
— Ainda posso ir com você — meu irmão ofereceu, colocando-se à
minha frente quando o Camaro antigo de Maverick surgiu no fim da rua.

— Eu não vou ao meu baile com meu irmão mais velho surtado —
resmunguei, sem nem me dar o trabalho de encará-lo. Ainda estava puta.

— Ei! — ele reclamou, se inclinando em minha direção para me


forçar a encarar seus olhos castanhos. Os traços asiáticos sempre eram
ressaltados quando ele semicerrava os olhos desse jeito. — Eu não sou
surtado. Sou seu irmão preferido e você me ama.

— Você é meu único irmão e é minha obrigação te amar. Do


contrário, a mamãe me manda de volta pra Coreia do Sul — grunhi. Talvez
não fosse uma verdade, e eu estivesse exagerando um pouquinho, sim, mas
era um fato que Liam era o filho preferido, e eu sabia que só tinha sido
adotada porque nosso pai queria uma princesinha e Liam havia insistido
para mamãe me aceitar. Mas então papai morreu menos de um ano depois e
mamãe havia ficado com dois filhos, em vez de um.

Ela dizia que me amava e às vezes eu acreditava, mas costumava ser


mais fácil reconhecer sua insatisfação a tudo relacionado a mim, a
reconhecer seu amor.

Liam riu do meu drama, porque era como ele via minhas palavras:
um drama adolescente que passaria em algum momento. E, em partes, até
poderia ser, mas não completamente.

— Você perdeu alguma aposta com seu amigo para ele concordar
em me levar? — perguntei baixinho, quando Maverick estacionou à frente
da minha casa e meu coração simplesmente parou de bater. As mãos
suavam e as deslizei disfarçadamente pela saia longa do vestido azul-claro,
para limpá-las.
— Não, ele me viu quando soquei o idiota e mamãe pediu que ele te
acompanhasse.
Murchei.

Devia ter ficado calada. Era muito pior saber que ele só estava ali
porque mamãe havia pedido.
A porta do carro de Maverick foi aberta.

Meu fôlego ficou preso na garganta. Um rebuliço estranho se iniciou


em meu estômago, mas fingi normalidade. Eu era uma garota linda e
corajosa de dezesseis anos, eu podia lidar com algumas horas ao lado do
cara por quem fui apaixonada nos últimos meses. Podia lidar com seu
sorriso travesso e provocador, com seu cheiro delicioso e embriagante, com
aqueles braços fortes me rodeando quando dançássemos e certamente era
capaz de revidar todas as piadas e comentários espertinhos que ele sempre
tinha na ponta da língua. Eu com certeza era capaz de olhar naqueles olhos
castanhos e brilhantes e incríveis e não me declarar como uma tola
inconsequente.
É claro que eu podia fazer isso.

Ele era dez anos mais velho. Dez anos. Pelo amor de Deus. E eu
ainda era irmã do seu melhor amigo.

Talvez um dia… alguns anos no futuro, eu tivesse alguma chance


com um homem como esse. Eu não era insegura de nenhuma maneira, nem
feia ou tímida. Meu problema era ser uma adolescente. Uma adolescente
ainda sem curvas ou conhecimento de mundo, homens e relacionamentos
que não estivessem nas páginas de um dos romances safados que eu
adorava ler.
Maverick deixou o carro e só então percebi que Liam tinha saído do
meu lado para recebê-lo. Ou ameaçá-lo.

Inspirei fundo, como uma tentativa tola de me acalmar, mas meus


olhos estavam presos naquele homem lindo. Largo. Forte. Sorridente.

Meu Deus.
Precisava ser gostoso, bem-humorado, moreno e sarcástico?

Essa era tipo a descrição de noventa por cento dos mocinhos dos
romances que eu lia. Se ele tivesse um passado sombrio oculto em algum
lugar, eu estaria ferrada.

Calma, Elizabeth. Mantenha a calma, garota. Você o conhece há


anos. Anos que te deram segurança suficiente para lidar com um encontro
baile com ele.

Mas então Maverick me encarou por cima do ombro do meu irmão,


ainda sorrindo, e eu acho que cambaleei para trás porque aquela droga de
sorriso me atingiu com força, como nenhum outro havia conseguido. E nem
tinha a ver com o fato de eu não ter tanto contato com os garotos imaturos e
idiotas da escola, tampouco com a demissexualidade[1] que começara a
cogitar há pouco em sessões com minha psicóloga, não… tinha a ver com
aquele homem. Com quem ele era.

Eu amava cada pequeno detalhe tolo que havia catalogado sobre ele
nos meus últimos meses de observação e obsessão silenciosa.

Um conversível parou atrás do Camaro. Alguns segundos depois,


Bruce, Chuck e Blake desceram dele. Junto de Maverick, eles eram os
melhores amigos do meu irmão. Na faculdade, eram conhecidos como os
Cinco Herdeiros de Nova Iorque. Lindos, ricos e poderosos. Se separados
chamavam a atenção de qualquer garota, juntos eles eram uma visão e
tanto, e eu até conseguia entender a quedinha que tive por eles.

Primeiro teve o Bruce, um homão de dois metros de altura com mais


músculos do que a maior parte das pessoas deve conhecer. A droga é que
ele nem é só lindo de morrer, sabe? É um dos homens mais inteligentes que
já conheci. Além de completamente louco pela única namorada que já teve.
Apesar de nunca a ter visto, já vi aqueles olhos azuis dele brilharem só de
ouvir o nome dela.

Então, logo depois dele, meu crush foi a versão franco-americana do


Michael B. Jordan: Blake Davenport. Ele sempre foi o mais calado, sagaz,
observador e misterioso, tinha uma aura sexy e impiedosa que mexeu com
algo em mim por algum tempo.

Suspirei ao vê-los gargalharem juntos enquanto Bruce parecia se


irritar com Maverick, como de costume. Chuck se meteu entre os dois e
disse algo que fez Bruce tentar avançar sobre ele, só para ser contido pelos
outros. Sorri.

Chuck Gustafson. Um alemão que parecia ter duas personalidades


distintas: para o mundo, um herdeiro reservado, contido, sério e inacessível,
para quem o conhecia, o rei do sarcasmo que adorava inflamar os ânimos e,
como ele mesmo dizia, deixar as coisas mais interessantes. Chuck também
era lindo, mas o que me fez cair por ele foi sua total descrença no amor e
em relacionamentos. Alguma parte tola de mim achou que poderia mudar
isso.

Ri de mim mesma, eu já tinha sido bem mais estúpida, sim.

Forcei-me a respirar lenta e profundamente ao ver meu par do baile


se aproximar ainda conversando com meu irmão. Meu coração palpitou.
Maverick usava um terno azul-marinho feito sob medida, sapatos
pretos e lustrosos e os cabelos castanhos desgrenhados como de costume.
Elegante, mas jovial. Clássico, mas também irreverente. Uma presença
marcante e única aonde quer que fosse.
— Liz, você parece uma cinderela asiática — ele provocou com um
sorrisinho, vindo até mim para me cumprimentar com um beijo no rosto.
Prendi a respiração com a sua proximidade, mas ainda senti seu perfume
flutuando ao meu redor quando ele se afastou. Assim como o calor
delicioso dos seus lábios atravessando todo o meu corpo.

— E você quase parece um príncipe, Maverick — devolvi a


provocação, também com um sorriso. — É uma pena que eu te conheça o
bastante para saber que você está longe de ser e querer ser um.

Ele riu, aceitando a verdade em minhas palavras. Seus olhos cor de


chocolate cintilando não desviaram de mim mesmo quando Liam empurrou
meu casaco contra o seu peito.

— Posso fingir ser um hoje, é suficiente?


Entrecerrei os olhos, envolvendo meu braço ao seu e ignorando o
fato de que meu coração disparou ao mero toque de sua mão na minha
quando ele aceitou meu contato.

— Depende, como andam suas habilidades de ator?

— Melhores a cada dia, eu garanto.

Meneei a cabeça em negativa, incapaz de conter um sorriso.

Liam resmungou algo, mas eu era boa em ignorar e Maverick


adorava fazer o mesmo só para irritá-lo.
— Eu a trago de volta até uma da manhã, cara — foi tudo o que
ainda se deu o trabalho de dizer ao meu irmão.

— Eu estarei aqui, esperando — respondeu.

Sorri, porque eu sabia que ele realmente ficaria. Liam Caldwell era
uma versão muito mais protetora do nosso pai adotivo.

Após cumprimentar Bruce, Chuck e Blake, e receber deles elogios e


assovios de provocação, me acomodei no banco ao lado do motorista e, aos
poucos, porque Maverick tinha a capacidade de deixar qualquer um à
vontade com ele, me acalmei e conversamos sobre os últimos dias na
escola.

— Nem acredito que você está se formando, Liz — ele comentou


em algum momento do caminho, um sorriso orgulhoso em seus lábios
quando voltou seu rosto para me olhar por um instante. Uma dorzinha
incômoda apertou meu peito. Seu olhar era o de um irmão mais velho e
acho que isso nunca mudaria. — Daqui a pouco estará na faculdade e todos
teremos que aceitar o fato de que nossa mascote cresceu.

Revirei os olhos. Odiava ouvi-lo falando assim. Não gostava de


saber que ele e seus amigos continuavam a pensar em mim como a
irmãzinha do Liam. A mascote do grupo. Nenhum deles me vira crescer ou
tivera qualquer contato próximo comigo até eu estar no segundo ano do
ensino médio e Liam trazer seus amigos para jogar na quadra de basquete
da propriedade da família. Ainda assim, eu era a irmãzinha. A mascote.
Pequena. Frágil. A que seria protegida pelos Cinco Herdeiros de Nova
Iorque, e não apenas pelo meu irmão mais velho.

Eu não disse nada em resposta e logo chegamos ao local da festa de


formatura. Demorei algum tempo para voltar a aceitar e retrucar as
gracinhas de Maverick. Nós nos tornamos o centro das atenções quando ele
insistiu que eu precisava dançar ao menos uma vez na minha festa de
formatura. Minhas colegas de turma estavam boquiabertas encarando meu
parceiro e eu me vi sorrindo com uma satisfação maquiavélica enquanto era
conduzida para a pista de dança.

Sim, garotas, vocês ficaram com todos os idiotas do time da escola e


a asiática excêntrica que vive com a cara enterrada em livros está com o
universitário gostoso que vocês nunca terão.

Ele é todo meu.


Ao menos hoje.

— Ainda tem aversão a saltos altos, não é? — Maverick resmungou,


mas havia um sorrisinho provocador em seus lábios enquanto ele conferia
meus pés. Eu teria usado um All Star se mamãe não tivesse interferido e me
dado um sapato com saltos ridiculamente baixos.
— Tenho horror a saltos altos — corrigi, içando uma sobrancelha, e
só compreendi seu comentário quando precisei erguer o queixo numa
posição desconfortável para ver seu rosto. Ele sorriu.

Ficamos alguns instantes em silêncio, apenas nos encarando, mas


acabei por desviar a atenção. Não era bom para o meu coração estar tão
perto desse homem e ainda sob o efeito do seu olhar, ele prejudicaria minha
capacidade de manter os pés no chão sobre quem éramos e o que nunca
seríamos.

— Você vai mesmo cursar jornalismo só por que esse é o legado da


sua família? — ele perguntou enquanto me puxava para mais perto e
pousava sua mão grande em um ponto particularmente sensível na minha
espinha. Mesmo através do tecido do vestido, eu podia jurar que sentia seu
calor.

— Eu vou tentar — admiti, com um suspiro. A verdade era que eu


não fazia a menor ideia do que gostaria de fazer. Do que queria. De qual
caminho seguir após aquela formatura. Jornalismo parecia ser um caminho
óbvio e seguro quando sua família era dona de um império de
telecomunicações que dominava todos os quatro cantos do país.

— Eu sei que Harvard é só a quatro horas de carro daqui, mas… se


não tem ideia do que quer, Liz, deveria se dar um tempo para descobrir —
ele aconselhou, naquele tom suave que usava comigo às vezes. E que eu
adorava. — Você é a garota mais inteligente que eu conheço, porra, está se
formando antes da maior parte das pessoas, ganhou mais prêmios do que
posso contar. Seria aceita em qualquer universidade desse país hoje e daqui
a um ano. Por que ter pressa?

Fiquei em silêncio, apenas o encarando, meu peito se enchendo com


algo novo por reconhecer a sua admiração por mim. Por um momento, me
perguntei se ele me entenderia se eu dissesse que não tinha pressa, mas que
sentia que precisava fazer uma escolha. Que me atrasaria se não o fizesse e
que mamãe nunca entenderia minha hesitação e indecisão. Nunca aceitaria
meu atraso.

Maverick entenderia, concluí, instantes depois, mas o que fiz, em


vez de lhe responder, foi desviar o olhar para seu peito e o abraçar, sem
parar de me mover no ritmo da música que ainda dançávamos. Senti sua
hesitação, mas ela passou rápido e logo uma carícia suave se iniciou em
meus cabelos.

— Se adiar sua entrada em um ano, terá mais tempo para pensar no


que quer e pra ler as putarias românticas que você adora, o que acha?
A provocação me roubou uma risada inesperada, seu peito também
vibrou contra o meu enquanto ele ria. Daquele jeito estranho que eu
adorava, que enchia meu coração de um calor tão intenso e revigorante. Eu
o apertei mais forte e inspirei seu cheiro profundamente. Sabia que não teria
oportunidade de fazer nada disso de novo. Em poucas semanas, eu iria para
Massachussets, iniciaria os estudos em Harvard, e não tinha ideia de quando
voltaria, se voltaria ou como voltaria.
A universidade me parecia um rito de passagem que mudaria minha
vida, de um jeito ou de outro.

— Você nunca vai me deixar em paz sobre isso, né? — indaguei,


voltando a erguer o rosto para encará-lo. Um sorriso bobo brincou em meus
lábios quando encontrei os seus já curvados.

Ele acenou em negativa, certamente lembrando de quando havia me


encontrado dormindo à beira da piscina, com um livro aberto numa cena
que uma garota de dezesseis anos não tinha permissão para ler. Quando me
viu acordar, ele a leu em voz alta só para me provocar, e continuou a fazê-lo
enquanto eu lutava para recuperar o livro de suas mãos, antes que mamãe e
Liam ouvissem.

— Nunca — respondeu, ainda sorrindo. E algo em meu peito me


disse que ele estava satisfeito por ter conseguido dissipar a sombra do
futuro que nublava meus pensamentos. Por ter me feito rir de novo.

Franzi os lábios, incapaz de tirar meus olhos do seu rosto másculo,


tão perfeito. Do brilho intenso que estava sempre nos seus orbes
provocadores. Maverick transmitia algo tão bom. Uma energia poderosa e
tão única.
Minha adolescência fora resumida em me apaixonar pelos melhores
amigos do meu irmão. Paixonites bobas que iam e vinham sem fazer nada
além de trazer algumas borboletas tolas ao meu estômago quando os via.
Nenhuma atração, nenhum desejo de tocar ou beijá-los, nenhuma admiração
dedicada a nenhum deles. Nada concreto a que eu pudesse me agarrar.

Mas o que eu sentia apenas encarando Maverick não poderia ser


resumido apenas a isso. Era intenso, forte, muito mais parecido com as
coisas que eu lia diariamente. A diferença é que eram reais em mim. A
atração, o desejo, a admiração.

Acho que, por isso, e por saber que eu nunca mais teria aquela
oportunidade, eu agi de modo tão imprudente. Num lapso de coragem e
loucura, praticamente me atirei em sua boca e o beijei como nunca havia
feito com ninguém. Como nunca quisera fazer com ninguém.

Talvez tenha durado apenas o tempo bastante para ele se recuperar


do choque e me afastar, mas, para mim, durou alguns segundos na
eternidade. Tempo suficiente para eu reconhecer a textura suave dos seus
lábios, o sabor de menta e álcool que havia neles e o modo como o mero
contato da minha língua na sua era capaz de disparar fogo e adrenalina
através do meu corpo, mesmo que ele sequer se movesse, mesmo que não
tentasse me dominar ou tocar de nenhuma maneira.

Quando me afastou, seus olhos estavam arregalados, a perturbação


que aquele simples beijo havia provocado era nítida. Eu esperei que ele
dissesse algo, que me empurrasse para longe ou me encarasse com raiva,
mas só havia confusão. Em seus olhos, em seu semblante, até em seus
lábios entreabertos como se ele sequer fosse capaz de fechá-los ainda.

Era como se eu o tivesse desconfigurado.


Então decidi tomar as rédeas da situação e explicar, simplesmente:

— Eu precisava saber como era beijar você. E agora que já sei, nós
vamos esquecer que isso aconteceu.

Seus lábios se moveram em tentativas de proferir uma resposta, no


entanto, sem sucesso. Enquanto ele soltava o ar devagar e afastava suas
mãos dos meus ombros, chegou a ensaiar dizer algo novamente, mas nada
saiu.
Sorri, porque sinceramente essa era a primeira vez que eu o via
assim. E duvidava que qualquer outra mulher já tinha conseguido aquela
reação dele.

— Vamos lá, Maverick. Não aja como se esse também fosse seu
primeiro beijo. — Meneei a cabeça em negativa e o puxei para longe da
pista. — Você já pode me levar pra casa. Nada mais que acontecer aqui será
melhor do que essa cara que você está fazendo agora.
Eu ri, mas ele não me respondeu, apenas se permitiu ser guiado para
fora dali.

Para longe do que havia acontecido.

Não conversamos sobre o beijo naquela noite, nem em qualquer


outra que a seguiu. Eu fui para a faculdade e Maverick levou a sério a coisa
de esquecer. Decidi respeitar isso, era jovem, porém madura o bastante para
saber que um beijo não significava nada para um homem como ele, e que
não mudaria nada entre nós também, por mais que eu quisesse.

E não mudou.

Não até cinco anos depois. Quando ele me beijou.


UM

Cinco anos depois

As gotas de soro caíam lentamente, uma atrás da outra, enquanto o


bipe sucessivo de um dos aparelhos conectados ao meu pai me mantinha
com os ouvidos atentos a um dos indicativos de que, apesar de tudo, ele
ainda continuava vivo.
Ele estava há sete meses ali. Sete meses de merda. Sendo induzido a
comas sucessivos enquanto os médicos tentavam descobrir a origem da
infecção que havia se espalhado por seu sangue e já atingia órgãos que
sequer eram saudáveis antes daquela porra. Havia perdido peso, muito peso,
e bolsas negras estavam sob seus olhos, como se não tivesse dormido por
todo aquele tempo.
Nem esse seu sorrisinho torto, muito parecido com um que eu
costumava ostentar, conseguia disfarçar que não era fácil para ele estar
acordado agora, mas ele continuaria agindo como se estivesse tudo bem.

— Quem diria que seu avô estaria certo, hein? — ironizou, com
alguma dificuldade, o sorriso aumentando apesar da respiração cada vez
mais densa. — Ele vivia dizendo que eu teria uma morte lenta para ter
tempo de me arrepender por toda a merda do passado.
Bufei.

— Talvez tenha sido por isso que ele passou anos em tratamentos
infinitos e invasivos antes de morrer também — sugeri, com o humor
mórbido que aquela maldita situação havia inflamado. Papai sorriu. Eu
também, mesmo que ele não pudesse ver atrás da máscara de proteção que
eu precisara colocar antes de entrar naquele quarto frio.

Não havia boas lembranças quando pensávamos em Gerald


Bradshaw, o maior magnata do ramo de hotelaria e turismo dos EUA. E não
importava se ele já estava morto há mais de quatro anos, papai e eu não
tínhamos o escrúpulo de falar do filho da puta com respeito apenas porque
estava a sete palmos da terra. Ele morrera amargurado, odiando e insultando
todas as doenças que acumulava, os médicos caros que nunca foram
capazes de salvá-lo, meu pai por ser um imprestável que estava levando os
negócios da família à falência e a mim, por ser um imbecil sem inteligência
e astúcia para os negócios.

— Pelo menos você é diferente de mim… — papai sussurrou, seus


olhos castanhos cintilando conforme o sorriso em seus lábios diminuía,
mas, de alguma maneira, parecia se tornar mais sincero. Quase orgulhoso.
— É um Bradshaw melhor que qualquer outro que já pisou nessa Terra.

Meneei a cabeça em negativa.

— Estamos sendo sentimentais agora? — perguntei, sarcástico.


Papai não era do tipo que elogiava ou mesmo sabia como lidar com
emoções, ele era mais do tipo que dava tapinhas nas costas, esperando que
fosse bastante para confortar e comemorar, quando necessário.

Ele voltou a sorrir, mas logo fez uma careta de dor e se esforçou
para respirar fundo. Meu coração virou a porra de uma pedra de gelo no
peito. Odiava vê-lo assim. Odiava não poder fazer nada. Odiava me sentir
inútil diante do seu sofrimento.

Seu tom era sério quando ele voltou a falar:

— Você vai se sair bem sem mim, filho — garantiu, era o que se
esforçava a dizer todas as vezes que acordava do coma induzido. Esse era o
máximo que ele era capaz de ser emotivo. — Não vai mais precisar apagar
meus incêndios… ou cuidar de mim como se eu fosse seu filho e não o
contrário. Você sempre se saiu bem mesmo com um pai imprestável e um
avô desalmado.

Ele sorriu. Os olhos fechados. Estava sendo vencido pelos sedativos


que tomara antes de eu chegar.

— Pai… — tentei, mas fui interrompido por ele.


— Você não precisa mais ficar aqui, nem se preocupar comigo. —
Seu tom bem-humorado me surpreendeu um pouco. — E já pode ir
também. Faça o favor de beber e se divertir por mim, sim?… eu preciso
dormir agora.

Não respondi. Talvez devesse, porque aquela poderia ser a última


vez que o veria vivo, mas não consegui. Não sabia o que dizer e havia um
peso grande demais sufocando meus pulmões nesse momento. Também não
saí dali mesmo quando percebi que ele havia apagado. Continuei ouvindo o
bipe que me dizia que ele estava vivo.

Perguntei-me por quanto tempo eu ainda o ouviria. Por quanto


tempo eu ainda teria o meu pai. Não éramos próximos, nem tivemos uma
convivência exatamente boa, ele sempre pareceu mais meu irmão mais
novo problemático, nunca soube como ser pai, mas era o único que eu
conhecia.

E, quando ele se fosse, eu estaria sozinho.

O último Bradshaw de uma linhagem que eu não tinha a menor


intenção de levar à frente. Não quando o legado que eu carregava era o de
homens que nunca deveriam ter sido pais. Eu não faria essa merda. Não
queria ser pai, não queria meu DNA em uma criança inocente, nunca
colocaria alguém no mundo para passar por metade do que eu passei. O
mundo não precisava de outra versão fodida de mim.

Inspirei fundo através da máscara e permaneci ali, velando o sono


de papai, por minutos longos contados a partir de bipes e do gotejar sutil do
soro.

Uma enfermeira surgiu e avisou que meu tempo havia acabado.


Engoli em seco e a agradeci antes de deixar o quarto. Não demorei a
trocar de roupa e ir embora dali.

Havia uma pressão desconfortável em minha caixa torácica quando


cheguei em casa. Um peso me oprimindo que não sumiu mesmo com
minhas tentativas de massagear o peito. Relutei em decidir seguir com meus
compromissos. Era a noite de Réveillon e teríamos a inauguração da Secret
Pleasure, uma festa depravada no empreendimento luxuoso do qual meus
melhores amigos e eu éramos donos: o Clube Oásis.

Enquanto caminhava de um lado a outro no meu quarto, tentando


apenas me livrar daquele peso insuportável me sufocando, ouvi meu
telefone vibrar sobre a cama pela milésima vez naquele dia de merda. Eu
teria ignorado, teria mesmo, mas a foto de Elizabeth piscando na tela me
impediu.

Interrompi meus passos através do quarto, a atenção presa à sua


imagem sorridente. Uma que eu adorava e por isso nunca havia mudado.
Era uma foto do seu primeiro dia na CalTech, há quase dois anos, no
terceiro curso escolhido por sua mãe. Havíamos nos afastado um pouco nos
seus anos migrando entre faculdades, mas Liz me enviara aquela foto com a
promessa de que voltaria a Nova Iorque se não se apaixonasse por aquele
curso. Que ele seria sua última tentativa.

Eu lembrava de ter ficado como um idiota encarando aquela foto e


sua mensagem, contente por Liz saber que eu ainda estava aqui por ela, que
ficaria ao seu lado mesmo se sua família fosse contra sua decisão. Então ela
voltou e já não era a garota que havia saído daqui há cinco anos, mas aquela
ligação entre nós ainda estava lá, como se todo esse maldito tempo não
tivesse passado.
A pressão em meu peito diminuiu um pouco conforme eu expirava
lentamente e caminhava até a cama, para pegar o telefone.

Se havia uma pessoa que seria capaz de me fazer esquecer as


últimas horas, esse alguém era Liz. Além disso, ela não sabia sobre o meu
pai, então me distrairia de qualquer assunto relacionado a ele.

Inspirei fundo antes de atender, cheguei a entreabrir os lábios para


emitir uma saudação espertinha, mas Liz foi mais rápida:
— Eu estou prestes a fazer uma loucura! — avisou, de supetão, e
meus lábios se curvaram em um fantasma de sorriso. Outras pessoas
poderiam se preocupar ao ouvir aquele tom e palavras, mas não eu. Eu a
conhecia, Liz tinha uma tendência à dramaticidade, e eu sabia que se
estivesse no meio de algo urgente ou preocupante, ela estaria contida ou
paralisada.

Uma das duas coisas.


— E pelo visto está surtando — adivinhei, parando no meio do
quarto. Eu quase podia imaginá-la roendo uma unha enquanto andava em
círculos pela sala minúscula do apartamento em que morava sozinha
atualmente, desde que decidira buscar seu próprio caminho longe dos
planos que sua mãe tinha para sua vida. — O que houve?

— Nada… ainda.
— Hum… — Sentei-me na beira da cama. — Vou precisar de mais
do que isso, Liz.

Ela hesitou.

Sorri, já pronto para provocá-la.


— Hmmm… Envolve coisas sujas, não é? — Livrei-me dos meus
sapatos e me deitei na cama. — Não me diga que finalmente decidiu
descobrir o que é uma boa foda.
Eu ri, e acho que pela primeira vez em dois dias, desde a piora de
papai, consegui fazer isso de verdade, sem precisar fingir para ele ou para
meus amigos. Não precisava estar ao lado de Liz para imaginar suas
bochechas ficando vermelhas pelas minhas palavras. Ela podia não ser
cheia de pudor, mas ainda não tinha o desprendimento que lhe permitiria
falar sobre sexo daquela maneira. Ao menos não comigo.

Mas ela não riu, nem me mandou ir à merda, como normalmente


faria para disfarçar seu embaraço.
Por que ela não riu nem me mandou ir à merda?

Voltei a sentar.

— Que porra, Liz, você decidiu descobrir o que é uma boa foda,
caralho? — rosnei, me erguendo. O sangue inflamando nas veias com a
mera possibilidade de essa merda ser verdade. Retomei minha caminhada
inquieta pelo quarto. — Você não era demissexual? Ou está saindo com
alguém há algum tempo, sem eu saber?

O que seria compreensível, porque eu havia ajudado Liam a socar o


último namorado que ela tivera depois que voltara a Nova Iorque, o filho da
puta a tinha traído — coisa que eu havia descoberto e contado a Liam.

Lembrar do desgraçado me fez querer socar a parede do quarto.


Aquele puto metido a intelectual.

— Por que você tá surtando, Maverick?! — ela devolveu, furiosa.


— Se começar com a droga de que sou como uma irmã mais nova pra você,
vou chutar suas bolas.
Bufei.
Irmã mais nova… eu podia mentir dizendo que a via assim, mas
essa merda nunca foi verdade.

— Por que me ligou pra dizer que vai dar sua virgindade pra um
filho da puta qualquer, hein? — rosnei. — Uma palavra pro seu irmão e
esse infeliz será capado antes de tirar as calças.
— Você não faria isso.

Eu não faria, mas isso não significava que não queria.

Encostei minha testa à parede e inspirei fundo, em busca de uma


calma que a porra da situação não me permitiria alcançar.

— Por que me disse isso, Liz? Não é como se fôssemos melhores


amigos e eu precisasse te ensinar a mecânica da coisa.

Ela hesitou.

Afastei o rosto da parede, mas minha testa a encontrou em seguida,


com força, porque precisei expulsar da mente a imagem de um filho da puta
qualquer se aproximando de Liz.

— Não tem ninguém ainda — ela contou, por fim. Outra batida na
parede, agora sem tanta força. — Eu vou sair com a Sophia e decidi me
abrir para essa possibilidade, porque, pelo que ela contou, o lugar é bem…
promíscuo.
— Você vai perder sua virgindade num bordel, com um filho da puta
que nem sabe se será capaz de te fazer gozar… — grunhi, furioso. — É isso
mesmo, Liz. Está certa. Esperou vinte e um anos por essa merda e vai…
— Eu achei que você seria a última pessoa a me julgar — ela disse,
baixinho, de um jeito que quase me fez me arrepender do que havia dito. —
Só queria contar pra alguém e ouvir uma coisa útil como: use camisinha
ou… soque a garganta dele se ele não tiver cuidado… ou então: você tem
certeza de que quer isso? De que está pronta pra isso?

Voltei a bater a testa na porra da parede.

— Liz…
— Tanto faz. Ligar pra você foi uma péssima ideia mesmo.

Ela desligou antes que eu pudesse dizer algo mais.

Pensei em ligar de novo, mas a conhecia bem o bastante para saber


que não me atenderia.

— Que porra, Maverick — grunhi, socando a parede. — Seu pai


está morrendo e agora a Liz quer perder a virgindade.

Essa maldita noite tinha acabado de ficar pior.

***

Preferi não pensar sobre toda aquela merda por muito mais tempo.
Tomei um banho rápido e me troquei para ir à inauguração da Secret
Pleasure, no Clube Oásis.

November Rain, do Guns N’ Roses, tocava alto conforme eu dirigia


através de uma Nova Iorque cintilante. Meus ouvidos zumbiam, mas eu
preferia isso ao silêncio que me forçaria a pensar em papai naquele hospital
e em Liz numa cama maldita com um filho da puta sem rosto que eu queria
esganar.

Uma chamada nova entrou em meu telefone, mas a ignorei. Àquela


altura, não queria falar nem com Liz mais.

As notificações continuaram a piscar em meu celular quando a


ligação certamente caiu na caixa postal. Eu sabia que as mensagens e
ligações se acumulando eram dos meus amigos. Estavam putos comigo,
porque nos últimos meses eu havia escondido a doença de papai, mas
estavam muito mais preocupados com como eu me sentia agora.

Principalmente Bruce.

Suspirei ao lembrar do meu melhor amigo. Eu ainda não estava


pronto para conversar sobre papai, mas decidi retornar uma das milhares de
ligações que Bruce havia me feito nos últimos dias. De todos, ele era o que
mais se sentiria culpado por não fazer ideia de como eu estava no momento,
uma vez que tinha passado anos em Londres, preso à própria merda, antes
de retornar a Nova Iorque e se permitir fazer parte do nosso grupo de
amigos de novo.
Ele já tinha muita bagunça emocional com a qual lidar, eu não
queria me transformar em mais uma.

Desliguei o som do carro e liguei para Bruce.


— Hey, Batman — cumprimentei, chamando-o pelo apelido que o irritava, tão logo ele
atendeu a minha chamada. Fiz o meu melhor para soar irreverente, mas duvido que tenha conseguido
—, você me ligou e mandou mais mensagens hoje que em todos os últimos cinco anos.

Ri baixo, e apesar de ser realmente irônico o que eu dizia, meu riso saiu fingido demais. Não
enganou nem a mim.

— Me conte onde está, vou para aí com você — ele pediu.


— Eu estava em casa, cara. Agora estou indo para o Clube Oásis. Temos uma inauguração
hoje, ou já esqueceu? — Uma buzina soou ao meu lado e fiz uma careta por causa do ruído irritante.
Apenas quando ela parou, eu prossegui: — Nos vemos lá. Chego em uma hora. E é bom que você
esteja vestido a caráter. É dia de profanar a porra daquele templo.

Voltei a rir, desta vez com um pouco mais de vontade. A ideia de os Cinco Herdeiros de Nova
Iorque — como meus amigos e eu ficamos conhecidos na faculdade — estarem inaugurando uma
festa de luxúria num ambiente que mais lembrava uma maldita catedral certamente deixaria nossos
antigos professores de cabelos em pé. Alguns diriam que minha má influência era a única
responsável por isso.

— Até mais, cara — concluí ao parar em um sinal vermelho.

A imagem de Liz voltou a surgir em minha mente e, antes que eu começasse a me perguntar
por que o fato de ela querer perder a virgindade estava me incomodando tanto, liguei o som do carro
mais uma vez e deixei a voz de Brian Johnson abafar qualquer pensamento.

A Secret Pleasure era uma festa exclusiva que faríamos ao menos uma vez por mês. Meu
amigo Chuck Gustafson havia idealizado a coisa toda, transformando uma das áreas ocultas do Clube
Oásis em algo muito próximo de um templo, criando ambientes diversificados preparados para o
sexo, dignos de surpreender e excitar qualquer um dos milionários que eram associados do Clube e
haviam entrado em nossa lista seleta e exclusiva para aquela festa. Como donos e organizadores de
tudo, estabelecemos regras para manter a identidade de todos os convidados em sigilo, além do uso
de máscaras, todos deveriam usar pseudônimos durante a festa.

Era tudo o que eu precisava nesse momento.

Eu ia beber. Beber e foder naquela porra de festa depravada. Ia


fazer isso com desconhecidas gostosas dispostas a tudo, em todas as
posições possíveis, pelo tempo que aguentassem, até eu esquecer a merda
que estava acontecendo na minha vida. Até o prazer eclipsar todas as
preocupações e problemas.

Até eu ser capaz de ignorar o fato de Liz estar decidida a transar


com um filho da puta qualquer.

Era isso o que eu faria.


DOIS

— Uau! Duvido que seu irmão te reconheça agora! — Sophia


exclamou, às minhas costas, encarando o espelho de corpo inteiro que havia
no meu quarto.
Sorri.
Eu realmente estava muito diferente, não apenas por causa da
maquiagem pesada e marcante — que minha melhor amiga acabara de fazer
—, mas por causa do vestido longo. O tom azul-bebê combinava com
minha pele e o tecido valorizava cada pequena curva que eu tinha, além
disso, as alças finas permitiam um decote quadrado na frente e costas nuas.

— Não tenho certeza se vou conseguir usar esses saltos por muito
tempo — lembrei-a, erguendo a saia ousada do vestido para observá-los —,
mas obrigada por me emprestar. São lindos.

Sophia se afastou enquanto eu dava uma voltinha à frente do


espelho, atenta ao movimento do tecido para expor minhas pernas de um
jeito sensual, através das duas fendas profundas que havia nele.

— Acho que valeu a pena gastar uma pequena fortuna pra alugar
essa peça — comentei, rindo de mim mesma por me sentir gostosa numa
roupa que normalmente sequer chamaria minha atenção.

— Claro que valeu! Olha essa bunda sendo valorizada, Liz! — Ela
riu e se aproximou já em seu vestido vermelho e sexy. Sophia era uma
mexicana curvilínea e naturalmente sensual. Não precisava de muita
maquiagem para sua beleza ser realçada, tampouco para chamar atenção.
Ela estava deslumbrante. — Adoro sua tatuagem, mas acho que é a primeira
vez que te vejo usando uma roupa que a deixa à mostra.

— E é — concordei. Mamãe surtaria se me visse com uma tatuagem


e mesmo que eu estivesse morando sozinha agora, vivendo com meu
dinheiro e com ela me dando tratamento de silêncio, por ter largado a
terceira faculdade há um ano, eu ainda não via motivos para ficar
mostrando uma tatuagem tão significativa para mim.
Minha unalome. Incrementada com luas e planetas, ela era delicada
e tinha traços sutis que seguiam por quase toda a minha espinha. As costas
nuas do vestido e meus cabelos presos naquele coque a deixavam à vista
para quem quisesse ver.
Suspirei ao pegar minha máscara com Sophia. As pedrinhas
prateadas e azuis nela combinavam com o vestido e com esses saltos que
minha amiga havia me emprestado.

Alcancei minha clutch e guardei o essencial nela. Logo descíamos


as escadas do prédio para pegar o táxi que já havia chegado.

— Ainda não me disse como conseguiu colocar nossos nomes na


lista dessa festa — lembrei. Eu sequer tinha permissão de Liam para
conhecer o Clube Oásis, que dirá ir à festa depravada que Sophia, de
alguma maneira, havia descoberto que aconteceria lá hoje.

— Não revelo meus contatos — ela disse, com um sorriso


misterioso. — Mas o porre do seu irmão nunca descobrirá, e nem ouse tocar
no meu nome se ele te encontrar lá, viu? — Ela bufou, desviando o olhar
negro para a janela do carro. — Você já está ciente das consequências, eu
não te obriguei a nada e ainda acho que não deveria ir só porque está com
raiva do Maverick. Da próxima vez que Liam vier me encher o saco por te
levar ao mau caminho, vou jogar um pote de melado naquele cabelo idiota
do qual ele parece ter tanto orgulho.

Gargalhei, incapaz de me conter mesmo com a menção a Maverick.

— Duvido que ele tenha se recuperado da última vez que você tocou
no cabelo dele — comentei, ainda rindo.

Um sorriso malicioso surgiu em seus lábios e ela se voltou para


mim. Sophia sabia que Liam era facilmente irritável, especialmente quando
o assunto era seu cabelo longo, liso e bem cuidado. Ela usava isso para
fazê-lo correr para longe sempre que tentava dar sermões nela por minha
causa.
— Não estou indo por causa do Maverick — lembrei-a. Já tinha
tomado a decisão de ir antes mesmo de ele me deixar puta com aquela
ligação. — E já entendi que foi uma estupidez ligar para ele.

E esperar que ele tivesse alguma reação que alimentasse minhas


ilusões românticas.
Eu costumava me orgulhar da maturidade que tinha adquirido nos
últimos anos, primeiro longe da família entre cidades, universidades e
pessoas distintas, e no último ano, morando e me bancando sozinha depois
de desistir de tentar ser e fazer o que mamãe esperava; no entanto, às vezes
eu fazia umas besteiras colossais como essa.

Naqueles cinco anos, eu deveria ter sido capaz de reconhecer que


nada nunca mudaria entre mim e Maverick, e não fui. Talvez não fosse tão
madura quanto queria acreditar.
Entrelacei meu braço ao da minha amiga e ela cobriu minha mão
com a sua, apertando-a, numa tentativa de me confortar. Um silêncio ameno
se instalou entre nós à medida que o táxi seguia por uma avenida
movimentada demais para um sábado à noite. Demoraríamos um pouco
para chegar ao destino.

— Tem certeza de que Maverick não estará lá? Seu irmão pode não
te reconhecer assim, porque é um cego que nunca conseguiu te ver como a
mulher adulta linda e safada que você é, mas não tenho certeza de que
Maverick não reconheceria — ela avisou.
— Linda e safada? — ecoei, voltando a rir.
— Amiga, você tem mais vibradores que eu — ela lembrou, sem se
importar em falar baixo. Desbocada como eu, quando ficava bêbada. — E
aposto que já gozou mais com eles do que eu com os babacas com quem já
saí. Você pode ser demissexual, mas não é inocente ou ingênua. E é leitora.
Adora umas putarias, sim. É virgem só de pa…
— Okay — eu a interrompi, porque já sentia minhas bochechas
ardendo e não precisava de um espelho para ter certeza de que meu rosto
estava vermelho. Nem tive coragem de olhar para a motorista de meia-idade
que dirigia o táxi agora. — Primeiro, você me deu todos aqueles vibradores
pra testar e escrever sobre eles no seu blog, lembra?! E segundo, Maverick
não estará lá. Liam me disse ontem que ele está com um problema de
família para resolver. Deve ser alguma coisa que o pai dele aprontou de
novo.

Expirei profundamente. Eu só tinha visto o pai de Maverick uma


vez, mas perdi as contas de quantas vezes ouvi Liam e seus amigos falando
sobre as dores de cabeça que o homem causava. Acho que eu não o
suportava por isso, mesmo sem conhecê-lo direito. Entre bebedeiras,
escândalos com prostitutas e até drogas, Donovan Bradshaw era como um
filho problemático de quem Maverick era obrigado a cuidar. Um filho que
tinha o dobro da sua idade e deveria ter sido seu pai, não o contrário.
— Por que acha que ele me reconheceria e Liam, não?

Ela me encarou por um momento e então voltou a desviar o olhar,


suspirando.

— Maverick não é idiota como o seu irmão.

Meneei a cabeça em negativa, sorrindo, mas, por um momento,


ainda senti que ela queria ter dito outra coisa, e apenas decidiu não o fazer,
por isso insisti:

— Por que acho que está deixando de me dizer algo?

Seus olhos negros tornaram a alcançar os meus e a hesitação que


encontrei neles me deixou ainda mais curiosa. Sophia dificilmente hesitava.
— Eu acho que nunca entendi a configuração do relacionamento de
vocês — ela soltou, após alguns instantes pesados. — Você o trata como
amigo, mas nunca o viu apenas assim e Maverick… por algum tempo,
acreditei mesmo que ele te via como irmã. Quer dizer, eu lembro que ele
estava lá com você quando se mudou pro prédio e que metade das travas
extras nas portas e janelas do seu apartamento foram colocadas por ele
enquanto tudo o que seu irmão era capaz de fazer era te implorar para ir
morar com ele ou pra aceitar que ele pagasse um lugar melhor para você
viver.

Engoli em seco ao ouvir aquelas palavras, não imaginava que


Sophia havia percebido isso mesmo quando não éramos tão próximas
quanto hoje.
— Ele também estava lá quando você terminou aquele curso de
culinária básica online e decidiu nos fazer um jantar especial que, de
alguma forma, ficou rosa.

Ela deu uma risadinha e eu também, lembrando daquela noite


catastrófica na minha cozinha. Eu nem acreditava no quanto havia
aprimorado minhas habilidades culinárias desde então.
— Lembro de Maverick presente em todos os momentos
importantes da sua vida no último ano, Liz — ela resumiu. — Então era
fácil pensar nele como um irmão ou mesmo um melhor amigo protetor,
mas…
— Mas?

— Mas tinha o jeito que ele olhava pro seu ex. Liam parecia querer
assustá-lo e enxotá-lo da sua vida a pontapés, mas Maverick? — Ela acenou
em negativa. — Ele olhava para as mãos do Dean em você como se
quisesse arrancá-las e forçá-lo a engoli-las.

Ela sorriu com um pouquinho de crueldade, como se hoje quisesse


ver Maverick fazer isso com meu ex-namorado traidor. No entanto, eu não
consegui retribuir seu sorriso. Até ouvir essas palavras, eu não fazia ideia
disso.
— Ainda não entendi como ele descobriu que o Dean estava te
traindo, mas deixei isso passar, porque depois de tudo, não tivemos dúvidas
de que aquele infeliz era um filho da puta mesmo…

— Onde quer chegar? — indaguei, ansiosa. Não queria criar


expectativas, mas sentia que já o fazia.

Seus olhos voltaram a encontrar os meus, a sombra do sorriso


anterior sumindo, o semblante se tornando mais sério sob as luzes
cintilantes dos prédios pelos quais passávamos.

— Maverick não te vê como uma irmãzinha, Liz — garantiu. — E


eu juro que já tentei, mas não consegui descobrir como ele te enxerga,
porque mesmo não conseguindo acreditar que ele te vê só como amiga, eu
nunca vi nada nele que me dissesse que te desejava sexualmente.

Aquilo me fez murchar, e tão rápido quanto foram criadas, minhas


expectativas foram dizimadas.

— Talvez ele seja só muito bom em esconder isso, porque o jeito


que ele te olha também não nega que… — Eu a interrompi com um riso
sem humor. Maverick era um cafajeste assumido, nunca havia escondido
isso nem de mim. Eu duvidava que esconder seu desejo por uma mulher
fosse algo em que ele conseguisse ser bom.

— Nunca achei que Maverick me desejasse de qualquer maneira —


lembrei-a, agora com um sorriso infeliz. Aquela verdade ainda tinha um
gosto amargo.

Passei a língua pelos lábios para umedecê-los antes de prosseguir:


— Não somos amigos do tipo que trocam confidências, se veem e
conversam toda semana — esclareci. — Mas acho que somos do tipo que
sempre estará disponível para o outro, caso ele precise.

Após minhas palavras, meio que suspirei dramaticamente,


resignada, e minha amiga fez o mesmo, logo em seguida, para reforçar meu
drama. Então nos encaramos e rimos uma para a outra porque não
precisávamos de muito para isso. Nem deixaríamos aquela conversa
estragar nossa noite.

A motorista fez uma curva para mudarmos de avenida e voltei a me


tornar consciente de que estávamos em movimento ali.

Sophia estalou a língua uma vez e tive certeza de que mudaria de


assunto antes mesmo que voltasse a falar.

— Eu realmente acho que foi bom você não ter dado para o filho da
puta do seu ex, sabe? — ela disse. — Você merece mais do que aquele
babaca traidor que deve socar fofo. Mas você não é a pessoa mais receptiva
a contato masculino que eu conheço, Liz. Me preocupo com como se
sentirá nessa festa e duvido que seja capaz de deixar um desconhecido te
tocar… entrar em você.

Apertei os lábios. Eu sabia que ela estava certa. Desde que nos
tornamos amigas, quando me mudei para o apartamento à frente do seu e
nos encontramos numa ONG lá perto, tivemos uma conexão imediata. E
conversar sobre sexualidade era algo que fazíamos abertamente. Sophia
sabia que eu precisava estabelecer alguma conexão com um homem antes
de me sentir confortável com seu toque, sabia que era por isso que eu
continuava virgem.

Mas eu ainda podia tentar, não é? Se não conseguisse, pelo menos


teria conhecido uma festa depravada como as dos livros que costumava ler
e traduzir.

Eu não sabia como reagiria ao que visse, mas acreditava que, pela
experiência, já estava valendo.

— Se nos separarmos em algum momento e você sentir que precisa


ir embora — iniciou, aumentando o aperto de nossas mãos —, me liga, tá?
Que vou atrás de você nem que precise fazer um escândalo pra te achar.

Acenei, concordando.
Não conversamos mais até chegarmos ao Clube Oásis. Descemos do
táxi já com nossas máscaras e não demoramos a ser recepcionadas.

Sophia e eu trocamos um sorriso cúmplice enquanto percorríamos o


corredor que aparentemente nos levava ao salão de festas. Cheguei a
inspirar fundo e prender a respiração antes de dar o passo que me separava
da Secret Pleasure.

Foi como adentrar um mundo novo e ter meus sentidos subjugados


em segundos, por tudo o que havia nele.

O cheiro de poder, sexo e especiarias.


As cores ardentes e sensuais.
A iluminação quente se opondo à meia-luz que reinava em alguns
pontos específicos.

A música baixa, de letra obscena, cantada por uma voz rouca e sexy,
que mais parecia sussurrar aquelas sacanagens diretamente nos meus
ouvidos.

Com os olhos percorrendo os casais e toda área que minha vista


alcançava, estaquei no meio do enorme salão, não… não… na verdade, esse lugar não era um
simples salão de festas, ou uma simples casa de swing, como eu tinha desconfiado. Era luxuoso e

muito mais profano para ser classificado assim.

Parecia uma catedral do século XIX. Uma catedral requintada, imponente, mas
completamente deturpada do sentido de um local religioso. As esculturas, vitrais e até mesmo as
pinturas no teto eram eróticas, remontavam posições e nus sensuais que me lembravam a arte erótica
da antiga Pompeia. De um período em que o cristianismo não dominava o Império Romano. Era
como ver a arte desafiar uma parte hipócrita do clero do século XIX.

Num primeiro momento, tudo ali parecia tão perturbador, errado, sujo. Um sacrilégio. Mas à
medida que meus olhos se acostumavam e capturavam as referências, as críticas anticlericais, o poder
que aquelas imagens pareciam ter de instruir o prazer, em contraposição às imagens sagradas que
instruíam a religião.

Meu Deus, era genial.

De um jeito tão promíscuo.

— Merda, eu queria muito poder dizer que odiei, mas não vou
conseguir — Sophia resmungou ao meu lado. Os olhos presos aos
dançarinos seminus se movendo lenta e sensualmente em tecidos
acrobáticos presos ao teto.
Sorri e teria dito algo, mas dois homens passaram por nós, um deles
carregando uma mulher e com uma mão grande cobrindo um seio dela, e o
outro a beijando, como se nem precisasse estar atento ao caminho que
seguia. Como se continuar beijando-a fosse muito mais importante agora.
Eu deveria estar querendo correr para longe dali ou ao menos
paralisada, tentando absorver o fato de que eles não eram os únicos se
agarrando bem diante dos olhos de todos que quisessem ver, mas a verdade
era que eu estava curiosa. Interessada. E estranhamente consciente do calor
aumentando no meu corpo.

Deixando-me quente por dentro.

— Vamos beber algo. — Sophia me puxou para uma espécie de bar


que havia à nossa esquerda.

Logo nos acomodamos num banco negro estofado, com uma mesa
da mesma cor. A iluminação ali era mais reservada, mas meus olhos
alcançaram um casal se agarrando numa mesa não muito distante da nossa.
A mulher estava sobre o colo do homem, se esfregando nele enquanto os
dois se beijavam. Fiquei hipnotizada pela cena. Atenta a cada movimento,
ao modo como as mãos grandes dele agarravam as coxas dela. O vestido
que usava era curto, então era possível ver a carne dela ser apertada com
força.

Minha boca secou.

Remexi-me desconfortável quando um homem também mascarado


se aproximou com as bebidas que Sophia pedira. Meu sexo pulsava
timidamente, com uma necessidade que eu reconhecia, mas que sempre fora
saciada pelos meus dedos ou um dos meus vibradores preferidos. Nunca
daquele jeito. Nunca no colo de um homem daquele tamanho, com aquela
postura confiante e poderosa.

Não deveria, mas comecei a me imaginar no lugar daquela mulher e,


claro, imaginar um homem específico no lugar daquele que agora virava
uma garrafa de bebida enquanto ela o beijava no pescoço, suas mãos se
enfiando naquele cabelo sedoso e cheio de ondas que eu…

Minha respiração ficou presa.

Meus olhos se arregalaram e praticamente me inclinei para frente,


sentindo como se alucinasse mesmo que ainda não houvesse uma gota de
álcool em meu corpo.
Eu estava ficando louca, concluí com um suspiro nervoso,
desviando o olhar para a bebida sobre a minha mesa. Aqueles não eram os
cabelos bonitos e sensualmente desgrenhados de Maverick.

Não eram.

Não podiam ser.

A mistura de abacaxi e hortelã da minha bebida quase me fez gemer


de satisfação quando tomei metade do copo de uma vez, em busca da minha
sanidade. Eu preferia as bebidas com baixo teor de álcool, e essas mais
doces eram as minhas preferidas.

Ao meu lado, Sophia já tinha virado seu copo e pedia outro.

— Eu vim aqui para fazer uma pesquisa de campo — ela


resmungava, como se precisasse repetir aquelas palavras para se lembrar do
que a tinha levado ali. — Não posso tirar fotos, porque confiscaram nossos
celulares na entrada e agora estou excitada nessa porra.
Sorri, era bom saber que eu não era a única.

Ela voltou a virar o novo copo.

Tomei o restante da minha bebida e faria uma tentativa de acalmar


minha amiga e lembrar que ela poderia se divertir e ainda escrever no seu
blog sobre a experiência vivida aqui, mas as palavras ficaram presas na
minha garganta quando ouvi uma voz conhecida rugir impaciente a poucos
metros de distância.

— Você já está bêbado, caralho! — Era Liam. Meu irmão mais


velho.

Congelei no lugar, mas em seguida meus olhos dispararam em busca


dele. Não demorei a encontrá-lo ao lado do casal que eu observava há
poucos minutos. Com uma máscara azul que lhe cobria praticamente o rosto
todo.

— Ainda estou sóbrio o bastante para foder, irmão. Não se preocupe


— foi a resposta que fez meu coração parar no peito. Aquela voz… eu
reconheceria aquela voz em qualquer lugar, mesmo com as palavras saindo
enroladas daquele jeito. — Se quiser fazer parte da brincadeira, aposto que
minha nova amiga aqui vai adorar, se não quiser, sai do meu pé, porra!

— Irmão… — Liam ainda tentou.

— Você tá atrapalhando a primeira foda da noite.

Vi meu irmão cerrar as mãos em punhos, erguê-los, pronto para


socar seu amigo, mas eles logo caíram ao lado do seu corpo, num esforço
óbvio para manter a calma e não estragar aquela festa. Após algumas
inspirações profundas, ele disse, muito mais baixo que antes, e só entendi
porque consegui ler seus lábios:

— Foder não vai resolver nem um dos seus problemas.

— Não foder também não vai resolver nada.

Liam voltou a erguer o punho cerrado e, quando Maverick moveu o


rosto na direção dele, pude ver seu sorrisinho provocador.
— Acho que você tá precisando foder também, irmão. Vai procurar
uma boceta que logo esse seu humor de merda passa.
O grunhido de Liam antes de sair me deixou paralisada, porque se
ele me visse ali, não haveria autocontrole que o impedisse de surtar na
frente de todos.

Mas ele não me viu. Sequer olhou para os lados, apenas pisou firme
enquanto saía furioso.
Soltei o ar com dificuldade. Sem acreditar naquela conversa, sem
acreditar que tinha esbarrado tão facilmente com aqueles dois, sem acreditar
que Maverick estava a uns poucos metros de distância, tendo sua calça
aberta por uma ruiva estonteante e mascarada.

Minha garganta secou quando ela ergueu os olhos e me encontrou


ali, seus orbes verdes capturando os meus sem que eu fosse capaz de prever
que ela já havia notado minha presença e atenção. Esperei que me encarasse
furiosa, até que me mandasse parar de olhar, mas ela sorriu de um jeito
malicioso e usou o indicador para me chamar.
Acho que uma pedra de gelo afundou em meu estômago naquele
momento. Não fui capaz de continuar encarando-a e dei as costas a ela e a
Maverick quando ele se moveu para ver quem ela chamava.

Meu Deus, meu Deus, meu Deus… que infernos eu estou fazendo
aqui?
Ao meu lado, Sophia já trocava palavras com um homem e sequer
notou meu desespero e tentativa vergonhosa de me esconder fingindo
buscar algo em minha bolsa.

Merda, merda, merda… por que eu estava pulsando daquele jeito?


Maverick estava a poucos metros de distância, podia me reconhecer e fazer
uma cena ou mesmo fingir que não me conhecia e simplesmente transar
com aquela mulher desinibida e sexy.
Aos poucos, minha respiração acelerou, se tornou superficial, minha
mente reproduzindo a cena daquela mulher se esfregando em Maverick, das
mãos grandes dele a tocando e apertando.

Mas. Que. Porra.


Eu tinha me imaginado no lugar dela, com aquelas mãos em mim, e
tinha pensado também que Maverick seria o dono delas.

E agora eu sabia que ele era.


E a despeito do gosto sutil e amargo do ciúme que eu sentia no
fundo da garganta, minha boceta estava latejando só por imaginar o que
aquele filho da puta estava fazendo com aquela mulher.

Não consegui me impedir de pousar meus olhos sobre eles de novo


e voltei a ficar sem ar quando encontrei a ruiva ainda me encarando, mas
agora segurando um pênis grande e grosso enquanto o masturbava e
chupava simultaneamente.

Minha boca se encheu de água.

De novo, eu quis estar no lugar dela. Quis vê-lo de perto, tocá-lo,


descobrir se era tão grande e duro como parecia daqui, de onde eu estava.
Tive certeza de que conseguiria tocá-lo assim, não apenas porque minha
calcinha já estava ensopada de prazer só de vê-los, mas porque era
Maverick ali e eu já tinha gozado vezes demais pensando nele me tocando.
Eu queria ir.
Queria ser tocada por ele. Queria senti-lo em mim. Tinha ligado
para ele por isso, não é? Se fosse sincera, eu saberia que sim. Alguma parte
estúpida de mim quis saber como ele reagiria ao saber que eu estava
disposta a perder a virgindade. E mesmo que eu tivesse ficado puta com a
sua reação, ainda senti lá no fundo um vislumbre daquela esperança tola de
que ele não estava dizendo tudo aquilo só porque se preocupava comigo,
mas porque não queria que nenhum outro me tomasse.
Sophia disse algo ao meu lado, mas não prestei atenção, focada
demais nos movimentos da mulher, no modo como Maverick agarrou os
cabelos dela e pareceu instruí-la.

Eu já estava prestes a gozar e nem tinha me tocado ainda.


Ele me reconheceria se eu fosse até lá? Se aceitasse o convite
silencioso daquela mulher? Se o chupasse como ela ou o beijasse enquanto
ele enfiava uma daquelas mãos grandes sob meu vestido e me tocava? Ou
estava bêbado demais pra isso?

Maverick tomou mais um gole longo de bebida direto da garrafa e


voltou a seguir o olhar da mulher, que continuava em mim. Dessa vez não
consegui desviar, não consegui me mover. Fiquei ali, esperando que alguma
sombra de reconhecimento surgisse, que ele arregalasse os olhos e a
empurrasse para vir até mim.
Mas nada disso aconteceu.

Ele me chamou.
Sem me reconhecer, talvez sem sequer imaginar que eu poderia estar
ali, ele me chamou. E eu nem consegui raciocinar ou descobrir se me
importava o fato de ele me ver como uma boceta para ser fodida, porque
uma parte de mim queria que ele me visse exatamente assim, não como a
irmãzinha do seu melhor amigo ou como uma irmã mais nova postiça.
Mas como uma mulher louca para tê-lo. Louca para senti-lo em seu
corpo. Louca para gozar gritando seu nome.
Merda, acho que por isso eu me levantei com as pernas bambas, a
calcinha úmida e pesada, a boceta pulsando de necessidade.

Acho que por isso eu fui até ele.


TRÊS

Minha cintura foi agarrada por Maverick quando fiquei perto o


bastante para ele alcançá-la. Seu toque firme expulsou o ar dos meus
pulmões. O aperto duro me deixou fraca, rendida e consciente do fogo que
ele ateou sob minha pele. Mais forte e intenso que qualquer outro homem
que eu ousara deixar me tocar.
Um som de prazer me escapou no instante em que seu queixo
esfregou meus seios por sobre o vestido. Eu não usava sutiã e o tecido não
era tão grosso, meus mamilos já estavam duros, pressionando os piercings
delicados que eu tinha neles.

Ele sequer me olhou nos olhos e já estava mordiscando meus seios,


grunhindo um palavrão qualquer ao se dar conta da joia no mamilo. Sob a
pressão da sua boca e dos seus dedos agarrando minha cintura, eu perdi a
capacidade de raciocinar direito. Estava tão perdida em prazer e adrenalina
por estar em seus braços daquele jeito. A possibilidade de ele me
reconhecer se tornava uma preocupação secundária diante do que eu estava
sentindo.

Eu queria mais.

Enfiei minhas mãos em seus cabelos grossos para me firmar de pé,


já estava com meu peso quase todo sendo sustentado por Maverick, minhas
pernas instáveis, e isso só piorou à medida que sua mão descia por meu
quadril e apertava minha nádega.

— Você gosta de observar, não é? — sussurrou, rouco, as palavras


se arrastando um pouco conforme sua boca vinha até a minha, sem me
beijar, apenas me deixando ansiosa. — Mas eu não gosto de pensar que tem
uma bocetinha molhada por minha causa, sem que eu possa comê-la.

Eu me contraí tão forte ao ouvir aquelas palavras, que esfreguei as


pernas e gemi baixinho.

Se você soubesse, Maverick… Se soubesse há quanto tempo minha


boceta fica molhada por você…

— Seu prazer será muito maior se me deixar comer você…


— Sim — cedi antes mesmo que ele fizesse uma proposta, falei
baixinho, com uma rouquidão que tornou minha voz irreconhecível, mas
que foi bastante para colocar um sorriso malicioso em seus lábios. Ele
ergueu os olhos, mas antes que encontrassem os meus, alcançaram minha
boca entreaberta por causa das respirações rasas.

Segundos se passaram enquanto ele apenas observava meus lábios,


sua máscara negra não sendo capaz de ocultar o estreitar sutil dos seus
olhos, que se acentuou tão logo umedeci meu lábio com a ponta da língua.
Num convite que também era pedido e súplica.

Me beija.

Eu tô pronta.

Me beija.

E ele entendeu.

Ele me beijou.

E qualquer coisa que eu achei que sentiria quando tivesse aquela


boca na minha se mostrou tão pequena diante do furacão que Maverick
criou dentro de mim no instante em que seus lábios gelados pela bebida
tomaram os meus e sua língua dominou a minha. Fui subjugada e rendida. E
não resisti, não lutei, não fiz nada além de aceitar ser conduzida,
manipulada e estimulada por ele. Chupei sua língua após ele chupar a
minha, bebi o álcool que havia nela e vibrei de prazer a cada movimento
hábil e firme, todos pareciam orquestrados para roubar o poder que eu tinha
sobre minhas ações e meu corpo, coisa que eu perdi no momento que ele
me beijou.

Dedos ágeis se enfiaram sob meu vestido e um gemido feminino se


confundiu com o meu próprio assim que eles alcançaram minha umidade.
Aqueles dedos não eram de Maverick, eram finos e suaves demais para
serem dele, mas o prazer que disparou através da minha boceta não foi
menor por isso, eu já estava molhada e sensível demais.
Eu devia me sentir estranha, não é? Devia tentar expulsar aquele
toque desconhecido, mas não consegui, continuei gemendo, perdida no
beijo exigente daquele homem e impulsionando os quadris em direção
àqueles dedos, ávida por mais.

Já estava perto de gozar, sabia que sim.


Maverick mordeu meu lábio inferior com força e desceu até o meu
pescoço, para me chupar e beijar ali também. Logo seu braço me puxava
para seu colo e ele cobria meus seios com uma mão, eram pequenos e
estavam tão sensíveis que um único aperto neles me fez choramingar,
arqueando e forçando seu rosto até eles.

Lábios suaves e menos exigentes que os de Maverick tocaram os


meus, e os segundos de estranheza que experimentei diante do beijo da
ruiva foram atropelados pelo toque novo em minha boceta, que me fez
derreter ainda mais.
Os dedos femininos foram trocados por outros longos, grossos e
calejados. Praticamente desmanchei sob seu contato e a onda de prazer
revirou meus olhos. A língua feminina atravessou a resistência sutil que a
estranheza havia erguido e finalmente tocou a minha. E eu cedi, cedi porque
foi o gosto de Maverick que encontrei naqueles lábios, cedi porque o beijo
deixou de ser estranho e se tornou sexy… excitante. Gostoso demais para
eu resistir em meio a tudo o que já estava sentindo.

Eu precisava gozar. Precisava tanto que esfreguei minha boceta na


mão de Maverick, forçando seus dedos a deslizarem para meu interior.
— Me faz gozar, Maverick — implorei, acabando com o beijo, sem
fôlego.

Seu corpo inteiro tensionou contra o meu, de um jeito que eu teria


visto como um alerta se não estivesse tão imersa no seu toque e cheiro me
atingindo agora.

Ele tomou uma respiração profunda em meu pescoço, como se


buscasse nele algo que era só meu ou tentasse roubar para si o meu
perfume, a mistura doce e floral que eu adorava.
— Repete — mandou.

Eu o fiz, porque não tinha nenhum problema em fazer isso.


— Me faz gozar — sussurrei. — Por favor, Maverick.

Ele rosnou um palavrão. E como um animal provocado além do


limite, agarrou meus cabelos com a mão livre e forçou meu pescoço em sua
direção, até ser a sua boca beijando a minha de novo. Com uma raiva que
não estivera ali antes.

Parecia me punir.

— Tem ideia do quanto sua boceta é apertada, porra?! — grunhiu


em meus lábios, parecendo desesperado, esfregando meu ponto G com uma
destreza que me deixou à beira do abismo, convulsionando em seu colo. —
Do estrago que meu pau pode fazer aqui dentro?
— Sim — emiti, mordiscando seus lábios. Envolvi meus braços em
sua nuca. — Mas eu ainda quero que você me foda.

Ele parou, sua respiração pesada e irregular retornando ao meu


pescoço.
— Eu posso chupar ela e… — as palavras da ruiva foram
interrompidas bruscamente por ele.

— Não! — A negação veemente vibrou através do meu corpo,


ecoou em meu âmago com um pulsar dolorido, mas delicioso, que
atravessou minha boceta e apertou seus dedos em meu interior. Gemi. — Só
eu posso chupar essa boceta.

Voltei a me contrair involuntariamente, só por ouvir suas palavras, e


foi sua vez de gemer. Seus dentes se fecharam em um ponto sensível abaixo
da minha orelha, numa mordida forte, também punitiva. Enfiei minhas
unhas em sua nuca e chamei seu nome baixinho, sem reconhecer os limites
entre a dor e o prazer que ele estava provocando.

— Mas… — a mulher ainda tentou.

— Desculpe, querida, mas mudei de ideia sobre isso aqui.


Ele afastou a mão que me dava prazer e me cobriu.

Congelei, sem entender o que acontecia. Maverick me afastou em


seu colo e usou novamente a cueca boxer para esconder seu pau ainda duro.
Então fechou a braguilha da calça.

Eu estava rígida de tensão quando ele se ergueu comigo em seus


braços.

— Fico devendo um orgasmo para você — ele disse a ela, como


uma despedida antes de pegar minha bolsa sobre a mesa.
Um instante depois ele me tirava dali.

Ele já sabia que era eu em seu colo? Perguntei-me, a dúvida me


deixando preocupada, aflita. Eu não queria que ele parasse assim. Não
queria ir embora ou ter que lidar com qualquer julgamento agora.
Olhei em seus olhos, buscando respostas, tentando descobrir o que
exatamente havia em seu semblante fechado sob a máscara negra. Eu não
lembrava de já tê-lo visto assim. Ele estava bravo? Furioso? Queria gritar
comigo?
Meu coração acelerou ainda mais, a ansiedade se abatendo sobre
mim, de modo que passei a buscar uma saída para impedir que as coisas
terminassem desse jeito. Como uma tola inconsequente, fiz a primeira coisa
que me veio à mente, avancei em sua direção e o beijei, afundei minhas
mãos em seus cabelos e enfiei minha língua em sua boca. Ávida. Ansiosa.
Desesperada.

Eu senti sua hesitação, senti sua luta interna, a tentativa frágil de me


afastar, mas não desisti, não parei de provocar sua língua com a minha. Não
parei nem quando senti sua resistência começar a ser vencida, e muito
menos quando ele parou abruptamente no meio do caminho. Uma mão veio
até a minha nuca, segurando forte, mantendo-a exatamente onde estava. No
próximo instante, ele nos girava e minhas costas encontravam uma parede,
seu corpo prendeu o meu a ela.

Ele não disse nada, não fez nada além de me beijar como se eu
tivesse cometido um crime e precisasse ser castigada, então tomei o
controle da situação e envolvi minhas pernas em torno da sua cintura,
ficando aberta o bastante para minha umidade tocar a aspereza do seu terno.
Segurei sua mão e a guiei para o interior das minhas coxas, onde eu ainda
estava quente e molhada.

— Estou assim por você — confessei em sua boca. — Faça algo


sobre isso.

Ele rosnou.
Rosnou.
E não sei o que exatamente acordei com aquelas palavras, mas foi
animalesco, furioso e o fez arrancar o controle das minhas mãos e me
submeter à violência do seu desejo. No beijo, no modo como invadiu minha
boceta com seus dedos, na força com que investiu contra mim a partir dali,
me deixando tonta de prazer, perdida para o mundo, refém de tudo o que só
Maverick era capaz de me fazer sentir.

Ele me fez ver estrelas, estrelas brilhando sob minhas pálpebras


enquanto seus dedos se enterravam em mim de novo e de novo. Estrelas
cintilando, pulsando… explodindo como o meu ápice através do meu corpo.
Gozei forte, como nunca antes, tremendo em espasmos
incontroláveis que ecoavam do meu sexo para todo os meus membros.

