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Esta é uma obra de ficção.

Nomes, personagens e acontecimentos descritos são produtos da


imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e
acontecimentos reais é mera coincidência.

São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte


desta obra, através de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem
o consentimento escrito da autora.

Copyright © 2023 Sinéia Rangel


Todos os direitos reservados.
PRODUÇÃO EDITORIAL

Autora: Sinéia Rangel


Revisão: Gramaticalizando – Assessoria Literária
Capa: Sinéia Rangel
Imagens e ilustrações:
@olhosdetinta
@llibiarts
@lise.kotori
MidJourney + Photoshop por Sinéia Rangel
Diagramação: Sinéia Rangel
Sumário

Sinopse
Nota da autora
Aviso de conteúdo
Entrelinhas
Playlists
Prólogo
Capítulo 01
Capítulo 02
Capítulo 03
Capítulo 04
Capítulo 05
Capítulo 06
Capítulo 07
Capítulo 08
Capítulo 09
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Capítulo 53
Capítulo 54
Capítulo 55
Capítulo 56
Capítulo 57
Capítulo 58
Capítulo 59
Capítulo 60
Capítulo 61
Capítulo 62
Capítulo 63
Capítulo 64
Capítulo 65
Capítulo 66
Capítulo 67
Capítulo 68
Capítulo 69
Capítulo 70
Capítulo 71
Capítulo 72
Capítulo 73
Capítulo 74
Capítulo 75
Capítulo 76
Capítulo 77
Capítulo 78
Capítulo 79
Capítulo 80
Capítulo 81
Capítulo 82
Capítulo 83
Capítulo 84
Epílogos
Ele foi abandonado com os dois filhos.
Arion Valentinne estava vivendo o melhor momento da sua vida cinco
meses atrás. Ele tinha uma família perfeita, a carreira de DJ estava
decolando, e logo poderia deixar o trabalho de bartender e se dedicar à
música, como sempre sonhou. Mas tudo mudou numa noite, ao voltar
do trabalho e encontrar os filhos sozinhos em casa.
Ela guarda um segredo.
Vida Arpini tem a vida perfeita, ao menos é o que pensam os milhões de
seguidores que acompanham a travel influencer em suas viagens ao redor
do mundo. A realidade não é bem assim. Vida tinha apenas treze anos
quando descobriu que não importava o quanto desejasse, alguns sonhos
não eram possíveis para ela. Aos dezesseis teve sua intimidade exposta e
ridicularizada, desde então está fugindo das memórias dolorosas que
quase puseram fim à sua vida.
Dois mundos despedaçados, dois corações quebrados.
Não é a primeira vez que os caminhos de Arion Valentinne e Vida Arpini
se cruzam.
Sete anos atrás, Arion salvou Vida em um acidente no mar. A garota
tentou descobrir quem era o surfista que fez seu coração voltar a bater,
contudo, ele não quis ser encontrado. Não estou aqui para julgar, o
garoto teve os seus motivos.
À medida que seus caminhos se entrelaçam outra vez, Vida sente uma
conexão intensa com Arion, mas nem imagina que ele é o garoto que
ela buscou por tantos anos.
Um verão para se apaixonar.
Os encontros ao acaso passam à convivência diária quando Vida se
oferece para ajudar Arion com as crianças, para que ele não desista de
dois festivais internacionais que podem ser decisivos em sua carreira de
DJ.
Ela iria embora ao final do verão.
Ele estava decidido a conquistar seu coração antes que o verão acabasse.

Os dados do destino foram lançados.


Com carinho, Senhor do Tempo.
Todas as imagens presentes neste e-book apresentam legenda
alternativa e as figuras decorativas estão assinaladas como tal, permitindo
que leitores cegos ou com baixa visão tenham acesso ao conteúdo na
íntegra ao utilizar programas para leitura de tela.
Se você já me conhece, é um prazer te encontrar de novo. Se
ainda não me conhece, meu nome é Sinéia Rangel. Há 6 anos a escrita é a
minha profissão, mas sou graduada em Psicologia e atuava na área de
Psicologia Hospitalar e Clínica, com abordagem em Psicanálise
Lacaniana.
Brinco que a psicóloga hoje só atende personagens, e algumas
vezes isso é colocado de forma muito sutil nas minhas histórias, quase
imperceptível para a maioria, o que não é o caso em Um Infinito Para
Nós, e é por isso que estou começando essa nota trazendo essa
informação para vocês. E por que isso? Porque eu quero deixar claro que
a psicoterapia não tem como objetivo transformar ninguém em um
monge ou um ser transcendente. A psicoterapia tem como finalidade
implicar o sujeito/pessoa/ser humano nos eventos da sua vida, é fazê-lo
enxergar a responsabilidade pelas suas relações interpessoais.
Psicoterapia é um processo não linear, portanto, não existe
ninguém terapeutizado e ponto, porque não há um ponto final, não
antes que a vida se finde. Então, muitas vezes espera-se que porque a
pessoa faz terapia, que ela seja ponderada, racional e super madura em
todas as situações que acontecem em sua vida. Se você acha isso, sinto te
desapontar. Muitas e muitas vezes, essa pessoa vai ser irracional, vai ser
imatura, porque ela é humana, há situações que nos colocam diante de
gatilhos onde a gente não consegue sustentar as nossas urgências
subjetivas, e eventualmente você pode ter uma reação explosiva, que faz
parecer que tudo foi perdido, que você não avançou nada, mas essa é a
grande sacada da psicoterapia, ela te dá recursos psíquicos para que você
perceba o que aconteceu e recalcule sua rota, e reavaliei o seu
comportamento, a sua reação diante daquela determinada situação.
Dito isso, espero que se deliciem com essa história, que se
apaixonem por esses personagens, que torçam pelo final feliz de cada um
deles. E, por favor, deixem sua avaliação ao final da leitura, ela é muito
importante para mim. Só mais uma coisinha, como disse lá em cima, a
escrita é minha única profissão há 6 anos, não leia e compartilhe PDF,
respeite o meu trabalho.
Beijos, Sinéia Rangel.
Conteúdo sensível: cenas descritivas de crise de ansiedade, menção
à tentativa de suicídio, menção a autolesões punitivas, menção à gravidez
na adolescência, infertilidade e maternidade.
Este livro contém cenas gráficas de sexo e consumo de bebidas
alcoólicas, todos os personagens envolvidos nestas cenas são maiores de
dezoito anos.
Aos quinze anos descobri que estava grávida de um namorado de
quase dois anos (eu tinha quinze anos!), e por quase TRÊS MESES
carreguei o resultado do teste de farmácia na minha bolsa do colégio,
sem dizer uma palavra a NINGUÉM.
Eu não sei explicar o que eu senti durante aquele tempo, era
como se eu estivesse anestesiada. Acho que se eu soubesse tudo o que
ouviria quando contasse às pessoas que estava grávida, era muito provável
que escolhesse guardar aquele segredo até quando fosse impossível
esconder.
Depois de ouvir as piores coisas do mundo, aquelas mesmas
pessoas ficaram ansiosas pela chegada do bebê, enquanto eu ainda
chorava. Não por estar grávida, mas pelo que elas me fizeram sentir por
estar grávida. E, sendo honesta, aquilo se arrastou até o final da gestação.
Eu só consegui processar que ia ser mãe quando minha filha
nasceu, foi somente quando a segurei pela primeira vez que entendi que
eu era responsável por aquele serzinho, e foi somente ali que consegui
enxergá-la como uma pessoa, e não mais como o erro da minha vida, o
motivo da culpa e vergonha que todos me fizeram sentir.
Para que entendam o quanto esse sentimento era intenso, na
hora do parto cheguei a pensar que não me importaria de carregar a
barriga pelo resto da vida. Não lembro se cheguei a dizer isso em voz
alta, mas pensei.
Estava tudo previamente programado para o parto, exceto pelo
fato que ela se adiantou em doze horas. No dia anterior fui ao médico
que me acompanhava, ficava numa cidade vizinha (cerca de duas horas e
meia de distância), estávamos ali nos dez dias finais, e fui dizendo que já
ficaria por lá, mas ele sugeriu que fizéssemos o parto no dia seguinte, às
oito da noite, para que ninguém fosse me ver no hospital, porque
segundo ele era muito estressante.
Falei “beleza, amanhã então”.
Sete da manhã acordei com umas pontadas. Nunca tinha sentido
contração na vida, sabia nem o que era isso. Fiquei quieta, nem passou
pela minha cabeça que fossem as contrações. O negócio foi ficando mais
forte e o intervalo diminuindo entre uma e outra, aí minha ficha caiu,
né? Uma hora tinha que cair.
Ninguém estava esperando, todo mundo em seus trabalhos, e
decidimos chamar um táxi. Minha bolsa estourou quando estávamos na
cidade ao lado da minha, eram apenas quinze minutos de distância, ou
seja, longe pra caralho da cidade que eu ia parir. Eu com medo, uma dor
miserável, e o povo (minha mãe e o pai da bebê) preocupado por estar
molhando o estofado do carro. Mandei logo se foder.
Chegamos ao hospital, a recepcionista olhou para a minha cara,
me mandou sentar e disse que meu médico estava chegando. Eu respirei
fundo e falei pra ela: “você não está entendendo, ESTÁ NASCENDO.
AGORA”.
Vendo meu desespero, ela mandou uma enfermeira me levar para
uma enfermaria naquele andar. Eram dois leitos e tinha uma mulher com
um bebê ocupando um. A enfermeira fez o exame de toque e viu que eu
não estava exagerando. Não existia a menor possibilidade de esperar por
ninguém. Mas até aí eu não tinha me ligado que o meu médico não faria
o meu parto.
Quando entrou um médico que eu nunca tinha visto na vida dei
dois gritos e mandei o pobre para a puta que o pariu. Ele me explicou
que o meu médico estava realizando uma cirurgia em outro hospital, e
eu brigando com ele, sem querer que ele me tocasse, e as contrações
vindo sem dó. Eu não sabia se brigava ou chorava, e no fim concordei
que ele me examinasse. Aí ele olhou para a enfermeira e disse que não ia
dar tempo nem de preparar o centro cirúrgico. E foi assim que minha
filha nasceu, numa enfermaria, com uma estranha assistindo tudo da
maca ao lado.
Essa facilmente poderia ser a história do nascimento de Malika,
mas não é, essa é história do nascimento da minha filha.
Todos nós, em algum momento das nossas vidas, nos sentimos
menos do que bastante, e quero dizer que você não está sozinha, que
sempre será muito mais do que o bastante.
À minha filha, que emprestou tanto de si para a Malika ganhar
vida nessas páginas.
Essa história não é um conto de fadas, por aqui nada de príncipes,
princesas ou vilões, aqui você encontra personagens humanos, cheios de
inseguranças e traumas, personagens vulneráveis e que vão expor suas
fragilidades sem medo, porque na dor e na vulnerabilidade também há
força, uma força gigantesca, como as ondas do oceano.
"Um fio invisível conecta os que estão
destinados a conhecer-se.
Independentemente do tempo,
lugar ou circunstância,
o fio pode esticar ou emaranhar-se,
mas nunca irá partir.”
( 赤い糸 /Akai ito)
Não demorei nem meio segundo para começar a remar no
sentido da arrebentação quando a vi desaparecer em meio à espuma do
mar. As batidas do meu coração soavam tão próximas umas das outras
que não conseguia mais distingui-las.
Uma segunda onda quebrou tão violenta quanto a primeira e vi a
rabeta[1] subir. O strep havia se partido, a prancha dela foi arremessada
longe. E eu não conseguia vê-la em nenhum lugar.
Continuei remando o mais depressa que podia. Movi os olhos
para a praia, o posto de guarda-vidas ainda estava fechado. Não havia
ninguém próximo.
Era uma manhã de inverno, não fazia menos que vinte graus, mas
para quem estava acostumado com uma temperatura média de vinte e
oito, o dia estava frio o bastante para que batesse aquela preguiça de sair
da cama cedo, piorou ir à praia antes do sol nascer. Exceto se você
quisesse pegar as melhores ondas.
Uma terceira onda se aproximava, intensifiquei as braçadas, e ao
ultrapassar a arrebentação, soltei minha prancha, enchi os pulmões de ar
e mergulhei. A visibilidade não era boa e piorou quando a onda
quebrou, agitando a espuma.
Eu precisava encontrá-la.
Nadei de volta à superfície e expirei com força, tomando fôlego.
Meus batimentos socavam a caixa torácica. Olhei para o horizonte, para
ter uma ideia do intervalo de tempo até a próxima onda, e em seguida
para a praia.
Cruzei os braços em x ao avistar o guarda-vidas, sinalizando que
tínhamos uma vítima submersa. No segundo que ele gesticulou em
resposta, voltei a mergulhar, indo até onde o strep me permitia.
Ignorei o desespero crescente em meu coração e me concentrei
em vasculhar o fundo do mar. Ao invés de nadar a esmo, fiz um giro de
trezentos e sessenta sem sair do lugar, então a avistei.
Eu a encontrei!
Ela estava inconsciente.
Dei uma olhada rápida para cima. Não dava tempo de subir e
voltar a descer antes que outra onda quebrasse. E eu não podia arriscar
perdê-la.
Desloquei-me para o fundo, e ao me aproximar abracei seu corpo
por trás, segurando por baixo dos seus braços. A levei para a superfície.
Esperei que a agitação passasse para emergirmos e a segurei com a cabeça
acima da espuma do mar.
Agarrei seu pulso. Não conseguia senti-lo, seus lábios já estavam
cianóticos[2]. Não podia me desesperar. Eu tinha feito os treinamentos
quando ainda era moleque — todos eles, de RPC[3], salvamento aquático,
apneia[4] —, e uma vez por ano participava de uma simulação, porque
meu pai sempre me instruiu a estar preparado para os reveses do mar,
entretanto, nunca apliquei em uma vítima real. Sabia que cada segundo
contava.
Nadei até minha prancha, a deitei e iniciei a respiração boca a
boca. O guarda-vidas nos alcançou quando eu estava na metade da série.
Concluí as cinco restantes e a posicionamos de bruços na minha prancha
— ela não respondia. Deitei na parte de trás, no vão entre suas pernas,
com o tronco erguido, e remei de volta para a praia, acompanhado pelo
guarda-vidas. Chegando no inside, foi ele quem a moveu da prancha para
a areia da praia.
Ela continuava sem responder.
Eu a encarava com os olhos estatelados enquanto tio Joca, o
guarda-vidas naquela manhã — ele não era meu tio de verdade, mas o
conhecia desde moleque —, pressionou dois dedos no queixo dela e
segurou a testa com a outra mão, estendendo o pescoço e abrindo as vias
aéreas, avaliando se havia respiração espontânea.
— A ambulância deve estar chegando — comentou, vestindo-a
com uma máscara de oxigênio para RCP. — Eu e você — tio Joca
segurou em meu braço. O toque firme fez com que meu olhar se
deslocasse para ele —, vamos trazê-la de volta, Arion. Lembra dos
treinamentos?
— Quinze por dois — murmurei, me referindo ao número de
compressões e ventilações que cada um de nós deveria fazer.
Aquiesceu e deu início à massagem cardíaca.
Eu estava em modo automático e continuei assim até sentir o
pulsar frágil do seu coração sob a minha palma depois de sei lá quantos
minutos.
Interrompi as compressões e deixei que tio Joca a posicionasse em
decúbito lateral. Ela espumava e expelia muita água, mas estava viva.
Só senti as lágrimas descendo pelas maçãs do meu rosto.
Ouvia o som da ambulância se aproximando à medida que ela
recobrava a consciência. O posto de saúde, o único da ilha, ficava na vila
dos moradores, e o trajeto que a ambulância fazia era maior do que os
dois quilômetros de praia, porque só havia uma estrada interligando as
praias e hotéis à vila e ao cais.
— Você foi corajoso. — Tio Joca deu um tapinha em meu
ombro quando o sufoco passou. — Seu pai estaria orgulhoso.
— Minha mãe não pode saber — murmurei, me dando conta
que se não fosse embora logo estaria encrencado. — Não conta a
ninguém que fui eu quem a resgatou, tio Joca. Eu não deveria estar
surfando, e se minha mãe descobrir o que aconteceu... — suspirei
exasperado. — Ela vai ficar mal.
Meu pai morreu há um ano e meio. Surfando.
Minha mãe não queria que eu chegasse perto de uma prancha.
— Vou dizer que não conheço o surfista se prometer que não vai
continuar surfando escondido de sua mãe.
— Prometo — respondi com sinceridade, minha voz soando
firme, e tio Joca assentiu.
Abaixei os olhos para a garota.
Embora continuasse pálida, sua boca não estava mais azul.
Puxei o colar que eu usava por baixo da camisa de lycra e o tirei
do pescoço.
— Não vou te machucar — falei antes de segurar a mão dela —,
é um presente. — Dei duas voltas com a corrente em seu pulso e o
prendi. — Isso me ajudou nos meus piores dias — deslizei o dedo na
inscrição do pingente —, quero que fique com você.
Ela agarrou minha mão quando a soltei. As chances que ela nem
se lembrasse como aquilo foi parar em seu braço eram imensas. Esperava
que buscasse o significado. E se meus instintos estivessem certos, que ela
se agarrasse à pequena prancha de madeira pendurada em seu pulso
quando não tivesse forças para seguir remando.

— Ho’omau.[5] — Acariciei o dorso de sua mão, dizendo-lhe a


expressão entalhada no pingente.
— Papai?
Meus olhos voltaram-se para o pequeno corredor de onde veio a
voz chorosa da minha filha.
— Oi, amô. — Encostei a porta e acendi a luz da sala.
Malika correu ao meu encontro, os olhos vermelhos e
lacrimejantes. Abaixei-me e a recebi em meus braços, trazendo-a para
meu colo. Ela agarrou-me pelo pescoço e afundou o rosto em meu
ombro, arfante. Deslizei a mão sobre a trança folgada que caía em suas
costas e levantei-me, acarinhando-a.
— Teve um pesadelo, Pandinha? — Ela balançou a cabeça,
negando. Virei-me para a porta e tranquei a fechadura. — Olha para o
papai. — Malika ergueu o rosto. As bochechas estavam encharcadas de
lágrimas. — Por que você estava chorando? — Esfreguei o polegar,
enxugando-as.
— Onde a mamãe foi?
A pergunta fez eco em minha mente e trouxe uma angústia
lancinante.
Há quanto tempo Marcela teria saído?
Para onde ela teria ido?
— O papai está aqui. — Abracei as costas de Malika, apertando-a
junto a mim. Alec choramingou no quarto. — Vamos ver seu irmão.
Malika esfregou o dorso da mão nos olhos.
— Alec me acordou chorano. Eu fiquei juntinho dele, pra ele não
ficar com medo.
— Você é uma garotinha muito corajosa. — Abriguei seu rosto
em minha mão, beijando-a na bochecha, e encaminhei-me para o
quarto das crianças.
Minha garganta travou quando vi o cobertor de Malika no chão,
próximo ao berço. Adentrei o cômodo e meu pequeno agitou os braços,
pedindo colo.
— Ei, Ursinho. — Sorri para ele. — O papai vai pegar o Alec —
falei para Malika, descendo-a para o chão. — Alec está com fominha? —
perguntei, debruçando-me sobre o berço, e o trouxe para meu colo. —
O papai vai dar seu mamá, mas antes vamos trocar essa fralda.
Segurando a bainha de minha camisa, Malika me acompanhou em
cada passo. Após trocar a fralda do Alec, o acomodei no carrinho e
fomos para a cozinha. Pedi que ela brincasse com o irmão enquanto eu
preparava a mamadeira, contudo, percebi que em pequenos intervalos de
tempo, os olhos verdes buscavam-me apreensivos.
— Quer leite com biscoitos, Pandinha?
— Não.
— Achocolatado? — Recusou de novo com um movimento de
cabeça. — Nada?
— Humhum. — Enrugou o nariz, balançando a cabeça em
negativa.
Finalizei a mamadeira e me acomodei no sofá. Alec levou as mãos
pequeninas à mamadeira, envolvendo-a, ansioso. Ele estava aprendendo
a tomá-la sozinho, mas ainda não tinha muita firmeza. Ajeitei a posição
para que pudesse levá-la à boca e continuei segurando na base da
mamadeira, apenas para ajudá-lo a sustentá-la.
— Papai... — Virei-me para a minha garotinha, aninhada ao meu
lado. Os olhos verdes me encararam cheios de tristeza. — Dorme com a
gente.
— Será que cabe o papai na sua cama? — perguntei em um tom
divertido.
Malika balançou a cabeça, assentindo.
— Cabe, papai, que eu sou pequininha.
— Você é pequenininha? — Sorri e me inclinei para ela, dando-
lhe um cheiro no topo da cabeça. — Só não pode dar chutes no papai,
hein?!

Até o momento que Marcela me contou que estava grávida, eu


nunca tinha pensado sobre me tornar pai.
Fiquei longos minutos em silêncio, sentado ao lado dela,
segurando em sua mão e olhando para as ondas quebrando na praia,
repassando em minha mente momentos que vivi ao lado do meu pai.
Não podia imaginar como seria crescer sem ele. Não podia soltar a mão
de Marcela, não deixaria ela e o bebê sozinhos.
Eu tinha dezessete anos, Marcela dezesseis. Nenhum de nós tinha
a mínima noção de como cuidar de um bebê.
Centenas de perguntas se acumularam nos meses que se seguiram.
Como eu saberia porque ele estava chorando? Como identificaria se era
fome ou xixi? E se estivesse com dor? E se eu não soubesse como segurá-
lo e o derrubasse? Como ia segurá-lo e dar banho ao mesmo tempo? E se
entrasse água nos ouvidos? As pernas e braços eram tão pequenos... E se
eu fizesse força demais? Como iria trocar suas roupas sem machucá-lo?
Quando a minha garotinha nasceu, descobri que todos os dias
haveria novas perguntas, que sentiria medos inimagináveis, do tipo que
me fariam acordar no meio da noite para conferir se ela estava
respirando. Para minha surpresa, choro não era tudo igual, havia uma
linguagem complexa por trás deles e havia muitos outros motivos além
de fome ou xixi, e a chave para decifrá-los era conhecer a minha filha.
E não havia nada no mundo que eu quisesse mais do que
aprender tudo sobre ela. Não demorou para que eu me tornasse um
expert em saber se o choro era de fome ou cólicas, manha ou birra, se
estava assustada ou desconfortável, se queria colo ou dormir.
Cinco anos depois e eu continuava aprendendo coisas novas sobre
ela todos os dias. E nos últimos cinco meses vínhamos aprendendo
juntos a sermos pai e irmã do garotinho em meus braços.
Malika transferiu o carinho que fazia em meu braço para a cabeça
do irmão, movendo os dedos com cuidado. Alec, que já cochilava
durante a mamada, caiu no sono com o cafuné da irmã.
— Eu levo, papai. — Ela pegou a mamadeira de minha mão.
— Coloque na pia — instruí, e ela assentiu, seguindo para a
cozinha.
Ajustei a posição do braço, sentando Alec para que arrotasse, e
envolvi uma de suas mãos. Eu tinha tantas perguntas girando em minha
cabeça.
Não queria acreditar no que parecia ser a resposta óbvia para que
Marcela não estivesse com eles. Me sentia culpado por pensar que ela
pudesse ter ido embora, mas não conseguia evitar, porque não
encontrava nenhuma justificativa, por mais absurda que fosse, para que
ela tivesse deixado as crianças sozinhas, colocando a segurança delas em
risco.
— Eta! — A exclamação de Malika veio após o arroto de Alec.
Olhei para o lado, ela voltava da cozinha, cobrindo a boca com as
duas mãos para não rir alto. Pisquei para Mali e sorri, aninhando Alec
junto ao tórax.
— Para a cama, amô — disse, tirando meus tênis.
— Vou apagar a luz.
Ela foi até a entrada e desligou o interruptor. A claridade da
luminária acesa no corredor criava uma penumbra suficiente para que
nos locomovêssemos sem esbarrar nos móveis ou pisar em brinquedos
espalhados no chão. Esperei por Mali em pé, logo à frente do sofá, e ela
me deu a mão ao se aproximar.
— Peraí, papai — pediu ao entrarmos no quarto e correu para o
berço. — Dei o mordedor pra ele bincar — contou, debruçando-se na
grade de proteção e pegando o mordedor.
Sorri orgulhoso, observando-a abaixar-se e recolher o cobertor
do chão. Mesmo assustada, ela fez o que podia para acalmar o irmão.
— Pode colocar o Alec no beço, papai — disse após guardar o
mordedor na cômoda e me encontrar ainda com ele no colo ao virar-se.
— Ok — murmurei, rindo, e percorri a distância até o berço.
Após deitar Alec, agarrei Malika pelo tronco, suspendendo-a do chão. —
Quem vai dividir a cama com o papai hoje?
— Eu — respondeu baixinho.
Coloquei Malika atravessada, com os pés para fora da cama.
Removi os chinelos e a suspendi outra vez, deitando-a no travesseiro.
Então, sentei-me no chão. Mali chegou um pouco para trás, dando-me
espaço na cama.
— O papai vai esperar você dormir para tomar um banho e tirar a
roupa de rua — expliquei, acarinhando sua têmpora. — Depois me deito
do seu ladinho.
— Eu te espero, papai — disse, sentando-se.
— Quer ver um livrinho enquanto tomo banho?
Balançou a cabeça em negativa.
— Podo ficar na porta do bainhero?
Afaguei seu rosto.
— Não vou para lugar nenhum sem você e o Alec. Confia no
papai? — Ergui o dedo mindinho, Malika o entrelaçou ao dela e sacudiu
a cabeça, aquiescendo. — Vem, você pode esperar pelo papai sentadinha
na porta.
Fomos ao meu quarto, e ao abrir o guarda-roupa, encontrei
cabides e prateleiras vazios. Peguei uma cueca e bermuda, fechando-o
rápido, para que Malika não notasse a ausência das roupas da mãe, e segui
para o banheiro, segurando as peças em minha mão. Ela sentou-se sob o
batente da porta e somente se levantou quando saí.
— Agora quero a senhorita dormindo. — Abracei suas costas e
panturrilhas, pegando-a no colo, e a levei de volta para a cama.
— Te amo, papai — disse, estendendo um braço sobre meu tórax
e se aconchegando em mim.
Transpassei meu braço por cima dela, segurando-a em um abraço.
— O papai te ama muito. — Beijei sua testa.
Malika adormeceu rápido, mas não foi um sono profundo,
tampouco tranquilo. Nas duas vezes que tentei remover o braço que a
envolvia, ela choramingou e se agarrou a mim.
Não fui capaz de pregar os olhos por toda a madrugada. Levantei-
me quando Alec despertou. Estávamos há poucos minutos na cozinha
quando Malika surgiu com lágrimas nos olhos, me procurando.
— Mali — abaixe-me para falar com ela —, o que prometi?
— Que não vai dexar eu e o Alec.
— Você disse que confia no papai, não foi? — Assentiu. — Vim
fazer a mamadeira do seu irmão e nosso café da manhã, só isso. —
Enxuguei as lágrimas nos cantos dos olhos dela. — Vá separar a roupa
para a escola. Vou deixar o café pronto e coloco vocês no banho.
Era assim que fazíamos todos os dias. Eu a acordava para levá-la à
escola, e desde que Alec completou quatro meses, ele ia conosco, para
um passeio matinal.
— Não esquece de arrumar a mochila — acrescentei.
— Tá — disse Malika, caminhando para fora da cozinha.
— Vou conferir se fez direito, valendo a sobremesa do almoço.
— Sovete? — perguntou, interrompendo-me e olhando-me.
— Sorvete.
Ela sorriu e saiu apressada. Movi os olhos para Alec. Olhando-o
brincar fui envolvido por um misto de alívio, por ele não entender o que
acontecia; e tristeza, porque, ainda assim, sentiria falta da mãe.
Um suspiro fugaz perpassou meus lábios.

Depois de levar Malika na escola, passei na casa da minha mãe e


pedi que ficasse um pouco com o Alec, precisava de uns minutos
sozinho. Fui à praia, o dia estava cinzento, mas não faria diferença se
estivesse uma linda manhã ensolarada, porque dentro de mim caía um
forte temporal.
Tirei os chinelos, peguei o celular do bolso da bermuda e me
sentei com as pernas cruzadas e os olhos no mar. Uma lágrima tocou
meus lábios, outras tantas percorreram as maçãs do rosto, pingando por
meu queixo.
Marcela foi meu primeiro beijo, minha primeira vez... Ela era
minha melhor amiga, a mãe dos meus filhos... minha família.
Embora as coisas nunca tenham sido fáceis para nós, eu me
esforçava para que não faltasse nada para ela e as crianças, sempre os
coloquei antes de tudo, até de mim mesmo, e não me arrependia das
minhas decisões, porque no fim do dia, era só eles que importavam.
Sempre escolheria vê-la feliz, ainda que fosse longe de mim. Não
entendia como pôde partir sem que me contasse como se sentia sobre
nós.
Estava puto por ela ter colocado em risco a segurança das crianças.
Dos nossos filhos. Nossos filhos, porra! Ela não podia simplesmente
desaparecer da vida deles e achar que tudo ficaria bem.
Abri o aplicativo de mensagens.
Digitei uma mensagem curta e enviei.

Quando iremos conversar?

Não me procure.

Esperei por quase meia hora, relendo aquelas três palavras


repetidas vezes, antes de respondê-la.

Você não precisava ter abandonado nossos filhos, eu


nunca te impediria de ir. Você poderia ter deixado os
dois com minha mãe se não queria me ver ou falar
comigo. Eles são crianças, Marcela! O que direi
quando Malika perguntar onde você está? O que farei
quando Alec buscar por você? Estamos juntos há
anos e temos dois filhos, você acha de verdade que
um “não me procure” se aplique a nós?

Ela visualizou a mensagem assim que enviei. Os minutos foram


passando e a frustração aumentando. Se ficasse mais um segundo
sentado, olhando para o celular, minha cabeça explodiria. Levantei-me,
coloquei o aparelho em cima dos chinelos, despi a camiseta e corri para o
mar, avançando até alcançar uma profundidade suficiente para
mergulhar.
Descarreguei minhas aflições em braçadas curtas e rápidas,
mergulhando por baixo das ondas, até ultrapassar a arrebentação. A partir
daquele ponto o mar ficava mais calmo, o movimento das marolas[6]
vindo de encontro ao meu corpo massageava os nós de tensão.
Prossegui nadando por mais uns minutos e fiz a volta. Aproveitei
que estava a favor da correnteza para alongar ao máximo o movimento
dos braços e pernas, indo com as ondas. As menores eu só curtia o
embalo, as maiores eram boas para pegar jacaré[7].
Escorreguei a mão pelos cabelos, saindo do mar, e corri para onde
deixei minhas coisas. Apanhei a camiseta e o celular, calcei os chinelos e
caminhei para a bica de água doce, verificando as notificações.
Suspirei frustrado ao não encontrar nenhuma mensagem de
Marcela.
Não podia impedir que a decisão dela afetasse nossos filhos, mas
não deixaria que suas vidas virassem de cabeça para baixo.
Eles tinham a mim.
Eu teria que ser o bastante.
Eu precisava ser o bastante.
A água salgada levou embora as lágrimas.
A dor, entretanto, permaneceu atracada em meu peito.
O som agudo e insistente do choro de Malika tinha um apelo de
desespero que me causou uma dor quase física. Corri a distância que
faltava até a casa de minha mãe, e no instante que destranquei o portão,
ouvi a porta da frente abrir e a minha garotinha saiu e veio correndo para
mim. Mais uma vez. Malika soluçava de tanto chorar.
— Não chora, Pandinha. — Segurei sua cabeça e pressionei os
lábios em seus cabelos. — Estou aqui — murmurei, abraçando-a. — O
papai veio o mais rápido que pôde.
Meu pequeno também chorava.
Com os olhos cheios de lágrimas, movi o rosto para minha mãe,
em pé na entrada de casa, com Alec nos braços. Ela soltou um suspiro
alto, olhando dele para a garotinha com os braços atracados em meu
pescoço.
— Olha quem chegou — disse, virando um pouco, para que Alec
me visse —, o papai.
Alec fez um biquinho ao me ver, os lábios tremiam, o choro
sendo substituído por um arfar pesado, e estendeu os braços, me pedindo
colo.
Não havia parte de mim que não doesse quando os via assim.
Por quanto tempo mais teria que ver os meus filhos sofrerem?
Eu faria qualquer coisa para livrá-los da dor.
Por que não podia doer só em mim?
Eu aguentaria.
Deslizei a língua entre os lábios e engoli o nó em minha garganta,
puxando e soltando o ar devagar e profundamente. Passei o braço
esquerdo ao redor das pernas de Malika, sentando-a no meu abraço, e
me levantei.
— Vem, papai — disse ao Alec, aproximando-me da minha mãe,
e abri o braço livre para pegá-lo.
Ele jogou-se para mim, os dedinhos agarrando-se ao meu ombro.
Beijei sua bochecha. Minha mãe pousou a mão em meu braço, afagando
de leve, e em seguida acariciou as cabeças de Alec e Malika.
— Vamos entrar — murmurou, deixando escapar uma lágrima.
— Ei, dona Ana — o esboço de uma risada precedeu meu
resfolegar —, a senhora também não — falei em tom de brincadeira,
embora minha vontade fosse chorar. — Me ajuda com a mochila deles
— pedi enquanto adentrávamos a sala.
— Não quer ficar por aqui?
— Acho que uma caminhada fará bem para nós três. — Olhei
para Alec, brincando com minhas correntes, e depois para Malika. O
choro parou, mas o bico continuava lá. — Vamos lavar esse rosto. —
Franzi o nariz, encenando uma careta. — Tá toda melequenta, eca!
— Tô nada — choramingou, esfregando o braço no nariz.
— Só um pouquinho. — Sorri para ela, dando um beijo na maçã
do rosto, e a coloquei no chão. — Vá se limpar, depois coloque um
casaco por causa do sereno. O papai vai vestir o Leleco pra gente ir.
Em instantes nos despedimos de minha mãe e seguimos para casa.
Escolhi fazer o percurso mais longo, percorrendo um trecho da praia, e
pedi que Malika me contasse como foi a noite na casa da vovó.
— Alec fez uma bagunçona, tinha abo... — Malika interrompeu-
se. — Aboba... — Ela virou-se para mim, sem soltar minha mão. —
Como que fala? — Estreitou os olhos.
— Abóbora.
— Aboba...
— Abóbora. Repete comigo — pedi. — A.
— AAAA... — disse alto.
— Aaaaaa... — Alec a imitou.
Mali deu risada.
— Você também quer falar, papai? — Fiz carinho no braço de
Alec. Eu o trazia no sling amarrado ao meu tórax, sentado de lado, para
que pudesse interagir também.
— Aaaaa... — ele repetiu, rindo com a irmã.
— A — recomecei. — Bó.
— Bó — repetiu Malika.
— Baaa. — Alec fez um som estalado com a boca.
— Bo — continuei.
— Bo — prosseguiu Malika.
Alec fechou e abriu a boca repetidas vezes, refazendo o estalinho
dos lábios em um: ba, ba, ba. Cheirei a cabeça dele.
— Ra — concluí.
— RÁ! — Malika saltou na minha frente e Alec caiu no riso.
As risadas deles eram meu combustível. Se eu pudesse fazer um
único pedido, seria ouvir aquele som todos os dias da minha vida.
— Abó-bo-RA. — Malika esticou a mão e tocou o cabelo do
irmão. — Alex xujou tudinho, até aqui tinha ABÓ-BO-RA — terminou
de me contar sobre o jantar na casa da vovó.
— Ele fez o quê, Mali?
— Xujo... Não! — Ela levou a mão à testa, gargalhando. —
SUUUU — fez um biquinho, enfatizando a sílaba — jou.

— Muito bem! — Soltei a mão dela. — High five.[8] — Estendi a


palma aberta.
— Hi five. — Acertou minha mão. — Aí depois eu ajudou a
vovó a dar banho nele e a gente foi bincar.
— E do que vocês brincaram?
Instiguei ela a continuar contando para que percebesse o quanto
se divertiu e não ficasse presa ao medo que sentiu quando deu a hora de
dormir e eu não estava.
Enquanto Malika saltitava de um lado para o outro, narrando
animada o que ela e Alec fizeram, ele deitou a cabeça em meu peito,
agarrado ao meu polegar, e dormiu.
Ao chegarmos em casa, troquei a roupa de Alec por uma
camisetinha leve. Ele estava dormindo tão pesado que nem despertou.
Malika havia terminado de vestir o pijama quando o coloquei no berço.
A levei para escovar os dentes. Quando terminou, penteei seus cabelos,
prendi em um coque com uma xuxinha de cetim, e voltamos ao quarto.
— Foi legal na casa da vovó, né? — Puxei o lençol para cobri-la.
— A gente bincou muitão.
— Você quer ir amanhã de novo? — Sentei-me no chão.
— Você vai buscar eu e Alec pra casa?
— Sempre vou buscar vocês, Mali. Falei que iriam dormir na vovó
e amanhã cedinho eu buscaria os dois, lembra? — Aquiesceu,
balançando a cabeça. — E por que você chorou na hora de dormir? —
Ela suspirou fundo e fez uma cara emburrada. — Mali?
— Poque você não tava com eu.
— Por que o papai não estava, Mali?
— Poque tava trabalhano. Você não pode tirar mais félias?
— Você pode tirar férias da escola amanhã?
— Não — murmurou.
— Eu também não posso tirar férias do trabalho todo dia. Fiquei
um montão de dias grudadinho em você e Alec, mas agora o papai
precisa trabalhar, amô. Lembra o que conversamos?
— Que o papai ia trabalhar tês dias.
— Quinta, sexta e sábado — relembrei. — Por isso você e o Alec
vão ficar na casa da vovó, mas só tem um diazinho — ergui o indicador
— que o papai não vai estar em casa na hora de dormir. Qual é?
— Quinta.
— Nos outros, quem vai colocar Mali e Alec para dormir?
— O papai.
— Onde?
— Na casa da vovó.
— E aí o papai vai sair. Pra quê?
— Pra trabalhar tocano mus... musca...
— Mú-SI-ca — enfatizei a pronúncia, olhando para ela. — Você
e o Alec estarão dormindo quando eu sair, mas vou voltar bem cedinho
para buscar os dois. Vamos combinar do papai te ligar todas as noites
para falar com você, assim a saudade diminui um pouquinho?
— Se eu acordar com Alec chorano e você não tiver, fico tliste,
papai.
A sinceridade dela me desmontou.
A garganta arranhou, senti os olhos arderem, era o choro
ameaçando romper minhas defesas. Cerrei os lábios, movendo meus
dedos por seu cabelo, em silêncio.
Esperando...
Esperando que eu pudesse falar sem que as lágrimas despencassem.
Esperando que a dor se encolhesse outra vez para que eu pudesse
ser sua fortaleza.
Sorri para ela apenas com os cantos dos lábios.
— A vovó vai ficar com você e o Leleco esperando pelo papai, tá
bom?
— E você vai ligar pra mim?
— Vou. Então, amanhã, você e Alec ficarão com a vovó. — Ela
desviou os olhos dos meus e entortou os lábios, fazendo uma carinha de
choro. — Malika... — Apertei de leve a ponte do nariz. Os olhos
voltaram-se para mim. — Por favor, filha — pedi, com o coração
apertado.
— Tá bom.
— Obrigado, amô. — Afaguei sua cabeça. — Agora, fecha os
olhinhos, o papai vai fazer cafuné até você dormir. — Ela agarrou a mão
que eu repousava na cama e cerrou as pálpebras. — Bons sonhos.
— Você também, papai.
Colocá-los para dormir estava entre as minhas coisas favoritas
sobre ser pai. Durante aqueles minutos que passava acalentando-os e
olhando para as expressões serenas em seus rostos, uma quietude
calorosa me abraçava.
Retirei minha mão sob a de Malika quando ela adormeceu e
permaneci sentado no chão. Recostei-me na cama, inclinando a cabeça
para trás, e fechei os olhos. A melodia de suas respirações embalava as
batidas em meu coração.
Um par de horas transcorreram até que eu me levantasse. Peguei a
babá eletrônica, busquei uma boxer no meu guarda-roupa e entrei no
banho.
Era no chuveiro que me permitia chorar. Era durante aqueles
minutos que deixava cair todas as lágrimas que não queria que eles
vissem. Era sob o jato de água gelada que eu desabava ao final de cada
maldito dia.
— Isso tá irado, mano! — exclamou Zac.
Girei a cadeira de lado, ficando de frente para o tapete
emborrachado onde meu melhor amigo e as crianças estavam.
Encontrávamo-nos no estúdio que montei em um cômodo da casa,
com um espaço para as crianças brincarem, e como tinha isolamento
acústico, às vezes eu colocava a música nos alto-falantes e Malika ficava
dançando enquanto eu trabalhava. E por falar nela, estava pulando de um
lado para o outro, sacudindo os braços para o alto, e Alec batia as mãos
numa almofada.
— Adaaa! — gritou meu pequeno.
— É, Leleco. — Zac balançou a cabeça, agitando as pontas dos
dreads presos em um coque alto, e Alec o imitou, rindo e fazendo-nos
rir. — Que groove[9] insana! É impossível ficar parado. — Olhou
sorrindo para meu pequeno. — Olha essa virada[10]. — Meu amigo
fechou a mão em punho e bateu contra o peito. — Monstro[11]!
— Monstuoso! — gritou Malika, arrancando-nos risos.
— O papai é o quê, Mali? — Zac deu as mãos a ela, para que
ganhasse impulso e pulasse mais alto.
— MONSTUOSO!
— Ainda vou te ver tocando nos maiores palcos do... — Zac
interrompeu-se e encarou Alec, boquiaberto. — Olha para esse moleque
como já tá...
Meu pequeno inclinou o corpo para frente, espalmando as mãos
no chão, como vinha fazendo há semanas, mas em vez de arrastar-se,
apoiou-se nos joelhos. Saltei da cadeira e sentei-me na beirada do tapete,
estendendo os braços para ele.
— Vem para o papai, Ursinho — chamei Alec com as mãos.
Ele ria para mim, dando gargalhadas gostosas. Malika parou de
pular e sentou-se diante do irmão, passando as mãos nos cabelos, para
tirá-los do rosto.
— Vai para o papai, Leleco — incentivou Malika.
— Vem, Alec — chamei.
Ele ergueu um dos braços por um breve instante, ensaiando o
movimento. O sorriso largo exibia os dois dentinhos inferiores que
nasceram há poucas semanas.
— Como pode crescer tão rápido — comentou Zac.
— Nem me fala. — Aproximei mais as mãos. Alec apoiou-se
sobre os joelhos outra vez. — Ainda me lembro de quando era a Mali
quem estava começando a engatinhar. — Meu pequeno moveu a mão
só um pouquinho para frente, uma e depois a outra, deslizando sobre os
joelhos para mover-se. — Vem!
— Ba-daaaaaa... — A baba escorria no canto da boca enquanto o
sorriso mais fofo se agigantava.
— Eu não lembro — disse Malika.
— Porque você era um tiquinho de gente — respondeu Zac.
— Eeee... Deeedaa... Eeeee... — prosseguiu Alec numa das
conversas que eu ainda não conseguia decifrar, então apenas seguia
concordando com ele e incentivando-o a falar mais.
— Você era só um pouquinho mais velha que o Alec quando
começou a engatinhar — contei.
— Alec não vai lembrar também?
— Não, amô. — Alec tombou de lado, caindo sentado. — Vem
para o papai. — Ele jogou o corpo para frente, escorando-se sobre as
mãos e joelhos. — Vem. — Retraí os braços, afastando-me mais um
pouco. Ele moveu uma mão e em seguida o joelho ergueu-se
minimamente do tapete, ensaiando o próximo movimento. — Muito
bem, Ursinho.
— Vai, Leleco — incentivou Malika. — O papai te segura.
Alec se desequilibrou, caindo de bunda mais uma vez, porém, não
desistiu. Espalmou as mãos no tapete e voltou a apoiar-se nos joelhos, os
pezinhos sendo tensionados e empurrados contra o chão.
— Isso, Ursinho!
— Aa! — Deitou-se no tapete, estirando as mãos e pernas.
— Vai, Leleco! — disse Zac.
— Você consegue, papai!
— Aaaa... — Tomou impulso, içou o tronco e ficou apoiado nos
braços e pernas. — Eee... Daa...
— Sim, mozinho! — Então ele deu seu primeiro passo
engatinhando, e mais outro em seguida. Lágrimas me fizeram refém, um
infinito delas. — Vem para o papai — falei com a voz embargada em
meio ao riso.
— Aêêê... — comemoraram Zac e Malika.
— Eeee... — Alec caiu deitado de barriga, tagarelando. —
Aadaaa... Eee...
— Você está ficando um rapazinho. — Ele ergueu o tronco e no
mesmo embalo seguiu engatinhando. — Isso, Alec! — Deixei a mão
parada, esperando que se aproximasse, e quando a alcançou, o trouxe
para o meu colo. — Você conseguiu! — Beijei o pescoço e a barriga
enquanto ele ria, batendo as mãos em meu rosto. — Papai ama demais
esse Ursinho.
— Êê! — Malika se levantou e recomeçou os pulos.
— Eeee! — Alec respondeu à irmã. — Daa-eeeee...
— Quer brincar com a Mali? — Coloquei Alec sentado no tapete.
— Eee... aaaa... iaaa... — Bateu palmas. — AAAAA...
— Chama a Mali — falei ao Alec, sorrindo para ele. — Mali...
Mali...
— AAAAA. — Ele agitou as mãos no ar, olhando para a irmã.
— Eeeeaa... Aaaaiiaa...
— Eu vou te pegar. — Mali se abaixou e engatinhou em direção
ao irmão. Alec deu uma gargalhada e inclinou-se para frente. — Vou te
pegar!
Alec desdobrou as pernas, apoiando-se nos joelhos.
— Devagar, Mali, para ele não se machucar e ficar com medo.
— Tá, papai.
O estúdio foi preenchido pelas risadas dos dois. Entre tombos e
escorregões, Alec foi aprendendo a engatinhar enquanto brincava com a
irmã. Mali fingia que ia pegá-lo algumas vezes e ele caía de barriga e
rolava para o lado, se embolando de rir.
Eu e Zac nos dividíamos entre conversar e brincarmos com as
crianças, sempre de olho para eles não irem para fora da área acolchoada
e acabarem batendo a cabeça no chão.
Quando Alec veio engatinhando para mim, soube que aquela
seria uma noite sem brigas para dormir. Assim que o trouxe para meu
colo, meu pequeno se aninhou ao meu tórax, molinho de sono.
— Nem venha de chamego. — Toquei a pontinha do nariz dele.
— Você está suado. E você também. — Olhei para Malika. — O papai
vai colocar os dois no banho e depois vamos escovar os dentes para
dormir. Dá tchau para o tio Zac. — Alec suspendeu o braço, todo
manhoso, e sacudiu a mão em um aceno descoordenado.
— Que dengo é esse, pai? — comentou Zac, rindo. — Tchau,
Leleco! — Ele virou para o lado onde Malika estava e abriu os braços. —
E a pandinha mais linda do tio, cadê? — Ela correu para ele e o abraçou.
— Boa noite, titio.
— Boa noite, Mali.

— Papai, o Alec vai esquecer eu quando quescer? — Malika


perguntou enquanto eu trançava o seu cabelo.
— Não, meu amô. — Olhei para ela pelo espelho. — Ele não se
lembrará do dia de hoje porque ainda é um bebezinho, mas haverá
muitos outros dias em que você estará juntinho dele, brincando, rindo,
às vezes brigando — sorri —, e Alec vai crescer sabendo que você é a
irmãzinha dele e que o ama muito.
— E a ma... — Ela fez uma pausa longa, como se pensasse se
poderia tocar no assunto.
— A mamãe também. — Agachei e a virei de frente para mim.
— Você pode falar sobre a mamãe, Mali. Não vou ficar chateado. Sei que
sente saudades. — Os olhinhos dela encheram de lágrimas. — O papai
também sente.
— Alec vai esquecer a mamãe. — A voz soou chorosa.
Estendi a mão por suas costas e a trouxe para um abraço. Malika
não havia mencionado Marcela uma única vez nos últimos dois meses. E
longe de me tranquilizar, desconhecer o que se passava em sua cabecinha
era meu pior pesadelo. Pensei muito sobre o que dizer. Não queria
mentir, nem criar expectativas irreais, e decidi esperar que as perguntas
surgissem. Afinal, tudo a respeito de Marcela era incerto. E se ela voltasse
do mesmo jeito que saiu de casa, sem aviso ou explicações? Se ligasse no
dia seguinte para falar com as crianças? E se... e se... Marcela foi embora e
me deixou com um infinito de “e se”. Então, fiz o que podia.
— A gente não pode impedir que o Alec esqueça a mamãe —
dizer aquelas palavras foi como ter meu coração dilacerado —, mas eu e
você — movi minhas mãos para seu rosto — estamos aqui e podemos
encher ele de beijinhos e cantar musiquinhas igual a mamãe fazia para ele
dormir.
— Ela dava beijo no pé de chulé. — A lembrança trouxe consigo
um pequeno sorriso que não demorou a se desfazer, sendo substituído
por um biquinho. — Proq... Por que ela foi embora? Eu fui má?
— Você não fez nada de errado, ok? — Enxuguei suas lágrimas.
O choro estava atravessado em minha garganta.
Eu não podia desabar sob o olhar dela.
— Você e o Alec são muito amados. Muito, muito, muito... O
papai ama tanto vocês — disse, afastando-me para olhá-la. Mali jogou os
braços ao redor do meu pescoço. — Meu amô — suspirei, segurando-a
em um abraço apertado.
— Te amo, papai.
— Também te amo, Pandinha.
— Você pode contar uma historinha? — Ela trouxe as mãos para
meu rosto e os dedinhos acariciaram minha barba.
Aquiesci com um mover de cabeça.
— Mas primeiro deixa o papai terminar essa trança. — Dei um
beijo em sua testa.
Mali dormiu antes que eu terminasse a história e, como sempre,
contei até o final. Dei um beijo nos cabelos da minha garotinha e
caminhei até o berço. Alec estava esparramado no colchão, Malika dizia
que ele dormia parecendo o Patrick do Bob Esponja.
Sorri e me inclinei para dentro do berço, mas, em vez de beijá-lo
na cabeça, deixei um beijinho no pé. Como a Marcela faria.
As lágrimas caíram antes que eu encostasse a porta. Um arfar
doído preencheu meu peito. Entrei rápido no banheiro, abri o box e me
enfiei embaixo do chuveiro do jeito que estava.
Meu corpo inteiro doía. A água escorria por meu rosto e unia-se
às lágrimas que corriam apressadas. Os ombros e mãos tremiam. Tombei
a cabeça para frente e um choro excruciante rasgou meu peito.
Não lembrei que Zac estava em casa até que ele estivesse me
envolvendo pelo pescoço, do mesmo jeito que Malika fazia. Não tive
forças nem para erguer meus braços, que continuaram inertes quando
meu amigo me segurou sob o jato de água fria. Afundei o rosto em seu
ombro e chorei até que os soluços se sobrepusessem.
— Você é o melhor, mano — disse Zac, deslizando a mão em
meu cabelo. Eu não era, longe disso. Balancei a cabeça em negativa, sem
levantá-la do seu ombro. Ele me obrigou a erguê-la e, segurando-me,
encostou a testa na minha. — Sabe disso, né?
— Se fosse verdade, ela estaria aqui.
— Não foi você...
— Não fui o bastante para que ela ficasse.
— Não foi sua culpa, Arion.
— Eu deveria ter percebido. — Segurei em seus braços,
afastando-o. — Ela estava infeliz — murmurei, desligando o chuveiro.
— Não faz isso, porra. — Zac segurou em meus ombros, me
forçando a olhar em seus olhos. — Não vou te deixar fazer isso, ouviu?!
— Não consigo, Zac. No início fiquei bravo com ela, mas depois
comecei a me perguntar onde eu estava que não notei que tinha algo
acontecendo. Ela não acordou um dia e decidiu ir embora, esse é o tipo
de coisa que leva tempo.
— Você quis conversar.
— Depois que ela não estava mais aqui.
— Mas você tentou.
— Não insisti — suspirei. — E se ela ficou esperando que eu
lutasse por nós?
— Não foi o que aconteceu. Sei onde ela está, descobri tudo.
Não contei porque — ele meneou a cabeça — não quero que se
machuque mais.
— Ela está bem? — Não ter notícias era angustiante. — Só
preciso saber isso, Zac. — Uma lágrima rolou por minha face.
— Sim, ela tá bem.
Balancei a cabeça em sinal positivo.
— Às vezes tenho vontade de te socar. — Ele fingiu dar um soco
em meu peito. — Eu te amo, seu filho da mãe. Sei que está doendo para
um caralho, mas você não pode mergulhar na porra dessa dor. Não vou
deixar! Você não podia ter feito nada para mudar o que aconteceu,
porque Marcela escolheu ir. Não você, Arion. Ela!
Estávamos nas últimas semanas de tranquilidade na ilha e
aproveitei a calmaria para familiarizar Alec com o mar, o que não exigiu
muito esforço. Ele ficou eufórico quando o levei ao mar pela primeira
vez, diferente da irmã.
Malika ficou assustada em seu primeiro contato com o mar,
grudou no meu pescoço e se encolheu toda em meu colo, sem querer
tocar na água, então comecei tentando convencê-la a molhar as
pontinhas dos pés enquanto andava pela areia segurando em suas mãos, e
aos poucos fomos subindo o nível da água. No entanto, quando perdeu
o medo queria pegar todas as ondas comigo.
A primeira vez que dropei um tubo com a Mali, ela tinha três
anos. Foi uma das melhores ondas da minha vida. Naqueles segundos em
que o mar nos abraçou, senti como se não houvesse passado nenhum dia
desde que surfei com meu pai pela última vez.
Lamentava que ele não estivesse vivo para conhecer os netos, mas
eu o honrava, apresentando a eles o nosso reino. Aquele era seu legado:
conexão, identidade, resiliência e respeito. E eu amava compartilhá-lo
com meus filhos.
Eu ainda não tinha me aventurado a surfar com Alec, mas o
levava para remarmos um pouco sobre as marolas, bem longe dos picos.
Ele odiava vestir o colete salva-vidas, no entanto, ficava tão empolgado
para entrar no mar com a prancha que nem tentava mais tirar. Meu
pequeno tinha entendido que precisava estar com o colete para que a
diversão começasse. Meu pai estaria orgulhoso. Primeira lição aprendida:
devemos respeito ao mar.
— Amanhã a gente volta. — Alec chorava, estendendo os braços
por cima do meu ombro em direção ao mar. — Está quase na hora do
seu soninho e nós dois sabemos que você fica muito mal-humorado
quando não tira uma soneca de manhã. — Inclinei-me para colocar a
prancha na areia e em seguida segurei o braço dele, virando-o para que
olhasse para mim. — Alec. — Ele não queria papo, o chororô prosseguiu
firme e forte. Muito forte, por sinal. — Alec, o papai está falando com
você. — O moleque chorava a plenos pulmões, o rosto já estava
vermelho. — Eu disse não, Alec — falei com firmeza. Ele fez um bico e
arregalou os olhos, me olhando. Era uma delícia quando eles aprendiam
o significado de não, e péssimo quando entravam na fase de dizer não
para tudo. — É hora de irmos para casa. — Fungou, o bico triplicando
de tamanho. — Fique aqui um minutinho para o papai arrumar nossas
coisas — falei, sentando-o na areia.
Ele nunca ficava quieto, mas tinha dias que se superava. Era um
desses dias hoje. O pequeno trapaceiro saiu engatinhando o mais rápido
que conseguia. Estávamos a uma distância segura do mar, por isso deixei
que pensasse que estava me passando a perna e fiquei observando-o de
longe enquanto amarrava o sling por cima da camiseta de lycra.
— Alec, volta aqui. — Ele parou, sentou e olhou para ver onde
eu estava, dando o sorriso mais descarado do mundo, e voltou a
engatinhar para a água. — Alec! — As gargalhadas faziam com que fosse
impossível me manter sério. — Eu vou te pegar, moleque — falei, sem
conseguir segurar o riso. Corri até o pequeno infrator, passei um braço
em volta do tronco dele e o suspendi. — Peguei! — Dei um cheiro no
pescoço. — Você está ligeiro, hein?! Amanhã, o papai te traz de novo.
— Beijei o topo de sua cabeça.
Bebê a bordo, sentei-me na areia, o coloquei sobre a prancha,
tirei o colete salva-vidas e puxei o poncho de dentro da mochila.
— É de tubarão, Leleco. — Brinquei com ele, vestindo minha
mão com o capuz do poncho. Alec deu risada. — Levanta os bracinhos
para o papai vestir. — Suspendi uma de suas mãos e encaixei a manga do
poncho. — O outro bracinho — segurei em sua mão e novamente a
ergui —, faz assim.
Deslizei o poncho no braço e cabeça, e puxei o capuz sobre os
cabelos, esfregando-os para tirar o excesso de água.
— Baba-da.
— Mostra ao papai como que fica em pé na prancha. — Arrodeei
seu tronco, ele estendeu o braço por meu ombro, segurando-se. — Uau!
— Aaaa!
— Agora vou tirar sua sunga — falei, movendo uma mão por
baixo do poncho e abaixando-a. Era um modelo de fralda à prova d’água,
com estampas aquáticas. Ele amava, vivia querendo usar em casa; a que
ele vestia era de golfinhos. — Vamos vestir a do tubarão?
Mostrei a sunga limpa que peguei na mochila, eu sempre trocava
por outra delas na ida para casa, porque eram mais fáceis de vestir do que
as fraldas comuns.
— Tatata.
— Levanta a perninha. — Ergui uma de suas pernas e vesti na
sunga. — A outra. — Encaixei a perna do outro lado e ergui, vestindo-
o. — Quem é esse menino lindo?
— Aaaa-eeee. — Ele espalmou a mão no meu rosto.
— É o Leleco? — Balancei a cabeça, fingindo morder a barriga
dele por cima do tecido felpudo do poncho. Alec gargalhava, segurando
em minha cabeça. — Senta um pouquinho para ajudar o papai a arrumar
a mochila — disse em seguida, sentando-o na prancha.
— Pa-tatata — seguiu conversando.
Guardei tudo, dizendo a ele o nome de cada coisa, depois o
chamei para vir para o colo, o coloquei no sling e levantei-me. Calcei
meus chinelos, joguei a mochila no ombro, e, por último, ergui a
prancha, abraçando-a com um braço. Seguimos em direção ao cais.
Após uma parada na bica de água doce, passamos pela antiga
oficina de surf do meu pai, para guardar a prancha, e fomos para casa.
Entramos pela porta lateral, onde ficava um terceiro banheiro, só para
ducha. Nem tinha água quente nele, porque era para quando
chegávamos da praia, assim as crianças não saíam espalhando areia pela
casa.
Alec ficou sentado no deque do box enquanto eu montava a
banheira. Quando ela estava cheia, coloquei os bichinhos emborrachados
que ele gostava de brincar durante o banho, despi suas roupas e o deixei
brincar enquanto tomava meu banho.
Ao terminar de enxaguar o cabelo, me agachei, peguei um dos
bichinhos e esguichei água nele. Alec deu uma risada gostosa, aquecendo
meu coração. Ele segurou um bichinho com as duas mãos e espremeu,
espirrando água nele mesmo e rindo mais.
— Colinho, vem. — Ele jogou-se para mim. — Qual bichinho
que Alec vai dar banho hoje? — Apontei para os brinquedos.
— Dadaaaa... — Abriu e fechou a mãozinha, indicando o cavalo-
marinho.
— Esse? — Peguei o caranguejo para ver a reação dele.
— Naaa... — Balançou a cabeça em negativa. — Daaa. — Fez a
mãozinha de novo.
— Alec quer o cavalo-marinho? — Peguei o bichinho certo.
— EEEEEEEEEEE — gritou, agarrando o brinquedo.
— Alec quer o cavalo-marinho azul. — Levantei-me, levando-o
para a área do chuveiro. — Fecha os olhinhos para o papai lavar o rosto.
Banho tomado, o aconcheguei ao meu tórax e massageei suas
costas. Em poucos minutos, o brinquedo caiu de sua mão. Puxei a
toalha, vesti o capuz na cabeça dele e fechei dois dos botões frontais para
que não caísse. Apanhei o roupão do box e enfiei o braço numa manga.
Troquei Alec de lado e vesti a outra manga, amarrando-o com a mão
livre, de qualquer jeito, e segui para o quarto das crianças.
O tempo estava quente, só vesti uma fralda e o deitei no berço.
Ele choramingou no instante que interrompi o contato.
— O papai está aqui — sussurrei, alisando seus cabelos.
Fiquei por alguns minutos com ele e me afastei com cuidado ao
perceber que dormia tranquilamente.
Pus uma roupa e fiz minha hora de musculação na garagem de
casa. Depois preparei o almoço. Estava terminando o lanche de Alec
quando ele acordou da soneca. Não demorei nada para ir ao quarto e já
o encontrei escalando o berço, com um dos pés pendurado na grade.
Corri para o berço antes que o pequeno arteiro caísse no chão.
— Não pode fazer isso, Alec. — Peguei ele no colo. — Você vai
se machucar assim. Não pode, entendeu? — Fiz não com o dedo. —
Não pode. Para não ficar dodói.
Olhei para o berço. Lembrava de ter abaixado a grade assim que
ele aprendeu a se levantar segurando nas coisas, porque Malika também
quis dar uma de bebê-aranha, e eu realmente havia feito. A grade estava
no nível mais baixo.
— Você está tão grande... — comentei saindo do quarto. Alec
estava com oito meses, mas sempre foi um bebê grande. Minha mãe dizia
que puxou a mim. — Precisamos de uma cama, Leleco.
— Baa-ia-deee.
— É, urgente!
— Aaaaiaaaaa-daa.
— Também acho. Tá com fominha?
— Aaaa-daa.
— O papai também — falei, seguindo para a cozinha.
Meu pequeno já sabia que quando o colocava na cadeirinha era
hora do lanche, e ficava dando gritinhos, à espera da comida.
Observando Alec devorar os pedaços de fruta, me dei conta do
quanto ele havia crescido nos últimos três meses. Marcela não estava
presente quando ele comeu com as próprias mãos pela primeira vez, nem
quando ficou enjoadinho porque os dentinhos estavam nascendo, não o
viu sentar-se, nem engatinhar, ou os olhinhos radiantes quando
conseguiu se levantar sozinho pela primeira vez.
Logo ele diria as primeiras palavras, daria os primeiros passos...
Parte de mim desejava muito que Marcela voltasse, embora eu não
soubesse como ficaríamos se isso acontecesse.
— Está gostoso? — Estiquei o braço e fiz carinho na bochecha de
Alec.
— Eegaa-daaa.
— Dá um para o papai? — Estendi a palma aberta.
— Paa-ba. — Ele uniu o polegar e indicador sobre um pedaço de
manga, tentando apanhá-la. A fruta deslizou algumas vezes, mas ele
conseguiu. — Daa... eee-da... — Jogou a manga na minha palma. —
Guu... Baaaa...
— Obrigado, Leleco. — Levei a fruta à boca. — Que delícia!

Ao meu lado, Zac caminhava com Malika nos ombros. Ele tinha
ficado esperando por ela na psicóloga, para que eu fosse às lojas de
móveis tentar encontrar uma cama para o Alec.
Aquele havia sido o último dia de aula e ela estava eufórica com
as férias, listou para Zac as milhares de coisas que queria fazer. Enquanto
a irmã não parava um minuto, Alec estava largado no sling, curtindo a
soneca da tarde.
— Meu papai me deu uma prancha nova, titio — Malika contou,
empolgada.
— E você vai me emprestar?
— É de quiança, titio — respondeu aos risos.
— Criança, Mali — a corrigi, erguendo os olhos para ela.
— Qui... — Voltou-se para mim, franzindo o cenho. —
Quiança?
— Qual o som que o grilo faz? — perguntei.
— Cri-cri-cri...
— Acho que tem um grilo no meu ombro — brincou Zac.
Malika deu uma gargalhada. Ele inclinou a cabeça para um lado e a
segurou do outro, de modo que pudesse olhá-la. — Você também
ouviu um CRI aí em cima, Mali?
— Cri-cri-cri... — repetiu ela, dando risada. — O grilo faz cri-cri,
papai.
— Isso mesmo, agora tenta de novo — pedi. — Cri-an-ça —
falei as sílabas separadas.
— CRI... — disse Malika, olhando-me. — AN-ÇA... Criança.
— Aê! — Zac agitou as mãos de Malika.
— Cri-ança, criança, quiança, criança — repetiu. — Quiança.
Criança!
— Muito bem, filha!
— Preparar para aterrissar — disse Zac ao atravessarmos a rua em
frente à loja de minha mãe.
— Um, dois... — contou Malika. — Três!
— Segura! — Zac a levou ao chão. — Pronto. — Ajeitou as
tranças dela. — Está entregue, Pezinho de feijão.
— Obrigada, titio.
— Oi, Mali. — Uma das vendedoras que arrumava a vitrine saiu
para a entrada da loja e se abaixou para falar com ela.
— Ya! — disse Malika, indo abraçá-la.
A vendedora envolveu minha filha e ergueu os olhos para mim.
— Arion — cumprimentou-me e em seguida ao meu amigo. —
Zac.
— Oi, Yanka — falei.
— Ya — respondeu Zac.
— Trouxe balinhas para você — disse à Malika antes de erguer-se.
— Oba! — vibrou Malika.
— Estão em um pote no descanso — era uma pequena sala no
interior da loja, dividida em copa e estar —, será que consegue achar? —
propôs, segurando na mão da minha filha. — Mas sem correr, ok?
— Tá — respondeu Malika.
— São balas de gelatina de frutas — explicou-me Yanka quando
Malika adentrou a loja. — Eu mesma fiz, não contém açúcar nem
corantes.
— Obrigado — falei. Zac olhou-me, dando um sorrisinho
sacana. — Já volto — disse a ele, ignorando as insinuações.
No interior da loja, duas clientes e a vendedora que as atendia
voltaram-se para mim quando entrei com Alec.
— Boa tarde — as cumprimentei e me encaminhei para o balcão
na parede ao fundo, onde minha mãe estava. — A senhora está muito
gata.
— Almocei com um amigo hoje. — Ela encenou um dar de
ombros, mas o sorriso a entregou.
— Um amigo? — Arqueei a sobrancelha. Minha mãe saiu de trás
do balcão. — Eu o conheço? — Estreitei os olhos.
— O papai é tão ciumento. — Ela parou na minha frente, tirou
Alec do sling e o aconchegou no colo.
— Não sou ciumento. — Torci o lábio. — Sou preocupado.
— Olha, papai — disse Mali, com um pote cheio de balinhas nas
mãos. — Coloridinhas. — Ergueu-o para me mostrar.
— Agradeça à Yanka e não coma todas de uma vez.
— Tá bom. Vou dar uma ao titio Zac.
— Um amigo novo ou velho? — insisti no assunto quando
Malika se afastou.
— Eu não tô pegando um garotão, Arion.
— Pegando? — Fiz uma careta. — Por Deus, mãe! — Ela riu da
minha cara e seguiu em direção à sala de descanso. — Quero saber há
quanto tempo você o conhece — expliquei, entrando na sala atrás dela.
— Nós estamos nos conhecendo. — Virou-se para mim após
deitar Alec no bebê conforto em cima de uma poltrona. — Eu direi se
ficar sério, por enquanto...
— Não diga pegando de novo, por favor. — Ela sorriu,
removendo os chinelos dos pés de Alec. Tirei a mochila das crianças do
ombro e coloquei numa poltrona. — Quando for colocá-los para
dormir, põe o colchão no chão — desamarrei o sling —, porque hoje foi
por pouco que Alec não caiu do berço.
— Esse menino tá uma espoleta! — Ela riu. — Não vai demorar
para estar andando.
— Passei em algumas lojas para ver se encontrava uma cama para
o Leleco, mas eles não tinham em estoque — dobrei o sling —, fiz o
pedido no catálogo. Parece que têm para pronta-entrega na cidade, aí
vão mandar uma para cá. Peguei um modelo com cercadinho, da altura
do chão mesmo, aí só tem um espaço aberto para ele descer e subir do
colchão. — Aproximei-me do bebê conforto. — Papai vai trabalhar —
sussurrei para Alec, mesmo que estivesse dormindo sempre que me
despedia. — Te amo, Ursinho. — Dei um beijinho no pé.

— Obedeça à vovó. — Beijei os cabelos de Malika. — Amo você.


— Também te amo, papai. — Inclinou a cabeça para trás e
abraçou minhas pernas. — Liga pra mim, viu?!
— Sempre ligo, e chega de balinhas antes do jantar.
— Só mais uma. — Malika me soltou e me olhou com o dedo
indicador erguido e uma carinha pidona.
— Uma só.
— Brigada, papai. — Deu-me um sorriso. — Tchau, tio Zac. —
Agitou a mão no ar.
— Tchau, Mali. — Zac trocou uma batida de mãos com a minha
filha. — Tchau, Ya — disse meu amigo poucos segundos depois de me
dar um cutucão.
— Vamos, Zac — resmunguei, distanciando-me da entrada da
loja de minha mãe.
— Ya quer muito te dar — disse em tom de cochicho. Diante da
minha ausência de resposta e empolgação, ele prosseguiu: — Ela quer pra
caralho, mano.
— Não estou a fim, Zac.
— Ah, não, Arion. Um monte de gostosa querendo te dar e você
fingindo não ver, caralho! — O tom de lamento me fez rir. — Eu
preciso te lembrar que você está solteiro?
— Não tenho pensado nisso.
Zac pôs a mão no meu ombro, me forçando a parar e olhá-lo.
— Isso é por causa da Marcela?
— Não é que eu esteja me mantendo fiel à Marcela, mas — soltei
um suspiro — não sei como ficariam as coisas entre nós se ela voltasse.
— Como é, porra?! — A indignação estava estampada em sua
face.
— Tem as crian...
— Arion, você ao menos ama a Marcela? — inquiriu. — Não tô
falando de amor entre amigos ou de tesão. Porque, me corrija se eu
estiver errado, mas vocês jamais ficariam juntos se você não tivesse
perdido a virgindade com ela numa noite em que os dois estavam
bêbados demais para conseguir colocar a porra da camisinha.
— Pode ter começado assim, mas...
— Com o tempo vocês fortaleceram a amizade no trepa-trepa —
ele me interrompeu. — Você alguma vez olhou para Marcela e pensou “é
ela, independente das circunstâncias ainda seria ela”?
— Escolhi estar com ela.
— Resposta errada, mano. — Ele meneou a cabeça. — Espero
que saiba que com ou sem a Marcela, você é um pai incrível. Alec e
Malika são muito sortudos.
Olhei para o relógio em meu pulso pelo que devia ser a décima
vez na última meia hora. Eu tinha atendido ao último cliente
aguardando no balcão. Observei os grupos que ocupavam as ilhas dentro
do quiosque, todos estavam com copos e taças cheios. A impressora de
comandas não parava de cuspir os pedidos enviados pelos garçons, e nem
pararia.

