Você está na página 1de 12

Corpo, lúdico e lutas: um relato de experiência da educação física no ensino

médio

Moaldecir Freire Domingos Junior1


Célio Fernando Rodrigues da Silva 2
Thales André Garcia Santos3

Resumo
Este recorte de Trabalho de Conclusão de Curso tem como objetivo apresentar uma
possibilidade pedagógica sobre o conteúdo lutas no ensino médio, numa perspectiva
lúdica. As lutas, a partir dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Educação Física,
tornam-se conteúdos para serem tematizados nas aulas de educação física, mas
ainda há um preconceito sobre esse conteúdo ser desenvolvido na escola, uma vez
que são associados à violência, à confusão, por exemplo. A abordagem
fenomenológica nos permitiu perceber as lutas na escola como um fenômeno que
pode ampliar a capacidade de perceber o corpo. Essa abordagem pedagógica
também possibilita a experiência do lúdico, compreendido como a capacidade de
lançar-se na incerteza e no mundo da imaginação. A partir das três aulas realizadas
em uma escola pública, notou-se que essa abordagem pedagógica permitiu
compreender as lutas como uma prática corporal interligada ao contexto social,
promovendo respeitando e valorizando o outro, bem como a apropriação de
movimentos através dos jogos criados junto com os estudantes, que ao final destas
aumentaram seus saberes sobre as lutas. Por fim, percebe-se que a abordagem
fenomenológica proporcionou uma experiência das lutas na escola para o
reconhecimento desse conteúdo como saber relevante na formação dos estudantes.
Palavras-chave: Corpo, Lúdico, Lutas.

Abstract
This cut of Trabalho de Conclusão de Curso aims to present a pedagogical possibility
of content struggles in high school, a playful perspective. The struggles, from the
Curriculum Standards National Physical Education, become content to be thematized
in physical education classes, but there is still a prejudice about this content be
developed in school, since they are associated with violence, confusion, for example.
The phenomenological approach has allowed us to realize the struggles in school as
a phenomenon that can increase the capacity to perceive the body. This pedagogical
approach also enables the playful experience, understood as the ability to throw up in
uncertainty and in the world of imagination. From the three classes held in a public
school, it was noted that this pedagogical approach allows us to understand the
struggles as a corporal practice linked to the social, promoting respecting and valuing
the other, as well as the appropriation of movements through games created with
students that the end of these increased their knowledge about the struggles. Finally,
it is clear that the phenomenological approach provided an experience of struggles in

1 Licenciado em Educação Física e Mestre em Educação pela UFRN. Coordenador e Professor do curso de
Educação Física do Centro Universitário Facex – UNIFACEX. Professor de Educação Física da Prefeitura de
Parnamirim.
2 Licenciado em Educação Física pelo Centro Universitário Facex – UNIFACEX.
3 Licenciado em Educação Física pelo Centro Universitário Facex – UNIFACEX.
school for the recognition of such content as relevant knowledge in the training of
students.
Keywords: Body, playful, struggles.

Corpo, lúdico e lutas: um relato de experiência da educação física no ensino


médio

Introdução
O presente trabalho foi desenvolvido em uma escola estadual situada no Bairro
de Ponta Negra, zona Sul da cidade do Natal/RN, com o intuito de tematizar o
conteúdo lutas e pensar sobre suas possibilidades pedagógicas como prática corporal
para os estudantes do Ensino Médio.
Na referida escola as aulas de lutas eram apenas realizadas levando em
consideração os aspectos conceituais (BRASIL, 2000)4, a saber: história, nome dos
fundadores, nome dos movimentos, regras básicas. Além disso, também era ofertado
aos estudantes apreciar vídeos e filmes sobre esse conteúdo.
Ao ver tal cenário pedagógico com o conteúdo lutas, confirmamos o que
Nascimento e Almeida (2007) aborda sobre esse fenômeno. Os referidos autores
afirmam que a presença das lutas nas escolas é pequena, e, quando existe, é
ministrada por terceiros e desvinculada da componente curricular Educação Física,
em atividades extracurriculares ou por meio de grupos de treinamento. Há duas
justificativas apresentadas por professores de Educação Física para esta restrição da
prática de lutas na escola. A primeira é a falta de vivência dos docentes sobre o tema
tanto na formação inicial (acadêmica) e em suas histórias de vida; a segunda é que a
violência seria intrínseca às lutas, e sua prática estimularia a agressividade e a
desordem dos alunos. Sabemos, porém que existem outras justificativas, como a falta
de estudos sobre o tema, formação docente indesejável, a falta de materiais, entre
outras (NASCIMENTO E ALMEIDA, 2007).
Não é nosso papel criticar aulas focadas no aspecto conceitual. O simples fato
de ter nas aulas de Educação Física uma reflexão sobre história, nome dos
fundadores, nome dos movimentos, regras básicas já um avanço em relação ao
aspecto disciplinador e a esportivização da Educação Física escolar.
Assim, nosso desafio configurou-se em apresentar aulas de lutas que
proporcionasse aos estudantes uma experiência do corpo, em situações meditativas,
lúdicas e agonísticas.
Tivemos em nossa formação inicial em Educação Física experiências
pedagógicas que pudemos aplicar em nosso Estágio Supervisionado III, voltado para
atuação no Ensino Médio. Como exemplo, tivemos momentos de reflexão sobre o
papel das lutas na Educação Básica e suas possibilidades pedagógicas, durante as
aulas de Metodologia das Lutas. Essa componente provocou o debate sobre as
possibilidades de realizar aulas de lutas no Ensino Médio, numa perspectiva
fenomenológica, que valoriza as sensações do corpo, o tocar, o respirar, situações
meditativas, agonísticas e lúdicas.
Nas aulas de Metodologia das Lutas, realizamos uma análise de como as lutas
são vistas nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Compreendemos que o

