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@thalitabrancoautora
Sumário
Sinopse
Nota da Autora
Dedicatória
Prólogo – Artur
Capítulo 1 – Milena
Capítulo 2 – Milena
Capítulo 3 – Milena
Capítulo 4 – Artur
Capítulo 5 – Milena
Capítulo 6 – Artur
Capítulo 7 – Milena
Capítulo 8 – Artur
Capítulo 9 – Milena
Capítulo 10 – Artur
Capítulo 11 – Milena
Capítulo 12 – Artur
Capítulo 13 – Milena
Capítulo 14 – Artur
Capítulo 15 – Milena
Capítulo 16 – Artur
Capítulo 17 – Artur
Capítulo 18 – Milena
Capítulo 19 – Milena
Capítulo 20 – Artur
Capítulo 21 – Milena
Capítulo 22 – Artur
Capítulo 23 – Milena
Capítulo 24 – Artur
Capítulo 25 – Milena
Capítulo 26 – Artur
Capítulo 27 – Artur
Capítulo 28 – Milena
Capítulo 29 – Artur
Capítulo 30 – Milena
Capítulo 31 – Artur
Capítulo 32 – Milena
Epílogo – Artur
Sinopse
Aos 42 anos, o poderoso magnata Artur Milano está acostumado a ter tudo.
Dono de uma bem-sucedida empresa do ramo médico, mora em mansões,
ostenta carros de luxo e deseja pedir a mulher que ama em casamento.
Até um grave acidente mudar os seus planos.
Traumatizado e com o coração partido, o milionário se torna um homem
amargurado e difícil de lidar. Ao manter-se recluso em uma isolada mansão à
beira-mar, cultiva um infinito mau humor enquanto se recusa a seguir as
orientações médicas. Artur tem apenas um intuito, e não é melhorar.
Milena de Villeneuve é uma enfermeira recém-formada de apenas 22 anos.
Conhecida pela gentileza ao lidar com pacientes hostis, torna-se a última
esperança da Família Milano. Precisando quitar as dívidas hospitalares do pai,
aceita a proposta de trabalho sem saber que cairá nas garras de uma intensa
fera.
O coração da inocente enfermeira bate mais forte assim que põe os olhos
no atraente magnata. Ela está disposta a ensiná-lo a amar de novo, mesmo que
ele acredite estar longe de qualquer redenção.
ATENÇÃO: leitura não recomendada para menores de 18 anos. Possui
gatilhos para depressão e menção a tentativa de suicídio.
Nota da Autora
O que aconteceu?
Mexo os olhos dentro das pálpebras cerradas. A escuridão se mostra fria
naquele estranho estado de vigília que separa o sono do despertar. O suave
som da respiração chega aos meus ouvidos, misturado a bips e zunidos que
não consigo reconhecer.
A única coisa que reconheço é a dor pungente por todo o meu corpo.
Gemo baixinho ao tentar me mexer. O que aconteceu?, repito para mim
mesmo. Forço o cérebro, tentando me lembrar.
Aos poucos surge a imagem de uma importante reunião com o conselho
administrativo. Gráficos projetados no quadro branco. Um séquito de
homens engravatados sentados em uma comprida mesa de vidro.
Congratulações com apertos de mãos e tapinhas nas costas.
Comemorávamos mais um exponencial aumento de lucro? Provavelmente
sim.
Depois, caminhei a passos largos até a minha sala em busca de um único
objeto. Abri uma das gavetas sob a mesa e encontrei a caixinha de veludo
vermelho. Conferi se o anel estava lá, o solitário diamante tão cintilante
quanto saiu da loja. Peguei o telefone e avisei a secretária para que
dispensasse o motorista particular. O meu novo esportivo de luxo havia
chegado e eu mesmo dirigiria até o restaurante onde jantaria com a mulher
que amo.
E só. Não me lembro de mais nada.
Sou o dono da VitalCare Medical Services, uma das mais avançadas e
bem-sucedidas empresas do setor médico do Brasil. Comando uma
gigantesca rede que engloba clínicas e hospitais com o que há de mais
avançado na medicina. Financio pesquisas na área da saúde e auxílio o
desenvolvimento científico em todo o mundo. Convivo com homens
influentes e tomo decisões capazes de impactar milhares de pessoas.
Então o que caralhos aconteceu para eu acordar com a sensação de que
estou deitado em um quarto de hospital?
Abro as pálpebras, bem devagar, e aos poucos a visão enevoada se
clareia. As paredes brancas denunciam que estou exatamente onde imaginei
estar. Olho de relance para o lado, dando de cara com um monitor
multiparâmetro de sinais vitais. Os gráficos parecem constantes,
confirmando que estou vivo.
Deslizo os olhos pelo meu peito e um dos aparelhos solta um bip um
pouco mais alto quando minha respiração acelera. Uma agulha injeta soro
intravenoso em um dos meus braços enquanto outra se ocupa em repor
alguns mililitros de sangue. Franzo o cenho, mais confuso do que nunca. O
que aconteceu para chegar ao ponto de precisar de uma transfusão de
sangue?
Uma avalanche de perguntas sem respostas invade o meu cérebro. Fecho
os olhos com força. Não era para eu estar ali. Era para eu estar na minha
cobertura, deitado na cama com Nicole enroscada em meus braços após
uma gloriosa trepada.
Talvez seja apenas um sonho. Ou melhor, um pesadelo. Só pode ser isso!
Abro os olhos de novo. Dessa vez a visão está límpida o suficiente para
encarar a estonteante mulher parada à porta.
— Nicole? — chamo baixinho, a voz grave mais rouca que o normal.
Ela não encara o meu rosto. Não parece nem ao menos ouvir o meu
chamado. Seus olhos verdes estão fixos em algum ponto abaixo da minha
cintura. Acompanho os movimentos conforme se aproxima com passos
contidos e, sem a mínima cerimônia, afasta o lençol responsável por cobrir
as minhas pernas.
Ou melhor, o que sobrou delas.
Pisco, completamente incrédulo. Não, não, não!, penso ao tentar
assimilar a visão das coxas enfaixadas até a metade. Onde estão os meus
joelhos? As panturrilhas? Os pés? Tento mexer a ponta do dedão e o sinto
doendo! Porra, estou sentindo o dedão, então onde está o meu pé?
— Você sofreu um grave acidente de carro. — Nicole lê a minha mente,
respondendo à pergunta de forma mecânica sem que eu precise de fato fazê-
la. — As suas pernas ficaram presas nas ferragens. — Seu rosto se torna um
esgar. — Os médicos disseram que quase todos os ossos abaixo do seu
joelho foram esmigalhados.
Os bips e zunidos soam mais altos confirme o meu coração acelera no
peito.
— Isso não pode ter acontecido — digo, enfático. — O carro era novo!
Eu estava indo te encontrar e...
— Não foi culpa sua — corta, ainda sem me encarar. — O outro
motorista estava enviando uma mensagem no celular quando perdeu o
controle do caminhão. Os médicos garantiram que só uma amputação
salvaria a sua vida.
Balanço a cabeça. Por mais óbvio que seja, eu me recuso a acreditar. É
impossível que alguém tenha tido a audácia de cortar as minhas pernas!
— Não, não, não... — começo a dizer, dessa vez em voz alta.
Nicole dá alguns passos para trás, até estar perto o suficiente para esticar
uma das mãos em direção a maçaneta da porta.
— Sinto muito, Artur — diz, fechando os dedos sobre o metal.
Arregalo os olhos.
— Você vai embora?
Minha namorada, enfim, me encara.
— Vou.
Uma onda de pânico ameaça tomar conta do meu peito.
— Como assim?
Nicole apruma os ombros e volta a caminhar na minha direção com
passadas firmes. Da posição em que estou, deitado sobre aquela maldita
cama, ela parece ainda mais alta e imponente. O olhar esverdeado passa de
relance pelos cotos enfaixados antes de se fixarem no meu rosto. Encolho-
me contra a cama. Jamais pensei que ela seria capaz de me olhar com tanto
nojo.
— Eu vou embora — diz com a voz firme. — Não quero mais ficar com
você. Não dessa maneira — acrescenta, apontando com o queixo.
Os bips e zunidos aumentam de volume. Sei que o som não é tão alto
assim, mas aos meus ouvidos o barulho é quase ensurdecedor. Inspiro fundo
e o ar fica preso no meio da garganta.
— Mas você disse que me amava...
— Pois é. Não amo mais.
— Por quê? — consigo dizer com um fiapo de voz.
A expressão em seu rosto bonito se torna ultrajada.
— Olha só para você, Artur! — grita, abrindo os braços magros em
minha direção. — O poderoso magnata do setor médico reduzido a... isso!
Quem no mundo dos negócios te respeitará a partir de agora? Eu mesma
não consigo olhar para você! Imagine então... — engole em seco, sem saber
como continuar.
— Imagine o que? — pergunto por mais que algo me diga que irei
detestar a sua resposta.
Nicole morde os lábios, pensativa, mas logo torna a abrir a boca. Ela não
é mulher de deixar de emitir sua própria opinião.
— Ter você dessa maneira — desvia os olhos. — Eu não consigo. Eu
jamais conseguiria. Fico enojada só de imaginar.
Um novo som se mistura aos bips e zunidos. Baixo, mas ainda assim
audível. É o meu coração rachando de cima abaixo.
— Então fomos só isso? — exijo saber. Respiro fundo, fazendo um
imenso esforço para manter a voz firme antes de continuar. — Fomos
apenas atração física e sexo, Nicole?
— Você sabe que não, mas eu jamais poderia te amar dessa maneira —
torna a engolir em seco. — Sem contar que você acabaria com a minha
imagem.
Tento interpretar as palavras que saem dos lábios carnudos da suposta
mulher da minha vida enquanto uma estranha dor se irradia pelas pernas
que não existem mais. Fecho os olhos de novo, torcendo com todas as
forças para que aquilo seja apenas um desagradável pesadelo.
Mas, quando os abro, só me resta soltar um triste gemido ao encarar o
espaço vazio abaixo das coxas e notar que o pesadelo é real.
De repente sou acometido por uma insana raiva.
— E como você acha que sua imagem será melhorada ao descobrirem
que abandonou o namorado com deficiência física no leito do hospital? —
pergunto, a voz tomada de veneno.
Se Nicole o sente, não demonstra. Continua empertigada, o pescoço
altivo como o de um cisne, o ar sábio de quem passou as últimas horas
pensando em tudo.
— Direi que você saiu do trabalho para se encontrar com uma amante.
— O que? — quase berro.
Nicole ignora.
— Você ouviu bem — continua. — Não fui convidada para encontro
algum. Uma fonte próxima a família emitirá uma nota informando que eu
estava em casa quando recebi a ligação avisando que o meu namorado
sofreu um grave acidente. Segundo a fonte, o famoso magnata Artur Milano
estava indo se encontrar às escondidas com uma amante não identificada
enquanto eu me recuperava de uma forte gripe.
A minha visão torna-se vermelha.
— Você sabe que eu jamais faria isso!
— A sua fama o precede — dá de ombros. — Tenho certeza de que
ninguém irá desconfiar.
— Eu posso ter sido um mulherengo cafajeste, mas nunca um traidor! —
elevo a voz. — Desde que nos conhecemos eu sempre fui fiel a você!
A mulher pelo menos tem a decência de encolher os ombros.
— Sinto muito.
Os bips agora são ensurdecedores. Barulhos de passos apressados e
vozes alteradas em urgência se fazem ouvir do corredor. Encaro a mulher à
frente. Minha Nicole. A única capaz de tomar o meu coração. Aquela que
me faria passar uma eternidade ao seu lado. A única que pensei que me
amasse de verdade.
— Eu iria te pedir em casamento — digo bem baixinho.
Nicole torna a descer os olhos para onde estariam as minhas pernas.
— Ainda bem que não pediu.
O estilhaçar do meu coração partido se mistura aos demais sons no
quarto. A dor agora é excruciante como se afiados cacos de vidro
penetrassem, um a um, na pele machucada. Encaro a mulher à frente,
vendo-a pela primeira vez. Dois anos de namoro. Dois longos anos em que
imaginei estar convivendo com a mulher que sempre estaria ao meu lado.
Sem dizer mais nada, Nicole me dá as costas. Acompanho os seus
movimentos em câmera lenta. Os dedos delgados que se fecham sobre a
maçaneta prateada. O movimento de girar realizado pelo seu pulso. A força
empregada pelos músculos do braço para abrir a porta. Parte do meu
cérebro sabe que essa é a última vez que a verei e quer registrar cada ínfimo
momento da sua partida.
Nicole não olha para trás. A belíssima mulher apenas sai, deixando que a
madeira retorne ao batente com um leve baque. O barulho ecoa pelo quarto
e se mistura com os bips e zunidos das máquinas conectadas ao que sobrou
do meu corpo antes que duas enfermeiras irrompam pelo espaço.
E a ficha cai.
— Nicole? — chamo, as palavras se perdendo no ar. — Nicole! —
chamo mais alto.
— Ela já foi embora, Sr. Milano. — Uma das enfermeiras diz. Balanço a
cabeça em negativa.
— Ela não pode ter ido embora! NICOLE! — berro, tentando me
levantar. Mal consigo me sentar. — Volte, Nicole!
— Você precisa se acalmar! — A outra enfermeira pede, colocando um
par de mãos firmes sobre os meus ombros em uma tentativa de me fazer
deitar.
Não sei de onde a força vem, mas ela vem com tudo. Empurro a
enfermeira e volto a me sentar. Estou quase caindo da cama quando mais
duas enfermeiras aparecem. Juntas, conseguem me sobrepujar. Reúno o que
sobra da energia para lutar, mas elas são mais fortes. Dão um jeito de me
mobilizar e, em instantes, os meus braços estão atados à cama.
Balanço o corpo de um lado para o outro, mas não consigo me soltar. A
boca se escancara em um urro frustrado enquanto o peito sobe e desce,
ofegante. Estou preso a mim mesmo e duvido que um dia conseguirei me
soltar.
As enfermeiras se comunicam entre si, mas não dou ouvidos ao que
falam. Sequer escuto as suas perguntas. Finjo que estou sozinho ali. Encaro
a porta, mas é claro que Nicole não volta. Os estilhaços penetram ainda
mais fundo na carne e apenas um pensamento domina a minha cabeça, tão
alto quanto a cacofonia ao meu redor. Torno a olhar para as minhas pernas.
E decido que não vou viver sem elas.
Capítulo 1 – Milena
Faço a refeição sozinho. Sei que Jacira come na cozinha, então torço
para que Milena também fique por lá. O filé mignon com legumes
refogados está perfeito, mas permaneço sem apetite por qualquer tipo de
contato humano.
Ao terminar, largo o prato e os talheres sobre a mesa. Ou melhor, o prato
e o garfo. Apenas para aumentar os níveis de irritação, a comida é sempre
servida cortada.