— Vai logo, Arion — disse o barback[12]. — Dou conta por


alguns minutos.
— Volto o quanto antes.
Saí por trás do quiosque e segui pela entrada de serviço, despindo
o avental. A vestimenta foi parar no meu ombro a caminho do vestiário.
Olhei o relógio mais uma vez enquanto abria a porta e senti o coração
apertado quando peguei o celular e vi três chamadas perdidas.
Retornei a ligação.
No primeiro toque, uma voz chorosa atendeu.
— Tô aqui, amô.
— Você vem agora? — choramingou.
— O papai conversou sobre isso com você.
— Eu podo esperar você?
— Vou chegar tarde e está na hora de você dormir. Escovou os
dentes?
— Hum-hum — resmungou, fungando.
— Já está na cama?
— Não — murmurou.
— Por que não?
— Porque você não ligou pra mim.
Ergui o rosto, sentindo meus olhos umedecerem, e puxei o ar
com força, soltando-o em um suspiro longo.
— Desculpa o papai, filha. Não consegui ligar antes porque tem
um montão de clientes. Mas a gente tem um combinado, qual é?
— Ir pra cama quando o relógio tá no oito.
— Então, por que não está na cama?
— Porque eu queria falar com você. — Fungou.
— Quando o papai chegar vai dar um beijinho nos seus cabelos.
Agora, vá para cama, a vovó vai ficar do seu ladinho até que você durma,
tá bom?
— Você pode vir logo?
— Vamos fazer assim. Vou ligar por vídeo e conto uma
historinha antes de você dormir.
— Tá bo... — Um riso baixo me escapou ao perceber que ela
encerrou a ligação antes de terminar de falar. Retornei a chamada por
vídeo. — Peraí, papai. — Só vi um vislumbre do rosto e a imagem em
movimento. — Vovó, segura o papai.
— Sem correr para não acordar seu irmão — pediu minha mãe,
pegando o celular. — Tentei de tudo para fazê-la dormir — disse-me ao
virar a câmera para si. Estava parada sob o batente do quarto das crianças.
Nós fizemos alguns ajustes na rotina noturna das crianças, porque
eu não queria que passassem todas as noites fora. Combinamos de minha
mãe levá-los para dormir em casa nos dias em que eu trabalhava de
bartender, porque meia-noite eu estava de volta, e nas minhas noites de
DJ, eles dormiam na casa dela.
— Imaginei que isso pudesse acontecer. — Um suspiro pesado
rolou por meus lábios. — Alec deu muito trabalho?
— Chorou um pouco depois que você saiu, mas logo se distraiu.
— Vovó — ouvi minha garotinha dizer —, traz o papai.
— Vamos, papai — disse minha mãe.
Alguns passos e o celular foi parar nas mãos de Malika. Ela o
segurou em frente ao rosto, com as duas mãos, tão próximo que eu via
do seu nariz para cima.
— Tô pronta pra historinha, papai.
— Deita de ladinho e pede para a vovó segurar o celular para
você.
Ela se moveu na cama, posicionando-se de lado como pedi.
— Segura aqui, vovó. — Estendeu o celular para minha mãe.
— Por favor — acrescentei.
— Por favor, vovó. — Ela fez um biquinho, rindo.
Eu amava tanto aquele pitoquinho de gente.
— Muito bem. — Sorri. — O vovô adorava contar essa
historinha para o papai. Ele dizia que certa vez, um escritor que morava
numa casa pertinho da praia saiu para caminhar e viu de longe um
garotinho correndo até o mar. Ele corria de volta para a areia, se abaixava
e quando levantava corria para o mar de novo. O escritor ficou curioso e
se aproximou do menino. Mas o garotinho não estava sozinho na praia,
o papai estava sentado ali pertinho, com o irmãozinho dele que ainda era
um bebê bem pequenininho, e de olho no garotinho.
Atenta à história, Malika deslizou uma das mãos sob o travesseiro.
— O escritor viu que tinham várias estrelas-do-mar na areia, e o
garotinho, com todo cuidado para não machucar as estrelinhas, pegava
uma por uma e as levava de volta para a água. Ele olhou para o garotinho
e perguntou: “o que está fazendo?” — Engrossei a voz.
Ela deu uma risada baixinha, o que fazia toda vez que eu criava
vozes diferentes quando estava contando histórias.
— “A maré está baixa e o sol está ficando forte, se elas ficarem
aqui vão morrer” — fiz uma voz infantil e lá estava o sorriso mais uma
vez —, explicou o garotinho. Mas o escritor achou aquilo uma perda de
tempo e respondeu: “menino, existem milhares de quilômetros de praia
pelo mundo, e em todas elas acontecem coisas assim com as estrelas-do-
mar. Que diferença você pensa que vai fazer salvando algumas delas? Vá
brincar que você ganha mais”.
Não me segurei diante do riso solto da minha garotinha e no
final da fala já estava rindo junto.
— Você acha que o garotinho parou de ajudar as estrelinhas? —
perguntei e ela negou com a cabeça. — O garotinho se abaixou na areia,
devagarinho pegou uma estrela-do-mar e se levantou. Olhou para o
homem e falou: “sei que não posso salvar todas elas e sei que meu
esforço não faz muita diferença, mas para essas estrelas-do-mar eu fiz a
diferença” e foi correndo levá-la para a água. — Ela deu um sorriso largo.
— O escritor observou aquilo e ficou pensativo. Quando o garotinho
voltou e agachou na areia, ele se abaixou também e ajudou o garotinho
a levar cada uma daquelas estrelas de volta ao mar.[13] Gostou da
historinha?
— Sim.
— O papai precisa voltar ao trabalho, Mali. Promete que vai
dormir com a vovó?
— Prometo, papai. Não esquece meu beijo quando chegar.
— Nunca esqueço. — Pisquei para ela.
— Bom tabalho, papai.
Senti a pressão em meu peito evanescer enquanto olhava o sorriso
do outro lado da tela.
— Obrigado, amô. Beijinho. — Ela fez um biquinho e soltou um
beijo. — Boa noite, Pandinha.
Encerrei a chamada, inclinei a cabeça para trás e fechei os olhos,
tomando alguns segundos para respirar.
Apenas respirar...
Foi a primeira vez que não consegui ligar antes do horário que
Malika deveria ir dormir, e era muito provável que não fosse a última.
Expliquei da forma mais clara que pude que talvez isso
acontecesse, porque não poderia sair se tivessem muitos clientes
esperando. A levei com o irmão ao bar na minha folga, antes do horário
de funcionamento, e mostrei onde trabalhava, para que soubessem que
estaria pertinho de casa. Contei o que eu fazia enquanto preparava um
coquetel de frutas para eles, demonstrando alguns truques de mágica e
flair[14].
Conversei com Malika sobre as mudanças na minha agenda de
trabalho e fizemos juntos um cartaz com o calendário de dezembro,
com os horários que eu trabalharia em cada dia, quando estaria em casa
para colocá-los para dormir e quando não estaria. Dei um relógio para
que ela pudesse conferir se estava na hora de eu chegar se acordasse
durante a noite, e eu nunca saía sem me despedir e dizer para onde ia.
Contudo, por mais que entendesse algumas coisas, ainda era uma criança.
Uma criança que acordou no meio da noite com o irmão
chorando de fome. Uma garotinha de cinco anos e um bebê que mal
havia completado cinco meses quando foram abandonados pela mãe.
Eu estava ali com eles.
Não os abandonaria... Jamais os abandonaria.
Estaria com eles independente de qualquer coisa.
Eu sabia que estaria, eles não.
Um dia a mãe os colocou para dormir e quando acordaram ela
não estava.
Não houve bilhetes, despedidas, nem um até logo.
Não houve nada.
Apenas a ausência.
Uma ausência que eu não sabia explicar.
Uma dor que eu não podia fazer parar.
Não era um ralado no joelho que eu assopraria, colocaria um
curativo e em alguns dias teria sarado.
Não era um galo na cabeça que um beijinho e colo faria parar de
doer.
Eles sentiam medo.
Mas não era do escuro ou da própria sombra.
Malika e Alec estavam com medo de serem abandonados.
Por mim.
Todas as vezes que eu saía para trabalhar, eles ficavam com medo
que eu não voltasse para casa.
Todas as noites quando iam dormir, eles tinham medo de estarem
sozinhos quando acordassem.
Era minha obrigação fazer com que se sentissem seguros.
Era meu dever protegê-los...
E eu havia falhado.
Continuava falhando... com eles.
Eu me sentia como se uma onda gigantesca tivesse me engolido e
o mar de espuma me arrastado para tão longe e tão fundo que não
conseguia alcançar a superfície, era como estar debaixo d’água onda após
onda.
Mas eu continuava aguentando... por eles.
Quase quatro horas depois cheguei em casa.
As crianças dormiam. Minha mãe estava no sofá, lendo.
— Boa noite, meu amor — respondeu ao meu cumprimento,
movendo os olhos para mim.
— Mali demorou para dormir? — Tirei os tênis.
— Não. — Ela levantou-se. — E Alec não acordou hora
nenhuma. — Acenei com a cabeça, dando-lhe um meio sorriso. Eu
estava moído de cansado, foi uma noite alucinante de trabalho e meus
pensamentos iam e voltavam para as crianças, me perguntando se
estavam dormindo. — Quanto a você, por favor, não me invente de
sentar em frente ao computador e se enfiar nos headphones — exigiu,
guardando o kindle na bolsa, em cima da mesinha lateral do sofá. —
Você precisa dormir.
— Eu vou dormir, mãe. — Aproximei-me dela e lhe dei um
beijo na cabeça. — Apollo está esperando na varanda.
— Já disse a vocês que ele não precisa me acompanhar.
Apollo era filho da melhor amiga de infância da minha mãe, e
apesar de eu ser dois anos mais novo, sempre fui o maior do grupo, por
isso parecíamos ter a mesma idade.
Quando ele tinha quinze e eu treze anos, platinamos os cabelos e
fizemos o mesmo corte, para fingirmos que éramos gêmeos, embora a
única coisa que tivéssemos em comum fosse o bronzeado e os pelos
loiros nos braços, que pintamos com água oxigenada.
— Deixa de ser teimosa, é caminho para ele.
— Banho e cama. — Apontou para meu tórax.
— Sim, senhora. — Sorri.
— Amanhã deixe as crianças comigo.
— Não precisa.
— Quero passar o dia com meus netos.
— Estamos às vésperas do Ano-Novo, mãe. O movimento na
loja...
— As meninas dão conta — referiu-se às vendedoras. — Deixe as
crianças comigo e tire o dia para se divertir.
— Eu me divirto quando estou com eles.
— Mas também precisa se divertir sem eles. Você não vai acordar
um dia e tudo isso terá ficado para trás, precisa encontrar um jeito de
seguir em frente. Por eles — minha mãe acariciou meu rosto —, mas
também por você. Sabe o que seu pai diria?
Estendi o braço direito e olhei a tatuagem que ia do cotovelo ao
pulso. Meu pai tinha uma igual, nós a fizemos quando completei
dezesseis anos, e minha mãe a tatuou depois da morte dele.
— O próximo segundo pode ser o último das nossas vidas —
murmurei o que estava escrito.
— Você é um paizão. — Ela pousou a mão em meu peito. —
Estou orgulhosa de você e seu pai também estaria. Mas Alec e Malika
não podem ser responsáveis pela sua felicidade, e nem você pela deles,
Arion. Alguma vez você duvidou do quanto seu pai te amava?
— Não. — Minha voz soou embargada.
— Quantas vezes ele não passou três semanas viajando e uma em
casa? Mas eu sei que ninguém nunca me amou tanto quanto seu pai, e
duvido que isso seja possível. Sei que nenhum outro homem seria um pai
tão incrível para você quanto ele foi. Se tivesse abandonado a paixão pelas
ondas gigantes para ficar em casa sendo apenas pai e marido, ele não seria
o cara por quem me apaixonei e, certamente, não seria nem metade do
pai que você conheceu.

Quando se falava em big rider[15], meu pai era uma lenda. Ele
estava sempre com uma mochila pronta, para ir atrás das ondas gigantes,
mas quando voltava para casa ou viajávamos juntos, nós três ou apenas
eu e ele, meu pai dedicava cada minuto a estar com a gente.
— Sair de vez em quando, sozinho ou com amigos, curtir um dia
de surf, ir mergulhar, conhecer alguém com quem queira passar um
tempo — ela pôs as mãos em meus braços —, não são essas coisas que
farão Alec e Malika se sentirem menos amados. Você não será um pai
ruim por ter uma vida além dos seus filhos. — Aquiesci. — Espero os
dois amanhã lá em casa, logo cedo, porque vamos à praia. Eles almoçarão
comigo, passaremos o dia brincando e nem me apareça para buscá-los
antes do jantar.
— Está bem, mãe — respondi, sorrindo.
— Durma bem, meu amor. — Ela me deu um beijo na bochecha.
Minha mãe pegou a bolsa e saiu. A ouvi falando com Apollo
enquanto fechava a porta e segui para o banheiro, desabotoando a
camisa. Joguei a peça no cesto de roupa suja, lavei as mãos e fui ao
quarto das crianças. Parei no espaço entre as camas, observando-os, e um
sorriso dançou em meus lábios. Eu sabia que era um pai babão, mas eles
eram tão fofos.
— O papai chegou, amô. — Inclinei-me e dei um beijo na
têmpora de Malika.
Caminhei até a cama de Alec, me ajoelhei no chão e debrucei-me
sobre o cercadinho.
— Boa noite, mozinho. — Beijei o pé do meu pequeno.
Era verdade que minha vida havia se reduzido a eles nos últimos
meses, mas eu não permitiria que minha culpa os sufocasse.

Exalei um suspiro ruidoso e esbarrei os dedos no interruptor. Meu


olhar recaiu sobre a cama no meio do quarto. Nosso quarto. Tudo
continuava igual ao dia que Marcela foi embora. Há quatro meses eu
dormia no sofá-cama do estúdio, no final do corredor. Caminhei em
direção ao guarda-roupa, peguei o que precisava e saí, tão depressa
quanto entrei. Sentia que nada entre aquelas paredes me pertencia, nem
mesmo as memórias de nós dois.
Éramos uma mentira.
A porra de uma mentira repetida tantas vezes que acreditei que
fosse verdade.
Quando íamos para a cama era com ela que queria estar. Mas será
que ela queria estar comigo? Ou só queria escapar da realidade por alguns
minutos? Ela queria a mim? Ou qualquer um que a fizesse gozar?
No dia que Marcela foi embora, levantei mais cedo para surfar,
tinha chegado da praia e estava no banho quando ela entrou. Marcela
pegava no trabalho às dez horas, ela era agente de viagens, então quando
acordava, eu e Alec já estávamos em casa, depois de deixar Malika na
escola, mas algumas vezes ela me surpreendia no banho.
Como naquele dia.
Por que faria sexo comigo se tinha tudo planejado para ir embora?
Por que não conversar e dizer o que estava sentindo?
Em que caralho de mundo ela achou que trepar em vez de
conversar fosse a coisa certa a fazer quando tinha decidido ir embora da
minha vida?
Ela fez eu me sentir usado.
“Não me procure.”
Três palavras... três palavras que foderam com a minha cabeça.
Minha condenação.
Senti uma dor tão intensa que sequer lutei contra ela, eu a abracei
como parte do nada que as palavras dela me fizeram sentir, e como um
covarde me escondi atrás das crianças. Disse a mim que era por Alec e
Malika que eu sofria, era por ela tê-los abandonado, por não saber como
fazer parar de doer. Não queria que sofressem.
Não queria que eles sentissem a dor que eu estava sentindo.
Doía tanto.
Ainda dói.
Zac me arrastou para a terapia depois que me encontrou aos
prantos no chuveiro. Não resisti, não me opus... Eu me sentia tão
perdido, estava desesperado por ajuda, só não sabia como pedi-la. Ou se a
merecia. Provavelmente não. Eu falhei com Marcela, não sabia ao certo
onde, mas havia falhado. Não era digno do seu afeto, amor, respeito...
Por qual outro motivo ela se recusaria a conversar?
Sou alguém que ela quis apagar de sua vida.
Qual era meu crime, afinal?
Há dois meses, todas as terças, no final da tarde, Zac buscava as
crianças e ficava brincando com elas no parquinho enquanto eu ia à
psicóloga.
Não tem sido a minha hora favorita do dia.
Em toda sessão me sentia como se tivesse levado uma vaca e
estivesse tomando uma série inteira na cabeça[16]. Disse isso à psicóloga,
ela sorriu e me respondeu: “que bom que está sendo assim”. Isso depois
de me pedir para explicar o que significava.
É doloroso, mas não faltei nenhum dia.
Os avanços ainda eram pequenos, mas a terapia me ajudou a
entender que não seria superprotegendo as crianças e ficando vinte e
quatro horas por dia, sete dias por semana disponível, que as ajudaria. A
confiança deles em mim deveria existir independentemente de onde eu
estivesse, e estávamos trabalhando nisso.
As crises de ansiedade não aconteciam há duas semanas. Eu ainda
chorava bastante durante as sessões, e continuava doendo para um
caralho, mas a insônia e o choro que me assombravam todas as noites
decidiram dar um tempo.
Preciso me manter firme... pelos meus filhos. E por mim também.
Ainda estou tentando me convencer da última parte.
Aliás, sempre ouvia as pessoas brincando que psicólogos só ficam
olhando para você com cara de paisagem, mas minha experiência dizia o
oposto. Foi esmiuçando o que senti ao ler as malditas três palavras
escritas por Marcela que me vi sendo confrontado pela minha dor.
“Não me procure.”
Nossos filhos não foram os únicos que ela deixou para trás.
Eu também fui abandonado.
Para quem via de longe, era fácil acreditar que eu vivia em férias
permanentes, mas a verdade é que mal tinha tempo de desfazer as malas
entre um hotel e outro. Não sabia o que era ter uma pausa na agenda há
dois anos, e eram raras as vezes que curtia a noite nas cidades onde
estava, porque, no fim do dia, o cansaço era tanto que preferia jantar no
quarto do hotel enquanto respondia e-mails ou conversava com meus
pais e amigos por chamada de vídeo.
Era bom estar em casa, e quando dizia casa não falava de uma
estrutura imóvel e inanimada, era sobre relações de amor e amizades de
uma vida.
Ergui a taça, unindo aos demais no centro da mesa, no nosso
brinde de lei. Éramos aquele grupo de amigos com histórias e mais
histórias para contar, que nem sempre conseguia se reunir, mas, ainda
assim, inseparáveis.
— Se não lembro, não fiz! — dissemos todos.
— Verão, férias, curtição... — Abaixei o braço, aproximando a
taça dos lábios. — Foi tudo o que pedi, sim! — Tomei um gole do
drink.
— Foi dada a largada para a temporada de pegação, muita cachaça
e noites sem fim — declarou Caíque.
— Até minha dignidade deixei em casa — comentou Duna.
— Que nenhum dos seus peguetes me confunda com você,
amém — comentou Kimi, apanhando algumas castanhas na pequena
tábua de madeira em sua frente, servida como acompanhamento do
chope.
— Não dá para julgar os caras, até eu me confundo às vezes, e
olha que já vi a Duna de ângulos inimagináveis.
— Ah, não! — Antonella ergueu os olhos do celular, o
movimento brusco moveu os cachos crespos que emolduravam seu
rosto. — Caíque, guarde seus comentários depravados para outra hora
— os olhos amendoados se estreitaram, acompanhando o franzir do
nariz —, de preferência quando eu não estiver por perto. E isso também
vale para Duna e Vida. — Olhou-nos. — Não quero detalhes da vida
sexual do meu irmão, por favor.
— Por que até eu entrei na roda? Meus rolos com o Caíque eram
de eras passadas.
— Rolos não, me respeite que fui seu primeiro namorado —
retrucou Caíque.
— Peste. — Segurei seu maxilar. Um metro e oitenta e cinco de
músculos delineados, cavanhaque destacado, pele preta irretocável e um
sorriso largo. Caíque era um grande gostoso, e gato pra caralho. Além do
bom humor irresistível. Ter Caíque como primeiro namorado pode ter
elevado demais minhas expectativas. — Toda vez que penso no quanto
te amo, fico preocupada com minha sanidade. — Soltei seu rosto.
— Minha açucena. — Deu-me um beijo na testa.
— Parem de me iludir! — resmungou Kimi. — Meu coração
falha uma batida a cada “açucena” que o Caíque solta.
— A gente não tem culpa se você é emocionada — comentei,
sorrindo.
— Se não tivéssemos a mesma cara, nada me convenceria de que
ela não foi trocada na maternidade. — Duna jogou os cabelos escuros
para o lado.
— Até parece. — Louie balançou a cabeça em negativa. — As
duas são implicantes e teimosas.
— Reclama com a mamãe — respondeu Duna, deitando a cabeça
no ombro do irmão gêmeo.
— Como diz o papai, a gente teve a quem puxar — acrescentou
Kimi.
Eles eram trigêmeos, tinham cabelos escuros e olhos claros, com
pequenas variações na cor, que podiam ser observadas com um pouco de
atenção.
Dono de um corpo dos deuses e uma entradinha sexy no queixo,
acentuada pela barba bem-feita, Louie Lourenço tinha um metro e
noventa e dois e era o pecado andando na Terra, mas entre nós só havia
amizade. Muitas vezes ele agia como se fosse meu irmão mais velho,
embora tivéssemos a mesma idade.
O jeito delicado e mais romântico de Kimi também se estendia ao
seu estilo, o que a fazia parecer mais nova que os irmãos. Duna era o
oposto, era a garota mais sensual que eu conhecia, e isso não tinha a ver
com suas roupas ou qualquer aspecto externo, era dela.
— Eu estava com saudade disso. — Estendi meu braço por trás
das costas de Caíque, abraçando-o, e apreendi a mão de Duna.
— Cara de pau! — Duna entrelaçou os dedos nos meus. — Com
saudade estava eu. Fui te ver quatro vezes nos últimos dois anos.
— Sem argumentos, Vida! — disse Caíque. — Eu também tive
que ir atrás de você ou morreria de saudade.
Duna e Caíque eram meus melhores amigos.
Caíque, além de ex-namorado, foi a minha primeira vez, o que
aconteceu anos depois do nosso término. Não foi uma recaída,
decidimos perder a virgindade juntos e foi uma das melhores experiências
da minha vida. Não porque tenha sido um sexo sensacional, afinal,
estávamos aprendendo como tudo funcionava, mas foi um momento de
cumplicidade, carinho e respeito que eu guardaria para sempre.
— Foi mal, me atrasei. — Pietro sentou-se no pufe com
Antonella.
— Isso é marca de batom? — Antonella esfregou os dedos no
pescoço do meu irmão. — Já, Pietro? — Meu irmão deu uma piscadinha
sem-vergonha. — A gente mal chegou.
— Tenho que aproveitar enquanto posso, na segunda semana de
janeiro começo a trabalhar no resort.
— Serão apenas quatro horas diárias, Pietro. — Meneei a cabeça,
rindo para o mini cretino que eu chamava de irmão.
Mini só porque era quase três anos mais novo. Pietro tinha um
metro e noventa de altura. Aos nove anos, ele já era mais alto que eu, e
antes dos dezoito ultrapassou nosso pai.
— Quatro horas a menos por dois meses, sabe quantas boce...
Antonella pôs a mão na boca de Pietro, impedindo-o de concluir.
— Nós já entendemos. — Ela abaixou a mão.
Pietro deu um sorriso zombeteiro, passou o braço em volta da
cintura de Antonella e deu um beijo no rosto dela.
— Quem vê assim, nem imagina as putarias que escreve —
comentou em tom casual, fazendo-nos rir.
— Toma isso — Antonella empurrou o drink dela para meu
irmão — e fica quieto!
— Vou pedir uma caipirinha. — Pietro moveu os olhos ao redor,
buscando um garçom, ao mesmo tempo que bebia um gole do drink. —
Alguém quer algo?
— Outro Long Island — respondeu Duna.
— Deixa que eu pego. — Levantei-me de imediato.
— Safada! Está aí só de olho no bartender, né? — Caíque puxou
minha cadeira um pouco para trás, abrindo espaço para que eu saísse.
— E você também, né?
— Caramba, que gato! — Duna se esticou para ver o bartender.
— Gostoso com sorriso safado é meu ponto franco. — Parei
atrás da cadeira de Caíque e pousei minhas mãos em seus ombros.
— Gostoso e com cara que fode mais gostoso ainda. — Caíque
ergueu a caneca de chope. — Se ele não te quiser — inclinou a cabeça
para trás, encarando-me —, avisa que estou disponível.
— Tira o olho, Caíque! — Dei-lhe um tapa de leve.
O bartender flambava uma fileira de drinks.
— As veias nos braços, meu pai! — Antonella olhava para trás,
por cima do ombro.
— Aquilo não é um homem, gente, é um monumento!
— Tem certeza, Vida? — Louie deu uma olhada para o bartender
e depois para mim. — Parece bastante com um pula-pula.
Gargalhadas irromperam por todos os lados.
— Porra, Louie! — disse Pietro entre risos.
— Ai, caralho! — Cobri a boca para conter a risada.
— Quase cuspi o chope, porra — falou Caíque, ainda rindo.
— Uma caipirinha e o que mais? — perguntei quando parei de rir.
— Long Island — responderam-me Pietro e Duna.
Circulei a mesa, pelo lado que Kimi estava, e voltei-me para eles.
— Parem de olhar — sussurrei.
— Vai logo, Vida. — Caíque deu uma piscadinha.
— Pelo menos disfarcem.
Monumento porra nenhuma!
Ele era um fenômeno da natureza, como o pôr do sol na praia,
em todas as suas cores, quente e vibrante. Nossos olhos se encontraram.
Em seus lábios um sorriso incendiário, emoldurado pela barba
sombreada, me deu as boas-vindas.
Sustentei o olhar por um breve instante, em um cumprimento
casual, e desci para seu tórax. Ele vestia jeans e camisa social preta, com os
punhos dobrados abaixo dos cotovelos e um avental preto por cima. A
pele bronzeada pelo sol e os cabelos ondulados com fios mais longos na
frente, jogados de lado, numa franja despojada, criavam uma estética
praiana que eu amava.
Maria-parafina presente!
Arregalei os olhos e boca, numa interjeição muda, ao vê-lo lançar
uma garrafa no ar, movendo-a de uma mão para a outra. Vi de relance
que ele tinha uma tatuagem na lateral de um dos braços, uma na parte
interna do outro braço e mais uma em ambos os pulsos, mas não pude
identificá-las.
Em meio a malabares, ele virou-se, apanhou a coqueteleira e a
girou junto com a garrafa. Seus olhos encontraram os meus uma
segunda vez, no instante em que posicionou a coqueteleira rente ao
braço, como se flutuasse, e entornou a garrafa sobre ela.
Examinei com atenção o anel em seu anelar esquerdo. Não era
uma aliança, não uma convencional, pelo menos. Moreno, alto e
gostoso... só faltava ser solteiro para ficar perfeito.
Mais um segundo admirando os quase dois metros de perdição na
minha frente e estaria babando. Virei-me para o lado e apoiei o braço no
balcão, observando em volta.
O Saideira se localizava no ponto mais alto da ilha,
proporcionando uma vista panorâmica extraordinária. Era o lugar
perfeito para assistir ao pôr do sol. Um dos mais lindos do mundo. O
balcão de drinks ficava em um quiosque de madeira e bambu, coberto
com palha, onde os bartenders freestyle exibiam seus talentos. No total
eram três e dividiam o espaço com as mesas, sofás, bancos e pufes na
varanda com vista para o mar.
— Português? English?
Voltei-me para frente ao ouvi-lo.
— Português.
— Primeira vez no Saideira?
— Faz um tempo desde a última vez.
— Bem-vinda de volta.
— Obrigada.
— O que devo te servir?
— Caipirinha, Long Island e Mojito. — Entreguei a ele o cartão
de consumo. — Um de cada, por favor.
— Se preferir, peço que entreguem na sua mesa.
— Não é necessário. — Sorri para ele. — Ainda acontecem os
luaus às terças e sextas na praia? — Eu sabia que sim, só queria puxar
assunto.
— Sim, mesmo horário e praia de sempre — respondeu-me,
iniciando o preparo dos drinks. — Às terças tem também o Cinema na
Praia, no Posto 6, é o segundo ano do projeto. Os filmes não são
lançamentos, mas se estiver no clima... — Sorrio de lado e jogou uma
garrafa para cima, apanhando-a segundos depois. — Começa às dez,
então dá para curtir o cine e depois ir para o luau.
— Gostei disso.
— Se curte dançar, aqui, às sextas e sábados, acontece o Sunrise
Music, não sei se chegou a conhecer.
Seu timbre era grave e a dicção perfeita, eu poderia ouvi-lo por
horas.
— Música boa e um amanhecer tão incrível quanto o pôr do sol
— comentei —, apenas imperdível.

— Correndo o risco de puxar sardinha[17], tenho que concordar.


— Um casal se aproximou do balcão, ele os cumprimentou com um
aceno e um sorriso, em seguida voltou a me olhar. — Vou — suspendeu
a garrafa — agilizar os drinks.

— Duna. — Entreguei a bebida para ela.


— Cadê minha caipirinha, Vida?
— Esse é meu. — Coloquei o outro copo na mesa. — Já vou
buscar sua caipirinha, insuportável.
— Obrigado, feiosa — respondeu Pietro, dando uma piscadinha.
Voltei ao quiosque. Além do casal, outras duas pessoas
aguardavam atendimento, logo não havia tempo para ficar de conversa
com o bartender. Quando parei junto ao balcão, ele estava preparando o
drink do casal.
— Breno — olhou para o rapaz que estava repondo o gelo —,
entregue essa caipirinha a ela, por favor.
— Aqui está. — O rapaz serviu-me o drink.
— Obrigada.
— Divirta-se — disse o bartender.
Sorri, agradecendo, e encaminhei-me para a mesa.
— Toma, filhote de cruz-credo. — Estiquei o braço por cima do
ombro do meu irmão, com a caipirinha em minha mão.
Pietro segurou o copo e virou-se para mim.

— Valeu, horridícula[18]. Vamos ver se o cara manda bem o


suficiente para eu deixar pegar minha irmã.
Acertei um tapa na cabeça do Pietro antes de ir para meu lugar,
mas só consegui fazê-lo rir.
— Então? — Duna virou-se para mim quando sentei.
Deslizei os dedos ao redor do copo, volvendo os olhos para o
bartender e depois para minha melhor amiga.
— Grossa e aveludada — disse-lhe a respeito da voz dele. Aquele
era o item um da nossa lista de coisas que fazem um cara mais atraente.
— Tatuagens, anéis e mãos enormes. — Listei outros itens, sorrindo para
ela.
— Local, gostoso, trabalha à noite... — comentou Duna,
bebericando o drink. — Ou seja, ele pode te comer muitas vezes ao dia
enquanto te mostra cada lugar secreto dessa ilha.
— Quero! Onde assino? — brinquei, levando o drink à boca.
— Nos meus ou nos seus termos? Porque você sabe que se me
disser “faz acontecer” — arqueou a sobrancelha —, a não ser que ele seja
comprometido ou não curta mulheres, essa noite não termina antes que
você dê pra ele.
Embora eu não tivesse nada contra sexo no primeiro encontro,
isso só acontecia depois de algumas horas de conversa e quando rolava
muita química. Para Duna, umas trocas de olhares era o suficiente, ela
nem precisava saber o nome do cara.
— Juro que queria dizer sim para seus termos, mas não consigo
ser tão prática.
— Casual sim, instantâneo não. — Ela piscou para mim.
De olhos fechados, derrapei as mãos nos cabelos, erguendo a
cabeça sob o jato do chuveiro. Depois de uma noite intensa de trabalho,
era relaxante sentir a água gelada batendo em meu rosto e descendo o
pescoço e o tórax, massageando a musculatura por onde passava.
Abaixei a cabeça para que a água atingisse a nuca e ombros. Ergui
o braço e iniciei uma massagem, ainda de olhos fechados, quando, de
repente, uma imagem se formou em meus pensamentos. Verdes como o
mar flat[19] numa manhã de verão, os olhos dela encaravam-me. Deslizei a
mão no rosto, de cima para baixo, e abri os olhos.
Ela continua linda.
Às seis eu já estava de pé. Fiz o café da manhã, montei os lanches
para nosso passeio e milagrosamente ainda consegui tomar banho antes
que Alec acordasse, e sem que precisasse sair com condicionador nos
cabelos. Fazer a barba era pedir demais, eu devia ter imaginado. Havia
espalhado a espuma de barbear no rosto quando vi as mãozinhas
agarrando os pés e o converseiro.
Ele não choramingou, não deu nem um gritinho me chamando,
então fiquei observando-o pela babá eletrônica. Passados alguns
minutos, Alec engatinhou até a beirada do colchão, desceu de costas para
o chão e foi até os pés da cama de Malika, onde segurou-se e levantou.
Ele se espichou para ver a irmã, e agarrando-se ao lençol, deu os
primeiros passos. Um sorriso de orelha a orelha ocupou meu rosto.
Esfreguei a toalha na barba, tirando a espuma, e fui buscá-lo, ou
logo teríamos cabelos sendo puxados. Parei na porta do quarto,
olhando-o percorrer a lateral da cama, titubeando para lá e para cá. Meus
olhos marejaram. Sem ter mais para onde se estender, o sorriso
transformou-se em riso. Alec me olhou e sorriu, exibindo os dois
dentinhos inferiores.
— Vem com o papai — chamei com a mão, adentrando o
quarto.
Ele parou, olhou para a irmã e depois para mim.
— Ma... — bateu o pé no chão —, iiiiii — o esforço para tentar
falar era tanto que uma veia se sobressaiu no pescoço — iiaa.
— Mali tá dormindo — agachei aos pés da cama —, daqui a
pouco ela acorda. — Estendi a mão. — Alec quer brincar na banheira?
— Caaa... — Agarrou minha mão.
— Vem, vamos brincar.
Deixei que ele viesse andando devagarinho, usando minha mão e
a cama de apoio. Em seguida, o peguei no colo e seguimos para o
banheiro. Enquanto ele brincava com seus bichinhos na banheira, fiz
minha barba, depois dei o banho dele, vesti uma fralda, buscamos a
mamadeira na cozinha e fomos para o estúdio.
— Dadada. — Alec esticou o bracinho, pedindo a mamadeira ao
deitar-se nas almofadas, sozinho.
— Alec quer o mamá?
— Dada. — Apontou a mamadeira.
— Toma tudo para ficar forte. — Entreguei a ele.
Malika entrou no estúdio, esfregando as mãos nos cabelos para
afastar os fios que se desprenderam da trança e caíram no rosto.
— Bom dia, dorminhoca.
Ela veio toda manhosa e subiu no meu colo, ainda sonolenta.
Envolvi suas costas e beijei o topo da cabeça.
— Paaa... dadada... — gritou Alec, rolando para o lado.
Ele pôs a mamadeira no tapete e engatinhou para minhas pernas,
empurrando a irmã e escalando para meu colo. Malika enroscou os
braços no meu pescoço, espalhando as pernas para afastar o irmão.
— Daaaaaaaaaaaaa — gritou Alec, nervoso.
Se aprendi algo nos últimos nove meses, era que eles podiam estar
no maior amor do mundo, mas bastava um segundo para que entrassem
em guerra.
— Não, Alec. — Malika soltou uma das mãos do meu pescoço e
a usou para impedir o irmão de vir para meu colo. — Sai...
— Assim o papai fica triste com vocês.
— Mas eu... eu vim primeiro — resmungou Malika.
— Eeee... daaadadi... — Alec agarrou o cabelo de Malika.
— Aiiiiiiii!
— Alec, não pode. — Segurei a mão dele. Os olhinhos verdes me
encararam arregalados. — Isso dói, não pode. Solta o cabelo da Mali. —
Ele soltou, sem desviar os olhos dos meus, e fez um bico de choro. —
Agora, Mali, encolhe as pernas. — Ela bufou, irritada, e travou os dois
braços no meu pescoço. Alec começou a chorar. Movi minha mão para
as costas dele, trazendo-o para mais perto. — Vamos, Pandinha.
Ela demoveu um braço do meu pescoço e encolheu as pernas. A
arrastei um pouco mais para trás, para que voltasse a sentar-se em minha
coxa esquerda, e trouxe Alec para meu colo, segurando-o do lado
direito.
— Pronto. — Dei um beijinho na cabeça de Alec e outro na
têmpora de Malika.
— A mamadeira — murmurou, apontando para o tapete.
— Você pode pegá-la para o Alec?
Malika assentiu, esticou-se toda para alcançar a mamadeira sem
sair do meu colo e a entregou ao irmão, o que interpretei como um
gesto de paz.
Aconcheguei Alec, deitando-o em meu braço, e ele apoiou um
dos pés na perna da irmã e levou a mamadeira à boca. Aninhada no
outro braço, Malika cantarolava You belong with me[20].
Eu tinha uma mini swiftie em casa. Tudo começou quando ela
tinha pouco mais de dois anos e me ouviu remixando uma música da
Taylor. Ela me fez repetir a track tantas milhares de vezes, que em
determinado momento me rendi e trouxe as músicas da Taytay, como
ela chamava, para nossas conversações em inglês.
— Eeee! — Alec me estendeu a mamadeira vazia.
— Tava gostoso, né, Ursinho? — Peguei a mamadeira.
— Tatata...
— Mali, vá tomar banho.
— Preguiça, papai.
Alec segurou-se em minha mão e desceu do meu colo, indo
brincar na mesinha de brinquedo com peças coloridas para encaixar e
outras de deslizar para os lados. Ele a adorava.
— Cadê meu celular? — Olhei pelo tapete, fingindo procurá-lo.
— Vou mandar uma mensagem para o tio Apollo avisando para ele não
vir, porque você não quer ir andar de caiaque.
— Já fui tomar banho, papai. — Levantou em um pulo.
— Você não foi, você vai. Escolhe a roupa antes. —
Interrompeu-se já quase na porta do estúdio e virou-se para mim. —
Short e camiseta, para você ficar mais à vontade pra brincar.
— Biquíni ou maiô?
— O que você quiser.
— Vou colocar o biquíni novo que a vovó deu.
— Tá bom — sorri —, o papai daqui a pouco vai ver se está
lavando tudo direitinho.

Apollo chegou com um remo personalizado para Malika. Além


de ser de um tamanho menor, tinha desenhado uma paisagem
subaquática, era pintado de verde, azul e lilás — as cores favoritas dela —
e trazia seu nome entalhado. Ela sentou-se no chão com o remo no
colo, os olhos e boca escancarados, e uma expressão de encantamento
no rosto. Correu os dedos pela pintura, vidrada em cada detalhe.
— Que lindo! — Ergueu os olhos para Apollo, agachado em sua
frente. — Obrigada, tio.
— Gostou mesmo?
— Amei muitão.
Ele deu um beijo na cabeça de Malika, levantou-se e caminhou
para a varanda, onde eu estava com Alec.
— Hoje à noite vamos para o luau.
— Não vai trabalhar hoje? — inquiri.
— Troquei a folga de domingo. Tá ligado que a partir de meia-
noite é o seu aniversário, né? Eu e Zac decidimos que você precisa de
uma comemoração.
Nós três — e Marcela — éramos amigos desde crianças.
— Mas você ainda vai no domingo para o Solaris?
O Solaris abria em duas épocas do ano: durante os três meses da
alta temporada funcionava todos os domingos — eu fazia um gig[21] por
mês — e por duas semanas na baixa temporada, no mês de julho,
acontecia o festival de inverno, o que atraía muitos turistas para a ilha.
A estrutura arquitetônica moderna, com quatro pavimentos e
uma cobertura, se erguia entre rochedos em uma pequena elevação à
beira-mar. Paredes de vidro e varandas amplas integravam o ambiente à
natureza.
Era uma balada dentro do conceito de hotel-boutique. As pessoas
faziam check-in para o pernoite e desfrutavam de um espaço
gastronômico, de coquetelaria, pista e um mega café da manhã de frente
para o mar, servido no último pavimento e cobertura.
Naquele domingo, eu comandaria o dance floor durante a virada
de ano.
— Não vou pegar o início do set, mas chego antes da virada.
— Então, podemos comemorar no domingo, vamos estar os
três...
Ele se inclinou para mim e sussurrou, para que as crianças não
ouvissem:
— Vai se foder, Arion. — Deu risada, afastando-se. — Você vai
estar trabalhando no domingo — disse, indo sentar-se próximo a Alec,
no chão.
Meu pequeno segurava-se numa cadeira de vime e batia a mão
livre na prancha fixa na parede por uma estrutura de madeira,
conversando animado.
— Conta essa fofoca para o titio — Apollo fingiu cochichar com
Alec.
— Dadaa — respondeu Alec.
— Esse seu pai tá demais.
— Eeee... — Ri do jeito que ele parecia estar fofocando com
Apollo. — Tata... paaa... da...
— Eu sei, cara. Vou falar nada para ele não, fica sussa.
— Vou pegar as mochilas e podemos ir — comentei, entrando
em casa.
— Papai, não esquece a bolsinha de brinquedos — gritou Malika.
Havia algo sobre remar numa prancha, furando uma onda e
depois outra, deslizando por baixo delas e flutuando de volta para a
superfície, que me fazia sentir abraçada de corpo e alma. Não havia nada
além daquele momento, era apenas eu, minha prancha e o infinito.
Ultrapassada a arrebentação, nos posicionamos com cuidado para
não ficarmos na frente de outros surfistas, mantendo-nos próximos um
do outro e com os olhos voltados para o infinito de águas a perderem-se
na linha do horizonte. A ondulação do mar orquestrava a música que
fazia meu coração bater mais rápido.
— Eu amo isso! — Ergui os braços e joguei a cabeça para trás,
sentindo os raios de sol me abraçarem.
De todos os lugares onde estive, o mar era minha morada
favorita, talvez por isso estivesse sempre a persegui-lo. A cada dez viagens
que fazia, em sete delas reencontrava o mar, e Arraial do Porto estava
entre os meus destinos favoritos desde sempre.
Estávamos há alguns minutos sentados na prancha, assistindo ao
nascer do sol no horizonte infinito à nossa espera. Era uma manhã de
ondas cavadas[22] e constantes, com tubos cristalinos quebrando para a
esquerda e direita. À medida que mais uma série subia[23], um friozinho
gostoso espalhava-se por minha barriga.
— Pronta? — perguntou Louie.
— Sempre.
Sorri sem desviar os olhos do horizonte, acompanhando a
evolução da onda, esperando o momento certo, então virei a prancha e
comecei a remar.
Uma, duas...
Olhei por cima do ombro, analisando se as remadas estavam no
ritmo certo.
Cinco...
Mais uma olhada para trás.
Oito remadas longas e profundas foram o suficiente para me
colocar na velocidade da onda.
Entrei!
Senti a prancha movendo-se com a onda, dei mais duas remadas
quando senti a rabeta elevar-se e subi para o drop[24].
A quietude dominou meus batimentos.
Ao mesmo tempo que sentia a força e imponência do oceano, ele
me acalmava e acolhia.
Quando vi que a onda estava se fechando, deslizei sobre a parede e
voltei para a onda no ponto de quebra, e naqueles segundos que flutuei
sobre a crista foi como se o tempo tivesse parado.
Pousei em meio à espuma branca que se estendia por todos os
lados, rindo entre arfadas pesadas. Ergui os olhos, Louie sorria e agitava
uma mão no ar, vibrando por mim. Acenei para ele e iniciei uma remada
de volta ao outside[25].
Parei antes da linha de arrebentação ao vê-lo dropar e gritei
quando voou sobre a onda numa manobra aérea. Levei a mão à boca e
assobiei alto, como fazia desde que éramos adolescentes.
Aprendemos a surfar juntos e não perdíamos uma oportunidade
de correr para o mar com nossas pranchas. Bastava que houvesse um final
de semana prolongado para que implorássemos aos nossos pais que nos
levassem à praia, e quando o sol nascia estávamos no mar dropando
quantas ondas pudéssemos antes de voltar para casa.
— Uhuuu! — gritei e retomei meu caminho ao outside.
Logo estava outra vez deslizando sobre uma onda. Surfamos por
horas, depois nos sentamos na areia e ficamos conversando.
— Nenhum dos lugares onde esteve, ninguém que conheceu —
Louie espalmou uma mão na areia, reclinando o tronco para trás —, te
fez querer ficar? — Elevou uma sobrancelha. — Ou voltar?
— Não. — Eu estava com as pernas cruzadas. Aproximei os
joelhos, abraçando-os. — Vou te contar um segredo. Não fico mais do
que seis semanas com um cara porque... — Me interrompi e movi os
olhos para o mar. — Por volta da quarta semana que estou saindo com
alguém, não importa quão bom o sexo seja, se torna incômodo para
mim. Não fisicamente. — Exalei um suspiro lânguido. — O problema é
que começo a me perguntar se os caras ainda ficariam comigo se não
houvesse sexo... se não pudesse haver. Apenas estar comigo bastaria? —
Louie se moveu e estendeu o braço por minhas costas. — Ou se fosse
mais do que sexo... Eu ainda seria o bastante quando eles soubessem... —
Olhei para o meu amigo, incapaz de colocar em palavras minha maior
insegurança.
Mas ele sabia o que eu queria dizer.
— Você é o bastante, Vida. — Louie beijou minha têmpora. —
O cara que for inteligente não deixará que duvide do quanto quer estar
com você, ele te fará se sentir segura, para que nunca queira ir. — Ele
demoveu o abraço, levou uma mão ao meu queixo, erguendo meu
rosto, e fixou os olhos nos meus. — E se um cara te fizer se sentir menos
do que incrível, ele terá um encontro marcado com meus punhos, ok?
Não seria a primeira vez. Aos dezesseis anos, me envolvi com um
garoto do nosso colégio e as coisas terminaram mal. Quando soube o
que havia acontecido, Louie saiu no soco com o babaca.
— Você lembra que sou faixa marrom em Krav Magá, né?
— Você pode acertá-lo o quanto quiser, ele ainda será
apresentado aos meus punhos. — Joguei os dois braços em volta dele,
esmagando-o em um abraço. — Estou feliz que esteja aqui.
— Eu também. — Dei um beijo na sua bochecha e desprendi
meus braços dele. — Durante o voo revi fotos das nossas férias, e quando
me dei conta que havia uma lacuna que nunca seria preenchida fiquei
com um pouco de medo que fosse estranho estar de volta. Estive longe
por dois anos, enquanto vocês continuaram criando histórias juntos.
— Pode não haver fotos que provem isso, mas se der uma olhada
nas mensagens do nosso grupo, verá que esteve em cada uma das nossas
histórias, Vida. — Louie me estendeu a mão e eu a segurei. — E nós
também estivemos na sua, tanto quanto nos permitiu estar. — Acariciou
o torso de minha mão. — Vamos dar um mergulho?
— Nunca digo não ao mar. — Levantei-me, agarrada à sua mão,
puxando-o. — Vamos, Louie!
Apollo e Zac me conheciam bem o suficiente para saber que eu
encontraria uma desculpa para não sair se me deixassem por conta
própria, logo não me deram essa chance.
— Vai nu? — perguntou Apollo quando me viu desabotoando a
camisa depois de guardar o case[26].
— Vou — dei um sorriso cínico — tomar um banho, né,
caralho?
Nossos celulares vibraram ao mesmo tempo.
— Zac — falamos em uníssono.
Apollo tirou o celular do bolso e se jogou na cadeira, em frente
ao meu setup.
— Mandou um áudio — disse, dando play.
— Estou saindo de casa agora, vocês estão onde?
— Vem pra casa do Arion, ele está no banho de princesa —
Apollo respondeu com uma mensagem de áudio.
— Idiota — resmunguei entre risos, seguindo para o banheiro.
Eu não teria nenhum momento em que as crianças não
estivessem em casa nos próximos dois dias, e trabalharia em ambos até
altas horas. Meus amigos que esperassem, porque eu ia ter o meu banho
de princesa.
Meus cabelos eram ondulados, e com a minha rotina mais o calor
excruciante que fazia em Arraial no verão, se eu não hidratasse o cabelo
duas vezes na semana, ele ficaria seboso na raiz, de tanta oleosidade, e
ressecado nas pontas, uma verdadeira desgraça.
Aliás, quem foi que disse que o príncipe não precisa de
autocuidados? Ou um pai solo com dois filhos, dois trampos[27] e um
coração quebrado?
— “Ela é do tipo que não desiste por nada. Calculista e não paga
de emocionada. Sempre sorri porque chorar não muda nada. Antes
sozinha do que mal acompanhada. O beijo dela é tipo um tiro fatal. Tem
uma fila esperando seu sinal. Ela é um livro, só que um livro sem final. E
eu tentei sair da brisa mas ela não tem igual”[28] — cantarolei, saindo do
banheiro, com a toalha enrolada nos quadris.
— “Mano, eu já virei refém. Do que ela tem.” — Apollo
emendou o refrão. — “Alma de cigana. Furacão na cama.” — Saiu pela
porta do estúdio, estalando os dedos.
— Porra, senti falta desse Arion — disse Zac, de dentro do
estúdio, e acompanhou Apollo que cantava o refrão pela segunda vez.
— “Sozinha ela é inteira igual o oceano” — cantei a estrofe
seguinte, do jeito que fazíamos quando nos reuníamos para tocar e
beber. — “Tipo um vinho que melhora com o passar dos anos. E ela já
passou por tanta coisa. Mágoas, qualquer coisa pode ser a gota d’água.
Ela me olhou e paralisou.”
— “Estátua” — recitaram em uníssono.
— “Cada fala dela é um show. Eu bato palma.”
— “Rara” — disseram os dois.
— Vou me vestir.
Deixei os dois cantarolando o refrão e fui para o quarto.
Eu tinha trocado os lençóis da cama. O cheiro de Marcela se foi.
Também mudei a organização do guarda-roupa, para não ver os cabides
e gavetas vazios toda vez que o abria. Entretanto, ainda era no estúdio
que dormia todas as noites.
Vesti a roupa e percorri a lateral da cama, parando em frente ao
espelho de chão e dobrando as mangas da camisa na altura dos cotovelos.
Eu vestia uma bermuda de sarja preta, camisa de botões na cor azul e um
Vans. Deveria estar decidindo quais correntes e braceletes eu usaria, em
vez disso uma pergunta insistia em ocupar minha cabeça.
Ela estaria lá?
A primeira vez que a vi foi em um luau, no meu aniversário de
dezessete anos. Quando meus olhos pousaram nela foi como se o
mundo tivesse parado e somente ela continuasse a se mover. Meu
coração bateu mais rápido do que nunca. Ela dançava com os pés
descalços na areia e um sorriso de tirar o fôlego, e feito música entrou
em minha mente.
Ela era a mais linda melodia.
— Só avisando, não posso ficar até o dia raiar. Tenho que dormir
pelo menos umas duas horas antes das crianças acordarem.
— Você pode ir embora às três, não queremos que trabalhe igual
um zumbi amanhã — disse Apollo, servindo a tequila nos copos na mesa
da cozinha.
Zac trouxe uma garrafa para brindarmos.
— É para ser divertido, não uma tortura — comentou Zac,
fatiando as rodelas de limão.
— Eu sei.
— Mas não está sendo fácil, a gente também sabe. — Apollo
pressionou a mão em meu ombro.
— Você está mandando bem, mano. — Zac pôs a tábua com as
rodelas de limão e sal na mesa. — Quer prova maior do que aqueles dois?
— Se não estiver pronto para sair com alguém, tudo bem. —
Apollo despejou o sal no dorso da mão.
— Tudo bem se for porque você não quer — retrucou Zac,
pegando o sal. — Se for por causa da Marcela, não.
— Não importa o motivo. — Apollo olhou atravessado para Zac.
— E foda-se se você não concorda.
— Não é só por causa da Marcela — confessei, olhando para o sal
que havia acabado de derramar em minha pele. Ergui os olhos e os movi
de um para o outro. — Fui de BV para pai. Vocês sabem que nunca estive
com outra pessoa, nunca nem beijei outra pessoa. — Dei de ombros. —
Não é como se eu tivesse pulado uma fase e agora pudesse voltar pra ela.
Eu tenho dois filhos. Não quero um monte de mulher entrando e saindo
da vida deles, e também não quero dormir cada dia com uma mulher
diferente, porque...
— Esse não é você — disse Zac.
— É o Zac — provocou Apollo. — Se incluir homens também.
— Nós três rimos. — Porra, você teve que lidar com tanto nos últimos
meses — continuou após alguns segundos —, não vem transformar o
que é pra ser gostoso em problema não, caralho!
Sorri para ele, assentindo.
— Foi mal, mano. — Zac me olhou nos olhos. — Foquei tanto
no ódio que estou sentindo da Marcela que não percebi o quanto isso é
complexo pra você.
— Só mais uma coisa e a gente vira esse shot — disse Apollo. —
Segue o fluxo e faz somente aquilo que você estiver a fim. Quer beijar,
beija. Não quer, foda-se. Você não é obrigado. Bateu uma vontade louca
de trepar com uma gata, trepa, caralho! Como você vai saber se não é ela
a mulher da sua vida? Tô muito filósofo. — Ele riu, servindo-nos as
rodelas de limão e os martelinhos[29]. — Feliz aniversário, brother!
— Feliz aniversário, mano. — Zac ergueu o copo. — Arriba!

— Arriba, abajo, al centro y adentro![30] — dissemos juntos.


A praia estava lotada, era sempre assim nas noites de luau. Turistas
e locais se encontravam para curtir a noite e assistir ao nascer do sol.
O luau era uma balada eletrônica na praia, organizada pela
associação de bares e restaurantes. Eram montadas barracas de drinks,
comidas e jogos, e uma tenda, onde ficava a cabine de som. Os DJs eram
contratados por temporada. Tocávamos de quinze em quinze dias, e
tínhamos estilos diversificados. Meus sets aconteciam às terças, meu dia
de folga no Saideira.
— Para, porra! — Afastei Zac com o braço, dando risada.
Nós estávamos numa barraca de corridas. Tínhamos que
arremessar bolas em uma espécie de gaveta em declínio, com onze
buracos distribuídos em três faixas de cores diferentes, e encaçapar as
bolas para mover os bonequinhos em formato de tartarugas.
Zac estava esbarrando no meu braço quando eu ia jogar a bola,
tentando atrapalhar meu jogo.
— Eu tinha esquecido como Zac é ruim nisso — comentou
Apollo, gargalhando.
— Você andou para trás nas duas últimas jogadas — respondeu
Zac.
— E ainda te passou — provoquei. Acertei a faixa verde,
movendo minha tartaruga duas vezes para frente. — Ah, moleque!
— Fica quieto, Arion — resmungou Zac.
— Chupa, otário! — gritou Apollo, comemorando por ter
acertado a bola na faixa amarela, ao invés da vermelha.
— Vocês estão me desconcentrando — reclamou Zac, dando um
esbarrão na mão de Apollo.
— Sai daqui, caralho! — Apollo o empurrou, rindo. — Quem
perder paga a pizza.
— Vai ficar entre vocês. — Minha tartaruga deu mais um passo
rumo à linha de chegada, faltavam três movimentos para que eu
ganhasse.
— Ai, porra! — Zac acertou a faixa verde.
— Cagada da porra! — Dei risada.
— Pode olhar as calças que tem uma mancha de bosta aí, Zac.
— Vão tomar no cu!
— Revanche no boliche de latas — sugeriu Zac.
— Feito — concordou Apollo.
Zac pagou as pizzas e pôs a culpa por ter perdido nos dois shots de
tequila que tomamos na minha casa. A pizza era vendida em fatias, não
havia mesas ou cadeiras para consumo em nenhuma das barracas
instaladas para o luau, então a comemos caminhando entre as barracas.
Eu tinha a tartaruga de pelúcia que escolhi como prêmio
enganchada em meu braço e Apollo estava com um mico de pelúcia
pendurado na corrente em seu pescoço. Não poderia dizer qual de nós
ficou menos atraente com nossos adereços, mas estava me divertindo.
Fizemos outra parada numa barraca de roska e fomos para o
dance floor. Meu olhar percorreu as dezenas de pessoas dançando.
— Quem você está procurando? — perguntou Apollo.
— Ninguém. — Virei a roska, esperando que ele deixasse por isso
mesmo.
— O que foi? — Zac enfiou a cara entre nós.
— Arion está procurando alguém — apontou para mim — e não
quer dizer quem é.
— Não estou... — Os dois se entreolharam e voltaram-se para
mim ao mesmo tempo. — Eu só estava olhando por aí. — Tomei outro
gole da roska.
— Você está de olho em alguém — declarou Zac, abrindo um
sorriso largo.
— Não é isso — justifiquei-me. — A garota que resgatei no
mar...
— A que você era apaixonado? — inquiriu Zac.
— Eu não estava apaixonado, só tinha uma queda por ela.
Eu estava apaixonado! Eu me apaixonei pela primeira vez quando
a vi, e tive meu coração partido ao mesmo tempo. Ela tinha namorado.
Passei o verão suspirando por ela à distância.
Quando o vento de outono soprou, ela já estava longe da ilha. A
saudade de vê-la andando pelas praias, dançando sob a luz da lua e
deslizando sobre as ondas inspirou uma track que nunca consegui
finalizar.
Ela voltou naquele inverno. O namorado não era mais namorado,
mas os dias passaram sem que eu nunca lhe dissesse oi. Então aconteceu
o incidente no mar e não voltei a vê-la até a noite anterior.
— Uma queda de um penhasco, só isso — disse Apollo, sorrindo.
— Mas prossiga, o que tem ela?
— Ela estava no Saideira ontem. — Os dois deram um sorriso
cúmplice. — Na última vez que a vi ela quase morreu, queria saber como
está, o que fez de lá para cá.
— É só isso, claro.
— Você vai ficar repetindo esse caralho? — Encarei Apollo.
— Estou concordando com você. — O filho da mãe deu uma
risada debochada.
— Ela tinha uns peitos deliciosos, lembra? — Zac comentou,
batendo no braço de Apollo.
Eu não ia cair na provocação, não era mais adolescente.
— Nuss! — Apollo deslizou a língua entre os lábios.
— Como eles estão hoje? — Zac volveu os olhos para mim.
Mostrei o dedo do meio.
— Passa fora, otário! — Virei-me rápido ao ouvir Pietro falar
grosso. Meu irmão meteu as duas mãos no peito de um cara, que estava
quase colado às minhas costas. — Vá se esfregar num poste, animal.
Pisquei e Louie surgiu ao lado do Pietro, bebericando seu drink,
enquanto encarava o intruso.
— Que escroto — resmungou Kimi.
— O que rolou aí? — perguntou Caíque, abraçado a uma garota
de trancinhas cor-de-rosa.
Em um segundo, estávamos todos prontos para acertar o babaca
sem-noção que achou que podia roçar em mim.
Os garotos sempre se colocavam na linha de frente, embora todas
nós soubéssemos nos defender. Nossos pais eram meio paranoicos com
proteção, todas as garotas da família foram iniciadas no boxe e defesa
pessoal ainda na infância.
O sem-noção ergueu as mãos e deu alguns passos para trás,
distanciando-se.
— Tudo certo — respondeu Louie, olhando para Caíque por cima
do ombro.
Eu e Kimi voltamos a dançar, alegres e saltitantes, com nossos
irmãos bancando os guarda-costas. Eram uns fofos. Antonella tinha
saído para dar uma volta com uma loira baixinha e Duna saiu atracada
com um deus do ébano de mais de dois metros. Tinha certeza que minha
melhor amiga estava dando em algum lugar daquela praia.
Entreolhamo-nos, reconhecendo a melodia de Give it me to. Nós
amávamos essa música, a batida era tão gostosa e os remix conseguiam
elevá-la a um nível surreal. Ficamos de frente uma para a outra e
começamos a pular, jogando as mãos para cima.
— “If you see us in the club. We'll be actin' real nice — gritamos
enlouquecidas —, If you see us on the floor. You'll be watchin' all night.
We ain't here to hurt nobody — demos as mãos e giramos, berrando a
letra da música —, So give it to me, give it to me, give it to me. Wanna
see you work your body. So give it to me, give it to me, give it to me.”[31]
No final da música, estávamos rindo sem parar.
Dancei mais umas três ou quatro músicas, e aproveitei quando o
DJ jogou uma track mais suave para fazer uma pausa, porque estava
derretendo de calor, apesar de estar praticamente de biquíni. Eu tinha
escolhido um look all black para a noite: um biquíni cortininha e uma
saia longa transparente.
— Vou buscar uma bebida — avisei ao pessoal —, alguém quer?
— Estou de boa — respondeu Pietro, exibindo uma garrafinha de
água.
— Vou com você — ofereceu Louie.
— Só quero água mesmo. — Kimi pegou a garrafa na mão de
Pietro e tomou um gole.
Olhei para o lado para perguntar se Caíque queria. Meu olhar
parou sobre as duas mãos dele agarrando a bunda da garota e preferi não
interromper.
Louie teve o mesmo pensamento que eu. Olhamo-nos, rindo, ao
percebermos que estávamos espiando o amasso rolando ali. Segurei em
sua mão e saí cortando o dance floor, no sentido das barracas. Elas
ficavam todas próximas umas das outras, dando-nos a sensação de
estarmos perambulando pelas ruas de um pequeno vilarejo. Eu achava
um charme.

— Está muito boa. — Olhei para Louie, caminhando ao meu


lado. — Experimenta. — Ofereci meu copo a ele. — Para mim, foi a
melhor da noite.
Decidimos provar quantos sabores de roskas conseguíssemos
naquela noite, e a única que eu tinha odiado até então era de seriguela.
— Jabuticaba, né? — Levou o copo à boca. Aquiesci. — Está
entre as minhas favoritas — disse, devolvendo-me o drink —, mas as de
umbu e cajá também são divinas.
— A de um umbu está entre as melhores no meu ranking. —
Tomei outro gole da roska.
Abaixei o copo, focalizando à minha volta. Meu olhar não
divagou por muito tempo, logo avistei o bartender gato, que estava a
menos de cinco passos de distância. Os cantos de minha boca curvaram-
se. Meu olhar percorreu o desenho perfeito do maxilar. Embora a barba
da noite anterior fosse apenas um sombreado em sua pele, a ausência
dela destacava o contorno suave de sua boca. Os olhos que já me
observavam, deslocaram-se para os meus, e ele sorriu.
— Oi.
— Oi.
Falamos ao mesmo tempo, não dava nem para dizer qual soou
primeiro. Nossos sorrisos se expandiram e derramaram-se em riso. Ele
deu um passo de encontro a mim, olhando dentro dos meus olhos.
Belisquei o lábio entre os dentes. O friozinho gostoso da expectativa
espalhou-se em meu estômago. Mas a magia se quebrou quando um
mal-educado, entre todos os lugares possíveis, decidiu passar no meio de
nós. E sequer pediu licença.
Tem gente que nasce com vocação para ser pau no cu.
Minha irritação desapareceu assim que o filho de chocadeira saiu
da frente. Os olhos castanhos estavam mais perto do que antes.
— Ainda não sei seu nome.
— Vida. — Estendi a mão.
Ele a segurou e se moveu na minha direção.
— Arion. — Inclinou-se para mim e beijou meu rosto.
Sua pele tinha o frescor amadeirado de um dia em um veleiro em
alto-mar. Inspirei mais profundamente quando se virou para o segundo
beijo, inclinando um pouco o rosto contra sua boca.
— Esse é... — Interrompi minha fala ao olhar para Louie. Ele e o
amigo gato de Arion (que fosse só amigo, amém!) não desviavam os
olhos um do outro, mas suas expressões revelavam certo desconforto. —
Vocês se conhecem? — A pergunta apenas me escapou.
— S...
— NÃO — o amigo de Arion cortou Louie. — Preciso ir ao
banheiro, te encontro depois — disse e saiu apressado, ignorando a nossa
presença.
— Eu... — Louie deslizou a mão nos cabelos. — Você se
importa... — Os olhos azuis divagaram.
— Pode ir.
Ele saiu andando rápido.
— APOLLO! — chamou, olhando por cima das cabeças do mar
de gente espalhado pela praia.
Minha curiosidade gritava.
— Alguma ideia — voltei-me para Arion — do porquê o seu
amigo parece odiar o meu?
— Nenhuma. — Deu de ombros. — Quer que a acompanhe até
seus amigos?
— Quero. — Levei a roska à boca.
— Ok.
— Fofo seu bracelete. — Comprimi os lábios, dando-lhe um
sorriso de canto.
Ele seguiu meu olhar para a tartaruga de pelúcia em seu pulso e
deu uma risada alta, suspendendo os olhos para os meus.
— Posso tentar ganhar uma para você, se quiser.

Até parece que eu recusaria!

Quatro adolescentes jogavam na barraca de corrida de tartarugas.


A ironia por trás da escolha do animal me ganhou muito.
Arion cumprimentou um casal de gringos que assistia e
perguntou se queriam jogar com a gente. Havia um número limite de
tempo para cada ficha, logo não havia impedimento para se jogar
sozinho, no entanto, seria mais divertido em grupo, não restava dúvidas.
O casal aceitou, conversamos um pouco os quatro, depois eles saíram
para comprar um drink e ficamos aguardando a nossa vez de jogar.
— O que vai fazer no Réveillon? — Tomei um gole da roska.
— Trabalhar.
— Pensei que o Saideira fechasse mais cedo aos domingos.
— E fecha. — Mordiscou o lábio, correndo os dedos pelas ondas
suaves dos seus cabelos, e prosseguiu: — É que sou bartender e DJ. No
domingo irei tocar no Réveillon do Solaris.
— Que horas é o seu set? — perguntei porque tinha planejado
ficar para o jantar do resort e ir para o Solaris por volta das vinte e duas
horas, mas se ele fosse abrir a noite, dispensaria o jantar.
— Às vinte e três.
— Você é o headline! — Arregalei os olhos, minha boca se
escancarando em um sorriso.
Arion deslizou a mão na nuca, meio sem jeito, e sorriu de lado.
Meu pai tinha comentado que o DJ principal era um moleque da
ilha. Falou todo orgulhoso que ele tocava no Solaris desde o primeiro
festival de inverno, quando abriram as portas, e que de um ano para cá
tinha estourado nas redes sociais. Meu pai e tia Gabi[32] — mãe dos
trigêmeos — eram sócios no empreendimento do Solaris.
Moleque? Ai, papai.
— Sua booker[33] é minha amiga — comentei, e matei o restinho
da roska em um gole.
— Letícia?! — perguntou, surpreso.
— Sim — balancei a cabeça em aquiescência —, somos amigas
desde pequenas. Não que a Tici tenha crescido muito — brinquei, e ele
riu, jogando a cabeça para trás.
Eu viajava no sorriso dele, mas a risada rouca... essa me
desconfigurava toda. Um afã desordenado ferveu meu corpo. Suspirei,
hipnotizada pelo sorriso lindo, e pressionei os dentes no lábio. Arion
inclinou o rosto e seu olhar desceu para minha boca.
— Onde mora, Vida? — perguntou, mergulhando no fundo dos
meus olhos.
— Por aí. — Sorri para ele. — Não tenho endereço fixo, vivo
viajando o mundo.
— E por quanto tempo vai ficar?
O casal de turista parou ao nosso lado, bebericando os drinks.
— Um pouco mais de dois meses — respondi, olhando para
Arion, e em seguida voltamos nossa atenção ao casal, dando outro rumo
à conversa.
Logo os garotos encerraram a corrida e fomos jogar. A cada
rodada um de nós ficava na frente, com exceção do namorado da garota.
Teve uma hora que ele mandou três bolas seguidas na faixa vermelha,
voltou para o início e ainda ficou devendo uma casa. Eu ri da barriga
doer com ela azucrinando o juízo dele.
— Vida... — Volvi os olhos para Arion. — Escolha seu bracelete.
— Ele piscou para mim, erguendo o braço com a tartaruga de pelúcia.
Naquele momento ele estava a duas casas da linha de chegada. A
garota o havia ultrapassado em sua última jogada, ficando a uma casa da
vitória. Arion lançou a bola e apoiou as mãos nas laterais da cabine,
numa postura relaxada. Um sorrisinho se desenhou em seus lábios.
Movi os olhos para o painel, a tartaruga caminhou uma casa para
frente, e então mais uma. Dei um grito, erguendo os braços. Risadas
dançaram no ar à nossa volta. Girei o corpo, encontrando-o virado para
mim. Um sorriso largo se estendeu nos meus lábios.
Fui levada pela empolgação, corri para Arion e me pendurei em
seus ombros, sentindo-o retesar os músculos diante do gesto inesperado.
Antes que pudesse soltá-lo e me desculpar, ele ergueu os braços e suas
mãos tocaram minhas costas, envolvendo-me com delicadeza, e pude
sentir seus batimentos contra meu peito, tão fortes e intensos que
ressoaram no meu coração.
Quando Vida me abraçou, memórias irromperam em minha
mente.
Foi como estar de volta àquela manhã de julho.
Eu a vi inerte e sem pulso em meus braços.
Meus músculos enrijeceram, senti o medo rastejando por minhas
vértebras.
Eu estava lá quando seu coração parou de bater.
Por quase cinco minutos ela se foi.
Meus batimentos digladiaram contra o tórax quando deslizei as
mãos por suas costas e a quentura de sua pele me atingiu. Apertei com
suavidade o corpo delicado entre meus braços e mergulhei no cheiro
suave de flores que a envolvia.
Seu coração bateu forte.
Ao romper o abraço, ficamos nos olhando e sorrindo em silêncio,
até que o atendente da barraca pediu que escolhêssemos o prêmio.
— Como fez para que ficasse no pulso? — Vida perguntou
enquanto nos afastávamos da barraca.
— Quer que eu faça para você?
Parou de andar e virou-se, estendendo-me o braço.
— Por favor.
Abri o fecho de uma de suas pulseiras, peguei a pelúcia, passei a
corrente da pulseira pela etiqueta e devolvi a joia ao seu pulso,
ajustando-a.
— Pronto.
Um resfolegar baixinho dançou na boca pequena e de lábios
cheios, perfeitamente desenhados.
— Caralho, Vida!
Desloquei os olhos para trás dela ao ouvir um cara chamá-la.
Vida se virou abruptamente.
— Que susto, Pietro!
— Em que inferno você e Louie se enfiaram? — continuou o cara
alto e de olhos azuis. — A gente está procurando vocês a mó tempão,
porra! — Estreitou os olhos para mim e voltou a fixá-los nela. — Se
foder, viu! Caralho!
— Meu Deus, calma. Achei que o Louie ia encontrar com vocês.
Por que não me ligou? — perguntou, abaixando os olhos para o cinto
mini bag.
Era impossível que tivesse um celular ali dentro, a bolsa era micro.
— Porque você deixou o celular comigo! Cadê o Louie? Ele não
tá atendendo.
— Ele tinha um assunto para resolver — disse e olhou-me por
cima do ombro. — Você pode ver se seu amigo atende?
— Sim — respondi, pegando meu celular, e tomei um susto
quando vi o horário.
Quase quatro horas da manhã.
Eu precisava ir embora.
Liguei para Apollo, e nada.
— Vou avisar ao pessoal que te encontrei — comentou o cara.
— Ele não atende — informei após a segunda tentativa.
— Deveríamos nos preocupar? — Vida me olhou.
— Apollo não é de briga.
— Ele não parecia muito amigável — arqueou a sobrancelha,
ficando de frente para mim —, mas vou confiar em você.
— Ei, cara — disse o amigo de Vida, me estendendo a mão —,
sou o Pietro.
— A culpa por Vida não ter voltado logo foi minha — falei,
apertando sua mão. — Desculpa aí.
— Dessa vez vou deixar passar. — O sorriso no rosto deixava
claro que o comentário tinha como fim provocá-la.
— Essa praga é meu irmão. — Vida deu um tapa nele.
— Vê se responde quando a gente chamar, mostrenga. — Ele
puxou um celular do bolso e entregou à irmã.
— Arion estava me levando até vocês — ela falou, segurando o
celular. — Quer ir com a gente? — A pergunta saiu assim que pôs os
olhos nos meus.
— Não vai dar, tenho que levantar cedo.
Alec acordava por volta das sete da manhã. Eu precisava dormir
um pouco que fosse ou estaria fodido. Minha mãe ajudava pra caralho
com as crianças, eu não queria que tivesse que acordar mais cedo do que
precisava, já bastava as noites em que ela ia dormir depois de meia-noite,
me esperando chegar do trabalho, por isso nos dias que as crianças
dormiam em sua casa, logo que o dia clareava eu ia para lá.
E também porque eu queria estar em casa quando eles
acordassem.
— Ok. — Sorriu. — Domingo estarei no Solaris curtindo o seu
set.
— A gente se vê por lá.
Vida concordou com um movimento sutil de cabeça.
— Obrigada. — Ela moveu os olhos para o bichinho de pelúcia e
segurou numa de suas patas.
A propósito, ela escolheu uma tartaruga.
Espreguicei-me na cama, estendi a mão para trás, pegando o
celular em cima do encosto do sofá-cama e desativei o despertador.
Havia mensagens da minha mãe, enviadas minutos atrás.
Ela não era de acordar tão cedo. Abri o aplicativo já preocupado.

Café da manhã às nove horas.


Não é para vir antes, Arion!

Sorri ao ler a mensagem.


Minha mãe nunca deixava meu aniversário passar em branco. Nos
últimos anos ela fez um jantar e depois ficava com a Malika para que eu e
Marcela fôssemos comemorar a dois. Mas antes que eu saísse de casa,
aquele era o dia que ela levantava mais cedo todo ano. Quando eu
voltava da praia com meu pai, a encontrávamos com um bolo recém-
saído do forno para cantar parabéns.

Ok, dona Ana.


Te amo muito.

Eu tinha três horas livres.


Joguei o celular de lado e corri para me vestir. Tomei um
smoothie de abacaxi, pus o headphone e segui para a praia. Caminhei pela
areia, observando o mar. As ondas não estavam lá essas coisas, mas para
quem não surfava há meses, qualquer merreca[34] era motivo de alegria.
Encaminhei-me para a oficina do meu pai, entre os Postos 1 e 2.
Era lá onde eu guardava a maioria das minhas pranchas. Eu tinha
dezesseis, fora as que guardava como recordação. Escolhi a que me
acompanharia na minha última onda do ano e a coloquei no cavalete.
À medida que pressionava o tablete de parafina, deslizando-o em
linhas paralelas verticais de uma ponta à outra da superfície, as
preocupações e cansaço iam ficando em segundo plano e as inquietações
davam lugar à calmaria.
— “É que quando ela vem eu perco o chão. Ela é a perdição.
Percussão, rimo na batia do teu coração.” [35]
Mudei o movimento para linhas horizontais, cantarolando, e algo
que Zac disse na noite anterior me veio à cabeça: “senti falta desse
Arion”.
Eu também senti.
Terminei de passar a parafina em movimentos circulares, prendi o
strep, deixei os fones e celular na oficina e corri para a praia.
Remei mar adentro, ouvindo-o silenciar cada um dos meus
pensamentos. Quando cheguei ao outside, me sentei na prancha, inspirei
fundo e soltei o ar devagar. Fiquei por alguns minutos ali, curtindo o sol,
o mar e aquela quietude dentro de mim. Somente quando a terceira
onda se ergueu, caí para dentro.
Nem estava me importando que fosse o equivalente a uma
amostra grátis de onda, eu não me sentia tão bem há muito tempo.
Peguei umas marolas e saí do mar.
Tomei um banho na oficina, me troquei e fui para a casa da
minha mãe.
— Cheguei! — falei, adentrando a sala.
— Eeeeie — respondeu Alec, e ouvi os risinhos de Malika.
— Cadê todo mundo? — Fingi não ter escutado os dois para não
estragar a surpresa. — Tem alguém aí? — perguntei, próximo à cozinha.
— Parabéns pra você, nessa data querida... — As palmas e
cantoria iniciaram quando pus os pés no batente da porta.
Alec estava no colo do meu avô, Malika em pé numa cadeira, ao
lado das minhas avós — o pai da minha mãe morreu quando a Malika
ainda era um bebê — e minha mãe balançava um balão escrito “feliz
aniversário”. Entrei na cozinha e dei a volta na mesa, me espremendo no
meio deles e abraçando-os.
Alec não perdeu tempo, logo se jogou nos meus braços, e
enquanto meus avós se sentavam, eu abracei Malika e minha mãe pela
cintura.
— Amo vocês — disse, beijando os cabelos de minha mãe.
Naruto se roçou em minhas pernas, miando, e abaixei a cabeça, sorrindo.
— Amo você também, seu pilantrinha.
Malika se inclinou para a mesa e ergueu o bolo com as duas mãos.
— Cuidado para não deixar cair, Mali.
— Sim, bisa. — Mudei Alec de braço antes que ele metesse a mão
e voasse bolo para todos os lados. — Faz um pedido, papai — instruiu
Malika segurando o bolo.
— Tá bom.
— Fecha os olhos — exigiu, me fazendo rir.
— Olhos fechados. — Obedeci, segurando na mão de Alec, para
que ele não se esticasse para o bolo. — Pronto, já fiz o pedido — falei,
abrindo os olhos.
— Assopra as velinhas!
— Ajuda o papai, Leleco. — Inclinei ele para frente e assoprei as
velas.
— ÊÊÊ!!! — comemorou Malika, e Alec a imitou.
— Parabéns, meu amor. — Minha mãe me aninhou em um
abraço enquanto Malika colocava o bolo na mesa. — Que Deus ilumine
seu caminho. — Deu um beijo em minha bochecha.
— Obrigado, mãe.
— Senta, papai — disse Malika. — Cadê o negocinho pro bolo,
bisa?
— Aqui — respondeu minha avó Marta, segurando o cortador.
Acomodei Alec na cadeirinha, nos sentamos todos e tomamos
café da manhã, ao som de muitas risadas e tagarelices dos dois projetos
de gente que eu tinha em casa.
Depois de contar em detalhes os preparativos para a surpresa,
Malika me perguntou como foi o luau.
— Foi divertido. — Depositei o copo de suco na mesa. — Ganhei
uma tartaruga de pelúcia para sua coleção de bichinhos.
— Oba! — Malika espetou um pedaço de melancia no garfo de
sobremesa. — O que mais você fez?
— Curti a música — dei uma garfada no bolo em meu prato —,
bebi um pouco...
— Da-da. — Olhei para Alec. Ele apertava o que sobrou do
melão que estava comendo numa mão e apontava com a outra para a
laranja na mesa.
— Primeiro coma o melão — falei a ele.
— Dá — pediu mais uma vez, levando o melão à boca.
— Que menino danado — disse minha avó Ester.
— Come devagar, Alec — adverti. — O papai vai dar a laranja —
peguei uma fatia, mas não entreguei a ele —, não precisa enfiar tudo na
boca de uma vez. Devagar para não engasgar.
Alec tirou o melão da boca, o segurou e deu uma mordida.
Ofereci a laranja quando ele pôs o último pedaço do melão na boca.
— Depois fui embora, Mali — retomei a resposta ao que ela me
perguntou, tomando um gole do suco.
— Me dá bolo, vovó — pediu Malika, estendendo o prato para
que minha mãe colocasse uma fatia do bolo. — Você beijou na boca? —
Arregalei os olhos, emitindo um murmúrio engasgado. — Beijou, papai?
— repetiu, me olhando dessa vez.
— Não — neguei com um movimento de cabeça —, eu não
beijei na boca.
— Mas não teria problema nenhum se o papai quisesse beijar na
boca — argumentou minha mãe, colocando o prato com o bolo diante
de Malika.
— Seu pai tem que beijar muito na boca — disse meu avô,
arrancando risos de todos.
Mas não da minha filha.
Malika pegou o garfo de sobremesa, tirou um pedaço do bolo e
comeu. Antes que eu pudesse me iludir achando que o assunto estivesse
acabado, soltou o garfo e cruzou os braços, me lançando um olhar
atravessado.
— Você quer beijar na boca?
Como eu responderei a isso?
Se eu falasse que não, eventualmente quando acontecesse, ela
pensaria que menti. Preferia que ela me perguntasse de novo sobre sexo,
era muito mais simples de explicar.
No ano passado, quando estávamos almoçando certo dia, Malika
me mandou um “papai, você faz sexo com a mamãe?”. Depois de tomar
uns três copos de água para empurrar a comida que ficou entalada,
perguntei se ela sabia o que era sexo e quase morri do coração quando
minha filha, de quatro anos e oito meses naquela época, me falou que
viu um vídeo de sexo no celular do coleguinha na escola.
Infelizmente, ela não tinha inventado sobre o vídeo. Um colega
de sala pegou escondido o celular da avó e levou para escola. Ao que
parece não foi a primeira vez que ele acessava conteúdo adulto, porque
foi certeiro para mostrar aos amigos.
Eu conversei bastante com Malika no dia, pedi que ela me falasse
o que tinha entendido do vídeo e também o que havia escutado a
respeito de sexo, e fui explicando a partir das informações que ela
possuía. Depois comprei um livrinho infantil com ilustrações para facilitar
o entendimento dela.
— Mali, você quer sorvete?
— Quero! — respondeu animada, mas logo sua expressão
mudou. — Você tá me enrolando, papai? — Franziu o nariz.
— Já vou responder, só me diz se você vai querer açaí também.
— Não.
— Você não quer tomar açaí nunca mais?
— Não, papai! — Agitou a mão no ar. — Não quero agora.
— Ah, sim. Mais tarde ou amanhã você quer, então?
— Sim, né!
— Não quero beijar na boca agora, mas em algum momento
posso querer, igual você com o açaí.
— Igual nada, não vou namorar o açaí!
Minha mãe abafou uma risada, mas minhas avós nem se deram ao
trabalho, riram na cara dura.
— Menina esperta — disse meu avô.
— Correção — bradei o dedo no ar —, você não vai namorar.
— Porque sou criança! — Malika sacudiu a cabeça. — Mas eu
vou crescer, né, papai.
— Daqui a muito — gesticulei com a mão, afastando o braço
para enfatizar o que dizia — e muito tempo, mas muito tempo mesmo.
Despi o roupão e engatinhei para o meio da cama, aninhando-me
sob os lençóis. Estendi a mão para o travesseiro ao lado e peguei o
celular. A gente tinha chegado há cerca de meia hora e o povo já estava
frenético trocando mensagens. Franzi o nariz ao ler a conversa. Eu não
tive forças de vestir uma roupa quando saí do banho, e Pietro, Caíque e
Duna estavam combinando de se encontrar para o café da manhã. Sem
chance de me juntar a eles. Nada no mundo me faria levantar daquela
cama antes do meio-dia.

