Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Assim que chegamos em casa, subo com Melissa para lhe dar
banho, mesmo sonolenta ela está falante.
— Mamãe, papai vai me colocar para dormir? — pergunta,
enquanto enxaguo o seu cabelo.
— Não sei, filha.
Enrolo uma toalha em volta do seu corpo e outra em sua cabeça.
Pego-a em meus braços e saio do banheiro, me deparando com Jonathan
sentado na poltrona branca de canto, com um livro o menino, a toupeira, a
raposa e o cavalo. Está descalço, seus ombros relaxados e nos olha com
carinho.
— Depois que você vestir seu pijama, lerei uma história para você,
Mel. — Sua voz soa gentil e calorosa.
— Viu, mamãe, papai irá ler pa mim! — diz toda feliz, sorrindo de
orelha a orelha.
— Então vamos logo vestir o pijama.
Dez minutos depois Melissa está sentada no colo de Jonathan com
os cabelos quase secos, vestindo e agarrada ao seu urso Pooh. Olho para
eles perdida sobre o que devo fazer, não sei se fico ou não.
— Vá tomar um banho, Tulipa, daqui a pouco me encontre na sala
para conversarmos — Jonathan ordena.
Reviro os olhos e vou até Melissa, dou um beijo em sua testa e
sorrio, dou boa noite e lhe desejo bons sonhos. Caminho para a saída,
puxando a porta, não a fechando completamente. Encosto-me na parede
espero poder ouvir o que ele irá dizer a ela.
— Papai, você não vai embola de novo não, né? — A voz da minha
filha soa temerosa e até mesmo apertada.
— Não, Melissa, eu não vou — afirma sem qualquer dúvida na voz.
Meu coração acelera como se fosse explodir dentro do peito, tento
não me sentir feliz com isso, pois nada disso vai durar e então voltaremos a
ser nós duas.
— Não vai mais luta contra ogros?
— Já venci todos e agora viveremos juntos para sempre — garante a
ela com a voz branda.
— Também num vai deixar a mamãe se maltratada de novo pela
vovó má, né?
— Não, Melissa, eu não vou, cuidarei de vocês — promete.
Fecho os olhos para segurar as lágrimas de desespero, me sinto no
meio de uma tempestade e para piorar eu sou o vendaval, perdida e confusa
sem saber em qual direção ir. Tenho medo de confiar nas palavras de
Jonathan e depois me ferir, me estilhaçar.
— Jura juradinho de mindinho?
— Sim, eu juro juradinho de mindinho e o que mais for, Mel.
— Tá bom!
— Melissa Tulipa, eu não sabia que precisava viver até encontrar
você e a sua mãe, vocês são as flores que florescem no inverno, são o meu
jardim da salvação, são o meu vivaz — declara.
— Isso significa que vai ficar!
— Sim, Mel.
Não aguentando mais ouvir nada vou para o meu quarto, me tranco
nele e me deito na cama, repassando tudo incansavelmente na minha
memória. Meu pulso está acelerado, suas promessas martelam dentro de
mim como um martelo batendo em um prego com força.
Fico alguns minutos ali deitada, reúno toda a minha coragem para
descer e o encarar depois de tudo que disse a minha filha. Eu não queria me
apaixonar por Jonathan Torassi, mas o jeito que cuida de Melissa me
desmontou, e sem querer estou me vendo em puro declínio.
Desço as escadas devagar, dando um passo de cada vez, sem pressa,
tentando ser indiferente, brigo com minhas bochechas que já estão ficando
quentes, aperto as mãos algumas vezes, pareço uma adolescente de quinze
anos no seu primeiro encontro.
Encontro-o sentado no sofá, confortável com uma garrafinha de
água com gás na mão. Sento-me na outra ponta, longe o suficiente.
— Vamos viajar para o interior do Rio para visitar mais pais,
faremos a cerimônia lá mesmo. É um local bonito.
— Eu não vou conhecer seus pais!
— Por que não, posso saber?
— Primeiro, isso é loucura e muito íntimo — argumento, passando a
mão na cabeça, enlouquecida.
— Temos uma filha juntos, vamos nos casar e faremos mais bebês,
quer ser mais íntimo que isso? — Seu tom de voz é irritante, extremamente
irritante.
