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Copyright © 2023 Thamy Bastida

Todos os direitos reservados


Revisão :Lidiane Mastello
Designe da Capa: Bruna Gurgel
Ilustrações: Carlos Miguel Artes
Diagramação: Thamy Bastida
Esta é uma obra de ficção, nomes, personagens, lugares e
acontecimentos descritos, são produtos da imaginação da autora. Qualquer
semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
Todos os direitos reservados.
É proibido o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte
dessa obra, através de quaisquer meios (tangível ou intangível) sem o
consentimento escrito da autora. A violação dos direitos autorais é crime
estabelecido na lei nº. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código
Penal.2018
Quando o CEO da Construtora Torassi se envolve em um escândalo,
um plano de emergência é criado para limpar a sua imagem e a da empresa.
Ivy Tulipa é uma mãe solteira que foi contratada recentemente como
secretária do temível Jonathan Torassi, mas tem sua vida mudada ao ter que
assumir publicamente um noivado com ele.
Ela precisa do emprego e ele dela para se redimir perante os
acionistas e o público.
O que pode acontecer nesse faz de contas?
SINOPSE
SINOPSE
AGRADECIMENTOS
DEDICATÓRIA
O COMEÇO
PRÓLOGO
CAPÍTULO 01
CAPÍTULO 02
CAPÍTULO 03
CAPÍTULO 04
CAPÍTULO 05
CAPÍTULO 06
CAPÍTULO 07
CAPÍTULO 08
CAPÍTULO 09
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
EPÍLOGO
O FIM
Quero começar agradecendo a Deus, que mesmo nessa fase difícil
me deu condição de concluir essa novela, mesmo com tantas dores e
prorrogando a data da entrega eu consegui concluir, então, muito obrigada,
Deus.
Agora quero agradecer a Brena por ter enchido a porra do meu saco
para fazer essa história que amei, foi um desafio cumprido, e mulher, sua
louca, me encheu de ideias e roteiro, gratidão.
Lidi, como sempre obrigada por ser essa revisora que sempre me
acolhe e sana minhas mil dúvidas.
Família gratidão!
E muito obrigada a você, querido leitor, por sempre estar aqui ao
meu lado e embarcando nas minhas insanas loucuras, amo vocês de
montão!
Dedico esse livro para todos os apaixonados por contos de fadas e
clichês, vocês merecem tudo que desejam!
Era uma vez, uma mulher pobre que ao buscar um emprego caiu nas
garras do seu arrogante chefe e desde então tudo mudou para ela e sua doce
filhinha...
Era uma vez uma garotinha que buscava um pai...
Era uma vez uma Ceo que precisava de uma esposa de mentirinha
Digníssimo leitor, isso não fica bom por nada, vai para o prólogo.
Boa leitura!
Aperto minhas mãos uma contra a outra, nervosa, após um longo
processo seletivo recebi uma ligação dizendo que fui aceita na Construtora
Torassi, chorei de alegria e animada rodopiei meu pinguinho de gente no
ar dando altas gargalhadas. Meu sorriso é tão amplo que minhas bochechas
doem, no entanto, sou incapaz de esconder quão feliz e grata estou.
— Seja bem-vinda à construtora Torassi, Ivy! — Luana aperta
minha mão. — Aqui está o seu crachá para ter acesso à empresa.
Contratada!
Puta merda, vou levar Melissa para tomar sorvete em
comemoração, minha filhinha merece!
— Obrigada por me dar essa chance! — agradeço, apertando sua
mão com força. — Irei dar o meu melhor, Luana. Não vou decepcionar
ninguém.
— Tenho certeza de que irá, Ivy — diz. — Lhe desejo toda sorte do
mundo.
Saio do RH me sentindo mais leve comigo mesma. Ainda hoje irei
separar roupas sociais para a semana. Não posso estar informal, como
secretária do Diretor Executivo terei que me portar à sua altura.
Ainda bem que ele é um senhorzinho, segundo alguns jornais Danilo
Torassi é um homem gentil e extremamente atencioso.
Tenho certeza de que será maravilhoso trabalhar com ele.

Abro meus braços quando o meu pinguinho de gente corre em


minha direção com sua mochila de rodinhas da Rapunzel, seus cabelos
escuros voam no ar, meios presos pela tira com uma flor gigante.
— Meu amor! — grito quando a seguro em meus braços, apertando-
a contra o meu peito. — Mamãe sentiu sua falta, princesa!
— Também senti sua, mamãe!
— Sentiu muita?
— Um montão, do tamanho do mundo!
— Isso é muita saudade, Melissa!
— É o tantão que te amo!
Pego-a no colo e beijo sua bochecha.
— Mamãe conseguiu o emprego — conto a novidade a ela.
— Oba! — grita agudo. — Vamo ter uma casinha só nossa, mamãe!
— Vamos em breve! — garanto.
Melissa e eu vivemos com o meu pai e minha madrasta, mas nós
não duas somos bem-vindas na casa, agora que fui contratada espero poder
alugar um apartamento e sair de perto deles o mais rápido possível.
Entro no elevador aperto o botão do último andar, a ala presidencial,
minhas mãos estão suando de tão nervosa que me encontro. Mal consegui
tomar café da manhã e, após deixar Melissa na escolinha, corri para pegar o
metrô. Quase cai com esses saltos, a falta de costume é uma cadela na hora
da pressa. Minha filhinha estava mais animada que eu e não se importou em
ter que ficar horas a mais estudando, já eu estou com o coração apertado,
mas não há ninguém para ficar com ela o restante do dia até eu chegar.
Minha madrasta e meia-irmã se recusaram e no momento não posso me dar
ao luxo de pagar alguém.
Saio do elevador e sorrio para a recepcionista do andar, uma ruiva
de olhos escuros. Sua maquiagem é pesada, sombra escura e batom
vermelho. Suas unhas longas batem no balcão como se estivesse irritada.
Atrás dela o grande quadro de vidro sobre uma boa parte da parede,
indo até o teto com letras cursivas em tons dourados grande “Andar
Executivo Presidencial Torassi”.
— Oi, bom dia, sou Ivy Soares, a nova secretária do senhor Torassi.
— Ergo o meu crachá de identificação e sorrio.
— Sou Daiana, o senhor Torassi ainda não chegou e tudo que
precisa está em sua mesa, no final do corredor em frente à sala do chefe —
diz de forma monóloga.
— Ah, obrigada! — agradeço, me afastando já que ela volta a
digitar no seu computador.
Sigo suas orientações e ando pelo corredor, o piso de mármore
branco e as paredes claras deixam o ambiente clean, há alguns quadros na
parede no decorrer do caminho e no canto entre as grandes janelas há uma
árvore em um vaso enorme.
Quando a vidraçaria acaba, sorrio ao parar diante de uma mesa
larga de madeira maciça escura. Expiro o ar dos meus pulmões, tentando
me acalmar, merda. Isso é real. Meu emprego dos sonhos.
Na minha frente está a sala do meu chefe, os vidros escuros me
impedem de ver o que está dentro, a porta de madeira escura quebra um
pouco o estilo clean do andar, mas posso dizer que é proposital, pois dá
um charme e tanto. Parece que tudo aqui foi extremamente planejado.
Bem, estou em uma construtora, seria estranho se não fosse.
Sento-me na cadeira e já ligo o computador, vendo a logo da
empresa aparecendo, ponho a senha que me foi passada por Daiana. Vejo
no canto da tela o sistema da agenda do senhor Torassi. Abro e começo a
analisar o que temos para o dia de hoje, graças a Deus a última secretária
deixou as coisas organizadas, senão enlouqueceria.
Começo a mexer no computador, conhecendo suas funções, não
quero ser pega de surpresa com algum pedido. Primeiro vejo como a
agenda funciona. Percebo que tudo é corretamente sinalizado como um
semáforo, vermelho assuntos urgentes, amarelos necessários e verdes os
que podem ser deixados para outras datas.
Todas essas informações encontram-se na pasta “para você, nova
secretária”.
Leio os e-mails e faço anotações para quando o senhor Torassi
chegar. Imprimo algumas cópias de alguns documentos enviados. Para
minha alegria a impressora fica ao meu lado direito, ela é daquelas
enormes que imprime de tudo que é jeito, tira cópias entre outras funções
que nunca vi.
Fico de pé e começo a organizar os papéis na ordem correta,
mantendo-me atenta a qualquer mínimo passo. Estou de costas para a
porta de entrada e não quero perder a chegada do chefe.
Os cabelos da minha nuca se arrepiam, um perfume amadeirado,
forte, silvestre toma conta do ar me fazendo querer flutuar de tão bom que
é. Vagarosamente viro minha cabeça para trás e pelo susto deixo os papéis
em minhas mãos cair. Olhos azuis como o mar do caribe me encaram,
inexpressivos. Meu coração acelera em meu peito deixando meus ouvidos
zumbindo. Diante de mim está o homem mais lindo que já vi em toda a
minha vida.
Analiso-o, alto, nariz ereto, bem desenhado, barba por fazer.
Usando um conjunto de terno que chutaria italiano. Sapatos de couro,
refinado e uma expressão de tédio. Seus cabelos pretos estão penteados, no
entanto, parecem rebeldes.
Ele é lindo pra cacete!
— O-o-olá — consigo dizer, tomo fôlego antes de continuar: — Sou
Ivy, a secretária do senhor Torassi, em que posso te ajudar?
Sua sobrancelha grossa é arqueada como se estivesse questionando
o que disse.
— É assim que vai recepcionar meus clientes ou colegas de
trabalho, gaguejando feito uma colegial na primeira apresentação de
trabalho? — indaga arrogantemente.
— O quê?
— Ainda é surda! — rosna. — Daqui a cinco minutos quando se
recompor entre e me passe a agenda do dia, senhorita Soares!
Arregalo os olhos quando ele se vira e segue para o escritório,
abrindo a porta e fechando em um estrondo. Pisco algumas vezes, tentando
entender quem é esse homem.
Vai que ele é um louco!
Corro para a porta, a abrindo exasperadamente em um baque,
prestes a se sentar na cadeira do presidente está o arrogante bonito.
— Quem é você e por que está se sentando na cadeira do senhor
Torassi? — questiono em um só fôlego.
Com uma expressão de tédio, ergue a mão esquerda e aponta para
uma plaquinha em cima da grande mesa de madeira. Chego mais perto para
ler.
— Presidente Jonathan Torassi — leio alto e em bom som.
— Já tem a resposta para a sua pergunta, senhorita.
— Mas o presidente é o senhor Danilo...
— Meu pai se aposentou há dez anos, acho que cometeu um
equívoco e caso queira se demitir basta ir até o RH ou me passe a droga da
agenda do dia! — vocifera com os dentes cerrados. — E pare de me olhar
como se eu fosse um fantasma.
Abro a boca para dizer algo, mas fecho, é inacreditável o que está
acontecendo. Eu li nos jornais sobre o senhor Danilo, presidente, e bem,
não posso ter lido matérias de anos atrás.
— Irei pegar a agenda e te passar, senhor — murmuro ainda em
choque. Minha cabeça está a mil. — Peço desculpas pelo meu erro.
Jonathan apenas me encara, lanço um sorriso amarelo enquanto
caminho a passos largos para fora. Ponho a mão no peito assim que passo
da porta, droga! Como pude cometer um erro desse tamanho? Eu deveria ter
ido mais a fundo na minha investigação sobre a empresa.
Pego o iPad e volto para dentro. Jonathan está sentado em sua
cadeira olhando para a tela do computador como um Deus. Esse homem me
desconcerta um pouco, mais do que deveria.
— Bom dia — começo perdida. — Posso começar?
— Já era para ter começado!
Afirmo meus pés no chão, mordo minha bochecha esquerda,
tentando conter o meu nervosismo.
— Bem, agora pela manhã o senhor não tem nenhuma reunião
física, apenas precisa fazer uma ligação para Ricardo Rich, da filial de Rio
Grande do Sul. — Seus olhos continuam na tela. — À tarde tem uma
teleconferência com o pessoal do Japão e para hoje é só isso.
— Bom, pode ir e não me passe nenhuma chamada pela manhã. —
Seus olhos encontram os meus. — Fui claro?
— Foi sim, senhor!
O canto da sua boca se contorce, não sei se de irritação ou porque
está debochando da minha cara.
— Essa é a hora em que você some da minha vista, garota! —
brada, me fazendo saltar.
— Desculpe, senhor, licença.
Praticamente saio correndo, fecho a porta atrás de mim e por fim
solto o ar que estava prendendo.
Faltando meia hora para o horário de almoço me questiono sobre o
que devo fazer, há uma pilha de papéis que devo lhe entregar. Mas do jeito
que o seu humor estava, sinto medo de ir até ele e receber uma bronca.
Com uma gota de coragem, empurro a cadeira para trás, me levanto,
aliso minha saia. Pego os papéis e sigo para porta escura de madeira. Bato
uma vez e aguardo sua resposta.
— Entra!
Empurro a maçaneta para baixo e adentro o seu covil, deixando a
porta aberta, sigo até sua mesa, sorrio sem mostrar os dentes.
— Aqui, senhor, uns documentos para analisar e assinar — digo,
evitando olhar em seus olhos. — Estou saindo para almoçar, caso precise
de mais alguma coisa me diga ou me ligue.
— Quero almoçar rosbife com batata dourada sem óleo, arroz
integral, molho madeira e uma salada de espinafre com sete gotas de
vinagre e meia grama de azeite, sem sal — diz em um tom que não há
discussão. — Tome o cartão corporativo, senha 2554. Compre seu almoço
também.
— De qual restaurante o senhor deseja comer?
— Imperial Impact.
— Já trago, senhor.
— Não demore!
Só aceno e saio, desesperada segurando o cartão na mão. Pego
minha bolsa e sigo pelo corredor até o elevador, Diana está no seu posto,
aceno, mas a mulher nem sequer me olha. Entro no elevador que já está
parado, para minha sorte ele desce sem qualquer parada. Suspiro de alívio
quando chego ao térreo.
Pego meu celular para ver onde fica o restaurante, para minha sorte
fica a dois minutos andando. Olho meu WhatsApp para ver se há alguma
mensagem da professora da Melissa. Conforme não tem nada me sinto
aliviada.
Minutos depois estou aguardando os pedidos ficarem prontos, peço
o prato mais barato do cardápio e o que demorará a ficar pronto é do senhor
Jonathan. Trinta e dois minutos depois estou subindo de volta à ala
presidencial. Com duas sacolas de comida na mão.
Por alguma razão suspiro aliviada ao ver que o balcão da recepção
está vazio, caminho apressada. Paro em minha mesa, despejo minha sacola
de comida e a minha bolsa sobre ela, dou alguns passos e bato à porta, Deus
me livre entrar em bater.
— Entra, Ivy, e traz sua comida junto, não almoço sozinho —
ordena, me deixando toda arrepiada.
Pego minha comida e entro, Jonathan para minha surpresa está
sentado à mesa de oito lugares à direita, onde normalmente faz as reuniões
rápidas. Seus olhos azuis como o céu sem nuvens me analisam com cautela.
— Você demorou — comenta, se recostando na cadeira acolchoada.
— Seu pedido foi feito na hora, senhor — começo a explicar rápido.
— Então, tive que aguardar um pouco, corri o máximo que pude, não
trouxe bebidas porque não me pediu e fora isso está tudo certinho.
— Você fala rápido demais.
— Desculpe.
— Pare de pedir desculpas...
— Me desculpe, eu...
— Só se sente e coma.
— Sim, senhor!
Mais uma vez o canto da sua boca se estende em um possível
sorriso, e mesmo que não seja é sensual. Não, não, Ivy! NÃO PENSE ISSO
DO SEU CHEFE.
Entrego-lhe sua comida, e me sento o mais distante possível dele e
da sua presença esmagadora. Como com uma atenção tripla e sempre que
ergo os meus olhos me deparo com seu olhar, é como se estivesse comendo
me encarando atentamente. Tento não demonstrar incômodo, mas é
impossível.
Olho para o relógio ansiosa para que o dia termine e eu possa voltar
para a minha Melissa.
Paro de correr assim piso no saguão da construtora Torassi, o
segurança Bruno que está todos os dias no seu posto e responde aos meus
“bons dias” com um aceno de cabeça e nada mais, enruga a testa ao me ver
toda ofegante como se tivesse corrido uma maratona, e bem, é assim que
me sinto.
A professora de Melissa me chamou para conversar hoje, me
questionando se eu conseguiria ir à reunião de pais e mestres amanhã às
duas da tarde, expliquei a ela que não conseguiria, Carla, ao invés de me
liberar resolveu discutir o assunto e mesmo depois que as crianças
entraram, a mulher continuou falando e falando sem parar, normalmente eu
a adoro, no entanto, hoje eu quase mandei que se calasse a boca. Somente
depois de mais de vinte e cinco minutos ela me liberou.
O metrô não demorou, mas a questão é que: sou sedentária e não
corro tão rápido quando acredito que possa. Estou exatamente meia hora
atrasada e pronta para receber um esporro, mais que merecido.
Sigo para o elevador já pegando meu celular na bolsa,
provavelmente Jonathan enviou algum e-mail questionando o meu atraso,
para minha surpresa não há nada. Não sei se fico aliviada ou desesperada.
Para na entrada do elevador atrás de alguns homens, que conversam
animadamente sobre futebol. Eles riem alto, falam meia dúzia de palavrões
e gargalham. Dou alguns passos para trás, buscando me distanciar, odeio
ouvir essas ladainhas masculinas sobre futebol, sexo, mulher e apostas.
Sempre me sinto constrangida diante de tanta testosterona, aos 24 anos
tenho pouquíssimas experiências com homens.
Paro bruscamente de andar quando me choco com um corpo, e pelo
perfume sei perfeitamente de quem é. Viro-me desesperada, já pronta para
pedir um trilhão de desculpas, mas o olhar sério e enigmático me para, cala
a minha boca antes mesmo de eu falar qualquer coisa, Jonathan Torassi está
diante de mim com toda a sua maravilhosa glória.
— Bom dia, senhorita, se não se importa gostaria de passar. — Sua
voz ecoa em meu ouvido como um trovão estridente em uma tempestade,
me deixando nervosa.
Dou um passo para o lado ainda estática pela sua presença, meu
coração como todas as vezes que vê o pela manhã pulsa mais forte ao ponto
do meu peito doer.
— Bom dia, senhor Torassi — consigo dizer.
Ele apenas me olha e segue abrindo caminho entre os homens que
deixam um corredor para que passe. Todos estão calados, e o
cumprimentam com um simples aceno de cabeça como se fosse um Deus.
Jonathan para dentro do elevador e me encara com sua digníssima
expressão de tédio.
— Senhorita, está esperando o que para entrar? — indaga,
segurando as portas metálicas. — Quer que eu te carregue?
— Nã, nã, não senhor — gaguejo, nervosa, abaixando a cabeça e
seguindo para dentro da caixa metálica.
Meu rosto está pegando fogo e quando as portas se fecham me sinto
encurralada feito um animal, estou morta de vergonha e disposta a me jogar
do Pão de Açúcar, a morte será rápida.
Oh, meu Deus, me perdoe, eu não posso morrer, Melissa tem só a
mim.
— O que estava fazendo com aqueles homens? — pergunta com a
voz fria.
— Como assim, senhor? — questiono com a testa franzida.
Ergo a cabeça o encarando, sua expressão está carregada como um
céu escuro diante de uma terrível tempestade. Seus lábios se contorcem e
um som árduo soa da sua garganta.
— Você estava se exibindo para eles! — acusa irritado.
Pisco abismada, do que ele está falando? Será que não me viu
querendo fugir de perto deles? Respiro fundo, preciso do emprego, não
posso xingar o meu chefe que aparentemente não está batendo bem hoje.
— Senhor Torassi, eu não estava me exibindo para ninguém — digo
devagar, sem pressa. — Tinha acabado de chegar e quando esbarrei no
senhor era porque estava fugindo deles.
— Então foi assediada?
— O quê? Não!
— Então por qual motivo estava fugindo? — pressiona, chegando
mais perto de mim, ocupando meu espaço pessoal. — Não os defenda! —
explode, com as narinas dilatadas, olhos raivosos que me deixam arrepiada
e até temerosa.
— Eu não estou defendendo ninguém! — declaro, mais alto do que
costumo falar.
Jonathan analisa meu rosto em busca de alguma mentira, exprime os
olhos como se estivesse prestes a cometer uma loucura. Engulo em seco,
nervosa, ansiosa para sua próxima reação, desde o dia em que comecei a
trabalhar aqui, essa é a primeira vez que ficamos tão próximos, o calor que
emana da sua pele me toca passando por todo o tecido que o envolve,
estamos a poucos centímetros um do outro. Sua respiração toca minha pele
como um sopro quente. Aperto minhas mãos contra o tecido do meu
vestido, me impedindo de tocar o seu rosto e tirar os fios rebeldes da sua
testa.
— Espero que isso seja verdade, Ivy, senão terá sérios problemas
comigo — profere, se afastando. — Se qualquer homem se aproximar de
você venha imediatamente me dizer, fui claro.
— Mas por que, senhor Torassi?
— Você é minha secretária, Ivy. Não quero marmanjo tocando no
que é meu — emite calmo como se não fosse nada.
Quando vou responder o elevador para e a porta se abre, Jonathan
sai caminhando como se estivesse em uma maldita passarela, e eu estou
parada com a boca aberta e mente a mil, tentando absorver o que acabou de
acontecer.
— Não vai sair daí? — Daiana pergunta, me olhando com nojo.
— Sim, vou — respondo, saindo às pressas do elevador.
Sorrio para ela, que vira a cara, como sempre.
Sigo pelo corredor até minha mesa, pego o iPad e encaro a porta de
madeira, puxo o ar, tomando coragem para encarar meu delicioso chefe.
Abraço Melissa apertado, beijo seu rostinho com paixão, essa
menina é minha fraqueza e ao mesmo tempo fortaleza. Ponho-a no chão e
aceno para Carla que estava no portão. Vi que não havia mais nenhuma
criança para sair, mais uma vez sou a última mãe a buscar seu filho.
— Mamãe hoje o dia foi tão legal! — grita toda animada.
Pego sua mão e sigo pela calçada, daqui até em casa é rapidinho.
— O que você fez?
— Eu ganhei o prêmio de melhor leitura! — Sua voz é puro
entusiasmo.
— Parabéns, meu amor, era o livro que estávamos lendo em casa?
— pergunto.
— Não, outro escolhido na hora.
Melissa está aprendendo a ler, a escolha dela é mais exigente do que
as demais do bairro, não é uma leitura fluida, mas sim uma mais lenta, onde
as crianças vão juntando as vogais, consoantes e depois aos poucos juntam
e falam a frase. Desde os três anos Melissa começou esse processo, no
início não gostei, achei puxado e até mesmo cruel para uma criança, porém
ao ver sua curiosidade por palavras, livros infantis de leitura fácil me
animei, hoje ela consegue ler, com dificuldade e às vezes demora bastante,
mas o faz e eu como uma mãe coruja fico toda animada.
— Mamãe está muito orgulhosa de você, minha pequena flor. —
Sorrio para ela que me devolve exibindo seus dentinhos de leite. — Vamos
no mercado rapidinho, filha.
— Tá bom!
Minutos depois entro no mercado para comprar o lanche dela da
escolinha e alguns mantimentos para comemos, minha madrasta, Rose,
começou a implicar que comemos às suas custas, pois ela que faz a janta e o
almoço. A mulher me detesta. Para evitar discussão passei a fazer a nossa
janta separada. Às vezes não do tempo de cozinha feijão, então invento um
molho rápido, graças a Deus minha filha nunca reclama.
Saio do mercado com algumas sacolas, meu braço dói por
concentrar o peso da pequena compra em uma só mão, a outra segura
Melissa, essa menina não para quieta e se eu deixar corre na frente do carro
sem medo do perigo.
Suspiro aliviada ao ver o portão de casa enferrujado, deixo as
compras no chão e tiro o bolo de chaves da bolsa, abro o portão, pego as
compras e sigo para dentro, Melissa corre até o pé de pitanga, colhendo as
maduras. Faz uma careta, mas não para de comer.
— Vamos entrar para tomar um banho — chamo já na porta, tirando
os sapatos. — Pegue sua mochila.
— Mas eu quelu comer frutinha, mamãe!
Suspiro cansada, se ela continuar comendo não vai jantar, conheço
essa história. Depois da pitanga vai para o de acerola e por último pegará as
mangas que estão no chão para chupar.
— Não, vem cá, depois você come.
Emburrada caminha até mim arrastando sua mochila de rodinha com
força, nego com a cabeça. Entro em casa e suspiro ao ver Juliana deitada no
sofá com as pernas abertas e usando um vestidinho.
— Minha mãe só deixou janta para o seu pai — informa sem me
olhar. — Se vira para comer!
Vou para a cozinha em silêncio, ponho as coisas em cima da mesa e
sigo para o quarto, Melissa está jogando seu sapato para os lados. Olha-me
com expectativas, sei o que quer.
— Vamos, vai tomar banho no tanque, assim te vejo enquanto faço
nossa janta.
Ela grita toda animada, vou ao guarda-roupa, pego seu pijama do
urso Pooh, sua toalha. Enquanto voltamos para a cozinha ela salta, feliz.
Melissa ama tomar banho no tanque, deixa encher bastante e depois brinca
com a água e espuma de sabão.
— Mamãe vou fazer muita espuma! — declara saltitante.
— Quero só ver!
Tiro sua roupa e a ponho dentro do tanque, tapo a buraco do tanque
para a água não ir embora. Abro a torneira e jogo um punhado de sabão
líquido para criança.
— Não tente pular para fora.
— Vou ficar aqui dentro, mamãe!
Começo a fazer comida a olhando de vez em quando, lavo toda a
louça que deixaram suja, ao mesmo tempo vou limpando as que sujei.
Quando tudo está pronto, vou até a minha filha que está com espuma até
dentro das orelhas.
— Meu Deus, você mergulhou no sabão!
Ela ri toda boba, jogando ainda mais espuma para o alto.
— Eu gosto, muito! — grita, espalhando água e sabão por toda a
área.
— Vamos jogar essa água fora e te enxaguar, pequena sereia!
— Mamãe prefiro ser a Branca de Neve, e você a Cinderela, aí,
mamãe, você perde seu sapatinho o papai encontra e vivemos felizes para
sempre — diz toda animada.
Meu coração erra algumas batidas ao ouvir ela falar sobre um pai,
raramente tocamos nesse assunto, uma vez lhe disse que seu pai era um
príncipe encantado, de cabelos pretos iguais ao dela que estava em uma
guerra contra gigantes e ogros, por isso não poderia estar conosco. Depois
desse dia o assunto morreu e nunca mais tocamos nele, até agora.
Lanço um sorriso amarelo para ela e começo, abro o registro e tiro
todo o sabão de seu corpo, lavo sua cabeça rapidamente com xampu,
enxaguo e passo o condicionador, massageando seu couro cabeludo.
— Ivy, minha mãe disse que é para lavar o banheiro e limpar o
quintal, pois você não é madame não! — Juliana entra na cozinha gritando.
— Olha só a bagunça que essa pestinha fez! Vai limpar tudinho, deixar
brilhando, suas merdinhas.
Trinco os dentes para não falar merda com ela na frente da Melissa,
respiro fundo algumas vezes, tentando me acalmar.
— Eu sempre limpo — consigo dizer sem berrar. — Agora me dá
licença que não tenho que terminar de dar banho na minha filha.
Ela me olha debochada antes de se virar e sair batendo os pés no
chão com seu salto alto, estava arrumada provavelmente irá sair como todas
as noites.
— Vamos ficar limpinha para comer? — pergunto a Melissa
sorrindo.
Ela me analisa por um segundo, com seus olhos de jabuticabas
curiosos, atenta a qualquer vacilo meu, por isso estendo ainda mais o
sorriso para ela.
— Vamo!
Duas horas e meia depois estava de banho tomado e exausta, limpei
o quintal, a cozinha, banheiro e a área de limpeza, entrei no quarto com um
pijama simples, antigo já bem esfarrapado, porém confortável. Tranquei a
porta, e fui me deitar com Melissa que estava lutando contra o sono, ela
costuma dormir cedo.
— Quer que eu leia uma história para você novamente?
Ela balança a cabeça negando enquanto me enfio no meio dos
lençóis, seu corpo pequeno se aconchega a mim.
— Mamãe, quando o príncipe voltar vamos poder fazer guerra de
sabão, e você não precisará trabalhar igual a Cinderela — sussurra entre
bocejos.
Beijo o topo da sua cabeça, segurando as lágrimas e incapaz de lhe
dizer que contos de fada não existem, não há nenhum príncipe capaz de nos
salvar.
Minha madrasta me olha atentamente enquanto arrumo meus fios
loiros, desde o dia em que comecei a trabalhar ela anda me cobrando mais
as coisas, não que eu me importe, mas é chato ser cobrada por tudo. Rose
suspira e bate o pé no chão quando não lhe dou a devida atenção. Ela não
gosta de ser ignorada e muito menos contrariada, às vezes, me questiono
sobre suas atitudes, porém, logo depois mudo de pensamento porque é
maçante demais tentar compreender alguém como ela.
Melissa está deitada na cama assistindo desenho pelo tablet, na
verdade, ela está mais dormindo do que acordada minha menina é agitada,
mas de manhã cedo não é ninguém.
— Sua irmã questionou que você recebeu e não deu nenhum
dinheiro para ela — Rose diz sentando-se na minha cama quase
empurrando minha filha. — Você sabe que ela contava com 20% do seu
salário para tentar fazer as coisas dela.
Respiro fundo, passo o gloss e me viro para encarar Rose que mexe
em seus fios escuros curtos com uma falsa calma. Ando até o guarda-roupa,
pegando minha bolsa e minha pasta. Ajeito a mochila da Melissa, guardo
seus cadernos dos exercícios feitos ontem à noite.
Juliana, é minha meia-irmã, bem, nem o mesmo sangue temos, ela é
mais nova, filha da Rose com o ex-marido. A menina não faz nada da vida,
não estuda, não arruma casa e quer que eu a sustente. Quando não está
pegando dinheiro com o meu pai, arranja dos seus namorados da zona sul.
Vive para esses cantos, tentando pegar barriga de um homem rico. Uma
menina que não pensa mais à frente, acha que só tem o agora.
— Rose não darei nada à Juliana, tenho Melissa para cuidar — digo
séria, a encarando. — Se ela quer dinheiro que trabalhe, já disse ao papai
que pagaria a conta de luz e água, mas se caso vier mais alto que o normal
eu não irei pagar — informo, ajeitando a bolsa que estava caindo do meu
ombro. — Nesses 30 dias eu mal parei em casa e não estou gastando. É
um absurdo exigir tal coisa para mim.
— Você mora na minha casa, Ivy! — grita, ficando de pé com o
rosto próximo ao meu. Seus olhos castanhos estão enfurecidos. — Vai dar
os 20% a sua irmã sim ou sai da minha casa, somos uma família! — Aponta
o dedo na minha cara enquanto berra.
— Se é isso que a senhora quer — deixo claro que não irei discutir
—, procurarei um lugar pra mim e minha filha, ainda essa semana saímos
da sua casa! — Olho em seus olhos, afirmando que não voltarei atrás em
minha decisão.
Mantenho meu queixo erguido, não demonstro a dor que estou
sentindo. Não deixarei que me veja de tal forma, destruída. Preparo-me para
o que virá, pelo que a conheço as coisas não terminarão bem. Já não estão
nada bem...
— Prefere sair de casa a ter que ajudar sua irmã? — questiona com
certa amargura na voz. — Você é ingrata, Ivy, está esquecendo que tem uma
filhinha.
— Melissa, vá pra sala — ordeno. — Agora!
Minha filha pula da cama e corre para fora.
— Como vai ser, Ivy, vai deixar se ser ingrata?
— Ingrata? — inquiro, cruzando os braços. — Eu sempre trabalhei e
nunca deixei de ajudar aqui em casa, me recuso a sustentar uma garota sem
futuro que não é nada minha — grito com raiva.
— Você não é nada minha e ainda assim mora aqui com a bastarda
da sua filha!
Ergo minha mão e lhe bato com força, fazendo o seu rosto virar.
— Cala a boca ao falar da minha filha — assevero. — Fica
pianinha, eu e ela sairemos daqui agora mesmo e não espere que eu faça
mais nada por vocês.
— Suma da minha casa! — berra, ficando de pé e me peitando.
— Pode deixar, agora me dê licença que arrumarei minhas coisas.
Rose passa por mim esbarrando o ombro com força. Respiro fundo,
tentando me acalmar, lágrimas surgem no canto dos meus olhos, mas não as
deixo cair. Não irei chorar por conta dessa mulher, não mesmo.
Pego minhas duas malas de viagem, e começo a guardar minhas
coisas e a da Melissa, não temos muita coisa e por isso cabe tudo. Ontem
recolhi as roupas do varal, então não estou deixando nada para trás. Pego
uma mala menor e ponho meus livros, em uma mochila coloco os materiais
da Melissa. Meia hora depois estou pronta para ir embora.
— Filha, vem cá! — chamo.
Em segundos ela entra no quarto me olhando assustada, seu tablet
na mão está com a tela acesa. Sorrio da melhor maneira.
— Que foi, mamãe?
— Vem cá para vestir o seu tênis. — Faço um sinal com a mão.
Melissa corre até mim, pego-a no colo, beijo sua testa e a ponho sentada na
cama, visto seu tênis cor de rosa rapidamente. — Filha, nós estamos nos
mudando hoje, tá?
— Vamo embora?
— Isso!
— Vai ser só nós duas?
— Só nós duas — afirmo.
— Isso é bom, mamãe!
Sorrio para sua inocência, se ela soubesse que nem um teto tenho
ainda para passarmos a noite.