Vou pular o café. Vejo vocês mais tarde.

Caíque: A gente tem reserva na vila às 13 horas.

Duna: Ativa o despertador.


Estarei pronta.

Saí da conversa e enviei uma mensagem privada para Letícia.

Preciso de uma informação de extrema importância,


amiga. Arion DJ/GATO/GOSTOSO/BARTENDER
está solteiro?.

Ela não estava on-line, logo eu teria que aguardar a resposta.


Deitei-me de costas, abri o Instagram, busquei por Arion no perfil
de Letícia e o segui. Na biografia e destaques apenas informações
profissionais e links para os canais de streaming. Fora algumas fotos e
vídeos onde ele aparecia surfando, o conteúdo era voltado para música.
Joguei o celular de lado, estiquei o braço e peguei a tartaruga de
pelúcia que havia deixado junto ao travesseiro, trazendo-a para mim. Eu
a segurei com as duas mãos, apertando as patinhas macias, enquanto
lembrava do sorriso dele.
A notificação que eu esperava ansiosa chegou, deixei a tartaruga
sobre o lençol e abri a resposta de Letícia.

Informação de extrema importância, Vida?


Hahuahuahahhahaha E sim, ele está solteiro há alguns
meses.
Eu tava no insta dele agorinha. Meu Deus.

Sua figurinha aí:

TÔ MESMO! Não dou há meses.


Saudade de ser macetada

Ele é um gostoso, né?

Gostoso com potencial de destruir calcinhas,


corações e psicológicos.
Com aquela carinha linda, ele precisava ter aquele
corpo perfeito e bronzeado do caralho? E ainda é
surfista! Ai, Deus!

Você viu a tattoo nas costas?

TICI, NÃO BRINCA COM MEU CORAÇÃO!

Ele tem uma maori cobrindo as costas.

É gatilho pra todo lado.

Ontem a gente se encontrou por acaso no luau.

Tirei uma foto da tartaruga de pelúcia e enviei para Letícia.


Ele me deu.

AH, PARA! Que fofo.

Coloquei o nome de Ariel kkkkkk...

Hauahhahahauaaha... Se beijem logo que eu já tô


shippando, caralho!

Eu ia convidá-lo para o Réveillon no Solaris, aí


descobri que ele é um dos DJs da noite e falei que
estaria lá.

Você vai amar o set dele! Arion é incrivelmente


talentoso.

E a título de curiosidade, ele está fazendo 24 anos.

HOJE?

Sim, 30 de dezembro.

Não é um segredo, né? Posso dar os parabéns e


contar como descobri?
Pode sim. Mas os parabéns não é bem o que você
quer dar pra ele, né, amiga?

Dediquei um set para ele hoje cedo.

Vida, o DJ é o Arion huahahahahahuaha


Sei de um lugar perfeito pra ele mixar

Kkkkkkkkkkkkkkkkkkk
TARADA

Isso foi muito específico


ahahahauahaahhaa

kkkkkkk
É a carência falando
Vou tentar dormir um pouco, amiga. Bjunda.

Me conta quando ficar com o Arion.

Vem logo pra cá!


Semana que vem tô aí. Bjunda!

Havia uma única estrada na ilha onde era permitido a circulação


de buggies, interligando bares, restaurantes e pousadas ao cais, embora na
maior parte do tempo todos — moradores e turistas — se
locomovessem a pé.
A vila era o coração de Arraial do Porto, ficava pertinho do cais e
englobava uma praça central, em frente a uma igrejinha, e as ruas aos
arredores. Além das casas dos moradores, havia pousadas, hotéis, o posto
de saúde e o comércio local. Como não era permitido o trânsito de
veículos dentro da vila, era super gostoso para bater perna. Tinham
bancos, carrinhos e kombis de sorvete, água de coco, livros e flores, com
mesinhas em volta, espalhados pelas ruas.
Nós almoçamos em um restaurante com vista para o mar e à
tarde ficamos na vila. Os garotos foram para um barzinho com música ao
vivo e karaokê. Kimi e Antonella debandaram para as compras após um
tempo, e eu segui de braços dados com Duna, perambulando pelas ruas
da vila.

— Quero um rolão[36] de caipiroska — pediu Duna ao pararmos


no carrinho de sorvete.
Quando éramos adolescentes competíamos para ver quem
conseguia levar o rolão mais fundo na boca e por mais tempo,
achávamos que éramos experts em garganta profunda sem nunca termos
colocado um pau na boca. Um belo dia fui chupar o Caíque e fiz o
coitado chorar de dor. Para começar, nem dei uma lubrificada no pobre,
caí de boca de uma vez. De boca e dentes! Não mordi, porque tínhamos
o cuidado de deixar o picolé sair inteiro de nossas bocas, mas os dentes
desceram arranhando o pau dele de cima a baixo.
Descobrimos que tínhamos muito o que treinar. Depois desse
fatídico dia, Louie nos deu umas aulas de como tocar uma punheta com
um pênis de borracha que compramos pela internet, e pude compensar o
Caíque pela tortura anterior. Mas deixamos a boca de fora do jogo por
um tempo, por questão de segurança.
— Vou querer uma paleta de morango com choconinho.
O rapaz nos entregou nossos pedidos, efetuamos o pagamento e
nos sentamos próximo à pista de skate, de frente para o mar, fazendo
planos para as três semanas que teríamos juntas.
— Queria ter mais tempo para ficar com você. — Ela bateu o
braço no meu, dando-me um empurrão de leve. — Parou com essa
palhaçada de evitar a tudo e a todos, né?
— Parei, juro. — Abocanhei o último pedaço da paleta e suguei
entre os lábios, levantando-me para jogar o palito numa lixeira próxima.
— Inclusive — disse ao voltar a me sentar —, meu primeiro destino
pós-férias será para te ver.
— Se tiver falando do GP de Portugal, a resposta é não.
— Por que não?
— Porque se você for, terei que deixar meus pais irem. Será uma
estreia difícil, a maioria dos pilotos no grid compete na Moto2 há no
mínimo três anos, eles têm muito mais experiência. Meu único objetivo
nesse primeiro momento é não ficar em último, mas eu sou competitiva
e odeio perder. — Ela lambeu ao redor do picolé para que não escorresse
na mão, e continuou a falar: — Se meus pais estiveram lá, vão me dar
colo e aí eu vou chorar. Não quero chorar — Duna abriu um sorriso
mordaz —, quero foder violento até esquecer que não estou na porra do
pódio.
Dei uma risada estrondosa.
— Eu queria julgar, mas nem posso — comentei entre risos.
— Bandida! — Duna riu, mordendo um pedaço do picolé.
— A última vez que transei foi na ilha de Aruba.
— Aruba? — Duna arqueou a sobrancelha. — Mas você esteve lá
em...
— Abril. Não beijo ninguém desde abril.
— Espera.
Duna levantou-se, levando o que restava do picolé à boca, jogou
o palito no lixo e voltou. Ela dobrou uma perna em cima do banco,
posicionando-se de frente para mim, inquirindo-me com o olhar.
— Encontrei com Igor em Aruba — contei.
— Por que só estou sabendo agora?
— Porque... — Dei de ombros, divagando. — Reencontrá-lo
revirou muita coisa dentro de mim.
— Me diga que foi ânsia de vômito, por favor. — Ela me encarou
em desespero. — Você não dormiu com o Igor, né? Eu vou te meter a
mão se tiver ficado com ele, Vida!
— NÃO! — Minha voz elevou-se. — Claro que não. — Duna
soltou um suspiro de alívio. — Eu estava em um restaurante, aí ele
apareceu e perguntou se eu me lembrava dele.
— Cara de pau.
— Fiquei em silêncio, olhando para ele, em choque. Minhas mãos
tremiam. Ele apontou para uma mesa próxima, me mostrou a mulher e a
filha, uma bebezinha de colo. Me contou que desde o momento que
descobriu que seria pai de uma menina não parou de pensar no que fez
comigo e me pediu perdão.
— Aquele desgraçado — resmungou entredentes. — Espero que
tenha mandado ele enfiar no cu.
— Não consegui dizer nada. Nada mesmo. Quando ele voltou
para a mesa onde estavam a esposa e a filha, saí apressada para o banheiro,
com o choro engasgado na garganta. A mulher dele foi atrás de mim, me
abraçou e chorou comigo. Foi tão estranho, Duna. — Meneei a cabeça.
— Antes de sair, ela me contou que o nome da bebê é Vida.
— É o quê?! — Minha amiga arregalou os olhos.
— Igor pôs meu nome na filha — murmurei, exalando um
suspiro longo. — Como eu deveria me sentir sobre isso? Como posso
perdoá-lo se... — Minha voz falhou.
Duna inclinou-se para frente e me abraçou.
— Depois que o reencontrei — continuei quando me recompus,
desfazendo o abraço —, me sentia encurralada em todo lugar. Se as
pessoas riam ou me olhavam, eu achava que elas sabiam sobre mim, e aí
vieram os ataques de pânico. Maio e junho foram meses terríveis, eu não
saía do quarto de hotel se não fosse a trabalho. Minha psicóloga achou
melhor voltarmos a duas sessões semanais, e foram meses até que eu
conseguisse me sentir confortável no meio de outras pessoas.
Duna envolveu minha mão, entrelaçando nossos dedos.
— Há uns dois meses tudo parecia estar sob controle e eu sentia
falta de estar com alguém. Nem sempre era divertido brincar sozinha.
Até cogitei pagar um garoto de programa. Se tivesse um ataque de
pânico, não precisaria me explicar, apenas o dispensaria, entretanto, falar
disso na terapia me fez desistir. Sexo por sexo não funciona para mim, é
esse o motivo de eu não conseguir levar um relacionamento adiante.
Qual sentido teria me submeter ao que me gera níveis estratosféricos de
insegurança e ainda pagar para isso?
Decididamente, foi a pior ideia que eu poderia ter tido.
— Então — prossegui —, antes de arrumar mais um trauma para
minha coleção, optei por esperar pelas férias, quando não teria outras
preocupações em mente e poderia dispor de um tempo maior para
conhecer e me envolver com alguém.
— Por que não me contou, Vida?
— Nossas conversas eram um dos poucos momentos onde eu
esquecia o desastre que é a minha vida — envolvi a mão que repousava
em sua perna, entrelaçando nossos dedos —, eu precisava que
continuasse assim.
— Naruto, quem deixou você dormir no meu travessero? —
perguntou Malika, parada na porta do quarto, batendo o pezinho no
chão, com os braços cruzados, toda afrontosa.
Não me aguentei com a pose, dei uma risada, e Alec foi no
embalo, me fazendo rir ainda mais.
Malika olhou-me por cima do ombro.
A revirada de olhos me quebrou.
— Foi o Leleco — disse entre risos, apontando para o pequeno
que eu trazia no colo.
— Pa-aaa — respondeu Alec, agarrando minha mão para mexer
no relógio.
— Eu não, cara. — Balancei a cabeça em negativa enquanto
Malika ria.
— Ba-paaa...
— Foi você, rapá — falei, caminhando para o quarto.
— Se o Naruto não deixar eu dormir — comentou Malika,
virando-se de costas para o quarto —, é bom que você não pode ir
trabalhar.
— Malika Valentinne — meneei a cabeça —, nós temos um
combinado.
— Mas você vai trabalhar amanhã de novo, papai — resmungou,
emburrada.
— Faz um tempão que eu e você sentamos e fizemos o
calendário com os dias que o papai ia trabalhar e os dias que vocês iam
dormir na vovó — relembrei a ela, percorrendo o corredor. — A gente
falou tanto sobre isso, Pandinha.
Malika abaixou os olhos e começou a cutucar o canto do polegar.
Os ombros e o tórax se elevavam em curtos intervalos de tempo,
denunciando a respiração irregular. Ela lutava contra o choro e aquilo
ainda era pior do que vê-la chorando.
Dei os passos restantes e envolvi Malika com o braço livre. Ela
abraçou-me pela cintura, as mãos agarrando-me com firmeza.
— O coraçãozinho da gente tem dias que fica cheio de vontade
de ficar de grudinho, né? — Alec não ficou de fora da conversa. — O do
papai fica assim, o do Alec também fica? — Olhei para ele, dando-lhe
um sorriso e incentivando os balbucios. — E o da Mali? — Afaguei as
costas dela. — Também fica?
Balançou a cabeça, sem afastar-se.
— Não vou poder te abraçar quando chegar no um —
murmurou com a voz chorosa.
Nunca passei a virada de ano longe dela, e era um péssimo ano
para que fosse o primeiro, contudo, eu tinha fechado o contrato antes
que tudo acontecesse. Movi minha mão para sua cabeça e agachei-me
diante dela.
— Réveillon é pras famílias ficarem juntinhas, papai. — Fungou.
— Você está certa, Mali. — Alisei seu rostinho, secando as
lágrimas que corriam pelas maçãs do rosto. — Desculpa o papai, amô. —
Alec ergueu a mão e tocou a cabeça da irmã, fazendo carinho. — Acho
que o Alec estará dormindo na hora do um — falei do jeitinho dela —,
mas a vovó vai te dar um abraço bem gostoso e o papai vai dar um jeito
de falar com você, tá bom? Vai ser bem rapidinho, só vou conseguir te
mandar um beijinho.
— Promete?
— Prometo. — Ergui o dedo mindinho.
— Tá bom. — Entrelaçou o dedo no meu.
— Agora vamos ver se o Naruto saiu do seu travesseiro?
— Vamo! — Dei um beijinho na testa dela e levantei-me. — O
Naruto tá bem de boa dormindo, papai — disse ao entrar no quarto. —
Naruto, esse é meu travessero, sai daí.
— Baaa... eei-paaa-da... — respondeu Alec.
— Você precisa conversar com o Naruto, Leleco. — Entrei no
cômodo. — Se o Naruto dormir no travesseiro da Mali, onde ela vai
dormir? — continuei conversando com Alec.
— Eeeei-daaa... nana.
— Isso, não pode. — Desci Alec para o colchão ao entrar no
quarto. Ele não esperou um segundo, saiu engatinhando. Malika estava
sentada com as pernas cruzadas, junto ao travesseiro. — Naruto, que
folga é essa? — perguntei em um tom sério. Ele esticou as pernas, se
espreguiçando, nem aí para mim. Alec sentou-se e levou a mãozinha até
o gato, acarinhando-o. — Fala ao Naruto que não pode dormir aí, Alec.
Meu pequeno balançou a cabeça de um lado para o outro.
— Naaa... nanana.
— Já sei — comentei, percorrendo a lateral do colchão —, o
Naruto quer que o papai o coloque para dormir também. É muito
manhoso esse Naruto, viu?!
— Eu pod... po-posso colocar, papai? — Malika moveu os olhos
para mim.
— Pode, amô.
— Vou levar o Naruto pra cama dele, Alec — disse, afastando a
mão do irmão.
— E o Alec vem para o papai. — Deitei-me no colchão. — Cadê
o meu Ursinho? — Abri os braços, esperando-o.
Malika pegou o Naruto e saiu do quarto fazendo cafuné na
cabeça do gato. O pilantrinha adorava um dengo. Alec veio risonho para
mim. Entretanto, ao invés de deitar em meu tórax, me abraçando, ele
montou no meu abdômen para brincar.
— É hora do soninho, Leleco.
Ele se inclinou sobre o meu tórax e fez a imitação de rosnado
mais fofa do mundo, com os toquinhos de dentes à mostra.
— Iaaaah — repetiu o som.
Eu não ia cair nesse papinho, né?
Claro que nã...
— Rrrrrr... — rosnei para ele, projetando a cabeça para frente.
Alec deu uma gargalhada. — Rrrrr...
— Rrraaaa... — Alec olhou para trás ao ouvir a irmã. — Vou
pegar o Alec — disse Mali, pulando no colchão. — Rrrrraa...
Alec pinotou em meu abdômen, se derretendo em risadas.
— Rrrrr... — Fingi que ia agarrá-lo.
— Rrraaa... — Malika se jogou ao nosso lado, fazendo garras com
as mãos para o irmão.
— Iaaah. — Alec moveu a mãozinha para Mali.
— Rrrrrr... — Passei um braço em volta dele e me virei,
derrubando-o no colchão, ao lado da irmã. — Rrrrr... — rosnei para os
dois, terminando o ataque com beijos nos cabelos. — Agora vocês
precisam dormir. O papai vai fazer o que depois, Mali?
— Tocar música até o sol nascer.
Pisquei para ela.
— E quem vai dar o mamá quando o Alec acordar com fominha?
— Olhei para ele. — É o papai?
— Paa... tataii...
— O papai vai sair quando Alec e Malika dormirem e volta assim
que o sol nascer, tá bom? Pra gente tomar café juntinhos.
Eu me sentei no meio dos dois e fiz cafuné em seus cabelos até
adormecerem. Então, me levantei com cuidado para não os acordar,
ativei a babá eletrônica e encostei a porta do quarto ao sair.
Encontrei minha mãe na varanda, sentada numa poltrona, lendo.
Cheguei por trás dela, envolvi seus ombros, dei um beijo na maçã do
rosto e lhe entreguei a babá eletrônica.
— Quem era a garota bonita de ontem? — Arqueou a
sobrancelha.
— Povo fofoqueiro do caralho! — murmurei, perplexo, e minha
mãe riu da minha cara. Sentei-me na poltrona ao lado. — Quem te
contou? — Rocei as pontas dos dedos no maxilar.
— As meninas da loja.
— Pensei que elas recebiam para vender, não para fofocar da
minha vida — resmunguei.
— Era segredo, Arion? — Minha mãe deu um sorrisinho de
canto.
— Não tem razão para ser segredo, dona Ana. — Dei de ombros.
— O que falaram, hein? — perguntei um segundo depois.
— Não lembra mais o que fez ontem? — Ela deu uma risada.
— Mas é aí que tá — sacudi uma mão no ar —, não fiz nada para
estarem fofocando.
— Meu amor, você está solteiro pela primeira vez desde a
adolescência — minha mãe meneou a cabeça, com um sorriso divertido
nos lábios —, a vila inteira está interessada em você, Arion.
— Menos, mãe.
— Uns querem te dar uns amassos, outros querem acompanhar a
disputa para sentar no colo do papai gato.
— Mãe! — Fiz uma careta.
— Soube que é assim que andam te chamando por aí.
— Não zoa, mãe.
— Papai gato — disse entre risos.
— Isso é ridículo — falei, prendendo o riso.
— Também acho. — Ela me olhou. — Deveria ser o papai mais
gato do mundo.
Dei uma gargalhada.
— Tá bom, vovó mais gata do mundo. — Levantei-me, me
aproximei dela e dei um beijo em sua cabeça. — Preciso ir, mãe.
Suspendi um braço e iniciei a contagem regressiva.
— Dez, nove, oito...
A cabine de som tinha um formato circular e ficava no canto
direito da varanda do segundo pavimento. Eu tinha uma visão total do
dance floor e do mar, e às minhas costas se via parte do mar e rochedos.
— Sete, seis — continuei, na companhia de um coro de vozes e
braços erguidos. — Cinco, quatro... — Sentia a vibração absurda do grito
da galera. — Três... — Martelei o punho no ar. — Dois... um!
Sob uma chuva de papel picado, o dance floor explodiu com o
drop. Fogos pirotécnicos coloriram o céu. Não havia estouros, apenas a
música fluindo pelos ares. A batida insana transcendendo as nuvens,
navegando pelas águas do oceano.
— Feliz Ano-Novo, galera! — Coloquei o microfone na mesa.
Para onde quer que olhasse, havia beijos e abraços.
— Diz oi, papai.
Girei rápido ao ouvir o Apollo. Tinha combinado com ele e Zac
para que um dos dois ligasse para minha mãe pós-virada de ano. Apollo
apontou para Zac, a alguns passos de distância, e ele estava em uma
chamada de vídeo com Malika, mostrando a cabine de som.
Levei as mãos às conchas do headphone, pendurando-o no
pescoço, enquanto Zac trazia o celular para que eu pudesse falar com ela.
— Monstuoso! — Malika gritou, sorrindo de orelha a orelha,
conversando com o meu amigo.
Nos últimos meses, quase todas as trocas ou omissões de letras
foram deixadas para trás, mas aquela permanecia, e eu sentiria uma falta
absurda quando ela parasse de falar assim.
— Te amo muitão, papai! — Foi a primeira coisa que me disse.
— Te amo mais! — Uni as mãos e soltei um beijo.
— Detona, papai! — Malika mandou um beijo no ar.
Pisquei para ela, sorrindo, e dei tchau.
Recoloquei os fones, virando-me para frente. A adrenalina corria
a mil por meu corpo. Retirei o grave do canal um e subi o do três,
substituindo a track da vez. Joguei a cabeça para trás, sentindo a música
pulsando em cada batimento do meu coração.
Quando movi os olhos para o dance floor foi como se todas as
luzes tivessem se voltado para a garota dançando de olhos fechados, com
um sorriso lindo nos lábios. As lindas madeixas acobreadas se espalhavam
por todos os lados. Minha mente voltou para a noite que a vi pela
primeira vez e meu coração meteu um grave.
Movi os olhos para longe dela, vagando-os pelo dance floor.
Não por muito tempo.
Ela vestia um conjunto branco de crochê, com uma saia curtinha
e um cropped com um decote que... PUTA QUE PARIU! Como se
pudesse ler a porra dos meus pensamentos, ela escorregou as mãos pelo
tronco, subindo-as até os peitos perfeitos e descendo-as para os quadris,
balançando o corpo, totalmente entregue à música.
Inclinei a cabeça, apoiando a concha do headphone no ombro
para ouvir o canal de fundo, e no segundo que entrei com um sample[37]
em cima da track principal, meus olhos buscaram-na.
Vida fez uma volta perfeita, com os braços para cima, rebolando
os quadris. Umedeci os lábios, secando o par de pernas esculpidas. Taiti,
Indonésia, Fiji ou Havaí... Nenhuma de suas ondas eram mais perfeitas
do que as curvas do corpo dela.
Inferno de mulher gostosa!
Voltei-me à controladora, fiz a troca do canal principal, e quando
meus olhos insistiram em voltar para ela, os desviei para o mar.
Novamente, não durou muito.
E ainda fui pego em flagrante.
Seus olhos encontraram os meus e um daqueles sorrisos que um
dia eu quis tanto que fossem para mim dançou em seus lábios.
Arion me lançou um sorriso safado e tímido na mesma
proporção, e voltou a atenção aos equipamentos à sua frente.
Foram mais duas horas de trocas de olhares. Mais duas horas de
um set envolvente e imprevisível, indo da suavidade de uma melodia, que
fazia meu coração bater mais forte, à brutalidade de uma batida que
parecia rasgar minha alma. Foi, sem dúvidas, um dos melhores sets em
que estive.
Meu plano de ir falar com ele não deu muito certo. Um grupo de
dezenas de pessoas o cercou, pedindo autógrafos quando encerrou o set.
Imaginei que depois de quatro horas tocando, ele devia estar maluco para
comer e beber alguma coisa, ir ao banheiro ou apenas se sentar no
camarim e descansar um pouco, portanto, não ia segurá-lo por mais
tempo.
— Esqueci a porra da carteira — resmungou Pietro ao meu lado,
surgindo do além. Havia vários minutos que ele tinha saído agarrado
com uma garota. — Preciso de camisinhas.
— Só tenho duas. — Deslizei a plaquinha Prada, folgando o
cordão da minha mini bucket, e puxei um preservativo.
— Te dou uma — comentou Duna, estendendo o involucro para
ele. — E fico com duas para garantir a trepada, vai que a primeira
estoura.
— Toma. — Entreguei a ele.
— Mais uma aqui — Antonella estendeu outro.
— Valeu! — Ele enfiou os preservativos no bolso da frente da
calça. — Cadê os outros?
— Kimi — apontei para um lado —, Caíque. — E para frente.
Ambos estavam acompanhados. Kimi conversando e Caíque se pegando
com um cara. — Louie foi dar uma volta.
— Nenhum arrombado mexeu com vocês não, né?
— Não, Pê — respondeu Antonella.
— Ele fala logo grosso. — Duna abraçou meu irmão pela cintura.
— Palhaça. — Ele riu, descansando o braço no ombro dela. — É
quanto tempo de intervalo? — Pietro olhou para a cabine de som.
— Meia hora, eu acho — disse Antonella.

— Oi. — A voz grave e inconfundível sussurrou em meu ouvido,


provocando o serpear de um arrepio por minha coluna.
Belisquei o lábio e virei-me. Arion trazia no rosto um sorriso de
canto. Abri a boca para cumprimentá-lo, no entanto, terminei por
fechá-la de volta em uma mordida, reprimindo o suspiro que ele me
roubou. Beirava à obscenidade o quanto ele ficava lindo sorrindo.
Continuei dançando, como fazia quando se aproximou,
enquanto me perdia em seu olhar. Passou, talvez, um minuto, até que
ele trouxe as duas mãos à minha cintura e debruçou-se em meu ombro.
— Não sei dançar — falou-me ao pé do ouvido, o hálito
mentolado continha uma leve nota alcoólica.
— Tudo bem — respondi, aspirando o cheiro gostoso em seu
pescoço, e aproximei meus lábios do seu ouvido. — Você fica ainda mais
gato tocando. — Escorreguei os braços por seus ombros, cruzando-os
atrás de sua cabeça.
— Pigando suor? — Ele riu. — Você tem um gosto estranho. —
Terminei por rir também. — Se eu soubesse não teria trocado de roupa
no camarim. — Uma risada alta escapou-me. Arion afastou-se poucos
centímetros e olhou em meus olhos. — Você é linda. — Ele meneou a
cabeça, arranhando o lábio com os dentes, e se inclinou novamente em
meu ombro, retornando ao meu ouvido. — Tá a fim de sair daqui pra
gente conversar mais de boa?
— Só vou avisar aos meus amigos — removi meus braços dos
ombros dele —, um minuto.

Nós atravessamos o dance floor e adentramos o espaço na


extremidade oposta, onde havia uma varanda lateral com vista para as
praias do Posto 5, parte do Posto 4, Ilha do Sussurro e um pedacinho da
Ilha dos Capitães. Nas próximas semanas passaria alguns dias lá, curtindo
o Anéis de Saturno, um dos maiores festivais de música eletrônica do
mundo.
Descemos um lance de escadas e fomos para a varanda logo
abaixo, no mezanino. Ali podíamos curtir a música e conversar com
privacidade. Sentamo-nos em um sofá way na parte posterior da varanda,
era o único onde não havia ninguém.
Como a minissaia de crochê que eu usava era com ponto vazado,
revelando a hotpants branca que vestia por baixo, priorizei me sentir
confortável e sentei com as pernas cruzadas em cima do acolchoado
branco. Puxei a alcinha da mini bucket por minha cabeça, segurando
meu cabelo de lado para não embolar na correntinha, e pus a bolsa ao
meu lado, onde também deixei o celular.
Arion sentou com uma das pernas dobradas sobre o sofá e a outra
tocando o chão. Ele estava de bermuda de sarja bege claro, Nike Air
Force branco, e havia trocado a camisa bege combinada com uma
camiseta branca, que vestia enquanto tocava, por uma camisa branca
com metade dos botões abertos e as mangas arregaçadas nos cotovelos. E
como em todas as vezes que o vi, ele usava acessórios diversos. Amava a
estética e harmonia das peças que ele combinava.
— Tenho que comentar sobre o set. — Trouxe uma almofada
para meu colo e apoiei os braços nela. O espaço entre sua perna e as
minhas era de centímetros. — Você é genial! O que você fez com o
dance floor... — Abri um sorriso. — Aquilo foi demolição total, cara!
— É bom pra caralho ouvir isso. — O meio sorriso que dançava
em seus lábios se expandiu de um canto a outro, curvando os lábios
grossos em um sorriso de tirar o fôlego. Eu me debrucei sobre a
almofada em meu colo, suspirando. — Obrigado, Vida.
O elogio foi sincero e merecido.
Apenas sorri, me perdendo na profundidade do seu olhar.
Seus olhos...
O sorriso...
Por que eu sentia que o conhecia?
— Você sempre morou aqui? — Afastei a mecha de cabelo que o
vento soprou em meu rosto.
— Nasci no Havaí, em Maui. Morei lá até os oito anos.
— Como foi aprender a surfar nas melhores ondas do mundo? —
perguntei, lhe oferecendo um sorriso largo.
— Foda pra caralho! — Ele riu. — Apanhei muito das marolas
até conseguir deslizar a prancha na parede de uma onda, mas todo dia
saía do mar amarradão. Para o meu pai, surf sempre foi muito mais do
que aqueles segundos em cima da prancha, e foi isso o que ele me
ensinou. Mas como sabe que surfo? — Os olhos estreitaram-se.
— Te segui no Instagram.
— Ouw. — Arion balançou a cabeça. — Eu não vi, de verdade.
— Tudo bem. Como veio parar em Arraial? Sua família é daqui?
— Meus pais nasceram e cresceram na vila. Com dezoito anos,
meu pai decidiu se mudar para o Havaí, porque queria se profissionalizar
no surf. Ele namorava minha mãe há três anos e não queria deixá-la —
seus olhos sorriram —, então a pediu em casamento. Três anos depois eu
cheguei para perturbar o juízo dos dois.
— Conta a fofoca direito — reclamei, furtando-lhe uma risada.
— Onde eles se casaram? — Descruzei os braços da almofada e elevei o
tronco, agitando uma mão no ar. — Seu pai conseguiu ser surfista pro?
— Eles se casaram no Havaí, e sim, ele conseguiu — contou,
sorrindo. — Meu pai era monstro demais! Ele foi campeão do mundo
duas vezes e tem o record de maior onda já surfada, pouco mais de vinte
e sete metros.
— Caramba! — Arregalei os olhos.
— Você já foi ao Havaí?
— Foi por onde comecei as minhas viagens.
Também foi o lugar onde demorei mais. Fiquei um mês em cada
uma das ilhas visitáveis, e pelo ano e meio que se seguiu viajei para
paraísos do surf em todo canto do mundo, em busca de alguém que só
existia em flashes na minha cabeça. Eu era uma adolescente de dezessete
anos que viveu o inferno e se agarrou a uma fantasia de contos de fadas
na esperança de um final feliz.
— Você costuma viajar pra lá? — perguntei logo em seguida.
— Quando era moleque ia bastante. — Ele deslizou os dedos
entre os fios, afastando-os da testa. — Há quanto tempo está viajando o
mundo?
— Seis anos. — Arion arregalou um pouco os olhos, surpreso. —
Você achou que fosse um ano ou dois, né? — perguntei, rindo, e ele
aquiesceu. — Quando saí de casa, o plano era esse. Eu estava com
dezessete anos e não tinha nenhuma ideia do que queria fazer da vida,
nem me inscrevi nos vestibulares. Falei aos meus pais que queria viajar
por um tempo. Na época, eu já tinha um canal no YouTube, onde
postava sobre as viagens que fazia com minha família e amigos, então
decidi expandir o conteúdo para o Instagram, e a partir daí as coisas
foram acontecendo. Em dois anos de viagem eu não dependia mais dos
meus pais para me manter e foi aí que comecei a investir em cursos e
passei a encarar o que eu fazia até então por hobby como trabalho.
— Você é travel influencer?
— E empresária — acrescentei orgulhosa. — Sempre fui
apaixonada por acessórios, e como tive que reduzir meu guarda-roupa ao
estritamente necessário, porque não dá para ficar indo pra todo lado
cheia de malas, eles meio que se tornaram a minha identidade, e isso me
levou a querer peças únicas que tivessem a minha personalidade. Decidi
fazer um curso de design gráfico, desenhei as minhas primeiras peças, e a
cada vídeo e foto recebia milhares de comentários perguntando de onde
eram. Então nasceu a Açucena, minha marca de joias artesanais.
— São peças suas? — Apontou para as pulseiras em meu braço.
— Sim. — Sorri. — Eu desenho e encaminho para o meu ateliê,
onde a equipe produz as joias.
— Você tem um endereço físico, afinal. — Os cantos dos lábios
curvaram-se em um sorrisinho provocante.
— Não que eu esteja pensando em me mudar para o ateliê um
dia, mas, sim — concordei, rindo. — Você toca há quanto tempo?
— Desde moleque. Meu pai dizia que eu me conectava ao mundo
através da música. Se eu não estivesse ouvindo música, estava fazendo
música — ele tinha olhos muito expressivos — com qualquer coisa, o
tempo todo. Eu era super de boa na escola, não bagunçava, nada assim
— Arion meneou a cabeça —, mas o tanto de vezes que meus pais
foram chamados porque eu tava batucando coisa na sala ou fazendo
beatbox... — Jogou a cabeça para trás e rolou os olhos, abrindo um
sorriso largo. — Nossa! — Uma risada dançou em seus lábios. — Meus
pais já sabiam qual era o B.O. quando recebiam ligação da secretaria.
— Você era o crush da escola toda, né? — Ele deslizou a mão na
nuca, meio envergonhado. — Aposto que tinha seu nome rabiscado em
metade dos cadernos e mesas da sala.
— Eu era na minha, pô — argumentou. — A galera que viajava.
— Claro! Você é lindo, era o músico da escola e ainda por cima
fazia o tipo misterioso — ele inclinou a sobrancelha, confuso, e
acrescentei uma explicação ao meu argumento —, meio tímido e na sua.
— Então era isso. — Inclinou a cabeça, franzindo os lábios.
— Ai, garoto. — Esbarrei minha mão em seu ombro, beliscando
o lábio. — Vai, continua, você não terminou de me contar do início da
sua carreira.
— Fofoca completa, hum? — me provocou.
— Yeh! — exclamei, fazendo-o rir.
— Fiz meu primeiro gig aos catorze anos, numa festa da escola.
Depois vieram vários aniversários, casamentos e outras comemorações.
Eu não podia tocar em locais que vendiam bebida alcoólica, mas o luau
acontece na praia — ele elevou os ombros —, é uma balada sem
restrição de idade, então, a organização conversou com meus pais e eles
me liberaram para tocar com uma única condição: tolerância zero para
bebidas e drogas. Se eu fosse pego só uma vez com essas coisas, perderia
não só os gigs no luau, mas também meus equipamentos. Eu tinha
quinze quando entrei no lineup do luau, e toquei novamente aos
dezesseis e dezessete. Fiz uns cursos de produção musical em paralelo ao
terceiro ano, o plano era emendar com uma graduação, eu tinha passado
em um concurso naquele ano para abrir o Ultra Music Festival em
Miami.
— Você ganhou um concurso para abrir um dos maiores e
melhores festivais de música eletrônica do mundo aos dezessete anos? —
Arregalei os olhos.
— Não fui — disse com a voz firme.
— Não importa, você ganhou o concurso — rebati, encarando-o
com os olhos arregalados. Aquilo era uma conquista do caralho.
— Sim — concordou, erguendo sutilmente o canto da boca. —
Não me arrependo de ter desistido do show. Eu estava em um momento
da minha vida que mais importante do que fazer o que amava era ter um
salário fixo no final de todo mês, e a música não me dava isso. Consegui
um trabalho de barback no Tropicana naquela primavera, com um ano
passei a bartender e dois anos depois saí de lá e entrei no Saideira como
DJ residente[38]. Negociamos para que eu ficasse no bar também, porque
preciso trabalhar o restante do ano, e não só na alta estação. Aí é uma
loucura de dezembro a março. Trabalho cinco dias no Saideira, faço um
gig a cada quinze dias no luau e um domingo no mês estou por aqui. —
Olhou ao redor, se referindo ao Solaris.
— E você ainda vai tocar no Anéis de Saturno. — Dei-lhe um
meio sorriso. — Vi no Instagram.
— Imaginei.
— Você é uma das atrações principais de um dos maiores festivais
do mundo. — Arion levou a mãos aos cabelos, um tanto sem jeito. —
Está ansioso?
— Muito! — Riu, nervoso. — Não é minha primeira vez no
Anéis de Saturno, mas é a primeira no palco principal.
— Você vai detonar! Há quanto tempo se apresenta no festival?
Talvez eu já tenha te ouvido tocar.
— Eu tinha dezesseis anos na primeira vez, depois voltei aos vinte
e já somam quatro anos consecutivos.
— A sua primeira vez no palco, foi a minha primeira vez no
festival!

— Você estava no set do DJ Avicii[39]?


— Aquele set foi...
Entreolhamo-nos, sorrindo.
— Épico — dissemos ao mesmo tempo.
O assunto rendeu e descobrimos outros sets incríveis que ambos
assistimos. Ao longo dos anos estivemos por muitas vezes no mesmo
lugar, nosso encontro parecia inevitável.
— Quer beber algo?
— Deixa que eu busco — ofereceu, levantando-se —, espere
aqui.
— Mas a pu...
Ainda estava erguendo o braço com a pulseira de consumação
quando ele me interrompeu:
— Posso te pagar uma bebida? — Um sorriso galanteador se
apossou daquela boca gostosa, me arrancando um riso fácil.
— Obrigada — agradeci, aquiescendo com um aceno.
— O que vai querer?
— Mojito.
— Foi o que me pediu naquela noite no Saideira. — Um sorriso
de lado se espalhou nos lábios grossos.
— Você se lembra? — Mordisquei o lábio. — Se bem que —
ergui um dedo, apontando para lugar nenhum — pedi três drinks
diferentes.
— Esse foi o seu. — Deu uma piscadinha, se virando para sair. —
Volto o mais rápido que puder.
Ai, caralho.
Gato, gostoso e atencioso.
Quando voltei com os drinks, Vida se levantou e recostou-se no
parapeito, bebericando o Mojito enquanto me contava sobre suas
viagens e o dia a dia do seu trabalho.
Tínhamos em comum o fato de as pessoas, no geral, acharem que
vivíamos em estado constante de diversão. Era fácil acreditar nisso
quando não se olhava para o todo. Se eu virava noites debruçado sobre o
setup, estudando e trabalhando em tracks e samples para montar o set
perfeito, Vida estava de pé horas antes do sol nascer, para capturar a foto
perfeita.
Achei interessante que ela tivesse a preocupação de mostrar a
mesma vista a partir de outros ângulos e em momentos diferentes do
dia, porque deve ser frustrante pra caralho viajar para um local por causa
de uma foto que está em milhares de perfis de influenciadores, e quando
chegar lá, não conseguir fazer uma igual, simplesmente porque ninguém
te avisou que aquela foto só é possível em um horário e ângulo
específicos.
Ouvir aquela garota que há sete anos segurei em meus braços
com o coração silente falar sobre todos os lugares onde esteve e todas as
coisas que conquistou nos últimos seis anos era como um antídoto para
as dores que eu trazia em meu coração.
— Dos lugares onde esteve, qual o seu favorito?
— O mar. Não consigo ficar muito tempo sem sentir a água
salgada e a areia sob meus pés. Não importa onde, é no mar que me
sinto em casa. — Ela olhou sobre o ombro, o olhar movendo-se para o
oceano ao longe. — Onde houver mar, é para lá que eu vou.
Eu me perdi nela, no som da sua voz, na melodia de sua risada,
nos cabelos voando contra o vento. Vida era uma tremenda gata,
gostosa pra caralho, mas isso não chegava nem perto de descrever aquela
garota.
— E você, garoto da ilha — um pequeno riso escapou dos meus
lábios —, o que te faz sentir em casa? — Pousou os olhos em mim,
levando o drink à boca.
— Cresci em cima de uma prancha. — Sacudi os ombros,
oferecendo-lhe um sorriso largo. — Pelo menos duas vezes ao ano, meu
pai me levava para um paraíso do surf mundo afora. Surfei ondas incríveis
ao lado dele e de minha mãe, não conheço lugar onde eu me sinta mais
eu do que em cima de uma prancha.
— Vai pensando qual o lugar onde surfou sua melhor onda —
disse, estendendo a mão para que lhe entregasse o copo vazio —, já
volto.
Vida levou nossos copos vazios para uma lixeira, e ao retornar
deitamos os dois no sofá, falando sobre points de surf espalhados pelo
mundo. Surfamos nas mesmas praias em momentos diferentes das nossas
vidas.
O dia clareou e continuávamos conversando.
— Então você morou em um veleiro até os oito anos? — Virei o
rosto para ela. — Viajando de Norte a Sul do país? — Vida voltou-se
para mim e anuiu. Um sorriso se expandiu em seu rosto. — Como seus
pais fizeram em relação à escola?
Aquela era uma preocupação minha quanto às crianças. O
planejamento de carreira que fiz com Letícia para o ano que se iniciava
tinha ênfase no cenário internacional, mas as coisas mudaram
drasticamente na minha vida. Falei para ela que precisava pensar como
faria para conciliar viagens a trabalho com a rotina das crianças.
— Meu pai me ensinava. — Vida olhou para cima, e eu continuei
a olhá-la. Estávamos muito perto, não havia nem cinco centímetros de
distância entre os nossos braços. — Eu tinha um horário para estudar de
segunda a sexta, e era sem enrolação, na hora marcada tinha que sentar
minha bundinha e meter a cara nos livros. — Assisti o riso florescer no
canto dos seus lábios e sorri com ela. — Meu pai até me dava notas, tá?
— disse, olhando-me com um arquear de sobrancelhas. — E se eu não
fosse bem, tinha que repetir a matéria. Mas também quando fiz a prova
de nivelamento para ingressar na escola, me saí super bem.
Vida moveu-se e deitou-se com as mãos sob o rosto.
— É muito tarde para te desejar feliz aniversário?
— Não. — Virei-me, posicionando-me de frente para ela.
— Feliz aniversário, Arion.
— Obrigado, Vida. — Arrastei o dente em meu lábio. — Isso
não foi no Instagram que descobriu.
— Tici me contou. — Deu uma piscadinha.
— Quando é o seu aniversário?
— Dezesseis de julho.
— Já sabe onde vai estar?
— Nem imagino. — Sorriu, dedilhando a frequência cardíaca
com notas musicais tatuadas na lateral do meu braço. — Enchanted.[40]

— Hey, it was enchanting to meet you[41] — respondi com uma


estrofe da música da Taylor Swift. Os olhos verdes se iluminaram e ela
riu, então eu soube que minha inferência estava correta. — O sol já vai
nascer, preciso ir.
— Você não pode ficar para o café da manhã?
— Eu queria — envolvi seus dedos, entrelaçando-os aos meus
—, mas não dá. — Balancei a cabeça em negativa.
— Te vejo por aí?
— Sim. — Aproximei sua mão de minha boca e beijei o dorso.
— Vamos, vou te levar até seus amigos.
Arion pousou a mão em minha cintura e se inclinou, dando-me
um beijo demorado na bochecha. O calor do seu toque percorreu o meu
em ondas calmas. Ele beijou-me do outro lado do rosto e se afastou
minimamente. A mão não se moveu sequer um centímetro e os olhos
buscaram os meus.
— Feliz Ano-Novo, Vida. — Contraiu os dedos e os moveu num
afago delicado.
Um farfalhar dominou meu estômago.
— Feliz Ano-Novo.
Ele deu três passos curtos para trás, andando de costas, com um
sorriso dançando nos lábios grossos e os dedos a deslizarem por minha
cintura, até que a distância impôs o fim do seu toque.
— Tchau.
— Tchau.
Arion deu uma piscadinha e virou-se, levando as mãos aos
cabelos.
Movi os olhos pelas costas largas à medida que ele caminhava para
longe. Logo me lembrei que Letícia comentou que ele tinha uma
tatuagem em todas as costas. Mordisquei o lábio, desviando os olhos
dele, e me voltei para os meus amigos.
— Que cara de brisada da porra — meu irmão comentou entre
risos.
Mostrei o dedo do meio em resposta, mas tinha que admitir, me
sentia um tanto inebriada por tudo o que envolvia Arion, do seu cheiro
à risada rouca que abalava seriamente minha sanidade.
— Quero detalhes — disse Duna, pulando para o meu lado. —
Muitos detalhes.
Agarrei o braço dela e saí, arrastando-a para a varanda da piscina,
ou Pietro ficaria me atazanando.
— Foi o melhor encontro da minha vida — franzi as
sobrancelhas, elevando os ombros e sorrindo ao mesmo tempo — e
nem foi um encontro. Quer dizer, não marcamos nada, eu nem tinha
certeza que ele me procuraria — divaguei, recapitulando as últimas
horas. — Ele não é só gostoso...
— Gato e talentoso — completou Duna, abrindo um sorriso. —
Ele te pegou de jeito, né? Vocês foram para outro lugar?
— Amiga — arregalei um pouco os olhos e balancei a cabeça em
negativa —, nem teve selinho — murmurei entre risos.
— Oie? — Duna arqueou as sobrancelhas, e eu ri mais. — Por
quê? Como? — disparou uma pergunta atrás da outra. — Você teve o
melhor encontro da sua vida com um gato gostoso pra caralho e não
deu um selinho?
— Yeh — respondi, sorrindo. — Ele é diferente de todos os caras
que já conheci, Duna.
— Deixa o Caíque ouvir isso — brincou.
— Mas nem existiu um dia que eu não conheci o Caíque —
comentei, dando risada. Nossa convivência teve início quando éramos
bebês, o mesmo valia para ela e os irmãos. — Eu nunca tinha saído com
alguém que me fizesse sentir que mais do que me levar pra cama,
estivesse interessado em mim — pousei a mão em meu peito —, em me
conhecer de verdade. — Soltei um suspiro. — Além disso, ele citou uma
música da Taylor — contei, eufórica.
— Aí ele pegou pesado!
— Eu mencionei primeiro, mas não achei que ele fosse pegar a
referência, quase tive um treco quando me respondeu com um trecho da
música.
— Onde será o próximo encontro? — Sorri de canto, animada.
Neguei com a cabeça. — Ah, não, Vida! Vocês não marcaram de novo?
— Eu pensei em sugerir algo, mas ele não está de férias, Duna. A
gente tá na alta temporada, ele trabalha no Saideira, aqui, no luau e tem
toda a parte off de ser um DJ. Ele tá se preparando para tocar no Anéis de
Saturno...
— Você já me convenceu — respondeu, resignada.
— Viu?! — Meneei a cabeça. — Achei melhor esperar que a
gente se encontre por aí ou que ele tenha um tempo livre e me chame
para sair. Ele não pediu meu número, mas o segui no Instagram.
— E sempre temos o Saideira. — Minha amiga deu uma arqueada
de sobrancelha, exibindo um sorriso sugestivo.
— Vocês ficaram conversando todo esse tempo? — Apollo saltou
no banco de trás do buggy.
— Conta outra. — Zac riu. — Vocês estavam quase se beijando
na pista.
— Por que eu ia mentir, porra? — Empurrei o case no colo de
Apollo.
— Passa um creminho nas mãos para não fazer calos — disse Zac,
enfiando só a cabeça dentro do buggy e dando um sorrisinho sacana.
— Se foder, Zac! — Ergui o dedo do meio enquanto Apollo ria.
— Entra logo aí — falei, rindo.
Ele ocupou a poltrona ao meu lado e estendeu minha mochila
para que Apollo a colocasse no banco de trás.
— Bem que você podia falar com ela para apresentar os amigos,
né? Cada gosto...
— Só se for pra você — retrucou Apollo, o bom humor
desaparecendo em um piscar de olhos.
— Qual o seu B.O. com o cara? — Olhei para ele pelo retrovisor,
dando partida no buggy.
— Que B.O.? Que cara? — perguntou Zac, se movendo no
assento para ficar de lado. — Por que eu não tô sabendo de nada?
Ri do desespero de Zac para ficar por dentro da fofoca, o que me
lembrava de Vida. Eles se dariam bem.
— Não tem B.O. nenhum, só não quero papo com ele — disse
Apollo.
— Ele quem, caralho? — inquiriu Zac. — Vocês vão ficar de
segredinho, é?
— O único com segredo é o Apollo — comentei. — Eu também
não sei de nada.
— Sabe mais do que eu — protestou Zac. — De quem vocês
estão falando?
— Um amigo da Vida — respondi.
— Qual deles?
— Dá pra mudar de assunto? — resmungou Apollo.
— Tá, mas eu preciso saber quem é. Não quero talari...
— Não tô nem aí se quiser foder com ele, Zac! — bradou
Apollo.
Não podia ficar mais óbvio que as palavras que saíram de sua boca
eram uma grande mentira. Apollo era a leveza em pessoa, estava sempre
brincando e sorrindo, nunca levava nada a sério demais. Eu nunca o tinha
visto com mágoa de ninguém, ou com raiva, por isso sabia que mesmo
que quisesse não se importar, o que quer que tenha acontecido ainda o
afetava.
Zac ergueu as mãos em sinal de rendição e voltou-se para frente.
— Louie. — O murmúrio vindo do banco de trás me fez olhá-lo
pelo retrovisor. — Nunca contei a vocês o que aconteceu porque foi na
mesma época que Marcela descobriu a gravidez, e isso era mais
importante. — Apollo deitou a cabeça no encosto do sofá, desviando os
olhos para a estrada de coqueiros à nossa volta. — Eu só queria esquecer
que um dia o conheci.
— Não disse aquilo para te provocar — comentou Zac.
— Eu sei.
— E que merda é essa de mais ou menos importante? —
perguntei, um tanto quanto indignado. — Não existe isso, porra! A
gente sempre se apoiou em tudo, Apollo. Você esteve lá para mim
quando meu pai morreu, quando a Marcela engravidou, quando ela me
deixou; e para o Zac em todas as vezes que o pai dele foi um bosta.
— Não foram poucas — acrescentou Zac.
— A gente também tá aqui para você, brother.
— Mas não tem como adivinhar o que tá rolando.
— Então quando tiver algo acontecendo — olhei de relance para
trás, ele tinha se voltado para frente —, abre o verbo, oh, caralho!
Assentiu, oferecendo-me um meio sorriso.
— Sobre aquele babaca — bufou, irritado —, é passado e quero
que continue assim.
— Ok. — Acenei em concordância. — Vocês não vão acreditar
de quem Vida é amiga. — Mudei o rumo da conversa para que Apollo
não se sentisse pressionado a falar.
— Quem? — inquiriu Zac.
— Letícia — respondi, sem desviar os olhos da direção. — Elas
são amigas de infância, mano.
— Será que elas vão dividir a casa na Ilha dos Capitães? —
comentou Zac.
— É provável que sim. Vida vai ficar lá durante o festival, e acho
que a Letícia também.
— Você vai convidá-la para ficar no palco? — perguntou Apollo.
— Não. — Movi a cabeça em uma ênfase exagerada. — Isso me
deixaria mais tenso do que estou.
— Por que está tenso? — Zac quis saber.
— É minha primeira vez no palco principal, vou tocar para uma
caralhada de gente, ainda tem o lançamento da track e as crianças... —
Apertei minhas mãos no volante. — Não estarei em casa para colocá-los
para dormir e também não estarei quando acordarem. Mali reclamou por
eu ter trabalhado ontem e hoje. Não sei como eles vão sentir minha
ausência, e isso tá me enlouquecendo.
— Você vai conversando com eles daqui pra lá — disse Zac.
— Mesmo que estranhem que você não esteja quando
acordarem, eles estarão com sua mãe, e dentro de algumas horas você
estará em casa. Vai dar tudo certo, brother.
Entreabri a porta do quarto, olhei as crianças dormindo e voltei a
encostá-la. Naruto havia levantado assim que pisei os pés em casa e me
seguia para todo canto, se roçando nas minhas pernas.
Busquei uma roupa na mochila que deixei na sala e entrei para o
banho. Naruto deitou no tapete em frente ao box e ficou me esperando.
Quando saí, coloquei a ração do dia para ele, o deixei comendo e fui para
o quarto, assim pegaria Alec logo que acordasse e minha mãe poderia
dormir um pouco mais.
Eu me deitei na beirada do colchão, ao lado de Alec, e cochilei
que nem vi a hora. Despertei com ele me abraçando.
— Bom dia, Leleco — disse baixinho.
Alec deitou a cabeça em meu tórax.
— Papa. — Alec trouxe a mão ao meu rosto. — Papa — repetiu,
dando um sorriso manhoso.
Um drop insano ecoou em meu peito.
— É o papai? — Afaguei seus cabelos, afastando-os de seus olhos.
— Papa... Papa-pa... — balbuciou, acarinhando meu rosto. —
Papa.
O sorriso não cabia mais em meu rosto e transbordou em
lágrimas.
— O papai ama muito esse Ursinho. — Mantive o tom de voz
baixo para não acordarmos a Malika.
— Pa... — Alec se levantou do meu peito. — Papa... — Ele se
aproximou do meu rosto e me deu um beijo babado na bochecha. —
Papa... — Os bracinhos agarraram-me e ele encostou o rosto junto ao
meu.
— Que denguinho gostoso, papai. — Circundei suas costas,
envolvendo-o em um abraço. — Vamos tomar banho?
— Aaa... — Afastou-se. — Daaa...
Sentei-me, o trouxe para meu colo e deixamos o quarto após
pegarmos a fralda e roupas limpas. Naruto encontrou-nos no banheiro,
quando estávamos saindo, e nos acompanhou até a cozinha.
Deixei Alec na cadeira para preparar a mamadeira, e em seguida
fomos os três para a sala. Naruto logo pulou no braço do sofá,
observando Alec engatinhar para uma almofada e deitar-se, à espera da
mamadeira.
Quando minha mãe se levantou, eu já estava sentado no chão,
ensinando Alec a descer do sofá. Ela deu um beijo em nossas cabeças e
disse que iria ajeitar o café da manhã.
Mais um pouco e Malika acordou.
— Bom dia, Leleco. — Ela abraçou-me pelo pescoço, por trás, e
inclinou-se sobre meu ombro, dando-me um beijo na bochecha. —
Bom dia, papai.
Alec olhou para a irmã pendurada em minhas costas, deslocou a
mão do sofá para o meu braço e moveu-se para mim. O ciúme andava
em alta por aqueles dias.
— Papa... — disse Alec, prendendo-me em um abraço.
— Ele falou papai! — gritou Malika.
— Papa... pa-pa — Alec prosseguiu.
— Você tá falando, Leleco! — Ela soltou-me e sentou-se
encostada no sofá. — Cadê o papai? — perguntou, brincando com o
irmão, que tinha feito a volta, para espiar para onde a irmã ia.
— Papa... — Ele virou o rosto para mim, quase como se
perguntasse à irmã se não estava me vendo.
— O papai tá aqui, né? — Cheirei o pescoço dele.
— Quando ele vai falar Mali?
— Vamos ter que esperar para descobrir. — Pisquei para ela. — E
quanto a você, pode ir tomar seu banho.
— Eu tô meio dormindo ainda, sabia?
Naruto reapareceu ao meu lado, após ter nos deixado para ir atrás
da minha mãe, e subiu no sofá. Quando Alec o viu, agarrou meu braço,
buscando apoio, e refez os passos até o sofá.
— É bom que você acorda — comentei, rindo.
— Nossa, papai! — Malika revirou os olhos. — Preciso lavar os
cabelos, né?
— Se você lavar agora, a gente deixa secar sozinho — expliquei,
olhando para ela. — Se for mais tarde, vamos de secador.
— Tá bom — respondeu, levantando-se. — Vou te gritar
quando for pra desembaaçar.
Transpassei um braço por seu abdômen e a puxei para mim,
dando-lhe um beijinho no rosto.
— Não esqueça de escovar os dentes.
Em poucos minutos a vi entrar no banheiro com as roupas, e
logo em seguida me chamou para desembaraçar os cabelos. Levei Alec
comigo e o coloquei sentado na bancada da pia.
— Passou fio dental? — perguntei à Malika.
— Iiiiii — ela pôs a mão na boca, rindo —, esqueci.
— Fio dental. — Apontei para o armário do banheiro.
Quando terminou com o fio dental, Malika se posicionou na
frente do irmão, impedindo que ele viesse para frente e caísse, e ficou
brincando com ele enquanto eu desembaraçava seus cabelos, separando-
os por partes.
— Pronto. — Dei um beijinho no topo de sua cabeça. — Vem,
Leleco. — Estendi a mão por cima de Malika, levantando-o. — Lava
tudo direitinho — falei, seguindo para a porta do banheiro — e chama o
papai para ajudar a lavar os cabelos, tá?
— Tá — disse, abaixando o short do pijama.
— E como é que se lava?
— De cima para baixo — respondeu, se livrando da camisetinha
do pijama.
— Lavando com cuidado as axilas, pescoço, joelhos e pés. E o que
mais?
— As partes íntimas. Da vuva ao ânus, no meio da nádegas, que é
o nome do bumbum.
— E qual é o movimento que faz?
— De frente pra trás, igual quando enxuga o xixi e limpa o cocô.
— E se alguém tentar tocar aí para fazer carinho ou cócegas,
pode? — Alec pediu para descer do colo e o coloquei no corredor.
— Não. — Malika tirou a calcinha. — O papai e a vovó podem
ver a gente sem roupa na hora do banho e de trocar a roupa, e a médica
pra ver se a gente tá quescendo forte, mas só com o papai ou a vovó do
ladinho.
— E se alguém quiser fazer carinho aí?
— Eu falo que não pode, e depois vou contar ao papai e à vovó.
— E se for um coleguinha da escola, pode?
— Não, e na hora eu conto pra pó.
— O papai e a vovó tocam no pênis do Leleco para lavar porque
ele é um bebê e não sabe tomar banho sozinho, mas pode fazer carinho?
— Não, porque é a parte íntima do Leleco. É diferente da minha
porque ele é menino, e eu sou menina.
— Muito bem, Pandinha. O papai vai encostar a porta, tá?
— Tá, papai.
A enrolação era só para entrar no banho, depois que estava lá, os
frascos de xampu viraram microfones e se deixasse ela não saía mais. Eu
cantarolava no banho às vezes, mas Malika performava! Ela imitava os
trejeitos da Taylor Swift nos clipes, e por Deus que eu não estava
mentindo, mas quando ela cantava Shake it off, até a risadinha era
idêntica, de um jeito assustador e fofo ao mesmo tempo.
Após sair do banho, a deixei se vestindo, e depois ela me chamou
para pentear os seus cabelos. Enquanto eu finalizava as mechas levemente
onduladas, ela cantarolava Love Story.
— “And said: Marry me, Juliet”[42]... — cantei com ela, olhando-
a sorrir mais intensamente. — ...“You'll never have to be alone”... —
Seus olhos voltaram-se para mim pelo espelho e prosseguimos cantando,
aumentando o volume da voz. — ...“I love you and that's all I really
know”. — Cabelo pronto, abaixei-me rápido e abracei suas pernas,
erguendo-a e girando com ela. — “I talked to your dad, go pick out a
white dress”... — Malika abriu os braços, a risada entremeando a estrofe
da música. — “It's a love story, baby, just say yes”.
A desci do colo ao final da música e fomos ao encontro da vovó e
do Alec para tomarmos café da manhã.
A conversa no café girou em torno do que eles fizeram durante a
noite. Malika contou sobre a festa na praia. Minha mãe e as crianças
foram com as mães de Apollo e Zac para o luau de Réveillon. Ao invés
das barracas de costume, na última noite do ano era montada uma
imensa mesa comunitária. Havia música, dança e brincadeiras para todas
as idades. Era divertido, e a maioria das famílias da vila se reuniam lá.
Não houve perguntas sobre o que fiz, deduzi que porque Malika
tinha pré-definido que nas noites que eu saía para trabalhar, era apenas
isso o que eu fazia, e normalmente era.
A manhã seguiu tranquila. Após o café, me deitei no sofá, com
Naruto enroscado no meu colo e as crianças brincando no chão.
— Papai... — Senti o toque carinhoso da minha garotinha em
meus cabelos. — Papai — semicerrei as pálpebras —, vai dormir no
quarto.
— O papai não vai dormir agora, amô — murmurei, alisando o
Naruto.
— Você precisa descansar. — Malika pegou o gato do meu colo.
— Vem, Naruto. — Ela pôs Naruto no chão. — Fica aqui com o Alec,
eu vou colocar o papai pra dormir. — Um pequeno sorriso desenhou-se
em meu rosto. — Vamo, papai. — Segurou em minha mão.
— Mais tarde o papai dorme.
— Agora, papai. — Puxou-me pela mão. — Você é pesado,
papai, tem que me ajudar.
— Deixa eu ver se a vovó... — falei, sentando-me.
— Eu olho o Leleco, papai. — Saiu andando, esticando meu
braço. — Se ele fizer cocô, eu chamo a vovó. — Dei uma risada. — Ela já
tá acabano a lasanha.
— Tá bom — respondi entre risos. — Leleco — olhei para meu
pequeno, que brincava com um livrinho com botões que faziam os sons
dos animais, e ele se virou ao me ouvir —, o papai vai dormir um
pouquinho lá no quarto.
— Tata ia... — respondeu na linguagem dele e voltou a brincar.
— Muuu... — imitou o som que ouviu.
— Pro quarto, papai — disse Malika.
— Vamo lá — falei, dando um passo para acompanhá-la. — O
papai só vai tomar água antes, tá bom?
Eu só queria avisar à minha mãe que iria me deitar, para que ela
ficasse atenta às crianças, sem fazer com que Malika duvidasse da minha
confiança nela.
— E depois cama, mocinho.
— Ok — respondi aos risos.
Eu e Malika fizemos o jantar naquela noite: espaguete de
abobrinha com molho à bolonhesa. Alec super aprovou. As louças
ficaram por minha conta, e quando terminei os encontrei na varanda,
deitados na rede, ouvindo minha mãe contar histórias.
Sentei-me na poltrona e, depois de um dia inteiro, me lembrei de
entrar no Instagram. Busquei por Vida nos seguidores e entrei em seu
perfil. Vida Arpini. Por anos não soube seu nome, mas o sobrenome sim.
Passei os minutos seguintes olhando suas fotos. Deixei os vídeos
para quando eu tivesse sozinho, não queria Malika fazendo perguntas
para as quais eu não tinha resposta.
Depois das histórias, os dois desceram da rede, e Malika buscou
um brinquedo no quarto. Provavelmente eu fazia cara de bobo
enquanto olhava para os dois brincando. Malika ensinava ao irmão os
nomes das formas e cores em inglês antes de encaixarem as peças nos
lugares certos.
— Você a encontrou? — perguntou minha mãe, à meia-voz.
— Sim — olhei para minha mãe, assentindo —, ficamos
conversando até de manhã. — Um riso débil fugiu dos meus lábios em
meio ao farfalhar de um suspiro. — Ela é extraordinária, mãe.
— Você também é.
— Não me sinto assim, mas isso nem é um problema pra mim.
— Meneei a cabeça e direcionei meu olhar para as crianças, metros à
frente. — Tenho tanto medo de fazê-los sofrer. Medo de me deixar levar
por um momento e foder com tudo ainda mais. Mãe — retornei os
olhos para ela —, você acha que a Marcela pode voltar?
— Acho que essa possibilidade não deveria afetar as suas escolhas.
Porque, se um dia Marcela voltar, é ela quem deve lidar com as
consequências da escolha que fez. A sua vida não pode ser uma sombra
da vida dela, meu amor. — Minha mãe afagou meu ombro. — Sei que
sempre fará tudo o que estiver ao seu alcance para que as crianças estejam
felizes, mas pense no que quer para você. — Minha mãe acariciou meu
rosto. — Agora me conte mais sobre a garota extraordinária. Qual o
nome dela?
— Vida. — Sorri para ela. — É a garota que salvei anos atrás, mãe.
Eu pedi para que o tio Joca não contasse à minha mãe, e ele não
contou, entretanto, nenhum segredo fica escondido para sempre. Meses
depois, minha mãe descobriu tudo e tivemos uma conversa difícil, porém
necessária, sobre a morte do meu pai e como ambos nos sentíamos, e
expliquei a ela o quanto o surf me ajudava a transformar a dor em
saudade.
No dia seguinte, quando me levantei para surfar, ela estava me
esperando para irmos juntos. Foi a primeira vez que minha mãe entrou
no mar depois da morte do meu pai.
— Ela o reconheceu?
— Não.
Dormi metade da segunda-feira, e acordei quando eram quase
três da tarde.
Pedi o almoço no quarto e mandei mensagem para meus pais.
Eles provavelmente estavam sem sinal, por isso nem tentei ligar.
Passamos o Natal juntos e eles iniciaram uma nova viagem a bordo de
um veleiro no mesmo dia que vim com meu irmão e amigos para Arraial
do Porto.
Uma olhada no grupo com meus amigos e descobri que eu e
Kimi éramos as únicas que não estavam na piscina. Respondi aos vídeos e
fotos que haviam enviado, dizendo que os encontraria em alguns
minutos, e abri meu Instagram.
Havia avisado aos meus seguidores que estaria de férias. Eu
organizei posts e vídeos curtos com dicas de viagens — desde como
planejar o que levar até sugestões de lugares para ir, separados por vibes e
clima —, e os meus favoritos eram uma série de vídeos sobre diferenças
culturais para postar no feed e reels durante minhas férias. Me programei
para ficar off o finalzinho de dezembro, quando iniciaram minhas férias,
e o mês de janeiro inteiro, somente a partir de fevereiro voltaria a
aparecer no stories, mas, pontualmente, compartilhava um pouco das
minhas férias.
Não estava descumprindo o acordo que fiz comigo mesma de
ficar off, mas queria ver se por acaso havia uma mensagem do Arion. O
que não tinha. Deixei o celular de lado e me levantei para escolher o que
vestir. Nesse ínterim, o meu pedido no restaurante do resort chegou.
Almocei na varanda do quarto, curtindo o sol de final de tarde e a vista
maravilhosa do mar, e depois fui para a piscina.
Eu me sentei na espreguiçadeira ao lado de Antonella. Duna
estava na água, debruçada na borda, e nossos irmãos jogavam sinuca no
salão de jogos externo, em frente à piscina. Passei por eles antes de
encontrar com as garotas.
— Você não vai acreditar — anunciou Duna —, a Antonella
disse que matou mesmo o Enzo.
— AH, NÃO!
Olhei para Antonella indignadíssima. E ela de boas, com seus
óculos escuros, um turbante faixa, com os cabelos caindo para os lados
como uma coroa, e um biquíni verde exaltando as curvas maravilhosas,
com a tirinha da calcinha amarrada à curtininha, desenhando uma asa
delta. Pleníssima. Nem parecia que era a autora desalmada que me fez
chorar rios no final do seu último livro, com a possibilidade do meu fav
ter morrido em um acidente.
— Para, Ell! — Sacudi um dedo no ar, apontando para ela. — Eu
tô shippando o Enzo com a Dominique desde o primeiro livro da série.
— Se for verdade, você é sádica pra caralho, Antonella — disse
Duna.
— Você não tem o direito, cara! Não vou te perdoar se o Enzo
não tiver vivinho da silva no próximo livro.
— Pra que terminar o livro daquele jeito? — inquiriu Duna.
— Por momentos como este — respondeu Antonella aos risos.
— Vaca! — eu e Duna dissemos em uníssono.
— Falta muito para terminar de escrever a sequência? —
perguntei.
— A previsão de lançamento é para o final de fevereiro.
— O QUÊ?! — berramos em coro, Duna e eu.
— Gente, eu lancei o último em dezembro, dia 10 de dezembro.
— Mas eu li em um dia — murmurei em um tom melancólico.
— Eu virei a noite lendo, e quando o dia amanheceu estava com
a cara inchada de tanto chorar — contou Duna. — Isso não se faz, Ell!
— Prometo que o final do próximo é só amor e putaria.
— Você prestou atenção que ela disse o final, né? — pontuei,
olhando para Duna, e voltei o polegar para o lado, indicando a escritora
cretina que eu chamava de amiga.
— Ela vai espremer até tirar a última gota de sangue dos nossos
corações, tenho certeza.
— Meu Deus! — Antonella deu uma gargalhada. — Como vocês
são dramáticas.
— Do que vocês estão falando? — perguntou Pietro, sentando-se
na borda da piscina, junto de Duna. Ele estendeu os braços para trás,
espalmando as mãos no piso e reclinando-se com as mãos no piso.
— Ell disse que matou o Enzo — contou Duna.
— SE FODER, VIU, ANTONELLA! — vociferou meu irmão, e
todas nós gargalhamos.
A conversa passou a teorias sobre o que aconteceria no próximo
livro, as quais Antonella não negava, nem confirmava. Kimi chegou no
meio do papo e uniu-se a nós para tentar arrancar informações de
Antonella, mas sem sucesso. Depois de um tempo, elas decidiram cair na
piscina, onde Caíque também estava, acompanhado por uma garota. E eu
fui com Pietro para o totó[43], ao lado da sinuca onde Louie jogava com
duas garotas.
— Você está bem, né? — perguntou meu irmão, mudando uma
das mãos para a trava do goleiro, bem a tempo de defender o meu chute.
— Sim.
— Você me diria se não estivesse? — Ergueu os olhos, deixando
o jogo de lado e se concentrando em mim.
— Estou bem, P. — Dei-lhe um meio sorriso.
— O DJ foi legal com você?
— Foi — anuí com a cabeça —, ele é um cara incrível.
— Não vou repetir isso pelos próximos cinquenta anos — meu
irmão sorriu torto —, mas você também é incrível.
— Cinquenta anos, Pietro?! Não quer esperar eu estar com um pé
na cova logo não? — reclamei entre risos.
— Se você prefere assim — deu de ombros, rindo —, tudo bem
por mim.
— Te amo, horridículo!
— Eu também te amo, feiosa — ergueu a mão, unindo o polegar
e o indicador —, um pouquinho de nada — provocou-me.
Dei língua para ele, depois olhei para os lados, lembrando onde
estávamos, e Pietro rachando o bico de rir.
— Vamo com isso — rolei as travas, girando os bonequinhos do
totó e atraindo a atenção do Pietro para o jogo —, quero fazer SUP
Yoga ao pôr do sol.
— Vou contigo.
— Então a gente tem que ir logo, porque você é uma lesma
remando, Pietro. Se a gente sair mais tarde, vamos chegar no outside para
ver o sol nascer — comentei, rindo.
— Eu pratico uma vez ou outra, diferente de você! — defendeu-
se.
— Não interessa! Remo muito melhor do que você. — Sacudi os
ombros, dando uma leve empinada no nariz, e ri. — Vou rapidinho no
quarto e te encontro no lobby em dez minutos.
— Vou ligar lá na Argonauts para alugar as pranchas.
— Só precisa alugar a sua, e se quiser pode fechar um pacote por
um tempo maior. Eu e Louie pegamos uma vaga na guarderia, ainda tem
espaço.
— Acho que vou fazer isso, então. Vocês alugaram jet ski
também?
— Louie sim, eu só aluguei as pranchas de SUP e surf. Te vejo em
dez minutos. — Ergui um dedo e apontei para ele. — DEZ, Pietro!
Fui correndo no quarto e troquei o biquíni e o quimono que
vestia por cima por uma websuit[44]. Escolhi um maiô sem mangas, estilo
shortinho, amarrei os cabelos em um rabo de cavalo alto e me
encaminhei para o lobby.
Milagrosamente, meu irmão não havia tropeçado pelo caminho e
caído de boca em alguma garota, e me aguardava. Nós passamos na
guarderia do resort, depois no Argonauts e seguimos para o mar.
Estávamos no Posto 3, a praia de águas mais tranquilas de Arraial
do Porto. Por toda a extensão da praia não havia barracas, bares ou
restaurantes, apenas resorts, hotéis e a maior empresa de aluguéis de
equipamentos aquáticos da ilha — a Argonauts. A extensa faixa de areia
desaparecia quando a maré estava alta, por isso uma plataforma de
madeira cortava a praia de uma ponta à outra, conectando-as às praias
vizinhas e se estendendo em um imenso píer sobre o mar.
Ao retornarmos da nossa sessão de SUP Yoga, eu e o Pietro nos
sentamos no píer e ficamos conversando. Embora nos falássemos quase
que diariamente, não dava para compartilharmos todas as coisas que
aconteciam nas nossas vidas por mensagens ou chamadas de vídeo.
Meu irmão me contou sobre a universidade e as confusões que se
metia por causa de garotas. A última foi ter sido reprovado numa
disciplina simplesmente porque achou que podia se abster de entregar os
trabalhos por estar comendo a professora.
— Bem feito! — Dei uma gargalhada.
— Injusto, isso sim! Eu vou repetir a porra da disciplina e vou
meter um dez naquela desgraça, e ela vai ficar chupando dedo, porque o
meu pau ela não vê mais.
— Não tô me aguentando. — Eu estava chorando de rir. —
Você sabe que tá todo errado, né? — Esfreguei as mãos nos cantos dos
olhos, secando as lágrimas.
— Não errei sozinho — deu de ombros —, ela também tava
toda errada — pontuou, agitando uma mão no ar. — Deu pra mim
porque quis, e comi tão bem que ela queria todo dia — falava sério, e
isso me fazia rir ainda mais. — Não fiz os trabalhos porque estava
ocupado comendo ela, porra!
— Meu Deus, Pietro — murmurei, rindo. — Como o papai
descobriu?
— Contei, né? — Ele riu. — Como que a gente mente para o
papai? — Nós dois negamos com um movimento de cabeça. Mentir para
o papai era impossível, o máximo que eu conseguia era omitir uma coisa
ou outra. — Fui bem em todas as disciplinas, menos nessa, aí na hora
que ele perguntou “o que aconteceu, Pietro?” — meu irmão esfregou a
mão na cabeça —, mandei logo um “então”, suspirei fundo e larguei o
doce[45].
— Eu imagino a cara do papai te ouvindo.
— Quando comecei a falar, eu já sabia que ia me foder —
comentou aos risos. — Ele me deu uma bronca do caralho, aí no final
falou que não ia tirar o carro, nem um mês de mesada, porque isso não
me ensinaria a ter responsabilidade, e que era para esquecer farra de
Carnaval, porque em fevereiro eu trabalharia meio período em um dos
hotéis do Grupo. Tudo o que eu disse foi “sim, senhor”.
— Mas também, que mole da porra, Pietro!
— Eu sei. — Ele deitou-se, cruzando os braços atrás da cabeça.
— Enquanto eu fazia merda, você saiu na lista de mulheres de sucesso do
ano da Forbes. Muito metida. — Pietro riu. — Posso confessar algo?
— Claro, P.
— Às vezes eu queria que você fosse menos perfeita.
— Não sou perfeita, Pietro.
— Você tem vinte e três anos e não depende em nada dos nossos
pais ou do dinheiro deles. Eu não tinha me dado conta disso até ler a
matéria na Forbes falando que você tinha construído um império, e
fiquei orgulhoso pra caralho, porra... Mostrei pra todo mundo na
faculdade. — Ele me olhou, sorrindo. — Mas também fiquei pensando
que, talvez, nossos pais não tenham motivo para se orgulhar de mim. —
Pietro volveu o rosto para frente, desviando os olhos de mim. — Você
tinha a minha idade quando criou a sua própria marca, Vida. Eu ainda
vivo de mesada. Minha profissão é ser herdeiro. Brinco que sou o
novinho da lancha, mas às vezes me pergunto se só sou isso.
— Primeiro de tudo, a gente escolheu trilhar caminhos
diferentes, P. Segunda coisa, e muito, muito importante, o dinheiro dos
nossos pais facilitou imensamente a minha vida. Eu posso dizer que vivi
por dois anos viajando por aí e curtindo uma vida de herdeira — o
comentário fez com que se virasse para mim —, foi isso o que me
permitiu ir de um lugar para o outro sem me preocupar com nada, e foi a
partir daí que minha carreira surgiu. O que está fazendo tem a mesma
lógica — os olhos estreitaram-se, como se não entendesse a comparação
—, você está cursando Hotelaria e curtindo os benefícios de ser um
herdeiro, e quando concluir a faculdade vai começar a trabalhar —
expliquei. — Talvez não vá construir o seu próprio império, porque o
Grupo Arpini já está aí e é uma questão de lógica que venha a assumi-lo,
mas com certeza irá expandir esse império, Pietro. — Anuí com um
movimento de cabeça, enfatizando o quanto eu acreditava nele. — E é
óbvio que nossos pais têm orgulho de você. Eu também tenho! Você é
tão inteligente... Esqueceu de quem foi a ideia que deu origem ao Solaris?
— Meu irmão deu um sorriso orgulhoso. — Você era um moleque,
Pietro, mas nosso pai viu o potencial e fez acontecer.
— Falta mais de um mês, Arion — argumentou Letícia, sentada
ao lado de Zac, no sofá, em meu estúdio. — É tempo suficiente para
você conversar com as crianças e explicar que ficará alguns dias fora.
— Não tenho com quem deixar os dois, Letícia. Meus avós não
têm mais idade para cuidar de duas crianças. Minha mãe tem a loja, só
poderia ficar com eles à noite, durante o dia precisaria de alguém. As
crianças teriam que conhecer essa pessoa e eu teria que confiar nela.
Não... — Me interrompi e olhei para trás ao ouvir o barulho de mãos e
joelhos se movendo apressados pelo chão. — Que soninho rápido foi
esse, Leleco? — Girei a cadeira para a porta do estúdio e o chamei com a
mão.
Alec deu uma risadinha e engatinhou para mim.
— Ele tá enorme! — exclamou Letícia, surpresa.
— Os dois estão — comentou Zac.
Alec se agarrou à minha perna e levantou-se.
— Papa.
— Ai, meu Deus! — Letícia disse em um tom engraçado.
— Vem. — Peguei Alec e o segurei em pé no meu colo.
Girei a cadeira mais uma vez, voltando a ficar de frente para o
sofá. Malika estava na psicóloga, pedi que Apollo a levasse porque queria
conversar com Letícia sem que ela nos ouvisse.
— Ei, Leleco — Zac falou e ele olhou para o sofá, todo risonho.
— Sinto muito, Letícia. Te agradeço por acreditar em mim, por
ter me dado essa oportunidade... — Alec me deu um beijinho na
bochecha.
Olhei para o meu pequeno, sorrindo, e beijei sua cabeça.
— Isso é tão anticontraceptivo — murmurou Letícia, e eu e Zac
rimos.
— Você sabe o quanto eu estava empolgado em poder levar
minha música para tantas pessoas — continuei me desculpando —, mas
as coisas se complicaram.
— Entendo que está vivendo um momento difícil — comentou
Letícia —, sei que está se desdobrando para dar conta de tudo — Alec
pediu para descer e o coloquei no chão —, e quero que saiba que estou
com você nisso. Se destacar nesse meio não depende só de talento, isso
você sempre teve. E é por isso que estou te pedindo para não fechar essa
porta. O festival no México é no final de fevereiro, vamos pensar juntos
numa solução.
— Você trabalhou muito por isso, mano — comentou Zac.
— Se no final de janeiro você falar que é impossível ir, não
discuto — declarou Letícia.
— EEEEE... — Todos olhamos para Alec. Ele brincava com uma
torre de empilhar anéis e bateu palmas, comemorando por ter encaixado
uma peça.
— Parabéns, Leleco! — Bati palmas.
— O titio pode brincar com você? — perguntou Zac, sentando-
se no tapete.
— Ta-a-taaa... — Alec ofereceu um dos anéis para o Zac.
— E se não der? — perguntei à Letícia.
— Eu assumo a responsabilidade por não ter cancelado suas
apresentações e dou meu jeito para te cobrir, ok?
— Quebrei a cabeça pensando... — Olhei para Alec, que ria com
o Zac.
— Deixa que eu penso agora — Letícia interrompeu-me. —
Você tem a palavra final, é claro.
— Ya toparia, mas... — disse Zac.
— Quem é Ya? — perguntou Letícia, animada, não esperando
que Zac concluísse.
— Dadaaa...
— Vamos colocar o amarelo? — Zac respondeu ao Alec.
— Ela trabalha na loja da minha mãe, não dá.
— A professora de Malika? — sugeriu Letícia. — Férias de verão,
um extra sempre cai bem.
— Ela vai casar em março — falei.
— Está às voltas com os preparativos — acrescentou Zac.
— Ok, não vamos desanimar, estou apenas começando a minha
busca. Agora nosso foco é na próxima sexta-feira.
— Estou surtando de ansiedade — confessei.
— Por estar no palco principal ou pela track que irá estrear? —
inquiriu-me Letícia.
— Os dois — disse entre risos. — É diferente de estar em casa e
liberar uma track nova nos canais de streamings. Vou ver a reação da
galera na hora. Não vou pagar de evoluído; se não curtirem, isso vai me
afetar para um caralho.
— Alguma vez deixei que lançasse qualquer coisa menos do que
excelente? — Letícia arqueou a sobrancelha.
— Vai ser demolição total, mano!
— Agora, mudando de assunto... — Letícia sorriu de canto. —
Hoje à noite irei ao Saideira com alguns amigos — ela se levantou do
sofá —, só pra você saber. — Deu de ombros e sentou-se no tapete, ao
lado de Zac e Alec.
Em outras palavras: Vida vai estar no Saideira.
Mordi o lábio, reprimindo um sorriso, e deslizei a mão na nuca.

