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Com amor,
Gabi <3
Substantivo masculino. O que há de vir. Sete letras.
Destino.
Preencho os quadrados, finalizando mais uma página da
revista de palavras-cruzadas. Olho o próximo quadro e cruzo uma
perna em cima da outra, apoiando o corpo para frente enquanto leio
as dicas. Entretanto, ao invés de começar a nova página, me atento
às pessoas na minha frente, parecendo apressadas demais enquanto
correm com suas malas, desesperadas olhando para as televisões
com os números dos voos, horários e portões.
Aeroportos são ótimos lugares para pensar sobre o próprio
destino. Estamos em maio, muitas pessoas estão se apressando para
reuniões, outras já começando a pensar nas férias de verão,
pensando em como irão finalizar o primeiro semestre. Em breve, as
viagens começarão com ainda mais ênfase e esse aeroporto ficará
novamente entupido de pessoas correndo atrasadas. A dinâmica é a
mesma e essa rotina sempre me trouxe um conforto.
Temos os casais apaixonados, chegando e indo embora. Os
grupos de amigos, sempre com risadas altas e muita expectativa
para irem ao seu destino, mas tristes durante a volta. Recém-
casados animados para as suas luas de mel. Estudantes que visaram
um futuro longe daqui, e outros que chegam, ansiosos pelos
recomeços. Muitos destinos são decididos e guiados em um
aeroporto, é um ótimo lugar para observar as pessoas.
Meu celular desperta, me dizendo que é a hora de ir e guardo
a minha revista na mochila antes de colocá-la nas costas e pegar a
mala de mão, olhando para a escala do dia. Trabalhei poucas vezes
com o pessoal dessa tripulação, apesar de conhecer muito bem o
piloto e o co-piloto.
Respondo a mensagem de Savannah, revirando os olhos para
os milhões de pontos de interrogação da desesperada da minha irmã
e guardo o aparelho no bolso, caminhando até uma das telas com as
previsões de voos, descobrindo se o portão mudou ou não antes de
me apresentar junto à equipe, pronto para o próximo voo.
Portão D40.
Suspiro, pensando que isso é do outro lado do aeroporto.
Uma mala se choca com força na minha enquanto continuo
preso aos meus pensamentos, fitando a tela grande, e preciso firmar
o meu corpo para não ser levado com o impacto. Entretanto, antes
mesmo que consiga me virar, escuto dois baques seguidos caindo no
chão.
— Me desculpe. — A voz feminina é baixa e me viro,
encontrando uma bagunça de fios vermelhos sentada no chão, ainda
segurando a alça da mala de mão, também caída. — Parece que
aqueles adolescentes estão bem atrasados — ironiza com uma
pitada de mau humor, jogando o cabelo para longe do rosto e me
permitindo fitar seus olhos azuis. Há uma raiva gigantesca ali que
me obriga a reprimir uma risada pelo seu descontentamento.
Me abaixo, ficando na frente da mulher e podendo observá-la
com mais atenção. Ela é linda, muito linda. Os cabelos avermelhados
chamam atenção, mas os olhos também são do tipo inesquecíveis,
um azul profundo como o oceano, o meio dele, a parte mais
desconhecida. A estranha é esguia, com a cintura marcada por baixo
da blusa justa, seios consideráveis e…
Isso não foi muito respeitoso.
Volto a encarar o seu rosto, notando as olheiras profundas e
os olhos avermelhados. Ela claramente tem chorado bem mais do
que deveria e não acho que o motivo seja as quedas ao chão, como
a que acabou de ter.
— Tudo bem — digo, oferecendo um sorriso gentil. —
Noventa por cento dos adolescentes estão sempre atrasados para
um voo.
— Isso é um dado confirmado? — indaga curiosa, arqueando
uma das sobrancelhas, e faço uma careta.
— Conhecimento de causa conta como uma pesquisa
renomada? — rebato com humor e ela solta um riso baixo.
— Acho que posso confiar em você — fala, levantando os
ombros e precisando ajustar a bolsa grande que carrega quando a
alça ameaça cair.
— Está tudo bem? Não se machucou?
— Acho que estou a salvo e, no máximo, com um roxo na
bunda. Esse é o menor dos meus problemas atualmente. — Ela
suspira e eu estendo a mão, querendo ajudá-la a se levantar. — Na
verdade, mesmo se eu tivesse quebrado um braço, isso ainda seria o
menor dos meus problemas atualmente — continua resmungando
quando se coloca de pé e aproveito para erguer a sua mala do chão
enquanto ela passa as mãos na calça jeans que usa.
— Estou com medo de indagar qual seria o problema no topo
da lista — sussurro, apesar de não querer ser intrometido.
— Me desculpe, não estou em um bom dia, ou em um bom
mês, com a sua classe — responde, me dando um sorriso com pesar
antes de agradecer silenciosamente pela mala em pé.
— Devo supor que esteja falando sobre os homens, não sobre
os comissários de bordo — replico e ela parece confusa por alguns
instantes antes de notar meu uniforme e fazer uma careta.
— Espero não ter sido banida de nenhuma companhia aérea
por causa de excesso de estabanamento.