4Lembrando que as dimensões do conteúdo são: conceitual (saber), procedimental (saber fazer) e atitudinal (saber
ser) (BRASIL, 2000).
PCN é um documento norteador, mas deixa uma lacuna ao limitar as lutas apenas a
falar sobre a capoeira, o karatê, judô, jiu-jitsu e sumô (BRASIL, 2000).
Tendo em vista que as lutas não se restringem apenas as modalidades citadas,
é preciso ampliar as possibilidades pedagógicas das lutas, por exemplo, pensar em
confecção de materiais alternativos, sequencias pedagógicas que contemplem
aspectos conceituais, procedimentais e atitudinais.
Betti e So (2010), ao analisar a proposta curricular de educação física dos
estados de São Paulo e Paraná, afirmam que o conteúdo lutas nunca foi valorizado,
de tal sorte que, ao ser desconsiderado, ou descartado acaba por prejudicar os
próprios alunos no decorrer de sua formação.
Ao analisar a produção de conhecimento sobre as lutas de nosso estado,
também não encontramos muitas reflexões sobre o assunto.
Diante disso, afirmamos como importante a realização dessa pesquisa para
nossa formação profissional, uma vez que estamos estudando um conteúdo (lutas)
pouco tematizado nas aulas de educação física. Além disso, há a importância social
da pesquisa, no sentido de contribuir com a comunidade (estudantes, professores,
estagiários) sobre as possibilidades das lutas no ensino médio. Há também a
justificativa acadêmica, por estarmos enveredando por uma temática pouco estudada
no campo acadêmico da educação física, como demonstrou Correia e Franchini
(2010) ao fazer um levantamento da produção de conhecimento das lutas em
periódicos nacionais da educação física.
Em nossa ação docente, realizamos um diálogo com os alunos, onde diante da
turma, falamos dos conteúdos de educação física, direcionando nosso foco para o
conteúdo das lutas. Discutimos com os alunos sobre os vários tipos de lutas e artes
marciais e sobre a possibilidade de transformá-las em jogos de lutas5, procurando
incluir ao máximo a maior quantidade de alunos possível nestas aulas. Elaborando
momentos para não deixar que os alunos se desmotivassem por não saberem realizar
algum movimento técnico de alguma arte marcial ou luta que levasse o aluno a não
prática das atividades.
Cientes, que nós estagiários do último período de licenciatura em educação
física escolar, futuros professores, não possuíamos algum tipo de graduação de arte
marcial ou outra luta que precisasse de um certificado para a realização destas aulas,
nosso foco, de acordo com objetivo principal da escola, não é formar atletas, e assim
utilizar sem alguma correção técnica de movimento dos vários tipos de lutas, sendo
trabalhado de forma lúdica para os alunos do 3° ano do Ensino Médio de uma escola
estadual da cidade do Natal-RN.

Objetivos do estudo
Esse relato de experiência pedagógica teve como objetivos apresentar o
conteúdo de lutas e sua importância no Ensino Médio para que os alunos conheçam
práticas lúdicas de lutas, demonstrando para comunidade escolar que é possível a
construção e experimentação de outras práticas corporais para além do futebol e da
queimada, no intuito de oferecer situações de ataque e defesa, esquiva, estratégia,
controle respiratório, concentração, conhecimento corporal sem que haja a
necessidade de exigir movimentos específicos de alguma arte marcial.