Com a respiração ofegante e a mente em frangalhos, eu tive a vaga


consciência do momento que ele afastou os dedos e me tirou dali. Eu quis
reclamar, argumentar que não queria ir embora, que queria continuar em
seus braços, sendo reivindicada por ele, mas não tive fôlego nem forças
para isso enquanto tentava me recuperar do orgasmo.
No entanto, poucos segundos foram suficientes para eu perceber que
ele não me levava para longe daquele salão, e sim para um quarto. Uma
porta foi trancada às suas costas e logo meu corpo foi jogado contra uma
cama enorme e macia. Não tive tempo de observar o cômodo ou entender
direito onde estava, minha atenção foi roubada pelos seus movimentos ágeis
para se livrar das roupas e tudo o que pude fazer foi assistir, boquiaberta,
enquanto Maverick Bradshaw ficava nu bem diante dos meus olhos.

Minha maior paixão adolescente, aquele em quem eu pensei quando


me dei meu primeiro orgasmo, aquele que não esqueci em nenhum dia dos
anos que passei longe, quem eu quis loucamente rever quando retornei a
Nova Iorque. Quem tentei esquecer com um namorado que nunca me fez
sentir nada.

Aquele que continuava sendo o único homem que eu queria.

Lindo, largo, forte. Perfeito.


Todo meu nesse momento.

Aproveitei os instantes que ele precisou para colocar uma camisinha


e me livrei do vestido e dos sapatos que usava, estava a um passo de tirar a
calcinha quando seus joelhos afundaram no colchão ao meu redor e ele a
arrancou à força, rasgando o tecido de uma vez.

E eu gostei. Da sua pressa, da fome em seus olhos, do modo como


parecia guiado por algo que não era capaz de controlar, algo que o trazia
para mim, que o forçava a ceder à sua própria vontade de me tomar agora.

Algo que me queria tanto quanto eu o queria.


Ergui a mão até a máscara, para me livrar da única peça que ainda
me cobria, mas ele não permitiu.

— Não ouse — rosnou.

Franzi os lábios, insatisfeita com aquela ordem, mas não o desafiei


sobre isso. Não ainda. Não queria lhe dar motivos para desistir justo agora.
Ao perceber que eu não o desobedeceria, ele afastou minhas pernas
e seu pau esfregou minha entrada, com um cuidado que destoava da
tempestade que havia em seus olhos. Sua provocação durou alguns instantes
deliciosos, que me arrancaram um gemido e me fizeram erguer os quadris
em sua direção, me oferecendo, dizendo sem palavras que estava pronta.
Então ele veio, forçando um encaixe que me pareceu desproporcional desde
a primeira tentativa, a ardência que senti foi desconfortável no início e só se
tornou mais dolorosa a cada centímetro que ele ganhava em meu interior.

Mordi os lábios com força, prendendo os gemidos que já não seriam


de prazer, a tensão em meu corpo denunciando o que eu estava sentindo.

Maverick parou.

— Vai doer — ele grunhiu, tão rouco, parecia odiar que essa fosse
uma certeza.

— Tudo bem — garanti, então beijei sua boca, mordiscando e


sugando seu lábio inferior conforme pousava minhas mãos em seu ombro e
costas, buscando apoio. Ainda senti sua relutância em retribuir meu beijo,
mas ele acabou por fazê-lo. Sua boca permaneceu na minha mesmo quando
ele saiu de mim.

Seu próximo movimento foi ágil, mas cuidadoso. Ele nos mudou de
posição, me ergueu e colocou sobre seu colo, enquanto se acomodava
sentado sobre a cama. Pulsei com seu pau sob mim, tão duro que meu
desejo de tê-lo só aumentou.

— Por cima, você consegue controlar o ritmo e até onde consegue


me receber — sussurrou, em minha boca, as mãos cobriram minhas nádegas
e me apertaram conforme eu me erguia sobre os joelhos para conseguir
encaixá-lo em mim. Ainda doeu e ardeu pra caramba, e foi pior quando
Maverick me ajudou com o impulso necessário para romper o hímen, mas
depois disso, ter o controle me permitiu ir no meu próprio tempo e testar
diferentes maneiras de descer sobre seu pênis até descobrir meu limite para
levá-lo em meu interior.
Fiquei tão absorta na minha tarefa que não percebi que havia
cravado minhas unhas em seus ombros, que já estavam tensionados pelo
esforço de permanecer imóvel enquanto eu me acostumava ao seu corpo.
Meu excesso de movimentos poderia ser desconfortável e até doloroso para
Maverick e, ao encarar seu rosto, confirmei que só poderia ser um tormento
me ter daquele jeito, latejando enquanto ele mesmo pulsava e era apertado
dentro de mim. Sem poder se mover.

Eu tinha conhecimento teórico suficiente para compreender que


tudo aquilo poderia se tornar quase uma tortura física para ele, então me
apoiei em seus ombros com ambas as mãos e comecei a me mover, queria
lhe dar um pouco de alívio, retribuir o prazer que eu já tinha recebido.

Maverick rugiu, as unhas curtas afundando em minha bunda,


fincando em minha pele sensível e me fazendo gemer. De dor, mas também
de prazer.

— Assim é tão gostoso — confessei, sem interromper aquele sobe e


desce maravilhoso. Sentindo-me cheia. Completa. Incrível. Estava ali com o
homem por quem fui apaixonada por anos, aquele momento não poderia ser
melhor.

Maverick começou a me ajudar, impondo um ritmo mais bruto e


intenso que só me arrancou mais gemidos, e ele os roubou para si ao me
beijar.

— Como é apertada, porra. — Mordiscou meu lábio inferior, sua


voz áspera e rouca, sexy e rude. Baixa e só minha. — E gulosa, me
ordenhando desse jeito, derretendo no meu pau…

— Sim! — gritei, arqueando o pescoço, separando nossos lábios e


cerrando os olhos por um momento que pareceu me levar ao céu. Senti seu
pau entrando mais fundo, a dor e a ardência ficando em segundo plano,
sendo apagadas pelos lubrificantes naturais da minha boceta, que realmente
pingavam de mim agora.

Quando voltei a buscar seus olhos, eles pareciam hipnotizados pelo


movimento dos meus seios e, sem interromper o cavalgar que me parecia
cada vez mais natural, ofereci os dois a Maverick, praticamente esfregando-
os em sua cara, até que ele os tomou em sua boca, faminto, os dentes
provocando os mamilos, os piercings e então tomando toda a carne macia,
que cabia perfeitamente em sua boca, como se tivesse sido feita para
recebê-lo.

E ele sugou forte, tomando mais do que meu gosto para si, então
mordeu as aréolas e puxou os mamilos entre os dentes com força, me
deixando louca em seu colo.

Meu sexo voltou a pulsar e gemi, acelerando o ritmo, quase sem me


dar conta de que conseguia receber mais do seu pau àquela altura. Suor
escorria por minhas têmporas e fazia a máscara pinicar em meu rosto, uma
sensação incômoda que se tornava irrelevante diante do friccionar do meu
clitóris na sua pélvis. Do inchar enlouquecedor do seu pau em minha
boceta, que era pequena mas se ajustava perfeitamente para ele.

Maverick espalhou beijos pela minha clavícula e pescoço, até


alcançar novamente meus lábios. Uma de suas mãos seguiu para minha
lombar e ele se deitou sobre a cama, me levando junto, colocando-nos numa
posição que me arrancou um choramingo muito mais alto. Conseguia ser
melhor desse jeito. Muito, muito melhor.

— Maveri… — Ele não me deixou concluir, apenas começou a se


mover junto comigo, num ritmo insano de tão bom. Que simplesmente me
tirou de órbita.
Voltei a gemer, tremer e gritar seu nome, tão sensível, tão molhada,
tão louca por esse homem, que acabei por arrancar a porra da máscara,
desejando mais que tudo que ele fosse capaz de enxergar em cada canto do
meu rosto o que fazia comigo. O que só ele tinha sido capaz de fazer
comigo.
Uma parte de mim temeu que Maverick me afastasse depois disso,
mas tudo o que mudou foi a intensidade com que se moveu quando seus
olhos encontraram os meus, a força que usou em cada estocada, o fogo que
crepitou em seus orbes como labaredas que tinham sido inflamadas com o
pior tipo de pólvora. O mais perigoso.

O mais letal.

Ele se colocou sobre mim, invertendo nossa posição sem cessar


aqueles movimentos, reivindicando meu corpo e cada maldito espasmo de
prazer que o tomava. Então também arrancou sua máscara e sua boca
capturou a minha. Rude, urgente, punitiva. Sem nada entre nós. Consciente
de quem beijava, de quem fodia, do que queria.

E bem ali eu me senti sua. Toda sua. Completa e irrevogavelmente


sua. Tomada e reivindicada naquele momento, de um jeito que nada
mudaria a partir dali.

Talvez fosse uma ilusão criada por mim mesma, mas enquanto
minha boceta sofria espasmos alucinantes que reverberavam por todos os
meus membros, e eu gozava pela segunda vez em seus braços, ouvi sua voz
rouca grunhir o que eu nem sabia que precisava ouvir.

Minha.
Finalmente minha.
QUATRO

Um gemido rouco me escapou.

A mistura de sono e do latejar insuportável da ressaca foi


responsável pela lentidão da minha mente em processar o corpo feminino e
pequeno sobre os lençóis que só cobriam meus quadris, mas não me
impediam de sentir o calor que os cercava. Ou meu pau respondendo rápido
a esse contato.

Minhas mãos buscaram aquele corpo quase involuntariamente,


alcançando o tecido áspero que o cobria e me impedia de sentir a pele
macia que eu tinha certeza que aquela bunda redonda tinha.

Lábios suaves percorreram meu peito e rosto com delicadeza, como


se tentassem me acordar aos poucos, mas bastou que eu ouvisse a voz doce
proferindo as próximas palavras, para eu ser empurrado como um trem
desgovernado à realidade.
— Como você já pode estar duro de novo?

Meus olhos se abriram de pronto, só para se depararem com um


rosto conhecido pairando acima do meu. A porra do susto foi tão grande,
que empurrei Elizabeth para o meu lado na cama e me levantei como se os
lençóis queimassem. O quarto girou à minha volta e tropecei na merda da
mesa de cabeceira ao meu lado, instável por causa da ressaca.
— Mas que porra! — O latejar em minha cabeça piorou por causa
dos meus movimentos abruptos e dos flashes de memória que praticamente
começaram a socar minha mente.

Elizabeth cavalgando no meu pau, tremendo de prazer sob meu


corpo, gozando e gritando o meu nome como se quisesse que qualquer
pessoa num raio de um quilômetro soubesse por quem ela estava sendo
fodida.

Minha respiração travou, a porra do ar simplesmente se recusando a


entrar enquanto meus pulmões se comprimiam junto do meu peito.

Eu tinha fodido a irmã do meu amigo, porra.


O desespero interno crescendo me fez começar a hiperventilar.

Um toque suave em meu braço me levou a erguer a cabeça e


encontrar o rosto que protagonizava as cenas depravadas na minha mente.
Um rosto delicado e inocente demais para estar fodendo com a porra da
minha mente daquele jeito.

— Você precisa se acalmar — ela sussurrou, inspirando devagar


como se quisesse me mostrar como voltar a respirar. — Vamos, respire.

Eu quis me desvencilhar do seu toque, mas não consegui, continuei


com os olhos presos a ela, à sua calma invejável, àquele brilho de satisfação
em seus olhos, ao rubor que tomava suas bochechas e colo, às marcas de
chupões e mordidas em seu pescoço nu. Provas, provas e mais provas da
merda que eu tinha feito.

A instabilidade das minhas pernas me fez tatear a parede até


alcançar a cama, onde voltei a me sentar. Uma das minhas mãos vindo ao
meu peito para esfregá-lo, tentar diminuir a pressão de merda que ainda me
sufocava como todas aquelas lembranças.
Então mais imagens vieram e eu tomei consciência do momento que
Elizabeth se aproximou de mim na noite passada, de como se rendeu ao
meu beijo quando eu nem sabia de quem era aquela porra de boca gostosa e
tentadora como um inferno. Todos os sinais estavam lá, aqueles lábios
pequenos em formato de coração que reconheci, aquele perfume floral e
viciante como uma droga, a voz me implorando para gozar, mas eu preferi
ficar em negação não foi? Afinal, como Elizabeth conseguiria entrar
naquela festa? Como encontraria justo a mim? Ela era virgem, caralho, não
sabia nada sobre fodas além de umas cenas sem graça que encontrava nos
livros que lia, de onde tiraria coragem para aceitar ser tocada e beijada por
outra mulher enquanto ouvia sacanagens de um homem que nem conhecia?!
Acho que minha pressão caiu um pouco quando me dei conta de que
ela havia chamado o meu nome.
Mais de uma vez.

— Caralho… — grunhi, só para mim, conforme voltava a esfregar


meu peito e a tentar acalmar meu coração. Ia ter a porra de um ataque
cardíaco se aquelas malditas lembranças não parassem de voltar.
Por que Liz aceitaria meus dedos fodendo sua boceta daquele jeito?
E me imploraria para fazê-la gozar? O que tinha na cabeça dessa garota?

O QUE TINHA NA PORRA DA MINHA CABEÇA, CARALHO?

— Liam vai me matar — rosnei, agora enfiando as mãos em meus


cabelos. Minha vontade era de socar a mim mesmo, então aquele filho da
puta ia me matar de verdade.

— Eu não vou deixar, não se preocupe — ela garantiu, muito segura


de si mesma, então se sentou ao meu lado. Só então percebi que já estava
vestida. Parecia até mesmo ter tomado banho. Já não havia maquiagem em
seu rosto bonito. Os cabelos longos e castanhos estavam soltos.

Liz tentou afagar minhas costas, mas me desvencilhei do seu toque


novamente, sem querer descobrir como meu corpo reagiria às suas mãos em
mim outra vez. Não fui rápido o bastante, já que o arrepio que atravessou
minha espinha ergueu mais do que os pelos da minha nuca.

Porra de pau traidor.


Liz suspirou.

Eu a encarei ao meu lado, meus olhos se semicerrando mais à


medida que eu observava aquele semblante iluminado e satisfeito. O mesmo
que tinha se contraído de prazer, que tinha suado e me pedido para fodê-la,
para fazê-la gozar.

Voltei a hiperventilar, o coração se agitando no peito numa mistura


de remorso e culpa pelo que havia feito e por haver uma maldita parte de
mim que se recusava a se arrepender.

Eu só poderia estar louco, porra.


Louco. Fodido da cabeça.

Era a Liz ali, qual era o meu problema?

— Maverick…

Ergui minha palma, numa ordem silenciosa para ela se calar.


— Você… — tentei, mas não fui capaz de concluir. O que poderia
dizer, afinal?

Você está fodendo a minha cabeça? Você precisa se afastar e parar


de me encarar como se não se arrependesse da merda que fizemos?! Você
já devia ter percebido que eu sou um filho da puta doente por ter te fodido
como se a porra da minha vida dependesse disso?
Não, não dava para dizer nada disso agora.
Liz sorriu.

Sorriu.
Eu estava surtando e essa ninfeta maldita estava rindo, porra.

— Você não vai tentar me fazer acreditar que não lembra de nada,
não é?
Bufei.
Eu queria muito não lembrar de nada. Queria muito poder dizer que
meu pau estava duro por causa de uma ereção matinal que eu não era capaz
de controlar e não porque eu lembrava exatamente qual era a sensação de
me enterrar na boceta apertada que Elizabeth tinha.
Porra, eu merecia uns socos muito bem dados nessa minha cara.

— Isso foi um erro — iniciei, afastando meus olhos dela e puxando


os lençóis para me cobrir.
Ela suspirou.

— Na verdade, foram quatro. Quatro erros que incluíram essa cama,


aquela parede, aquela coisa que nem sei como chamar, mas que você usou
pra me curvar e…
— Por que está fazendo isso, hein?! — rosnei, furioso. E era muito
difícil me deixar furioso, porra.

Ela franziu os lábios naquela mania fofa que tinha e que nesse
momento só me irritou pra caralho, então respirou fundo.

— Porque eu não vou fingir que essa noite não aconteceu,


Maverick. Ou que eu não queria errar com você todas aquelas vezes.

Meneei a cabeça em negativa, sem palavras, sem acreditar no que


estava ouvindo. Quem era essa garota na minha frente?! Eu reconhecia
aquele tom provocador que era muito parecido com o meu, aquela sua
sinceridade afiada, que eu adorava e só costumava ter filtros para não
magoar ninguém, mas desde quando essa sinceridade era usada para falar
sobre sexo desse jeito? Comigo ainda?!

— Nada disso devia ter acontecido — declarei, me erguendo,


colocando distância entre nós. Mas não distância suficiente, porque aquele
quarto não era grande o bastante para isso.

Ela não respondeu.

— Eu estava bêbado e com muita coisa na cabeça, devo ter


prejudicado alguma parte importante da porra do meu cérebro.
Liz continuou em silêncio e minha voz voltou a inundar o quarto
enquanto eu dava voltas por ele segurando o lençol para me cobrir.

— Você é irmã do meu amigo. Se eu estivesse sóbrio ou com o juízo


perfeito, nunca teria tocado em você.
Eu estava muito ocupado tentando me agarrar àquelas desculpas
para me importar se estava na droga de um monólogo deprimente.

— Você é jovem e inconsequente, talvez tenha bebido também e por


isso… — parei por um momento, inspirando fundo. Era mais difícil
encontrar desculpas para Elizabeth quando ela já havia deixado claro que
não se arrependia. —… por isso ainda não se deu conta de que o que eu fiz
aqui com você foi um erro… quatro erros que não vão se repetir nunca
mais.
Além de me matar, Liam poderia me mandar para a cadeia e eu acho
que não reclamaria. Nesse momento, eu concordava que merecia qualquer
castigo.

Eu tinha fodido com a Liz.

Com. A. Liz.
A garota espertinha de língua afiada que era um gênio que eu
sempre ajudei a manter intocável. Aquela que eu sabia, sempre soube, que
merecia a porra do mundo aos seus pés. Merecia alguém disposto a entregá-
lo de bandeja a ela e ainda dar a vida clichê de comercial de margarina que
ela queria.

Quanto de álcool eu bebi para fazer toda essa bagunça? Por que nem
lembrava o que tinha me feito levar aquela situação adiante?! Que parte
fodida era essa do meu cérebro que eu desconhecia, mas ainda assim tinha
tomado a porra do controle sobre mim daquele jeito?

Eu nunca colocaria uma foda acima de uma amizade. Nunca. Nunca


arriscaria perder alguém por algo tão banal!
Por que tinha o feito justamente quando isso poderia me fazer perder
Liam e Elizabeth de uma única vez?

— Por que você não diz nada? — indaguei, parando para finalmente
a encarar, ainda sentada sobre a cama, mas ela logo se ergueu também,
como se não quisesse deixar nossos olhares mais desnivelados que o
necessário por causa da sua baixa estatura.

— Minhas opções são chutar suas bolas ou jogar na sua cara que
você está em negação porque não consegue assumir pra si mesmo que quis
tudo o que fizemos. Mas não acho que você gostaria de nenhuma delas.

Aquelas palavras me calaram. Me atingiram mais forte que qualquer


soco de Liam teria conseguido.

Ela pegou sua bolsa sobre a mesa de cabeceira e se voltou para mim.

— Eu tenho um compromisso e preciso ir para casa me preparar.


Quando for capaz de conversar sobre essa noite, você pode me procurar,
mas se não for, eu vou atrás de você.

Acho que meu queixo caiu.


Fiquei imóvel ali, observando-a se aproximar da porta, destrancá-la
e sair.

A porra da minha mente permaneceu em branco por instantes que


me fizeram sentir como se estivesse em marcha lenta, mas então, através da
porta entreaberta, eu ouvi uma voz masculina chamar Elizabeth e isso foi
incentivo suficiente para eu sair daquele estado de torpor.

Corri até a entrada sem me lembrar do lençol e precisei usar as mãos


para cobrir meu pau como pude quando me deparei com Bruce e Emma.

Meu melhor amigo e sua mulher.

Emma me viu primeiro e arregalou os olhos, chocada.

— Bradshaw?

Porra!
Elizabeth cambaleou um passo para trás enquanto o casal
intercalava olhares entre nós dois, compreendendo a merda que havíamos
feito. Ela conhecia Bruce há quase tanto tempo quanto me conhecia e havia
conhecido Emma há alguns meses.

Segundos tensos de constrangimento se passaram, mas logo Liz nos


deu as costas e saiu. Simplesmente. Como se não devesse nada a ninguém
que estava ali. Tampouco se importasse com como eu explicaria o que havia
acontecido.

Ela simplesmente saiu.


E acho que rosnei ao vê-la rebolando para longe, porque quase pude
imaginá-la me mandando repetir para eles todas as merdas que havia dito a
ela há alguns minutos.
Aquela ninfeta maldita.

— Que porra você fez, Bradshaw?! — Bruce avançou em minha


direção, furioso. Seus dois metros de músculos empurrando a porta para o
lado e adentrando o quarto enquanto eu recuava passos como se fosse um
adolescente pego no flagra.

Foda-se.
— Algo não muito diferente do que você e Emma certamente
fizeram — soltei com ironia e fui até a cama para pegar outro lençol e me
cobrir.

— Você transou com a Liz, seu filho da puta?! — ele rugiu,


avançando com o punho já apertado. Uma amostra do que todos os meus
amigos fariam quando soubessem o que eu tinha feito.

Emma se colocou entre nós antes que ele pudesse me socar.

— Mantenha a calma, Bruce — ela pediu, como se não conhecesse


seu homem. — Vamos conversar.
— Na verdade, não tem muito mais que eu possa dizer, Emma —
admiti, com um suspiro exausto. — Eu transei com a Liz.

— Como que você diz isso assim, porra?! — Meu amigo tentou
afastar Emma para o lado, de modo que pudesse avançar sobre mim, mas
não teve sucesso. Aquela mulher de um metro e sessenta e cinco tinha mais
poder sobre ele que qualquer outra pessoa nesse mundo. — Você se drogou
por acaso?!
Bufei.

— É claro que não.


— E então como pode ter achado que seria uma boa ideia transar
com a Liz?! Nós vimos essa garota praticamente crescer! — ele exagerou,
porque Liz já era uma adolescente quando a conhecemos.

Mas sim, uma adolescente.

A porra de uma adolescente.


E não importava se já era maior de idade, ainda era a Liz. E eu ainda
era dez anos mais velho.

— Como ela chegou até aqui? — Emma fez a pergunta de um


milhão de dólares. — Duvido que Liam tenha deixado. Você a trouxe?

— É claro que não. Eu nem sabia que ela estava aqui quando a
beijei ontem! — declarei, toda a minha frustração finalmente sendo
expressa através daquelas palavras. — E depois, quando percebi, já era
tarde… não consegui mais parar.

Bruce voltou a rosnar, bufando como um touro, e Emma


praticamente se agarrou ao seu corpo como uma jogadora de futebol
americano tentando brecá-lo, mas ainda foi em vão, Bruce fora o
quarterback na faculdade por um motivo, e conseguiu chegar mais perto de
mim desta vez.

— Você está apaixonado por ela, não é? — Emma disparou, me


encarando por cima do ombro, sem soltar meu amigo. Os olhos azuis doces
e compreensivos. — Eu desconfiei disso por algum tempo, mas você
continuou com o malabarismo de mulheres pela sua cama e…

— Eu não estou apaixonado! — rosnei, me sentindo diretamente


atacado pelas suas palavras. — Amor e relacionamentos são pra pessoas
que acreditam em casamentos e finais felizes. Eu não acredito nessa merda,
nem…
— Então era por isso que Blake estava agindo como se soubesse
algo que ninguém mais sabia! — Bruce grunhiu, lembrando de algo que só
fez sentido na cabeça fodida dele, porque nem entendi o que nosso amigo
Blake Davenport tinha a ver com essa conversa. — O filho da puta já tinha
percebido que você queria a Liz!

— O quê?! — Emma e eu perguntamos ao mesmo tempo, mas ele


só se deu o trabalho de olhar para sua mulher e explicar:

— Nós cinco nos encontramos num bar aqui do clube há algumas


semanas — Bruce iniciou, se referindo a nosso grupo de amigos. — Esse
filho da puta mencionou a Liz e provocou o Liam até deixá-lo puto. Eu
achei que só estava irritando o Liam, porque ele é todo esquentadinho e o
Bradshaw gosta de ser irritante, mas não!

Então ele se voltou para mim.

— Você já estava apaixonado por ela, não é?! O Blake te encarou


como se já soubesse disso e eu não entendi na hora, mas agora…
— Você não tá me ouvindo, caralho?! — esbravejei. — Eu não
estou apaixonado! Eu nunca vou me apaixonar! Eu tenho muito amor ao
meu pau e à minha solteirice pra me prender só a uma mulher!

Meneei a cabeça em negativa, revoltado, caminhando inquieto.

— Além disso, a Liz tem que ficar com algum babaca metido a
intelectual que quer casamento, filhos e uma casa com cerca branca e dois
cachorros magrelos e ridículos! Exatamente como ela merece!

— Meu Deus, ele está mesmo apaixonado — Emma sussurrou para


Bruce, como se eu não estivesse bem ali, na frente dos dois. — Mas acho
que está em negação.
— Ah, vão se foder, vocês dois! — mandei, puto pela segunda vez
naquele dia de merda.

Pisei duro até o banheiro, ignorando a existência desses infelizes


que se diziam meus melhores amigos. Tomei um banho frio que não foi
capaz de esfriar a porra da minha cabeça.

Deixei o banheiro resmungando e, por sorte, Bruce e Emma já não


estavam ali. Catei minhas roupas pelo quarto, fazendo o meu melhor para
não encarar aquela maldita cama, nem a parede ou qualquer lugar em que
sabia que havia fodido com Elizabeth. Enquanto me vestia, continuei
maldizendo a bebida por ter me colocado nessa porra de situação, Elizabeth
por ter agido como se não se arrependesse de termos transado e Bruce por
ser um filho da puta que não se dera o trabalho de me socar nem uma
maldita vez e preferira me torturar falando de amor.

Amor… porra nenhuma!

Eu estava calçando os sapatos quando meus olhos se depararam com


umas tiras de tecido azul-claro pequenino, ao lado da mesa de cabeceira.
Não precisei pegá-la para saber que era a calcinha de Elizabeth. A porra de
uma calcinha pequena e indecente que eu havia rasgado e que aquela garota
não deveria usar.

Estreitei os olhos para a peça maldita que eu tinha sentido ensopada


de prazer não muitas horas atrás, ela parecia rir de mim como sua dona
certamente faria se tivesse ouvido metade dos meus resmungos nos últimos
dez minutos.

Talvez não devesse, e nem sei por que exatamente o fiz, mas peguei
a porra da calcinha e a enfiei no meu bolso antes de sair dali. Me
preparando para enfrentar a merda que viesse depois do que eu tinha feito.
CINCO

— Você deu seu primeiro beijo lésbico! — Sophia gritou, enquanto


dava pulinhos de comemoração no meu quarto. — E ainda deu pro
Maverick, Liz! Eu estou chocada e tão orgulhosa de você!
Eu ri quando ela veio em minha direção, para me abraçar. Havíamos
acabado de chegar da ONG em que fazíamos trabalho voluntário e a tarde
tinha sido intensa. Quase não havíamos nos falado para contar uma a outra
o que havíamos feito depois que nos separamos na festa. Era o primeiro dia
do ano e preparamos uma refeição especial para pessoas em situação de rua
num abrigo da ONG. Eu estava exausta, especialmente porque o analgésico
que tomei não diminuiu muito da dor e do desconforto que eu sentia entre
as pernas. Muito menos daquela sensação de que estava assada.
— E como foi? Você gostou?! Foi muito estranho? — Ela ainda
estava meio sobressaltada pelas novidades. — Eu não entendo muito sobre
demissexualidade, mas, meu Deus, Liz! Você beijou uma desconhecida!
Como conseguiu?! Demorou semanas pra deixar o babaca do Dean te beijar
e vocês saíram umas duas vezes antes de ele conseguir isso.

Sorri.

— Um beijo não significa que senti atração sexual, amiga — contei,


então pensei um pouco sobre o Dean. — Acho que nunca me senti atraída
pelo Dean. O toque dele sempre foi brusco, afobado e impaciente, mesmo
quando percebia que eu não estava confortável, que não queria. O do
Maverick e daquela mulher, não.

Suspirei, porque não achava que estava me fazendo entender como


deveria.

— A demissexualidade não é igual para todas as pessoas, sabe?


Pessoas que se identificam como demissexuais sentem necessidade de
estabelecer um vínculo antes de se sentirem sexualmente atraídas por
alguém, mas os tipos de vínculo são diferentes para cada pessoa. Às vezes,
é sobre confiança, em outras, é sobre cumplicidade, afeto ou amor, e eu
nunca me permiti estabelecer nenhum vínculo real com o Dean. Hoje eu
enxergo que ele nunca quis isso comigo também, mesmo quando insistiu
com a coisa do namoro.
— Mas é claro que você não permitiu — Sophia respondeu —, no
seu coração só tinha lugar pro Maverick.

Sorri. Isso eu não podia negar.

Ela riu.

— Okay, agora me conta o que realmente interessa em todo esse


babado: COMO ASSIM, O MAVERICK?! Como isso aconteceu? Eu
preciso de detalhes!

Voltei a rir, me jogando sobre a minha cama e encarando o teto


branco do quarto. Ainda não acreditava em tudo o que havia feito, em tudo
o que Maverick havia feito comigo, em todo o prazer que aquele homem era
capaz de me dar.

— Isso foi um verdadeiro plot twist! — Sophia exclamou,


chamando minha atenção. — Porque isso só pode significar que ele
desejava mesmo você, amiga! E como esse infeliz esconde bem! Eu fiquei
meses tentando descobrir se ele te via desse jeito!

Sorri, porque pensar nisso estava me fazendo sorrir feito uma idiota
nas últimas horas.

Maverick me desejava. Isso era muito mais do que eu já me


permitira pensar. E agora estava ali, marcada por dentro e por fora por
aquele homem.

— ¡Ándale, contármelo todo![2]

Sua ansiedade me fez rir e finalmente iniciar a versão não tão


detalhada dos fatos, mas com informações suficientes para Sophia entender
como tudo havia acontecido. Quando concluí, ela estava deitada ao meu
lado na cama, boquiaberta.
— Um erro? Qual o problema desse homem? Dizer que sua primeira
vez foi um erro? Que babaca!
Sorri.

— Ele está em negação — contei, porque sinceramente esse fato


não me surpreendia, apesar de me trazer um pouco de insegurança sobre
como ele agiria dali para frente.
— Um homem de trinta anos em negação sobre ter feito sexo?

Suspirei, desviando o olhar para longe de Sophia.

— Não sei. Talvez ele não saiba como lidar com o fato de que fez
sexo comigo — tentei. — Ainda sou a irmãzinha de um dos melhores
amigos dele.

— Maverick não te vê assim, Liz — ela assegurou, reforçando o que


havia dito na noite anterior. — E se ele está em negação, vai querer agir
como se nada tivesse acontecido, é isso?
Não respondi.

— Ele não pode agir assim só porque não está sabendo lidar com o
que houve.
— Eu achei melhor dar um tempo pra ele lidar com isso antes de
conversarmos — avisei. — Não vou deixar ele passar uma borracha na
noite de ontem, Sophs.

Principalmente agora que sei que ao menos uma parte dele me


quer.

Eu me aproximei para abraçar Sophia e me aconchegar a ela.


Adorava como ela nunca me julgava. Era do tipo de amiga que arranjaria
um jeito de colocar a culpa num homem independente do que uma amiga
sua fizesse. Eu amava essa mexicana altamente perigosa a homens filhos da
puta.

— O que você quer que aconteça agora? — ela perguntou baixinho.


— Quer continuar com ele?

— Sim — assumi, num chiar quase dengoso.


— Mas estaria disposta a ser mais uma na vida dele ou só o quer se
ele for só seu? — Cerrei os olhos com força ao ouvir aquelas palavras. —
São coisas diferentes, Liz. E se não estiver muito certa de que pode lidar
com um relacionamento aberto ou com algo que nem chega a um
relacionamento, só para tê-lo perto, eu te aconselho a não aceitar menos do
que você quer. Homem tem aos montes nesse mundo. E agora que você deu
pra esse, talvez essa sua paixão por ele passe.

Eu bufei, duvidava muito disso. A mera ideia de deixar outro


homem me tocar como Maverick havia feito me era repulsiva.
— Quando conversar com ele, você já precisará saber exatamente o
que quer, viu? Não aceite menos do que quer e merece.

Suas palavras me deixaram em silêncio.

Eu reconhecia que me sentia perdida em quase todos os aspectos da


minha vida, que nunca soube trilhar um caminho para mim mesma e que
seguir os que mamãe queria só havia me deixado infeliz, me sentindo à
deriva, com a sensação de que não pertencia a lugar nenhum. Não
importava se estava perto ou longe da família.

No entanto, pensar no que eu queria quando o assunto era Maverick


era muito fácil. A resposta estava bem diante dos meus olhos, como um
farol servindo de referência à embarcações perdidas.
Eu o queria. Eu o queria muito, com tudo de mim. Essa era a única
coisa que não havia mudado na minha vida nos últimos anos.

— Acha que ele pode se apaixonar por mim? — sussurrei, baixo o


suficiente para as palavras se desfazerem rapidamente no quarto silencioso.
— Depois de ontem, é óbvio que ao menos uma parte dele me deseja, mas
você acha que ele pode se apaixonar por mim? Me querer mais do que só
em sua cama?

— Qualquer homem pode se apaixonar por você, amiga — ela


declarou, voltando seus olhos negros e brilhantes para mim. — Você é
incrível. Linda, divertida e inteligente como o inferno. Mas nem todo
homem que se apaixonar por você vai te merecer ou estar disposto a ter
algo sério com você. Homens são idiotas por natureza, às vezes perdem
mulheres incríveis por serem estúpidos.

Não gostei de reconhecer tanta racionalidade em suas palavras, mas


uma parte de mim ainda agradeceu por Sophia ser aquela amiga que não me
deixaria tirar os dois pés do chão de uma única vez.

Eu a apertei a mim de novo e me perguntei se algum idiota já a tinha


perdido por ser estúpido. Não precisei de muito para concluir que sim.
Sophia sabia exatamente o que queria para ela, o que queria de um homem
e o que queria em um relacionamento. Nem todo homem sabe lidar com
uma mulher que sabe o que quer e não está disposta a aceitar menos do que
isso. Talvez por esse motivo ela tenha se limitado aos encontros casuais,
onde o sexo era tudo o que buscava e qualquer homem adulto seria capaz de
lhe dar.
— Espero que Maverick não seja estúpido então — sussurrei, por
fim.
— Se ele for, você me avisa, que te ajudo a chutar as bolas dele —
ela prometeu.

Eu ri, mas não neguei. Talvez eu realmente precisasse daquela


ajuda. Não o perderia tão fácil agora que havíamos ultrapassado aquele
limite, e não me importava em chutá-lo ou adotar uma abordagem mais
agressiva se achasse que isso me ajudaria a fazê-lo sair do estado de
negação e aceitar que me queria.

Sophia também riu e me abraçou.

— Minha garota está crescendo — emitiu, como uma irmã mais


velha orgulhosa. — Daqui a pouco eu vou estar segurando a cauda do seu
vestido de noiva e estapeando seu irmão por tentar te convencer a fugir da
igreja.

Gargalhei.

— Por que ele me convenceria a isso?

— Ele odiaria a ideia de uma lua de mel capaz de te deflorar. Você


será sempre uma virgem que deve permanecer intocável para aquele idiota.
Eu ri. Via muito sentido em suas palavras. Conseguia até imaginar a
cena.

Meu Deus, como eu adoraria vivê-la. Ter Liam me levando ao altar,


me entregando a Maverick. Era estupidez demais querer viver algo assim?

— Posso lidar com Liam — lembrei-a.


— Sei que sim. Você sempre conseguiu. — Ela inspirou fundo. —
Mas ele vai querer matar Maverick.

Sorri.
— Ele vai, mas não vou deixar.
Minha amiga deu uma risadinha.

— Eu preciso muito estar perto quando isso acontecer. Imagina você


entre aqueles dois brutamontes, defendendo um marmanjo com o dobro da
sua massa corporal.

Nós duas gargalhamos desta vez, em sons cheios e contagiantes que


inundaram meu quarto. Cheguei a limpar uma lágrima que surgiu com
aquela imagem nítida em minha mente.

Um pouco das inseguranças que eu sentia cederam diante da minha


conversa com minha amiga. Parte das preocupações também ficaram de
lado e eu me permiti ter pensamentos mais positivos sobre o que viria a
seguir.

Além disso, permiti a mim mesma reconhecer que aquilo era o que
eu queria com Maverick. E era um futuro alcançável, se eu não o deixasse
continuar em negação sobre me querer.

E eu não deixaria.
SEIS

As palavras pareciam se embaralhar muito mais que o normal nos


contratos que estavam sobre minha mesa nesse momento, exigindo minha
atenção com vários avisos de urgência deixados pela substituta da minha
assistente.
Esfreguei os olhos, como se o problema estivesse neles depois das
horas que eu havia ficado encarando a enorme tela do computador, me
esforçando para compreender um relatório simples referente aos
orçamentos para reformas num hotel cinco-estrelas que eu possuía em Las
Vegas, mas o problema não era minha visão. Eu sabia que não era.

A porra do problema era eu. Sempre fora.

Para piorar, Liz não saía da minha cabeça. Eu não havia pregado os
olhos à noite, reunindo e revisitando cada maldita lembrança do que
havíamos feito. Do seu rosto se contraindo de prazer, dos lábios
entreabertos, resfolegando, gemendo ou implorando por mim. Daqueles
peitos deliciosos adornados por joias delicadas que só os deixavam mais
lindos. E a boceta… aquela boceta, porra.

Eu estava me odiando tanto por isso. Por estar vendo Elizabeth


dessa maneira, por ter cedido a alguma merda de desejo que eu nem sabia
de onde tinha vindo. Eu sequer entendia que porra estava acontecendo
comigo, porque, para mim, a Liz sempre esteve acima de qualquer
pensamento sexual. Num pedestal intocável em que eu mesmo a havia
colocado em algum momento, certo de que ela era boa, inteligente e
inocente demais para ficar com qualquer filho da puta.

E agora eu estava ali, com nossa noite jogando na minha cara que
estive enganado sobre tudo aquilo. A Liz não era ingênua e inocente; não
era intocável, insegura, tímida ou qualquer uma dessas merdas. Ela era
corajosa, receptiva, curiosa, ávida, intensa e gostosa pra caralho.

E eu era um filho da puta pervertido que tinha tirado a virgindade da


única garota que já quis proteger nessa porra de mundo.

Eu ainda não conseguia acreditar. Não conseguia digerir essa merda.


Mesmo consciente de que eu era o único culpado por ter acreditado
que ela era algo que nunca demonstrou ser, eu ainda tinha dificuldade de
reconhecer que ela não só desejara tudo o que havíamos feito, mas havia
tomado a iniciativa, porra. Mais de uma vez. E ela sabia que estava comigo.
A Liz também me queria.

Isso estava ferrando os meus neurônios. Ao menos o que restava


deles.

Elizabeth me queria. Não como a adolescente que fora, mas como


mulher. Ela quis que eu tirasse sua virgindade.

Eu podia ainda me recriminar e culpar por ter feito isso, por ter
cedido e agido como se tivesse o direito de foder com aquela garota, mas
estava cada vez mais difícil enxergar a Liz como algo além de uma mulher
linda e gostosa que sabia exatamente o que queria e não tinha medo de agir
para conseguir. E essa era uma mudança grande demais para um período de
tempo muito curto.

… você está em negação porque não consegue assumir pra si


mesmo que quis tudo o que fizemos… — As palavras de Liz voltaram a
debochar de mim.

— Eu estou mesmo! — rosnei, como se ela estivesse bem ali, para


ouvir minha indignação, mas minha admissão só ecoou na sala grande e
silenciosa. — Como não estaria, porra?!

Esfreguei o rosto e meneei a cabeça, fazendo meu melhor para


expulsar aquela enxurrada de pensamentos e voltar ao trabalho. Era o
primeiro dia útil do ano, eu precisava liberar pelo menos um daqueles
contratos.
Algumas batidas firmes na porta do escritório roubaram minha
atenção e acabei bufando, só faltava ser a assistente, me cobrando aquelas
malditas assinaturas.
— Entre — liberei.

Um instante depois, diferente do que imaginei, foram quatro


brutamontes que entraram um atrás do outro, carregando caixas de pizza e
sacolas com refrigerantes.
Eu estava sorrindo antes que pudesse me impedir.

— Que porra é essa? — indaguei, sem acreditar que esses filhos da


puta tinham conseguido tempo juntos para virem até aqui.

— Contei pra nonna que você estava nos ignorando desde a semana
passada e ela insistiu em fazer essas pizzas — Blake respondeu, erguendo
as duas caixas que segurava, o sorriso que quase nunca surgia em seus
lábios iluminando sua expressão normalmente fria e impassível. — Disse
que você nunca abriria mão de comer uma pizza preparada por ela e
aceitaria nos ver se trouxéssemos um estoque grande.

Eu ri e me ergui, ainda sem acreditar que eles estavam ali. Meus


melhores amigos. Os filhos da puta por quem eu seria capaz de dar a vida
sem pensar duas vezes. Os Herdeiros de Nova Iorque com quem eu tinha
compartilhado boa parte da minha vida. Aqueles que reuni e protegi na
escola, que me deram força e apoio para não ser engolido pela faculdade,
que estavam lá comigo nos primeiros anos tentando me adaptar à
administração da rede mundial de hotéis da minha família, que me
ajudaram a lidar com minhas limitações e ainda fazer o melhor que eu
podia.
Os meus irmãos.
Nem os anos nem a distância que as nossas responsabilidades
impuseram sobre nós tinham sido capazes de nos separar. De acabar com a
nossa amizade e fraternidade.

Bruce foi o primeiro a vir até mim e já estava me puxando para um


abraço forçado quando os outros se aproximaram para me cercar e abraçar
também.

— Você pode preferir lidar com sua merda sozinho, irmão — ele
iniciou, sua voz grossa saindo tão gentil quanto ele era capaz de soar —,
mas não significa que não estaremos aqui se precisar.

Um nó ridículo apertou minha garganta ao ouvir aquilo, foi


suficiente para eu lembrar de papai naquele hospital, da sua doença se
agravando, do fato de que eu não era capaz de ajudar nem fazer nada para
mudar sua situação e estava me odiando por isso, ignorando ligações e
qualquer contato dos meus amigos, lidando sozinho com a minha merda
porque eu simplesmente não conseguiria falar sobre esse assunto, nem ser
eu mesmo com eles, e eu não queria ser a minha versão apática e silenciosa.

— Estamos aqui, irmão — Chuck lembrou, o filho da puta que


passava mais tempo na Europa que nos Estados Unidos, mas que nunca
havia falhado em estar presente se um de nós precisasse. — Vamos sempre
estar aqui, porra, independente do que aconteça ao seu pai ou na sua vida.

— Independente de você querer ou não falar sobre o que está


acontecendo — Blake endossou, seguido por Liam:

— Mesmo que às vezes a vontade seja socar a sua maldita cara


irritante — havia um sorriso em seus lábios enquanto se afastava com os
outros —, ainda vamos estar aqui. Somos irmãos e é isso o que irmãos
fazem.
Foi como receber um soco no peito.

Ele obviamente não tinha a menor ideia do que eu havia feito, e me


senti pior ainda por isso. A sensação de que tinha traído a sua confiança se
transformou num bloco de concreto apertando meu peito enquanto eu
observava seu sorriso, aquele que não me deixava dúvidas de que estava
sendo sincero. Voltei a me odiar e recriminar pelo que tinha feito com
Elizabeth e acho que, pela primeira vez naquelas vinte e quatro horas, desde
que havia acordado com ela montada em mim, senti um medo real de
perder meu amigo. Um dos irmãos que tinha escolhido nessa porra de vida.

— Vamos comer — Blake chamou, e logo todos seguiram para os


sofás e a mesa de centro que havia entre eles.

Um aperto em meu ombro levou minha atenção ao homem que


estava ao meu lado.

— Tire essa merda da sua cabeça — Bruce mandou, em voz baixa,


de modo que apenas eu pudesse ouvir. Era como se tivesse lido meus
pensamentos. — Liam vai aprender a lidar com essa situação.
Essa situação… um eufemismo ridículo para uma filhaputagem sem
tamanho. Eu sabia que precisava conversar com Elizabeth antes de contar
aquilo a Liam, mas não conseguiria esconder aquela merda dele por muito
tempo, e o que diria?

Então, cara, sabe sua irmãzinha virgem e intocada? Ela não é mais
virgem, nem intocada.
Grunhi, sem acreditar em mim mesmo, e balancei a cabeça, para
afastar aqueles pensamentos.

— A nonna quer que você faça uma visita a ela até o fim da semana
— Blake avisou e, mesmo que não erguesse os olhos das caixas de pizza
que abria, eu soube que falava comigo. Nós dois éramos os mais apegados à
senhorinha que havia adotado os Cinco Herdeiros de Nova Iorque como
netos postiços quando éramos só adolescentes. — Ela quer ter certeza de
que você está bem e prometeu fazer todos os seus pratos preferidos.
Apesar das minhas preocupações, sorri ao lembrar da nonna e da
sua mania de me mimar como se eu fosse seu filho preferido — e foda-se se
eu não era mesmo. Eu amava aquela italiana. Estava com saudades dela, da
sua risada, humor e leveza. E precisando ser mimado um pouco para
esquecer as pancadas da vida.

— Eu vou — garanti.

Sentei-me entre Bruce e Blake. Quando Chuck me ofereceu uma


lata de refrigerante e eu a peguei, foi como se retornasse à nossa
adolescência, quando nos reuníamos para comer porcaria enquanto
revezávamos e brigávamos por causa do videogame. Porra, eu daria tudo
para voltar de verdade àquela época de nossas vidas.

— Que porra aconteceu com seu olho? — soltei ao notar o olho


esquerdo de Chuck com um roxo mal disfarçado com maquiagem.

Liam riu, voltando a encarar o alemão.

— Conta aí, irmão — provocou. — Conta pra eles quem te deu um


olho roxo.

— Vá comer merda, Caldwell — Chuck grunhiu, os olhos claros


entrecerrados, os lábios apertados de raiva. — E podem parar de perguntar,
que não vou contar porra nenhuma.

Liam ergueu a cabeça, inclinou e corpo para trás e gargalhou, de um


jeito quase descontrolado, que colocou a sombra de um sorriso em meus
lábios e atiçou minha curiosidade.
— Isso apareceu depois da festa na Secret Pleasure — Bruce avisou.
— Esse olho estava muito mais inchado ontem de manhã.

— Você se meteu numa briga na nossa festa de inauguração? —


tentei adivinhar, cada vez mais interessado nessa merda.

Blake meneou a cabeça em negativa.

— Não tivemos nenhum contratempo na festa — garantiu.

Liam acenou em negativa, socando o espaço livre do sofá em que


estava sentado. O filho da puta não conseguia parar de rir.

E eu só queria saber que merda tinha acontecido.

— Conta logo, porra — mandei.

— Não ouse — Chuck ameaçou, um dedo em riste para Liam. —


Bradshaw é um maldito fofoqueiro.

Neguei com a cabeça.

— Não sei de onde vocês tiraram que sou fofoqueiro — iniciei, bem
cínico mesmo, pegando duas fatias de pizza de uma vez. — Eu só gosto de
me manter informado.
— E se intrometer nas nossas vidas — Bruce completou, uma
sobrancelha grossa içada em desafio.

— Eu ajudo a resolver suas vidas — corrigi. — Resolvi sua vida


amorosa. Resolvi sua vida sexual. Você está com Emma de novo porque eu
ajudei. Então, de nada.

Blake sorriu, apoiando as costas ao sofá e colocando seus braços


grandes e fortes no encosto. O terno azul-marinho que vestia realçava sua
pele negra retinta e reforçava a porra da imagem de advogado implacável
que ele tinha por aí.

— Você não tem uma reunião em Londres amanhã de manhã? —


perguntou, os olhos castanhos fixos em Chuck, que engasgou com o
refrigerante que tomava e tossiu algumas vezes, recebendo de Bruce
algumas batidas nas costas.

Os ombros de Liam agora se moviam enquanto ele gargalhava, de


um jeito que parecia encher toda a minha sala. Eu me remexi na droga do
sofá, perdendo a porra da paciência de tanta curiosidade. Até me inclinei na
direção dos dois, como se assim pudesse captar alguma informação nova.

— Ele tem — Liam quem respondeu, quase sem fôlego por causa do
riso descontrolado.

— É bom você calar a porra dessa boca se não quiser ser o próximo
com um olho roxo — Chuck rosnou, e seu sotaque se acentuou aqui.
Troquei um olhar com Bruce e outro com Blake, que apenas
observavam tudo, lendo a situação antes de emitirem qualquer comentário,
como sempre.

— E você vai me deixar com um olho roxo, é? — Liam instigou, o


sorriso sarcástico inabalável. — Irmão, você não foi capaz de se defender
nem da fúria de uma Barbie russa de um metro e setenta.

— Você apanhou de uma mulher?! — adivinhei.

— Barbie russa? — Bruce prosseguiu.

— Tsc, tsc, tsc… — foi o que Blake se limitou a emitir em um


primeiro momento. — Não me diga que estamos falando da herdeira russa
que se recusou a vender as empresas da família para você?
Uma veia saltou na testa de Chuck.

— Seu desgraçado! — Ele socou o braço de Liam, o rosto vermelho


de raiva pelo asiático que ainda gargalhava como se a porra da situação não
pudesse ser mais hilária.

— Não é com ela que você tem uma reunião amanhã? — Blake
indagou, sorrindo com uma provocação atípica dele.
Chuck grunhiu uma resposta afirmativa e afundou no sofá em que
estava, bufando como um adolescente.

Voltei a trocar olhares com Blake e Bruce e logo também


gargalhamos.

Tantas perguntas, porra.

***

Já passava de três da tarde quando acompanhei meus amigos para


fora da ala administrativa do hotel, todos ainda conversavam e riam juntos,
mas eu apenas os observava agora, me lembrando do quão sortudo eu era
por ter esses filhos da puta na minha vida. Aquelas poucas horas com eles
tinham me dado um fôlego que eu havia perdido em algum momento dos
últimos dias.

— Quanto tempo vai passar fora? — Bruce perguntou a Liam,


quando chegamos ao lounge de entrada do hotel. Meu melhor amigo ainda
estava aguardando sua mulher chegar para saírem juntos, mas Chuck e
Blake já tinham ido embora. E Liam só estava aguardando seu motorista.
— Algumas semanas. Só o tempo suficiente para fechar uns
contratos.

Ele bufou e voltou sua atenção para mim. Eu soube o que estava
prestes a me dizer antes mesmo que cortasse a distância entre nós.

— Preciso que fique de olho na Liz por mim, irmão — pediu. —


Não tenho certeza de quanto tempo vou passar fora, e não quero que a Liz
fique sempre sozinha. Ela e a mamãe ainda não estão se falando e aquele
bairro dela não é dos mais seguros. Confio em você pra cuidar dela, então…
posso contar com você pra isso na minha ausência?
Não consegui emitir uma resposta. Não fui capaz. Fiquei só ali,
encarando os olhos castanhos de Liam e me sentindo um filho da puta
indigno da confiança que ele obviamente tinha em mim, apesar de a sua
superproteção costumar transformá-lo num animal que apenas rosnava e
atacava quando o assunto era Elizabeth.

A culpa me corroeu por dentro.

Uma movimentação na entrada do hotel fez Liam desviar seu olhar e


observar algo às minhas costas, suas sobrancelhas se uniram quando ouvi
passos apressados se aproximando.

— Tio Maverick! — a vozinha fina e doce inundou todo o grande


lounge e não precisei procurá-la para saber quem me chamava. Eu sorri
antes mesmo de girar em meu próprio eixo e a figura pequenina me
alcançar com um gorro de unicórnio e embalada num casaco lilás.

Ergui Emy Hale em meus braços e ri junto a ela quando me abraçou


apertado. A irmã mais nova de Bruce era um sopro de pureza e felicidade
na vida de qualquer um que cruzava seu caminho. Era simplesmente
impossível conhecer essa menina e ela não se tornar sua pessoinha favorita
no mundo.

— Ahhhh, eu tava com saudades, sabia? Você podia ter ido passar o
Natal com a gente. Eu ia adorar muito — ela disse, com a dicção invejável
de uma oradora, e não de uma garotinha de oito anos.

Apesar das palavras e do seu tom melancólico, ela envolveu minha


nuca com um braço e me encarou sorridente, segundos antes de se voltar
para Liam.
— Oi! — ela o cumprimentou com um sorriso quase maior que os
lábios. — Você é o irmão daquela moça liiinda que parece a Kim Jennie, do
Black Pink, né?

Liam concordou com um sorriso orgulhoso e me lembrei de que


Emy o havia conhecido com Elizabeth num parque de diversões há alguns
meses. Ela só falara deles na última vez em que a vi, encantada por serem
sul-coreanos e tão, tão lindos, tio Maverick.
— Ahhh, eu quero ver ela de novo! — Emy se voltou para mim. —
Eu vim aqui pedir pro tio Maverick chamar ela pro meu aniversário.

— O quê? — perguntei, mas Emy já estava se virando em meus


braços, para ver sua irmã se aproximando com Bruce em seu encalço.

— Eu fiz até uma cartinha e coloquei junto com o convite. Tá com a


Emma.

Seus olhinhos doces se voltaram pra mim.


— Convence ela pra mim, tá, tio Maverick? Eu adorei muito ela.
Então agora ela vai ser minha amiga.
Ri baixinho, para disfarçar a incredulidade, então deixei um beijo
em sua testa. Não queria voltar a pensar em Elizabeth agora. Não ainda.
Não com Liam ao meu lado, porra.

— Que saudades de você, princesa! — confessei e a apertei em


meus braços de novo. Estava há mais de um mês sem vê-la e isso era
inédito desde que me enfiei na sua vida e na da sua irmã, Emma. Eu a tinha
visto crescer. Estava lá em cada aniversário e até segurando sua mãozinha
quando algum resfriado ou febre a levou à emergência. Amava tanto essa
garotinha esperta que duvidava que algum dia seria capaz de amar tanto
outra criança. — Recebeu meus presentes de Natal?

Seus olhos castanhos se iluminaram.

— Siiim! E eu amei muito, muito mesmo, viu? Como você sabia


que eu ainda não tinha aqueles photocards colecionáveis do RM e do Ji-
min? A Emma até tentou achar pra mim e não conseguiu mais!

Sorri. Eu não fazia ideia de quem era RM, muito menos Jimin, mas
sabia que ela era obcecada por aquele grupo de k-pop, o BTS, e pedi que
minha secretária encontrasse algo valioso dos integrantes do grupo. Ela
claramente havia acertado em cheio.
— Que bom que você gostou — falei, rindo, quando ela voltou a me
abraçar. Bruce parou à nossa frente com os olhos semicerrados. O filho da
puta mal conseguia disfarçar o ciúme que tinha da minha relação com sua
irmãzinha.

E como o bom provocador que era, sorri e aticei:


— Olhe, Emy, como seu irmão está espumando de ciúme. Me diga
se não parece um buldogue velho agora.

Liam riu ao meu lado.


— Você é um filho da puta, Bradshaw — ele comentou e logo levou
um soco no ombro.
— Nada de palavrões na frente da Emy — Bruce avisou, tirando a
menina dos meus braços, e ela foi sem relutar. Ele havia perdido cinco anos
da infância dela, nos quais eu fui presente como o tio legal que a mimava e
fazia suas vontades. Emy podia ser louca por mim, sim, e eu sabia que
sempre seria seu tio preferido, mas aqueles cinco anos não mudaram o fato
de que Bruce era seu herói. Seu irmão mais velho querido e perfeito.

E eu adorava vê-los juntos, porra. Esse filho da puta merecia toda a


felicidade que finalmente estava sentindo ao lado da sua mulher e daquela
garotinha.
— Bradshaw — Emma parou ao meu lado, já me cumprimentando
com um sorriso, mas se limitou a apenas acenar para Liam, por causa da
relação ruim que ainda tinha com ele e os outros caras. Uma que eu cuidaria
de resolver logo. Esses filhos da puta teriam que deixar Emy e Emma
entrarem em nossas vidas. Teriam que aceitar de uma vez por todas que
Emma não era como a filha da puta da mãe gananciosa dela, que amava
Bruce e merecia fazer parte da família que formávamos juntos. Emy
também não tinha culpa de nada do que a mãe delas havia feito com o pai
de Bruce.

Apesar de ter me irritado com Emma e com Bruce na manhã


anterior, por causa das merdas que me falaram, eu a puxei para um abraço,
só para dissipar o clima estranho que havia se instalado ali com aqueles
cumprimentos secos, e também pelo prazer de ouvir Bruce rosnar como um
animal.
Um filho da puta ciumento e territorialista.
— Tire as mãos da minha mulher — ele grunhiu.
— Por que, irmão? Além de rosnar, você fará o quê mais? Mostrar
os dentes e me atacar?

Foi a vez de Emy rir.


— A Emma me disse que ciúme é uma emoção feia, então eu não
entendo por que o Bruce continua sentindo — ela contou, abraçando seu
irmão.

— Porque ele é um idiota — avisei. — Um idiota territorialista que


foi agarrado pelas bolas e se transformou num buldogue velho mal
adestrado.

Emma me deu um tapa no braço, pela minha escolha de palavras na


frente da Emy, mas tudo o que Bruce fez nesse momento foi semicerrar os
olhos de um jeito que apitou em minha mente como um alerta.

— Algo me diz que em breve não serei o único, Bradshaw — o filho


da puta provocou e essas malditas palavras roubaram a porra do sorriso em
meus lábios. — E estou ansioso pra descobrir em que raça canina você vai
se transformar.
Ao meu lado, Emma tentou disfarçar uma risadinha com uma tosse,
mas tudo o que vi foi o olhar desconfiado de Liam em minha direção. Sua
tentativa de compreender o que estava nas entrelinhas do que Bruce dissera,
mas ele acabou por menear a cabeça em negativa e sorrir.

— Pelo visto, outro guerreiro será abatido em breve — grunhiu. —


Mas vocês são uns frouxos mesmo, viu? Onde enfiaram a promessa de
permanecermos solteiros?
Apesar do tom insatisfeito, havia um sorrisinho vitorioso em seus
lábios quando fechou o casaco que usava, já se preparando para sair.

— Nunca prometi isso — Bruce lembrou.

— Diferente de vocês, essa é uma armadilha em que eu nunca vou


me permitir cair — garantiu.
Desta vez Bruce riu, de verdade, como eu nem lembrava que esse
filho da puta ainda era capaz de fazer.

— Isso só significa que sua queda será ainda maior — alertou, ao


que Liam respondeu, revirando os olhos:

— Isso é o que veremos. Agora eu preciso ir, irmãos. Tenho uma


reunião daqui a pouco. — Ele olhou para Emy por um momento e sorriu,
porque não conseguiu resistir ao sorriso que ela já tinha para ele. — Foi um
prazer rever você, Emy. — Seus olhos então se voltaram para Emma e o
sorriso se desfez aos poucos. — Emma.

— Caldwell — foi o que ela emitiu em resposta, sem hesitar ou


demonstrar qualquer abalo por aquele tratamento.
— Não esqueça de fazer o que pedi, irmão — Liam reiterou,
voltando sua atenção para mim uma última vez, como o lembrete de algo
que eu queria mais que tudo esquecer.

Ainda não consegui respondê-lo com palavras, então apenas acenei,


porque não podia deixá-lo no vácuo, e o observei se afastar.
Liam já havia atravessado as portas de entrada e saída do hotel
quando compreendi que o gosto acre em minha boca era de remorso. Culpa.

Eu não aguentaria lidar com essa merda por muito mais tempo,
então resolveria logo a porra dessa situação com Elizabeth. E mesmo que
não fosse capaz de fazê-la enxergar o tamanho do erro que cometi ao tocar
nela, teria que deixar claro que aquela noite não mudaria nada entre nós.
Que nada entre nós nunca poderia mudar.
SETE

Meus olhos estavam secos quando retirei os óculos e afastei meu


olhar do computador. Girei na cadeira, de modo que pudesse observar a
janela da sala. Não deveria, mas me surpreendi por notar que já era noite.
Eu estava há mais de seis horas trabalhando numa tradução que
precisava entregar em poucos dias. Nas últimas semanas, desde que
comecei a dar aulas de inglês para filhos de imigrantes na ONG, meu ritmo
de trabalho se tornara mais intenso e eu simplesmente esquecia de coisas
básicas, como comer e tomar água.
O ronco nada agradável do meu estômago me lembrou de que eu
precisava alimentá-lo.

Minhas pernas reclamaram quando me ergui para ir até a cozinha,


mas segui adiante, precisava exercitá-las um pouco, depois de tanto tempo
paradas.

Esquentei algo que já havia deixado pronto na geladeira e comi


rapidamente enquanto verificava as notificações do celular, ansiosa porque
a data limite que havia dado para Maverick me procurar era amanhã. Óbvio
que ele não sabia disso, essa data foi algo que estabeleci para mim mesma,
como uma tentativa de aquietar minha ansiedade, mas ele estava ciente de
que eu o procuraria se não viesse até mim, e quatro dias era tempo
suficiente para ele digerir o que havíamos feito, não é?

Bufei.

Ele não enviara sequer uma mensagem.

Se estava pensando que eu deixaria isso para lá, estava muito


enganado. Eu não hesitaria em ir atrás dele se precisasse, muito menos em
usar o que estivesse ao meu alcance para fazê-lo admitir que me desejava.
Que quis tudo o que fizemos. E uma vez que ele assumisse isso, eu não
deixaria que se afastasse ou colocasse qualquer tipo de distância entre nós.
Não mesmo.

Devorei a sobremesa gelada que ainda havia em meu congelador e,


após ir ao banheiro, me dei alguns minutos a mais de pausa, para reproduzir
algumas posições de yoga e tentar diminuir a dor que sentia nas costas.
Eu estava inclinada com as pernas e braços esticados, os dedos das
mãos tocando os dos pés, cobertos pela meia da Grifinória que eu usava no
assoalho gelado, quando a campainha tocou.
Soltei o ar e inspirei profundamente conforme voltava a ficar de pé.

Fui até a porta acreditando que era Sophia, mas só precisei olhar
pelo olho mágico para meu coração saltar no peito ao ver que não era ela
ali. Afastei-me rapidamente, os olhos arregalados e uma onda de euforia
acordando todo o meu corpo diante da imagem de Maverick.

A campainha tocando novamente reproduziu um estalo em minha


cabeça, que me fez acordar para o fato de que eu estava toda bagunçada
depois de horas trabalhando na frente daquele computador. Gemi de
desgosto para a minha imagem no espelho que eu tinha ao lado da porta e
dei uns tapas leves nas minha bochechas, para trazer um pouco de cor a
elas, por sorte ao menos os lábios estavam rosados e nada secos, graças à
sobremesa que eu havia tomado há pouco.

Soltei os cabelos rapidamente e eles caíram em ondas longas pelos


meus ombros e peito. Eu não teria tempo de mudar a blusa de moletom
cinza que vestia, então apenas tomei mais algumas respirações profundas,
como se fossem capazes de me preparar para o impacto de compartilhar um
cômodo com Maverick de novo.

Atendi à porta.

Seu perfume de hortelã me atingiu antes mesmo da sua imagem e


agiu sobre mim como uma droga inundando meu sistema, reavivando todas
as memórias ligadas a esse cheiro, que ficara impregnado em mim.

O semblante sério que Maverick ostentava não me intimidou,


tampouco a postura imponente que ele só se dava o trabalho de sustentar
quando estava tratando de negócios, nada daquilo se sobrepôs ao fato de
que ele estava bem ali, à minha frente, pressionando aqueles lábios que eu
sabia serem deliciosos, no único sinal de nervosismo que ele nunca se dera
conta de que exibia.

— Achei que me faria ir atrás de você — provoquei com um


sorrisinho, dando-lhe espaço para adentrar meu apartamento.

Ele resmungou algo baixinho enquanto entrava, parou no meio da


minha sala, e eu permaneci encostada à porta fechada. Percebi seu olhar
passear pelas pilhas de livros e dicionários que eu havia deixado abertos e
marcados sobre o sofá e na mesa de centro, então ele alcançou a mesa com
meu computador ainda ligado.

— Eu estava trabalhando — expliquei, caminhando até as pilhas de


livros para fechá-los, tomando o cuidado de manter as marcações de que
ainda precisaria. — Traduzi manuais para algumas empresas chinesas e sul-
coreanas pela manhã. E tenho esse livro para entregar em poucos dias,
então… — deixei a resposta no ar, minha bagunça ali era por si só
explicativa, o fato de eu estar só de moletom e meias, também.

Maverick inspirou fundo, ainda sem me encarar.


— Você se lembrou de comer, pelo menos? — indagou.

Sorri, feliz por ele escolher perguntar isso antes de qualquer outra
coisa.
— Sim.

Enquanto eu organizava os livros e cadernos sobre a mesa de centro,


senti o olhar de Maverick em mim, pesando com uma força perturbadora
que me deixou arrepiada, sem ar e com um frenesi silencioso percorrendo
minhas veias.
— Você pode se sentar — avisei, como se aquela fosse a primeira
vez dele na minha casa.

— Não preciso — iniciou, retirando algo do seu terno. — Não vou


demorar. A irmãzinha do Bruce me pediu para te entregar isso.

Ele me estendeu um envelope cor-de-rosa, mas não o abri, nem


dispensei um olhar mais apurado a ele para descobrir o que era. Deixei-o
sobre um livro na mesa de centro da sala. Meu foco era o homem à minha
frente, que notou a mudança em minha postura e apenas me encarou por
alguns instantes desconfortáveis antes de inspirar fundo e dizer:

— Eu sinto muito, Liz. Você merecia mais do que uma foda como
aquela na sua primeira vez… merecia alguém que tivesse…

Eu o cortei:
— Tive exatamente o que eu queria na minha primeira vez,
Maverick — garanti, firme, ainda sustentando seu olhar, para que ele não
tivesse dúvidas do que eu dizia. — Você… você me fodendo.

Um disparo à queima-roupa não o teria atingido tão profundamente.


O modo como seus lábios se entreabriram e as narinas se dilataram, em
busca de um fôlego que parecia essencial para oxigenar o cérebro no
momento, me deu certeza disso.

Quase sorri quando me dei conta de que ainda era fácil


desconfigurá-lo com palavras. E só por notar como ele ainda tinha
dificuldades de lidar comigo falando daquela maneira, eu avancei um passo
em sua direção, atenta à sua reação a mim, tão atenta que registrei o
milésimo de segundo em que seu olhar o traiu e alcançou meus lábios.

— Não aceito que se desculpe por ter me dado a melhor noite que
eu poderia ter — avisei. — Você veio aqui para tentar me convencer de que
o que fizemos foi um erro, não é?

— Liz…

— Eu rejeito essa ideia.


— Rejeita? — ele ecoou, num tom irônico que morreu no instante
em que dei outro passo em sua direção.

— Rejeito. Não vai conseguir me convencer disso, então é melhor


nem tentar.

Maverick meneou a cabeça em negativa.

— Isso não muda o fato de que foi um erro, de que eu nunca deveria
ter tocado em você ou tirado sua virgindade, porra! Como você ainda não
enxerga isso?
— Não quero enxergar o que fizemos pelas mesmas lentes
deturpadas que você — redargui, de pronto. E agora eu estava a dois passos
de distância.

— Lentes deturpadas? Você tá de brincadeira comigo, Liz?!


Acenei em negativa.
— Você não me forçou a nada, não me seduziu… — iniciei, com
uma calma que já contrastava com a impaciência e inquietação que
Maverick emanava em ondas até mim. — Acho até que podemos dizer que
eu seduzi você, então, sim, suas lentes para enxergar essa situação estão
deturpadas. E você não consegue ver o óbvio aqui.

— O ób… — ele se interrompeu, engolindo as palavras no instante


em que certamente compreendeu o que eu diria.
— Eu quis o que fizemos, eu quis você. E você também me quis, do
contrário não teria continuado errando comigo mesmo depois de ver meu
rosto.
— Vai jogar isso na minha cara, porra?!

— Eu não deveria precisar, não acha?