— Tenho quase certeza que essa palavra não existe —
murmuro, mas ela não se dá ao trabalho de me responder. — Fique
tranquila, ainda que eu tivesse esse poder, não te baniria por ser o
alvo de alguns adolescentes apressados.
— Em defesa deles, eu estava desatenta.
— Desatenção que deve ter como causa a pior classe do
mundo — sugiro e ela franze a testa. — Homens — respondo a
pergunta não feita e consigo arrancar outro riso fraco da ruiva.
— Está mais do que certo — afirma, soltando um suspiro
triste em seguida e então agarra a mala de mão. — Acho melhor eu
ir, ou acabarei como aqueles adolescentes — diz, parecendo nervosa
depois de alguns longos segundos me fitando e deixando que eu
fizesse o mesmo com ela.
— Boa viagem — desejo, apesar dela já estar
consideravelmente longe, se afastando de mim com rapidez.
Franzo o cenho, ainda observando a ruiva se afastar. Ela
parece intrigante, além de bonita, e também parece ter uma longa
história que a trouxe aqui hoje, com bagagens em excesso e uma
desorganização notável. E ainda chutaria alguma desilusão amorosa
para somar nessa conta. Balanço a cabeça, percebendo que estou
parado há tempo demais pensando na desconhecida e me viro,
começando a tomar meu rumo para encontrar o restante da
tripulação e para me preparar para um longo voo até Paris.
Deveria saber que me envolver com meu chefe não era uma
boa ideia.
Esse tipo de coisa só funciona em livros e os livros nos
enganam, não deveria ter sido ingênua. Olha para o lugar
depressivo que isso me trouxe: sozinha, sentada na primeira classe
de um voo para a Europa, com uma viagem planejada em um dos
lugares mais fofos que já vi.
Ok, essa não é a parte depressiva. É o fato que isso deveria
ser a minha lua de mel que me deixa com o nariz pinicando e os
olhos cheios. Estou bastante cansada de chorar, então reprimo as
lágrimas rapidamente, aceitando a minha primeira mimosa e
sorrindo para a aeromoça. Essa viagem foi cara demais para que eu
não a aproveite, e todo esse bendito dinheiro saiu do meu bolso.
Meu celular vibra na poltrona ao meu lado, que seguirá vazia
até o destino, e leio o nome de Marjorie na tela, atendendo a minha
melhor amiga rapidamente.
— Oi, ligando para saber se já embarcou ou se deu para trás
— ela fala assim que atendo.
— Sentada confortavelmente na primeira fileira do avião, só
para saber — conto. — Não deixarei que Canaan continue
estragando tudo.
— Essa é a minha garota! Ele nunca foi para você, era areia
demais para o caminhãozinho daquele dali.
— Obrigada por tentar me animar — digo, sabendo que
pareço tristonha e realmente estou. Um curto silêncio segue na
ligação e aproveito para me acomodar melhor, tirando o tablet e
meus fones de ouvido da bolsa antes de colocá-la no chão, como as
instruções pedem.
— Estava com medo que desistisse — murmura do outro lado.
— Não sou dada a tomar decisões baseadas na quantidade de
álcool que tenho em meu corpo, mas as margaritas de ontem à
noite não foram o único motivo pelo qual achei que seria certo fazer
essa viagem — respondo, bebendo um gole da minha mimosa
porque uma ressaca só se cura com outra. — Paguei por isso,
Marjorie. Paguei com todas as minhas míseras economias, minha
conta bancária está quase zerada porque eu insisti em pagar pelo
menos a nossa lua de mel. Se ele terá prejuízo por causa do
casamento cancelado, eu aproveitarei a minha viagem.
Ontem à noite, depois de um humor péssimo e muitas
lágrimas, minha melhor amiga insistiu que tomássemos um porre em
seu apartamento até que eu esquecesse que estaria me casando se
o meu ex-noivo não fosse um grande filho da puta. Meio que
funcionou e a tristeza, frustração e decepção viraram raiva, um
sentimento bem mais positivo. Pegamos um Uber, fomos para a
minha casa e, em tempo recorde, tinha uma mala pronta antes das
três da manhã.
Chamei Marj para vir comigo, mas ela tem um emprego e não
poderia pedir uma folga longa de última hora.
Enquanto isso, tenho tempo de sobra para fazer o que bem-
quiser, afinal, além de corna, eu também sou a mais nova
desempregada da cidade. Ser chifrada não estava nem perto de ser
a pior coisa que me aconteceu na última semana.
— Vai que encontra um amor francês que lhe dará um colo
muito bom para afogar as suas mágoas durante esses seis dias e
esquecerá o pênis murcho do Canaan — ela fala e me engasgo com
a bebida. — É, me contou isso ontem depois da quarta margarita.
— Sou uma bêbada sem controle — murmuro, colocando a
mão no rosto. — E, para a sua informação, o destino já colocou um
homem muito bonito no meu caminho hoje.
— Seu destino funciona mais rápido do que um trem-bala, eu
a invejo — responde com um riso e também acaba melhorando o
meu humor. — Deixe-me adivinhar, dois metros de altura, moreno
com um sorriso bonito, provavelmente um terninho que entrega que
é do alto escalão de alguma empresa, porque esses caras são,
definitivamente, o seu tipo.