Era sexta-feira, dia que eu fazia o warm-up[46], tocava até as onze


horas e depois ficava livre para ir embora. A única exceção era quando
precisava cobrir o próximo DJ, o que raramente acontecia, mas, por
precaução, no meu combinado com as crianças, às sextas-feiras eram dia
de dormir na casa da vovó.
Esfreguei a toalha no rosto, enxugando a água que havia jogado
para amenizar o calor. Estava suado, mas não tanto, o warm-up era um
set mais tranquilo, para não queimar a pista para o headline da noite.
Conhecia uma galera que não gostava de ser o primeiro DJ da
noite, porque você não está ali tocando para a pista cheia, mas talvez essa
tenha sido a maior lição que aprendi na residência do Saideira, a
importância do warm-up.
O DJ que abre a noite tem uma imensa responsabilidade, ele
precisa conquistar o público, para que no momento de entregar a pista
ao próximo DJ, ela esteja imersa no clima da noite. Além disso, eu curtia
muito a liberdade que o warm-up me dava de ir aperfeiçoando meus sets.
Pendurei a toalha no ombro e derrapei a mão nos cabelos,
arrumando-os no espelho. Segui para o armário, guardei a toalha e
peguei o celular. Nenhuma mensagem da minha mãe, o que significava
que tudo estava em ordem com as crianças. Enfiei o aparelho no bolso
da calça, tranquei o armário e retornei ao dance floor.
Em quatro anos tocando no Saideira nunca fiquei após meu set.
Mas hoje eu ficaria.
Parei junto à cabine de som e cumprimentei a Raína, a DJ
residente que comandaria a pista pelas próximas horas, e vagueei o olhar
buscando por Vida. Não a encontrei, mas avistei Letícia. Pensei que Vida
estivesse sentada nas cadeiras ao fundo e encaminhei-me à mesa onde
Letícia e os amigos estavam, no entanto, me enganei quanto à Vida. Ela
não estava, percebi quando estava próximo demais para voltar atrás e eles
já haviam me notado.
Pelo menos eu conhecia a Letícia.
Inspirei com força e soltei o ar devagar, entrando na persona do
bartender comunicativo e do DJ descolado. Por mais que parecessem ser
opostos a mim, eles não estavam tão distantes assim da minha essência,
eu era eles quando estava com meus amigos.
Ou depois de dois martelinhos de tequila.
— Boa noite — cumprimentei a todos, sem deter o olhar em
ninguém.
— Boa noite. — Um coro de vozes soou em resposta, e todos os
olhares voltaram-se para mim.
— Quero o remix de Sweet Dreams na minha mesa — disse
Letícia, abaixando a taça com o drink. — Ficou do caralho!
— Te envio até a próxima semana, ainda quero fazer uns ajustes.
— Perfeito! Vou dar entrada na negociação dos direitos autorais.
— Senta aí, cara. — O irmão de Vida, que eu não recordava o
nome, apontou para uma cadeira.
Acenei para ele, puxei a cadeira e me sentei.
— Você ainda não conhece o pessoal, né? — perguntou Letícia.
— Não.
— Kimi, Pietro... — Letícia apontava para cada um.
— Já fomos apresentados — disse o irmão de Vida.
— Caíque, Antonella e Louie. — O último era o cara sentado ao
meu lado, o caso mal resolvido do Apollo.
— Como vocês se conheceram? — Caíque perguntou, apontando
de mim para Letícia.
— No luau, dois anos atrás. Ela me procurou no final do set, se
apresentou e perguntou onde podia me ver tocar de novo. Na mesma
semana ela estava aqui.
— Marcamos de almoçarmos no dia seguinte e desde então
gerencio a carreira de DJ e produtor mu... — mãos cobriram meus olhos
enquanto Letícia concluía a fala — ...sical do Arion.
Ergui minhas mãos instintivamente e envolvi seus pulsos,
inclinando a cabeça para trás.
— Você está linda.
— Você está de olhos fechados. — Ela riu.
— Você é sempre linda. — Vida demoveu as mãos dos meus
olhos, me permitindo vê-la. — Oi.
— Oi.
— Quer ir para outro lugar?
Ela assentiu, sorrindo.
Soltei seus punhos e abaixei a cabeça, me retirando da mesa.
— Eu a trago de volta ao amanhecer — avisei ao seu irmão, já
segurando em sua mão.
— Ele é o caçula, tá? — disse Vida, rindo e apontando para a
mesa atrás de nós.
Arion me levou por dentro do Saideira. Eu não tinha noção do
quão grande era o espaço físico do bar. Nós passamos por alguns
corredores e adentramos a cozinha. O pessoal foi super simpático,
sorriram e nos cumprimentaram, e eu deveria ter sacado aí que ele tinha
planejado o encontro.
Ah, sim, eu ia chamar de encontro!
Nós saímos numa varanda com piso e guarda-corpo em madeira,
na parte de trás. Havia uma mesa em um dos cantos, à luz de velas, e eu
nem por um segundo cogitei que fosse para nós.
— Acho que estamos atrapalhando os planos de alguém —
comentei, virando-me para ele.
— Acho que não. — Um sorriso brincou em seus lábios.
Uma melodia vibrante espalhou-se pelo ar, distante o bastante
para que não roubasse a cena.
— Mas... — Indiquei a mesa e foi só então que minha ficha caiu.
Volvi os olhos para ele de novo. — Você fez isso? — Arregalei os olhos,
e não foi pouco.
Arion aquiesceu e me conduziu até a mesa.
— E se eu não aceitasse ir para outro lugar? — perguntei após
segundos boquiaberta, volvendo os olhos para ele.
— Eu estava disposto a correr o risco. — Seu sorriso trouxe um
suspiro aos meus lábios.
Arion puxou a cadeira para que eu me sentasse.
REPITO: ELE PUXOU A CADEIRA PARA QUE EU ME
SENTASSE.
Eu nem tinha certeza se algum dia um cara puxou a cadeira para
mim.
Meu Deus, por que a gente aceita tão pouco?
— Você está com fome?
— Sim.
— Espera um minuto, já volto — disse e saiu.
Estava tão absorta que sequer olhei para onde foi, mas ele não
demorou a voltar empurrando um carrinho de restaurante.
— O drink é uma sangria tropical, com vinho branco doce e rum
de coco — disse, dispondo a jarra e as taças decoradas com fatias de
laranja e abacaxi na mesa. — Mas se não gostar, posso pegar outra bebida
para você — ofereceu.
— Está perfeito.
— Dei uma stalkeada no seu Instagram para me certificar de
escolher algo que não tivesse alergia — revelou, trazendo a comida à
mesa.
— Amo casquinha de siri.
Arion afastou o carrinho da mesa e sentou-se.
— Como foi sua semana? — perguntou, servindo as nossas taças.
Agradeci mentalmente pela conversa sobre amenidades, eu
precisava de um tempo para acalmar o mar de emoções que se agitava
dentro de mim.
— Caramba! — comentei ao provar o risoto. Ele sorriu com os
olhos, levando o talher à boca. — Nossa, isso está maravilhoso!
— Está mesmo — concordou, servindo-se de outra garfada. —
Então a partir de fevereiro ficará sozinha? — perguntou, retomando a
conversa que se desenrolava quando uma moça nos trouxe o risoto de
mexilhões.
Eu tinha contado que essa primeira semana havia sido bem
intensa, porque meus amigos só ficariam até o final de janeiro e queriam
aproveitar ao máximo.
— Meu irmão também, ele vai trabalhar meio período no
Tropicana no mês de fevereiro. Não sei se comentei, mas o resort é da
minha família. — Tomei um gole do drink. — Se souber de alguém que
possa me mostrar o que mais há para ver por aqui... — Deixei no ar a
sugestão.
— Tenho um amigo — contive um suspiro de frustração por ele
não ter se escalado para ser meu guia — que trabalha com turismo
alternativo. Se tiver interessada numa experiência de imersão cultural, ele
é o cara.
Aquele era o tipo de turismo que eu curtia. Minhas viagens
sempre envolviam períodos de, no mínimo, oito semanas, para que
pudesse vivenciar e conhecer a história, expressões, hábitos alimentares e
costumes locais, um verdadeiro intercâmbio cultural, e esse era um dos
diferenciais do meu trabalho.
Contudo, naquele momento, estava mais interessada em ser
pressionada contra aquela parede de músculos, e a única experiência
imersiva que eu conseguia pensar envolvia nós dois sem roupas.
Sem julgamentos, por favor. Eu não dava há meses, estava em um
jantar romântico com um gostoso do caralho e o prato principal era
mexilhão. Mexilhão é um dos alimentos mais afrodisíacos, tá?
Totalmente justificável que eu quisesse ser a sobremesa.
E por falar em sobremesa, quase caí para trás quando a moça nos
serviu.
— Isso foi muito específico para ser um golpe de sorte. — Olhei
das peras cozidas com calda de chocolate, minha sobremesa favorita, para
Arion.
— Letícia. — Ele sorriu torto e deu uma piscadinha.
— Em qual rua você mora? — perguntei, apreciando a vista aérea
da vila e da marina.
— Tá vendo a rua com acesso à praia do Posto 2?
— Sim. — Aquiesci, me esticando para ver melhor.
— Moro no início dela, próximo ao centro da vila.
Arion recostou-se na mureta de madeira, atraindo minha atenção
para ele. Nos lábios grossos pairava um sorriso safado, repuxado de lado.
A ponta dos seus dedos subiu pelo dorso da minha mão e envolveu meu
pulso.
Entreabri os lábios, incapaz de conter o suspiro arquejante que
acompanhou um arrepio que cobriu a minha pele, e pressionei os dentes
no lábio.
— A gente pode se ver na sexta-feira, depois do meu set no Anéis
de Saturno? — Arion escorregou a mão para os meus dedos, segurando-
os e afagando-os com seu polegar. — Antes vou tá meio tenso —
acrescentou.
— Vou adorar — ciciei, sorrindo, e balancei a cabeça em
concordância.
Seus olhos renderam-me e aquele instante pareceu se prolongar
no tempo. Um tempo só nosso. De pupilas dilatadas e células
entorpecidas. De pele arrepiada, sentidos embaralhados e frio na barriga.
Um tempo marcado pelas batidas perdidas em meu coração.
Enredei nossos dedos e suspendi sua mão, envolvendo-a entre as
minhas. Abaixei os olhos e resvalei os dedos na tatuagem na lateral do
seu braço.
— Quantas tattoos tem? — perguntei, trilhando a frequência
cardíaca com notas musicais gravada em tinta preta, e senti um arrepio
correr sob meus dedos, espalhando-se em sua pele.
— Oito, por enquanto. Você tem alguma?
— Só uma. — Ergui os olhos para seu rosto, soltando sua mão.
— Na nuca. — Puxei os cabelos para o ombro e inclinei um pouco a
cabeça.
Arion afastou-se da mureta, encurtando ainda mais a distância
entre nós, e escorregou a mão por minha nuca. Mordi o lábio,
reprimindo um suspiro. O calor do seu corpo percorreu o meu em ondas
calmas.
— Ho’omau. — Grave e rouca, sua voz soprou em meu ouvido.
— Perseverar e persistir.
— Sem nunca desistir — concluí, virando-me para ele.
A intensidade que seus olhos mergulharam nos meus alterou o
ritmo dos meus batimentos.
As batidas do meu coração foram do break[47] ao drop em uma
fração de segundos quando mergulhei no mar de verão em seus olhos.
Mas não demorou para que o pulsar rápido e forte em meu peito
fosse esmagado por um nó apertado e sufocante.
Agora não, por favor.
Um arranhar angustiante se espalhou nas paredes da minha
garganta.
Minhas mãos e nuca gelaram. Agarrei o bracelete em meu pulso,
apertando-o com força, e prendi a respiração. Retive o ar o máximo que
pude e o liberei aos poucos, com os dedos travados sobre o bracelete.
— Desculpa — pedi, me afastando e desviando o olhar dela —,
preciso ir. — Deslizei a língua entre os lábios, desesperado para aliviar a
sensação de secura em minha boca. — Vamos? — Eu podia ouvir a
urgência em minha voz. — Vou te levar até sua mesa.
Vida murmurou em concordância e indiquei o caminho, sem
tocá-la ou olhar para ela. Eu nem saberia dizer a reação dela diante dos
últimos minutos que estivemos juntos naquela varanda. Do instante que
adentramos a cozinha do Saideira até o momento que encontramos com
seus amigos, tudo o que pude fazer foi prender e soltar a respiração
continuamente, para impedir que a bomba-relógio em meu peito
explodisse.
— Desculpa — foi só o que disse a ela antes de me virar e ir
embora.
Não fui ao vestiário buscar a mochila e o case, ou mesmo as
chaves de casa. Segui para a estrada de terra batida que descia a colina, do
lado oposto à escadaria, e desci talvez metade da colina, até que eu não
tinha mais forças para continuar.
Eu me sentei no chão e deslizei as mãos entre os fios de cabelo,
apertando-os entre os dedos. Soluços engasgados deixavam meus lábios.
Meus pensamentos eram como lâminas me dilacerando de dentro para
fora.
Um queimor me aniquilava por dentro, dominando o coração e
espalhando-se por meu sangue, envenenando-me com a culpa. De
alguma forma, eu sempre me convencia que era minha. Era sempre
minha. A respiração ruidosa se arrastava debilmente, não havia ar
suficiente, meus pensamentos estavam turvos... ou eram meus olhos?
Não sou mais um adolescente.
Não sou mais um adolescente.
Não sou mais um adolescente.
Sou pai, caralho!
Não posso agir como um adolescente apaixonado.
Não estou apaixonado.
Não tem como eu estar apaixonado.
Eu e Marcela...
Nós nos amávamos do nosso jeito.
Mas ela me deixou.
O choro intenso perdia a força, não porque estivesse perto do
fim, mas porque a rouquidão o obrigava. Lágrimas continuavam a cair,
eu me sentia exausto. Meu peito doía, sentia o coração contrair muito,
muito forte, como se pudesse se autodestruir a qualquer segundo.
Marcela me abandonou.
Ela abandonou os nossos filhos.
Ela...
Por que ela fez isso?
Fui eu.
A culpa é minha.
Como podia me apaixonar por Marcela se...
Meu coração continua batendo mais forte... Não!
Não sou mais aquele garoto.
Encostei a testa nos joelhos, inspirei o mais forte que pude e
prendi a respiração por alguns segundos, soprando o ar devagar em
seguida. Tentando recuperar o controle. Uma, duas, três vezes. Repeti de
novo e aos poucos meus batimentos se aquietaram.
Dizem que um coração quebrado reconhece outro.
Nunca acreditei nisso, até aquela noite.
— Você passou a noite aqui? — perguntou Apollo, sentando-se
ao meu lado no meio-fio, depois de colocar meu case e mochila
encostados no portão de casa.
— Esqueci as chaves — murmurei, fitando os paralelepípedos.
— O que aconteceu, Arion?
— Vida tem uma tattoo com a expressão que tinha no pingente
que dei a ela quando a tirei do mar.
— E por que isso é ruim?
— Não é ruim — olhei para Apollo —, achei do caralho.
— Sua cara diz o contrário.
— Isso é o quanto a minha cabeça tá fodida. — Soltei um suspiro
exausto e desviei os olhos para minhas mãos. — Eu acho que gosto dela.
— Girei o bracelete. — Como posso estar apaixonado por ela e não ter
me apaixonado pela mulher que dormiu ao meu lado por anos? A mãe
dos meus filhos! — Volvi os olhos para ele. — Qual a porra do meu
problema?
— E desde quando a gente manda nesse caralho, brother? —
Apollo bateu a mão no peito. — Agora vai tomar um banho, você tá
imundo — disse, se levantando. — Vou te esperar pra gente ir buscar as
crianças, aí eu fico com os dois pra você dormir um pouco.
— Você trabalhou a madrugada toda — disse, levantando-me.
— Mas tô melhor do que você. — Sorriu com deboche. — Só
preciso de um banho e uma roupa emprestada.
Não ia recusar ajuda.
Virei a madrugada refém de pensamentos que não conseguia
controlar, minha cabeça estava estourando de dor, meu corpo também
doía, e ainda tinha aquela sensação de culpa rastejando por minhas veias e
vértebras e se infiltrando em minhas células.
Estávamos todos no flybridge[48], a caminho da Ilha dos Capitães.
Louie pilotava, Duna estava de copiloto, Pietro e Kimi dançavam e o
restante de nós estava no sofá, bebendo, conversando ou apenas
existindo — essa era eu.
Não tive mais notícias de Arion. Ao mesmo tempo que queria
enviar mensagem perguntando se estava tudo bem, não queria ser
invasiva. Na hora eu não soube o que dizer ou como agir, embora tivesse
vivido na pele tantas vezes o desespero que vi em seus olhos. Deveria ter
ficado com ele, e não deixado que saísse naquele estado.
Sabia que nada de ruim tinha acontecido, porque vi nos stories do
Saideira vídeos dele tocando no sábado à noite, mas continuava
preocupada. Nunca tinha pensado como era difícil para minha família e
amigos ter que lidar com meu silêncio, sumiços e a incerteza sobre como
eu realmente estava.
Era angustiante, me sentia impotente de um jeito diferente de
todos os outros que já vivenciei, porque não se tratava apenas de mim,
da minha vida, havia um outro alguém, e eu nada podia fazer se ele não
me permitisse estar perto.
— Por quanto tempo mais você vai ficar sem falar que porra
aconteceu? — perguntou Caíque, me encarando.
Eu estava sentada em um cantinho do banco, com as pernas
cruzadas sobre o estofado. À minha direita, um pouco mais para trás,
ficava a cabine de pilotagem, e o banco se estendia à minha frente. Logo,
todos podiam me ver, e, imediatamente, todos os olhares se voltaram
para mim.
— Quantas vezes tenho que dizer que não aconteceu nada que
me envolvesse? — Sacudi as mãos no ar. — Arion teve uma emergência
e precisou ir embora.
— Então porque está com essa cara amuada? — insistiu Caíque.
— Não estou...
— Está sim — Pietro intrometeu-se.
— Só estou chateada porque não vou poder vê-lo até sexta. —
Eu não estava chateada, apenas preocupada, mas não queria expor o
Arion.
— Você vai passar a porra da semana toda assim, né?! — inquiriu
Caíque.
— Não, Caíque! — Levantei-me, bufando de ódio. — Não posso
ficar um dia chateada? — resmunguei, encaminhando-me para a escada.
— Já são dois dias, Vida — rebateu ele.
— Que seja, caralho!
Chegamos à ilha antes do entardecer e fomos para a praia com
um cooler de bebidas, um violão e um ukulele. Sentados na areia,
contemplamos o sol desaparecer no horizonte e a lua surgir.
De onde estávamos, podíamos ver as falésias a muitos
quilômetros de distância. O paredão extenso à beira-mar era tão lindo
quanto perigoso. Eu caminhava pela praia, fotografando a paisagem,
enquanto os outros tocavam e cantavam sentados na areia.
— Filhotes de tartaruga, gente! — exclamou Pietro.
Virei-me na direção que meu irmão apontou, elas estavam saindo
do ninho e dando seus primeiros passos.
— Ai, que fofos! — disse Kimi, levantando-se para vê-los mais de
perto.
— Que coisa linda! — comentou Duna, seguindo a irmã.
Ainda bem que estava com a câmera. Aproximei-me do ninho,
elas saíam aos montes, todas pretinhas e cobertas de areia, sapateando
umas por cima das outras e avançando pela praia.
— Caralho, olha quantas! — Louie agachou próximo ao ninho.
Senti a respiração encurtar e o gosto salgado das lágrimas.
Pressionei os dentes no lábio, impedindo que minhas lágrimas
irrompessem em um choro alto.
— Será que eu posso pegar uma? — perguntou Antonella, que já
estava à beira-mar, observando a espuma encontrar as tartarugas em sua
caminhada rumo à imensidão do mar.
— Une as mãos ao redor da areia e pega, sem tocar no filhote,
para não machucar — respondeu Pietro.
Por trás das lágrimas incontáveis, era a mim que eu via, a garota
de treze anos que teve que enterrar sonhos que ainda não haviam sido
sonhados. Minha boca e olhos eram alvos de espasmos, lágrimas
pingavam por meu queixo.
— Vem cá — murmurou Caíque. Ele tirou a câmera de minha
mão e entregou a Louie. — Quer ir para casa? — perguntou, me
abraçando apertado. Neguei com um balançar de cabeça, sem querer
falar, porque o choro escaparia. — A gente vai procurar outros ninhos
— disse aos outros, dando uma desculpa para nos afastarmos.
Caíque me deu um beijo na testa ao desfazer o abraço e me
aconchegou junto a ele, transpassando o braço por meus ombros. Eu o
abracei pela cintura e caminhamos pela areia enquanto minhas lágrimas
se derramavam em silêncio. Ele esteve ao meu lado, segurando minha
mão, nos meus piores momentos. Ele me amou apaixonadamente
quando eu achava que ninguém poderia.
Sentamo-nos pertinho do mar, muitos metros adiante, e deitei a
cabeça no ombro dele. A mão pousada em meu braço, acalentando-me,
era um gesto que se repetiu muitas e muitas vezes ao longo dos anos.
Entrelacei nossos dedos e apoiei nossas mãos em sua coxa. Caíque
encostou os lábios em meus cabelos, dando-me um beijo.
— Não contei para mais ninguém depois do Igor.
— Você não precisa, se não quiser. — Caíque me olhou. — Mas
— prosseguiu quando o olhei de volta — se estiver com medo ou
insegura sobre como vão reagir, preciso te lembrar que aqueles que
forem embora não te merecem.
Nunca desejei tanto que uma terça-feira chegasse logo.
— Tive uma crise de angústia na sexta-feira, uma das piores —
contei à psicóloga. — Doía tudo — toquei a região do peito —, meu
coração parecia uma bomba-relógio. Achei que tivesse superado essa
fase.
— Crises pontuais podem vir a acontecer, e elas não significam
um retrocesso. Entenda que elas são parte do processo que você está
vivenciando, o importante nesse momento é que busque identificar o
que a desencadeou.
Joguei a cabeça para trás e soltei um suspiro frustrado. O silêncio
pairou na sala, e diferente de quando eu estava no mar, dentro daquelas
quatro paredes ele era apenas externo, minha mente era dominada por
um barulho ensurdecedor.
Eu ia falar, nós dois sabíamos, ela apenas me dava tempo para
ouvir a mim mesmo. Eu me sentia como se estivesse sentado na prancha,
olhando o horizonte, à espera da série perfeita. Só havia um porém, ainda
não seria capaz de me manter de pé na prancha.
Mas como dizia meu pai: “é de marola em marola. Depois de
passar muito tempo nas espumas e tomar muita porrada, aguentando
caldos e vacas[49], é que se aprende que apanhar uma onda e sentir o
coração acelerar por estar em pé na prancha é só o princípio”.
Endireitei-me na poltrona e abaixei os olhos para meus braços,
movendo-os da tatuagem que fiz para Marcela para a que fiz com meu
pai.
— Lembra de quando contei que havia uma garota que eu
gostava? — Rompi o silêncio, deslizando o polegar sobre o M tatuado
em meu pulso. — Ela está na ilha.
Mordi uma porção interna do lábio.
Parei ao sentir o gosto do sangue e girei o anel no dedo
indicador.
Um resfolegar denso perpassou meus lábios.
— Ela sorri e eu quero dizer o quanto é linda, quero beijá-la. —
Esfreguei a mão na nuca. — Quando estou com ela esqueço a dor. Ela
continua fazendo o meu coração bater mais rápido... Mas eu não sou
mais aquele garoto. Não posso agir como se ainda fosse um garoto de
dezessete anos. — Mordi o lábio uma segunda vez. — Sou pai.
— Você era um garoto de dezessete anos quando se tornou pai,
Arion. — Engoli em seco diante da afirmação. Ela me encarou em
silêncio por alguns segundos. — Um garoto de dezessete anos que estava
apaixonado e abriu mão desse sentimento por um outro amor. Outro
tipo de amor.
— Por um tempo fomos só amigos dividindo o mesmo teto,
criando um bebê juntos — me referia à Marcela —, mas depois eu quis
tentar de verdade. Ela também — suspirei —, pelo menos foi o que me
disse.
— Foi quando vocês prometeram que contariam caso se
apaixonassem por outra pessoa?
— Sim. — Olhei a tatuagem em meu pulso. — Eu amei Marcela,
ainda amo. Não com paixão, mas sempre soubemos que o amor que
sentíamos vinha de um lugar de cuidado, do querer bem. — Meu olhar
retornou para a psicóloga. — Ainda me sinto assim, me preocupo com
ela. Não houve outra mulher que eu quisesse enquanto estivemos
juntos. Eu a respeitava demais. Nem por um momento quis voltar atrás
depois que pedi que fosse morar comigo. Não menti, eu quis mesmo
fazer dar certo — uma lágrima caiu —, fiz tudo o que podia por nós,
pela nossa família. Eu não entendo... — murmurei, espalmando a mão
em minha coxa. — Por que nunca me senti assim em relação à Marcela?
— Assim como?
Eu odiava quando perguntava algo que nós dois sabíamos a
resposta, mas ela fazia isso para que eu não pudesse ignorar o maldito
pensamento.
— Como se meu coração pudesse saltar pela garganta a qualquer
momento. — Exalei um suspiro alto. — Por que nos apaixonamos?
— Por que se apaixonou, Arion?
— Sei lá. — Apoiei o cotovelo na coxa, abaixei a cabeça e deslizei
a mão nos cabelos.
Cerrei as pálpebras e fechei os dedos nos fios longos no topo da
cabeça.
— Era meu primeiro aniversário sem meu pai — abri os olhos e
escorreguei a mão por minha cabeça —, eu estava me esforçando para
um caralho para seguir com a minha vida, mas os dias pareciam todos
iguais. — Suspendi o rosto e vagueei o olhar pelos móveis e quadros da
sala. — Não entrava no mar há dez meses. Minha mãe tinha me proibido
de surfar, mas a verdade é que eu não sentia vontade — dei de ombros
—, a música era a única coisa que ainda fazia eu me sentir vivo. Eu
passava todas as horas livres trancado no quarto ou sentado na praia, em
frente à oficina de pranchas do meu pai — enumerei minhas memórias,
sem me deter a nenhuma, não queria revivê-las, por isso continuava
perambulando pela sala com os olhos —, enfiado em headphones com
volume no talo, fazendo curadoria de músicas e montando sets com a
desculpa de que estava trabalhando, quando, na verdade, eu só não
queria encarar minha mãe e falar do dia que vi meu pai morrer. — Soprei
o ar com força, inclinando a cabeça para trás. — A música era o jeito que
eu conseguia colocar para fora minha dor. — Encarei a psicóloga. — A
conversa com minha mãe acabou acontecendo em outro momento. Fiz
terapia não só por isso, mas porque de repente eu ia ser pai. — Esfreguei
a mão nos fios curtos da barba. — Mas sobre porque me apaixonei... —
Fiz uma pausa, repassando o momento em que pus meus olhos em Vida
pela primeira vez. — Quando vi aquela garota dançando me senti vivo de
um jeito que não me sentia há muito tempo. Meu coração nunca tinha
batido tão rápido e forte.
— E agora ele bateu de novo — pontuou.
Aquiesci em silêncio e assim ficamos por longos minutos.
Só percebi que estava mordendo o lábio quando engoli a saliva e
senti o gosto do sangue em minha garganta novamente. Nós já
tínhamos falado dos meus comportamentos de morder o lábio e girar os
anéis e bracelete de forma repetitiva quando me sentia ansioso. Eu
tentava parar, mas não era fácil.
— Te incomoda que a mulher que faz seu coração bater mais
rápido hoje é a mesma garota que fez aos dezessete anos? — Ela rompeu
o silêncio e me jogou contra a parede numa tacada só.
Olhei para o relógio na parede.
Porra de sessão que não acaba!
— A gente pode encerrar por hoje?
A psicóloga moveu a mão no ar, deixando a meu critério levantar
e ir embora, o que eu não faria, não quando ela havia batido onde mais
doía. Fechei os dedos antes que alcançassem o bracelete e comecei a
tamborilar o dorso da mão em minha coxa, olhando fixo para a
tatuagem que subia até a dobra do cotovelo.
— Eu e Marcela compartilhávamos uma vida juntos... Temos dois
filhos. Há quatro anos éramos mais que amigos, eu sentia muito tesão
nela, ela também sempre estava a fim — listei fatos, numa tentativa nada
convincente de manter meus sentimentos seguros. — Por que não
conseguimos ir além disso? — resmunguei, suspendendo os olhos para
ela.
— Diga-me você.
Movi o polegar sobre o anel em meu indicador, girando-o,
enquanto deslizava a outra mão nos cabelos.
— Éramos dois adolescentes cheios de hormônios dormindo
juntos, acho até que demorou para rolar — comentei, relembrando
como tudo aconteceu entre nós —, mas nunca foi uma atração
romântica, era por prazer. Tivemos muito tempo para praticar. Sabia
onde Marcela gostava que a tocasse, como gostava, e ela sabia o que eu
gostava, isso era algo que não encontraríamos em uma relação casual.
Não que eu saiba por experiência, era o que ela dizia, e comparando as
nossas primeiras vezes e depois, acho que tinha razão. Era cômodo
estarmos juntos. Nos amávamos como amigos, éramos parceiros na vida,
tínhamos liberdade para conversar de tudo e orgasmos garantidos.
— Se Marcela quisesse voltar para casa hoje, você estaria disposto
a retomar essa relação?
— Não. — Mordisquei o interior do lábio. — Nós dois
merecemos mais — acrescentei após alguns segundos.
— Você quer estar com alguém que faça seu coração bater mais
rápido?
Assenti com um movimento de cabeça.
Envolvi o bracelete em meu pulso e o segurei, sem girá-lo.
— Nos vemos na próxima semana, Arion.
Na quarta-feira escrevi uma mensagem para Marcela, não por ela,
mas por mim. Eu precisava pôr um ponto final na nossa história.

Em duas semanas completará seis meses que foi


embora, e foram os seis piores meses da minha vida.
Senti muita raiva de você, e de mim também,
principalmente de mim na maior parte do tempo. Eu
me culpei por ter feito o que você me pediu e não ter
te procurado, por não ter percebido que iria nos
deixar, por não ter te amado mais, por não ter me
apaixonado por você. Eu me culpei por ter que sair
para trabalhar e deixar as crianças chorando, me
culpei por não estar em casa todas as vezes que eles
acordavam chorando ou não conseguiam dormir. Eu
me culpei a cada segundo que fiquei longe deles,
sabendo que estavam com medo que eu não voltasse
para casa. E há alguns dias eu me culpei por sentir
meu coração bater mais rápido por uma garota. Por
uma mulher que não é você. Estou cansado de me
culpar. Até então não tinha certeza do que faria se
você voltasse. Sempre que esse pensamento surgia, eu
me perguntava o que seria melhor para as crianças,
mas esse não é motivo para ficarmos juntos. Eu e
você merecemos mais. Te escolhi uma vez e não me
arrependo, Marcela. Nunca vou me arrepender. Você
me deu o que tenho de mais precioso na vida, mas
agora escolho dar uma chance ao meu coração.
A gente pode começar de novo?

A mensagem foi enviada na noite de quarta-feira, no direct do


Instagram, entretanto, só vim ver na quinta, por volta das dez horas,
quando fui para casa descansar um pouco depois de mais de dezesseis
horas curtindo o terceiro dia de festival.

Não, quero continuar de onde paramos.

Pensei que ele fosse demorar para me responder, mas decidi


esperar por dez minutos, e se não viesse resposta naquele tempo, eu ia
dormir.
Oito minutos depois a resposta veio.

Te vejo amanhã?

Estarei em frente ao palco.

Me dá seu número, te ligo no final do set.

Número enviado.

Me chama lá, para eu salvar o seu.

Ele foi rápido, a mensagem seguinte já foi pelo WhatsApp.

Até amanhã, Vida. Bj

Beijos!
Todo set contava uma história, e aquela seria sobre ela.
A garota que fazia meu coração bater mais rápido.
Minha adrenalina estava nas alturas. Por anos estive em frente ao
palco principal, com os pés na areia, assistindo sets apoteóticos e
sonhando com o dia que seria eu atrás da cabine de som.
Ergui os olhos para o público e acenei com as duas mãos,
cumprimentando-os, e um coro de gritos tomou a pista. Caralho! Meu
olhar deslocou-se entre a multidão com braços erguidos.

Deixei a intro[50] rolar. O jogo de luzes azuis que ondulava sobre a


pista, feito ondas do mar, apagou-se assim que suspendi o braço. A tinta
neon que pintava rostos e braços criava pontos luminosos que se
estendiam muito além de onde eu podia enxergá-los. Insano, totalmente
insano! Os pelos em meus braços se arrepiaram.
Luzes e projeções luminosas tomaram o dance floor. A galera
pulava junto comigo. Encontrá-la no meio da multidão não seria fácil,
mas ela estava ali, e isso bastava.
Não segurei as lágrimas no final do set. Depois de tanto choro
sofrido, aquelas lágrimas eram um bálsamo. Zac e Apollo, que
acompanharam a apresentação com Letícia, de cima do palco, me
encontraram diante do setup e me puxaram para um abraço a três.
— Você me fez chorar, caralho — resmungou Apollo.
— Monstro, mano! — disse Zac.
Eu não tinha palavras para expressar o que sentia, fiquei abraçado
aos dois enquanto transbordava em lágrimas de felicidade. Quando
desfizemos o abraço, volvi o tronco para a pista e cruzei as mãos atrás da
cabeça, olhando a extensa faixa de areia que fervia há poucos minutos.
— Foi real mesmo — murmurei, voltando os olhos para o céu
estrelado.
— Real nada — contrapôs Letícia, parando ao meu lado. Virei o
rosto para o lado e abaixei os olhos para ela. — Foi épico! — Sorriu e
apertou meu braço. — Vá se divertir, e pode ficar tranquilo, que seu case
voltará para casa intacto, eu mesma cuidarei disso.
— Obrigado por me ajudar a chegar aqui.
Letícia era meu anjo da guarda. Ela que se ocupava do rider
técnico e da hospitalidade, cachê, agenda, fotografia e filmagens para os
canais de streaming. Ouvi-la falar com a equipe me ajudava a relaxar,
porque ela sempre parecia ter tudo sob controle. Eu só tinha que fazer
minha música.
Parei no camarim para tomar uma água e lavar o rosto, em
seguida desci a escada de acesso ao palco, encostei-me na parte lateral da
estrutura de bambu e liguei para Vida.
— Oi, meus amigos estão indo esperar a Tici atrás do palco. Você
ainda tá por aí?
— Sim, próximo à escada.
— Te vejo em alguns minutos.
— Ok.
Ela encerrou a chamada e eu aproveitei aquele tempo para enviar
um áudio para as crianças, desejando um bom-dia e dizendo que logo
estaria em casa.
— Encontro com vocês depois.
Ergui a cabeça ao ouvir a voz de Vida.
— Beijunda. — Uma das gêmeas deu-lhe um tapa na bunda.
Vida estava com um vestidinho telado, de alças, curtinho e
moldado ao corpo, em um verde-claro com brilho, e por baixo um
biquíni — ou maiô, não tinha certeza — no mesmo tom. As duas partes
se uniam numas amarrações laterais.
Deus tenha piedade de mim, porque ela não tem nenhuma.
Quando se virou de costas para o grupo, Vida me flagrou
olhando-a. Meu coração bateu mais rápido. Deslizei a língua por entre os
lábios e dei um passo à frente, depois outro. Tinha ensaiado aquele
momento um milhão de vezes anos atrás.
Seus olhos sorriam quando a encontrei no meio do caminho. Ela
tinha glitter nos cabelos, estrelinhas brilhantes grudadas no rosto e tinta
neon nos braços. Estava linda. No mar de águas calmas em sua íris, meus
pensamentos navegaram entre o presente e a noite que a vi pela primeira
vez. As ondas, que um dia nos levaram para direções diferentes, nos
aproximaram outra vez.
— Você precisa estar em algum outro lugar esta noite? —
perguntou-me, dando uma mordidinha sexy no lábio cheio, tingido por
um rosa avermelhado.
— Não.
— Há alguém com quem deveria estar? — Arqueou a
sobrancelha.
— Não. — Balancei a cabeça em negativa.
— Agora tem — a mão delicada agarrou meu braço —, estou te
declarando meu pelo restante da noite — falou, olhando dentro dos
meus olhos.
— Isso parece bom para mim. — Deslizei o braço sob o cerco dos
seus dedos e fechei minha mão sobre a dela.
A boca delicada curvou-se em um sorriso estonteante, daqueles
que causavam um farfalhar em meu estômago, me deixavam sem fôlego
e faziam uma bagunça no meu coração. Tantas eram as batidas que se
perdiam de mim e iam ao encontro dela.
— Você tem medo de altura? — Vida saiu me puxando em
direção à frente do palco, os olhos a me sondarem.
Neguei com um aceno.
— Você está me levando a um encontro? — Franzi a
sobrancelha, falhando na tentativa de esconder o sorriso em minha boca.
— Foi você quem me chamou para sair hoje. — Deu de ombros,
rindo.
— Bem lembrado. — Arion soltou minha mão e deslizou o
braço por minha cintura, puxando-me para ele. Os olhos escuros e
profundos capturaram os meus. Suspiros flanaram por minha boca. —
Você disse que queria continuar de onde paramos. — Ele mordiscou
meu lábio inferior.
Espalmei uma mão em seu tórax e a deslizei pelos músculos
firmes. As batidas do meu coração tornaram-se menos espaçadas à
medida que seus dedos se arrastavam lentamente por minha pele em uma
completa oposição ao aperto firme que seu braço exercia em minha
cintura.
A quentura da língua trilhou meus lábios, provando-os e
provocando-me. Um gemido escalou minha garganta e encontrou
abrigo em sua boca. Nossas línguas se exploravam, buscando-se e
enroscando-se em carícias incansáveis. Nossos lábios puxavam um ao
outro... beliscando, chupando, lambendo.
Ele me beijava como se tivesse esperado por isso a vida inteira.
Senti meus pés não tocarem o chão — literalmente —, ele me ergueu
em um braço, imprensando meu corpo na musculatura deliciosa que
queimava sob meus dedos, e inclinou minha cabeça para trás, puxando
meu lábio com mais força do que tinha feito até então. Todas as minhas
células estremeceram.
Os lábios arrastaram-se para meu maxilar... Caramba! Cerrei os
dedos sobre um punhado de cabelos e Arion gemeu, arranhando os
dentes em minha garganta. Uma espiral de calor irradiou por minha
coluna e concentrou-se entre as minhas pernas.
Eu estava em suas mãos, completamente em suas mãos, e pela
primeira vez em minha vida gostei de não ter controle nenhum, da
liberdade de sentir sem que precisasse me segurar em nada. Não no
sentido físico, embora este também fosse real naquele momento.
Coração acelerado?
Tinha uma rave em meu peito!
Eu sentia sua pele arrepiada e a vibração dos suspiros na garganta,
nos chupões que meus lábios aplicavam na pele aveludada. Ela
escorregou a mão por meu ombro quando a levantei e os seios
pressionaram meu tórax. Cada vez que roçavam em mim, micro choques
chicoteavam por minhas vértebras.
E os puxões em meus cabelos... Porra!
A sensação dos seus dedos embolados entre os fios, apertando-os
com força, enquanto seu corpo se desmanchava em meus braços, era
umas das melhores do mundo. Seria ainda mais foda se eu estivesse
dentro dela. Arranhei os dentes em sua garganta e prossegui, cobrindo
sua pele de beijos, retornando à sua boca.
Vida prendeu meu lábio entre os dentes e puxou, mordendo
forte, e depois lambeu minha língua, tocando-a só com a pontinha da
dela. Afastei o rosto poucos centímetros. Meus dedos, firmes em sua
nuca, a impediram de romper a distância, e sorri, olhando os lábios
inchados e entreabertos, muito mais vermelhos do que o batom que
usava.
— Você é tão linda, porra! — Eu me inclinei para seus lábios, e
eles corresponderam na mesma necessidade desmedida com que os
devorei.
No instante que a coloquei no chão, minhas mãos foram para
seus quadris e as dela vieram para meu rosto. Nossas bocas se moviam
numa sincronia absurda, línguas enredadas em carícias que iam de leves
lambidas a chupões provocantes. Vida segurava-me e puxava-me, como
se não suportasse a menor distância entre nós. Era possessivo, sensual e
incendiou até a última molécula do meu corpo.
Quando uma das mãos resvalou por meu pescoço e ela cravou as
unhas em minha nuca, contrações intensas atingiram a base do meu pau
e a cabeça latejou, alucinada. Gemi, raspando meus dentes em seu lábio,
e dei uma apalpada forte na sua bunda. Vida sorriu satisfeita e moveu a
boca por meu queixo e maxilar, marcando-os com os dentes. Ela trouxe
a boca de volta à minha e lambeu meus lábios, brincando com a ponta
da língua.
Toquei seus cabelos, afastando-os, e segurei em seu pescoço. Senti
a pulsação acelerada sob a pele quente. Sorrindo, esfreguei o polegar no
seu lábio, e não resisti, tive que me inclinar para outro beijo.
Arion agarrou a minha bunda, as pontas dos dedos escavaram a
pele sob a ínfima rede do vestido, e a sua boca retornou à minha. Beijo
bom do caralho! Joguei meus braços em seus ombros e enredei os dedos
em seus cabelos, mergulhando minha língua de encontro a dele.
O beijo era bruto, possessivo e voraz. Daqueles que dão vontade
de tirar a roupa. Todas as partículas do meu corpo vibravam numa
mesma frequência, entorpecidas pelo calor da sua língua, o gosto viciante
dos lábios e o pulsar rápido e constante dos batimentos.
As mãos subiram por minha bunda, atingindo-me por um
discreto estapear. O pau duro se apertou contra minha boceta, por cima
das roupas. Em outro momento eu me preocuparia com o tamanho
daquilo, porque... caramba! Precisava mesmo de tanto, gente? Arion
puxou meu lábio inferior numa mordida e um sorriso safado exibiu-se
ao soltá-lo, desintegrando meus pensamentos.
Escorreguei uma mão por seu tórax e agarrei a corrente em seu
pescoço, inclinando-me para ele na ponta dos pés. Dei uma mordidinha
de leve na maçã do seu rosto, arrastando os lábios por sua barba. Arion
suspirou, e em menos de meio segundo furtou-me um gemido ao
abrigar a mão em meu pescoço. Que pegada do caralho! Ele curvou os
lábios grossos e deliciosos em um sorriso lascivo.
Abaixei os braços e levei as mãos para sua bunda. Ele riu quando
dei uma apalpada forte nela e aumentou a tensão no meu pescoço com
um pequeno movimento do indicador e do dedo médio. O filho de uma
boa mãe sabia bem o que estava fazendo. Um pulsar eletrizante
precipitou-se entre minhas pernas e espargiu-se de uma extremidade à
outra do meu corpo. E para decretar o fim da minha sanidade, a mão que
continuava em minha bunda deu-me um tapa estalado, pouco se
importando se alguém via.
— Porra, linda! — murmurou, roçando os lábios na minha
mandíbula, e meu coração bateu em um ritmo alucinado.
A mão em meu pescoço escorregou para a nuca. Arquejante,
pendi a cabeça para trás quando seus dedos se fecharam entre os fios do
meu cabelo e os lábios quentes trilharam a coluna da minha garganta,
intercalando entre beijos e o arranhar dos dentes.
— Você é tão gostosa. — A respiração pesada sibilou em minha
pele feito chamas ardentes.
— Mesmo pingando suor? — Resvalei minhas mãos por baixo da
camisa, correndo as unhas por sua cintura. — Você tem um gosto
estranho, Arion — brinquei, fazendo uma referência a algo que me disse
no Réveillon.
Quase fui de arrasta pra cima quando Arion travou os braços logo
abaixo da minha bunda e me suspendeu, rindo baixinho em meu ouvido.
Em meio a suspiros, meu riso ecoou à nossa volta, e o dele espalhou-se
por minha pele, estremecendo cada célula do meu corpo.
— Filho da mãe, gostoso — ciciei, ancorando-me em seus
ombros.
Devagar, ele lambeu meu pescoço, de baixo para cima. Eu sentia
minhas veias pulsando sob o toque febril de sua língua. Arion mordiscou
o lóbulo de minha orelha, provocando um pequeno espasmo em minha
boceta.

— The taste of your lips is my idea of luxury[51] — o timbre


rouco sussurrou-me.
E eu me derreti inteirinha.
Não apenas por ser um trecho de outra música da Taylor Swift,
mas porque Arion estava me ouvindo, como se eu fosse uma melodia e
ele estivesse a desvendar todas as minhas notas.
— Eu quis te beijar desde a primeira vez que te vi — confessou,
raspando os lábios em meu pescoço. Arion aplicou-me um beijo e
tomou distância, buscando meus olhos. Ele apertou o abraço em minhas
pernas, me impulsionando um pouco mais para o alto, de modo que
ficasse acima dele, e inclinou a cabeça para trás. Os olhos escuros sorriram
para mim e eu me perdi na intensidade deles. — Isso é muito melhor do
que imaginei — suspirou, exibindo um sorriso, e aprochegou-se aos
meus lábios. — Você é extraordinária — murmurou contra minha boca.
— Mas agora a gente precisa de uma pausa — tomou uma pequena
distância — ou vai ser impossível eu disfarçar... — Ele se interrompeu,
abaixou os olhos por um segundo, sugestivamente, e umedeceu os
lábios, encarando-me com um sorriso safado.
Eu gargalhei, afundando meus dedos em seus cabelos. Me inclinei
para sua boca e o beijei, trazendo minhas mãos para o seu rosto.
— É melhor você pensar em algo muito — dei uma mordida em
seu lábio —, muito brochante, porque não tem a menor chance do seu
pau passar despercebido.
Arion deu uma risada alta.
— Tô fodido — murmurou, me colocando no chão. — Não
consigo pensar em nada broxante com você na minha frente. —
Capturou meu lábio, apertando minha bunda, e deslizou a língua em
minha boca.
Só me restava um fio de sanidade, e era ele que me impedia de
puxar o caralho daquele biquíni de lado, enganchar suas pernas em meus
braços e socar meu pau em sua boceta, mamando nos peitos
maravilhosos. Ou eu podia içar seu corpo para os meus ombros e chupá-
la enquanto ela puxava meus cabelos, esfregando a boceta em minha
cara.
Agora, pergunte se eu tinha a porra de uma única camisinha na
carteira.
Não, eu não tinha.
Vai, Arion, faz outro filho!
Não diz isso nem em pensamento, filho da puta.
Amo os meus filhos, mas vamos com calma!
Interrompi o beijo que eu havia recomeçado — mais uma vez —
antes que aquele fiozinho de sanidade rompesse.
— Para onde quer ir? — perguntei, segurando em sua mão.
— Uma bebida seria bom agora — umedeceu os lábios —, de
repente fiquei com muito calor.
Encaixei meu braço ao redor de sua cintura e seguimos
caminhando.
— Você também? — comentei, rindo. — Como foram os outros
dias de festival?
— Teve muito set surreal de bom, a semana toda eu voltei pra
casa só o pó — disse, me olhando. — Mas hoje está sendo o meu dia
favorito. Seu set foi transcendente, fiquei arrepiada em vários momentos.
Foi mágico! E a track nova é monstruosa. — Os olhos verdes se
arregalaram um pouco. — Tici tinha comentado que estava apostando
que seria o hino de verão das pistas e eu tô com ela. Ficou insana. —
Ergui a mão direita, cruzando os dedos, e dei uma piscadinha. — Se tiver
algum set que queira assistir, a gente pode ir, tá?
— Vi um set mais cedo com os meus amigos. Se não tivesse te
encontrado, o mais provável era que eu já estivesse na pousada agora.
— Na pousada... — Ela arqueou a sobrancelha. — Dormindo
ou...
— Dormindo — respondi prontamente. Não queria que ela
pensasse que eu estava sugerindo de irmos para a pousada.
— Você está dizendo que deixaria de ficar no festival para ir
dormir?
— Sim.
— E ficou por minha causa? — Franziu o cenho.
— Sim — respondi, olhando-a —, fiquei porque queria te
encontrar.
Vida moveu-se para mim, segurou meu rosto entre as mãos
delicadas e beijou-me. Eu a abracei pela cintura e a trouxe para meus
braços, sentindo o seu coração bater tão rápido quanto o meu. Nossas
línguas se acariciavam e por vezes derrapavam por nossos lábios,
lambendo-os; outras vezes tocavam o céu da boca e mergulhavam em
um beijo profundo.
O Espaço de Gastronomia e Coquetelaria do festival era uma
imensa estrutura em bambu com cobertura de palha, onde ficavam
diversos quiosques e uma praça de alimentação com mesas coletivas no
meio e pequenas ilhas nas laterais, com mesas para dois ou até quatro
pessoas. Sentamo-nos numa mesa de dois lugares, mais afastada da
algazarra da galera reunida na área central, assim podíamos conversar sem
precisarmos ficar gritando.
Arion falou que estava com fome e isso me lembrou que eu não
comia há horas. Pedimos uma pizza e comemos, tomando algumas
cervejas. Depois fomos à área de lavabos, e na volta para a mesa descobri
o segredo do seu hálito estar sempre mentolado: PaperMint.
Olhei da caixinha em minha mão que ele havia me oferecido para
as fuças dele, dando uma leve arqueada na sobrancelha.
— Gosto da sensação gelada que fica na boca — explicou-se,
sacando por quais caminhos seguiam os meus pensamentos.
— Gosta, né? — Ri, levando uma lâmina à minha boca. —
Também gosto. — Estendi a caixinha de volta para ele.
— Se soubesse há quanto tempo eu não beijava na boca —
comentou, posicionando sua banqueta junto à minha e sentando-se de
lado, de modo que eu ficasse entre suas pernas.
— Nem digo nada.
— Estava tão ocupada assim com o trabalho que não sobrava
uma horinha para dar uns beijos? — Franziu o cenho, me olhando com
curiosidade.
Dei de ombros, me esquivando de entrar em detalhes.
— No três dizemos o mês em que beijamos pela última vez.
— Ok. — Ele deu risada. — Acho difícil que você ganhe de mim.
— Tô pagando pra ver. — Pisquei para ele. — Um — falei,
olhando-o.
— Dois. — Ele apoiou o braço no encosto da banqueta onde eu
estava.
— Três — soamos em uníssono.
— Julho — disse Arion.
— Abril — falei ao mesmo tempo.
— Sério? — perguntamos, ele estreitando os olhos de um lado e
eu do outro, e caímos no riso.
— Não foi o pior ano da minha vida, mas está entre os piores —
comentei quando paramos de rir.
— Foi um ano estranho pra mim. No primeiro semestre vivi
momentos bem especiais, que estão entre os melhores da minha vida —
seus olhos marejaram —, e no segundo semestre — engoliu em seco —
vivi muitos dos piores momentos da minha vida — Arion soltou um
suspiro longo —, mas tive outros incríveis. — Ele deslizou a mão sob os
meus cabelos e algemou a minha nuca entre os dedos longos,
inclinando-se em minha direção. — Te encontrar foi um deles —
murmurou contra a minha boca.
A língua se impôs sobre a minha, envolvendo-me em carícias
gananciosas, e eu me entreguei a elas, me perdendo nele. Espalmei uma
mão em sua coxa, agarrando tanto quanto eu podia, o que não era
muito. O desgraçado era gostoso! Dei uma apalpada no seu bíceps e
deixei que minha mão percorresse as veias saltadas em seu braço, embora
minha vontade fosse arrancar sua camisa e marcá-lo com minhas unhas.
Nossas bocas não desgrudavam por mais do que alguns segundos.
Segundos estes preenchidos pela melodia dos nossos gemidos, suspiros e
um arfar inconsistente. E logo estávamos a buscar-nos outra vez, lábios e
línguas a moverem-se ávidos, em uma disputa onde ambos sempre
ganhávamos.
Arion agarrou os cabelos em minha nuca e deu um puxão. A
excitação queimou em meu corpo, um “O” silencioso se desenhou em
minha boca ao mesmo tempo que minha cabeça tombou para trás. E no
segundo que seus lábios rolaram por meu pescoço, minha respiração se
fragmentou em um milhão de arquejos débeis.
— Pelo tempo que ficar — mordiscou-me no ombro —, quero
você bem aqui... — Arion deixou com que o comentário vagasse no ar,
pondo fogo no que restava da minha sanidade.
Ainda com os dedos entranhados em meus cabelos, na altura da
nuca, Arion me puxou para si e tomou os meus lábios num assalto,
furtando-me um gemido profundo. Mas não parou por aí, ele espalmou
a mão na minha perna, até então cruzada — o que não duraria por
muito mais tempo —, e os dedos se embrenharam sob o vestido,
fazendo um arrepio delicioso flanar por minha pele.
Eu não me importava mais com nada.
Nem lembrava onde estávamos.
Descruzei as pernas, afastando-as um pouco. Arion sorriu,
quebrando o beijo momentaneamente, e emitiu um rosnado baixinho,
dedilhando a parte interna da minha coxa. O engatinhar lento dos seus
dedos, afundando em minha pele, fizeram minha boceta pulsar
desesperada por seu toque. Dei uma reboladinha no assento, querendo
provocá-lo, sentindo minha garganta arranhar.
— Porra — rosnou baixinho, enganchando dois dedos sob a
calcinha do biquíni. — Toda molhadinha. — Puta que pariu... Uma onda
de eletricidade percorreu meu corpo de uma extremidade à outra quando
resvalou o anel por minha boceta. — Desse gelado aqui você gosta? —
perguntou em um sussurro rouco, provocando-me com o toque gélido
do metal a arrastar-se em um sobe e desce vagaroso.
— Oh, ca... — O palavrão desintegrou-se em um suspiro longo.
Arion mordiscou meu lábio e moveu-se alguns centímetros para
trás, os olhos vieram ao encontro dos meus. Eles brilhavam como o
reflexo da lua refletido no oceano numa noite sem estrelas. As ondas
quebravam em meu corpo, dominando cada pedacinho meu. Das batidas
perdidas do meu coração aos arrepios que teciam minha coluna. Da
excitação correndo em meu sangue aos gemidos profundos em minha
garganta.
Agarrei o seu rosto, arrastando minha palma sobre a barba
baixinha, beijando-o profundamente. Ele pressionou o anel sobre o meu
clitóris e fez um movimento de micro batidinhas, rápidas e suaves. A
princípio devagar, mas não demorou para que se intensificasse.
Arfei baixinho, incapaz de manter meus lábios fechados, e cravei
os dedos no seu bíceps, escorregando as unhas em sua camisa. Arion deu
um sorriso mordaz, lambeu os meus lábios e retomou seu domínio em
minha boca, sufocando os meus gemidos.
Arion puxou o biquíni de lado, deu três tapinhas em minha
boceta e a cobriu com sua mão. Apenas o polegar não me tocava, os
outros quatro dedos se moviam juntos, mas não em círculos ou em
vaivém, sua mão não deslizava para baixo e para cima, ela estava fechada
em concha, e eu sentia o calor de sua palma espalhando-se por meu
corpo. Seus dedos tremulavam sobre minha boceta, provocando uma
vibração deliciosa. Isso mais o atrito sutil dos anéis era surreal.
Minhas pernas se contorciam e fechavam-se, prendendo sua mão,
e então eu ouvia o seu riso serpeando entre os meus gemidos, enquanto
ele seguia totalmente focado no meu prazer.
Àquela altura, a palma cobrindo a minha boceta parecia brasa, e
Arion afundou três dedos. Meu Deus, eu estava muito molhada, ou ele
nunca teria conseguido enfiar três dedos em mim! Achei que ele mudaria
para um vaivém aí, mas não, em vez disso o desgraçado gostoso que
estava acabando com a minha sanidade intensificou o movimento de
vibração. Os dedos se tremulavam frenéticos, era como se ele estivesse
me dando uma série de tapinhas na boceta, mas internamente.
— Não para — pedi suplicante, embora ele não desse indícios
que fosse parar. — Não para. — Ofeguei, enterrando meus dedos em
seus cabelos.
— Morde o meu ombro — disse, abaixando minha cabeça.
Achei que não tivesse entendido direito, mas aí seus dedos
fizeram uma pressão forte em meu clitóris, de dentro para fora, fazendo-
o pulsar contra a palma da sua mão, e eu cravei os dentes no ombro dele,
numa mordida que certamente o deixaria marcado por alguns dias.
Minhas pernas se fecharam e meu corpo inteiro estremeceu no orgasmo
mais intenso da minha vida.
Arion esperou que os espasmos chegassem ao fim. Eu estava
sensível para um caralho, me arrepiei todinha quando deslizou os dedos
fora da minha boceta. Ergui a cabeça do seu ombro, ainda meio zonza, e
ele me olhou, sorrindo, e tocou meus lábios com os dedos molhados por
meu gozo.
— Você fica ainda mais linda assim. — Amassou os meus cabelos
entre os dedos e inclinou-se para me beijar nos lábios.
Eu não sentia mais as ondas aquebrantando meu corpo, não
porque tivessem cessado, mas porque estava submersa. Nos beijos que
faziam desaparecer o mundo à nossa volta, no cheiro que fazia eu me
sentir em casa, nos braços e mãos que me seguravam como se não
pudessem suportar me deixar ir. Nos olhos castanhos, tão intensos, que
me levavam a um algum lugar esquecido em minhas memórias. A um
lugar aonde eu gostaria de voltar.
A um lugar aonde eu gostaria de ficar.
Estávamos na fila da roda-gigante. Eu abraçava Vida por trás,
segurando-a pela parte superior do tronco, com um braço atravessado
em seu busto e o outro no tórax, e nossos dedos entrelaçados. Ela
acariciava o meu braço com a mão livre, resvalando as unhas suavemente
por minha pele.
— Já sabe para onde vai no final do verão?
— Tenho um contrato para maio em Budapeste, antes disso não
faço nem ideia. Eu tinha pensado em ir para Portugal, ia assistir à estreia
da Duna na categoria rainha da Moto GP e ficar por lá, mas ela me
dispensou — comentou entre risos —, então vou acabar deixando para
última hora.
— Como que você se organiza e decide para onde vai?
— Às vezes eu escolho, outras vezes recebo o convite de uma
marca ou do Conselho de Turismo daquele local. É comum que eles
selecionem um grupo de cinco ou seis influenciadores, e aí é montado
um cronograma de atividades e mídias, com prazos que precisam ser
cumpridos. Quando é assim, meus dias ficam uma loucura, mas os
contratos são de uma semana, não mais do que isso. Já houve ocasiões
que eu fui contratada para estar na cidade x, mas optei por ficar as
semanas seguintes numa cidade vizinha a ela.
— Se os contratos são de uma semana, em média, você poderia
trabalhar como travel influencer sem precisar estar viajando o tempo
todo?
— Sim, ser nômade digital não é um pré-requisito para ser travel
influencer. Existem muitos influencers que cumprem a agenda de viagem
e voltam para casa. Muitos desses fazem até mais viagens do que eu,
porque eles vão apenas a trabalho, enquanto eu estou indo morar ali por
um tempo. Ficar trocando de cidade dentro de poucas semanas é muito
cansativo, por isso fico no mínimo seis semanas em uma cidade. Claro
que nesse tempo faço outros trabalhos, outras marcas me contatam e
pego um ou outro contrato pontual, porque como tenho a minha
empresa, priorizo ter um tempo para me dedicar a ela.
— Não seria mais fácil se tivesse para onde voltar entre uma
viagem e outra?
— Sim! — Vida encostou a cabeça em meu ombro e seus olhos
moveram-se para mim. — Absurdamente mais simples. — Ela
desprendeu-se do meu abraço e virou-se para mim. — Te contei que
decidi viajar no final do Ensino Médio, mas não foi apenas por não saber
o que queria fazer. Não fui totalmente honesta quando disse isso.
Vida envolveu o pingente da corrente em meu pescoço entre os
dedos, abaixando os olhos por um segundo. Um suspiro perpassou os
seus lábios, eu envolvi a mão livre e entrelacei nossos dedos, e ela voltou
a me olhar.
— No meu segundo ano do Ensino Médio, eu estava ficando
com um garoto e ele me expôs para o colégio inteiro. A fofoca foi
passando entre grupos, de um colégio para o outro, e, em pouco tempo,
onde quer que eu fosse, os olhares e comentários maldosos me
perseguiam.
Segundo ano. Ela era um ano mais nova, se eu estava no terceiro
ano quando a resgatei no mar... Então...
— Foi toda essa merda que me levou a querer ir para onde
ninguém me conhecia. Não estar presa a um lugar me dava a ilusão de
que nada disso poderia me alcançar, mas aí eu reencontrei aquele garoto
no ano passado. Ele já é pai, tem mulher e filha, enquanto eu ainda estou
fugindo de tudo aquilo. — Vida deu de ombros. — Isso não é justo, é?
— Não. — Encostei minha testa na dela e aninhei seu rosto em
minha mão, afagando-o docemente. — O que você precisa pra parar de
fugir?
O que preciso fazer para que queira ficar?
Por favor, me diz.
Porque você é o meu final feliz.
Eu sei que é.
Os lábios atrevidos pressionaram os meus. Ela espalmou a mão
em meu peito, adentrando-a sob os botões abertos da camisa. Meu
coração não se intimidou, ele sambou[52] contra sua mão. Erráticos e
afoitos, meus batimentos brandiam aos quatro ventos.
Vida sugou meu lábio inferior, o beliscou numa mordidinha e
soltou, deslocando-se para o superior. Seus lábios fecharam-se sobre ele
e o chuparam suavemente antes de sua língua buscar a minha. Eu a acolhi
em minha boca, segurando seu rosto entre as minhas mãos, beijando-a
lenta e profundamente.
— Destrava a fila aí, parceiro! — alguém gritou.
Sorri nos lábios dela, abreviando o beijo.
— Foi mal, man! — disse alto, dando uma olhada rápida para
trás, sem focar em lugar nenhum, e me voltei para frente.
— Você é péssima influência — comentou Vida, rindo.
— Eu? — Envolvi sua cintura enquanto percorríamos o buraco
que ficou entre a gente e a pessoa antes de nós. — Mas foi você quem
me beijou.
— Porque você deixou sua boca muito perto da minha. — A
levantada de sobrancelha e a torcidinha no nariz me desmontou.
Dei uma gargalhada, enroscando meu braço na sua cintura, e a
beijei.
Porra linda do caralho!

As cabines possuíam dois bancos duplos, um de frente para o


outro, e capacidade para quatro pessoas, mas eu não queria nenhum
malandro comendo ela com os olhos, então comprei quatro entradas
para ficarmos sozinhos.
O festival visto do alto da roda-gigante era como uma explosão
de cores e música nas areias da praia. Foda demais.
Mas nem se comparava à garota ao meu lado.
Na primeira volta, nós curtimos a vista entre alguns beijos; mas a
cabine fechada da roda-gigante era um convite irresistível para eu me
perder nela, e nas voltas seguintes, minha boca estava em algum lugar
entre os peitos e lábios dela. Eu tinha trazido suas pernas para meu colo e
a abraçava pela cintura, amassando os peitos gostosos.
No segundo que ela puxou a alcinha da bolsa transversal pela
cabeça e jogou no piso da cabine, minhas mãos desceram as alças do seu
vestido. Depois foi só desamarrar o nó do decote do maiô para sentir
aquelas delícias entre meus lábios. Porra, eu bati tanta punheta pensando
naqueles peitos nos meus dezessete anos! Enchi minha mão com o seu
seio e pincei o mamilo entre o indicador e o polegar, apertando de leve,
ao mesmo tempo em que dava chupões no outro.
Eles eram perfeitos.
Nem grandes, nem pequenos.
Arredondados e com os biquinhos pontudos.
Gostosos demais.
Ela era perfeita.
Perfeita pra mim.
Vida puxou os meus cabelos quando transferi os chupões para o
seu pescoço e me deu uma mordida no queixo. Um rosnado libertou-se
da minha garganta. Ela arrastou a língua por uma veia em meu pescoço e
meu pau pulsou apertado sob minhas calças, sedento para afundar entre
os lábios quentes. Os de cima e os de baixo também.
Escorreguei a mão do seio para sua cintura e subi a outra por suas
costas, agarrando um punhado de cabelos rente a nuca. Minha língua
costurou por seus lábios, lambendo-os preguiçosamente enquanto eu a
assistia se derreter em meu colo.
Tombei sua cabeça para trás e deitei o corpo delicado na curva do
meu braço, afundando o rosto nos seus peitos. Chupei, mordi, beijei e
lambi cada pedacinho deles. Vida gemia, enterrando os dedos em meus
cabelos, e a melodia orquestrada por seus gemidos ecoava em cada
pulsação de meu corpo.