Ele grunhiu, chegou a abrir a boca em seguida, para retrucar, mas
tudo o que emitiu foi um resmungo incompreensível, meneando a cabeça e
me dando as costas como se desistisse até de pensar. Sem argumentos, sem
habilidade para articular algo que refutasse o que eu havia dito. Precisei
apertar os lábios para não sorrir. Roubar sua habilidade de dar respostas
espertinhas era um feito por si só, mas notar sua contrariedade também era
algo novo para mim, assim como o que eu sentia por provocá-lo e empurrá-
lo ao limite daquele jeito. Eu gostava da sensação.

Gostava muito.

Ao vê-lo dar início às inspirações profundas que indicavam sua


busca por calma, eu cortei a pouca distância que ainda havia entre nós, até
ficar diante dele de novo.

— Não deveria estar tentando nos convencer de que cometemos um


erro — avisei. — Deveria estar me perguntando há quanto tempo eu quero
você, há quanto tempo você me quer…

Ele acenou em negativa devagar, o maxilar travado, alguma luta


interna se conflagrando em seu interior. Seu corpo mais tenso a cada
segundo que passava. Seu perfume e hálito deliciosos me atingindo a cada
respiração superficial.

Merda, eu queria beijá-lo, queria tanto.


— Me pergunte por que eu quis que você fosse meu primeiro,
Maverick… Por que eu quero que continue sendo o único… Se eu gostei de
me olhar no espelho e ver as marcas que você deixou. Se gostei de passar
todos esses dias lembrando qual a sensação de ter você dentro de mim.

Toquei mais do que um nervo com aquelas palavras, sei que sim.

Sua respiração estava densa contra mim, a cabeça pendia em minha


direção, como se atraída por uma força invisível, mas então se afastava,
porque aquela proximidade parecia muito maior do que ele era capaz de
suportar no momento; seus olhos, incapazes de manterem-se focados
apenas nos meus, o traíam vindo até meus lábios. Tudo isso reduzia o ar
entre nós nesse momento, e me enchia de expectativa.

Quando Maverick tentou estabelecer distância física, recuando um


passo, tudo o que conseguiu foi tropeçar no sofá às suas costas e cair sobre
ele. Uma risada baixa e rouca me escapou, inundando minha sala pequena e
agora silenciosa demais. Não hesitei em me colocar sobre seu colo,
aproveitar sua dificuldade de reagir para afundar os joelhos no estofado, um
de cada lado dos seus quadris. Sequer me importei quando agarrou meus
pulsos e me impediu de tocar seu rosto.

— Liz!
— Faça as perguntas certas para mim e para você — pedi, por fim.

Ele não respondeu, não conseguiu, também não me soltou, e essa


era outra coisa que não parecia ser capaz de fazer nesse momento. No
entanto, por alguma droga de motivo, continuou resistindo à proximidade
da minha boca.
Compartilhamos aquele ar denso por instantes que se arrastaram até
que encostei minha testa à sua, roçando apenas meu nariz ao seu, numa
provocação que se transformou aos poucos numa tortura para mim, como
claramente era para ele. Nossos lábios estavam tão perto. A vontade de
beijá-lo era tão grande.

O calor do seu corpo aquecia minhas coxas e braços, e sua


respiração alterada, irregular, assim como o aperto em meus pulsos, apenas
se intensificou a cada segundo que passou. Eu quis me mover e me
acomodar em sua virilha, mas não o fiz. Não estava tão desesperada assim.

— Saia — Maverick mandou, por fim, a voz rouca soando firme e


inflexível, como se tentasse subir a uma posição de autoridade que me faria
ceder e apenas obedecê-lo. Estava muito enganado se achava que podia agir
assim comigo.
— É difícil lidar comigo tão perto? — perguntei, baixinho, em vez
de me afastar. — Difícil lidar com essa coisa que existe entre nós agora, só
por estarmos assim?

O agarre em meus pulsos se tornou doloroso, mas não cedi.

— Tentar me afastar não vai mudar o fato de que essa coisa já


existe, Maverick — tentei.

— Não existe nada, Liz! — A negação veio veemente, como uma


mentira em que ele tentava se agarrar mais que tudo.

— Vai me dizer então que eu fui só uma foda que não significou
nada? — testei, a pergunta soou como um desafio, mas foi só uma máscara,
uma que usei para não expor o quanto me desarmaria e machucaria ouvi-lo
confirmar isso. — Que teria fodido e beijado aquela ruiva do mesmo jeito
que me fodeu e beijou? Que não importava se era ela ou eu naquele quarto?

— Para — ele ordenou, áspero.


— Você ainda não sabia que era eu quando me beijou, não é? —
insisti. — Então isso significa que teria beijado daquele jeito qual…

— Cala a boca, Liz — insistiu, mas o ignorei.

— Se for isso, Maverick, me diga com todas as letras — mandei,


ainda sustentando seu olhar duro, erguendo as muralhas que podia para
proteger meu coração do que viesse a seguir. — Diga que não me quer, diga
que fui só um corpo em que você se aliviou, uma boceta em que…

Ele agarrou minha garganta, impedindo qualquer nova palavra de


deixar meus lábios, não me machucava, mas restringia a passagem do ar.
Me dominando de um jeito completamente novo.

— Acha mesmo que eu usaria você assim? — A pergunta foi


lançada com uma raiva que deixou sua voz grave, irreconhecível, mexeu
com algo em mim, me deixou quente e superconsciente de que a chance de
eu pensar isso dele o revoltava. — Você, de todas as mulheres na porra
desse mundo, Liz?
Cheguei a entreabrir os lábios para dizer algo, mas nada saiu, ainda
não havia fôlego para isso, sua mão grande continuava envolvendo meu
pescoço e, tarde demais, me dei conta de que meu corpo começava a
responder àquele agarre. Gostava da dureza em seus olhos e toque, do jeito
que eu ficava sensível sob eles.

Eu o tinha feito alcançar um limite novo.

— Estou me odiando por ter desejado você, por ter fodido você
como se tivesse algum direito de tomar sua virgindade, por ficar de pau
duro só de lembrar da sua boceta, Liz. — Acho que perdi a força das pernas
naquele momento. — Eu deveria proteger você, porra, garantir que nenhum
filho da puta como eu entrasse na sua vida, garantir que você fosse feliz,
que encontrasse algum gênio como você, um idiota que beijaria o chão que
você pisasse, que quisesse te dar o mundo, a começar por um casamento e
filhos de olhinhos apertados e covinhas fofas, como você…

Você pode ser esse homem… era o que eu queria dizer, mas ele não
permitiu.

— Isso era o que eu deveria fazer, o que seu irmão espera que eu
faça, o que você deveria querer de mim, Liz. — Maverick soltou minha
garganta de uma vez, e eu teria caído para trás se não tivesse agarrado as
lapelas do seu terno e ele não tivesse me segurado pela cintura. Por entre
minhas tentativas de encher os pulmões de ar, ele concluiu: — Eu não sou
esse homem, não sou o filho da puta que vai dar o que você merece. O que
você quer. Por isso o que fizemos foi um erro. A porra de um erro que não
vamos repetir.

Eu ainda resfolegava quando ele tentou me tirar do seu colo, sem


sucesso. Os olhos ainda presos aos meus, aquela tensão insuportável
crepitando entre nós, fazendo o ar estalar e suas palavras reverberarem em
minha mente, atingirem meu âmago.

— Por que acha que sabe o que eu quero?


— Porque eu sei — ele declarou. — Porque conheço você, Liz.

Acenei em negativa, então extingui a distância entre nossos rostos


novamente. Agarrei sua gravata e o obriguei a permanecer perto, meus seios
pressionando seu peito forte e duro.

— Não sabe — garanti, praticamente soprando as palavras em seus


lábios entreabertos. Quase cedi à vontade de tocá-los com os meus antes
mesmo de concluir. — Se soubesse, Maverick, se tivesse qualquer ideia do
que eu quero, você estaria dentro de mim agora, repetindo que eu sou sua,
que nenhum infeliz, por mais genial que seja, terá o privilégio de foder a
boceta que eu escolhi dar pra você.

Algo queimou em seus olhos quando concluí aquelas palavras, algo


que o deixou ainda mais rígido sob mim, as mãos em minha cintura
apertando-me forte. Rocei meus lábios aos seus, numa provocação que ele
não foi capaz de recusar, mesmo que não avançasse, porque seu maldito
autocontrole oscilava, mas ainda tinha poder sobre ele.

— Não suporto nem pensar em outro homem me tocando como


você tocou — confessei e quis que ele tentasse visualizar isso. Esperei
torturá-lo com aquela imagem, como ela me torturava. Mordisquei seu lábio
inferior. — Não quero outra boca me beijando, outras mãos me acariciando
e apertando, outro pau se enterrando em mim.

Com seu braço forte enlaçando minha cintura, meu corpo foi
apertado ao seu com firmeza, num agarre possessivo, rude. Nossos corações
trovejavam um contra o outro, no mesmo ritmo louco.

— Quero você, Maverick — assumi, baixinho. Não precisava de


mais do que um sussurro, seus lábios estavam praticamente colados aos
meus, nossas arfadas sendo o único som inundando a sala. — E você me
quer.

Encostei minha boca à sua, a língua deslizando por seus lábios antes
de finalmente afundar por entre eles e encontrar a sua. Um grunhido baixo
escapou da sua garganta, como o som emitido por um animal que estava
sendo torturado. Sua língua tocou a minha, girou em minha boca e me
chupou, roubando o controle que era meu, beijando-me profundamente, me
consumindo aos poucos, mas de um jeito tão intenso que abalou todas as
minhas inseguranças e me deixou molhada em segundos.
Enfiei minhas mãos em seus cabelos e me preparei para montá-lo de
verdade, mas Maverick se afastou. E me afastou. Com o último resquício de
autocontrole que ainda aparentava ter.

Ele meneou a cabeça em negativa e fechou os olhos, parecia sentir


dor, uma que era pior do que física.

— Eu nunca me perdoaria se machucasse você — confessou. — Se


perdesse você, Liz…
— Você não me perderia.

— Você acha que sexo é suficiente agora — ele iniciou, os orbes


castanhos atentos aos meus, carregados de emoções que eu jamais
conseguiria discernir. — Acha que foder comigo será suficiente, mas não
será. Você vai querer mais do que isso. Vai esperar mais do que isso, e eu
não posso te dar, Liz.

A convicção que encontrei em suas palavras me machucou mais do


que elas. Aquela parecia ser uma certeza enraizada fundo demais para eu
ser capaz de alcançar agora.

— Não vou arriscar perder você e Liam quando já sei como isso
aqui terminaria.

Então ele me soltou, tão abruptamente que me senti abandonada. Fui


deixada sobre o sofá e ele se levantou. O calor do seu toque sendo
rapidamente substituído pelo frio.

— Espero que um dia você me entenda — ele concluiu, as palavras


saíram arrastadas, roucas. Doloridas. Bateram em mim com força, mas não
me deixei abater pelo seu impacto.
Talvez eu devesse ter cedido e apenas desabado por estar sendo
rejeitada, mas não o fiz. Foda-se, não o faria também.
Os poucos segundos em que ele retribuiu meu beijo me deram força
para sair do torpor e reagir. Lembrar que ele havia admitido que me
desejava me deu coragem para levantar antes que ele alcançasse a porta
para ir embora e atirar:

— Eu recuso sua tentativa de me proteger. — Minhas palavras o


fizeram parar. — Não vou me arrepender do que fizemos. Nunca vou
enxergar aquela noite como um erro. Nunca vou culpar você por me querer
ou me culpar por querer você.

— Liz…

— Pela primeira vez na minha vida, eu sei exatamente o que eu


quero, Maverick — contei. — Sei que quero você, sei que quis você em
cada dia dos últimos cinco anos, mesmo que você nem estivesse perto. E
não estou disposta a fugir do que sinto, a abrir mão do que quero ou deixar
você agir como se eu fosse uma idiota que não sabe o que quer e precisa ser
protegida do que sente. Graças a mamãe e ao Liam, já tive o suficiente
disso na minha vida.

Ele se voltou para mim.

— Eu não…

— Você não sabia que me desejava, que me queria o bastante para


me foder — instiguei, sem me importar em escolher melhor minhas
palavras. Ou medir meu tom. — Deve ter escondido isso até de si mesmo,
então duvido que seja capaz de reconhecer o que realmente sente por mim.

Não foi uma acusação, apesar das minhas palavras, aquela foi só
uma tentativa de expor a verdade que ele ainda ignorava.
— Você deveria reconhecer o que sente antes de tentar me fazer
acreditar que sabe o que eu quero e o que eu mereço — anunciei.
— Liz… — chamou, de modo mais incisivo agora, mas se calou
quando me viu cortar a distância entre nós, decidida, determinada como eu
não lembrava de já ter estado algum dia.

— Você pode se arrepender e se culpar, se quiser — iniciei. — Pode


continuar fugindo do que sente e até abrir mão de mim; podemos tentar a
coisa de agir como se nada tivesse acontecido também, como se não
tivéssemos transado loucamente e gozado várias vezes nos braços um do
outro, mas isso não vai mudar nada, Maverick, e duvido que seja suficiente
para você esquecer de tudo o que fizemos. — Aproximei meu rosto do seu,
satisfeita por ele não recuar, por ele sequer conseguir disfarçar que me ter
perto ainda o abalava. Minhas próximas palavras saíram em um sussurro só
seu: — Eu espero que continue lembrando da minha boceta… que continue
de pau duro só de pensar nela… e que nenhuma outra seja capaz de te fazer
esquecer do que ela te fez sentir. Do quanto você gostou de fodê-la.
Seu peito subiu e desceu com as respirações pesadas, as narinas se dilataram diante de mim
conforme o ar entre nós parecia se tornar muito mais escasso, denso, carregado de uma tensão que
era nova, mas muito bem-vinda. Os olhos castanhos de Maverick estavam presos aos meus,
cintilando com um fogo que vagava entre irritação e algo muito mais intenso que isso. Algo que me
roubou o que ainda me restava de fôlego.

— Vai me torturar com isso? — indagou, rouco.

Acenei em negativa.
— Vou dar o que você quer, Maverick — esclareci. — Exatamente o
que você quer.

Dei as costas a ele e retornei à minha mesa de trabalho.


— Você não me tocará mais, se não me pedir por isso. Então basta
não pedir. Eu não vou insistir, nem forçar você a nada. Não se preocupe. —
Expirei profundamente, me dando conta de que estava irritada com ele.
Então tomei fôlego e concluí: — Longe de mim tentar um homem de trinta
anos até fazê-lo implorar pelo que quer.
Ele grunhiu.

— Mas que porra, Liz…

— Você já pode ir, Maverick — avisei. — Eu ainda tenho trabalho a


fazer.

Não tentei compreender seus resmungos enquanto saía, mas senti


meus lábios se curvarem quando ele foi embora. Sinceramente, nem eu
acreditava que estava sorrindo. Que via algum humor distorcido ali, unido à
irritação. Que havia contornado a situação daquela maneira, em vez de me
encolher e sofrer pela decisão de Maverick.
A resolução estava muito clara na minha mente: eu não o deixaria
passar uma borracha naquela noite, no entanto, após ouvir tudo o que ele
disse, decidi que também precisava entendê-lo, descobrir por que ele estava
tão convicto de que eu queria e merecia algo que ele não era capaz de me
dar. Tinha a ver apenas com o fato de ele não querer um relacionamento?
De eu ser irmã de um dos seus melhores amigos? De ele ainda não saber
lidar com seu desejo por mim?

Suspirei, deixando meu peso recair sobre a cadeira de trabalho.

Eu não sabia o que descobriria, talvez conseguisse só me magoar ao


entender Maverick e reconhecer que ele não sentia nada além de desejo, e
até mesmo se percebesse que ele não teria problemas em simplesmente
ignorar aquela tensão sexual entre nós, mas eu estava disposta a isso. A
tentar. A fazer essas descobertas.
Nem que fosse para aprender a não querer mais nada dele.
OITO

Eu espero que continue lembrando da minha boceta… que continue


de pau duro só de pensar nela… e que nenhuma outra seja capaz de te
fazer esquecer do que ela te fez sentir. Do quanto você gostou de fodê-la.
Foi uma maldição.
A droga daquelas palavras de Elizabeth foram uma maldição que
ainda reverberava em minha mente dois dias depois que a deixei em seu
apartamento. Essa era a única certeza que eu tinha ali, no escritório
principal do Clube Oásis, na reunião com meus melhores amigos e a
designer de interiores que acabara de concluir a apresentação do último
projeto que havia feito para nós.
Sob a mesa em que estávamos os quatro sentados, ela tinha um pé
atrevido se esfregando nas minhas pernas e, volta e meia, ele era trocado
por uma de suas mãos, que apertava minha coxa e meu pau sobre a calça.
Numa carícia que adorava fazer desde que nos envolvemos há alguns
meses, antes de ela começar a prestar serviços para o Clube. A diferença era
que agora ela decidira tornar aquele contato mais ousado, fazendo-o em
público. Quase dois meses desde a última vez que havíamos transado.

Eu desconfiava de que Bruce e Blake, sentados à minha frente, já


haviam notado isso, mas o motivo para eu ter afastado a mão de Samantha
não era esse ou o fato de meu pau decidir que não responderia à
masturbação inocente que ela oferecia. Era o fato de Liz estar na porra da
minha mente nesse momento, repetindo aquela maldição e me lembrando
que não fora apenas sua boceta ou sua boca a não sair da minha cabeça nos
últimos dias.

Ela inteira havia consumido cada pensamento meu naquele meio-


tempo, ela e aquele ar provocador, ela e suas perguntas desafiadoras e
espertinhas, ela e sua postura decidida, segura, seu sorriso atrevido e mãos
ávidas.

O que aquela ninfeta tinha feito comigo, porra?


— Então creio que podemos encerrar por aqui — Bruce informou à
Samantha, que já se levantava organizando suas pastas e guardando seu
notebook.

Mantive-me em silêncio e me ergui apenas para me despedir com


um aperto de mãos, como o que ela trocava com meus amigos. Não retribuí
o sorriso malicioso que me deu antes de sair. Quando a porta foi fechada às
suas costas, Blake iniciou:

— Achei que tivessem parado de se ver.


Ele seguiu para o balcão com bebidas e vinhos que possuíamos ali e
se serviu de uma dose, enquanto me acomodei no sofá à esquerda da mesa
em que tínhamos estado.

— E paramos — concordei. — Eu não ia misturar trabalho e prazer.


Não faço essa merda.

— Mas agora que ela está encerrando os trabalhos conosco, parece


estar disposta a reatar o casinho de vocês — Bruce concluiu, me encarando
com olhos estreitados, quase acusadores.

Abri um sorriso sarcástico só para irritá-lo.

— O que posso fazer, se sou tão irresistível?

— Por que pareceu tão incomodado então? — Blake indagou, seus


olhos de águia atentos a mim, lendo-me sem se importar em disfarçar que
perscrutava mais do que respostas.

— Eu não misturo trabalho e prazer, já falei — insisti, mesmo


duvidando que engoliriam essa merda. Ou o sorrisinho afetado que eu dava.

Blake içou uma sobrancelha grossa, sem deixar de me observar,


ainda nitidamente desconfiado, então tomou o que restava de sua bebida no
copo e o descartou no aparador.
— Eu preciso ir. Tenho uma audiência em uma hora — avisou, por
fim. — Te envio um resumo dos relatórios e a gravação da reunião que tive
com o gerente financeiro do clube.
Acenei em concordância, grato por Blake estar sempre disposto a
facilitar minha vida. Em poucos segundos, ele pegou sua pasta.

— Não se esqueçam de cumprimentar o sheik que alugou a sala de


conferências hoje — lembrou, ao que Bruce e eu respondemos com apenas
um aceno antes de ele sair do escritório. Logo havia apenas um par de olhos
azuis parecendo procurar uma forma de penetrar meus pensamentos.
No entanto, Bruce não tinha paciência nem disposição para jogos,
por isso foi direto ao ponto:

— Conseguiu conversar com Elizabeth?


Óbvio que falaria sobre ela.

— Sim — decidi ser sincero. Acabei me erguendo para me servir


uma dose de bebida também.

— E então?

Sorvi um gole longo de rum e acabei me servindo de outra dose


maior ainda antes de retornar ao sofá, sob o seu olhar atento.
— Eu disse a ela que cometemos um erro e que ele não pode se
repetir. — Dei de ombros, encarando o líquido encorpado, girando-o no
copo lentamente.

— Um erro? — ecoou, o tom de escárnio me fez erguer os olhos


para encontrar os seus entrecerrados, cheios de incredulidade.

— Um erro — repeti.
— Um erro que não pode se repetir mesmo que você queira,
presumo.

Não neguei.

E, contra minha vontade, a voz de Elizabeth voltou a avultar minha


mente:
Não deveria estar tentando nos convencer de que cometemos um
erro. Deveria estar me perguntando há quanto tempo eu quero você, há
quanto tempo você me quer…

Faça as perguntas certas para mim e para você…

— Eu quero a Liz — assumi em voz alta pela primeira vez desde


que ela me forçou a pensar sobre essa merda. — Quero muito, de um jeito
que não entendo nem sei quanto tempo vai durar. E não acho justo arriscar
nossa amizade e minha irmandade com Liam por algo que pode evaporar
tão rápido e inexplicavelmente quanto surgiu. Não é justo dar esperança à
Liz também. Não quero machucá-la.

Minhas palavras deixaram Bruce em silêncio.

Não disposto a permitir que aquele clima pesado continuasse por


muito mais tempo, forcei um sorriso e soltei, com ironia:

— Além disso, o que eu poderia oferecer à Liz, hein? Alguns


orgasmos, distanciamento emocional e a certeza de que não teremos um
futuro?
Um gosto amargo encheu minha boca ao concluir aquelas malditas
palavras. A verdade tinha um sabor acre.

Bruce pressionou os lábios, sério e atento demais ao sorriso afetado


que eu ainda ostentava.
— Mulheres como a Liz querem mais do que isso e deveriam se
envolver com homens que querem o mesmo. — Voltei a me erguer e
depositar o copo vazio sobre o aparador. — Há um motivo para eu me
envolver com mulheres como Samantha: elas querem o mesmo que eu.
Os minutos de silêncio que se passaram me deram a esperança de
que Bruce pararia de insistir nesse assunto, mas ele não o fez.

— Então o que sente é só desejo? Tesão?


Um riso debochado me escapou.

— E o que mais poderia ser, Bruce? Já é difícil o bastante


reconhecer que eu desejei aquela garota a ponto de tomar sua virgindade,
não tenta foder ainda mais com a minha cabeça, porra.
Comecei a percorrer o escritório extenso, agora inquieto demais
para permanecer sentado.

— Elizabeth era virgem? — ele perguntou, a voz baixa como se


nem soubesse o que fazer com aquela palavra em sua língua.

Não respondi e acho que minha agitação ficou muito mais nítida a
partir daqui.

Bruce suspirou.
— Então você tirou a virgindade da irmã do seu amigo e quer
acreditar que fez isso só porque estava com tesão? E está tentando se
convencer disso mesmo quando sabia exatamente tudo o que estava em
jogo ao transar com ela?

Pressionei os lábios numa linha fina, tensa e irritada. A mão livre se


cerrando em punho. A mandíbula travada. O corpo rígido como o inferno.
Ainda assim, eu não disse nada. Estava ciente de que nenhuma resposta, por
mais elaborada que fosse, conseguiria refutar a colocação de Bruce.

Meu amigo se ergueu, não precisei encará-lo diretamente para saber


que arrumava seu terno caro.

— Eu lembrei de uma coisa nos últimos dias — ele voltou a falar,


mais perto agora. — Há cinco anos, você se embebedou na universidade e
me contou algo.

Franzi a testa.

— Disse que a Liz te beijou no dia da formatura dela. — Cerrei os


olhos ao ouvir aquilo, sem acreditar que tinha mesmo contado essa merda
ao Bruce. — E que você estava se odiando porque não conseguia parar de
pensar naquele beijo. Ela já tinha ido pra Harvard então eu pensei que você
só estava se sentindo culpado por não retribuir os sentimentos que ela
obviamente tinha por você. E deixei de lado.

Ele inspirou fundo, como se se preparasse para o que diria em


seguida. Sequer consegui forçar meus pulmões a trabalharem.

— Eu não estou dizendo que você se apaixonou por ela naquela


época e preferiu abafar isso aí dentro até esconder de si mesmo, viu? —
iniciou, mas a condescendência em seu tom me disse exatamente isso. —
Estou dizendo que o Maverick que eu conheço nunca transaria com a Liz só
porque estava com tesão.

Bruce soltou o ar num suspiro longo e profundo e eu só pude


imaginar quão difícil era para ele ter esse tipo de conversa. O cara não era o
mais propenso a falar de sentimentos ou qualquer merda desse tipo. Aquela
porra de situação não poderia ser mais desconfortável para nós dois.
— Acho que entendi uma coisa hoje que eu nunca imaginaria —
comentou, em algum momento do silêncio que ficou entre nós. Ergui meu
olhar até voltar a encará-lo. O canto da sua boca estava sutilmente curvado
no que poderia ser a sombra de um sorriso. — Você é cheio de crenças
limitantes sobre relacionamentos, irmão. Talvez sobre si mesmo. E eu
sempre achei que era só um puto com aversão a compromissos.

Icei uma sobrancelha, sua tentativa de quebrar aquele clima pesado


sendo recebida por mim com estranheza, porque normalmente esse era o
meu papel. Era uma droga perceber que eu estava sendo tão afetado por
toda a merda em minha vida que até Bruce — essa montanha de músculos
ranzinza e impaciente — estava sendo mais zombeteiro que eu.

Uma de suas mãos apertou meu ombro, os olhos cravados em mim,


atentos ao meu semblante, transmitindo o tipo de seriedade que, eu tive
certeza, estaria presente em cada uma de suas próximas palavras.

— Espero que não demore a reconhecer que o que sente pela Liz
não é o mesmo que sente pelos seus casos de uma e cinco noites — iniciou.
— Que não precise perdê-la para perceber que, se quiser, pode sim oferecer
a ela mais do que orgasmos, distanciamento emocional e o quê mesmo?
Certeza de que não terão um futuro.

Ele riu.

Riu.

No entanto, de alguma forma, não me senti atingido, como se ele


desdenhasse das minhas palavras. Foi mais como se Bruce tentasse me
fazer enxergar o absurdo nelas. Ou vê-las com menos seriedade, não sei. O
problema era que eu sabia do que estava falando quando disse essas
palavras. Lembrava exatamente como um relacionamento podia destruir
uma pessoa e não seria aquele riso a tornar essa lembrança menos verdade.

Ele passou por mim e abriu a porta às minhas costas.

— Vamos logo falar com aquele sheik, quero dar esse dia por
encerrado e voltar pra minha mulher — avisou, por fim. Como o buldogue
babão que era por Emma.

Não discuti, apenas o segui em silêncio porque não queria retornar


àquele assunto. Uma parte de mim ficou grata por Bruce não tentar me
convencer a nada. Eu não lidava bem com essa porra. Com pressão. E ele já
tinha jogado muita merda sobre o meu colo naqueles poucos minutos de
conversa.

Conforme atravessávamos a área administrativa do Clube Oásis, ele


comentou sobre o administrador que estávamos procurando para o clube.
Tínhamos algumas entrevistas na próxima semana.
Chegamos ao terceiro andar e encontramos uma pequena
movimentação de pessoas deixando a sala de conferência que havíamos
alugado para o ricaço árabe. Eu tentei esconder, mas talvez ainda fosse
claro meu desinteresse em estar ali, em meio aos homens altos vestindo
ternos feitos sob medida e conversando em pelo menos três línguas
diferentes, que eu jamais conseguiria entender.

Bruce cumprimentou um deles no que desconfiei ser italiano e parei


ao seu lado, sorrindo e acenando como um idiota que apenas finge
compreender o que é dito e tenta não parecer estúpido, mal-educado ou
desinteressado, após meu amigo nos apresentar. Minha inabilidade
cognitiva para idiomas era uma droga em momentos como esse. E estar à
frente de um império de hotelaria e turismo tornava a porra desses
momentos mais comuns do que eu gostaria.

Meus olhos já percorriam os rostos desconhecidos que ainda


deixavam a sala de conferência quando uma risada alta, expansiva e
contagiante se sobressaiu a todos os burburinhos naquele corredor. Meu
pescoço girou abruptamente num ângulo de trinta graus, em direção àquele
som único, que sempre causava a porra de um rebuliço em meu peito. E
dessa vez não foi diferente.

A uns três metros, de costas para mim, com longos cabelos


castanho-escuros sendo desarmados de um coque-banana alto, estava a
razão da minha insônia. A dona do rosto que dominava a minha mente noite
e dia. Da voz que me assombrava e torturava. Da boca que me deixava
louco e sem qualquer controle sobre mim mesmo quando estava aberta e me
dando respostas rápidas e espertinhas ou quando estava presa à minha, sob
meu domínio, gemendo e sussurrando meu nome.

Por alguma porra de motivo, Elizabeth estava bem ali, rindo e


conversando em outra língua com um asiático qualquer. Ela vestia um
terninho preto e discreto que escondia todas as curvas que só eu conhecia,
mas que não era suficiente para ofuscar sua beleza. Ou garantir que o filho
da puta ao seu lado, segurando um laptop, não ficasse muito atento à sua
bunda naquele momento.

Semicerrei os olhos para ele, a porra daquele olhar injetando uma


dose de raiva direto em minhas veias, enchendo meu peito com um fôlego
que parecia me queimar por dentro. Cerrei as mãos em punhos com força,
mas permaneci imóvel, talvez paralisado pelo sentimento desconhecido que
me acometia. Pela vontade irracional de arrancar os olhos daquele filho da
puta e fazê-lo engoli-los.
Entretanto, quando ele chamou a atenção de Liz, se inclinando sobre
ela para sussurrar algo em seu ouvido, um palavrão em forma de grunhido
foi proferido por mim, quase como se a rédea invisível que me continha
arrebentasse.

Avancei em direção aos dois em segundos, desviando de homens e


mulheres pelo corredor, cego para tudo que não fosse a mão do infeliz
apoiada ao ombro de Liz naquele momento. Nem o fato de ela se
desvencilhar do toque aparentando desconforto me parou. Eu estava a um
passo deles, prestes a alcançá-los e empurrar o desgraçado, quando
Elizabeth moveu seu rosto em minha direção. Quase como se sentisse
minha aproximação.

O sorriso congelou em seus lábios.

Mas então, logo em seguida, seus olhos travessos brilharam, como


sempre faziam quando me encontravam, e seu sorriso se expandiu, os lábios
pequenos, em formato de coração, se esticando daquele jeito que era só
meu. Porque a porra daquele sorriso, que aprofundava suas covinhas e
trazia curvas sutis aos cantos de seus lábios deliciosos, ele era só meu.

— Maverick — ela cumprimentou, então tentou conter o sorriso


pressionando e franzindo os lábios. Era uma mania que cultivava. Uma bem
fofa, a propósito.

— O que está fazendo aqui? — indaguei, meus olhos enviando


lâminas na direção do filho da puta que permanecia ao seu lado, atento a
nós. Era nítido que tentava descobrir a natureza da nossa relação.

— Um antigo professor me recomendou para ser intérprete de um


dos convidados da reunião. — Seus olhos alcançaram o homem que há
pouco sussurrava em seu ouvido. A quem ela deu um sorriso. A porra de
um sorriso.

Soltei o ar num bufar incrédulo, o que chamou a atenção de ambos


para mim.

— Maverick, este é o sr. Hopkins, assistente do bilionário que vim


auxiliar — apresentou e me forcei a aceitar a mão que o infeliz me ofereceu
em cumprimento. E a apertei com muito mais força do que deveria. Era a
maldita mão que ele usara para tocar Elizabeth. — Sr. Hopkins, este é
Maverick Bradshaw, um dos donos deste clube e…

Seus olhos castanhos se estreitaram sutilmente em minha direção,


brilhando com algo que não me passou despercebido, antes de ela concluir:

— Quase um irmão mais velho para mim.

Minha cabeça ricocheteou tão rápido em sua direção que eu duvido


que minha reação tenha passado despercebida a ela ou àquele filho da puta.

Irmão mais velho?

A porra de um irmão mais velho? Do tipo que a fez gemer e gritar


de prazer por uma madrugada inteira, era desse tipo de irmão mais velho
que estava falando?!

Eu estava prestes a repetir suas palavras, num tom de escarninho


que devolveria a porra da provocação que Elizabeth fazia, quando o tal
Hopkins, agora cheio do que parecia ser autoconfiança renovada, disse:

— Podemos ir então?

Ir para onde?
— Claro — Liz respondeu, voltando a encará-lo e a sorrir, então
seus olhos baixaram para a tela do celular, e ela digitou algo nele antes de
guardá-lo na bolsa que trazia em seu ombro.

— Vamos? — o filho da puta repetiu.

PARA ONDE?
— Para onde vão? — inquiri, sem me importar se soava invasivo ou
mal-educado.

— Tomar um drinque no bar do térreo — ela respondeu, sem se dar


o trabalho de me encarar —, mas não se preocupe, não vou beber o
suficiente para fazer nada inconsequente. De novo.
Liz abriu um sorrisinho maldito e provocador. Um que me lembrou
de que eu havia lhe dito essas palavras na manhã em que acordei com ela
montada em mim.

— Nos vemos depois, Maverick — foi o que disse, em despedida,


enquanto saía com o filho da puta.

— Vou aguardar para levar você para casa — informei, alto o


bastante para chamar a atenção de todos no corredor, inclusive Bruce. E
para deixar o filho da puta do seu acompanhante avisado de que não sairia
dali com ela.

— Não precisa — Liz respondeu, me encarando por cima do ombro,


dando um tchauzinho com uma das mãos. Aquele sorrisinho inabalável de
quem sabia que havia conseguido o que queria.
Ninfeta maldita.

Mesmo consciente de que estava lhe dando exatamente o que queria,


meu tom inflexível ainda cortou o ar entre nós, porque o que importava era
enviar um aviso para o filho da puta que tinha problemas para controlar
aquelas mãos e olhos fodidos:
— Eu insisto.
NOVE

— Para onde está indo, Bradshaw?! — Bruce perguntou às minhas


costas, a alguns metros de distância. Ele havia ficado sem entender minha
pressa para deixar aquele corredor depois de cumprimentarmos o tal sheik,
e eu não me dei o trabalho de explicar porra nenhuma também, focado
demais em encontrar Elizabeth.
Quando parei no alto do mezanino, meus olhos percorreram o
ambiente luxuoso do restaurante integrado ao bar que tínhamos no Clube
Oásis, metros abaixo de onde eu estava. Varri o espaço praticamente todo
em segundos, em busca de um terninho preto sem graça e dos cabelos
castanho-escuros longos que minhas mãos coçavam para agarrar de novo,
com força. Exatamente como tinha feito enquanto me enterrava na dona
deles há uma semana.
Estava louco para agarrá-los de novo, como punição por dizer
àquele idiota que eu era como um irmão.

Irmão…

A droga de um irmão.

Eu nunca conseguiria engolir essa merda.

— Que porra você está fazendo?! — meu melhor amigo indagou,


parando ao meu lado. — E o que Elizabeth estava fazendo aqui? Achei que
Liam a tinha proibido de entrar no clube.

Não o respondi. Meus olhos finalmente alcançaram Elizabeth


sentada numa cadeira alta do balcão do bar, com aquele engravatado filho
da puta ao seu lado, ambos tomando bebidas e conversando como velhos
amigos.
Apertei minhas mãos em punhos, com um desejo quase
incontrolável de apresentá-los ao rosto barbudo de nariz torto que o infeliz
tinha.

— Aquela é Elizabeth? — Bruce continuou falando sozinho ao meu


lado, certamente havia seguido meu olhar. — Quem é o cara ao lado dela?
Tudo o que emiti foi um rosnado ininteligível, sem qualquer
interesse em explicar essa merda, manter um diálogo, ou mesmo encarar
meu melhor amigo.
— O que foi isso? Já está rosnando, irmão?

— Será que você pode ficar quieto, porra?! — grunhi, fazendo meu
melhor para não chamar atenção indesejada.
Meus olhos se estreitaram para os pombinhos na droga do bar de
novo, agora rindo juntos enquanto tudo o que eu tentava fazer era entender
o que diziam, mesmo com os mais de dez metros que nos distanciavam.
Uns resmungos bem miseráveis deixaram meus lábios enquanto aquela
coisa queimando em meu peito parecia consumir mais do que meu controle.
E isso foi agravado por Bruce, que achou uma ótima ideia começar a rir ao
meu lado, de mim.

Filho da puta.

Ele nem era de rir, mas estava ali, praticamente gargalhando com a
porra daqueles dentes brancos de fora, como eu nunca tinha visto.

— Há meia hora você estava dizendo que foi um erro transar com
ela.
— E foi — repeti.

— O que está fazendo aqui, então?

Estreitei os olhos.

— Cuidando da irmã do meu amigo, exatamente como ele pediu.

O infeliz gargalhou, e eu precisei reunir uma força de vontade quase


hercúlea para não o empurrar para longe antes que chamasse atenção
suficiente para Liz e aquele desgraçado nos virem aqui.

— Uhum, sei.

— Vá se ferrar — mandei.

Ele riu novamente e ainda estava rindo quando provocou:

— Como é bom estar desse lado da história.

Grunhi.

— Como é bom ver você se mordendo de ciúmes depois de ter me


deixado louco pensando que estava interessado na Emma.
— Ciúmes? — ecoei, com um bufo de desdém. — Porra nenhuma!

— Ciúmes, irmão — insistiu. — Essa coisa ardendo aí dentro, que


te faz querer socar aquele filho da puta e rosnar pra qualquer idiota que se
aproximar da sua mulher.

Sua mulher…
— Elizabeth não é minha mulher.

Ele riu baixinho, dando alguns tapas amigáveis nas minhas costas.

— Exatamente. Ela não é sua porque você é um idiota que prefere


acreditar que não quer isso.

Bufei de novo, revirando os olhos e desviando a atenção para


observar Liz, bem a tempo de ver aquele infeliz afastando uma mecha longa
de cabelo dela e se inclinando perigosamente sobre ela, como se achasse
que tinha o direito de respirar o mesmo ar que ela ou… porra, ou beijá-la.
Agarrei o corrimão com força, ambas as mãos o envolvendo como
se o fizessem com o pescoço daquele desgraçado. A gana de matá-lo me
subindo à cabeça com tanta intensidade que passei a enxergar vermelho.

Bruce foi quem segurou meu braço e me impediu quando tentei sair
dali para descer até onde os dois estavam.

— Não, irmão — alertou. — Se não quer dar esperanças a ela, não


vai fazer uma cena de ciúmes.
Foi como levar um soco. Um bem dado. Daqueles que te forçam a
acordar para a vida.

Estaquei ali, de costas para o bar, respiração pesada, o peito se


apertando enquanto o coração parecia querer fugir por entre as costelas.
Precisei de segundos para reconhecer a merda que estava fazendo, para me
dar conta de como pioraria tudo se fosse atrás de Liz naquele momento, se
socasse aquele filho da puta e a arrancasse de perto dele.
Ela não precisava que eu a confundisse ainda mais indo atrás dela
daquele jeito. Essa seria a pior receita para um desastre.

— Ele a beijou? — indaguei, baixo, num som quase gutural.

Bruce hesitou por alguns segundos, percebi quando direcionou sua


atenção para onde Elizabeth estava. Cheguei a fechar os olhos, como se
pudesse diminuir o impacto de um “sim”, porque eu não conseguiria olhar
para lá e ver Liz beijando aquele desgraçado. Não sem ir até lá para quebrar
uns dentes dele aos socos.

— Não — foi a resposta que recebi.


Soltei o ar devagar, tomando instantes a mais para conseguir
absorver isso e decidir o que faria.

— Fale com algum dos seguranças para que fique de olho nela e me
avise quando ela se preparar para ir embora — pedi, desvencilhando-me do
seu agarre. — Vou voltar para o escritório.

— Bradshaw — Bruce ainda tentou, mas comecei a me afastar, sem


encará-lo.

— Só faça isso por mim, irmão.


Não lhe dei tempo de dizer mais nada ou mesmo oportunidade para
me seguir. Só o deixei ali e segui para as escadas, de volta à área
administrativa do clube.

***

Pouco mais de duas horas se passaram enquanto eu apenas dei


voltas pelo escritório, inquieto demais para conseguir gastar energia com
algo além de me forçar a permanecer ali. A imagem de Elizabeth com
aquele filho da puta me atormentando como uma maldita punição por tê-la
tocado, como se não fosse suficiente saber que eu podia ferrar para sempre
minha amizade com Liam e a relação que tinha com Liz.

Para completar, havia as palavras de Bruce, que ainda pareciam


ecoar nesse escritório.
…você se apaixonou por ela naquela época e preferiu abafar isso aí
dentro até esconder de si mesmo…

E eu não queria deixar aquelas palavras se enraizarem em mim, mas,


apesar da minha vontade, eu já estava há uma hora me perguntando se
Bruce estava certo.
Recebi mensagens de Samantha, que ignorei, exatamente como
estava fazendo com meu clube de fodas. Seis mulheres sendo ignoradas por
causa de uma que eu não podia mais ter.
Que porra, viu?

Que porra estar quase enlouquecendo de vontade de voltar àquele


bar. Que porra continuar querendo aquela garota mesmo consciente de que
não podia. Que porra que ela consumisse a minha mente a ponto de eu só
precisar fechar os olhos para ver seu rosto, sentir seu cheiro, calor e a
maciez daquele seu corpo perfeito.
Que porra que eu fosse esse pervertido de merda que continuava
fantasiando com quem nunca deveria nem sonhar em tocar.

Uma chamada em meu telefone me fez tirá-lo do bolso.

Sophia.

Ótimo, tudo o que eu precisava era daquela mexicana desbocada me


xingando por ter transado com sua melhor amiga.

— Sophia — cumprimentei, escorando-me na mesa de madeira do


escritório em que estava.

— Maverick, preciso que venha ao bar do Clube Oásis — informou


e suas palavras foram suficientes para me deixar em alerta.

— O que houve? A Liz está bem? — perguntei, já me apressando


para fora dali.
— Bem bêbada — ela resmungou, abafando um riso. — Precisamos
de carona. Não demore.

E desligou.
Simplesmente.
Encarei o telefone por um instante, um vinco se aprofundando em
minha testa, mas então um sorriso pequeno curvou meus lábios. A
praticidade de Sophia ainda me surpreendia às vezes, mas o que era bom
mesmo era saber que ela estava com Liz, isso significava que o filho da
puta já não estava lá.

Desta vez, peguei o elevador para descer até o bar do clube e não
demorei a avistar as duas amigas. Elas estavam acomodadas em um dos
bancos estofados, com a cabeça de Liz apoiada à mesa enquanto ela girava
um copo vazio e Sophia acariciava seus cabelos, estava sentada de costas
para mim.

Diminuí o ritmo das minhas passadas, me dando algum tempo para


observar Liz e entender o que havia acontecido para ela se embebedar. Eu
só lembrava de tê-la visto assim uma vez, depois de terminar com o babaca
do seu ex.

Na mesa em que estavam, as duas conversavam, protegidas pelo


burburinho de conversas e pelo tilintar de copos no entorno.
Eu já estava bem perto quando consegui discernir a voz de Liz em
meio aos ruídos do bar.

— Você devia ter me falado que seria assim, amiga — ela dizia,
fungando baixinho, de um jeito que me deixou com o cenho franzido,
preocupado. Se aquele filho da puta tinha tentado forçá-la de alguma
maneira, eu ia… —, que depois de transar uma vez, a gente começa a sentir
falta.
Quê?
— Amiga — Sophia tentou chamar a atenção de Liz, se inclinando
para aproximar seus rostos —, é pra isso que você tem aqueles vibradores,
eles…

Vibradores?

A Liz tinha vibradores?


Vibradores, no plural?!

— N-Não, amigaaa! — Liz a interrompeu, numa voz grogue e


chorosa. — Eles não funcionam mais como antes… — Ela soluçou, então
pressionou a testa no tampo da mesa, parecia estar prestes a chorar mesmo.
A voz saiu abafada quando concluiu, num sussurro que só ouvi porque já
estava parado às costas de Sophia: — Nem meus dedos.

A mexicana riu e eu queria ter tido essa reação, queria mesmo, mas
tudo o que fui capaz de fazer foi imaginar Elizabeth se tocando… gemendo
baixinho, sozinha. Gozando com a porra de um vibrador. Tocando aqueles
peitos gostosos que ela tinha… Puxando os piercings delicados nos
mamilos para instigar um pouco de dor em meio ao prazer.

Caralho, por que eu estava pensando nisso?!

A imagem nítida em minha mente me deixou tonto, salivando com


seu gosto em minha boca de novo, a mera lembrança dele voltando a me
torturar e deixar de pau duro num bar lotado.

Mas que porra!


Passei as mãos pelos cabelos, quase não resistindo a fazer mais do
que os desgrenhar. A vontade era de puxá-los com força para tentar incitar
algum juízo nessa mente traiçoeira que eu tinha.
— Você vai conseguir encontrar um jeito de lidar com isso —
Sophia respondeu, voltando a acariciar o rosto da amiga. — Agora dorme
um pouquinho. Já liguei pra nossa carona.

— Vamos no shopping amanhã? — Liz a chamou, os olhos ainda


fechados, a voz cada vez mais enrolada, saindo de um jeito estranho. —
Quero me mimar um pouquinho… Com a grana do trabalho de ho-hoje,
acho que consigo comprar a-aquela lingerie da Victoria’s Secret, né? O que
você a-acha?

— Acho que esse seu vício por lingerie cara ainda vai te levar à
falência.
Liz gemeu baixinho.

— Eu te contei que aquele idiota rasgou minha calcinha nova? —


Então ela voltou a choramingar sobre a mesa. — Foi tão cara, amiga!
Sophia gargalhou, parecendo se divertir muito com a versão bêbada
de Liz enquanto eu estava apenas paralisado naquela porra de corredor,
incapaz de digerir aquelas palavras ou entender por que diabos eu estava me
torturando ouvindo Elizabeth falar das suas lingeries.

— Você não se importou muito com isso até agora — a mexicana


respondeu. — Maverick é tipo bilionário. Mande ele pagar a droga da
calcinha que rasgou.

Mas Liz não respondeu desta vez, não com palavras, ao menos.
Apenas resmungou o que pareceu ser um insulto a mim e bocejou.

Soltei o ar devagar, deslizando para o banco às costas de Sophia,


apenas para me dar alguns minutos para registrar toda aquela maldita
conversa e apagar da minha mente as lingeries e vibradores de Elizabeth, ao
menos por minutos suficientes para eu livrar meu pau de todo aquele
sangue que me deixava duro.

Eu estava tão ferrado, porra. Tão, tão ferrado com aquela garota.
DEZ

O vento frio tocando minha pele me fez encolher contra uma parede
sólida e quente, atraída pelo calor que ela emanava.

Estremeci de susto com o barulho de uma porta se fechando e lutei


para abrir minhas pálpebras pesadas, mas foi em vão. Eu me sentia mole e
fraca, não tinha forças para isso no momento.
— Estamos chegando — uma voz grave avisou, num sussurro cálido
direto no meu ouvido, como se não quisesse me assustar ou acordar.

Demorei a perceber que estava acomodada a um peito duro e


retumbante, que eram braços fortes me envolvendo e mantendo bem
aconchegada àquele corpo. Minha mente alcoolizada, sonolenta, dificultava
as tentativas de compreender o que acontecia e onde eu estava, mas o
perfume que eu sentia me deu pistas. Aquela mistura amadeirada e cítrica,
com notas intensas de hortelã. O cheiro que eu adorava e havia amado ter
impregnado em mim.

Era Maverick ali, me carregando para onde quer que fosse. Perceber
isso foi suficiente para eu relaxar. Para me sentir segura.

Lutei contra meus membros pesados para erguer um braço e enlaçar


sua nuca, assim consegui acomodar meu rosto ao seu pescoço, de modo que
pudesse saciar a viciada que existia em mim quando se tratava de Maverick
e aquela essência deliciosa que desprendia de sua pele e roupas.

— Por que você tem que ter um cheiro tão bom, hein? — perguntei,
minha língua enrolando de um jeito estranho, a voz saindo rouca demais,
irreconhecível. Por quanto tempo eu tinha dormido? Por que ainda me
sentia tão cansada?

Senti seu peito vibrar com um riso baixo, que me pegou


inesperadamente. Acabei sorrindo também, fazia tanto tempo que não ouvia
Maverick rir. E eu adorava sua risada.

— Adora minha risada, é? — ele sussurrou, e eu poderia jurar que


senti o sorriso em sua voz enquanto seu hálito quente arrepiava minha nuca.
Espera, ele leu meus pensamentos? — Mesmo que ela pareça a gargalhada
maligna de um vilão da Disney?
Acho que demorei mais do que deveria para compreendê-lo, mas ri
baixinho quando o fiz, o som sendo abafado pelo seu peito.

— Vilão da Disney? — ecoei, até tentei fazer uma associação


mental com algum filme, mas não consegui. Minha mente não foi tão longe.
Estava lenta e lânguida demais. — Não, eu só… você ri de um jeito que me
faz querer rir, q-que enche meu peito com uma sensação boa… muito boa,
sabe? É… — inspirei fundo, em busca das palavras, mas parecia tão difícil
alcançá-las agora —… é espontânea… isso, sua risada é espontânea… e
profunda… e genuína. Eu gosto, Maverick. Gosto muito.

Ele não respondeu. Não ouvi uma resposta ao menos.

O barulho incômodo de um portão de ferro se abrindo arranhou em


meus tímpanos. Gemi incomodada e voltei a afundar meu rosto em seu
peito, como se nele eu pudesse me proteger da realidade.

— Cadê a Sophs? — balbuciei quando ele voltou a caminhar. Eu


lembrava vagamente de ter mandado uma mensagem pedindo para ela me
ajudar a me livrar do sr. Hopkins. E depois, de a gente ter ficado
conversando no bar.

— Ela teve que cobrir alguém no abrigo noturno da ONG que vocês
ajudam — Maverick avisou. — Eu a deixei lá antes de te trazer para o seu
prédio. Já vamos chegar ao seu apartamento.

Sorri ao imaginar minha amiga me confiando a um homem assim.

— A Sophs te ameaçou?

Maverick riu, desta vez mais alto, e eu realmente consegui entender


a coisa da risada maligna de vilão da Disney. Acabei sorrindo também.
— Ameaçou meu pau e a integridade das minhas bolas — foi sua
resposta, que apenas me fez abrir um sorriso ainda maior. — Duvido que
teria me dado a responsabilidade sobre você se tivesse outra opção.
Sophs criticava Liam, mas era bem parecida com ele nesse sentido.
Sempre com o pé atrás quando o assunto era homens.

Com um esforço digno de aplausos, abri os olhos, e mesmo com a


visão embaçada, aos poucos, consegui reconhecer o hall de entrada do meu
prédio. Meu estômago revirou quando Maverick começou a subir o
primeiro lance de escadas. Voltei a me encolher em seus braços e pressionar
o rosto ao seu peito, para inspirar seu cheiro e me livrar do mal-estar que
me tomou. Minhas pálpebras voltaram a pesar.

— Por que se embebedou, Liz? — Maverick indagou, entre os


degraus até o primeiro andar do prédio.

— Eu n-não estou bêbada — garanti, meio grogue. Acho que estava


bêbada, sim, mas ele não precisava saber, não é? — Estou levemente
embriagada.
Seu peito voltou a se mover com um riso baixinho. Sorri.

Meu Deus, como era bom ouvir esse homem rindo.

— E por que você está levemente embriagada? Na última vez que te


vi assim você estava na fossa por causa do filho da puta do seu ex.

Foi a minha vez de rir, com desdém.


— Nunca fiquei na fossa por causa do Dean — informei. — Eu
fiquei puta, isso sim. Eu nem gostava daquele desgraçado e consegui ficar
semanas com ele sem o trair, ainda assim ele foi lá e me chifrou.
Maverick não respondeu, não se você não considerar um grunhido
uma resposta. Então ele me apertou em seus braços, exatamente como fez
quando achou que precisava me consolar após Liam me contar que Dean
estava me traindo.

Ele tomou algumas respirações profundas e logo iniciou o segundo


lance de escadas do prédio. O movimento contínuo de subida nos degraus
fez uma queimação insuportável iniciar em meu estômago.

— Você ainda não me disse por que bebeu — lembrou.


Uma pontada de dor atingiu meu coração em cheio.

— Hoje é aniversário da mamãe e ela não me atendeu, nem


respondeu minhas mensagens — contei. Minha voz saiu tão baixa e rouca
que duvido que eu tenha sido capaz de disfarçar a tristeza que havia nela.
Minha relação com mamãe nunca foi das melhores, mas os meses de
tratamento de silêncio começavam a me machucar de verdade.
— Vou falar com ela — ofereceu. Novamente. Porque parecia que
acreditava de verdade que precisava resolver minha situação com minha
mãe. E ele já tinha tentado fazê-lo há alguns meses.

— Não, não vai. Quando ela estiver pronta, vai me perdoar.

— Ela não precisa te perdoar porra nenhuma, você não tinha que
seguir a vontade dela, Liz. Você está vivendo a sua vida e não precisa da
permissão dela para tomar decisões. — Seu lembrete incisivo me fez
menear a cabeça em negativa e ainda senti-la pesada. Eu não queria falar
sobre isso agora. A mera lembrança de mamãe já começava a desencadear
uma dor de cabeça.

Minha falta de respostas o fez bufar, irritado.


Voltei a inspirar seu cheiro, desta vez em busca de conforto.
Devagar, deslizei meus dedos por sua nuca até o couro cabeludo, e comecei
a massagear os fios sedosos, com movimentos cadenciados, esperava
conseguir acalmá-lo também.
Eu sabia como Maverick ficava sobre minha situação com mamãe.
Estava sempre disposto a me defender, a defender minha liberdade de tomar
decisões, de fazer escolhas, e ele as respeitava mesmo quando elas me
traziam para um bairro perigoso para morar num prédio de seis andares sem
elevador, porque isso era o que eu conseguiria pagar sozinha com meu
trabalho. Em vez de me julgar e tentar me convencer a voltar para a
segurança da mansão da minha família, ele entendia minha necessidade de
sair de lá, de parar de tentar ser e fazer algo que não queria e apenas me
afastar, buscar meu caminho. Ele fazia o que estava ao seu alcance para me
manter segura aqui.

Como eu poderia não me apaixonar por esse homem de novo e de


novo ao longo desses anos?
— Você teve uma boa relação com sua mãe? — perguntei. Não
sabia nada sobre ela além do que Liam havia dito uma vez: Maverick nunca
falava sobre ela. Com ninguém. Não sei por que de repente me pareceu uma
ótima ideia trazê-la para uma conversa, mas me arrependi no instante em
que ele parou abruptamente no meio da escada. Cada músculo do seu corpo
tensionando contra mim. O modo como interrompeu sua respiração e seu
coração pulsou ainda mais forte me fez deslizar a mão livre sobre seu peito,
afagando-o porque alguma parte tola de mim acreditou que precisava
atenuar o que quer que ele sentisse ali.

Entretanto, Maverick logo se recuperou e retomou a subida nas


escadas. Seu silêncio trouxe um aperto desconfortável ao meu peito.
Demorou, mas, em algum momento, ele me segurou um pouco mais forte
em seus braços e disse:

— Sim.

Expirei lentamente ao ouvi-lo. O seu tom não me deu pistas sobre o


que estava sentindo, e eu também não soube o que pensar, então me limitei
a respeitar sua vontade de não falar sobre esse assunto e apenas voltei a
acariciar seus cabelos.

Senti-me aliviada quando percebi a tensão se esvaindo devagar de


seu corpo, sob meu toque carinhoso.

Cometi o erro de abrir os olhos para descobrir em que andar


estávamos e tudo o que vi foi as paredes ondulando e o mundo girando.
Minha cabeça atingiu seu peito forte, pesada demais para eu sustentá-la
sozinha. Meu estômago revirou.

Foi uma péssima ideia beber todos aqueles drinques coloridinhos


com guarda-chuvas e pedaços de fruta.

Merda.
— Maverick?

— Sim?

— Acho que vou vomitar — avisei, trazendo uma mão à boca, o


gosto da bile ardendo em minha garganta.

— Aguente só mais um pouco — pediu e fechei os olhos. Tentei me


concentrar no seu cheiro, inspirei profundamente em seu pescoço, não parei
mesmo quando meus lábios roçaram sua pele e me tornei consciente dos
arrepios que a atravessavam. — Por que você tinha que morar no quarto
andar de um prédio sem elevador, porra?!
A nota de desespero em sua voz ainda conseguiu me fazer sorrir,
mas meu estômago voltou a revirar e precisei segurá-lo, como se assim
pudesse manter dentro dele o que ameaçava voltar para ser despejado pela
minha boca.

Droga.

Minha cabeça pesou ainda mais e abrir os olhos já não parecia mais
uma opção. O gosto ácido e corrosivo da bile queimou em minha língua e o
esforço para segurar o conteúdo do meu estômago se tornou ainda maior.
Por sorte, Maverick não demorou a alcançar o meu andar. Paramos
por alguns instantes enquanto ele parecia buscar minha chave na bolsa que
estava sobre meu colo. Não faço ideia de como ele conseguiu fazer isso sem
me soltar, mas logo a porta foi aberta e entramos.

Em segundos, ele alcançou meu banheiro e me colocou no chão


diante do vaso. Enquanto eu vomitava, suas mãos seguravam meus cabelos
com cuidado. Não tive nem tempo de me envergonhar por estar nessa
situação logo com Maverick.

Quando terminei, ele afagou minhas costas, fazendo círculos que, de


alguma forma, me ajudaram a sentir melhor.

— Tudo bem? — indagou, baixinho, ainda de cócoras ao meu lado,


e tudo o que consegui fazer foi acenar, ofegante. Me sentia exausta.

Com uma habilidade invejável, Maverick prendeu meus cabelos em


um coque e me ergueu com cuidado, sustentando-me de pé enquanto eu
escovava os dentes, ignorando nossas imagens no reflexo do espelho à
minha frente. Uma parte de mim, a que já estava sóbria o bastante para se
envergonhar, queria dizer para ele que eu podia fazer isso sozinha, que ele
podia sair, mas a outra, que estava física e mentalmente exausta e
estranhamente satisfeita por tê-lo ali, cuidando de mim, me impediu.

Logo eu estava de volta aos seus braços. Agora mais lúcida, de cara
limpa e boca também. Não o deixei se afastar nem depois que me colocou
sobre a cama. Mantive meus braços em volta da sua nuca, prendendo-o a
mim.

— Liz… — ele me chamou, baixinho, um pedido sutil para eu soltá-


lo, os lábios tão perto do meu ouvido que foi impossível não sentir um
tremor suave atravessar meu corpo. No entanto, eu não o soltei. Não o
deixei se afastar. E não me importei se ele cedeu porque continuou achando
que eu estava bêbada e sonolenta. Só não queria que ele fosse embora.
No momento que Maverick se deitou ao meu lado e me envolveu
com seus braços, nada além dele me importou.

Voltei a inspirar seu cheiro através do terno escuro e fechei os olhos.


Uma de suas mãos veio aos meus cabelos, para soltá-los daquele coque
improvisado e acariciá-los, deslizando os dedos pelas madeixas longas e
macias. Minha respiração foi se acalmando aos poucos, o coração seguindo
o ritmo tranquilo do seu.
Ainda assim, o cansaço não me venceu, o sono não veio.

Permaneci acordada, protegida pela escuridão do quarto e pelos


braços fortes daquele homem, embriagada pelo seu cheiro, sentindo o calor
do seu corpo. Satisfeita por tê-lo ali, comigo.

Segundos se transformaram em minutos, mas Maverick não se


moveu para se livrar de suas roupas certamente desconfortáveis, como as
minhas eram, ele apenas descartou os sapatos que usava e me puxou para
mais perto, de modo que o encaixe de nossos corpos se tornou ainda mais
perfeito. Seu polegar deslizou pela lateral do meu rosto, numa carícia leve e
ritmada.

O quarto estava escuro, eu sabia que sim, mas desconfiei de que


Maverick já havia se adaptado à escuridão quando comecei a sentir seu
olhar queimando em minha pele, como se estivesse atento a cada detalhe da
minha feição. Sua carícia se tornou mais lenta, delicada, quase uma
reverência.

— Será que você tem alguma ideia do quanto é incrível? — ele


sussurrou, tão rouco que foi impossível não reconhecer a emoção em sua
voz. — Do quão sortudo o filho da puta que tiver você vai ser?
Meu coração tropeçou como um tolo, se perdendo no único trabalho
que precisava fazer. Meus olhos começaram a arder também, mas fiz o meu
melhor para permanecer quieta, não queria afugentá-lo deixando-o saber
que eu continuava acordada.

Um beijo foi pressionado em minha testa, o calor dos seus lábios


permaneceu em minha pele por segundos que trouxeram um nó à minha
garganta. Maverick se moveu devagar e inspirou lenta e profundamente em
meus cabelos, tomando meu cheiro para si sem pressa, sem urgência, era
como se quisesse sorver de mim, lembrar de que eu estava em seus braços.
— Tá me matando, porra — confessou, dolorido. — Querer você
assim tá me matando.

Suas palavras preencheram o silêncio entre nós e ecoaram em meu


peito, mexendo com partes minhas que nenhum contato anterior entre nós
havia alcançado.
Eu devia permanecer quietinha, imóvel, para que ele continuasse
acreditando que eu já havia caído no sono de novo, mas não consegui. Em
vez disso, eu o envolvi e apertei em meus braços, afundei meu rosto em seu
peito, para também tragar seu cheiro para mim e mostrar que eu estava ali.
Que eu queria estar ali, em seus braços, com ele.

Em resposta, seu corpo enrijeceu. A certeza de que eu estava


acordada, de que havia ouvido suas palavras, finalmente o atingindo, o
paralisando.

Decidi não o pressionar fazendo qualquer pergunta ou quebrando


aquele silêncio. Não queria lhe dar motivos para se afastar, para acabar com
aquele momento entre nós. Talvez fosse uma conclusão precipitada, mas
uma parte de mim reconheceu que nada do que eu dissesse agora
conseguiria mudar a certeza que Maverick parecia nutrir de que não era o
homem certo para mim. Eu precisava entendê-lo antes de qualquer coisa.

Então, o que escolhi fazer foi levar uma de minhas mãos até sua
nuca e embrenhar meus dedos em seus cabelos grossos, voltando a acariciá-
los, esperando conseguir acalmá-lo de novo. Diminuir a rigidez da tensão
que tomava seu corpo.

Não sei quanto tempo levou até ele começar a relaxar, mas
desconfiei de que o cansaço e o sono que me acometiam também o
alcançaram. A última coisa que registrei antes de me deixar ser vencida foi
o braço de Maverick envolvendo minha cintura para me manter perto,
colada à estrutura sólida e forte do seu corpo perfeito.

E eu cedi, me permiti ficar colada a ele.

Não havia outro lugar em que quisesse estar.


ONZE

A porta larga e branca ainda estava adornada com uma guirlanda e


sinos pequeninos pendiam na maçaneta.

Nonna adorava o Natal e lembrar disso foi suficiente para atenuar


um pouco da pressão que oprimia meu peito nesse momento, na verdade,
desde que eu havia me despedido de Liz há uma hora e deixado seu
apartamento. Louco para ficar, mas com a mente carregada demais de tudo
o que havia acontecido e ouvido no dia anterior.

Toquei a campainha novamente e a melodia natalina soou mais uma


vez. Poucos segundos foram necessários para que passos se fizessem ouvir
do outro lado da porta. Então o barulho de chaves soou e logo ela foi aberta.

Um instante depois um pontinho cor-de-rosa estava bem à minha


frente.

— Bambino! — nonna emitiu, vindo até mim com uma rapidez que
contradizia sua idade e me apertando tão forte quanto conseguia. Voltei a
sorrir, meus pulmões se enchendo com um fôlego do qual eu sabia que
precisava, apenas por tê-la ali. Amava essa senhorinha mesmo que entre nós
não houvesse nenhum laço de sangue. E nem tinha a ver com o fato de ela
me tratar como o filho que nunca tivera, ela preenchia a vida de todos ao
seu redor com uma luz que ofuscava qualquer sombra de dor e
preocupação, além de ser protetora e cuidadosa como a figura materna que
escolhera ser para mim. — Como você está, hein?

Ela se afastou para conferir meu semblante, mesmo baixinha


demais, estendia o braço para o alto, até alcançar meu rosto e acariciá-lo.

— Parece cansado… venha, venha… pode entrar. Eu estava


sentindo que você viria hoje e comecei a preparar um dos seus pratos
preferidos. — Ela segurou minha mão e me puxou para dentro da sua casa.

Outro sorriso tomou meus lábios conforme eu a seguia e deixava


meu casaco no cabide destinado a ele. Logo estávamos em sua cozinha,
comigo sentado à mesa e com nonna se movendo de um lado a outro
enquanto eu apenas observava sua destreza e rapidez. A luva que usou para
retirar uma travessa do forno era cor-de-rosa, assim como a touca em sua
cabeça branquinha, o vestido e o avental. Elena adorava essa cor.

Desviei o olhar para a cozinha bem equipada, reconhecia cada canto


dela e, como sempre, me senti em casa ali. Aquelas paredes coloridas e
cheias de vida, tanto quanto o cheiro delicioso de amor em forma de
comida, me davam uma sensação de conforto que nenhum dos cômodos da
mansão da minha família me transmitia, especialmente agora que eu estava
sozinho lá.

Em poucos minutos, nonna se acomodou na cadeira à minha frente,


tomando minha mão entre as suas pequeninas e perscrutando meu rosto
com aquela preocupação maternal que lhe era característica.

— Como ele está? — indagou. Não precisava dizer o nome de papai


para eu saber que se referia a ele.

— Ele voltou a dormir e não sentirá mais dores, então… — Deixei


as palavras no ar. Nunca havia mentido para ela e não começaria agora,
dizendo que estava bem com aquela merda toda.
Nonna sabia que eu não gostava de falar sobre coisas ruins ou
difíceis para mim, mas tinha seu jeitinho próprio de fazer eu me abrir.
Bastava colocar esses olhos verdes brilhantes e doces sobre mim, afagar
minhas mãos e entrelaçá-las às suas, em sua maneira única de me lembrar
que estava comigo, que não esperava que eu fosse forte, que não me
julgaria nem forçaria a nada, porque estava aqui e sempre estaria disposta a
me ouvir se eu quisesse.

— Você sabe que eu estou sempre disponível para você, não é, meu
pequeno Maverick? — ela sussurrou. Seu pequeno Maverick sempre me
fazia rir, porque perto dela eu era tudo, menos pequeno. — Não importa se
você não é meu neto de verdade, meu querido, você é um filho para mim
desde que se mudou para Little Italy com dezesseis anos e começou a
aparecer no meu restaurante para comer todos os dias antes e depois da
escola.

Sorri, nostálgico, essa era uma lembrança doce. De quando eu havia


saído de casa e me escondido do meu avô por algumas semanas. Queria
independência, consegui uma avó postiça determinada a me mimar e
alimentar antes de me fazer ver que eu deveria entrar em acordo com meu
pai e avô sobre sair de casa.

— Eu sei, nonna — garanti, mais rouco do que gostaria.

— Amo você, viu?

Sorri, e não resisti a me inclinar em sua direção, para abraçá-la e


apertá-la só um pouco mais do que o normal, porque precisava mesmo
senti-la perto agora. Era bom tê-la assim. Reconhecer que seu amor e a
nossa relação nunca mudariam.
— Também amo você — declarei e acho que aquele seria o
momento de soltá-la, mas não consegui fazê-lo. Não ainda. Precisava só de
mais alguns segundos do seu conforto, daquela sensação boa de paz e
leveza que ela emanava.

Nonna me apertou um pouco mais forte também, sua voz soou


abafada pelo meu terno quando ela disse:
— Você não está bem e eu vou querer saber o que aconteceu,
capisce?

Depositei um beijo no topo de sua cabeça branquinha e acenei em


concordância antes de acabar com o abraço.
O nó que comprimia meus pulmões há horas foi afrouxado nos
minutos em que observei nonna finalizando uma de suas receitas.
Acabamos almoçando e falando sobre as reformas recentes que ela havia
feito em seu restaurante. Seu rosto se iluminava quando falava daquele
lugar e eu me enchia de orgulho por saber que ela já tinha lista de espera
para os casais que disputavam mesas lá.
— Graças a sua ideia, querido, tenho cada vez mais clientes
estrangeiros — ela lembrou. Era o que fazia sempre que falávamos sobre o
que estava conquistando nos últimos anos. Saber que eu a havia ajudado
com mais do que o investimento financeiro que os bancos lhe negavam me
deixava feliz. Realizado por ela.

