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Copyright © 2024 Gabriela Bortolotto

TODOS OS DIREITOS DA OBRA SÃO RESERVADOS.

É proibido qualquer tipo de reprodução, cópia no todo ou em partes,


impressão, distribuição por meios físicos e digitais, revenda ou
adaptação. Essa é uma obra literária de ficção. Os personagens,
estabelecimentos e acontecimentos descritos na obra são produtos
da imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes e/ou
acontecimentos reais é mera coincidência.
TODOS OS DIREITOS ESTÃO PROTEGIDOS DE ACORDO COM
A LEI nº 9.610/98, Art. 184 do Código Penal.

Capa: Larissa Chagas


Diagramação: Luana Berle | LB Design Editorial
Revisão: Bianca Bonoto e Tan Wenjun
Ilustrações: @olhosdtinta
PLAYLIST
NOTAS DA AUTORA
PARTE UM | A DECOLAGEM
01
02
03
04
05
06
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08
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PARTE DOIS | O VOO
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PARTE TRÊS | O POUSO
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CAPÍTULO BÔNUS
EPÍLOGO UM
EPÍLOGO DOIS
AGRADECIMENTOS
Para o comissário de bordo ruivo do meu voo para SP para
assistir o show da Taylor Swift em novembro de 2023.
Você foi um divisor de águas. Parabéns pela beleza e muito
obrigada pela fanfic, o Liam também agradeceria bastante.
Acho que, por isso, também posso dedicar esse livro a todas as
fanfiqueiras de plantão que não podem nem mesmo fazer um voo de
menos de duas horas sem pensar em um romance clichê com a
tripulação.
Para uma leitura mais imersiva, escaneie o código
abaixo para acessar a playlist completa no Spotify ou
clique aqui
Oie, tudo bem? Obrigada por escolher As Consequências de
Amar Você como sua próxima leitura. Espero que goste dessa
história e se apaixone por Liam e Amelie como eu me apaixonei.
Caso seja sua primeira vez por aqui, seja bem-vindo ao Gabiverso,
caso já seja um marinheiro de outras viagens, bem-vindo de volta!
Primeira coisa que preciso dizer nessas notas é que ACDAV é
um livro único. Sei que, por ter escrito duas séries e estar prestes
a finalizar mais uma, essa é uma dúvida que sempre aparece, mas
fiquem tranquilas. Nesse livro você irá encontrar conexões com
outros enredos do Gabiverso, mas isso somente se estiver bem
atenta porque o intuito não é deixar ninguém perdido. Então, se não
leu nada meu, não se preocupe porque a conexão passará batida
por você e não fará diferença alguma, se você já leu todos os meus
livros, muita atenção aos detalhes e nomes hahaha
Escrever Liam e Amelie não foi um desafio. Seria uma mentira
enorme se eu começasse essas notas dizendo isso. Eles foram
deliciosos, foram um enredo de retorno para casa, sabe? Aquela
história que aquece o coração e tem a cara do Gabiverso, com um
enredo muito solicitado por aqui (prometo não demorar mais dois
anos para escrever outro plot de gravidez!!) e um mocinho
engraçadinho, emocionado e encantador na medida certa.
Eles me acompanharam em uma jornada de pouco mais de
40 dias, foram dias intensos, um pouco de surto achando que estava
atrasada, muito apoio moral da minha mãe, muito foco nas metas,
um Natal e um Ano-Novo no meio do caminho e a finalização dessa
história 38 dias antes do lançamento. Tudo bem, ainda tinha metade
da revisão pela frente, mas podemos ver que fiquei quase ansiosa
demais com eles, né?
Bem, histórias a respeito desse processo criativo a parte (nos
encontramos nos agradecimentos), Liam e Amelie foram saborosos!
Conhecer uma nova cidade, dar vida a uma história tão diferente,
dar ambientação a lugares que já habitavam minha mente há meses
e voz a dois personagens tão incríveis, foi acolhedor e delicioso.
Foram dias adoráveis os que passei ao lado de toda essa galera que
encontrarão nas próximas páginas.
Entretanto, ACDAV também foi um livro que trouxe algumas
dores e um pouquinho de lágrimas. Citando todos que chegaram a
ler esse livro antes do lançamento, é uma história para rir na medida
certa e derramar a quantidade perfeita de lágrimas. Não é um
drama, não é a história mais triste que já escrevi, mas é a história
de duas pessoas quebradas que encontram uma na outra uma forma
de encontrarem seus finais felizes, independente do passado.
Espero que eles sejam recebidos com muito carinho por
vocês, porque Liam e Amelie são os típicos personagens que
merecem ser guardados em um potinho. Fofos e necessários,
quebrados e resilientes, machucados, mas com fé de que tudo ainda
pode dar certo. Acho que entrar nessa caminhada com eles me fez
descobrir um novo lado meu, uma resiliência que tinha esquecido
que podia ter, uma partezinha forte e muito firme de mim mesma.
Por isso, aqui vão algumas notas sobre possíveis conteúdos
sensíveis que poderá encontrar nas páginas a seguir. Histórias fortes
as vezes requerem que toquemos em assuntos sensíveis. Prometo
não me detalhar muito, afinal, acabaria contando o plot twist do
enredo, porém continue ciente que toda história triste ainda pode ter
uma dose extra de “meu Deus do céu”.
Aqui, encontrarão uma mocinha que acabou de sair de um
noivado que destruiu bastante da sua autoconfiança e autoestima.
Amelie tem muito de mim e também de muitas mulheres que
passaram por relacionamentos com homens pequenos demais que
precisaram diminuir mulheres incríveis para se sentir alguém. Além
disso, também falaremos um pouco sobre abandono parental,
traição de inúmeras formas (não se preocupe, isso não acontece
entre os dois protagonistas!!!), rejeição e também será abordado um
pouco a respeito da adoção/adoção tardia.
Amelie, e seu irmão, Louis, foram adotados pelas suas duas
mães após completarem 3 anos, por isso são considerados adoções
tardias dentro do sistema. A Amelie já era uma criança grande e
com bastante consciência de como sua vida era, então apesar de ser
imensamente feliz com sua família, ela ainda tem memórias dos
anos que passou no orfanato.
Dito isso, espero que apreciem a leitura de As Consequências
de Amar Você, mas se não se sentir confortável lendo qualquer um
dos temas acima, peço que reconsidere a leitura. Esse é um livro
para entretenimento, para dar um conforto e passar um tempo ao
seu lado, meu intuito nunca será o desconforto do leitor enquanto
estiver passando as páginas.
Outros dois pontos mais bobinhos é que teremos nomes
estrangeiros durante a leitura. Amelie, por exemplo, se pronuncia
Ameliê, com o e final mais fechado na pronúncia. Preferi não
acentuar puramente para deixar a leitura mais confortável aos olhos.
Bordeaux, a cidade francesa para onde eles vão, se pronuncia
Bôrdu, ou Bordéus na tradução para o pt/br. Essas são só diquinhas
mesmo, sinta-se à vontade para ler como bem entender, esse livro é
tão de vocês como é meu.
Bem, é isso, espero que goste da leitura e se divirta, chore,
se apaixone e se emocione ao lado de Amelie e Liam. Te encontro lá
nos agradecimentos.

Com amor,
Gabi <3
Substantivo masculino. O que há de vir. Sete letras.
Destino.
Preencho os quadrados, finalizando mais uma página da
revista de palavras-cruzadas. Olho o próximo quadro e cruzo uma
perna em cima da outra, apoiando o corpo para frente enquanto leio
as dicas. Entretanto, ao invés de começar a nova página, me atento
às pessoas na minha frente, parecendo apressadas demais enquanto
correm com suas malas, desesperadas olhando para as televisões
com os números dos voos, horários e portões.
Aeroportos são ótimos lugares para pensar sobre o próprio
destino. Estamos em maio, muitas pessoas estão se apressando para
reuniões, outras já começando a pensar nas férias de verão,
pensando em como irão finalizar o primeiro semestre. Em breve, as
viagens começarão com ainda mais ênfase e esse aeroporto ficará
novamente entupido de pessoas correndo atrasadas. A dinâmica é a
mesma e essa rotina sempre me trouxe um conforto.
Temos os casais apaixonados, chegando e indo embora. Os
grupos de amigos, sempre com risadas altas e muita expectativa
para irem ao seu destino, mas tristes durante a volta. Recém-
casados animados para as suas luas de mel. Estudantes que visaram
um futuro longe daqui, e outros que chegam, ansiosos pelos
recomeços. Muitos destinos são decididos e guiados em um
aeroporto, é um ótimo lugar para observar as pessoas.
Meu celular desperta, me dizendo que é a hora de ir e guardo
a minha revista na mochila antes de colocá-la nas costas e pegar a
mala de mão, olhando para a escala do dia. Trabalhei poucas vezes
com o pessoal dessa tripulação, apesar de conhecer muito bem o
piloto e o co-piloto.
Respondo a mensagem de Savannah, revirando os olhos para
os milhões de pontos de interrogação da desesperada da minha irmã
e guardo o aparelho no bolso, caminhando até uma das telas com as
previsões de voos, descobrindo se o portão mudou ou não antes de
me apresentar junto à equipe, pronto para o próximo voo.
Portão D40.
Suspiro, pensando que isso é do outro lado do aeroporto.
Uma mala se choca com força na minha enquanto continuo
preso aos meus pensamentos, fitando a tela grande, e preciso firmar
o meu corpo para não ser levado com o impacto. Entretanto, antes
mesmo que consiga me virar, escuto dois baques seguidos caindo no
chão.
— Me desculpe. — A voz feminina é baixa e me viro,
encontrando uma bagunça de fios vermelhos sentada no chão, ainda
segurando a alça da mala de mão, também caída. — Parece que
aqueles adolescentes estão bem atrasados — ironiza com uma
pitada de mau humor, jogando o cabelo para longe do rosto e me
permitindo fitar seus olhos azuis. Há uma raiva gigantesca ali que
me obriga a reprimir uma risada pelo seu descontentamento.
Me abaixo, ficando na frente da mulher e podendo observá-la
com mais atenção. Ela é linda, muito linda. Os cabelos avermelhados
chamam atenção, mas os olhos também são do tipo inesquecíveis,
um azul profundo como o oceano, o meio dele, a parte mais
desconhecida. A estranha é esguia, com a cintura marcada por baixo
da blusa justa, seios consideráveis e…
Isso não foi muito respeitoso.
Volto a encarar o seu rosto, notando as olheiras profundas e
os olhos avermelhados. Ela claramente tem chorado bem mais do
que deveria e não acho que o motivo seja as quedas ao chão, como
a que acabou de ter.
— Tudo bem — digo, oferecendo um sorriso gentil. —
Noventa por cento dos adolescentes estão sempre atrasados para
um voo.
— Isso é um dado confirmado? — indaga curiosa, arqueando
uma das sobrancelhas, e faço uma careta.
— Conhecimento de causa conta como uma pesquisa
renomada? — rebato com humor e ela solta um riso baixo.
— Acho que posso confiar em você — fala, levantando os
ombros e precisando ajustar a bolsa grande que carrega quando a
alça ameaça cair.
— Está tudo bem? Não se machucou?
— Acho que estou a salvo e, no máximo, com um roxo na
bunda. Esse é o menor dos meus problemas atualmente. — Ela
suspira e eu estendo a mão, querendo ajudá-la a se levantar. — Na
verdade, mesmo se eu tivesse quebrado um braço, isso ainda seria o
menor dos meus problemas atualmente — continua resmungando
quando se coloca de pé e aproveito para erguer a sua mala do chão
enquanto ela passa as mãos na calça jeans que usa.
— Estou com medo de indagar qual seria o problema no topo
da lista — sussurro, apesar de não querer ser intrometido.
— Me desculpe, não estou em um bom dia, ou em um bom
mês, com a sua classe — responde, me dando um sorriso com pesar
antes de agradecer silenciosamente pela mala em pé.
— Devo supor que esteja falando sobre os homens, não sobre
os comissários de bordo — replico e ela parece confusa por alguns
instantes antes de notar meu uniforme e fazer uma careta.
— Espero não ter sido banida de nenhuma companhia aérea
por causa de excesso de estabanamento.
— Tenho quase certeza que essa palavra não existe —
murmuro, mas ela não se dá ao trabalho de me responder. — Fique
tranquila, ainda que eu tivesse esse poder, não te baniria por ser o
alvo de alguns adolescentes apressados.
— Em defesa deles, eu estava desatenta.
— Desatenção que deve ter como causa a pior classe do
mundo — sugiro e ela franze a testa. — Homens — respondo a
pergunta não feita e consigo arrancar outro riso fraco da ruiva.
— Está mais do que certo — afirma, soltando um suspiro
triste em seguida e então agarra a mala de mão. — Acho melhor eu
ir, ou acabarei como aqueles adolescentes — diz, parecendo nervosa
depois de alguns longos segundos me fitando e deixando que eu
fizesse o mesmo com ela.
— Boa viagem — desejo, apesar dela já estar
consideravelmente longe, se afastando de mim com rapidez.
Franzo o cenho, ainda observando a ruiva se afastar. Ela
parece intrigante, além de bonita, e também parece ter uma longa
história que a trouxe aqui hoje, com bagagens em excesso e uma
desorganização notável. E ainda chutaria alguma desilusão amorosa
para somar nessa conta. Balanço a cabeça, percebendo que estou
parado há tempo demais pensando na desconhecida e me viro,
começando a tomar meu rumo para encontrar o restante da
tripulação e para me preparar para um longo voo até Paris.
Deveria saber que me envolver com meu chefe não era uma
boa ideia.
Esse tipo de coisa só funciona em livros e os livros nos
enganam, não deveria ter sido ingênua. Olha para o lugar
depressivo que isso me trouxe: sozinha, sentada na primeira classe
de um voo para a Europa, com uma viagem planejada em um dos
lugares mais fofos que já vi.
Ok, essa não é a parte depressiva. É o fato que isso deveria
ser a minha lua de mel que me deixa com o nariz pinicando e os
olhos cheios. Estou bastante cansada de chorar, então reprimo as
lágrimas rapidamente, aceitando a minha primeira mimosa e
sorrindo para a aeromoça. Essa viagem foi cara demais para que eu
não a aproveite, e todo esse bendito dinheiro saiu do meu bolso.
Meu celular vibra na poltrona ao meu lado, que seguirá vazia
até o destino, e leio o nome de Marjorie na tela, atendendo a minha
melhor amiga rapidamente.
— Oi, ligando para saber se já embarcou ou se deu para trás
— ela fala assim que atendo.
— Sentada confortavelmente na primeira fileira do avião, só
para saber — conto. — Não deixarei que Canaan continue
estragando tudo.
— Essa é a minha garota! Ele nunca foi para você, era areia
demais para o caminhãozinho daquele dali.
— Obrigada por tentar me animar — digo, sabendo que
pareço tristonha e realmente estou. Um curto silêncio segue na
ligação e aproveito para me acomodar melhor, tirando o tablet e
meus fones de ouvido da bolsa antes de colocá-la no chão, como as
instruções pedem.
— Estava com medo que desistisse — murmura do outro lado.
— Não sou dada a tomar decisões baseadas na quantidade de
álcool que tenho em meu corpo, mas as margaritas de ontem à
noite não foram o único motivo pelo qual achei que seria certo fazer
essa viagem — respondo, bebendo um gole da minha mimosa
porque uma ressaca só se cura com outra. — Paguei por isso,
Marjorie. Paguei com todas as minhas míseras economias, minha
conta bancária está quase zerada porque eu insisti em pagar pelo
menos a nossa lua de mel. Se ele terá prejuízo por causa do
casamento cancelado, eu aproveitarei a minha viagem.
Ontem à noite, depois de um humor péssimo e muitas
lágrimas, minha melhor amiga insistiu que tomássemos um porre em
seu apartamento até que eu esquecesse que estaria me casando se
o meu ex-noivo não fosse um grande filho da puta. Meio que
funcionou e a tristeza, frustração e decepção viraram raiva, um
sentimento bem mais positivo. Pegamos um Uber, fomos para a
minha casa e, em tempo recorde, tinha uma mala pronta antes das
três da manhã.
Chamei Marj para vir comigo, mas ela tem um emprego e não
poderia pedir uma folga longa de última hora.
Enquanto isso, tenho tempo de sobra para fazer o que bem-
quiser, afinal, além de corna, eu também sou a mais nova
desempregada da cidade. Ser chifrada não estava nem perto de ser
a pior coisa que me aconteceu na última semana.
— Vai que encontra um amor francês que lhe dará um colo
muito bom para afogar as suas mágoas durante esses seis dias e
esquecerá o pênis murcho do Canaan — ela fala e me engasgo com
a bebida. — É, me contou isso ontem depois da quarta margarita.
— Sou uma bêbada sem controle — murmuro, colocando a
mão no rosto. — E, para a sua informação, o destino já colocou um
homem muito bonito no meu caminho hoje.
— Seu destino funciona mais rápido do que um trem-bala, eu
a invejo — responde com um riso e também acaba melhorando o
meu humor. — Deixe-me adivinhar, dois metros de altura, moreno
com um sorriso bonito, provavelmente um terninho que entrega que
é do alto escalão de alguma empresa, porque esses caras são,
definitivamente, o seu tipo.
— Não me julgue por achar um homem de terno bonito —
rebato. — Na verdade, ele tinha um metro e oitenta, por aí. Era loiro
e acredito que seja comissário de bordo. Mas, sim, ele era o tipo de
cara que tira o fôlego…
— Interessante.
— Entretanto, não estou aberta para esse tipo de negócio. É
uma viagem sobre mim, sobre aproveitar a vida e depois descobrir o
que fazer com ela.
— Porém, também pode ser uma viagem para tirar as teias da
sua amiga lá de baixo — comenta como se não estivéssemos falando
da minha pobre vagina, que está há pouco mais de um mês na seca.
Nem parece que eu era noiva até cinco dias atrás. Quando o
seu noivo está mais interessado em se meter nas saias alheias, ele
não tem tempo para se meter na da futura esposa.
— Ok, as portas estão sendo fechadas, é melhor eu desligar
— digo assim que escuto o piloto comunicar que logo estaremos
decolando.
— Boa viagem, me mande notícias assim que pousar em
Paris.
— Você parece a minha terceira mãe — murmuro. — Beijos.
Marjorie manda beijos do outro lado antes de desligar a
ligação e afivelo o meu cinto, abrindo novamente a cortina do
corredor para prestar atenção nas instruções e não parecer uma
passageira mal-educada, ignorando a tripulação enquanto eles
fazem o próprio trabalho. A tela à minha frente se acende quando a
voz ressoa pelo avião, avisando que as instruções serão dadas pelo
visor na frente de cada assento.
Todavia, a minha atenção é desviada quando o comissário
aparece no corredor, bem próximo a mim, na primeira fileira. O
homem, que não sei se é exatamente loiro pelo que percebo agora,
me encara com um sorrisinho de canto e inclina a cabeça para o
lado, me mostrando que ouviu, e ouviu muito bem, eu lhe
chamando de muito bonito minutos atrás.
A interação dura segundos, mas é o suficiente para que a
vergonha me consuma a ponto de sentir o meu peito, orelhas e
bochechas ruborizando. Fecho os olhos com força antes de me
obrigar a olhar para as instruções, precisando prestar atenção em
alguma coisa, distraindo a minha mente da situação embaraçosa.
Óbvio que o comissário de bordo lindo que me viu cair de
bunda no chão por causa de um bando de adolescentes apressados,
correndo pelo aeroporto, seria o mesmo do meu voo. Do meu voo
de mais de nove horas! Respiro fundo, virando o restante da mimosa
e ignorando qualquer adicional de instrução que vem dele, não
querendo fitar os olhos azuis com o humor de quem me pegou no
flagra.
— Posso recolher a taça da senhora? — A voz me atormenta
e somente estico o braço, entregando-o. — Sou o comissário
responsável por essa parte do voo, qualquer coisa que puder
precisar, basta me solicitar.
— Obrigada — respondo, engolindo em seco enquanto ele
segue para os demais passageiros da primeira classe e então retorna
até a parte da frente no mesmo instante em que o piloto anuncia
que estamos próximos da decolagem.
Meu coração acelera e agarro às guardas da poltrona, como
se isso me ajudasse a ter mais estabilidade, ou a dar a aeronave
mais estabilidade. Nunca gostei de voos, sempre tive medo de altura
e turbulências me fazem sentir uma morte iminente. Esse é o motivo
por sempre ter preferido uma boa viagem de carro, ou por escolher
o último voo do dia para Paris.
O que os olhos não veem, o coração sente menos, certo?
Torço o nariz, relaxando o meu aperto. Essa é uma péssima
frase para quem acabou de descobrir que estava sendo corna por
meses a fio. Meus olhos não viam, meu coração não sentia nada.
Até meus olhos verem demais e meu coração se quebrar de forma
audível. Ela era uma das minhas madrinhas, uma que havia dito o
quanto eu ficava linda de noiva.
Ele foi o cara que se ajoelhou e me prometeu amor eterno. O
cara que me ajudou a acreditar no amor, para início de conversa.
Nunca irei perdoar Canaan por ter me feito acreditar em algo tão
bonito e depois me feito de otária por isso.
Eu o odeio. Com todas as minhas forças, mesmo que elas não
sejam muitas.
O aviso de atar cintos se apaga, avisando que estamos na
altitude e estabilidade o suficiente para que o serviço de bordo e
idas ao toalete possam ser feitas. Eu deveria fazer isso, entrar no
banheiro e me trancar por lá pelas próximas nove horas, ou pedir
para mudar o meu assento para outra classe, mas não paguei uma
fortuna nesse aqui só para fugir do conforto por causa de um
comissário bonito com um sorriso charmoso que me ouviu falar
sobre a sua beleza.
Em momentos como esse, só desejava ter um pouquinho
mais de jeito com caras como Marjorie, ou ser mais ousada como a
minha melhor amiga. Talvez destemida como a mamãe Jenny, ou
mais descarada como a mamãe Karen. Não, claro que não, eu
precisava ser a filha regradinha e envergonhada, que sempre fala a
coisa errada na hora errada, tem poucas experiências em flertes que
deram certo e era a última escolha de qualquer cara na escola.
Muita coisa mudou na minha aparência e na minha confiança,
mas ainda sigo sendo a mesma garota cheia de pudor de quinze
anos.
— Sim, senhora? — escuto a voz grave do bonitão e percebo
que, no meio do meu nervosismo, cometi um ato de coragem ao
apertar o botão, chamando-o.
Fito o seu rosto, com a barba bem aparada, o sorriso
profissional e os olhos gentis, tão pronto para receber os meus
pedidos. Como um ótimo comissário de bordo que deve ser. Eu
deveria me explicar, deveria pedir desculpas e dizer que não sou
uma maníaca ou qualquer coisa do tipo.
— Pode me trazer outra mimosa, por favor? — é o que peço
ao invés de dizer qualquer outra coisa.
— Claro! — sua resposta vem com um breve aceno e logo ele
desaparece na frente da cabine enquanto me afundo no meu
assento outra vez.
As luzes da cabine já estão apagadas, com exceção de uma
ou outra poltrona com algum passageiro noturno como eu. Finalizo o
que deve ser a sexta mimosa da noite e cogito se realmente é uma
boa ideia pedir outra. Estou começando a me sentir levemente aérea
e talvez isso seja bom, afinal, não habitar a minha mente por
algumas horas seria realmente ótimo. Estou cansada de pensar
demais, ou de me lembrar do meu quase casamento fracassado, ou
ainda pior, pensar que essa viagem pode ser horrível, afinal, deveria
estar fazendo-a com o meu suposto marido.
Escolhi um destino romântico, com passeios igualmente
românticos marcados com antecedência, muitas degustações de
vinhos e uma suíte presidencial impecável. Eu fiz tudo perfeito,
menos escolher um bom noivo.
Outra mimosa é colocada na minha mesinha, junto a um
papel dobrado. O loiro passa por mim sem me dar tanta atenção
antes de se dirigir para o fundo da cabine. Marjorie provavelmente
falaria para eu relaxar e aproveitar toda e qualquer oportunidade de
esquecer Canaan, mesmo que seja me encantando sozinha pelo
comissário de bordo do meu voo. Fico pensando que, caso isso
realmente fosse a minha lua de mel, eu seria boba apaixonada o
suficiente para nem notar o quão lindo esse cara é.
“Só para constar, é 1,88m, então eu seria melhor descrito
como um cara de quase 1,90.”
Controlo a minha risada baixa, levando os dedos na boca e
pensando em como esse bilhete é bobo, porém também me dá a
confirmação de que, ainda que eu tenha tentado ser discreta na
minha ligação, ele me ouviu falando sobre a sua ótima aparência
para minha melhor amiga. Se não fosse pela bebida me subindo à
cabeça, provavelmente estaria queimando de vergonha como um
pimentão ambulante.
Todavia, apesar das minhas bochechas arderem, também me
sinto corajosa o suficiente para alcançar uma caneta em minha bolsa
e rabiscar uma resposta.
“Foi uma descrição vaga e desleixada, assumo a culpa e
respeito os oito centímetros a mais. Me ensinaram que nunca se
deve duvidar da altura de um homem.”
Aperto o botão, solicitando atendimento, e não demora até
que ele esteja parado ao meu lado. Minha coragem se esvai no
momento em que seus olhos azuis me consomem. Esse homem tem
um poder sobre o corpo feminino sem nem precisar se esforçar, e eu
irei culpar o olhar de cachorro que caiu da mudança e precisa de um
colinho misturado ao sorriso charmoso e cheio de flertes.
— Gostaria de saber se posso ter mais daquelas torradinhas
com patê servidas mais cedo — peço, molhando os lábios antes de
estender o papel dobrado. — E se poderia jogar isso fora para mim,
por favor.
— Claro, senhora — responde de prontidão, me dando um
aceno e antes que ele possa se afastar, toco o seu antebraço.
Isso é um antebraço e tanto, bem firme, bem musculoso.
Uau, estou começando a delirar com antebraços, deveria ter parado
na terceira mimosa.
— É senhorita, na verdade — enfatizo e seus olhos recaem
em minha mão o tocando até voltarem aos meus olhos. O toque
parece íntimo e acende algo em meu corpo, por isso me afasto com
rapidez.
— Senhorita, sendo assim — repete, sorrindo de canto antes
de ir para a parte reservada para os comissários na frente da
aeronave.
Aperto os lábios, bebendo um gole da minha taça. Talvez
tenha sido ousada demais, eu nem quero nada disso agora. Não
quero nada de flertes baratos, ou homens bonitos, muito menos
homens bonitos com sorrisos perigosos. Estou em um péssimo
momento para me envolver com caras, é um mês azarado, ou uma
vida azarada.
— Aqui está, senhorita — sussurra para não atrapalhar o sono
dos demais passageiros, me entregando o prato e outro bilhete.
— Obrigada — agradeço, mordendo uma das torradas antes
de ler o que escreveu.
“Sempre se deve duvidar da palavra de um homem sobre a
própria altura, somos o real sexo frágil. Mas acredito que não esteja
querendo dar credibilidade a ninguém da minha classe nos últimos
tempos.”
“De homens mentirosos, eu bem entendo, estou com o faro
aguçado para isso. Devo pensar então que está mais perto dos
1,85m na verdade?”
“Ei, não precisa ser tão radical. 1,86m pode ser arredondado
para 1,88m, não?”
“Então eu tenho basicamente 1,70m! Essa conversa está
sendo um bálsamo para a minha autoestima.”
Reprimo risadas enquanto tomo o restante da minha bebida e
mato a minha súbita fome com os pãezinhos com patê de peito de
peru. Ele retira meu prato vazio em uma das visitas até o meu
assento e volta segundos depois de ler a minha última resposta.
— Posso trazer outra mimosa? — oferece de forma
profissional, nem parecendo o homem divertido das palavras ao
manter o seu lugar de comissário e o meu de passageira intacto.
— Acho que sete são o suficiente, obrigada. Mais do que isso,
temo pela minha dor de cabeça ao pousarmos — respondo com um
riso quase que frouxo demais.
— Posso trazer algo para a senhorita?
— Na verdade… — começo, pressionando os lábios com um
pouco de nervosismo ao me endireitar na cadeira. É tempo o
suficiente para que o avião passe por uma nuvem e prendo a
respiração, engolindo em seco, ainda que tenha sido um movimento
suave. Claro, por estar de pé, ele precisa se segurar firme para não
cambalear. — Talvez devesse se sentar, às vezes estamos passando
por uma área com algumas nuvens — digo e ele franze a testa,
parecendo decepcionado, mas logo retiro a minha bolsa do banco ao
lado, deixando-o livre em um convite implícito.
Seus olhos deixam os meus para vagar pela cabine, onde
todos devem estar dormindo a essa altura. Sei que deve ser contra
as regras dele, sei que é a minha parte ousada falando, sei que disse
há pouco para mim mesma que estava correndo de homens bonitos
com sorrisos tentadores. Sei mesmo todas essas coisas, porém,
ninguém nunca morreu por conversar, como já estamos fazendo
através dos papéis, e dificilmente irei dormir até chegar em solo
firme.
— É, eu deveria — diz, ainda hesitante, e solto o meu cinto,
pulando para a poltrona da janela e permitindo que ele se sente no
corredor. Talvez isso o faça ficar menos tenso pela informalidade. —
Liam — fala, se virando para mim assim que senta e estende a mão.
— Amelie — respondo, apertando sua mão que envolve a
minha quase que por inteiro.
— É um nome bonito — comenta, se inclinando na poltrona e
ficando ainda mais perto para que o seu tom seja baixo. — E, a
propósito, sou ruivo, mas irei perdoar o seu erro, afinal, sua visão
estava mais próxima do chão do que do teto para conseguir
enxergar o meu cabelo direito.
Quase engasgo sozinha. Liam, que também é um belo nome,
tem um jeito de falar que me faz pensar com segundas intenções
mesmo sem querer. Umedeço os lábios, querendo mais tempo para
responder isso. Ele parece flertar, mas é o tipo de cara que você
sempre pode acabar confundindo simpatia com flerte. O tipo mais
perigoso.
Parece que ando nos meus dias de sorte com o sexo oposto.
— Eles precisam rever os princípios sobre para quem dão ou
não as carteirinhas de ruivos nos dias de hoje. A sua deveria, com
toda certeza, ser revogada — respondo, analisando o tom dos seus
fios com atenção. Não perco o fato que o deixo sem palavras até o
momento que retorno meus olhos aos seus. — E nem me venha com
a desculpa fajuta sobre a luz.
— Sendo honesto, eles não renovaram a minha carteirinha no
último ano — confessa como se parecesse culpado, entrando na
brincadeira. — Por favor, não rebata a sua afirmação sobre a minha
beleza ou minha autoestima pode começar a ficar consideravelmente
baixa.
— Não é como se precisasse de elogios — zombo,
agradecendo a iluminação baixa para que ele não consiga ver como
isso não sai naturalmente pelos meus lábios.
— Nunca faz mal recebê-los, ainda mais de mulheres como
você — replica, me fazendo prender a respiração quando insinua sua
frase, arqueando levemente as sobrancelhas. Entretanto, o meu
silêncio evidencia que não sei como responder a isso e, pelo visto,
Liam é bom em não transformar o clima em algo constrangedor. —
Seu destino final é Paris?
Afirmo com a cabeça, mesmo que isso não seja verdade, mas
também não quero compartilhar toda a minha história triste de uma
suíte presidencial em uma cidadezinha para um casamento que não
aconteceu. Não estou com vontade de dizer a ele que essa é a
viagem planejada para uma lua de mel perfeita e que ele está
sentado na poltrona do meu noivo traidor.
— É uma cidade bonita, romântica e bastante turística.
— E clichê também, pode falar — afirmo quando o seu
entusiasmo não me convence. — Deve ter feito essa viagem e visto
Paris algumas dúzias de vezes — brinco antes de suspirar. — É a
minha primeira vez na França, estou empolgada com isso, não me
julgue pelos clichês.
— Clichês não são o fim do mundo. Se tornaram clichês
porque pessoas o suficiente o fizeram e gostaram a ponto de se
tornar usual até demais — rebate e aprecio bastante sua defesa
sobre o meu destino. — E, sim, fiz isso inúmeras vezes. Mas, ei,
estou fazendo algo pela primeira vez nesse voo também! — pontua,
indicando o próprio corpo na poltrona e solto um riso. — Não sento
com qualquer passageira, nunca fiz isso antes.
— Fico honrada em ser a sua primeira e contente pelas
milhas gastas com a companhia aérea por saber que seus
funcionários se dedicam em seus postos de trabalho de forma
profissional — caçoo e Liam leva a mão ao peito, ofendido.
— Ei, estou me dedicando profundamente ao meu trabalho no
momento — retruca a brincadeira.
Antes que eu possa respondê-lo, o avião sacoleja um pouco
ao passarmos novamente por uma área com nuvens mais densas.
Meu coração acelera pelo medo e seguro sua mão que repousa no
apoio de braço que divide nossos assentos. Fecho os olhos com
força e quando o tremor para, percebo que Liam virou a sua palma
para cima, encontrando com a minha e entrelaçando nossos dedos,
firmando minha mão na sua, me deixando com receio de abri-los
outra vez porque o conforto que o seu toque me dá me faz respirar
direito pela primeira vez em quase uma semana.
O polegar traçando um carinho despreocupado em meu
dorso; seu silêncio, aguardando que eu me recomponha e retorne a
conversa, sem parecer ansioso ou chateado pelo meu medo. Mesmo
assim, abro os olhos, fitando a tela apagada à minha frente antes de
ter coragem para encarar seus olhos claros, envergonhada da minha
atitude, mas não conseguindo me desvencilhar do seu toque quando
ele parece tão certo de que quer continuar assim.
— Sabe, acho que irá se apaixonar profundamente por Paris,
Amelie — diz, voltando a nossa conversa como se nada tivesse
acontecido e me fazendo ficar grata por isso. — A Torre Eiffel é
mesmo tudo isso — comenta, me arrancando um sorriso.
— Não fale isso para uma garota como eu. Já sou conhecida
por sempre deixar meu coração por cada cidade que passo — conto.
— Minha melhor amiga sempre fala que sou uma turista nata.
— Já viajou para muitos lugares? — indaga, parecendo tão
interessado no assunto, que passo a próxima hora contando sobre
os pequenos e grandes lugares que conheci ao longo dos últimos
anos, enquanto ele compartilha o seu conhecimento sobre outros. E,
em algum momento entre uma cidade e outra, ele segurou a minha
mão perto de si, trocando a sua e voltando a entrelaçar nossos
dedos, não me deixando ficar longe do seu toque. E, em algum
momento entre um destino e outro, Liam me permitiu ficar tão
relaxada a ponto de deitar minha cabeça na poltrona, inclinada em
sua direção, e fechar os olhos, dormindo pela primeira vez em um
voo.
— Qual era o nome dela? — Carter pergunta enquanto estou
amarrando os meus sapatos no pequeno vestiário dentro da área
reservada para os funcionários.
Temos um cômodo para a socialização dentro da companhia
aérea nos aeroportos, que serve para descanso entre os voos e
também para momentos como o de agora, quando a tripulação
deixa de lado as suas vestes profissionais e adere figurinos mais
tranquilos, como jeans e camisetas. Meu melhor amigo calhou de ser
o piloto responsável pelo voo de hoje e aproveitou a oportunidade
para tirar um descanso também, fazendo reservas na capital
francesa e ajustado uma passagem para a esposa vir com ele nessa
viagem.
— Nome de quem? — rebato a indagação, me fazendo de
desentendido.
— Não me faça de otário, Liam. Vi você sentado com uma
passageira muito bem acomodada dormindo em seu ombro
enquanto você mexia no celular como se isso fosse rotina — diz, me
acompanhando quando levanto e caminho até onde minha mala
está. — E deixar passageiras bonitas dormirem no seu ombro não é
algo que eu consideraria rotina de um voo.
— Não deveria ter estado ocupado pilotando o avião?
— Não tenho mais permissão para ir ao banheiro, chefe? —
zomba, revirando os olhos. — Nome?
— Amelie — respondo a contragosto.
— Pode me dar os detalhes sem que eu precise te implorar
por eles toda santa vez — resmunga, seguindo meus passos,
também carregando a própria mala para fora da sala, adentrando o
saguão do aeroporto de Paris.
— Não tem nada a mais para contar, Carter. Resumiu muito
bem tudo o que aconteceu — minto, tentando enrolar meu amigo
porque qualquer adicional na história pode ser utilizado contra mim.
— Pediu o número dela?
— Quer me ajudar a assinar a minha carta de demissão, por
acaso? — ironizo, olhando-o de canto. — Óbvio que não, sabe que
isso é contra as regras da companhia e eu não seria maluco desse
jeito.
— Certinho demais para me proporcionar algum tipo de
divertimento, entendi — rebate, revirando os olhos.
— Está parecendo a Savannah, super interessado em minha
vida amorosa.
— Em defesa da sua irmã, ela trabalha com relacionamentos
— comenta, dando de ombros.
— Não deixe Claire te ouvir defendendo a minha irmã ou
estará em maus lençóis — digo, aproveitando a pausa na escada
rolante para fitá-lo e Carter dá uma risada abafada.
— Já são águas passadas. Estou casado e Sav e eu nunca
teríamos dado certo. Vocês, Spencer, têm uma péssima tendência
para relacionamentos — pontua e tento não parecer magoado com
seu comentário, ainda que ele pese em meu peito. Realmente não
sou sortudo no que diz respeito a relacionamentos.
— Eu sei, mas nunca perde a graça te atormentar com isso e
ainda não te perdoei por ter quebrado qualquer código da nossa
amizade ao namorar a minha irmã mais velha — afirmo, dando
tapinhas no ombro dele.
— Voltando ao assunto que importa, não foi só isso, não é
mesmo? — indaga quando voltamos a caminhar. — Você é
emocionado, cara. Para ter sentado ao lado dela e todo o resto, algo
aconteceu.
— Você é tão inconveniente — reclamo, encontrando
rapidamente Claire com os olhos, do outro lado do saguão,
aguardando o marido.
— Sou o seu melhor amigo — replica.
— A gente se trombou no aeroporto de Toronto — conto com
um suspiro insatisfeito por estar me rendendo ao papinho dele. —
Depois ouvi ela falando sobre o ocorrido com uma amiga no telefone
e…
— Deixe-me adivinhar: ela caiu de amores pelos olhos azuis e
toda a carinha de bom moço?
— Faz tudo parecer tão pior do que é — resmungo. — E não!
Ela só comentou sobre isso e, bem, acabamos conversando. Só isso.
Carter para a poucos metros de Claire, entretida em seu
celular, e ele me encara completamente desconfiado. O piloto franze
a testa, segurando meus ombros com as mãos e me analisando
enquanto bufo para a sua cena dramática. Acho que esse é um dos
motivos pelos quais ele e minha irmã realmente nunca teriam dado
certo. Sav é cética, séria e até um pouco careta demais. Carter é
engraçado, se importa pouco e não planeja nada da sua rotina para
além das escalas que recebe prontas do trabalho.
— Não foi só isso, mas não irá me contar a versão estendida,
não é?
— Fico feliz que tenha compreendido, capitão — respondo
com um sorriso de canto e me controlando para não bater uma
continência só para fazer graça com ele. — Não foi nada mágico,
Cinderela, para de ficar inventando histórias nessa sua cabecinha
maluca. A vida não é um conto de fadas e você deveria assistir
menos filmes de romance.
— Primeiro; pare de julgar meus filmes, eles são incríveis e
um dia irá ser inteligente o suficiente para reconhecer isso.
Segundo; não me julgue também por querer entender a situação.
Nunca vi você sair do seu posto e olha que muitas mulheres
tentaram — relembra, me soltando para voltarmos a andar.
Ele tem razão, afinal, recebi cantadas o suficiente para encher
três caminhões em seis anos como comissário. Trabalhar com
pessoas bebendo espumante caro e com dinheiro demais faz com
que você passe por situações bem chatas, como a de senhoras
perguntando por quantos dólares eu iria para o hotel com elas. Não
é nem um pouco confortável, entretanto, eu sabia que alguns
clientes poderiam ultrapassar alguns limites quando resolvi seguir
essa carreira. Lidar com o público sempre é um risco à própria
integridade física e mental, porém não trocaria de profissão por
nada.
E Carter também tem razão, eu nunca me deixei ficar tentado
a nenhuma oferta indecente, nem mesmo de mulheres que eu
claramente ficaria caso estivéssemos em outro ambiente que não no
avião enquanto trabalho. Mas Amelie não fez uma proposta
indecente, não me lançou olhares lascivos ou sorrisos sugestivos. Ela
só pareceu envergonhada por eu ter ouvido o seu comentário, e
engraçada o suficiente para me manter preso em sua conversa. É
bonita o suficiente para que a minha mente tenha tido segundas
intenções com ela, porém a recíproca, se existente, foi bem tímida.
Não que faça o meu tipo dar em cima de passageiras.
Mas eu daria em cima dela se pudesse.
— Ok, irei assistir a um filme de romance hoje em sua
homenagem, meu caro amigo — zombo. — Porém, não há nenhum
romance na minha vida para que você fique sonhando sobre.
— Mas ficou interessado nela — pontua e não posso negar,
então só permaneço em silêncio.
— Interessado em quem? Liam está finalmente namorando
de novo? — Claire entra na conversa quando paramos à sua frente,
parecendo animada com a possibilidade antes de beijar o marido,
que a abraça pela cintura.
— Infelizmente, ainda não, mas quem sabe — Carter
responde, me fazendo revirar os olhos. — A gente se vê por aí?
— Quem sabe? — respondo a pergunta retórica, levantando
os ombros. — Irei para Bordeaux — conto, apesar de já ter
mencionado isso a ele. — Só volto para Paris daqui a seis dias.
— Irá pegar a estrada hoje?
— Ainda é cedo, a cidade fica a seis horas daqui, chego lá
antes de anoitecer e posso aproveitar o meu primeiro bom vinho
ainda hoje — falo e vejo a preocupação se instalar no rosto dele. —
Não precisa ficar assim, sei me cuidar e estudei muito a estrada
daqui até lá.
— Por que não pegou um voo? Deve ter, pelo menos, uns três
ou quatro voos por dia para lá — Carter insiste, não se
tranquilizando e, em momentos assim, ele me lembra a minha avó
com as suas preocupações excessivas.
— Porque não teria graça — rebato. — Me deixe aproveitar a
minha viagem do meu jeito e não falarei nada sobre todos os clichês
parisienses que irão fazer pelos próximos dias.
— Ei, não julgue uma mulher por querer uma foto na frente
da Torre Eiffel — Claire se defende rindo e dá um tapa leve em meu
ombro. — Espero que aproveite muito. Bordeaux é a cidade das
vinícolas, uma vez tomei um vinho de lá e até hoje não superei —
comenta.
— É exatamente essa a minha intenção, nunca superar a
minha visita à cidade — brinco. — Melhor eu ir, o cara da locadora já
disse que estão com tudo pronto — digo ao ver outra mensagem do
atendente em meu celular. — Vejo vocês em alguns dias, aproveitem
Paris.
— E você aproveite com moderação — Carter fala quando
começo a me afastar com as minhas malas. — Mas não muita —
completa, me fazendo rir sozinho enquanto ando.
Também espero aproveitar com pouca moderação, só não sei
bem se estou pensando somente na quantidade de vinho que irei
beber quando falo isso.
— Somente mais um segundo, estou terminando de localizar
a sua reserva — a recepcionista do hotel me diz, oferecendo um
sorriso gentil por causa de toda a confusão com o meu quarto e
aceno para ela, porque não me importo com a demora, mas me
importo em ter um quarto para dormir essa noite.
A mulher, que deve ter a minha idade, me dá as costas e
caminha até a sala da administração, que fica na parede atrás do
balcão, e me viro para observar o lobby do hotel. É um lugar com
quatro estrelas, parecido com tantos outros hotéis que já fiquei pela
companhia aérea. Fiz a reserva no começo do mês, assim que a
minha escala ficou disponível e resolvi finalmente planejar a viagem
que adio há anos. O site me garantiu que ainda haviam vagas nesse
período e não quero começar essa estadia com o pé esquerdo.
Seis horas na estrada me fizeram lembrar o porquê sempre
coloquei Bordeaux na minha lista de viagens para fazer. O interior da
França é lindo e a cidade, apesar de não ser tão pequena assim, tem
um ar provinciano e aconchegante. As vinícolas se estendem na
estrada, o rio Garonne cortando a cidade e fazendo um cartão-postal
lindo da Pont de Pierre, os restaurantes bonitos, as ruas mais
estreitas por entre os bairros, a Catedral de Santo André, o Musée
des Beaux-Arts de Bordeaux, todas as coisas que pude ver pela
janela do carro enquanto dirigia até o hotel, tudo isso me lembrou o
porquê essa cidade era o destino certo para o momento.
Porém, assim que entreguei as chaves para o manobrista e
disse meu nome na recepção, percebi que nem tudo seria tão
perfeito assim. Aparentemente, a minha reserva consta no sistema,
porém não necessariamente fui acomodado em um dos quartos
disponíveis e a recepcionista não precisou me dizer nada para que
eu compreendesse por conta própria que não há mais quartos
disponíveis.
Meu celular vibra na minha mão e olho para a mensagem de
Savannah, respondendo a minha sobre ter chegado ao meu destino.

Sav: Ok, mas não some! Continua mandando notícias.


Sav: E não faça nenhuma merda francesa, porque não sei se
os meus advogados são capazes de chegar nos direitos da França.
Liam: Eu sempre te mando notícias das minhas viagens!
Sav: Só estou cumprindo o meu papel de irmã mais velha.
Sav: Sabia que agora o Perfect Pairing também está
disponível na Europa?
Liam: Não vou usar o seu app.
Sav: Primeiramente, não é meu, é da família. Também é seu
aplicativo.
Sav: Segundo, eu prometo que não irei olhar os seus dados
de uso.
Sav: A França é o terceiro país europeu com mais usuários,
às vezes pode encontrar alguém interessante.
Liam: Você e a vovó precisam parar com essa ideia maluca
de me fazer arranjar outra pessoa.
Liam: Eu estou bem, de verdade, Sav.
Sav: Nem eu, nem ela acreditamos nessa sua mentira. Faz
anos e nunca mais se relacionou com ninguém.
Sav: Isso não é seguir em frente, muito menos estar bem,
Liam.
Sav: Mas ok, só queria que se divertisse nessa viagem.
Liam: Eu irei me divertir.
Sav: Preciso ir, tenho uma reunião em dois minutos.

Não respondo a mensagem, somente bloqueio o celular e


guardo-o no bolso da calça quando avisto a recepcionista voltando.
É ignorar a minha irmã ou cair na pilha dela, mas, caso eu escolha a
segunda opção, acabaríamos em uma discussão horrível sobre a
nossa tendência a não nos relacionarmos e como isso tem a ver com
o casamento fracassado dos nossos pais. A não ser que Savannah
realmente ache que engana alguém com o tal John, o atual
namorado dela que sempre está ocupado demais para visitá-la em
Toronto e conhecer a família Spencer, ou que é misterioso a ponto
de nem ter redes sociais.
É um pouco hipócrita da parte dela querer me dizer que não
me divirto e sou fechado demais quando é ela a irmã que passa o
dia e a noite no escritório, chefiando a empresa da família. Savannah
Spencer é a CEO do PP, um dos aplicativos do Grupo Love Affair, e
pode parecer nepotismo, mas é a empresa que a nossa avó criou.
Ela foi uma das pioneiras, acreditando no potencial dos aplicativos
de relacionamento e para relacionamentos e hoje é dona de uma
das companhias de maior renome do mundo.
Mas somos uma família modesta e não nos gabamos sobre
isso o tempo todo, ainda mais porque poderia pegar mal, uma vez
que nenhuma das mulheres Spencer teve um casamento duradouro
e o único homem Spencer… Bem, minha vida amorosa é uma longa
história com bastante tristeza no meio, algo que prefiro não pensar
muito, então assim como elas, também sou meio fracassado no que
diz respeito a relacionamentos.
— Senhor Spencer? — a morena me chama e respiro fundo
antes de fitá-la. — Realmente encontramos um problema no nosso
servidor com a sua reserva e sentimos muito por esse erro. Todos os
nossos quartos nessa modalidade escolhida pelo senhor na sua
reserva já estão ou ficarão ocupados pelos próximos dias, durante
sua estadia. Temos somente um quarto, que ficará desocupado a
partir de domingo, entretanto, para que não haja maior
inconveniente a respeito da sua estadia, iremos lhe oferecer um
upgrade em sua reserva, caso deseje continuar conosco — ela diz
com calma enquanto divide o seu olhar entre a tela do computador e
eu.
— Como funcionaria o upgrade? — indago e logo ela coloca
uma folha no balcão com meus dados e algumas informações da
minha nova reserva.
— Sem custos adicionais, subiríamos o senhor para a
categoria luxo — explica, mostrando o valor original e os descontos.
— Ficaria em uma das nossas quatro suítes mais exclusivas, assim
como também teria todos os benefícios inclusos normalmente nessa
reserva, como refeições e alguns serviços de quarto. Se quiser, nessa
folha aqui estão listados todos os serviços inclusos — continua,
pegando um outro papel ainda quente da impressora e analiso a
lista, tentando não parecer impressionado demais. — É um cliente
frequente da nossa rede e queremos que continue tendo ótimas
experiências nas suas estadias com os nossos hotéis. Se esse
upgrade te atender, ficaremos mais do que contentes em fazer o seu
check-in.
Está bem, talvez eu estivesse errado e nem tudo esteja indo
tão mal por aqui. Me equivoquei com a possibilidade de não ter onde
dormir pelos próximos seis dias.
— Essa nova reserva fica perfeita para mim — replico.
Bem mais do que perfeita.
Ela sorri, provavelmente contente demais por eu não ser o
típico cliente que lhe daria trabalho, mas quem em sã consciência
reclamaria de estar em uma suíte de luxo pagando pela standard? A
recepcionista, que se chama Francine, me pede somente algumas
confirmações de dados antes de prosseguir, logo me entregando o
meu cartão de acesso ao quarto no último andar do hotel e me diz
que o manobrista acomodará meu veículo na garagem.
Bocejo a caminho do elevador e me encosto na parede
metálica enquanto ele sobe até o vigésimo nono andar. Quero tomar
um banho e cair na cama por algumas horas antes de experimentar
a noite francesa em Bordeaux pela primeira vez. Enquanto chegava
no hotel, vi algumas opções de restaurantes para essa noite,
provavelmente ficarei por perto hoje e irei me aventurar em outros
bairros depois de uma boa noite de sono.
Saio do elevador e caminho pelo corredor, virando a direita
para o lado com somente os quatro quartos de luxo, como eu
presumo. Deixo a minha mala parada enquanto arrumo a mochila no
ombro e puxo o cartão de dentro do envelope com a logo do hotel,
não ficando alheio ao barulho da porta da frente sendo aberta e
fechada logo em seguida.
— Ah, merda! — escuto o resmungo feminino e não
confundiria essa voz com a de mais ninguém. O verde pisca na
minha porta e empurro a maçaneta para baixo, abrindo-a um pouco
antes de me virar, encontrando uma surpresa interessante.
— Antes que faça qualquer piadinha sobre perseguição,
preciso dizer que eu não deveria estar nessa suíte aqui, mas eles
erraram na minha reserva — digo, tentando conter o meu sorriso de
canto, achando a sua feição de desespero engraçada.
— O ditado diz que a terceira vez é a que dá sorte —
comenta antes de fechar os olhos com força e ficar com as
bochechas tão vermelhas quanto os seus cabelos. — Eu… Desculpa,
não quis parecer… isso soou um pouco errado. Pode ter soado um
pouco errado e… — Amelie começa a se atrapalhar com as próprias
palavras antes de respirar fundo, passando as mãos pelo rosto.
— É uma grande coincidência, acho que é isso que queria
dizer. — Tento salvá-la do seu próprio embaraço.
— Exatamente! — afirma eufórica. — É uma grande
coincidência — repete. — Eu… estava de saída.
— É melhor eu deixá-la ir para não se atrasar — digo de
forma robótica, observando que ela está com roupas mais casuais e
leves do que usava no avião e Amelie é definitivamente o tipo de
mulher que as pessoas param para olhar. — Foi… bom te ver — falo,
tentando não soar como um psicopata em potencial.
— Igualmente — responde com uma risadinha, talvez
achando a situação igualmente estranha, assim como eu ainda estou
demorando para assimilar. — Até mais. — Ela se despede, me dando
um breve aceno e então caminha a passos largos até o elevador.
— Até mais — sussurro mesmo após a sua partida, finalmente
me recuperando e entrando no meu quarto pelos próximos dias.
Aparentemente, Bordeaux pode ser uma caixinha de
surpresas boas, e estou curioso para saber o que mais me aguarda,
porém, com toda a certeza, preciso me retratar em algum outro
momento com a minha vizinha de corredor pelo meu
comportamento estranho nesse nosso encontro. Mas só pensarei
nisso depois de, pelo menos, duas horas de sono.

Termino de ajustar a camisa e passo a mão pelos cabelos,


arrumando os fios um pouco úmidos ainda do banho. Dormi por
algumas horas e acordei assustado com uma ligação da minha mãe.
Assim como todas as outras, foi tão breve que mal pude pensar em
perguntar como estavam as coisas por lá. Estou meio que cercado
por mulheres ocupadas demais e, sim, talvez eu esteja reclamando.
O quarto é gigantesco e demoro mais tempo do que o normal
para sair do closet e ir até o banheiro, espirrando algumas borrifadas
de perfume. A suíte conta com um quarto espaçoso, um banheiro,
uma sala de estar com uma mesa redonda e uma mini cozinha, além
do closet e do hall de entrada que tem o tamanho do meu no meu
apartamento em Toronto. Está bem, talvez a comparação seja um
pouco exagerada e mentirosa.
Pelo menos, a cama é bem confortável.
Pego a minha carteira e coloco o segundo cartão de acesso
ao quarto lá dentro antes de colocá-la no bolso da calça, e pego
meu celular, já abrindo o aplicativo com os mapas para me guiar a
pé pelas ruas. Saio do quarto e assim que a porta bate atrás de
mim, meus olhos acabam na porta da frente.
Foi um primeiro encontro pavoroso, ainda que tenha sido o
terceiro e, sendo honesto, não teria ficado intrigado assim por
qualquer mulher. Há alguma coisa diferente nela, os olhos profundos
demais, o rosto doce, mas misterioso, seu nervosismo como se não
soubesse como agir ao certo na minha presença. Amelie tem cheiro
de problema e é uma visão do incerto, e ainda assim, não consigo
simplesmente me afastar e caminhar até o elevador para seguir
minha noite.
Ao invés disso, dou poucos passos até a sua porta e, em uma
coisa que irei considerar como ato de coragem, dou duas batidas.
Talvez ela nem mesmo esteja aqui, afinal, não sei se voltou de seja
lá onde foi mais cedo. Mas aguardo alguns segundos até ouvir
passos se aproximando e sei que ela sabe que sou eu parado aqui
porque tenho quase certeza que olhou no olho mágico.
— Liam — chama assim que abre a porta, parada do outro
lado do batente com os pés descalços e um vestido leve, diferente
do que usava mais cedo. — Oi.
— Oi, eu estava saindo para jantar e pensei em pedir
desculpas por mais cedo. Foi… estranho para mim também, toda a
coincidência, e não queria que ficasse com uma péssima imagem
minha — falo e ela relaxa os ombros, sorrindo um pouco.
— Está tudo bem, acho que também fiquei parecendo uma
estranha — rebate, me fazendo rir. — Toda essa viagem está sendo
uma loucura para mim e nem mesmo deveria mais me assustar com
as estranhezas que surgem no meio dela.
— Sou uma estranheza, sendo assim? — provoco-a com a
brincadeira.
— Não, não, claro que não — se apressa em afirmar antes de
perceber o tom zombeteiro e revirar os olhos do jeitinho adorável
que ela faz. — É só uma viagem maluca.
Dou um aceno, colocando as mãos nos bolsos da calça e
resolvo arriscar as minhas chances de virar uma estranheza em sua
viagem.
— Estava saindo para jantar em um restaurante aqui perto.
Se quiser, eu adoraria a sua companhia e saber mais sobre a sua
viagem maluca — convido, umedecendo os lábios enquanto a
encaro, tentando descobrir se passei dos limites ou se o convite foi
bem aceito. Vejo-a hesitar, entreabrir os lábios antes de morder o
inferior em seu hábito nervoso, pelo que parece. — Pode negar e
estará tudo bem, prometo que ficarei o máximo fora do seu caminho
com a minha estranheza — brinco, querendo aliviar a tensão dela.
— Não é isso, e já disse que não é uma estranheza, longe
disso — começa, respirando fundo e então dando acenos com a
cabeça. — Ok, um jantar. Eu provavelmente pediria algum serviço de
quarto, então sair para jantar parece mais promissor. Só preciso de
um calçado e um casaco — diz, levantando o indicador para mim e
pedindo um segundo antes de se virar apressada de volta ao seu
quarto.
Tento não parecer feliz demais quando dou um passo para
trás, dando-lhe privacidade enquanto aguardo no corredor. É só um
jantar, Liam.
Mas a única coisa que ressoa em minha mente é a voz do
meu melhor amigo me lembrando como sou muito emocionado.
Puxo o casaco, fechando-o mais firme no corpo quando a
brisa fresca bate contra nós e continuamos andando pela calçada.
Ainda estamos na rua da frente do hotel, mas já passamos por duas
quadras. Duas quadras em completo silêncio. Talvez o impulso em
aceitar o convite dele tenha sido uma péssima decisão, mas agora
precisarei aguentar o restante da noite sem ser grosseira e me
retirar antes da hora.
— Vejo que o silêncio não é a sua forma de conversa favorita
— ele sussurra com o seu tom divertido.
Liam tem um jeito de fazer a vida parecer leve, porque ele
está sempre de bom humor, ou ao menos, todas as vezes que nos
encontramos, ele estava de bom humor, com um sorriso de canto,
um tom divertido, os olhos com um bom humor nítido refletido ali.
— O silêncio me deixa nervosa — admito, dando de ombros.
— Nunca ficou em silêncio ao lado das pessoas certas, sendo
assim.
— É cheio das filosofias de vida, Liam…
— Spencer. Liam Spencer — ele complementa, me ajudando.
— É cheio das filosofias de vida, Liam Spencer? — completo
minha frase, me virando levemente para ele enquanto andamos.
— Não deveria esperar menos de um cara formado em
Antropologia, não? — diz, me deixando chocada com a nova
informação. — É, eu sei, a maioria das pessoas presume que não fiz
uma faculdade, ou que existe uma faculdade de comissários. Para a
sua informação, existe sim uma escola para comissários e várias
provas bem difíceis para admissão nessa carreira, mas eu também
tenho um diploma guardado.
— Desculpa, acho que foi um pouco rude pensar em outra
coisa.
— Não foi nenhuma novidade — replica como se não se
importasse, levantando os ombros.
— Não faz ser menos feio — rebato quando paramos em uma
esquina, esperando o fluxo de carros parar. — Sou Amelie Taylor-
Robinson — digo, estendendo a mão para ele, que me encara com
estranheza. — Me disse o seu sobrenome, acho justo te falar o meu
— explico e Liam pega minha mão, levando-a até os lábios e
deixando um beijo no dorso, junto a uma piscadela engraçadinha.
— Encantado, senhorita Taylor-Robinson.
— Já está pegando a lábia ruim dos franceses — zombo dele
quando solta a minha mão e oferece o seu braço para que eu enlace
o meu e atravessemos a rua.
— Me sinto um pouco ofendido — comenta quando me
aproximo, colocando meu braço no dele e segurando um suspiro
quando sinto o bíceps firme. O braço musculoso por baixo da camisa
de linho solta me dá ideias do que mais ele esconde ali.
— Saí para tomar um café e recebi cantadas discretas dos
dois garçons, além do cara que me viu parada, tirando uma foto
perto da ponte. Não sei se me sinto desconfortável ou só acho graça
porque eles são realmente péssimos nisso — conto. Apesar de não
ter sido nenhuma situação desconfortável, a sutileza dos franceses é
algo notável, foram cantadas risíveis.
— Não os julgue, sua beleza provavelmente faz qualquer cara
perder o rumo com facilidade — rebate, me pegando de surpresa de
novo pelo elogio e engasgo com a minha própria saliva. — Não tão
discreto como os demais? — indaga rindo, percebendo que devo ter
ficado ruborizada com sua fala.
— Com mais senso de humor que todos os demais —
respondo com sinceridade, olhando-o rapidamente e vejo seu
contentamento com a informação.
Apesar do clima leve, do homem bonito de braços dados
comigo e da noite serena de Bordeaux, minha mente logo me leva
de volta à realidade. Quase como um soco forte demais para que eu
consiga aguentar. Meu celular começa a vibrar dentro da bolsa,
anunciando uma chamada recebida e como avisei para Marjorie que
estava saindo com Liam, depois de uma longa conversa essa tarde
lhe contando todos os detalhes do nosso breve encontro no hotel, só
me resta uma opção. Uma opção que tem me ligado o dia inteiro,
com breves pausas entre uma ligação e outra.
Canaan está tentando falar comigo há cinco dias, desde que
terminei tudo e cancelei nosso casamento. Não o atendi em
nenhuma delas. Enviei um e-mail formalizando a minha demissão,
peguei as minhas coisas na empresa quando sabia que ele estaria
fora em uma reunião e tratei de trocar a fechadura do meu
apartamento para que ele não tenha mais acesso. Não quero mais
lidar com ele, e não queria esse banho de água fria chamado
realidade enquanto estava aproveitando o momento, fingindo que
Canaan e meu casamento fracassado não existiam, andando pelas
ruas francesas com uma companhia bonita e engraçada.
Aparentemente, eu posso me divertir e sorrir, mas meu
coração ainda estará estraçalhado no fim do dia de qualquer jeito.
— Chegamos — Liam anuncia, reduzindo nossos passos até
estarmos parados na frente de um restaurante fofo, com mesas na
área interna e externa, e alguns clientes conversando e rindo. —
Alguma preferência?
— Podemos ficar aqui fora, aproveitar a vista e o clima —
escolho, tentando voltar ao meu humor anterior e ele conversa com
a recepcionista, pedindo uma mesa para dois na área externa e logo
somos encaminhados para uma das mesas mais ao fundo.
Liam é do tipo que puxa a cadeira, que aguarda você se
acomodar antes de sentar, que pede duas águas em um francês
impecável, direcionando o cardápio na sua direção e esperando com
paciência enquanto olho para as opções. Ele é o típico cavalheiro
perfeito, que qualquer garota deveria querer ter ao lado e mesmo
que eu saiba que às vezes os caras parecem perfeitos no começo
para se mostrarem pessoas terríveis depois, ele não me parece esse
tipo de cara.
Pode ser ingenuidade da minha parte, é claro, mas sempre fui
boa lendo as pessoas. Talvez eu só tenha ignorado alguns sinais que
Canaan me dava sobre o nosso relacionamento. Acho que estava
com medo demais de admitir que tudo estava indo de mal a pior,
estava com medo de admitir que tinha feito uma péssima escolha ao
seguir adiante com o nosso relacionamento. Porém, eu leio bem as
pessoas e Liam é o que chamo de pessoa fácil.
Tem sorrisos bonitos, uma facilidade em fazer a outra pessoa
rir, um humor que te faz esquecer do restante do mundo, algumas
histórias divertidas para contar e, ainda que possa parecer um cara
simples pela camada superficial, também pode ser uma caixa de
Pandora, preenchido por surpresas.
O típico cara que não merece muitas mentiras, ou
desonestidade. Ou que eu o enrole só para que ele aumente o meu
ego com seus elogios e flertes. É bom lembrar que posso ser bonita,
que posso ser cobiçada e que posso ter um cara bonito realmente
interessado em mim. Ele me ajudou durante o voo, me manteve
ocupada com suas conversas leves sobre voos passados, sobre
outras idas de Toronto à Paris. Segurou minha mão quando
passamos por uma turbulência e tenho uma sensação, bastante
envergonhada por isso, que acabei dormindo em seu ombro em
algum momento.
E eu não consigo me recordar quando foi a última vez que
consegui dormir em algum voo.
— Achei que tivesse dito que ficaria em Paris — ele comenta
assim que peço um dos vinhos do cardápio.
— Não seria o ideal sair por aí contando o meu destino para
estranhos.
— Ai, achei que tivéssemos criado uma conexão entre as
minhas histórias de voos engraçados e as suas de voos difíceis —
rebate, colocando a mão no peito para parecer ofendido. — É uma
mulher esperta, mas parece que o destino tinha outros planos —
brinca.
— Acha que o destino nos uniu? — Faço graça com o assunto
e ele dá de ombros.
— Seria uma explicação lógica para tantos encontros não
planejados em vinte e quatro horas — responde. — Não acredita em
destino, senhorita Taylor-Robinson?
— O destino nunca atuou a meu favor, não posso dizer que
somos melhores amigos — comento, pegando a taça de vinho que o
garçom nos traz e bebericando. — Ao menos, o destino me trouxe
esse vinho maravilhoso — murmuro, bebendo outro gole. — E você?
Acredita em destino?
— No meu trabalho é meio impossível não acreditar. Já vi
inúmeras cenas que somente uma coincidência do destino poderia
criar. Amigos de infância se reencontrando, duas pessoas separadas
pelo tempo se vendo novamente durante um voo, pessoas se
apaixonando enquanto decolamos e pousamos. Isso é destino,
colocar duas pessoas juntas por acaso e transformar a vida delas.
Então, sim, acredito no destino e acredito que nossos encontros
tenham sido destinados a acontecer — pontua animado antes de
beber seu próprio vinho.
— É uma forma interessante de levar a vida.
— Não fantasia a vida cor-de-rosa?
— Acho que estou andando mais pelas paletas cinzentas
recentemente — replico, não querendo ficar tristonha e ele arqueia
uma sobrancelha. — Essa era a minha viagem de lua de mel —
começo, preferindo arrancar o band-aid logo no começo do que
terminar a noite correndo o risco de iludi-lo com expectativas. Liam
faz uma careta e dou um riso baixo. — É. Ruim desse jeito.
Deveríamos ter nos casado há dois dias, mas há uma semana
descobri que ele estava me traindo e… não foi algo que aconteceu
somente uma vez, um deslize. Ele mantinha outro relacionamento já
fazia seis meses, ele me pediu em casamento há nove, então não
entendo o que mudou em três meses para que tudo desse tão
errado assim.
— Não tente achar justificativas para a falta de caráter alheio
— ele consola. — Ele era um cara ruim e é isso, sem justificativas.
— É, acho que é só difícil demais não tentar achar o ponto
onde tudo desandou. De qualquer forma, cancelei o casamento, me
demiti, me deprimi e me embebedei na última semana, e somando
tudo isso a algumas atitudes impulsivas, resolvi dar continuidade a
essa viagem, porque foi a única coisa que paguei inteiramente do
meu bolso e não perderia o meu dinheiro porque Canaan é um
grande filho da puta — desabafo antes de puxar o ar, fechando os
olhos para não encará-lo, envergonhada por soltar a minha vida no
colo de um estranho.
— Acredito que não esteja sendo a viagem mais fácil do
mundo — Liam preenche o silêncio, inclinando-se com o cotovelo na
mesa e parecendo interessado no que estou lhe contando. — É uma
pena, Bordeaux é um lugar incrível, não merecia que guardasse
recordações da cidade cheia de lembranças do seu ex escroto.
— Bem, quero dar o meu melhor para aproveitar os próximos
dias sem pensar nele, mas… — E, como se soubesse que estou
falando sobre como ele é um grande babaca, outra ligação de
Canaan aparece na tela. — Mas ele não para de ligar.
— Posso? — indaga, apontando para o celular e dou um
aceno.
— Nada pode piorar a essa altura — zombo, mas ao invés de
tomar qualquer atitude clichê que poderia acabar me deixando com
problemas no futuro, Liam somente desliga a chamada e faz alguns
comandos antes de colocar o aparelho de volta na mesa, me
deixando com o cenho franzido em confusão.
— Pode desbloqueá-lo quando voltar para Toronto se quiser,
mas pelos próximos dias, enquanto permanecer em Bordeaux, esse
tal ex-noivo não será motivo de estresse — diz e torço o nariz.
— Eu sei, deveria ter o bloqueado antes e…
— Está tudo bem, às vezes é mais difícil do que prevemos —
interrompe a minha sessão de desculpas antes mesmo que eu tente
defender minha ação. — Estavam noivos, não é como se ele fosse
virar um estranho do dia para a noite.
— Quem é você? — brinco, surpresa pela forma como ele lida
bem com o assunto.
— Alguém que sabe que pode ser bem difícil lidar com isso —
responde, puxando sua taça para beber o restante do vinho. — E
quais são os seus planos para a cidade?
— Tenho toda uma escala, mas, sendo honesta, não sei se
quero cumpri-la agora. Foram coisas planejadas para fazer com ele e
acho que o foco aqui é não lembrar do meu ex — digo, indicando o
celular. — E me desculpe por falar sobre esse assunto, deve estar se
arrependendo muito de ter me convidado para jantar.
— Relaxa um pouco, Amelie. É uma companhia divertida e
nunca fiquei assustado por causa de um ex babaca — pontua e
aprumo minhas costas, percebendo que entramos nesse terreno de
novo e talvez eu precise ser mais clara.
— Eu…
— Está fora do mercado, entendi essa parte, fique tranquila
— complementa, piscando para mim com um sorriso leve. — Ainda
podemos jantar como dois… conhecidos, certo?
— Despejei todas as desgraças da minha última semana no
seu colo, podemos usar o termo amigos se estiver tudo bem para
você.
— Já estive em lugares piores — brinca, me fazendo revirar
os olhos enquanto serve outra medida de vinho em nossas taças.
— Acho que não sou a pessoa mais recomendada no mundo
atualmente para se relacionar — murmuro.
— Entendo que pense assim no momento, mas saiba que
quem é uma péssima pessoa para se relacionar é ele nessa situação,
não você — afirma com seriedade.
— Por que eu sinto que você tem mais história aí do que está
contando? — provoco, curiosa sobre toda a sua gentileza.
— Agora que é uma amiga, talvez possa merecer essa história
— comenta, dando de ombros e percebo que a palavra amiga saí
com certo desgosto. Liam quer se aproximar e aceita o lugar que
posso lhe oferecer no momento, entretanto, não nega que queria
mais. Tudo bem, gosto da sinceridade dele. — Deveríamos começar
pelo museu.
— Deveríamos?
— Estamos os dois aqui e ambos sabemos que o destino, de
qualquer forma, irá nos colocar no mesmo lugar pelos próximos dias,
por que não facilitar para ele?
— Você não faz o tipo desistente, não é mesmo?
— Passo bem longe de ser um — ele replica com um riso. —
E acho que uma companhia seria interessante — adiciona.
— Não tinha colocado o museu na lista — digo com tristeza.
— Isso é um pecado. Espero que não seja por causa do tal
ex. — Faço uma careta e é resposta o suficiente para ele. — Museu
amanhã, às dez, o que acha?
— Parece perfeito! — exalto, animada com a nova perspectiva
da viagem. — Obrigada — falo, quebrando o momento risonho para
fitá-lo com atenção. — Muito obrigada.
— Só me agradeça no final, quando eu te provar que sou o
melhor guia turístico que poderia ter — responde.
— Comissário de bordo, antropólogo e guia turístico? Alguma
outra especialidade? — zombo, arqueando a sobrancelha.
— Espero que esteja com tempo essa noite.
— Todo o tempo do mundo, aparentemente — digo, apoiando
os cotovelos na mesa e me inclinando em sua direção para ouvir
alguma outra história sobre Liam Spencer.
Me esforço para não olhar outra vez para o relógio. Não
deveria ter acreditado tão fielmente que Amelie apareceria, mas
depois do nosso jantar ontem, pareceu que tínhamos criado uma
conexão. A palavra amigos ainda sai com amargor pelos meus
lábios, mas ninguém poderia me julgar por desgostar de ser
somente amigo de uma mulher como ela. Além de linda, Amelie é
extremamente interessante e divertida. Porém, posso compreender
que ela não está em uma boa situação para pensar em caras.
De qualquer forma, pensei que teria uma companhia para a
viagem e gostei da ideia de explorar Bordeaux com ela.
Aparentemente, não foi mútuo. Quando nos despedimos no corredor
ontem, ela até mesmo confirmou o horário que sairíamos, não achei
que ia me dar um bolo na cara dura. Agora sou eu que não posso
julgá-la, talvez também ficaria desconfiado se os papéis fossem
inversos, mesmo que eu não tenha dado a ela motivos para
desconfiar de mim.
— Me desculpe pelo atraso. — Escuto sua voz ofegante atrás
de mim e me viro rapidamente, encontrando-a com um jeans justo e
uma camisa branca folgada, com os primeiros botões abertos, além
de óculos escuros no topo da cabeça. — Descobri que o secador de
cabelo deles não é dos melhores enquanto o usava e demorei três
vezes mais para me arrumar.
— Tudo bem — digo, parando-a ao colocar as mãos em seus
ombros e Amelie respira fundo. — Bom dia — cumprimento,
soltando um riso abafado.
— Bom dia, espero que não tenha ficado me esperando por
muito tempo.
— Está tudo bem — repito. — Pronta para desbravar a
cidade? — indago, oferecendo meu braço para que ela encaixe o
dela ali.
— Me prometeu ser um ótimo guia ontem, espero que não
tenha feito promessas sob o efeito do álcool — zomba, se colocando
ao meu lado e arrumando a bolsa no ombro.
— Até mesmo as minhas promessas feitas sob o efeito do
álcool são válidas — afirmo, nos encaminhando para a saída do hotel
e dispensando o segurança quando ele nos pergunta se queremos
um táxi. — Descobri que os ingressos para o museu estão esgotados
para hoje, então pensei em andarmos até o centro.
— Coloquei os meus melhores calçados para isso — responde
com ânimo, me mostrando os pés com os tênis brancos. — É uma
pena que o museu tenha sido cancelado, pesquisei ontem à noite e
pareceu interessante.
— Comprei ingressos para sábado, acho que consegui os dois
últimos. É nosso último dia aqui, então podemos aproveitar um
passeio tranquilo pelo museu antes de fazermos as malas —
comento e ela me dá um aceno firme.
Ontem, depois de algumas taças e vários pratos, Amelie me
contou que sua viagem se estende pelos mesmos dias que eu
estarei aqui, e quando brinquei sobre ser destino novamente, ela riu.
Entretanto, enquanto ela voltará de trem em uma viagem de três
horas, seguirei de volta para Paris de carro, pegando outro caminho
e descobrindo novos lugares.
— O centro histórico de Bordeaux possui inúmeros prédios
antigos e muito bem conservados, além de várias praças que
podemos conhecer. Pensei em encerrarmos o dia com a mais bonita
de todas, na minha visão. A Place de La Bourse — começo enquanto
andamos pelas ruas da cidade.
— Onde fica o maior espelho d’água, isso?
— Essa mesma!
— Realmente estudou para esse tour? — pergunta, parecendo
impressionada.
— Odiaria mentir, então preciso falar que venho estudando a
cidade há alguns anos, mas reforcei o meu conhecimento essa
manhã — conto com um dar de ombros. — Sempre fui curioso sobre
vinhos, não diria um apreciador porque isso exigiria de mim um
refinamento no paladar que eu com certeza não tenho. Por causa
dos vinhedos, passei a procurar mais e essa cidade tem inúmeros
locais históricos, praças, a ponte, construções dos séculos 17 e 18
que ainda estão bem preservadas.
— A região é considerada como Patrimônio Mundial pela
Unesco — ela complementa e sorrio, afirmando com um aceno.
— Alguém também fez as suas pesquisas — comento,
abaixando o braço e segurando sua mão na minha quando
atravessamos uma das ruas. Amelie não parece se incomodar com o
ato, por isso não arrisco nada além, como entrelaçar nossos dedos.
— Gosto de cidades históricas, com construções antigas,
memórias espalhadas pelas ruas — diz. — Não era o primeiro
destino da nossa viagem, Paris é o mais comum e mais romântico,
mas sempre achei que poderíamos encontrar mais romantismo nas
ruelas e nas praças de Bordeaux do que em Paris.
— Paris é…
— Comum — completa por mim. — É comum demais. É um
destino padrão, não que isso faça a viagem ser melhor ou pior, mas
queria algo mais íntimo para a minha lua de mel. Enquanto isso,
meu noivo estava em busca de algo mais íntimo com uma das
minhas colegas de trabalho.
— Essa história fica ainda pior — murmuro.
— Espere até a parte que te conto que ela seria uma das
minhas madrinhas — responde e minha boca se abre em choque
antes que eu controle minha expressão. — Ela é uma das amigas de
infância dele. Fizeram faculdade juntos e nunca achei que deveria
ficar desconfiada, a amizade deles era tranquila. Até seis meses
atrás, ao que parece, quando se intensificou, e se intensificou
bastante — ironiza.
— Sinto muito — falo, mas Amelie tenta parecer indiferente,
ainda que eu veja que engole em seco o que devem ser sentimentos
acumulados a respeito do assunto.
— Ok, me conte mais curiosidades sobre o centro da cidade
— pede e vejo que há um pedido implícito ali para que eu mude de
assunto, e assim o faço.
— Sabia que a Praça do Parlamento era chamada de Praça da
Liberdade durante a Revolução Francesa? Mas o seu primeiro nome
foi Praça da Marcha Real, ainda que eu não saiba a história por trás
disso — começo, apontando para o prédio já aparente no horizonte.
— A fonte que fica no meio da praça foi construída como uma
medida para resolver alguns problemas locais de abastecimento.
Hoje é um belo ponto turístico para uma foto interessante.
— Estou realmente muito chocada que saiba todas essas
informações.
— Sou uma caixinha de surpresas, senhorita Taylor-Robinson
— replico em um tom exibido.
— Fico feliz em dizer que, até o momento, foram somente
surpresas boas — afirma, soltando-se de mim para caminhar de
costas, me fitando por alguns instantes. — Vem, vou querer a tal
foto interessante na fonte — fala, estendendo a mão outra vez antes
de me guiar apressada até o centro da Praça do Parlamento.
— E aqui estamos nós de novo — Amelie diz quando voltamos
a Place de la Bourse, onde fica localizado o espelho d’água que é o
cartão-postal da cidade e bastante próximo de onde começamos
nosso passeio, na Praça do Parlamento. — Alguma curiosidade sobre
esse ponto, senhor guia?
— Adoro como debocha, mas ficou impressionada com cada
ponto que passamos e lhe contei alguma curiosidade — rebato,
fazendo-a rir enquanto reviro os olhos.
— Deboche? Não, não, interpretou tudo errado. Estou
realmente chocada com a sua mente e a sua memória — fala,
virando-se de frente para mim com sua expressão fingida e me
fazendo rir com a atuação.
Nossa tarde foi inteira assim. Depois de darmos uma volta
pela praça e olharmos de perto os detalhes, andamos um pouco até
decidirmos almoçar em um restaurante típico da cidade. Então,
enfrentamos uma caminhada tranquila por outras ruas até
chegarmos ao Porte de Bourgogne, onde Amelie tirou algumas fotos
e abriu com um sorriso lindo ao atravessarmos a Ponte de Pedra, ou
Pont de Pierre, a pé. Foram quase quinhentos metros observando o
rio Garonne, mas ela parecia contente o suficiente para que a
caminhada nem parecesse tão ruim assim.
Amelie é a turista completa, que ama fotos, que adora saber
o máximo possível, que explora todos os cantinhos e ficou
encantada com algumas curiosidades que contei, o que me deixou
feliz por ter uma memória boa.
— Acabei decorando muita coisa durante a faculdade e virou
uma tática para aprender novas coisas. Eu decoro muitas
informações — comento.
— Por que decidiu ser comissário de bordo depois de finalizar
a faculdade? — questiona e sei que ela deve estar segurando essa
pergunta desde ontem, afinal, é a que a maioria das pessoas me faz
assim que descobre um pouco sobre mim.
— Pela possibilidade — respondo com honestidade. — Minha
família tem uma empresa, fundada pela minha avó e que a minha
mãe deu continuidade. Savannah, minha irmã mais velha, sempre
soube que queria a empresa e nunca me senti muito parte dela, é
algo das mulheres Spencer, não dos homens, ainda que não é como
se existisse plural nessa frase. Sou o único homem na família após
algumas gerações.
— É de uma família predominantemente feminina?
— Meu bisavô foi o último Spencer até a minha chegada —
conto, fazendo-a rir. — Meu avô morreu cedo, então logo a minha
avó adotou de volta o sobrenome de solteira e minha mãe também
fez isso. O casamento dos meus pais deu errado antes mesmo de
poder dar certo, ainda que nesse meio-tempo Savannah tenha
nascido e eu tenha sido descoberto no meio do processo de divórcio.
Meu pai nunca fez questão, então somos os Spencer, como minha
avó e minha mãe, não temos o sobrenome do nosso pai.
— Deve ser um almoço de família interessante — sussurra
com um tom jocoso.
— Não imagina o que é ser atormentado por tantas mulheres
de uma vez só. Por isso, tento encontrá-las de forma separada, mas
nem sempre dá certo — brinco, mas adoro ser importunado pelas
minhas garotas favoritas.
— Acho que meu irmão te entende bem. Louis e eu fomos
adotados pelas nossas mães. Sou dois anos mais velha do que o
meu irmão e éramos inseparáveis, então quando Jenny e Karen
conseguiram passar por todo o processo para me adotar, eu não
quis sair do orfanato sem ele. Ele vive em meio a três mulheres e
somos muito agitadas para o mau humor do caçula da casa — conta
e seu sorriso não deixa mentir o amor que sente pela família.
— Eu não… esperava por isso — falo, torcendo o nariz pelas
minhas palavras idiotas.
— É, eu sei. Acho que esse fato sempre choca um pouco as
pessoas, mas me acostumei e, bem, minhas mães são as minhas
mães. Elas não são perfeitas, porém eu as amo mais do que admito
isso em voz alta com frequência — Amelie suspira. — Mas, voltando
para o seu plano de comissário… — me incentiva a voltar ao assunto
inicial.
— Sav sempre soube que queria chefiar a empresa e isso me
deu a liberdade de fazer o que eu quisesse. Escolhi o curso em um
impulso, mas gostei bastante, apesar de perceber que nenhum
seguimento de carreira me interessava, trabalhei por algum tempo
na empresa com Savannah e então decidi arriscar as minhas
chances. Vi alguns vídeos, li algumas matérias e pensei: “por que
não?” — conto a ela, que me escuta com atenção. — E depois de
algum tempo estudando, decidi que isso era algo que queria mesmo
fazer da minha vida. Tenho me apaixonado pela rotina no ar há
alguns anos.
— Isso é fofo. Quer dizer, foi meio aleatório, mas o destino te
colocou no caminho certo.
— Dois dias comigo e já está entrando para o time que
acredita em destino — caçoo, tocando o indicador na ponta do seu
nariz para fazer graça com ela.
— Você é uma péssima influência, senhor Liam Spencer —
retruca, cruzando os braços e ficando emburrada de brincadeira. —
Agora chega de zombar comigo e vamos, porque quero várias fotos
com o pôr do sol.
— Até o final da viagem irei descobrir mais sobre essa sua
fixação por fotos? — indago, seguindo a passos largos até estarmos
bem próximos do espelho d’água e é realmente enorme. Não é à toa
que é o maior do mundo.
— Espero que não, ou descobrirá a minha fascinação por
álbuns de fotos — responde, me olhando por cima do ombro.
— Sério mesmo? — falo, chegando atrás dela.
— Ei, gosto de algumas coisas meio vintage — replica com
certa ofensa. — Acho uma ótima forma de guardar memórias de
uma maneira bem mais íntima do que colocá-las nas redes sociais.
— Precisarei concordar porque está certa.
— Achei que, depois de um dia inteiro comigo, já teria
entendido que estou sempre certa — rebate convencida, estufando o
peito.
— Exceto no que diz respeito a direções, ou devo te lembrar
que nos perdemos duas vezes por culpa da senhorita? — provoco,
mas ela me empurra com o ombro e cruza os braços outra vez,
ficando adorável quando faz um biquinho.
— Foram três vezes, só para confirmar a sua contagem, e não
tenho culpa que algumas ruas daqui sejam extremamente parecidas
— se defende.
— Três vezes em um dia, imagina o que sobrará para mim até
sábado — resmungo e Amelie revira de novo os olhos azuis.
— Não seja tão dramático, eu sou uma ótima parceira de
viagens — rebate, me entregando o próprio celular como tantas
outras vezes hoje.
— Novamente, não posso dizer que está errada — respondo,
me afastando para começar uma das minhas coisas favoritas sobre o
nosso dia, os momentos em que posso apreciá-la com tempo
enquanto escolho os melhores ângulos para as fotos.
O pôr do sol desponta de uma forma bonita pelo horizonte,
banhando o rio Garonne com alguns raios alaranjados enquanto o
nosso terceiro dia em Bordeaux chega ao fim. Visitamos a Catedral
de Santo André no começo da manhã e ficamos algumas horas
almoçando em um restaurante refinado no centro enquanto
conversávamos sobre outras curiosidades aleatórias.
Dois dias e meio na companhia de Liam e já entreguei boa
parte da minha vida em suas mãos, dos fatos vergonhosos aos que
mais escondo de estranhos. Na verdade, ele deixou de ser um
estranho há um tempo, ainda que ache errado defini-lo como um
amigo, dei mais intimidade a Liam do que há muitas pessoas que
conviveram comigo nos últimos anos. Seu jeitinho de quebrar
qualquer barreira de falta de confiança sendo um cara
extremamente confiável logo no nosso primeiro encontro me pegou
desprevenida.
E é errado defini-lo como amigo porque, ainda que tenhamos
colocado um limite rígido na nossa relação durante esses dias que
passamos na cidade francesa, seria mentira se eu dissesse que os
flertes tivessem acabado.
Depois do nosso almoço, fomos ao museu do vinho. Ele se
adiantou e conseguiu ingressos no dia que planejamos vir, ainda na
segunda, o que facilitou o nosso itinerário. Mesmo não querendo
seguir um cronograma rígido, ainda preferimos planejar alguns
passeios que necessitavam de ingressos e, por eu ter uma reserva
em um tour pelas vinícolas amanhã, e isso ser algo difícil de se
conseguir de última hora, mantivemos esse destino do meu roteiro
inicial, feito para a minha lua de mel perfeita com Canaan.
Muito melhor do que qualquer guia presente, Liam me falou
as coisas legais sobre o museu. Curiosidades sobre o formato que
remete a um decantador, as nuances suaves que dão a impressão do
movimento do vinho dentro da taça e depois acrescentando algumas
informações aqui e ali a respeito da exposição fixa, que faz um tour
pelos vinhedos ao redor do mundo.
Ainda que o reflexo do sol pelos vidros torne a experiência lá
dentro mais bonita, preferimos sair para tomar um café antes de
apreciarmos os raios sendo engolidos pelo rio do lado de fora, junto
a alguns outros turistas e locais, impressionados pela beleza que
Bordeaux tem.
— Sem fotos? — Liam pergunta ao meu lado, apoiado no
parapeito e me lembrando da sua presença.
— Acho que já tirei o suficiente por hoje — respondo com um
sorriso singelo, agradecendo a atenção dele por perguntar.
— Está tudo bem? Ficou estranha depois que saímos do
museu. Se quiser, podemos pegar um táxi e voltar para o hotel —
indaga com o seu jeito solícito e gentil.
Depois da nossa primeira noite, me permiti compartilhar uma
ou outra coisa sobre o meu relacionamento passado e sobre os
últimos anos da minha vida. Não irei negar que percebi a
preocupação crescente, como se temesse que eu estivesse em um
momento emocionalmente frágil e Liam não está enganado, porque
eu realmente estou. E, ainda que odeie essa posição de mostrar
vulnerabilidade, foi bom me lembrar como é gostoso ser cuidada por
alguém.
Ainda que seja pelas palavras, pelos elogios sutis, pelas
portas abertas, por sempre escolher o lado da calçada mais próximo
da rua, por tirar fotos minhas sem que eu precise mais pedir,
somente porque percebeu que adoro tirá-las. Sua gentileza e seu
cuidado vêm de uma forma suave e quase imperceptível. Sorte a
dele que passei um bom tempo com negligência de tais coisas e
meu faro para isso ficou aguçado na ausência.
— Sim, está tudo bem — digo, tocando seu braço para
suavizar o vinco que se formou em sua testa. — Só estou pensando
em como essa viagem foi incrível, apesar de ter tudo para ser
péssima.
— Não poderia ser infeliz e triste em uma cidade linda como
essa e com tantos vinhos incríveis para beber — replica,
descontraído, me arrancando um riso baixo. — Fico contente que
esteja aproveitando até aqui.
— Obrigada — falo e quando vejo que ele entreabre os lábios
para rebater qualquer agradecimento, prossigo. — Foi e está sendo
uma parte bem fundamental para que essa viagem não virasse um
poço de lamúrias, me deixe ficar grata pela sua companhia. Sei que
está se esforçando nisso também, mesmo sem nem me conhecer
direito ou sem ganhar nada em retribuição.
— Achei que eu soubesse o bastante para que não dissesse
que não lhe conheço direito — brinca, fazendo um biquinho. — E
outra, estou ganhando a sua adorável companhia como retribuição.
Estava sozinho nessa viagem que sonhei por algum tempo e é bem
melhor aproveitá-la ao lado de alguém. Você está sendo uma ótima
parceira de viagem, mesmo que de surpresa.
— E você está sendo o melhor guia de viagens que já tive,
mesmo que eu não tenha tido muitos — comento. — Na verdade, é
o meu primeiro — zombo em um cochicho e ele revira os olhos.
— Não fale assim, ou irei me sentir especial, Amelie.
— Você meio que é um cara muito especial, Liam. Não seria
qualquer um que toparia me ouvir reclamar depois de beber a quinta
taça de vinho ou que continuaria dançando comigo mesmo depois
de eu pisar em seu pé três vezes — lembro e ele levanta os ombros.
— É sempre um prazer poder dançar com você, senhorita
Taylor-Robinson. É uma dançarina exímia, apesar dos dois pés
esquerdos.
— Prometo que melhorei as minhas habilidades — me
defendo, aceitando a mão que ele me oferece para voltarmos ao
hotel depois que o céu noturno ganha vida no horizonte.
— Estou ansioso para testar essa teoria essa noite — fala,
piscando para mim do seu jeito divertido e então paro no lugar,
fazendo-o estranhar o movimento súbito e se vira na minha direção
enquanto tomo uma atitude impulsiva, envolvendo-o em um abraço.
Liam demora um pouco, mas logo suas mãos estão ao meu redor
também, rodeando a minha cintura com os braços fortes e me
deixando inspirar seu perfume gostoso.
— Obrigada, de verdade — sussurro contra o seu pescoço e
sinto seus ombros relaxarem.
— É só uma dança, ruivinha — ele fala com a voz abafada em
meus cabelos.
— Não é só uma dança, sabe disso — respondo, apertando-o
ainda mais forte.
— Sim, eu sei — suspira, acariciando minhas costas cobertas
pelo tecido leve do vestido que escolhi para hoje. — Mas posso
dançar com você mais algumas noites, sempre que quiser —
complementa, se inclinando para fitar meus olhos molhados depois
de suas palavras tão gentis. — De verdade, nossa dança não precisa
acabar em um voo de volta para Toronto.
Dou um aceno, concentrada demais em não chorar no meio
da calçada à beira do rio Garonne. Liam sobe suas mãos pelas
minhas costas até segurar o meu rosto, oferecendo um sorriso
paciente e os olhos azuis bonitos para que eu possa focar meus
pensamentos.
— Eu gosto bastante de dançar com você — confesso,
gostando de manter tudo na nossa pequena analogia.
— Fico feliz em saber disso, porque eu tenho adorado dançar
com você, Amelie — replica.
Respiro fundo enquanto ele me permite me recompor, ainda
envolta em seu toque, com as mãos em sua cintura enquanto ele
volta a me abraçar, mantendo uma distância agora. Sorrio de leve,
pensando em como é maluco pensar que o conheço há poucos dias,
mas parecemos amigos de longa data, mais do que isso, quase
como confidentes silenciosos. Ele sabe bastante de mim, porque é
bom poder desabafar toda a história para um novo ponto de vista,
enquanto isso, ele me permitiu conhecer um pouco da sua vida
tranquila, mesmo que pouco sobre o seu passado.
— Já escolheu o restaurante para essa noite, senhor guia
turístico? — questiono, colocando mais distância entre nós dois até
que somente nossas mãos se encaixem em um aperto tranquilo e
voltemos a andar em direção ao hotel.
— Sim, e espero que tenha um vestido bonito para essa
noite, mas não o mais bonito de todos — pontua, levantando o
indicador da mão livre.
— Esse estou guardando para a nossa noite de ópera, não se
preocupe — respondo no mesmo tom de brincadeira que ele.