5
Alguns autores como Reis e Garcia (2011) e Campos (2014) adotam a terminologia de jogos de combate e jogos
de oposição para discutir a presença das lutas na educação física escolar.
Metodologia
Como atitude de pesquisa nos inspiramos na fenomenologia, por nos permitir
enquanto pesquisadores a busca do significado das experiências. Com isso, este
método, “[...] a partir de análises sobre a intencionalidade da consciência humana,
tentou descrever, compreender e interpretar os fenômenos dispostos à percepção [...]”
(MARTINS e THEÓPHILO, 2009, p. 44). Neste ponto se faz necessário entendermos
os caminhos desta abordagem e relacioná-los com o objeto de estudo vigente neste
trabalho. De acordo com Martins e Theóphilo (2009, p.44) “o objeto de estudo é o
fenômeno, o instrumento é a intuição e o objetivo é entender a relação entre o
fenômeno e sua essência. Ou seja, busca o entendimento da essência dos
fenômenos.”. Com isto entendemos que a fenomenologia “[...] fundamenta-se na
busca do conhecimento a partir da descrição das experiências como estas são vividas,
não havendo separação entre sujeito e objeto.” (MARTINS e THEÓPHILO, 2009,
p.44).
Para que possamos chegar a este objetivo, que está centrado na experiência
do aluno é preciso desmistificar a atuação do professor em educação física, que por
vezes é vista por trabalhar o corpo apenas no seu processo fisiológico, deixando a
parte o contexto vivido por este corpo. É preciso:

[...] Observar e descrever a ação de um profissional que trabalha com o corpo,


corpo esse compreendido não como um objeto com características distintas
dos demais objetos, mas entendido como fonte de experiências significantes,
como veículo de comunicação com o mundo, ou mais precisamente, corpo
como expressão possível do ser-no-mundo. (MOREIRA, 2008, p.40).

As lutas na escola surgiram para nós como objeto de estudo dessa pesquisa a
partir do embasamento dado através das aulas da disciplina de Metodologia das lutas,
componente curricular do sexto período do curso de licenciatura em Educação
Física/Unifacex (Centro Universitário Facex). O professor ao apresentar a disciplina e
o conteúdo (lutas no contexto histórico da humanidade e artes marciais) relacionado
também com a escassez de trabalhos acadêmicos e pesquisas sobre esta disciplina
nos instigou enquanto futuros professores de educação física a realizar este trabalho
que diz respeito à utilização pedagógica do conteúdo de lutas no enfoque sobre as
possibilidades de inserção deste conteúdo, como forma de subsidiar a atuação dos
professores de educação física sem a necessidade de ser especializado em uma arte
marcial existente. Este objeto de estudo denominado de fenômeno, que segundo
Martins e Theóphilo (2009) através da fenomenologia nos faz ir à busca dos processos
relacionados.
Fenomenologia como filosofia de vida que busca perceber aquilo que aparece
à consciência, e para Merleau-Ponty6 é aquilo que o corpo percebe (NÓBREGA,
2010). Nesse sentido, enquanto pesquisadores, estamos no caminho de compreender
as lutas no ensino médio e suas possibilidades pedagógicas de forma lúdica. Como
momentos da pesquisa: 1) estudo teórico sobre o conceito de lutas e suas
possibilidades pedagógicas durante a disciplina Metodologia das Lutas e leitura
pessoal; 2) observação de aulas de educação física durante o estágio supervisionado;
3) elaboração das aulas de lutas numa perspectiva crítico-emancipatória (KUNZ,
2004); 4) elaborar as categorias de observação das aulas; 5) aplicação das aulas, 6)

6
Maurice Merleau-Ponty (1908-1961) foi um filósofo francês e grande expoente da fenomenologia francesa
(NÓBREGA, 2005, 2010).
aplicação da entrevista com professor e estudantes; 7) reflexão sobre essa ação
pedagógica e entrevistas.
Nas observações das aulas ministradas foi possível perceber a riqueza do
movimento, bem como a importância de se pensar e se permitir a considerar que os
movimentos realizados por cada indivíduo tem sua importância que vai além do fator
visível (o motor), é de suma relevância entender o que motiva a este corpo a se mover
(o fator eu, invisível). Ou seja, o aluno precisa sentir motivação a partir do que aquela
prática corporal representa para ele em seu contexto como ser no mundo. O visível e
o invisível não é manter o dualismo, porque há o visível do subjetivo e o invisível do
corpo. Segundo (MERLEAU-PONTY apud GONÇALVES, 2012),
Há nessa experiência, uma ambiguidade que reside no fato de meu corpo
ser, ao mesmo tempo, visível e vidente, sensível e “sentiente”. Quando a mão
direita toca a esquerda e esta de tocada torna se tocante, é como se uma
potência exploradora pousasse sobre ela ou a habitasse (GONÇALVES,
2012, p.).