Manobro a cadeira de rodas, sentindo os olhos da nova enfermeira às
minhas costas. Há muito decorei todo o conteúdo do quadro de remédios e
agendamentos. Sei que cedo ou tarde Milena virá atrás de mim com toda
uma ladainha sobre os efeitos benéficos de dois ou três comprimidos
coloridos.
Entro no elevador e subo em direção ao meu quarto. Ainda é cedo para
me recolher, mas pouco me importo. Não faço questão de saber as horas.
Elas deixaram de ter importância quando todos os dias se tornaram iguais.
Uma vez dentro dele, impulsiono a cadeira até o banheiro. Escovo os
dentes e estou pronto para ir dormir. Mas, antes de me deitar, vou até as
paredes de vidro e deixo que a escuridão me abrace.
Longe de uma cidade grande e sem qualquer claridade do lado de fora,
uma profusão de estrelas brilha sobre o infinito veludo negro da noite.
Deixei de me interessar por filmes ou séries. Desde o acidente o firmamento
se tornou a minha Netflix.
Hoje não há lua visível, então as estrelas brilham sozinhas. Vez ou outra
consigo ver o rastro de um cometa. Na vila, alguns moradores mais velhos
falam sobre luzes estranhas que surgem nas horas mais escuras da
madrugada, fazendo referência a naves espaciais e seres extraterrestres.
Estes eu nunca vi.
E, pelo visto, não será hoje que irei ver. O céu estrelado se mantém
estático quando uma mão suave bate à porta.
— Posso entrar?
— Não.
— Vou entrar mesmo assim.
— Estou pelado.
— Garanto que não há nada aí que eu já não tenha visto. — Milena diz,
irrompendo porta adentro com uma pequena bandeja em mãos. Sobre ela,
um copo de vidro com água quase até a borda e um menor, de plástico,
contendo os remédios da noite. Um pequeno sorriso sarcástico se forma em
meus lábios.
— Será? Aposto que você é virgem.
— Não sou, não.
Pode não ser, Milena. Mas ruboriza como uma, penso.
— O que você quer? — corto, sem paciência para mais delongas. Pouco
me importa. Eu não tenho absolutamente nada a ver com a sua vida sexual
inexistente.
Milena não responde. Ao invés disso se aproxima da parede de vidro,
parando ao lado da cadeira de rodas. Sua boca se abre em um O silencioso
ao admirar o céu.
— Jamais imaginei que seria possível ver tantas estrelas — murmura. —
Já pensou em comprar um telescópio?
Viro o rosto em sua direção.
— Não. E você, já pensou em cuidar da própria vida?
Para a minha surpresa, a mulher gargalha alto.
— Você é engraçado.
— Você não faz ideia — retruco, voltando a olhar a escuridão.
Ela permanece mais alguns minutos ali, longe de se preocupar com
qualquer outra coisa a não ser as estrelas. Cansado da sua presença, deixo-a
onde está e rodo em direção a cama.
Agradeço mentalmente quando Milena permanece atenta ao lado de fora.
Detesto sair da cadeira de rodas com olhares de pena ou lábios ansiosos
para perguntar se preciso de ajuda. Ela só se vira após o meu corpo estar
acomodado debaixo dos lençóis. Ajeito as pernas e me deixo afundar no
colchão macio, feliz pela trégua da constante dor fantasma. Há noites em
que as pernas inexistentes formigam durante horas a fio.
— Eu não vou tomar nenhum remédio — digo antes mesmo que a
enfermeira insista. Ela olha para o conteúdo da bandeja.
— Posso saber por quê?
— Não.
— Mas eles te fariam bem.
— Não.
Ela solta um suspiro.
— Você é um homem muito negativo.
— E você é uma mulher muito curiosa — rebato. — Não vou responder
mais nenhuma pergunta.
— Tudo bem. Só tome os remédios.
— Não vou tomar.
Milena crispa as mãos. Ótimo, estou começando a irritá-la. Talvez ela
consiga bater o recorde e ir embora em menos de vinte e quatro horas.
— A Ágata vai me demitir se você não tomar.
— Você não faz ideia de como isso me deixa triste — debocho,
aconchegando-me debaixo dos lençóis.
Sua voz se torna soturna.
— Sr. Milano, eu preciso muito desse emprego.
— Dá para notar. Só estando realmente necessitada para aceitar vir
trabalhar aqui.
Ela olha para a tigela contendo o brigadeiro de colher intacto.
— O meu pai sofreu um AVC. Eu o deixei sozinho em casa para poder
cuidar de você. Preciso pagar a dívida do hospital e…
— Ah não, Milena — corto, levando as mãos aos olhos. Fecho-os com
força. — Já basta suportar a minha própria história triste, não preciso ouvir
a sua.
— Então tome os remédios.
Bufo alto, sentando-me na cama.
— Não vou tomar!
— Por favor! — pede, começando a se agitar. — Custa tanto assim
tomar dois comprimidos?
— Custa! Elas não fazem efeito, então que diferença faz tomá-los?
— Talvez comecem a fazer! A Jacira comentou que você nunca tomou
nos horários corretos!
Ranjo os dentes. Encontrar uma boa cozinheira é mais difícil do que
parece. Odiaria trocar a Jacira, mas se a fofoca continuar, será necessário.
— E o que você sabe sobre isso? Até agora a pouco estava pesquisando
sobre como cuidar de mim no Google! — estreito os olhos. — Ou, quem
sabe, estivesse pesquisando sobre a minha vida.
— Eu só estava conferindo algumas informações e...
— Mentira! — corto, mordaz. — Aposto que estava lendo todas as
notícias do meu acidente. E então? Também acha que mereço estar assim?
— abro os braços em direção ao que sobrou das minhas pernas. — A
maioria das pessoas acha que mereço! Uma punição por ter traído a
namorada!
É a sua vez de esfregar os olhos.
— Não pesquisei nada sobre você. Sabe por quê? — Não respondo e ela
continua. — Prefiro te conhecer aqui no dia a dia. Sei o mínimo sobre a
situação do seu acidente e, sendo bem sincera, prefiro não saber mais.
Arregalo os olhos. Confesso que aquilo me surpreende. Houveram
enfermeiras que desejaram saber diretamente da minha boca se eu trai
Nicole ou não. Por um momento me senti como personagem de um
romance do Machado de Assis.
Milena continua:
— Como eu estava dizendo, achei que seria melhor conferir algumas
informações. Por exemplo: uso das ataduras elásticas. Não o vi com elas.
— Porque eu também não uso.
— Mas seria bom usar. — Um leve desespero toma conta da sua voz. —
Elas ajudam a moldar e preparar o coto para o uso das próteses. Você já
começou a usá-las?
— Não.
— Por quê?
— PELO AMOR DE DEUS! — interrompo-a. — Me dê logo esses
remédios e vá embora!
Um breve cintilar de triunfo passa pelos seus olhos azuis, mas no fundo
percebo que está chateada com a quantidade de respostas negativas.
— Aqui está. — Ela estende o copinho plástico. Engulo os dois
comprimidos e faço um gesto pedindo o copo d'água. Sorvo todo o líquido
em três longos goles. Milena espera até que eu lhe devolva o objeto de
vidro. — Obrigada, Sr. Milano. Há mais alguma coisa que eu possa fazer
por você?
Nego com a cabeça.
— Tudo bem — sorri. —Tenha uma boa noite.
Lanço-lhe o meu melhor olhar azedo, mas não digo nada. Espero que
saia do quarto para cuspir os dois comprimidos na mão. Faço uma careta.
Um deles começou a se esfarelar na boca, deixando um gosto amargo na
língua. Coloco-o sobre a mesinha de cabeceira, fixando uma nota mental
para jogá-los na privada, quando vejo a tigela com brigadeiro.
Detesto a ideia de precisar me levantar para escovar os dentes pela
segunda vez, mas também não quero sentir aquele gosto de remédio até
sabe-se lá que horas. Pego a tigela, ajusto-me sobre os travesseiros e levo
uma colherada do doce à boca. Todo amargor vai embora ao ser substituído
pelo sabor do chocolate com um toque de capuccino. É o brigadeiro mais
gostoso que já comi!
Como de pouquinho e pouquinho, temendo que acabe. Volto a encarar o
céu a tempo de ver um pequeno rastro luminoso cortando a escuridão.
Ainda não é uma nave espacial repleta de extraterrestres ansiosos para me
abduzir. É apenas um cometa.
Lembro da primeira vez que fui à praia e um cometa como aquele rasgou
o firmamento. Faça um pedido, minha mãe disse. Não lembro o que pedi,
muito menos se o pedido se realizou, mas recordo da euforia em ter a
oportunidade de pedir algo ao universo.
Observo o céu enquanto termino de comer o doce. Ninguém será capaz
de devolver o que eu mais quero, então dessa vez não peço nada. Levo a
última colherada à boca e encaro a tigela vazia.
Bom, talvez eu pudesse pedir mais uma porção de brigadeiro.
Capítulo 7 – Milena
Acordo cedo e desço para o andar debaixo, mas dessa vez não sei por
qual motivo. Não estou com vontade de malhar, tampouco de ouvir rock
pesado. Encaro o quadro das enfermeiras e percebo quem é a responsável
pelo novo recorde.
Quem diria que Milena seria casca grossa o suficiente para aguentar
mais de dez dias ao meu lado? Estendo a mão, pronto para atualiza-lo, mas
de repente me sinto envergonhado por ser o responsável por aquela
brincadeira idiota. Arranco o quadro da parede e sigo para a cozinha,
jogando-o na lixeira.
Abro a geladeira e encaro os potes com fatias de carne, legumes pré-
cortados e frutas da estação. Ainda é cedo até mesmo para Jacira, mas pelo
visto ela agilizou o cardápio do dia.
Fecho a porta sem encontrar qualquer doce e sigo amargo para o deque.
A fria brisa da manhã agita os meus cabelos assim que abro as portas de
vidro e deslizo para o lado de fora. Pétalas vermelhas, folhas e galhos de
árvores se espalham pela areia molhada. O mar continua agitado, mas
menos que na noite anterior. Mesmo que o céu esteja longe de estar azul, a
tempestade enfim parece ter ido embora.
Aos poucos as nuvens se abrem, trazendo consigo um tom de azul
semelhante as íris da enfermeira. Não sei qual tipo de feitiçaria havia em
suas mãos de fada, mas toda a dor desapareceu. Se eu fechar os olhos e me
concentrar, ainda consigo sentir os dedos moldando os músculos da minha
perna. Céus, jamais pensei que ansiava com tamanha vontade pelo contato
cálido de uma mão feminina. Delicado. Quente. Livre de qualquer malícia,
mas ainda assim capaz de despertar sensações que julgava há muito
adormecidas.
Durante todo o tempo evitei olhar para o rosto de Milena. As sensações
eram boas demais para serem estragadas por sua expressão enojada. Mas,
quando olhei, não havia a mínima repulsa em seu semblante. Pelo contrário.
Parecia gostar da minha aparência, como se eu ainda fosse um homem
desejável.
Balanço a cabeça, tentando espantar o pensamento para longe sem
qualquer sucesso. Talvez ela apenas estivesse fingindo, mas logo rechaço a
ideia. O rosto coberto de inocência da nova enfermeira é expressivo demais
para tanto. Desde que chegou, Milena não me lançou um único olhar de
nojo. De impaciência e irritação sim, mas jamais de nojo.
Uma pequena fagulha se acende em meu peito com tamanha força que a
leve ventania carregada de sal não consegue apagar. Preciso admitir: mesmo
com suas perguntas irritantes e recomendações mirabolantes, Milena parece
se importar de verdade com o meu bem-estar. Ouvi os seus passos na
escada. Ouvi quando parou diante da porta. Tantas antes dela passaram reto.
Uma até mesmo riu, como se comemorasse a minha dor.
Mas Milena parou. Perguntou se eu estava bem. Insistiu diante da minha
recusa. Cuidou de mim com respeito, por mais que eu não a tenha tratado
da mesma forma.
Sinto o meu rosto se tornando rubro de vergonha. Nunca me importei
com o que causei ou deixei de causar nas enfermeiras que vieram antes de
Milena. Mas, por algum motivo, agora me importo com ela. Então porque a
tratei tão mal, quando ela só queria me ajudar?
Remexo-me sobre a cadeira de rodas, pensando no que posso fazer para
tentar remediar a situação quando tenho uma ideia. Ouço um barulho às
costas e olho por sobre o ombro. Jacira já está na cozinha preparando o café
da manhã.
— Jacira? — chamo sua atenção ao deslizar para dentro de casa. Ela
ergue o rosto, assustada como se tivesse sido pega em uma atitude
comprometedora, não cortando pão. Foi isso que eu me tornei? Um monstro
que assusta as pessoas com sua mera presença? Encolho os ombros,
tentando indicar que está tudo bem. — Você poderia fazer algo especial
para o jantar?
Ela arregala os olhos.
— Especial como?
— Não sei. Algo mais refinado. — Seu olhar se torna desconfiado, então
decido acrescentar. Limpo a garganta e continuo. — Convidarei a Milena
para jantar.
A mulher dá um pulo no lugar, mas logo se recompõe.
— Senhor, me desculpe. Não tenho nada a ver com isso, mas acha
mesmo que a garota aceitará esse convite?
— Por que não aceitaria? — pergunto, ultrajado. — E onde ela está?
Já são quase oito horas da manhã. Milena sempre acordou cedo. A
menos que tenha caído doente, era para estar de pé aqui, nessa mesma
cozinha, insistindo para que eu engula os comprimidos do dia, mesmo
sabendo que não irei tomar.
A cozinheira se limita a abaixar a cabeça e voltar aos seus afazeres sem
me dar uma resposta. Franzo o cenho. Será que aconteceu alguma coisa?
Milena parecia ótima na noite anterior. Confiando que o meu pedido será
acatado, deixo Jacira sozinha e sigo até o elevador.
Basta sair dele para ouvir o choro contido da enfermeira. Franzo o
cenho, sem entender por qual motivo ela está chorando. Alcanço a sua porta
e ergo a mão para bater, mas hesito assim que ouço a sua voz.
— Eu estava com tantas saudades! — diz com sofreguidão. — Ficamos
dois dias sem internet por causa das tempestades de verão. Sinal de celular?
É muito instável, Dona Bernadete. Oscila o tempo todo. Tentei ligar, mas
não consegui.
Ela silencia por alguns instantes, provavelmente ouvindo o que a tal da
Bernadete está dizendo do outro lado da linha. Quem será ela? O meu rosto
torna a esquentar quando me lembro que pedi para Milena não contasse a
sua história. Pelo menos esse pedido foi acatado, mas a que custo?
O seu tom se torna estridente.
— Como é trabalhar aqui? Um inferno! Ele é horrível na maior parte do
tempo — funga alto, tentando se controlar. — Nunca pensei que precisaria
trabalhar com um homem tão grosseiro!
Apuro os ouvidos e abaixo o braço, bem devagar. O meu coração
começa a martelar forte no peito. Não me incomodo que ela esteja falando a
verdade, ao mesmo tempo em que me incomodo, e muito, que ela esteja
falando a verdade.