Coloco o segundo brinco rapidamente quando escuto as


batidas na porta e apresso meus passos até a mesma, abrindo-a
para Liam.
— Ainda não estou pronta! — digo com uma pitada de
desespero, correndo de volta para a mesa de centro onde deixei
minha caixa de acessórios e pego os anéis para colocá-los.
— Tudo bem, acho que ainda temos tempo o suficiente — ele
responde, paciente como sempre, mas sei que o espetáculo começa
em menos de meia hora, ou ao menos, é isso que consta nos nossos
ingressos para o teatro para vermos a ópera. — Quando disse para
separar o seu melhor vestido, não quis falar para matar qualquer
francês do coração.
— Não seja exagerado — rebato, agradecendo por estar de
costas para ele e não mostrar as minhas bochechas ruborizadas
mesmo com a maquiagem.
O vestido é bonito, mas Liam gosta de tecer elogios que me
deixam sem saber o que responder e tenho certeza que nem estou
tão bonita assim. É simples, em um tom de verde mais claro, sóbrio,
com um decote reto e alças finas. O recorte é aberto, feito para ser
ajustado por conta própria e amarrado na cintura pela tira fina já
acoplada ao tecido, deixando a parte da frente mais curta do que a
de trás, que bate quase no meu tornozelo. A fenda ganha leveza
pela fluidez do tecido e quando me movimento, expõe minha perna
até um pouco acima do joelho.
É uma peça bonita, mas simples também. Não quis parecer
exagerada, ao mesmo tempo que sabia que precisava estar
minimamente elegante, afinal, estamos indo ao teatro assistir à
ópera em cartaz.
Dou uma última conferida no espelho, ajeitando meus cabelos
escovados para não parecerem tão selvagens, como Canaan sempre
afirmava, e espalho o gloss mais um pouco, diminuindo o seu brilho,
com medo de parecer vulgar demais. E é nesse momento que a
realidade sobre o meu relacionamento anterior bate com força na
minha porta. Cada saída era um momento de tensão e nunca
percebi isso, cada escolha de vestido, cada maquiagem feita, a
forma como eu arrumava meu cabelo.
Cada defeito colocado minou minha autoestima a ponto de eu
me sentir bonita, mas ter dificuldade de achar que Liam pode
também achar isso. A ponto de eu estar esperando o momento que
ele achará defeito em alguma coisa.
— Está tudo bem? Não quis te deixar… constrangida — sua
voz é suave, se aproximando de mim e provavelmente captando
meus olhos inchados pelas lágrimas acumuladas ali através do meu
reflexo. — Me desculpa, é só que…
— Não, por favor, não peça desculpas — murmuro, respirando
fundo e olhando-o pelo espelho. Passo as mãos pelo vestido,
sentindo o tecido macio contra a minha palma. — Quando eu
comprei esse vestido, Canaan disse que eu passaria a impressão
errada com ele e que não deveria usá-lo. É a primeira vez que estou
usando-o, e comprei esse vestido há quatro meses.
— Que impressão errada que você passaria, Amelie? Que é
uma das mulheres mais lindas que existe? Ou que essa cor parece
perfeita para você, contrastando com o seu cabelo e dando ainda
mais destaque para os seus olhos bonitos? — indaga em sussurros,
continuando com seus passos lentos até estar atrás de mim, com
seu peito quase encostando em minhas costas, e preciso levantar o
queixo, fitando seus olhos.
— Porque eu pareceria oferecida demais. Passaria a
impressão de que sou vulgar — respondo mesmo assim, precisando
externalizar o show de horrores que era o meu relacionamento e
compreender que isso não era o certo.
Ser chamada de uma das mulheres mais lindas que existe
deveria ser o certo.
— Espero te ver em muitos outros vestidos vulgares daqui
para frente, sendo assim — diz, me dando o sorriso bonito de
sempre, aquele de canto de quem parece compreender tudo e
quando consigo retribuir o gesto, uma lágrima singela escorre, me
deixando envergonhada pela quantidade de vezes que Liam me viu
chorar nos últimos dias. — Não queria que chorasse.
— Só pensei em como é irônico pensar que eu poderia ser
vulgar usando um mísero vestido enquanto ele nunca pensou que
seria muito vulgar estar noivo de uma pessoa e manter uma amante
por meses — falo, deixando a raiva fervilhar um pouquinho dentro
de mim. — Como eu iria me casar com uma pessoa assim? —
questiono para a Amelie do espelho, pensando em como pude ser
tão cega e estúpida, como pude ser tão cega a ponto de não
enxergar nada disso e estúpida a ponto de protegê-lo todas as vezes
que Marjorie tentou me alertar.
— Fico feliz que não tenha se casado.
— Eu também — sussurro, respirando fundo e voltando a
encará-lo pelo espelho antes que Liam toque a minha cintura,
parecendo pronto para dizer mais alguma coisa. — É melhor eu
calçar os saltos ou iremos nos atrasar — afirmo, fungando e
limpando a lágrima antes de me sentar na beirada da cama e
puxando as sandálias de salto.
— Deixe que eu faço isso — diz e antes que eu possa dizer
que ele não precisa fazer isso, Liam já está ajoelhado, abrindo a tira
do salto e segurando o meu tornozelo.
— Fez alguma escola de príncipes encantados? — questiono,
brincando com ele enquanto permito que continue encaixando meu
pé no sapato e puxando as tiras com eficiência para amarrá-las.
— Já te falei, fui criado unicamente por mulheres, acho que
foi uma boa escola de cavalheirismo — responde, me olhando por
alguns segundos e enviando sinais nervosos ao meu coração
palpitante.
Minha respiração fica afetada, mas a dele também e não acho
que Liam esteja com dificuldade de respirar só porque está
agachado na minha frente. Seu olhar prende o meu e seu sorriso se
desfaz pouco a pouco enquanto fita cada pedacinho do meu rosto,
me deixando tomar o meu tempo para fazer o mesmo com ele.
Engulo em seco, seus dedos ainda ao redor do meu tornozelo,
aquecendo minha pele com seu toque. Liam é um cara lindo que
mexe comigo, seria idiota negar isso. Mas o ar à nossa volta nunca
esteve tão tenso como agora.
Um de nós precisa dizer alguma coisa antes que ambos
acabemos cedendo a algo que não sei como terminaria.
E escolho ser essa pessoa.
— Deveríamos nos apressar, senão perderemos a introdução
— sussurro como se tivesse dificuldade de fazer tudo ao mesmo
tempo. Sustentar o seu olhar pesado, enviar ar o suficiente para os
meus pulmões e proferir as palavras.
Ele dá um aceno curto, ainda se demorando um pouco ao
engolir em seco e umedecer os lábios, só então voltando a pegar o
outro pé dos meus saltos para encaixá-lo.
— Sim, sim. Deveríamos nos apressar — repete como se, por
alguns segundos, assim como eu, tivesse ficado preso demais no
momento para se lembrar de todo o resto.
O problema é que Liam não deveria ficar preso demais a mim
a ponto de não se lembrar de mais nada, acabei de mostrar a ele
todos os buraquinhos que preenchem meu coração. Enquanto isso,
eu deveria estar tentando me manter afastada disso tudo, não ser
pega de surpresa devido a um coração acelerado por causa de um
simples toque no tornozelo ou uma troca de olhares.
— Sabe, existem algumas vantagens em ser seu guia turístico
favorito — brinco com Amelie, segurando sua mão na minha
enquanto a ajudo a sair do carro e indico ao motorista que pode ir
com um aceno depois de fechar a porta.
— Sempre soube que tudo não passava de interesse puro
pelas minhas reservas nesse tour — ela responde, tirando os olhos
da entrada da vinícola para colocá-los em mim, semicerrando-os
como se estivesse desconfiada.
— O que posso fazer? Só recebi minha escala há pouco
tempo e eles já não tinham mais vagas. Inclusive, o que há com os
casais e Bordeaux nessa época do ano? — indago, só depois
percebendo a burrada das minhas palavras, mas Amelie somente
encaixa seu braço no meu e nos guia para a entrada.
— É a temporada de casamento. Alguns lugares apontam
maio como o mês das noivas, não pode nos culpar — brinca, tirando
onda da situação.
Depois do nosso momento ontem em sua suíte, nossa noite
foi estranha a princípio e fiquei feliz que fomos obrigados a ficar em
silêncio por causa do espetáculo. Na hora de irmos embora, tudo
parecia dissipado no ar e não soube se ficava contente ou não por
isso. Entretanto, outra coisa que aconteceu ontem foi o fato de eu
descobrir uma parte sobre o seu antigo relacionamento que ainda
desconhecia e só me fez ficar com ainda mais raiva do ex-noivo
escroto pra caralho.
Por isso, percebi que talvez não fosse de bom tom citar o
infeliz hoje, ainda mais sabendo que esse era para ser um passeio
super romântico que ela faria com ele. Comecei errando, como
podemos perceber.
— Acha que eles dão muitas taças de graça? — Amelie
pergunta, esticando o pescoço para enxergar a nossa guia assim que
nos juntamos ao grupo do tour, composto principalmente por casais.
— O suficiente para ficarmos bêbadas, aparentemente — é
uma mulher ao nosso lado que responde com um risinho, chamando
a atenção da ruiva. — Ao menos, é isso que indicam alguns relatos
de pessoas que já vieram.
— Interessante — murmuro, fazendo Amelie rir pelo tom
malicioso que ela consegue reconhecer em minha voz.
Vinho de graça a ponto de ficar embriagado em meio às
melhores vinícolas do mundo é algo bem mais do que só
interessante.
— Ela falou que ainda está valendo a promoção dos casais. —
Um homem robusto chega ao lado da mulher, abraçando sua cintura
e ela parece contente com a notícia.
— Promoção dos casais? — minha companheira questiona,
sempre curiosa.
— Não sabem? Os casais possuem descontos nos
restaurantes no meio do tour, no vilarejo entre os Château. Tom e eu
queremos ir à casa de queijos e massas. Eles oferecem até trinta por
cento, além dos descontos de consumação nas adegas — a outra
responde com animação.
— Isso, sim, é interessante — Amelie fala, puxando-me ainda
mais para perto ao apertar meu braço no seu. — Meu marido e eu
iremos aproveitar bastante dessa promoção — comenta com um riso
gracioso. — Não é mesmo, meu amor? — diz, voltando a me fitar e
percebo o que ela está fazendo, precisando de muito controle para
não rir.
— Exatamente, meu bem. Não era esse restaurante de queijo
e massas que estava falando ontem à noite? — entro na onda.
— Esse mesmo! — responde como uma esposa feliz por eu
ter prestado atenção.
A conversa se finda por aí e o casal volta a interagir entre si
enquanto me coloco na frente de Amelie, soltando meu braço do seu
e plantando minhas mãos em sua cintura. Uma brisa fresca passa
por nós, me inebriando pelo perfume floral dela e fazendo seus
cabelos flutuarem ao nosso redor, presos em um rabo de cavalo
desleixado com um lenço. Não preciso dizer nada, porque minha
expressão confusa fala por mim e ela só dá de ombros.
— Uma mentirinha por um desconto não vai matar ninguém,
maridinho — zomba, dando dois tapinhas no meu peito, um de cada
lado. Se ela soubesse como é fácil cair em sua teia, seja pela
mentira que for, quando sorri assim para mim, talvez sorriria mais
vezes.
Com o passar dos dias, ela ficou mais leve, mais descontraída
e relaxada, deixando o peso de Toronto para trás enquanto
aproveitávamos as ruas bonitas e históricas de Bordeaux. Amelie
merece uma vida cheia de sorrisos tranquilos, de risadas baixas e
sem pretensão, merece elogios sem hora marcada, fico feliz por
estar podendo oferecer isso a ela nessa viagem. Mesmo que só
como um amigo, um amigo que daria muito para poder beijar sua
boca perfeita e sentir o formato do seu corpo se moldando junto ao
meu. Entretanto, também um amigo que entende o seu lugar e tudo
o que ela passou.
Muito mais do que ela imagina.
— Nove horas em ponto, é hora de começarmos o nosso tour
— a guia diz em um inglês com sotaque forte, batendo as palmas
juntas para chamar nossa atenção.
Me coloco outra vez ao lado de Amelie, envolvendo sua
cintura enquanto caminhamos para perto, ouvindo as boas-vindas e
apresentações da mulher de meia-idade.

Por algum motivo que prefiro não falar sobre no momento,


minha mão seguiu encontrando o caminho para a base da coluna de
Amelie, e ela continuou encostando as costas em meu peito. Mesmo
depois de sairmos do táxi na frente do hotel, mesmo que estejamos
sozinhos no elevador, subindo até o último andar. Além disso, ela
achou um jeitinho de descansar a cabeça ali, fechando os olhos e
parecendo cansada.
Sei que os tênis que está usando a deixaram com bolhas no
meio da tarde, porque nossa caminhada ficou mais lenta e ela não
sentiu a necessidade de mentir quando perguntei com gentileza,
fitando-a com preocupação. Houve um segundo de hesitação, como
se o seu modus operandi fosse mentir sobre aquilo, mas logo ela me
disse sobre as dores nos pés e passamos a andar mais devagar.
O elevador solta um apito baixo, avisando nossa chegada ao
andar certo e antes das portas se abrirem, me abaixo, colocando
meus braços atrás de suas costas e seus joelhos, pegando-a em
meu colo e recebendo um gritinho surpresa, mas logo seus braços
estão ao redor do meu pescoço e ela me dá um sorriso presunçoso.
— Não precisava fazer isso — murmura, ainda que se
aconchegue em meu colo. — Estava prestes a perder toda a
compostura e arrancar esses tênis no elevador e ir de meias pelo
corredor.
— Nunca deixaria a minha esposa perder a compostura —
respondo e ela ri em meus braços, jogando a cabeça para trás.
— Preciso confessar que foi divertido ser a senhora Spencer
por um dia.
— Fico feliz que tenha gostado — digo, piscando para ela só
pela graça do flerte e pela revirada de olhos envergonhada dela,
tentando disfarçar o rubor que passa longe de ser pelo vinho em
excesso que tomamos essa tarde.
Assim que paro na frente das nossas portas, acomodo Amelie
de volta ao chão e suas mãos escorregam, apoiando-se em meu
peito, me deixando tomar a liberdade de continuar segurando sua
cintura. Nenhum de nós faz menção em se despedir, ou de se
afastar, muito menos fazemos qualquer menção de que queremos
encerrar a noite tão logo.
— Foi divertido e valeu a pena. O desconto era mesmo de
trinta por cento — comenta, levantando os ombros como se
conseguisse me enganar, mas sei que ela ficou mal a princípio por
enganar todas aquelas pessoas.
— Admito que achei divertido por causa de algo além do que
os descontos — afirmo, observando sua garganta se mover quando
ela engole em seco, puxando o ar em seguida e estufando o peito.
Sei que não estou sendo justo, mas deixei claro desde o
primeiro dia que não seria tão justo, apesar de entendê-la e
respeitá-la, quando Amelie passou a rir dos flertes e não se importar
com as brincadeiras, compreendi que ela também apreciava esses
momentos leves, nisso que tentamos denominar como amizade
desde o primeiro dia. Entretanto, os olhares dizem o suficiente para
que nenhum de nós dois nunca acreditemos nessa amizade de
verdade.
Como agora, enquanto ela prende a respiração, sentindo meu
coração agitado na ponta dos seus dedos, com meus olhos fixos nos
seus e minhas mãos acariciando sua cintura sem que o toque fosse
intencional. Nenhum de nós é maluco para negar o que acontece, ou
o que aconteceu ontem, ou em todos os outros dias, só tentamos
não falar sobre o assunto porque houve um combinado no nosso
primeiro jantar.
— Liam… — ela sussurra, quebrando o fio de tensão entre
nós e desviando o olhar, fitando outro ponto do meu rosto entre os
olhos e a boca.
— Desculpa, passei dos limites… — replico, porque não quero
que o nosso último dia, amanhã, seja marcado por constrangimento.
Estou pronto para soltá-la, deixar que ela vá para o próprio
quarto e pronto para lidar com a minha frustração sozinho no meu.
Porém, suas mãos parecem hesitantes enquanto ela as sobe,
tocando meu pescoço e arrepiando meu corpo inteiro enquanto tem
minha atenção de volta para si.
— Eu também adorei essa parte — admite com a voz baixa,
outra das nossas metáforas, porque ela me encara sabendo que
compreendo que diz bem mais do que isso, bem mais do que só
adorar poder ser a senhora Spencer, com as vantagens dos toques
singelos, de se apoiar em mim e deitar a cabeça em meu peito entre
uma parada e outra.
— Não deveria dizer isso — sussurro, umedecendo os lábios
com a ponta da língua.
— O feitiço virou contra o feiticeiro? — brinca, apesar de
ainda parecer nervosa quando diz isso. — Por que não?
— Porque não deveríamos brincar com fogo. Não era isso que
o nosso acordo dizia? — indago, mesmo que as minhas ações sejam
contraditórias, uma vez que meu aperto se fecha em sua cintura
enquanto me inclino cada vez mais para baixo.
— Talvez devêssemos brincar com fogo — ela replica,
fechando os olhos por alguns instantes quando as nossas
respirações passam a se misturar.
— É isso o que você quer? — pergunto, arrastando meu nariz
pelo seu, com a boca quase tremendo, tamanho o desejo de
encontrar com os lábios dela.
Sua resposta vem com um singelo acenar de cabeça e luto
entre a minha ânsia e o anjinho em meu ombro falando que eu
deveria me afastar, que isso não irá acabar bem. Mas somos ambos
adultos aqui, certo? Os dois pingando desejo e certos de que
queremos isso há dias. Minha mente pensa demais e como se
percebesse esse fato, com impaciência, Amelie fica na ponta dos pés
com hesitação e une seus lábios aos meus.
Seu beijo não é ansioso e descompensado a princípio, com
urgência e sem jeito. É nervoso, tímido, como se ela estivesse
testando o próprio limite em minha boca e deixo que faça isso, deixo
que saboreie de mim tudo o que me permite saborear dela. Os
lábios macios, a boca moldada, o sabor de vinho no fundo, os dedos
se emaranhando em meu cabelo enquanto a trago para perto até
que seu corpo se grude ao meu.
Então, depois dos seus segundos calmos, ela explode no
desejo que emerge, o desejo escondido desde o primeiro encontro,
ainda no saguão do aeroporto. Ela se agarra a mim com mais força,
gemendo contra a minha boca quando eu abro seus lábios, tocando
sua língua com a minha e buscando seu sabor, tomando o controle
da situação quando Amelie se coloca à minha mercê, amolecendo
em meus braços.
— Liam… — ela geme meu nome quando se afasta,
procurando ar, e quero descobrir ainda mais nuances desse som,
quero descobrir os outros tons de vermelho que sua pele pode
adquirir, para além das maçãs do rosto coradas, ofegantes ainda,
para além da boca inchada, avermelhada ao redor pela aspereza da
minha barba.
— Quer que eu pare? — sussurro, fitando a intensidade no
azul esverdeado que preenche as suas íris agora.
— Não, eu preciso que continue — implora antes de buscar
minha boca outra vez.
Não nego o pedido dela, passando minhas mãos pelo seu
corpo até forçá-la para cima, espalmando-as em suas coxas e Amelie
abraça meu pescoço quando sobe em meu colo, me envolvendo com
suas pernas. Sustento seu peso com um dos braços, não
conseguindo e muito menos querendo me desvencilhar do seu beijo
enquanto tateio o bolso da calça em busca do cartão de acesso à
minha suíte.
Escuto o clique da trava quando magnetizo a fechadura às
cegas e abaixo a maçaneta com um movimento brusco. Uma vez do
lado de dentro, empurro Amelie contra a porta, fechando-a
novamente e ela solta um gemido pelo impacto, começando a puxar
minha camisa para cima, ansiosa por mais.
Solto-a no chão para tirar a peça, ignorando os botões e
puxando-a pela gola. Vejo-a chutar os tênis para longe enquanto
faço isso e quando retorno meu olhar para a bagunça ruiva na
minha frente, vejo suas mãos tatearem a barra da própria regata.
— Isso é meu — murmuro, juntando seus pulsos na palma da
minha mão e assisto seus olhos brilharem com luxúria quando
levanto-os, segurando seus pulsos contra a porta. — Você é minha
agora — complemento, segurando seu rosto com a outra mão,
puxando seu queixo para beijá-la novamente.
Amelie se comporta com meu toque, somente arqueando o
corpo contra o meu em busca de contato, por isso, solto-a, sabendo
que entendeu o recado e sua roupa só sai quando eu quiser. Seus
braços descem lentamente, como se sua mente não conseguisse
captar os dois movimentos ao mesmo tempo e ela estivesse perdida
demais na minha boca para fazer outra coisa.
Me afasto, fechando meus dedos em sua garganta e
passando o polegar pelos lábios inchados. Estou há cinco dias
convivendo com ela e ainda não consegui me acostumar com sua
beleza. É arrebatadora, do tipo que pararia o trânsito ou qualquer
merda nesse sentido. Sua beleza faz com que seja difícil não olhar
para ela, os olhos escondendo uma selvageria que sempre lhe foi
reprimida, os cabelos que ficam ainda mais bonitos quando não
estão comportados demais. A boca, que é tentadora até quando ela
está gargalhando.
— Você é linda pra caralho, Amelie — sussurro, percebendo a
mudança em sua expressão com o meu escrutínio, como ela parece
tentada a começar a se envergonhar na minha frente, mas não a
quero envergonhada.
Quero a Amelie que irá me implorar para fodê-la.
Puxo-a até possuir sua boca outra vez, até arrancar o fôlego
dela e mantenho o aperto suave em seu pescoço enquanto subo a
barra da regata canelada que usa. Seus mamilos despontam por
baixo do tecido, uma vez que ela dispensou o uso de sutiã, e estou
sedento por dar a ela o toque que tanto quer, estou sedento para
explorar cada canto do seu corpo com as minhas mãos e minha
boca.
Desejei essa mulher desde o primeiro momento que nos
cruzamos porque, desde o primeiro instante, ela me intrigou, fez
com que meus pensamentos voltassem a ela até o destino colocá-la
repetidas vezes no meu caminho.
Ela suga a respiração quando meus dedos passeiam por seu
abdômen, subindo o tecido até meu polegar raspar em seu mamilo
enrijecido e ela se afastar, buscando ar enquanto arfa com um
gemido preso na garganta. Seus olhos se concentram nos meus
quando circulo a pele rija vagarosamente, testando seu gosto pelo
toque e ela pressiona os lábios juntos, soltando o ar com dificuldade
até que eu pare.
Seguro sua cintura com ambas as mãos, arrastando a regata
para cima pouco a pouco e Amelie levanta os braços como a garota
comportada que é, gemendo baixinho quando passo os dedos pelos
seus seios e finalmente me livro da peça. Sua pele é salpicada por
pequenas sardas no colo e me peguei desejando descobrir sobre
isso há alguns dias enquanto a observava, aproveitando as
oportunidades que me eram dadas a cada sequência de fotos que
ela me pedia para tirar.
Os seios são pequenos, parecendo perfeitos para minha boca,
e me inclino, começando a beijar seus ombros, os ossos
protuberantes da clavícula, descendo pela pele macia até finalmente
poder fechar meus lábios ao redor do mamilo rosado. Suas mãos
encontram meus fios e seus dedos se fecham, puxando meu cabelo
de leve enquanto arqueia o corpo em minha direção.
Sugo-a em minha boca, passando a língua pelo bico e
ouvindo Amelie arfar a cada novo movimento. Uso minha mão para
beliscar e provocar o outro, fazendo com que ela pareça cada vez
mais descontrolada pelo prazer em meus braços. Me afasto, olhando
para a pele completamente avermelhada por causa dos meus lábios
e pela barba antes de encarar como um desafio deixar o outro seio
ainda mais avermelhado, brilhando pela minha saliva e com o
mamilo ainda mais duro e protuberante.
Continuo chupando-a e busco pelo botão e zíper da sua calça,
me desfazendo dos dois com rapidez antes de voltar a tocá-la,
aproveitando a pele úmida, espalhando minha saliva com
movimentos circulares antes de torcer o mamilo rígido entre os
dedos.
— Liam… — ela geme meu nome de forma sôfrega e penso
se conseguiria fazê-la gozar somente chupando seus peitos. Pela
maneira como Amelie pressiona os olhos e parece a visão pura do
prazer, arqueando-se contra mim e juntando as pernas com tanta
força, acho que conseguiria.
Giro minha língua pelo seu mamilo outra vez, mordiscando-o
e um som esganiçado sai pela sua garganta, quase que sem
controle, antes do seu aperto em meu cabelo afrouxar e ela abre os
olhos atônita, parecendo surpresa e percebo que talvez eu tenha
acabado de fazer isso, tenha acabado de cumprir o meu desafio
interno. Sorrio contra a sua pele, chupando-a uma última vez em
cada seio antes de me erguer e pairar minha boca sobre a sua.
— Já gozou para mim, Amelie? — sussurro, esfregando meu
nariz no seu e beijando seu queixo, descendo até mordiscar seu
pescoço e marcando a pele pálida.
Seus lábios tremulam enquanto busca a resposta e percebo
que ela realmente parece confusa com o próprio prazer. Controlo
minha vontade de franzir a testa quando volto a fitá-la, afastando os
cabelos avermelhados com uma das mãos e abraçando sua cintura
desnuda com a outra.
— Eu nunca… — começa, engolindo em seco e seguro seu
queixo, não deixando que ela desvie o olhar de mim.
— Nunca gozou assim? — indago, mantendo para mim o
sorriso contente que quer invadir meu rosto. Mas isso logo dá
espaço para uma expressão chocada quando recebo como resposta
o silêncio dela. — Espera, você já… gozou, certo?
Ela é bonita, divertida, gostosa e, porra, tinha a droga de um
noivo. Não é possível que ninguém tenha fodido essa garota do jeito
certo e a feito gritar de prazer enquanto gozava.
— Não com outra pessoa — responde baixinho,
envergonhada, e então fecha os olhos, não querendo me encarar
depois da confissão.
Deixo um beijo suave em seus lábios, pressionando meu
corpo contra o dela e sentindo sua pele quente contra a minha. Suas
mãos repousam em meus ombros e ela os aperta quando me afasto,
me puxando de volta para si e tomando minha boca por mais alguns
instantes.
— Eu deveria mesmo parar de te contar todas as coisas
vergonhosas sobre a minha vida — murmura contra meus lábios.
— Aprecio a honestidade, mon ange — respondo, acariciando
sua bochecha. — Irei te mostrar essa noite como é fazer isso com
outra pessoa, várias vezes — prometo, beijando a ponta do seu
nariz. — E sem precisar fingir ou mentir — continuo, distribuindo
beijos pelas suas bochechas e queixo. — Está bem? — indago por
fim, voltando a encarar seus olhos azuis.
Ela me dá um aceno, concordando e aperto sua cintura,
beijando seu pescoço e observando sua pele se arrepiar enquanto
continuo o caminho, chupando seus seios outra vez e me ajoelhando
enquanto molho sua barriga com meus lábios. Amelie me fita com
nervosismo e ansiedade, curiosa pelo que vem a seguir e chego ao
cós da sua calça jeans, já aberta.
Puxo o tecido vagarosamente para baixo, também tirando
suas meias antes de acariciar o quadril ossudo, coberto pela calcinha
de algodão preta, contrastando contra sua pele. Beijo suas coxas e
ela afasta as pernas um pouco mais quando meus dedos brincam
com a borda da calcinha, dando a ela a oportunidade de me parar
caso deseje. Entretanto, ela somente deixa as mãos em meus
cabelos de novo, com a respiração ofegante quando começo a
descer a peça devagar.
Observo a descida do tecido e ela o chuta para longe, ficando
completamente nua na minha frente. Sua timidez é notada, as luzes
do quarto me permitem ver cada pedacinho da sua pele perfeita,
dos contornos do seu corpo, das sardas cobrindo-a, os mamilos
ainda enrijecidos e sua boceta à minha mercê. Puxo o lábio inferior,
suprimindo um grunhido ao sentir o cheiro da sua excitação, do
orgasmo recente, sabendo que ela ainda deve estar pulsando,
precisando de mais, necessitada de mais.
Amelie parece até mesmo impaciente por mais, mesmo
continuando parada, esperando por mim.
— O que quer de mim? — indago, resolvendo deixar as coisas
mais interessantes e aproveitando para arrumar minha ereção, que
está estufando o tecido da minha calça. Ela abre a boca, me
observando atenta, mas não responde. — Pode me falar, meu bem.
Pode me pedir o que quiser.
— Quero que… quero que abra a sua calça — diz em um tom
baixo.
— Quer me ver enquanto eu te fodo com a minha boca? —
pergunto de forma retórica, já abrindo o jeans e empurrando o
tecido para baixo.
— Quero que se toque enquanto me fode com a boca —
responde, engolindo em seco e percebo que essa garota tem muitas
outras fantasias guardadas dentro de si.
Abaixo a boxer, libertando meu pau ereto e fecho o punho ao
redor, movimentando a minha mão para cima e para baixo duas
vezes, olhando para Amelie focada nos movimentos antes que eu
afaste o toque, voltando a ela.
— Irá me deixar gozar na sua boca se eu fizer isso? —
indago, afastando mais as suas pernas e inspirando fundo o seu
cheiro, segurando seu joelho para apoiar sua perna em meu ombro.
— Irei engolir cada gota sua, Liam — replica, passando a
ponta da língua pelos lábios, como se quisesse me mostrar como irá
apreciar engolir toda a minha porra.
— Esse desejo é bastante recíproco — murmuro contra sua
boceta, fazendo-a se contorcer em cima de mim até tocar minha
boca nela, abrindo seus lábios com minha língua e sentindo-a muito
molhada contra mim. Solto um grunhido à medida que Amelie geme,
encostando a cabeça na porta.
Suas mãos puxam meu cabelo quando repito o gesto antes
de sugar seu clitóris, puxando-o suavemente entre meus lábios.
Acredito que ela tente chamar meu nome entre os gemidos, me
dizendo como isso é bom, mas estou concentrado em sua boceta
gostosa, circulando o clitóris inchado, pulsando contra a minha
língua. Começo a me masturbar devagar, como ela mandou que eu
fizesse, quando levo minha boca até sua entrada, penetrando-a com
minha língua e movimentando-a dentro dela, sentindo suas paredes
quererem me apertar, me prender ali.
Repito o movimento, iniciando um vai e vem com a língua que
a faz ficar quase descontrolada contra a porta da suíte. Com os
dedos se entrelaçando em meus fios, ela esfrega a boceta contra
mim, tomando para si ainda mais prazer, tudo o que posso oferecê-
la. Seu gosto é o meu novo doce favorito, porque gostaria de ficar
aqui o dia inteiro, comendo a sua boceta como minha única refeição
diária.
Levo uma das mãos até o meio das suas pernas, voltando a
sugar seu clitóris e nem dando a ela tempo de reclamar quando
deixa de ser preenchida, porque penetro-a com dois dedos,
escorregando-os com facilidade pela sua umidade. Amelie xinga,
começando a perder a força e paro de me masturbar, sentindo meu
pau pulsando e meu ventre se contorcer por estar perto de gozar.
Seguro-a com firmeza contra a madeira da porta, inserindo um
terceiro dedo e indo fundo ao máximo, mordiscando seu clitóris e
ouvindo-a aumentar seu volume.
Seus chamados passam a ser mais altos. Uma mistura entre
xingamentos, meu nome, palavras sem sentido, murmúrios de como
está gostando disso e gemidos descontrolados. Seus cabelos
parecem cada vez mais bagunçados quando ela os esfrega na porta,
arqueando o corpo contra a minha boca e aumento a velocidade dos
meus movimentos, fodendo forte entre estocadas rápidas dos meus
dedos.
Amelie solta um gritinho antes de gemer meu nome de forma
prolongada, desmanchando-se em meu aperto e melando ainda
mais meus dedos quando goza, ficando fraca para aguentar o prazer
enquanto continuo chupando-a, lambendo toda a sua boceta,
penetrando-a com a minha língua depois de tirar meus dedos dela.
Ela arfa, se apoiando em mim quando desço sua perna do meu
ombro e coloco as duas mãos em sua cintura.
Me levanto devagar, deixando que se recupere pouco a
pouco, aproveitando para chutar minha calça e cueca para longe,
mal me recordando em que momento meus sapatos foram parar
perto da cama. Seguro seu rosto corado, as pupilas dilatadas e o
sorriso de canto, completamente malicioso em minha direção e ela
não me permite beijar sua boca gostosa, porque empurra meu peito
de leve, me mandando dar alguns passos para trás, dando-a espaço
até começar a descer o toque, arranhando meu abdômen com as
unhas pintadas de vermelho.
Ela se ajoelha, me dando uma visão muito boa para fantasias
futuras, completamente nua na minha frente, esticando-se para
beijar os gomos da minha barriga, mordiscando minha pele e me
fazendo respirar com dificuldade enquanto me tortura até fechar o
punho ao redor do meu pau, ficando de frente para ele e me
observando. Amelie mede meu comprimento com a palma da mão,
subindo e descendo algumas vezes pela extensão rígida e sorrindo
antes de lamber os lábios, finalmente aproximando a boca de mim.
— Porra — murmuro, sabendo que meu autocontrole está
indo para o espaço por causa dessa mulher gostosa.
Fecho as mãos em seus cabelos, segurando o mar de fios
ruivos e enrolando-os em um dos punhos enquanto ela segura meu
pau, abrindo a boca para encaixar a cabeça entre os lábios, sugando
a glande e envolvendo-a com a língua. Seus olhos procuram os
meus quando me toma pouco a pouco, me engolindo entre seus
lábios avermelhados e sugando meu pau ao movimentar-se para
trás.
Seu vai e vem é curto, tomando cada vez mais até que eu
sinta sua garganta. As bochechas sugadas para dentro quando me
coloca quase que por inteiro na boca, meu pau molhado pela sua
saliva. Deixo que Amelie controle os movimentos, estou
completamente perdido na mão dessa mulher, tentando retardar
meu gozo porque assisti-la me chupar é uma visão erótica que quero
ter por mais tempo.
Entretanto, ela continua as investidas, intensificando o toque
enquanto segue me encarando, o azul esverdeado brilhando com
pequenas lágrimas nos cantos quando ela tenta ir ainda mais fundo,
me engolir por inteiro. Respiro com dificuldade, soltando um
grunhido e avisando-a que irei gozar, puxando seus fios entre meus
dedos no momento em que começo a esporrar em sua boca e ela
engole cada jato que sai de mim, me sugando e mantendo os
movimentos mais suaves até que tome tudo como uma boa garota.
Os lábios ainda mais inchados do que antes demoram para
me soltar, como se gostasse da sensação de me ter contra a sua
língua e ela limpa o canto dos lábios com o polegar.
— A visão de você de joelhos virou a minha nova obra de arte
favorita — digo e ela sorri quando solto seus cabelos, ajudando-a a
se colocar de pé outra vez e encosto seu corpo no meu, sentindo-a
por toda parte.
— Espero que eu seja uma boa fantasia — responde.
— Mais do que pode imaginar — falo e busco por um beijo,
mas Amelie se inclina para trás com um sorriso sacana, mordiscando
meu lábio, me provocando antes de encostar a boca na minha.
Devoro sua boca, com ainda mais fome dela do que antes,
querendo fazê-la pagar por cada provocação enquanto a fodo com
força, arrancando seus gemidos descontrolados. Pressiono sua
bunda e ela esfrega a boceta contra o meu pau, que volta a
endurecer, e impulsiono seu corpo para cima, pegando-a no colo
outra vez enquanto caminho até a cama.
Coloco-a no centro da cama antes de caminhar até a minha
calça sob o olhar atento de Amelie, apoiada nos cotovelos com um
cenho franzido. Solto uma risada, buscando pela minha carteira em
um dos bolsos e pegando o pacote com duas camisinhas lá dentro
antes de voltar até ela.
— Não precisa ser ansiosa, mon ange. Nada me faria não te
foder essa noite — sussurro, beijando sua boca enquanto me coloco
por cima dela e Amelie abre as pernas para me receber.
— Irônico me chamar de anjo quando está prestes a cometer
ainda mais pecados comigo — replica, achando graça e esfrego meu
quadril contra o dela, fazendo com que sinta meu pau em sua
boceta molhada.
— Nem todos os anjos estão no céu — respondo. — Você, por
exemplo, está na minha cama, sedenta para me ter dentro de você
— comento, fazendo-a arfar quando seguro meu pau, roçando a
ponta por entre seus lábios em um vai e vem gostoso.
— Se eu sou um anjo, o que isso te torna? — indaga,
arqueando a sobrancelha e querendo me provocar mesmo que um
gemido fique contido em sua garganta.
— É melhor não querer descobrir todos os lados obscuros da
minha mente essa noite, ange — digo, rasgando a embalagem
laminada e me inclinando para trás, vestindo o preservativo em meu
pau.
Se Amelie pensa em alguma resposta, suas palavras acabam
morrendo em sua boca quando ela arfa, sendo preenchida por
completo quando penetro-a. Empurro meu quadril contra o seu e ela
levanta as pernas, envolvendo a minha cintura e pressionando os
calcanhares em minha bunda, querendo me manter dentro de si.
Suas unhas cravam em minhas costas e afasto seus cabelos para
longe com uma das mãos, querendo fitar seus olhos quando começo
a fodê-la, me movimentando para trás antes de estocar outra vez.
As investidas são duras, chocando nossas pelves e ela
choraminga todas as vezes que encontro seu clitóris, movimentando
o quadril para provocá-la nesse ponto também. Amelie encontra
meus movimentos com os seus, impulsionando a cintura para frente
e para trás, rebolando em meu pau ao ser preenchida, entreabrindo
os lábios para chamar por mim cada vez que meto mais fundo.
Sua boceta me aperta dentro de si, me fazendo xingar em
seu ouvido e morder o seu pescoço. Quero fazê-la gozar pela
terceira vez essa noite e pretendo fazer isso antes de gozar de novo.
Seus gemidos em meu ouvido são o meu novo som favorito e ela
murmura algo, me pedindo mais e dou a ela, aumentando a
velocidade, dando a Amelie o sexo que deseja.
Apoio o antebraço na cama, me erguendo um pouco e
observo meu pau ser engolido por sua boceta a cada movimento,
até descer uma das mãos pelo seu corpo, beliscando os mamilos
pequenos antes de encontrar o meio das suas pernas. Toco seu
clitóris, massageando-o enquanto continuo as investidas até que
suas unhas pressionem com força, provavelmente arrancando um
pouco da minha pele, e ela murmure meu nome em meio a um
gemido, arqueando o corpo contra mim e gozando outra vez.
A pulsação dos seus músculos se contraindo ao meu redor,
são o suficiente para que eu não me controle mais, gozando forte
dentro da camisinha enquanto solto um grunhido pelo prazer que é
gozar dentro da sua boceta, tão perfeito como contra a sua língua.
Arfamos, exaustos e sem fôlego. Seu rosto está avermelhado
e não devo estar diferente. Amelie me dá um sorriso preguiçoso
quando rolo para o lado, ainda prendendo-a perto de mim até
controlarmos nossas respirações. Me sento na cama, tirando a
camisinha e amarrando-a antes de caminhar até o banheiro para
jogá-la fora. Quando retorno, ela está sentada na beirada da cama,
parecendo hesitante quanto ao que deve fazer agora.
— Está maluca se pensa que te deixarei sair desse quarto tão
cedo, ange — digo, deitando na cama outra vez e me arrastando até
poder puxá-la pela cintura, envolvendo-a em meus braços e sendo
agraciado pela sua risada. — Ainda tenho planos para você essa
noite — sussurro contra sua boca antes de tomar seus lábios em um
beijo calmo e ela me envolve com os braços, se entregando ao meu
toque.
Acordo sentindo meu corpo dolorido, com as costas duras e
solto um gemido enquanto viro de barriga para cima, saindo da
posição de bruços. Minha cabeça tem uma dorzinha lá no fundo, me
lembrando da quantidade de vinho que bebi ontem à tarde, sem
beber muito mais do que duas garrafas de água durante a noite.
Mas foi por um ótimo motivo e sorrio, ainda de olhos fechados,
quando me lembro dele.
Amelie.
Transamos mais duas vezes ontem à noite depois da primeira.
Descansamos na cama até irmos para o chuveiro, onde a fodi contra
a parede enquanto seus cabelos caiam como uma cachoeira ruiva ao
nosso redor, molhados. Pedimos serviço de quarto e ela me provou
que podia ficar ainda mais linda do que já era, sentada no sofá,
vestida somente com o roupão branco, comendo batata frita.
Ficamos acordados até de madrugada, conversando e rindo, e
transamos outra vez antes de dormirmos, cansados demais.
Abro os olhos pouco a pouco, o quarto permanece
completamente escuro, apesar do feixe de luz vindo das janelas, e
meus olhos demoram a acostumar até identificar os contornos do
quarto e fitar a cama ao meu lado, sentando-me ao encontrá-la
completamente vazia, apesar das marcas mostrarem que Amelie
estava ali em algum momento.
Passo as mãos nos olhos, procurando o interruptor ao lado da
cama e acendendo o abajur, iluminando um pouco a suíte.
— Amelie? — chamo-a, me levantando da cama, puxando os
lençóis comigo enquanto ando pelo quarto, acendendo mais luzes e
notando a ausência das suas coisas.
A bolsa que caiu no chão e depois foi colocada em uma das
cadeiras, as roupas que estavam espalhadas e depois ela as
organizou no sofá, o par de tênis ao lado da porta. Tudo se foi, mas
me nego a acreditar logo a princípio, vasculhando todos os cantos
da minha suíte luxuosa, procurando por ela.
Entretanto, não encontro nada. Nenhuma peça de roupa,
nenhum bilhete, nenhum aviso. Nada. Ela só se foi.
Procuro pelo meu celular em meio a bagunça que fizemos
ontem, percebendo que são mais de onze da manhã aqui e
perdemos os ingressos para o museu que eu havia comprado para
hoje. Talvez ela esteja lá, essa é a minha última esperança e penso
que foi uma ideia idiota não trocarmos números de telefone, apesar
de ter parecido uma coisa legal no começo, já que queríamos focar
na nossa viagem e não em qualquer coisa que tivesse ficado em
casa, que pudesse nos alcançar pelo celular.
Respiro fundo, tentando não ficar frustrado demais antes da
hora e visto a primeira roupa que vejo pela frente: o jeans e a
camisa de botões de ontem, ainda completamente abotoada. Abro a
porta do quarto, pronto para bater na porta dela e verificar o
segundo lugar para onde ela poderia ter ido, ainda que nada me
explique o porquê fugiria no meio da noite.
O que encontro é a camareira com o carrinho cheio de
toalhas e reposições. Tento olhar por cima do ombro da mulher de
prováveis quarenta anos.
— Posso ajudar o senhor de alguma forma? — indaga, me
olhando como se eu fosse um doido e provavelmente sou, com os
cabelos bagunçados e a roupa amassada.
— A hóspede dessa suíte está aí? — questiono em francês.
— Bem, fui avisada que essa suíte teve check-out hoje cedo,
senhor. Não há ninguém aqui dentro — responde, confusa com a
minha pergunta. — Deveria haver? Está tudo bem? Quer que eu
chame a segurança?
— Não, não, tudo bem. Acho que minha amiga foi embora
sem me avisar — falo, tentando não soar tão afetado.
— Talvez tenha acontecido algo — ela replica, solícita.
— É, talvez — digo de volta. — Obrigado.
E com um aceno curto, volto para o meu quarto, passando as
mãos pelos fios quando a porta bate atrás de mim, digerindo o fato
de que Amelie fez check-out um dia antes do que deveria e tentando
pensar em todas as coisas que podem ter acontecido, ainda que
uma seja a mais óbvia de todas. Mesmo que eu não consiga
entender os motivos pelos quais ela faria algo assim.
Amelie simplesmente fugiu de mim.

Olho para o perfil privado, a foto rindo, tirada por outra


pessoa, é a única coisa que tenho acesso, além das informações da
biografia e então o botão com a solicitação para seguir ainda ali.
Pelo menos, ela não negou ou me bloqueou. Deveria considerar isso
algo bom, certo? Amelie Taylor-Robinson, um nome era a única coisa
que eu tinha e pesquisei o seu Instagram. Fechado, mas eu deveria
imaginar isso. Solicitei segui-la e isso já faz mais de um mês.
Nunca fui aceito, nunca pude entrar em contato e recebi seu
recado com êxito. Mesmo sem compreender o porquê disso tudo
ainda. Achei que tínhamos criado um vínculo interessante o
suficiente para que ela não quisesse fugir de mim dessa forma, a
ponto de cortar todos os jeitos que poderíamos ter contato. Naquele
dia, depois de um banho gelado, como se isso fosse me ajudar a
encarar a realidade, desci até a recepção e, com sorte, encontrei um
dos recepcionistas que sempre nos via sair juntos e, ao perguntar de
Amelie, recebi a mesma resposta da camareira.
Ela encerrou sua estadia um dia antes e nem precisei de
muito para saber que provavelmente já havia saído de Bordeaux. No
dia seguinte, tomei meu rumo para Paris, deixei o carro na locadora
e voltei a minha rotina, tentando não me sentir magoado por tudo o
que aconteceu. Seu sumiço podia ter uma causa séria. Então
procurei-a nas redes sociais e fui negado em todas elas, o que
significava que ela realmente tinha sumido para mim e só. Amelie
preferiu deixar o que aconteceu na França, mesmo com as
promessas de que não seria assim.
A pior parte é pensar que talvez tudo tenha sido estragado
por alguma atitude ou fala minha, que talvez isso não teria
acontecido se eu não tivesse feito ou falado algo. Entretanto, ficar
preso na ideia de que fiz algo errado me deixa ainda mais maluco do
que tentar entender o porquê ela não quis manter o contato.
Braços finos cercam meu tronco antes do topo loiro aparecer
ao meu lado, apoiando o queixo em meu bíceps. Pelos sapatos
baixos hoje, Savannah está com seus bons centímetros a menos do
que eu, o que a faz parecer mais nova e mais leve.
— O que você tanto olha para esse celular, Li-Li? — indaga,
usando o apelido que me deu quando ainda era um bebê.
Levanto meu braço, passando-o pelos ombros dela e
abraçando Sav na minha lateral enquanto observamos o jardim
imenso da casa que minha avó e minha mãe dividem em um dos
bairros chiques de Toronto.
— Não é nada, maninha — respondo, beijando o topo da sua
cabeça e não querendo que ela gaste seus neurônios comigo.
— Tem certeza? Desde que voltou das suas férias, tenho
ignorado que está estranho, mas não posso negar que estou vendo
isso — comenta, virando-se para me fitar. — Aconteceu alguma coisa
na viagem? Alguém aconteceu? — questiona, arqueando uma das
sobrancelhas e me fazendo revirar os olhos. — Ei, moleque, não faz
assim. Estou no meu papel!
Ela me repreende, dando um tapa fraco em meu peito e
rimos juntos.
— Achei que estivesse ocupada demais igual a elas duas para
ouvir as minhas histórias — murmuro, tentando não soar como um
garoto magoado ao olhar pelo ombro, vendo minha mãe e minha
avó sérias conversando.
Não há dúvidas de que o assunto é a empresa.
— Sabe que não existe trabalho no mundo que me faça não
ter tempo para o meu irmão mais novo — rebate antes de suspirar.
— Não as leve a mal, a empresa está caótica no último trimestre
com a expansão.
— Eu sei — resmungo. — Sei que elas se importam comigo e
me amam, e essas coisas. É só que, às vezes, sinto que… — Puxo o
ar, não sabendo como continuar essa frase sem acabar ofendendo
Savannah. Minha irmã é a última pessoa do mundo que merece ser
magoada, ainda mais porque sempre arruma um tempo na agenda
lotada para jantar ou almoçar comigo.
— Não pertence aqui, por causa da empresa — complementa
com um sorriso amarelo. — Você é parte da empresa também,
mesmo não atuando lá — diz, mas faço uma careta porque ela sabe
que não é bem assim. — Prometo que irei puxar a orelha delas. Às
vezes a mamãe e a vovó perdem a linha falando só sobre trabalho.
— Às vezes? — ironizo.
— Ok, mas não foi disso que vim aqui conversar — muda de
assunto. — Então, foi alguém? — insiste mais um pouquinho.
— Talvez — respondo vago, mesmo que eu não tenha
problemas contando as minhas coisas para ela. O problema é só que
reviver meus dias em Bordeaux com Amelie é lembrar sobre o pé
bem dado que ela me deu, fugindo e sumindo do meu mapa.
Ainda assim, conto parcialmente sobre como a conheci e
como o destino nos colocou um ao lado do outro repetidas vezes,
até desenvolvermos uma relação de amizade e sobre o último dia.
São poucos os detalhes que dou e sei que Savannah prefere a
história resumida. Apesar de ser a CEO de um aplicativo de
relacionamentos, se envolver em todas as questões do mesmo, amar
livros de romance e namorar, ainda que essa parte não seja muito
bem do meu gosto, Sav passa meio longe de ser uma romântica.
— E ela é daqui? — indaga por fim e dou um aceno. — As
chances de se reencontrarem são poucas, mas como o destino tem
agido a favor de vocês, não direi que é impossível. Porém, não
minto, Li-Li, achei bem estranha toda essa história. Ela sumiu sem
querer contato nenhum, mas parecia próxima — comenta. — Talvez
essa ruiva misteriosa tenha mais a esconder do que pensa —
sugere, levantando os ombros.
— É, talvez. E sim, é muito estranho o sumiço dela. Só fiquei
chateado porque… sei lá, pensava que poderia ser algo — admito
pela primeira vez em voz alta o que tanto vem me chateado desde
que voltei da França.
— Sei que deve ter pensado assim mesmo. É o único homem
emocionado que suporto — brinca, me arrancando um sorriso. —
Mas se o destino de vocês é tão forte, talvez acabe trombando com
ela por aí. O tempo sempre é o senhor de tudo.
— Milagre que não tenha tentado me levar para o lado do PP.
Afinal, ele cura tudo, até desilusões amorosas — zombo.
— Ei, e cura mesmo, mas já desisti de você nesse quesito.
— E também não deixe o tal John te ouvir ser tão pouco
romântica assim ou ele pode levar para o lado pessoal — provoco,
citando o namorado que ainda é desconhecido por mim e minha
família.
Savannah mantém o homem a sete chaves, aparentemente.
Ou ele é um grande babaca, ou é o homem mais ocupado do
mundo, ou da Inglaterra, onde mora.
— Não fala assim — ela resmunga, se desvencilhado de mim
e pronta para fugir, como sempre faz quando o assunto é o John
Misterioso. — Vou ver se ainda tem um pouco de vinho na garrafa —
diz e, com isso, caminha para longe de mim no tempo recorde para
as suas pernas curtas.
Assim como Amelie, Savannah também parece dona de uma
história muito mal contada. Felizmente para a minha irmã mais
velha, primeiro estou sedento para desvendar as verdades da minha
ruiva fujona antes de investigar a vida dela.
— Ok, eu te entendi até agora, mas nesse momento, estou
com muita dificuldade de compreender o porquê não quer aceitar o
emprego — Marjorie fala, franzindo a testa e bebendo outro gole do
vinho branco.
— Eu não sei — resmungo, bebericando da minha taça
também e apoiando a cintura no balcão da cozinha, repousando a
colher na panela com o risoto quase pronto que estou preparando
para nós duas essa noite. — Acho que queria tentar outra coisa,
outra área.
— Mas sempre adorou lidar com pessoas! — exaspera. — Não
deixa o escroto do Canaan tirar tudo o que você gostava de você,
Ames — diz, soltando um suspiro. — Faz quase dois meses que saiu
da empresa, sei que sente falta de ser ativa, de fazer algo. Ficar em
casa lendo e vendo TV não é seu modo de vida para todos os dias. É
estranha, gosta de trabalhar — zomba, me fazendo rir enquanto
volto a mexer o arroz bem molhadinho pelo creme que fiz.
— Não conheço nadinha da empresa.
— E? Não pode aprender agora? Sempre foi proativa, vai se
virar rapidinho e será a nova favorita de todos em menos de um mês
— rebate.
— É bem diferente do que eu trabalhava antes — tento
contestar.
— Existe algum motivo mais específico para não querer
aceitar a vaga? — indaga com seriedade porque só algum segredo
poderia explicar a minha relutância.
Sei que estou sendo maluca por não aceitar. O salário é maior
do que eu recebia com Canaan, a empresa é presidida por uma
mulher, com várias funcionárias mulheres, é de tecnologia, o que eu
entendo pouco, mas na entrevista com a CEO, ela me disse que não
era uma exigência a princípio e que teria um time me ajudando
nisso. Ela me deu vinte e quatro horas para pensar na proposta.
Tenho até amanhã à tarde para dar alguma resposta.
— Não, só minha mente me dizendo que talvez eu não
mereça e não sou boa o suficiente para a vaga — confesso,
desligando a chama e virando de costas para pegar os pratos.
— Ames…
— Eu sei, é bobagem da minha parte, porém não consigo me
desvencilhar desse pensamento desde que me sentei hoje cedo com
ela e ouvi todos os seus elogios ao meu currículo — conto. — Se sou
tão boa assim, por que não recebi nenhuma proposta antes?
— Ai, Amelie, para de ser maluca — Marj exclama e sei que
ela revira os olhos para mim enquanto começo a servir nosso jantar
em pratos bonitos e decorados. — Ficou um mês no sofá, se
lamentando por tudo o que aconteceu e chorando pelo canalha do
seu ex-noivo e eu entendo, de verdade, estava no seu direito de
sofrer, ainda que eu tivesse esperanças de que a semana com o
gostosão na França fosse arrancar a tapas o babaca da sua cabeça.
De qualquer forma, nesse meio-tempo mal fez esforço para voltar a
ativa. Só nas últimas duas semanas que tem enviado currículos e
feito entrevistas.
— Não vamos falar sobre o Liam, por favor — murmuro,
deixando os pratos na mesa e indo até a cozinha novamente para
pegar os talheres e minha taça de vinho.
— Por quê? Para não precisar se lembrar de que saiu
correndo dele como uma covarde? — provoca, mas meu olhar em
sua direção diz muito para que ela suavize seu tom. — Tá, também
ficaria assustada com coisas intensas e também iria fugir de
qualquer relacionamento depois do Trauma Canaan — diz, usando o
apelido que criamos para não ter que usar “Traição de Canaan”
como um tópico.
— Não posso mais continuar desempregada — comento,
servindo minha taça e começamos a comer o risoto de camarão. —
Irei aceitar a vaga — afirmo, tentando soar confiante.
— Essa é a minha garota — Marj diz com a boca cheia e nós
duas rimos.
— Mereço essa vaga, se é isso que a própria CEO fala —
pontuo, tomando cada vez mais coragem. — Irei à empresa amanhã
cedo e começarei o quanto antes. Preciso colocar a minha vida de
volta nos trilhos! Chega de sofrer por um cara ruim.
— Com o pau murcho.
— E que não fazia o seu trabalho direito — admito e é
delicioso poder falar tudo isso agora. É muito libertador.
— O homem ou o pau? — minha melhor amiga pergunta,
confusa.
— Ambos! — afirmo, quase com um grito, e ela larga os
talheres na mesa, em choque.
— Além de murcho, ainda fodia mal?
— Você nem imagina o quanto — resmungo.
— Por que ficou tanto tempo com ele? Um pau ruim não vale
nada, nem sendo de um príncipe encantado.
— Ei, sexo não é tudo em um relacionamento — rebato,
levantando o indicador. — Mas porque… não sei, porque o amava,
porque achava que era amada, porque ele me fez acreditar que esse
relacionamento era a melhor coisa na minha vida.
— Porque estava presa, minha amiga — ela enfatiza,
apontando para mim com a sua taça. — Canaan te prendeu em uma
teia, te cercou e te minou aos poucos até que você não visse muitas
alternativas que não fosse ficar.
Me mantenho em silêncio, porque perceber isso é horrível e
me deixa com um sentimento amargo. Me sinto uma pessoa
estúpida por não ter percebido nada disso antes, por ter ficado, dito
sim, por estar planejando me casar e passar o resto da minha vida
com ele. Por ter acreditado no seu amor quando claramente passava
bem longe de ser isso.
— Ei, pode parar de se sentir mal por ele — fala, segurando
minha mão por cima da mesa e percebo que meus olhos estão
molhados. — É a nova Era de Amelie Taylor-Robinson agora, é a Era
de ser feliz e livre.
— Obrigada por estar comigo — digo, fungando. — Pareço
tão boba por ainda chorar por causa dele. — Reviro os olhos quando
as lágrimas escorrem por minhas bochechas e limpo a ponta do
nariz, finalizando minha taça de vinho e percebendo que será a
última porque já estou começando a ficar enjoada do gostinho doce
do meu vinho favorito.
— Teve seu coração partido em pedaços, pode chorar ainda
de vez em quando — Marj me defende.
— Irei mesmo aceitar o emprego e irei dar uma mudada
nesse apartamento, e no meu guarda-roupa — afirmo antes de fazer
uma careta. — Aos poucos, assim que eu for recebendo o meu
futuro salário — complemento, rindo com a minha melhor amiga. —
Estou cansada de olhar ao redor e ver lembranças dele pelas
paredes ou ouvir sua voz criticando as minhas roupas.
— Serão ótimas mudanças.
— Sim, serão — digo, respirando fundo e me recompondo.
É uma nova Era. É uma Era de novos recomeços e tudo se
inicia com o meu futuro novo emprego.
Subitamente, trabalhar na Perfect Pairing parece a coisa mais
certa que irei fazer por mim em meses.
Além da minha viagem para Bordeaux.
Estico as costas enquanto espero o novo arquivo abrir. Depois
de lê-lo, me faltará somente outros quinze e posso encerrar a minha
tarde. Provavelmente, irei embora bem depois das seis da tarde,
mas não me importo. Estou no meu primeiro dia e consegui
sobreviver a manhã com tranquilidade. Depois de uma breve
apresentação da empresa, com maiores detalhamentos do meu
setor, sentei na minha nova sala.
A gerente anterior deixou tudo bem organizado antes da sua
saída e foi fácil me localizar nos arquivos dela, então passei a manhã
inteira trabalhando em conhecer a empresa. O que parece estranho,
porque percebi que sua saída foi meio súbita, porém preferi não
mencionar que ela deveria ter planejado isso há meses. Minha chefe
me permitiu alguns dias de adaptação antes de efetivar o meu cargo
de verdade e disse para ela que não precisaria de muito tempo.
Pedi uma salada e comi com os demais funcionários no
refeitório do prédio, que é compartilhado por toda a corporação. O
PP é um dos vários aplicativos do Grupo Love Affair e várias áreas
são compartilhadas por todas as empresas do grupo, como o
refeitório, salas de descanso e recreação, e as cafeterias e
lanchonetes do primeiro andar são usados por todos que têm acesso
ao prédio.
Escuto os saltos batucarem no corredor e levanto o rosto,
visualizando Savannah pelas paredes de vidro do meu escritório. Não
sei se eu deveria me sentir honrada ou com medo de que a CEO
venha me ver no meu primeiro dia, mas a julgar pelo jeito dela, a
loira não é do tipo carrasca, apesar de ser bastante séria. Suas mãos
estão nos bolsos da frente da calça pantacourt de cós alto, ela usa
uma camiseta branca básica por dentro do jeans, com as mangas
desenroladas e completa tudo com um salto agulha não tão alto.
Verde.
Eu nunca pensaria em comprar um salto verde para usar no
meu ambiente de trabalho. Mas Savannah Spencer tem um estilo
invejável e me faz parecer bem sem graça com o conjunto preto que
uso, ainda que eu fique linda nessa saia midi plissada.
— Espero que não tenha desistido antes do fim do seu
primeiro dia — diz, sendo bem-humorada ao parar na porta, ainda
que piadas pareçam quase fora de contexto ao serem feitas por ela.
— Portas abertas, mostra uma boa receptividade.
— Não queria parecer o tipo de pessoa que chega e senta na
janela — respondo e ela franze o cenho. — Na melhor vista, sabe?
— explico, mas ela ainda parece confusa. — Estou entrando em um
cargo alto, não quero que eles pensem que chegarei e irei distribuir
ordens e afins, que irei mudar o jeito como as coisas eram feitas
antes. Quero virar parte da equipe.
— Você já é parte da equipe — afirma, dando mais alguns
passos para dentro da sala. — Porém, entendo essa questão de
querer merecer o próprio lugar. Espero que encontre essa boa
recepção aqui na PP — fala. — Vim saber como está sendo o seu
primeiro dia. Pareceu certa quando aceitou a vaga, mas entrevistei
outros candidatos e ainda que nenhum deles tenha me
impressionado como você, foi você quem aceitou o emprego com
certa hesitação.
Tento não parecer intimidada, porque não é esse o intuito da
minha chefe, porém não posso mentir e dizer que sua presença e
boa leitura das pessoas não é meio assustador. Realmente dei o meu
melhor para esconder que ainda tinha dúvidas se deveria ou não
aceitar esse emprego, ou continuar procurando algo diferente, quem
sabe até mesmo sair de Toronto e voltar para Oregon, onde minhas
mães moram atualmente e buscar um emprego por lá. Entretanto,
não imaginava que ficaria evidente assim.
— Me desculpe se não pareci animada o suficiente. Não foi a
minha intenção. A empresa é incrível e estou ficando cada vez mais
interessada, além de já estar começando a colocar minha mente
para funcionar a respeito de algumas questões que a gerente
anterior deixou — começo minha defesa, unindo minhas mãos em
cima da mesa. — Minha vida pessoal está um pouco fora dos eixos
desde o meu último emprego, mas prometo que isso não afetará o
meu trabalho aqui. Sou muito grata por essa oportunidade, de
verdade, senhorita Spencer.
Ela me analisa por algum tempo, observando todo o meu
rosto como se verificasse se acredita mesmo em mim ou não, e não
posso julgá-la. Sou uma bagunça total ultimamente, ela confiou a
sua empresa para que eu pudesse exercer minha função, está
confiando no meu trabalho. Se eu fosse Savannah, também ficaria
com um pé atrás.
Todavia, ela me dá um voto de confiança, dando um aceno e
um sorriso de canto, suavizando seu olhar, fazendo o azul profundo
parecer ainda mais bonito em conjunto a todo o restante, os cabelos
loiros curtos na nuca e o rosto delicado.
— Sabe, se houver algo que pensa que devo saber, a minha
porta também está sempre aberta e todos por aqui são solícitos. Se
tiver dúvidas, pode me procurar, ou procurar Lancelot Lawrence, ela
também sabe quase tudo sobre essa empresa e pode te ajudar —
diz. — Além, é claro, de sempre poder bater na porta da Indina e ela
estará aqui para te auxiliar nesse começo.
— Obrigada, pelo emprego e pela boa recepção.
— Espero que todos estejam sendo igualmente receptivos —
pontua com um fundo de indagação e trato de desfazer qualquer
dúvida dela.
— Todos estão sendo ótimos — afirmo.
— Irei deixá-la continuar o seu trabalho e, se quiser, podemos
ajustar uma reunião no fim da semana para debatermos os últimos
relatórios — complementa, já começando a caminhar até a porta.
— Está certo, espero analisar todos eles amanhã de manhã e
te aviso sobre uma possível reunião — concluo e ela dá outro aceno
antes de se despedir, voltando pelo corredor que chegou e me
permitindo respirar direito outra vez. — Vamos, Amelie, você precisa
focar. Não deixe que o seu passado atrapalhe essa oportunidade —
sussurro para mim, voltando a focar os olhos na tela do computador.
Preciso começar essa nova Era com os dois pés, sem deixar
que nada seja um obstáculo. Irei mostrar para Savannah que vale a
pena confiar no meu trabalho e no meu potencial.
— Você nasceu com uns sete meses e eu tenho certeza disso,
só não posso provar ainda — Lance bufa, vindo atrás de mim e
reviro os olhos enquanto continuo andando. — Ela já está vindo,
Liam!
— É a terceira vez que a Sav me dá um bolo só esse mês,
Lance — comento em um resmungo quando uma das melhores
amigas da minha irmã, que também é diretora de mídias da
empresa, chega ao meu lado. — Depois deve dizer que sou um
irmão ruim quando é ela que não se lembra de adicionar um almoço
com o irmão mais novo em sua agenda lotada, e olha que foi ela
quem me chamou para sair hoje.
— Sav está certa todas as vezes que diz que você é um
dramático — murmura. — Ela estava saindo de uma reunião e falou
que só iria ajustar algumas coisas antes de descer.
— Pare de fazer disso um grande caso, Lance. Só estou indo
buscá-la em sua sala — brinco.
Estava esperando Savannah no térreo, mas depois de vinte
minutos de atraso, resolvi subir para pegá-la. Encontrei Lancelot no
elevador e ela sempre insiste em dizer que estamos sendo duros
demais com Savannah. Mas não acho que seja ser duro querer que
ela não se atrase após desmarcar comigo em cima da hora outras
duas vezes. Talvez seja ser dramático e mimado, porém isso é outra
história.
— A não ser que tenha algum problema que eu não saiba
sobre a empresa e por isso não posso subir aqui — comento, virando
de frente para ela e parando meus passos.
— Você só chama atenção demais, bonitão. Atrapalha o
funcionamento da firma — caçoa, rolando os olhos.
— É o preço que eu pago por ser bonito, Lance — zombo,
piscando um dos olhos para ela e abrindo meu sorriso malicioso.
Claro que isso só desencadeia outra revirada de olhos, ainda mais
forte dessa vez, antes que ela levante os braços e dê meia-volta.
— Pode achar a sua irmã sozinho, eu desisto, Don Juan —
diz, começando a andar para longe enquanto dou risada sozinho.
Lancelot Lawrence é um pouco impaciente, apesar de ser
muito engraçada e fico pensando que ela deve colocar o mundo de
Sav e Indina, a outra parte desse trio, de cabeça para baixo. Indina
Rowe, assim como Savannah, é bem mais certinha e quieta, talvez
até mais do que a minha irmã. Ela é a Diretora do RH, quase um
braço direito para a minha irmã dentro da empresa, coordenando o
pessoal do Departamento Pessoal e da área de Recrutamento.
As três formam um trio interessante e, apesar de Savannah
ter quebrado as regras, ficando com o meu melhor amigo, sempre
respeitei sua amizade com as meninas e nunca nem mesmo flertei
de brincadeira com nenhuma das duas. Ainda que ache que Lance
me mandaria pastar e Indina franziria seu cenho, confusa com
qualquer cantada engraçada que eu tentasse dar a ela.
Solto um suspiro, girando os calcanhares para voltar ao meu
caminho até a sala da minha irmã, mas assim que volto na direção
que deveria seguir, sou atropelado por um pequeno furacão ruivo e
preciso firmar meus pés no chão para não cair. Minhas mãos
acabam, instintivamente, na cintura da mulher, segurando-a de pé
comigo e as suas palmas acham estabilidade em meu peito, mas
deixando cair todas as pastas que ela tinha em mãos.
Então, antes que eu possa desvendar o rosto por baixo da
bagunça de fios avermelhados, o cheiro dela chega até mim. O
cheiro floral, como a primavera mais bonita de Toronto, como um
campo cheio das mais bonitas flores, uma mistura não óbvia. Não é
simples como o cheiro de rosas, é algo a mais. E esse aroma me
leva de volta para a França, me leva de volta a uma cama de hotel,
sozinho e perdido depois de ser deixado para trás.
O cheiro me leva de volta à Amelie.
A mulher nas minhas mãos respira fundo, recuperando-se do
baque por termos trombado um no outro quando seu rosto se
desvenda ao levantar a cabeça, empurrando os fios para trás, e sou
consumido novamente pelo azul profundo, como a cor do oceano. O
choque não demora para aparecer, a boca se entreabrindo mesmo
sem palavras, os olhos se arregalando, me dizendo mais do que
preciso saber.
Fico mudo por alguns instantes, sem saber o que dizer e
Amelie puxa o ar com força, afastando-se de mim e abaixando-se
para juntar suas coisas, como se, ao não falarmos nada, poderíamos
transformar isso em algo não real. É ela, e para o seu pavor,
aparentemente, o destino nos colocou novamente de frente um para
o outro.
Depois que ela me deixou sozinho na minha suíte em
Bordeaux, pensei infinitas vezes no que falaria quando a visse
novamente, quando a encontrasse ou quando ela me aceitasse em
seu Instagram e eu pudesse chamá-la em uma conversa. Em minha
mente, algumas conversas flutuavam entre a indignação e a
surpresa, mas nunca pensei que encontraria Amelie nos corredores
da empresa da minha irmã.
Abaixo-me para ajudá-la, mantendo o silêncio e quando nos
levantamos outra vez, percebo que ela está prestes a ir embora sem
nem dizer uma única palavra.
— Fingir que eu não existo não fará com que tudo desapareça
— digo, ficando magoado e irritado pelo comportamento dela. — É
bom saber que está viva e bem — complemento em um tom mais
suave, percebendo que acabei segurando seu antebraço para que
ela não fugisse novamente e faço uma careta para a minha mão,
soltando-a rapidamente. — Desculpa.
— Acho que eu que te devo desculpas, não o contrário — fala
finalmente, ficando de frente para mim ao invés de sair correndo.
Ela umedece os lábios e acho um trabalho árduo demais não
acompanhar o movimento. Amelie parece diferente, mais leve, com
os olhos mais cheios de brilho, com as bochechas coradas e ela
parece feliz, superada. Passaram-se quase dois meses desde que ela
descobriu a traição do ex-noivo e cancelou o casamento, mais de
quarenta e cinco dias desde que ela me deixou sozinho em
Bordeaux. Apesar de ainda estar chateado por tudo, por ela ter ido
embora sem explicações, como se tivesse só me usado para algo,
ainda me sinto contente ao ver que ela parece melhor.
Fico feliz vendo que conseguiu seguir em frente.
— Não tinha a intenção de sair sem falar nada, eu só… — ela
começa depois de também tomar o seu tempo me observando.
Talvez ela esteja sendo inundada pelas lembranças dos nossos cinco
dias juntos, assim como eu.
— Só queria deixar um recado bem claro, aparentemente —
comento, sentindo meu tom irônico, mesmo que eu tente soar
tranquilo e brincalhão. — Recado anotado, não se preocupe.
— Liam, eu… — gagueja, tremendo os lábios, mesmo que
nenhuma palavra saia, antes de franzir as sobrancelhas. — O que
você está fazendo aqui?
— Sério mesmo? Essa é a primeira coisa que quer começar a
debater? — debocho, me sentindo cada vez mais machucado pela
falta de moral que ela me dá.
— Disse que já estava descendo, teimoso. — A voz de
Savannah corta a nossa conversa.
Amelie e eu parecemos perceber agora a nossa proximidade e
que não estamos sozinhos e, sim, em um escritório, rodeado de
pessoas, ainda que elas não estejam prestando atenção em nós.
Bem, agora Sav está e por isso Amelie se afasta como se eu
estivesse queimando-a. Minha irmã nos encara com confusão
enquanto se aproxima, apesar de disfarçar sua expressão
rapidamente.
— Liam, vejo que já conheceu a nossa nova chefe do
Departamento Pessoal, Amelie Taylor-Robinson — Savannah fala em
seu tom polido, ficando ao meu lado com a sua postura impecável.
— Amelie, esse é o meu irmão mais novo, Liam. Ele é dono de um
quarto da Love Affair, porém quase nunca fica por aqui por ter outro
trabalho. Mas estou com a impressão de que você já sabe sobre
isso, é claro — complementa, me fitando com um olhar acusatório
como se eu fosse um galinha total.
Eu nem sou tão ruim assim e já passei da época de querer
provar para o meu meninão interior que sou capaz de pegar mulher.
— Savannah! — repreendo-a. — Não é assim. Amelie e eu
nos conhecemos durante um voo, nada de mais — replico e sinto o
alívio tomar a ruiva à minha frente.
— Tenho medo de voar e seu irmão foi bastante atencioso
comigo. Algo pelo qual sou muito grata — ela completa nossa
história, me fitando como se quisesse me dizer que essas palavras
são verdadeiras e ela é grata por tudo o que fiz.
Difícil de acreditar.
— Bem, de qualquer forma, Liam e eu estávamos de saída já.
Não quero atrapalhar você, Amelie. Sei que está focada nos
relatórios de pesquisas interpessoais — Savannah fala, colocando a
mão nas minhas costas como um aviso para que eu não pestaneje,
nem discorde da nossa saída rápida.
— Pretendo estar com tudo pronto antes do fim da semana —
a ruiva pontua com firmeza, parecendo a funcionária do mês.
— Perfeito!
E com isso, Savannah troca um sorriso singelo com ela antes
de nos guiar de volta aos elevadores. Assim que entramos, ela
aperta o botão para que as portas se fechem e se vira para mim
com seriedade. Mas antes que possa dizer qualquer coisa, o celular
de Sav toca e, me surpreendendo completamente, ela dispensa a
chamada rapidamente.
— Uau, se eu soubesse que era só me envolver com uma das
suas funcionárias que eu ganharia a sua atenção total, teria feito
isso antes — zombo e ela balança a cabeça em reprovação.
— Primeiro, precisa ser menos pidão…
— Fiquei com o coração da família, já que vocês três não
possuem nada de sentimentos — retruco, levantando os ombros.
— Segundo, a empresa é sua também, assim como a
funcionária também é sua e não acredito que a garota mal chegou e
você conseguiu se envolver justamente com a pessoa que entrou no
cargo que demoramos um bom tempo para achar a pessoa perfeita
— exaspera.
— Depois eu que sou o dramático — resmungo, me apoiando
em uma das paredes metálicas. — Não temos nada — afirmo,
voltando a seriedade do assunto e deixando de lado o
comportamento juvenil que Sav e eu aderimos um com o outro. —
Amelie é a mulher de Bordeaux — conto e ela arregala os olhos, até
mesmo entreabrindo os lábios em choque. — Não precisa se
preocupar com nada, porque ela deixou bem claro que quer
distância de mim.
— Liam… — o tom da minha irmã suaviza e ela toca meu
braço, querendo me dar algum consolo, mesmo sem saber direito
como. Eu a amo pelo seu jeito, ou a falta dele. — Pelo jeito, o
destino realmente tem uma forma diferente de fazer vocês dois
lidarem com tudo — brinca, me arrancando um riso baixo.
— Ao menos, fico feliz em saber que ela está viva —
comento.
— Eu não fazia ideia, não tinha me falado o nome dela, ou eu
poderia ter ligado os pontos antes — diz quando chegamos ao térreo
e seguro a porta para que ela saía primeiro.
— E o quê? Acabou de dizer que Amelie foi a melhor
candidata, um achado em semanas depois que foram deixados na
mão. Não podia simplesmente desistir dela só porque ela deu o pé
no seu irmão mais novo — lembro-a e Savannah faz uma careta
quando passamos pelas catracas da saída.
— Eu podia ao menos ter te avisado que ela estava na
empresa — replica, levantando os ombros. — Mas, agora que sabe,
preciso que me prometa que não irá…
— Nunca faria isso, Sav — rebato, um pouco ofendido.
— Sei que nunca usaria a sua posição para ficar indo atrás
dela e coisa assim, mas preciso que me prometa que deixará essa
história para trás. Ela deixou mesmo claro que não quer nada, não
quero que Amelie se sinta desconfortável na empresa — pede,
tentando não dizer isso como algo mandatório, mas sei que
Savannah precisa do meu comprometimento para não afugentar
Amelie. Ela quase surtou depois que Penny abandonou a empresa
do nada para se mudar com o marido para a Austrália.
— Eu prometo — afirmo, fitando os olhos dela, tão similares
aos meus, tentando não transparecer a minha chateação pela falta
de confiança. Óbvio que eu nunca perturbaria Amelie, entendi
mesmo seu recado. — Agora vamos parar de falar sobre a minha
vida meio fracassada e falar sobre a sua, afinal, não sou eu que
estou indo para uma viagem romântica — zombo para provocá-la
quando começamos a andar pelas calçadas em direção ao nosso
restaurante favorito.
— Não é uma viagem romântica, é uma viagem de negócios
— pontua como faz todas as vezes que insinuo algo sobre John e
sua viagem de quatro dias para a Europa. — Mas estou ansiosa
porque temos a oportunidade de fecharmos mais patrocinadores que
darão ainda mais visibilidade para o PP lá na Europa.
E, com isso, minha irmã desvia o assunto da sua vida
amorosa, não deixando que eu investigue mais nada sobre o seu
namorado secreto e começa a falar sobre os próximos passos do
aplicativo e as suas futuras expansões enquanto eu tento dizer a
mim mesmo que irei cumprir fielmente a promessa que fiz a ela.
Entretanto, parece difícil pensar nisso quando ainda tenho perguntas
demais rondando a minha mente.
O problema é que, como um bom irmão mais novo, sou
péssimo cumprindo as minhas promessas com a minha irmã.
Por isso que, cinco dias depois da nossa conversa, aqui estou
eu, me esgueirando pelos corredores da Perfect Pairing um dia antes
de Savannah voltar da Inglaterra. Sim, esperei até a última hora
porque a minha consciência estava pesando e fiz uma promessa.
Ainda que não esteja cumprindo-a, me senti mal por querer quebrar
a confiança de Sav assim tão facilmente.
Entretanto, preciso de respostas. Minha mente rondou atrás
dos porquês e das outras infinitas perguntas que fiquei com vontade
de fazer à Amelie ao longo dos últimos quase dois meses. Só quero
saber algumas coisas antes de ir embora da vida dela de vez, antes
de não dar mais às caras pela PP e deixar que ela viva em paz sem a
minha presença.
Ganharei uma bronca federal se minha irmã descobrir que
estou aqui e ainda maior caso ela fale sobre isso com a minha avó e
minha mãe. Sei que é errado importunar as funcionárias e nunca fiz
isso, mal venho aqui, muito menos exerço qualquer poder ou algo
assim. Sou comportado no meu lugar de dono, possuindo um quarto
da empresa e comparecendo às reuniões quando me pedem para vir,
votando quando preciso votar, lendo documentos quando preciso
assinar algo.
Nunca quebrei as regras. Porém, parece que me envolver com
Amelie tem como consequência quebrar algumas.
Eu poderia somente deixar tudo isso de lado, a questão é que
não consigo. Por algum motivo idiota que ainda não consegui
descobrir, diferente de todas as outras mulheres com quem fiquei no
passado, Amelie não é esquecível. Tive relacionamentos, namoros
na adolescência, pedi e dei exclusividade para outras pessoas, tive
casos, mas nada nunca me deixou como ela me deixou.
É como se tivesse me enfeitiçado e me deixado pensando
somente nela, mesmo quando tento não pensar.
Caminho até a área do RH, torcendo para que Indina esteja
fazendo alguma coisa bem longe daqui e não me veja, mesmo
sabendo que ela seria bem menos fofoqueira do que Lance. Procuro
pelas portas, passando pela chefe de recrutamentos e parando na
porta com o nome de Amelie. As paredes transparentes fazem com
que ela consiga me enxergar e logo seus olhos azuis me fitam,
parecendo cansados, mas não existe surpresa em sua expressão. Ela
me dá um aceno, pedindo para que eu aguarde do lado de fora.
— Sabia que não ficaria muito tempo distante — murmura,
fechando sua porta atrás de si e começando a andar.
— Juro que dei o meu melhor para não vir.
— Não posso julgá-lo por me procurar — comenta,
suspirando e me olhando de canto. — Vamos para o terraço,
teremos mais privacidade lá.
— Não vim discutir e muito menos quero te queimar na
empresa — falo e, pela primeira vez desde a nossa estadia na
França, ela me dá um sorriso singelo.
— Eu sei que não, mas você quer me perguntar o porquê fui
embora, se fez alguma coisa, se aconteceu algo e várias outras
coisas. Cinco dias me fizeram perceber que é esse tipo de cara —
comenta quando entramos no elevador e ela aperta o último botão.
— Só não quero virar fofoca na empresa, sou nova aqui e estou
dando o meu melhor para tentar… sei lá, recomeçar nem que seja só
esse lado da minha vida. Não quero que pensem que me envolvi
com o irmão da chefe e por isso consegui um emprego incrível.
— Nem eu, muito menos a minha irmã, deixaríamos que isso
acontecesse — pontuo com firmeza. — Ela nem mesmo sabia que
você era… você, até a última quinta.
— Eu tenho muito medo de descobrir o que “você era você”
significa — murmura, escondendo o rosto nas mãos.
— Contei o básico, não pode me julgar por isso quando você
sumiu, me deixando muito intrigado e com medo de ter feito algo
errado. Ela é minha irmã — afirmo, dando de ombros e me sentindo
com dezoito anos outra vez ao invés de vinte e oito.
— Ela é a minha chefe — replica em desespero e solto uma
risada baixa quando chegamos no terraço.
— Savannah é de boa, apesar de toda a pose meio brava.
— Isso deveria me tranquilizar? — indaga e faço uma careta,
que provoca um riso dela.
É como se conseguíssemos voltar ao nosso clima francês,
com brincadeiras e leveza, mas quando seu sorriso some, sei que
não será assim. Não somos mais as mesmas duas pessoas que
gargalharam em cima da ponte do rio Garonne, só não imaginei que
uma única noite juntos causaria tanto mal, ainda mais a noite que
tivemos.
— Eu fiquei com medo, por isso fui embora — ela fala,
caminhando até o parapeito e a sigo. — Aquela viagem foi algo
muito distante do que eu realmente sou, de como a minha vida
realmente é e não deveria… Nada daquilo deveria ter acontecido.
Acho que fiquei muito deslumbrada que até mesmo esqueci sobre a
realidade.
— Isso é injusto com você — digo e seu sorriso de canto me
diz que ela discorda de mim. — Tinha acabado de sair de um
noivado com um cara que era muito babaca com você, estava
vivendo e tentando ser um pouco feliz em uma viagem que tinha
tudo para ser cheia de lembranças ruins. Não pode se culpar por
querer fugir da realidade.
— E não me culpo por isso, mas uma hora precisamos voltar
para ela e…
— Não queria me trazer para a sua realidade — complemento
quando ela perde as palavras, parecendo envergonhada demais para
olhar para mim e percebo que é justamente isso. — Era para eu ficar
em Bordeaux, não queria me trazer para Toronto.
— O problema não é você…
— Sabe que isso soa bem clichê, não sabe? — brinco, porque
quero fingir que não estou magoado com isso, que não fantasiei que
poderíamos ter algum futuro aqui por causa da nossa ótima relação
lá.
— É, eu sei, mas é a verdade — afirma, me oferecendo um
sorriso sem graça. — Não deveríamos ter nos envolvido tanto como
aconteceu, mas assumo a culpa por não ter deixado os limites mais
claros.
— Estávamos nós dois naquele quarto, Amelie — lembro e ela
solta um riso anasalado.
— Sim, mas sempre soube que você queria aquilo e aceitei os
flertes, eu sabia que não poderia ser nada além de sua amiga e
retribui mesmo assim.
— Fala como se eu tivesse sido enganado por você. Não é
esse monstro todo — caçoo. — Amelie, eu sabia que não estava
nem um pouco a fim de um relacionamento sério, que tinha acabado
de sair de um noivado bastante ruim e não estava com a mente
nesse lugar. Ainda assim, escolhi flertar e levar tudo na brincadeira,
ainda assim escolhi tentar mais e tivemos uma ótima noite. Se isso
foi demais para você, posso entender, o que não consegui entender
ao longo desses últimos tempos foi por que fugiu como fugiu,
porque simplesmente ir embora como se ficar um último dia fosse a
pior coisa do mundo. Somos adultos.
— Não era a pior coisa do mundo, só seria meio estranho e
eu fiquei com medo de perdermos as memórias anteriores por causa
disso — diz, levantando os ombros. — Não foi a minha melhor ideia,
mas foi a que tive no momento.
— Não estou julgando as suas escolhas, só queria entendê-las
— respondo, franzindo a testa. — Foi por isso que vim atrás de você,
porque queria entender se aconteceu algo além do constrangimento
que nem sabia se realmente existia. Você me confundiu e as dúvidas
não foram uma boa companhia nos últimos dois meses.
Sua quietude me mostra que talvez eu esteja certo ao pensar
que não existe nada além disso, que ela só fugiu porque queria fugir
da situação, do fato de que transamos durante uma noite inteira,
que ela se deixou levar pelo momento, que se entregou como eu me
entreguei.
— Nunca te forçaria a nada — afirmo com um sentimento
ruim me preenchendo, além da mágoa.
— Não acho que me forçaria, não vai por esse caminho —
pede em um sussurro, se aproximando e tocando meu braço. — Só
não queria me envolver, fiquei com medo de me deixar levar
também, não era só sobre você, mas também era. Estava sensível
demais, estava frágil e você é um dos caras legais, dos caras que
são fáceis de estar ao lado, de rir e esquecer do resto, mas o resto
ainda existia aqui em Toronto. Não queria me deixar levar pelo
momento e simplesmente estragar tudo porque a realidade me
atingiria. Você não fez nada de errado, nenhum de nós fez.
Dou um aceno, engolindo em seco e sua mão se afasta,
deixando um rastro quente pelo lugar que tocou, um formigamento
permanente em minha pele.
— Pelo visto, sermos somente amigos realmente nunca
esteve em nossas listas de possibilidades — comento com humor e
ela torce o nariz sorrindo, colocando as mãos nos bolsos da calça.
Amelie está vestida de forma bastante parecida de como estava na
viagem, com tênis baixos, jeans e camisas folgadas, levemente
abertas, para deixarem seu ombro exposto.
— Ambos sabemos que não daríamos conta de sermos
somente bons amigos. Nossa amizade mal durou cinco dias —
debocha, pressionando os lábios juntos para conter o riso.
Somos um tanto quanto fracos, é isso que Amelie diz nas
entrelinhas. A amizade não deu tão certo, apesar de parecer
interessante. Acho que nós dois sabíamos que iríamos cair em
tentação antes do fim da viagem, entretanto, nenhum de nós estava
pronto para a intensidade do contato, em como o toque pareceu
perfeito, em como seu corpo foi moldado para estar junto ao meu e
em como nós dois nos queimamos um pelo outro. Amelie sabe disso
assim como eu sei e a maneira que me olha denuncia isso.
— Entendi o recado. Não podemos ser amigos, Savannah me
cortaria vivo se eu acabasse, mesmo que sem querer, estragando o
contrato perfeito dela com a nova chefe do DP, isso nos leva ao
limbo — zombo, novamente uma forma de não demonstrar os meus
sentimentos a respeito do assunto. — Espero mesmo que eu não
tenha feito nada de errado que te afastou naquela noite.
— Pode ter certeza que só guardo momentos incríveis da
nossa viagem em Bordeaux — afirma. — Obrigada de novo por tudo
o que fez por mim.
— Foi realmente um prazer para mim — provoco, jogando
uma piscadela para Amelie, que ri enquanto enrubesce.
— Outro motivo pelo qual isso não pode se repetir —
comenta como um lembrete de que não conseguimos passar muito
tempo um ao lado do outro sem que nossa mente não nos leve de
volta àquela noite. — É melhor eu voltar, preciso terminar alguns
formulários e entregá-los até amanhã cedo para Indina.
— Não queria te atrapalhar.
— Merecia algumas respostas — me defende. — Desculpa ter
saído da forma como saí. Acho que nunca lidei bem com situações
assim, não que isso seja habitual para mim. Talvez tenha ficado
noiva por tempo demais e perdi total o tato para lidar com homens
bonitos — diz, se atropelando em suas próprias palavras antes de
deixar a boca entreaberta, ficando ainda mais vermelha com a
admissão.
— Fico feliz em saber que manteve a sua opinião, senhorita
Taylor-Robinson — falo. — Bom trabalho — desejo, ajudando-a
quando Amelie parece prestes a explodir de vergonha.
Fiz essa mulher gemer enquanto rebolava em meu pau e
gozava pra caralho e, ainda assim, ela fica envergonhada em dizer
em voz alta que me chama bonito.
Eu realmente seria uma péssima companhia para ela, porque
a ensinaria a falar coisas bem mais sórdidas do que “homens
bonitos”.
— Tchau, Liam.
— A bientôt, mon ange[1] — respondo e percebo que ela
prende o ar antes de dar um aceno com a cabeça, virando-se de
costas e se apressando até o hall dos elevadores, logo sumindo da
minha vista e me deixando sozinho no terraço.
Infelizmente, para Amelie Taylor-Robinson, tenho o
sentimento de que esse passa bem longe de ser o nosso último
encontro.
Cumprimento o porteiro antes de sair pelas portas
automáticas do prédio da Love Affair e começo a caminhar pela
calçada, iniciando o meu trajeto até meu apartamento. Aprumo a
bolsa no ombro e olho as horas no relógio de pulso. São sete da
noite e deveria ter saído mais cedo.
Nem Indina, nem Savannah gostam que a gente cumpra
horários além do que está no nosso contrato, acho que talvez a
empresa já tenha sofrido algum tipo de processo injusto sobre horas
extras não pagas, e também não requisitadas. Porém, dei a ambas a
desculpa de que ainda estou no período de adaptação.
Além disso, entrei mais tarde nessa manhã, depois de ficar
horas passando mal. Acho que o hambúrguer que comi ontem não
me fez nada bem, só não achei que vomitaria absolutamente tudo o
que tinha em meu estômago até me sentir fraca. Marjorie precisou ir
até o meu apartamento com um café reforçado e seu olhar
preocupado não me escapou, por isso tentei o meu melhor para que
ela se desfizesse dessa preocupação.
Entreguei os relatórios que Indina me pediu e começamos a
organizar o próximo treinamento da empresa. Agora que iremos
fazer novas incorporações no sistema, é necessário que todos
estejam em dia com o assunto e ninguém cometa deslizes,
principalmente o pessoal do atendimento ao cliente. Estamos
animados com a perspectiva de atingirmos a meta de verão ainda no
meio da estação e ninguém quer errar, estragando esse sentimento
contente.
Estamos na estação mais quente do ano, por isso aprecio a
brisa fresca que toca minha pele quando dobro a esquina. Ao
menos, hoje não choveu como acontece em algumas noites em
julho, não que isso amenize o calor, porque ainda assim tenho
preferido usar regatas de cetim ao invés de camisetas de algodão
para trabalhar. Porém, a chuva sempre me impede de apreciar a
caminhada até o meu prédio e gosto que a Perfect Pairing seja tão
perto de casa, me permitindo chegar em minutos de um lugar a
outro sem nem precisar usar o transporte público.
E Toronto é uma das cidades mais seguras do mundo, um dos
motivos que voltei para cá para fazer faculdade mesmo depois das
minhas mães se mudarem para Oregon por causa do trabalho.
Escuto uma risada que me deixa completamente alerta outra
vez, até meus olhos encontrarem a figura andando na minha
direção, com as mãos nos bolsos da calça bege e tento não pensar
em como Liam fica extremamente lindo vestido nela em conjunto à
camisa azul-clara. Respiro fundo, buscando ar porque é assim que
ele me deixa, mas fui eu quem pedi distância, que deixei claro que
não podemos ter nada, porque uma amizade não nos cabe muito
bem. Não tenho o direito de suspirar por esse homem quando o falei
que não devemos ficar juntos.
Paro na calçada, deixando que ele se aproxime e penso que
foi uma péssima escolha, afinal, Liam poderia ser um pouquinho
menos tentador. Andar com um pouco menos de confiança de que
sabe que é encantador, sorrir como se não pudesse ler os meus
pensamentos elogiando-o em minha mente. Liam poderia ser um
pouquinho menos bom nisso de ser um cara incrível.
— Posso chamar de destino ou ainda quer negar que somos
sempre atraídos um para o outro, mon ange?
— E se eu falar que está mais para um tipo de stalker
profissional? — zombo, cruzando os braços e ele ri.
— Se esse tipo de coisa for a sua vibe e me ajudar a te
conquistar, posso começar a procurar como me aprimorar nessa
coisa de perseguição — responde com um dar de ombros,
arrepiando meu corpo somente com o flerte idiota. Liam umedece os
lábios ao se aproximar, parando na minha frente antes de me fitar
com desconfiança. — Não deveria estar trabalhando até tão tarde
assim — comenta. — Muito menos estar indo a pé para casa.
— É mesmo um stalker? — retruco.
— Foi só uma dica, não estamos tão longe do prédio da PP —
fala, indicando algum ponto atrás de mim.
— Cheguei mais tarde, chefe, posso sair mais tarde também.
Cumpri as oito horas e nada além delas, fique tranquilo — brinco,
dando dois tapinhas em seu peito.
— Acho que gostei dessa história de você me chamando de
chefe — afirma, inclinando a cabeça um pouco para o lado e abro a
boca em choque. — O quê? Pode ter os seus fetiches e eu posso ter
os meus, Amelie — fala, me dando uma piscadela antes de ficar ao
meu lado, me oferecendo o seu braço. — Irei acompanhá-la até em
casa, não deveria ficar andando tarde da noite na rua.
— São sete horas — protesto, mas ele ignora. — Eu posso
negar?
— Você quer negar? — devolve, me olhando com atenção
porque assim como eu sinto tudo o que sinto, ele também nota que
não quero afastá-lo de verdade.
Engulo em seco, encaixando meu braço no seu para
começarmos a andar e Liam parece satisfeito quando iniciamos a
nossa caminhada em silêncio. Tento não parecer ansiosa demais,
mas ele sabe que não sou muito boa com a quietude, então na
próxima esquina, ele acha um assunto qualquer para manter a
conversa.
— Posso perguntar como anda o trabalho?
— Não é como se não soubesse — debocho. — Inclusive, não
me disse que a empresa da sua família era uma das maiores
companhias do país! — exalto, porque isso faz dele um cara mega
rico.
— Gosto de ser modesto — zomba. — Na verdade, não me
sinto esse cara todo. A empresa pertence à minha avó, minha mãe
chefia muita coisa da Love Affair e Savannah é a CEO do principal
aplicativo do grupo. Eu sou só… o neto, filho e irmão, não sou
ninguém impressionante. Além disso, não menti, só não achei que
seria importante.
— Não era uma informação importante — pontuo, não
querendo que ele ache que irei tratá-lo diferente só por causa do
dinheiro. — Só… quando falou, achei que era um negócio pequeno,
só entre a família, não uma mega companhia.
— Sei que parece grande coisa, mas a Love Affair é como um
quinto membro na mesa do almoço de domingo na casa dos
Spencer — brinca e dou uma risada não planejada e alta demais na
rua vazia. — E, só para a sua informação, não sei sobre as coisas
que acontecem por lá. Sou um membro do Conselho pouco ativo.
Coloquei muita coisa nas mãos de Sav, então quando não é
extremamente necessário que seja eu, ela possui dois votos na
empresa.
— Vocês são muito unidos — comento e ele dá um aceno,
afirmando. — Está tudo indo bem. Fiquei feliz com a oferta, apesar
de não querer mentir para você e dizer que era o meu emprego dos
sonhos no momento. Sempre trabalhei nessa área e com a mudança
de tudo, pensei em mudar o rumo da minha carreira. Porém, sair do
Departamento Pessoal de uma empresa de finanças para um
aplicativo de relacionamento é uma mudança bem maior do que
imaginei.
— Então quase negou a vaga?
— Mais ou menos — confesso. — A escassez do mercado no
momento me fez repensar se realmente deveria recusar, mas a
proposta foi incrível e teria sido idiota desistir disso só porque
achava que não mudar de departamento seria não seguir em frente.
A Perfect Pairing é uma empresa ótima e todos estão sendo incríveis
comigo, Indina é a chefe perfeita, Savannah está sempre buscando
novas formas de transformar o nosso trabalho em algo ainda mais
cativante e produtivo.
— Ela tem esse lema que funcionário feliz é o funcionário que
trabalha ainda mais. Vovó discordou por muito tempo, mas quando
minha irmã bateu o pé sobre as áreas de convivência e provou,
pouco tempo depois, que isso estava ajudando os funcionários a se
sentirem mais criativos no trabalho, minha avó precisou dar o braço
a torcer — conta e dou uma risada, porque não pensei que a minha
chefe toda séria fazia o tipo teimosa, mas Liam e eu temos visões
bem diferentes de Savannah Spencer.
— Estou na empresa faz menos de um mês, ainda sou a
novata em tudo. Mal tive tempo para aproveitar as áreas de
convivência porque estou tentando ficar a par de todos os relatórios
do último ano e também tentando não atrasar nada — comento,
indicando com o queixo que devemos virar para a direita quando
chegamos em um cruzamento.
— É um cargo que exige bastante, acredito que Indina esteja
sendo bastante compreensiva — comenta com a pergunta implícita e
seguro meu riso, ele está preocupado comigo mesmo que eu não
esteja sendo a pessoa mais receptiva do mundo com ele.
— Claro que ela está — afirmo, apertando o braço dele
gentilmente, atraindo sua atenção para os meus olhos e o asseguro
de que estou sendo completamente honesta sobre o meu trabalho.
— E você? Andou sentando por aí com muitas passageiras?
— Impressão minha ou isso soou bastante ciumento? —
caçoa, me provocando ao empurrar meu ombro com o seu. — Não
se preocupe, sempre será a minha primeira e única, Amelie. Mas fui
para Paris mais de uma dúzia de vezes nos últimos meses, então
infelizmente vi outras várias garotas, mas nada se compara a você, é
claro — continua brincando e nem mesmo consigo fingir que sinto
qualquer pontada. Liam possui um tom tão jocoso que, mesmo se
eu quisesse, seria bobo fingir que a nossa história se repetiu por aí.
E isso deixa uma sensação gostosa em meu peito, porque ele
me deu uma experiência totalmente nova, é bom saber que também
foi única e marcante para ele.
— Certeza que nenhuma delas quis revogar a sua carteirinha
de ruivo — brinco.
— Não, inclusive, a minha foi finalmente renovada, só para
constar — pontua com uma seriedade que o assunto não possui.
— Ainda acho que eles estão cometendo um erro gravíssimo
— falo, me desvencilhando do braço dele e parando na sua frente.
— É aqui. — Aponto para a porta larga de madeira, ladeada por
vitrais coloridos que combinam com a arquitetura mais antiga do
prédio, apesar do interior bem reformado.
— Então, parece que está entregue — responde, sorrindo de
canto ao observar meu prédio.
— Não cheguei a perguntar onde estava indo. Não queria te
atrapalhar e não precisava ter me acompanhado.
— Que eu me lembre, nem te dei opções, mon ange —
replica, me impedindo de sentir uma culpa que nem é minha. —
Estava indo para a casa do meu melhor amigo, combinei de jantar
com ele, mas, não se preocupe, ainda posso seguir para lá e ele
nem perceberá o meu atraso. Afinal, imagino que um convite para
subir esteja fora de cogitação — sugere e faço uma careta. — Como
imaginei.
— Não é como se o destino não fosse te dar outra
oportunidade. Percebi que ele anda muito a seu favor — brinco,
ajustando a bolsa antes de pescar as chaves lá de dentro.
— Nem mesmo é a minha intenção, é só ele agindo por conta
própria. Acho que deveria mesmo começar a acreditar mais nele —
responde com um dar de ombros.
— Talvez eu comece a acreditar, sendo assim — afirmo sem
muita certeza, aproximando-me da porta.
— Boa noite, Amelie.
— Obrigada por me acompanhar e bom jantar, Liam — desejo
de volta, colocando a chave na fechadura quando ele dá dois passos
para trás. Mas Liam somente retorna pelo caminho que fizemos
quando já estou do lado de dentro, me dando um breve aceno antes
de partir.
De fato, o destino anda o colocando insistentemente no meu
caminho, só ainda não consegui definir se isso está sendo bom ou se
preciso tomar mais cuidado com o meu próprio coração.
Sirvo outro copo de chá gelado e olho para a mesa com
canapés, ainda que nada me chame atenção. Pego uma torrada com
um tipo de patê em cima, preciso comer algo ou passarei mal
novamente, e sei que isso não é a melhor forma de se misturar no
meu novo ambiente de trabalho. Não consegui almoçar nada por
causa da falta de apetite e tenho culpado o estresse no trabalho,
apesar de saber que não estou tão estressada assim.
Tudo é uma novidade, desde a forma como o funcionamento
da empresa ocorre até o tratamento dos funcionários. As metas são
diferentes e continuo tentando desvendar tudo enquanto sigo os
pedidos de Indina, reforço a minha posição confortável e confiante
para o pessoal do setor, além dos demais colaboradores do
aplicativo.
Marjorie estava certa quando falou que esse emprego seria
bom, porque tem sido uma mudança interessante de ares. A Perfect
Pairing é o tipo de companhia onde todos parecem descontraídos e
despojados, temos jovens estagiando meio período enquanto ainda
estão na faculdade e temos funcionários que estão ao lado dos
Spencer há anos, já organizando seus planos de aposentadoria para
os próximos anos.
É estranho pensar que essa empresa, que parece o próprio
comercial de margarina, é chefiada por uma mulher que se destaca
com estranheza na multidão. Estamos no terraço, o pôr do sol banha
o espaço de uma forma bonita e traz ainda mais conforto para a
nossa celebração. Savannah fez questão de pedir para organizarem
uma pequena festa para comemorarmos que as metas de verão
foram batidas antes do começo de agosto.
Não tinha ideia que tantas pessoas utilizavam o aplicativo,
porque eu nunca o usei, mas era noiva até poucas semanas atrás.
Marj baixou e tem amado todas as funcionalidades e estilos de
pareamento do aplicativo. Mais de um terço de Toronto usa e esse
dado se expande para todo o território canadense. Se alguém não
utiliza a PP, provavelmente utiliza algum dos outros aplicativos do
grupo Love Affair e descobri que o que eu usei para a lista de
casamento e convites virtuais faz parte do grupo.
Toda essa magnitude tem me feito ficar muito orgulhosa de
trabalhar por aqui, além de todos terem me recebido muito bem, o
que me deu um sentimento de pertencimento bem mais rápido do
que me ocorreu no meu último local de trabalho. Me aproximo de
um dos bistrôs vazios, observando o pessoal conversando e rindo
enquanto beberico meu chá.
— Eles são felizes demais para o meu gosto — escuto a voz
ao meu lado e viro meu rosto, encontrando a chefe do setor de
mídia ao meu lado. Ela está sempre andando com Indina e
Savannah, o que me faz pensar que são amigas, além de colegas de
trabalho, mas nos falamos poucas vezes e mesmo com o esforço,
não consigo me lembrar o seu nome. — Achei que Indina tivesse
dito que você já estava bem acomodada — comenta, franzindo o
cenho antes de apoiar o cotovelo na mesinha, estendendo a mão
para mim. — Lance Lawrence — fala, me ajudando quando
realmente não recordo seu nome.
— Me desculpa, ainda estou tentando me lembrar de todos os
rostos e nomes — digo, apertando a mão dela. — Amelie Taylor-
Robinson.
— Seus pais não ficaram satisfeitos com a sofisticação de um
nome bonito e precisaram complementar com um sobrenome
hifenizado? — brinca, me fazendo rir.
— Na verdade, são suas mães, o que explica melhor a junção
dos sobrenomes — respondo e percebo que a pose de engraçadinha
do humor sombrio de Lance vacila por alguns segundos. — Mas
admito, é meio pomposo demais. E, sobre decorar os nomes, fiquei
sabendo que é melhor não gastar a minha memória com o cara do
TI porque eles vão e vem mais do que o carteiro.
— Quem te falou isso está mais do que certo. A fofoca é que
a Savannah se alimenta do coração de todos os técnicos e por isso
eles são trocados com tanta facilidade — sussurra, se inclinando na
minha direção.
— Meu Deus, Lance. Deixe a Savannah ficar sabendo que
está fazendo fofocas assim sobre ela nos corredores e a próxima a ir
embora será você — Indina fala, caminhando em nossa direção com
uma taça de vinho branco na mão. Lance a fita com uma das
sobrancelhas arqueadas. — Foi uma longa semana.
— Mas é quarta-feira — murmuro meu pensamento em voz
alta.
— Imagine quantas taças dessa ela beberá até sexta, sendo
assim — Lance replica. — E Sav nunca me demitiria só porque
espalho algumas histórias interessantes sobre ela. Faço-a parecer
uma CEO fechada e misteriosa, como nos romances que ela adora.
Ok, essa é nova. Não sabia que a minha chefe certinha e
cética era rendida por romances clichês com CEOs.
— Não acho que falar que ela come o coração dos caras de TI
faz ela parecer misteriosa, está mais perto do canibalismo do que do
suspense — Indina rebate, apoiando a sua taça na mesa e preciso
beber mais chá para disfarçar minha risada.
— Falando nela, a família real chegou — Lance caçoa,
indicando com o queixo para o hall dos elevadores, onde posso ver
Ruby, Stella e Savannah Spencer.
As três mulheres da família são ainda mais bonitas do que
nas fotos que vi na internet. Ruby é uma senhora elegante, Stella
não parece mãe de dois adultos na casa dos trinta e Savannah
possui um tipo de beleza única. E, enquanto ainda estou absorvendo
a beleza das Spencer, o último membro da família surge ao lado da
avó com um sorriso que faz algumas mulheres ao meu redor
suspirarem. Faço um som engasgado antes de tossir e logo eles
começam a cumprimentar algumas pessoas e findo o meu copo de
chá em poucos goles, buscando uma ajuda para a irritação súbita da
minha garganta.
Indina e Lance me encaram preocupadas, mas meus olhos
retornam à família Spencer, mesmo que eu não precise de
verificação alguma quando posso sentir seus olhos na minha pele.
Liam tem os olhos fixos em mim, apesar de conversar com algumas
pessoas ao seu redor. O azul, mesmo à distância, faz com que eu me
arrepie e, caramba, passei os últimos dias me convencendo de que
isso era somente um fogo do momento e que a atração iria passar,
principalmente com o peso na consciência de ele ser meio que
proibido.
Pegar meu chefe deu muito errado. Pegar o irmão da minha
chefe, que é um quarto dono da companhia da qual a empresa faz
parte, é ainda mais perigoso e isso deveria ser um repelente bom o
suficiente.
— Menos de um mês e Liam já tem uma nova vítima dos seus
olhinhos azuis fofos — Lance debocha e só então percebo que ainda
estamos fixos um no outro. Desvio o olhar, balançando a cabeça em
negação e antes que eu possa falar algo, ela entreabre os lábios em
choque. — Mas vocês dois já se conhecem de antes, não é mesmo?
Meu estômago embrulha e, dessa vez, não tem nada a ver
com alguma comida que não caiu bem e, sim, com o nervosismo
que me embola por dentro. Dou meu melhor sorriso amarelo para as
duas.
— Desculpa, preciso ir ao banheiro — falo, sem responder a
pergunta retórica de Lance quando começo a me afastar, passando
quase que correndo pelos Spencer e entrando no elevador que ainda
está no terraço. Nem mesmo consigo compreender o meu
comportamento tão impulsivo, mas se quero realmente manter
distância de Liam, é melhor que as coisas sejam assim porque
preciso concordar com ele, o destino tem nos atraído
constantemente para dentro da órbita um do outro.