A partir do propósito sobre as visualizações das aulas, percebemos o quanto


significa uma espontaneidade por parte do aluno que se dispõe além da exigência que
não se resuma a obrigação em participar de uma aula de educação física, mas o
significado que é para este corpo que sorri em se movimentar e experimentar outro
ambiente, outro material pedagógico, bem como sentir um toque do seu próprio colega
ao interagirem nas práticas corporais. Isso foi possível graças nossa orientação
pedagógica fundamentada na abordagem crítico-emancipatória7 que possui como
prerrogativa a liberdade de movimento, o movimento consciente, pois, para Kunz
(2004), a educação física não é apenas valorizar o rendimento esportivo, mas oferecer
aos educandos a experiência do movimento, dialogando o sentir, pensar e o agir do
movimento humano.
Assim, as aulas de lutas foram elaboradas, aplicadas e descritas para
podermos interpretá-las. É preciso situar que na abordagem crítico-emancipatória as
aulas são elaboradas em conjunto com os estudantes, porque valoriza a subjetividade
e o contexto sócio-cultural do estudante, é um ensino aberto às experiências (KUNZ,
2004).
Ministramos três aulas de lutas para uma turma de 30 estudantes do 3º ano do
Ensino Médio, em uma escola estadual situada no Bairro de Ponta Negra, zona Sul
da cidade do Natal/RN. Registramos as aulas por meio de fotografias e anotações a
partir das nossas observações. Elencamos como categorias de observação:
participação, co-participação e criatividade. As fotos não aparecem os rostos dos
sujeitos e eles assinaram termo de autorização para participar dessa pesquisa.
Esta intervenção escolar se deu a partir das ferramentas de estudos já citadas
acima, onde nos submetemos à observação das aulas dadas pelo o professor da
escola, a ministração das aulas, assim como as anotações de pontos que nos
chamaram a atenção no contato entre o professor e os alunos, assim como os alunos
entre si mesmos e até nós como participantes daqueles momentos da turma nas aulas
de educação física. Onde nos foi possível entendermos um pouco sobre o grande
universo que é a vida de cada aluno, pois cada pessoa é um “mundo” diferente, e
estes ao se unirem formam o que conhecemos sobre o que é formar cultura. A
interação de cada um neste mundo se dar por meios dos seus corpos.

7 Optamos pela abordagem crítico-emancipatória de Kunz (2004), uma vez que esse autor possui como
fundamentos teóricos a fenomenologia de Merleau-Ponty, a teoria comunicativa de Habermas e a pedagogia de
Paulo Freire. Assim, há uma coerência entre nossa metodologia de pesquisa e abordagem pedagógica.
Lutas como conteúdo da educação física no ensino médio
A prática do conteúdo de lutas na educação física escolar tem sua importância
cultural e histórica, visto que faz parte da nossa identidade enquanto sociedade. Sobre
este conteúdo da educação física, que é pouco trabalhado em todas as escolas do
nosso país, salvo algumas exceções e um fator bem relevante quanto a isso é a
produção teórica voltada para escola deste conteúdo. Um indicador desta afirmação
é uma pesquisa realizada por Silva e Aguiar (2013), graduados em educação física
pela a universidade estadual do Pará. Eles fizeram um levantamento sobre os artigos
produzidos na área de educação física, desde 1979 a 2011, vinculados à Revista
Brasileira de Ciência do Esporte. Neste período, eles identificaram 105 edições
publicadas pela (RBCE) na área de educação física, onde apenas 11 artigos se
direcionavam ao conteúdo de lutas. Este levantamento nos levar a refletir sobre como
é escasso o trato de pesquisas e produções de artigos sobre o conteúdo de lutas para
a reflexão do professor escolar de educação física, que tenha interesse em se
aprofundar de tal componente curricular.
Em busca de demonstrar algumas possibilidades da prática de lutas de forma
embasada. E para isso, começaremos conceituando o que é lutas na visão de alguns
autores. Segundo Gonzales, Darido e Oliveira (2014, p.31), “Ora, vemos esse termo
sendo utilizado em diversos contextos, seja na luta pela sobrevivência, por um amor,
pela terra, entre classes sociais”. Esta ideia que a vida é de fato uma luta e estamos
inseridos neste contexto e que se encaixa na área escolar. Ainda de acordo com
Gonzales, Darido e Oliveira (2014, p. 33), pondera-se que:
Entretanto, as lutas também podem ser compreendidas de outras maneiras,
uma vez que existem questões históricas e de caráter filosófico presentes
nessas práticas até os dias de hoje. Podemos observar resquícios disso nos
trajes, nas formas de saudação, na própria organização do ensino de
algumas modalidades, na importância delas em algumas sociedades, entre
outras questões que fazem parte da cultura das lutas nas mais diversas
sociedades.