— Não me julgue por achar um homem de terno bonito —
rebato. — Na verdade, ele tinha um metro e oitenta, por aí. Era loiro
e acredito que seja comissário de bordo. Mas, sim, ele era o tipo de
cara que tira o fôlego…
— Interessante.
— Entretanto, não estou aberta para esse tipo de negócio. É
uma viagem sobre mim, sobre aproveitar a vida e depois descobrir o
que fazer com ela.
— Porém, também pode ser uma viagem para tirar as teias da
sua amiga lá de baixo — comenta como se não estivéssemos falando
da minha pobre vagina, que está há pouco mais de um mês na seca.
Nem parece que eu era noiva até cinco dias atrás. Quando o
seu noivo está mais interessado em se meter nas saias alheias, ele
não tem tempo para se meter na da futura esposa.
— Ok, as portas estão sendo fechadas, é melhor eu desligar
— digo assim que escuto o piloto comunicar que logo estaremos
decolando.
— Boa viagem, me mande notícias assim que pousar em
Paris.
— Você parece a minha terceira mãe — murmuro. — Beijos.
Marjorie manda beijos do outro lado antes de desligar a
ligação e afivelo o meu cinto, abrindo novamente a cortina do
corredor para prestar atenção nas instruções e não parecer uma
passageira mal-educada, ignorando a tripulação enquanto eles
fazem o próprio trabalho. A tela à minha frente se acende quando a
voz ressoa pelo avião, avisando que as instruções serão dadas pelo
visor na frente de cada assento.
Todavia, a minha atenção é desviada quando o comissário
aparece no corredor, bem próximo a mim, na primeira fileira. O
homem, que não sei se é exatamente loiro pelo que percebo agora,
me encara com um sorrisinho de canto e inclina a cabeça para o
lado, me mostrando que ouviu, e ouviu muito bem, eu lhe
chamando de muito bonito minutos atrás.
A interação dura segundos, mas é o suficiente para que a
vergonha me consuma a ponto de sentir o meu peito, orelhas e
bochechas ruborizando. Fecho os olhos com força antes de me
obrigar a olhar para as instruções, precisando prestar atenção em
alguma coisa, distraindo a minha mente da situação embaraçosa.
Óbvio que o comissário de bordo lindo que me viu cair de
bunda no chão por causa de um bando de adolescentes apressados,
correndo pelo aeroporto, seria o mesmo do meu voo. Do meu voo
de mais de nove horas! Respiro fundo, virando o restante da mimosa
e ignorando qualquer adicional de instrução que vem dele, não
querendo fitar os olhos azuis com o humor de quem me pegou no
flagra.
— Posso recolher a taça da senhora? — A voz me atormenta
e somente estico o braço, entregando-o. — Sou o comissário
responsável por essa parte do voo, qualquer coisa que puder
precisar, basta me solicitar.
— Obrigada — respondo, engolindo em seco enquanto ele
segue para os demais passageiros da primeira classe e então retorna
até a parte da frente no mesmo instante em que o piloto anuncia
que estamos próximos da decolagem.
Meu coração acelera e agarro às guardas da poltrona, como
se isso me ajudasse a ter mais estabilidade, ou a dar a aeronave
mais estabilidade. Nunca gostei de voos, sempre tive medo de altura
e turbulências me fazem sentir uma morte iminente. Esse é o motivo
por sempre ter preferido uma boa viagem de carro, ou por escolher
o último voo do dia para Paris.
O que os olhos não veem, o coração sente menos, certo?
Torço o nariz, relaxando o meu aperto. Essa é uma péssima
frase para quem acabou de descobrir que estava sendo corna por
meses a fio. Meus olhos não viam, meu coração não sentia nada.
Até meus olhos verem demais e meu coração se quebrar de forma
audível. Ela era uma das minhas madrinhas, uma que havia dito o
quanto eu ficava linda de noiva.
Ele foi o cara que se ajoelhou e me prometeu amor eterno. O
cara que me ajudou a acreditar no amor, para início de conversa.
Nunca irei perdoar Canaan por ter me feito acreditar em algo tão
bonito e depois me feito de otária por isso.
Eu o odeio. Com todas as minhas forças, mesmo que elas não
sejam muitas.
O aviso de atar cintos se apaga, avisando que estamos na
altitude e estabilidade o suficiente para que o serviço de bordo e
idas ao toalete possam ser feitas. Eu deveria fazer isso, entrar no
banheiro e me trancar por lá pelas próximas nove horas, ou pedir
para mudar o meu assento para outra classe, mas não paguei uma
fortuna nesse aqui só para fugir do conforto por causa de um
comissário bonito com um sorriso charmoso que me ouviu falar
sobre a sua beleza.
Em momentos como esse, só desejava ter um pouquinho
mais de jeito com caras como Marjorie, ou ser mais ousada como a
minha melhor amiga. Talvez destemida como a mamãe Jenny, ou
mais descarada como a mamãe Karen. Não, claro que não, eu
precisava ser a filha regradinha e envergonhada, que sempre fala a
coisa errada na hora errada, tem poucas experiências em flertes que
deram certo e era a última escolha de qualquer cara na escola.