Comparo as minhas anotações na caderneta com os dados da


planilha à minha frente quando uma batida ressoa na porta da sala
de reuniões, onde estou trabalhando. Ergo os olhos para encontrar
Liam parado ali, me fitando com hesitação enquanto mantém uma
das mãos perto do vidro da porta e a outra dentro do bolso da calça
clara. A camisa de hoje é quase branca, com algumas listras azuis
minúsculas.
— Não pode fugir todas as vezes que eu entrar em algum
lugar, ainda mais aqui na empresa, se não quer que as pessoas
comentem sobre nós dois — diz preocupado e dou um aceno, me
levantando da mesa.
O andar está completamente vazio, quem não está no
terraço, já deixou o prédio e voltou para casa. São mais de sete e
meia e perdi o horário enquanto lotava a minha mente com números
e planilhas, dando o meu melhor para não pensar nele. Nem mesmo
consigo mais compreender do que estou fugindo, talvez sejam
atitudes baseadas somente no medo, mas algo dentro de mim
sempre me sussurra que é melhor manter distância.
Marjorie disse que é meu coração, ainda quebrado demais,
para compreender que nem todos os caras serão como Canaan.
Porém, o meu pressentimento de que algo vai dar errado é forte,
meu receio de deixar as coisas fluírem como elas querem fluir e
acabar estragando tudo, ou perdendo o meu recomeço. Sei que ele
compreende, mas também sei que é difícil ser evitado dessa forma,
ignorado quando não se tem culpa de nada.
Liam só deve estar querendo me mostrar que, tudo bem, não
precisamos ser nada além de conhecidos, entretanto, também não
somos inimigos um do outro. O problema nem é ele, ou o meu
receio, é o meu coração bobo que fraqueja um pouquinho perto
dele, é a minha pele que se arrepia quando ele se aproxima ou me
toca, é o meu desejo de tocá-lo de volta, a vontade de beijá-lo uma
outra vez, de sentar e conversar com ele por horas.
Ele traz um conforto, uma sensação de tranquilidade e paz
que há tempo não sentia e isso é mais assustador do que qualquer
outro sentimento.
— Estava um pouco cansada de toda a festa, acho que atingi
a minha cota de socialização por hoje — comento, levantando os
ombros quando ando até a porta e ele me permite passar, me
acompanhando pelo corredor enquanto caminho a passos lentos.
— É uma pessoa sorridente e amigável, Amelie, não me diga
que duas horas rindo com colegas de trabalho te deixaram farta
deles — replica, me conhecendo bem demais até. — Não quero que
sinta essa urgência de se afastar, entendi o recado e estou me
mantendo afastado.
E ele está mesmo, faz quase uma semana desde o nosso
encontro na rua, mais do que isso desde a última vez que ele me
procurou.
— É difícil para mim também — deixo escapar com certa
frustração e ele segura meu braço, me parando no meio de um dos
corredores fechados.
É quase um milagre encontrar salas por aqui que não tenham
paredes de vidro, mas o caminho entre a sala de reuniões e a área
do pessoal da programação e software é fechado por paredes claras.
Liam me encara confuso e estalo a língua no céu da boca, fugindo
dos seus olhos claros inquisitórios.
— É difícil estar perto e não perto o suficiente. É complicado
estar no mesmo lugar que você e não lembrar de todos os nossos
momentos na França. É difícil olhar para você e não me recordar de
como me fez sorrir tão facilmente e me fez esquecer como tudo
estava uma merda aqui em Toronto, como a vida que me esperava
era do tipo que me massacraria. Não está sendo fácil para mim
também — afirmo com veemência, a respiração ficando densa à
medida que crio coragem para encará-lo outra vez. — Você foi um
sopro de vida quando tudo estava no pior estado possível.
— Então por que continua se afastando? — indaga em um
sussurro, dando um passo para perto enquanto eu dou um para trás
e fazemos essa dança outra vez até que as minhas costas estejam
contra a parede. Mas é ele, não me sinto encurralada, me sinto
relaxada e é quase como se uma sensação de proteção me
dominasse.
— Porque é o certo a se fazer — respondo com certa lamúria.
— Por que tem tentado se convencer disso quando
claramente não acredita que é o certo a se fazer?
— Porque… — Eu nunca me senti assim, minha mente grita a
resposta verdadeira, mas gaguejo enquanto busco pela mentira. Que
tipo de tola eu pareceria se confessasse isso a ele? Tenho vinte e
seis anos, é difícil acreditar que nunca me senti tão nas nuvens
como me sinto todas as vezes que esqueço do mundo e me permito
ficar somente na companhia dele.
— Por que sempre foge de mim, Amelie?
— Porque tenho medo do que podemos acabar sendo se eu
não fugir.
— E o que tem medo que a gente acabe sendo? — questiona,
umedecendo os lábios e parecendo cada vez mais perto, cada vez
roubando mais do ar em meus pulmões.
É instintivo inclinar a cabeça para cima, fazendo meus lábios
roçarem nos seus, observando seus olhos se fecharem com força
antes de se abrirem outra vez, com as pupilas dilatadas enquanto
aguarda a minha réplica.
— Tudo — falo em um fio de voz antes de tomar coragem e
me deixar ser consumida pelo desejo, aproximando-me mais dele e
abrindo minha boca, tocando seus lábios e beijando-o tão
suavemente que o toque parece como uma pluma leve.
Ofegamos juntos e um som se perde em minha garganta,
talvez um gemido reprimido, não faço a menor ideia porque meus
pensamentos se nublam completamente quando ele me beija,
deixando que toda a vontade se esvaia pelos poros, não controlando
o desejo enquanto seus dedos se emaranham em meus cabelos.
Seguro sua camisa com força, amassando o tecido macio enquanto
o puxo até que o seu corpo se funda ao meu.
Não é o suficiente, nada é suficiente. Quero mais, preciso de
mais. Sua língua tocando a minha, a exploração ansiosa pela minha
boca, a euforia em forma de suspiros e respirações
descompensadas. Liam coloca a outra mão em minha cintura,
grudando-nos ainda mais e seu toque me faz soltar um pequeno
gemido quando me aperta, ficando satisfeita com a aspereza do
momento.
Ele me bagunça em suas mãos até que eu não consiga mais
me sustentar em minhas pernas, pronta para implorar por mais
quando ele nos afasta. Seus lábios continuam se arrastando pelas
minhas bochechas, beijando e lambendo o caminho até mordiscar
meu pescoço e inclino a cabeça para trás, oferecendo-o de bom
grado enquanto chamo seu nome em sussurros.
Seus olhos retornam aos meus, entretanto, o tilintar do
elevador corta todo o andar vazio, nos avisando que alguém está
descendo da caixa metálica há poucos metros de nós dois e prendo
a respiração com medo de ser pega no flagra, completamente
descabelada e vermelha pela boca e barba dele. Solto sua camisa e
arregalo os olhos, empurrando-o para trás suavemente e ele passa
as mãos pela camisa.
— Liam? — a voz de Savannah o chama e isso é ainda pior,
porque ele também fica com medo, talvez medo por mim e pelo
meu emprego precioso.
— Entra no banheiro — ele sussurra, me roubando um último
beijo antes de indicar a porta um pouco mais à frente e corro
apressada como uma adolescente, entrando no cômodo claro e
fechando a porta com cuidado para não ser ruidosa.
Savannah o acha segundos depois e parece confusa sobre o
sumiço do irmão, mas ele a despista falando que acabou entretido
conversando com Carter no celular e lembro que esse é o nome do
seu melhor amigo. Não sei se a minha chefe compra ou não a ideia,
porque as vozes começam a ficar distantes até que sumam de vez e
eu relaxe contra a porta do banheiro.
Esse é um dos motivos pelos quais não podemos ser um nós.
As regras falam sobre relacionamentos entre funcionários e como
não são indicados por causa da possibilidade de conflitos pessoais
virem para o ambiente de trabalho. Tenho quase certeza que me
relacionar com Liam entraria nessa categoria. Além disso, apesar de
parecermos perfeitos um para o outro, que o nosso toque pareça
encaixado um para o outro, ainda sou a mulher que terminou um
noivado horrível há dois meses, não sou a pessoa certa para ele no
momento.
Ainda sou quebrada demais, e não quero arrastar um cara tão
bom como ele para a bagunça que sou, mesmo que pareça tentador
ao menos dar uma chance para que tudo isso dê certo.
Abro outras duas cervejas antes de voltar até a pequena sala
na minha suíte. Estamos em Paris por vinte e quatro horas antes de
voltarmos para Toronto e Carter e eu decidimos dispensar qualquer
restaurante e filas, preferindo cervejas e petiscos comprados no
mercado a duas quadras do hotel. Meu melhor amigo estende meu
celular para mim enquanto pega a cerveja e bloqueio o aparelho
antes de colocá-lo no bolso.
— Sua garota é totalmente confusa — ele dá o veredito,
bebendo um gole da long neck. — Mas, em defesa dela, sinto que é
como se ela estivesse confusa com os próprios sentimentos.
— E está me deixando ainda mais confuso no processo, é
isso? — indago, colocando uma porção de amendoim na boca antes
de me jogar na poltrona.
— Basicamente — responde. — Amelie está entre a cruz e a
espada. Ela sabe que vocês têm algo, mas parece estar com medo
demais de perder o emprego se isso der errado e, convenhamos,
não podemos julgá-la. Não há segurança alguma que isso virará algo
sério.
— Ela é diferente — afirmo pela quarta vez na noite,
começando a ficar irritado por ele não confiar em mim.
— Liam, você sempre foi emocionado e todos sabemos disso,
mas as suas últimas três tentativas de se relacionar deram errado
porque, em algum momento, você deixou suas… questões passadas
falarem mais alto — comenta, tentando tomar cuidado ao rondar
esse assunto, mas ainda assim bufo, fechando a cara como sempre
faço quando Sally entra na conversa. Odeio que eles sempre a
tragam de volta como uma justificativa. — Viu, nem mesmo você
admite isso. Eu também não confiaria em você.
— O caralho que não confiaria, é o cara mais fácil de enganar
que já vi. E outra, não quero enganar Amelie, e isso não tem nada a
ver com Sally — contraponho, bebendo minha cerveja. — Só me
deixa frustrado que ela simplesmente ignora todo o resto. Não tenho
nada com a PP, nem mesmo tenho voz lá dentro porque a empresa é
inteira da Savannah, não é como se ela fosse perder o emprego se
desse uma chance para nós para ver onde isso vai dar.
— Ela acabou de sair de um noivado bem ruim pelo que
falou. Ainda deve estar machucada — replica pacientemente.
— Eu sei disso!
— Sabe mesmo? Porque acho que está esquecendo do ponto
mais básico de todos aqui. Ela está magoada ainda no quesito
relacionamento, Liam, não é porque Amelie vê toda a química que
vocês têm e gosta de dar uns pegas nos corredores da PP, que ela
está pronta para ser empurrada para um encontro e um novo
envolvimento — pontua, apoiando os cotovelos nos joelhos e me
olhando atentamente.
— Ninguém fala “dar uns pegas” hoje em dia — murmuro
com desgosto da expressão.
— Sou um homem casado, me perdoe por não saber esses
termos da juventude — debocha, revirando os olhos.
— Então o que eu devo fazer? — pergunto. — Entendo todos
esses pontos, mas também não quero ficar sendo feito de bobo
enquanto ela decide as coisas e perdemos tempo.
— Você é tão dramático e imediatista — bufa, insatisfeito. —
Não está sendo feito de bobo, príncipe encantado, pode ir parando
por aí. Sei que falaram que não podem ser amigos, mas podem
fingir que sim. Pode tratá-la cordialmente quando se encontrarem e
tentar manter uma conversa — comenta, apontando para o bolso
onde está o meu celular. — Logo ela vai perceber que é bobagem
tentar resistir aos olhinhos azuis bonitos dos Spencer e dará um
passo adiante.
— Sua dica é só que eu sente e espere?
— Não é tão difícil assim, vai.
Respiro fundo, passando as mãos pelos cabelos e preciso
admitir, não é tão difícil assim e talvez eu seja mesmo meio
imediatista. Porém, depois do beijo que trocamos no corredor da PP,
Amelie finalmente aceitou minha solicitação e me seguiu de volta no
Instagram, enviando uma mensagem direta e me agradecendo por
não ter falado nada sobre o que aconteceu ou sobre ela estar na
empresa trabalhando ao invés de na festa para Savannah. Somente
isso e nada mais.
Nada sobre o beijo, ou sobre o que me disse a respeito de ter
medo de acabarmos virando tudo, que isso é o seu medo sobre nós
dois. Nada, nadinha. Ela me confunde com esse tira e põe, mas
Carter tem razão, porque nossa conversa de três dias atrás me faz
pensar que Amelie está confusa com os próprios sentimentos
também. O que é compreensível, já que há pouco mais de dois
meses, ela descobriu que o namorado de anos, noivo com quem se
casaria em poucos dias, a traía há meses.
— É, não é tão difícil assim — replico.
Poderia simplesmente desencanar dessa, esquecer Amelie e ir
para a próxima, evitar a empresa por algum tempo para não cruzar
com ela, dar desculpas à minha avó, minha mãe e Savannah para
não comparecer a nenhuma festa ou confraternização. Entretanto, a
mísera ideia de simplesmente esquecer dos nossos dias juntos, de
esquecer o som da sua risada, seu beijo sedento pelo meu e seus
lábios murmurando meu nome enquanto ela se entrega para mim, a
ideia de deixar isso tudo para lá me deixa maluco.
Amelie grudou em minha pele e dominou meus pensamentos
desde o dia que sorriu para mim na poltrona daquele avião indo para
Paris, me contando suas histórias e me deixando cuidar do seu
medo de voos turbulentos. Me deixou viciado quando me cobriu com
seus cabelos vermelhos enquanto dormia em meu peito depois de
suspirar por mim uma madrugada inteira e me deixou fissurado
enquanto seus olhos se iluminavam a cada novo ponto de Bordeaux
que descobríamos juntos.
A ideia de simplesmente deixar de lado e esquecer todos os
efeitos que ela causa em mim chega a ser idiota, porque sei que não
iria conseguir. E se o preço a se pagar para tentar dar uma chance a
isso é esperar um pouco até que ela esteja mais segura, acho que
estou bastante disposto a ser paciente por Amelie.

Abro pela milésima vez a conversa com Amelie só para


descobrir, de novo, que ela ainda não me respondeu. Claro, ela deve
estar trabalhando, mas segui os conselhos de Carter e estamos
conversando como duas pessoas próximas de serem amigos. Ela me
conta do seu dia, eu falo em qual local estou e conto algumas coisas
sobre a viagem para ela.
Entretanto, ser colocado na zona da amizade é uma bosta.
Guardo o celular no bolso e cumprimento alguns funcionários
conhecidos enquanto aguardo pela minha mãe. Combinamos de
almoçarmos juntos e, almoçar no horário de Stella Spencer significa
duas da tarde. Estou morto de fome!
Caminho pelo saguão do térreo, tentando não parecer tão
impaciente até que minha atenção é atraída pela ruiva com a cabeça
baixa, lendo algo no celular, entrando no prédio. Tento desviar o
olhar para que não seja pego fitando-a, mas como se um ímã a
atraísse para mim, assim como eu sou atraído para ela, os olhos
azuis esverdeados de Amelie me encontram e seus passos tomam
outro rumo, se aproximando.
— Juro, juradinho, que não armei isso aqui — digo assim que
ela está perto o suficiente e arranco uma risada baixa dela.
— Não sei, não. Falou que poderia começar a ter tendências
de um perseguidor — zomba.
— Ei, disse que poderia ter caso você curtisse — recordo-a. —
Estou esperando minha mãe, mas as mulheres dessa família são
sempre atrasadas demais.
— Estou voltando do meu almoço e imaginei que não
estivesse aqui gastando seu tempo me esperando — diz, colocando
as mãos nos bolsos traseiros do seu jeans.
— O quê? Perdeu o medo de eu aparecer na sua frente com
um convite para jantar? — brinco e ela prende o ar, tensionando seu
corpo enquanto me encara, demorando para responder.
— E se eu fosse dizer sim? — Ela me surpreende com suas
palavras e nem mesmo consigo evitar que o choque fique evidente
em meu rosto. Isso faz Amelie ganhar um tom de vermelho vivo,
envergonhada do seu momento de coragem. — Quer dizer, eu…
— Gostaria de sair para jantar comigo? — interrompo-a antes
que retire tudo o que disse, antes que se arrependa e eu perca esse
momento.
Ela fica em silêncio por um instante, mordiscando a parte
interna da bochecha e desviando seus olhos dos meus.
— Acho que estou cansada de fingir que não quero isso só
porque estou presa nas coisas ruins do passado — diz. — Sim, eu
adoraria sair com você. Mas… — começa, suspirando e me fitando
novamente. — Não sei mais como fazer isso, ir a encontros e flertar,
ficar com caras bonitos e essas coisas. Nunca fiz isso, sendo
honesta. Estava na faculdade quando comecei a namorar e…
Realmente não sei ser essa garota — finaliza.
— Adoro quando me chama de cara bonito — falo, querendo
amenizar seu receio. — E está tudo bem, não quero que seja
qualquer tipo de garota que não você mesma, Amelie — replico. —
Se quiser, nem mesmo precisamos sair, podemos fazer algo em casa.
Pode ir para o meu apartamento e posso cozinhar para você.
— Não sabia que cozinhava — fala, franzindo a testa com um
tom humorado.
— Eu não sei, mas posso aprender para cozinhar para você,
mon ange. Estou tentando fazê-la aceitar um jantar há dias, não
será uma mísera falta de talento na cozinha que me impedirá de ter
isso — respondo levantando os ombros e Amelie ri, cobrindo a boca
com a mão para abafar o som. — E então?
— Acho que gosto da ideia de me arriscar com os seus dotes
culinários — afirma, dando breves acenos com a cabeça.
— Está realmente topando um encontro comigo? —
questiono, ainda abobado com a reviravolta dessa terça-feira.
— Sim, estou. Sexta ou sábado?
— Sexta. Irei trabalhar no domingo cedo — comento com
uma careta, porque gostaria de passar o final de semana inteiro com
ela, mesmo sabendo que isso nem é uma possibilidade que Amelie
está me dando.
— Sexta, sendo assim — confirma. — Preciso voltar para o
trabalho ou Indina logo irá me ligar, temos uma reunião daqui a dez
minutos — fala, olhando para o relógio em seu pulso. — Me mande
a localização e o horário, prometo que estarei lá.
— Pelo jeito, estava mesmo esperando que eu aparecesse
com um convite para jantar — zombo quando ela começa a se
afastar.
— Me disse para acreditar em destino, essa sou eu
acreditando — responde, dando de ombros antes de virar as costas
e logo passar pelas catracas, me deixando atônito.
Pelo visto, aguardar com paciência era mesmo a chave para
tudo e tenho certeza que o tempo irá passar devagar demais até
sexta-feira, mas finalmente tenho um encontro marcado com a
minha garota e nada irá estragar isso.
Seria uma completa mentira dizer que eu não estava me
sentindo nervosa para essa noite. Depois de deixar um pensamento
impulsivo tomar conta e topar o jantar com Liam, passei alguns dias
remoendo a ideia. Sendo honesta comigo mesma e com Marjorie
quando conversamos ontem à noite, a possibilidade de eu ser
demitida só por ter encontros e me envolver com ele eram nulas,
porém isso não significa que não possa ocorrer caso tudo dê errado
no futuro.
No dia seguinte à festa na empresa, Indina apareceu em
minha sala porque percebeu meu comportamento estranho na tarde
anterior e queria saber se precisava se preocupar com algo. Fui
honesta ao dizer que conhecia Liam de outro momento, muito
anterior à minha contratação e nem mesmo tinha ideia de que a
empresa pertencia à sua família. Ela acreditou em mim e tão rápido
quanto o assunto se iniciou, ele foi findado.
Marj disse que essa foi a comprovação que estava sendo
somente boba por afastá-lo e fiquei digerindo essa informação,
porque parecia ser a opção mais verdadeira. No fim das contas,
estava apenas com medo de me envolver de novo, ainda estou na
verdade. Apesar de confiar em Liam, existe uma pontinha chata
dentro de mim querendo me dizer que ele pode ser como Canaan,
que pode quebrar meu coração como meu ex quebrou.
Sou uma mulher bem diferente da garota de dezenove anos
que começou a namorar com um colega de turma. Me formei,
comecei a trabalhar em uma grande empresa, na qual o pai de
Canaan era o dono, me mudei para um apartamento maior do que o
dormitório da faculdade, fiquei noiva, descobri que estava sendo
traída e cancelei tudo. Consegui retomar minha vida e estou feliz
com meus avanços. Não sou mais a menina que ficou deslumbrada
ao ter a atenção de um dos caras mais cobiçados e herdeiro de uma
grande empresa de finanças que me disse meia dúzia de palavras
bonitas.
Entretanto, não significa que eu ainda não tenha medo, que
ainda não exista aquela vozinha sussurrando para que eu fique
atenta ou acabarei ainda mais machucada do que da última vez.
— Está fazendo aquilo de novo, não é? — Sua voz me tira dos
pensamentos e pisco algumas vezes, voltando a encarar Liam
enquanto ele molda a massa na forma. — Ou está fingindo estar
perdida dentro da própria cabeça somente para não me ajudar? —
provoca, arqueando uma das sobrancelhas e reviro os olhos.
— Me disse que era ótimo na cozinha, estou deixando que me
mostre os seus dotes — replico, me aproximando para pegar o pote
com a geleia de amora para rechearmos a torta.
Nosso jantar está cozinhando, as batatas salteadas já estão
prontas, assim como o molho de especiarias que irá por cima delas e
depois de selar a carne por alguns minutos, Liam colocou as tiras
grossas do bife no forno elétrico. Sua cozinha é muito bem
equipada, apesar do apartamento não ser gigantesco. Liam mora no
último andar do prédio e tem uma vista privilegiada do céu por
causa da sala preenchida por claraboias. A cozinha é espaçosa, mas
somente um pouco maior do que a minha. Não explorei mais do que
isso do apartamento.
— Estou seguindo todas as receitas à risca, se algo não der
certo, é culpa dos sites — pontua e indica que posso colocar a geleia
por cima da massa furada.
— Não deveríamos assá-la primeiro antes de colocar a geleia?
— indago, porque já vi a mãe Jenny fazendo tortas e ela sempre
assa previamente a base antes de adicionar o recheio e o topo.
— Não falam isso aqui — diz, apontando para a tela do seu
celular apoiado em meio a potes com a receita aberta.
— Ok — respondo, ainda desconfiada enquanto despejo a
geleia e ele bebe um gole da sua cerveja.
Liam me perguntou qual era a minha bebida predileta e
comprou meu vinho rosé favorito, apesar de eu estar me sentindo
péssima pelo esforço desperdiçado dele, uma vez que não cheguei a
beber uma taça inteira antes que a bebida parasse de descer bem.
Não que eu tenha dito isso a ele, não quero estragar nossa noite
com algo tão bobo.
— Confie no processo — ele zomba antes de olhar o forno.
— Estou confiando inteiramente no processo porque estou
com muita fome — brinco, passando a mão pela barriga e ele ri com
a graça, voltando a se aproximar. — Achei que estivesse brincando
quando disse que não sabia cozinhar nada. Podia ter ajudado com o
jantar ou poderíamos ter pedido algo.
— Já está ajudando com a sobremesa — indica, apontando
para a torta. — E fui eu que te convidei para jantar, seria justo que
desse meu jeito para fazer acontecer. Honestamente, foi menos
difícil do que pensei, só espero que tudo esteja comível — comenta,
levantando os ombros e pegando o restante da massa para cobrir a
geleia.
Beberico mais um gole do vinho, me permitindo sentir as
pequenas emoções que consomem meu corpo no momento. Ele está
dando o seu melhor para tudo ir bem essa noite e merece que eu
deixe tudo do lado de fora, que esteja presente de corpo e mente
com ele. Sorrio, dando um passo para o lado e ficando tão próxima
que nossos corpos quase se tocam enquanto o ajudo a arrumar a
massa.
— Obrigada — digo, olhando-o e logo sua atenção se volta
para mim, esquecendo da torta por alguns segundos ao parecer
confuso com meu agradecimento. — Obrigada por insistir um
pouquinho em mim — complemento e vejo seu sorriso crescer antes
dele tocar o indicador, cheio de farinha por causa da bancada onde a
massa descansava, na ponta do meu nariz.
— Você compensa sempre cada segundo — replica, enchendo
meu coração de uma sensação nova. Ele faz parecer que sou a
pessoa mais interessante do mundo, quase que sou valiosa, e, nesse
momento, me deixo acreditar em cada uma das suas palavras. Me
inclino, ainda com as mãos na bancada, e deixo um beijo casto em
seus lábios, capturando seu sorriso para mim por alguns segundos
antes de me afastar. — Hm, eu gosto disso — murmura com o tom
jocoso, não me deixando ir para longe enquanto esfrega seu nariz
no meu em um carinho fofo. — Podemos fazer só mais uma vez? —
pergunta com o sorriso malicioso que sempre me derrete e solto
uma risada antes de acenar, concordando.
Liam me beija, soltando a massa na bancada para abraçar
minha cintura, cruzando os pulsos nas minhas costas para não me
sujar ainda mais de farinha e abraço seu pescoço da mesma forma,
deixando que ele reivindique minha boca para si. O beijo é calmo,
gentil e sem pressa, ele consome cada cantinho de mim, me arranca
alguns suspiros e mordisca meu lábio antes de voltar a fundir nossas
bocas. Minha mente se esvazia, sentindo a delícia do momento, de
estar perdida em seus braços.
Beijar Liam me deixa com o sentimento de que sou uma
adolescente sendo beijada pela primeira vez novamente, com a
sensação de estar flutuando, com o coração acelerado, a mente
pensando somente em como isso é delicioso. É bom estar nesse
lugar outra vez, é incrível sentir o estômago revirar de ansiedade
enquanto ele continua me beijando como se não tivesse pretensão
de parar tão cedo. Todavia, é o arrepio permanente que ele deixa
que faz com que eu fique ainda mais atordoada, porque isso é
completamente novo. É completamente Liam para mim.
— Gosto mesmo disso — sussurra contra a minha boca,
deixando outro selinho ali antes de se afastar, fitando meus olhos e
sorrindo, voltando a manchar meu nariz com farinha e reviro os
olhos enquanto ele ri. — Fica bem melhor assim — afirma,
afastando-se de vez.
— Topo ser cobaia das suas experiências na cozinha e é isso
que ganho em retribuição? — questiono, fingindo indignação ao
passar o dorso da mão, limpando a pequena manchinha ali.
— Se bem me recordo, só aceitou vir essa noite porque seria
minha cobaia — replica, franzindo os olhos como se estivesse
pensativo.
— Ainda não tenho tanta certeza assim de que essa massa
não ficará crua — rebato, mas ele estala a língua, como se dissesse
que estou sendo boba e preciso confiar. — E esses são os piores
padrões que já vi — zombo, olhando para as tiras trançadas que ele
organiza no topo da torta.
— Não me julgue, estou dando o meu melhor, mon ange —
diz, fazendo um biquinho adorável em seu drama. — Cuide disso
então enquanto eu tiro a carne do forno para colocarmos a torta
para assar — pede, me entregando as tiras presas pela metade.
Liam lava as mãos na pia e beija meu ombro no caminho até
o forno, espiando a carne lá dentro antes de vestir as luvas grossas
e puxar a travessa, deixando que um aroma delicioso preencha a
cozinha. Finalizo o topo da torta e pincelo as gemas batidas antes de
colocar a forma para o lado, deixando livre o espaço da bancada que
sujamos com farinha para poder limpá-la. Ele deixa a carne em cima
do fogão e escuto os pequenos estalos por causa da quentura.
Fazemos um trabalho em equipe, enquanto ele coloca a torta
para assar em fogo baixo, eu junto com as mãos o restante da
farinha da bancada. Porém, assim que pego o pequeno montante
com os dedos, não resisto à minha criança interior e quando Liam se
vira novamente para me fitar, estou próxima demais, já na ponta dos
pés, e polvilho o pó branco em seus cabelos como uma pequena
vingança.
Sua expressão de choque é imediata e, com ela, o humor se
esvai do meu corpo e fico tensa. Porra, estraguei tudo, não deveria
ter cedido ao meu desejo pela brincadeira. Ele irá ficar chateado
com isso e nossa noite será arruinada. Minha respiração trêmula,
pronta para receber a repreenda dele, pronta para ouvir o grito
frustrado, cheio de raiva e quase me encolho em meu lugar,
encarando seus olhos azuis.
Mas sou pega de surpresa quando ele semicerra os olhos e
um sorriso surge em seus lábios, substituindo o choque com uma
risada contida enquanto agarra minha cintura, me prendendo perto
dele.
— Não acredito que fez isso — fala entre risos e vira a cabeça
para baixo, sacudindo os cabelos em mim e me sujando de farinha.
Gargalho, sem conter o som quando o sentimento de alívio explode
dentro de mim, junto ao pensamento de que parecemos duas
crianças em uma guerra de farinha. — Pois agora será mais do que
somente esse seu nariz arrebitado que ficará sujo — ele profere sua
vingança com humor, continuando a segurar minha cintura com uma
das mãos, mas usa a outra para pegar um punhado do pó dentro do
saco aberto na bancada.
— Não! — imploro em meio à minha risada. — Liaaam! —
digo, com a barriga dolorida de tanto rir, mas nada disso impede que
ele espalhe a nuvem branca ao nosso redor, nos sujando ainda mais.
Tento me proteger, me escondendo contra seu peito e
fechando os olhos, batendo as mãos ao redor cegamente para fazer
a farinha voar para longe, mas é aí que perdemos o controle total.
Minha mão bate em algo duro na bancada e percebo tarde demais
que era a ponta da concha dentro do pote com um restinho de
geleia de amora. Em um segundo, estamos sujos somente de
farinha, no instante seguinte, estamos cobertos pelos infinitos
respingos de geleia.
Nós dois paramos, ambos com a boca aberta, percebendo a
bagunça que fizemos na bancada e em nós mesmos, e então outra
explosão de gargalhadas preenche o apartamento.
— Estamos imundos — sussurro, recuperando meu fôlego e
passando a ponta dos dedos pelo rosto dele, tirando a fina camada
branca. Nossas roupas, rostos e cabelos estão cobertos de farinha e
algumas gotas avermelhadas. Minha camiseta foi a maior vítima da
geleia e é para ela que Liam olha.
— Viu só, isso foi o carma por querer se vingar — brinca,
apontando para o tecido antes de dar um passo para trás e analisar
a situação. A bagunça maior está na bancada. — Limpamos primeiro
isso e depois lidamos com o chão, um pano molhado deve resolver
— comenta, fitando o chão, que foi o que mais se salvou da nossa
guerra.
Dou um aceno, tentando não sacudir tanto os meus cabelos
para não sujar tudo ainda mais e começo a recolher a louça,
colocando tudo na pia enquanto Liam passa a esponja pela bancada,
limpando-a rapidamente antes de lavar as próprias mãos.
— Desculpa pela bagunça — falo assim que coloco o último
pote na pia, com nossa bagunça já organizada.
— Não faz essa cara, foi divertido — replica, puxando minha
cintura e provavelmente sentindo o clima pesar um pouco. — Não
me afasta de novo — pede em um sussurro.
— Eu só… acabei fazendo a maior bagunça na sua cozinha
e… — começo a me justificar, olhando para o chão, mas Liam puxa
meu rosto de volta, me fazendo encarar seus olhos e sorri. — Pode
ir se limpar que termino de organizar aqui.
— Nem pensar — replica. — Podemos lidar com a cozinha
mais tarde — diz, abraçando minha cintura com força e fazendo
meus pés saírem do chão. Dou um gritinho chocado enquanto ele
me carrega pelo apartamento até estarmos dentro do seu quarto e
então, do banheiro.
— Meu Deus, acho que vou precisar mais do que somente
uma limpeza — murmuro ao olhar meu reflexo depois que ele me
coloca no chão, com os cabelos polvilhados de farinha, a blusa e
meu decote sujos. Liam para atrás de mim, não parecendo tão
melhor assim.
— Cuidado, Amelie, ou posso desconfiar que está se
insinuando para tomar banho comigo de novo — brinca, me
encarando pelo espelho com seu sorriso malicioso que me traz
muitas memórias deliciosas da nossa última noite em Bordeaux e
tudo o que fez comigo. Me repreendo mentalmente, porque aperto
as coxas juntas, excitada somente com a lembrança. — É isso o que
quer? — indaga com a voz mais grave enquanto seus dedos
começam a subir e descer a bainha da minha camiseta, tocando
levemente a minha pele.
— Acho que um banho seria bem melhor do que somente
limpar tudo — replico, umedecendo os lábios e ele gruda seu corpo
no meu, me fazendo senti-lo por inteiro atrás de mim.
— Eu gostaria bem mais que falasse que quer que eu te foda,
mas aprecio seu jeito de falar putaria de qualquer forma — debocha,
sussurrando no meu ouvido antes beijar meu pescoço, chupando
minha pele. Suas mãos sobem, me expondo pouco a pouco,
enquanto suspiro pelo trabalho dos seus lábios, me arrepiando com
beijos e mordidas.
— Desculpa, acho que vim com defeito de fábrica nesse
quesito — caçoo entre arfadas e ele ri abafado contra meu ombro
antes de pedir silenciosamente que eu erga os braços, puxando
minha camiseta para cima até que o tecido caia no chão.
— Tudo bem, acho que você é uma ótima aprendiz, teremos
boas oportunidades no futuro — comenta, seus olhos queimando
minha pele através do espelho, observando cada pedacinho e tenho
vontade de me encolher, um pouco envergonhada.
Sempre me achei magra demais, a pele branca quase
translúcida, os braços e pernas muito compridos para uma garota.
Ser vista nunca foi algo confortável, mas gosto de como Liam me
olha agora. Ele me diz que sou bonita com eles, passando os dedos
calmamente pela minha pele, arrepiando seu caminho da minha
cintura até a borda do sutiã antes de empurrar meus cabelos para o
lado e sei que seu próximo passo será abrir a peça, por isso me viro
de frente para ele.
Puxo a sua camiseta cinza e ele a despe, juntando-a à minha
camiseta no chão. Abraço seu pescoço, beijando seus lábios e ele
me empurra até pressionar minha bunda na bancada, cobrindo meu
corpo com o seu e roçando sua ereção crescente contra mim. Suas
mãos sobem pelas minhas coxas e ele embola minha saia jeans na
cintura, me colocando sentada na beirada da pia no instante
seguinte.
Seus beijos descem pelo meu pescoço, marcando minha pele
outra vez e arfo pelo seu toque, agarrando seus cabelos e mal
notando quando seus dedos soltam os ganchos do sutiã, que cai em
meus braços.
— Você é bom nisso — solto, sem controlar minha boca
maldita e ele ri baixo, se afastando para puxar o sutiã para fora e
me deixando ficar ansiosa enquanto fita meus seios pequenos. A
última vez, ele me fez gozar somente chupando-os e ainda parece
demais para mim, nunca pensei que isso seria mesmo possível.
— Espero que descubra que sou bom em muitas coisas, mon
ange.
Esse maldito apelido, sempre dito sussurrado, como se eu
fosse o seu segredo favorito, como se eu fosse algum tipo de pecado
que ele está prestes a cometer. Sua voz dizendo essas duas
palavrinhas, me chamando de sua e fazendo de mim o seu anjo,
sempre causa os piores efeitos possíveis em mim, como me deixar
excitada no meio do saguão lotado da empresa.
— Já sei parte disso, mas estou curiosa para saber todo o
resto — respondo e ele desce a boca para o meu mamilo, sugando-o
entre os lábios, deixando o som da sucção se espalhar pelo
banheiro, misturando-se com o meu gemido.
Ele mantém uma das mãos espalmadas em minhas costas,
não deixando que eu me afaste enquanto continua lambendo e
beijando meu seio. A outra serpenteia pelo meu corpo até estar no
meio das minhas pernas, com o indicador esfregando o tecido da
minha calcinha, sentindo minha boceta úmida e Liam solta um
grunhido ao perceber isso.
Seus dedos arrastam o tecido para o lado e ele mordisca meu
peito no mesmo instante em que separa meus lábios, passando o
polegar antes de pressionar meu clitóris, massageando-o. Abro
ainda mais as pernas, tentada a me deitar para trás, mas Liam me
mantém firme, erguendo-se depois de parecer satisfeito ao deixar
meus mamilos doloridos de tão enrijecidos e avermelhados e
voltando a fitar meus olhos.
— Adoraria fazer isso todos os dias, sabia? Poderia te chupar
todos os dias enquanto te fodo com os meus dedos, Amelie —
murmura contra minha boca, me penetrando com dois dedos e
arqueio meu corpo contra Liam com um gemido sôfrego.
— E eu amaria se fizesse isso todos os dias — replico, me
agarrando nele enquanto seus dedos se movimentam em um vai e
vem gostoso.
Aperto seus ombros, rebolando meu quadril contra a sua mão
e Liam continua a mover o polegar em meu clitóris. Seu toque é
rápido e me sinto cada vez mais desesperada para gozar, não
querendo prolongar nem um pouco essa sensação agoniante de pré-
orgasmo. Ele me deixa desesperada por mais, ansiosa por ele, com
o corpo vibrando de prazer, me esfregando contra seu toque,
buscando sua boca somente para gemer durante nosso beijo.
O espasmo vem junto a um choramingo e então meu corpo
amolece contra ele, exausto e ansiando por mais, mesmo que minha
boceta ainda lateje ao redor dos seus dedos. Ele beija minha
têmpora quando começa a afastar o toque.
— Nunca irei superar a visão de como fica ainda mais linda
quando está gozando para mim — sussurra em meu ouvido e a
única coisa que consigo fazer é sorrir abobalhada.
— Então me faça gozar de novo — peço, observando o brilho
nos olhos azuis ao me ouvir falar isso. — Com você dentro de mim
— complemento, descendo minhas mãos pelas suas costas e
arranhando-as de leve até chegar no cós da calça, desabotoando-a.
— Com muito prazer — replica, tomando meus lábios nos
seus por alguns instantes antes de se afastar, se desfazendo da
calça e da boxer que ficam jogados no chão do banheiro também.
Ele me pega novamente, descendo meus pés para o chão antes de
fazer o mesmo com a minha saia e calcinha.
Seu pau ereto toca minha coxa e um gemido fica preso em
minha garganta, sentindo o membro rijo e quente contra mim,
ansiando para tê-lo em minha boceta. Liam nota minha ansiedade e
me puxa até que não haja espaço algum entre nós, me provocando
com sua boca flutuando por cima dos meus lábios, mordendo o
inferior, lambendo-os, me negando beijos.
Arqueio meu corpo contra o dele, bufando em frustração e
beijando seu sorriso debochado. Ele me envolve com os braços, me
puxando para cima e abraço sua cintura com as pernas. Meu gemido
é baixo, mas o dele reverbera em meio ao nosso beijo no momento
em que seu pau toca o meu centro, mesmo sem encaixe. Me
esfrego, criando ainda mais fricção entre nossos corpos e uma das
suas mãos sustenta meu peso enquanto a outra, guia seu pau até a
minha entrada.
— Por favor — suplico quando Liam começa a me torturar, me
penetrando lentamente.
— Adoro fazê-la implorar por mim — ele fala com o tom
rouco, nos girando e encostando minhas costas na parede do
banheiro antes de arremeter de uma vez.
Minhas unhas cravam em seu pescoço, um grito de prazer me
irrompe e não achei que sexo pudesse ficar ainda melhor, mas meu
corpo inteiro parece estar mais excitado do que qualquer outra vez,
como se estivesse com os sentidos amplificados, o prazer latejando
por todas as minhas células. Ele mantém as arremetidas duras e não
me importo quando as minhas costas batem nos azulejos, me
deixando dolorida. Até mesmo isso parece incrivelmente delicioso.
Agarro-o com as pernas, impulsionando meu corpo de
encontro ao dele, encontrando-o nas investidas, contraindo meus
músculos ao redor do seu pau e ouvindo-o grunhir contra meu
ouvido, afundando os dedos ainda mais na minha bunda. Bagunço
seus cabelos com os meus dedos, parecendo necessitar dele com
urgência, na mesma medida que ele empurra contra mim cada vez
mais forte, mais fundo, mais rápido.
Liam sussurra que está perto de gozar, beijando meu
pescoço, mas em seguida sinto seus dentes me mordendo quando
me contraio contra ele e sinto seu gozo explodir dentro de mim,
escorrendo para fora da minha boceta. Ele continua me penetrando,
chupando meu pescoço no lugar onde mordeu, até que eu goze com
ele e meu corpo vire um nada com a onda de prazer que me
arremata, precisando do apoio dele para não cair completamente.
Suspiro com dificuldade, minha respiração ainda presa em
meu pulmão quando fico de pé devagar e suas mãos continuam na
minha cintura. Liam beija minha testa e apoio-a em seguida em seu
peito ofegante. Ainda sinto seu gozo descendo pelas minhas coxas,
me molhando com seu esperma e não ligo para isso, porque a
sensação é deliciosa, é como se me marcasse um pouquinho mais
como dele nesse momento.
— Acho que agora devo te dar um banho relaxante antes de
finalmente deixar você comer o jantar que prometi — brinca, me
arrancando um sorriso fraco e segura meu rosto com as mãos.
— Acho que acabei de ganhar o direito do maior pedaço de
torta… Meu Deus, a torta! — exclamo com desespero, arregalando
os olhos, mas ele me segura no lugar, contra a parede, e me rouba
um selinho demorado.
— Se a casa ainda não pegou fogo, estamos bem. Entra no
banho que irei verificar se ainda temos sobremesa — diz, mas
demora um pouco mais para me soltar, distribuindo beijos pelo meu
rosto e me deixando com um sorriso idiota nos lábios. — Espero que
saiba que, dessa vez, realmente irá passar a noite inteira comigo.
— Não esperava nada diferente — respondo, admirando o
contentamento que preenche seu rosto ao me ouvir dizer isso. —
Precisa ir ver a torta, Liam — lembro-o, escapando dos seus braços
e abrindo a porta do box de vidro. Ele ri, balançando a cabeça em
negação enquanto sai do banheiro, ainda me olhando por cima do
ombro como se eu fosse algum tipo de visão admirável.
Bem, Liam está me fazendo começar a acreditar que sou
mesmo. Pelo menos, para ele.
Solto um som de aprovação, colocando a primeira garfada da
torta de amora na boca. Não acreditava que a geleia tinha ficado
boa e depois de esquecermos do forno ligado enquanto fodia Amelie
contra a parede do meu banheiro, pensei que a massa ficaria
queimada. Entretanto, pareceu o tempo perfeito para que assasse
no ponto. Depois de um banho demorado, interrompido por beijos
lascivos que cobrei por esfregar seu couro cabeludo, tirando toda a
farinha dali, Amelie vestiu minhas roupas e deu o seu melhor para
secar os cabelos longos com a toalha.
Nós dois estávamos famintos demais para não correr de volta
para a cozinha e devorar a carne com batatas, ainda quente o
suficiente. Esquecemos a mesa posta, com velas apagadas e
sousplat embaixo dos pratos, comemos na bancada que divide
minha cozinha da sala de jantar e estar. Ela suspirou enquanto
provava a carne com o molho por cima e fiquei contente por ter
acertado tudo.
— Isso foi a primeira coisa que aprendi a cozinhar quando
chegamos na casa das nossas mães — ela me conta, apontando
para o próprio prato, com o pedaço já pela metade. Seu sorriso
parece tristonho e saudoso antes de voltar seus olhos para mim.
— Torta de amora? — indago, confuso.
Estamos na cozinha com ela sentada em uma das bancadas
livres enquanto apoio as minhas costas em outra, de frente para
Amelie.
— Tortas. Louis sempre foi apaixonado por elas, era viciado
na torta de abóbora, mas comíamos somente uma vez por ano, no
dia de Ação de Graças, caso tivéssemos sorte com o pessoal que
fazia as doações para a nossa ceia. Sempre deixei que ele comesse
meu pedaço — continua e torce o nariz, provavelmente pinicando
com o choro que ela segura. — Assim que chegamos na casa de
Jenny e Karen, aprendi a cozinhar tortas de abóbora. Comemos isso
durante todas as semanas por uns quatro meses, até que elas
criaram coragem de perguntar o porquê. Você sempre tem medo de
perguntar os porquês para uma criança órfã. Só queria que meu
irmão nunca mais precisasse desejar algo e não ter.
— Acredito que ele nunca mais desejou algo que você não
tenha dado a ele — comento e ela solta um riso baixo.
— Acho que o tornei um mimado de marca maior —
responde. — Aprendi a cozinhar outras coisas depois disso. É minha
mãe Jenny que cozinha e, no começo, evitava estar na cozinha com
ela, com medo de atrapalhar. Depois, ela começou a me convidar
todas as vezes que ia fazer o jantar, perguntava se eu queria ajudar
e me dava algumas pequenas funções como lavar as verduras, pegar
condimentos, colocar os pratos na mesa. Criamos um vínculo forte,
fui me soltando com ela e me sentindo em casa.
— E com a sua mãe Karen? — pergunto curioso, gostando de
sentir que ela estava livre para falar sobre uma parte do seu
passado. Amelie dá uma risada, apoiando o prato na bancada ao seu
lado.
— Fui um pouco dura com ela, não minto. Era difícil me
conectar com a mamãe porque sempre fomos diferentes. Louis se
deu bem com elas de primeira, mas ele é o tipo de cara
naturalmente sociável. Sempre fui mais quieta, a mamãe Karen tinha
dificuldade de me acessar, de me entender. Acho que demoramos
quase um ano até que estivéssemos no mesmo pé — fala,
parecendo achar a lembrança engraçada. — Eu era… velha. Dentro
do sistema, era considerada velha e a probabilidade de uma criança
ser adotada após os nove anos é pequena. As adoções tardias
sempre são mais raras, as pessoas preferem crianças com menos de
três anos, bebês ainda. Já cheguei no orfanato fazendo parte dessa
estatística e quando fui crescendo, percebi esse fato. Tenho muita
sorte por ter as minhas mães.
— Tenho certeza que elas também se sentem sortudas por ter
você — replico quando ela pega de volta o seu prato, comendo outro
pedaço enquanto hesito com a minha curiosidade. Não quero
parecer invasivo, mas ela abriu o tópico e várias perguntas surgiram
em minha mente. Essa é parte da sua história.
— Posso sentir que quer fazer uma pergunta — zomba,
limpando o canto da boca manchado por geleia. — Está tudo bem,
pode fazê-la. Sou muito feliz com a minha família, esse assunto não
é nenhum gatilho para mim, prometo.
— Não quero soar indelicado — respondo com uma careta,
mas ela só sorri como se eu fosse um bobo por isso. — Quantos
anos você e seu irmão tinham quando chegaram?
— Louis e eu não somos irmãos de sangue — fala com uma
risadinha. — Chegamos na mesma noite, eu tinha três anos e ele
tinha poucos meses, não lembro muita coisa, mas lembro de estar
na sala da inspetora e outra funcionária entrar com o bebê-conforto,
colocando-o ao meu lado. Nasci sem um genitor e minha genitora foi
presa por… inúmeras coisas. Não tinha parentes que me quisessem,
por isso fui parar no sistema. Louis foi deixado para trás. Lembro da
inspetora andar de um lado para o outro, organizando nossos
cadastros, e lembro dele chorar, nada o fazia parar, até que eu
coloquei a cabeça em seu colo e ele me olhou com atenção
enquanto eu pedia para ele não chorar, porque tudo ficaria bem
agora.
“O orfanato era o meu significado de ficar bem naquela
época. Não tenho muitas lembranças depois disso, mas a partir do
dia que chegamos, nunca mais ficamos distantes. Eu perguntava
dele o tempo todo, até que as funcionárias me deixaram vê-lo no
berçário, até ele ficar grande e passar a ficar com o restante das
crianças. Eu tinha quase dez e ele tinha seis anos quando conheci as
minhas mães. Nos conhecemos em uma das feiras que aconteciam.
Eu adorava as feiras porque tínhamos coisas que não tínhamos na
Casa. Não achei que elas iriam me querer, eu já era grande, tinha
problemas de aprendizado e era tida como insubordinada por isso,
apesar de ser quieta demais. Dois dias depois, elas apareceram no
orfanato e, em um ímpeto de loucura, falei que só sairia de lá com
elas se Louis fosse conosco. Talvez eu fosse mesmo um pouco
petulante.”
Sua gargalhada é baixa, mas ecoa pelo meu apartamento, e
parece ter gosto de memórias. Imagino a pequena Amelie, com seus
cabelos ruivos e olhos azuis esverdeados tristes, com o corpo
magricelo acolhendo um bebê enquanto ainda era quase um
também. Meu coração dói só de imaginar a cena, tão pequenos, não
mereciam o mundo cruel que lhe foi oferecido, não mereciam o
abandono e a falta de amor.
— Vocês deveriam ser inseparáveis mesmo.
— A ponto de irritar a inspetora de vez em quando, mas, no
final das contas, nos manteve juntos — replica, dando de ombros,
sem culpa alguma. — Desculpa, não quis deixar o clima pesado, eu
só… não sei, a lembrança me veio e…
— Você pede desculpas demais, mon ange — interrompo-a
gentilmente, caminhando até estar no meio das suas pernas. —
Obrigado por compartilhar sua lembrança.
— Obrigada por sempre me ouvir — fala de volta, soltando
um suspiro e tocando meu rosto. — Não era bem isso que eu tinha
planejado para nós dois.
— E o que tinha planejado? — questiono, acariciando suas
coxas nuas.
— Era para eu resistir, para eu me afastar até que
conseguisse resistir a você e todo esse sorriso fofo que tem, não era
para eu estar assim, no seu apartamento em uma sexta à noite, com
vontade de passar todos os meus dias aqui — ela sussurra e meu
sorriso cresce presunçoso em meus lábios.
— Acho que não contava com a minha insistência — comento,
levantando os ombros e ela revira os olhos antes de me dar um
beijo calmo. — Bom saber que pretende passar todos os seus dias
aqui.
— Não foi isso que eu falei — rebate, ficando com as
bochechas vermelhas e pego-a no colo.
— Foi isso que entendi, então é assim que será — caçoo,
começando a levá-la para o quarto. — Depois voltarei para me
certificar de que fechei, tranquei e escondi todas as chaves dessa
casa — zombo e ela gargalha, jogando a cabeça para trás e seus
cabelos se soltam do coque que fez, caindo pelos meus braços de
maneira graciosa.
— Já prometi que não irei embora.
— Ainda estamos trabalhando na parte da confiança, meu
amor. Precisarei de uma noite de teste — digo, mas a brincadeira só
faz com que ela ria ainda mais em meus braços.