— Eu sinto que vou enlouquecer, você é muito louco e arrogante! —
esbravejo.
— Fique tranquila, amor, na lua de mel me enlouqueça jogando sua
calcinha e sutiã, de preferência brancos, como sinal de que me dará sua
pureza. — Ele soa ainda mais arrogante.
— Quem disse que sou virgem? — indago constrangida.
— Você acabou de me confirmar. — Pisca, sorrindo de lado, com
prepotência.
Atiro uma almofada nele, irritada e pronta para começar uma guerra,
mas o infeliz a agarra no ar e gargalha divertido.
— Como será esse encontro?
Ele estica as pernas, põe o braço para cima, apoiado no encosto do
sofá e suspira.
— Minha mãe está louca, já me encheu o saco. Quer conhecer a
Melissa, levei esporro, mas depois chorou, pensou que morreria sem netos.
— Nega com a cabeça. — Meu pai está desconfiado, é compreensível. Você
será bem recebida e a Mel, Deus, ela terá um tapete vermelho, chuvas de
pétalas de rosa e muitos doces.
— Eles parecem animados — comento. — Ela nunca foi tratada
desse jeito pelos meus familiares.
— Como é sua relação com eles? — questiona, me olhando sério,
seus olhos azuis, penetrantes parecem conseguir ler a minha alma.
— Minha mãe, Rosa, morreu quando eu tinha quatorze anos, câncer
de mama, meu pai e eu ficamos devastados por um tempo até que ele
conheceu Rose, que já tinha uma filha, mais nova do que eu — faço uma
pausa antes de continuar: — meu pai, José, vendeu a nossa casa e nos
mudamos para a casa da atual esposa. Ele depositou na minha conta
poupança 50% do valor da venda da nossa casa.
Não lhe contei que aos dezoito anos gostei boa parte do dinheiro
com a minha faculdade e outra quando Melissa ficou extremamente doente
aos dois anos, não me arrependo de nenhuma das minhas decisões, no
entanto, fui precipitada com a faculdade, poderia ter tentado uma pública.
Mas sempre odiei provas universitárias e concursos.
— Sua madrasta é a bruxa má dos contos de fadas?
Gargalho, isso é muito divertido.
— Ela nunca gostou de mim e muitas vezes implorou para o meu
pai pegar o meu dinheiro no banco, mas não conseguiu. Meu pai mesmo
tendo se tornado distante, preso em seu mundo me ajudou da forma que
pôde. — Sorrio triste.
— Você foi expulsa de casa e ele nem te telefonou, como isso é
ajudar?
— Ele sabia tão bem quanto eu que sair de lá foi a coisa certa, não
da forma como fiz, mas eu e a Melissa merecíamos mais e lá minha filha
era de certa forma maltratada, pois eu era, e ela sente.
— Ivy Tulipa — me chama com a voz grossa, firme e rouca. —
Você e a Melissa estarão seguras ao meu lado, posso ser o maior bastardo
de todos, mas jamais ferirei vocês, é minha palavra de honra!
Enxugo a lágrima teimosa que cai, sorrio para ele, acreditando em
suas palavras, só espero não me arrepender.
Não consigo esconder o espanto ao passar pelos portões de ferro
enormes, por alguma razão idiota acreditei que morar no interior do Rio
significasse cabana, ou algo do tipo, não uma fazenda gigante, em
Teresópolis, aliás, Teresópolis nem é interior.
Olho para tudo admirada, é a primeira vez em 24 anos que subo a
serra, nem em Petrópolis eu fui, sempre quis, mas nunca consegui ir. Meu
pai se recusava levar a mim e a mamãe, alegando que o clima frio do
serrano era ruim para os ossos, como um bom carioca ele odeia frio e
chuva, mas eu sempre amei os dias nublados e frescos.
Enquanto seguimos pela estrada de terra com pedras ao lado para as
rodas do carro não atolarem, admiro o campo vasto com meu lado com
cercas. Cavalos bonitos correm, alguns estão deitados, mas todos são
garanhões.
Posso não saber muito sobre éguas e cavalos, mas sei reconhecer
algo bonito e caro, e por Deus eles são.