Quando você imagina que não pode piorar é aí que as coisas


desandam, a escola da Melissa está fechada por conta de uma operação
policial na região. Para piorar, não tenho com quem a deixar, sendo assim,
só me resta levá-la comigo para a empresa.
Enquanto ela saltita rumo ao metrô, eu me contorço com tantas
malas, mandei uma mensagem para meu pai lhe dizendo o que aconteceu,
mas ele só visualizou. Papai e eu somos distantes desde a morte da minha
mãe e o seu casamento com Rose, o máximo que temos é o silêncio um do
outro, e para não dizer que ele nunca me defendeu, no dia em que cheguei
em casa com minha filha Otavio disse: “A criança vai ficar, sendo do meu
sangue ou não.”
Então por quatro anos me ajudou com Melissa, algumas vezes em
que minha filha adoeceu e só o meu salário não dava conta da medicação
ele supriu o que faltava e nunca me cobrou por isso.
Quando por fim consigo embarcar no metrô dou graças a Deus por
haver assento vazio, ponho meu pingo de gente sentada e fico em pé
segurando as malas. Olho o relógio e vejo que chegarei mais cedo. Corro
sérios riscos de perder meu emprego, mas explicarei tudo ao meu chefe e
ele irá me entender.
Jonathan é exigente, frio e bastante debochado, me obriga a almoçar
com ele todos os dias e não importa a hora em que eu vire minha cabeça em
sua direção, ele está me olhando, atentamente, sem qualquer emoção.
Não posso negar que me sinto extremamente atraída por ele, talvez
seja a sua beleza.
Vinte cinco minutos depois estou em frente à construtora,
Melissa olha para o prédio com a boca aberta.
— Mamãe aqui é lindu!
— É sim, amor, vamos.
Seguimos para dentro, os seguranças me olham como se dez chifres
tivessem crescido em minha cabeça e talvez tenha, não é certo.
Melissa fica opressiva ao entrar no elevador, ela tem medo de
lugares fechados e altos. Seus olhinhos castanhos se enchem de água. Sua
boca treme, ela vai chorar, mas quando estendo a mão dentro do elevador
para ela vir, sua cabeça balança em negação. Seus pezinhos andam para
trás.
— Filha, vem com a mamãe!
— Não! — Dizendo isso, ela se vira e corre, mas se choca com
longas pernas torneadas. — Ai!
Jonathan abaixa a cabeça e encara minha filha chorosa como se
fosse um alienígena, sua testa franze e depois ergue os olhos para mim.
Analisa a situação por um segundo antes de se curvar, estender os braços e
apanhar Melissa do chão.
Meu coração dispara, em uma mescla de medo e desespero.
Engulo em seco, congelo no lugar em saber o que fazer ou dizer.
— Voxe é bonito!
— Você também, criança! — Sua voz grossa, sai mais suave ao falar
com Melissa.
— Seja meu papai, eu não tenho um!
Arregalo os olhos, surpresa.
— Você não tem um pai? — indaga Jonathan, arqueando a
sobrancelha.
— Não, a mamãe fala que meu papai é príncipe encantado igual a
você que foi lutar contra os ogros! — Sua voz soa confiante. — Você
acabou de chegar e é um príncipe lindo, então é o meu papai! — Melissa
segura o rosto dele com as mãos. — Titia na escola fala que pode escolher
um papai eu ti escolho. O mais belo de todos.
Jonathan encara minha filha como se ela fosse um ET, não o julgo,
eu estou espantada com a sua atitude. Meus pés estão congelados no meio
da porta do elevador, extasiada sem saber o que fazer. Minha mente é pura
confusão, um branco estende por minha consciência e tudo que ouço e a
voz da minha filha “seja meu papai”.
— Vamos ver isso — articula, meu chefe. — Vamos subir, tenho
uma reunião.
A passos firmes ele vem até o elevador com a menina agarrada em
seu pescoço, ando para trás, liberando espaço para que entre, consigo ver
algumas câmeras de celular apontadas em nossa direção. Se uma foto ou
vídeo do que acabou de acontecer surge na internet trará graves problemas,
tenho noção disso.
— Melissa vem pra mamãe? — Estendo meus braços.
— Não!
Estreito os olhos para ela e suspiro. Essa garota!
— Deixe-a, quando eu for para a reunião te entrego — declara. —
Aliás, para que todas essas malas?
Engulo em seco antes de responder.
— Eu estou me mudando.
— Para onde que não deixou as malas lá? — me pressiona.
— Não achamos casa ainda — dispara Melissa. — Mamãe bigou
com a vovó e saiu di casa pra achar ota casa. — Ela faz um beicinho de
choro. — Vovó é uma buxa má que vive bigando com a mamãe e eu, um
dia ela bateu no rosto da mamãe e me chamou de merdinha.
Suspiro, agora ele deve achar que sou uma desabrigada.
— Hm. — Suspira. — Tenho um apartamento livre em laranjeira.
— Não há necessidade — digo rápido. Com certeza o aluguel custa
meus rins.
— Eu informei que vocês vão para lá — profere, me olhando pelo
canto do olho.
Pelo reflexo do espelho, analiso o homem ao meu lado, com os
cabelos bem penteados, um conjunto Armani, preto, liso, com uma camisa
vermelha e uma gravata preta, o Oxford preto em seus pés. O homem grita
luxo, expira poder e anda como um rei e em seus braços firmes está a minha
garotinha. É uma visão maravilhosamente quente e satisfatória.
Quando o elevador apita e as portas se abrem sinto-me amolecida.
Jonathan pega uma das malas e arrasta para fora, pego as outras e o
sigo, posso dizer que a expressão no rosto da Daiana compensou minha
manhã turbulenta. A minha colega de trabalho que parecia me odiar e
sempre me destrata, está me olhando confusa e até mesmo surpresa, parecia
que havia roubado algo dela. Eu tento de tudo para ser simpática com ela,
mas não funciona muito bem.
Seguimos pelo corredor até a porta da sua sala e a minha mesa. Nós
nos olhamos por um segundo até que ele suspira.
— Vá ficar com sua mãe, garotinha!
— Não! Vou ficar contigo pra sempre.
— Para sempre é muito tempo — argumenta Jonathan.
— Por isso mesmo. — Minha filha sorri, mostrando todos os seus
dentes de leite.
— Melissa vem cá — digo séria, puxando-a do colo do meu chefe.
— Depois vocês conversam, agora deixa ele ir para a reunião e não chora.
— Não briga com ela, não há necessidade de grosseria, Ivy! —
ordena, sua mão grande e toca o rosto da minha filha chorosa. — Depois eu
brinco com você, Mel.
Ela funga e acena com a cabeça enquanto ele dá meia-volta e sai
rumo à reunião, eu me sento em minha cadeira, tentando digerir tudo que
está acontecendo. Tem sido uma manhã mais do que agitada.
Sento-me na ponta da mesa, ouvindo, aceno com a cabeça e a
reunião começa, mas minha cabeça está longe, tudo que penso é sobre a
garotinha com olhos de cachorro molhado e a sua mãe, a mulher que vem
infernizando meus dias desde o dia em que a vi. Ivy tem me atazanado com
seus cabelos loiros, boca rosa e corpo esculpido para me foder. Eu queria
uma nova secretária já que Joyce se aposentou aos 67 anos, no entanto,
recebi como substituta da doce senhora a encarnação do diabo revestido de
timidez e um rebolado do caralho.
A única coisa que estraga são suas roupas do século passado, a
mulher tem um péssimo gosto para roupas e sapatos? Não sei que coisa
horrorosa é aquela que ela usa, mas minha vontade é de arrancar dos seus
pés e atiçar fogo. Não deveria ficar tão interessado na minha doce
secretária, mas assim como Adão estou tentado pelo fruto proibido.
— Eu acho que podemos mudar a marca do cimento — Tales diz. —
O que acha, Jonathan?
Ergo meus olhos para eles e suspiro.
— Acho que não compensa trocar a marca, economizar e perder
qualidade, seguimos com os melhores — declaro. — Remova uma dessas
paredes, isso está parecendo um labirinto. Para que setenta janelas, remova
isso. Analisem o solo novamente.
— Cadê sua secretária? — Gabes pergunta, olhando em volta. —
Não me diga que demitiu a garota.
Suspiro e nego com a cabeça.
— Não, ela está resolvendo outros problemas, agora agilizem o
resto dessa reunião que meu tempo é valioso — mando impaciente. Não
gosto que falem da Ivy.
Balanço a cabeça, prestando atenção no resto da reunião, suspiro
quando é encerrada. Os caras brincam entre si enquanto me vejo pensando
na garotinha Melissa. Confesso que normalmente fujo de crianças, as evito
o máximo possível, porém, quando me olhou com os olhos esbugalhados e
me estendeu os bracinhos não resisti, a peguei em meus braços e para
minha total surpresa o encaixe foi certo e parecia que ela pertencia a ali.
Merda, eu não gosto de crianças, mas me encantei pela Melissa,
como se fosse amor à primeira vista.
Em 45 anos, nunca desejei ser pai, nem mesmo quando namorei,
foram dois anos e meio de relacionamento com Judith, que me pressionou
de tudo que é jeito para noivar, casar e ter filhos, porém disse não e quando
me cansei encerrei nosso compromisso.
Judith é uma mulher elegante, bonita, com mechas escuras e curtas
em cortes elegantes da moda, uma mulher que qualquer homem na minha
posição se casaria para exibir em eventos, ela se portaria bem, no entanto,
não é alguém que conseguiria construir um laço afetivo. Ela deseja luxo e
mimos, estar no topo da hierarquia para poder se gabar com suas amigas tão
fúteis quanto si.
Pessoas assim me enjoam, desgastam, mal enchem os meus olhos.

Já Ivy, é o oposto do meu mundo, da minha vida e de tudo o que


tenho, uma coisinha pequena, delicada que se quebraria em minhas mãos.
Suspiro, não a terei, não ainda.
Pego meu celular e ligo para Lauro.
— Senhor Torassi.
— Quero um relatório de Ivy Soares — digo. — O mais rápido
possível.
— Sim, senhor.
Encerro a ligação e mando um e-mail para Rubis. Peço que limpe o
apartamento em Laranjeira. Organize um dos quartos com coisas de criança.
Para que deixe a despensa cheia de mantimentos, tudo isso até as quatro da
tarde.
Assim que as portas do elevador se abrem no meu andar, Daiana, a
recepcionista fica de pé, abre seu sorriso safado de todas as manhãs e
inclina o peito em minha direção, exibindo seu decote.
— Bom dia, senhor Torassi, posso ajudá-lo em algo. — Sua voz
fina, tenta soar sexy, no entanto, só irrita meus ouvidos.
— Não.
— Senhor, sei que não devia falar isso, mas crianças por aqui é
proibido, ainda mais em horário de serviço e sendo filha de uma
funcionária, ela está em horário de expediente.
— Senhorita, recomendo que cuide da sua vida e faça o seu trabalho
impecavelmente — alerto-a e saio sem esperar respostas.
Paro diante da mesa de Ivy, ela está distraída mexendo no
computador.
— Perdi algo importante?
— Meu Deus, que susto! — Põe a mão no peito. — Não o vi chegar,
estava distraída.
— Por que está chorando? — indago, me aproximando mais.
Ela morde os lábios, possivelmente pensando em uma desculpa
esfarrapada.
— Desculpa — murmura.
— Está se desculpando por conta de quê? — questiono.
— Por todo o trabalho que estou te dando e por Melissa acreditar
que é pai dela, eu vou conversar com ela mais tarde.
— Cadê o pai dela? — pergunto como não quer nada.
— Ela só tem a mim! — responde rígida.
— Você não a fez com o dedo.
— Eu, é complicado. Não quero falar agora.
— Uma hora conversaremos, Ivy.
Mil teorias se passam na minha cabeça, será que o filho da puta a
deixou, mandou abortar, ou melhor a estuprou?
Porra!
Eu não deveria me importar tanto com isso, mas não consigo evitar.
Seja quem for o sujeito não permitirei que se aproxime delas de novo. E
disso eu tenho certeza absoluta.
— Cadê a Melissa?
— Dormindo em seu escritório — responde sem graça.
Só aceno com a cabeça e sigo para lá, abro a porta devagar e a vejo
deitada no tapete forrado com uma pequena manta. Um lençol está à beira
dos seus pés. A criança está toda aberta, um braço acima da cabeça e o
outro estendido. Seus fios escuros espalhados para tudo que é lado. Uma
visão um tanto quanto engraçada.
A menina é a criatura mais linda que já vi em toda a minha vida.