Eu deveria sair dali. Deixá-la desabafando em paz, mas a curiosidade
para saber o que mais sairá dos seus lábios fala mais alto. Permaneço onde
estou e Milena continua.
— O problema é o que ele não faz. Não entendo o porquê, mas se recusa
a seguir o tratamento e parece se divertir descarregando a sua ira nas
pessoas — faz uma pausa, provavelmente ouvindo a pessoa do outro lado
da linha. — A senhora não tem ideia de como fiquei desesperada. Eu só
queria ouvir uma voz amigável no meio desse caos. Nunca estive em um
ambiente com o clima tão pesado.
Milena volta a chorar. Engulo em seco, desconfortável com a tristeza
contida em seu pranto. Ela soluça alto, expelindo um sentimento tão
diferente de quando chegou, como se toda a alegria no seu corpo tivesse
sido drenada.
Aguardo, preocupado e sem saber o que fazer. Devo abrir a porta e
consolá-la? Como, se sou eu mesmo o causador do seu sofrimento?
Sobressalto-me ao ouvi-la continuar.
— Não posso pedir demissão. Preciso ficar aqui pelo menos até quitar
todas as dívidas do papai. Dar outro jeito? Que jeito? Não há outro jeito,
Dona Bernadete. Irei embora apenas em último caso.
Arregalo os olhos. Não, não e não! Ela não pode ir embora! Agito-me
sobre a cadeira de rodas, uma leve onda de pânico ameaçando me dominar.
Como fazê-la ficar? Um amigável jantar será o suficiente para me
desculpar? Talvez eu possa pensar em outra coisa. Em um presente. Algo de
que ela goste e mostre que é bem-vinda!
Deixo-a falando enquanto a minha mente entra em um turbilhão. Tento
encontrar uma solução, mas não consigo. Maldição! Já fui conhecido como
um tubarão dos negócios, um homem capaz de tomar as mais precisas
decisões mesmo sob pressão, como é possível que agora eu não consiga
pensar em uma única coisa capaz de fazer a enfermeira feliz?
Perco-me com tanta profundidade em mim mesmo que não percebo a
porta do quarto se abrindo.
— Ah, agora você também escuta a conversa alheia? — Milena
pergunta. Ergo a cabeça, encarando as suas íris. Todo o tranquilo azul
turquesa desapareceu e foi tomado por raiva. Engulo em seco.
— Não, eu...
— Espero que tenha ficado feliz com o que ouviu — cospe. — Será que
você poderia me dar licença?
— Claro — digo, começando a manobrar a cadeira de rodas para longe
da porta, mas paro no meio do caminho. — Eu gostaria de te fazer um
convite.
Ela cruza os braços e ergue uma sobrancelha.
— Um convite para o que?
— Para jantar. Quero que jante comigo hoje à noite.
Milena me encara longa e demoradamente. Torno a me remexer,
desconfortável, quando ela decide falar.
— Obrigada, mas eu não quero.
— Como é que é? — questiono, espantado.
— Não quero jantar com você — confirma. — Agora, por favor, me
deixe passar.
Estou estarrecido demais para me mexer. Impaciente, Milena empurra a
cadeira de rodas. O toque é delicado, mas o suficiente para me afastar.
Encaro as suas costas, os cabelos dourados bonitos mesmo com um monte
de fios arrepiados.
— Mas eu já pedi para a Jacira fazer algo especial e...
— Ótimo — diz, olhando por sobre os ombros. — Terei o maior prazer
de comer com ela na cozinha. Aproveite a sua solidão na sala de jantar.
O espanto dá lugar a irritação.
— Não! — elevo o tom de voz. Milena para diante da porta do banheiro.
— O convite acaba de se tornar uma ordem Srta. de Villeneuve. Você irá
jantar comigo, ou não irá jantar! Estamos entendidos?
A mulher gira o corpo bem devagar. A mesma tempestade que caiu
ontem à noite agora desaba nas íris escurecidas da minha doce enfermeira.
Espero que ela retruque, mas Milena não abre a boca. Não preciso que abra.
Em meus quarenta e dois anos de idade, poucas vezes alguém me
encarou com tamanha raiva.
Tamborilo os dedos sobre o tampo da mesa, cada vez mais impaciente.
Milena permaneceu o dia inteiro trancada em seu quarto. Não desceu nem
ao menos para tomar café da manhã ou almoçar. Vi Jacira subindo com um
pratinho de comida e não me importei. Afinal, não quero ser responsável
por matar as minhas enfermeiras de fome, mas realmente espero que ela
desça para jantar.
Encaro a louça organizada como se de fato estivéssemos comendo fora,
em um simples, mas sofisticado restaurante. Passei pela cozinha e sei que
Jacira caprichou ao tentar inovar com o que tínhamos em casa. Fez escalope
de filé mignon ao molho de uísque, batatas assadas com alecrim,
conchiglione com muçarela de búfala e uma colorida salada. Ainda não sei
qual é a sobremesa, mas suspeito que seja mousse de chocolate meio
amargo.
Bufo alto, começando a me irritar com a demora de Milena. Fecho os
olhos com força, tentando preencher o meu corpo com uma inexistente paz
interior. Calma, Artur. Ela vai descer. Ela tem que descer. Abro os olhos e a
vejo parada há poucos metros de distância.
Milena desceu e puta que pario, desceu para me matar do coração!
A mulher me encara de cima com tamanha dignidade que preciso me
forçar a permanecer parado, sem me encolher. Ela passou uma maquiagem
leve no rosto, realçando os belíssimos olhos azuis com lápis preto. Um
batom rosado tinge os lábios apertados de quem visivelmente adoraria me
mandar a merda, mas prefere se calar. Brincos de argola pendem das suas
orelhas e se mesclam às ondas dos seus cabelos. Eles foram escovados à
perfeição até que todos os fiozinhos estivessem no lugar. Brilha, sedoso e
dourado, como o cabelo e uma princesa.
O usual jaleco foi deixado de lado. Um bonito vestido de verão bege
claro cobre o seu corpo perfeito. O decote em formato de coração impede
que se veja além do necessário, mas é o suficiente para atiçar o imaginário
de qualquer homem hétero. O tecido passa pela cintura fina, terminando
apenas aos seus pés. Parte de mim agradece por não poder ver as suas
pernas. A outra parte deseja ter o mínimo vislumbre delas.
— Perdeu alguma coisa aí? — Milena pergunta. Pisco, assustado por ser
pego no flagra.
— Não, não! — adianto-me em dizer.
— Ótimo! — Milena dá a volta e se senta na mesa. — Então vamos lá.
Quanto mais rápido começarmos, mais rápido podemos terminar.
Limito-me a permanecer calado enquanto um silêncio sepulcral desce
sobre a mesa. É, pelo visto a minha mansão realmente tem um clima
pesado.
Como se pressentisse uma tragédia, Jacira sai apressada da cozinha com
o primeiro prato em mãos. Coloca o filé mignon sobre a mesa e volta
correndo, pronta para trazer o próximo. Abaixo a cabeça, pensando no que
dizer.
— O seu pai melhorou?
Devagar, Milena fixa os impressionantes olhos cor de mar nos meus.
— Ah, isso você não ouviu.
Nego com a cabeça.
— Mas naquele dia você mencionou que ele estava doente e...
Ela ergue uma sobrancelha.
— Pensei que você não quisesse ouvir a minha história triste. Aliás,
pensei que você me quisesse bem longe daqui em — leva uma mão ao
queixo — quantos dias mesmo?
Não respondo. Jacira ressurge com a massa e as batatas. Ajeita tudo
sobre a mesa e desaparece dali o mais rápido possível. Penso em lembrá-la
da salada, mas deixo para lá.
Milena observa a comida como se a avaliasse. Pega um escalope, dois
conchigliones e uma porção de batatas. Deixa que o pesado prato de
porcelana caia com força sobre a mesa, o baque se espalhando por toda a
sala. Lanço-lhe um olhar de esguelha, mas ainda me mantenho calado. A
ideia inicial é termos um jantar de reconciliação, não de desavença.
Comemos em silêncio. Ou melhor, fingimos que comemos. Por mais que
a comida esteja gostosa a ponto de derreter na língua, todo o apetite
desapareceu. Milena come a carne, mas joga os conchigliones de um lado
para o outro no prato.
Volto a botar o cérebro para trabalhar, ansioso para encontrar algum
assunto que possamos compartilhar. Mas qual? Há séculos não assisto
nenhum filme ou série. Mal leio as notícias, quanto mais um livro. Sei que
ela gosta de ler, mas não faço ideia do que andou lendo desde que chegou.
A única coisa que tenho certeza é que Milena detesta rock pesado.
Desesperado, decido voltar ao assunto anterior.
— Se houver algo que eu possa ajudar com o seu pai... — começo a
dizer. Ela ergue o rosto, bem devagar. Encolho os ombros. — Você sabe que
sou o dono da VitalCare. Posso encaminhá-lo para qualquer tratamento e...
— Não — corta.
— Mas...
— Desculpe, Sr. Milano, mas o que te importa?
Jogo os talheres com força sobre a mesa. Eles tilintam pela madeira até
que um garfo cai no chão.
— Porra, só estou tentando manter uma conversa civilizada!
Milena empina o queixo.
— Então converse sobre qualquer outro assunto, menos sobre o meu pai!
A vida dele não lhe interessa!
A raiva começa a borbulhar dentro do meu corpo, a densa lava vermelha
ameaçando explodir em erupção. Eu só fiz o caralho de uma pergunta
inocente, ela precisava responder daquele jeito? Quer saber, foda-se!
— É, realmente — rebato. — A vida dele não me interessa nem um
pouco, Srta. de Villeneuve!
No mesmo instante me arrependo do veneno contido nas palavras
desferidas pelos meus lábios. Milena pousa os talheres sobre a mesa. É
impressão minha ou os seus olhos estão cheios de lágrimas? Abro a boca
para tentar remediar a situação, mas ela é mais rápida. Cheia de elegância,
afasta a cadeira e se levanta. Em poucos passos contorna a mesa, passa por
trás da cadeira de rodas e chega à escada. Fecho os olhos enquanto a escuto
subindo.
Oh merda, eu acabei de estragar tudo.
Capítulo 11 – Milena
Quase uma hora depois estamos sentados no banheiro da sua suíte, ainda
sem tomar o café da manhã. Vi e revi o tutorial do YouTube pelo menos dez
vezes, mas preciso reassistir antes de começar. A tarefa seria fácil se Artur
quisesse passar a máquina, mas ele não quer. Prefere que seja feito na
tesoura.
O homem bufa de leve ao se remexer em sua cadeira de rodas. Ergo os
olhos, encarando a sua carranca através do espelho. Sei que sua paciência
está por um fio, mas ele vem se mostrando um ótimo aluno quando se trata
de aprender a controlar os seus nervos. Há poucos minutos dividi o seu
cabelo em camadas, prendendo mecha por mecha com xuxinhas coloridas.
— Vai, pode rir — diz, seco. — Eu sei que estou ridículo.
— Não está, não.
— Estou sim — insiste.
Mordo os lábios, mas a risada escapa.
— Desculpe!
— Está desculpada. Já acabou o vídeo?
— Ainda faltam cinco minutos.
— Ah não! — exaspera-se. — Chega! Eu só preciso que corte o meu
cabelo, não que vire uma cabeleireira profissional!
Balanço a tesoura em uma das mãos.
— Calma! Eu só quero confirmar como faço as camadas e…
Rápido como um perigoso felino, Artur gira o corpo sobre a cadeira de
rodas e toma a tesoura da minha mão. O meu coração acelera de apreensão,
mas para o meu alívio, ou não, Artur estica uma das mechas e passa a
lâmina de qualquer jeito pelos cabelos. Solto um gritinho ao ver os fios
caindo.
— Desse jeito ficará cheio de falhas!
— Não ficará — estende a tesoura a mim. — Vamos, Milena. Por favor.
O seu tom torna-se suplicante. Abandono o celular e aceito o objeto
cortante.
— Você tem certeza? Ainda dá tempo de desistir.
Ele vira a cadeira, ficando de costas para o espelho.
— Tenho! — confirma, firme.
— Então vamos lá!
Com cuidado, seguro outro tufo de cabelo. A lâmina desliza sem
qualquer impedimento pelos fios grossos. Reparo que Artur está longe de
ficar grisalho. Salvo um ou outro fio cinzento, sua cabeleira é
predominantemente castanha.
O cabelo cortado cai sobre os seus ombros largos e se espalha pelo colo.
Estou na metade quando fecha os olhos, o semblante tranquilo, apreciando
o momento.
Ele fica bonito com o cabelo comprido, mas com ele curto torna-se
deslumbrante. Não estou cortando tanto assim, deixando em um
comprimento convidativo ao toque. Ótimo para se agarrar e puxar durante o
sexo.
Estremeço da cabeça aos pés, fazendo com que a tesoura se desvie da
rota e corte uma mecha pouco além do estipulado. De onde foi que surgiu
esse pensamento? Abro e fecho a mão livre, resistindo a tentação de fazer o
que a minha imaginação pede, mas é mais forte do que eu. Quando dou por
mim estou acariciando os grossos fios de cabelos castanhos do meu chefe.
Ele abre os olhos e o meu íntimo se incendeia. Meu Deus, que olhar é
aquele? Artur parece conseguir ler a minha alma. Encaramo-nos com
respirações em suspenso, nossos corpos próximos o suficiente para que
consigamos sentir o calor um do outro quando percebo que ainda estou com
a mão em sua cabeça.
— Estava só conferindo — digo, mas a afirmação soa falsa aos meus
próprios ouvidos. Outras partes do meu corpo, como a pele do meu rosto,
estão pegando fogo. Forço-me a evitar o espelho, mas sei que estou
vermelha como um tomate maduro.
— Tudo bem. — Artur diz, a voz grave mais rouca que o normal. —
Falta muito?
— Não.
Ele assente.
— Faça a minha barba também.
Ah, não! A experiência de cortar o seu cabelo já está se tornando íntima
além da conta, não sei se estou preparada para também fazer a sua barba!
Seu olhar hipnótico não admite negativa, então só me resta confirmar
com a cabeça.
Mas, antes de passar para a barba, preciso terminar o cabelo. Faço os
últimos ajustes, cortando aqui e ali, até me dar por satisfeita. Há uma
pequena falha onde Artur cortou de qualquer jeito, impossível de se
esconder em um cabelo tão liso, mas preciso admitir que fizemos um bom
trabalho.
Satisfeita, pego o aparelho de barbear na segunda gaveta. A maquininha
sem fio solta um zunido baixo ao ser ligada. Com cuidado, encosto a lâmina
afiada no seu rosto. Fiz a barba de papai durante a sua convalescência, mas
ao contrário de Artur, ele prefere mantê-la rente, então usava a lâmina de
barbear.