Acordo com o som da porta batendo e levanto de súbito,


notando a ausência de Amelie na cama. Sento, assustado com o
barulho, até que noto a fresta de luz por baixo da porta do banheiro.
Passo a mão pelo rosto, ainda com muito sono e checo as horas no
celular. São seis da manhã, fomos dormir de madrugada depois de
passarmos muito tempo abraçados na cama, conversando sobre
outras coisas bobas como os nossos anos de faculdade.
Ainda estou desnorteado quando jogo os pés para fora da
cama e fico de pé, só então notando o som vindo e percebo que
Amelie está vomitando. Me apresso até a porta do banheiro e escuto
a descarga ser acionada quando dou duas batidas na porta.
— Estou bem — ela murmura lá de dentro.
— Claramente não está — rebato, fazendo uma careta
quando noto meu tom um tanto impaciente. — O que aconteceu? —
indago.
— Liam, por favor, não quero… — sua súplica se perde e
penso que ela deve estar em uma nova onda de mal-estar. Respiro
fundo, odiando o fato que ela deve estar envergonhada enquanto
estou tomado por preocupação. A porta está trancada e Amelie nem
me dá a oportunidade de tentar ajudá-la.
— Ok, irei esperar no corredor. Me chame se precisar de algo
— falo, ainda que a contragosto, e me afasto, odiando cada passo
que dou até estar no corredor, mas antes disso, escuto quando ela
começa a vomitar novamente.
Ando de um lado para o outro, passando as mãos e puxando
os cabelos, impaciente e preocupado com ela, pensando em tudo o
que comemos ontem, tudo o que fizemos, cada passo e tentando
entender o que aconteceu para que ela passasse mal. Parece levar
uma eternidade até Amelie aparecer na porta do meu quarto, os
cabelos em um coque bagunçado no topo da cabeça, os olhos
fundos e o rosto pálido.
— Estou bem agora — diz, mas ela não parece bem, parece
fraca. — Para de me olhar assim.
— Vem, vou fazer um chá para você. — Ignoro suas palavras,
oferecendo a mão e ela toma a minha, me deixando sentir seus
dedos muito gelados. — Por que não me acordou? — indago com
um tom suave, ajudando-a a se sentar no sofá da sala antes de
colocar um pouco de água na chaleira elétrica.
— Porque é bobagem e… é embaraçoso — sussurra quando
volto para a sala de estar e Amelie esconde o rosto nas mãos. Me
ajoelho na frente dela, segurando seus pulsos para afastá-las,
querendo que ela olhe para mim.
— Não é nada disso. Fiquei preocupado com você e passa
longe de ser bobagem. Como está se sentindo? Acho que tenho
alguns remédios aqui e… — Ela segura minha mão, me parando
quando começo a me levantar.
— Estou bem, de verdade. Não precisa se preocupar —
repete. — Eu irei marcar um médico na próxima semana para
descobrir o que está acontecendo. Tenho passado mal há alguns
dias, assim como aconteceu hoje. Não é frequente, mas tem
acontecido nas últimas semanas.
Acredito que Amelie, em sua bolha envergonhada por ter
passado mal na minha casa, não percebe, mas vários sinais de alerta
piscam em minha mente com a sua fala. Ela tem vomitado com
certa frequência nas últimas semanas? Os enjoos são de manhã?
Notei que ela mal tocou no vinho ontem, não parecia muito afim da
bebida quando levava aos lábios.
— Provavelmente devo ter desenvolvido algum tipo de
intolerância que ainda não consegui identificar — ela prossegue.
— Ou você… Amelie, será… — A chaleira chia alto na cozinha,
avisando que minha água já ferveu e levanto de súbito, indo até a
cozinha e pensando…
Porra.
Não deve ser, minha mente maluca só deve estar me
pregando alguma peça, os fragmentos ainda não curados do
passado, com ideias sem sentido invadindo a minha mente porque
não deve ser nada disso. Ela teria percebido, notado algo,
desconfiado. Os enjoos não passam de algo que a tem feito passar
mal.
Como um robô, preparo o chá, adicionando um pouco de
água fresca para equilibrar a água na xícara até uma temperatura
aceitável e levo de volta a ela, que solta um suspiro ao tomar o
primeiro gole. É só um mal-estar, nada mais do que isso.
— Ei, estou bem. Não foi nada do jantar, devo realmente
estar com o estômago mais sensível nos últimos dias. Com o
trabalho, a adaptação e tudo, deve ser só estresse — diz, tocando
meu braço e sorrindo de canto para mim, mas não me tranquilizo
muito.
A possibilidade de não ser somente isso me deixa com a
ansiedade pulsando pelos meus poros, o nervosismo me agitando,
fazendo meu coração bater rápido demais. Amelie termina seu chá
em silêncio e quando ela se levanta, parecendo hesitante e tímida
outra vez ao meu lado, percebo que estou estranho e que ela deve
estar tirando conclusões erradas.
Suavizo minha expressão, puxando sua cintura até que ela
esteja em meus braços, com a minha camiseta caindo até metade
das suas coxas, sua respiração pesada contra meu peito nu até que
ela relaxe no meu abraço. Beijo o topo da sua cabeça, querendo
tranquilizá-la ainda mais.
— Vamos voltar para a cama, você ainda está cansada —
murmuro, empurrando todas as minhas paranoias para bem longe e
focando somente na mulher deitada em meu peito.
— Tem certeza de que não quer que eu vá embora?
— Amelie! — repreendo-a por pensar assim, suspirando
quando vejo o receio em seus olhos. — Claro que não, quero que
fique aqui. Só fiquei realmente preocupado — complemento, o que
não é mentira, mas o que encheu minha mente e me fez ficar
estranho foi algo bem além do que só a minha preocupação com o
seu bem-estar.
— Ok, vamos deitar. Você também está com cara de quem
poderia aproveitar mais algumas horas de sono — fala, suspirando e
pegando minha mão enquanto caminhamos de volta para o quarto.
Quando encosto a porta e ela boceja, deitando-se de novo,
tomo um tempo para observá-la, tão exausta repentinamente que
mal me nota parado aqui, fechando os olhos assim que a cabeça
encosta no travesseiro fofo. Observo seu corpo, seu rosto, tudo,
cada cantinho dela e retomo as lembranças de ontem, dela nua em
minhas mãos, mas nada pareceu diferente assim.
Que porra, Liam?
Indago a mim mesmo, indignado por parecer um louco aqui,
parado olhando-a e pensando sobre isso, mas, quando me deito ao
seu lado, abraçando-a e ela suspira contra mim, não consigo afastar
o pensamento, consumido por essa dúvida.
Será que Amelie esteve grávida esse tempo todo e não tem
ideia disso?
— Foi extra embaraçoso! — falo pela décima vez, colocando o
rosto entre as mãos e querendo chorar de vergonha enquanto conto
para Marjorie como foi horrível passar mal na casa de Liam no nosso
primeiro encontro. — Acho que, se queria afastá-lo, agora irei obter
um resultado fenomenal.
— Ai, Ames, pare de ser tão dramática e maluca. O cara te
ajudou, ficou super preocupado. Está aí, te mandando mensagem
perguntando como está todos os dias, se passou mal de novo, se
marcou médico, se precisa de algo, e é claro que ele está
desinteressado — ironiza, revirando os olhos e apontando para o
meu celular na mesa, onde outra notificação de Liam aparece. — Viu
só?
Suspiro, pegando o aparelho e tentando controlar meu sorriso
quase apaixonado demais pela sequência de mensagens dele, me
avisando que tinham pousado em Londres e que cumpriria mais
algumas horas de voo em uma escala para Zurique antes de ter a
pausa. Liam também fez a fatídica pergunta de como estou e se me
alimentei direito hoje. Ah, ainda tem mais essa. Por ter passado mal
no sábado de manhã e também na segunda-feira, meu apetite
quase sumiu.
Estou com receio de comer e passar mal novamente, ainda
mais que o meu estômago parece quase constantemente
embrulhado.
Respondo as mensagens de Liam, sabendo que demorarei
para receber uma resposta, afinal, ele está mudando de um voo
para o outro.
— Ok, posso estar sendo um pouco idiota de pensar que ele
não quer mais me ver nem pintada de ouro, mas não pode me julgar
por estar com vergonha. Sei que passamos uma semana juntos, que
ele insistiu mesmo quando eu tentei fingir desinteresse, mas não
significa que ele se inscreveu para me aguentar passando mal na
manhã após o nosso primeiro encontro — digo, fazendo uma careta
novamente com a lembrança e Marj só revira os olhos outra vez,
levantando para encher sua taça de vinho e nego com a cabeça
quando ela me oferece uma.
— Podemos focar no ponto importante aqui? — indaga,
servindo a bebida e franzo a testa. — Já marcou algum médico? Isso
não é normal, Amelie!
— Eu sei que não, e irei marcar, essa semana foi uma loucura
na empresa e esqueci, mas irei ligar amanhã antes de sair para o
trabalho — prometo e ela me encara com desconfiança antes de se
aproximar.
— Amiga… — Marjorie pressiona os lábios juntos, sentando-
se de novo na minha frente e pegando as minhas mãos na sua, me
fazendo estranhar ainda mais toda a seriedade do momento. Ela
hesita, parecendo medrosa, e minha melhor amiga não é medrosa.
— Existe alguma possibilidade de você estar grávida?
— O quê? Claro que não! — afirmo, soltando suas mãos e
fitando-a com indignação. Óbvio que não. — Marjorie, claro que
não!
— Ames, pensa comigo. Sei que não é o ideal, mas me falou
que está tendo alguns enjoos, vomitou algumas vezes, a maioria
delas de manhã. Enjoos e náuseas matinais — começa a pontuar,
erguendo nos dedos. — Está se sentindo exausta, e sei que irá falar
que é o trabalho, mas já estive com você nas piores épocas de
trabalho pesado antigamente e nunca foi do tipo que perde a hora
dormindo durante um domingo à tarde — continua e então me olha
de canto, receosa do próximo ponto e também me deixando
preocupada. — Ontem me disse que duas das suas calças jeans não
fecharam.
— Porra — sussurro, fechando os olhos e analisando a junção
de todas essas coisas. — Eu não estou grávida — afirmo, como se
isso fizesse ser mais real.
— Quando foi a sua última menstruação? — indaga e abro a
boca, pronta para respondê-la com um sorriso presunçoso, quando
percebo a data, fechando os olhos porque nem mesmo sou capaz de
encará-la tamanha minha estupidez.
— Na semana do casamento — respondo baixinho, parecendo
me dar conta só agora que isso foi há três meses.
— Amelie! — Marjorie exaspera, arregalando os olhos e me
repreendendo.
— Eu sei, eu sei. Estive tão envolvida no luto pelo meu
relacionamento horrível e com meu novo emprego que não notei! —
grito de volta, colocando o rosto entre as mãos outra vez e
apoiando-as na mesa. Meus olhos ficam molhados e achei que
finalmente tinha acabado a Era dos choros impulsivos, mas sei que é
o meu desespero que se derrama pelos meus olhos. — Eu não estou
grávida — repito outra vez, tentando soar confiante para mim
mesma.
— Então não se importaria de fazer alguns testes, certo? —
pergunta baixinho, apreensiva, e respiro fundo.
Não estou grávida, não há problema algum em fazer alguns
testes.
— Claro que não — digo e minha melhor amiga se levanta,
me deixando chocada ao caminhar até sua bolsa, deixada no sofá, e
tira de lá cinco testes de gravidez de marcas e modos diferentes. —
Marjorie!
— O quê?
— Há quanto tempo está desconfiada disso?
— As calças foram a gota d’água para que eu percebesse que
as minhas neuroses talvez não fossem neuroses — confidencia e
permaneço com a boca entreaberta enquanto ela deposita na mesa
todos os testes, deixando um do lado do outro.
Um momento de silêncio toma meu apartamento enquanto
encaro os testes e Marjorie se senta novamente. O medo me toma,
ainda que eu tenha vontade de correr para o banheiro e fazê-los,
querendo tirar logo essa sombra de possibilidade da minha mente.
Torço as mãos no colo, sentindo uma nova onda de enjoo, mas sei
que dessa vez, o meu estômago embrulha de nervosismo.
— Sabe o que significa se der positivo, não é? — Marjorie diz
e volto meus olhos para ela, arqueando uma sobrancelha. É meio
óbvio, se der positivo, estou grávida. — Que Liam é o pai — ela
profere aquelas palavras tão assustadoras e, não, isso não pode ser
verdade. — Se quiser um tempo, posso ir embora e pode fazer isso
depois, mas deveria fazer o teste. Tirar essa dúvida.
Respiro fundo, não falando mais nada ao recolher os testes e
caminhar, o máximo determinada que consigo, até o banheiro da
minha suíte. Fecho a porta, mas escuto os passos de Marjorie atrás
de mim enquanto abro todas as caixas na pia, observando o método
de cada um.
— Estarei aqui fora, Ames — ela diz, sempre junto comigo,
sempre me apoiando.
Começo a sequência de testes e, a cada novo depositado na
pia para agir e me mostrar algo assustador ou aliviante, penso nas
pessoas da minha vida. É quase como se eu fosse um robô aqui,
dando o meu melhor para não surtar enquanto faço cada um de
forma automática. Não há porque mentir para Marjorie, mas acho
que quero esconder o meu desespero de mim mesma, quero fingir
que posso manter a calma.
Como irei contar às minhas mães? Como Louis irá reagir se
eu estiver grávida? Como será a minha vida com a gravidez? O que
Savannah irá falar quando lhe contar que, em menos de um ano
dentro da empresa, precisarei ter uma licença-maternidade porque
estou grávida do seu irmão? Será que tenho economias o suficiente
para montar um quartinho de bebê? Ao menos, sei que meu plano
de saúde cobre todas essas despesas, fiz questão de escolher um
apropriado porque…
Porque, quando eu fiz um plano, minha ideia era construir
uma família em poucos anos, com o cara que me casaria, em um
romance perfeito. Minha ideia era estar morando em uma casa
grande, bonita, com dois andares e um quintal bonito para
podermos ter um cachorro. Sempre sonhei em ter um cachorro
quando era pequena. A cozinha seria grande e eu poderia cozinhar
tortas de abóbora para os meus filhos, poderíamos criar tradições.
Agora, três meses depois de acabar o romance perfeito com o
cara que nunca seria um bom pai para os meus filhos, estou
trancada em meu banheiro, com cinco testes abandonados na pia
como se fossem contagiosos, porque seus resultados podem me
mostrar que a minha família linda não será nada como a planejada,
não tenho a casa dos sonhos, nem mesmo tenho um cachorro
ainda! Minha vida está completamente de cabeça para baixo e
aqueles resultados podem mudar tudo.
Olho o cronômetro no meu relógio de pulso, percebendo que
já se passaram cinco minutos desde o último teste, o que significa
que todos estão prontos. Desencosto da parede perto do box, mas
ainda demoro alguns segundos para criar a coragem necessária para
descobrir a verdade. Meus lábios tremem um pouco, meus olhos se
enchem e minhas mãos parecem trêmulas também.
Dou um passo para frente e então outro até chegar a um
ponto que sou capaz de ver todos os testes, todos os resultados.
Meu peito se comprime, as lágrimas escorrem em silêncio e escuto
Marjorie me perguntar se está tudo bem do lado de fora, se os
resultados já apareceram. Um soluço me escapa e a única coisa que
sou capaz de fazer é abrir a porta, permitindo que a minha melhor
amiga entre e veja por ela mesma…
Todos os cinco positivos.
Todos os resultados apontando que estou grávida.
Duas linhas.
Grávida.
Grávida +3 semanas.
Um sinal positivo.
E então outro com as duas listras rosadas.
Marj murmura algo, provavelmente em choque como eu,
porque agora só penso na pessoa mais importante daquela lista
mental.
Como irei contar ao Liam que ele será pai?
Sinto o olhar atento de Liam em mim e tento me concentrar,
sabendo que isso tem mais a ver com ele me observando enquanto
cozinho do que ele sabendo o que ainda estou escondendo dele. Por
pouco tempo, mas ainda escondo. Minha ideia é falar sobre isso
após o jantar, porque estou faminta e é a primeira vez, desde que os
cinco testes se enfileiraram na pia do meu banheiro, que sinto fome.
Minha vida virou uma sucessão de acontecimentos malucos
desde quarta-feira, quando os resultados positivos gritaram em
minha mente. Fui até minha médica, pedindo uma consulta
emergencial e consegui ser agendada para hoje de manhã, dois dias
depois. Nesse meio-tempo, fingi que estava tudo bem, mas fugi de
Savannah todas as vezes que nos cruzamos nos corredores, além de
saber que minhas respostas para as mensagens de Liam pareceram
rudes e secas. Ninguém pode me julgar, afinal, o que dizer quando
desconfia que está carregando um bebê em seu ventre?
Sim, estava tentando me manter confiante a respeito da
possibilidade de cinco falsos positivos até a confirmação com o
exame de sangue e da fala da médica.
Me assustei mais vezes nesses últimos dois dias do que em
qualquer outro período da minha vida. Foi como se eu tivesse medo
de que alguém saltasse na minha frente gritando: ESTÁ GRÁVIDA
DO IRMÃO DA CHEFE!
Óbvio que ninguém faria isso, ainda mais no tom jocoso que
ressoava em minha mente, mas não há como negar que esse foi o
meu medo.
Hoje cedo, fui ao consultório durante o meu horário de
almoço, porque precisava de uma confirmação que eu confiasse
totalmente antes de me encontrar com Liam essa noite. Ele fingiu
não notar minha estranheza e, como sempre, foi o perfeito
cavalheiro, me beijando e tirando meu fôlego, me abraçando e me
fazendo suspirar com o sentimento de ter seus braços fortes ao meu
redor, me fez rir e flertou como se já não me tivesse presa na palma
da sua mão.
Ele foi ele mesmo, me deixando segura e firme de contar
tudo. Sei que ele ficará chocado, talvez até negará por alguns
segundos o fato, eu neguei por quase dois dias. Então, ele irá me
dizer que ficará tudo bem e se manterá ao meu lado. Esse é o Liam,
o cara que segurou minha mão no avião, que me lembrou que podia
ser feliz durante a viagem que seria a minha lua de mel. Não é como
se ele fosse me abandonar desamparada no meio da rua, certo?
Minha consulta foi menos assustadora do que eu pensava. A
Dra. Kylie foi paciente e pareceu surpresa com a reviravolta da
minha vida. Eu também, doutora. Estávamos planejando colocar o
DIU no último ano, quando preferi manter o anticoncepcional por
causa do casamento e que Canaan e eu falávamos sobre filhos antes
dos trinta. Ela tentou não parecer tão chocada quando eu falei que
não estava mais noiva quando perguntou se meu noivo estava
ansioso para ter a confirmação também. Claro, acompanhada da
minha breve história de traição, tagarelada por puro nervosismo, ela
disse sentir muito e pediu desculpa por ser indelicada.
O vestidinho humilhante foi colocado, me deitei na maca fria,
senti o aparelho entrando com uma careta de desconforto,
completamente contraída pela ansiedade e no instante seguinte,
estava vendo algo na tela meio granulada. O meu pequeno algo.
Não soube muito bem identificar de qual lado vinha meu choro
naquele momento, o sentimentalismo me atacou e achei aquela
pequena manchinha a coisa mais perfeita do mundo, ainda que
conseguisse identificar sua cabeça e um pouco do corpo. Mas o
desespero também tomou conta, me deixando assustada com meus
próximos passos.
Entretanto, o mundo realmente parou quando a Dra. me
deixou ouvir seu coração acelerado, forte, batendo dentro de mim
com vigor. Até mesmo o incômodo não estava mais presente
enquanto ela media meu pequeno algo, me explicando algumas
coisas e indagando outras. Pelo meu último período, a data seria de
quase quinze semanas, entretanto, após algumas especificações, ela
atestou o período de treze semanas, como eu havia dito.
A última vez que estive na cama com Canaan foi antes da
minha última descida, após ele, somente um único homem era a
possibilidade e somente uma única noite era a data certa para isso
ter acontecido. Na hora, por poucos segundos, temi que houvesse a
possibilidade do meu ex-noivo ser o pai e isso me desesperou
completamente. É maluco pensar que um homem que mal conheço,
que entrou na minha vida me encantando completamente, é uma
figura paterna mais confiável do que o cara com quem me casaria,
que conheço há meia década.
Fui liberada após mil e um encaminhamentos, com uma pilha
de exames para fazer, sangue, urina, ultrassom, mais sangue, e
então novas consultas marcadas para que ela analisasse os exames
e anexasse na minha ficha. Outras muitas palavras saíram da boca
da Dra. Kylie, mas me perdi em um ponto e precisarei recorrer ao
seu número de telefone, à internet ou aguardar o retorno com os
resultados.
— Acho que já temos queijo o suficiente em cima da lasanha
— Liam murmura, segurando minhas mãos e afastando o pedaço do
ralador. Pisco, percebendo que acabei de fazer uma montanha de
queijo ralado por cima da massa que cobre o topo da travessa.
— Desculpa — sussurro, balançando a cabeça e olhando para
o quase desastre de queijo na minha frente. Liam somente ri,
beijando meu ombro e parando atrás de mim enquanto o espalha
com minhas mãos, cobertas pelas suas.
— Está trabalhando muito? Sua cabeça parece distante essa
noite — diz quando terminamos nosso trabalho e me afasto para
lavar as minhas mãos enquanto ele guarda o queijo.
— Não, seria até bom se fosse trabalho — zombo. — Acho
que ando dormindo mal, minha mente está saindo de órbita ou algo
assim.
— Hm, irei recomendar férias prolongadas para a sua chefe —
brinca, abraçando minha cintura e me fazendo rir baixo antes de me
beijar. — Senti sua falta essa semana.
— Também senti sua falta — respondo, me mantendo em
seus braços e afundo meu rosto em seu peito, abraçando-o com
força e não querendo deixá-lo ir.
Odeio pensar que tudo irá mudar, ou que tudo pode mudar
depois que eu lhe contar. Não é como se tudo fosse acabar, mas não
é como se colocar um bebê na equação não fosse modificar como
estamos levando tudo. Liam e eu estamos sem rótulos, sem pressão,
sem compromisso. Estamos deixando as coisas seguirem, com beijos
longos, um carinho excessivo delicioso e mensagens sobre tudo. Não
sei o quanto disso irá permanecer entre nós após o jantar.
— Sinto saudade dos nossos dias na França — sussurra
contra meu cabelo, me deixando ficar dentro do seu abraço por mais
tempo e prendo a respiração, não querendo chorar agora, do nada.
— Podia te ver todos os dias, estava sempre no alcance das minhas
mãos,
Sinto saudade porque eram tempos mais simples,
complemento a fala dele em minha mente.
— Acho que serei eu a recomendar que o seu chefe te dê
férias prolongadas — caçoo, fazendo-o vibrar em uma risada.
Respiro fundo, me afastando e ele deixa um selinho em meus lábios
antes de me deixar sair do seu aperto. — Vinte minutos a meia hora
e estará pronto — digo, colocando a travessa da lasanha de quatro
queijos no forno pré-aquecido da sua cozinha.
— Filme ou série? — pergunta, saindo da cozinha e pressiono
os lábios juntos, pensativa.
— Filme, tenho a impressão de que só assiste séries chatas e
sem romance — rebato e ele coloca as mãos na cintura, indignado
com a minha acusação. — Irei ao banheiro e confio em você para
escolher o filme mais meloso que encontrar na sua lista.
— Irei tomar isso como um desafio — ele afirma quando
começo a me afastar.
Talvez eu devesse falar logo, tirar esse peso dos meus
ombros, tirar a tensão dessa noite. Jogar a bomba no colo dele e
lidar com isso. Podemos jantar com um elefante na sala, mas logo
ultrapassaremos essa barreira e podemos lidar de forma prática com
o assunto, certo?
É isso, irei sair daqui, irei falar para ele que estou grávida,
que teremos um bebê, direi a Liam que, se ele não quiser ser um
humano decente e assumir, pois irá sair da minha vida
completamente e não aceitarei idas e vindas. Sei como é se sentir
rejeitado e meu pequeno algo não merece nada disso, ele é meu e
já o amo, irei protegê-lo.
— Amelie, seu celular está tocando — Liam grita da sala, me
fazendo tremer em choque, tão absorta em minha imagem no
espelho. — Parou… Começou de novo.
— É minha mãe — respondo. Mamãe Jenny e eu sempre
conversamos ao menos uma vez por semana, deveria esperar que
ela me ligasse hoje, já que não está em nenhum campeonato. —
Pode desligar a chamada e colocar uma daquelas mensagens
automáticas de “te ligo mais tarde” — falo, terminando de lavar
minhas mãos e então arregalo os olhos.
Não, não, não, não, não, não, não.
A palavra reverbera em minha mente, tomando meus lábios
em murmúrios enquanto saio do banheiro correndo. Meu celular está
na bolsa, o ultrassom está na bolsa, se Liam mexer nela, encontrará
um do ladinho do outro.
Não, não, não, não, não, …
Ele está parado, em pé ao lado da cadeira onde deixei minha
bolsa após ser recebida pelo seu abraço apertado. Liam está me
fitando confuso, segurando o papel com a imagem do meu pequeno
algo em uma das mãos e meu celular na outra.
Merda.
Merda, não deveria ser assim.
Merda, merda, merda.
— Liam, eu… — tento começar, mas nem mesmo sei o que
dizer agora.
“Estou grávida” parece uma sentença dispensável. Ainda mais
porque seus olhos nem mesmo estão prestando atenção no papel e
quero pedir que o solte, porque seus dedos estão apertando a
impressão e estragando a minha primeira imagem do meu bebê,
porém as palavras morrem, sem saber como sair.
— Quando pretendia me contar? — indaga e percebo que sua
confusão se transformou em indignação. — Quer dizer, pretendia me
contar?
— Como pode dizer algo assim? Óbvio que eu iria! —
exclamo, ficando chateada com a acusação. — Pretendia contar após
o jantar, não queria simplesmente chegar aqui e falar isso, como se
não fosse nada.
— Por que não antes? Por que não me contou antes, Amelie?
Por que esperou até agora?
— Porque descobri na quarta e só fiz esse exame hoje! —
Aponto para a folha em sua mão, me aproximando a passos largos
dele. — O que é isso, algum tipo de interrogatório? — rebato,
pegando o ultrassom de volta e respirando fundo. Não esperava que
a negação viesse tão firme, me machucando tão forte. Ele está mais
do que somente surpreso, está sendo grosseiro. — Passei mal no
último final de semana e Marjorie disse que eu deveria fazer alguns
testes. Não pensei que estivesse grávida, eu só estava estressada
com o trabalho e com o término, a gente só ficou uma vez, não
pensei que…
— A gente? — sua pergunta dilacera meu peito e as lágrimas
sentem a urgência de serem derramadas.
Fito seus olhos, deixando de lado o meu desespero, meu
nervosismo acompanhado da enxurrada de palavras e encaro o azul
frio dos seus olhos, a falta de emoção em seu rosto, a rispidez que
nunca vi ali. Minhas pernas ficam fracas, meu coração bate mais
devagar e minha respiração tem dificuldade de ir e vir.
— Não faz isso — peço em um sussurro e vejo o momento
em que algo ameniza, mesmo que logo volte a parecer duro,
irredutível. — Não faz isso comigo. Eu descobri isso hoje, nunca
esconderia de você. A gente ficou há mais de três meses, esse é o
motivo de estarmos aqui hoje, de você ter ido atrás de mim na
empresa da sua irmã. Não finge que não existe um nós nessa
equação.
Sua resposta não vem, na verdade, Liam segue me
encarando como se não acreditasse no que digo, como se não
sentisse vontade de compreender as minhas palavras. Sua
expressão segue dura, fechada para mim, desconfiado como se eu
tivesse armado essa emboscada.
Me recomponho, ofendida pelas acusações dele e decidida a
não mostrar o quanto isso me afeta. Cruzo os braços, ainda
segurando a única imagem do meu bebê, após empurrar as lágrimas
para longe. Ele está sendo estúpido agora. Podia entender o choque,
a negação do fato, mas não esperava isso, não esperava o desgosto
em seus olhos, a quase repulsa que me afasta. Não deixarei que ele
acabe com o pouco da confiança que me sobrou para encarar tudo
isso.
Aparentemente, Liam não é o homem que eu achava que era.
Todavia, não ficarei aqui esperando que ele ache algum pingo de
dignidade dentro de si para parar de ser babaca comigo. Arranco
meu celular da sua mão, guardando-o com o papel na minha bolsa
enquanto Liam segue em silêncio, me observando de canto.
É quase como se ele estivesse aqui, mas também em outro
lugar. Eu não me importo, se sua mente quiser pensar em guerras,
na escravidão, a fome das crianças necessitadas, se ele quiser
pensar na bolsa de valores, foda-se! Não ficarei aqui sendo
humilhada pelo seu olhar distante, não ficarei aqui vendo-o me
ignorar e ignorar o meu bebê. Não quero conversar com esse cara,
quero de volta o Liam gentil da minha cabeça.
— Estou grávida de treze semanas e você é o pai. Terei esse
bebê, ele é meu acima de tudo e se quiser agir como um grande
idiota, fique à vontade, mas não ficarei aqui para ouvir as suas
acusações — sibilo, colocando minha bolsa no ombro e ele nem
mesmo pisca. Estou cansada de ser machucada, achei que Liam
seria capaz de entender isso.
— Como quer que eu aja? — indaga, parecendo rouco e
percebo que ele segura as lágrimas, porém não sei se quero ficar
para vê-las sendo derramadas.
Um pedido de desculpas me faria ficar e conversar, e ele
parece bem longe de me dar isso. Ele parece bem longe de estar
realmente querendo conversar comigo, como se fôssemos
estranhos, mais estranhos do que fomos da primeira vez que nos
vimos.
— Esse não era o jeito que eu queria te contar, mas foi o jeito
que descobriu e, tudo bem, também fui pega desprevenida, mas não
cheguei aqui cheia de pedras nas mãos — retruco na defensiva.
— Não, chegou aqui com um bebê — murmura e abro a boca
em choque, mas não deixo que isso afete meus passos até a saída.
Como ele pode ser tão brutal assim? — Como pode ter tanta certeza
que é meu?
Engulo em seco, sentindo o impacto das suas palavras,
parando a caminho da porta. Um nó cresce em meu estômago e
tenho vontade de colocar tudo para fora, tenho vontade de sujar seu
tapete impecável, tenho vontade de lhe dar um tapa na cara, ou um
murro. Tenho vontade de estapeá-lo até que volte a ser o homem
que me fez fantasiar com príncipes encantados de novo.
Estava mesmo certa ao pensar que eles não existem. Canaan
não era uma exceção.
O choro pinica em meu nariz quando alcanço a porta,
segurando a maçaneta e pronta para ir, mas antes disso, volto a fitá-
lo, ainda parado no meio da sala de jantar, ainda parecendo um
desconhecido.
— Sabe, Liam, quando eu era pequena, sempre culpei minha
mãe biológica por nunca ter me dado um pai, mas, olhando para
você agora, percebi que é muito melhor crescer sem nenhum do que
ter alguém como você na vida — digo, porém não fico para saber
qual é a sua reação, bato a porta atrás de mim, saindo com um
baque do seu apartamento e caminho a passos largos até o
elevador, me permitindo desmoronar somente depois que as portas
metálicas se fecham. — Somos somente nós dois, coisinha —
sussurro, acariciando minha barriga ainda lisa demais. — Eu nunca
irei a lugar algum, eu nunca irei fazer algo que não seja te amar
muito. A mamãe sempre estará aqui, sempre.
Entretanto, nesse momento, a mamãe em questão parece
mais um conjunto de pedaços quebrados, que achava que tinham
sido colados, mas foram quebrados novamente, e de novo, e de
novo, e de novo, e… agora nem mesmo sei se existe remendo para
mim.
O sol está começando a nascer quando escuto o despertador
soar no fundo, sendo desligado pouco tempo depois e penso como
vim parar aqui. Estou horrível, devo ter arrancado muitos fios de
cabelo nas últimas horas, não consegui dormir nada desde que
Amelie bateu a porta do meu apartamento e o sentimento de ser o
pior homem que já pisou na Terra se apossou no meu peito. A culpa
me fez cair de joelhos e ainda sinto a dor dos dois pontos
avermelhados que se formaram ali.
Não ligo, não dói. Nada se compara ao vazio que preenche do
lado de dentro. Nada se compara ao sentimento que ecoa desde que
ela disse as fatídicas palavras. Estou me sentindo um lixo e não é
para menos. Amelie deve me odiar agora e tem razão, eu também
me odeio agora. Sou a pior pessoa do mundo por jogar as minhas
dores nela, por dizer aquelas malditas palavras, por ter partido seu
coração, e sei que parti.
O azul em seus olhos buscava algo em mim e não fui capaz
de dar a ela, porque não sou capaz de dar tal perdão a mim mesmo,
não sou capaz de engolir minhas falhas, de não abrir
constantemente as feridas em meu peito. Sou capaz de sorrir e
acenar, mas fui criado como uma boa peça em um jogo de tabuleiro.
Amelie não sabe, porém sempre fui bom bancando um papel que
não é meu.
Infelizmente, ela me viu quebrar outra vez, viu os fragmentos
envelhecidos e pobres de dentro de mim, ela experimentou a
crueldade que ficou depois que os machucados viraram cicatrizes.
Me arrependo amargamente, porque ela é a bondade, ela é o tipo
de pessoa doce que merecia um abraço apertado e lágrimas nos
olhos, merecia palavras sussurradas lhe dizendo que tudo ficaria
bem e eu não passo de um homem apodrecido por dentro.
As lágrimas nunca vieram, mesmo que isso tenha me causado
uma garganta dolorida, engolindo os gritos, o choro, todos os
soluços. Tentei ligar, recobrando a consciência, recobrando em mim
o cara que sempre fui para ela e fui negado todas as vezes. Não
tinha direito algum de acusá-la de algo, ainda mais quando fui eu
que fui atrás dela, pedi um encontro, quis tanto que fôssemos um
nós, quis tanto poder tê-la todos os dias.
Fui eu que, com todas as letras e com todas as partes do meu
coração, disse a ela há algumas horas que sentia falta de poder
acordar e dormir podendo tê-la perto de mim, sussurrei que senti
sua falta depois de uma semana com várias escalas e cobrindo
alguns colegas. E fui verdadeiro em cada uma daquelas palavras,
mas sei que o monstro que Amelie experimentou depois não deve
ter dado a entender que eram mesmo verdadeiras.
— Porra, Liam! — Savannah fala metade da frase em um grito
assustado, outra metade sussurrada, levando a mão ao peito. —
Que merda, está parecendo uma assombração assim no escuro, Li-Li
— diz, tateando a parede e ligando as luzes exageradas da sua sala.
Posso parecer uma assombração, mas é Savannah que tem
uma casa que parece de uma pessoa fria, com uma estante preta
gigantesca cobrindo uma parede completa da sua sala, cortinas
acinzentadas descendo do teto ao chão nas janelas enormes e um
sofá na mesma paleta de cores. Até mesmo o pijama sem graça da
minha irmã é de cetim branco. Se eu pudesse defini-la em cores,
seria a combinação perfeita de preto e branco.
— Por que está na minha casa? — murmura a pergunta e
tento encontrar a minha voz, mas não sai.
Savannah provavelmente está com sono demais, começando
a perambular até a cozinha com as pantufas combinando com o
pijama, ligando mais luzes e agredindo meus olhos. Escuto-a colocar
a máquina de café para funcionar e vou como um zumbi atrás dela,
observando-a a tempo de abrir a geladeira e encarar a travessa nova
ali com o cenho franzido por trás da armação de metal preto.
— Por que tem uma lasanha na minha geladeira? — indaga,
fechando a porta e virando-se para mim com sua pose preocupada.
— O que aconteceu, Liam?
— Amelie fez, era o nosso jantar ontem à noite.
— Sim, você citou que ela iria jantar na sua casa assim que
saísse do trabalho — ela replica, como se tentasse me ajudar a
continuar falando. Estou aqui, mas Sav olha em meus olhos e sabe
que não estou, assim como não estava com Amelie ontem à noite.
— Liam, por que a lasanha que Amelie fez para vocês dois está
completa em minha geladeira?
— Porque irei viajar hoje à noite e seria um desperdício jogá-
la fora. Porque não tivemos tempo de comê-la — conto, piscando e
focando os olhos nos azuis tão familiares de Sav e sinto que existem
lágrimas se acumulando dentro das minhas pálpebras. — Porque
Amelie me contou que está grávida e tivemos uma discussão, então
ela foi embora.
— Porra, Liam — ela murmura novamente e sua voz parece
um fio. Minha irmã não xinga, não constantemente. Ela é recatada e
totalmente polida, mas a informação foi o suficiente para arrancar
um palavrão espontâneo de Savannah. Seus passos a aproximam de
mim e ela toca meu rosto, levando meu foco para si. — Isso é sério?
Dou um aceno e ela suspira, sussurrando novamente algum
palavrão e antes que diga algo, a máquina de café solta um apito
conhecido, nos avisando que está pronto.
— Vai para a sala, vou pegar duas xícaras para nós e irá me
contar melhor tudo isso, está bem? — fala gentilmente, pisando em
ovos e preocupada comigo. Dou outro aceno, saindo da cozinha e
sentando em seu sofá acinzentado de novo.
Sav deveria estar preocupada com Amelie, não comigo, e isso
me deixa com um gosto ainda mais amargo na boca. É ela que está
sozinha, grávida de treze semanas do cara mais idiota do mundo,
magoada após ouvir um monte de babaquices, de ser acusada de
algo, culpada por algo que não é sua culpa.
Uma xícara de café fumegante é colocada na minha frente e a
pego, apreciando a quentura em minha palma. Minha irmã se senta,
cruzando uma perna por cima do estofado e virando-se de frente
para mim. Ela bebe um gole longo, fechando os olhos quando as
lentes dos óculos embaçam, aguardando pacientemente até eu falar.
— Ela descobriu essa semana, depois de passar mal algumas
vezes, inclusive quando dormiu lá em casa no último final de semana
— começo, fechando os olhos e me sentido idiota demais. — Fui um
babaca, Sav. Eu desconfiei antes, pensei que ela poderia estar
grávida porque ela me disse que tinha passado mal outra vez e foi
exatamente como era, os enjoos matinais, náuseas súbitas. Ainda
assim, quando vi o papel na bolsa dela, eu surtei.
— Seja menos duro consigo — responde e seu tom me
tranquiliza. Bebo um pouco do café, aquecendo-me por dentro
depois de uma noite em claro. — Papel?
— Amelie ia me contar depois do jantar, ela fez exames, tinha
um ultrassom do nosso bebê e eu nem mesmo prestei atenção
nisso. — A culpa me corrói novamente, mas a mão de Savannah em
meu joelho me pede para continuar. — Fui pegar o celular dela na
bolsa e vi, então comecei…
A ser um escroto, a envolvê-la em algo do passado, a
enxergar outra pessoa no lugar da minha Amelie.
— Começou a ser engolido pelo passado — Sav fala, não é
uma indagação, mas aceno ainda assim. — O quão ruim foi?
— Ela saiu de lá falando que, se era para ter um cara como
eu como pai do seu bebê, era melhor viver sem um — repito suas
palavras e elas atravessam meu coração outra vez como lâminas
afiadas. Ela não deixa de ter razão, mas também não deixa de doer
lembrar que Amelie estava certa ao me dizer essas palavras naquele
momento. — Questionei como ela poderia ter tanta certeza que era
mesmo meu — profiro minha fala e Savannah pressiona os olhos,
respirando fundo como se sentisse a mágoa de Amelie em si.
— Isso foi horrível, Li-Li — comenta, mas a repreensão passa
longe de tudo o que mereço. — Suponho que Amelie não atendeu e
nem te respondeu depois disso.
— Eu faria o mesmo.
— Não seja tão duro — repete, balançando meu joelho como
se isso fosse capaz de me dar um choque de realidade. — Foi
horrível, foi cruel dizer isso a uma garota que acabou de te dar uma
chance depois de ter o coração quebrado, porque você insistiu que
queria ficar com ela, insistiu para que ela te desse uma chance.
— Não está melhorando — murmuro.
— Não é para melhorar. É para te lembrar que Amelie não é
Sally, nem mesmo você é o mesmo Liam daquela época. E sei que é
difícil acreditar nisso, mas as coisas não se repetem assim —
continua o sermão, pausando suas palavras e puxando o ar com
força. — Mas também é para te lembrar que compreendo o lado
dela e também o seu, porém, se quer que Amelie entenda o seu
lado, é melhor contar algumas histórias para ela, e não estou
falando das histórias engraçadas.
— Isso se um dia ela voltar a falar comigo.
O silêncio recai na sala de estar e posso sentir o cheiro do
café se misturando com os infinitos livros preenchendo suas
prateleiras. Savannah retorce as mãos ao redor da sua caneca, sem
saber como prosseguir com essa conversa e findo minha bebida,
provavelmente precisando de mais três dessas para ficar acordado
até o horário que devo ir trabalhar.
Talvez o silêncio de Savannah seja melhor do que as
perguntas infindáveis do meu melhor amigo, ele me faz pensar
melhor, me faz esclarecer meus pensamentos. Enfrentarei Carter
quando ele estiver de volta na cidade, com isso minha mente estará
mais clara e, esperançosamente, terei consertado a minha cagada.
Isso se tiver a chance de consertá-la.
— Como está se sentindo?
— Mal — respondo e ela inclina a cabeça, deixando claro que
não é a resposta certa. — Me senti desesperado no momento, com
medo de como as coisas serão agora, mas também… com uma
chama de esperança — admito. — Parece um recomeço, mas pelo
visto, comecei ele bem errado.
— Ela te bloqueou? — Nego com a cabeça. — Então,
eventualmente, Amelie voltará a te responder e espero que diga as
coisas certas dessa vez.
— Achei que ficaria receosa também. Sempre é tão cautelosa.
— Eu confio nela. Não sei o porquê e nem consigo explicar
esse sentimento, eu só confio.
— E consegui estragar tudo com a garota que parece perfeita
— murmuro, esfregando uma das mãos pelo rosto, bagunçando
novamente meu cabelo. — Queria não ter agido como um idiota,
queria mesmo fazer as coisas certas por Amelie.
— Merece que as coisas sejam feitas do jeito certo por você
— afirma, enfatizando seu pensamento ao me olhar com seriedade.
— Amelie é uma mulher crescida, muito machucada, mas é uma
mulher crescida. Talvez ela só espere, e só tenha esperado, que seja
um homem crescido também e assuma as suas responsabilidades.
Ela não te bloqueou e não recebi nenhum e-mail de demissão, o que
significa que ela não correu para longe, talvez esteja esperando que
faça isso ainda. Talvez ela, apesar de ter ficado muito magoada com
as suas palavras, ainda tenha esperança.
— Irei assumir as minhas responsabilidades — confirmo.
— Não é para mim que tem que mostrar essa atitude —
relembra como um alerta e dou um aceno, porque sei que preciso
demonstrar essa confiança para Amelie e não Savannah.
— Provavelmente será a coisa mais adorável do mundo, sabe?
— comento, sorrindo de canto e deixando uma lágrima escapar sem
querer. — Nosso bebê, meu e dela. Será a coisa mais adorável do
mundo — repito e vejo Savannah se emocionar, parecendo triste ao
me ouvir falar isso, tão quebrado, tão errático, parecendo um
cachorro machucado e desconfiado. — Por quê? Por que não pude
deixar isso no passado e evitar machucar a única pessoa que não
deveria ser machucada?
— Porque uma vez que nos quebramos, Li-Li, permanecemos
quebrados. Independente dos reparos, independente daquilo que
nos cola os pedaços de volta no lugar, sempre haverá uma
rachadura ali, para nos lembrar que já fomos quebrados —
responde, pegando a minha xícara e deixando ambas na mesa de
centro. — Será o bebê mais fofo do mundo mesmo — replica, me
dando um sorriso tristonho e me puxando para um abraço.
— Prometo que irei consertar as coisas — sussurro, sentindo
os braços finos de Savannah me apertarem contra si e me deixando
ser envolvido pela minha irmã mais velha como se ainda fôssemos
crianças.
— Não deveria prometer isso a mim, deveria prometer isso a
si mesmo — rebate, acariciando meus cabelos. — Você merece um
recomeço, Liam. Vocês dois merecem recomeços bonitos, mas
precisam seguir em frente para poder reconstruir. Ruínas nunca
fizeram uma casa.
Concordo com a cabeça, afastando-me dela e pensando que
devo um pedido de desculpas decente à Amelie, devo a ela o espaço
que quiser, devo a ela tudo o que quiser. Mas também devo me
comprometer a um papel que é meu, estar ao seu lado, mesmo que
ela não me queira mais inteiramente ali. Savannah está certa, ruínas
nunca construíram boas casas e estou cansado de morar debaixo de
escombros.
Ainda estamos no auge do verão, mas o tempo lá fora
resolveu se equivaler ao que sinto e o céu de Toronto está nublado,
carregado de nuvens densas cobrindo o sol, como nos dias de
inverno. Raramente faz frio em agosto, na verdade, nunca faz frio
nessa época do ano, mas tenho certeza que as temperaturas lá fora
devem estar mais próximas dos quinze graus do que dos vinte,
mesmo que isso não seja frio para os canadenses.
Me encolho na minha cama, puxando as cobertas e me
escondendo ainda mais por baixo delas quando meu celular vibra na
mesa de cabeceira até parar. É a ligação diária, é a sua tentativa do
dia de tentar me fazer conversar com ele, mas ainda não me sinto
corajosa o suficiente, ou piedosa o suficiente. Faz pouco mais de
uma semana do nosso episódio em seu apartamento e as
mensagens começaram menos de meia hora depois que eu fui
embora.
Não tive coragem para bloqueá-lo e ainda não compreendo o
porquê. Trabalhei de forma monótona durante a semana, liguei para
as minhas mães e chorei como uma criança com medo. Louis foi
mais agressivo do que elas e queria vir para Toronto e dar bons
socos em Liam, mas não fui capaz de deixá-lo fazer isso, ainda que o
outro mereça. Tudo na empresa pareceu um grande borrão que não
consegui distinguir, peguei meus exames na sexta, agendei o retorno
com a médica, me comprometi com Marjorie a me alimentar direito
e o fiz, mas unicamente pelo bebê.
Sinto como se fosse uma morta-viva, passando pelos dias
sem percebê-los
Meu celular começa a vibrar novamente e franzo a testa, me
sentando um pouco para ver que, hoje, Liam resolveu fazer duas
ligações. Talvez seja importante, mas ainda não estou me
importando muito.
— Acho que já deu desse olhar depreciativo para esse celular
se nunca irá atendê-lo. E também acho que já deu de
autodepreciação, meu amor — mamãe Jenny diz, entrando no meu
quarto e fazendo uma careta para as cortinas cerradas, caminhando
até a janela e deixando a luz entrar antes de arejar o ambiente ao
abrir uma fresta do vidro. — Nem ouse se encolher, Amelie, está
pelo menos dezesseis graus lá fora, não no ápice do inverno — ralha
comigo, respirando fundo e sentando-se na ponta da cama.
— Acho que prefiro o escuro.
— Para mofar enquanto se lamenta? Para criar forma nessa
cama enquanto tenta se convencer de que não quer atender o
rapaz? — rebate, arqueando a sobrancelha e resmungo, puxando a
coberta para cima da cabeça. — Não, nada disso. Estou aqui há três
dias, minha filha, irei embora amanhã e não a deixarei assim.
— Por que sinto que está jogando na minha cara que veio
para cá? — murmuro e ela puxa a coberta, revelando meu rosto
outra vez.
— Não tenho mais apreço por Toronto, mas não estou
jogando nada na sua cara. Só estou dizendo que te entendo e sinto
sua chateação, mas também chegou o momento de sermos honesta,
Amelie — diz, seu tom calmo enquanto segura meu pé por cima do
cobertor e começa uma massagem que me relaxa
instantaneamente. — Não o bloqueou, muito menos respondeu
mandando-o ir para o inferno e nunca mais a procurar.
— Mãe! — exaspero em choque e ela revira os olhos. Mamãe
Jenny não é do tipo dura, usando xingamentos. Mamãe Karen ficou
com essa parte do relacionamento e da maternidade.
— Quer dar o braço a torcer — conclui.
— Não parece justo comigo fazer isso depois de tudo o que
ele me disse — lembro-a e ela suspira outra vez.
— Não estou defendendo-o, só não acho justo com você
continuar nessa situação quando claramente quer conversar com ele
— comenta, dando de ombros. — Por que ainda não o respondeu?
— Acho que ainda não estou preparada para deixar para trás
toda a decepção que senti — admito e ela franze a testa em
confusão. — Não esperava que Liam rejeitasse a situação assim. Ele
parecia o tipo de cara legal que me abraçaria e ficaria ao meu lado.
— Novamente, não estou o defendendo, mas assim como
você o rejeitou por um tempo por causa dos seus medos e do seu
passado, talvez ele tenha os motivos dele também. Não acho certo e
ele poderia ter sido bem menos indigno ao questionar suas palavras,
porém talvez o momento tenha o pego desprevenido.
— Para alguém que não está o defendendo, até que está se
saindo uma ótima advogada do diabo — zombo e ela solta um riso
baixo.
— Estou fazendo meu papel de mãe ao tentar fazê-la encarar
tudo com um pouco mais de clareza e parcialidade — responde. —
Se quiser, posso fazer parte do time anti-Liam, mas nem você quer
fazer parte desse time, Amelie.
Pondero sobre as palavras dela por um segundo e realmente
não quero que ninguém fique contra ele. Quero poder vilanizar Liam
por alguns dias, quero xingá-lo por sua covardia naquele momento,
mas não quero me voltar contra ele, muito menos quero que as
pessoas ao meu redor façam isso. Talvez, no fundo, eu saiba que irei
voltar para ele, irei conversar de forma madura sobre o assunto,
pararei de ignorá-lo, então não quero que todos estejam no time
anti-Liam quando eu voltar a ser a seu favor.
— Por que tem que ser tão difícil comigo? — pergunto
retórica, bufando e jogando os pés para fora da cama. Mamãe está
certa e chega de autodepreciação. — Por que não posso conseguir
um cara tranquilo e construir um relacionamento tranquilo? Por que
nunca é a minha vez do felizes para sempre? — indago, levantando-
me e indo até a cozinha, seguindo o cheiro delicioso dos pãezinhos
que minha mãe assou.
— Ah, querida… — mamãe sussurra, me dando um sorriso
tristonho quando para do outro lado da bancada e eu ataco a forma
com um gemido apreciativo. — É isso que te deixa mais chateada,
não é?
— Eu podia lidar com a rejeição dele sobre o bebê, porque
uma parte idiota de mim sempre soube que ele voltaria atrás, que
me procuraria preocupado e todas essas coisas. Mas… realmente
achei que podia confiar nele, sabe? Realmente achei que ele não
cavaria novas feridas aqui dentro — digo com o tom cada vez mais
baixo, espalmando meu coração, e minha mãe suspira.
— Você o queria tanto e essa decepção foi um baque, mas
pessoas não são perfeitas, Amelie, e talvez ele não seja um monstro.
Talvez ele só tenha uma história por trás, talvez só tenha agido no
impulso. Sei que quer pensar dessa forma e não estou falando para
voltar para os braços dele — afirma, me olhando com atenção e me
lembro de todos os conselhos que já pedi à mamãe Jenny, ela
sempre tem os melhores. — Só estou dizendo que o quer de volta
em sua vida, que o quer ao seu lado enquanto dá cada passo
durante essa jornada incrível.
Suas palavras evidenciam exatamente o meu desejo. Ainda
tenho uma mágoa pelas suas palavras, ainda não me sinto pronta
para fingir que não ouvi o que ele me disse e fingir que está tudo
bem entre nós dois. Entretanto, mais de uma vez, me peguei
pensando em escrevê-lo sobre o que está acontecendo, sobre os
resultados dos exames que não entendi nada, sobre as minhas
inseguranças e todos os medos.
Talvez seja porque tinha virado a nossa rotina,
conversávamos sobre nossos dias e me sinto sozinha sem as suas
mensagens, sem as suas piadas, sem suas histórias de voos. Me
sinto sozinha chegando em casa e não ligando para ouvir sua voz, às
vezes sonolenta, às vezes afobada enquanto fazia algo. Só queria
poder contar com ele outra vez, mas também queria mais do que
isso.
No momento, por mim e pela minha coisinha, irei deixar de
lado o egoísmo e o desejo de tê-lo perto, irei ignorar o ímã que me
atrai para Liam e pensarei em abrir um novo espaço para ele em
minha vida. O espaço de pai do meu bebê.
— Responda ele — ela diz, voltando minha atenção para
nossa conversa. — É isso o que deseja fazer.
— Irei pensar sobre isso, com carinho — adiciono a última
parte e ela rola os olhos para mim. — Irei respondê-lo — afirmo. —
Mas não hoje.
Preciso lidar com essa decisão primeiro e pode levar alguns
dias para assentar a ideia.
— Ok, e pare de comer esses pãezinhos porque irei levá-la
para jantar e não a quero sem apetite quando for a hora de comer
comida de verdade! — repreende e torço o nariz, sabendo que
negligenciei minha boa alimentação nos últimos dias.
— Sim, senhora — respondo, fazendo uma continência antes
de rirmos.
Minha alimentação e Liam serão os próximos passos, mas
muitas outras coisas precisam mudar nos próximos meses para o
meu bem e para o bem do meu bebê. O período de lamúrias acabou
e é hora de enfrentar o meu desejo, e isso é admitir que quero o
melhor para a minha bolotinha, porque quero ser a mãe que ele, ou
ela, merece.
O diretor de eventos finda sua apresentação sobre o baile que
daremos em alguns meses e a tela fica escura. Anoto algumas coisas
que não devo esquecer de fazer enquanto eles debatem algumas
pendências e Savannah se levanta em seguida, juntando as mãos na
frente do corpo, vestida em um terninho azul-claro.
— Esse baile é muito importante para a empresa. Estamos
buscando novas frentes e novas abordagens do nosso marketing. O
sucesso desse evento significa o sucesso dessas novas tentativas,
então quero todos alinhados e focados em fazer com que isso dê
certo. Estamos perdendo um pouco de espaço agora, com a
chegada do fim do verão, por isso não podemos ceder esforços —
diz séria e todos damos acenos, prestando atenção nela. — Acho
que, com isso, podemos encerrar a reunião de hoje — finda,
oferecendo um sorriso gentil e logo o barulho de pastas sendo
unidas e tablets fechados dentro das capas toma o lugar.
— Barbie, Amelie — Indina chama a diretora de recrutamento
e eu e nós duas paramos nossos movimentos para fitá-la. —
Podemos fazer uma reunião após o almoço para debatermos alguns
dos novos planos para os meses antecessores do baile? Acho que
podemos fazer um braimstorm e tentarmos tornar a experiência
ainda mais agradável aqui dentro.
— Claro — Barbie e eu dizemos ao mesmo tempo e Indina
sorri, dando um aceno.
Sei que ela terá uma reunião no fim da semana para debater
alguns rumos para evitar a baixa de assinaturas e evacuamento de
usuários com a volta das aulas e fim das férias. Indina
provavelmente quer apresentar algum plano interessante para
ajudar nesse caso.
— Ela sempre convoca reuniões para, no fim, aparecermos lá
e ela já ter quase tudo pronto — Barbie sussurra, rindo para mim.
Seu cabelo castanho-escuro está em cachos finos perfeitos e
ela é graciosa, com a pele negra e os olhos castanhos-escuros
hipnóticos. Bárbara é uma brasileira que foi escolhida no final da
faculdade para um estágio aqui e desde então, não saiu da PP.
Indina adora o trabalho dela no setor de recrutamento e ela é uma
mulher divertida, sendo uma ótima parceira no RH. Barbie é doce e
engraçada, apesar de também ter a seriedade certa para os
momentos certos. Ela foi uma ótima amiga quando cheguei na
Perfect Pairing há mais de um mês.
— Acho que ela nunca consegue esperar as reuniões e
começa tudo sem a nossa presença — respondo com brincadeira. —
Ei, eu estava pensando em apresentar um plano para implementar
alguns novos recursos com o pessoal de software, pode dar uma
olhada no meu projeto quando tiver um tempo? Acho que um olhar
mais entendido seria ótimo.
— Ainda com medo de estar fora de órbita por aqui? —
indaga com a sobrancelha arqueada quando nos levantamos com as
nossas coisas em mãos e dou um aceno. — Está fazendo um
trabalho incrível, Ames, saiba disso. E mande para o meu e-mail,
posso dar uma olhada durante o almoço.
Estou prestes a rebater, dizendo a ela que não precisa gastar
seu momento de folga comigo, mas os sons dos nossos passos
deixando a sala de reuniões são interrompidos pelo chamado de
Savannah, ecoando meu nome da ponta da mesa.
— Pode ficar um instante? Gostaria de conversar com você —
a loira diz e não preciso ser um gênio para saber que o assunto
passará longe de ser sobre a empresa.
Dou um aceno para ela, me despedindo de Barbie e dizendo a
ela que enviarei o projeto mais tarde. Ela fecha a porta atrás de si,
ainda que os vidros nos deem pouca privacidade. Ando até estar em
frente à Savannah, também em pé.
— Sei que não é o ideal, e não veio diretamente até mim falar
sobre o assunto, mas não posso fingir que não tenho conhecimento
do fato de que está grávida — começa, colocando as mãos nos
bolsos da calça de alfaiataria e tensiono os ombros, com medo do
que vem a seguir. — Quero que se sinta confortável por aqui e por
isso irei compreender qualquer decisão que possa querer tomar —
continua com cautela e arregalo os olhos quando compreendo o
receio de Savannah.
— Ai, meu Deus, não, não! Não tenho a intenção de deixar a
empresa — afirmo rapidamente. — Não irei me demitir porque estou
grávida e espero ser útil ao máximo nos próximos meses. Sei que
foram deixados na mão do nada e planejava lhe contar em breve,
porque quero deixar tudo preparado para quando precisar me
ausentar, mas não tenho a pretensão de ir embora.
— Está grávida do meu irmão, Amelie. Não podemos fingir
que isso não é um ponto, por isso estou te dando a abertura, porque
sei que… sei que não estão em um bom momento e não quero que
se sinta desconfortável — pontua, suavizando sua expressão de
chefe, descansando os ombros sempre tão eretos.
— Não quero sair da empresa, ainda mais porque estou
adorando trabalhar aqui. Porém, também não quero que você se
sinta desconfortável em me ter por aqui, se esse for o caso…
— Não, claro que não — ela me interrompe, tocando minha
mão com a sua, parecendo preocupada. — Só fiquei preocupada por
causa das circunstâncias. Seu trabalho está sendo agraciado e muito
apreciado, está sendo uma aquisição incrível para a PP e seria uma
péssima chefe se misturasse as coisas, entretanto… — ela pausa,
recolhendo sua mão de volta para o bolso da calça. — Quero deixar
claro que a empresa estará aqui para te auxiliar durante os próximos
meses, temos termos flexíveis e sempre tentamos montar um plano
que se adeque para ambos os lados quando as funcionárias ficam
grávidas, mas também quero deixar claro que, independente do que
aconteceu, estou aqui por você e pelo bebê. Eu, Savannah Spencer,
e não sua chefe.
— Savannah Spencer é meio que a minha chefe — brinco,
soltando uma risadinha e me surpreendo quando ela me
acompanha. — Obrigada por me oferecer suporte em ambos os
lados. Estamos bem — asseguro a ela e vejo seu suspiro contido,
talvez estivesse com receio de que algo tivesse mudado nos últimos
dez dias.
— Irei te mandar o meu número pessoal e pode me chamar
se precisar de alguma coisa — diz e me sinto confortável com isso,
porque sinto que, mesmo que as coisas não deem muito certo entre
Liam e eu, Savannah parece pronta para ser a titia do ano.
Farei a minha chefe séria e cética ser titia, que reviravolta a
minha vida deu nos últimos dias.
— Amelie, uma outra coisa — começa hesitante e percebo
que nunca a vi assim, com tanto receio, mas agora experimento
esse outro lado de Savannah. — Não quero me meter na sua vida
pessoal, muito menos ficar inventando desculpas pelo meu irmão,
mas há mais para ser visto do que a superfície mostra — fala, me
fazendo franzir o cenho com a metáfora. — Não estou lhe falando
para não ser cuidadosa consigo e com seu coração, porém talvez eu
esteja te pedindo para tentar ser paciente com ele. É um assunto
um tanto quanto sensível e sei que Liam foi um bárbaro escroto, sei
admitir isso, só… dê a ele outra chance se sentir que pode fazer isso.
A confusão me toma, mas dou um aceno mesmo assim. O
assunto é sensível? Por quê? Existe mais sobre Liam do que ele
mostra, é isso o que ela quis me dizer? Sempre pensei que pudesse
haver, afinal, não nos conhecemos há tanto tempo assim, porém a
forma como Savannah fala, faz parecer uma parte bem mais
profunda do que eu esperava. É como se algo em sua história
pudesse justificar sua atitude, ou é isso que compreendo entre as
palavras dela me pedindo para ser paciente.
— Acho que seu irmão tem sorte que paciência é uma virtude
minha — respondo e assisto seu sorriso surgir.
A conversa com a minha mãe já havia me feito decidir que
responderia as mensagens de Liam e que daria uma chance de ele
se explicar, de voltar na minha vida pelo bem do bebê. Entretanto, a
conversa com Savannah me deixa quase que curiosa demais para
compreendê-lo melhor, para descobrir mais da sua história, ainda
que possa ser arriscado para o meu coração.
— Obrigada — ela replica e sinto a gratidão real dela,
esperançosa sobre a segunda chance que posso dar a Liam. — Não
quero tomar mais do seu tempo de almoço, obrigada por me ouvir.
A pequena tensão do ambiente se dissipa, levando consigo a
rigidez da nossa conversa quando dou dois passos para trás.
— Obrigada pelo suporte — digo em retribuição e ela acena
com a cabeça, me assistindo deixar a sala de reuniões e mal consigo
ser capaz de esperar chegar na minha sala para buscar pelo celular
no bolso da calça de tecido, abrindo as infinitas mensagens na
conversa com Liam, ansiosa para não deixar a coragem escapar.

Amelie: Podemos conversar quando estiver na cidade?


— Provavelmente irei começar a seguir alguma dieta mais
regrada, para não faltar nada na minha alimentação, e é isso —
Amelie finda seu monólogo e imediatamente fica ansiosa, não
sabendo o que encarar ou o que fazer com as mãos.
Preferimos um terreno neutro para a nossa conversa, uma
cafeteria silenciosa, e me vejo desejando que houvesse mais batidas
de talheres nos pratos, ou mais vozes preenchessem o ambiente
para não parecermos tão estranhos aqui, sentados em uma das
mesas no canto. Fiquei nervoso depois da mensagem dela, trocamos
mais algumas e marcamos para nos encontrarmos dias depois,
quando eu finalmente tivesse vinte e quatro horas de folga em
Toronto.
Me senti um grande idiota quando ela entrou pela porta,
sendo anunciada pelo sino em cima da mesma. Nenhum de nós
soube como se cumprimentar, então deixamos isso de lado, sorrindo
um para o outro antes de nos sentarmos. Ela pediu um suco, uma
opção salgada e outra doce enquanto fiquei só com o café. Amelie
pareceu cética demais, logo começando a me dar quase um relatório
sobre a sua gravidez, sobre as consultas que fez nos últimos dias, a
primeira e o retorno com a médica ontem.
Tudo está normal e não percebi o quanto esperava por essa
notícia até o momento em que me foi dada, fazendo um suspiro me
escapar pelos lábios. Por alguns segundos, temi que algo tivesse
acontecido, que eu tivesse prejudicado a gestação, estressado-a ou
algo assim. Mas Amelie parece bem, apesar das olheiras
avermelhadas e da pele pálida demais.
— Amanhã eu completo quinze semanas, no começo de
setembro, temos uma nova consulta. Ela falou que, como estamos
bem, uma consulta por mês e um ultrassom por trimestre está
tranquilo para o nosso cronograma, a não ser que eu sinta alguma
irregularidade — volta a falar, mas já me disse isso no começo da
conversa e percebo que a ruiva só tenta preencher o silêncio que
tanto desgosta.
— Fico feliz que esteja tudo bem — digo, observando-a beber
o suco de morango. — Tem algo que eu possa fazer?
— Não, estamos bem — replica rapidamente, quase como se
tivesse medo de me pedir algo.
— Amelie, não quero que as coisas fiquem assim — falo e ela
me encara em um misto de mágoa e incredulidade.
— E como elas deveriam ficar, Liam? — retruca. — Eu estou
dando o meu melhor aqui, mas não sei se o seu próximo passo não
será levantar e ir embora. Estou tentando não criar expectativas,
sabe?
Sinto a aspereza e recebo-a, porque mereço suas palavras
rudes, mereço que ela esteja puta comigo, que sua mágoa não seja
disfarçada. Mereço todas as punições e ainda mais, porque Amelie
não merecia o que lhe disse, não merecia passar por esse momento
sozinha, tão confusa e com medo, e ainda precisando suportar o
peso das minhas palavras daquela noite.
— Me desculpa — suplico, tentando alcançar suas mãos, mas
ela as recolhe para o colo. — Não irei embora, posso prometer isso.
Sei que fui um babaca e já teve a sua cota de babacas por essa
vida, mas me desculpa, estou pedindo perdão de verdade. Não
deveria ter te falado nada daquilo, não deveria ter te deixado
sozinha e prometo que estarei ao seu lado, Amelie — falo,
implorando em uma prece que ela confie em mim mais um
pouquinho, que tenha fé nessas palavras.
— Quero fazer isso funcionar, porque… porque acho que o
bebê merece que sejamos responsáveis e maduros — diz com
hesitação. — Savannah me pediu para ser paciente e estou
tentando, porque sempre fui paciente, porém não posso fingir que
olhar para você não me faz lembrar daquela noite, das suas
palavras. Entendo que pode ter havido uma confusão, e nem mesmo
estava esperando que somente ouvisse e abrisse os braços, achando
tudo incrível. Passei minhas horas chorando em desespero pelo
assunto, mas foi ainda pior.
— Eu sei — confesso envergonhado. — Não tinha o direito de
duvidar de você daquela forma.
— Sendo honesta, Liam, você até tinha direito de questionar.
Não foi o quê, foi como. Não foi ter duvidado da minha palavra, foi a
forma como pareceu enojado com a ideia, como me subjugou com o
olhar, como se transformou em um completo estranho naquela sala
— declara, fitando meus olhos enquanto diz isso e é a primeira vez
que mantemos contato visual por mais de dois segundos. — Foi isso
que mais doeu — finda e abro a boca para responder, mas ela me
silencia com um olhar triste. — É, eu sei, você sente muito e posso
acreditar nisso, porém ainda me lembro do que aconteceu, não se
apaga da minha mente só porque me pediu desculpas. E esse é o
motivo pelo qual não consigo deixar que as coisas não sejam assim.
Estou tentando, mas não é simples.
— Sei que não é, me desculpa por… sei lá, por ter pensado
que seria diferente — sussurro. — Também quero que tudo funcione
pelo bebê, porém não quero ser um estranho para sempre — digo e
ela suspira. — Podemos fazer isso funcionar.
— É, podemos — ela afirma, mas não soa confiante. Um riso
seco escapa da sua garganta. — Começamos muito bem,
aparentemente.
— Eu fodi tudo — admito minha culpa e isso só a faz rir um
pouco mais desse jeito estranho, distante. — Obrigado por me dar
uma segunda chance.
— Espero que um dia eu descubra o que mais há aí dentro
para ser mostrado. Não quero mais ficar no escuro, Liam. Meio que
dói, tipo, bastante — responde e vejo lágrimas brilhando em seus
olhos antes de ela afastá-las. — Não estou dizendo que quero que
me conte agora, não é justo arrancar a história de ninguém à força,
mas espero um dia ser confiável o suficiente para desejar isso.
— É confiável — contesto, mas ela me lança um olhar irônico.
— Um dia — prometo.
— Um dia — repete com breves acenos. — Até lá, ambos
faremos a nossa parte em tentar que isso não seja estranho demais.
Eventualmente será natural não sermos estranhos, penso,
afinal, não éramos estranhos até eu foder com as coisas por causa
da minha cabeça idiota.
— Promete que me falará se precisar de alguma coisa? —
peço e ela confirma com um gesto simples.
É uma promessa, mas sinto que ela não irá cumpri-la. Amelie
não acredita que eu confio nela, mas ela, com toda certeza, não
confia mais em mim e me odeio um pouquinho mais no momento
por ter deixado que as coisas ficassem dessa forma.

Giro meu celular entre os dedos, ansioso pela hora de ir


embora, ansioso pela resposta de Amelie. Ansioso. A sala parece
sufocante e o calor está insuportável hoje, apesar de estarmos
chegando perto do fim do verão. Setembro chegou e em breve as
árvores ganharão tonalidade alaranjadas pelas folhas secas, logo os
ventos serão frescos, mas com o fim do verão, vem uma calmaria
maior no trabalho. Os voos são reduzidos durante o outono, com
exceção à semana de Ação de Graças, com várias famílias viajando.
— Ainda não acredito que será pai — Carter fala, jogando-se
na cadeira ao meu lado e reviro os olhos pelo tom engraçadinho em
sua voz.
— Lá vem.
— Não, não. É só isso mesmo. É só que, todas as vezes que
olho para você e me lembro disso, fico chocado.
— Não me faça ficar arrependido de ter te contado —
murmuro.
— E quem seria o padrinho se resolvesse virar a cara para
mim?
— Amelie tem um irmão — lembro-o e Carter revira os olhos.
— Sua cria não pode ter somente um par de padrinhos. Será
uma cria Spencer, provavelmente uma menina, dada a genética
premiada de vocês, e precisará ser muito mimada — rebate.
— Adoro a sua lógica — zombo, mas reflito sobre o que ele
diz.
Carter e eu fomos escalados para ficarmos de sobreaviso na
empresa hoje, no aeroporto. Estamos aqui para qualquer
emergência e, enquanto isso, fomos destinados a algumas
atividades comuns, cada um na sua área. Mas, no fim das contas,
terminamos tudo antes das horas do nosso turno se completarem e
estamos esperando até o horário para finalmente irmos para casa.
Ainda bem que não houve nenhuma emergência, porque nenhum de
nós dois estava com o ânimo necessário para cruzar o Atlântico.
Normalmente, não faço muitas horas de sobreaviso. Cumpro
tudo o que posso no ar, fazendo somente os dias de trabalho em
terra, efetuando algumas funções com a equipe do aeroporto,
organizando detalhes para os voos e também em treinamentos. A
espera sempre me deixa um pouco agoniado, sem nada para fazer
além de esperar algo acontecer. E, amém, é raro acontecer algo.
Normalmente gastamos nosso tempo resolvendo pendências,
ajudando o pessoal do solo, ou sentados, conversando o suficiente
para reflexões idiotas passarem por nossa mente, como a de agora.
Não tinha pensado nisso até o momento, mas sou o primeiro
Spencer do sexo masculino em anos, a probabilidade do bebê ser
uma menina é gigantesca e sorrio sozinho, pensando em uma
menininha com os meus olhos e os cabelos avermelhados dela, com
sardinhas ou a pele lisa. Espero que puxe o biquinho bonito da mãe,
porque, se puxar, irei comer na palma da mão dessa garotinha.
Entretanto, enquanto sigo imaginando, penso em como seria
ter um menino. Ele faria novos cabelos brancos surgirem na cabeça
da bisa dele. Minha avó ainda desacredita que nasci menino, elas
tinham certeza de que seria outra menina, principalmente quando
resolvi ficar de costas durante quase toda a gestação. Gosto de fazer
o meu suspense, dramático, como Savannah gosta tanto de falar.
— Como você e Amelie estão? — Carter pergunta, me tirando
dos meus pensamentos e abro os olhos, desencostando a cabeça da
parede e levantando os ombros. — Na mesma?
— Não é como se tivesse passado muitos dias — replico. —
Mas ainda estamos estranhos, as conversas parecem mais uma troca
de informações. Ela me fala como está, que se alimentou e só. Tento
puxar assunto sobre o dia, sobre outras coisas, mas ela parece ainda
um tanto arredia em me dar espaço. Não a julgo, só… queria que as
coisas fossem diferentes — afirmo.
— Logo ela irá se abrir de novo — fala, tentando me passar
alguma segurança. — Mas, meu caro amigo, preciso te dizer que
você quebrou a confiança dela, realmente pisou na bola.
— Obrigado por me lembrar — resmungo com desânimo. Sei
que fui um grande babaca, mas ouvir isso o tempo todo só me faz
recordar a dureza e crueldade das minhas palavras naquele
momento.
— Não, está focando na coisa errada — repreende meu
resmungo juvenil. — Ela está magoada e se sentiu uma ninguém
para você naquele momento, não confia mais na pessoa que é,
porque mudou da água para o vinho. Sei que queria retomar as
rédeas do relacionamento que estavam construindo e não duvido
que ela também, porém Amelie está com medo de ser acusada de
novo. Quem precisa ter paciência com alguém nessa situação é você
com ela.
— O que quer dizer? — indago com uma sobrancelha
arqueada.
— Que precisa dar pequenos passos, voltar ao começo, fazer
todo o caminho até ganhar a confiança dela de novo. Você tinha
isso, mas perdeu quando disse o que disse. Agora ela precisa
conseguir se sentir segura outra vez — fala como se fosse óbvio. —
Amelie está grávida, a família mora nos Estados Unidos, ela acabou
de sair de um noivado aos pedaços, quebrada por um ex filho da
puta. Ela deixou todos os muros baixos e te deixou entrar, confiou
em você. E, basicamente, quebrou a confiança dela na primeira
oportunidade, quando ela mais precisava que você não fizesse isso.
— Obrigado, faz eu parecer tão filho da puta quanto o ex
escroto dela — murmuro, mesmo que Carter tenha razão. — Estou
tentando ser paciente e dar a ela o espaço que precisa para confiar
em mim de novo. Não quero pressioná-la e piorar tudo. Só… estou
com saudade dela — confesso.
Sinto falta das nossas conversas leves, sinto saudade de ouvi-
la rindo para mim. Sinto saudade de muita coisa que fazíamos antes
de eu estragar tudo. Queria poder saber mais do que só o seu bem-
estar e se ela está se alimentando direito, queria saber se ela está
sentindo alguma diferença, queria comentar sobre o tamanho do
nosso bebê, sobre as roupas que ela pode ter começado a perder.
Queria não ter sido o maior idiota do mundo.
— Por que só não conta a verdade? — Carter indaga com
receio e balanço a cabeça em negação.
— Eu a quero perto, amigo, não afastá-la ainda mais —
respondo, dando um sorriso amarelo antes de bater em seu ombro.
— Vamos, preciso de um café, ou irei dormir sentado — falo, me
levantando e findando o assunto.
Sei que deveria contar logo essa parte para Amelie, mas acho
que ainda não estou pronto para desenterrar o passado, muito
menos para me recordar do sentimento ruim que essa história
deixou em meu peito, me marcando até hoje, me marcando a ponto
de eu ser escroto com quem não merecia.
Esfrego a toalha na cabeça, secando os cabelos com uma das
mãos enquanto continuo com o celular na outra, lendo as
mensagens de Amelie. Carter estava certo ao falar que, com
paciência, tudo poderia se resolver aos poucos. Faz pouco mais de
duas semanas do nosso encontro na cafeteria e, depois de uma
semana inteira estranha, as coisas começaram a progredir.
Pouco a pouco, Amelie se soltou mais, as conversas foram
ficando menos rígidas, ela passou a me falar novamente sobre o seu
dia, a querer saber sobre o meu, passou a falar mais sobre a sua
rotina e as mudanças. Todas as semanas, ela compra uma fruta que
corresponde ao tamanho do nosso bebê e amei essa ideia, então
agora também tenho uma pera grande em cima do meu balcão, que
me fará sorrir todos os dias durante a próxima semana.
Estendo a toalha e visto uma calça de algodão antes de me
sentar na cama, rindo das mensagens dela sobre como a falha de
compreensão dela para o pedido de Indina a fez perder uma tarde
inteira focando em um arquivo errado. Ao menos, ela terá um
relatório aleatório guardado agora.

Amelie: Já chegou em casa?


Liam: Acabei de sair do banho. Achei que não conseguiria
me livrar do cheiro de suco de laranja de caixa.
Amelie: Eca, deve ter ficado completamente azedo até
chegar em casa.
Liam: Provavelmente, e jogarei meu uniforme fora.
Amelie: Uma pena, fica tão bem nele…
Liam: Não se preocupe, tenho vários no meu armário à
disposição das suas fantasias.

Fico com medo, mas arrisco a brincadeira e, como retribuição,


ganho uma mensagem com uma risada extensa, relaxando meus
ombros e me permitindo degustar com atenção a mensagem dela
antes disso. Amelie tentou um flerte ou foi só mais uma das vezes
que ela falou que sou bonito? Inclusive, amo ouvi-la falando isso, só
não tanto quanto adoro a forma como as suas bochechas ficam
avermelhadas com a admissão.
Entretanto, depois de um momento descontraído, o silêncio
perdura em nossa conversa e imagino Amelie deixando seu celular
de canto, pronta para me ignorar pelo restante do sábado à noite.
Nem a pau! Não deixarei essa oportunidade passar.

Liam: Já comeu?
Amelie: Estou terminando de preparar o meu jantar!
Amelie: Estou seguindo a dieta da médica, não se preocupe.
Liam: Não parece, mas preocupação é o meu nome do meio
no que diz respeito a você.
Amelie: Não me diga que irá incorporar o médico também?
Amelie: Guia turístico, comissário de bordo, degustador de
vinho profissional, antropólogo, dono de uma grande empresa,
cozinheiro na média.
Amelie: Me esqueci de algo?
Liam: Obrigado, obrigado.
Liam: Pelo que me lembre, você apreciou muito a minha
comida, então pode colocar cozinheiro de primeira na lista.
Liam: E esqueceu que eu também sou um ótimo marido de
aluguel.
Amelie: Como pude me esquecer dessa, provavelmente uma
das melhores qualidades da lista!
Liam: Engraçadinha. Se bem me lembro, apreciou o
desconto.
Amelie: Posso confessar algo horrível?
Liam: Guardarei o seu segredo sujo, pode mandar.
Amelie: Sinto falta de tomar vinho.
Amelie: Sei que isso é horrível e nem mesmo bebia tanto,
mas comprei uma massa perfeita e estou fazendo um carbonara
lindo, que ficaria ainda melhor acompanhado do meu vinho favorito
e para finalizar, um petit gateau com sorvete de caramelo salgado e
brownie.
Liam: Bastante específico.
Liam: E tudo bem, não te julgo porque uma taça de vinho
cura tudo.
Amelie: E nem mesmo encontrei meu sorvete no mercado
para ao menos me contentar me entupindo de doce depois.
Liam: Isso parece crueldade!
Amelie mandou uma foto.

Abro, já sorrindo antes mesmo de ver a sua pose, ao lado do


fogão, fingindo uma cara muito tristonha e um biquinho. Na
verdade, acho que ela realmente poderia chorar por causa da falta
do sorvete. Franzo a testa quando uma ideia cruza a minha mente e
mando outra foto, tentando não parecer óbvio demais em uma foto
estando sem camisa. Faço um biquinho também, ficando triste como
ela e colocando na legenda que sinto a sua dor.

Amelie: Pelo jeito, terei que me contentar só com a minha


massa. Mas ela irá suprir as minhas expectativas, sei disso!
Liam: Você cozinha muito bem, certeza que estará incrível.
Logo após a minha resposta, deixo o celular na cama
enquanto ela continua a conversa, mudando de assunto, e pego
uma camiseta limpa no armário antes de procurar pelos tênis. Sei
que pode ser arriscado e muito bobo, porém encaro esse momento
como uma chance de ganhar um pouco da confiança dela de volta,
ainda que seja através de um desejo realizado.

Olho para a porta de madeira e os vitrais bem limpos ao


redor, a rua vazia com uma música tocando longe, provavelmente
em um barzinho agitado nesse sábado à noite. Em momentos
diferentes da minha vida, eu estaria em um desses lugares,
buscando pela agitação, por diversão momentânea, bebidas baratas,
uma cerveja gelada e risadas altas. Acho que envelheci e me tornei
mais quieto, mais cansado.
Agora prefiro o conforto da minha casa, prefiro guardar
energia para viagens que mudam o meu roteiro, para rotas
diferentes das habituais. Agora prefiro ter dirigido por bairros
desconhecidos até achar o sabor preferido do sorvete que a garota
que desejo que seja minha quer, porque nosso bebê a faz desejar
um prato de petit gateau perfeito para essa noite. Prefiro estar
parado em sua porta, com as mãos cheias, quase onze da noite, me
perguntando como chegamos aqui.
Pego meu celular do bolso com a mão livre e aperto o ícone
do telefone em nossa conversa, ligando para ela e sendo atendido
no segundo toque.
— Liam?
— Em uma escala de zero a dez, quais as chances de você
abrir a porta para mim? — indago, tentando não soar nervoso.
— O quê? Onde você tá? — pergunta, começando a se agitar
do outro lado da linha.
— Na porta do seu prédio — respondo. — Com uma surpresa
— adiciono, como se isso me ajudasse nessa situação.
— Está falando sério?
— Nunca brincaria sobre uma surpresa — falo e ela solta uma
risadinha baixa.
— Espera aí — diz e, antes que eu fale qualquer coisa, desliga
a ligação.
Mudo o peso de perna, controlando minha respiração nervosa
e segurando as sacolas com força para evitar o tremor em minhas
mãos inquietas. Parece uma eternidade, mas não deve ter levado
nem dois minutos até a luz lá dentro acender e a porta ser
destrancada, revelando uma Amelie com o cabelo ruivo preso
desajeitado, uma expressão confusa e um roupão rosa-claro que
parece muito macio.
Levanto a sacola em minhas mãos e seu sorriso começa a
surgir, desencadeando o meu.
— Achei que cara de sorvete de caramelo salgado com
brownie não seria o ideal para o nosso bebê — comento a desculpa
mais fajuta do mundo, mas parece o suficiente para ela abrir espaço,
me convidando para entrar. — E, só para te avisar, comprei um
pequeno estoque, porque ele está saindo de linha e espero que seja
o suficiente para os próximos… quantos meses ainda temos pela
frente?
— Basicamente cinco — me responde com um riso. — Não
precisava disso, acho que cara de sorvete de caramelo salgado nem
é tão ruim assim.
— Bem, não me custava nada — digo, levantando os ombros
quando entramos no elevador.
— Não tenho certeza se esse mercado é perto da minha casa,
muito menos da sua — rebate, apontando para a logo da sacola.
— Está bem, me custou alguns quilômetros. Tipo uns vinte…
e cinco. Sem contar todas as voltas que dei entre um mercado e
outro — comento, fazendo uma careta como se não fosse nada.
— Liam!
— Ao menos, tem o seu sorvete agora, anjo, e foi uma busca
divertida. Além disso, também peguei um pacote de petit gateau
para assarmos — interrompo qualquer repreensão que ela estivesse
pronta para me dar.
— Irá ficar para comer comigo? — questiona, parecendo
pequena e frágil ao meu lado, como se achasse que fosse
abandoná-la logo em seguida e nem posso culpá-la por pensar
assim.
— Esperava que pudesse dividir um dos bolinhos comigo e,
quem sabe, uma colherada de sorvete.
Subimos por pelo menos mais dois andares em completo
silêncio e percebo que ela me encara como se estivesse pensando se
confia em mim ou não, se me dá essa pequena chance ou se é
melhor não se arriscar outra vez. Estou à mercê de Amelie e tenho
culpa por todos os receios que ela possui agora a nosso respeito.
Estou tentando, estou mostrando a ela que pode contar comigo, que
pode voltar a confiar em mim.
— Posso te deixar comer até duas — responde por fim, antes
das portas se abrirem e caminharmos para o corredor.
— Está se sentindo misericordiosa hoje, senhorita Taylor-
Robinson?
— Me trouxe uns cinco potes de sorvete e o doce que eu
estava sonhando em comer, não posso bancar a vilã — zomba, me
guiando até a terceira porta à direita e abrindo-a. — Não se compara
ao seu apartamento chique e espaçoso e, como pode perceber, não
estava esperando nenhuma visita — comenta, apontando para si
com o roupão cobrindo o pijama curto. — Mas não julgue, ou pode
sofrer as consequências de uma grávida brava.
— Ei, eu nem tinha pensado em julgar! — me defendo,
entrando no espaço pequeno.
O apartamento dela tem a sua cara, com algumas bolsas
penduradas na entrada, o sofá aconchegante, a mesa de jantar
pequena, algumas fotos e quadros com frases preenchendo o rack e
as paredes, algumas plantas aqui e ali. É pequeno e cheio, mas
também transmite um conforto e uma sensação de casa.
Percebo que ela tira o roupão, revelando o short curto e a
blusa de alcinha, contornando os seios pequenos com os bicos
aparentes, mas o que me deixa com um sorriso quase bobo demais
é a barriga. A regata é justa e o tamanho já foi vencido pela
protuberância da pele, deixando uma partezinha da sua barriga
exposta, mesmo que esteja completamente esticada.
Acho que ela tem feito um bom trabalho escondendo o
volume, porque é a primeira vez que vejo a sua gravidez tão nítida
assim. Amelie é magra, com os braços finos, a cintura que coube em
minhas mãos, mas vejo que a gestação já está mudando o seu
corpo de uma forma linda, para além da barriga. Ela está quase na
metade das semanas, eu já deveria imaginar que o nosso bebê
estivesse bastante crescido ali dentro.
— Vem, vamos colocar alguns bolinhos para assar e colocar
esse sorvete no congelador antes que todo o trabalho seja em vão
— fala, quebrando a tensão antes que eu fizesse ou falasse alguma
bobagem, ainda em choque e atônito.
Acompanho-a até a cozinha pequena e ficamos lado a lado na
bancada da pia enquanto ela coloca os petit gateau congelados em
uma forma e eu arrumo os potes de sorvete em seu congelador. O
silêncio sempre parece desconfortável demais entre nós dois,
entretanto, nesse momento, não sinto isso e acho que nem ela.
Trabalhamos desse jeito até tudo estar em seu devido lugar e ela se
vira, ficando de frente para mim outra vez, provavelmente
procurando algo para dizer.
Não sei bem o que imaginei que faríamos quando eu
estivesse aqui, não pensei muito sobre as minhas ações. Se tivesse
pensado demais, talvez não tivesse tido a coragem de vir. Não sou
um covarde, muito pelo contrário, mas no que diz respeito a ela,
tenho estado receoso agora, porque não quero estragar os nossos
avanços, gosto de ter Amelie por perto.
Quero ficar ao seu lado por causa do bebê, porém também
quero isso por causa dela, porque quero beijá-la sem pretensão
sempre que posso, quero poder puxar seu corpo contra o meu e
abraçá-la todas as vezes que me olha como se precisasse de um
abraço. Quero estar ao seu lado assegurando que tudo ficará bem,
que nós ficaremos bem.
Sua mão se estende, me deixando com uma interrogação,
apesar de juntar a minha palma com a sua. Ela parece pequena
perto de mim, mas me puxa até que meus dedos encostem em sua
barriga e eu faço um carinho com o polegar sem pensar. É bobo,
porque já a toquei outras vezes, inclusive quando ela já estava com
o nosso bebê aqui dentro, mas ainda assim é diferente.
Diferente a ponto de um riso irromper da minha garganta,
baixinho e surpreso, contornando sua pele com a ponta dos dedos
até que Amelie não contenha o seu sorriso também. Ela puxa a
regata para cima, deixando que meu toque entre em contato direto
com a sua pele macia, hipnotizada pelo momento também.
— Não consigo sentir nada ainda. A médica falou que é
normal, porque é a primeira gravidez, então ainda não consigo
perceber as pequenas coisas. Mas… — Sua voz é um sussurro
preenchendo a cozinha. — Nada, é bobagem.
— Mas? — insisto, porque tenho certeza que não é bobagem.
— É bobo, mas sinto como se ele pudesse me ouvir quando
converso com ele. Mesmo sem sentir seus movimentos, mesmo sem
nenhuma diferença, eu sinto que ele me escuta — completa e
percebo que suas bochechas ficam coradas, envergonhada por me
confessar isso.
— Claro que ele escuta! — afirmo, me abaixando até meus
joelhos tocarem no chão e coloco ambas as palmas em sua pele,
quase cobrindo sua barriga por completo. — Será que eu terei que
explicar para a sua mãe que estão conectados? É óbvio que você a
escuta e que, em breve… Bem, talvez não tão em breve, poderá
respondê-la — digo, acariciando sua barriga ao conversar com o
meu bebê. Escuto o riso de Amelie, me fazendo voltar o olhar para
ela.
— É, talvez não seja nadinha em breve — replica, ainda rindo
antes de acabarmos outra vez presos no silêncio. — Obrigada por vir
essa noite.
— Sabe que sempre estou aqui para o que precisar, mesmo
para os desejos mais malucos — brinco, me colocando de pé outra
vez, mas ainda não conseguindo tirar uma das mãos da sua pele.
— Liam… — ela começa, colocando sua mão por cima da
minha, segurando-me ali. — Deveria ir à próxima consulta — diz e
percebo que seu lábio treme com a hesitação do convite, parecendo
não notar como ele me acende por dentro. — Podemos pedir para a
médica para ouvirmos o coraçãozinho dele, acho que irá…
Ela para e conheço-a bem o suficiente para saber que está
prestes a retirar as suas palavras.
— Eu irei amar — afirmo. — Irei adorar te acompanhar e irei
amar ouvir o coração dele — falo, sorrindo de canto, sentindo o
calor da sua palma contra os meus dedos, sentindo o calor que ela
me traz me fitando assim, sentindo o meu coração se acelerar e o
conforto desse momento, somente por estar aqui, parado com
Amelie e nosso bebê no meio da sua cozinha apertada.
Antes que qualquer um de nós pense em falar mais alguma
coisa, o forno apita, nos avisando que a nossa sobremesa está
pronta.
A médica é paciente e Amelie mantém um sorriso de canto,
então acho que não estou fazendo nada errado enquanto a encho
de perguntas. É a primeira vez que participo de uma consulta e sei
que Amelie me falou tudo sobre as anteriores, mas isso não significa
que eu não tivesse milhões de perguntas. A Dra. Kylie pareceu achar
graça da minha preocupação exacerbada, porém respondeu tudo e
absorvi cada detalhe.
Tudo está indo muito bem. Nosso bebê está saudável, a mãe
dele também e a médica disse que todos os sintomas que ela tem
sentido são normais para essa época, sendo assim, estamos dentro
do previsto. Não que isso me deixe menos ansioso. Não percebi que
estava tão preocupado e tão nervoso sobre tudo isso até fazer o
caminho direto do aeroporto para o hospital, repassando várias
perguntas que gostaria de fazer para a médica.
— Agora estamos entrando no quinto mês, na sexta, você
inicia a décima oitava semana. Pode sentir mais dores nas costas por
causa do peso aumentando e as dores de cabeça continuarão por
um tempo, mas continue tomando o remédio que lhe passei e se
alimentando corretamente. Além de não esquecer de se hidratar, em
breve elas devem parar de aparecer com tanta frequência — a Dra.
Kylie diz, respondendo algumas questões de Amelie quando
finalmente terminei as minhas. — E talvez os movimentos dele
passem a ser mais evidentes daqui para frente.
— Li algo sobre começar a perder a memória — Amelie
pergunta, torcendo as mãos no colo.
— Santo Deus, os sites estão cada vez mais cruéis — a
médica exaspera, rindo em seguida. — Primeiro, lhe pedi para não
acreditar nos sites e para me perguntar qualquer coisa. Segundo,
não é perder a memória. Algumas gestantes começam a ter
dificuldade em lembrar as coisas e em focar no trabalho ou em casa,
são só alguns esquecimentos, uma cabeça de vento, digamos assim.
Nada grave e não acontece com todas — frisa. — Caso aconteça
com você, não se preocupe e nem se culpe por isso, é o que
chamamos de pregnancy brain, cérebro da gravidez. Nada
preocupante.
— Ok — a ruiva responde ao meu lado com calma, parecendo
tirar um peso das costas. — E quando podemos saber o sexo do
bebê?
— Como preferiu descobrir pelo ultrassom, vamos aguardar o
seu exame morfológico do segundo trimestre para fazermos a
descoberta. Como estamos fazendo as nossas consultas no começo
do mês, podemos marcar o exame entre a vigésima e vigésima
primeira semana. Também checaremos mais detalhadamente a
formação dos órgãos no próximo mês.
— Será uma menina, é a genética dos Spencer — brinco e
Amelie revira os olhos.
— Se o pai está falando isso, então será um menino. 70% dos
papais erram — a Dra. responde. — Independente de qualquer
superstição familiar.
— De qualquer forma, estarei feliz sabendo que ele está bem
e saudável — falo, levantando os ombros.
— Se não tiverem nenhuma outra questão, podemos encerrar
a consulta — ela diz, cruzando as mãos por cima da mesa depois de
fazer mais algumas anotações no prontuário da Amelie e do bebê.
— Na verdade… — Amelie começa, me olhando de canto e
contenho meu sorriso. Chegou o grande momento. — Gostaríamos
de ouvir o coraçãozinho dele de novo. Liam nunca ouviu e pensei se
poderíamos…
— Claro! — Kylie responde, interrompendo a hesitação da
ruiva. — Um papai babão merece esse presente hoje — brinca,
levantando-se e convidando Amelie a se sentar na cama mais ao
fundo da sala, onde ela mantém alguns aparelhos. — Podem ouvi-lo
sempre que quiserem, existem alguns aparelhos menos profissionais
que são vendidos para o público comum e podem usá-lo para
ouvirem o coração dele — diz, lavando as mãos na pia ao lado antes
de pegar um aparelho na bancada.
Parece o mesmo de uma ultrassonografia, com uma das
pontas em formato retangular, ligado por um fio em um aparelho
menor, que a doutora segura nas mãos quando se aproxima,
posicionando o retângulo na barriga de Amelie quando ela levanta a
camisa azul que usa hoje. Me posiciono do outro lado, prestando
muita atenção nos movimentos da médica, segurando a guarda
lateral da cama.
— Vamos ver onde está esse pequeno — Dra. Kylie murmura
e prendo a respiração, não sabendo se estou pronto para o que virá
a seguir.
No instante em que as batidas tomam o quarto, a mão de
Amelie encontra a minha, segurando-a por cima e sorrindo. O tum-
tum é forte, acelerado, meu bebê valente tem um coração agitado e
isso me deixa com o nariz coçando. Apesar da fama de dramático,
não sou de me emocionar fácil, porém nada é tão lindo quanto o
som do coraçãozinho do meu filho.
Poderia ouvir esse som para sempre, o conforto que me traz,
a segurança de saber que ele está bem ali dentro, com o coração
com muitas batidas por minuto. É uma melodia bonita, vibrante e
avassaladora, que me arrebata antes que eu perceba. Viro minha
palma, entrelaçando os dedos de Amelie nos meus e pensando que
o nosso pequeno é perfeito, mesmo que eu ainda não o conheça por
completo. Só as suas batidas me apontam como ele é a coisa mais
perfeita que já me aconteceu.
E é estranho, mas esse som me dá uma confirmação
irracional dentro de mim, porque a frequência agitada não me diz
nada, mas eu sinto, somente sinto. Do meu coração para o dele, eu
sinto o quanto ele é meu. Meu bebê, meu novo começo, meu novo
amor.
— Cento e trinta e cinco batidas por minuto — a médica
pontua.
— Obrigado — digo, voltando meu olhar para ela e engolindo
a bola que se formou na minha garganta nos últimos segundos. —
Obrigado por me mostrar.
— De nada, senhor Spencer — responde com uma piscadela
divertida que combina com a Dra. Kylie antes de afastar o aparelho
de Amelie, voltando sua atenção a ela quando deixa o quarto
silencioso novamente. — Continue se cuidando, está bem? Vocês
estão perfeitos.
— Obrigada, doutora — responde, arrumando sua roupa
antes que eu a ajude a descer da cama, acompanhando-a para
pegarmos sua bolsa na cadeira.
— Nos vemos no próximo mês, Amelie — a médica diz,
dando-nos um cumprimento de cabeça antes de deixarmos seu
consultório.
Em um instinto, coloco a mão na base da sua coluna
enquanto caminhamos até o elevador, ficando próximo de Amelie e
aproveitando para poder me entorpecer do seu perfume floral que
tanto adoro. Ela descansa contra meu toque quando entramos na
caixa metálica, apertando o térreo no painel digital com os andares.
— Me avisa quando a sua próxima consulta for marcada. Se
estiver tudo bem, gostaria de vir com você em todas as próximas —
falo, mesmo com medo de estragar o momento.
— Ok, preciso mandar uma mensagem para a recepcionista e
assim que ela me passar a data, te aviso — responde com um
sorriso tranquilo, dissipando minha preocupação.
— Precisa voltar para a PP? — indago quando o silêncio
ameaça voltar.
— Não, Indina deixou que eu fizesse o restante das minhas
coisas em casa. Ela falou que eles não condenam o home office,
então tudo bem se algum dia eu preferir não ir ao escritório e
trabalhar de casa — comenta. — Mas gosto de ir para a empresa,
me sinto confortável lá, então provavelmente não irei me utilizar
muito dessa liberdade.
— Posso entender por que Savannah gostou tanto de você
logo de cara.
— É a última pessoa que pode julgá-la — zomba em
retribuição quando saímos do elevador, andando até a saída.
— Realmente, acho que demorei até menos tempo do que ela
para cair nos seus encantos — replico, flertando com ela ao piscar
um dos olhos e Amelie desvia o olhar para esconder a forma como
se afeta com o ato.
— Que eu me lembre, eu que estava literalmente caída no
nosso primeiro encontro.
— Tudo culpa dos malditos adolescentes, não tem nada a ver
com a sua falta de equilíbrio ou os dois pés esquerdos — caçoo e ela
abre a boca em choque, ficando na minha frente ao parar a nossa
caminhada no meio da calçada e colocando ambas as mãos na
cintura.
— Achei que tivesse dito que eu havia melhorado como
parceira de dança!
— E melhorou, mas sabe como é… — continuo a brincadeira,
gesticulando ao levantar as palmas para cima e dar de ombros.
— Você é um péssimo professor, Liam Spencer — acusa,
segurando seu sorriso.
— Talvez devesse ir a outro encontro comigo e, quem sabe,
eu não te ajudo a melhorar ainda mais — falo, sem controle das
minhas palavras e a expressão incrédula dela se transforma em
surpresa, abaixando os braços ao lado do corpo, abrindo e fechando
a boca como se buscasse por uma resposta. Dou um passo em sua
direção, nos aproximando ainda mais quando retomo o tom mais
sério, deixando nossa brincadeira de lado. — Saia para jantar
comigo, por favor — peço. — Uma noite, eu e você, uma única
chance, meu anjo.
— Eu…
— Se for muito para você, se não quiser mais ou qualquer
coisa do tipo, eu prometo que irei me manter no único lugar que me
deixar ficar, mas não posso deixar de pedir uma única noite — torno
a falar quando ela gagueja, sem me dar nenhuma resposta.
— Sim, eu adoraria sair para jantar com você — diz por fim,
me oferecendo um sorriso tímido. — E adoraria dançar com você
outra vez — complementa, fazendo um afago gigantesco em meu
peito.
— Será um prazer, senhorita Taylor-Robinson — replico,
ampliando seu sorriso.
— Agora preciso ir, tenho uma pilha de planilhas esperando
por mim, mas irei aguardar a sua mensagem com o dia e o horário.
E o lugar, preferencialmente. Odiaria estar malvestida — fala com
um riso.
— Você nunca está malvestida — rebato, mas ela me lança
um olhar severo que me avisa que posso ser punido se eu levá-la
para um restaurante chique e deixar que ela vista jeans e camisa.
Mal sabe ela que fica encantadora com qualquer roupa, e ainda mais
sem elas. — Mandarei as informações — prometo. — Obrigado por
hoje.
— Até mais, Liam.
Amelie me dá um aceno antes de caminhar até um carro
prata, provavelmente de um motorista de aplicativo, e observo-a
partir antes de suspirar, procurando pelo meu celular para buscar
por uma carona para casa também. Mas acho que ficarei com um
sorriso grudado no rosto até o nosso encontro.
— Sua fada madrinha chegou! — Escuto Marjorie gritar,
batendo a porta atrás de si. — E não vim de mãos abanando —
comenta, chegando na minha porta, e encaro minha melhor amiga
com uma caixa grande em mãos, a grafia de um dos ateliês chiques
da cidade no topo da caixa me faz arregalar os olhos, pronta para
repreendê-la. — Foi o seu príncipe encantado. Eu te amo, Ames,
mas se fosse comprar uma belezinha nessa loja, seria para mim.
— O quê?
— Isso mesmo, entrega do senhor Spencer — pontua,
colocando a caixa em cima da minha cama e ignoro a porta do meu
guarda-roupa aberta, onde passei os últimos trinta minutos tentando
descobrir o que vestir.
— Ele mandou isso?
— Cheguei lá embaixo na mesma hora que o entregador. Uma
entrega para Amelie Taylor-Robinson, de Liam Spencer — recitou e
fico ansiosa, mas nervosa também para descobrir o que há dentro
do embrulho. — Abra logo, mulher!
— Você é terrível! — rebato, mostrando a língua para ela.
— Ainda precisamos cuidar do cabelo e da maquiagem, minha
melhor amiga irá ser a grávida mais bonita da cidade hoje à noite
em seu primeiro encontro com o papai do ano — debocha antes de
estalar a língua para si. — Ai, eu não deveria tê-lo perdoado tão
fácil, mas tenho um fraco pelos olhinhos azuis.
— Marjorie — repreendo-a e ela revira os olhos.
— Primeiro você acaba na cama dele de novo e para de
bancar a Mama Puritana, depois vem ser enciumada sobre o seu
homem para cima de mim.
— Não estou sendo puritana.
— É, eu sei. Está sendo só resistente demais — comenta. —
Sei que se magoou e todas essas coisas, mas não adianta mais se
apoiar nisso se for para ficar flertando com ele para baixo e para
cima. Você o quer, isso é claro como o dia. O queria antes de
descobrir que estava grávida, continua o desejando agora. Se não
quisesse, não estaria toda ansiosa para um encontro com ele.
— Não é um encontro, encontro. É só um jantar — friso,
porque estou tentando dizer isso a mim mesma como uma tentativa
de me acalmar.
— Claro, siga dizendo isso, mas o seu príncipe até mesmo te
mandou presentes, logo mais chegam as flores e então a carruagem
estará te esperando — zomba e jogo uma das almofadas da minha
cama nela, que geme em desgosto. — Por que está assim? Não é
nada que não fizeram antes, Ames.
— Eu sei, eu sei! Acho que é por isso que estou me sentindo
ainda mais boba por estar tão nervosa — comento, sentando na
ponta da cama e ela vem para o meu lado. — É só que, sei lá,
parece diferente de certa forma. Como se tivesse uma seriedade ao
nosso redor, mas não é uma coisa ruim. É como se fosse… real
demais — afirmo, sabendo que não faz nenhum sentido.
— Real no sentido de serem um casal? — indaga com cautela
e respiro fundo, soltando o ar com força.
— Sim — confesso, feliz em falar isso e tirar um peso do meu
peito. — Acho que, antes, éramos dois adultos flertando e
brincando, mas, agora, sinto como se fosse mais firme, como se ele
estivesse jogando por tudo ou nada. Não é mais uma brincadeira, é
ele querendo mais do que isso.
— E está querendo isso também? — Dou um aceno,
afirmando. — E se sente pronta?
— Tenho me questionado isso desde a nossa noite em
Bordeaux, mas sempre vem acompanhada da pergunta de quando
será o momento que estarei pronta. Quando saberei de verdade,
haverá um momento de mudança, alguma bandeira levantada? Não,
não vai, Marj. Se eu não der um passo depois do outro, nunca
chegará o momento de deixar o passado para trás, nunca haverá o
momento de não ser mais a garota com o coração partido. Preciso
construir esse caminho e quero construí-lo agora.
— Por você ou só porque ele é o pai do seu bebê?
— Porque ele é ele, e eu sou eu. E antes de quaisquer outras
circunstâncias, era isso que nós queríamos. Estar ao lado do Liam é
bom, é confortável desde o primeiro dia. É por isso que quer dar um
passo após o outro com ele — afirmo, sabendo que essa é a melhor
resposta para a sua pergunta, porque é a verdadeira. — Sei que ele
errou e estou esperando pelo momento em que ele se sinta
confortável para me contar o que aconteceu no passado, mas todas
as coisas que sei sobre ele me fazem confiar no Liam.
— Fico feliz por você, Ames. De verdade — diz, sorrindo de
canto e abraçando meus ombros. — Você merece um final feliz.
— Ah, esse final feliz eu já tenho — comento, passando a
mão pela minha barriga por cima do roupão. — Nós dois juntos é o
meu final feliz.
— Será uma mãe incrível. Já é uma mãe incrível!
— Obrigada — falo, beijando sua bochecha.
— Agora já deu de momentos tristes, porque estou curiosa
pelo que há dentro da caixa! — exclama, levantando-se da cama e
faço o mesmo, segurando a tampa do meu presente.
A cor creme é elegante e quase fico com dó de desfazer o
laço vermelho perfeitamente amarrado. Ainda assim, deixo a fita cair
no colchão, puxando a tampa e revelando um vestido verde-
esmeralda. Puxo-o para cima, descobrindo que é curto e deve ir até
a metade das minhas coxas. O tecido é macio, uma malha canelada,
com mangas folgadas e punhos justos. Um cordão pende nas
laterais, mostrando que devo amarrá-lo na linha abaixo dos seios, o
que deixará a minha barriga marcada.
Coloco-o na frente do corpo e Marjorie parece sem palavras,
como em poucas vezes em sua vida. Suas mãos passam pelo tecido
fofo e ela ajusta o decote, me olhando de forma maliciosa quando
nota que o vestido é para ser usado ombro a ombro, com um decote
generoso e muito colo exposto. Gosto disso, assim como gosto de
pensar que a peça se ajustará no meu corpo, contornando as
minhas curvas cada vez mais acentuadas com a gravidez.
— Aparentemente, o seu príncipe encantado tem várias ideias
para esse encontro — brinca. — Estou torcendo para que ele ganhe
um beijinho à meia-noite.
— Você é realmente terrível — repito, deixando o vestido
novamente na cama para pegar o cartão, tirando-o do pequeno
envelope e notando que foi escrito com a caligrafia de Liam.
Ele tomou seu tempo para ir até a loja e escolher um vestido
a dedo para mim? A ideia me deixa com o coração apertado em
batidas aceleradas e um choro preso na garganta. E todo o esforço
que eu estava fazendo para segurar as lágrimas é em vão quando
leio o bilhete.