Muita coisa mudou na minha aparência e na minha confiança,
mas ainda sigo sendo a mesma garota cheia de pudor de quinze
anos.
— Sim, senhora? — escuto a voz grave do bonitão e percebo
que, no meio do meu nervosismo, cometi um ato de coragem ao
apertar o botão, chamando-o.
Fito o seu rosto, com a barba bem aparada, o sorriso
profissional e os olhos gentis, tão pronto para receber os meus
pedidos. Como um ótimo comissário de bordo que deve ser. Eu
deveria me explicar, deveria pedir desculpas e dizer que não sou
uma maníaca ou qualquer coisa do tipo.
— Pode me trazer outra mimosa, por favor? — é o que peço
ao invés de dizer qualquer outra coisa.
— Claro! — sua resposta vem com um breve aceno e logo ele
desaparece na frente da cabine enquanto me afundo no meu
assento outra vez.
As luzes da cabine já estão apagadas, com exceção de uma
ou outra poltrona com algum passageiro noturno como eu. Finalizo o
que deve ser a sexta mimosa da noite e cogito se realmente é uma
boa ideia pedir outra. Estou começando a me sentir levemente aérea
e talvez isso seja bom, afinal, não habitar a minha mente por
algumas horas seria realmente ótimo. Estou cansada de pensar
demais, ou de me lembrar do meu quase casamento fracassado, ou
ainda pior, pensar que essa viagem pode ser horrível, afinal, deveria
estar fazendo-a com o meu suposto marido.
Escolhi um destino romântico, com passeios igualmente
românticos marcados com antecedência, muitas degustações de
vinhos e uma suíte presidencial impecável. Eu fiz tudo perfeito,
menos escolher um bom noivo.
Outra mimosa é colocada na minha mesinha, junto a um
papel dobrado. O loiro passa por mim sem me dar tanta atenção
antes de se dirigir para o fundo da cabine. Marjorie provavelmente
falaria para eu relaxar e aproveitar toda e qualquer oportunidade de
esquecer Canaan, mesmo que seja me encantando sozinha pelo
comissário de bordo do meu voo. Fico pensando que, caso isso
realmente fosse a minha lua de mel, eu seria boba apaixonada o
suficiente para nem notar o quão lindo esse cara é.
“Só para constar, é 1,88m, então eu seria melhor descrito
como um cara de quase 1,90.”
Controlo a minha risada baixa, levando os dedos na boca e
pensando em como esse bilhete é bobo, porém também me dá a
confirmação de que, ainda que eu tenha tentado ser discreta na
minha ligação, ele me ouviu falando sobre a sua ótima aparência
para minha melhor amiga. Se não fosse pela bebida me subindo à
cabeça, provavelmente estaria queimando de vergonha como um
pimentão ambulante.
Todavia, apesar das minhas bochechas arderem, também me
sinto corajosa o suficiente para alcançar uma caneta em minha bolsa
e rabiscar uma resposta.
“Foi uma descrição vaga e desleixada, assumo a culpa e
respeito os oito centímetros a mais. Me ensinaram que nunca se
deve duvidar da altura de um homem.”
Aperto o botão, solicitando atendimento, e não demora até
que ele esteja parado ao meu lado. Minha coragem se esvai no
momento em que seus olhos azuis me consomem. Esse homem tem
um poder sobre o corpo feminino sem nem precisar se esforçar, e eu
irei culpar o olhar de cachorro que caiu da mudança e precisa de um
colinho misturado ao sorriso charmoso e cheio de flertes.
— Gostaria de saber se posso ter mais daquelas torradinhas
com patê servidas mais cedo — peço, molhando os lábios antes de
estender o papel dobrado. — E se poderia jogar isso fora para mim,
por favor.
— Claro, senhora — responde de prontidão, me dando um
aceno e antes que ele possa se afastar, toco o seu antebraço.
Isso é um antebraço e tanto, bem firme, bem musculoso.
Uau, estou começando a delirar com antebraços, deveria ter parado
na terceira mimosa.
— É senhorita, na verdade — enfatizo e seus olhos recaem
em minha mão o tocando até voltarem aos meus olhos. O toque
parece íntimo e acende algo em meu corpo, por isso me afasto com
rapidez.
— Senhorita, sendo assim — repete, sorrindo de canto antes
de ir para a parte reservada para os comissários na frente da
aeronave.
Aperto os lábios, bebendo um gole da minha taça. Talvez
tenha sido ousada demais, eu nem quero nada disso agora. Não
quero nada de flertes baratos, ou homens bonitos, muito menos
homens bonitos com sorrisos perigosos. Estou em um péssimo
momento para me envolver com caras, é um mês azarado, ou uma
vida azarada.
— Aqui está, senhorita — sussurra para não atrapalhar o sono
dos demais passageiros, me entregando o prato e outro bilhete.
— Obrigada — agradeço, mordendo uma das torradas antes
de ler o que escreveu.
“Sempre se deve duvidar da palavra de um homem sobre a
própria altura, somos o real sexo frágil. Mas acredito que não esteja
querendo dar credibilidade a ninguém da minha classe nos últimos
tempos.”
