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1ª Edição

2023

Copyright © 2023 Sara Ester

Revisão: Sara Ester

Diagramação Digital: Paula Domingues

Capa: Designer Tenorio

Ilustração: Hiago Berry

Esta é uma obra ficcional.

Qualquer semelhança entre nomes, locais ou fatos da vida real


é mera coincidência.

Todos os direitos são reservados. Nenhuma parte deste livro


pode ser utilizada ou reproduzida em quaisquer meios existentes
sem a autorização por escrito da autora.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei nº


9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Quais consequências uma única escolha pode ter na sua vida?

Miguel Pérez não estava acostumado a perder o controle, ao

contrário, sempre foi o homem que acalmou as situações. Sendo o braço

direito do líder do maior cartel do México, ele sabia que qualquer decisão

impensada poderia arruinar os negócios.

A dificuldade surgiu quando, durante uma missão, ele se infiltrou na

casa do inimigo. O plano era bem simples: descobrir os pontos negativos

e positivos, logo depois, ir embora.

O problema foi que ele se apaixonou pela irmã do seu desafeto.

Apesar do seu esforço, não conseguiu ignorar a beleza da garota doce e

meiga, cujo único desejo era ter liberdade.


Micaela Salvatierra, mesmo com toda a violência ao seu redor,

parecia inocente, sempre sonhando com o príncipe que a libertaria das

paredes que a sufocavam. E foi quando seus olhos se fixaram no homem

de olhar penetrante e hipnótico, que finalmente percebeu que sua

realidade mudaria.

Ele a queria.

Miguel sabia que estava se metendo em confusão quando decidiu

que a garota seria dele.

Nada e ninguém o impediriam de mantê-la a salvo em seus braços

e... na sua cama.


O protagonista Miguel nasceu no livro: ANJO ENCONTRADO — livro 6 da série, máfia

Fratelli. Ele também é mencionado no livro: CAÇADOR. (Ambos os disponíveis na Amazon, caso

queiram conferir).

Apesar disso, EL PROTETOR será um livro único.

ATENÇÃO! O livro contém gatilhos como: violência física gráfica, abuso sexual, abuso

físico, abuso emocional, hospitalização, ansiedade, assédio moral, brutalidade, sequestro e

violência psicológica
A construção desse casal aconteceu de um jeito delicado, e

agradeço a ajuda que tive — de pessoas especiais — para conseguir

trabalhar nele com carinho e o cuidado que mereciam. O amor de Miguel

e Micaela me trouxe acalento; os dois me mostraram que é possível

amar e lutar pela pessoa amada, apesar dos empecilhos do caminho.

Enfim, espero que os dois toquem os corações de vocês, como

tocaram o meu.
“Dedico este livro para você, que se apaixona por personagens

masculinos que são ogros por fora, mas cadelinhas por dentro. Esses

são os que nos fazem fechar as perninhas...”


SINOPSE

AVISO

NOTA DA AUTORA

DEDICATÓRIA

SUMÁRIO

PRÓLOGO

CAPÍTULO 1

CAPÍTULO 2

CAPÍTULO 3

CAPÍTULO 4

CAPÍTULO 5

CAPÍTULO 6

CAPÍTULO 7

CAPÍTULO 8

CAPÍTULO 9

CAPÍTULO 10

CAPÍTULO 11

CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13

CAPÍTULO 14

CAPÍTULO 15

CAPÍTULO 16

CAPÍTULO 17

CAPÍTULO 18

CAPÍTULO 19

CAPÍTULO 20

CAPÍTULO 21

CAPÍTULO 22

CAPÍTULO 23

CAPÍTULO 24

CAPÍTULO 25

CAPÍTULO 26

CAPÍTULO 27

CAPÍTULO 28

CAPÍTULO 29

CAPÍTULO 30

CAPÍTULO 31

CAPÍTULO 32

CAPÍTULO 33

EPÍLOGO

BÔNUS

SANTINO E MELANIE

OBRAS RELACIONADAS

SIGAM A AUTORA
Peguei uma dose da garrafa de tequila da adega do escritório e me

servi. Ainda processava as últimas palavras do Angel, meu chefe e

cunhado.

Angel Herrera era o líder do maior cartel do México, herdado de

seu falecido pai, que acabou falecendo devido a traidores de merda.

Naquela ocasião, eu ainda não pertencia à organização, mas, pelo que

ouvi, Rosa, irmã de Angel, foi raptada. Na sede de encontrá-la, o pai dele

foi atraído para uma armadilha, onde sofreu um assassinato brutal.

Depois, Angel teve que assumir a liderança e, desde então, tem feito o

possível para manter o cartel funcionando.


Jamais pensei em trabalhar para o cartel, muito menos me tornar

um assassino. Tendo uma origem humilde, a tendência natural seria eu

me tornar um empregado comum. O maior problema foi quando meu pai

ficou doente e não tivemos condições de lhe dar um tratamento

adequado e merecido. Além disso, Lis, minha única irmã, tinha o sonho

de cursar a faculdade de medicina. Que merda de irmão eu seria se não

resolvesse isso? Precisava resolver esse problema. E foi o que fiz... ao

menos tentei. Em um ato de coragem — ou estupidez —, decidi roubar o

carro de alguém. Infelizmente esse alguém foi Angel Herrera.

Naquele dia, ele não me matou, mas me deu uma nova

oportunidade e uma proposta. Ele me queria como seu segurança

pessoal e, em contrapartida, ficaria responsável pela minha família.

A partir daquele dia, nosso relacionamento foi se tornando cada vez

mais íntimo... se intensificando quando o imbecil se casou com minha

irmã.

Embora eu me sentisse magoado por isso, sabia que Angel a

amava a ponto de dar a própria vida pela dela.


— Você está muito quieto — ouvi sua voz. Angel ficou ao meu lado,

me encarando com a mandíbula tencionada. — Não gosto disso. — Deu

um suspiro audível.

— Estou ponderando sua oferta — falei, antes de dar um grande

gole na bebida.

Há alguns meses, outro cartel começou a nos causar problemas;

era menor — se comparado ao nosso —, mas não menos perigoso e

forte. Em nossas apurações, descobrimos que vieram do outro lado do

México com a pretensão de invadir nosso espaço territorial.

Juárez Salvatierra, chapo deles, não parecia ter muito senso de

honra e respeito, porque atacava outros territórios além do "nosso". O

estúpido queria expandir sua organização tomando o que não era dele,

criando mais inimizades ao longo do caminho.

Angel teve a ideia de infiltrar alguém na casa do infeliz para obter

informações e assim acabar com o problema. Mas para isso, ele

precisaria de alguém de confiança, um rosto que Juárez ainda não

conhecia.
Foi quando recebi seu pedido... fui escolhido para a missão.

As únicas ocasiões em que Angel e Juárez se viram em reuniões

de líderes, eu não estava lá. Então, a oportunidade seria perfeita.

— Considerando que eu aceite me infiltrar na casa do idiota —

comecei a dizer, antes de me servir com mais da bebida. — Como

pretende realizar essa façanha? — perguntei, curioso.

— Descobri que ele matou o último vigia da irmã. Uma garota de

dezoito anos, que todos conhecem, mas ninguém nunca a viu fora

daqueles portões. — respondeu, tomando tequila também.

— Por quê? Como ninguém nunca viu?

— Ele mantém a irmã presa. Há quem ouse dizer que Juárez a

mantém escondida assim porque está apaixonado pela garota — disse,

me olhando com o maxilar contraído.

— Isso é sórdido. Para não dizer nojento — respondi, enojado.


— Vai entender o que se passa na mente doentia daquele imbecil

— rosnou, sacudindo a cabeça em pura indignação. — Por isso preciso

de você lá dentro — insistiu. — Quero que você colete todas as

informações que possam nos ser úteis. E, no momento certo,

eliminaremos todos.

— E a garota?

— O que tem ela? — Frisou o semblante sem compreender minha

pergunta.

— O que vai fazer com ela depois? — Gesticulei com impaciência.

— Deixá-la livre — declarou como se fosse óbvio. — Com o irmão

dela, isso não é uma opção.

Apenas balancei a cabeça, concordando com o que ele dizia.


Dias depois

Perdi as contas de quantas vezes, nos últimos minutos, o desejo de

matar aquele miserável me mandou meter uma bala na cabeça dele. Eu

poderia eliminar seus seguranças ao nosso redor com facilidade, em

seguida, torturar o infeliz do Juárez do jeito que eu gostava, sem

pressa... talvez cortar a cabeça dele e pendurá-la no alto da lareira a

nossa frente, para fazer par com o outro bicho, que estava pendurado ali

também. Será que Angel ficaria irritado se eu mudasse de planos?

Droga!

Apertei e relaxei os punhos algumas vezes como um método de me

conter e não fazer besteira.

— Por que acha que é capaz de cuidar da segurança da minha

irmã? — Juárez questionou ao acender um charuto, enquanto estava

sentado na poltrona do escritório da mansão onde se escondia. Em

instantes, a fumaça espessa e com mau odor disseminou-se pelo

ambiente.
Além de ser totalmente revistado, tive que usar uma venda para

subir em um avião de pequeno porte, tipo um monomotor, para chegar

até ali. Não gostei, mas precisava entrar na mansão do infeliz, então fui

guiado no escuro.

Ainda me espantava com a façanha de Angel, que havia

conseguido me incluir na lista dos candidatos ao Juárez para ocupar a

vaga.

Me segurei ao máximo para não agir de acordo com meus

pensamentos sombrios naquele momento. Não poderia arruinar tudo

agora que estávamos tão próximos de destruir o otário que se achou

esperto o bastante para roubar nossos negócios.

Pigarreei para manter a voz firme:

— Não pensei que fosse somente para cuidar da sua irmã, afinal,

fui contratado para multitarefas — respondi, fingindo indiferença. — Se

for para protegê-la, posso lhe assegurar que cumprirei a tarefa com

excelência.
Vi que, com o meu desinteresse pela garota, ele ficou mais atento e

disposto a me contratar.

Eu era bom em análise comportamental; um amigo que trabalhou

no FBI um bom tempo nesse setor me ensinou muitas coisas. Tendo em

vista que já estava ciente da obsessão do Juárez pela irmã, a melhor

jogada seria fingir indiferença se eu fosse o responsável pelo cuidado da

garota ou se seria designado para qualquer outra função.

— O último que tocou nela, eu o mandei para o inferno — sibilou

frio. — Fique atento às regras que se aplicam a todos aqui — disse,

apontando o dedo indicador — Ninguém, sob hipótese alguma, pode

falar com minha irmã sem necessidade, e, sobretudo, ninguém pode

tocar nela. Só o fato de a tocar no ombro terá sua mão decepada. Fui

claro? — indagou, ameaçadoramente.

— Perfeitamente — respondi, sério. Mas, por dentro, ardia em

desejos de castrar aquele miserável.

Ainda não conhecia a garota, mas acreditava que, se matasse

aquele sujeito, ela seria infinitamente mais feliz.


— Siga-me — disse, erguendo-se da poltrona e indo para fora do

escritório.

Não tive outra opção senão segui-lo.

A residência era gigantesca e, ao andar pelos corredores, comecei

a analisar cada particularidade, cada saída que poderia ser usada caso

precisasse fugir. Juárez tinha um bom número de capangas, vários deles

em cada cômodo que atravessávamos.

Quando ele parou em frente a uma porta, que era vigiada por dois

seguranças, os homens se afastaram com a chegada do chefe e ele a

abriu. Reparei que o quarto estava todo montado com tons claros e com

móveis de madeira. Fiquei parado ali, fingindo que não me importava

com nada.

— Micaela, minha querida... — ouvi-o dizer para a garota, que

estava deitada na cama e lendo um livro, embora eu não pudesse ver

seu rosto — gostaria de lhe apresentar seu novo segurança.


Com as mãos nas costas, permaneci na entrada, concentrado na

pequena figura que se agitou com as palavras do irmão. Quando ela

afastou o livro do rosto, pude, enfim, admirar sua beleza. Por um

instante, pensei que fosse desmaiar. Foi como se tivesse sido atingido.

— Ainda não me explicou o que ocorreu com o anterior — reclamou

ela, abandonando a cama. Os olhos, por instinto, procuraram pelos

meus. Vi o seu rosto corar mesmo à distância.

Era tão inocente que corava as bochechas. Puta que pariu!

Apesar de todas essas estranhas reações, permaneci impassível.

— Não quero que se incomode com assuntos de trabalho, querida

— disse o imbecil do Juárez, beijando a cabeça dela. Em seguida, fez

um gesto para que eu entrasse no quarto da garota.

O perfume dela, impregnado no ambiente feminino, penetrou nas

minhas narinas. Me lembrava rosas.

Meus olhos se depararam com os da garota de cabelos claros e

olhos castanhos, quase acobreados. Havia uma aura de inocência que a


cercava. Isso explicaria o crescente e intenso desejo de proteção que

passei a sentir enquanto a olhava.

Era como se eu a marcasse como minha ao fitá-la.

— Também vai me impedir de conversar com ele? — ela

perguntou, sem tirar os olhos de mim, numa mistura de expectativa e

curiosidade.

Juárez riu, voltando a beijar seus cabelos. Me contive para não

contorcer os lábios como sinal de escárnio diante da necessidade

constante que o maldito tinha de tocar na irmã o tempo todo.

— Vai me punir por querer mantê-la segura? — rebateu, com uma

risadinha.

Escroto do caralho!

Micaela resmungou, claramente incomodada com essa

superproteção.
Fiquei calado, com as mãos nas costas, mas sem conseguir tirar os

olhos da garota perfeita.

De repente, seus lábios rosados se abriram num sorriso sutil.

Contudo, isso foi o bastante para que meu coração começasse a bater

mais rápido.

Naquele instante, percebi... que não sairia daquele lugar sem

roubar Micaela Salvatierra para mim.

Ela era minha.

Não deixaria o que era meu para trás.


Meses depois

— Você está preparada? — perguntei, ao mesmo tempo, em que

ela me fitava com aqueles intensos olhos castanhos que me deixavam

completamente sem ação. Os lábios rosados, em formato de coração, se

abriram quando pareceu buscar ar para seus pulmões. O delicado

narizinho franziu ligeiramente, como se estivesse processando minha

pergunta. Eu sabia que ela estava apreensiva, com medo diante da

enorme mudança que faria.

Micaela se tornou meu principal objetivo de vida nos últimos meses,

desde que me infiltrei na mansão do seu irmão. O plano era bem


simples: descobrir as fraquezas e os pontos fortes da organização do

infeliz do Juárez e repassar essas informações para o Angel.

Só que eu não poderia completar a missão sem salvar aquela

garota inocente. No segundo em que a vi, soube que nunca a

abandonaria.

Quando ouviu minha pergunta, a garota tímida segurou uma bolsa

de tecido, toda enfeitada com miçangas, onde eu sabia que havia

algumas peças de roupa para podermos usar no nosso plano de fuga.

Micaela me encarou com um brilho nos olhos e balançou a cabeça,

afirmando que sim, estava pronta.

Angel ficou furioso quando lhe contei sobre o que pretendia fazer;

claro que não dei todos os detalhes, não podia envolvê-lo nessa história.

Mas eu não podia partir e, deixar Micaela ali, à mercê do acaso.

Morreria antes de abandoná-la.

Nas últimas semanas, apesar da obsessão doentia do Juárez pela

Micaela, consegui a confiança dele a ponto de deixá-lo relaxado com


minha aproximação à sua irmã. O otário acreditou no meu desinteresse

pela garota. Naturalmente, avancei de forma cautelosa, tomando sempre

o cuidado de não despertar suspeitas.

Ficava na mansão de segunda a sexta e podia sair aos fins de

semana; mas com o tempo isso se tornou um sofrimento, porque odiava

deixá-la sozinha com ele. Nunca vi nada de suspeito nas trocas de

diálogo entre os dois, contudo sabia que a maneira como ele tratava a

irmã não era considerada normal.

O sujeito praticamente a prendia numa redoma de vidro, impedindo

a garota de desfrutar das maravilhas do mundo. E ela tinha tantos

sonhos...

— Como sairemos daqui, afinal? — perguntou, quase em um

sussurro, naquela voz melodiosa que conseguia acalmar meus

pensamentos revoltos.

— Seu irmão acredita que você necessita de alguns exames

médicos, que não podem ser realizados aqui. Portanto, organizei um


comboio de carros e seguranças para levá-la à clínica — expliquei, com

cautela.

Embora ela se sentisse sufocada pelos cuidados extremos do

irmão e soubesse que a maneira como ele a tratava era inadequada, eu

sabia que Micaela estava com medo. Sempre foi cuidada pelo Juárez,

então, de uma forma estranha, ele era a única luz que ela tinha.

Todavia, eu estava disposto a mudar isso.

Me tornaria seu porto seguro dali por diante.

— Mas... — pigarreou — vou realmente para essa clínica?

Quase ri da expressão feia que ela fez, mas isso não a fez perder a

beleza. A perfeição de seus traços ainda me deixava sem ar sempre que

estávamos tão próximos como naquele momento. Andei devagar e fui

chegando mais perto até pegar suas mãos, frias e trêmulas.

— Não, pequeña, você vai morrer no caminho. — Ela me olhou

com olhos arregalados, assustada com minhas palavras. —

Arquitetaremos a sua morte — apressei-me a explicar, analisando sua


postura e suas reações. — Confia em mim? Essa é a única maneira para

você se tornar uma garota livre. Não foi isso o que você sempre disse

desejar? Se tornar livre?

Aqueles olhos bonitos piscaram para mim, fixando-se nas nossas

mãos entrelaçadas. Ficou em silêncio por alguns instantes, processando

e compreendendo o que eu disse.

— Você acha que Juárez vai acreditar? — perguntou, com a voz

falha. — A obsessão dele por mim, Miguel, não é nenhuma novidade. E

se... — inquietou-se, ansiosamente, retirando as mãos das minhas e

começando a andar pelo quarto — ele desconfiar que tudo não passou

de uma mentira e começar a nos perseguir? Tenho receio do que possa

acontecer a você caso ele nos encontre... — fixou os olhos em mim,

úmidos — eu morreria se algo lhe acontecesse por minha culpa. Nunca

me perdoaria, eu...

— Shh... — cheguei depressa até ela, puxando seu corpo trêmulo

para meus braços protetores. — Ficaremos bem, eu prometo — garanti,

acariciando suas costas enquanto seu rosto se escondia em meu peito.


Não era tão dissimulado a ponto de não notar a mudança de seus

sentimentos em relação a mim desde que entrei na sua vida, embora

fingisse ignorar isso. Embora todo o meu ser gritasse desesperadamente

por ela, pelo seu cheiro, pelos seus sorrisos, pelos seus toques, pela sua

voz... a minha intenção era apenas ajudá-la a se libertar.

Sem mim.

Micaela merecia alguém melhor.

— Você não pode prometer isso — balbuciou.

Virei a cabeça para tentar enxergar seu rosto, molhado pelas

lágrimas que não paravam.

— Sim, eu posso. — Enxuguei suas lágrimas e, em seguida, beijei

sua testa. — Sou o seu super-herói, esqueceu? — provoquei,

arrancando-lhe um sorriso espontâneo.

Desde que me tornei seu segurança e, simplesmente, ignorei as

regras de “não comunicação” com ela, Micaela começou a me chamar de

seu super-herói, já que passamos a criar vínculos enquanto eu contava


histórias da minha vida e lhe revelava quão incríveis seriam seus dias

longe daquela mansão se ela me permitisse mostrar.

Alimentei seus sonhos.

Suas esperanças em um futuro longe das amarras invisíveis do seu

irmão.

— Confia em mim — pedi. — Prometo que farei dar certo. Você não

vai se machucar. — Ela fez uma careta e, eu, rolei os olhos, ciente do

que se passava na sua cabecinha teimosa. — E nem eu — concluí. —

Nenhum de nós dois vai se machucar.

Seu sorriso se alargou, apesar do visível nervosismo. Ao longo dos

anos, o irmão foi destruindo seu psicológico, fazendo-a acreditar que o

mundo fora daquelas paredes era perigoso.

Ali, fiz uma promessa de que Juárez seria meu. Ninguém ansiava

matá-lo mais do que eu.

Sonhava com isso, dia e noite.


— Tudo bem! — Encheu os pulmões de ar. — Confio em você —

respondeu com fervor. — Eu confio em você, Miguel — repetiu,

encarando meus olhos.

Então, nós saímos.

— Micaela, o plano é este... — falei baixinho, enquanto

caminhávamos para um dos carros, prontos para partir. — Haverá

segurança em ambos os lados; dois carros na frente e dois atrás —

expliquei, temendo que ela não compreendesse todos os detalhes. —

Em certo ponto da viagem, os dois carros atrás vão explodir, desviando a

atenção dos seguranças da frente. Vou conduzir o carro em que

estaremos e, irei parar para que você possa saltar e...

— Saltar? — cortou-me, parecendo desesperada.


Tinha vontade de segurar suas mãos, mas, como estávamos em

local público, contive-me. Respirei fundo, buscando me acalmar.

— Será necessário — expliquei. — Confio na sua coragem,

pequeña. — Dei um sorriso encorajador para ela, que fez uma careta

fofa. — Aproveitando, vou precisar da sua corrente, para seu irmão

acreditar que você morreu.

Ela tremia descontroladamente, me provocando remorso por ser o

causador do seu medo.

— E-eu não posso ir sem você! — exclamou, apavorada, embora

tirando a corrente do pescoço e me entregando sutilmente.

— Pode, e vai! — decretei, sem deixar brechas para discussões. —

Tem gente minha te esperando na mata para levá-la a um lugar seguro.

Prometo encontrá-la depois.

— Promete? — pediu, deixando uma lágrima cair.

— Micaela, vou estar aqui para você até que esteja pronta para

andar por conta própria — prometi. — Agora, quando eu parar o carro,


você deve saltar e correr — avisei. — Não ouse olhar para trás.

Ela balançou a cabeça, concordando, mas me permitiu ver seu

tormento. Infelizmente, aquela era a única maneira.

Subimos no carro e, logo, deixamos a casa do Juárez com a

escolta.

Tudo estava seguindo o planejado, tínhamos escolta em ambos os

lados, como organizei; dois carros a frente e dois atrás. Esses tolos nem

mesmo podiam imaginar que, todos os cinco carros, iriam se transformar

em cacos. Se alguém fugisse, não perceberia que Micaela havia descido

deste carro.

Na hora certa, vimos a explosão dos carros que estavam atrás de

nós; aproveitei a oportunidade para atirar nas cabeças dos dois


seguranças que estavam no nosso veículo — no banco da frente —, e

assumi o controle do carro. Logo, parei para que Micaela pudesse pular.

— Miguel... — travou no banco. Seus olhos estavam arregalados.

Eu sabia que a morte daqueles dois homens na sua frente lhe causaria

alguns pesadelos.

— Querida, esse é o único jeito — falei, incomodado, porque não

tínhamos tempo para discutir nada naquele momento. — Sei que está

com medo, mas, por favor, confie em mim e siga o plano.

Então, com um último olhar, ela concordou e, enfim, desceu do

carro, adentrando na mata que nos cercava.

Acelerei o carro de novo, afastando-me do ponto da fuga dela. Mas,

não imaginava que dois seguranças de um dos carros da frente não

ligariam para a explosão e viriam na nossa direção.

Me obriguei a parar o carro e desci, sacando minha pistola e

atirando na cabeça dos filhos da puta.


Naquele exato momento, outro automóvel, vindo pela via, parou,

transportando o cadáver de uma mulher — que consegui, por meio dos

meus contatos —, passei a correntinha que Micaela sempre usava, nela.

— Não vai mesmo me contar o que pretende com isso? —

perguntou meu contato. Ele trabalhava na perícia criminal, o que dava

acesso aos cadáveres. Na realidade, não tinha a menor ideia de como

ele havia tirado aquele corpo sem despertar suspeitas.

— Paguei para não responder perguntas, López — resmunguei,

sentindo a adrenalina me sufocando. Só conseguia pensar na Micaela,

torcendo para que ela estivesse o mais longe possível daquele lugar.

Ouvi sua risada baixa, mas agradeci quando ele não insistiu.

Arrumei o corpo da garota morta no automóvel em que estávamos

antes. Dei dois tiros no corpo e um tiro no depósito de gasolina para

causar um incêndio.

Me afastei a tempo de ouvir a explosão.


Depois disso, saí em disparada na direção que minha protegida

foi... sabendo que, a partir daquele momento, seríamos ela e... eu.
Medo.

Dúvida.

Ansiedade.

Eu estava numa confusão de sentimentos, apesar de o medo

sobressair a todos eles, tendo em vista que aquela era a primeira vez —

em toda minha existência — que me rebelava contra meu irmão. Não é

que eu não apreciasse a vida que tinha ao lado de Juárez, pois ele

sempre me proporcionou tudo o que eu precisava. Todavia, ele nunca me

deu o que eu mais desejava... liberdade!

Nossos pais morreram em um acidente quando eu tinha seis anos.

Juárez tinha vinte e três. Então, ele se dedicou a cuidar de mim, me


ensinou tudo o que eu sabia, porém, sempre afirmando que o mundo lá

fora era perigoso demais e que as pessoas não eram confiáveis. Com

isso, não me deixava sair de casa nem para ir à escola. Era tudo naquela

casa.

Sufocada por aquelas paredes.

No fundo, o compreendia, pois não era tola a ponto de não

perceber o berço em que nascemos; nossa família era do cartel. Isso

significava perigo. Morte.

Sempre tive tutores que, apesar de me esforçar para conquistá-los,

nunca me deram mais atenção do que o necessário.

Céus! Eu ansiava ter amigos.

Desejava conhecer a vida.

Conhecer lugares que iam além do que minha imaginação me

permitia sonhar.
Sendo assim, quando conheci Miguel, o novo segurança que meu

irmão contratou, fiquei surpresa com seu sorriso fácil, palavras gentis e

preocupação com o modo como eu me sentia em relação a tudo.

Ninguém nunca se importou em saber se eu estava feliz ou se

estava bem. Eles não eram pagos para isso. A verdade é que a chegada

do Miguel abalou a bolha que Juárez me cercou, atraindo-me para ele

como uma mariposa pela luz.

Fiquei espantada por alguém ter coragem de desafiar meu irmão

dessa maneira, tendo em vista a fama que Juárez construiu durante seu

tempo no poder. Ninguém o enfrentava e sobrevivia para contar a

história. Apesar de o amar, esse era um dos seus lados que mais me

causava terror.

Todos os dias eu acordava, olhava pela janela e me perguntava o

que tinha além dos muros ou como seria minha vida se meus pais

estivessem vivos. Mesmo tendo tudo o que precisava, inclusive os

cuidados do meu irmão, eu ainda me sentia vazia. Isso podia explicar o


vínculo emocional que Miguel causou desde o começo, com sua entrada

na minha vida.

Seus sorrisos discretos.

Gentilezas.

Toques suaves.

Promessas de coisas que nunca almejei alcançar, porque minha

realidade não permitia.

Não era como se eu tivesse vida própria. A sensação que eu tinha

era de não ser dona de mim mesma.

Por isso, quando Miguel me sugeriu fugir e me tirar daquela casa,

eu concordei. Embora estivesse apavorada por dentro.

E se algo desse errado?

Se meu irmão descobrisse, poderia punir Miguel, ou pior... meu

estômago se revirava apenas com a possibilidade de Juárez fazer aquilo

que fazia de melhor quando se tratava de outras pessoas: machucar.


Mas, apesar de toda ansiedade que sentia em relação à loucura

que concordei em cometer junto a Miguel, ali estava eu... sem destino,

correndo pelo meio da mata fechada e seguindo uma pessoa totalmente

desconhecida que não tinha a menor ideia de para onde estava me

levando.

— Podemos descansar agora? — perguntei, entre uma respiração

e outra. Parei, curvada, apoiando-me nos joelhos, que ardiam, para

respirar.

— Falta pouco, senhorita. Logo chegaremos ao nosso destino —

disse ele, sem parar de caminhar com passos largos. Miguel me garantiu

que podia confiar no cara, mas eu nem sabia o nome dele.

Ia reclamar, pois minhas pernas doíam, mas me mantive em

silêncio ao ouvir os passos de alguém se aproximando por trás.

Apavorado, meu companheiro me puxou para trás de si, com uma arma

de fogo na mão e uma faca gigante, que usava para cortar o mato, na

outra.
— Sou eu, Pietro — soou uma voz que eu conhecia muito bem —

Miguel. — Logo apareceu em nosso campo de visão, com as mãos no

alto.

Abrir um sorriso tão grande que quase não coube no rosto e corri

em sua direção, sentindo meus olhos arderem de alívio. Era uma

emoção que eu nem sequer sabia nomear.

— Ah, que bom que você está bem! — exclamei ao parar em sua

frente, sem saber o que fazer. No fundo, ardia o desejo de me atirar nos

seus braços, mas, por alguma razão estranha, me senti envergonhada.

Como se soubesse o que eu estava sentindo, Miguel tomou a

iniciativa e me abraçou, apertando-me forte contra seu corpo gigante. Era

inevitável não reagir ao toque de sua pele e ao seu perfume. Tinha a

impressão de que meu lugar era ali, nos seus braços protetores,

aconchegada ao seu calor.

Sempre questionava Juárez quanto às regras absurdas que ele

criou para impedir que as pessoas se aproximassem de mim. A resposta


dele era sempre a mesma, dizendo que só estava cuidando do meu bem-

estar, que eu era sua prioridade, seu ponto fraco.

— Você está bem? Está machucada? — quis saber Miguel,

mapeando meu corpo em uma inspeção minuciosa.

— Estou bem — assegurei, ofegante —, só um tanto exausta, pois

nunca corri tanto na minha vida — brinquei com um meio sorriso,

desejando amenizar o caos de sentimentos que se passava em meu

interior.

— Pode deixar que seguimos daqui, Pietro — Miguel comentou

para seu amigo de confiança. — Entregue isso à Angel, por favor — lhe

entregou um envelope —, somente em mãos — deu ênfase.

Em seguida, se despediu do homem e me puxou para

continuarmos nossa caminhada mata adentro.


Após mais um longo período de caminhada, finalmente chegamos a

um campo aberto com um helicóptero nos aguardando.

Arregalei os olhos, num misto de espanto e expectativa.

— De onde surgiu isso? — Minha voz soou esganiçada, porque

aquilo parecia surreal.

— Também tenho meus meios, pequeña — respondeu apenas.

Não era ingênua, tinha consciência de que Miguel não poderia ser

apenas um mero segurança. Apenas o fato de ter coragem de desafiar

meu irmão já o fazia gigante.

— Para onde vamos, afinal? — indaguei, sem esconder o medo.

Apesar da coragem da fuga, no fundo, eu me sentia cheia de dúvidas.

— Para bem longe do Juárez — decretou ele, me estendendo a

mão para segui-lo.

Entendi que ele estava me dando a opção de aceitar ou não.


— Eu não... — comecei a falar, abraçando a mim mesma, como se

sentisse frio de repente.

— Micaela... — chamou, vindo até mim — ao lado do seu irmão era

uma prisão, você vivia reclusa, pequeña.

— Estou com medo — balbuciei, ainda indecisa sobre as

implicações de toda aquela loucura. — Você não sabe do que Juárez é

capaz. — Estremeci imperceptivelmente.

Vi Miguel suspirar fundo, parecendo buscar paciência. Era claro

que ele queria ir embora quanto antes, e eu estava atrasando isso. Mas

meus medos eram mais fortes que eu.

— Eu jamais colocaria você em perigo — argumentou, se

aproximando devagar, cauteloso.

Meu rosto se contorceu.

— Não estou com medo por mim, será que não entende? —

desabafei, quase com raiva. — Meu irmão pode matar você. — Voltei a

estremecer.
— Isso não vai acontecer — garantiu.

— Como pode ter tanta certeza? — Suspirei, sentindo o rotineiro

cansaço emocional me abater. — Você é um simples segurança.

Notei quando ele deu mais uns passos na minha direção,

ultrapassando meu espaço pessoal. O ar abandonou meus pulmões por

um instante devido ao impacto que sua presença causava.

Era dominante.

— Não sou um mero segurança — disse, fazendo-me lembrar o

que eu já suspeitava, me fitando com aqueles olhos escuros que

pareciam me ler como ninguém. Abri a boca para falar, mas hesitei.

Miguel pegou minhas mãos, trêmulas, nas suas. — Sei que está insegura

e com medo, mas prometeu que confiaria em mim. E eu preciso que faça

isso, Micaela. — Seu olhar me aprisionava com uma força invisível, era

impossível desviar meus olhos. — Nenhum perigo chegará até nós dois.

— A maneira sombria como proferiu as últimas palavras me deixou

apavorada, pois ficou claro que faria qualquer coisa para me manter a

salvo.
Enchi meus pulmões de ar, assentindo com a cabeça

freneticamente. Meu coração batia tão forte que, por um segundo, tive

medo de desmaiar.

— Ainda não me disse para onde iremos — falei por fim, pedindo

que meus sentidos se recompusessem. Eu podia fazer isso.

Era forte.

— Para um lugar seguro e bem longe — respondeu enquanto me

levava para o helicóptero.

— Sabe pilotar essa coisa? — Pisquei, incrédula.

Miguel me encarou com aquele sorriso que fazia meu coração

palpitar de um jeito estranho.

— Sei fazer muitas coisas, pequeña. — Deu uma piscadela

divertida. Não falei nada.

Embora, no meu íntimo, desejasse desvendar cada detalhe dele...

cada segredo.
E ali... dentro daquela aeronave, eu me vi deixando todo meu

mundo para trás.

Tudo o que eu conhecia.

Tudo o que aprendi sobre o que era certo e errado.


— Acorda, pequeña, nós chegamos.

Abri os olhos lentamente, piscando para me acostumar à

luminosidade. Ainda sonolenta e cansada, acordei ao ser erguida no

colo por braços fortes e musculosos.

— O-o que está fazendo? — perguntei, num sussurro

constrangido, olhando Miguel nos olhos.

Seu cheiro natural, combinado com seu perfume potente, inundou

minhas narinas, me deixando tonta por um segundo. E, como sempre

ocorria quando estávamos juntos, me senti segura e protegida nos seus

braços.
— Te carregando — respondeu simplesmente. Seu sorriso

iluminava seu rosto todo, parecendo o próprio Sol.

O meu Sol.

Tive que desviar o olhar, então me concentrei na paisagem à

nossa volta enquanto Miguel caminhava comigo nos braços. Parecia

uma espécie de casa de campo, embora fosse uma cabana.

Miguel me colocou no chão para poder abrir a porta. Esfreguei os

braços, sentindo frio, mas eu sabia que era de puro nervosismo.

Olhei ao meu redor com calma, analisando os detalhes do

ambiente; notei que a cozinha estava integrada à sala.

— Os quartos ficam no andar de cima — disse, circulando pelo

espaço que parecia pequeno perto dele. Miguel era um homem alto e

forte. Por vezes, me peguei admirando sua beleza, me concentrando

em seus trejeitos que eram únicos. Dentre todas as suas qualidades, o

que mais me fascinava era sua capacidade de me conhecer tão bem a


ponto de sempre saber o que eu precisava ou como estava me

sentindo.

Isso me fazia sentir cuidada.

Protegida.

— Onde estamos? — Olhei por uma parede de vidro que dava

para uma sacada com uma paisagem de tirar o fôlego.

— Estamos em Tijuana, ainda no México, divisa com San Diego.

— Ele respondeu, recostado na porta perto da cozinha. Parecia analisar

cada movimento meu.

Pelo pouco tempo que nós nos conhecíamos, deduzi que ele

estivesse preocupado, tentando entender o que eu estava pensando ou

sentindo.

Na verdade, nem eu sabia direito o que se passava dentro de

mim.
— Aqui é muito lindo — soprei, trilhando o cômodo até poder sair

para a varanda. Eu precisava de ar. — Vamos ficar por quanto tempo?

— Ainda não sei dizer — afirmou com um suspiro cansado. Em

seguida, foi para a cozinha e fui atrás. — Se você quiser tomar um

banho, tem toalhas limpas no quarto. Vou fazer algo para comermos.

Está com fome?

Meu estômago se embrulhou, pois o nervosismo não me permitia

pensar em comida.

— Gosto da ideia de tomar um banho — foi a única coisa que

consegui dizer.

Notando minha inquietação, caminhou até mim, encurtando o

espaço que nos separava.

— Não gosto de vê-la assim — falou, estendendo sua mão em

minha direção num convite mudo para eu segurá-la. Aceitei.

— A-assim como?
— Preocupada e com medo — disse, levando minhas mãos aos

seus lábios para beijá-las. — Prometo que vai dar tudo certo. Confia em

mim.

Encarei seus olhos, me concentrando na maneira como ele olhava

para mim. Era sempre intenso.

A sensação que eu tinha era de que ele conseguiria ler minha

alma e todos os meus segredos e anseios.

— Eu confio — soprei, sentindo meu coração acelerado.

Então, ele sorriu e me soltou para que eu pudesse subir ao

segundo andar, a fim de tomar um banho. Tinha certeza de que seria o

banho mais demorado da minha vida.

— Você não comeu quase nada — criticou Miguel, me olhando

enquanto eu remexia os ovos com bacon no prato. Meu estômago


ainda estava embrulhado.

— Estou ansiosa — decidi falar a verdade, apesar de desconfiar

que ele soubesse disso. Miguel parecia me ler como um livro aberto. —

Nunca saí de casa, então tudo isso é novo para mim. — Suspirei baixo.

— Entendo, mas você vai se acostumar — declarou. — Só te

peço uns dias antes de podermos sair e passear. Mal posso esperar

para te apresentar o mundo. — Sorriu.

— Por que temos de esperar? — perguntei, mas logo depois me

dei conta do óbvio. — Meu irmão. — Larguei os talheres, me

recostando contra o encosto da cadeira. — Tenho certeza de que ele

não vai acreditar que morri, e nunca vai desistir de me procurar.

Miguel ficou incomodado com a menção ao Juárez. Ele nunca

escondeu sua antipatia pelo meu irmão.

— Não vai — garantiu simplesmente. Ia questionar sobre as

implicações da sua declaração, mas ele logo mudou de conversa: —


Mas me diga: qual será a primeira coisa que pretende fazer quando

pudermos abandonar essa cabana?

Sorri, contagiada com sua euforia. Pensei em todas às vezes que

me imaginei tendo um dia de liberdade para fazer o que bem

entendesse.

— Não conheço o mar — contei. — Gostaria muito de conhecer

— respondi, imaginando o quanto seria maravilhoso.

— Então está combinado! — exclamou, antes de abocanhar uma

porção da sua comida. — Vou te levar para conhecer o mar — disse

com um sorriso lindo. — Terei o maior prazer de vê-la desabrochar,

pequeña. Sua vida está para começar a partir de agora.

Sorri apenas, sentindo o excesso de umidade nos olhos, embora

não estivesse chorando.

Poderia ter dito que estava radiante com a nova vida a caminho,

mas, a verdade é que eu estava... aterrorizada.


Já se passaram quase um mês desde que chegamos na cabana

que eu possuía em Tijuana. Ainda não telefonei para o Angel, pois achei

que não seria prudente, nem para nós e nem para ele, afinal, tomei a

decisão de tirar a Micaela da casa do irmão por impulso.

Meu objetivo naquela droga de casa era outro.

Porém, como ficaria minha consciência se abandonasse a garota?

Não, eu não poderia.

Esperaria que a situação se acalmasse para voltar para casa —

levando Micaela comigo — e enfrentar a fúria do meu chefe por

desrespeitar suas ordens.


As últimas semanas foram tensas em todos os sentidos. Sempre

estava apreensivo com a possibilidade de alguém nos descobrir por

ordem do Juárez, pois eu não tinha certeza se ele acreditou que a irmã

havia sido assassinada.

Antes de sugerir o plano de fuga para Micaela, pensei nos

possíveis obstáculos que poderíamos enfrentar pelo caminho, mas não

podia imaginar que ela se tornaria um problema.

Minha intenção, ao tirá-la daquele lugar, era lhe proporcionar a tão

sonhada liberdade... eu sabia que teria que ter paciência, pois a garota

era ingênua, em todos os sentidos.

Seu medo me quebrava. Sua timidez. Suas inseguranças.

Várias vezes a vi chorar, apreensiva com o que poderia acontecer,

ansiosa com a direção que sua vida estava tomando e consciente do

peso que as nossas ações tinham para mim. Seu maior medo era o que

poderia me acontecer.

E isso era foda pra caralho!


Mesmo eu me esforçando para não permitir que essa garota

entrasse no meu coração, lentamente, ela vinha se enraizando no meu

sistema. Com seus sorrisos tímidos. Sua voz suave.

Sua inocência... puta que pariu! Eu podia sentir o gosto na minha

língua.

Não deveria permitir que esses pensamentos se tornassem

recorrentes, pois Micaela era boa demais para mim. Perfeita demais.

Pura demais para um pervertido como eu.

Era estranho, porque meus sentimentos por ela eram novos, algo

que me deixava descontrolado, impotente. Depois da minha família,

nunca tive a necessidade de cuidar de alguém como sentia por Micaela.

Meu coração queria protegê-la de todos os males do mundo, mesmo

esse mal sendo eu mesmo.

— Miguel? — Pisquei, dispersando meus pensamentos ao som da

sua voz doce. — Você parece zangado. — Fez uma careta fofa,
franzindo aquele narizinho lindo. — Foi algo que fiz ou falei? —

perguntou, cabisbaixa.

Por um momento, me permiti admirá-la. Estava em pé, ao meu lado

no banco que tinha na varanda. O vestido que usava era uma das peças

do pequeno estoque de roupas que comprei para ela, além de outros

pertences que achei necessários para a nossa permanência ali. Uma das

suas mãos estava estendida à frente do corpo, retorcendo-se

nervosamente à medida que eu a fitava com mais intensidade. Gostava

de deixá-la nervosa.

Era agradável vislumbrar o rubor aquecendo suas bochechas. A

pontinha da sua língua deslizando pelos seus lábios carnudos e perfeitos

para beijar.

Eu poderia beijá-la o dia todo...

Puta que pariu!

Balancei a cabeça, forçando-me a desviar os olhos e a limpar

minha mente daqueles pensamentos depravados.


— Não foi nada, pequeña — falei, no fim.

— Notei que você estava falando ao telefone, e depois veio para cá

— observou, deitando a cabeça de lado como se estivesse me

examinando. — Seus ombros estão rígidos. Posso fazer uma massagem

para que você se sinta relaxado, se quiser.

Ela não fazia ideia do que me relaxaria... eu poderia curvá-la contra

o encosto desse banco e fodê-la até que seus gritos a deixassem sem

voz. O som de seus gemidos certamente me relaxaria.

— Eu precisava de um pouco de ar fresco — aleguei, prestando

atenção nela toda, lutando contra a ideia de deflorá-la.

— Meu irmão costumava dizer que, algumas vezes, é necessário

ficarmos longe para não dizermos ou fazermos bobagens — disse,

pensativa. A mera menção ao infeliz já serviu para piorar meu humor,

apesar de eu ter permanecido impassível. — Ele também se afastava

quando ficava bravo, por isso pensei ter falado ou feito algo que o deixou

irritado.
— Não existe a possibilidade de você fazer algo que me deixe

bravo, anjo — falei com um meio sorriso.

A ingenuidade dessa garota ainda seria minha morte.

Inquieto para que meus pensamentos não me levassem outra vez

ao mesmo caminho, gesticulei para o livro que ela tinha nas mãos.

Comprei um bom estoque, pensando que ela precisaria de alguma coisa

para fazer enquanto estivéssemos naquela cabana.

Seu sorriso em resposta foi a coisa mais linda desse mundo.

— Ah, é um romance — respondeu, um pouco tímida pelo meu

súbito interesse. Sentou-se ao meu lado, no banco, me permitindo

inspirar seu cheiro mais de perto.

O maldito cheiro de rosas.

Enquanto ela narrava alguns detalhes da história, fiquei ainda mais

hipnotizado pelo seu jeito meigo. E mesmo odiando, tive de interrompê-

la:
— Amanhã terei de ir à cidade de novo — ela se calou, me

encarando com uma pontada de decepção. — Desejo poder levá-la

comigo, mas ainda não sei como estão as coisas com o seu sumiço —

expliquei. Ousadamente, coloquei uma mexa do seu cabelo para trás de

sua orelha delicada e pequenina.

Tudo nela gritava fragilidade e delicadeza.

— Tudo bem — soprou. — Confio que você voltará para mim. —

Me encarou nos olhos, com suas bochechas totalmente rosadas.

E lá estava... meu coração idiota errando as malditas batidas por

uma simples frase saindo daquela boca linda e convidativa.

Engoli em seco, mudando de assunto para que ela não percebesse

como suas palavras mexeram comigo.

— Vamos entrar? Pode estar calor, mas esse ar frio da noite pode

deixá-la doente — a porra da minha voz soou rouca, enquanto eu lutava

para disfarçar as reações do meu corpo traiçoeiro.


Andava pelos corredores da conveniência do posto de gasolina

perto da minha casa, trajando roupas de um cidadão normal, bermuda,

camiseta, tênis e um boné. Nada do meu tradicional terno. Eu desejava

disfarçar ao máximo para não levantar suspeitas, no entanto, não

conseguia parar de sentir aquela maldita sensação de estar sendo

vigiado.

Peguei o que precisava para os próximos dias e fui ao caixa.

Aproveitei para olhar, discretamente, tudo a minha volta.

Nada.

Não percebi nada de diferente.

Alguns minutos depois, ao guardar as sacolas no porta-malas,

avistei um homem alto de boné vermelho, jeans e regata preta. O imbecil


estava de costas para mim, mas, pelo jeito, completamente tenso,

percebi que não estava simplesmente abastecendo o seu carro.

Disfarcei, peguei minha arma do coldre — das costas — e ainda

fingi colocar as sacolas no banco detrás. Então, me virei para o cara e,

sem rodeios, perguntei, sabendo que ele não estava sozinho:

— Quem é você? O que quer? E como me encontraram?

No mesmo instante, vi a luz de um laser no meu peito. Puta merda!

— Calma, cabron! Não sou seu inimigo — afirmou, ainda de costas.

O sotaque forte deixou nítido que não era do México. — Viemos a pedido

do Angel, uma vez que você não se deu ao trabalho de dizer se ainda

estava vivo.

— O que me garante que está falando a verdade? — indaguei, sem

mudar a postura.

— Se baixar a arma e me deixar falar, vou poder provar que não

estou mentindo.
Levou alguns minutos para que eu decidisse me aproximar, mas

não baixei a arma. Vi que seu atirador também não, já que eu ainda

estava na mira do maldito laser.

— Comece a falar — vociferei, logo atrás dele, forçando seu braço

para trás.

O idiota se virou de frente para mim, com um sorriso cínico na cara.

Gesticulou para a arma na minha mão, que mirava sua cabeça.

— Pode baixar isso, Miguel — voltou a dizer como se estivesse

falando com um velho amigo. — Eu me chamo Razor, trabalhamos com

o Ryan, acredito que saiba quem ele é.

— O maldito caçador — resmunguei. Angel já trabalhou com esse

cara.

— Ele mesmo! — exclamou. — Angel nos enviou, a pedido de sua

irmã, que está muito preocupada com seu sumiço.

Puta merda!
Por que Angel contaria para Lis que eu estava desaparecido

nesses dias? Era óbvio que essa informação iria preocupá-la.

Filho da puta do caralho!

— Quem mais está com você?

— Estou com meus amigos — contou, me encarando nos olhos,

com aquele sorrisinho estúpido no canto dos lábios. — Shadow, nosso

Snipe, é quem está mantendo essa luzinha linda em você — gesticulou,

todo orgulhoso. — E no carro perto daqui, estão Fire, nosso psicopata

favorito, e Little Roy, o melhor hacker que você terá a honra de conhecer.

Juntos, nós formamos uma equipe foda. Já ouviu falar do “Esquadrão

Danger”?

Franzi o cenho.

— Não. É um filme? — zombei, apenas para irritá-lo.

Na mesma hora, seu sorriso convencido desvaneceu de seus

lábios.
— Você é um pé no saco, sabia?! — rebateu, extremamente

indignado. De repente, enfiou a mão num dos bolsos e retirou uma maça

de lá.

Quem guardava maças no bolso?

Fiquei tão incrédulo com isso que demorei a raciocinar.

— Deveríamos ter cobrado bem mais caro para ajudar você em

toda essa bagunça que se enfiou — sibilou, com a boca cheia.

Sem educação!

— Não pedi ajuda e pouco me importa o motivo de estarem aqui.

Só preciso saber o que vocês são e como me encontraram.

Decidi baixar a arma. Não fazia sentido continuar naquela postura

ameaçadora, ainda mais que estávamos em público.

— Somos caçadores — respondeu.

Então vi um carro se aproximar e estacionar a poucos metros de

onde nós dois estávamos.


— São meus amigos — explicou, apontando para os três caras

dentro do veículo.

— Por mais que a ideia de ficar aqui, conversando com vocês, seja

tentadora, eu não posso — murmurei em tom sarcástico.

— Nós sabemos — decretou outra voz, me fazendo arquear uma

sobrancelha em desconfiança. — Vamos com você até sua garota, para

depois levá-los em segurança para casa.

— Isso é o que você acha — decretei para o cara com rosto de

moleque, recostado na porta do outro carro.

— Wou! Não precisa de toda essa hostilidade — assoviou o que

estava do lado, sorrindo feito um idiota. Era alto, com olhos sombrios.

Após muita conversa e algumas ligações, permiti que eles me

seguissem até a cabana. Porém, entrar, era outra conversa.


— Esperem aqui — avisei com expressão fechada. — Vou avisar a

Micaela que nós teremos de sair daqui. Após isso, poderemos partir. —

Quase lati ao perceber que eles tencionavam me seguir.

— Esperaremos na varanda então — afirmou o que se chamava

Fire. — Não vamos ficar desprotegidos em um lugar aberto como esse.

— Gesticulou, mas ignorei, entrando na casa.

— Micaela? — chamei.

— Você demorou — respondeu, saindo da cozinha. Quando a vi,

levantei as sobrancelhas, curioso para saber o que estava aprontando.

— Tentei fazer um bolo, mas não sei se fui bem-sucedida. — Torceu o

narizinho empinado. Na época que fui seu segurança na mansão do

Juárez, eu já tinha notado sua paixão pela culinária.

— Tenho certeza de que deve estar delicioso — falei com um

sorriso gentil e me aproximei dela. — Mas sinto muito em dizer que não

poderemos ficar para experimentar.

Piscou, tentando assimilar minhas palavras.


— Por quê? Aconteceu alguma coisa?

— Sim! Nós temos de ir para outro local seguro — expliquei

calmamente para ela absorver minhas palavras. — Fomos encontrados

aqui, mas por sorte são amigos. O problema é que, assim como esses

homens nos encontraram, outros poderão chegar até nós também. E

certamente não serão amigáveis.

Seu corpo estremeceu de medo. Ela era um livro aberto para mim,

eu sempre conseguia lê-la.

— Oh, Miguel... se meu irmão nos encontrar, ele... ele... vai matar

você. — Trêmula, encurtou ainda mais o espaço que nos separava,

ficando em frente ao meu peito.

Não pude conter o desejo de tocar seu rosto, amoldando-o com

minhas mãos grandes e ásperas.

— Vou cuidar de você — prometi com fervor, estudando seus

traços perfeitos. — Eu vou protegê-la.


A puxei para meus braços e ela se encaixou perfeitamente no meu

abraço apertado.

— Não vai acontecer nada de ruim conosco, pequeña, eu prometo

— soprei em seu ouvido, percebendo sua pele se arrepiar. — Agora,

preciso que arrume suas coisas. — Me afastei para poder encontrar seu

olhar atordoado. — Tem uns conhecidos na varanda, que meu chefe

mandou para nos escoltar em segurança até outro lugar.

Piscou, assentindo com a cabeça. Parecia um pouco aérea com

tanta coisa nova acontecendo em sua vida nas últimas semanas.

Permiti que se afastasse dos meus braços, mesmo que essa porra

doesse quase como uma dor física.

Suspirando, seus olhos voltaram a me encontrar.

— Desde que eu esteja com você, sei que estarei segura —

declarou com tanta convicção que foi impossível frear as reações

estranhas que invadiram meu corpo. — Você é meu super-herói, afinal.


— Ofereceu-me o sorriso mais lindo do mundo antes de, simplesmente,

se inclinar e beijar meus lábios num selinho demorado.

Fiquei travado no lugar. Sem saber o que pensar ou fazer, já que fui

pego totalmente desprevenido.

Micaela saiu do cômodo, me deixando com os sentidos alarmados,

além daquela porra de desejo por mais.

Eu certamente queria mais.


Tum...

Tum...

Tum...

Apoiei-me contra a porta do quarto, ofegante devido ao tumulto que

sentia por dentro. Meu coração batia tão forte que parecia que ia saltar

do peito, à medida que a constatação do que acabei de fazer se

enraizava na minha mente.

Levei meus dedos aos lábios, que pareciam estranhamente

dormentes com o beijo. Foi singelo, mas com um enorme significado

para mim.
Porque era ele.

Miguel, meu protetor.

Meu super-herói.

Desde que o conheci, algo dentro de mim mudou, se acendeu,

quase como se estivesse se desabrochando, reconhecendo que ele era

meu. Era sempre reconfortante poder abraçá-lo, sentir o calor do seu

corpo e perceber que seu coração batia tão acelerado quanto o meu.

Eu sabia que Miguel não deixaria minha ousadia ser esquecida.

Não havia dúvidas de que ele tentaria compreender os motivos que me

levaram a beijá-lo.

Como explicaria algo que nem eu mesma estava conseguindo

entender direito?

Era difícil processar tudo o que eu estava sentindo nos últimos

meses, que pareceram se agravar desde que chegamos a essa casa de

campo.
Os cuidados.

Como se mostrava cuidadoso comigo em todos os aspetos, ainda

que se esforçasse para manter certa distância. Meu inconsciente gritava

para mim que eu deveria fazer o mesmo, que não era certo me envolver

sentimentalmente, porque Miguel vivia dizendo que só estava me

ajudando a ser uma garota livre.

Mas por que meu coração estúpido não queria entender isso?

Miguel me fazia sentir protegida de um jeito que nunca senti, nem

mesmo quando meu irmão me abraçava. A verdade era que eu não

estava conseguindo lidar com esse tsunami de sentimentos e emoções

novos.

Tirando meus pensamentos confusos e bagunçados da cabeça,

comecei a arrumar minhas coisas em uma mochila; lembrei-me de

colocar alguns livros também e, então, desci para perguntar para onde

iríamos.

Não tinha como disfarçar meu nervosismo e ansiedade.


Ouvi vozes da varanda no andar de baixo, então abri a porta e vi

Miguel com quatro homens atraentes, apesar de perigosos.

— Olá, querida. Você deve ser a Micaela, suponho? — ouvi a voz

de um rapaz alto, com músculos bem definidos, pelo que notei em seus

braços. Os cabelos tinham um tom loiro, e o sorriso era tão grande, que

fazia covinhas nas bochechas. — Eu sou o Little Roy, mas pode me

chamar somente de Roy — disse, me estendendo a mão em

cumprimento.

Vi a sua mão estendida, no entanto, antes que pudesse retribuir o

gesto, Miguel interpôs-se, parecendo muito incomodado.

Fiquei atrás dele e, dessa forma, pude perceber os músculos de

suas costas, que estavam bem tensos. Ele estava com ciúmes?

— Já chega! — rugiu. Sua voz soou quase como um rosnado de

animal. — Nós não estávamos com pressa?

— Nunca estou com pressa quando o assunto é admirar uma bela

mulher — insinuou o rapaz de sorriso fácil.


Miguel continuou na minha frente, como uma barreira protetora. Ele

estava tremendo.

Seria de raiva?

— Já aviso que não vou te defender se o mexicano decidir meter a

porrada nessa tua carinha bonita, Roy — murmurou outro, de olhos

escuros como a noite. — Você parece que gosta de provocar. — Deu

risada enquanto sacudia a cabeça. Ao perceber meu interesse nele, o

homem se apresentou: — Sou o Shadow, querida. Aquele ali é o Razor,

e ao lado dele está o Fire, mas recomendo ficar longe, porque ele é meio

esquisito.

— Esquisito é o teu pau, seu idiota! — reagiu Fire, me deixando

escandalizada com aquele linguajar. Ao se concentrar em mim, o homem

com diversas tatuagens de chamas negras espalhadas pelos braços,

sorriu. — Posso garantir que sou confiável, garota. Quase como um anjo

sem asas.

— Só se for um anjo vindo direto do inferno — ironizou Razor,

recebendo cotoveladas do Fire em resposta.


Foi impossível não rir da interação deles.

— Bando de idiotas! — vociferou Miguel, me puxando pela mão em

direção ao carro.

Eu queria compreender o porquê de ele ter ficado daquela forma e,

ao mesmo tempo, sentia-me encantada por estar cercada de pessoas

que estavam se relacionando comigo, sem as amarras das regras

impostas pelo meu irmão.

— Está tudo bem? — perguntei, assim que entramos no carro e

Miguel tomou o assento do volante. Sua expressão era tão brava que

quase me encolhi, embora soubesse que sua irritação não era comigo.

— Claro que está! — mentiu. Era mentira, pois seu incômodo era

nítido. Desviou a atenção do volante e me encarou, forçando um sorriso.

Pegou minha mão e beijou os nós dos meus dedos lentamente.

E lá estava... a sensação de descarga elétrica percorrendo meu

corpo traidor sempre que ele me tocava.


— Eu vou com vocês. — Pulei de susto quando um dos rapazes

entrou no carro e se sentou no banco de trás.

Dei uma olhada mais demorada, observando-o com mais atenção.

Ele era tão letal quanto os demais. A barba, bem aparada, lhe dava um

ar de bom moço — o que parecia muito longe da realidade.

— Prazer, princesa, pode me chamar de Razor. — Piscou para

mim. Em seguida, me ofereceu um pouco de salgadinhos do pacote em

suas mãos. — Quer?