“Achei que seria uma oportunidade perfeita para ser bastante


vulgar. Sabe como adoro todos os seus vestidinhos vulgares, achei
que esse poderia ser uma boa adição para a coleção.
Espero que goste e espero te ver nele essa noite.
Na minha imaginação, conseguiu ficar ainda mais linda do
que já é.

L.S.”

— Ele é realmente um príncipe — murmuro sozinha e


Marjorie ri baixinho.
— Então é melhor se apressar ou não haverá abóbora que
não a fará se atrasar se continuar enrolando assim — dita e deixo o
bilhete dentro da caixa novamente com certa relutância, seguindo-a
até a minha penteadeira.

— Posso te levar para casa se quiser — Liam diz assim que


nos levantamos e começamos a sair do restaurante.
— Esse seria o encerramento perfeito para a noite —
respondo, contendo minha animação com a sugestão.
Ele reservou uma mesa em um restaurante francês típico aqui
de Toronto. O lugar é um misto de conforto e elegância que foi
perfeito para a nossa noite. Uma mesa para dois, no canto, nos deu
uma privacidade para que Liam me fizesse rir sem esforço e flertasse
comigo por cima das taças bem colocadas na mesa, me lançando
olhares lascivos e me deixando agitada todas as vezes que piscava
após uma brincadeira.
Pedimos nossos pratos, tomamos drinks não alcoólicos e
dividimos uma sobremesa famosa do local. Quando bocejei pela
segunda vez, ele falou que era melhor pedirmos a conta e pedi
desculpas pelo meu cansaço, apesar dele ter rido, sabendo ser algo
da gravidez. Liam foi o perfeito cavalheiro, me lembrando dos
nossos dias na França, me guiou com a mão nas minhas costas,
puxou a minha cadeira, me aguardou sentar confortavelmente,
deixou que eu fizesse os meus pedidos primeiro e foi paciente na
minha indecisão entre dois pratos, me incentivando a pedir os dois
porque posso.
Neguei a sugestão dele, só para que ele deixasse o seu
próprio pedido de lado e escolhesse o prato que não escolhi, me
dando a oportunidade de experimentar ambos. Não posso negar que
ser mimada por ele está me deixando mal-acostumada.
O manobrista logo traz o carro dele, uma Porsche Cayenne
cinza-escuro, e tentei não ficar tão impressionada. Dinheiro nunca
fez falta na minha casa, minha mãe Karen é uma treinadora de
futebol feminino bem reconhecida nos Estados Unidos, e mamãe
Jenny é conhecida no ramo imobiliário. Entretanto, esperava algo
menos extravagante, porque me esqueço constantemente de que
Liam é dono de um quarto de uma companhia enorme.
Ele deve ganhar um bom dinheiro da sua parte da empresa,
só não costuma se exibir muito com isso. Seu apartamento é bonito
e bem decorado, mas não é luxuoso ou coisa do tipo, ele não está
sempre com roupas de grife, apesar de ter separado uma coleção
casual da Armani para essa noite.
— Obrigada — digo assim que ele abre a porta, esperando
que eu entre, e então caminha para o outro lado. — E obrigada pela
noite — repito quando ele dá partida outra vez, começando a sair da
entrada ornamentada do restaurante.
— Obrigado por aceitar jantar comigo essa noite — replica
enquanto dirige, virando na primeira esquina para seguir para o meu
bairro.
— Não precisava ter recusado o vinho só por minha causa.
— Eu já tinha pensado em fazer isso antes. Não é justo que
você passe todo esse tempo com vontade de beber o seu vinho
favorito e eu me esbanje com ele — comenta, dando de ombros.
— Ainda temos cinco meses pela frente, mais do que isso se
eu conseguir amamentar — lembro-o.
— Iremos dar conta — responde antes de ficarmos em
silêncio por algumas quadras, cada vez mais perto do meu
apartamento.
Gostaria de retardar a nossa despedida, porque não quero
deixar essa noite para trás tão facilmente. Liam parece se sentir do
mesmo jeito, afinal, tenho quase certeza de que ele dirige bem
abaixo da velocidade da pista. É um encontro, como Marjorie bem
pontuou, e não sabemos como agir com o fim dele se aproximando,
ainda que eu ache que nós dois compartilhamos do mesmo desejo.
— Quando é o seu próximo voo?
— Estou escalado para dois voos nacionais amanhã à tarde.
Toronto, Charlottetown, então de lá para Montreal e depois de volta
para Toronto — me conta. — Inclusive, tenho pensado na melhor
opção para depois que o bebê nascer. Talvez pedir as minhas férias
prolongadas para os primeiros meses, ou, se eles não aceitarem a
requisição, pensei em pedir demissão e…
— Não, não! Claro que não, está maluco? — exaspero em
choque, me virando em sua direção o máximo que o cinto me
permite.
— Foi só um pensamento. Não quero estar distante quando
precisarem de mim e sei que a minha rotina não é muito tranquila.
Além disso, não quero ser relapso com meu filho — pontua e posso
compreender o que quer dizer, mas discordo que Liam vá ser
negligente só porque passa parte da semana fora, trabalhando. Me
inclino, segurando sua mão na minha enquanto esperamos o sinal
ficar verde.
— Iremos dar um jeito quando for a hora, mas não precisa se
desfazer de um trabalho que adora só porque será pai. Não é justo
com você, assim como não acharia justo se fosse o contrário —
afirmo e ele suspira, parecendo relutante em me dar um aceno. —
Iremos encontrar um bom meio-termo — confirmo novamente.
Ele vira a próxima esquerda e então reduz a velocidade até
estar parado na frente do meu prédio. O carro desliga ao parar
completamente e tiro o cinto de segurança com lentidão.
— Obrigada por essa noite, pelo jantar, pela carona e… pelo
vestido — digo, sorrindo ao olhar para a peça, marcando a minha
barriga protuberante, fazendo maravilhas com os meus seios
inchados.
— Preciso dizer que, se formos pensar direito, fiz tudo isso
por puro egoísmo para te ter um pouco, e então um pouco mais, e
te ver vestida na minha cor favorita. Você fica ainda mais
deslumbrante de verde — sussurra com os olhos tão fixos em mim,
como se pudesse me ver nua por baixo desse vestido.
— Acho que gosto do seu egoísmo no que diz respeito a isso
— respondo, também abaixando o meu tom de voz.
— Não deveria dizer isso para mim, posso ficar arrogante e
ainda mais egoísta, mon ange.
— Está me mimando, parece justo que eu faça o mesmo —
digo, engolindo em seco quando seus olhos voltam a focar nos
meus.
O azul tão profundo, escurecido pela falta de luminosidade do
carro, os lábios entreabertos, como se quisesse falar mais algo, mas
não consegue se recordar do que era. Tão convidativos, tão bonitos,
tão macios quando pressionados contra os meus. O problema de
desejar algo que já se teve é esse, as memórias, o sabor que ainda
permanece, o arrepio que pode ser lembrado com facilidade.
— Você deveria me beijar — ele sussurra, inclinando-se um
pouco.
— E te mimar um pouco mais?
— Talvez isso seja um bajulamento próprio — retruca, me
fazendo soltar um riso baixo no interior do carro. — Por favor —
pede, ou suplica, não saberia dizer, porque eu mesma estaria
implorando para ele me beijar se já não estivesse me aproximando
mais, segurando seu rosto em minhas mãos.
— Acho que gosto de te deixar mal-acostumado — falo contra
a sua boca, roçando nossos lábios ao esfregar meu nariz no seu.
— E eu adoro cumprir todos os seus caprichos — ele
murmura antes de parecer impaciente, capturando minha boca na
sua, me beijando como se dependêssemos disso como dependemos
do ar para viver, como se sua boca fosse a razão da minha próxima
respiração, do meu próximo suspiro.
Liam captura meu rosto entre as suas palmas, acariciando
gentilmente minhas bochechas como acaricia sua língua contra a
minha. Seus lábios me arrancam gemidos, descontente em não
poder me agarrar completamente nele. Acredito que, entre um
momento e outro, ele sussurra sobre as delícias do meu beijo, mas
me perco por completo quando seus dedos acham o caminho até
meu pescoço, entrelaçando-se em meus fios soltos e mordiscando
meus lábios.
Quando se afasta, nos deixando ofegantes e suplicantes por
mais, seus olhos não se abrem, permanecem fechados, com a testa
colada na minha, como se estivesse suprimindo um desejo
ostensivo, como se mal pudesse se controlar e eu não queria que ele
se controlasse. Mas conheço Liam, por isso, quando ele deixa um
selinho demorado em meus lábios, se afastando para beijar o meu
queixo, a ponta do meu nariz, ambas as bochechas e a testa por
fim, sei qual será o final dessa noite.
— Deveria entrar, sei que está cansada — fala e só consigo
dar um aceno. — Espero que possamos repetir essa noite, meu anjo.
— Eu também — respondo, ainda com a respiração afetada.
— Boa noite, Liam.
— Rêver avec moi, mon ange[2] — deseja com um sorriso
malicioso de canto antes que eu toque na maçaneta, saindo do
carro.
— Sabe que eu irei — falo, mantendo a porta aberta. —
Espero que você também sonhe comigo.
Pisco para ele antes de fechar a porta, procurando minha
chave para me ocupar com alguma coisa e não estragar a minha
despedida teatral. Assim que chamo o elevador, já dentro do prédio,
escuto o carro arrancar na rua.
Saio da sala de reuniões gigantesca, pronta para ir correndo
até o elevador e descer de volta até a Perfect Pairing e começar a
pôr em prática algumas coisas debatidas na reunião geral. Me
surpreendi quando Indina me convidou a acompanhá-la para essa
reunião com todos os gerentes e diretores de recursos humanos do
grupo Love Affair, para alinharmos algumas das visões da empresa e
metas para o futuro de forma geral.
Foi uma reunião bem interessante e me senti nervosa quando
Indina recebeu uma ligação de emergência e precisou ir embora
mais cedo. Apesar de ninguém saber quem eu sou fora daqui, e isso
seria a mulher que carrega o bisneto ou a bisneta da fundadora
dessa empresa, todos sabem que sou a novata. E é um pouco
intimidante ser a novata em qualquer lugar.
— Amelie? — uma voz grave me chama, séria e sinto um
arrepio me percorrer, percebendo que estou em apuros. Giro os
calcanhares e tenho vontade de dar as costas novamente e ir
embora, mas seria muita falta de educação fazer isso com a avó do
seu bebê. — Amelie Taylor-Robinson, certo?
— Essa seria eu — tenho soar despreocupada, voltando
alguns passos no meu caminho, indo até a porta da sala dela, onde
Stella Spencer me aguarda. Apesar de não ter dito nenhuma palavra
específica, sei que ela quer que eu me aproxime. — Senhora
Spencer — cumprimento-a.
— Entre, gostaria de falar com você sobre um assunto. — É
agora que ela aponta para mim e grita: GOLPISTA! Ou seria
dramático demais para a vida real? Quer dizer, não acho que Stella
faça o tipo que grita, ela deve implicar de uma forma bem mais sutil
e bem mais ameaçadora. — Ah, por favor, tire essa feição do rosto.
Parece que estou te levando para a forca.
— Desculpa, eu só… — Estou terrivelmente nervosa.
— Tudo bem, não fomos devidamente apresentadas e peço
desculpas por ter educado meu filho tão mal, pelo visto — ela
murmura o final, estendendo a mão para mim em seguida. — Por
favor, me chame de Stella.
— É um prazer conhecê-la, e prometo que o educou
perfeitamente. Eu talvez estava… dificultando o caminho — admito,
culpada, e ela sorri, me lembrando Savannah.
— Posso compreender seus motivos — diz, me fitando de
uma forma maternal. — Assim como compreendo os dele. Sente-se,
por favor — pede, indicando a cadeira antes de ir até a sua, do
outro lado da mesa. — Como está? Liam me priva de todas as
notícias.
— Estou bem, obrigada pela preocupação. Estamos ambos
muito bem — afirmo, passando a mão na minha barriga e ela fixa
seu olhar ali por alguns instantes. — Algumas dores, mas nada de
mais — complemento com honestidade.
— Fico feliz. Sei que tem o contato de Savannah, mas
também pode me procurar se precisar de alguma coisa — oferece e
isso aquece meu coração. Apesar da recepção não tão positiva de
Liam a princípio, sua família me acolheu muito bem. — Te chamei
porque gostaria de fazer um convite. Não precisa voltar a se
preocupar, é algo tranquilo e pode negar, é claro.
— Desculpa, não quis parecer tão assustada. É só que sei
como essa situação não é exatamente propícia e não sabia se todos
tinham recebido bem a notícia — confesso para ela porque, ao que
parece, essa mulher consegue arrancar todos os meus segredos com
seus olhos gentis e sua voz calma.
— Tenho a oportunidade perfeita para descobrir que todos
estamos juntos nesse assunto — afirma com animação. — Liam faz
aniversário no sábado — começa e levanto as sobrancelhas em
surpresa, porque não fazia ideia disso. — Iremos organizar um
jantar na minha casa, para comemorar os vinte e nove anos do meu
caçula, somente os mais íntimos da família. É uma surpresa, porque
ele negaria se soubesse, mas não irei deixar passar em branco.
Não há dúvidas que, apesar de ser muito focada no trabalho
e talvez desatenta aos detalhes sentimentais, como Liam já citou
para mim, Stella é uma mãe zelosa. Não quer deixar de comemorar
o aniversário do filho, mesmo que ele teime o contrário. Um jantar
em família parece apropriado, sem tanta pompa, como ele tanto
desgosta.
— Por isso, pensei que seria ideal lhe convidar para esse
jantar. Não sei ao certo como vocês dois estão, mas sei que ele tem
te acompanhado durante as últimas semanas e gostaria que
conhecesse os Spencer longe das paredes da Love Affair, apesar da
empresa também ser um pilar da nossa família — conclui, parecendo
orgulhosa do seu trabalho. — Não é nada extravagante, somente um
jantar com alguns amigos e família, poderá conhecer a minha mãe,
a avó do Liam.
— Fico lisonjeada com o convite — consigo dizer, não
deixando que o silêncio nos englobe.
— Fique à vontade de negar caso não se sinta confortável,
não se preocupe com isso. Não quero que se sinta pressionada, só
pensei que poderia ser uma oportunidade tranquila e providencial,
tratando-se do aniversário dele — comenta, cruzando as mãos em
cima da mesa, mantendo a sua postura impecável no terninho
branco.
— Eu adoraria ir — digo, apesar de ainda aceitar o convite
com incerteza. — E fico realmente grata pelo convite, senho… Stella.
Seu filho e eu estamos bem, unidos nisso tudo.
Não sei se bem definir a nossa situação, mas não posso dizer:
estamos há alguns dias sem nos ver, depois que nos beijamos no
carro dele e a minha maior vontade era arrancar todas as suas
roupas e sentar em seu colo. Não sou a maior tarada, fique
tranquila, Stella, são os hormônios da gestação. E desde sábado, o
seu querido filho não quis me dar mais nenhuma oportunidade de
tentar executar meu plano.
Seria realmente péssimo confessar os meus hormônios à flor
da pele, pensando o tempo todo em Liam, em sua boca, seus dedos,
as maravilhas que ele faz com meu corpo. Porém, a culpa é dele,
que me beijou como beijou em seu carro e depois quis bancar o
cavalheiro, não subindo para cuidar da minha calcinha molhada por
sua causa.
Uma covardia.
— Gosto de saber disso. Espero mesmo que ele esteja lhe
dando todo o suporte necessário.
— Ele está, prometo — confirmo, querendo dissipar qualquer
dúvida dela.
— Sendo assim, posso contar com a sua presença no sábado?
Peço para Sav te passar o endereço, ou podemos mandar um
motorista, se preferir…
— O endereço está ótimo! — exaspero com urgência, com
medo de qualquer carruagem dos Spencer.
— Então lhe esperaremos no sábado — diz e percebo que a
nossa conversa acabou por aqui. O que me deixa aliviada, porque
tenho receio de que Stella faça mais perguntas das quais não
conseguirei me conter a não responder.
— Está certo. Novamente, foi um prazer te conhecer —
replico, já me levantando.
— Igualmente — responde e dou a ela um aceno de cabeça
antes de sair da sua sala, encostando a porta atrás de mim e me
apressando para dentro do elevador.
Quando as portas se abrem no andar da PP, caminho com o
máximo de calma que consigo, atravessando o andar até as paredes
transparentes da maior sala do andar. A loira está com o cenho
franzido do lado de dentro, analisando uma pilha de papéis
espalhados pela sua mesa. Não acredito no que estou prestes a
fazer e, qualquer coisa, culparei a gravidez pelo embaraço. Bato na
porta com hesitação e logo escuto o comando para entrar.
— Oh, Amelie, é você. Está tudo bem? — indaga, voltando
seus olhos azuis para mim, os mesmos da mãe e do irmão. Ela
suaviza a sua expressão, ficando mais acessível ao indicar a cadeira
à sua frente.
— Sim, está tudo bem — respondo a pergunta que mais me é
feita por um Spencer, me aproximando, mas somente apoio as mãos
na guarda da cadeira que ela indicou. — Preciso te fazer uma
pergunta.
— Ok — incentiva com estranheza.
— Não como a diretora do departamento pessoal, como…
— A namorada do meu irmão — ela completa quando as
palavras me faltam e faço uma careta.
— Não sou a namorada do seu irmão.
— É, eu colocaria o que vocês têm nessas palavras, mas
podemos usar a mulher que carrega um bebê Spencer também, bem
mais impessoal e robótico — rebate e sinto que a ironia em seu tom
é a sua forma de fazer piadas, porque um riso coça a minha
garganta.
— Vamos usar a amiga do seu irmão — afirmo.
— Ok, amiga do meu irmão, acredito que debater rótulos não
é bem o que veio fazer aqui — ela comenta, afastando a cadeira um
pouco para trás e cruzando os braços.
— Conheci sua mãe há alguns minutos…
— Isso explica a palidez — murmura para si. — Ela foi rude?
— Não, não! — me apresso em dizer. — Na verdade, ela me
convidou para o aniversário do seu irmão no sábado. E eu queria
que me ajudasse a entender se realmente devo ir ou se ela me
convidou por educação.
Savannah solta um riso baixo, colocando a mão na boca para
abafar o som.
— Ah, Amelie, se minha mãe não quisesse a sua presença,
ela te ignoraria se te avistasse em um dos corredores da empresa,
não lhe chamaria e te convidaria para um jantar na residência
Spencer — comenta com humor e relaxo os ombros. — Tudo bem
que, de certa forma, ela te chamou para uma tortura estilo
inquisição, mas ela a quer lá.
— Isso não me tranquilizou nadinha — replico com um
resmungo, o que só traz ainda mais humor à Savannah.
— Vá bem armada e estará bem. Jogue na cara dela e da
minha avó tudo o que puder sobre a gravidez, utilize da sua bexiga
reduzida como desculpa para idas ao banheiro para se salvar e
conseguirá sobreviver a noite — recita e percebo que, pela primeira
vez, consigo ver o que Stella falou mais cedo sobre vê-los para longe
das paredes da Love Affair. Savannah parece quase outra pessoa,
descontraída à sua maneira, brincando sobre a mãe e a avó. —
Estarei por lá também, posso te ajudar até o Liam aparecer.
— Obrigada pela ajuda, agora estou cogitando se não devo ir
de armadura — ironizo e ela até suspira antes de voltar a encarar o
assunto com seriedade. — Devo levar alguma coisa?
— Não, fique tranquila quanto a isso. Sua presença será o
suficiente e, só para saber, eu já iria fazer o convite assim que te
encontrasse — conta e gosto de saber que realmente fui colocada
na lista de convidados delas. — Se Liam está fugindo de te
apresentar para nós três em conjunto, então daremos um jeito de
fazer isso acontecer — brinca.
— Devo realmente temer alguma coisa?
— Só se a nana Ruby resolver abrir sozinha alguma garrafa
de espumante. Ela quase cegou um ex-namorado meu, mas Carter
sobreviveu — fala, voltando a colocar as mãos em cima da mesa. —
Fico feliz que tenha aceitado o convite.
— Não somos exatamente família, mas vocês são a família
desse bebê — digo, colocando as mãos na barriga. — Acho que
chegou a hora de conhecer todas as mulheres Spencer.
— Afinal, pode estar carregando mais uma de nós aí dentro
— relembra com entusiasmo.
— Exato — friso, apesar desse sentimento não ser bem o que
carrego, independente das crenças da família deles sobre bebês do
sexo masculino. — Bem, era somente isso. Fiquei com receio de ter
caído dentro de alguma armadilha ao aceitar o convite. Acho que a
sua mãe está bem curiosa a meu respeito.
— É culpa do Liam, ele mantém todas as informações em
segredo.
— Sábado será uma oportunidade perfeita para que possam
saber o que quiserem sobre o bebê, eu prometo — falo e ela sorri,
dando um aceno. — Era somente isso, não quero mais tomar o seu
tempo e também quero colocar em prática algumas anotações que
fiz durante a reunião.
— Perfeito. Te esperamos no sábado!
Porém, apesar do entusiasmo de Savannah e de ter visto um
lado mais tranquilo dela, não sei ao certo se o meu coração
realmente se acalmou. Ainda estou com receio do jantar de sábado
e de conhecer por completo a família de Liam, ainda mais por não
saber em que pé estamos, tenho medo de parecer uma intrusa, ou
ainda pior, uma inconveniente.
Não foi tão ruim quanto poderia ter sido. Seria hipócrita dizer
que foi fácil e tranquilo, porque não foi. Ruby Spencer me deixou
com um arrepio de medo, porque a senhora me inspecionou dos pés
à cabeça e o caminho contrário. Três vezes! Mas, depois disso, abriu
um sorriso fofo de uma senhorinha de setenta e poucos anos e
estendeu a mão para apertar a minha. Foi um sufoco e sinto que até
mesmo Savannah ficou nervosa ao meu lado.
Minha não-exatamente-cunhada/chefe/potencial-futura-amiga
passou a noite do meu lado, não querendo que eu me sentisse
deslocada em meio a tantas pessoas novas e fui enganada,
completamente enganada, por Stella. Isso aqui passa longe de ser
só uma reunião de família, algo íntimo. Tem, pelo menos, trinta
pessoas na sala de estar gigantesca da casa em que Ruby e Stella
moram. Alguns diretores da empresa, amigos da família, o melhor
amigo do Liam com a esposa e eu marcamos presença.
Indina e Lance também estão aqui, as duas melhores amigas
de Savannah e estive com elas durante a noite inteira. São um trio
engraçado, principalmente pela loira e Indina serem sérias enquanto
Lancelot tem um humor sarcástico afiado. As três parecem unidas ao
desgostarem de metade das pessoas presentes aqui e ouvir Sav falar
mais de uma vez que tem certeza de que Liam irá reclamar sobre
isso por dias após o jantar.
Ele não estará errado, penso. Afinal, o seu aniversário
basicamente se transformou em um jantar de negócios.
— Liam está a caminho — Savannah murmura, olhando para
o celular. — Irei avisar à minha mãe e minha avó.
— Ele odiará chegar do trabalho para o meio de um monte de
gente engomada e cheia de pompa — Lance comenta depois que a
amiga anda para longe e encolho os ombros, envergonhada porque
eu achei que seria algo íntimo e não me produzi para essa noite.
Quando Stella me falou sobre o jantar, achei que seria mesmo
algo entre dez pessoas, nada de mais. Comprei um vestido de verão,
solto e com uma estampa floral bonita, que desce até os meus pés e
em um tom de verde-claro, porque queria que Liam pensasse que o
escolhi sabendo que essa é a sua cor favorita. Quase nada mais me
serve dentro do meu guarda-roupa, a maioria dos jeans e calças
precisam de extensor e meus vestidos já não caem tão bem.
Ainda que eu ache que isso seja mais sobre os vestidos
recatados do que sobre o meu corpo de grávida.
Arrumei meu cabelo em ondas bonitas e fiz uma maquiagem
iluminada. Não estou acabada, nem nada do tipo, mas destoo das
demais pessoas, os homens com ternos e blazers, o vestido chique
de Ruby e de Stella, as mulheres com cores sóbrias e de outono,
apesar de ainda estarmos em setembro. Ao menos, Indina e Lance
estão em seu padrão, sem exageros, e Savannah veste a coisa mais
casual que já a vi usar. Além de Carter e Claire, o melhor amigo de
Liam e a esposa dele.
— Ele ficará feliz sabendo que elas te convidaram — Indina
fala, segurando meu antebraço e me dando um sorriso gentil.
— Liam provavelmente sairia no meio da própria festa para te
buscar se soubesse que não foi convidada — Lance acrescenta,
fazendo meus ombros relaxarem por completo.
— Obrigada, mas estou mais nervosa sobre estar fora do
dress code do que a respeito de Liam odiar a minha presença —
confesso e Lance revira os olhos.
— Essas pessoas sempre querem impressionar e se exibir, não
se agarre aos detalhes — Indina replica.
— Ou acabará morta e enterrada em tons terrosos e preto —
a outra adiciona.
— O senhor Spencer entrou na propriedade — um dos
seguranças próximo à porta avisa e, com propriedade, ele quer dizer
a mansão das mulheres Spencer. Se Liam não ostenta, elas não se
negaram a qualquer luxo no quesito moradia.
Dois andares com a construção ocupando um terreno enorme
que ainda conta com espaços de lazer externo e um jardim de dar
inveja.
Ruby, Stella e Savannah vão para perto da porta de entrada
da sala e as luzes são apagadas. O que devemos falar? Ninguém
falou sobre essa parte. Não devemos gritar nada? Ou serei a única
em silêncio quando dizem “surpresa”? Novos momentos
constrangedores me aguardam ao que parece, porque permaneço
no meu lugar com a tensão crescente em meus ombros quando
ouvimos os passos de Liam pela casa enquanto ele chama pela irmã
e pela mãe, até finalmente aparecer na porta.
A luz volta a tomar conta do local e há variações de tempo
enquanto dizem “feliz aniversário!” em um tom entusiasmado
demais. Tento acompanhar quando as meninas falam, mas prefiro
manter as minhas felicitações sussurradas para não acabar atraindo
atenção pela falta de ritmo. Liam abraça a mãe e a avó de uma vez
só, plantando um beijo no topo da cabeça das duas, com um sorriso
contente no rosto.
Nunca imaginaria isso, mas Stella segura o rosto do filho
entre as mãos e faz como uma boa mãe comum, resmungando que
seu bebê está fazendo vinte e nove anos antes de esmagá-lo em um
abraço. Savannah é a próxima a abraçar o irmão, Carter e Liam
trocam um aperto de mão antes de se abraçarem rindo e Liam beija
a bochecha de Claire.
Penso se deveria me aproximar agora ou se espero até que
ele cumprimente todos os demais convidados, ansiosos para dar
atenção ao aniversariante, mas Carter sussurra algo no ouvido do
melhor amigo e seus olhos não demoram nem dois segundos para
me encontrarem. Odeio parecer iludida, mas tenho certeza que o
seu sorriso se amplifica e ele ignora quando um homem começa a se
aproximar.
— Lance, Indy — ele cumprimenta as meninas, abraçando-as
rapidamente
— Feliz aniversário, Liam — Indina fala antes de se afastar.
— Viu como a meia-idade chega para todo mundo? — Lance
dá dois tapinhas nas costas dele.
A brincadeira é deixada de lado no momento em que ele fica
na minha frente e sinto que todos olham para nós dois. Dessa vez,
sei que estou certa sobre ser o centro das atenções porque estou
sendo o foco do aniversariante do dia. Engulo em seco, tentando
manter a postura e não falhar sob o olhar atento dele, com o sorriso
tão bonito que me deixa fraca.
— Feliz aniversário, Liam — digo, o tom tão baixo que
possivelmente só ele me ouviu.
Suas mãos seguram a minha cintura, me puxando para perto
antes de envolverem meu corpo por completo. Abraço seu pescoço,
fechando os olhos enquanto inspiro o seu cheiro familiar e aproveito
a sensação de casa que os seus braços me dão. Não sei exatamente
quando isso aconteceu, mas em algum momento entre os nossos
dias em Bordeaux e o nosso retorno à Toronto, seu abraço virou
sinônimo de conforto e de lar.
Seus lábios tocam a minha bochecha em um beijo prolongado
e penso que preciso soltá-lo em breve, ainda que não queira. É
reconfortante esquecer todo o resto enquanto estamos tão
envolvidos um no outro.
— É uma ótima surpresa te ver aqui — ele replica baixinho
também.
— Preciso confessar que não trouxe presente, fiquei indecisa
e você é um péssimo aniversariante por não ter me contado antes
sobre isso, descobri pela sua mãe qual era o dia — retruco,
implicando com ele quando nos afastamos, mesmo que siga me
mantendo por perto com as mãos ao meu redor.
— Sabe bem qual seria o presente ideal que poderia me dar
— sussurra, pendendo a sua versão cafajeste de sorriso e ruborizo
tanto que as minhas bochechas fervem. — Mas, por ora, me
contentaria com um beijo.
— Você é terrível! — repreendo-o, rindo ainda envergonhada,
mas deixo tudo isso de lado para me inclinar e selar nossos lábios,
beijando-o por alguns segundos antes que se torne embaraçoso
demais. Sei que os convidados ainda aguardam por ele.
— Espero que me recompense por esse beijinho rápido
demais mais tarde — murmura contra a minha boca. — Vem, quero
te apresentar para algumas pessoas, posso ser a estrela da noite,
mas com certeza você é a convidada de honra — fala, afastando-se
por completo e entrelaçando nossos dedos antes de começar a me
guiar pelo cômodo.

A noite está quase acabando, ou pelo menos estou prestes a


pedir desculpas a todos e ir embora, ainda que quisesse ir embora
com Liam. Estou ficando cansada e os bocejos começaram logo após
o jantar, que foi fartamente servido. Perguntei discretamente à
Lance se teríamos bolo ou se os ricos não gostavam de assoprar
velas, ela riu de mim e disse que com toda certeza teria um bolo
chique, provavelmente com frutas.
Liam me levou de um lado para o outro com um sorriso
enorme todas as vezes que me apresentava para as pessoas, passou
a mão na minha barriga sempre que podia e cochichou no meu
ouvido o quanto estou linda, apesar dele amar ainda mais quando
uso roupas justas, destacando a barriga. Fui apresentada a diretores
e membros do Conselho, conversei com Claire e Carter boa parte da
noite e logo Indina e Lance se juntaram ao nosso lado da mesa.
Comi tudo o que podia e não podia durante o jantar, sabendo
que ninguém me culparia, pois carrego um futuro Spencer na
barriga. Ruby disse mais de uma vez que estou magrinha demais e
preciso me alimentar bem por causa do bisneto dela, o que a fez
parecer quase como uma avó comum. Algumas pessoas acabaram
indo embora logo após o jantar e Liam foi o perfeito anfitrião em sua
festa, encantando a todos.
— É hora do bolo — Lance me avisa e percebo um dos
funcionários da casa com uma bandeja e fatias perfeitas cortadas,
que logo são colocadas em nossa frente.
— Não acredito que não teve a cantoria e as velas! —
resmungo, quase cruzando os braços como uma criança mimada só
pela brincadeira, mas não tenho tempo para isso quando salivo pela
massa branca com uma ganache bonita de chocolate.
— Garanto que, pelo Liam, ele assopraria as velas, mas é um
pouco exagerado para eles — Carter zomba.
— Pois irei comprar velas e obrigá-lo a soprá-las em cima do
seu próprio pedaço — rebato, fazendo-os rir antes de finalizar o meu
pedaço, pensando que ele era pequeno demais, porém acho que
pedir outro seria indelicado. — Na verdade, irei procurá-lo de
verdade. A noite foi ótima e obrigada pela companhia, foi um prazer
conhecê-los melhor. Mas a mamãe aqui está com os pés inchados e
um sono que não tem fim. É melhor eu ir para casa.
— Garanto que isso deixará o nosso convidado especial triste
— Carter afirma, me fazendo revirar os olhos só para não entrar na
implicância e ficar com vergonha. — Foi ótimo te conhecer, Amelie.
— Nos vemos na segunda — Indina se despede, me dando
um aceno, assim como Lance e Claire, e levanto da mesa, tentando
parecer graciosa, mas ainda estou aprendendo a lidar com a minha
barriga crescida.
Suspiro antes de começar a caminhar até a família Spencer,
reunida em uma das extremidades do salão de jantar. Eles
conversam e riem, mostrando ainda mais as semelhanças que
possuem entre si. Os olhos azuis profundos estão presentes em
todos os quatro, os tons de loiro e ruivo se misturam e os sorrisos
têm as suas similaridades, o que me deixa pensando o que será meu
do nosso bebê e o que puxará Liam e as três mulheres da sua
família.
— Ei — falo baixo, chamando a atenção deles quando me
aproximo. — Queria me despedir. Está ficando tarde e se eu bocejar
mais uma vez, acho que será grosseiro demais — confesso,
recebendo sorrisos gentis das mulheres enquanto Liam se coloca ao
meu lado. — Obrigada pelo jantar.
— Foi um prazer te receber, Amelie — Ruby diz.
— E, não se preocupe, o sono fica ainda pior com o passar
dos meses, é uma recompensa pelas futuras noites em claro —
Stella comenta, me arrancando um riso nervoso. Não imaginei que
ela tivesse sido uma mãe que ficou noites em claro, pela riqueza
delas, cogitei uma babá vinte e quatro horas por dia.
— É inspirador — brinco.
— Obrigado por ter vindo hoje — Liam fala, abraçando a
minha cintura de lado, e apoio a cabeça em seu peito por alguns
segundos, não querendo fazer cena na frente da mãe, irmã e avó
dele. Mas antes que eu possa falar qualquer coisa, a expressão de
Stella endurece, fitando algo atrás de nós.
— É muita coragem daquela filha da puta pisar na minha casa
— sibila entre os dentes e me choco com as suas palavras, não
imaginando o que pode ter tirado toda a sua compostura fina.
— Merda — Savannah murmura e me viro para descobrir o
que está acontecendo.
Liam se movimenta comigo e seu corpo fica rígido no
momento em que ele encontra o casal que acaba de entrar. Não vejo
nada de errado, a não ser a diferença gritante de idade deles. A
mulher deve ter a minha idade, loira com um corpo esguio e bonito,
curvas invejáveis, enquanto o homem deve estar entre os sessenta e
os setenta anos, com cabelos brancos e uma aparência cansada.
Eles poderiam ser parentes, porém não há similaridades e estão
abraçados como um casal apaixonado.
— Que merda ela está fazendo aqui? — Sav indaga, mas não
acho que alguém saiba lhe responder.
— Seja lá o que veio fazer, irei mandá-la embora da minha
casa agora mesmo — Stella diz e não preciso olhar para ela para
saber que deve ser a própria visão da fúria, porque seu tom aponta
isso.
Os dois nos fitam com atenção, caminhando até nós. O
senhor parece tranquilo, rindo para conhecidos no meio do caminho,
mas a loira mantém seus olhos fixos e um sorriso cínico nos lábios,
maldoso demais. Seu olhar tem como destino o homem ao meu
lado, ainda com a mão ao redor da minha cintura, mas seus dedos
estão cada vez mais pesados contra a minha pele.
— Liam — chamo-o, pensando se devo perguntar quem é,
mas ele nem pisca. Coloco minha mão por cima da sua, querendo
chamar a sua atenção assim, porém também não funciona. — Liam,
está me machucando — murmuro e isso parece despertá-lo.
Seu toque se desfaz de mim como se eu queimasse e seus
olhos estão da mesma forma como na noite em que ele duvidou da
minha palavra, na noite em que deixei seu apartamento chorando e
me sentindo sozinha como há anos não me sentia. Ele parece em
outro lugar, distante de mim. Ainda assim, arrisco um passo para
frente, tocando seu braço.
— Está tudo bem? — pergunto preocupada e seus olhos
piscam algumas vezes, me fitando atônito, descendo até a minha
barriga e então olhando novamente para a loira que ainda
desconheço. Seu movimento é repetido algumas vezes antes que ele
se afaste do meu toque.
— Me desculpa, eu… eu não consigo — fala em um sussurro
dolorido, parecendo estar em um profundo sofrimento antes de virar
as costas e se apressar para fora do cômodo pela porta lateral.
Ameaço chamá-lo ou ir atrás dele, completamente confusa
com a sua reação, mas Savannah segura meu pulso e sussurra um
“depois” somente com os lábios.
— Oh-oh, alguma coisa aconteceu? Queria desejar felicidades
ao aniversariante — o senhor diz assim que chega em nosso grupo.
— Sei que cheguei atrasado, mas…
— O problema não é você, Johan, é só que ficamos chocados
com tamanha audácia da sua acompanhante em aparecer na nossa
casa — Stella intervém, tentando voltar à sua polidez habitual.
— A cara de pau dela ainda me surpreende, mas vindo de
uma pessoa tão suja quanto você, Sally, não é chocante de forma
alguma — a loira ao meu lado comenta, parecendo ácida como
nunca a vi antes, segurando minha mão na sua e se mantendo
levemente na minha frente.
— O que é isso? Sally é a minha…
— É a sua nova golpista, isso já sabemos, Johan — Ruby diz,
calma como se estivesse falando sobre o tempo. — Aproveitem a
festa, já a estragou com a sua presença, garota. E, meu querido
amigo, achei que já estivesse esperto o suficiente para não se meter
com esse tipo de gente — finda antes de enlaçar o braço da filha e
começar a caminhar para longe.
Savannah faz o mesmo, me levando com ela até estarmos
novamente na sala de estar.
— Ah, esses cretinos terão a fofoca da semana — a senhora
reverbera com desgosto.
— O que aconteceu? — finalmente tenho coragem de
perguntar.
— Fantasmas do passado que deveriam ter permanecido
mortos — Savannah que me responde. — Você deveria…
— Sav, não é a melhor ideia — Stella alerta, advertindo a filha
com o olhar, mas é ignorada.
— Já passou da hora dela saber, mãe. É uma pena que não
seja meu segredo para contar — afirma. — Deveria ir atrás dele,
se…
Ela para, mas consigo entender como essa frase terminaria.
Se eu quiser ficar, se eu me importo com ele, se quero saber a
verdade, se realmente estou nessa ao lado de Liam, como fizemos
durante a noite inteira. Dou um aceno, porque estou ao lado dele,
mas de fato passou da hora de alguns segredos serem revelados,
ainda mais um que parece me envolver indiretamente.
Ainda mais um que envolve uma mulher intitulada por Ruby
como golpista.
A sala está escura, meus olhos captam a televisão com a tela
preta, a poltrona no canto, alguns livros preenchendo o rack, as
paredes pintadas em um tom profundo de azul, escuto o barulho
baixo da geladeira funcionando na cozinha, a buzina ao longe lá
embaixo, meus pés inquietos batucando o chão, mas não estou aqui.
Não preciso fechar as pálpebras para voltar a uma sala de estar
diferente dessa, em um apartamento diferente, mais rebuscado,
refinado e decorado como ela gostava.
Entretanto, a pior parte é o choro. Eu escuto o seu choro
dolorido, escuto quanto ela odiou partir, escuto sua renúncia a
respeito da discussão que acontece ao seu redor. A insatisfação na
única forma que ela consegue se expressar, mas também o choro
assustado, sem entender o que está acontecendo, porque está indo
embora, porque sou impedido de alcançá-la para tentar cessar o seu
choro pela última vez.
Se eu me concentrar o suficiente, ainda sinto suas mãos em
meu rosto, os dedinhos curiosos, as unhas que cresciam tão rápido e
arranhavam as minhas bochechas. Os olhos castanhos atentos ao
redor, mas pequenos quando a fazia rir. Se focar nisso, consigo
sentir o seu calor na palma da minha mão que cobria quase todo o
seu corpo, ainda consigo ouvir o som da sua risada escandalosa, os
gritinhos que me deixavam com o coração apertado, tamanha a
felicidade que eu sentia.
Me recordo das lágrimas grossas descendo pelo seu rosto, me
fazendo chorar também, me fazendo sentir um completo inútil por
não conseguir ir até ela. Consumido pelo nojo, pela mágoa, pelo
sentimento de ser usado, de ser idiota e tolo, juvenil e imaturo
demais, lembro da batalha interna e recordo dos dias que se
seguiram, da solidão e do silêncio que preencheu a casa, me
fazendo odiá-la. Me lembro do vazio que senti, a ausência de tudo e
de todas as coisas. Um homem repleto de nada.
Lembro de dormir no chão do seu quarto, pouco me
importando com o frio do inverno. Lembro de consumir seu cheiro
até que ele fosse embora do lençol, até que tudo fosse levado de
mim. Lembro de…
A batida é incessante, o punho batido três vezes contra a
porta de madeira do meu atual apartamento, e então outras três
vezes. O silêncio preenche o ambiente novamente e penso que, se
ignorar o barulho o suficiente, poderei voltar às lembranças. Quem
sabe, após repassar o fim, minha mente me leve de volta para o
começo, para a primeira vez que…
Novamente as batidas me tiram dos meus pensamentos.
— Liam, por favor… — A voz me faz ficar ainda mais culpado,
mas talvez a culpa nunca tenha ido embora de verdade. — Por favor,
me deixa entrar. Sei que está aí dentro — Amelie fala contra a
madeira. — Eu preciso saber como você está.
A escolha de palavras desperta algo em mim, porém estou
um lixo, jogado no sofá, com os cabelos bagunçados e os joelhos da
calça molhados com pequenos pingos. Fungo, levantando a cabeça
pela primeira vez nos últimos minutos e sentindo o sangue voltar a
correr normalmente para essa parte do meu corpo.
— Não precisa falar comigo, eu só preciso saber se… se
chegou em casa bem — continua e consigo visualizar Amelie
mordendo o lábio, ansiosa e com receio de falar algo errado. — Me
deixa entrar, por favor — repete.
Não sei se é intencional, mas essa parece outra das nossas
metáforas. Acredito que ela não esteja falando somente sobre o
apartamento, sobre a minha casa, ela está falando sobre a minha
vida. Amelie está pedindo pelo espaço que venho tentando colocá-
la, mas não tenho coragem o suficiente para fazê-lo por completo.
Quero ela ao meu lado, entretanto, ainda não consegui abrir
completamente essa porta.
Não é medo de mostrar à Amelie a parte de dentro, é medo
de vê-la partir depois disso.
E não quero perdê-la.
Sua voz some e levanto em um impulso, ainda indeciso entre
querer que ela vá embora e desejar não deixá-la ir nunca mais
depois que eu abrir a porta.
Mas minha mão já toca a maçaneta e poderia sentir a
respiração dela do outro lado se isso fosse capaz, ofegante e
ansiosa. Fecho os olhos uma última vez, visualizando o seu sorriso,
foi uma força para mim por um bom tempo, o que me manteve de
pé, e abro a porta. Seu choque é rápido e sei que ela o reprime
quando sussurra meu nome, dividida entre me tocar e manter a
distância entre nós dois. Permito que Amelie entre, dando um passo
para trás.
Sua mão toca meu rosto, o lado preenchido pela urgência
vencendo essa guerra e a maciez da sua pele contra a minha faz
com que um som saia pela minha garganta arranhada. O polegar
limpa as lágrimas para longe e ela me chama novamente.
— Olhe para mim, fica comigo aqui — pede, lendo com
facilidade a minha expressão e notando o quão longe minha mente
vai.
Fito o azul esverdeado, o calor que emana deles, a suavidade
na forma como me encara, buscando e dando o seu melhor para
estar aqui, para nos manter aqui. Ela não busca por nada, não
desvia o olhar, o mantém no meu, preso, capturado. E eu continuo
aqui, emaranhado, frágil. Quebrado.
A bolsa cai em algum lugar ao nosso lado, a porta se fecha
atrás dela, mas suas mãos seguram o meu rosto, amparando-me
enquanto ela me mantém ancorado. Amelie me deixa tomar seu
tempo, entendendo cada pedacinho de mim até sentir que é o
momento de me tomar em seus braços. Ela é pequena, porém sou
englobado em seu abraço, sentindo o conforto dentro do seu peito,
sentindo o cheiro familiar do seu perfume, alinhando minha
respiração a dela até me acalmar. Faço dela a minha conexão com
esse momento até que meu peito não pareça mais tão rasurado, até
que eu me sinta mais vivo.
Não sei quanto tempo ficamos parados na entrada do meu
apartamento, abraçados um no outro, porém em algum momento
me afasto, segurando sua mão e a guiando até o sofá. Amelie
parece receosa, mas se senta ainda me segurando, como se tivesse
medo que eu escapasse novamente por entre seus dedos. Sentada,
sua barriga parece ainda maior, mais saliente através do vestido
florido que ela usa essa noite.
— Não precisa me falar nada — sussurra com a voz rouca. —
Só fiquei preocupada com você — diz e dou um aceno curto,
acompanhado de um sorriso cálido de canto.
— Sally, o nome dela é Sally — começo e a vejo querer franzir
o cenho, mas controla a expressão. — A mulher loira com o Johan —
explico. — Sally é a mãe da minha primeira filha.
Apesar do desgosto que sinto pela loira, não consigo falar isso
de outra forma, independente de tudo o que aconteceu, das
verdades e mentiras, não consigo me recordar do fato de outra
maneira.
Amelie não tenta disfarçar o seu choque dessa vez, ela
entreabre os lábios, os olhos um pouco arregalados e o aperto dos
dedos mais firme contra os meus.
— Estava no último ano da faculdade. Tínhamos um…
casinho. A gente ficava de vez em quando, não era nada sério, mas
nenhum de nós queria algo sério. Até ela engravidar. Eu tinha vinte e
um, ela tinha vinte. Fiquei desesperado, com medo e todas as coisas
normais ao descobrir que seria pai tão cedo. Decidimos que seria
melhor engatarmos em um namoro, o que foi a maior idiotice da
minha parte no meio do desespero.
“Ela topou na hora, mesmo não sendo a nossa vontade antes.
Minha mãe cobriu todos os gastos das consultas, já que eu não tinha
um emprego, ainda morava na casa que conheceu hoje, minha parte
na Love Affair ainda era algo só no papel. Minha avó ficou
estonteante quando descobrimos ser uma menina e nos deu um
apartamento enorme para começarmos a nossa família. Deveria ter
desconfiado que algo estava errado porque… Sally parecia feliz,
exceto no que dizia respeito a nós dois. Me esforcei para que ela
gostasse de toda a ideia, deixei que decorasse o apartamento
totalmente do seu jeito, comecei a trabalhar na empresa durante um
turno para ganhar um salário e fazer os caprichos dela, mesmo que
ela não ficasse tímida ao gastar no cartão que minha mãe havia nos
dado.”
A história começa a não soar muito boa, porque Amelie franze
a testa e forma um vinco ali.
— Então, ela nasceu. Elizabeth, em homenagem à avó de
Sally. A minha Betty. Ela era pequena, ficava paradinha na palma da
minha mão e tinha os olhos mais curiosos que já vi, sempre atenta a
tudo — conto, esticando minha palma e dando um sorriso ao me
lembrar da minha bebê. — Terminei a faculdade logo em seguida e
queria largar tudo para ficar com ela. Continuei trabalhando pouco,
ficando em casa com Betty e Sally na maior parte do tempo, mas
sempre que eu estava, ela arrumava alguma desculpa para sair. Não
importava, eu tinha a minha menininha, nada mais importava.
“Passávamos as tardes juntos enquanto ela crescia, cada salto
de desenvolvimento, cada nova ação. Quando virou de bruços,
quando começou a engatinhar, quando comecei a fazer a sua
introdução alimentar. Passei madrugadas ao lado do seu berço,
ninando até que ela parasse de chorar e conseguisse dormir. Betty
era esperta, vê-la crescer era lindo, me enchia de esperança, me
enchia de tudo.”
Desvio os olhos de Amelie, mas flagro seu sorriso triste antes
de fitar a tela preta da televisão.
— Ela tinha quase um ano quando um cara bateu na nossa
porta. Eu estaria no trabalho, mas Betty ficou doente e preferi ficar
com ela — falo antes de soltar um riso seco. — A traição não doeu.
Acho que, de certa forma, eu já esperava isso, mas preferia não
pensar sobre o assunto porque Sally era a mãe de Betty e minha
garota era tudo o que eu pensava. Sendo honesto, eu amei ser pai,
amei cada parte. Então a traição não pareceu dura.
— Liam… — seu sussurro vem acompanhado de um aperto na
mão que ela segue segurando. Acredito que agora Amelie entenda
por que eu a compreendi tão bem a respeito do seu noivado
rompido por causa do noivo traidor. Eu também passei por isso.
— Porém, eu era novo, impulsivo e queria proteger a minha
família. Não éramos casados, mas esse era o plano. O cara não
esperava me encontrar ali, a gente discutiu, Sally tentou intervir e só
piorou a situação, até que ele gritou que “nem mesmo a garota era
minha” — falo, sentindo o impacto das suas palavras novamente. —
Tudo parou naquele momento, porque Sally o repreendeu como se
ele tivesse feito merda e ali eu compreendi que era verdade. Mas
como poderia acreditar que a garotinha que amava dormir agarrada
no meu dedão não era minha?
“Os dias seguintes foram um borrão entre eu ficar no
apartamento da minha irmã, um exame de sangue, Betty chorando
pela picada da agulha, algum tempo de espera e o resultado. Passei
quase dois anos sendo pai de uma bebê que não era minha. Passei
dois anos sendo iludido por uma mulher que sabia a verdade e me
escondeu mesmo assim, enquanto eu pensava em todas as
porcentagens de falhas dos métodos contraceptivos, depois
adaptava a minha vida, tentava fazer com que ela fosse feliz comigo
enquanto cuidava da nossa filha. O problema é que ela não era
mesmo minha, não de sangue, mas sabe que sangue não define
tudo.”
Seu aceno é breve e o vejo de canto, porque ainda não criei
coragem de fitá-la de novo.
— Eu implorei — murmuro. — Implorei para que Sally me
deixasse ficar com ela, implorei para que ela fosse minha. Supliquei
para que Sally não fizesse isso com nós dois, porque Betty e eu não
merecíamos esse fim. Tudo o que ela fez foi colocar as roupas na
mala. Acho que, no fim, ela se arrependeu de escolher o cara rico ao
pai da criança, que realmente era o cara que ela amava. Acho que
ela se arrependeu de ter preferido mentir só para ter a vida dos
sonhos por um tempo, não compensou.
— Por isso sua avó a chamou de golpista — Amelie sussurra,
como se fizesse a reflexão para si. Mesmo assim, meu riso é
amargurado ao imaginar vovó dizendo isso.
— Elas queriam Sally fora da minha vida o mais rápido
possível. Ela teve sorte que minha mãe preferiu manter tudo em
panos quentes, porque poderia ter perdido absolutamente tudo em
um processo contra as Spencer. Enquanto isso, tudo o que eu pedia
era mais tempo com minha filha, quem sabe guarda compartilhada,
mas Sally não demorou nem um segundo a mais para pedir a
mudança da paternidade, apresentando o resultado do teste de
DNA. Depois que elas partiram, não soube mais quem eu era, não
me lembrava de nenhuma parte minha que não fosse da minha
Elizabeth, da minha garotinha dos olhos castanhos-escuros, com o
cabelo loiro encaracolado.
— Eu realmente sinto muito — diz, apertando minha mão na
sua e então retorno meu olhar para Amelie, notando as lágrimas em
seu rosto. Não queria fazê-la chorar e isso me entristece, me
corrompe saber que estou fazendo isso com ela por causa da minha
história.
— Betty morreu um ano depois devido a um câncer terminal
que atacou seu sistema respiratório e ela morreu antes mesmo que
o tratamento fosse iniciado — falo, voltando a chorar em silêncio
enquanto continuo a história. — Aparentemente, eu fui um pai
horrível, porque deveria ter insistido um pouco mais, deveria ter
implorado mais, deveria ter ficado de joelhos e pedido que minha
menina ficasse comigo. Talvez eu pudesse tê-la salvo, talvez pudesse
dar a ela um tratamento, exames mais precoces. Talvez ela pudesse
ainda estar em meus braços.
Sinto o peso da culpa me esmagar novamente. O peso de não
ter feito mais, de não ter tentado mais, de ser o culpado por ela não
estar mais aqui. E minha mente me tortura com as fantasias de
como ela seria, o quão alta estaria, se iria gostar da escola ou odiar
estudar. Se faria balé, natação ou futebol, ou tudo junto. Minha
mente me tortura com desenhos de como ela poderia estar agora.
— Isso não foi culpa sua — Amelie afirma aquilo que todos
tentam me dizer, mas minha mente me prova o contrário. Se eu
tivesse insistido mais, poderia ter sido diferente. — Sei que não
pensa assim, posso ver em seus olhos, mas… ela te enganou, te
usou e tirou de vocês dois a oportunidade de serem algo diferente, a
culpa não é sua. É de Sally e somente dela — frisa, chamando
minha atenção quando começo a negar com a cabeça.
Fico em silêncio e suas palavras se cessam também,
continuando a me encarar e fazer um carinho em minha mão.
Ficamos assim por algum tempo, algumas buzinas ressoam cada vez
menos frequentes, o barulho dos carros vai diminuindo com o passar
dos minutos, mostrando que a noite deve estar virando madrugada.
Não me recordo quando cheguei em casa, muito menos como
cheguei depois de sair em disparada da casa da minha mãe,
consumido pelo passado que ainda fragmenta meu peito.
— Esse sou eu — falo, movendo sua mão até que ela esteja
com a palma para cima e entrelaço nossos dedos, quase como se
quisesse testar o encaixe. — Essas são todas as partes mais ferradas
da minha cabeça, esses são os meus maiores medos — confesso
baixo.
Tenho medo de perder e ainda mais de ganhar. Tenho medo
do abandono, mas tenho medo do acolhimento. Tenho medo de ter
algo que, no instante seguinte, pode ser arrancado de mim. Passei
os últimos anos não buscando por nada, negando todas as coisas,
afastando relações, desconfiado das pessoas. Até de Amelie. Não
queria esse relacionamento, tive medo do bebê em sua barriga
porque tenho receio de que tudo possa ser levado de mim depois.
— Medo é aquilo que nos torna humanos, Liam. Nos faz
perceber o quanto queremos algo, porque tememos perdê-lo. Seus
medos não te fazem ser menos. Na verdade, eles te transformam
em você, na sua essência. Não irei embora por causa deles. — Sua
voz parece uma promessa sussurrada na minha sala escurecida, com
poucas luzes acesas na casa. — A menos que você prefira que eu
vá.
Eu a deixei entrar, agora Amelie está me dando a
oportunidade de colocá-la para fora outra vez.
Balanço a cabeça, negando e soltando sua mão da minha
somente para puxá-la para perto, arrastando seu corpo pelo
estofado até colocá-la em meu colo e abraçar seu corpo com
firmeza. Amelie não é Sally, não sou mais aquele Liam. Nossa vida
não é o meu passado.
— Nunca iria preferir isso. Quero que fique. Aqui dentro,
comigo, por quanto tempo quiser ficar — replico, me ancorando
novamente em seus olhos bonitos. — Quero que fique essa noite —
afirmo e ela sorri de canto, concordando com um aceno de cabeça.
— Não teria outro lugar para ir — responde, acariciando meu
rosto com gentileza. — Obrigada por me contar, ainda que abrir essa
parte não seja fácil para você.
— Obrigado por ficar — digo, inclinando meu rosto para o
lado e beijando sua palma.
Acordo com um suspiro, sentindo meu coração em disparada
antes de perceber onde estou e com quem estou. Amelie desperta
comigo, ainda parecendo preguiçosa para abrir os olhos. A última
noite me atinge como um trovão, reverberando dentro de mim,
comprimindo meu coração e me esmagando junto ao passado. As
lembranças me arrebatam, mas antes que eu possa ser consumido
por isso, Amelie se vira em meus braços, girando na cama com
lentidão por causa da barriga grande e ficando de frente para mim.
Antes de falar qualquer coisa, ela afunda o rosto em meu
peito, entrelaçando as pernas nuas na minha e abraço-a, sentindo
sua pele, acariciando nosso bebê, uma vez que a camiseta que dei a
ela para dormir subiu. Amelie me abraça o máximo apertado que
consegue e amo ficar colado nela, sentindo-a tão perto, sentindo
nosso bebê em nosso meio, protegido. Beijo seus cabelos, amando a
forma como os fios compridos se espalham pela minha cama.
Ela ainda está aqui. Amelie ficou, ela ouviu minha história,
chorou minhas lágrimas, ela não foi embora com medo, não partiu
pela porta que deixei aberta, ela entrou de verdade. Ela não se
assustou com as partes ruins do meu coração, não foi embora com
medo do passado. Ela ficou e sussurrou em meu ouvido que as
coisas seriam diferentes agora, que eu merecia esse novo começo.
Sempre sentirei a culpa por não ter feito mais, sempre me
sentirei culpado pela minha Betty não estar em meus braços hoje,
estava consumido pelo momento, entorpecido pelo sentimento de
traição, paralisado enquanto tudo se quebrava ao meu redor. Não
conseguia fazer mais, porém o sentimento que fica é que eu deveria
ter me esforçado para conseguir fazer.
— Não se afasta de mim — a voz doce de Amelie me traz de
volta, repetindo palavras que eu mesmo disse a ela algumas vezes.
Ela respira fundo, se espreguiçando um pouco contra mim
enquanto fita meus olhos. Logo de manhã, seus olhos parecem
ainda mais azulados do que normalmente e me permito observá-la
por alguns instantes com a luz precária que vem das frestas da
janela. Seu rosto lindo, com o queixo mais pontudo e o nariz
arrebitado, os lábios rosados e perfeitos, os olhos com os cílios
grossos.
— Estou aqui — sussurro. — Eu prometo.
— Como está se sentindo hoje? — pergunta, se arrumando
melhor na cama para ficar com o rosto alinhado ao meu. — Não
minta para mim, nem venha com suas piadinhas que sempre me
tiram o foco — brinca, deixando um sorriso dançar preguiçoso pelos
seus lábios, tocando a ponta do meu nariz como se eu fosse um
menino levado. — Posso suportar a verdade.
— Eu sei que pode — respondo. — Melhor do que ontem. Já
tinha visto Sally outra vez desde que ela me contou sobre a morte
da Betty — comento, deixando o amargor das palavras tomarem a
minha boca. Preciso deixar os sentimentos saírem se desejo que
essa ferida se cure um dia. — Mas talvez por causa… — Me
interrompo, balançando a cabeça. — Não sei, acho que fui pego de
surpresa e não esperava que ela tivesse a cara de pau de ir até a
minha festa de aniversário.
— Pessoas ruins são apodrecidas por dentro, Liam. Talvez ela
só estivesse aguardando um novo momento para te afetar — Amelie
diz.
— De Sally, espero até mesmo que ela tenha visto isso como
uma chance de tentar me atingir, ou tentar algo de novo —
resmungo, porque logo após a morte de Betty, suas mensagens
tinham essa intenção. O pai da Elizabeth não quis mais nada com
ela depois do falecimento da pequena.
— E pode ser honesto comigo, sei que talvez ver Sally
enquanto está passando por tudo isso de novo pode ter sido um
gatilho ainda maior — fala com a voz calma e gentil enquanto faz
um carinho, subindo pelo meu abdômen até meu pescoço. — Assim
como foi um gatilho para você na noite em que descobriu sobre a
minha gravidez.
— Não justifica as coisas que te falei — rebato, sentindo
ainda mais culpa pesar em meu peito. — Me desculpa — peço
novamente.
— Sabe que estamos bem a respeito desse assunto —
relembra, me olhando com severidade. — Não estou falando que
justifica, estou te falando que agora eu entendo. Você passou por
uma situação horrível no passado, foi usado e tratado como se fosse
um nada. Sally aproveitou o fato da sua família ter dinheiro e tentou
manter um golpe, mas no meio do caminho, você confiou nela, deu
o seu melhor no relacionamento que tinham e ainda assim foi traído.
Posso entender isso, posso entender o quanto isso dói e deixa
cicatrizes. Mas algo que nem mesmo posso começar a mensurar é
como foi horrível ter uma garotinha colocada e depois arrancada dos
seus braços e todos os traumas que ficaram por causa disso, por
isso não vou dizer que sinto a sua dor, porém posso dizer que
compreendo toda a sua desconfiança. Sabendo de tudo como sei
agora, consigo compreender porque agiu daquela forma.
Um sorriso ameno cruza meus lábios, porque é bom que ela
não tente reverter a situação ou perdoar o fato que fui escroto. Não
quero que Amelie passe a mão na minha cabeça por uma atitude
ruim só porque agora conhece melhor o meu passado, não quero
que ela concorde em ser colocada em um lugar que não é dela,
culpada por causa das ações maldosas de outra pessoa. Amelie não
é Sally, assim como ela não me culpa pelos erros de Canaan.
— Obrigado pela honestidade — digo, suspirando e beijando
sua palma quando sua carícia atinge meu rosto. — Acho que nunca
estamos realmente livres dos fantasmas do passado — comento e
vejo quando ela fica reflexiva.
— Mas podemos seguir em frente até que eles comecem a
parecer insignificantes. Não merecemos ser feitos dos nossos medos
e traumas, não merecemos nos resumir àquilo que as pessoas
fizeram de nós — replica. — Passei dias presa no papel que Canaan
me deu em toda a situação até que percebi que era a única que
podia me tirar desse papel. Você está fazendo a sua parte para
seguir em frente, não se pressione para que as coisas se resolvam
do dia para a noite.
— Faz bastante tempo que tudo isso aconteceu, não seis
meses.
— Sempre é duro demais consigo? — repreende.
— É um hábito.
— Está indo muito bem, só para constar. Iremos lidar com
isso dando um passo de cada vez — afirma e gosto do nós nessa
frase. — Deixe que as coisas andem à medida que precisam andar.
Chegamos até aqui dessa forma, não deixe que ela te puxe de volta
para o passado.
— Desculpa por ter presenciado a cena de ontem — falo,
contornando seu rosto bonito com o indicador.
— Você saiu antes da melhor parte — zomba. — Sua irmã e a
sua mãe disseram boas palavras para ela e sua avó falou em alto e
bom som que ela não passava de uma golpista. Foi interessante
admirar a expressão presunçosa deixar o rosto dela rapidamente.
— Elas são perfeitas — digo, controlando um riso ao imaginar
as mulheres da minha vida perderem a compostura para xingarem
Sally.
Amelie e eu ficamos em silêncio na cama enquanto o dia
continua passando do lado de fora. Não tenho ideia do horário e só
precisarei trabalhar de novo amanhã, então não me importo com
qualquer coisa que esteja acontecendo fora desse quarto enquanto
ela continuar em meus braços.
— Sabe… como te disse naquela cafeteria há algumas
semanas, não foi o quê você falou — começa e sei que ela dirá algo
complicado somente pela forma como seus ombros tensionam. —
Não me importaria em fazermos um exame de DNA depois que o
bebê nascesse. Sei que fazê-lo durante a gestação é um pouco
invasivo, então…
— Não, Amelie, por favor, não fale isso — interrompo-a com
sussurros, odiando a hesitação presente em seu olhar. — Por favor.
— Eu pesquisei e sei que existe a possibilidade de fazer…
— Você pesquisou? — indago incrédulo, bravo comigo por ter
feito isso com ela. Acho que nunca me perdoarei pelo que a fiz
passar.
— Não me importaria, de verdade — afirma, segurando meu
rosto entre as mãos. — Se isso fizer você ficar mais tranquilo, pensei
que poderíamos esperar só até o bebê ter pelo menos um mês e
podemos fazer. Sei que eles dizem que não é invasivo, mas as
imagens me deixaram agoniada, só de pensar em alguém colocando
uma agulha enorme na minha barriga… — Ela se arrepia,
tremulando em minhas mãos e fazendo uma careta.
Balanço a cabeça em negação com veemência, colocando
uma das mãos em sua barriga entre nós e acariciando o meu bebê
ali dentro.
— Não quero nada disso, já estou tranquilo o suficiente, eu
prometo. Ninguém irá colocar uma agulha no nosso filho! — digo
com firmeza. — Isso nem mesmo chegou a passar pela minha
cabeça, anjo, eu acredito em você, acredito em tudo o que aqueles
exames dizem e sei que esse bebê é meu, sem precisar de um teste
de DNA. Eu sinto muito mesmo por ter te feito até mesmo pesquisar
sobre esse tipo de coisa.
— Se você reconsiderar…
Ela deixa a frase no ar e nego novamente com a cabeça antes
de empurrar as cobertas para longe, descendo meu corpo até estar
com o rosto emparelhado com a barriga dela. Apoio os cotovelos no
colchão quando Amelie deita de costas, me observando beijar sua
pele.
— Não irei reconsiderar nada. Essa coisinha bem aqui —
comento, passando os dedos pela barriga esticada, com algumas
marcas começando a aparecer —, eu sei que fomos feitos um para o
outro. Somos a segunda chance um do outro e não há nenhuma
incerteza dentro de mim quanto a isso — findo e escuto Amelie
fungar um pouco quando beijo sua pele.
— É a nossa segunda chance — diz, porque esse bebê
também significa um recomeço para ela. — E precisaremos
conversar sobre um ponto importante, porque pretendo vacinar o
meu filho e isso significa que alguém irá colocar uma agulha nele.
Resmungo, deitando a cabeça gentilmente em sua barriga,
me abraçando ao meu bebê, já me lamentando desse momento.
— Contanto que eu nunca precise estar presente nesses
momentos de tortura, tudo bem.
— Liam! — ela repreende, rindo e vibrando embaixo de mim.
— É mesmo um dramático.
— Se prepare, posso ficar pior com o tempo — brinco,
aproveitando-me do som da sua gargalhada. — Minha filha será
muito mimada.
— Ou filho — rebate e olho para ela com uma das
sobrancelhas levantadas, sendo retribuindo pela mesma expressão.
— Você foi uma falha nessa tradição dos Spencer, nada confirma que
seus filhos também não sejam a exceção.
— Menino ou menina, eu já o amo — falo.
Percebo o momento em que o choque por causa das minhas
palavras atravessa Amelie, mas ela logo o disfarça, assim como finge
que as duas singelas lágrimas que escorrem pelos seus olhos não
existem. Sorrio sozinho, murmurando mais algumas vezes sobre
como amo a minha menina, ou o meu menino, ali dentro da barriga
dela. Suas mãos encontram o caminho até meu cabelo, acariciando
os fios e ficamos desse jeito enquanto sou preenchido pelo
sentimento de lar que ela e nosso filho me dão.
— Falando sobre isso, o próximo ultrassom foi marcado para
o dia nove. Recebi a mensagem da secretária da médica ontem e
como estava evitando falar com você com medo de te contar sobre a
surpresa, esqueci de falar — admite, levantando os ombros como
pode.
— Sabia que a falta de respostas não estava normal —
murmuro. — Recebo a minha próxima escala essa semana. Tentarei
trocar com alguém caso eu pegue algum voo dia nove — falo e ela
me dá um aceno.
— Iremos descobrir o quão forte é a superstição dos Spencer
— caçoa.
— Cuidado, se minha avó te ouvir falando isso, ficará
horrorizada só com o pensamento de outro menino na família —
zombo. — Tenho certeza de que sou o responsável por três novas
doenças que surgiram na vovó no ano do meu nascimento.
— Liam!
— Nem é uma brincadeira — replico sua repreensão e ela
continua rindo.
Liam não conseguiu participar do ultrassom e tentei dizer a
ele que estava tudo bem, porque senti sua decepção por causa
disso. Desde o final de semana, muitas coisas fizeram sentido a
respeito do seu comportamento. Sempre pensei que ele estivesse
estudando sobre a gravidez, porém percebo que muito do que sabe
é porque ele já passou por isso antes. Apesar de tudo o que
aconteceu, não consigo fingir que Liam não foi um pai antes.
Independente de qualquer coisa que Sally o fez passar, Liam
foi pai de Elizabeth por quase dois anos, não é justo tirá-lo desse
papel, ainda mais quando é algo que significa tanto para ele.
Lembrar da sua história, das suas palavras doloridas, das lágrimas
silenciosas banhando seu rosto, da angústia presa dentro do seu
peito, tudo isso me faz ter o peito apertado outra vez.
Achei que estaria preparada para qualquer coisa que viesse,
achei que estivesse pronta para saber o que o passado dele
escondia, mas nenhuma das minhas suposições chegou perto do
choque que levei ao descobrir a verdade. Entretanto, sinto como se
estivéssemos mais próximos agora, ele sabe a minha verdade e eu
sei a dele. Ficamos mais expostos um para o outro, mas também
mais íntimos.
Saber sobre o seu passado me deixou com lágrimas nos
olhos, porque pensei na minha pequena bolotinha sendo arrancada
de mim, pensei em como o Liam de vinte e dois, ou vinte e três
anos, se sentiu naquele momento, descobrindo que tudo o que ele
conhecia como vida havia mudado, que sua filha não era sua, que a
mulher com quem ele tinha acabado de montar uma vida junto, o
traía desde sempre e havia o enganado somente por dinheiro.
É cruel, é um sentimento que me deixa enojada só de pensar.
É sujo e bárbaro, é perverso de uma forma que somente uma
pessoa realmente dissimulada poderia elaborar, porque esse plano
foi arquitetado, foi minucioso. Sally não brincou somente com os
sentimentos de Liam a respeito do bebê, mas também brincou com
a parte romântica dele. Ela dormia todos os dias ao lado de um
homem ciente de que estava o enganando e ainda assim conseguia
pregar os olhos à noite.
O quão maldoso é preciso ser para dar conta de algo assim?
Penso em como sempre senti algo que me aproximava de
Liam, como sempre parecíamos duas pessoas destinadas a ficarem
juntas, como sempre fomos atraídos um para o outro, mesmo sendo
opostos. Ele tem um sorriso fácil, é apaixonante, cativa todas as
pessoas ao seu redor, tem o talento nato para deixar um ambiente
mais leve, é dedicado e carinhoso, ama e zela pelas pessoas ao seu
redor, completamente desinibido. Enquanto isso, sempre fui mais
calada, sempre tive vergonha demais, tímida o suficiente para não
conseguir fazer muitos amigos, retraída a ponto de preferir ficar em
casa ao invés de ir para baladas e festas com medo de passar
vergonha. Sempre me mantive na minha, mesmo sendo afetuosa e
cuidando daqueles que amo.
Liam é como o sol mais brilhante, como o auge do mais
bonito dos verões.
Sou mais parecida com a chuva de outono, apagando o céu
com nuvens acinzentadas.
Dou mais alguns passos antes de chegar na frente do prédio
dele. Nos últimos dias, tenho estado mais aqui do que na minha
própria casa. Todas as vezes que ele está em Toronto, dou o meu
melhor para vir para cá, nem que seja somente para passarmos a
noite juntos, dormindo abraçados, ainda que isso possa se tornar
meio impossível em um breve futuro. Amanhã completo vinte e uma
semanas de gestação, já passamos da metade e, ainda que esteja
amando a sensação de estar grávida, não vejo a hora de conhecer o
meu pequeno algo.
Toco o interfone, avisando que cheguei e logo ele libera a
porta para mim. Me sinto ansiosa enquanto espero pelo elevador até
finalmente chegar no andar dele. Por não conseguir participar da
consulta, pedi para a doutora Kylie colocar o sexo do nosso bebê em
um envelope, porque não achei justo descobrir antes de Liam,
principalmente quando ele é o mais ansioso pelo resultado.
Estou pendendo para o lado de que é um menino, sinto isso.
Liam acredita nas superstições familiares a respeito de ser uma
menina.
Nem mesmo preciso bater na sua porta, porque assim que
saio do elevador e viro à direita, o encontro escorado no batente da
porta, vestindo nada além da calça de moletom cinza, me
aguardando com um sorriso bonito nos lábios, provavelmente tão
ansioso quanto eu. Solto uma risada baixa, caminhando até ele, com
vontade de correr para os seus braços porque estou morrendo de
saudade.
— Tentando matar alguma vizinha do coração? — zombo,
abraçando seu tronco assim que chego à sua porta.
— Por quê? Sou tentador demais? — rebate a pergunta, me
apertando contra ele e suspirando, como se também tivesse sentido
muita saudade disso.
— Sabe que sim — respondo.
— Infelizmente para elas, eu tenho dona — sussurra em meu
ouvido, arrepiando meu corpo e engulo em seco.
— Gosto da forma como pensa — digo, afastando-me para
fitar seus olhos.
— Eu sei que gosta — brinca, estalando um beijo em minha
boca. — Vem, pedi pizza para gente e se eu pisotear mais um pouco
de ansiedade, o vizinho de baixo vai bater aqui e reclamar.
— Está ansioso? Achei que tivesse certeza de que é uma
menina — provoco, seguindo-o para dentro do apartamento e
deixando minha bolsa no sofá, pegando o envelope lá de dentro.
— Sua certeza de que não é uma menina me deixou
duvidando sobre o meu palpite — replica, cruzando os braços e paro
um instante para analisá-lo.
Preciso dizer que, menino ou menina, o pai da minha
pequena bolotinha é uma visão incrível para os olhos. Ainda não
achei em qual momento ele consegue manter esse corpo, porque é
impecável. O abdômen impecável, lisinho com as linhas suaves dos
gomos, as linhas descendo para um lugar ainda mais interessante
escondido pela calça, os braços largos e fortes, com o antebraço
direito coberto pelas tatuagens. Ele é uma visão bastante
pecaminosa.
— Não deveria ficar olhando para mim assim, Amelie. Posso
acabar tendo pensamentos errados — é a sua vez de me provocar,
se aproximando a passos lentos, quase como um predador.
— Pensamentos errados? — questiono, fingindo inocência. —
Não estou te olhando de forma nenhuma.
— Não se preocupe. Prometo que depois que eu alimentar a
minha mulher e o meu bebê, terei a minha própria refeição — fala,
fitando meu corpo dos pés à cabeça, fazendo com que minha
respiração fique presa na garganta por alguns segundos, ansiando
esse momento. — Agora…
Ele aponta para o envelope em minhas mãos e quase dou
risada pensando que ele está tão ansioso para saber o resultado que
consegue até mesmo deixar o pensamento a respeito de me foder
para outra hora. E tenho percebido que Liam gosta bastante de me
foder.
— Deveríamos apostar — sugiro, segurando sua mão quando
ele me oferece e sou guiada até a poltrona larga no canto, onde
Liam se senta e me puxa para o seu colo. — Sendo um menino ou
uma menina, estaremos contentes, mas temos nossos palpites,
então deveríamos apostar.
— Estou com um pouco de receio de saber sobre o prêmio —
comenta e franzo a testa por alguns instantes.
— Não pensei o que eu pediria, mas seria interessante ter
uma vantagem a seu respeito — respondo com malícia, fazendo-o
gargalhar.
— Vejo que sua mente sempre está em outro lugar, mon ange
— caçoa. — É interessante saber disso. Mas preciso te alertar que é
uma péssima negociadora se propõe uma aposta sem pensar direto
no prêmio.
— Você sabe o que pediria?
— Tenho algumas ideias — fala com a mesma malícia que eu
segundos antes.
— Viu só, não é só a minha mente que está em outro lugar —
zombo. — Ok, então se for menino, estarei em vantagem, se for
menina, a vantagem é sua.
— Fechado — ele diz, estendendo a mão e aperto-a para
selar nosso acordo.
— Agora, vamos para o resultado.
Apesar de zombar dele, estou tão ansiosa quanto Liam para
descobrir o sexo do nosso bebê. Independente do resultado, o amo
muito e estou ansiosa para pegá-lo em minhas mãos, beijar seu
rostinho fofo e poder confortá-lo em meus braços. Nunca imaginei
que me sentiria assim, sempre que me imaginava grávida, outras
milhões de coisas passavam pela minha mente.
Nunca imaginei que minha vida teria um giro tão grande
como o atual. Nunca me imaginaria estar nos braços de um cara que
conheci há menos de seis meses, carregando um bebê seu, com um
emprego na área de tecnologia. Porém, confio que atualmente o
meu relacionamento com Liam é bem mais estável do que o que
tinha com Canaan, acho que ele me mostrou um novo lado a
respeito de estar com alguém, sobre tranquilidade e parceria.
— No três, desdobro o papel — digo, uma vez que temos a
folha em nossas mãos, fora do envelope. — Um, dois — começo a
contagem, sentindo minha mão tremer. — Três.
Abro a folha lentamente, receosa de uma forma tola e me
sentindo adorável nesse momento, me deixando ser boba e ansiosa.
Um grito sai pelos meus lábios sem muito controle, o choque
me tomando enquanto leio as palavras escritas pela Dra. Kylie.
Talvez porque eu estava começando a ficar incerta de tudo e
duvidando da minha própria intuição.
— É um menino! — exalto com a voz estridente, balançando
o papel. — É um menino! — repito, voltando meu olhar para Liam e
vejo um sorriso bonito em seu rosto, acompanhado por olhos
molhados em lágrimas.
— É um menino — afirma, me abraçando com força e
beijando meu pescoço. — Nosso menino — sussurra.
— Teremos um pequeno menininho para chamar de nosso —
falo, não me cansando de repetir essa informação inúmeras vezes. É
como se déssemos um novo passo em direção ao nosso futuro,
como se concretizássemos ainda mais tudo isso, o nosso bebê,
nosso menino.
— Um novo… Taylor-Robinson Spencer para a família — diz
com estranheza, me fazendo rir enquanto faz uma careta.
— Acho que podemos pensar melhor a respeito desse
sobrenome gigantesco — comento, colocando a mão por cima da
dele quando Liam acaricia minha barriga.
— Meu menino — sussurra, olhando fixamente para a minha
pele coberta pelo suéter fino. — Saiba que o papai te ama muito.
— E a mamãe também — complemento, acompanhando o
carinho dele por mais um tempo.
— Teremos um menino! — Seus olhos ainda parecem em
êxtase, seu sorriso é tão grande como se a felicidade não coubesse
em seu peito e em suas palavras. Dou acenos de cabeça e Liam me
puxa para um beijo demorado, selando nossos lábios de forma casta
e gentil. — Obrigado — murmura contra a minha boca e prefiro me
manter em silêncio, dando-lhe um sorriso, sem saber ao certo para
quem ele diz essa palavra.
— Gosto muito de estar em vantagem nessa, mas não posso
mentir que estou maluca para ver a cara da sua avó quando ela
descobrir — brinco, não conseguindo manter o pensamento só para
mim.
Liam gargalha, nos colocando de pé e fazendo novamente um
carinho em minha barriga antes de me guiar até a mesa de jantar.
— Pode descobrir isso na próxima semana — comenta. —
Podemos contar juntos a elas, durante o jantar de Ação de Graças.
— Não sabia que estava convidada.
— Se eu não te levar, o choque da minha avó sobre o sexo do
bebê não será a coisa mais preocupante para mim na noite —
zomba, puxando a cadeira para que eu me sente e solto um gemido
por causa do cheiro da pizza. — Está sempre convidada para todos
os eventos dos Spencer, Amelie. Apesar de eu te aconselhar a faltar
alguns por medida de proteção.
— Sua família é incrível, não fala assim — repreendo-o com
um riso. — E ficarei mais do que feliz em contarmos a novidade para
elas na próxima terça-feira.
— Diz isso porque está sendo mimada por elas, o que eu
concordo completamente que façam — replica, suspirando ao se
sentar. — Agora, vamos comer porque sei que a sua última refeição
foi um smoothie no meio da tarde — diz com seriedade, aplicando
um tom de repreensão que ignoro com um revirar de olhos. — Ainda
não acredito que seremos pais de um menino!
— Pois comece a acreditar, papai, porque o seu garotinho
está inclusive morrendo de fome mesmo — respondo com graça,
apesar de amar todas as vezes que essas palavras saem da boca
dele.
Seremos papais de um menino.
Liam e eu, juntos.
E, em breve, seremos Liam, eu e o nosso menininho.
— Posso perguntar sobre John? — questiono, bebericando
minha cerveja enquanto me aproximo de Savannah. Ela está
organizando a comida em pratos bonitos.
Cozinhar não é um talento dos Spencer e nem mesmo nos
sentimos culpados por isso. Minha avó nunca teve esse talento e
comi algumas coisas queimadas ao longo da vida, por isso, nunca
ensinou a minha mãe e posso admitir que Sav e eu fomos mimados
e tivemos funcionários para cuidar disso. Não me orgulho, é claro,
sou um homem adulto, mas descobri que nunca é tarde para
aprender e, depois de alguns dias ajudando Amelie, acho que sei
cozinhar algumas coisas sem morrer de intoxicação.
Além disso, seguindo à risca as receitas, a chance de dar
errado é menor.
Porém, nossos almoços de Ação de Graças sempre foram
preenchidos por comida pronta, feita pela chef favorita da minha
avó. Ela faz pratos com um toque de casa, com os temperos e
ingredientes certos. Há alguns anos, minha irmã tomou para si a
função de dar um toque a mais, servindo a comida em travessas e
pratos com uma coisa aqui ou ali diferentes.
— Ai, Liam, toda vez esse assunto? — reclama, quase se
queimando com a panela de molho.
— Não posso fazer nada se sou curioso a respeito do namoro
da minha irmã — rebato, cruzando os braços e apoiando o quadril
na bancada.
— Se quer saber… — ela hesita, franzindo os lábios de um
jeito que sei que significa que está pensando muito. — Nós tivemos
uma discussão ontem, não estamos nos falando direito hoje.
Solto um riso debochado e Savannah compreende o mesmo.
Não estou mais comprando as mentiras da minha irmã e estou
tentado a acreditar que o tal namorado nunca nem existiu.
Entretanto, o que me intriga é saber o porquê ela mentiria até
mesmo para mim, sabendo que pouco me importo com o seu estado
civil. Se ela quiser ficar solteira para sempre, por mim, tudo bem. Se
quer sair por aí e ficar com meia dúzia de pessoas por noite, não me
importo também, apesar de achar um pouco preocupante se uma
atitude assim viesse dela.
— Sabe que pode ser honesta comigo, maninha — digo, mas
ela ignora, se fechando como todas as vezes. — Eu só me preocupo
com você, Sav.
— E sou grata por isso, e te amo por se preocupar, mas estou
bem, Li-Li. Eu prometo — responde, pegando a travessa da
bancada. — Agora, irei resgatar Amelie antes que a nossa avó
comece a assustá-la com seu jeito.
Acompanho-a com o olhar, pensando se devo falar mais
alguma coisa, porém Savannah sai em disparada, passando pela
mamãe, que se aproxima da cozinha. Stella Spencer franze o cenho
para a sua filha mais velha, mas não diz nada.
— Deveria pegar leve com sua irmã.
— Só me preocupo com ela.
— Eu também, mas confio que Sav saiba se cuidar o
suficiente. Criei dois filhos muito bem — fala do seu jeito maternal,
que me faz a recordar com alguns anos a menos. Mamãe sempre foi
uma mulher bonita, mas o tempo foi endurecendo seu
comportamento, com a proximidade de sentar na cadeira da
presidência da companhia.
— Veio se gabar de como é uma boa mãe? — brinco com ela
e minha mãe revira os olhos, dando mais alguns passos com seus
saltos até parar na minha frente.
— Vim dizer como estou orgulhosa de você, filho — responde.
— Ainda posso ficar orgulhosa dos meus filhos, mesmo que eles
estejam ficando velhos demais e até mesmo fazendo com que eu
vire avó — comenta com uma mesura exagerada. Drama está no
sangue da família.
— Já era hora. Savannah está fazendo jogo duro só para
preservar os seus procedimentos estéticos — implico com ela. —
Obrigado — digo por fim, sabendo que sou péssimo recebendo
elogios da minha mãe.
Não fomos criados em um sistema rígido, mas Stella era
focada na carreira, em fazer a empresa continuar prosperando para
que pudéssemos ter uma vida confortável. Ela não era do tipo que
fazia muitas leituras noturnas, mas nos ajudava com o dever e
comparecia a todo e qualquer compromisso, sem falta. Jogos de
futebol, competição de natação, balé, apresentações da escola. Ela
estava lá, sempre, na primeira fileira, torcendo por nós.
Meu pai foi embora cedo, antes mesmo que eu nascesse. Não
sei mais do que o seu nome, não o conheço além de fotos em
aplicativos e acho que não gostaria de conhecê-lo. Ele não foi ruim
com minha mãe, mas a abandonou quando ela precisava de um
parceiro e nunca tentou voltar, nem que fosse para ter contato
comigo ou com Savannah. Minha mãe diz que se apaixonou uma
única vez e errou terrivelmente, por isso preferiu nunca mais se
envolver com ninguém, é casada com a Love Affair e é uma mãe
orgulhosa da sua prole.
Eu tenho orgulho dela também. Mesmo que às vezes seja um
mimadinho de merda e admito que sou quando faço drama sobre
não ter a atenção dela e da minha avó, sei admitir o quanto elas
duas se esforçaram para serem uma família completa para mim e
Sav.
— Sabe, estamos aqui por você se precisar de alguma coisa,
qualquer coisa. Estamos aqui para o suporte, para ser família —
afirma, segurando meu queixo do mesmo jeito que faz desde que
me conheço por gente, fazendo com que nossos olhos se
encontrem.
— Eu sei — digo, sorrindo para a minha mãe. — Obrigado por
estarem acolhendo Amelie, isso conta muito para mim.
— É, a gente percebeu o quanto ela é importante, fazia um
bom tempo que eu não te via sorrir desse jeito que sorri quando
olha para ela.
Bufo, tentando debochar da situação, mas sei bem de qual
sorriso ela fala. Porém, uma coisa é admitir que está apaixonado
para si, outra coisa é ser pego suspirando e rindo à toa para a sua
garota pela sua própria mãe. Tenho vinte e nove anos, mas ainda
tenho alguns princípios.
— Ela é uma mulher incrível. A conheço bem mais
profissionalmente do que qualquer coisa, e isso é unicamente culpa
sua, que fica a escondendo de nós, como se não fôssemos um
bando de mulheres Spencer inofensivas — resmunga, fingindo estar
ofendida. — Mas ela é uma mulher incrível e espero conhecê-la cada
vez melhor.
— Prometo tentar deixar vocês nos visitarem mais uma vez
antes do nascimento do bebê — zombo e minha mãe bufa em
repreensão. — Vem, estou morrendo de fome e, antes de mais
nada, precisamos falar sobre um assunto sério com vocês.
— Já pediu a mão dela em casamento? — minha mãe
questiona indignada e solto uma gargalhada, oferecendo o braço
para ela, para andarmos até a sala de jantar onde Amelie, Savannah
e vovó estão.
— Calma, não sou tão emocionado assim. Mas em breve —
replico, até porque sei que Amelie acharia rápido demais sair de um
noivado para outro assim e acabamos de voltar a nos entender
completamente.
— Sabe que sua avó quer que você fique com o anel de
noivado dela, seu avô gostaria que as coisas fossem assim também
— sussurra, mantendo nossa conversa em segredo das outras.
— Sim, eu sei, e prometo que irei requisitá-lo quando for o
momento certo — confirmo, beijando sua mão antes de me afastar.
— Vovó já conseguiu afugentar Amelie?
— Liam! — a ruiva me repreende, mas minha avó me fita com
um desgosto zombeteiro.
— Pois saiba que já gosto bem mais dela do que de você, seu
pestinha — diz, semicerrando os olhos em minha direção, sentando-
se na ponta da mesa. Minha mãe e minha irmã ficam à sua direita,
Amelie e eu à sua esquerda.
— Não afugentou, mas está quase a convencendo de ser
cobaia em um aplicativo-teste para grávidas — Sav me responde.
— Eu não me incomodaria com a ideia.
— Sendo assim, é melhor engravidar novamente daqui a um
ano, porque é quando o aplicativo ficará pronto para qualquer
usuário teste — minha irmã responde à cunhada e o silêncio reina
por alguns segundos, todos petrificados com a visão de futuro que
Savannah tem de mim e de Amelie.
Gosto bastante dessa visão.
— Não sabia que estavam pensando em fundar outro
aplicativo — comento, quebrando o gelo.
— É só uma ideia, ainda estamos cogitando uma forma do
software atuar e todas as possíveis funcionalidades que nos
distinguiriam dos demais aplicativos no mercado — Savannah
continua a conversa enquanto minha mãe faz as honras de começar
a servir os pratos.
— Agora chega de conversa de trabalho, quero saber sobre a
minha netinha — vovó Ruby dispensa o assunto com um aceno de
mão e acho que é a primeira vez que a vejo tão descontente com a
Love Affair sendo o tópico principal das nossas refeições.
Olho para o lado e encontro Amelie silenciada, segurando
uma risada ao comprimir os lábios.
— Então, sobre isso… — começo, pegando o prato servido
que minha mãe me oferece. — Talvez queiram estar bem sentadas
para ouvir isso.
— Liam — Amelie me repreende com um sussurro,
provavelmente por causa da cena de tensão.
Poxa, não posso perder a oportunidade.
Seguro a mão dela que repousa em minha coxa, entrelaçando
nossos dedos enquanto olho para cada uma das mulheres da minha
família, todas com os olhos azuis atentos, nervosas e ansiando pelo
restante das minhas palavras.
— É um menino — conto e o som de surpresa cobre a mesa
por completo, minha mãe cobre a boca, chocada, minha avó
arregala os olhos e minha irmã tem um sorriso presunçoso nos
lábios.
— Eu disse que seria um menino! — Sav exaspera, olhando
para a minha mãe e apontando o indicador. Isso arranca uma risada
descontrolada, e talvez de alívio, de Amelie.
— Um menino?
— Sim, um menino — confirmo para a minha avó, ainda
chocada. Espalmo a barriga da ruiva ao meu lado. — Teremos um
menino.
— Mas… — minha mãe gagueja. — Um menino — sussurra
em seguida.
— Aparentemente, a tradição dos Spencer foi oficialmente
quebrada com o Liam — minha irmã fala.
— Ou talvez só funcione para primogênitas — Amelie
contrapõe, levantando os ombros.
— É uma possibilidade — mamãe comenta. — Estou muito
feliz! Espero que nosso novo menino venha com muita saúde e saiba
que ele será muito acolhido nessa família.
— Meu filho já chegará para me ajudar a equiparar os
números — zombo, fazendo-as rir.
— Um menino?
— Vovó! — Sav e eu exclamamos ao mesmo tempo que
minha mãe a repreende também.
— Só estou incrédula, oras. São anos de tradição — replica.
— Mas espero que meu bisneto saiba que é mais do que bem-vindo
e muito amado por aqui — diz, olhando fixamente para Amelie e elas
trocam um cumprimento com a cabeça. — Estou muito feliz por
vocês dois.
— Obrigada, obrigada a todas. Preciso dizer que até eu
estava ficando incrédula com a possibilidade de ser um menino.
— Já escolheram o nome? — Sav indaga.
— Ainda não chegamos nessa parte — respondo. — Mas em
breve iremos.
— Bem, sendo assim, vamos comer e, nesse feriado, seremos
gratos pela existência do meu primeiro e, com um pouco de sorte,
não único neto — minha mãe brinca, erguendo a própria taça e
seguimos o movimento, cada um com a sua bebida, brindando no
centro da mesa. — Agora, bom apetite.
— Eu deveria ter te dito que odeio surpresas! — reclamo,
ficando emburrada no meu assento, e escuto a risada de Liam ao
meu lado, no banco do motorista da sua SUV.
— Estamos quase chegando, gravidinha irritada — replica
debochado.
— Se resolver aderir a esse apelido, verá de verdade o que é
uma grávida irritada — aviso, mas isso só desencadeia ainda mais
risadas vindas dele. — Me dê uma dica, uma diquinha — imploro,
fazendo um bico, apesar de não ter ideia se ele consegue me ver,
afinal, está prestando atenção na estrada.
— É um lugar fora da cidade — diz e nada mais, me fazendo
bufar estressada.
— Sabe, é um crime deixar uma mulher na minha situação
dessa forma, vendada, sem ter ideia de onde está sendo levada,
ansiosa e todas essas coisas — tento barganhar.
— Mais alguns minutinhos vendada não fará você sucumbir —
rebate. — Prometo que estamos chegando.
— E se eu não puder ir nesse lugar? Nem mesmo vou saber
até chegar lá.
— É banida de lugares e não estou sabendo? — indaga e sei
que está implicando comigo.
— Posso ser uma mulher perigosa — comento, levantando os
ombros e sabendo que devo estar muito engraçada com essa venda,
tentando bancar a badgirl.
— É, uma mulher muitíssimo perigosa, assisti você ontem em
ação contra aquela aranha.
— Era uma aranha enorme! — me defendo.
— Não era nem do tamanho da minha unha, anjo — relembra
e resmungo sozinha.
— Ei, você deveria ser o meu cavalheiro com armadura e um
cavalo branco, não deveria estar julgando meus medos de aranhas
minúsculas.
— Fico feliz que se lembre sobre o quanto ela era minúscula
e, só para constar, estarei aqui para te proteger de todas elas —
afirma com um riso preso em sua garganta pelo tom de voz.
Liam liga a seta e vira à direita. Pelo tempo que passamos em
linha reta, imagino que saímos da área urbana de Toronto e estamos
nos arredores da cidade. Porém, não consegui cogitar nenhum lugar
fora da cidade para o qual Liam poderia ter interesse em me levar.
— Estamos chegando, agora é de verdade.
— Então estava mentindo? Bom saber — zombo. — Chegando
onde? — tento a sorte novamente.
— Tá bem, mais dicas: não foi bem um desejo seu, mas
resolvi realizar o seu desejo de outra forma — conta e tento lembrar
de todas as nossas últimas conversas. — Mas não foi recente, até
porque, precisei de duas semanas para conseguir uma reserva do
jeito que queria.
— Reserva? — murmuro baixinho.
Estamos em plena sexta-feira, no meio da tarde. Liam pediu
para que eu tentasse sair do trabalho antes das quatro, pois passaria
para me pegar na empresa porque tinha uma surpresa. Assim que o
vi, pude receber só um beijo antes de ser vendada e colocada no
carro. Não está nem perto do horário do jantar, então não faria
sentido ser algum restaurante.
— Pode tirar a venda agora — instrui e não demoro mais
nenhum segundo para desamarrar a parte de trás, deixando a tira
de seda cair em meu colo.
Pisco, me adaptando com a luminosidade. Apesar do inverno
estar começando a nos castigar com as suas temperaturas gélidas,
não tivemos neve ainda, mas estamos na primeira semana de
novembro. O céu está cinza e a temperatura abaixou cinco graus da
semana passada para essa, o que me fez perceber que preciso
comprar alguns suéteres grossos que caibam na minha nova forma,
já que todos os meus estão batendo quase no meio da minha
barriga.
Não consigo identificar nada, estamos em uma estrada de
cascalho, seguindo um caminho rodeado por árvores altas e
arbustos bem aparados. Mas basta Liam virar à esquerda que eu
entendo onde estamos. O estabelecimento é tão bonito como nas
fotos e Marjorie e eu já procuramos os valores para um dia, mas
estava acima demais do nosso orçamento. Entendo o porquê da
demora na reserva, esse é o melhor Hotel Spa da região e durante
os períodos mais frios, são conhecidos pelas acomodações quentes e
aconchegantes.
— Me trouxe em um spa?
— Hotel spa — corrige, colocando o dedo em riste antes de
reduzir a velocidade à medida que nos aproximamos da entrada. —
Aluguei um quarto até domingo à noite para nós dois, respeite meus
esforços — brinca.
— Um final de semana inteiro aqui? — pergunto incrédula,
virando-me para ele.
A fachada ornamentada não parece nem um pouco
interessante no momento, porque não acredito que ele preparou
tudo isso.
— Espera! Não trouxe rou…
— Ah, senhorita Taylor-Robinson, não está namorando um
amador. Claro que fiz esse plano com Marjorie e tenho uma mala
com roupas no porta-mala — responde com seu sorriso de canto.
— Namorando? — pergunto, me sentindo uma adolescente
boba ao ficar vermelha e com o coração acelerado só com essa mera
palavra.
Eu estou carregando um filho, mas sou uma mulher que
gosta de rótulos.
Liam para na entrada para carros e se vira para mim.
— Sim, namorando — afirma com tamanha certeza que chega
a me fazer suspirar antes de se inclinar na minha direção e depositar
um beijo demorado em meus lábios. — Sei que está cansada e que
o bebê está ficando cada vez mais pesado e espaçoso aí dentro,
acho que a minha garota merece um final de semana sendo mimada
por mim em um spa.
— Terei direito a uma banheira?
— Terá direito à suíte mais exclusiva, com uma banheira
enorme e uma vista incrível para o bosque — sussurra contra a
minha boca, roubando outro beijo. — E pretendo te dar muitas
massagens — sugere com um tom malicioso antes de abrir a porta e
logo um dos funcionários se encarrega de abrir a minha, me
oferecendo ajuda para que eu saia.
Não consigo dizer mais nada, porque fico chocada demais
com o pensamento. Esse é o quarto mais bonito do hotel, um sonho
de consumo meu há um bom tempo e Liam resolveu simplesmente
arquitetar o meu final de semana perfeito somente porque escutou
as minhas lamúrias sobre os pés inchados e o cansaço sem fim do
segundo trimestre da gravidez.
Aparentemente, ele é mesmo o meu príncipe encantado.