Aquela é uma experiência nova, ainda mais por estar barbeando o meu
chefe. Começo a suspeitar que estou nutrindo um fortíssimo crush por Artur
Milano, mas tento não pensar nisso no momento. Preciso me concentrar em
não retalhar todo o seu rosto. Com cuidado, deslizo o aparelho pela lateral
do maxilar, deixando os pelos baixinhos, mas ainda aparentes.
Aos poucos o rosto poderoso de Artur Milano se descortina à minha
frente. Falta ar quando a temperatura do meu corpo começa a aumentar.
Ofego alto, deslumbrada. Os maxilares são fortes e marcados. O nariz reto.
Os lábios do tamanho certo. Nem finos demais, nem grossos demais.
Perfeitos para um beijo.
Estamos próximos o suficiente para tanto. Próximos até mesmo para que
eu ouça quando a respiração de Artur se mistura à vibração da máquina ao
se tornar mais ruidosa. Forço-me a desviar os olhos da sua boca, tornando a
encará-lo. Artur faz o mesmo, subindo o olhar no mesmo ritmo do meu.
Suas íris estão em chamas. Ele me afeta, assim como eu o afeto.
Está enganado ao pensar que nenhuma mulher seria capaz de se
apaixonar por ele. Talvez eu mesma esteja me apaixonando! Como isso é
possível? Ontem mesmo estava me mandando embora aos berros! Deve ser
culpa dessa estranha intimidade compartilhada. Tenho certeza de que o
sentimento irá embora assim que eu terminar.
— Prontinho — digo poucos minutos depois. Passo a toalha pelo seu
rosto, tentando ignorar a sua beleza.
— Acho que é assim que os cachorros se sentem durante uma sessão de
banho e tosa — assopra alguns pelinhos errantes.
— Provavelmente — abro um sorriso. — Preparado para se olhar no
espelho?
Ele assente.
— Preparado.
Agarro as manoplas da sua cadeira de rodas e começo a girar-la.
— Voilá!
O semblante sério aos poucos se torna chocado. Artur abre a boca e
arregala os olhos enquanto leva a mão machucada aos fios. Ele toca a si
mesmo, deslizando a ponta dos dedos pela lateral do rosto como se tentasse
se reconhecer após um longo período preso em uma caverna.
O primeiro passo para Artur Milano voltar a ser ele mesmo.
— Obrigado — murmura. — Muito obrigado.
— De nada — sorrio. Estremeço da cabeça aos pés, envolta no mais
puro prazer, quando ele sorri de volta.
O que está começando a acontecer aqui?
Capítulo 16 – Artur
A decoração que eu, Davi e Jacira levamos a tarde inteira para arrumar
permanece no deque. O jantar cuidadosamente preparado pela cozinheira
esfria enquanto eu e Milena voltamos ao interior da casa. Ela me ampara
enquanto caminho com esforço. Gosto do seu incentivo, mas o
fisioterapeuta tem razão: ainda não estou pronto para seguir sozinho.
Preciso do andador, mas o ignoro. Naquele momento tenho Milena, então
não preciso de mais nada.
Paramos apenas ao chegarmos no elevador. Ela aperta o botão e
aguardamos a caixa metálica, mas é impossível esperar. Tomo Milena entre
os braços, ávido para unir as nossas bocas em um novo beijo. Ela vem a
mim sem qualquer resistência, entregando-se por completo.
Fecho os olhos, embriagado com o sabor doce da sua boca. Quase não
acreditei quando ela me beijou. Na realidade, acho que ainda não acredito.
O algo que vinha acontecendo entre nós enfim se confirmou: eu amo aquela
mulher. Acabei me apaixonando pela inocente enfermeira vinte anos mais
nova. Não sei se é certo. Recuso-me a pensar nas consequências. Quero
apenas Milena.
Esquecemo-nos do elevador, mas ainda assim entramos nele. Não faço
ideia de como caminhamos pelo corredor, só sei que em minutos estamos
dentro da suíte. As persianas abertas permitem que o brilho da lua cheia
penetre em cada canto dela, nos iluminando de forma acolhedora.
Milena olha para fora antes de me encarar. Por um instante esqueço de
respirar, arrebatado pela sua beleza. O vestido amarelo serviu com
perfeição, acentuando cada delicada curva do seu corpo. Torno a beijá-la,
desejando deitá-la com cuidado na cama, mas me atrapalho. Seus lábios
escapam dos meus conforme caímos como dois sacos de batatas sobre a
maciez do colchão.
— Desculpe — digo, tentando sair de cima do seu corpo. Sou muito
maior, não quero esmagá-la. Milena simplesmente gargalha alto e me
agarra, puxando-me para si.
— Está tudo bem — sussurra, tornando a me beijar.
Suas mãos deslizam pela barra da camisa, ansiosas para alcançar a pele
nua. Gemo alto quando seus dedos atravessam o tecido e me tocam. Milena
aperta de leve, contornando a musculatura do abdômen. Ajoelho-me ao seu
lado, por mais que anseie pelo contato. Preciso arrancar a camisa e permitir
que me toque por inteiro.
Seus olhos azuis cintilam conforme desabotoo botão por botão, até
permitir que o tecido deslize com suavidade pelos meus ombros.
Envaideço-me ao notar o desejo explícito em seu olhar conforme percorre
os músculos do meu peitoral até alcançar o pronunciado volume no centro
da minha bermuda.
— Quer que eu tire também? — pergunto, a voz completamente rouca.
Ela confirma com a cabeça. Sem deixar de encará-la, estendo a mão para o
cinto de couro, mas paro no meio do caminho. — Você nunca respondeu a
minha pergunta.
Ela franze o cenho.
— Qual pergunta?
— É virgem ou não?
Milena ri.
— Não acredito que você ainda está pensando nisso!
— Estou — confirmo, descendo o corpo em direção ao seu. Mãos ávidas
me agarram, deslizando através dos poucos pelos em meu peito. Forço-me a
ignorar o seu toque e manter a concentração. — Precisarei ir com mais
calma se você for virgem.
— Talvez soubesse a resposta se tivesse me escutado — debocha,
circulando um dos meus mamilos. Ela sorri quando solto um gemido. —
Não sou virgem e nem quero que você vá com calma, Artur — continua,
manhosa, mas sua voz se torna insegura. — Isso faz diferença para você?
Detesto ouvir aquela insegurança.
— Nenhuma — beijo a sua testa. — Só perguntei por que não quero te
machucar.
Ela sorri.
— Então pode ficar tranquilo. Perdi a virgindade aos dezessete anos com
um namoradinho da escola.
Ergo uma sobrancelha. Aquilo deveria me afetar? Não. O Artur de antes
nem ao menos escutaria. Já estaria com a calça arriada, dando e tomando
prazer como se a vida dependesse única e exclusivamente disso.
Mas o de agora precisa saber.
— E foi bom?
Sua risada torna a se espalhar pelo quarto.
— Depois eu que sou curiosa! — brinca, me empurrando de leve. Acabo
me juntando à sua risada. — Não, não foi. Ele nunca foi capaz de me fazer
chegar lá. Depois dele não tive mais ninguém. — Ela se torna pensativa. —
Sabe, as vezes acho que todos os orgasmos de revirar os olhos descritos
pelas mocinhas dos livros são pura mentira.
— Não sou adepto desse tipo de literatura — entro na brincadeira —,
mas vou provar que podem ser de verdade.
— Então prova — sorri, afundando os dedos em meus cabelos. Fecho os
olhos, deliciado. Adoro quando ela mexe nos meus cabelos daquela
maneira. Faz com que eu me sinta como um gato sendo acariciado pela sua
dona.
Obrigo-me a erguer o corpo, voltando a me ajoelhar. A prótese range
contra o colchão, o encaixe se afundando na pele da minha coxa. Ignoro o
desconforto. O prazer de estar ali com Milena é maior que qualquer dor.
Desafivelo o cinto, abro o botão e desço o zíper da bermuda. O tecido
desliza com facilidade pelo quadril. Milena acompanha o movimento, os
olhos se arregalando ao alcançar o contorno do meu membro sob a cueca
boxer. Encaixo os polegares na barra e começo a baixá-la.
Ela passa a pontinha da língua pelos lábios rosados assim que o meu pau
pula para fora. Imagino-a ali, contornando cada veia saltada do acentuado
comprimento, mas aquilo precisará esperar. Vou gozar em segundos se
Milena fizer a mínima menção de me chupar.
— Tire isso também — pede, descendo as mãos em direção às próteses.
Cubro os seus dedos com os meus e nego com a cabeça.
— Não. — Ela franze o cenho. — Por favor, Milena. Me deixe fazer
isso como um homem inteiro.
Seus olhos se enchem de compreensão, mas não de aprovação. Devagar,
aproxima o rosto do meu, as íris cintilantes de desejo. O meu peito se enche
de coragem, adorando aquela nova percepção. Por meses achei que
ninguém seria capaz de me olhar daquele jeito.
— Eu deixo — murmura, encostando os lábios nos meus.
É o que basta para tomar a sua boca com luxúria enquanto o meu corpo
cobre o seu por completo. Milena agarra os meus cabelos ao afundar sobre
a cama. Puxa-os com vontade, como se há muito tempo desejasse fazer
aquilo. Um prazeroso arrepio desce pela minha nuca, percorrendo toda a
coluna.
Delicio-me em seu beijo até ficar sem ar. Ofegante, observo o rosto
corado da mulher em meus braços. Seus cabelos dourados se espalham
como um leque pelo travesseiro. Sorrio para a visão. Ela parece uma
delicada princesa à mercê de uma perigosa fera.
Desço os lábios pelo seu pescoço e planto um beijo na curva graciosa,
encantado ao ver a pele se arrepiando ao mínimo toque. Afasto o decote do
vestido, deliciado ao notar que ela não vestiu um sutiã. E nem precisa. Dou
de cara com um seio empinado. Seus pulmões se enchem de ar quando
envolvo um mamilo rosado nos dentes. Mordisco de leve, o suficiente para
fazê-la soltar todo o ar. Adoraria passar a noite inteira ali, chupando os seus
bicos intumescidos.
A costura range quando tento afastar o tecido para tomar o outro mamilo
nos lábios. Milena segura a minha mão e se remexe, tentando se levantar.
— Jamais te perdoarei se rasgar esse vestido — declara, resoluta.
— Eu compro outro — digo, beijando o vale entre os seios. Ela geme
alto.
— Não quero que compre outro, quero que me ajude a tirar esse.
Sorrio contra a sua pele.
— Sem rasgar?
— Exato. Sem rasgar. Pode me ajudar? — pergunta, erguendo uma
sobrancelha. Assinto sem pensar duas vezes.
— Com todo o prazer — volto a me ajoelhar, dando-lhe espaço para que
faça o mesmo.
Sem deixar de me encarar, Milena desce o zíper lateral do vestido,
afrouxando o tecido amarelo em torno do tórax. Prendo a respiração
conforme permite que as mangas caiam pelos ombros, expondo os seios.
Ela se ergue o suficiente para passar o vestido pelo quadril, deslizando-o
pelas pernas esguias sem qualquer dificuldade.
Um sorriso toma conta dos meus lábios ao notar a diminuta calcinha
molhada cobrindo a sua genitália. Está mais do que comprovado o quanto o
seu desejo é latente, mas jamais imaginei que voltaria a ser capaz de
encharcar a calcinha de uma mulher.
— Você é perfeita — murmuro, ciente de que aquela não é a primeira, e
nem será a última vez que lhe direi isso. Milena agarra o meu rosto,
puxando todo o meu corpo para si.
— Você também é — murmura de volta. — Eu não consigo mais
esperar.
Solto um longo suspiro de prazer.
— Eu também não.
Estico-me sobre a cama até alcançar a mesinha de cabeceira. Por sorte há
três ou quatro pacotes de preservativos esquecidos no fundo da primeira
gaveta. Deslizo o látex por todo o comprimento do meu pau e volto a cobrir
o corpo de Milena.
Não resisto a tornar a chupar os seus seios, circulando as aréolas com a
ponta da língua antes de sugar os mamilos. Ela geme de leve, mas sigo o
meu caminho, descendo pela barriga plana. Sorrio quando os meus lábios
roçam nos quase imperceptíveis fios dourados, finos como a penugem de
um pêssego. Desço a língua por entre eles e lhe arranco um suspiro ao
circular o seu umbigo.
Finalmente chego em sua virilha. Ergo os olhos em direção aos seus.
Milena me encara de volta, cheia de expectativa.
— Eu vou te dar prazer com toda a atenção que você merece — digo,
puxando a sua calcinha com ligeira brusquidão. As tramas de algodão se
rompem, mas Milena não reclama. Apenas geme alto quando deslizo a
língua pela sua feminilidade até alcançar o clitóris inchado de tesão.
A enfermeira se contorce enquanto ele pulsa ao menor contato. Afogo-
me em sua umidade, inebriado com o seu cheiro delicioso antes de assoprar
a pele aquecida. Milena de contorce de novo, necessitada. Eu também
estou. Sem mais delongas envolvo o pequeno órgão com os lábios e chupo
com força.
Ela geme ao arquear as costas. Firmo minhas mãos nas laterais dos seus
quadris, tentando mantê-la no lugar ao continuar a sugar. Passei tanto tempo
preso em mim mesmo que quase me esqueci do doce sabor de uma boceta.
O meu aperto é firme, mas não o suficiente para impedir Milena de
rebolar. Seu ventre sobe e desce conforme geme. Uma fina camada de suor
começa a cobrir a sua pele. Nua, com as mãos agarradas aos lençóis, a
enfermeira é uma visão gloriosa sob a luz do luar.
Círculo o seu clitóris com a língua, fazendo-a arquejar antes de
abocanhar a sua boceta. Seus gemidos se tornam mais pronunciados. Sei
que ela está quase lá. O orgasmo promete vir com tudo, afundando-se entre
os meus lábios, esperando o momento em que a mulher irá se desmanchar.
E ele vem. Milena grita enquanto as coxas estremecem ao lado do meu
rosto. Seu quadril se mexe, descontrolado, o orgasmo percorrendo cada
terminação nervosa do seu corpo. Libero-a do meu aperto apenas para
poder ver sua alma se envolvendo em prazer.
Rio baixinho conforme volto a cobrir o seu corpo com o meu, tomando
cuidado para que as próteses não machuquem as suas pernas. Apoio-me nos
cotovelos e beijo os seus lábios, transferindo o seu gosto para a sua boca.
Ela responde com avidez. Sorrio contra os seus lábios.
— Nos seus livros é assim? — pergunto, a ponta do meu pau roçando na
sua entrada.
Ela ri.
— Confesso que está sendo muito melhor.
Um arrepio de prazer percorre todo o meu corpo conforme encaixo-me
melhor e começo a penetrá-la. O membro invade as suas dobras centímetro
a centímetro, até estar completamente envolvido entre as paredes apertadas
da sua boceta.
Gememos em uníssono. Afundo o meu rosto em seus cabelos. Seis
meses. Mais de seis longos meses sem uma mulher. Estar dentro de Milena
é como uma primeira vez, mas muito melhor.