Nonna respirava o restaurante que abrira com seu falecido marido


há mais de trinta anos.

Já era início da tarde quando ela nos serviu a sobremesa gelada que
tinha em seu freezer e me guiou até a sala de TV, onde nos acomodamos
lado a lado enquanto degustávamos o doce e ela escolhia o filme que
assistiria pela milésima vez. Todos os sábados e domingos, religiosamente,
ela se acomodava neste sofá enorme e assistia algum dos filmes que
ganhara seu coração nas décadas de oitenta e noventa. Como a boa
romântica incurável que era. Talvez por isso tivesse tanto sucesso em
proporcionar jantares e pedidos de casamento inesquecíveis em seu
restaurante.

Meneei a cabeça em negativa ao ver o escolhido da vez, mas não


falei nada. Eu não gostava desses filmes, longe disso — achava na verdade
bem bregas, longos e nada convincentes –, mas há muito havia desistido de
tentar dizer não à nonna.
Se ela queria me fazer assistir “O Guarda-costas” pela terceira vez,
ela conseguiria e não havia nada que eu pudesse fazer sobre isso. Antes do
fim, eu sempre acabava dormindo em seu colo mesmo.

No entanto, desta vez, quando acomodei minha cabeça sobre a


almofada em suas pernas e ela começou a acariciar meus cabelos, em vez
de repetir as falas do filme junto aos personagens, ela iniciou sua busca por
respostas:

— Conte para a nonna o que está se passando nessa cabecinha —


pediu, com suavidade. Hesitei apenas por um momento em estalar os dedos
da sua mão livre, que estava entre as minhas, e observei a pedra cor-de-rosa
no anel que estava em um dos seus dedos, eu o havia dado a ela em seu
aniversário de sessenta anos. Toquei a peça com cuidado enquanto pensava
no que dizer. Surpreendentemente, não me sentia coagido ou com o peso
que carregava quando cheguei ali.
Decidi começar pelo começo.

— Os médicos disseram para me preparar para o pior — contei. —


Papai voltou a ser sedado, mas não tenho garantias de que ainda o verei
acordado.

Ela tomou alguns segundos para absorver minhas palavras.

— Como se sente sobre isso, querido?


Então foi minha vez de me dar algum tempo para pensar em sua
pergunta.

Engoli em seco após organizar minha mente da melhor maneira


possível para articular as próximas palavras.
— Não sei o que me deixa pior — iniciei. — A certeza de que vou
perder a única referência familiar que ainda tenho… ou o fardo de não ser
capaz de fazer nada para ajudá-lo enquanto ele morre lentamente à minha
frente.
Nos últimos meses, indo ao hospital e ouvindo diferentes médicos e
especialistas, vi as saídas se fechando bem diante dos meus olhos enquanto
papai definhava. Nonna fora a primeira e única pessoa a quem contei sobre
ele estar doente — já que meus amigos haviam descoberto isso sozinhos —,
mas até esse momento eu nunca havia dito nada assim para ela.

— Seu pai não é sua única referência familiar viva — lembrou, com
uma delicadeza que quase diminuiu o impacto dessas palavras. A imagem
de mamãe doente retornou à minha mente no vislumbre que eu ainda tinha
dela. O único que restara do seu rosto depois de mais de duas décadas,
desde que eu a vira pela última vez. — Não importa o quanto queira, você
não é capaz de resolver todos os problemas das pessoas que você ama, meu
querido, principalmente quando eles envolvem a saúde de alguém.

Seus dedos afundaram em meus cabelos quando cerrei os olhos, eu


já havia recusado tantas vezes aquela perspectiva, mas ao ouvi-la nesse
momento tudo o que eu quis foi acreditar nisso. Por que era tão difícil
internalizar essa merda?

— Sei que já perdeu seus avós paternos e maternos, deveria


procurar sua mãe… — disse, não pela primeira vez. Ela repetia aquelas
palavras desde que eu lhe contei sobre mamãe, há mais de dez anos.

— Nonna…

— Você era uma criança, meu querido — repetiu. — Nunca foi sua
responsabilidade resolver os problemas dos seus pais ou impedir que sua
mãe sofresse naquele casamento. Ela não foi embora por sua culpa.
Sob minhas pálpebras cerradas, meus olhos arderam, flashes
confusos de memórias retornando contra minha vontade. Não apenas das
brigas entre papai e mamãe, das vezes em que eu a vi chorar ou das noites
em que ele retornou bêbado, fedendo a perfumes doces e fortes, e eu
precisei levá-lo ao escritório para escondê-lo de mamãe, porque ela sempre
chorava quando o via daquele jeito; mas de vovô a culpando por eu ser um
imbecil que mal conseguia reconhecer as letras do próprio nome.

Um nó estúpido apertou minha garganta.

Fora ele que me dissera que ela havia ido embora por minha causa.
E por que não acreditar, não é? Se, mesmo com os esforços dela e os meus
próprios, eu continuei com um péssimo desempenho na escola. Se eu era o
motivo de ela discutir tanto com vovô e se era por mim que papai jurava
que seria um marido melhor antes de voltar para casa bêbado de novo ou
simplesmente sumir por dias sem avisá-la? Se fora por engravidar de mim
que ela fora forçada a entrar para a família Bradshaw?

Eu não a culpava por ter desistido daquela vida. De mim. Nem por
ter me deixado sozinho com aqueles dois. Ela merecia a oportunidade de ter
uma vida melhor longe dos Bradshaw. Dos três homens que estavam
destruindo a sua vida.

Não respondi nonna. Dizer tudo isso a ela nunca a havia dissuadido
da resolução de que eu precisava reencontrar mamãe para entender de
verdade o passado. E eu não queria permanecer nesse assunto. Ele me
drenava.

Ao notar que eu não diria mais nada, ela depositou um beijo em


minha testa e entrelaçou nossas mãos.
Logo o filme que nonna assistia acabou e ela colocou um novo, mas
não mudamos nossa posição. E ela não parou de acariciar meus cabelos
enquanto comentava que tinha certeza de que a ideia para o meu nome viera
do filme Top Gun: Ases Indomáveis — que iniciava na TV nesse momento
— porque na época do meu nascimento Tom Cruise ainda era sensação
entre as mulheres por causa desse filme.

Ouvir isso me roubou um sorriso pequeno, que aumentou quando


nonna exclamou, como se tivesse feito uma enorme descoberta: e o melhor
amigo dele também se chama Bradshaw!

Minutos se passaram, bastantes para ela se entreter com as cenas


novamente e eu voltar a remoer alguns acontecimentos recentes.
Na tela plana à nossa frente, Maverick e Charlotte tinham acabado
de discutir pela primeira vez quando decidi contar outra coisa que me
atormentava.

— Nonna?

— Sim, querido?

— Eu… — Por que era tão difícil admitir isso para ela? —… eu
dormi com a irmã do Liam.

A mão que acariciava meus cabelos parou. Movi a cabeça para


conseguir encará-la. Tudo o que encontrei em seu rosto foi aquele ar de
confusão próprio de quem tenta se lembrar se conhece alguém.

De alguma maneira, sorri ao vê-la franzir o nariz e semicerrar os


olhos, quase pude vê-la revirar sua memória em busca de informações.
— Acho que você nunca a conheceu — avisei. — A Liz passou os
últimos anos fora de Nova Iorque, ela… — A imagem sonolenta e manhosa
de Elizabeth nessa manhã retornou à minha mente. —… ela é um gênio,
sabe? Foi aceita em todas as universidades da Ivy League e estudou fora.

Nonna sorriu.

— E por isso você fala dela com esse sorriso bobo, cheio de
orgulho?

Pressionei os lábios, numa tentativa tardia de desfazer aquele sorriso


que eu nem me dera conta de que exibia.

— Liam nunca vai me perdoar — contei, chegando ao ponto que


realmente interessava ali. — A Liz é a menina dos seus olhos. Eu deveria
ter cuidado dela e não…

— E não ter se apaixonado? — completou, com naturalidade.

— Nonna…

— Eu reconheço olhos e sorrisos apaixonados a quilômetros, meu


querido.

— Não posso ter me apaixonado por ela… — iniciei, pronto para


continuar negando qualquer sentimento, no entanto, a noite anterior me
voltou à mente. Não as palavras que Liz disse bêbada, mas as que eu disse
sóbrio. Não sua recusa em me deixar me afastar após colocá-la na cama,
mas a minha em permitir qualquer distância entre nós em toda a madrugada.
Não a maneira como ela me apertou com força no nosso abraço de
despedida quando deixei seu apartamento, mas como eu a prendi a mim
consciente de que a última coisa que queria era soltá-la.
De repente, respirar pareceu difícil demais.

— Eu não seria tão estúpido a ponto de me apaixonar por aquela


garota — declarei, mas o que era para ser uma afirmação se transformou
numa pergunta, uma que a voz de Bruce respondeu em minha mente.

…você se apaixonou por ela naquela época e preferiu abafar isso aí


dentro até esconder de si mesmo…

—… Elizabeth merece um gênio que acredite em casamentos e


finais felizes, como ela — prossegui, a essa altura isso era algo que eu
precisava lembrar a mim mesmo. — Alguém que queira dar isso a ela…
que… — me interrompi.
Alguém que consiga dar isso a ela… Que não estrague tudo nem
foda com a sua vida.

Eu não suportava nem a ideia de machucar a Liz, porra…, e sabia


exatamente como essa merda terminava. Como casamentos machucavam e
terminavam.
— E você não quer?

Não respondi e, diante do meu silêncio, nonna voltou a sorrir, mas


um instante depois o sorriso esmoreceu e uma sombra de preocupação
nublou seu semblante.

— Do que tem medo, meu querido?

Meu coração pesou no peito.

De perdê-la… de perder Liam… de continuar perdendo as pessoas


que eu amo. Mas isso foi o que eu não disse, então ela aparentemente
chegou às próprias conclusões.

— Uma amizade como a que você tem com Liam e os garotos não
se acaba por algo assim — garantiu, agora acariciando meu rosto. — E se
quer saber minha opinião… Liam pode até demorar a aceitar ver vocês
juntos, porque eu sei como pode ser cabeça-dura, mas um dia verá que não
poderia entregar a irmã dele a alguém melhor que você. Sabe por quê?

A pergunta foi retórica, mas me vi acenando em negativa. Quase


hipnotizado pela franqueza em seus olhos.

— Porque ele te conhece. Tanto ou mais do que eu conheço. E te


respeita. Isso é mais do que ele poderia ter de qualquer outro homem que se
interessar pela irmã dele. É mais do que você terá se a deixar livre para se
envolver com qualquer outro, capisce? — Ela suspirou. — Quando você
acha algo precioso, querido, você não pode deixá-lo escapar. Se o perder,
mesmo que para alguém que não saiba valorizá-lo, talvez nunca mais tenha
a chance de tê-lo de novo.

Eu não consegui dizer nada em resposta. Suas palavras reviravam


coisas demais em mim nesse momento.

— Tudo vai se ajeitar — ela concluiu, por fim, se inclinando para


depositar um beijo em minha testa. — Agora me fale mais sobre essa Liz.
Não acredito que ainda não a conheço.

Demorei algum tempo para registrar suas palavras, para me


recompor e conseguir dizer algo.

Fui engolido pelas perguntas que nonna já tinha sobre a garota que
vinha consumindo cada maldito pensamento que cruzava minha mente.
Passar os próximos minutos falando sobre ela definitivamente não me
ajudou a mudar isso, mas, por algum motivo, o peso da culpa não era mais
tão grande.

Respirar já não parecia mais tão difícil.


DOZE

Eu tinha certeza de que nunca havia visto tantas crianças juntas.

Pulando, gritando, correndo, rindo, dando pulinhos e se reunindo


para selfies.

Fiquei pelo menos dez segundos imóvel na entrada do salão de


festas em que o aniversário de Emy estava acontecendo, os olhos um pouco
arregalados diante de algo tão distante da minha realidade.

— Elas parecem formigas — comentei com Bruce e Emma, que


estavam ao meu lado, recebendo os convidados. — Formigas barulhentas
que tomaram cafeína pura.

Emma riu.
— Alugamos metade do estoque de brinquedos infláveis e três
camas elásticas diferentes, além da torre para ser escalada — Bruce contou,
indicando todos os itens no salão amplo. — Mas se forem como Emy, essas
crianças vão passar o dia todo aí e não vão se cansar.

Meneei a cabeça em negativa, um sorriso surgindo em meus lábios.

— Você tá tão ferrado, Batman — emiti, rindo.

Ele não negou, emitiu apenas um grunhido.

— Reservamos um lugar para você — Emma avisou, indicando a


mesa próxima do painel decorado para as fotos com a aniversariante. —
Tem certeza de que Elizabeth vem? Emy já me perguntou sobre ela duas
vezes.

O sorriso em meus lábios esmoreceu.

Eu estava há pouco mais de uma semana sem ver ou falar direito


com Liz, por causa da bagunça que minha conversa com nonna havia
causado em mim, por encontrar papai ainda sedado na visita que fiz a ele há
três dias e por que Liz começara a me responder com versões mais
educadas de monossílabos em mensagens e nas ligações que fiz para saber
se ela estava bem.

Depois de todos aqueles dias, eu não sabia o que esperar do nosso


reencontro, só que eu estava ansioso… angustiado, até. Queria vê-la,
apertá-la contra mim e encontrar motivos para me convencer de que estava
tudo bem, de que eu não tinha fodido com a nossa relação de um jeito
irreversível. De que não a tinha perdido.
— Ela vem. Meu motorista foi buscá-la — respondi. — A nonna
também aceitou o convite.

Emma voltou seus olhos para mim com um sorriso, animada com a
possibilidade de rever nonna.

— Blake virá com ela. Pedi que ele a acompanhasse.

Simples assim, o sorriso morreu em seus lábios.

— Eu sei que não quer interagir com os caras, que eles…

— Me humilharam — ela completou, sem emoção.


Suspirei, trocando um olhar com Bruce, que puxava sua mulher para
seus braços.

— De todos nós, Blake é o mais racional e razoável — prossegui. —


Ele não vai demorar a perceber que ele e os caras erraram ao julgar você no
passado. Você está com Bruce agora, Blake não será um filho da puta aqui.

Mas ela não cedeu, não fez nada além de menear a cabeça em
negativa e desviar o olhar, irritada.

Novos convidados se aproximaram e Emma se afastou para


cumprimentá-los. Assim que ficamos sozinhos, Bruce sussurrou:

— Obrigado, irmão.

— Sabe que não precisa agradecer — foi tudo o que eu disse antes
de vê-lo seguir sua mulher.
Bruce e eu queríamos ver Emma recebendo os pedidos de desculpa
que merecia e voltando a ser recebida de braços abertos na família que
escolhemos formar com nossos amigos. E eu faria isso acontecer, mesmo
que demorasse porque esses filhos da puta eram uns cabeças-duras.

— Tio Maverick! — a vozinha de Emy me chamou e acabei


sorrindo ao vê-la correr em minha direção. Caminhei para encontrá-la no
percurso e me inclinei para erguê-la em meu colo.

Ela riu e me abraçou.


— Estou muito, muito feliz que você veio! — exclamou, com um
sorriso que iluminava todo o seu pequeno rosto.

— Eu nunca faltaria ao seu aniversário, princesa — lembrei-a,


deixando um beijo em sua bochecha. — Coloquei seu presente naquela
montanha que está se formando na entrada.
Ela voltou a rir.

— Onde está a Liz, hein? — perguntou. — Estou muito ansiosa pra


ver ela de novo. Será que ela gostou da minha cartinha?

Sua ansiedade me fez abrir um sorriso involuntário. Arrumei os


cachos suaves dos seus cabelos e posicionei melhor a tiara em sua cabeça.

— Ela prometeu que viria — contei. — Se ela não chegar em vinte


minutos, vou ligar para o meu motorista.
A menina acenou, em concordância, e aproximou seu rostinho para
me dar um beijo na bochecha como agradecimento.

— Tá bom, tio Maverick. Obrigada, tá?


— Emy! — a voz de Emma nos alcançou. Ambos a buscamos com
o olhar, para encontrá-la na entrada, sorrindo e indicando a minha perdição
personificada.

Foi instantâneo o modo como meu coração pareceu dar um tranco e


disparar numa corrida livre, como se eu fosse algum adolescente estúpido e
não um homem feito, com quase trinta e um anos.

Emy só faltou pular dos meus braços para ir atrás da sua nova
melhor amiga em potencial.
— Vamos, tio Maverick! — ela pediu, batendo palmas, animada.

Comecei a caminhar na direção de Liz, que abraçava Bruce, mas


tinha seu olhar em mim, o meu também estava preso a ela. Havia uma
sombra sutil nos seus orbes castanhos, algo que me deixou imediatamente
preocupado.
Coloquei Emy no chão e permiti que ela fosse cumprimentar Liz.

— Você veio! — exclamou, agarrando-se à cintura feminina para


abraçá-la.

— Mas é claro! — Liz respondeu, sorrindo para a menina e se


inclinando para retribuir o abraço. — Você disse que poderíamos ser
amigas, então eu vim. Como está a minha ARMY[3] preferida?

Observei em silêncio as duas conversarem por alguns momentos, a


ternura com que Liz lidava com Emy ficava expressa até na maneira como a
encarava, mesmo que só a tivesse encontrado uma vez. Ao vê-la assim, eu
conseguia entender sua facilidade para voluntariar naquela ONG do
Brooklyn.
Há alguns meses, Liz começou a dar aulas de inglês para imigrantes
latinos que vinham aos EUA para trabalhar, mas a maior parte dos seus
alunos eram crianças e adolescentes com dificuldades para se adaptar à
nova língua na escola.
Eu sabia que, enquanto os serviços de tradução lhe davam dinheiro,
os trabalhos na ONG lhe davam satisfação, a deixavam feliz. E eu ficava
feliz por vê-la realizada fazendo algo.

Esforcei-me para permanecer imóvel, mas me senti cada vez mais


ansioso. Cerrei as mãos ocultas nos bolsos da calça porque a vontade de
puxar Elizabeth para um abraço já era quase maior do que eu era capaz de
conter. Eu estava com saudades, porra. Mais de uma semana sem vê-la, e
ainda achando que havia ferrado de vez nossa relação. Precisava apertá-la.
Senti-la. Inspirar seu cheiro e ter certeza de que podia consertar essa merda
de situação entre nós.
Quando as duas se afastaram, o olhar de Liz voltou a mim mais uma
vez, esperei alguma hesitação da sua parte, tentei me preparar até para uma
recusa à minha proximidade, mas não foi o que tive. Liz veio até mim por
livre e espontânea vontade, seu corpo pequeno se chocou ao meu, os braços
me envolveram e eu a apertei com força. Afundei meu rosto em seu
pescoço delicado mesmo que precisasse me curvar quase dolorosamente
para conseguir isso. E respirei. Respirei de novo. De verdade.

— Você está bem? — perguntamos baixinho, em uníssono.

Acenamos em resposta, também juntos, e, por alguns segundos, foi


como se estivéssemos sozinhos ali, seguros numa bolha só nossa.

Uma nova movimentação de pessoas chamou minha atenção, ergui o


olhar para a entrada e me deparei com nonna e Blake lado a lado, nos
observando em silêncio. Ela com um sorriso, ele com os olhos castanhos
sutilmente estreitados, atentos como sempre, e a expressão inescrutável.

Acabei com o abraço e me concentrei em nonna.

— Tem alguém ansiosa para conhecer você, Liz — avisei, o que a


fez levar sua atenção à senhorinha que eu encarava. — Essa é a minha
nonna. Ela adotou os caras e eu quando éramos adolescentes.
Liz abriu um sorriso pequeno, quase tímido, antes de ir
cumprimentá-la.

— O Liam já me falou da senhora. Não acredito que finalmente


estamos nos conhecendo!

Nonna abriu um sorriso ainda maior enquanto recebia Liz para um


abraço. Todos agora observando as duas.

— Eu estava muito curiosa para conhecê-la, querida. Maverick me


falou tanto de você que sinto como se já a conhecesse.
Porra.

— Nonna… — chamei, desconfortável, um sorriso engessado em


meus lábios. Mas fui ignorado.

— Vamos nos sentar juntas, sinto que vamos nos dar muito bem, Liz
— foi o que nonna escolheu dizer, intercalando sua atenção entre mim e
Elizabeth.

Eu sabia que estava ferrado e nem precisei entender o sorriso que


Blake ostentava para compreender isso.

Cerca de meia hora depois, estávamos todos acomodados numa


mesa. Nonna acabara de convidar Liz para conhecer seu restaurante e Liz
retribuiu o convite, informando que adoraria apresentá-la à ONG — sobre a
qual haviam conversado também. Pareciam velhas amigas se revendo
depois de muito tempo. Mãos entrelaçadas sobre a mesa e tudo.

Eu as encarava como se assistisse a uma partida de pingue-pongue,


tentando entender por que diabos eu achei que seria uma boa ideia unir
essas duas quando normalmente Elizabeth não precisava de nenhum tipo de
munição para me atacar com seus comentários espertinhos e agora estava
ali, recarregando seu arsenal enquanto ouvia nonna contar como eu havia
sido um adolescente lindo, mas levemente rebelde e sacana quando a
conheci.

Que merda, pensei, meneando a cabeça, um sorriso tolo ameaçando


curvar meus lábios.
Enquanto comia uma seleção de petiscos servida por um garçom,
para minar minha impaciência e vontade de tirar Liz dali para
conversarmos, observei Blake à distância, sendo conquistado por uma Emy
risonha e faladeira, com Bruce e Emma ao seu lado. Acabei sorrindo, o
filho da puta nem saberia o que o atingiu, quando visse, já seria outro tio
babão da Emy.

Meu celular tocou e sequer precisei olhar para saber que era uma
chamada do gerente do hotel. Estávamos recebendo um grupo de
empresários de Dubai. O Emir estava presente e minha atenção era
constantemente solicitada.

— Eu preciso atender — avisei à Liz e à nonna e acho que apenas


nesse momento elas se deram conta de que eu ainda estava ali. Levantei da
cadeira e as encarei, meus olhos indo de uma a outra, ambas sorrindo,
cúmplices. Tive certeza de que me arrependeria de deixá-las sozinhas antes
mesmo de dar o primeiro passo para longe e ouvir nonna cochichar:
— Aposto que está com medo de falarmos dele se nos deixar
sozinhas.

Elizabeth gargalhou, concordando.

E eu já achava que estava ferrado só com Liz me enlouquecendo.

No corredor do lado de fora do salão de festas, passei cerca de meia


hora ouvindo meu gerente elencar os problemas e demandas que haviam
surgido e lhe dando instruções acerca delas. Já estava com o ouvido
zumbindo, sem qualquer ideia de quantas voltas tinha dado naquele
corredor, quando me virei para voltar a caminhar e me deparei com Liz
parada a alguns metros de distância, me encarando.

Por um momento, eu simplesmente deixei de registrar o que era


dito, a imagem à minha frente tornando cada palavra irrelevante. Mais de
uma semana sem ver aquela garota. Uma semana de merda, me torturando
com a possibilidade de ela estar tentando me afastar. Uma semana ouvindo
a voz de nonna ecoar em minha mente, me forçando a reconhecer que
poderia já ter perdido a preciosidade que Liz era.
Uma semana pensando no que faria nesse momento, ao vê-la
novamente.

Aquela sombra anterior, que vi em seus olhos tão logo ela chegou à
festa, estava ali de novo, o que me preocupou ainda mais. Acabei
encerrando a ligação após avisar ao gerente que o encontraria mais tarde.
Ao me ver guardando o telefone e caminhando em sua direção, Liz também
avançou, o barulho de suas botas pretas no piso de mármore demarcando a
distância extinguida a cada passo.

Acho que já estávamos muito perto de correr quando nossos corpos


se chocaram num abraço forte, em que ela me envolveu pela cintura
enquanto eu praticamente me fechei como um casulo ao redor do seu corpo
pequeno.

— O que houve? — perguntei, baixinho, sentindo o pulsar agitado


do seu coração.

— Senti sua falta.

As palavras, a naturalidade, a franqueza… essa combinação


desmontou de uma vez qualquer porra de insegurança que havia em mim.

Cerrei os olhos, a pressão em meu peito se desfazendo mais a cada


respiração profunda que tomei a partir dali, tragando seu cheiro doce para
mim.

— Eu também — confessei, sem a menor vontade de negar essa


merda. — Achei que estava com raiva de mim. Você estava distante, porra.
Eu estava quase surtando achando que tinha ferrado tudo com você, Liz.

— Eu não estava tentando me afastar, estava tentando te dar espaço


— contou. — Você não estava bem. Precisei ameaçar Liam para ele me
contar sobre seu pai.

Hesitei.

Ela me apertou mais forte, provavelmente sentindo a tensão me


tomando.

— Me senti mal por ter te pressionado. Achei que você acabaria se


afastando de mim.

As próximas palavras deixaram meus lábios sem que eu tivesse a


chance de medi-las ou filtrá-las:
— Nunca faria isso. Não consigo me imaginar num mundo em que
você não faz parte da minha vida, Liz.

O impacto veio logo em seguida e me travou, porque ouvi minhas


próprias palavras e percebi imediatamente como elas poderiam ser
recebidas.

Elizabeth não respondeu. Por muito tempo, o que ficou entre nós foi
apenas o som das batidas dos nossos corações vibrando em nossos corpos,
das nossas respirações acelerando, nossos pensamentos praticamente
zunindo entre nós. E eu quis, mas não soube como desfazer essa merda.
Liz acabou com nosso abraço, em seu semblante havia o que
reconheci como uma expressão decidida, eu só não fui capaz de entender
sobre o quê. Ela me deu as costas para alcançar a maçaneta da porta mais
próxima. Quando conseguiu abri-la, voltou para me puxar pela gravata para
dentro de uma sala vazia e escura.

— Por que veio… — Minhas palavras foram silenciadas pelos seus


lábios firmes e doces, pela língua aveludada que se enfiou em minha boca
antes que eu pudesse processar aquele beijo ou recusá-lo.

Foi abrupto. Foi inesperado. Foi inconsequente.

Foi exatamente como da primeira vez, há cinco anos, a diferença


colossal foi que nesta eu não me mantive imóvel por muito tempo, não
afastei minhas mãos de seu corpo nem a empurrei para longe. Nesse
momento, não consegui ser tão forte. Não consegui lutar contra mim
mesmo.
Eu a beijei. Com força. Fome. Urgência. Com a merda da
necessidade que vinha me consumindo há dias. Com gana de tomar o que
Elizabeth me oferecia. O que era meu.
Envolvi sua cintura com um braço e a ergui.

Enfiei a mão livre entre os cabelos de sua nuca e os puxei.

Aprisionei seu corpo à parede mais próxima e praticamente o cobri


com o meu.
Ela gemeu. O som delicioso vibrando em minha língua e sendo
engolido por mim quando aprofundei o beijo, movendo sua cabeça ao meu
bel-prazer, para explorar partes novas da boca gostosa.

Liz foi rápida em circular minha cintura com suas pernas e minha
nuca, com os braços.

Parecíamos dois desesperados, tentando tomar mais um do outro a


cada segundo que passava, ambos conscientes da ameaça de que aquele
momento de lapso poderia acabar tão rápido quanto havia iniciado. Mas
nada parecia suficiente, não ainda, talvez nunca.

Quando a necessidade de ar nos forçou a acabar com o beijo, Liz


puxou minha camisa para fora da calça e se atrapalhou para abrir a
braguilha.

— Liz… — iniciei, mesmo que ser a razão fosse a última coisa que
eu quisesse.

— Você só vai me perder se quiser, Maverick — garantiu. — Eu não


estou nem um pouco inclinada a ir embora ou desistir de você. De nós. —
Mesmo na pouca claridade ali, seus olhos encontraram os meus, uma
sinceridade nítida neles. — Talvez não enxergue, mas você já me faz feliz.
Minha vida é mais feliz porque você está nela.

Encostei minha testa à sua, incapaz de me afastar, de fazer algo além


de ouvi-la.
— Você não vai perder Liam também, okay? Ele é ciumento,
superprotetor, cabeça-dura e mais um monte de coisas que podem dificultar
que nos aceite imediatamente, mas ele não é idiota. Não vai querer perder
nenhum de nós.

Liz suspirou sob o aperto mais forte das minhas mãos, o corpo
estremecendo contra o meu, rendida. Ainda estava ofegante quando
prosseguiu:

— Não tenho medo de ser magoada por você. — Ali eu interrompi


minha respiração. — Sei que podemos nos magoar em algum momento,
mas isso não significa que vamos nos perder. Nos magoar não significa
destruir a relação que temos. Confio minha vida a você, Maverick, nós dois
sabemos disso há anos. Se você também confiar em mim, podemos lidar
juntos com qualquer coisa que surgir, tá bom? Eu prometo.

Ela roçou nossos lábios num beijo, como se selasse uma promessa.

— O que a nonna te contou? — perguntei, rouco, a mente e o peito


revoltos por todas as suas palavras. Palavras certeiras demais para eu não
ter certeza de que a nonna havia dado um de seus empurrõezinhos.

— Nada do que eu realmente queria saber — respondeu, voltando a


unir nossos lábios, minha gravata sendo enrolada em seu punho. — Vou
esperar você confiar em mim o bastante para me contar.

— Porra, Liz…

— Pare de pensar — mandou, sua mão livre desceu entre nossos


corpos e se enfiou dentro da minha calça. Ela balbuciou algo
incompreensível conforme apertava meu pau por sobre a boxer. Foi minha
vez de gemer em sua boca. — Pare de lutar, Maverick.
Nossas respirações se confundiam, os lábios se roçando por causa da
proximidade entre nós, meu peito retumbante colado ao seu, mas ela não
avançou mais, não para me beijar ou abaixar minha cueca, Liz aguardou
que eu desse o último passo, que eu tomasse o que queria. Que atravessasse
o conflito interno que me afastara dela por todo aquele tempo.
Suas palavras, cada uma delas, se repetiram em minha mente, se
erguendo e enfrentando tudo o que me imobilizava. A questão era que agora
não era contra meus medos que eu lutava, mas contra a vontade de aceitar
tudo o que Liz me oferecia. E nessa batalha, porra… nessa batalha eu fui
um maldito desertor.

Abandonei minha própria guerra e a beijei.


Desisti de resistir. De lutar. De me convencer de que querer a irmã
do meu amigo, aquela garota incrível e dez anos mais nova, era um erro.

O gemido que Liz soltou ecoou em minha garganta e se perdeu em


meio ao meu. Dois sons inconsistentes que expressavam muito mais do que
prazer.
Sem separar nossos lábios, afastamos peças de roupas numa
necessidade mútua de sentir um ao outro; de nos tocarmos de novo. Minhas
mãos alisaram suas coxas, erguendo o vestido por sobre a curva deliciosa
do quadril, a cintura, até parar acima dos seios e apertá-los, provocar os
mamilos durinhos, mal contidos por um sutiã de renda delicado.

— Por que tirou os piercings? — perguntei, a voz irreconhecível de


tão grossa e rouca.
Liz mordiscou meus lábios.

— Por causa do frio — ela se limitou a essas palavras sussurradas.


— Gostou deles?
— Sim — grunhi, torturado com a mera lembrança dos seus peitos
praticamente sendo esfregados em meu rosto para serem mamados, as joias
nos mamilos os tornando ainda mais irresistíveis.

— Da próxima vez, eu coloco pra você.

A provocação atingiu meu pau em cheio, me fazendo inchar e latejar


dolorido de necessidade. Consciente do que fazia comigo, Liz arranhou
minha nuca e distribuiu beijos em meu pescoço, meus olhos quase
revirando com o prazer que atravessou meu corpo em arrepios intensos. Ela
havia aprendido rápido demais o que eu gostava, porra. Uma noite e eu
praticamente fui nocauteado por uma ninfeta que não tinha um terço da
minha experiência.
Tateei a carteira em busca de uma camisinha e, quando terminei de
me cobrir com ela, meu pau pulsou. Eu estava há quase três semanas sem
transar, desejando essa boceta, não tinha jeito no inferno de conseguir ir
devagar.

— Me diz que tá molhada o bastante pra me receber — pedi, me


distanciando para conseguir afastar sua calcinha e esfregar meu pau na sua
entrada. A escuridão na sala me impediu de vê-la direito, mas isso não me
importou quando a senti e sua primeira resposta foi se contorcer em meus
braços. Suspirar para mim.
— Estou pronta pra você há quase seis anos, Maverick — confessou
e eu rosnei em seu ouvido, a boceta encharcada comprovando as palavras,
me enchendo de um prazer fodido. Suas mãos se fecharam em volta das
lapelas do meu terno, as pernas me prendendo mais forte pela cintura. —
Vem…

E eu fui, porra.
Invadi o paraíso que Liz tinha entre as pernas e massageei seu
clitóris, para distraí-la da dor da minha invasão. Eu me esforçaria para fazer
essa bocetinha se acostumar ao meu tamanho, até Liz não sentir nada além
de prazer quando eu a fodesse.
Ela ofegou, um espasmo intenso atravessou suas paredes úmidas.
Me deixando insano, um animal guiado por instintos, por necessidade.

— Minha — grunhi e sua boceta concordou primeiro que sua boca.

— Sua, Maverick… toda sua…

Beijei seus lábios e agarrei sua bunda com as duas mãos, afundando
na carne macia e a firmando para receber minhas estocadas. Não fui fundo
o bastante para machucá-la, mas forte o suficiente para fazê-la gemer mais
alto e chamar meu nome. As unhas cravaram na minha nuca com desespero,
o corpo macio tremendo em espasmos contra o meu, palavras sem sentido
inundando aquela sala e abafando o barulho dos nossos corpos se
encontrando num ritmo alucinante.
E bem ali, enquanto a beijava e me enterrava na única boceta que
quis desde que a provei, eu entendi o que o Maverick bêbado daquela festa
depravada já sabia e que eu só entendia agora: deixar a Liz livre para outro
também era perdê-la. E eu tentei, porra, tentei me lembrar de todos os
motivos pelos quais eu não deveria aceitar o que ela me oferecia, mas já
reconhecia que não conseguiria continuar com aquela merda.

— Abrir mão de você era o que estava me matando — confessei em


seus lábios. Para ela, para mim. — E eu odiei cada maldito segundo.
Liz roçou nossas bocas.

— Você é minha desde que me deu seu primeiro beijo.


— Sim…

— Nada mudou isso em cinco anos — lembrei, rouco, ofegante,


erguendo uma de suas mãos ao meu peito. — Não vou deixar que nada mais
mude a partir de agora.

Mordisquei seus lábios e os tomei para mim de novo, o beijo


selando minha promessa.

Liz prendeu meus cabelos entre os dedos para conseguir apoio e nós
dois gememos quando começou a rebolar, somando aquele movimento ao
meu próprio. Meu pau latejou, inchado, faminto, e sendo ainda mais
apertado pela boceta que era minha. Só minha.

Eu faria isso mesmo, porra. Levaria essa coisa entre nós adiante.
Lidaria com o que viesse pela frente. A Liz valia o risco. Valia tudo. Eu
encontraria uma forma de ser merecedor dela, também estava disposto a
arrancar um braço antes de fazê-la sofrer de qualquer maneira. Confiaria
em nós. Descobriria como fazê-la feliz. Eu podia fazer isso. Tinha que fazer
isso. Do contrário teria mesmo que a ver com outro em algum momento. Se
distanciando aos poucos para viver a própria vida.
Sem mim.

— Maverick! — implorou, a necessidade crua em seu tom, no


tremor suave que contraía suas pernas e sugava meu pau.
— Tá louca pra gozar, né? — provoquei, em sua boca, e ela só
conseguiu acenar, os olhos brilhantes presos aos meus. Perfeita… linda…
deliciosa… caralho. Não resisti a pressionar nossos lábios de novo.

Deslizei os dedos pelo seu quadril até alcançar a calcinha e puxá-la


para o lado, rasgando o tecido fino antes de erguer uma de suas pernas um
pouco mais e empunhar seu cabelo longo com a outra mão, puxando-o com
força, até fazê-la expor o pescoço para receber meus beijos e mordidas.
— Se segure — mandei, mas não lhe dei tempo para fazê-lo,
estoquei fundo em sua boceta, chocando seu corpo à parede. Liz gritou, me
agarrou mais forte e se prendeu a mim como pôde antes de suas costas
voltarem a deslizar e seu corpo contrair e relaxar entre as investidas duras e
o ritmo bruto que ela precisava.

— Não para… não para… — repetia baixinho, gemendo em minha


boca. Ofegante, suada, se desmanchando mais em meus braços a cada vez
que eu metia.
Beijei sua boca, tenso, cego pelo prazer que encontrava em seu
corpo, pela conexão única que compartilhávamos.

— Goza pra mim — mandei, em seu ouvido. — Molha meu pau do


jeito que só essa sua boceta gostosa consegue.

Liz obedeceu, obedeceu como a boa garota que era quando queria,
gozou tão forte que me arrastou junto, como se um trem descarrilhado nos
atingisse ao mesmo tempo.

Nós nos transformamos numa confusão de espasmos e gemidos.


Nos agarramos. Nos prendemos. Nos beijamos.
No fim, éramos ela e eu. Juntos. Nos braços um do outro.

E, pela primeira vez na vida, eu quis que fosse assim dali para
frente.
TREZE

— Para mim, é nítido que vocês estão apaixonados um pelo outro,


querida — foi o que nonna disse assim que Maverick saiu para atender um
telefonema na festa da Emy. — E não quero que corram o risco de se
perderem. Entendo que meu Maverick é fechado, mas não acho justo que
ele lute contra o que quer enquanto você não tem a oportunidade nem de
saber que ele está numa luta.

Engoli em seco ao ouvir aquelas palavras, pega de surpresa, mas já


atenta a tudo o que aquela senhorinha incrível estava disposta a me dizer.
Sabia que nem Liam poderia me ajudar com o que eu precisava descobrir
para entender Maverick, então aceitaria tudo o que ela quisesse me
oferecer.

Nonna tomou um fôlego profundo antes de prosseguir:

— Maverick tem muitas questões mal resolvidas do passado, coisas


que o fazem se sentir culpado, coisas que o fizeram acreditar que deveria
ficar longe de relacionamentos para evitar magoar alguém. Além disso, ele
está num momento complicado agora…

— Com o pai dele — completei. Eu havia feito Liam me contar isso


por telefone após Maverick deixar meu apartamento há alguns dias, e nesse
momento senti que nonna buscaria um jeito de não falar sobre esse assunto
diretamente.

Acenou.

— Ele nunca teve um relacionamento exatamente bom com o pai,


mas acho que depois de adulto aceitou que o homem era como era,
entende? Que não mudaria e que, se o quisesse em sua vida, teria que
aceitar isso. — Nonna pressionou os lábios de um jeito que me deu certeza
de que não concordava com Maverick. — O que quero dizer é: ele está
prestes a perder o pai e acho que no momento não sabe lidar com a
possibilidade de perder mais alguém… O menino Liam… você.

Um nó tolo apertou minha garganta.

— Mas…
Ela me interrompeu:

— Não estou dizendo isso para convencer você a lutar por ele.
Estou dizendo por que é justo você saber o motivo de ele não aceitar você
agora. — Minha mão foi alcançada pela sua sobre a mesa, mais uma vez.
Ela dizia tudo com tanta serenidade, esbanjando sabedoria. Eu já a
adorava. — Se relacionar com pessoas feridas não é fácil, querida. Exige
mais do que amor. Você é muito jovem e não quero que nenhum de vocês se
machuque, então peço que seja firme na decisão que tomar sobre vocês
dois, independente de qual seja. — Ela indicou a entrada do salão, por
onde Maverick havia saído. — Aquele menino não precisa sentir que outra
pessoa está desistindo dele.

Fechei os olhos por um momento, como se isso fosse suficiente para


me ajudar a lidar com tudo o que sentia apenas por lembrar das palavras de
nonna. Então tomei fôlego e os abri novamente, para ver a pele lisa e firme
de Maverick sob meu rosto. Seu coração batendo ritmicamente sob meu
ouvido enquanto ele acariciava meus cabelos.

— Você está tão calado — sussurrei, mesmo consciente de que ele


não era o único silencioso e pensativo ali. Deslizei os dedos pelo seu peito
nu. — No que está pensando?

Seu tórax subiu com uma respiração profunda. À meia-luz do meu


quarto, deitado comigo em minha cama, seu corpo estava tranquilo, mas eu
desconfiava de que sua mente não estava do mesmo jeito. Não agora que a
loucura do sexo havia acabado. Ele havia ficado silencioso desde que
saímos da festa da pequena Emy. Mas só agora eu começava a ficar
preocupada. Ainda sentia que estava pisando em solo desconhecido quando
se tratava dessa versão de Maverick.

— Coisas demais.
— Me conte uma.

Ele exalou o ar devagar.

— Estou pensando que talvez eu não consiga suprir as expectativas


que você tem.

— Que expectativas você acha que eu tenho?

Hesitou.

— Você já esteve numa relação, provavelmente já sabe muito do que


quer ou não em uma. Eu nunca me relacionei com ninguém assim, Liz.
Nunca senti nada além de tesão. Nunca quis nada além de sexo. — Ele fez
uma pausa, talvez para organizar as próximas palavras. — Você também já
deve ter pensado em casamento e filhos, aposto que sim. Não consigo me
imaginar me casando ou tendo filhos. Eu acho que não sirvo para isso e…

— Por que você está pensando em casamento e filhos agora? Essa é


uma conversa que só deveríamos ter em alguns meses ou anos. Você está se
precipitando demais.

Maverick não respondeu e também não me dei o trabalho de


argumentar. Sua ansiedade era muito clara para mim agora e me perguntei o
que gerava todas aquelas questões em sua mente. Queria que nonna tivesse
deixado isso mais claro.

— O mais perto que já cheguei de um namoro foi observando Bruce


e Emma — tentou novamente, a mão livre percorrendo meu braço e cintura.
Eu não estava nua, mas o calor de sua pele me aqueceu como se eu
estivesse. — Não sei como agir, o que fazer, o que muda, se precisamos
deixar nossas limitações claras ou — bufou —… não sei porra nenhuma
sobre isso, Liz, mas não quero errar com você.
Ergui minha cabeça para encará-lo e estendi uma mão para desfazer
o vinco em sua testa. Uma emoção indizível inundava meu peito por
reconhecer a sinceridade da sua preocupação. Comigo. Precisaria fazê-lo
enxergar o que tínhamos com mais leveza. Que precisávamos ir por partes.

— Quem disse que estamos namorando?

Suas sobrancelhas se ergueram.


— Como assim não estamos namorando? — repetiu, a voz
aumentando um pouco mais a cada palavra que saía carregada de
contrariedade. — Eu lembro muito bem de você gritando que era minha.
Nem ferrando eu vou dividir você, Elizabeth! Pode tirar essa porra de ideia
da cabeça!

Eu ri, de verdade, por ele estar tão perdido e ao mesmo tempo tão
certo sobre isso.
— Eu não vou facilitar assim pra você, Maverick — avisei, mas me
inclinei para beijar seus lábios e tranquilizá-lo. — Você não me pediu em
namoro e já acha que estamos namorando? Tsc, tsc, tsc… não funciona
assim.

Ele hesitou e eu estava perto o bastante para enxergar como minhas


palavras foram recebidas por ele, como o sentido nelas foi ficando claro
para ele aos poucos. No fim, a compreensão o atingiu junto de um franzir
nada sutil de testa.
— E ainda tem isso?

Sorri.
— É claro que sim — confirmei, e prossegui no tom que costumava
usar com meus alunos da ONG: — Primeiro nós nos conhecemos…
— Já nos conhecemos há quase sete anos.

— Como casal… — expliquei.

— Já transamos como um casal de coelhos…


Eu ri.

— Você é impossível — avisei.

Ele meneou a cabeça em negativa, uma sombra de seriedade


cruzando seu semblante.

— Não posso contar ao Liam sobre nós e dizer que estamos nos
conhecendo, Liz — lembrou.
— Liam ainda passará umas duas semanas fora. Não precisa se
preocupar com ele ainda.

Ele meneou a cabeça em negativa, recusando a ideia, mas não lhe


dei tempo para insistir.

— Até lá, vou treinar você em tudo o que precisa saber sobre
relacionamentos — garanti e pressionei os lábios para não rir quando ele
estreitou os olhos.
— Você faz soar como se eu fosse um animal a ser adestrado.

— Você também pode pensar em si mesmo como um diamante


bruto que eu vou lapidar, que tal?
Ele abriu um sorriso e me encarou em silêncio por alguns instantes,
como se estivesse diante de algo que era incrível demais para ser verdade,
então me puxou para beijá-lo.

— Você será minha ruína, porra.


Sorri em sua boca, retribuindo o beijo.

— Eu só tive um relacionamento, Maverick — lembrei. — E se ele


serviu para algo foi para me mostrar como não quero ter um
relacionamento.

— Aquele filho da puta…


— Apesar disso, eu aprendi muito lendo, viu? — Eu o interrompi,
num tom zombeteiro que o fez esquecer rapidamente do meu ex. — Dez
anos lendo romances tinham que me ensinar alguma coisa.

— Não vai tentar me transformar num dos personagens sem graça


dos romances que você lê, porra.

Voltei a rir.

— Você se surpreenderia se soubesse o quanto já parece com eles.


Maverick meneou a cabeça em negativa, incrédulo, mas não
respondeu nada, nem mudou nossa posição.

— Não estamos namorando, mas estamos juntos, não é?

Concordei com um aceno.

— E você não pode transar com mais ninguém — alertei.

Foi sua vez de acenar. Um sorriso pequeno lutando para ganhar seus
lábios.

— Isso não será um problema.

Estreitei os olhos, sem entender seu tom, mas também sem querer
levar minha dúvida adiante. Sua palma voltou a deslizar por minhas costas
devagar, numa carícia tranquilizante.
Mantivemos a proximidade entre nossos rostos e compartilhamos as
respirações por alguns segundos, o calor, uma cumplicidade silenciosa e
reconfortante. Acho que eu demoraria um pouco para me acostumar ao fato
de que o tinha comigo. De que realmente estava em seus braços.

— Você não está surtando — falei, ainda baixinho — e isso deve ser
um bom sinal, mas… está bem? Não se arrepende de…

Acenou a cabeça lentamente.

— Acho que estou sendo inconsequente e impulsivo — iniciou,


sério, franco. Uma pontada atingiu meu peito. — Mas não quero voltar
atrás, eu… — parou, os braços voltando a me envolver e acomodar ao seu
corpo, como se me levasse ao lugar ao qual eu pertencia —… eu não
consigo mais abrir mão disso, Liz… de você.

O alívio me inundou de um jeito tão notável, que até eu percebi meu


corpo amolecendo contra o seu.

— E você? — ele devolveu a pergunta. — Você é jovem e…

—… madura o bastante para saber o que estou fazendo — lembrei-


o, talvez precisasse repetir isso por algum tempo. — Estou exatamente onde
quero, Maverick. Não tenho nenhuma dúvida sobre isso.

Para mim, também foi perceptível como o alívio o inundou. Como


me ouvir pareceu livrá-lo de uma espécie de peso que sustentava até agora.
Entrelacei nossas mãos e me permiti fechar os olhos.

Agora mais calma. Tranquila.


Segura.

Certa de que poderíamos enfrentar juntos o que viesse pela frente.


QUATORZE

A luz da sala foi acesa inesperadamente.

Em dois segundos, todo o pequeno cômodo foi banhado pela


iluminação quente que me arrancou de uma vez do transe em que estava,
com a cara na tela do notebook e digitando anotações conforme ouvia a
versão em áudio do documento que precisava analisar para uma reunião.
Pausei a reprodução do áudio e afastei o headphone antes de erguer
o olhar para o corredor curto do apartamento de Liz. Um sorriso tolo e
instantâneo curvou meus lábios ao vê-la ali, enrolada no edredom de sua
cama, com os olhos sonolentos semicerrados por causa da iluminação
intensa, os cabelos lisos desgrenhados numa bagunça sexy. Linda pra
caralho.
Eu estava viciado naquela imagem, em vê-la à vontade na
intimidade de sua casa e comigo dormindo ali pelo menos três noites por
semana porque queria estar perto tanto quanto ela me queria perto.

Era assustador me reconhecer naquela posição, perceber que eu


queria tanto estar com alguém e que, em duas semanas, nos encaixamos
com tanta naturalidade numa rotina nossa.

Por mais estranho e perturbador que fosse em alguns momentos,


havia outros, como este, que superavam qualquer estranheza e insegurança
fodida: o modo como a Liz me recebia sempre pulando em meus braços e
me beijando como se eu tivesse passado meses fora; sua gargalhada
contagiante enchendo meu peito após me ouvir resmungar por algo que ela
julgava bobo ou por defender minhas “músicas velhas”; suas covinhas
surgindo timidamente toda vez que eu deixava lanche e até água em sua
mesa enquanto ela virava horas trabalhando na frente da porra do seu
computador. Até quando me xingou por arrancá-la da frente dele e jogá-la
sobre os ombros como um saco de batatas para sair desse apartamento e
comer fora, porque a chance de ela jantar enquanto trabalhava era grande.

— Estou com frio — resmungou tão logo começou a caminhar em


minha direção. As pantufas vermelhas com a palavra “Bazinga!” eram a
única coisa que eu via sob o edredom. — E com fome.

— E com sono — completei, ainda sorrindo como um idiota.


Depositei o notebook sobre a mesa de centro à minha frente para
recebê-la em meu colo, já acostumado à sua versão dengosa, que surgia
sempre que a sonolenta dava as caras. O frio também parecia contribuir
para isso.
— São quatro da manhã — ela me lembrou, abrindo o edredom para
nos cobrir e finalmente sentando sobre minhas pernas. O rosto se acomodou
em minha clavícula. — Já está ouvindo suas músicas velhas?

— Músicas velhas? — ecoei, fingindo estar ofendido pelas palavras


que ela começara a usar para me provocar há alguns dias. — Não tenho
culpa se você nasceu quando deixaram de compor músicas boas.

Ela riu do meu exagero.

— O que está fazendo aqui a essa hora?

— Eu precisava fazer algumas anotações para uma reunião que terei


mais tarde — contei, deixando de lado o compromisso que realmente havia
me tirado o sono. Envolvi sua cintura com um braço e usei a mão livre para
acariciar seus cabelos e tirar os fios longos que estavam no rosto. — Ando
bem displicente com o trabalho porque preciso atender às necessidades de
uma ninfeta insaciável que se recusa a ser chamada de minha namorada.

Seu peito vibrou com uma risada baixa.


— Ela também se recusa a ser chamada de ninfeta — lembrou, a
voz ainda rouca pelo sono.

— Nenhum protesto sobre a parte insaciável então?

Liz voltou a rir.


— Já que estamos falando de protestos — respondeu, assumindo um
tom sério e dissimulado —, eu gostaria de fazer um contra a sua tendência,
cada vez mais determinada, a rasgar minhas calcinhas.

Foi minha vez de rir. Gargalhar, na verdade, sem me importar se era


madrugada e os vizinhos ouviriam. Senti seu rosto se mover contra meu
peito e tive certeza de que Liz sorria.

— Você chama mesmo aquelas coisas de calcinhas?


— Mas é claro. São bem caras, inclusive.

Ri novamente, mais baixo, por me lembrar da noite no bar, quando a


ouvi reclamar sobre eu ter rasgado sua calcinha cara. Apertei seu corpo ao
meu com um pouco mais de força, satisfeito por sentir seu calor assim,
então modulei minha voz para soar mais grave e baixa:

— Se esse for o problema, eu compro o estoque nacional da


Victoria’s Secret pra você. Vou adorar ver sua boceta encharcando todas as
peças e latejando toda vez que eu as arrancar.

Sua respiração falhou, mas Liz não se deixou abalar por muito
tempo, logo ergueu o rosto o bastante para me encarar, nivelar nossos
olhares, sabia que eu estava fazendo uso consciente do poder recém-
descoberto de desconcertá-la falando putarias fora da cama.

— Você é um safado — acusou, os lábios perto demais dos meus


para eu conseguir resistir a beijá-los.

— E você estará mentindo se disser que não gosta — devolvi,


adorando senti-la sorrindo, desta vez em meus lábios.
Antes que pudéssemos nos beijar de verdade, seu estômago
reclamando de fome nos impediu e ela resmungou de vergonha. Essa era
uma das poucas coisas que deixava Liz com as bochechas vermelhas.
Eu me ergui com ela em meus braços e a depositei sobre o balcão da
cozinha para ir à geladeira buscar algumas das frutas que ela havia insistido
que eu comesse nos últimos dias, porque, segundo Liz, eu era viciado em
porcarias.

— Você costuma acordar de madrugada para comer assim? —


perguntei, roubando duas uvas roxas do pequeno cacho que ela devorava.
— É a terceira vez na semana.

— Não, mas venho fazendo muita atividade física noturna, sabe? —


provocou, içando uma sobrancelha. — E não melhorei minha alimentação
desde que comecei a queimar calorias assim.

Meneei a cabeça, separando suas pernas para me colocar entre elas.


Estando sobre o balcão, Liz ficava com o rosto à altura do meu.

— Assim como? Cavalgando?


Ela riu, jogando a cabeça para trás. Seus olhos brilhavam quando se
fixaram em mim de novo. Atentos. Atentos demais. Por tempo demais.

— É bom ver você assim de novo — sussurrou.

— É bom me sentir eu mesmo de novo — admiti, sabia que as


últimas semanas com ela tinham sido as responsáveis por isso, então
pressionei um beijo suave em seus lábios.

Liz acomodou seu rosto ao meu peito e continuou a comer em


silêncio. Quando concluiu, já estava sonolenta de novo e a carreguei para o
seu quarto. Após depositá-la na cama e cobri-la, desliguei o abajur. Queria
voltar a deitar ao seu lado e envolvê-la para garantir que o frio não a
importunaria, mas precisava mesmo trabalhar. E não conseguiria dormir.
— Você está bem com o retorno do Liam? — ela sussurrou meio
grogue de sono, como se lesse meus pensamentos enquanto eu a cobria com
outro edredom.

— Ele teria que voltar uma hora ou outra — lembrei, então inspirei
fundo e finalmente contei o que vinha guardando só para mim desde a tarde
anterior. — Avisei a ele que precisamos conversar. Vamos almoçar juntos
mais tarde.

— Eu também quero…

Eu a interrompi antes mesmo que concluísse, já sabia o que diria:

— Não. Eu preciso falar com ele sozinho. Ao menos nesse primeiro


momento.
Liz suspirou. Não faço ideia do que passou pela sua cabeça para
concordar tão rapidamente, mas ela o fez e agradeci. Não queria ter que
discutir sobre isso.

— Agora volte a dormir — murmurei, deixando um beijo suave em


sua testa e lábios. — Você tem um encontro com seus meninos mais tarde.

Ela sorriu, como costumava fazer quando falava comigo sobre os


pequeninos para quem dava aulas na ONG. Esse fora um dos motivos para
ela ter intensificado seu ritmo de trabalho com as traduções nos últimos
dias, queria entregá-las logo para se dedicar às aulas, pois as crianças se
aproximavam do período de provas na escola.

— Espero que gostem das atividades que preparei — ela disse,


baixinho, quase vencida pelo sono de novo. — Vou tentar uma nova
estratégia com o garotinho que acho que tem TDAH… quero tanto ajudá-lo,
Maverick…
— Sei que sim — sussurrei, acariciando seus cabelos. Um nó
estranho apertando meu peito.

Observei-a em silêncio por alguns instantes, conforme sua


respiração se tornava mais tranquila e o sono a carregava para a
inconsciência. Foi impossível não me perguntar se minha vida teria sido
diferente se, em algum momento, eu tivesse tido uma professora como Liz.
Se tivesse recebido ajuda em vez de ter sido apontado como um aluno
preguiçoso e desinteressado.

Problemático.
Lerdo.

Um imbecil, como vovô preferia chamar.

Engoli em seco e me ergui para retornar ao trabalho. Antes que


aquela voz em minha mente voltasse a me lembrar que Liz deveria estar
agora com alguém tão inteligente quanto ela.

No momento que tornei a colocar o headphone e retomei o áudio


daquele contrato, abafei todos os pensamentos que se acumulavam e me
distraí do fato de que em poucas horas contaria a um dos meus melhores
amigos que eu estava com sua irmã. Que tinha transado com ela… Que…
Porra… Continuava fazendo isso.

Que estava cada dia mais louco por ela.

***
Verifiquei meu relógio pela segunda ou terceira vez enquanto
andava em círculos no escritório amplo de Liam. Volta e meia encarava as
pastas e o capacete preto que ele havia deixado sobre a mesa, antes de me
cumprimentar e avisar que só precisaria conversar com seus advogados e
então poderíamos sair para almoçar.

Fazia trinta minutos e essa merda já estava me deixando impaciente.


Queria logo dar um fim àquele tormento. Tirar o peso das minhas costas e
lidar com a explosão que eu já sabia que viria.

Com um suspiro cansado, peguei meu celular no bolso para conferir


as mensagens. Havia conversado com Liz nos meus intervalos entre uma
reunião e outra, mas ela provavelmente se ocupara com algo e ainda não
havia me respondido se eu podia ir buscá-la na ONG mais tarde.
Eu observava a vista exclusiva que meu amigo tinha de Manhattan
através da parede de vidro em sua sala quando a porta foi finalmente aberta
às minhas costas. Senti meu estômago afundar ao ouvir a voz de Liam, mas
só me voltei para ele ao ouvir também a voz de Blake ali.

— Agora sim podemos ir almoçar! Eu até convenci nosso advogado


certinho a ir também — Liam avisou, sorridente. Ele alcançou o capacete
sobre a mesa e conferiu algo em seu celular enquanto voltei minha atenção
para Blake, que já me encarava com uma sobrancelha grossa erguida. Em
segundos, tivemos aquele tipo de conversa que amigos têm sem precisar
trocar qualquer palavra.

Não foi necessário insistir muito, era óbvio que o filho da puta sabia
o que eu estava fazendo ali, menos de duas horas depois de Liam
desembarcar em Nova Iorque. Blake era esperto, observador, e eu tinha
certeza de que já havia sacado que existia algo entre mim e Liz. Se
precisava de provas, nosso sumiço na festa da Emy devia ter confirmado
qualquer suspeita.

— Lembrei que tenho um compromisso, irmãos — Blake avisou. —


Podemos remarcar para o fim de semana.

— Você fura com a gente cinco minutos depois de ter aceitado sair,
seu infeliz?! — Liam meneou a cabeça.

Blake sorriu, mas não disse nada.

Caminhamos juntos para fora da sala e Liam começou a falar da sua


nova garota. A aquisição que aproveitara para fazer numa passagem curta
pela Itália: um modelo exclusivo da Ducati Superleggera. O cara tinha uma
coleção de motos que já devia valer uns bons milhões de dólares e era
fascinado por cada uma delas de um jeito que eu duvidava que seria capaz
de ficar por uma mulher um dia.

Nós aguardávamos o elevador quando uma chamada nova fez o


celular tocar em meu bolso. Eu já estava com a mão dentro dele, então só
puxei o aparelho para fora.

Sophia.

Aproveitei que Liam começara a mostrar as fotos da sua nova


garota e me afastei alguns passos para atender a chamada. Entreabri os
lábios para emitir uma saudação, mas o fungar baixo entrecortado pela
respiração ruidosa do outro lado da linha me travou. Congelei no lugar e
senti um punho de gelo agarrar meus pulmões nos segundos que Sophia
demorou para dizer algo.

— Maverick? — chamou, entre soluços que, por algum motivo, me


atingiram como socos. Meu coração descia em queda livre no meu peito. —
Acabei de saber que aconteceu um a-acidente na ONG e que a-a Liz… E-
ela foi levada para o hospital…

Suas próximas palavras foram abafadas pela pressão que se iniciou


em meus ouvidos. Seu choro angustiante tornando o que ela havia dito
ainda mais real.

Hospital… a Liz fora levada para um hospital.


QUINZE

As portas do elevador do hospital se abriram com um apito suave, e


Liam, Blake e eu disparamos para fora dele um instante depois. Meu
coração socava as costelas e eu conseguia ouvir o pulsar agitado em meus
ouvidos, sentia que me movia de modo automático, porque minha mente
não processava nada além dos piores cenários para o estado de Liz e o
medo… o medo, porra, ele estava consumindo minha sanidade. Queria me
forçar a acreditar que Liz estava bem, que apesar das informações limitadas
que Sophia tinha para me dar, o pior não havia acontecido, mas estava
difícil pra caralho. Era como se meu cérebro estivesse em modo de
sobrevivência, tentando me preparar para a perda iminente de papai e
qualquer outra que viesse.
O que era uma merda.

Liam chegou ao balcão da recepção antes de mim e berrou algo


incompreensível para o atendente, Blake estava ao seu lado um segundo
depois, como o único racional entre nós naquele momento. Eu estava
prestes da alcançá-los quando meu casaco foi agarrado por alguém às
minhas costas. Ao olhar por cima do ombro, me deparei com Sophia. Uma
versão chorosa, de olhos inchados e vermelhos, da mexicana forte e
inabalável que eu conhecia.

Meu coração afundou no peito.

— Como ela está?! — indaguei, voltando-me para ela e agarrando


seus braços.
— Eu não sei — respondeu, a cabeça se movendo de um lado a
outro. — Cheguei há pouco e não me deram informações. A sra. Caldwell
apareceu há alguns minutos e teve permissão para entrar e vê-la, mas eu,
não…

Soltei o ar devagar. Liam havia conversado com a mãe dele no


percurso de quase uma hora que havíamos feito até ali. Era bom saber que,
apesar de estar ignorando Liz por mensagens e ligações, a mãe deles não
havia hesitado em vir ao hospital encontrá-la.
Sophia se desvencilhou do meu agarre e voltou a atenção para algo
às suas costas, indicando algumas pessoas sentadas lado a lado, uma delas
tinha uma atadura na cabeça e outra tinha escoriações no rosto.
— Houve um acidente na cozinha. Eles também estavam na ONG e
têm colegas sendo atendidos agora. Me disseram que a Liz estava
desacordada quando foi levada pela ambulância, mas não tinha muitos
ferimentos, então… — ela fungou e limpou as lágrimas que escorriam pelo
rosto —… prefiro acreditar que ela está bem.

O nó que prendia meu peito cedeu um pouco quando ouvi aquelas


palavras.

— Bradshaw? — a voz de Liam me alcançou e o procurei com o


olhar. O semblante angustiado de outrora já não estava em seu rosto e
perceber isso me fez caminhar até ele, ávido por qualquer informação que
reforçasse a possibilidade de Liz estar bem. — Liberaram dois visitantes.
Podemos ir vê-la.

— Vou aguardar vocês aqui — Blake informou, me dando um


aperto encorajador no ombro.

Eu acenei, incapaz de responder. Liam observou Sophia às minhas


costas e vi o momento exato em que ele engoliu em seco, percorrendo-a de
cima a baixo. Talvez aquela também fosse a primeira vez que ele a via
chorando, tão frágil e abalada por algo. Ou mesmo vestindo moletom, calça
de corrida e tendo os cabelos cacheados presos num rabo de cavalo longo,
diferente da garota que ele dizia ser intragável e irritante pra caralho, por
sempre bater de frente com ele. Os dois se encararam por alguns instantes,
no que pareceu uma conversa silenciosa à distância, até que ele finalmente
cedeu:
— Vou pedir que liberem sua entrada em seguida.

Ela apenas acenou em resposta, limpando as novas lágrimas que


banhavam suas bochechas.

Liam deu as costas a ela e não me aguardou antes de começar a dar


passos longos e apressados em direção a um corredor. A última coisa que
ainda vi na sala de espera foi Blake se aproximando de Sophia e a
abraçando. E apesar de achar estranho vê-los assim, uma vez que eu nem
sabia que se conheciam, eu não estava com cabeça para pensar em algo
além de Liz nesse momento.
Meu amigo deu três batidas apressadas numa porta, mas não
aguardou permissão para entrar. Prendi a respiração ao vê-lo empurrá-la,
suas costas largas cobertas pela jaqueta de couro impediram que eu visse o
que havia no quarto, mas ainda pude ouvir a voz feminina e rouca o
chamando antes que Liam corresse até ela.

Estaquei na entrada, o coração reduzido a um grão, o aperto


dolorido me sufocando, e nada disso diminuiu mesmo quando pude ver Liz
no abraço desengonçado que Liam lhe dava enquanto beijava o topo de sua
cabeça repetidas vezes e dizia coisas incompreensíveis para mim.
Havia escoriações na bochecha e nos braços dela, uma marca
arroxeada em seu ombro, dedos imobilizados com ataduras, um corte em
seu lábio… e lágrimas. Ela estava chorando, seus soluços pareciam cravar
lâminas em meu peito.

Forcei-me a entrar no quarto e fechar a porta, uma mão ainda


apertando a maçaneta com força porque a vontade de empurrar Liam e
puxar Liz para meus braços me consumia, unida à urgência de conferir por
mim mesmo se não havia mais ferimentos além dos que eu conseguia
identificar. De consolá-la e cuidá-la até que ela se acalmasse.

— E a mamãe?

— Ela estava aqui comigo, mas acho que foi conversar com o
médico.
Seus olhos nublados de lágrimas se abriram e me encontraram ali.
Imóvel, atento a cada pequeno movimento seu.

— Você não vai voltar para aquele lugar! — Liam declarou,


acabando com o abraço para encarar Liz, mas ela mantinha sua atenção em
mim, como se sequer o ouvisse. Acho que também parei de prestar atenção
à voz irritada do meu amigo quando ele se levantou e Elizabeth ergueu o
braço que tinha a mão ferida, me chamando silenciosamente. Foi tudo o que
precisei para avançar como um louco, alcançar a cama e tomar Liz para
mim, envolvendo seu corpo delicado como se fosse capaz de protegê-la de
tudo.
— Como você está? — indaguei num sussurro rouco e instável,
queria apertá-la forte em meus braços, mas temi machucá-la. — Tem algum
ferimento mais grave, algo que…

— Não — ela me interrompeu baixinho, me envolvendo com um


braço e acomodando seu rosto ao meu peito. — A explosão na cozinha
industrial da ONG foi assustadora, mas acho que…, apesar de tudo o que
foi destruído, não tivemos ninguém gravemente ferido.
Acenei e depositei um beijo em sua testa, finalmente sentindo
alguma sombra de alívio me inundar. Me mantive em silêncio conforme Liz
contava uma versão reduzida dos fatos. Sua voz falhou quando narrou o
momento em que uma das panelas de pressão que usavam para cozinhar o
jantar comunitário explodiu. Elizabeth desmaiou alguns minutos depois de
ter sido lançada ao chão. Entrelacei nossas mãos para lhe dar um pouco de
apoio.

Fiquei tão atento às suas palavras e aos ferimentos que identificava


em seu corpo que demorei a notar o olhar de Liam sobre nós. Fixo. Pesado.
Furioso.

Merda.
— Que porra é essa, Bradshaw?! — disparou, um dedo em riste se
movendo em nossa direção, intercalando entre mim e Liz, olhos se
semicerrando, queimando, enquanto sua mente parecia travar e reiniciar de
novo e de novo. — Por que você está… vocês estão… — ele parou,
focando em nossas mãos entrelaçadas.

Um estalo. Eu juro que pude ouvir o estalo da conclusão acertando


sua mente antes de ele avançar em minha direção. Seus olhos injetados por
algo que ia muito além de fúria. Só tive tempo de soltar Liz, no momento
seguinte, as lapelas do meu terno foram agarradas e fui forçado a me erguer.
— O que você acha que está fazendo com minha irmã, caralho?!

— Irmão… — tentei, mas a porta do quarto foi aberta bruscamente


e nossa atenção foi desviada para ela. Liam me largou quando viu as
lágrimas banhando o rosto de sua mãe.
— O que houve? — ele perguntou, indo até ela para ampará-la. A
mulher baixa tinha o rosto vermelho e inchado, o abalo era nítido mesmo
em seu semblante sempre contido. Ela o empurrou antes que a tocasse e fez
o mesmo comigo um segundo depois. Nos tirando do caminho.