“De homens mentirosos, eu bem entendo, estou com o faro
aguçado para isso. Devo pensar então que está mais perto dos
1,85m na verdade?”
“Ei, não precisa ser tão radical. 1,86m pode ser arredondado
para 1,88m, não?”
“Então eu tenho basicamente 1,70m! Essa conversa está
sendo um bálsamo para a minha autoestima.”
Reprimo risadas enquanto tomo o restante da minha bebida e
mato a minha súbita fome com os pãezinhos com patê de peito de
peru. Ele retira meu prato vazio em uma das visitas até o meu
assento e volta segundos depois de ler a minha última resposta.
— Posso trazer outra mimosa? — oferece de forma
profissional, nem parecendo o homem divertido das palavras ao
manter o seu lugar de comissário e o meu de passageira intacto.
— Acho que sete são o suficiente, obrigada. Mais do que isso,
temo pela minha dor de cabeça ao pousarmos — respondo com um
riso quase que frouxo demais.
— Posso trazer algo para a senhorita?
— Na verdade… — começo, pressionando os lábios com um
pouco de nervosismo ao me endireitar na cadeira. É tempo o
suficiente para que o avião passe por uma nuvem e prendo a
respiração, engolindo em seco, ainda que tenha sido um movimento
suave. Claro, por estar de pé, ele precisa se segurar firme para não
cambalear. — Talvez devesse se sentar, às vezes estamos passando
por uma área com algumas nuvens — digo e ele franze a testa,
parecendo decepcionado, mas logo retiro a minha bolsa do banco ao
lado, deixando-o livre em um convite implícito.
Seus olhos deixam os meus para vagar pela cabine, onde
todos devem estar dormindo a essa altura. Sei que deve ser contra
as regras dele, sei que é a minha parte ousada falando, sei que disse
há pouco para mim mesma que estava correndo de homens bonitos
com sorrisos tentadores. Sei mesmo todas essas coisas, porém,
ninguém nunca morreu por conversar, como já estamos fazendo
através dos papéis, e dificilmente irei dormir até chegar em solo
firme.
— É, eu deveria — diz, ainda hesitante, e solto o meu cinto,
pulando para a poltrona da janela e permitindo que ele se sente no
corredor. Talvez isso o faça ficar menos tenso pela informalidade. —
Liam — fala, se virando para mim assim que senta e estende a mão.
— Amelie — respondo, apertando sua mão que envolve a
minha quase que por inteiro.
— É um nome bonito — comenta, se inclinando na poltrona e
ficando ainda mais perto para que o seu tom seja baixo. — E, a
propósito, sou ruivo, mas irei perdoar o seu erro, afinal, sua visão
estava mais próxima do chão do que do teto para conseguir
enxergar o meu cabelo direito.
Quase engasgo sozinha. Liam, que também é um belo nome,
tem um jeito de falar que me faz pensar com segundas intenções
mesmo sem querer. Umedeço os lábios, querendo mais tempo para
responder isso. Ele parece flertar, mas é o tipo de cara que você
sempre pode acabar confundindo simpatia com flerte. O tipo mais
perigoso.
Parece que ando nos meus dias de sorte com o sexo oposto.
— Eles precisam rever os princípios sobre para quem dão ou
não as carteirinhas de ruivos nos dias de hoje. A sua deveria, com
toda certeza, ser revogada — respondo, analisando o tom dos seus
fios com atenção. Não perco o fato que o deixo sem palavras até o
momento que retorno meus olhos aos seus. — E nem me venha com
a desculpa fajuta sobre a luz.
— Sendo honesto, eles não renovaram a minha carteirinha no
último ano — confessa como se parecesse culpado, entrando na
brincadeira. — Por favor, não rebata a sua afirmação sobre a minha
beleza ou minha autoestima pode começar a ficar consideravelmente
baixa.
— Não é como se precisasse de elogios — zombo,
agradecendo a iluminação baixa para que ele não consiga ver como
isso não sai naturalmente pelos meus lábios.
— Nunca faz mal recebê-los, ainda mais de mulheres como
você — replica, me fazendo prender a respiração quando insinua sua
frase, arqueando levemente as sobrancelhas. Entretanto, o meu
silêncio evidencia que não sei como responder a isso e, pelo visto,
Liam é bom em não transformar o clima em algo constrangedor. —
Seu destino final é Paris?
Afirmo com a cabeça, mesmo que isso não seja verdade, mas
também não quero compartilhar toda a minha história triste de uma
suíte presidencial em uma cidadezinha para um casamento que não
aconteceu. Não estou com vontade de dizer a ele que essa é a
viagem planejada para uma lua de mel perfeita e que ele está
sentado na poltrona do meu noivo traidor.
— É uma cidade bonita, romântica e bastante turística.
— E clichê também, pode falar — afirmo quando o seu
entusiasmo não me convence. — Deve ter feito essa viagem e visto
Paris algumas dúzias de vezes — brinco antes de suspirar. — É a
minha primeira vez na França, estou empolgada com isso, não me
julgue pelos clichês.