— Quero montar no cavalinho! — Melissa grita, olhando pela
janela, presa em sua cadeirinha. — Aquele brancu.
— Ele é muito grande, filha — digo. Ela nem conseguirá passar as
pernas em volta dele. — Talvez outro.
— Não, mamãe, quelo ele! — Faz birra, cruzando os braços e
esticando os lábios em um beiço.
— Você cavalgará com o papai — garante Jonathan, a fazendo sorrir
de volta.
— Para de dar tudo que ela quer — repreendo, ficando brava. — Ela
tem que aprender a receber um não!
Seus olhos desviam da estrada para mim rapidamente, duros. Seus
lábios crispam em uma linha fina, ótimo, ele quer rebater.
— Mamãe nunca me deixa fazer nada, nadinha — resmunga minha
filha.
Respiro fundo para conter a raiva, misericórdia, essa garota está me
tentando, mas não vou cair, não mesmo.
Quando o carro para em frente a uma mansão estilo medieval, com
pedras ao redor, uma boa parte da parede em tons amarelados, as portas e
janelas são de madeira escura e tem três andares, uma casa linda, mas
assustadora. Há diversas árvores em volta, algumas mangueiras, jaqueiras,
pé de jamelão o que raramente vejo entre coqueiros e diversas outras.
Saio do carro e observo o cuidado que Jonathan tem em tirar
Melissa da cadeirinha, ele a põe no chão e na mesma a hora ela sai
correndo, olhando tudo à sua volta, parece até que uma formiga mordeu o
seu rabo.
— Segue para a porta da casa, Melissa — pede Jonathan, em alto
som. — Por que não posso dar tudo que ela quer? — pergunta, me guiando
para a linda entrada com duas grandes roseiras vermelhas da casa. Há uma
porta dupla de madeira de cor branca. Até o hall, a casa tem cinco degraus
compridos. — Eu posso mimá-la.
— Crianças precisam de limites e desde cedo darem valores as
coisas para não se tornarem esnobes no futuro, Torassi — explico. — Eu sei
que a vontade é de dar tudo que ela pede, mas não pode ser assim as coisas.
Ela tem que saber lidar com o não.
— Você é teimosa, Ivy!
— Não, não sou.
— Meu Deus! — exclama uma senhora abrindo a porta. — Minha
neta é a coisa mais linda desse mundo!
Ela pega Melissa nos braços e aperta beijando seu rostinho diversas
vezes. Manuela Torassi é uma mulher branca de olhos verdes e cabelos
grisalhos. Seu rosto é jovial para sua idade. Bem cuidada. Veste um vestido
preto até a altura dos joelhos, é visível seu corpo bem cuidado e em forma.
— Você é a vovó?
— Sim, meu amor, eu sou! — confirma Manuela.
— Eu tenho uma avó, agola eu sou igual a todos os meus
amiguinhos!
Não pude evitar o aperto no peito após ouvir as palavras da minha
filha. Nunca pensei que sofresse tanto com isso. Minha madrasta nunca foi
uma boa figura para ela ou para mim, e sem contar que Melissa tinha medo
dela.
— Eu vou te mimar tanto, mas tanto — promete Manuela. — Você
vai receber todo o meu amor!
— Mãe, não sufoca a Mel — pede Jonathan em um tom entediado
indo até ela e beijando a testa da mãe.
— Me deixa! — grita Manuela. — Você demorou anos para me
trazer essa garotinha, agora me deixa matar todo o tempo perdido.
Ele suspira e me olha, arqueia a sobrancelha com um olhar de quem
dia “está parada aí por quê? Vem logo!” Caminho até elas parando ao lado
do meu noivo arrogante.
— Fico grata pelo convite, Manuela — consigo dizer sem gaguejar
muito.
Seus olhos verdes me encontram e seu sorriso se amplia de um jeito
descomunal. Acabo sorrindo de volta, ela me analisa atentamente.
Ela segura Melissa de lado e me estende a mão livre, tocando o meu
rosto com leveza. Seu toque me lembra a forma como minha mãe acariciava
minhas bochechas quando menina. Seguro a vontade de fechar os olhos e
ronronar como um gato.
— Peço desculpas por só te conhecer agora, mas o imbecil do meu
filho não me disse que estava com uma joia rara como você. — Ela segura
o meu queixo, analisando cada pedacinho do meu rosto.