Neguei, mas com um sorriso agradecido.

— Você vive comendo, puta merda! — exclamou Miguel, o

observando através do retrovisor central.

Achei engraçado, porque o tom usado não foi de raiva. E Razor

não se importou, pelo contrário, achou graça também.

— Preciso manter esse corpinho, afinal. — Gesticulou para si

mesmo com muito orgulho.


Miguel engatou a marcha no carro e nos tirou dali.

Instantes depois, sem segurar a curiosidade, me virei para trás e

indaguei:

— Razor é seu nome real?

Ele não respondeu de imediato.

— Não, anjo, mas, com exceção da minha família, todos me

conhecem como Razor — respondeu com um dar de ombros. — Coloque

esse endereço no GPS — entregou um pedaço de papel ao Miguel. —

De lá, nós sairemos de navio para San Diego.

Depois disso, sua atenção se focou em algo no seu celular

enquanto ele comia tranquilamente. Acomodei-me no assento, fixando o

olhar para fora da janela, apreciando os cenários. Miguel não parecia

muito confortável para conversar, então me mantive em silêncio o tempo

todo.

Vez ou outra, eu prestava atenção na conversa deles, mesmo sem

entender nada, pois conversavam em inglês.


Com o passar das horas, acabei adormecendo.

Acordei com Miguel me pegando no colo e me tirando do carro. Já

era noite e, pelo que pude notar, apesar de sonolenta, estávamos em um

píer. Tentei me manter acordada, afinal sempre quis conhecer o mar, e

me recordei de o Razor comentar que nós viajaríamos de navio. Então,

tirando o sono, eu apreciaria a viagem, já que nunca estive em um navio

antes.

Não soube dizer em que momento voltei a dormir nos braços do

Miguel, mas acordei em uma cama macia, com lençóis cheirando a

lavanda. E só não me senti satisfeita, pois o que me acordou foi uma


náusea incômoda. Sentei-me no colchão, sentindo um balanço no lugar,

como se tudo a minha volta estivesse girando.

Corri para a porta no canto do cômodo, julgando ser o banheiro, e

me curvei sobre o vaso sanitário. Eu odiava aquela sensação.

Era horrível.

— Micaela? — Escutei a voz do Miguel, mas antes de responder fui

acometida por uma nova onda de náuseas. — Ah, querida! Você fica

enjoada com a maresia — lamentou, entrando no banheiro. Abaixou-se

ao meu lado, e puxou meus cabelos para o alto, de modo a evitar que

sujasse.

— Que droga! — exclamei, sentindo-me irritada com esse detalhe.

— Nem vou conseguir aproveitar a viagem — reclamei com um muxoxo.

— Você só não está acostumada, é normal — disse, me ajudando a

me levantar.

Fiquei envergonhada por compartilhar aquele momento

constrangedor com ele.


— Não sei se me sinto confortável com você me vendo nesse

estado — declarei, envergonhada. Lavei a boca, sem coragem de

encará-lo nos olhos.

— Por quê?

Pisquei, aturdida, e o encarei de soslaio.

— Porque é constrangedor, ora. — Passei por ele e saí do

banheiro.

— Logo chegaremos, aí esse enjoo passa — garantiu, me

seguindo. Sentei-me na cama, suspirando um pouco, tentando controlar

aquele maldito desconforto na barriga.

— Vai demorar muito? — Riu com minha pergunta, se sentando ao

meu lado.

Sua aproximação me deixou nervosa, porque não tive como

impedir que minha mente fosse tomada pelas recordações do nosso

beijo.
— Não — respondeu no fim, me encarando daquele jeito intenso.

Me obriguei a desviar os olhos. — Micaela?

— Hum? — Não o encarei, porque estava sentindo meu rosto

quente.

— Querida? — Forçou meu queixo para cima, exigindo meus olhos

nos seus. — Qual o problema? Ficou nervosa de repente.

Torci as mãos.

— Nada, eu só... — pigarreei, lutando para organizar meus

pensamentos. — Nada — falei no fim. — Não é nada.

— Tem certeza? — instigou, sem parar de me encarar. — Porque

eu estou curioso para entender o motivo daquele beijo.

Céus!

Minhas bochechas se tornaram ainda mais quentes.

— Não posso responder isso.


— Por quê? — Deslizou uma mecha de cabelo meu para trás da

orelha. O mero contato de seus dedos na minha pele me fez arrepiar. —

O que se passa nessa sua cabecinha linda, pequeña?

Enchi meus pulmões de ar, lambiscando meus lábios ressecados.

— Muita confusão — fui honesta. — Mas não posso negar as

coisas que você me faz sentir. — Meu coração estava batendo depressa

quando me fixei em seus olhos.

— Que coisas?

O brilho nos seus olhos me deixou ardendo em todos os lugares.

— Ainda não me sinto preparada para contar. — Baixei os olhos

para as mãos, envergonhada demais para continuar a encará-lo, ainda

mais de perto.

Arfei no segundo em que suas mãos seguraram as minhas,

levando-as aos seus lábios quentes.


— Promete me contar quando estiver pronta? — quis saber,

beijando minhas mãos trêmulas. O calor de sua língua na minha pele me

fez segurar a respiração na garganta. — Eu gosto de saber como você

se sente.

— Por quê? — foi minha vez de perguntar.

Miguel não respondeu de imediato.

— Porque desde que a conheci, você se tornou minha prioridade.

Eu vivo e respiro por você.

Fiquei tão chocada com sua declaração que fui incapaz de

responder qualquer coisa que fosse.

Ao desembarcamos em San Diego, ainda era de manhã. Miguel me

trouxe para um apartamento muito luxuoso.


— Gostou? — perguntou, me observando enquanto eu circulava

pelo ambiente espaçoso.

— É seu? — rebati, admirando alguns porta-retratos na parede da

sala. Eram fotos dele com seus pais e uma garotinha, que acreditei ser

sua irmã. Ao menos foi o que deduzi.

— Sim, é meu — respondeu. — Estaremos mais seguros aqui —

garantiu.

Sacudi a cabeça algumas vezes, me sentindo um pouco perdida.

Era muita coisa para processar. Não tinha a mínima ideia do que ele era

e em que trabalhava.

— Está cansada.

— Não, eu...

— Sim, você está! — cortou-me, se aproximando. Sua mão se

ergueu para amoldar meu rosto. Os tremores vieram junto. —

Infelizmente, preciso sair para resolver umas coisas, fazer algumas


ligações... — seus olhos acompanhavam os movimentos que seus dedos

faziam no meu rosto.

— Algum problema com meu irmão? — perguntei, mesmo não

querendo saber a resposta.

Miguel me encarou por um instante, mas não consegui ler seu

olhar.

— Você poderia aproveitar para relaxar na banheira — disse,

ignorando minha pergunta. — Tenho certeza de que...

— Miguel! — exclamei, irritada. — Por favor, não faça isso. Não me

trate da mesma forma que Juárez me tratava.

Minhas palavras mexeram com ele, porque seu maxilar trincou.

Suspirou baixo, contrariado.

— Juárez está me procurando? — insisti. Eu precisava saber.

— Ele descobriu que você está viva — respondeu, com a voz

grossa. — Deve ter mandado exumar o corpo que deixei no carro. Então,
sim, ele está te procurando.

Meu coração já estava acelerado, e foi inevitável que meus olhos

se enchessem de lágrimas.

— Eu sabia! — exclamei, começando a andar de um lado ao outro.

— Ele nunca vai me deixar em paz. Juárez acredita que eu sou uma

propriedade dele, Miguel.

Algo que eu jamais entenderia.

Engoli os soluços quando Miguel me puxou para encará-lo, com as

mãos no meu rosto. Seu olhar estava tão carregado de uma emoção

intensa que fiquei sem ar por alguns segundos.

— Eu não vou deixá-lo chegar até você — prometeu, me olhando

intensamente. Enxugou as lágrimas que molhavam minhas bochechas.

— Não sei o que eu seria capaz de fazer se algo te acontecesse.

Aceitei seu abraço. Porque eu precisava.

Precisava sentir o calor da sua proteção.


— Juárez jamais me machucaria — sussurrei, convicta —, mas

quanto a você, bem... tenho certeza de que ele mataria. — O apertei um

pouco mais, com o coração quebrantado. — E não sei como eu ficaria se

te perdesse, Miguel.

Ele não disse nada.

Mas a maneira como lentamente beijou minha cabeça me fez

perceber que compreendia meus sentimentos.


Eu estava numa reunião com meus subordinados para discutir os

assuntos mais importantes, uma vez que me mantive distante nos

últimos meses. O problema é que não conseguia focar em nada, pois

meus pensamentos sempre voltavam para o pequeno anjo de olhos

caramelos que deixei no apartamento. E isso era foda pra caralho!

Micaela estava roubando meu tempo.

Meu controle.

Minha sanidade.

— ... por isso que acredito que isso seria benéfico para nós, senhor.

— Pisquei ao ouvir o final da frase proferida pelo Pietro, meu soldado de

confiança.
Eu não fazia ideia do que ele estava falando.

Por um segundo, me foquei nele, recordando-me da sua história

dentro da organização. Quando, com a ajuda da máfia Fratelli, a irmã do

Angel finalmente voltou para casa — após uma longa temporada

desaparecida —, Pietro veio com ela. Na ocasião, descobriu-se que

Rosa Herrera estava sob a posse do líder de uma organização criminosa

rival dos italianos — responsável pela destruição da família Fratelli —, e

que Pietro fazia parte. O idiota só não morreu, pois provou o seu valor.

Além disso, sua fidelidade à Rosa fez com que Angel apreciasse sua

postura e o convidasse a ficar no cartel.

Precisávamos de membros leais.

— Pode repetir? — perguntei, vendo suas sobrancelhas se

arquearem em descrença.

— O senhor está bem? Parece disperso.

Inalei fundo e pensei na sua pergunta.


Esfreguei o rosto várias vezes, tentando organizar os pensamentos

confusos. Não estava sabendo lidar com tantas coisas acontecendo ao

mesmo tempo, e a mera ideia de saber que os perigos ainda rondavam

Micaela me deixava apavorado.

— Estou com muita merda na cabeça — desabafei.

Pietro pediu para os outros irem embora para podermos conversar

a sós, e então voltou a me olhar com atenção.

— O irmão da garota está causando problemas? — quis saber,

chamando minha atenção para seus olhos. Ele foi o responsável por

socorrer Micaela depois que ela saltou do carro durante a fuga.

Suspirei, sentindo minha cabeça latejar de leve.

— Angel está puto, porque tem certeza de que Juárez logo

descobrirá que fui o responsável pelo atentado falso à sua irmã. Isso o

levará a declarar guerra contra nós.

— Mas aquele filho da puta já tinha declarado guerra antes —

mencionou, me fazendo assentir com a cabeça. — Foi ele quem decidiu


que seria certo invadir nosso território.

Agitado, me levantei.

Estávamos no nosso Forte, onde se faziam reuniões de negócios.

Como passei os últimos meses fora infiltrado na casa daquele sujeito,

precisava me manter informado sobre os assuntos. Ainda mais que teria

de enfrentar a fúria do meu chefe.

— Preciso que você me faça um breve relatório de tudo o que

ocorreu enquanto estive ausente — falei, verificando meu relógio. —

Infelizmente, tenho um encontro agora. Se eu sair vivo, estarei no lucro.

— Dei uma risadinha.

— Com o chefe? — Arqueou as sobrancelhas.

Estalei os lábios, desgostoso.

— Sim, — respondi, me direcionando para a saída. — Me deseje

sorte.
— Eu não — rebateu, dando de ombros, sem qualquer remorso. —

Na minha vez, ninguém me ajudou.

— Filho da puta! — exclamei, aos risos.

Quando chegamos a San Diego, há algumas horas, liguei para o

Angel para avisá-lo. Dei algumas explicações breves, e ele disse que

viria até a cidade para conversarmos pessoalmente.

Fiquei incomodado com isso, porque conhecia a personalidade do

meu chefe e sabia que minha desobediência o deixou bastante irritado.

Resmungando, dei duas batidas no volante antes de abandonar o

carro. Tinha estacionado na minha vaga, no estacionamento subterrâneo

do meu prédio. Sinalizei para alguns capangas, que me avisaram que eu

tinha visita.
Após longos minutos, saí do elevador e parei na porta do

apartamento, respirando fundo até ter coragem de entrar. Ao abrir a

porta, fui surpreendido pelo pequeno Santino, que era uma tempestade

em forma de criança. O garoto estava com três anos.

— Tio! — Me recebeu com alegria, pulando nos meus braços. — A

mamãe disse que ia te matar — falou, atropelando as palavras, com

expressão fofa.

Com ele no colo, me virei para fechar a porta.

— Uau! Sério isso? — Fingi espanto. — Então, eu acho que você

terá que me proteger — brinquei, apertando seu narizinho, arrancando-

lhe um sorriso divertido.

Angel e minha irmã estavam no sofá. Micaela estava sentada na

poltrona de frente a eles. A garota estava nervosa e isso era perceptível

pelo jeito que pressionava as mãos uma na outra. Coloquei Santino no

chão antes de seguir até eles.

— Oi! Faz tempo que chegaram? — perguntei, cauteloso.


— "Oi"?! — Lis entortou os lábios. — É isso o que tem para dizer?

Sério isso? — indagou, arisca. Sua expressão deixava claro seu

descontentamento. — Não acredito que teve coragem de me preocupar

desse jeito, Miguel.

Olhei dela para o Angel, mas ele deu de ombros.

— Ela está certa! — Suspirou, gesticulando. — Você foi

imprudente, além de ter agido pelas minhas costas.

Pisquei, incrédulo com suas palavras.

— Não agi pelas suas costas!

— Ah, não? Qual o significado de termos essa garota aqui, Miguel,

sentada na nossa frente?

Apertei os dentes, abrindo e fechando as mãos para controlar

minhas emoções.

— Miguel? — Pisquei ao som da voz da garota que vinha sendo

meu bálsamo nos últimos tempos. Micaela estava assustada e confusa


com a discussão. — Tem algum problema? Eu não...

Fui até ela e estendi a mão para que ela pudesse segurar. De pé,

beijei os nós de seus dedos, em seguida, toquei seu rosto com carinho.

— Não tem nenhum problema — garanti. — Você se importa de

ficar no quarto por alguns minutos? Prometo que vou explicar tudo

depois.

— Tudo bem — soprou, cabisbaixa.

Me senti um estúpido.

— O que pensa que está fazendo com essa garota, Miguel? —

soprou minha irmã, instantes depois, vindo até mim. — Puta merda! Você

forjou a morte dela. O que estava pensando, afinal?

Raiva inundou minhas células.

— Não me olhe assim, Lis. Não você, irmã.

Ela desviou os olhos, suspirando baixo.


Não fazia muito tempo, o passado de suas verdadeiras origens foi

revelado, o que causou um grande desequilíbrio na nossa família. Lis

não era minha irmã de verdade, pois meu pai a encontrou, ainda bebê,

no lugar onde trabalhava e, simplesmente, resolveu levá-la para casa,

uma vez que minha mãe havia perdido um recém-nascido recentemente.

Com o tempo, a mentira foi esquecida.

Só que nada ficava escondido para sempre.

A aliança do Angel com a máfia Fratelli — composta por cinco

irmãos italianos —, permitiu que conhecessem a Lis e notassem a

semelhança que ela tinha com a irmã falecida deles. Ao final, com a

ajuda do caçador, descobriu-se que Lis teve uma irmã gêmea — morta

ainda na tenra idade —, foi arrancada de casa e abandonada no quartel

dos bombeiros onde meu pai trabalhava. Mesmo após o susto, as coisas

se resolveram com o decorrer do tempo.

— O que pretende com tudo isso, afinal? — indagou Angel, de

braços cruzados.
— Eu não podia ir embora e deixá-la para trás — falei

simplesmente. — Não podia. A garota, apesar das aparências, vivia em

cárcere privado.

— Mas isso não era problema seu.

— Se tornou o meu problema no instante em que pisei naquela

casa e comecei a conviver com ela — sibilei entre dentes. — Você me

mandou pra lá, Angel. Se quer me culpar por algo, fique sabendo que um

terço da responsabilidade por essa merda também é sua, porque você

sabia que eu faria exatamente isso, porra! Sabia que eu não a

abandonaria lá.

— É melhor irmos para o escritório — avisou Lis, pegando Santino

no colo e virando as costas para nós.

Embora Angel se esforçasse para deixá-la fora dos negócios,

minha irmã não aceitava ser mantida no escuro e, constantemente,

participava das reuniões. Quando tomou conhecimento sobre suas

origens — ligadas à máfia —, percebeu que não poderia fugir de sua

verdadeira natureza. E ela gostava dessa escuridão que a cercava.


Entramos no escritório e fui direto até um aparador que havia no

canto da sala, onde estavam algumas garrafas de bebidas e copos.

— O que quer beber? — perguntei à Angel, me servindo com uma

dose de tequila.

— O mesmo que você — respondeu, seco.

— Detesto essa tensão toda — comentou Lis, se jogando no sofá.

Santino já estava no chão, brincando com seu carrinho, preso ao seu

mundinho infantil. — Eu fiquei desesperada quando Angel me contou

sobre o que você fez. Você podia ter morrido, Miguel. — Sua voz

embargou, me causando remorso.

Odiava ser o causador das suas lágrimas.

— Nesse caso, seus irmãos de verdade ficariam gratos — reagi

com indignação.

— Não fale besteira! — exclamou ela, num misto de aflição e fúria.

— Agora você está sendo infantil. Sabe quanto o amo e, duvidar disso

me machuca.
— Os italianos mandaram a equipe do caçador atrás de você —

disse Angel. — Porque, aparentemente, pensa que é capaz de se virar

sozinho. — Fez aspas com os dedos.

Podia sentir a tensão emanando de seu corpo.

— Eu mandei o envelope com informações de tudo o que descobri,

pelo Pietro — justifiquei, meio débil. — Não entendo por que estou sendo

cobrado assim.

— Você é idiota, ou se faz? — vociferou Lis, passando os dedos

abaixo dos olhos para enxugar o resquício de lágrimas. — Carros

explodiram. Diversos ataques começaram a acontecer no nosso território

depois. Como poderíamos ter certeza de que você estava bem e em

segurança, se não nos deu notícias?

— Por isso, resolveu pedir socorro aos seus outros irmãos? —

perguntei, com os lábios contraídos.

Foda-se! Eu estava com ciúmes.


Ainda era difícil dividir minha irmã com aqueles mafiosos idiotas

arrogantes.

— Miguel... — Angel soou em tom de aviso.

O encarei ameaçadoramente. Sempre o respeitei como líder e

amigo, mas detestava quando ele tentava se meter na minha relação

com minha irmã.

— Juro que não aguento esse ciúme de vocês — sacudiu a

cabeça, parecendo cansada —, é ridículo! — Esfregou o rosto

agressivamente.

Soltei o ar e fui até ela, aproveitando que se colocou de pé.

— Eu sei, me desculpe. — A puxei para um abraço, beijando sua

cabeça diversas vezes. — Não era minha intenção deixá-la preocupada.

Fui um idiota mesmo.

— Ainda bem que admite. — Beliscou minha barriga, fazendo-me

rir um pouco. — Afinal de contas, o que planeja para aquela garota? —

quis saber quando me afastei. A curiosidade brilhava em seus olhos


azuis. Lis sempre teve uma aparência que não combinava com a nossa,

afinal, era filha de italianos.

Dei um longo e generoso gole na minha bebida.

— Micaela precisa de mim — falei simplesmente.

— E por que pensa que é a pessoa certa para protegê-la? —

rebateu Angel, me olhando de um jeito cínico.

Eu sabia onde ele queria chegar. Idiota!

— Porque juro por Deus que se alguém ousar tocá-la, serei capaz

de matar. — Apertei os dedos ao redor do copo que segurava, surpreso

com minha própria reação.

Nesse momento, Lis abriu um sorriso enorme.

— ¡Dios mio! Ele se apaixonou! — Cobriu o rosto com as mãos,

parecendo emocionada.

Meu coração bateu descompassado.


— Ninguém aqui está falando de amor, Lis, não viaja. — Pigarreei

para limpar a voz.

— Tem certeza? — insistiu com aquele ar de insinuação.

Rolei os olhos com impaciência.

— De qualquer forma, eu terei de estourar sua bolha um pouco —

Angel falou, depositando o copo vazio sobre a mesa de centro. —

Preciso que volte comigo para o México.

— Não posso levar Micaela para o México agora — argumentei,

com a testa franzida. Será que eu precisaria lembrá-lo dos perigos que

ela corria?

— Por isso que a Lis ficará com sua garota em um local seguro, até

resolvermos algumas merdas.

Pensei em corrigi-lo ao afirmar que Micaela era minha garota, mas

acabei desistindo.

— Onde? — indaguei, confuso.


— Na mansão que tenho no Canadá. Acredito que lá será o último

lugar que alguém possa imaginar que estejam.

— Preciso conversar com Micaela, primeiro — expliquei, pensativo.

— A garota nunca saiu de casa, só agora, comigo. Não sei como vai

reagir ao ficar longe de mim. Eu me tornei uma espécie de âncora para

ela.

— Mas ela terá que seguir o próprio caminho, um dia, hum? —

comentou Lis, me encarando com olhos questionadores. — Você disse

não haver sentimentos envolvidos entre vocês, então precisa mostrar-lhe

como viver e andar sem sua ajuda. — Sorriu com triunfo.

Ela estava me provocando.

Deixei escapar um rosnado de pura frustração, só de imaginar

minha pequeña longe dos meus olhos e do alcance das minhas mãos.

— Vou conversar com ela, explicar para onde vai e que não

demorarei para buscá-la.

Dizendo isso, saí do escritório ao som da zombaria dos dois.


Puta que pariu!

Eu não estava apaixonado.

Droga!
Eu não conseguia respirar direito.

Não conseguia.

Abri a torneira da pia do banheiro e, então, joguei água no meu

rosto e pescoço, na tentativa de amenizar aquele desejo intenso de

chorar, de surtar.

De fugir.

Sim, eu queria fugir.

Estava me sentindo estúpida. Um estorvo na vida dos outros, e eu

não desejava isso. Nunca tive a intenção de atrapalhar a vida de


ninguém, sobretudo a vida de Miguel, o homem que vinha colorindo

meus dias desde que entrou no meu caminho.

Me inclinei na pia, ignorando o espelho, porque era óbvio que meu

reflexo me mostraria o rosto manchado pelas infinitas lágrimas, que não

paravam de cair. Meu coração estava sufocado.

Tinha tantos sentimentos que não conseguia discerni-los.

Repentinamente, ouvi alguém batendo na porta do banheiro, o que

me deixou nervosa. Me aprumei, piscando freneticamente.

— Micaela? — soou a voz do Miguel. — Você está aí?

Não respondi imediatamente, porque minha voz estaria embargada

e ele perceberia que eu estava chorando.

Inspirei fundo, me controlando.

— Estou — pigarreei, odiando-me ainda mais por minha voz sair

falha — O que você quer? Estou um pouco ocupada aqui.


O silêncio reinou por longos instantes, e imaginei que ele tivesse

ido embora.

A sua voz, então, ressoou, vibrando em cada célula do meu corpo:

— Se você não abrir essa maldita porta agora, juro que vou

arrombar.

Meu corpo inteiro tremeu ao compreender a promessa que havia

por trás de cada palavra pronunciada.

— Micaela? — perguntou novamente, agora com um tom de voz

mais tranquilo, mas não menos aflito. — Sei que está chorando. Abra a

porta e vamos conversar.

Enxuguei meu rosto e, sem alternativas, abri a porta. De olhos

baixos, passei pela parede de músculos a minha frente e segui para a

cama. Eu podia sentir os olhos do Miguel em mim, me queimando.

Enfraquecendo minhas pernas.

— Qual o problema? Por que está assim?


Fiquei deitada na cama, com as costas apoiadas na cabeceira.

— Não é nada — falei mentindo, mas ele grunhiu baixinho,

incomodado.

— Pare de mentir — vociferou, e minhas bochechas ficaram

coradas. — Sei que algo a magoou. — Continuei em silêncio, sem

coragem de encarar seu rosto. Miguel suspirou e se sentou na cama. —

Micaela? — Apertei os dentes, lutando para não chorar. — Querida? —

Quando seus dedos forçaram meu rosto para ele, eu desabei. Ao olhar

nos seus olhos, minhas emoções foram à flor da pele. — Oh, pequeña...

o que foi? — Ele me puxou para um abraço, acariciando meus cabelos e

minhas costas. — O que aconteceu? Se você não me contar, eu não vou

poder ajudar. — Afastou meu rosto para longe de seu pescoço, mas me

mantive ali. Não queria ter de encará-lo. — Está partindo meu coração

ver você assim…

— Percebi que me tornei um estorvo na sua vida — desabafei de

uma vez. — Eu só trouxe problemas para você, Miguel, e... — solucei —

saber disso me deixou magoada. Eu não... quero atrapalhar, eu...


Nisso, suas mãos forçaram minha cabeça para trás.

— De onde você tirou isso? — indagou, sério. — Foi pelo pequeno

trecho da conversa que ouviu na sala? — Mordi os lábios, assentindo. A

tensão entre eles, sua irmã e seu cunhado, ficou visível para mim. —

Aquilo não foi por sua causa.

— Ah, não ofenda minha inteligência, Miguel — ralhei, me

afastando de seus braços possessivos. — Aquele homem é seu cunhado

e chefe, percebi isso no segundo em que eles chegaram no

apartamento. — Saí da cama. — Sua irmã comentou que você não tem

dado notícias nas últimas semanas, o que a deixou muito apreensiva.

Como você acha que me senti ao saber que você sumiu por que estava

comigo? É triste saber que minha liberdade está custando a sua

tranquilidade. — Sacudi a cabeça, me sentindo pequenina. — Não é

certo levá-lo nessa bagunça que é a minha vida e... só agora percebi

isso.

— Micaela...
— Você pertence ao cartel, assim como eu — interrompi-o,

esticando o braço para evitar que ele se aproximasse —, só que estamos

em organizações rivais. Sua missão era destruir meu irmão — seus olhos

se arregalaram, talvez se perguntando como descobri. — Não estou

chateada com isso — argumentei no fim. — Juárez é um homem

maldoso de verdade e, eu nunca vou fingir que não vejo as coisas

terríveis que ele faz... fala sério! Eu era uma das vítimas dele. — Sorri,

sem alegria, ao secar as lágrimas nos cantos dos meus olhos. — O que

estou tentando dizer é que está tudo bem, estou feliz pelas últimas

semanas que passamos juntos. Foram os melhores dias da minha vida.

— Meu rosto voltou a se contorcer com novas lágrimas. — Mas vou

entender se quiser me mandar de volta. Aliás, você precisa me levar de

volta. Meu lugar é lá, e o seu é ao lado da sua família.

Miguel ficou parado, me olhando por segundos que pareceram

eternos, sobretudo porque meu coração não parava de bater forte.

— Posso falar agora? — disse, de repente, me surpreendendo com

o timbre grave de sua voz.


Minha respiração ficou presa na garganta quando ele se

aproximou, imponente.

Gemi audivelmente quando sua mão se ergueu para tocar meu

rosto, amoldando-o com uma delicadeza cortante.

— Nunca mais repita que seu lugar é naquela casa, porque não

vou tolerar isso — rugiu, com o maxilar trincado. — O seu lugar é onde

você desejar estar, Micaela. Ou comigo, ou com quem mais quiser. O

que ouviu naquela sala foi um desabafo furioso do meu chefe e da minha

irmã, porque fiz tudo do jeito errado, e eles se importam comigo. Apenas

isso. Nenhum dos dois quer você longe — garantiu com um sorriso. — E

entenda... — aproximou-se mais, enlaçando minha cintura com seu

braço livre. Meu coração ressoava aos meus ouvidos — se esse fosse o

caso, eu iria embora com você.

— Por quê? — Minha voz não passou de um murmúrio. Ficava

difícil raciocinar com a proximidade dele, com seu cheiro e a maneira

como seus olhos encaravam minha boca.

Minha pergunta fez seus olhos mirarem os meus, intensos.


— Porque você se tornou importante demais.

Pisquei, assimilando sua declaração.

— O-o que isso significa? — balbuciei, com sua boca próxima à

minha. Eu poderia beijá-lo novamente.

O polegar do Miguel tocou meu lábio inferior com calma, quase

torturante.

— Não sei — respondeu, fazendo uma careta. — A única certeza

que tenho é que seu lugar é ao meu lado.

Não sei se foi pelo jeito que ele falou ou pela intensidade do seu

olhar, mas... a verdade é que fui incapaz de falar qualquer coisa que

fosse.
Alguns minutos depois, acompanhei Miguel para fora do quarto.

Embora eu quisesse continuar isolada. Não estava preparada para

enfrentar o chefe nem a irmã do Miguel novamente.

Eu estava muito nervosa.

Quando entramos na sala, os dois interromperam a conversa e nos

fitaram. O pequeno garotinho brincava no chão da sala, balbuciando

palavras infantis.

Em contraste com o momento tenso que me deixou apreensiva

minutos antes, a garota, que se chamava Lis, me recebeu com um

sorriso encantador.

— Ah, fico feliz que tenha decidido se juntar a nós novamente! —

afirmou ela, se levantando e me puxando pelas mãos para que eu me

sentasse no sofá. — Sinto muito pelas coisas que teve de ouvir. —

Apertou meus dedos frios e trêmulos. — Quero que saiba que eu e Angel

— olhou para o marido — estamos felizes que você esteja conosco. —

Sorriu com carinho. — Infelizmente, você acabou nos flagrando dando

uma bronca no meu irmão idiota.


— Ei?! — Miguel resmungou, fazendo uma careta pela forma como

a garota se referiu a ele.

Achei a situação divertida, enquanto me sentia à vontade com ele

ao meu lado.

A conversa prosseguiu por alguns minutos, com Lis falando mais

que todos, relatando histórias breves sobre a infância dos dois. Ela era

engraçada, apesar de ter uma aparência bem diferente do Miguel.

— Sei que não é o melhor momento — disse Angel, de súbito,

pigarreando —, mas gostaria de te fazer algumas perguntas, Micaela.

Torci as mãos juntas, sentindo-as frias.

— Se estiver ao meu alcance... — dei de ombros, tentando

mascarar minha ansiedade.

— Angel... — Miguel começou a falar em tom de alerta, mas o

interrompi.
— Tudo bem — soprei, segurando sua mão na minha. Eu sabia

que aquele gesto não passou despercebido pelo casal. Então, voltei a

mirar o Angel, inimigo do meu irmão. — Pode perguntar, sei que quer

saber algo do Juárez.

Sorriu, parecendo gostar da minha mudança de postura.

— Não se incomoda de ficar de um lado, e seu irmão do outro? —

Deitou a cabeça, me analisando. — Acredito que saiba que eu e ele

somos inimigos declarados. — Arqueou as sobrancelhas.

Baixei o olhar por alguns instantes, absorvendo sua pergunta.

— Essa foi uma decisão do meu irmão, infelizmente — falei, no fim.

— Não era certo eu continuar deixando minha vida ser controlada

daquela maneira. Eu também tenho uma voz. Também sou alguém. —

Senti Miguel segurando a minha mão na dele, então o olhei nos olhos e

vi seu sorriso de orgulho.

— Conhecer o nosso lugar nesse mundo é crucial para termos

liberdade, Micaela — disse Lis. — Você tomou a primeira atitude


corajosa ao decidir fugir daquela casa. Quem ama, não prende.

Fiz um muxoxo, com o coração apertado.

— Sim, — soprei — Sei disso agora.

O silêncio reinou por alguns instantes.

— Juárez não comentava sobre os negócios dele com você? —

Angel questionou, roubando minha atenção para si. — Quer dizer... —

parou de falar, como se estivesse buscando as palavras certas —, você

nunca o ouviu falando sobre nada suspeito? Algo que possa nos ajudar a

descobrir qual será o próximo movimento dele, agora que sabe que você

sobreviveu ao atentado.

— Ele sabe que estou com vocês? — perguntei, aflita.

— Se não sabe, é questão de tempo — Miguel respondeu, soltando

um suspiro baixo. — Mas nós estamos cuidando disso.

— Cuidando como? — esbravejou Lis. — Fugindo?

Miguel revirou os olhos e ignorou a irmã.


Nervosa, me concentrei na pergunta do Angel, que continuava

esperando pela minha resposta.

— Bem... — limpei a voz —, normalmente Juárez só reclamava e

jurava vingança contra muitas pessoas, mas eu não prestava atenção no

que ele falava, pois sempre achei esses assuntos tediosos. Nunca tive

nenhum interesse nos negócios do meu irmão.

— Então ele falava sobre os negócios dele com você? — insistiu

Angel.

Fiz uma careta.

— Sim, mas... me desculpe, não consigo me lembrar de nada

específico no momento.

Droga! Estava me sentindo uma inútil.

Como se estivesse pressentindo, Miguel voltou a apertar minha

mão, numa silenciosa afirmação de que estava ali comigo e de que tudo

daria certo.
— Seria impertinente da minha parte perguntar como era? — Lis

inquiriu — Quero dizer... na sua casa.

Pisquei, absorvendo tudo o que sua pergunta abrangia.

— Ah, não há muita história para ser dita — respondi, meio

incomodada, mas não deixando transparecer. — Meus dias lá eram

sempre monótonos.

Tentei afastar minha mente das recordações em que Juárez dizia

que me amava, enquanto acariciava a minha pele de um jeito que,

descobri depois, não era adequado entre irmãos.

Ele dizia ser normal. Afirmava que isso sempre acontecia entre

pessoas que se amavam. Apesar de amá-lo profundamente, nunca

gostei dessa forma de carinho, pois me sentia incomodada, estranha...

não gostava quando ele tocava em meu corpo, menos ainda quando me

obrigava a tocá-lo também.

Movimentando a cabeça para tirar aquelas lembranças indesejadas

da minha mente, voltei à conversa, já que percebi que fiquei distraída por
alguns segundos.

— Tudo bem? — Miguel perguntou, preocupado.

— Tudo sim. — Suspirei. Em seguida, voltei a encher meus

pulmões de ar. — Apenas estava tentando me recordar se, alguma vez,

meu irmão disse algo que pudesse ser útil para vocês. — Não deixava de

ser verdade.

— Não precisa se forçar a isso — afirmou ele, tentando me

proteger. — De qualquer forma, meu tempo lá me permitiu descobrir

algumas coisas.

— Mas não o suficiente — argumentou Angel, em tom seco. Ele era

sério, ou talvez fosse o momento de tensão que o deixasse assim. —

Precisamos de qualquer detalhe que possa nos ajudar.

Engoli em seco, sentindo a apreensão me abater.

— A minha vida naquela casa era acordar, estudar e dormir —

contei, estalando os dedos. — Isso se repetiu desde meus seis anos,


pelo que me lembro. Nessa idade, meus pais morreram e o meu irmão

ficou responsável por mim — expliquei, baixando o olhar.

— Desde seus seis anos? — questionou Angel com uma sombra

no olhar.

Não entendi o que isso significava. Será que ele chegou a

conhecer meus pais?

— Amanhã os rapazes terão de viajar para o México e você ficará

comigo, Micaela! Eu e você vamos para o Canadá! — Lis exclamou,

empolgada. Pisquei, dispersando meus pensamentos confusos. — Tenho

planos para nós duas. O que acha de passearmos? Quero te mostrar

alguns lugares de lá que são lindos. — Embora estivesse nervosa com o

detalhe de Miguel e Angel viajarem para longe, sorri de sua tagarelice.

México?

Olhei para Miguel, que só me observava calado. Assim que

percebeu minha apreensão com sua viagem, se virou para a irmã e

ralhou:
— Eu ainda não tinha falado sobre a viagem com ela, Lis.

— Ah... me desculpe. Mas agora, ela já sabe — emendou, dando

de ombros.

Quando finalmente ficamos novamente a sós no apartamento,

Miguel pegou minha mão e me sentou ao seu lado no sofá.

— Desculpe por esse furacão. — Deu uma risadinha sem graça.

O acompanhei, cativada pelo seu sorriso lindo.

— Não há motivos para pedir desculpas, eu gostei deles — disse a

verdade, ainda sorrindo. — Sua irmã e seu cunhado são incríveis, e seu

sobrinho é um garotinho muito fofo.

— Ah! O Tino é uma força da natureza mesmo — comentou com

carinho ao falar do sobrinho. — Suspirou, estalando os lábios. Parecia


não querer estragar o momento. — Nós precisamos falar da viagem que

farei, pequeña.

Sabia que essa viagem não me incluía, então olhei para minhas

mãos em meu colo.

A verdade era que eu não queria me separar dele. Sabia que

sentiria a dor da sua ausência, em mim.

Em cada parte do meu ser.

— Você vai demorar lá no México? Quando você... — hesitei,

torcendo as mãos trêmulas — vai voltar para mim? — Virei o rosto para o

lado, não querendo que ele visse o rubor que tomou conta das minhas

bochechas.

— Tentarei voltar antes mesmo que sinta minha falta — prometeu,

tocando meu queixo com a ponta dos dedos, virando meu rosto para ele.

Umedeci os lábios, ressecados pelo nervosismo e ansiedade. Ao

olhar em seus olhos, percebi suas pupilas dilatadas.


Ousada, ergui os dedos e toquei seu rosto, desenhando seus

traços perfeitos. Sobrancelhas, olhos, nariz e boca.

— O que está fazendo? — Sua voz soou entrecortada.

Ele também estaria tão afetado quanto eu?

Me inclinei, de olhos fechados, e toquei nossos narizes.

— Estou fazendo algo para gravá-lo na minha memória durante sua

ausência — soprei, inalando seu cheiro. Minhas mãos estavam em seu

rosto, sentindo as palmas pinicarem com sua barba rala. — Dessa forma,

ficar longe de você será um pouco menos dolorido. — Toquei nossos

lábios num beijo, mas de maneira leve.

Quase casta.

Meu corpo quase entrou em combustão, pois suas mãos apertaram

minha cintura com força, em reação a minha petulância.

— Mica...
— Vou me deitar — falei, me levantando rapidamente. — Hoje foi

bem cansativo e estou exausta — falei antes de, praticamente, correr

para fora da sala.

No fundo, eu sabia que não conseguiria fugir para sempre.

Não quando tudo em mim gritava por ele.

Por muito mais de seu olhar.

Por muito mais de suas mãos.

Por muito mais de seus beijos.


Não consegui dormir direito. Aliás, recentemente, essa vinha sendo

minha rotina, pois não conseguia parar de pensar, nem por um segundo,

na Micaela. Ela não devia ocupar tanto espaço no meu subconsciente.

Não deveria mexer comigo desse jeito, me deixando refém de meus

próprios pensamentos.

Ainda podia sentir o toque de seus lábios macios nos meus, mesmo

tendo sido algo tão leve que cheguei a duvidar se o beijo realmente

aconteceu. A textura deles era macia e doce, como ela toda. Ouvi-la

expressar seus receios em relação à minha viagem abalou um pouco do

muro que ergui ao redor do meu coração e que mantive inabalável nos

últimos anos. Micaela estava se apegando a mim de uma forma errada.

Rápido demais.
Não era certo ela se apaixonar por mim.

Não era certo eu me apaixonar por ela.

Droga!

Soltei o ar lentamente, me concentrando no meu cigarro. De

repente, ouvi passos se aproximando e tive que espalhar a fumaça com

as mãos.

Saí da cadeira e fui para a pia apagar o cigarro depressa.

— Não precisava apagar — ouvi sua voz atrás de mim. Virei a

cabeça a tempo de vê-la parada na porta. — Eu sei que você fuma, e

não me incomodo com isso.

— Mas eu me incomodo — declarei com uma careta — Não quero

que você se torne uma fumante passiva.

Micaela entrou na cozinha a passos lentos. Foi impossível não

disfarçar meus olhos gulosos, que se arrastaram pelas suas pernas

torneadas. Ela estava de camisola branca, o que me permitiu ter uma


ideia do dourado de sua pele macia. O decote era sutil, mas o suficiente

para aguar minha boca pelos mamilos intumescidos, apontados para

meus olhos como se estivessem implorando pela minha língua e meus

dentes.

Será que caberiam na minha mão? Será que ela gozaria apenas

com minhas carícias ali, naquela parte de seu corpo? Eu tinha certeza de

que sua sensibilidade, misturada a sua inocência cortante, me fariam de

joelhos.

Puta merda! Eu estava tão ferrado...

— Você parece tenso — comentou ela, quebrando meus

pensamentos devassos. Pigarreei, tentando disfarçar meu tesão. — Está

preocupado com a viagem?

Me virei de costas, pois não queria que ela percebesse a maldita

ereção que se formou entre minhas pernas apenas por imaginá-la nua,

esparramada naquela bancada.


— Não com a viagem em si — falei, entortando os lábios. — Assim

como você, também não gosto da ideia de ficar longe. — Servi uma

xícara de café para ela, com bastante açúcar e leite. Era seu jeito

preferido.

Coloquei a xícara em sua frente. Estávamos em lados opostos da

bancada. Me concentrei em seu rosto rubro, me deleitando com sua

timidez. Talvez ela estivesse se lembrando de sua ousadia de horas

atrás... eu poderia beijá-la dessa vez. Mostrar como minha língua

exploraria cada canto, arrancando-lhe doces suspiros.

— Miguel? — Piscou, desviando os olhos para seu café fumegante.

— Está me deixando nervosa.

Sorri.

— Me desculpe — pedi, contudo, não me afastei. — Mas você me

beijou ontem. Foram dois beijos num curto período. — Levei a mão ao

seu cabelo, brincando com uma mexa dourada. — Já sabe o que isso

significa?
Ela passou a língua nos lábios, roubando minha atenção para esse

movimento. Puta merda! Sexy pra caralho!

— Você sabe? — balbuciou a pergunta, resfolegante.

Fiquei pensativo, enquanto avaliava seus traços, satisfeito com

suas reações quando tocava seu rosto e cabelos.

Seus tremores me diziam que ela não era imune a mim. Porra! Eu

estava perdido.

— A única coisa que tenho certeza é de que não deveria se

apaixonar por mim. Não sou um homem bom. — Mudei a expressão com

isso.

Ela piscou, espantada.

— Por que acredita que não é um homem bom? — rebateu,

confusa.

Me afastei, mesmo a contragosto.


— Não sou a pessoa certa para você, Micaela — afirmei, de costas,

sem querer que ela vislumbrasse a diversidade de sentimentos que

estavam brilhando nos meus olhos. Pigarreei: — Sairemos em alguns

minutos — avisei.

Após dizer isso, saí da cozinha.

Foi minha vez de fugir, afinal.

Dias depois

Estava ansioso para voltar a ver minha pequeña. O que supus que

terminaria num só fim de semana, se estendeu por dias.

No tempo que estive fora — infiltrado na mansão do Juárez —,

Angel não arrumou ninguém para assumir as minhas funções nos postos
que eu ocupava no México. Com isso, carregamentos atrasaram e

dívidas não foram cobradas.

Não foi fácil organizar toda essa porra.

— Você anda distraído há alguns dias, Miguel — disse Angel,

enquanto tomava sua tequila, sentado na poltrona em frente à minha.

Estávamos no jatinho particular, rumo ao Canadá, para onde

mandamos as garotas. Ninguém, além de aliados e a família, sabia da

casa que Angel mantinha nas montanhas.

Franzi o cenho, assimilando sua declaração.

— Como você soube que minha irmã era a pessoa certa? —

perguntei. — Ou melhor, ... — pigarreei, nervoso — como soube que

estava apaixonado por ela?

O romance do Angel com minha irmã não foi algo que aconteceu

do dia para a noite, afinal. Foram muitos os obstáculos, causando

sofrimento para todos.


O idiota me encarou, exalando aquele sorrisinho zombeteiro no

canto dos lábios.

— Ainda tem dúvidas de que se apaixonou pela garota? —

Levantou uma sobrancelha, em desafio, referindo-se a Micaela.

Revirei os olhos, incomodado.

— Não quero pensar na possibilidade de ela estar trocando de

dependência, sabe? Micaela só tinha o irmão antes de eu chegar na vida

dela — desabafei, irritado com o rumo dos meus pensamentos. — Isso é

foda pra caralho!

— Deixe as coisas rolarem — afirmou, entornando sua bebida. —

Foi assim que fiz com sua irmã. — Deu de ombros. — O tempo é o

melhor remédio, além de ser a melhor resposta para acalmar qualquer

dúvida que surgir na nossa mente.

— Você acha que estou em dúvida sobre meus sentimentos?

— E não está? — Arqueou as sobrancelhas.


Estalei os lábios, pensativo.

— Não sei — respondi no fim. — Minha intenção ao tirá-la daquela

casa era fazê-la livre, não... minha mulher.

Angel assentiu com a cabeça, absorvendo minhas palavras.

— Bem-vindo ao mundo onde nós não temos domínio de todas as

coisas, meu amigo. — Ofereceu-me o copo de tequila, num brinde

silencioso. — O amor nos faz surdos e cegos, mas pode ser nossa

salvação.

— Ou destruição — respondi, meio amargo.

Mal coloquei os pés nos primeiros degraus da casa quando a porta

se abriu e Micaela apareceu, eufórica e sorridente. Antes de viajar,

providenciei um celular para ela poder se comunicar comigo. Ouvir sua


voz, mesmo que por um aparelho, foi meu pequeno bálsamo nos últimos

dias.

A saudade estava me consumindo.

— Oi! — exclamou com um sorriso largo. Lindo.

Ela era toda linda.

— Oi! — respondi ao me aproximar, estudando suas reações. Ela

estava nervosa, dava para ver pelo jeito que segurava o vestido bordô.

— Vocês demoraram! — Minha irmã comentou, surgindo atrás da

Micaela. Se aproximou de mim e me abraçou, beijando meu rosto.

Em seguida, foi até seu marido.

— Senti sua falta — Micaela se aconchegou em meus braços

calorosos e ansiosos para senti-la.

De olhos fechados, inspirei seu cheiro doce, sentindo-me em casa.

Isso. Eu estava em casa.


— Eu também pequeña, eu também — respondi, acariciando seus

cabelos.

Depois que entramos, fui direto para o banho. Estava exausto e

ávido por algumas horas de sono. Ultimamente, os problemas vinham

tomando meu tempo e meus pensamentos, impedindo-me de descansar.

Angel e Lis decidiram que partiriam para San Diego nas próximas

horas, já que os negócios precisavam de atenção constante.

— Miguel, eu... — a voz da Micaela se perdeu no instante que me

viu saindo do banheiro, com uma toalha enrolada na cintura. Seus olhos

se arrastaram pelo meu corpo semidespido, se fixando no hematoma na

lateral do meu peito, que ganhei após um pequeno percalço.

Em uma das negociações, no México, um dos homens rivais

resolveu me desafiar, então fui pego desprevenido ao levar um golpe


perto das costelas com uma barra de ferro.

Fiz questão de descarregar meu cartucho no filho da puta!

— ¡Dios mio, Miguel! — exclamou, correndo em minha direção,

sem esconder a preocupação.

— Não é nada de mais, meu anjo — falei, tentando convencê-la e

acalmá-la.

Não gostava de vê-la preocupada, ainda mais por algo tão banal.

— Como não? Isso está horrível. — Fez uma expressão

desgostosa, arrancando-me um sorriso, porque ela conseguiu ficar ainda

mais linda.

— Pode acreditar, pequeña, estava bem pior.

— Dói muito? — perguntou, tocando a mancha arroxeada com a

ponta dos dedos, como se estivesse com medo de encostar na minha

pele.
Meus olhos não se desgrudavam dela, desejando que me tocasse,

que sentisse o calor que emanava da minha pele contra a palma de sua

pequena mão.

Fechei os olhos quando a senti aproximar o rosto e deixar um beijo

casto acima do hematoma.

— Apesar de me lembrar muito pouco dos meus pais, eu me

recordo que mi madre sempre afirmou que dar um beijo no machucado

podia fazê-lo se curar mais rápido — comentou envergonhada, baixando

o olhar para suas mãos.

Antes que ela se afastasse, peguei suas mãos e as espalmei no

meu peito, ouvindo o seu arfar. Nossos rostos estavam próximos.

— Miguel... — sua voz soou alterada, mas não desviou o olhar.

— Você ainda se lembra do toque dos meus lábios nos seus? —

indaguei, deslizando a mão para sua nuca, analisando suas reações.

Seus tremores.
Seus gemidos baixos.

Ela era tão sensível quanto imaginei que seria.

Passou a língua nos lábios, sem esconder que estava agitada.

— Não — sussurrou, no fim, arrastando o olhar dos meus olhos

para minha boca. Ela me queria.

Uma das minhas mãos se fixou em sua cintura fina, apertando sua

carne à medida que os sons que escapavam de sua boca me deixavam

excitado.

Sufocado de desejo.

— Então terei de lembrar a nós dois, porque também não consigo

me recordar do toque dos seus.

Dito isso, baixei a cabeça, tocando os nossos lábios como eu

ansiava desde a primeira vez que a vi. Forcei minha língua no vão de

seus lábios, incitando-a a me acompanhar como eu exigia. Segurei seu

rosto com as duas mãos, mantendo-a próxima.


Seus gemidos faziam minha pele vibrar.

O calor de suas mãos em meu peito, a forma tímida como me

tocava estavam me destruindo pouco a pouco.

Eu queria mais.

Queria lamber cada pedacinho de sua pele.

Desejava passar muitas horas ouvindo os sons que ela emitia

enquanto eu a tocava.

E minha mente pervertida tinha muitas ideias do que queria fazer

com seu corpo.

Ao parar o beijo, porque sabia que acabaria perdendo o controle a

qualquer momento, Micaela permaneceu de olhos fechados por alguns

instantes. Admirei seu rosto corado, encantado com sua sensibilidade.

Assim que finalmente abriu os olhos, sorriu, piorando meu estado

de inquietação.

— Conseguiu se lembrar? — brinquei, sorrindo.


— Não só lembrei... — resfolegou — como agora consigo senti-lo

em cada parte do meu corpo, especificamente entre minhas pernas.

Puta merda!

Essa garota acabaria me mandando para a porra do inferno!


Os dias que passei sem Miguel pareceram eternos. Apesar de sua

irmã ser adorável, eu não via a hora de ele voltar e encher meus dias

com sua presença, cuidado, carinho e proteção.

A intimidade que criamos vinha me fazendo refém das lembranças

de seu toque, seus olhares carregados de desejo. Ainda sentia o sabor

do seu beijo, sua língua tocando a minha, o que me causava arrepios

involuntários. Estranhamente, minha calcinha parecia pesada, úmida e

pegajosa.

Não tinha a menor ideia do que era, mas não podia mentir... queria

mais.

Muito mais.
Mordi os lábios com um risinho baixo, tentando disfarçar meus

pensamentos libidinosos.

— Te dou outro beijo se me contar o que se passa nessa

cabecinha. — Pisquei com a voz do Miguel. Ainda estávamos no quarto,

já que fiz questão de cuidar daquele hematoma horrível. — Por que essa

carinha de menina levada? — perguntou, me olhando com olhos

estreitos.

— Nada de mais — menti, dando de ombros. Enrolei a faixa ao

redor da sua cintura.

Ele já tinha colocado uma calça.

— Então por que está com as bochechas vermelhas? — insistiu,

acariciando meu rosto com a ponta dos dedos ásperos.

Arrepios invadiram meu corpo todo.

— Porque você me deixa tímida — confessei, sem coragem de

encará-lo nos olhos. — Nunca me senti assim antes. — Retorci o rosto.


— Assim, como?

Levantei o olhar para seus olhos, quase sem ar, devido à

intensidade deles.

— Como se estivesse em chamas, mas sem me queimar de fato.

— Lambi os lábios ressecados. — Sei que não está à vontade com o que

vem acontecendo entre nós, mas... — fixei meus olhos na sua boca, tão

próxima da minha —, talvez pudéssemos explorar isso. Eu... —

engasguei-me, nervosa, ao perceber como suas mãos faziam

movimentos circulares na minha cintura.

— Você... — instigou-me a continuar falando. Passou uma das

mãos pelas minhas costas, embrenhando os dedos nos meus cabelos e

na nuca. Fechei os olhos, perdendo completamente as forças e o

raciocínio.

— Eu preciso de você — soprei. — Quero aprender essas coisas.

Ele afastou um pouco a cabeça, me fazendo perceber suas pupilas

dilatadas.
— Que coisas?

Meu rosto esquentou ainda mais.

— As coisas que um casal faz... — mordi o lábio inferior, me

sentindo boba.

Como Miguel permaneceu calado, me olhando fixamente, a

sensação de ter falado bobagem atingiu-me com força, fazendo meu

rosto queimar de vergonha.

— Esquece — falei, me afastando dele. — Por favor, esquece que

falei isso. Ai que vergonha!

Guardei as coisas na caixinha de primeiros socorros e, logo em

seguida, a coloquei de volta no amplo banheiro que tinha no quarto.

Eu era uma idiota mesmo!

Na verdade, eu desejava experimentar coisas novas... Precisava

apagar a má lembrança que meu irmão me deixou — todas às vezes que

me tocava de forma íntima. Era diferente com Miguel.


E eu ansiava sentir mais.

— Micaela? — chamou, mas me esforcei para ignorá-lo. — Ei?! —

Segurou-me quando tentei passar por ele. — O que foi?

— Nada — murmurei, ainda sem conseguir encarar seu rosto. Não

poderia. — Só estou me sentindo uma boba.

De relance, o vi franzir o cenho.

— Boba? Por desejar sentir prazer comigo? — quis saber.

O ar ficou preso em meus pulmões. Por que ele tinha de ser tão

direto desse jeito?

Céus!

— A sua reação fez parecer que era errado.

Ele inspirou fundo, como se estivesse buscando paciência, ou as

palavras certas para falar. Não entendi direito.

— Porque não foi para isso que tirei você daquela casa. Não quero

me sentir a porra de um tarado, me aproveitando de você, entende? Da


sua ingenuidade. Não é certo!

Pisquei, sentindo meus olhos nublarem com lágrimas, mas não as

permiti cair.

— Você não quer estar comigo? — Ele não disse nada. — Tudo

bem. — Minha voz embargou. — Entendi. — Virei o rosto para o lado,

para que ele não percebesse que eu estava a ponto de chorar de raiva

por mim mesma por ser tão permissiva.

— Micaela...

Não fiquei para ouvir suas desculpas. Seria muito doloroso ouvir —

e sentir — sua rejeição.

Estava sentada em uma poltrona na varanda, perdida em

pensamentos, apesar de estar com um livro de romance nas mãos.

Desde minha pequena — e estranha — discussão com Miguel, mais


cedo, nós não conversamos. Na verdade, eu o estava evitando. Por

vergonha.

Mágoa.

Medo.

E uma pontada de raiva também.

Se ele não desejava estar comigo intimamente, por que me beijou

daquele jeito?

— Droga! — exclamei, soltando o ar asperamente. Me sentia tão

frustrada.

Piorava quando me lembrava que voltamos a estar sozinhos

naquela casa, pois Lis viajou com o marido e filho.

Dei um pulo de susto ao ouvir a voz do Miguel me chamando:

— Micaela? — Meu coração se agitou um pouco. — Vou dar uma

saída. Quer vir comigo?


Me levantei e segui na direção da sua voz. Assim que entrei na

cozinha, onde sabia que ele se encontrava, vi que estava sentado

confortavelmente, tomando um café.

Eu apreciava seu visual despojado, com jeans e camisa escura,

mas quando ele usava terno... uau! Todo meu corpo se arrepiava,

acendendo em várias partes.

— Já está de saída? Só vou me trocar.

— Não precisa se apressar, anjo — murmurou, com os olhos em

mim. Parecia me queimar inteira. — Ainda pretendo terminar meu café.

Além disso, preciso falar com Angel também. — Agitou o celular na mão.

Sacudi a cabeça, tentando não demonstrar quão afetada me sentia

com seu olhar.

— Aproveitarei para tomar um banho — avisei, eufórica, apesar do

clima estranho entre nós dois desde a discussão no seu quarto.

Antes que eu tivesse tempo de me afastar da cozinha, sua voz me

freou:
— Espera! — Se levantou e caminhou até mim, me fazendo tremer

um pouco. — Não gosto de estar distante de você — disse, segurando

minhas mãos nas suas, grandes. — Você é importante demais para mim,

Micaela. Tenho medo de estragar as coisas e fazê-la sofrer. Eu jamais

me perdoaria se a magoasse sem querer.

— Por que acha que vai me magoar? — Pisquei, confusa.

— Regra número um, dos ensinamentos, querida: é sempre bom

estar preparada, porque os homens costumam magoar as mulheres o

tempo todo. — Fez uma careta engraçada.

Deitei a cabeça de lado.

— Ensinamentos? — Arqueei as sobrancelhas. — Isso significa

que você vai me ensinar... as coisas?

Ele riu com vontade, jogando a cabeça para trás.

Depois, me puxou para perto dele, envolvendo minha cintura com

seus braços protetores.


— Que Deus me ajude, mas sim... — segurou meu rosto com suas

mãos —, vou ensiná-la a fazer... coisas. — Aproximou a boca do meu

ouvido para sussurrar: — Mal posso esperar para explorar cada

centímetro do seu corpo, estudar suas reações e ouvi-la gritar. —

Lambeu minha orelha, arrancando-me gemidos.

— Gritar? — Minha voz foi um fraco murmúrio.

Miguel sorriu e voltou a pairar o rosto em frente ao meu. Mas era

um sorriso pervertido.

— De prazer, pequeña. Seus gritos serão de puro prazer —

prometeu.

E todo meu corpo sentiu o impacto daquela promessa.

— É tudo tão lindo aqui... — gesticulei ao redor, admirada com a

beleza, as luzes, as pessoas, tudo.


Nos últimos dias, eu tinha saído para passear com a Lis, mas,

dessa vez, era diferente. Com Miguel, tudo ganhava outro significado.

Apesar de estarmos rodeados de seguranças, soldados que

trabalhavam para ele, eu tinha a sensação de que éramos apenas nós

dois ali.