— Tudo bem? — murmuro em seu ouvido. Ela assente, agarrando as
minhas costas. Começo a me movimentar devagar, tentando me controlar.
Meu instinto pede que eu foda forte e rápido como um animal selvagem,
mas resisto. Sou grande demais para Milena. Não quero machucá-la.
A enfermeira afunda o rosto contra o meu pescoço. Geme baixinho em
meu ouvido conforme o meu quadril se choca contra a sua feminilidade. O
som se intensifica conforme vou mais fundo, até a base, gerando uma
fricção deliciosa em nossas virilhas.
De repente Milena passa a se movimentar. É a deixa para que eu meta
um pouco mais forte. Ela acompanha o meu ritmo, nossos corpos
encaixados com perfeição. Seus gemidos preenchem os meus ouvidos como
a mais bela sinfonia. Ajusto-me sobre os cotovelos e abraço o seu corpo,
misturando o nosso suor. Milena me agarra de volta, uma mão em minhas
costas, a outra afundada nos fios dos meus cabelos.
Perco-me no corpo de Milena. Saio quase por completo apenas para
tornar a me afundar. Seu gemido aumenta e o peito arfa contra o meu, o
atrito dos mamilos endurecidos arrepiando a pele. Roço um deles com a
ponta do polegar enquanto meto fundo. Ela grita, me agarrando ainda mais
forte.
Sua boceta aperta o meu pai com ainda mais força. Milena grita quando
o segundo orgasmo vem, todo o seu corpo estremecendo como se levasse
um choque.
Ergo o rosto, ansioso para vê-la gozar. Seus olhos encontram os meus
antes de se revirarem nas órbitas. Ela agarra os meus cabelos com mais
força e não resisto em beijar os seus lábios abertos em prazer. Milena
envolve a língua na minha e retribui antes de se desmanchar por completo.
O meu gozo vem. Meto uma última vez ao tomar a sua boca com avidez,
o pau pulsando dentro da sua boceta. Desabo sobre o seu corpo, ofegante e
satisfeito. Milena beija a lateral do meu rosto e me abraça.
— Obrigada.
— Pelo que? — sussurro.
— Por ser o primeiro a me fazer gozar desse jeito.
Rio contra os seus cabelos. Ah, quando foi que imaginei que me tornaria
completamente rendido pela minha enfermeira?
Capítulo 23 – Milena
Bem que tentamos nos limpar, mas deixamos uma trilha de areia pelos
corredores da mansão ao subir até a suíte. Milena olha para o chão
preocupada, mas digo a ela que em breve voltaremos para limpar. Não
gosto de deixar tudo a cargo de Jacira e a equipe de limpeza chegará apenas
ao final da semana.
No fundo, dou mínima atenção a isso. Pouco me importa se a mansão
ficará suja até sexta-feira. Só me importo com a beldade loira dividindo o
banheiro comigo. Ela me encara e ri. O timbre suave preenche todo o
espaço com alegria.
— Desculpa — diz, levando a mão à boca. — Mas realmente parece que
você foi empanado na areia, Artur.
Desço os olhos pelo corpo. Todo o meu peitoral está coberto por
minúsculos grãos de areia clara. Remexo-me sobre a cadeira de rodas,
desconfiado de que haja areia enfiada até na cueca.
— Você não está em situação muito melhor — debocho, deslizando um
dedo pela sua barriga. Os pelinhos dourados se arrepiam sob o meu toque.
Ergo os olhos até encarar as íris turquesa da mulher à minha frente. —
Empanada ou não, você continua linda.
— Você também — sorri, afastando uma mecha de cabelo do meu rosto.
Sorrio de volta, enternecido pelo contato. Cubro sua mão.
— Eu gosto tanto quando você me toca — murmuro, bem baixinho.
Milena prolonga o carinho, afundando os dedos até alcançar o couro
cabeludo. Solto um suspiro misturado com um ronronado. Poderia passar a
noite ali se o meu pau não estivesse pulsando de desejo.
Um pensamento sobrepõe o tesão. Notei a forma como a jovem
enfermeira apreciou o ato romântico do meu xará. Os tempos mudaram e as
mulheres podem ser muito diferentes umas das outras, mas grande parte
delas ainda deseja receber um pedido de casamento seguido de um anel de
diamantes.
Ainda não admiti em voz alta, mas sei muito bem o que sinto. Eu não
quero apenas foder a boceta da Milena, tomando-lhe todo o prazer que
puder me dar. Quero tê-la só para mim de todas as formas. Tomar o seu
coração e amá-la como a princesa que ela é.
Abro a boca, mas torno a fechá-la. Uma trava parece impedir que as
minhas cordas vocais emitam o que preciso dizer. Mordo os lábios,
frustrado. Milena apenas observa. Sabe o que eu desejava fazer, mas não
pressiona. Apenas compreende. Fecho os olhos, ciente de como sou um
homem sortudo. Onde, nos meus dias mais sombrios, imaginei que seria
capaz de amar uma mulher como ela?
— Vamos para a banheira? — pergunta.
Faço que sim. Ela se afasta. Imediatamente sinto falta do seu toque, mas
a minha mente logo é distraída pelos movimentos fluidos das suas mãos ao
desatar os laços da parte de cima do biquíni. Observo tudo, hipnotizado,
deixando escapar um suspiro de deleite quando a peça cai e expõe os seios.
Depois é a vez dos shorts. Ela começa a descê-lo com calma, sem deixar
de me encarar por um segundo sequer, nem mesmo quando o jeans se
enrosca nos quadris. Ri ao notar que esqueceu de abrir o botão e baixar o
zíper. O diminuto triângulo branco da calcinha do biquíni falha em esconder
a sua feminilidade.
— A minha irmã te deu a menor roupa de banho que trouxe na mala —
comento.
— Ela trouxe várias — diz, os lábios se aproximando do meu ouvido. —
Eu escolhi a menor.
Arregalo os olhos, surpreso.
— Já planejava me seduzir?
— Quem me seduziu foi você — mordisca o lóbulo da minha orelha,
fazendo com que um arrepio desça pelo meu pescoço e se espalhe por todo
o corpo. — Desde o primeiro dia, quando saiu daquele elevador parecendo
uma fera indomada.
— Não sei como você foi capaz de me aguentar — admito, ligeiramente
envergonhado.
— Só aguentei porque você é um grande gostoso — brinca.
É a minha vez de cair na risada. Eu não acreditaria em suas palavras se
elas tivessem sido ditas na ocasião. Diria que eram mentira. Que as estava
dizendo apenas para me constranger. Tirar sarro da minha cara.
Mas agora eu acredito.
— Pelo menos eu tinha alguma coisa de bom — entro na brincadeira.
A risada de Milena se torna mais alta. Deixa a sensualidade de lado e tira
a calcinha do biquíni de qualquer jeito. A minha boca saliva diante da visão
da boceta nua, mas é por pouco tempo. Ela logo se ajoelha, esticando uma
das mãos em direção ao meu peito, bem no local onde se encontra o
coração.
— Isso, e muitas coisas também.
Fico sem palavras, ainda mais quando seus dedos leves descem pelo meu
peitoral, percorrem os gominhos do abdômen e alcançam a fina trilha de
pelos escuros que se afundam na cintura da bermuda. Desfaz o laço e
começa a puxá-la para baixo, descendo a cueca boxer no processo. Ergo os
quadris o suficiente para que ela possa retirá-los.
O meu pau pulsa contra a minha barriga, mas o ignoro. Os meus olhos
estão nos cotos tão cheios de areia quanto o restante do meu corpo. Analiso
a cicatrização com atenção. Ficou bonita, se é que posso utilizar esse termo
para me referir ao que sobrou das minhas pernas. Estico o dedo, tocando a
pele firme da ponta da coxa. Os pelinhos se arrepiam, mas é só. Milena
assiste a tudo, atenta.
— É a primeira vez que você faz isso, não é?
— É — respondo.
— E como se sente?
Dou de ombros.
— Com a sensação de que deveria ter feito isso antes.
Ela sorri e, com delicadeza, volta a se erguer. Resvala os lábios nos
meus, mas não me beija. É um convite. Observo quando ergue as pernas
torneadas por cima da borda da hidromassagem, afastando-se até o outro
lado. Abre a torneira, permitindo que a água morna comece a encher o
espaço. Manobro a cadeira de rodas, posicionando-a lado a lado com a
parede da banheira, forço os braços e me iço para fora, caindo sobre a fina
lâmina de água.
Arrasto-me até a enfermeira. Ela solta um gemido deliciado quando
afasto o seu cabelo bagunçado e beijo a curva entre o ombro e pescoço. Os
meus lábios se enchem de areia, mas não me importo, continuo subindo em
direção ao lóbulo da sua orelha. Mordo-o de leve, transformando o gemido
em um arquejo.
Enquanto isso deslizo as mãos pelas costelas, alcançando os seios firmes,
puxando o seu corpo até que suas costas se colem em meu peito. O meu pau
pressiona o seu traseiro, ávido para se enterrar dentro dela.
— Minha bela Milena — sussurro, assistindo os pelinhos da sua nuca se
arrepiando. Círculo os mamilos enrijecidos com a lateral dos polegares. Em
retribuição ela rebola contra o meu pau, provocante. Impulsiono para cima,
quase entrando em sua boceta. — Ah, adoro a forma como você gosta de
brincar com a minha sanidade.
Sua risada torna a preencher o banheiro. Afasta-se do meu toque,
pegando um frasco de shampoo.
— Desculpe — vira o corpo de forma a ficar de frente para mim —, mas
só quando você estiver bem limpinho.
Sem dizer mais nada, despeja quase todo o conteúdo do frasco sobre o
meu cabelo. Fecho os olhos quando os dedos delicados invadem as mechas
e massageiam o couro cabeludo. Ela está próxima o suficiente para que
abocanhe um mamilo.
É impossível resistir. Puxo-a sobre o meu colo e fecho os lábios sobre o
botão rosado, roçando os dentes antes de sugá-lo com força. Os dedos de
Milena agarram os meus cabelos com um pouco mais de força. A água
morna continua a subir, preenchendo a lateral dos nossos quadris.
Estico um braço, em busca de um sabonete, e só paro de tatear a lateral
da hidromassagem ao encontrá-lo. Deslizo-o pelas costas nuas de Milena,
sentindo toda a pele se arrepiando com o contato. Abandono um mamilo
apenas para abocanhar outro com a mesma vontade. Ela geme baixinho, a
lavagem nos meus cabelos demorando além do necessário, mas não me
importo. Quero que ela se demore. Que o nosso desejo cresça até o ponto de
ebulição.
Desço o sabonete até as suas nádegas, circulando uma, depois outra.
Resisto à tentação de soltá-lo apenas para penetrar um dedo em seu traseiro,
da forma como sei que gosta. Ao invés disso, sigo com a limpeza. Não me
importaria de tomar Milena da forma como ela está, mas aquele banho está
gostoso demais para nos apressarmos em terminar.
O meu pau pulsa entre nós quando subo pela sua barriga, deslizando o
sabonete pelos mamilos enrijecidos. Ela solta os meus cabelos e geme alto.
— Meu Deus, eu não vou mais aguentar.
— O que? — pergunto, impulsionando o quadril de forma a roçar no seu.
— Ter você fora de mim.
— Ainda não estou limpo o suficiente — provoco. Toda a pressa
desapareceu. Coloco o sabonete entre os seus dedos. Ela me encara, cheia
de vontade de soltá-lo. Faço que não. — Me ensaboe.
Milena entende a provocação. E gosta dela. Segura o sabonete com
firmeza e começa a deslizá-lo pelo meu pescoço, descendo em movimentos
circulares até o meu peito. Movimenta o quadril de forma a pressioná-lo
ainda mais, mantendo o meu pau esmagado entre os nossos dois corpos. A
pressão é deliciosa, capaz de quase me fazer gozar por si só.
Gemo alto quando ela desliza o sabonete em torno de um dos meus
mamilos. Desce os lábios em direção ao outro, mordendo a pontinha de
leve. Dou um pulo dentro da banheira, espalhando água para todos os lados.
Agora ela subiu até quase a metade do nosso tórax. Aproveito para jogar
uma porção do líquido cristalino nos cabelos, tirando parte do shampoo que
caia sobre os olhos.
A enfermeira não se incomoda. Aproxima ainda mais os nossos corpos,
até estar em posição suficiente para ensaboar as minhas costas. Os bicos dos
seus seios cutucam o meu peito, arrancando suspiros do fundo da garganta.
As mãos deslizam pelos meus ombros e descem pelas omoplatas. Os
movimentos agora não são suaves. São calculados, de forma a me ensaboar
e arranhar. Um choque percorre o meu corpo cada vez que suas unhas se
encontram com a minha pele.
— Daqui a pouco quem não vai mais aguentar sou eu — reclamo.
Milena ri.
— Xiu, você ainda não está limpo o suficiente — diz, mordendo o
lóbulo da orelha ao mesmo tempo em que ergue o quadril para que a sua
entrada roce sobre a cabeça do membro intumescido.
Aquilo é demais.
— Estou sim — rebato, agarrando a sua cintura com força, pronto para
fazê-la se sentar com força sobre o meu pau. Milena faz que não.
— A camisinha.
Porra! Como fui me esquecer da camisinha? Solto um suspiro frustrado.
Nem ao menos sei se temos uma camisinha no banheiro! Milena ri e ergue
um pacotinho prateado. Franzo o cenho.
— De onde você tirou isso?
— Peguei na sua mesinha de cabeceira, enquanto vínhamos para cá.
Deixei aqui assim que entramos no banheiro.
— Eu nem percebi!
— Claro que não, você estava ocupado demais olhando para a minha
bunda — dá de ombros, antes de estufar o peito. Os seios balançam no
ritmo do movimento, gotas de água pingando dos mamilos. — Ainda bem
que sou uma mulher preparada, Sr. Milano.
— Ainda bem mesmo — digo, içando-me para fora da banheira.
Adoraria senti-la por completo, sem qualquer barreira, mas não fizemos
qualquer tipo de exame e sei que Milena não toma anticoncepcional.
Agradeço mentalmente por ela ter lembrado. Não preciso acrescentar a
chegada de um bebê à imensa quantidade de eventos que vem acontecendo
atualmente na minha vida.
Ela segura o meu pau e desliza os lábios por todo o meu comprimento,
beijando a cabeça molhada de água e líquido pré-ejaculatório. Ergue o rosto
com sua melhor expressão safada antes de morder de leve. Gemo alto, mas
seguro sua face com delicadeza.
— Por favor, Milena. Coloque logo essa camisinha e me deixe gozar
fundo na sua boceta.
— O seu pedido é uma ordem — diz, encaixando-a sobre a glande.
Desce o látex até a base e confere se está tudo certo. Só então se afasta,
permitindo que eu volte para água.