As experiências promovidas na escola pelo professor de educação física


serão a base para o amadurecimento motor, social e psicológico do aluno. E dentro
destas várias formas de movimentos, as lutas tem sua parcela de contribuição para a
formação do aluno na sociedade. Fomentando esta ideia dentro do contexto das lutas
para o aluno, acredita-se que

As práticas provenientes da cultura corporal de movimento que apresentam


algumas características de enfrentamento físico direto entre pessoas, por
meio de regras claramente estipuladas (GONZALES, DARIDO; OLIVEIRA,
2014, p.31).

Esta ideia de enfrentamento que as lutas trazem seja no cotidiano escolar ou


para a vida, são experiências no mundo do aluno que o faz entender seu contexto
social. Nas palavras de Gonzales, Darido e Oliveira (2014, p.31):

O foco está no corpo da outra pessoa e as ações são de caráter simultâneo


e imprevisível. Surgem aqui mais algumas características sobre essas
práticas: oposição, foco no oponente, ações simultâneas e imprevisibilidade.

Sabendo que a prática do conteúdo de lutas está ligada a intensão do


professor de educação física em suas aulas, e essas que sejam voltadas para a
formação de um aluno capaz, ou melhor, dizendo, um indivíduo com várias
experiências promovidas pelas as vivências lúdicas dos mais variados estilos de lutas.
De acordo com Darido e Rangel (2014), o trabalho da respiração, concentração, a
percepção e a utilização mais detalhada de outros sentidos como a audição, o tato, e
o trabalho postural, dentre outros, podem ser desenvolvidos nas aulas de lutas,
levando o estudante a pensar para além do que se é ensinado na escola.
Neste pensar para além da escola por parte do indivíduo que através da
orientação do professor bem-intencionado e apropriado dos conhecimentos teóricos
e metodológicos, estando atento a trazer possibilidades aos estudantes uma reflexão
atitudinal sobre as lutas. Segundo Darido e Rangel (2011, p. 249), podemos instigar
aos “alunos a tomarem posturas de confraternização, respeito às diferenças e ao
adversário, entre outros valores”. Oferecendo assim, oportunidades aos educandos e
possibilitando a partir das aulas dadas, um novo olhar sobre as lutas e também as
artes marciais.
Para os PCNs, as lutas são:

Disputas em que o(s) oponente(s) deve(m) ser subjugado(s), mediante


técnicas e estratégias de desequilíbrio, contusão, imobilização ou exclusão
de um determinado espaço na combinação de ações de ataque e defesa.
Caracterizam-se por uma regulamentação específica, a fim de punir atitudes
de violência e de deslealdade. Podem ser citados como exemplo de lutas
desde as brincadeiras de cabo-de-guerra e braço-de-ferro até as práticas
mais complexas da capoeira, do judô e do caratê (BRASIL, 1997, p.37).

Percebemos nesse conceito de lutas supracitado aspectos positivos ao


formular um conceito amplo, ao citar as brincadeiras e ao valorizar a capoeira
enquanto uma luta, mas notamos um pouco acervo de possibilidades pedagógicas
das lutas. Outro aspecto positivo nesse documento são as orientações sobre as lutas
e as dimensões do conteúdo, contribuindo para uma organização pedagógica para
além do saber-fazer (procedimental).
Escolhemos o conceito de lutas elaborado por Gomes (2008, p.49), a saber:

Prática corporal imprevisível, caracterizada por determinado estado de


contato, que possibilita a duas ou mais pessoas se enfrentarem numa
constante troca de ações ofensivas e/ou defensivas, regida por regras, com
o objetivo mútuo sobre um alvo móvel personificado no oponente.