— Olha! — Apontei para uma sorveteria, desejando experimentar

um daqueles sabores. — Quero um!

— Venha, vamos entrar... — me puxou pela mão em direção a

sorveteria.

Ele talvez nem tivesse percebido o gesto, mas meu coração bobo

começou a bater depressa ao ver seus dedos entrelaçados aos meus.

Após pedirmos os sorvetes, permanecemos ali, conversando e

rindo, como se nada e nem ninguém pudesse nos abalar ou destruir

nossa felicidade. Por um momento, desejei pausar o tempo. Desejei

permanecer ali para sempre, com ele.


No final da tarde, antes de voltarmos para casa, Miguel me

surpreendeu com um presente.

— Tenho um amigo que, sempre que preciso, consegue localizar

pessoas para mim — explicou, enquanto eu abria o envelope bonito. —

Dessa forma, pude obter uma fotografia dos seus pais, de algumas

semanas antes de os dois falecerem. — Abri, me emocionando ao me

deparar com uma corrente de ouro. O pingente era um relicário,

contendo a fotografia dos meus pais. — Pedi para fazer esta joia, para

que você os tenha sempre.

Analisei o pingente oval, tentando reprimir a emoção, porém sem

sucesso.

Depois que nossos pais morreram, nunca mais vi uma fotografia

deles, pois Juárez alegava que as lembranças haviam se perdido. Dessa

forma, eu sempre tentava manter as poucas lembranças que tinha. No

entanto, elas eram raras, afinal, eu só tinha seis anos quando eles

morreram.

— Obrigada — soprei em um sussurro, segurando a emoção.


Miguel me ajudou a colocar a joia no pescoço.

— Não queria deixá-la triste, pequeña. — Fez um carinho no meu

rosto, enxugando as lágrimas. Involuntariamente, deitei a cabeça em sua

mão.

— Não estou triste, muito pelo contrário — esclareci com a voz

rouca, tentando segurar o choro. — Eu já não me lembrava mais deles...

— falei, olhando para a pequena foto no pingente — Minha mãe era

linda.

— Como você, mi cariño — declarou, e senti a emoção em sua voz.

— Vamos para casa, você deve estar cansada.

Então saímos, seguindo em direção ao seu carro.

Eu sabia a preocupação dele em relação ao nosso envolvimento, o

receio de me magoar sem querer. O problema era que cada gesto que

ele fazia, cada cuidado... me levavam exatamente para ele,

impulsionando-me.

Miguel não entendia, mas... meu coração já estava nas suas mãos.
E tudo o que eu podia fazer era me arriscar.
Eu estava calada. Não consegui lidar com a mistura de sentimentos

e emoções que me dominaram quando Miguel me presenteou, minutos

atrás. Não me recordava da aparência dos meus pais, então, olhar a

imagem me fez sentir como se fosse uma criança de seis anos

novamente.

De certa forma, me senti culpada por não me lembrar da fisionomia

deles.

— Você está bem? — Miguel questionou, tirando a mão que estava

no câmbio da marcha e a posicionando em cima da minha perna.

Estávamos no carro, voltando para casa nas montanhas.

Forcei um sorriso.
— Sim. Só estou cansada — menti, tentando tranquilizá-lo. — Nada

que um bom banho e algumas horas de sono não restabeleçam minhas

energias.

Ele me encarou de relance, estudando meu rosto. Parecia estar

tentando me ler de certa forma.

— Está mentindo — decretou no fim.

Não me surpreendi com sua percepção. Miguel me conhecia como

ninguém.

Suspirei audivelmente, passando a encarar a paisagem fora da

janela.

— Você ficou assim desde que viu a fotografia de seus pais —

concluiu, ao notar meu silêncio. — Quer conversar a respeito?

Mordisquei o cantinho interno da boca, pensativa sobre tudo. Meu

passado e meu presente.

Era muita coisa para assimilar.


— Estou me sentindo estranha — confessei —, um pouco culpada,

talvez.

— Culpada? Por quê? Não entendi.

Esfreguei o rosto, sentindo a tensão nos músculos.

— Meu irmão costumava dizer que não havia fotografias dos

nossos pais — relatei, magoada. — Sempre que eu perguntava, ele dizia

que todas ficaram na casa antiga e que não havia como pegá-las, pois,

se perderam.

— Mas por que ele negaria essas fotos? — perguntou, dividindo

sua atenção entre a estrada e eu. — Isso não faz o menor sentido.

— Não sei responder. — Dei de ombros, tão confusa quanto. —

Juárez sempre foi estranho com suas atitudes, principalmente, as

relacionadas a mim. — Respirei fundo, engolindo as lembranças

incômodas. — Hoje, reconheço que ele não agia de forma adequada,

digo... não como um irmão mais velho.


— Por que diz isso? Como ele agia? — quis saber, focando na

estrada. Pude notar que os nós de seus dedos estavam esbranquiçados

de tanto apertar o volante.

— Deixa pra lá — pigarreei, aflita. — Não quero falar sobre isso

agora. — Inspirei fundo, desesperada para respirar. Parecia que eu

estava me afogando em lembranças indesejadas.

— Tudo bem! — exclamou, apesar de eu sentir que ele desejava

saber mais. — Quero que saiba que quando quiser conversar, estarei

aqui   — concluiu, voltando a apertar minha mão.

— Eu sei.

Uma semana depois


— Não gosto desses carinhos, Juárez — falei, incomodada e

assustada, quando ele se deitou ao meu lado, à noite, e esgueirou a mão

por baixo do meu pijama para apertar meu seio.

— Relaxa, irmã, eu não vou te machucar — disse, beijando meu

ombro. — Eu jamais a machucaria.

Não entendi o motivo, mas meus olhos se encheram de lágrimas.

— É estranho — balbuciei, nervosa —, parece errado. — Tentei me

afastar quando o senti esfregar sua protuberância no meu traseiro.

— Já disse que essa é minha maneira de mostrar o meu amor por

você. Não precisa se preocupar, pois nós somos irmãos e é normal nos

amarmos assim.   — Beliscou o bico do meu seio.

Minha vontade foi de gritar para ele parar, porém, só me encolhi

mais.

Acordei com braços fortes me apertando. A princípio, cheguei a me

debater, chorando. Escutei o som de gritos, mas logo percebi serem

meus.
Então aquela voz... que tanto me tornei dependente, me trouxe de

volta para o presente:

— Calma, pequeña, sou eu... — soprou Miguel, beijando o alto da

minha cabeça. — Estou aqui. Vai ficar tudo bem.

Seus braços estavam em volta de mim, mantendo-me aquecida

com seu corpo.

Afastei a cabeça para encarar seu rosto, apesar da visão nublada

pelas lágrimas. Pisquei, querendo acreditar que ele realmente estava ali.

Sim, era real.

Era ele. Meu Miguel.

Meu.

Desesperada, voltei a abraçá-lo, escondendo meu rosto na dobra

de seu pescoço. Ele estremeceu um pouco, não entendi se devido à

proximidade ou pelo meu choro constante.


Não tinha a menor ideia da hora, mas, pelo escuro que reinava lá

fora, concluí que ainda fosse madrugada.

— Não quero mais voltar para aquele lugar — sussurrei, afundando

a cabeça no seu peito e inalando seu cheiro, que se tornou meu

bálsamo. — Por favor, prometa que eu não vou mais ter que ficar com

meu irmão — implorei, sentindo o terror disso em cada célula.

Miguel permaneceu calado por alguns segundos; eu sabia que ele

tinha vontade de saber o que estava acontecendo comigo, mas eu ainda

não estava preparada para revelar.

Beijou minha cabeça algumas vezes.

— Não vai, pequeña... não vai voltar para aquela casa nunca mais,

eu prometo — afirmou com fervor.

Em seguida, sentou-se, recostado na cabeceira da cama e me

puxou para seu colo. Embalou-me como uma criança assustada,

deslizando as mãos por minhas costas. Não soube exatamente quando,


mas, depois de muito chorar, tentando afastar o pesadelo e a sensação

do toque do meu irmão, voltei a dormir.

Dessa vez, sem pesadelos, somente com a sensação de estar

protegida nos braços do meu protetor.

— Que cheiro bom! — comentei ao entrar na cozinha. Miguel

estava em frente ao fogão, usando somente uma calça de moletom e

uma regata branca. Pelo aroma, concluí que estivesse preparando ovos

com bacon.

— Imaginei que acordaria com fome. — Sorriu, virando os ovos,

que acabou de preparar, em um prato. Me sentei em frente a bancada

assim que ele colocou o prato na minha frente.

Me servi com um copo de suco de laranja.


— Você sempre consegue perceber o que eu preciso! — exclamei,

sem esconder o quanto sua percepção em relação a mim, me deixava

encantada.

Ele me ofereceu uma piscadela marota antes de pegar seu prato e

se sentar ao meu lado. Era impossível ignorar o perfume forte dele, que

invadia as minhas narinas. Seu cheiro acalmava meus demônios, agonia

e receios.

De repente, o encantador sorriso que me oferecia foi se

desvanecendo lentamente e sua expressão ficou fechada com os

pensamentos que voltaram a passar pela sua cabeça, deixando seu

olhar triste e carregado.

— Como você está? — indagou, abocanhando uma porção dos

ovos. Não foi difícil deduzir que estivesse se referindo ao pesadelo.

Pisquei, desviando o olhar. Respirei com calma, lutando para

demonstrar uma tranquilidade que estava longe de ter.


— Estou bem. — Não era mentira, afinal. Estar com ele me trazia o

acalento da paz, a certeza de que ficaria bem. Segura.

Não o encarei, mas podia sentir a força de seus olhos em mim.

— Quer falar sobre o pesadelo? — perguntou, pegando minha mão

e beijando o dorso.

Arrepios trespassaram pelo meu corpo todo. Encontrei seus olhos,

enfraquecida pelo impacto causado por eles. Era impressionante o poder

que ele possuía sobre mim.

— Sinto muito, mas... — lambi os lábios — preferia não lembrar

nem falar sobre isso no momento. — Me forcei a continuar encarando

seus olhos minuciosos.

— Tem certeza? — insistiu. — Você sabe que pode contar comigo

para livrá-la desses demônios, hum? — Tocou meu rosto, acariciando

meu couro cabeludo de modo lento.

A pequena carícia foi suficiente para que um gemido

desavergonhado escapasse de meus lábios.


— Infelizmente, eles são meus. Preciso enfrentá-los sozinha —

admiti. — Mas, ao saber que você está comigo, a batalha se torna mais

fácil. — O encarei nos olhos, notando que sua atenção estava na minha

boca.

Como estávamos sentados um do lado do outro, Miguel aproveitou

para puxar minha cadeira para mais perto da dele, me virando para ficar

de frente.

— Sempre estarei com você, Micaela — prometeu, enfiando as

mãos nos meus cabelos, fazendo minha cabeça se inclinar para seus

afagos. — Você é minha para proteger. Entende isso?

Meu coração batia forte enquanto minha cabeça tentava processar

a sua fala, mas não tive tempo, pois senti seus dedos puxando a alça da

minha blusa para baixo, deixando meu ombro à mostra.

— Segunda regra... — soprou, se curvando para depositar beijos

úmidos no meu ombro —, você precisa aprender a se conhecer. Precisa

ter mais confiança em si. Só assim terá forças para se libertar de dentro

para fora.
O ar ficou preso em meus pulmões. O meu corpo inteiro começou a

se aquecer, pronto para entrar em combustão.

Seus lábios trilharam beijos pelo meu pescoço, orelha e queixo. Só

sabia emitir sons de prazer, apreciando cada reação que seus toques

causavam em meu corpo trêmulo.

— E... — parei para encher meus pulmões de ar —, como farei

isso?

Seu rosto ficou a poucos centímetros do meu, me permitindo ver a

intensidade do seu desejo. Seus olhos estavam ainda mais escuros,

pesados. Apesar de ter essa impressão, Miguel não parecia tão

perturbado quanto eu. Sua experiência nesse quesito ficava visível aos

meus olhos.

— O que você sente quando eu te toco? — perguntou, deslizando

as pontas dos dedos pelos meus braços, brincando com as alças da

minha blusa. Era uma provocação. Uma clara afirmação de que ele tinha

o poder ali.
O poder de me desestabilizar completamente.

Vibrações se espalharam da minha pele aos meus músculos,

fazendo-os ficarem rígidos à medida que meu corpo começava a

procurar por algo que eu desconhecia.

— Calor — balbuciei, segurando sua camisa, como se,

inconscientemente, estivesse querendo que ele se aproximasse mais. Eu

queria mais.

Minha resposta pareceu agradá-lo, porque sorriu abertamente. Um

sorriso libidinoso.

De repente, ofeguei quando seus dedos apertaram levemente os

meus mamilos por cima da blusa. Foi sutil, mas o bastante para uma

descarga elétrica percorrer todo meu corpo.

— Miguel... — soprei, arrebatada.

Ofeguei no instante que sua boca me beijou com vontade, num

beijo que afastou qualquer pensamento ruim ou lógico. Não havia

coerência em minhas ações. Apenas desespero por algo mais.


Algo novo.

Sua boca reivindicava a minha com tanta fome que ficava difícil

para respirar. Os grunhidos que saíam da sua garganta eram eróticos, e

pioravam as emoções que vinham se aglomerando no meu interior.

Miguel continuava beliscando meus mamilos, preenchendo suas mãos

com meus seios, mas de modo calmo. Ele sabia a pressão que precisava

exercer, sabia como me tocar e me deixar totalmente envolvida.

O desconforto entre minhas coxas se agravou, a ponto de eu

perceber a umidade abundante na minha calcinha. O contraste do seu

beijo com a forma como acariciava meus seios estava me desesperando.

Meu corpo estava implorando.

Sem saber o motivo, saí do banco em que estava e fui até o Miguel,

me sentando no seu colo, com as pernas abertas ao seu redor. Não

ousei parar de beijá-lo. Não podia.

Eu queria mais.

Precisava de mais.
Inconscientemente, comecei a me esfregar sobre ele, me

deleitando com a dureza entre suas pernas, que pressionava o ponto

exato que eu ansiava de atenção.

— Miguel... — soprei em sua boca, de olhos fechados.

Estava perdida em sensações. Perdida naquele prazer exorbitante

que ele estava me proporcionando.

Uma de suas mãos estava em minhas costas, ajudando-me a

impulsionar o quadril sobre ele, num movimento constante de vai e vem.

Céus! Eu estava completamente solta.

A única coisa que me importava naquele momento era me libertar

daquela dorzinha; era chegar ao ápice, mesmo sem entender o que isso

significava.

— Regra de número 3 — disse com a voz carregada, mordiscando

meu lábio inferior — Permita-se. — Beliscou meus mamilos com um

pouco mais de força. Ele nem sequer tocou minha pele; continuava me

acariciando por cima da roupa do meu pijama.


Algo explodiu dentro de mim, como se me desfizesse e me

reconstruísse ao mesmo tempo. Espasmos me atacaram com violência,

forçando Miguel a me segurar, para me manter no lugar. O pulsar entre

minhas pernas me deixou consciente do impacto da sensação.

Resfolegante, afastei a cabeça para poder encontrar os olhos do

homem que me enfraquecia com uma facilidade apavorante.

O rubor nas minhas bochechas, em contraste com o suor que se

acumulou na minha testa, me fizeram consciente do que acabara de

acontecer entre nós dois. Apenas nesse instante me dei conta de que

estava no seu colo, numa postura que revelava muito sobre a intimidade

que acabamos de ter.

— Isso foi... — pisquei, com minha mente em branco. Estava difícil

raciocinar.

Ele sorriu, deslizando a mão pelo meu rosto suado.

— Seu primeiro orgasmo — concluiu, parecendo satisfeito. Os

olhos estavam ferozes e mais escuros do que antes. Ainda era possível
senti-lo duro entre minhas pernas, pulsando levemente.

— Eu... quero mais — soprei, apesar da timidez.

Seu sorriso se ampliou.

— Eu sei que quer, pequeña — segurou meu rosto com ambas as

mãos, sem tirar os olhos do meu rosto — Sei que quer.

Mais tarde, naquele mesmo dia, retornamos a San Diego,

Califórnia. Tentei de todas as formas esquecer o que aconteceu entre

nós dois naquela cozinha, pela manhã, mas não consegui.

Miguel não me tocou mais, ao contrário do que eu queria, e disse

que precisávamos ir com calma. Disse que não havia pressa.

Meu corpo irradiava sensações novas. O tempo todo, eu procurava

Miguel com os olhos, suplicando por mais dos seus toques.


Dos seus carinhos.

Seus ensinamentos.

Não havia mais espaço para nada na minha cabeça, além do que

eu sabia que ele poderia me dar. E eu estava mais do que disposta a

aprender.

Com ele.

De repente, pisquei freneticamente quando paramos em frente a

uma casa grande e imponente. Não tinha a menor ideia de onde

estávamos, pois pensei que voltaríamos para seu apartamento.

Antes que pudesse perguntar, Miguel se virou para mim e segurou

minha mão. Ele conduzia o carro em que estávamos, mas eu podia

avistar o comboio de seguranças logo atrás.

— Se importa de entrar e me aguardar um pouco? — indagou,

beijando a palma da minha mão, causando-me arrepios distintos. —

Preciso conversar com o Angel.


— Essa é a casa deles? — perguntei, voltando meu foco para a

propriedade a nossa frente.

— Sim, é uma das casas que ele mantém aqui, em San Diego —

respondeu, estudando minhas reações. — Depois disso, prometo que

voltaremos para meu apartamento.

A forma como ele proferiu as últimas palavras, me causou arrepios,

fazendo com que minha pele vibrasse de ponta a ponta.

— Para mais ensinamentos? — questionei, lutando contra meu

embaraço. Eu não estava acostumada a falar sobre essas coisas.

Meu rosto esquentou consideravelmente pela timidez.

Miguel abriu um sorriso safado, o que fez meus músculos tremerem

de pura expectativa. Era praticamente impossível permanecer parada,

pois minha calcinha umedeceu.

— É isso o que você quer? — indagou, me permitindo notar sua

voz carregada.
Lambi meus lábios e ele acompanhou com os olhos.

— Não faça isso — rosnou, me deixando ainda mais nervosa.

— I-isso... o quê? — gaguejei, pateticamente.

Então, me puxou para seus braços, mantendo meu rosto perto do

dele.

— Cada vez que você lambe os lábios desse jeito, eu só fico

imaginando-os em volta do meu pau.

Céus!

Pronto! Meu cérebro virou gelatina.


— A viagem foi boa? — perguntou Angel quando entrei no

escritório.

Fui direto para sua adega, ansioso para hidratar minha garganta. A

minha mente saltava de Micaela para as carícias que tínhamos

compartilhado nas últimas horas. Eu ainda podia ouvir seus gemidos,

podia sentir o desespero de suas mãos em mim e os movimentos que fez

ao gozar no meu colo, esfregando a boceta no meu pau. Nunca vi uma

cena tão sexy na vida.

A inocência dessa garota me derretia e me atraía para perto dela

como um maldito ímã. A todo instante, minha consciência me culpava,


relembrando-me que era errado, que eu deveria me afastar antes que as

coisas piorassem..., mas resolvi ignorar todos os avisos. Foda-se!

Eu queria Micaela para mim.

Sob minhas mãos.

Gemendo meu nome quando estivesse nua, debaixo do meu corpo,

totalmente a minha mercê.

Porra!

— Foi tranquilo — respondi à pergunta do Angel, enquanto me

servia de vodca. Precisava de algo mais forte. — Quais as novidades?

Por que me chamou para essa reunião, afinal?

Ele me encarou com as sobrancelhas arqueadas, me estudando

minuciosamente.

— Tinha algo mais interessante para fazer, suponho... — insinuou,

provocativo.

Idiota!
— Vá se foder! — exclamei, impaciente, ao som de sua risada.

Sentei-me na poltrona em frente à sua mesa e reparei na pequena

pilha de papéis sobre o tampo de vidro.

— Enfim... — jogou-se para trás, balançando de um lado para o

outro, enquanto me fitava atentamente — Lembra-se daquela carga de

heroína, que estava marcada para chegar pela rota Brasil/Colômbia?

— Claro! — Dei um grande gole na vodca. — Fui eu quem

negociou a ponte para essa transação antes de ir para a mansão do

Juárez, meses atrás. Por quê? Aconteceu algo?

— Os homens do Juárez interceptaram o lote — disse ele, com um

grunhido, torcendo o nariz em sinal de desagrado. — O que mais

chamou minha atenção foi que não levaram nada, apenas queimaram a

carga. Quiseram mandar um recado.

— O filho da puta já deve saber que Micaela está sob nossa

proteção — afirmei.
— Sabe, e deixou claro, com essa atitude, que vai retaliar — disse,

apontando. — Só nos resta saber como e quando.

— Reparei que Juárez não é muito esperto quando se deixa levar

pela fúria — observei, lembrando-me do tempo que passei convivendo

com aquele imbecil. — É só uma questão de tempo até ele fazer merda.

Será nossa chance de atacar.

— Não sei se vou aguentar esperar — sibilou, entre dentes. —

Esse filho da puta vem tomando meu tempo mais do que eu gostaria. —

Suspirou baixo, de modo frustrado.

Olhei para a papelada sobre a mesa, curioso pelo que poderia

estar escrito ali.

— O que é isso tudo? — Apontei, pegando um cigarro do maço no

meu bolso.

— Informações que vão te interessar — respondeu, me assistindo

acender o cigarro. Sinalizei para ele prosseguir: — Fui conversar com o

Ryan para resolver alguns assuntos que estavam em aberto, e ele disse
que tomou a liberdade de investigar mais a respeito do Juárez, já que o

sujeito atrapalhou algumas entregas dele também. — Se levantou,

servindo-se de uma bebida. — Então, o hacker dele...

— Little Roy? — intimei, recordando-me do loiro vaidoso e irritante.

— Sim, — respondeu, retornando para sua poltrona com o copo na

mão — Ele montou um dossiê sobre o Juárez que acho que você vai

querer ler.

Franzi o cenho, num misto de sensações.

— Esse mistério todo está me irritando — reclamei, dando uma

tragada no cigarro, atento ao que ele tinha a dizer. — Não gosto disso.

— Vai gostar ainda menos quando descobrir sobre o passado do

Juárez e da "irmã" dele.

Pisquei, assimilando suas palavras.

— Por que as aspas na palavra irmã? — intimei, desconfiado.


Em resposta, Angel me entregou uma pasta em tom pardo. Sem

querer, lembrei-me da estranha sensação que tive quando dei o relicário

com a foto dos pais para Micaela e, ela comentou que o bastardo do

irmão dizia não ter como lhe mostrar imagens dos pais, porque foram

perdidas. Não vi sentido nisso.

Abri a pasta e, quando comecei a ler as primeiras páginas, soltei

um palavrão:

— ¡Hijo de puta!

Fechei as mãos em punhos, lutando para não fazer besteira.

Eu ia matar aquele miserável.

“Juárez José Dias era um oficial subalterno, soldado de primeira

linha da organização, mas ficou conhecido como: Juárez Salvatierra,

desde a morte de Manoel Salvatierra, El’ chapo do cartel, “Corazón de

Sangre”. Ocupou o lugar do ex-líder, após atentar contra a família

Salvatierra. Não teve total sucesso, pois a pequena Micaela Mary


Salvatierra, única filha do chapo, sobreviveu ao ataque que matou seus

pais.

A partir daí, ele assumiu o controle de toda a organização, fingindo

ser o bastardo do ex-líder, e, tornou-se o responsável pelo cuidado da

garota Micaela — a única herdeira — que tinha apenas seis anos à

época.”

Após ler esse curto trecho do dossiê, fechei a pasta, enojado

demais para continuar a leitura.

— Como... — parei, odiando que minha voz soasse fraca — Como

esse canalha conseguiu se safar do assassinato do chapo e ainda

usurpar o trono? Não é possível que ninguém tenha desconfiado.

Eu não sabia o que pensar. Era muita coisa para minha mente

processar.

— Ele deve ter tido ajuda de outras pessoas — concluiu, dando de

ombros. — Os ratos são uma das maiores pragas dentro das


organizações, e não me admira que Juárez tenha conseguido enganar

todo mundo para conquistar o que queria.

— O trono — argumentei, ainda com aquela raiva irradiando pelo

meu corpo.

— Poder — apontou Angel. — O idiota sempre quis poder —

complementou, sério. — Presumo que, para ele, Micaela ter continuado

viva tenha sido benéfico para seus planos, já que a manteve escondida

dos olhares alheios durante todos esses anos.

Meu coração começou a bater desesperadamente.

— O-o que está insinuando? — gaguejei.

A expressão do meu chefe estava tensa, tenebrosa. Aquela sombra

pairando em seu olhar devia ser a mesma que nublava o meu.

— Não é difícil deduzir, Miguel.

Trinquei os dentes, fechando os olhos e sacudindo a cabeça, sem

querer acreditar.
Puta que pariu! Puta que pariu!

O miserável precisava de um herdeiro legítimo para seu plano dar

certo; a única explicação plausível para toda aquela obsessão dele pela

Micaela.

Levantei-me bruscamente, sentindo os nervos à flor da pele. Fui

novamente até a adega, sentindo uma necessidade absurda de beber.

Precisava pensar com clareza, deixar o sangue fluir para não me deixar

dominar pelo desejo de ir atrás daquele sujeito para destruí-lo com

minhas próprias mãos.

— Miguel? — a voz do Angel soou meio distante.

Eu estava perdido em fúria. Sufocado pelo ódio que se espalhava

pelo meu sistema.

Minha mente só sabia me mostrar maneiras de matá-lo. Torturá-lo.

Eu o faria pagar.
— Nós vamos fazê-lo pagar, meu amigo — afirmou Angel,

parecendo ler meus pensamentos —, só que do jeito certo. — Tocou meu

ombro, enrijecendo-me. Não reparei o momento em que ele se levantou

da cadeira e aproximou-se de mim. — Vejo o que quer, mas não é hora.

Terminei minha bebida, sentindo o líquido âmbar queimando minha

garganta.

— Preciso ver a Micaela — disse, me afastando dele e pegando a

pasta que estava em cima da mesa. — Preciso ver que ela está aqui

comigo... a salvo daquele psicopata.

Angel disse mais alguma coisa, mas não consegui ouvir. Minha

cabeça estava bagunçada.

Saí, sem nem enxergar direito, completamente atordoado pelas

merdas que descobri. Só precisava da minha pequena nos meus braços,

sentir que ela estava ali, sob minha proteção.

— Micaela? — chamei, zanzando pela casa espaçosa. — Micaela?

Micaela?
— O que foi, Miguel? — Lis surgiu no meu campo de visão,

parecendo confusa e preocupada. — Parece que viu um fantasma. —

Passou as mãos nas minhas bochechas, como se estivesse tentando ver

se eu estava doente. — Está tudo bem? Seu rosto chega a estar pálido,

irmão.

Ia responder, mas hesitei quando Micaela se aproximou,

demonstrando estar igualmente apreensiva. Não lhe dei tempo de dizer

qualquer coisa, porque a puxei para meus braços possessivos.

— Miguel... — sua voz ficou fraca quando a ergui no meu colo e

apertei sua cabeça na dobra do meu pescoço.

Suas pernas envolveram minha cintura, enquanto eu me perdia no

seu perfume, na suavidade da sua pele e no calor de seu corpo junto ao

meu.

Comigo. Ela estava comigo.

Segura.
Não sabia se minha irmã ainda estava lá; não sabia se disse algo,

porque fui embora da mansão com Micaela nos braços.

— Certo! — exclamou Micaela, assim que chegamos ao meu

apartamento. — Já estou apavorada o bastante, agora pode me contar o

que aconteceu. Não aguento mais esse seu silêncio, Miguel.

O caminho até o apartamento foi percorrido de maneira rápida, e eu

não consegui dizer qualquer coisa.

Esfreguei o rosto com força, andando de um lado para o outro pela

sala. Parei por um momento, concentrando-me na garota apavorada que

estava sentada no sofá.

Queria mantê-la longe de toda essa dor e tristeza. Sempre quis lhe

mostrar o mundo e suas belezas, desde o primeiro dia em que a vi.


— Descobri alguns dados do seu passado — relatei, por fim,

observando a alteração na sua expressão. — Na verdade, eu pretendia

esconder isso de você, pois vai lhe causar dor. Não aguento ver você

sofrer, Micaela. Dói em mim.

Ela inspirou fundo, assimilando minhas palavras. Em seguida, deu

duas batidinhas no assento ao lado, convidando-me para sentar-se com

ela.

— Meus demônios, se lembra? — disse apenas, com um sorriso

fraco. — Devo lutar minhas próprias batalhas.

— Odeio isso! Não suporto essa impotência — resmunguei,

encarando a maldita pasta em minhas mãos. A raiva era tanta que eu

podia queimar aquela porra com meus próprios olhos.

— Eu não vou quebrar, Miguel — declarou ela, tocando meu rosto,

exigindo meu olhar no seu. — Sou mais forte do que pensa. — Voltou a

sorrir, aquecendo meu coração com seu brilho.

Sim, ela era forte.


Mas eu não era... acabei de descobrir que ela se tornou minha

fraqueza. Minha Criptonita.

Depois de muita relutância, entreguei-lhe a pasta, explicando que

continha um dossiê do Juárez.

Micaela, inicialmente, olhou para a pasta como se esta fosse uma

cobra prestes a atacar. Fiquei quieto para lhe dar o espaço necessário.

Apesar de tudo dentro e fora de mim gritar.

Fervendo.

Após alguns minutos, Micaela finalmente abriu o dossiê e começou

a ler. Levantei-me e me sentei diversas vezes, agitado demais para

ignorar minhas emoções.

Fiquei ansioso com sua reação calma, uma vez que esperava por

um acesso de fúria, ou pelo menos por um surto, e não aquele estado de

torpor em que ela parecia estar no momento.

— Fale alguma coisa, pequeña, por favor — pedi, agoniado com

seu silêncio.
Ela desviou o olhar da pasta que tinha nas mãos, encontrando meu

olhar atento e apreensivo. Notei uma única lágrima deslizar pela sua

bochecha.

— Então... — pigarreou, limpando a voz — Juárez não é meu irmão

de sangue? — indagou.

Observei sua postura, tentando lê-la.

— Não.

— Ele causou a morte dos meus pais?

— Sim.

Piscou freneticamente, como se estivesse tendo dificuldade de

assimilar tudo o que acabara de descobrir.

— Estes documentos são legítimos? Não há a hipótese de as

informações estarem erradas?

— São totalmente verdadeiros — respondi, encarando seus olhos.

— Aquele sujeito não é seu irmão e, infelizmente, foi ele quem matou
seus pais para ter o posto de chefe. — Retirei a pasta do seu aperto,

ansioso para segurar suas mãos nas minhas.

O silêncio tomou conta do ambiente por alguns segundos,

enquanto ela se concentrava nos círculos que eu traçava com os dedos

em sua pele.

— O que está sentindo? — perguntei, aflito.

— Não sei dizer, na verdade — soprou, mirando meus olhos.

Percebi estarem úmidos, como se, naquele momento, a realidade de sua

vida inteira recaísse sob seus ombros. — Sempre tive a sensação de que

algo me faltava, que a maneira como levava a vida, como Juárez se

portava comigo era diferente. Agora descubro que fui enganada.

Descubro que nos últimos anos, convivi com o assassino dos meus pais.

— Sua voz embargou. — Que mensagem o destino quer me passar,

Miguel? Que pecado cometi para merecer tamanha dor e ironia?

Não me aguentei e a puxei para meus braços. A necessidade de

tocá-la e protegê-la estava insuportável.


— Você não fez nada de errado — soprei, beijando sua cabeça

repetidas vezes. — Não tem culpa de nada.

— Eu nunca mais quero vê-lo — murmurou, entre lágrimas,

estremecendo no meu colo. — Por favor, não permita que ele...

— Aquele maldito nunca mais vai chegar perto de você — decretei,

interrompendo seus murmúrios desesperados. — Se eu puder evitar,

Juárez não verá nem a sua sombra. — A apertei em meus braços.

— Promete? — sussurrou, se apertando mais em meus braços.

— Com a minha vida — declarei com fervor.

Ela não disse mais nada, apenas se manteve no meu calor.

Os minutos seguintes se passaram e continuamos ali, nos

abraçando e em silêncio. Nos fortalecendo com a energia um do outro.

A promessa muda de que enfrentaríamos todas essas dificuldades,

juntos.

Minha.
Era somente isso que vibrava no meu peito sempre que eu olhava

para ela.
Demorei um pouco para acordar e perceber que tinha alguém
beliscando meu nariz de um jeito que me causava cócegas. Meio
incomodada, reclamei baixinho e virei de barriga para baixo, escondendo
o rosto no travesseiro.

O gesto fez a pessoa que me importunava rir alto, enquanto eu só


queria voltar a dormir.

— Você está muito preguiçosa, Micaela — ralhou Miguel, entre


risos. — Vamos, é hora de se levantar. Sei que já acordou.

— É mentira! — exclamei, segurando o riso. — Estou dormindo


ainda.

Ele voltou a rir, dessa vez aproveitando para me fazer cócegas na


cintura.

Me encolhi para me livrar das suas mãos insistentes. Sem ar, me


virei para ele, afastando os cabelos do rosto para poder enxergá-lo
melhor. A luz do sol no quarto me fez perceber que o dia havia raiado,
apesar de eu ainda me sentir nas sombras que se formaram desde que
minha história real foi revelada para mim.
— Como você está? — perguntou Miguel, me obrigando a focar
nele.

Notei que vestia uma camiseta e jeans. Os cabelos estavam


molhados, me fazendo deduzir que tinha saído do banho recentemente.

Sentei-me na cama bagunçada, passei as mãos nos cabelos e no


rosto inchado pelo choro de horas atrás. Mal me lembrava de como vim
parar no quarto, pois ficamos um bom tempo no sofá, nos abraçando.

— Gostaria de poder dizer que estou bem, que o que li naqueles


documentos não me afetou, mas estaria mentindo — desabafei, porque
não fazia sentido negar o que estava escrito na minha testa. Certamente,
a decepção brilhava em meus olhos. — Eu amava meu irmão, Miguel —
me concentrei em seu rosto, tenso — Apesar de todas as loucuras do
Juárez, era ele quem me protegia, entende? Juárez era a única família
que eu tinha.

Inspirei devagar, mirando as vidraças da janela.

Era difícil de acreditar que aquilo era verdade, que toda minha
existência não passou de uma farsa. Me sentia insignificante, apenas
uma espetadora.

Sem valor.

Apenas o pensamento de Juárez me tocando de maneira íntima,


afirmando serem apenas toques normais entre irmãos, enchia-me de
nojo. Ele me enganou.

Me roubou de mim mesma.

Roubou meus pais.


— Micaela? — Pisquei ao som da voz do Miguel. Sua mão estava
na minha, apertando-a de leve. — Por favor, não chore.

— Não estou chorando — resmunguei, com a voz embargada,


fazendo um beicinho numa tentativa ridícula de controlar os soluços.

Ele me puxou para seus braços apertados, inalando o perfume de


meus cabelos.

— Estou aqui com você — murmurou, acariciando minhas costas e


braços. — Vai ficar tudo bem.

Meu choro se intensificou, apesar do esforço em me acalmar. As


palavras se acumulavam na minha garganta, mas eu não conseguia
pronunciar nenhuma delas.

Na verdade, não tinha coragem de dizer.

O que Miguel pensaria se descobrisse o que Juárez fazia comigo


praticamente todas as noites?

Meu estômago embrulhou, atordoando-me por uns segundos.

Saí dos braços do Miguel apressada e fui para o banheiro,


dominada por aquela náusea intensa que me atingiu.

— Caramba, Micaela! — exclamou ele, quando me seguiu e


flagrou-me curvada sobre o vaso sanitário.

Várias e mais várias ondas de náusea me atingiram, enquanto as


lembranças surgiam e desapareciam, me deixando nauseada e fraca.
Refém da sensação de estar suja. De ter sido usada.

Enganada.
Eu podia ouvir a voz do Miguel, mas parecia estar distante...
ecoando em algum lugar da minha mente. Era como estar presa
naqueles pensamentos. Cativa das garras do terror que eram aquelas
recordações.

Não percebi quando Miguel saiu do banheiro, mas o ouvi conversar


com alguém no quarto, ao telefone, enquanto eu me limpava e escovava
os dentes.

Não tive coragem de encarar meu reflexo no espelho.

Saí do banheiro e Miguel estava olhando o celular. Seus olhos logo


se cruzaram com os meus, o que me permitiu visualizar sua
preocupação.

— Está melhor? — Ele se aproximou de mim, sem esconder sua


angústia. — Você me assustou. — Pegou minhas mãos.

Forcei um sorriso.

— Foi um mal-estar — aleguei um pouco da verdade. Ajeitei meus


cabelos num coque. — Estava ouvindo você conversando com alguém,
avisando que não poderia se ausentar de casa hoje. Não se sinta
obrigado a se abster por minha causa, Miguel, vou ficar bem. Sei que
você tem coisas importantes para fazer.

Passei por ele, seguindo até o closet.

— Você é mais importante! — decretou, fazendo meu coração


baquear no peito. — Decidi tirar o dia de folga para cuidar de você,
distraí-la de todas as merdas que descobriu. — Chegou mais perto,
forçando meu corpo para ele. Nossos rostos ficaram próximos, e ele
aproveitou para tocar meus cabelos. — Não vou deixá-la sozinha quando
precisa de mim. — Passou os dedos embaixo dos meus olhos, limpando
as lágrimas que ainda caiam. — Como seu super-herói, me vejo no dever
de fazê-la se sentir melhor a todo custo. Fazê-la sorrir será minha meta
do dia. — Deu uma piscadela marota, arrancando-me um sorrisinho.

Apertei-o nos meus braços, inalando seu perfume, me sentindo


acalentada por tê-lo ao meu lado.

Ao me aproximar e deixar meu rosto próximo ao seu, tomei a


liberdade de tocar nossos lábios num beijo suave.

— Obrigada — soprei, emocionada.

Horas depois
— Por que está me olhando assim? — perguntei, tímida com seus
olhos em mim.

Estávamos na sala, assistindo a um filme de romance. Com meu


mal-estar de mais cedo, Miguel não saiu do apartamento e estava se
esforçando para me distrair dos recentes acontecimentos.

Acabou funcionando, no fim.

— Porque você é linda!

Meu rosto ficou quente de vergonha, enquanto eu ria sem graça.


— Miguel! — exclamei, cobrindo o rosto com as mãos.

Ele riu também, mas entendi que achando graça da minha reação
ao seu elogio. Ainda não estava acostumada com essa nova fase do
nosso relacionamento.

— Não acredito que ficou com vergonha — murmurou, entre risos.


Puxou minhas mãos para baixo, exigindo meu olhar. — Pensei que nós
dois já houvéssemos ultrapassado essa fase, cariño.

Céus! Ficava cada vez mais fraca quando ele me olhava daquele
jeito e se dirigia a mim de maneira carinhosa.

— É mais forte que eu — soprei, lambendo os lábios.

Seu olhar se concentrou na minha boca.

— O que eu disse sobre você lamber os lábios na minha frente? —


Seu tom de voz mudou de repente, e me causou arrepios.

O meu fôlego ficou preso na garganta, com meu coração


disparado.

— Que... e-eu... — gaguejei, pateticamente.

Miguel me deitou no sofá e me cobriu com seu corpo. A pulsação


dos meus batimentos cardíacos era perceptível nas minhas costelas.

— A sua boquinha parece ter sido desenhada para estar ao redor


do meu pau, querida — sibilou, sem tirar os olhos dos meus. Baixou,
sugando meu lábio inferior antes de me beijar intensamente.

— Você quer que... — pausei o beijo, sem fôlego — quer que eu...

Sua risada ecoou, vibrando todos os meus músculos.


— Não, pequeña — acariciou minha bochecha —, você ainda não
está pronta para me ter na sua boca tentadora. Ainda estamos na
terceira regra, onde você vai se permitir e se conhecer melhor. — Seus
beijos foram descendo pelo meu pescoço, passando a língua num ponto
próximo a minha orelha, que me causou arrepios e tremores
incontroláveis.

— Humm... — gemi, de olhos fechados. Levantei as pernas e as


enrolei ao redor da sua cintura, querendo mais contato naquela região
que latejava dolorosamente.

— Um ponto importante nessa regra é que você precisa tirar o foco


de qualquer pensamento — explicou, sugando a pele do meu ombro.
Minhas mãos estavam em seus cabelos, bagunçando-os. — Nada que a
afaste do seu prazer deve ser relevante nesse momento, Micaela.

Entendi que ele se referia, principalmente, ao fato de meus


pensamentos estarem nublados com tudo o que descobri da minha vida.

— Sim... oh, sim — gemi, totalmente perdida, porque toda minha


atenção estava nele, na sua voz e nas suas mãos.

Novamente riu, mas não me importei. Desde que ele continuasse


me tocando daquela maneira, eu ficaria satisfeita.

De repente, as carícias pararam e seu peso saiu de cima de mim.


Abri os olhos, piscando freneticamente para tentar entender o que houve
de errado.

Me deparei com Miguel no chão, ao lado do sofá.

— O que...
A mão dele me impediu de levantar-se, pressionando meu corpo no
sofá.

— Toque-se para mim — disse, arrancando o último fôlego que eu


ainda mantinha nos pulmões.

— Ma-mas eu... — gaguejei, constrangida — Eu nunca... — engoli


com dificuldade, franzindo o cenho. — Por que você não faz isso? —
Lutei muito para continuar o olhando nos olhos depois da minha pergunta
descarada.

— Porque estamos trabalhando em você, primeiro — explicou com


calma. — Desejo que você se descubra e experimente o prazer de
explorar seu corpo. — Seus dedos trilharam meu braço até chegar ao
mamilo túrgido, por cima do tecido. — Você gostou quando toquei em
seus seios, gostou quando apertei os mamilos... — sua outra mão pegou
a minha e a pressionou no local em que estava tocando, me instigando a
apertar minha própria carne. — Feche os olhos — pediu. — É
fundamental se conhecer e se permitir sentir, como já falei antes.
Também, se permitir fantasiar, porque o desejo sexual, primeiro passo
para o prazer, não vem “do nada”. Você deve descobrir o que a excita, o
que dá aquela vibraçãozinha gostosa lá embaixo e pensar sobre isso.

Apesar de nervosa, fiz o que ele mandou.

A princípio, me senti hesitante, sem coragem de me tocar. Claro


que houve momentos, no passado, em que fiquei curiosa sobre as
alterações no meu corpo, mas nunca tive coragem de ir tão longe.

Era estranho.

— Experimente por baixo do vestido — ditou Miguel, arrastando


minha mão sem pressa, como se quisesse me fazer sentir a textura da
minha própria pele. — Absorva as sensações, os arrepios, os tremores...

Ao tocar meu mamilo duro, gemi ao sentir um pequeno choque se


espalhando pelo meu corpo.

Miguel largou minha mão e se aproximou um pouco, para beijar


minha boca.

— O que está sentindo? — quis saber. — Consegue imaginar


minha boca sugando seu mamilo? Mamando você? Eu poderia morder,
sabia? E você ia gostar... — sugou meu queixo, voltando a reivindicar
meus lábios — você ia quer mais.

— Miguel... — falei baixinho, chorosa, esfregando uma perna na


outra, aflita com aquele incômodo que só aumentava.

Minhas duas mãos estavam nos meus seios, apertando e


beliscando os mamilos, em busca daquele ápice que me desmancharia
por completo.

— Toque sua boceta — ordenou, me fazendo abrir os olhos


rapidamente, escandalizada com seu pedido. Miguel permanecia
ajoelhado no chão, mas com o tronco inclinado sobre meu corpo. —
Lambuze seus dedos com sua excitação. Experimente o prazer de se
encontrar, Micaela. Sem restrições. Sem medo. Sem timidez.

Desci uma das mãos e enfiei os dedos na calcinha, surpreendendo-


me com a umidade. Era pegajosa.

— Miguel...

— O que foi? — soprou contra meus lábios. — Está molhada? —


Sua boca desceu, tocando a dobra do meu pescoço. — Sua boceta está
lambuzada, Micaela?
Arfei, escandalizada com suas perguntas.

— Eu quero ouvi-la dizer, pequeña — insistiu ele, com a boca mais


embaixo. Minhas costas se arquearam do sofá quando senti sua boca no
meu seio, abocanhando o mamilo enrijecido. — Fale o que está
sentindo...

Ofeguei, numa tentativa de respirar fundo. Meu cérebro parecia ter


virado gelatina.

— Eu... — engoli com dificuldade —, meus dedos estão perdidos


na umidade.

— Toque no seu clitóris e sinta a pressão — pediu, parando para


soprar meu mamilo antes de mordê-lo. — Estimule essa região devagar,
no seu tempo, aprendendo o que gosta e o que não gosta.

Não conseguia compreender como ele era capaz de manter a


compostura, tendo em vista que eu estava à beira de um colapso. Sem
nenhum controle das minhas ações ou dos meus pensamentos.

Mantive a mão livre em seus cabelos, desfrutando das carícias da


sua boca em meus seios livres, me remexendo feito uma lagarta quente
na areia do deserto.

Desesperada, acelerei os movimentos dos meus dedos lá embaixo,


indo e vindo... circulando aquela região sensível, que estava me
causando tantas sensações novas.

— Está gostoso? — Mordeu meu mamilo, arrancando-me um


gemido alto. — Vai gozar?

Seus beijos molhados e possessivos se arrastaram dos meus seios


ao pescoço, com uma fome ensandecida. Eu sabia que ficariam marcas
pelo modo como sua boca sugava minha pele.

Abri os olhos, sentindo minha testa suada. Nesse momento, nossos


olhos se encontraram.

— Vou... — respondi, segurando seu rosto com minha mão livre. —


Estou quase lá. — Meus olhos se reviraram nas órbitas. — Miguel!

— Isso! — Tomou minha boca com sofreguidão. — Goze


chamando pelo meu nome.

Ofeguei, sem forças.

Era possível ouvir o som da sucção que meus dedos faziam lá


embaixo, devido à umidade abundante. Eu estava tão excitada que
sentia minha pele febril, tremulando.

Quando finalmente cheguei ao orgasmo, foi como se meu corpo


houvesse se libertado. Me desconstruí e me reconstruí de volta, tudo ao
mesmo tempo.

Miguel continuou me beijando, me acariciando e me mantendo sob


seus braços.

Retirei a mão da minha calcinha, trazendo os dedos à altura dos


meus olhos. Estavam úmidos e murchos.

Pisquei, surpresa, quando Miguel, sem mais nem menos, pegou


minha mão e chupou um dos dedos que, até então, estavam enfiados na
minha intimidade. Chupou até o final, sem deixar de me encarar.

A cena foi tão erótica que quase gozei de novo.

— Deliciosa, exatamente como eu havia imaginado — disse com


ardor, piorando minha situação de constrangimento. Em seguida,
aproximou minha mão do meu rosto. — Sua vez de provar. — Embora
achasse aquilo absurdo, acabei obedecendo.

O sabor foi algo que nunca senti antes. Diferente de tudo o que já
experimentei. Miguel não tirava os olhos dos meus, parecia estar
hipnotizado.

— Como está se sentindo? — quis saber, com a voz grossa.

Analisei sua pergunta.

— Leve — respondi, amparando seu rosto com minhas mãos. Me vi


excitada com a forma feroz como ele cheirou meus dedos lambuzados.
— Eu nunca... — pausei, tentando encontrar as palavras certas a dizer
— fui estimulada dessa forma. Foi incrível.

Sorriu abertamente.

Notei que ia falar, mas hesitou ao ouvir o som do telefone.

Ele deixou o aparelho no modo silencioso o dia todo, como se não


quisesse ser interrompido enquanto estivesse comigo.

Contra a vontade, se afastou e ficou em pé. Meus olhos se


depararam com o volume entre suas pernas. Grande.

Muito grande.

Meu rosto esquentou na mesma hora.

Sentei-me, perplexa, com todas aquelas sensações que voltaram a


tomar conta do meu corpo, que não parecia nada satisfeito.

Miguel atendeu a ligação, permanecendo de costas, enquanto eu o


observava e tentava arrumar meu vestido amassado.
Os meus cabelos estavam pegajosos devido ao suor frio que
escorria pelo meu pescoço.

De repente, Miguel praguejou ao desligar o telefone. Preocupei-me.

— O que foi? Algum problema?

Negou com a cabeça.

— Lis e meu sobrinho precisam retornar para o México, e eu vou


escoltá-los até o aeroporto — disse, chateado por ter que sair naquele
instante. — Angel está ocupado com todos os problemas que estão
acontecendo, então só confia a segurança da esposa e do filho a mim.

— Mas ela vai ficar lá?

— Pelo que entendi, pretende pedir uma licença no trabalho —


informou. — Desde que minha irmã foi presenteada com o Instituto de
especializações médicas, ela não para de trabalhar e isso já faz um bom
tempo.

— Ela tem um Instituto? Tipo, uma ONG? — Espantei-me.

— Sim, tem — respondeu com um sorriso orgulhoso. — Ganhou do


marido e do irmão mais velho dela. — Fez uma careta desgostosa,
deixando seu ciúme visível.

Ele me contou a história da Lis na família dele, então eu sabia que


os dois não eram irmãos de sangue.

Dei risada.

— Você fica tão fofo com ciúmes, sabia? — insinuei, sorrindo. Me


levantei, ansiosa por um banho.
Nesse momento, fui prensada contra a parede de músculos que era
seu peitoral.

— Quando eu estiver dentro de você, tenho certeza de que não vai


me achar fofo. — Segurou meu rosto com uma das mãos, mantendo
minha cabeça firme com a outra. — Eu a levarei do céu ao inferno, da luz
às sombras. Sem descanso.

Com a respiração ofegante, agarrei-me à sua camisa, sentindo o


impacto de suas palavras em cada centímetro da minha pele.

— É uma promessa? — sussurrei, enquanto seus olhos


aumentavam de tamanho.

Envolveu as mãos nos meus cabelos e na minha nuca.

— Você ainda vai me deixar de joelhos, garota.

Não tive tempo para dizer qualquer coisa nem para pensar sobre o
significado das suas palavras, pois sua boca se fechou sobre a minha.
Roubando meu fôlego.

E minha sanidade.
— Quem é essa? — perguntei, vendo as imagens das câmeras de
segurança no notebook do Angel.

— Aí você escolhe... — Little Roy disse, ao entrar na sala, seguido


de seus amigos, Shadow, Razor e Fire.

Torci os lábios, incomodado.

Angel comentou que nos reuniríamos com alguém, mas não pensei
que fosse com eles.

— Vocês não têm outros assuntos para tratar? Outros lugares para
ir, de preferência longe daqui? — rosnei, de braços cruzados, deixando
claro o meu incômodo com a presença deles.

Fire semicerrou os olhos na minha direção.

— Algum problema conosco?

Neguei com a cabeça.

— Vocês só são chatos mesmo! — Dei de ombros.


— Isso não é problema nosso — reagiu Shadow, sem nem me
encarar. Idiota arrogante! — O nosso chefe tem negócios com o seu, por
isso estamos aqui. Então, foda-se o que você gosta ou não.

Apertei os dentes, engolindo todos os insultos que se acumularam


na minha garganta. Angel se manteve quieto. Traidor de merda!

Razor parou ao meu lado, com a boca cheia.

— Relaxa, cara! Quer um pedaço? — Ofereceu um sanduíche.

Rolei os olhos, ignorando-o. Não estava com paciência para aturar


sua falta de educação.

— Conclua o seu raciocínio sobre minha pergunta, Roy —


mencionei, com os olhos no loiro exibido. — Quem é a garota nas
imagens, afinal?

Ele me encarou.

— Bem, quando seu chefe pediu para eu investigar, não foi


complicado conseguir as informações.

— Prossiga — gesticulou Angel, atento no hacker do esquadrão.

— Ela se chama Rosalyn Davis Salvatierra, tem vinte e quatro anos


— disse, tomando assento em uma das poltronas do escritório. — Era
filha do irmão do ex-chapo do cartel, Corazón de Sangre.

Franzi o cenho, em reconhecimento ao nome.

— Mas esse é o cartel do Juárez — argumentei, com meus


pensamentos a mil.
— Sim! — confirmou Roy. — Rosalyn cresceu na cidade de
Chicago com a mãe, depois que o pai morreu quando ela tinha onze
anos. Aos dezoito, entrou para a Marinha dos EUA e se tornou uma
ótima sniper.5

— Já gostei dela! — exclamou Fire, sem esconder o interesse.

Roy o fitou com impaciência, mas prosseguiu com a historinha da


garota intrometida:

— Depois de muito se dedicar e trabalhar bastante dentro da


organização, logo se tornou uma Seal, inclusive, muito requisitada em
missões de combate. — Arqueei as sobrancelhas, impressionado. — Ao
servir no exército, a mulher ganhou a fama de "Rosa Negra", como
trocadilho ao seu nome.

— Black? — Razor indagou, tentando entender.

Roy deu de ombros.

— Não tenho a mínima ideia do motivo, mas suponho que seja


devido à frieza dela.

— Posso esquentar ela rapidinho — insinuou Fire, arrancando


risadas dos demais.

— Certo! — exclamei, ainda rindo. — A história é bastante


interessante, mas ainda não compreendi por que ela está aqui, em San
Diego. — Gesticulei, confuso. — Por que está na cidade? Ao que parece,
a garota foi criada longe do cartel e, por isso, a sua vida tomou um rumo
completamente diferente. Acho que Micaela nem sabe que tem uma
prima.
— Rosalyn, pelo que pude apurar, passou a ser designada para
trabalhar com o FBI em operações de campo desde que regressou do
Afeganistão — disse, explicando. — E pelo que parece — uma pausa
para dar ênfase —, você é a tarefa dela, Angel.

— Puta que pariu! — exclamei, revoltado. Aquilo era tudo o que


menos precisávamos no momento.

— Era só o que me faltava! — reclamou Angel, esfregando o rosto


com raiva. — A porra do FBI na minha cola.

— Você está seguro dessa informação, ou é só um chute? —


perguntei, odiando tudo aquilo.

— Sou um pouco obsessivo com meu trabalho, mexicano, por


favor, não me ofenda — rosnou, se remexendo na poltrona. — Sei do
que estou falando, jamais entregaria informações erradas.

— Então estamos fodidos! — Levantei-me, estava muito


incomodado para permanecer sentado. — A porra de uma agente fodona
do FBI, metendo o nariz nos nossos negócios.

— E não podemos esquecer que ela tem parentesco com sua


protegida — argumentou Shadow, me fazendo fixar o olhar nele.

Trinquei os dentes, incomodado com esse detalhe.

— Micaela não teve ninguém para ampará-la e tirá-la das mãos do


Juárez quando precisou de ajuda. Se aquela mulher tiver a audácia de
se aproximar da minha garota, vai ter que lidar comigo — falei,
incomodado, pegando um cigarro.

Sentia a necessidade de um pouco de nicotina no meu organismo


para me acalmar.
Ninguém pronunciou uma única palavra por alguns segundos,
talvez concordando comigo, ou apenas processando o que eu disse.

— Podemos ir direto ao que interessa, por favor? — Razor


comentou, quebrando a tensão do silêncio. — Assim, terminamos logo a
reunião. Estou com fome, e não pretendo morrer de inanição por culpa
de vocês.

— Mas você estava comendo um sanduíche há alguns minutos,


porra! — rugi, espantado.

— Puta que pariu, cara! Você só come. Onde cabe tudo isso? —
Angel brincou, rindo.

Razor mostrou o dedo do meio em resposta.

— Bom... vamos ao que interessa então — alegou Angel,


suspirando baixo. — Como já havia dito por telefone — fitou Roy, que
concordou com a afirmação —, dias atrás, comecei a perceber que
estava sendo seguido, mas essa maldita garota é como um fantasma,
uma sombra. — Esfregou o rosto, frustrado. — Você sente que está
sendo vigiado, mas não vê por quem. Puta merda! Não consigo acreditar
que essa cadela é do FBI.

— Se ela é tão esperta e, tem um apelido sinistro, como


conseguiram essas imagens dela, calma, tomando café? — Fire
questionou, perplexo. — Sério, cara, a garota só faltou acenar para a
câmera e oferecer o café que tomava. — Deu risada, zombeteiro.

— Não faz sentido — disse Angel, pensativo. — Realmente não faz


sentido.
— Por que ela permitiria que a vissem assim? — indaguei, curioso.
— Se está em uma missão, por que daria um furo desses?

— Ela encontrou o que queria e agora precisa entrar — respondeu


Shadow, olhando a tela do laptop.

— A vadia deve pensar que está lidando com amadores de merda


— vociferei, apagando o cigarro.

— Não acho que seja o que ela pensa — disse Roy, vendo as
imagens de olhos cerrados — Pessoas como ela não desistem
facilmente. — Desviou os olhos para cada um de nós. — Se ela se
deixou ser vista, foi porque queria isso mesmo. Ela queria que nós
soubéssemos que está perto.

— Na minha opinião, se ela se mostrou tão descaradamente, é


porque tem um plano — disse Razor, tiquetaqueando o maxilar.

— Precisamos descobrir que porra de plano é esse —


complementei, tenso com mais uma coisa para me preocupar.

— Como se já não me bastassem as merdas com o Juárez, agora


tenho de me preocupar com o caralho do FBI enchendo meu saco! —
desabafou Angel, puto.

Após sair do QG (quartel-general), onde estávamos praticamente


todos reunidos, corri para casa, ansioso para ver minha garota, abraçá-la
e verificar se estava tudo bem.
Sentia-me impotente sempre que o assunto "Juárez e companhia"
surgia, porque estava completamente fora do meu alcance. Ele ainda
estava solto, se esgueirando pelas sombras, ameaçando tirar minha
garota de mim.

Sim, minha. Micaela era minha.

— Micaela! — chamei, ao entrar no apartamento silencioso.


Coloquei as chaves sobre o aparador, enquanto circulava pela sala.

Um sorriso bobo tomou conta dos meus lábios conforme eu


passeava pelos cômodos e sentia o aroma dela... delicioso aroma de
rosas.