Passo as mãos pela espuma, sentindo-as fazer cócegas em


meus dedos. A banheira é larga e muito confortável, mas quando
falei que viria para cá, Liam me deu um beijo e disse que iria buscar
algumas coisas para podermos comer depois. Não sei se esperava
que ele se juntasse a mim ou qualquer coisa, mas estou cansada
demais para pensar sobre isso hoje. Amanhã posso me esforçar um
pouquinho mais para ser a companhia perfeita, por hoje, irei me
deliciar com a banheira e com a vista.
O banheiro é gigante, com pia dupla, um box grande e a
banheira em uma das extremidades, ficando de frente para a janela
que cobre a parede por inteiro. A vista é do bosque, com Toronto
bem ao longe e suas luzes brilhantes, não atingindo a tranquilidade
do meu banho. Passo a água morna pela minha barriga e prendo o
fôlego quando sinto meu menino se mexer. É a primeira vez que o
sinto tão forte assim, todas as demais vezes, pareceu quase coisa da
minha mente e nunca nem mesmo consegui sentir com a ponta dos
dedos, mas agora, ele claramente está me dando a certeza do seu
movimento.
Estou com vinte e quatro semanas, minha barriga está
começando a parecer enorme independente da roupa e amo a
sensação de estar grávida. As fofocas na empresa começaram e se
findaram antes mesmo que eu pudesse começar a me sentir
atingida, e tenho quase certeza que isso foi obra das mulheres
Spencer. Passo a mão outra vez, levando a água por cima da pele
repuxada e sinto-o novamente.
— Espero que continue assim, meu amor. Seu pai irá adorar
te sentir aqui dentro — sussurro para a minha barriga, continuando
a acariciar a pele, apoiando minha cabeça na beirada estofada da
banheira. — Você mudou muita coisa, sabia? Mas acho que foi você
quem colocou a minha vida em ordem de novo, mesmo com toda a
desorganização — continuo a falar com meu filho, suspirando. —
Obrigada por vir como um pequeno furacão.
Continuo a carícia, mesmo que os movimentos cessem. A
água começa a esfriar, mas fico com preguiça demais de me levantar
para sair daqui ou para buscar o controle para ligar o aquecedor.
Fecho os olhos e aproveito o momento, escutando a porta do quarto
se abrir e fechar e os movimentos de Liam na nossa suíte até que
duas batidas suaves toquem a porta do banheiro.
— Posso entrar? — pergunta do outro lado.
— Sim — respondo, tentando controlar a minha ansiedade,
porque estou ansiosa para compartilhar a novidade com ele, ainda
que permaneça suspirando pelo cansaço. Liam entra no banheiro,
ainda vestindo as mesmas roupas e toma seu tempo me
observando, fazendo aquilo que faz tão bem ao me deixar
confortável em meu próprio corpo. — Ele se mexeu — conto em um
sussurro, tentando evitar que a emoção volte.
— O quê? — indaga com a boca entreaberta em choque,
pego de surpresa pela novidade. Sorrio, dando alguns acenos e logo
seus passos o trazem até a beirada da banheira. — Agora?
— Sim, agora — digo e ele se senta no chão, sem se importar
em talvez molhar o jeans. — Aqui. — Estico a mão e ele coloca a sua
ali, guio nossas mãos até o ponto onde nosso menino se mexia à
recém. — Ele está quieto agora, mas acho que foi a primeira vez que
o senti se mexer tão forte assim, pude senti-lo aqui — comento.
— A água está fria, mon ange — fala com a sua preocupação
cotidiana e dou de ombros, mas Liam logo alcança o controle e
aperta alguns botões para ligar o aquecedor. — Parece cansada —
sussurra, colocando o controle no chão e fazendo uma carícia em
meus cabelos, presos em um coque desleixado. A outra mão
continua em minha barriga.
— A médica falou que o segundo trimestre começaria a
complicar as coisas. A fadiga, o sono sem fim, a falta de fôlego, a
azia que poderia começar.
— Ele está ficando cada vez maior — fala com um sorriso
orgulhoso.
— Ele está ficando perfeito — complemento. — Espero que eu
não esteja tão ruim assim. — Tento não ficar tão culpada, mas não
tenho ideia se a minha aparência não está começando a ficar
terrível.
Sei que pareço cansada, mas estou habituada com a minha
imagem no espelho, talvez Liam esteja começando a notar muitos
outros defeitos que não vejo.
— Você continua sendo a mulher mais linda do mundo —
replica com uma repreensão implícita. — Na verdade, estando
grávida do nosso filho, conseguiu ficar ainda mais bonita e nem
sabia que isso seria possível. Acho que deveria ser presa por algum
crime contra a humanidade por ser linda assim, Amelie — brinca
com a sua leveza de sempre e reviro os olhos, sabendo que
ruborizo, ainda mais quando ele passa o indicador pelas minhas
bochechas.
— Você é bobo demais — debocho. — Estou exausta, com
olheiras e parecendo o cansaço em pessoa, mas ao menos o meu
cabelo está incrível e minha pele nunca pareceu tão hidratada —
zombo, nem querendo citar as estrias que não consegui evitar,
começando a aparecer na parte de baixo da minha barriga.
Ainda são poucas, porém não minto que estou com receio do
momento em que Liam as enxergar. Amo meu menino e estou
apaixonada por todas as novas experiências que ele está me
proporcionando durante a gravidez, entretanto, sei que sou um tanto
diferente da mulher que Liam se encantou na França há seis meses.
— Linda — murmura, se inclinando para beijar meus lábios.
— Completamente linda, independente de qualquer uma dessas
coisas — sussurra contra a minha boca e fecho os olhos, apreciando
o contato.
Ele é um bobo muito fofo.
Sua mão se move pela minha barriga e sentimos outro
pequeno chute, ou talvez seja um soco, ou até mesmo uma cabeça
ou bumbum. Liam se afasta, arregalando os olhos em choque,
estático no lugar, e sorrio, sentindo sua emoção fluindo para o meu
corpo. Sentir isso foi perfeito da primeira vez, mas compartilhar essa
experiência com ele parece fazê-la ainda mais perfeita.
— Obrigada por estar aqui ao meu lado — digo baixinho,
deixando uma lágrima escorrer, mas ele logo a afasta com a ponta
dos dedos.
— Não haveria nenhum lugar que eu preferiria estar que não
aqui — responde, beijando minha testa. — Com vocês dois —
completa, fazendo um carinho em minha barriga.
Pisco, afastando outras lágrimas e também afastando o olhar
dele, fitando meu corpo na banheira, com os seios ainda levemente
cobertos pela espuma e água, a barriga se sobressaindo por cima do
nível da água que voltou a ficar aquecida, as pernas esticadas,
escondidas. Mexo meus dedos, brincando com a mistura enquanto
ficamos assim, com ele tocando a minha barriga e acariciando meu
cabelo, e eu relaxo contra a suavidade do seu toque.
— Parece pensativa demais — sussurra e solto um suspiro.
— Só… — hesito, puxando a respiração e pressionando os
lábios juntos. — Eu sou realmente grata por ter embarcado nessa
comigo. Sei que sou uma bagunça, minha vida inteira virou de
cabeça para baixo e não sou a mãe perfeita para o seu filho. Quando
me encontrou em Bordeaux, tinha acabado de terminar um noivado,
um relacionamento de mais de seis anos. Estava desempregada e
completamente fodida, mas você nunca ligou para nada disso. Eu
tinha planos e sonhos, e a maioria deles precisou ser jogado no lixo
depois de um relacionamento horrível acabar. Sou meio quebrada,
insegura, tenho tantos receios que nem consigo recitá-los por
completo. Ainda assim, aqui está você, ao meu lado, notando meu
cansaço, preparando um final de semana lindo para nós dois. Aqui
está você, me dizendo que sou linda e arrancando de mim meus
medos, um por um, sem nem se esforçar para isso. Você ainda está
aqui — friso, dando o meu melhor para sustentar seu olhar.
Liam carrega um sorriso de canto e tanta gentileza dentro dos
olhos azuis que eu não deveria mais ser pega desprevenida, mas
sou, sempre sou. É como se eu estivesse esperando o momento em
que ele irá partir, que irá perceber que ter tudo é demais, que irá
preferir só uma parte.
— Porque eu quero você, Amelie — afirma. — Quero nosso
filho e quero você, quero essa vida que estamos tendo, quero
arrancar seus medos um por um enquanto você faz o mesmo
comigo, porque você também me tira todos os receios e nem
percebe quando o faz. Você está aqui também, continuou aqui
mesmo depois de ver a bagunça, mesmo depois de eu ter agido
errado com você. Você me perdoou e me deu uma segunda chance,
é paciente comigo. Ser paciente com você não é um esforço que
faço, é um desejo que pulsa em mim, porque quero você ao meu
lado. Quero que possa fazer planos comigo, que me conte seus
sonhos e seus medos. O que um dia foi quebrado, pode somente ser
remendado, e ainda assim terá cicatrizes, porém não significa que
seja irreparável.
Seu indicador afasta as lágrimas antes mesmo que eu
perceba que estava chorando baixinho. Eu o quero também, quero o
pai do meu bebê e quero o cara que me faz sorrir mesmo nos dias
ruins, quero fazê-lo rir com as minhas bobagens, quero vê-lo fechar
os olhos e suspirar ao experimentar algo diferente que fiz para o
jantar, quero as suas fotos semanais com nosso bebê, ou a fruta da
semana que nos diz o seu tamanho.
Quero tudo.
O que está quebrado, não é irreparável, só permanecerá com
cicatrizes. Entretanto, cicatrizes não são defeitos, são história.
— Tenho o sonho de ter uma banheira um dia — começo,
quebrando o silêncio. Prefiro começar com os sonhos ao invés dos
medos e ele compreende isso, sorrindo um pouco mais ao dar um
aceno, me incentivando a continuar. — Na verdade, existe uma casa
dos sonhos que sempre foi minha, nunca foi do… Bem, de você sabe
quem — brinco e ele faz uma careta de desgosto, o que me provoca
uma risada.
— Como é essa casa?
— É espaçosa, para que as crianças possam correr de um
lado para o outro, brincando uns com os outros.
— Crianças?
— Quero ter filhos, mais de um, talvez quatro — respondo,
empurrando a timidez de lado.
— Acho que posso realizar esse sonho, se me permitir — diz
com malícia, me fazendo rir, por isso me inclino para beijar seus
lábios.
— Irei permitir — confesso como se fosse um segredo.
— Me conte mais a respeito da nossa casa dos sonhos —
pede, aquecendo meu coração com as suas palavras. Nossa. Como
se meu sonho fosse virando o dele à medida que continuamos aqui,
comigo na banheira e ele sentado no chão ao meu lado.
— Terá uma cozinha grande o suficiente para que eu possa
cozinhar sempre, criando tradições e escutando suspiros esfomeados
— conto, deixando a minha imaginação recordar cada detalhe, me
permitindo essa abertura com Liam porque confio nele. — Teriam
banheiras! Assim poderia descansar todas as noites, se quisesse. E
também teríamos um quintal, para chamarmos os amigos.
— E para as crianças — complementa e dou um aceno,
gostando de sonhar com ele.
— E para um cachorro — adiciono, deixando-o surpreso com
a confissão.
— Um cachorro?
— Sempre sonhei em ter um cachorro, um que fosse um
pouco bagunceiro talvez, mas que fosse amoroso, para sentar no
sofá comigo e assistirmos um filme juntos.
— E onde eu fico nessa equação? — questiona, cerrando os
olhos e fingindo ciúmes.
— Pode ficar do outro lado, precisa aprender a dividir —
repreendo-o de brincadeira. — Essa é a minha casa dos sonhos —
findo, suspirando.
— São pequenas especificações, mas gosto da sua casa dos
sonhos — diz.
— Então pode ser a nossa casa dos sonhos — sugiro e ele se
contenta com a minha fala.
— Nossa casa dos sonhos — afirma, preenchendo meu peito
com a segurança que só Liam consegue trazer com tamanha
facilidade.
Gosto que a minha casa dos sonhos seja a nossa, gosto de
sonhar com ele. E gosto ainda mais de ser o desejo dele nesse
momento, nossa pequena família, um pouco desajustada no
começo, mas somos peças quebradas tentando encontrar o seu
espaço umas com as outras. Somos como um quebra-cabeça que
não foi feito para se encaixar, mas queremos que dê certo, então
buscamos um jeito, aparando arestas, dividindo medos e desejos.
Esse é o nosso nós e estou cada vez mais certa de que o
amo.
— Não quero voltar amanhã — Amelie murmura em meus
braços enquanto voltamos para o quarto após nosso jantar.
— Se não voltarmos, acho que ninguém sentirá a nossa
ausência — brinco, dando uma sugestão tentadora ao trazê-la ainda
mais para perto.
— E os nossos trabalhos? — indaga como se quisesse testar a
veracidade desse plano.
— Eles que nos demitam — falo, dando de ombros e ela ri. —
Uma hora perceberão que não vamos voltar e poderão nos substituir.
— Percebe que estamos falando sobre a empresa da sua
família ficando em desfalque, certo? — diz, arqueando uma
sobrancelha quando nos afastamos para eu pegar o cartão
magnético do nosso quarto.
— Savannah sabe se virar — respondo com desdém de novo.
— Realmente aprecio a ideia de não ir embora daqui, de ficar para
sempre em uma suíte chique, podendo passar o dia te vendo
perambular na minha frente de roupão — comento com malícia,
empurrando a porta e deixando que Amelie entre antes de abraçá-la
por trás, fechando a porta com o pé. — É a minha versão do
paraíso, eu diria — sussurro em seu ouvido antes de beijar seu
pescoço.
— Aproveita enquanto pode, senhor Spencer, porque em
breve não haverá roupão que feche e precisarei parar de usá-los —
replica, virando de frente para mim.
— Não, nada disso, gosto da ideia do roupão que não fecha.
Uma fenda na frente me parece bem tentadora — comento,
passando o indicador por entre seus seios e o centro da barriga. —
Mas também gosto da ausência de toda e qualquer roupa.
— Você é muito bobo — zomba, revirando os olhos bonitos
para mim. — Garanto que foi você quem pediu para Marjorie incluir
alguns amigos na minha mala.
— Amigos? — indago confuso, e ela bufa desacreditada, até
que ruboriza com força ao perceber que realmente não compreendo.
— Marj colocou alguns… brinquedinhos na minha mala —
conta. — Achei que tinha sido a seu pedido.
— Vibradores? — indago, surpreso e excitado, e ela acena. —
Se eu soubesse que tínhamos companhia, teria feito bom uso delas
ontem — comento, beijando seu queixo enquanto nos guio para
dentro do quarto. — Achei a sua melhor amiga muito bem
intencionada.
— Pois eu achei ela bastante maliciosa — retruca, apesar de
eu perceber que gosta da ideia. — Será que ela não sabe que sou
uma mulher grávida de quase vinte e cinco semanas? Deveria me
respeitar — caçoa.
— Ah, se ela não sabe, eu sei muito bem a respeito dessa
mulher grávida de quase vinte e cinco semanas e todas as coisas
que ela fez comigo ontem. Mas não se preocupe, prometo que
cuidarei de você hoje, mon ange — rebato, virando-a até que suas
costas estejam contra meu peito. — Agora, irá me apresentar aos
seus amigos.
— Liam! — exaspera com certo pavor.
— Eu sei que deve ter nomes para todos eles — provoco.
— Saiba que eu não tenho — responde petulante. — E, se
tivesse, não te contaria.
— Chegou a nomear algum deles em minha homenagem? —
indago curioso.
— Não — fala, rápido demais para ser verdade. — Sim —
murmura em um miado quando chegamos na bancada onde sua
mala está aberta dentro do reservado do closet.
— O usou bastante, Amelie? Me imaginava no meio das suas
pernas quando o usava?
Seu silêncio prossegue enquanto ficamos parados e encaro
seus olhos pelo espelho na nossa frente. As bochechas
avermelhadas agora possuem um tom que vem da sua excitação e
não mais pela vergonha, apesar de eu pensar que ela não irá me
responder, não irá me contar as suas fantasias enquanto usava o
vibrador com meu nome. Amelie ainda é quieta demais, ainda tem
vergonha, mas pretendo deixá-la bem falante em breve.
Subo minhas mãos pelo seu corpo, tateando o casaco que ela
usa por cima do vestido até chegar nos ombros, puxando-o
gentilmente para fora do seu corpo, observando o tecido caindo
pouco a pouco até chegar ao chão. Ela usa um vestido azul, longo
com mangas e uma faixa logo abaixo dos seios, mostrando sua
barriga com destaque. O vestido é simples, mas nada fica simples
em Amelie, tudo parece sempre ficar ainda mais bonito quando está
em seu corpo.
Afasto seus cabelos para o lado e também sou apaixonado
por eles, os fios longos e macios contra meus dedos todas as vezes
que emaranho minha mão ali quando a beijo. Amelie se arrepia,
arqueando o corpo quando meus dedos passam pelo seu pescoço ao
arrastá-los. Beijo a pele recém-exposta, descendo do seu pescoço
até o ombro, aproveitando o contorno do vestido e também o
puxando para o lado, querendo beijar toda a linha da clavícula.
Ela se inclina para frente, como se somente isso já fosse
demais para ela, apoiando as mãos na borda da mala. Mas percebo
o que Amelie faz, ela abre o zíper do outro lado da sua bagagem,
expondo uma sapatilha embalada e outro saco, esse de cetim e
branco. Seus dedos se atrapalham ao abrir a boca da sacola, porque
não dou trégua, indo de um lado para o outro, movendo seus fios
para continuar mordiscando sua pele enquanto a observo.
Solto uma risadinha baixa quando descubro o conteúdo do
saco e percebo que Marjorie não fez seleção, somente colocou o
saco inteiro de Amelie dentro da mala, ou pelo menos, imagino que
ela não deva ter uma coleção muito maior do que essa de uso
frequente. Vejo todos os modelos mais úteis. Um sugador de clitóris
mais elaborado, uma rosa, um bullet, um rabbit, um modelo simples
mais grosso e maior e, por último, um rabbit triplo, bastante
elaborado.
— Ousada — não seguro meu comentário ao olhar o último
vibrador.
— Não é muito confortável, admito — fala e não preciso do
espelho para saber que Amelie foge do meu olhar, focada no saco.
Ela pega o primeiro rabbit, um modelo que é um pouco maior do
que a sua palma, com ondas na ponta grossa. A outra parte, do
estímulo externo, é ampla o suficiente para estimular o clitóris
gentilmente. — Esse — sussurra.
— Esse é o seu Liam? — indago, fitando o aparelho com
atenção, não sabendo ao certo como me sinto sobre a minha
representação.
— O meu favorito — ela explica, engolindo em seco e
levantando a cabeça para me encarar. Paro meus beijos, mantendo
seu ombro exposto enquanto puxo o tecido do vestido. — Esses são
os mais antigos — fala, apontando para o bullet e a rosa. — Comprei
os demais depois que voltei da França, quis experimentar algumas
coisas e…
— Deveria me sentir orgulhoso por te deixar inspirada? —
indago, fazendo um pouco de graça.
— O primeiro trimestre são os meses com os hormônios mais
aflorados por causa das mudanças nesse quesito.
— Sinto muito por não ter estado com você para te ajudar
nisso, anjo — respondo. — De certa forma, fui eu que te inspirei —
zombo, afinal, fui eu que coloquei um bebê na barriga dela.
— Você é impossível.
— Não, sou o seu favorito — lembro-a, pegando o vibrador
das suas mãos e deixando-o na bancada. — Estou curioso para
saber todas as minhas funções.
— Liam!
— Não achou mesmo que eu descobriria que nomeou o seu
vibrador favorito em minha homenagem e que não o usaria para
fazê-la gozar essa noite, não é mesmo? — rebato sua repreensão,
buscando pelo lubrificante que vislumbrei dentro do saco. — Não
quero a sua vergonha, Amelie, sabe que eu amo quando você é
desinibida — falo, deixando o tubo ao lado do vibrador. — Amo
saber que se tocou pensando em mim durante as semanas que me
toquei pensando em você, pensando na sua boca faminta, nos seus
olhos obedientes enquanto engolia cada gota, de joelhos — começo,
escorregando os dois lados do vestido pelos seus ombros,
começando a despi-la. — Pensando em você gemendo o meu nome
enquanto eu te fodia com a minha boca, pensando em você moendo
meu pau nessa sua boceta gostosa, rebolando em cima de mim, e
embaixo. Espero que as suas lembranças fossem tão frescas quanto
as minhas.
— Elas eram frescas o suficiente — me responde quando
liberto os seios inchados do vestido, com as auréolas mais
escurecidas por causa da gestação, empurrando o tecido ainda mais
para baixo, deslizando-o pela sua barriga e fazendo-o cair no chão.
— Eu sonhava com você — confessa, seminua, a não ser pela
pequena calcinha branca.
— Eu te fodia em seus sonhos também? — pergunto, girando
nossos corpos até estarmos de frente para o outro espelho, de corpo
inteiro na parede oposta à entrada do closet. Amelie acena duas
vezes. — Acordava molhada para mim? — Novamente os malditos
dois acenos enquanto acaricio seu corpo com a ponta dos dedos. —
Obrigava você a procurar alívio no meio da madrugada, Amelie?
— Sim, todas as vezes — responde. — E, se eu me recusasse,
não conseguia voltar a dormir, ou sonhava novamente com você.
— Interessante saber que fui insistente até mesmo nos seus
sonhos, meu anjo — digo, passando as mãos até chegar em seus
seios, segurando-os contra as minhas palmas.
Amelie arfa quando brinco com os mamilos enrijecidos,
empurrando a bunda contra a minha ereção, esfregando-se contra
ela para me oferecer algum tipo de provocação. Deveria ser um
pecado, mas irei cometê-lo ainda assim, porque irei fodê-la de pé
com o seu vibrador favorito, porque preciso assistir essa cena desse
jeito, observar seus olhos fechados com força pelo prazer, mas
também observar quando desço minhas mãos até o cós da calcinha,
colocando-a no chão segundos depois.
— Era terrível até mesmo nos meus sonhos — retruca e adoro
a sua petulância quando me mostra. Solto uma risada baixa,
colocando uma das pernas no meio das dela e afastando-as ainda
mais. — Preciso que os saltos saiam — pede, fitando meus olhos
pelo espelho e dou um aceno.
Amelie ousou hoje em usar scarpins altos, porque
combinavam com o vestido, e ainda que eu ame o pensamento de
fodê-la com os saltos, posso pensar em fazer isso depois que nosso
filho nascer. Antes que ela cogite se abaixar, apoio um dos joelhos
no chão, ainda atrás dela, e passo uma mão pelo meio das suas
pernas enquanto a outra fica por fora, desfazendo a amarração do
salto.
Seu corpo se contrai, sua boceta faz o mesmo movimento e a
falta de roupas me permite observar o movimento. Nem mesmo a
toco nessa parte, mas a proximidade a excita ainda mais, por isso
retiro cada um dos sapatos com lentidão, fazendo seus pés
pousarem seguros no solo, aproveitando para afastar suas roupas
para longe.
Volto a me colocar de pé, subindo devagar, com as mãos em
suas pernas, os dedos trilhando meu caminho pelos tornozelos, a
panturrilha, as coxas até chegar em sua cintura. Agora, Amelie
voltou a ficar com uma diferença de altura mais significativa,
chegando a bater quase em meu queixo.
— Você é a minha visão favorita, sempre — sussurro para ela,
vendo-a ficar mais confiante para a imagem no espelho. Passo os
dedos pelas pequenas linhas em sua barriga, subindo e contornando
linhas parecidas que nascem embaixo dos seios. — Linda e minha —
complemento, vendo-a sorrir de canto e começo a descer o toque
novamente até chegar no meio das suas pernas. — Completamente
minha — friso quando ela prende a respiração e afasto seus lábios,
tocando sua boceta.
Porra, eu amo como Amelie está sempre molhada para mim,
como ela se excita com as nossas brincadeiras, nossos jogos antes
que eu comece a fodê-la. Corro o indicador e o dedo médio por toda
a sua boceta até a entrada encharcada e penso que, dessa forma, o
lubrificante não será necessário. Amelie geme, chamando meu nome
bem baixinho e apoiando a cabeça em meu ombro. Esfrego seu
clitóris, massageando-o em círculos antes de voltar a descer pela
sua entrada, penetrando-a e sentindo seus músculos pulsando,
ansiosos.
— Está perdendo a melhor parte, mon ange — digo, iniciando
um vai e vem suave. — A vista é o sinônimo de perfeição —
comento e ela abre os olhos aos poucos, fitando sua imagem no
espelho, nua com a minha mão entre as suas pernas, meus dedos
estocados até o fim. — Mas agora, precisamos descobrir todas as
funções interessantes que possuo.
Ela solta um riso, mas é interrompido por um choramingo
quando belisco de leve o seu clitóris antes de tirar a minha mão
dela, sentindo falta da sua umidade no mesmo instante. Pego o
vibrador e ele é leve em minha palma, procuro pelo botão e logo o
encontro, ligando o aparelho. As vibrações logo começam, toco
novamente no botão, aumentando o nível da vibração. Franzo o
cenho, curioso antes de acionar o segundo botão e descubro uma
nova função peculiar.
O aparelho vibra, tanto no estímulo externo quanto no
interno, mas o novo comando faz com que a parte aveludada do pau
de silicone comece um movimento de vai e vem. As ondulações,
junto a esse movimento, devem produzir um prazer muito excitante,
o qual Amelie está prestes a provar.
— Entendo porque sou o seu favorito — comento, pausando
as vibrações e testando somente o botão do vai e vem. — Sou muito
interessante.
— É incrivelmente rápido e delicioso — replica e também me
agrado muito com essa informação.
Desligo o vai e vem, voltando a usar a primeira velocidade da
vibração e começo a passar o aparelho pelo corpo dela, testando
seus limites da excitação. Os bicos dos seios ficam ainda mais
enrijecidos quando passo o vibrador por eles, sua pele fica
completamente arrepiada quando o desço pela sua barriga até
chegar novamente em sua boceta.
Amelie estremece, arqueando o corpo e abrindo as pernas
ainda mais. Abro seus lábios com o vibrador, lambuzando-o com sua
umidade e ela segura meu antebraço, deixando suas unhas
marcarem minha pele enquanto busca por estabilidade. A outra mão
sobe até encontrar meu pescoço, agarrando minha nuca enquanto
geme.
Foco as vibrações por alguns instantes em seu clitóris com a
parte maior antes de descê-lo o suficiente para encaixá-lo em sua
entrada, mas prefiro a tortura de observar o aparelho entrando
pouco a pouco, penetrando Amelie com uma lentidão absurda,
deixando nós dois morrendo de desejo de vê-lo estocado até o fim.
Aperto o outro botão, iniciando a pulsação do aparelho e ela solta
um choramingo sôfrego.
— É muito para você, meu anjo? — indago, observando seus
olhos azuis pelo espelho. Ela sacode a cabeça, negando com
veemência. — Está maluca para gozar, não é mesmo? Prometo que
irei deixar que goze em breve — digo e ela morde o lábio inferior
quando estoco o vibrador por completo e a segunda parte encosta
em seu clitóris, vibrando pela parte tão sensível.
O aparelho parece ter o tamanho perfeito e mesmo que
possua a pulsação, também ondulo-o, entrando e saindo um pouco
com ele da sua boceta. Sua excitação molha meus dedos, lambuza o
vibrador por inteiro e sua mão deixa meu antebraço para se firmar
na bancada ao nosso lado. Abraço seu corpo contra o meu,
firmando-a enquanto continuo os movimentos.
— Liam, eu irei gozar — ela murmura, entorpecida pelo
prazer.
— Então goza para mim, mon ange — sussurro em seu
ouvido e parece ser o comando pelo qual ela esperava antes de
atingir o seu orgasmo, sem controle enquanto geme alto, apertando
a bancada até seus dedos ficarem brancos.
Sinto sua boceta pulsando com força enquanto ela parece
ficar cada vez mais fraca em meus braços. Quando seu corpo
amolece junto ao meu, retiro o vibrador de dentro dela, desligando-
o em seguida e colocando-o por cima das suas roupas no chão. Suas
coxas brilham no reflexo do espelho e seus olhos parecem cansados.
— Isso foi muito bom — afirma, ainda embriagada pelo
prazer e solto um riso antes de pegá-la em meu colo, mais pesada
do que da última vez graças ao nosso pequeno menino em sua
barriga.
— Estou sempre a seu serviço — brinco, beijando sua boca
antes de caminhar com Amelie até o quarto, deixando-a em nossa
cama.
— Mas ainda preciso de você — complementa sua frase
anterior, carregada de desejo e me olhando com luxúria, me fazendo
estremecer com a sua escolha de palavras. Uma necessidade, uma
urgência, é dessa forma que ela me deseja e me sinto ainda
completamente faminto por ela.
— Não pretendo ir a lugar algum — comento, permanecendo
de pé e começando a me despir, jogando o suéter claro para um dos
cantos e oferecendo a ela o seu show favorito enquanto continuo,
desafivelando o cinto, abrindo o botão e o zíper da minha calça
antes de puxá-la para baixo.
Mesmo que nunca tenha me dito isso, sei que Amelie aprecia
me observar enquanto me dispo, assim como quis me observar
enquanto eu me tocava naquela noite em Bordeaux. Ela aprecia o
fato de que a sua visão me excita pra caralho, me deixa duro
enquanto a vejo ser a minha bagunça predileta, com os fios ruivos
fora do lugar, com a ausência de roupas, ainda eufórica pelo
orgasmo recente.
Termino de tirar a boxer preta e seguro meu pau, bombeando
para cima e para baixo algumas vezes sob o olhar atento dela.
— Quero você por cima, Amelie — digo. — É hora de
invertermos as posições, você faz todo o trabalho agora — zombo e
ela rola os olhos enquanto caminho até a cama e Amelie se coloca
de pé.
— Cuidado, Liam, posso achar que me fazer gozar anda
sendo um grande trabalho para você — rebate zombando, e seguro
sua cintura, puxando-a para beijar sua boca, maltratando seus lábios
contra os meus.
— Irei te mostrar a facilidade com a qual te faço gozar,
Amelie. E depois que te permitir algumas horas de descanso, irei te
foder de novo, e de novo, e de novo — murmuro contra a sua boca,
mordendo seu lábio, mas ela solta um riso, se afastando e
invertendo nossas posições até conseguir me empurrar para o
colchão.
Sorrio, gostando desse lado desinibido que ela adquire depois
de gozar, me acomodando na cama e observando-a subir, colocando
um joelho de cada lado do meu corpo e engatinhando por cima de
mim, deixando os cabelos nos cobrirem, os seios se arrastarem
perto do meu peito quando coloca os cotovelos na cama. Sua
barriga toca a minha e ela se senta em minhas pernas, me
molhando com o seu gozo.
Amelie joga os cabelos para o lado direito de uma forma que
faz meu pau ficar ainda mais duro, se possível, sorrindo como uma
boa safada ao começar a esfregar sua boceta contra meu pau. Ela
me tortura, já tendo tido o seu orgasmo uma vez enquanto eu estou
pulsando de desejo, ansiando por gozar dentro dela. Ela rebola em
cima de mim por alguns instantes antes das suas unhas arranharem
meu abdômen até chegarem em meu pau, segurando-o para
encaixá-lo em sua entrada. Seus joelhos se flexionam quando ela
sobe, começando a descer vagarosamente.
Suas mãos se apoiam em meu peito e eu espalmo sua bunda,
subindo o toque à medida que ela desce até que seu quadril se
encaixe com o meu. Meus dedos cravam em sua pele quando Amelie
se contrai comigo dentro, pulsando sua boceta ao redor do meu pau
antes de começar a se movimentar, rebolando com agilidade,
gostosa pra caralho enquanto sobe e desce, me deixando maluco e
fodendo com a minha cabeça ao deixar sua imagem ainda mais
grudada em minha mente.
Poderia passar meus dias fodendo com ela, vendo-a rebolar
em meu pau, sorrindo com malícia, mordendo o lábio para
comprimir os gemidos, mas murmurando meu nome pelos seus
lábios bonitos. Sinto que posso gozar a qualquer momento, ansiando
por isso há minutos, e ela não me deixa ter nenhum momento de
folga para empurrar o orgasmo para longe, estocando com firmeza,
esfregando seu clitóris contra mim antes de se erguer outra vez.
Seguro sua cintura, deixando que continue a controlar os
movimentos e aviso-a que estou perto de gozar, mas acredito que
ela não escuta, entorpecida no próprio êxtase, buscando seu
segundo orgasmo.
— Liam… — ela me chama, explodindo em uma nova onda de
prazer e seus músculos me esmagam no instante em que começo a
esporrar, me derramando dentro dela, sentindo meu gozo
escorrendo pela sua boceta até nossas pernas.
Amelie não para, não até que tenha o suficiente e esteja
completamente sem forças, ainda trêmula. Suas mãos arranharam
meu peito, meus dedos marcaram sua pele e quando ela suspira,
ofegante, sorrio para a visão de como ela parece perfeita. Seguro
seu corpo, guiando-a até estar deitada de costas e a acomodo
contra meu peito.
— Espero que cumpra a sua promessa — murmura, tão
cansada que demora para abrir os olhos depois de fechá-los uma
vez. Arqueio a sobrancelha e ela sorri de forma travessa. — De me
deixar descansar uns minutos e então me foder, de novo e de novo
— responde a pergunta silenciosa e solto um riso, pego
desprevenido.
— Sabe que sempre cumpro as minhas promessas, anjo —
respondo, beijando seus lábios demoradamente.
Olho para o relógio no meu computador, a reunião está quase
chegando ao fim enquanto Savannah faz alguns últimos
apontamentos sobre esses próximos três meses, a respeito das
festas de fim de ano daqui a pouco mais de um mês e sobre o início
do próximo ano. Somente a menção me faz ficar ansiosa e mesmo
estando no meio de novembro, sei que estou cada vez mais próxima
de conhecer meu menino.
A médica acredita que ele deve se encaixar perfeitamente e
deve nascer entre a trigésima sétima e a trigésima nona semana,
mas talvez isso mude com a proximidade do parto. Darei o meu
melhor para tentar continuar com a decisão de um parto normal e
me inscrevi para aulas de pilates e, dependendo do andamento,
fisioterapia pélvica para manter o prognóstico positivo a respeito do
meu parto.
No fim da próxima semana, entro no último trimestre da
gravidez e sinto que as últimas treze semanas passarão voando. O
que me deixa um pouco nervosa porque me sinto atrasada com
tudo. Entre o trabalho, me adaptar à nova rotina, minha vida com
Liam e todas as minhas dúvidas sobre isso, não sei ainda como
pensar sobre o quartinho do bebê e estou esperançosa de que terei
tempo para tudo. Não que eu tenha um quarto extra, então será
uma adaptação do meu próprio quarto para nós dois.
Claro, Liam provavelmente poderá ter um espaço único para o
nosso filho em seu apartamento, quase três vezes maior do que o
meu e com outro quarto além da sua suíte. Novamente, tenho
tentado não ficar muito ansiosa e neurótica sobre o assunto.
— Agora, chegamos na parte mais importante da nossa
reunião de hoje. — Lance fica de pé após Savannah encerrar as
pautas principais. — Como sabem, com exceção da nossa querida
Amelie, que começou a trabalhar conosco esse ano — diz,
apontando para mim e tenho vontade de cravar uma caneta nela
pela atenção desnecessária, mas óbvio que Lance sabe disso e faz
só para implicar comigo —, todos os anos, a PP participa de alguns
eventos de caridade para aprimorar a nossa imagem externa. Esse
ano não será diferente.
— Devo temer? — brinca Barbie ao meu lado e Lance revira
os olhos para ela.
— Iremos ser voluntários em uma feira de adoção de cães e
gatos que acontecerá no próximo final de semana, engraçadinha —
a diretora de marketing diz. — Preciso de, pelo menos, trinta
voluntários, mas quanto mais, melhor. A ONG está precisando de
muita ajuda no momento e eles estão felizes por conseguirem ajuda
do governo da cidade para elencar essa feira.
— Qual é a ONG? — um dos outros diretores pergunta.
— Pequenas Patas, eles são uma organização de voluntários,
fundada por dois irmãos. Ela foi minha colega no Ensino Médio e nos
encontramos recentemente. Não pareçam surpresos, mas venho os
ajudando no abrigo desde então. São muitos cachorros e inúmeros
gatos. Ela recebe animais, principalmente, provindos de denúncias
de maus-tratos, e todos eles merecem um novo lar — continua
explicando. — A feira acontecerá somente no sábado, a partir das
nove da manhã, eles ainda estão terminando de ver a confirmação
do parque, então assim que tiver essa informação, passo para quem
se voluntariar.
— Os voluntários precisam ficar até o final? Gostaria de
participar, mas tenho um compromisso no começo da noite, então
precisaria sair mais cedo — comenta uma das mulheres mais
próximas à Savannah.
— Se tivermos muitos, podemos combinar turnos — Lance
responde a pergunta. — Os trabalhos são simples, ajudar na
organização do evento, manter tudo limpo e em paz, cuidar dos
animais, incentivar a adoção e cuidar do primeiro cadastro de
interessados antes de levar à mesa principal, onde todo o processo
de adoção será feito, e também precisaremos de alguns voluntários
para ajudar nessas mesas, com os computadores e papéis.
— Acho que não é preciso dizer o quão importante essas
ações são, não somente para a visão da empresa nas mídias, mas
também para ajudar um abrigo que faz um trabalho tão bonito —
Savannah acrescenta. — A Perfect Pairing sempre gostou de
participar desses eventos para motivar nossos funcionários a
fazerem parte da comunidade de Toronto e ajudarem em feiras de
adoção, cozinhas comunitárias, eventos em asilos e orfanatos.
Somos uma empresa que segue um lema de ser de pessoas para
pessoas, então essas participações sempre são interessantes para
demonstrar o nosso senso de comunidade e trabalho em equipe.
— Não poderia ter palavras melhores do que a da chefe —
Lance brinca, arrancando um sorriso da melhor amiga. — Deixarei
uma folha com explicação e o convite no quadro de avisos, mas
peço que passem o recado para o pessoal de cada setor e, caso
algum de vocês se sinta disposto a participar, é só me avisar.
— Pode incluir o meu nome — Indina diz de prontidão e ergo
a mão, chamando a atenção de Lance.
— Se eu puder me inscrever, ficaria feliz em me voluntariar —
digo, antes de repousar minha mão na barriga. — Longos períodos
em pé não estão sendo meus melhores amigos, mas se eu puder
fazer algumas pausas a cada três horas, posso ajudar de qualquer
forma.
— Obrigada, Amelie — Lance agradece, parecendo
genuinamente contente com meu voluntariado. Talvez ela precise
sempre barganhar voluntários, mas gastar meu sábado ajudando
bichinhos fofos a conseguirem um lar parece o programa perfeito.
— Pode me incluir na lista também — Savannah fala,
surpreendendo até mesmo as amigas com isso. — E irei verificar se
ele não tem nenhum voo no final de semana, mas tenho quase
certeza de que Liam também irá gostar de ajudar.
Ele não tem nenhum voo no final de semana, mas prefiro não
dizer isso para não dar ainda mais corda aos olhares de canto que
recebo. Acho que mais da metade da sala pensa que Savannah só
incluiu o nome do irmão por causa da minha inscrição, mas sei que
Liam ajudaria caso lhe pedissem e ele estivesse livre. Ele é esse tipo
de cara.
Mais algumas pessoas erguem as mãos e colocam o seu
nome na lista, acho que a maioria teve um incentivo grande ao
pensar que pode brilhar aos olhos da chefe estando no evento com
ela. Não penso que Sav seja convencida com bajulação, mas deixarei
esses pobres coitados pensarem isso se for para o bem da causa
animal.
A reunião é dada como encerrada e todos começam a deixar
a sala, apressados para voltar ao trabalho e finalizar essa quarta-
feira bastante lotada. Um pequeno bug no aplicativo nos tirou do ar
por exatos sessenta e nove minutos, e foi a uma hora mais longa
que vivi em minha vida até o momento, com a tensão que perdurou
por todos os setores da PP. Logo fomos restabelecidos e voltamos a
funcionar, mas a manhã caótica precedeu uma tarde de correria.
— Savannah, posso falar com você um instante? — peço
quando algumas pessoas começaram a deixar a sala. Olho de canto
para Indina, que me dá um aceno, já sabendo do assunto.
— Claro! — minha cunhada responde, sempre solícita.
Savannah é uma ótima chefe. Uma vez que a conhece um
pouco mais a fundo, percebe que ela é uma mulher afetuosa, à sua
maneira, e assim como todos os demais membros da família, é
muito zelosa. Como chefe da PP, Sav é organizada e sempre disposta
a ouvir os funcionários, participa ativamente de tudo e não é um
fantasma. Por ser a herdeira de tudo, eu posso ter esperado algo um
pouco diferente, mas me sinto feliz por tê-la como chefe.
Me aproximo dela, ainda com as mãos na barriga por ser o
meu mais novo hábito e Savannah esboça um sorriso para a cena.
Meu menino se mexe, como se sentisse a tia e isso me faz imaginar
como será a relação deles dois. Ainda não conversamos sobre isso,
mas tenho certeza de que Liam pedirá para que a irmã seja a
madrinha do nosso bebê.
— Tudo certo? — indaga baixo assim que estou perto.
Ela odeia todas as fofocas a meu respeito que correram por aí
quando a minha gravidez ficou cada vez mais nítida e, quem foi
esperto para procurar, soube quem era o pai do meu filho. Liam e eu
não estamos nos escondendo de ninguém, apesar de nos
mantermos sempre discretos quanto aos ambientes da empresa.
— Sim, tudo ótimo. Inclusive, ele está se mexendo bem agora
— conto, colocando a mão em cima do movimento e os olhos de
Savannah se arregalam em surpresa. — Quer sentir? — pergunto,
mesmo sabendo a resposta. Gosto que as pessoas tenham certo
respeito e não estejam sempre passando a mão sem convite pela
minha barriga.
— Posso?
— Claro que pode! É a titia dele — brinco, estendendo a mão
e logo é coberta pela dela, guio Savannah até o local onde o bebê
está se mexendo.
— Ai, meu Deus! — ela sussurra em choque. É realmente
uma sensação incrível todas as vezes, por isso entendo quando ela
parece ficar emotiva, mesmo que isso passe rapidamente. —
Obrigada — diz, afastando o toque e me dando um sorriso de canto.
— Ele é a sua família, Savannah, e estou muito feliz sabendo
como ele é bem-vindo nela — afirmo, recebendo um aceno da minha
chefe. — Falando em família, queria falar sobre isso. Conversei com
Indina e ela deu o aval, porém disse para te procurar primeiro antes
de acertar tudo — começo, cruzando os braços embaixo dos seios.
— Queria pedir uma semana de trabalho em casa, para ir para a
casa das minhas mães na semana do feriado de Ação de Graças nos
Estados Unidos e passar alguns dias com elas. Posso trabalhar de lá
normalmente, participar de reuniões e todas as demais coisas.
— Ah, claro, sem problemas — responde, apesar do cenho
franzido. — Alguma coisa aconteceu?
— Hormônios da gravidez e saudade de casa — comento com
um riso. — Faz bons meses que não vejo minha mãe Karen e meu
irmão mais novo. O combinado é que eles venham no Natal, mas…
— Não, está tudo bem. Se Indina permitiu a sua ida, não
havia por que eu negar. Só me preocupei que algo pudesse ter
acontecido entre você e meu irmão. Sei que não devemos misturar
as coisas, mas não posso evitar meus pensamentos — comenta com
seriedade. — Não quis ser intrometida.
— E não foi, fique tranquila — garanto a ela. — Obrigada. É
melhor eu voltar, para pegar as minhas coisas. Combinei de jantar
com Liam e ele irá passar para me pegar — conto, vendo novamente
seu sorriso singelo.
— Bom jantar para vocês dois — fala e começo a me afastar
após um aceno de cabeça. — Amelie?
— Sim?
— Nós duas deveríamos sair para jantar qualquer dia desses
— sugere e preciso controlar meu contentamento com o convite.
— Seria um prazer, Savannah — respondo antes de sair da
sala de reuniões.
Estamos nos aproximando do meio-dia e a feira está bastante
quieta agora. Tivemos uma grande agitação no começo da manhã,
mas com o passar das horas, tudo voltou a ficar calmo. Houve
algumas adoções e vi o rosto de Amelie ficar super contente a cada
bichinho sendo levado para um lar, o que me fez lembrar da nossa
conversa há dois finais de semana, sobre a sua vida dos sonhos.
Quando Savannah me falou sobre a feira de adoção, fiquei
empolgado com a ideia. Sempre tento participar dos eventos que
qualquer uma das empresas da Love Affair promove ou participa, é o
meu jeito de ser mais ativo, porque sou melhor lidando com eventos
do que com a burocracia dos escritórios. Quando Amelie me contou
que também participaria, isso pareceu o incentivo perfeito para que
eu ficasse ainda mais animado para trabalhar.
Passar mais algumas horas do meu final de semana com ela é
um bônus ótimo para o meu sábado, ainda mais depois que Amelie
aceitou meu convite de dormir no meu apartamento ontem para
virmos juntos hoje.
Brinco com um dos cachorrinhos dentro do cercado no
gramado do parque, caminhando em direção a ela, sentada nas
mesas com os computadores e tablets para fazer a efetivação dos
cadastros de cada adotante. Lance conseguiu uma vaga para ela
nessa parte, assim poderia ficar a maior parte do dia sentada, sem
se cansar devido à gravidez. Me deixa muito contente ver como
Amelie é recebida e cuidada na empresa, porque sei o quanto ela
está amando trabalhar na Perfect Pairing.
Paro na frente da ruiva e seus olhos sobem do celular para
mim. Está fazendo três graus hoje, apesar do sol finalmente ter
voltado a dar as caras em Toronto, e Amelie está com um casaco
grosso, protegida do frio, porém seu nariz e bochechas
avermelhadas a deixam com uma feição adorável.
— Veio adotar algum animal, senhor? — diz, me olhando com
seu sorriso travesso.
— Depende das condições, irá junto comigo para casa? —
brinco e ela ri do flerte, revirando os olhos.
Dou a volta na mesa, parando atrás de Amelie e me
inclinando para ganhar um beijo dela quando apoia sua cabeça em
meu abdômen.
— Para sua sorte, é o primeiro que me faz uma proposta tão
tentadora, então terei que aceitar — responde e fecho a cara,
entrando no papel de territorialista, apesar de ter uma pontinha
enciumada dentro de mim que é real.
— Que bom que não tivemos nenhum problema com caras
abusados, ou essa feira viraria um show de horrores — caçoo e
Amelie só ri ainda mais.
— Adote um cachorro e ganhe de brinde uma grávida de
vinte e sete semanas, inchada e com um péssimo humor matinal —
zomba, abrindo os braços, com as mãos dentro dos bolsos do
casaco, expondo a barriga escondida ali dentro, voltando a inclinar a
cabeça para me fitar.
— Bem, eu amo a minha grávida e meu filho que a deixa de
mau humor e inchada — comento, abaixando-me novamente para
beijar sua testa e sinto o momento em que as minhas palavras
atingem Amelie.
Não foi intencional, foi como falar qualquer outra coisa,
porque a verdade não é tão pesada em meus lábios e sai
naturalmente. Não espero nada em retorno, por isso não me chateio
com seu silêncio e os ombros tensos dela, sei que precisará do seu
tempo para processar a ideia das minhas palavras. A verdade é que
amo a nossa vida, amo a ideia de que, em breve, teremos nosso
filho em nossos braços, amo sonhar os sonhos dela e rir das piadas
que faz, além de fazer algumas para assisti-la rindo.
Amelie se transformou na minha parte favorita da minha vida
e me vejo sempre com vontade de voltar para casa, para vê-la,
dormir abraçado com seu corpo, conversar com nosso filho, ouvir
sobre o seu dia e sobre alguma novidade a respeito do time que a
mãe dela treina, ou sobre o novo emprego do irmão. Amo
compartilhar a vida com ela, todos os momentos.
— Irei buscar um chocolate quente para nós dois — digo,
quebrando o silêncio e tirando a pressão dela de precisar dizer algo.
— O maior tamanho possível, por favor — pede em um
resmungo esfomeado enquanto começo a me afastar até o trailer
vendendo bebidas quentes.
Não demoro para ser atendido depois de esperar na fila curta
e logo estou com nossas bebidas em mãos, voltando para a área do
parque onde a feira de adoção está acontecendo e percebo que
Amelie está atendendo um casal, com um cachorrinho no colo da
mulher e penso que será outra adoção concretizada com sucesso.
Entretanto, à medida que dou meus passos, percebo que não é bem
o contentamento padrão que está no rosto de Amelie.
Na verdade, a ruiva parece tensa na cadeira, fechando o
casaco com força, como se quisesse se proteger. Ela nem mesmo
está mexendo no tablet à sua frente, pegando os dados do casal
para o cadastro. Sua postura é dura, rígida demais como um animal
assustado querendo se defender. Amelie está tão focada no casal
que mal nota a minha aproximação ao seu lado e tento manter
minha expressão neutra.
O homem é um pouco mais alto do que eu, mas daria metade
do meu corpo, bastante magro, os cabelos são escuros, quase
pretos, penteados para trás, o rosto liso o deixa com a feição de um
cara recém saído da faculdade. Ele tem uma das mãos no bolso da
calça enquanto a outra se mantém ao redor da mulher. Essa, por sua
vez, tem cabelos castanhos com mechas loiras na ponta e ela é até
que bonita, bonita demais para o cara vestido como um playboy de
péssima categoria ao seu lado. Seu sorriso é forçado e sinto que ela
gostaria de sair daqui o mais rápido possível.
Basta um olhar mais atento para que eu ligue os pontos.
Nunca vi uma foto dele, mas tenho quase certeza de que o homem
magrelo na minha frente é Canaan, o ex-noivo de Amelie, e a
mulher ao seu lado deve ser a antiga amante e atual namorada,
também conhecida como uma das madrinhas do casamento
cancelado.
Coloco a mão no ombro de Amelie depois de deixar seu copo
térmico na mesa e ela parece sair do estupor, puxando o ar com
força e saindo da sua posição um tanto retraída. Não presto atenção
na conversa que acontecia antes de eu chegar, mas era algo a
respeito da feira. Canaan quer jogar conversa fora, porque como o
bom traidor, ele quer esfregar o seu relacionamento novo na frente
da sua ex traída.
— Trouxe seu chocolate — digo baixo para Amelie e ela pisca
algumas vezes, olhando para mim e sorrindo de canto, colocando a
mão por cima da minha e dando um aperto suave ali.
— Obrigada — sussurra de volta, colocando uma das mãos de
volta na barriga e agarrando o copo com a outra.
Mantenho minha mão em seu ombro de forma protetora
enquanto encaro o casal à nossa frente, deixando um sorriso falso
tão bem treinado plantado em meu rosto.
— Precisam de alguma ajuda? Posso mostrar a vocês alguns
itens para pais de pet de primeira viagem — falo, apontando para a
área mais à esquerda com a venda de produtos. Adoro esse papel
de bobo, porque o cara não compra e sabe que estou fingindo
simpatia, principalmente porque leva o olhar da minha mão
repousando em Amelie para o meu rosto e o caminho inverso
algumas vezes.
— Você é?
— Liam Spencer, um dos voluntários — respondo com
entusiasmo, irritando-o cada vez mais com meu jeito.
— Dono do abrigo? — indaga com certo desdém e isso irrita a
mulher embaixo de mim.
— Não, Canaan. E não haveria problema algum se ele
quisesse ser — Amelie responde com rispidez. Deixo um aperto em
seu ombro, incentivando-a a falar o que bem entender para tirar a
presunção da cara dele. — Liam é meu namorado.
O prazer dessas quatro palavrinhas é arrebatador, só não é
melhor do que a falha na expressão convencida de Canaan. Talvez
eu goste de uma disputa territorial, só não mais do que gostaria de
socar a cara desse idiota, porque estou fazendo um esforço
gigantesco enquanto tento afastar as lembranças de todas as coisas
que Amelie me disse, afastar tudo o que sei sobre as inseguranças
dela, receios que ele colocou nela sobre o seu corpo, seu
comportamento, suas roupas, sua capacidade como profissional.
— Namorado? — a mulher murmura, parecendo
impressionada e só então me lembrando da sua presença.
— Sim — confirmo, bebendo um gole do meu chocolate
quente e adorando ser o namorado troféu, por isso adiciono: — E
não sou o dono do abrigo. Na verdade, estou aqui junto aos
voluntários da Perfect Pairing, uma das empresas da minha
companhia.
Amo meu emprego como comissário, mas falar que sou dono
de uma companhia surte um efeito bem mais interessante em
idiotas como Canaan.
Um quarto dono, mas são detalhes.
— Companhia?
— Sim, o grupo Love Affair, dono de aplicativos como o PP, o
“Yes, List” e o “A Organizadora” — cito os nossos três principais,
mesmo tendo uma longa lista ainda. A garota fica impressionada
com a informação, provavelmente uma das usuárias dos nossos
aplicativos, mas o babaca volta com o seu sorrisinho debochado.
— O chefe de novo, Amy?
O apelido sai pela sua boca e me causa um arrepio enojado
no mesmo instante. Entretanto, o que ele desperta na minha grávida
é ódio, porque ela se inclina na mesa com um olhar que poderia
muito bem matar o filho da puta e me pego ansioso pela sua
resposta.
— Na verdade, Liam e eu nos conhecemos na França. Foi
uma viagem bastante produtiva para Bordeaux — provoca, com seu
sorriso maldoso no rosto.
Canaan parece chocado com a sua atitude e me olha, talvez
esperando que eu fosse, o quê? Repreendê-la? Mas continuo com
um sorriso cada vez mais orgulhoso nos lábios. Percebo que seus
olhos descem pelo corpo de Amelie e, com o movimento, ela deixou
sua barriga à vista, mas logo puxa o casaco novamente com raiva,
protegendo o nosso menino do olhar do filho da puta.
— Agora, posso dar continuidade no cadastro? — indaga e
sinto o tremor do ódio em seu tom.
— Acho que iremos pegar alguns brinquedos e roupinhas
primeiro — a mulher diz, puxando a mão do namorado para se
afastarem.
— Foi um prazer te ver de novo, Amelie.
— Não posso dizer o mesmo, Canaan — replica, bufando e
surpreendendo-o novamente pela má-criação.
No momento que eles estão na barraca com itens, me abaixo
ao lado de Amelie, segurando sua mão.
— Ei, que tal darmos uma volta? — sugiro e ela respira fundo,
ainda com muita raiva, demorando a suavizar seu olhar em minha
direção.
— Em qualquer outro dia, eu nunca daria esse gostinho para
aquele idiota, nunca o deixaria pensar que me afetou, mas só
porque sei que essa vontade de matá-lo que está dentro de mim
não é bom para o meu filho, eu irei — responde e preciso controlar
meu riso, com medo de que a vontade de matar alguém seja
transferida para mim.
Amelie segura a minha mão e a guio pelo parque até
chegarmos em uma parte mais afastada da feira, mando uma
mensagem rápida para Savannah, explicando que precisamos sair e
logo voltaremos. Paro na frente da ruiva e ela ainda respira fundo,
esvaindo sua raiva até se transformar em mágoa e vejo claramente
o momento em que percebe como foi uma atitude horrível dele
resolver querer conversar com ela. Canaan podia ter passado reto,
somente a sua presença já incomodaria Amelie, mas ele precisou
fazer mais, humilhá-la um pouco mais. Ou tentar.
— Me desculpa, eu… — ela começa, porém puxo-a para os
meus braços, envolvendo-a em um abraço apertado enquanto seu
rosto se afunda em meu peito. — Eu não sei o que deu em mim.
Não deveria ter dito nada, não queria te usar, eu…
— Só para constar, pode me usar sempre que quiser, meu
anjo, principalmente para tirar a satisfação do rosto do filho da puta
do seu ex-noivo traidor — sussurro em seu ouvido, beijando seus
cabelos em seguida. — E sinto muito que tenha cruzado com ele de
novo — digo, segurando seu rosto entre as mãos quando ela se
afasta e me fita com os olhos marejados.
— Por que você precisa ser sempre tão perfeito? Faz com que
seja bem difícil não te amar também — comenta baixinho, deixando
as palavras escaparem e fazendo todo o restante sumir. O parque,
as pessoas, o seu ex idiota e a nova namorada dele. Não é como se
tivéssemos dito as três benditas palavras diretamente um para o
outro, mas é um novo passo para nós dois.
— Fico feliz que esteja apreciando, dou o meu melhor —
brinco, querendo fazê-la rir e assim consigo.
— Pois saiba que está sendo ótimo nesse papel — replica e
me inclino, tomando seus lábios nos meus rapidamente, mas logo
sua expressão vacila um pouco, com as lembranças voltando.
Não quero que ela se sinta culpada ou que reserve seus
pensamentos para uma pessoa tão odiosa quanto Canaan. Ele é
uma das piores pessoas que já tive o desprazer em cruzar se é o
tipo de cara que trai uma mulher incrível que estava disposta a doar
o próprio futuro por ele e, depois de tudo, ainda se achar no direito
de querer continuar a humilhá-la.
— Sabia que existem árvores com mais de quinhentos anos
nesse parque? — indago, distraindo-a sem que ela precise me pedir
por isso.
— Isso, com toda a certeza, é mentira — rebate, revirando
seus olhos lindos.
— Não deveria ficar duvidando do seu guia turístico favorito,
mon ange.
Entretanto, ela mantém um sorriso de canto, um
agradecimento silencioso pela mudança de assunto, mudando o
rumo dos seus pensamentos, antes de enlaçar seu braço no meu e
começo a dar à Amelie um pequeno tour de curiosidades sobre os
parques da cidade.
Passo a mão pela minha barriga, suspirando enquanto
observo a neve cair, deixando as ruas do bairro pacato das minhas
mães em Portland banhadas pelos flocos brancos. O cobertor por
cima dos meus ombros me deixa aquecida, assim como a lareira da
sala de estar, mas tenho um incômodo frio no peito que passa longe
de ser causado pelas temperaturas baixas do lado externo.
Cheguei ontem de manhã nos Estados Unidos, depois de um
voo demorado de Toronto para cá. Liam fez um drama fofo antes de
me deixar ir, me abraçando e me beijando inúmeras vezes, falando
que podia ligá-lo a qualquer momento. Foi ele quem organizou a
minha passagem e achei muito interessante essa parte de namorar
um comissário, mas estive presa demais em minha própria mente
desde sábado para refletir sobre todas as maravilhas a respeito de
chamar Liam Spencer de namorado.
Solto outro suspiro, ainda observando a neve cair do lado de
fora. Estamos na última semana de novembro e logo a neve também
dominará Toronto por completo até meados de janeiro ou até
mesmo fevereiro. Gosto da sensação dos pequenos flocos tocando a
minha pele, gentilmente caindo em meu rosto e o molhando.
Escuto alguns passos se aproximando e não preciso de muito
para saber que é Louis, com seus passos pesados mesmo com as
meias. Ele tem o mesmo hábito desde criança, andando de meias
pela casa e deixando nossas mães malucas por causa da sujeira.
— Estava tocando de novo — diz, sacudindo o celular na
minha frente e respiro fundo, pegando-o e colocando de lado. — Por
que não o atende?
— Irei retornar depois — respondo, mas meu irmão não
compra a desculpa, me fitando com o cenho franzido.
Louis puxa as minhas pernas, sentando-se comigo no sofá ao
lado da janela e as coloca novamente esticadas, agora em seu colo.
Ele ajusta a coberta em seu corpo e cedo um pouco para ele,
dividindo minha fonte de calor com meu irmão mais novo. Olho
para seu rosto, percebendo que ele ainda parece o mesmo
adolescente petulante de sempre, o mesmo cara que eu amo muito
desde que era apenas um bebê, mesmo com o corte bem curto nos
cabelos castanhos-escuros, o que não deixa nenhum cacho à vista.
Ele me alcança, segurando minha mão na sua. Louis e eu
sempre fomos unidos, sempre tivemos que contar um com o outro,
mesmo antes de conseguirmos encontrar as nossas mães. Meu
irmão me conhece como a palma da mão e vice-versa, sempre nos
defendemos, nos acolhemos e desabafamos um com o outro. Ele é
meu primeiro melhor amigo, sempre foi e sempre será.
— Conversa comigo, Ames. O que aconteceu? — pergunta
com gentileza, acariciando o dorso da minha mão.
— Só estou um pouco cansada. A viagem foi longa ontem e
acho que ainda estou um pouco atrasada pelo fuso horário — minto,
até porque, a diferença de Portland para Toronto são somente três
horas.
— Pensei que estivesse bem com Liam — comenta, tentando
mais um pouco.
— Estamos bem. Prometo que não estou mentindo —
garanto. — Liam é um cara incrível e será um pai maravilhoso. O
problema não é ele.
— Então há um problema? — replica, não deixando passar
minhas palavras.
— Estou me sentindo insegura — admito e meu irmão franze
as sobrancelhas. — Fui pega de surpresa pela gravidez, me sinto
meio atrasada, me sinto perdida na situação ainda. Eu perdi a vida
que conhecia, a minha monotonia que sempre pensei apreciar e fui
jogada para uma vida completamente diferente. Não estou falando
que não gosto disso, mas me sinto insegura.
— Não posso te culpar por estar se sentindo perdida.
Começou o ano com um casamento marcado, um emprego de
alguns anos e um noivo. Está terminando o ano grávida, namorando
um novo cara e em um emprego diferente. Tudo isso aconteceu
rápido em sua vida. Mas por que se sentir insegura? — pergunta de
forma honesta, com a confusão presente em seus olhos.
— Porque talvez eu seja uma péssima mãe, porque ainda não
sei se realmente mereço esse emprego ou se estou lá porque agora
estão com dó de me demitir, porque acredito que Liam mereça uma
pessoa menos confusa e cheia de receios por causa do passado ao
seu lado — recito alguns dos meus medos, despejando tudo em
cima de Louis, que permanece em sua calmaria habitual em
momentos como esse.
Normalmente, sou eu que dou conselhos, como a boa irmã
mais velha que tento ser. Entretanto, quando preciso desabafar e de
algumas palavras amigas, ou quando preciso somente ser ouvida por
alguém para clarear meus pensamentos, ele sempre está disposto a
me oferecer seu colo.
— Primeiro, se não tivesse ao menos um momento de surto
pensando que seria uma péssima mãe, ficaria preocupado —
comenta, me arrancando um riso anasalado. — E tenho certeza de
que será uma ótima mãe, como sempre foi uma ótima irmã. Você é
humana, Ames, pode errar um pouquinho e dar o seu melhor para
remediar as situações ou para dar conta de tudo.
Esse é um pensamento que tenho bastante dificuldade de
digerir, talvez seja por isso que Louis começa o seu monólogo com
ele. Sei que posso errar, mas quero sempre fazer tudo ser perfeito
de primeira. Talvez tenha sido justamente por isso que errei tantas
vezes ao longo do caminho, porque a busca incessante pela
perfeição faz com que os erros se tornem ainda maiores e mais
fáceis de serem cometidos.
Meu bebê não é um erro, ele é um dos maiores acertos da
minha vida atualmente, é o meu recomeço em forma de um
serzinho que dependerá de mim, por isso quero tanto ser uma boa
mãe para ele. Tenho assistido a vídeos, lido livros e até mesmo
procurado alguns artigos na internet a respeito do assunto, mas e se
isso não for nem um pouco suficiente para me ajudar na
maternidade? Sei que tenho o apoio da minha família, mas existe
uma pressão que coloco constantemente em meus ombros para dar
conta sozinha.
— Se eles quisessem te demitir, te demitiriam. Está em uma
empresa enorme e apesar deles serem gentis, ainda são uma grande
corporação que precisa de funcionários que façam seu trabalho. A
CEO destinou a você um grande cargo e antes mesmo de descobrir
sobre a sua gravidez, ela já estava satisfeita com o seu trabalho. A
chefe do setor confia em você, está se adequando a tudo. É claro
que merece esse emprego, Amelie — continua.
— Sei que é tosco pensar assim, só que passei tempo demais
trabalhando em uma empresa que era básica, que fazia o mesmo
trabalho todos os dias, durante quase três anos. A PP é cheia de
inovações, Indina adora ouvir novas ideias, Savannah parece sempre
disposta a testar algo novo, a nos ouvir quando temos sugestões —
digo, deixando minha ansiedade fluir em forma de palavras. —
Tenho receio de não ser o suficiente porque tudo parece tão incrível
enquanto eu me sinto tão pequena e medíocre para tudo o que tem
acontecido comigo.
Louis sorri, me fitando como se eu fosse ingênua e estivesse
falando um amontoado de estupidez, o que talvez eu esteja fazendo,
mas aprecio a paciência do meu irmão em me ouvir.
— E, sobre Liam, não sei o que posso dizer, mas sinto que
tem um medo bobo. Ele parece feliz ao seu lado, Amelie. Sei que o
passado deixa marcas e que relacionamentos antigos machucam um
ponto em nosso coração que não conseguimos remediar, mesmo
querendo muito, mesmo acreditando que o tempo cura as feridas —
diz e sei que, se tratando de relacionamentos passados e dores,
Louis entende bem, ainda que o relacionamento dele com Addy, sua
ex e única namorada, não tenha dado certo por infinitos outros
fatores, muito diferentes do que o meu e do Canaan. — O tempo
não fecha todas as feridas, mas não significa que não devemos
tentar de novo. Se desistirmos na primeira vez que caímos de
bicicleta, nunca conheceremos a delícia que é pedalar contra o
vento, sentindo a brisa em seu rosto.
— E se eu não souber como recomeçar? — pergunto em um
sussurro, com a voz embargada e meus olhos embaçados.
— Existe algum manual que nos explica todos os caminhos
que devemos seguir para conseguir recomeçar? — rebate e dou um
aceno, negando, como uma criança assustada compreendendo sobre
o mundo. — Então como pode pensar que não saberá o caminho
para recomeçar? Só conseguirá fazer isso… fazendo — frisa,
soltando um suspiro.
Fungo, deixando que as lágrimas escorram pelas minhas
bochechas e que Louis as limpe com a ponta dos dedos, acolhendo
meu choro.
— O que mais não está me contando, minha ruivinha?
— Encontrei Canaan no final de semana. Ele foi à feira em
que estávamos sendo voluntários — conto. — Não é como se eu
ainda sentisse algo por ele, porque não sinto, mas foi estranho e
foi… Não sei, foi como se ele estivesse ali de propósito, na minha
frente, com a mulher com quem me traia. O sorriso de escárnio, o
deboche em seu rosto, a satisfação em se exibir. Acho que fui
ingênua em pensar que haveria certo respeito, mas desde então,
tenho me questionado até que parte tudo aquilo não foi de
propósito, não só a visita dele à feira, mas a traição, ele pedindo
para que ela fosse uma das minhas madrinhas, tudo. Até que ponto
o sadismo dele não o levou a rir pelas minhas costas a cada vez que
eu concordava e abaixava a cabeça, que permitia que ele dissesse
como eu deveria me vestir ou agir? Até que ponto eu não era só
mais uma piada engraçada que ele gostava de manter por perto?
— Amelie…
— Não, Lou, não quero que tente defender o meu
relacionamento com ele — peço, segurando suas mãos e olhando
com atenção para ele. — Ele só pareceu uma pessoa tão diferente
do que era, ou do que eu fantasiava que ele era e não pude evitar o
pensamento de que não quero ser machucada de novo, porque
ainda não me curei de todas as feridas antigas. Nem mesmo
consegui distinguir todas elas ainda, achá-las para tentar começar a
pensar em curá-las.
— E acha que Liam iria te machucar?
— Não, claro que não. Mas e se eu machucá-lo? Ele tem as
próprias feridas, o próprio passado, não quero fazer o papel da
pessoa que machuca — explico meu pensamento. — Não quero que
as minhas partes quebradas o cortem.
— E se ninguém for machucar ninguém, Ames? — pergunta
de forma retórica. — Os relacionamentos saudáveis funcionam
assim, não precisa haver um lado que dói e um que crava a faca.
Não há certo e errado, há adultos e diálogos, há compreensão. Olhe
para as nossas mães, elas têm um relacionamento sem que ninguém
se machuque — afirma. — Não são perfeitas, vimos Jenny e Karen
brigarem ao longo dos anos, mas elas se escutaram depois,
tentaram dialogar e achar o meio do caminho, a compreensão.
— Acho que vivi tanto o oposto disso que não consigo
fantasiar esse conto de fadas — brinco, soando triste ao proferir
essas palavras. — Acho que o encontro no final de semana me
deixou pensando sobre como tudo deu errado na minha vida e que
talvez eu não seja capaz de fazer dar certo.
— Acredito que já tenha começado a fazer dar certo, só não
percebeu ainda — replica, inclinando a cabeça para o lado do seu
jeitinho presunçoso e talvez ele tenha mesmo razão. Fungo
novamente, afastando de vez as lágrimas. — Nem sempre precisa
ser preenchido por dor, às vezes pode haver somente coisas boas, e
você merece um cara que te traga a segurança das coisas boas. Se
Liam não for esse cara, tudo bem, não precisam ficar juntos só pelo
bebê. Mas, se ele for, por que não vale a pena tentar um pouco
mais? Por que não continuar na procura pelo caminho do meio? Sem
a perfeição exacerbada do conto de fadas, mas também sem a
violência de um relacionamento que machuca.
— Eu acho que Liam é o cara certo, o cara que traz
seguranças e todas essas coisas boas — replico. — Só estou com
medo demais de perceber o quanto quero isso para mim, ele, a
segurança, essa vida. Talvez eu esteja com medo de aceitar essa
vida tranquila com medo das turbulências, por causa do meu
histórico.
— Tudo bem ainda estar um pouco quebrada, mas não deixe
de viver ou se impeça de receber esse afeto bom quando chegar.
Não tenha tanto medo a ponto de afastar as boas oportunidades —
comenta e dou um aceno, digerindo todas as suas palavras.
— Obrigada por me ouvir — digo, me inclinando para abraçá-
lo com força.
— Sabe que sempre estarei aqui por você — responde,
beijando minha bochecha.
E realmente sei, essa segurança de ter a minha família ao
meu lado me ajudou a encarar toda a situação da gravidez com mais
tranquilidade, mesmo quando Liam a rejeitou no começo de tudo.
Ter minhas mães comigo, me apoiando e dando o suporte e amor
que sempre me dão, saber que sempre terei Louis para me ouvir, me
acolher e me compreender, fez com que eu sempre tivesse a
segurança de ter um lugar para voltar. Por isso, absorvo as palavras
do meu irmão, porque também quero poder ter essa certeza com
Liam, sem as inseguranças que me bloqueiam, sem os medos que
me retardam do meu possível final feliz.
— Eu não diria que é maluco, talvez um pouco apaixonado
demais — Carter fala no telefone e sei que ele deve estar se
arrumando para ir trabalhar. — Na verdade, é maluco, sim. Topou
um voo no feriado só para conseguir ir para o Oregon, não
desperdiçaria a minha folga no feriado por nada nesse mundo, ainda
mais no de Ação de Graças estadunidense.
— Nem por Claire? — indago de volta, atravessando a rua e
sabendo que estou próximo.
— É, aí você me complicou, caro amigo, porque talvez eu
enfrentasse um voo turbulento pela minha linda esposa — responde
com um riso. — Você realmente gosta dela, não é? Ela é a sua
garota de verdade.
— Eu espero que ela queira ser a minha garota de verdade,
porque, sim, eu gosto muito dela. Amelie é a mulher com quem eu
gostaria de passar todos os meus dias juntos, é a mulher com quem
quero criar uma família, encher uma casa, dormir e acordar ao lado
dela, todas essas coisas clichês — replico.
— Isso daria uma ótima cena em um dos meus filmes de
romance que você ainda não aprendeu a apreciar — caçoa. — Está
fazendo a coisa certa, sendo assim.
— Espero que eu esteja — comento, ainda me sentindo um
pouco inseguro quanto à minha atitude.
— Mas preciso desligar agora ou o próximo atraso será por
falta de piloto — diz, soltando um grunhido e imagino que ele esteja
colocando a sua mochila nas costas e ouço um farfalhar de
movimentos.
— Boa viagem, Carter.
— Boa sorte, Spencer — responde antes de desligar e me
pego desejando que eu não precise de sorte para o que estou
prestes a fazer.
Desde o nosso encontro com seu ex, no sábado, Amelie tem
estado estranha. Não se afastou, mas parece incrivelmente distante
em todas as nossas conversas e voltamos às monotonias enquanto
ela me dizia que estava ocupada trabalhando e percebi, depois da
segunda vez que perguntei, que ligações estavam fora de questão.
Suas mensagens são distantes, com grandes intervalos e, até aí, eu
estava acreditando que era uma questão familiar.
Ela veio visitar a família no Oregon depois de muitos meses
sem vê-los, achei que seria compreensível que estivesse desligada
do celular para aproveitar as mães e o irmão. Entretanto, quando
indaguei Savannah, querendo tirar essa pulga atrás da orelha, minha
irmã me disse que estava tudo normal entre as duas, que tem virado
amigas para além da relação chefe/funcionária. Amelie claramente
mentiu para mim quando disse que estava tudo bem entre nós dois,
mas acho que sei e compreendo seu motivo.
Por isso, aqui estou eu, utilizando o endereço que Marjorie
me mandou no começo da semana, quando o pedi para enviar um
presente para Amelie. Não deixaria meu filho nascer com cara de
yakisoba só porque a mãe dele é teimosa demais para se conceder
os desejos. Ganhei uma foto que fiquei apreciando pelo restante da
noite dela com a caixinha apoiada na barriga, comendo de olhos
fechados e provavelmente soltando alguns gemidos de apreciação.
E também por esse mesmo motivo, mudei a minha escala do
final de semana para conseguir trabalhar em um voo para Portland e
passar dois dias aqui antes de voltar para Toronto e lidar com uma
semana muito cheia de idas e vindas.
Paro no meio da quadra, olhando para a casa bonita e
conferindo o número pela terceira vez com o endereço em meu
celular. Pelo mapa que deixei aberto, estou no lugar certo e estou
torcendo para que Amelie esteja aqui. Dois sedans estão
estacionados na garagem da frente da casa, com uma fina camada
de neve por cima deles.
As mães de Amelie moram em um dos bairros residenciais da
cidade, com uma casa simples, mas bonita. Sei que uma delas é
uma antiga jogadora de futebol e hoje em dia treina algumas
equipes de base, enquanto a outra é corretora imobiliária, sei seus
nomes e não muito mais do que isso, o que me faz pensar que
deveria ter feito as minhas pesquisas antes de aparecer aqui. E
também me faz pensar que posso ser chutado para fora dessa casa
rapidamente por qualquer uma delas, ou pelo irmão mais novo,
Louis.
Respiro fundo, criando coragem para dar alguns passos,
guardando o celular no bolso da calça e apertando o casaco ao meu
redor. Como um hábito, preferi conhecer um pouco da cidade,
optando pelo transporte público até o ponto mais próximo e
caminhando o restante das quadras. Sei que é um hábito que pode
ser perigoso, mas adoro poder adicionar uma nova cidade à lista das
que conheço ao menos meia dúzia de ruas.
Chego em frente à porta, olhando para a aldavra
ornamentada com estranhamento antes de apertar o botão da
campainha. Ouço o som reverberar lá dentro e aguardo paciente,
tentando não parecer tão nervoso. Alguns passos ressoam,
aproximando-se da porta até que a mesma seja aberta por uma
mulher e, pelas fotos, percebo que essa é a mãe Karen. Ela tem
cabelos ruivos, parecidos com os de Amelie até, é baixa, apesar da
postura confiante acrescentar alguns centímetros nela.
Karen Robinson foi uma das mais famosas jogadoras dos
Estados Unidos e chegou a ganhar uma Copa do Mundo com a
equipe antes de se machucar gravemente e não poder mais entrar
em campo dessa forma. Amelie me contou que, logo em seguida, a
mãe começou a fazer cursos e estudar, o que a fez mudar para o
Canadá com a primeira oferta de emprego como treinadora e até
mesmo treinou a seleção canadense antes de retornar para o seu
país de origem, casada e com dois filhos.
Ela parece bem mais jovem do que imaginava e do que as
fotos deixam transparecer.
— Boa tarde — diz, quebrando o silêncio e arqueando uma
sobrancelha em minha direção, provavelmente notando a minha
pequena análise.
Pigarreio, tentando me recompor. Essa é a minha primeira
conversa com a minha sogra, é melhor que eu não acabe
estragando tudo antes mesmo de começar.
— Boa tarde, senhora Taylor-Robinson — cumprimento-a. —
Sou Liam Spencer, o…
— Eu sei bem quem é, garoto — rebate com um riso, como
se me achasse bobo por achar que ela não me reconheceria.
Fico um pouco sem graça, acho que o meu jeito não funciona
tão bem assim com todas as mulheres dessa família. A questão é
que me sinto um pouco perdido, sem saber o que falar em seguida.
Vim até aqui, mas só planejei essa parte do plano, não pensei o que
diria. Treinei meu monólogo para Amelie, porém esqueci de contar
com o fato que, talvez, não fosse ela a me receber na porta.
— Amelie está? — consigo perguntar, cerrando as mãos em
punhos dentro dos bolsos do casaco, tentando conter minha
ansiedade.
— Ela saiu — fala, vacilando em sua confiança por meros
segundos e relaxando os ombros. — Ela foi com Louis e minha
esposa ao mercado, eles acabaram de sair — complementa.
Abro e fecho a boca, sem saber o que dizer agora. Acho que
o meu plano tinha muitas falhas, mas ainda não estou pronto para
admitir o quanto a minha ideia pode ter sido a pior do mundo.
Chegar de surpresa, sem um mísero aviso? Poderia ter sido
romântico, todavia, virou um pequeno fracasso. Exaspero um “ah”
como se isso fosse fazer uma nova ideia brilhar em minha mente e
me ajudar a resolver tudo.
Karen dá um pequeno riso, dando um passo para trás e
deixando que eu entre antes de fechar a porta, me acolhendo no
calor da sua casa. Estou no hall de entrada, com inúmeros casacos
pendurados e botas deixadas em cima do tapete, consigo ver a sala
à esquerda, a cozinha mais atrás, uma porta fechada há alguns
metros de mim e um corredor um pouco mais à direita.
— O que está fazendo em Portland, Liam? — indaga,
cruzando os braços com um sorriso de canto, achando graça da
minha expressão perdida.
— Eu… — gaguejo, porque não sei. Não sei o que vim fazer
aqui, porque resolvi passar horas em um voo cheio de passageiros
insatisfeitos demais com tudo para chegar em Portland, uma cidade
que mal conheço. — Eu precisava falar com Amelie.
— Existe uma ótima tecnologia que utilizamos para isso hoje
em dia, se chama telefone celular — brinca, me arrancando uma
risada. — Infelizmente, não sei se eles irão demorar ou voltarão
logo, Jenny queria passar no centro da cidade e comprar um
presente para a nossa sobrinha, talvez leve algum tempo para
voltarem — comenta e dou um aceno, deixando meus ombros
caírem em resignação.
— Acho que talvez seja melhor eu usar as novas tecnologias e
mandar uma mensagem — digo, levantando os ombros.
— Ela vai gostar de saber que está aqui — diz e não consigo
evitar uma careta, porque não tenho tanta certeza disso. — Você é
um bom homem, Liam, Amelie sabe disso tanto quanto eu sei, bem
mais, na verdade.
— É isso que torço todos os dias, que ela perceba que posso
ser um cara bom, o cara certo — deixo escapar, vendo seu sorriso
crescer aos poucos.
— Você a ama? — questiona quando começo a me perguntar
se não está na hora de eu tomar o meu rumo para fora da casa.
— Como? — replico, confuso com a pergunta.
— Você a ama? — indaga novamente. — Ama Amelie ou só
acredita que isso é a coisa certa a se fazer? Porque minha filha
merece alguém que a ame de verdade, Liam, sem meias sentenças
ou dúvidas.
— Acho que muito mais do que eu consigo mensurar, ou do
que sou capaz de reconhecer. Parece algo que se tornou tão
intrínseco em mim que mal consigo raciocinar sobre o sentimento, e
me pego com saudade dela, do seu jeito, da sua risada, do seu
sorriso, da forma como franze a testa quando fica confusa. Me pego
com saudade do tom da sua voz ao me contar sobre o seu dia, ao
brigar comigo e ao falar que sou bobo depois que conto uma piada
ruim. Acho que, à medida que passo os meus dias longe dela,
percebo o quanto esse sentimento é ainda mais presente aqui
dentro — respondo sem hesitar. — E entendo seus receios, senhora
Taylor-Robinson, porque, realmente, sua filha só merece uma pessoa
que a ame por cada detalhe e também pelo todo, pela essência
bonita que há dentro dela, além do que pode ser apreciado do lado
de fora. Por isso, espero conseguir fazer com que ela enxergue que
posso ser o cara certo, se ela quiser que eu seja, porque sei que ela
é a certa para mim.
— Bem, eu também espero que ela possa perceber que pode
ser o cara certo — responde, parecendo satisfeita com o meu
monólogo. — Não quero mais tomar o seu tempo, prometo que irei
avisar à Amelie que esteve aqui assim que ela chegar.
— Obrigado, e foi um prazer conhecer a senhora, mas espero
alguma apresentação mais formal no futuro — brinco.
— Eu também, Liam, eu também — diz, abrindo a porta
novamente para me dar passagem.
Entretanto, assim que chego ao batente, uma pick-up preta
estaciona rente à calçada e um cara, um pouco mais novo do que eu
e provavelmente alguns centímetros mais alto, com a pele negra e
os cabelos em um corte quase militar, desce pela porta do motorista,
abrindo a de trás para pegar algumas sacolas de uma rede de
supermercados. Ele sorri, parecendo simpático, com o nariz um
tanto avermelhado enquanto se aproxima.
— Eles só tinham dois pedaços de salmão no freezer, tudo já
tinha acabado, mãe — diz, conversando diretamente com Karen ao
meu lado. — Ei, eu conheço você — comenta com os olhos
prestando atenção em mim pela primeira vez.
— Liam Spencer — me apresento, não estendendo a mão, já
que as dele estão cheias de sacolas. — E você deve ser o Louis.
— Sim, é um prazer — responde. — Veio falar com Amelie?
Do Canadá até aqui? — questiona com uma pitada de brincadeira.
— Quis fazer uma surpresa, mas ela não está em casa — falo,
mesmo que tenha percebido que isso é uma mentira.
Se Louis chegou sozinho, Amelie veio de avião para Portland e
há dois carros na garagem, o resultado dessa conta é que ela e a
outra mãe estejam em casa, possivelmente escutando a minha
conversa com Karen em algum lugar. Esta, inclusive, parece sem
palavras ao ser pega na mentira, enquanto Louis franze o cenho,
mas não desmente a história.
— Bem, foi um prazer conhecer vocês e ficaria agradecido se
pudesse dizer à Amelie que estou na cidade — digo, voltando meu
olhar para Karen. — Ela sabe como me procurar e, de qualquer
forma, estou ficando no Hotel Capri, 1304 — comento com calma. —
Bom final de semana para vocês.
— Foi um prazer, Liam — Louis responde, uma vez que a mãe
segue um pouco entorpecida, sem dizer muita coisa além de um
“tchau” e me dar um aceno enquanto saio do seu quintal.
Agora, ficará a cargo de Amelie descobrir se quer ou não me
procurar e escutar o restante do meu monólogo, porque esse eu
tenho bem melhor ensaiado em minha mente.
Tento não parecer tão nervosa enquanto ando pelo saguão do
hotel, caminhando até o elevador e agradeço por não precisar de um
cartão de acesso para colocar a máquina para funcionar, subindo até
o décimo terceiro andar. Respiro fundo, pensando nas palavras de
Liam há algumas horas, parado no batente da porta da casa das
minhas mães, enquanto eu temi encontrá-lo.
Se o seu intuito era me surpreender, pois assim ele o fez.
Estava sentada na sala de estar lendo quando sua imagem
apareceu, caminhando pela calçada. A confusão me atingiu, assim
como a insegurança, sem saber o que fazer e como recebê-lo. Por
isso, preferi me esconder como uma covarde, descobrindo o motivo
da sua vinda para Portland antes de conversar com ele. Não deveria
estranhar, apesar de não pensar que ele atravessaria o país para
descobrir o que estava acontecendo.
Liam é preocupado, atencioso demais, não é estranho que
tenha pensando que há algo errado comigo e queira acabar com
qualquer paranoia minha antes de tudo piorar. Louis chegando
sozinho o fez provavelmente ter a certeza de que eu escutava a
conversa dentro de algum dos cômodos da casa e pensei que seria
bobagem esperar mais do que algumas horas até tomar a coragem
necessária para vir até aqui.
Se Liam pode encarar um longo voo para me dizer o quanto
torce para que eu compreenda que ele está tentando ser o cara
certo, então acho que merece que eu diga para ele o quanto antes
que essa é a maior certeza que tenho no momento. Entretanto, o
problema não é ele ser o homem certo, passa bem longe disso.
Saio do elevador, lendo as placas de sinalização antes de
apertar o casaco junto ao corpo, um hábito nervoso para tentar
distrair a minha mente quando tomo o corredor à direita,
caminhando até a suíte que Liam está hospedado. 1304, paro em
frente à porta de madeira escura, com a fechadura elaborada e
fecho a mão em punho, abrindo e fechando os dedos, nervosa
demais para bater logo de cara.
O que irei dizer? Fiquei tão atordoada com as palavras dele
que não pensei ao certo em qual discurso faria quando
conversássemos.
Balanço a cabeça, afastando meus pensamentos, tentando
não me preocupar. Liam sempre disse que eu deveria confiar no
destino, mas acho que minha fé andou bastante abalada nos últimos
dias. Minha fé de que tudo dará certo, de que existe algum futuro
bonito nos aguardando, de que posso ser a pessoa certa, de que
não irei ficar assim para sempre, que conseguirei me desvencilhar do
meu passado.
Bato na porta em um impulso, não querendo preencher
minha mente ainda mais, porque não quero que meus medos me
façam dar meia-volta e desistir de ter essa conversa hoje. Escuto
alguns passos estalando pelo piso vinílico, a tranca sendo desfeita e
então a porta é aberta, revelando Liam com as mesmas roupas de
mais cedo, exceto pelo casaco grosso que dá lugar a um suéter
cinza. Ele entreabre os lábios, como se buscasse por palavras. Talvez
também não acreditasse que eu estaria aqui tão cedo, ou temesse
que eu não apareceria em nenhum momento.
— Oi — digo, tentando soar audível, apesar de sair como um
sussurro ansioso.
— Oi — responde, abrindo o sorriso de sempre e dando
espaço para que eu entre na suíte.
— Para alguém que me deu instruções de como achá-lo,
parece um pouco surpreso — brinco e Liam levanta os ombros.
— Estava acreditando que viria somente em forma de
mensagem — comenta e então o silêncio se faz presente, voltando a
me deixar angustiada enquanto ficamos frente a frente e fujo do seu
olhar. — O que aconteceu? Você falou que está tudo bem entre nós
dois, mas eu sei que não está, Amelie. Conversa comigo.
Seu tom calmo tem uma ponta de desespero e preocupação.
Como se, no fundo, ele implorasse para que eu lhe dissesse a
verdade e gosto da falta de rodeios, porque ambos sabemos que
não estamos aqui porque queremos trocar amenidades. Liam não
viajou horas para passar por Portland ou ouvir sobre o meu dia, veio
aqui para compreender o que está acontecendo. E é isso que ele
merece, por isso dou um passo para frente, tocando seu rosto.
— Não é justo que você precise entrar na minha bagunça. Sei
que me pediu para te entregar meus sonhos e meus medos, mas
meus receios são muitos e não é justo que você seja empurrado
para dentro desse furacão, não quando você merece alguém que
seja… — suspiro, sorrindo de canto enquanto fito cada pedaço do
seu rosto. Ele merece uma garota tranquila, ainda que me doa
admitir isso. — Você é o cara legal e queria tanto ter te conhecido
antes, quando eu era só a garota legal também, quando não era tão
bagunçada, quando não tinha esse peso de ser insuficiente em cima
dos meus ombros.
— Você não é insuficiente — sussurra e acaricio suas
bochechas. — Não é justo com você também, meu anjo. Não é a
única que tem um passado feio e sabe bem disso, sabe tanto a
ponto de ter tido o gosto de todas as cicatrizes que o meu passado
me deixou, a ponto de eu ter te culpado por causa das coisas que
aconteceram há anos. Você me viu no meu pior, porque mostrei esse
lado para você quando não merecia ter provado do veneno que
apodrece meu peito, mesmo assim provou e foi capaz de me
perdoar.
— E mesmo assim, aqui estou eu, basicamente fazendo o
mesmo — murmuro, brava comigo por isso, apesar de fazê-lo não
intencionalmente. — Colocando em você uma culpa que não é sua,
fazendo você pagar pelos meus erros antigos, por inseguranças
passadas.
— Não está me fazendo pagar por nada, é por isso que
preciso que converse comigo — suplica. — Não fuja de mim, por
favor. Não posso suportar quando você foge, quando se esconde de
mim, quando se afasta dessa forma. Preciso que fique, prefiro que
brigue comigo, que grite, que me bata, que qualquer coisa. Prefiro
que a gente fique horas no silêncio, juntos. Por favor, não foge de
mim, porque quando você se afasta assim, a única coisa que fica é
um vazio e a incerteza. Se acha que não passa de uma grande
bagunça, então preciso te dizer que prefiro mil vezes que bagunce a
minha vida, que a coloque de cabeça para baixo, meu coração é seu
para que faça isso, mas te peço para não fugir de mim. Podemos
fazer tudo isso, passar por tudo isso, contanto que a gente fique
junto.
— Liam… — murmuro, sem saber ao certo como dar
continuidade para essa frase, sem saber pelo que eu peço. Suas
mãos seguram meu rosto, como se tentasse me dar ainda mais
segurança das suas palavras.
— Sei que tem esse medo irracional de não ser o suficiente,
de não merecer as coisas boas, mas você merece, Amelie. Se ao
menos pudesse ver tudo o que eu vejo desde o primeiro dia. Se
você é uma bagunça, então é a bagunça mais organizada que
conheço, porque não há nada em você que não me diga que é a
pessoa certa. Quando você ri, me lembra o porquê faço piadas
bobas; quando suspira depois de comer algo gostoso, me faz
esquecer que talvez eu tenha andado alguns quilômetros para
encontrar aquele prato — brinca, me arrancando um riso baixo. —
Não é justo com nenhum de nós dois as coisas que nos aconteceram
no passado e, ainda assim, aqui estamos nós. Eu odeio o seu
passado e queria muito poder desfazer todas as suas dores, mas
não posso fazer isso. O que posso fazer é te mostrar que não sou
como ele, assim como compreendo que você não é ela, que nossa
família não tem nada a ver com o passado.
— Me desculpa — digo, fungando enquanto encaro os olhos
azuis dele, me transmitindo tanta tranquilidade, tanta certeza. — Me
desculpa por fugir quando tenho medo, me desculpa por achar que
é melhor me afastar todas as vezes. Me odeio por fazer isso, porque
não quero te machucar, nem ferrar com tudo o que estamos tendo,
mas… — hesito, mordendo o lábio inferior. — É só que às vezes me
pego com mais medos do que certezas, mais receios de que farei
tudo dar errado do que a confiança de que conseguirei passar por
cima de tudo.
— Não precisamos passar por cima de nada, podemos só dar
um passo de cada vez — afirma. — Não precisa me pedir desculpas.
— Acho que preciso quando te fiz vir até aqui só por causa
das minhas bobagens — reflito e ele rola os olhos.
— Eu cruzaria oceanos somente para olhar para o seu rosto,
Amelie — fala, me fazendo perder as palavras e o fôlego. — Não são
bobagens, nada sobre você é bobagem para mim.
Parece inevitável quando as lágrimas começam a descer,
molhando meu rosto e Liam me encara com preocupação. Abraço
seu corpo, afundando minha cabeça em seu peito e deixando que o
choro molhe seu suéter. A sensação de pertencimento me
sobrecarrega, me deixa preenchida, deixa meu coração batendo em
paz. Quando seu coração se despedaça uma vez, você tende a
acreditar que ele nunca mais poderá parecer inteiro de novo, mas é
exatamente assim que me sinto agora. Me sinto inteira.
Ele se importa. Se importa o suficiente para estar ao meu
lado, para mandar mensagens preocupado, para fazer um encontro
e aprender a cozinhar porque não queria ir a um restaurante, a
ponto de escolher um dos vestidos mais bonitos para mim como
uma forma de me dizer que não preciso me preocupar com o que
visto. Ele se importa a ponto de vir até aqui e me pedir para não
fugir, para ficar ao lado dele, para gritar e brigar, mas não me
afastar, não mentir meus sentimentos. Para resolvermos tudo isso
juntos, a nossa bagunça.
Liam se importa de uma forma que nunca se importaram
antes e ele faz isso desde o primeiro dia. Perceber isso parece
demais, parece quase dolorido, mas é uma dor boa, porque é a
sensação de que posso deixar meu coração nas mãos dele, ele sabe
como cuidar.
— Eu te amo — sussurro contra seu peito e sinto quando ele
para por alguns instantes. Me afasto, não me importando com o
rosto inchado e os olhos molhados, encarando seus olhos. — Eu te
amo, amo cada versão de você e acho que esse amor me assusta
porque amar não foi motivo para me orgulhar no passado, porque
não parecia algo apreciado. Mesmo assim, eu amo você com cada
pedacinho do meu coração quebrado, porque todos os dias você cola
mais uma peça dele, cada dia me dá mais segurança de que ele
pode valer a pena o esforço. Eu amo você e sinto muito que a minha
primeira reação seja sempre fugir quando as coisas me assustam.
Não quero mais fugir, quero somente poder amar você.
— Eu deveria dizer isso primeiro, sabe? Estava ensaiando e
tudo mais — caçoa, me arrancando uma risada até mesmo em meio
ao choro. — Eu amo você, todas as versões, todas as partes,
inclusive, as quebradas. Eu amo você, Amelie, e espero que um dia
consiga fazer com que não se sinta mais insegura sobre esse amor,
sobre tudo o que sinto por você. Espero que um dia, quando já
estivermos na nossa casa, com banheiras grandes, um quintal
espaçoso, uma cozinha para criarmos tradições, alguns filhos e um
cachorro, espero que nesse dia entenda que eu te amo e tenha
muita segurança sobre isso. Porque quero morar na sua casa dos
sonhos, fazer com que ela seja nossa enquanto te faço minha por
todos os dias das nossas vidas. Se as consequências de amar você é
amar cada pedaço quebrado seu e ajudá-la a colar cada um deles,
então estou mais do que feliz em fazer isso. Se é ter me apaixonado
por uma mulher viciada em mimosas e em um comissário bonito, e
ruivo, tê-la perdido e então reconquistado e estar ansioso para dar
vários passos ao lado dela, eu aceito todas as consequências,
porque amar você é a minha melhor escolha.
— Espero que um dia não o faça mais duvidar do quanto te
amo e do quanto acredito que me ama também — respondo. —
Obrigada por amar até os fragmentos, obrigada por amar minha
casa dos sonhos, obrigada por me fazer sua enquanto te faço meu
com todo o meu coração.
— Um dia, Amelie Taylor-Robinson, eu irei pedir para casar
com você e, um dia, você dirá sim e serei o homem mais feliz do
mundo inteiro quando te assistir entrando de branco em uma igreja,
ouvindo o sim mais bonito de todos — promete. — Mas, até esse dia
chegar, e espero poder ser em breve, irei dar o meu melhor para
confiar nas minhas palavras, mesmo nos momentos que mais tiver
dúvidas, mesmo durante as incertezas. Até esse dia chegar, irei falar
o quanto te amo todos os dias.
— Irá parar depois disso? — indago, arqueando a sobrancelha
para ele.
— Não, direi duas vezes mais — responde, se inclinando para
murmurar contra meus lábios. — E espero também repetir essas
palavras para várias mini versões de você que forem preencher
nossa casa — sussurra antes de me tomar um beijo longo.
— Prometo que não irei mais fugir — afirmo, abrindo os olhos
para fitar os seus. — Sei que tenho a tendência de me afastar
quando fico assustada, mas prometo que não farei mais isso.
Prometo que irei optar pela briga, grito ou só uma conversa
civilizada.
— Ficarei muito contente com isso — diz. — Conversa
comigo, prometo que sempre estarei aqui para te ouvir, mesmo se
eu estiver do outro lado do mundo, sempre estarei aqui — confirma,
colocando a mão em meu coração, provavelmente sentindo as
batidas rápidas. — Volta comigo para Toronto — pede e mesmo com
várias perguntas tomando minha mente, a que faço é simples:
— Quando?
— Segunda de manhã, posso conseguir uma passagem para
você — replica e sorrio, dando um aceno afirmativo.
— Isso significa que passará o final de semana com os Taylor-
Robinson — lembro-o e o sorriso de Liam cresce tanto que parece
lhe doer as bochechas.
— Isso significa que terá que me apresentar formalmente
para as suas mães — rebate, parecendo muito contente com essa
perspectiva.
— Te desejarei boa sorte — zombo.
— Você é a minha maior sorte, não preciso de mais do que
isso.
Depois de um final de semana com alguns constrangimentos,
muita comida e Liam conquistando minha família com seu jeito
engraçado e completamente encantador, era hora de voltar para
Toronto. Como prometido, ele conseguiu uma passagem no seu voo
de volta para que ficássemos juntos e é a primeira vez que o vejo
trabalhando novamente desde que começamos a ficar juntos.
É estranho e certamente nostálgico. Foi estranho ser
recepcionada por ele, vestido em seu uniforme, junto a outros
comissários, mas me sentar em uma das poltronas e vê-lo passar
por mim, com o sorriso gentil e pronto para atender qualquer
passageiro, me deixou nostálgica sobre o nosso primeiro encontro.
Não pensaria que o comissário bonito, que me flagrou falando dele
ao telefone com a minha melhor amiga, se transformaria em tanta
coisa sete meses depois.
Repouso as mãos na barriga, descansando-as enquanto sinto
meu bebê se mexer e decolamos, todos com os cintos afivelados em
seus devidos lugares. Fecho os olhos, sabendo que logo meu
coração irá começar a disparar com o nervosismo. Meu medo é algo
que consigo controlar bem o bastante e me afeta mais quando
estamos no céu e há alguma turbulência, porém as decolagens
sempre me deixam com o coração na boca também.
Sinto o bolso do casaco vibrar e franzo o cenho, abrindo os
olhos para pegar meu celular ali dentro.