Abro a boca espantada com o local, o apartamento situa-se na


cobertura, é cinco vezes ou maior que a casa em que vivia. Minha filha está
correndo pela sala gritando feito louca e eu parada na soleira da porta
pronta para sair correndo.
Não tenho condição de pagar esse apartamento, aluguel ou qualquer
outra coisa!
— Não posso ficar aqui — sussurro.
— Por quê?
Olho para Jonathan, esse homem só pode estar louco. Sim, meu
chefe está estranho desde hoje de manhã. Deve estar doente ou bateu a
cabeça.
— Eu não tenho condições de pagar aluguel aqui!
— Você não pagará, e antes que eu esqueça, Lurdes virá amanhã
para ficar com Melissa até arranjar uma escola aqui perto ou da construtora.
Respiro fundo.
— Quem é Lurdes?
— Minha governanta, uma senhora de 62 anos, gentil e adorável,
ama criança, mas não teve filhos, é de confiança — explica.
— Tudo isso é demais!
Começo a sentir falta de ar, não posso aguentar toda essa pressão.
Encosto-me na parede, arfando, desnorteada.
— Inspire e expire, Ivy, devagar, repita o processo sete vezes —
orienta Jonathan.
Faço o que pede, repetindo e repetindo até que começo a me sentir
melhor.
— Mamãe, olha essa TV! — grita, pulando no sofá cinza grande em
formato de L.
— Irei regular os canais de streaming para que ela só assista aos
desenhos que achar melhor — profere, mexendo no seu celular. — Quais
ela pode assistir?
Recomponho-me e lhe digo o que normalmente assiste, após isso o
deixo ali e sigo até a cozinha ampla e grande, com uma imensa mesa de
jantar, acima da mesa há um lustre grande com luzes amarelas.
A cozinha possui uma ilha, chique e bem equipada. A enorme
geladeira está mais do que abastecida. Há ovos, leites, iogurtes e algumas
frutas. O freezer contém carne na parte superior bem tampada e abaixo dois
potes de sorvete dessas marcas que não anuncia na televisão, mas são tão
caras que misericórdia.
A cozinha é revestida em paredes de mármores brancas e balcões
pretos. O piso claro se estende por toda a casa, ao menos o que vi até
agora. Da cozinha, por ser aberta consigo ver Jonathan sentado no sofá
com minha filha em seu colo, ele liga a televisão e põe um desenho para ela
assistir.
Paro olhando-os, é uma visão acolhedora e ao mesmo tempo
terrivelmente assustadora.
Volto para a sala, sigo até as malas e paro.
— Onde dormiremos? — quero saber, pois por mais orgulhosa que
eu seja, é melhor eu dormir aqui hoje e amanhã buscar outro lugar do que
ter que ir para um hotel ou pousada. — Gostaria de tomar um banho e
desfazer as malas.
Jonathan se coloca de pé com toda a sua glória com Melissa no colo,
estranhamente ela parece pertencer aos seus braços, isso me preocupa, pois
uma vez que minha garotinha estivesse apegada, ele irá embora e, então
sobrará para eu cuidar do seu coraçãozinho ferido, ao mesmo tempo que
tentarei cuidar do meu.
— Vamos, Mel, quero te mostrar seu quarto — diz de forma
espontânea para minha filha.
— Um quato só pra mim? — O tom de choque, surpresa e animação
é perceptível em sua voz.
Seus lábios se estendem em um sorriso sem mostrar os dentes, eu
nunca o vi sorrir de verdade, entretanto, esse pequeno traço em seus lábios
aquece meu peito, deixando-me eufórica.
— Sim, pequena — confirma, parando perto de mim, pegando uma
das malas grandes e a puxando para o segundo andar. Para nas escadas e as
ergue. — Deixe as outras aí que subirei, Ivy.
Bufando obedeço, pego só a mochila que é mais leve.
— Eu posso pegá-las — rebato, malcriada.
— Sei que pode, mas por que fazer quando eu estou aqui para isso?
— retruca, quase no topo da escada.
Reviro os olhos, ele só sabe dar ordens e mais ordens. E seu tom
nunca é impossível de contestar.
Quando piso no segundo andar suspiro, tão lindo quanto o de baixo.
Seguindo pelo corredor, ela para na segunda porta à esquerda, abre e minha
filha solta um grito alto, animado e extremamente agudo. Corro, entrando
para ver o motivo de tanta agitação, bem, automaticamente meus olhos
ficam nublados de lágrimas que me recuso a deixar cair.
O quarto é todo verde-água com branco, o teto está pintado de azul-
escuro, com vários desenhos das fases da lua e estrelas e a outra metade
azul-claro com nuvens e um sol radiante. As paredes possuem vários
desenhos de animais.
Melissa é apaixonada pelo céu e por bichos.
— Mamãe, isso é lindu, lindu!
Sorrio para ela, me agachando ao seu lado.
— É sim, meu amor, e tudo para você!
— Pra sempre?
Engulo em seco, pensando em uma resposta rápida.
— Sim. — Jonathan toma a frente dando garantia de algo que eu
jamais faria. — Gostou da sua cama?
Ela vira cabeça e olha para a direção que ele aponta, uma cama
baixa com vários travesseiros estava à direita, minha menina sorri e sai
correndo, pulando no colchão, sua gargalhada ecoa pelo grande cômodo.
— Sim! — grita em resposta.
— Ali é o seu closet, um guarda-roupa e ali o banheiro.
Hoje de manhã saímos de um cubículo e agora estamos diante de
um palácio. É bom demais para ser verdade.
— Melissa, fique aí que irei levar sua mãe até o quarto dela, está
bem?
Ela acena com a cabeça brincando com os ursinhos. Saio do quarto e
o aguardo no corredor, Jonathan puxa a mala. Quando paramos na última
porta, ele abre, acende as luzes. Minha boca se abre, o quarto é moderno,
com uma grande cama king centralizada.
O tom bege cobre as paredes, há uma penteadeira no canto
esquerdo, uma poltrona grande, branca um pouco mais afastada da porta,
em frente à cama. Duas portas ao lado direito julgo ser um closet e
banheiro.
Jonathan caminha pelo quarto confiante, como se fizesse isso todos
os dias.
— Obrigada — agradeço. — Tudo isso é muito, não posso pagar
com valores, mas sou extremamente grata.
Seus olhos se chocam com os meus, intensamente, me afogo neles,
são como águas cristalinas do oceano. Um verdadeiro mar mediterrâneo,
que ao mesmo tempo em que me prende em suas correntes, me salva.
Pergunto-me se sabe as reações que causa em meu corpo. Sempre que está
perto com esse perfume amadeirado e selvagem fico mole, sem ar e tudo
que sinto é ele. Às vezes minha garganta fica seca de tanto que anseio sentir
seus lábios contra os meus.
Mas Jonathan Torassi é proibido, o meu chefe é alguém fora do meu
mundo.
— Não há de quê — diz seco, ríspido. — Tenho que ir, conheça o
resto da casa, deixarei a chave no balcão.
Ele passa por mim como uma tempestade, deixando-me molhada,
parada e extasiada, ansiosa por ele novamente, por suas migalhas.
Saio do elevador e olho o relógio em meu pulso, 10:00 horas da
manhã, estou atrasado pra caralho, mas é culpa da loja infantil que não
soube me dizer qual boneca era melhor para uma criança de quatro anos.
Bando de incompetentes!
Daiana me olha e antes que diga algo posso por ela, pisando duro.
Meu dia está um caos, e para piorar não paro de pensar na minha doce
secretária e sua filinha.
Passei metade da noite em claro, pensando e pensando e no fim me
masturbei no banheiro com o rosto dela em mente, seu corpo jeito de andar
e droga, sua boca rosada, Ivy é a minha perdição. Essa é a minha rotina
desde que começou a trabalhar para mim, uma tortura.
Assim que me vê seus olhos claros se arregalam, sim, ela sempre
tem essa fodida reação. Suas bochechas ganham a coloração vermelha e na
minha calça meu pau se contorce.
E assim começa o dia.
Ivy é o que considero proibido por diversas razões, e nenhuma delas
é a nossa diferença de idade, não. Mas sim o fato de que ela ainda não está
pronta.
— Bom dia, Ivy.
— Bom dia, senhor.
— Conseguiram dormir bem?
— Sim, Melissa amou a cama dela e hoje pela manhã já estava
mega íntima da Lurdes, muito obrigada por enviá-la.
— Não há de quê. Qualquer coisa me diga.
Ela só acena e me segue com a agenda para dentro do escritório.
— Mandaram isso para o senhor, aqui o bilhete — diz ríspida, me
entregando um cartão.

Judith é uma filha da puta, nem me lembrava dessa data. Pego o


vaso e sigo para o banheiro do meu escritório, depeno as flores e depois dou
descarga. Sorrio, me sentindo melhor sem o cheiro adocicado. Jogo o cartão
na lixeira, saio do banheiro e vejo minha doce Ivy encarando-me com os
olhos brilhantes.
Sento-me à mesa a observando, hoje veste mais uma vez um
conjunto de roupas horrorosas.
— Qualquer coisa que vier da Judith pode mandar voltar, tacar fogo
ou sei lá o quê — disparo rudemente.
— Entendi, senhor.
Esse senhor acaba comigo, não sou fã dessas merdas de submissão e
dominação, no entanto, adoro tê-la me chamando, é sexy.
Olho para os seus pés e suspiro.
— Pegou esse sapato onde, no século XV? — questiono, deixando
claro que desaprovo esse maldito sapato.
— Comprei em liquidação achei bom e confortável para trabalhar
— responde sorrindo, olhando para os pés. — Gosto deles, não são os mais
bonitos, mas foi o que pude comprar, então dá para o gasto — diz, dando de
ombros.
Anotação mental de levá-la às compras, porque não vou suportar
mais ver esse treco feio em seus pés e essas roupas cobrindo seu corpo.
— Você precisa de roupas novas, sapatos novos — decreto.
— Não, senhor, eu já tenho as minhas roupas.
— Estou dizendo que vai fazer compras.
— Estou te dizendo educadamente que não há necessidade. — Seu
sorriso se amplia de forma gentil, forçado.
Dane-se, ela vai ganhar roupas novas.
— Não me responda, Ivy!
Ela solta uma lufada de ar.
— Não estou respondendo, apenas negando o que não preciso. —
Sua voz sai estridente.
— Você tem sérios problemas em entender o que digo, Ivy. Como
minha deve saber o seu lugar.
— Aí que está, senhor, eu sei o meu lugar e não sou sua. — A
amargura em sua voz chega a mim, me deixando irritado.
— Se diz, não irei contrariar.
Nós nos encaramos, sem desviar o olhar, ela com determinação e
mágoa e eu com raiva.
Sua negação me enfurece, deixa-me desconcertado por segundos.
Ela entenderá que me pertence.
Em breve!
— Bem, o senhor tem almoço de negócios com Salatiel Bueno.
Olho para o relógio e bufo. Fico de pé e caminho em sua direção,
apressado.
— Vamos, preciso de você nessa reunião. — Pego a mão da loira e
saio arrastando-a.
— Deixa eu pegar minha bolsa — diz exasperada, correndo até a
sua mesa e pegando uma bolsinha feiosa. — Vamos!
Pego sua mão de volta, seguindo para o elevador, gosto da textura
da pele contra minha. Minha mão cobre toda a sua, ela é pequena, frágil e
delicada. Ao chegarmos ao estacionamento a levo até meu carro, um Audi
preto. Abro a porta para que ela possa entrar, afivelo o cinto de segurança
em seu corpo e saio batendo a porta, indo para o lado do motorista.
— Odeio esse trânsito — resmungo bufando.
— Todo lugar tem seu ponto negativo e positivo.
— Depende do que o governo quer, rodovias mais largas deveriam
ser o plano.
Ela fica bem quieta e eu também, meia hora depois chego ao
restaurante que fica localizado do outro lado da cidade, é um restaurante
refinado de classe alta que serve uma boa comida italiana.
Estaciono o carro, saio, dou a volta e abro a porta para Ivy. Ela me
olha toda tímida, com aqueles olhos azuis e abaixa o olhar.
Ponho a mão em suas costas e a guio para dentro, sem nem menos
dizer o meu nome, sou levado pela recepcionista até a minha mesa, vejo que
cheguei antes do Salatiel, o homem sempre se atrasa. Por isso, o evito o
máximo possível, mas com Richard fora tenho que resolver tudo sozinho.
Richard, resolveu ficar em uma das nossas filiais, ele era o meu
vice, no entanto, em uma viagem se apaixonou e ao invés de trazer a mulher
pra cá foi para lá, deixando-me na mão.
Puxo a cadeira para Ivy e me sento ao seu lado, poderia ser à sua
frente, mas prefiro aqui, onde estou.
— Aqui é lindo, mas não sei muito de etiqueta. — Ela está nervosa.
— Pedirei algo que dê para comer de garfo e faca comum, não se
preocupe — tranquilizo-a.
— Obrigada.
— Melissa tem algum pediatra? — pergunto, mudando de assunto.
— Só a do SUS, mas sua saúde está bem e estável.
— O plano de saúde da empresa inclui ela, use e faça exames de
rotina — ordeno. — Se caso ainda não tenham liberado me fale.
— É muita gentileza sua, Jonathan.
Gosto da forma como diz o meu nome.
— Apenas faça o que disse.
— Sim, senhor! — debocha.
— Olha a ironia — alerto, com os lábios esticados.
— Oh, Deus me livre, eu duvidar de você!
Sorrio, ela quer me provocar e eu gosto da sua ousadia, aos poucos
está falando comigo mais abertamente.
— Desculpa o atraso, Torassi, o trânsito está uma droga — Salatiel
diz, se aproximando. — Não sabia que traria sua...
Deixa no ar de propósito.
— Ela está comigo, sente-se para que possamos comer — digo,
apontando para a cadeira.
Assim que nos sentamos somos surpreendidos por uma voz aguda e
raivosa. Assim que reconheço suspiro.
— Então trouxe a sua amante para um almoço de negócios,
Jonathan? — praticamente grita as palavras, atraindo vários olhares.
— Eu não sou...
— Calada, Judith, agora se sente ou vá embora! — exclamo sério,
sem humor.
Ela se senta de frente para mim, tomando sua taça de vinho branco.
Provavelmente está bêbada.
Ficamos em silêncio até a comida chegar, meu apetite foi embora.
Ivy come seu espaguete devagar.
— Então você me trocou por essa? — Judith pergunta, rindo pelo
nariz
Limpo a boca, bebo o vinho branco e por fim olho para ela que está
prestes a dar um chilique. Sempre que não consegue o que quer ela faz algo
assim, por um tempo funcionou entre nós dois, fingimos que estava
funcionando.
— Judith, peço que fique quieta que não temos nada há mais de um
ano, que porra tomou?
— Eu não tomei nada, você me abandonou, me fez perder nosso
filho! — berra alto, atraindo olhares para nós dois.
Respiro fundo, essa mulher está louca.
— Judith, você nunca engravidou de um filho meu, porque sempre
usei camisinha tripla enquanto te fodia — digo bem alto. — Vamos!
Olho para Ivy, fico de pé e lhe estendo a mão, em silêncio ela se
levanta, me segurando com firmeza, assustada.
Uma cadeira é arrastada brutalmente e jogada ao chão, graças a
Deus me viro a tempo de impedir que uma taça atinja o rosto de Ivy. Giro
meu corpo ficando na frente dela. O vidro se despedaça em minhas costas.
— Você está bem? — pergunto, vendo se algum caco a atingiu. —
Você se feriu?
— Estou bem, você me protegeu. — Sua voz é de choro. — Mas
você está bem?
— Estou ótimo, apenas puto de raiva! — rosno, me virando, a
mantendo atrás de mim por segurança. — Porra, está louca, caralho?
— Você me trocou por essa puta loira! — grita, pegando outra taça
para tacar, mas o segurança chega a contendo. — Me solta! — berra. — Eu
vou destruir esses olhos azuis. Essa cadela roubou o meu homem.
Salatiel me olha enquanto toma sua taça de vinho tinto, o filho da
puta está se divertindo às minhas custas.
Pego Ivy e a arrasto para fora, câmaras de celular nos seguem,
alguns cochichos também. A equipe de Marketing vai querer me matar
junto com os acionistas. Meu pai ficará decepcionado. Posso ter feito
muitas merdas, mas nunca trouxe nada para a imagem pública da nossa
família.
— Sua ex-noiva é assustadora — comenta Ivy, tremendo.
— Ela é uma vaca — digo e a puxo para os meus braços. — Calma,
pequena.
— Eu tenho um metro e sessenta e um, estou na média você que é
alto.
Sorrio, cheirando seu cabelo. A fragrância de pêssego atinge meu
olfato, é doce e suave. Aperto-a mais de encontro a mim, o encaixe dos
nossos corpos é perfeito é como se ela tivesse sido feita para ser minha.
Ela é minha!
— Estou esperando um filho seu, canalha! — Judith surge berrando,
se arrastando na verdade.
Veja uma jornalista se aproximando, de onde esses abutres
surgiram?
— Senhor, é verdade isso que a senhorita Liares está falando? —
pergunta a mulher com microfone apontado em minha direção.
Mantenho Ivy com a cabeça em meu peito, escondida, ou melhor
quase.
— Não é, essa senhorita e eu não temos uma relação há mais de um
ano — declaro.
— Isso é mentira! — O desespero começa a surgir no rosto de
Judith. Ela olha de um lado para o outro sem saber o que fazer. — Eu posso
comprovar!
— Pare, Judith, não se humilhe assim.
— Estou dizendo a verdade, você finge não lembrar!
Nego com a cabeça, dou uma gorjeta alta ao manobrista, entro no
carro e dirijo o mais rápido possível para longe daquela louca. Merda! Vou
ter que fazer uma declaração à imprensa.
— Ela é louca, né? — inquire Ivy. — Uma mulher que não sabe
aceitar o fim do relacionamento.
— Sim, ela é, mas farei uma loucura maior hoje com o pessoal da
mídia — aviso.
— O que fará? — indaga confusa.
— Tenho que ter de manter uma boa imagem, Ivy. Você e eu fomos
vistos juntos e por isso irei anunciar que estamos noivos e que nos
casaremos — respondo com calma.
— O quê? Não! — exclama confusa.
Olho para ela enquanto respira rapidamente, como se estivesse
prestes a infartar.
— Exatamente o que ouviu — digo, calmo.
— Eu não vou me casar com você!
— Você vai, Ivy Tulipa, e de véu e grinalda — afirmo sem deixar
espaço para discussão.
Matarei dois coelhos em uma só cajadada, o escândalo de Judith me
serviu para algo.
Ivy está encolhida no canto do sofá, apertando as mãos uma contra a
outra, parece um filhote perdido, acuada e com os olhos vermelhos, mas
nenhuma lágrima escorre, vez ou outra morde os lábios com tanta força
que, por um segundo acredito que irá se ferir. Seu estado de choque é
compreensível, é muito para digerir, e compreendo suas preocupações.
Convoquei a equipe de marketing para fazer uma estratégia de mídia
de um jeito que pareça natural, e que não deixe Ivy e Melissa muito
expostas, pois a criança vem junto no pacote. Merda, até agora não sei nada
sobre o pai de Melissa, mas tenho certeza de que se o infeliz não a
registrou, não irá aparecer a menos que queira dinheiro e isso eu tenho de
sobra para dar.
Uma nota de imprensa é lançada, de maneira rápida e ágil. Deixo
minha rede social quieta por enquanto, na hora certa postarei uma foto com
as minhas garotas, inferno, sim minhas, porra. Ambas, mãe e filha.
— Meu Deus, Melissa! — exclama, pondo a mão no rosto e
chorando. — Não posso fazer isso! Não posso! — repete chorando,
esfregando o rosto.
Aproximo-me dela, agacho-me na sua frente, pego suas mãos e a
obrigo me olhar.
— Vai dar tudo certo, Ivy. Melissa e você serão bem tratadas e
cuidadas — garanto sem desviar os olhos dos seus. — Nada acontecerá com
vocês duas!
— Não é só isso, não posso entrar nessa loucura com você!
— Apenas me deixe guiar, Ivy Tulipa.
— Você sabe o meu segundo nome! — Olha-me abismada.
— Você possui o nome de duas flores e a sua filha também, Melissa
Tulipa. Eu gosto.
— As pessoas não vão acreditar nessa mentira, Jonathan!
Solto sua mão e seguro seu queixo, obrigando-a a manter os olhos
fixos nos meus.
— Não é uma mentira, amor, é o nosso faz de conta. — Sorrio
abertamente, expondo os meus dentes. — Basta seguirmos rumo ao felizes
para sempre.
— Você é louco!
— E você a noiva mais linda de todas — elogio, ficando de pé. —
Agora vamos!
— Para onde?
— Coletiva de imprensa — respondo.
— Vocês têm vinte minutos, senhor Torassi — Beto diz, olhando
para a tela do seu celular. — Diversos sites de fofocas compartilharam
nossa nota e o vídeo da senhorita Judith. Há pessoas dando sua opinião
pessoal, mas nada do que já previmos.
— Sim, bem vamos.
— Meu Deus, eu ficarei desempregada, né? Ah, não, como cuidarei
da Melissa?
— Com todo respeito, senhorita, mas se casará legalmente com o
senhor Torassi, dinheiro não será problema — Beto diz tímido, ajeitando os
seus óculos.
O garoto tem 24 anos e é um gênio da computação, às vezes, sinto
que ele está doente.
— Como será depois que esse faz de conta acabar? — Seu
desespero é notório.
— Você continuará sendo minha secretária e estará na minha folha
de pagamento, satisfeita?
— Muito!
— Bem, agora vamos descer! — pronuncio, impaciente.
— Não preciso de um papel ou sei lá o quê? — indaga.
— Não, tomarei a frente de tudo, só fique ao meu lado.
Entramos no corredor, seus passos ao meu lado são barulhentos.
— Serei uma noiva troféu que só sorri? — Gargalho com sua
pergunta.
— Não, amor, será minha noiva ninfeta, já que sou vinte e um anos
mais velho.
— Você tem quarenta e cinco anos? — Há espanto em sua voz.
— Sim.
— Deus está te conservando bem.
— Vou aceitar como um elogio.
— Mas é um — afirma.
Daiana nos olha com cautela, enquanto passamos por sua mesa. A
mulher ruiva falta lançar algo na cabeça de Ivy.
Entramos no elevador em silêncio.
— O que preciso saber? — pergunta exasperada, respirando rápido.
— Bem, primeiramente, que antes de vir trabalhar aqui já tínhamos
uma relação secreta e de maneira alguma te ajudei a entrar, foi uma surpresa
para nós dois — começo a criar a história do faz de contas. — Nossa
diferença de idade não é um problema, são apenas vinte e um anos, e
Melissa é o nosso maior amor e o que nos une.
— Eu não sou mãe biológica da Melissa, eu a achei, adotei e desde
então ela é minha, a mídia pode descobrir isso? — confessa de forma rápida
e amedrontada.
Pisco abismado, esperava por tudo, menos isso. Porra, essa
informação não pode vazar. Aperto o botão, parando o elevador.
— Eles não descobrirão, alguém sabe?
— Meu pai, mas ele jamais falará, minha madrasta e sua filha não
sabem, acreditam que escondi minha gravidez delas. Foi um período que
estava mais cheinha devido ao estresse da universidade — esclarece.
— Bom, iremos dar um jeito nisso. Nada disso afetará vocês de
maneira negativa — garanto mais uma vez.
Pego sua mão e a aperto, é estranho, mas gosto do contato da sua
pele com a minha. Ivy é tão pequena, sempre que a toco sinto que vou
quebrá-la. Sua inocência e falta de percepção do perigo me atiça.
Meus pelos se arrepiam quando ela morde os lábios inferiores como
agora. Uma maldita vontade de jogá-la contra a parede e lhe morder cresce
em meu peito. Cerro os punhos, buscando controle sobre meus desejos. Ela
está fora da zona. Não posso trazê-la até mim desta forma, porra! Parece
que o elevador não desce nunca. Nunca foi tão sufocante estar ao lado de
alguém, tocar a pele e ao mesmo tempo não poder tocar. Inferno! O
perfume doce e floral me envolve como se estivesse em um campo rodeado
de lírios. A boca rosada me lembra a cereja, eu amo comer cereja. Afrouxo
o nó da gravata, tentando aliviar meu sofrimento, mas só piora quando a
vejo pelo reflexo do espelho, passando a língua pelos lábios, mordo seu
lábio inferior, puxando devagar, arrastando o dente por sua pele sensível.
Foda-se tudo!
Viro-a bruscamente, colo seu corpo ao meu e em um impulso a jogo
para cima, obrigando-a rodear suas pernas em mim. Choco seu corpo contra
o metal frio tomando sua boca contra a minha. Caralho! Que gosto doce.
Tomo-a ferozmente, aperto sua bunda com força. Desço meus beijos
por seu pescoço, ouvindo-a arfar enquanto arranha meu pescoço
remexendo-se em meu colo. Mordo seu queixo, subindo minha boca ao
encontro da sua mais uma vez. Seus olhos estão fechados em uma
expressão de prazer. Puxo seu lábio inferior com meus dentes antes de
chocar mais uma vez nossas bocas. Pressiono meu corpo ainda mais contra
o seu, sentindo minha ereção bater contra a sua boceta.
— Sua boca é uma doce tentação, Ivy — murmuro contra seus
lábios.
— Jonathan. — Suspira meu nome, me deixando louco.
Lambo sua garganta, sentindo o gosto da sua pele, salgada e
deliciosa. Porra!
Beijo-a mais uma vez ardentemente, manejo meus próprios instintos
e a solto antes que cometa uma loucura e a foda no elevador. Aperto o botão
e voltamos a descer.
Ajeitamos nossas roupas quando a porta se abre no térreo e
seguimos até a assistência o local, o auditório da empresa criado para
eventos entre outras coisas, é onde acontecerá a coletiva de imprensa.
— O que acabou de acontecer? — pergunta, saindo do choque.
— Eu te beijei com fome!
— Você quase me decapitou, isso sim!
— Ivy, quando isso acontecer você sentirá e amará! — sussurro em
seu ouvido, mordendo seu lóbulo. — Iremos nos casar, amor, é normal nos
beijarmos.
— Não sabia que nos faz de conta teria essas indecências.
— Ivy Tulipa, irá acontecer muito mais coisas — declaro.
A verdade é que eu deveria tomar mais cuidado e tomá-la aos
poucos, dane-se se estou indo contra minha própria promessa, tudo mudou.
Flashes de luzes voam em nossa direção, como se estivéssemos em
um tapete vermelho. Isso aqui não é Oscar, mas a quantidade de jornalistas
e blogueiros é a mesma.
Ivy se encolhe, assustada, ao contrário de mim, não está acostumada
com isso, e como já disse é muita coisa para um só dia e desde ontem sua
vida está carregada de emoções.
Arrasto a cadeira para que ela se sente e me sento ao seu lado.
Ajeito o microfone e encaro o grupo de pessoas ansiosas diante de mim.
Alguns sussurram, outros apenas analisam tudo para poder tirar suas
próprias conclusões.
— Boa tarde, agradeço a todos que vieram tão rápido — começo. —
Primeira pergunta.
— Boa tarde, gostaria de saber se não traiu Judith como pode ter
uma filha de mais ou menos 5 anos se até três anos atrás estava com a
senhorita Liares
— Minha filha, foi concebida antes de eu me envolver com a Judith
e, eu nunca a traí. Ivy e eu nos conhecemos em uma noite, sem saber nada
sobre o outro e no dia seguinte seguimos nossas vidas, mas recentemente
descobri ser pai da flor mais linda de todas.
— A Judith alega que a obrigou cometer um aborto, o que tem a
dizer sobre isso, senhor Torassi?
— Eu nunca cometi tal crime, e a senhorita Buena nunca
engravidou, não de mim, — digo ríspido. — Em todas as nossas relações eu
me protegi, a única mulher que me fez perder a cabeça foi a Ivy e dessa
loucura veio nossa filha.
— Há uma diferença de idade entre vocês, é um problema?
— Não, eu acho até bem clichê — Ivy responde, tímida. — Me
sinto vivendo em um dos livros top 1 da Amazon Kindle, sabe, aqueles que
todos lemos e falamos mal pelas costas, esses mesmos. — Ela ri. — Só que
aqui é real, e vocês estão me deixando constrangida, invadindo nossa
privacidade assim, é estranho, nos livros as mocinhas fazem parecer fácil.
Pego sua mão e levo até meus lábios, beijando-a delicadamente.
Mais tarde vou olhar esses livros, não estou gostando de ser
comparados a esses imbecis literários não.
— Como a criança está reagindo a tudo isso?
Meu corpo fica tenso, merda. Eu me encantei por Melissa à primeira
vista, seus olhos carentes me conquistaram, a garota é perfeita, então em
pouco tempo já sinto que ganhou meu coração e porra ninguém nunca fez
isso, nem um cachorro de rua.
— Ela o ama, ele a mima, mas acho que é normal. — Fico grato por
Ivy responder. — Eles estão se adaptando um ao outro, todos nós estamos, é
muito amor, no entanto, é novo estar em família.
As repórteres femininas riem e os homens reviram os olhos. Alguns
olham para minha mulher com desejo, porra estou possessivo, mas é isso
não há mais como voltar atrás.
— Como é trabalharem juntos?
— Estamos indo bem, sabemos ser profissionais — digo. — Ela é
centrada e esforçada.
— Ele é exigente, chato e sempre está atento a qualquer mínimo
erro — dispara minha noiva.
Todos rimos.
— E para quando é o casamento?
— O mais rápido possível, mas ela está me torturando com a
escolha da data, por mim iríamos hoje para Vegas! — Gargalho. — Vamos,
amor?
— Não! — ela exclama.
— Estão vendo como um homem como eu sofre? — indago,
brincando.
— Vocês pretendem ter mais filhos?
— Sim, mais uns três, sou filho único, sei como é crescer solitário.
— Sou sincero, nunca quis construir uma família, mas já que estou
ganhando uma vamos aumentar, sendo assim, a Ivy terá mais de um motivo
para estar presa a mim.
— O casamento será aberto ao público?
— Não, será privado, senhores, por hoje é só. — Encerro, me pondo
de pé. — Vamos?
Ivy segura a minha mão e fica de pé, seguimos para fora com mais
chuvas de flashes.