Estava por todos os lados.

Desde que me tornei um adulto independente, nunca me senti à


vontade com a ideia de ter uma mulher ali, no meu espaço privado.
Nenhuma garota teve o direito de estar na minha casa. Na minha cama.
Tudo o que eu queria das mulheres era uma noite de sexo.

Diferente da Micaela.

Balancei a cabeça para afastar os pensamentos. O medo tomava


conta de mim quando eu parava para pensar o que aquelas novas
emoções significavam.

— Micaela? — chamei, entrando no quarto dela, após bater três


vezes e ela não atender.

Logo que passei pela porta, deparei-me com ela saindo do


banheiro, enrolada numa toalha felpuda. Ficou surpresa ao me ver ali,
parado feito uma estátua, boquiaberto com sua beleza estonteante.
Desde o momento de intimidade que compartilhamos no sofá, há
dois dias, eu vinha me esquivando de tocá-la daquela maneira de novo,
porque queria que ela pedisse. Que se soltasse mais.

— Miguel! — Arfou de susto, tropeçou e deixou a toalha cair a seus


pés. Fiquei surpreso por ela não se mexer para pegar.

Nua.

Completamente nua.

Não consegui administrar minhas emoções quando olhei para ela,


desde a cabeça até os pés. Micaela ficou parada, me olhando nos olhos
com o rosto corado. Aquela porra de rubor que me deixava maluco.

Ensandecido para roubar sua inocência.

Fui chegando cautelosamente, sem esconder a perversidade que


me irradiava à medida que encurtava o espaço que nos separava. Era
como um predador rodeando sua presa.

— Miguel... — tremulou os lábios quando parei em sua frente.

Passei uma das mãos pelo seu rosto; meu coração acelerando
quando Micaela se deitou para receber meu carinho, de olhos fechados.
A outra mão, mantive em sua cintura, admirando os arrepios que
tomaram sua pele macia sob meu toque áspero.

— Você é tão bonita... — declarei, me inclinando para sentir o seu


perfume fascinante. — Tão saborosa. — Segurei seu lábio com meus
dentes, me excitando com os gemidinhos que escaparam da sua boca.

Comecei a rodeá-la, parando em suas costas, pressionando minha


ereção em seu traseiro. Puxei os seus cabelos para o lado, escondendo
o rosto na dobra de seu pescoço e nuca. Passei a língua pela sua pele e
deixei beijos molhados no seu ombro. Minhas mãos circularam sua
cintura, subindo lentamente até preencher-se com seus seios durinhos,
arrepiando-me com os gemidos baixos que deixaram seus lábios.

Não deveria permitir que aquilo continuasse. Não deveríamos nos


envolver tanto assim. O problema era que minha mente se desmanchava
cada vez que eu a via. Micaela tinha o poder de revelar minhas
fraquezas.

E puta que pariu! Me tornei refém de seus gemidos.

— Miguel, por favor... — suplicou, apoiando a cabeça em meu


ombro. Seus olhos estavam fechados, como se estivesse se entregando
às sensações que eu a estava proporcionando.

E essa percepção me fazia arrogante pra caralho!

— O que quer, pequeña? — perguntei, lambendo e chupando seu


pescoço, sem parar de amassar seus seios. — Eu quero que você peça.

Via como esfregava uma perna na outra, querendo tocar a si


mesma, mas sem coragem.

— Desejo... — tragou o ar, ansiosa para continuar o raciocínio —


eu gostaria que... — permaneceu calada, gemendo baixinho quando
envolvi sua orelha com minha boca ávida.

— A sua boceta está pulsando — declarei, consciente disso. — Por


que não a toca para se aliviar, hum? — Minha boca não saía de sua pele
febril.

— E-eu...
— Deite-se na cama! — ordenei com a boca no seu ouvido.

Tremores tomaram seu corpo todo. Com dificuldade, devido à


fraqueza nas pernas, ela fez o que pedi. Não tirei os olhos dela nem por
um instante; a cada movimento que fazia até a cama, meus olhos a
marcavam como minha.

Minha. Minha.

Quando se arrumou no meio da cama, de joelhos no colchão, ficou


me olhando, toda envergonhada. Não me surpreendi que estivesse tão
constrangida, pois era a primeira vez que eu via o seu corpo nu por
inteiro. E porra! Ela era gostosa pra caralho!

Mal estava aguentando meu pau, que só faltava explodir o botão da


calça.

— Deite-se e abra as pernas para mim — ordenei, rouco. Minha


voz estava grossa de desejo. Tinha que lutar contra o meu lado primitivo,
que ansiava por deflorá-la.

Apesar de constrangida, Micaela fez exatamente o que mandei. Ela


era tão submissa aos meus comandos que me deixava quase
enlouquecido de desejo.

Suas mãos, inconscientemente, desceram até seus seios,


beliscando os mamilos de leve. Linda demais.

— Agora... — me aproximei da cama, sem desviar os olhos da


delícia rosada que brilhava para mim — toque sua boceta, enquanto eu
fico olhando.

Gemeu, uma mistura de tesão, expectativa e vergonha.


Lentamente, desceu a mão, percebendo o calor e a textura da
pele... experimentando, provando. Seus olhos permaneceram fechados
durante todo o tempo, como se estivesse captando o que nós dois
estávamos fazendo.

Embasbacado, assisti ao momento em que seus dedinhos se


enfiaram naquele amontoado de nervos, que brilhavam de forma
maravilhosa para mim, me chamando, me instigando... caralho! Minha
boca estava sedenta para prová-la.

Fiquei na beirada da cama, sem conter o desejo de me tocar por


cima da calça jeans, gemendo com o tesão que irradiava pelo meu corpo
todo.

Micaela gemeu ao lambuzar seus dedos, separando suas dobras


úmidas e massageando seu ponto sensível.

— Continue... — ordenei, abrindo minha braguilha. — Belisque


seus mamilos.

— Oh, sim... — gemeu, totalmente imersa na sua própria nuvem de


prazer, se contorcendo com os movimentos de seus dedos inexperientes.

Ela era tão sensível.

— Sabe o que estou louco para fazer? — indaguei, com a voz


pesada de desejo. Nesse momento, seus olhos se concentraram em mim
e no que eu estava fazendo com minhas mãos. Eu estava me
masturbando também. — Eu quero chupar sua boceta. — Gemeu,
enlouquecida, arreganhando-se um pouco mais, como uma flor
desabrochando. — Me pergunto se você seja tão doce aí embaixo... mal
posso esperar para sentir seu clitóris na minha língua, Micaela, brincar
com ele nos meus dentes.
— Miguel... — gritou meu nome, quase como uma oração, e eu ri
com arrogância ao perceber que minhas provocações a deixavam sem
controle.

— Diga o que quer, pequeña... — balbuciei, acelerando os


movimentos do meu punho no meu pau. Meus olhos não se
desgrudavam da sua boceta, fascinado pela maneira como seus dedos
estimulavam aquela região.

— Você... — respondeu, arfando. — Eu quero você...

— Estou aqui — falei, ofegante, focando no meu prazer. — Estou


em você, em cada centímetro da sua pele... nos seus pensamentos, em
tudo. Você é minha, Micaela. Minha.

Nossos gemidos se misturaram, desesperados e carregados. Era


tesão.

Pele.

Desejo.

Quando seus gritos inundaram o quarto, denunciando seu


orgasmo, me permiti gozar também. Os jatos sujaram minha mão e
calça, enquanto minha respiração travava na garganta.

Já que eu estava de olhos fechados, não reparei no movimento da


Micaela na cama. Incrédulo, estremeci ao sentir o toque de seu dedo no
meu pau, lambuzando-o na minha porra.

Consegui abrir os olhos a tempo de vê-la. Ela estava sentada na


beira da cama, levando o dedo lambuzado aos lábios, experimentando o
meu gosto na sua língua.
Uma deusa da sedução e da inocência. Uma verdadeira ninfa.

— Hmmm... é bom! — exclamou, com o rosto quente.

Minha mente pervertida começou a fantasiar diversos cenários


onde ela estava com a boca no meu pau. Porra!

Aproximei-me um tanto e levei a mão até sua nuca. Puxei sua


cabeça para perto de mim. Reivindiquei seus lábios nos meus, me
segurando para não a foder como eu queria.

Não podia.

Ainda não.

— Você ainda vai ser minha morte, sabia? — soprei contra seus
lábios, inchados e vermelhos.

Seu olhar ficou perdido.

— Por que está dizendo isso? — rebateu, confusa.

Respirei devagar, tocando nossos narizes. Seu cheiro era viciante.

— Porque você tem o poder de me deixar exaurido e sem controle


sobre mim mesmo — confessei, olhando fixamente nos seus olhos. —
Tenho medo de onde isso possa nos levar. — Passei a mão
carinhosamente pelo seu rosto, registrando sua beleza na minha mente.

— Miguel? — Suas mãos seguravam minha camisa com muita


força. — Sinto que estou me apaixonando por você.

Tum... tum... tum...

Puta que pariu! Puta que pariu!


— Você está quieto — comentou Micaela, aninhada ao meu peito.
— Foi pelo que eu falei?

Após o momento de intimidade que partilhamos, nós nos deitamos


na cama por alguns instantes.

— Um pouco — respondi, sem parar de acariciar seus cabelos


macios. — No fundo, sinto que não deveríamos nos envolver dessa
forma.

Ela se mexeu nos meus braços para ficar de frente para mim. As
mãos estavam sobre meu peito.

— Por quê? Por acaso você... — pausou, com uma expressão fofa.

— Quer saber se tenho outra mulher? — perguntei por fim,


sabendo que era isso que queria saber. Concordou, desviando o olhar,
incomodada e ciumenta. — Você é única para mim, Micaela — garanti,
acariciando suas bochechas coradas. — Esse não é o problema.

— Então, qual é? Não entendi. — Estalou os lábios. — Se você


quer ficar comigo e eu quero ficar com você, qual o problema?
Fiquei olhando para ela, admirado com a simplicidade com que ela
enxergava o mundo e todas as coisas.

— Nunca desejou viver longe do cartel e toda essa violência que


ele traz? — perguntei. — Juárez mantinha você trancada naquela casa,
impedindo que você experimentasse as alegrias e as descobertas do
mundo. — Suspirei baixinho, incomodado com essas recordações. —
Não gosto de imaginar que você esteja vivendo uma realidade diferente,
mas mantendo a essência de antes.

— O que quer dizer?

— Também faço parte do cartel, Micaela — falei, como se fosse


óbvio. — A violência habita em mim e ao meu redor. Não tenho nada de
bom para te dar, não percebe? — Me frustrei. Não com ela, mas comigo
mesmo.

Micaela saiu dos meus braços, mas permaneceu na cama. Sentou-


se contra a cabeceira. Apesar de todos os meus esforços, não pude
impedir que meus olhos se fixassem em sua nudez. Os bicos
endurecidos de seus seios apontados para mim.

— Quando diz que não tem nada de bom para me oferecer, está
afirmando que não tem capacidade de reconhecer toda nossa história
até aqui — resmungou, nitidamente magoada. — Você mudou a minha
vida, Miguel, deixou tudo de pernas para o ar. Me mostrou ser possível
sonhar e, sim, podemos realizar todos os nossos sonhos. — Deitei-me
de lado e apoiei a cabeça na minha mão. — Por que é ruim eu me
apaixonar por você? Por que estaríamos errados se ficássemos juntos?
É inocência sua pensar que a vida de um civil seria menos perigosa que
a nossa. A vida é perigosa.

Ela tinha um ponto ali.


Atônito, peguei sua mão e levei até minha boca, beijando seus
dedos com carinho.

— Eu só estou com medo, Micaela, só isso — desabafei. — As


coisas estão se desenrolando tão rápido que não sei como lidar com
tantas mudanças. Nunca tive que me importar com mais ninguém, além
da Lis e meus pais. E agora...

— Você tem a mim, precisa se preocupar comigo — interrompeu-


me, me fazendo assentir com a cabeça. — É algo ruim?

— É ruim não ter controle das coisas — respondi honestamente. —


Detesto o sabor da impotência a cada vez que vejo o perigo rondando
você. Não suportaria se algo te acontecesse. E isso é foda pra caralho.
Nunca senti esses sentimentos.

— Nem eu — confidenciou. — Estou com medo também.

Sentei-me e a puxei para meus braços. Ficamos ali por alguns


minutos, até eu resolver revelar a nova descoberta que fiz.

— Posso te fazer uma pergunta? — inquiri.

Ela se afastou, me olhando curiosa.

— O que foi?

Inspirei o ar com força antes de indagar:

— Juárez disse alguma coisa a respeito de você ter uma prima?

Piscou freneticamente, absorvendo minha pergunta.

— Prima? Não me recordo — disse por fim. — Por quê?


Apertei os dentes, querendo esconder a verdade dela, já que não
tinha a menor ideia das reais intenções daquela mulher. O problema era
que Micaela precisava saber. Era sua vida, afinal.

— Porque descobrimos que ela está na cidade — disse, analisando


as suas reações. — Mas ainda não temos ideia do que ela deseja, nem
se ela sabe da sua existência.

— Eu posso...

Neguei com a cabeça.

— Não! — exclamei, cortando suas palavras. — Enquanto não


estiver seguro, não permitirei que se encontre com essa mulher. — Beijei
sua cabeça, sem deixar espaço para dúvidas. — Por favor, dê-me um
prazo para pesquisar antes. Saber as intenções dela.

Micaela me abraçou e escondeu o rosto no meu pescoço. Arrepiei-


me quando beijou minha pele.

— Tudo bem — soprou. — Eu confio em você, Miguel.

Essas palavras me trouxeram uma mistura de euforia, orgulho e


medo.

Muito medo.

No dia seguinte, Angel pediu para eu ir até ele, dizendo precisar


dos meus serviços. Tive vontade de mandá-lo tomar no cu, pois me
obrigou a deixar Micaela na cama, toda gostosa e tentadora. Mas eu
sabia das minhas responsabilidades.

E da porra da guerra contra o Juárez.

— Bom dia! — cumprimentei Angel, assim que entrei em seu


escritório. — Espero que seja algo importante para justificar que me
arrancou da cama tão cedo.

Sua risada ecoou no ambiente.

— Atrapalhei a lua-de-mel? — zombou.

— Vá se foder! — Mostrei o dedo do meio para ele, o que fez com


que risse ainda mais.

— Tenho um servicinho para você — disse, erguendo-se e se


dirigindo até a adega, onde eu estava.

— Qual é? — perguntei, servindo tequila em dois copos,


entregando um para ele.

— Fiz uma grande encomenda com um contato na Colômbia —


explicou. — O problema é que essa carga sairá de Cuba, e necessito
que você acompanhe a remessa até o México para confirmar que ela
chegue ilesa.

Concordei com um gesto de cabeça, ao mesmo tempo, em que


acendi um cigarro.

— Ok, posso fazer isso. — Dei um longo gole da minha bebida. —


Aproveitarei para levar Micaela comigo — avisei, sem esconder o sorriso
bobo dos lábios. — Cuba tem paisagens de tirar o fôlego, e nada me
impede de aproveitar com minha garota enquanto trabalho.
— Sua garota? — Arqueou as sobrancelhas, curioso.

— Algum problema com isso? — perguntei, dando o último gole da


bebida. — Micaela é minha desde o primeiro olhar.

— Problema nenhum, ora — alegou, me encarando com seriedade.


— Embora você seja o culpado por toda essa confusão, como seu líder,
sinto que sou responsável pela Micaela, já que a moça está sob o
domínio do meu cartel. — Seus olhos se estreitaram na minha direção,
como fendas. — Não pense que poderá deflorar a garota e abandoná-la.

— Jamais faria isso — respondi, ofendido com sua insinuação. —


Não pretendo abandoná-la.

— Então, finalmente, desvendou seus sentimentos? — perguntou.


— Descobriu que ela é a garota que faz seu coração bater mais forte?

O encarei com a expressão zombeteira.

— Puta merda! Minha irmã fez um tremendo estrago em você, hein,


Angel? Te deixou um bundão, caralho! — Soltei uma risada debochada.

— Vá a merda, idiota! — Socou meu braço com força, embora


estivesse rindo também.

Após alguns momentos de descontração, voltei a focar no que era


relevante:

— Quando você precisa que eu vá?

— Final de semana — disse. — Você terá o jatinho a sua


disposição.

Sacudi a cabeça.
— Certo!

— Fiquem na minha casa quando estiverem no país, pois as rotas


de fuga são maiores. A sua, além de ser distante de tudo, é tão perigosa
que, se forem emboscados, estarão completamente isolados.

— E por que diabos você acha que seríamos emboscados? —


inquiri, levantando uma das sobrancelhas. — Descobriu alguma coisa?
Tem alguma novidade do cuzão? — referi-me ao Juárez.

— Não descobri mais nada, infelizmente. — Suspirou, frustrado


com a própria resposta. — Apenas estou apontando as rotas de fuga,
porque, na nossa posição, devemos estar sempre preparados para
qualquer eventualidade. Já que você está se relacionando com a irmã do
nosso atual adversário, isso piora ainda mais a situação. Juárez tem
inimizades e isso pode afetar a garota.

Concordei com ele, sentindo o insuportável gosto amargo na


língua. Jamais me habituaria àquela merda de impotência.

— Chegou cedo! — comemorou Micaela, assim que coloquei os


pés no apartamento.

— Tenho novidades! — Enchi seu rosto de beijos.

Seus olhos brilharam.


Impulsionei seu corpo, sentindo suas pernas envolverem a minha
cintura enquanto caminhava com ela na direção da sala.

— Viajaremos para Cuba na sexta à noite — disse, me alimentando


do seu entusiasmo. — Prometi que te apresentaria o mar, se lembra?
Tenho alguns assuntos para tratar no país, e não pretendo ficar sem
você. — Sentei-me no sofá e a mantive nos braços. — Já basta termos
ficado afastados naquela vez. Foi um sofrimento.

Seu sorriso lindo encontrou o meu.

— Não aguentaria ficar longe de você — disse, me beijando. Suas


pernas estavam ao meu redor, e eu podia sentir o calor da sua boceta no
meu pau.

Toquei nossas línguas, tão excitado que não tive controle. Micaela
conseguia me desestabilizar com facilidade.

O beijo se transformou em algo mais quente e intenso. Apertei seu


quadril, impulsionando o meu para sentir o seu calor, demonstrando o
quanto eu estava duro para ela.

— Posso te tocar? — perguntou, envergonhada, mas sem tirar os


olhos de mim. — Presumo que isso faça parte dos aprendizados, certo?
"A quinta regra é: você precisa sentir o calor da pele do seu parceiro".

Gargalhei alto, deliciado por suas palavras.

— Estou começando a achar que criei um pequeno "monstrinho"


aqui, hein?! — Apertei a ponta do seu nariz, satisfeito pelo seu sorriso e
ousadia.

— Sou uma boa aluna — disse, brincando, com os olhos brilhando.


Pulsei automaticamente, e ela reagiu com um gemido,
considerando que ainda estava sentada com a boceta no meu pau.

— Então você quer me tocar? — sussurrei, com a voz mais


sensual. — Quer me sentir na sua mão?

Apenas concordou com a cabeça, logo se afastando de mim.

Fiquei em pé na sua frente. Retirei minha camiseta devagar,


observando o desejo nos olhos da Micaela à medida que admirava meus
músculos e minhas tatuagens. Eu tinha muitas cicatrizes também.

— O que foi isso? — quis saber, apontando para uma marca perto
do meu umbigo.

— Um tiro — respondi, me recordando. — Fui atingido por um


disparo ao defender minha irmã e acabei entrando em coma.

— ¡Dios mio!

— Aconteceu na época em que descobrimos que Lis era


descendente de italianos, e Angel estava envolvido com muitos
problemas. — Dei de ombros, sem querer mergulhar nessas
recordações. — Mas não me arrependo. Faria tudo de novo para
proteger quem amo.

Micaela se aproximou e pegou meu rosto com as mãos. Seus olhos


brilhavam com emoção.

— Você é incrível! — exclamou, beijando minha boca timidamente.

Aos poucos, e um pouco hesitante, seus beijos foram descendo.


Sua delicadeza ao me tocar estava me deixando sem chão, mas não tive
coragem de acelerar, nem impedir nada.
Era novo para ela.

O calor de sua boca na minha pele me fez arfar. Levei uma das
mãos aos seus cabelos, acariciando-os com tranquilidade. O toque de
sua língua nos meus mamilos me causou um choque, se concentrando
direto no meu pau, que pulsava sem parar.

Micaela deslizava sua boca delicada e suas mãos por todos os


lugares, explorando meu corpo sem pressa, totalmente alheia ao meu
tesão descompensado, tirando meu fôlego.

Após longos e dolorosos minutos, começou a desabotoar o meu


cinto, um tanto quanto desajeitada. Ao se ajoelhar na minha frente, em
uma posição completamente submissa, levou tudo de mim para não
arrancar suas roupas e tomá-la ali mesmo.

Assim que meu pau pulou para fora, notei seus olhos aumentarem
de tamanho. Segurei a respiração no segundo em que sua mão se
fechou ao meu redor.

No início, ficou olhando, como se estivesse avaliando, admirando.

— É quente e macio — disse de repente, extasiada. — Embora já


tenha feito isso antes, sinto como se fosse a primeira vez.

Todo tesão que eu estava sentindo se esvaiu em segundos com


sua declaração. Não por ela já ter pegado no pau de outro homem, mas
pelo verdadeiro significado por trás de suas palavras. Ligar as
informações não foi difícil.

Maldito Juárez!

Guardei meu pau na cueca e, rapidamente, fechei a braguilha.


— O-o que foi? — balbuciou, assustada com minha reação. Puxei-a
pelos pulsos, erguendo-a para perto de mim. — Fiz alguma coisa de
errado?

Voltei a nos sentar no sofá, lutando para controlar minhas emoções.

— Miguel, eu...

— Juárez chegou a molestar você? — indaguei de uma vez,


notando seus olhos arregalados. — Alguma vez, aquele filho da puta
obrigou você a tocá-lo?

Abaixou a cabeça, torcendo as mãos no colo de um jeito nervoso.


Sua reação foi resposta o bastante, mesmo sem ela dizer nada.

Ódio! Era ele que fervia minhas veias.

— Não quero falar sobre isso — sussurrou, com os lábios


tremendo. — Por favor, não me obrigue... eu... só quero esquecer.

Vi seu corpo vacilar e notei que seus olhos ficaram marejados, o


que partiu meu coração.

— Está tudo bem, se acalme — pedi, puxando-a para meus braços.


— Jamais forçaria você a falar ou a fazer algo que não esteja preparada.
— Passeei as mãos em suas costas. — Não quero ativar nenhum
gatilho, entende? Preciso saber em que terreno estou pisando.

— Você só me desperta sentimentos bons, Miguel — disse, após


alguns minutos. — Você é um conforto depois de uma longa jornada
dolorosa e triste. Não consigo acreditar que seu toque possa me causar
gatilhos. — Afastou a cabeça para poder me encarar nos olhos. Os seus
estavam úmidos. — Por favor, não tire isso de mim.
Coloquei minhas mãos no seu rosto, sentindo meu coração se
apertar ao perceber a sua vulnerabilidade.

Não falei nada.

Apenas a beijei, transmitindo todos os sentimentos que me


sufocavam naquele momento, torcendo para ela reconhecer o que
pulsava com mais força... o amor.
Estranha. Era exatamente essa a sensação que tinha ao estar a
caminho de um lugar que nunca pensei que conheceria. Todos os meus
pelos estavam arrepiados, indicando que algo diferente estava
acontecendo, ou prestes a acontecer.

Não era ruim. Só era novo.

E o novo podia ser assustador.

Talvez minha reação estivesse ligada a conversa que tive com


Miguel, alguns dias antes, quando ele me disse que faríamos uma
viagem para Cuba. Tentar negar ou fingir que nada aconteceu era inútil,
pois o passado me perseguia. As coisas que Juárez fez comigo, de certa
forma, ficaram enraizadas no meu subconsciente.

Enraizadas no meu ser.

Fiquei triste ao pensar que isso pudesse ter afetado minha relação
com Miguel.

Como poderia revelar a ele todas as coisas que Juárez me fazia,


sem parecer uma tola, ou pior... sem ele pensar que eu apreciava tais
atos?
Meu coração se contorcia com o medo de decepcioná-lo, de perder
o que nós dois tínhamos. Sempre sonhei com algo que me completasse,
que me fizesse sentir única e especial.

Miguel fazia isso.

Ele me deu a oportunidade de sonhar, de imaginar uma realidade


que nunca pensei ser possível.

Não, eu não podia perder isso.

— O que foi, pequeña? — Pisquei ao som da sua voz, despertando


dos meus pensamentos aleatórios e confusos. — Está se sentindo bem?
— Ele deitou a cabeça de lado para me observar com atenção.

Nós dois estávamos no jatinho particular de seu chefe.

— Sim, eu acho — respondi, um pouco incerta. — Parece que vou


ter enjoo, assim como no barco — falei, fazendo uma careta pela
sensação desagradável.

— Ah, isso é normal — disse. — Eu também me sentia assim no


começo — complementou. — Pensei que ia morrer na primeira vez que
precisei viajar com o Angel.

— Céus! — exclamei, assustada, enquanto ela ria. — Por que não


me conta um pouco da sua relação com seu chefe? — pedi. — Assim,
ocupo minha mente para me distrair do enjoo que estou sentindo.

Foi o que ele fez.

Nos minutos seguintes, explicou a maneira inusitada como


conheceu Angel, e como seu chefe mudou a vida da sua família.
Nunca me interessei nos negócios do meu irmão — que,
consequentemente, seriam também os meus —, logo, não tinha a menor
ideia de como funcionava a hierarquia dentro dos cartéis.

— O posto mais alto da organização é o capo, ou chapo — explicou


Miguel, complementando que esse posto era ocupado pelo Angel. —
Depois, vem o Lugarteniente, o braço direito do capo.

— Você, no caso — apontei, vendo-o assentir com a cabeça.

— Tenho o direito de executar qualquer um que eu escolher —


concluiu, me fitando nos olhos, talvez tentando perceber a reação que
sua declaração me causaria. — Claro que nem todas as escolhas são
minhas, mas, ao longo dos anos, Angel me deu liberdade.

— É por isso que você me ajudou a escapar do Juárez — falei, sem


tirar os olhos dos seus. — Presumo que seu chefe não pediu para você
fazer isso.

Seus lábios se distenderam num sorriso.

— Não — respondeu com um dar de ombros. — Minha missão era


outra — concluiu. Eu sabia, pois sua irmã havia mencionado, sem dar
muitos detalhes. — Juárez está causando muitos estragos, por isso
precisamos detê-lo.

Sacudi a cabeça, absorvendo suas palavras.

— Então posso dizer que me tornei um empecilho no seu caminho?


— indaguei, franzindo a testa diante de tal pensamento.

A risada do Miguel ecoou pela aeronave.


— Você nunca seria um empecilho para mim, Micaela — disse ele.
— Gosto de pensar em você como uma agradável surpresa, um pequeno
anjo que entrou na minha vida. — Seus olhos se tornaram ardentes nos
meus, e me forcei a segurar a respiração para não gemer.

Céus!

Pigarreei, nervosa.

— Depois do "braço direito", vem o quê? — perguntei, na intenção


de prosseguir a conversa e compreender como funcionava a hierarquia.
Precisava mudar o rumo dos meus pensamentos.

— Temos os Sicarios, sendo a milícia do cartel — descreveu. Era


claro que precisavam de policiais para os negócios funcionarem bem. —
E os Halcones.

— Halcones?

— Os meninos do tráfico.

Miguel prosseguiu explicando — sem muitos detalhes — como


funcionavam as diversas partes da organização. Sempre atencioso e
bastante tranquilo, como se de fato gostasse de conversar comigo.

Essa mera percepção aqueceu meu coração.

Quando pousamos em Havana, capital de Cuba, não consegui


evitar o sorriso que se formou nos meus lábios.
Apesar de ter o seu encanto, a cidade parecia não ter evoluído com
o tempo, como se ainda fosse nos anos 1950. Havia edifícios
imponentes, ao lado de construções que pareciam prestes a desabar.

— Esse lugar é tão maravilhoso! — exclamei, enquanto observava


os cenários bonitos à medida que o carro que estávamos seguia pelas
ruas atraentes. — Fico triste que, por conta da sua economia e política
externa, ele esteja tão afastado do mundo.

— A maioria das pessoas tem uma visão deturpada de Cuba —


soou Miguel. — Pensam que virão para cá e encontrarão diversos
cubanos gritando, numa cidade em decadência, pedindo para ir embora.
— Apontou para fora da janela. — Sem dúvida, há diversos problemas,
mas podemos reparar que Havana, por exemplo, é uma cidade limpa,
com a maioria do centro urbano restaurado, segura, com uma intensa
vida cultural e habitantes que demonstram ter ótimo humor.

— É como montar um quebra-cabeça — expliquei. — Não basta


imaginar os pontos turísticos, mas é preciso buscar compreender como a
vida funciona aqui — argumentei, eufórica com tantas novidades.

Uma coisa era me perder no conhecimento dos livros que eu


costumava ler, outra, totalmente diferente, era estar ali, vivenciando.

Miguel segurou minha mão na sua.

— Sei que nosso tempo aqui será limitado — disse, beijando minha
mão —, mas prometo tentar levá-la para passear um pouco. Temos uma
linda praia logo ali ao lado. — Deu uma piscadela marota.

O sorriso em meus lábios se tornou imenso.


A casa que ficaríamos era uma verdadeira mansão de três andares.
Quando chegamos, Miguel pediu para que eu me sentisse à vontade,
pois precisaria fazer algumas ligações. Apesar de nervosa, comecei a
explorar o ambiente — extremamente reforçado de seguranças — e
admirar a beleza da arquitetura. No segundo andar, havia um terraço
com uma vista deslumbrante dos arredores.

Fiquei um instante curvada na balaustrada, perdida em


pensamentos e recordações. Segurando meu relicário, lutei para me
recordar dos meus pais, sentindo o amor deles em cada uma das minhas
células.

Em todos os meus dezoito anos, nunca pensei que iria passar por
isso, ser enganada dessa maneira tão cruel pelo homem que acreditava
me amar como um irmão.

— Ah, sabia que a encontraria aqui! — exclamou Miguel, se


aproximando de onde eu estava.

Olhei para ele, admirando sua beleza dentro daquele terno escuro.
Sem o paletó e a gravata, pude ver um pedaço de pele, dado que alguns
botões estavam abertos.

Meus dedos coçaram com o desejo de tocá-lo.

— Acabei me perdendo nessa vista linda. — Gesticulei ao redor,


sorrindo abertamente. — Sou apaixonada por edifícios antigos e
coloniais.

Miguel aproximou-se, ficando atrás de mim, e meu corpo,


inconscientemente, se aninhou ao dele. Senti seu beijo no meu ombro, e
seu braço circular minha cintura.

— Ficaremos aqui até segunda — afirmou. — Então, vou fazer o


possível para dividir o tempo entre o trabalho e o novo cargo de guia
turístico.

Soltei uma risada divertida.

— Já aviso que sou uma turista exigente, tá?! — falei, girando o


corpo para ficar de frente para ele e de costas para o parapeito. — Quero
visitar o museu da Revolução, a Praça da Revolução, espreitar a Sede
do Partido comunista Cubano, visitar a Catedral de São Francisco e
praça da Catedral, a Praça velha da Havana...

— Ok, ok, já entendi! — exclamou, piscando com espanto. —


Confesso que me sinto cansado só de imaginar todo esse roteiro.

Voltei a rir, dessa vez, agarrada ao seu pescoço.

Miguel permaneceu me olhando daquele jeito intenso que só ele


sabia fazer, capaz de amolecer minhas pernas.

Fiquei sem ar.

— Temos um jantar para ir essa noite — proferiu, acariciando meu


rosto. — Será um baile beneficente. De fachada, claro, como todos
sempre são — complementou, com uma expressão entediada.

— O que coloco para vestir? — perguntei, estalando os lábios. —


Nunca estive em um evento desse tipo — falei, pensativa e meio
insegura.

— Não se preocupe — ditou, se inclinando para beijar meu queixo.


— Arrumei uma pessoa para te dar assistência com isso. Inclusive —
afastou-se para verificar as horas em seu relógio de pulso —, acho que
em breve, estará aqui. Pedi para trazer opções de vestidos e sapatos,
assim como outras coisas que as mulheres gostam.

— As mulheres gostam? — repeti, com uma expressão divertida. —


Mas vocês, homens, se deliciam quando veem uma mulher bem-vestida
e apresentável. Encanta os olhos.

Ele me puxou um pouco mais, arrancando meu fôlego.

— Você continuaria linda até mesmo usando um vestido feito de


saco de batatas.

— Não, por favor, não... — murmurei, entre risos.

Nossas risadas se misturaram, no entanto, após alguns minutos, o


clima mudou.

Esquentou.

Se tornou pesado.

Miguel fixou o olhar na minha boca, movendo a língua nos meus


lábios, como se estivesse querendo me dar um beijo. Eu queria que ele
me beijasse.

Desde aquele momento desagradável no sofá, ele parecia estar me


evitando.

— Me beija — pedi, amparando seu rosto com uma das minhas


mãos. — Estou com saudades dos seus beijos.
Seus olhos encontraram os meus, intensos e quentes.

— É isso o que você quer? — indagou, rouco.

— Sim, — minha resposta não passou de um murmúrio. — Eu


quero.

Não precisei repetir o convite, pois na hora, sua boca se apossou


da minha com aquele desejo insaciável, que me deixava sem ação. Me
desequilibrava.

Me consumia.

Eu podia beijá-lo o dia todo, sem nunca me cansar.

Jamais me cansaria da sensação de estar completa. Porque era


isso que Miguel significava para mim: a parte que me completava.

A noite estava impecável, mas apenas fora das paredes que


pareciam me sufocar. Mesmo sendo um ambiente bastante requintado, o
clima era tão pesado que eu mal conseguia respirar normalmente. A
falsidade, aliada à hipocrisia daquelas pessoas bem-vestidas, exalando
dinheiro e poder, me deixava enjoada.

Naquele exato instante, diversos convidados se aglomeraram em


frente a uma mesa gigantesca, repleta de comidas, aparentemente,
saborosas. Só que eu não conseguia comer nada, apenas fingia mexer
no conteúdo do meu prato e bebericar meu champanhe.
Apesar de estar com Miguel, que não me abandonava, eu queria
voltar logo para casa.

Logo que chegamos ali, há pouco mais de uma hora, permaneci em


silêncio o tempo todo, respondendo apenas quando a pergunta era
direcionada a mim, o que era raro. Houve alguns momentos
constrangedores, onde alguns homens intrometidos se acharam no
direito de me olharem mais tempo do que o necessário, e isso fez Miguel
reagir de forma quase hostil.

Pigarreei, incomodada e inquieta.

Miguel, como se soubesse o que eu sentia, depositou a mão na


minha coxa e apertou-a de leve. Não consegui identificar as emoções
que me atingiram, porque fiquei tomada por um calor que aqueceu meu
corpo todo.

Bebi um longo gole, porque minha garganta ficou seca.

Miguel permanecia conversando, aparentando calma, enquanto


sua mão começava a se aventurar por baixo do meu vestido, exigindo
que eu abrisse as pernas para facilitar seu acesso àquela área.

Eu estava dividida entre a irritação dele estar fazendo aquilo em


público e a euforia de cometermos tal imprudência.

Receosa de que minha expressão pudesse revelar algo, baixei o


olhar para meu prato, concentrando-me na tortura de seu toque em mim.
Mordi os lábios com força no segundo em que seus dedos se
embrenharam na minha calcinha, esfregando-me lentamente, como se
estivesse explorando, conhecendo... a umidade se intensificou, me
forçando a segurar um gemido. Era gostoso quando eu me tocava.
Mas não se comparava ao toque dele.

Sentir seus dedos ali era como ir ao céu, e voltar.

Miguel aumentou os movimentos aos poucos, forçando-me a me


ajeitar para que seus dedos pudessem me tocar melhor. O tempo todo,
eu me perguntava se alguém daquela mesa suspeitava do que nós dois
estávamos fazendo bem na frente de todos eles. Mas, na verdade, pouco
me importava.

— Você vai gozar, mas vai ficar quietinha — ordenou Miguel, me


fazendo piscar ao som da sua voz ao pé do meu ouvido. Meu coração
batia forte no peito. — Seus gemidos são meus para ouvir.

O olhei nos olhos, sentindo o desespero me sufocando e o suor


inundando minha pele. Estava difícil me controlar. Difícil administrar todo
aquele tumulto me invadindo como ondas e mais ondas.

Seu rosto calmo contradizia o fervor por trás dos olhos escuros.
Abri a boca para falar, mas hesitei quando Miguel foi distraído por outro
convidado.

Seus dedos permaneciam impiedosos em mim. Sem pausa.

Me castigando.

Indo e voltando, em movimentos circulares, às vezes rápidos e às


vezes lentos.

Quando comecei a sentir um redemoinho se formando em meu


baixo ventre, denunciando a chegada do orgasmo, me apressei em
abocanhar uma porção da comida do meu prato e mantive a cabeça
baixa, concentrada naquele prazer irradiando meu corpo todo.
No auge, minhas pernas se fecharam involuntariamente, enquanto
os espasmos tomaram conta de mim, do topo da cabeça até os pés. O
som que saiu da minha garganta foi um gemido baixo que, as pessoas
ao meu redor concluíram, estar relacionado à comida que eu estava
ingerindo. Forcei um sorriso.

Miguel permaneceu com a mão ali por mais alguns segundos, até a
retirar. Peguei o instante que ele disfarçou e, em seguida, levou os dedos
lambuzados a boca, lambendo-os com vontade, piorando meu estado
caótico.

Pisquei, com a mente atordoada devido à loucura que acabamos


de cometer.

Passei as mãos na nuca, trêmula, tentando amenizar aquele calor


insuportável.

Em meio às conversas que nos cercavam, ouvi alguém dizer o


nome: “Grão Mestre”. E isso me fez relembrar momentos do passado,
recordações que nem mesmo sabia que tinha.

Sem saber o motivo de ter ficado tão incomodada, afastei-me da


mesa. Precisava de ar.

Logo, pedi licença e me levantei. Minha intenção era fugir dali, mas
não faria isso.

Fui apressada para o banheiro, sabendo que os seguranças do


Miguel estavam logo atrás de mim. Eu estava com saltos finos, que
dificultavam meus passos. O vestido escolhido foi um em tom verde, com
uma pequena fenda numa das pernas. Apesar do detalhe audacioso, o
decote era sutil.
Logo que entrei, fui à pia e liguei a água para lavar o rosto e o
pescoço. Não me importei com a maquiagem elaborada nem com o
penteado lindo em meus cabelos. Eu só desejava me acalmar.

Aliviar a sensação ruim que me abateu de repente ao ouvir aquele


nome.

Saltei de susto quando ouvi batidas na porta. Estava tão


desnorteada quando entrei, que acabei trancando a porta sem querer.

— Só um instante — respondi para quem quer que estivesse no


outro lado.

Sequei o rosto, tentando limpar a mancha que a maquiagem


deixou, mas fiquei parecendo um panda. Torci o nariz diante da minha
aparência no espelho.

— Droga! — resmunguei, seguindo para a porta.

Ao abrir, me deparei com Miguel, que estava apoiado na parede ao


lado. Sorria, mas logo ficou sério ao perceber minha expressão.

— O que foi? — quis saber, alisando minhas bochechas com uma


das mãos. — Andou chorando? Você saiu tão depressa da mesa que
fiquei apreensivo. — Chegou mais perto, invadindo meu espaço pessoal.
— Por acaso, tem a ver com o que eu...

Meu rosto ficou quente na hora, porque percebi que ele estava se
referindo ao momento em que me tocou por baixo da mesa.

— Não foi por isso! — Me apressei a dizer, ruborizada.

Semicerrou os olhos, me analisando minuciosamente.


— Tem certeza? — insistiu. — Eu só estava tentando te relaxar,
porque sei que esses eventos são insuportáveis. Você estava quase
dormindo em cima do prato. — Deitou a cabeça de lado.

A risada saiu dos meus lábios sem que eu pudesse impedir.

— Concordo que foi uma ótima forma de me despertar —


mencionei, apesar de estar envergonhada com a conversa.

Com os olhos ardendo de desejo, puxou-me para perto, acariciando


minhas bochechas.

— Quer ir para casa? — perguntou. — Admito que estou cansado


de me segurar para não arrancar os olhos de cada filho da puta que não
para de olhar para você.

Arqueei as sobrancelhas, sacudindo a cabeça diante do seu ciúme


descabível.

— Bobo!

Toquei nossos lábios num beijo calmo.

— Não gosto de dividir o que é meu.

Algo na sua declaração fez meu interior se agitar.

Dele. Eu era dele.


— Antes de me afastar da mesa, ouvi alguém dizer um nome que
me despertou algumas lembranças estranhas — contei isso assim que
chegamos à mansão.

— Que lembranças? — perguntou, curioso. — Que nome você


ouviu?

— Grão Mestre — falei, tirando minhas sandálias. — Acredito que


deve ser sobre alguém, mas não faço ideia. Por acaso, você tem
negócios com esse homem? — perguntei.

— Não — respondeu, parecendo pensativo. — A organização que


ele lidera é tão forte e grande que quase ninguém consegue alcançá-la;
é conhecida como Igreja. Eles mexem com negócios os quais não
aprovamos. — Endureceu o maxilar com isso. — Não somos inocentes,
longe disso, mas não nos envolvemos com o tráfico humano, por
exemplo, e esse é o principal foco desses escrotos. — Notei que ficou
tenso. — Onde você ouviu esse nome, pequeña?

Caminhamos em direção ao corredor dos quartos.

— Uma vez, Juárez recebeu um homem em casa — contei,


relembrando — Ficaram um longo tempo conversando no escritório dele.
Após o término da reunião, ouvi o estranho dizer que repassaria a
informação para o "Grão-mestre". — Estalei os lábios, incomodada com
as lembranças. — Achei esquisito, pois o homem usava um colarinho de
sacerdote na gola da camisa, sabe? Fiquei bem confusa.

— Conseguiu ouvir mais alguma coisa da conversa?

Parei, tentando forçar minha mente a relembrar de algo que fosse


relevante.
— Ouvi sobre ter algo em Massachusetts, nos Estados Unidos —
respondi, dando de ombros. — Sinto muito, mas só me lembro disso.

Miguel assentiu com a cabeça, parecendo inquieto.

— Tudo bem, querida! — Se aproximou e tocou nossos lábios num


selinho. — Descansa agora. Preciso dar alguns telefonemas. — Sorriu,
acariciando meu rosto.

Não falei nada.

No fundo, estava exausta e louca para dormir.

Acordei ao notar um braço forte e pesado envolvendo minha


cintura, para se aproximar do meu corpo. O perfume, com o cheiro do
Miguel e a sensação de reconhecimento que senti no fundo da alma, me
fez suspirar aliviada.

Não tinha a menor ideia do horário, mas concluí que ainda fosse de
madrugada. Ameacei me virar, mas seu braço me apertou contra seu
corpo duro, que mais parecia uma parede de músculos.

— Sou eu, pequeña — soprou, beijando minha nuca. — Só preciso


sentir seu cheiro para dormir.

Meus lábios formaram um sorriso radiante ao segurar a sua mão.


Dessa vez, fui eu quem puxou seu braço para aproximá-lo.
Completa.

Amada.

Era como eu me sentia nos braços do Miguel. Desde o primeiro


encontro, percebi que ele seria a parte boa da minha vida, a luz que me
guiaria para fora da escuridão que me prendeu por tantos anos.

E eu estava certa.

Todos esses momentos que passei ao seu lado, experimentando


novas sensações, sentindo o seu cuidado e o seu amor em cada uma
das minhas células foram provas de que tomei a melhor decisão da
minha vida quando fugi do meu irmão.

Era estranho, mas havia momentos em que eu ficava brava, pois


passei tanto tempo procurando a felicidade completa que detestava
saber que ela estava sendo ameaçada pelo Juárez, a pessoa que
deveria ter cuidado de mim. Odiava a sensação de impotência que
tomava conta do meu peito sempre que me lembrava dele e das coisas
que fazia comigo, alegando serem normais entre irmãos.

Nós nem éramos irmãos.


Meus olhos pinicaram com esse pensamento e me peguei
apertando meus punhos com força.

Estava cansada.

Exausta de esconder aquelas sensações ruins que me abraçavam


o tempo todo.

— Mica? — Miguel chamou minha atenção, remexendo-se ao meu


lado da cama. Sua voz soou rouca, ainda sonolenta. — Qual o
problema? — preocupou-se, talvez percebendo minha postura rígida. —
Por que está chorando? — Se sentou rapidamente, confuso.

— Detesto aquele homem, Miguel — soprei, lutando para conter os


soluços, que ameaçavam escapar da minha garganta. — É revoltante
pensar que ele me enganou por tanto tempo, saber que todas às vezes
que me tocou sem meu consentimento, estava se aproveitando da
relação fraterna para justificar seus atos. E NÓS NEM ERAMOS
IRMÃOS! — explodi, sentindo meu peito sufocado. Não aguentava mais.

Era doloroso guardar tudo aquilo.

Fechei os olhos e apertei as mãos no rosto, num esforço para


conter minhas emoções. Era como se eu houvesse perdido o controle de
tudo.

— Micaela... — Miguel chamou e eu senti raiva na voz dele.


Entendi que direcionada ao Juárez. — Olha para mim — pediu, tocando
nas minhas mãos que estavam no meu rosto. Ao encará-lo, pude sentir
meu coração baquear, porque ele estava em mim. Miguel estava em
cada parte do meu ser. — Ele a tocou? — Sua voz soou tenebrosa.
Fiquei o olhando durante alguns segundos, até que resolvi
concordar com a cabeça, tendo minha mente tomada por recordações do
passado.

O rosto do Miguel ficou coberto por uma nuvem negra.

— Mas ele chegou a...? — Não concluiu a pergunta, mas eu


entendi o que ele desejava saber.

— Não houve penetração — respondi, piscando para clarear meus


pensamentos. — Mas eu sabia que isso ocasionalmente aconteceria.

— Filho da puta! — rugiu ele, sem se controlar. Era possível notar


seu corpo rígido ao meu lado. Se Juárez estivesse ali, Miguel, com toda
a certeza, o sufocaria com as próprias mãos.

Passei a língua pelos lábios ressecados, assimilando tudo o que


passava pela minha cabeça naquele momento.

— Nunca consegui compreender o porquê de me sentir suja


quando ele fazia isso, mas agora sei — soprei, contemplando as nossas
mãos unidas. Seu polegar fazia círculos na minha pele. — Era errado.
Sempre foi errado. — Ergui meus olhos para ele, permitindo que visse
todo meu tormento. — Juárez tocava em meu corpo de forma íntima,
assim como um casal, e me forçava a fazer o mesmo com ele. E pensar
nisso, agora que tenho você... — minha voz embargou — me faz
perceber quão ingênua eu fui.

Miguel me puxou para perto, abraçando-me com força, conforme


acariciava meus cabelos e beijava minha cabeça, acalmando-me durante
minha crise de choro.
— Fui tão estúpida, Miguel — choraminguei — tão boba... —
escondi o rosto em seu peito, sentindo minhas lágrimas molharem sua
pele. — Não me espantaria se você estivesse com nojo de mim.

Ele então forçou minha cabeça para trás e fixou seu olhar no meu,
causando-me diversas sensações. A força de seu olhar sempre me
desestabilizava.

— Jamais quero que repita isso — disse com raiva, parecendo


incomodado com o que falei. — Você não teve culpa de nada, está me
ouvindo? Aquele porco se aproveitou da sua inocência, você não é
culpada, Micaela. — Seus dedos enxugaram minhas lágrimas.

— Mas... eu ainda sinto o toque dele em mim — admiti, querendo


esquecer.

Seus lábios tocaram os meus com cuidado, quase queimando


minha pele devido à intensidade do gesto.

— Vou fazê-la esquecer — soprou, brincando com meus lábios sem


pressa. — A partir de agora, o único toque que ficará na sua mente será
o meu. O único sabor que sentirá em seus lábios será o meu. O único
nome que você dirá será o meu — prometeu com tanto ardor que
arrepios percorreram cada centímetro da minha pele.

Movimentei os lábios, acompanhando seu ritmo, embora meu corpo


estivesse implorando por mais. Era como se meu cérebro tivesse virado
gelatina.

Devagar, Miguel me deitou no colchão, pairando sobre mim, mas


sem colocar o peso de seu corpo. Seus beijos não me deixaram em
nenhum momento, assim como suas mãos, que se arrastavam por minha
pele quente, por baixo da minha camisola. Balbuciei palavras incoerentes
quando suas mãos apertaram meus seios, beliscando os mamilos com
uma pressão calculada.

— Miguel... — gemi, me apertando contra ele, reconhecendo seu


toque.

— Você é minha! — rugiu, descendo com beijos pelo meu queixo e


pescoço. — Vou marcar cada centímetro do seu corpo para que você
saiba a quem pertence. Para que compreenda que, independentemente
do que aquele canalha fez, eu nunca sentiria nojo de você. Sabe por
que, Micaela? — Seus olhos me encontraram e eu precisei respirar fundo
para aguentar a força de seu olhar.

— Por quê? — Minha voz não passou de um silvo.

— Porque estou completamente apaixonado por você —


respondeu, trazendo novas lágrimas aos meus olhos. — Não existe nada
que me importe mais nessa vida do que você. Entendeu? — Baixou a
alça da minha camisola, abocanhando meu mamilo endurecido, com
sofreguidão, arrancando meu fôlego. — Não ouvi, querida...

Arqueei as costas do colchão, incapaz de pensar com clareza


devido aos seus toques.

— Si-sim — balbuciei, me remexendo embaixo dele. — Eu entendi.

— Ótimo! — exclamou, satisfeito. Continuou brincando com meus


seios, mordendo e chupando-os com vontade. — Boa menina.

Arfei quando ele pressionou sua ereção entre minhas pernas,


piorando meu estado de torpor. Minha calcinha estava pegajosa e eu me
sentia latejar.
Como que consciente desse meu incômodo, Miguel levou uma das
mãos para baixo, dedilhando minha calcinha úmida e me fazendo gritar.

Seus beijos percorreram minha barriga, deixando uma trilha de fogo


ao longo do caminho, e eu não sabia nem mesmo o que pensar. Tudo o
que meu cérebro registrava eram suas mãos. Seus lábios.

Miguel.

Sempre seria ele.

No exato momento em que seu rosto ficou entre minhas coxas,


minha respiração ficou presa no peito. Isso porque seus dentes rasparam
o tecido úmido, me tirando a compostura. Desavergonhada, passei a me
esfregar nele, ansiando... exigindo por mais.

Eu queria desesperadamente mais.

Rindo da minha agonia, Miguel rasgou a calcinha com facilidade,


sem se importar com nada. Não tive tempo de dizer que não era
necessário, afinal, eu gostava daquela calcinha, mas minha voz foi
sufocada no instante que sua boca me tocou lá.

Vi estrelas.

Minhas mãos desceram para se embrenharem em seus cabelos


macios, puxando e apertando à medida que seus lábios me acariciavam,
chupando e sugando tudo o que eu oferecia a ele.

Levando embora todos os pensamentos ruins. Todas as


lembranças das coisas que jamais deveriam ter acontecido.

Miguel enlaçou minhas pernas, arreganhando-me mais para ele. Ao


fixar o olhar para baixo, tive a impressão de que meus olhos se
reviravam nas órbitas, porque nunca imaginei ver uma cena tão atraente
quanto aquela... era como estar no paraíso.

Sua língua deslizava de baixo para cima, rodopiando meu clitóris e


o sugando com vontade sempre que eu gemia mais alto. Ele sabia onde
me tocar para me enlouquecer. Sabia meus pontos fracos. Às vezes, seu
domínio sobre mim me apavorava, porque não tinha a certeza de que me
recuperaria se o perdesse.

— Ao contrário do que falei ontem, na festa, dessa vez quero ouvir


seus gemidos — rugiu. — Quero ouvir meu nome saindo da sua boca
quando gozar — exigiu, com aqueles olhos quentes nos meus. Ameacei
fechar os olhos, mas ele proibiu: — Olhos em mim, Micaela.

Gostava quando me chamava pelo apelido de Mica, mas a forma


como sua voz ecoava quando dizia o meu nome me deixava fraca, quase
refém dele e das suas ações.

Então, as ondas de prazer me atropelaram, sugando minhas


energias e todo meu ar. Não tinha a menor ideia de como consegui ficar
de olhos abertos quando a enxurrada de espasmos me tomou. Miguel
manteve as mãos em mim, obrigando minhas pernas a se manterem
abertas para ele, que não parava de me chupar. Era como se quisesse
garantir que ele seria o único em mim.

Mas ele era.

Passados alguns minutos, seu rosto surgiu acima do meu e pude


provar o meu próprio sabor em sua língua quando me beijou com ardor.

— Nunca me canso de vê-la gozando — afirmou, sem fôlego. — É


a imagem mais linda e sexy que já vi.
Meu rosto deveria estar completamente rubro.

Sentou-se, me levando com ele. Apesar da timidez, eu não


conseguia desviar o olhar do seu. Miguel agarrou minha camisola com as
mãos e forçou o tecido para cima. Logo, me vi nua.

Vi os seus olhos se abrirem mais e me dei conta do seu desejo por


mim, além do grande volume entre suas pernas. Senti-me ainda mais
quente e pegajosa.

— Você confia em mim? — perguntou, e eu assenti com a cabeça,


sem conseguir parar de olhar para seu corpo. — Eu preciso ouvi-la dizer,
Micaela.

Fixei meus olhos nos seus, percebendo certa preocupação por trás
de seu olhar.

Segurei seu rosto com minhas mãos.

— Sim, eu confio em você — falei com fervor. — Eu quero isso.

Suas mãos envolveram minha cintura, puxando-me para seu colo.


Seus beijos me deixavam desesperada. Quente em todos os lugares.
Trêmula em seus braços fortes.

A aspereza de suas mãos ao se arrastarem pela minha pele febril


deixava tudo ainda mais eletrizante.

Miguel saiu da cama, arrancando a calça de flanela que usava. Vi o


momento em que ele também tirou a cueca, o que me permitiu admirar
toda a sua protuberância.

Fiquei na expectativa quando vi que ele estava colocando um


preservativo, sempre me olhando, como se estivesse observando minhas
reações. Preocupado com o que eu pudesse estar pensando.

Ao voltar para a cama, acomodei-me de forma que ele pudesse se


aninhar contra mim com seu calor.

— Prometo ir devagar — soprou contra meus lábios, lambiscando-


os antes de mordê-los. — Mas não é possível evitar que isso seja
desconfortável. Vai doer pra caralho, pequeña.

Abracei-o pelo pescoço e abri as pernas para que ele pudesse se


acomodar melhor.

— Apenas me faça sua — decretei com fervor. — Quero senti-lo


em mim inteiramente.

Senti que minhas palavras o afetaram, pois sua boca se apossou


da minha com desespero. Uma de suas mãos começou a pressionar sua
ereção no meu clitóris, como se quisesse me fazer acostumar com ele.
De repente, passou a introduzir seu tamanho, preenchendo-me com sua
grossura.

Seus lábios nunca deixaram os meus. A língua se movimentava na


minha, quase como uma dança envolvente.

Um grito involuntário saiu da minha boca quando ele chegou à


metade, parecendo me rasgar por dentro. Lágrimas brotaram nos meus
olhos.

— Está doendo — soprei, sufocada pela dor.

Miguel parecia prestes a explodir.

— Eu sinto muito — murmurou, enxugando minhas lágrimas. Sua


respiração estava entrecortada. — Me machuca vê-la com dor, e piora
quando tudo o que mais quero é fazê-la minha.

Seus dentes morderam meu queixo.

Senti quando seus beijos desceram para meu pescoço, pairando


em um dos meus seios. Logo, sua língua passou a brincar com meu
mamilo, mordendo-o e soprando.

A invasão prosseguiu, vagarosamente, me fazendo acompanhar


como meu corpo reagia, o recebendo. Quando terminou de me
preencher, ele parou, com a testa apoiada na minha. Sem dúvidas,
estava tendo dificuldades para se conter.

— Minha — soprou, tão emocionado quanto. Na verdade, era uma


mistura de emoção com excitação. — Inteiramente minha.

Funguei, sorrindo em meio as lágrimas. Nunca pensei que pudesse


experimentar esse nível de felicidade com alguém.

— Sua — soprei de volta.

Miguel tomou meus lábios, roubando meus gemidos para si. Fui
relaxando conforme os seus quadris se movimentavam, acompanhando
tudo o que ele fazia. A forma como ele me penetrava. Como me olhava.
Como me tocava.

Era amor puro.

O qual sempre sonhei em encontrar.

Em determinado momento, Miguel levou uma de suas mãos para


baixo, tocando meu clitóris inchado. Gemi audivelmente, assustada com
o pequeno choque que senti. Sorrindo com arrogância, ele passou a
movimentar os dedos naquela região sensível, sem parar de me
penetrar. Os movimentos, que eram lentos, começaram a ficar mais
rápidos e intensos. A dor da invasão ainda estava presente, porém era
como se estivesse se misturando ao calor que começou a se espalhar
pelo meu baixo ventre, aumentando aos poucos. Ao perceber isso,
Miguel aumentou a velocidade, desesperado para me fazer gritar seu
nome.

O orgasmo chegou forte, explodindo cada pedacinho de mim, me


levando a cair do mais alto cume. Fui incapaz de desviar os olhos. Miguel
gozou com um gemido sexy, chamando por mim.

Era meu nome em seus lábios.

Meus olhos nublaram de pura emoção. Eu finalmente me sentia


liberta. Me sentia pertencendo a um lugar.

E esse lugar era nos braços do Miguel. O único homem que me


tocou de verdade, me fazendo dele em todos os sentidos.
Acordei com carícias no pescoço que, logo em seguida, subiram
para meu rosto. Fiquei encolhida e arrepiada com as cócegas que a
barba do Miguel causava em mim.