A partir desse conceito, que tem como princípios a imprevisibilidade, contato,


ataque/defesa, regras e alvo móvel/oponente, visualizamos com mais facilidade a
possibilidade de criarmos jogos de lutas em conjunto com os estudantes.
Atualmente há um debate acadêmico em torno da reflexão teórica sobre
lutas/artes marciais, sobre suas possibilidades pedagógicas que valorizem a
cooperação, a solidariedade, a participação da mulher, de pessoas com deficiências,
de um modo geral, que não haja preconceito e exclusão.
Essa reflexão pontual sobre as lutas está dentro de uma discussão maior, a
saber: a função social da educação física na escola. Muitos autores, como Darido
(2003), Coletivo de Autores (1992), Kunz (2004), Freire (2004), entre outros que
estudam e propõem metodologias do ensino de educação física na escola. De um
modo geral e dado as diferenças teóricas, todos concordam que a função da educação
física escolar é acessar as crianças no mundo do movimento.
Em nosso estudo, nosso objetivo é apresentar aos alunos do ensino médio o
conteúdo lutas de uma forma lúdica, atraente, com um material alternativo e com fins
de que essas aulas sejam permeadas de aprendizagens. Nesse sentido, as lutas,
como todo e qualquer conteúdo, possuem as dimensões conceituais (saber),
procedimentais (saber fazer) e atitudinais (saber ser) (BRASIL, 2000).
Nesse sentido, nossas aulas foram fundamentadas nos PCNs e na abordagem
crítico-emancipatória e a pesquisa dialogou com os autores supracitados para pensar
as lutas enquanto conteúdo da educação física escolar.
A seguir, apresentamos como foi possível por meio da abordagem crítico-
emancipatória desenvolver nossas aulas de lutas no ensino médio.

Corpo e ludicidade nas aulas de lutas no Ensino Médio


O livro Homo ludens é um belo texto e mostra a maestria do pensamento de
Huizinga (1870-1945) ao discutir de forma ampla sobre a relação entre o jogo, o lúdico
e a cultura. Nesse livro, ele defende a tese de que é no jogo e enquanto jogo que a
cultura se desenvolve, assim como, é pelo elemento lúdico que homem cria cultura.
Para Huizinga (2000), o lúdico também é anterior à cultura e não tem como saber qual
atitude veio primeiro: a seriedade da vida ou a ludicidade. Não vamos nos deter na
compreensão de cultura, mas nas reflexões de Huizinga sobre o lúdico.
Como estratégia para defender sua tese, Huizinga demonstra na linguagem,
nas competições, na guerra, no direito, na filosofia, nas artes, entre outras
manifestações da cultura, características do jogo e do lúdico, a partir de seu
conhecimento de História, Antropologia, Filosofia, Mitologias, entre vários saberes que
esse pensador se apoia para argumentar suas ideias.
Interessante dizer que Huizinga percebe que as características do jogo e do
lúdico presente nessas manifestações culturais vão para o segundo plano e a
seriedade assume posição principal na cultura no decorrer do tempo.

Este é o aspecto mais negativo do século XIX. Mas as grandes correntes do


pensamento da época, sob todos os pontos de vista, eram adversas ao fator
lúdico na vida social. Nem o liberalismo nem o socialismo contribuíram para
ele em alguma coisa. A ciência analítica e experimental, a filosofia, o
reformismo, a igreja e o estado, a economia, tudo no século XIX se revestia
da mais extrema seriedade. Mesmo em arte e em literatura, depois de
passado o entusiasmo romântico, a imemorial associação com o jogo passou
a ser considerada pouco respeitável. O realismo, o naturalismo, o
impressionismo e todas as outras monótonas escolas literárias e artísticas
eram mais destituídas de espírito lúdico do que qualquer dos estilos
anteriores. Jamais se tomou uma época tão a sério, e a cultura deixou de ter
alguma coisa a ver com o jogo. As formas exteriores já não se destinavam a
criar a aparência, ou a ficção, se se quiser, de um modo de vida ideal e mais
elevado (HUIZINGA, 2000, p. 213).

Huizinga afirmou isso em 1938, mas essa ideia permanece atual. Não é nosso
propósito defender um argumento contra a seriedade, mas trazer a tona a
compreensão de lúdico para refletir sobre as aulas de Educação Física no Ensino
Médio. Acreditamos que a sociedade ocidental ao esquecer o lúdico, esqueceu
também do corpo; assim, Huizinga ao fazer um elogio ao lúdico, ele faz também um
elogio ao corpo, ao sentir; um elogio à vida, à solidariedade, à parceria, ao viver em
coletividade.
Assim, compreendemos o lúdico não como o momento de prazer, antes disso,
como a capacidade lançar-se no desconhecido, como diz Huizinga (2000, p. 40-41):
“E a essência do espírito lúdico é ousar, correr riscos, suportar a incerteza e a tensão”.
Nesse caminho, compreendemos como a capacidade do corpo de permitir-se envolver
em situações desconhecidas, ampliando as possibilidades de criar, imaginar, sentir,
viver.
Inspirar-se na fenomenologia enquanto abordagem pedagógica, permite ao
professor lembrar da compreensão de corpo e lúdico e apresentar os conteúdos de
maneiras diferenciadas. A utilização da criatividade no conteúdo de lutas, com base
na intervenção feita na turma do 3º ano do ensino médio, nos possibilitou a criação de
várias situações de jogos de lutas, no que percebemos uma experiência do lúdico e
do sentir o corpo, permitindo a apropriação dos alunos sobre esse conteúdo. Sabe-se
que as lutas não estão restritas apenas a participação de um oponente, mas há
também a utilização de alguns armamentos como implemento, com isso ao elaborar
uma aula de lutas, independente do que será utilizado quanto aos mecanismos de
ataque e defesa possa ser feito uma análise para que seja introduzido alguns
elementos que melhore a compreensão da atividade proposta. O professor, ao levar
para sua turma uma aula criativa fazendo referência sobre alguma arte marcial, este
estará permitindo que estes alunos reflitam sobre a atividade, e busquem novas
maneiras de se trabalhar como afirma KUNZ (2009, p. 123):