Jogo-me no sofá da sala trêmula, assim que saímos da coletiva de


imprensa viemos para a “minha casa”, graças a Deus, Lurdes levou Melissa
ao parque aqui do prédio, assim me dá tempo de pensar em algo. Jonathan
ultrapassou todos os limites ao alegar que é pai biológico da Melissa! Agora
a merda é ainda mais funda.
Levanto-me e vou até a cozinha beber água, preciso pôr umas quatro
colheres de açúcar para me acalmar e muita, muita camomila.
Enquanto estou perto de surtar, Jonathan está sentado
tranquilamente na poltrona, perto do sofá bebendo uísque e mexendo no seu
celular. Com um ar relaxado, seu cabelo está bagunçado e sua gravata
frouxa, e puta merda ele está lindo pra cacete.
Parece estar preparado para uma sessão de fotografia, deveria ser
errado um homem desses existir. Ainda sinto a adrenalina que seu beijo me
causou o formigamento e a necessidade de ter mais toques.
Nenhum homem me causou isso.
— Vocês terão que se mudar para o meu apartamento. — Sua voz
ecoa alta, me fazendo saltar, pois estava concentrada admirando sua beleza.
— O quê? Mas por quê? — gaguejo.
— Vamos nos casar e não posso viver aqui, é pequeno!
Abro a boca espantada, olho em volta e suspiro pesadamente.
— Isso é grande! — brado e aponto para a nossa volta. — Não seja
louco, Jonathan.
— Não, não é! — praticamente grita.
— Seu apartamento é maior do que isso?
Bebo minha água em um só gole, sem açúcar mesmo.
— Ivy, precisamos criar Melissa com mais espaço para que ela
cresça bem.
— Seus argumentos não são válidos — rebato. — Tudo isso é muita
loucura para mim. Fiquei noiva ontem, sem ser consultada, sua ex-noiva
está me atacando na internet e para piorar você me agarrou!
— Você gostou de ser agarrada e tomada por meus lábios.
— Me fez mentir diante das câmeras, tudo isso é demais, Melissa
não pode se mudar agora ela acabou de se mudar para cá!
— O quarto dela será igual a esse, e até maior, ela terá mais espaço e
o meu condomínio é mais seguro.
— Isso só pode ser uma fanfic!
— Que porra é essa? — indaga com a testa franzida. — É mais uma
desses livros de romance?
— Algo parecido.
— Não gosto disso, te darei livros de filosofia, didáticos com bons
ensinamentos — declara, pondo-se de pé. — Faça as malas.
— Não!
Ele caminha sem pressa, sem desviar o olhar e com um sorriso de
lado sensual que deixa minha calcinha mais do que molhada. Para diante de
mim, o calor que emana do seu corpo parece me alcançar e deixa-me em
chamas. Seus dedos longos e grossos tocam o meu queixo, erguendo-o para
cima. Sua mão livre repousa firmemente em minha cintura, apertando,
causando formigamento.
— Eu não pedi, amor. Eu ordenei e obedecerá. — Ele se curva e
encosta seus lábios nos meus, sua língua contorna minha boca ressecada,
ansiosa por seu beijo.
Concentre-se, Ivy! Não caia nessa tentação, não caia!
— Você é muito mandão — sussurro, engasgada pela falta de ar.
— Você não viu nada, amor — retruca, mordendo meu lábio
inferior, eroticamente. — Você perceberá o quão bom eu sou em dar ordens.
Obrigo os meus joelhos a permanecerem reto, contudo, eles estão
quase se dobrando. Estou fraca, é como Jonathan me deixa, domada, sem
palavras e necessitada do seu toque letal.
— Jonathan. — Suspiro, agarrando seu ombro com força, buscando
equilíbrio.
— Adoro quando diz meu nome assim, é tão sexy, amor. — Seu
hálito quente se choca com a minha pele, causando choque térmico.
— Mamãe, cheguei! — Melissa grita batendo a porta na parede em
um estrondo.
Jonathan se afasta um pouco, me permitindo a voltar a respirar.
— Olá, Mel! — Ele sorri e vai na direção dela que ao vê-lo sorri
ainda mais largo, suas pernas curtas se movem rapidamente de encontro a
ele. — Você saltita — comenta, a pegando em seus braços e a erguendo no
ar.
Retiro o que disse, perco o fôlego mais uma vez. O jeito que ele a
trata é de aquecer o coração, é como estar diante dos primeiros raios de sol
de uma manhã fria.
— Papai! — grita, Melissa, beijando o rosto dele e me deixando
congelada no lugar.
— Melissa, ele...
— Sou seu pai, pode me chamar assim, agora quer uma novidade?
— Jonathan me corta.
— Qual, qual? Me fala, papai!
Seguro-me no balcão, tenho certeza de que mais um pouco cairei no
chão como uma jaca podre despencando do pé.
— Vamos morar juntos!
— Como uma família? — pergunta minha filha com o rosto cheio
de expectativas.
— Sim, seremos uma família, Melissa. — Sua voz soa firme e não
deixa um ar sequer para dúvidas.
— Pra sempre?
— Até o fim da minha vida e muito além — promete, beijando suas
bochechas gordinhas.
— Eu quelo isso, muito, muito...
Estranhamente eu também queria, e isso me assustava.
Seguro firmemente a mão de Melissa enquanto entramos no parque
de diversão, sua empolgação é gigantesca. Usando um macaquinho azul,
curto e tênis branco, com o cabelo escuro preso em rabo de cavalo alto. Já
eu estou de calça jeans, de cós alto, blusa preta e tênis. Cabelos soltos e
molhados. Percebi há um tempo que mãe raramente sai tão arrumada.
Levo-a à barraca para comprar os tickets, está no finalzinho da tarde
e depois de uma semana agitada, e muito trabalho consegui tirar uma
folguinha para sair com ela.
Nesses últimos dias ignorei meu “noivado”, ignorei os toques do
Jonathan, os seus olhares sugestivos e os outros funcionários. Evitei olhar
para Daiana, a mulher me odeia dez vezes mais agora.
Na fila, longa, cheia de jovens, casais e crianças sou a última. Isso
vai demorar.
Meu celular toca dentro da bolsa, tiro rapidamente e atendo sem
olhar o visor.
— Alô?
— Onde você está com a Melissa, porra? — Um trovão ecoa em
meus ouvidos. — Responde, Ivy! — exige.
Recomponho-me e suspiro.
— Estou no parque, Melissa estava querendo vir há um tempo —
respondo calma.
— Por que não me chamou? — indaga, raivoso. — Sou o pai dela!
Esse homem está louco, biruta da cabeça, precisa com urgência de
um neurologista e quem sabe um psiquiatra.
— Não sabia que gostaria de vir — digo sincera. — Normalmente,
homens como você evitam esses lugares com crianças.
Ouço-o bufar.
— Não me compare a outros homens, amor, sou único e me manda a
localização que já chego ai!
— Você vai vir? — Não consigo esconder a surpresa em minha voz.
— Sim, Ivy Tulipa, mande a localização e fique longe de qualquer
homem!
Sem mais ou menos ele encerra a ligação, deixando-me frustrada.
— Quem era, mamãe?
— O Jonathan.
Seus olhos brilham feito estrelas cadentes, seus lábios se esticam em
um sorriso largo de mostrar as gengivas.
— Papai tá vindo, oba! — grita, saltitando feito um canguru.
Apenas sorrio de volta, vê-la feliz é a minha maior missão de vida.
Tenho me esforçado muito para que Melissa receba amor, e que seja uma
menina alegre.
Quando a peguei em meus braços pela primeira vez estava suja,
ferida e ainda com o cordão umbilical. Sua pele roxa me assustou, corri
para o hospital mais próximo. Melissa ficou internada, não tinha nada
grave, só precisava ser alimentada. Uma amiga da minha mãe, assistente
social que me viu crescer e também esteve comigo quando perdi minha
mãe, me perguntou o que eu pretendia fazer. Eu a quis e com ajuda dela,
dos enfermeiros e a médica de plantão consegui registrar Melissa como
minha filha.
Eu a amei no segundo que a vi e depois agradeci a quem a
abandonou, eu queria um motivo para viver e tive ao encontrá-la.
Minutos depois consigo comprar ingressos, sigo até o carrossel e por
Deus, mais fila. Como uma boa senhora idosa de 24 anos estou ansiosa para
poder me sentar, beber um café e ler um livro.
Levo um susto quando Melissa grita e sai correndo, me viro e vejo
Jonathan, usando uma camiseta de manga, azul, simples, uma calça jeans
preta, seus braços definidos estão à mostra, apertados pelas mangas. As
tatuagens em seus antebraços estão sendo expostas. Eu não sabia que ele
tinha tatuagens, e puta merda o deixam tão sensual. Esse homem é gostoso
de todos os lados. Usa uma bota e cinto.
Puta que pariu, Jonathan casual é lindo de morrer!
Rodopiando Melissa no ar e atraindo tudo que é tipo de olhares, ele
sorri para nossa menina que se encontra radiante. Quando seus olhos me
encontram sorrio espontaneamente, coloco uma mecha do meu cabelo atrás
da orelha. A passos largos ele vem até a fila.
— Ivy — cumprimenta, sorrindo de lado.
— Jonathan.
Nós nos olhamos intensamente.
— Por que ela não está em nenhum brinquedo? — Arqueia a
sobrancelha, escura e grossa.
— Estamos aguardando na fila.
Ele olha para as pessoas à minha frente com desdém, suspira
profundamente parecendo estar bravo. Analisa tudo à nossa volta e bufa.
— Vai demorar. Como ela vai se divertir?
— Ela vai se divertir, é normal ter filas, é um espaço público.
— Deveria ter me dito, pegaria o jatinho e a levaria em um parque
privado em São Paulo, ela não enfrentaria esse estresse!
— Você que está irritado, Melissa é uma criança comum! — rebato,
me irritando.
— Melissa, conta a sua mãe que você é filha do papai e papai pode
te dar o mundo — diz, olhando para a criança.
— Mamãe, papai pode me deixar mais feliz — ela diz toda boba.
— Melissa Tulipa, nada disso, vai enfrentar fila como toda criança!
Ambos me olham como se eu fosse uma louca, mas não ligo,
mantenho minha palavra. Menos de cinco minutos depois chega a vez dela.
— Qual a idade dela? — pergunta o funcionário. — Se tiver
menos de cinco tem que ir acompanhada por um responsável.
— Papai, vem comigo?
Jonathan me olha como se quisesse saber minha opinião.
— Vai com ela que tiro foto de vocês!
— Toma, tire bastante e filme. — Estende-me seu celular, caro de
última geração. — Vamos!
— Vamos, papai, quero ir no cavalinho branco!
Abro a câmera e os filmo, enquanto ele a coloca no cavalo e se
ajeita ao lado dela a segurando, ele sorri para ela, e é um sorriso verdadeiro.
Quando o carrossel começa a se mover minha filha sorri e abre os braços,
na mesma hora as mãos de Jonathan se firmam em sua cintura.
— Sorri pra mim — grito quando eles se aproximam.
— Oi! — gritam em uníssono, sorrindo em minha direção.
Encerro a filmagem e bato algumas fotos, uma mais linda que a
outra. Minha menina fala algo animadamente com ele que responde. Eu
poderia ver essa cena pelo resto da minha vida em um filme sem pausa.
Uma hora depois, após sete brinquedos e duas possíveis discussões
com Jonathan e os funcionários, paramos no tiro ao alvo, Melissa quer um
urso gigante e o senhor arrogante decidiu que ela terá um.
— Quero o leão, papai, pega pra mim!
— Pegarei mais de um, Mel! — garante com confiança.
Aproximo-me deles.
— Não faça promessas que não poderá cumprir — peço entre
dentes.
— Veja e aprecie, pegarei uns para você também. — Piscando, ele
segue, pega a espingarda confiante. — Por você, Melissa.
Ele se abaixa no balcão e atira acertando o alvo, acerta o segundo,
terceiro e assim adiante. Abro a boca chocada, outras pessoas também o
olham da mesma maneira.
Quando entregam a ele o leão gigante Melissa grita feito louca e ao
abraçar o grande urso maior que ela a balança para lá e para cá, animada.
Jonathan pegou sete ursos grandes e só parou porque os
funcionários pediram.