— Hmm... — gemi, toda melindrosa nos braços dele.

— Hora de despertar — soprou no meu ouvido, lambendo o lóbulo


da minha orelha. Estremeci toda, sentindo minha pele superaquecer. —
Ainda temos algum tempo aqui em Cuba, mas logo teremos que
regressar.

Ele havia me dito que nosso trajeto de volta seria exaustivo, visto
que faríamos uma escala no México e, depois, seguiríamos para San
Diego.

Ele estava com o rosto perto do meu quando me virei.

— Bom dia! — exclamou, me encarando com aquele brilho


devasso.

— Bom dia! — devolvi, com um sorriso amplo.


— Como está se sentindo? — questionou, tocando meu rosto,
cabelos e ombro. — Muito dolorida?

Mordi os lábios devagar, tendo minha mente invadida pelas


lembranças de horas atrás, quando finalmente me deixei ser dele por
completo.

— Um pouco — respondi, tímida. O embaraço era mais forte que


eu. — Mas me sinto feliz e realizada — fiz questão de enfatizar.

Ele sorriu, me beijando.

— Prometo que vai ficando cada vez melhor — afirmou, sugando


meu lábio inferior. — Chegará o momento em que você sentirá apenas
prazer.

Pressionei a mão em sua nuca, puxando seus cabelos de leve ao


sentir sua boca no meu seio. Eu estava nua.

— Isso significa que vamos fazer mais vezes? — perguntei, com a


voz falha. Os seus toques estavam me deixando tonta.

Miguel me encarou, sem parar de tocar meus seios com sua boca.

— Quantas vezes você quiser, pequeña — disse, com fervor. —


Nós somos um do outro agora.

Agarrei seu rosto e o puxei para perto de mim, porque queria beijá-
lo.

— Então, se prepare, porque vou te querer dentro de mim o tempo


todo — falei, ao som da sua risada alta.

Miguel pairou sobre meu corpo, me fazendo notar que também


estava nu.
Nosso beijo foi ficando mais intenso, aquecendo minha pele, que
ficou sensível sob suas mãos experientes. Se deitou ao meu lado, sem
parar de me beijar. Ergueu minha perna com uma das mãos para ter
acesso à minha entrada, que pulsava.

— Eu não vou penetrá-la — avisou contra minha boca entreaberta.


— Vou só brincar um pouquinho.

Quase reclamei, porque desejava senti-lo por inteiro, mas não tive
tempo, pois Miguel abocanhou meu mamilo, arrancando-me gemidos
incontroláveis.

Passei a sentir a pressão de seu pênis na minha entrada


escorregadia, mas sem me penetrar. Apenas se movimentava,
provocando-me.

Gritei no segundo em que deslizou a ereção no meu clitóris,


movimentando-se para cima e para baixo, como uma dança erótica.

— Miguel... — balbuciei, ensandecida por mais dele.

— Estou aqui, pequeña — soprou de volta. — Estou aqui... —


mordeu meu mamilo.

Os movimentos de seu punho se intensificaram, me


desestabilizando e me fazendo ter vontade de pular em cima dele. Meu
interior estava pulsando, desejando que me penetrasse, que me tomasse
de novo, mesmo estando um pouco dolorida.

Quando meus gritos aumentaram, Miguel abandonou meus seios e


tomou meus lábios, roubando meu fôlego, meu raciocínio. Tudo.

Fiquei à sua mercê, enquanto todo meu corpo se rendia aos seus
estímulos. Os espasmos me estremeceram dos pés à cabeça, obrigando
Miguel a me segurar no lugar, conforme acelerava os movimentos em
busca de seu próprio prazer.

Assisti, extasiada, o momento em que ele gozou, despejando sua


semente na minha barriga. Os gemidos que soltou foram tão sensuais
que me senti incrível por ser capaz de fazer aquilo com ele. Deixá-lo tão
descontrolado daquele jeito.

Ainda ofegante, voltou a me dar um beijo, escondendo o rosto na


minha nuca, mantendo-me bem colada a ele.

Ficamos tão imersos no silêncio que, quando ele falou, a sua voz
me assustou:

— Juro que se pudesse ficaria aqui com você para sempre —


confidenciou, rouco. — Somente eu e você. Sem nenhum perigo que
possa ameaçar nossa felicidade.

Aquela foi a primeira vez que senti a vulnerabilidade em sua voz.


Ele estava com medo.

Medo de me perder, assim como eu tinha de perdê-lo.

Dias depois
— Mica? O que você está fazendo aqui? — Juárez inquiriu, com
olhos inchados e um brilho tenebroso, apavorante.
Eu estava parada na porta de seu escritório.

— Ouvi objetos sendo destruídos e fiquei apreensiva — disse, indo


na sua direção. — O que aconteceu?

— Nada. Só detesto quando as coisas não acontecem como o


planejado — respondeu, pegando outro copo e se servindo de uma
bebida de cor âmbar. Virou todo o líquido de uma vez só.

Sentei-me na beirada da poltrona, observei o meu irmão e esperei


que ele se acalmasse. Então perguntei:

— Posso fazer algo para ajudar?

Me arrependi no exato segundo em que as palavras saíram da


minha boca, pois Juárez me olhou da mesma forma que um predador
encara a sua vítima. Com um sorriso maldoso, estalou os lábios, voltou a
se servir da mesma bebida e veio até mim. Ajoelhou-se na minha frente,
separando minhas pernas e se enfiando entre elas.

— Sabe, meu bem... eu sempre tive planos para você — disse


baixinho, acariciando o meu rosto com uma calma gritante. Tive que me
esforçar para não franzir o nariz diante do seu mau hálito — Eu pretendia
levá-la à Igreja, para que o Grão-Mestre e os outros membros da
congregação cuidassem de você. — Pisquei, tentando entender suas
palavras confusas. — Eles tomariam conta de você, princesa. Porém...
você se tornou uma bela mulher. — Pareceu incomodado com isso. —
Neste caso, decidi cuidar de você pessoalmente. — Ofereceu-me aquele
sorriso sinistro novamente.

— Me mandar para uma igreja? — indaguei, tentando entendê-lo.


— Um convento?
Algo brilhou no seu olhar.

— Ah! Você é tão inocente... — achou graça das minhas perguntas,


o que me deixou mais confusa. — Lá não é exatamente um convento —
concluiu, meio disperso. — Eu diria que é um lugar onde se cuidam de
meninas como você.

— Meninas como eu?

— Puras, inocentes. — Passou a mão na parte interna da minha


coxa.

Tentei fechar as pernas e me afastar um pouco, mas ele me


segurou, falando:

— Calma, irmã... é só um carinho. — Cheirou meu pescoço. — Eu


sei que você gosta... — Lambeu minha pele, causando-me calafrios.

— Micaela? Micaela? — Abri os olhos e pisquei ao fixar o olhar em


Miguel, que me encarava com uma expressão de preocupação. — Tudo
bem? Você parecia estar tendo um pesadelo.

Baixei o olhar para meu corpo, percebendo o livro que havia caído
em cima do meu colo. Acabei pegando no sono enquanto lia.

— Que horas são? — perguntei, me ajeitando no sofá.

Miguel se sentou ao meu lado, após deixar as chaves, celular e


carteira em cima da mesinha de centro.

— Perto das cinco da tarde — respondeu, tocando meu rosto. —


Você me assustou. — Pegou minha mão e a levou aos seus lábios para
beijar. — Quando cheguei, você estava se contorcendo, como se
estivesse tentando escapar de alguém. — Cerrou os dentes, incomodado
com a impotência que, provavelmente, a situação lhe causou. — Foi um
pouco assustador.

Baixei os olhos, absorvendo tudo aquilo. Ainda podia sentir o


aroma do perfume, misturado ao hálito alcoólico do Juárez.

— Passei tanto tempo lendo que acabei dormindo — contei,


esfregando meu rosto, lutando para apagar aquelas sensações terríveis
no meu corpo.

— Quer falar sobre o pesadelo?

Ergui meus olhos para ele.

— Não foi um pesadelo, Miguel, mas uma recordação — disse,


parecendo ter areia na garganta. — Recordei-me de uma ocasião em
que Juárez estava tão nervoso que, literalmente, quebrava tudo no seu
escritório. — Meu rosto assumiu uma expressão carrancuda. — Eu tinha
entre quatorze e quinze anos. — Inspirei fundo, olhando seus olhos. —
Então, entrei no escritório, apreensiva, e ele até que se acalmou,
começando a dialogar comigo — pausei, pensando. Miguel, apesar de
tenso, ficou em silêncio, me permitindo falar. — Em determinado
momento da conversa, Juárez disse que gostaria de me enviar para a
Igreja, sob os cuidados do Grão-Mestre. — Estremeci, incomodada, pois
Miguel já tinha explicado que essa organização estava envolvida com o
tráfico de pessoas.

— Maldito! — rugiu ele, se levantando. Ficou de costas, onde


observei seus músculos tensos. — Provavelmente, ele cogitava vendê-la.

— Quando perguntei se era um convento, por ele chamar de Igreja,


ele me chamou de ingênua e desviou o foco da conversa. — Torci o nariz
com a lembrança.
— Tem certeza de que ele usou a palavra Igreja para se referir ao
lugar?

— Sim. Absoluta.

— Isso muda muita coisa — disse, voltando a se sentar ao meu


lado. — Se você tinha essa idade quando ouviu isso pela primeira vez,
significa que Juárez se relaciona com eles há bastante tempo — disse
mais para si mesmo, do que para mim. — Vou verificar até que ponto
esse filho da puta está envolvido nisso. Não quero que nada dessa
merda respingue em você.

Quando ele me envolveu nos seus braços e me beijou com ternura,


senti o coração aquecer.

— Você acha que Juárez pode fazer algo contra mim, por raiva por
que fugi dele?

Pensar nisso era estranho, pois eu me sentia completamente


confusa sobre aquele homem que, outrora, chamei de irmão. Não o
reconhecia. Aliás, nunca cheguei a conhecê-lo de verdade.

— Não vou pensar nisso — disse, afastando meu rosto para me


beijar novamente. Seu corpo tremeu um pouco, talvez pelo medo do que
poderia acontecer comigo. Conosco.

Decidi espantar as sensações ruins e me concentrar no momento.


Na pessoa que fazia meus dias melhores.

— Senti saudades — soprei em sua boca, sugando seu lábio


inferior. — A propósito, preparei um bolo de chocolate para você.

Miguel segurou meu rosto e intensificou o nosso beijo, arrancando-


me suspiros e mais suspiros.
— Posso optar por outra opção de alimento agora? — inquiriu, me
deitando no sofá. — Porque prefiro comer sua boceta.

Arfei com seu linguajar chulo, mas me peguei arreganhando as


pernas para recebê-lo, gemendo quando começou a se esfregar no meu
centro, deixando-me ciente da força de seu desejo por mim.

— Não vou me opor a essa ideia, porque admito ser muito


tentadora... — fechei os olhos, perdida nas suas carícias.

Nos últimos dias, com nossa vida sexual ativa, Miguel me levou em
uma consulta com um ginecologista para que eu pudesse usar um
contraceptivo. Acabei optando pelo DIU.

Rosnando feito um animal feroz, Miguel mordeu meu pescoço,


enquanto dedilhava minha calcinha, percebendo a umidade abundante
no tecido.

— Sempre molhada — sibilou, com a voz pesada. — Sempre


pronta para mim, porra!

Como eu estava de vestido, seus dedos apenas afastaram a


calcinha para o lado, e ele me penetrou de uma vez só.

Arfei com a invasão.

Miguel permaneceu parado, me dando tempo para acostumar-me


com seu tamanho. Quando iniciei o beijo, seus movimentos foram
vagarosos, até acelerar o ritmo e aumentar a intensidade.

Sua boca não me deixava nem por um segundo, assim como suas
mãos que exploravam cada parte do meu corpo que tremia.

Nosso sexo nunca era igual.


As emoções nunca eram as mesmas.

Envolvi os meus braços ao redor de seu pescoço para trazê-lo para


perto. Conectá-lo ainda mais a mim, como se isso fosse possível.

— Hmm... Miguel! — gritei em sua boca, sentindo aquele aperto


gostoso no meu baixo ventre.

— Vai gozar? — perguntou.

Arqueei as costas, indo e vindo contra as suas investidas


insistentes.

— Sim, — respondi, resfolegante. — Sim...

Então, girou a pélvis, atingindo um ponto totalmente inexplorado,


levando-me ao ápice em questão de segundos.

Era como ser atingida por algo invisível.

Meus músculos pélvicos se apertaram, pulsando violentamente


conforme os espasmos invadiam meu corpo com o orgasmo arrebatador.

Seu nome foi a única palavra coerente que saiu dos meus lábios
naquele momento.

Miguel continuou me invadindo, erguendo uma das minhas pernas


para intensificar a penetração. Sua testa pingava suor enquanto gemidos
roucos escapavam de sua garganta.

— Minha — declarou, me olhando com possessividade — Minha.


— Jogou a cabeça para trás, perdido na própria névoa de prazer que o
envolvia. — Minha, porra! Minha.
Ao gozar, balbuciou meu nome, rugindo de maneira lasciva.
Deixou-se cair sobre mim, embora tomando o cuidado para não apoiar o
peso de seu corpo no meu.

Permanecemos em silêncio por alguns instantes.

— Juro que te amo, mas... — sua cabeça se ergueu para me olhar,


atento às minhas palavras. Segurei o desejo de rir — você está suado.

Semicerrou os olhos para mim, parecendo divertido.

— É assim que me retribui, depois do prazer intenso que acabei de


lhe oferecer?

Soltei a risada que prendia, sentindo-me envergonhada.

— Não me culpe se estou incomodada com seu suor —


resmunguei, entre risos, escondendo meu rosto com minhas mãos.

Miguel se afastou por um breve instante, mas logo me envolveu em


seus braços.

— Nesse caso, nós precisamos tomar um banho. — Beijou meu


pescoço, mordendo minha pele sensível. — Porque se me permite um
spoiler das próximas horas, eu e você vamos suar bastante...

Céus!

Eu estava perdida!
Desejava ficar a noite toda com minha garota, mas não podia.
Tinha de conversar com Angel para revelar a nova descoberta que tive
com as recordações da Micaela.

Em todo o tempo que fiquei na casa do Juárez, nunca ouvi nada a


respeito da Igreja, nem que ele teve qualquer tipo de envolvimento com
essa organização. Só de imaginar que esse filho da puta queria mandar
minha garota para esse lugar, já me deixava furioso.

Esse grupo de escrotos, formava uma cúpula do alto escalão, que


praticava todo tipo de atrocidades usando o nome da Igreja Católica
como fachada. Os malditos se escondiam atrás de uma batina ou hábitos
religiosos para enganarem as pessoas e cometerem seus crimes
nojentos. Além disso, o espaço que usavam como Templo nem era uma
Igreja de fato, uma vez que não era reconhecida pelo Vaticano. Era tudo
uma farsa gigante.

O que dificultava ainda mais nosso trabalho de acabarmos com


essa porra!

A caminho do QG, liguei para o Angel:

— Está no QG? — perguntei, tirando o carro da garagem do prédio.


— Não — disse ele. — O que foi?

— Acabei de descobrir algumas coisas interessantes — falei. —


Micaela se recordou de algo que pode nos ajudar a desmantelar a Igreja.
Sabe se o caçador e a sua equipe estão na cidade?

— Não faço ideia, mas posso tentar descobrir — mencionou ele. —


Ele estava resolvendo alguns assuntos pendentes na organização da
esposa dele.

Estalei os lábios, pensativo. Ryan tinha se casado recentemente


com a garota que foi sua caça. A história de amor dos dois era surreal.

— Se ele estiver por perto, peça para ir ao QG — avisei. — O


assunto é de interesse mútuo.

Dizendo isso, desliguei.

Demorei mais do que o desejado para chegar na sede, o que me


causou certa frustração.

Estacionei o carro em frente ao edifício — a empresa era uma


fachada para nosso quartel-general —, ajeitando minha jaqueta de
couro. Achei estranho o lugar estar tão silencioso, já que não era normal.
Sacando minha arma, entrei cautelosamente para não ser pego de
surpresa. A todo momento, me questionava quem seria ousado o
suficiente para invadir nossa sede, pois seria uma missão suicida.
Quando cheguei ao corredor que dava para o escritório do Angel, vi
pelo menos oito seguranças tentando arrombar a porta da sala dele.

Pisquei, tentando entender a cena diante de mim.

— O que está acontecendo aqui? — perguntei, colocando a arma


de volta no coldre.

— Pegamos a moça que estava seguindo o chefe — respondeu um


deles, tenso.

— A vadia do FBI? — rebati, com a mente lenta.

— Sim, ela mesmo! — exclamou, nervoso. — A filha da puta não


fez muito esforço para se esconder, na verdade. Quando a capturamos e
a levamos até o chefe, ela se livrou das algemas e conseguiu se prender
ali dentro com ele.

— A porta foi trancada — concluí, numa mistura de irritação e


apreensão, porque o material daquela porta era bem reforçado.

Do lado de dentro, podíamos ouvir objetos se quebrando,


fatalmente recorrente de uma luta.

Meu sangue ferveu.

— Derrube a merda da parede se necessário, mas abram essa


maldita porta, carajo! — vociferei, nervoso, sem saber o que aquela
maluca podia fazer com Angel.

Depois de várias tentativas, finalmente derrubamos a porta.

A cena que observei quase me deixou sem fôlego.


Angel estava brigando com a mulher, na verdade, só estava se
esquivando dos golpes dela. Dei uma olhada rápida ao meu redor e vi
dois corpos no chão. Com toda certeza, eram os seguranças que a
levaram até ali.

— Não quero que ninguém se envolva — avisei, esticando o braço


quando os outros capangas se aglomeraram na porta. — Já causaram
bastante estrago — rosnei, decepcionado por permitirem aquela falha.

Segurei a arma, procurando o instante certo para atirar. Porém, era


difícil mirar com os dois se agarrando e destruindo tudo o que
encontravam pela frente.

— Agradeceria se me desse uma ajudinha aqui, Miguel —


resfolegou Angel, se abaixando no segundo que o punho da miserável ia
acertá-lo. — Não tenha pressa...

Dei risada da sua ironia.

— É divertido vê-lo apanhando de uma mulher que não seja minha


irmã — alfinetei, divertido.

Ele me encarou, indignado.

— Eu não apanho da sua irmã! — exclamou, e sua distração lhe


custou um soco no nariz.

— Ai! — Fiz uma careta com o sangue que espirrou.

Não tive escolha a não ser guardar minha arma e me envolver na


briga para tentar acalmar a cadela lunática, mas a diaba sabia lutar muito
bem. Afinal, não era à toa que fosse uma Seal, algo extremamente difícil
de se conquistar.
— Não pense que vai conseguir se safar dessa, vadia — rugi,
atingindo seu braço quando tentava pegar uma arma de um dos
cadáveres. — Você acaba de se condenar à morte!

Ela riu.

— Tem certeza? — Conseguiu se libertar de nós dois, rolando pelo


chão.

Aproximou-se da porta e desarmou um dos capangas tão


facilmente que fiquei impressionado. Em seguida, começou a atirar,
acertando os seguranças que estavam próximos.

Meti um chute na sua mão, desestabilizando seu foco por um


momento. A merda era que a filha da puta foi rápida, pois, no mesmo
instante em que a desarmei, e Angel se aproximou para segurá-la, ela
aproveitou para tirar uma seringa do rabo — única explicação.

Puta que pariu! De onde apareceu essa porra?

Vi, quase em câmera lenta, ela enfiar a agulha no braço do Angel.


Tive a impressão de que minha alma havia abandonado o corpo e
voltado. E se aquilo fosse veneno?

Inferno!

Em desespero, apontei minha arma para a mão dela e atirei,


fazendo a seringa voar para longe.

— PORRA! — berrou de dor, com olhos injetados.

Mas nem com o caralho de um buraco de bala na mão esse


demônio se rendeu. A cadela se levantou como um raio, vindo na minha
direção, pronta para me chutar no peito.
Fiquei na defensiva, lutando para bloquear seus ataques. Pretendia
apenas desarmá-la e neutralizá-la, não queria matar a miserável, ainda
que merecesse um tiro bem no meio da testa.

— Está drogada, porra?! O que você tomou? Bala?

— Não adianta tentar me impedir — rosnou ela. — Eu não vou


parar.

— Está ligada no 220v, desgraçada? — perguntei, me esquivando


de outro chute.

A filha da puta conseguiu matar metade dos seguranças que


estavam no corredor, e os outros agonizavam do lado de fora da sala.

— O que você injetou nele? — A acertei com um chute na coxa, o


que a fez cair de joelhos. — O que tinha naquela seringa? — Segurei
seus cabelos, mas a maldita me jogou no chão enlaçando minhas
pernas.

— Você deve ser o miserável que sequestrou minha prima. —


Subiu em cima de mim e me acertou um soco no rosto. Senti o gosto de
sangue na boca.

Consegui dar um impulso no meu corpo para sair do chão. Fui


rápido o suficiente para me desviar de um soco preciso no rosto, que
acabou atingindo a parede.

— Prima? — indaguei com sarcasmo. — Fez a descoberta do


século, querida? Porque até ontem, Micaela vivia abandonada naquela
porra de casa. Onde você estava esse tempo todo, hein? Brincando de
invadir locais que não lhe pertence feito a porra de uma ninja do
caralho?!
Eu estava puto!

Atingi seu rosto, sem me importar de feri-la. Meus hematomas eram


provas o bastante de que ela não estava nem um pouco se importando
comigo. Por que eu deveria ser bonzinho com ela?

— Você não sabe de nada — sibilou, fazendo uma careta de dor.


Sua mão deveria estar incomodando. — Não sabe da minha vida.

Meu peito subia e descia, enquanto eu observava seus passos


atentamente. A sala estava totalmente destruída, e tudo o que minha
mente sabia pensar era no Angel, caído no chão.

— Você já parou para se perguntar se, talvez, Micaela tenha


decidido fugir comigo por livre e espontânea vontade? Não passou pela
sua maldita cabeça que ela tenha desejado se livrar daquele infeliz do
Juárez?

Ela fingiu que minhas palavras não a afetaram.

— Onde você está mantendo Micaela presa, seu merda? — Tentou


me socar, mas me defendi.

— Só nos seus sonhos que vou falar com você sobre a Micaela,
sua infeliz. — A segurei pelos cabelos e bati o seu rosto contra a parede.
— Se sabia que ela era sua prima, por que não a ajudou quando aquele
canalha a mantinha em cárcere privado? — perguntei indignado,
mostrando o quanto seu descaso me incomodava. — Por que não a tirou
de lá antes?

Revoltada, pegou a poltrona que ficava em frente à mesa do Angel


e arremessou-a na minha direção. Desviei a tempo.

Maldita!
— EU NÃO SABIA QUE ELA ESTAVA VIVA! — berrou de pura
frustração. — Não tinha ideia de que esse cartel ainda estivesse ativo
depois que minha família morreu. — Começou a tentar me acertar com
socos e chutes. — Descobri que a pequena Micaela estava viva quando
comecei a investigar vocês, e o nome dela apareceu, mas ligado ao seu.

A infeliz estava tão fora de si e tão cheia de raiva, que não


percebeu o movimento que havia atrás dela, no corredor, fora da sala.
Somente tomou consciência quando Fire a imobilizou, prendendo seus
braços.

— Opa, opa! — Encostou a boca perto do ouvido dela. — Te


peguei. — Riu ao segurá-la enquanto ela se debatia para se soltar. —
Calma, tigresa, assim você vai acabar se machucando.

— Vejo que começaram a festa sem nos esperar... — examinou


Ryan, entrando na sala, seguido do restante do seu Esquadrão.

Cumprimentei Shadow, Razor e o Roy.

— Lamento informar, mas, infelizmente, seus homens lá fora não


tiveram muita sorte — comentou Razor, olhando ao redor —, os que não
estão mortos, estão quase lá. — Parou, caminhando pela bagunça. —
Caralho! Parece que passou um furacão aqui.

— Tá morto? — Roy questionou, apontando para Angel, que ainda


estava inconsciente no chão.

— Não — Shadow respondeu, conferindo o pulso do meu amigo.

— Joga um pouco de água na cara dele que ele acorda. — Ryan


avisou, suspirando. Parecia cansado. — Já vi esse tipo de substância
antes, é usada para deixar a pessoa inconsciente por um tempo. — Ele
disse isso cheirando e analisando a seringa que pegou do chão. — Eu
usava muito quando ainda caçava.

Angel me disse que, agora que se casou, Ryan resolveu abandonar


o ramo de caçador de recompensas.

— O que devo fazer com a Black Rose aqui? — perguntou Fire,


rindo, enquanto mantinha a mulher nos braços.

— Leve essa maldita para a sala de interrogatório — pedi, quase


espumando de raiva. — Se eu ficar olhando para a cara dela por mais
alguns minutos, serei capaz de meter uma bala no meio da testa da
vadia.

Então, Fire a pegou pelo braço e a levou para fora depois que
avisei que a sala ficava no porão do edifício.

— Estranhamos quando entramos no prédio, mas não vimos


ninguém de guarda — murmurou Shadow. — A caminho do corredor, de
onde vinha o tumulto da briga entre vocês, vimos os seguranças mortos
e feridos. — Jogou água no rosto do Angel e deu uns tapinhas.

Logo, ouvimos seu suspiro ao acordar.

— Porra! Minha cabeça dói — Angel reclamou, se erguendo para


se sentar.

Em seguida, o ajudei a se erguer, pois estava tonto.

— Está tudo bem agora, meu amigo — declarei, enquanto ele se


sentava no sofá, que estava mais próximo.

Me encarou e, silenciosamente, me agradeceu com o olhar.


— Onde ela está? — quis saber, ainda meio atordoado pela droga,
aplicada nele. Levou a mão ao seu nariz, que sangrava.

— Na sala de interrogatório — respondi, servindo uma dose de


tequila para todos nós. Na verdade, era a única garrafa que ficou intacta.

— Vou estrangular aquela desgraçada quando colocar minhas


mãos nela — sibilou, entre dentes, ainda mexendo no seu nariz.
Certamente tentando ver se chegou a quebrar. — Será uma maldita a
menos para encher o saco.

— Como ela entrou aqui? — perguntei, tentando entender como


diabos ela conseguiu essa façanha.

— Boa pergunta — Ryan complementou, curioso.

— Pela porta da frente — disse Angel, sacudindo a cabeça. — Ela


foi pega rondando o QG, então nossos soldados a trouxeram aqui, na
minha sala, para eu decidir o que fazer. — Virou sua tequila de uma vez.
— Só sei que quando ela entrou na sala, atirou nos dois — apontou para
os corpos no chão —, e trancou a porta.

— Ela é boa — impressionou-se Shadow.

— Ou idiota — Razor rebateu. — Ela sabia que morreria, ao entrar.


Alguma coisa aconteceu para que perdesse a razão desse jeito. Não faz
sentido.

— Ela descobriu a verdade sobre a Micaela e que a tirei da casa


em que vivia — Dei de ombros ao contar isso. — A maluca deduziu que
raptamos a prima.

— Dessa forma, a tarefa não se limitou a capturar Angel Herrera,


mas também a resgatar sua prima — pontuou Roy.
— Ou... ela poderia ter outras intenções — disse Ryan, nos
olhando, pensativo.

— Só saberemos o que a infeliz pretendia fazer de fato, quando ela


começar a falar... — proferi, virando minha bebida e saindo em direção a
sala que usávamos para interrogatórios.
— Está à vontade, querida? — perguntei com ironia, para nossa
hóspede na sala de interrogatório, assim que entrei.

Seus olhos nos meus eram como duas fendas, enquanto eu


andava pelo espaço.

O rosto dela estava machucado, coberto de hematomas, assim


como o meu e do Angel.

— Descobriu alguma coisa? — perguntei ao Fire, que negou com a


cabeça.

— Até agora, ela não disse uma só palavra — respondeu ele,


cruzando os braços. — E não parece querer colaborar. — Estalou os
lábios.

— E por que eu faria isso? — soou ela, raivosa. Os olhos da


desgraçada estavam em mim o tempo todo.

Eu estava com duas pastas nas mãos, uma com o dossiê do


Juárez e outra com o dossiê dela. Coloquei as duas na sua frente, na
mesa, mas permaneci quieto, apenas analisando suas expressões
faciais.
— O que é isso? — Apontou com o queixo, visto estar algemada,
com as mãos para trás na cadeira. — Pretende me chantagear? —
zombou, rindo.

Neguei com a cabeça, me deixando cair na cadeira de frente a


mesa.

— Não quero chantagear — falei. — Essas pastas têm informações


suas e do Juárez.

Ela fez um som com a língua, fingindo indiferença.

— Você ter um dossiê sobre minha vida, não me amedronta nem


um pouco.

— Não estou tentando te amedrontar, cadela, apenas estou


dizendo que sei o que você quer — declarei, satisfeito quando ela
projetou o corpo para frente, revoltada com minhas palavras.

— Quando eu sair daqui, vou te mostrar quem é a cadela —


resmungou, com os dentes à mostra.

Fire deixou escapar uma risada, o que chamou a atenção da diaba.

— Isso serve para você também, grandão — ameaçou ela. — Você


vai pagar por colocar as mãos em mim — sibilou.

— Mas eu apenas segurei você, tigresa — mencionou ele, com um


sorriso cínico —, garanto que quando você realmente tiver minhas mãos
em seu corpo, vai me implorar por mais. — Alargou o sorriso.

Ela rolou os olhos, incrédula, pela audácia do infeliz.

— Prefiro ser sacrificada a ser tocada por você — sibilou,


desviando os olhos. Por um segundo, pareceu afetada.
A risada do Fire ecoou no ambiente, deixando-a mais irritada.

Vi quando vasculhou a sala, procurando possíveis vias de fuga.

— Não há como sair daqui sem que eu permita — falei, fazendo-a


me olhar novamente — E ambos sabemos que isso não vai acontecer.

— O que você quer, seu verme? — vociferou. — Sabendo quem eu


sou e o que desejo, também deve ter consciência de que nenhum truque
desses vai funcionar comigo. — Gesticulou com desdém. — Já
experimentei diversas torturas físicas e psicológicas, portanto, posso
adiantar que todos os seus esforços serão inúteis.

Enchi meus pulmões de ar, deixando-me cair contra o encosto da


poltrona. Permaneci encarando a infeliz, processando suas recentes
palavras.

Uma coisa era enfrentar uma pessoa fraca; outra, bem diferente,
era estar diante de uma Seal.

Nervoso, peguei um cigarro do maço.

— Não sei o que leu sobre nós — acendi o cigarro —, nem o


motivo de querer entrar nessa missão suicida. — Traguei, soltando a
fumaça lentamente. A maldita permaneceu me olhando sem demonstrar
nada. Me inclinei na mesa, encostando nossos rostos. — Algo me diz
que você não é estúpida — apontei, voltando a tragar o cigarro. Soltei a
fumaça no seu rosto, sem me importar com a falta de educação. —
Dessa forma, chego à seguinte conclusão: alguém com a sua
experiência na marinha, jamais faria nada tão bobo assim. Exceto se
movida pela emoção.
Ela continuava me analisando tanto quanto eu fazia com ela. No
entanto, continuava muda, se recusando a falar.

— Sua família pertenceu ao cartel Corazón de Sangre — falei,


estudando suas reações. — Você ainda era uma garota quando perdeu o
pai — sua mandíbula se apertou, mas ela permaneceu calada. — Ainda
que você tenha escolhido esse tipo de vida, não há como negar que o
sangue do crime ainda corre em suas veias — sorri, perversamente,
adorando o fogo crispando em seus olhos escuros. — O que foi? Se
acha tão superior a todos nós, mas está atolada até o pescoço. —
Arreganhei os dentes, voltando a aproximar meu rosto do seu, querendo
que ela visse minha fúria. — Hipocrisia, covardia e negligência contra
Micaela, a tal prima que você, corajosamente, estava tentando salvar. —
Dei uma última tragada no cigarro.

— Ela é minha prima — reforçou, sua voz soando cavernosa.

— A garota possuir o seu sangue não significa nada — desdenhei.


— O que faz da pessoa ter um laço com você, é o cuidado e o amor.
Coisas que você não teve pela Micaela.

Ela estava a ponto de explodir de raiva, eu podia sentir.

Permanecemos nos encarando por longos minutos, sem nada


dizer.

— Você sabe que eu não tenho pressa, né? — quebrei o silêncio.


— Eu posso ficar aqui a noite toda se quiser. — Seu olhar encontrou o
meu. — Posso realizar torturas e mais torturas em você que, apesar do
que disse antes, nenhum ser humano aprecia dor. — Ofereci um sorriso
malicioso. — Ou... — me calei, olhando para minhas mãos.

— Ou? — Ergueu uma sobrancelha em desafio.


A encarei com os olhos semicerrados.

— Ou... Posso acreditar que você seja inútil para nós — decretei,
com um dar de ombros. — Com isso, dar um fim na sua vidinha
miserável.

— Apesar de toda sua arrogância, sei que não é o chefe —


desprezou ela.

Rangi os dentes.

— Posso não ser o chefe, mas tenho autonomia para fazer o que
quiser, inclusive, meter uma bala bem no meio da sua testa. Que tal? —
ameacei, sacando minha pistola e pressionando o cano da arma na sua
têmpora.

Mesmo sendo durona, ela engoliu em seco.

— O que te leva a pensar que minha vida seja miserável? —


perguntou no fim.

— Só o fato de você não se importar se vive ou morre, já é


resposta suficiente, tigresa — Fire comentou.

Ela o olhou como se somente naquele momento se lembrasse de


sua presença na sala.

Suspirando, manteve aquele ar de superioridade, antes de se voltar


para mim:

— Faça logo a porra das perguntas — sibilou, cansada.

Meu lábio se distendeu num sorriso satisfeito.


— Por que veio aqui? E por que tentou matar o Angel? — indaguei,
tentando entender. — Chegamos à conclusão de que você precisaria
dele vivo, com base nas informações que coletamos. Essa não era a
ordem?

— Não tentei matá-lo, seu idiota! — Rolou os olhos, impaciente. —


A droga era para apagá-lo — concluiu, mostrando que Ryan tinha razão.

— E como pretendia tirá-lo daqui? — foi Fire quem indagou. —


Você pode até tentar o estilo "Xena, a princesa guerreira", mas não acho
que conseguiria arrastar o corpo de um homem com quase cem quilos.

Os olhos ferozes se chocaram com Fire.

— Será que não percebeu o estrago que fiz lá fora? — latiu de


volta. — Fiz tudo aquilo, sozinha — salientou. — Sozinha.

Fire abriu um sorriso libidinoso, mas não disse nada.

Sacudi a cabeça, irritado por estar no meio daquela mistura de


raiva e tensão sexual que pairava entre os dois.

— Você pode ter feito toda aquela bagunça sozinha, mas não é
segredo para ninguém que nenhum agente do FBI trabalha sozinho. É
óbvio que você teria ajuda.

Ela sorriu, misteriosa, mas se manteve em silêncio.

— O que pretendia fazer com o Angel, já que afirmou que não o


mataria?

— Eu não ia matá-lo — repetiu.

— Então clareie minha mente, sua vagabunda — rugiu Angel,


entrando na sala, seguido dos outros membros do Esquadrão. — O que
leva uma ex Seal, agente condecorada do FBI, a invadir o quartel-
general de um cartel, se não for para assassinar o líder?

Sem emitir som algum, observou cada um que entrou no cômodo,


analisando a todos, com tranquilidade. Passados alguns segundos,
mostrou um sorriso cínico ao perguntar:

— Por que acham que sou uma "ex Seal"? Algumas informações
jogadas no sistema? — Fixou seu olhar no Little Roy, e riu com deboche.
— Você deve ser o cachorro deles, hum? Deve ser o pau-mandado que
junta essas informações. Por acaso não viu que se equivocou? Eu jamais
saí das forças especiais da marinha. Estou emprestada ao FBI para essa
missão em específico.

— Não me surpreenderia se fosse verdade — Little Roy comentou,


visivelmente irritado. — A sujeira ali de baixo revela muito a seu respeito
e sua falta de limites — disse debochado, fazendo-a quase latir para ele.

— O que faria um oficial, com sua patente, abandonar a sua missão


e bancar a suicida? — inquiriu Ryan.

Ela tiquetaqueou o maxilar, pensando se daria ou não as respostas


que queríamos.

— Ele não é um Salvatierra — cuspiu as palavras, com o rosto


endurecido. — Ao fazer uma busca a respeito de vocês, descobri que o
cartel que pertencera ao meu tio e ao meu pai ainda estava ativo,
embora, sob o comando de um sujeito chamado Juárez Salvatierra — o
repúdio estava na sua voz. — Além disso, descobri que minha prima, a
qual minha mãe disse que morreu com os outros parentes no acidente,
ainda está viva — me olhou com um olhar interrogativo —, e que você a
sequestrou.
Rolei os olhos, impaciente com sua acusação descabida. No
entanto, permaneci em silêncio.

— Podem imaginar o quanto seria satisfatório, para mim, não só


capturar o líder do cartel, a quem fui designada para caçar, como
também poder resgatar minha prima?

— Não sequestrei sua prima — afirmei.

— Foda-se! — rugiu, indignada.

Fire deu risada, apreciando o atrevimento da mulher.

— Sabe, cresci sabendo que alguns dos meus familiares morreram


em um acidente de trânsito — disse isso, baixando a voz. — Minha mãe
me criou longe de tudo. Claro que eu estava ciente do nosso passado
com o cartel, mas acreditava que, depois da morte do papai e do tio
Manoel, a organização havia se dissolvido — Nesse momento, desviou o
olhar para um ponto qualquer da sala, sem realmente enxergar nada. —
Recebi uma missão... — olhou fixamente para Angel — teria de me
infiltrar e desmontar um cartel que estava causando problemas no
Estado da Califórnia, ou seja, o seu! — Apontou com o queixo.

— Estamos num empasse aqui, querida — reagiu Angel, olhando-a


com aquele olhar ameaçador dele — Você tem duas opções: trabalhar
conosco, ou trabalhar para nós. O que prefere?

— Não estou a venda, porra! — bramiu.

Dei risada.

— Ninguém disse que está — comentei.


— O problema é que parece que você não fez o trabalho direito —
alfinetou Roy, zombeteiro.

— Não é o nosso cartel que está causando problemas, mas sim o


do Juárez, que não segue nenhum código de honra — complementou
Angel, apesar da raiva que sentia ao ter de se explicar para a mulher.

— Onde a minha prima está?

— Está segura! — respondi, seco. Vi nos seus olhos que ela se


preocupava de verdade com minha garota.

— Como, afinal de contas, descobriu sobre a garota e o Juárez? —


questionou Ryan.

— Ao pesquisar sobre o antigo cartel da minha família, o nome de


Juárez apareceu, bem como o da garota, que achei ser a irmã dele. Não
me ocorreu que pudesse ser minha prima, já que todas as minhas
pesquisas diziam que a garota havia falecido com os outros no acidente.
— Deu uma pausa, como se estivesse processando os seus próprios
pensamentos. — Descobri então que Juárez estava enfurecido, à
procura da irmã que havia sido raptada pelo cartel que era minha missão.
Fiquei apavorada, pois ainda estava tentando compreender todas as
descobertas. — Suspirou, parecendo aflita. — Tive medo de que a
machucassem. Afinal de contas, até onde sei, eu estou do lado dos
mocinhos. Diferente de vocês — acusou.

— Você ficaria surpresa se abrisse os olhos para a grande verdade,


tigresa — Fire proferiu, roubando a atenção dela.

— O quê? — balbuciou, confusa.


Esfreguei o rosto, irritado, pois o idiota tirou o foco dela do assunto
primordial.

— Em que ponto percebeu que Juárez não era um Salvatierra? —


perguntei, batendo os dedos na mesa, requerendo a sua atenção.

Piscou, me brindando com seu olhar perdido.

— Bem... — pigarreou, limpando a voz —, meu tio não teve filhos


homens; Micaela era a única filha — explicou com um dar de ombros. —
Dessa forma, meu objetivo, para além de cumprir minha missão, é salvá-
la e levá-la para casa comigo. Para a família dela de verdade.

— Nem por cima do meu cadáver — respondi com raiva e a filha da


puta me olhou com desafio.

— Seu plano era entrar aqui sozinha e se matar? Pensei que


oficiais do seu nível fossem mais espertos — alfinetou Angel.

— Ainda não passou pela cabeça de vocês que eu me deixei ser


pega para entrar aqui? — Semicerrei os olhos para ela. — Matar você
não era o plano, Angel, nunca foi. — O encarou. — Tanto que a droga na
seringa era só um sonífero.

— Qual era sua intenção, afinal? — perguntei, temendo o pior.

Ela sorriu diabolicamente, mas não respondeu. Voltou a ficar em


silêncio. O meu corpo todo ficou alerta quando a minha mente estalou.

Imediatamente, peguei o telefone para ligar para Micaela.

Rosalyn abriu os olhos de espanto ao compreender minha


intenção. Por um segundo, se sentiu ofendida.

— Eu jamais faria nada contra minha prima — falou, indignada.


Sacudi a cabeça, me colocando de pé.

— Não vou pagar pra ver. — Me afastei dali.

Pretendia pedir para o Pietro tirar minha garota do apartamento e


enviá-la para um lugar mais protegido.

Eu jamais me perdoaria se algo acontecesse com ela.


Um tempo antes
— Senhorita, Micaela? — Ouvi Pietro me chamando.

Estranhei, sobretudo, porque seu tom de voz revelou que algo


estava errado.

Espiei o horário no relógio de parede, percebendo beirar as sete da


noite.

Saí do quarto e vi meu segurança na sala, conversando com


alguém pelo rádio comunicador.

— Aconteceu alguma coisa? — indaguei, tentando entendê-lo. —


Parece tenso.

— Não aconteceu nada — sorriu fraco. — O chefe acabou de ligar,


pedindo para levá-la até a casa do senhor Angel.

Franzi a testa, pegando meu próprio celular no bolso do casaco que


usava.
— Nossa! Está cheio de ligações perdidas dele — observei. —
Acredito que não ouvi, porque estava no modo silencioso.

Pietro permaneceu parado, me encarando.

Respirei fundo.

— Certo! — exclamei, piscando freneticamente. — Se Miguel quer


que eu vá para a mansão do Angel, então eu vou. — Esfreguei uma mão
na outra.

Sorte que a Lis estava de volta em San Diego, então eu não ficaria
sozinha.

— Por acaso você sabe o que aconteceu para Miguel me querer


longe do apartamento? — intimei, preocupada que Juárez estivesse
perto demais.

— Não sei dizer, senhorita.

Semicerrei os olhos em sua direção, desconfiada.

— Você sabe, só não quer me dizer — Cruzei os braços. — Tem


algo acontecendo com ele, é isso? — insisti. — Pietro, tem a ver com o
Juárez?

— Não — proferiu, pacientemente. — O chefe só quer garantir que


a senhorita fique bem na ausência dele. E no momento, o melhor lugar é
na mansão do senhor Angel.

Suspirei, derrotada. Não adiantava persistir, pois Pietro não me


contaria nada.

Pensei em ligar para Miguel, mas deduzi que estivesse ocupado,


então não quis atrapalhar.
Pietro, eu e mais dois seguranças usamos o elevador privativo que
nos levaria diretamente para o estacionamento do prédio. Obviamente
que os outros seguranças foram à frente, de modo a verificar se estava
tudo bem antes de descermos, como protocolo a ser seguido.

Assim que saímos do elevador, franzi o cenho ao perceber o


silêncio no lugar. Pietro tentou se comunicar com os outros pelo rádio,
mas não obteve respostas, o que o deixou muito nervoso.

— Vamos seguir para o carro depressa, senhorita — pediu ele,


tentando me fazer acelerar os passos.

De repente, travei no lugar quando olhei para o lado e vi uma pilha


de corpos. Eram nossos seguranças.

Gritei, apavorada, enquanto pressionava as mãos na boca devido


ao medo que a cena me causou.

Pietro sacou sua arma, mas não foi tão rápido quanto o seu colega,
que me puxou para perto dele, encostando o cano da arma na minha
têmpora.

— Antonio! — exclamou Pietro, apontando sua arma para meu


algoz. — Que caralho pensa que está fazendo? Solte-a, porra!

Ele e o outro segurança começaram a nos esquadrinhar.

O homem me mantendo em seu agarre, riu.


— Ainda não entendeu, idiota? — rebateu, com zombaria. — Eu
não estou sozinho. — Voltou a rir. — Aquela limpa ali — gesticulou com o
queixo para a pilha de corpos —, só aconteceu, porque facilitei tudo.

Pietro rosnou, olhando à sua volta, temeroso que mais capangas


pudessem surgir.

— Traidor de merda!

— O único traidor é o seu chefe — respondeu, me agarrando com


mais violência, enquanto me obrigava a caminhar com ele —, que se
achou no direito de invadir o nosso território para enganar e roubar.

— Está falando do fracassado do Juárez?

— FRACASSADO É O CARALHO! — vociferou, indignado. — Se


fosse tão fracassado assim, não teria me colocado aqui dentro, como um
infiltrado. — Riu outra vez.

Pietro seguia tentando se aproximar, sempre atento aos


movimentos do homem que me mantinha cativa.

— Antonio, você não vai conseguir sair do prédio... — assegurou,


apesar da tensão na voz — Em alguns instantes, novos seguranças
estarão aqui.

— Isso não vai acontecer, porque todos estão mortos! — decretou,


frio.

Pietro praguejou, embora tentasse não mostrar medo para não me


deixar mais apavorada.

— Na verdade, nós não precisamos fazer barulho e nem lutar,


Pietro. Eu só quero a garota.
Me encolhi e lutei para não chorar, mas era impossível.

— Quem disse que não gosto de um bom barulho? — revidou


Pietro, sem se deixar abater.

— Pietro... — solucei, com uma mistura de angústia e medo.

— Olha... eu não estou com muita paciência — sibilou o homem


que me segurava — Não foi fácil concluir a missão de resgatar a
vadiazinha, então... se não se afastar do meu caminho agora, não serei
amigável. — Gesticulou com a arma na direção do Pietro e do outro
segurança.

Nesse instante, impulsionada por uma coragem que nem sabia que
tinha, bati o meu cotovelo em sua costela, o desequilibrando e facilitando
minha fuga.

— Entre no carro, senhorita! — gritou Pietro, quando consegui dar


alguns passos para longe.

Então, gritei de susto ao ouvir disparos. Virei a tempo de ver o


segundo segurança morto com um tiro na testa e Pietro desabar,
segurando o estômago.

— Não... — balbuciei, com os olhos cheios de lágrimas.

Tinha muito sangue.

Fui ajudá-lo, mas, quando estava perto, alguém puxou meus


cabelos com força e me derrubou no chão. Era o mesmo homem
chamado Antonio. Contorci-me nos seus braços, mas isso apenas o
deixou mais bravo e então ele acertou meu rosto com a mão. Tinha
certeza de que seu golpe cortou meu lábio.
De pé, notei que seu braço sangrava, mas, mesmo assim, me
manteve firme em seu agarre enquanto eu só sabia chorar.

— O seu verme — apontou para Pietro, que se esforçava para se


levantar —, vou deixá-lo vivo para dizer ao seu chefe que ninguém pega
o que pertence a Juárez Salvatierra, e vive para contar a história.

Após pronunciar tais palavras, apertou um tecido umedecido em


alguma substância no meu nariz. Não vi mais nada.

Acordei zonza, com a vista embaçada. De súbito, meu corpo foi


elevado, mas não pude abrir os olhos para ver onde estava nem para
identificar quem me estava segurando.

Então, escutei uma voz que pensei nunca mais ouvir. Pânico
inundou minhas entranhas.

— Quem a machucou? — Juárez perguntou a alguém, em tom


cavernoso.

— Foi necessário, senhor. A garota não quis cooperar — veio a


resposta, enquanto me sentia sendo colocada numa superfície
semelhante a um sofá.

Juárez soltou uma risada sinistra.

— Ninguém toca na minha irmã, seu idiota! — Estremeci ao som do


estampido de tiro.
Não sei se foi pelo espanto ou pelo efeito da droga no meu
organismo, mas desmaiei de novo.

Dei boas-vindas a escuridão.

Abri meus olhos, sentindo minha cabeça latejar. Levantei-me com


dificuldade, levando a mão à lateral do rosto que doía. Havia um inchaço
naquela área, dolorido a ponto de ser insuportável.

— Pensei que não fosse acordar mais. — Dei um pulo de susto ao


som da voz do Juárez.

Pisquei, com meu coração aos pulos. Encontrei-o então sentado


numa poltrona ao lado da cama em que eu estava.

Fui automaticamente transportada para nosso passado e senti uma


miríade de emoções.

Raiva.

Asco.

Decepção.

Medo.

— Você — murmurei, entortando os lábios.

Ele me fitou por um momento, como se estivesse me avaliando.


— Onde estou? — perguntei, com a mente a mil.

— Isso importa?

Procurei no seu rosto alguma familiaridade, mas não havia


nenhuma. O semblante calmo que ele estava esboçando, na verdade,
me assustou ainda mais.

— O que vai fazer comigo, Juárez? — Engoli com dificuldade.


Mesmo tentando não transparecer, eu estava apavorada.

— Presumo que esteja ciente de que não somos irmãos. — Não foi
uma pergunta. — Você, para todos, ainda é minha irmãzinha. — Ele se
levantou da poltrona e veio na minha direção como um predador.

— Você me enganou durante todos esses anos — acusei, cheia de


mágoa. — Como pôde?

Sua risada ecoou no cômodo.

— Esse sempre foi o seu problema, querida — zombou —, você é


muito ingênua. Nunca aprendeu que não se deve depositar a confiança
em ninguém, a não ser em si mesma. As pessoas são cruéis e
traiçoeiras.

— Isso não é verdade! — exclamei, e seus olhos semicerraram. —


O único que me traiu foi você.

— Está falando do seu macho? Acredita mesmo que ele se


apaixonou por você? — Gargalhou, fazendo meu coração se tornar
pequenino. — Aprenda uma lição, Micaela — subiu na cama —, os
homens só querem uma coisa das mulheres, e é o que elas têm entre as
pernas.
Quanto mais se aproximava, mais eu me afastava, até bater na
cabeceira. Dei uma olhada para os lados, com a intenção de saltar da
cama, mas Juárez percebeu o que eu planejava e me segurou pelos
tornozelos.

— Onde pensa que vai?

— Me solta! — rugi, me debatendo.

— Ficou com raiva por eu falar a verdade sobre o macho que você
arrumou? — zombou, rindo. — Sinto muito, mas eu não menti. Aquele
porco só te usou, assim como fez com todas as outras.

Fiquei revoltada, comecei a bater os pés e me aproximei do rosto


do dele, cuspindo na sua cara.

— Lave a boca antes de falar do Miguel, seu cretino! — gritei,


enfurecida, vendo-o passar a mão no rosto. — Eu tenho nojo de você,
Juárez, nojo! — Meu rosto se contorceu com novas lágrimas. — Não foi
o Miguel que me enganou. Não foi ele quem matou meus pais. Como
você pôde? — Soquei seu peito com toda força que tinha. — Eu te odeio!
Eu te odeio! Você é um monstro.

Ofeguei quando levei um tapa no rosto, que me fez cair na cama.


Logo, Juárez me apertou contra o colchão com seu corpo.

— Como se atreve a me acusar de ser um traidor, quando quem


me traiu foi você ao se deitar com aquele homem que me fez de bobo?
— sibilou no meu rosto. — Sabe como eu fiquei quando você sumiu?
Hein?! Eu mandei exumar seu corpo, Micaela, mandei exumar um
cadáver que não era seu!
— Sai de cima de mim. — Me esperneei, lutando contra sua força,
em vão.

— E sabe o que mais me deixa furioso? — inquiriu, ignorando


minhas palavras. Riu feito um lunático. — Enquanto eu a procurava como
um doido, você estava dando a boceta para ele. — Ele trincou os dentes
e apertou o punho, como se fosse para socar meu rosto. — VOCÊ
ESTAVA DANDO PARA ELE, O QUE ERA PARA SER MEU, PORRA! —
Começou a dar socos na cabeceira da cama, arrancando gritos histéricos
dos meus lábios.

Em seguida, saiu de cima de mim, parecendo tentar se acalmar.

Contive o pranto e me esforcei para pensar com clareza. Eu


precisava pensar num jeito de fugir.

— Juárez... — chamei, enquanto ele estava de pé e de costas.

— Eu posso sentir o cheiro daquele filho da puta em você. — Seus


olhos me encontraram de novo, cheios de ódio. — Ele está em você, eu
sinto. — Voltou a se aproximar da cama, alucinado novamente.

Não tive como escapar quando ele se jogou em cima de mim, me


imobilizando com o peso do seu corpo. Sentado em cima de mim, usou
uma das mãos para segurar meu rosto, apertando minha bochecha e me
forçando a olhá-lo nos olhos.

— Miguel está no meu coração — admiti, com a voz embargada. —


Você nunca conseguirá entender isso, pois não tem capacidade de amar
alguém além de si mesmo — disse, com desdém, e sem a menor sombra
de arrependimento.
Não estava preparada para o próximo golpe que ele me desferiu no
rosto, tão forte que tive a sensação de gosto de sangue na boca.

— SUA VAGABUNDA! — Voltou a sair de cima de mim, me


fazendo olhá-lo. Arregalei os olhos quando percebi que tirou o cinto. —
Vou te dar a surra que eu nunca dei.

Gritei no primeiro golpe, que fez minha pele queimar, irradiando dor
pelo corpo todo. Tentei fugir, mas não adiantava. Juárez mantinha o
controle.

Ele sempre mantinha o controle.

A cada lugar que os golpes acertavam, eu sentia minha carne


sendo rasgada. Dilacerada, assim como meu coração. Em certo ponto,
dispensou o cinto e passou a usar os punhos.

Eu estava completamente perdida.

Destruída de corpo e mente.

Juárez cessou as agressões assim que a fúria dissipou, respirando


com dificuldade. O meu rosto estava inchado e dolorido, assim como o
resto do meu corpo.

Não o impedi quando voltou a se sentar em cima de mim. Eu


estava sem forças.

— Olha o que você me obriga a fazer... — acariciou meu rosto com


um carinho que contradizia suas ações de minutos atrás. — A culpa é
sua, Micaela, toda sua! — Inalou fundo, incomodado com meus
hematomas. — Tenho umas coisas para resolver agora, então, tome um
banho. No jantar, nós conversaremos. — Me puxou com força pelos
cabelos, colando nossos rostos.
Me retraí toda quando sua boca se chocou contra a minha e ele
forçou a língua no vão dos meus lábios machucados, enquanto apertava
um dos meus seios, por cima do vestido.

Controlei a bile que se formou na minha garganta.

Fechei a boca, cerrando os dentes, impedindo que ele conseguisse


me beijar. Como resultado, levei uma mordida no lábio inferior, que
machucou a carne e fez sangrar.

— Você é minha, sua vadia, não entendeu isso ainda? — rugiu,


cavernoso. — Eu deveria ter feito de você minha mulher há muito tempo.
— Rasgou a alça do vestido, revelando um dos meus seios.

Desceu a boca, mordendo meu mamilo direito, me marcando ali


também. Mantinha-me imóvel, enquanto insistia em sugar minha pele
com violência, me mordendo, machucando.

Ao notar o instante que se levantou um pouco — ajoelhando-se no


colchão —, levando a mão ao zíper de sua calça com a nítida intenção
de tirar seu membro para fora, consegui uma posição de vantagem e dei
uma joelhada no meio de suas pernas.

Juárez gritou de dor, e aproveitei a oportunidade para atingi-lo na


cabeça com um objeto de gesso, em seguida, o afastei de mim.

De pé e fora da cama, agarrei o tecido do vestido para esconder


minha nudez e saí do quarto. Sabia que Juárez não ficaria desmaiado
por muito tempo.

Embora fosse difícil, fui me arrastando pelos cômodos até


conseguir me esconder em um canto escuro do jardim, do lado de fora.
Não me surpreendi com a falta de capangas, já que Juárez era odiado
até pelos seus.

Assim que finalmente encontrei uma brecha, saí das sombras e


corri na direção do portão, para fora daquela maldita casa.

Não olhei para trás.

Corri sem rumo, sem qualquer noção de direção. Meu único


objetivo era me distanciar tanto quanto possível do Juárez e,
consequentemente, me aproximar do Miguel.

Fui até onde as pernas aguentaram, até que caí no chão de terra e
pedras.

Apaguei de tanto cansaço e dor, sem saber ao certo onde estava,


mas ciente de que estava longe do meu pior pesadelo.

Antes de cair no sono profundo, chamei pelo único nome gravado


na minha mente e no meu coração:

Miguel...
— O que pretende fazer com ela? — Ryan questionou o Angel, que
estava silencioso... mais do que o de costume.

— Ainda não pensei a respeito — respondeu, esfregando o rosto.


— Não faço ideia do que explicar à minha esposa sobre o motivo de
apresentar o rosto todo contundido dessa forma. — Gesticulou para si
mesmo.

A risada foi unânime.

Com a exceção do Fire, que resolveu ficar de olho na agente do


FBI, todos nós estávamos na minha sala, no quartel-general, uma vez
que a do Angel foi destruída.

— Se não se incomoda, tenho planos para ela — acrescentou o


caçador. — Afinal, nunca é demais ter um policial sob custódia.

— Por mim... — Angel deu de ombros, deixando-se cair em uma


das poltronas. — Sem envolver o nosso nome nesse problema, faça o
que quiser com a mulher — concluiu. Tombou a cabeça para trás,
visivelmente cansado.
Faz pouco mais de meia hora que conversamos com Rosalyn, mas
não tomamos nenhuma decisão. É claro que seria estúpido eliminá-la,
mas também não podíamos deixá-la escapar como se nada tivesse
acontecido.