— Foi para isso que você quis liberdade?! — ralhou e só então me


dei conta de que ela havia se direcionado à Liz. — Jogou fora todo o seu
potencial, abriu mão do futuro brilhante que tinha, de uma carreira de
sucesso, de todo o investimento e apoio que demos a você desde sempre,
pra se perder desse jeito, Elizabeth?!
— Mamãe… — Liam tentou, o tom conciliador somado à nova
tentativa de aproximação. — Foi um acidente, a Liz está bem agora…

— Um acidente?! — a senhora Caldwell repetiu, meneando a


cabeça com incredulidade, sem tirar seus olhos de Liz, que apenas a
encarava com olhos brilhantes de lágrimas. O vinco sutil em sua testa como
único indício do seu desentendimento.
— Mamãe… — ela tentou, num sussurro frágil que cravou a porra
de uma faca no meu peito. Tentei me aproximar, mas Liam se colocou à
minha frente. A raiva ainda crepitava em seus olhos, mas era nítido que, no
momento, era mais importante lidar com sua mãe, que começara a percorrer
o quarto pequeno, nitidamente perturbada.

— Já falei com a Liz — ele disse, voltando-se para sua mãe, que já
chorava —, ela não vai para aquele lugar de novo, nós vamos tirar…
— Não pode fazer isso… — alertei, acenando em negativa, sem
acreditar nessa merda.

— Cala a porra da boca, Bradshaw!

— Eu não vou… — Liz tentou, mas foi interrompida pelo corte


agudo de sua mãe:

— Você vai tirar esse bebê, sim!

As palavras caíram como uma bomba. Uma que instaurou silêncio,


tensão e pareceu drenar o ar do quarto. Tornar o ambiente nocivo.
— O quê? — foi Liam a conseguir abandonar o torpor primeiro e,
apesar de ter registrado essa pergunta e o movimento abrupto dele para
encarar a mãe, eu me senti aéreo. Como se tivesse recebido um chute no
peito e ainda não conseguisse sequer processá-lo.

— Do que a senhora está falando? — a voz de Liz soprou,


praticamente sem fôlego, olhos arregalados.

— Não vai levar essa gravidez adiante! — a mulher berrou, rouca


pelo choro. A palavra me atingiu como um tapa. Precisei me apoiar à
parede para me manter de pé. — Não vou de-deixar que estrague sua vida
assim! Você só tem vinte e u-um anos, não sabe na-nada do mundo, do que
é ter a responsabilidade sobre outra vida, sobre um bebê, não pode…

Sua voz foi abafada pela pressão aumentando em meus ouvidos.


Pelo canto do olho, vi Liam envolver sua mãe em um abraço e tentar
conversar com ela, mas apenas umas palavras soltas me alcançavam a essa
altura:

Gravidez…

Bebê…

Vinte e um anos…

Estragar a vida da Liz…

Comecei a hiperventilar. De alguma maneira, meu olhar encontrou o


de Liz e percebi nela o mesmo medo que me dominava. Lágrimas pingavam
de suas bochechas enquanto seus olhos cintilavam numa mistura
angustiante de dor e aflição, como se também esperasse que aquele fosse
um maldito pesadelo do qual acordaríamos a qualquer momento.
Mas não era, e o desespero de sua mãe deixava isso muito claro.
— O médico acabou de me dizer! Eu estava com ele ainda pouco,
preocupada a-achando que ela poderia ter sofrido algum ferimento sério —
se interrompeu, os soluços enchendo o quarto, a dor em cada palavra, a
desolação, a mágoa… todos estavam direcionados à Liz agora. — E ela está
grávida!

— Mamãe… — Liam tentou contê-la a apertando em um abraço,


mas a mulher parecia fora de si.

Não sei de onde tirei forças para sair do estado de inércia em que me
encontrava, mas o fiz e logo trazia Liz para meus braços, envolvendo-a com
cuidado, como o escudo que, infelizmente, não a protegeria de nada do que
acontecia agora.
Ela estava paralisada. Olhos perdidos em algum ponto do quarto.
Fechada para processar o que acontecia, como costumava ficar em situações
assim.

— Vamos levá-la para um hospital em Manhattan — a senhora


Caldwell prosseguiu. — Podemos agendar o procedimento. Existem
inúmeras clínicas que fazem isso de forma segura. Será rápido e ficarei com
ela até que se recupere, então…
— Mamãe! — Liam tentou chamar a atenção da mulher, a negação
veemente expressa em seu tom. — Não vamos…

— Vamos fazer isso! — ela insistiu.

— Não vão — rosnei, alto o suficiente apenas para ser ouvido por
ambos.

— Fique fora desse assunto! — a senhora Caldwell mandou. —


Elizabeth é uma menina! Não tem ideia…
— Vocês não vão decidir porra nenhuma por ela! — eu me exaltei,
mesmo sem querer assustar Liz. Meus olhos encontraram os verdes da
mulher de meia-idade ainda amparada pelo filho. — É melhor a senhora se
acalmar e esperar a Liz digerir essa informação.

— Pare de se intrometer nas nossas vidas! Você não tem nada a ver
com isso! Nem deveria estar…

— Tenho, sim — avisei, mais baixo agora, um nó fodido apertando


minha laringe.
— O que você poderia ter… — ela parou. Senti sua atenção
pousando sobre mim, sobre Liz em meus braços. Meus olhos alcançaram os
de Liam, se prenderam aos dele, à raiva que coexistia com a culpa, com a
decepção, com o ódio e a vontade explícita de me arrancar de perto da sua
irmã.

Hesitei. A dor abrindo fissuras em meu peito. O coração afundando


com a certeza de que Liam não me perdoaria. A porra de um punho de ferro
agarrando minha garganta, tornando ainda mais difícil proferir as próximas
palavras. Talvez as mais difíceis que eu já havia precisado dizer.
— Eu sou o pai.
DEZESSEIS

As palavras flutuavam em ecos em minha mente.

Ela está grávida…

Está grávida…

… vai tirar esse bebê…


… bebê…

— Como pôde tocar na minha filha?! Nós confiávamos em você!


Elizabeth é uma menina ao seu lado!

A voz aguda de mamãe voltou a encher meus ouvidos, me


empurrando ao presente a tempo de vê-la sendo contida por um Liam
apreensivo, enquanto ela berrava algo em minha direção. Demorei a
perceber que não falava comigo, demorei a me dar conta de que havia
braços fortes me envolvendo, demorei a distinguir a voz de Maverick em
meio aos insultos que mamãe atirava nele.
Demorei a conseguir reagir.

— Chega! — gritei. Minha voz saiu estranha, rouca e frágil, quase


se quebrando naquela única palavra, ainda assim foi suficiente para
silenciar todos. Para deixar mamãe imóvel, seus olhos claros fixando nos
meus. — Tire a mamãe daqui — pedi, sem desviar a atenção dela, sem
precisar encarar Liam para ele saber que meu pedido era direcionado a ele.
Senti que meu irmão argumentaria, cheguei a me preparar para o
impacto de suas próximas palavras, mas elas foram interrompidas pela
entrada da enfermeira gentil que me atendeu quando acordei ali, há menos
de uma hora.

— O que está acontecendo aqui?


— Por que deixaram esse homem entrar?! — mamãe indagou,
apontando para Maverick, que mantinha seus braços ao redor do meu corpo.
— Ele não é da família, nem…

— A senhora precisa baixar a voz, estamos num hospital, há


pacientes em outros quartos e eles precisam que este seja um ambiente
seguro e tranquilo.
As sobrancelhas delicadas de mamãe se uniram, parecia ser difícil
acreditar que estava sendo repreendida. Ela ainda entreabriu os lábios para
retrucar, mas desta vez fui mais rápida.
— Liam, tire a mamãe daqui, por favor — pedi. Eu não tinha forças
para lidar com ela agora, não conseguiria me fazer ouvir nem aguentaria
mais um minuto daquele seu olhar decepcionado. Já tinha coisas demais
com as quais lidar depois de ela ter jogado uma gravidez na minha cara da
pior maneira possível.

— Não vou deixar você sozinha com esse filho da puta — meu
irmão rosnou, o olhar furioso cravado em Maverick.

— Vai, sim — avisei, quando a enfermeira, impaciente, deixou o


quarto. — Preciso conversar com…

— Esse desgraçado seduziu você, Liz! — Liam berrou, apontando


para o homem que eu sentia rígido de tensão contra as minhas costas. —
Seduziu uma garota, porra! A minha irmã! Fodeu com você debaixo do
meu nariz! — Meu irmão meneou a cabeça, os olhos castanhos se enchendo
de lágrimas de culpa. — E agora você está grávida.

Um nó dolorido latejou em minha garganta.

— Ele não me seduziu — informei, ainda baixo, contida como me


forçava a ficar para não desabar de vez. — Eu fui atrás dele.

— Você está cega — Liam emitiu com dificuldade, com pena. —


Como eu não vi antes o que esse filho da puta estava fazendo com você?!

— Liam… — Maverick tentou.

— Cala a porra da boca, Bradshaw! — vociferou. — E solta minha


irmã, seu pervertido de merda!
Liam se desvencilhou de mamãe e avançou tão rápido no homem ao
meu lado, para arrancá-lo de perto de mim, que mal pude respirar antes de
ver seu punho o acertando. As costas de Maverick se chocaram à parede e
Liam voltou a socá-lo.

— Solta ele, Liam! — mandei, me remexendo com desespero sobre


a cama, a dor em meus ferimentos latejando em meio às minhas tentativas
de levantar, mas mamãe me alcançou antes que eu pudesse fazê-lo, me
puxou para si em um abraço e tentou ocultar de mim a visão da briga dos
dois.

— Está tudo b-bem, querida — ela sussurrou, acariciando meus


cabelos. — Agora eu entendo o que aconteceu… vamos cuidar de vo-
você… vamos resolver essa situação juntas, okay?

— Me solta — implorei, rouca, cega pelas lágrimas e pelo desespero


enquanto apenas os insultos de Liam e o som angustiante dos seus punhos
acertando Maverick se faziam ouvir.

A culpa me corroía por dentro, a pressão insuportável em meu peito


se equiparava ao peso dos cascos de um animal enorme me encurralando ao
chão. Eu mal conseguia respirar entre as tentativas de me livrar de mamãe.
Odiei que Maverick precisasse ouvir e passar por tudo isso. Só pude
imaginar quão difícil era para ele ver um dos seus melhores amigos o olhar
daquele jeito, lhe dizer palavras como aquelas.

A porta do quarto foi aberta mais uma vez e três seguranças


entraram rapidamente, seguidos pela enfermeira que havia saído há pouco.
Meu coração acelerou, mamãe me soltou para mandar que os homens
largassem Liam, mas foi em vão. A confusão só piorou. Procurei Maverick
e um soluço me escapou da alma quando o vi no chão, imóvel. Escoriações
em seu rosto bonito e inexpressivo, um filete de sangue vivo deslizando
pelo canto de sua boca. Olhos perdidos.

Tentei me erguer de novo, mas desta vez fui impedida pela


enfermeira.

— Fique deitada — orientou suavemente, então seguiu meu olhar


para encontrar Maverick. — É o seu namorado? Vamos cuidar dele.
Após Liam ser rebocado para fora em meio às ameaças de mamãe
direcionadas aos seguranças, pedi para a enfermeira:

— Tire ela daqui.

A mulher me encarou por alguns instantes, olhos gentis e


compreensíveis lendo-me sem julgamento antes de ela acenar em
concordância.

Em pouco tempo, estávamos sozinhos, minha pressão era aferida e


outra enfermeira limpava e tratava os ferimentos de Maverick, que
continuava calado e imóvel, agora sentado em um banco.

— Vou dar alguns minutos a vocês dois. O médico pediu que


preparássemos a senhorita para um exame, então voltarei daqui a pouco —
a enfermeira avisou ao concluir, então ergueu o lençol branco da cama para
cobrir a bata azul que eu usava. Instantes depois, a porta foi fechada às suas
costas, após ela sair com sua colega de trabalho.

Então o silêncio, o silêncio pesado, foi o que ficou.


— Me desculpe — pedi.

Apesar de ele não me encarar, vi o momento em que fechou os olhos


e meneou a cabeça em negativa.
— Por quê? — indagou, a gravidade em sua voz denunciando todas
as emoções presas em sua garganta nesse momento. — Eu é que fiz merda e
consegui ferrar com…

— Maverick… — chamei, ele me encarou, os olhos brilhantes pela


umidade, pela dor.

— Também estou estragando sua vida — sussurrou, a primeira


lágrima rolando lentamente.
Acenei em negativa, meu próprio choro transbordando pelas linhas
d’água dos meus olhos. Doeu ver a culpa estampada em seu rosto, doeu até
imaginar o que poderia estar passando por sua cabeça agora.

— Não está — garanti, mas minha voz ainda soou frágil, e me tornei
incapaz de controlar o choro quando Maverick desabou, sem conseguir
continuar guardando para si a bagunça emocional em que ele também havia
se transformado. Tentei abafar meus soluços, temendo que ele se fechasse e
se afastasse, mas foi em vão. Nossos olhos se encontraram em meio às
lágrimas e à dor, todas as nossas inseguranças muito cruas e expostas um
para o outro. As dúvidas, os medos.
Maverick se ergueu do banco em que estava e me abraçou. Forte.
Tão forte como se quisesse drenar a dor que eu sentia.

— Não chora — ele pediu rouco, baixo, instável como eu nunca


havia visto. Ainda assim, não consegui me conter, bastava lembrar das
palavras de mamãe, do seu olhar, do seu choro. Do fato de que eu estava
grávida. Grávida.
Eu estava grávida.

Não parecia real.


— Nunca transamos sem camisinha. — Não foi uma pergunta.

— Nunca.

Respirei fundo com dificuldade.


— Quais as chances? — sussurrei e desta vez ele não foi capaz de
dizer nada.

Mas eu sabia.

Eram mínimas. Insignificantes. Irrisórias.

Esquecíveis.

E ainda assim, ali estava eu, grávida.

— Você me disse que não quer ter filhos — balbuciei e a mera


lembrança daquela conversa me feriu profundamente. O medo de Maverick,
eu conseguia lembrar dele incrustado em seus olhos, não tive coragem de
perguntar seus motivos antes, mas agora precisava saber. Precisava
entender. — Por quê?

Ele engoliu em seco, segundos de silêncio foram minha primeira


resposta, o aperto dos seus braços em meu entorno foi a segunda. Maverick
inspirou fundo e pressionou um beijo no topo da minha cabeça, eu quis me
mover e encará-lo, saber o que havia em seu semblante, mas não tive
coragem suficiente para fazer isso. Não tinha ideia do que encontraria em
seu rosto, porém tinha certeza de que as chances de não saber lidar com o
que encontrasse eram grandes. Eu já estava uma bagunça.
— Essa situação não é sobre mim, Liz — sussurrou por fim. — O
que você quer fazer? Você quer ter o bebê? Eu vou ficar do seu lado
independente da decisão.
Lágrimas encheram meus olhos.
— Não vou deixar você sozinha… não vou te forçar a nada.

Ali eu desmoronei. Dei vazão a tudo o que sentia e fui amparada por
seus braços. Permaneci neles por minutos, segura, recebendo o carinho
suave dos seus dedos em meus cabelos, do mesmo jeito que eu acarinhava
os seus para acalmá-lo quando sentia que ele precisava. Eu quis poder
confortá-lo também, mas tudo o que consegui fazer foi abraçá-lo. Deixar de
lado o fato de que meus braços continuavam doloridos pelos ferimentos e
apertar Maverick para lhe dizer, sem palavras, que também estava ali para
ele.
Passamos minutos abraçados naquela posição, nos acalmando e
confortando, nossas respirações e batimentos cardíacos assumindo o mesmo
ritmo, até que me senti pronta para começar a me erguer dos escombros, de
tudo o que havia desabado sobre mim nas últimas horas. Estava exausta,
mas precisava fazer isso. Ou pelo menos começar, antes de a enfermeira
retornar e dar fim àquele momento de fragilidade que eu compartilhava com
Maverick.

— Me conte, por favor — pedi. Não precisei esclarecer sobre o que


falava, ele sabia que pergunta eu havia feito que continuava suspensa entre
nós.

Seus músculos tensionaram contra mim, a hesitação durou mais


tempo desta vez, se prolongou por mais de um minuto em que Maverick se
manteve imóvel. Novamente, eu quis encará-lo, tentar ler em seu semblante
o que poderia estar se passando por sua mente, mas temi que ele se sentisse
ainda mais pressionado se eu o fizesse, então apenas entrelacei nossas
mãos.
— Por que disse que não serve para ser pai?

Ele inspirou fundo em meus cabelos.

— Todos os homens da minha família foram uns pais de merda, Liz


— contou. — Meu bisavô criou um filho da puta cruel e desalmado, meu
avô pisoteou o filho até empurrá-lo numa ladeira de autodestruição e
inconsequência, meu pai nunca quis ou soube o que fazer comigo ou com
uma esposa…
Engoli em seco.

— Eu sei exatamente como um pai de merda pode foder a mente e a


vida de um filho — sussurrou, por fim. — Nunca me senti particularmente
atraído pela ideia de ser um.

Você não seria… pensei, mas antes que pudesse verbalizar as


palavras, ele concluiu:

— E quando lembro da minha infância e adolescência em casa e na


escola — fez uma pausa, percebi o coração socar suas costelas às minhas
costas, até o movimento do seu peito quando ele engoliu com dificuldade
—, eu só consigo pensar que odiaria ver uma criança passando por metade
do que eu passei.

Pressionei os lábios com força e me movi sobre a cama para encará-


lo. Em meu coração, senti que algo em suas palavras estava deslocado,
como se não se relacionasse apenas ao seu pai e avô, mas a vulnerabilidade
que vi em Maverick me impediu de fazer qualquer pergunta sobre isso. Tive
certeza de que estaria forçando demais se o fizesse.

— Você merecia muito mais que isso, Liz — emitiu, num tom de
confissão. — Mais do que uma gravidez a essa altura da sua vida, quando
está só começando a descobrir as coisas que quer e gosta de fazer, mais do
que alguém fodido que não tem metade da sua inteligência, nem faz ideia
de como ser seu namorado ou um… — ele não conseguiu concluir. — Eu
fui egoísta quando ignorei tudo isso.

Meneei a cabeça em negativa e envolvi seu rosto com minhas mãos,


tendo o cuidado de não tocar seus ferimentos. Ignorei a dor em minhas
falanges e encostei minha testa à sua.

— Você é um homem incrível, Maverick Bradshaw — sussurrei. —


Apesar do seu pai, do seu avô, da sua infância e adolescência, você é um
homem incrível. Está sempre disposto a ajudar e cuidar das pessoas que
ama… a oferecer um sorriso, conselho ou uma provocação espertinha… a
fazer as pessoas rirem, a protegê-las… a ser gentil e leal sem medo, sem
esperar nada em troca… — minha voz embargou e precisei fazer uma pausa
antes de concluir: — E eu admiro, respeito e amo tantas coisas em você.

— Liz…

— Você nunca seria um pai ruim — afirmei. — Só o fato de estar


aqui, preocupado com isso e comigo, quando mal digerimos essa gravidez,
prova que não seria como seu pai e avô.
Ele deslizou o polegar pela minha bochecha, limpando a umidade,
tomando seu próprio tempo para absorver minhas palavras, no entanto,
ainda senti como se elas encontrassem uma barreira nele. Uma que meras
palavras não seriam capazes de ultrapassar. Em algum momento, o seu
braço livre envolveu minha cintura e me trouxe para mais perto, qualquer
mínima distância entre nós parecia ser insuportável agora.

— Se quiser fazer isso, eu vou dar o meu melhor, Liz — prometeu,


em meus lábios. — Pro nosso bebê, pra você… Vou dar o meu melhor ou
morrer tentando.
Minha respiração falhou ao ouvir as palavras bebê e nosso saírem
dos seus lábios. De repente, foi como se elas consolidassem uma verdade
que nem todos os pensamentos anteriores haviam conseguido.

Eu estava grávida. Grávida de um bebê que era nosso.

O medo voltou com tudo, muito mais real agora. Medo de não ser
capaz de lidar com as mudanças, de não conseguir ler Maverick e mantê-lo
comigo com a leveza e paixão de antes; de as coisas mudarem tanto entre
nós a ponto de não nos reconhecermos e nos afastarmos; medo de passar
por uma gravidez, de ter um bebê, de colocar uma vida no mundo, de ser
responsável por um ser pequenino e tão frágil, por criar alguém e torná-lo
uma boa pessoa.

Não consegui emitir mais nada em resposta. Acho que Maverick


compreendeu meu silêncio e, por isso, me deu o tempo de que eu precisava,
sem cessar as carícias em minhas costas e cabelos, sem desistir de me
confortar e acalmar. Ficamos assim por mais alguns minutos.

Batidas na porta levaram nossa atenção à entrada, a tempo de ver a


enfermeira retornando com uma cadeira de rodas, para me levar à sala do
exame que eu precisava fazer.
Acho que eu estava em modo automático e acabei não fazendo
nenhuma pergunta conforme Maverick me ajudava a sentar sobre a cadeira
e me empurrava através de corredores, guiado pela enfermeira. Eu mal
registrei o caminho que fizemos. Apenas quando já estávamos diante do
médico, ele informou que faríamos uma ultrassonografia para confirmar
que estava tudo bem com o bebê, já que o exame de sangue feito quando
dei entrada no hospital não dava certeza disso.
Maverick se sentou num banco ao meu lado e entrelaçou nossas
mãos, apertando as minhas com força, até eu encará-lo, até ter coragem para
olhar em seus olhos injetados por uma vermelhidão atípica, por um brilho
que nada tinha a ver com aquele que fazia seus orbes cintilarem quando ele
me provocava ou dava uma resposta espertinha. Ele estava nervoso. Estava
com medo. Estava inseguro. Mas estava ali, comigo. E apesar de tudo o que
eu via em seus olhos e semblante nesse momento, eu não tive dúvidas de
que ele continuaria mesmo ao meu lado independente da decisão que eu
tomasse.

O médico explicou o procedimento e fiquei tensa. Eu costumava ter


consultas com ginecologistas mulheres, havia me acostumado a exames
feitos por mulheres. De repente, teria que ficar imóvel e aceitar que um
homem que eu mal conhecia enfiasse algo em minha vagina para fazer um
exame.

Meu desconforto certamente foi perceptível, mas a tensão que


Maverick passou a emanar pareceu vibrar no ar.

— Entendo que pode ser um exame invasivo — o médico iniciou,


voltando seus olhos escuros para nós, uma expressão tranquila em seu rosto.
— No entanto, é o exame que nos dará certeza de que o bebê ainda está aí, e
que está bem.

Meu coração parou, o ar foi roubado dos meus pulmões por aquelas
últimas palavras.

— Do que está falando? — foi Maverick a disparar, sua postura


enrijecendo, o corpo praticamente se inclinando sobre mim, na direção do
médico que estava do meu outro lado. — Como assim ter certeza de que o
bebê está aqui?!
O homem se voltou para nós com o cenho franzido.

— A senhorita chegou ao hospital com um pequeno sangramento.


Sua mãe não lhe disse?

Acenei em negativa. Maverick e eu apertávamos a mão um do outro


com tanta força que eu teria sentido dor se fosse capaz de registrar algo
além do conflito que me tomou.

Eu podia ter perdido o bebê? Podia ter perdido e… Olhei para


baixo, a direção do meu ventre ainda coberto pela bata hospitalar. Lágrimas
anuviaram minha visão. Um desespero desconhecido ascendendo em meu
peito, me paralisando.

— Me desculpe — o médico pediu, resignado. — Eu devia ter


levado em consideração o abalo da sua mãe ao conversarmos. É provável
que ela não tenha ouvido tudo o que eu disse.

— Faça o e-exame — pedi, consciente do tremor em minha voz. Do


medo que não fui capaz de esconder. Mais um com o qual eu precisava lidar
em tão pouco tempo.

Seria muito cruel, meu Deus. Em menos de três horas, receber a


notícia de que estava grávida e também descobrir que havia perdido o bebê.

Meus olhos voltaram a arder por causa das lágrimas.

Maverick levou minha mão aos seus lábios, para beijar o dorso, mas
não consegui encará-lo nesse momento. Não pude sequer me mover. Havia
coisas demais desmoronando em mim.
Em segundos, o médico organizou os materiais de que precisaria,
me orientou sobre a posição em que eu deveria ficar e pediu licença antes
de iniciar o procedimento. Apertei a mão de Maverick com mais força ao
sentir o desconforto e o gelado entre as pernas. Cerrei os olhos, sufocando
um ofego baixo, com lágrimas que já surgiam por tantos motivos que seria
difícil identificar qual deles fora responsável por elas transbordarem.
Não consegui respirar aguardando por algum som, batidas de um
coração, algum indício de vida dentro de mim, mas não houve nada além de
movimentos desconfortáveis em meu interior, pausas para o que desconfiei
serem anotações e o pulso agitado de Maverick vibrando em meu antebraço
enquanto o meu próprio latejava em meus ouvidos.

— Diga alguma coisa, porra! — ele mandou, tão ou mais aflito do


que eu.

O médico hesitou. Tomei coragem para abrir os olhos e encarar o


homem baixo ao meu lado esquerdo. As próximas palavras saíram com
tanta dificuldade, que senti como se rasgassem minha garganta:

— Por que não ouvimos os batimentos cardíacos?


— É muito cedo — o médico informou, então apontou para a
imagem cinzenta na tela. Vários pontinhos unidos que não pareciam ter
forma alguma. — O bebê ainda não está formado a ponto disso, mas pelo
que vejo, o saco gestacional está aqui e intacto, com tamanho também
normal. Ele está bem.

O alívio que me inundou transbordou para fora num suspiro trêmulo


que me trouxe mais lágrimas aos olhos, um choro inesperado que parecia
entalado na garganta. Maverick se ergueu e me abraçou com força.
— Está tudo bem… o bebê… ele está bem — repetia baixinho,
rouco. Senti seu coração trovejando no peito, a respiração agitada, o tremor
atípico em suas mãos. Sinais que indicavam que eu não era a única
emocionada por aquela certeza.
O médico continuou a falar, fez perguntas que incluíram a data da
minha última menstruação, então informou que eu estava entre quatro e
cinco semanas de gravidez, que nesta fase pequenos sangramentos não eram
incomuns, e me orientou a procurar uma obstetra para iniciar o pré-natal.
Ao encerrar o procedimento, ele nos deixou sozinhos por tempo suficiente
para eu me acalmar, para sentir Maverick regularizar sua respiração.
— Foi na nossa primeira noite — ele sussurrou, se referindo à
concepção.

Eu acenei uma vez, em concordância, mas ainda não estava pronta


para dizer nada. Mesmo com a mente em conflito, não recusei o afago
suave que Maverick iniciou em meus cabelos e rosto. Senti meu corpo
relaxar aos poucos e acomodei minha cabeça ao seu peito, observando a
atadura em minha mão. Eu havia quebrado um dedo no acidente na ONG.
Em segundos, todo aquele dia passou em minha mente como um
flash, desde as provocações que troquei com Maverick na madrugada, ao
momento em que nos despedimos com um beijo quando ele me deixou na
ONG e foi trabalhar, então dei aulas aos meus pequenos, ajudei com os
preparativos para o jantar comunitário que ofereceríamos naquela noite,
sofri o acidente, descobri uma gravidez, percebi que não tinha forças nem
queria mais lidar com mamãe tão cedo, temi perder um bebê que nem me
dera conta de que havia aceitado.

Vinte e quatro horas. Esse foi o tempo que levou para minha vida
dar aquela volta completa.
— Maverick?

— Sim?
— Vamos ter esse bebê — informei, porque a decisão já estava
tomada. Independente de qualquer insegurança, de todos os medos. Dele.

Seu coração voltou a percorrer uma maratona no peito, então ele


soltou o ar devagar, como se desopilasse os pulmões e se livrasse de algo
que o afligia. O corpo me envolveu e apertou um pouco mais forte, seus
lábios depositaram um beijo em minha têmpora, não com resignação, mas
com o que alguma parte de mim quis reconhecer como alívio.

— Vamos — declarou, por fim.


DEZESSETE

A ausência do calor de Liz me acordou. Estendi o braço para o outro


lado da cama e confirmei que ela já não estava comigo, isso foi suficiente
para me fazer abrir os olhos e buscá-la no seu quarto semiescuro.
A porta entreaberta iluminava a mesa de cabeceira ao lado da cama,
o relógio nela me informou que se aproximava de cinco da manhã. Horário
em que se tornara comum já estarmos acordados nos últimos dias, graças à
insônia recorrente nas noites que seguiram nossa saída do hospital.

Esfreguei os olhos já me forçando a levantar e apurar os ouvidos


para identificar qualquer barulho que me indicasse onde Liz estava, mas
não notei nada. No corredor, a luz apagada do banheiro me deu certeza de
que ela não estava lá, então segui para a sala. Não demorei a encontrá-la
sentada sobre a mesa minúscula da cozinha — à vista graças ao balcão que
dividia os dois ambientes e a uma lâmpada amarelada —, segurando uma
colher com a mão ainda enfaixada por causa do dedo quebrado e, com a
outra, o aparelho de leitura que parecia um tablet. Acho que Kindle era o
seu nome.

Cruzei a sala escura em silêncio, bocejando, a atenção focada em


Liz, o sono sendo afastado a cada passo. Sorri para o pijama de flanela
cheio de bolinhas pretas que ela vestia, aquele que ela defendia desde que
ganhara da sua melhor amiga. Liz estava entretida com o que lia e não
notou minha aproximação sorrateira, não largou a colher, enfiando-a no
pote de sorvete ao seu lado e a levando à boca quase sem piscar para a tela.

Encostei-me ao batente da entrada e cruzei os braços sobre o peito,


aguardando que ela me percebesse ali. Não queria assustá-la, ou perder as
caras e bocas que fazia durante a leitura. Nos últimos dias, eu havia me
acostumado à sua expressividade enquanto lia. Era engraçado.

Pressionei os lábios para não rir ao vê-la unir as sobrancelhas e


largar a colher no pote.

— Mas que… filho da… não acredito!

— No que você não acredita? — perguntei, sem resistir.


— Nesse filho da pu… — ela parou, finalmente erguendo os olhos
arregalados para mim. Suas bochechas ganharam aquele tom avermelhado
atípico, que a deixava irresistível. — O que está fazendo acordado?
— Eu poderia perguntar o mesmo — devolvi, o sorriso crescendo
ainda mais. — Ainda não são cinco da manhã. A leitura estava tão boa
assim?

Ela suspirou, então sorriu pequeno e abaixou o aparelho de leitura.

— Não, eu estava com insônia… e com fome.

— Poderia ter me acordado. — Entrei na cozinha. Havíamos


compartilhado as horas silenciosas e insones das últimas madrugadas e,
desde que havíamos descoberto o real motivo do seu apetite noturno quase
insaciável, eu que levantava para lhe trazer algo para comer.

Ela meneou a cabeça em negativa, mas não evitou meu toque


quando envolvi seu rosto com as mãos, na verdade se aconchegou a ele.

— Eu estou bem agora. Ler me ajuda.

Deu de ombros, as pernas já circulando minha cintura, as mãos


pousando sobre o meu peito, o corpo se moldando ao meu com a
naturalidade que eu já não conseguia lembrar quando surgira. Parecia existir
desde sempre agora.

Sorri.

— Xingar alguém que não existe no meio da madrugada é o que te


ajuda? — Ela riu e me abraçou. Inspirei seu cheiro direto de seu pescoço.

— É terapêutico, sabia? — devolveu, sua voz agora abafada pelo


meu peito nu, os pelos suaves dele se eriçando. — Os livros me ajudam a
evitar as crises existenciais da minha realidade.
— Liam costumava te chamar de ratinha de biblioteca — lembrei,
com um sorriso. — Dizia que, desde pequena, você se enfurnava nelas.
— Eu adorava mesmo.

Apertei-a um pouco mais forte, louco para ter o calor de seu corpo
aquecendo tudo o que alcançasse do meu. O que me ajudava a evitar as
crises existenciais da minha realidade atual era saber que Liz continuava
nela. Comigo.
Depositei um beijo delicado em sua nuca e a vi se arrepiar para
mim, em reconhecimento, como sempre.

— Adoro esse seu pijama de bolinhas — provoquei em algum


momento. — É a última coisa que imaginei que te veria usando um dia.
Liz sorriu, senti seus lábios se esticando em meu peito.

— Eu sei que é brega, okay? Mas é confortável — defendeu-se, pela


segunda vez na semana. — E quentinho. Ganhei da Sophs.
Um sorriso pequeno curvou meus lábios, eu sabia que a mexicana
havia escolhido o modelo de propósito, para fazer a Liz rir há alguns dias,
quando nós dois ainda estávamos digerindo toda a coisa da gravidez e das
mudanças que já aconteciam em nossas vidas. A garota tinha sido
providencial essa semana. Havia expulsado daqui um Liam puto que queria
me matar por saber que eu tinha vindo para o apartamento de sua irmã após
sairmos do hospital — porque Liz se recusara a ir para outro lugar e eu não
a deixaria sozinha —, além de ter garantido que ele não voltaria aqui até Liz
estar pronta para vê-lo. Eu não sabia como Sophia havia conseguido isso,
mas ela parecia levar Liam na palma da mão e, normalmente, quando batia
de frente com ele, ela conseguia o que queria.
Sophia estava sempre de olho na amiga também, cuidando e lhe
dando apoio nesses dias de adaptação e aceitação. Eu sabia que meus
amigos também fariam isso por mim se eu deixasse, mas eu precisava do
meu próprio tempo para absorver tudo antes de deixá-los fazerem parte. De
me sentir pronto para conversar sobre a gravidez e a minha briga com Liam.
Apesar disso, eu já havia aceitado o conselho de Blake, sobre dar
um tempo a Liam antes de voltar a tentar conversar com ele. Fazia exatos
cinco dias desde que eu falara com o irmão de Liz e informara a ele que lhe
daria tempo antes de voltar a procurá-lo. Sua resposta fora rosnar e tentar
avançar sobre mim, mas ao menos ele já estava ciente de que eu não estava
fugindo dele, apenas nos dando um tempo.

— Adoro que você só use a calça do pijama — Liz disse, trazendo


minha atenção ao presente com suas palavras e o raspar sutil dos seus lábios
e dentes em minha pele. — Consigo sentir seu calor, a textura da sua pele…

— Você adora é me ver com pouca roupa, admita — instiguei.

Ela riu.
— Não, eu adoro ver você nu, Maverick — devolveu. — Com
pouca roupa, você só mexe com minha imaginação.

Havia um sorriso pequeno em seus lábios quando ergui seu rosto o


suficiente para beijá-los com suavidade. Adorava essa sua predisposição a
entrar nas minhas provocações, a retrucar cada pergunta e resposta
espertinha. Adorava sua sagacidade, porra.
Envolvi suas costas com um braço e acariciei sua cintura, era o mais
perto que eu conseguia chegar do seu ventre. Eu ainda estava me
acostumando à ideia de tocá-lo consciente de que havia um bebê crescendo
nele. De que eu seria o pai. Acho que Liz também.
— Como você está? — indaguei, baixinho, sem querer quebrar
aquela bolha em que estávamos.

Ela não hesitou, mas tenho certeza de que compreendeu sobre o que
eu falava.

— Melhor que ontem. E você?


— Melhor que ontem — repeti, porque era a verdade, era o que
dizíamos um ao outro desde que saímos do hospital.

Mesmo com as inseguranças fodidas que eu ainda carregava, eu


reconhecia que lidar com as últimas mudanças, com a certeza de que
seríamos pais, parecia ficar um pouco menos difícil a cada dia que passava,
a cada manhã que acordávamos um com o outro e percebíamos que não
estávamos sozinhos para passar por isso; a cada olhar eloquente que
trocávamos antes de perceber que o outro precisava de algo que ainda não
era capaz de verbalizar, toda vez que eu olhava para Liz e enxergava sua
força, sua certeza inabalável de ir em frente apesar de tudo.
Ela não era como minha mãe, era o que eu tentava lembrar a mim
mesmo. Não estava sendo forçada a levar uma gravidez adiante ou um
relacionamento. Elizabeth queria estar comigo, queria aquele bebê e eu
nunca deixaria que abrisse mão dos seus sonhos e objetivos por causa dele
ou de mim. Podia ter estragado a vida de mamãe, mas nunca estragaria a
dela.

— Está pronta para a consulta de hoje?


Ela acenou. Era a primeira do pré-natal e eu já desconfiava de que
esse era o motivo da sua insônia nessa madrugada. Eu havia feito minha
secretária encontrar a melhor obstetra de Manhattan, a mais disputada.
Queria que toda essa fase fosse facilitada pelos melhores profissionais.
Deslizei a palma da mão sobre suas costas, acariciando-as
lentamente sob o tecido do pijama, fazendo os círculos lentos que
costumavam ajudá-la a se acalmar.
— Vou voltar para a ONG hoje — lembrou e foi minha vez de
apenas acenar em resposta. Apesar da maior parte dos seus ferimentos já
terem sarado, Liz ainda não havia recuperado seu dedo quebrado e evitava
fazer muito esforço com a mão, porque continuava dolorida, mas eu já a
havia convencido a ficar uma semana distante daquele lugar, não
continuaria insistindo nisso, não quando sabia que ela estava preocupada
com seus alunos. — Liam me ligou ontem de novo.

Cerrei os olhos por um momento, Liam havia ligado todos os dias.


Devia estar enlouquecendo de preocupação.

— Ele pediu novamente para nos encontrarmos.

— E o que você disse?

Ela hesitou.

— Que ainda não estou pronta.


Depois de ser expulso do hospital em que Liz estava, Liam ficou
louco para tirá-la de lá, para me tirar de perto dela, mas ela se recusou a
permitir a entrada dele de novo, ou a de sua mãe. Eu entendia que estava
magoada e tentando se recompor completamente para lidar com os dois, no
entanto, eu também podia imaginar o nível de preocupação de Liam. Talvez
ele até achasse que eu estava manipulando Liz, impedindo-a de vê-lo.
Pensar nessa possibilidade de merda doía como o inferno, mas eu sabia que
ela existia, e a evitava propositalmente porque nesse momento era mais
importante estar com Liz, e não surtar porque tinha ferrado uma amizade de
quase quinze anos.
— Você sabe que não pode continuar evitando seu irmão e sua mãe,
não é?

Ela me apertou um pouco mais forte, sua voz vibrou em meu peito
quando respondeu:

— Eu sei.

Pressionei os lábios ao ouvi-la, ao sentir sua hesitação. Pensei em


tudo o que passara em minha mente nos últimos dias, em tudo o que poderia
ter passado pela mente de Liz depois do que acontecera no hospital. Do que
sua mãe dissera e insistira que faria.

— Como você está sobre o que aconteceu no hospital? — tentei


novamente. — Sobre sua mãe?

Liz não respondeu imediatamente, acho que ainda não sabia a


resposta.

Senti que estaria insistindo demais se ainda fizesse alguma pergunta,


mas não me contive. O assunto era delicado e desconfortável, mas precisava
ser tratado. Eu não queria que Liz continuasse sofrendo como eu reconhecia
que estava.
— Há uns dias, você me disse que não tinha forças para lidar com
sua mãe ainda — lembrei-a. — Achei que tinha a ver apenas com o que
houve no hospital. Com a gravidez e o acidente, mas… eu lembrei de
semanas atrás, do aniversário dela, quando ela te ignorou. Você disse algo
sobre ela ainda não estar pronta para perdoar você… como se ela tivesse
que te perdoar por seguir outro caminho depois de você ter entrado em três
cursos diferentes e perdido quatro anos da sua vida para se forçar a fazer o
que ela queria…
— Maverick… — ela tentou, rouca, mas não permiti que me
interrompesse, não ainda.

— Então comecei a pensar que talvez, além de tudo o que aconteceu


e de todas as merdas que ela disse, você também estivesse se sentindo mal
pela possibilidade de ter decepcionado sua mãe ou algo do tipo…

Sua testa foi pressionada ao meu peito.

— É isso, não é? — questionei, baixinho, como se apenas meu tom


e o volume da minha voz fossem diminuir o impacto do que eu estava
jogando sobre o seu colo nesse momento.

Liz soluçou.

— Ela tentou decidir por mim o que fazer sobre a minha gravidez —
lembrou, num fio de voz que foi abafado pelo meu peito. — Ela achou que
podia fazer isso por mim, Maverick. Ir adiante com a gravidez ou não, ter
um filho ou não… ninguém podia decidir isso no meu lugar. Mas eu fui
permissiva no passado, tão permissiva a ponto de ela acreditar que poderia
passar por cima de mim sobre isso.

— A culpa não é sua.

Ela se afastou, meneando a cabeça em negativa até seus olhos


brilhantes de lágrimas alcançarem os meus.

— Nos últimos dias, percebi que sou responsável por ela chegar a
esse ponto — disse, ainda calma, resignada com essa conclusão. — Eu
acho… acho que sempre me senti… em dívida com ela. Com medo de
decepcioná-la… de fazê-la se arrepender de ter me adotado e continuado
comigo mesmo após a morte do papai… então apenas aceitei tudo… até
não aguentar mais.
Uma lágrima fina rolou por sua bochecha e a limpei com um
polegar, atento a ela, às suas palavras e ao modo como dizê-las parecia
livrá-la de um peso. Acho que eu nunca havia imaginado que Liz se sentia
assim.

— Não sei como dar fim a esse ciclo e não a quero perto de mim,
especialmente durante a gravidez, se continuarmos presas nele —
sussurrou. — A mamãe está emocionalmente instável. Acho que está assim
desde a morte do papai, mas eu precisei vê-la naquele hospital, depois de
meses longe dela, para perceber isso com clareza.

Eu acenei e voltei a trazê-la para mim.


— Quando ela chegou, estava tão preocupada, Maverick, nem
parecia que tínhamos ficado meses sem nos falar. Então ela foi conversar
com o médico e voltou daquele jeito… e depois disse que me protegeria,
que… — ela não conseguiu prosseguir, o embargo em sua garganta não
permitiu.

Apertei-a um pouco mais forte.

— Você deveria falar com Liam sobre isso — sugeri. — Podemos


encontrar uma solução.

Liz acenou, mas não respondeu com palavras. Não disse mais nada,
apenas me abraçou como pôde, procurando o conforto que sempre
encontraria comigo. Nesse momento, compreendi que ela também estava
tentando se preparar mentalmente para essa conversa com seu irmão, para
dizer todas essas coisas a ele.

Não insisti mais, já me sentia aliviado por perceber que Liz havia
chegado àquelas conclusões antes mesmo de eu dar início a este assunto.
— Obrigada — ela sussurrou —, acho que eu precisava falar sobre
isso com alguém.

Beijei sua testa e pressionei um beijo delicado em seus lábios.

— Você sempre pode falar comigo — lembrei.

Liz se inclinou sobre mim e beijou minha boca, então me encarou


por alguns instantes, buscando algo em meu semblante. Ou olhos, não sei.

— O mesmo também vale para você — declarou, os dedos se


embrenhando em meus cabelos. — Pode confiar em mim, Maverick.
Podemos conversar sobre qualquer coisa… até o seu pai.

Engoli em seco.

Sabia que era covarde da minha parte desviar os olhos depois de


tudo o que ela acabara de me contar, mas foi inevitável. Fazia semanas que
eu não visitava papai, e só havia conversado com seu médico três vezes,
para saber se tivera alguma mudança em seu estado. A resposta fora sempre
negativa. Eu me sentia horrível toda vez que pensava nisso, como se o
tivesse abandonado lá, mas ficara cada vez mais difícil vê-lo desacordado
naquela cama. Para piorar, lidar com todos os últimos acontecimentos
também não estava sendo nada fácil.

Um pouco da minha tensão diminuiu quando Liz me apertou num


abraço forte, reconhecendo meu silêncio, talvez até o que estava em minha
mente. Tentando me transmitir o conforto que ela sabia que eu precisava
agora.

— Vou perdê-lo a qualquer momento, Liz — confidenciei,


consciente de que aquela era a primeira vez que eu falava com alguém
sobre ele, alguém além da nonna. — E eu acho que não quero colecionar
mais lembranças dele em coma induzido naquele hospital.
Ela deslizou os dedos sobre as minhas omoplatas, fazendo círculos
lentos que, surpreendentemente, em alguns segundos, começaram a me
ajudar a respirar melhor.

— Acho que seu pai não ia querer que você se lembrasse dele assim
— ela sussurrou com suavidade, e suas palavras não pareceram vazias,
como uma mera tentativa de me confortar. Pude sentir que Liz acreditava
no que dizia. — Nenhum pai gostaria de ver um filho sofrendo por sua
causa, principalmente num hospital.

Ao ouvi-la, as palavras de papai na última vez que conversamos


retornaram à minha mente.

…vai se sair bem sem mim, filho… Você não precisa mais ficar aqui,
nem se preocupar comigo…

A lembrança me fez cerrar os olhos, sentindo-os arderem. Atingido


mais uma vez pelo que papai havia dito. Pela tranquilidade e resignação que
estavam presentes em seu tom. Mesmo que eu ainda acreditasse que suas
palavras não justificavam eu não o visitar por semanas, me permiti
reconhecer que Liz também estava certa e a apertei mais forte.
Não consegui dizer mais nada, mas acho que ela soube que suas
palavras haviam me trazido algum conforto e apenas respeitou meu silêncio
a partir dali, os dedos finos se embrenhando em meus cabelos lentamente,
para iniciar a carícia que ela costumava fazer para me acalmar.

E eu apenas aceitei, me dando conta, pela primeira vez, que Liz já


tinha alcançado uma parte de mim que estivera escondida e fechada até para
meus melhores amigos nos últimos anos.
Ela havia encontrado essa parte e percebi que não demoraria a
atravessá-la completamente.
E eu não soube como me sentir sobre essa certeza.
DEZOITO

— Aqui, papais, esta é a lista de exames que precisam ser feitos


neste primeiro trimestre de gestação — a obstetra informou, estendendo
para mim algumas folhas de papel, que encarei com os olhos um pouco
arregalados. — Deixei marcados aqueles que podem ser feitos ainda hoje e
quero os resultados de todos eles na nossa próxima consulta. A data é a que
está em vermelho. Perguntas?

Liz e eu trocamos um olhar antes de ela indagar:

— Então está tudo bem com o bebê?

A ruiva acenou, um sorriso compreensivo curvando seus lábios.

— Está tudo bem, sim. Precisamos desses exames para continuar


monitorando o bebê e a mamãe. Comece a tomar as vitaminas que indiquei,
mantenha os horários certos das refeições e tente comer algo saudável de
três em três horas, para evitar que se sinta fraca ou até mesmo desmaie.

Concordei com um aceno, apertando a mão de Liz um pouco mais


forte, como se lhe dissesse, silenciosamente, que suas horas de trabalho sem
comida ou água na frente daquele computador agora estavam contadas. E
eu faria questão de me certificar de que não ultrapassariam mais três horas
diretas.

Isso até eu convencê-la a abandonar o serviço de traduções, porque


eu poderia muito bem arcar com todas as suas necessidades financeiras.
Entendia seu desejo de independência, mas ela não precisava se levar à
exaustão para isso, especialmente agora.

Liz respondeu revirando os olhos, um sorriso sutil curvando o canto


dos lábios.

A obstetra deu uma risadinha que levou minha atenção novamente a


ela.
— Não precisam sentir vergonha de perguntas relacionadas à vida
sexual — ela afirmou, acreditando que nossa troca de olhares eloquentes
era por isso. — É bom que mantenham uma vida sexual saudável.
Recomendo apenas que evitem posições muito extravagantes.
Especialmente as que possam trazer qualquer desconforto à parede do útero.
Caso sinta dor… — ela continuou a falar, mas apesar de ouvir atento, meus
olhos estavam em Elizabeth.
Sorri ao ver suas bochechas pegando fogo. Falar sobre sexo com
desconhecidos ainda parecia ser um problema para ela.

— Existe alguma contraindicação sobre uso de brinquedos? —


indaguei, com o semblante mais cínico que consegui ostentar. E nem
mesmo o tapa que ganhei de Elizabeth me fez encará-la desta vez. —
Minha mulher adora essas coisas, sabe?

A médica pressionou os lábios, fazendo seu melhor para não sorrir


quando percebeu que eu só estava provocando Liz.

— Tentem evitar óleos e géis que possam causar alguma irritação ou


infecção. O mesmo vale para preservativos e lubrificantes — respondeu,
voltando sua atenção para a tela do aparelho que tinha usado para o exame.

Havia um sorriso enorme em meus lábios quando voltei meu olhar


para Liz, esperei que fizesse alguma ameaça silenciosa ou me estapeasse
novamente, mas o que encontrei foi um sorriso pequeno e tímido, que me
confundiu. Inclinei-me sobre ela.

— O que foi?

Liz meneou a cabeça em negativa, sem conseguir parar de sorrir. Em


meu ouvido, ela sussurrou:

— Foi a primeira vez que você disse "minha mulher".

A porra do meu coração cambaleou naquela informação. Na certeza


de que aquelas palavras haviam mesmo saído dos meus lábios naturalmente.
Precisei de alguns instantes para processar isso, e só então beijei seus
lábios.
— Você se recusa a ser chamada de minha namorada, mas não pode
negar que é minha mulher — sussurrei, também em seu ouvido.

Liz meneou a cabeça em negativa mais uma vez.


— Você já sabe o que precisa fazer para eu aceitar ser sua namorada.

E, de repente, era ela ostentando a porra de um sorriso provocador.

Suspirei, vencido.

— Adoro trabalhar com papais de primeira viagem — a obstetra


disse, chamando nossa atenção, ainda sem nos encarar. — As próximas
semanas serão únicas em suas vidas e fico feliz por fazer parte disso.
Liz apertou minha mão novamente. Quase pude sentir o clima
mudando naquela sala, pela segunda ou terceira vez nesse dia.

— E não se preocupem, okay? — a mulher prosseguiu, digitando


algo no computador. — Não estou aqui para enfeitar a gestação e dizer que
é tudo lindo e mágico, porque não é, será difícil e em alguns momentos será
mais difícil que em outros, especialmente para a mamãe — seu olhar
finalmente voltou a nós, mas se fixou em Liz —, que verá todas as
mudanças acontecendo em si mesma e precisará lidar com muito em sua
mente, mas eu estou aqui para ajudar a tornar esse processo mais fácil, e
lembrá-los de que, apesar dessas dificuldades, esse ainda será um momento
único de suas vidas, então tentem aproveitá-lo.
— Obrigada — Liz sussurrou, a emoção em sua voz era nítida.
Inclinei-me em sua direção para beijá-la na testa.
— Nove meses podem parecer muito tempo às vezes — a obstetra
prosseguiu —, em outras, a depender dos medos e inseguranças, podem
parecer pouco tempo, mas quase sempre é tempo suficiente para se preparar
para a chegada do bebê. Física, mental e psicologicamente… o que me
lembra…
Ela voltou sua atenção para a gaveta que tinha num móvel às suas
costas.

— Costumo indicar acompanhamento psicológico para os papais e


mamães de primeira viagem, além de alguns cursos e livros que podem
ajudar os dois na compreensão do que estará acontecendo nas próximas
semanas. Com o bebê, com o corpo da mamãe, e até com suas emoções. Sei
que muitos não acham necessário — ela nos estendeu alguns cartões com
contatos dos profissionais que citara e uma pequena lista. — Mas sou do
movimento que acredita que a informação e o conhecimento podem tornar
uma gravidez menos dolorosa para quem passa por ela. Quando sabemos o
que está acontecendo e entendemos por que está acontecendo, não damos
espaço para o medo do desconhecido.
Peguei os cartões e agradeci, um nó estranho apertando meu peito,
conforme suas palavras reviravam coisas em mim. Troquei um novo olhar
eloquente com Liz.

A obstetra organizou os materiais que havia usado no exame e


avisou que Liz já poderia se vestir. Eu a ajudei a levantar e ir até o pequeno
lavabo disponível atrás de uma porta na sala.

Observei a ruiva à minha frente por alguns instantes, então olhei


para os cartões e a lista de livros que ela havia passado. Eu compraria todos
que encontrasse, não importava quão difícil fosse absorver o conteúdo
deles, mas havia uma resposta que eu precisava o mais rápido possível.
Sobre uma das coisas que havia martelado na minha cabeça nas últimas
madrugadas insones.

Olhei para a porta do lavabo apenas para confirmar que Liz ainda
estava nele e baixei minha voz o máximo que pude antes de perguntar:

— Quais as chances de uma criança herdar um transtorno ou


distúrbio de um dos pais?
A mulher ergueu o olhar para mim, as sobrancelhas estavam
levemente franzidas, não demorou a compreender que eu não queria que
Elizabeth ouvisse minha pergunta. Ainda assim, o tempo de que precisou
para me responder me deixou inquieto.

— Que tipo de transtorno? Nem todos são genéticos e nem todos os


genéticos são absolutamente hereditários. As chances não são exatas.
O barulho da porta sendo aberta me silenciou antes mesmo de
explicar. Com um olhar por cima do ombro, encontrei Elizabeth já vestida e
aparentando estar mais tranquila do que quando chegamos ali. A última
coisa que eu queria era deixá-la preocupada.

— Podemos ir? — ela perguntou, voltando-se para a médica.

— Podemos — respondi, me erguendo e enviando um último olhar à


ruiva do outro lado da mesa. — Obrigado por tirar nossas dúvidas.

O cenho da mulher ainda estava franzido quando guiei Elizabeth


para fora da sala.
Entrelacei nossas mãos conforme atravessávamos o corredor e
encarei seus olhos quando Liz aumentou o aperto nas minhas. Em algum
momento dos nossos passos cadenciados, ela encostou seu corpo ao meu
para me abraçar.
— Maverick?

— Sim?

— Você sabia que algumas doenças genéticas e hereditárias podem


ser mais comuns em pessoas com descendências específicas? — indagou
com naturalidade, de um jeito que não diminuiu a tensão que se espalhou
por meus músculos, com a certeza de que ela havia ouvido minha pergunta
para a obstetra. — Fiz um trabalho sobre isso na escola uma vez. Descobri
que asiáticos, gregos e italianos, por exemplo, podem apresentar uma
tendência maior a algumas doenças sanguíneas hereditárias conhecidas
como talassemias.

Ela inspirou fundo, encarando o fim do corredor que percorríamos


mais devagar agora.

— Isso quer dizer que, por causa do meu DNA, nosso bebê tem
mais chances de desenvolver uma dessas doenças — explicou.

Pressionei os lábios, sem saber o que dizer.

— Eu não conheci meus pais nem minha família biológica, e


sinceramente não sinto vontade de conhecê-los hoje, só sei que minha mãe
morreu num acidente e fui levada a um orfanato quando ainda não tinha
dois anos. Isso significa que eu não conheço o histórico de doenças da
minha família biológica, então não tenho ideia do que pode haver no meu
DNA. — Ela suspirou e ergueu os olhos para mim, estavam tranquilos,
seguros do que dizia. O tipo de segurança que o conhecimento parecia ter
lhe dado. — E mesmo que soubesse, não poderíamos calcular as chances do
nosso bebê desenvolver uma ou mais doenças presentes no meu ou no seu
DNA. E dos nossos pais e avós…
— O que quer dizer? — finalmente consegui quebrar meu próprio
silêncio.

— Se sua família ou você apresentarem um histórico de alguma


doença rara, é importante que você informe à nossa obstetra, para que ela
possa encontrar maneiras de investigar se nosso bebê terá a alteração
genética dessa doença, mas se não estivermos falando de doenças raras…
você não precisa se preocupar.

— Liz…
Ela desviou o olhar para encarar o elevador que abria as portas para
que pudéssemos entrar.

— Espero que consiga conversar comigo sobre isso em algum


momento, Maverick — disse e aqui identifiquei uma nota diferente em seu
tom, apenas não fui capaz de nomeá-la. — Está ficando difícil juntar as
peças que você deixa à vista sem querer… — Ela me soltou para entrar na
caixa de aço que nos levaria ao estacionamento. — Eu acho que não posso
ajudar se não me deixar saber qual o problema.

Encarei-a em silêncio por alguns instantes, sem saber o que dizer,


me odiando por reconhecer a mágoa em seus olhos.

As portas começaram a se fechar entre nós, escondendo Liz,


tirando-a de mim, prestes a deixá-la inalcançável de novo.

Até que eu as impedi de fecharem completamente.

Até que me enfiei dentro daquela caixa desconhecida com Liz.


Até que éramos apenas nós dois ali. Nós dois e um silêncio
desconfortável como nunca havia existido entre nós.

— Me desculpe — pedi, mas ela não disse nada.


Nossas mãos estavam entrelaçadas quando deixamos o elevador e a
guiei até meu Lincoln Navigator. O motorista abriu a porta para Liz e a
ajudei a se acomodar no banco, então a fechei lá dentro e me dei alguns
segundos para pensar na droga que estava fazendo. Não queria preocupar
Liz falando sobre minhas merdas, mas estava a preocupando exatamente
por não falar. E, pior, estava fazendo com que ela também se retraísse.

Expirei profundamente antes de dar a volta no carro e entrar nele.


Ainda observei Elizabeth em silêncio por alguns instantes, conforme o
motorista nos tirava do estacionamento para as ruas movimentadas de
Manhattan, seu olhar perdido na vista da janela ao seu lado.

Acionei o botão que ergueria a divisória que nos daria privacidade e


impediria que o motorista nos visse ou ouvisse.

— Liz?

— Sim?
— Eu… — tentei, mas tropecei na porra das palavras antes que
pudesse colocar para fora o que nunca havia dito em voz alta a ninguém,
mesmo que meus amigos soubessem e tivessem chegado a essa conclusão
antes de mim no fim do ensino médio e na faculdade. — Minha família tem
um histórico de dislexia.

Não era uma mentira. Eu não sabia quem na família de papai ou


mamãe havia desenvolvido aquele distúrbio, mas alguém tinha aberto a
porra do precedente para ele ter chegado a mim.

Não consegui respirar nos instantes que Liz demorou para me


encarar e olhá-la nos olhos, nesse momento, exigiu mais de mim que em
qualquer outro. Esperei por alguma reação sua que envolvesse preocupação
ou sinalizasse qualquer sombra sutil do medo que me tomava desde que
descobrira da gravidez, mas ela se manteve tranquila, o rosto sereno como
se eu tivesse falado de uma gripe comum e não da doença que me fizera ser
humilhado desde que me entendia por gente.

— Você está preocupado com a possibilidade de o nosso bebê


desenvolver esse transtorno?

Eu acenei, lentamente, ainda tentando entender por que Liz


permanecia tão calma. Ela se voltou para mim, como se quisesse
compreender o que havia em meu semblante.
— Não é uma doença séria — ela informou, devagar, medindo o
peso das palavras que dizia e a minha reação a elas. — É um transtorno de
aprendizagem que exige tratamento, mas…

Meneei a cabeça, desviando o olhar para longe.

— Maverick — Liz me chamou.

— Ele pode ter muitas dificuldades por isso, Liz — avisei, porque
uma parte de mim ainda acreditava que ela só não tinha consciência do que
exatamente significava ter dislexia. — Dificuldades que vão deixar de ser
aceitáveis na sociedade à medida que ele crescer. Ele pode não conseguir
associar sons simples a letras, sabia? E ter dificuldades de dizer e até
escrever seu próprio nome — minha garganta se apertou aqui, não fui capaz
de voltar a encará-la —, a escola pode se tornar um inferno se você mal
consegue dizer seu nome e piora quando percebem que você também não
entende enunciados simples, e é incapaz de concluir um trabalho ou prova
mesmo que tenha estudado como louco e todos na sala já tenham concluído
seus trabalhos. Não importa quanto dinheiro você tenha, se é um imbecil
incapaz de entender e escrever coisas simples e todos ao seu redor já
perceberam isso. Como vamos protegê-lo do bullying na escola?
— Maverick… — Liz tentou novamente, mas eu ainda não
conseguia encará-la.

— Mesmo que ele consiga se tornar popular e ser adorado por ser
muito legal e bom nos esportes, se ele tiver essa sorte, ainda será visto
como um aluno disperso e preguiçoso. Um mau exemplo que sempre
receberá olhares tortos dos professores. — Meneei a cabeça, lembrando
exatamente como era. — Ele também terá uma dificuldade fodida para
aprender outras línguas, Liz, mesmo que precise muito aprender porque
nossos negócios vão exigir isso dele. E a redação de admissão que as
faculdades exigem? Às vezes pagar um nerd para fazer uma não é
suficiente. E mesmo que subornemos o diretor da melhor universidade, para
que ele possa entrar, ele ainda precisará passar por provas mais difíceis. Se
tiver sorte, talvez receba ajuda de amigos, mas isso também não garante que
consiga passar por tudo, porque seus amigos também vão se formar em
algum momento e ele ficará sozinho para lidar com…

Fui interrompido pelo avanço inesperado de Elizabeth, que se


acomodou sobre o meu colo e envolveu meu rosto com ambas as mãos.

— Isso não vai acontecer — ela garantiu, a certeza em seus olhos


parecia inabalável. — Não vai, Maverick. Eu prometo.

— Liz…

— Nosso filho terá algo que você não teve — ela sussurrou,
pressionando nossos lábios num beijo suave. — Ele terá você, terá a mim.
Terá pais que vão ajudá-lo e dar a ele todos os meios possíveis para tornar
sua vida mais fácil. Para que ele não sofra tudo o que você sofreu, nem seja
mal interpretado por familiares e professores relapsos.
Encarei-a, incapaz de dizer algo, de fazer palavras atravessarem o
nó dolorido que apertava minha garganta.

— Nosso filho não será um imbecil, okay? Você não é um imbecil,


não importa quantas vezes tenha ouvido isso.

Respirar era difícil agora, encará-la também, mas eu me forcei a


fazê-lo. E acho que me forcei a acreditar em Liz também. Precisava
acreditar nela, porque… porra, eu não queria pensar no nosso filho assim.
Não podia. Não importava se essa fora a maneira que vovô pensara em mim
durante toda a minha vida.

— Ele também pode ser um gênio como você, não é? — sussurrei,


rouco, por entre aquele nó insuportável.

Liz meneou a cabeça em negativa.

— Ele será inteligente e esperto à maneira dele. — Ela me abraçou e


acho que começou a chorar silenciosamente, porque seu peito tremeu contra
o meu e sua voz estava embargada quando concluiu: — Como você e eu
somos. Ele será único, Maverick.

Eu acenei e a apertei em meus braços, odiava vê-la chorar e era pior


saber que estava assim por minha causa.

— Ele será único — concordei.

E nisso foi muito mais fácil acreditar.


Nosso bebê seria único.
DEZENOVE

Hesitei por um momento na entrada luxuosa do restaurante do


Bradshaw’s Hotel. De repente incerta sobre encontrar Liam ali, e ainda sem
Maverick saber. As costas largas do meu irmão não ocultavam a ansiedade
que ele emanava mesmo à distância, com os dedos longos tamborilando na
mesa à sua frente e então transpassando os cabelos pretos e longos,
enquanto ele conferia a tela do telefone a cada dez segundos, como se
esperasse por alguma mensagem ou ligação minha. Talvez com medo que
eu desistisse de encontrá-lo.
Fazia quase três semanas desde que eu o vira pessoalmente e mesmo
tendo marcado esse encontro, eu ainda temia que não estivesse pronta para
nossa conversa. E não por nervosismo ou medo de vê-lo decepcionado. O
que eu sentia era receio de vê-lo defender mamãe ou insistir que eu a
encontrasse tão cedo, o que eu definitivamente não conseguiria agora.

Congelei no lugar no instante em que Liam olhou por cima do


ombro e me encontrou ali. Ele se levantou e avançou em minha direção
antes que eu fosse capaz de aquietar o meu coração. Logo me erguia e
apertava em seus braços e um soluço baixo me escapava. Segurei-o forte
também, acomodando meu rosto ao seu peito e inspirando o perfume
tranquilizante que Liam usava, aquele que eu já reconhecia e costumava
sentir quando ele me consolava ou cuidava. Algo que ele fazia desde que eu
me entendia por gente.

— Puta merda, Liz! Eu quase enlouqueci sem poder ver você, sem
ter certeza de que estava bem! — ele grunhiu, a voz grave vibrando em meu
peito com a certeza de que ele realmente se preocupara. — Como você
está? O que aquele filho da puta fez?

— Não fale assim dele — pedi, ainda sem soltá-lo. — E você sabia
que eu estava bem, nos falamos várias vezes por telefone e a Sophs disse
que você não a deixou em paz.

Ele rosnou.

— Aquela pequena bruxa intragável não me disse nada do que eu


realmente precisava saber. — Liam voltou a me depositar no chão e me
encarou de perto por alguns instantes, conferindo meu rosto com cuidado,
então meus braços. Ele hesitou quando chegou ao meu ventre, a curva
suave que ele formava ainda não era perceptível pelo meu vestido. Seus
olhos voltaram aos meus, a voz soou rouca quando prosseguiu: — Como
você está… sobre a…?

Entrelacei minha mão à sua antes que ele se forçasse a concluir.

— Estou bem, Liam. Agora, eu estou bem — respondi, os olhos


ainda atentos aos seus. — Vamos nos sentar.

Ele acenou e me guiou até a mesa em que estivera sentado.

Quando já estávamos acomodados frente a frente, perdemos alguns


segundos encarando um ao outro, atentos a qualquer mudança que pudesse
ter surgido nos últimos dias. Havia olheiras sutis sob seus olhos castanhos.

— Como a mamãe está? — iniciei.

Ele soltou o ar devagar.

— Ela vai ficar bem — respondeu, então tocou com cuidado os


dedos que eu ainda tinha imobilizados, mesmo que já não estivessem com
as ataduras. Logo eu começaria a movimentar novamente o que havia
quebrado. — Por que não quis me ver nos últimos dias?

— Eu não estava bem para lidar com você. Para falar sobre coisas
que precisaríamos conversar — fui sincera, mesmo consciente de que ouvir
isso poderia ser difícil para ele. — E você? Como está?
Liam bufou, meneando a cabeça em negativa, os olhos se apertando
em minha direção, uma umidade atípica os inundando.
— Sinto que falhei com você, Liz.
Foi minha vez de acenar em negativa.

— Não diga isso — pedi, firme. — Eu estar grávida não significa


que você falhou ou deixou de me proteger em algum momento.

Ele não precisou dizer nada para eu saber que não acreditava em
minhas palavras, mas decidi não insistir nesse argumento. As coisas que eu
tinha para dizer a Liam poderiam ajudá-lo a lidar melhor com o que ele
sentia sobre minha gravidez.
Pousei minha mão livre sobre a mesa e busquei a sua para entrelaçá-
las.

— Não quero adiar ainda mais essa conversa, Liam — iniciei. — Eu


preciso dizer algumas coisas, mas também preciso que você me escute antes
de dizer algo, okay?
Uma sobrancelha grossa e bem-feita se ergueu em um
questionamento silencioso, mas ele ainda não disse nada, então apenas
respirei fundo e continuei:

— Houve uma festa no clube de vocês na noite de Réveillon do ano


passado. A Secret Pleasure. — Seus olhos se arregalaram ao ouvir minhas
palavras. — Eu consegui entrar lá sem você ou seus amigos saberem.

— O quê?! Como…?!

Ignorei seu tom e perguntas.


— Eu vi Maverick naquela noite e o reconheci apesar da máscara
que ele usava. Eu me aproximei e ele não me reconheceu. — Sua boca se
entreabriu em choque. — Ou pelo menos demorou a me reconhecer, já que
estava com outra mulher e bêbado. Acho que, quando notou que estava
comigo, já era tarde.
Aproveitei que Liam continuou boquiaberto e tomei fôlego para
prosseguir:

— Na manhã seguinte, quando acordou de ressaca, e me viu com


ele, Maverick surtou, mas não o deixei agir como se o que fizemos fosse
um erro, como ele tentava acreditar. Eu já sabia que ele me queria e que
uma das coisas que o impedia de ficar comigo era o respeito que tinha por
você, o fato de eu ser sua irmã, mas também não deixei que isso nos
atrapalhasse. Depois de cinco anos, eu descobri que o homem por quem eu
sempre fui apaixonada também me queria, Liam, nada mais me importava
além disso. Nem a certeza do Maverick de que não era o homem certo para
mim.