— Mãe, por favor, eu as trouxe, não foi?
— Depois que eu te ameacei, seu filho ingrato!
— Mãe, por Deus, que absurdo é esse? — brada.
— Olha, eu vou te dar uma surra por ser tão cínico comigo —
ameaça.
— Vovó, não bate no papai!
Todos nós voltamos os olhos para a minha filha que a olhava
atentamente.
— Não irei, meu amor — promete.
Olho para Jonathan e vejo seu sorriso de orgulho, ele realmente está
feliz por a nossa garota tê-lo defendido. Tenho certeza de que seu ego
cresceu mais um metro.
— Então vocês chegaram? — indaga Danilo, o pai do Jonathan.
Devo dizer que os anos foram mais do que generosos com ele. Seus olhos
claros e cabelos com fios grisalhos sobressaem o preto. Seus olhos azuis
estão iluminados, são menos sombrios do que o do filho. — Oh, Ivy,
Melissa, até que fim posso conhecê-las, estava ansioso. — Ele me puxa
para um abraço, depositando um beijo carinhoso em minha testa. Abraça-
me pelos ombros, me puxando para dentro da casa. — Vamos entrar para
que possamos conversar melhor, Melissa daqui a pouco o vovô te abraça,
duvido que sua avó vá te libertar agora.
— Não vou mesmo, homem!
A casa é linda por dentro, os móveis escuros a e parede branca deixa
um ar de aconchego. Observo os quadros de família na parede. São muitos,
me seguro para não chegar mais perto e olhar cada retrato, suas lembranças,
momentos íntimos.
— Querida, não se juntará a nós? — Danilo pergunta à esposa,
docemente.
— Não, vou alimentar nossa neta, converse vocês, Jonathan me
acompanhará! — declara, sumindo pelo corredor.
Olho para onde eles sumiram incerta, não esperava ter que ficar
sozinha com meu sogro. Molho os lábios secos como se estivesse
caminhando no deserto do Saara, no entanto, só estou diante do pai do meu
falso noivo, apavorada porque fui deixada sozinha no campo de batalha,
meu estômago se afunda de nervosismo.
— Sente-se, querida — pede Danilo. — Meu filho está sendo bom
para você e para Melissa? — questiona, sentando-se ao meu lado. Ele
segura minha mão delicadamente, me olhando.
Poderia lhe dizer que às vezes, quero matar o seu filho, no entanto,
ele faz minha filha a garotinha mais feliz do mundo. Por isso me recuso a
cometer uma atrocidade.
— Sim, ele é difícil, mas, nos trata melhor do que qualquer outra
pessoa tenha nos feito — sou sincera. — Ele é arrogante, mas sempre sorri
para nós.
— Jonathan, sempre foi sério, eu diria até rude, desde novo
disciplinado e determinado, o oposto do João Pedro. — Suspira e me encara
profundamente.
— João Pedro?
— Meu filho mais novo, o oposto do mais velho. — Sua soa
rascante, eu diria até mesmo dolorida. — João Pedro era leviano e achava
que a vida era uma diversão, se envolvia em problemas, Jonathan ia ajudar,
mas uma hora ele cansou, e eu, bom, já não suportava mais — faz uma
pausa — Manuela vivia para chorar, minha mulher não tinha uma noite de
paz, bem, nós não tínhamos. Até que um dia ele sumiu, dias depois
Jonathan o encontrou morto.
Levo a mão à boca, espantada. A dor nos olhos do Danilo me afeta,
pois não consigo me ver enterrando Melissa. Deus, pai e mãe não foram
feitos para enterrar um filho.
— Eu não sabia, meus pêsames.
— Vai fazer 10 anos, Jonathan se cobrou por um tempo, ele se
culpava pelo irmão ter escolhido caminhos errados, mas a culpa não era
dele, não foi minha ou da Manuela, foi uma escolha exclusiva do João
Pedro e como consequência, vivemos com a dor que ele nos causou. — Seu
aperto em minha mão fica mais forte.
— Não posso imaginar o tamanho da sua dor.