Antes do que eu queria, nosso passeio de roda-gigante chegou ao


fim. Quando se iniciaram as paradas para a descida, interrompemos o
amasso e eu a ajudei a se vestir, dando uma última chupadinha em cada
um dos peitos.
— Eles são uma delícia. — Curvei os lábios em um sorriso lateral,
massageando o mamilo já escondido abaixo das camadas de roupas.
— Você também é. — Vida trouxe as mãos ao rosto e beijou-me
a boca.
Mais duas paradas e chegou a nossa vez de descer.
Meu cacete nem tinha abaixado direito.
Mas também, como é que não ficava de pau duro com ela me
beijando como se quisesse tirar a minha roupa e sentar sem dó?
Peguei a sua bolsa do chão e saí de mãos dadas com a garota mais
gata e gostosa.
Caminhamos à beira-mar, conversando entre beijos e uns
chamegos que deixavam meu coração fraco.
Ela perguntou sobre os meus projetos para aquele ano. Não
contei sobre os festivais, porque tudo estava tão incerto e eu não queria
chegar para ela daqui a algumas semanas e falar que não ia, que havia
desistido de novo. Então, contei que estávamos tentando descolar uma
residência em algum clube na Europa, para o verão de lá.
— Antes de conhecer a Letícia, minha carreira de DJ e produtor
musical era como um romance de verão. — Olhei para ela. — Durante a
alta temporada eu sentia o gostinho de como seria viver da minha
música, mas durante o restante do ano isso era um sonho muito
distante. Eu continuava focado na música, fiz duas graduações
tecnológicas na área de produção musical, mas fora o festival de inverno
do Solaris, não ganhava um puto nos demais meses do ano. Hoje,
embora ainda não possa dizer que vivo da música, produzo e lanço
músicas o ano todo, isso é muito mais do que pensei que fosse ter alguns
anos atrás.
— Você sabe que isso é só o começo, né? — Soltei um suspiro
quebradiço. — Porque é. — Ela deu um aperto firme em minha mão. —
Vou te ouvir tocar em festivais no mundo todo — disse com um sorriso
lindo nos lábios.
— Pode ser que sim. — Meneei a cabeça. — Era para ser assim,
mas... talvez eu tenha que desistir de uma vez.
— Você não pode desistir. — Ela parou, virou-se para mim e pôs
a mão em meu peito. — O mundo precisa da sua música. — Dei um
sorriso frágil.
Eu a abracei pelos ombros, trazendo-a para mim.
— Por favor, não desiste — pediu, abraçando-me pela cintura.
Não quero desistir.
Eu não quero.
Mas pelos meus filhos, eu desistiria.
Prometi a Arion que se ele fosse DJ residente na Europa, eu iria
encontrá-lo onde estivesse.
Prometi de dedinho!
E nem posso alegar embriaguez.
MEU DEUS.
O que deu em mim?
Certeza que é culpa do caralho desse sorriso.
Ou seria dos olhos?
Sim, os olhos...
Os olhos que me olhavam desejosos, recolhendo o vestido que eu
havia tirado no mar e a marola se encarregou de levar para a praia. Ele
arremessou o vestido por cima do ombro, jogando-o na areia seca.
Nossos tênis estavam por ali, em algum lugar, e minha bolsa também. O
tempo todo seus olhos estavam em mim, Arion não os desviou nem por
um segundo, e continuava me olhando enquanto despia a camisa.
MEU DEUS. MEU DEUS. MEU DEUS.
A camisa teve o mesmo destino do meu vestido.
QUE HOMEM GOSTOSO DO CARALHO!
Eu o encarava boquiaberta, e ele me oferecia um sorriso torto,
safado até o último centímetro.
E centímetros ele tinha de sobra, pelo que podia ver!
A boxer preta revelava o contorno avantajado do seu pau.
M.E.U.D.E.U.S.
Meu coração ameaçou infartar umas quatro vezes no tempo em
que ele caminhava mar adentro.
Calma, gata. Respira.
É só uma piroca.
Uma piroca enorme!
Ou grossa?
E se for grande e grossa?
AI, MEU CORAÇÃO!
Ele enroscou as minhas pernas nos quadris assim que me alcançou
e seus beijos fizeram morada em minha boca.
MEU DEUSINHO.
O cacete ainda nem estava armado.
Aquilo foi crescendo e crescendo e crescendo... num roça-roça
gostoso na minha boceta. As mãos sovavam a minha bunda e me
empurravam contra o pau duro e latejante. Arrepios iam e vinham,
devastando-me inteirinha. Minha mente se perdeu nele, até no que não
vi. Mas senti, e como senti.
— Você devia ter me avisado que eu precisava trazer um Bepantol
e um analgésico se quisesse sentar — provoquei, arranhando suas costas.
A risada rouca navegou pelas ondas do mar. Arion jogou a cabeça
para trás, os lábios inchados ostentavam um sorriso de um canto ao
outro. Eu o admirei extasiada. Sempre que o olhava, ele parecia estar mais
lindo do que no segundo anterior. Meu peito arfou, inundado por um
farfalhar, e eu sorri feito boba quando seus olhos retornaram aos meus.
— Quando sentar — deu uma piscadinha —, eu vou cuidar de
você. — O olhar foi e voltou da minha boca para os meus olhos, me
desconcertando toda. — Antes — chupou meu lábio superior —,
durante — mordiscou o inferior — e depois. — Deslizou a língua entre
os meus lábios.

Nós nadamos, nos pegamos de novo, nadamos mais um pouco e


saímos do mar. Ele me deu a camisa para que vestisse e pôs a calça.
Descobri que a boxer, na verdade, era uma sunga de Neoprene[53]. Achei
curioso, mas pensei que talvez só não gostasse de ficar molhado.
Mal sabia o que me aguardava!
Deitamos na areia, Arion encaixou um braço sob minha cabeça e
estendeu o outro por minha cintura e costas, cobrindo-me de toques
gentis.
— Sei que trabalha amanhã — disse, jogando os fios longos que
caíam em sua testa para trás —, então quando quiser ir, pode falar.
— Quero ficar. — Os olhos demoraram-se nos meus.
— Quero que fique — confessei, acariciando seus cabelos.
Arion adormeceu em pouco tempo, mas não me soltou, me
manteve aquecida no calor dos seus braços, e eu continuei o cafuné em
sua cabeça, olhando-o dormir. Ele era lindo. O frescor da praia em um
dia de verão estava impresso na sua pele, no bronzeado de dar inveja.
Pele ressacada de praia? Não!
O filho da mãe conseguia manter aquele iluminado natural de
pele bem hidratada.
Sabe quando o dia está um inferno de quente e tudo o que você
mais quer é correr para a praia, sentir a areia sob seus pés, aquela brisa
gostosa soprando no seu rosto e o frescor da água te abraçando ao entrar
no mar? E você sente que não há lugar melhor no mundo para estar? O
cheiro dele me causava uma sensação idêntica.
A mão em minhas costas me apertou um pouco mais contra seu
corpo. O dia começava a clarear, logo o sol despontaria. Fechei os olhos
e me deixei amolecer no aconchego do corpo quente.
Quando acordei, ele protegia meu rosto do sol com a mão, o que
me fez abrir um sorriso largo em meio ao bocejo.
— Apaguei, né? — Soou envergonhado. — Descu...
Cobri sua boca com minha mão, impedindo-o de prosseguir.
— Eu não ia querer que nada fosse diferente. — Arion deu um
sorriso tímido. — Sério, cara.
— Acredito em você — enrolou os dedos nos meus cabelos —,
cara — acrescentou, me provocando, e nós dois rimos.
— Que horas vai para Arraial?
— Nove.
— Tempo suficiente para um mergulho e café da manhã. —
Escorreguei a mão por suas costas. — A não ser que tenha compromisso.
— Só um — abrigou os dedos em minha nuca, por baixo do
cabelo —, beijar sua boca.
Arion rolou o corpo por cima do meu, as mãos agarraram meus
punhos e os prenderam acima de minha cabeça. Ele acomodou uma coxa
entre as minhas pernas, deslizando para baixo, e moveu o quadril. Uma
confusão de gemidos e suspiros saíram de minha boca.
Os lábios se esticaram em um sorriso e rasparam nos meus
lentamente, a caminho do meu pescoço. A pressão da coxa em minha
boceta ia se intensificando. Minhas pernas estremeceram e minhas costas
arquearam sob o corpo dele. Seu riso vibrou em minha garganta, senti
uma trilha molhada desenhar-se em minha pele, um chupão em meu
lábio e sua língua em minha boca.
C A R A L H O.
Bom dia para você também, gostoso!
Encontramos com os nossos amigos para o café da manhã, eles
compartilhavam uma mesa na praça de alimentação. Mais ou menos,
Louie e Apollo estavam em extremos opostos. Paramos na mesa assim
que adentramos o espaço. O cretino do meu irmão bateu o olho logo de
cara na mordida que deixei no ombro do Arion.
Eu ainda estava com a camisa dele.
Talvez eu não devolvesse.
— CARALHO, VIDA! — gritou Pietro, apontando para o ombro
de Arion. — QUE PORRA É ESSA, VÉI? — Ele riu. — Man, você teve
coragem de deixar ela colocar seu pau na boca depois disso aí?
Revirei os olhos e mostrei o dedo para o meu irmão, deixando
que um sorriso se revelasse em meus lábios enquanto risos
perambulavam por toda a mesa.
— Tudo sob controle, brother — Arion respondeu, e voltou-se
para mim, deslizando o braço em meu ombro. — Quer que eu traga seu
café?
Asas de borboletas se agitaram em meu estômago.
Desde quando existiam borboletas em meu estômago?
— Vou com você — falei, sentindo meu rosto esquentar.
Do nada isso?
O QUE ESTAVA ACONTECENDO?
— Ok. — Um beijo tocou meus lábios.
As borboletas...
Ah, merda.
Arion envolveu a minha mão ao mesmo tempo que informava
aos nossos amigos que voltaríamos logo, e caminhamos em direção aos
quiosques. Olhei rápido por cima do ombro e lá estava, nossos amigos
nos observavam com expressões que iam de risinhos a espanto, e foi
somente ali que me dei conta que, com exceção do Caíque — por
motivos óbvios —, nunca estive com um cara e com os meus amigos
juntos. No máximo eu dava uns beijos próximo de onde estavam, mas
sem interação entre eles.
Não era nada de mais. Caíque e Kimi faziam aquilo o tempo
todo. Fora que eles já estavam sentados com os amigos do Arion
quando chegamos.
AI, CARAMBA.
— Tá de boa? — perguntei a Apollo, sentando-me em frente a
ele.
Vida ocupou a cadeira entre eu e o Pietro.
— Tô. — Acenou com a cabeça em sinal positivo, oferecendo-
me um meio sorriso. — Oi, Vida. — Olhou para ela, dando um
sorrisinho. — Sou o Apollo.
— Oi, Apollo.
— É um prazer te conhecer — estreitei os olhos para o meu
amigo —, peço desculpas por não ter me apresentado adequadamente
— inclinei um pouco a cabeça, correndo a língua entre os lábios,
observando a audácia do malandro — quando nos encontramos no luau.
— Apollo nem falava assim. Estava escancarado que ele só queria me
provocar, mas eu não conseguia não ficar puto. Ele volveu os olhos para
mim, o sorriso lateral se estendendo em sua boca. — Para de me encarar
como se fosse arrancar a minha cabeça — disse entre risos. Vida e o
irmão riram juntos. — Não posso ser educado com a sua mina?
Minha mina. MINHA.
Ok, ele podia me provocar o quanto quisesse.
— Não fode, caralho! — Balancei a cabeça, envolvendo a tapioca
no guardanapo. — Adequadamente? — Deixei escapar uma risada baixa
e ele explodiu numa gargalhada. Dei uma mordida na tapioca. — Qual
foi? — perguntei a Zac. Ele parecia alheio ao que acontecia na mesa.
— Ele tá assim desde que acordou — disse Apollo, dando um
cutucão no braço de Zac.
— Para, porra! — resmungou o nosso amigo. — Tô de ressaca.
— O mal-humorado é o Zac — falei à Vida, apresentando-os.
— Ele quis dizer o mais gato. — Zac deu um sorriso fraco para
Vida.
— Não me complica, cara — Vida brincou e virou-se para mim.
— Você é o mais gato. — Deu uma piscadinha, seguido por um gole na
laranjada.
— Não ilude o Arion, Vida! Todo mundo sabe que eu — Apollo
segurou no colarinho da camisa e deu uma balançadinha, estufando o
peito — sou o mais gato.
— O mais iludido — retruquei, suspendendo o copo de suco.
— Também — concordou, nos fazendo rir.
Meu celular vibrou. Devolvi o copo à mesa e inclinei o tronco
para trás, enfiando a mão no bolso e puxando-o. Chamada de vídeo da
minha mãe. Não era nem oito horas ainda. Atendi e a minha garotinha
surgiu na tela, com uma carinha de choro que partiu meu coração.
— PAPAI... — Os olhinhos verdes estavam marejados.
— Oi, Pandinha. — Sorri para ela, sentindo um nó apertar-se em
minha garganta ao ouvir o choro do Alec de fundo.
— Você já tá vindo?
— Só tem barco às nove horas, amô.
— Demora muito pra nove horas?
— Você lembra que o papai só vai chegar em casa quase onze
horas, né?
— Papa! Pa... — Alec me chamou em meio ao choro. — Papa,
pa-papa.
— O papai tá aqui, Leleco. — Malika se moveu e segurou o
celular em frente ao irmão. Minha mãe o segurava no colo.
— Papa... — Alec fez um biquinho.
— Eu acordei com ele chorando, ele não quer parar, papai —
queixou-se Malika.
— Leleco tá com saudade do papai — minha mãe interveio —,
mas tá tudo bem, meu amor — disse para me tranquilizar.
— Oi, Leleco. — Apertei meus lábios.
— Quem é esse? — minha mãe perguntou ao Alec, apontando
para a tela.
— Papa — disse, soltando um suspiro, o choro abrandando.
— É o papai, Ursinho. — Sorri, vendo o meu pequeno esticando
a mãozinha para mim. — Agora o Leleco vai ficar com a vovó, a Mali —
olhei para minha garotinha — e o Naruto — acrescentei —, tá bom?
— Tá — respondeu Malika.
— Leleco — olhei para o Alec —, quando eu chegar quero saber
tudo que o Naruto aprontou. — Pisquei para ele.
— Vem no primeiro barco, viu, papai?
Aquiesci em resposta à Malika.
— Beijinho. — Soltei um beijo no ar. — Amo vocês.
— Te amo, papai.
— Te amo, meu amor.
— Papa.
Os três falaram quase que ao mesmo tempo.
— Desliga primeiro — pedi.
— Tá. Beijo. — Malika encerrou a ligação.
Sorri, colocando o celular sobre a mesa.
— Pai? — A voz de Vida soou em um murmúrio tão baixo que
fiquei em dúvida se eu a tinha escutado. Volvi o rosto em sua direção e
os olhos verdes me encaravam arregalados. — Você — ela engoliu em
seco — é pai?
Anuí com um sorriso bobo.
— Aqui eles. — Peguei o celular e abri na última foto que
fizemos, estendendo-o para ela.
Vida segurou o aparelho e olhou a foto por um momento breve.
— Eles são fofos — comentou, devolvendo meu celular.
— Eles sempre usam isso contra mim — contei, sorrindo para a
selfie que fiz com os dois e que mostrei à Vida. — Malika faz seis anos no
final do mês e Alec dez meses na próxima semana.
— Eles moram com você?
— Sim — guardei o celular no bolso —, a mãe deles foi embora.
— Ah... — Uma exclamação quase inaudível deixou os lábios
entreabertos.
— Está tudo bem, nós três... — apertei o bracelete em meu pulso
— estamos bem.
Ela aquiesceu.
— Vida, vem comigo ao banheiro — pediu uma das gêmeas, se
levantando —, por favor.
— Vamo — Vida respondeu à amiga, retirando-se da mesa.
— O pequeno “papa” do Alec, porra, que fofo! — comentou
Apollo.
Dei outra mordida na tapioca.
— Você cuida dos dois sozinho, serião? — perguntou Pietro.
— Minha mãe ajuda — falei, virando o rosto para ele —, os caras
também. — Apontei para Zac e Apollo.
— Tá, mas digo banho, mamadeira, fralda de xixi e cocô — Pietro
fez uma careta —, você faz tudo?
— Sempre fiz, mesmo quando estava com a mãe deles. — Tirei
outro pedaço da tapioca.
— Vocês moram com sua mãe?
Pietro me fazia um inquérito, e embora tentasse soar casual, era
nítido que estava cuidando da irmã à sua maneira. Por isso não me
incomodava respondê-lo. Esperava que Alec e Malika também cuidassem
um do outro quando estivessem maiores.
— Não, só eu e eles. Minha mãe fica com os dois à noite, para eu
trabalhar, aí dependendo do horário que vou chegar, eles dormem na
casa dela.
— Não faz muito tempo que você e a mãe deles estavam juntos,
né? O moleque é bebezinho.
— Desculpa, gente, preciso atender essa ligação — disse Letícia,
saindo da mesa.
— Alec tinha cinco meses quando ela foi embora — respondi ao
Pietro.
— PORRA!
— Por que ela foi embora? — inquiriu Caíque.
Eu tinha aprendido o nome dos caras porque sabia que o Pietro
era o irmão e Louie o cara do Apollo — ele me mataria se ouvisse isso
—, então só sobrava o Caíque. O namorado dela de anos atrás.
— Ela apenas foi embora.
— Ninguém vai embora do nada, cara — retrucou Caíque.
— Era o que eu achava também. — Levei a laranjada à boca.
— Não acha isso estranho? Vocês não discutiram? Não — ele
elevou os ombros — aconteceu nada?
— Você está sendo invasivo — a garota que eu sabia ser irmã
dele, mas não recordava o nome, o advertiu.
— Tudo bem — respondi a ela. — A única coisa que ela me disse
foi para que não a procurasse, isso depois de sair de casa no meio da noite
e deixar os meus filhos sozinhos — contei, o encarando do outro lado
da mesa, ao lado da cadeira desocupada pela garota que saiu com Vida.
— Você sabe como é chegar de um dia de trabalho, morto de cansaço, e
encontrar sua filha de cinco anos chorando enquanto cuida do
irmãozinho de meses que acordou com fome? — Vi Caíque engolir em
seco. — Eu sei — falei, deixando fugir um suspiro. — Parei de tentar
entender o porquê há muito tempo. Não me importa o porquê, na
verdade, eu tô pouco me fodendo pra isso, minha única preocupação é
que meus filhos saibam que nunca, jamais, vou abandoná-los.
— CARALHO — disse Pietro, recostando-se na cadeira e
cruzando as mãos atrás da cabeça. — Que merda, cara.
Eu gostava do jeito dele.
— Sinto muito — murmurou a gêmea, enxugando uma lágrima.
Ela estava na última cadeira do outro lado da mesa, ao lado do Caíque e
de frente para o Louie. — Esse é o momento onde você pede desculpas,
imbecil. — A garota o cutucou.
— Não tem razão para ele se desculpar — aproximei o copo de
suco da minha boca —, por um tempo me fiz as mesmas perguntas.
— Não quis ser... — Caíque interrompeu-se. — Desculpa, cara.
Eu não tinha o direito de julgar o que aconteceu ou insinuar nada.
— Tranquilo, man.
Louie contornou as cadeiras e surgiu ao meu lado.
— Não tem fotos das crianças no seu Insta, me mostra uma aí —
pediu, sentando-se na beirada da mesa, com uma das pernas tocando o
chão.
Apollo moveu os olhos pelas costas de Louie, medindo de cima a
baixo o cara sentado bem na sua frente.
— Babaca — resmungou Apollo, revirando os olhos.
— Tá falando comigo? — perguntou Louie, dando um sorrisinho
de canto, e como não obteve resposta, voltou-se para mim outra vez.
— Aqui. — Entreguei o celular a ele. — Pode ir passando, tem
vídeos também. Eu tirei todas as fotos com eles do Instagram depois que
uns vídeos viralizaram. Muita gente começou a me seguir, tipo, no
TikTok já tem mais de um milhão de pessoas, mas a minha vida com as
crianças continua igual, nossas rotinas, tudo... Não tenho como oferecer
mais segurança, que eu acredito que seria necessário para tanta exposição,
sabe? Tenho muito medo de ter alguém mal-intencionado.
— Eu também teria — comentou Louie, dando play em um
vídeo. — Porra, que lindinhos!
— Também quero ver — disse Pietro, saltando da cadeira e indo
para o lado de Louie. — Caralho, que fofos!
CONTEÚDO SENSÍVEL: MRKH
Se você não reconhece a sigla: fique aqui, você não precisa fazer uma vista ao Google
agora.
Se você conhece, e principalmente se é parte da sua vida, iremos abordá-lo neste capítulo e
em outros a partir daqui. Toda a construção narrativa a respeito do tema passou pela leitura
sensível de duas mulheres que convivem com o MRKH.
Dois filhos.
Arion tem dois filhos.
Uma garotinha e um bebê.
DOIS FILHOS.
FILHOS.
ELE É PAI.
Como diabos ele tem dois filhos?
Ele é só um ano mais velho!
Meus amigos não têm filhos.
Nenhum dos meus amigos têm filhos.
AINDA.
Eles vão ter um dia.
Provavelmente.
Se quiserem.
EU NÃO.
Nunca me foi permitido essa escolha.
Eu não sei se queria, mas eu queria poder escolher.
Por anos não pensei sobre isso.
Eu achava que não me importava.
Até dois anos atrás.
Era noite de São João e estávamos no sítio dos meus pais, todo
mundo animado, dançando, bebendo, e em determinado momento o
meu primo, alguns anos mais velho, disse que queria nos contar algo. Ele
e a namorada estavam juntos há anos e pareciam mais felizes do que
nunca naquela noite, achei que fossem ficar noivos, mas não, eles
estavam esperando um bebê.
Não consegui disfarçar o meu desconforto com a notícia, foi tão
escrachado que o Yudi me pediu desculpas no dia seguinte, e eu me senti
a pior pessoa do mundo por ter feito com que ele se sentisse culpado por
estar feliz porque seria pai, quando eu deveria estar feliz por ele. E eu
estava, eu estava feliz por ele, mas também estava triste.
Por mim.
Porque eu nunca poderia viver aquilo.
E isso doeu tanto.
Eu não queria ver tudo o que me foi negado sendo esfregado na
minha cara sempre que os encontrasse, por isso fiquei longe. Não vim
para o chá revelação, não fui ver a Betina quando nasceu, não estive no
aniversário de um ano.
O que os olhos não veem o coração não sente? Mentira do
caralho!
O que os olhos não veem o coração sente mil vezes mais, porque
a nossa mente sempre dá um jeito de foder com tudo.
Não voltei ao Brasil por dois anos e meio, porque eu tinha medo
de olhar para aquela garotinha e me sentir pior do que eu já estava me
sentindo.
A bebê não tinha culpa. Yudi não tinha culpa.
Eles mereciam ficar felizes sem se sentirem culpados por minha
causa.
Porque eu estava quebrada.
Eu sempre estaria quebrada.
Eu tinha treze anos quando ouvi dos médicos que nunca poderia
engravidar, que meu corpo jamais seria capaz de carregar um bebê.
Eu queria ser mãe? Não sei.
Eu tinha apenas treze anos!
A maternidade era algo que apenas estava ali, como uma certeza
inexorável.
Até que um dia ela não estava mais.
As brincadeiras, antes inocentes, sobre casamento e filhos,
passaram a soar tão perversas.
“Quantos filhos você vai ter quando crescer?”
Não havia intenção de me machucar, mas machucava.
Não porque eu queria um bebê.
Eu não sei se queria.
Mas não importava, porque eu nunca poderia tê-los.
Eu não faria um teste de gravidez e esperaria ansiosa que duas
listrinhas surgissem.
Eu não teria um bebê crescendo dentro de mim.
Eu não ouviria seu coração bater dentro da minha barriga.
Eu não o sentiria me chutar.
Eu não... eu não... eu não...
EU NUNCA.
Porque eu não era como as outras garotas.
Meu corpo não era igual ao delas.
Eu era rara, diziam.
Uma em cada cinco mil.
Eu não queria ser rara.
Eu queria ser igual a todas as outras garotas!
Meu nome é Vida Arpini, tenho vinte e três anos e aos treze
descobri que não tinha vagina e útero. Uma médica chegou a dizer que
pediria um exame para confirmar se eu era uma garota.
E como eu me sentia? Não valia de nada?
Eu deixaria de ser uma garota porque não tinha a porra de uma
vagina?
EU ERA UMA GAROTA!
Com vagina ou não, eu era uma garota!
Com útero ou não, eu era uma garota!
Lembrava de ter saído correndo do consultório médico,
ignorando o choro contido da minha mãe, e me joguei nos braços do
meu pai, que aguardava na antessala, implorando para que ele me levasse
embora.
Nós saímos da clínica médica, ele ligou para minha tia do
estacionamento e pediu que fosse encontrar com minha mãe. Depois
ligou para ela e disse que íamos ficar fora por algumas horas e que tia
Paloma iria buscá-la.
Meu pai dirigiu por quase duas horas, sem perguntar nada ou
pedir que parasse de chorar. Ele me levou para o mar. Velejamos até o
entardecer, e quando voltamos, antes de irmos para casa, nos sentamos
na areia e ele disse que me amava e que eu sempre seria a sua garotinha.
Eventualmente, eu fiz o maldito exame.
A avaliação genética confirmou os cromossomos 46, XX.
Biologicamente, eu era uma garota.
Uma garota que nasceu com a Síndrome Mayes-Rokitansky-
Kuster-Hauser. Ou MRKH, para os íntimos. Ou Roki, como uma amiga
de longa data.
Eu nunca iria menstruar, nunca poderia engravidar e não poderia
fazer sexo penetrativo, a menos que construísse uma vagina. Eu tinha
menos de um centímetro e meio de canal vaginal, isso significava que se
eu — ou alguém — tentasse enfiar um dedo na minha boceta seria
extremamente doloroso.
O que vai ser, dilatadores ou cirurgia?
Ah, desculpe, você ainda terá que usar os dilatadores em todo
caso.
Eles eram dolorosos e me faziam ficar desconfortável.
Tudo sobre o MRKH me deixava desconfortável.
Coisas simples para outras garotas me faziam ficar desconfortável.
Conversas sobre menstruação ou primeira vez. Perguntas bobas
como: a menstruação do mês tá paga? Você tem um absorvente na
bolsa? O anticoncepcional tá em dia?
Não havia nenhuma sorte em não menstruar, como muitas vezes
eu lia em comentários de vídeos de garotas como eu. Garotas com
MRKH. Que tipo de pessoa comenta uma merda dessa em um vídeo de
uma garota que convive com uma condição que você desconhece?
Você não imagina o quanto aquela garota precisou ser forte para
compartilhar com o mundo a sua história, para falar de uma dor que se
faz presente por toda a sua vida.
Uma dor que muitas vezes nos sufoca em momentos que são de
extrema felicidade para aqueles que amamos.
Você não imagina quantas vezes ela já se olhou no espelho e teve
que convencer a si mesma que era o bastante.

— Por que não me contou? — perguntei à Letícia assim que ela


adentrou o banheiro.
— Porque achei que deveria conhecê-lo antes de sair correndo.
— Letícia sentou-se na bancada em pedra.
— Ele tem dois filhos, Tici! — Esfreguei as maçãs do rosto. —
Você... — Interrompi o que ia dizer e olhei para Duna. — Não fica com
ciúmes, mas eu contei para Tici o motivo que me fez ficar longe de casa e
de todos vocês.
Duna me deu um abraço.
— Você não pode ter filhos, a Tici tem todas as questões da
doença falciforme que podem levar a uma gravidez de alto risco, é claro
que vocês se identificam e compartilham de sentimentos que eu e a Ell
— Antonella era a melhor amiga de Letícia — nunca vamos entender.
Fico feliz que tenha desabafado com a Tici, meu medo sempre foi que
ficasse sozinha. — Me deu um beijo na bochecha. — Te amo, sua lesa.
— Te amo muito. — Apertei os braços na cintura dela.
— Agora vamos, larga o doce — disse, me fazendo dar um
pequeno sorriso.
— Há dois anos tenho pensado sobre as minhas possibilidades
quanto à maternidade, tenho finalmente falado disso em terapia.
— Ok — Duna arregalou os olhos azuis —, isso é grande.
— É. — Encolhi os ombros. — Não posso gerar os meus
próprios filhos, então se quiser tê-los, preciso pensar sobre isso.
— Eu, por exemplo — comentou Letícia —, não descarto a
possibilidade de uma gravidez, isso ainda não está fechado pra mim, mas
quero adotar uma criança e já tomei todas as medidas para isso, só estou
esperando o momento certo.
— Esse papo de filhos me assusta um pouco, gente. Tenho vinte e
três anos e ainda tenho medo de engravidar na adolescência —
confessou Duna. — Mas estou super animada para ser tia na hora que
vocês quiserem. — Ela segurou minha mão, oferecendo-me um sorriso
largo. — Você quer?
— Ainda não tenho certeza. — Dei um riso frágil. — Tenho
muito receio que esse desejo não seja genuíno, que se trate apenas de
uma ferida no ego e uma tentativa desesperada de compensá-la. —
Encostei-me na bancada, ao lado de Letícia. — O jeito que o Arion
falou com os filhos — meus olhos encheram de lágrimas —, o olhar dele
para os dois, o sorriso bobo de quem faria qualquer coisa por eles... — A
respiração engasgou em minha garganta. — Eu queria sentir isso. —
Uma lágrima beijou a maçã do meu rosto. — Mas, e se eu não puder? Se
eu decidir adotar ou ter uma barriga solidária e não... — Meu coração se
apertou. — Se eu não for capaz de amá-lo? Uma criança... um filho... —
os lábios tremeram e mais lágrimas despencaram — é para a vida toda.
Não posso descartá-lo e daqui um tempo pegar outro, como faço com
os caras. Depois do que houve com o Igor decidi iniciar o tratamento de
dilatação para construir uma vagina, porque eu me convenci que assim
poderia ter uma vida “normal” — disse, fazendo aspas com as mãos —,
que eu poderia ficar com um cara sem ter que contar a ele: “olha, a gente
não pode transar porque eu não tenho uma boceta” — uma garota que
saía de uma das cabines me olhou —, então eu não teria que lidar com
isso. — Apontei para a garota.
Duna virou-se para trás.
— Desculpa — a desconhecida murmurou, se aproximando do
lavabo, e Duna voltou a me olhar.
— O medo que eles percebessem que eu era diferente nunca se
concretizou, no máximo escuto algo sobre ser realmente apertada, mas
isso faz com que eles sintam que têm uma super pirocona — revirei os
olhos — e enche seus egos. Mas não me sinto como achei que me
sentiria quando tivesse uma boceta. Ter uma boceta não fez eu me sentir
igual às outras garotas. Às vezes, o cara tá dando a vida me comendo e eu
tô pensando em como ele reagiria se não encontrasse uma boceta onde
enfiar o pau quando tirasse as minhas roupas. Ele ainda ficaria comigo ou
sairia contando aos amigos sobre a aberração que conheceu? E se eu me
sentir igual sobre ser mãe? E se eu não for capaz de olhar para essa criança
do jeito que o Arion olha para os filhos dele? E se eu não puder amar o
meu filho? E se eu me sentir menos mãe porque ele não cresceu dentro
de mim? Não quero fazer isso sem que eu tenha certeza que quero um
filho independente de qualquer coisa.
— Um test drive não seria ruim. — Duna arqueou a sobrancelha.
— Isso é perfeito! — concordou Letícia, passando o braço por
meus ombros.
— O que é perfeito? — Meu olhar deslocou-se entre elas. —
Não estou entendendo.
— Você está em dúvida sobre ter um filho, Arion tem dois filhos
— disse Duna, como se tivesse descoberto o mistério do Universo. Franzi
o cenho. — Você dá pra ele o verão todo e passa um tempo com as
crianças.
— Não. — Neguei com a cabeça.
— Sim. — Letícia inclinou a cabeça e me olhou, fazendo os
olhinhos do Gato de Botas. — Por favor, Vida. Preciso de alguém que
ajude o Arion com as crianças. Se não tiver alguém para ficar com elas,
ele vai desistir de dois festivais internacionais.
— Você quer que eu cuide de duas crianças? — Afastei-me da
bancada e virei-me para as duas, balançando a cabeça enfaticamente em
negativa. — Eu não sei o que fazer com uma criança, gente! Nunca nem
convivi com uma criança. Para não dizer que nunca fiquei perto de uma
criança, no Natal eu passei uns quinze minutos olhando a Betina dormir.
— Arregalei bem os olhos, fitando as minhas amigas, e dei uma risada
nervosa. — DORMIR! Vocês ouviram bem?
— Você só tem que manter os dois vivos — argumentou Duna.
— Não deve ser difícil — ela e Letícia se entreolharam —, são crianças.
Eles só precisam comer, brincar e dormir.
— E tem o xixi e o cocô — acrescentou Letícia. — O Alec ainda
usa fraldas.
— Não, de jeito nenhum. — Ergui as mãos.
— O primeiro festival é no final de fevereiro — comentou Letícia
—, até lá você já passou bastante tempo com as crianças.
— Você seria, tipo, uma mãe de verão — disse Duna, elevando
levemente a sobrancelha, com um sorriso animado no rosto.
Achei graça, mas me recusava a dar ousadia para esse surto das
duas.
— Vocês estão loucas!
Aparentemente, eu também.
Antes que o verão acabasse, eu diria sim para essa loucura.
— Você vai parar de sair com o Arion? — inquiriu Letícia.
— Não. — Sacudi os ombros, torcendo os lábios. — Quando ele
estiver livre à noite, nos encontramos. — Minhas amigas se
entreolharam. — Vou embora em dois meses, não tenho porque
conhecer os filhos dele. — As duas se voltaram para mim e arquearam as
sobrancelhas em sincronia. — Isso não é um namoro!
— Terça é minha noite no luau, a gente pode ver um filme antes.
— Posto 6 — disse, aquiescendo.
Ela acha que vou pedir que me encontre lá?
— Te busco às nove. — Deslizei os dedos por uma mecha do seu
cabelo. — Vou te levar para jantar.
— Ok. — Vida mordiscou o lábio, sorrindo de canto.
— Tenho que ir — aninhei seu rosto em minha mão e movi o
polegar em sua bochecha, acarinhando-a —, a primeira balsa sai daqui a
pouco.
— Boa viagem. — Deu-me um beijo breve. — Sua camisa. —
Vida levou as mãos aos botões.
— Depois você me devolve — disse, envolvendo suas mãos. —
Aproveite o festival. — Pisquei para ela, abaixando minha mão, e me
virei para Apollo e Zac. — Vamos?
Eles assentiram, nos levantamos da mesa e despedimo-nos de
todos com um aceno geral. O ponto de embarque ficava a uma distância
razoável de onde estávamos, logo os caras tiveram muito tempo para me
azucrinar por causa da Vida.
— Você lembrou da camisinha, né? — perguntou Apollo.
— Espera aí, você sabe como usar uma camisinha? — provocou-
me Zac.
— Vai à merda, Zac! — falei, rindo. — Não fizemos sexo.
— Não?! — Os dois soaram em uníssono.
— Não — confirmei.
— A mina te marcou todo assim com uns beijos? — Apollo
tocou na mordida em meu ombro.
— Não aperta, caralho! — bradei quando ele pressionou os
dedos.
— Não sei se você sabe, mas, além da mordida, suas costas estão
cheias de arranhões — comentou Zac.
— Tô sabendo.
— Você ficou nervoso e não...
— Não brochei, porra — falei assim que percebi onde Zac queria
chegar.
— Não tô zoando, mano — disse Zac.
— Mas não foi nada disso — retruquei. — Eu não bro... — Me
interrompi e o encarei. — Você brochou.
— Por isso o mau humor — observou Apollo.
— Nada a ver — resmungou Zac. — Só tô dizendo que você tá
amarradão na mina e pode ter ficado nervoso na hora.
— Podia ter acontecido, e tudo bem — comentei.
— Não tem porque se envergonhar, brother — disse Apollo.
— Mas ela podia pensar que você não estava a fim.
— Acho que isso depende muito do que aconteceu depois da
brochada — argumentou Apollo.
— Como assim, porra? — Zac balançou as mãos no ar. — Você
saiu com uma mina ou um cara que é mó a fim há um tempão, mas ela
nunca te deu condição antes. Aí na hora H, seu pau não sobe por nada
no mundo, tem clima para que caralho depois disso?
— É foda. — Deslizei a mão nos cabelos. — Mas você vai fazer o
quê? Fingir que não aconteceu?
— Não foi com alguém aleatório que você nunca mais vai ver,
então se na hora não teve clima para continuar, acho que vale ter uma
conversa depois — disse Apollo.
— Isso é constrangedor — murmurou Zac.
— Mas acontece, mano. — Dei um tapinha no ombro dele.
— Se você é a fim dela e quer outra chance, conversa com ela —
incentivou Apollo.
Zac bufou, frustrado.
— Nunca mais bebo — resmungou.
— Duvido! — falei entre risos.
— Vai botar a culpa na bebida? — provocou Apollo, rindo alto.
— Para de pagar de desapegado e admite que gosta dela, Zac.
— Vocês nem sabem de quem tô falando.
— Eu conto ou você conta? — perguntou Apollo, me olhando,
e nós dois caímos na risada.

Não voltei a falar com Vida no sábado, passei a tarde dando


atenção aos meus pequenos, e, à noite, depois do jantar, os levei para a
casa da minha mãe. Eu não dormia seis horas seguidas desde a quinta-
feira, estava destruído, e apaguei junto com eles quando fui colocá-los
para dormir. Passava de vinte e três quando minha mãe me chamou para
que fosse trabalhar.
Já era domingo à tarde, eu empurrava Alec no carrinho de passeio
que comprei para ele no Natal, e Apollo estava há horas rodando com
Malika na pista de skate. A cada manobra ou etapa finalizada, ela dava
gritinhos efusivos, pulando e rindo.
— Arion!
Olhei para trás. Louie pôs o skate no chão e remou até onde eu
estava.
— Ei, cara. — Troquei um aperto de mãos com ele.
— Ele estranha? — perguntou, indo para a frente do carrinho.
— Normalmente não, ele acostumou com um monte de gente
na loja da minha mãe.
— Ei, Alec — disse, abaixando-se. — Você não vai estranhar o
tio, né?
Alec virou o rosto para trás, me procurando.
— Diz oi, Leleco. — Sorri para ele e me movi para a lateral do
carrinho.
Meu pequeno se voltou para frente, tagarelando, e mexeu nos
brinquedos fixos no carrinho.
— O tio pode brincar com você? — comentou Louie.
— Tatada...
— Isso é um sim? — perguntou Louie.
— Ele não começou a chorar, então acho que sim — respondi,
rindo.
Louie riu e apertou um dos brinquedos, ganhando a atenção do
Alec.
— Cadê a Malika?

— Na parede lateral do bank[54], à esquerda. — Apontei. Ela


descia a rampa segurando na mão do Apollo.
— Que danadinha! — Louie arregalou os olhos, surpreso.
— E aí? — Volvi os olhos ao ouvir a voz do Pietro, que deu uma
batida no meu ombro. — Você tem um molequinho mesmo — disse,
agachando em frente ao carrinho. — Bate aqui! — Pietro ergueu a
palma.
— Papa... — Alec ergueu os olhos para mim.
— Você sabe que ele ainda é muito novo para entender, né? —
Louie riu do Pietro.
— Da-da-iaaa... — Estendeu a mãozinha. — Papa...
— O papai tá aqui — disse ao Alec, segurando em sua mão.
— Você não pode tá com medo de mim — Pietro afastou a mão
—, eu sou muito mais gato que esse tio feio aqui. — Apontou para
Louie.
— Não é mesmo, não é, titio? — Louie riu para o Alec.
— Ee-guuu... — Alec bateu a outra mão nos brinquedos do
carrinho. — Da-tata...
— Isso é muito louco, né? — murmurou Pietro, girando um dos
brinquedinhos do carrinho.
— Ba-aia... — Alec soltou a minha mão.
— Cara, foi você quem fez. — Pietro olhava para Alec com um
sorriso bobo.
— Dá até vontade de fazer um, né? — comentou Louie.
— Só até eu lembrar das fraldas de cocô — disse Pietro, nos
fazendo rir.
— As fraldas de cocô não são nada comparado a você estar
distraído e levar uma mijada na cara.
— PORRA!
— Pietro, olha a boca! — Louie o repreendeu.
— Desculpa. — Pietro ergueu um dedo e olhou sério para o Alec.
— Meu Deus, Pietro! — Volvi o rosto ao ouvir a voz de Vida.
Ela e as gêmeas se aproximavam de nós.
— Não repita isso, é palavra feia — Pietro disse ao Alec.
— Oi — cumprimentei as três.
— Oi — responderam quase que ao mesmo tempo.
Dei um passo em direção à parte de trás do carrinho, inclinei-me,
deslizando a mão na cintura de Vida, e beijei seu rosto.
— As crianças — disse baixo, me explicando.
— Tudo bem. — Vida sorriu.
— Como você é lindo, neném — falou uma das gêmeas.
— Alec — disse o Pietro.
— Não pensei que fosse te ver hoje. — Envolvi a mão de Vida.
— Decidimos voltar logo de manhã, para podermos dormir o dia
todo — contou Vida.
— Você é a cara do seu pai — comentou uma das garotas. —
Loiro de olhos verdes, mas a cara do seu pai — emendou entre risos.
— Também achei — concordou Louie.
— Diz pra ele que você é muito mais gato que o papai, Leleco —
falou Pietro, em tom de cumplicidade.
— Os cabelinhos, gente — disse a outra gêmea.
Elas tinham estilos muito diferentes, eu só precisava ouvir os
nomes de novo e conseguiria dizer quem era quem da próxima vez que
as encontrasse.
— Papa! — Olhei para frente e vi o meu pequeno inclinar a
cabeça para trás, me procurando. — Papa... pa... papa! — repetiu,
estendendo os braços.
— Quero morder essa fofurinha — comentou a gêmea mais
delicada.
— Leleco quer colinho? — Soltei a mão de Vida e retornei para a
lateral do carrinho.
— Papa... pa...
— Louie, quero um sobrinho — a gêmea com um estilo mais
sexy falou e a outra concordou.
— Também quero — contrapôs ele, rindo —, vamos tirar no
palitinho?
— Você é o mais velho — argumentou a gêmea meiguinha.
— Vem, papai. — Envolvi o tronco de Alec e o ergui do
carrinho.
— Deixo vocês passarem na minha frente dessa vez. — Ele riu.
— Sem graça — resmungou ela.
— Chato — disse a outra.
— A pequena não tá aqui? — perguntou Pietro.
— Na pista com o Apollo — respondeu o Louie, ficando em pé.
Acomodei Alec em meu braço, de modo que ficasse sentado.
— É ela lá atrás? — a gêmea sexy inquiriu.
— É — disse o Louie.
— Que irado! — exclamou Pietro.

— Vou dar umas voltas. — Louie remou[55], pegando impulso.


Alec deslizou o braço em meu ombro, olhando Louie mover-se
sobre o skate pela pista.
— Olha como o Alec presta atenção — comentou uma das
garotas.
Meu pequeno se virou ao ouvir seu nome, arrodeou o bracinho
no meu pescoço e deitou a cabeça em meu ombro.
— Ficou tímido, Ursinho? — Ri, acarinhando as costas de Alec.
— Papa — disse baixinho.
— Ah, não, gente — a gêmea meiga ergueu a mão, apontando
para Alec —, não aguento com esse dengo.
Volvi meu olhar na direção de Vida. Ela continuava no mesmo
lugar que a deixei. As águas de verão em seus olhos me atraíram e as
batidas do meu coração droparam na curva do seu sorriso.
O bebê se agarrou ao pescoço do Arion, enroscando-se em seu
colo, e o cantinho da boca se curvou em um sorriso tímido, igualzinho
ao do pai. Eu me perdi naquele abraço. Numa fração de segundos, as
batidas do meu coração foram de um pulsar rápido e forte a uma
melodia quase imperceptível. Suave e serena, ela se impôs sobre a minha
respiração e navegou entre as partículas do meu corpo.
Os olhos escuros vieram ao encontro dos meus, e então ele veio
para mim, trazendo nos lábios a razão dos incontáveis suspiros que
dançavam nos meus. O sorriso que a princípio desenhava-se apenas no
canto da boca, reivindicou cada centímetro dela, e as asas de borboletas
se agitaram em meu estômago.
— Esse é o Alec. — Senti o hálito mentolado tocar os meus
lábios e um farfalhar escalar minha garganta no segundo que seus dedos
deslizaram por meu pulso. — Mas você pode chamá-lo de Leleco. Não é,
Ursinho? — Arion beijou a cabeça do filho.
Inclinei um pouco o rosto, para ficar no mesmo ângulo que Alec.
Os cabelinhos loiros tinham os fios médios e as pontinhas levemente
onduladas espalhando-se numa bagunça encantadora.
— Oi, Leleco.
Ele deu uma risadinha fofa.
— Vou ver se o Apollo me empresta o skate dele — disse o
Pietro.
— Desde quando você anda de skate? — inquiriu Duna.
— Se uma garotinha de cinco anos consegue, também consigo
— argumentou meu irmão.
Duna e Kimi riram e falaram que iam assistir de perto os tombos.
A conversa de fundo parecia distante, ouvi por alto eles falando
que iam dar uma volta na pista. Eu tinha estendido minha mão para Alec
e esperava a reação dele antes de tocá-lo.
— High five — disse Arion, erguendo a própria mão.
Franzi o cenho, acertando minha mão na dele. Ele me deu uma
piscadinha e meneou a cabeça, sinalizando em direção ao Alec.
— Leleco — estendi a palma na frente dele —, high five.
O pequeno me deu outro sorrisinho e bateu a mãozinha na
minha. Arregalei os olhos e a boca, sorrindo toda boba.
— Solta um beijinho pra Vida, Leleco — Arion pediu. — Cadê o
beijinho? — Soltou um beijo, incentivando o pequeno.
Alec levou a mãozinha à boca e deu um estalinho, soprando o
beijo no ar. Aquilo foi a coisa mais gostosa do mundo. Soprei um
beijinho de volta. Ele sorriu envergonhado e afundou o rosto no
pescoço do pai, me roubando um suspiro.
— Ele é lindo — falei, erguendo os olhos para o Arion.
— Puxou ao pai. — Piscou, entrelaçando os nossos dedos.
— Puxou mesmo. — Mordisquei o lábio.
Ele desceu os olhos para minha boca. Eu queria beijá-lo. O
movimento da língua entre os lábios atraiu minha atenção. Queria
desesperadamente beijá-lo. Arion ergueu a minha mão e beijou os nós
dos meus dedos.
Alec ergueu a cabeça do ombro do Arion.
— Papa. — Ele prendeu os dois braços em volta do pescoço do
pai, me olhando de esguelha, como se dissesse “esse é o MEU papai”.
Arion riu, soltou minha mão e transpassou o braço pelo tronco
do Alec, envolvendo-o em um abraço.
— Ursinho do papai. — Ele beijou a bochecha de Alec. — Te
amo. — Ainda abraçado ao pequeno, os olhos pousaram nos meus.
Um riso baixo derramou-se dos meus lábios em um suspiro
irrefreável em resposta ao sorriso dele.
— Vem! — Arion segurou o empurrador do carrinho,
conduzindo-o.
Eu o acompanhei e nos sentamos em um banco próximo. Arion
pôs Alec em pé, no espaço entre suas pernas, segurando-o com uma das
mãos, e deslizou a outra por minhas costas. Os batimentos do meu
coração podiam ser confundidos com o bater de asas de um beija-flor.
Ele inclinou o rosto de lado e sorriu, os olhos intensos detiveram-se nos
meus.
Alec disse alguma coisa que não entendi, e Arion moveu os olhos
para ele, respondendo ao que logo percebi que eram balbucios.
Antonella e Kimi haviam me contado sobre como a ex o deixou, e eu
não sei se foi porque Kimi estava chorando enquanto falava, mas eu
chorei junto, e agora olhando os dois eu sentia um pesar em meu peito
apenas em imaginar como ele se sentiu naquela noite.
— Você é um pai incrível.
Arion moveu os olhos para mim, depois os desviou para a pista de
skate e voltou ao Alec.
— Olha a Mali ali, Leleco!
Alec e eu olhamos para onde ele apontou, e fui surpreendida por
um encostar de lábios nos meus. Foi breve, muito breve, mas causou a
perda de algumas batidas no meu coração, e a risada grave que se seguiu
aqueceu cada pedacinho do meu corpo.
— Vou querer de volta — brinquei sobre o beijo roubado.
— Devolvo com juros.
— Pa-papa — disse Alec, reivindicando a atenção do pai.
— Oi, Leleco — respondeu Arion. — Vai pra onde?
Olhei para o pequeno. Segurando firme na mão do pai, ele dava a
volta em suas pernas e vinha em minha direção. A mão livre espalmou
minha coxa.
— Iiiiaata... — Ele moveu a mão para minha outra coxa e deu
mais uns passinhos curtos, vindo para o meu lado.
Ai, meu Deus. E se ele cair?
Arion continuava segurando na mão dele, mas eu não tinha
certeza se ele poderia impedir uma queda se o pequeno se desequilibrasse.
— Não solta — falei ao Arion, oferecendo minha mão para o
Alec. O pequeno largou a mão do pai, se segurando apenas na minha
perna. — Ai, meu Deus — murmurei, apreensiva.
Arion riu, o hálito quente espalhou-se por meu pescoço, mas eu
estava tensa demais para me virar para olhá-lo.
— Ele sabe ficar em pé sozinho — disse, abraçando minha
cintura.
Alec agarrou a mão que eu havia oferecido, mas nem deu tempo
de respirar aliviada, porque ele só me usou de apoio para alcançar o
banco. Quando chegou aonde queria, soltou minha mão e se pendurou
com a ajuda dos cotovelos, erguendo uma das pernas do chão. Eu o
olhava boquiaberta, com uma mão pairando ao redor dele, com medo
que caísse. Quando subiu no banco, sentou-se e comemorou batendo
palmas.
— Ah, não — falei aos risos, sem desviar os olhos dele.
— Taaa-dada... tatata... — balbuciou Alec, batendo as palminhas
e olhando para mim.
— Primeiro você tenta me infartar e agora quer me matar de
fofura? — perguntei, encarando o Alec, que se derreteu em risadas.
Não demorou para que ele se levantasse e me pisoteasse para se
enfiar entre eu e o pai. Segurando no encosto do banco, o pequeno dava
pulinhos no meio de um converseiro que não parava. Às vezes se virava
para o pai e o abraçava pelo pescoço, dando beijinhos no rosto, outras
vezes se voltava para mim e sorria tímido, se enroscando no colo do
Arion.
— Há quanto tempo ela anda de skate? — perguntei, me
referindo à Malika. Ela segurou no shape[56] e Apollo a ergueu pelo
tronco, ajudando-a numa manobra aérea, e a carinha de felicidade não
escondia que ela estava amando cada segundo daquilo.
— Com três anos, o Apollo deu o primeiro skate dela e começou
a ensinar. Mas antes disso, sempre que a gente vinha para a pista, ele a
levava para dar uma volta.
— Você não curte skate?
— Dou umas voltas, mas nada parecido com aquilo. — Apontou
para Louie. — Ele mandou um três meia[57] insano!
— Louie sempre me deixa de boca aberta quando tá em cima de
uma prancha ou skate, tenho um milhão de fotos e vídeos dele —
comentei, observando-o.
Alec sentou-se e deitou a cabeça no colo do pai, jogando as
perninhas em cima de mim, e agarrou meu braço.
— O tamainho disso — comentei sobre o tênis.
— Da... iaa... Tata... — Alec brincava com as minhas pulseiras,
tagarelando.
— Folgado você, hein? — Arion alisou os cabelos dele, afastando
os fios que caíam sobre os olhos.
— Diga ao papai que você pode, Leleco — disse, fazendo carinho
na panturrilha dele.
— Ia... papa... ta... — balbuciou entre risos.
— Você e o Louie...
— Não — respondi antes que concluísse a pergunta. — Louie é
quase um irmão mais velho — acrescentei. — Eu namorei o Caíque, a
gente ficou junto por um ano e pouco, e quase dois anos depois
perdemos a virgindade juntos.
— Ele sente ciúmes de você.
— Sim, mas ele não é apaixonado por mim. Caíque quer me
proteger, e pra isso ele ficaria comigo a vida inteira. Por mais que isso soe
como algo bom, nós apenas nos machucaríamos, porque ele nunca seria
feliz comigo e eu sempre me culparia por isso.
Arion aquiesceu.
— Você ainda a ama? — perguntei sobre a mãe das crianças.
— Acho que eu e o Caíque temos muito em comum — disse,
dando um breve sorriso. — As coisas entre nós nunca foram românticas,
mas eu teria ficado com ela por toda a minha vida.
Por que ouvir isso me incomodou?
— Pelas crianças.
— É. — Anuiu, me olhando nos olhos.
Os balbucios do Alec preencheram o silêncio entre nós.
— Quem é ela?
Volvi os olhos para frente ao ouvir a pergunta.
Malika me encarava com olhos estreitos e os lábios unidos em um
bico contrariado.
— Esqueceu a educação onde? — perguntou Arion.
— Aiiiaaa... — Alec balbuciou, cravando as duas mãozinhas no
meu braço, os pezinhos se empurrando contra minha perna. Abaixei os
olhos para ele e o ajudei a sentar-se. — Aaaia... tata... — O pequeno
levantou-se, segurando-se em mim e no pai.
— Desculpa — murmurou Malika.
Desviei os olhos do Alec para ela.
— Desculpa.
— Tudo bem. Eu sou a Vida, e você?
— Malika — respondeu-me, me medindo da cabeça aos pés. Eu
era igualzinha quando alguém falava com meu pai. — Seu nome é Vida?
— Enrugou o nariz.
— É.
— Que estranho — disse, franzindo o cenho.
— Seu nome também é diferente — comentei.
Alec pediu para descer e Arion o colocou no chão.
— Significa princesa. — Empinou o nariz, dando uma sacudida
nos ombros, e eu tive que comprimir os lábios para não rir. — Foi o
MEU PAI que escolheu.
A ênfase no “meu pai” era tão eu criança.
— O meu também foi o meu pai. — Deixei escapar um sorriso de
canto. Arion viu e pressionou o punho contra a boca, reprimindo o riso.
— Por que você tá aqui com o meu pai?
— Como é, Malika? — Arion projetou o tronco um pouco para
frente, segurando Alec pela mão, e os olhos se detiveram na filha.
— Por que ela tá aqui? — O tom de voz respondão que usava
comigo abaixou uma oitava quando se dirigiu ao pai.
— Você é dona da praça ou da pista de skate? — inquiriu Arion,
me lembrando o jeito que meu pai falava comigo quando eu fazia birra.
— Tem um montão de lugar pra sentar, ela podia escolher outro,
né?! — argumentou, visivelmente chateada.
— Vida é amiga do papai.
— Não é nada, eu não conheço ela.
Alec se enfiou no espaço entre a minha perna e a de Arion, e
debruçou-se sobre minha coxa, voltando a mexer nas minhas pulseiras.
— Malika, Vida. — Moveu a mão no ar, apontando para nós
duas. — Vida, Malika.
— Ela é sua amiga mesmo? — perguntou, fazendo cara de choro.
— Sim, amô.
Arion estendeu a mão para a filha. Ela segurou na mão dele e
aproximou-se, deixando-se abraçar pela cintura. Voltei minha atenção
ao Alec, contando as pulseiras com ele, deixando que os dois
conversassem à vontade.
— Por que você está chateada? — inquiriu Arion.
— Are you going... — Movi os olhos ao ouvir que falava em
inglês. Ela fez uma carinha pensativa, então pôs a mão do ladinho da
boca. — Não sei como diz namorar em inglês — cochichou com o pai,
mas não baixo o bastante para que eu não a escutasse.
Mordi o sorriso em meu lábio e voltei a brincar com Alec e as
pulseiras.
— To date — respondeu Arion à dúvida da filha. — Mas eu acho
que a Vida fala inglês — acrescentou entre risos.
Malika inclinou a cabeça, me espiando.
— Você fala inglês?
— Humhum... — Aquiesci, dando um sorriso para ela.
— Quem te ensinou foi o seu papai também?
— Não. — Fiz uma carinha triste. — Seu papai que te ensinou?
— SIM! — Abriu um sorriso exibido. — E eu e o papai ensina o
Leleco.
— Você ensina inglês para o Leleco? — Escancarei a boca em
uma exclamação de surpresa extremamente exagerada, o que fez o Arion
cair no riso. — Você fala inglês, Leleco? — Olhei para o pequeno
conversador.
— Ele ainda não sabe falar, né — explicou Malika. — Não tá
vendo que ele é bebezinho? — Revirou os olhos, me arrancando um
sorriso enorme.
Malika não quis mais desgrudar de mim. Ela queria continuar
andando de skate, mas queria que eu fosse junto. Fomos para a pista,
Vida sentou-se numa escada onde estavam Pietro, as gêmeas e Apollo.
Deixei o Alec com o meu amigo e peguei o skate dele para dar
umas voltas. Eu sabia o básico, por isso não inventava arte quando estava
com Malika. Rodava pelas rampas menores, fazendo uns ziguezagues de
duplinha com ela, e era o bastante para que nos divertíssemos.
Depois de umas dez voltas, me sentei na escada ao lado de Vida,
com Alec em pé entre as minhas pernas. Malika tirou o capacete,
joelheiras e cotoveleiras e sentou-se no degrau acima, com um braço
que não largava meu pescoço por nada, para não comentar dos milhões
de beijos que ganhei na bochecha. Nunca recebi tanto carinho em tão
pouco tempo. Ela até recusou o convite do Apollo para dar outra volta
de skate. Isso nunca, jamais, havia acontecido antes. Ele me olhou dando
risada e meneou a cabeça, em um gesto que dizia “eu tentei, brother”.
Malika propôs um jogo que sempre fazíamos quando estávamos
cozinhando e todos se animaram. Ela explicou as regras e iniciamos a
brincadeira. Um tempo depois, Louie desceu pela rampinha que ladeava a
escada, atraindo a atenção de todos nós e muitas interjeições.
— IRADO! — exclamou Malika, acompanhando-o com os
olhos.
Ele fez um giro em frente aos degraus e desceu do skate.
— Malika, né? — perguntou Louie, sentando-se no primeiro
degrau da escada.
— Sim! — respondeu, animada. — E você?
— Louie.
— Lui?
— Louie, mas você pode me chama de tio Lui, se quiser. — Ele
piscou para ela.
— Tá bom. Você quer brincar também?
— De quê?
— Pistas. É assim ó: a gente pensa em uma coisa, aí você diz cinco
pistas do que é e as outras pessoas têm que tentar acertar. Uma das pistas
é a primeira letra, tá?
— Minha vez? — Louie levantou a mão.
— Não, você chegou agora — respondeu ela. — A Kimi que tava
na vez — apontou para a gêmea —, pode continuar, Kimi. Do começo
tá, porque o tio Lui não ouviu antes.
— Ei — Pietro virou-se para trás —, ele chegou agora e já virou
tio Lui? — reclamou, nos fazendo rir.
— Ele disse que podia — argumentou Malika.
— Mas eu também quero. — Pietro ergueu um dedo. — Titio,
combinado?
— Tá. — Malika riu.
O jogo se estendeu até o entardecer, em meio a muitos risos.
Quando nos aprontávamos para ir embora, Apollo chamou Malika para
comprar um sorvete, me dando alguns minutos para me despedir de
Vida. E assim que os dois se afastaram, Louie pegou o Alec, que cochilava
em meu colo.
— Vamos dar cinco minutinhos de recreio para o papai? — Louie
disse baixinho, acalentando o Alec para que não despertasse, e se
encaminhou para fora da escada.
— Ai, isso é tão romântico — comentou Kimi, levantando-se
com a irmã e o Pietro.
Os três se puseram como uma barreira em frente à escada,
encobrindo-nos, ao mesmo tempo que vigiavam para que não fôssemos
flagrados por Malika na volta da sorveteria.
— A gente tá literalmente enganando uma criança, Kimi —
argumentou Duna, rindo. — O bom é que se eu for para o inferno,
vocês vão comigo — brincou.
— Vida, vê se não arranca um pedaço do Arion — Pietro a
provocou.
— Por favor — Duna acrescentou em meio às risadas de todos.
Inclusive minhas.
— Vocês são muito bestas — resmungou Vida contra minha
boca.
Aquele foi o primeiro de muitos beijos às escondidas.
Nos encontramos na terça.
Novamente na sexta.
Era sábado à noite e estávamos juntos mais uma vez, reunidos
com os meus amigos no restaurante da mãe do Zac, que também estava
com a gente.
— Por que o Apollo não veio? — perguntou Kimi, segurando
um anel de lula à dorê.
— Ele tá trabalhando — Zac a respondeu, tomando um gole do
chope.
— Onde? — inquiriu Louie. Ele nem se preocupava em esconder
o interesse.
— No Saideira, ele é bartender também — disse Arion, pegando
o copo que devolvi, depois de provar a Soda Italiana de melancia que ele
havia pedido. Arion não bebia nada alcóolico antes do expediente. —
Curtiu? — perguntou em um tom mais baixo.
— Muito — falei somente para ele, servindo-me do ceviche de
salmão. Arion pousou a mão em minha coxa.
— Se quiser ir, tenho duas entradas extras — ofereceu Letícia.
— Quero. — Louie piscou para Letícia, levando o chope à boca.
— Posso ficar com a outra? — perguntou Zac.
— É sua. — Letícia espalhou o molho tártaro na lula à dorê com
uma espátula e deu uma mordida. — Isso está dos deuses — murmurou,
indo para a segunda mordida.
— Experimente com o molho tapanede. — Zac molhou o anel
crocante no molho do camarão do couvert, ofereceu a ela e esperou que
provasse sem desviar os olhos dela. Para mim, pareceu que ele nem
piscou. — E?
— CARALHO! — Letícia cobriu a boca, olhando ao redor para
ver se tinha atraído muitos olhares. Nós rimos. — Vocês não têm noção
— disse, devorando o que sobrou da lula à dorê em sua mão.
— Vou conseguir uma porção do molho tapanede — comentou
Zac.
— Por favor — pediu Letícia enquanto Zac se levantava.
Eu olhei para Arion, inclinando a sobrancelha, e movi os olhos
em direção ao seu amigo e minha amiga. Ele riu, apertando de leve a
minha coxa.
— Eu odeio que você tenha colocado os olhos no Apollo antes
de mim — Duna reclamou com o irmão em um tom divertido. — Acho
que está na hora de revermos o nosso acordo. Que tal, em vez de quem
viu primeiro, uma competição de leve pela sentada?
— Chegou tarde, maninha. — Louie sorriu, erguendo a caneca de
chope.
— Vocês são terríveis. — Kimi deu risada, puxando o coro.
— Quando isso aconteceu, porra? — perguntou Pietro.
— Eu achando que o Louie estava de luto pelo fim do quase
noivado — comentou Antonella.
— Quem tá noivando? — inquiriu Zac, que retornava à mesa
com o molho para Letícia.
— Louie que estava quase noivo — respondeu Letícia. —
Obrigada — sussurrou, toda sorridente por causa do molho.
— Dizendo ele, porque pra mim aquilo era um casamento —
comentou Duna sobre o quase noivado do irmão.
— Eu não morava com a Bia — argumentou Louie.
— Você passava mais tempo no apê dela do que no seu — disse
Kimi.
— Isso é quase um casamento — concordou Antonella.
— Acho que depende, gente — contrapôs Letícia.
— Obrigado, Tici! — Louie ergueu o braço em direção a ela.
— Depende do quê? — perguntou Pietro.
— Se ele só dormia lá, como se fosse um motel, isso não é
casamento — argumentou Letícia.
— Nem isso! Eu já fui pra casa da Bia só para deitar e dormir. —
Louie tomou um gole do chope e recostou-se na cadeira. — Eu chegava
lá cansado pra caralho e puto porque ia ter que levantar de madrugada
para ir trabalhar — contou, enumerando com os dedos —, tinha clima
para porra nenhuma. A casa da Bia ficava longe feito a desgraça do meu
trampo, e o meu apê é do lado, cara. Só que quando eu não ia dormir
com ela, a gente discutia. — Louie esticou o braço e segurou na alça da
caneca de chope. — Segundo a lógica da Bia, se eu não estava dormindo
ao lado dela, eu estava comendo alguém. — Ele soltou um suspiro. —
Não quero estar em um relacionamento onde não existe confiança
mútua, e ela não confiava em mim.
— Eu acho que você aguentou até demais — comentou Caíque,
virando a dose de uísque.
— Concordo — disse Kimi, envolvendo a mão do irmão.
— Há quanto tempo vocês terminaram? — Arion perguntou ao
Louie.
— Ainda é recente — respondeu Louie —, foi na semana do
Natal.
— Se você voltar com ela, arranco suas bolas — ameaçou Duna.
— Deu pra mim. — Louie afastou-se do encosto da cadeira e
levou a caneca de chope à boca. — Mas, voltando ao Apollo — Louie
deu um meio sorriso —, eu só queria ficar numa boa com ele. Sei que
vacilei pra caralho e não acho que ele me daria outra chance, e eu
entendo.
— Apollo é o...
— É — Louie interrompeu a Kimi, olhando em advertência para
ela.
— Apollo o quê? — Duna e Antonella perguntaram ao mesmo
tempo.
Louie balançou a cabeça em negativa, indicando que não nos
contaria.
— Você vai deixar todo mundo curioso? — inquiriu Pietro.
— Foi mal. — Louie deu de ombros.
— Se foder, Louie! — esbravejou o Pietro.
— Eu sei o que rolou? — perguntou Caíque, confuso.
— Não, Kimi é a única que sabe.
— Depois diz que não tem irmã favorita — resmungou Duna.
— Para — Louie se levantou e se debruçou sobre a cadeira de
Duna, abraçando-a pelo pescoço —, drama não combina com você.
— Tô aqui me perguntando por que porra eu não sei? — falou
Caíque.
— Podem parar, vocês não vão me fazer contar — disse Louie
entre risos.
— Droga — Duna riu —, achei que tinha tocado seu coração.
— Só se eu não te conhecesse. — Ele deu um beijo na bochecha
dela.
Quase duas horas depois, quando o Arion foi buscar o case para
irmos ao Saideira, perguntou se eu queria ir junto, e o que deveria ter
sido um pulo de cinco minutos em casa, demorou bem mais do que isso.
Enquanto ele organizava os equipamentos no case, observei o
estúdio, pensando o quanto aquele cômodo era a cara dele. Um tapete
recreativo com almofadas e brinquedos dividia o espaço com uma mesa
grande, cheia de equipamentos eletrônicos, e em uma das paredes
ficavam prateleiras baixinhas, com livros e mais brinquedos. Ao fundo da
sala, um sofá, e à direita dele havia um teclado e violão, além de uma
prancha de surf. Por mais dispares que soassem, tudo se encaixava
perfeitamente.
— Tudo pronto. — Arion me abraçou por trás, cruzando os
braços sobre meu abdômen, e beijou meu pescoço. O arfar quente
provocou um incêndio no meu corpo. — A gente ainda tem umas meia
horinha. — Inspirou contra minha pele.
O prenúncio de um gemido libertou-se dos meus lábios.
Girei em seus braços e enterrei os dedos nos cabelos macios,
puxando-os enquanto sua língua arrematava a minha. Arion nos moveu
às cegas pelo cômodo. Um esbarrão e risos se impuseram entre os nossos
lábios. Ele abraçou a minha bunda, içando-me do chão, e se sentou na
beirada da mesa, comigo em seu colo.
A fenda da saia longa e rodada se abriu inteira quando meus
joelhos resvalaram sobre o móvel. Os olhos ébrios de desejo se detiveram
nos meus, as mãos grandes se abriram em minha bunda e os dedos cheios
de anéis afundaram em minha pele. A minha boceta acomodou-se bem
acima do seu pau, e no que ele me apertava, segurando-me firme contra
seus quadris, a renda da calcinha roçava a calça de chino[58], numa
deliciosa tortura em meu clitóris.
— Me deixa ver essas delícias. — Desceu o olhar para o meu
decote. Levei as mãos à bainha do cropped rendado e o arrastei por meu
tronco, erguendo os braços. — Porra... — O gemido baixo e arquejante
soou como um rosnado.
Arion mordia o lábio quando voltei a olhá-lo após o passar por
minha cabeça e atirá-lo no chão. Sua boca capturou outra vez, ele
lambeu, chupou e mordeu cada cantinho dos meus lábios aos meus
seios. Eu rebolava em seu colo, minha boceta pingando em cima dele.
Ainda bem que estávamos em sua casa, porque eu não tinha como
impedir a mancha molhada que se espalhava por sua calça.
Fechei os olhos, entregue aos gemidos que estrangulavam minha
respiração, perdida na melodia dos gemidos dele.
Minha pele queimava sob a quentura molhada de sua língua. Sob
a ardência mordaz de suas mordidas.
A excitação pulsava febril em minhas veias, transbordando por
meus poros, dominando cada batimento do meu coração.
Arion aferrou um braço em volta da minha cintura, castigando
meus lábios, e num átimo se pôs de pé. Ele me sentou na mesa,
debruçando-se sobre o meu corpo. Sua língua dançava sob o céu da
minha boca, e uma das mãos encoleirou o meu pescoço. Choraminguei,
sentindo as pernas moles e a boceta pulsando em desespero.
Dolorida. Sensível. Gotejando.
Os dedos da outra mão se espremiam em minha coxa, sob o
tecido arregaçado da saia. Os dentes fisgaram o meu lábio e puxaram-no,
lambendo-o ao final da mordida. Arion se afastou o mínimo necessário
para que seus olhos contemplassem o estrago que havia feito em mim.
— Porra, linda do caralho!
Estremeci sob o seu olhar. O colar de dedos em meu pescoço
apertou-se um pouco mais, na mesma proporção que o sorriso em sua
boca se alargava. A porra do sorriso mais safado de todos. Eu arqueei os
quadris, me empurrando contra ele. E tudo o que consegui foi que me
desse outro maldito sorriso destruidor de calcinhas.
Não, espera... O gostoso desgraçado que vinha fodendo com o
caralho da minha sanidade puxou minha calcinha de lado e deslizou a
ponta dos dedos nos lábios da minha boceta. Arion retornou à minha
boca, devorando cada um dos meus gemidos, e moveu a mão para os
meus cabelos.
Dois dedos foram de uma vez, e após minutos de um vaivém
lento, ele enfiou o terceiro, gemendo em minha boca. Logo o mindinho
encontrou os outros, e Arion passou a me foder mais depressa. O aro
gelado dos anéis eram um estímulo a mais... e aquilo era tão, mais tão
gostoso. Eu os sentia lá dentro toda vez que a base do polegar — o
único dedo que ficou de fora — atingia minha boceta, então o vaivém
cedia vez a uma vibração alucinante que me fazia ver estrelas.
— Cretino — resmunguei contra sua boca quando Arion tirou
os dedos de dentro de mim, e ele riu, afrouxando o aperto em meus
cabelos.
Ele não deixou nem unzinho, porra.
E ainda teve a audácia de rir.
Por que caralho a risada dele tinha que ser tão fodidamente sexy?
O riso rouco, embriagado de tesão, era apelação.
E esse corpo?
Vai se foder!
Não, me fode!
Minha boca encheu de água ao vê-lo despir a camisa.
Corri as unhas por seu tórax.
Ele tocou meu lábio com o polegar, ainda sorrindo.
— Quando eu meter na sua boceta — os olhos deslocaram-se
para os meus —, vou te comer de todos os jeitos, em todas as posições
que eu conseguir pensar, até que nenhum de nós consiga se manter de
pé. — Moveu as mãos para o cós da minha saia. — Mas, hoje...
Arion desfez o nó lateral, abraçou-me pela cintura, suspendendo
minha bunda do móvel, e livrou-se da saia. Então voltou a me sentar,
lambeu os lábios olhando para minha boceta e enganchou os dedos na
calcinha, arrastando-a por minhas pernas.
— Hoje — ajoelhou-se aos pés da mesa, deslizando os braços ao
redor de minha bunda — vou chupar sua boceta, linda. — Olhando nos
meus olhos, ele enterrou o rosto entre as minhas pernas.
A respiração quente me atingiu milésimos de segundos antes dos
lábios sedentos se unirem aos lábios da minha boceta em um beijo voraz.
— Ai, caramba — gemi.
Suas pálpebras fecharam-se e logo as minhas fizeram o mesmo.
Arion sincronizou os movimentos dos lábios e língua, como faria se o
beijo fosse em minha boca. Lambendo, chupando, mordiscando,
explorando cada pedacinho meu.
— MEU DEUS!
— Sou só eu, linda. — A risada abafada contra minha boceta foi
para me matar de uma vez.
Ele transferiu os beijos para minha virilha e mordiscou a parte
interna da minha coxa.
— Desgraçado gostoso! — Levei minhas mãos aos seus cabelos.
— Sua boceta é uma delícia — murmurou, arrastando os lábios
sobre minha boceta outra vez.
Arion prendeu meu clitóris entre os lábios e o chupou, girando a
língua preguiçosamente ao soltá-lo. Ondas de prazer subiam por minha
coluna e se espalhavam por meu corpo. As mãos cobriram meus seios.
Ele amassou ambos, continuando os chupões e lambidas insaciáveis em
minha boceta.
— Eu vou morrer! — Outra risada vibrou por toda minha boceta.
— Caralho... — Os polegares seguraram meus mamilos contra o
indicador e apertaram de leve. — Mais.... — pedi, sentindo arrepios
escalarem por minhas vértebras. Ele aumentou a intensidade do aperto
em meus mamilos aos poucos. — Ariooooon.... — Puxei seus cabelos.
— Porra, linda! — Arion agarrou as minhas coxas com as duas
mãos e me chupou ferozmente, submergindo a língua em minha boceta.
Vida tremia, gemia e rebolava em minha boca, segurando minha
cabeça entre suas pernas. Possessiva e mandona, me dizia exatamente
onde me queria. Mas até parece que eu pretendia ir para outro lugar.
Eu poderia chupá-la a noite inteira.
Poderia chupá-la minha vida inteira.
Porra, eu queria chupá-la todos os dias da minha vida!
— Não para... não para... não para... — Se existia melodia mais
perfeita do que os seus gemidos, eu desconhecia. — Arioooon... — E
quando dizia meu nome entre gemidos então... PORRA! — Não pa... —
Arfou, se rendendo ao orgasmo.
Suavizei os chupões, mas não parei.
Continuei até que os espasmos do seu corpo cessassem.
— Caramba... — gemeu quando a lambi mais uma vez antes de
me levantar e beijar sua boca.
— Gostosa — murmurei, segurando seu rosto em minhas mãos.
— Linda e gostosa. — Deslizei minha língua entre os lábios macios.
Eu ficava inspirado para um caralho quando Vida estava no dance
floor. A adrenalina de estar no palco se somava à sinfonia ensandecida
dos meus batimentos e meus sets ganhavam uma potência bizarra.
Naquela noite, depois de me ajoelhar entre suas pernas e sentir o
seu orgasmo derramar-se em meus lábios, tudo parecia ainda mais
intenso do que antes. Enquanto ela dançava, vibrando na batida da
música — da minha música —, eu ouvia a melodia dos seus gemidos
pulsando em minhas veias.
Por toda a madrugada, tudo o que eu via era ela.
Quando o dia amanheceu e uma aquarela rosa alaranjada coloriu
o horizonte, encerrei o set com um remix de Enchanted. Eu vinha
trabalhando nele desde a noite de Réveillon, e era a primeira vez que o
tocava em um set. Ela reconheceu a melodia nos primeiros segundos e
um sorriso imenso fez morada em seus lábios.
A melodia ainda não havia chegado ao fim quando Arion deixou
a cabine de som e me encontrou em meio ao dance floor.
A claridade dos raios solares incidia nas íris escuras, como se as
incendiasse. E a mim também! Uma risada que misturava suspiros e um
choro contido exalou dos meus lábios. Ele afastou uma mecha dos meus
cabelos e beijou-me. Docemente.