Expirei lentamente e observei sua mão imóvel entrelaçada à minha


apenas por causa do meu aperto e a soltei, mesmo que meu coração doesse
ao fazer isso. Eu não queria sentir que estava forçando qualquer contato
entre nós.
— Não sabíamos até o meu acidente, mas eu engravidei na noite da
festa.

— Liz…
— Eu não estou dizendo isso só para você perceber que Maverick
não me seduziu nem manipulou — iniciei e acho que senti meu coração
trincar ao vê-lo desviar o olhar para longe. — Estou dizendo, Liam, porque
eu preciso que você pare de me ver e tratar como a garotinha que você e o
papai quiseram adotar há tantos anos… Eu não sou mais aquela menina que
precisava de proteção. Graças a vocês, eu cresci e me tornei forte… alguém
de quem eu gosto de pensar que o papai sentiria orgulho. — Minha voz
embargou aqui e foi muito mais difícil prosseguir porque havia algo
indecifrável no semblante de Liam quando ele voltou a me encarar com
olhos brilhantes de emoções que se acumulavam. — Eu amo você, você é o
meu herói e sempre será. Nada nunca mudará isso para mim, mas eu preciso
que comece a me enxergar como sou. Mesmo que não goste de quem eu me
tornei.
Ele não respondeu e eu senti meu coração se partir um pouco mais
nos segundos que se estenderam e pareceram estabelecer distância entre
nós.

Tentei me recuperar e engolir os nós que começavam a se acumular


em minha garganta.

— Maverick e eu estamos juntos, Liam, e isso aconteceu antes de


sabermos do bebê. Não estamos nos forçando a um relacionamento por
causa da gravidez — informei, num fio de voz desconcertante. — Vamos
ter esse bebê e eu quero que você faça parte das nossas vidas, que seja
presente na vida do meu filho ou filha. Vamos descobrir o sexo dele em
algumas semanas.

Tentei me erguer porque senti que seu silêncio começava a me


sufocar, mas Liam não permitiu, segurou minha mão acima da mesa e me
manteve ali.

— E o Bradshaw? Ele está apaixonado por você? E-ele trata vocês


dois bem e…?

Voltei a entrelaçar nossas mãos e acenei.


— Eu acho que já teria desabado de muitas maneiras se ele não
estivesse ao meu lado — confessei, lágrimas pinicando em meus olhos
mesmo com o sorriso pequeno que dei ao pensar em Maverick, em tudo o
que já havíamos avançado, até no que ele conseguira me contar sobre sua
infância e a dislexia. — Ele me disse que nunca quis ser pai e agora eu
entendo os motivos que teve para isso, as inseguranças que ainda
permanecem com ele, mas em nenhum momento ele tentou fugir da
responsabilidade ou me induzir a tirar esse bebê. Maverick apenas me
apoiou, respeitou meu tempo e me mostrou que está enfrentando sua
própria mente por mim, pelo nosso bebê. Por nós… E eu… Eu acho que o
amo ainda mais por isso.
Liam apertou minha mão à sua. Com força.

— Você está grávida — sussurrou, o embargo em sua garganta


denunciando sua emoção. — Minha irmãzinha está grávida…
Lágrimas deslizaram por minhas bochechas quando notei algumas
também deixando seus olhos. Não aguentei me manter longe e me levantei
para sentar em seu colo e o abraçar, como quando éramos menores. Para
confortá-lo, porque agora eu reconhecia que ele também precisava disso.

— E você será o titio Liam — sussurrei e ele deixou uma risada


rouca escapar enquanto me apertava mais forte, a mera possibilidade de me
soltar parecia muito mais difícil agora. — Será um tio tão bom quanto é um
irmão mais velho.

— Eu amo você, Liz. Amo demais — lembrou, porque Liam nunca


tivera qualquer problema em me dizer essas palavras.

— Eu também amo você — sussurrei.

E não podia estar mais aliviada por conseguirmos chegar a esse


momento.
VINTE

Liam e eu deixamos o restaurante cerca de uma hora depois, ainda


abraçados. Após nosso almoço, toquei no assunto mamãe. Além de avisar a
ele que ainda não queria vê-la, eu falei sobre minha preocupação
relacionada ao seu estado emocional. À instabilidade dela que era tão clara
para mim agora e que também já estava me fazendo mal. Apesar de não me
dizer se já havia percebido isso ou não, porque Liam não costumava
compartilhar comigo suas preocupações, especialmente no que se referia à
mamãe, eu senti que ele levaria minhas palavras em consideração. Até
sobre a terapia que mencionei em um momento da conversa.

Quando alcançamos o lounge de entrada do hotel, eu já me sentia


mais leve e até feliz com a sensação de que, apesar de tudo, continuávamos
unidos e fortes. Eu não sabia como exatamente ficaria sua relação com
Maverick, mas não duvidava de que se resolveriam em algum momento, o
tempo os ajudaria nisso.

A visão de quatro brutamontes emergindo de um corredor ao lado


do balcão da recepção me chamou a atenção e fez Liam parar de caminhar.
Em poucos segundos, as gargalhadas que trocavam me fizeram abrir um
sorriso e apertar meu irmão um pouco mais forte, reconhecendo a interação
dos seus amigos a alguns metros de nós.

— O que você queria, porra?! O único com experiência em ser


brega aqui é o Bruce — Chuck dizia, encarando Maverick por cima do
ombro. — E eu duvido que você queira alcançar o nível de cafonice
romântica dele.

— Eu não duvido — Blake informou.

— Eu dei ótimas ideias — Bruce se defendeu, e tudo o que fiz foi


franzir a testa, ainda tentando compreender sobre o que falavam.

— Vocês são uns malditos imprestáveis — Maverick respondeu,


meneando a cabeça em negativa e revirando os olhos. — Vou pedir ajuda da
nonna.

Sua atenção voltou para a frente e, com surpresa, ele me encontrou


ali.
— Caldwell, seu filho da puta! — Chuck exclamou, tão logo nos
viu. — Por que não me atendeu, seu fodido? Estou há dois dias te ligando.
Cheguei essa madrugada.
Os olhos claros do alemão se apertaram conforme ele se
aproximava, irritado com seu melhor amigo, que mantinha seus olhos em
Maverick. Ambos se encarando em silêncio, até criarem aquele tipo de
clima pesado em que você quase sente a tensão estalar.

Apertei a cintura de Liam para chamar sua atenção e, ao recebê-la,


me ergui sobre a ponta do pé para beijar seu rosto.

— Nos falamos por telefone. Vou voltar para casa com Maverick,
okay? — Ele não respondeu, nem me soltou quando tentei me afastar. —
Liam — pedi, calma, tentando alcançar sua racionalidade porque podia
imaginar quão difícil era para ele me ver indo para os braços de um dos
seus amigos.

Chuck hesitou diante de nós. Na verdade, acho que todos hesitaram,


imóveis, em silêncio, nem mesmo a entrada e saída de hóspedes e os
burburinhos aleatórios no entorno foram suficientes para acabar com aquela
bolha em que nós seis estávamos.

— Está tudo bem — sussurrei, num tom tranquilizante, voltando a


abraçá-lo, e isso foi tudo o que Liam precisou para me puxar contra o seu
peito e me envolver completamente.

— Você sabe que… que sempre vai poder voltar para os meus
braços, não é? — indagou, rouco. E tudo o que fui capaz de fazer, por causa
do aperto em minha garganta, foi acenar. — Que eu sempre vou estar aqui,
se você precisar. E vou esmagar as bolas desse filho da puta se ele te
machucar.
— Sim — soprei a resposta, rindo e lagrimando por causa da sua
ameaça.
Ainda mantivemos o abraço por alguns instantes, segundos que
partiram e reconstruíram meu coração com a certeza de que o elo que
tínhamos era inquebrável, independente do que acontecesse. E eu me senti
tão abençoada por isso. Por ter um irmão como Liam.

Acabamos com o abraço e um beijo suave foi depositado em minha


testa. Devagar, como se ainda se acostumasse à ideia, Liam me soltou. Dei a
ele um último sorriso e um beijo no rosto, então segui para os braços de
Maverick e cumprimentei Blake, Chuck e Bruce antes de eles alcançarem
meu irmão, para dar apoio a ele.

— Tudo bem? — Maverick perguntou a mim, me limitei a acenar


positivamente e pressionar nossos lábios em um beijo que, um instante
depois, ele devolveu.

Liam nos encarava atento quando entrelaçamos nossas mãos e,


apenas após alguns segundos pesados, ele saiu seguido pelos amigos.
— Não me disse que viria aqui — Maverick sussurrou, abraçando
meu corpo por trás e depositando um beijo em meu ombro. Nessa posição,
pude sentir seu corpo tenso e o coração ainda agitado pelo reencontro
inesperado com meu irmão. — Nem que conversaria com Liam.

— Eu queria ver você no trabalho — contei. — Decidi hoje que


chamaria Liam para conversarmos.
— E como foi?

Apertei seus antebraços e os afastei para conseguir girar e olhá-lo


nos olhos. Queria ter certeza de que minha resposta, de alguma maneira, o
tranquilizaria.
— Muito bom. Estamos bem agora.

Ele encostou sua testa à minha.

— Fico aliviado por isso, Liz.


Eu sabia que sim. Reconhecia a tendência de Maverick de tentar
intermediar soluções e ajudar as pessoas que amava, tinha certeza de que
fora difícil para ele me ver afastada de Liam nessas semanas, mas ele havia
respeitado meu tempo. O fato de que eu precisava dessa distância.

— Logo vocês também vão se resolver — lembrei.

Ele acenou.

— Agora que vocês já estão bem, acho que posso procurá-lo.


— Obrigada por esperar meu tempo — sussurrei. — Sei que estava
preocupado com a minha relação com ele, mas também com a sua.

— No fim, acho que nós três precisávamos desses dias — concluiu,


depositando um último beijo em meus lábios. Após um suspiro lento e
profundo, ele mudou de assunto: — Já almoçou? — Eu apenas acenei
enquanto era guiada através do corredor do qual ele viera há pouco. —
Bruce nos convidou para jantar na casa dele hoje.
— Por algum motivo em especial?

Maverick sorriu e coçou o queixo.

— Acho que aquele filho da puta está empolgado por nós dois
estarmos juntos.
Sorri. Eu conseguia entender isso. Os dois eram muito próximos e
Bruce sempre desejou constituir família, devia estar genuinamente feliz por
Maverick estar fazendo o mesmo.
— Vamos, então — respondi assim que chegamos a uma antessala e
uma senhora atrás de uma mesa se ergueu com alguns papéis e chamou a
atenção de Maverick.

— Você pode me esperar na sala — ele avisou e assenti, me dei


apenas uns poucos segundos para observá-lo em modo homem de negócios,
concentrado no que a mulher lhe mostrava nas folhas, até aquela pose se
desfazer pelo seu jeito de menino arteiro e ele abrir um sorriso para ela.

— Ah, Elen, o que eu faria sem essa sua mente minuciosa, hein?!

A senhora riu baixinho e deu um tapinha no braço dele.

— Você sucumbiria — ela devolveu a provocação. — Veja, ainda


temos essas pendências…
Abri a porta do escritório e os deixei conversando. Feliz por
Maverick ter alguém que parecia disposta a ajudá-lo de verdade.

A sala ampla com decoração moderna tinha um cheiro amadeirado,


talvez por causa dos móveis, e uma essência refrescante que me lembrava o
perfume de Maverick, mesmo que não chegasse a ser hortelã.

Fechei a porta às minhas costas com cuidado e dei os poucos passos


que me distanciavam da mesa extensa. Um sorriso bobo surgiu em meus
lábios ao perceber que sua bagunça não era apenas no que se referia ao
trabalho que levava para minha casa. Ela estava ali também, na confusão de
documentos, blocos de papel, pastas e até no modo como seu headphone
estava posicionado entre a tela de computador enorme e um notebook,
ambos em descanso, com a logo dos hotéis de sua família.

Há algumas semanas, logo que Maverick começou a dormir em


minha casa, eu o vi usando o headphone e notei que costumava trabalhar
ouvindo música — as “velhas”, principalmente de rock alternativo.
Segundo ele, ouvi-las ajudava com a concentração, mas dias atrás, notei que
ele também o usava para ouvir a leitura em voz alta de documentos com os
quais trabalhava.
Depois de ler alguns artigos sobre dislexia, descobri que, para
Maverick, era mais fácil compreender algo ouvindo uma explicação do que
lendo. Eu desconfiava de que ele nunca havia recebido ajuda ou tratamento,
então acabara encontrando suas próprias maneiras de se adaptar. Algo em
que eu esperava conseguir ajudá-lo um dia.

A porta foi aberta, mas não me virei para encarar quem entrava,
apenas aceitei os braços que me envolveram e o peito forte que pressionou
minhas costas.
Maverick beijou meu ombro, sua barba por fazer arranhando minha
pele de um jeito gostoso. Eu estava muito tentada a pedir que ele a deixasse
crescer.

— No que está pensando aí parada?

Sorri.

— Você tem uma mesa bem grande aqui — comentei.

Ele riu, daquele jeito alto e expansivo que enchia meu peito.

— Ela é resistente também — informou com malícia, a voz já


surpreendentemente rouca em meu ouvido. Não precisei de mais do que
aquilo para ter certeza de que as semanas sem sexo estavam mexendo com
ele. — Podemos testar, se você quiser.

— Hmm… Acho que você não está com tanta sorte, Maverick —
provoquei, mas já estava mais afetada do que poderia ser normal. Diferente
dos últimos dias, agora que já havia desafogado meu peito da preocupação
pela conversa com Liam, eu não me sentia com o emocional frágil demais
para conseguir me ligar em algo como sexo, e estava sentindo sua falta
cobrindo meu corpo, me preenchendo. — À noite, quem sabe?

— Liz… — praticamente implorou em meu ouvido. E aquela


rouquidão começou a mexer com a estabilidade das minhas pernas, o roçar
da barba em meu pescoço me deixando mole. — Tô com saudades de
chupar você… De meter na sua boceta… Ouvir você gemendo no meu
ouvido e rebolando enquanto goza… Sentir você me ordenhando até
arrancar do meu pau cada gota de porra possível.

— Meu Deus, Maverick — balbuciei, ofegante, sentindo em meu


corpo o efeito de cada uma daquelas palavras.

De alguma forma, minha cintura encontrou o tampo da sua mesa,


um instante depois seu peito forte me pressionava nela, a ereção cutucava
minha bunda e seus dentes roçavam meu pescoço.

— Você adora ouvir umas putarias ao pé do ouvido, né? —


provocou, a respiração morna me arrepiando a pele. — Fica fraca só de me
imaginar dentro de você.

— Sim — assumi.

— O que vai querer então, meu bem? Ser chupada ou fodida na


minha mesa de trabalho?

— Eu… — comecei a responder, mas precisei fazer uma pausa para


engolir a saliva e conseguir o fôlego necessário para falar, quando voltei a
abrir a boca, o telefone em sua mesa tocou de maneira estridente, o barulho
agudo preenchendo toda a sala.
— Responda, não vou atender essa porra até comer você de novo.
De um jeito ou de outro.

Sorri. Pude sentir o desespero em sua voz.

O toque longo e irritante soou de novo, destruindo de vez o clima de


tensão sexual e expectativa entre nós.
— Maverick — chamei, não precisei dizer nada mais para ele
entender o que eu pedia.

Ele grunhiu, como se sentisse dor.

— Minhas bolas vão cair, porra.

Desta vez eu ri alto e ele resmungou antes de aceitar a chamada.


— Os auditores do Mediterrâneo já estão aqui — uma voz feminina
informou e, por ainda estar perto demais, consegui ouvir. — Posso mandá-
los para a sala de reuniões, senhor?

Maverick se afastou, exalando o ar profundamente. Trocamos um


olhar rápido e eu acenei uma vez, informando que ele devia fazer o que
precisava. Sorri quando ele bufou, irritado, e atendeu à secretária.

Ao vê-lo de costas, respondendo e fazendo perguntas à mulher do


outro lado da linha, eu voltei minha atenção para sua mesa novamente, e
desta vez, mal cobertos por alguns documentos, pude ver dois livros
abertos. Afastei as folhas sobre eles e a imagem que surgiu roubou minha
atenção.
Uma ilustração do útero durante a gravidez.

“Gravidez: tudo sobre as 40 semanas de gestação” era o título do


livro. Sob ele, havia um menor: “Guia para pais de primeira viagem”.
Sorri, meu coração se enchendo lentamente por um calor
inesperado.

Maverick havia comprado os livros indicados pela obstetra.

Estava lendo dois deles.


Olhei-o por um momento, a tempo de vê-lo esfregar a testa como se
uma dor de cabeça se insinuasse, o telefone sendo colocado mais uma vez
no gancho. Avancei em sua direção e envolvi seu rosto com a mãos antes de
beijá-lo. Sem me importar se era abrupto, se ele não entenderia meus
motivos.

— Você precisa trabalhar agora e eu preciso ir comprar algumas


coisas — avisei, em seus lábios. — Mas à noite, Maverick… À noite vamos
fazer o que você quiser.

— Liz… — emitiu, num tom de alerta que foi reforçado pelo seu
aperto em minha cintura. — Você não tem ideia do que…

— Tenho, sim — garanti, beijando-o uma última vez para prometer,


novamente: — À noite.
VINTE E UM

— Liz! — Emy exclamou tão logo abriu a porta do apartamento e


me viu ali, ao lado de Maverick. O sorriso em seu rosto era tão grande que
foi impossível não o retribuir, especialmente quando ela deu seus pulinhos
de felicidade em minha direção, para me abraçar. — Eu estava tão ansiosa
para ver você!
Ri baixinho e beijei o topo de sua cabeça enquanto também a
abraçava.

— É muito bom ver você de novo, Emy.

Ela se afastou abruptamente, como se lembrasse de algo importante,


e seus olhos arregalados para meu ventre me deram uma ideia do que
exatamente ela podia ter se lembrado.

— Me desculpe, Liz! Eu devia ter mais cuidado. Não queria


machucar seu bebêzinho.

Meu sorriso aumentou, acariciei seu cabelo e ela ergueu os olhos até
me encarar.

— Está tudo bem, meu amor. Você não o machucou.

Seus lábios voltaram a se curvar num sorriso maior que o anterior e


ela voltou a me abraçar, desta vez com mais cuidado.

— Quando ouvi o Bruce e a Emma conversando, eu quase não


acreditei, sabia?! Estou tão, tão, tão feliz por vocês terem um bebêzinho. Eu
juro que vou ser boazinha com ele, tá? E vou ensinar muitas coisas legais.
— Troquei um olhar com Maverick, que tinha a sombra de um sorriso nos
lábios. — Imagine como ele será lindo e fofinho! Aaaaaah! Eu vou amar
tanto ele!

— Sei que sim, meu amor — murmurei, emocionada.

— Eu tava pensando também e acho que ele vai ter muita sorte de
ter vocês como pais, porque vocês são muuuuito legais e lindos e incríveis,
sabe? — ela disse, seu olhar doce intercalando entre mim e Maverick. Desta
vez, eu não consegui dizer nada, e acho que ele também não, porque a
crença de Emy, mais do que suas palavras, parecia ter atingido a nós dois da
mesma maneira profunda e inesperada.

Maverick pigarreou.

— E eu, não ganho mais abraços? — indagou, fazendo um muxoxo


com a boca, bem dramático.

Emy riu e foi até ele, só para ser erguida e o envolver com seus
bracinhos em meio aos risos provocados pelas cócegas que ele fez.

Emma surgiu à frente da porta e a abriu completamente para que


pudéssemos entrar. Cumprimentei-a com um abraço.

— Você está linda — elogiou-me, com um sorriso doce que retribuí.


— Eu estava ansiosa para vê-los aqui, juntos!

— Obrigada pelo convite — agradeci, entrelaçando nossas mãos.

Só havia visto Emma quatro vezes, e todas de maneira muito rápida,


mas já gostava dela, da serenidade que emanava, do brilho sincero que via
em seus olhos claros. Ela me parecia o tipo de pessoa tranquila e sensata,
mas também forte e dona de uma sabedoria que ia muito além da idade,
uma vez que não devia ter trinta anos ainda. Ao vê-la ao lado da montanha
impaciente que Bruce era, eu conseguia entender como se encaixavam tão
bem, como podiam ser perfeitos juntos.

Emy ainda estava nos braços de Maverick quando entramos no


apartamento aconchegante e ele foi cumprimentar seu melhor amigo.
— Hey, Batman, se hoje você não rosnar como um buldogue velho
por me ver com a Emy nos braços, eu te dou um petisco.
A gargalhada da menina encheu a sala, e não resisti a um sorriso
também. Adorava ver Maverick esbanjando aquela leveza e irreverência,
que eram tão intrínsecas a ele, especialmente porque agora eu reconhecia
que havia partes dele, além dessa que mostrava aos outros, que eram só
minhas.
Bruce rosnou algo para ele, então se aproximou para me
cumprimentar e, como lhe era característico, travou por um momento sem
saber se me abraçava ou apenas apertava minha mão. Eu o abracei.
Tínhamos em comum a coisa de nos sentir desconfortáveis com contato
físico, mas o meu caso era específico, mais comum com pessoas com quem
eu não tinha uma relação de afeto, o dele era algo mais relacionado à sua
personalidade introvertida.

— Como você está? — ele perguntou, então me soltou para me


observar. — Se já precisar que eu soque Bradshaw, posso fazer isso agora
mesmo. — Ele avisou, sério, e procurou o amigo por cima do ombro. —
Juro que já estou a um passo disso e ele só entrou aqui há dois minutos.

Dei uma risadinha.

— Desculpe, não preciso ainda — respondi. — Mas quando


precisar, aviso.
— Ele fala isso agora, Liz — Maverick se intrometeu —, mas
estava igual um filhotinho perdido sem mim nas últimas semanas, me
ligando desesperadamente.

— Você sumiu, seu filho da fruta! Eu estava preocupado… — Bruce


rosnou, indo até ele.
Franzi o cenho.

— Filho da fruta? — repeti, só para mim, sem entender, mas Emma


ainda estava perto e ouviu.
Ela riu baixinho.

— Ele não tem permissão pra falar palavrões na frente da Emy.

Isso me fez gargalhar.


— Acho que vou aderir e começar a treinar Maverick para isso
também… e Liam, meu Deus. Liam precisa ser treinado com urgência.

Emma sorriu.

— A comida que Bruce pediu chegou pouco antes de vocês e vou


organizar a mesa, você pode ficar à vontade na sala. Não vou demorar —
informou.

Meneei a cabeça em negativa, entregando-lhe meu casaco para ela o


guardar num armário atrás da porta.
— Posso ajudar você — avisei.

Ela ainda tentou negar, mas insisti e logo seguíamos juntas até a
cozinha, que era só umas duas ou três vezes maior que o metro quadrado da
que eu tinha em meu apartamento.
Enquanto Emma retirava os pratos e louças dos armários, eu lavei
minhas mãos e segui até o balcão que dividia a sala da cozinha, para abrir
as caixas de comida. A gargalhada de Maverick levou minha atenção à sala,
para vê-lo com Emy ainda em seus braços, aparentemente provocando
Bruce sobre algo.

— Ainda não existe tio mais bobo que Maverick — Emma


sussurrou parando ao meu lado, também observando os três na sala. Ela deu
uma risadinha. — Bruce tem um pouco de ciúmes da relação dele com a
Emy, mas já está deixando essa besteira de lado.
Sorri.

— Como eles se aproximaram? — perguntei, realmente curiosa. Era


nítido que Emy amava Maverick, e vice-versa, mas eu ainda não sabia
como isso acontecera.

Emma dispôs os pratos sobre o balcão.


— Conheci Maverick através do Bruce — ela iniciou. — Quando
nos separamos há cinco anos, Bruce se formou na faculdade em que
estudávamos e foi embora para Londres. Seus amigos se formaram junto
com ele e me odiavam, acreditando que eu o havia enganado antes de
terminarmos. — Ela inspirou fundo e parei o que fazia para encará-la. —
Por algum motivo, Maverick se formou apenas depois dos amigos, foi o
único que acreditou em mim e até me protegeu dos ataques dos idiotas do
time de futebol americano do campus, que também achavam que eu tinha
enganado Bruce.

Ela se manteve concentrada na organização dos pratos sobre o


balcão, mas sua mente parecia longe.
— Depois que me formei, fiquei sozinha e responsável pela Emy,
que ainda era muito pequena. Maverick também foi o único que me ajudou,
que esteve comigo. Eu não queria deixá-lo se aproximar demais, não queria
confiar em ninguém, mas ele sempre esteve lá, conosco quando
precisávamos. Emy acabou se apegando a ele e ele se transformou num tio
babão que fazia tudo por ela.

Emma riu e ergueu o olhar para a sala, para os três.


— Até pouco tempo atrás, eu não sabia, mas ele também cuidou do
Bruce nesses últimos anos. Acho que isso é o que ele faz com as pessoas
que ama… ele cuida delas. Mantém todas por perto, transforma todas em
família… A família que ele nunca teve — ela disse, um pouco rouca agora.
— Estou muito feliz por vê-lo ao seu lado, por saber que terão um bebê em
breve… Não conheço ninguém que mereça ser feliz e ter uma família mais
do que esse brutamonte espertinho e metido a cupido.
Sorri, um nó bobo em minha garganta, os olhos fixos em Maverick
arrumando o arco delicado que Emy tinha nos cabelos, com um cuidado e
carinho que tocaram meu coração. Sua imagem nesse momento se
confundiu com outra em minha mente, de um Maverick sorrindo e
segurando outra criança daquela maneira. Uma menininha gorducha que o
encarava com devoção enquanto ele a observava com orgulho.

Essa foi a primeira vez que imaginei nosso bebê, que consegui
visualizá-lo mentalmente e me permiti pensar nele como algo além de uma
ideia, com um sexo e um rostinho perfeito. Fiquei ansiosa para o conhecer e
ter em meus braços. Para vê-lo nos braços de Maverick. Para assisti-lo
interagir com nosso filho dia após dia, até também ser capaz de reconhecer
que seria um pai melhor do que podia imaginar.

Queria que tivéssemos uma vida juntos. Uma família. Que nós dois
pudéssemos sentir que pertencíamos a uma de verdade. A nossa.

Abaixei minha mão até o meu ventre, mas hesitei em tocá-lo. Ainda
não havia me permitido acariciá-lo e, por um motivo que desconheci, fiquei
com vergonha de fazê-lo ali, na frente de outras pessoas.

Emma encostou seu ombro ao meu, e só ao buscar seu olhar, eu


percebi que ela reconhecia que eu atravessava algum tipo de conflito.

— Sei que não somos muito próximas ainda, mas você tem o meu
apoio e terá minha ajuda no que precisar — disse, com a serenidade que eu
começava a associar a ela. — Se precisar conversar ou chorar durante a
gravidez, se quiser alguém para te ajudar a se preparar para o pré e pós-
parto, se quiser aprender a trocar uma fralda ou o que fazer para diminuir as
cólicas do bebê, se precisar de alguém para te ajudar a cuidar dele num dia
particularmente difícil ou simplesmente de alguém que te escute quando
precisar desabafar. Eu estou aqui, tá bom?

Meus olhos estavam inundados de lágrimas quando ela concluiu.

— Obrigada — sussurrei.

Um nó apertou meu peito, junto da vontade de ouvir algo assim de


mamãe. De tê-la comigo durante os próximos meses. Eu não me sentia mais
assustada nem com tanto medo quanto ao descobrir da gravidez, mas ainda
tinha meus medos e inseguranças, e sabia que seria mais fácil lidar com eles
se, além de Maverick, tivesse também mamãe comigo. Eu não havia
nascido do seu ventre, nem Liam, mas ela tinha mais experiência que eu, já
era mãe há tempo suficiente para saber como me ajudar.

Emma tocou meu rosto com cuidado, limpando uma lágrima


solitária que havia caído, então indicou as caixas com comida.

— Não comece a chorar, porque já me conhecem por ser uma


manteiga derretida e não vou me aguentar se vir você chorando de verdade
— pediu, rindo. — Vamos terminar isso aqui, comer e ter uma noite
agradável com nossos brutamontes e Emy.

Concordei com um aceno, aliviada por Emma me tirar daqueles


pensamentos, e voltamos nossa atenção às travessas em que colocaríamos
as comidas.

— Bruce já deve estar zonzo de fome — ela ainda comentou,


conforme levava as louças já cheias até a mesa.
Sorri ao ouvi-la, depois das últimas horas no shopping com Sophia,
escolhendo a lingerie perfeita para vestir para Maverick hoje, eu também já
estava faminta. As frutas que havia comido não tinham sido suficientes.

Concluímos a organização da mesa redonda com a ajuda de uma


Emy risonha. Bruce e Maverick abriram as bebidas e depositaram as
garrafas e copos na mesa, então logo estávamos acomodados e comendo
entre provocações e risadas.

— Liz? — Emy chamou minha atenção em certo momento, já


estávamos apenas bebericando sucos naturais e, no caso de Bruce e
Maverick, vinho sem álcool. Encarei a menina de olhinhos brilhantes e
atentos e sorri quando ela abriu um sorriso tímido para mim. — Agora que
você e o tio Maverick estão namorando, eu posso chamar você de “tia Liz”?

Minha respiração falhou por alguns instantes, todos os segundos que


precisei para absorver suas palavras e compreender o significado delas.

Por que meus olhos começaram a arder?

Tia Liz… eu nunca havia pensado que um dia seria chamada assim.
Liam adorava crianças, mas era avesso à ideia de relacionamentos. Nunca
havia demonstrado interesse em ser pai também, então… o tia Liz me pegou
inesperadamente.

Como uma boba emocionada, tudo o que consegui fazer foi acenar,
em concordância.

— Ebaaaa! — Emy respondeu, batendo palmas.

Maverick envolveu meu ombro com um braço e me puxou para


mais perto. Um beijo suave foi depositado em minha testa.
— Agora você é oficialmente uma tia babona da Emy — provocou,
o que me fez rir e também abraçá-lo.

— Não se preocupe, ninguém vai tirar seu pódio de tio mais babão
— garanti.

— E preferido — ele completou, o que me fez rir.

— Gosto de pensar que, se eu tivesse visto vocês dois juntos nos


últimos meses — a voz grave de Bruce disse, o que levou meu olhar até ele,
do outro lado da mesa —, eu teria percebido essa coisa óbvia que existe
entre os dois.

Sorri.

— São lindos juntos, que nem os casais perfeitos dos doramas —


Emy concordou, com um suspiro encantado.

Maverick e eu trocamos um olhar antes de gargalharmos. A coisa do


dorama parecia exagero.

— Vocês já descobriram o sexo do bebê? — Emma perguntou.

Meneamos a cabeça em negativa, juntos.

— Vamos descobrir em algumas semanas.

— Vocês podiam fazer uma festinha, né? — Emy sugeriu. —


Daquelas que as pessoas fazem pra todo mundo descobrir se o bebê é
menino ou menina. Ia ser lindo. Eu vi uma no Tik Tok uma vez.

Troquei um olhar com Maverick enquanto processava a ideia. Ainda


não havia pensado nessa possibilidade, mas até conseguia imaginar Sophia
dando pulinhos de felicidade com a chance de me ajudar a organizar algo
assim.
— Gosto da ideia — contei, buscando sua mão sobre a mesa, para
entrelaçá-la à minha.

— Nonna também adoraria algo assim — ele sussurrou, com um


sorriso.

— Mas vocês não podem saber, hein? — Emy informou. — Tem


que pedir para outras pessoas organizarem. Tipo uns padrinhos do bebê…
ou então amigos. Só eles vão saber.
Meu sorriso aumentou ao vê-la explicar isso, porque às vezes era
difícil acreditar que essa menina tinha apenas nove anos de idade. Se
expressava tão bem.

— Vocês só podem descobrir se é menino ou menina no dia da


festinha, quando eles revelarem — ela concluiu.
Maverick sorriu, os olhos cintilando com algo que me chamou a
atenção.

— Do jeito que é controlador, Liam surtaria se não déssemos essa


tarefa a ele — lembrou.

— Sophia me deixaria louca se não pudesse estar à frente disso —


informei.

Seus olhos travessos se estreitaram, o sorriso aumentando à medida


que eu compreendia o que se passava por sua mente.

Acenei com a cabeça, negando.

— Eles vão se matar — avisei.

Maverick estalou a língua.


— Vão nada. — Ele voltou seu olhar para Bruce e Emma. — E eles
podem negar se não quiserem trabalhar um com o outro, não é? Se fizerem
isso, será um problema deles, e não porque escolhemos um e não outro.

Bruce e Emma trocaram um olhar, obviamente não compreendiam


do que estávamos falando, mas conheciam o amigo que tinham. Sabiam que
ele só poderia estar aprontando.

Acho que, também por saber disso, eu não emiti qualquer outra
resposta contrária à ideia. E aceitei para saber onde aquilo daria.
VINTE E DOIS

Ajudei Liz a se acomodar no banco do carro e só então o contornei


para entrar e me sentar ao seu lado. Passava de nove da noite quando avisei
ao motorista que já podia dar partida. Logo começamos nosso caminho para
fora de West Village.
— Meu hotel é mais perto daqui — avisei à Liz, numa sugestão
implícita. Demoraríamos a atravessar a ponte do Brooklyn e chegar ao seu
apartamento, mas minha suíte no hotel estava a apenas uns vinte minutos do
bairro do Bruce. Eu já havia passado toda a tarde e grande parte da noite
desejando tocá-la como um louco, e sem poder fazer isso. A ideia de passar
mais uma hora nessa tortura me parecia insuportável.
Liz voltou sua atenção para mim, um sorriso malicioso se abrindo
em seus lábios apetitosos.

— Eu tenho uma surpresa para você em casa, Maverick — avisou,


desviando o olhar para a frente, porque o motorista poderia nos ouvir. — E
acho que você não vai querer perder.

— Ah, porra — grunhi, tateando a merda do painel de botões até


pressionar o que levantaria a divisória que nos daria privacidade, no
entanto, não esperei que ela se erguesse completamente para me livrar do
meu cinto, fazer o mesmo com o de Liz e trazê-la para mim. Ela riu
baixinho, como se meu desespero a divertisse muito. Devagar, se acomodou
no meu colo, posicionando o interior das coxas sobre o meu pau dolorido.
— Minhas bolas devem estar roxas, você está feliz com isso?

Roçou nossos lábios, ainda sorrindo, e suspirou de prazer ao sentir


minhas mãos apertando sua bunda gostosa. Puxei o vestido de caxemira
para cima, enrolando-o na sua cintura, até finalmente poder tocar sua pele
de novo, estalar um tapa forte que com certeza a deixaria marcada.

Liz gemeu.

Seus quadris se moveram sobre o meu colo, começando a rebolar


sem pressa, quase preguiçosamente porque estava só me provocando, a
boca torturava a minha, suas mãos se embrenhavam em meus cabelos ao
passo que as minhas esboçavam as curvas do seu corpo, só para apertar os
peitos e descobrir que eles estavam com os piercings que eu adorava.

— Já sabe o que vai fazer comigo? — indagou, ofegante.

— Aqui? — Mordisquei seus lábios. — Aqui você vai sentar no


meu pau até eu sentir sua boceta pingando.

Ela resfolegou.

— Mas na nossa cama, você vai sentar na minha cara, Liz. E eu vou
te chupar até todos os moradores daquele prédio ouvirem você gritar que é
minha. — Lambi seu pescoço e baixei uma das mãos até a boceta que
latejava só por me ouvir falando assim. Liz sufocou um gemido quando a
toquei e mordi um dos seus seios por sobre o tecido, prendendo o mamilo e
o piercing propositalmente. — Mas antes disso, meu bem… antes disso
quero ver você se dando prazer. Com os dedos e algum dos seus vibradores.
Será que você consegue gozar enquanto é observada? Será que vai tremer
como quando é o meu pau te dando prazer?

Seu gemido foi a única resposta que obtive, seguida pela tentativa
afobada de abrir minha braguilha e empurrar a calça para baixo, o que ela
só conseguiu quando a ajudei.

Agarrei sua nuca e a mantive sob meu controle enquanto Liz se


erguia sobre os joelhos e eu usava a mão livre para afastar sua calcinha e
deslizar os dedos pela entrada úmida e sensível. Seus olhos se reviraram
bem diante de mim.

— Isso é o tanto que você adora ouvir putaria? — perguntei, rouco e


duro pra caralho.

Ela meneou a cabeça em negativa, perdida no meu toque, se


esfregando nos meus dedos, sem fôlego algum.
— É o tanto que eu quero seu pau dentro de mim, Maverick.

Grunhi, puxei-a pela nuca, para trazer seus lábios para mim, e
concluí:

— Então senta nele, meu bem.

Elizabeth me beijou forte enquanto me obedecia, a resistência sutil


do seu corpo não foi páreo para a sua determinação em me ter
completamente. Eu estava tão cego de prazer, porra, que demorei a perceber
que não usávamos camisinha. E a diferença de tê-la assim só ficou mais
clara quando Liz começou a se mover e a fricção de nossos corpos me fez
sentir cada músculo da sua boceta me apertando sem pena.

— Caralho, assim eu não vou durar, Liz — rosnei.


Ela não pareceu me ouvir, seu corpo se arqueou sobre o meu, de um
jeito que expôs seu pescoço delicado e os peitos que estavam tão duros que
tinham os mamilos apontando para mim mesmo cobertos pelo vestido e um
dos seus sutiãs finos.

Eu quis chupá-los, mas não podia deixá-la completamente nua na


porra daquele carro em movimento, então me limitei a trazer sua boca para
a minha e me controlar. Não podia gozar como um maldito adolescente só
porque estávamos transando sem camisinha pela primeira vez, não
importava se aquelas três semanas sem sexo tinham me deixado dolorido e
com fome da sua boceta.
Um vestígio de tensão ainda ameaçou arrancá-la daquele momento
quando uma buzina persistente soou próxima ao carro, mas não permiti que
Liz parasse ou pensasse em qualquer outra coisa além de nós dois ali,
prestes a gozar. Não deixei que nada nos atrapalhasse por toda a hora que
tivemos até seu apartamento.
***

Minha boca se encheu de água no instante em que Liz entrou no


quarto.

E eu tentei, juro que tentei não agir como se aquela fosse a primeira
vez que via uma lingerie, especialmente porque já tinha visto Elizabeth
vestir mais da metade das suas, mas aquela… porra, nenhuma fora como a
que ela vestia nesse momento. Nenhuma me fez babar desse jeito. De forma
tão instantânea.
A peça preta de renda simplesmente não deixava nenhuma droga de
espaço para a imaginação. Eu conseguia ver seus seios alvos empinados,
pequenos mas cheios, como eu já amava; até os mamilos estavam visíveis,
ainda adornados pelos piercings. E apenas seus peitos estavam cobertos de
alguma maneira. Elásticos finos e negros aderiam à sua pele e formavam
triângulos por seu ventre levemente protuberante até chegarem à virilha lisa
e à boceta, que não estavam cobertas por nada. A droga do elástico envolvia
o interior das coxas, uma tira de cada lado, sem nenhuma encostar onde
realmente interessava, deixando tudo livre para mim.

Eu conseguia ver seu clitóris ainda inchado, porra, podia apostar que
também estava durinho, ainda excitado.
Meu pau pulsou.

— Você não vai precisar arrancar nada aqui — ela informou,


caminhando até mim lentamente, ainda ganhando confiança, mechas do
cabelo longo deslizando sobre os seios. Entretanto, ao notar que eu
continuava boquiaberto, Liz ergueu o queixo com um pouco mais de
segurança e um sorriso cheio de malícia surgiu nos lábios pintados de
vermelho. Acho que era a primeira vez que eu os via assim também. — Não
tem permissão pra rasgar essa lingerie, Maverick.

Passei a língua pelos lábios e acenei, de forma automática porque,


caralho, eu concordaria com tudo nesse momento, estava hipnotizado pelo
seu movimento lento e sensual, pelo corpo delicioso que era só meu. Liz
precisou de segundos para me alcançar, mas foi tempo suficiente para eu
sentir meu pau inchar e endurecer como se eu não tivesse gozado em seu
corpo há menos de uma hora. Eu precisava me enterrar nela de novo.

Elizabeth parou à minha frente, estava quase da minha altura, já que


eu permanecia sentado sobre a cama e ela, de pé. Aproximou o rosto e me
provocou roçando nossos lábios.

— Você prefere mesmo que eu comece sem você? Me tocando


sozinha enquanto você só observa? — indagou, relembrando minhas
palavras no carro.

Meneei a cabeça em negativa, as mãos coçando para tocá-la e


confirmar se já estava excitada como eu, mas eu queria ouvir dela.
— Me diz como sua boceta está — mandei, me inclinando para
deslizar os lábios e a língua pelo seu pescoço. Liz cambaleou, fraca, e
precisei firmá-la de pé. As mãos se fechando com firmeza em sua cintura.

— Molhada — soprou a resposta, arfando.


Puxei-a para o meu colo.

— Então vem, meu bem, vou começar chupando você.

Sua respiração estava acelerada quando ela me observou deitar


sobre a cama. Encarei-a por alguns instantes, consciente do desejo que
queimava em seus olhos, daquela curiosidade que sempre lhe dava coragem
para testar coisas novas na cama. Sua atenção caiu para minha virilha, meu
pau duro coberto pela boxer branca, ela resfolegou baixinho conforme sua
mão esboçava um percurso lento sobre o meu torso até alcançar a ereção e
afastar a cueca. Eu me contraí sem controle no instante em que seu polegar
deslizou pela minha glande, limpando a umidade que havia para levá-la aos
próprios lábios.
— Porra, Liz… — grunhi, hipnotizado pelo movimento da sua
língua e lábios sugando seu dedo.

— Também quero chupar você — contou, num sussurro rouco,


carregado do desejo que expressava agora.
— Liz… — tentei.

— Não vou machucar você, Maverick — garantiu, como se


acreditasse que eu estava prestes a argumentar. — Eu cataloguei muitas
informações sobre sexo oral e… e tirei dúvidas com uma amiga. Posso
fazer isso…
Eu nem conseguia respirar a essa altura. Liz aproveitou minha falta
de reação, e talvez um lapso de coragem, para escalar meu corpo sobre a
cama até praticamente pairar com a boceta sobre o meu rosto. Pude sentir
seu cheiro, porra, e tive consciência do rosnado animalesco que me
abandonou o peito quando Liz se afastou, sem nem me deixar tocá-la. No
entanto, poucos segundos depois, ela retornou, agora de costas, bem
empinada para mim, e eu agarrei sua bunda antes que ela pudesse pensar
em se mover para longe de novo.

Liz travou, o corpo enrijeceu, mas relaxou gradativamente, com


suas respirações profundas.
— Vamos fazer isso juntos — avisou, apoiando as mãos em meu
peito e abaixando os quadris ainda mais, para se acomodar com perfeição
ao meu rosto, a abertura deles tão perfeita que sequer precisei arrumá-la
para poder me inclinar alguns centímetros e tocar sua boceta com a boca,
com fome do seu gosto. E eu chupei tão forte, porra, tão forte que Elizabeth
se contorceu e encheu o quarto de gemidos.

Seu sabor inundou minha boca e grunhi de prazer, a vibração


tocando sua pele sensível e a fazendo choramingar e se esfregar em mim,
rebolar em busca de mais, mas estapeei sua bunda e contive seus
movimentos, obrigando-a apenas a receber o que eu dava. A reconhecer a
fome e a loucura com que eu a queria nesse momento.

Senti o cravar das suas unhas em meu peito, o contrair intenso da


boceta e o grito que reverberou pelo quarto quando minha língua alcançou o
clitóris já sensível e durinho, foi nele que me concentrei, alternando a
velocidade e a pressão que exercia. Liz ficou ainda mais louca. Sem
controle sobre o que sentia e fazia.

— Maverick! — implorou, trêmula, latejando.

— Quem é o dono dessa boceta, Elizabeth? Quem pode comer ela


como quiser?
— Vo-você…

— Eu não ouvi… — provoquei. Inclinei seus quadris para alcançá-


la com mais facilidade e voltei a pincelar o clitóris com a língua, chupando-
o como a enlouquecia e finalmente enfiando um dedo em sua entrada
encharcada.
— Você… — choramingou, as pernas se contraindo para me
prender ali, a voz aumentando decibéis por entre a respiração ofegante. —
Você, Maverick, só você… SÓ VO-VOCÊ.

Soprei suavemente em sua boceta, como uma tentativa boba de


acalmá-la enquanto me distanciava para deixar Liz respirar.

— Só eu — concordei, deslizando os polegares sobre a polpa macia


da bunda. — Meu pau também é só seu, meu bem, pode chupar.
Apesar do tremor que atravessava seu corpo e da respiração
irregular, Liz não demorou a seguir minha sugestão. Quando seu punho
envolveu meu pau, uma descarga dolorosa de prazer atravessou minha
pelves e retesou minhas coxas. Ao primeiro contato dos seus lábios com a
minha glande, grunhi em sua boceta e gemi seu nome, sem fôlego. A língua
ávida me circulou, tomando minha umidade antes de me chupar com força.

— Caralho — rosnei, voltando a me agarrar aos seus quadris,


perdido no calor da sua boca, na umidade, no movimento ainda inseguro
das mãos que tentavam me masturbar.
Eu nos coloquei de lado, para facilitar nossos movimentos
simultâneos, e me surpreendi ao sentir Liz pingando tão logo minha boca
encontrou sua entrada novamente. Aquele foi só um dos indícios de que ela
também sentia prazer em me mamar assim. Perceber isso me deixou louco,
porra, cego e ainda mais faminto. Além de gostar, Liz tinha habilidade,
estava me fazendo ver estrelas e era só a primeira vez que me chupava.

Ela me teria de joelhos quando adquirisse mais confiança, quando


aprimorasse tudo o que já sabia.

E eu sabia que estaria fodido, fodido de todas as malditas maneiras,


mas sinceramente já não me importava.
***

Desabamos exaustos sobre a cama algum tempo depois. Liz já


estava sonolenta quando a puxei para meus braços e a cobri, consciente de
que logo o frio da madrugada a importunaria.

— Quer comer algo? — indaguei, preocupado. Já fazia mais de três


horas desde a última refeição que ela havia feito e tínhamos esgotado as
energias.

Liz meneou a cabeça em negativa.

— Me deixe descansar só um pouquinho — pediu.

Sorri.
— Acho que vamos precisar ir com mais calma daqui para frente —
avisei.

Ela resmungou algo incompreensível.

Uma preocupação inesperada me atingiu quando lembrei do que a


obstetra havia dito e me dei conta de que eu podia ter realmente exagerado.
— Você está bem? — indaguei. — Não está dolorida ou…

— Dolorida, sim… cansada também, mas satisfeita e… e muito


bem… Tanto que… Hum… Vou precisar que pare de tirar a barba, tá?

Acenei uma vez, me permitindo um riso baixo ao ouvir isso.

Deslizei minha mão sob o edredom para tocar seu torso e acariciar
sua cintura, do jeito que vinha fazendo por causa da hesitação que ainda
sentia de tocar seu ventre. Diferente de semanas atrás, quando Liz estava
nua, já era possível notar seu ventre se arredondando. A protuberância sutil
e delicada que adicionava uma nova curva ao seu corpo.

Sem sono, esbocei a sua silhueta com os dedos, enquanto me


perguntava como Liz se sentia sobre essas mudanças, e até se já sentia o
bebê. Não lembrava de ter visto nada sobre isso naqueles livros que havia
comprado e uma parte de mim ainda temia entrar nesse assunto e fazê-la se
retrair de alguma maneira, mas eu criaria coragem para isso. Logo.

— Maverick?

Minha mão congelou sobre seu corpo quando Liz pousou nela a sua.

— Sim?

— Hoje eu imaginei o bebê pela primeira vez.

O fôlego travou em meus pulmões. Os batimentos cardíacos


pulsaram mais forte nos ouvidos a partir dessas palavras. Entrelacei nossas
mãos.
— Como foi?

Eu a senti engolir em seco e respirar fundo antes de responder, mas


sua voz não soou menos rouca ou emocionada por isso.
— Era uma menininha — contou, seus dedos apertando os meus. —
Ela estava nos seus braços e parecia tão fascinada por você.

Cerrei os olhos com força, a ardência neles surgindo junto a um nó


estranho em minha garganta. Não consegui dizer nada por segundos que
pareceram longos demais.

— Você prefere que seja um menino? — indagou, um pouco


hesitante.
Meneei a cabeça e respirei fundo em seus cabelos.

— Eu ainda não tinha pensado sobre o sexo — revelei, também


rouco. Suas palavras criando uma imagem nítida em minha mente. Uma que
inundou meu peito com algo que eu nem saberia como descrever, mas que
me deu uma certeza inédita. Inesperada até para mim. — Não tenho uma
preferência, mas… uma menininha, Liz… eu adoraria, porra.

Uma menininha tão linda quanto a mãe, uma versão mais


pequenina, mais fofa e frágil, alguém que, como à Liz, eu protegeria com
tudo de mim.

Elizabeth expirou lentamente, pude ouvir seu coração trovejando no


peito e minha vontade foi de abraçá-la com força, mas me contive para não
a machucar, permaneci imóvel mesmo quando ela, sem pressa e ainda
hesitante, moveu nossas mãos entrelaçadas. Interrompi minha respiração
conforme minha palma deslizava através da sua pele macia, até envolver
completamente o ventre pequeno e arredondado. Não dissemos nada, acho
que não conseguiríamos, mas em algum momento eu fui capaz de me
mover e acariciá-la com cuidado. Devoção.

Com amor.

— Nunca pensei que me sentiria assim, mas… Agora estou ansioso


para conhecer o nosso bebê.

— Eu também…

Ali, eu percebi que essa foi a primeira vez que pensei nele sem me
deixar ser atingido por todos os medos e inseguranças que eu ainda nutria.
Acho que foi a primeira vez que acreditei que, mais do que enfrentá-los, se
realmente quisesse, eu seria capaz de superá-los um dia. E eu queria, porra.

Pela Liz.
Pelo nosso bebê.

— Ninguém no mundo seria mais amado que vocês duas, Liz —


confessei, no que poderiam ser horas depois. Mesmo consciente de que
Elizabeth já estava em sono profundo.
VINTE E TRÊS

Acho que nunca fiquei tão feliz por você, meu querido — as
palavras roucas e emocionadas de nonna retornaram à minha mente no
momento que estacionei o carro. Se eu fechasse os olhos, acho que poderia
sentir novamente até o calor do seu abraço carinhoso. — Um filho… Você
vai experimentar o tipo de amor que foi digno de receber desde sempre.
Amará como deveria ter sido amado e será amado por alguém que sempre
enxergará você como o homem maravilhoso que é. Não tenho dúvidas
disso.
Fechei os olhos, lutando contra aquele embargo estranho na
garganta, o bolo que diminuía a cada vez que eu repassava suas palavras.
Porque elas me soavam mais naturais… mais verdadeiras toda vez que eu
as revisitava.

Dei-me alguns instantes para me recompor completamente, mas


acabei precisando silenciar algumas lembranças aleatórias também, do que
havia se passado desde que eu conversara com o médico de papai, só para
ouvir que o estado dele continuava o mesmo, até o momento em que me
encontrei com nonna e ela me livrara do aperto insuportável que ficara em
meu peito após as palavras do médico.
Um sorriso pequeno curvou o canto dos meus lábios quando suas
sugestões — muito melhores que as dos meus amigos —, sobre o pedido de
namoro que eu queria fazer para Liz, me voltaram à mente. Mais tarde eu
decidiria o que exatamente faria, no momento eu precisava enfrentar outra
conversa que já não podia ser adiada. Inspirei fundo e peguei o celular para
deixar o carro.

A visão da mansão imponente da família Caldwell se estendia à


minha frente. Uma obra de arte moderna e inigualável.

Acionei o alarme do veículo e me distanciei dele para subir as


escadas da entrada. Um último olhar para o meu telefone e pude reler a
mensagem curta enviada por Liam depois que entrei em contato avisando
que precisávamos conversar.

Venha até a mansão da minha família em duas horas.


Aqui estava eu, mesmo sem saber por que infernos ele me chamara
para cá, uma vez que já não morava com a mãe há anos e seu apartamento
ficava distante desse bairro.
— O senhor Liam o está aguardando na academia — a jovem que
me atendeu informou. — Vou levá-lo até lá.

— Não precisa — avisei conforme era guiado através da sala ampla.


— Eu sei o caminho.

A jovem uniformizada acenou pouco antes de o tilintar de passos na


escada nos chamar atenção. Ergui o olhar até o topo para ver a mãe de Liam
e Elizabeth.

— Senhora, o motorista já está aguardando — a funcionária


informou, baixando a fronte em respeito para uma senhora Caldwell de
semblante abatido. — Consegui remarcar seu horário no consultório, como
pediu.

A mulher parou à minha frente, olhos vermelhos em mim, numa


postura altiva que destoava do cansaço que nem a maquiagem conseguia
ocultar.

— Obrigada, Regina. Você já pode ir.


Permaneci imóvel, sustentando o olhar claro e pesado, conforme a
funcionária se afastava. A senhora Caldwell deu um passo em minha
direção, invadindo meu espaço pessoal, talvez testando minha reação,
obviamente me medindo em silêncio. Por instantes que quase foram
desconfortáveis entre nós. No passado, sempre nos tratamos com polidez.
Eu costumava pensar até que ela gostava de mim. Mas não agora, não
depois de engravidar sua filha mais nova. Sua menina.
— Eu não confio em você — declarou, sem erguer a voz ou expor
qualquer tipo de emoção. Era como se estivesse vazia. — Pode enganar
minha filha e até conseguir o mesmo com Liam, mas eu não acredito mais
em você.

— Senhora Caldwell — tentei, no entanto, ela não me deu chance


de dizer nada além disso, apenas cortou o que ainda havia de distância entre
nós.

— Se abandonar minha filha agora ou depois dessa gravidez, se a


tratar mal ou fizer sofrer, você vai me pagar, sr. Maverick — avisou, no
mesmo tom distante, acho até que isento de qualquer tipo de sentimento. —
Vai me pagar caro, porque eu não tenho nada a perder.

Pressionei os lábios, a falta de vida em seus olhos me preocupando


mais que sua ameaça.

A mulher recuou um passo e retirou um par de óculos escuros da


pequena bolsa que segurava, então se afastou enquanto os colocava. Sem
dizer qualquer outra palavra.
Ela deixou a casa mais parecendo uma sombra de si mesma do que a
mulher que criara dois filhos sozinha após ficar viúva tão jovem. E eu só
consegui pensar no quanto vê-la desse jeito machucaria Elizabeth.

Meneei a cabeça por alguns segundos, espantando aqueles


pensamentos porque teria que pensar em como poderia ajudá-las sem
acabar piorando a situação, mas não agora, não tinha tempo para refletir
sobre isso nesse momento.
Segui para a área da piscina da mansão e, ao longe, vi as paredes
espelhadas da academia que Liam tinha ali. Alguma parte relutante de mim,
que acreditava que não havia mais o que fazer para reverter a situação em
que estávamos, me fez hesitar por um instante, apenas um, porque minha
determinação em consertar tudo assumiu o controle logo depois e me deu a
força necessária para seguir em frente.

Eu era muito bom em consertar as coisas, porra. Tinha que ser capaz
de fazer algo pela nossa amizade.

Senti a mudança no ambiente ao entrar na sala ampla e climatizada.


Diferente do frio de março porta afora, ali dentro estava fresco o bastante
para Liam estar correndo sem camisa na esteira. Mesmo à distância,
reconheci o conjunto novo de tatuagens em seus braços.

Por estar de costas e usando fones, ele não notou que eu já tinha
chegado e não tentei chamar sua atenção também, apenas observei quando
diminuiu a velocidade da esteira até parar e descer dela já abrindo uma
garrafa de água.

O que denunciou minha aproximação foi Hefesto. O Dobermann


manco, de pelagem negra brilhante, que Liam havia adotado há alguns
anos, numa visita que fizera a Chuck na Alemanha. Ele latiu e veio até
mim, certamente reconhecendo meu cheiro. Sorri e acariciei sua cabeça e
orelhas.
— Hey, garoto, como você está, hein? — perguntei, diante dos
grunhidos que ele emitia por ser acariciado. Eu havia demorado anos para
conseguir essa reação dele. O cachorro não podia ser mais leal a Liam, ou
parecido com ele no que dizia respeito à personalidade arredia e irascível.
Baixei minha voz ao indagar: — Alguma dica sobre como lidar com seu
dono agora?

Ele latiu. Duas vezes.


Não.
Sorri. Busquei Liam com o olhar a tempo de vê-lo do outro lado da
sala, próximo aos armários, amarrando os cabelos lisos no coque que usava
durante os treinos.

Bufei, voltando a atenção para o cão.

— Hefesto, você não vai avançar em mim, não é? — perguntei,


ainda baixo, começando a caminhar através do corredor entre os
equipamentos. — Liam não treinou você pra me derrubar nem nada do tipo,
né, garoto?

Ele latiu. Uma vez.

Sim.
Merda.

Eu já estava a poucos metros de distância quando meus olhos


encontraram os de Liam. O maxilar travado com força era notável, mas o
que dominou minha atenção mesmo foram seus orbes castanhos estreitados,
intimidantes. E ele não os desviou de mim conforme enfaixava as mãos
numa calma inquietante, como se estivesse se preparando para socar um
oponente. Até a porra do ar parecia estar mais carregado à medida que eu
cortava a distância entre nós.

— Tire o casaco e o blazer — ele mandou, movendo a cabeça de um


lado a outro, de um jeito sinistro que me fez ouvir ossos estalando.

— Pretende me nocautear, então? — indaguei, num tom


perigosamente provocador. Eu sabia que era uma merda atiçá-lo numa
situação como essa, mas não consegui resistir. Seu temperamento irritadiço
pedia aquele tipo de tentativa de quebrar esse clima.

Mesmo que normalmente, com Liam, eu só conseguisse piorá-lo.


Flertar com o perigo de uma forma bem inconsequente.

Retirei o sobretudo que vestia e fiz o mesmo com o blazer do terno.


Por via das dúvidas, tirei também a gravata, não ia arriscar manter ao seu
alcance algo que facilitaria que me sufocasse até a morte.

Eu o segui até o tatame e me livrei também dos sapatos no caminho,


não me ajudariam de qualquer maneira mesmo. Abri e fechei as mãos
enquanto andava, preparando-as para o que diabos viesse em seguida. Eu
podia lidar com Liam numa luta corpo a corpo, mas não queria ter que fazer
isso. Como explicaria para Elizabeth que tinha vindo resolver as coisas se
nós dois saíssemos daqui com hematomas e sangue respingando de
ferimentos aleatórios?
A expectativa e a tensão que crepitavam ali começaram a me
incomodar. De tudo o que poderia acontecer, eu não esperava que nós dois
nos enfrentássemos na merda de um tatame.

— Não vai me deixar explicar nada antes de começarmos? — tentei,


içando uma sobrancelha quando paramos frente a frente, Liam terminava de
amarrar a faixa da mão que faltava.

— Não quero que me explique nada — avisou, seu semblante ainda


fechado. — Quero que responda minhas perguntas sem hesitar.

Desta vez ergui as duas sobrancelhas, em desentendimento. Então


ele simplesmente apertou os punhos e os levantou numa posição de ataque.

— Por que não me contou que transaram na porra da festa do clube?

Cheguei a entreabrir os lábios para responder, e juro que nem


hesitei, mas o filho da puta certamente estava sedento para me socar porque
seus punhos me acertaram um segundo depois que concluiu a pergunta. Um
na face e o outro, no estômago.
Diante da potência dos socos, cambaleei para o lado esquerdo, então
para trás, uma mão vindo em direção ao rosto, o braço envolvendo a
barriga. Sangue inundou minha boca. O impacto dos golpes exercendo tanto
poder sobre mim que fiquei sem ar por segundos insuportáveis.

— Mas que porra, Liam! — esbravejei, rouco, após cuspir a saliva


ensanguentada.

— Responda!

Grunhi, voltando o olhar apertado para ele.

— Você sumiu por um mês! Queria que eu tivesse contado isso por
telefone?! — rosnei.

— Nos encontramos depois da festa, caralho! Eu pedi pra você


cuidar da minha irmã! Não pra transar com ela!

Okay, ponto para o Liam.


Massageei o maxilar e consertei minha postura. Os olhos ainda
presos aos seus, atentos mesmo quando começamos a caminhar em
círculos. Não cheguei a erguer os punhos, porque sinceramente acho que eu
nem tinha o direito, mas não ia aceitar ser socado, por mais que também
soubesse que ele estava certo em sentir vontade de fazer isso.

Mas aí, ele fez a próxima pergunta e eu hesitei. Hesitei de verdade.


E antes que pudesse pensar em como responder, seu punho acertou o outro
lado do meu rosto.

— Caralho!
— Responde, filho da puta! — ele insistiu. — Quando essa merda
começou entre vocês?
Grunhi, a dor ainda disparando em ondas através dos meus ossos.

Abri e fechei a boca, para mover o maxilar e esticá-lo, fingi não o


ouvir estalar, como retornasse ao lugar.

Voltei a encarar Liam ao ouvir suas próximas palavras.

— A Liz sempre foi apaixonada por você, mas quando começou a


ser correspondida, hein?

— Eu não sei — respondi, e era a verdade. — Ela me beijou há uns


anos e acho que isso me fez enxergar de verdade o que eu começava a nutrir
por ela, mas eu não tinha ideia do que exatamente sentia até transarmos
naquela festa.

Liam rosnou e avançou de novo, mas desta vez eu contive seus


punhos e o empurrei para longe.

— Há alguns anos, então?! — ele repetiu, e percebi que minhas


palavras haviam inflamado algo perigoso nele. — Quando ela era menor de
idade?!

— Eu nunca toquei nela até aquela festa, Liam — informei,


baixando meu tom porque, do contrário, começaríamos a apenas berrar
perguntas e respostas. — Nunca. Nem quando me beijou. E eu não fazia
ideia de que a queria também. Pra mim, a Liz sempre esteve além disso.

Ele bufou. A respiração permaneceu alterada e foi assim nos


segundos que se estenderam entre nós, mas, quando seus olhos voltaram
para mim, eu tive certeza de que ele havia acreditado em minhas palavras.

— Você a ama? — disparou, à queima-roupa, e mesmo vendo-o vir


em minha direção, eu não hesitei.

— Sim.
— E já disse isso pra ela?

Nessa eu me fodi pela terceira vez. Até tentei desviar do soco, mas
Liam já tinha outro pronto para mim. Foi inevitável.

Sangue respingou do meu nariz.


Ali eu comecei a desejar retribuir cada um daqueles socos. Apanhar
sem revidar era uma merda, mesmo quando você reconhecia que merecia.

Liam se afastou balançando a mão que usara no golpe e ainda


consegui sorrir ao perceber que o filho da puta tinha se machucado também.

Ambos estávamos com as respirações entrecortadas quando ele


apontou um dedo em riste para mim.

— Você vai dizer a ela. A Liz merece saber que é amada. E todos os
malditos motivos pelos quais você a ama. E é bom que sejam muitos.

Limitei minha resposta a um aceno, então usei o dorso da mão para


limpar o sangue do rosto e os dedos para apertar a ponte do nariz, mesmo
que doesse como o inferno. Eu só precisava parar aquela merda de
sangramento.

— Ainda tem alguma pergunta? — indaguei, uma sobrancelha


desafiadora erguida como se não fosse eu levando aquela sucessão de socos.
Liam se aproximou, mas não ergueu os punhos novamente.

— O que vão fazer agora? Sobre o bebê? Vocês estão namorando?


Vão se casar? Meu sobrinho vai nascer e viver naquele prédio insípido que
a Liz mora?

Mordi a parte interna da bochecha. No segundo seguinte, me


arrependi, porque toda a área do rosto ainda estava sensível.
— Vamos por partes — respondi. — A Liz não quer pular mais
etapas e ainda não está pronta para sair da casa dela. Já teve mudanças
demais num período de tempo curto.

Liam bufou.

— Aquele lugar não é seguro.


— Eu estou com ela na maior parte do tempo e a Liz só sai para ir à
ONG.

— E essa ONG…

— Você precisa parar de tentar controlar a Liz, irmão — avisei,


meneando a cabeça em negativa. — Ela é adulta e está feliz na ONG, com o
trabalho que faz lá. Adora aquelas crianças, as ações que conseguem
organizar para a comunidade. Em vez de reclamar sobre o lugar estar num
bairro perigoso, você deveria apoiá-la.

— Você… — tentou, mas desta vez eu não o deixei concluir, sabia


que mandaria eu ir me foder.

—… E ajudá-la. Ou ajudar a ONG, para torná-la mais segura.

Ele bufou. De novo.


— Sophia me fez doar cinquenta mil dólares para a reforma da
cozinha industrial deles — rosnou, a contragosto.

Meu rosto inteiro latejou quando gargalhei, mas foda-se, não


consegui evitar.

— Isso não fez nem cócegas na sua fortuna — lembrei, contudo,


minha vontade mesmo era dizer o que eu só havia percebido nas últimas
semanas, enquanto Sophia mantinha Liam longe da Liz: ela já o tinha nas
mãos. No entanto, me contive, porque isso o assustaria. Era bom deixá-lo se
enrolar até não ser capaz de entender como havia caído naquela teia. Ou
como sair dela.

E eu ainda precisava entender se Sophia estava fazendo aquilo de


propósito, ou se era involuntário, já que o que ela aparentava era que não o
suportava também.

— Aquela pequena bruxa intragável — ele resmungou, caminhando


até o banco em que sua garrafa de água havia ficado.
Pigarreei para chamar sua atenção novamente. Meu nariz voltou a
latejar quando fiz isso, mas me forcei a ignorar a dor.

— A Liz e eu vamos descobrir o sexo do bebê em breve — contei.


— E queremos fazer a revelação junto dos amigos e da família, em uma
festa íntima.
Liam voltou seus olhos para mim, ansioso.

— Já?

Acenei uma vez, então fiz um esforço hercúleo para manter um


semblante sério ao prosseguir:

— Pensei que você poderia ficar responsável pela revelação do sexo


do bebê e…

— Eu aceito! — exclamou, como eu imaginei que faria, os olhos


brilhantes como os de um menino que conseguira conhecer, de uma vez, o
Papai Noel e o Coelho da Páscoa. — Quando vou poder saber se será
menino ou menina? Vou precisar contratar uma empresa para…

— Será uma festa pequena e íntima — repeti, enfatizando aquelas


informações. — Além disso… hum…
Liam içou uma sobrancelha, em expectativa sobre o que viria em
seguida.

— A Liz insistiu que a Sophia também estivesse à frente dessa


organização e…

— O quê?! — rosnou.
Pressionei os lábios para não rir da cara que Liam fez, com todas
aquelas emoções cruzando seu semblante sem que ele fosse capaz de
ocultar.

— Eu sei que você não a suporta, irmão — iniciei, bem dissimulado


—, mas quem conseguiria dizer não pra Liz agora, não é? É a melhor amiga
dela, então…

Seu rosto se retorceu de irritação e ele começou a dar voltas no


tatame.

— Aquela… — Ele não pareceu encontrar as palavras. — Aquela…

—… pequena bruxa intragável? — ofereci, solícito.

— Sim! Ela não vai decidir porra nenhuma da festa do meu


sobrinho, eu não vou permitir que tire isso de…
— Vocês também podem trabalhar juntos e… — sugeri, mas me
calei quando seu olhar furioso me atingiu.

— Aquela pequena bruxa e eu, Bradshaw? Nun-c­a. O sobrinho é


meu. A porra da festa é minha responsabilidade. — Então ele bufou e
revirou os olhos, como se eu tivesse dito a coisa mais idiota da minha vida,
e voltou a caminhar em círculos pelo tatame. Ainda grunhindo como um
animal.
Eu me sentei no banco e abri o pacote das faixas que ele havia
colocado nas mãos. Rasguei um pedaço para limpar o sangue e o suor do
meu rosto enquanto observava Liam resmungar sobre o quanto Sophia era
impertinente e intrometida.

Em certo momento, desisti de conter meu sorriso e ainda aticei:

— Até onde sei, ela já aceitou o convite. A Liz não pode


desconvidá-la, então… — deixei a frase no ar e Liam lançou a garrafa de
água no lixo.
— Eu vou resolver isso — garantiu, misterioso.

Meneei a cabeça em negativa.


— Você precisa começar a respeitar as decisões da Liz, lembra?

— Vá se foder, Bradshaw!