A forma criativa ou inventada de uma “transcendência de limites” em que a


partir das duas formas de representação de um saber, o aluno se torna capaz
de, ‘definida situação’, criar/inventar movimentos e jogos com sentido para
aquela situação.

Além disso, esta ferramenta faz com que o aluno se envolva mais na aula, se
tornando está mais atrativa, gerando uma transcendência pela experimentação.
As aulas ministradas com os alunos do ensino médio desta escola nos
proporcionou uma visualização ampla do que o conteúdo de lutas tem em interesse,
seja sobre sua existência e história, como na utilização dos movimentos para adquirir
repertórios de confrontos e na valorização do outro. Este processo também nos fez
refletir que é preciso se permitir enquanto professor na criação dos materiais
alternativos para aulas de lutas como em qualquer outra, permitindo com que os
alunos participem e utilizem de sua autonomia e capacidade de criação, pois o saber
se comunicar e entender a comunicação dos outros é um processo reflexivo e
desencadeia iniciativas do pensamento crítico, de um pensamento atento a si mesmo
e ao outro, ao coletivo (KUNZ, 2004).
Nas aulas realizamos situações que exigiam muito equilíbrio, ao ficar de um
pé só, flexionando o joelho, e o objetivo era desiquilibrar o oponente. Tais situações
ofereciam aos estudantes momentos de gargalhadas, experiências do corpo
diferentes do cotidiano, o contato entre eles, aspectos que não eram visíveis nos
corredores da escola.
Na segunda aula, nós arranjamos um arsenal maior de materiais, dos quais
utilizamos as bexigas que serviria para ser golpeado socos, chutes, cotoveladas e
joelhadas. Também utilizamos pegadores de roupas para uma atividade de ataque e
defesa. Confeccionamos a partir de sacos plásticos, umas tiras de plástico para o jogo
do “tica rabo”. Ainda nesta aula, arranjamos uma corda para o jogo do cabo de guerra.
Este processo se mostra eficaz para autonomia do aluno lhes proporcionando uma
aprendizagem além do teórico, e relacionando também com a prática, servindo para
que estes explorem seus sentidos e no ajudar da prática que venham a impossibilitar,
no que afirma KUNZ (2010) é interessante trabalhar com “arranjos materiais” para
facilitar e compensar deficiências na execução de movimentos mais complexos e que
necessitam força e velocidade.
Para a terceira aula, nós confeccionamos uma espada de materiais como o
macarrão de piscina e cano pvc (utilizado para encanamento de água). Para fazer as
amarrações, utilizamos fita adesiva. Cada material confeccionado teve, por parte de
nós um cuidado para com a segurança dos alunos.
A partir desse material e das situações anteriores, iniciamos um processo de
elaboração de jogo de luta em parceria com os estudantes.