— Clichês não são o fim do mundo. Se tornaram clichês
porque pessoas o suficiente o fizeram e gostaram a ponto de se
tornar usual até demais — rebate e aprecio bastante sua defesa
sobre o meu destino. — E, sim, fiz isso inúmeras vezes. Mas, ei,
estou fazendo algo pela primeira vez nesse voo também! — pontua,
indicando o próprio corpo na poltrona e solto um riso. — Não sento
com qualquer passageira, nunca fiz isso antes.
— Fico honrada em ser a sua primeira e contente pelas
milhas gastas com a companhia aérea por saber que seus
funcionários se dedicam em seus postos de trabalho de forma
profissional — caçoo e Liam leva a mão ao peito, ofendido.
— Ei, estou me dedicando profundamente ao meu trabalho no
momento — retruca a brincadeira.
Antes que eu possa respondê-lo, o avião sacoleja um pouco
ao passarmos novamente por uma área com nuvens mais densas.
Meu coração acelera pelo medo e seguro sua mão que repousa no
apoio de braço que divide nossos assentos. Fecho os olhos com
força e quando o tremor para, percebo que Liam virou a sua palma
para cima, encontrando com a minha e entrelaçando nossos dedos,
firmando minha mão na sua, me deixando com receio de abri-los
outra vez porque o conforto que o seu toque me dá me faz respirar
direito pela primeira vez em quase uma semana.
O polegar traçando um carinho despreocupado em meu
dorso; seu silêncio, aguardando que eu me recomponha e retorne a
conversa, sem parecer ansioso ou chateado pelo meu medo. Mesmo
assim, abro os olhos, fitando a tela apagada à minha frente antes de
ter coragem para encarar seus olhos claros, envergonhada da minha
atitude, mas não conseguindo me desvencilhar do seu toque quando
ele parece tão certo de que quer continuar assim.
— Sabe, acho que irá se apaixonar profundamente por Paris,
Amelie — diz, voltando a nossa conversa como se nada tivesse
acontecido e me fazendo ficar grata por isso. — A Torre Eiffel é
mesmo tudo isso — comenta, me arrancando um sorriso.
— Não fale isso para uma garota como eu. Já sou conhecida
por sempre deixar meu coração por cada cidade que passo — conto.
— Minha melhor amiga sempre fala que sou uma turista nata.
— Já viajou para muitos lugares? — indaga, parecendo tão
interessado no assunto, que passo a próxima hora contando sobre
os pequenos e grandes lugares que conheci ao longo dos últimos
anos, enquanto ele compartilha o seu conhecimento sobre outros. E,
em algum momento entre uma cidade e outra, ele segurou a minha
mão perto de si, trocando a sua e voltando a entrelaçar nossos
dedos, não me deixando ficar longe do seu toque. E, em algum
momento entre um destino e outro, Liam me permitiu ficar tão
relaxada a ponto de deitar minha cabeça na poltrona, inclinada em
sua direção, e fechar os olhos, dormindo pela primeira vez em um
voo.
— Qual era o nome dela? — Carter pergunta enquanto estou
amarrando os meus sapatos no pequeno vestiário dentro da área
reservada para os funcionários.
Temos um cômodo para a socialização dentro da companhia
aérea nos aeroportos, que serve para descanso entre os voos e
também para momentos como o de agora, quando a tripulação
deixa de lado as suas vestes profissionais e adere figurinos mais
tranquilos, como jeans e camisetas. Meu melhor amigo calhou de ser
o piloto responsável pelo voo de hoje e aproveitou a oportunidade
para tirar um descanso também, fazendo reservas na capital
francesa e ajustado uma passagem para a esposa vir com ele nessa
viagem.
— Nome de quem? — rebato a indagação, me fazendo de
desentendido.
— Não me faça de otário, Liam. Vi você sentado com uma
passageira muito bem acomodada dormindo em seu ombro
enquanto você mexia no celular como se isso fosse rotina — diz, me
acompanhando quando levanto e caminho até onde minha mala
está. — E deixar passageiras bonitas dormirem no seu ombro não é
algo que eu consideraria rotina de um voo.
— Não deveria ter estado ocupado pilotando o avião?
— Não tenho mais permissão para ir ao banheiro, chefe? —
zomba, revirando os olhos. — Nome?
— Amelie — respondo a contragosto.
— Pode me dar os detalhes sem que eu precise te implorar
por eles toda santa vez — resmunga, seguindo meus passos,
também carregando a própria mala para fora da sala, adentrando o
saguão do aeroporto de Paris.
— Não tem nada a mais para contar, Carter. Resumiu muito
bem tudo o que aconteceu — minto, tentando enrolar meu amigo
porque qualquer adicional na história pode ser utilizado contra mim.
— Pediu o número dela?
— Quer me ajudar a assinar a minha carta de demissão, por
acaso? — ironizo, olhando-o de canto. — Óbvio que não, sabe que
isso é contra as regras da companhia e eu não seria maluco desse
jeito.
— Certinho demais para me proporcionar algum tipo de
divertimento, entendi — rebate, revirando os olhos.
— Está parecendo a Savannah, super interessado em minha
vida amorosa.
— Em defesa da sua irmã, ela trabalha com relacionamentos
— comenta, dando de ombros.
— Não deixe Claire te ouvir defendendo a minha irmã ou
estará em maus lençóis — digo, aproveitando a pausa na escada
rolante para fitá-lo e Carter dá uma risada abafada.