Assim que chegamos em casa, subo com Melissa para lhe dar
banho, mesmo sonolenta ela está falante.
— Mamãe, papai vai me colocar para dormir? — pergunta,
enquanto enxaguo o seu cabelo.
— Não sei, filha.
Enrolo uma toalha em volta do seu corpo e outra em sua cabeça.
Pego-a em meus braços e saio do banheiro, me deparando com Jonathan
sentado na poltrona branca de canto, com um livro o menino, a toupeira, a
raposa e o cavalo. Está descalço, seus ombros relaxados e nos olha com
carinho.
— Depois que você vestir seu pijama, lerei uma história para você,
Mel. — Sua voz soa gentil e calorosa.
— Viu, mamãe, papai irá ler pa mim! — diz toda feliz, sorrindo de
orelha a orelha.
— Então vamos logo vestir o pijama.
Dez minutos depois Melissa está sentada no colo de Jonathan com
os cabelos quase secos, vestindo e agarrada ao seu urso Pooh. Olho para
eles perdida sobre o que devo fazer, não sei se fico ou não.
— Vá tomar um banho, Tulipa, daqui a pouco me encontre na sala
para conversarmos — Jonathan ordena.
Reviro os olhos e vou até Melissa, dou um beijo em sua testa e
sorrio, dou boa noite e lhe desejo bons sonhos. Caminho para a saída,
puxando a porta, não a fechando completamente. Encosto-me na parede
espero poder ouvir o que ele irá dizer a ela.
— Papai, você não vai embola de novo não, né? — A voz da minha
filha soa temerosa e até mesmo apertada.
— Não, Melissa, eu não vou — afirma sem qualquer dúvida na voz.
Meu coração acelera como se fosse explodir dentro do peito, tento
não me sentir feliz com isso, pois nada disso vai durar e então voltaremos a
ser nós duas.
— Não vai mais luta contra ogros?
— Já venci todos e agora viveremos juntos para sempre — garante a
ela com a voz branda.
— Também num vai deixar a mamãe se maltratada de novo pela
vovó má, né?
— Não, Melissa, eu não vou, cuidarei de vocês — promete.
Fecho os olhos para segurar as lágrimas de desespero, me sinto no
meio de uma tempestade e para piorar eu sou o vendaval, perdida e confusa
sem saber em qual direção ir. Tenho medo de confiar nas palavras de
Jonathan e depois me ferir, me estilhaçar.
— Jura juradinho de mindinho?
— Sim, eu juro juradinho de mindinho e o que mais for, Mel.
— Tá bom!
— Melissa Tulipa, eu não sabia que precisava viver até encontrar
você e a sua mãe, vocês são as flores que florescem no inverno, são o meu
jardim da salvação, são o meu vivaz — declara.
— Isso significa que vai ficar!
— Sim, Mel.
Não aguentando mais ouvir nada vou para o meu quarto, me tranco
nele e me deito na cama, repassando tudo incansavelmente na minha
memória. Meu pulso está acelerado, suas promessas martelam dentro de
mim como um martelo batendo em um prego com força.
Fico alguns minutos ali deitada, reúno toda a minha coragem para
descer e o encarar depois de tudo que disse a minha filha. Eu não queria me
apaixonar por Jonathan Torassi, mas o jeito que cuida de Melissa me
desmontou, e sem querer estou me vendo em puro declínio.
Desço as escadas devagar, dando um passo de cada vez, sem pressa,
tentando ser indiferente, brigo com minhas bochechas que já estão ficando
quentes, aperto as mãos algumas vezes, pareço uma adolescente de quinze
anos no seu primeiro encontro.
Encontro-o sentado no sofá, confortável com uma garrafinha de
água com gás na mão. Sento-me na outra ponta, longe o suficiente.
— Vamos viajar para o interior do Rio para visitar mais pais,
faremos a cerimônia lá mesmo. É um local bonito.
— Eu não vou conhecer seus pais!
— Por que não, posso saber?
— Primeiro, isso é loucura e muito íntimo — argumento, passando a
mão na cabeça, enlouquecida.
— Temos uma filha juntos, vamos nos casar e faremos mais bebês,
quer ser mais íntimo que isso? — Seu tom de voz é irritante, extremamente
irritante.
— Eu sinto que vou enlouquecer, você é muito louco e arrogante! —
esbravejo.
— Fique tranquila, amor, na lua de mel me enlouqueça jogando sua
calcinha e sutiã, de preferência brancos, como sinal de que me dará sua
pureza. — Ele soa ainda mais arrogante.
— Quem disse que sou virgem? — indago constrangida.
— Você acabou de me confirmar. — Pisca, sorrindo de lado, com
prepotência.
Atiro uma almofada nele, irritada e pronta para começar uma guerra,
mas o infeliz a agarra no ar e gargalha divertido.
— Como será esse encontro?
Ele estica as pernas, põe o braço para cima, apoiado no encosto do
sofá e suspira.
— Minha mãe está louca, já me encheu o saco. Quer conhecer a
Melissa, levei esporro, mas depois chorou, pensou que morreria sem netos.
— Nega com a cabeça. — Meu pai está desconfiado, é compreensível. Você
será bem recebida e a Mel, Deus, ela terá um tapete vermelho, chuvas de
pétalas de rosa e muitos doces.
— Eles parecem animados — comento. — Ela nunca foi tratada
desse jeito pelos meus familiares.
— Como é sua relação com eles? — questiona, me olhando sério,
seus olhos azuis, penetrantes parecem conseguir ler a minha alma.
— Minha mãe, Rosa, morreu quando eu tinha quatorze anos, câncer
de mama, meu pai e eu ficamos devastados por um tempo até que ele
conheceu Rose, que já tinha uma filha, mais nova do que eu — faço uma
pausa antes de continuar: — meu pai, José, vendeu a nossa casa e nos
mudamos para a casa da atual esposa. Ele depositou na minha conta
poupança 50% do valor da venda da nossa casa.
Não lhe contei que aos dezoito anos gostei boa parte do dinheiro
com a minha faculdade e outra quando Melissa ficou extremamente doente
aos dois anos, não me arrependo de nenhuma das minhas decisões, no
entanto, fui precipitada com a faculdade, poderia ter tentado uma pública.
Mas sempre odiei provas universitárias e concursos.
— Sua madrasta é a bruxa má dos contos de fadas?
Gargalho, isso é muito divertido.
— Ela nunca gostou de mim e muitas vezes implorou para o meu
pai pegar o meu dinheiro no banco, mas não conseguiu. Meu pai mesmo
tendo se tornado distante, preso em seu mundo me ajudou da forma que
pôde. — Sorrio triste.
— Você foi expulsa de casa e ele nem te telefonou, como isso é
ajudar?
— Ele sabia tão bem quanto eu que sair de lá foi a coisa certa, não
da forma como fiz, mas eu e a Melissa merecíamos mais e lá minha filha
era de certa forma maltratada, pois eu era, e ela sente.
— Ivy Tulipa — me chama com a voz grossa, firme e rouca. —
Você e a Melissa estarão seguras ao meu lado, posso ser o maior bastardo
de todos, mas jamais ferirei vocês, é minha palavra de honra!
Enxugo a lágrima teimosa que cai, sorrio para ele, acreditando em
suas palavras, só espero não me arrepender.
Não consigo esconder o espanto ao passar pelos portões de ferro
enormes, por alguma razão idiota acreditei que morar no interior do Rio
significasse cabana, ou algo do tipo, não uma fazenda gigante, em
Teresópolis, aliás, Teresópolis nem é interior.
Olho para tudo admirada, é a primeira vez em 24 anos que subo a
serra, nem em Petrópolis eu fui, sempre quis, mas nunca consegui ir. Meu
pai se recusava levar a mim e a mamãe, alegando que o clima frio do
serrano era ruim para os ossos, como um bom carioca ele odeia frio e
chuva, mas eu sempre amei os dias nublados e frescos.
Enquanto seguimos pela estrada de terra com pedras ao lado para as
rodas do carro não atolarem, admiro o campo vasto com meu lado com
cercas. Cavalos bonitos correm, alguns estão deitados, mas todos são
garanhões.
Posso não saber muito sobre éguas e cavalos, mas sei reconhecer
algo bonito e caro, e por Deus eles são.
— Quero montar no cavalinho! — Melissa grita, olhando pela
janela, presa em sua cadeirinha. — Aquele brancu.
— Ele é muito grande, filha — digo. Ela nem conseguirá passar as
pernas em volta dele. — Talvez outro.
— Não, mamãe, quelo ele! — Faz birra, cruzando os braços e
esticando os lábios em um beiço.
— Você cavalgará com o papai — garante Jonathan, a fazendo sorrir
de volta.
— Para de dar tudo que ela quer — repreendo, ficando brava. — Ela
tem que aprender a receber um não!
Seus olhos desviam da estrada para mim rapidamente, duros. Seus
lábios crispam em uma linha fina, ótimo, ele quer rebater.
— Mamãe nunca me deixa fazer nada, nadinha — resmunga minha
filha.
Respiro fundo para conter a raiva, misericórdia, essa garota está me
tentando, mas não vou cair, não mesmo.
Quando o carro para em frente a uma mansão estilo medieval, com
pedras ao redor, uma boa parte da parede em tons amarelados, as portas e
janelas são de madeira escura e tem três andares, uma casa linda, mas
assustadora. Há diversas árvores em volta, algumas mangueiras, jaqueiras,
pé de jamelão o que raramente vejo entre coqueiros e diversas outras.
Saio do carro e observo o cuidado que Jonathan tem em tirar
Melissa da cadeirinha, ele a põe no chão e na mesma a hora ela sai
correndo, olhando tudo à sua volta, parece até que uma formiga mordeu o
seu rabo.
— Segue para a porta da casa, Melissa — pede Jonathan, em alto
som. — Por que não posso dar tudo que ela quer? — pergunta, me guiando
para a linda entrada com duas grandes roseiras vermelhas da casa. Há uma
porta dupla de madeira de cor branca. Até o hall, a casa tem cinco degraus
compridos. — Eu posso mimá-la.
— Crianças precisam de limites e desde cedo darem valores as
coisas para não se tornarem esnobes no futuro, Torassi — explico. — Eu sei
que a vontade é de dar tudo que ela pede, mas não pode ser assim as coisas.
Ela tem que saber lidar com o não.
— Você é teimosa, Ivy!
— Não, não sou.
— Meu Deus! — exclama uma senhora abrindo a porta. — Minha
neta é a coisa mais linda desse mundo!
Ela pega Melissa nos braços e aperta beijando seu rostinho diversas
vezes. Manuela Torassi é uma mulher branca de olhos verdes e cabelos
grisalhos. Seu rosto é jovial para sua idade. Bem cuidada. Veste um vestido
preto até a altura dos joelhos, é visível seu corpo bem cuidado e em forma.
— Você é a vovó?
— Sim, meu amor, eu sou! — confirma Manuela.
— Eu tenho uma avó, agola eu sou igual a todos os meus
amiguinhos!
Não pude evitar o aperto no peito após ouvir as palavras da minha
filha. Nunca pensei que sofresse tanto com isso. Minha madrasta nunca foi
uma boa figura para ela ou para mim, e sem contar que Melissa tinha medo
dela.
— Eu vou te mimar tanto, mas tanto — promete Manuela. — Você
vai receber todo o meu amor!
— Mãe, não sufoca a Mel — pede Jonathan em um tom entediado
indo até ela e beijando a testa da mãe.
— Me deixa! — grita Manuela. — Você demorou anos para me
trazer essa garotinha, agora me deixa matar todo o tempo perdido.
Ele suspira e me olha, arqueia a sobrancelha com um olhar de quem
dia “está parada aí por quê? Vem logo!” Caminho até elas parando ao lado
do meu noivo arrogante.
— Fico grata pelo convite, Manuela — consigo dizer sem gaguejar
muito.
Seus olhos verdes me encontram e seu sorriso se amplia de um jeito
descomunal. Acabo sorrindo de volta, ela me analisa atentamente.
Ela segura Melissa de lado e me estende a mão livre, tocando o meu
rosto com leveza. Seu toque me lembra a forma como minha mãe acariciava
minhas bochechas quando menina. Seguro a vontade de fechar os olhos e
ronronar como um gato.
— Peço desculpas por só te conhecer agora, mas o imbecil do meu
filho não me disse que estava com uma joia rara como você. — Ela segura
o meu queixo, analisando cada pedacinho do meu rosto.
— Mãe, por favor, eu as trouxe, não foi?
— Depois que eu te ameacei, seu filho ingrato!
— Mãe, por Deus, que absurdo é esse? — brada.
— Olha, eu vou te dar uma surra por ser tão cínico comigo —
ameaça.
— Vovó, não bate no papai!
Todos nós voltamos os olhos para a minha filha que a olhava
atentamente.
— Não irei, meu amor — promete.
Olho para Jonathan e vejo seu sorriso de orgulho, ele realmente está
feliz por a nossa garota tê-lo defendido. Tenho certeza de que seu ego
cresceu mais um metro.
— Então vocês chegaram? — indaga Danilo, o pai do Jonathan.
Devo dizer que os anos foram mais do que generosos com ele. Seus olhos
claros e cabelos com fios grisalhos sobressaem o preto. Seus olhos azuis
estão iluminados, são menos sombrios do que o do filho. — Oh, Ivy,
Melissa, até que fim posso conhecê-las, estava ansioso. — Ele me puxa
para um abraço, depositando um beijo carinhoso em minha testa. Abraça-
me pelos ombros, me puxando para dentro da casa. — Vamos entrar para
que possamos conversar melhor, Melissa daqui a pouco o vovô te abraça,
duvido que sua avó vá te libertar agora.
— Não vou mesmo, homem!
A casa é linda por dentro, os móveis escuros a e parede branca deixa
um ar de aconchego. Observo os quadros de família na parede. São muitos,
me seguro para não chegar mais perto e olhar cada retrato, suas lembranças,
momentos íntimos.
— Querida, não se juntará a nós? — Danilo pergunta à esposa,
docemente.
— Não, vou alimentar nossa neta, converse vocês, Jonathan me
acompanhará! — declara, sumindo pelo corredor.
Olho para onde eles sumiram incerta, não esperava ter que ficar
sozinha com meu sogro. Molho os lábios secos como se estivesse
caminhando no deserto do Saara, no entanto, só estou diante do pai do meu
falso noivo, apavorada porque fui deixada sozinha no campo de batalha,
meu estômago se afunda de nervosismo.
— Sente-se, querida — pede Danilo. — Meu filho está sendo bom
para você e para Melissa? — questiona, sentando-se ao meu lado. Ele
segura minha mão delicadamente, me olhando.
Poderia lhe dizer que às vezes, quero matar o seu filho, no entanto,
ele faz minha filha a garotinha mais feliz do mundo. Por isso me recuso a
cometer uma atrocidade.
— Sim, ele é difícil, mas, nos trata melhor do que qualquer outra
pessoa tenha nos feito — sou sincera. — Ele é arrogante, mas sempre sorri
para nós.
— Jonathan, sempre foi sério, eu diria até rude, desde novo
disciplinado e determinado, o oposto do João Pedro. — Suspira e me encara
profundamente.
— João Pedro?
— Meu filho mais novo, o oposto do mais velho. — Sua soa
rascante, eu diria até mesmo dolorida. — João Pedro era leviano e achava
que a vida era uma diversão, se envolvia em problemas, Jonathan ia ajudar,
mas uma hora ele cansou, e eu, bom, já não suportava mais — faz uma
pausa — Manuela vivia para chorar, minha mulher não tinha uma noite de
paz, bem, nós não tínhamos. Até que um dia ele sumiu, dias depois
Jonathan o encontrou morto.
Levo a mão à boca, espantada. A dor nos olhos do Danilo me afeta,
pois não consigo me ver enterrando Melissa. Deus, pai e mãe não foram
feitos para enterrar um filho.
— Eu não sabia, meus pêsames.
— Vai fazer 10 anos, Jonathan se cobrou por um tempo, ele se
culpava pelo irmão ter escolhido caminhos errados, mas a culpa não era
dele, não foi minha ou da Manuela, foi uma escolha exclusiva do João
Pedro e como consequência, vivemos com a dor que ele nos causou. — Seu
aperto em minha mão fica mais forte.
— Não posso imaginar o tamanho da sua dor.
— Tem dias que doem menos e outros que doem mais, mas estou
seguindo minha vida, ainda tenho um filho e agora uma nora e neta, talvez
mais netinhos em um futuro próximo — sugere, rindo e mexendo as
sobrancelhas.
Gargalho, nervosa, meu Deus, como assim mais netos?
— Talvez mais para frente — comento.
— Gostaria que fosse logo, Jonathan já tem 45 anos e daqui a pouco
não terá tanta disposição para crianças pequenas.
— Relaxa, pai, que ainda dou conta de mais sete pirralhos gritando
pela casa. — Respiro aliviada ao ouvir a voz do Jonathan. — Tome, minha
mãe pediu para te dar.
Viro-me e pego um pedaço de bolo de cenoura com chocolate, amo.
— Obrigada — agradeço já cortando um pedaço com a boca e
enfiando na boca, preciso me manter ocupada.
— Filho, não perca tempo, filhos são bem-vindos e eu e a sua mãe
estamos velhos.
O sofá afunda ao meu lado, Jonathan mexe no meu cabelo, depois
repousa o braço por cima do meu ombro, de forma íntima.
— Sei que está inteiro, velho. Não tente me chantagear, na hora
certa mais crianças virão e quando quiser uns dias só com a Ivy os jogarei
aqui, para que cuide.
Danilo solta uma gargalhada sonora.
— Será um prazer!
Olho de um para o outro, e percebo que compartilham algo com o
olhar, pai e filho possuem os mesmos olhos azuis.
Será que quando tivermos um filho ele nascerá com esses olhos?
Sacudo a cabeça, não haverá nosso filho assim que puder me
separarei dele e sobre a Melissa, bem, não sei o que fazer sobre essa
conexão indecifrável entre ela e Jonathan.
Olho-me no espelho satisfeita com a minha aparência, estou vestida
adequadamente para esta noite. Vesti um vestido longo, lilás, com um corte
na lateral. Decote quadrado não exibindo muito dos meus seios. Deixo
meus cabelos soltos, com seus cachos naturais, caindo abaixo do meu
ombro. Minha maquiagem é leve, optei por um batom rosê.
— Está linda, Ivy. — Levo a mão ao peito pelo susto. — Aqui. —
Abre a caixinha de veludo em sua mão, mostrando um colar maravilhoso.
— Use.
— É lindo! — exclamo chocada.
— Vire que irei pôr em você, Melissa tem um parecido, mandei
fazer.
Arregalo os olhos.
— Você é louco, isso custa uma fortuna.
— Dinheiro não é o problema, agora se vire.
Reviro os olhos, pondo a mão na cintura.
— Para de me dar ordens, não sou suas amiguinhas.
— Não, você não é, é minha noiva, minha mulher e por isso lhe
ordeno, tomo e faço o que bem entendo. — Ele passa a língua pelos lábios,
segura e ergue meu queixo. — Minhas garotas merecem o melhor —
sussurra tocando meus lábios com os seus.
Meu coração acelera, e me perco na intensidade do seu olhar.
Jonathan não é um homem fácil de conviver, no entanto, a cada dia que
passa fico ainda mais encantada por ele, cada dia que passa ainda mais
apaixonada pela forma que trata Melissa, o jeito em que sorri para ela e a
sua paciência em ouvi-la falar por horas. Ele nunca a corta, sempre atento e
disposto a lhe mimar.
Fico curiosa sobre ele, quero conhecê-lo de verdade, porém não
posso me envolver mais do que já estou, porque no final serei a única
prejudicada.
— Vou usar e depois te devolverei — pontuo séria.
— Não quero de volta, Ivy Tulipa, ele é seu.
— Obrigada — agradeço sem jeito.
— Vire-se — ordena.
Bufo, mas faço que pediu pego meus cabelos, puxando os fios para
cima, lhe dando total acesso ao meu pescoço. Sua respiração quente toca
minha nuca, seu perfume intrínseco me abrange por inteira tomando cada
pedacinho meu, deixando-me envolvida em seu âmago.
Quando a joia de ouro branco com uma pedra azul, fria, toca minha
pele, tremo pelo choque térmico. Seguro o ar, tentando conter meu corpo
trêmulo. Suas mãos repousam em meu ombro, seu corpo quente está ainda
mais perto, centímetros, talvez dez. Solto meus fios loiros, sendo incapaz de
sustentar minha mão erguida por mais tempo.
— Temos que descer, preciso ver Melissa. — Suspiro de raiva por
gaguejar.
— Ela está bem, meus pais estão a mimando.
— Jonathan. — Respiro fundo quando encosta seu corpo no meu. —
Por favor, vamos descer.
— Não fuja de mim, raposinha.
Engulo em seco, ansiosa, nervosa, almejando ter mais do seu toque.
Arfo quando a sua mão desce e aperta minha cintura. Merda! Merda! Ele
sobe a mão parando abaixo dos meus seios, colocando certa pressão.
— Seu perfume está me enlouquecendo, amor — murmura,
passando a barba em meu pescoço, de forma lenta. — Não posso imaginar
outro homem te tocando a não ser eu, Ivy.
Estremeço, ávida querendo mais e mais dele, implorando
silenciosamente por qualquer resquício. Jonathan tem sido meu bote salva-
vidas, contudo, também é a âncora que leva direto ao fundo.
— Temos que descer, ou pretende me deixar trancada aqui dentro?
— pergunto quase sem voz.
— Pretendo, não agora, mas em breve e você amará — responde,
beijando minha pele exposta e se afastando.
Bufo e puxo a maçaneta, saindo a passos largos, antes de pisar na
escada seu braço me envolve e descemos juntos. Caço minha filha, mas não
a vejo em lugar nenhum.
— Cadê Melissa? — Não escondo o nervosismo em minha voz.
Sem me responder me arrasta por uma grande porta dupla, ouço o
som da risada da minha filha. E outras vozes junto. Assim que passamos
pela porta, Manuela vem em minha direção sorrindo. Olho além do ombro
dela e vejo minha garotinha sentada no colo do Danilo, me olhando
animada.
— Querida, você está magnífica! — elogia, me fazendo dar uma
volta.
— Obrigada! — agradeço, lhe dando um beijinho em cada lado do
rosto. — Seu vestido é maravilhoso.
— Mamãe e eu! — Melissa pula no chão rodopiando igual um pião.
— Vovó que me deu!
Analiso seu vestido vermelho, de mangas compridas, sua saia é
rodada. Seus sapatinhos também são vermelhos e o diferencial está no laço
azul na cabeça e no colar idênticos ao meu. Ela está linda.
Vou até ela com a sombra de Jonathan ao meu encalço, o homem
simplesmente não me deixa respirar sozinha um minuto.
— Você está mais linda que uma princesa! — exclamo, pegando-a
no colo e lhe dando um cheiro.
— Eu sou linda igual a você, mas tenho os cabelos do papai e os
olhos escuros da vovó Rosa.
Sorrio acenando em positivo, uma vez Melissa me perguntou por
que não tinha olhos azuis como os meus, lhe disse que era porque herdou os
olhos da minha mãe e logo em seguida lhe mostrei uma foto, daquele dia
em diante ela não me questionou mais.
— Ivy, a Mel já conheceu o pessoal agora falta você! — Manuela
não consegue esconder a animação. — Esse é minha irmã Lurdes e ao seu
lado, meu cunhado Ricardo, esses são os meus sobrinhos Camile, Roger e
Roberto.
Apresento-me a cada um deles, os rapazes me olham e sorriem
abertamente, Roger e Roberto acenam, mas não se aproximam, talvez seja
pelo fato de Jonathan estar grudado a mim, mantendo seu corpo colado ao
meu e sua mão esmagando minha cintura. A única realmente feliz é a
Melissa que parece estar adorando tudo.
Criança é um ser tão inocente.
Lurdes, Camile e Ricardo me analisam atentamente, como se
esperassem o pior de mim. A prima do meu noivo me lançou um sorriso
debochado e irritante. Devolvo, me aconchegando mais ao Jonathan, e em
seguida beijo o rosto da nossa filha.
— Vida, nossa filha não está linda? — Ergo a cabeça o encarando,
seus olhos encontram os meus.
— Nunca vi ninguém mais linda do que ela essa noite, minhas duas
flores estão espetaculares — afirma sem desviar os olhos dos meus.
— Papai, eu sou flor?
— Sim, seu nome e da mamãe são de flores, e em breve irei plantar
cada uma delas no jardim da nossa casa.
— Mas moramos em um prédio — diz Melissa, confusa.
— Papai comprou um terreno e está construindo nossa casa.
— Com piscina, lago com peixinhos e um cachorro? — pergunta
com os olhinhos brilhando feito jabuticabas.
— Sim, vai ter tudo isso! — confirma, sorrindo para ela.
Meu estômago embrulha, esse homem está cercando de tudo que é
lado. Não pode prometer essas coisas.
— Vamos jantar! — Manuela grita.
Quase grito aleluia!
Melissa é retirada dos meus braços por Danilo, e ela vai de boa
vontade. Meu pai nunca foi de fazer isso com ela, tê-los lhe dando tanto
amor é estonteante.
Seguimos para a sala de jantar onde há uma mesa de vidro, longa e
larga. Há ao menos 16 assentos. Minha boca fica cheia de água ao ver um
porco assado, crocante. Parece estar delicioso. Observo os outros
acompanhamentos, Deus, isso é um banquete.
Acima da mesa há um lustre lindo e grande. As paredes claras
deixam tudo em perfeita harmonia. As cadeiras acolchoadas combinam com
o local. Sou guiada até o meio da mesa, onde Jonathan puxa a cadeira para
que eu me sente, logo em seguida se acomoda ao meu lado. Cada um se
direciona a um local da mesa. Foco meus olhos na costela, minha barriga
ronca. Só comi na hora do almoço e já são mais de sete da noite.
As pessoas à minha volta falam, mas ignoro, como em silêncio. Vez
ou outra lanço um olhar a Melissa, mas ela está quieta, mastigando, sentada
no meio dos seus avós emprestados. Manuela e Danilo cortam a carne para
ela, lhe dão legumes e sempre que ela se suja limpam sua bochecha.
— Primo, eu não sabia que tinha uma filha até ver nos noticiários —
Camile comenta quando os pratos são retirados para servirem a sobremesa.
— Se leu a notícia também deve saber que só descobri recentemente
sobre a Melissa e me arrependo muito disso — Jonathan responde de forma
grosseira.
— E você, Ivy, por que não procurou meu primo antes?
Limpo a boca com o guardanapo de pano e sorrio.
— Eu não sabia o nome dele até revê-lo na empresa — minto sem
pesar. — Conversamos e vimos que estávamos apaixonados desde sempre.
— Não é estranho que ela não tenha olhos claros? — indaga Camile,
analisando minha filha no outro lado da mesa desatenta a nós.
— Na verdade, não, ela se parece com minha mãe, e seus olhos são
os mesmos — declaro e sorrio.
Ela só acena e não diz mais. Jonathan pega a minha mão e a leva até
a boca beijando-a apaixonadamente. Sinto o olhar de raiva da Camile e é
mais que visível que ela tem sentimentos pelo primo. Não sei dizer se em
algum momento foi correspondido, mas não é algo que seja da minha conta,
por mais que me incomode de certa maneira.
Preciso me lembrar de que só estou aqui de passagem, uma hora
esse faz de conta irá acabar. Ironicamente, meu coração se aperta cada vez
que penso que isso não é real. Merda! Estou me entregando demais para
algo que no final eu e minha filha seremos as únicas feridas.
Quando a sobremesa chega sorrio, é torta de morango. Antes que eu
pegue o talher para comer, Jonathan o faz.
— Abre a boca, amor, te alimentarei — diz, pegando um pedaço e
pondo perto dos meus lábios. Abro a boca, apreciando o sabor do doce. —
Isso minha, flor — sussurra. — Mel, seu doce está bom?
— Sim, estou ganhando na boquinha também igual à mamãe!
Sorrio para ela que me manda um beijinho.
Minhas bochechas esquentam mais a cada colherada que Jonathan
me dá, tenho vontade de sair correndo, mas me seguro. Seus falsos gestos
de carinho, suas palavras doces me ferem como se flechas estivessem me
atingindo. Seguro as lágrimas, sorrio para ele e lhe lanço um olhar
apaixonado sincero.
Aguento sentada à mesa por minha filha que está extremamente
animada com tudo isso.