Eu passei o domingo de preguiça na cama, à noite encontrei com


o pessoal, jantamos e fomos à praia em frente ao resort.
— Vi o Arion avançando pela pista, né? — Pietro narrava o que
aconteceu de manhã para Antonella, Kimi e Caíque. — Quando olho
para o lado, tá a Vida chorando. — Meu irmão deu uma risada.
— Eu não tava chorando, Pietro! — menti descaradamente. — O
sol que tava muito forte e meus olhos são sensíveis. — Os meus amigos
irromperam em risos.
— E nisso o dance floor parou, né? — comentou Letícia.
— Que ódio de mim por não ter ido para o Saideira —
resmungou Kimi. — Queria ter visto esse momento.
— Todo mundo foi se afastando, abrindo espaço para o Arion
passar — contou Duna, com um sorriso escancarado nos lábios.
— Parecia cena de filme, porra! — declarou o meu irmão.
— Por que vocês não gravaram, caralho? Os celulares estavam
enfiados no cu? — perguntou Caíque.
— Custava nada, gente. — Antonella fez um muxoxo.
— Ninguém nem lembrou de celular — respondeu o Louie. —
Isso tudo foi em questão de segundos, porra — explicou.
— De repente o Arion estava beijando a Vida e gritos explodiram
por todos os lados — comentou Letícia.
— Sério? — perguntei, franzindo o cenho.
— Tá brincando que você não ouviu os gritos? — perguntou
Pietro.
— Não tenho certeza.
— Ai, meu Deus! — Kimi deu um gritinho.
— Se perguntar ao Arion, aposto que ele também não ouviu —
disse Louie, sorrindo.
— Mas isso nem é tudo, tá? — comentou Duna. — Vamos falar
de quando o Arion mandou os seguranças expulsarem um cara porque
ele mexeu com a Vida?
— SIM! — exclamou Letícia.
— AI, MEU DEUS! — Kimi e Antonella gritaram em uníssono.
— Sério isso? — inquiriu Caíque.
— Sério, cara — confirmou Louie.
— Aquilo foi tão bom! — Pietro falou aos risos. — O otário
querendo crescer para cima da Vida. Não deu nem tempo de eu meter a
mão no peito do cara antes dos seguranças o tirarem de lá.
— É impressão minha ou Arion tem um fã-clube? — comentei
entre risos.
— Eu tava meio com o pé atrás com ele por causa dessa história
da ex ter ido embora do nada, e aí tem o lance de ele ser DJ, não confio
em músicos — comentou Caíque —, mas vou dar o meu braço a torcer,
e nem é por nenhuma dessas coisas que contaram. — Caíque piscou para
mim. — Gosto de como ele te olha, Açucena.
Açucena.
Apenas Açucena.
Não minha Açucena.
Um dia o Caíque me disse que eu seria sua prioridade até que
acreditasse que outro cara poderia fazer isso melhor do que ele.
Sorri para o meu melhor amigo, sentindo o coração acelerado.
Voltamos aos nossos bangalôs quase meia-noite, e, no outro dia,
cedinho, eu e Louie saímos para surfar.
Após uma caminhada na praia, de cerca de uns dez minutos,
chegamos ao Posto 4. Deixamos a bolsa no guarda-volumes de uma das
barracas e remamos para o outside.
Saí do mar antes de Louie, porque queria fazer umas fotos e
aquele era o melhor horário, porque a praia ainda não estava lotada de
gente. Coloquei minha prancha deitada sobre a areia, na tenda que
ocupamos ao chegar, calcei os chinelos e segui para a bica de água doce,
entre a barraca e o posto de guarda-vidas.
Na plotagem que revestia a lateral da ambulância parada sob o
bangalô do posto, podia-se ver o símbolo dos guarda-vidas, da
associação de surfistas locais e do projeto Vida. O último criado há cerca
de seis anos, por meu pai, e o nome era por minha causa, embora aquele
detalhe tivesse ficado apenas entre nós a pedido meu.
O projeto Vida trouxe mais cinco ambulâncias para Arraial do
Porto, somando seis ao total, uma para cada Posto de guarda-vidas, e um
helicóptero para transporte para a capital em caso de acidentes, já que a
ilha contava com um Posto de Saúde de pequeno porte e o hospital mais
próximo não tinha a melhor das estruturas.
Subi no deque de madeira e abri a bica, a água caía em abundância
por uma calha de bambu. Enfiei-me debaixo da água e ergui a cabeça,
deslizando as mãos por meus cabelos. Era impossível correr os dedos
entre os fios com a quantidade de sal, areia e nós que havia neles. Livrei-
me o máximo que pude do sal e areia, e desci o zíper de minha websuit.
Eu vestia uma peça única, verde-água, de manga longa e short cavado.
Cerrei as pálpebras e mergulhei o rosto sob a cascata. Segurei a
lycra na altura dos seios, afastando-a um pouco para que a água corresse
livremente por eles. Meus bicos logo ficaram duros por causa da água
fria, mas a sensação era deliciosa. Abaixei a cabeça, levei uma das mãos ao
zíper em meu umbigo e o fechei até a altura dos seios. Desliguei a bica e
me encaminhei ao guarda-volumes da barraca.
Em posse da máquina fotográfica e do protetor solar fui para a
mesa. Pedi uma água de coco, enquanto esperava passei uma nova
camada do protetor, e depois de me hidratar, levantei-me e fui às fotos.
Estava caminhando há alguns minutos quando avistei Apollo sentado na
areia. Ele vestia uma bermuda de surfista que tinha um degradê
alaranjado, a camiseta preta estava jogada na areia, à sua esquerda, e os
braços repousavam sobre os joelhos flexionados.
— Posso me sentar aqui? — perguntei.
O rosto virou-se para mim e Apollo ergueu os olhos,
semicerrando-os por causa do sol.
— Claro. — Deu um meio sorriso.
Sentei-me ao lado dele e olhei para o mar. A extensa bancada de
corais era responsável por piscinas naturais que guardavam verdadeiros
oásis submersos, e coqueiros se uniam ao horizonte, criando um cenário
de tirar o fôlego. Parecia uma pintura, de tão perfeito, mas não achava
que fosse aquela paisagem que o Apollo observava.
Alterei a câmera para o modo de filmagem ao ver Louie remando
para pegar uma onda. Capturei o momento que dropou e continuei
acompanhando seus movimentos, meu sorriso aumentando a cada
segundo. A prancha sobre a onda, era como se dançasse com o mar.
— Você pode não contar a ele que eu estava aqui? — Abaixei a
câmera ao ouvir a pergunta do Apollo e volvi os olhos para ele,
aquiescendo. — Obrigado.

Apollo foi embora quando Louie saía do mar.


Eu fui ao encontro de Louie e seguimos para a tenda na barraca.
Quando nossos amigos chegaram, estávamos devorando uma porção de
caranguejos digna de comer rezando. Pietro e Caíque, dois esfomeados,
foram logo metendo a mão e pedindo para a atendente trazer mais duas
porções de caranguejo e duas de lambreta[59].
— É de quê? — perguntou Pietro com meu copo de roska a
caminho da boca.
— Mangaba. — Acertei o martelinho na pata do caranguejo,
rachando a casca.
— Caralho! — exclamou meu irmão ao tomar um gole da roska.
— Vou pedir uma dessa. — Devolveu meu copo à mesa e jogou-se na
rede amarrada a duas palmeiras, atrás de mim.
Todas as barracas de praia do Posto 4 tinham tendas montadas na
área em frente a elas, sobre a sombra de palmeiras e cobertas por
sombreiros de palha. Cada uma possuía, além de mesas e cadeiras em
madeira, uma rede, espreguiçadeira e um pufe baixo e longo, que cabiam
duas pessoas tranquilamente.
— Eu também — disse Kimi, que havia provado do copo de
Louie, e se acomodava na cadeira ao lado.
— Alguém me chama quando a comida chegar, por favor —
pediu Duna, livrando-se do short. — Vou dar um mergulho. Alguém
quer ir?
— Eu! — falou Antonella, removendo a saída de praia.
— Vamo! — Caíque e Pietro responderam juntos.
— Ok, aviso quando os pedidos chegarem. — Louie quebrou a
pata do caranguejo com as mãos e sugou a carne.
— Vou daqui a pouco, só preciso terminar uma coisinha aqui —
disse Letícia, tirando o tablet da bolsa.
— Trabalho? — inquiriu Louie.
— Preciso de uma babá para ontem. — Ela sentou-se ao meu
lado. — Janeiro termina em uma semana e isso significa que o meu
prazo para convencer o Arion a não desistir dos festivais também.
— O que vai fazer? — inquiriu Kimi.
— Eu já perguntei em todo canto, minhas únicas opções entre os
moradores da ilha são garotas de catorze a dezesseis anos, e eu não quero
arrumar problema para minha vida. — Letícia meneou a cabeça. — Não
posso esquecer que o pai solo em questão é um mega gostoso, portanto,
adolescentes com fogo no cu estão vetadas. Sendo assim, decidi ampliar
meus horizontes e buscar alguém que tenha interesse em passar dois
meses de verão numa ilha paradisíaca, hospedada em um resort de luxo,
com tudo pago e ainda recebendo para ser babá de duas crianças.
— E conseguiu alguém? — perguntei.
— Tenho vinte e duas interessadas, todas trabalharam como au
pair[60] e têm entre vinte e vinte e cinco anos. — Ela apontou para o
tablet. — Agora preciso pré-selecionar cinco para que o Arion converse
com cada uma por chamada de vídeo e, com fé em Deus — cruzou os
dedos —, encontre a babá perfeita em uma delas.
— Eu topo.
Os três pares de olhos se voltaram para mim ao mesmo tempo.
— Como assim você já tem uma babá? — Encarei Letícia. Ela me
ligou na terça de manhã e pediu que eu a encontrasse no bar do resort
após o almoço. — O combinado era que a última palavra seria minha.
— Primeiro, deixa eu te apresentar a babá, depois você me diz o
que achou dela — disse, com um sorrisinho indecifrável nos lábios.
— Ok.
— Posso pedir para ela vir, então? — perguntou, pegando o
celular de cima da mesa.
— Sim, né? — Sacudi os ombros.
— Você ainda vai me agradecer por isso. — Letícia riu, digitando
uma mensagem no celular.
Eu estava tenso para um caralho sobre deixar as crianças sozinhas,
sob os cuidados de outra pessoa, mesmo que por pouco tempo. Estava
torcendo para que até o dia de embarcar para o festival no México, eu me
sentisse seguro quanto a isso, ou era capaz de desistir no último minuto.
— Oi.
Movi os olhos ao som de sua voz. Vida estava em pé, ao lado da
mesa, radiante em um vestido verde de alcinhas e saia rodada.
— Oi. — Levantei-me e a cumprimentei com um beijo. — Eu ia
te mandar mensagem quando terminasse aqui. A gente — apontei para
Letícia — tá esperando...
— Por mim.
— Quê? — Franzi o cenho.
— Você estava me esperando.
— Espera...
Olhei para Letícia, que apenas sorriu, sacudindo os ombros como
se dissesse “eu disse que ainda iria me agradecer por isso”.
Vida iria me ajudar com as crianças?
Voltei-me para ela, os olhos verdes sorriam.
— Você? — Foi tudo o que consegui dizer.
— Preciso que saiba que eu não sei nada sobre cuidar de uma
criança.
Eu também não sabia quando precisei cuidar de uma.
— Você quer mesmo fazer isso?
— Com uma condição. — Ela jogou os braços nos meus
ombros.
— Sim — respondi, abraçando sua cintura.
— Ainda não disse qual é. — Um sorriso brincou em seus lábios.
— Para você, é sempre sim.
— Um milhão — os dentes incidiram sobre o lábio —, quero um
milhão de beijos roubados como pagamento.
— Não sei... — Meneei a cabeça. — Não acho que seja um
número possível — falei, encostando minha testa na dela. — Não acho
que posso parar em um milhão. — Inclinei-me para seus lábios. — Um
infinito.
— Isso me parece perfeito. — A pequena risada que soprou em
meu rosto teceu uma teia de arrepios por meu corpo. — Um infinito de
beijos roubados. — Vida pincelou a língua em meus lábios.
— Por nada — o ruído da cadeira denunciou que Letícia se
levantava —, e vão para um quarto — disse entre risos.
— Onde estão as crianças? — murmurou Vida, acariciando meu
rosto.
— Com o Apollo. — Minhas mãos vaguearam pelo decote em
suas costas, percorrendo a suavidade de sua pele.
— Quer conhecer o meu quarto?
Minha boca estava na dela antes que a porta estivesse fechada.
Minha camisa no chão no segundo seguinte ao bater da porta.
Meus tênis foram pisoteados e chutados para fora dos meus pés
enquanto eu a carregava em meus braços, obedecendo aos murmúrios
que me diziam que direção tomar entre beijos e mordidas. Na escada, a
pausa foi necessária
Vida me montou no segundo que caímos na cama, a mão
pequena e delicada apertou meu queixo e uma mordida ardeu em meu
lábio. Ela impôs uma pequena distância, mirou em meus olhos e atingiu
meu rosto com um tapinha. Meu pau latejou em resposta.
— Eu nem ouvi o estalo, linda. — Dei um sorriso lateral e uma
piscadinha, enfiando minhas mãos por baixo do vestido e acertando um
tapa na sua bunda. O som ecoou pelo quarto seguido pelo seu gemido.
Ela mordeu o lábio, me negando a visão esplendorosa do seu
sorriso.
— Cretino gostoso. — Voltou a aprisionar meu queixo entre os
dedos. Senti meu corpo queimar. — Quero ver manter essa pose quando
eu estiver te chupando. — O estalido do tapa me arrancou um gemido.
Cravei os dedos nas suas coxas. Vida moveu-se para as minhas
pernas e as mãos se concentraram em despir a bermuda. Ela desceu da
cama, arrastando-a por minhas pernas, e até tirou as minhas meias.
— Porra — mordeu os lábios —, você é perfeito! — Engatinhou
por cima de mim.
— Não, não. — Apontei para fora da cama. — Pode ficar
peladinha antes de voltar para essa cama. — Cruzei os braços atrás da
cabeça, lambendo meus lábios enquanto a comia com os olhos.
— Sim, senhor — disse entre risos, virando de costas para mim e
descendo o zíper na altura da cintura.
Ela olhou por cima do ombro, dando um sorriso safado, abaixou
as alças do vestido e o deslizou para baixo, revelando aos poucos a bunda
gostosa, com um fiozinho dental preto socado no rabo.
— Caralho, Vida! — Apalpei meu pau por cima da boxer.
Foda-se o que eu disse!
Saltei para os pés da cama, enganchei suas pernas em meus braços,
escancarando-as, e a suspendi do chão. Eu a beijei, gemendo em sua
boca, esfregando meu pau duro na ínfima renda que cobria sua boceta,
então aprumei as mãos em sua cintura, com meus braços sob a dobra dos
seus joelhos, e a ergui para os meus ombros.
— Puta merda! — Suas mãos agarraram-se aos meus braços.
— Puxa a calcinha de ladinho pra mim, linda — murmurei,
erguendo os olhos e capturando o momento exato que um gemido
rompeu seus lábios. Vida me atendeu prontamente. — Obrigado,
gostosa. — Sorri, beijando os lábios grossos de sua boceta.
— Que desgraçado — gemeu outra vez, enquanto eu chupava
sua boceta. — Arioon... — Uma das mãos fechou-se sobre os meus
cabelos.
Quando os tremores em suas pernas e gemidos ficaram mais
fortes, eu a desci para os meus quadris e a levei para a cama. Abraçando-a
pela cintura, nos movi até os travesseiros. Meu olhar encontrou a
tartaruga de pelúcia e um sorriso irrefreável se desenhou.
— Não fique se achando — disse, percebendo para onde eu
olhava.
Dei uma risada, afundando meus lábios em seu pescoço.
— Tarde demais, linda.

Uma piroca linda pra caralho saltou fora da boxer com nada mais,
nada menos, do que sete piercings halteres.
SETE, PORRA!
A estética daquele pau era de dar água na boca. Tamanho,
proporção, as veias marcadas, os piercings alinhados com perfeição... Não
era um pau, era uma obra de arte.
Grande.
Muito grande.
Grosso.
E tinha sete piercings!
Eu estava preparada para um grande pau, mas não tinha ideia que
ele viria com tantos adereços.
— Seus pais estavam inspirados, hein?! — brinquei, meio zonza
ainda com aquilo tudo.
Arion deu uma gargalhada e desabou as costas sobre os lençóis.
Os braços caíram no travesseiro acima de sua cabeça. A risada grave
eriçou os pelinhos da minha nuca. Suspirei, subindo o olhar pelo
abdômen trincado. QUE PERFEIÇÃO DE HOMEM. Ele flexionou uma
perna, atraindo minha atenção para a musculatura da coxa grossa, e dali
foi só um pulo para voltar ao seu pau.
— Que cacete lindo da porra!
Ele tombou a cabeça de lado, buscando-me com os olhos.
— Vem cá, vem. — Sorrindo, estendeu-me a mão em um
convite que eu não era nem louca de recusar.
Arion pousou a mão em meu braço, acariciando-me pelos
ombros e costas quando me joguei ao seu lado, esparramando a mão por
seu abdômen e meus lábios nos dele.
Profundo, quente, possessivo, seu beijo era certeiro... era perfeito.
O nosso beijo era perfeito.
Como a porra do seu pau!
Como tudo nele.
Um sorriso me escapou e Arion o capturou numa mordida.
Outro sorriso, outra mordida.
Então ele estava sorrindo também.
Entre beijos doces e puxões malvados.
Entre lambidas suaves e mordidas ferozes.
Meus dedos traçaram o V em seu quadril e resvalaram por seu
pau. Eu não conseguia envolvê-lo completamente, mas capturei tanto
quanto pude. Cobrindo a área de dois piercings, iniciei uma punheta,
girando a palma em um ritmo constante.
— Vidaaah...
Delícia de gemido.
Meu olhar demorou-se em seu rosto, guardando em detalhes sua
entrega. A cabeça projetou-se para trás, fazendo com que a coluna da
garganta ficasse vulnerável, e eu que não perderia a oportunidade. Lambi
de baixo para cima, lentamente, mordicando o seu queixo ao final da
minha escalada, inebriada pelos sons que saíam dos seus lábios.
— Gostoso. — Coloquei-me de joelhos ao seu lado. — Gostoso
pra caralho! — Girei a língua ao redor do seu mamilo.
— Porraaah...
A palma da mão desceu com tudo sobre a minha bunda, me
roubando um gemido alto. Eu me empinei mais, chicoteando o outro
mamilo com a língua, e outros tapas me atingiram, deixando minha
boceta em lágrimas.
À medida que eu aumentava a intensidade dos chupões e
mordidas que se desenhavam no seu tórax, seus gemidos soavam mais
roucos e potentes.
Ele ficava lindo gemendo.
Mais lindo ainda.
Massageei suas bolas, uma de cada vez, beijando a cabeça do pau,
e abri os lábios, deslizando-os ao seu redor, mantendo-os parado
enquanto minha língua fazia a festa, lambendo e lambuzando sua glande.
— VIDAAAH, PORRA...
Sorri, com seu pau pulsando sob a minha língua, e selei meus
lábios nele. Suguei a cabecinha antes de expulsá-lo de minha boca.
— Oi, baby — disse com a voz doce.
Arrastei a mão que brincava com suas bolas para o seu pau,
envolvi tanto quanto pude e a girei em seu eixo, abocanhando a glande
mais uma vez.
— CARALHO, LINDA!
Continuei o movimento e não demorou para que o sentisse
estremecer sob a minha língua. Os dedos ataram-se aos meus cabelos, na
altura da nuca, e rosnados trovejaram por seus lábios.
— Que gostoso, porra! — Arion aferrou o aperto em meus
cabelos e moveu o quadril, estocando lenta e profundamente.
A voz, que era a minha perdição, incitou um mar de arrepios em
meu corpo. Minha língua serpeava por seus piercings, a sensação gelada
combinada ao pulsar quente de suas veias era viciante. Sincronizei a
punheta com o vaivém dos meus lábios, levando-o um pouco mais
fundo a cada investida. Eu não o aguentava todo, parei no quinto
piercing, e então o chupei, tomando tudo dele. Quebrando-o, fodendo-
o, até que cada gota do seu prazer estivesse se derramando.
— Vou gozar — avisou, afrouxando o aperto em meus cabelos.
— Na minha boca — pedi, voltando a chupá-lo.
— Como quiser, linda — ciciou, metendo gostoso.
Um gemido baixo e rouco escapou dos seus lábios e em seguida
senti o gozo quente e espesso em minha língua.
— Porraaah... — gemeu, enquanto o lambia, extraindo cada
gotinha. — Que chupada gostosa.
A maldita risada soou junto a um suspiro longo, abalando todas
as minhas estruturas.

Fomos para o banho depois de mais uns beijos. Arion tinha que ir
à terapia e não podia demorar mais, então aproveitamos os minutos no
chuveiro para conversarmos sobre como faríamos em relação às crianças.
— Ainda não conversei com os dois sobre os festivais, porque eu
não tinha certeza se iria — explicou, movendo as mãos por meus
ombros. — Podemos criar encontros casuais para que vá se aproximando
deles, pelo menos nessa primeira semana.
— Ok, acho que isso é mais fácil pra mim também.
— Obrigado por fazer isso, Vida. — As mãos acariciaram as
laterais do meu rosto. — Mas se perceber que é muito para você e quiser
mudar de ideia, tudo bem.
— Eu só preciso mantê-los vivos, certo? — brinquei, afanando
uma risada dele.
— É mais difícil do que parece, mas é gostoso pra caralho. —
Arion deu-me um sorriso, seguido por um selinho demorado. — Que
tal um encontro casual amanhã, na praia?
— Eu, você, as crianças e nossas pranchas?
Aquiesceu, sorrindo.
— E uns beijos roubados nessa boca linda. — Pressionou os
lábios nos meus, reivindicando um beijo profundo.
— VOCÊ VAI O QUÊ? — Caíque me encarou de olhos
esbugalhados.
— Meio que vou... — Torci o lábio, beliscando-o com os dentes.
— MEIO, VIDA? Você acabou de me dizer que vai passar os
próximos dois meses brincando de ser mãe! — Caíque deslizou a mão
nos cabelos. — CARALHO, DUNA! — esbravejou, movendo os olhos
para minha melhor amiga, sentada ao meu lado, na beirada da cama. —
Já esqueceu o quanto ficamos loucos de preocupação com a Vida nos
últimos dois anos?! DOIS ANOS, PORRA! — Caíque nos deu as costas e
cruzou os braços atrás da cabeça. — Vocês só podem estar de sacanagem
com a minha cara. TOMAR NO CU!
— Eu sei que foi difícil para vocês quando...
— NÃO. — Ele virou bruscamente e olhou em meus olhos, com
o maxilar travado e os lábios comprimidos em uma linha irascível. —
Não, Vida, você não sabe! — Eu assisti petrificada uma lágrima surgir no
canto do seu olho esquerdo e rolar por sua barba. — Você não sabe
como é acordar todos os dias com medo que aquela mensagem nunca
chegue, com medo que a qualquer momento você receba uma ligação
dizendo que acabou — ele sacudiu a cabeça em negativa —, que você
não pode mais fazer nada — meus olhos ficaram turvos de lágrimas —,
que nada do que fez foi o suficiente para impedir que o seu maior medo
se tornasse real.
— Desculpa — murmurei, sentindo o choro rasgar o meu peito.
— NÃO PEDE DESCULPAS, PORRA!
— Caíque... — Duna segurou em minha mão.
— Eu sei que não é sua culpa, eu sei que está sofrendo, eu sei de
tudo isso. — Caíque respirou fundo. — Mas isso não alivia a minha dor,
Vida. Isso não diminui a dor da Duna — apontou para ela —, do Pietro,
dos seus pais... — enumerou, agitando uma mão. — De todos nós. —
Deu de ombros. — Então não me culpe por estar com medo que esses
dois meses te levem embora das nossas vidas para sempre.
Eu me levantei e me refugiei em seus braços.
— Não te culpo — murmurei, enterrando o rosto em seu peito.
Caíque me segurou em um abraço apertado, afagando os meus
cabelos por longos minutos, enquanto três corações sangravam em
silêncio.
— Você tem certeza que esse não vai ser a porra de um gatilho de
merda? — perguntou, esmagando os lábios nos meus cabelos.
— Não sei.
— Merda — resmungou, movendo as mãos para o meu rosto.
Ele deu um beijo em minha testa, soltou-me e foi até Duna. — Não vou
me desculpar pelos gritos — disse, envolvendo-a em um abraço e se
curvando para beijá-la nos cabelos.

Nós três não saímos com os outros naquela noite, viramos a


madrugada conversando numa cabana de lençóis que montamos na
varanda do bangalô, conversando entre fatias geladas de pizza e vacas-
pretas[61] — de sorvete de chocolate, porque ficava muto mais gostoso.
— Quando o Yudi contou que seria pai, foi como se pela primeira
vez eu compreendesse o significado da sentença que recebi aos treze
anos. Nossa família estava crescendo, nossos encontros logo ganhariam
novos rostos, uma nova geração estava começando, e isso me obrigou a
olhar para dentro de mim, para as minhas dores, as minhas inseguranças.
— Afastei uma lágrima. — Como seria pra mim ver o meu irmão e cada
um de vocês sendo pais? Eu conseguiria ficar feliz por vocês, e apenas
feliz, sem que um buraco se abrisse em meu peito? É sobre como eu me
sinto e o que eu quero para minha vida, independente se vou fazer isso
com alguém ou sozinha. Tenho vinte e três e conquistei tudo o que
quero a nível profissional, até mais do que esperava, mas quando tiro o
trabalho da linha de frente, o que me resta? Outro dia falei para minha
psicóloga que depois que encontrei o Igor...
— O QUÊ, PORRA?! — bradou Caíque.
— Continua. — Duna tapou a boca do Caíque, me fazendo rir.
— Depois que o encontrei, eu não consigo parar de pensar que
não é justo que ele tenha seguido com a porcaria da vida dele enquanto
eu continuo fugindo da dor que ele me causou. Ele me fez sentir
vergonha de algo que não deveria me envergonhar.
— Ninguém me conta mais nada nesse caralho?! — inquiriu
Caíque quando Duna abaixou a mão.
— Ela me contou há algumas semanas — disse Duna.
— Por que você tem essa mania irritante de guardar todas as
merdas pra si? — perguntou-me Caíque. — Porra, que saco isso!
— Não quero mais fingir que está tudo bem, eu quero que tudo
esteja bem de verdade. De abril a agosto do ano passado tive muitos
episódios de ataques de pânico, cheguei a ficar um mês inteiro sem sair
do quarto do hotel. — Duna e Caíque me encararam com olhos
arregalados. — Voltei aos medicamentos por um tempo, mas em
setembro eu já estava melhor e a psiquiatra o suspendeu. Sigo fazendo
acompanhamento quinzenal com ela, e duas sessões semanais com a
psicóloga.
— Me diz que pelo menos aos seus pais você contou, por favor
— pediu Duna.
Neguei com a cabeça, enfiando um pedaço de pizza na boca.
— Não dá para te defender não, porra! — vociferou Caíque.
— Prometo que nunca mais escondo nada de vocês.
— Quero uma prova disso — falou Caíque.
— Que prova?
— Foi intencional?
— O quê? — Franzi o cenho, me fingindo de desentendida.
— Você sabe o quê, Vida.
— Não entrei no mar decidida a me matar, então não. Diria que
foi ocasional. — Caíque mordeu o lábio com raiva. Duna suspirou
fundo. — Quando submergi e o strep partiu, vi como uma
oportunidade.
— Você já pensou nisso outras vezes? — perguntou Duna.
— Não. Foi logo quando o Igor espalhou para todo mundo que
eu não tinha boceta e fizeram todos aqueles edits idiotas e montagens.
Era uma merda ser alvo de “piadas” — fiz aspas no ar — o tempo todo.
Nem no banheiro eu tinha paz, todo dia tinha uma frase escrota na
parede. Algumas meninas não queriam me deixar usar o banheiro porque
diziam que eu não era uma garota, outras vezes tentavam tirar minhas
roupas. Estava insuportável, eu só pensei que aquele momento poderia
colocar um fim naquele inferno. Não planejei, gente.
— Promete que não existe mais segredos entre a gente? — disse
Caíque, erguendo o mindinho.
— Nenhum segredo. — Duna tocou a ponta do seu mindinho
ao do Caíque.
— Prometo. — Toquei meu mindinho no deles. — Sem
segredos. — Abracei os dois pelo pescoço. — Amo vocês.
— Também amo vocês.
— Às vezes, eu odeio as duas — desfiz o abraço e acertei um tapa
no braço do Caíque. Duna bateu do outro lado —, mas na maior parte
do tempo — acrescentou ele, caindo de costas e rindo enquanto o
acertávamos com travesseiros — eu também amo vocês.
— Idiota. — Dei uma última travesseirada na cara dele. — Agora,
mudando de assunto... — Elevei a sobrancelha e sorri de canto.
— Fala! — Caíque voltou a sentar-se.
— Arion tem sete piercings no pau.
— COMO É? — perguntou Duna.
— Eu tenho tantas perguntas para fazer ao Arion quando o
encontrar — comentou Caíque, abrindo um sorriso sacana.
— Não, você não tem. — Apontei o dedo para ele.
— Um piercing no pau — ele ergueu um dedo —, bacana. —
Ergueu mais um dedo. — Dois eu já penso: corajoso. Mas sete? Maluco,
porra! — Caíque deu uma risada.
— Preciso de mais detalhes.
— É uma escada — gesticulei com os dedinhos, desenhando
linhas paralelas para cima e para baixo —, a escada da perdição, porque
puta que pariu viu... Ele é... — Umedeci os lábios. — Tão gostoso, porra!
— Dei um suspiro. — E tem um cacete tão lindo... — Me joguei sobre
os lençóis, abraçada ao travesseiro.
— Ela suspirou por causa de um pau, é isso mesmo? — Caíque
me provocou.
— Não é um pau, é O PAU!
— Acho que os suspiros são por causa do DONO DO PAU. —
Duna meneou a cabeça, rindo.
— Olha, papai! — Movi os olhos para o mar. — QUE DEMAIS!
— comentou Malika, admirando Vida flutuar com a prancha sobre a
crista da onda.
— Monstruoso! — Minha filha me olhou, sorrindo, e dei uma
piscadinha.
— Dadada... — Alec se esticou no meu colo, dando gritinhos,
apontando para a prancha.
— Calma aí, rapá! — brinquei com ele.
— Da... papa!
— A gente acabou de chegar, Leleco. Vamos aquecer? — O levei
para a prancha. — Mali, você também.
— Já vou, papai — disse, com as mãos apoiadas na cintura, me
olhando por cima do ombro. — Posso correr?
— Até a oficina do vovô, vai e volta rapidinho.
— Três vezes? — Ela tirou as Havaianas e as trouxe para próximo
da mochila.
— Duas tá bom — sorri —, mas se quiser três, pode ser também.
— Três — disse e saiu correndo.
Mudei de posição, para ficar com Malika à minha vista, enquanto
passava mais um pouco de protetor solar no Leleco.
— Aiiaa... — Alec gritava pela irmã.
— Você quer correr com a Mali? — Guardei o protetor no bolso
da mochila. — Vamos levantar? — Segurei em suas mãos.
Não dei impulso nenhum, apenas me mantive de apoio para ele.
Eu achava engraçado as pequenas interjeições que ele soltava quando
fazia algum esforço.
— Êêêê!!! — comemorei quando ficou em pé.
— Eeee — festejou, todo risonho.
Olhei para Malika, confirmando se seguia o combinado, e voltei-
me para o Alec. Recuei um passo, esticando o braço, e soltei suas mãos,
deixando que minhas palmas continuassem tocando as dele.
— Vem para o papai — chamei o Alec.
— Papa. — Ele deu um passinho, se agarrando em mim.
— Vem, Leleco. — Devagarinho, eu ia recuando mais, e ele
andando por cima da prancha. — Olha a onda! — Balancei os braços
para o lado, envolvendo suas mãos para que não caísse, e Alec deu uma
gargalhada gostosa. — Que onda irada!
— E agora, papai? — perguntou Malika, voltando das três
voltinhas.
Segurei as mãos de Alec e me virei para Malika.
— Cinco flexões.
Malika se posicionou em cima da sua prancha e Alec quis imitá-la,
então o deixei livre para se movimentar.
— Aiiaaaa...
Olhando o que a irmã fazia, ele deitou de barriga para baixo, com
as mãozinhas batucando a prancha e esticando os pezinhos, se
espichando todo. E, caramba, meu pequeno estava enorme. O tagarela
não parava de conversar.
— Boa, Leleco! — Dei um joinha para ele. — Faz a rotação nos
ombros[62], Mali — instruí, observando se o movimento estava correto.
— Isso, amô! Quando terminar a série, faz o lunge[63].
Eu me sentei na areia, com um olho neles e o outro no mar.
Não no mar em si, mas nela.
A pirata que roubou as batidas do meu coração.
Vida deslizava entre as ondas, os pés dedilhando a prancha sobre o
oceano, dançando ao som da melodia sussurrada pelo vento.
A leveza com que se movia era hipnotizante.
— Papa...
— Sim, Leleco. — Volvi os olhos para meu pequeno e abri um
sorriso largo ao vê-lo sentado sobre os joelhos, meio que dando uns
pulinhos, tentando acompanhar a Malika. — Uau! — Bati palmas para
ele. — Tá detonando, Mali. O próximo é o “sim e o não”[64], ok?
— Ok — respondeu, ofegante.

— Oi! — Vida nos cumprimentou, segurando a prancha. — Ei,


Leleco! — Deu um tchauzinho para ele, ganhando um sorriso em troca.
— Vocês por aqui?
— Oi. — Prendi a risada e dei uma piscadinha para ela. — A
gente mora logo ali. E você, vem sempre aqui? — Devolvi a piadinha.
— É a minha primeira vez, eu não conhecia esse pico.
— Você que tava surfando? — perguntou Malika, procurando
pela surfista no mar. — IRADO! — Volveu os olhos arregalados para
Vida.
— Você me viu surfando? — Malika assentiu com um
movimento de cabeça. — Não me diga que foi o seu papai quem te
ensinou.
— Foi — respondeu, sorrindo.
— Ooooo... tata... — Alec quis participar da conversa.
— Você também, Leleco? — Vida abriu um sorriso largo e ele se
derreteu todo. — Tem alguma coisa que o papai de vocês não saiba
fazer? — Vida estreitou os olhos.
— Dançar! — exclamou Malika, quase gargalhando.
— Não entendi essa risada. — Olhei para a minha filha,
sacudindo as mãos no ar.
— Você é muito engaçado dançando, papai. — Ela cobriu a boca
com a mão, rindo mais.
— Preciso ver seu papai dançando. — Vida beliscou o lábio, me
olhando.
— Não vai acontecer. — Ergui um dedo, negando.
— E o Leleco sabe dançar?
— Ele ainda tá aprendendo a ficar em pé sozinho — respondeu
Malika.
— Ah, sim. Entendi — disse Vida. — E você, sabe dançar?
— Sei — disse orgulhosa. — Tio Zac e a vovó dançam comigo.
Você sabe?
— Meu papai me ensinou — Vida falou, balançando a cabeça em
um sinal positivo.
— Mas o seu papai sabe fazer música?
Dei uma risada.
— Ele canta e toca violão, vale? — Vida enrugou o nariz.
— O meu também canta e toca violão — Malika deu de ombros
—, e ele é DJ. E é monstuoso!
— Monstuoso? — Vida repetiu, fazendo uma voz fofa, sem
conseguir impedir o riso. — Que papai irado o seu!
— Eu sei. — Deu um sorrisinho, olhando para mim. — Cadê o
tio Lui? — perguntou, voltando a olhar para Vida.
Malika caiu de amores pelo Louie.
Preciso dizer que o Apollo ficou se mordendo de raiva?
— Ele não pôde vir hoje. Eu posso sentar aqui?
— A gente vai surfar agora — respondeu Malika.
— Eu posso ir com vocês?
— Pode? — Malika se virou para mim, e eu aquiesci. — Pode! —
disse animada, movendo os olhos para Vida.
— Oba! — Vida jogou um braço para cima, vibrando.
— Ooooo! — Alec a imitou, erguendo os dois bracinhos e
roubando-nos uma gargalhada. — Aaaaa...

— Pula, Leleco! — Vida o erguia pelo tronco, fazendo-o dar um


pulinho em cima da prancha a cada pequena ondulação que os atingia.
— Outra onda, pula — dizia, rindo mais a cada risada que ele soltava.
Vez ou outra ela se virava sobre o ombro e olhava para mim e
para Malika, e eu me perdia em seus olhos, no riso que ecoava em meu
coração, naqueles segundos onde todas as peças pareciam estar em seus
devidos lugares.
— Rema, Mali! — Dei três tapinhas em minha palma,
incentivando-a. — Boa, amô — disse, atento aos seus movimentos. —
Sobe, sobe — avisei o momento de dropar. — Aê!!! — Bati palmas.
— Irado, garota! — gritou Vida, apontando Mali para o Alec. —
Olha a sua irmã surfando, Leleco.
— Aaiiia!
— É a Mali? — Vida soltou um beijo para ele. — Você é um
fofo, sabia? Pula! — Alec caiu na risada. — Pega essa onda, Leleco. —
Deu outro pulinho, acompanhando o movimento da marola. —
Uhuuuu!
— Uuuu! — Alec gritou junto, e Vida se derreteu para ele.

— Você quer convidar a Vida para almoçar com a gente? —


perguntei à Malika quando fomos comprar água de coco.
— Não.
A resposta curta e grossa me surpreendeu.
— Achei que estivesse gostando de passar o dia com a Vida.
— Eu tô.
Encrespei a testa e inclinei a cabeça, olhando confuso para a
minha filha. Malika caminhava com os olhos voltados para frente e
ombros relaxados.
— Você não quer convidá-la para almoçar com a gente? — repeti
a pergunta, dessa vez com os olhos voltados para Malika.
— Não — respondeu, sem demonstrar nenhuma emoção.
Sua expressão corporal não apresentou nenhuma mudança.
Isso não fazia sentido algum.
— O Leleco ia gostar — comentei, displicente.
Silêncio.
Suspirei, desviando os olhos para o vendedor ao nos
aproximarmos.
— Bom dia, parceiro — o cumprimentei. — Me vê quatro cocos,
por favor.
— Você vai comprar pra ela também? — Malika virou-se para
mim, erguendo a cabeça.
— Sim — respondi, voltando minha atenção para os olhos verdes
a me encararem.
Malika uniu os lábios numa linha reta, franzindo o cantinho do
lábio e divagando o olhar para o carrinho de água de coco.
A indiferença fingida me intrigou.
O vendedor nos entregou os cocos, paguei e fizemos o caminho
de volta para onde Vida e Alec estavam sentados na areia.
— Eu te ajudo. — Vida se levantou, batendo a mão na bunda,
para se livrar da areia, e pegou dois dos cocos que eu equilibrava entre as
mãos e braços, enquanto Malika se sentava com o seu coco nas mãos.
— Obrigado.
— Dada... dada... — Alec pediu, ele amava água de coco.
— Deixa o papai colocar no seu copo — falei, me agachando.
Peguei o copo na mochila, desatarraxei a tampa e emborquei o coco em
cima, despejando toda a água nele. — Aqui, Leleco. — Travei a tampa e
ofereci o copo a ele, que o segurou nas alças laterais, levando o canudo à
boca.
Sentei-me ao lado de Vida e fiz um carinho em sua mão quando
me entregou o coco. Ela sorriu, levando o canudo de bambu aos lábios.
— Tá uma delícia — comentou ao prová-lo.
— Tatata.... — concordou Alec, abaixando o copo.
— Tá gostoso, Ursinho? — Afastei os cabelos que o vento
soprou em seu rosto.
— Tatata... ta... papa... tata... — Ergueu o copo, voltando a sugar
o canudo, e eu fiz o mesmo com o meu.
Voltei os olhos para Malika, tentando desvendar o que se passava
em sua cabecinha. Ela estava quieta desde que se sentou, tinha inclusive
sentado virada para a frente do mar, dando-nos as costas.
— Mali, sua água de coco está boa?
— Sim — respondeu, sem me olhar.

— Você fica com o Leleco para eu pegar uma onda com a Mali?
— Arion me perguntou à meia-voz, correndo os dedos por meu pulso.
— Claro. — Aquiesci.
Alec estava sentado entre as minhas pernas, brincando com um
barquinho que virava uma espécie de balde, cheio de peças coloridas de
montar e encaixar.
— Obrigado. — Arion se inclinou para falar com o Alec. Eu
ficava toda boba com o cuidado que ele tinha com os filhos. — Leleco, o
papai vai levar a Mali para pegar uma onda e já volta — disse baixinho e
beijou a cabeça de Alec. — Vamos, Pandinha? — chamou, levantando-
se.
— Pra onde? — Malika olhou para o pai.
— Surfar. — Ele pegou a prancha que estava deitada na areia. —
Eu e — apontou para ela — você lá no fundão. — Meneou a cabeça,
indicando o mar. — Vamos?
— Vamos! — respondeu, levantando em um pulo.
— Leleco — ele desviou os olhos dos brinquedos —, se
comporta, tá? — Arion falou quando recebeu a atenção do pequeno.
— Aaaiiia...
— O papai e a Mali vão pegar uma onda grandona agora. — Ele
estendeu a mão para a filha, e quando ela a segurou, eles correram em
direção ao mar.
Não bastava ser surfista, ainda tinha que ser um pai solo super
fofo. Aff!
Arion remou para o outside com Malika em suas costas.
Entre conversas e brincadeiras com o Alec, eu contemplava pai e
filha sentados na prancha. Arion olhava para trás, conversando com
Malika, ambos sorrindo, à espera da onda perfeita. Eu não precisava de
celular ou câmera para guardar aquela imagem. Tampouco conseguia
fazer parar as lágrimas que floriam em meus olhos, ou o sorriso em meus
lábios. O descompasso dos meus batimentos eram os acordes de uma
melodia que eu havia escutado apenas uma vez, e já era a minha favorita.
Eu a escutei quando vi o Arion com o Alec na pista de skate.
E eu a escutava de novo ali, enquanto olhava para Arion e Malika
dropando uma onda. Juntos. Ele moveu as mãos para a garota em suas
costas, abraçada ao seu pescoço, e a trouxe para seu colo, então a
abraçou sobre a prancha, deslizando na parede da onda.
— Olha o papai e a Mali! — Apontei para o mar, sentindo o
gosto das lágrimas unir-se ao sorriso em meus lábios.

— Você de novo? — Malika franziu as sobrancelhas, desconfiada.


Três encontros casuais em três dias consecutivos talvez não
soassem tão casuais assim, nem mesmo para uma garotinha de seis anos.
O aniversário dela era no dia seguinte.
Sábado, 28 de janeiro.
Praticamente um mês depois do aniversário do Arion.
— O que é que você tá fazendo aqui? — Cruzei os braços,
estreitando os olhos para ela.
— Vim tomar sorvete, né? — Virou as palmas no ar, me
convidando a olhar ao redor, como se perguntasse “o que mais eu estaria
fazendo numa sorveteria?”.
EU AMAVA O DEBOCHE DAQUELA GAROTA!
— Sozinha? — Elevei a sobrancelha.
— Meu pai tá ali ó. — Apontou para o balcão de sorvetes, onde
Arion estava com Alec no colo. — Ele foi pegar meu sorvete.
— Poxa, não tenho ninguém para pegar o meu sorvete. — Fiz
uma carinha triste.
— Mas você já é bem grandinha, né? — Elevou uma sobrancelha.
— Pode pegar sozinha.

Não tankei.[65]
Ainda estava rindo quando Arion se aproximou da mesa.
— Vida — disse Arion, me cumprimentando.
— Oi. — Sorri para eles. — Oi, Leleco. — Fiz carinho nos cabelos
do Alec. Ele segurava uma casquinha, se lambuzando todo.
— Seu sorvete. — Arion entregou a casquinha para Malika, se
inclinou e beijou minhas duas bochechas, sob o olhar vigilante da filha.
— Senta com a gente — convidou, puxando uma cadeira para que eu
me sentasse. — Vai querer seu sorvete de quê?
Malika deu uma revirada de olhos, tive que morder a língua para
não rir.
— Abacaxi — respondi, sentando-me.
— Só a fruta?
Eles tinham opções de sorvetes naturais, produzidos sem adição
de açúcar, e os tradicionais.
— Sim, por favor.
— Vamos buscar o sorvete da Vida, Leleco? — disse, se afastando.
— Meu pai pegou para você — resmungou, me encarando com
olhos estreitos, e deu uma lambida no sorvete.
— Seu pai é muito gentil.
— Demais. — Ela deu uma leve arqueada nas sobrancelhas e
soltou um suspiro, movendo os ombros e lambendo o sorvete. Sorri
com o canto dos lábios. — Você gosta do meu pai? — A pergunta foi
tão direta que me deixou desconcertada.
— Gosto, ele é meu amigo. — Senti o rosto esquentar.
— Não tô falando assim. — Os olhos verdes me alvejaram feito
lanças.
— Como então?
Fiz a sonsa, né? Mas ganhei tempo, isso era o que importava.
Olhei de soslaio para o balcão de sorvetes, procurando por Arion.
— Gostar de namorar.
Será que ela sabia o que era namorar?
— Seu pai e eu somos amigos. — Saí pela tangente, esperando
que ela se desse por satisfeita.
— Mas você quer namorar com ele?
Meu Deus, eu precisava de um manual para sobreviver a uma
conversa com uma garota de seis anos.
ARION, VOLTA AQUI!
— Namorar de segurar na mão e tomar sorvete juntos?
Sem julgamentos, por favor!
Eu estava desesperada.
E ela era uma criança de seis anos, pensei que a ideia de namorar
fosse menos literal.
— Você é tonta?
— Malika!
Engasguei uma gargalhada no segundo que ouvi a voz do Arion.
Pelo tom de voz e a cara que ele fez, eu não deveria rir quando Malika
dizia esse tipo de coisa.
— Tonta não é palavra feia, papai — argumentou enérgica. —
Tonta é quando a gente leva uma pancada — Malika bateu com o punho
fechado na cabeça —, aí fica — girou a cabeça, encenando — tontinho,
tontinho, e confunde as coisas.
Eu estava curiosa sobre onde aquela explicação terminaria.
Arion me entregou a minha casquinha e sentou-se, acomodando
Alec numa perna, enquanto ouvia com atenção a lógica argumentativa
da filha.
— Só porque você foi pegar o sorvete pra ela, agora a Vida acha
que tá namorando com você. — Malika revirou os olhos, balançando a
cabeça, enquanto eu a encarava boquiaberta, sem saber nem como me
defender. — Por isso eu perguntei se ela tá tonta. Mas eu não preciso de
uma mamãe, aí você não tem que namorar — disse, abaixando os olhos
para o sorvete e voltando a lambê-lo. — Esse é muito bom —
comentou sobre o sorvete. — Quer um pouquinho, papai?
O final me quebrou.
Do segundo que comentou sobre não precisar de uma mãe ao
segundo que ofereceu o sorvete ao pai, Malika me quebrou em tantas
partes.
Porque eu vi o quanto ela estava quebrada.
Queria abraçá-la e dizer que tudo ficaria bem, mas como eu
poderia, se também estava quebrada?
Malika era apenas uma garotinha.
Porra, ela ainda nem havia completado seis anos!
Eu estendi a mão sob a mesa e afaguei a coxa do Arion, querendo
confortá-lo, porque eu sabia que ver o sofrimento dela também doía
nele.

Estava ali, escancarado na minha frente o porquê a Malika ia de


um extremo ao outro em relação à Vida. Cheguei a pensar que fosse
apenas ciúmes, mas não. Não era isso. Ela estava com medo de ser
abandonada de novo, por isso ela se esforçava para não gostar da Vida.
— Não, amô — respondi após segundos buscando forças para
falar sem desabar na frente dela. — Obrigado.
Levei a mão à cabeça de Malika e afaguei seus cabelos, recebendo
o carinho de Vida em minha coxa. Eles tinham o mesmo fim, ambos
queriam fazer parar de doer, mas eu não sabia se era possível.
Não sabia se um dia aquela dor deixaria de existir.
— Alguém despluga as caixas de som, por favor! — gritou o
Caíque.
Vida mostrou o dedo do meio para o amigo e aumentou a voz
uma oitava, quase estourando meus tímpanos... PUTA MERDA. Eu nem
sabia que alguém podia ser tão desafinado até ouvi-la. Mas ela não estava
nem aí, os lábios cheios que eu amava beijar e ficavam ainda mais lindos
ao redor do meu pau, transbordavam em risos e agudos estridentes
enquanto rebolava em cima do palco, cantando ao lado de Kimi, se era
que dava para dizer isso sobre as duas.
— Você estava linda — comentei quando voltou para a mesa
onde estávamos, trazendo-a para o meu colo. — Mas você canta tão mal
quanto eu danço — acrescentei entre risos.
— Eu avisei. — Deu uma risada estrondosa, enroscando uma
mão em meu pescoço. — Agora você tem a obrigação de dançar pra
mim.
— Nem pensar — disse, mordiscando sua boca. — Não mandei
você subir nesse palco, linda.
— TÁ LINDO, HEIN, NOVINHO? — gritou Letícia para o
Pietro, que havia subido ao palco.
Ele deu uma gargalhada.
— GOSTOSO! — Duna deu um assobio alto.
— HORRIDÍCULO! — Vida uniu-se aos gritos.
— Pietro tem uma voz do caralho! — comentei ao ouvir a
primeira estrofe.
— Ele canta e toca bem demais — disse Vida. — Aliás — ela
inclinou o tronco para trás e franziu os lábios —, segundo a mini
terrorista que responde como sua filha — dei uma gargalhada —, você
também.
— Ela exagera — falei, ainda rindo. — Canto um pouco. — Dei
uma piscadinha. — Sou melhor com as mãos.
— Eu posso garantir que com as mãos ou com a boca — ela
lambeu os lábios e uma mão correu pela corrente em meu pescoço —,
você é fenomenal. — Sua boca pressionou a minha.
— Safada — gemi baixinho, mordiscando seu lábio.
— Respeitem os solteiros! — gritou Letícia, me tirando uma
gargalhada.
— Não tá beijando porque não quer, boca é que não falta —
disse Vida, olhando para a amiga por cima do ombro.
— Inclusive, a minha tá disponível. — Zac aproveitou a
oportunidade e deu uma piscadinha para Letícia.
— Nem vou responder vocês dois — Letícia disse em resposta a
Zac e Vida.
— Viu o que eu disse?! Podia tá beijando e sentando — provocou
a amiga, fazendo com que Letícia jogasse uma bolinha de guardanapo
nela, mas eu bem vi o sorrisinho de canto que dona Letícia tratou de
esconder rápido.
— Vocês resolvam esses rolos aí, porque eu fico sem saber quais
boca posso beijar ou não. — Duna levantou-se, virando um copo de
bebida. — Caíque, levanta, vamos dançar.

— Hora de ir para casa. — Vida afagou os meus cabelos. —


Amanhã você vai sair com a Mali o dia todo e de madrugada vai
trabalhar, precisa estar descansado.
— Está me dispensando? — brinquei, alisando as pernas em meu
colo.
— Se me convidar, eu vou com você. — Os olhos verdes não
desviaram dos meus. — Mas a gente vai dormir, porque você precisa
mesmo dormir.
— Dormir — disse entre risos. — Quero dormir com você.
— Isso é um convite? — Beliscou o lábio.
— É uma intimação, linda. — Levantei, colocando-a no chão. —
Vamos! — Dei um tapinha em sua bunda.
Despedimo-nos dos seus amigos e fomos para minha casa. Eu não
pensei sobre onde exatamente iríamos dormir até que saíssemos do
banho. Continuava dormindo no estúdio, mas eu não sabia como
explicar para ela o porquê. E se achasse que eu não queria colocar outra
mulher na cama que era de Marcela porque ainda sentia algo por ela?
Comecei a suar frio nas mãos e nuca. Senti a boca seca e a
garganta travada. Entreabertos, meus lábios tremiam. Um arranhar
angustiante se espalhou nas paredes da minha garganta, e a porra de um
nó se instalou em meu peito, apertado, sufocante...
Não conseguia respirar.
— Arion... — Ouvi Vida me chamar. — Arion, olha pra mim...
— Senti suas mãos nas laterais do meu rosto e pisquei as pálpebras
algumas vezes. — Somos só eu e você — disse, olhando-me nos olhos.
— Contrai — pediu, e fiz. As costelas elevaram-se. — Relaxa —
ordenou dentro de segundos. — Ela desceu as mãos para meus braços,
na altura dos ombros. — Contrai. — Meus batimentos navegaram pelo
mar de verão em seus olhos. — Relaxa. — A voz serena me acolhia. —
De novo — pediu. — Contrai o diafragma. — Um... dois... três... Relaxa.
— Soltei o ar e me agarrei aos seus braços, puxando-a para mim. — Tá
tudo bem. — Vida envolveu-me em um abraço.
Quando meu coração se acalmou, segurei em sua mão e a levei
comigo para o meu quarto. Peguei uma camiseta para ela e uma boxer
para mim, nos vestimos, eu me recostei nos travesseiros junto à cabeceira
da cama, e ela em meu tórax, sentada entre as minhas pernas.
Pela próxima hora eu contei a ela sobre a noite que encontrei as
crianças sozinhas em casa, sobre a mensagem de Marcela, sobre o medo
que senti de não ser o suficiente para os meus filhos, sobre as noites em
que chorei no banho, sobre a raiva e a culpa que senti, e que às vezes
ainda sentia, sobre as crises de ansiedade e sobre a noite que fui embora
do nosso encontro.
Eu deixei que me visse quebrado.
E ela ficou.
Chorei ouvindo o Arion resumir os acontecimentos do que ele
nomeou como os cinco piores meses de sua vida. Enquanto ele falava,
imagens dele com a Malika e o Alec passavam como um filme na minha
mente. Quem via os três sorrindo e brincando, jamais imaginaria quanta
dor eles tiveram que suportar.
Ouvir o Arion me mostrou um lado dele que eu só havia
vislumbrado de longe, como se olhasse o horizonte sentada na areia da
praia. Naquela noite, ele me convidou a ir mais longe, ele me levou para
o outside e mostrou o quão mais lindo o horizonte podia ser visto de
perto.
Ele era lindo por fora, mas por dentro...
Porra, ele era extraordinário!
Quando ele terminou de falar, eu soltei as mãos que estavam
entre as minhas durante todo o tempo em que eu o ouvia, e me movi
entre seus braços, até que estivesse sentada em seu colo, de frente para
ele. Não era sobre sexo. Embora estivéssemos em sua cama, embora ele
só estivesse de boxer, embora eu estivesse sem calcinha, não era sobre
sexo.
Não precisava ser.
Somente estarmos juntos era o bastante.
— Obrigada — sussurrei entre um mar de lágrimas, acariciando o
seu rosto e beijando-o docemente.
Levantamos cedinho e nadamos sob o nascer do sol, depois levei
Vida ao resort e na volta fui para a casa da minha mãe. Ela já estava
acordada, batendo um bolo de aniversário para Malika, dei um cheiro em
seus cabelos e fui ver as crianças.
Alec se espreguiçava na cama e abriu um sorriso quando me viu.
Peguei ele e fomos para o banho. Ele tirou o suor da noite, eu me livrei
do sal do mar, e logo estávamos prontos para mais um dia.
Após o mamá fomos ao centro da vila comprar flores para a
Malika e ainda voltamos antes que ela acordasse. No domingo
almoçaríamos com os meus avós, mas o sábado seria apenas meu e dela.
Isso depois do café da manhã com minha mãe e o Alec.
Enchi seis balões e amarrei cada um deles em uma caixinha de
presente. Coloquei o primeiro ao lado do colchão, no chão do quarto, e
os outros a partir do corredor, em uma trilha que levava ao quintal, onde
estávamos com a porta da cozinha fechada, para que o Naruto não
estourasse todos os balões.
Nós ouvimos os gritinhos de alegria antes que abrisse a porta, o
que ela só fez depois de abrir cada um dos presentes. Nós que
esperássemos, o dia era dela. E quando saiu para o quintal, descalça,
descabelada e de pijama, ela inteira sorria, cada pedacinho dela reluzia
como o meu solzinho particular.
Malika abraçou os buquês que eu e o Alec demos a ela, e eu
abracei os dois, enchendo-os de beijos. Quando a liberei do abraço,
minha mãe a apertou e beijou seus cabelos, e somente depois cantamos
os parabéns ao redor da mesa montada no quintal, e ela fez o seu pedido
especial de aniversário com os olhinhos bem apertados e os dedinhos das
suas mãos cruzados.

Sentada no banco de trás do buggy, com óculos escuros e uma


websuit verde-água de mangas brancas com estampa aquática, Malika
cantava Shake It Off, dançando com as mãos. Nós estávamos indo à praia
do Posto 5, mergulhar próximo à barreira de corais.
— Faz aquela parte, viu, papai — pediu, sacudindo a cabeça de
um lado para o outro, e continuou cantando de onde havia parado. —
Agora, papai — disse algumas estrofes depois, jogando as mãos para o
alto.
— “Hey, hey, hey.” — Pisquei para ela pelo retrovisor. — “Just
think while you've been getting down and out about the liars. And the
dirty, dirty cheats of the world. You could've been getting down to this
sick beat.”[66]
A estrofe seguinte me deixava um tanto quanto traumatizado
toda vez que a ouvia cantando, porque eu sabia que um dia não seria só a
letra de uma música, e pensar nisso me apavorava, mas o final era a pior
parte.
— “And to the fella over there with the hella good hair. Won't
you come on over, baby? We can shake, shake, shake. Yeah.”[67]
Viu? Traumatizante!
Quando chegamos à praia fomos ver as tartarugas no Instituto de
Proteção à Vida Marinha da ilha, ele era a única estrutura física no Posto
5, todo o resto era uma imensidão de praia, com uma faixa de areia
branquinha e muitas pedrinhas à beira-mar.
Na saída do Instituto voltamos ao buggy para buscar nossos kits
de mergulho, uma mochila com nossas garrafinhas de água e lanches, os
remos e a canoa, então iniciamos a nossa aventura no mar. A carinha de
felicidade dela era a maior recompensa que eu poderia ter.
Eu amava ser pai, e eu amava imensamente aquela garotinha.
A minha filha. A minha menina.
Ainda me lembrava da primeira vez que ouvi seu coração bater,
de quando a segurei em meus braços pela primeira vez. Tão
pequenininha. Eu estava morrendo de medo de machucá-la. Do sorriso
fofo na boquinha de coração. De segurá-la nos braços até muito depois
de adormecer, porque amava ouvir as batidas do seu coração.
— Vem logo, papai! — gritou da água, vestindo o snorkel.
— Um minuto — pedi, enviando mensagem para minha mãe,
para ver se estava tudo certo com o Alec.
Ele nunca tinha passado o dia longe de mim.
Minha mãe me enviou um vídeo de Alec e Naruto brincando, e
pediu para ele mandar um beijo para o papai, e ele fez. Ainda falou “papa”
antes de soltar o beijinho. Sorrindo, guardei o celular no bolso da
mochila e peguei meu snorkel.
— Onda monstruosa! — exclamei, me levantando na canoa.
— AAAAAAAAAA! — gritou Malika, nadando para fugir da
água que saltaria sobre ela quando eu mergulhasse.
— UM, DOIS...
— PULA, PAPAI!
— TRÊS! — Mergulhei e ela caiu na risada ao ser atingida pelos
respingos.
— Essa foi grandona — disse, passando a mão nos cabelos.
— Pronta para mergulhar?
— SIM, SIM, SIM!
Nós fizemos um piquenique na canoa após o mergulho,
observando os peixinhos que nadavam à nossa volta e ouvindo música.
Mostrei a track nova com o remix de “Enchanted” que fiz para Vida e ela
nos fez ouvir repetidamente. E na volta para casa, contei sobre os
festivais.
— Aí você vai tocar para um montãozão de gente? — perguntou
animada.
— É, mas para isso o papai vai precisar ficar fora por uns três dias,
porque não é igual o Anéis de Saturno, que a gente pega o barco e
loguinho chega. Tem que pegar avião, e aí demora mais.
— Mas você vai poder me ligar?
— Sim, vou poder ligar e fazer chamada de vídeo.
Franziu os lábios, pensativa.
— Três dias? — Ergueu os dedos.
— É. Três em fevereiro e mais três em março.
— Você traz presente pra mim e pro Leleco?
— Trago — respondi, rindo.
Nem deu tempo de me iludir achando que tudo seria tão simples
assim. Na terça de manhã, o tombo veio forte.

— NÃO QUERO! — gritou Malika, erguendo-se do tapete num


rompante e batendo o pé no chão. — NÃO, NÃO, NÃO, NÃO, NÃO!
— Cruzou os braços, me encarando, furiosa.
— Sente-se, não terminamos a conversa.
— NÃO QUERO, PAPAI! EU NÃO QUERO! — Continuou
batendo os pés no chão.
— Você vai acordar o seu irmão se continuar gritando. Por favor
— indiquei o tapete —, Malika.
Bufou, bateu o pé e sentou.
— Eu cuido do Alec, eu sou grande já — choramingou. — Eu sei
cuidar dele, sei o que ele come, coloco ele pra dormir. Sei trocar fralda.
— Franzi o cenho. Ela nunca trocou uma fralda na vida. — Quem troca
as fraldas das minhas bonecas, papai? — Cruzou os braços. — Eu, né? Viu
que eu sei?!
— Mali, você é criança.
— Eu não gosto dela. EU ODEIO ELA!
— Que feio isso, Malika.
— Feia é ela! Feiosa, ridícula, bruxa! — Tive que segurar a
vontade de rir diante das caras e bocas. — Eu não gosto dela. —
Empinou o nariz. — ODEIO ELA! ODEIO, ODEIO, ODEIO!
— Quando você se acalmar, me avisa e a gente conversa, tá bom?
Levantei-me do tapete e sentei na cadeira diante do setup,
observando-a pelo canto do olho. Malika se jogou de costas em uma
almofada e cruzou os braços, emburrada.
— Eu já me acalmei, papai.
Finalmente!
Alec tinha acordado da soneca da manhã, eu tinha lavado roupa,
estendido, passado e dobrado a que estava amontoada no guarda-roupa
desde a última lavagem, e Malika não tinha se acalmado.
— Podemos conversar sem gritos agora? — perguntei,
interrompendo o corte dos legumes e me virando para ela.
— Sim.
— Senta aí. — Indiquei uma cadeira na mesa da cozinha. Malika
arrastou a cadeira e sentou-se, eu fiz o mesmo. — Não posso viajar para
me apresentar nos festivais se não tiver alguém para ficar com você e o
Alec. Durante a noite vocês vão ficar com a vovó, mas e durante o dia? O
papai não pode deixar você e o Alec sozinhos, filha.
— Por que tem que ser a Vida? — Envolveu o dedo indicador.
— Por que não ela? — Arqueei a sobrancelha.
Entortou o nariz, apertando o indicador na mão. Fiz uma nota
mental para prestar atenção se isso vinha se repetindo, e olhei para o
bracelete em meu braço, me dando conta que eu havia parado com as
ações compulsivas. Ou pelo menos diminuído consideravelmente.
— Mali, se não me falar as coisas, eu não tenho como saber.
Olhei para o cercadinho na sala, Alec estava sentado, distraído
com um brinquedo.
— Por que não me falou que tá namorando ela? — perguntou
chorosa.
POVO FOFOQUEIRO DO CARALHO, SE FODER!
— Onde ouviu que o papai tá namorando?
— Ya tava falando com as outras meninas na loja — contou,
ainda estrangulando o indicador.
DESGRAÇA, VIU!
— Eu beijei a Vida.
— NA BOCA? — Os olhos verdes se arregalaram, e o indicador
conquistou sua liberdade.
— Sim, Mali. Mas eu não tô namorando a Vida. Ser adulto deixa
as coisas um pouquinho mais complicadas, filha. Não é só beijar na boca
e você tá namorando.
— Você beija na boca sem namorar? — Franziu o cenho.
— Ééé... — Alonguei a vogal, sem saber como explicar, e deslizei
a mão nos cabelos. — Às vezes a gente beija na boca para descobrir se
quer namorar.
— Não acho que entendi.
— Eu também não entendo direito. — Estendi os braços por
cima da mesa e segurei em suas mãos. — O papai e a Vida são amigos
que às vezes beijam na boca, isso é algo que adultos fazem.
— Mas eu não quero uma mãe, tá?
— Nem todas as mamães vão embora, Pandinha. — Os olhinhos
encheram de lágrimas. — A sua vovó é mamãe do papai e ela não tá
aqui, cuidando e dando carinho pra gente?
— Tá — suspirou —, mas eu não quero, papai — disse chorosa.
Era sexta-feira novamente, e a última vez que vi o Arion foi no
sábado de manhã, quando me deixou no resort. Mas nos falávamos
todos os dias por mensagens. Ele me contou que havia conversado com
Malika e dito a ela que éramos amigos que às vezes se beijavam.
Quase tive um ataque cardíaco, mas sobrevivi no final das contas.
Arion me pediu uma semana para que Malika se acostumasse com
a ideia de ter alguém em casa, convivendo com eles, e agradeci
mentalmente por isso.
Ela não era a única que precisava de um tempo.
Até então, só havíamos nos encontrado por algumas horas. Ir à
casa deles e ajudar na rotina das crianças era outra história.
Aquilo era intenso.
De repente, o que Caíque disse sobre brincar de ser mãe, ganhou
um sentido real, e eu estava um tanto apavorada. Minha sessão com a
psicóloga naquela tarde tinha sido só sobre isso, e no final percebi que
mais do que apavorada, eu estava ansiosa para viver aquilo.
Até a ex do Arion mencionei durante a sessão.
Não ousava julgar o que ela fez. Aos treze descobri que não
poderia engravidar, aos dezesseis ela descobriu que estava grávida. Não
poderíamos estar em posições mais opostas, mas eu sabia o quão confuso
era pensar sobre a maternidade na adolescência. Era como olhar para
águas turvas, e não importava o quanto tentasse, você não conseguia ver
além da superfície. Não havia como saber até que estivesse submerso.
O mundo ainda nos fazia acreditar que ser mulher e ser mãe não
poderiam existir se não estivessem fundidas numa coisa só, como se a
feminilidade passasse obrigatoriamente pela maternidade. Não passava,
não tinha que passar. Nem toda mulher podia ser mãe. Nem toda
mulher queria ser mãe. Mas essa ideia estúpida estava tão incutida no
nosso imaginário que a replicávamos mesmo sem querer, porque ela nos
acompanhava desde as brincadeiras infantis.
E eu também fazia isso, porque aquela garota de treze anos que
ouviu dos médicos que jamais poderia engravidar se sentiu menos
mulher do que as suas colegas de escola porque ela apenas não se
encaixava e nunca se encaixaria na caixinha das coisas de menina.
E isso me fazia questionar se poderia amar um filho que eu não
havia gestado, como se ter nascido sem vagina e útero, ter nascido
incapaz de engravidar, me fizesse menos mulher. E se eu não era uma
mulher completa, se meu corpo não podia gerar um bebê, se eu nasci
sem vagina e sem útero, também não teria nascido sem o tal do instinto
materno?
Marcela era o meu contraponto, ela era a máxima do que era ser
mulher. Ela deu à luz a duas crianças. Ela gestou, ela pariu, e isso não
impediu que ela os deixasse. Então não gestar e não parir, não me
impediria de amar os filhos que eu decidisse ter. Se eu decidisse tê-los,
afinal. Porque assim como a maternidade não era inerente a ser mulher, a
infertilidade não me fazia menos mulher.

— E aí, man? — Pietro trocou um aperto de mãos com o Arion.