— Com todos os eventos, acabei esquecendo o motivo pelo qual


pedi para o Angel convocá-los aqui hoje, caçador — comentei, com
minha mente dando um estalo. Todos prestaram atenção em mim. —
Micaela se recordou de um momento em que Juárez mencionou o nome
"Grão-mestre".

— Grão Mestre? — Shadow piscou. — Líder da maior organização


de tráfico humano, conhecida como Igreja?

— O próprio — respondi, tiquetaqueando o maxilar. — Micaela


contou detalhes da conversa com Juárez, que mencionou o nome Grão-
mestre e algo sobre Massachusetts.

— Que lugar de Massachusetts? — Ryan perguntou, interessado.

— Ela não soube dizer. — Dei de ombros. — A lembrança foi


pouca.

— De qualquer maneira, já é alguma coisa — disse Angel, dando


uma espiada em Ryan. — Sei que, agora que se casou, quer fugir das
caças, mas isso, bem... — se calou, estalando os lábios, deixando no ar.

— Destruir essa imundície é o meu sonho — afirmou Ryan,


demonstrando todo seu ódio.

Ryan tinha um problema específico com aqueles que usavam a


religião para tirar proveito das pessoas e da fé delas. E isso vinha do seu
passado.
— Bem-vindo ao clube, caçador, bem-vindo ao clube — rebateu
Angel, com a mesma raiva.

Respirei fundo, me jogando contra o encosto da cadeira.

— Bem, voltando ao caso da cadela do FBI... — soprei — seja


libertando-a ou não, ela vai continuar causando problemas —
argumentei, com a atenção do Angel. — Não sei quanto a você, mas eu
não confio nela.

— Nem eu — proferiu, com um suspiro exasperado. — O problema


é que estou farto dessa merda relacionada ao Juárez — mencionou,
atribulado. — Voltar para o México é necessário, mas esse cara não me
deixa em paz. E não ajuda em nada saber que o FBI está me vigiando.

Ele estava visivelmente estressado. E eu concordava, pois aquilo


era uma merda fodida demais.

— Você sabe que sou capaz de lidar com isso — respondi,


recebendo seu olhar de deboche.

— Chegamos à atual situação porque acreditei nisso — disse, com


uma pontada de frustração. — Se você tivesse seguido o plano, as
coisas teriam sido diferentes.

— Então a culpa é minha? — Eu estava chocado com sua


acusação descabida. — Me tornei o responsável pelos atos daquele
psicopata e pelo FBI estar de olho nos seus negócios? Era só o que me
faltava! — Balancei a cabeça, enfurecido.

— Wou! Vamos nos acalmar, pessoal — comentou Ryan, tentando


apaziguar a discussão.
— Por que você teve de ser o herói e tirar a moça daquela casa,
hein?! — gritou Angel. — Se não tivesse agido daquela maneira, Juárez
permaneceria distraído e não perceberia o nosso plano. Agora, o imbecil
se armou, droga!

— Está dizendo, portanto, que a responsável por todos os


problemas, na verdade, é a Micaela? É isso? — Eu estava fervendo.
Sentindo meus músculos vibrarem de raiva. — Você acha que ela deve
pagar pelos crimes dele?!

Não notei que tinha alterado a voz, mas tanto faz.

Angel ficou de pé, assim como eu. Seu rosto revelava a mesma
impetuosidade.

— Por que se importa tanto? — indagou, zombeteiro. — Só porque


está fodendo a...

Não deixei que terminasse a frase, porque meu soco atingiu seu
rosto machucado. Logo, Razor segurou meus braços, forçando-me para
trás quando tentei pegar Angel do chão e bater nele até ficar sem fôlego.

Eu queria que ele engolisse todas aquelas merdas.

— Como se atreve a se referir a Micaela desse jeito, seu


miserável?! — gritei. — Ela não é qualquer uma, porra! Não é uma vadia!

O imbecil se levantou do chão e seu sorriso me deixou ainda mais


furioso.

— Mexicano, fica calmo — Razor disse, me mantendo preso. —


Não é hora de brigar.
— Angel... — Ryan estendeu o braço na frente de Angel, para
impedir que ele se aproximasse de mim.

— Tudo bem, caçador — fitou-o, que acenou positivamente, se


rendendo com as mãos para o alto. Em seguida, Angel se voltou para
onde eu estava. — Solte-o, Razor.

Razor me soltou, apesar de estar desconfiado.

Rangi dentes, sentindo meus nós dos dedos arderem com o desejo
de voltar a bater nele.

— Você me ameaçou quando eu fiquei com sua irmã para ter


certeza de que eu entendesse que Lis não era como as outras mulheres
que eu ficava — disse ele.

Pisquei os olhos, tentando compreendê-lo.

— Qual é a relevância disso para Micaela?

— Só queria ter certeza de que você não estava brincando com a


garota.

Arquei as sobrancelhas, incredulamente.

— Não acredito nisso! — Sacudi a cabeça, aturdido.

— De que outra forma, eu poderia descobrir seus verdadeiros


sentimentos, a não ser fazendo você sentir raiva? — ofertou-me um riso
sarcástico.

— Eu podia tê-lo deixado com a cara quebrada, seu idiota! —


Soquei seu peito.
— Não pense que eu facilitaria — alegou com um risinho cínico. —
Enfim, decidi o que fazer com a cadela do FBI. — O encarei, esperando-
o continuar. — Podemos ameaçar a carreira dela.

— Como assim? — intimei, lutando para amenizar aquele turbilhão


de emoções que a briga com o Angel me causou.

— Micaela tem o sangue dela, provando que a cadela tem ligação


com o crime. Rosalyn pode ter problemas quando seus superiores
suspeitarem que ela pode estar relacionada a uma organização
criminosa, como o cartel do Juárez.

— Faz sentido — disse Shadow, falando pela primeira vez depois


de um tempo em silêncio. — É possível que ela seja incriminada por
facilitar os crimes do Juárez, pois foi designada a atuar, justamente, no
território do cartel dele.

Assenti com a cabeça.

— Parece o momento perfeito para uma nova conversa com a


nossa hóspede — debochei, saindo da sala, sabendo que seria seguido
pelos outros.

O caminho até o local foi breve.

Fiquei surpreso quando Rosalyn se agitou na cadeira assim que


entramos na sala de interrogatório.

— Acho melhor cuidarem da mão dela, senão, duvido que ela


possa atirar novamente um dia — observou Fire, apontando.

Naquele momento, lembrei que tinha atirado na mão da infeliz.


— Se isso acontecer, o mundo não terá nenhuma perda — afirmou
Angel, entrando na sala. — Aqui não é hospital, e não faço caridade com
quem tenta me matar.

Soltei uma risadinha.

Vi que as pastas com os documentos estavam abertas sobre a


mesa e olhei para Fire com as sobrancelhas arqueadas. O idiota deu de
ombros.

— O que foi? — inquiriu, revirando os olhos. — Eu estava


entediado, ora. Ao menos, agora ela sabe que a família dela não morreu
num acidente. Descobriu que houve um atentado e que Juárez é o
culpado.

Vi os olhos de Rosalyn brilharem de lágrimas não derramadas. Por


um instante, senti sua dor na minha pele.

— Quero fazer um acordo! — ela disse de repente. Sua voz estava


abalada.

Dessa vez, foi Angel quem se acomodou diante dela, à mesa.

— Prossiga... — gesticulou.

Ela respirou fundo, parecendo escolher as palavras certas.

— Sei como encontrar o Juárez — declarou, me fazendo arquear


as sobrancelhas. O perseguíamos há semanas, desde que tudo aquilo
aconteceu. — Revelo o local certo se prometerem entregá-lo para mim.

Angel soltou uma risada incrédula.

Neste exato instante, meu celular começou a vibrar, o que me


deixou surpreso ao perceber que era o Pietro quem estava ligando.
Atendi, sentindo meu coração disparar de medo:

— O que foi, Pietro?

— Chefe! — sua voz soou baixa, quase falhando — Fomos


emboscados... — minhas pernas falharam nesse momento — eles... a
levaram.

— Como assim, a levaram? — balbuciei, tremendo da cabeça aos


pés. — Onde vocês estão? Pietro? Pietro? — A ligação ficou muda.

Senti o chão se abrir sob meus pés à medida que minha mente
processava o que acabara de ouvir.

Ele estava com ela... aquele maldito estava com a Micaela.

O ar escapou dos meus pulmões.

— Miguel? O que houve? — perguntou Angel, parando na minha


frente. — Puta merda, Miguel! O que foi, porra? — Estapeou meu rosto.

— Micaela foi sequestrada — deixei escapar, sentindo minha


garganta ardendo. — Aquele bastardo a pegou.

Ouvi alguns palavrões ao meu redor, mas não pude me concentrar


em nada, pois meus olhos estavam na mulher à minha frente, a única
que saberia me dizer onde aquele maldito estava escondido. Local que,
possivelmente, levou a Micaela.

— Onde está o esconderijo daquele rato? — gritei, encarando-a


com toda raiva que sentia. — Acabei de saber que ele invadiu meu
prédio e levou minha mulher. — Bati os punhos na mesa. — Juárez levou
minha mulher — falei devagar, como se precisasse dessa pausa para
que meu cérebro processasse tal realidade. — Então, se você se importa
de verdade com sua prima, vou perguntar mais uma vez... — meu
coração batia forte — Onde ele se esconde?

Rosalyn não desviou os olhos dos meus nem por um segundo. A


mesma raiva que existia em mim, estava também presente nela.

Estávamos no mesmo barco, afinal.

— Me solta! — exclamou, enrijecendo o maxilar. Não se intimidou


comigo. — Eu tenho um plano. — Estendeu os pulsos para eu abrir as
algemas. Uma de suas mãos estava inchada e ensanguentada.

— Acho que você não entendeu, cadela. — Segurei seus cabelos


com força, puxando seu rosto na minha direção. — Não estou pedindo
sua ajuda, porra! — berrei.

— Miguel... — Angel me chamou, tentando me acalmar.

— Eu quero a localização dele — sibilei, entre dentes. — É isso o


que eu quero!

— Sei que não é fácil, mas você precisa confiar em mim — disse
ela, em tom firme. — E, sobretudo, me deixar ter um momento a sós com
Juárez antes de matá-lo — complementou, apertando os dentes.

Não havia dúvidas de que ela o mataria assim que tivesse


oportunidade, visto desejar vingar sua família.

Eu estava totalmente perturbado, com a mente acelerada.

Angel voltou a se posicionar na minha frente, obrigando-me a olhar


para seu rosto.

— Você não está pensando direito agora — disse, sério. — Nós


vamos encontrá-la — garantiu, apertando meu ombro. — Infelizmente,
nossa melhor chance é ela. — Apontou para Rosalyn.

Ofegante, sem controle, olhei para a vadia.

— Não confio em você — decretei, apontando.

Angel chegou perto e abriu as chaves das algemas dela.

— Alguns dos meus homens irão com você — avisou ele —, para
você não tentar nenhuma gracinha e chamar os federais.

— Eu vou com ela! — decretou Fire. Tanto Ryan quanto o restante


do esquadrão se surpreenderam com isso. — Juárez ainda não teve o
prazer de me conhecer, então vou junto — esfregou os cabelos com ar
arrogante. — Garanto mantê-la na linha. — Olhou para Rosalyn, que
resmungou impaciente.

Ela o socou no estômago com as mãos livres e Fire se curvou,


gemendo de dor.

— Porra! — praguejou.

— Idiota! — resmungou ela.

Então, todos nós deixamos a sala de interrogatório.

Ocorre que eu não estava pensando de forma racional. Longos


minutos depois, empurrei Fire para trás e entrei na frente assim que
Rosalyn tomou a direção do carro.

— Que droga, cara! — gritou ela, me olhando com raiva.

Foda-se sua raiva!

— Decidi que serei eu a acompanhá-la — respondi com um


grunhido ofegante. — É minha mulher que está nas mãos daquele
canalha!

Ela apertou os dentes, demonstrando sua impaciência.

— O problema é que você está fora de si e só vai fazer merda,


porra! Vai arruinar tudo.

Peguei minha arma e pressionei o cano em sua cabeça.

— Dirija! — sibilei, tomado pelo medo e pela fúria.

Alguém abriu minha porta de repente. Era Angel.

— Miguel, pelo amor de Deus, cara! — exclamou com a voz


áspera. — Não está emocionalmente preparado para ir agora. Precisa
confiar que Rosalyn e Fire vão conseguir abrir o caminho para nós.

Meus olhos estavam fixos em Rosalyn.

— Se você for comigo, Juárez poderá reconhecê-lo — insistiu ela,


sem se abater com minha arma apontada para sua cabeça. — Sua
presença, sem dúvidas, aumentará o perigo para Micaela. É isso o que
quer?

Rosnei feito um animal.

— Como ousa questionar isso, caralho? É claro que não quero


colocá-la em risco!

— Então, você precisa sair deste carro e deixar Fire entrar —


decretou Angel, que estava parado ao meu lado. — É hora de agir com
sabedoria, Miguel. Se fosse para explodir tudo, todos nós iríamos. Existe
uma grande probabilidade de sua garota estar presente...

Meu coração batia forte e descontroladamente.


Abaixei minha arma, observando que minhas mãos tremiam
descontroladamente.

— Me explica o que pretende fazer, afinal — pedi, forçando minha


mente a aceitar essa porra. — Preciso saber qual é seu plano para que
eu desista do meu direito de ir buscar minha garota. — Encarei seus
olhos, tão sombrios quanto meu interior naquele momento.

Ela explicou, então, que a ideia seria se passar por funcionários


internos. Nas últimas semanas — investigando sobre ambos os cartéis
— ela aprendeu a rotina da casa e passou a saber quando cada
funcionário saía e voltava. Sendo muitos, era improvável que alguém
desconfiasse. Por isso que eu não poderia ir, já que certamente me
reconheceriam.

— Isso pode levar dias — falei, enfurecido. Eu queria gritar de


raiva.

— Uma vez dentro daquela casa, farei de tudo para retirar minha
prima o mais breve possível — prometeu —, e em segurança —
ressaltou.

Relutantemente, deixei o carro.

Estava tudo um caos dentro e fora de mim. Desejava vasculhar


todos os cantos daquela maldita cidade em busca da Micaela, mas sabia
que seria imprudente. Impulsividade só pioraria a situação dela.

Ódio. Sentia-me dominado por ele.


Longos minutos depois
Organizamos o resgate do Pietro e a limpeza do estacionamento,
que tinha muitos cadáveres.

Meu soldado foi levado com vida a clínica. Embora o lugar estivesse
na folha de pagamento do cartel, nem sempre Angel aceitava usar esses
serviços, pois temia que o uso constante pudesse despertar a suspeita
da polícia.

Pietro, meu homem de confiança e amigo, levou dois tiros — um de


raspão nas costelas, e outro no ombro — ao proteger Micaela. O tiro que
acertou o ombro teve consequências, necessitando de uma intervenção
cirúrgica.

— Nós vamos encontrá-la — garantiu Angel, pelo comunicador da


aeronave espaçosa. Além de nós dois e do piloto, estavam presentes
Ryan e sua equipe.

Era um helicóptero que poderia acomodar até quinze pessoas.


Sobrevoávamos a área que Fire nos enviou por mensagem, nos
preparando para pousar no heliponto do cassino — pertencente a um
empresário que negociava conosco — que estava na mesma estrada,
bem próximo ao alvo.

Quando chegaram na casa do Juárez, Rosalyn e Fire descobriram


que estava vazia, como se tivesse sido abandonada recentemente. Além
disso, pelas câmeras, perceberam que Micaela fugiu. Pela região ao
redor da mansão, não havia dúvidas de que ela se perderia no deserto.

— Tenho medo de onde ela possa estar — soprei, expelindo o ar em


lufadas. — Não tenho a mínima ideia de que situação ela estava quando
conseguiu escapar. — Esfreguei o rosto, me sentindo afligido pelo terror
de toda aquela maldita realidade. — Se aquele desgraçado... — me
interrompi, rangendo os dentes, odiando que minha mente me torturasse
com possíveis cenários horríveis das coisas que Juárez podia ter feito
com Micaela — se ele...

Não tinha a menor ideia de como estava conseguindo me manter


calmo desde que descobri que Micaela foi sequestrada e estava em
algum lugar desconhecido, precisando de mim.

Ela ferida e abandonada no meio do deserto me causava pânico.

— Não se torture tanto, mexicano — disse Shadow, roubando


minha atenção para si. — Concentre suas energias em encontrar sua
garota.

— Concordo com ele — acrescentou Ryan. — Um homem que não


tem controle sobre si mesmo comete muitos erros.

— Ele está certo, Miguel — afirmou Angel. — Me conhece bem o


suficiente para saber todas as merdas que fiz quando não estava bem.
Portanto, repito: fique tranquilo, pois a encontraremos.

Encarando-o, balancei a cabeça.

— Ok — disse baixinho, saindo o ar aos poucos. — Ok — repeti.

— Que pena que o bastardo fugiu — reclamou Razor, incomodado


com aquilo. — Estava ansioso para participar de uma briga.

— Isso era previsto — sibilei, entre dentes. — Quando notou que


Micaela havia fugido, Juárez percebeu que, caso permanecesse na casa,
seria como se condenar a morte.

— Covarde do caralho! — rosnou Angel.

Meu coração estava apertado, apesar da esperança de que a


encontraríamos viva. Desde que Fire repassou o endereço, Angel usou
suas conexões da região e colocou todos para procurar por Micaela.
Ainda, sim, eu me sentia perturbado com seu sumiço.

A cada instante, só me vinha à mente que ela poderia estar


machucada, me chamando... me aguardando nesse deserto dos diabos.

Puta que pariu!

— Estou preparado para pousar, senhor — disse o piloto,


chegando perto do heliponto.

Fiquei com os punhos cerrados, me preparando física e


mentalmente. Se eu tivesse a chance de pegar qualquer um que
trabalhasse para Juárez, esmagaria com minhas próprias mãos.
A casa era grande, dessas mansões de estilo século XVI, quase
como as de épocas medievais. Me fez lembrar esses castelos mal-
assombrados.

Saltei do carro — que havíamos pegado após pousar o helicóptero,


minutos antes — assim que paramos. Diante disso, fui em direção aos
portões da grandiosa propriedade. Fire estava à nossa espera.

— Só você está aqui? — inquiri, tentando compreender.

— Recuso-me a permanecer no interior do castelo do Drácula. —


Apontou para o interior do lugar, tremendo imperceptivelmente.

— Fire, pensava que você fosse mais corajoso — debochou Razor,


se aproximando com os outros.

— Não ficaria nem um pouco surpreso se estivesse com as calças


sujas — provocou Roy, recebendo um gesto obsceno em resposta.

— Onde está a vadia do FBI? — indagou Angel, olhando ao redor,


como se estivesse em busca da mulher.

Nossos homens estavam em todos os lugares, procurando pela


Micaela e qualquer sinal do Juárez.

— Está lá dentro, vasculhando tudo — indicou Fire. — Quer


investigar um pouco sobre a família dela. — Deu de ombros.
Fomos andando pelo grande jardim até chegar a uma porta que
nos conduziu a uma sala de segurança. Havia diversas câmeras,
monitorando cada ambiente da casa.

Eu, Fire, Razor e Shadow começamos a analisar as imagens,


tentando compreender como tudo ali funcionava. Na verdade, Fire tentou
explicar, mas ninguém estava entendendo nada.

— Essas câmeras transmitem ao vivo, ou são apenas para


gravação? — questionou Roy, entrando e nos assustando como se fosse
um fantasma.

— Puta merda, cara! — Fire reclamou, com a mão no peito. — Não


faça essas coisas em um ambiente como este.

— É um hotel de luxo e tecnológico comparado ao que vimos em


Salém, onde encontrei uma pista da organização da Igreja — disse Roy,
me fazendo piscar em incredulidade.

— Apenas mencionei que Micaela disse algo sobre Massachusetts


— argumentei, ainda espantado que ele tenha se inteirado do assunto
tão depressa. — Ademais, o Estado não é pequeno. — Balancei a
cabeça, surpreso. — Como tem certeza de que estão na cidade de
Salém?

— Porque eu sou o cara — o idiota gesticulou para si mesmo, todo


exibido.

— Pronto! Começou... — Shadow revirou os olhos, impaciente.

Roy apontou o dedo do meio para ele.

— Apenas identifiquei algumas atividades suspeitas — explicou o


loiro, dando de ombros — E, sabendo o que procurar, foi fácil chegar até
eles — concluiu, começando a mexer nos equipamentos.

— Não sei se te parabenizo ou se fico com medo — comentei,


sacudindo a cabeça. — Estou impressionado. Descobriu isso tudo em...
— parei, pensativo — horas?

Ele ia falar, mas se calou com a chegada da Rosalyn.

— Micaela Mary — disse ela, ainda da porta —, tudo em letras


minúsculas e sem espaços. — Como ninguém respondeu, fiquei
tentando interpretar o que ela disse e, então, vi quando rolou os olhos,
demonstrando sua impaciência. — Essa é a senha de acesso às
gravações das câmeras — acrescentou, no fim.

— Ah! — disse Roy, voltando a mexer no painel que estava à nossa


frente.

— Por que ele colocaria o nome dela como senha? — perguntei,


mas logo me enojei ao perceber o óbvio.

— A única resposta plausível para isso é a obsessão do infeliz —


respondeu, entrando. Vi que sua mão machucada estava enfaixada. —
Fire e eu experimentamos diversas senhas, mas nenhuma funcionou.

— E como chegou a essa conclusão?

— Uma amiga quebrou a senha remotamente — respondeu


misteriosamente.

— Que amiga? — Roy indagou, curioso.

— Ninguém — disse, terminando o assunto.

— Como ninguém? — reagi, semicerrando os olhos. — Espero que


não esteja nos preparando uma armadilha, garota...
— Não estou — afirmou, incomodada com minha desconfiança. —
Embora não acredite, estou genuinamente apreensiva com relação à
Micaela.

Ficamos nos olhando nos olhos por alguns segundos, como se


estivéssemos nos desafiando.

— Está certo! — exclamei no fim das contas.

Então, olhei para as filmagens.

— Acho que seria melhor você não assistir aos vídeos — disse ela,
cautelosa. — Pode atrapalhar seu foco nas buscas pela minha prima.

— Por que pensa que algo poderia me desviar do foco, sendo que
meu único objetivo agora é encontrar a Micaela? — Não consegui
compreender sua forma de raciocínio.

— Você quem sabe... — murmurou, dando de ombros. — Não diga


que não avisei.

Após dizer isso, deixou a sala. Não fiquei espantado quando o Fire
foi atrás dela, como se fosse um maldito cão.

Idiota!

Com medo, assisti às gravações, conforme Roy manipulava os


controles, trocando as câmeras.

Dor. Vi-me tomado por ela e pelo ódio quando meus olhos
assistiram às agressões que minha pequena sofreu nas mãos daquele
infeliz.

Fiquei andando de um lado para o outro, como um animal feroz. Os


olhos sempre concentrados na tela do monitor.
Rosalyn estava equivocada... assistir aquilo apenas aumentou
minha fúria.

Meu desejo de vingança.

— Maldito! — praguejou Shadow, que permanecia na sala conosco.


— Covarde do caralho!

Nenhum de nós era santo, muito menos, bonzinho. Mas tínhamos


princípios de não agredir mulheres ou crianças, conforme o que se
espera de um homem. A não ser, vadias assassinas como foi o caso da
Rosalyn.

— Esse filho da puta não conseguirá escapar de mim por muito


tempo — sibilei, ofegante. Meus olhos estavam atentos a cada
movimento que Micaela fazia enquanto esteve ali naquela casa; cada
agressão sofrida. As gravações não tinham som, apenas imagens.

— Pessoas como ele têm um caminho pré-estabelecido — Roy


comentou, desligando as gravações. Ele também parecia claramente
incomodado com o que assistimos.

Naquele exato momento, tive uma intuição.

— Presenteei Micaela com um relicário e coloquei um rastreador


nele — relembrei desse detalhe, na esperança de que isso facilitasse as
buscas. — Será que tem sinal para ligá-lo? — questionei. — Vi que ela
usava a joia nas imagens que passaram.

— Preciso do código — disse, se sentando e digitando em seu


laptop.
Já estava ficando tarde e essa consciência aumentava minha
ansiedade, pois ainda não tínhamos nenhuma notícia da Micaela.

Como a área era extensa e de difícil acesso, decidimos fazer


buscas por terra e por meio de três helicópteros.

— Já está na hora de irmos embora — determinou Angel, cansado.


O suor escorria pela testa dele tanto quanto pela minha. — Esses
lugares são perigosos à noite.

— Pode voltar se quiser — respondi, incapaz de sair dali. — Só vou


embora daqui se a minha garota estiver comigo.

— Mesmo que isso me custe dizer, seu chefe está certo, Miguel —
acrescentou Rosalyn, me olhando com tristeza. — Quando anoitecer,
será praticamente impossível enxergar qualquer coisa.

Detestei ver sua desesperança. Eles estavam desistindo.

Desistindo dela.

Ia responder, mas me segurei ao perceber o som de um dos


motores das motos que estavam sendo usadas nas buscas, se
aproximando de nós.

Meu coração acelerou bruscamente quando vi Micaela inconsciente


sobre a garupa.
Fui na direção da moto o mais rápido possível, sentindo todos os
meus músculos se contraindo em tremores.

— Micaela! — gritei, tremendo de cima a baixo quando a segurei


nos braços.

Meus olhos se encheram de lágrimas ao olhar para ela e ver seus


hematomas. O vestido rasgado, revelando os seus ferimentos e sua
seminudez. Fiquei atordoado, cheio de pensamentos conflitantes ao
perceber o que aquilo poderia significar.

— Encontrei-a ainda consciente, mas ela delirava levemente,


senhor — disse o soldado que a trouxe na moto. — Não sou médico,
mas tenho a sensação de que ela está com febre.

Não percebi quando Angel se afastou, mas, quando olhei, vi que


ele havia estacionado uma caminhonete ao meu lado. Depressa,
Rosalyn abriu a porta traseira para que eu pudesse acomodar Micaela no
banco. Podia perceber o seu desespero.

— Juro que vou fazer com que ele pague por isso — decretou ela,
com a voz cavernosa, referindo-se ao Juárez. — Isso não vai ficar assim.
— Sua voz ficou embargada ao olhar para sua prima nos meus braços.

Minha fúria estava tão intensa que eu não sabia se aguentaria,


parecia que ia explodir. Uma mistura de dor, raiva e impotência.

Micaela estava com o rosto tão inchado que mal conseguia abrir os
olhos. Seu corpo apresentava diversas manchas escuras.

— Miguel... — suspirou ela, fraca, se esforçando para me enxergar.

Sentei-me com ela no carro, mantendo-a nos meus braços.


— Estou aqui, meu amor — sussurrei, beijando sua testa, ao
mesmo tempo que acariciava seu rosto e seus cabelos. Apesar da
batalha, perdi a luta contra as lágrimas. Era doloroso demais vê-la
naquela situação, ela não merecia aquilo. — Encontrei você, encontrei
você, querida... — minha voz ficou embargada.

Tinha medo de que ela não aguentasse.

— Voltarei para a mansão e encerrarei as buscas agora que a


encontramos — avisou Rosalyn. — Encontrarei vocês depois disso, no
hospital.

Apenas balancei a cabeça, sem conseguir tirar os olhos da garota


que estava nos meus braços.

Não me perdoaria se acontecesse o pior.

Seria incapaz de me recuperar se a perdesse.

Um tempo depois
Angústia. Fiquei tomado por ela desde que trouxemos Micaela para
a clínica e ela foi levada pela equipe médica. Ninguém soube fornecer
qualquer tipo de informação.

— Já falou com os nossos pais? — Lis perguntou, chegando mais


perto. — Eles precisam saber, Miguel.
Passei as mãos no rosto, sentindo o esgotamento cobrando o
preço. Não conseguia dormir bem desde que todos esses problemas
começaram.

— Não quero preocupá-los — falei. — Prefiro esperar até que a


questão do perigo esteja resolvida para apresentar Micaela a eles.

Nossos pais estavam cientes do cartel e de como a organização


afetava as nossas vidas, ainda que eu e Lis sempre nos esforçássemos
para mantê-los alheios a tudo. Aliás, nos últimos meses, os dois estavam
aproveitando uma nova lua de mel — um mimo nosso para eles.

Um pequeno tumulto na recepção da clínica chamou nossa atenção


de repente.

— Como assim não posso entrar? Quem você pensa que é para
tentar me impedir? — Era a Rosalyn, quase enforcando a atendente.

O hospital era da cidade, mas a diretoria recebia uma boa quantia


para nos atender em uma ala exclusiva quando necessário.

— Tudo bem. Ela está aqui conosco — avisei à funcionária, antes


que a louca da Rosalyn cometesse um homicídio.

— Como ela está? — perguntou Rosalyn, vindo ao meu encontro


com passos apressados.

— Ainda não sei — respondi, tenso, enquanto retornava para a


sala de espera. — O médico não se apresentou desde que a trouxemos.

— É grave? — perguntou, apreensiva. — Não me agrada quando


isso se estende por tanto tempo...
De repente, sua voz se perdeu quando minha irmã, sem mais nem
menos, se atravessou na frente dela e a esbofeteou. O impacto foi tão
forte que Rosalyn virou o rosto.

Naturalmente, me vi na obrigação de contê-la, pois ela quis


responder à agressão. Angel não teve escolha, a não ser repetir o
movimento com Lis, enroscando a cintura dela.

— Sua ordinária! — gritou Lis, se debatendo nos braços do Angel.


— Como tem coragem de aparecer aqui após ter sido capaz de fazer
aquilo com meu marido, sua safada? — disse com os olhos injetados de
raiva. — Se eu estivesse no quartel-general naquele dia, você não teria
como escapar, acredite em mim...

— Querida, por favor, fique calma — pediu Angel, nervoso. —


Estamos no hospital. Você é médica, Lis, sabe como as coisas
funcionam.

Minha irmã ficava fora de si quando alguém machucava as pessoas


que ela amava. Em um passado não muito distante, Angel foi
sequestrado por uma ex-namorada e quase morreu por causa disso.
Quando a encontrou, Lis a matou. Nem sequer pestanejou.

— Ficou nervosa por que dei uns tapas no seu macho? — sibilou
Rosalyn, entre dentes. Envolvi meus braços no seu corpo, mesmo que
contra minha vontade. — Sabe que a agressão contra um policial pode
ser motivo para sua prisão?

— É melhor não ameaçar tanto, porque eu também sei me divertir


com essas situações... — insinuou Angel, em defesa da sua esposa, com
os olhos sombrios na Rosalyn.
O clima já estava tenso e eu não me sentia com disposição para
lidar com brigas, então afastei o corpo da Rosalyn para longe dali.

— Sinto muito, mas é melhor você se retirar — falei, puxando-a


para fora da sala, envergonhado por ter alguns funcionários nos
observando. — Não aguento mais esse tipo de merda! No momento, a
única pessoa que merece minha atenção está sendo atendida pelos
médicos.

As minhas palavras a fizeram suspirar baixinho. Ao retornar o olhar


para mim, percebi o brilho de lágrimas não derramadas em seus olhos.

— Embora tenhamos iniciado nossa relação de forma pouco


amigável, preciso dizer que... — ela se calou, parecendo aflita —,
sempre fomos apenas eu e minha mãe, e agora sou a única parenta viva
da sua mulher. Por favor, não me afaste dela. Isso vai nos estressar
ainda mais, pois nunca vou desistir de ter minha prima na minha vida,
independentemente se você concordar ou não.

Inalei profundamente e cruzei os braços.

— Você é uma pedra no meu sapato, sabia? Puta que pariu!

— Prometa que vai me manter atualizada sobre o estado de saúde


dela — pediu insistentemente.

A encarei por mais alguns instantes.

— Prometo — disse, desistindo de afastá-la. — No entanto, a


respeito de você fazer parte da vida dela ou não, essa será uma decisão
que Micaela terá que tomar.

Dizendo isso, me afastei e voltei a ser dominado pela emoção que


mais me sufocava... o medo.
Medo de perder o que de melhor me aconteceu.
Todos os meus membros estavam doloridos, como se tivesse sido
atropelada por um ônibus. A boca estava tão ressequida que parecia que
todos os fluidos do meu organismo haviam evaporado.

Tive dificuldade para abrir os olhos, pois, eles estavam pesados.

Em algum lugar, conseguia ouvir a voz do Miguel conversando com


outra pessoa, mas, por mais que me esforçasse, não tinha forças para
abrir os olhos.

De alguma maneira, isso me causou pânico, pois comecei a me


questionar se talvez aquilo fosse um sonho...

Lágrimas cobriram meus olhos, aumentando minha agonia interior.

— Se ela chora, por que não acorda, doutor? — Miguel estava em


angústia. — Ela está sofrendo! Não tem como acordá-la?

— Lamento, mas não — lamentou o médico. — Ela precisa acordar


quando seu corpo e cérebro estiverem preparados para isso.  

— Miguel? — tentei dizer, mas parecia que meus lábios estavam


grudados, pois não se mexiam. Na verdade, todo meu corpo parecia
pesado. — Miguel? — repeti, fazendo um esforço. Falei tão baixo que me
questionei se realmente disse alguma coisa.

Miguel ouviu. De repente, seu perfume tomou conta de meus


sentidos, aquele aroma que eu tanto amava. Ele apertou minha mão
devagar, me incentivando a repetir o que havia dito.

— Estou aqui, pequeña, sinta meu rosto perto do seu. Fale de


novo... — seus lábios tocaram minha testa, queimando minha pele. —
Abra os olhos para mim, querida — pediu, beijando meu rosto onde
desciam algumas lágrimas.

Infelizmente, meus esforços não foram suficientes e acabei


perdendo a consciência novamente.

Dias depois
Abri meus olhos por um instante, tentando-me adaptar à claridade
invasora. Inspirei o ar vagarosamente, me permitindo assim sentir meu
corpo, todos os meus sentidos atordoados. Movi as mãos para me
acostumar aos movimentos.

Fui passando as mãos pelo meu corpo lentamente, conferindo cada


detalhe. Viva. Eu estava viva e intacta.

Alguns fios estavam conectados ao meu corpo, ligados a uma


máquina que emitia um som alto. Pisquei, me concentrando no ambiente
ao meu redor; parecia um quarto de hospital.

Em um instante, os últimos eventos vieram à minha mente. Fugi do


Juárez e daquela casa. Depois, passei muito tempo andando sem
destino, até perceber que comecei a andar em círculos, perdida no
deserto.

Meus olhos se encheram de lágrimas quando pensei na dor que


sentiria se nunca mais voltasse a ver o Miguel.

Respirei devagar, focando no presente.

Vasculhei o lugar, olhando ao redor, até que avistei o Miguel,


deitado torto em uma poltrona perto da minha cama. Fiquei o observando
por um momento, me questionando se aquilo não era fruto da minha
imaginação. Recordava que, antes de perder a consciência, gritei por
ele... supliquei para ter uma última oportunidade de vê-lo.

Chorei ao ver, diante de mim, o homem que me controlava por


completo.

Não entendi se Miguel despertou por instinto ou se meus soluços


foram audíveis, mas, de qualquer forma, ele acordou assustado. Seus
olhos me encontraram na hora.

— Micaela! — Ficou surpreso ao me ver acordada. — Você


acordou! — Aproximou-se num impulso, deslizando os olhos pelo meu
rosto inteiro, assim como pelo meu corpo. — Por Deus, meu amor, tive
tanto medo... — segurou meu rosto com cuidado, como se temesse me
machucar.

— Ai... — grunhi, ao me movimentar um pouco.

Isso bastou para que Miguel se preocupasse.


— Você está com dor! — exclamou, aflito. — Vou chamar o médico.

Não tive tempo de impedir, porque Miguel saiu da sala correndo


como um louco.

Em seguida, fui atendida por uma equipe médica, que realizou


alguns procedimentos em meu corpo para ter a certeza de que eu estava
bem. O médico explicou que, além das contusões causadas pelas
agressões do Juárez, também sofri com desidratação e exposição ao sol.

Felizmente, meu corpo apenas necessitava de descanso.

— Por que está com essa carinha? — Miguel perguntou, um tempo


depois, movendo a cadeira para ficar mais perto da cama em que eu
estava.

Voltamos a ter o quarto só para nós.

— Não é nada, eu só... — não consegui segurar as lágrimas e


Miguel se aproximou para me abraçar — fiquei com muito medo de não
te ver mais.

— Shh... — inclinou-se sobre mim, com as mãos no meu rosto. —


Já passou — garantiu, pegando minhas mãos. Logo, senti seus lábios
macios e quentes tocarem minha pele delicada. — Agora você está
segura!

— E... — temi a resposta, mas sabia que precisava perguntar — o


Pietro? Lembro-me de vê-lo machucado e... — meus soluços
aumentaram — havia tanto sangue, Miguel, tanto sangue.

Seus lábios tocaram os meus, nariz e testa.


— Acalme-se, por favor — pediu. — Pietro ainda está se
recuperando, mas logo estará bem — respondeu, o que me trouxe alívio.

Sorri, com meu coração quentinho. Miguel não parava de me olhar,


sempre com aquela expressão de ternura. Enxugou minhas lágrimas.

— Fiquei quase enlouquecido quando soube que aquele maldito


tinha levado você — sibilou, com uma expressão sombria nos olhos. —
Nunca mais quero me sentir assim, impotente por não saber onde você
está. — Inclinou o rosto e, de leve, arrastou o nariz pelo meu. — Pensar
que podia tê-la perdido... — minhas mãos estavam em seus cabelos,
enquanto ele deitava a cabeça no meu peito. — O som do seu coração
pulsante é o único que supera o som dos seus gemidos.

A risada saiu dos meus lábios sem que eu pudesse impedi-la.

— Você é tão safado — falei, entre risos. Parei de rir, porque estava
com dor nos músculos.

Seu rosto se elevou, me dando a oportunidade de ver o seu


semblante divertido.

— Senti saudades do seu sorriso. — Acariciou minha bochecha.


Não tinha a mínima ideia de como estava minha aparência devido aos
hematomas, mas imaginava que devesse estar horrível.

De repente, fiquei séria, tendo meus pensamentos novamente


ocupados pelo Juárez.

— Você o pegou? — perguntei. Não disse o nome do indivíduo,


pois era óbvio que Miguel saberia de quem eu estava falando.

A expressão leve no seu olhar deu lugar a algo tenebroso.


— Ele fugiu — lamentou com um grunhido.

Apertei os dentes, lutando contra a vontade de chorar. Todas as


recordações do que ele fez vieram à minha cabeça, me causando
calafrios descontrolados. Miguel me abraçou ao perceber, com cuidado
para não machucar.

— Enquanto estiver solto, ele nunca me deixará em paz, Miguel,


nunca! — falei, choramingando, com a voz embargada.

— Vou cuidar de você — afirmou com fervor. — Peço que não


perca a confiança em mim, apesar de eu ter falhado uma única vez.

Afastei seu rosto para encarar seus olhos atormentados. Vi o brilho


das lágrimas não derramadas.

— Não foi culpa sua — falei, desejando que compreendesse. — A


única pessoa responsável é aquele infeliz do Juárez, que tem essa coisa
doentia por mim.

Miguel depositou beijos nas minhas mãos que estavam sobre seu
rosto, segurando-as enquanto permanecia me olhando intensamente.

— Posso te fazer uma pergunta?

Pela forma de perguntar, deduzi o que ele queria saber.

— Ele não me estuprou — respondi, percebendo que a tensão


deixou seu corpo.

Ele baixou a cabeça por alguns segundos, respirando com certa


dificuldade.

— Jamais me perdoaria se isso acontecesse.


Beijou meus lábios diversas vezes, o que me fez suspirar de
satisfação por estarmos juntos novamente. Ainda era difícil acreditar que
não era um sonho.

— Quero me aninhar em você. Por que não vem aqui deitar


comigo?

— Não sei se pode.

— Você segue regras desde quando? — provoquei, com as


sobrancelhas erguidas.

Ele me deu um beijo de leve, com um sorriso.

— Tão espertinha... — resmungou.

No entanto, se deitou ao meu lado, me puxando para o calor de


seus braços.

— Não sei o que Miguel disse a meu respeito, mas... — a mulher


diante de mim, apesar de ter uma postura confiante, naquele momento
parecia estar completamente nervosa. — Bem, o meu nome é Rosalyn e,
eu sou...

— Prima — completei, com um sorriso tranquilizador. — Você é


minha prima. Miguel disse que você desejava conversar comigo.

A mulher olhou para Miguel, que ficou quieto, como se quisesse


nos deixar à vontade.
— Espero que não tenha falado mal de mim — reclamou, se
aproximando da cama.

— Não disse nada — defendeu-se Miguel. — Por que acha que eu


perderia meu tempo falando de você com minha garota? Se enxerga!

Rosalyn rolou os olhos, demonstrando impaciência.

— Tão encantador! - disse, com sarcasmo.

Quando se virou para mim, suavizou a expressão. Sentou-se na


cama, onde eu permanecia sentada com a coluna reta.

— Estou feliz que você esteja bem e se recuperando. — Pegou


minha mão na sua.

— Sim, estou bem — acrescentei, sorrindo. Ficamos nos olhando


por alguns segundos. — Não sei o que pensar, tendo você aqui... Nunca
imaginei que tinha uma parente além do... — fiz uma careta.

Não fui a única.

O clima ficou pesado.

— Apenas soube de você recentemente — disse, emocionada. —


Juro que nunca teria permitido que aquele... — fez uma pausa por um
segundo — Eu teria tirado você daquela casa antes, Micaela.

Sorri e apertei as suas mãos, emocionada.

— Não se culpe por algo que não estava sob a sua


responsabilidade — pedi. — O importante é o presente, certo? Podemos
começar de novo e reconstruir nosso relacionamento.

Ela sorriu, me puxando para seus braços.


— Ah, que incrível! — exclamou. — Temia que você não me
desejasse em sua vida.

— Por que eu faria tal coisa? — Pisquei, espantada. — Eu sempre


quis ter uma amiga. Tenho duas agora: você e a Lis.

Rosalyn fez uma careta de desagrado.

— Ela está lá fora — disse, sem esconder a irritação, o que me


deixou confusa. — Acredito que ela esteja aqui para te visitar — disse, se
levantando —, então preciso ir. — Se curvou e depositou um beijo na
minha testa. — Teremos todo o tempo do mundo para conversar. —
Sorriu, com os olhos brilhando. — Estou ansiosa para você conhecer a
minha mãe.

Seu entusiasmo me aqueceu o coração.

Após se despedir, mesmo sob minhas objeções, ela saiu do quarto.

Prendi minha atenção no Miguel, que estava na cadeira, mexendo


no celular.

— Por que minha prima tem que ir embora para que a Lis possa
entrar? — questionei, perplexa. — O que eu perdi? — Pisquei, aturdida.

Miguel estalou os lábios, parecendo selecionar as palavras certas


para responder à minha pergunta.

— Vamos dizer que as duas não se deram muito bem e preferem


ficar longe uma da outra — respondeu no final, soltando uma risada
misteriosa.

— Como não se deram bem? — Fiquei chocada.


A irmã dele chegou antes que ele pudesse responder. Seu marido
estava com ela.

— Micaela! — disse, contente por me ver. Aproximou-se para me


dar um abraço. — Você nos causou um grande susto! — Afastou-se,
analisando meu rosto.

— Estou bem melhor agora — respondi, com um sorriso. — Não


sei quando vou para casa.

— Ah, será logo — garantiu. — Mais cedo, quando estive no


hospital, conversei com seus médicos — disse ela, analisando algo em
meu rosto —, olhei seus exames. Você está ótima! — Sorriu com alívio.

Por vezes, me esquecia que ela era médica.

— Céus! Você e Miguel são bem parecidos no que diz respeito ao


controle. — Arregalei os olhos, fingindo estar apavorada.

— Até poderia dizer que sentia pena, mas, Micaela, nós dois
estamos na mesma situação, vivendo com dois controladores — brincou
Angel, se aproximando para me cumprimentar.

— Ei! — gritou Lis, dando um leve beliscão na barriga dele, apesar


de estar rindo.

Conversamos e rimos por mais um tempo, o que me fez ter plena


consciência da minha nova realidade. Uma realidade na qual eu tinha
uma família, pessoas que realmente se importavam comigo.

Isso me encheu de amor e certeza de que não queria perder


nenhum deles.

Era injusto eu perder a única coisa boa que me aconteceu.


Uma semana depois
— Você sabe que eu não vou quebrar, certo? — perguntei ao
Miguel, que parecia ter medo de me tocar.

Já havia sido liberada pelo hospital e estávamos na residência do


Angel, em San Diego. Ele e Lis tinham retornado ao México.

— Estou apenas tentando seguir as recomendações médicas,


querida — respondeu, em sua defesa. — Não me culpe.

Evitei bufar de raiva.

— Não estou dizendo que é culpa sua — respondi. — Apenas me


sinto frustrada.

Coloquei as pernas para fora da cama com a intenção de tomar um


banho.

O dia havia acabado de raiar e, apesar de estar feliz por estar


melhor, estava um tanto desapontada por Miguel estar me tratando como
se eu fosse um objeto de porcelana.
— Deixe-me ajudá-la... — veio tentar me segurar, mas me afastei
do seu toque.

— Posso caminhar sozinha — respondi, impaciente.

Me afastei, ignorando-o.

— Por que está tão brava comigo? — sua voz parecia perplexa e
contrariada. — O que eu fiz?

O olhei com descrença.

— Nada, Miguel! Você não fez nada. — Continuei caminhando até


o lavabo.

Fechei a porta do banheiro antes que ele entrasse.

— Micaela? — Bateu na madeira. — Querida...

— Miguel, preciso tomar banho. Me deixa em paz, por favor.

Fiquei na frente do espelho, olhando para meu reflexo. Meu rosto


estava tomado de contusões. Além disso, também havia algumas
manchas vermelhas nos olhos, como de sangue coagulado.

Passei as mãos no pescoço devagar e encontrei outras marcas.


Inúmeras marcas e cicatrizes que ficaram, decorrentes dos ferimentos na
pele provocados pelos golpes do Juárez.

Não me espantava que Miguel estivesse me ignorando, afinal. Não


estava tão atraente quanto costumava ser.

— Micaela? Abre a porta, amor.

Choraminguei, enxugando as lágrimas que correram pelo meu


rosto.
Inalei fundo, tentando me acalmar, e então abri a porta. Ele não
desistiria.

— O que aconteceu? — quis saber assim que abri a porta. — O


que há de errado?

Retornei à pia e liguei o registro para poder lavar meu rosto.

— Micaela... — segurou meu braço.

Afastei-me do seu aperto com um safanão.

— O problema é que você não demonstra mais interesse em mim,


Miguel, esse é o problema! — explodi, indignada. — Deixei de ser
atraente agora que estou coberta de contusões? Estou tão repulsiva que
você não consegue sentir nenhum tipo de tesão por mim? É isso?

— O quê? — Ele piscou, aturdido com minhas palavras.

Passei as mãos pelos olhos, enxugando as lágrimas insistentes.

— Miguel, você mal tem me beijado desde que saí do hospital —


falei, expressando minha dor, que era insuportável. — E não me lembro
de o médico ter falado em qualquer tipo de restrição sexual. — Meu rosto
ficou corado, mas não liguei.

— É por isso que está tão chateada? — Franziu a testa.

Respirei fundo, balançando a cabeça.

— Não aguento mais a sua lerdeza!

Ameacei sair do banheiro, mas ele me impediu, segurando meu


corpo e o empurrando para que eu me sentasse na bancada. Ao olhar
para ele, fiquei chocada com seus olhos selvagens.
— Eu só estava tentando ser cavalheiro — disse, rodeando minha
cintura enquanto apertava meu bumbum. — Não me dei conta de que
estava te magoando.

— Não estou incomodada por você ser cavalheiro comigo, mas sim
por me tratar como se eu fosse frágil e quebradiça — disse, insatisfeita.
— Sua atitude me faz pensar que não me quer por perto, que não deseja
estar comigo.

Ele pegou minha mão e a levou para baixo, onde eu pude sentir
sua protuberância. Respirei fundo quando o calor tomou conta da minha
pele.

— Isso responde sua pergunta? — perguntou, pressionando a mão


na minha nuca. Ele estava tão sem fôlego quanto eu. — Apenas te ver já
me deixa excitado. — Aproximou o meu rosto do dele.

— Mas... — engasguei-me — por que fiquei com a impressão de


que você estava me evitando?

— Micaela, eu só estava te dando espaço — beijou meus lábios de


um jeito libidinoso, fazendo minha pele se arrepiar —, mas não imaginei
que você estaria tão desesperada pelos meus toques... — sua boca
tocou a minha de leve, quase como uma provocação. Gemi, agarrando-o
pela camisa e o puxando para perto — Minha garota está com tesão,
hum?

Arrastou as mãos pelas minhas coxas, logo as empurrando para


abri-las para ele. Usava uma camisola, o que facilitava suas carícias.

Seus beijos começaram no meu queixo e foram até o meu pescoço,


enquanto as mãos subiam e desciam nas minhas pernas, em
movimentos contínuos e vagarosos.
— Sente falta dos meus carinhos? — sussurrou, provocando-me
arrepios, deslizando a língua atrás da minha orelha. — Sente falta do
meu pau?

Puxei-o para mim, querendo mais.

Necessitava de muito mais.

— Sim, — respondi com a voz trêmula. — Por Deus, sim!

Ele riu, agravando meus tremores. Então, afastou o rosto e me fitou


com os olhos ardendo de luxúria.

— Deus não, minha querida — disse, me pegando nos braços e


nos tirando para fora do banheiro — o único nome que você irá chamar
será o meu.

Arrepios correram pelo meu corpo, deixando minha pele sensível.

Sua boca se encontrou com a minha, e sua língua forçou a costura,


exigindo um espaço que eu estava mais que disposta a ceder. Sentia
minha calcinha molhada, mostrando as reações que o toque do Miguel
me fazia sentir.

Sentou-se comigo na cama, me mantendo em seu colo, de lado.


Apertei as mãos contra seu pescoço, tentando controlar a respiração, à
medida que suas mãos exploravam cada parte do meu corpo que tremia.

— Fale o que deseja — pediu, com a boca no meu pescoço.


Apertou meu seio, brincando com meu mamilo rijo.

— Eu... — gaguejei, lutando para pensar com clareza.

Miguel voltou a rir com provocação.


— Você estava tão brava, pouco tempo atrás — disse com ironia
—, agora está envergonhada? — Mordeu meu queixo, encarando-me
com divertimento. — O que quer que eu faça?

Meu rosto estava quente, assim como todo meu corpo.

Desesperadamente, colei nossos lábios.

— Quero que me toque com suas mãos — falei, apesar de estar


com vergonha.

— Onde? — repetiu, insistindo. — Onde quer que eu coloque


minhas mãos?

Céus! Por que ele tinha de fazer isso?

Embora estivesse envergonhada, peguei sua mão e a direcionei


para o meio das minhas pernas abertas.

— Aqui — soprei em sua boca, desejando o toque de seus dedos


naquela região do meu corpo que mais pulsava —, quero sentir você
aqui.

Fiquei em frangalhos, sentindo seus dedos passearem por cima da


minha calcinha, causando-me pequenos choques devido à sensibilidade.

— Abra mais as pernas para mim — pediu, com autoridade. Fiz o


que ele disse, sem conseguir ignorar a ordem.

— Hmm... — contorci-me nos seus braços, ameaçando fechar os


olhos.

— Olhos em mim — disse. Empurrou a calcinha para o lado e


enfiou os dedos ali para poder me acariciar. — Quero que veja o que faz
comigo... — declarou, circulando minha entrada, lambuzando-se com
minha lubrificação abundante. — Que sinta o desejo ardendo em cada
centímetro do meu corpo por você.

Sentia a protuberância cutucando minhas nádegas, o que me fazia


ter cada vez mais consciência do quanto ele me queria.

Gemi sem poder me conter, apoiando as mãos nos seus braços.


Não sabia como conseguia mantê-lo em foco, porque lutava contra a
vontade do meu próprio organismo.

Miguel enfiou um dedo, depois outro e outro, se movendo tão


rápido que passei a escutar o som da sucção que eles faziam.

Respirei fundo para encher meus pulmões de ar. Não tinha controle
sobre nada. O controle era dele.

Somente dele.

De súbito, segurou meu rosto com a sua mão livre.

— Nunca mais se subestime assim — disse. — Você é linda, com


ou sem contusões. O desejo de estar com você, de fazer amor com você,
é apenas uma consequência do amor que sinto. Entendeu?

Fui impulsionada pelo corpo, indo ao encontro dos movimentos de


seus dedos. Quase cavalgando.

— Si-sim... — balbuciei, perdida. — Oh, sim...

Sua boca exigiu a minha com ardor. A palma de sua mão


pressionou meu clitóris, enquanto três de seus dedos estavam em mim,
me penetrando com força e intensidade.

— Goze — decretou contra minha boca, mordendo meu lábio


inferior. — Deixe-me saber o quanto você gosta de ter meus dedos
fodendo sua boceta.

Gritei, com os olhos revirando nas órbitas, perdida na própria


neblina de prazer que me envolvia. A respiração estava ruidosa, arfante,
enquanto os balbucios sem sentido deixavam meus lábios trêmulos.

Agradeci por poder estar sentada no seu colo, com seus braços ao
meu redor, pois, do contrário, teria desmaiado. Caí com a cabeça no seu
pescoço, lutando para voltar ao normal.

Miguel mexeu nos meus cabelos, afastando-os para o lado. Seus


dedos abandonaram minha calcinha e, embora não pudesse olhar, sabia
que foram diretamente para sua boca.

Rubra, voltei a encontrar seus olhos quentes, me sentindo ferver


por dentro.

— Jamais duvide novamente do quanto eu te desejo — sibilou. —


Nunca quis tanto uma mulher quanto quero você.

Mordi o lábio inferior, sentindo uma mistura de emoção e excitação.

Beijei-o, segurando seu rosto com as mãos, ofegante com a força


que me impedia de movimentar, apertando meu corpo.

— Eu amo você — soprei nos seus lábios inchados.

Miguel afastou o rosto, acariciando minha bochecha. Levantou-se


junto comigo e, então, me atirou na cama.

Tirou a camisa, diante do meu olhar lascivo.

— Você me amará ainda mais quando eu estiver dentro de você.


Meu interior se apertou com a promessa lasciva por trás de suas
palavras. Gemi alto, sem conseguir segurar.

Mordi o lábio, sem me conter diante do desejo que a sua visão me


causava.

Miguel era meu.

E estar com ele era algo que eu nunca me cansaria.


— Quanto tempo vamos ficar aqui? — perguntou Micaela, servindo-
se de uma xícara de café.

Nos encontrávamos na cozinha, tomando o café da manhã. Há


poucos minutos, depois de um sexo delicioso, tomamos banho juntos.

Ainda me sentia culpado sempre que lembrava das suas recentes


palavras quanto à sua insegurança em relação à aparência. Meu coração
se apertava com a ideia de ela se sentindo menos atraente devido às
marcas em seu corpo. Na verdade, isso me deixava impotente, porque
me lembrava de que Juárez ainda estava vivo e solto em algum lugar.

— Apenas até que você se restabeleça — respondi à sua pergunta.


— Essa casa é uma verdadeira Fortaleza. — Mordi um pedaço de pão.

Micaela assentiu com a cabeça.

— Entendi — disse. — Você tem medo de que Juárez ataque


novamente, caso estejamos no apartamento.

Fiquei com os dentes trincados só de imaginar que ele poderia


tocá-la novamente.
— Não vou arriscar — estendi o braço para poder tocar sua mão
por cima da mesa. — Você se tornou uma das minhas maiores riquezas,
Micaela. Passei pelo inferno nos últimos dias. — Beijei seus dedos com
carinho. — Portanto, farei o que estiver ao meu alcance para mantê-la
em segurança.

Sorriu, comovida. Ela era tão sensível.

Vi algumas manchas escuras no seu braço e pulso. Não consegui


manter a expressão normal, sentindo a raiva tomar conta de mim. A
sensação de que a decepcionei estava ali... espreitando a minha alma.

— Miguel...

Beijei a área onde estavam as marcas, tentando, de alguma forma,


aliviar aquilo.

— Vou destruí-lo — falei, sem esconder a raiva. — Aquele


miserável pagará pelo mal que causou. — Encarei seus olhos, permitindo
que ela vislumbrasse meu sentimento de culpa. — E prometo que farei o
possível para me redimir aos seus olhos.

Piscou, tentando compreender.

— Se redimir?

— Fracassei em relação a você, Micaela — afirmei com amargura


na voz. — Fracassei em protegê-la e nunca me perdoarei por esse erro.

— Você não teve culpa — afirmou, aflita. — Jamais o culparia —


disse, apertando a minha mão. — Poderia atribuir isso a má sorte, mas a
verdade é que Juárez se meteu nas nossas vidas como um demônio. —
Ela estava tão brava que eu conseguia sentir. — Se existe um
responsável, essa pessoa é ele.
Tentei acreditar, mas não foi possível. No meu íntimo, nunca me
perdoaria pelo que houve.

De súbito, nosso instante foi interrompido pelo surgimento de um


soldado, que nos disse haver alguém na entrada, pedindo permissão
para entrar.

Fiz um esforço para não revirar os olhos quando descobri que era
Rosalyn. Assim como prometeu, ela se importava em fazer parte da vida
da Micaela. Nos últimos dias, participou de todas as etapas até a alta da
Micaela do hospital.

Angel e ela ainda não chegaram a um acordo, e viviam se


ameaçando constantemente. Rosalyn não era estúpida, sabia que
poderíamos arruiná-la profissionalmente sem muito esforço.

Evidentemente, eu queria impedir isso, afinal, minha garota estava


satisfeita com a prima na sua vida. Faria qualquer coisa para não a
deixar triste.

Parei de pensar quando Rosalyn apareceu, trazendo sua mãe.


Enquanto ainda estava no hospital, ela apresentou a mulher para
Micaela por meio de videochamadas.

Vi, maravilhado, as duas se abraçando. Micaela não conseguia


esconder a felicidade e a emoção de não estar mais só no mundo. De ter
pessoas que a amassem.