Considerações finais
Ao analisar todo este trabalho quanto aos métodos utilizados para se alcançar
o objetivo desejado que a experimentação do conteúdo de lutas numa perspectiva
crítico-emancipatória, assim como a reflexão com relação à comunidade escolar que
diz não ter tanto conhecimento das lutas em geral para se trabalhar com esse
conteúdo nas aulas de educação física escolar. Foi possível perceber a partir das
aulas ministradas que todo professor que esteja interessado em trabalhar as lutas,
basta pesquisar e abrir-se ao desconhecido para ampliar suas possibilidades
pedagógicas.
Diante da experiência que tivemos no meio escolar no ensino médio, foi
possível vivenciar a realidade da educação física, bem como o conteúdo de lutas que
foi trabalhado por nós, e nos deparamos com uma realidade escassa nesta área com
relação ao papel representado pelo o professor de educação física, visto que se trata
de um componente curricular bem querido por parte dos alunos, no entanto carente
de mudanças na aplicação dos conteúdos que se limitam as modalidades esportivas,
salvo algumas exceções, bem como o desafio que fica para os profissionais que estão
chegando ao âmbito escolar.
Com isso concluímos este trabalho reconhecendo o conteúdo lutas na escola,
sua importância e necessidades ao serem trabalhadas no ensino médio
principalmente na exploração das três dimensões do conteúdo, sendo precisas para
uma melhor compreensão sobre as lutas, pois esta experiência nos permitiu entender
a relação entre elas, bem como os valores inseridas no contexto histórico e
procedimentos a serem utilizados na exploração do movimento para quando
chegarmos a campo profissional, na realidade, termos base pedagógica para
desenvolver um planejamento sobre essa temática que é pouco explorada nas aulas
de educação física.
Na prática pedagógica pudemos visualizar a interação dos adolescentes com
as lutas de forma lúdica, criativa, onde a relação com o movimento de forma
significativa e de acordo com a realidade. Acreditamos que nossas aulas permitiram
aos estudantes outras formas de sentir o corpo, o outro e o mundo!

Referências
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais – Educação física / Secretaria de
Educação Fundamental.- Brasília: MEC/SEF, 1997.

_______. Parâmetros Curriculares Nacionais/Ensino Médio – Parte II: Linguagens,


Códigos e suas Tecnologias. Brasília: MEC, 2000.

COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do Ensino de Educação Física. São Paulo:


Cortez, 1992.
CORREIA, W. R; FRANCHINI, E. Produção acadêmica em lutas, artes marciais e
esportes de combate. IN: Motriz, Rio Claro, v.16 n.1 p.01-09, jan/mar, 2010.

DARIDO, Suraya. Educação Física na escola: Questões e reflexões. Rio de Janeiro:


Ed. Guanabara Koogan, 2003.

DARIDO, S.C; RANGEL, I.C.A. Educação física na escola: implicações para a


prática pedagógica. 2.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014.

FREIRE, João Batista. Jogo, corpo e escola. Brasília: Universidade de


Brasília/CEAD, 2004.

GOMES, Mariana Simões Pimentel. Procedimentos pedagógicos para o ensino


das lutas: contextos e possibilidades. Dissertação (Mestrado em Educação Física)
Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas. Campinas:
UNICAMP, 2008.

GONZÁLEZ, F.J; OLIVEIRA, A.A.B. de; DARIDO, S.C. Lutas, capoeiras e práticas
corporais de aventura: org.; prefácio Ricardo Garcia Capelli.- Maringá; eduem, 2014.

HUIZINGA, J. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo:


Perspectiva, 2000.

KUNZ, Elenor. Transformação didático-pedagógica do esporte. 6ª ed. Ijuí: Ed.


Unijuí, 2004.

_______. Transformação didático-pedagógica do esporte. 7ª ed. Ijuí: Ed. Unijuí,


2006.

MARTINS, Gilberto de Andrade; THEÓPHILO, Carlos Renato. Metodologia da


Investigação Científica para Ciências Sociais Aplicadas. 2.ed. São Paulo: Atlas,
2009.

MOREIRA, Wagner Wey. Educação física escolar: Uma abordagem


fenomenológica. 2ª ed. Campinas: Editora de UNICAMP, 1992.

NASCIMENTO, P. R.B. do; ALMEIDA, L. A tematização das lutas na Educação Física


escolar: restrições e possibilidades. Revista Movimento. Porto Alegre, v. 13, n.3, p.
91-110, set/dez, 2007.

NÓBREGA, Terezinha Petrucia da. Uma fenomenologia do corpo. São Paulo:


Editora Livraria da Física, 2010.

_________. Corporeidade e educação física: Do corpo objeto ao corpo sujeito.


3ª ed. Natal: EDUFRN, 2005.

SILVA, Franklin Jacinto da; AGUIAR, Eliane do Socorro de Sousa. O trato do


conteúdo lutas/; análise da produção do conhecimento veiculado pela Revista
Brasileira de Ciências do Esporte 1979 - 2011). Efdeportes.com, Buenos Aires,
p.18-18, abr. 2013. Semestral.

SO, M. R., BETTI, M. Saber ou fazer? O ensino de lutas na educação física


escolar.p.1–14.Disponível em: <http://www.ufscar.br/~defmh/spqmh/pdf/2009/so
_betti.pdf.>. Acesso em: 22 de set. de 2010.

Você também pode gostar