— Já são águas passadas. Estou casado e Sav e eu nunca
teríamos dado certo. Vocês, Spencer, têm uma péssima tendência
para relacionamentos — pontua e tento não parecer magoado com
seu comentário, ainda que ele pese em meu peito. Realmente não
sou sortudo no que diz respeito a relacionamentos.
— Eu sei, mas nunca perde a graça te atormentar com isso e
ainda não te perdoei por ter quebrado qualquer código da nossa
amizade ao namorar a minha irmã mais velha — afirmo, dando
tapinhas no ombro dele.
— Voltando ao assunto que importa, não foi só isso, não é
mesmo? — indaga quando voltamos a caminhar. — Você é
emocionado, cara. Para ter sentado ao lado dela e todo o resto, algo
aconteceu.
— Você é tão inconveniente — reclamo, encontrando
rapidamente Claire com os olhos, do outro lado do saguão,
aguardando o marido.
— Sou o seu melhor amigo — replica.
— A gente se trombou no aeroporto de Toronto — conto com
um suspiro insatisfeito por estar me rendendo ao papinho dele. —
Depois ouvi ela falando sobre o ocorrido com uma amiga no telefone
e…
— Deixe-me adivinhar: ela caiu de amores pelos olhos azuis e
toda a carinha de bom moço?
— Faz tudo parecer tão pior do que é — resmungo. — E não!
Ela só comentou sobre isso e, bem, acabamos conversando. Só isso.
Carter para a poucos metros de Claire, entretida em seu
celular, e ele me encara completamente desconfiado. O piloto franze
a testa, segurando meus ombros com as mãos e me analisando
enquanto bufo para a sua cena dramática. Acho que esse é um dos
motivos pelos quais ele e minha irmã realmente nunca teriam dado
certo. Sav é cética, séria e até um pouco careta demais. Carter é
engraçado, se importa pouco e não planeja nada da sua rotina para
além das escalas que recebe prontas do trabalho.
— Não foi só isso, mas não irá me contar a versão estendida,
não é?
— Fico feliz que tenha compreendido, capitão — respondo
com um sorriso de canto e me controlando para não bater uma
continência só para fazer graça com ele. — Não foi nada mágico,
Cinderela, para de ficar inventando histórias nessa sua cabecinha
maluca. A vida não é um conto de fadas e você deveria assistir
menos filmes de romance.
— Primeiro; pare de julgar meus filmes, eles são incríveis e
um dia irá ser inteligente o suficiente para reconhecer isso.
Segundo; não me julgue também por querer entender a situação.
Nunca vi você sair do seu posto e olha que muitas mulheres
tentaram — relembra, me soltando para voltarmos a andar.
Ele tem razão, afinal, recebi cantadas o suficiente para encher
três caminhões em seis anos como comissário. Trabalhar com
pessoas bebendo espumante caro e com dinheiro demais faz com
que você passe por situações bem chatas, como a de senhoras
perguntando por quantos dólares eu iria para o hotel com elas. Não
é nem um pouco confortável, entretanto, eu sabia que alguns
clientes poderiam ultrapassar alguns limites quando resolvi seguir
essa carreira. Lidar com o público sempre é um risco à própria
integridade física e mental, porém não trocaria de profissão por
nada.
E Carter também tem razão, eu nunca me deixei ficar tentado
a nenhuma oferta indecente, nem mesmo de mulheres que eu
claramente ficaria caso estivéssemos em outro ambiente que não no
avião enquanto trabalho. Mas Amelie não fez uma proposta
indecente, não me lançou olhares lascivos ou sorrisos sugestivos. Ela
só pareceu envergonhada por eu ter ouvido o seu comentário, e
engraçada o suficiente para me manter preso em sua conversa. É
bonita o suficiente para que a minha mente tenha tido segundas
intenções com ela, porém a recíproca, se existente, foi bem tímida.
Não que faça o meu tipo dar em cima de passageiras.
Mas eu daria em cima dela se pudesse.
— Ok, irei assistir a um filme de romance hoje em sua
homenagem, meu caro amigo — zombo. — Porém, não há nenhum
romance na minha vida para que você fique sonhando sobre.
— Mas ficou interessado nela — pontua e não posso negar,
então só permaneço em silêncio.
— Interessado em quem? Liam está finalmente namorando
de novo? — Claire entra na conversa quando paramos à sua frente,
parecendo animada com a possibilidade antes de beijar o marido,
que a abraça pela cintura.
— Infelizmente, ainda não, mas quem sabe — Carter
responde, me fazendo revirar os olhos. — A gente se vê por aí?
— Quem sabe? — respondo a pergunta retórica, levantando
os ombros. — Irei para Bordeaux — conto, apesar de já ter
mencionado isso a ele. — Só volto para Paris daqui a seis dias.
— Irá pegar a estrada hoje?
— Ainda é cedo, a cidade fica a seis horas daqui, chego lá
antes de anoitecer e posso aproveitar o meu primeiro bom vinho
ainda hoje — falo e vejo a preocupação se instalar no rosto dele. —
Não precisa ficar assim, sei me cuidar e estudei muito a estrada
daqui até lá.