— Você deve ser o Miguel — pisquei ao som da voz da mulher que


sorria na minha frente.

Não tive tempo para me preparar, pois ela me pegou de surpresa


ao me abraçar. Em seguida, se distanciou, apertando minhas bochechas
como se eu ainda fosse uma criança.

Olhei desesperado para Micaela e sua prima. Não estava habituado


a esse tipo de carinho, além do contato que mantinha com meus pais e
irmã.

— É um prazer conhecê-la, senhora Dias — falei, tentando fugir


das suas mãos.

Vi que Micaela e Rosalyn se divertiam às minhas custas.

— Ah, por favor, não me trate como 'senhora' — pediu, fazendo um


bico contrariado. — Me sinto uma velha assim. — Achei sua expressão
divertida. — Apenas me chame pelo meu nome, rapaz... — sorriu, com a
mão no meu rosto — Yolanda.

— Mãe, deixe o pobre respirar — comentou Rosalyn, divertida.

A mulher sorriu, sem deixar de me olhar com carinho e gratidão. Eu


sabia que as duas estavam gratas a mim por tirar Micaela das mãos de
Juárez.

Mas eu faria isso inúmeras vezes se necessário. Ainda que não


tivesse me apaixonado por ela.

Sempre detestei injustiça e impunidade.

Mais tarde, Micaela apareceu na entrada do escritório onde eu


conversava com Angel pelo telefone. Fiz sinal para ela entrar e continuei
a conversa com meu chefe.

Ainda estávamos todos apreensivos com os eventos recentes e


atentos a qualquer movimento que Juárez pudesse fazer. E sendo ele
um cretino, poderíamos imaginar qualquer coisa.

— Quando você retorna? — perguntei ao Angel, sem tirar os olhos


da minha garota, que caminhou até estar na minha frente.

— Ainda não tenho certeza — respondeu com um suspiro cansado.


— É difícil abandonar o país agora, pois os anciões solicitaram uma
reunião.

Puxei Micaela para se sentar em cima de mim.

— Como assim? — Franzi o cenho, confuso. — Por que os velhos


querem uma reunião? Não faz sentido.

Os anciões ocupavam o posto de diretores do cartel, o que


mantinha a organização em equilíbrio quando o líder não seguia as
regras.

Angel estalou a língua, tão contrariado quanto eu.

— Os atos do Juárez estão afetando os negócios — disse ele. —


Infelizmente, devo dar explicações dos últimos eventos.

Balancei a cabeça.

— Não compreendo por que você não terminou com isso quando
assumiu o controle — disse, incrédulo, com um grunhido. — Esses
velhos são um pé no saco.

— Isso é o que se paga por ser bom demais — disse, me


arrancando uma risada.
Micaela estremeceu nos meus braços, demonstrando sua excitação
devido aos meus toques sutis.

— Você não é nem um pouco bonzinho, Angel — mencionei, o


fazendo rir também.

— Está bem... — suspirou de novo — vou desligar agora, mas vou


manter o telefone por perto para qualquer imprevisto — avisou. —
Espero que dê conta dos negócios enquanto eu estiver no México.

— Não vou comentar, Angel, não vou comentar... — repliquei,


ofendido, enquanto o imbecil só sabia rir do outro lado da linha.

Desliguei, antes que o mandasse para casa do caralho.

— Uau! Por que ficou tão bravo assim? — Micaela questionou, com
os braços nos meus ombros. — Todos os seus músculos ficaram tensos.

Coloquei o celular em cima da mesa, desejando que minha atenção


estivesse completamente na minha garota.

— Não é nada que valha a sua preocupação — expliquei,


afastando seus cabelos para o lado para poder cheirar seu pescoço
perfumado. — Angel gosta de me irritar, só isso...

Um gemido de prazer deixou seus lábios quando passei a beijar


seu pescoço, arrastando a língua pela sua pele. Movimentou-se no meu
colo, me permitindo sentir o calor da sua boceta no meu pau, já que
estava de vestido.

Na verdade, era seu estilo de roupa preferido.

— Eu vim convidá-lo para tomar um banho de banheira comigo —


soprou, nitidamente afetada pelos meus toques e carícias. — Mas se
estiver muito ocupado...

Ela se virou de frente para mim, com as pernas afastadas e ao meu


redor.

— Nunca estou indisponível para você — falei, dando beijinhos e


mordiscadas no seu queixo. — Como está se sentindo? — indaguei,
acariciando seu rosto. — Já tomou seus remédios?

Apesar de ter sido liberada do hospital, ela precisava continuar o


tratamento em casa.

— Estou bem melhor — disse com a respiração ofegante,


rebolando sem vergonha no meu colo, o que me deixou ainda mais duro,
já que estava explodindo de tesão no jeans. — Tenho a sorte de ter um
médico particular que me impede de fazer quase tudo.

Segurei seus cabelos, puxando-a para trás com cuidado.

— Você está sendo exagerada — falei, apertando seu quadril com


minha outra mão —, porque permito que você se sente no meu pau. —
Suguei seu lábio com força.

Os sons que saíam da sua boca me enlouqueciam, porque não


eram forçados. Micaela era genuína, inocente e inexperiente.

— Você é tão safado — disse, ruborizada, escondendo o rosto no


meu pescoço.

Gargalhei, deliciado pela sua timidez.

A coloquei nos meus braços, sem cessar os beijos em seu pescoço


e inalar seu perfume enquanto a conduzia para fora daquele escritório.
Assim que chegamos no quarto, fui direto para o lavabo, onde
supus que ela tivesse deixado a banheira pronta, dado seu convite
anterior.

Coloquei-a no chão e, ao passar o nariz pelo seu, inspirei seu


perfume de rosas, deliciando-me com o aroma.

— Sabia que sou apaixonado pelo seu cheiro? — soprei, tirando


seu vestido. Minhas mãos foram involuntariamente atraídas para seus
seios. — Me acalma.

— Gosto isso... — suas mãos envolveram meu rosto e, logo depois,


sua boca procurou a minha.

Apreciava quando ela tomava a iniciativa.

Tirou as minhas roupas, se aproveitando para me tocar, explorando


minha pele.

Após nos despirmos, finalmente entramos na banheira. Micaela


permaneceu sentada entre minhas pernas, apoiada em meu tórax.

— Pensei que faríamos amor — disse, baixinho, enquanto eu


ensaboava seus ombros.

— Você anda com muita fome — falei de forma brincalhona, o que


a fez rir. — Sugiro nós irmos devagar, querida — argumentei, sem querer
magoá-la ou que sua cabeça se enchesse de idiotices como já
aconteceu. — Você ainda não está completamente bem, compreende?
Aprecio fazer amor, mas quero algo mais agressivo, e você não pode
fazer isso ainda.

Ela me encarou, curiosa.


— Algo mais agressivo?

Segurei seu rosto para aproximar sua boca da minha.

— Foder sua boceta mais duro, querida — acrescentei,


visualizando suas bochechas corarem —, é disso que estou falando.

— ¡Dios mío! — exclamou, escandalizada. — Você tem o dom de


me deixar quente em todos os lugares, homem.

Voltei a rir, satisfeito por suas palavras.

— Isso soa bem, querida. — Beijei a ponta do seu narizinho


arrebitado.

Ensaboei-a novamente, dessa vez com calma, tentando não me


exaltar toda vez que meus olhos pousavam em seus hematomas. Era
mais forte que eu.

Imaginava centenas de mortes diferentes para aquele filho da puta!

— Miguel?

Pisquei ao som da voz da Micaela.

— Sim?

Ela inspirou e expirou devagar. Começou a brincar com os pelos da


minha perna que estavam ao seu redor.

— Posso sugerir que voltemos para o apartamento? — perguntou,


cautelosamente.

— Por que quer voltar para lá? — Tentei entender seu pedido.

Fez um muxoxo.
— Ah, porque é nossa casa. — Meu coração se aqueceu com sua
escolha de palavras. Sim, era nossa! — É que lá, eu me sinto mais
confortável, não consigo explicar direito.

Ajeitei seu corpo no meu colo para ter uma visão melhor do seu
rosto.

— Entendo o que sente — disse, acariciando seu rosto. — Estou


negociando uma casa para nós, em Tijuana.

Seus olhos brilharam.

— Verdade?

Assenti com a cabeça, sorrindo.

— Lembro-me que você gostou muito da cabana que tenho lá,


então encontrei uma residência ideal para nós dois, bem próxima à praia.

Sua euforia se intensificou.

— Quando podemos ir?

— Em breve, pequeña, em breve.

Puxei seus lábios para os meus, querendo senti-la mais.

Poderia passar o dia todo a beijando, mas nunca ficaria satisfeito.

Nunca.
Dias depois
— Quantos homens você designou para a proteção da Micaela? —
Angel inquiriu por meio de uma chamada de vídeo.

Ele ainda estava no México.

— Sem dúvidas, é preciso ter muito cuidado, certo? — Lis interveio,


aparecendo na tela com Santino nos braços. — Aquele diabo ainda está
por aí... — estremeceu ao se referir ao Juárez.

Fiz uma careta, odiando essa porra.

— Organizei cinco carros — falei, me deixando cair contra o


encosto da poltrona —, dois na frente, dois atrás e um cobrindo a
retaguarda. Cada um com quatro homens. Seguirei com Micaela num
dos veículos, claro — complementei. — Não é questão de não confiar
nos meus homens, mas…  

— Você não confia em ninguém   — Angel me interrompeu, com


ironia.
— Não.  

— Isso é mentira, Miguel — disse minha irmã. — Você tinha


confiança no Pietro.

— O problema é que ele ainda não se recuperou da cirurgia no


ombro — respondi, chateado com isso. — Como vai atirar com o braço
engessado? Não posso confiar nele agora.

O teimoso até tentou voltar ao serviço, mas não tinha como. Avisei
que ele só voltaria quando estivesse inteiramente bem.

— Ele foi um herói — disse Lis. — Embora não conseguisse


impedir que Micaela fosse sequestrada, demonstrou que faria qualquer
coisa para mantê-la em segurança. — Santino começou a se debater nos
seus braços, então ela o deixou no chão. — Sempre reforço a vocês a
importância de soldados fiéis.

Angel rolou os olhos para a mulher.

— Quer assumir o comando, querida? — Olhou com ironia para


ela, que riu.

— Eu sei que seria uma ótima líder. Meu irmão mais velho
aprovaria...

— Ah, pronto! — exclamei, sacudindo a cabeça com irritação. —


Estava demorando para incluir aqueles idiotas na conversa. — Revirei os
olhos, mostrando o ciúme que estava sentindo.

— Miguel, os idiotas a quem você se refere são também meus


irmãos — disse ela, contrariada. — Poderia deixar de ser tão implicante
com eles?
Arqueei as sobrancelhas, pensativo.

— Não — respondi no fim. — Não posso.

Angel deu risada e levou uma cotovelada da mulher.

— Vocês são insuportáveis com essa mania de ciúme —


resmungou ela. — A propósito, que fim levou aquela vadia do FBI?

Semicerrei os olhos.

— A julgar pelo que vi, um dos membros do Esquadrão anda por


perto, rondando a casa dela — respondi, me lembrando do Fire. — Acho
que seja uma ordem do Ryan, que demonstrou ter interesse em ter uma
agente do FBI como carta na manga.

— Só se for uma carta do diabo — respondeu minha irmã, me


fazendo rir com sua raiva. — Quem quer uma cadela traiçoeira como ela
na equipe?

— Ela não fará nada — anunciou Angel. — Sabe que arrisca mais
se mexer comigo. — Parecia bastante otimista.

— Verdade — concordei, com o nariz torcido. — Enfim, falando de


outra coisa, algum avanço nas buscas ao Juárez?

— Não temos nenhuma pista, parece até que ele evaporou —


comentou Angel, tão contrariado quanto eu. — Não estamos sozinhos
querendo a cabeça dele, afinal, o FBI também está de olho.

— Aquela mulherzinha pelo menos está servindo para isso —


resmungou Lis, sem esconder o quanto odiava Rosalyn.

Era evidente que as duas não superariam a relação tão cedo, se é


que isso aconteceria algum dia.
— A que hora pretendem seguir para Tijuana? — questionou Angel,
alterando o rumo da conversa.

— Dentro de pouco tempo! — falei, verificando o horário no meu


relógio de pulso. — Mal posso esperar para ver a reação da minha
mulher quando chegarmos em casa.

— Ainda não estou habituada à sua versão apaixonado, irmão —


zombou Lis, mas sem esconder a expressão boba no rosto. — Mas
respondendo ao seu comentário, Micaela é fácil de agradar. — Sorriu.

— Sim, ela é — concordei, sorrindo feito um idiota. — Minha garota


gosta de coisas simples, desde que tenham significado.

— Pronto. Pode abrir os olhos agora — avisei minha pequena


quando estávamos em frente à casa que seria nosso lar a partir daquele
momento.

Micaela exalou um grito involuntário ao ver, pressionando os lábios


com as mãos.

— Miguel, essa é... — interrompeu-se, me fitando com olhos


brilhantes.

Sacudi a cabeça.

A fachada era parecida com uma caixa fechada de dois andares


que brilhava à noite, fazendo com que a casa se parecesse com um
farol.

— Nossa casa — finalizei seu raciocínio, me divertindo com suas


expressões. — O que achou?

— O que eu achei? — repetiu, meio débil. — Céus! Ela é linda


demais! Deve ter sido bem caro. — Voltou a me encarar.

— Não se perturbe com isso — respondi dando de ombros. —


Venha — pressionei a mão no meio das suas costas —, você precisa ver
por dentro.

Fazia tempo desde que comprei a casa, mas só comecei a reformá-


la recentemente. Na verdade, tudo foi feito num tempo recorde. Desejava
que a propriedade fosse bastante ampla, permitindo admirar o oceano de
todos os cômodos da casa.

— ¡Dios mío, Miguel! Que vista magnífica! — Micaela ficou parada


na sacada, que nos presenteava com uma linda vista do mar. — Esse é
um dos lugares mais bonitos que já vi. — Emoção transparecia em sua
voz. — Vamos mesmo morar aqui?

Tive vontade de rir da sua euforia. Parecia uma criança.

— Apenas se você não desejar. — Deitei a cabeça para o lado,


fingindo estar confuso.

Ela pulou nos meus braços.

— Claro que eu quero! — Beijou meus lábios várias vezes, o que


me fez rir ainda mais. — Sempre tive o desejo de ver o mar, imagina
morar com ele à vista? — Seus olhos brilharam.
A puxei para mais perto, desejando sentir seu calor e inalar seu
perfume.

— Meu propósito na vida é te fazer feliz, querida — afirmei com


ardor. — Os seus sorrisos são o meu combustível.

Micaela se afastou, acariciando meu rosto com a mão macia, o que


me fez beijar seu pulso.

— Eu já sou feliz — garantiu. — Não tem a ver com uma casa ou


um apartamento, ou qualquer outra coisa cara que você possa me dar. —
Aproximou nossos lábios para um beijo suave. — Minha felicidade vem
de estar com você, Miguel. — Meu coração se aqueceu no peito. —
Qualquer local seria bom, desde que estivéssemos juntos.

A envolvi nos meus braços, impulsionando seu corpo no meu. Suas


pernas enlaçaram minha cintura.

— Como consegue me deixar tão atordoado com frases simples,


garota?

Jogou a cabeça para trás e riu alto.

Voltei com ela para o quarto e a deitei na cama.

— Precisamos trazer nossos pertences para cá — disse ela, se


mexendo para cima da cama, olhando atentamente para meus
movimentos.

— Já estão a caminho — avisei, desabotoando minha camisa,


ciente de seus olhos em cada movimento meu.

— Como adivinhou que eu ia gostar da casa? — provocou.

Sorri com arrogância.


— Porque você está em mim, pequeña — respondi, intenso. —
Está no meu sistema. Sei dos seus gostos.

Mordeu o lábio, atiçando meus pensamentos mais pervertidos.

— O que eu disse a respeito de você morder os lábios dessa


forma? — inquiri, retirando meu cinto, em seguida, desabotoando a
calça.

— Eu posso querer colocar minha boca em você — insinuou,


ruborizada.

A timidez estava evidente em sua postura.

Dei a volta na cama e fiquei perto de Micaela, que se empertigou e


se remexeu quando meus olhos a marcaram como minha.

Tirei uma caixinha do bolso da calça.

— Sei que ainda estamos no meio de uma guerra — falei, fitando-a


nos olhos —, vivendo sob a mira invisível de um inimigo que acredita que
tem algum poder sobre você. — Ambos fizemos caretas com isso. —
Mas não acho que seja uma boa desculpa para me impedir de ter um
futuro ao seu lado. — Abri a caixinha de veludo, surpreendendo Micaela
quando ela viu a joia. — Aceita se casar comigo?

Juntou as mãos no rosto, nitidamente emocionada.

— Miguel! — exclamou, jogando as pernas para fora da cama, para


se aproximar mais de mim. Pegou o anel de brilhantes. — Aceito, claro!
— disse com fervor. — Mas eu seria sua para sempre, mesmo que não
nos casássemos. — Sua voz estava embargada.

Me ajoelhei em sua frente, sorrindo.


— Você usará meu sobrenome. — Peguei a joia da sua mão e
deslizei o anel no dedo. Beijei-o com carinho. — Minha para sempre.

Ainda agachado, a puxei para perto pelos quadris, procurando os


seus lábios. Seu rosto estava úmido pelas lágrimas, tornando o beijo
salgado.

— Agora, é o momento de nos prepararmos para a lua de mel —


avisei, ao empurrá-la com suavidade para a cama, tirando proveito de
levantar seu vestido e inspirar o aroma da sua boceta por cima da
calcinha.

O problema foi que seus gemidos foram abafados pelo som infernal
do celular.

— Maldição! — praguejei, odiando não poder ignorar, tendo em


vista a nossa condição atual. — Preciso atender.

Micaela fez um gesto de frustração, esfregando uma perna na


outra, deixando visível a sua excitação. Puta merda!

Levantei-me, impaciente, para xingar qualquer que fosse a pessoa


do outro lado da linha.

— O que foi? — rosnei ao atender.

— Pegamos um homem sondando um dos armazéns, senhor —


avisou Mario, um dos soldados. — Acreditamos que seja a mando do
Juárez.

Senti meu corpo ficar rígido na hora.

— Ele falou algo? Está vivo ainda?


— Não o matamos, senhor — avisou. — E até o momento, não
disse nada.

Inalei fundo, lutando para me acalmar.

— Me mande a localização — falei. — Estou indo.

Dizendo isso, desliguei.

Ao ver Micaela, toda bela e desejosa na cama, odiei-me por ter que
deixá-la, mas era necessário.

— Problemas? — quis saber.

— Preciso sair — disse, fechando minha calça e pegando minha


camisa do chão. — Se incomoda de ficar sozinha enquanto eu estiver
fora?

Ela voltou a se sentar.

— É algo grave? Tem a ver com o Juárez? — perguntou.

— Micaela...

— Não tente esconder as coisas de mim, Miguel — interrompeu-


me, aflita. — O que está acontecendo?

Suspirei.

— Um capanga do Juárez foi capturado — contei no fim. — Ainda


não sei todos os detalhes, mas é isso.

Ela assentiu, parecendo compreender minhas palavras.

— Pretende interrogá-lo?
— Sim, — respondi, observando suas reações. — Vou tentar
arrancar daquele imbecil, a localização do chefe dele.

Micaela se ergueu, ficando à minha frente. Então, pegou o meu


rosto e me puxou para um beijo.

— Toma cuidado! — pediu contra meus lábios.

Apertei sua cintura, aprofundando nosso beijo.

— Prometo.

— Vocês me disseram que ele não estava morto — comentei assim


que cheguei onde estavam mantendo o invasor preso.

— Sinto muito, senhor, mas o imbecil se debateu um pouco —


respondeu um deles, rindo.

Ri e balancei a cabeça.

No caminho, telefonei para o Angel para contar-lhe sobre a captura.


Eu poderia ser seu segundo em comando, mas ele ainda era o líder.

Fiquei próximo ao homem, que estava preso a uma cadeira. Mãos


e pés muito bem amarrados. O rosto era só sangue.

— Consegue me enxergar, miserável? — gritei a pergunta na cara


dele, puxando seus cabelos e forçando sua cabeça para trás.
Seus olhos me buscaram, apesar do inchaço.

— É o traidor — respondeu ele, com a voz abafada. — O tolo que


se considera mais inteligente que meu chefe. — Soltei-o quando
começou a tossir, espirrando sangue na minha camisa. — Acha mesmo
que vai escapar? — Me encarou, rindo feito uma hiena. — Ele vai
encontrar a vadia da irmã dele...

O derrubei com um soco tão forte que caiu com a cadeira.

— Micaela não é vadia — gritei, cheio de ódio. Em seguida, apontei


para um dos soldados. — Levante esse lixo.

Aguardei, sentindo meus músculos tremulando.

— Ficou magoadinho? — O miserável zombou, sem qualquer


medo. — Quer saber qual o boato? — Cuspiu sangue. — Algumas
pessoas suspeitam que ela e o irmão mantinham um relacionamento
íntimo, e o motivo pelo qual o chefe a quer de volta é porque ela é
amante dele.

Voltei a me aproximar do homem como se fosse um touro, mas


consegui me controlar a tempo. Precisava buscar respostas.

Segurei-o pelo pescoço.

— Onde ele está? — sibilei, entre dentes. — Dê-me a localização


daquele maldito.

— Nunca!

Dessa vez, fui eu que dei risada.

— O que pensa que está fazendo, seu idiota? — indaguei. —


Achou que conseguiria invadir nosso armazém? Qual era o plano, afinal?
Queimar? Roubar? — Voltei a rir. — Você é tão burro que nem percebeu
que está servindo a um covarde filho da puta que só te mandou para
uma missão suicida. Juárez está acabado, não tem mais jeito.

— Vá se foder! — rugiu. Inspirei fundo, buscando me acalmar. —


Não sou um traidor como você. Espero que a boceta daquela vadia seja
boa, porque os dias dela estão contados.

Bati nele outra vez, mas, dessa vez, o segurando firme.

O problema foi que não parei, não consegui.

Tudo o que minha mente começou a me mostrar foi a Micaela


machucada, quase morta nos meus braços quando Juárez a pegou.

Não, eu não permitiria.

Ninguém a tocaria novamente. Ela era minha. Minha. Minha.

— Senhor? Senhor? Senhor?

Sobressaltei-me quando alguém tocou no meu ombro.

— O QUE É, PORRA?! — berrei, indignado.

O soldado suspirou, gesticulando.

— Ele está morto! — apontou. — Está morto.

Vi o homem na cadeira e, ao perceber o que havia feito, movido


pelo ódio, vi a bagunça vermelha que havia criado. Droga!

Matei o miserável e não descobri porra nenhuma.

Só serviu para inflamar ainda mais a minha fúria.


Puta que pariu!
Eu estava desesperada. Era um turbilhão de sentimentos se
amontoando dentro de mim enquanto eu fitava aquele objeto nas minhas
mãos.

Por um lado, queria gritar de terror, mas, por outro, gritar de alegria.

Grávida. Eu estava grávida.

A culpa poderia ser dos remédios que precisei tomar nas últimas
semanas, mas a verdade é que meu método contraceptivo não
funcionou. Não foi eficaz. Nenhum era.

Miguel e eu fazíamos sexo constantemente, logo uma gravidez era


esperada.

Sequei os olhos, retirando a umidade das lágrimas que caíam


incessantemente. No fundo, eu não sabia o que pensar. Não tinha a
menor ideia de qual seria a reação do Miguel. Eu tinha certeza de que
nos amávamos, mas conseguiríamos ser responsáveis por outra vida?

— Micaela? — Miguel me assustou quando bateu na porta do


banheiro. — Tudo bem aí?
Respirei fundo para não deixar ele perceber que eu estava
chorando.

— Sim, — respondi, com a voz calma, apesar da confusão que


sentia no peito. — Já estou saindo.

— Ótimo! — exclamou. — Espero você lá embaixo, querida.

— Ok.

Aguardei até que ele se afastasse da porta.

Levantei-me do vaso, tremendo, e com o coração acelerado. Um


filho.

Estava esperando um filho.

Olhei para baixo, apertei o ventre. Fiquei surpresa com o calor que
subiu ao meu peito quando pensei haver um bebê ali, um ser que estava
crescendo dentro de mim.

Fruto do meu amor com Miguel.

— Tenho muito medo, mas... — sussurrei, acariciando minha


barriga, com um sorriso nos lábios, trêmulos pelo choro —, o amor que já
estou sentindo por você, não cabe no meu peito.

Funguei audivelmente.

Passado algum tempo, resolvi guardar o teste de farmácia dentro


da gaveta da bancada da pia e, então, parei diante do espelho. Estava
com os olhos vermelhos. Lavei o rosto, na tentativa de suavizar as
marcas das lágrimas.
Ainda não me sentia preparada para revelar isso ao Miguel. Ou
melhor, não sabia como revelar a ele. Nossa vida ainda estava uma
bagunça, com a sombra do Juárez pairando sobre nós. Não tinha certeza
de como ele receberia essa notícia.

Após me sentir melhor, finalmente saí do banheiro.

Passei as mãos no vestido solto, de cor lilás. Nos pés, optei por
uma sandália baixa. Sem perceber, minhas mãos voltaram a abraçar o
ventre plano, como uma forma de proteção. Era instintivo.

Grávida. Eu estava grávida.

Quando cheguei ao andar térreo, Miguel conversava com alguém


pelo telefone. Apesar disso, seus olhos me acompanharam o tempo
todo, me marcando como dele a cada movimento que eu fazia. Mal
soube dizer como consegui me manter de pé.

— Você está magnífica! — disse, saindo do telefone apenas para


me elogiar e me beijar.

Sua mão se enrolou na minha cintura, enquanto caminhávamos


para fora da casa.

Eu ainda me pegava suspirando sempre que parava para admirar a


propriedade. Claro que vivi em um ambiente de riqueza, mas talvez o
que me encantasse mesmo fosse o fato de aquela ser a casa que dividia
com Miguel.

Era o nosso lar.

Entramos no carro, com Miguel ainda no telefone. Não estava


atenta à pessoa com quem ele conversava nem ao tema discutido,
porque era sobre assuntos de trabalho.
Estávamos indo para um passeio. Como as últimas semanas foram
dedicadas ao meu tratamento, Miguel resolveu manter uma rotina mais
caseira.

Vi que dois outros carros nos seguiam com seguranças.

— Nosso passeio não vai atrapalhar seu trabalho, certo? —


perguntei quando Miguel terminou a ligação.

Nós dois estávamos no banco de trás, com o motorista que ele


confiava dirigindo.

— Você nunca me atrapalha, pequeña — disse, beijando minha


mão. Seu olhar era como chama na minha pele. — Estou feliz de tirar
esse tempo com você.

Sorri, encantada com suas palavras.

Grávida. Eu estava grávida.

Abri a boca para contar, mas hesitei. O medo continuava ali,


espreitando meu coração.

— Qual o problema? — Miguel questionou, tocando meu rosto. —


Ficou quieta de repente. Está com dor?

Forcei um sorriso.

— Não é nada — menti. — Estou ansiosa para saber onde você vai
me levar. — Sorri. — Por que precisa ser segredo? — Fiz beicinho.

Miguel sorriu, se curvando para tocar meus lábios num beijo breve.

— Porque é mais divertido.

Fiz uma careta.


— Divertido para quem? — indaguei, fingindo estar chateada. —
Estou em cólicas de tanta ansiedade.

Ele voltou a beijar minha mão.

— Prometo que você vai gostar. — Seus olhos brilharam.

Sorri com ele.

— Está bem — soprei, num misto de expectativa e ansiedade.

Dentre todos os locais possíveis que pensei, jamais imaginei que


Miguel me levaria para uma feira gastronômica.

Ele me conhecia bem o bastante para saber que eu tinha paixão


pela culinária; não era novidade nenhuma que eu gostasse muito de
cozinhar, afinal, para mim, era uma arte.

— E então? — indagou, enquanto caminhávamos. Os seguranças


estavam ao nosso redor. — Gostou?

Meus olhos não se desviavam das barracas, cada uma com um


chef diferente.

— Eu amei! — Meus olhos brilhavam. — Será que podemos ir


naquela barraca ali? — Apontei, eufórica. — Sou fã daquele chef, Miguel,
ele é extraordinário.

Ele ficou sério, mas de um jeito divertido.


— Não gosto de ver esse sorriso direcionado a outro homem —
resmungou.

Sacudi a cabeça, achando graça do seu ciúme.

Embora ciumento, Miguel esteve presente e demonstrou interesse


em tudo o que comentei a respeito das comidas e bebidas. Uma das
barracas oferecia um menu especial da culinária mexicana, com tacos,
quesadillas, nachos e tostadas, em referência ao Dia de Los Muertos —
tradicional comemoração do país da América do Norte, que celebra o
equivalente ao nosso Dia de Finados.

— Por que está recusando as comidas quando lhe oferecem? —


perguntou ele depois de um tempo.

Estávamos um pouco mais distantes das pessoas, o que me


agradou, pois comecei a me sentir abafada.

— Está sentindo alguma coisa? — insistiu, preocupado.

O encarei, me desesperando. Na verdade, eu estava enjoada com


aquela mistura de aromas. Sabia que esses desconfortos estavam
ligados aos hormônios da gestação, inclusive, um dos motivos que me
fez desconfiar que tinha algo errado comigo.

Fiquei suspeita da gravidez pelo aumento do volume dos seios, dor


nos mamilos e alteração do sono. Adquirir o exame na farmácia foi um
pouco difícil, no entanto, tive assistência da nossa cozinheira, que era
uma mulher doce e muito gentil.

Pensei em falar com Rosalyn, mas fiquei apreensiva do que ela


diria. Era tudo muito recente e rápido.

Rápido demais.
— Miguel, eu... — comecei, mas me calei ao ouvir um tiro.

Fui jogada no chão, com Miguel por cima de mim, gritando com os
seguranças.

Os gritos ficaram ensurdecedores quando as pessoas começaram


a se agitar para todos os lados, apavoradas com os tiros que partiam em
todas as direções.

— Miguel... — meu coração batia forte contra o peito.

Ele arregalou os olhos, ao analisar o caos que nos cercava, ora me


fixando, ora desviando o olhar.

Seu corpo estava endurecido.

— Temos que sair daqui — avisou, com a voz trêmula.

Levantou-se, me puxando com rapidez.

— Miguel...

— Fique abaixada — pediu, me cortando.

Eu queria falar do nosso bebê... precisava contar sobre o filho que


eu estava gerando.

Miguel me guiou por entre as pessoas, sempre atento ao nosso


redor. Vi sua mão dentro da jaqueta, provavelmente, em cima da arma.
Meu coração batia tão acelerado que eu estava ficando sem ar.

Meu bebê. Meu bebê.

Quando chegamos ao automóvel, percebi quando Miguel deu


instruções aos capangas que estavam por ali. Eu estava tão anestesiada
que não prestei atenção em nada.
Mas, ao entrar no carro, vi o sangue no meu vestido. Arfei.

— Miguel!

— Você se feriu... — sua voz soou desesperada.

Toquei meu corpo, mas não senti dor. O sangue não era meu.

Essa comprovação não me trouxe alívio, pelo contrário.

Meus olhos se fixaram em Miguel, especialmente em seu corpo.

— Foi você! — Coloquei as mãos trêmulas em sua barriga,


percebendo a umidade ali. — Miguel, você é quem está sangrando. —
Minha visão estava turva. — ¡Dios mío!

Ele olhou para o corpo, levantando a camiseta para conferir se


estava machucado.

O carro, à prova de balas, ia rápido pelo motorista.

— Foi de raspão — disse baixinho, apertando a ferida de tiro no


lado da barriga. — Não há motivos para se preocupar.

— Como não há motivos? — Arregalei os olhos, surpresa. — Você


levou um tiro! — Enxuguei as lágrimas que deslizavam sem parar. —
Precisa de atendimento médico.

— Não é necessário — disse, suspirando baixo.

Vi quando pegou o telefone e digitou o número de alguma pessoa.


Pisquei, perdida naquele turbilhão de sentimentos e emoções. Tudo o
que eu via era o sangue e a possibilidade de perdê-lo.

Eu não podia perder o Miguel.


Estiquei meu corpo e cutuquei o motorista com minha mão gelada.

— Por favor, nos leve até o hospital.

— Micaela... — Miguel tentou me persuadir.

O olhei com irritação, percebendo que abandonou o telefone.

— Você não é um super-herói, droga! — gritei, nervosa e com a voz


embargada. — Precisa de atendimento.

Meus batimentos eram ensurdecedores.

— Eu vou ficar bem — insistiu, pegando minha mão.

— Vai ficar bem após ser atendido por um médico — falei,


apreensiva com sua teimosia.

— Micaela...

— Não, Miguel! — o cortei, aos prantos. — Será que não entende?


Eu não posso perder você. Não posso ficar sem você. — Meu rosto se
contorceu com novas lágrimas. — Nunca soube o que era amar e ser
amada, nem a felicidade, até te conhecer. Por favor, não posso ficar sem
isso.

— Shh... — segurou meu rosto e me puxou para ele. — Tudo bem.


— Beijou minha boca com carinho. — Nós vamos ao hospital. Fica
calma.

Então, deu a ordem para seu motorista.


Meu coração estava acelerado, enquanto eu assistia Miguel sendo
atendido. A sala estava abarrotada com os nossos seguranças, o que
parecia normal para aquele hospital. Miguel já havia explicado que o
cartel financiava o lugar para facilitar o uso, sem questionamentos,
quando necessário.

Sentia-me pesada, apreensiva e atordoada com os últimos eventos.


O que começou como um momento bom, logo se transformou numa
situação angustiante.

— Vem cá — Miguel chamou, assim que o médico e as enfermeiras


saíram.

Contendo as lágrimas, corri até ele, que estava sentado na maca,


com os braços abertos para me receber. Eu estava apavorada.

— Não chore — pediu, beijando minha cabeça. — Eu vou ficar


bem, foi só um susto.

Acomodei-me em seu colo, inalando seu perfume para tentar me


acalmar.

— Você acha que foi um ataque do Juárez? — Minha pergunta saiu


entre um soluço e outro.

— É possível — respondeu com firmeza. — Mas dei o recado para


Angel e mandei os homens investigarem. — Inalou profundamente. —
Não foi correto da minha parte te arrancar da casa para um ambiente ao
ar livre.

Virei a cabeça para encarar seu rosto perturbado.

— Você acredita que o ataque esteja relacionado a mim?

Negou com a cabeça.

— O alvo era eu — disse enfaticamente, me causando tremores. —


Juárez quer se vingar por eu tê-lo traído e tirado você dele.

Engoli em seco, absorvendo suas palavras.

— Não foi você quem me tirou dele, fui eu que escolhi ir com você
— disse. — Para começar, eu não pertencia ao Juárez.

Seus dedos acariciaram minha bochecha para remover o vestígio


das lágrimas.

— Sei disso — falou, pegando minha mão para beijar.

Baixei os olhos, encarando a faixa ao redor da sua cintura.

— Miguel? — chamei, tomando coragem para revelar o que me


consumia nas últimas horas. — Eu fiquei apavorada hoje, mais do que
em ocasiões anteriores. — Minha voz falhou.

Ele se aproximou, ajustando o corpo para se apertar contra o meu.

— Me perdoe. — Segurou meu rosto com as mãos quentes.

— Sabe o que me deixou mais assustada? — perguntei, sem


deixá-lo responder, e logo completei: —, o medo de te perder. Nós dois
não podíamos ficar sem você.
Miguel ficou perplexo, levando um tempo para compreender o
significado da minha frase.

— O que você... — permaneceu mudo, perdendo a voz quando


conduzi sua mão até minha barriga.

— Estou grávida — respondi, comovida. — Descobri mais cedo,


pouco antes de sairmos.

Miguel permaneceu olhando para sua mão em meu ventre, um


pouco aturdido.

— Grávida? — indagou de repente, meio débil. Ao me encarar,


pude notar seus olhos úmidos.

— Sim, — respondi, embargada. — Parece que o método


contraceptivo não funcionou e...

Miguel me calou com um beijo apaixonado, que me tirou o ar.

— Eu vou ser pai — disse baixinho contra meus lábios. — Vamos


ter um bebê.

Afastou-se, sorrindo entre as lágrimas.

— Sim, nós vamos. — Funguei.

Então, se curvou para beijar meu ventre, com as mãos ao meu


redor.

Naquele exato instante, percebi que faria de tudo para assegurar


nossa felicidade.

Minha, dele e do nosso bebê.


— Pretende sair? — Micaela inquiriu, ao mesmo tempo, em que me
ajudava a tratar da minha ferida. Notei que estava preocupada pelo tom
da sua voz. Ela estava com medo.

O que se poderia esperar, tendo em vista o susto que tivemos


algumas horas antes.

Sentia meu coração apertado de medo cada vez que pensava


naquele instante tenso; foi angustiante imaginar que algo poderia ter
acontecido com ela. Nunca me perdoaria se ela se machucasse.

Apenas a ideia me apavorava.

Terminou de enrolar a faixa ao redor da minha cintura e aproveitei


para pegar suas mãos nas minhas. Beijei seus dedos gelados.

— Não precisa se preocupar — pedi. — Prometo que vou me


cuidar.

Os lindos olhos estavam úmidos.

— Sempre vou me preocupar. — Aninhou-se ao meu peito,


beijando minha pele. — Você é o amor da minha vida, Miguel, o pai do
meu bebê.

De imediato, um largo sorriso se abriu em meus lábios.

— Vou ser pai — falei, sentindo a mesma emoção incomparável.

Pensar que minha mulher carregava meu filho dentro dela me


deixava muito feliz.

Toquei seu rosto, mantendo-o preso em minhas mãos.

— Sei que está apreensiva, mas preciso mesmo sair, querida —


expliquei, fixando o olhar no seu para que visse a verdade em meus
olhos. — Angel está em San Diego e me ligou para conversarmos sobre
o ataque de ontem. Juárez parece estar próximo, e eu não vou permitir
que ele se aproxime de você novamente. Não posso deixar você e nosso
bebê perto dele. — Sorri novamente, ao tocar no seu ventre liso. Micaela
permaneceu com as mãos nas minhas. — Não suportaria se algo lhes
acontecesse. — Beijei sua testa com carinho.

Ela me abraçou, apertando-me com força, assim como eu fazia


com ela.

— Nós vamos ficar bem — afirmou, mas tive a impressão de que


estava se esforçando para acreditar nisso.

Juárez conseguiu perturbar minha garota e isso me fez odiá-lo um


pouco mais.

Apertei os dentes, com as ondas de fúria dominando cada uma das


minhas células.

Mal podia esperar para colocar as mãos nele.


— Como você está? — Angel perguntou, assim que cheguei no
QG. — Lis não veio, mas ficou desesperada ao saber do ataque. Micaela
está bem?

O cumprimentei com um abraço rápido.

— Foi apenas um susto — falei, erguendo minha camiseta para


que ele pudesse ver. — Um tiro de raspão. — Suspirei. — O foda é que
não consegui ver de onde partiram os disparos.

— Teve mais vítimas?

— Dois civis — respondi com indignação. — Mas ontem mesmo


mandei darem assistência as famílias. Sei que nenhum valor financeiro
substituirá as pessoas amadas, mas, infelizmente, é o que temos para
fazer.

— Puta merda! Estou ficando cansado dessa porra! — rosnou ele.

Inalei fundo, me preparando para dar a notícia.

— Sei que o momento não é o ideal, mas — pigarreei, nervoso —,


eu vou ser pai! — contei num fôlego só. Angel arregalou os olhos,
pasmo. — Descobrimos ontem.

— Puta que pariu! — exclamou, vindo até mim. — Carajo! —


Abraçou-me com tanta força que gemi de dor devido à minha ferida
recente. — Isso merece algo especial. — Foi à adega buscar uma
garrafa do seu melhor uísque.

Aceitei quando ele me ofereceu um copo. Virei tudo em um único


gole.

— Isso não é tequila, idiota — resmungou, voltando a me servir


com outra dose.

— Estou comemorando — respondi com um sorriso.

— Lis vai ficar eufórica com a notícia — afirmou ele, bebendo sua
dose. — Quando pretende contar? Você sabe que eu não posso guardar
segredos dela, né? Sua irmã detesta mentiras e omissões.

— Vou ligar mais tarde — falei, consciente de que Lis era toda
sensível com essas coisas. Já sofremos bastante no passado com
segredos.

Angel concordou, me fitando com uma mistura de sentimentos.

— Bem... — respirou fundo —, nas minhas investigações, descobri


que Juárez foi visto em Rosales, no México.

— Mas aquele é território de outro cartel — argumentei, surpreso


com isso.

— Ele estava disfarçado de civil, mas foi reconhecido.

— Filho da puta! — vociferei, apertando os punhos.

— Talvez o cartel que rege aquela região do México o esteja


protegendo — deduzi, enquanto entornava seu uísque num único gole,
assim como eu fiz outrora.
— Isso não é tequila — devolvi o que ele me disse, e ele me
mostrou o dedo do meio como resposta.

— Rosales está perto de Tijuana — lembrou, me fitando com


expressão preocupada. — Será que ele descobriu onde vocês estão
morando agora? O ataque que aconteceu há poucas horas torna as
coisas mais graves.

— Para saber isso, ele precisaria de um espião entre nós — falei,


irritado com a ideia de mais traidores.

— Não descarto nenhuma possibilidade — sibilou, tão bravo


quanto.

— Micaela me pediu para visitar a tia — murmurei, esfregando o


rosto com as mãos. — Estou cogitando aumentar a proteção dela para
que possa passar um fim de semana na casa da Yolanda, enquanto eu e
você vamos caçar.

— Não tenho certeza se é uma boa ideia sair de casa agora —


disse Angel, pensativo. — Isso é o que aquele maldito quer, para dar o
bote quando vocês saírem da toca.

— Não quero minha mulher grávida nesse caos. — Enchi meus


pulmões de ar. — Já basta a última vez que aquele bastardo pegou a
Micaela e quase a matou.

— Posso mandá-la para a Itália com a Lis — sugeriu, arqueando as


sobrancelhas. — Deixamos as duas sob os cuidados dos Fratelli por
algumas semanas, até que possamos resolver essa situação e tirar
Juárez do caminho. — Pegou o celular para ligar para seus cunhados.
— Mande a Lis e o Santino — decretei, fazendo uma careta. —
Conheço a Micaela, e sei que ela não vai querer ir. Prefiro mantê-la com
mais segurança, mas na casa da tia, que ela já conhece.

— Você quem sabe — resmungou Angel, dando de ombros. — Mas


ainda penso que seria melhor afastá-la de tudo agora, sobretudo, fora do
alcance do Juárez.

Retornei para casa mentalmente exausto, necessitando apenas de


um banho, do aroma e do carinho da minha pequena.

Ao chegar, observei o silêncio, algo que me deixou aflito por um


breve instante. Corri para o andar de cima, seguindo para nosso quarto.
O barulho do chuveiro me tranquilizou.

Abri a porta do banheiro e o vapor da água quente me atingiu.


Rapidamente, Micaela colocou a cabeça para fora do box.

— Ai, que susto, Miguel! — exclamou ela, sorrindo ao perceber que


era eu.

Arranquei minhas roupas, ansioso para senti-la nos meus braços.

— Senti a sua falta — soprei, rodeando sua cintura com uma das
mãos, enquanto a outra permanecia em sua nuca. — Ficar longe de você
foi uma tortura. — Toquei seus lábios num beijo prolongado.
Enquanto aprofundava o beijo, as pequenas mãos se enrolaram em
meu pescoço, exigindo cada vez mais.

— Também fiquei com saudades — soprou, arfando, quando a


impulsionei para envolver suas pernas na minha cintura.

Pressionei seu corpo contra a parede, sentindo a água se


chocando com minhas costas.

Agarrei seu rosto, afastando-o do meu para fitar seus olhos. Ela era
tão linda.

Tão importante para mim.

— Você sabe que te amo, mas não imagina o quanto é importante


na minha vida — disse, sabendo que ela e nosso bebê eram tudo para
mim. — Sem vocês, não me resta nada. Compreende isso?

Apertei seu seio, inclinando a cabeça para poder abocanhar o


mamilo.

— Si-sim... — gaguejou, gemendo deliciosamente. — Eu sinto a


mesma coisa, Miguel.

Comecei a pressionar meu pau em sua entrada, esfregando-me


lentamente, provocando.

Encarando-a, senti aquele desespero outra vez, o medo de perdê-


la. Aquela sensação terrível permanecia no meu peito, me impedindo de
respirar.

Micaela segurou meu rosto e me beijou, como se pudesse sentir


que eu não estava bem.

— Estou aqui — declarou com fervor. — Estamos juntos.


Então, eu a penetrei devagar, sem querer machucá-la. Não tinha a
menor ideia de como poderíamos ter relações sexuais agora com a
gravidez. Precisava levá-la ao médico para iniciarmos todos os cuidados
com a gestação.

— Sim, nós estamos juntos — soprei em sua boca, controlando a


respiração. Colei nossas testas quando entrei nela até o talo. Micaela
gemeu, remexendo-se contra mim, querendo mais. — Você é minha!

Iniciei as investidas, impulsionando meu quadril para frente e para


trás.

— Sim, eu sou — soprou de volta, completamente perdida em


sensações.

Suas mãos estavam em meus ombros, buscando estabilidade à


medida que meus impulsos aumentavam.

Segurei seus seios, brincando com um e depois com o outro,


esfomeado por eles.

— Como não me dei conta do quanto estavam crescidos? —


perguntei, mais para mim mesmo do que para ela. — Estão parecendo
melões.

Micaela riu.

— Você terá que dividi-los com nosso bebê.

Fiz uma careta.

— Não gostei dessa parte.

Sua risada aumentou.


Acelerei as investidas, olhando nos seus olhos, descendo para
seus lábios inchados.

Percebi quando suas paredes pélvicas me apertaram, indicando


que seu orgasmo estava próximo. Pressionei a mão em sua nuca,
abocanhando seus lábios e intensificando os movimentos do meu pau na
sua boceta.

— Não quero mais sair daqui — mordi seu lábio inferior, gemendo
de prazer por tê-la nos meus braços. — Sua boceta é meu novo lar,
Micaela. Você é meu novo lar. Sem vocês duas, eu não terei nada.

Ela riu, sem fôlego.

— Nós duas não vamos para lugar nenhum — murmurou, divertida.

Nossos gemidos se misturavam ao som da água quente da ducha,


que batia nas minhas costas.

Quando senti Micaela gozando, intensifiquei os movimentos, em


busca da minha própria libertação.

Um só.

Nós dois éramos um só.

Choquei nossas bocas, querendo roubar seus gemidos e gritos.


Minha. Toda minha.

No instante que me libertei, enfiei o rosto na dobra do seu pescoço,


deixando uma mordida em sua pele.

Meu peito estava subindo e descendo conforme meu corpo se


recuperava do orgasmo arrebatador.
Micaela segurou meu rosto, respirando com dificuldade na minha
boca.

Coloquei-a no chão com cautela, mas mantive seu corpo sob


minhas mãos.

— Você está bem? — quis saber. — Senti você preocupado.


Aconteceu alguma coisa?

A beijei novamente, inspirando seu cheiro que me acalmava.

— Não aconteceu nada — soprei. — Só estou me sentindo tenso


com a situação com o Juárez — falei a verdade. — Enquanto não o
pegarmos, estaremos sempre em perigo.

— Sei disso — soprou.

— Mas prometo mantê-los a salvo. — Amparei seu ventre. —


Lutarei por nós três, pela nossa família.

Ela me olhou, emocionada.

— Amo você.

Sorri, encantado.

— Não mais do que eu, pequeña, não mais do que eu.


— Não tenho certeza de como posso ser útil — disse Rosalyn,
chegando mais perto e se acomodando na cadeira em frente a mim.

Estávamos em um lugar aberto ao público, uma espécie de


cafeteria.

— Boa tarde para você também — respondi com sarcasmo,


rolando os olhos. — Sempre tão educada — alfinetei.

— Se o objetivo é me deixar irritada, avise logo, porque tenho mais


o que fazer — disse com impaciência, ameaçando se levantar para ir
embora.

Inalei profundamente, lutando contra o impulso de xingá-la.

— Não é nada disso, garota — ralhei. — Embora me agrade a ideia


de te perturbar, não foi esse o motivo pelo qual te chamei — avisei,
percebendo que consegui sua plena atenção. — É sobre o Juárez.

Arqueou as sobrancelhas e se ajeitou de novo na cadeira. Chamou


o atendente com um gesto e pediu um café.
— Encontrou o infeliz? — perguntou, instantes depois, com os
olhos em mim.

— De certa forma. — Tomei um gole do café que pedi antes de ela


chegar. — O miserável está escondido em Chicago, no território da Máfia
Irlandesa. — Observei sua reação.

Seu café chegou, e ela tomou um gole, permanecendo em silêncio.

— Ainda não entendi o que você quer que eu faça.

— Sei que o FBI ignora territórios. Preciso que você tire Juárez da
toca.

Ela estalou os lábios, ponderando minhas palavras.

— As coisas não são bem assim, Miguel — negou com a cabeça,


rindo de forma cínica. — Preciso de uma boa informação para apresentar
aos meus superiores, caso você queira invadir o local onde Juárez
supostamente está — explicou, voltando a beber o café preto e
fumegante.

— Pensei que, durante o expediente, vocês só usassem os coletes


com a sigla FBI e, então, simplesmente fossem e invadissem qualquer
lugar, derrubando tudo pelo caminho — respondi, semicerrando os olhos
em sua direção.

— Apenas em operações, e com um mandato — disse, sem


grandes explicações. — Fora isso, só carrego o dispositivo — respondeu,
mostrando o objeto que estava preso ao seu pescoço. Então, me
encarou com desconfiança. — Você não deseja que eu repasse essas
informações aos meus superiores, certo?

Inalei o ar lentamente, terminando de beber o café.


— Só quero que você vá lá e o afaste — pedi, ciente de que,
quando ela chegasse a Chicago, Juárez ficaria apavorado. — Faça com
que ele saia do lugar em que está escondido — concluí, diminuindo o
som da fala para que somente ela ouvisse. — É aí que o pegaremos.

— Você anda vendo muito filme de ação policial — zombou ela,


balançando a cabeça. — Não é assim que trabalhamos.

— Sim, eu sei disso. — Suspirei, cansado. — Mas vocês não vão


até o lugar primeiro, antes de chegar metendo o pé na porta? —
questionei. — Antes de qualquer coisa, suponho que seja feita uma
investigação, certo?

Ficou em silêncio, processando o que eu disse.

— Precisa apenas que eu verifique se ele está lá? Acha que isso o
fará fugir?

— Sim, — confirmei, sabendo quão covarde ele era. — Quando ele


sair, eu pego.

Ela acenou com a cabeça.

— Nesse caso, não precisaria nem de um parceiro — declarou,


suspirando. — É só fazer algumas perguntas para deixá-lo saber que o
FBI está por perto, para assustá-lo. Estou certa?

— Exato! — exclamei. — Veja bem, Rosalyn, não posso entrar no


território dos irlandeses sem causar uma guerra. E aquele sujeitinho do
Juárez deve estar escondido lá, ou já o teriam apanhado e feito em
pedaços.

— Ok, eu faço isso! — declarou. — Mas pela minha prima, Pérez


— chamou-me pelo sobrenome. — Não temos negócios, e não faço
favores ao cartel — complementou, impondo suas condições. — Só tirei
o foco do seu chefe no departamento, dando um relatório fiel sobre todos
os erros do Juárez para meus superiores, pela Micaela. Isto não quer
dizer que eu trabalhe com, ou para vocês.

Ela realmente tirou Angel da mira das investigações.

— Eu sei. No momento, só quero a cabeça daquele miserável —


falei com expressão de repulsa. — Especialmente, agora que Micaela
está esperando um bebê, como você deve saber.

— Sim, ela me telefonou para dar a notícia.

— No fim de semana, pretendo levá-la para visitar você e sua mãe


— avisei.   — Pensei em mandá-la para Itália com minha irmã, mas não
aguento ficar tão longe dela — completei, dando de ombros. — É
egoísta, eu sei, mas é complicado explicar.

— Compreendo — disse, me encarando. — Não posso dizer que


gosto de você, mas fico feliz por minha prima ter alguém para cuidar
dela.

— Faço qualquer coisa por ela.

— Sei disso — murmurou, respirando fundo. — Bem, vou pedir


para meu chefe adiantar minha folga para eu poder ficar com as duas
quando Micaela estiver lá em casa.

— Ela vai estar com o dobro de seguranças — destaquei. — Mas, é


claro, seria interessante se você as defendesse do seu lado também.

— Do meu lado? Quer dizer... da polícia? — Me encarou com as


sobrancelhas arqueadas.
Sorri sem vontade, o que ficou parecendo uma careta de dor.

— Isso mesmo, o seu lado.

— Vou me organizar hoje — afirmou, terminando de beber seu


café. — Amanhã vou para Chicago e pretendo dar uma olhada geral na
cidade. Me manda o endereço por mensagem. — Se levantou.

— Certo! — Levantei-me também, deixando uma nota de cinquenta


dólares no balcão para cobrir o valor dos cafés, que não deve ter custado
nem dez dólares.

— Depois envio as fotos que tiraram de nós dois aqui, para


ninguém dizer que você está socializando com o inimigo — comentou
ela, enquanto eu a seguia próximo à saída.

— Como assim... fotos? — perguntei, perplexo.   — É   mais fácil


você ter de se explicar por estar conversando com um integrante de um
cartel.

Ela sorriu e acenou com a cabeça para um homem apoiado no


poste, que estava do outro lado da rua.

— Aquele é o Jonathan — contou, com certa impaciência — um


novato que colocaram na minha cola desde que comecei a confraternizar
com o alvo que deveria investigar. — Ri, depois acenei para o rapaz, que
não parecia ter mais que vinte anos. — Não seja perverso — repreendeu
ela, apesar de também estar rindo.

Chamou o garoto.

— Por que o chamou? — Torci o nariz quando o rapaz veio em


nossa direção.
Ele ficou constrangido por ser pego espionando.

— Jonathan, esse é Miguel, marido da minha prima — Rosalyn nos


apresentou. — Miguel, esse é nosso novato, recém-nascido da academia
— falou, brincando com o rapaz.

O tolo sorriu para ela como se estivesse na presença da sua


celebridade favorita. Era nítido que ele a admirava.

— Pensei que estivesse sendo cauteloso — comentou, ao mesmo


tempo, em que me cumprimentava com um aperto de mão.

— Você foi, não se preocupe — argumentou Rosalyn. — O


problema é que percebo quando estou sendo seguida, é como se
sentisse a respiração de alguém na minha nuca. — Fez uma careta de
desagrado. — Passar um tempo no Afeganistão te deixa em estado de
constante vigilância, inclusive para com sua própria sombra, caso ela se
movimente.

Por um instante me vi impressionado. Não havia dúvidas de que


essa garota fosse casca-grossa pra caralho.

— Bom... vou indo. — Comecei a me afastar. — Informe-me


quando for visitar o irmão da minha mulher. Há muito tempo que não o
vejo e gostaria de fazer uma visita — falei em código para que somente
ela entendesse que eu desejava saber quando fosse ao território dos
irlandeses.

— Pode ficar tranquilo — respondeu, seguindo em direção ao seu


carro com o garoto atrás.
Naquela semana, Rosalyn me informou que o FBI revistou o local
que passei para ela e que Juárez não estava mais lá.

Ela disse que a notícia de que Juárez Ramírez, anteriormente


chamado de Juárez Salvatierra, estar escondido ali, à vista de todos, não
foi bem recebida pelos líderes que cuidavam da organização criminosa
local.

— Você está certo de que deixar Micaela na casa da tia é a melhor


opção? — questionou Angel.

— Escolhi os homens mais qualificados para fazer a segurança


dela — falei. — Além disso, Rosalyn solicitou um afastamento do
trabalho para ficar com a prima no fim de semana. E convenhamos, a
vadia é foda pra caralho!

Ambos rimos.

— Nem me lembre — resmungou, estalando os lábios.

Nós dois estávamos no escritório de sua mansão, em San Diego.


Nos últimos dias, tínhamos sido alertados de vários lugares onde Juárez
poderia estar se escondendo. Precisávamos acabar logo com isso.

Era hora de ir à caça.

Depois que o miserável fugiu de Chicago, perdemos o rastro dele.


Mas eu não desistiria enquanto não tivesse a sua cabeça num espeto.
De repente, meu telefone tocou.

Fiquei surpreso ao olhar para o visor e ver o nome da Lis. Apontei o


aparelho para Angel.

— Estou ferrado e não sei? — indaguei, confuso. — Por que ela me


ligaria?

— Ela não me disse nada. — Deu de ombros e se afastou. Idiota!

Lis já estava na casa de seus outros irmãos arrogantes, na Itália.

Respirei fundo antes de atender:

— Se este for um pedido de socorro, basta pronunciar a seguinte


frase: “venha me buscar, irmão preferido”.

Sua risada ecoou do outro lado da linha.

— Pare de falar asneiras, Miguel — repreendeu ela, rindo. — Estou


bem. Quer parar de implicância?

— Não estou sendo implicante, apenas estou te dando opções,


irmã — argumentei, divertido. — Ambos sabemos que sou seu irmão
preferido.

Ela riu novamente.

— Ambos sabemos que você é o irmão problemático, isso sim —


soou o italiano, intrometido. Certamente Lis estava conversando no viva
voz.

— Luca! — ralhou ela, parecendo zangada.

— Cos'era? (O que foi?) Não falei nenhuma mentira — disse, numa


mistura de italiano e espanhol. — Detesto que ele fique se vangloriando
só porque tem a sua companhia na maioria do tempo.

— Isso não é verdade — afirmou ela. — A maior parte do meu


tempo é com o Angel.

— Argh! — grunhimos juntos, eu e Luca.

Lis gargalhou.