— Tem dias que doem menos e outros que doem mais, mas estou
seguindo minha vida, ainda tenho um filho e agora uma nora e neta, talvez
mais netinhos em um futuro próximo — sugere, rindo e mexendo as
sobrancelhas.
Gargalho, nervosa, meu Deus, como assim mais netos?
— Talvez mais para frente — comento.
— Gostaria que fosse logo, Jonathan já tem 45 anos e daqui a pouco
não terá tanta disposição para crianças pequenas.
— Relaxa, pai, que ainda dou conta de mais sete pirralhos gritando
pela casa. — Respiro aliviada ao ouvir a voz do Jonathan. — Tome, minha
mãe pediu para te dar.
Viro-me e pego um pedaço de bolo de cenoura com chocolate, amo.
— Obrigada — agradeço já cortando um pedaço com a boca e
enfiando na boca, preciso me manter ocupada.
— Filho, não perca tempo, filhos são bem-vindos e eu e a sua mãe
estamos velhos.
O sofá afunda ao meu lado, Jonathan mexe no meu cabelo, depois
repousa o braço por cima do meu ombro, de forma íntima.
— Sei que está inteiro, velho. Não tente me chantagear, na hora
certa mais crianças virão e quando quiser uns dias só com a Ivy os jogarei
aqui, para que cuide.
Danilo solta uma gargalhada sonora.
— Será um prazer!
Olho de um para o outro, e percebo que compartilham algo com o
olhar, pai e filho possuem os mesmos olhos azuis.
Será que quando tivermos um filho ele nascerá com esses olhos?
Sacudo a cabeça, não haverá nosso filho assim que puder me
separarei dele e sobre a Melissa, bem, não sei o que fazer sobre essa
conexão indecifrável entre ela e Jonathan.
Olho-me no espelho satisfeita com a minha aparência, estou vestida
adequadamente para esta noite. Vesti um vestido longo, lilás, com um corte
na lateral. Decote quadrado não exibindo muito dos meus seios. Deixo
meus cabelos soltos, com seus cachos naturais, caindo abaixo do meu
ombro. Minha maquiagem é leve, optei por um batom rosê.
— Está linda, Ivy. — Levo a mão ao peito pelo susto. — Aqui. —
Abre a caixinha de veludo em sua mão, mostrando um colar maravilhoso.
— Use.
— É lindo! — exclamo chocada.
— Vire que irei pôr em você, Melissa tem um parecido, mandei
fazer.
Arregalo os olhos.
— Você é louco, isso custa uma fortuna.
— Dinheiro não é o problema, agora se vire.
Reviro os olhos, pondo a mão na cintura.
— Para de me dar ordens, não sou suas amiguinhas.
— Não, você não é, é minha noiva, minha mulher e por isso lhe
ordeno, tomo e faço o que bem entendo. — Ele passa a língua pelos lábios,
segura e ergue meu queixo. — Minhas garotas merecem o melhor —
sussurra tocando meus lábios com os seus.
Meu coração acelera, e me perco na intensidade do seu olhar.
Jonathan não é um homem fácil de conviver, no entanto, a cada dia que
passa fico ainda mais encantada por ele, cada dia que passa ainda mais
apaixonada pela forma que trata Melissa, o jeito em que sorri para ela e a
sua paciência em ouvi-la falar por horas. Ele nunca a corta, sempre atento e
disposto a lhe mimar.
Fico curiosa sobre ele, quero conhecê-lo de verdade, porém não
posso me envolver mais do que já estou, porque no final serei a única
prejudicada.
— Vou usar e depois te devolverei — pontuo séria.
— Não quero de volta, Ivy Tulipa, ele é seu.
— Obrigada — agradeço sem jeito.
— Vire-se — ordena.
Bufo, mas faço que pediu pego meus cabelos, puxando os fios para
cima, lhe dando total acesso ao meu pescoço. Sua respiração quente toca
minha nuca, seu perfume intrínseco me abrange por inteira tomando cada
pedacinho meu, deixando-me envolvida em seu âmago.
Quando a joia de ouro branco com uma pedra azul, fria, toca minha
pele, tremo pelo choque térmico. Seguro o ar, tentando conter meu corpo
trêmulo. Suas mãos repousam em meu ombro, seu corpo quente está ainda
mais perto, centímetros, talvez dez. Solto meus fios loiros, sendo incapaz de
sustentar minha mão erguida por mais tempo.