Após o jantar sigo para o quarto, sendo seguida por Jonathan,


Melissa foi para o seu próprio quarto, um idêntico ao da cobertura. Quando
disse que a colocaria na cama, ela negou e disse que hoje seria a vez do
vovô e da vovó, não discuti lhe dei um beijo no rosto e segui para o quarto.
Escovo os dentes e seco a boca. Arrasto-me para fora e vejo que
meu noivo arrogante não está no cômodo. Vou para a cama, puxo o
cobertor, entro nele, deito a minha cabeça no travesseiro, fecho meus olhos
sentindo o cansaço me abater.
Acordo quando sou envolvida por braços fortes e um beijo é
depositado em meu pescoço. Estranhamente um conforto me atinge.
Aconchego-me ao seu corpo, sabendo que está cada vez mais difícil tentar
resistir a esse homem que uma hora parece querer me matar, mas que em
outra me acolhe em seu colo, me fazendo alucinar com seu carinho. É uma
estranha corda bamba a qual não sei andar, porém, se não quero cair preciso
resistir e me equilibrar melhor nesses sentimentos que me rodeiam.
— Sonhe comigo, amor — sussurra Jonathan, fazendo meu coração
acelerar.
Então percebo que me sinto incapaz de viver sem Jonathan Torassi e
que esse amor será o meu declínio.
Olho mais uma vez para Ivy deitada em minha cama, dormindo
profundamente, antes de fechar a porta. Tê-la em meus braços durante a
noite e aquecê-la na madrugada fria, apaziguou meus demônios,
permitindo-me ter um bom descanso, como não venho tendo há anos. Posso
dizer com toda certeza que foi uma das melhores noites de sono que tive.
Passo no quarto de Melissa e a vejo dormindo profundamente
agarrada a um urso panda, ela adora essas coisas feias, irei comprar mais
desses quando a casa ficar pronta, quero que ela e seus irmãos, os que virão,
tenha espaço para correr, brincar e ralar os joelhos.
Deposito um beijo em sua testa e saio.
Desço as escadas lentamente, a noite anterior foi longa, esse jantar
que minha mãe inventou de chamar meus tios deu dor de cabeça, Camile
sabe como ser inconveniente. Por mim eu teria me retirado de perto dela
antes mesmo do jantar, contudo, não queria magoar a minha mãe. E muito
menos Melissa, minha garota estava estonteante, faltava soltar fogos.
Vou para a cozinha, sabendo que tomarei meu desjejum sozinho, não
me importo. Moro sozinho desde os meus 16 anos, quando fui estudar no
exterior. Às vezes, João Pedro me perturbava, me tirava o sono e me
irritava, porém estava lá. Quando ele faleceu perdi uma parte de mim, me
culpei e depois o culpei. No final chorei feito um cão sem dono, o
desgraçado destruiu uma parte de mim e eu já o perdoei por isso.
Não estranho não ter ninguém por aqui e tudo já está pronto, minha
Vanilda, nossa governanta e também cozinheira, porque não abre mão do
fogão, costuma deixar tudo pronto e sair, não temos o costume de sermos
servidos no café da manhã, sempre fazemos o desjejum na cozinha e
lavamos o que sujamos. Cresci assim e os meus filhos também terão disso.
Eu entendo quando Ivy briga quando mimo Melissa, sei que quer
que nossa garota cresça com valores e humildade, no entanto, dizer não
para ela é como arrancar milímetros do meu coração e dói pra cacete.
Posso dizer que entrei na paternidade de cabeça, sem saber o que
queria, mas seria uma grande mentira, eu escolhi ser pai de Melissa, escolhi
ter Ivy para mim, os meios podem ser duvidosos, todavia, as puxei para
minha vida, minha casa e meu sobrenome.
Meus advogados já entraram com o processo de adoção legal da
Melissa, em breve também serei pai dela no papel.
Como um pedaço de broa, me sirvo de café e me sento. O silêncio
da manhã no campo é uma das coisas que mais amo na vida, aprendi a
admirar as manhãs frias e as tardes frescas. E por esse motivo que tenho
uma fazenda no Paraná, quando me canso do calor do Rio de Janeiro passos
um tempo lá, trabalho em casa e rende quase o mesmo. Tenho certeza de
que minhas Tulipas vão amar ir para lá.
Lavo o que sujei e vou para o estábulo, quero cavalgar, ver como
anda as coisas por aqui, matar a saudade do Vilat, meu garanhão de raça
pura inglesa. Foi um presente do meu pai para mim. O velho sabe que tenho
paixão por cavalos, e nunca me negou essa felicidade. Aprendi a montar
com ele, sob o olhar crítico do meu avô, Carlos. Ele e papai poderiam não
se dar bem, mas quando se tratava dos netos Carlos e Danilo se tornavam
melhores amigos.
A passos largos chego ao estábulo, sentindo a adrenalina em meu
sangue, minha ansiedade para cavalgar cresceu, no entanto, paro cravando
meus pés no chão de barro ao ver uma cena um tanto quanto curiosa.
Camile em cima do touro mecânico que usamos para treinar novos
funcionários, vestindo apenas um short curto, uma bota de cano alto e um
top de couro. O chapéu de boiadeira na cabeça, seus cabelos longos e
escuros caem sobre suas costas.
— Bom dia, Jon! — brada, sacudindo a mão no alto como se
pedisse ajuda de um avião após um naufrágio.
Torço o nariz com o apelido ridículo, eu odeio quando me chama
assim, já a repreendi diversas vezes, mas a infeliz vez ou outra insiste
nessas baboseiras.
— Dia — digo apenas e sigo para dentro da cocheira.
— Precisamos conversar!
Paro e a encaro nos olhos. Respiro fundo, não pretendo me estressar
nessa linda manhã.
— Não há nada para conversar, Camile, não essa hora.
— Você não pode se casar com essa pobretona, não vê que é golpe
do baú? — grita, enfurecida.
— Eu vejo uma menina mimada se oferecendo desesperadamente
para um homem comprometido e lave sua boca ao falar da minha mulher!
Seus olhos se enchem de água, ela desce do touro e caminha para
perto de mim, batendo os pés com força no chão, feito uma menina
mimada. É isso que ela é.
— Você sabe que eu sempre te amei! — exclama, fazendo drama.
— E você sabe que nunca te quis, bêbado, sóbrio ou enlouquecido,
eu odeio mulheres que se rastejam, Camile, odeio quando se humilham por
conta de um pau que não sobe para vocês, então pelo seu próprio bem suma
da minha frente e se perturbar qualquer uma das duas, farei da sua vida um
inferno particular, se arrependerá até depois da sua morte. Capisci — Minha
voz é baixa e sem calor. Minha frieza a assusta.
Acenando com a cabeça ela corre para fora, chorando, não me
importo.
Vou até Vilat, o acaricio, sinto a textura dos seus pelos marrons,
brilhosos e bem tratados. Passo um tempo falando com ele, alimentando-o
antes de selá-lo. Assim que o manto sigo para fora, devagar sem pressa,
uma vez fora tomamos velocidade.
Aceno para os trabalhadores conforme passo por eles. Fecho meus
olhos ao sentir a brisa fria da manhã batendo contra o meu rosto, dissipando
qualquer vestígio de estresse. Sorrio ao me lembrar que mais tarde terei que
cavalgar com Melissa, prometi isso à minha pequena e por Deus, sinto que
será um desastre. A garota é espoleta e não sabe ficar quieta, terei que a
segurar firme para que não caia.
Sinto que terei dificuldade em convencer Ivy a cavalgar, vi seu olhar
receoso, no entanto, irei lhe mostrar que não precisa ter medo, acima de
tudo só a deixarei montar em um cavalo bem manso. Até sei qual égua a
deixarei ir, uma branca que é mais doce que cocada.
Amarro Vliat na árvore e sigo para a beira do rio com água
cristalina. Vejo meu reflexo, merda, estou envelhecendo, mas ainda aguento
muita coisa. Caminho pela beira, vou até o pé de butiá [i]e pego a que está
madura, dou uma mordida, sentindo o azedo explodir em minha boca.
Porra, é gostoso demais essa frutinha difícil pra caralho de encontrar. Pego
mais algumas para Ivy e Melissa, elas precisam provar essas maravilhas do
interior.
Passo mais um tempo admirando a beleza e comendo butiá, na
marra porque hoje ela está ácida que chega a doer os dentes. Volto para casa
animado.

Mal piso em casa e já ouço a risada de Melissa, alta e estridente


como todas as crianças devem ser. Sigo em silêncio pelo corredor até a
cozinha, parando atrás da porta. Encosto-me na parede ouvindo sua
conversa com o pessoal.
— Uma vez o tio Dudu pediu para ser meu pai!
— Melissa! — Ivy repreende.
Quem é esse Dudu? Merda, eu sabia que havia concorrência, irei
pesquisar sobre esse infeliz que ousou querer tocar nas minhas Tulipas.
— Mas, mamãe, é a verdade, ele te dava flores, comprava doces pra
mim e vivia enchendo o saco do vovô pedindo sua mão — minha filha
continua falando. — Teve aquela vez que saiu com ele para comer pizza.
— Filha, ele era um amigo. — É perceptível o nervosismo em sua
voz.
Se ela via amizade, o infeliz via casamento e tudo mais, eu as
levarei em uma pizzaria de verdade, com a massa macia e saborosa, seca,
leve e apreciativa. Lhe darei uma estufa de flores e qualquer gesto que esse
infeliz tenha feito por ela desaparecerá. Ela só terá a mim em sua vida e
nada mais. Serei o único homem para ela, pronto.
Mas merda de sentimentos são esses?
Eu nunca sinto ciúmes, não costumo ter esses sentimentos confusos
e imprudentes dentro de mim, que me irritam. Minha pele coça de nervoso.
Será que ele a beijou? Porra, não posso nem imaginar uma coisa dessas.
— Então você traiu o meu sobrinho? — minha tia questiona.
— O que é traição? — pergunta Melissa.
— Não, eu não traio, como bem sabe, ele e eu estávamos separados,
sem compromissos um com o outro e, de qualquer forma Dudu é só um
amigo, Lurdes. — Ivy soa fria. — Traição, meu amor, é quando a pessoa
está namorando, mas namora outra também.
— Tipo quando o urso pooh largou o leão pelo pote de mel?
— Algo parecido, meu amor.
— Sou esperta, mamãe, num sou?
— Você é a mais inteligente de todas. — Sorrio ao ouvir o carinho
em sua voz.
— Lurdes, peço que contenha suas palavras — repreende minha
mãe.
— Só perguntei uma curiosidade — rebate minha tia.
Antes que mais alguém possa falar abro a porta e entro atraindo
atenção de todos, meus olhos vagam de um canto ao outro, mas param nas
minhas Tulipas, sentadas lado a lado. Comendo pão fresco com queijo.
— Papai, você chegou! — ela grita tão alto que todos riem da sua
emoção.
É tão estranho como eu, um homem que nunca desejou a
paternidade ficar estranhamente feliz ao ser chamado de “pai” e ao mesmo
tempo parece ser tão certo quando ela o faz com tanta emoção e amor.
— Sentiu minha falta? — quero saber, me aproximando dela.
— Muita! — afirma alegre e já ficando de pé sobre a cadeira, sua
mãe a segura pelo braço.
Apresso-me e a tomo em meus braços, apertando seu corpo pequeno
e delicado contra meu peito. O cheiro de xampu infantil inebria o meu
olfato, trazendo uma sensação familiar, é como se há a anos a sentisse.
Beijo sua testa com carinho, acaricio seus fios escuros e soltos.
Úmidos, na mesma hora me preocupei, o tempo não está tão ensolarado
para que fique com os cabelos molhados.
— Por que não secou o cabelo, Mel? — sondo como quem não quer
nada.
— Ela daqui a pouco vai brincar no lado de fora e pegará sol, eles se
secam naturalmente, ela não gosta do som do secador — explica Ivy, me
olhando.
— Sendo assim, vamos fazer você correr muito, mocinha.
— Cavalo, você prometeu — me lembra, sorrindo.
Uma coisa que li nesses livros sobre como ser um bom pai é que
crianças tem uma excelente memória e que raramente esquecem, nunca faça
promessas vazias. Eu odiei o livro, para ser franco quem o escreveu contou
sua versão de pai e eu virei uma totalmente diferente, só realizei a leitura
para ter uma base de como acertar antes de errar. Apesar disso, não
consegui pôr em prática praticamente nada do que foi recomendado e sou
grato por isso.
Não posso viver minha realidade baseada na leitura de um livro de
autoajuda, com todo respeito a quem lê, viva suas experiências, seu erro
pode ser diferente dos meus erros e seus acertos também, mesmo estando na
mesma situação e realidade.
— Assim que terminar o seu café da manhã, vai escovar os dentes e
iremos — garanto.
— Vou comer então!
— Come com calma — peço. — Temos todo o tempo do mundo.
Devolvo-a ao seu assento, e vou para a cadeira vazia ao lado de Ivy,
sento-me, e me viro para ela que me olha desconfiada, seguro seu queixo e
o puxo para um beijo rápido.
— Bom dia, amor, dormiu bem?
Seu rosto pega fogo, seguro a gargalhada, senão a envergonharei
ainda mais. Ivy é toda tímida. Percebo sua falta de experiência até em
nossos beijos, quando a toco ou falo alguma sem-vergonhice. Obviamente
estranho uma mulher bonita, de vinte quatro anos ser tão inexperiente,
porém adoro o fato de que serei seu primeiro em tudo.
— Sim — murmura, contida. Olhando para tudo menos para os
meus olhos. — Onde estava, não te ouvi sair?
— Sai para cavalgar, gosto de acordar cedo, é um costume que
nunca perdi. — Dou de ombros.
— Podia ter me avisado — repreende-me, levando um pedaço de
pão à boca.
— Estava dormindo tão bem que não quis te acordar.
Ela só me olha e nega com a cabeça, em silêncio, a encaro com a
testa franzida, o que isso significa? Queria que a acordasse para me
despedir se a veria em breve? Quando digo que mulher é um bicho confuso
ninguém acredita.
Encaro meu pai que me olha com diversão assim como o tio
Ricardo, ambos rindo de mim na maior cara dura. Bufo, frustrado.
Não dá para entender mulher e nem é preciso um manual para saber
disso.
Coço a cabeça nervoso, enquanto Melissa corre pelo estábulo
olhando tudo admirada, meu pai, meus primos e meu tio viemos para cá
enquanto as mulheres foram resolver assuntos do casamento. Ivy me fez
prometer que não deixaria Melissa cair do cavalo, até parece que precisava
me pedir algo do tipo. A segurança delas duas era minha prioridade.
Meu pai vem em minha direção com um pônei, branco e manso, já
está selado, suspiro aliviado. O velho sabe como impressionar quando quer,
aparentemente todos aqui querem roubar a atenção da minha filha de mim.
— Uau! — grita minha menina correndo desesperadamente para
perto do pequeno animal. — Um unicórnio sem chifre!
Gargalho assim como os outros, me aproximo dela e a pego no colo.
Ela está usando uma jardineira com uma blusa azul. Vestiu botas e tinha um
chapéu preto em sua cabeça que cabe perfeitamente.
— Mel, isso é um pônei, ele é menor que um cavalo, mas tão forte
quanto — explico. — Ele é manso, quer subir?
— Sim, sim!
Coloco-a sentada com cuidado, lhe dou a rédea para se segurar,
explico todo o processo e deixo claro que deve manter as pernas firmes.
Aos poucos vou guiando o pequeno pônei para fora, a luz do sol nos abraça.
Toda vez que olho para Melissa ela está sorrindo abertamente. Meu pai
montou em seu cavalo e está do outro lado, vigiando-a assim como eu.
Roger, Roberto e Ricardo seguem montados em seus respectivos
cavalos, só eu estou a pé. Não me incomodo.
— Papai tila uma foto para mamãe ver, tira uma foto! — pede
exasperada. — Tila uma foto minha no cavalinho papai!
Tiro meu celular do bolso, caminho rapidamente à sua frente e tiro
algumas fotos, faço um vídeo de quarenta segundos e volto para o seu lado.
Todas as imagens ficam espetaculares.
Meu primo, Roger, desce do seu cavalo, corre à nossa frente e tira
mais algumas fotos, sorrio para umas e observo Melissa em outras, irei
revelá-las.
— Quer mais fotos? — pergunto a ela.
— Não, depois tiro mais com a mamãe.
— Tá bom.
Andamos um pouco até próximo ao lago, mais ou menos vinte e
cinco minutos. Minha garota em momento algum tirou o largo sorriso do
rosto, me pergunto se sua bochecha está doendo.
Paramos diante do lago, cheio de peixes, carpas e dois jacarés
amansados, tiro-a do pônei e a coloco no chão, prendo o animal em uma
mangueira e sigo para perto de Melissa que olha encantada para os peixes
nadando.
O lago verde possui esse nome devido à sua água que por mais que
seja clara, em alguns pontos possui um verde denso, que nos impossibilita
de ver o que tem no fundo. Normalmente os jacarés ficam nesse lado, e
sobem para a superfície para tomar seus banhos de sol. De onde estou vejo
ambos e por isso estou mais plácido. Pois, por mais que os dois répteis
sejam mansos e nunca tenham atacado, temo que algo aconteça a Melissa.
— O que é aquilo? — pergunta a garotinha, apontando para o outro
lado.
— Jacarés, são dois machos, graças a Deus — Danilo responde
sorrindo.
— Eles mordem? — questiona, toda curiosa.
— Sim — Roger declara. — Arrancam seus braços com o dente.
Na mesma hora Melissa se afasta da beira e cruza os braços com os
olhos arregalados. Seguro o riso, paro atrás dela e seguro seus ombros.
— Eles não virão até aqui — afirmo. — Olha os peixes, aquele
grande e vermelho alaranjado é uma carpa. Bonita, né?
— Sim, eles são, eu gosto de peixinhos, não tem dentes e não
mordem — diz toda inocente.
Eu que não vou lhe dizer que aqui há tambaquis e que eles mordem,
esses filhos puta tem um dentinho afiado pra caralho, duas vezes em que
precisei entrar no lago me morderam.
— Filha, quem é esse Dudu? — inquiro a ela depois de um tempo
olhando os peixes.
— Mamãe fala que é um amigo, mas ele sempre tentava me dar
doces e a mamãe não gosta que eu os coma, então dizia não.
— Ele pegava mão dela — sondo, calmo.
— Tentava, mas mamãe puxava, por que, papai? — Olha-me com
uma expressão de quem está confusa.
— Por nada, só quero saber.
Ela sorri e corre para perto do pônei que se deitou na grama entre as
folhas. Meu pai lhe dá água. Melissa faz carinho em seus pelos e crina, o
animal parece gostar. Observo Roberto explicar algo para ela. Meu primo é
veterinário, tem uma fazenda com dezenas de cabeças de gado, exporta
carne para fora, tem um temperamento pior que o meu, no entanto, ama
crianças e sonha em ser pai. Temos uma idade próxima.
— Ela te olha da mesma maneira em que me olhava quando
moleque com admiração — meu pai fala. — Se eu devolvesse o olhar da
maneira em que você a olha, posso dormir mais tranquilo. Nunca te vi
assim, tão apaixonado, leve e ameno.
Viro-me olhando para o lado, a luz do sol bate, deixando um evento
espetacular. Analiso as palavras do meu velho, meu pai sabe a fera que
costumo ser, inquieto, agitado, dormindo poucas horas e sem humor por boa
parte do dia.
— Mesmo nessa loucura de mídia, processo, e Judith me acusando,
trazê-las para perto de mim foi a melhor coisa que me aconteceu. — Expiro
o ar do meu pulmão, aliviado. — Elas me dão paz, ao mesmo tempo em que
me sinto nervoso, ansioso e preocupado. Ambas vieram de uma vida difícil
e eu quero dar a elas o mundo, no entanto, não parece ser o suficiente.
Ele ri.
— Jonathan, eu não acho que elas querem o mundo, apenas o seu
amor, fidelidade e dedicação. Essa criança não se importa se você é
bilionário e pode lhe dar um parque inteiro, ela fica feliz em receber o seu
carinho — me explica. — Ela não quer a boneca mais cara do mundo, ele
quer você, um pai presente.
Olho para o meu pai, passo o braço em volta do seu ombro com
força.
— Você fez exatamente isso, pai — garanto. — Meu deu o seu
melhor, obrigado por ter feito tanto por mim.
Ele sorri e continua olhando para frente, admirando a natureza e
seus fenômenos espetaculares.

Encaro Melissa dançando de frente para a televisão enquanto assiste


a um filme da Barbie, ela tenta acompanhar os movimentos, saltitando de
um lado para o outro como uma bailarina. Encosto-me na parede, pego meu
celular e filmo sorrindo bobo.
Ela se vira e me encara com o rosto corado pelo esforço dos
movimentos, cabelos bagunçados, mas a minha garota está linda.
— Papai, dança comigo igual o príncipe e a Barbie! — pede agitada
e sorrindo de orelha a orelha.
Não sabia como dizer a Mel que eu não dançava. Simplesmente
nasci com dois pés esquerdos, porém ao ver seus olhinhos de jabuticabas
suplicantes, me convencem.
— Tá bom, mas vai ter que me ensinar, papai é um péssimo
dançarino — digo sincero.
Guardo o telefone no bolso, vou até ela e estendo a mão, suas
mãozinhas encontram a minha entrelaçando-as. Ela sorri para mim e
devolvo na mesma proporção.
— É fácil, papai, é só se movimentar pra lá e pra cá devagar —
explica, começando a se mover. — Faz igual eu!
Curvo-me um pouco e a acompanho, estamos lentos e
completamente fora do ritmo da música do filme, no entanto, seguindo o
nosso ritmo pai e filha. Solto uma das suas mãos e a faço girar, no processo
ela solta uma gargalhada sonora que aquece todo o meu peito, a giro
novamente e assim dançamos valsa.
Pego-a no colo e dançamos, minhas costas agradecem e Melissa
parece estar mais grata também. Suas duas mãos estão apoiadas em meu
ombro a seguro como se estivéssemos em uma pista de dança, me
movimento de acordo com o filme, ao menos é o que acredito estar fazendo.
— Mel, prometo te amar até o fim do universo! — me declaro para
minha filha.
— O universo não tem fim, papai!
— Exatamente, te amarei para todo o sempre! — exclamo,
erguendo-a no ar, Melissa abre os braços e a rodopio rindo junto com ela.
Rimos um para o outro, presos em nossos momento pai e filha,
Inspiro e expiro devagar para não surtar e sair correndo,
misericórdia, eu não sabia que falar sobre casamento seria tão difícil, os
contos de fadas e filmes mentem sobre isso, não é divertido, e sim
estressante.
Olho o catálogo de vestidos de noiva e daminha desesperada, pois a
ficha está caindo que tudo isso é real, e que não tenho escolha a não ser
seguir, só não sei se é por obrigação ou por outros motivos. Estou
desesperada a ponto de surtar.
Analiso o sorrio de Manuela, a mulher está tão encantada que irá
casar seu filho que por alguns segundos me sinto culpada por estar
enganando-a. Porque tudo isso não passa de um faz de conta, esse
casamento uma hora chegará ao fim. Não pensei que nos envolveríamos
desse jeito com nossos familiares. Bem, Melissa está completamente
envolvida nisso. Jonathan me prometeu que jamais deixará minha filha, já
eu sou outra história.
Hoje será o nosso noivado, nessa noite oficializaremos nossa
mentira, meu estômago dá vários nós só de pensar nisso, nesse absurdo.
Uma incongruente relação em que a única realmente envolvida com
sentimentos reais sou eu.
Preciso ligar para o meu pai, conversar com ele, mesmo que
tenhamos uma relação fria, ainda é meu pai. Não sei nem o que lhe dizer,
porém, devo tentar. Desde o dia em que saí de casa, semanas atrás, não nos
comunicamos.
— Ivy, simplesmente acho que esse vestido vai ficar lindo em você!
— exclama.
Analiso o vestido de boca aberta. Ele é estilo princesa, mas não
muito exagerado, as mangas compridas são de renda, na parte do busto tem
uns detalhes cor da pele. A saia possui várias camadas de véu, contudo, não
é extravagante. O decote é fechado. É tão perfeito que não sei o que dizer
por um tempo.
— Ele é perfeito, eu estou encantada por ele!
— Ele vai ficar maravilhoso em você hoje, e bem o vestido da
Melissa já escolhemos, será o rosa mesmo, né? — confirma enquanto
separa ambos. — Alguém da sua família vem?
— Minha mãe morreu quando eu tinha quinze anos, meu pai e eu
temos uma relação de silêncio e minha madrasta me odeia. — Sorrio triste.
— Melissa será minha família aqui.
Manuela puxa-me de encontro ao seu peito, me abraça com força,
beijando o topo da minha cabeça. Engulo em seco, essa mulher é carinhosa
demais. Ficamos um tempinho assim até que ela se afasta, ergue o meu
queixo, passa o dedo por minha bochecha com cuidado, abre um sorriso
gentil.
— Sua mãe deve estar orgulhosa de você lá de cima, Ivy. — Ela
segura meu rosto e sorri. — Eu estaria no lugar dela, veja onde você chegou
caminhando com as suas próprias pernas.
— Eu sinto tanta, mas tanta falta dela. — Choro me descontrolando.
— Tem dias que compro um buquê de rosas para mim, pois me lembra dela.
Eu beijo uma por uma. Espalho suas pétalas por meu travesseiro na
tentativa de dormir com o seu cheiro perto de mim. Outras vezes encho
Melissa dos perfumes de rosas, para que quando sentir seu cheiro ter minha
mãe por perto, é loucura?
— Não, não é! — assegura, secando minhas lágrimas. — Quando
João Pedro morreu, eu vestia suas camisas, cheirava-as e chorava em sua
cama. Com o tempo fui melhorando, mas a dor da perda ainda existe, só
está amortecida dentro de mim.
— Obrigada! — agradeço, abraçando-lhe de volta.
Ficamos mais um tempo em silêncio, abraçadas, uma consolando a
dor da outra. É terapêutico estar nos braços de Manuela, ela cuida de mim
de um jeito que ninguém mais fez depois da minha mãe.
— Então vamos terminar essas coisas do casamento, antes que
choremos rios e mais rios de lágrimas — diz se pondo de pé, enxugando
suas próprias lágrimas. — Como quer a decoração? Já pensou nisso?
— Branco e prata, talvez algumas rosas vermelhas — sugiro.
— Acho o arranjo perfeito, nada muito exagerado — concorda
comigo. — Comida?
— Carne assada, arroz e um molho, por Deus, não tenho paciência
para isso. Sou simples!
— Ok, pode ser isso mesmo.
Sorrio em agradecimento.
Após discutirmos mais algumas coisas, descemos para o andar de
baixo, na expectativa de que todos já haviam chegado, Melissa foi cavalgar,
quis ir, mas optei por resolver essas coisas com Manuela, sua irmã Judith
sumiu o dia todo assim como sua filha, Camile. Não estou reclamando,
achei ótimo o seu sumiço. A forma como me olha me dá nos nervos, e para
piorar os olhares de desejo que dispara na direção de Jonathan mesmo
sabendo que ele é o meu noivo me deixa irritada.
Por pouco não voei em sua direção, dando umas boas bofetadas.
Achamos o pessoal na sala de jogos, há sinuca, pista de boliche,
totó, dardos e outros, Jonathan está agachado na pista de boliche com
Melissa, lhe ajudando a atirar uma bola. Seu primo, Roger, filma sorrindo,
todos estão atentos à cena que os dois estão proporcionando.
— Streck! — gritam os da torcida. — Isso, Melissa!
Minha garota voa no colo do Jonathan que fica de pé, erguendo-a no
ar. Por um instante tudo à minha volta some e tudo que vejo é a minha
menina e o pai dela. Observo bem a cena, nessa fração de segundos só nós
três na sala. Caminho até eles como se fossem meu ar, meu bote salva-vidas
arpando pelo mar da solidão.
Eu não sabia o quanto queria viver isso até viver e sentir esses
turbilhões de emoções. Minha mãe tinha razão quando disse que algumas
vezes não percebemos que o que buscamos está explícito diante dos nossos
olhos, mas optamos por só ver quando está prestes a partir.
Ouvindo as batidas insanas do meu coração, decido fazer Jonathan
se apaixonar por mim, me amar e nunca sair da minha vida, como homem e
mulher, um casal.
Paro diante deles e sorrio, alegre, determinada e feliz comigo
mesma.
— Mamãe, eu aceitei tudo! — grita, eufórica vindo para o meu colo.
— Eu vi, você é incrível jogando boliche, meu amor! — Beijo seu
rosto e a aperto, matando a saudade por ter passado um dia todo longe dela.
— Ela foi ótima — Jonathan concorda, nos envolvendo em seus
braços e tomando minha boca em um beijo rápido.
— Papai, se você beija a mamãe eu também posso beijar na
escolinha!
— Não! — Todos os homens protestam ao mesmo tempo.
— Mas por quê?
— Só quando for adulta, filha, com trinta anos ou mais.
— Mas é muito tempo...
— Isso, teremos bastante tempo.
Todos rimos da fala desesperada do Jonathan, com quinze ou mais
Melissa vai estar beijando e disso eu tenho certeza, essa menina é curiosa.
— Jonathan, Ivy e eu fechamos a decoração do casamento domingo,
e já vimos o vestido que ela usará hoje no noivado! — exclama Manuela,
assim como muitos me engasgo com a notícia. — Já informei que hoje
teremos um churrasco e domingo carne assada.
— Bom, sendo assim, tudo está bem encaminhado. — Jonathan
sorri para a mãe. — Mel, está preparada para levar as alianças para o papai
e mamãe?
— Sim! Eu vou levar!
Sorrio para ela, nervosa. Como assim domingo irei me casar? Isso é
loucura, não estou pronta para isso. É muito cedo.
— Já comprou as alianças, Jonathan? — Danilo pergunta ao filho
com um olhar desconfiado.
— Claro que já, coroa. — Pisca para o pai. — Domingo irei passar a
manhã com as duas já que o casamento é de tarde.
Ponho Melissa no chão e ela corre até um pula-pula.
— Jonathan, se quer chamar atenção vai para o circo, primo —
Roberto diz, raramente ouvi sua voz. — Domingo será o dia da noiva, spa,
massagens, maquiagens entre outras coisas, ela só terá tempo para você no
altar e depois talvez na lua de mel se você aguentar o tranco.
— Só não soco seu rosto feio por respeito à minha filha — ameaça
meu noivo. — Não se preocupe comigo, quem usa remédio para subir aqui
é você, primo.
Roberto rosna ficando de pé, mas para ao ouvir a mola do pula-pula.
— Foi salvo pelo gongo, remédio vai ser minha mão na sua fuça,
Jonathan! — Aponta do dedo e suspira.
— Crianças, calados, minha filha está na sala, parecem dois
adolescentes medindo o tamanho no banheiro da escola — repreendo, me
envolvendo. — E você dê o exemplo para a sua filha!
— Eu sou maior, amor, ele sabe — se garante, se aconchegando a
mim. — E você em breve sentirá o quão grande sou — sussurra malicioso.
Sinto meu rosto pegar fogo enquanto a sala explode em gargalhada.
Olho-me no espelho, por uma fração de segundos não reconheço o
homem à minha frente. Semblante calmo, barba feita, olhos com brilho que
eu mesmo não via há anos. Passo as mãos em meus cabelos, os bagunçando
um pouco. Talvez um pouco demais, não quero estar sério no meu próprio
casamento ou do jeito que vou todos os dias para o escritório.
Saio do banheiro e sigo para o quarto, esse cômodo pertencia ao
João Pedro. Olho em volta, a mesma decoração em tons verdes e brancos
de sempre. Na cabeceira da cama há um porta-retrato do dia em que fomos
esquiar em Spin. Minha mãe odiou e papai simplesmente estava contente,
eu e ele sorríamos feito idiotas.
Seguro o porta-retrato em minhas mãos e sorrio, não com raiva, mas
triste por esse desgraçado não estar no meu noivado. O infeliz sempre dizia
que eu encontraria uma mulher que reviraria o meu mundo e estava certo.
Não posso negar isso.
Ele amaria conhecer Melissa, passaria horas brincando com ela e a
incentivando a montar seus quebra-cabeças, um hobby favorito. João Pedro
lhe diria o que fazer para me perturbar, pois o infeliz vivia para testar minha
paciência.
Droga!
Ponho o retrato de volta ao lugar, ajeito minha jaqueta de couro, e
vejo se a camisa branca está perfeitamente alinhada. Passo perfume e saio
do quarto, deixando as lembranças do passado em seu devido lugar.
Seguro-me para não invadir o quarto onde minhas Tulipas estão se
arrumando, estou tão ansioso para vê-las como se hoje fosse o dia do
casamento.
Desço as escadas sem pressa, encontro meu pai sentado no sofá
tomando uísque puro, dezesseis anos. Sirvo-me de duas doses e me sento ao
seu lado. Esperando a hora passar.
— Os familiares dela chegaram — comenta. — O pai dela é
contido, mas as outras mulheres são insuportáveis, mas por que elas estão
aqui mesmo?
— Para que não fiquem enchendo mais o meu saco, ameaçando ir à
mídia — respondo calmo. — Elas assinaram um contrato e vão manter a
boca fechada.
— Pagou eles? — Faço que sim com a cabeça. — Esse é o espírito.
Sorrio.
— Elas sabem que terão que se manter caladas, senão eu mesmo
lhes darei uma coça. — Bebo mais um gole. — Vão tratar Ivy e Melissa
bem, feito rainhas. O dinheiro compra muita coisa, pai.
— Não compra o amor, Jonathan, e nem a vida.
— Eu sei, por isso nunca quis comprar isso de ninguém.
Ficamos em silêncio mais um pouco até que ouvimos passos vindos
da escada. Minhas Tulipas são o meu mundo, meu nascer do sol e o pôr do
sol. Elas são o meu coração inteirinho.