Caio nela com tudo, desesperado. A banheira está cheia quase até a
borda, mas não tenho tempo de fechar a torneira. Não quando Milena
praticamente pula sobre o meu colo, trava os joelhos nas laterais dos meus
quadris, agarra os meus ombros com força e, em um impulso, engole o meu
pau em uma sentada.
Gememos em uníssono. Pulso dentro dela, pressionado por todos os
lados pela sua deliciosa boceta. Ela rebola, pedindo mais, e eu lhe dou.
Impulsiono para cima, me enterrando fundo até a base. O gemido se torna
um grito. Agarro as suas costas e a puxo contra o meu peito, socando com
força, sem diminuir o ritmo por um só segundo.
A água enfim transborda e se espalha pelo piso do banheiro. Nenhum de
nós lembra de fechar a torneira. Nenhum de nós se importa. Estamos
focados em dar e tomar prazer. Nada mais.
Milena volta a rebolar, seguindo o ritmo ágil das estocadas. Os meus
movimentos de vai e vem são tão profundos que sinto o seu clitóris roçando
na minha virilha. Agarro-a mais forte, apertando a sua bunda enquanto
seguro suas costas.
— Eu vou gozar — tem tempo de dizer.
— Então goza, Milena — sussurro em seu ouvido. — Quero sentir a sua
boceta gostosa me esmagando com ferocidade. As suas coxas tremendo e os
joelhos fraquejando ao redor dos meus quadris. A boca escancarada em um
grito enquanto os olhos turquesa estão nublados de estrelas de prazer.
Aperto-a ainda mais, deslizando a mão pela sua bunda até alcançar a sua
intimidade proibida. Enfio um dedo em seu traseiro e meto o pau ainda
mais forte. — Vamos, goza!
Ela o faz. Exatamente como descrevi. O seu corpo entra em colapso, o
grito extasiado preenchendo cada mínimo espaço do banheiro. As paredes
internas da sua boceta apertam o meu pau e o meu grito de prazer se junta
ao seu. Com uma última arremetida, despejo todo o meu gozo dentro da
proteção da camisinha.
Caio para trás, espalhando ainda mais água pelo banheiro. Milena está
desfalecida em meus braços. Encontro forças para beijar o topo dos seus
cabelos ainda cheios de areia enquanto tateio em busca da torneira. Fecho-a,
feliz em ver os seus sentidos voltando. Ela se limita a soltar um longo
suspiro e se aconchegar ainda mais a mim.
Sorrio, fechando os olhos, acometido por uma profunda paz. Não é
apenas o efeito positivo de uma excelente sessão de sexo. É o efeito de estar
ali, com a mulher que eu amo em meus braços. Jamais senti aquilo. Com
nenhuma outra, nem mesmo com Nicole. Uma completude tão grande que
não consigo descrever, só sentir.
Milena parece ouvir os meus pensamentos.
— Eu te amo Artur — diz, bem baixinho, fazendo com que um delicioso
arrepio percorra todo o meu corpo. Abro a boca para responder, mas
continuo incapaz de emitir qualquer som. Milena cobre os meus lábios com
um dedo em riste. Os seus sorriem cheios de compreensão quando continua.
— Sei o quanto o amor te machucou no passado. Como partiu o seu coração
em incontáveis pedaços. Você ainda está se curando disso, e de um monte
de outras coisas. E faz bem em fazer isso. Devagar. No seu ritmo. Não
precisa se sentir na obrigação de retribuir em voz alta — encosta a cabeça
em meu peito. — Eu já consigo ouvir, Artur.
O meu coração refeito está acelerando. Martelando contra as costelas.
Inchado de tanto amor. Abraço o seu corpo escorregadio e ela se aconchega.
Minha voz desaparece em um redemoinho de emoção. Sou incapaz de
responder com um simples obrigado, mas ela ouve. Sei que ouve.
Aos poucos lembro da sua expressão na praia, quando o meu homônimo
lhe mostrou a foto da companheira e da bebê. Milena sorriu com imensa
sinceridade. Posso não desejar ser pai agora, mas quero ter uma família. E
sei que Milena fará parte dela.
Capítulo 27 – Artur
Não sei qual bicho mordeu Artur nos últimos dias. O magnata vem se
mostrando cada vez melhor consigo mesmo, mas sua alegria passou a
transbordar.
Cantarola rock pesado, mesmo que o volume permaneça baixo. Assovia
pelos corredores como um passarinho apaixonado. Encara-me com tamanho
desejo que, mais de uma vez, esperei que me agarrasse e me puxasse para
um beijo. Ele o fez, admito. Gostei principalmente quando o fez na
biblioteca, ao me empurrar contra uma estante de livros e me tomar de tal
forma que fiquei sem ar.
Agora ele passa a maior parte do tempo com as próteses. Davi adora
lembrar que ainda levarão meses até estar cem por cento adaptado, mas é
nítido o quanto se orgulha do esforçado paciente. Artur deixou de ser
avesso à fisioterapia para se tornar um viciado em melhorar.
Também me orgulho dele. Às vezes nos menores gestos, como quando a
campainha toca e faz questão de caminhar até a porta. Um ato corajoso para
um homem que teme se mostrar. Minutos depois, Artur volta radiante com
uma pequena caixa debaixo do braço. Claro que a curiosidade fala mais
alto, mas ele se limita a dizer que é uma surpresa. Mordo o canto dos lábios,
curiosa para saber qual tipo de surpresa precisa ser mantida oculta com
tamanha vontade.
Porque também tenho uma surpresa. Talvez Artur não tenha se dado
conta, mas acabo de completar três meses trabalhando em sua mansão. Isso
me deixa feliz de incontáveis maneiras.
De forma divertida, por ser a enfermeira a bater todos os recordes.
Profissional, por ter conseguido incentivá-lo a melhorar tanto em tão pouco
tempo. E de forma pessoal, por sentir que encontrei quem estava
procurando. Para uma romântica incurável, daquelas que acredita em
príncipes encantados, estou feliz que o destino tenha me mandado para as
garras de uma gentil fera.
Talvez eu tenha me apaixonado por Artur Milano desde o momento em
que o vi sentado em sua cadeira de rodas com uma simples camiseta branca
colada no corpo sarado, mas foi a convivência que me fez amá-lo.
Conhecemo-nos há pouco tempo, mas o suficiente para saber que quero
passar o restante da minha vida ao seu lado. Sei que ele sente o mesmo.
Está escrito em cada ponto luminoso dos seus olhos castanhos. Ele só não
disse. Não ainda, mas vai dizer. E quando o fizer, estarei pronta para
escutar.
E, claro, não posso me esquecer da questão financeira. Só Deus sabe
como pagaria tamanha dívida com o salário de uma recém-formada. Sempre
serei grata pela confiança que Ágata Milano depositou em mim.
O celular vibra dentro do bolso do meu short como se para lembrar dos
boletos a se pagar. Espio a tela antes de entrar no quarto de Artur. É Ágata,
dizendo que acabou de realizar a transferência de salário e do bônus por ter
“aturado” o irmão.
Seu tom é divertido, ainda mais ao enviar um áudio cantando o tema da
vitória e perguntando se desejo renovar o contrato por mais três meses. Rio
para mim mesma e agradeço, aliviada. Aproveitei as horas de Artur na
academia e na fisioterapia para lhe enviar um áudio contando sobre o meu
plano. Ela se mostrou tão animada quanto eu e disse que manteria o
helicóptero a postos.
Começo a digitar que sim, desejo continuar para sempre ao lado de
Artur, mas algo me impede. Não quero continuar cuidando dele por
dinheiro. Em breve a ilha ganhará uma clínica médica exclusiva. Posso
trabalhar nela enquanto continuo acompanhando a recuperação de Artur
como sua fiel companheira, não enfermeira.
— Milena? — Ele chama, preocupado. Deixo para responder depois e
abro a porta.
O homem sorri de orelha a orelha assim que me vê. Sorrio de volta. Os
meus pulmões ficam sem ar por alguns segundos assim que o vejo sentado
na cadeira de rodas. Os cabelos recém lavados estão ajeitados de qualquer
jeito sobre a cabeça, dando-lhe um ar despojado. Minúsculas gotículas
caem nos ombros da camisa de linho, grudando o tecido ao seu corpo.
Enfim consigo respirar fundo, resistindo a tentação de correr em sua
direção e sentar com força em seu colo. Noto algo oculto em suas mãos,
mas seguro a curiosidade. Quero ser a primeira a contar a surpresa.
— O papai ligou! — digo de supetão, caminhando em sua direção. —
Ele completará sessenta e oito anos no próximo domingo.
— Que ótimo! — Artur diz, sincero. Não entendo qual conexão rolou
entre eles durante a videochamada, mas consigo notar o quanto os dois se
identificaram.
— Sim! — concordo, aliviada. — Sabe, eu realmente pensei que fosse
perdê-lo. Será ótimo comemorar mais um aniversário ao seu lado. Ele
também disse que tem uma novidade para me contar, mas que só o fará cara
a cara, quando voltar à São Paulo.
O sorriso de Artur vacila.
— Como assim? — pergunta, remexendo o objeto que tem em mãos.
Franzo o cenho, sem entender o seu tom esquisito.
— A Ágata não te avisou? Os meus três meses de contrato acabaram de
vencer — começo a explicar. — Pensei que seria uma ótima oportunidade
para visitar o meu pai. Haverá uma festinha, coisa bem simples, mas feita
com carinho. E queremos que você participe dela! — alargo o meu sorriso,
dando um passo em sua direção.
O rosto de Artur é tomado pelo mais puro horror.
— Sair da mansão? — sussurra, espantado. Faço que sim, sem entender
por quais motivos ele não desejaria sair dela. Ainda não fomos até a vila,
mas passamos cada vez mais tempo na praia. Estamos isolados demais, mas
vez ou outra algum turista aparece. Artur se mostrou tranquilo em todas
essas ocasiões.
— Sim — enfatizo.
Ele balança a cabeça e, para a minha surpresa, arrasta a cadeira de rodas
para trás. O objeto que tem em mãos desaparece em um dos bolsos da calça.
Seus olhos vão de lá para cá, agitados com o de um animal acuado sob
luzes fortes. O cérebro inteligente parece estar a mil, em busca de uma
solução para aquela conversa, mas sem de fato encontrá-la.
— E se fizermos diferente? — diz, a voz alguns tons elevada. Abre os
braços. — Olha só o tamanho dessa mansão! O seu pai e toda a sua família
podem vir comemorar o aniversário aqui!
Ah, não, penso, finalmente entendendo. A mera ideia de sair gatilhou as
inseguranças de Artur. Ajoelho-me à sua frente, pensando em maneiras de
tirá-lo daquele estado, mas nenhuma parece boa o suficiente. Sou
enfermeira, não psicóloga. Ele esteve tão, mas tão bem nos últimos dias,
que pensei que a novidade o deixaria animado, não transtornado. Solto um
longo suspiro. Preciso ser sincera.
— Papai é um homem caseiro, Artur. Morre de medo de avião, duvido
que entrará em um helicóptero.
— Não tem problema! Posso mandar buscá-lo de carro. E, bem, estamos
em uma ilha — ri sem qualquer humor, espalhando vibrações de
nervosismo por todo o quarto. — Será fácil chegar de barco!
Mordo os lábios e faço que não. Temo que aquilo o magoe, mas precisa
ser dito.
— Eu quero voltar. Estou com saudades — solto em voz baixa. Seus
olhos se arregalam. Forço-me a encará-lo — Do meu pai, da minha vizinha,
e do meu cantinho. Moro no mesmo lugar desde que nasci. Nunca passei
tanto tempo longe.
Artur balança a cabeça.
— Pensei que você estivesse feliz aqui.
— Estou feliz — digo, tornando a me aproximar. Seguro suas mãos.
Estão frias. Esfrego os seus dedos, tentando aquecê-los. — Muito, mas
muito feliz.
— Ainda assim quer me deixar. — Ele vira o rosto.
— Não! Por isso quero que você vá comigo — aperto os seus dedos,
para enfatizar. Ele não devolve o aperto. — Podemos voltar em uma
semana, Artur. Eu só... — minha voz falha. Droga! Detesto estar a ponto de
chorar. — Eu só quero passar alguns dias em casa.
— Então volte. — Artur diz, tão baixo que quase não escuto.
— Volte comigo — imploro. — É por pouco tempo.
Ele nega com a cabeça.
— Você sabe que não saio da mansão.
— Sim. Assim como sei que é capaz de sair dela — aperto os seus dedos
com mais ênfase.
Algo muda. Não sei explicar o quê, mas muda. Artur puxa as mãos com
tamanha força que a cadeira de rodas vai alguns centímetros para trás. Ele
me encara. Os pontos dourados das íris castanhas se apagaram. Seu olhar se
tornou sombrio e cheio de raiva.
— Nada me fará sair dessa mansão! — grita. A voz grave reverbera
pelas paredes de vidro. — Está me entendendo? Nada!
Encolho-me contra mim mesma, sem acreditar no que está acontecendo.
— Você prometeu — digo baixinho.
— O que?
— Que não gritaria comigo.
A compreensão volta aos seus olhos, mas é tarde demais. Dou um passo
para longe. O peito de Artur sobe e desce, ofegante, a incredulidade de
volta ao rosto bonito. Uma mecha de cabelo caiu sobre o seu olho, mas ele
não faz nenhum movimento para tirá-la. Apenas observa enquanto, passo a
passo, retorno até a porta do quarto.
— Aonde você vai?
Enrijeço os ombros e aprumo a postura.
— Para casa.
— Mulher teimosa! — grita de novo, mas dessa vez não me encolho.
— Eu? Olha só quem está falando! — rebato, indignada.
Ele balança a cabeça, ignorando o que acabei de falar. Aponta o dedo
indicador em minha direção.
— Saiba que não precisará voltar se passar por aquela porta!
Abro a boca para rebater, mas a voz fica presa na garganta. A dor no
peito é grande demais para que eu possa falar. Mantenho a postura e seguro
a vontade de chorar.
Encaro o homem à frente. Seus olhos tornam a se arregalar, como se
tivesse percebido o que acabou de dizer, mas dessa vez não me importo. Eu
me apaixonei por Artur Milano, mas de repente estou farta dele.
Sem pensar duas vezes, continuo o meu caminho e cruzo a porta. Um
urro estrondoso irrompe as minhas costas, mas finjo que não escuto.
Caminho com calma até o quarto ao lado, vasculho a bolsa jogada sobre
a cama que deixou de ser usada e encontro o papelzinho dado por Salomão
no dia que desembarquei. Sei que a noite se aproxima, mas sei que posso
contar com ele. Outro grito chega até mim, mas ignoro. Volto a tirar o
celular do bolso e mando uma mensagem para o comandante.
Sua resposta é rápida. Em uma hora ele virá me buscar.
Capítulo 29 – Artur
O celular vibra sem parar. Abro um dos olhos, vendo-o jogado nos
lençóis a poucos centímetros de distância. É impressionante que ainda
esteja funcionando. Sei que o joguei no chão após a última chamada negada
de Milena, mas pelo visto o peguei na inútil esperança de que ligasse de
volta. Não ligou, e não é ela quem liga agora.