— Temos que descer, preciso ver Melissa. — Suspiro de raiva por
gaguejar.
— Ela está bem, meus pais estão a mimando.
— Jonathan. — Respiro fundo quando encosta seu corpo no meu. —
Por favor, vamos descer.
— Não fuja de mim, raposinha.
Engulo em seco, ansiosa, nervosa, almejando ter mais do seu toque.
Arfo quando a sua mão desce e aperta minha cintura. Merda! Merda! Ele
sobe a mão parando abaixo dos meus seios, colocando certa pressão.
— Seu perfume está me enlouquecendo, amor — murmura,
passando a barba em meu pescoço, de forma lenta. — Não posso imaginar
outro homem te tocando a não ser eu, Ivy.
Estremeço, ávida querendo mais e mais dele, implorando
silenciosamente por qualquer resquício. Jonathan tem sido meu bote salva-
vidas, contudo, também é a âncora que leva direto ao fundo.
— Temos que descer, ou pretende me deixar trancada aqui dentro?
— pergunto quase sem voz.
— Pretendo, não agora, mas em breve e você amará — responde,
beijando minha pele exposta e se afastando.
Bufo e puxo a maçaneta, saindo a passos largos, antes de pisar na
escada seu braço me envolve e descemos juntos. Caço minha filha, mas não
a vejo em lugar nenhum.
— Cadê Melissa? — Não escondo o nervosismo em minha voz.
Sem me responder me arrasta por uma grande porta dupla, ouço o
som da risada da minha filha. E outras vozes junto. Assim que passamos
pela porta, Manuela vem em minha direção sorrindo. Olho além do ombro
dela e vejo minha garotinha sentada no colo do Danilo, me olhando
animada.
— Querida, você está magnífica! — elogia, me fazendo dar uma
volta.
— Obrigada! — agradeço, lhe dando um beijinho em cada lado do
rosto. — Seu vestido é maravilhoso.
— Mamãe e eu! — Melissa pula no chão rodopiando igual um pião.
— Vovó que me deu!
Analiso seu vestido vermelho, de mangas compridas, sua saia é
rodada. Seus sapatinhos também são vermelhos e o diferencial está no laço
azul na cabeça e no colar idênticos ao meu. Ela está linda.
Vou até ela com a sombra de Jonathan ao meu encalço, o homem
simplesmente não me deixa respirar sozinha um minuto.
— Você está mais linda que uma princesa! — exclamo, pegando-a
no colo e lhe dando um cheiro.
— Eu sou linda igual a você, mas tenho os cabelos do papai e os
olhos escuros da vovó Rosa.
Sorrio acenando em positivo, uma vez Melissa me perguntou por
que não tinha olhos azuis como os meus, lhe disse que era porque herdou os
olhos da minha mãe e logo em seguida lhe mostrei uma foto, daquele dia
em diante ela não me questionou mais.
— Ivy, a Mel já conheceu o pessoal agora falta você! — Manuela
não consegue esconder a animação. — Esse é minha irmã Lurdes e ao seu
lado, meu cunhado Ricardo, esses são os meus sobrinhos Camile, Roger e
Roberto.
Apresento-me a cada um deles, os rapazes me olham e sorriem
abertamente, Roger e Roberto acenam, mas não se aproximam, talvez seja
pelo fato de Jonathan estar grudado a mim, mantendo seu corpo colado ao
meu e sua mão esmagando minha cintura. A única realmente feliz é a
Melissa que parece estar adorando tudo.
Criança é um ser tão inocente.
Lurdes, Camile e Ricardo me analisam atentamente, como se
esperassem o pior de mim. A prima do meu noivo me lançou um sorriso
debochado e irritante. Devolvo, me aconchegando mais ao Jonathan, e em
seguida beijo o rosto da nossa filha.
— Vida, nossa filha não está linda? — Ergo a cabeça o encarando,
seus olhos encontram os meus.
— Nunca vi ninguém mais linda do que ela essa noite, minhas duas
flores estão espetaculares — afirma sem desviar os olhos dos meus.
— Papai, eu sou flor?