Seguro a mão de Melissa enquanto descemos as escadas, minha


filha está parecendo uma princesa com seu vestido rosa, rodado com um
laço atrás. Suas madeixas escuras estão presas em uma trança espinhal, sua
franja repartida ao meio cai sobre cada lado do seu rosto, na altura do
queixo, ela calça sapatinhos que mais parecem cristais, tomo todo o cuidado
para não cair e levá-la comigo. Sua mãozinha quente me tranquiliza. Me
fazendo perceber o quanto isso é real.
Meu cabelo também está preso em uma trança, espinhal igual à dela.
Meu vestido azul é leve e me sinto completamente confortável com ele.
Não me aperta nem nada, caiu como uma luva em meu corpo.
No fim da escada Jonathan nos aguarda, rebelde, vestido com uma
jaqueta de couro, calça jeans escura e uma camisa branca, seus sapatos de
couro italiano lhe vestem perfeitamente bem. Seus cabelos estão
bagunçados, estilo bad boy. Meu rosto queima, a excitação vem, e por
Deus, como esse homem pode estar tão lindo assim?
Quando chegamos ao fim da escada paro, ele se abaixa e beija a
testa de Melissa, sorrindo, sempre lhe dando toda a atenção que minha
menina gosta de receber. Ele a mima, mas é um mimo bom, esse é o de
amor.
— Você está tão linda, minha filha. — Posso jurar que a voz dele
está emocionada. — Só falta uma tiara de princesa.
— Eu não preciso, papai de tiala, já sou amada — diz sorrindo. —
Tenho tudo que pedi ao papai do céu.
Seguro as lágrimas e sorrio para eles. Danilo me encara, rindo.
— Vamos contar tudo isso para os convidados, Melissa? — a
chama. — Mas você está linda mesmo, princesa do vovô!
Ela se soltou do aperto do pai e correu na direção do avô,
rodopiando, alegre.
— Vamos, todos precisam ver como estou bela!
Eles somem rapidamente, com Melissa tagarelando de um jeito que
só ela sabe fazer. Danilo parece não se importar.
Meus olhos cruzam com os de Jonathan, ainda em pé no último
degrau o olho, bem mais alto e forte. Seus olhos azuis varrem o meu corpo,
analisando tudo detalhadamente. Suas mãos se estendem, tocando meu
rosto em total silêncio. Conversamos pelo olhar, eu sei que ele aprova a
veste e todo o resto. Quero dar um passo em sua direção, e como se
estivesse lendo o meu pensamento se aproxima mais, faminto.
Toca meu rosto com seus longos dedos, frios que me arrepiam, roça
o polegar pelo meu queixo, segura minha mão e a leva até seus lábios,
depositando um beijo um tanto quanto apaixonado.
Seu gesto inebria meu sistema, meu coração dispara, amansado, e
sem nenhuma arma para me proteger, isso é queda livre, uma queda que me
leva direto ao fundo do oceano, tomando todo o meu ar.
— Jonathan. — Suspiro quando suga a pele do meu pulso.
Ele solta minha mão e sorri, safado.
— Ivy Tulipa, meu amor.
Respiro fundo, buscando mais ar, mas estou perdida, tomada pelo
seu olhar e suas doces palavras.
— Temos que ir, não é?
— Sim, mas antes me permita admirá-la mais um pouco — pede
com a voz grave, em puro barítono.
— Você está selvagem — consigo dizer, nervosa.
— Eu me sinto prestes a pular em você, feito um gato selvagem —
profere.
Ele se afasta bruscamente, me deixando carente do seu toque, seus
olhos varrem o meu mais uma vez antes de se virar e me estender o braço.
Desço o degrau e sigo até ele, envolvo meus braços no seu, esse ato parece
tão familiar.
— Nos casaremos no domingo — digo.
— Estarei te esperando no altar, Tulipa.
— Não nos conhecemos direito, mal sabemos muito um sobre o
outro e tem a Melissa no meio disso tudo e se não der certo? — inquiro,
exigindo respostas,
— Não tem “e se”, Ivy, vai dar certo, não terá volta. — Sua voz é
ríspida e decidida, deixando claro que o que fala é verdade. — Eu jamais
decepcionaria Melissa, ela é minha filha e não duvide disso nunca, de forma
alguma.
— Entenda que tudo isso é do dia da noite e...
— Pare de duvidar, só pare. Aproveite o momento, nossa festa de
casamento e daqui a dez anos me diga se o que estou falando está errado!
— me corta, irritado.
Não falo mais nada, não há como discutir com ele, Jonathan faz
tudo da sua maneira e do seu jeito, todavia, realmente duvido que ele vá
magoar Melissa.
Assim que chegamos ao jardim suspiro, encantada pela decoração
de luzes amarelas por toda a parte, meus olhos nublam com lágrimas. As
pessoas estão de pé nos esperando. Um flash da câmera bate em meu rosto,
me despertando do meu encanto.
Espalhado pelo jardim há mesas de até seis lugares, simples,
quadradas de madeira assim como as cadeiras, em cima das mesas há vasos
pequenos com seis rosas vermelhas. Mamãe. No final, abaixo de uma
árvore grande e uma tenda por cima protegendo das folhas está um bolo
médio e no fundo, no tronco da árvore tem diversas luzes, em tons amarelo
e branco. No céu, que mais parece um quadro, a lua cheia e as estrelas nos
abençoam.
Melissa corre até nós, linda e maravilhosa.
— Mamãe, vovô Otavio está aqui! — informa, sem ar.
— O quê? — Fico surpresa e o caço com os olhos até que o
encontro de pé na parte mais escura com sua esposa e a filha dela. — Pai!
— Eu o trouxe, é seu pai — Jonathan explica. — Também ficará
para o casamento.
— Tudo bem — concordo, sorrindo. — Isso está lindo.
— O melhor para as minhas Tulipas.
Sorrindo, pego a mão da Melissa e seguimos pelo corredor, lanço
sorrisos para o pessoal. Estou nervosa, louca para não ser o centro das
atenções. Nunca me importei de viver nas sombras, na escola desde sempre
era só, tinha poucos amigos, e quando entrei para a faculdade mantive a
mesma rotina. Quando Melissa chegou à minha vida, os poucos que tinham
se afastaram e estranhamente não senti falta, não quis ir atrás e muito
menos implorei para voltar. Dediquei-me aos estudos e à minha filha, sem
me importar com mais nada. Não me sentia só. Tinha tudo que precisava.
Porém, desde o segundo em que Jonathan entrou em minha vida me
questiono se o que fiz foi certo, me isolar no meu mundo e trazer Melissa
junto. Nesse pouco tempo em que estamos na casa dos Torassi vi o quão
alegre minha menina fica com mais pessoas à sua volta. Ela fica mais à
vontade e gargalha tanto que não sei como seu maxilar não dói.
Bem, eu também estou sendo bem recebida, eles deixam claro o
quanto gostam de mim, me tratam bem a ponto de não querer sair de perto.
O jeito que Manuela me abraça é como estar aninhada à minha mãe
novamente.
Os Torassi me trazem a sensação de lar, bem nem todos, Lurdes e
Camile bem, elas eu literalmente menosprezo.
Arregalo os olhos quando sou guiada na direção do meu pai, meu
sorriso murcha, minhas mãos suam e um medo me consome. Diante de seus
olhos azuis como os meus, suspiro. Otavio já teve dias melhores, seus
cabelos que antes eram loiros, hoje estão brancos, sua pele cheia de rugas é
sinal de um mau envelhecimento. E seu sorriso não é o mesmo de dez anos
atrás. Uma parte dele foi enterrada junto com mamãe, talvez seja esse o
destino de grandes amores.
— Pai, que bom que veio — consigo dizer.
— Fiquei feliz por estar aqui, seu noivo nos trouxe e nos deu uma
acomodação — responde. — Olá, Jonathan, sou Otavio é uma honra
conhecê-lo pessoalmente. — Estende a mão para o Jonathan que pega.
— O prazer é meu, Otavio. — Jonathan soa duro demais, tão
retraído quanto eu. — Senhoras.
Juliana começa a sorrir sensualmente para o meu noivo, de um
modo descarado e sem qualquer respeito a mim. Já Rose apenas encara
Jonathan e eu de um modo um tanto quanto estranho. Seus olhos de
cascavéis são pura inveja, posso jurar que essa mulher que me odeia 75% a
mais nesse momento, mas é pela sua inveja por ver que estou com um bom
homem e rico, pois segundo ela, eu me casaria com um zé ruela.
— Ivy, seu noivado está chique — Juliana fala com desdém. —
Quem diria que teria tudo isso. — Ela solta uma risada debochada. —
Sempre pensei que se casaria com o Dudu.
Ao meu lado Jonathan bufa, e seu corpo fica ainda mais rígido.
— Dudu é amigo da mamãe, papai namolado — Melissa afronta. —
Para de falar besteira.
— Melissa! Não fale palavras feias — repreendo, escondendo o
riso.
Ela enche as bochechas de ar e vira a cara. Nervosinha, essa minha
filha.
— Deveria controlar sua filha, Ivy — Rose diz.
— Deveria a senhora controlar sua filha, dona Rose. — Jonathan
sorri sem dentes. — Nossa filha só disse a verdade.
Rose aperta os lábios com força, semicerra os olhos com raiva,
me olha e depois para Melissa, mas há uma promessa de ódio ali que não
me incomoda. Não há mais nada que ela possa fazer para nos magoar. Essa
mulher tem infernizado minha vida desde o segundo em que conheceu o
meu pai. Contou mentiras minhas para as pessoas, tentou colocar Otavio
contra mim mais de uma vez, por muitas vezes achei que conseguiria, mas
para minha surpresa ele nunca acreditou.
— Ivy, filha, parabéns pelo noivado. — Meu pai se aproxima mais
um pouco e pega a minha mão livre. — Que Deus te abençoe hoje e
sempre.
— Obrigada. — Jogo meus braços em volta do seu pescoço, o
abraçando como se fosse uma despedida. — Eu te amo, pai.
Ele me aperta de volta, um abraço semelhante ao que me deu
quando perdemos a mamãe naquela trágica primavera. Havia sol, mas
ambos chorávamos como o céu em um dia de tempestade.
Espero que não seja um adeus, mas um: “filha irei te visitar em
breve”.

Jonathan segura a minha mão e a da Melissa em frente à mesa do


bolo, os garçons acabaram de tirar os pratos da mesa, após o jantar ser
servido. Sem dizer mais nada ele me arrasta para o centro sorrindo de um
jeito estranho.
— Boa noite! — dirigiu-se a todos. — Como sabem, hoje estou
oficializando meu noivado, não sou um homem de muitas palavras e na
verdade prefiro até usar poucas, mas Ivy e Melissa merecem um pequeno
discurso.
— Isso aí, cara! — alguém grita.
Aperto a mão de Melissa nervosa, minha filha parece estar radiante
com tudo isso. Eu estou tremendo, não sei o que ele falará, nada aqui foi
planejado é tudo improvisado. Mordo minhas bochechas com força, incapaz
de controlar meus impulsos nervosos.
— Melissa — a chama, se ajoelhando no chão. — Eu nunca soube o
que era estar disposto a morrer por alguém até você chegar em minha vida,
mas além de estar disposto a morrer eu quero viver por você, não, por
vocês! Ser seu pai tem sido a minha maior dádiva, estou extremamente
feliz...
— Papai, não, morrer não — pede chorosa, o cortando e arrancando
risos da plateia e de mim.
— Eu não vou morrer, escolhi palavras infelizes, o que quero dizer é
que você e sua mãe tornaram-se o meu mundo, o centro dele e tudo do que
preciso — corrige sua fala anterior, coloca a mão no bolso interno da
jaqueta e tira uma caixinha de prata, abre revelando três alianças de
tamanhos diferentes. — Querem ser o centro do meu mundo para sempre?
Olho para os anéis que possuem uma Tulipa em cima, lágrimas
enchem os meus olhos, ponho a língua no céu da boca impedindo-as de cair.
Não posso ser chorona, ao menos não agora.
— Eu quelo! — exclama minha filha, saltitando. — Põe aqui, papai!
— Estende-lhe a mãozinha toda boba.
Ele passa o anel por seu dedo e depois beija sua testa, apertando-a
contra seu peito musculoso. As emoções em meu peito são densas,
alarmantes a ponto de doer de alegria. Quando ele solta nossa menina, ela
sai correndo exibindo o anel toda boba.
— Amor, está me matando aqui, devo implorar mais um pouco? —
delega, me olhando cheio de expectativas.
Suspiro, dizer não eu não posso, mas fazê-lo se arrastar um pouco
não me parece uma má ideia. Ponho a mão na cintura, fingindo pensar e
por Deus posso ouvir uma música de tensão no fundo e sim alguém coloca
propositalmente.
Sem dizer uma única palavra estando-lhe a minha mão sorrindo, ele
nega com a cabeça e pega o anel, passando pelo meu anelar, lentamente, o
metal frio me fez saltitar e seus olhos azuis possuem promessas quentes.
Jonathan fica de pé, me estende a caixinha, pego o último anel e sem
que ele me dê sua mão, eu a pego, puxando, e sem mais delongas enfiando-
lhe a aliança sem qualquer delicadeza.
— Isso é para que não pense em dizer “não” — friso as palavras.
Aproximo-me dele, pondo a mão em seu peito, a outra em seu ombro
sorrindo. Esse homem me amará, farei com que me ame tão profundamente
que não irá querer passar longas horas longe de mim. — Me beije, senhor
Torassi — sussurro.
— Porra!
Seus lábios batem contra os meus com força sem delicadeza, e
famintos, não é um selar de lábios para o público, é algo para nós dois, um
beijo de língua bem molhado e gostoso. Ele explora minha boca com
avidez.
A textura dos seus lábios juntos aos meus me deixa extasiada,
necessitada de mais. Meu ventre se contrai como se mil borboletas
voassem, ao fechar meus olhos me sinto em um mundo exclusivamente
nosso, um campo de jardim cheio de rosas e tulipas. Seu perfume forte me
inebria assim como sua boca colada à minha, devorando-me com uma
lasciva paixão.
Perdida seus braços e lábios ignoro tudo à nossa volta, ouvindo
apenas a batida desesperada do meu coração, fui submersa por seus calores,
levada ao céu, a um paraíso particular. Entendi que Jonathan Torassi me
quebraria em mil pedaços. Me destruiria, mas até lá eu aproveitaria cada
segundo, sendo falso ou real, um faz de conta ou um para sempre.
Quando nos afastamos sem ar, a plateia aplaude com força.
Encaro-o nervosa, apaixonada e determinada.
Sento-me em uma ponta e Jonathan na outra da cama de Melissa, ele
está com ela sobre seu peito enquanto lê uma história sobre flores. Após
encerrarmos a festa de noivado e nos despedirmos, eu subi para dar um
banho em Melissa e colocá-la para dormir, foi um dia agitado e
preocupante.
— A rosa olhou para o cravo e se apaixonou perdidamente por ele
— recita em tom baixo. — Mesmo ele sendo um ogro, mal-humorado e
muitas das vezes porcalhão, ela o amava como ele era, sendo assim, eles
viveram feliz para todo o sempre...
Ele a olha e vê que ela já dorme, me levanto da cama e o ajudo a
ajeitá-la, ele se esgueira para o lado, beijo sua testa e a cubro com seu
cobertor do Urso Pooh, que ela tanto adora, é o seu desenho favorito, depois
do Rei Leão.
Faço um sinal para que saiamos do quarto e sem dizer uma palavra
nos retiramos, apagando todas as luzes, fecho a porta e suspiro aliviada,
ansiosa para poder ir tomar um banho, me deitar e adormecer, estou
exausta. Meus sapatos foram parar longe, nem ao menos sei onde. Por
Deus, nem me recordo onde os deixei. Amanhã os procuro.
— Preciso dormir! — confesso bocejando.
— Não acho que será uma boa ideia dormir, Ivy, a madrugada é uma
criança — salienta, me olhando com desejo.
Congelo sob o seu olhar, perplexa por entender o que está dizendo,
não sou nenhuma santa, mas esperava que isso ou essas incitações viessem
depois do casamento. Não me sinto preparada para ter relações. Eu quero,
muito, mas e se não der certo, não sou como as mulheres que está
acostumado. Não tenho uma autoestima muito elevada, mesmo tendo a pele
clara ganhei estrias devido ao efeito sanfona de engordar e emagrecer
durante a faculdade e os primeiro dois anos da Melissa. Foi um período
conturbado, sei que tudo isso é normal, mas droga, Jonathan saía com
supermodelos, e eu sou eu. Pequena desajustada, com zero experiências de
vida.
Não sou cega nem nada do tipo, obviamente eu recebi cantadas,
senti olhares sobre mim, mas nunca dei bola, estava ocupada demais na
minha adolescência sobrevivendo ao luto e na vida adulta sendo mãe e
estudante universitária. Era muita coisa para que eu pudesse aguentar
encontros, amassos e sexo casual.
E sim sou brega por sempre acreditar que só me envolveria com um
homem quando estivesse completamente apaixonada, mas ao invés disso
caí de paraquedas no colo do meu chefe arrogante e prepotente que sempre
que pode me dá vontade de matar, eu poderia ter dito não desde o início e o
desmentindo, no entanto, a merda já havia sido jogada no ventilador e
espalhada por toda a mídia nacional e internacional.
Um dos magnatas mais ricos do mundo estava noivo da sua
secretária após descobrir uma filha secreta. Eram essas as manchetes dos
jornais, eu li cada blog irritada, nervosa e louca. Não tinha como sair. Essa
era a verdade e havia o fato de que Melissa estava perdidamente encantada
por Jonathan, então menti para mim mesma que era pela minha filha e não
por mim e meus desejos egoístas.
Pisco, saindo dos meus devaneios, encaro o Jonathan incerta.
— Não sou como as mulheres que está acostumado — aviso com a
voz trêmula e baixa. — Não sou uma supermodelo, tenho estrias e algumas
celulites, pois amo frituras e doces. Nunca estive na cama com outro
homem, então terá que me ensinar tudo do começo. — Paro para tomar ar,
recuperar o fôlego. — Não sei quase nada pornográfico além dos livros e...
Seus lábios me cortam, roubando o resto do ar dos meus pulmões,
puxando tudo para si, exasperado e como sempre sem pedir autorização, ele
só toma sem mais ou menos.
— Você fala demais, amor — balbucia com os lábios colados aos
meus. — Irei pegá-la em meus braços e a levarei para o meu quarto onde te
farei minha, Ivy Tulipa. E desse momento em diante nunca mais poderá me
negar nada.
— Jonathan... eu não posso e se...
— Só sinta, amor, cada prazer que te darei e então se viciará em
mim.
Solto um gritinho quando me toma em seus braços, tirando-me do
chão. Agarro seu pescoço com força. Jonathan me carrega estilo noiva,
sorrio feito boba, como uma adolescente apaixonada, bem de qualquer
forma é assim que me sinto nesse momento, uma garotinha apaixonada em
seus braços.