Remexo-me sobre os lençóis. Uma dor pungente sobe pelas minhas
coxas, atinge a coluna vertebral e se irradia por todo o meu corpo. Uma
noite. Uma única noite sem tomar os malditos remédios e a dor fantasma
voltou, mas quem se importa? O meu corpo inteiro dói sem que ela precise
se manifestar.
A vibração se encerra, apenas para começar de novo. Bufo alto e afundo
a cabeça na maciez do travesseiro. Nunca tentei me sufocar. Talvez
funcione, se eu ficar por tempo o suficiente. Permaneço ali, olhos abertos
encarando o vazio, ciente de que não dará certo. A minha mãe já dizia: vaso
ruim não quebra. Não quebra mesmo. Aposto que viverei até os cem anos.
Forço-me a virar de barriga para cima, tentando ignorar as pontadas de
dor. Em segundos estou sentado sobre a cama. Caí em um sono agitado
desprovido de descanso, sem me dar ao trabalho de fechar as persianas.
Nem poderia: quase todas as lâminas de tecido foram puxadas e jogadas no
chão.
Pela quantidade de luz que entra no quarto, deve ser quase meio-dia.
Percorro os destroços com indiferença. A mesinha de cabeceira virada. Os
tapetes rasgados. O quadro com o centro furado. As próteses jogadas contra
a parede. Sobrou até para a cadeira de rodas.
Jacira apareceu minutos após os meus berros se tornarem
ensurdecedores, mas o que a pobre senhora poderia fazer além do sinal da
cruz? Pegou o terço que mantêm enfiado no avental e saiu correndo dali o
mais rápido que conseguiu.
Davi surgiu, mas foi esperto em não tentar me conter. Seria inútil, então
também me deixou entregue a própria agonia. Deve ter voltado em algum
momento da noite, quando tudo finalmente se aquietou. Isso, ou a cadeira
de rodas se posicionou sozinha ao lado da cama e uma garrafa de água se
materializou como em um passe de mágica sobre o assento. Encaro o
líquido cristalino, sedento após tanto gritar, mas sem qualquer vontade de
aliviar a sede que acomete a garganta.
O maldito celular para de vibrar, apenas para começar de novo. Destravo
a tela e o levo até o ouvido.
— O que você quer, Ágata?
— SEU IDIOTA! — berra. Os meus tímpanos estremecem, mas
mantenho o aparelho onde está. — O VOCÊ FEZ COM A MILENA?
— Não fiz nada — rebato. A voz sai rouca, dolorosa. Custa falar, mas
não me importo. Que doa tudo o que tiver para doer. — Ela disse que queria
visitar o pai. Então permiti que fosse visitar o pai.
— E como deu essa permissão? — questiona, irritada como nunca vi. E
olha que Ágata teve muitos, mas muitos motivos, para se irritar comigo. —
Porque primeiro ela mandou um áudio superanimado contando sobre o
aniversário. Que sentia falta de casa e como seria ótimo que você pudesse
acompanhá-la, assim não precisaria dividir a sua saudade. Que esperava que
você fosse, porque o pai estava ansioso para te conhecer pessoalmente!
Engulo em seco.
— Ágata...
— Ágata é o caralho! — interrompe com brusquidão. Fecho os olhos. —
Não sei se ela te disse tudo isso, e também não quero saber! Só sei que,
horas depois, enviou um áudio quase chorando, dizendo que estava
deixando a ilha. Para você estar aí, em meio aos destroços do seu quarto, só
posso suspeitar que o convite para comemorar o aniversário do pai dela não
foi bem recebido!
— Como você sabe que eu...
— Você acha que sou idiota? A Jacira ligou desesperada! Por um
instante pensei que fosse ter um infarto! O Davi precisou interromper um
encontro com um surfista na vila para voltar à mansão! Olha só quanta
confusão você causou por ser um grande idiota!
— Chega! — berro. — Não vou admitir que fale assim comigo!
— Eu vou falar com você do jeito que eu quiser! — berra de volta. —
Estou cansada disso, Artur!
— Está porque quer! Você sabe muito bem qual era a minha intenção. —
A voz falha, e não é por causa do estresse. As lágrimas irrompem. — Eu
não precisava estar aqui.
A linha emudece. Não sei se Ágata desligou, mas deixo que o celular
escape dos meus dedos e caia sobre os lençóis. Cubro os olhos com as
mãos, mas é impossível conter a dor que escorre pelo meu rosto. Céus,
como estou cansado. Desde o acidente só me senti bem ao lado de Milena.
Todos os dias anteriores foram de dor e exaustão. Eu preciso tê-la de volta,
caso contrário não preciso mais ficar aqui.
Ouço o meu nome sendo chamado. Penso em ignorar, mas tateio em
busca do celular. A respiração aliviada de Ágata ultrapassa quilômetros de
distância e chega aos meus ouvidos, mas a sua voz está carregada de tensão.
— Eu preciso contar uma coisa.
— O que? — pergunto. Algo em seu tom me põe em alerta. Empertigo-
me sobre a cama. — O que aconteceu, Ágata?
— A Milena sofreu um acidente.
O meu coração falha uma batida.
— O que? — berro, sem entender por completo.
— Calma...
— Calma? Como você espera que eu mantenha a calma? — pergunto,
desesperado. Passo a mão livre pelos cabelos embaraçados. — O
helicóptero caiu? Vamos, me diga!
— Não caiu, não! — tenta me tranquilizar. — Ela está internada no
Hospital Central da VitalCare, mas...
O meu cérebro nubla. Entra em um turbilhão descontrolado.
Lembro-me de acordar confuso e sozinho dentro de um quarto. De
querer ouvir uma palavra gentil, mas ser bombardeado por mentiras. Traiu
ou não traiu?, os tabloides questionavam. Do quanto isso me fez mal. Faz,
até hoje. A mera ideia de ser visto em público me causa profunda agonia.
Por conta da minha condição. Por conta de uma mentira.
Dói, mas o que é uma dor em meio a tantas outras?
Pela primeira vez nada disso importa. Não quero que Milena acorde
sozinha em um quarto de hospital.
— Peça para o Salomão vir me buscar — interrompo a explicação que
não ouvi. — Eu preciso ir a São Paulo.
Capítulo 30 – Milena
O que aconteceu?
Tento abrir os olhos, mas a claridade é tamanha que me obrigo a fechá-
los. Não escuto nada além do suave som da minha própria respiração
misturada a bips e zunidos distantes. Os pensamentos confusos se tornam
mais confusos ainda.
Eu estou em um... hospital?
Tento me mexer e o colchão macio suspira debaixo do meu corpo
envolvo em um lençol. Uma pontada de dor sobe pelo meu braço direito.
De repente ele parece pesar uma tonelada. O que aconteceu?, repito para
mim mesma. Forço o cérebro, tentando me lembrar.
Salomão levou pouco mais de uma hora para chegar na Ilha das Rosas.
Os meus olhos se encheram de lágrimas quando vi o helicóptero se
aproximando, mas me mantive firme. Agradeci a gentileza em me buscar
com tamanha urgência e entrei na aeronave. Já havia me despedido de
Jacira na porta da mansão, quando ela me abraçou e me lançou um
profundo olhar de pena.
Ágata não estava presente na sede da VitalCare. Lembro de olhar em
volta, sem saber o que fazer, quando o seu motorista apareceu e se ofereceu
para me levar em casa. Aproveitei o trajeto de carro para responder a
mensagem da nossa patroa. Agradeci a oportunidade, mas disse que não
queria renovar o contrato. Depois disso desliguei o celular. Não queria ser
obrigada a dizer o motivo. Ela que perguntasse ao irmão.
Cheguei em casa em meio a uma névoa de melancolia. Toquei a
campainha, vendo Ernesto e Bernadete abrindo a porta com olhos
arregalados. Esforcei-me para botar um sorriso no rosto e anunciei que
estava de volta. Papai caminhou apressado, me puxando para um abraço.
A única felicidade genuína foi vê-lo bem. Aqueles três meses o mudaram
para melhor. Parecia fortalecido. Mais vivo. Ele e a vizinha não disseram
nada, mas qualquer pessoa é capaz de ver que estão apaixonados. Não
toquei no assunto. Deixei que papai contasse a novidade quando fosse
conveniente. Talvez a minha alegria em vê-los juntos fosse maior se eu não
me sentisse tão vazia.
Eles logo notaram algo errado. Perguntaram se estava tudo bem, menti
dizendo que sim. Falei pouco. Comi pouco. Logo pedi licença para ir
dormir. Apenas ao deitar na cama permiti que as lágrimas viessem.
Silenciosas de início, até se tornarem um choro contido. Em meio a elas,
liguei o velho notebook e paguei boleto a boleto, até quitar todas as dívidas
hospitalares de papai.
Pronto. Eu estava livre, ainda que o meu coração continuasse preso a um
homem em uma ilha.
Em algum momento dormi. Lembro de acordar com o computador sobre
a barriga e pensar: a partir de hoje não precisarei cuidar de Artur. E
imaginar que, há vinte e quatro horas, eu acordava com sua mão possessiva
me puxando contra o seu corpo quente e forte. As lágrimas ameaçaram
retornar, mas não lhes dei vazão. Ergui-me da cama e decidi fazer uma
caminhada.
Ainda era cedo. Cedo a ponto dos pássaros não terem saído dos seus
ninhos para cantar. A luz difusa do amanhecer começava a tomar as ruas do
meu bairro quando coloquei o pé para fora. Asfalto, no lugar de areia.
Buzinas, no lugar do barulho do mar. Uma brisa cinzenta percorreu o meu
corpo quando comecei a andar. Distraída, percorrendo as ruas sem rumo,
atravessando avenidas sem saber onde as pernas seriam capazes de me
levar.
E só. Não me lembro de mais nada.
Tento abrir os olhos de novo. Mantenho as pálpebras erguidas em uma
diminuta fresta até me acostumar com a claridade. Sim, estou em um quarto
de hospital. Parece a suíte master de um hotel cinco estrelas, mas com
certeza é o quarto de um hospital. Só assim para explicar o monitor
multiparâmetro de sinais vitais e o soro conectado a um dos braços. Franzo
o cenho, ainda sem entender por que o outro está tão pesado, quando escuto
gritos do lado de fora.
— Eu preciso vê-la! — Uma grave voz masculina brada.
— E eu já falei e repito: o senhor só irá fazer isso depois que ela acordar!
— Alguém retruca no mesmo tom.
— Mas ela não pode ficar sozinha!
— Pode e vai ficar! Não vou permitir que um grosseirão chegue perto da
nossa paciente sem autorização!
— Do que me chamou?
— Isso mesmo que o senhor ouviu!
— Sua enfermeira insolente! Eu sou o dono desse hospital!
— Aham! E eu sou a primeira-dama dos Estados Unidos da América!
Uma sequência de palavrões se sobrepõe às vozes, até que a porta se
abre com um estrondo e Artur Milano irrompe para dentro do quarto. Seus
olhos cintilam ao me ver, mas é por pouco tempo. Logo um par de mãos
fortes segura as manoplas da cadeira de rodas e o puxa com brusquidão para
trás. Seu rosto é tomado pela mais pura indignação.
— Você não tem o direito de fazer isso! — diz, tentando agarrar as rodas
com as mãos. Ele está a meio caminho de sair do quarto quando consegue
se firmar no lugar. A enfermeira bufa de raiva.
— E você não tem o direito de ficar aqui! — rebate, tentando puxá-lo
para fora sem sucesso. — Eu vou chamar o segurança!
— Deixa ele ficar — peço, bem baixinho. A expressão enfezada da
enfermeira muda no mesmo instante. Larga a cadeira de rodas e caminha a
passos largos em minha direção.
— Ah, meu bem. Como está se sentindo? — pergunta, cheia de carinho.
Nem parece a mesma pessoa que estava discutindo há poucos minutos.
— Confusa — resumo. Ela assente, solidária. Confere o soro e o
monitor, parecendo contente com o que vê.
— Em breve um médico virá conversar com você — olha de soslaio para
Artur. — Tem certeza de que ele pode ficar?
— Tenho. Obrigada.
— Não tem de quê. Qualquer coisa é só chamar apertando aqui —
explica, indicando um botão vermelho ao lado da cama.
Murmuro um agradecimento e ela se afasta, bufando como uma gata
irritada ao passar ao lado do magnata. Ele pouco se importa. Impulsiona a
cadeira de rodas até parar ao meu lado. A cama está elevada, mas Artur
ainda consegue me observar.
— Ah, Milena — diz, pesaroso. Estende a mão, mas hesita, sem saber se
possui autorização para me tocar. Meneio a cabeça de leve, permitindo que
os seus dedos venham até mim. O toque é delicado, mas faz com que toda a
minha cabeça doa. Solto um pequeno gemido e os seus olhos se enchem de
água. — Não era para isso ter acontecido. Eu sinto tanto, mas tanto!
— O que... aconteceu? — hesito em perguntar.
— Você foi atropelada ao atravessar uma avenida dois ou três
quilômetros longe da sua casa — conta, acariciando os meus cabelos. — O
motorista estava dentro do limite de velocidade e tentou frear, mas mesmo
assim acabou te acertando. — Ele desce os olhos pelo meu corpo, como se
não soubesse como continuar. — Você caiu no chão e bateu a cabeça.
Também trincou um dos ossos do braço, não lembro qual, mas o médico
achou melhor engessar. Os paramédicos viram que a sua última conversa
havia sido com o contato Ágata Milano – VitalCare e ligaram para ela. Ela
pediu que te trouxessem para cá imediatamente.
— Oh — digo, enfim olhando para baixo. Isso explica por que o braço
está tão pesado. Aos poucos entendo por que não ligaram para o meu pai.
Por motivos de segurança o seu contato está marcado apenas como Ernesto
Alves, não como Papai. — Vocês avisaram o meu pai?
Ele morde os lábios antes de falar.
— Eu e Ágata ficamos com medo de deixá-lo preocupado, então
achamos que seria melhor contar pessoalmente... — engole em seco. —
Liguei e avisei que, em breve, a levaria para casa. Mas não contei o que
aconteceu.
Fecho os olhos e solto um longo suspiro. Pobre papai. Deve estar
morrendo de preocupação da mesma forma. Preciso encontrar o meu celular
e avisar que estou bem.
— Pelo menos não foi nada grave — torno a abri-los, encarando Artur
por completo. Ele me encara de volta e, pela primeira vez desde que o
conheci, parece carregar todo o peso da sua idade. O rosto abatido e cheio
de olheiras denuncia que teve uma noite terrível. Franzo o cenho,
lembrando da nossa discussão. — O que você está fazendo aqui?
— Eu vim cuidar de você — declara. Respira fundo, como se precisasse
sugar todo o ar para conseguir falar. — Quando a Ágata ligou e falou sobre
o acidente, por um instante pensei...