— Melhor agora. — Arion me puxou pela cintura e me deu um
beijo.
— Já chega enfiando a língua na boca da minha irmã, que porra é
essa? — brincou Pietro, e nós rimos.
— Animado para começar o trabalho na segunda? — perguntou
Arion, voltando-se para o meu irmão.
— Já estou até oferecendo serviço de quarto VIP para algumas
hóspedes — meu irmão comentou entre risos.
— Você não tem jeito, Pietro! Esqueceu o que aconteceu da
última vez? Qualquer hora dessas o papai proíbe sua entrada nos hotéis
da rede.
— O pai da garota que era um iludido — argumentou meu
irmão. — De virgem e santa ela não tinha nada, muitos paus entraram
naquela bunda antes do meu.
— Mas que porra aconteceu? — perguntou Arion em meio a
uma gargalhada.
— Peguei uma hóspede do Tropicana de Fortaleza em algum
feriado aí que não me lembro mais qual foi. Ela não me disse que estava
em um quarto conjugado, aí quando o pai dela abriu a porta, me pegou
comendo o cu da garota.
— PUTA MERDA! — exclamou Arion, dando risada.
— Ela estava de quatro, na beirada da cama, e eu em pé atrás dela.
Ele teve um close de primeira — contou, rindo.
— O coitado deve ter pesadelos até hoje — falei aos risos.
— Foi caótico! O homem desmaiou. A mãe apareceu e
encontrou a filha enrolada em um lençol, o marido caído no chão e eu
no celular, pelado. — Pietro correu os dedos nos cabelos.
— Caralho — Arion murmurou.
— Fiquei tão desesperado que liguei para meu pai na hora, foi ele
que mandou a equipe do hotel acionar a ambulância. No outro dia, ele
chegou cedo, puto para um caralho. Só abri minha boca para falar “sim,
senhor”.
— Só mais um dia normal na vida do Pietro — provoquei.
— O que posso fazer se sou irresistível? — Ele abriu um sorriso
largo. — Vou rodar por aí, tenho que aproveitar meu último final de
semana de bagaceira antes do trabalho começar.
— Pietro, é só meio período — lembrei a ele.
— Mas isso significa que terei horários para cumprir —
comentou, e sorri orgulhosa por ele estar levando aquilo a sério. — A
gente se encontra depois ou você a leva de volta para o resort? —
perguntou ao Arion.
— Pode deixar comigo — respondeu Arion.
— Eu sei ir sozinha — retruquei.
— Mas não tem motivos para ir — disse meu irmão. — Não
quando estou aqui, caralho! — Ele deu um beijo nos meus cabelos e se
despediu de Arion com um soquinho de punhos. — Fui!
— Quanto a você...
Arion virou-se para mim e os lábios macios conduziram os meus
numa dança sensual. Espalhei uma mão no rosto de Arion, os pelinhos
da barba pinicaram minha palma. Ele moveu uma mão para minha bunda
e a língua tocou o céu da minha boca.
Estava com saudade de me perder nele.
Era 03 de fevereiro, fazia pouco mais de um mês que nos
conhecíamos. Um mês que ele havia alterado a química do meu cérebro
e o ritmo dos meus batimentos. Um mês que eu tive o melhor encontro
da minha vida.
Um mês dos melhores encontros da minha vida.
— Oi, Pirata — sussurrou em meus lábios após minutos nos
beijando, a risada rouca chicoteando por minhas células.
— Pirata? — Movi os olhos para os dele, acariciando sua barba.
— Uma pirata linda e gostosa. — Arion mordiscou o sorriso em
seu lábio, agarrando minha bunda com as duas mãos. — Ladra de
coração. — A última coisa foi dita com sua boca na minha.
Arion tomou para si o sorriso que crescia em meu lábio, e me
saqueou um mar de suspiros. E era melhor nem falarmos das batidas do
meu coração. Ele havia perdido tantas que não entendia como
continuava a bater cada vez mais forte.
— O que quer fazer essa noite? — me perguntou ao afastar os
lábios dos meus.
Estávamos no Saideira, ele tinha encerrado o set há pouco, e logo
outro DJ comandaria a pista. Se eu dissesse que queria ficar, ir para o luau
ou qualquer outro lugar, ele toparia. Eu sabia que sim. E também sabia
que estava cansado, sabia que no dia seguinte tocaria até o amanhecer, e
não queria deixar sua rotina ainda mais insana. Eu só queria estar com
ele.
— Ficar com você. — Flanei os dedos por seus cabelos. — Você
me contou que aproveitava as sextas para montar seus sets e produzir
suas músicas. — Ele abriu a boca para argumentar, e eu o calei com um
selinho. Arion riu. — Quero ficar com você enquanto faz isso.
— Mas se ficar entediada, quero que...
— Cala a boca — falei, rindo, e capturei seu queixo. — Não tem
como eu ficar entediada quando posso chupar seu pau a qualquer
momento.
— Vamos pra casa agora! — disse ele, rindo.
— Acho que tenho um problema. — Foi a minha primeira frase
ao ocupar a poltrona em frente à psicóloga. Ela acenou com os olhos,
incentivando-me a prosseguir. — Não consigo transar com Vida. Quer
dizer, eu conseguiria se... — Gesticulei com uma mão. — Vou tentar
explicar. Hum... — Dei uma mordida no lábio, pensando em como
organizar as ideias. — Fisicamente — suspendi as duas mãos e as joguei
no ar —, está tudo ok. Não posso dizer com certeza, porque nunca
chegamos a tentar a penetração, mas a gente faz oral e nunca tive
nenhum problema. Deu para entender?
— Sim.
— O problema é que... — Divaguei os olhos pela sala e os voltei
para ela pouco tempo depois. — Acho que estou criando pretextos para
não chegarmos às vias de fato. Ela dormiu na minha casa de sexta para
sábado de novo.
Eu tinha falado na sessão anterior que Vida tinha dormido
comigo e que havia contado das coisas que aconteceram desde a partida
de Marcela.
— Vida ficou me vendo trabalhar, mostrei como fazia algumas
coisas, curtimos algumas tracks e rolou muito amasso no meio disso. —
Ela me chupou, eu chupei ela. Até gravei os gemidos dela para que
ouvisse, porque comentei que amava a melodia deles. Sorri, me
lembrando. — E poderíamos ter ido para a penetração, mas eu meio que
dei uma recuada na hora. — Entrelacei e estalei os dedos. — Não travei,
travei, de parar o que estava fazendo, a gente continuou o amasso, eu só
levei a coisa para outro caminho.
— Entendi.
— E aí que fiquei pensando nisso... — Deslizei a mão na nuca,
suspirei fundo e ergui os olhos para a psicóloga. — Estou com medo que
ela vá embora depois que a gente transar. Não que a gente não esteja
transando, é mais como se o sexo penetrativo fosse a última etapa, e
quando a gente chegasse lá, isso que tá rolando entre nós chegasse ao
fim.
— Você falou com ela sobre isso?
— Como eu vou dizer para Vida que estou com medo que ela vá
embora se eu SEI — agitei a palma aberta no ar, enfatizando o que dizia
— que ela vai embora?
— Então, por que está com medo que ela vá embora?
Ri, balançando a cabeça, e cruzei as mãos atrás da cabeça.
As malditas das perguntas óbvias sempre me pegavam.
— Eu já contei que eu e a Marcela transamos naquele dia? —
perguntei, vagueando o olhar por lugar nenhum. — Ela transou comigo
horas antes de ir embora da minha vida. — Abaixei os braços e envolvi o
bracelete. — Ela poderia ter conversado comigo, poderia ter me contado
que queria ir embora, poderia ter dito como se sentia, mas não... — Um
nó apertou-se em minha garganta. — Ela me usou apenas para sexo,
como se eu fosse um estranho qualquer em quem esbarrou por aí. Mas
eu não era um estranho... — As lágrimas se acumularam em meus olhos.
— Eu era o cara que esteve ao lado dela por anos, eu era o cara que
jamais soltaria a mão dela. Eu sou o pai dos filhos dela, porra, e ela me
descartou como se eu não significasse porra nenhuma, como se eu fosse
um nada... — Ofeguei, enxugando as lágrimas. — Eu não quero me
sentir assim de novo.
Alec tinha dormido há tempos, e Malika nada. Para não ter o
perigo dele acordar, peguei Malika no colo e estava há mais de meia hora
andando de um lado para o outro da varanda, tentando fazê-la dormir.
Quando parecia que tinha adormecido, ela murmurava um “papai” e me
abraçava mais forte no pescoço.
— O papai tá aqui, amô.
Foram mais uns vinte minutos até Malika pegar no sono.
— Se ela acordar, se sentir alguma coisa...
— Mali tá ansiosa — minha mãe interrompeu-me — porque
Vida vai passar o primeiro dia com vocês amanhã — comentou,
levantando-se do sofá.
— Quando conversei com a psicóloga da Mali, ela me disse que
esse conflito de emoções poderia mexer com o sono e apetite. Mas não
saber como ajudar é foda — suspirei.
— Mali vai ficar bem, meu amô. — Afagou meu braço. — Vai
encontrar a Vida, ela já deve tá preocupada.
Porra, nem consegui enviar uma mensagem avisando que iria
atrasar.
— Vou lá. — Dei um beijo nos cabelos de minha mãe,
despedindo-me.
Enviei uma mensagem enquanto ia para casa buscar o buggy, e
vinte minutos depois cheguei ao resort.
Malika não era a única ansiosa.
Vida também estava.
E eu ter me atrasado mais de uma hora devia ter piorado as coisas.
— O que acha de pedirmos algo para jantar — sugeri, abraçando-
a — e aí eu passo a noite aqui com você?
— E o luau?
— Peço para outro DJ me cobrir.
— Você faria isso? — Ela inclinou o rosto para trás e os olhos
buscaram os meus.
— Farei isso, linda — falei, acariciando o seu rosto.
Enviei a mensagem para um colega, pedi o jantar no restaurante
do resort e preparei um banho de banheira para ajudá-la a relaxar.
Os corpos nus na banheira.
O encaixe do seu corpo entre os meus braços.
As carícias compartilhadas.
Nada era sobre sexo.
Tudo era sobre nós.
Não sabia se havia me apaixonado outra vez por ela, ou se sempre
estive apaixonado, mas, no final, não fazia diferença nenhuma, porque
era ela. Independente das circunstâncias, ainda era ela.
Sempre seria ela.
A garota que fazia o meu coração bater mais rápido.
Ela era desafinada e tagarela.
Ela dançava até com o sopro do vento, sem se importar se era a
única a ouvir a música.
Ela era linda por fora e extraordinária por dentro.
Uma sereia, diziam. Estavam errados.
Ela era uma pirata.
E havia roubado o meu coração.
Arion havia ficado.
Por mim.
Ele ficou por mim!
Eu o olhava dormindo ao meu lado. Cabelos bagunçados, os
braços grandes e musculosos esparramados sobre os travesseiros, a pele
bronzeada. Menos no bumbum. Esse entregava que o bronze perfeito era
o bônus de morar à beira da praia. Sorri, descendo os olhos para o seu
traseiro, coberto por uma boxer preta, e me apoiei no cotovelo.
Meu olhar navegou pela tatuagem em suas costas e logo meus
dedos se uniram à expedição. Inúmeros símbolos maoris vestiam cada
centímetro de pele, realçando os músculos intercostais. Os pequenos
desenhos projetavam-se em formas aparentemente aleatórias, mas
conectadas em um nível que era impossível separá-las, como as ondas do
oceano que jamais poderiam ser isoladas do todo. Era perfeita e lhe dava
um ar de imponência... Porra, sexy pra caralho!
— Bom dia, Pirata. — Arion lançou-me um sorriso sonolento.
E lá se foi mais uma batida do meu coração.
— Bom dia, Marujo. — Deixei um beijo no início da tatuagem,
adentrando o ombro.
Foi ele quem começou com essa coisa de apelidos.
Uma risada sonolenta fez seu corpo vibrar.
Ah, merda.
Como é que fazia para acordar ouvindo esse som todos os dias da
minha vida?
— Ainda temos alguns minutos. — Beijei mais uma vez as suas
costas.
E não parei até que tivesse beijado cada desenho de sua tatuagem.
— Tarada! — A risada atropelou o murmúrio que escapou em
resposta à mordida que dei em sua bunda.
Antes que o “gostoso” em meus lábios ganhasse liberdade, Arion
me derrubou na cama e me içou pelos quadris.
Dei um gritinho.
— Nos meus ombros, linda — disse, mordiscando minha
panturrilha.
Obedeci, né?
Apenas minha cabeça e ombros tocavam o colchão.
Ele escorregou as mãos para minha bunda e levou-me à sua boca,
afastando a renda da minha calcinha com os dentes.
— Cretino gostoso. — Agarrei os lençóis, gemendo sob o ataque
faminto de sua boca.
Não saberia dizer quantos orgasmos desaguaram em sua boca. A
cada um deles, Arion suavizava os beijos, esperando que as ondas se
acalmassem, para então me levar ao próximo drop.
Não tomamos café no resort. Depois do banho fomos para a casa
da mãe dele. Eu estava meio que surtando com isso? MUITO! Ela era
uma querida, me deixou super à vontade, mas tudo era novo para mim, e
confuso.
Eu tinha dormido com Arion, estava há minutos atrás gozando
na boca dele, e agora estava ali, sentada no chão da sala da mãe dele,
brincando com o Alec junto com o Arion. E ainda tinha um gatinho
laranja me espiando curioso de cima do sofá.
Era muita coisa para processar.
Meu coração parecia um trio elétrico em pleno circuito Barra-
Ondina no Carnaval de Salvador.
— Tatata... — Alec me ofereceu uma das pecinhas do brinquedo.
— Me ajuda, Leleco. — Sorri para ele. — Onde que a gente
coloca o quadradinho vermelho? — Tentei botar a peça no lugar errado,
fingindo procurar o certo. — Cadê, Leleco? — Encaixei o quadrado e ele
caiu dentro da casinha. — Aqui!
Alec bateu palmas, sorrindo com aqueles dentinhos lindos à
mostra.
Que fofura, meu deusinho!
Fofura nível extremo.
— Ela já tá aqui?
Volvi os olhos para o corredor e encontrei a Malika me olhando
de cara fechada e cabelos amassados, vestindo um pijama de short e
camisetinha com a estampa de esquilos, igual ao que a Taylor Swift usa
no clipe de We Are Never Ever Getting Back Together.
— Aaaaiia — balbuciou Alec.
— Bom dia pra você também, Pandinha — disse Arion.
— Bom dia, Mali. — Eu não ia ser a única a não cumprimentá-la,
né? — Você gosta das músicas da Taylor?
— Sou swiftie. — Ela deu uma jogadinha de ombro para frente e
arrebitou o nariz, fazendo um beicinho fofo.
Eu queria morder, apertar e encher de beijos aquela marrentinha.
— Eu também! — falei, me virando mais para ela.
Ela franziu o cenho e os olhos se deslocaram para o pai.
— Você fez aquela track pra ela? — perguntou, arregalando os
olhos.
Ops...
— Eu já fiz várias para você, amô.
— Você fez pra ela? — repetiu a pergunta, com uma veia quase
estourando no pescoço.
— Sim — disse Arion.
— EU NÃO TE AMO MAIS, PAPAI! — bradou e saiu correndo.
Ouvi Arion dar um suspiro profundo e a porta bater no final do
corredor.
— Desculpa — murmurei, olhando para ele.
— Não é sua culpa. — Arion acariciou meu rosto, e Alec moveu
os olhos para nós. Afastei a mão de Arion, indicando com um aceno que
tínhamos a atenção do pequeno. — Vou conversar com a Mali.

— Posso entrar? — perguntei ao bater na porta.


— NÃO! — gritou de dentro do quarto.
— Mali, por favor — pedi.
— NÃO QUERO — resmungou em resposta.
— Tá bom, vou me sentar aqui e a gente vai conversar. — Sentei-
me e apoiei a cabeça na porta. — Eu poderia ter mentido e dito que não
fiz a track para a Vida, você nunca ia saber, mas eu não quero mentir para
você, filha. Quero que a gente converse quando tivermos chateados um
com o outro, porque aí a gente pode pensar na melhor forma de lidar
com isso. Às vezes, o papai também fica com raiva, chateado e triste, mas
gritar e bater a porta do quarto não vai mudar nada. Como você ia se
sentir se o papai fizesse isso?
— Eu ia ficar triste — respondeu do outro lado da porta.
— O papai também, filha.
— Você tá triste comigo?
— Estou.
— Eu menti, papai, eu ainda te amo.
— Eu te amo, mas estou chateado com você.
— Mas eu que tô brava, não você.
— Agora eu também tô.
— Por quê? — choramingou.
— Porque você disse que tudo bem, que concordava em ficar
com a Vida e que ia ensiná-la a cuidar do Leleco, e no primeiro dia que a
Vida vem ficar com a gente, você faz isso, Mali.
— Eu fiquei brava, papai — justificou-se.
— Aí você chamava o papai e conversava. Daqui a quantos dias é
o primeiro festival?
— Dezess... Não, dezesseis. Ontem que era dezessete.
— Como eu posso viajar e te deixar com a Vida se você estiver se
comportando assim? Malika, a Vida está fazendo um favor para o papai.
Ela só quer ajudar, filha.
Ouvi os passos dentro do quarto e me afastei da superfície de
madeira.
A maçaneta girou e a porta abriu.
Olhei para Malika.
— Eu vou pedir desculpas pra ela.
— E cadê o meu pedido de desculpas? — Transpassei um braço
pelas costas dela, trazendo-a para dentro de um abraço.
— Desculpa, papai. — Abraçou-me pelo pescoço. — Eu te amo
muitão, muitão. — Beijou minha bochecha.
— Te amo, Pandinha. Vamos chamar a Vida para te ajudar no
banho?
— Não. — Demoveu o abraço.
— Malika... — A olhei em advertência.
— Não quero que ela me veja pelada.
— Filha, mas a Vida que vai te ajudar quando o papai estiver
viajando. Quando você e o Leleco estão com o tio Zac ou com o tio
Apollo, e o Leleco faz xixi ou cocô, os titios precisam ver ele pelado para
trocar, né?
— Leleco não sabe se trocar sozinho, mas eu sei tomar banho.
— E os cabelos? — Arqueei a sobrancelha.
— São só três diazinhos, papai — indicou com os dedos —,
posso ficar três diazinhos sem lavar os cabelos, né?
Deixei escapar um sorriso.
— Tá bom. — Ergui o dedo. — Mas a Vida vai te ajudar a pentear
os cabelos, porque você não pode ficar três dias assim. — Apontei para a
bagunça na cabeça dela.
— Tá bom. Eu chamo ela quando me vestir e ela arruma meu
cabelo. Mas eu vou brigar se ela puxar pra doer.
Prendi o riso.
— Aí você pede para ela ter mais cuidado, amô.

Chegamos ao final de tarde da quinta-feira sem grandes


catástrofes.
Diria que para os dois primeiros dias, nos saímos até bem.
Eu não tinha certeza se o meu coração sobreviveria ao final do
verão, a presença constante de Vida estava mexendo com minha cabeça
de um jeito fodido.
Na noite passada, quando cheguei em casa e deitei a cabeça no
travesseiro, quem disse que o sono veio?! Mas, também, o que eu queria?
Acordei na cama com ela, passei o dia com ela e com as crianças, na
minha casa, fazendo coisas como trocar fraldas juntos, cozinhar e...
PORRA! Meu coração quase pulou fora do peito enquanto olhava Vida
dar banho no Alec, e Malika em pé na porta do box, tentando não rir
diante da cena à sua frente.
Era uma missão impossível. Vida saiu do banheiro com a roupa
toda molhada do tanto que o Alec jogou água nela. Os sorrisos dos dois,
e aquele que lutava a todo custo para não aparecer no cantinho da boca
da Malika, agitaram o oceano de emoções em meu peito. Imaginei a
nossa vida inteira juntos enquanto os observava.
Eu queria que todos os meus dias fossem iguais àquele.
Quer dizer, mais ou menos.
A parte das oscilações de humor e picos de agressividade da
Malika queria que não se repetisse nunca mais.
Qualquer coisinha, por menor que fosse, era motivo para Malika
explodir. E a merda toda era que eu sabia que não era birra, ela estava
sofrendo e não conseguia colocar para fora de outra forma. Então, me
sentia culpado por repreendê-la.
Vida ainda dormia quando deixei seu quarto no sábado de manhã.
Os pais dela chegaram na ilha no dia anterior e ela almoçaria com
eles e o Pietro, somente à tarde iria lá para casa.
Eu só não contava que fosse encontrar com o pai dela logo de
cara.
— Arion. — Ouvi alguém chamar e me virei, erguendo os olhos
para a varanda do bangalô naquela direção. — Tem tempo para um café?
— Quinze minutos.
— Tô descendo.
Severo Arpini era o pai de Vida, o conheci anos atrás.
Meses depois de ela quase morrer.
Ele descobriu que fui eu quem a tirou do mar pelas câmeras de
segurança da ilha e me procurou para conversar sobre aquele dia. Foi
quando apareceu lá em casa que minha mãe descobriu que por meses
surfei escondido dela.
— Bom dia, moleque. — Severo deu um tapinha no meu ombro.
— Bom dia, senhor. — Meneei a cabeça. — Mas com todo o
respeito, senhor, não sou mais um moleque.
Ele aquiesceu, exibindo um sorriso quase imperceptível.
— Vamos — disse, e seguimos para o salão onde era servido o
café da manhã do resort. — Como estão os dois? — perguntou-me a
respeito das crianças.
— Estão bem, senhor.
— Vida está encantada por eles. — Apenas sorri em resposta. —
Soube como as coisas acabaram entre você e aquela garota, sinto muito.
Quando nos conhecemos, ele queria saber se o que aconteceu foi
um incidente ou se Vida tinha feito de propósito, mas não era apenas ele
quem estava me procurando. Ela também. Vida pediu que o pai me
encontrasse, ela queria conhecer o surfista que a tinha resgatado do mar.
No entanto, Marcela já estava morando comigo, Malika nasceria
em alguns meses, e eu tinha feito a minha escolha. O único jeito de fazer
dar certo com Marcela e a nossa filha, o único jeito de estar cem por
cento naquilo, era esquecendo Vida.
Eu precisava esquecê-la.
Mas como faria isso se tivéssemos algum tipo de aproximação?
Já estava difícil para um caralho não pensar nela.
Eu andava com um elástico no braço, e toda vez que Vida surgia
em meus pensamentos, puxava e soltava o elástico, me punindo. Isso
durou quase um ano, mesmo fazendo terapia e com minha mãe no meu
pé, me chamando a atenção toda vez que via.
— Imagino que a essa altura já tenha visto a tatuagem — disse
Severo logo que nos sentamos, com nossas xícaras de café em mãos.
— Sim, senhor. — Mordisquei o lábio.
— Ela te procurou por anos — contou, tomando um gole do
café na sequência. — Vida viajou por todo canto, visitando os picos de
surf mais conhecidos do mundo, esperando reconhecer aquele garoto no
rosto de um surfista.
Ela fez isso? Por quê?
Por que iria atrás de um estranho que viu por um breve instante?
Será que o coração dela também bateu mais...
Não, ele não bateu mais rápido, ele não podia...
Ele voltou a bater após minutos adormecido.
— Prometi a você que não contaria — tomou outro gole do café
—, e embora tivessem momentos que eu queria dizer a ela onde
encontrá-lo, não fiz.
— Obrigado por manter sua promessa, senhor.
— Espero que em algum momento conte a ela que aquele garoto
era você, Arion. Ela o encontrou, afinal de contas.
— Eu amo a sua filha, senhor. — Não era a primeira vez que eu
lhe confessava o que sentia por Vida. Emocionado não, INTENSO. —
Acho que nunca consegui esquecê-la, eu só me obriguei a não pensar
mais nela — suspirei. — Não sei se posso fazer isso de novo.
— Por que teria que fazer isso de novo? — inquiriu-me, e eu me
virei para ele. Os olhos azuis, iguais aos de Pietro, fixaram-se nos meus.
— Você está tendo a porra de uma segunda chance, não a deixe escapar.
Já era final da tarde, eu estava trabalhando no set para o festival
no México e Vida brincava com as crianças no tapete do estúdio. As
crianças sempre ficavam comigo no estúdio durante o dia, então estava
acostumado a manter apenas uma das conchas do headphone ajustada ao
ouvido, para interagir com eles. Motivo pelo qual eu sempre tirava um
horário na madrugada para focar minha atenção unicamente na música.
— Você não sabe nada — disse Malika, rebatendo Vida pelo que
deveria ser a centésima vez nas últimas duas horas.
Admirava a paciência de Vida e o jeito como sempre levava com
bom humor a rispidez da minha filha.
— Eu sei sim, quer ver?
Malika eu não sei, mas eu queria.
Girei a cadeira para ficar de frente para eles e pendurei o
headphone no pescoço. Vida pegou meu violão e sentou-se no sofá do
estúdio. Ela cruzou as pernas em cima do estofado, dedilhando a paleta
nas cordas, com a cabeça baixa e um sorriso nos lábios. Tirou primeiro as
notas isoladas.
Quando ergueu o rosto, seus olhos voltaram-se para Malika
sentada na pontinha do sofá, olhando-a em expectativa, e a melodia de
Love Story preencheu o estúdio.
Alec olhou por cima do ombro, abandonou os brinquedos de
lado, engatinhou para o sofá e levantou-se em frente à Vida.
— Dança, Leleco — disse Vida, olhando para ele.
Alec se balançava, curtindo o som. A cabecinha inclinada para trás
não deixava dúvidas que seus olhos estavam grudados em Vida. E
apostaria qualquer coisa que ele se derretia em sorrisos para ela.
— Você tem que cantar — falou Malika.
— Melhor não — comentei, provocando Vida. Ela me olhou,
arregalando os olhos e a boca. — Desculpa, linda, mas você canta muito
mal — disse entre risos.
— Linda... — Malika revirou os olhos, repetindo o que falei sem
nem perceber.
Uma revirada de olhos? Com isso eu podia lidar!
— Por que você não canta, Mali?
— Porque eu não quero. — Deu de ombros.
Ela estava se roendo de vontade de cantar, dançar e pular.
Aquela era sua música favorita.
Mas a pestinha era dura na queda.
Batuquei os dedos na coxa, marcando o compasso da música, e
quando entrou uma nova estrofe, comecei a cantar.
O olhar das duas me encontrou ao mesmo tempo.
Malika se jogou de costas no sofá, para que eu não visse o sorriso
que florescia em seus lábios, enquanto Vida me oferecia um sorriso de
tirar o fôlego.
— Um pouco? — Li em seus lábios.
Pisquei para ela e pude ouvir o “Cretino” na ponta da sua língua
soar em meus pensamentos.
Seu riso atingiu em cheio o meu coração.
Alec batucava as mãozinhas e cantarolava comigo, do jeitinho
dele.
Levantei-me da cadeira, encostei a porta do estúdio, para isolar o
som, e aumentei a voz uma oitava, atingindo meu objetivo, atrair a
atenção de Malika. Ela inclinou a cabeça de ladinho, espichando o olho
para me ver.
Eu agitava as mãos no ar, me aproximando do sofá, e Alec e Vida
não paravam de rir. Meu pequeno tinha se virado e se segurava apenas
com uma mão, ora olhando para mim, ora para Vida.
Na última estrofe — a parte do “Romeu” — subi no sofá,
posicionando meus pés ao lado das pernas de Malika, e cantei olhando
para ela, estendendo meus braços em sua direção, numa performance
cênica.
Amando a bagunça, Alec não pensou duas vezes antes de escalar
o sofá e deitar-se ao lado da irmã. As gargalhadas dele fizeram com que
fosse impossível Malika segurar a dela por mais tempo, e enquanto eu
dava a vida cantando e gesticulando exageradamente para os dois, fui
recompensado com a gargalhada da minha garotinha.
Eu amava tanto aquele som.
Já no finalzinho da música, me ajoelhei no estofado, envolvi os
dois em meus braços e enchi os meus pequenos de beijos.
Ouvindo “papa” e “papai” em meios a risos, gritinhos e
interjeições, joguei-me no espaço ao lado, abraçado aos meus filhos,
com a respiração aos trancos, mas o coração batendo forte. Muito forte.
Meu olhar foi ao encontro dela, a garota com um violão no colo,
sentada à minha frente, e navegou pelo mar esverdeado em suas íris.
— Malika foi uma bebê muito tranquila, ela dormia a noite
inteirinha. — Os olhos de Ana, mãe do Arion, transbordavam em
sorrisos emocionados enquanto me contava de quando a Malika nasceu,
mostrando-me fotos do Arion com a filha recém-nascida.
Ele era apenas um garoto. E já era pai.
— E isso deixava o Arion louco de preocupação, porque ele
esperava os choros de madrugada, as noites acordado de um lado para o
outro com a bebê no colo — Ana deu uma risada serena —, e ganhou
uma bebê dorminhoca. Mas você pensa que ele dormia? — Arregalei um
pouco os olhos, movendo-os para ela. — Arion acordava de hora em
hora para conferir se a Mali estava respirando. Às vezes, ele a tirava do
berço e ficava andando pela casa com ela nos braços.
— Ela dormindo? — inquiri, elevando uma sobrancelha.
— Sim — respondeu-me, rindo.
— Meu Deus — disse entre risos, voltando meus olhos para o
tablet em minhas mãos e passando para a próxima foto.
— Eles moravam aqui, mas desde o primeiro dia da Mali, foi ele
quem trocou, deu banho. O máximo que me deixava fazer era dar as
coordenadas. — Ela sorriu em um suspiro alongado. — Meu filho não
merecia ter sido abandonado como foi. — Ergui os olhos. Uma lágrima
corria por sua face. — Ele cuidou e protegeu tanto aquela menina. —
Estendi o braço e segurei em sua mão, porque não conseguia pensar em
nada para dizer. — Ela é uma boa menina, sofreu muito com os pais.
Quando engravidou, eles a expulsaram de casa. Ela, mais do que
ninguém, conhece a dor do abandono, por isso não entendo como pôde
fazer isso com o meu filho e com os meus netos.
— Ei, dona Ana. — A voz do Arion soou às nossas costas, e
antes que me virasse, ele debruçou-se por cima do sofá, prendendo os
braços em volta dela, e a beijou na bochecha. — Te amo, mãe.
— Ai! — Dei um gritinho, me encolhendo para trás, quando o
Naruto saltou no braço do sofá.
Arion e Ana riram baixinho.
— Não assusta a minha garota, Naruto — disse ao mesmo
tempo que deslizou um dos braços por cima do meu ombro, me
envolvendo em um abraço e dando-me um beijo no rosto.
Minha garota. Ele disse minha garota.
O que era a percussão do Olodum[68] perto das batidas do meu
coração?
— Você está vendo fotos da Mali bebê? — O tom da pergunta
evidenciou a surpresa ao ver a foto no tablet. Arion fez a volta no sofá
em um piscar de olhos e deu uma batidinha com o dorso da mão na
perna da mãe, pedindo que abrisse espaço para ele. — Para não ter
ciúmes, vou ficar no meio.
Eu e sua mãe rimos.
— Se acha você, né? — Empurrei de leve o seu ombro.
— Mãe, a Vida disse que você e o meu pai estavam — olhei para
ele, arregalando os olhos e a boca, sem acreditar que ele contaria aquilo
— inspirados quando me fizeram.
Senti o rosto esquentar.
Ana deu uma risada contagiante.
— Eu e seu pai estávamos sempre inspirados, meu amor.
Não esperava por aquela resposta. Explodi numa gargalhada
quando Arion resmungou um “MÃE”.
Toma essa, cretino!

— Teve uma vez que eu tinha terminado de dar banho na Mali e


ela fez cocô na minha mão — contou Arion. Eu estava rindo há vários
minutos, ouvindo as histórias das crianças. — Não foi que encostou um
pouquinho, ela encheu a minha mão de merda. — O jeito que ele falava,
rindo daquilo, fazia com que as borboletas no meu estômago não
parassem quietas. — E não era aquele cocô durinho não, ela só mamava
no peito na época, era bem novinha, então era aquele cocô pastoso,
melequento.
— Eu amo que a Mali é apocalíptica desde bebê — murmurei,
incapaz de parar de rir.
— Aquela ali já nasceu apocalíptica. — Ele riu. — Quando ela
tinha quatro anos e pouquinho, já ia pra escolinha há dois anos, e aí
tinha a quadrilha junina. Ela queria dançar com o Biel, mas no ano
anterior ela tinha dançado com ele. A professora quis mudar e disse para
ela dançar com um outro coleguinha. Malika bateu o pé que não ia,
falou que só dançava com o Biel, fez drama, birra, e depois de muito
chororô concordou com o par escolhido pela professora. Fez todos os
ensaios, tudo certinho. Corta para o dia da apresentação. — Arion girou
o dedo no ar e me olhou, arqueando a sobrancelha. — Pense aí que essa
menina ficou emburrada a quadrilha inteirinha, o pobre do menino
arrastando ela para dançar e a Malika de cara amarrada, sem fazer
nenhum dos passos ensaiados.
— Não é possível — disse à meia-voz.
— Eu também achava isso. — Ele fez um meneio de cabeça. —
Mas tenho fotos e vídeo para provar.
— Coitado do coleguinha.
— Conversei com ela quando chegamos em casa, nem deixei para
o dia seguinte para que não esquecesse nada. Perguntei se ela ia gostar se
o coleguinha tivesse feito aquilo com ela, e no dia seguinte conversei
com os pais dele também, me desculpei e pedi para levar o moleque para
tomar sorvete. Eles entenderam, aí buscamos ele em casa e ela se
desculpou.
— Ser pai exige umas coisas que não tem como prever, né? Você
tem que tá pronto para o que vier — comentei, pensando naquela
história em específico, porque quem iria imaginar que uma criança de
quatro anos pudesse fazer aquela artimanha toda?! Mas também pensava
nos meus pais e em como o meu diagnóstico os pegou no susto.
Não desenvolvi a síndrome aos treze anos, eu nasci com ela. Por
treze anos, ela foi um segredo guardado pelo meu corpo, e isso os fez se
questionarem se haviam sido negligentes. Quando recebemos o
diagnóstico, quando não era mais apenas uma possibilidade, a médica
reuniu a nós três e explicou tudo sobre o MRKH, e os ouvi dizerem:
“mas nós sempre a levamos nos médicos, desde bebezinha, nós fizemos
todos os acompanhamentos com o pediatra, nós nunca deixamos de
levá-la”, tentando se explicar, como se fossem os culpados por algo que
nunca esteve sob o controle deles.
Não havia como eles saberem.
Não havia como ninguém saber.
Arion se inclinou para mim, a mão capturou e acariciou o meu
rosto. Nossas testas se tocaram, o emaranhar das nossas respirações
queimando em minha pele.
— Sabe o que sente quando está deslizando entre as ondas, aquela
sensação que toma seu peito e te deixa amarradão? Ser pai é tipo isso,
linda. — Seu riso atingiu em cheio meu coração. — Um milhão de vezes
mais. Como se surfasse a maior onda de todos os tempos.
— Vocês não estão entendendo. — Olhei para os rostos de Duna
e Letícia na tela do meu macbook.
Estávamos em chamada de vídeo, as três em suas camas, cada uma
numa parte do mundo. Eu ainda nem tinha dormido.
O sábado foi intenso. Arion me deixou no resort no comecinho
da manhã, quando saímos do Saideira, quase três horas atrás, e nada do
sono vir.
Havia um turbilhão de sentimentos em ebulição no meu peito.
— Quem estava quase ajoelhando e cantando Marry me, Romeu
— pus a mão em meu peito — fui eu!
Elas deram uma gargalhada.
— MARRY ME, ARION! — gritou Duna aos risos.
— Já posso escolher o modelo do meu vestido? — perguntou
Letícia, mexendo numa correntinha em seu pescoço. — Porque é óbvio
que serei madrinha, isso não é negociável.
— Eu também! — exclamou Duna. — A gente é tipo o cupido,
amiga.
— Parem de graça, tô falando sério aqui. — Mordi um sorriso,
me perdendo por um momento naquela ideia de vestidos e madrinhas.
— Qual a cor, Vida? — Nem consegui identificar de quem veio a
pergunta.
— Ahm? — Movi o olhar entre os seus rostos. — Cor? Que cor?
— Do casamento que você estava imaginando agorinha mesmo
— disse Duna.
— Que casamento o quê?! Eu só estava pensando que... —
divaguei.
— Sim? — as duas perguntaram em uníssono.
— Ah, sei lá, gente. — As risadas soaram em coro.
— Olha que grandãozão o sorvete que o titio Zac comprou pra
mim. — Malika exibiu a casquinha com três bolas de sorvete para Vida.
— Uaaaaau! — Vida arregalou os olhos intencionalmente. —
Você vai tomar tudo isso sozinha?
— Humhum. — Lambeu o sorvete. — Tudinho, tudinho. Não
vou te dar nem um pouquinho. — Deu uma risadinha e se virou,
voltando a segurar na mão de Zac, alguns passos à nossa frente.
Eu e as crianças buscamos Vida no resort no início da tarde e
passeávamos pela praia no Posto 2.
Aos domingos, as barracas de jogos voltavam a ocupar suas areias,
dividindo o espaço com camas elásticas, piscinas de bolinha e
escorregadores para as crianças.
Alec estava no carrinho de passeio, bem feliz devorando uma
espiga de milho, e Vida ao meu lado. Vez ou outra eu escorregava os
dedos por seu pulso ou nas suas costas, e nos entreolhávamos,
encontrando-nos em um segundo que parecia suspenso no tempo.
— Olha o que o titio trouxe para você — disse Pietro, agachando
em frente ao carrinho do Alec e entregando a ele um balão de hélio.
— Taa. — Alec ergueu a cabeça para cima, olhando para o balão.
— E pra você também, Pandinha. — Estendeu outro balão para
Malika.
— É uma cauda de sereia, que legal! — Malika pegou o balão.
— O titio vai amarrar no carrinho para você brincar — Pietro
falou ao Alec, prendendo o balão para que não saísse voando no caso de
escapar da mão dele.
— E o do Leleco um polvo com olhinhos. — Virou-se para trás,
sorrindo. — Olha, papa... — Ela foi mais rápida do que eu, e me flagrou
tocando o braço de Vida.
— Muito irado, né?
Ganhei uma ignorada monstruosa como resposta.
Malika torceu o nariz e voltou-se para frente, nem olhou na
minha cara mais.
— Obrigada, titio — agradeceu ao Pietro. — Eu amei de
montão!
Uma ignorada que se prolongou por bastante tempo.
Eu chamei a Malika para ir em todos os brinquedos e ela disse não
para todos, mas só foi o Apollo chegar e perguntar se queria ir na piscina
de bolinhas, para sair saltitando de mãos dadas com ele para o maldito
brinquedo.
— Tá sem moral, hein, mano? — comentou Zac.
— PORRA... — Soltei um suspiro exasperado, aproveitando que
o Alec estava com o Pietro mais adiante. Pietro o segurava pelas mãos,
em frente às suas pernas, andando devagarinho. — Tem horas que o
sangue ferve, tenho que respirar fundo umas cem vezes. Tá foda.

— Acho que meus divertidamente estão de mal, papai — disse


Malika quando saímos da sessão de Cinema na Praia. Na volta da piscina
de bolinhas, ela tinha decidido que estávamos numa boa.
— Estão de mal, amô? — Sorri, inclinando a cabeça para falar
com ela, que estava em meus ombros. Vida empurrava o carrinho com o
Alec. — Por que você acha isso?
— Eles ficam brigando toda hora — respondeu com o rosto
voltado para mim. — Tô alegre, aí fico brava, depois feliz — ela foi
falando e balançando a cabeça de um lado para o outro —, aí chateada,
feliz e triste, com raiva, e alegre de novo, aí eu fico bagunçada.
Ouvi o som baixinho do riso de Vida.
— Entendi. Agora você está se sentindo como?
— Alegre — disse, abrindo um sorriso largo.
— Vamos prestar atenção quando você ficar triste ou chateada
para gente descobrir por que esses divertidamente estão brigando tanto?
— Vamos!
— Avisa ao papai quando você não estiver mais alegre, na
horinha que acontecer, tá? Pra gente pegar esses danadinhos no pulo.
— Tá bom, papai.
— Agora o papai vai olhar pra frente pra gente não cair de cara no
chão.
Malika deu risada, e eu retomei a caminhada.
— Vida — chamou Malika, e foi atendida no mesmo instante —,
quando você for embora vai esquecer da gente?
Minha garganta travou.
Meu olhar voltou-se para a garota ao meu lado.
— Não, Mali. — Vida sorriu para minha filha. — E você vai me
esquecer?
— Eu não, mas o Leleco é bebezinho, você tem que ligar pra falar
com ele, pra ele não te esquecer, tá?
— Tá, você vai falar comigo também?
— Pode ser.
— Ok. — Vida riu e me deu uma piscadinha.
Fiz o jantar enquanto Vida dava banho no Alec e ajudava a Malika
com os cabelos. Da cozinha eu podia ouvir os três tagarelando. Após
comermos, ela assumiu a louça e eu fui brincar com as crianças.
— Tô brava agora — disse Malika, apertando os lábios para não
chorar.
— Você ficou brava por que o papai pediu que durma na casa da
vovó ou por que o papai disse que vai sair com a Vida? — perguntei,
fazendo cafuné no Alec, que havia se aninhado no meu colo.
Ele não tirou o cochilo da tarde e estava caindo de sono.
— Porque você vai sair com ela.
— E por que o papai sair com a Vida te deixa brava? Você sabe?
— Porque eu não quero que você namore, papai. Eu não quero
uma mamãe.
— Você sente falta da mamãe?
— Não — disse com os olhos rasos de lágrimas —, não tenho
mais mamãe. — Suspirei e toquei o seu rostinho. — Não quero outra
mamãe que vai embora. — Engoli em seco, sentindo o coração
fraquejar. Malika se levantou e me abraçou pelo pescoço. — Ela também
vai embora — disse em um tom mais baixo, como se não quisesse que o
irmão ouvisse.
Beijei sua bochecha, segurando em sua cabeça.
— Olha para mim, Pandinha — pedi, e ela se afastou para olhar
em meus olhos. — O papai sabe. — Alisei seus cabelos. — Mas o papai
gosta muito dela, amô.
— Muito, muito, muito?
— De montão. — Sorri.
— Leleco também gosta muito de muitão.
— E você?
— Eu não, porque ela vai embora — murmurou, com uma
carinha triste.
NOTA: Há um link neste capítulo para uma track do Arion, não ouça sem headphone e muito
menos em público. Depois não diga que não avisei!
Mais uma vez estávamos em meio à euforia do dance floor no
Solaris.
O grave da música batendo junto com meu coração era tudo o
que eu conseguia distinguir do que acontecia à nossa volta.
Vida dançava entre os meus braços. Minhas mãos deslizavam por
suas curvas, e quando as dela não estavam nos meus ombros, sua bunda
rebolava contra meu pau e os meus lábios faziam moradia em seu
pescoço. Não importava como, meu corpo se movia no ritmo dela.
Não, eu não dançava, mas aquela garota... Um sorriso dominou
meus lábios. A minha garota correu os dedos por meus cabelos, no lábio
uma pequena mordida se somava ao sorriso, então jogou um braço para
o alto e pulou, enquanto as minhas mãos apertavam sua bunda, lutando
desesperadamente contra o desejo de se enfiar por baixo da tirinha de
tecido que a cobria. Vida vestia um conjuntinho de saída de praia que era
um teste cardíaco.
Ela era música, e como quando eu estava no palco, era impossível
ficar parado quando cada batida dela pulsava em minhas veias.
Os cabelos voavam para todos os lados, os fios molhados de suor
grudavam em seu rosto e aquela imagem tinha encontrado um caminho
direto para o meu pau. Arrastei uma mão para sua cintura e com a outra
agarrei os seus cabelos, trazendo sua boca para a minha.
Vida ofegou quando me sentiu duro pressionado em seu
abdômen.
Lambi seus lábios e empurrei minha língua em sua boca.
O jeito que ela me recebeu... caralho!
Eu amava o quão perfeito eram os nossos beijos.
Imaginava como seria quando estivesse dentro dela, metendo
gostoso e chupando sua língua, afundando cada um dos meus piercings
na sua boceta molhada e ela pedindo para meter mais forte, socando
fundo e mordendo os lábios macios.
Ela querendo mais... mais tapas, mais mordidas... e eu metendo
mais... mais rápido, mais forte. Metendo gostoso, metendo sem parar, e
ouvindo ela pedir para não parar.
Comendo a minha garota e bebendo os seus gemidos.
A língua atrevida deslizou fora da minha boca e perambulou por
meus lábios. Arrepios desceram a coluna e um gemido escalou por
minha garganta, buscando refúgio nos lábios dela quando senti as unhas
curtas e afiadas arranharem minha nuca.
As veias latejavam ao redor dos piercings, precipitando uma
espiral febril por meu pau e bolas, e a sentia enrolando-se em mim. Um
sorriso infernal se desenhou nos lábios inchados e vermelhos no segundo
que me afastei, após dar uma mordida na boca gostosa, e eu não
consegui pensar em nada mais que não fosse foder a porra daquela boca.
Eu amava sentir os lábios pequenos e gulosos chupando meu pau.
Porra, eu ia gozar nas calças se a gente continuasse ali.
— Hora de irmos para outro lugar, linda.

Arion estacionou o buggy ao lado de um imenso rochedo à


beira-mar, nós tiramos os sapatos e descemos do carro.
Ao nosso redor, havia coqueiros e rochas menores espalhados na
areia. Estávamos na praia mais isolada de Arraial do Porto, entre os
Postos 5 e 6, e a alguns quilômetros de distância, a Ilha do Sussurro
despontava entre as águas do oceano. A ilhota era uma área privada e
não estava aberta à visitação, mas a vista era de tirar o fôlego.
Dei um gritinho quando ele me ergueu pela cintura e me colocou
sentada no teto do buggy.
— Não vou me acostumar com isso nunca — disse entre risos.
E esperava que nunca me acostumasse mesmo, porque eu amava
que ele me tirasse o chão. Literalmente. A liberdade de estar em seus
braços, em suas mãos, em seus ombros — esse aqui... porra! —, sem me
prender a nada, fazia meu coração bater mais rápido.
— Não vou parar nunca. — Piscou para mim. — Fiz outra track
para você — contou, se curvando para dentro do carro. Ao se mover
para fora outra vez, me entregou o celular e fones de ouvido. — Essa é
diferente. — O canto dos lábios repuxou-se em um sorriso safado.
— Diferente? — Inclinei um pouco a cabeça, mordiscando o
lábio.
Ele afastou as minhas pernas e encaixou-se entre elas, com as
mãos a deslizarem por minhas coxas e os olhos ardendo sobre os meus.
— É só nossa.
— Ai, meu Deus! Você fez uma track com a gravação daquele
dia?
O sorriso que me deu era a resposta.
EU VOU INFARTAR!
Coloquei os fones nos ouvidos e dei play na track que ele já havia
deixado aberta no celular.
CARALHO.
Que gatilho da porra, se foder!
O primeiro ofegar veio logo nos primeiros segundos, ondulando
sobre a melodia, então outro, e a memória daquela noite retornou com
tudo, queimando cada célula em meu corpo. E mais outro. A saliva se
acumulou em minha boca, lembrando de chupá-lo de quatro, sentado
em sua mesa de trabalho.
Arion desfez o nó entre os meus seios, despiu o cropped de
mangas longas e a parte de cima do biquíni. A brisa da madrugada
arrepiou os bicos túrgidos de excitação.
Espalmei as mãos no teto do buggy, os seios brandindo no
compasso irregular da minha respiração. Ele parou por um instante. Os
olhos nublados de excitação mapearam cada pedacinho meu que podiam
ver, tecendo arrepios sob minha pele.
As mãos agarraram os meus seios. Um pulsar dolorido atingiu
minha boceta quando um tapa soou através dos fones de ouvido. O
gemido que o seguiu ecoou nos batimentos do meu coração.
Ele abocanhou meu seio, sugou e mamou. Forte, gostoso. Muito
gostoso. A boca moveu-se de um para o outro seio no momento exato
que me ouvi pedir para que não parasse. Sim, não para. Sorri entre
gemidos. Eles não mais soavam apenas em meus ouvidos, também
rolavam por meus lábios.
Lamuriosos e arfantes.
Mais um tapa se fez ouvir, trazendo meu orgasmo aos seus lábios
e um suspiro extasiado aos meus.
Eu já ia tatear à procura do celular quando a track recomeçou.
Amava que ele fosse atento aos menores detalhes, como deixar no
repeat, porque era óbvio que eu ia querer ouvir mais de uma vez.
Chupões gananciosos se espalhavam por meus seios. Lambidas
circulavam minhas aréolas e pincelavam os mamilos. As mãos grandes
continuavam a segurá-los e apertá-los, testemunhando a minha
rendição.
Os meus lábios eram uma nascente de suspiros e gemidos
incessantes, tão potentes que eu já nem podia distingui-los daqueles que
soavam pelos fones de ouvido.
Arion removeu uma das mãos dos meus seios e a levou à sua
camisa, se ocupando em abrir os botões. Não sabia quais eram seus
planos, mas estava em total acordo com o rumo que tomavam. Quando
finalizou com os botões, ele se afastou, tirou os fones do meu ouvido,
deixando-os próximo ao celular, e despiu a camisa.
— Veste, linda — disse, me oferecendo a camisa. A confusão em
meu rosto não passou despercebida. — O teto está gelado e quero que
deite nele.
— Gozar vendo as estrelas nunca foi tão literal — brinquei,
deslizando a camisa por meus braços.
Ele me deu um sorriso safado e uma piscadinha, suspendeu minha
panturrilha e pressionou os lábios, beijando-a suavemente. Um suspiro
perpassou meus lábios. Até em minha garganta sentia o farfalhar das asas
de borboletas. Ajustei a camisa em minhas costas e me deitei.
Arion beijou ambas as minhas pernas, subindo pelas panturrilhas e
mordiscando-me nas coxas, depois tirou a calcinha do biquíni.
A parte de baixo do conjunto de saída de praia era uma sainha de
amarrar do lado bem fininha, ele só desmanchou o laço e jogou as
pontas do tecido sobre o teto do buggy.
— Vida, apoia os pés nos meus ombros — instruiu, e antes que
tivesse tempo de me mover, um líquido pingou no meu púbis.
Puxei o ar entre os dentes, exalando um murmúrio baixo, e
posicionei-me como pediu. Seus dedos espalharam o produto e o senti
esquentar aos poucos.
Arion massageou minha boceta, primeiro com a mão envolvendo
o monte e o polegar rondando entre os lábios, depois deslizando apenas
dois dedos, desenhando um V de baixo para cima, entre os pequenos e
grandes lábios.
A cada movimento dele, uma respiração quebrava em meus
lábios, e como as ondas no rochedo, meus murmúrios e arquejos se
sobrepunham ao assobio dos ventos.
Um mar de suspiros sob um céu de estrelas.
— Porraah, Ariooon — ciciei entre gemidos quando soprou o
hálito quente em minha boceta.
Ele desceu minhas pernas sobre os ombros, uma e depois outra, e
encaixou as duas mãos sob a minha bunda, içando-me para os seus
lábios.
— Boceta gostosa do caralho. — A língua costurou entre as
minhas dobras, sem pressa, lambendo minimamente cada lugarzinho.
— Ai, caramba — gemi, sentindo as pernas estremecerem. —
Cretino! — Sorri em um murmúrio, naufragando entre as estrelas no céu
e as ondas de prazer arrebentando em meu corpo.
A doce tortura entre as minhas pernas não tinha trégua.
Entre dentes, lábios e língua, Arion fez meu clitóris refém.
Explorando e dominando.
Chupões, puxões e lambidas me atingiram sem pausas.
Se esse era o jeito dele foder com todas as chances de eu esquecê-
lo, seria sua cúmplice.
E eu ainda nem tinha sentado naquele cacete lindo.
Com sete piercings... Ai, caralho!
— Não para! — gritei, me empurrando contra sua boca. — Não
para, não para — repeti entre lamúrias.
Ele cravou os dedos em minha bunda e afundou mais ainda o
rosto entre as minhas pernas. Ávidos e famintos, seus lábios me
chuparam ferozmente, sorvendo cada gota do meu orgasmo.

Eu a puxei para o chão, mantendo-a segura em meus braços, e


beijei sua boca.
— Esse gosto... — murmurou, lambendo meus lábios.
— Caipirinha. — Sorri, mordiscando sua boca.
— Espero que tenha deixado pra mim. — Deu uma apalpada no
meu pau, deixando claro quais eram suas intenções.
— Vou te servir quando puder ficar em pé sozinha — provoquei.
— Cretino — sussurrou, desafivelando meu cinto. — Tira logo
essa bermuda.
— Pedindo assim... — Pisquei para ela e me livrei da bermuda,
tirando do bolso o gel comestível.
— É por causa dos piercings? — Tocou o cós da sunga de
Neoprene.
— Sim, para evitar infecções pelo contato com areia e sujeira na
água. Hoje não tem dado tempo, mas antes eu surfava todo dia, e
também dificilmente consigo chegar em casa da praia e ir logo para o
banho, porque primeiro vem as crianças, então uso a Neoprene de 2mm
e mantenho o pau em segurança.
— Por favor, hein?! Se ele sofrer algum dano, te processo — disse
entre risos.
Dei uma risada e a peguei no colo, sendo recompensado com
uma “aaah” e um sorriso soprado em um murmúrio.
— Amei a nossa track — comentou, enquanto eu a levava para o
banco de trás do carro.
— É a minha favorita.
Transpassei suas pernas para o estofado, colocando-a sentada no
encosto do banco, e saltei sobre o estofado. Coloquei o gel comestível
no teto do buggy e me virei para ela.
A safada agarrou o meu traseiro e ergueu os olhos para mim.
Submissos. Suplicantes.
Porra, que puta safada.
Os dedos arrodearam o cós da sunga e seu olhar voltou-se para
minha pélvis. Ela esticou o tecido e liberou o meu pau e bolas, antes de
empurrar a sunga por minhas pernas. A língua transitou entre os lábios,
umedecendo-os, e seu olhar retornou ao meu.
— Baby — gemeu, beliscando uma pontinha do lábio entre os
dentes.
— Oi, linda. — Segurei sua mandíbula, apertando de leve, e
inclinei sua cabeça mais um pouco para trás.
— Bate — pediu, olhando em meus olhos.
A carinha de safada me deixou alucinado. Deslizei minha palma
sobre a maçã do seu rosto, acariciando a pele macia, e acertei um tapa,
me certificando que o impacto atingisse o osso da mandíbula e somente
as pontas dos dedos resvalassem na bochecha, para não a machucar. Um
gemido escapou por seus lábios e ondulou sobre o estalo do segundo
tapa.
— Cretino gostoso — murmurou com um sorriso a esticar-se
em seus lábios. — Mais.
— Mais o quê, linda? — Arrastei o polegar por sua mandíbula,
segurando seu rosto.
— Mais forte — choramingou.
— Assim? — Acertei outro tapa na sua cara.
— Isso — suspirou.
— Safada. — Dei outro tapa, e ela gemeu, escorregando uma
mão entre as pernas. — Putinha gostosa. — Vida mordeu a porra de um
sorriso devasso em seus lábios. — Porra linda — rosnei, e mais um tapa
ecoou pelas ondas do mar.
Curvei-me, beijei os seus lábios e me afastei, indo sentar-me
sobre o teto do buggy.
— Caralho, Ariooon. — Ofegou.
Vida tinha se inclinado para trás e continuava a se masturbar, com
os olhos grudados na punheta que eu batia, espalhando gel por todo o
meu pau.
— Vem tomar sua caipirinha, linda. — Pisquei, interrompendo a
punheta e apoiando as mãos no teto do carro.
— Desgraçado. — Deixou escapar uma risada em meio ao
arquejar.
Ela se levantou e ficou em pé entre as minhas pernas. Envolveu
meu pau e arrastou a língua de baixo para cima, a partir das minhas bolas.
— VIDAAAHH... — Joguei a cabeça para trás quando seus lábios
envolveram meu pau e desceram sobre os piercings, me chupando ao
mesmo tempo que batia uma punheta.
Chupada gostosa do caralho!
Ela me levou mais fundo do que em qualquer outra vez, cada um
dos meus piercings estavam socados em sua boca e ela não parava de me
chupar. Os lábios só deslizavam fora para tomar fôlego e então me
levavam inteiro em sua boca de novo.
Eu estava na porra do paraíso.
Ondas e mais ondas de murmúrios, gemidos e rosnados
atravessavam os meus lábios e uniam-se ao barulho das ondas do mar.
Enredei meus dedos entre os fios dos seus cabelos, apenas os
segurei, apertando de leve. Ela não precisava da minha ajuda para foder
comigo, nem com o meu juízo.
Embriagados de tesão, seus olhos miraram meu rosto e um
sorriso desenhou-se nos lábios cheios com o meu pau. Eu não precisei de
mais nenhum incentivo, meu orgasmo desaguou no fundo da sua
garganta. Agarrei com mais força os seus cabelos enquanto ela
continuava a me chupar e lamber, tomando tudo que eu tinha para dar.
— Vidaaah...
Puxei sua cabeça para trás quando se afastou, após uma última
chupada na cabeça do meu pau. Safada! Havia resquícios do meu gozo no
canto dos lábios entreabertos e um sorriso mordaz se espalhava por eles.
Ela estava linda.
Ela sempre estava linda.
— Eu te amo, linda.
As palavras apenas me escaparam enquanto me perdia no mar de
verão em seus olhos. Eles se arregalaram, surpresos, e eu exalei um
suspiro longo, soltando os seus cabelos e desabando de costas sob o céu
de estrelas.
— Eu te amo? — perguntou Duna.
— Ele disse eu te amo? — Caíque arregalou os olhos do outro
lado da tela do notebook.
Fiz uma chamada de vídeo para os dois no segundo que pisei no
quarto. Eu não ia conseguir dormir sem falar disso, porque eu e Arion
não falamos disso.
— Sim — murmurei.
— Em que contexto? — inquiriu Duna.
— Isso importa? — questionou Caíque. — Eu te amo é eu te
amo, porra!
— Ele podia tá bêbado ou...
— Depois de uma chupada — respondi.
— Quem tava chupando quem? — perguntou Duna. Caíque
sacudiu as mãos no ar, questionando o que importava mais uma vez. —
A gente fica meio fora de si quando tá gozando — justificou ela.
Não parecia tão absurdo assim o argumento dela.
— Eu estava chupando.
— Talvez ele quisesse dizer que amou o boquete? — Minha
amiga sacudiu os ombros.
— Não! — disse Caíque. — Quem diz “amei a chupada” depois
de ser chupado, porra? Isso é tipo... — Ele agitou as mãos no ar. — Não,
sem chance! E depois?
— Ele ficou um tempo deitado no teto do buggy, eu sentada no
banco de trás, tentando não surtar, e depois ele desceu e perguntou se eu
queria dar um mergulho. A gente se pegou de novo e assistimos o sol
nascer sentados na parte de trás do buggy.
— Caíque tem razão, foi um eu te amo pra valer — decretou
Duna.
— E o que eu faço agora?
— Nada — os dois disseram em uníssono.
— Não dá para ignorar um eu te amo!
— Vocês meio que já fizeram isso — argumentou Duna.
— Fizemos? — Franzi o cenho.
— Sim — disseram os dois.

— Eu te amo, linda? — Apollo escancarou os lábios em um


sorriso divertido. — Você disse eu te amo depois de receber uma
mamada? — perguntou entre risos.
— Cala a boca — resmunguei.
Logo que terminei de tomar café com as crianças, peguei os dois e
fui para a casa do Apollo. Eles brincavam no quintal, pintando uma lona
no chão, e nós estávamos sentados a poucos metros.
— E depois?
— Fingi que não disse nada e ela que não ouviu.
Como um segredo confessado às conchas do mar e às estrelas do
céu, as palavras que saíram de minha boca naquela madrugada na praia
permaneceram intocadas.
“Eu te amo, linda.”
Amo pra caralho, e vou te mostrar isso todos os dias, de mil
formas diferentes, até que veja o quão perfeito somos juntos, prometi a
ela em pensamentos enquanto a observava brincar com as crianças no
quintal.
Eu estava numa reunião por chamada de vídeo com Letícia e o
pessoal da gravadora, quando saí e encontrei Alec e Malika na piscina
inflável, abarrotada de brinquedos, e Vida jogando água em suas cabeças
com uma mangueira.
Vou roubar essa mulher pra mim!
Fiquei na porta da cozinha, sorrindo sozinho, feito bobo,
olhando para os três amores da minha vida. Alec ria com elas,
esguichando água na irmã com um peixinho de borracha. Vida começou
a cantarolar e Malika a rir, pedindo para ela parar.
Éramos perfeitos pra caralho juntos!
— Ninguém me convida, né? — comentei, saindo para o quintal.
Os três voltaram-se para mim. — Só observo vocês. — Apontei para
eles.
— Acho que o papai também quer brincar — disse Vida às
crianças, em tom de cochicho. — E vocês?
— SIM! — gritou Malika.
— EEEEE! — Alec fez coro.
O jato de água me atingiu antes que eu pudesse prever o que
aconteceria. As crianças caíram na gargalhada. A mangueira estava aberta
no jato de chuveiro e Vida a mirou em mim, me acertando de todos os
lados de uma vez só.
Nos primeiros segundos, ergui os braços, tentando inutilmente
me defender, incapaz de conter o riso, ouvindo Alec dar gritinhos de
“papa” e outros incompreensíveis entre as risadas. Passada a surpresa
inicial, corri até eles e agarrei Vida por trás, prendendo seu corpo entre
meus braços.
Na disputa pelo controle da mangueira, ambos nos molhamos
completamente. As risadas tornaram-se incontroláveis, eu já nem tinha
forças para resistir. Nos levei ao chão e a abracei pelo pescoço, beijando
seus cabelos.
— Isso é uma rendição? — perguntou ofegante.
— O que acha? — Virei o jato de água para o seu rosto,
molhando a nós dois.
Vida se jogou de costas no chão, se embolando de rir, e eu virei o
jato de água para as crianças, arrancando-lhe gargalhadas. Alec ergueu as
mãozinhas, brincando com a chuva caindo sobre eles, e Malika pôs as
mãos em frente ao rosto. Gritos de “papai” e “papa” soaram entre os
risos.
— Para os três ficarem espertos — disse aos risos.
— Cretino — Vida murmurou, rindo.
Eu me debrucei sobre ela e, ainda segurando o jato de água sobre
as crianças, apliquei um selinho em seus lábios.
— Mais um pra conta — disse baixinho, roubando outro beijo.
Em alguns dias completaria dois meses que nos conhecíamos e
isso não era muito tempo, entretanto, era mais do que todos os
relacionamentos que tive em seis anos.
Não tinha certeza se havia uma relação com não termos feito o
sexo penetrativo, que era a razão do meu incômodo nas relações
anteriores. Porque embora pudesse fazer sexo há alguns anos, isso não
seria possível se não tivesse feito o tratamento com dilatadores, e poderia
ter decidido não fazer. Eu não quis fazer a princípio, e mesmo depois,
quando comecei a namorar o Caíque, não me sentia confortável com a
ideia.
Meu corpo foi tocado por médicos e seus instrumentos gélidos
antes que eu mesma tivesse feito. Eles me examinavam em busca de
respostas que eventualmente levaram a um diagnóstico, e embora
soubesse que era necessário e importante conhecer a minha condição,
eles ainda eram estranhos invadindo a minha intimidade. E quando isso
acabou, quando a resposta veio e eu ouvi que teria que construir uma
vagina se quisesse um dia fazer sexo, eu apenas não estava pronta.
Não queria que o primeiro contato íntimo que teria com o meu
corpo seria enfiando um dilatador entre as minhas pernas e deixando-o
lá por vinte minutos em um exercício que se repetiria por meses a fio. Eu
ainda não sabia na época, mas aquilo seria desconfortável e doloroso, e
eu odiei cada um dos dias de tratamento.
Odiava me deitar e ficar com aquilo dentro de mim, olhando para
o teto e tentando ignorar a dor ou sentindo as lágrimas caindo sem
parar. Odiava que todas as vezes que fazia aquilo me lembrava de todo o
bullying que sofri porque um garoto estúpido não pôde enfiar os dedos
na minha boceta. Isso era tão ridículo.
Eu esperava ansiosa pela consulta com a ginecologista e mais
ainda para que me dissesse quantos centímetros a mais havia conseguido.
Quando a resposta era algo menor do que um centímetro, eu saía de lá e
chorava copiosamente, porque aquilo parecia nunca ter fim.
Depois que finalmente minha vagina estava construída e pude ter
uma vida sexual com a certeza que nenhum cara estúpido faria bullying
ou comentários maldosos quando pedisse para ele parar, porque estava
doendo, e explicasse que não poderíamos fazer sexo penetrativo — o que
para muitos era o resumo de sexo —, ao mesmo tempo que me senti
livre para explorar a minha sexualidade, o que foi maravilhoso, porque
até então, tudo que se relacionava à minha intimidade era extremamente
doloroso, eu sentia que essa liberdade era condicional.
Era inevitável me perguntar se os caras com quem ia para cama
não reagiriam igual ao Igor se soubessem da minha condição, e eu não
queria estar com alguém assim. Mas como não conseguia sentar com eles
e contar, porque Igor fez um excelente trabalho em foder a minha
cabeça, dava adeus e partia para o próximo.
Não achava que poderia dizer adeus ao Arion.
Não assim.
Não conseguia me imaginar indo embora e deixando ele e as
crianças para trás como se nunca tivessem existido.
Como eu poderia, se o meu coração batia em um ritmo diferente
por causa deles?
Eu não poderia.
Tive certeza enquanto estava deitada no quintal, toda molhada,
sorrindo igual boba após dois selinhos roubados. Arion se afastou com
um sorriso nos lábios, correndo os dedos por entre os cabelos molhados,
e seu olhar moveu-se para as crianças. Eu continuei deitada, sorrindo
para o céu azul, ouvindo a melodia dos seus sorrisos e as batidas
apressadas do meu coração.
— Sejam bonzinhos com a Vida — pediu Arion, segurando
Malika e Alec no colo, um em cada braço. — Ouviu, Malika? — Elevou
a sobrancelha, dando uma encarada na filha.
— Eu já disse que vou ser boazinha um montãozão de vezes,
papai. — Ela sacudiu os ombros. Tive que morder os lábios para não rir.
— Até jurei de mindinho.
— Eu só estava confirmando. Você anda comendo muito queijo,
vai que tinha esquecido. — Arion piscou para a filha.
— Não esqueci não, eu lembro tudinho.
— Tá bom, o papai precisa ir agora — deu um beijo nela e virou-
se para o Alec —, e o Leleco e a Mali vão ficar com a Vida e vai ser irado
demais. — Beijou a bochecha do Alec. — Cadê o beijo do papai? —
Malika deu um beijo de um lado e o Alec se agarrou ao pescoço do
Arion e beijou do outro lado. — Amo vocês. — Outro beijo em cada e
ele desceu Malika do colo.
— Vem, Leleco. — Peguei o Alec.
— Qualquer coisa, me liga. — Arion se inclinou e deu-me um
beijo no rosto. — E você salvou os números do Apollo e do Zac, né?
— Sim, tá tudo certo. — Pisquei para ele. — Vai lá e destrói!
— Detona tudo, brother. — Apollo deu um abraço no Arion.
— Valeu, brother.
— Se comportem. — Apontou para a Malika e para o Alec.
— Vai logo, papai, a gente já sabe! — Malika disse, rindo.
— Tá. — Ele deu tchau e seguiu para o helicóptero.
— Papai? — gritou Malika, e ele se virou. — Monstuoso!
Arion deu uma risada e acenou mais uma vez. Alec e Malika
deram tchauzinho. Eu estava vendo a hora de Arion desistir, as crianças
estavam mais de boa do que ele.
— Vai, papai! — gritou Malika, incentivando.
Esperamos o helicóptero decolar para voltarmos para o carro.
Malika e Alec na cadeirinha atrás, eu no carona e Apollo dirigindo.
— Vida, você não sabe dirigir? — Malika perguntou.
— Não. — Franzi a sobrancelha, me virando para ela.
— Por que você não sabe?
— Porque quando eu tinha idade para aprender, eu fui viajar por
um montão de lugares, aí como não fico em um lugar só, nunca pensei
em aprender.
— E quando você volta pra sua casa?
— Eu não tenho uma casa, eu moro um pouquinho em cada
lugar.
— E como você ganha dinheiro pra comprar as coisas?
— Meu trabalho é falar das minhas viagens — expliquei de forma
mais simples possível —, e eu também faço joias.
— Onde, se você não tem casa?
— Eu desenho e aí mando o desenho para o meu ateliê, que é um
lugar onde outras pessoas transformam o meu desenho em uma joia.
— Você só desenha, quem faz é as outras pessoas.
— É. — Sorri.
— Onde você desenha?
— No meu computador. Igual ao seu pai, que faz as músicas no
computador dele.
— Eu posso ver?
— Pode. Quer ver agora?
— Titio, você pode deixar a gente no hotel da Vida?
— Posso — respondeu Apollo.
— Mas depois você volta pra buscar eu e o Leleco, viu? A gente
não vai dormir lá não.
— Combinado. — Apollo me deu um sorriso.
— Eu tenho uma tartaruga igual à sua — comentou Malika,
sentando-se na cama.
— Foi o seu pai quem me deu — contei, tirando o tênis do Alec.
— Hum. — Ela torceu o nariz. — Por que você não tem uma
casa?
Achei a mudança de assunto aleatória, mas Malika não dava
ponto sem nó. Coloquei Alec na cama e me sentei ao lado da Malika.
— Porque sou só eu. — Dei de ombros. — Não faz diferença pra
mim onde tô, em casa ou viajando eu estaria sozinha. É diferente do seu
pai, que tem você e o Alec.
— Você quer que eu peço para o meu pai deixar você morar com
a gente? Aí você não vai mais ficar sozinha.
Olhei para ela e sorri, sentindo meu coração acelerar.
— Você me deixaria morar com vocês?
— O papai e o Alec gostam muitão de você. — Deu de ombros.
— O papai e o Alec, né? Entendi. — Olhei para trás, Alec estava
brincando com a tartaruga. — Você não gosta nem um pouquinho de
mim?
— Um pouquinho, bem pouquinho.
— Eu gosto muitão de você.
Deu um sorrisinho de canto.
— Cadê os seus desenhos?
— Vou te mostrar. Que ver algumas das joias que eu desenhei?
— Quero!
Era o meu segundo dia sozinha com as crianças, estávamos no
meio da tarde. Em algumas horas iríamos para a casa da Ana, e
possivelmente eu ficaria com eles até depois do jantar. A gente se
divertiria um pouco mais, tudo lindo e maravilhoso. Mas era claro que
não podia ser tão simples.
Entre todas as coisas que pensei que pudessem acontecer durante
aqueles dias, dar de cara com a Marcela no portão de casa não era uma
delas. Eu não tinha visto fotos dela, então só soube quem era quando se
apresentou, e não consegui disfarçar o meu choque.
Olhei para a porta de casa, Alec estava na soneca da tarde, não
demoraria para acordar, e eu e Malika dançávamos na sala quando a
campainha tocou. Olhei novamente para a garota atrás do portão.
Não tinha conversado com o Arion sobre aquela possibilidade,
não sabia como ele conduziria a situação. Aquela era a casa dela até
pouco tempo, como podia proibi-la de entrar? Eu estava com os filhos
dela!
— Vida — me apresentei.
— Você e o Arion estão...
— Fiquei com as crianças para ele viajar — a interrompi. — Ele
volta na segunda — disse, esperando que isso bastasse para ela dizer que
voltaria depois.
Precisava de tempo para pelo menos falar com ele.
Ou com Ana.
MEU DEUS.
Como que eu ia ligar para o Arion horas antes dele subir no palco
e contar que a ex dele voltou?
Eu não podia fazer isso.
E se ele ficasse puto porque não liguei?
— Foi por isso que vim.
QUÊ?
ELA VEIO PORQUE ELE ESTARIA VIAJANDO?
E se ela quiser levar as crianças embora?
Marcela, mulher, me ajuda a te ajudar!
Minha sororidade está indo para o ralo.
Se ela inventar de levar essas crianças para longe do Arion, eu
arranco os cabelos dela.
Aliás, que cabelo bonito!
Um platinado perfeito!
Ela é gata pra caralho.
E sim, eu estava divagando para fugir do problema à minha frente.
— VAI EMBORA!
— Mali... — A voz de Marcela desapareceu em um suspiro
lânguido.
Olhei para trás ao ouvir Malika gritar, e tudo o que vi foi a porta
bater, quase derrubando a casa inteira.
Quem ela quer que vá embora?
Eu ou Marcela?
Ou as duas?
Nós nos entreolhamos. Ela que me desculpasse, mas eu não tinha
tempo para ficar de conversa fiada.
— Preciso ver a Malika — apontei para a porta —, acho que não
é a melhor hora. — Nem me dei ao trabalho de entrar em detalhes, era
meio óbvio sobre o que eu estava falando.
— Tudo bem — respondeu, e eu já estava me encaminhando
para dentro de casa.
Eu achei que estivesse.
A porta não abria por nada nesse mundo.
Malika arremessou a porta com mais força do que achei que uma
criança de seis anos tivesse, e devia ter emperrado o trinco.
— Malika? — chamei, batendo na porta. — Malika, abre a porta.
Sou eu, Mali! Malika?! Tô sozinha, Mali, sou só eu. Por favor, abre.
Mas se tivesse emperrado, ela conseguiria abrir por dentro?
AI, CARALHO!
O QUE EU FARIA?
Todas as janelas eram teladas por causa das crianças.
Janelas!
Segui para a janela mais próxima e chamei a Malika, mas sem
resposta. Não queria gritar e acordar o Alec, porque se ele começasse a
chorar, eu ia chorar junto.
Deusinho do céu!
— Mali, por favor! Abre a porta pra mim. Malika?
O celular vibrou no bolso de trás do short.
Não era possível.
Estava andando com aquela porcaria o tempo todo para ver
quando o Arion ligasse, e ele me ligou bem na hora que eu não estava
com as crianças?
QUE CARALHO!
O que eu ia dizer pra ele?
NADA, PORQUE EU NÃO IA ATENDER.
Esperei que parasse de chamar e liguei para o Apollo.
— Oi.
— Preciso de ajuda.
— Tá na casa do Arion?
— Sim.
— Em menos de dez minutos, chego aí.
Alec acordou enquanto eu esperava Apollo, adentrou a sala e eu
chamei da janela para que soubesse que não estava sozinho. Ele
engatinhou até o sofá, subiu e ficou pendurado no encosto, brincando
de esconde-esconde comigo. As risadinhas fofas ajudaram meu coração a
se acalmar.
— Vida! — chamou Apollo do portão.
— Já vou! — gritei, olhando por cima do ombro, e volvi os
olhos para o Alec. — O titio Apollo. Vou abrir a porta pra ele, tá? —
Apressei-me para o portão.
— O que aconteceu? — perguntou Apollo.
— Marcela voltou, Malika ficou puta da vida — contei,
destrancando o portão —, bateu a porta e eu fiquei presa do lado de
fora.
— Marcela voltou? — Arqueou a sobrancelha. — Bem quando o
Arion não está na ilha?
— Ela disse que veio por isso.
— Ok. — Meneou a cabeça, empurrando o portão e entrando.
— Você chegou a conferir se a porta lateral não está aberta?
— Nem olhei, mas não abri esses dois dias.
— Vamos dar uma olhada.
— Eu vou voltar pra janela, porque o Alec tá na sala sozinho. —
Pelos gritos irritados, ele não estava gostando da minha demora.
Como imaginei, a porta lateral estava trancada, e Apollo precisou
arrombar a porta principal. Foram necessários três chutes estrondosos
para conseguir. Alec, tadinho, esbugalhou os olhos para a porta, fazendo
carinha de choro. Tive que me esforçar muito para que ele não abrisse
um berreiro, e mesmo com toda a barulheira, Malika não deu as caras.
Onde aquela menina tinha se enfiado?
Quando entramos, Apollo pegou o Alec no colo e ficou
brincando e conversando com ele, para que não ficasse com medo pelo
desastre na porta, enquanto eu vasculhava a casa, que nem era grande
assim, procurando Malika. E, por Deus, eu já estava enlouquecendo.
Busquei em todos os cômodos, do quintal aos banheiros, e a
encontrei dentro do guarda-roupa do pai, encolhida no canto, por detrás
das camisas. Estava vendo a hora da prateleira quebrar e ela se estropiar
toda nas lascas de madeira.
— Vem, Mali. — Estendi a mão para ela. Malika balançou a
cabeça em negativa. — Seu papai ligou e a gente não pôde atender. Ele
deve estar preocupado — contei. — Vem comigo, só estamos eu, você,
o Alec e o tio Apollo em casa. Prometo. — Ergui o mindinho para ela.
Malika entrelaçou o mindinho no meu e me deixou ajudá-la a
sair do guarda-roupa.
— Quero o papai — choramingou, me abraçando.
— O papai não pode vir hoje, mas logo, logo, ele volta, Pandinha
— falei, alisando seus cabelos.

Arion se apresentaria naquela noite, por isso decidi não contar


sobre a Marcela, mas também não pedi que Malika omitisse, muito
menos que mentisse para o pai. Se ela falasse que a mãe apareceu, eu
conversaria com ele a respeito.
Ela não falou.
E eu também não.
No domingo encontrei outra desculpa para não dizer nada.
O voo dele era à tarde, e quando chegasse em Salvador ainda teria
que esperar até as oito horas para retornar à ilha.
Por que eu ia preocupá-lo antes da hora?
Fazia sentido, né?
Ele discordava.
O táxi aéreo pousou em Arraial do Porto minutos antes das nove
e trinta da manhã. Apollo me esperava com os buquês de flores que pedi
que comprasse, no banco de carona do buggy. Cortamos a estrada de
coqueiros avionados[69] e em pouco tempo estávamos adentrando a
garagem de casa.
Desci apressado, levando comigo somente as flores e um ursinho
de pelúcia que trouxe para o Alec. Havia outros presentes na mala, mas
eles ficariam para depois, precisava ver os meus filhos. Depois também
queria entender porque diabos a porta de casa não era a mesma de
quando saí.
— Papa! — Alec gritou no segundo que abri a porta de casa.
— Papai! — Malika correu ao meu encontro, abraçada a um
buquê de flores.
Que caralho tinha acontecido?
Fiquei fora por três dias apenas.
Alec levantou-se do chão sem apoiar-se em nada nem ninguém,
e correu para mim, a mãozinha segurando firme um papel.
Alec estava andando.
Não, ele estava correndo.
Correndo para mim.
Caí de joelhos, soltei os buquês e o ursinho no chão e abri os
braços para envolver os meus pequenos. Lágrimas trilharam minha barba,
meu sorriso não cabia em mim e transpôs meus lábios, derramando-se
em risos. As batidas do meu coração entraram em um drop monstruoso.
Malika me alcançou e enroscou um braço em meu pescoço. Eu a
prendi em um braço, esmagando o buquê entre nós, e dei um beijo em
sua cabeça. Meu olhar não demorou nem mesmo um segundo completo
para voltar-se para frente. Alec continuava dizendo “papa”, os olhinhos
não desgrudavam de mim.
Os passos curtos e meio bambos não pararam até que estivesse
nos meus braços. Uma das mãozinhas se agarrou ao meu bíceps, e eu o
abracei e beijei sua cabeça.
— O papai estava com tanta saudade.
Apertei os dois em meus braços e os beijei mais, erguendo o
rosto para encontrar Vida a alguns passos de distância. Um brilho
molhado desenhava-se nas maçãs do seu rosto e um sorriso estava
presente em seus lábios.