Deposito Ivy sobre a cama, seu corpo afunda no colchão macio.


Deitada com seu vestido azul sobre os lençóis egípcios brancos, ela parece
um anjo, ou uma fada azul. Linda pra caralho, e minha.
Nunca desejei tanto alguém, a desejo de uma forma tão libidinosa,
ela me desarmou, tomou-me para si sem pedir, apenas me conquistou aos
poucos e em pouco tempo estava completamente viciado por ela, desde a
primeira vez que a vi e a cada segundo esses sentimentos crescem em meu
peito, ávidos e sem limites, incontroláveis.
Dou dois passos para trás, me afastando da cama para poder admirá-
la melhor, seus olhos azuis expressivos estão cheios de expectativas,
ansiosos, sua linguagem corporal deixa claro que ela me quer, sorrio.
Vagarosamente removo minhas peças de roupa, jogando-as em
qualquer canto do quarto, despreocupado. Meus sapatos eu tirei mais cedo,
então descalço e sem meias removo a calça, ficando de cueca boxer preta.
— Tire esse vestido e a calcinha, amor — peço com a voz rouca,
cheia de desejo e impaciência.
Sem me dizer uma única palavra ela fica de pé na cama e começa a
fazer o que pedi, primeiro desfaz a trança, bagunça o cabelo, tira as joias e
joga sobre o colchão. Sobe a saia do vestido, segura no cós da calcinha e a
desce, passa por uma perna e depois outra e por fim joga-a sobre mim.
Pego no ar e levo até o nariz, cheirando-a, fecho os olhos alucinado
pelo cheiro da sua boceta e ainda mais doido por ela.
Volto a encará-la, está descendo o zíper do vestido, engulo em seco,
inquieto. Meu pau dentro da cueca dói de desejo, nunca fiquei assim por
nenhuma mulher.
Sem mais paciência, seguro o cós da minha cueca e a desço,
sentindo a liberdade me atingir. Meu pênis salta para fora, duro feito
concreto. Seguro a base me masturbando lentamente, observando-a descer o
vestido devagar, exibindo os poucos pedaços da sua pele branca e cremosa,
feita para ser mercada por mim.
Quando mostra seus seios duros, apontando para frente gemo baixo.
Seus bicos rosinhas me enlouquecem, avanço sobre ela, a puxando para
mim pelas pernas, a derrubo na cama, puxo o resto do vestido. Engatinho
por cima dela até alcançar sua boca, onde a beijo novamente enlouquecido,
entorpecido por ter seu corpo colado ao meu, pele a pele.
Sorrio safado para Ivy e beijo seu pescoço, mordendo, chupando,
alucinado querendo mais e mais. Desço a explorando com minha boca,
tomo seu seio esquerdo, passo a língua ao redor do bico rosado, duro,
brincando com ele, ela suspira pesadamente, chorosa.
Ivy geme ao sentir meu toque na sua boceta molhada. Apenas
coloco a mão e brinco com os seus lábios. Meus dedos já estão molhados.
Preciso estar dentro dela.
Volto a dar atenção ao seu seio, abocanhando-o, recebendo um
pequeno grito seu misturado com um gemido. Isso é música para os meus
ouvidos! Vou descendo, deixando pequenos chupões pela sua barriga, dou
mordidas, beijos e continuo com os meus dedos brincando com os seus
lábios. Ela geme ofegante.
— Jonathan — balbucia, alucinada empurrando o quadril contra
meus dedos.
— Já entro em você, no entanto, agora preciso chupar sua boceta,
amor — digo, olhando sua pequena e linda boceta, perfeita para o meu pau
e boca.
Gemo ao passar a o nariz por seu sexo e sentir seu cheiro, não me
aguentando mais caio de boca, esfomeado, chupando seus lábios com certa
precisão, ainda não dei certa atenção a sua cavidade ou ao seu clitóris, mas
por ora irei cuidar só dos seus lábios. Quero deixá-la mais ansiosa para
mim, para me receber, para me ter.
— Jonathan, por favor — implora.
— O que você quer? — pergunto.
— Você dentro de mim — sussurra, chorando e toda tímida.
— Você terá, amor — prometo, beijando seu ventre, onde em breve
receberá minha semente. Ajeito-me no meio das suas pernas. — O que foi?
— pergunto ao sentir seu corpo ficar tenso.
— Você é grande e não sei se vai...
— Vou fazer ser bom para você, amor, prometo que sentirá prazer
— garanto, me debruçando sobre o seu corpo e beijando-a com carinho.
Seguro meu pau e com cautela vou entrando em sua quentura,
respiro fundo para me controlar, senão perderei o controle. Sinto sua
barreira, empurro mais um pouco rompendo seu hímen. Ivy arfa, beijo-a
para distraí-la. Empurro tudo de uma vez, ela toma tudo de mim com gula,
no mesmo instante em que me aperta. Suas unhas estão cravadas em minhas
costas, cortando minha pele.
— Você está bem? — indago, tentando controlar minha vontade de
entrar e sair forte.
— Você me preenche por inteira, é tão bom — responde entre
lágrimas, entorpecida pelo prazer e dor.
— Amo estar dentro de você, amor — digo, e coloco o peso do meu
corpo sobre o seu, mas apoio meu braço no colchão para não a esmagar.
Beijo seus lábios com carinho e delicadeza. — Vou me mexer — aviso.
— Por favor.
Entro e saio dela recebendo um doce e longo gemido. Minhas
estocadas são lentas para não a machucar, beijos seus lábios com vontade.
Sua boceta aperta meu pau com força, o que me enlouquece, estou usando
todo o meu autocontrole para não parecer um tigre enlouquecido e
esfomeado. Mas é assim que me sinto, cheio de fome dela, minha Ivy.
— Você está triturando o meu pau, amor — rosno, chupando seu
pescoço. — Quero te colocar de quatro e estapear sua bunda, Ivy, marcá-la
com a minha mão.
— Jonathan — geme.
— Você é tão quente, amor — provoco com a voz rouca, chupando
o lóbulo da sua orelha. — Você me recebe tão bem, tome mais de mim —
sussurro, gemendo no pé do seu ouvido.
Ela está ficando ainda mais molhada, sei que está prestes a gozar.
Intensifico as estocadas ao mesmo tempo que os meus dedos apertam o bico
do seu peito. Seus gemidos vão ficando mais altos, me deixando louco.
Nossos corpos suados entram em erupção como um vulcão. Eu quero mais,
preciso de mais. Cada estocada dentro dela é como se eu estivesse no meu
parque particular de prazer...
— Ah, Jonathan!
Ela me arranha, perdida em seu clímax, enfurecida pelo prazer.
Estoco mais forte dentro dela, buscando minha própria libertação, quando
sua boceta me espreme me liberto, esporrando dentro dela, bem fundo.
Mordo sua clavícula, rosnando, selvagem.
Seguro-me em seu interior para ter a garantia que nenhuma porra
minha irá fugir, Ivy não toma nenhum anticoncepcional. Quero que ela
carregue nossos bebês logo, preciso formar mais essa aliança com ela, além
da Melissa.
Ergo meu tranco e olho dentro dos seus olhos, sua respiração está
agitada igual à minha, há suor em sua testa, seus lábios estão abertos.
— Ninguém havia entrado dentro de você ainda porque não havia
me conhecido, amor. Nasceu para ser minha, Ivy Tulipa.
Olho para a porta assustada ao ver meu pai entrando, usando um
smoking preto com uma gravata vermelha. Ele me olha e sorri sem jeito,
falta meia hora para que eu entre. Melissa está se arrumando em outro
cômodo com Manuela, por escolha optei por ficar sozinha com a
maquiadora e cabeleireira.
Eu acabei de vestir o meu vestido de noiva. Ele é liso, com um
pequeno decote, manga de ombro caído com uma pequena cauda. Meu
buquê será de rosas vermelhas e no meio uma branca, como mamãe sempre
havia sonhado para mim. Meu cabelo está solto, com um simples penteado
que pega uma das laterais, nada exagerado.
Otavio para diante de mim e sorri, nós nos olhamos perdidos em
nossas próprias palavras. Desde que me lembro, ele e eu nunca fomos bons
em comunicação, sempre ficávamos calados perto um do outro, não era
triste e nem cruel a falta de diálogo, apenas estávamos bem sem nada a
dizer, pois não havia barreiras que nos separavam, agora há. Meia dúzias de
muros altos que não consigo escalar e nem sequer tento. Na verdade, evito
cada um, fingindo que não existia no processo e me auto proteger de uma
possível rejeição.
— Você está linda, filha — elogia, me estendendo a mão, a pego
incerta. — Não sabia como vir até aqui e te pedir para me deixar te
acompanhar até o altar, mas mesmo amedrontado eu vim — confessa todo
sem graça.
— Obrigada, pai — agradeço, sentindo sua mão suada. — É claro
que vai me levar até o altar.
— Sua mãe me faz prometer que nunca soltaria sua mão, mas o fiz
assim que ela partiu... sua mãe, Ivy, era o meu mundo, meu ar, quando a
perdi me perdi e ainda não me encontrei e sendo franco nunca vou —
Otavio expressa a sua dor na voz. — Não sou um bom pai, no entanto, dei o
meu melhor da forma que pude, não vou pedir desculpas por não ter feito
mais, seria ignorância minha.
Sua fala é como uma faca sendo enfiada em meu peito, não esperava
um pedido de desculpas e nem preciso, mas ouvir sua confissão sobre como
é para ele viver sem minha mãe me fere. Pois ao mesmo tempo em que
admiro o amor deles, me enerva, igualmente me assegura, dando esperanças
de que vale a pena viver a vida ao lado de alguém.
Amor verdadeiro não é conto de fadas, não é filme ou novela, o
amor real é amar a pessoa até depois da morte, e estar com ela na saúde,
doença, infelicidade e felicidade e um ser o farol guia do outro. É a chama
da paixão, a calmaria pós-tempestade e as borboletas voando no estômago e
o amargo depois de uma briga, o medo da perda e o esforço para seguir
junto, esse é o amor verdadeiro, é o que pretendo viver.
É certeza de que tudo é incerto menos o amor que sente.
— É estranho, mas te entendo.
— Ivy, você tem certeza de que quer se casar com esse homem? —
indaga sério.
— Absoluta! — Essa afirmação é mais para mim.
Ele acaricia meu rosto com a mão livre e sorri abertamente.
— Sendo assim, tenho algo para te dar antes de te guiar até o altar
— diz, enfiando a mão no bolso e me estendendo um envelope. — Estou te
esperando lá fora, perto da carruagem com Melissa.
— Tá bom — respondo incerta, pegando o envelope.
“Ivy, minha filha, hoje é o dia do seu casamento e estou tão feliz por
você, perdoe a mamãe por não poder estar de forma física com você, mas
estou de alma e coração. Minha doce menina, sei que deve estar assustada,
e saiba que é normal, eu também fiquei, e te garanto que isso vai passar
quando você segurar a mão do seu amado e caminharem lado a lado.
Hoje é um dos dias mais felizes da sua vida, o melhor será quando
segurar seu filho ou filha nos braços, e eu tenho certeza de que se for
menina se chamará Melissa, pois é a flor que você mais cultiva em nosso
pequeno jardim.
Não vou me prolongar, mas, Ivy, não tenha medo de amar, de viver a
vida. Não tenha medo de buscar o que quer, faça mais amigos, dance na
tempestade e se sente a cada início de primavera em um balanço e se
balance aproveitando minha estação favorita do ano.
Tenha um belo e feliz casamento, com amor, mamãe.”
Enxugo as lágrimas e releio a carta novamente, a letra é idêntica à
da minha mãe, meu Deus, será que ela escreveu mais dessas? Oh, meu
Deus! Sento-me no sofá zonza, eu queria tanto ter mais um pedacinho dela
para me consolar que ganhei.
Minha mãe amava casamentos, comprava várias revistas com
diversos vestidos de noivas, passava horas conversando comigo sobre como
poderia ser o meu casamento, pois quando ela e meu pai se casaram não
conseguiram fazer uma grande festa devido à condição financeira dos dois,
mas sempre que olhava as fotografias do dia sorria e às vezes chorava
dizendo que tudo havia saído perfeito, melhor do que poderia imaginar.
Rosa, me lembrava constantemente que menos é mais e mais é menos, e
hoje vejo que tem razão.
— Mamãe? — Melissa grita, me tirando dos meus devaneios.
Fico de pé, ajeitando meu vestido e secando minhas lágrimas,
espero que não tenha borrado a minha maquiagem. Viro-me e me olho no
espelho, nada fora do lugar só os meus olhos vermelhos.
— Mamãe, vamos! — Ela entra no cômodo, me olhando
impaciente.
Minha filha está usando um vestido azul-royal estilo princesa, seus
cabelos escuros como a noite estão soltos com cachos nas pontas, há uma
pequena fita no meio dos seus fios que a deixa incrivelmente linda.
— Estou pronta — digo, pegando a carta e a guardando em minha
bolsa. — Você está linda, minha menina.
— Você também está linda, mamãe, a noiva mais linda de todo o
mundo! — elogia sorrindo. Desde o dia em que Jonathan entrou em nossas
vidas Melissa não para de sorrir, vez ou outra só faz birra.
Pego sua mão, meu buquê e caminho para fora do quarto, tenho um
noivo me esperando no altar e uma filha prestes a infartar se eu não for
agora.

Tudo que vejo são elas desde o segundo em que desceram da


carruagem e caminharam em minha direção com Otavio as guiando até
mim. Seguro-me para não as buscar e apressar as coisas, já conversei com o
juiz de paz que ele deve ser breve sem grandes delongas.
Quase a busquei em casa, pois ambas estavam demorando, meus
primos me seguraram dizendo que a noiva atrasa e que Melissa só viria com
a Ivy. Duas Tulipas que necessitam de um relógio e pontualidade.
Minha mãe me deu um chá de erva doce pela manhã e depois me
obrigou a tomar banho da mesma erva. Fiquei uma hora de molho na
banheira, segundo ela, precisava me acalmar, estranhamente funcionou por
um tempo.
Sorrio para Melissa que vem na frente da mãe espalhando pétalas de
rosa vermelha, perfumadas para que Ivy sinta que sua mãe está com ela.
Quando as rosas se acabam, Melissa sorri e corre em minha direção, me
agacho para recebê-la, aperto e beijo seus cabelos.
— Você está linda, filha! — elogio.
— Obrigada, papai, agora vou me sentar! — Beijando o meu rosto
ela corre para minha mãe que está na primeira fileira.
Fico de pé, ajeitando o smoking preto, mesmo que nada esteja fora
do lugar. Prendo o ar quando Ivy para diante de mim, aperto a mão do seu
pai e aceno com a cabeça para ele, não gosto de Otavio, mas é da família,
por isso o respeitarei.
Admiro a mulher diante de mim, linda e maravilhosa, a luz do dia.
Com seu cabelo solto e sem véu. Beijo sua mão antes de guiá-la até o juiz
de paz em silêncio, pois conversamos pelo olhar, sabemos que não é preciso
dizer nada nesse exato momento.
O juiz começa a falar, mas quase não o ouço, pois estou concentrado
na mulher que segura a minha mão, que está fazendo meu faz de conta real
e que me deu uma família, como já disse: eu era solitário e estava feliz
desta forma, mas quando Ivy chegou trazendo Melissa para me completar,
me senti mais vivo como nunca antes e não posso mais viver sem elas e os
pirralhos que virão.
Planejo no mínimo mais quatro filhos, somando no total cinco para
que Melissa não se sinta sozinha e se vier mais uma garota terá o segundo
nome Tulipa para não perder a tradição e os meninos veremos, temos tempo
para pensar ou não.
— Quem tiver algo contra essa união fale agora ou se cale para
sempre — o juiz fala.
— Todos calados! — Melissa grita, atraindo a atenção de todos. Ivy
e eu viramos a cabeça para ela sorrindo, os convidados gargalham. —
Pronto, pode continuar, ninguém tem mais nada para dizer.
Dou uma gargalhada e quando os risos cessam o juiz continua, as
trocas de alianças são feitas e na hora do sim ninguém interrompe.
Beijo os lábios da Ivy com ternura, seguro seu rosto e lhe dou a
afirmação que tanto procura em mim.
— Eu me apaixonei por você à primeira vista — confesso, no altar
com as pessoas batendo palmas. — Odiei cada sentimento que despertava
em mim, a amei quando a vi no elevador cheia de malas e com a Melissa.
— Olho em seus olhos lacrimejados e suspiro. — Eu queria uma desculpa
para te prender a mim, sem ter que ir me arriscar pelo jeito tradicional, já
tenho 45 anos, amor.
— Então o negócio com a Judith foi só uma desculpa? — inquire,
com os olhos arregalados.
— Foi o empurrão, por isso nada de acordo pré-nupcial, pois se
quiser partir da minha vida com minha filha leve todo o meu dinheiro, pois
sem vocês não sou nada, Ivy Tulipa, me aceite como sou, receba meu amor
como as flores que nascerão em nosso jardim — imploro sem vergonha ou
reservas. — Ontem assinamos os documentos em que adoto Melissa, seus
novos documentos serão entregues em no máximo duas semanas, meus
sentimentos são reais, acredito no que te digo, acredite em mim, por favor,
amor.
Se preciso for eu me rastejarei pelos espinhos, arames farpados se
for me garantir que ela corresponda um terço do que sinto.
— Eu te amo — sussurra, me pegando de surpresa. — Fique em
nossas vidas para sempre e faça de faz de contas realidade.
Beijo-a apaixonadamente, quando nos afastamos ainda havia
aplausos, estendo a mão para Melissa e a pego em meu colo e juntos
passamos pela chuva de arroz. Felizes a caminho dos nossos felizes para
sempre.
Anos depois
Observo Jonathan tentar vestir a cueca em Davi, nosso último filho,
o que encerrou a fábrica do mini clã de seis filhos, sendo que a única
menina é a Melissa e dou graças a Deus por isso, senão meu marido viveria
no hospital com suspeita de infarto.
Davi possui cabelos escuros e olhos como uma noite sem estrelas e
um temperamento duvidoso, o menino é turrão e nunca dá o braço a torcer,
com 3 anos age como se tivesse 5. Já Benício de 7 anos é calmo, gentil e
amoroso, chorão que só, um grude. Ele é o único que nasceu com os olhos
verdes e cabelos castanhos avermelhados, rebeldes.
Já os trigêmeos que nasceram nove meses após o meu casamento
não me davam sossego desde que descobri a gestação, no primeiro
ultrassom mostrou os três meninos, e por Deus, tive que fazer cesárea, eles
nasceram de nove meses e saudáveis. Luke, veio primeiro, o mais tranquilo,
moreno de olhos azuis e sardas na cara. Riki nasceu com os cabelos
loirinhos e olhos azuis escuros, e o preguiçoso do Zaki veio ao mundo com
os cabelos escuros e olhos castanhos, amanhã eles completarão 12 anos.
Passou tão rápido.
— Papai num quelo! — Davi bate as pernas toda vez que Jonathan
vai pacientemente vesti-lo.
— Tem que vestir, Davi — diz calmamente para a criança que nega
com a cabeça freneticamente. — Você quer ficar com o seu piru balançando
para que a Cuca o pegue e arranque de você?
Os olhos do meu filho se arregalam, suas mãozinhas descem até o
seu sexo em forma de proteção, olha para a cueca verde na mão do pai.
— Veste, papai, poteger pilu! — pede com os olhos marejados.
— Papai te veste, assim vai ficar protegido — garante ao mais novo
vestindo por fim a peça íntima.
Após isso, Davi sai correndo na direção de Benício, tentando tomar
o seu picolé, quando digo que o garoto é terrível.
— Davi, deixa seu irmão, você já chupou o seu! — o repreendo.
Ele para e me olha com raiva, como disse: menino invocado.
Aproximo-me dele a passos largos, pego seu braço o puxando de perto do
irmão, Benício nunca rebate as coisas que Davi faz, e mesmo sendo maior,
fica na sua. O garoto é tranquilo demais. Não sei a quem puxou, mas com
certeza não tem nada do Jonathan.
— Me laga, mamãe! — grita, birrento.
— Não. Melissa! — berro já me irritando. — Vem cuidar do seu
irmão como prometeu.
Ouço um barulho e quando olho Luke e Riki rolando no chão com
uma bola de futebol americano. Viro-me os ignorando, Jonathan que lide
com isso. Eu não vou, me recuso.
Melissa aparece correndo com um biquíni laranja florido, minha
menina está uma moça linda, aos dezessete anos possui um corpo esbelto de
dar inveja, e para minha total surpresa ela é vaidosa, ama se cuidar. Seus
cabelos escuros estão batendo na bunda, liso e natural.
— Vem cá, minha cópia! — berra alegre, pegando Davi em seus
braços. — Que foi, neném da irmã?
— Num sou bebê!
Ela gargalha e o leva até a piscina onde Zaki e um Benício choroso
estão. Os trigêmeos, assim como Jonathan, são altos, com doze anos
possuem mais de um metro e setenta e dois. Três postes, barulhentos, mas
graças a Deus limpos.
Sento-me na espreguiçadeira ao lado do Jonathan, junto meu corpo
ao seu, sentindo o seu calor. Na casa dos cinquenta, quase chegando aos
sessenta, meu marido tem um corpo definido como se ainda estivesse na
casa dos quarenta, ele se cuida e mantém uma boa alimentação.
— Seus filhos são terríveis — comento. — Quero férias deles, um
mês!
— Estava pensando em ter mais um — declara, me olhando com
lasciva. — Vai que vem uma menininha!
— Davi foi o último e pelo que me lembre fez vasectomia, uma
segura, caso queira mais filhos vai atrás de outra e nos divorciamos!
Ele ri e me beija com paixão, deixando-me ansiosa pela promessa de
mais tarde. Cessamos o beijo ao ouvir barulho de choro, Benício está todo
vermelho, Jonathan dá um salto correndo até o nosso loirinho, pega-o nos
braços o tirando da água. Continuo deitada, plena, esse desespero com os
filhos é dele não meu, basta um deles falar “ai” que ele vai correndo todo
preocupado.
Fecho meus olhos aproveitando a tarde de sol, e por Deus, quem
diria que um faz de conta me renderia tudo isso e um futuro ainda mais
incrível pela frente.
Toda história tem um fim, a de Ivy e Jonathan não, ela é longa, pois
o jardim deles é florido, duas almas solitárias que se amaram à primeira
vista, pode-se dizer que foi culpa do cupido, da fada do dente ou até mesmo
da digníssima escritora que pegou uma caneta de pena mágica e rabiscou o
encontro dos dois, mas na verdade sabemos que a culpa foi da garotinha
que escolheu o chefe da sua mãe como pai, pois ele se parecia com um
Príncipe Encantado.
Melissa Tulipa sabia que pai é quem cria e que finais felizes
somos nós que criamos. Beijos.
Melissa Tulipa

[i]
Uma fruta da família Aceraceae comum na América do Sul.

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