Liam: Olhe para mim.

Levanto os olhos, procurando-o. Liam está sentado a poucos


metros de mim. Estou em um dos assentos executivos, próximo à
área da frente da aeronave, onde parte da tripulação está, ele está
no assento que fica no meu campo de visão e seus olhos encontram
os meus e no mesmo instante um sorriso surge em seus lábios. Ele
abaixa a cabeça, digitando algo em seu celular e aguardo pela
mensagem, concentrada na tela.

Liam: Continue olhando para mim e respire fundo, inspire


pelo nariz e expire pela boca.
Liam: Estou aqui para cuidar de você, anjo.

Volto os olhos para cima e lá está ele, ainda atento em mim.


Começo a fazer os exercícios de respiração que ele disse, sentindo
os efeitos quando meu pulso para de ser tão frenético.

Amelie: Obrigada.

Assisto seu sorriso enquanto lê a minha mensagem e logo em


seguida precisa atender a um chamado da cabine pelo telefone de
comunicação. O piloto nos avisa que estamos decolando e continuo
a respirar como Liam me disse para fazer, olhando para ele, calmo
em seu assento, provavelmente nem sentindo mais os impactos da
subida para o ar, mesmo se fosse turbulenta.
Sua calma me acalma, o azul profundo presente em seus
olhos, o sorriso de canto, discreto, mas presente. Liam é a minha
nova definição de conforto, de casa, de pertencimento. Nós três
juntos é o meu mais novo sonho, o que mais estou ansiosa para
realizar. Tê-lo ao meu lado, nosso menino conosco, quem sabe
nossa casa dos sonhos, ou somente nós três no sofá do seu
apartamento.
Continuo a acariciar minha barriga, sentindo meu menino se
acalmar e os olhos de Liam recaem ali, como se não conseguisse
segurar a vontade de também estar com as mãos em nosso filho.

Liam: Queria estar aí com vocês.


Amelie: Talvez o nosso próximo encontro possa ser sentados
juntos em um voo, como dois passageiros.
Liam: Acho que esse não é o seu encontro ideal.
Amelie: Admito que passa bem longe do que tenho em
mente.
Liam: Alguma intenção de me contar o que tem em mente?
Liam: Venho me sentindo bastante generoso e posso pensar
em realizá-lo.
Amelie: Muito atencioso da sua parte, mas acho que está na
minha vez de preparar um encontro para nós dois.
Amelie: Ainda me lembro muito bem da banheira daquele
spa e da hidromassagem. Preciso retribuir a gentileza.
Liam: Fofo da sua parte pensar que já não me retribuiu a
gentileza.
Liam: Lembro muito bem de outros momentos naquele spa,
acho que foi uma retribuição à altura.
Amelie: Malicioso da sua parte pensar que aquilo foi uma
retribuição. A verdade é que só estava tirando proveito.

Olho para cima a tempo de observar Liam suprimindo uma


risada e ele me olha rápido, balançando a cabeça em negação e dou
de ombros.

Liam: Sabia que aqueles vibradores não tinham ido parar


sozinhos na mala.
Liam: Provavelmente fui vítima de um plano muito bem
articulado entre você e sua melhor amiga. Bastante perspicaz da sua
parte, senhorita Taylor-Robinson.
Amelie: Sabe como é, uma grávida nunca pode passar
vontade perante seus desejos.

Ele começa a digitar uma resposta, mas logo os pontos


somem e observo Liam se levantar do seu assento assim que o
piloto nos avisa a altitude e os avisos de cintos afivelados são
desligados. Junto ao restante da tripulação, ele se prepara para
começar o serviço de bordo, por isso guardo o celular no bolso do
casaco de volta, sabendo que sua resposta irá demorar para vir.
Descanso a cabeça na poltrona, sorrindo sozinha ao me sentir
como uma boba apaixonada, mas contente com esse sentimento se
apossando do meu peito. Liam me deixa com esse sentimento, de
que posso ser ambos, e que ser boba e completamente apaixonada
por ele são duas coisas incríveis, porque realmente são. Me
apaixonar por um cara como Liam traz tranquilidade ao coração.
Suspiro, sentindo um cansaço tomar meu corpo e bocejo
antes de abrir os olhos novamente quando sinto a aproximação da
dupla de comissários. Aceito uma água e Liam pisca para mim ao me
passar o copo com um guardanapo dobrado.

“Não esqueça de tomar as suas vitaminas matinais.


Estarei sempre cuidando de você, meu anjo.
Eu te amo.”

Tento controlar meu sorriso para não deixar as minhas


bochechas doloridas e pego minha bolsa, fazendo o que ele pediu e
tomando a minha dose de vitaminas da manhã antes de pegar
novamente meu celular.

Amelie: Eu sei que sempre cuidará de mim. É o meu melhor


tipo de príncipe encantado.
Amelie: Eu também te amo.

— Você está tão boba apaixonada! — Marjorie zomba e reviro


os olhos, trocando as sacolas de mão.
— Pare de fazer eu me sentir uma adolescente que deveria
ficar envergonhada com isso — rebato.
— Não estou querendo que se sinta envergonhada. Na
verdade, estou feliz por você, idiota — retruca, dando um tapa em
meu braço.
— Ai! Isso doeu — digo, mas é a vez dela de revirar os olhos
porque sabe que foi um tapa fraco. — Sim, estou apaixonada, e
muito apaixonada. Ele faz eu me sentir a mulher mais incrível do
mundo e estou ansiosa para poder viver muitos momentos com ele e
com nosso menino. Não é como se eu ainda não tivesse medo, mas
conversamos muito no final de semana e percebi que não é sobre
não ter medo, é sobre confiar em Liam e conversar com ele sobre os
meus medos.
— É, um relacionamento saudável normalmente se resolve à
base de paciência e conversa — caçoa antes de me olhar por alguns
segundos enquanto esperamos o sinal para pedestres ser aberto. —
Eu estou mesmo muito feliz por você, ninguém merece mais um
amor calmo e saudável do que você, Ames.
— Obrigada por sempre estar ao meu lado, mesmo nos
momentos ruins, mesmo com seus conselhos que também são ruins
às vezes. Obrigada por ser minha melhor amiga — replico e Marjorie
ameaça fazer um biquinho antes do sinal ficar verde e voltarmos a
andar.
— Ei, você que é a grávida, não pode me fazer chorar no
meio da rua por causa de uma declaração fofa — rebate, me
fazendo rir. — Sempre estaremos aqui uma pela outra, Amelie.
Mesmo quando esse pequeno serzinho nascer e tomar todo o seu
tempo — brinca, passando a mão rapidamente na minha barriga.
— Ele deve chegar em menos de dez semanas — comento,
sentindo o nervosismo começar a me abalar. — Ai, meu Deus, ele
chega em menos de dez semanas! — exaspero com mais desespero
agora. — E nem mesmo tenho um berço!
— Calma, muita calma — Marjorie começa quando chegamos
à cafeteria, cumprimentando o atendente antes de irmos até uma
das mesas.
Saímos mais cedo do trabalho hoje para fazermos algumas
compras para o bebê e começar as compras de Natal, que é daqui a
vinte dias. Aproveitei para contar sobre a visita de Liam em Portland
no final de semana e tudo o que aconteceu desde então. Ter
momentos comuns assim com a minha melhor amiga me faz lembrar
que muitas coisas mudaram, mas muitas outras ainda seguem no
mesmo lugar, como Marj e eu.
— Primeiro, vocês têm um berço. A mãe do Liam não disse
que iria comprar um? — indaga e dou um aceno de cabeça. — E tem
roupinhas o suficiente, além dos suprimentos básicos para os
primeiros meses — comenta, apontando para as sacolas.
Realmente, venho comprado roupas seguindo algumas listas
de ajuda que possuem no aplicativo da Love Affair para mamães de
primeira viagem, e também tenho um estoque de produtos como
fraldas, óleos, talcos e outros itens tidos como necessários. E tenho
um berço, mas ainda não comecei a concretizar a ideia de mudar o
meu quarto para começar a acomodar a minha cama e o berço.
— Para quem sempre foi viciada em organização, estou até
gostando de vê-la um pouquinho fora de controle — comenta com
humor, inclinando-se sobre a mesa para segurar as minhas mãos e
coloco as palmas contra as dela. — Mas é hora de ser honesta e me
falar o porquê não arrumou o quarto do bebê ainda, porque mesmo
que queira culpar a bagunça da sua vida, ainda assim organizou
todo o resto.
— Odeio as conversas honestas — resmungo de brincadeira e
respiro fundo, pensando se devo contornar a situação ou só admitir
a verdade. — Ainda estou esperançosa — respondo, escolhendo a
verdade, uma vez que sou uma péssima mentirosa. — Liam e eu
estamos indo muito bem, me parece um pouco estranho… — hesito,
estalando a língua e ainda com vergonha de dizer tudo em voz alta.
— Que não juntem os trapos e façam isso juntos? É, seria
mesmo estranho. O apartamento dele é maior, então está esperando
o convite — ela lê a situação com perfeição e o máximo que consigo
fazer é acenar. — Talvez devesse colocar o assunto na mesa e ver a
reação dele. Sei que Liam tem um histórico meio ruim, mas ele
também quer o filho por perto sempre que puder, tenho certeza
disso, e sabe que a escolha lógica será você ficar o tempo todo com
o bebê até que ele não dependa da amamentação e essas coisas.
Vocês dois se gostam e querem ficar juntos, talvez essa medida de
morar juntos seja antecipada porque vocês têm um filho na
equação, mas não é como se isso não fosse acontecer
eventualmente.
— E o que eu deveria dizer? Chegar nele e falar: ei,
deveríamos morar juntos, que tal eu levar a minha mudança para o
seu apartamento? — pergunto tensa e Marjorie ri do meu jeito ou da
falta dele.
— Talvez essa seja uma abordagem meio abrupta — afirma.
— Mas, quem sabe, possam tocar no assunto sobre o futuro de
vocês e como farão depois que o bebê nascer, podem acabar
entrando nesse tópico — sugere com um levantar de ombros. — Sei
que está nervosa porque precisa fazer logo toda a organização na
sua casa para receber o neném, e precisam mesmo colocar um
nome nessa criança antes que eu fique maluca, mas não se
preocupe com isso. Quando for o momento, sabe que estarei aqui
para fazer com que o trabalho, que é impossível, seja possível
dentro do menor prazo possível.
— Iremos decidir o nome em breve, impaciente — retruco,
mostrando a língua para ela. — Não queria apressar as coisas entre
nós dois — comento.
— Não é apressar, Amelie. Vocês terão um filho juntos e estão
namorando, uma hora ou outra, esse assunto chegará e, pelo bem
dos seus neurônios de fanática por organização, é melhor que seja
em breve para te dar tempo de se organizar — fala, dando um
aperto suave em minha mão. — E ainda tem dez semanas, dois
meses pela frente, vai dar tudo certo, confia em mim. Não se culpe
por fantasiar uma vida de família perfeita para você e Liam, sei que
ele deve ficar fantasiando isso sozinho também.
— Por que sempre precisa ficar fazendo graça com tudo? —
questiono, bufando em um riso quando Marjorie levanta o braço,
chamando um garçom.
— Porque torna tudo mais divertido — replica. — Aproveite a
oportunidade de escolha do nome e sugira a questão dos dois
quartos, que quer que seja somente um, acho que ele estará mais
do que ansioso para dizer que está esperando por esse momento —
comenta, voltando a seriedade do assunto por alguns segundos
antes de me passar o cardápio. — Agora, escolha o seu prato
porque estou morrendo de fome.
— Sim, senhora.
— E se for Liam II? — zombo e Amelie faz uma careta sem
conseguir conter o desgosto pelo nome, me fazendo rir dela.
Estamos na sala de estar da minha casa, com a ruiva deitada
com a cabeça em meu colo e as pernas esticadas, acariciando a
barriga de quase trinta semanas. Nosso menino está crescendo cada
vez mais, deixando sua barriga marcada em qualquer roupa que
usa, além de deixar algumas marcas que sei que Amelie não está
apreciando tanto assim. O espaço cada vez menor já o faz ficar
bastante aparente e a médica nos disse que não devemos estranhar
caso vejamos mãos ou pezinhos.
Na verdade, estou ansioso para poder enxergar algum dos
seus mini pés pela barriga de Amelie.
— É melhor continuarmos a chamá-lo de bebê se for assim —
rebate, me olhando com receio.
— Ouch! — digo, colocando a mão no peito. — Sinceridade
bruta veio acompanhada com o último trimestre?
— Talvez, mas convenhamos que Liam II não é muito ideal,
além de que faria algumas coisas serem bastante embaraçosas —
comenta e vejo suas bochechas começarem a se avermelhar.
— Interessante saber que, enquanto estou dando o meu
melhor para achar o nome do nosso filho, está aí pensando em
como adora gemer meu nome, mon ange — replico, inclinando-me
para beijar seus lábios. — Mas gosto da forma como pensa —
sussurro contra sua boca, roubando outro beijo antes de ficar ereto
outra vez.
— Acho que pode testar a forma como eu penso mais tarde
— diz, soando quase inocente demais.
— Ainda estamos trabalhando na boca suja para putaria?
— Sim, ainda precisaremos trabalhar nela por um tempo —
responde, levantando os ombros e solto um riso baixo.
— Tudo bem, tem sorte que sou paciente — digo. — Quais
são as suas opções de nome? Porque até agora não vi nenhuma
sugestão — provoco.
— Ninguém disse que seria tão difícil assim — resmunga,
passando as mãos pela barriga outra vez e me estico para fazer o
mesmo, deixando minha palma contra sua pele e sentindo os
movimentos inquietos ali dentro. — Não é fácil escolher o nome de
alguém, ainda mais alguém que você ama muito e quero que esse
pequeno serzinho aqui goste das minhas escolhas.
— Não é como se ele não pudesse mudar depois, caso não
goste — comento e ela dá um aceno. — Talvez devêssemos começar
por um ponto mais simples — falo e Amelie franze a testa. — O
sobrenome.
— Juntar os três parece demais — afirma e dou um aceno. —
Acho que o nome não importa se deixarmos que ele tenha Taylor-
Robinson Spencer como sobrenome.
— Sabe, dizendo assim, não soa tão ruim. Podemos nos
acostumar com a ideia — replico e ela para por alguns instantes,
pensando sobre o assunto.
— Bebê Taylor-Robinson Spencer — fala, como se testasse os
sobrenomes novamente.
— Você ficaria bem. Amelie Taylor-Robinson Spencer —
sugiro, tentando não parecer mal-intencionado demais e falhando
miseravelmente quando ela me fita de canto de olho e cai na risada.
— Nada sutil, Liam, nada sutil.
Levanto os ombros, não podendo ser culpado por sonhar. Não
menti quando disse a Amelie há alguns dias que gostaria que um dia
ela fosse completamente minha, que desejo vê-la de branco,
entrando na igreja e dizendo sim para mim em frente ao padre.
Pretendo me casar com ela um dia e me deixaria feliz se ela
resolvesse pegar meu sobrenome para si.
— Se eu virar Amelie Spencer de vez, será que as fofocas
finalmente acabarão? — indaga e sinto a ponta de deboche ali.
— Achei que já haviam acabado.
— Sua irmã deu o melhor dela para fazer com que isso
acabasse, mas as pessoas não controlam o que pensam, Liam. E,
sendo honesta, as fofocas não me incomodam, só são chatas —
explica, colocando a mão por cima da minha como se quisesse me
passar certeza através da carícia que faz em meus dedos. —
Prometo que não me incomodo mesmo e sabia que haveria fofocas,
estava preparada para elas.
— Não faz com que seja menos inconveniente para eles as
fazerem, ainda mais porque está grávida. Deveriam saber que não é
o ideal estressar uma grávida — resmungo, um pouco estressado
com a situação.
— Ei, eles têm curiosidade genuína e eu também teria. Acho
que a maior parte das conversas se originam da dúvida de como
tudo isso aconteceu e se fui contratada quando já estava grávida ou
antes disso — fala e compreendo, porque se não fizesse parte da
fofoca, talvez também tivesse essa curiosidade. — Preciso dizer que
acho um pouco vergonhoso que eles não sejam tão bons fazendo
essa conta, preciso conversar com Indina sobre um treinamento de
matemática básica — zomba.
— Você é má — brinco, semicerrando os olhos para ela.
— Se eles falam o que querem, eu também posso — rebate e
gargalho com sua atitude, sabendo que Amelie nunca seria capaz de
falar essas palavras em voz alta na empresa.
— Fico feliz que eles não saibam como tudo isso aconteceu.
Gosto da nossa história do jeito que ela é e odiaria ter pessoas
inconvenientes querendo opinar sobre o assunto — comento,
voltando a ficar sério e solto um suspiro, sorrindo de canto ao sentir
um dos chutes do meu filho.
— E como seria essa nossa história, senhor Spencer?
— Tudo começa com uma ruiva meio estabanada com malas
demais no saguão de embarque do aeroporto internacional de
Toronto — começo, utilizando a outra mão para afastar alguns fios
do seu rosto. — Ainda acho que ela caiu em cima de mim de
propósito…
— Ei, foram os adolescentes que me empurraram! — enfatiza,
mas rolo os olhos e ela ri.
— Depois disso, o destino agiu a nosso favor, porque claro
que essa ruiva bonita ficou toda impressionada comigo e estava
citando todas as minhas qualidades para a melhor amiga ao
telefone…
— Ainda acho que foi maldade da sua parte não estar na
frente da aeronave naquela noite para cumprimentar os passageiros
entrando, teria me poupado de muita vergonha.
— Não tenho culpa que Carter é apaixonado por mim e me
prendeu na cabine por minutos demais — relembro. — E adoro
quando você fica com vergonha, amo ver suas bochechas coradas,
anjo — confesso, passando o indicador suavemente em seu rosto e
Amelie fecha os olhos, sorrindo com o toque. — E, se não tivesse
falado nada, talvez eu não teria tido coragem de te enviar o bilhete.
— Nunca pensaria em você como um cara tímido — reflete,
criando brevemente um vinco entre as sobrancelhas com o
pensamento.
— Não tímido, mas estava trabalhando e, mesmo achando
que era uma bela coincidência, não teria tanta coragem de
simplesmente flertar com uma passageira sem saber que haveria
retorno.
— Então estava mesmo flertando naquela noite — pontua.
— É difícil para mim não flertar quando se trata de você —
comento, fazendo-a rir novamente e observo como Amelie fica ainda
mais linda quando faz isso, capturo todos os seus sorrisos e gostaria
de poder engarrafar sua risada, guardar esse som maravilhoso para
mim, para poder ouvir quando sinto saudade, para poder ter mais
do que somente a lembrança em minha mente. — Eu estava
preenchendo um livro de palavras cruzadas naquela noite, antes de
nos encontrarmos no saguão — conto e seus olhos azuis
esverdeados prestam atenção, curiosos. — Sabe qual foi a última
palavra que preenchi antes de te conhecer?
Amelie balança a cabeça em negação e puxo da mente todas
as informações.
— Substantivo masculino com sete letras. A dica era “o que
há de vir” — falo e ela franze as sobrancelhas, pensando por alguns
segundos antes de suavizar a expressão e sorrir, adivinhando a
palavra em sua mente. — Destino — respondo.
— Um destino insistente, diga-se de passagem — brinca,
arqueando as sobrancelhas em seguida, como se tivesse tido uma
ótima ideia. — Archer — fala, me deixando confuso. — Archer
Spencer. O destino nos colocou um no caminho do outro
constantemente, como um cupido insistente demais, como se não
conseguisse nos manter distante, como se fôssemos destinados a
nos encontrar uma vez atrás da outra até compreendermos que
deveríamos chegar até aqui, até esse instante.
— Até estarmos juntos — complemento e ela acena.
— O cupido insistente não é nada mais do que um bom
arqueiro, mas preciso dizer que acho que a sua flecha estava
destinada a outra mulher, talvez uma um pouco menos complicada
— caçoa, mas reviro os olhos e me abaixo para beijá-la novamente.
— Acho que a mira dele estava perfeitamente correta, não
haveria nenhuma mulher pela qual eu amaria mais me apaixonar
que não você, com seu jeito meio teimoso, com o biquinho que
sempre faz quando é contrariada, com meu sorriso favorito, com a
risada mais deliciosa que já ouvi. Não haveria outro destino para
mim que não te amar, meu anjo — replico, observando quando seus
olhos acumulam pequenas lágrimas nas pontas e ela suspira. —
Archer — repito o nome, fitando sua barriga e sentindo um chute
forte, a ponto de fazer Amelie se contrair um pouco. — Acho que ele
aprova o nome.
— É, acho que Archie gostou do seu nome — comenta,
colocando a mão por cima da minha e entrelaçando nossos dedos
assim mesmo. — Archer Taylor-Robinson Spencer? Archer Spencer?
Archer Taylor-Robinson? — Amelie continua a dizer, testando as
combinações em voz alta e sorrio a cada careta e sobrancelhas
unidas, pensando o que soa melhor dentre todas as opções.
— Venha morar comigo — sussurro, pegando-a desprevenida.
Amelie arregala os olhos e sua respiração fica ofegante, como se ela
tivesse se esquecido de como respirar direito. — Venham morar
comigo, você e nosso Archer.
— Liam… — ela sussurra.
— Nós dois estamos esperando por esse momento, Amelie.
Quero chegar em casa todos os dias para você, quero te encontrar
enrolada na coberta nesse sofá, assistindo um dos filmes dramáticos
que tanto ama, quero dormir e acordar ouvindo o som da sua
respiração, admirar seu rosto preguiçoso pelas manhãs. Quero tudo
isso, quero você aqui comigo. Não quero dois quartos para Archer e
estou cansado dos apartamentos distantes porque queria poder te
ter por perto em todos os minutos, todos os segundos de todos os
meus dias — continuo meu discurso não ensaiado.
Nem mesmo tinha planos de abordar o assunto hoje, apesar
de estar pensando sobre essa possibilidade há alguns dias, desde o
nosso final de semana no spa, há mais de um mês. Estou um pouco
cansado de precisarmos sempre ir um de encontro ao outro quando,
em todas as noites que estou na cidade, dormimos juntos, ou
fazemos o nosso melhor para estarmos um do lado do outro.
Entretanto, nem mesmo é só um pensamento lógico, é um desejo
que pulsa dentro de mim, é um vício incessante de querê-la sempre
comigo.
Amelie se senta com um pouco de dificuldade, com os
movimentos lentos pela barriga e respira fundo, me olhando com
atenção.
— Tem certeza?
— Eu sempre tenho certeza quando se trata de você —
respondo sua pergunta hesitante. — Quero que venha, mas
entenderei se não quiser — asseguro e então vejo seu sorriso brotar,
aumentando pouco a pouco.
— Também te quero por perto em todos os segundos de
todos os meus dias — é a sua resposta, me arrancando um suspiro
de alívio que nem mesmo sabia que estava prendendo, porque não
sabia que temia tanto o fato de que talvez ela pudesse não desejar o
mesmo que eu. — Eu adoraria vir morar com você.
Minhas palavras parecem desaparecer por um instante, sem
saber o que dizer, somente a puxo para perto, envolvendo-a em
meus braços e abraçando seu corpo contra o meu. Suas mãos
param ao redor do meu pescoço e ela amolece em meu toque,
parecendo relaxada com essa nova ideia. Beijo seu ombro e subo,
trilhando um caminho de beijos até chegar em seu rosto e fazê-la
gargalhar enquanto distribuo a carícia por todo o lugar.
— Espero que você e Archer já estejam com a mudança
pronta para virem amanhã — sussurro e Amelie gargalha ainda
mais.
— Sempre apressado demais — zomba. — Estaremos aqui
antes do anoitecer de amanhã — responde por fim.
— Estarei esperando na porta.
— Acho que essa é a escolhida — digo assim que entro no
carro e minha mãe rapidamente o liga, acionando o aquecedor do
veículo. — Parece perfeita.
— É uma escolha ótima — ela responde, respirando fundo. —
Acho que esse é o dia mais frio do inverno — resmunga,
encolhendo-se dentro do casaco e me fazendo rir com seu jeito.
Apesar de ser uma canadense de nascença, Stella Spencer e o
inverno nunca foram bons amigos. — É grande e cumpri todos os
seus requisitos, apesar de eu achá-los bem específicos — comenta,
franzindo o nariz.
— Em breve irá compreender.
— Não ache que já não compreendo. Não são seus desejos,
são desejos de Amelie. É um romântico, meu filho, reconheço
quando está dando o seu melhor para agradar a mulher que ama —
replica com um riso e suspira, colocando as mãos no volante.
— Espero que o meu romantismo não seja exagerado —
murmuro, porque esse receio me tomou desde o dia que tive a
fatídica ideia.
Faz alguns dias que Amelie se mudou para o meu
apartamento. Depois de aceitar a ideia, ela colocou boa parte das
roupas em duas malas e foi para minha casa. Continuamos
buscando alguns itens em algumas noite e a ajudei a empacotar as
roupas e todos os demais itens que comprou para Archer.
Encomendamos alguns móveis planejados para o quarto dele e, com
o preço certo a ser pago pela urgência, tudo será entregue logo
após o Natal.
Nem mesmo quero saber como Savannah e minha mãe
fizeram isso acontecer e quantas pessoas podem ter sido ameaçadas
no caminho. O jeito das mulheres Spencer de conseguirem fazer
com que seus desejos sejam cumpridos é especial. A questão é que
todos os preparativos já foram ajustados e senti um alívio da parte
de Amelie de perceber que já não era mais a mãe super atrasada
em relação ao quarto do nosso filho.
Posso compreender os medos dela, porque pensei que,
talvez, Archer nascesse sem um quarto pronto para ele e alguns
itens faltando em seu quartinho. Entretanto, apesar do alívio de
Amelie, sei que também está irritada com a minha demora em
finalizar o meu trabalho esvaziando o quarto extra do meu
apartamento. O quarto de visitas virou um pequeno depósito de
coisas que não uso com frequência, como decorações de Natal,
casacos grossos de inverno e ternos antigos da companhia.
Não sou um acumulador, mas poderia ser se quisesse, pelo
visto.
Todavia, a demora se deu pela lotação de voos que peguei
recentemente, cumprindo horas extras por causa de alguns colegas
doentes, mas também está sendo um atraso maquiavelicamente
calculado, não que Amelie tenha noção sobre isso. É assim que
surpresas funcionam e adoro surpreendê-la.
— Acho que a fará chorar de emoção e Amelie culpará os
hormônios da gestação, apesar de eu desconfiar que será
unicamente dela esse choro — minha mãe diz, começando a dirigir e
nos tirando das ruas quase vazias do bairro que ela e minha avó
moram. — Fiquei surpresa com o seu convite — comenta e sabia
que, uma hora ou outra, ouviria essas palavras. — Devo desconfiar
de algo?
— Não seja malvada, não é como se eu fosse um filho
desleixado — rebato e ela ri baixo. — É você que sempre está
ocupada demais com o trabalho para me dar atenção.
— Irônico dizer isso quando abandonei meu escritório agitado
hoje para te acompanhar — relembra, me olhando de canto e
colocando uma das mãos em minha perna. — Sabe que sempre
estarei aqui por você, Liam, mesmo que eu também saiba que
sempre acreditou que o meu trabalho vem em primeiro lugar, nada
nunca foi e nunca será mais importante para mim do que você e
Savannah.
— Mas nunca perde a graça de te incomodar sobre isso.
— Logo terá filhos e, quando o seu filho lhe disser que o
abandona por causa do trabalho, irá correr até a minha porta
pedindo conselhos e desculpas — afirma, levantando o indicador em
minha direção com a brincadeira antes de firmar novamente ambas
as mãos no volante. — Me desculpa se te fiz se sentir sozinho.
— Sabe que sempre foi uma coisa de adolescente, mãe —
retruco, não gostando do tom de pesar em sua voz. — Sim, posso
me sentir um estranho na mesa aos domingos e não entender
metade das palavras que vocês falam a respeito de softwares e
inovações, ou sobre assuntos particulares da empresa, mas fui eu
que escolhi ficar longe.
— Mas temos culpa de sempre fazer a empresa ser um
assunto à mesa — diz e percebo seus dedos se apertando ao redor
do volante, além dos ombros tensionando.
— Passam quase o dia inteiro dentro da empresa, não teriam
como falar de outra coisa por muito tempo. A Love Affair é a vida de
vocês, é o trabalho árduo da vovó, é o seu estudo convertido em um
crescimento exponencial que perdura até hoje, é a calma de
Savannah em acreditar em cada projeto e colocar a fé necessária
para fazer com que todos eles deem certo. Escolhi não ficar na
empresa, sabendo que isso também me afastaria um pouco de
vocês. Física e mentalmente — replico, querendo tirar a culpa dos
seus ombros. — Sei que sempre reclamo sobre isso e talvez seja só
a minha posição de filho mais novo, mimado demais pelas mulheres
da minha vida, mas não culpo nenhuma de vocês pelas minhas
escolhas.
— Sabe que sempre teria um espaço na empresa se assim
quisesse, certo?
— Claro que sei, e tenho meu espaço por lá. Vocês nunca me
deixaram de fora — confirmo, assegurando-a desse pensamento. —
Tenho muito orgulho de vocês três, de tudo o que construíram, das
mulheres incríveis que são e por ser neto, filho e irmão de vocês.
— E nós três temos muito orgulho de você. Do homem
incrível que se tornou, do profissional dedicado em tudo o que faz,
do filho resmungão, mas muito amoroso. E do pai perfeito que sei
que será quando Archer chegar ao mundo, porque já está sendo a
sua melhor versão enquanto ele ainda está na barriga de Amelie, sei
que será ainda mais quando ele nascer — responde e, pela primeira
vez em alguns anos, escuto minha mãe fungar, parecendo
emocionada com o pensamento. — Obrigada por me convidar para
te acompanhar hoje. Fico feliz em ainda poder te ajudar.
— Sempre será minha mãe, dona Stella — afirmo, me
inclinando para beijar sua bochecha. — E sempre irei recorrer ao seu
colo como o bom filho da mamãe que sou.
— Eu amo que tenha conseguido te criar exatamente como
queria — zomba. — Savannah já bateu as asas demais para longe
do meu colo — reclama.
— Sav sempre foi mais madura e independente do que eu. É
algo das mulheres dessa família.
— Com sorte, meu neto sempre correrá para o meu colo
também — fala, suspirando como sempre faz quando pensa sobre
Archie.
— Obrigado por me ajudar hoje, e todas as vezes que peço a
sua ajuda — digo quando viramos na avenida, deixando os
arredores do bairro familiar.
— Sempre estarei aqui, Li-Li. Sempre irei te amar muito.
— Eu também te amo, mãe — respondo, sentindo algo bem
mais leve em meu peito após essa conversa, mesmo ela parecendo
com tantas outras que já tivemos.
Talvez relembrar as minhas escolhas e os lugares que elas me
levaram para minha mãe seja tão importante para ela quanto é para
mim. Talvez passamos sempre tempo demais entre brincadeiras e
resmungos para deixarmos evidente o orgulho que sentimos uns dos
outros, sempre focados demais em tentar fazer mais, conquistar
mais, dar o próximo passo. Entretanto, em alguns momentos, como
agora, pode ser importante relembrar que, no fim de tudo, ainda
somos a mesma família, um pouco disfuncional, mas muito amorosa.

Assim que abro a porta de casa, sou tomado pela escuridão


da sala. A televisão ligada é a única iluminação presente, com o
volume baixo a ponto que eu mal compreenda o que está sendo dito
em uma das séries turcas que Amelie tanto adora. Nosso
apartamento tem cheiro de jantar feito, provavelmente alguma carne
com molho e legumes cozidos. Amo o cheiro de lar que o meu
apartamento adquiriu desde que ela se mudou para cá, cozinhando
quase todas as noites, deixando um prato feito e guardado no
micro-ondas para quando chego tarde.
Hoje era para ser um desses dias, mas o voo atrasou por
causa da neve na pista e cheguei duas horas depois do esperado em
Toronto.
Deixo minhas chaves na mesinha da entrada, tirando meu
sapato e acomodando a mala no canto, lidarei com ela amanhã, e
penduro o casaco no gancho, junto aos dela. Caminho com minhas
meias, tentando não emitir nenhum barulho até chegar na frente do
sofá. Sorrio para a cena que encontro, deixando que minha mente
se esqueça de qualquer estresse do dia, deixando que meu coração
seja preenchido pelo conforto que é tê-la aqui, bem assim, todas as
vezes que chego em casa.
Amelie está dormindo, com os lábios levemente abertos,
abraçada em uma das almofadas do sofá, com a manta cobrindo seu
corpo. Seu pijama é um dos meus moletons e, caramba, eu a amo
muito. Puxo o controle, desligando a televisão e me abaixo,
acariciando seu rosto suavemente para despertá-la do seu sono. Seu
suspiro cansado me diz que Archie deu trabalho hoje, provavelmente
não deixando-a descansar. Com a proximidade do parto, ele está
ficando cada vez mais pesado e, por isso, o trabalho tem se tornado
uma tarefa que a deixa exausta.
Minha irmã e Indina insistiram para que ela parasse de
trabalhar após o Natal, mas Amelie quer continuar no escritório até,
pelo menos, a trigésima quinta semana, que será um mês antes do
previsto pela médica. Após isso, ela ficará em casa, trabalhando um
pouco menos. Além disso, Amelie não quer passar tanto tempo
afastada, mas Savannah garantiu que podem pensar sobre isso
depois, quando o bebê nascer.
— Vamos para cama, meu anjo — sussurro quando ela
pressiona os olhos, se negando a acordar.
— Está em casa — murmura, sorrindo preguiçosa.
— Sim, o voo atrasou. Desculpa te deixar esperando — falo,
afastando os fios ruivos e ela finalmente abre os olhos.
— Estava com saudade, quis te esperar — responde
manhosa. — Archie estava agitado hoje, acho que também estava
com saudade.
Solto um riso anasalado, me ajoelhando no chão para me
inclinar até sua barriga e a beijo, mesmo por cima do moletom.
— O papai também sentiu saudade — murmuro para ele. —
Vem, vou te levar para cama — falo e ela se espreguiça um pouco,
não negando a ideia.
Prefiro despertar Amelie antes de carregá-la, com medo de
que se assuste em meu colo no meio do caminho e isso ocasione em
nós dois no chão e algum desastre. Passo os braços ao redor do seu
corpo, puxando-a para cima e suas mãos espalmam meu peito antes
que ela deite a cabeça em meu ombro. Apesar de ter ganhado
vários quilos durante a gestação, o que ela adorou por causa dos
contornos e novas curvas que vieram junto ao peso, Amelie ainda
não parece muito pesada em meu colo enquanto caminho com ela
até nosso quarto.
— Minhas mães chegam na terça-feira. Conversei com a
mamãe Jenny hoje — diz, fechando os olhos. — Louis chega
somente na quarta de manhã, porque é um teimoso que não quis
comprar a passagem antes — resmunga e dou uma risada pela
forma como fala do irmão.
— Ele estava preso no trabalho.
— Eu os avisei para não deixarem para última hora, os voos
são lotados durante o Natal — replica quando abro a porta da suíte.
— Estou ansiosa para o nosso primeiro feriado juntos.
— Foi uma boa ideia trazer a sua família e juntar todos aqui
em casa — comento, porque quando Amelie sugeriu que não
passássemos o Natal distantes, suspirei aliviado com a ideia. Não
queria deixá-la sozinha porque gosto de cuidar da minha grávida,
mas nunca passei o feriado longe da minha família. Unir os Spencer
e os Taylor-Robinson pareceu perfeito para o nosso primeiro Natal
com Archie, mesmo que ele ainda esteja na barriga.
— Obrigada por aceitar a ideia.
— Essa é a sua casa agora, e sua família também é a minha
— afirmo, colocando-a na cama gentilmente. — Só preciso de um
banho e logo venho para a cama com você, volte a dormir —
sussurro, beijando seus lábios de forma casta e demorada antes de
arrumá-la no colchão, colocando o travesseiro em seus braços para
ela acomodá-lo com a barriga.
Não precisa de muitos segundos para que Amelie volte a
dormir, suspirando em seu sono enquanto me dispo do terno e da
gravata. Admiro sua visão até achar que é o suficiente,
simplesmente porque posso me dar o luxo de fazer isso agora. Posso
passar horas admirando-a dormir em nossa cama, posso ansiar
todas as voltas para casa para encontrá-la deitada no sofá.
Nada parece tão certo quanto essa vida, quanto a nossa vida
juntos. Parece exatamente com todos os sonhos que sempre tive, se
parece com tudo o que sempre desejei para mim.
— Ter filhos é terrível, por isso eu parei na primeira — Ruby
diz, entrando na conversa entre as minhas mães e Stella.
— Vovó! — Savannah a repreende, provavelmente querendo
se enfiar em um buraco, olhando com uma desculpa em sua
expressão para a minha família.
— Interessante saber disso — falo, acariciando minha barriga
após deixar a travessa com batatas na mesa.
— Não, esse conselho não serve para você, garota — a
senhora rebate, me dando um aceno com a mão. — Quero muitos
bisnetos — complementa, fazendo todos rirem.
— Vamos com calma, vovó — Liam comenta, parando ao meu
lado e passando a mão pela minha cintura. — Vamos deixar Archie
nascer primeiro e depois calculamos se serão três ou cinco filhos.
— Ai, meu Deus — murmuro, não conseguindo expressar
nada além do meu choque.
— Alguma superstição com os números ímpares?
— Podemos subir para sete se achar mais interessante —
Liam responde para o meu irmão e os dois trocam uma risada
cúmplice.
— Bem, quando for na sua barriga que essas outras seis
crianças ficarem chutando durante a noite inteira, aí sim pode opinar
sobre o assunto — retruco, dando um tapa fraco no ombro de Liam
antes de voltar para a cozinha, ajudando mamãe Jenny a trazer o
restante dos pratos.
— Louis, venha pegar a forma com o peru — mamãe grita e
escuto meu irmão resmungando, mas logo aparece na porta da
cozinha com Liam em seu encalço para ajudá-lo.
— Está tendo problemas para dormir? O Li-Li foi mil vezes
pior do que a Sav, acho que ele queria me punir por alguma coisa de
tanto que me apertava — Stella conta.
Agora, conhecendo-a um pouco melhor, é fácil enxergá-la
como uma mulher comum, não somente como a famosa CFO da
Love Affair, que anda com seus terninhos caros e os saltos altos. Ela
escolheu um vestido off-white, com um corte bonito que a deixa
elegante e leve, e quase posso imaginá-la grávida, apesar da
imagem que fica vívida em minha mente é de algo mais perto de
uma Savannah com cabelos longos do que de sua mãe.
— Tem ficado cada vez mais complicado — confesso,
sentando-me em meu lugar. — Ele tem chutado e ficado agitado à
noite, e preciso tomar cuidado com o que como após às sete horas,
porque posso ganhar uma azia terrível também, o que me deixa com
insônia. Acho que Liam está a poucos dias de ir dormir no sofá para
ter paz — comento com um certo pesar, sabendo que ele fica com o
sono péssimo por causa da minha agitação na cama, tentando achar
uma posição e dormir.
— Isso é uma mentira, meu anjo. Sabe que adoro ficar te
observando em agonia devido aos chutes — ele brinca, voltando
para a sala de jantar e colocando a forma na mesa em cima do
suporte.
Reviro os olhos, rindo da sua fala e ele beija minha têmpora
antes de se acomodar ao meu lado.
— É uma boa prática de sobrevivência para o parto — Louis
diz. — Acho que ela irá agonizar bastante até Archie começar a
alugar nossos ouvidos com o seu choro.
— Olha como fala do seu sobrinho, Louis Taylor-Robinson —
mamãe Karen o repreende e meu irmão se encolhe como se fosse o
mesmo garotinho de doze anos levando uma bronca. — Pois eu acho
que a sua irmã irá se sair muito bem no parto.
— Eu também — minha outra mãe ajuda na defesa.
— Com todos os exercícios que ela tem feito e com a
alimentação quase impecável que teve nos últimos meses, seguindo
a faixa de vitaminas e nutrientes recomendados, acho que será
tranquilo também — Stella adiciona, piscando para mim.
— Acho que prefiro não me adiantar e ficar ainda mais
ansiosa pensando no parto — digo, um pedido implícito de mudança
de assunto.
— Ainda estamos longe, meu sobrinho tem mais algumas
semanas de conforto antes de descobrir que será o terceiro homem
entre seis mulheres — Savannah pontua, fazendo todos rirmos
apesar dela esboçar no máximo um sorriso contente pela própria
brincadeira. — Sendo três avós.
— Ele será muito paparicado — Karen diz, se esticando para
alcançar a minha mão e dar um aperto gentil que devolvo.
— Serei a bisavó, ninguém pode me impedir de mimar esse
garoto — Ruby afirma com seu jeito meio rabugentinho e tenho
criado cada vez mais afeto pelas mulheres Spencer, vendo-as cada
vez mais como a minha própria família.
Ruby é a típica avó ranzinza que não perde uma oportunidade
de reclamar de algo, mas também está sempre pronta para mimar
os netos, mesmo que ambos tenham basicamente trinta anos agora.
Ela é a chefe da família, insiste em almoços de domingo com todos
ao redor da mesa.
— Acho que ninguém tenta te impedir de nada, mamãe —
Stella retruca.
— Então todos são muito espertos — a outra responde. —
Vamos comer, ainda há presentes demais para serem entregues
embaixo daquela árvore — fala, apontando para o pinheiro artificial
que montamos em um dos cantos da sala de estar, abarrotado de
muitos embrulhos em diferentes tamanhos.
— Eu que não começarei a impedir a senhora Spencer de
nada — Louis exclama, empolgado ao se servir do nosso banquete
de Natal.

Coloco a última taça na máquina de lava-louças antes de


fechá-la e acionar o tipo de lavagem. Apago as luzes da cozinha e
observo Liam terminar de colocar as coisas no lugar na sala de estar
e jantar. Todos foram embora há pouco tempo, uma vez que nosso
almoço se estendeu para o jantar após tantos presentes e há uma
pilha enorme de novos itens para Archer, o mais presenteado da
noite.
Foi um dos melhores Natais que já tive, com toda a nossa
família rindo, comendo e bebendo. Liam deixou de lado a sua
promessa de não beber nem mesmo uma taça de vinho enquanto eu
não puder, depois de muito relutar aos meus pedidos e acompanhou
meu irmão em algumas garrafas de cerveja. O almoço foi elogiado e
agradeci pela mamãe Jenny estar aqui, porque nunca seria capaz de
preparar um almoço tão completo para tantas pessoas sem ela.
Por incrível que pareça, ou talvez nem devesse ficar tão
surpresa assim, Archer ficou quieto durante quase o dia inteiro, me
dando sossego para comer muito até me sentir inchada, mas para a
infelicidade de toda sua família, que estava maluca para senti-lo se
mexer. Ele ficou tranquilo e tudo isso se dá pela agitação do meu
corpo. Quando estou me movendo, ele sente o embalo para ficar
paradinho, mas minha calmaria o instiga a se remexer por inteiro.
Ou essas foram as palavras da doutora Kylie.
— Foi um dia incrível — Liam comenta, parado no meio da
sala de estar, me observando aproximar a passos lentos dele.
— Quero repetir essa tradição em todos os Natais.
— Já estamos criando tradições? — indaga, arqueando uma
das sobrancelhas e ele fica ainda mais bonito assim, com as luzes
baixas, iluminado pela nossa árvore de Natal enfeitada demais em
tons de vermelho.
— Acho que podemos começar com essa — respondo,
levantando os ombros e ele estica as mãos, me convidando para
entrar em seu abraço. Não hesito em fazê-lo. — Pensei que colocá-
las todas em um mesmo ambiente pudesse ser preocupante, mas foi
melhor do que o esperado — comento, suspirando ao passar os
braços ao seu redor e descansar minha cabeça contra seu coração.
— Pensou que elas brigariam? — questiona com estranheza
em seu tom, acariciando meus cabelos.
— Pior, pensei que se juntariam contra nós dois — zombo e
sinto seu peito vibrar com a risada que dá.
— Era algo possível, mas acho que elas ainda estão sendo
boazinhas por causa do bebê — pontua e solto um riso contra seu
suéter antes de erguer a cabeça, encostando o queixo em sua pele.
— É uma possibilidade para o próximo ano — digo. — Acho
que fiquei ainda mais apaixonada pelo Natal depois de hoje —
admito, levantando minha cabeça e ficando de frente para ele.
— E o dia ainda nem acabou — replica com um sorriso
travesso, me deixando com as sobrancelhas franzidas. — Ainda
tenho mais um presente para você.
— Já me deu um presente — lembro-o, tocando meu pescoço
onde a corrente com o pequeno A está presente.
— Mas posso te dar dois — rebate, piscando e fazendo graça
comigo. — Sabe que, se fosse por mim, lhe presentearia todos os
dias.
— Romântico demais, senhor Spencer — brinco e respiro
fundo, fitando-o com desconfiança. — Devo ficar preocupada?
— Na verdade, sou eu que estou preocupado. Vai que não
gosta dessa surpresa — responde, me deixando ainda mais confusa.
Liam se afasta, vai até a árvore e tira uma caixinha escondida
mais ao fundo, longe dos olhos alheios sem uma grande inspeção.
Nem mesmo notei quando ele a colocou por ali. Não é muito grande,
poderia ser outra corrente ou algo parecido. Cabe na palma da sua
mão, embrulhada com um papel vermelho listrado em branco. Ele
volta até ficar de frente para mim e estica a mão, me deixando
pegar a caixa.
— É leve — comento, semicerrando os olhos para ele e Liam
dá uma risada.
— Pare de ser tão desconfiada, meu anjo.
— Você me faz uma surpresa, esconde de todo mundo a
ponto de me entregar somente depois de todos irem embora, óbvio
que estou desconfiada — rebato, rindo porque sei que o meu
nervosismo é besta, mas principalmente porque estou ansiosa para
descobrir o que ele preparou com tanto mistério.
— Achei que seria o momento ideal, quando estivéssemos
sozinhos, do que te entregar no meio de todo mundo.
— Então é algo íntimo? — indago curiosa.
— Precisará abrir para descobrir — zomba, indicando o
embrulho em minha mão.
Dou outra olhada desconfiada para ele, que continua sorrindo
e até mesmo me rouba um beijo antes que eu comece a rasgar o
papel de presente, revelando uma caixa branca com uma tampa.
Umedeço os lábios, respirando fundo antes de levantá-la,
descobrindo o que é o tal presente que Liam preparou.
— Chaves? — sussurro, continuando confusa quando vejo o
molho com três chaves dentro da caixa forrada com papel picado.
— Ok, a sua cara passou bem longe do que eu estava
esperando, mas entendo que deveria ser um pouco mais óbvio.
Talvez não tenha sido bem calculado — comenta com um riso. —
São da nossa casa.
— Mas já tenho as chaves do seu apartamento — lembro-o.
Apesar de quase esquecê-las o tempo todo por causa da memória
ruim da gravidez, não esqueço do fato que as tenho há quase um
mês.
— Não, mon ange. Essa é a nossa casa, com algumas
banheiras, seis quartos, uma cozinha grande para as tradições e um
quintal bonito — responde e minha boca se entreabre em choque,
entendendo o que ele quer dizer com isso.
— Uma casa? — murmuro a pergunta, atônita demais para
fazer sentido.
— Sim, a nossa casa — afirma.
— Comprou uma casa? — indago e ele acena com firmeza,
com o sorriso radiante e eu pulo em seus braços, mesmo que nosso
abraço seja meio desajeitado pela barriga. — Não acredito que fez
isso — digo em meio ao choro que começa a descer, manchando
minha maquiagem e embaçando meus olhos.
— É, eu fiz — sussurra em meu ouvido. — Nossa casa dos
sonhos, com todos as suas especificações, com um quarto de bebê,
com uma vista bonita no andar de cima para o bosque do bairro, a
poucas quadras da casa da minha mãe e do seu trabalho — continua
citando todas as coisas e deixando-a ainda mais perfeita do que já é
em minha mente. — E está pronta.
— Espera, o quê? — Me afasto, chocada com essa parte. —
Não é possível.
— Digamos que não era bem um segredo e minha mãe tenha
me ajudado a mexer alguns palitinhos de influência para fazer com
que essa surpresa desse certo — fala, levantando os ombros e solto
uma risada sem pretensão.
— Eu não acredito — murmuro novamente, tentando
assimilar a ideia. — Você comprou a minha casa dos sonhos para
nós dois — repito e então as palavras pesam em meu peito,
desencadeando uma nova onda de choro compulsivo. — Obrigada.
— Isso significa que aceita?
— Claro que eu aceito! — exclamo, abraçando-o novamente e
fungando para tentar controlar as lágrimas. — Eu te amo — sussurro
em seu ouvido, repetindo essas palavras algumas vezes e me
acalmando com o cheiro do seu perfume, a frequência da sua
respiração e sua carícia em minhas costa. — Obrigada por sonhar
comigo.
— Obrigado por me deixar sonhar com você — responde em
meu ouvido. — Eu te amo, todos os seus sonhos e medos, todas as
suas versões, até mesmo as do futuro que ainda irei conhecer. Eu te
amo, Amelie — diz, afastando-se para sussurrar essas palavras
olhando em meus olhos, me passando toda a segurança do mundo,
me permitindo confiar completamente em suas palavras e em seus
sentimentos, me dando a certeza de que sonhar com ele sempre
será assim, incrível. Sonhar com Liam ao meu lado sempre fará com
que meus sonhos sejam compreendidos e talvez até mesmo
realizados.
Nesse momento, minha mente me lembra de algumas
semanas atrás, quando tudo ainda parecia turbulento demais e,
mesmo me arrependendo, não sinto a amargura pelas minhas
palavras ditas quase em vão para ele após a nossa discussão aqui
em seu apartamento, quando descobriu que eu estava grávida. Não
sinto mais a amargura porque sei que estava errada, porque não há
uma parte de Liam que eu não ame, que não me faça ter a certeza
de que ele é o cara certo para mim e o pai ideal para o meu bebê.
Não há uma parte de mim que não confie com todo o meu
coração que ele será o melhor pai do mundo para Archer, ou, pelo
menos, o melhor pai que conseguir ser, usando todos os seus
esforços para amar o nosso menino. E isso me faz amá-lo ainda
mais.
— Sabe que sou contra qualquer tipo de fofoca — Savannah
começa, virando uma das esquinas à direita. Sei que, se
seguíssemos reto por mais duas quadras e virarmos à esquerda,
estaríamos na casa de Stella e Ruby, ou seja, a nossa casa é
relativamente perto da delas como Liam comentou e gosto dessa
ideia. — Mas Liam me pediu para te vendar durante todo o
caminho. Neguei a ideia porque é uma mulher grávida de quase
trinta e três semanas, então tenho certo respeito.
— Fico muito agradecida por isso — respondo com um riso
preso em minha garganta. — Acho que não suportaria dois
quarteirões com uma venda sem começar a passar mal — comento,
torcendo as mãos no colo, ansiosa para conhecer a nossa casa.
Depois de ganhar as chaves como presente de Natal, passei a
noite tentando descobrir mais sobre o assunto, mas ele somente riu
e me levou para cama. Achei maldade da parte de Liam manter tudo
em segredo, mas ele me prometeu que logo estaríamos em nossa
nova casa e eu descobriria tudo o que quisesse. Menos de uma
semana depois, aqui estou eu, no carro com Savannah, que foi a
encarregada de me levar até lá.
Não posso deixar de ficar muito impressionada com a rapidez
que tudo foi feito, mas talvez haja mesmo alguns milagres que
podem ser operados por causa de um sobrenome. Seguimos pela
rua por mais algumas quadras até que Savannah dê a seta e
estacione rente ao meio-fio.
— Caso ele pergunte da venda, por favor, defenda meu lado
— Sav pede com certo humor.
— Pode ficar tranquila, e ainda brigarei com ele por cogitar
me vendar durante quase meia hora em um carro — replico,
observando minha cunhada rir, levando a mão até os lábios.
Savannah ainda é um certo mistério para mim. Ainda não
consigo compreender a sua personalidade e discordo das palavras
de Liam sobre a irmã ser muito rígida. Acho que a loira é somente
certinha demais e tem medo de sair da linha. Para uma mulher na
posição dela, não posso julgá-la por dar o seu melhor para se
manter assim.
— Vamos — diz, saindo do carro e faço o mesmo, bem mais
lenta do que ela por causa da minha barriga pesada e quando piso
na calçada, Savannah já me aguarda. — É aquela ali — afirma,
apontando para a casa mais à frente e paro por um instante,
respirando fundo.
Preciso desse momento enquanto penso no que estou prestes
a admirar. Por quanto tempo sonhei com isso? Por quanto tempo me
peguei imaginando como seria minha casa? A casa que sempre
fantasiei em minha mente, a vida que sempre fantasiei ter. Estou
prestes a observar o lugar dos meus sonhos, onde a minha vida será
construída daqui para frente.
Sempre achei que a vida me levaria por caminhos diferentes,
mas agora, parada na calçada de pedra que preenche a frente de
todas as casas do bairro, percebo que nada parece mais perfeito do
que o aqui e o agora. Imaginava que os meus sonhos seriam
realizados de outra forma, que eu me sentiria realizada de outras
formas, que existia uma fórmula perfeita a ser seguida para que um
relacionamento desse certo, para que a vida desse certo.
Bem, tudo mudou, eu mudei. Minha vida é diferente do que
era antes, mas algumas coisas ainda podem permanecer as
mesmas, alguns sonhos ainda podem se realizar, amor não é medido
pelo tempo e os planos podem se desorganizar, porque isso nem
sempre significa o fim do mundo.
Dou alguns passos, deixando Savannah para trás enquanto
caminho até o portão baixo, com pilares centralizados possuindo
luzes para manter a parte da frente iluminada. Paro no começo do
caminho de pedras que me levará até o portão menor e então para
dentro do quintal. A construção de dois andares é básica e muito
linda, com as janelas francesas brancas, a entrada fica mais à
esquerda enquanto a garagem com o portão também branco fica à
direita. Uma pequena varanda está presente no andar de cima, com
as portas amplas dando para uma sacada com grade preta e consigo
avistar um sofá daqui de baixo.
A casa é grande e se estende até mais ao fundo,
provavelmente em um terreno com um quintal confortável lá atrás.
Abro o portão, precisando me abaixar para desfazer a tranca e
caminho pela calçada inteira até a porta, que está aberta. A varanda
da frente, assim como todo o restante do quintal, tem plantas fofas,
ainda que a maioria da vegetação esteja coberta por uma fina
camada branca de neve.
Não sei se realmente estou pronta para isso, mas, ainda
assim, prendo a respiração e entro. Um suspiro pesado exala pelos
meus lábios quando chego na parte interna. Se o lado de fora me
deixou com lágrimas pinicando meus olhos, é olhando para a
enorme cozinha à direita que elas rolam pelas minhas bochechas. A
casa está totalmente iluminada e me permite observar cada cantinho
da cozinha branca, com ornamentos dourados. A bancada cobre
toda a parede, com uma janela ampla em cima da pia que dá vista
para o quintal lateral da casa.
No meio, há uma ilha equipada, além da bancada que divide
o espaço com o restante da casa, com quatro banquetas para o lado
de fora. Passo as mãos pelo tampo claro da mesma, tentando
absorver cada parte da cozinha e pensando em tudo o que poderei
fazer por aqui e demoro para criar coragem para virar de costas,
começando a olhar para o restante.
Há um corredor mais ao fundo que deve levar para os
cômodos do andar de baixo, mas do outro lado da porta de entrada,
há uma sala de estar enorme, com uma televisão de muitas
polegadas na parede, em frente a um conjunto de poltronas e um
sofá retrátil com almofadas e duas mantas esticadas por ali. Sinto o
conforto do espaço antes mesmo de me sentar por ali, suprimindo a
vontade de ir testar o meu pensamento.
Entretanto, se eu parar na sala, não irei conseguir continuar o
meu tour, por isso caminho até as portas francesas do lado oposto
da entrada, que dão para o pátio. Um gramado se estende até uma
cerca branca que divide a nossa casa com o terreno vizinho. Uma
área de lazer à esquerda, com churrasqueira portátil e algumas
cadeiras e um balanço estilo namoradeira à esquerda. O quintal dos
sonhos.
Volto para o lado de dentro, fechando as portas para manter
o aquecimento da casa e estou prestes a conhecer o que há no
corredor quando passos soam pela escada.
— Você chegou! — Liam parece estonteante quando para aos
pés da escada e o alcanço com poucos passos. — Não estava nos
planos que chorasse — murmura contra meu cabelo quando passo
os braços ao redor dele, abraçando-o com força. — E Savannah
deveria me avisar quando chegasse.
— Essa casa é perfeita — consigo murmurar contra seu peito,
não conseguindo dizer nada além disso. — É simplesmente perfeita.
— Fico feliz que tenha gostado, meu anjo — responde,
afastando-se e segurando meu rosto entre as mãos. — Espere até
ver as banheiras enormes — sussurra, beijando meus lábios
suavemente. — E o quarto do Archer.
Liam me oferece a mão e a pego, ansiosa para descobrir o
restante da casa.
— Não acredito que encontrou a casa perfeita — continuo a
repetir, porque simplesmente não consigo processar tudo o que os
meus olhos enxergam quando começamos a subir as escadas. — A
cozinha é enorme!
— E já está pronta para que eu finalmente possa provar
aquela torta de abóbora — replica, entrelaçando nossos dedos. — E
também temos muito petit gateau e sorvete de caramelo salgado
com brownie.
— Acho que agora está mais do que merecendo essa torta —
brinco. — É enorme!
— Temos quartos o suficiente para uma pequena prole —
responde.
— Muito mal-intencionado, senhor Spencer — digo,
semicerrando os olhos em sua direção, mas ele somente solta uma
risada baixa.
— Os demais quartos estão equipados com os móveis padrão,
como quartos de visitas, então podemos decorá-los como quisermos
depois. Aqui fica o quarto do Archie — explica, abrindo a porta com
uma placa redonda de madeira, entalhada com flores e a letra A,
além de um urso fofo. — Desculpa por ter te deixado ansiosa nas
últimas semanas pensando que o quarto dele estava atrasado, a
verdade é que tudo estava sendo montado aqui.
— Acho que posso perdoar essa mentirinha — digo, levando a
mão até os lábios em choque ao observar todo o projeto que
aprovamos com a arquiteta.
O quarto dele é simples, com uma decoração infantil e a cor
predominante é verde-claro. A cômoda com o trocador em cima, os
detalhes nas paredes, as pinturas de alguns animais, o berço que
sua mãe escolheu a dedo para nos dar, a poltrona para
amamentação em um dos cantos, todos os apetrechos necessários
nas prateleiras. Meu menino terá um quarto lindo para chamar de
seu e me sinto ainda mais ansiosa para tê-lo em meus braços.
— Também mal posso esperar para conhecê-lo — Liam
sussurra, parando ao meu lado e colocando a palma contra a minha
barriga. — Consigo te imaginar sentada ali, ninando nosso filho, ou
eu passando trabalho com algumas fraldas sujas bem ali —
comenta, apontando para cada canto do quarto. — Consigo nos ver
parados na beira do berço, admirando nosso menininho.
— Espero que ele tenha os seus olhos — confesso algo que
imagino todas as vezes que penso em Archer.
— Espero que todo o restante puxe a você — replica,
beijando meu ombro. — Nosso quarto fica na ponta do corredor, a
dois passos daqui. Pensei que seria bom mantê-lo bem perto para as
nossas futuras noites insones.
— Estou ansiosa até mesmo para elas — brinco, suspirando
antes de andar para fora do quarto, pronta para conhecer a nossa
suíte.
Quando Liam abre a porta, sou recebida pela vista da
varanda. É a primeira coisa que brilha em meus olhos, com as portas
francesas como no restante da casa e a vista para o bairro, com um
sofá redondo grande o suficiente para acomodar nós dois. A cama é
enorme, com mesas de cabeceira embaixo dos pêndulos das
luminárias. Meus olhos continuam a vagar, encontrando o closet com
armários infinitos e antes que eu possa caminhar até o banheiro,
para conhecer a minha mais nova melhor amiga, a banheira, sou
surpreendida por uma mini bola de pelos.
— Um cachorro! — exaspero quando o bichinho corre pelos
meus pés, querendo brincar comigo, ainda meio desengonçado pelo
seu tamanho. — Também temos um cachorro? — indago, sorrindo
até que as minhas bochechas doam e Liam coça a nuca antes de se
abaixar, chamando o pequeno e pegando-o no colo.
— Não era a intenção — começa e então toca o focinho do
cachorro. — E você deveria ter ficado escondido até o grande
momento, cara — ralha com ele, apesar de não haver repreensão
alguma em seu tom. — O plano era pegarmos um cachorro depois
do Archer nascer, mas a mãe dele foi encontrada nos arredores do
aeroporto com oito filhotes. Ela estava fraca e debilitada, e eles
estavam magros pela produção de leite escasso. Quando os
funcionários comentaram sobre o assunto, não consegui evitar e
pedi para adotar um dos filhotes — conta quando me aproximo,
acariciando o pelo preto com pequenas manchas marrons.
— Parece que foi o destino que te colocou em nossas vidas —
murmuro para o cachorro, fazendo Liam rir.
— Ele ainda não tem nome, estava esperando que você o
visse para me ajudar com sugestões.
— Nada de Liam II dessa vez? — zombo e ele revira os olhos.
— Sabemos que Archer foi um achado e somos péssimos com
nomes.
— Talvez escolher algo comum seja a solução. Algo como
Bob, Jack, Milo, algo assim — comenta, levantando os olhos e
observo o bichinho em seu colo, olhando-o com atenção.
— Acho que ele tem cara de Bob — afirmo e recebo um
projeto de latido como resposta. — Isso foi um som de aprovação,
tenho certeza.
— Bob — Liam chama e o cachorro olha. — Acho que ele
escolheu esse nome para si.
— Então temos uma casa nova e um cachorro?
— E um bebê a caminho — relembra, como se eu pudesse
esquecer, e passa a mão livre pela minha barriga. — Parece um bom
plano para o futuro.
— Se parece com tudo o que sempre sonhei — respondo.
— Obrigado por sonhar comigo, sendo assim.
— Obrigada por realizar meus sonhos — digo, me perdendo
na imensidão do azul dos seus olhos.
— Nossos sonhos — frisa com um sorriso.
— Nossos sonhos — repito com a mesma certeza que ele.
— Amelie? — chamo-a pela casa, voltando a subir as escadas
depois de encher o pote de Bob com ração. — Está pronta?
— Só preciso terminar de me vestir — responde, gritando de
algum lugar em nosso quarto.
Caminho pelo corredor, ainda é um pouco estranho chamar
esse lugar de casa, mas estamos nos adaptando com as mudanças.
Passamos o feriado de Ano-Novo trazendo todas as nossas coisas e
organizando-as nos espaços, e ficamos uma semana somente
aproveitando a casa antes de começarmos a pensar sobre os nossos
antigos apartamentos.
Amelie precisou ocupar um espaço na garagem depois de
tirar todos os itens próprios do apartamento, como alguns itens de
decoração e um ou outro móvel que ainda não decidiu o que quer
fazer com eles. Meu contrato com o senhorio do meu apartamento
vai até o final de fevereiro e, após isso, já deixei expressa a minha
vontade de não renovar o contrato.
O quarto de Archer está completo, com as roupas nas
gavetas, fraldas no cesto designado para elas, o trocador equipado
com tudo e, na próxima semana, iremos comprar o que ainda resta
da nossa pequena lista de itens necessários para deixar tudo pronto.
Amelie já começou a pensar em fazer a mala da maternidade e
entraremos em contagem regressiva em breve. Entramos
oficialmente no nono mês na próxima sexta-feira, e a doutora Kylie
ainda acredita que, por ele estar encaixado, entre a trigésima sétima
e a trigésima nona semana, Archie deve vir ao mundo a qualquer
momento.
Só de pensar em pegar o meu menino no colo, um sorriso
brota em meus lábios e a ansiedade palpita meu peito.
Entro no quarto, procurando por algum sinal de Amelie até
encontrá-la no closet, em frente ao espelho. Suas roupas estão
separadas na poltrona do canto e ela ainda está somente com o
sutiã e a calcinha, ambos pretos. A parte de cima é de algodão, leve
e confortável, como tem preferido nas últimas semanas com os seios
cada vez mais inchados.
Suas mãos estão por cima da barriga, com a atenção tão
focada que quase não nota a minha aproximação. Os dedos
percorrem as estrias vermelhas que rasgam sua pele. Mesmo com o
cuidado e os cremes, nem tudo pode ser evitado e sua barriga teve
um crescimento repentino depois da vigésima semana, quando ainda
parecia tímida demais.
— Ei, o que aconteceu? Precisa de ajuda? — pergunto,
apoiando o queixo em seu ombro e a olhando pelo reflexo do
espelho.
— Não, está tudo bem. Eu já estava indo — replica,
balançando a cabeça, mas evito que ela saia dos meus braços,
segurando-a contra mim.
— Sabe que pode conversar comigo, certo? — digo e ela
afirma com a cabeça, soltando um suspiro em seguida.
Passo as mãos pela sua pele, deixando meus dedos
percorrerem as estrias, o umbigo protuberante, sinto um empurrão
contra a minha palma e nós dois sorrimos para o movimento de
Archer. Ela relaxa em minhas mãos, deixando sua cabeça descansar
em meu ombro e aproveito para fazer algo que tanto adora,
posicionando minhas mãos ao redor da sua barriga, embaixo da
mesma e puxando-a um pouco para cima, sustentando o peso em
meus braços.
Amelie solta uma respiração cansada, fechando os olhos e sei
como está ficando exausta, com os pés cada vez mais doloridos,
assim como as pernas, o peso do nosso filho cobrando o seu preço
agora na reta final. Faço o meu melhor, ajudando-a na hora de
dormir, massageando seus pés, lavando e secando seu cabelo após
o banho, sustentando o peso da sua barriga uma vez ao dia pelo
menos, quando estou em casa.
Solto-a lentamente e Amelie abre os olhos, sorrindo para mim
pelo reflexo e murmurando um “obrigada”.
— Eu amo esse corpo, amo senti-lo dentro de mim, amo a
sensação de estar grávida, mas… — começa, um pouco hesitante e
voltando a fitar a barriga. — Às vezes me sinto feia — finda, rindo
baixo das suas palavras. — Sei que é bobagem, mas às vezes me
olho no espelho e vejo a minha pele ressecada, meus pés parecendo
duas batatinhas, meu corpo inteiro inchado, minha barriga cheia de
marcas e me sinto feia.
— Mon ange…
— Nunca tive a maior autoconfiança do mundo, ou a
autoestima mais alta de todas, e não me sinto assim todos os dias,
mas em alguns é mais difícil não achar todos os defeitos que
passaram a existir no meu corpo — explica, engolindo em seco e
voltando a me encarar.
— É válido se eu disser que segue sendo a mulher mais
bonita do mundo para mim? — indago, arrancando dela um sorriso
tímido.
— Você é bobo demais.
— Digo isso desde a primeira vez que te vi e nada disso
mudou para mim. Continua sendo a mulher mais linda quando
reclama sobre seus pés, que parecem pequenas batatinhas, ou
sobre uma nova marca que apareceu em sua pele, ou quando
resmunga sobre sua dor nas costas por causa do nosso menino —
cito, fazendo-a sorrir cada vez mais das minhas bobagens. — Você é
linda, Amelie, e talvez não consiga se apreciar da forma como eu o
faço, e está tudo bem não se achar bonita em alguns dias, ou
encontrar mais defeitos em si. Estarei aqui em todos eles para te
lembrar o quanto é linda e tentar te convencer de pensar da mesma
forma como eu penso.
— Realmente o amo muito, mas… — Ela para, espalmando a
barriga.
— Seu amor por ele nunca foi posto à prova aqui. Seu corpo
mudou devido à chegada de Archer e está tudo bem estranhar essas
mudanças, desgostar delas de vez em quando — falo, beijando seu
ombro. — Logo ele estará em nossos braços e seu corpo talvez volte
a ser como era antes.
— Talvez — repete minhas palavras.
— Não posso te dar certezas, meu anjo. Talvez algumas
mudanças fiquem, você está gerando a vida do nosso menino aí
dentro, está sendo a casa dele por nove meses, ter um inquilino por
todo esse tempo sempre muda um pouco — comento.
— Tento não pensar muito sobre isso o tempo todo, sobre o
depois. Só saberemos quando esse momento chegar — replica e dou
um aceno.
— O que sei é que estaremos ocupados demais com
mamadeiras, fraldas e choros de madrugada, essa é a certeza do
futuro que posso te dar.
— Gosto bastante dessa certeza, não posso mentir — brinca,
me fazendo rir.
— Talvez mude sua opinião em poucos meses — comento,
levantando os ombros antes de cairmos em um pequeno silêncio,
olhando um para o outro pelo espelho.
— Obrigada — sussurra. — É melhor eu ir me vestir ou nos
atrasaremos para o almoço.
— Está tudo bem? Podemos cancelar o almoço, não é como
se a minha mãe fosse ficar muito chateada e não entender a
situação — ofereço, mas Amelie se afasta, determinada.
— Eu adoro passar um tempo com a sua família, não quero
passar outro dia no sofá — diz e dou um aceno, tomando a calça
que ela acabou de pegar no sofá de suas mãos.
— Elas entraram em sua mente e fizeram alguma lavagem
cerebral se está dizendo tamanha atrocidade — zombo, me
ajoelhando para ajudá-la a vestir a calça.
— Não fale assim, elas só são tagarelas demais, mas são
adoráveis — rebate, apoiando as mãos em meus ombros quando
passo a peça pelos seus pés e subo em suas pernas. Assim que
chego na cintura, Amelie ajusta o cós elástico em sua barriga. — Ele
está agitado hoje — comenta, soltando um suspiro pesado e sei que
o chute que recebeu deve ter doído.
— Ei, pirralho, dê uma trégua para a sua mãe hoje —
sussurro contra a sua barriga, beijando-a em seguida. — Prometo
que ganhará o direito de me atormentar um pouco mais depois que
nascer se deixá-la descansar um pouquinho hoje — barganho,
fazendo Amelie rir.
— Aparentemente, você tem um negócio fechado — diz,
provavelmente quando a agitação de Archer reduz.
— Claro que sim, tenho certeza de que serei o pai favorito —
caçoo, me colocando de pé outra vez.
— Vamos com calma nessas afirmações, porque não será tão
fácil assim — retruca, vestindo a camiseta térmica justa contra a sua
pele e pegando o cardigã grosso.
— É o que veremos — rebato, ajudando-a a fechar os botões
e roubando um beijo dos seus lábios.