— Sim, seu nome e da mamãe são de flores, e em breve irei plantar
cada uma delas no jardim da nossa casa.
— Mas moramos em um prédio — diz Melissa, confusa.
— Papai comprou um terreno e está construindo nossa casa.
— Com piscina, lago com peixinhos e um cachorro? — pergunta
com os olhinhos brilhando feito jabuticabas.
— Sim, vai ter tudo isso! — confirma, sorrindo para ela.
Meu estômago embrulha, esse homem está cercando de tudo que é
lado. Não pode prometer essas coisas.
— Vamos jantar! — Manuela grita.
Quase grito aleluia!
Melissa é retirada dos meus braços por Danilo, e ela vai de boa
vontade. Meu pai nunca foi de fazer isso com ela, tê-los lhe dando tanto
amor é estonteante.
Seguimos para a sala de jantar onde há uma mesa de vidro, longa e
larga. Há ao menos 16 assentos. Minha boca fica cheia de água ao ver um
porco assado, crocante. Parece estar delicioso. Observo os outros
acompanhamentos, Deus, isso é um banquete.
Acima da mesa há um lustre lindo e grande. As paredes claras
deixam tudo em perfeita harmonia. As cadeiras acolchoadas combinam com
o local. Sou guiada até o meio da mesa, onde Jonathan puxa a cadeira para
que eu me sente, logo em seguida se acomoda ao meu lado. Cada um se
direciona a um local da mesa. Foco meus olhos na costela, minha barriga
ronca. Só comi na hora do almoço e já são mais de sete da noite.
As pessoas à minha volta falam, mas ignoro, como em silêncio. Vez
ou outra lanço um olhar a Melissa, mas ela está quieta, mastigando, sentada
no meio dos seus avós emprestados. Manuela e Danilo cortam a carne para
ela, lhe dão legumes e sempre que ela se suja limpam sua bochecha.
— Primo, eu não sabia que tinha uma filha até ver nos noticiários —
Camile comenta quando os pratos são retirados para servirem a sobremesa.
— Se leu a notícia também deve saber que só descobri recentemente
sobre a Melissa e me arrependo muito disso — Jonathan responde de forma
grosseira.
— E você, Ivy, por que não procurou meu primo antes?
Limpo a boca com o guardanapo de pano e sorrio.
— Eu não sabia o nome dele até revê-lo na empresa — minto sem
pesar. — Conversamos e vimos que estávamos apaixonados desde sempre.
— Não é estranho que ela não tenha olhos claros? — indaga Camile,
analisando minha filha no outro lado da mesa desatenta a nós.
— Na verdade, não, ela se parece com minha mãe, e seus olhos são
os mesmos — declaro e sorrio.
Ela só acena e não diz mais. Jonathan pega a minha mão e a leva até
a boca beijando-a apaixonadamente. Sinto o olhar de raiva da Camile e é
mais que visível que ela tem sentimentos pelo primo. Não sei dizer se em
algum momento foi correspondido, mas não é algo que seja da minha conta,
por mais que me incomode de certa maneira.
Preciso me lembrar de que só estou aqui de passagem, uma hora
esse faz de conta irá acabar. Ironicamente, meu coração se aperta cada vez
que penso que isso não é real. Merda! Estou me entregando demais para
algo que no final eu e minha filha seremos as únicas feridas.
Quando a sobremesa chega sorrio, é torta de morango. Antes que eu
pegue o talher para comer, Jonathan o faz.
— Abre a boca, amor, te alimentarei — diz, pegando um pedaço e
pondo perto dos meus lábios. Abro a boca, apreciando o sabor do doce. —
Isso minha, flor — sussurra. — Mel, seu doce está bom?
— Sim, estou ganhando na boquinha também igual à mamãe!
Sorrio para ela que me manda um beijinho.
Minhas bochechas esquentam mais a cada colherada que Jonathan
me dá, tenho vontade de sair correndo, mas me seguro. Seus falsos gestos
de carinho, suas palavras doces me ferem como se flechas estivessem me
atingindo. Seguro as lágrimas, sorrio para ele e lhe lanço um olhar
apaixonado sincero.
Aguento sentada à mesa por minha filha que está extremamente
animada com tudo isso.
[i]
Uma fruta da família Aceraceae comum na América do Sul.