— Por que não pegou um voo? Deve ter, pelo menos, uns três
ou quatro voos por dia para lá — Carter insiste, não se
tranquilizando e, em momentos assim, ele me lembra a minha avó
com as suas preocupações excessivas.
— Porque não teria graça — rebato. — Me deixe aproveitar a
minha viagem do meu jeito e não falarei nada sobre todos os clichês
parisienses que irão fazer pelos próximos dias.
— Ei, não julgue uma mulher por querer uma foto na frente
da Torre Eiffel — Claire se defende rindo e dá um tapa leve em meu
ombro. — Espero que aproveite muito. Bordeaux é a cidade das
vinícolas, uma vez tomei um vinho de lá e até hoje não superei —
comenta.
— É exatamente essa a minha intenção, nunca superar a
minha visita à cidade — brinco. — Melhor eu ir, o cara da locadora já
disse que estão com tudo pronto — digo ao ver outra mensagem do
atendente em meu celular. — Vejo vocês em alguns dias, aproveitem
Paris.
— E você aproveite com moderação — Carter fala quando
começo a me afastar com as minhas malas. — Mas não muita —
completa, me fazendo rir sozinho enquanto ando.
Também espero aproveitar com pouca moderação, só não sei
bem se estou pensando somente na quantidade de vinho que irei
beber quando falo isso.
— Somente mais um segundo, estou terminando de localizar
a sua reserva — a recepcionista do hotel me diz, oferecendo um
sorriso gentil por causa de toda a confusão com o meu quarto e
aceno para ela, porque não me importo com a demora, mas me
importo em ter um quarto para dormir essa noite.
A mulher, que deve ter a minha idade, me dá as costas e
caminha até a sala da administração, que fica na parede atrás do
balcão, e me viro para observar o lobby do hotel. É um lugar com
quatro estrelas, parecido com tantos outros hotéis que já fiquei pela
companhia aérea. Fiz a reserva no começo do mês, assim que a
minha escala ficou disponível e resolvi finalmente planejar a viagem
que adio há anos. O site me garantiu que ainda haviam vagas nesse
período e não quero começar essa estadia com o pé esquerdo.
Seis horas na estrada me fizeram lembrar o porquê sempre
coloquei Bordeaux na minha lista de viagens para fazer. O interior da
França é lindo e a cidade, apesar de não ser tão pequena assim, tem
um ar provinciano e aconchegante. As vinícolas se estendem na
estrada, o rio Garonne cortando a cidade e fazendo um cartão-postal
lindo da Pont de Pierre, os restaurantes bonitos, as ruas mais
estreitas por entre os bairros, a Catedral de Santo André, o Musée
des Beaux-Arts de Bordeaux, todas as coisas que pude ver pela
janela do carro enquanto dirigia até o hotel, tudo isso me lembrou o
porquê essa cidade era o destino certo para o momento.
Porém, assim que entreguei as chaves para o manobrista e
disse meu nome na recepção, percebi que nem tudo seria tão
perfeito assim. Aparentemente, a minha reserva consta no sistema,
porém não necessariamente fui acomodado em um dos quartos
disponíveis e a recepcionista não precisou me dizer nada para que
eu compreendesse por conta própria que não há mais quartos
disponíveis.
Meu celular vibra na minha mão e olho para a mensagem de
Savannah, respondendo a minha sobre ter chegado ao meu destino.
Liam: Já comeu?
Amelie: Estou terminando de preparar o meu jantar!
Amelie: Estou seguindo a dieta da médica, não se preocupe.
Liam: Não parece, mas preocupação é o meu nome do meio
no que diz respeito a você.
Amelie: Não me diga que irá incorporar o médico também?
Amelie: Guia turístico, comissário de bordo, degustador de
vinho profissional, antropólogo, dono de uma grande empresa,
cozinheiro na média.
Amelie: Me esqueci de algo?
Liam: Obrigado, obrigado.
Liam: Pelo que me lembre, você apreciou muito a minha
comida, então pode colocar cozinheiro de primeira na lista.
Liam: E esqueceu que eu também sou um ótimo marido de
aluguel.
Amelie: Como pude me esquecer dessa, provavelmente uma
das melhores qualidades da lista!
Liam: Engraçadinha. Se bem me lembro, apreciou o
desconto.
Amelie: Posso confessar algo horrível?
Liam: Guardarei o seu segredo sujo, pode mandar.
Amelie: Sinto falta de tomar vinho.
Amelie: Sei que isso é horrível e nem mesmo bebia tanto,
mas comprei uma massa perfeita e estou fazendo um carbonara
lindo, que ficaria ainda melhor acompanhado do meu vinho favorito
e para finalizar, um petit gateau com sorvete de caramelo salgado e
brownie.
Liam: Bastante específico.
Liam: E tudo bem, não te julgo porque uma taça de vinho
cura tudo.
Amelie: E nem mesmo encontrei meu sorvete no mercado
para ao menos me contentar me entupindo de doce depois.
Liam: Isso parece crueldade!
Amelie mandou uma foto.
L.S.”
Amelie: Obrigada.
[1]
tr: Até logo, meu anjo.
[2]
tr: Sonhe comigo, meu anjo