Sorri e seu olhar se manteve em mim por alguns instantes.


Observando-me por um longo tempo até voltar a bufar e desviar o olhar.

— Ainda quer me socar? — perguntei.


— Sim.
— Pode esperar até amanhã à tarde? Tenho uma reunião importante
pela manhã.

Ele me encarou mais uma vez.

— Você é um filho da puta irritante — lembrou.

— E você é meu cunhado, vai ter que aprender a lidar com isso —
avisei, voltando a pressionar a faixa no nariz. Era para ser uma provocação,
mas acho que minhas palavras pegaram a nós dois desprevenidos.
Por mais de dez anos, fomos amigos, irmãos… agora éramos
cunhados. A consciência disso parecia ter atingido Liam apenas agora
também.

— Achei que tinha fodido com nossa amizade pra sempre —


confessei, a mente vagando para as últimas semanas. Todas em que eu havia
remoído aquele medo até o impacto da nossa briga naquele hospital
finalmente começar a diminuir e eu enxergar tudo com mais clareza. Até
reconhecer que eu não conseguiria aceitar aquele fim.

— Eu também — confessou.

Engoli em seco. Liam se aproximou para sentar no banco também.


Olhei para frente, e muitos metros adiante, vi Hefesto dormir esparramado
ao lado do suporte dos halteres.

— Vai conseguir superar isso um dia? — perguntei.


Liam expirou profundamente.

— Vou ter que conseguir — foi sua resposta e, apesar do seu tom
arredio, eu sorri. — Mas também vou ter que matar você se machucar
minha irmã — completou, sem qualquer sombra de humor.
Mesmo consciente de que ele falava sério, meu sorriso não
diminuiu. Não seria Liam se não ameaçasse qualquer um capaz de
machucar sua irmã. E este desfecho era muito melhor do que eu podia
esperar conseguir depois de uns poucos socos.

Observei Liam se livrar das faixas nas mãos e abrir um armário às


nossas costas. Um saco com algodão e antisséptico foi lançado sobre mim
alguns segundos depois.
— Limpa essa cara. Não quero ter que explicar pro meu sobrinho
que o pai dele morreu porque pegou uma infecção por minha culpa.

Meu peito tremeu com uma risada sincera.

Compartilhamos alguns minutos de silêncio enquanto eu me


limpava como podia e tentava não emitir qualquer grunhido de dor.
— Vi sua mãe na entrada — avisei em algum momento. — Ela não
parecia bem, e se você está nessa casa deve ser porque ela realmente não
está, vocês precisam de algo?

Liam não me encarou, apenas acenou, numa negativa.

— Depois do que houve no hospital e de… — ele se interrompeu e


engoliu em seco. — Consegui convencê-la a fazer terapia.

— Isso é bom.
— Ela não quer preocupar a Liz, então não conta pra ela.

— Tudo bem — concordei, porque isso era tudo o que eu podia


fazer.
— Quando as duas estiverem prontas, elas vão conversar.

— Se precisar de algo, pode me falar, irmão — foi o que escolhi


emitir, por fim.

Liam me encarou sem dizer nada por alguns segundos, então voltou
seus olhos para Hefesto, que agora se aproximava de onde estávamos.
Apenas quando já estava afagando as orelhas do seu Dobermann, ele disse:

— Obrigado…, irmão.

E essas duas palavras foram tudo o que precisei ouvir para ter
certeza de que ficaríamos bem mesmo. Em breve.
VINTE E QUATRO

— Liz… — A voz rouca me alcançou com suavidade, o tom


melodioso me atingindo na inconsciência e afastando dela devagar, com a
mesma delicadeza da carícia que eu começava a registrar em meus cabelos
e ventre.
— Hum? — resmunguei, inspirando fundo, sonolenta demais para
abrir os olhos e me permitir sair daquele cochilo gostoso. Eu estava me
aproximando do quarto mês de gravidez e sentia que o cansaço e o sono
haviam dobrado de um jeito preocupante, mas a obstetra havia nos dito que
era normal.

— Você dormiu de roupão, meu bem — Maverick informou, desta


vez senti seus lábios bem próximos do meu pescoço.

Sim, dormi. Já estava sonolenta e adiantei meu banho para tentar


espantar o sono, mas não foi suficiente. Mal terminei de secar o cabelo e
desabei sobre a cama.

Ainda me recusando a abrir os olhos, tateei a cama até alcançar seu


corpo às minhas costas. Senti a textura grossa do terno que ele ainda usava,
certamente havia chegado do trabalho há pouco tempo. Alcancei sua mão e
a entrelacei à minha.

— Você está bem? — perguntou, preocupado.


— A obstetra disse que esse sono é normal, lembra?

Ele acenou e só tive certeza disso porque seu rosto ainda estava
próximo ao meu pescoço e roçou minha pele. Maverick inspirou
lentamente. Sua palma grande voltou a envolver e alisar meu ventre, quase
não conseguia abarcá-lo completamente, mas continuava me tocando assim.
Na verdade, acho que me tocar desse jeito começou a ficar mais
natural para Maverick depois que ouvimos os batimentos cardíacos do bebê
pela primeira vez, há umas semanas. E desde que fizemos a última
ultrassonografia e Liam e Sophia receberam a informação sobre o sexo do
bebê, eu havia notado como Maverick ficara ansioso sobre isso. Nos
detalhes, eu enxergava que ele já estava avançando sobre seus medos e
inseguranças, mesmo que ele não percebesse, e por mais que os meus só
parecessem aumentar junto às mudanças que chegavam cada vez mais
rápido ao meu corpo, eu ainda conseguia me sentir feliz por vê-lo assim.
— Eu quis dizer sobre tudo — ele voltou a falar. — Nós, o bebê, a
gravidez, a diminuição no seu ritmo de trabalho, seu cansaço, esse sono, seu
corpo mudando, as emoções se intensificando… sua mãe.

Aquilo me fez abrir os olhos.

Era óbvio que Maverick tinha percebido como eu havia ficado desde
que tentara entrar em contato com a mamãe e não tivera resposta dela. Fora
há dias, mas ainda doía como se tivesse sido há poucas horas. Nem o fato
de ele e Liam me contarem que ela não estava me ignorando de propósito,
que apenas não conseguia falar comigo agora, apesar de já ter iniciado um
tratamento, não havia diminuído o que eu sentia. Parecia ter apenas me
preocupado ainda mais, porque eu não fazia ideia do que mamãe estava
passando. E a situação era angustiante, pois antes disso já parecia haver
coisas demais em minha cabeça.

Maverick deve ter notado o aumento na minha frequência cardíaca


porque sua mão também parou de se mover em meu ventre.

— Liz?

— É difícil — assumi, então me esforcei para mudar de posição e


conseguir encará-lo. Sua mão pousou sobre minha cintura, mas subiu
devagar até o meu rosto, para acariciá-lo.

— Queria que não tivesse que sentir tudo isso sozinha — ele
sussurrou.

Encarei-o em silêncio por alguns segundos, eu sinceramente não


sabia o que dizer e não queria fingir que estava bem, ou que ficaria. Eu não
tinha certeza disso.

— Não quero que o bebê sinta o que eu estou sentindo — confessei.

Maverick pressionou os lábios em minha testa com carinho e me


puxou sobre o seu corpo, de modo que eu pudesse apenas acomodar minha
cabeça ao seu peito.
— Podemos tentar o acompanhamento psicológico que a obstetra
recomendou — ofereceu, e me surpreendi. Apesar de ter comprado e ainda
estar lendo os livros indicados pela nossa médica, ele não demonstrara
muito interesse em terapia.

— Mas você… — Ele me interrompeu.

— Se você achar que precisa e quiser que eu esteja lá, Liz, eu vou
— prometeu, o polegar deslizando sobre minha bochecha. — Faço qualquer
coisa para você se sentir bem de novo.

Apertei meus lábios por alguns instantes, emocionada, então me


esforcei para me mover e o beijar. Quando ele me abraçou, a minha vontade
de dizer que o amava era quase dolorosa, as palavras criavam nós em minha
garganta, mas eu as mantive para mim. Não queria que Maverick se sentisse
pressionado a dizer o mesmo, especialmente quando eu me sentia tão frágil.
Quando o ouvisse dizer isso, eu queria sentir apenas a certeza de que era
real, não minhas inseguranças me fazendo acreditar que ele só havia
retribuído minhas palavras para me fazer sentir melhor.
Ficamos assim, abraçados e em silêncio por todo o tempo que foi
necessário para eu me livrar do embargo na garganta. Quando comecei a
respirar direito, levei minha mão ao meu ventre e o massageei com cuidado.
À medida que eu me acostumava a me tocar assim, aquele ato se tornava
mais natural e eu começava a realmente sentir a coisa incrível que era gerar
um bebê. Como podia ser possível eu já amar tanto alguém que nunca havia
visto, ouvido, sentido ou tocado? Ele ainda era pequenino demais para eu
conseguir distinguir seus movimentos, mas estava ali, comigo, crescendo
saudável e forte. E eu acho que naquelas poucas semanas eu não poderia ser
capaz de amá-lo mais do que já amava.
— Eu me sinto o filho da puta mais sortudo do mundo por ter o
privilégio de ver você agora — a voz rouca de Maverick sussurrou, me
fazendo abrir os olhos para encontrar os seus em mim. — Por você ser
minha, Liz, por esse bebê ser nosso… por ser eu aqui… Odeio até lembrar
que quase abri mão de você. Que quase perdi tudo isso.

Ele voltou a acariciar meu rosto.

— Não acho que exista um filho da puta que te mereça —


prosseguiu. — E sei que eu não sou exceção, mas vou passar o resto da
minha vida me esforçando para ser digno de você, Elizabeth Caldwell.

Lágrimas arderam em meus olhos.


Eu estava prestes a deixar escapar que o amava quando ele
sussurrou:

— Acho que estou devendo um primeiro encontro digno para você.

Lágrimas finas deslizaram por meu rosto.

— Acho que você está, sim — provoquei, um sorriso emocionado


em meus lábios. Eu o tinha ouvido falar com a nonna por telefone após ele
retornar da conversa com Liam com o rosto cheio de hematomas. Eu só
ouvira frases unilaterais da sua chamada telefônica, mas fora suficiente para
eu saber que ela o estava ajudando em algo romântico. Cheguei até a
desconfiar de que Maverick finalmente me levaria para conhecer o
restaurante lindo e mega disputado dela, mas eu nunca recebera o convite.
Ele sorriu e se inclinou para me beijar.

— E também estou devendo um pedido de namoro.

Devolvi o beijo.
— É bom saber que você ainda se lembra disso.

Ele riu baixinho e me abraçou, o clima entre nós mudando de um


jeito que aqueceu meu peito. Meu Deus, eu amava que, apesar de tudo,
ainda conseguíssemos interagir desse jeito. Ser nós mesmos.

— Eu não queria que fosse de qualquer jeito — confessou. — É pra


você, Liz, eu tinha que pelo menos tentar fazer com que fosse especial… e
queria que você gostasse.

— A nonna conseguiu te ajudar?


— Ela me deu algumas ideias.

— E então?

— Preparei tudo para hoje.


Meu coração disparou no peito e me remexi rápido demais para
encará-lo.

— Hoje?!

Seu sorriso aumentou.

— Hoje. Por isso vim mais cedo para casa.


Esforcei-me para conseguir me sentar sobre a cama, mas foi a ajuda
de Maverick que facilitou isso.

— Eu posso adiar se você não…


— Não ouse! — cortei-o, o que o fez rir e envolver minha cintura
para me trazer para perto.

— Não quero que crie expectativas altas demais, então vou adiantar
que… — Ele pigarreou. — É apenas um jantar.

Eu ri baixinho, uma sensação boa se espalhou por todo o meu corpo


quando fiz isso. Acho que era a primeira vez que eu ria naquele dia.
— É o nosso primeiro encontro e você vai me pedir em namoro,
Maverick — informei. — Vai ser especial independente do que você tenha
feito.

Eu o beijei suavemente e estiquei minhas pernas para fora da cama.

— Em meia hora, estarei pronta — informei, um sorriso


aumentando em meus lábios, todas as preocupações anteriores sendo
silenciadas a partir dali.

Senti seu olhar em mim conforme eu revirava meu guarda-roupas


em busca de algo para vestir, mas em meio à sua infinidade de ternos e
camisas, eu sabia que não tinha nada digno daquela noite. Devia ter me
preparado.

— Olhe para o seu lado — Maverick disse, se referindo à arara que


ele havia comprado quando meu guarda-roupas já não era mais suficiente
para ele. Estávamos sem espaço e isso sinceramente me irritava quando eu
via a infinidade de produtos de barba e cabelo que ele deixava ocupando
meu espaço no banheiro. Era quase tão vaidoso quanto Liam.

— Você comprou um vestido para mim?! — exclamei, ao ver a peça


azul-claro sobre seus doze ternos, protegida por uma capa transparente.
Essa era a minha cor preferida.
— Tentei pensar em todos os detalhes. Os sapatos estão numa caixa
sobre a minha sapateira.

Eu o olhei por cima do ombro e o sorrisinho que ele ostentava me


fez abrir um ainda maior. Precisei me segurar para não correr e pular em seu
colo, para beijá-lo como uma adolescente boba. Eu estava grávida, não
podia mais fazer coisas assim.

— Me espere na sala — pedi e algo em meu semblante o fez rir, os


olhos brilhando pela primeira vez desde que eu havia acordado, no entanto,
ele não disse mais nada, apenas seguiu minha ordem e saiu.

Não demorei a me preparar. Eu era uma negação com maquiagem e


nem me atrevi a passar nada além de um batom pink, Sophia era quem
costumava me ajudar com isso, mas estava toda atarefada com a festa de
revelação do sexo do bebê, que seria no fim da próxima semana.

Perdi mais tempo na trança longa e elaborada que fiz e, ao me olhar


no espelho, eu adorei o resultado. Estava ficando difícil encontrar roupas
para mim, especialmente roupas em que eu não me sentisse estranha ou
alguém que não era eu, mas o caimento do vestido que Maverick escolhera
era perfeito. Eu me senti linda nele. Os brincos e o colar que ele também
havia adicionado ao conjunto apenas valorizaram a peça.
Peguei os sapatos que ele também havia comprado e me sentei sobre
a cama para calçá-los mais facilmente. Estiquei as pernas por um momento,
para observar a perfeição do par. Maverick havia lembrado que eu
continuava a evitar saltos altos. Estes eram baixos e confortáveis.

Sorri.
Ensaiei me levantar da cama, mas uma caixa entreaberta sobre a
mesa de cabeceira me chamou atenção. Era a que usávamos para guardar
cada registro do bebê, que a obstetra nos oferecia nas consultas. Não resisti
a pegá-la e observar as imagens das ultrassonografias, na última, eu
conseguira identificar melhor as pequenas formas que já podiam ser
distinguidas do bebê.

Com três meses, ele já tinha desenvolvido os órgãos. Toquei quase


com veneração a imagem pequenina e um sorriso bobo tomou meus lábios
quando meu olhar desceu até o registro da primeira frequência cardíaca que
identificamos dele. Eu queria tatuá-la, eternizá-la em mim, mas não poderia
fazer isso durante a gravidez, então a manteria comigo ao menos assim.
Sempre ao meu alcance.

Após alguns minutos apenas contemplando aquelas fotos e me


permitindo acariciar meu ventre, eu guardei tudo de volta na caixa e me
ergui, para sair.

Quando deixei meu quarto e o olhar de Maverick me encontrou na


sala, eu acho que me senti a mulher mais incrível do mundo. Existem
olhares masculinos capazes de elogiar uma mulher melhor que qualquer
palavra que já tenha sido inventada, e eu conhecia muitas, em cinco línguas
diferentes, mas nenhuma seria capaz de descrever ou se equiparar ao olhar
brilhante e fascinado que Maverick me dava nesse momento.

— Você… — ele tentou, a voz grave, rouca. — Você é… — Não


pareceu encontrar as palavras, o que apenas aumentou meu sorriso.

— Eu sei — informei, indo até ele para beijá-lo.

Maverick me abraçou por alguns segundos. Até inspirou meu


perfume.

— Linda, perfeita, deslumbrante… quando se trata de você,


nenhuma parece suficiente — ele confessou.
Eu o apertei mais forte, um pouco emocionada pelas suas palavras.

— Acho que você é um homem de sorte, Maverick Bradshaw —


provoquei para disfarçar meu embaraço, e ele riu.

— Acho que você está certa, Elizabeth Caldwell.


Seus lábios voltaram a encontrar os meus.

Logo deixamos meu apartamento de mãos entrelaçadas.


Conversamos durante o percurso de escadas e me esforcei para não o deixar
notar como se tornara cansativo usá-las, mas duvido que eu tenha
conseguido, já que ele se ofereceu para me carregar. O que neguei. Minha
barriga não estava tão pesada assim, eu só estava fora de forma. Tinha que
voltar a fazer minhas aulas de yoga.

Quando alcançamos o térreo, as vozes alteradas de Liam e Sophia se


fizeram ouvir na entrada.

— Deveríamos chamar a polícia, sim! — meu irmão esbravejava. —


Aquele filho da puta estava ameaçando você, porra!
— Isso não tem nada a ver com você! — minha amiga retrucou,
quando os vimos atravessarem as portas. — Então fica na sua, Caldwell!

— O que está acontecendo aqui? — Maverick chamou a atenção dos


dois e, como adolescentes que tentavam se explicar para os pais, ambos se
voltaram para nós falando ao mesmo tempo de um jeito confuso que não fez
nada além de irritar meus ouvidos.

— O que aconteceu com sua calça? — indaguei, porque o jeans


estava imundo. Só então notei que Sophia estava apoiando o peso do corpo
apenas em uma perna.

— Foi só uma tentativa de assalto — ela respondeu.


— Assalto?! — Liam exclamou e ela o estapeou no braço.

— Sim, Liam, uma tentativa de assalto — ela repetiu, de um jeito


que me fez unir as sobrancelhas.

— Você está bem? — perguntei, porque isso era mais importante.

Minha amiga acenou, numa afirmativa, mas meu irmão a


contradisse um segundo depois:

— Ela mal consegue andar. O filho da puta a empurrou antes de eu


me aproximar. Acho até que ela torceu o tornozelo.

Sophia direcionou a Liam um olhar cortante e ergueu uma mão,


ameaçando tocar os cabelos dele, mas ele se esgueirou para longe antes que
ela conseguisse.

— Já disse pra parar de fazer essa merda! — rosnou para ela, que
revirou os olhos.

— E eu já disse pra você me deixar em paz! Não preciso da sua


ajuda.

Liam estreitou os olhos, o peito inflando de irritação quando


estendeu um braço, indicando as escadas.
— Vamos lá, me mostre como é capaz de subir quatro andares
sozinha com o tornozelo ferrado.

Ela ergueu um dedo em riste para ele, mas antes que pudesse dizer
algo, Maverick a interrompeu:

— Vocês são bem grandinhos e podem se resolver, não é? Então se


virem. A Liz e eu temos um encontro.
— Podem ir — minha amiga informou, com um sorriso para nós
dois, a mudança em seu semblante acontecendo em um piscar de olhos. —
E cuidem do meu sobrinho, por favor. Não vão fazer estripulias.

— Seu sobrinho?! — Liam rugiu e eu meneei a cabeça em negativa,


prevendo que começariam a discutir de novo. Não lutei quando Maverick
me guiou para fora dali, apenas pedi que Sophia se cuidasse e avisei que iria
em sua casa depois, saber se estava bem. Tendo sido um assalto ou não, eu
sabia que ela estava com o visto vencido há quase um ano, não faria
nenhuma denúncia na delegacia e não iria ao hospital para evitar qualquer
infortúnio com a imigração.

Maverick gargalhava quando desarmou o alarme do seu carro e me


ajudou a me acomodar.

— Do que está rindo? — perguntei, a testa franzida. — Eu avisei


que esses dois iam se matar.

— Só se for de tanto sufocar aquele tesão acumulado — respondeu,


ainda rindo.

Esperei que ele desse a volta no carro e se sentasse ao meu lado, no


banco do motorista, para dizer algo.

— Colocou esses dois juntos de propósito, não foi?

Ele nem tentou negar, e sua gargalhada enchendo o veículo também


não permitiria que o fizesse.

— Eles vão se transformar num casal em poucos meses, quer


apostar? — foi o que ele escolheu dizer, em sua defesa.

Meneei a cabeça, sem acreditar, mas estava sorrindo. No entanto, a


sua teoria não me pareceu tão absurda quando comecei a pensar de verdade
sobre ela.

— Eu aposto em cinco meses — ofereci e nos encaramos por alguns


segundos antes de ele dar partida no carro.

— Cinco? Eu aposto em três.

Minha resposta foi um riso baixo.


VINTE E CINCO

— E eu preciso entrar vendada por que mesmo? — perguntei,


divertida, não mais do que uma hora e meia depois, após Maverick me
ajudar a sair do carro já com uma fita de seda amarrada com cuidado
suficiente apenas para me impedir de abrir os olhos e ver onde estávamos.
Ele a havia colocado depois que chegamos a Manhattan, por isso era difícil
saber para onde tinha nos trazido.

— Porque é uma surpresa — ele repetiu, após um pigarro nervoso.


Sorri.

Tateei seus ombros até conseguir envolver seu pescoço com os


braços. Maverick me carregava para subirmos um lance de escadas. Seu
corpo tenso de um jeito que eu não sentia desde que ele havia me contado
que conversaria com meu irmão, algumas semanas atrás. Decidi ficar quieta
e não o deixar mais ansioso.
Minutos se passaram enquanto percorríamos corredores e mais
escadas infinitas, portas pesadas foram abertas e fechadas às nossas costas e
isso começou a me deixar curiosa. Esforcei-me para tentar compreender
onde estávamos, mas nem o eco dos passos, nem o cheiro do lugar ou a
sensação que o ambiente me causava davam qualquer pista.

Após pegarmos um elevador, Maverick me colocou no chão com


cuidado.

— Estamos chegando — informou e logo seus lábios pressionaram


os meus num beijo que só aumentou minha ansiedade.

Em menos de um minuto, outra entrada era aberta para nós e


Maverick me guiava a passos lentos para dentro de outro lugar. Aqui meu
coração disparou ainda mais agitado, porque tive certeza de que havíamos
chegado.

— Vou tirar a venda — ele avisou, mas não o fez imediatamente.


Senti sua hesitação e o exalar profundo do ar que tinha nos pulmões, as
mãos grandes vieram para o meu ventre e o acariciaram por um momento,
como se buscasse nele alguma serenidade.
— Assim vou começar a achar que está nervoso — provoquei, só
para quebrar um pouco aquela atmosfera ansiosa entre nós.

Maverick riu.

— Eu estou. É a primeira vez que vou fazer isso.

Ele depositou um beijo suave em meu pescoço nu.

— Você se lembra de quando nos conhecemos? — indagou,


baixinho, a vibração da sua voz rouca trazendo arrepios à minha pele. —
Você vivia com a cara enterrada em livros, mas sempre tinha uma resposta
espertinha na ponta da língua quando os caras e eu te provocávamos na sua
casa.

Sorri, lembrava disso, sim.

— Eu via você com aqueles livros e pensava: porra, ela deve ser
mesmo um gênio. — Ele inspirou fundo e então riu baixinho. — Por isso,
quando vi você dormindo à beira da piscina, segurando aquele livro aberto,
fiquei tão curioso em saber o que você tanto lia.

— Ah, meu Deus — emiti, sentindo meu rosto esquentar de


vergonha. Lembrando imediatamente do dia que ele me pegara lendo um
romance erótico.

— Eu costumo ter alguma dificuldade com a leitura, sabe? Mas não


precisei ler nem um parágrafo pra entender o que você estava lendo. Pau e
boceta normalmente são usados em contextos bem específicos.
Eu queria me enterrar. De novo. Já estava vendada, mas ainda senti a
necessidade de usar as mãos para cobrir o rosto.
Às minhas costas, seu peito tremeu com uma gargalhada que ecoou
por todo o lugar em que estávamos. Nesse momento, tive certeza de que era
um espaço amplo, coberto e muito alto. Minha curiosidade só aumentou.

— Saber que você gostava de ler putaria não mudou minha certeza
de que você era incrível e um gênio, mas me deu um motivo para implicar
com você e te deixar sem respostas espertinhas por algum tempo.

Desta vez eu ri.


— Fiquei tão mortificada que demorei a me recuperar — admiti.
Senti seu sorriso quando ele pressionou um novo beijo em meu pescoço.

— Sei que sim, mas provocar você era irresistível.

Sorri.

— Uma ratinha de bibliotecas. Era o que você era — lembrou, e


senti seu sorriso entre as palavras. — Não importava se eram na escola, em
casa, numa universidade ou públicas. Você as adorava.
— Sim — concordei, um pouco rouca e nostálgica agora.

Maverick limpou a garganta e seu hálito morno tocou a minha pele


quando ele voltou a falar, suas mãos subindo por meus braços lentamente.

— Você não deve saber, mas a primeira vez que fui a uma biblioteca
longe da escola e da universidade, foi pra buscar você com Liam. Naquele
dia, eu quase consegui entender sua fascinação por elas.
Interrompi minha respiração no momento que Maverick começou a
desfazer o nó que prendia a venda de seda em meus olhos. Meu coração
passou a trovejar ainda mais forte no peito.

— Quando você me disse que os livros te ajudam a fugir das crises


existenciais da sua realidade — lembrou —, eu só consegui pensar que o
que me ajuda com isso é você, Liz. O seu sorriso.
Meus olhos já marejavam no momento que Maverick afastou a
venda do meu rosto, mas eu ainda precisei de um segundo ou dois para
tomar coragem e abrir minhas pálpebras. As lágrimas transbordaram sem
que eu pudesse evitar no instante em que o fiz, mas mesmo com a visão
borrada por elas, eu não demorei a reconhecer onde estávamos.
E a imagem à minha frente me roubou o ar.

Em segundos, meus olhos percorreram o salão extenso já conhecido,


de arquitetura rica e imponente, e não fui capaz de conter todos os
sentimentos que me dominaram. De um lado e do outro, estantes de
madeira maciça preenchiam as paredes, abarrotadas dos mais diferentes
tipos de livros. Os bancos e mesas, também de madeira, que normalmente
ocupavam o espaço, para serem usados por visitantes e pesquisadores,
tinham sido retirados. Havia apenas uma mesa no centro do salão.
Iluminada pela luz amarelada dos lustres grandiosos que pendiam do teto e
das velas que tremeluziam em castiçais dourados.
— Essa é… — tentei, mas não tinha fôlego para concluir. Como ele
havia conseguido permissão para isso, meu Deus?!

— A Biblioteca Pública de Nova Iorque — ele respondeu. — Todas


as vezes que vim aqui foram por você, então…

Eu não tinha palavras.

— A nonna disse que, para ser inesquecível, eu tinha que pensar no


que você mais gosta, nas coisas mais simples e até bobas da nossa história e
na mensagem que eu queria transmitir com esse momento — contou.
— Maverick — tentei novamente, mas aquele fio de voz não foi
suficiente para nada além de chamá-lo. O que consegui fazer foi me voltar
para ele, ainda emocionada demais.
Ele sorriu e envolveu meu rosto com as mãos antes de deslizar os
polegares sobre as minhas bochechas para limpá-las.

— Acho que os livros sempre fizeram parte da sua vida e sempre


farão, não é? Não importa se os de tradução ou de putaria. — Eu só
consegui rir e acenar. — Acho que eles vão continuar te ajudando a lidar
com suas crises e emoções e o que eu queria era deixar você saber que eu
também estou aqui para isso se você precisar, Liz. Quando eles não forem
suficientes, eu sempre vou estar aqui.

Mais lágrimas caíram e eu desisti de tentar contê-las porque tudo o


que eu sentia precisava transbordar de mim de alguma maneira.

Maverick se aproximou para deixar um beijo doce em minha testa e


fui eu a juntar nossos lábios um segundo depois. Meu corpo cedeu contra o
seu quando seus braços me envolveram, me sustentaram, nossos rostos
ainda próximos demais.

— Eu amo você, Elizabeth Caldwell — confessou, baixinho, só para


mim. — Amo você há mais tempo do que sou capaz de lembrar. Amo você
por mais motivos do que sou capaz de enumerar.
Ele me beijou novamente.

— Sempre vou amar você porque nunca houve e nunca haverá


ninguém como você para mim.
Eu estava me desfazendo em soluços e lágrimas, mas Maverick não
pareceu se importar quando acomodou meu rosto ao seu peito e me abraçou
com cuidado, o toque suave me confortando enquanto eu só conseguia me
agarrar a ele com força.

Após alguns segundos, ele afastou um dos braços de mim e tateou


os bolsos em busca de algo, mas não consegui ver o que era.
— Você disse que não quer mais pular etapas — voltou a falar. — E
eu concordo que podemos ir mais devagar e aproveitar os próximos meses
de gestação sem nos preocupar com um detalhe irrelevante como um
casamento. Não precisamos de um. — Inspirou fundo e se afastou, para
conseguir me encarar. — Mas eu quero propor algo… algo além da ideia de
namoro.
Franzi o cenho enquanto limpava meu rosto e o observava erguer
uma caixinha de veludo fechada.

— Nós vamos ter um filho e nos amamos, já estamos praticamente


morando juntos, mas em um lugar que não tem estrutura para receber nosso
bebê ou você quando a gravidez estiver mais avançada. Eu também gostaria
que você não passasse horas trabalhando na frente daquele computador
quando eu posso arcar com todas as nossas necessidades financeiras e te dar
uma gravidez sem preocupações com trabalho e prazos de entrega…

— Maverick… — tentei, mas ele meneou a cabeça e não me deixou


concluir.

— Eu não sabia, mas a nonna me disse que existe uma coisa


chamada aliança de compromisso. — Ele sorriu. — Que alguns casais
costumam usá-la e que significa algo mais sério que um namoro. Achei que
seria perfeito para nós.
Eu já estava sorrindo e lagrimando de novo, meu Deus.

— Estamos esperando um filho e isso já nos coloca num ponto além


do namoro. — Ele deu de ombros. — Então, o que quero propor é que
aceitemos nosso relacionamento como o compromisso que ele é, mais firme
e sólido que um namoro. — Engoliu em seco e fixou seus olhos em mim.
— Temos alguns meses até o nascimento do bebê, além de nos preparar,
podemos nos reorganizar, procurar a melhor maneira de nos encaixarmos.
Encontrar um lugar para ser nosso. Nossa casa, Liz. Um lugar seguro para
você e para o nosso bebê.

Ele abriu a caixinha azul-marinho e me deixou ver o que havia nela.

Meus olhos voltaram a arder sem minha permissão assim que me


deparei com o anel que ela ocultava.
— O formato… — balbuciei.

Lutei contra o embargo na minha garganta, mas ainda assim não


consegui dizer nada além daquilo.

Maverick retirou o aro delicado de sua casa. Ele também sorriu


quando observou a peça com atenção.

— Quando fizemos aquele exame, você disse que queria ter o


registro da frequência cardíaca do bebê sempre com você — explicou, os
olhos voltando para mim. — Não podia fazer a tatuagem, então encontrei
um dos melhores ourives do país e dei a ele o desafio de manipular ouro
para criar o anel. Ele só precisou da imagem do exame para tomar como
base, muito tempo e incentivos, e o reproduziu no formato do aro.
— Maverick…

— Agora você terá esse registro sempre com você, Liz — informou,
também emocionado. Então se inclinou sobre mim para me beijar e agarrei
as lapelas do seu terno para que ele não se afastasse.

Minhas bochechas estavam banhadas de lágrimas a essa altura, mas


eu não me importava.

— Me aceite, Liz — pediu, rouco, emocionado. — Eu vou dar tudo


de mim para fazer vocês felizes. Para proteger vocês. Eu prometo que…
— Eu aceito, Maverick — declarei, com dificuldade. — Aceito
compartilhar minha vida com você… Sempre vou dizer sim pra você. Pra
nós.

Maverick me ergueu sem dificuldade, o bastante para nivelar nossos


olhares em meio ao salão de uma das bibliotecas mais lindas do mundo. E
por segundos infinitos, foi como se o nosso mundo se resumisse àquele
momento. Apenas nós três ali, juntos.

— Eu amo você — sussurrei, acariciando seu rosto com devoção.


Meu peito repleto do que apenas Maverick e o nosso bebê eram capazes de
despertar em mim.

Ele me beijou uma vez e, com nossos lábios ainda pressionados,


como se não houvesse nada no mundo capaz de afastá-lo agora, ele repetiu
o que naquele momento eu senti que continuaria a me dizer pelo resto das
nossas vidas:

— Também amo você, Liz… amo tanto, porra!


VINTE E SEIS

Observei a curva leve e perfeita que o ventre de Liz formava, os


dedos de ambas as minhas mãos deslizavam nele com veneração, como um
pedido silencioso. Eu havia lido sobre isso. Massageá-la assim poderia
incentivar o bebê a se movimentar. Me encarando sonolenta nesse
momento, Liz certamente acreditava que eu estava sonhando quando a
acordei dizendo que o bebê havia se mexido, poucos minutos atrás, mas eu
tinha certeza do que falava. Do que havia sentido, enquanto ela dormia.

Meu coração não continuava disparado daquele jeito à toa.

— Ainda estamos no quarto mês de gestação, é um pouco cedo —


ela lembrou, bocejando e esfregando os olhos.
— Li num fórum de grávidas que quando a mãe é magrinha, como
você, os movimentos do bebê podem ser perceptíveis mais cedo, Liz.

— Você entrou num fórum de grávidas? — indagou, confusa e ainda


sonolenta.

— Eu tinha dúvidas daquele livro — contei, sem desviar o olhar do


seu ventre. — E a próxima consulta é só daqui a duas semanas.

Ela não disse mais nada. Uma de suas mãos se estendeu para
acariciar meus cabelos, tentando chamar minha atenção, mas eu permaneci
concentrado em minha tarefa e quieto ao seu lado, apenas massageando sua
barriga lentamente.

Liz ficou em silêncio e, apesar do sono, me deixou continuar


tentando por minutos a fio. Eu já estava começando a duvidar da minha
sanidade mental sobre ter realmente sentido nosso bebê se mexer e, quando
estava prestes a desistir, ele respondeu. Me deu o que eu esperava tão
ansiosamente.

Um movimento pequeno e sutil. Eu estava com a cara bem diante do


ventre de Liz e as mãos sobre ele, mas não vi ondulação real em sua
barriga, apenas senti. Sob minha palma, um tipo de soquinho. Quase um
cumprimento só para mim. A coisa mais emocionante e incrível que já tinha
me acontecido na vida.
Os olhos arregalados de Elizabeth entraram em foco quando ergui
minha atenção para ela com um sorriso idiota que quase não me cabia nos
lábios.
— Você sentiu?! — indaguei, mas era óbvio que, se eu tinha
sentido, ela também havia.

Liz tinha os lábios entreabertos num “o”, ensaiou articular uma


resposta, mas nenhuma palavra saiu.

Então o bebê se moveu de novo, como se estivesse determinado a


arrancar uma reação audível dela, e desta vez eu precisei trazer uma mão
para cobrir a boca, porque comecei a rir como um idiota, completamente
bobo com aquilo.

Esfreguei com cuidado o local em que tinha sentido o movimento e


posicionei a mão de Liz sob a minha, seus olhos úmidos de lágrimas
enquanto observávamos seu ventre, ambos com as respirações travadas,
suspensas, em expectativa.

E ele fez de novo, desta vez sob nossas mãos. Quase nos dando um
“oi” pela primeira vez.

— Ele se mexeu — ela soluçou, e a encarei de novo, também


emocionado.
— Sim — sussurrei, rouco, a atenção voltando ao seu ventre quando
me inclinei para beijá-lo com carinho. Devoção.

Liz e eu ainda ficamos em expectativa sobre algum novo


movimento, mas não tivemos nada mais. Voltei a me acomodar ao seu lado
e a puxei para meus braços, para confortá-la, ambos continuamos
acariciando seu ventre, em silêncio contemplativo. Absorvendo aquele
momento único.
— Precisamos dar ao Liam e à Sophia os nomes em que pensamos
— Liz avisou em algum momento. — Eles estão em cima do prazo para
enviar à decoradora.
— Você pensou em algum?

Ela respondeu com um aceno, mas não disse nada por alguns
instantes. Procurei seu olhar.
— Liz?

Ela pigarreou.

— Pensei em dois, mas não sei se você vai gostar — informou,


pressionando os lábios daquele jeito fofo, e os beijei com suavidade, como
um incentivo silencioso para que falasse. — Eu não tive muito contato com
a cultura coreana enquanto crescia, então pensei em nomes coreanos. Não
quero que nosso filho cresça sem saber nada sobre sua descendência.

Foi minha vez de hesitar, a primeira coisa que me veio à mente foi a
consciência de que sua língua materna era muito diferente do inglês. Eu não
queria demorar a aprender a dizer o nome do nosso bebê ou pronunciá-lo
errado.

— Em que nomes pensou? — indaguei.

Liz entrelaçou nossas mãos.


— O significado dos nomes é muito importante na cultura coreana,
normalmente carregam símbolos, qualidades positivas ou expressam a
personalidade do bebê — contou. — Eu gostaria que o do nosso bebê fosse
um lembrete. Para ele nunca esquecer quem é nesse mundo, não importa o
que aconteça ou o que digam a ele enquanto crescer.

Engoli em seco.
— Min-Jun, se for menino — disse, voltando-se para mim para
indicar seus lábios antes de repetir: — Você pronuncia Meen, com o “i”
alto e curto do inglês e “Joon”, com o “u” mais prolongado e anasalado
no final. Coreanos adoram vogais.

— Min-Jun — testei, lentamente, e Liz acenou com um sorriso,


informando que estava certo. Voltei meu olhar para seu ventre e repeti,
testando entonações diferentes: — Min-Jun… Min-Juuuun. Min-Jun!

Elizabeth riu.
Eu também.

— O que significa?
Seus lábios se esticaram ainda mais num sorriso.

— Que ele será um menino inteligente e gentil.


Voltei a engolir em seco, então acariciei seu ventre mais uma vez.

— Não vamos deixá-lo esquecer disso nunca — concordei, sério.

Liz acenou.
— Se for menina, pensei em Ji-Na.

O nome me fez sorrir.

— Ji-Na — repeti, sem precisar da sua ajuda desta vez. Um calor


inesperado inundou meu peito ao dizê-lo. — Ji-Na.

Pareceu tão certo. Tão perfeito.


Ergui meu olhar até o seu.

— O que significa?

— Nosso lindo tesouro.


Sorri.

— Não poderia ser mais apropriado — respondi, ainda sorrindo


como um idiota. — Eu gosto, Liz. Gosto muito.

Ela também sorriu, se inclinou sobre mim para me beijar os lábios e


então me abraçar. Ficamos alguns minutos a mais ali, apenas aconchegados,
sentindo as respirações e o calor um do outro. O despertador estava prestes
a tocar quando eu trouxe a mão de Liz para meus lábios e beijei a aliança de
compromisso que havia colocado nela há alguns dias. A que eu usava era
mais grossa, nada delicada, mas tinha cravada nela o mesmo desenho da
frequência cardíaca do nosso bebê.

Eu estava prestes a perguntar se Liz queria que eu lhe trouxesse algo


para comer antes de eu me preparar para o trabalho quando o meu celular
tocou sobre a mesa de cabeceira. O barulho soou em todo o pequeno quarto
e uma sensação estranha me inundou porque reconheci que era cedo demais
para qualquer pessoa estar ligando por um bom motivo. Precisei me sentar
sobre a cama para alcançar o aparelho e senti todo o ar e a felicidade
recentes me abandonarem.

— Quem é? — Liz perguntou, quando me ergui e distanciei da


cama. Muito tenso e pouco estável. Não consegui responder. Não consegui
nem emitir qualquer cumprimento quando atendi a chamada do médico de
papai. Apenas me forcei a ouvir suas palavras e tentei lidar com o aperto
insuportável que tomou meu peito. Diferente do que eu temia ouvir, o que o
homem disse foi:

— Ele acordou.
VINTE E SETE

O ar deixou de entrar naturalmente nos meus pulmões no instante


em que entrei no hospital. Minha cabeça já estava um pouco aérea ao me
despedir de Liz na sala de espera e isso só piorou conforme eu era guiado
ao local em que vesti a roupa especial do setor em que papai estava.
O ritmo dos meus passos diminuiu tão logo alcancei o corredor
vazio, frio e doentiamente branco do quarto. Minha respiração já alterada se
tornou audível por causa da máscara cobrindo parte do rosto. O coração
socava as costelas, pulsando com força em meus ouvidos.

A sensação de estar ali de novo era horrível, mas me forcei a


prosseguir, eu não ouvia uma palavra do que o médico ao meu lado dizia,
mas precisava continuar caminhando, precisava ver papai.

Engoli em seco quando o Dr. Jackson abriu a porta para que eu


pudesse entrar. Tomei um fôlego profundo antes de fazê-lo e, quando
atravessei a entrada, papai se moveu sobre a cama, os olhos me alcançado
devagar, exaustos por cima da máscara de oxigênio que ele usava.
Semblante abatido, carregado do esgotamento de quem já não aguenta estar
vivo.
O médico tomou a frente e se aproximou para verificar os aparelhos
conectados a papai, lhe fez perguntas, que ele respondeu com acenos
tranquilos enquanto eu permaneci ali, imóvel. Os pés grudados no piso
asséptico e a garganta trancada.

— Tome o tempo que precisar — o médico disse a mim, mas seu


rosto inexpressivo não disfarçava a certeza que havia em seus olhos.

Aquela seria a última vez.

A porta foi fechada às minhas costas, apenas o barulho inquietante


das respirações de papai através do aparelho podia ser ouvido no quarto. Eu
costumava saber o que fazer, mas ali, tendo que conversar pela última vez
com meu pai, tendo que me despedir, eu não soube como tomar a frente
naquela situação. Acho que me senti o garoto perdido que havia sido um
dia.
Foi ele a tomar a iniciativa, a afastar a máscara do rosto e me
chamar com o sorriso torto que lhe era tão característico.

— Venha aqui, filho.

Eu o obedeci, caminhei até ele devagar, os olhos presos aos seus,


opacos.

Ele voltou a colocar a máscara por apenas um instante, respirando


tão profundamente quanto conseguia antes de afastá-la e voltar a falar.

— Como você está? Descobri que fiquei meses apagado.


Não consegui responder sua pergunta, não queria mentir e acho que
a verdade não o faria se sentir melhor agora. Os seus olhos castanhos se
afastaram de mim por um momento, encarando o teto.

Silêncio. Silêncio angustiante entre nós.

— Você vai se sair bem sem mim, Maverick — repetiu. E eu já


havia perdido as contas de quantas vezes ele dissera essas palavras.

— Por que continua repetindo isso? — indaguei, através daquele


embargo doloroso na garganta.

Seus olhos voltaram a mim devagar, uma umidade atípica os


inundando lentamente.

— Porque nós dois precisamos acreditar nisso.

— Papai…

— Sei que fui um pai horrível, mas não quero ir sem ter certeza de
que você vai ficar bem sozinho, Maverick…

Lágrimas finas deslizaram por meu rosto e, enquanto as limpava, eu


me aproximei da sua cama.
— Não vou ficar sozinho — contei e proferir as próximas palavras,
de alguma maneira, me ajudou a respirar um pouco melhor, por saber que o
tranquilizaria de alguma forma. Também era bom finalmente reconhecer o
que o medo havia me feito esquecer em algum momento. — Tenho
irmãos… tenho uma nonna… uma melhor amiga e uma sobrinha… tenho
uma mulher incrível que, de alguma maneira, me ama e me aceita… —
hesitei, seus olhos já surpresos — E nós vamos ter um bebê em breve…
Ele vacilou, o impacto das minhas palavras nítido em seu semblante,
no modo como seus olhos se inundaram de lágrimas antes de ele os desviar
e posicionar a máscara em seu rosto, talvez para disfarçar o soluço que
escapou. Mas eu vi seu peito tremer, as tentativas de engolir o que quer que
estivesse preso em sua garganta. Reconheci seu esforço para ocultar tudo
aquilo.

— Papai…

— Achei que isso nunca aconteceria — confessou, num sussurro


rouco e frágil demais para a sua grande estrutura, mesmo que deitada ali,
naquela situação.

— Eu também.
— Como isso…? — ele não conseguiu concluir, apenas fixou seus
olhos em mim, lendo-me por instantes. — Você a conheceu nos últimos
meses e se apaixonou?

Neguei com a cabeça e o aguardei inspirar fundo com a ajuda da


máscara antes de respondê-lo.
— Eu a conheci há anos — contei, a pressão em meu peito se
esvaindo apenas por lembrar de Liz. — Acho que me apaixonei há anos
também, mas sempre achei que não a merecia.
Ele abriu um sorriso pequeno. Torto. Mas desta vez não me pareceu
fingido.

— Ela é tão boa assim?

Acenei, confirmando.
— A Liz é… incrível — concluí, consciente de que era a segunda
vez que dizia isso. Era a verdade.

Ele pressionou os lábios por alguns instantes e percebi quando


baixou os olhos até minhas mãos, que agarravam a lateral da cama nesse
momento. Não sei como, mas tive certeza de que sua atenção se fixou na
aliança de compromisso que eu tinha em minha mão.
— Você sempre encontra uma maneira de ser um Bradshaw melhor
que seu avô e eu, Maverick — sussurrou, voltando a soar rouco demais.
Seus orbes castanhos cintilavam com umidade novamente quando ele me
encarou. — Como homem, como responsável por todos os nossos negócios,
como filho… não duvido que será também melhor que nós como marido e
pai.

Um nó estranho se atou em minha garganta.

— Como pode acreditar nisso? — indaguei.

Papai não hesitou em responder.


— Um homem que fala de uma mulher com a devoção com que
você falou dessa tal Liz não tem como ser um marido ruim. — Ele fez uma
pausa breve, para tossir algumas vezes, com uma dificuldade que torceu
algo em meu peito. A máscara foi posta por mais alguns instantes. — Não é
por que você só conheceu pais ruins que você será um, Maverick. Você não
precisa fazer parte desse ciclo de merda, o que precisa é parar de se ver em
nós… — disse, por fim. — Você não é como seu avô e eu. Nunca foi.

Hesitei, suas palavras me alcançado em lugares escuros.

— Você é bom como a sua mãe. — Seu olhar carregado de remorso


retornou a mim. — Você herdou tudo de bom que ela tinha.
Senti como se o tempo parasse ali, foi essa a sensação causada pelo
silêncio se seguiu, ao menos. Papai nunca falava da minha mãe. Nunca
conversamos sobre ela. A única coisa de que me lembro é de ele ter entrado
numa espiral de autodestruição ainda maior depois que ela foi embora.

— Se arrepende de ter deixado ela ir embora? — indaguei, minha


voz saindo estranha, inundando o quarto com um peso que sufocou a mim
mesmo. Papai apenas desviou o olhar. — E de ter sido um marido ruim? De
tê-la feito sofrer?
Ele permaneceu em silêncio, perdido. Apenas o som falho das suas
respirações através do aparelho era audível.

— Nunca sentiu necessidade de pedir perdão a ela? Nem agora?

Seus olhos voltaram para mim, vermelhos como eu nunca havia


visto. Carregados com sentimentos que ele nunca havia expressado diante
de mim.

— Pedi perdão à sua mãe há anos — confessou.


Senti meu coração afundar em queda livre.

— O quê?

Papai voltou a pôr a máscara e desviou o olhar por alguns instantes,


parecia ignorar minha presença, mas eu tinha certeza de que estava apenas
imerso em sua própria mente. Talvez no passado. Talvez em culpa.

— Eu a procurei há anos — contou, mais baixo, sem me encarar. —


Pedi para visitá-la e implorei que me perdoasse.

Não consegui emitir nada a partir de suas palavras. Não consegui


me mover ou reagir. A mente vagando para longe, juntando aquelas
palavras e as transformando em imagens, para que eu pudesse visualizar, ou
pelo menos tentar, imaginar mamãe depois de vinte anos.

O nó em minha garganta se tornou ainda mais dolorido.

— Talvez seja difícil acreditar — ele prosseguiu, mas não consegui


encará-lo para descobrir o que mais havia em seu semblante —, mas ela
nunca esqueceu você, nunca deixou de te amar, ela…

Lágrimas encheram meus olhos ao ouvir aquelas palavras. Precisei


me afastar de papai para tentar respirar. Para dissipar todas as lembranças
que cruzavam minha mente agora.

— Ela me pediu para não te contar sobre o nosso encontro.

— Por quê?

Ele hesitou e só então eu parei para observá-lo novamente.

— Por quê?

— Ela está há mais de dez anos numa clínica de reabilitação,


Maverick. Já estava em depressão profunda quando uma tia a internou e…
quando falei com ela pela última vez, ela não queria sair. Também não
queria que você a visse lá.

Meneei a cabeça em negativa, sentia que era alvejado por todas


aquelas informações e não estava sendo capaz de compreender o que estava
sentindo. A única coisa que não mudava era aquela porra de nó crescendo
na minha garganta. Aquela ardência insuportável nos olhos.

— Você foi o único motivo pra ela ter aguentado anos na nossa casa
— ele disse, quando o silêncio entre nós passou a pesar demais. — Talvez
você não lembre, mas ela já era só uma sombra de si mesma quando foi
embora.

Senti a culpa incrustada em suas palavras.

Papai voltou a usar a máscara e, por minutos, tudo o que se pôde


ouvir no quarto foi os sons angustiantes que ele emitia enquanto tentava
respirar. O que lhe parecia mais difícil a cada segundo que passava.

— Consegui mantê-la por algum tempo num apartamento nos


arredores da cidade, mas quando percebeu que papai nunca a deixaria levar
você, ela sumiu.

Não consegui dizer nada. Ou digerir de uma vez tudo o que ele
revelava agora. Também não conseguia fazer nada sobre o emaranhado de
emoções que abalava as certezas que haviam me sufocado por anos.

Eu me sentia dormente. Anestesiado por não ser capaz de


compreender o que sentia.

— Não pedi antes, porque nunca achei que merecia seu perdão —
sua voz me chamou atenção novamente, agora falha, rouca, frágil —, mas
nesse momento reconheço que você merece que eu peça perdão.

Busquei seu olhar sobre a cama, como os meus provavelmente


estavam, seus olhos estavam vermelhos. Cintilando pela umidade. Minha
visão voltou a ficar borrada pelas lágrimas quando me dei conta de que, a
essa altura, ele já não se importava de chorar à minha frente.
— Me perdoe, filho, por ter sido esse pai horrível.

Minhas lágrimas transbordaram ali, grossas, dolorosas,


acompanhadas de soluços que eu não lembrava de já ter emitido um dia.
Ver papai voltar a colocar a máscara para conseguir respirar em meio aos
seus soluços também me quebrou.

Caminhei até a cama mais uma vez e o aguardei se acalmar para


conseguir respirar. De maneira mais espaçada e curta. Como se só fosse o
suficiente para continuar ali por alguns minutos.

Ele não disse mais nada. Não precisou. Nem conseguiria.

Permaneci ao seu lado, olhos atentos aos seus. Aquele pedido


também era nítido neles, tal como a dor e o remorso.

— Perdoo o senhor — sussurrei, por entre o nó que ainda apertava


minha garganta.

Duas novas lágrimas deixaram seus olhos quando ele os cerrou.


Alcancei sua mão livre sobre a cama e a apertei com a minha. Ele retribuiu
o aperto, o manteve tão forte quanto podia, por todo o tempo que ainda
conseguiu.

No momento que aquele aperto se desfez, eu soube que ele havia


partido.
VINTE E OITO

As mãos de Emma e nonna apertavam as minhas quando reconheci


a figura de Maverick no fim do corredor, ao lado da sala de espera em que
eu o havia aguardado.
Não precisei de mais do que observá-lo por um segundo para
compreender o que havia acontecido e como ele se sentia. Levantei-me da
cadeira em que estava, e acho que chamei a atenção de todos os seus
amigos, porque todos se ergueram também um instante depois, assim como
nonna e Emma. O olhar de Maverick encontrou o meu à distância, exausto
e triste, e eu tive certeza de que a decisão de chamá-los fora a melhor que
eu poderia ter tomado. Ele precisaria de todos, talvez achasse que tinha que
passar pelo luto sozinho, mas não precisava e seus melhores amigos
deixaram isso claro quando o alcançaram para um abraço grupal.
Lágrimas finas também deslizaram por meu rosto ao vê-lo ali, mas
me mantive imóvel. Aguardei que todos fossem até Maverick, que nonna o
consolasse por minutos, e só quando seus olhos voltaram a pousar sobre
mim, eu avancei. E o envolvi com meus braços, o apertei forte.

E enquanto todos se mobilizavam para ajudar de alguma maneira


com questões relacionadas ao velório e às documentações, eu não o soltei.
Não deixei que ficasse sozinho.
Não me afastaria até que ele me dissesse que ficar sozinho era o que
precisava.

O que, em nenhum momento, ele disse.

***

Suas costas largas entraram no meu campo de visão quando alcancei


a porta entreaberta da sacada. Maverick estava sentado em uma das cadeiras
à mesa redonda e trocava palavras com alguém ao telefone enquanto
observava a vista privilegiada que tínhamos de Upper East Side nesse
momento.
Desde o enterro do seu pai, estávamos em um dos quartos luxuosos
do seu hotel. Mesmo com o auxílio dos amigos, ainda havia coisas que
apenas Maverick poderia resolver com relação aos negócios de sua família
e a tudo o que mudaria neles com a morte recente do antigo patriarca, então
ele precisara vir com mais frequência a Manhattan e aceitei que ficar aqui,
para ele, seria melhor nesse momento. E como eu não o deixaria sozinho,
vim para cá com ele.

Depois dos primeiros dias, o abalo inicial da perda havia passado. A


dor ainda era notável, não era mais tão crua. E eu começava a ver Maverick
seguindo em frente. Ainda devagar, mas caminhando. Isso me deixava
aliviada. Eu nunca havia visto seus olhos opacos por tanto tempo e vê-lo
passar por esses dias tinha sido, além de difícil, doloroso.

Fechei meu roupão por causa do friozinho matutino da primavera e


entrei na sacada sem ser percebida. Uma música baixa tocava de algum
lugar desconhecido, mas não parecia atrapalhar a chamada de Maverick.

— Não, Blake… não é algo que quero fazer agora — ele dizia
enquanto eu me aproximava. — Só… encontre ela. No momento, só quero
saber como ela está.

Parei de andar.

Não precisei de mais do que aquilo para saber que falava da sua
mãe. Na noite anterior, pela primeira vez, havíamos conversado sobre ela e
Maverick obviamente estava seguindo meu conselho, de ir devagar. Por si
mesmo, porque já havia passado por muito recentemente.

Uma espécie de alívio inundou meu peito por reconhecer isso. Eu


não queria que ele precisasse passar por nenhuma outra situação assim tão
cedo. Na leitura do testamento, Maverick descobriu que seu pai havia
deixado dinheiro e uma propriedade para sua mãe, e graças ao
testamenteiro, soube também que ela estava viva, mas não pôde comparecer
à leitura. Contudo, ela estar viva não era o mesmo que estar bem, ou lúcida,
principalmente se havia ficado anos em tratamento para depressão.

— Tudo bem. Obrigado, irmão.

Quando encerrou a ligação, ele expirou profundamente e abandonou


o telefone na mesa ao seu lado.
— Tudo bem? — perguntei e, imediatamente, ele me procurou por
cima do ombro. Devagar, a sombra de um sorriso curvou o canto dos seus
lábios e aqueceu meu peito. Maverick acenou em resposta e estendeu a mão
para mim, num pedido silencioso para que eu fosse até ele. Não titubeei ao
fazê-lo e logo me acomodava em seu colo.

Envolvi seus ombros com um braço e pressionei um beijo em seus


lábios, sua palma pousou sobre o meu ventre e o acariciou lentamente,
como vinha se tornando um hábito.
— Vocês dormiram bem? — ele indagou e foi minha vez de
responder com um aceno. Adorava quando ele falava de mim e do bebê
assim.

— A cama desse hotel é cem vezes melhor que a minha — comentei


e ele voltou sua atenção para mim, os olhos se apertando. — Se você a
tivesse usado como argumento há algumas semanas, talvez já estivéssemos
aqui há mais tempo.
Seus olhos adquiriram um brilho novo ao ouvir minhas palavras.

— Duvido — respondeu. — Você pode ser teimosa como seu irmão,


às vezes.
Sorri, porque ele estava certo.

Acomodei-me melhor ao seu corpo e entremeei uma das mãos em


seus cabelos já desgrenhados pelo sono recente, a maciez deles quase
irresistível para mim.

— Está bem mesmo? — perguntei baixinho. — Precisa de ajuda


com algo?
Ele meneou a cabeça, então me apertou um pouco mais forte e
inspirou meu cheiro direto do meu pescoço.

— Estou melhor… muito melhor por ter em meus braços tudo o que
preciso nesse momento…
Aproveitei sua proximidade para inspirar seu cheiro também. Ele
estava impregnado em mim depois de dormirmos aconchegados, mas senti-
lo em sua pele era muito melhor.

— Também tenho tudo o que preciso aqui, Maverick, e com você,


— sussurrei, em seu ouvido, pousando minha mão sobre a sua em meu
ventre. — Tento não pensar muito nisso, mas estou ansiosa para sábado —
confessei.

Ele pressionou sua testa à minha.

— Eu também — sussurrou. — Acho que está mais do que na hora


de também sabermos o sexo do nosso bebê. Sinto como se fôssemos os
únicos que ainda não sabem.
Sorri, concordando. Nonna havia ajudado Liam e Sophia na última
semana e agora ela também já sabia se teríamos um menino ou uma
menina.
Não dissemos mais nada por alguns instantes, apenas absorvendo o
calor e a intimidade que aquele contato nos proporcionava. O silêncio me
permitiu prestar atenção às músicas que tocavam e elas não demoraram a
me fazer sorrir. Reconheci a primeira, Tennessee Whiskey, porque era mais
recente e Maverick já a tinha ouvido perto de mim, mas a segunda, não. E a
letra dela tocou algo em meu coração.
— Que música é essa? — perguntei. — Quem canta?

Senti quando seus lábios se esticaram em um sorriso contra minha


pele. Acho que foi o primeiro naqueles dias.

— Ah, Liz, você feriu minha alma agora.

Aquilo me fez rir. Eu já estava com saudades daquele seu tom.


— A música é You're Still The One, da Shania Twain.

— É linda — sussurrei. — E romântica, nunca imaginei que você


gostaria de algo assim também.

Ele se afastou apenas o bastante para me olhar.

— A nonna é a única culpada por isso — contou, deslizando o


polegar sobre minha bochecha. — É impossível conviver com ela e não se
acostumar a ouvir essas músicas. E depois que você se acostuma, elas
deixam de parecer sentimentais e bregas.
Voltei a rir.

— Gosto de como ela parece certa para nós — confessei,


pressionando os lábios.

Ao ouvir minhas palavras, Maverick sorriu. De verdade. Sem toda


aquela sombra de dor em seus olhos e semblante.
— Parece que agora temos uma música então — foi o que ele disse
e eu acenei, me inclinando para beijá-lo.
VINTE E NOVE

Ouvi uma risadinha de Emy alguns metros à minha frente e isso,


automaticamente, colocou um sorriso em meus lábios. Se ela já estava ali,
significava que Bruce e Emma também estavam, e talvez todos os meus
amigos também. Minha expectativa se elevou um pouco mais.
Liz apertou sua mão à minha com mais força e tive certeza de que
ela estava tão ansiosa quanto eu. Estávamos vendados. Fomos buscados no
meu hotel e trazidos ao Central Park. Sophia tinha coberto nossos olhos
após mudarmos de veículo, nos acomodando em uma carruagem toda
decorada com fitas em tons pastéis, e agora eu não fazia ideia de onde
exatamente estávamos. O parque tinha mais de três quilômetros e eu não
ouvia muito além do chiar das árvores que voltavam a ganhar vida e do
burburinho distante de outros visitantes.

Uma rajada suave de vento agradável atravessou o espaço amplo e


aberto em que estávamos quando fomos posicionados.

— Vocês nos pediram algo simples e íntimo — Sophia iniciou, de


algum lugar à minha esquerda. — Então freei os planos ridiculamente
exagerados do Caldwell e a nonna veio para o meu lado na última semana.
Sorri e, mesmo sem ver, eu apostaria que a Liz também sorria, pela
provocação nada sutil que sua amiga fazia contra Liam e pelo grunhir
insatisfeito dele próximo a nós. Meu coração socava as costelas, o pulsar
ansioso dele era sentido nos ouvidos e isso só piorou quando meu amigo
ficou às minhas costas e a voz de Sophia se aproximou de Elizabeth.

Inspirei fundo. Não consegui parar de tamborilar o pé direito no


chão, ansioso.

— Vamos começar com a revelação — Sophia avisou. — Como


estão os corações?

— Descobri que o meu é mais forte do que eu pensava por estar


socando minhas costelas há tanto tempo sem falhar — respondi e algumas
risadas dos nossos amigos e família soaram entre nós.

— E você, Liz?
Ela apertou sua mão à minha ao ouvir a pergunta da amiga.

— Não acho que o meu consiga aguentar muito mais tempo dessa
agonia — confessou, seu corpo se aconchegando ao meu, de modo que
pude identificar a posição exata da sua cabeça para pressionar um beijo
sobre o topo.

— Quem ouve pensa que estamos torturando vocês — Sophia


comentou, num tom zombeteiro que arrancou mais risadas. — Respirem
fundo, vamos tirar as vendas agora.

Liz e eu seguimos a orientação dela juntos.

Após um instante suspenso, Liam começou a desatar o nó do tecido


que recobria meus olhos e acredito que Sophia fez o mesmo com Liz.
Precisei tomar fôlego antes de conseguir erguer as pálpebras devagar, para
me acostumar à luz diurna. Logo a visão à minha frente se tornou nítida,
como uma pintura de traços perfeitos que eu gostaria de eternizar em minha
mente.

Diante de mim, ao redor de uma mesa extensa de piquenique,


coberta com uma toalha branca, repleta de comida e decorada com fitas e
balões coloridos em tons pastéis, estava a minha família. Os brutamontes
que eram meus quatro irmãos, uma nonna em um terninho rosa-bebê,
Emma limpando lágrimas teimosas de suas bochechas e Emy com
mãozinhas agitadas e olhos brilhantes. Todos sorridentes, todos felizes não
apenas por estarem aqui, compartilhando esse momento comigo, mas por
mim e Liz, pela nossa felicidade. Pelo nosso bebê.

Ali eu reconheci que era o filho da puta mais sortudo do mundo.

Acabara de perder meu pai e estava tomando coragem para ir visitar


minha mãe, mas os dois eram apenas uma parte da minha família. Uma que
estivera distante e, eu precisava admitir, não me fazia sentir bem e feliz
como todos que eu tinha aqui comigo agora. Como todos que escolheram
estar na minha vida e ser meu sustento e força, se eu precisasse.
Puxei Liz para abraçá-la e ela me apertou, soluçando baixinho.

Liam e Sophia tomaram seus lugares ao lado dos outros,


completando aquele quadro perfeito às margens do lago do Central Park,
com flores de cerejeira desabrochando, o céu perfeito signo da primavera e
alguns dos prédios imponentes de Nova Iorque marcando presença.
Também sorridente, meu cunhado indicou algo às nossas costas.
Liz e eu trocamos um olhar por um momento, ansiosos, presos
naquela expectativa quase insuportável, nossas respirações irregulares em
consonância agora. Nós dois achávamos que era uma menina.
Imaginávamos uma menininha, mas eu tinha certeza de não seríamos menos
felizes se fosse um menino. Daríamos o nosso melhor. Sempre.

Sorrimos um para o outro e beijei sua testa com delicadeza antes de


voltar nossa atenção para o que Liam indicara.
— Desculpem, não consegui controlar a coisa do exagero nessa
parte — Sophia comentou, e desta vez todos gargalhamos.

Havia uma enorme caixa branca alguns metros à nossa frente, uma
fita de seda presa a ela se estendia até nós, quase ao alcance das nossas
mãos. Gravado nela estava:
Min-Jun ou Ji-Na?

Atrás da caixa, numa parte mais distante e elevada do gramado,


havia um letreiro também com os nomes, ladeado por ursos de pelúcia
enormes, balões e fitas que chamavam a atenção de todos os transeuntes
naquela área do parque. Na decoração, e até nos blocos sobrepostos de um
lado e do outro, que tinham a palavra “baby” escrita, as cores eram
intercaladas, todas em tons pastéis. Delicado e bonito, embora nada sutil
por causa do tamanho. Todos ali saberiam que estávamos grávidos e, em
breve, eu tinha certeza, todos também saberiam qual o sexo do nosso bebê.

Estava lindo. Era óbvio que Liam e Sophia haviam se estranhado,


mas conseguiram fazer um trabalho incrível juntos. A ajuda da nonna
também devia ter sido providencial para controlar os gênios dos dois.

— Quando estiverem prontos, puxem a fita que está à frente de


vocês — Liam informou, e mesmo sem vê-lo, pela sua voz, pude sentir que
estava emocionado.

Liz e eu nos encaramos novamente, seus olhos brilhantes de


lágrimas. Acariciei seu rosto bonito e me inclinei para beijar seus lábios e
testa.

— Está mais do que na hora, não é? — sussurrei, o que a fez sorrir e


acenar.
Pressionei nossos lábios uma última vez antes de me posicionar às
suas costas, de modo que pudesse abraçá-la. Apenas nesse momento notei
um homem se aproximando com uma câmera focada em nós dois. Não sei
por que, mas algo me disse que ele não era o único com o trabalho de
registrar aquele momento. Liz e eu seguramos a fita juntos.

— Pronta? — indaguei, rouco de um jeito que já não era capaz de


ocultar.
— S-sim — ela sussurrou.

Minha frequência cardíaca voltou a pulsar nos ouvidos, o retumbar


potente do coração de Liz também pôde ser sentido em seu ventre, que eu
segurava agora. Interrompi minha respiração.
Ao mesmo tempo, puxamos a fita, mas foi necessário um pouco
mais de força e apenas na segunda tentativa o laço se desfez e a caixa se
abriu. Uma infinidade de balões emergiu dela. Azuis, lilás, verdes, amarelos
e rosas. Vários corações prateados com pontos de interrogação também
surgiram, voando para longe junto dos balões. Enchendo o parque e o céu
de cor e vida.
O nó de ansiedade em meu peito se apertou, eu já estava sem fôlego
quando as letras começaram a surgir. Timidamente, sem pressa, uma a uma.
Quatro letras que mudavam meu mundo naquele momento. Que enraizavam
em mim a certeza de que minha vida nunca mais seria a mesma.

Ji-Na.

Minha pequena Ji-Na.

Minha bebê inesperada.


Minha menininha.

Lágrimas distorceram minha visão.

— É uma menina! — foi Emy a exclamar, numa vozinha chorosa e


emocionada enquanto Liz desabava num choro que também embargava
minha garganta. Ela se moveu em meus braços e a puxei para mim com
força.

— Ji-Na — sussurrei roucamente. — Nossa menininha.


— Sim — foi tudo o que Liz conseguiu dizer, em meio ao seus
soluços.

Ficamos abraçados por quase um minuto inteiro, chorando juntos,


compartilhando todas aquelas emoções borbulhando em nossos peitos,
minha mão voltou a repousar sobre seu ventre e Liz a entrelaçou à sua.
Em menos de cinco meses teríamos nossa bebê nos braços.

Mas ali, bem ali, envolvendo a pequena estrutura de Liz e


acariciando seu ventre, eu senti, no meu coração, que já tinha minhas
meninas nos braços.

Afastei-me apenas o bastante para conseguir encará-la, limpar suas


lágrimas e beijar seus lábios. Liz deslizou os polegares sobre minhas
bochechas também, afastando a umidade, então encostei minha testa à sua e
declarei, sem qualquer ideia de quantas vezes já havia repetido isso a ela
nos últimos dias.
— Eu amo você, Elizabeth Caldwell. Você e a nossa pequena Ji-Na.

Liz tomou fôlego com dificuldade e balbuciou:

— Também amo você, Maverick Bradshaw. E a nossa menininha.

Nós nos beijamos novamente e logo recebíamos os abraços e


felicitações dos nossos amigos e família. Sophia também chorava quando
abraçou a amiga e sussurrou para ela coisas em espanhol, língua a qual ela
recorria quando estava com as emoções e os ânimos à flor da pele. Não
entendi nada do que disse, óbvio, mas Liz, sim, e até a respondeu.