Sua voz congela. Leva tempo até que consiga respirar fundo e continuar.
— Eu pensei que tinha te perdido — murmura, tão baixo que quase não
consigo escutar. — Que nunca mais teria a chance de dizer o quanto te amo.
Pisco, sem saber se entendi direito.
— Você...
— Eu te amo, minha bela Milena — corta, desesperado. Os dedos leves
se afastam dos meus cabelos, tomando a minha mão. Ele a aperta com
força. — E olha só o que eu fiz? — afasta-se, correndo os olhos por todo o
meu corpo.
— Não é culpa sua — digo, tentando me sentar. — Eu sabia das suas
inseguranças, mas fiquei tão empolgada com o seu progresso que não me
dei conta de que, talvez, você não estivesse pronto para sair da mansão.
Pensei que ficaria animado, então contei como se fosse uma grande
surpresa. Deveria ter contato com mais calma.
— Não! Não vou admitir que você diga isso! — declara, convicto. — Eu
que, mais uma vez, falhei em controlar a porra dos meus nervos. Por mais
que eu estivesse com medo, jamais deveria ter explodido daquela maneira.
Deveria ter respirado fundo e pensado de forma sensata. O problema é
que... — engole em seco antes de continuar. Seu tom de voz se torna
trêmulo. — Naquele momento, só pensei que você não iria voltar. Que eu
tornaria a ser um homem amargurado, sozinho em uma mansão gigantesca.
Detesto aquela versão de mim — cospe, desgostoso. — A do Artur irascível
que só queria acabar com tudo. Foi você quem pegou os estilhaços
espalhados pelo meu peito e juntou caquinho por caquinho, até que o meu
coração estivesse pronto para bater de novo. E ele bateu. Por você. Sempre
por você. Saber, mesmo irracionalmente, que eu poderia perder a mulher
que resgatou o melhor de mim, me deixou em pânico. Não suporto viver um
segundo longe de você. Eu te amo tanto, mas tanto! Mas olha só — indica o
meu corpo com o queixo. — Você jamais estaria aqui se eu não tivesse
rompido a minha promessa!
— Não, não estaria...
— Então! Eu fui um...
— E você não estaria aqui comigo.
Artur arregala os olhos, enfim compreendendo a enormidade do que fez
ao sair da mansão. Seus ombros se encolhem. De repente ele parece muito,
mas muito cansado.
— Desculpe — murmura de cabeça baixa. — Por favor, me desculpe.
Fui um tolo egoísta. Não queria ter dito aquele monte de merda.
Seus ombros voltam a tremer em um choro compulsivo. Olho para os
lados, em busca do controle da cama. Enfim consigo abaixá-la até uma
altura confortável para alcançar um homem sentado em uma cadeira de
rodas, mas o magnata é mais rápido. Abraça-me pela cintura com tamanha
força que por um instante fico sem ar.
Minha mágoa se esvai. Sei que, talvez, devesse dar um gelo em Artur.
Fazê-lo se arrastar. Implorar pelo meu retorno aos berros. Mas eu não sou
assim. Não quero que Artur se arraste, quero que ele caminhe. Por mais que
suas palavras tenham me ferido, o conheço bem o suficiente para saber que
foram ditas no calor do momento por um homem desesperado. Abraço-o de
volta.
— Está tudo bem — ergo a mão até conseguir afagar os seus cabelos. —
Eu te desculpo. E também te amo.
Ele levanta o rosto.
— Depois de tudo o que fiz... você ainda me ama?
Assinto.
— Sim — digo com simplicidade. — Posso acreditar em contos de
fadas, mas sei que eles não existem. A vida real é assim, com os seus altos e
baixos. E está tudo bem.
Sua força retorna ao me encarar.
— Juro para você, por tudo o que é mais sagrado, que não vou falhar de
novo. Posso estar longe de ser um príncipe encantado, mas você é a minha
princesa, Milena. Vou tratá-la como tal.
Sorrio, deslizando os dedos pelos seus cabelos.
— Então trate — brinco, puxando os fios de leve. — Não vou te dar uma
terceira chance.
— Garanto que ela não será necessária — acaricia a minha mão, fazendo
com que uma corrente elétrica percorra todo o braço engessado. Solta um
profundo suspiro de alívio. — Obrigado.
— De nada — digo.
Desço um pouco o corpo. Ele se estica, tentando alcançar a minha boca.
Nossa posição é péssima, eu sobre uma cama de hospital, ele sentado ao
lado em uma cadeira de rodas, mas estamos próximos o suficiente para que
possamos roçar os lábios um contra o outro. O beijo é cheio de carinho,
fazendo com que eu me recorde de todos os que trocamos desde a dança à
beira-mar.
Um objeto cai no chão com um pequeno baque. Olhamos em direção ao
som. É uma caixinha de veludo azul escuro.
— Ah, deve ter escapado do bolso de trás da calça. — Artur comenta, o
rosto tomado por um tom escuro de vermelho. Franzo o cenho. Apesar das
inseguranças vindas por conta do acidente, o magnata não é homem de
corar. Lembro do objeto em seus dedos no momento da discussão e a minha
curiosidade aflora.
— O que é isso? — pergunto. Artur inspira fundo e abre a caixinha.
Levo as duas mãos à boca, fazendo com que um bip soe alto pelo quarto.
Preciso conter um grito. — Uau! Você iria me pedir em casamento?
Artur arregala os olhos.
— Você aceitaria se casar comigo? — pergunta em tom de dúvida.
Deixo as mãos caírem no colo. Ai meu Deus, só falta ter interpretado
tudo errado.
— Sim — digo com cautela. — Eu aceitaria, se você pedisse.
Seus bonitos olhos castanhos se fixam nos meus, os pontinhos dourados
cintilando como estrelas. Há apenas a mais pura surpresa neles. Abro a
boca, pronta para perguntar o que ele iria fazer com o anel, quando um
sorriso do tamanho do mundo toma os seus lábios. Abaixa as vistas para o
conteúdo da caixinha. O ouro branco e a pedra azul turquesa faíscam em
toda a sua elegância.
— Comprei com essa intenção, mas pensei que, depois de tudo isso,
você não quisesse mais — passa a mão pelos cabelos, deixando-os ainda
mais bagunçados. O sorriso se alarga e sua voz se torna forte e poderosa. —
Milena Alves de Villeneuve, você aceita se casar comigo?
— Sim! — grito, puxando-o para um novo abraço desajeitado. Artur ri
alto e me abraça de volta. Beija todo o meu rosto, fazendo com que eu
gargalhe alto. — Quem diria!
— O que?
— Que eu seria pedida em casamento em um quarto de hospital —
estendo a mão. Artur segura a palma com reverência, deslizando o anel até
a base do dedo. Beija a pedra preciosa antes de olhar para mim.
— Depois comemoraremos em um lugar mais apropriado — pisca,
fazendo com que o meu rosto todo se aqueça. — Mas, antes, eu tenho um
segundo pedido a fazer.
— Qual?
— Sou egoísta em querer você só para mim, mas não quero que viva em
minha função — declara com gravidade. — Continue estudando. Faça uma
pós. Se especialize. Terei o maior prazer em pagar por tudo o que quiser,
mas se for do seu desejo, trabalhe. Continue levando os seus cuidados a
quem precisa.
— Pode deixar — levo a mão até o seu rosto. Ele fecha os olhos quando
acaricio a barba que cobre o maxilar. — Obrigada.
— Pelo que?
— Por me amar?
— Ah, Milena. — Ele volta a me abraçar, com bastante força dessa vez.
— Sou eu quem agradeço.
Capítulo 31 – Artur
Após uma agitada noite mal dormida, estou cochilando nos braços de
Milena quando o médico entra no quarto acompanhado da enfermeira
ranzinza. Ela me encara em tom de ameaça, descendo pelo meu rosto até
alcançar nossas mãos entrelaçadas. Arregala os olhos para o anel, mas sua
boca aberta em um imenso O não diz nada. O médico se concentra em
avaliar a minha noiva. A palavra dança no meu cérebro, clamando para ser
dita.
— Noiva — sussurro, gostando de como soa na língua.
Ela sorri de leve, voltando a se concentrar no médico. Responde às
perguntas com convicção, reclama de dor de cabeça, mas aparentemente
não há com o que se preocupar. Os exames estão normais. O braço irá se
recuperar. Pede apenas para que fiquemos atentos, passa uma lista de
recomendações e nos deixa a sós.
Milena já pode ir para casa.
A enfermeira fica mais um pouco. Com cuidado, retira o acesso na veia
da colega de profissão e confere se ela está mesmo bem. Faz menção de ir
embora, mas volta no último instante.
— Me disseram que você veio de helicóptero. É verdade?
— Sim — confirmo, grato pelo Salomão ter se lembrado do heliponto no
topo do principal pronto socorro da VitalCare.
— Então o que as outras enfermeiras estão dizendo é verdade. Você é
mesmo dono do hospital — pondera antes de estufar o peito. — Vai me
demitir? Se for, faça isso agora. Tenho uma pilha de contas para pagar e não
sou mulher de perder tempo.
Um sorriso sarcástico toma conta do meu rosto. Aquela ali teria me
domado a força se tivesse sido contratada pela Ágata.
— Acredite: os meus dias de demitir enfermeiras ficaram para trás.
— Ótimo. — Ela sorri de volta. — Espero que vocês sejam muito
felizes.
Sem dizer mais nada, dá as costas e nos deixa sozinhos. Milena espera a
porta se fechar para saltar da cama. Estendo os braços para ampará-la, mas
não é necessário. Ela parece bem, apesar do susto. Percorre o meu corpo de
cima a baixo.
— Cadê as suas próteses?
— Ah... — engulo em seco. — Os encaixes quebraram.
Seus olhos se estreitam.
— Como?
— Milena, acredite: fui sincero ao dizer que fiquei louco com a sua
partida — encolho os ombros. — Destruí o quarto inteiro. As próteses
estavam no meio do caminho e...
Ela balança a cabeça.
— Você as jogou contra a parede.
— Foi isso mesmo — abaixo a cabeça. Sua mão boa segura o meu
queixo e a leva para cima.
— Aposto que o Davi ficou furioso.
— Ficou.
— Aí Artur...
— Eu juro: isso não vai se repetir — começo a dizer, quase entrando em
pânico. Milena sorri cheia de carinho.
— Eu sei.
Céus, aquela mulher é boa demais para mim.
— Vamos embora? — pergunto. Ela assente e seguimos até a porta do
quarto.
Ninguém nos dá atenção, salvo um ou outro olhar curioso seguido de
cochichos quase inaudíveis. Aparentemente a notícia de que o dono do
hospital chegou de helicóptero se espalhou com a força de um fósforo aceso
jogado sobre um galão de gasolina.
O meu coração passa a bater mais forte, mas agora pelos motivos
errados. Milena parece pressentir a minha insegurança. Sua mão boa aperta
o meu ombro com força. Fecho os olhos, lembrando da quantidade de
paparazzis me aguardando do lado de fora da porta daquele mesmo
hospital. Os flashes. As perguntas gritadas. O pânico que tomou a minha
alma. Começo a suar frio, o corpo reagindo a desagradável experiência
passada como se ela estivesse acontecendo agora.
Abro os olhos e vejo uma profusão de fotógrafos e jornalistas se
aglomerando além do saguão. Os seguranças se esforçam, mas falham em
tentar tirá-los de lá. Paro onde estou. Milena para ao meu lado, parecendo
tão espantada quanto eu.
— Não é possível que alguém tenha vazado a informação — murmura.
— Pelo visto vazou — digo, tentando pensar em uma forma de contornar
a situação.
Há muito Salomão foi embora, mas poderia subir ao heliponto e pedir
que viesse nos buscar. O voo até a sede leva pouquíssimos minutos. Em
instantes nos veríamos longe daquele problema. Abro a boca, pronto para
fazer essa sugestão a Milena, quando um estalo soa no meu cérebro.
Sou o dono da VitalCare Medical Services, uma das mais avançadas e
bem-sucedidas empresas do setor médico do Brasil. Antes do acidente
comandava uma gigantesca rede de clínicas e hospitais com o que há de
mais avançado na medicina. Convivia com homens influentes e tomava
decisões capazes de impactar milhares de pessoas. Estou ao lado da mulher
mais incrível que tive a sorte de conhecer. A que desceu até o fundo do
poço, estendeu a mão e me trouxe de volta a luz. Ela me ama. Eu a amo.
Estou com medo do que?
— Vamos? — pergunta, estendendo a mão boa. Aprumo a postura sobre
a cadeira de rodas e envolvo os dedos nos seus.
— Vamos.
Seguimos um metro adiante, o suficiente para os fotógrafos notarem a
nossa presença. Apontam as suas câmeras. Preparam os seus flashes. E...
Voltam sua atenção para uma mulher. Os flashes cobrem o seu corpo,
mas ao contrário de mim, ela parece ansiar pela atenção. Um homem surge
e a abraça por trás em uma atitude protetora, mas visivelmente ensaiada
para sair bem na foto.
O queixo de Milena cai.
— Eu não acredito! — franzo o cenho, sem entender. Ela balança a
minha mão para cima e para baixo. — São eles! O casal da novela das
nove!
— Ah tá — deixo escapar, sem ter nada melhor para dizer. Não sei de
qual novela ela está falando, mas ainda assim olho o casal com atenção. São
lindos, como se tivessem sido fabricados um para o outro.
Pessoas comuns começam a se aglomerar no saguão, celulares em
punho, ansiosas para fazerem a sua própria cobertura. O casal não se
importa. Pousa para as fotos até que uma limusine irrompe do lado de fora.
Caminham até ela com sorrisos e tchauzinhos, fazendo com que a
aglomeração se dissolva em instantes. De um segundo para o outro é como
se nada tivesse acontecido.
Seguimos lado a lado, até chegarmos ao lado de fora. Alguns paparazzis
ainda estão por ali. Um deles termina de guardar a teleobjetiva na mochila.
Olha-me com atenção quando a coloca nas costas. Seu cenho se franze.
— Ei, eu sei quem você é — diz, estreitando os olhos. — É aquele ricaço
que sofreu um acidente de carro e perdeu as duas pernas!
Mais delicado, impossível. Decido não me ofender.
— Eu mesmo.
O rapaz acende um cigarro.
— Parece que se recuperou bem.
— Tudo graças a ela — aperto a mão de Milena. Ela troca o peso de um
pé pelo outro, acanhada. O fotógrafo vira o rosto para soltar uma baforada
de fumaça.
— Que bom. Melhoras aí para vocês.
Sem dizer mais nada, nos dá as costas e vai embora. Milena tenta conter
uma risada, mas ela escapa da mesma maneira.
— Parece que você virou notícia velha — deixa escapar.
Assinto em concordância. Agora, aliviado diante de tamanha negligência
jornalística, chega a ser ridículo pensar que me preocupei tanto com isso.
O sedã de luxo do motorista de Ágata entra no hospital.
— Vamos para a sua casa? — pergunto.
— Vamos.