— Conversei com Megan hoje, do RH, e ela confirmou a


minha licença — digo, pegando o marshmallow e colocando na
forma para continuar nossos smores caseiros. — Cumpro a escala
prevista até o dia dez e, depois disso, já posso tirar a licença. Como
a nossa previsão é para essa semana, irei só finalizar o último voo e
pegarei a licença logo depois. Porém, se for se sentir mais segura
que eu pare antes, posso conversar sobre isso com ela — findo
minha fala, colocando mais duas peças antes de olhar para Amelie,
estática na outra ponta da bancada. — Está tudo bem?
— Sim, sim. Claro — responde, piscando algumas vezes e me
fitando, mas percebo que sua mente estava longe. — Dia dez está
ótimo, acho que não teremos surpresas antes disso — diz, dando um
sorriso de canto.
— Tem certeza de que está tudo bem? — pergunto, deixando
a travessa de lado e caminhando até ela.
— Novas contrações de treinamento, só estava contando o
intervalo, mas já pararam — fala, fazendo uma careta antes de
repousar a mão no topo da sua barriga. — Acho que estou ficando
com medo — confessa.
— Do parto? — indago preocupado, franzindo a testa.
— Não sei, só medo — replica. — Não sei explicar, mas tenho
medo de fazer algo errado, de não perceber algum sinal ou algo
assim. A médica disse que, na próxima semana, já pode ser a
qualquer momento, mas e se ele quiser vir antes, e se acabar
nascendo prematuro por causa de alguma coisa que fiz ou deixei de
fazer, e…
— Ei, olha para mim — peço, segurando seu rosto com
gentileza. — Respire comigo — digo, inalando pelo nariz e exalando
pela boca, e Amelie repete, ficando mais calma. — Archer já está
com quase trinta e sete semanas, mal pode ser considerado
prematuro mais, anjo. E não está fazendo, não fez, e nem fará nada
de errado. Vocês dois estão bem, ouviu o que a médica nos disse
ontem. Ele está saudável e perfeito, encaixado e pronto para vir
quando for o momento. E, quando chegar, você será incrível, tenho
certeza.
— E se não conseguir fazer o parto?
— Então a Dra. Kylie irá nos instruir para a cesária e tudo
ficará bem — reforço, beijando sua testa. — Tem certeza de que não
quer mesmo que eu tire minha licença com antecedência? Não
quero te deixar sozinha — pergunto. Não quero que ela se sinta mal
e, por mim, já ficaria em casa com Amelie, mas não quero ter
atitudes teimosas que podem deixá-la ainda mais nervosa.
— Tenho — afirma, olhando para cima e fitando meus olhos.
— Estamos bem, só tenho momentos de medo de dar tudo errado.
Não quero fazer nada de errado.
— E sei que não irá fazer.
— Estou ansiosa para conhecê-lo — sussurra, como se fosse
um segredo entre nós dois e solto uma risada anasalada.
— Também estou muito ansioso para conhecê-lo — respondo,
colocando a palma contra a sua barriga e sentindo um chute potente
que faz com que Amelie se retorça em uma expressão de dor. — Ele
não tem dado trégua, não é?
— Está ficando cada dia mais impossível, mas se agita mais
quando você está por perto — conta e faço um carinho em sua
barriga coberta pelo moletom grosso. — Acho que isso significa que
ele também está ansioso para te conhecer.
— Isso até ele se apaixonar pela mãe, assim como eu me
apaixono todos os dias — replico, suavizando o vinco entre as suas
sobrancelhas, ainda carregando preocupação demais. — Eu estarei
lá, estarei sempre ao seu lado, irei segurar a sua mão e prometo que
nada irá dar errado.
— Não pode me prometer isso — retruca com diversão.
— Eu posso sim — afirmo, arrancando uma pequena risada
de Amelie.
— Posso acabar te apertando muito forte — relembra,
inclinando-se para frente e faço o mesmo, até nossas testas estarem
unidas.
— Pode quebrar a minha mão, se assim desejar, mas não irei
soltá-la. Estarei ao seu lado, sempre, entendido? — pergunto e ela
dá um aceno.
— Eu te amo — diz, olhando em meus olhos e me
transmitindo a segurança que sempre me dá.
— Eu te amo — replico contra seus lábios, tomando um
selinho demorado dela. — Amo vocês dois.
— E nós te amamos muito.
— Muito — repito, gostando da forma como ela sempre diz
isso.
— Muito — reafirma.
A máquina de café parece levar uma eternidade para terminar
de despejar minha bebida no copo térmico descartável. Aguardo
pacientemente, apesar de estar querendo voltar correndo para o
quarto. Assim que o sino baixo ressoa, me avisando que o café está
pronto, pego o copo, aquecendo minhas mãos e faço o caminho de
volta para a suíte com passos largos.
São duas da manhã, mas o hospital não está tão deserto
assim. Algumas enfermeiras andam para lá e para cá, alguns outros
acompanhantes bebericam seu café ou descansam nas cadeiras
duras dos corredores. Abro a porta do quarto com cuidado, não
querendo emitir nenhum barulho, mas rapidamente os olhos
cansados de Amelie se viram para mim, abrindo-se e sei que a
acordei.
Não entendi por que ela tem batalhado contra o sono,
dormindo pequenos cochilos desde que Archer nasceu, mas ela está
evitando dormir. Talvez também esteja com medo de perder algum
momento, de não prestar atenção em algum dos barulhinhos dele
ou seus resmungos.
Archer Taylor-Robinson Spencer nasceu no dia treze de
fevereiro, às seis e dezessete da tarde, após uma longa tarde de um
trabalho de parto que fez Amelie ficar exausta e eu quase perder a
mão. Ela foi impiedosa enquanto gritava, me apertando e chorava,
pedindo para nosso menino sair. Archie estava encaixado e perfeito,
a bolsa estourou quando estávamos tomando café e terminamos de
organizar tudo, contando os minutos entre uma contração e outra
quando começaram.
Queria surtar, mas Amelie manteve a calma e me pediu para
ter calma com ela, então me esforcei para não deixá-la ainda mais
nervosa. As dores foram a pior parte e achei que ela iria desistir em
algum momento, com o rosto contorcido de dor, lágrimas escorrendo
pelos seus olhos e a médica lhe pedindo mais força. Sua dilatação foi
rápida, em menos de cinco horas, tínhamos os dez centímetros tão
sonhados.
Meu filho veio ao mundo em um grito quase ensurdecedor,
procedido de um choro que me cortou o coração. A carinha
enrugada, os olhos fechados com força, seu pulmão trabalhando a
todo vapor enquanto ele chorava no volume máximo. Amelie chorou
baixinho, chamando-o e pedindo para que Archer se acalmasse.
Senti as lágrimas escorrerem pelas minhas bochechas e abaixei a
máscara de proteção, completamente envolto nos itens de
segurança para estar na sala de parto.
Ele veio para o colo dela, ainda um pouco sujo, e ouviu a voz
de Amelie de perto, parecendo se acalmar com a melodia que saia
pelos seus lábios enquanto ela conversava com ele. Fiquei estático,
com o coração apertado, tamanho o sentimento que me preencheu.
Eram as duas pessoas que eu mais amava, bem ali na minha frente,
Archer aninhado contra Amelie, abrindo seus olhos vagarosamente
em direção à mãe.
Existem cenas que ficam para sempre presas em nossa
memória, como a primeira vez que vi minha mãe chorar; a primeira
vez que vi minha irmã indo para o hospital depois de quebrar o
braço brincando; a vovó sorrindo para a foto do meu avô, sozinha na
sala no dia do aniversário de casamento deles; Carter sorrindo com
lágrimas nos olhos ao ver Claire entrando na igreja; meu primeiro
voo.
Memórias bonitas e tristes, mas memórias que sempre
estarão presentes. Como a primeira vez que vi Amelie no saguão do
aeroporto, como a primeira vez que vi meu filho e toquei seu
rostinho, como o sentimento de cortar o seu cordão umbilical. São
cenas que ficarão marcadas em minha mente. Nunca me esquecerei
da primeira gargalhada que Amelie me deu, ou a forma como me
olhou quando senti que tudo havia mudado entre nós dois. Nunca
irei me esquecer de como a testa de Archer se franziu um pouco
quando falei com ele pela primeira vez, ou como foi a coisa mais
bonita do mundo quando a pega finalmente se encaixou e ele
mamou no seio da mãe por bons minutos, emitindo aquele som
delicioso que só os bebês sabem fazer.
Nunca me esquecerei da forma como me apaixonei ainda
mais profundamente por Amelie Taylor-Robinson enquanto ela dava
à luz para o nosso primeiro filho, assim como não me esquecerei de
como meu peito pareceu se expandir ao olhar para Archer pela
primeira vez e sentir seus dedinhos ao redor do meu polegar. Ele é a
coisa mais perfeita que já encostei e não me canso de assisti-lo,
mesmo que seja somente respirando, porque nunca irei me cansar
de olhar para o meu menino.
— Deveria descansar um pouco — sussurro para Amelie
depois de fechar a porta e caminho até ela. — Se ele acordar, irá
saber.
— Disse o papai babão que não cochilou nem mesmo por
meia hora desde que ele nasceu — rebate, revirando os olhos, mas
posso ver o cansaço por trás da fachada turrona.
— Não fui eu que enfrentei boas horas de trabalho de parto
exaustivo — relembro.
— Pelo que eu me recordo, estava ao meu lado durante todos
os instantes, isso deve servir de algo — retruca e suspiro, sabendo
que ela não me deixará vencer essa discussão. Sento na ponta da
cama, deixando o café na mesa de cabeceira.
— Como está se sentindo?
— Estranha e… vazia — responde com um riso.
— Acabou de tirar um bebezão de mais de três quilos de
você, acho que está dentro do esperado — brinco, passando as
mãos pelo seu rosto e afastando os fios ruivos. — Alguma dor?
— Acho que ainda estou meio dopada dos remédios —
confessa. — Como ele está? Queria que tivessem colocado o berço
aqui do lado — reclama, principalmente porque está de repouso até
amanhã cedo, pelo menos. Não deve fazer esforços e muito menos
se levantar da cama.
— Ele continua dormindo pacificamente — respondo, olhando
em direção ao berço onde Archer está, mais perto de uma das
paredes do quarto. — O que significa que deve acordar a qualquer
momento — zombo, porque é o que vem acontecendo a cada pouco
tempo.
Ele dorme por longos minutos, então acorda chorando, fica
um pouco conosco e logo toma outra dose de leite, adormecendo
com o seio da mãe na boca, entorpecido pelo alimento. É fofo e me
dá vontade de capturar essa imagem em minha mente, como se
nunca fosse o suficiente para mim.
Volto meu foco para a mulher na minha frente, sentada na
cama mecânica, parecendo fraca e exausta, mas ainda assim
sorrindo para mim, ainda assim se mantendo forte mesmo que eu
não peça isso para ela. Na verdade, queria que Amelie descansasse
e comesse um pouco mais, porque parece pronta para desmaiar de
fraqueza, ou talvez só seja a palidez pelas horas de muito esforço.
— Obrigada por ter ficado do meu lado por todo esse tempo
— diz, tocando minha mão e trazendo-a até seus lábios.
— Não teria como estar em outro lugar, meu anjo. Obrigado
por ter trazido nosso menino ao mundo — agradeço, me abaixando
para beijar sua testa. — Deveria mesmo descansar um pouco, ficarei
acordado para quando ele despertar.
— Nós dois deveríamos dormir — fala e sei que estou com
uma aparência péssima também, com olheiras e o cabelo
completamente bagunçado.
— Acho que nossos dias de dormir bem acabaram hoje —
brinco e Amelie revira os olhos, rindo. — A partir de agora, são
mamadas de madrugada e sonos curtos.
— Estava com medo de não conseguir acertar na pega —
admite, falando sobre a amamentação e, mesmo sem saber como
acalmá-la quanto a isso, ouvi seus medos nos últimos meses sobre
talvez não dar conta de amamentar ou nem mesmo produzir leite, o
que eram possibilidades.
— Vocês dois foram incríveis — friso, passando para ela todo
o orgulho que explodiu em meu peito na primeira vez que assisti a
cena. — Foram encaixados um no outro, como duas peças perfeitas
de um mesmo quebra-cabeça.
— Ainda pode ser complicado daqui para frente, quando
fizermos sem as enfermeiras — comenta com sua insegurança de
sempre e sorrio de canto.
— Nós três iremos nos organizar, anjo, confie na gente —
peço, beijando suas mãos e ela dá um aceno, tentando relaxar seus
ombros.
Amelie tem esse vício em tentar adivinhar tudo, em fazer com
que tudo siga sob o seu controle e nada dê errado. Talvez Archer
mostre a ela que, às vezes, mesmo saindo do controle, tudo segue
dando certo, só não da forma como planejada a princípio. Nem tudo
que sai da linha de planejamento é um erro, às vezes é só um acerto
diferente.
— Temos um filho — sussurra, focando os olhos novamente
no berço. — Não acredito nisso.
— Um filho lindo e muito saudável — complemento,
observando seu rosto se iluminar enquanto estica o pescoço para
ver o nosso menino. — Chegamos até aqui.
— E agora temos um novo caminho pela frente — comenta,
voltando seu olhar hesitante para mim. — Estou ansiosa para
descobrir tudo sobre o nosso futuro.
— Estou curioso para descobrir cada passo desse novo
caminho ao seu lado — sussurro, beijando novamente sua testa e
descendo até beijar seus lábios. Como se achasse o momento
oportuno, Archer acorda, começando a chorar no volume mais alto
que consegue alcançar com seus pequenos pulmões. Solto um riso
contra os lábios de Amelie. — Espero que isso não vire um hábito,
ou meu garoto estará jogando contra o papai — zombo, me
levantando da cama para pegá-lo.
Archer está vermelho pelo choro, a boca levemente aberta e
os olhos apertados. Sei que devo ser uma pessoa ruim por dentro,
mas acho até mesmo o som que ele faz ao chorar fofo, mesmo que
me doa um pouco o coração. Assim que alcanço o berço, envolvo
minhas mãos em suas costas, firmando a cabeça antes de levantá-
lo, trazendo-o para o meu peito.
— Ei, que isso, amigão, o papai está aqui. Shhhhh, logo
vamos chegar na mamãe, calma — sussurro para ele, balançando
meu corpo suavemente ao andar, acalmando seu choro. A sensação
do seu corpo contra o meu é incrível. Sua pele tocando a minha,
senti-lo contra a minha palma, tão pequeno, tão meu para ser
protegido. Tão meu para construirmos um futuro incrível juntos. —
Sei que você já está apaixonado por ela e nem consegue ficar longe,
eu entendo, sua mãe é a mulher mais linda e forte que conheço,
mas dê uma trégua, ok? O papai também pode ser divertido —
continuo nossa conversa e logo Archie cessa seu choro, começando
a se mexer em meu colo.
Ele está com uma das roupinhas que trouxemos, branca com
um pequeno urso bordado na frente, além das luvas e meias
reforçadas, tudo para evitar qualquer frio que esse inverno gelado
demais causa em Toronto. Archer se alinha em meu peito assim que
chegamos na cama e me sento novamente, sendo observado por
uma Amelie sorridente.
— Ele é muito fofo — sussurra, inclinando-se para tocar nosso
filho com a ponta dos dedos. — Você é a coisa mais linda que a
mamãe já viu — diz para ele e sinto que algo entre um sorriso e um
resmungo é a resposta dele para a mãe antes de voltar a chorar. —
Acho que ele deve estar com fome.
— Só porque achei que poderia ser o novo encantador de
bebês — zombo, uma vez que ele parou de chorar rapidamente
assim que o peguei no colo.
— Infelizmente, você não tem aquilo que ele mais ama no
momento — replica, zombando de mim enquanto se arruma na
cama, puxando a alça da camisola e então abrindo o sutiã forrado
com os lenços para vazamentos. — Acho que os primeiros dias pós-
parto são os mais aterrorizantes para a autoestima de uma mulher
— murmura enquanto acomodo Archer em seu colo.
— E ainda assim parece incrivelmente linda e tentadora,
senhorita Taylor-Robinson — rebato, beijando seus lábios enquanto
seguramos nosso filho e ele rapidamente encontra o seio da mãe,
parecendo faminto. — Estarei mais do que disposto a tentar fazer
novos bebês fofos com você assim que desejar — brinco,
conseguindo arrancar um sorriso tímido e bochechas um pouco
avermelhadas.
— Diz isso só para me agradar — floreia, revirando os olhos.
— Digo isso porque é a verdade. A mãe do meu filho é linda
até mesmo bagunçada e com olheiras depois de um dia inteiro em
trabalho de parto — respondo, frisando a última parte. — É preciso
ser muito graciosa para atingir esse tipo de beleza.
Amelie sorri para mim enquanto me afasto e vejo a gratidão
em seus olhos. Não irei dizer que ela não está uma pequena
bagunça, mas continua sendo a mulher mais linda do mundo para
mim. Segurando o nosso filho no colo, dando a ele o seu alimento,
mesmo estando cansada depois de tanto esforço. É um recomeço,
um novo caminho, uma nova vida para nós dois, que agora viramos
três. É uma chance de nos realizarmos, de acreditarmos novamente
no futuro e que as coisas podem dar certo, que sonhos podem se
realizar.
Olhando para eles no silêncio do quarto que é preenchido
somente pelo som da respiração profunda de Archer e os barulhos
de sucção, percebo que meu recomeço é perfeito, que eles dois são
tudo o que sempre sonhei. Minha família não planejada, nosso final
feliz, mesmo com o começo cheio de tropeços, nossa vida é perfeita,
mesmo com todos os possíveis defeitos.
Todas as coisas que nos trouxeram até esse momento fizeram
com que as consequências valessem a pena, afinal, a consequência
do nosso destino insistente foi esse pequeno serzinho no colo de
Amelie, foi a nossa casa juntos, nossa vida preenchida pelas risadas
deliciosas dela e pelas minhas piadas fajutas. As consequências de
amar Amelie nunca me pareceram ruins, mas, agora, olhando para
os dois nessa cama de hospital, elas parecem ser perfeitas.
— Venha com a vovó, meu amor — Stella fala, pegando
Archer e não consigo evitar um sorriso para a cena, porque é
estranho imaginá-la nesse papel, mas a mãe de Liam, em seus
terninhos caros e postura impecável, parece também uma avó
perfeita. — Eles estão cuidando bem de você? Por que sabe que
sempre pode pedir refúgio na casa da vovó, certo?
— Mãe, ele só tem dez dias — Savannah zomba da poltrona
ao lado, mas também se inclina para mexer com o sobrinho,
encantada por ele. — E óbvio que irá preferir a titia.
— Vai sonhando — Louis replica, voltando para a sala de
estar com um prato cheio dos biscoitos da mamãe Jenny em mãos.
— Todos sabemos que eu serei o titio favorito.
— Posso fazer disso uma disputa se desejar, Louis, mas fique
ciente de que irá perder — a loira rebate.
— Acho que Archer ainda é novo demais e gosta de todos
igualmente. — Liam media a situação, me fazendo soltar um riso
baixo que abafo com a mão. — E a pessoa favorita dele é a mãe no
momento.
— Inclusive, como está sendo, querida? — mamãe Karen
indaga, sentando-se ao meu lado depois de deixar a bandeja com as
canecas de chocolate quente na mesa de centro e me entrega a
minha.
— Estamos indo bem. Estou com muita produção e não
aguento mais os meus seios vazando — confesso para minha mãe
quando entramos em nossa bolha para conversar, com todos os
demais babando em cima do meu filho. — A pior parte são as noites
insones.
— Disse a ela para armazenarmos o leite à noite e posso
acordar sozinho de madrugada para que ela durma mais — Liam diz,
colocando as mãos em meus ombros, parando atrás de mim.
— Gosto de ter esse momento com ele — falo. — No silêncio
da madrugada, com seus olhinhos atentos em mim, sua mão
espalmada em minha pele e com ele morto de fome mamando.
— Realmente é uma das minhas cenas favoritas da vida —
Liam comenta, beijando o topo da minha cabeça. — Mas sei que
pode fazer bom proveito de algumas horas a mais de sono.
— Fique tranquilo, em breve ela deve começar a barganhar —
minha mãe diz, piscando para ele. — Sabe que podemos ficar aqui
nesses dias, certo, para ajudá-los?
— Agradecemos a oferta, mas estamos nos virando bem, mãe
— respondo.
Stella nos ajudou durante os primeiros dias, assim que saímos
do hospital, mas Liam tem um talento nato e tento não pensar em
como isso pode vir do seu passado, e como talvez seja um pouco
angustiante para ele relembrar tudo o que viveu. Ele não toca no
assunto, nem me dá dicas de que pode estar pensando sobre isso,
então também não serei eu a trazer o assunto à tona.
Minhas mães esperaram até Archer ter um pouco mais de
uma semana para virem para Toronto, a meu pedido. Queria esse
momento somente nós três, nos ajustando na rotina com o bebê,
descobrindo as dificuldades e também organizando-as da nossa
maneira antes de nos sentirmos prontos para recebermos visitas.
Stella, Ruby e Savannah também mantiveram a sua distância
próxima, disponíveis sempre que precisamos, mas sem nenhuma
intromissão. Gostei desse ritmo e de toda a nossa família ter
respeitado o nosso momento. Os primeiros dias de Archer em casa
foram complicados, porém ele é um recém-nascido e sou uma mãe
de primeira viagem, não é nada atípico. Além disso, Liam me ajudou
em muitas coisas, ou talvez nós tenhamos ajudado um ao outro
nesses últimos dias.
Ainda me sinto estranha em meu próprio corpo e a doutora
Kylie tem me acompanhado nesses dias, respondido as minhas
dúvidas e me feito me sentir melhor sobre tudo o que tem
acontecido. Estou no último dia do que se espera ser o puerpério
imediato, o período onde tudo parece ainda mais intenso. É provável
que até o fim das duas primeiras semanas após o parto, meu útero
se contraia de volta ao tamanho normal e isso talvez justifique as
cólicas horríveis que tenho sentido.
Os sangramentos tendem a diminuir a partir de agora, o que
foi uma parte um tanto quanto complicada pelo forte fluxo inicial.
Tudo que se expandiu está voltando ao lugar de certa forma e, além
das dores, ainda tenho certa dificuldade de me olhar no espelho
antes de tomar banho. O glow da gravidez é substituído por um
declínio do pós, com o corpo estranho, as olheiras pela falta de sono
regulado, isso sem contar nos seios vazando.
Entretanto, tento me manter positiva e grata o máximo que
consigo. Liam não me cobra isso, na verdade, ele tem sido tão
compreensivo que às vezes dói meu coração de tanto amor. Ele é
presente em todas as tarefas, sussurra o quanto me ama e como
sou uma mãe linda e incrível, e levanta todas as noites comigo,
buscando Archer no quarto para que eu o dê de mamar na cama.
Observo a cena à minha frente, com todos sorrindo para meu
filho, no colo da avó paterna. Ele dorme, porque é isso que faz em
noventa por cento do tempo e, nos outros dez, costuma mamar.
Archer é lindo, então entendo o deslumbre de todos eles. Ele não
precisa de muito para encantar essa família babona.
— Está tudo bem, querida? — mamãe Jenny indaga assim
que aparece na sala, colocando a travessa com as suas famosas
quiches em miniatura na mesa. Pisco algumas vezes, focando nela e
percebo que a sua preocupação vem das lágrimas que desceram
pelo meu rosto.
— Sim, está — respondo, sorrindo para ela e querendo
afastar a preocupação de todos. — Só estou feliz, obrigada por
estarem aqui. Todos vocês — digo, olhando para cada um deles e
buscando pela mão de Liam em meu ombro, entrelaçando nossos
dedos.
— Não haveria outro lugar para estarmos, Amelie — Ruby diz,
sorrindo do seu jeito maternal, que reserva somente para os netos e
a filha. E agora, para mim. — Você, Archer e Liam são nossa família,
e todos estamos aqui para ajudar vocês nesse momento.
— Obrigada — repito, porque mesmo sendo família, toda a
ajuda que eles têm deixado à nossa disposição me faz ficar
sentimental.
— Além de aproveitarmos todas as oportunidades para
babarmos em meu netinho — mamãe Karen diz, descontraindo um
pouco o momento e me fazendo rir.
— Não posso julgá-los, porque passo todo o tempo possível
babando no meu filho também — replico.
— Ele tem o charme do pai — Liam brinca, fazendo todos
rirmos e, como consequência da risada, Archer abre o seu pequeno
berreiro, acordando no colo de Stella. — Acho que ele não gosta
tanto assim dos holofotes — murmura com humor enquanto
caminha rapidamente para pegá-lo, transferindo-o do colo da mãe
para o meu.
— Acho que ele tem mais a timidez da mãe do que o charme
do pai — comento, olhando para Liam com um sorriso cúmplice e
sou agraciada por um selinho rápido depois que Archer se acomoda
em meu colo.
— Tudo o que ele puxar da mãe será uma dádiva — sussurra,
piscando para mim com seu sorriso malicioso, não deixando passar
batido o tom de flerte em sua voz. — Ainda ruboriza do meu jeito
favorito — diz em meu ouvido antes de voltar a se posicionar atrás
de mim, quando me encosto completamente na poltrona, abrindo o
cardigã.
— Pegue o paninho dele, por favor — peço para Liam,
indicando o carrinho que deixamos no andar inferior da casa. — Não
flerte comigo desse jeito, acabei de sair de longos nove meses de
gestação — respondo a sua brincadeira em um sussurro quando ele
retorna com o pano com o nome de Archer bordado.
— Em breve podemos negociar outros nove — replica,
beijando minha bochecha antes de me ajudar com o sutiã de
amamentação e logo Archer está suspirando enquanto toma o leite.
— Amo quando ele faz esses barulhinhos.
— Eu também — respondo, passando o indicador pelos
cabelos um pouco ruivos, um pouco loiros, do meu menino.
— Acho que todos podemos seguir o exemplo dele — mamãe
Jenny diz, apontando para a mesa de centro, farta em tortinhas e
biscoitos que ela fez. — Fiquem à vontade — complementa como a
boa anfitriã que é, independente da situação e do lugar.

Assim que ligo o registro do chuveiro, escuto uma batida


suave na porta. Depois de um jantar feito pela mamãe Jenny, todos
foram embora e Archer acordou uma última vez antes da meia-noite.
Passei bons minutos com ele na poltrona confortável em seu quarto
e assim que ele se sentiu saciado, Liam se ofereceu para fazê-lo
arrotar, trocar a fralda suja e colocá-lo na cama enquanto eu tomava
meu banho.
Aparentemente, tomei tempo demais organizando as coisas
no banheiro e no quarto, tentando manter tudo em ordem o máximo
que conseguimos nesses dias, e Liam conseguiu cumprir todas as
suas metas da noite com Archer nesses minutos. Agora, deixamos
que ele durma até o horário que quiser, o que significa quatro horas,
no máximo quatro horas e meia.
— Posso entrar? — pergunta do outro lado da porta e
pondero sobre a minha resposta, demorando um pouco para
responder.
Não estou no meu melhor momento, mas não é como se
Liam ficasse pontuando e percebendo isso o tempo inteiro. Sabia
que seria assim, mas acho que não estava preparada
psicologicamente o suficiente para os sentimentos que viriam com o
novo corpo.
— Sim — digo por fim e logo a porta é aberta, me fazendo
encarar o homem que, mesmo cansado, ainda parece um pecado de
tão bonito.
— Ele podia prolongar o sono para cinco horas essa noite.
— Não sonhe tão alto — brinco, testando a temperatura da
água com a mão antes de colocar o corpo embaixo do jato quente.
— Posso me juntar a você? — indaga, ainda encostado no
batente e dou um aceno afirmativo.
Liam puxa o suéter pela cabeça, jogando a peça e a camiseta
que vestia por baixo no chão antes de desafivelar o cinto. Observo-o
se despir rapidamente antes de entrar no box comigo.
— Não deveria ficar me olhando assim, meu anjo, me deixa
com pensamentos impuros demais para dois corpos tão cansados —
zomba, beijando meu ombro por trás antes de estender a mão com
a palma para cima e deixo a bucha ali. — O que posso fazer por
você?
A pergunta é simples, mas demonstra o quanto ele consegue
enxergar de mim mesmo sem palavras. Sei que devo estar sendo
uma companhia um pouco difícil nos últimos dias, longe da garota
divertida que ele conheceu há quase um ano. Mesmo assim, aqui
está a parte compreensiva demais que citei, nas perguntas sobre o
meu bem-estar, em suas tentativas de não me deixar paranóica com
as coisas.
— Em breve tudo voltará ao normal — prometo, mesmo sem
saber ao certo o que prometo.
Liam coloca um pouco do sabonete na bucha, formando
espuma e deixando o aroma adocicado preencher nosso banho.
— Está tudo bem que demore mais do que isso, ou que não
retorne. Está tudo bem não se sentir bem. Podemos lidar com tudo
isso juntos — afirma, passando a bucha pelo meu corpo, começando
pelos ombros e costas. — Não sou eu que estou preocupado com
isso, sabe disso, certo?
— Acho que sempre vejo defeitos demais — confesso, nossa
conversa sendo feita em sussurros.
— Preciso concordar que realmente acha defeitos demais,
mas lembra que estou na minha missão de fazer você se enxergar
pelos meus olhos? — questiona, revivendo uma conversa antiga
nossa e dou um aceno quando Liam passa para os meus braços. —
Acho você a mulher mais foda do mundo — comenta, beijando meu
pescoço exposto pelo coque alto. — Estava lá naquela sala com
você, lembra? Estava lá enquanto dava o seu melhor e trazia o
nosso menino ao mundo.
— Lembro de quase deixá-lo sem dedos — zombo, rindo com
a lembrança.
— Isso não foi nada, estava passando por maus bocados
naquele momento — comenta com seu bom humor de sempre. — Vi
uma mulher forte naquele quarto de hospital, aguentando uma dor
inigualável, mas já sabia que você era a mulher mais foda do mundo
muito antes desse momento. Você foi forte quando descobriu que
estava grávida, me ouviu dizer palavras horríveis e mesmo assim me
perdoou, caminhou por toda essa jornada ao meu lado e não preciso
te lembrar de tudo o que passamos nos últimos meses. Tudo isso
enquanto gerava e protegia o nosso menino aí dentro de você —
continua, chegando até minha barriga e espalmando-a com uma das
mãos enquanto a outra repousa a bucha contra a minha pele. — Se
pudesse se ver pelos meus olhos, saberia que, há dez dias, tenho
me apaixonado cada dia mais por você, porque conheci uma nova
versão sua e a amo muito. Sua versão sendo a mãe do nosso filho é
linda, mon ange.
Respiro fundo, fungando um pouco antes de me virar em seus
braços, abraçando seu pescoço e relaxando contra ele.
— A sua versão sendo pai do nosso filho também é linda, e
eu te amo cada dia mais, conhecendo novos lados dessa versão sua
— digo, encostando nossas testas e Liam sorri, esfregando o nariz
contra o meu em uma carícia fofa. — Obrigada por todos os dias.
— Obrigado por fazer de mim, a minha melhor versão —
responde, beijando a ponta do meu nariz antes de selar nossos
lábios. — Eu sempre estarei aqui — frisa e dou um aceno,
mostrando-o que acredito nisso. — Eu te amo.
— Eu te amo — replico contra a sua boca, tomando outro
beijo dele, um pouco mais demorado dessa vez. — É melhor sairmos
logo daqui e aproveitarmos para dormir um pouco — digo, mas não
me afasto logo de cara, gostando da sensação de tê-lo tão perto
assim.
— Ainda estou sonhando com as cinco horas seguidas —
murmura, roubando um selinho antes de voltar a lavar o meu corpo
preguiçosamente.
Sou acordada pelo choro alto que ecoa pela babá eletrônica e
antes que eu possa terminar de abrir os olhos, sinto um beijo em
minha têmpora e os braços fortes ao meu redor se soltarem.
— Já estou indo — Liam sussurra para mim, sentando-se na
cama e logo a porta do nosso quarto é aberta e encostada
novamente.
Me espreguiço, soltando um gemido cansado antes de olhar
as horas em meu celular. São quase nove da manhã, o que significa
que batemos o recorde de cinco horas e meia de sono. Levanto da
cama, indo até o banheiro e sentindo a minha bexiga explodindo,
mas ao menos a cólica passou. Ao que parece, Archer e eu estamos
tentando enlouquecer Liam, e sincronizamos as nossas dores.
Jogo uma água fria no rosto, escovando meus dentes e
penteando meu cabelo, já que Liam demora para voltar para o
quarto com Archie, o que mostra que tivemos grandes problemas
com a fralda durante as últimas horas. Me sinto um pouco menos
exausta hoje, uma vez que as sonecas do meu filho têm sido
prolongadas de noite, permitindo um pouco mais de horas de sono
para os pais. Amanhã ele completa duas semanas e já o sinto
crescendo rápido demais, mesmo sabendo que não passa de uma
loucura da minha cabeça.
Ele está ficando um pouco mais esperto a cada dia, seus
olhos atentos e os bracinhos inquietos. Os olhos azuis ainda podem
sofrer modificações, assim como o cabelo avermelhado, mas fico
encantada em como Archer parece uma mistura perfeita de Liam e
eu.
Volto para o quarto, sentando-me com as costas apoiadas na
cabeceira e pego meu celular. Desde que Archer nasceu, tenho
quase esquecido o aparelho e demorei bons dias para responder as
mensagens de felicitações. Indina me proibiu de pensar ou me
preocupar com trabalho até meu filho completar, pelo menos, um
mês, e nem sei se conseguiria me preocupar com outra coisa além
dele nesse meio-tempo, mas minha chefe me conhece bem o
suficiente para saber que haveria uma possibilidade.
Abro as mensagens e me impressiono ao ler as das minhas
mães, de Louis e de Marjorie. Com todo o trabalho cuidando de
Archer, nem mesmo percebi que os dias estavam se passando, muito
menos calculei que hoje é o meu aniversário. Sorrio de canto,
respondendo-os rapidamente e também enviando as últimas fotos
de Archie que tirei, antes de escutar o barulho da porta ser aberta
novamente.
Meus olhos ficam molhados no mesmo instante em que o
cara mais incrível do mundo passa pela porta, carregando nosso
filho em um dos braços e um cupcake com uma vela acesa na outra
mão. Liam sorri do jeito que sempre derrete meu coração e até
mesmo Archer deixou de lado a sua testa franzida cotidiana
enquanto eles se aproximam lentamente.
— Parabéns para a mamãe, nessa data querida… — Liam
começa a cantar baixinho, embalando ele e Archie de um lado para
o outro no ritmo da música. — Muitas felicidades, muitos anos de
vida — continua, chegando até a borda da cama. — Feliz
aniversário, meu anjo — diz, esticando o cupcake para mim e fecho
os olhos antes de soprar a vela ali.
— Você é… — me interrompo, nem mesmo sabendo como
colocar em palavras o quanto Liam é maravilhoso. Seguro o bolinho
em minha mão e ele me beija por alguns segundos, segurando
nosso menino com firmeza apesar dos pés e mãos agitadas. —
Perfeito — completo, sussurrando contra seus lábios. — Você é tudo
o que sempre sonhei.
— É o seu aniversário, não é justo que roube para si a melhor
declaração — resmunga antes de rir. — Você é a mulher da minha
vida — responde, afastando-se, e deixo o cupcake na mesa de
cabeceira. — E da vida desse garotinho esfomeado também. Feliz
aniversário! — repete, levantando Archer e me permitindo ver
melhor a roupinha que ele usa.
— Não acredito que fez isso — digo antes de começar a
gargalhar, passando a mão pela barriga do meu filho e lendo as
palavras “feliz 27 anos, mamãe” no body que ele usa. — Isso é
muito fofo — murmuro, pegando Archer em meus braços e beijando
sua barriga antes de deixar um beijo em suas bochechas gorduchas.
— Obrigada, meu amor — falo, mesmo sabendo que ele nem
mesmo compreende nada disso.
— Não mereço um meu amor também não? — Liam
barganha, fazendo biquinho e reviro os olhos, beijando-o
novamente.
— Obrigada, meu amor — repito contra os lábios dele. — Eu
amo muito vocês dois — afirmo antes de começar a me preparar
para dar de mamar para Archer, desabotoando o pijama de mangas
longas até expor o sutiã de amamentação e abri-lo também. Liam
me ajuda, posicionando tudo de uma forma que não me incomode.
— Tinha me esquecido do meu aniversário — confesso quando
Archie começa a sugar meu peito, passando a mão nas palavras em
sua roupinha.
— Estaremos sempre aqui para te lembrar, sendo assim —
Liam responde. — E, se você gostar da ideia, pretendo te levar para
almoçar em um restaurante chique com a nossa família, e, depois,
cozinhar um jantar bem caprichado e muito esforçado para nós dois.
— Planejou tudo, não é mesmo?
— É o seu dia, quero que seja perfeito.
— Você faz todos os meus dias serem perfeitos, meu amor —
digo, frisando as últimas palavras e assistindo o brilho em seu olhar
ao me ver chamá-lo assim.
— Então quero que hoje seja ainda mais perfeito — replica.
— Gosto da ideia. Acho que está na hora de começarmos a
sair de casa, para além dos limites do quintal — comento.
Já faz quase doze dias que voltamos do hospital, então sair
para almoçar em família, no conforto com as pessoas que tanto amo
e são a minha rede de apoio, pode ser um ótimo começo. Além
disso, minhas mães irão embora no domingo, porque precisam voltar
para o trabalho, quero sair com elas, aproveitar o sol que está
voltando aos poucos a aquecer Toronto depois de um inverno
rigoroso.
— Mas, antes de pensar em um prato chique e enorme, quero
experimentar o meu cupcake — peço, indicando com o queixo para
a mesa de cabeceira e Liam prontamente começa a separar o papel
ao redor do bolinho e o aproxima da minha boca com a mão
embaixo, amparando qualquer migalha que possa cair em Archer,
que nos observa com atenção. — É de mousse de limão! — exclamo
empolgada, ainda de boca cheia.
— Sei que é o seu favorito — ele responde, piscando um dos
olhos. — E tem uma caixa com outros desses lá embaixo.
— O que é isso? Meu aniversário dos sonhos? — brinco,
terminando a primeira mordida antes de Liam me dar o restante do
cupcake.
— A intenção é fazer com que seja — confirma antes de nos
observar por alguns instantes e então tomar coragem de nos deixar
sozinhos, indo até o banheiro para fazer a sua higiene.
Escuto os passos apressados no corredor e logo Bob aparece
na porta, entrando no quarto com euforia. Provavelmente acabou de
acordar depois de uma noite agitada, já que ele sempre fica
acordado enquanto cuidamos de Archer durante a madrugada.
— Ei, pequeno, bom dia — cumprimento o bichinho e ele pula
na cama, caminhando até estar ao meu lado. — Até você ficou
preguiçoso hoje, não é mesmo? Não acordou com o Archie —
converso quando ele repousa a cabeça em meu colo, olhando para o
bebê.
Ficamos com receio de que a relação dos dois pudesse não
ser muito boa, já que Bob é um filhote ainda e já me conheceu
grávida. Mas o cachorro, que ainda não conseguimos identificar se
possui raça ou não, é apaixonado pelo meu filho e tenho certeza que
serão bons amigos no futuro. Ainda tomamos cuidado para não
deixá-los muito próximos e mantemos Bob sempre limpo, já que ele
adora me acompanhar nas madrugadas cheias de muito choros.
— Achei que ele não nos agraciaria com a sua presença
ilustre hoje — Liam comenta sobre o nosso cachorro e o mesmo
logo vira seu rosto para ele, abaixando as orelhas.
Seu pelo é predominantemente preto, com algumas
manchinhas marrons e parte da barriga um pouco mais branca. Bob
é manso, apesar de adorar uma agitação e brincar com a bolinha.
Ele tem dois a três meses e cresceu bastante desde que chegou em
nossa casa. Até o cachorro dos sonhos, Liam me deu, mesmo sem
saber exatamente o que eu queria quando pensava em ter um
bichinho.
Archer se afasta, provavelmente satisfeito e Liam senta na
cama ao meu lado, se oferecendo para pegá-lo. Eles têm uma
conexão diferente, algo que não consigo explicar, mas todas as
vezes fico admirada. A forma como se olham, como sinto que Archer
sorri da sua forma para o pai e Liam sempre está com um sorriso
nos lábios quando está com o nosso menino. Independente do
cansaço, ou das noites maldormidas, do choro incessante, de
qualquer dificuldade, ele sempre tem um sorriso para o nosso filho.
Ajusto meu pijama de volta no lugar, bebendo um gole da
água ao meu lado antes de relaxar os ombros, passando a mão no
pelo fofo de Bob, adormecido em meu colo. Archer já soltou o seu
tão prezado arroto após comer, mas parece acordado demais ainda
enquanto Liam o embala em seus braços, aproximando-o do seu
rosto para dar um beijo de esquimó no pequeno.
Ele realmente não tinha ideia de nada disso quando nos
conhecemos, não tinha ideia de como a nossa vida viraria de cabeça
para baixo, muito menos eu. Não fazia ideia que viajar para uma lua
de mel fracassada me faria me apaixonar de novo, descobrir o amor
de uma forma tão bonita como nunca tinha conhecido antes. Não
tinha ideia que viraria mãe e me apaixonaria todos os dias por esse
novo papel. Não tinha ideia que conseguiria acertar e dar o melhor
pai do mundo para o meu filho.
Enquanto observo o amor fluir entre os olhares de Liam e
Archer, penso se algum deles faz ideia do quanto são perfeitos, do
quanto são tudo o que sempre sonhei. Meus meninos, incluindo até
Bob nessa parte. A casa perfeita, a família dos sonhos, o homem
mais incrível do mundo para chamar de meu, um filho lindo e
saudável. Minha vida parece completa como não imaginava que
seria tão cedo depois de ter o meu coração quebrado no último ano.
Porém, se tem algo que Liam me ensinou ao longo dos
últimos quase onze meses, é que o amor não pode ser medido,
muito menos controlado, e que nem tudo que está quebrado, deve
permanecer assim, sem a possibilidade de reparo. Éramos duas
pessoas quebradas pelo passado e encontramos a nossa forma de
transformar tudo em um felizes para sempre.
As consequências de amá-lo foram encontrar o meu final feliz,
realizando cada sonho que eu tinha no meio do caminho. E, o mais
importante que aprendi com Liam foi que sempre devo acreditar no
destino. O caminho pelo qual ele me leva sempre será o caminho
perfeito, porque foi o destino insistente que me trouxe até Liam e eu
não poderia estar mais grata pelo resultado de toda essa insistência.
— Falei que não precisaria vir comigo — Amelie afirma
quando passamos pelas portas giratórias da entrada do prédio da
Love Affair.
— Mas nós viemos — friso, ignorando o revirar de olhos dela
e focando somente no sorriso.
Archer está em meu colo, parecendo contente com o passeio
e, depois que deixarmos a mamãe no trabalho em seu primeiro dia
de volta ao escritório, irei colocá-lo no carrinho e daremos um
passeio pelo parque. Estamos em pleno agosto, o sol do verão está
em seu auge e hoje o dia está gostoso para uma caminhada no
parque, um pouco de vento fresco e para dar comida para os patos
em algum lago. É o meu último dia antes de passar quatro dias
longe, divididos entre voos internacionais e folgas em algum país
estrangeiro.
Amelie voltou a trabalhar duas semanas depois que a minha
licença paternidade acabou, começando com alguns trabalhos em
casa, reuniões uma vez por semana, e Indina a ajudou a voltar aos
poucos, sem sobrecarregá-la. Dividir a sua atenção entre Archer e o
trabalho fez bem para ela, seu humor pareceu melhorar e acho que
o sentimento de estar presa em casa sem poder fazer muita coisa a
deixava agoniada, ainda que a rotina com um bebê seja muito
agitada.
Ela sempre trabalhou, fosse ajudando em casa, como babá,
garçonete em sua época de faculdade, depois estagiando até
começar o seu primeiro emprego. Amelie esteve sempre na ativa,
fazendo algo e buscando alguma tarefa que pudesse cumprir. Voltar
para a Perfect Pairing foi como ganhar novamente um propósito
além de ser mãe. Posso compreendê-la, afinal, mesmo Archie
demandando muito de nós, não é como se precisasse de nós o
tempo todo, ele já tem seis meses, já brinca no tapetinho, dorme
em horários mais regulados, assim como come algumas frutas além
de somente o leite materno.
— Todos estão morrendo de vontade de conhecê-lo —
comenta quando passamos pelas catracas, cada um com seus
cartões, e Amelie passa primeiro, pegando Archer no colo para que
eu passe.
— Viu só, ainda deixaremos todos felizes com a nossa vinda
— exclamo. — É só uma passadinha, logo iremos embora e te
esperaremos com uma pizza para o jantar.
— Piiii! — meu pequeno grita com empolgação.
— Nada de pizza para o senhor, Archer — Amelie diz, tocando
o nariz dele com a ponta do indicador e, como se tentasse
barganhar com ela, ele sorri com o toque. — Ei, não me derreta
assim, a pediatra disse só frutas, legumes, vegetais e cereais, não é
culpa minha, use o seu biquinho com ela — fala, beijando suas
bochechas e me entregando-o novamente. Não queremos que a
despedida seja tão abrupta, tirando-o do seu colo e com ele
assistindo-a ir embora, então Archer permanece no meu colo
durante o caminho.
— Ouviu o que a mamãe falou? Nada de queijo derretendo e
pepperoni fatiado para você, carinha — afirmo, beijando a cabeça
dele antes de voltarmos a andar, deixando a escada rolante para trás
e caminhando até os elevadores.
— Podia comprar sorvete de caramelo salgado para mim —
Amelie fala, fazendo biquinho, tão parecido com o que Archie faz e
dou uma risada baixa.
— O que ganho em retribuição?
— Nem tudo precisa ser um negócio — resmunga manhosa e
cruzando os braços.
— Você sabe negociar bem, mon ange — comento quando
entramos no elevador, roubando um beijo dela antes de apertar o
botão para o andar da PP. — Só sorvete ou também quer petit
gateau?
— Já que perguntou… — fala, deixando a sugestão no ar.
— Ok, então teremos pizza, sorvete e petit gateau para a
senhorita — afirmo. — E batatas amassadas com caldinho de carne,
purê de cenoura e suco de laranja para o senhor — continuo,
apontando para Archer em meu colo e, como se percebesse que a
vida é injusta, ele deita a cabeça em meu colo, parecendo tristonho.
— Ei, eu fiz um purê de cenoura delicioso! — Amelie pontua
para o nosso filho e o elevador apita nesse instante antes de abrir as
portas. — Estou nervosa.
— Viu como foi bom estarmos aqui para te dar um apoio
moral? Somos a maior torcida da mamãe, não é mesmo, meu amor?
— indago, pegando o bracinho dele e levantando-o como se
estivesse torcendo.
— Vocês dois são os amores da minha vida — ela replica e
saímos para o corredor da recepção.
Não é necessário mais nada para que Archer comece a ser
agraciado com sons de satisfação e fala sobre como é lindo, fofo e
tudo mais. Mantenho um sorriso orgulhoso no rosto, apesar dele ter
herdado somente os meus olhos, porque a sua personalidade é
parecida com a de Amelie, além do tom ruivo dos cabelos.
Caminhamos, cumprimentando algumas pessoas e várias dão boas-
vindas de volta para a minha garota, contentes em recebê-la na PP.
— Amelie, é bom te ver novamente por aqui — Lance diz,
passando por nós. — Liam, poucas vezes é um prazer ver esse seu
rostinho bonito demais — zomba, me olhando da sua forma perigosa
e fazendo Amelie rir.
— Obrigada, Lance — diz. — Indina já chegou?
— Ainda não, ela teve uma reunião de última hora com a
diretoria geral, algo dos RH, mas logo deve estar voltando e te
passará tudo — responde.
— Minha irmã está na reunião? — indago, arrumando Archer
melhor em meu colo e estranho ao ver Lancelot hesitar. Talvez seja a
primeira vez na vida que a vejo sem palavras e verdadeiramente
tensa. — Está tudo bem com Savannah?
— Claro, ela está ótima. E na sala dela — replica de forma
monótona. — Preciso ir.
E, antes que possamos nos despedir, ela já está longe. Amelie
também estranha o movimento da diretora de mídias da empresa,
mas uma atitude estranha vinda de Lance pode ser o seu novo
normal. Continuamos a nossa caminhada, chegando até o corredor
final da empresa e sigo para a direita com a ruiva ao meu lado.
— Irei passar na Sav e ver se está tudo bem — afirmo,
olhando para Amelie, que me dá um aceno antes de olhar para
frente e arregalar os olhos. Sem conseguir falar nada, mesmo
entreabrindo os lábios, ela somente indica para frente e olho na
mesma direção.
O tempo parece um tanto quanto paralisado quando observo
o cara alto, musculoso e cheio de tatuagens, vestindo uma calça
social e uma camisa preta com os primeiros botões abertos,
parecendo quase suspeito pela expressão fechada que carrega. Ele
conversa com Savannah em sua sala e ela parece… eu diria que está
algo entre o tensa e o tímida enquanto o observa, com as mãos
cruzadas em cima da mesa. O tatuado está com as mãos apoiadas
na cadeira em frente à mesa da minha irmã e depois que alguns
acenos são trocados, os dois hesitam.
Ele é o primeiro a tomar uma atitude, andando até o outro
lado da mesa, parando ao lado de Savannah, que o segue com o
olhar, parecendo confusa. O homem toca seu queixo gentilmente,
erguendo-o ao máximo e…
— Que merda é essa? — murmuro, estático no meio do
corredor e em choque com a cena que acabo de presenciar.
O tatuado simplesmente se inclinou e deu um selinho na
minha irmã. E, se a minha visão não ficou muito deturpada após ver
isso, tenho quase certeza que Savannah corou quando ele se
afastou, mantendo sua pose com a cara fechada e as mãos no bolso
da calça como se não tivesse acabado de beijar a loira.
— Acho que finalmente chegou a hora de conhecermos o
misterioso John — Amelie diz ao meu lado, parecendo tão chocada
quanto eu. — Mas eu, definitivamente, não o imaginava assim.
— Você gosta disso, não é mesmo, garotão? — indago para
Archie, sentado no cadeirão do outro lado da bancada e meu filho
gargalha para mim, soltando gritinhos animados e batendo na pedra
com suas mãozinhas agitadas. — Eu sei que ama as minhas
batatinhas, elas são as melhores — continuo nossa conversa,
voltando a mexer na forma à minha frente e retirando as rodelas de
lá.
Essa é uma receita de batata assada que se parece com uma
suculenta batata frita, ainda que não seja crocante, afinal, Archer
não poderia comê-las se assim fosse. Ele adora quando faço essa
batatinha e as come com fervor, como se fosse a comida mais
saborosa da face da Terra, me deixando com o sentimento que sou
a melhor mãe do mundo.
Começamos a introdução alimentar desde os primeiros
meses, com frutas e legumes mais moles. Mesmo que ele continue
com a amamentação, poder alimentá-lo com outras coisas sempre
foi prático para Liam e eu. Quando Archer fica com a avó, tia ou até
mesmo quando as minhas mães vêm para Toronto, podemos deixá-
lo com elas sem nos preocuparmos tanto com a quantidade de leite
que preciso tirar. Depois que voltei para o escritório, essa praticidade
foi ainda mais bem-vinda.
Liam voltou a sua rotina também e, por isso, temos uma babá
quase fixa. Assim que ele consegue a sua escala dos próximos voos,
combinamos horários e dias com a babá, para que ela se ajuste à
nossa rotina e tem dado certo até o momento. Quando Liam está na
cidade, ele fica exclusivamente com Archer, enquanto isso, eu tenho
entrado mais cedo na empresa, reduzido o meu horário de almoço e
saído mais cedo para poder chegar em casa e ficar com meu filho.
Novamente, tudo tem funcionado bem dessa forma nos
últimos três meses.
Archer não é uma criança difícil. Sempre foi um bebê
relativamente calmo, sem tantos tumultos, mesmo que as suas
horas de sono nos deixassem malucos no começo. Ele acordava com
muita frequência, demandava muito colo e adorava dormir somente
sendo embalado por um de nós, acordando aos prantos quando
colocado no berço. Entretanto, fazemos dar certo, compreendemos
as necessidades dele e, parece loucura dizer, mas sinto que ele
também foi se adequando à nossa rotina.
Meu menino está enorme, apesar de eu saber que é somente
a minha mente de mãe coruja falando. Não sei ainda se sinto falta
de tê-lo pequeno, meu bebezinho recém-nascido, ou se só gostaria
que o tempo fosse com mais calma. Sinto que, a cada dia, perco
muito da vida dele somente nas minhas horas de trabalho. Archer
parece mais esperto do que quando saí de manhã, ou descobriu
uma nova habilidade durante o dia e isso me deixa com o coração
apertado.
Gostaria de passar o dia inteiro somente com ele, porém as
primeiras semanas depois de nos ajustarmos em uma boa rotina
foram estranhas. Quando consegui dar conta de tudo que dizia
respeito à maternidade, senti falta do meu trabalho, senti saudade
de todas as planilhas, reuniões e documentos extensos demais.
Aguardei um bom tempo até voltar a trabalhar em casa e esperei até
os seis meses do meu menino para voltar à empresa.
Coloco o meu jantar e o de Liam no forno antes de voltar a
preparar o prato do Archer com outros legumes e uma porção do
frango desfiado que usei na lasanha com um molho ralo para dar
gosto à comida. Se eu fosse o bebê, me sentiria ultrajada em assistir
os adultos comendo uma bela lasanha de frango com molho de
quatro queijos enquanto eu me manteria em uma carne pouco
salgada, batatas assadas e legumes molinhos, porém ele parece
apreciar as suas refeições como pequenos banquetes.
O barulho do portão da frente se abrindo me faz sorrir
sozinha. Estou com saudades de Liam, como todas as vezes que ele
fica mais de dois dias fora por causa das escalas. Mas não sou o
único empolgado com a chegada dele, porque Archer começa a
bater eufórico na bancada, já sabendo que o papai chegou. A
conexão deles é algo pelo qual me apaixono todos os dias, mesmo
também tendo inveja de como Liam ficou com todas as partes fofas
enquanto fiquei com os biquinhos emburrados do nosso filho.
— O papai está em casa! — digo, limpando as mãos no pano
de prato antes de caminhar até o cadeirão, tirando-o de lá e
pegando Archer no colo.
— IIIIIIH — ele solta um grito animado, desencadeando uma
risada em nós dois. Beijo suas bochechas fofas antes de caminhar
até a porta, sabendo que logo Liam irá entrar.
— Exatamente, meu amor, o papai chegou e sei que está com
saudade dele, porque eu também estou — digo, ouvindo o barulho
das chaves.
— Dada.
— Isso mesmo, estamos com saudades do papai — respondo,
ainda que eu nunca tenha certeza sobre o que é dada, afinal, virou
uma palavra universal para muitas coisas.
— Papa! — Archer grita assim que Liam entra em casa e nós
dois paralisamos ao mesmo tempo. Primeiro, trocando um olhar
chocado antes de voltarmos nossos olhos ao menininho ruivo em
meu colo, com um sorriso travesso e um pouco babado, esticando os
bracinhos para o pai.
— Ele… — Liam começa, mas ainda está anestesiado, em
choque, por isso só confirmo com a cabeça.
— Ele acabou de falar papai! — exclamo empolgada.
Apesar de ter começado com as junções de sílabas, ainda não
tínhamos conseguido nada que se parecesse minimamente com uma
palavra, como um papa ou mama, ou até mesmo vovó.
— Não acredito que ele falou papai primeiro! — resmungo
agora, percebendo a injustiça e fazendo bico, arrancando a minha
risada favorita de Liam enquanto ele dá mais dois passos para frente
e estica os braços para pegar Archer no colo. — Isso é muito injusto.
— Não acho nada injusto — ele responde, afundando o nariz
no pescoço do nosso menino e inspirando forte o seu cheiro gostoso
de colônia de bebê. — O papai estava morrendo de saudade, meu
amor — diz para o pequeno, enchendo-o de beijos e abraçando-o
apertado enquanto Archer ri e balbucia uma conversa com o pai.
— É injusto, sim! Tenho tentado o “mamãe” há semanas —
retruco, ainda que não haja chateação nenhuma, afinal, estou muito
contente com essa semi-palavra dita pelo meu filho. — Podia dizer
mamãe, não é mesmo? Só para acalmar o meu coração. Mamãe,
ma-mãe — tento, olhando nos olhos azuis de Archer, mas a única
coisa que ganho é uma gargalhada frouxa.
— Pode tentar de novo amanhã, por hoje só teremos papai,
certo, garotão? — Liam me provoca, balançando a cabeça em
afirmação e Archer o imita.
— Está jogando baixo — murmuro, semicerrando os olhos
para ele.
— Também senti a sua falta, mon ange — replica, abraçando
minha cintura com o braço livre e vou de bom grado ao encontro do
seu peito.
— Senti saudade — sussurro antes de beijar seus lábios
rapidamente. — Fiz a sua lasanha favorita para o jantar — comento
baixinho, pensando na travessa no forno, mesmo não sentindo
vontade nenhuma de sair daqui, do meu lugar favorito do mundo,
junto aos meus dois meninos, das duas pessoas que mais amo.
— É mesmo a mulher da minha vida — Liam sussurra de
volta, sorrindo de canto antes de me roubar outro selinho.
— E vocês dois são os homens da minha vida — respondo. —
Mesmo que o senhor se recuse a dizer mamãe, Archie — brinco,
fazendo cócegas de leve na barriga gorducha do meu filho. —
Vamos lá, meu amor! Ma-mãe, ma-mãe, ma-mãe — tento, repetindo
a palavra como uma boba somente para tentar fazê-lo repetir
enquanto começamos a voltar para a cozinha, e Liam deixa sua mala
e mochila na entrada.
— Pode tentar a noite inteira, anjo — zomba. — Não tenho
culpa que o papai é o melhor.
— Papa! — Archer exclama novamente, me fazendo bufar
enquanto sorrio e ganhando muitos beijos do papai orgulhoso.
Também quero ouvi-lo me chamando, mas não posso negar
que entendo o seu favoritismo. Eu também acho que o papai é o
melhor. Na verdade, eu o acho o cara mais incrível e amável que
conheço. Por isso, perder a primeira palavra para ele não custa
nada, afinal, Liam me dá o mundo inteiro todos os dias, porque o
meu mundo inteiro está presente dentro dessa cozinha perfeita, na
minha casa dos sonhos.
O meu mundo inteiro é a minha família.
— Liam, você viu a bolsa do Archie? — grito do quarto,
pegando meu filho no colo depois de trocá-lo.
— Papa — Archer diz antes de gargalhar.
— Sim, meu amor. Liam é o papai — falo, olhando em seus
olhos azuis e beijando sua bochecha. — Você bem que podia falar
mama com a mesma frequência que chama pelo papai, não é
mesmo?
Óbvio que ele ignora o meu biquinho descontente e fica
calado. Se fosse uma disputa, eu estaria perdendo feio. Muito feio.
Ele fala várias coisas e poucas vezes é mamãe, mas tenho me
contentado com o “ma”, certeza que é a sua forma de me chamar,
algo íntimo e só nosso.
A quem quero enganar? Archer consegue falar Sav e Lou,
preciso ficar grata por ele não saber juntar muitas sílabas e me
chamar de Amelie logo de cara.
— Está novamente tentando barganhar com ele? — Liam
surge no corredor, com a bolsa de Archer no ombro.
— Nunca é tarde para sonhar — digo, levantando os ombros.
— Ela está cheia?
— Não, irei arrumá-la rapidamente antes de sairmos —
responde, me beijando na passagem até o quarto de Archer e fico
no batente. — Não me lembrava de ter deixado a bolsa no nosso
quarto.
— Provavelmente porque devo ter deixado lá sem querer —
assumo a culpa, mas Liam só ri.
— Ela vai enlouquecer todos vocês antes de entrar em um
surto completo — zomba.
— Não julgue a sua irmã, ela está dando o melhor que pode
e… muitas coisas aconteceram na vida dela nos últimos meses —
lembro-o, mas isso só desencadeia uma careta em Liam. — Pare de
ser um ciumento de primeira — provoco.
— Espere até ser o seu irmão namorando — resmunga,
colocando algumas fraldas na bolsa, assim como verifica que a
necessaire lá dentro tem todos os itens para trocarmos e
higienizarmos Archer durante o dia.
— Para a sua informação, já tive uma cunhada de quase
longa data, mas Adelaine e Louis seguiram por caminhos diferentes.
Ela era um amor, e você gosta dele, para de mentir e dizer que não.
— Ele é calado demais — rebate.
— Perto de Savannah, eles formam o par perfeito — replico,
trocando Archer de braço e aproveitando para ajustar o seu
macacão. — Pare de ser implicante.
— Não estou sendo implicante — retruca rápido demais e
então torce o nariz. — Só… Sei lá, não achava que esse cara era de
verdade e tudo pareceu meio estranho no começo.
— Deixe a sua irmã ser feliz. Ela tem idade o suficiente para
cuidar de si — defendo-a do ciumento do irmão mais novo. Sei bem
como é, afinal, Louis cogitou vir para Toronto somente para
enfrentar Liam depois que lhe contei sobre o nosso começo
turbulento. — E pare de resmungar, ou iremos nos atrasar — digo e
no mesmo instante ele fecha a bolsa.
— Temos tudo.
— Por que todos os passeios parecem como uma viagem? —
comento rindo, pensando que todas as vezes que saímos para jantar
ou almoçar na casa de Stella e Ruby parece uma grande viagem,
com a bolsa grande de Archer além do carrinho carregado com as
suas coisas.
— Porque temos um meninão de um ano que precisa de
muitas coisas — responde ao passar por nós dois na porta,
brincando com Archer ao fazer cócegas em sua barriga e o pequeno
gargalha antes de se jogar contra o meu peito, se escondendo.
Vê-los juntos sempre traz uma sensação gostosa em meu
peito, a sensação de que tudo deu certo e que, apesar dos nossos
tropeços ao longo do caminho, ficamos bem. Nós três. Archer tem
um ano e dois meses, é enorme e lindo, come muito bem, se
desenvolve com primor, um conversador nato, à sua maneira, e Liam
tem até mesmo falado sobre um segundo bebê, o que não seria tão
ruim assim.
Nossa casa ficou cada vez mais a nossa cara, criamos
tradições como o almoço de Ação de Graças e de Natal por aqui, fiz
tortas e testei várias receitas que poderiam ser boas para Archie.
Bob comeu todos os restos que deixei cair no chão, sem querer, de
cada uma das receitas, e até mesmo Liam aprendeu a cozinhar um
pouco. Adormeci nos braços do pai do meu filho incontáveis vezes
enquanto tentávamos fazer um encontro fofo no sofá com um filme.
Entretanto, tivemos vários outros encontros que deram muito
certo. Liam me leva para jantar pelo menos uma vez por mês desde
que voltei a trabalhar. Saímos só nós dois e Stella fica muito feliz em
ficar com Archer nesses momentos, ela e Ruby o mimam sempre
que podem. Nós dois tivemos momentos revigorantes no chuveiro
ao longo do último ano, e na banheira, e também momentos
silenciosos na calada da noite. Continuo me apaixonando todos os
dias por Liam, mesmo nos dias em que tenho vontade de esganá-lo
por alguma louça esquecida ou uma roupa no meio do caminho.
Amo esperar por ele no sofá depois de alguns dias longe,
amo preparar o jantar para nós três e amo ouvir os choramingos de
Bob, querendo sempre um pedaço de tudo. Archie e ele viraram
melhores amigos, mesmo que às vezes pense que Archer tem
energia demais, e até o pobre cachorro cansa de ser apertado e dos
gritinhos empolgados do meu filho.
Descemos as escadas enquanto Liam me conta sobre as suas
próximas escalas e, depois de muitas conversas, achamos que seria
ideal que ele continuasse com os voos internacionais, assim
consegue fazer algumas horas seguidas e organizar para ter folgas
mais confortáveis. Não foi fácil me adaptar a não tê-lo por perto
depois que a licença paternidade acabou, mas novamente Savannah,
Stella e Ruby se mostraram dispostas a estarem aqui sempre que eu
precisasse, e minhas mães até mesmo se ofereceram para ficar uma
temporada por aqui.
No fim das contas, tudo se ajeitou e deu certo, como bem
esperávamos.
— Deveríamos voltar a Bordeaux um dia — reflito quando ele
fala sobre um voo para Paris na próxima semana. — Com Archer.
— Talvez possamos seguir algumas tradições e dar um
irmãozinho ou uma irmãzinha para ele lá — brinca, me fazendo rir
enquanto tento manter a seriedade.
— Não me dê ideias, senhor Spencer — rebato, colocando o
dedo em riste em sua direção e sustentando Archer com um dos
braços ao redor do meu quadril. — Posso encarar isso como uma
promessa.
— Posso fazer com que seja uma promessa — replica, se
aproximando e beijando a minha mão antes de me roubar um beijo.
— Acho que vai querer arrancar isso antes de sairmos — comenta,
puxando de leve a lateral do meu vestido e desço os olhos, notando
a etiqueta ainda fixa no tecido.
— Ai, meu Deus, esqueci de cortá-la — exclamo, gargalhando
e fazendo com que Archer também ria em meu colo.
Passo-o para Liam antes de correr até à cozinha. Certamente
estamos atrasados para o almoço com a sua família, mas elas
compreenderão que ter uma criança tira um pouco da pontualidade
de um casal. Comprei esse vestido na última semana, quando a
intenção era comprar algumas roupas novas para ir trabalhar. Assim
que coloquei a peça, em um tom de verde bonito e com o tecido
leve, casando bem com a primavera iminente, não pude deixar de
lembrar de Liam.
A reação dele foi como esperei, com os olhos brilhando antes
do sorriso malicioso tomar seus lábios e ele sussurrar como eu sou a
mulher mais linda que ele já viu e que quer tirar esse vestido mais
tarde, bem devagar, provando cada pedacinho do meu corpo. É um
pouco mais ousado do que eu compraria no passado, com um
recorte pequeno, mostrando um pouco do meu abdômen e uma
fenda que vai até logo acima do meu joelho. Mas as alças e a
amarração no meio dos seios se provaram muito práticas quando
precisei amamentar Archer uma última vez antes de terminar de
vesti-lo.
— Onde eu guardei a tesoura? — murmuro para mim,
começando a abrir as gavetas da cozinha.
— Não! — Liam exclama, parecendo um pouco nervoso e
vejo-o se aproximar pelo canto de olho. — Deixa que eu pego uma
lá em cima… — ele fala, mas já abri a terceira gaveta, achando a
tesoura e também outra coisa.
— Ah… — abro a boca e isso é a única coisa que sai antes de
uma risada nervosa. — Acho que a tesoura do andar de cima era
uma boa opção — brinco, ainda hesitante enquanto gaguejo,
olhando para a caixinha de veludo vermelha dentro da gaveta e
então voltando o meu olhar para Liam, sem saber o que dizer
também. — Acho que não era isso que tinha planejado.
— Era algo bem diferente mesmo — comenta, também
começando a achar graça da situação. — Talvez seja culpa minha
por não ter pensado em um esconderijo melhor.
— Talvez — zombo, cerrando os olhos em sua direção e
sentindo o meu coração acelerado. — Posso fingir que não vi nada.
— Era para eu te levar para um restaurante francês chique no
dia onze de maio, pedir uma garrafa especial, de uma produção de
Bordeaux, fazer uma declaração bonita, e talvez decorada, e me
ajoelhar no final da noite, pedindo para você continuar me fazendo o
cara mais feliz do mundo para sempre — começa, alcançando a
caixinha da gaveta.
— O dia que nos conhecemos — murmuro, sentindo um
soluço irrompendo a minha garganta enquanto me esforço para não
chorar.
— O dia que o destino escolheu para fazer com que eu
conhecesse a mulher da minha vida — replica. — Meio atrapalhada,
mas logo descobri que cair por causa de adolescentes bobos
passava longe de ser o único talento dela. A mulher da minha vida
tem a risada mais bonita que já ouvi, os olhos mais gentis de todos,
tem um sorriso que poderia acabar com guerras, ou pelo menos,
acabou com a que eu batalhava dentro de mim — continua, abrindo
a caixinha e revelando um anel lindo, com adornos de pedras azuis
ao redor da pedra maior, e nunca vi um anel tão lindo e tão delicado
assim.
— Liam… — sussurro, levando as mãos à boca e me
chocando ainda mais quando ele se ajoelha com uma perna só,
apoiando Archer em um dos braços entre a sua perna esquerda, que
permanece dobrada para o alto.
— Acho que os planos nunca dão exatamente certo para nós
dois, o destino sempre tem um jeito engraçado de agir quando nos
diz respeito. Mas prometo que ainda posso te levar para jantar,
porém, agora, acho que o ideal é o chão da nossa cozinha, na nossa
casa dos sonhos, com nosso filho no colo, sem entender muito do
que está acontecendo, depois da minha surpresa ir por água abaixo
por causa de uma etiqueta nesse vestido maravilhoso que te deixou
ainda mais linda do que já é. O momento ideal sempre é o agora,
contanto que esteja ao meu lado. Amelie Taylor-Robinson, você
aceita se casar comigo?
— Sim, sim, sim! — exclamo, sem conter qualquer felicidade
que explode em meu peito, esquecendo sobre o almoço, a etiqueta,
esquecendo sobre tudo que não seja a minha família bem aqui, ao
alcance das minhas mãos.
— Xiiiim! — Archer grita também, parecendo contente com a
nossa agitação e nos faz rir pela sua empolgação.
Me abaixo, abraçando Liam e Archer, e arruinando a minha
maquiagem quando começo a chorar. Beijo meu noivo, adorando
como essa palavra soa em meus pensamentos e me afasto,
manchando a bochecha do meu menino com o gloss antes de nos
colocarmos de pé novamente.
— Eu amo vocês — digo, fungando e me sentindo a mulher
mais sortuda do mundo. Ajudo Liam a tirar a aliança do suporte e
ele a escorrega pelo meu dedo anelar direito. Meu noivo segura a
minha mão, deixando um beijo em cima da minha mais nova aliança
antes de sussurrar:
— Eu amo vocês, para sempre.
— Para sempre — prometo de volta.
FIM!
Oie, espero que tenha gostado de As Consequências de Amar
Você. Esse livro foi um pequeno xodózinho e sempre acho delicioso
compartilhar essas experiências com vocês. Meus livros são
experiências minhas, misturadas a experiências de amigos, de
conhecidos, de coisas que já ouvi, de músicas e filmes. Meus livros
são de tudo um pouco, de tudo o que habita minha mente e mais
um pouco do que escuto, vejo, leio... Fico feliz por você ter escolhido
Liam e Amelie como seus parceiros por algumas horas ou alguns
dias. Não esquece de deixar suas estrelinhas antes de ir embora,
hein, elas contam bastante.
Essa história surgiu de uma forma engraçada e inusitada.
Como a dedicatória já conta, esse livro realmente foi inspirado em
um comissário de bordo do meu voo de GYN para GRU em
novembro de 2023, para o show da Taylor Swift. Não sei o nome do
moço nem nada do tipo, só sei que ele era ruivo, bonito de um jeito
que me deixou meio desconcertada e muito educado. Infelizmente,
não tivemos uma fanfic fofa e nem mesmo um voo de nove horas
comigo sentada na primeira classe, mas tudo bem. Sou escritora,
monto minha fanfic sozinha.
ACDAV é a junção de algumas histórias que foram nascendo
ao longo do tempo, plots soltos aqui e ali, unidos com tropes que
estava com saudade de escrever e um país novo que estava maluca
para conhecer. Ele poderia ser um piloto, ela poderia ter outra
profissão, mas já escrevi minha cota de piloto e quem nunca assistiu
um vídeo sobre a experiência de um comissário de bordo
internacional e se questionou como seria viver na pele dele? Porque
eu mesma já li e assisti muitas coisas sobre o assunto. Foi delicioso
viver alguns dias na pele de um, mesmo que só através das páginas.
Esse não seria meu primeiro lançamento do ano, preciso ser
honesta com vocês. Na verdade, o grosso desse plot surgiu como
uma ideia para um conto de Natal, algo festivo e fofo. Os planos
eram outros e, ainda utilizando a honestidade nesse papo de amiga
pra amiga (afinal, se você ainda está aqui com paciência de ler meus
agradecimentos, merece a honestidade), acabei sendo “dissuadida”
da ideia por causa de alguns comentários bem chatinhos. Acontece,
sempre acontece, e quem sabe o livro deixado de lado, uma história
antiga e muito amada, não acabe tendo seu merecido espaço em
algum momento.
Hoje posso quase ficar inteiramente feliz, afinal, isso me levou
para Liam&Amelie e fui muitooooo feliz com eles. Assim como Pedro
e Alice, meus personagens de Uma Mentira Irresistível, esses dois
aqui surgiram do nada e tomaram o lugar de quem já estava
aguardando na fila. Mas com o charme do Liam, ninguém conseguiu
resistir, muito menos eu.
Eu sabia que, voltando de viagem, precisava começar o livro
novo. Apesar da euforia de Uma Mentira Irresistível, meu
lançamento anterior a esse, precisava continuar escrevendo e assim
fiz. Dia primeiro de dezembro coloquei as primeiras palavras nesse
arquivo, porém, como devem pensar, dezembro é um mês caótico
que eu insisto em achar que não será. Foi o mês de finalizar a minha
pré-venda, comprar presentes, viajar para a casa dos meus pais,
aproveitar os feriados de fim de ano, e, ainda assim, cumprir as
metas que tinha colocado.
Caótico como o mês, foi meu planejamento e, quando vi,
estava atrasada nele e bem doidinha querendo recuperar o tempo
perdido. Mas vale ressaltar aqui que o planejamento foi claramente
feito sem um calendário do lado porque a meta era escrever dez
capítulos por semana e achei que precisaria de dois meses, oito
semanas, para isso. Quem me conhece sabe (piadas a parte
hahahaha) que só amarrada eu escreveria um livro grande assim. 80
capítulos, o que eu tava pensando? Bem, eu não estava.
Só sentei a bunda na cadeira e foquei, foquei e foquei, muito
disso com a ajuda da minha mãe, por isso ela será a homenageada
nesses agradecimentos. Mãe, obrigada por não surtar comigo, por
ficar horas e horas olhando para as minhas costas enquanto eu
cumpria metas, que me lembrava de tirar um tempo para lanchar,
que não me deixava sem comer e me incentivava. Obrigada por
sempre trazer o conforto de um lar quando estou com você, por
sempre ser minha mãe, mesmo que eu já tenha crescido, ido morar
fora e tenha minha vidinha longe. Esse livro terminou muito antes do
que eu precisava e isso foi muito por sua causa. Obrigada por
sempre me incentivar!
O fato foi que, achando que eu estava atrasada, perdida um
pouquinho por não ter feito as contas direito, eu quase coloquei
todo mundo maluco achando que não daria tempo de nada e
precisaria fazer tudo correndo, o que me deixa com gastura só de
pensar hahahaha. Sim, sou maluca da organização, preciso de
basicamente três planners, adoro ter metas e cumpri-las de forma
saudável, adoro organização! Entretanto, acho que desde o
princípio, Liam e Amelie fugiram um pouco desse ceticismo.
Obrigada à todos que estiveram aqui nesses últimos dois meses por
me permitirem surtar e por acolherem minhas maluquices.
Obrigada também a todos que sempre ficam nesse caminho
comigo, me incentivando, me dando palavras de apoio, que
acreditam e confiam em mim, seguram na minha mão e encaram
cada jornada maluca que às vezes eu me proponho e acabo
propondo às minhas amigas, revisoras e equipe do Gabiverso. Thiff,
Bru, Tan, Bianca, Isa, Jaque e meu novo xuxu do time, Marci (que
amém ainda não passou nenhuma loucura ao meu lado e não está
traumatizada hahahaha), obrigada por estarem ao meu lado e
ajudarem a organizar o meu caos.
Obrigada a capista, Larissa, diagramadora, Lua, e
ilustradoras, Gabs e Vee, por sempre fazerem trabalhos lindos lindos
lindooooos, meus livros ganham um toque mágico por causa de
vocês. Família, por sempre me lembrarem que existe algo além da
tela do computador, que cuidam de mim mesmo de longe e ainda
mais quando estou perto, vocês são a base mais forte que eu
poderia pedir, obrigada por sempre se orgulharem dos pequenos
passos.
Obrigada aos leitores, por sempre permitirem que isso tudo
seja possível! Obrigada por continuarem a dar muito amor para as
vozes da minha cabeça e me permitirem continuar falando sobre
elas. Obrigada por sempre estarem ao meu lado, digo e repito que
não serei capaz de mensurar o quão sou grata por tudo o que vocês
me fazem ser e, no topo dessa lista, é o fato que me fazem ser
realizada no que faço.
Obrigada a quem chegou aqui por agora e topou essa
aventura comigo. Se quiser saber um pouquinho mais sobre mim,
pode sempre me procurar lá no IG (@bortolotto.gabi). Espero que
tenha gostado de passar esse tempo ao meu lado, junto a Liam e
Amelie, e que estejam todas preparadas para, muito em breve,
descobrirem as verdades, e mentiras, por trás da história da
Savannah e do John, ou deveria dizer Knox?

Aguardo vocês na Amazon com NR&E muitoooo em breve.

Com muito amor,


Gabi <3

[1]
tr: Até logo, meu anjo.
[2]
tr: Sonhe comigo, meu anjo

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