Um sorriso bobo tomou meus lábios quando nonna veio até mim,
curvei-me como pude para abraçá-la e, antes mesmo de ouvir suas próximas
palavras, eu já tinha um nó em minha garganta.

— Você será o melhor pai que essa menininha poderia ter —


garantiu, com uma confiança inabalável em mim. Uma certeza que, como
as palavras de papai há mais de uma semana, expulsaram dúvidas e
inseguranças do meu coração. Aquelas que já não eram maiores que a
minha certeza de que faria o meu melhor por Ji-Na. Por Liz.
Por nós.
E estaria sempre disposto a melhorar por elas também.

Observei Liz ser envolvida por nonna num abraço, e o que quer que
tenha ouvido da senhorinha, a fez chorar ainda mais. Logo ela era abraçada
por Sophia, Emy, Emma e nonna.

Meus amigos também vieram até mim, com sorrisos idiotas.

— O primeiro Herdeiro de Nova Iorque a ser pai — Blake lembrou.

— Uma menina, porra… — Bruce emitiu, sem conseguir disfarçar a


emoção.

— Deus tenha piedade de qualquer filho da puta que se aproximar


da nossa garota — foi Chuck a dizer, com ar ameaçador.
— Que Ele tenha mesmo, porra, porque eu não terei. — As palavras
de Liam fizeram todos nós gargalharmos.

— Essa fala deveria ser minha — lembrei enquanto nos


afastávamos.

Chuck riu e provocou:


— Se o Bruce bobear, o Bradshaw ainda se casa antes dele também.

Liam meneou a cabeça em negativa, também rindo.

— E ele vai — Bruce respondeu, observando o anel de noivado em


seu dedo. — Emma entrou num processo seletivo de uma multinacional.
Está num ritmo frenético de estudos pra conseguir a bolsa do mestrado
deles. Se passar, vão custear os dois anos do curso para ela.

— E ela vai conseguir, porque é inteligente pra caralho — respondi,


indo até ele para envolver seu ombro com um braço.
— Sim. Então vamos deixar o casamento e os planos de ter filhos
para depois que ela se formar — concluiu, por fim. E suas palavras
deixaram nossos amigos em silêncio. Os três que continuavam reticentes
sobre ela, desconfiando de que havia voltado à vida de Bruce para dar um
golpe. Saber que ela não havia abandonado os estudos para viver às custas
dele, nem estava aceitando que Bruce os pagasse para ela parecia ter
abalado algumas certezas deles.

— Vocês já estão juntos, irmão. Um casamento é um mero detalhe


diante disso — lembrei e o desgraçado sorriu, porque seus olhos
encontraram sua mulher a alguns metros com Emy e Sophia, rindo juntas.

— Quando é que os Herdeiros de Nova Iorque começaram a pensar


em casamentos e filhos em vez de putaria e cervejas, hein? — Chuck
indagou, num tom zombeteiro e incrédulo que me fez voltar a gargalhar.

— Está com medo de ser contagioso, é?

— Nunca. Sou vacinado e já criei anticorpos contra isso.

Os filhos da puta riram.

Em poucos minutos, nos acomodamos à mesa de piquenique.


Enquanto todos comiam, observei Blake e Sophia rindo e conversando
juntos, com uma cumplicidade que me chamou a atenção antes de Liam se
aproximar dos dois, como um cão ciumento que tenta marcar território.

Cheguei a rir comigo mesmo, só de ver aquela arrumação. Nonna se


acomodou ao meu lado.

— Só eles não percebem, não é? — perguntou, indicando Liam e


Sophia com o queixo. Agora trocando farpas enquanto Blake os observava
atentamente.
Eu a abracei e concordei.

— Vão nos dar mais trabalho — avisei, o que a fez rir e acenar.

Procurei Elizabeth, sentindo sua falta ao meu lado, e não me


surpreendi ao vê-la de pé com Emy, tirando fotos pelo celular.
Sorri.

Chuck se aproximou para cumprimentar minha mulher e a abraçar, e


em seguida, hesitou, sem saber o que fazer com Emy. Liz os apresentou.

Achei que o alemão seria o mais relutante em deixar a menina se


aproximar, mas Emy o colocou de joelhos em dez segundos. Bastou encará-
lo com aqueles olhos doces e brilhantes, boquiaberta, encantada pela
imagem dele, abrir um sorriso envergonhado e dizer:

— Meu Deus, você é muito lindo.

Pronto. Ganhou o filho da puta pelo ego monumental dele.

— Querida, venha comer um pouquinho — nonna chamou Liz, e ela


não demorou a vir e se sentar do meu outro lado.

Elizabeth se aconchegou ao meu braço e expirou profundamente,


parecendo cansada. Beijei sua testa com suavidade, prestes a perguntar se
precisava de algo, mas fui interrompido:
— Aqui, querida, coma algumas frutinhas. — Nonna empurrou para
ela uma tigela grande com várias frutas já cortadas e descascadas, então um
prato de panquecas recheadas. — Coma tudo, sim? Maverick vai lhe dar
uma bebê grande.

Aquilo me fez rir.


— Obrigada, nonna — Liz sussurrou, mas, o que fez após Elena se
afastar, foi me abraçar novamente. Franzi o cenho, já preocupado com sua
apatia súbita.

— O que houve? — indaguei, atento ao seu semblante, tentando


descobrir o que havia de errado.

— Eu só… — A chegada de Liam a impediu de concluir.

Observei meu amigo depositar uma caixa de presente sobre a mesa e


se sentar ao lado da irmã, que me soltou para ir até ele. Para apertá-lo num
abraço.

E acho que nesse momento eu entendi.

Eu sentia que minha família estava ali, completa, mas ainda faltava
alguém para Liz.

Apesar de Liam apenas sussurrar para a irmã, eu pude ouvir:

— Ela me pediu para entregar isso a você.

Liz hesitou, mas então voltou sua atenção para o presente e o levou
para o colo. Ela o acariciou por instantes. Precisou de alguns segundos para
abri-lo e, quando o fez, um soluço baixo escapou dos seus lábios.
Observei em silêncio Liz erguer uma roupinha delicada de bebê.
Enquanto ela chorava, eu quis abraçá-la, mas Liam estava ali para ela. Para
Elizabeth e para sua mãe, na verdade, ele a envolveu com um braço,
acomodando-a ao seu peito.

Liz retirou da caixa uma folha pequena, pouco maior que um


bilhete, e, mesmo sem conseguir ver o que estava escrito, percebi como as
palavras a emocionaram.
Em meio às lágrimas, ela acenou algumas vezes.

— Eu aceito — sussurrou.

Só algum tempo depois, eu descobri que sua mãe pedira que as duas
se encontrassem.
Ambas estavam prontas para aquele encontro e perceber isso me
deixou aliviado.
TRINTA

A ansiedade me fazia chacoalhar um dos pés sobre o chão enquanto


eu observava a sala de espera do consultório. Os olhos vagando pela
decoração neutra conforme o relógio de vidro tiquetaqueava na parede.
A secretária havia me avisado que mamãe já estava na sala com a
psicóloga, que eu deveria aguardar ser chamada. Já estava ali há dez
minutos e quase não me aguentava mais de nervosismo.

Maverick apertou minha mão com um pouco mais de força, como se


me lembrasse, silenciosamente, que ainda estava ali, ao meu lado. Mas não
consegui encará-lo nem dizer nada. Não conseguia parar de pensar sobre o
que aconteceria quando eu entrasse.

Fazia quatro dias desde o nosso piquenique para revelação do sexo


do nosso bebê, quando mamãe enviara aquele presente para minha filha e
uma carta para mim. Eu havia ficado tão aliviada por ela finalmente entrar
em contato, porque continuava preocupada com sua saúde mental e
emocional, mas os últimos dias me ajudaram a pensar sobre todas as
semanas que se passaram, sobre o ano que se passou, na verdade. Desde
que abandonei meu curso na CalTech e voltei a Nova Iorque. Desde que ela
ficou meses sem falar comigo. Desde que decidiu por mim que eu não teria
meu bebê.

Na carta, ela dissera que queria ter a chance de me pedir desculpas


pessoalmente, e que sua psicóloga gostaria de poder conversar com nós
duas, juntas, para entender nossa relação e tentar nos ajudar. Eu não me
arrependia de estar ali, conhecia aquele tipo de sessão, havia feito terapia na
adolescência, o que me dera conhecimento suficiente para revirar meus
sentimentos nos dias que tive até aqui.

Eu sabia o que me magoava, sabia o que precisava curar para


perdoar mamãe e me sentir bem o bastante para construirmos uma relação
saudável, mas não tinha certeza de que ela saberia lidar com o que eu
precisaria dizer. E eu não tinha ideia do que ela tinha a me dizer além do
pedido de desculpas.
Isso me angustiava. Me preocupava. Mas era um peso do qual eu
sentia que precisava me livrar.
— Ei — Maverick me chamou e voltei meu olhar para ele num
movimento automático. — Está tudo bem — lembrou, sua mão grande
vindo ao meu rosto para acariciá-lo. — A psicóloga não chamaria você aqui
se não achasse que sua mãe conseguiria lidar com essa conversa.
Um nó apertou minha garganta. Inclinei-me na cadeira para abraçá-
lo, emocionada. Eu amava como, às vezes, ele não precisava das minhas
palavras para saber o que me afligia. Ou o que dizer para me ajudar a sentir
melhor.

Maverick retribuiu meu abraço e beijou o topo da minha cabeça.


Não me movi dos seus braços. Não me afastei.

A porta de vidro da entrada foi aberta e Liam entrou. Seu olhar se


fixou em mim e Maverick por alguns instantes, antes de ele inspirar fundo e
se aproximar.

— Desculpem o atraso — pediu e acenei, apenas estendendo a mão


para cumprimentá-lo porque não queria sair dos braços que me acolhiam
agora.
— Obrigado por vir, irmão — Maverick agradeceu. Ele sabia que
mamãe também precisaria de amparo quando saíssemos dali.

Liam acenou e se sentou ao meu lado, sua mão grande ainda


engolindo a minha, para me transmitir força daquela maneira.

Ficamos em silêncio, perdidos em nossas mentes, e apesar do


excesso de pensamentos, não me assustei quando a porta do consultório foi
aberta e uma mulher alta e exuberante surgiu.

— Elizabeth? — ela chamou e acenei, já me movendo para levantar.


— Pode entrar, querida.
Maverick e Liam se ergueram comigo e me abraçaram.

— Vamos esperar vocês aqui — meu irmão disse, chamando minha


atenção.

Concordei com um aceno e lhe dei um beijo no rosto antes de me


colocar na ponta dos pés e beijar Maverick nos lábios uma última vez.
Depois, devagar, eu caminhei até a psicóloga de semblante
acolhedor que me aguardava.

Mamãe se ergueu tão logo adentrei a sala. A primeira coisa que


notei foram seus olhos vermelhos. Ela havia chorado há pouco. Meu
coração se apertou por isso, porque independente do motivo, era difícil ver
nossa mãe chorar, mas eu sabia que lágrimas faziam parte do processo de
cura.
O seu semblante denotava cansaço mesmo maquiado e isso também
pareceu cravar uma lâmina no meu peito, que se retorceu no instante em
que seu olhar desceu até meu ventre, visível no vestido de primavera que eu
usava, e seus olhos se encheram de lágrimas.

Eu não soube como reagir, como interpretar suas lágrimas e o


desolamento que cruzou seu olhar, queria abraçá-la, confortá-la, mas não
sabia se ela estava assim porque não aguentava me ver grávida ou… eu não
sei. Sinceramente não sabia o que pensar, só sabia que me machucava.

A psicóloga tomou as rédeas da situação e fechou a porta antes de


me guiar para uma poltrona a alguns passos de distância de mamãe.

— Você quer um copo de água, querida? — perguntou à mamãe,


estendendo a ela uma caixinha de lenços. A resposta que obteve foi
negativa. Também neguei quando ela direcionou o mesmo questionamento
a mim.
Limpei uma lágrima teimosa que deslizou pelo meu rosto e observei
a mulher sentar à nossa frente.

— Eu me chamo Géssica — apresentou-se, pousando uma mão


sobre o peito. — Pedi que sua mãe convidasse você para esta sessão porque
acredito que sua participação no processo de cura dela pode fazer toda a
diferença.

Eu acenei.
Mamãe fungou baixinho, recompondo-se ao meu lado. Tentei não a
olhar. Não queria chorar ou fazê-la chorar novamente.

— Mas antes de falarmos dela, eu gostaria de conhecer você. — Ela


pegou um caderno de anotações num móvel ao seu lado, o abriu e retirou
dele uma caneta. — Celina me disse que você e seu irmão foram adotados
ainda na infância, que você era um pouco menor que ele. Consegue se
lembrar dessa época?
Engoli em seco.

Ela estava indo direto ao ponto.

— Eu tinha cinco anos, mas me lembro de algumas coisas, sim —


respondi.

— Do que lembra?
O embargo aumentou em minha garganta, me fez hesitar, lembrar
me fez hesitar, porque revirar essas lembranças era doloroso.

— Lembro de uma conversa — contei, a voz saindo rouca, quase


irreconhecível. — Não lembro bem as palavras, só… só que papai tentava
convencer mamãe a me dar uma chance. A ficar comigo.
Lágrimas caíram.

Mamãe voltou a soluçar.

A psicóloga manteve seu olhar sereno em mim, aguardando que eu


tivesse meu tempo para lidar com as emoções que vinham à flor da pele. Eu
odiava essa parte. O silêncio. O silêncio longo e desconfortável, aquele que
sempre me fazia sentir exposta, que durava o necessário para eu perceber
que precisava dizer mais coisas. Revirar mais sentimentos. Expor ainda
mais.

Quando senti que conseguiria voltar a falar, foi o que fiz.

— Lembro de sentir que ela não me queria — prossegui.


— Querida… — mamãe sussurrou, em meio ao choro, mas não
consegui encará-la.

— Respire, Celina. Lembre do que conversamos. Você terá a sua


chance de falar daqui a pouco. — Então ela voltou seu olhar para mim,
ainda serena, ainda acolhedora. — Você ainda se sente assim, Elizabeth?

Hesitei.

Um segundo depois, acenei.


— Por que acha que ainda se sente assim? — Géssica indagou,
disposta a cavar mais fundo. — Além dessa lembrança, você reconhece
algo mais que tenha contribuído para que você continuasse se sentindo
desse jeito?

Respirar fundo foi difícil enquanto eu pensava sobre suas perguntas.


O aperto em meu peito aumentou de um jeito que me fez pousar uma mão
sobre meu ventre, para afagá-lo, num gesto que eu gostaria que enviasse
algum conforto à minha bebê.
— Meu irmão e eu éramos tratados de maneiras diferentes — contei
e por saber exatamente qual queria sua próxima pergunta, eu a respondi
logo: — Mamãe era amorosa com ele, de um jeito que dificilmente era
comigo.
Mamãe desabou num choro que me feriu profundamente. Mais
lágrimas encheram meus olhos quando ela se ergueu e se afastou, cruzando
a sala para colocar distância entre nós, só parou quando alcançou a parede
de vidro que lhe dava uma vista da cidade.

Em meio às minhas próprias lágrimas, eu a observei em silêncio por


alguns instantes, seu corpo tremia com o choro, sua mão pressionava o
peito, como se a dor fosse tanta que o esfregar tivesse se transformado
numa necessidade. Talvez para expurgar o peso das emoções que estava
nele.
Da culpa.

— Como você lidou com isso? — A psicóloga voltou a chamar


minha atenção. Desta vez ela não perguntou se eu queria ou precisava de
um copo de água, apenas me estendeu um.

Tomei alguns goles, enquanto refletia sobre a pergunta.

— Eu… eu percebi que ela ficava orgulhosa quando eu me saía bem


na escola — iniciei, porque sabia que meu sentimento de dívida com
mamãe fora intensificado por isso. — Então me esforcei para continuar
deixando-a orgulhosa.

— Você só sentia que era amada assim?

Acenei, confirmando. Um soluço me escapou. Novas lágrimas


deslizaram por minhas bochechas.
Mais silêncio.
Mais partes do meu coração sendo desafogadas com aquelas
palavras.

Mais coisas sendo reviradas.


— Em algum momento, comecei a me sentir em dívida com ela —
confessei. — Porque ela continuou comigo mesmo sem me querer. Me
criou e deu tudo o que eu precisava. Me manteve nas melhores escolas, me
deu a chance de fazer todos os cursos e aprender tudo o que quisesse, me
levava ao médico quando precisava — minha garganta voltou a se fechar
aqui. — Comecei a aceitar que tomasse decisões por mim. Sobre cursos,
sobre a faculdade…

Géssica anotou algo em seu caderno e aproveitei para procurar


mamãe com o olhar. Ela chorava em silêncio agora, perdida na vista que
tínhamos. Talvez em seus próprios pensamentos também.

— Sua mãe comentou que você estudou fora por alguns anos.

Concordei com um aceno.

— Abandonei os três cursos que tentei fazer — confessei, mas pela


primeira vez, não me senti envergonhada por dizer isso. Eu estava em paz
com minha decisão. Nenhum daqueles cursos era o que eu queria. O que eu
sempre senti foi culpa por ter decepcionado mamãe ao abandoná-los. —
Mamãe e eu passamos meses sem nos falar depois que tranquei a última
faculdade e voltei para Nova Iorque.

Ela acenou, certamente já sabia disso também.

— E quanto ao seu pai? Você se lembra como era sua relação com
ele? E a dele com sua mãe?
Lembrar de papai tocou aquela ferida mal cicatrizada que sua morte
abrupta havia deixado. Eu era uma criança e não entendia bem como um
homem tão grande e saudável podia sair para trabalhar pela manhã e voltar
para casa num caixão. Vítima de algo tão mortal, mas que cabia numa
palavra pequena como infarto. Nunca pareceu certo.

— Eles se amavam… muito… E ele me amava. Foi o melhor pai


que eu poderia ter tido.

Ela anotou algo mais no caderno e ergueu seu olhar para buscar
mamãe.
— Celina? — chamou. — Você gostaria de falar agora?

Não sei o que mamãe respondeu. Não a encarei nem ouvi qualquer
resposta. E ela demorou a se aproximar, mas, em algum momento, o fez.

Géssica entregou a ela um copo com água e aguardamos em silêncio


até mamãe se acomodar em sua poltrona. Senti seu olhar em mim e,
hesitante, voltei a encará-la.

Culpa.
Dor.

Angústia.

Isso era o que havia em seus olhos inchados e vermelhos.


— Me desculpe — ela pediu, num sussurro quase inaudível.

— Mamãe… — chamei, mas não consegui dizer nada além disso.

— Vamos começar, Celina — a psicóloga avisou. — Você pode


iniciar nos contando por que você e seu marido decidiram adotar uma
criança.
Mamãe titubeou, uma das mãos se abrindo e fechado na barra da
saia de tweed, os olhos baixos. Por sua demora, cheguei a acreditar que ela
não conseguiria falar nada, mas sua voz rouca quebrou o silêncio na sala.

— Eu… eu me casei com Albert com dezenove anos — iniciou, se


referindo a papai. — Nós nos amávamos e eu já estava grávida de alguns
meses na época do casamento.

Aquilo me pegou desprevenida, mamãe nunca mencionara uma


gravidez. Ou um filho antes de mim e Liam.
— Mi-minha gravidez era de risco e… e tive uma complicação com
sete meses de gestação — lembrou, seu rosto de contorceu de dor aqui e ela
desviou o olhar para um ponto qualquer na parede. — O parto precisou ser
feito às pressas e a bebê ficou semanas internada.

De modo involuntário, minha mão alcançou meu ventre, porque foi


impossível não pensar que eu também poderia passar por algo assim.

— Eu não entendia bem o que estava acontecendo com ela, e acho


que nem sabia direito o que significaria ser mãe daquela menininha
pequenina e tão frágil. Na época não tínhamos tantas informações quanto os
pais têm hoje, tudo o que eu sabia era que podia perder minha filhinha. —
Ela voltou a chorar, as mãos cobrindo o rosto por alguns instantes,
limpando as lágrimas. Precisou inspirar fundo antes de prosseguir. —
Fiquei com ela no hospital e, graças às enfermeiras que me ajudavam,
aprendi coisas básicas como amamentar, colocar para arrotar, e até trocar a
bebê. Quando saímos, apesar da saúde frágil da bebê e da lista de
recomendações médicas, eu me sentia um pouco mais segura para cuidar
dela.
Meu coração se apertou tão forte quando mamãe voltou a soluçar,
que eu soube o fim daquela história antes mesmo de ela conseguir voltar a
falar. Ela ainda não conseguia nos encarar.

— Eu não sei o que fiz de errado, juro que não sei. Fiz tudo como
me ensinaram, mas numa madrugada, eu levantei, estranhando o fato de
Emily não ter acordado para mamar, e ela estava fria. Tão fria que me
desesperei pensando que tinha esquecido alguma janela aberta. Demorei a
perceber que ela não respirava, que seu coraçãozinho não batia… que
minha menininha não estava mais viva.

— Mamãe… — sussurrei, em meio às lágrimas e ao choro que


transbordavam sem controle.

No entanto, a essa altura ela já parecia ter desabado de todas as


maneiras que poderia, porque se fechou.

— Dois anos depois, eu achei que estava grávida novamente e me


desesperei, com medo de passar por tudo aquilo de novo, mas o médico me
informou que eu dificilmente conseguiria gerar outra criança. Albert me
apoiou e cuidou de mim, mas eu senti como se entrasse em luto pela
segunda vez, desta vez pelos filhos que não teria.
A psicóloga voltou a estender a caixa de lenços e mamãe pegou um
deles.

— Seu pai sugeriu que adotássemos e eu relutei muito em aceitar,


mas acabei concordando em fazer uma visita a um orfanato numa viagem
para a Coreia do Sul. Liam já era grandinho, mas tocou meu coração e eu
soube que não poderia ir embora sem ele… Albert queria uma menina
também e eu me recusei, eu… e-eu sentia que estaria substituindo Emily e
não queria fazer isso.
Seu olhar culpado voltou a mim.

— Nunca quis que você se sentisse assim — sussurrou, a voz


embargando novamente. — Me desculpe, eu devia ter percebido… devia ter
sido uma mãe melhor para você.

Meneei a cabeça em negativa, seu rosto sendo borrado pelas minhas


lágrimas.
— Eu me sentia culpada quando dava a você o amor que sentia que
devia ter sido de Emily, mas nunca… nunca, querida, eu quis que você
sentisse que não era amada. — Ela usou um dos lenços para limpar a coriza
e piscou para dissipar as lágrimas. — Eu sempre amei você. Era impossível
não amar uma garotinha tão esperta e amorosa como você… eu só me
sentia culpada demais para demonstrar isso.

Eu sempre amei você… era impossível não amar…


Lágrimas pingavam do meu queixo quando a psicóloga voltou a
falar. Não consegui prestar atenção, precisei de alguns segundos para
processar ao menos uma parte de tudo o que estava sentindo. Eu queria me
levantar, ir até mamãe, abraçá-la, confortá-la por sua perda. Por todas as
suas perdas. Porque papai fora outra e o luto por não poder mais engravidar
também deve ter sido um baque doloroso demais para alguém tão jovem
que já tinha perdido uma filha.

Mas eu sabia que ela precisava de espaço para continuar a se abrir.


Para colocar para fora os sentimentos que estavam presos há tempo demais.
— Você gostaria de falar sobre o hospital? — a pergunta da
psicóloga me fez abrir os olhos. Ela encarava mamãe, num incentivo
silencioso. Era óbvio que as duas estavam trabalhando todas aquelas
questões em suas sessões. Agora eu conseguia entender tanto sobre mamãe.
Parecia tão injusto que mães precisassem carregar suas dores em
silêncio daquele jeito, e ainda que se sentissem culpadas por elas afetarem
seus filhos mesmo quando tentavam protegê-los. O peso era sempre grande
demais.

Mamãe pousou seu olhar sobre mim, aquela mesma culpa


sombreando seu semblante. A dor cintilando em seus olhos claros.

— Eu acho que… que me vi em você naquele hospital. Pensei que


tinha sido inconsequente como eu fui, ao engravidar tão jovem, por pensar
que uma gravidez seria fácil, que ser mãe seria fácil. — Ela fez uma pausa
para tomar fôlego, apenas lágrimas finas deslizavam por suas bochechas
agora. — Então o medo e o desespero me atingiram como eu não lembrava
de ter sentido, por pensar que você poderia passar pelo mesmo que eu.

— Mamãe…

— Eu não tinha o direito. Querer proteger você não me dava o


direito de agir daquela forma, de decidir que… — ela se interrompeu, então
cerrou os olhos com força. — Eu sinto muito. Sinto tanto, querida…
Não sei se ela ainda queria dizer algo, mas não pude continuar
aguardando. Não consegui. Quando ela voltou a chorar, eu me ergui e a
abracei. A apertei forte, desejando mais que tudo consolá-la naquele
momento. Diminuir sua dor, sua culpa.

E foi o que fiz. Por todo o tempo que ela precisou. E não a deixei se
afastar novamente dali para frente.
Podíamos caminhar juntas, nos curar juntas, mesmo que aquele
processo fosse pessoal e demorado.

Eu poderia aprender a perdoá-la, sabia que sim.


Se dependesse de mim, reconstruiríamos a nossa relação.
Curaríamos e superaríamos juntas todas aquelas feridas, dores e culpas.
TRINTA E UM

Alguns meses depois

Recostado à porta entreaberta do quarto, observei Elizabeth avaliar


sua própria imagem no espelho. O barrigão lindo de nove meses de
gestação sendo acariciado lentamente, com uma paciência que não condizia
com a nossa ansiedade àquela altura da gravidez. Com o desejo que
sentíamos de conhecer o rostinho da nossa bebê.
Saber que ela poderia chegar a qualquer momento tornava a
expectativa ainda maior.

— Toque-toque — chamei sua atenção com suavidade, para não a


assustar.

Liz me procurou por cima do ombro e abriu o sorriso enorme que eu


amava. Seu rosto estava mais cheio graças ao peso que ganhara nos últimos
meses e as covinhas haviam se aprofundado um pouco mais por isso. Ela
reclamava e às vezes até tinha crises de choro por todas as mudanças que
identificava em seu corpo, insegura, mas eu só a via mais linda. E me sentia
a porra de um pavão orgulhoso toda vez que saía com Liz ostentando aquela
barriga e todas as curvas acentuadas que havia ganhado.

Para mim, estava perfeita. Como ela não via?


— Oi — cumprimentei enquanto me aproximava para envolver
minhas meninas num abraço. Liz retribuiu o beijo que lhe dei. — Desculpe
o atraso.

Sem soltá-la, voltei minha atenção para o nosso quarto, para


finalmente observar as mudanças que tinham sido feitas na reforma dele.
Na última vez que estive ali, quando Liz me contou que esta era a casa que
havia escolhido para vivermos, ele estava vazio.

Agora parecia ter vida. Cor. Aconchego. Tinha cara de nosso até nos
detalhes, que incluíam os porta-retratos e as prateleiras de livros de
Elizabeth.
— Não se preocupe, mamãe só saiu daqui ainda há pouco —
informou. Sua mãe a havia ajudado a escolher e decorar esta casa nos
últimos meses, o que fora bom para as duas, uma chance de se
reaproximarem e criarem laços mais saudáveis para reconstruir sua relação.
— Ela acha que na semana que vem terminam as reformas no andar de
baixo e já poderemos nos mudar.

Concordei com um aceno, satisfeito, estava ansioso para sair do


hotel e iniciar aquela fase em nossa própria casa.

Liz e eu caminhamos até a parede de vidro do quarto, para observar


os jardins e a área da piscina. Eu a apertei um pouco mais em meus braços à
medida que os segundos se passaram, sentia necessidade de tê-la perto,
depois daquele dia emocionalmente desgastante.

— Como foi com sua mãe? — perguntou, o que eu tinha certeza de


que queria saber desde que enviei mensagem mais cedo, informando que já
estava voltando para Nova Iorque.

Precisei de alguns instantes para responder, para relembrar as


últimas horas que havia passado naquela clínica com mamãe.

Há alguns meses, quando decidi que estava pronto para revê-la,


descobri que não poderia simplesmente entrar onde estava internada e
encontrá-la. O processo entre manifestar esse interesse, conversar com seus
médicos e psiquiatras, aguardar que eles trabalhassem com ela a
possibilidade de me reencontrar e também que ela se sentisse pronta para
isso… levou meses.

Nosso primeiro encontro foi há algumas semanas e tudo o que ela


conseguiu fazer durante a meia hora em que ficamos juntos foi chorar. Ao
vê-la tão abatida e abaixo do peso, eu só consegui abraçá-la, perdido no
redemoinho de emoções que revê-la depois de vinte e três anos havia
produzido.
Havia dor. Havia saudade. Havia mágoa. E ressentimento, também.
Coisas que eu nunca percebi que seu abandono havia causado. As últimas
semanas longe dela tinham me ajudado a lidar com isso, mas hoje…

— Ela me pediu perdão — sussurrei, a voz saindo mais baixa e


densa. Carregada daquelas emoções que vinham à superfície sempre que eu
falava ou pensava nesse assunto. Liz apertou minha mão com a sua, me
dando o tempo de que eu precisava para continuar a falar. — Acho que não
estou pronto para perdoá-la ainda, mas estou disposto a caminhar para isso,
se ela quiser.

— E ela quer?

— Ela disse que sim. O psiquiatra se ofereceu para nos ajudar nisso
e… eu aceitei.
Liz ergueu nossas mãos entrelaçadas e beijou o dorso da minha.

— Estou feliz por isso… e orgulhosa de você — sussurrou.

Eu assenti, beijando o topo de sua cabeça. Sabia que ela estava


mesmo.

Ficamos em silêncio enquanto tentei aquietar aqueles sentimentos e


guardá-los, porque, ali, com Liz, na nossa casa nova, eu não queria deixar
que eles ficassem entre nós. Queria apenas curtir sua presença, seu calor e
carinho. A perspectiva do que nossa vida seria dali para frente.
— Como você está? — perguntei.

Ela inspirou fundo, então expirou com força.


— Cansada de estar grávida, inchada e sempre exausta. — Seu
sorriso foi menor agora, até que Liz baixou o olhar para o seu ventre. — Só
quero conhecer logo nossa filha e segurá-la nos braços.

Sorri.

— Eu também. Sonho com isso quase toda noite — confessei e ela


riu.
— Por isso acorda de madrugada para conversar com ela, não é?

Foi minha vez de rir.

— Na verdade, faço isso para ela reconhecer minha voz. E ela


sempre me responde, se você quer saber.

Liz grunhiu, meneando a cabeça em negativa.


— Eu sei. É dentro de mim que ela faz cambalhotas quando você
decide conversar.

Aqui eu gargalhei.

— Desculpe, eu sei que… — O aperto inesperado e doloroso de Liz


em minha mão me interrompeu. Seu corpo inteiro tensionou, por segundos
que me deixaram assustado, mas em alerta. — O que foi?
Após alguns momentos, ela exalou profundamente, o corpo
relaxando, então acariciou o ventre.

— Contrações de treinamento.
— Tem certeza? — indaguei, preocupado.

— Sim. A obstetra disse que seriam mais comuns nessa fase da


gravidez. Não se preocupe. Quando sua filha decidir que é hora de nascer, a
dor provavelmente será cinco vezes maior que essa. — Suspirou. — Já viu
o tamanho da minha barriga?

Sorri.

— Sim, e está linda, sabia?


Liz bufou, incrédula, mas voltou a levar nossas mãos entrelaçadas
ao seu ventre e se recostou ao meu corpo. Seu aroma suave me atingiu e
avancei devagar em direção ao pescoço delicado, para inspirar mais daquela
essência única, que era apenas sua. Sem perfumes, porque Liz havia
enjoado deles nos últimos meses.

Do lado de fora, alguns metros abaixo, um dos nossos funcionários


começou a regar o jardim e isso levou minha atenção para lá. A grama já
estava bem aparada e vibrante. O quintal era extenso, nossa filha teria muito
espaço para brincar. Por um momento, eu até consegui imaginá-la correndo
por ali. Uma mini versão sapeca de Elizabeth.
Era quase inacreditável o que eu vivia agora. O que eu tinha em
meus braços. Meu mundo. Minha vida. O que eu poderia ter de mais
precioso.

— Quero logo vir para cá com você — confessei, pressionando um


beijo no topo de sua cabeça. — Começar uma nova fase das nossas vidas.
Liz se virou em meus braços, para me encarar. Ela sorria.

— Eu também — sussurrou, colocando-se na ponta dos pés para me


beijar. Deveria ter sido apenas um selinho, mas ela mordiscou meu lábio
inferior e agarrou as lapelas do meu terno. Foi tudo o que precisei para
enlaçar sua cintura, sustentá-la naquela posição e aprofundar o beijo.
Suas costas encontraram a parede mais próxima alguns segundos
depois e segurei seu rosto para conduzi-la à minha vontade. Investindo mais
fundo, chupando sua língua, dominando-a daquele jeito que deixava
Elizabeth fraca. Só abandonei sua boca quando a deixei exatamente assim,
mole e ofegante. Um gemido baixinho lhe escapou ao sentir em seu pescoço
o esfregar da barba, que ela adorava em sua pele.
— Quando lembro que vou passar pelo menos um mês sem poder
me enterrar em você, Liz… — praticamente grunhi em seu ouvido, já
rouco, as mãos passeando pelas curvas gostosas do seu corpo, envolvendo
os seios, agora bem maiores. Cheios. Apertei os dois, consciente de que
estavam mais sensíveis, e não resisti a mordiscá-los, chupá-los, por cima do
vestido mesmo.

Havia um sorriso em seus lábios quando voltei a beijá-los. Liz já me


livrava do cinto e abria a braguilha da calça, muito disposta a ir pelo
caminho que eu oferecia.

Minha camisa foi aberta com um puxão impaciente.

— Eu acho que você precisa aproveitar enquanto ainda pode fazer


isso — ela disse.
Uma risada rouca me escapou, encheu o quarto, colocou um sorriso
malicioso em seus lábios. Afastei-me só para erguê-la em meu colo e levá-
la para nossa cama.

— E eu acho que podemos inaugurar essa cama enorme ainda hoje


— provoquei, após acomodá-la nos travesseiros. Meus joelhos afundaram
no colchão, um de cada lado de seu corpo. Livrei-me do blazer e da gravata,
logo erguia o vestido de Elizabeth também, massageando e abrindo as coxas
roliças no processo, acariciando seu ventre protuberante e seguindo até
desnudar os seios que eram minha perdição.

Porra, como era linda! De todo ângulo. Em cada pequena parte. Por
dentro e por fora.

Um olhar para a calcinha branca e a umidade nela me fez gemer em


antecipação, só de imaginar como sua boceta já devia estar. Eu ficava louco
com sua sensibilidade nas últimas semanas. A barriga havia limitado as
posições que podíamos tentar, mas nunca o prazer que sentíamos ou o tesão
que eu tinha em Liz.

Meu pau pulsou no momento que afastei a calcinha e toquei a


entrada encharcada. Liz gemeu. Cerrou os olhos. Apertou um dos
travesseiros ao seu alcance. Em outro momento, eu a teria provocado, teria
torturado até que implorasse para ser fodida, mas não neste. Agora eu só
precisava me enterrar em seu corpo.

Abaixei a calça e a cueca e deslizei meu pau em sua pele úmida,


espalhando seus fluidos até esfregar o clitóris.

Liz perdeu o fôlego.

Latejou.

E então gritou quando meu impulso forte para dentro da sua boceta
fez seu corpo inteiro arquear sobre a cama.

Agarrei suas coxas, para firmá-las, e comecei a estocar, me


enterrando fundo. Incapaz de raciocinar, porque ela me recebeu mais
molhada e quente do que eu esperava.

Estabeleci um ritmo a partir dos murmúrios e súplicas que


escapavam de seus lábios. Cerrei os dentes com força para conter meus
próprios gemidos a cada vez que minhas bolas batiam contra sua bunda, o
som produzido por nossos corpos inundando o quarto. Eu me vi zonzo pelo
contrair das suas paredes em meu entorno. Hipnotizado pelo prazer
estampado em seu rosto perfeito.

Porra, ia ser sempre assim, não é? Como se fosse a primeira vez.


Como se eu nunca fosse ter o bastante. Como se precisasse dela cada vez
mais…

A vontade de beijar sua boca já era quase insuportável no segundo


em que intensifiquei as arremetidas e seu corpo arqueou sob o meu,
ordenhando meu pau do jeito que só Liz conseguia. Quando ela começou a
gozar gostoso para mim, suas pernas me prenderam naquela posição, me
forçando a ficar dentro, parado, apenas sendo torturado pelo aperto insano
da sua boceta, pelo contrair involuntário e enlouquecedor. E ela não parou,
porra, continuou tremendo, latejando e gemendo. Me molhando. Lágrimas
finas deixando seus olhos.

Gozando e gozando sem controle algum sobre o próprio corpo.

— Caralho — grunhi, as unhas cravadas em suas coxas, o prazer me


cegando até eu finalmente gozar e Liz começar a relaxar sobre a cama,
arfando, as pernas amolecendo à minha volta, sendo sustentadas por mim.

Ainda ofegante, baixei o olhar para a junção dos nossos corpos e


meus músculos se retesaram com o que vi. Elizabeth também só precisou de
alguns segundos de consciência para compreender por que eu estava
paralisado entre suas pernas.

Ou talvez ela tenha sentido os lençóis ensopados.

Seus olhos se arregalaram.


— Maverick? — chamou, se remexendo para tentar ver o que
achava que havia acontecido.

Meu estômago afundou. Um nervosismo silencioso crescendo em


meu interior.

— Acho que sua bolsa estourou, meu bem — sussurrei, um pouco


apavorado.
TRINTA E DOIS

As luzes frias do teto pareciam me cegar, graças às lágrimas que


inundavam meus olhos. Minha respiração continuava ofegante, a garganta
seca pelo choro e pelos gritos a cada contração intensa que me atingia,
agora em intervalos curtos e muito mais longas que doze horas atrás,
quando cheguei ao hospital. Eu já não tinha forças. Sentia que não
aguentaria. Que já não havia energia em meu corpo capaz de me ajudar a
dar à luz minha filha.
Ao meu lado, Maverick limpou o suor da minha testa e apertou
minha mão com força, meus olhos o alcançaram por um instante. Medo,
nervosismo, aflição: todas aquelas emoções estavam estampadas em seu
rosto, e ele podia ter perdido as estribeiras com a enfermagem, por me ver
naquele quarto, sentindo dor há tanto tempo e ainda tendo que ouvir de uma
insensível que não deveria gritar. Ele não havia me deixado nem retrucado
nenhuma das vezes em que o ameacei por me colocar nessa situação, em
meio às contrações das últimas três horas. As mais longas e dolorosas.

— Falta pouco, meu bem. Você consegue.

Eu quis xingá-lo pela milésima vez, bem ali, mas minha respiração
entrecortada não me permitia isso.

— Só mais uma, Elizabeth — a obstetra avisou. — Na próxima


contração, você precisa empurrar com toda a força. Use toda a vontade que
sente de conhecer sua bebê, de tê-la em seus braços, e isso acontecerá daqui
a pouco.

Aquilo me fez chorar. Pela aproximação da próxima contração, pela


exaustão, pelo lembrete de que ter minha filha nos braços só dependia de
mim agora.

Então minha pélvis inteira voltou a latejar, a se contrair nos


espasmos da pior cólica que eu já havia experimentado na vida. A região da
minha lombar foi tomada por uma dor intensa, a maior que eu havia sentido
até ali.

Maverick apertou minha mão um pouco mais forte.


— Vamos lá, empurre! — a mulher incentivou.

E foi o que fiz, cerrando os dentes em outro grito que pareceu rasgar
minha garganta, eu empurrei. Meus músculos todos se tensionaram juntos,
o tronco se inclinando para frente com a força expulsiva que fiz, o latejar e
a pressão entre as pernas flexionadas impulsionando minha filha para fora,
por segundos que pareceram durar toda uma eternidade. Que me roubaram
o fôlego, as forças e parte dos sentidos.

Então, em um momento eu sentia que não podia aguentar mais um


segundo daquela dor e, no próximo, era dominada por um alívio
anestesiante, que tinha pouco a ver com o fim da contração e muito com o
choro alto e forte da minha filha.

Desabei sobre a cama.

Lágrimas inundaram meus olhos enquanto aquele som tomava


minha alma, me enchendo de um tipo de felicidade que eu não conseguiria
igualar a nada que já havia vivido.

— Ela está bem? — perguntei rouca, preocupada, minha respiração


ainda seca e rápida. Reuni as últimas gotas de energia para erguer o rosto e
tentar pegar qualquer vislumbre da minha menina. Descobrir se ela estava
bem. Saudável.

E o que vi me fez chorar ainda mais.

Já embalada em uma manta branca, ainda revoltada em seu choro


pela chegada abrupta a esse mundo estranho, minha pequena Ji-Na era
sustentada pelas mãos grandes e levemente trêmulas do pai, que já tinha o
rosto molhado por lágrimas de emoção, como as minhas.

— A menininha de vocês tem pulmões fortes e saudáveis, não há


dúvidas — uma das enfermeiras comentou, o que me fez rir e chorar como
uma boba, incapaz de desviar os olhos do pacotinho que Maverick segurava
com tanto cuidado e devoção. Hipnotizado. Ele não conseguia deixar de
fitá-la. Eu ainda não via o rostinho dela, apenas o tufo de cabelinhos
castanhos que recobria sua cabeça pequenina e ainda suja do
parto.

— Você pode entregá-la para Elizabeth — a obstetra informou,


recebendo a ajuda de uma enfermeira para posicionar duas pinças. — O
cordão umbilical parou de pulsar e já posso cortá-lo.

Maverick acenou uma vez e se inclinou devagar, meus braços se


ergueram automaticamente para receber meu pacotinho de amor.

— Se acalme, meu bem — ele pediu, sua voz rouca direcionada à


nossa filha. — A mamãe já vai pegar você.

E o inesperado aconteceu. Enquanto ele ainda me estendia nossa


bebê, o choro desconsolado dela diminuiu, se transformou em choramingos
mais espaçados enquanto o rostinho se movia na direção de Maverick,
como se o buscasse mesmo de olhos fechados. Como se estivesse atenta ao
som da sua voz.
Acho que ele também percebeu isso, porque seus olhos voltaram a
se encher de lágrimas.

— Sim, meu amor, o papai está aqui — sussurrou, com dificuldade.


— E não poderia estar mais feliz por conhecer você.
Meu peito tremeu de emoção quando Ji-Na se acalmou, a ponto de
se aconchegar aos meus braços e virar seu rostinho para mim.

— Ela é tão linda — sussurrei, encantada. Não consegui parar de


chorar, mas já não me importava. — Tão perfeita.
— Ela é — Maverick concordou, se inclinando sobre mim para
beijar minha testa. — Obrigado, meu bem. Você conseguiu.

Voltei meus olhos para ele por um momento e aproveitei nossa


proximidade para lhe dar um selinho, então minha atenção retornou para
nossa bebê.

E quando o elo físico que nos ligava foi cortado, eu pressionei meus
lábios à sua testa pequenina, prometendo silenciosamente que nada seria
capaz de quebrar o vínculo único que nós duas teríamos para sempre.
Como mãe e filha.

***

Algumas horas depois, já alimentada e de banho tomado, sob o olhar


atento de Maverick, segui as instruções da enfermeira para amamentar
nossa filha pela segunda vez.
Acho que nós dois ainda sorríamos como idiotas, hipnotizados pela
nossa bebê linda e perfeita em meio aos olhares orgulhosos que trocávamos
vez ou outra. Ficar longe dela para que os seus primeiros testes fossem
feitos tinha sido angustiante, mas tê-la nos braços de novo era um bálsamo.

Ji-Na já estava dormindo novamente quando batidas suaves soaram


da entrada. Maverick estava distraído com o conteúdo da mala que
havíamos trazido, mas foi até a porta rapidamente, para atendê-la antes que
o barulho acordasse a neném. Quando vi quem era, meu coração se encheu
de emoção.
Mamãe já estava chorando quando entrou com Liam e caminhou até
mim, aflita para saber se eu estava bem. Retribuí seu abraço e me permiti
chorar baixinho em seu peito por alguns instantes, enquanto ouvia suas
perguntas e ela afagava meus cabelos com carinho. Sabia o quanto minhas
horas de parto poderiam ter sido assustadoras para ela, entendia também os
gatilhos que poderia ter acionado e por isso tentei confortá-la.
— Eu estou bem — garanti, e era verdade. Depois de toda a dor,
parecia impossível voltar à normalidade, como se aquelas horas não
tivessem sido realmente insuportáveis, mas era o que acontecia.

Um som rouco chamou minha atenção à esquerda e voltei meus


olhos para onde Liam e Maverick estavam, observando Ji-Na no berço, e
me permiti rir por ver meu irmão mais velho, grande e normalmente
impaciente, perder toda a marra diante da sobrinha.

— É tão linda, porra! Tão perfeita, minha princesa! — ele


exclamou, sem conseguir medir seu tom. O timbre grave de sua voz foi
suficiente para fazer Ji-Na acordar, já chorando. Maverick direcionou um
olhar furioso a ele antes de socá-lo nas costelas.

— Ela nem te viu e você já a assustou, seu infeliz!

Mamãe deixou uma risada baixa escapar também. Liam me encarou,


a culpa estampada em seu semblante.

— Está tudo bem — falei, e quando vi Maverick se inclinar sobre o


berço para pegar nossa filha, eu disse: — Deixe a mamãe segurá-la.
Senti a tensão imediata que enrijeceu o corpo feminino me
envolvendo, mas não vacilei, nem a deixei recusar quando entreabriu os
lábios para fazê-lo.
— Vá conhecer sua neta, senhora Caldwell — mandei, com um
sorriso encorajador. Seus olhos claros voltaram a se encher de lágrimas,
mas ela não me soltou. Foi necessário que Liam viesse buscá-la, que a
guiasse nos passos necessários até alcançar o berço.
Um soluço deixou seu peito no momento que ela viu minha menina.
Hesitou por alguns instantes, mas tomou uma respiração profunda e,
chorando como Ji-Na fazia, ela se inclinou e a pegou.

Todos observamos em silêncio enquanto mamãe a acomodava em


seu colo com um cuidado extremo, parecendo ter medo de machucá-la, de
deixá-la desconfortável.

Lágrimas voltaram a pinicar em meus olhos. Mamãe beijou a


testinha de Ji-Na e começou a niná-la em seus braços. As lágrimas não
paravam de cair por seu rosto, ela não parava de tremer.

Liam me alcançou e apertou num abraço reconfortante, nós


observávamos mamãe e acho que nós dois choramos também quando ela
começou a pedir perdão para a neta. Em sussurros angustiados e carregados
da culpa que ela provavelmente sentira por todos aqueles meses, desde que
descobrira minha gravidez e tivera aquela reação extrema.
— Me perdoe, meu amor, me perdoe — ela repetia, sem parar.

Quando Maverick se aproximou de mim, Liam foi até mamãe e a


envolveu até que se acalmasse também.

Em pouco tempo, uma enfermeira veio avisar que o horário da visita


havia acabado e me despedi dos dois com beijos e um abraço.

Logo éramos três novamente.


Maverick, minha filha e eu, e enquanto eu a amamentava pela
primeira vez sem ajuda, ele se aproximou devagar e depositou sobre a
barriguinha dela uma caixinha de veludo aberta.

Arregalei os olhos, surpresa demais para conseguir fazer algo além


disso.

Boquiaberta por causa do anel delicado, eu encarei o homem à


minha frente.

Ele sorriu, tranquilo.

— Eu acreditei por muito tempo que não queria nem precisava de


um casamento, Liz — sussurrou, para não espantar o sono que já alcançava
nossa filha. — Acreditei que não servia para isso, que casamentos eram
prisões que só geravam sofrimento. Porque esse foi o tipo que conheci com
meus pais.

O calor da sua mão tocou meu rosto conforme ele limpava a lágrima
fina que deslizava por minha bochecha.

— Mas com você eu descobri que estava errado sobre muitas coisas,
meu bem. Que queria muito mais do que me permitia enxergar —
confessou. Seu corpo se inclinou em minha direção e um beijo foi
depositado em minha testa. — Sei que combinamos esperar, e ainda
podemos fazer isso, mas eu precisava que você soubesse que um casamento
não é mais algo de que quero abrir mão com você. Se e quando você quiser,
eu estarei pronto para ele.

Funguei baixinho, a garganta embargada demais para eu conseguir


emitir algo além de:

— Eu quero.
Maverick sorriu. De novo. Lindo. Daquele jeito que enchia meu
peito de sentimentos bons. De calor. De amor.

Sem pressa, porque não precisávamos mais disso, ele pegou a


caixinha e retirou o aro de ouro. Estendi minha mão para ele com cuidado e
o observei, por entre as lágrimas, colocar aquele novo anel de compromisso
em meu dedo.

E agora ele indicava que estávamos noivos.


Seus lábios voltaram a pressionar os meus, a voz rouca saindo num
sussurro emocionado e só meu:

— Eu amo você, Elizabeth Caldwell.

Retribuí o beijo e deslizei minha mão por seu rosto bonito.

— Eu também amo você, Maverick Bradshaw.


Então ele se sentou ao meu lado na cama e enlaçou a mim e à nossa
filha com seus braços fortes.

— Meu noivo — balbuciei, sem acreditar naquelas palavras.

Ele pressionou os lábios em minha têmpora e acariciou o rostinho


perfeito da nossa bebê, com a devoção que costumava direcionar a mim.
— Minhas meninas.
EPÍLOGO

Um ano depois

Ji-Na tropeçou no gramado verdejante da nossa casa. Um instante


depois, um Liam aflito se precipitava em sua direção, pronto para pegá-la
antes mesmo que ela formasse o biquinho fofo que antecedia seu choro.
Como o tio babão que era, sempre determinado a protegê-la e mimá-la.

Mesmo com o nervosismo à flor da pele e o coração acelerado, eu


sorri.

No entanto, às minhas costas, Sophia riu alto do gesto exagerado


dele e eu a encarei por cima do ombro, segurando a cauda do meu vestido
de noiva e arqueando o pescoço para trás, porque seu riso começava a ficar
descontrolado, quase no ponto que a fazia dar pulinhos.

Acabei rindo também. Dela.

— Como é bobo, meu Deus. Como é bobo… — ela dizia, meneando


a cabeça em negativa. — Ela já consegue se levantar sozinha, sabia,
Caldwell?

Ele respondeu com um resmungo incompreensível.

Ji-Na começou a gargalhar daquele seu jeitinho fofo e único e o


semblante de Sophia mudou imediatamente, os lábios se unindo num bico
infantil, encantada.

— Como é linda, minha princesa! — exclamou, enviando beijos à


distância para minha filha.

— Rá! E eu sou o bobo. — Liam acenou em negativa.

— Vocês dois são o sujo falando do mal-lavado — lembrei, a


atenção retornando para o chão à minha frente, para ver onde pisava.
Voltamos a andar através do jardim da minha casa, na parte de trás da
propriedade. Após menos de um minuto, eu hesitei e diminuí o ritmo dos
meus passos, porque o burburinho dos convidados pôde ser ouvido e isso
foi suficiente para me encher daquela ansiedade insuportável que não me
deixara dormir na última noite.

Engoli em seco.

Acho que comecei a hiperventilar, também.

— Está tudo bem, amiga — Sophia disse, enquanto a cerimonialista


ajudava Liam a posicionar Ji-Na diante do caminho que a levaria ao altar.
Onde Maverick já me aguardava. Onde eu estaria em poucos minutos, com
ele, diante de nossos familiares e amigos.

Alisei a saia do meu vestido longo por alguns segundos e flexionei


os joelhos, sorrindo, quando minha pequena trotou em minha direção. Por
causa da limitação do vestido, não consegui pegá-la nos braços, mas me
esforcei para beijá-la no rosto.

— Bejo, mamãe. — Ela levou a mão aos lábios e soprou um beijo


para mim, do jeito que Sophia a havia ensinado há algumas semanas, então
gargalhou quando retribuí o gesto e voltou para perto do tio. Toda feliz.

Meu coração se expandiu um pouco mais, para acomodar mais amor


por aquele serzinho incrível que me ensinava maneiras novas de amá-la
todos os dias.
E eu a amava tanto. Tanto.

Sophia me ajudou a continuar meu caminho até a entrada da área da


cerimônia e ficamos ocultas apenas pelo painel carregado de flores que me
separava dos convidados e do meu casamento perfeito. Planejado em
detalhes no último ano.

Meus olhos começaram a arder quando pensei em Maverick. Em


todos os últimos meses que havíamos compartilhado juntos, na família que
construímos para nós dois. Merecíamos esse momento. Merecíamos toda a
felicidade que estávamos sentindo. O casamento seria apenas uma promessa
diante das pessoas que amávamos. Uma que já cumpríamos há mais de um
ano. De nos amar. Nos proteger. Nos apoiar. Nos sustentar, se fosse
necessário, em todas as situações que surgissem em nossa vida.

— Está tudo certo, Liz — Sophia garantiu, envolvendo meu rosto


em suas mãos, o olhar cálido e emocionado direcionado a mim,
genuinamente feliz por me ver feliz, prestes a me casar com o homem que
ela sabia que eu amava profundamente. — Apenas respire fundo e caminhe
até o seu homem, okay? Quando o alcançar do outro lado, todo esse
nervosismo vai passar.

Concordei com um aceno. A garganta embargada.

— Obrigada, Sophs — agradeci, então me inclinei para beijá-la no


rosto. Ela acariciou minha bochechas, arrumou meu véu e expirou
lentamente antes de seguir para Liam, para arrumar a gravata que já estava
perfeitamente posicionada.

— Você deu sorte — ela sussurrou para ele, a voz ainda rouca de
emoção. — Na versão que a Liz e eu imaginamos desse dia, eu pude
estapear você.
Aquilo me fez rir por ela ainda se lembrar disso. Meu irmão até
tentou, mas não conseguiu esconder o sorriso. Aquele que combinava bem
com seus olhos brilhantes quando se prendiam à minha amiga.

— Um minuto! — o aviso da cerimonialista nos acordou novamente


para o que estava prestes a acontecer.
Sophia acenou para a mulher e se despediu de nós dois antes de
pegar o buquê pequenino que ela estendia.
Quando os acordes suaves do violino iniciaram sua versão de You’re
Still the One, minha música e de Maverick, Sophia entrou e Liam enlaçou
meu braço ao seu, me encarando em silêncio por alguns instantes.
Orgulhoso. Emocionado. Feliz.

O beijo que ele deixou em minha testa trouxe novas lágrimas aos
meus olhos, mas lutei para espantá-las.

— Estou muito feliz por você, Liz — sussurrou. — Papai também


deve estar orgulhoso agora.
Okay, aquilo me fez derramar mais uma lágrima, que ele cuidou de
limpar.

— Obrigada.
A cerimonialista ergueu a cauda do meu vestido e Liam e eu
começamos a andar. Quando chegamos ao início do caminho que levava ao
altar, meus olhos alcançaram Maverick com nossa filha nos braços,
sorridente, lindo, ansioso.

Esperando por mim. Para começar outra nova fase de nossas vidas
juntos.

E a cada passo que dei em sua direção naquele momento, eu tive


mais certeza de que aquele era o homem da minha vida.

Que ele sempre seria meu.


E que o nosso para sempre, nós iniciávamos a partir de agora.
CAPÍTULO BÔNUS

Aviso:
Só leia se quiser saber mais sobre outros personagens desta
história. Este capítulo termina com um gancho.

Esta cena acontece ANTES de a Elizabeth ter sua bebê...


— Você transou com a mulher do governador?! — esbravejei,
encarando a manchete de jornal no tablet que Blake me mostrava.

O rosto de Liam se contorceu de irritação quando ele voltou a


apontar o dedo em riste para mim.

— Eu não transei com aquela maluca!


— Não é isso que essa manchete diz — avisei, com um sorriso que,
sabia, a situação não me permitia esboçar.

Liam grunhiu.
— Tem fotos, irmão — Blake disse, não como uma provocação,
aquela era apenas uma constatação óbvia.

— Ela me agarrou! Vocês acham mesmo que eu seria estúpido a


ponto de trepar com a mulher do governador na porra de uma festa
beneficente na casa dele?!

— Nenhum de nós está dizendo isso — foi Bruce a tomar a palavra


desta vez, com um suspiro exausto. — O fato é que vai ser difícil desmentir
essa merda. Não importa se sua família é dona de um jornal e de um terço
dos meios de produção de informação desse país.

Liam cobriu o rosto com as mãos.

— Por que aquela filha da puta fez isso comigo, porra? Com o
próprio marido! Ele está em ano de companha!

— Talvez ela queira justamente ferrar a campanha dele — Chuck


avisou, através do telefone. Havíamos nos reunido daquela maneira para
tentar encontrar uma solução para essa porra de situação inesperada. E se
ela não fosse realmente importante, eu também teria marcado presença
apenas por chamada. Elizabeth estava num estágio avançado da gravidez,
eu não queria deixá-la sozinha por muito tempo.

— Quais são os danos iniciais? — indaguei. — Vamos começar a


trabalhar por eles. Se você não teve um caso com aquela mulher, ela não
tem como manter esse escândalo por muito tempo.

Agitado, Liam se serviu com o terceiro ou quarto copo de uísque da


noite e se sentou no sofá do escritório de advocacia de Blake.

— Estou sob ameaça de perder a cadeira de vice-presidente do


Conselho do Grupo — ele informou, sem nos encarar desta vez. Uma
sombra de preocupação carregando seu semblante. — Metade dos filhos da
puta da diretoria já acha que eu sou jovem demais para ocupar a cadeira de
presidente do Conselho, mesmo que eu administre três subsidiárias aqui em
Nova Iorque, duas em Chicago e lide com a maioria dos contratos
internacionais do Grupo. — Ele fez uma pausa para tomar um gole de
bebida. — Acho que o irmão do papai vai usar esse escândalo pra me chutar
pra escanteio de vez.

Um silêncio de merda inundou a sala.

Todos sabíamos o quanto era importante para Liam manter sua


posição nos negócios de seu pai, especialmente porque seu tio era um filho
da puta que o achava indigno de estar na empresa por não ter o sangue da
família. A verdade mesmo era que não o considerava parte da família
Caldwell e havia se aproveitado da morte do irmão, muitos anos atrás, para
assumir os negócios do pai adotivo de Liam.

E o desgraçado não ia largar o osso assim, depois de ter o poder


sobre o Grupo sozinho por mais de dez anos.
— Eu já disse o que você precisa fazer para ganhar pontos com
aqueles desgraçados — foi Blake a tomar a palavra desta vez. No tom sábio
e tranquilo de sempre. — E esse mesmo plano te ajudaria a pôr fim a esse
escândalo.

Liam permaneceu com o olhar fixo e distante, pensativo. Talvez


perdido. Aflito com a possibilidade de desonrar ainda mais o legado do seu
pai. O homem que ele mais admirou na vida.

— Que plano foi esse? — indaguei, após trocar um olhar com


Bruce, que já parecia ter compreendido algo que me escapava. Foi ele a
responder.

— Se casar. Isso é o que pessoas como nós fazem para adquirir


mais poder — lembrou. — Ou ao menos para passar uma imagem estável e
respeitosa, coisa que esses velhos decrépitos de conselhos adoram.

Chuck bufou.
— O Caldwell se casando? Vocês comeram merda por acaso?

Mas Liam não o respondeu, não negou a possibilidade. Acho que foi
a primeira vez que o vi perder a chance de desdenhar da ideia de casamento.

Ele apenas tomou o que restava de sua bebida e se ergueu para se


servir de mais uma dose.

Do outro lado da sala, Blake e eu nos encaramos.


— Você precisa abafar esse escândalo — ele disse para Liam —,
para conter as consequências para o Grupo. A imagem de solteiro
inveterado não vai te ajudar nisso. Posso mediar um encontro com a equipe
do governador, para esclarecer a situação e pressioná-los a fazer algo para
remediá-la também. Não vou deixar você assumir essa merda sozinho,
levando a culpa por um caso que nunca existiu. Se for necessário, podemos
ameaçá-los com um processo.

Liam permaneceu em silêncio, o copo de uísque com gelo agora


sendo pressionado à testa, como se tentasse diminuir uma dor de cabeça. Ou
a pressão da raiva que devia estar fazendo seus neurônios fritarem nesse
momento.

— Você não precisa ter um casamento de verdade, irmão. Posso


redigir um contrato para proteger seus bens, manter o sigilo e cláusulas para
garantir que...

— Vocês não podem estar falando sério, porra! — Chuck exclamou.


— A melhor saída pra livrá-lo dessa merda é um casamento?! Mesmo?!

— Se pensou em algo mais, pode falar agora — avisei.


Ele grunhiu, revoltado. O que eu entendia. Chuck odiava mulheres
como a do governador, que estragavam a vida de homens por benefício
próprio, que se faziam de vítimas, que enganavam e traíam sem remorso,
sem medo das consequências.

— Não dá pra confiar em qualquer mulher pra uma merda assim! —


o alemão voltou a dizer. — Talvez vocês só consigam foder com tudo de
uma maneira ainda pior lá na frente.

Ele continuou a argumentar, mas meu celular tocou no bolso e, por


estar em modo de alerta para o nascimento da minha filha, não hesitei em
me afastar para atender.

Era Liz.
— O que houve?! Você está bem? Começou a sentir dores?! —
indaguei. Meu tom chamou a atenção dos meus amigos, de Liam
principalmente, que se ergueu no mesmo instante e veio até mim, já
preocupado com a irmã.

— Não — ela informou, então suspirou. — E-eu preciso que você


venha à delegacia do meu antigo bairro no Brooklyn.

— Delegacia?! — esbravejei, voltando meu olhar para Blake agora.


— O que houve?
— Comigo, nada. É a Sophs — disse, e fungou baixinho. — Houve
uma confusão num jantar solidário da ONG. Ela tentou apartar uma briga e
a polícia acabou levando-a junto dos arruaceiros, acreditando que ela estava
envolvida.

Caralho.
— Você pode trazer o Blake? — ela pediu, num sussurro que não
disfarçou sua voz embargada. — Eles chamaram a Imigração. A Sophs está
sem visto há mais de um ano e nós estamos assustadas...

Elizabeth começou a chorar em meio às palavras que dizia, o medo


de ver sua amiga ser deportada se unindo à sensibilidade da gravidez.
Coloquei o telefone no viva-voz e tentei acalmá-la, depois repeti algumas
das informações que ela havia me dado, para que meus amigos pudessem
entender a situação.
— Porra, Sophia! — Blake grunhiu, saindo de sua postura
inabalável pela primeira vez em muito tempo.

— Blake e eu estamos a caminho, Liz — avisei, antes de me


despedir e encerrar a chamada. Bruce já havia concluído a ligação
internacional que fazíamos com Chuck também.
Peguei meu casaco e, em poucos minutos, Blake e eu saíamos do
escritório, com a promessa de que remarcaríamos aquela reunião. Descemos
o elevador os quatro e Bruce se despediu para ir até seu carro. Blake e eu já
estávamos prestes a entrar no seu carro, para irmos juntos porque eu pediria
que meu motorista apenas buscasse Elizabeth, quando Liam entrou no
veículo conosco.
— Você... — comecei a falar, mas o cara fechou a porta com um
baque estrondoso e me encarou com o semblante fechado e muito mais
sinistro do que quando se preparou para me socar em sua academia meses
atrás.

— Vocês estão esperando o quê pra começar a dirigir essa merda?!


Troquei um olhar com o cara ao meu lado no volante e concordamos
silenciosamente em não mexer com Liam nesse momento. Ele estava
instável com toda a merda em sua vida. Então Blake apenas deu partida e
saímos dali.

Durante o percurso, falamos sobre a situação de Sophia, o que


poderia ser feito para impedir que ela chegasse a ser julgada e deportada, no
entanto, as opções eram bem limitadas se ela havia sido presa durante uma
briga de rua. Vivíamos num país em que uma parte considerável da
sociedade odiava imigrantes e só queria uma desculpa para enviá-los de
volta ao seu país de origem, especialmente os que eram pobres. Ainda
assim, usaríamos toda a nossa influência e poder para tirá-la daquela
situação.

Blake me explicou que, para continuar aqui sem esse tipo de


problema, Sophia precisaria de um visto de permanência nos Estados
Unidos e que, uma vez que ela não tinha parentes estadunidenses nem poder
ou dinheiro nesse país, só havia uma maneira de ela conseguir isso com a
rapidez com que precisaria.

— União matrimonial — Blake concluiu, tenso.

Encarei Liam através do espelho retrovisor dentro do carro,


esperando encontrar algo em seu rosto, mas não o vi esboçar nenhuma
reação. Seu semblante continuava o de um psicopata prestes a fazer um
estrago.

Demoramos cerca de quarenta minutos para chegar à delegacia e


entramos apressados. Liz estava sozinha, o rosto pequeno e bonito inchado
pelas lágrimas. Sentei-me ao seu lado, para abraçá-la e, quando perguntei de
Sophia, ela indicou a cela que havia a alguns metros de nós. Sophs estava
lá, sentada no chão, o rosto também inchado e úmido de lágrimas.

Blake, como o mais sensato, foi conversar com um policial e avisou


que era advogado de Sophia. Logo ela foi retirada da cela e guiada para se
sentar à mesa do detetive que estava responsável pelo seu caso. Um homem
calvo, caucasiano e gordo que já devia ter mais de sessenta anos.
Nitidamente desgostoso com a latina que estava à sua frente naquele
momento.

Enquanto os três conversavam, Liam se afastou e o segui com o


olhar a tempo de vê-lo encontrar um homem mais bem-vestido e posado
que os outros que circulavam por ali. Ele agia como alguém numa posição
mais alta também. Ambos se cumprimentaram e trocaram palavras por
alguns momentos, até que o homem ergueu as sobrancelhas, os olhos se
arregalando e se direcionando à mesa que Liam indicava.

Um instante depois, eles caminhavam até o detetive. Só então eu


percebi que se tratava do capitão daquela delegacia.
— Smith, pode liberar a senhorita — ele disse ao detetive. Sem mais
explicações.

O corpo de Liz ficou tenso contra o meu, Sophia limpou o rosto com
o dorso da mão e intercalou o olhar entre os homens que a cercavam, se
surpreendendo ao encontrar o irmão de sua melhor amiga ali. E só por estar
muito atento aos dois, percebi a troca de olhares, a conversa silenciosa.
Aquela coisa latente que existia entre os dois há tempo demais e só parecia
ter se intensificado com a parceria que fizeram para a festa de revelação de
sexo da minha filha.

— Mas, senhor, ela é uma imigrante que foi pega no flagra. Não
podemos...
— Libere a moça — o capitão insistiu.

O detetive se ergueu, vermelho de irritação.

— Mas essa latina... — Ele não teve a chance de concluir, na


verdade pareceu engolir as palavras quando Liam passou à frente do capitão
e se inclinou sobre a mesa, invadindo o espaço pessoal do detetive ao
aproximar seus rostos e impor sua grande estrutura sobre a do homem.

Suas próximas palavras pegaram a todos desprevenidos.

— Essa latina é minha noiva, porra, e você vai soltá-la agora!


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Ele desconfiava dela, mas estava determinado a protegê-la e cuidar de sua filhinha.
Ela tinha segredos, mas decidiu confiar nele.
Ele queria respostas, mas decidiu cuidar dela.
Eles foram empurrados para as vidas um do outro e nem imaginavam que conexões e segredos do
passado os uniriam profundamente.
Eles poderiam ser a desgraça um do outro, mas se apaixonaram.
Em meio a segredos, reviravoltas, revelações e muita ação, um amor que surgiu no caos conseguiria
sobreviver à dor causada por ele?
Leia aqui!

[1]
A demissexualidade se caracteriza pelo surgimento de atração sexual somente quando existe
envolvimento ou conexão emocional ou afetiva. Ou seja, pessoas que se identificam como
demissexuais só sentem atração sexual por quem já têm algum envolvimento ou conexão emocional
ou afetiva.
[2]
Vamos lá, me conte tudo sobre isso!, em espanhol.
[3]
ARMY é a palavra usada para se referir aos fãs do grupo de K-Pop BTS.

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