— Miguel? — chamou ela, instantes depois. Reparei que o som foi


ficando abafado, como se ela estivesse se distanciando do lugar onde
estava. — Liguei apenas para saber notícias suas e para pedir cautela.
Estou tão preocupada, irmão. Tem certeza de que deixar Micaela na
casa daquela vadia é uma boa ideia?

Não segurei o sorriso.

— Estou com o Angel, aqui na casa de vocês — expliquei, dando


uma espiada no relógio. — Em breve, vou sair para buscar Micaela. Tudo
foi planejado com cautela, irmã, eu nunca deixaria minha garota na casa
da Rosalyn se não estivesse certo de que ela ficaria em segurança.
Estamos falando de uma oficial do FBI, porra!

Lis fez um estalo com a língua.

— Não vou dizer o que penso, porque você já sabe.

Foi minha vez de gargalhar.

— Sim, eu sei — falei, entre risos. — Mas vamos ficar bem, Lis.
Estou confiante de que terminaremos com isso de uma vez por todas.
Não aguento mais ter de manter Micaela confinada em casa por medo de
algo acontecer. Eu não a tirei daquele lugar para mantê-la presa.
— Sei disso, irmão — falou em tom baixo. — Ficarei aqui ansiosa
por notícias, por favor, me mantenha informada. Ou sou capaz de pegar
o primeiro voo para San Diego.

— Seus irmãos italianos não permitiriam — rebati, provocativo.

— Eles não podem comigo — insinuou, arrogante.

E ela tinha razão. Na verdade, a safada tinha todos nós no seu


dedo mindinho.

Um tempo depois
— Você não vai mesmo ficar? — lamentou Micaela, me abraçando
antes que eu pudesse entrar no carro.

Acabei de me despedir da sua prima e tia, checando a casa para


garantir que era segura. Homens estavam posicionados em toda a
extensão da rua, atentos a qualquer movimentação suspeita.

— Tenho que resolver alguns assuntos, querida — respondi,


puxando seu corpo para perto do meu. Mordisquei seus lábios,
abraçando sua cintura. — Mas prometo que volto logo para te buscar
assim que terminar.

— Prometa que vai se cuidar — pediu, me dando mais um beijo.


— Prometo. — Acariciei seu rosto, admirando seus traços perfeitos.
— Não me perdoaria se não pudesse voltar para você. Preciso de seus
beijos, do seu cheiro... — amparei sua barriga — e do nosso bebê.

Seus lindos olhos se tornaram úmidos.

— Então volte para nós.

Nos beijamos mais uma vez, e, contra a minha vontade, tive que
me afastar para entrar no carro.

Micaela ficou parada, observando o carro se afastar. Meus olhos


não abandonaram o espelho retrovisor nem por um segundo.

A promessa de que retornaria para ela batia forte em cada parte de


mim.

Minha garota. O amor da minha vida.


— Um doce pelos seus pensamentos — comentou Rosalyn,
atraindo minha atenção para ela.

— Você parece estar distraída, querida — complementou minha tia.

Nós três estávamos sentadas à mesa, degustando um doce de


chocolate que eu havia preparado anteriormente.

Respirei fundo, absorvendo suas palavras.

— Estou apreensiva com o Miguel — confessei, ciente de que não


valia a pena mentir. — Não tenho a mínima ideia de onde ele pode estar
ou o que pode estar fazendo.

Miguel havia me deixado ali há poucas horas, mas meu coração o


acompanhou. Era difícil focar em qualquer outra coisa que não fosse seu
rosto, que estava constantemente na minha mente.

— Ele sabe o que faz, querida — disse Rosalyn. — Não é nenhum


novato no ramo. — Entortou os lábios.

— E ainda tem aquele chefe dele — comentou tia Yolanda —


Ninguém ocupa uma posição de liderança sendo um imbecil. Você
precisa ter inteligência suficiente para tomar decisões sábias, certo?
Então, fique sossegada, pois eles têm plena consciência do que estão
fazendo.

— Pare de se preocupar — insistiu minha prima. — Não faz bem ao


bebê.

— Rosalyn está certa! Os bebês sentem todas as emoções das


mamães.

Instintivamente, levei a mão para baixo, no meu ventre.

— Vocês estão certas — falei com um suspiro. — Além disso,


Miguel prometeu que se cuidaria e que voltaria para mim.

Rosalyn fez um muxoxo.

— Argh! Acho tão enfadonho esse negócio de casal — resmungou


ela, me fazendo rir. — Por isso que não sirvo para namorar. Prefiro uma
boa foda e deu!

— Credo, Rosalyn! — exclamou tia Yolanda, escandalizada com a


filha. — Isso é coisa que se fale perto da sua mãe? Não criei você para
ser assim.

Minha prima riu, aproximando-se da mãe.

— Não, porque a senhora me criou para ser uma super-heroína. —


Beijou o rosto dela, repetidas vezes.

Me servi com um copo de suco de laranja.

— Mas as super-heroínas também amam — lembrei, em tom


divertido.
De repente, Rosalyn ouviu um barulho de moto e foi até a janela
para espiar o lado de fora. A moto parecia estar passando bem devagar.

— Esse idiota não se cansa? — indagou ela mais para si do que


para nós, sua mãe e eu.

Franzi o cenho, confusa com suas palavras. Levantei-me e fui até


ela.

— Quem? — indaguei, espiando pela janela.

— É o novo admirador dela — contou minha tia, rindo, o que irritou


ainda mais a filha.

— Não viaja, mãe. — Rosalyn se afastou da janela. — Ele só está


fazendo isso por ordem de alguém, provavelmente o chefe dele.

— Como assim? — questionei, desesperada para entender. —


Quem é esse cara, afinal?

Tia Yolanda sorriu com diversão.

— Tem um nome esquisito — disse ela com uma careta, como se


estivesse tentando se lembrar. — Fire. Isso, Fire.

Rosalyn grunhiu, incomodada.

— É um apelido — sibilou, rolando os olhos. — E não quero mais


falar sobre esse idiota! — ralhou, se servindo com mais doce.

Sua inquietação era palpável.

— Quem muito desdenha, quer comprar...

— Mãe!
Dei risada das duas.

Por um momento, elas me distraíram da minha preocupação


constante no Miguel.

Rosalyn e eu procurávamos um filme para assistir quando tia


Yolanda entrou na sala, perguntando:

— Preciso sair para comprar umas essências. Vocês querem vir


comigo? Vou ao Shopping.

Ela trabalhava com velas aromáticas.

— Shopping, mãe? — Rosalyn perguntou, torcendo o nariz. — Não


acho uma boa ideia.

— Por quê? — perguntou com as mãos na cintura.

— Enquanto o Juárez estiver à solta, não seria prudente Micaela


passear de uma loja à outra. Vá sozinha.

— E para que serve aquele batalhão que está do lado de fora da


nossa casa? — perguntou, olhando de mim para a filha. — Acredito que
Miguel não deixou os seguranças como um mero enfeite. Além disso,
nós temos você, filha.

Fiquei em silêncio, apenas observando o debate das duas. Por um


lado, Rosalyn estava certa ao ter medo da nossa saída, tendo em vista o
perigo que rondava a minha cabeça, mas o raciocínio da tia Yolanda
fazia todo o sentido do mundo. Para que Miguel deixaria tantos
seguranças se não fosse para usarmos?

— Olhem que fofura essa roupinha. — Levantei a peça em tom


azul.

— Azul? E se for menina? — Tia Yolanda perguntou, pegando um


igual, só que rosa.

— Tem que ser menina — minha prima comentou, rindo. —


Imagina uma miniatura do Miguel? — Fingiu se arrepiar e todas caímos
na risada.

Fomos distraidamente de uma loja a outra, conversando e rindo


das brincadeiras da tia Yolanda, que não perdia a chance de incomodar a
filha. Aproveitei para comprar alguns vestidos, apesar de não ter certeza
se meu corpo sofreria grandes alterações durante a gravidez.

— Vou ligar para o Miguel para avisar que estamos aqui — avisei a
Rosalyn, já que minha tia estava na loja ao lado. — Enquanto isso, vou
ver se essas roupas servem. — Mostrei a pilha em meus braços.

— Certo! — exclamou, com os olhos em uma sessão de peças de


couro. — O provador é logo ali. — Apontou.

Segui para lá, consciente de que, além da minha prima, havia


diversos seguranças espalhados no lado de fora do estabelecimento.
No provador, tirei minhas roupas e comecei a experimentar os
novos vestidos. Era um mais incrível que o outro.

Minutos depois, finalmente liguei para o Miguel; eu não fazia ideia


se ele podia atender, ou se ainda estava na cidade.

— Oi, querida! — Atendeu no segundo toque. — Aconteceu alguma


coisa?

Sorri, deliciada com seu cuidado.

— Não aconteceu nada — falei. — Só quis ligar para avisar que saí
com as meninas para o shopping.

Ouvi seu praguejar do outro lado da linha.

— Não gosto disso, Micaela. Onde está sua prima? Passe o


telefone para ela.

— Eu estou no provador agora — falei.

Houve um segundo de silêncio.

— Comprou alguma roupa nova? — Senti o sorriso na sua voz. —


Quero ver.

Dei risada.

— Safado!

Então, avisei que ia desligar para poder ligar novamente, dessa vez
em chamada de vídeo.

Assim que a imagem surgiu, meu coração se aqueceu ao visualizar


seu rosto. Nem parecia que estávamos longe um do outro por apenas
algumas horas.
— O que achou? — Gesticulei.

— Você está linda, amor! — respondeu, com os olhos brilhando ao


me admirar. Eu tinha deixado o celular pendurado para que ele pudesse
ter uma visão ampla do meu corpo. — Mas eu ainda prefiro você sem
roupas.

— Miguel! — exclamei, escandalizada com sua falta de filtro. —


Estou em um provador, pode ter alguém ouvindo lá fora — soprei em tom
baixo.

Ele achou graça do meu constrangimento.

— Não falei nenhuma mentira. — Deu de ombros.

Continuei rindo do seu jeito descarado.

— Já pegaram o avião? — perguntei, sem esconder a


preocupação. — Estão no México?

— Ainda estamos em San Diego — respondeu, cansado. — Angel


e eu precisamos finalizar uns detalhes antes de ir para Cidade do
México. Mas pretendemos viajar ainda hoje.

— Então vou parar de te atrapalhar — avisei, começando a tirar o


vestido na intenção de provar outro. Seus olhos não se desgrudavam do
meu corpo.

— Você é uma menina muito má, senhorita Micaela... — seu olhar


estava carregado de desejo.

Voltei a rir, mas continuei experimentando as roupas, enquanto


recebia seus elogios.
Miguel pediu para eu comprar todas as peças que experimentei,
apesar de eu desconfiar que mal prestou atenção, já que não parava de
me olhar com desejo.

— Vou desligar agora — avisei, minutos depois. — Vou sair do


provador e deixar você resolver seus negócios. — Mandei beijos para
ele.

— Não desliga ainda — pediu rapidamente. — Quando sair passa o


telefone para a Rosalyn.

— Por quê? Pretende brigar com ela por ter me tirado de casa? —
Fiz uma careta. — A culpa não é dela, Miguel, eu também quis vir.

Ele deu uma risadinha.

— Não é nada disso — garantiu. — Só quero avisar sobre suas


compras e mudar algumas rotas para quando voltarem para casa.

— Está certo!

Quando saí sem prestar atenção, não percebi que alguém se


aproximava, apenas quando senti uma mão cobrindo minha boca, me
impedindo de gritar.

Ainda tinha o Miguel na ligação do telefone, quando ele começou a


me chamar, percebendo haver algo de errado.

O odor forte de almíscar que tomou conta das minhas narinas me


fez enjoar. Não foi por conta da gravidez, mas pelo pavor que invadiu
cada célula do meu corpo ao saber que era o perfume da loção que
Juárez sempre usou.
— Fica quietinha, irmãzinha — sussurrou próximo ao meu ouvido,
apertando meu rosto enquanto cobria minha boca.

— Micaela? — Miguel não parava de me chamar, pois eu segurava


o telefone apontando a câmera para o chão.

Juárez, ao ouvir, arrancou o telefone da minha mão e riu de um


jeito maldoso.

— Você perdeu, seu hijo de puta! — rosnou, olhando para câmera,


em seguida, desligou a chamada, descartando o celular em qualquer
canto.

Por um instante, pude ver o olhar assassino de Miguel, misturado


ao seu desespero.

— O-o que vo-você quer, Juárez? — perguntei, me engasgando


com a mão dele cobrindo minha boca parcialmente.

— Eu tenho que sair do país e você será meu passaporte, sua


putinha — rugiu, me arrastando para fora da sessão de provadores. —
Pensa que não ouvi você? Além de dar a boceta para aquele vagabundo,
ainda se deixa engravidar dele? — Apontou uma arma para minha
barriga, me deixando apavorada com a possibilidade de ele fazer mal ao
meu bebê.

— Deixe-me ir, Juárez — pedi, choramingando, apertando o ventre


com uma das mãos — não sirvo mais para você agora que não sou mais
pura, e ainda estou grávida — tentei argumentar, mas não teve jeito.

— Micaela, você não é tão estúpida. Um pouco distraída, mas não


estúpida — sibilou com impaciência, me levando para o meio da loja,
chamando a atenção de todos. — Assim que deixarmos este lugar, vou
tirar isso de você e vamos embora para outro país — concluiu, para meu
desespero, lambendo meu pescoço.

Tive que me controlar ao máximo para não vomitar em cima dele.

Ao chegarmos no meio da loja percebi que não tinha ninguém, que


estávamos sozinhos. Era como se, ao perceber a situação tensa, a loja
tivesse sido evacuada às pressas. Sem funcionários, sem clientes.
Ninguém.

Chorei, com medo do que poderia acontecer com meu bebê.

— Melhor baixar a arma, Juárez — ouvi minha prima, mas não


sabia de onde vinha, pois não a via em lugar nenhum.

Olhei para fora da loja, pois as vitrines de vidro transparente me


permitiam ter uma visão clara do que estava acontecendo fora dela.
Havia uma parede de seguranças, todos eles com as armas apontadas
para o interior da loja.

— Que vantagem você pensa que tem para falar isso, sua
vagabunda? — Juárez questionou, dando uma olhada em todos os
lugares, enquanto caminhávamos em direção à saída. — Eu vou sair
daqui. Se me seguirem, Micaela e o que ela carrega morrem.

— Você pode se render de modo digno, ou morrer como um


covarde — exclamou minha prima, com raiva. Nesse instante, segui o
som da sua voz e a encontrei atrás de um expositor, escondida entre os
tecidos.

— Eu não sou covarde, sou um sobrevivente — Juárez disse com


triunfo.
— Logo toda a polícia de San Diego estará aqui, seu imbecil —
sibilou ela. — Acha mesmo que vai conseguir escapar? — Riu da cara
dele. O que o deixou irritado.

Ele me puxava pelo lugar, apertava minha garganta com uma das
mãos e, na outra, mantinha uma arma apontada para meu estômago.
Passamos por diversos racks de roupas; aproveitei para pegar um
cabide, que era pontiagudo e de aço. Juárez nem se deu conta, pois
estava mais concentrado em encontrar minha prima.

Ao olhar novamente para fora da loja, percebi haver muitos agentes


do FBI; meus seguranças estavam misturados entre as pessoas do
shopping.

Meu coração ficou na garganta quando vi Miguel tentando passar


pelos policiais.

Não fui a única a assistir à cena, Juárez também, e começou a dar


risada, se divertindo.

Neste exato momento, o miserável tentou enfiar aquela mão


imunda por baixo do meu vestido, para provocar o Miguel. E isso foi a
gota d’água.

Vi de canto um dos meus seguranças chegar como um gato,


andando devagar e sem fazer barulho. Juárez estava tão concentrado
em provocar o Miguel que não percebeu a aproximação do segurança de
um lado e da minha prima do outro.

Aproveitei-me de seu descuido — sabendo que, se errasse, pelo


menos meu segurança e minha prima teriam tempo de agir — e enfiei o
cabide que peguei em seu olho, sentindo quando o metal penetrou a
cavidade ocular, espirrando sangue para todos os lados.
Tomado de surpresa, Juárez gritou de dor ao arrancar aquilo do
rosto. Meu segurança disparou contra a perna dele no exato momento
em que ele se aproximou, cambaleando, com a intenção de me ferir. Vi
minha prima fazer um gesto negativo para o homem quando percebeu
que o próximo tiro seria na cabeça, então ele desistiu.

Todos os policiais e Miguel invadiram a loja para render Juárez.

— Meu amor! — Miguel veio na minha direção me puxando para


seus braços. Ele estava tão apavorado quanto eu.

Ali, no aconchego do abraço do meu protetor, eu desabei,


deixando-me levar pelas lágrimas.

— Estou aqui, querida, estou aqui — disse, me abraçando e


beijando minha cabeça diversas vezes.

— Leve-a para longe daqui, Miguel — pediu Rosalyn. — Depois


pegamos o depoimento dela, na minha casa mesmo — avisou. — E...
Miguel? — pronunciou em voz baixa, apenas para que ele escutasse: —
Quando esse porco for transferido, eu passo a rota e ele será todo seu.

Ele confirmou apenas com um gesto de cabeça, demonstrando


confiança. Era notório que o cartel do Angel Herrera não deixaria o
Juárez escapar, nem ao menos para que morresse na cadeia.

Ele pagaria nas regras do cartel.


Horas depois
Ainda estava tremendo, imerso no pânico que me dominou desde
que tudo isso aconteceu.

Enquanto contemplava minha garota dormindo na cama, só me


ocorria o desejo de protegê-la do mundo, de mantê-la a salvo de todos
os riscos que nos cercavam e sempre nos cercariam. Na vida que escolhi
para viver, haveria sempre alguém para impedir que fôssemos felizes.

Dessa vez foi Juárez, mas qual seria o próximo?

Sequei a única lágrima que caiu pelo meu rosto, odiando-me por,
mais uma vez, não ter conseguido ser o bastante para Micaela. Sentir-
me tão incapaz assim era doloroso.

Quando cheguei na loja horas atrás e vi ela sendo mantida refém


por aquele canalha, meu coração quase saltou pela boca. Desejei
morrer.

Gritar.
Matar.

A ideia de vê-la machucada fez com que eu me sentisse


profundamente ferido. Ela e nosso bebê eram meus maiores tesouros.
Sem eles, ficava vazio.

— Me desculpe, querida — sussurrei, me inclinando para beijar seu


rosto.

Já fazia um bom tempo que havia terminado de depor, mas tudo


isso foi cansativo demais para ela, e acabou pegando no sono.
Estávamos na nossa casa, em Tijuana.

Deixei tudo para ficar com ela. Cuidar da minha garota era tudo o
que importava.

— Não foi sua culpa — soprou de volta, pegando-me desprevenido,


porque pensei que estivesse dormindo. — Já disse para você não se
culpar pelas coisas que não estão sob seu controle.

Fiz uma careta.

— É mais forte do que eu — falei, brincando com seus cabelos. —


Fico imaginando o que faria se já estivesse longe da cidade quando tudo
aconteceu — disse, sentindo o desespero me dominar. Por sorte, Angel e
eu tivemos que antecipar algumas reuniões com traficantes, visto que
ficaríamos fora nos próximos dias. — Micaela, prometi que lhe daria o
mundo, que a manteria segura de tudo que pudesse lhe causar dano.

— Mas o meu mundo é você, não percebe? — rebateu, tocando


meu rosto. — Você e nosso bebê.

Segurei sua mão, que estava em meu rosto, e beijei com carinho.
Não havia dúvidas de que eu daria minha vida por eles. Os dois se
tornaram o propósito da minha existência.

— Vem, deita aqui comigo — pediu, se arrastando no colchão para


abrir espaço ao seu lado, embaixo das cobertas. — Quero sentir seu
cheiro mais de perto.

Retirei a jaqueta e os sapatos e, logo depois, me deitei entre as


cobertas. Levantei o braço para que Micaela pudesse se aninhar em
cima do meu peito. Beijei sua cabeça perfumada.

— Há tempos, li uma triste lenda chinesa que me fez refletir —


disse ela, dando um leve bocejo.

— Por que ficou reflexiva?

— Porque percebi que as coisas acontecem quando devem


acontecer, compreende? Não adianta se debater nem se culpar quando
os planos não saem como o esperado.

Não falei nada. Continuei massageando seus cabelos.

— Você quer ouvir a lenda?

Franzi o cenho, pensativo.

— Mas você disse que é trágica. Não quero saber de nada triste!

Ela riu, aquecendo meu coração. Era o melhor som do mundo.

Eu faria qualquer coisa para ouvir o seu riso.

— Mas vale a pena ouvir — repetiu, com insistência. Como eu não


disse nem que sim, nem que não, ela interpretou que poderia prosseguir.
— A lenda gira em torno de dois jovens, Zhi Nu e Niu Lang.
— Uhum... — resmunguei, demonstrando interesse na história.

— Zhi Nu era uma deusa, famosa por suas habilidades de tecelã.


Quando veio ao mundo mortal, conheceu o fazendeiro chamado Niu
Lang. Ela foi trazida por um boi que tinha sido salvo por Niu Lang e,
como forma de gratidão, convidou a deusa para vir à Terra. Os dois se
apaixonaram, casaram e tiveram dois filhos, uma menina e um menino,
durante o período que permaneceram juntos.

Continuei em silêncio, apenas ouvindo a história.

— Todavia, a rainha-mãe do céu ficou furiosa quando descobriu a


união da filha com um mortal, e a tirou do mundo com a ajuda de
soldados celestiais.

— Sempre tem um infeliz para atrapalhar a alegria dos outros —


comentei, fazendo Micaela rir.

— Retornando ao céu, seu lar anterior, Zhi Nu deixou Niu Lang


aflito na Terra — Apesar da risada, ela prosseguiu com a narrativa. — No
entanto, o velho boi que ele tinha resgatado tempo antes se revelou, na
verdade, um deus ferido que habitava o mundo mortal desde então.

— Uau! Agora está ficando interessante — falei, com diversão,


recebendo um leve tapa dela. — Ai! — Me encolhi, entre risos.

— Então o boi, que, na verdade, era um deus, deu sua vida ao


fazendeiro, pois, com a pele de seu corpo, Niu Lang poderia fazer
sapatos que lhe permitiriam flutuar até o céu e reencontrar Zhi Nu — fez
uma pausa, como se quisesse ter a garantia de que eu estava ouvindo
atentamente. — Quando o boi morreu, Niu Lang cumpriu a ordem, mas
não teve sucesso ao tentar encontrar Zhi Nu com os dois filhos, pois a
rainha-mãe usou um grampo de seus cabelos para formar um rio de
estrelas que se transformou na Via-Láctea, o que separou os dois
amantes para sempre. Seus gritos de agonia atingiram os pássaros que,
então, resolveram criar uma ponte para que o casal pudesse se
reencontrar do outro lado do rio.

— Já estou ficando triste com essa história, Micaela — reclamei,


novamente ouvindo sua risadinha.

Aninhou-se melhor a mim, beijando meu peito.

— A rainha-mãe, admirada pelo esforço dos animais, pelo amor da


filha e do fazendeiro, concordou em permitir que o casal se encontrasse
uma noite por ano no Qixi, a sétima noite do sétimo mês do calendário
lunar chinês. Desde então, ele se tornou o dia que celebra a existência
do amor verdadeiro.

— Não suportaria te ver somente uma vez por ano — reclamei,


mantendo-a mais perto de mim. — Seria uma tortura. — A beijei,
angustiado com a possibilidade de não a ter. — Não compreendi o
significado dessa lenda.

Ela se mexeu nos meus braços para poder olhar nos meus olhos.

— Quer dizer que, sem importar as circunstâncias, ninguém tem o


poder de impedir o amor das pessoas — declarou. — Nenhum de nós é
culpado pelo que o outro faz, nem pelas consequências que isso traz
para nossa relação.

Passei a mão pelo seu rosto perfeito, fascinado pela beleza de


seus traços e pela suavidade da sua pele.

Apaixonado.

Era como amá-la um pouquinho mais a cada dia.


— Lamento pelo casal da história, mas eu nunca permitiria que
nada nos impedisse de estar um com o outro — falei com fervor. —
Cortaria quantas cabeças precisasse, querida.

Deitei-me sobre ela, protegendo-a com meu corpo, com cuidado,


admirando seu sorriso largo.

— Seu romantismo me impressiona — disse com diversão na voz.

Beijei seus lábios com carinho.

— Pode tentar me enganar, mas sei que aprecia esse meu lado
ogro.

Seu riso ecoou pelo quarto e me aqueceu.

Ajoelhei-me, ficando na altura da sua barriga, e beijei o ventre liso,


emocionado com a certeza de que nosso bebê estava crescendo ali.

— Se realmente existe um Deus, sei que te escolheu para ser meu


e sei que Ele acertou nisso — declarei, emocionado. — Você será o
bebê mais amado do mundo! — Beijei novamente o ventre, ouvindo os
soluços da Micaela.

Pairei sobre seu rosto.

— Tão sensível, minha pequeña... — passei os dedos pelas suas


bochechas, limpando as lágrimas.

Beijei-a, sabendo que, a partir daquele instante, poderíamos nos


sentir mais tranquilos.

Não muito, claro, tendo em vista que Juárez ainda estava vivo.
Mas eu sabia que era só uma questão de tempo até Rosalyn
entregá-lo para nós.
Como prometido, Rosalyn nos avisou quando Juárez seria
transferido para um presídio de segurança máxima — para aguardar
julgamento e ser extraditado para o México —, onde, inevitavelmente,
seria condenado à prisão perpétua pelos crimes que cometeu, incluindo
o genocídio da família da Micaela.

Como agente federal, ela não poderia intervir, muito menos


associar seu nome à nossa organização. O problema era que ela não
suportava ver o assassino de seu pai escapar impune com o respaldo da
lei. Porque, para o que ele merecia, ficar preso seria o paraíso eterno.

Não poderíamos permitir tal situação... aquele canalha não ia


escapar ileso das consequências das suas ações.

Por isso, nos unimos a outras organizações — apenas por um dia


— para interceptar os carros que fariam a escolta daquele bastardo, e
pegá-lo. Em seguida, levaríamos o infeliz para o depósito que usávamos
para brincar com os hóspedes que caíam nas nossas mãos.

— Você está confortável? — Angel questionou, com ironia, já que o


maldito se encontrava nu, amarrado como um animal, jogado no chão
sujo e duro.
Ri, sentindo meus olhos brilharem com a cena à minha frente.

— Se quisesse me ver sem roupa, bastava dizer, seu merda —


respondeu Juárez, rindo, mas seu nervosismo era perceptível.

Ele tinha razão de estar com medo.

Eu estava apoiado perto da porta, apenas olhando em silêncio.


Pensei que, quando o capturássemos, eu iria desejar escalpelá-lo,
esquartejá-lo..., mas, naquele instante, percebi que não valia a pena o
trabalho.

E a surpresa que Angel tinha reservado para ele seria muito mais
satisfatória.

Nos últimos quinze dias — tempo em que ele esteve sob a custódia
do FBI — descobrimos diversas outras barbaridades que este sujeito fez,
cada uma pior que a anterior. Ele durou mais do que esperávamos no
submundo do crime.

Então, procuramos cada um dos outros líderes de organizações


criminosas com quem Juárez se envolveu, seja atrapalhando os
negócios, estuprando a filha de um parente de outro, roubando, traindo,
enfim... a lista era enorme. Um grande rolo de papel higiênico, porque
esse porco só fez merda na vida dele.

— Você pode ter certeza de que eu não desejaria, nem de longe,


ver seu pau imundo — Angel respondeu à sua provocação jogando um
copo de água gelada nele. — Alguns amigos foram convidados para a
festa de hoje — uma pausa dramática se seguiu, enquanto ele se divertia
—, mas, antes da chegada deles, tenho umas perguntas para você.
— E por que pensa que vou responder, ¿Hijo de puta? — rosnou
com arrogância, mesmo não estando em posição para isso.

Seu rosto estava todo machucado, desde o instante em que o


pegamos e ele tentou fugir. Nessa oportunidade, aproveitei para me
vingar um pouco, descontando tudo o que Micaela passou nas mãos
dele.

No entanto, eu sabia que o FBI também tinha seus próprios


métodos para interrogar os prisioneiros, e não eram nada amigáveis.

— Porque você sempre age como um palhaço que adora ser o


centro das atenções — respondi, incapaz de me conter. — Acreditou que
aquele show no shopping seria seu gran finale. — Mostrei os dentes,
odiando as lembranças daquele infeliz dia.

Duas semanas se passaram, mas parecia que tinha sido há poucos


minutos. A dor da impotência ainda me atingia com força.

— O que você quer saber? — rugiu a pergunta, mas olhando para


mim. Seu alvo era eu.

Eu que o enganei.

— Você poderia ter fugido quando teve a oportunidade. Mas


cometeu a estupidez de voltar e tentar se aproximar da mulher do meu
cunhado, em plena luz do dia e num shopping superlotado. Por quê?
Isso não faz o menor sentido. — Angel sacudiu a cabeça, espantado
com aquilo. — Micaela estava rodeada por seguranças, incluindo a
prima, que é uma agente do FBI.

Era algo a se questionar, pois não tinha lógica ele ter se arriscado
tanto. A única explicação plausível era sua obsessão pela minha garota.
— Aquela vagabunda era minha — vociferou, com os olhos
ensandecidos. — Criei-a desde pequena, esperei que amadurecesse,
porque, segundo os mais conservadores, seria errado comer uma boceta
infantil — disse, fitando-me com escárnio. Estava me provocando, eu
sabia disso. — Ela não tinha o direito de ceder o que era meu para outro
homem. — Cuspiu no chão depois que terminou de falar.

— Micaela nunca foi sua — sibilei com raiva, tentando me manter


calmo. Não podia colocar tudo a perder. — Apenas nessa sua cabeça
pervertida, seu doente do caralho!

— Tenho pelo menos uma coisa e isso nunca será alterado —


disse, divertido, me fitando nos olhos. — Foi meu pau que aquelas
mãozinhas pegaram primeiro — rangi os dentes, enlouquecido —, e foi
minha boca que chupou aquela bocetinha virgem e mamou os peitinhos
da Micaela primeiro. — Tive a intenção de chegar até ele, mas fui
impedido pelo Angel, que se postou diante de mim para que eu não
atrapalhasse o plano.

— Ele só está tentando te provocar, Miguel — afirmou. — Sabe que


está ferrado, e quer ter uma morte rápida.

Fiquei com os punhos cerrados ao lado do corpo, sabendo que ele


estava certo. Levou tudo de mim para não meter uma maldita bala na
cabeça daquele infeliz. Não... ele deveria sofrer por cada ação repulsiva,
por cada momento perturbador que causou à Micaela, sem o mínimo
remorso.

— E eu tenho algo que você nunca terá... — respondi, me virando


para sair dali logo. Não aguentava mais olhar para esse merda. — Faço
isso diariamente e, enquanto a satisfaço, ela diz que me ama e grita meu
nome durante o clímax. Não, chorando de asco, porque está sendo
obrigada.

— SEU MALDITO, FILHO DA PUTA! — gritou, tentando se


levantar, mas caiu por estar amarrado.

Fui para uma sala que havia no depósito para aguardar enquanto
um representante de cada organização criminosa, com quem o idiota se
meteu, entrasse para cobrar dele.

Momentos depois, Angel entrou na sala também e foi até a janela.


Preparei duas doses de uísque para nós. Meu cunhado permaneceu
parado, observando a cena, se regozijando com os gritos do miserável
que podia ser ouvido de onde estávamos.

— Isso servirá de aviso para quem tentar nos enfrentar — declarou,


tirando os olhos da cena de tortura, brincando com o gelo no copo de
uísque que segurava.

— Concordo. — Aproximei-me dele e olhei para o lugar também.

Dois homens estavam saindo, mas os berros do Juárez


permaneceram. Era um inimigo atrás do outro, impacientes, querendo se
vingar pelas merdas que o infeliz fez nos últimos anos.

Seus gritos soavam como música para mim.


Após horas exaustivas de berros, suas lamúrias foram cessando,
mas sabíamos que não estava morto. Ficou acordado com os outros
líderes que não seria permitido matar, pois essa seria uma tarefa
somente nossa.

Quando o último homem foi embora, Angel disse que também


estava indo. Mandou que eu cuidasse da viagem do Juárez para o
inferno da maneira que eu julgasse ser a melhor.

Fui até o lugar onde o maldito estava. Não consegui esconder o


sorriso que se formou nos meus lábios quando vi o que havia restado
dele. Despedaçado, escalpelado, rasgado, todo arregaçado, mas ainda
vivo.

Olhei com asco para aquele pedaço de carne apodrecida.

— Você está um lixo — decretei, com os lábios retorcidos.

Ele mal conseguia abrir os olhos. Eu sabia que estava vivo, porque
podia ouvir sua respiração ofegante e baixa.

Peguei um galão de combustível e espalhei o líquido pelo


ambiente, especialmente, nas áreas com mais marcas de sangue. Joguei
o que sobrou do galão sobre ele, deixando seu corpo encharcado de
gasolina.

Ao término, passei a camisa pelo rosto, tirando o suor. Na verdade,


estava enjoado com todo aquele fedor de vômito, sangue e fezes.

Acendi um cigarro, tragando-o lentamente. Fiquei em silêncio por


alguns segundos, analisando o cenário ao meu redor, focando na figura
que tanto me perturbou nas últimas semanas.
— E esse será seu fim, bastardo do caralho! — Joguei a bituca
acesa no chão.

O fogo se propagou de forma rápida, incendiando o lugar e


apagando qualquer evidência do que havia ocorrido ali, para que não
houvesse nenhum vestígio.

Entrei no veículo, dei a partida e segui para minha casa. Para


Micaela.

A sensação de paz preenchia meu peito.

Enfim, minha pequeña estava livre.


Meses depois
Ansioso. Nervoso. Muito nervoso. Na verdade, eu estava a ponto
de desabar ali mesmo, naquela sala de espera. Desde o momento que
Micaela começou o trabalho de parto que eu me sentia mais velho a
cada segundo de tanta ansiedade que estava sentindo.

Vê-la sofrendo de dor acabava comigo. Era difícil suportar.

Apesar da felicidade de, finalmente, termos a oportunidade de


conhecer nossa filhinha, eu desejava pular essa fase do sofrimento.
Apenas no sétimo mês de gestação que descobrimos que Micaela
esperava uma menina. Assim como a mãe, a filha também era tímida.

A pequena Melanie nasceria como a princesa que era e, eu poderia


dizer, com toda a propriedade, que as duas, mãe e filha, me tinham
enrolado em seus dedinhos mindinhos.

— Por que não está com a sua mulher, lá dentro? — Angel


questionou ao adentrar na sala de espera com a Lis.
Minha irmã fez uma careta clássica ao ver Rosalyn ali, à espera de
notícias, assim como eu. Mas ambas se mantiveram caladas, não se
cumprimentaram, mas também não se atacaram.

— Faz tempo que ela entrou? — Lis perguntou.

— Não muito — respondi, andando de um lado ao outro. — Nós


estávamos no restaurante quando a bolsa dela estourou e viemos direto
para cá — respondi, olhando para a porta por onde entraram com ela.

— Senhor Miguel Pérez? — A enfermeira surgiu, chamando meu


nome.

— Sou eu — falei, me aproximando com ansiedade.

— A obstetra pediu para lhe chamar — disse. — A senhora Micaela


já está com a dilatação completa e o senhor poderá acompanhar o
nascimento do bebê, se desejar.

Olhei ao meu redor, apavorado, sem ter ideia do que fazer ou


pensar. Claro que tinha vontade de assistir ao parto, mas, ao mesmo
tempo, não sabia se seria uma boa ideia.

Aterrorizado era o sentimento que me consumia naquele instante.

Eu, que passei por diversas situações aterrorizantes, quase morri


várias vezes, nunca me senti tão amedrontado quanto naquele momento.
Era uma sensação inexplicável.

Enxuguei o suor das mãos na calça jeans, engoli em seco e entrei


com a enfermeira.

Apesar de estar um completo caos por dentro, me recompus.


Precisava parecer forte para ajudar minha garota.
— Miguel! — Quando me viu entrando na sala, Micaela estendeu a
mão para segurar a minha. Ela já estava deitada na maca, com aquelas
camisolas de hospital.

Tive vontade de ficar ao seu lado, mas as enfermeiras estavam


presentes, dando assistência. Fiquei, então, acima de sua cabeça,
segurando sua mão e beijando sua testa úmida.

— Estou aqui, querida — sussurrei com os olhos nos seus. — Você


não está sozinha, estou aqui com você.

Ela gritou de dor, contorcendo-se na maca. Suas pernas estavam


abertas, e a médica se posicionou na frente, como se fosse uma
espectadora. Eu até poderia ser forte e temido, mas não tinha coragem
de assistir. A ideia de ver todo aquele sangue saindo do corpo da mulher
que amava, me deixava gelado.

— Hora de fazer força, mãe — pediu a médica. — Sua garotinha


está ansiosa para vir ao mundo.

Espalmei as mãos nos ombros da Micaela quando ela se levantou


para fazer força, apesar da dor. Ofereci meus braços para que ela se
apoiasse.

— Merda! — exclamou ela, choramingando. — Dói demais. —


Tombou na maca, exausta.

— Aguenta só mais um pouquinho, querida — soprou a médica, de


modo carinhoso. — Já estou conseguindo ver o cabelinho da sua filha.

Micaela se sentiu revigorada ao ouvir essas palavras e se levantou


novamente.

— Empurra — pediu a médica. — Mais um pouco.


De repente, ouvimos o som mais encantador do mundo, o choro
agudo da nossa filha.

Meus olhos já estavam úmidos e eu não conseguia tirar os olhos


daquela criaturinha que gritava nos braços da médica.

Melanie foi, então, colocada nos braços da mãe, que a esperava


com ansiedade.

— Ela é muito linda — disse baixinho, acariciando os cabelos da


nossa filha. — Tem os seus olhos — fixou-me, emocionada.

— Sim, ela é perfeita — declarei, apaixonado nas duas mulheres


da minha vida. — Obrigado, querida — falei deixando as lágrimas
caírem, emocionado —, por me fazer o homem mais feliz desse mundo.
— Beijei seus lábios devagar, um beijo puro, mas que carregava muitas
promessas.

— Acho que ela tem o mesmo semblante fechado do pai — minha


irmã fazia caretas para o bebê através do vidro da sala do berçário. —
Nunca vi um bebê tão bravo assim.

Todos riram, inclusive Rosalyn, que só tinha ido lá conhecer a


menina, mas logo teria que seguir para seu trabalho. Tudo indicava que
ela havia recebido outra missão.

— Ela não está carrancuda, Lis — falei, tentando defender minha


filha. Coloquei-a no meu colo de forma que eles, do lado de fora da sala,
pudessem vê-la melhor. — Acho que ela não está nem um pouco
satisfeita por deixar o ventre da mãe. Está revoltada. — Eu disse,
arrancando risadas.

— Faz sentido — murmurou Angel, maravilhado pela minha filha,


que era a criaturinha mais linda do mundo.

— Tão pequena — disse Yolanda, com ternura nos olhos. — Estou


ansiosa para mimar essa garotinha.

— Vou protegê-la, tio, para sempre — prometeu Santino, com um


grande sorriso no rosto.

As palavras foram pronunciadas de forma confusa, mas


conseguimos interpretar. Seu rosto estava apertado contra o vidro,
enquanto observava a prima — de estimação — quase hipnotizado.

— Eu sei que vai, Tino — afirmei, sorrindo para ele. — Melanie


será sua protegida.

UM MÊS DEPOIS
— Ela dormiu? — Me assustei com a voz baixa da Micaela, atrás
de mim.

Tinha acabado de colocar nossa filha no berço.

— Sim, — falei. — Ao menos, ficou do jeito que eu a coloquei. Não


parece que esteja me enganando dessa vez.

Micaela riu, se aproximando.

— Sabe o que é isso? — inquiriu, rodeando minha cintura com


seus braços, enquanto eu ainda permanecia de costas. — Isto é uma
consequência do modo como você a mima.

Franzi o cenho.

— Eu não faço isso.

Voltou a rir.

— Você a mantém no colo o tempo todo, Miguel — disse ela. —


Tudo que faz, está com essa menina nos braços.

Inspirei profundamente, girando o corpo para ficar na frente dela.

— Não é minha culpa se vocês duas me deixam abobalhado —


falei na tentativa de me defender, mas isso só fez aumentar sua risada.
Aproveitei para dar um beijinho no seu queixo. — Sabe do que acabei de
me lembrar?

— Hum? — Comecei a beijar seu pescoço e notei sua pele se


arrepiar. Ela já estava totalmente entregue.

— Hoje termina o período de resguardo — disse, dando um


impulso no seu corpo e caminhando com ela nos braços para fora do
quarto da Melanie. — Sabe o que isso significa?

Ela deu uma risadinha safada.

— Significa que você pretende me fazer ver estrelas?

— Pode apostar, querida.

Ao chegar no quarto, joguei-a na cama, tirando minha camiseta,


bermuda e cueca. Micaela fez o mesmo com suas próprias roupas,
parecendo tão desesperada quanto eu.
Meus olhos se fixaram em sua boceta reluzente, deslumbrado por
encontrá-la lisa. Não consegui conter à vontade e dei um beijo úmido, de
baixo para cima. Micaela se retorcia, puxando meus cabelos.

— Oh, Miguel... — remexeu-se sob minhas mãos experientes.

Apesar de estar desesperado para fodê-la, eu me concentrei em


fazê-la gozar na minha boca. Agarrei suas coxas e a puxei para o meio
da cama. Minha língua deslizava pelas suas dobras úmidas, saboreando
tudo que podia. Enfiei um dedo, seguido de outro e mais outro, enquanto
continuava com minha língua faminta.

Coloquei a mão em sua boca para silenciá-la quando ela começou


a gritar demais.

— Por mais que seus gemidos sejam apreciáveis, não posso


permitir que acorde a pequena barulhenta. — Rimos com minhas
palavras.

Saí da cama, ao som dos resmungos da Micaela.

— Eu sei que não gozou — falei, pegando uma camisinha. Não


podia correr o risco de ela ficar grávida novamente. — Mas você vai
gozar no meu pau — avisei, voltando a me perder nela.

Meus beijos voltaram para sua boceta, subindo devagar pela sua
barriga e seios, onde beijei por cima, ignorando os mamilos. Apesar de
ter vontade de chupá-los, respeitaria o alimento da nossa filha.

— Miguel!

Afastei suas pernas com as minhas.


— Ah, eu sei... — peguei meu pau e o pressionei na sua entrada
escorregadia, movimentando-o para cima e para baixo no seu clitóris. —
Também quero estar dentro de você.

Micaela me puxou para beijá-la com ardor, enquanto se curvava


para mim, desejando um contato mais intenso.

Sem querer continuar com aquela tortura, a penetrei de uma vez,


fazendo nós dois gemermos. Devido à lubrificação, a invasão foi
tranquila.

Gememos um, na boca do outro.

— Puta que pariu! — xinguei, buscando me concentrar para não


gozar. — Estou me sentindo como a porra de um virgem de novo,
prestes a gozar.

Ela riu, rebolando o quadril, arrancando-me um rosnado de puro


tesão.

— Não vou aguentar muito tempo se continuar rebolando assim,


amor — soprei em seus lábios.

Levei uma das mãos para baixo, entre nós dois, para pressionar
seu clitóris.

— Hmm... — grunhiu, cravando as unhas nas minhas costas,


perdida em sua própria névoa de prazer.

— Vai gozar? — perguntei, ofegante.

— Si-sim — gaguejou.

Então, acelerei os movimentos, tirando e colocando meu pau até o


talo, alucinado com a visão.
Minha.

Minha, porra!

Micaela fechou os olhos, tremendo violentamente quando os


espasmos do orgasmo a tomaram.

— Abre o olho e me olha, caralho! — ordenei, com um rosnado,


percebendo quando ela me obedeceu. — Olha para o único homem que
te come como você gosta.

Como se minha fala tivesse sido um gatilho, Micaela mordeu meu


ombro para não gemer escandalosamente. Suas paredes pélvicas
apertaram meu pau com tanta força que foi impossível controlar meu
próprio orgasmo.

Desesperado, joguei a cabeça para trás, esporrando dentro dela


com vontade.

Caí do lado, trêmulo, mas sem me afastar da Micaela, no colchão.

Eu precisava dela.

Do seu cheiro.

Do calor de sua pele na minha.

— Senti falta disso — soprou ela, beijando meu peito.

— Também senti. — Beijei sua cabeça, cheirando seus cabelos. —


Nem acredito que fiquei tanto tempo sem sentir sua boceta no meu pau.

— Céus! Você é tão desbocado, Miguel!

Dei risada, apertando-a contra mim.


— Não finja que não gosta — murmurei, entre risos.

Ficamos de lado, com os olhos fixos um no outro. A neblina do


desejo ainda flutuava entre nós.

— Eu ainda estou com vontade de você — disse, com a voz


carregada de tesão.

— Está com vontade do meu pau? — Voltei a cobri-la com meu


corpo.

— Sim, — soprou, gemendo conforme eu me esfregava nela.

— Você está com sorte, pois estou aqui para lhe servir, querida —
soprei em seu ouvido. — Meu pau é todo seu hoje... e sempre.

Gemeu, abraçando minha cintura com suas pernas.

A noite estava apenas começando.


DOIS ANOS DEPOIS
Me olhei no espelho, apaixonada pelo meu vestido.

Meu momento finalmente chegou. Era hora de me casar com o


amor da minha vida.

— Jesus! Você está tão linda, meu bem — afirmou minha sogra,
me encarando com olhos brilhantes. Minha relação com ela e seu marido
era maravilhosa, eu me sentia como uma verdadeira filha para eles. —
Miguel não vai ter olhos para mais ninguém. — Sorriu, encantada,
enquanto ajeitava algo no meu vestido.

— ¡Dios mío! Você está belíssima, querida — disse a tia Yolanda,


entrando no quarto adjacente à capela, onde eu estava me preparando.
— Rosalyn se desculpou, mas não teve permissão para voltar para casa
a tempo do casamento — explicou, nitidamente contrariada.

— Ela está trabalhando, tia, eu entendo — falei, sorrindo. — É o


trabalho dela.
— Micaela, você está parecendo uma verdadeira princesa de conto
de fadas — Lis comentou, entrando no quarto também. Seus olhos
pareciam brilhar ao me olhar.

Embora ainda não tivesse perdoado a Rosalyn pelo episódio em


que minha prima tentou capturar o Angel, Lis se dava muito bem com
minha tia.

Pedi para Angel me acompanhar até o altar. Na hora em que pedi,


ele ficou calado, me olhando por um tempo como se estivesse
compreendendo o que eu estava pedindo. Ficou emocionado, apesar de
ter um jeito fechado. No final, concordou em me entregar para o Miguel.

Desde o pedido de casamento, anos atrás, enfrentamos muitas


reviravoltas, que nos impediu de realizar a cerimônia. Primeiro, ainda
estávamos tendo problemas com Juárez, depois fiquei grávida e, logo
após, iniciei minha graduação em gastronomia. Tendo estudado sempre
com professores particulares em casa, pude cursar uma universidade de
forma direta.

Eu amava qualquer coisa que tivesse a ver com comida. E tinha um


noivo que me apoiava a realizar todos os meus sonhos.

Sobre o cartel da minha família, decidimos que seria melhor


desmanchá-lo completamente. Não fazia sentido permanecermos com
ele, uma vez que Juárez só criou inimizades ao longo da sua liderança. E
eu só queria esquecer aquele período e focar na minha nova realidade.

Com isso, fomos adiando o casamento para mais tarde e mais


tarde e mais tarde… 

Mas o dia, enfim, chegou.


— Vamos, garotas? — Pietro chamou, ficando somente com a
cabeça na porta.

Ele me protegia como um irmão mais velho, além do que era pago
para fazer, sendo assim, um grande segurança pessoal. Logo que se
curou do ombro, voltou ao seu cargo.

Respirei fundo, sentindo o nervosismo me dominar.

— Está muito cheio? — perguntei, com a voz trêmula.

Pietro fez uma careta divertida.

— Não muito. — Entrou na sala, fitando-me com olhos ternos. —


Miguel não para de se movimentar nem por um segundo; está quase
cavando um buraco no chão daquela capela. — Riu, acompanhado por
nós.

Na realidade, eu só ri por estar nervosa.

— Ok. — Suspirei baixo. — Eu posso fazer isso. — Passei as mãos


no meu vestido, com o coração batendo forte.

— É compreensível que esteja nervosa — disse Lis, segurando


minhas mãos. — No meu casamento, Angel ficou tão nervoso que
desmaiou.

Fiquei com os olhos arregalados, espantada com aquilo.

— Mas foi uma maldade sua, porque na ocasião, você revelou que
estava esperando um bebê, filha — contou minha sogra, entre risadas.

Lis a fitou com diversão.


— Não o defenda, mãe — disse baixinho, simulando estar brava. —
Seu genro é um fraco quando se trata de lidar com suas próprias
emoções.

Achei o momento divertido, mas não diminuiu minha ansiedade.

Após alguns minutos de muitas risadas, saímos da sala; as


meninas me ajudaram com o vestido para que eu pudesse fazer uma
entrada impecável. A cerimônia estava sendo realizada na capela da
mansão da Lis com o Angel, em San Diego.

Minha filha estava adorável, usando um vestido parecido com o


meu. Já o Santino estava de fraque branco. Um verdadeiro espetáculo.

— Está pronta? — Angel inquiriu, estendendo o braço para que eu


o segurasse.

— Não — respondi, deixando que ele envolvesse meu braço no


seu, ao som da sua risada. — Estou muito nervosa.

— Tenho a convicção de que Miguel não olhará para mais ninguém


quando você passar por essa porta. — Apontou.

Sorri, grata pelas palavras de conforto.

Quando a música nupcial iniciou, Santino foi na frente, de mãos


dadas com minha filha, andando devagar para acompanhar os passinhos
dela. Melanie tinha pouco mais de dois anos e meu sobrinho, quase seis.
Ele era paciente com ela de uma forma admirável.

Um pequeno protetor.

No exato momento em que meus olhos se encontraram com


Miguel, no altar, precisei fazer um grande esforço para não desmaiar ali
mesmo. Lindo. Ele estava lindo. Usava um fraque branco, assim como o
do pequeno Santino.

Tudo ao meu redor ficou parado e, naquele momento, nada nem


ninguém era relevante, somente nós dois. O homem que lutou por mim
desde o primeiro encontro, que me salvou de todas as formas, inclusive
de mim mesma. Ficava um pouco mais apaixonada por ele a cada novo
dia.

Quando chegamos à sua frente, Angel me entregou a ele, dando


uma ínfima ameaça sobre o que poderia acontecer se ele não me fizesse
a mulher mais feliz do mundo. Sorri, apesar de a emoção estar aflorando
dentro de mim. Sentir-me amada assim era reconfortante.

— Você está magnífica! — Miguel soprou, tão emocionado quanto


eu. Beijou minha testa, acariciando meu rosto com devoção.

Quando ficamos na frente do reverendo, tentei focar no que o


homem dizia, mas não conseguia tirar os olhos do Miguel.

Nossa história não começou de um jeito convencional, mas isso


não significava que não era bonita. Miguel me libertou. Ele me mostrou o
mundo que existe além das paredes que me sufocavam.

Passei a ver tudo e todos de um modo diferente, porque Miguel me


ensinou que eu poderia sentir, experimentar, cometer erros e acertar.

E ao ouvir o clássico: “Eu vos declaro, marido e mulher”, só


consegui sentir a paz que sempre almejei. Livre, ao lado do homem que
amava.

Eternamente feliz.
Assim que nos beijamos, fui incapaz de esconder o sorriso em
meus lábios. Com os braços ao redor de seu pescoço, Miguel se afastou
para poder me encarar nos olhos.

Podia enxergar a felicidade brilhando em seu olhar, equiparando-se


a minha.

— Enfim, casados! — exclamou, sorrindo lindamente. Aproximou a


boca próxima ao meu ouvido: — Mal posso esperar para fodê-la, senhora
Pérez, e ouvi-la gritar até sua garganta ficar rouca.

— Céus! — Piscar os olhos, meio aturdida. — Você é tão


pervertido. — Esfreguei uma perna na outra, disfarçando minha
excitação.

Suas palavras obscenas sempre me afetavam.

Ele me apertou mais, me escondendo em seus braços, enquanto


as pessoas gritavam ao nosso redor.

— É difícil acreditar que você finalmente se tornou minha.

Sorri, emocionada.

— Sempre fui.

Tocou nossos lábios outra vez.

— Amo você.

— Eu amo mais.

FIM
SANTINO E MELANIE
SANTINO
— Tino?! — Ouvi a Mel me chamar. — Estava te procurando —
disse, enquanto eu a assistia vindo na minha direção.

Era a sua festa de aniversário de quinze anos.

Meus olhos não conseguiram esconder a cobiça quando ela se


aproximou. Linda. Minha princesa estava encantadora, naquele vestido
amarelo, que ressaltava sua pele levemente bronzeada. Os cabelos
compridos foram penteados de uma forma diferente, um penteado mais
elaborado.

— Você não estava dançando? — Entortei os lábios. — Pensei


que estivesse se divertindo bastante com aquele rapaz “engomadinho”
— falei, enciumado, embora tentasse disfarçar.

— Eu estava, mas ele pisou no meu pé — respondeu, fazendo um


muxoxo. — Na realidade, eu nem queria dançar com ele. — Me olhou
nos olhos, ou melhor, me encarou. Era uma das suas características
que eu amava. Melanie era franca, direta, não tinha medo de expressar
seus sentimentos e emoções. — Você desapareceu da festa — deitou a
cabeça para o lado, me olhando —, e fiquei apreensiva. — Fez um
beicinho fofo, mexendo no vestido.

— Lá dentro estava muito abafado — menti, pigarreando —, e eu


precisava respirar um pouco de ar fresco.
Não podia revelar que havia saído, pois estava perto de dar uns
chutes no traseiro do idiota que estava dançando com ela.

Melanie se aproximou mais e segurou meu rosto com as duas


mãos.

— Você mente muito mal, sabia?

Deixei um sorriso escapar. Ela me conhecia bem.

— Ok! — Suspirei baixo. — Não gostei da forma que aquele


imbecil te abraçou, como se fosse seu dono.

— Você sabe que meu coração só pertence a você, hum? —


confessou, ainda segurando meu rosto e olhando minha boca com os
olhos brilhando de uma forma diferente.

Eu a conhecia e estava ciente de que seus sentimentos por mim


haviam mudado.

— Mel... Não diga essas coisas — implorei, nervoso com sua


aproximação. Estava cada vez mais difícil ignorar, agora que o corpo
dela estava se desenvolvendo. — Você sabe que não podemos... —
beijei a palma da sua mão que estava no meu rosto.

— Posso te pedir um presente?

— Peça, minha linda. — Sorri. — Se pudesse, lhe daria o mundo


todo.

— Um beijo — disse no fim. — Quero um beijo seu.

Minha respiração ficou presa no peito. Eu não podia.

— Não posso — respondi, sentindo o gosto amargo. — É errado.


— Tenho quinze anos agora — insistiu para que eu
reconsiderasse. — Você tem dezoito, não é tão velho para mim.

Achei graça, acariciando seu lindo rosto.

— Não posso — repeti, desesperado.

Um beijo dela... era algo que sempre desejei, um beijo que


sempre cuidei para que nenhum outro desse.

Seus olhos desceram, parecendo tristes.

— Então promete que vai me esperar? — pediu de repente,


voltando a me encarar. — Prometa que vai se guardar para mim, assim
como farei por você?

Meu coração batia descontroladamente.

— Sim, — respondi, incapaz de negar o que meu coração


realmente desejava. — Eu prometo.

O gosto do proibido inundou meu peito, me despertando para o


amor da garota que amava desde sempre.

Sabia que seria um terrível sofrimento se decidisse lutar por ela,


mas estava disposto a tudo pelo amor da minha Melanie.

Minha pequena flor.


ANJO ENCONTRADO

SINOPSE
Angel Herrera era conhecido por ser um homem impiedoso e letal
nos negócios. Como chefe do maior cartel do México, não havia limites
para suas ações nem para sua ambição. O que ele queria, ele tomava.

Entretanto, havia uma linha que o mexicano não arriscava ultrapassar, e


esta levava até sua pequena... a garota que roubou seu coração no
instante que o encarou nos olhos.

Lis era seu calcanhar de Aquiles,

Sua Criptonita.

Lis Pérez era uma garota doce, porém, carregava consigo uma
aura sombria, cuja razão, ela não entendia, já que fora criada sob um
teto que, apesar de humilde, continha muito amor.

Ao conhecer Angel, seu mundo todo gira de cabeça para baixo; e,


embora o relacionamento deles seja tão intenso quanto o forte
sentimento que nutrem um pelo outro, os diversos segredos que cercam
a vida dos dois poderão ameaçar esse amor.

O passado sombrio do mexicano retornará para assombrá-lo e,


colocar a vida da sua garota em perigo. Mentiras serão descobertas...
velhas feridas serão abertas. Contudo, Angel fará de tudo para consertar
as coisas.

Nem que tenha que morrer no processo...


CAÇADOR

SINOPSE
Uma única escolha poderia mudar nossas vidas de forma
irreversível?

Ryan Smith  descobriu da pior maneira que péssimas


escolhas, causam consequências caóticas.

Mercenário;

Caça recompensas;

Ex-combatente militar, e agora encarregado de


encontrar Natalie Anderson  — a filha fugitiva de um dos maiores
mafiosos de São Francisco, Estados Unidos —, ele se via afundado
em escuridão.
O plano era um só: procurar, capturar, entregar e receber o
pagamento. No entanto, Natalie não facilitaria as coisas para ele... a
garota jamais entregaria os pontos sem lutar.

Em um jogo de cão e gato, Ryan estava prestes a descobrir


que até o mais experiente caçador poderia se tornar a caça.

E o que Natalie não sabia, é que o verdadeiro caçador se faz


de isca para atrair a presa mais tentadora…
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