Se eu pudesse escolher um único momento de toda minha vida


para reviver para sempre, seria aquele. Ver Arion cair de joelhos para
receber os filhos em seus braços me desmontou de maneiras
inimagináveis.
— Pra você, papai. — Malika entregou as flores.
— Pra mim? — Ele segurou as flores e beijou a testa da filha.
— Dá o cartão ao papai, Leleco — disse ao irmão, segurando na
pontinha do papel amassado na mãozinha do Alec.
— Papa. — Alec continuava grudado ao braço do Arion.
— Vocês fizeram um cartão para o papai? — Ele pôs o buquê no
chão, pegou o papel e abriu. Ajudei Malika a escrever “te amamos, papai”
e o Alec foi o responsável por decorar o papel. — Eu também amo vocês
— disse, dando beijos nos dois. — E eu também trouxe flores para você.
— Ele pegou um dos buquês e entregou à Malika.
— Obrigada, papai! — disse, cheirando as flores. — Olha, titio, o
que eu ganhei! — disse ao Apollo, que até então eu nem tinha reparado
que estava sob o batente da porta.
— São lindas — comentou Apollo.
— E um ursinho para o meu Ursinho. — Arion entregou uma
pelúcia para o Alec. O pequeno agarrou com a mãozinha e apertou
contra o rostinho. Coisa mais fofa! — Você está andando, mozinho?
— Andando? — Malika inclinou a cabeça, franzindo o cenho.
Ela já estava correndo para o pai quando o irmão se levantou sem
qualquer ajuda e correu cambaleando para os braços do pai.
— O Leleco veio andando para o papai. — Arion deu um
beijinho no filho. — Não foi, Leleco? Vocês não... — Os olhos
denotavam sua confusão, e moveram-se da Malika para mim.
— Foram os primeiros passos do Leleco — falei, encurtando a
distância entre nós.
— Você está falando sério? — Arion perguntou com olhos
levemente arregalados. Alec brincava com o ursinho.
— Sim — confirmei, sorrindo.
— Eu ainda não vi o Leleco andando — contou Malika.
— Você deu os primeiros passinhos para encontrar o papai,
Ursinho? — Arion sentou-se no chão e colocou o Alec em pé, no meio
de suas pernas. Segurou em uma das mãos do pequeno e estendeu a
outra para Malika. — Correu para os braços do papai, foi? — perguntou
entre lágrimas e risos. Alec tagarelou em resposta, arrancando sorrisos
rasgados do pai. — Você deu seus primeiros passos.
Sorrindo, Arion exalou um suspiro de puro encantamento, os
ombros subindo e descendo, relaxados. Então ele se levantou, pegou os
dois buquês no chão — o que ganhou e o outro igual ao da Malika — e
percorreu os passos que ainda nos separavam.
— Para você, linda. — Entregou-me o buquê de flores.
Meus lábios silenciaram, mas o meu coração... esse fez uma
algazarra.
As crianças dormiam em suas camas e nós estávamos no estúdio,
com as portas fechadas. Eu tinha contado sobre a visita inesperada de
Marcela.
Não tinha omitido nada.
Nem o menor dos detalhes.
Quando terminei de falar, Arion se levantou, derrapando as mãos
nos cabelos, as duas ao mesmo tempo, e repuxou os fios entre os dedos,
percorrendo o cômodo em passos contidos. Era como se estivesse
arrastando um peso muito maior do que poderia suportar. Eu podia ver a
corda se arrebentando antes que acontecesse.
Ele percorreu metade do estúdio em total silêncio, interrompeu
os passos, e o vi inspirar fundo. Os músculos das costas se retesaram, ele
jogou a cabeça para trás e soltou o ar devagar. Arion girou nos
calcanhares. Os olhos escuros, sempre tão intensos, eram um mar
revolto.
— Como pôde me esconder que Marcela esteve aqui, Vida? —
Um pesar dolorido ecoou em suas palavras.
— O que poderia ter feito do México? Eu ia te preocupar à toa.
— À TOA?! — Ele elevou a voz uma oitava. — ESTAMOS
FALANDO DOS MEUS FILHOS, PORRA! NADA QUE DIZ RESPEITO A
ELES É À TOA!
— Não foi o que eu quis dizer. — Levantei-me do sofá. — Do
que adiantaria se tivesse te contado?
— Eu pegaria a porra do primeiro voo de volta!
— Seu show era em algumas horas, Arion — tentei me justificar.
— Foda-se! Meus filhos são mais importantes do que qualquer
coisa nesse mundo.
— Eu sei disso, e se tivesse acontecido algo com eles, não teria
pensado duas vezes antes de te contar, mas eles estavam bem.
— E se a Malika não tivesse reagido mal? Teria deixado Marcela
entrar?
— Ela é a mãe deles, Arion!
— Ela foi embora!
— Mas continua sendo a mãe deles.
— E se ela os levasse embora, Vida? — O desespero gritava nas
águas turbulentas em seus olhos. — E se a Marcela desaparecesse com os
meus filhos?
— Eu não ia deixar que ela os levasse, Arion. — Dei mais um
passo à frente, em direção a ele.
— Não sei. — Ele deu de ombros. — Você me disse que não a
impediria de entrar em casa porque ela é mãe deles. Como posso saber se
não deixaria que os levasse?
Ondas silenciosas de choro ameaçaram me engolir.
— É óbvio que eu não permitiria que ela tirasse as crianças dessa
casa, Arion. Uma coisa é ela querer vê-los, outra é querer levá-los
embora.
— Ela escolheu vir quando eu não estava, Vida. — Sua voz trazia
uma mágoa profunda. — Marcela escolheu voltar quando sabia que eu
não estaria em casa, quando eu não poderia impedir que sumisse no
mundo com os meus filhos.
— Você não sabe o que ela quer, Arion!
— Sei que ela está agindo pelas minhas costas de novo, e você foi
cúmplice, porra!
Meu coração se estilhaçou.
— EU FUI CÚMPLICE? — bradei, revoltada. — Agora sou
culpada por ela ter voltado? Por ter decidido vir quando você não estava?
Minha respiração ficou engasgada na garganta.
Entreolhamo-nos por um minuto inteiro e ele não negou a
acusação. Mordi uma porção interna da bochecha e dei as costas a ele.
Voltei ao sofá, peguei o celular e enfiei no bolso de trás, lutando para
que as lágrimas que ardiam em meus olhos não caíssem na frente dele.
— Vá se foder, Arion! — rosnei, me dirigindo à saída, sem olhar
na sua cara.
Agarrei minha bolsa em cima da sua mesa de trabalho e saí.
Do seu estúdio, da sua casa, da sua vida.
Não sabia se ou quando voltaria.

Vida não entendia.


Desabei sobre o piso do estúdio, me afogando no mar de angústia
que dominou o meu peito.
Quando Marcela saiu da minha vida, não perdi só a mãe dos meus
filhos ou a mulher com quem dividia a cama, eu perdi a minha melhor
amiga. Perdi a garota que conhecia todos os meus segredos, a garota que
me viu nos meus piores e melhores dias.
E quando a perdi, também me perdi de mim.
Porque se aquela garota que me conhecia melhor do que
qualquer outra pessoa me abandonou como se eu fosse um nada... talvez
eu fosse um nada.
Foi nos meus filhos que me encontrei.
Mesmo que eu não fosse nada, para eles eu seria o melhor pai que
poderiam ter.
Sem eles... eu não teria aguentado nem um dia.
Sem eles... eu não aguentaria nem um dia.
Se Marcela me tirasse os meus filhos, eu não teria forças para
continuar.
Sem eles... eu desistiria.
— Papai, a Vida foi embora sem falar comigo?
Cinco dias. Há cinco dias eu não a via e nem falava com ela.
A orelha dela devia ter coçado para um caralho na terça à tarde,
porque passei a sessão de terapia inteira falando dela, para no final ainda
ouvir que eu estava me prendendo àquela situação pontual com a Vida
para não lidar com o retorno da Marcela.
Talvez eu estivesse.
Possivelmente estava.
Há sete meses convivia com um milhão de incertezas quanto ao
motivo de Marcela ter abandonado a mim e aos nossos filhos, e estava a
uma conversa de descobrir toda a verdade — ao menos esperava que ela
tivesse a dignidade de ser honesta comigo —, e sim, ter aquela conversa
me apavorava. Ninguém quer ouvir que não significa nada para alguém
que foi — ou ainda é — importante na sua vida.
Eu não queria.
Não queria ouvir que tudo não passou de uma mentira.
Não queria ouvir que era só sexo, sem carinho, sem afeto, sem
que importasse se era eu ou outro entre as suas pernas.
Não queria ouvir que eu não era merecedor de um adeus.
Não queria ouvir que era tão nada quanto ela me fez sentir.
Porra, eu estava fazendo com que minha filha se sentisse assim em
relação à Vida.
Nenhuma das duas era culpada por aquela situação, apenas eu.
Exalei um suspiro profundo, olhando para minha garotinha
através do espelho. Deixei a escova de pentear em cima da bancada da pia
e agachei, pedindo que se virasse para mim.
— Não, amor. — Acariciei as laterais do seu rosto. — Vida não
veio mais aqui porque ela e o papai brigaram — contei, olhando em seus
olhos. — Ela fez algo que o papai não gostou e o papai disse coisas que
ela não gostou.
— Eu não briguei com ela e o Leleco também não — balançou a
cabeça de leve —, foi você quem brigou — franziu a testa —, eu não
sou você, papai. Não tô de mal com a Vida.
— Você tá certa. — Aquiesci com um aceno. — Você e o Leleco
não têm nada a ver com a briga entre o papai e a Vida. Não acho que ela
vá atender uma ligação minha, mas você pode ligar do celular da vovó e
falar com ela, tá bom?
— Mas eu quero brincar com ela, papai. Se eu pedir pra ir com o
Leleco ver ela lá no hotel, você deixa?
— Se ela disser que tudo bem, sim.
— Tá bom, vou ligar pra ela quando chegar na casa da vovó —
disse, animada.
— Ok. — Dei um meio sorriso. — Mali, a Vida pediu que não
contasse ao papai que a mamãe esteve aqui?
Aquela dúvida me consumiu a semana inteira.
— Não, papai. — Negou com a cabeça também.
— E por que você não me contou?
— Porque eu não tenho mamãe — respondeu incisiva. — Já
disse, papai. — Soltou um suspiro irritado.

Malika imediatamente adentrou a casa correndo quando o


namorado da minha mãe — notícia fresquinha, aquela era a novidade da
semana — me avisou que tinha alguém me esperando. Minha filha com
certeza achou que fosse a Vida, mas se minha mãe tinha pedido que o
Eugene me esperasse na varanda para eu não ser pego de surpresa, tinha
certeza que quem me aguardava do outro lado da porta era a Marcela.
Eu disse.
Malika saiu correndo tão depressa quanto entrou e se agarrou a
mim, repetindo que não queria ficar na casa da vovó.
— Não quero ficar aqui, papai. Não quero, não quero. Quero
ficar com a Vida, papai. Por favor, papai, me deixa ficar com a Vida.
Alec, que estava no carrinho de passeio até então, brincando,
olhou desconfiado para a irmã choramingando e ergueu os bracinhos,
chamando “papa” e pedindo colo.
— Deixa o papai pegar o Alec, tá? — Dei um passo à frente, me
curvando para tirá-lo do carrinho, com Malika agarrada à bainha da
minha camisa. Minha garganta travou, as memórias da noite que os
encontrei sozinhos em casa retornaram à minha mente. — Leleco, quer
colinho? — brinquei com ele, sentando-o em meu braço e envolvendo a
Malika com o outro, acariciando suas costas.
Minha mãe saiu na porta e me deu um olhar pesaroso. Ela já tinha
visto aquela cena antes. Eu não estava pronto para reviver aqueles meses
do cão.
— Vamo embora, papai. Quero ficar com a Vida. Eu fico
boazinha, papai. Por favor, deixa.
— Mali, a gente não pode chegar lá assim. E se a Vida tiver
ocupada?
— Eu peço pra ela, papai. Vovó, liga pra eu falar com a Vida. Liga,
vovó.
Acenei para minha mãe, dizendo que podia ligar.
— A vovó vai buscar o celular, tá bom?
Malika me ligou chorando, perguntando se ela e o Alec podiam
dormir comigo no resort, e em alguns minutos, Ana e o namorado — a
quem fui apresentada naquele dia — trouxeram os dois.
Era um sábado à noite, não eram nem sete horas ainda. Arion só
iria para o Saideira depois das vinte e duas, poderia ter trazido as crianças,
mas ao que parecia, ele não queria me encontrar.
Não nos falávamos desde que saí da casa dele na segunda à noite,
mandando que fosse se foder. Eu estava com tanta saudade das crianças.
Quando eles chegaram, eu já estava esperando na recepção.
Chamei por eles assim que os avistei. Os dois abriram um sorriso enorme
e vieram correndo para mim, me levando às lágrimas enquanto eu corria
para encontrá-los.
Agarrei os dois em um abraço e caí de bunda, rindo com eles.
Ana nos olhava com lágrimas nos olhos, abraçada ao namorado, que
segurava a mochila das crianças.
Trouxe Alec para meu colo e Malika sentou-se ao meu lado, me
abraçando também. Apertei os dois entre meus braços, distribuindo um
montão de beijos em suas cabeças e ganhando outros nas bochechas.
Não entrei para encontrar com Marcela até que minha mãe e o
Eugene tivessem saído com as crianças. Fiquei parado na varanda,
olhando para a rua através do portão, pensando que poderia fazer com
ela o mesmo que fez com os meus filhos, ir embora e deixá-la sozinha.
Ela ainda estaria melhor do que eles, teria o Naruto para lhe fazer
companhia.
Ver o estado que Malika ficou por causa da Marcela me
desestabilizou completamente. Ergui os braços e uni as palmas das mãos
em frente ao rosto, apoiando os polegares sob meu queixo, puxando e
soltando o ar algumas vezes, buscando acalmar a raiva que queimava
dentro de mim.
Ela estava sentada numa poltrona, de costas para a porta. Eu parei
sob o batente, sentindo um nó apertado em minha garganta. Engoli em
seco, forçando a respiração em um suspiro cansado, e adentrei a sala,
indo me sentar no sofá, à direita dela. Não a olhei até que estivesse
sentado.
— Oi, Arion — murmurou.
— Oi.
— Eu sinto muito — disse, desviando os olhos para as mãos em
seu colo.
— Você vai precisar ser mais específica, Marcela.
— Por tudo. — Os olhos retornaram aos meus.
— Você tem alguma noção do que é esse tudo? — Meneei a
cabeça. — Não, né?
— Eu não sabia como te falar... — suspirou alto. — Não
consegui te falar. Sei o quanto abriu mão dos seus sonhos por mim, para
não soltar a minha mão...
— Aí você decidiu retribuir me empurrando da porra do
penhasco?
— Eu não queria — choramingou.
Vai se foder! Quem tem motivo para chorar nesse caralho sou eu.
— Não quero ser mãe, Arion.
Olhei para ela com os olhos esbugalhados.
COMO É, PORRA?
Alec não foi um “acidente”.
Ela me pediu para termos um segundo filho.
Ela me disse com todas as letras que queria outro filho.
— Não quero ficar presa a essa vida, eu nem sei quais são meus
sonhos. Te ver tão perto de conquistar os seus sonhos, me fez ver que
enquanto você brilharia em palcos de festivais no mundo todo, tudo
continuaria igual para mim. Eu ainda seria aquela garota de dezesseis
anos que virou mãe e teve que se contentar com qualquer coisa.
— Eu sou qualquer coisa? A nossa família é qualquer coisa? É isso
que está me dizendo, Marcela?
— Não você, Arion.
Eu não, mas a nossa família sim.
Ela não estava achando que isso faria eu me sentir melhor, né?
— Você foi a melhor parte de todos esses anos, eu poderia me
apaixonar por você. — Os olhos encheram de lágrimas. — Acho que em
algum momento me apaixonei... — O choro se impôs às palavras.
Ela se apaixonou por mim e me abandonou, imagina se me
odiasse.
— Amava estar com você, apenas nós dois, mas quando éramos
nós e a Malika, eu não conseguia me sentir assim. Não é que eu não a
ame, eu amo os dois, eu só não queria ser a mãe deles, entende?
— Não, Marcela. Não entendo porra nenhuma do que está
falando!
— Eu não me sinto feliz como mãe, Arion. Achei que fosse
porque era muito nova quando a Malika nasceu, e por isso não consegui
ver a maternidade além de uma obrigação — engoliu em seco —, quase
uma punição. Pensei que se tivéssemos outro filho, seria diferente, mas
com o Alec foi igual. Os quatro meses de licença-maternidade foram um
pesadelo.
— Marcela, eu nunca te deixei cuidar deles sozinha. Nunca!
— Não era isso, Arion. Não era sobre cuidar deles. Eu sentia
como se minha vida tivesse entravada, como se eu não pudesse ser a
Marcela porque eu tinha que ser a mãe deles, e eu não queria ser a mãe
deles.
— Já ouviu falar em terapia, Marcela? Porque, graças a você,
graças à sua incapacidade de buscar ajuda quando claramente precisa, eu e
Malika fomos obrigados a ir à terapia.
— Desculpa.
— Não. — Olhei fixo para ela. — Você não quer ser mãe deles e
eu não quero e não vou te desculpar. Nada no mundo justifica você ter
saído de casa no meio da madrugada e deixado os dois sozinhos, porra!
— Saí só dez minutos antes do horário que você iria chegar —
murmurou aos prantos.
— Podia ter sido um minuto! Você colocou os dois em perigo,
Marcela.
— Eu não ia conseguir ir embora de outro jeito, eu não podia
fazer isso com você.
— Você fez pior! — Levantei do sofá e andei por alguns
segundos, ou minutos, sei lá, a ouvindo chorar. Por mim, ela podia
chorar um oceano inteiro. — O que você fez — me virei para ela — foi
muito pior do que se tivesse me dito que queria ir embora. Você nem
precisava me dizer o porquê, Marcela, mas dizer que ia embora era o
mínimo que poderia ter feito por mim e pelos nossos filhos. — Soltei
uma lufada de ar. — E por que caralho você voltou?
— Você nunca me tratou assim.
— Agradeça a si mesma por isso. — Travei o maxilar. — Por que
foi atrás deles, Marcela? O que planejava?
— Eu só queria vê-los por um momento.
— Ligasse, porra! Falasse comigo antes de bater na porta de casa
como se não tivesse desaparecido por meses.
— Eu não queria ter essa conversa, não queria te magoar mais.
Achei que podia vê-los rapidinho e...
— E sumir de novo? — Arregalei os olhos para ela. — Me diz
que você não ia fazer isso, caralho! Marcela, eles são crianças! Você não
pode entrar e sair da vida deles quando bem entende. Quer ter contato
com os dois? Ok, vai ser nos meus termos.
— O que isso significa?
— Que não vai ficar sozinha com eles em hipótese alguma.
— O que acha que vou fazer?
— Não sei. — Sacudi os ombros. — Você fugiu no meio da
noite, acha que vou confiar os meus filhos a você?
— Seus? — Mordeu o lábio.
— Foi você quem disse que não quer ser mãe deles.
— Você me odeia, né?
— Muito. Pra caralho! Queria nunca mais olhar na sua cara,
queria ser tão escroto quanto você e te enxotar daqui igual aos seus pais
fizeram. — Ela me encarou com olhos estatelados. — Porque é o que
merece, Marcela. Parabéns — bati duas palmas para ela —, você provou
que é filha deles!
Ok, peguei pesado.
Mas eu estava puto, caralho!
— Vou embora — resmungou, se levantando.
— Você só é boa em ser escrota quando não tem quem revide,
né?
— Você está sendo tão baixo...
— Na próxima vez, pense duas vezes antes de mexer com os meus
filhos.
— Eles são meus filhos também, Arion!
— Então tenha a porra da decência de assumir o caralho dos seus
erros.
— Eu fiz isso.
— Quando, Marcela? — Inclinei a sobrancelha. — Você me disse
que sentia muito por tudo, mas só se justificou o tempo inteiro, se
colocando na porra do lugar de vítima. Porque você não podia sentar e
conversar, porque você não conseguia, porque foram só dez
minutinhos... O que poderia acontecer, não é mesmo? Se você quer se
desculpar de verdade, não se justifique, caralho!
Ela voltou a sentar-se.
— Ok. — Aquiesceu com a cabeça. — Você não me perguntou
sobre o dinheiro.
— Eu tô pouco me fodendo para o dinheiro, Marcela. A gente
criou a conta para uma emergência. O dinheiro não era meu, era nosso, e
se você pegou foi porque precisava dele. — Sacudi as mãos no ar. — Não
tem o que falar sobre isso, eu teria dito que podia pegar se tivesse falado
comigo. Se foi embora do jeito que foi por causa disso, você não me
conhece nem um pouco.
— Não foi isso — ela suspirou. — Fugi porque fui covarde,
porque não queria te encarar e dizer que iria embora sabendo que talvez
tivesse que adiar o seu sonho de novo, que mais uma vez eu seria culpada
por não estar onde deveria... onde merecia estar.
— Você é idiota? — Sacudi a cabeça, encarando a garota estúpida
sentada à minha frente. — Você não pode se culpar por uma escolha que
foi minha, porra!
— Por minha causa.
— Porque eu quis, Marcela!
Arion veio buscar as crianças no outro dia de manhã e perguntou
se podíamos nos encontrar à noite no Solaris, depois de uma da manhã,
horário que encerrava o seu set.
Concordei, e lá estávamos, completamente desconfortáveis um
com o outro. Era a primeira vez que me sentia assim perto dele. Nem
depois do “eu te amo, linda” isso havia acontecido, as coisas apenas
continuaram iguais entre nós. Agora era diferente.
Duna disse que chegamos à fase do “ou vai ou racha”. Eu não
sabia se isso existia de verdade, mas era uma boa definição para o que
estava sentindo em relação a ele.
Era como se não pudéssemos continuar deixando a correnteza
nos levar, era hora de pegarmos os nossos remos e decidirmos para onde
queríamos ir.
— A gente pode ir a outro lugar? — ele me perguntou após
minutos onde nós dois estávamos perdidos no silêncio e na imensidão
do mar, numa das varandas do Solaris.
Foi assim que paramos na prainha dos rochedos outra vez, aquela
mesma do “eu te amo”.
Nós nos sentamos na areia, o silêncio se fazia presente outra vez.
Se não fosse por ele ter perguntado se as crianças deram muito
trabalho na noite que ficaram comigo, os minutos dentro do buggy
teriam sido longos em excesso.
As ondas do mar vez ou outra tocavam os nossos pés, a brisa
serena da madrugada tecia arrepios por minha pele.
— Quero me desculpar por ter descontado minha raiva em você
— disse, virando-se para mim —, não esperava que a Marcela voltasse, e
saber que ela esteve tão perto dos meus filhos quando eu não estava aqui
me deixou apavorado.
— Eu deveria ter contado logo que aconteceu. Eles são seus
filhos, ela é sua ex, e eu não estou em condição de decidir o que é
melhor para vocês, ou para eles. — Divaguei os olhos no mar. — E talvez
eu nunca esteja. — Um arquejo perpassou os meus lábios. — Não posso
ter filhos, Arion. — A melancolia estava impressa no meu tom de voz.
— Tenho uma síndrome com um nome estrambólico — uma tentativa
de risada dissipou-se no ar —, mas a gente pode usar as siglas. MRKH. Já
ouviu falar?
— Não.
— Eu não tenho útero — volvi o rosto para ele — e também
não tinha uma vagina até alguns anos atrás. — Os olhos não desviaram
dos meus. — Externamente não havia nada de errado comigo.
Procuramos os médicos porque eu comecei a ter crises intensas de
cólicas, mas não menstruava. — Meu olhar navegou através das ondas,
admirando o reflexo do luar. — Lembra quando contei que um garoto
que estava ficando me expôs? Ele tentou me tocar e eu o impedi porque
doía. Meu canal não tinha nem dois centímetros. Então contei a ele... —
As palavras ficaram presas em minha garganta.
— E ele espalhou para todo mundo — Arion concluiu à meia-
voz.
Aquiesci, olhando em seus olhos.
Uma melodia quebrada ecoou nas batidas do meu coração.
— Ele disse a todos no colégio que eu não tinha boceta. Fizeram
montagens, vídeos e escreveram coisas horríveis nas paredes do banheiro
e nas mesas da sala. Me chamavam de aberração, tentavam arrancar
minhas roupas para ver como eu era, algumas garotas queriam me
impedir de usar o banheiro. Então comecei a me machucar.
Meus ombros se elevaram numa inspiração profunda e relaxaram
quando uma lufada de ar se libertou.

— Eu beliscava e arranhava os meus braços[70], e quando não


consegui mais esconder, porque meus pais desconfiaram por eu estar
sempre com blusas de manga, passei a morder a parte interna do lábio o
tempo todo. Por causa disso desenvolvi mucocele, que basicamente são
bolhas na região da boca, que só podem ser retiradas com excisão
cirúrgica. Esse inferno durou um ano e meio. — Um suspiro fugiu por
meus lábios. — Não contei a mais ninguém até hoje.
Arion estendeu um braço por minhas costas, segurou em meu
ombro e me puxou para ele. Nossos rostos se encontraram, nossas testas
se tocaram, nossas respirações se enlaçaram. Ficamos assim por um
tempo, até que ele deixou um selinho em meus lábios e distanciou-se
em busca dos meus olhos.
— Não sou pai biológico da Malika, Vida — confidenciou com
um brilho molhado nos olhos. — Quando me contou que Marcela
estava de volta, fiquei com muito medo que ela quisesse levar a minha
filha embora. — Arion sorriu em meio a um suspiro. — Escolhi ser o pai
da Malika, e essa foi a melhor decisão da minha vida.
Sua mão deslizou sob os meus cabelos e moveu-se para minha
nuca, em um carinho lento e suave.
— Zac e Apollo acham que eu e Marcela nos pegamos numa
noite que estávamos bêbados. Meu primeiro beijo e minha primeira vez
foram com a Marcela, só que aconteceu muito depois do que meus
amigos acreditam. Não tivemos nada até perto do aniversário de dois
anos da Mali. Minha mãe não acreditou na história da bebedeira e acabei
contando a verdade para ela, e agora você também sabe a verdade.
— Meu Deus, eu sou a cafajeste! — comentei entre risos, depois
de muitos minutos de conversa. — Enquanto eu me envolvi com
muitos caras nos últimos quatro anos, você esteve com duas mulheres,
contando comigo, e teve um único relacionamento. Os meus não
passam de seis semanas.
— Estamos juntos há mais de seis semanas — retrucou.
— Você está contando desde o Réveillon? — Arqueei a
sobrancelha.
— Você não?
— A gente só ficou mesmo...
— Dia 13 de janeiro. — Entreolhamo-nos.
— É. — Sorri, e ele me roubou um selinho.
— Hoje já é 5 de março, tem mais de seis semanas.
— Estamos brigados a uma semana.
— Espera. — Ele pegou o celular no bolso e contou as semanas.
— Dá seis semanas certinho se a gente tirar essa.
— É o meu limite, seis semanas.
— Está terminando comigo? — Elevou a sobrancelha, dando-me
um sorriso lateral.
— Não estamos namorando. — Mordi o lábio.
— Diga isso para a vila inteira. — A risada rouca saltou dos seus
lábios, me arrepiando inteirinha.
— Não estamos namorando — eu disse.
— Vamos passar o fim de semana fora para comemorarmos por
termos quebrado a maldição das seis semanas — ele propôs.
Quase caí para trás quando ele tirou a venda dos meus olhos e
percebi que estávamos na Ilha do Sussurro.
Eu era louca para conhecer aquela ilha há anos.
— Você conhece os donos?
— É da minha família.
— VOCÊ TEM UMA ILHA?!
— Sim e não. — Meneou a cabeça.
— Como assim?
— No Brasil, é dado um direito de concessão para que você more,
passe férias ou usufrua da ilha como quiser, desde que garanta que ela
seja preservada. Caso você descumpra isso, perde esse direito e a ilha é
leiloada. O comprador terá os meus direitos. Então eu tenho uma ilha,
mas não tenho direito de compra e venda sobre ela.
— Mas quem vai querer vender isso aqui? — Girei, olhando ao
redor.
— Eu que não iria. — Ele riu.
Nós descemos da lancha, caminhamos cerca de dez minutos e
chegamos a nada mais nada menos do que uma casa à beira-mar. As
portas, janelas e paredes eram todas em vidro, com exceção da parede de
fundo, que ficava na cabeceira da cama, que era em pedras, e os pisos,
escadas e vigas da varanda do primeiro pavimento, que eram em madeira.
Sim, eram dois pavimentos! Alicerçada sobre rocha, uma das escadas de
acesso era uma descida para o mar. A gente saía em cima de rochas
imersas no mar.
— Se isso for um sonho, só quero acordar depois da parte que a
gente transa loucamente de frente para o mar, ouvindo o som das ondas.
Arion deu uma gargalhada.
Depois que contei que não podia engravidar, nós conversamos
sobre usar ou não preservativo e decidimos fazer o teste rápido de IST[71]
antes do final de semana.
Então sim, eu ia sentar.
— CARALHO, QUE LUGAR LINDO! — comentei, saindo para a
varanda do segundo pavimento.
Arion me abraçou por trás e beijou meu pescoço. Um murmúrio
rodopiou entre meus lábios. A última vez que fomos além dos beijos foi
no final de semana antes de ele viajar, três semanas atrás. Estava alucinada
de saudade da sua boca malvada me marcando inteira.
— Alguns metros à nossa frente, submerso no mar — Arion
jogou meus cabelos por cima do ombro —, há uma barreira de corais
onde não é permitido turismo — os lábios rasparam minha nuca, e
minha respiração entrou em colapso —, então essa é uma área com
restrição de navegação. — Seus dedos não tiveram nenhuma dificuldade
em se perder sob a fenda da minha saia. — Ninguém pode chegar perto
o suficiente para nos ver aqui.
Os murmúrios não demoraram a darem vez aos gemidos. Arion
me beijava, mordia e lambia, explorando nuca, pescoço e ombros,
enquanto suas mãos se divertiam entre as minhas pernas e seios. Minha
blusinha com decote ombro a ombro já estava há tempos no piso de
madeira.
Era dia, o sol brilhava no céu e estávamos numa varanda de frente
para o mar. Se isso não era o paraíso, eu não sabia mais o que poderia ser.
Arion sentou-se no chão, encostado no vidro da varada após
despir sua camisa, minha saia e calcinha, e abocanhou minha boceta. Eu
amava aquela vista! Agarrei os seus cabelos e rebolei em sua boca quando
seus dedos se uniram à festa. Chupando e metendo, numa sincronia
infernal, ele me fazia náufraga em um mar de prazer.
Depois do meu segundo orgasmo em sua boca, ele me puxou
para o colo e seus lábios encontraram os meus, beijando-me lenta e
preguiçosamente. Sugava um e outro, dando lambidas e puxões
delicados. Uma pulsação febril orquestrava a fuga das batidas do meu
coração.
Eu me segurava em seus bíceps, riscando-os com minhas unhas.
Ele gemia baixinho em minha boca, e mordiscava-me, exigindo os meus
gemidos. A mão ao redor da minha cintura me segurava firme contra o
seu pau, numa provocação perversa. Arion apreendeu a minha nuca e
aprofundou o beijo, com os dedos enroscados entre os meus cabelos.
Nossos lábios se moviam como se fossem um só, perdidos na
dança de nossas línguas, nas mordidas e chupões que reivindicavam cada
pedacinho meu, no desejo ardente que queimava sob nossas peles, nos
sorrisos sussurrados e nos encontros e desencontros de nossas bocas, que
rolavam entre nossas respirações quando buscávamos fôlego para
continuar a nossa excursão erótica.
O abraço em minha cintura me suspendeu um pouco e o aperto
em meus cabelos se desfez.
— Molhada pra caralho, porra — rosnou contra minha boca ao
tocar entre as minhas pernas. — Se tiver por cima é melhor para você,
linda?
Aquiesci, lambendo seus lábios.
— Só até eu me acostumar.
Ele abaixou a bermuda e boxer, se mexendo abaixo de mim,
descendo-as para suas coxas. Quando me sentou em seu colo outra vez,
eu me virei para trás e empurrei suas roupas para as panturrilhas, e, com
os pés, ele as chutou para o assoalho de madeira.
Nossos olhares retornaram um ao outro, sorrisos se espalhavam
por nossos lábios.
— Vou ficar parado até que me diga que posso ir em frente —
disse, segurando meu rosto.
Ancorando-me em seu ombro, envolvi seu pau e o deslizei entre
os lábios da minha boceta, ainda sem me penetrar.
Um murmúrio arquejante rolou por seus lábios.
— Ou vou tentar. — Seu riso agitou as borboletas em meu
estômago. — Porra, Vidaah! — gemeu quando desci rebolando em sua
glande. — Aí é maldade, linda. — Ele deslocou a mão que estava em
minha cintura para o meu seio.
Um sorriso misturou-se aos milhões de suspiros que
arrebentavam dos meus lábios.
— Um — murmurei, olhando em seus olhos e deslizando até o
primeiro piercing.
— CARALHOOOOH! — A mão em meu rosto deslizou para
minha mandíbula, apertando-a. — Malvada — rosnou entre gemidos,
esmagando os lábios nos meus.
Subi de novo e desci, e mais uma vez, na terceira rebolada desci
até o segundo piercing.
— Dois. — Mordiscou sua boca.
— Três. Vai, linda — pediu, puxando meu lábio. — OH,
CARALHO! — gemeu alto em resposta ao aperto da minha boceta em
seu pau.
— Três, cretino — soltei e desci, quicando.
— NOSSA! — Puxou o ar entre os dentes. — Quando eu te
pegar, você me paga. — Mordeu meu lábio, lambendo-o logo em
seguida.
Subi e parei, deixando só com a cabecinha em minha boceta.
Forcei a mão em seu ombro, empurrando-o. Arion voltou a recostar-se
na proteção da varanda, a mão desceu para o meu pescoço, e eu mordi
um sorriso.
— Me dá logo essa boceta gostosa, vai. — Seu olhar desceu para
minha boceta, toda escancarada em seu colo, rebolando, com a cabeça
do seu pau pulsando lá dentro. — Você tá tão molhada, porra. Tão linda.
— A mão rolou dos meus seios para o meio das minhas pernas e ele
acariciou meu clitóris, me furtando um gemido. — Eu vou meter
gostoso nessa bocetinha malvada.
— Ariooon...
Ele virou o jogo.
— Sim, linda. — O polegar massageava o meu clitóris.
— Desgraçado — gemi, rebolando até embaixo.
— Três, quatro, cinco — ele murmurou com os olhos vidrados
na minha boceta. — Seis — gemeu, sem parar a carícia em meu clitóris.
— Putinha safada. — Ergueu os olhos para os meus. — Sobe e desce de
novo, linda. — Suas mãos continuavam em meu pescoço e clitóris.
Porra, isso sim era maldade. — Quero ver cada um dos meus piercings
entrando e saindo dessa bocetinha gulosa.
— Cretino gostoso!
Deslizei fora e desci de uma vez, afanando uma torrente de
gemidos dele, mas também derramando vários.
— CARALHO, GOSTOSA!
Até que eu lhe entregasse um orgasmo, Arion manteve o aperto
em meu pescoço e a doce tortura em meu clitóris enquanto eu rebolava
no seu pau, incapaz de manter um pensamento coerente. Meu corpo
estava refém das ondas de prazer que me atingiam por todos os lados.

Eu me levantei com Vida nos braços e me enterrei em sua boceta


em pé na varanda, sentindo os biquinhos duros dos seios se esfregando
em meu tórax.
— Caramba — murmurou, puxando um punhado dos meus
cabelos, com as pernas enlaçadas aos meus quadris. — Arioon...
Os raios de sol iluminavam cada tracinho dela.
A mordidinha no lábio.
Os olhos revirando.
A bagunça de fios acobreados em seu rosto.
— Você é linda demais, caralho.
Deslizei suas pernas para os meus braços, a inclinei um pouco para
trás e movi seu corpo de encontro ao meu, me deliciando com o balanço
dos seios empinados e redondos. Eu ainda iria marcá-los com a minha
porra.
Meti por alguns minutos na varanda, antes de levá-la para a cama.
Quando a deitei sobre os lençóis, me debrucei sobre ela, mamando nos
peitos enquanto me movia em um vaivém cadenciado.
As unhas agatanharam minhas costas, deixando rastros de fogo
por onde passaram. Seu cheiro, seu gosto, seu corpo, tudo nela me
deixava louco de desejo. Minha pele queimava, ondas de excitação
navegavam por meu corpo, tremores rastejavam por minha dorsal.
Peregrinei seu busto, arranhando a pele delicada com meus dentes,
marcando-a com chupões.
O barulho dos nossos corpos.
Das ondas do mar quebrando sobre as pedras.
Dos nossos gemidos.
Sussurrados. Gritados. Abafados.
Das respirações descompassadas.
Dos nossos batimentos afoitos.
Cada pequeno som...
Entrelaçados na mais perfeita melodia.
Eu me deitei entre suas pernas e trouxe as dela para os meus
quadris. Metendo lenta e profundamente na sua boceta, esfregando o
osso púbico em seu clitóris a cada investida, submerso nas profundezas
do seu olhar. Vida apertou as pernas ao meu redor, arremessando a
cabeça para trás, cravando as unhas nos meus bíceps, um mar de gemidos
rolando por seus lábios.
— Não para... — ciciou lamuriosa. — Ariooon... — Toda vez
que ela gemia meu nome minha respiração ruía. — Nã... Não para.
— Goza pra mim, linda. — Ondulei o quadril, combinando o
vaivém a um bamboleio, aumentando o estímulo no seu clitóris.
— Sim, sim... Não para... Não para...
Uma risada escapou por meus lábios e quase que no mesmo
segundo fui recompensado com o seu orgasmo.
Mais um.
— Desgraçado gostoso — murmurou entre gemidos, acertando
um tapa no meu rosto.
Capturei sua mandíbula e pressionei o polegar em seu lábio.
— Gostosa. — Dei um tapa no seu rosto, acariciando-o em
seguida. — Fica de quatro. — Acertei outro tapa e saí de dentro dela.
— PORRA, QUE DELÍCIA ESSES PIERCINGS — disse,
umedecendo os lábios, com os olhos vidrados no meu pau. Ela rolou
para o lado e empinou a bunda. — Vem, baby. — Olhou-me por cima
do ombro.
Dei um sorriso sacana, atingindo sua bunda com um tapa de mão
cheia, e a danada se empinou mais, numa provocação descarada. Segurei
no meu pau e bati com ele nos lábios inchados de sua boceta, acertando-
a com os piercings.
— Por favor, Arion — pediu em um murmúrio. — Me come
logo.
Encaixei-me devagarinho em sua boceta, e quando a glande abriu
o caminho, meti de uma vez só.
— CRETINOOOOH — Vida gemeu entre risos.
Tirei e meti de novo, numa bombada só.
Entrando e saindo, mais uma vez e outra.
Até que eu não pudesse mais resistir à vontade de afundar na sua
boceta e não sair mais de lá.
— Deita, linda. — Vida me atendeu de pronto e eu acertei mais
um tapa em sua bunda. — Gostosa! — Montei em suas pernas,
agarrando os seus quadris, e cavalguei, macetando a sua boceta.
Incansavelmente.
— Porra, que delícia!
Meu pau deslizava gostoso na bocetinha melada.
Ela era gostosa demais.
Quanto mais rápido, maior o atrito do seu clitóris nos lençóis. E
os seus gemidos me diziam que ela estava quase lá de novo. Movi uma
mão para sua lombar, me inclinando um pouco mais em suas costas e
estocando cada vez mais fundo.
— Não para... — Vida fechou os dedos sobre os lençóis. —
Não...
Eu amava pra caralho ouvi-la pedir para não parar.
Em segundos, seu corpo sucumbiu a outro orgasmo.
— Porra — murmurou, ainda agarrada aos lençóis.
Sorri, saindo de dentro dela, acertei um tapa em sua bunda e me
deitei entre as suas pernas, lambendo cada pedacinho de sua boceta, me
lambuzando com o seu prazer. Gemidos ciciados deixaram sua boca e
preenchiam o quarto, numa melodia suave.
Quando Vida se recuperou do orgasmo, eu me sentei e a trouxe
para o meu colo, deslizando inteiro dentro dela e chupando os seus seios.
E foi abraçado ao seu corpo, entre beijos e mordidas, suspiros e gemidos,
deslizando minhas mãos por suas costas e sendo arranhando por ela, que
o meu orgasmo encontrou refúgio em seu corpo.
— Eu te amo, linda. — Minhas mãos abrigaram seu rosto. —
Não vou fingir que não falei dessa vez. — Constelações brilharam em
seus olhos. — Eu me apaixonei por você quando te vi pela primeira vez,
Vida. Não foi naquela noite no Saideira — meneei a cabeça, rindo —, foi
muitos anos atrás. Sabe o que é mais louco? Por sua causa me tornei o
pai da Malika.
Ela franziu a sobrancelha, confusa, mas permaneceu em silêncio,
esperando que eu continuasse. Eu a ergui do meu colo, deslizando para
fora dela, e nos deitei junto aos travesseiros.
— Fui eu quem te resgatou no mar — confessei, os olhos verdes
se arregalaram. — Eu tinha te visto surfando ondas muito maiores,
tomando vacas muito mais violentas, e pode ser que tenha sido só um
dia que o mar ganhou a briga. Ele ganhou do meu pai. — Soltei um
suspiro baixo. — Mas senti que não era isso, meu coração me dizia que
você apenas tinha desistido.
— Por isso a corrente com o pingente — murmurou, e eu sorri,
aquiescendo.
— Naquele mesmo dia, a Marcela me contou que estava grávida.
A mãe dela tinha descoberto e os pais a expulsaram de casa. Quando vi o
desespero dela, a primeira coisa que pensei foi em você sem pulso nos
meus braços. E se o que senti foi um sinal de algo que ainda não tinha
acontecido? E se Marcela tentasse algo? E se eu não chegasse a tempo?
Não podia deixá-la sozinha e torcer para que não acontecesse nada com
ela ou com o bebê. Ela não precisava do melhor amigo, ela precisava de
um pai para o filho que estava esperando, aquele bebê precisava de um
pai. E eu estava lá.
Destino, seu filho da puta, vai com calma aí!
E o Arion também, né?
Ele tinha que parar de fazer declarações bombásticas depois de um
orgasmo. Se a gente continuasse assim, era capaz de na próxima vez ele
me pedir em casamento.
— Eu te procurei por anos. — Contornei seus lábios com a ponta
dos dedos, mapeando cada detalhe dele. As pequenas ondulações em seu
cabelo, a pele da cor do verão, o desenho perfeito da boca.
— Se a gente tivesse se encontrado antes — ele deslizou a mão
para as minhas costas, me puxando para mais perto —, não estaríamos
aqui, Vida. O Senhor do Tempo é cheio de artimanhas.
— Você acredita em destino e...
— Não acreditava em amor à primeira vista — inclinou a
sobrancelha, dando um sorriso lateral — até te ver pela primeira vez.
— Desculpa por não responder o seu eu te amo — pedi com
lágrimas nos olhos e palpitações disrítmicas. — Mas eu não sei se posso
corresponder às expectativas que vêm com essas três palavras.
— Não vou pedir que largue tudo e venha morar comigo e com
as crianças, nem que seja a mãe deles, não espero que mude a sua vida
por mim. Eu só quero ter um lugar na sua vida.
— Você não pode ser o cara fofo, o príncipe e o desgraçado
gostoso ao mesmo tempo, Arion — resmunguei, buscando uma saída
cômica, porque se deixasse por conta do meu coração, não sabia onde
íamos parar.
Ele deu uma risada e jogou-se de costas, apoiando um braço na
cabeça.
— Seu pai me contou que...
— MEU PAI?
— Sim — Arion virou o rosto para mim —, ele descobriu que eu
era o surfista, mas expliquei que não podia te encontrar porque gostava
de você e isso ia foder com a minha cabeça. Contei que ia ser pai e
precisava fazer dar certo, e ele entendeu.
— Você contou ao meu pai que gostava de mim? — O encarei
em total descrença.
— Na verdade, fui bem mais enfático, falei que te amava.
— MEU DEUS! — Levei a mão à boca, rindo. — O que meu pai
te contou? — perguntei, estreitando os olhos para ele.
— Que você viajou por aí, procurando por mim.
— Meu pai lê mentes, cara! Juro, não tem condição — disse
entre risos. — Eu tinha certeza que te reconheceria quando batesse o
olho em você. — Mordi o lábio. — Digamos que fiquei meio
apaixonada pelo surfista de sorriso lindo que me salvou.
Arion voltou a deitar-se de frente para mim.
— Havia pouco mais de um mês que o meu inferno no colégio
teve início — segredei, olhando em seus olhos. — Quando me vi
submersa, senti que podia deixar tudo para trás naquele instante.
Interrompi a apneia e deixei que o oceano me levasse para onde quisesse.
— Ainda bem que eu consegui te achar a tempo. — Sua mão
fechou-se em meus cabelos e os dedos derraparam por minha nuca.
— Desde o primeiro dia, eu sentia que te conhecia de algum
lugar. Os olhos e o sorriso sempre me pegavam de jeito — confidenciei,
deslizando os dedos por seus cabelos. — Não acredito que viajei o
mundo te procurando e você esteve aqui o tempo todo.
Passamos o dia inteiro na cama, com pausas para ir ao banheiro,
beber água e comer, porque ninguém é de ferro. Perdi as contas de
quantas vezes trepamos. E nem vou falar dos meus orgasmos, porque
esses na primeira rodada de sexo eu já não sabia quantos foram, ou
quantas vezes ele me chupou.
Se eu tinha uma certeza na vida era de que Arion adorava me
chupar. Ele aproveitava cada pequena oportunidade para retornar ao
meio das minhas pernas e dedicar-se a me dar prazer. De beijos doces e
delicados aos chupões e lambidas vorazes, do leve resvalar dos seus dedos
ao afundar dos seus dedos e anéis, ele me dava o que meu corpo exigisse.
E mais uma vez eu implorava para que não parasse, sob o céu
colorido do crepúsculo.
No balanço do mar, sentada em uma prancha de surf, fechei as
pálpebras e arremessei a cabeça para trás, me rendendo ao mar de
sensações que transbordava por meus lábios em um arfar intenso e
gemidos incessantes.
— Ariooonn... — ciciei, abaixando os olhos para o gostoso com
os braços repousados nas minhas coxas e um sorriso safado nos lábios
lambuzados pelo meu gozo. — Cretino. — Mordisquei o lábio, puxando
os seus cabelos.
— Gostosa. — Lambeu os lábios.
— Sua prancha tá indo embora — comentei entre risos.
Ele olhou para trás, voltou-se novamente para mim, segurou na
prancha e subiu com um impulso, deixando um selinho em minha boca.
— Já volto, linda. — Virou-se e saiu nadando para resgatar a
prancha.
Soltei um suspiro, admirando os músculos das costas e braços.
Quando retornou com a prancha, curtimos um pouco da
calmaria do outside, até que minhas pernas conseguissem se manter de
pé, e então dividimos uma onda, na volta para a praia. O pico de surf
ficava do outro lado da casa, mas estávamos numa ilhota, tudo ficava
pertinho.
Depois do banho ligamos para falar com as crianças, e Malika
contou, animada, que ela e o Alec tinham passado a tarde com o Apollo,
com ela andando de bicicleta e ele passeando no carrinho. Ela perguntou
o que tínhamos feito e imediatamente senti as maçãs do meu rosto
pegarem fogo.
Quando encerramos a chamada de vídeo, fomos preparar algo
para comermos e jantamos numa mesa na areia da praia, com uma lua
linda de fundo, refletida nas águas do oceano.
— Quero fazer uma surpresa para Mali e levá-la ao show da
Taylor — contei durante o jantar —, vou aguardar mais um pouco para
ver se a nova turnê incluirá o Brasil, mas se não tiver ou eu não conseguir
ingressos pra cá, ainda quero muito levá-la. Então... — Entrelacei as
mãos, ansiosa, e ergui a sobrancelha. — Posso?
— Ela vai amar.
— ISSO É UM SIM? — Arregalei os olhos, meus lábios se
escancarando em um sorriso. — Posso mesmo? Sério? — Ele aquiesceu,
sorrindo. Levantei-me e puxei Arion pelo braço, me pendurando em seu
pescoço. — Obrigada.
Suspiros e risos se entrelaçavam às batidas do meu coração. Arion
alisou e beijou os meus cabelos, e quando me afastei e meu olhar
encontrou o caminho de volta para o dele, um carinho gentil margeou o
meu rosto.
— Você acha mesmo que ela vai amar? — A expectativa pulsava
em minhas veias. — Tenho medo que ela fique com raiva de mim
quando eu for embora — confidenciei.
— Desde o primeiro dia, a Mali sabia que você iria embora, por
isso foi tão relutante em deixar que se aproximasse. Ela vai ficar triste, eu
também vou — Arion suspirou —, todos nós vamos, mas com raiva
não. — Elevou o supercílio. — A não ser que esqueça de ligar para ela.
— Não existe esse risco. — Sorri e me inclinei para ele na ponta
dos pés, beijando sua boca.
Ele agarrou a minha bunda e me suspendeu para os seus quadris,
trazendo um sorriso aos meus lábios. Sorriso esse capturado numa
mordida lasciva. Meus dedos droparam nas ondas dos seus cabelos e eu
gemi em sua boca. Os lábios gostosos reivindicaram os meus e sua língua
escorregou de encontro à minha, aprofundando o beijo.

Levantamos cedo para irmos surfar, e ao voltarmos ficamos de


preguiça na cama, curtindo a brisa do mar.
— É o ano de aniversário das crianças? — Vida tocava as duas
tatuagens entre os meus dedos, na mão direita.
— Sim.
— Todas suas tatuagens têm um significado? — Ela deslizou o
dedo na onda minimalista tatuada no meu pulso direito.
— A onda eu fiz depois que meu pai morreu, no mesmo braço da
tattoo que fizemos juntos, porque representa o último segundo da vida
dele. — Ergui o braço esquerdo. — A frequência com as notas
musicais... — Virei o rosto para ela. — Meio óbvia, né?
— Ela fez total sentido quando te vi tocando a primeira vez. Não
é só música, é o seu coração. — Ela entrelaçou as nossas mãos e beijou
os nós dos meus dedos. — O M também é óbvio. — Vida me deu um
sorriso. — Você fez para a Marcela.
— Fiz quando completamos um ano juntos, como casal mesmo.
— Olhei para a tatuagem em meu pulso direito. — Não vou apagar.
— Imaginei que não.
— E o coqueiro é — virei-me para Vida — só um coqueiro —
disse entre risos, e ela riu também. — Sei lá, eu só fiz, não teve um
motivo específico. E a maori nas costas fiz para o meu pai, ela representa
todas as ondas que surfamos juntos.
— Que lindo. — Acariciou meu rosto. — A minha fiz por sua
causa — encostou a testa na minha —, para nunca te esquecer. Eu não
estaria aqui se não fosse por você, Arion. — Os lábios tocaram os meus
docemente, aquecendo meu coração. — Obrigada. — Sorriu em meus
lábios.
13 de março, dois meses do nosso primeiro beijo.
O nosso último dia da nossa pequena fuga para uma ilha privativa.
— Não tem um lugar dessa ilha pelo qual eu não tenha me
apaixonado.
— Você podia se apaixonar pelo dono da ilha também. — Pisquei
para ela, compartilhando um sorriso sacana.
Vida girou, dando-me as costas, e despiu a parte de cima do
biquíni. Então, olhou-me por cima do ombro, devolveu a piscadinha e
entrou na piscina natural, saltando entre as pedras até que pudesse
mergulhar.
Estávamos numa prainha escondida entre rochas e coqueiros, a
água translúcida de um azul vívido permitia-nos ver em detalhes o fundo
de rochas e algas do mar.
Despi a bermuda e caminhei sobre as pedras, me aproximando da
piscina. Vida nadou um pouco mais para o fundo e mergulhou.
— Ei, marujo! — chamou quando emergiu, e arremessou a
calcinha do biquíni em mim.
— Me aguarde. — Abaixei a sunga e joguei em qualquer lugar.
A piscina não ficava exposta a milhões de sujeiras comuns nas
praias públicas, e sairíamos da água do mar para o banho, meu cacete
ficaria bem. Só dei uma conferida se os piercings estavam bem fixados e
entrei na água.
Mergulhei e saí próximo à Vida. Ela bateu a mão na água,
atingindo-me com os respingos, e nadou para longe, rindo. Por alguns
minutos deixei que se desvencilhasse do meu agarre e nadamos em volta
um do outro, golpeando-nos com os salpicos d’água. Nossas risadas
ondulavam na superfície da água, segredando ao mar a história do jovem
marujo que teve seu coração saqueado por uma linda pirata.
Eu a agarrei pela bunda, roubei um beijo e a ergui para os meus
ombros. Amava os gritinhos sobressaltados que exalavam dos seus lábios,
independente de quantas vezes eu a tirasse do chão. Minha língua provou
a sua boceta levemente salgada pela água do mar e os seus lábios
compuseram uma sinfonia de gemidos.
Quando a desci dos meus ombros, a enganchei em meus quadris e
nos movi até onde a água batesse em minhas coxas, para que eu pudesse
penetrá-la mais confortavelmente, sem a interferência da água na sua
lubrificação, e retornei para o fundo com a danada rebolando no meu
pau, se esfregando gostoso na minha pélvis e delirando apenas com o
estímulo dos piercings na sua boceta.
Assumi o controle ao mergulhar mais da metade dos nossos
corpos, estocando rápido e profundamente. Os espasmos de sua boceta
no meu pau me enlouqueciam, o arranhar das unhas nos ombros e tórax
também. Seus gemidos, seu cheiro... a pele macia que eu arranhava com
os meus dentes, os mamilos duros que rolavam por minha língua antes
que eu abocanhasse seu seio e me demorasse a chupá-los...
— Arioooon... — Suas mãos encarceraram o meu rosto. — Isso
é tão gostoso. — Os lábios uniram-se aos meus e sua língua pediu
passagem, mergulhando de encontro à minha.
A água ondulando ao nosso redor.
Os raios do sol beijando as nossas peles.
Minhas mãos afundando na bunda gostosa.
Suas unhas subindo e descendo por minhas costas.
A excitação pulsando nos batimentos do meu coração.
Então, o golpe fatal.
— Não para... Não para...
Minha risada soprou entre as nossas bocas. Mordi o seu lábio,
sentindo o esganar gostoso da sua boceta melada, e deixei que o meu
orgasmo se fundisse ao dela, ouvindo meu nome sair dos seus lábios e
chamando pelo dela.
Fazia uma semana que havia conversado com Marcela. Eu disse
que podíamos marcar algo para que ela encontrasse com as crianças,
desde que não fosse sumir de novo, como se eles não existissem. Ela
concordou e disse que me enviaria uma mensagem quando estivesse
pronta.
Eu estava me esforçando para entender a Marcela, passei uma
sessão de terapia tentando processar tudo o que ela me disse, mas
quando ela se colocava no lugar de vítima, meu sangue fervia, porque
dentro daquela situação em específico, onde ela abandonou os meus
filhos, ela não era vítima caralho nenhum.
Mas, beleza, eu engoli a porra da vontade de esganar a Marcela e
falei que tudo bem, aguardaria que estivesse pronta.
O que Marcela fez?
Apareceu na saída da escola de Malika.
Se nem ela se ajuda, eu que não vou poder, né?
Eu nem me dei ao trabalho de falar nada.
Peguei a Malika no colo, aos prantos, e levei para casa.
— MANDA ELA EMBORA, PAPAI! EU NÃO QUERO ELA
AQUI, PAPAI! MANDA ELA EMBORA! — gritava de dentro do
banheiro, repetidamente, em meio ao choro.
— Mali. Mali — eu chamava do lado de fora da porta. — Escuta
o papai um pouquinho, por favor, filha.
— EU NÃO QUERO ELA, PAPAI. EU NÃO QUERO. MANDA
ELA EMBORA. MANDA, PAPAI, POR FAVOR. NÃO QUERO ELA! —
continuou gritando e chorando, tossindo no meio dos gritos, a garganta
já rouca.
— Mali! Filha, o papai que tá aqui, abre a porta! Mali, abre a
porta!
— O que aconteceu? — perguntou Vida ao chegar com o Alec.
Eles tinham ido comprar sorvete para a sobremesa.
— Marcela — murmurei.
— QUERO QUE ELA VÁ EMBORA. MANDA ELA EMBORA
PRA SEMPRE, PAPAI.
— Na escola? — Vida perguntou sem emitir som.
Anuí, continuando a bater na porta.
Alec correu para a porta e bateu a mãozinha, me imitando.
— Aaiiia — chamou a Mali.
— Mali, escuta o papai um pouquinho só. — Alisei os cabelos do
Alec. — O Leleco tá aqui querendo falar com você.
— Aiiiaaaaa!
— NÃO QUERO ELA, NÃO QUERO. MANDA ELA EMBORA,
PAPAI. PRA SEMPRE! ELA É MÁ, PAPAI. MANDA ELA EMBORA.
— Mali! Filha, por favor!
Vida adentrou o quarto e parou ao meu lado.
— O que eu faço? — Apontou para o Alec.
— Aiiiaaaa...
— ELA É MÁ, PAPAI. ELA É MUITO MÁ, EU NÃO QUERO
ELA AQUI.
Abaixei-me e peguei o Alec no colo.
— Ei, Ursinho, a Mali já vai sair pra brincar, tá?
— MANDA ELA EMBORA, PAPAI!
— Vem me ajudar a guardar o sorvete que a gente comprou. —
Vida estendeu os braços para ele.
— Naaa. — Balançou a cabeça em negativa.
— MANDA ELA EMBORA PRA SEMPRE, PAPAI. NÃO
QUERO ELA, NÃO QUERO, PAPAI!
— Vem, Leleco — ela chamou de novo.
— Naa... — Esticou a mão para a porta do banheiro. — Aiaaa,
Aiaa!
— Deixa — falei para Vida, descendo o Alec para o chão. — Mali
— suspirei. — Malika! — Voltei-me para Vida. — Numa das gavetas da
mesa do estúdio tem chaves reservas — ela assentiu antes que eu
terminasse de falar —, procura lá, por favor.
— PAPAI, NÃO QUERO ELA! MANDA ELA PRA BEM LONGE
DAQUI.
— Aaiiiaaaa! — Alec bateu na porta.
— Mali, ela não tá aqui, filha. Só estamos eu, você, o Leleco e a
Vida.
— Aqui. — Vida voltou com o molho de chaves.
— Mali, eu vou abrir a porta — falei, procurando a chave do
banheiro. — Ouviu, Mali?
— Aaiiiaa... Aaiiiaaaa!
— ELA É MÁ, PAPAI. MANDA ELA EMBORA, PAPAI. EU
NÃO QUERO ELA, NÃO QUERO.
— Deixa o papai passar, Leleco. — Vida o pegou no colo,
ignorando os resmungos. — A Mali já vai sair. Não precisa chorar.
— Mali, estou destrancando a porta. — Encaixei a chave na
fechadura e destranquei. — Se tiver encostada, se afaste para não se
machucar, ok? — Empurrei a porta.
Malika estava sentada na tampa da privada, com as mãos fechadas
em punhos, toda vermelha, o rosto encharcado de lágrimas e o nariz
escorrendo.
— MANDA ELA EMBORA, PAPAI — repetiu, balançando a
cabeça e esfregando os braços no nariz.
Agachei diante dela, tocando em seus joelhos.
— Mali, o papai não sabia que a mamãe...
— ELA NÃO É MINHA MÃE! — Malika me empurrou com os
dois braços, num rompante de raiva.
Eu me desequilibrei e bati com a cabeça na parede de azulejos nas
minhas costas.
— Ai! — Levei a mão à cabeça.
— Não tenho mãe — murmurou, me encarando com os olhos
arregalados ao perceber que havia me machucado. — Papai? —
choramingou. — Desculpa, papai. — O choro raivoso se transformou
em pesar. Ela se levantou e segurou o meu rosto. — Você vai me deixar?
— Os lábios tremiam, lágrimas inundavam os olhos.
— Não, amô. — Eu me sentei no chão e trouxe ela para o meu
colo. — Malika, o papai não vai para lugar nenhum, ok? — Puxei o bolo
de papel higiênico e comecei a limpar o seu nariz. — Mas você não pode
empurrar as pessoas, filha. Você machucou o papai.
— Desculpa — choramingou.
— Tudo bem, mas isso não pode acontecer de novo, ok?
— Você pode mandar ela embora?
— O que o papai pode fazer é conversar com a ma... — Malika
pôs a mão em minha boca e me encarou, balançando a cabeça em
negativa. Aquiesci. — Posso conversar com ela e dizer que você não quer
que ela vá na escola, que não quer que ela venha aqui, e que quando você
quiser...
— EU NÃO VOU QUERER NUNCA, NUNQUINHA.
Eu deveria ter ido à terapia, deveria.
Mas estava com tanto ódio da Marcela que fui cego atrás dela.
Liguei para o Zac, que em cinco minutos conseguiu o nome da
pousada onde ela estava, e bati lá.
— VOCÊ TÁ TESTANDO A PORRA DA MINHA PACIÊNCIA?
— vociferei no segundo que ela abriu a porta do quarto, já adentrando o
cômodo. — QUE CARALHO VOCÊ FOI FAZER NA ESCOLA DA
MALI?
— Por que você só grita comigo?
— Por que será, Marcela? Responde, caralho! Foi fazer o quê lá? A
gente não tinha combinado que você falaria comigo? — Meti o dedo na
cara dela. — Marcela, eu juro por Deus, se você tiver planejando tirar a
Malika de mim, eu te caço no inferno!
— MEU DEUS, ARION! — Ela engoliu em seco. — O que deu
em você?
— VOCÊ, NÉ, CARALHO!
— Eu pensei que ela ia ficar feliz se eu a buscasse para tomar
sorvete.
— Me faz um favor. — Deslizei a mão nos cabelos. — NÃO
PENSA, MARCELA! Você achou que ela ia esquecer que foi abandonada
por causa de um sorvete? — Sacudi os braços no ar. — Você a
abandonou, Marcela. Lide com isso!
— Estou tentando, Arion.
— Como? Fodendo com a minha paciência? Me deixando puto
de ódio? Me explica como caralho você está tentando, Marcela.
— O que eu fiz de tão errado assim? Fui ver a minha filha, os
meus filhos. Tenho direito de vê-los.
— Os filhos que você me disse que não quer.
— Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Quero ter contato
com eles, Arion.
— Não teria, se quando você decidiu ir embora, a gente tivesse
sentado e conversado, ou se você tivesse ligado para falar com eles. Mas
você escolheu tornar as nossas vidas um inferno, e agora que está
colhendo a sua parte, tá achando ruim. Pimenta no cu dos outros é
refresco! — Meneei a cabeça. — O que você fez de tão errado assim? Me
diz você. O que eu, a Malika e o Alec fizemos de tão errado assim para
sermos abandonados? Não me procure — ergui o dedo para ela —, foi
isso o que me respondeu quando pedi para conversarmos. Eu poderia te
dizer isso agora, não acha? É isso o que a Malika está dizendo. NÃO ME
PROCURE! Então senta e chora, Marcela, porque foi exatamente isso o
que eu fiz!
— Veio gritar comigo também? — perguntou Marcela ao abrir a
porta.
— Arion esteve aqui? — Franzi o cenho.
— Sim. — Ela sinalizou para que eu entrasse.
— Ele nem sabe que eu vim, pedi que o Apollo descobrisse onde
estava — contei, sem adentrar o quarto. — Se você preferir, a gente
pode ir a algum outro lugar, tomar um café ou um drink? Jantei com o
Arion e as crianças — gesticulei —, por isso não te convido para
jantarmos.
— Não, pode entrar.
— Obrigada — falei, passando sob a soleira da porta.
— Senta. — Indicou uma poltrona.
Encaminhei-me e acomodei-me na poltrona, colocando minha
bolsa no colo, e ela sentou-se na beirada da cama, de frente para mim.
— Antes de mais nada, desculpa por estar me intrometendo.
— Tudo bem.
— Arion me contou sobre a conversa que tiveram, ele só estava
tentando entender. Pra ele, você dizer que ama as crianças e querer
manter uma relação com elas apesar de não querer ser mãe delas é muito
confuso, e talvez seja para muita gente. — Entrelacei as minhas mãos. —
Eu não posso ter filhos, nasci com uma síndrome... — contei para
Marcela a história da minha vida. Ela era uma estranha para mim, mas eu
consegui, e me senti tão orgulhosa de mim, porque falei sobre sem me
sentir constrangida, sem medo que ela fosse me julgar. — Com treze
anos, você já tinha pensado seriamente sobre ser mãe? Porque eu não.
— Eu não tinha pensado aos dezesseis. — Ela deu uma risada
débil.
— Nem eu. Eu só vim pensar há dois anos. — Dei de ombros. —
Mas a maternidade persegue toda menina desde a infância. Nós somos
levadas a acreditar que um dia, invariavelmente, carregaremos um bebê
em nossa barriga, e é aí, somente aí, que seremos uma mulher completa.
Há tanta coisa errada nesse pensamento, inclusive em relação aos filhos.
Exigir que um filho te complete, que ele preencha as suas expectativas, é a
pior coisa que você pode fazer por ele.
— Esperei que o Alec fosse me fazer sentir completa, eu queria
que fizesse, porque amava o Arion e queria amar a nossa família, queria
amar ser a mãe dos filhos dele, mas não consegui. Eu achava que se
pudesse ser essa mulher, que ele se apaixonaria por mim.
— Ouvi um pouco sobre você nos últimos meses, tanto do
Arion quanto da mãe dele. Os dois têm muito carinho por você, e acho
de verdade que não precisa mudar quem você é para que alguém te ame.
Você encarou uma gravidez aos dezesseis anos, o abandono do pai do
bebê e dos seus próprios pais. — Os olhos dela encheram de lágrimas. —
Você teve que ser muito forte, garota. Talvez seja hora de cuidar dessas
feridas aí para não machucar as pessoas que te amam. O Arion pode não
te amar do jeito que você queria, mas ele te ama muito, e é por isso que
ele está tão bravo com você.
— Obrigada — murmurou.
— Eu queria te dar uma sugestão sobre a Mali. — Aquiesceu. —
Vai ser muito difícil que consiga se aproximar dela agora, ela ainda está
sofrendo muito. Não sei se o Arion comentou, mas ela tá fazendo
terapia, e aos pouquinhos ela está aprendendo a lidar com essa ebulição
de sentimentos. — Prendi uma mecha de cabelo atrás da orelha. — Por
que você não tenta se aproximar dela de uma forma menos direta?
— Como assim? — Franziu o cenho.
— Por exemplo, você pode escrever uma cartinha para ela,
pedindo desculpas e falando que sente saudades. Você não quer estar no
lugar de mãe e a Mali tem repetido muito que não quer uma mãe. Acho
que ela tem medo que você volte pra casa e depois vá embora de novo.
Você pode dizer que quer ser amiga dela. Aí você decide se vai enviar só a
carta ou um livrinho também, uma pelúcia, enfim... Isso vai dar tempo
da Mali te ouvir e entender o que a sua volta significa. Pode ser que ela
jogue fora das primeiras vezes, tá? — Nós duas rimos. — Mas ela vai
saber que está tentando se aproximar.
Malika adoeceu após a ida da Marcela à escola. Na quarta
amanheceu com febre e estávamos indo para o terceiro dia e nada de
melhorar. A temperatura só abaixava durante o tempo que o antitérmico
estava agindo, depois voltava com tudo. Os lençóis da cama e as roupas
ficavam ensopados de suor.
Arion viajaria na sexta seguinte para o festival em Miami e já
estava pensando em não ir, por causa da Malika doente, com receio que a
Marcela voltasse a procurá-la. Eu e Ana tentávamos acalmar as coisas,
mas, para ser sincera, ver a Malika queimando de febre dias seguidos
estava me fazendo pirar. Em resumo, Ana era a única com a cabeça no
lugar, ela vinha todo finalzinho da tarde para me ajudar com as crianças
enquanto o Arion estava no trabalho.
Tínhamos colocado o Alec para dormir com a gente — ah, sim,
eu estava dormindo lá desde a quarta-feira —, porque mesmo que tudo
indicasse que Malika estivesse apresentando um quadro psicossomático,
não dava para arriscar que o Alec adoecesse também. E ele, que nunca
tinha ficado longe da irmã, choramingava dia e noite, chamando pela
Malika.
Zac e Apollo vinham todo dia ficar um pouco com os dois, aí eles
se revezavam, quando um ficava com a Malika, o outro brincava com o
Alec, depois invertiam. Arion ia trabalhar e ligava de hora em hora para
perguntar se os dois estavam bem.
— Boa noite, linda. — Arion me deu um selinho e um beijo na
cabeça do Alec ao chegar do trabalho. — Ele acordou ou ainda não foi
pra cama?
— Ainda não foi — murmurei em resposta, acalentando o Alec.
— Quando o coloco na cama, desperta chorando.
— Vou só lavar as mãos e venho pegar ele.
— Não. — Balancei a cabeça em negativa. — Vá tomar o seu
banho, você está cansado.
— Você não? — Ele meneou a cabeça. — Tá com ele no colo
desde as oito?
— Não fiquei em pé o tempo todo, a gente já deitou um
pouquinho no sofá.
— Eu te amo, linda. — Seu toque acarinhou minha bochecha, ele
sorriu e seguiu para o corredor dos quartos.
Logo Ana saiu, Apollo a aguardava em frente de casa, para
acompanhá-la, e eu fiquei observando a Mali pela babá eletrônica.
Quando Arion saiu do banho, deu um beijinho na Malika e veio pegar o
Alec.
— Ela está menos febril hoje — comentou, aninhando o Alec no
colo. — Vai dormir um pouco, linda.
— Vou preparar algo pra gente comer — afaguei a sua barba —,
sei que não comeu ainda.
— Comi antes de sair.
— E fez um set de duas horas. — Revirei os olhos, dando um
sorriso de canto. — Você tem uma chance de escolher, o que vai querer?
— O que você fizer, linda.
Nós fomos para a cozinha, ele se sentou numa cadeira, deitando
o Alec no colo, e ficou me observando.
— Marcela me procurou hoje — contou quando servi os nossos
sanduíches de atum e me sentei na cadeira em frente a ele.
— Você falou da Malika?
— Sim — suspirou. — Domingo é o aniversário do Alec e ela me
pediu para vê-lo. O que acha?
— Você pode levá-lo para encontrá-la, eu fico com a Mali.
— Bom dia, Pandinha. — Levei a bandeja de café da manhã na
cama para ela. — Está se sentindo melhor?
Malika acordou sem febre. Não sabia se por coincidência ou não,
mas bem no sábado, quando não teria que ir à escola.
— Acho que ainda tô com um pouquinho de febre, ó. — Pegou
minha mão e colocou na testa, toda manhosa.
— Um pouquinho, bem pouquinho. — Dei um beijo em sua
cabeça. — Come tudo para melhorar logo. — Apontei para a bandeja.
— AAAAH! — Abriu a boca, dando um sorriso largo. — Vida
fez panquequinha de bananinha!
— Leleco comeu um montão.
— Eu tô com saudade de brincar com ele. — Moveu os olhos
para mim.
— O Leleco também tá. — Sorri para ela, me sentando na beirada
da cama. — Amanhã é o aniversário dele, tá lembrada?
— A gente tem que fazer uma surpresa pra ele, papai.
— Você me ajuda?
— Sim! — disse, animada, levando uma mini panqueca à boca.
Preferi marcar com a Marcela no sábado, para que o Alec curtisse
o domingo com a irmã, já que ele tinha sentido muito a falta dela nesses
dias que tiveram que manter distância.
Combinamos na sorveteria. Chegamos antes da Marcela e fomos
para o balcão de sorvetes. Ele ficou em pé, agarrado à minha perna,
porque não queria ficar no colo. O suspendi, para que escolhesse o sabor,
e depois o coloquei no chão de novo. No que eu estava pagando, a
Marcela chegou e se abaixou junto ao Alec.
Ele não era de estranhar ninguém.
Mas estranhou a Marcela.
Alec abriu um berreiro e começou uma ladainha de “papa, papa,
papa”, agarrando as minhas pernas. Pedi um minuto à moça do caixa e
me abaixei para pegá-lo.
— Ei, Ursinho. — Até tentei sentá-lo no meu braço, mas Alec se
pendurou no meu pescoço, segurando-se com os dois braços. — O
papai tá aqui, Leleco. — Fiz carinho nas costas dele.
— Eu só disse oi — explicou-se Marcela.
— Papa — choramingou.
Terminei de pagar pelo sorvete e me direcionei para o balcão de
retirada, com Marcela me acompanhando.
— Vamos pegar o sorvete, Leleco.
— Nan... — Apertou mais os braços, deitando o rosto no meu
ombro.
— Você não quer o sorvete?
— Papa.
— Leleco não quer esse sorvete gostoso?
— Nana... na...
— Leleco, tem uma pessoa que quer te ver. Vem falar com ela,
filho.
— Eu trouxe um presente para você, Leleco — disse Marcela.
— Papa... papa... — Ele levantou a cabeça do meu ombro e me
olhou, fungando. — Papa... — Esticou os bracinhos para a porta.
— Leleco, olha que legal o que a ti...
Dei uma encarada mortal na Marcela quando percebi que ela se
apresentaria como tia. Nem foi intencional, uma reação reflexa mesmo.
Eu precisava me acostumar com aquela merda.
Alec não deixou que ela completasse, ele começou a chorar de
novo. Alto e forte, se esticando em direção à porta da sorveteria.
— Foi mal, Marcela — falei a ela, meneando a cabeça. — Ele não
quer.
— Leva o presente. — Entregou-me uma sacola.
— Tchau — disse a ela, pendurando a sacola em meu pulso. —
Não precisa chorar, mozinho. — Deslizei a mão no rosto dele,
enxugando as lágrimas. — Vamos pra casa, né?
Malika não apresentou mais febre durante o dia, então Vida disse
para minha mãe aproveitar o sábado com o namorado, que ela daria
conta da madrugada.
Nós jantamos, eu com o Leleco e ela com a Malika, e depois a
Vida deu a ideia de fazermos um telefone de copos e barbante para as
crianças brincarem. Eu montei o telefone e me sentei no quarto com a
Malika, com uma das pontas, e a Vida e o Alec ficaram na minha cama
com a outra.
— Leleco! — Malika chamou com a boca encostada no copo e
em seguida o aproximou do ouvido. — A Vida falou, papai! EU OUVI!
— vibrou, animada. — Vida, cadê o Leleco? — perguntou e levou o
copo ao ouvido. — É O LELECO, PAPAI! Ele falou “Aia”. Sou eu —
disse entre risos. — Leleco, tô com saudade!
Os dois ficaram conversando pelo telefone de brinquedo um
tempão, com Malika rindo o tempo todo. Quando deu o horário dos
dois dormirem, pedi que ela desse “boa noite” ao irmão, e depois de
muitos “beijos e te amo”, eles desligaram os telefones.
Lembrei à Malika que eu sairia para trabalhar mais tarde e que só
voltaria de manhã, e que Vida ficaria com ela e o Alec. Quando ela
adormeceu, dei um beijinho nos seus cabelos e fui ao meu quarto, onde
encontrei Alec dormindo abraçado ao pescoço de Vida.
— Deixe-me adivinhar, ele choraminga quando você tenta sair —
comentei, deitando-me de conchinha atrás dela e abraçando os dois.
— Você esqueceu do abraço estrangulador que acompanha os
choramingos — respondeu, rindo.
— Obrigado por tudo o que você tem feito por nós. — Beijei seu
ombro e deslizei o nariz por sua pele, aspirando o seu cheiro. — Eu te
amo tanto, Vida.
Ouvi a melodia de um sorriso em seus lábios, então seus braços
entrelaçaram-se aos meus, e juntos abraçamos o Alec.
— Eu te amo — suspirou. — Amo vocês, Arion.
Meus batimentos foram às nuvens.
Porra, eu não poderia ter amado mais o momento que ela
escolheu para dizer “eu te amo”, porque tudo sobre esses dias, cada
pequena coisa que fez por mim e pelos meus filhos, gritava esse afeto não
dito.
Até essa noite.
Amo vocês, ela disse.

Entre todos os presentes que o Alec ganharia ao longo do dia,


nenhum superou ele poder estar grudadinho na Malika. Ele não largou
dela o dia inteiro, e aonde a irmã ia, ele ia atrás, gritando “Aia”.
Ele ganhou um monte de beijos, balões e presentes quando
acordou, aí Vida ficou com ele e eu fui dormir um pouco. Quando
Malika acordou, ela me chamou e fomos os quatro fazer o bolo de
aniversário do Alec. Um bolo todinho de frutas. Malika ajudava a cortar
as frutinhas e o Alec a decorar o bolo.
Cantamos os parabéns para ele quando terminamos e devoramos
o bolo numa sentada. O almoço seria na casa da minha mãe, com meus
avós, meus amigos e também o Pietro, então ficamos a manhã inteira
brincando com eles.
— Papa. — Alec segurou a minha mão, me puxando para dançar
com eles.
— Olha a Mali e a Vida lá — apontei para elas dançando —, vai
dançar com elas, Leleco.
— Papaaaa. — Continuou me puxando do sofá.
— Vem, papai! — Mali correu até o sofá e agarrou minha outra
mão.
— Papaaaaaaaa...
— Ok — falei, rindo, e me levantei.
Alec soltou a minha mão e se remexeu, sacudindo os bracinhos.
Malika dançava freneticamente, nem parecia que esteve de cama até o dia
anterior. Vida pulava e se requebrava, se desmanchando em sorrisos. E eu
lá no meio deles, fazendo uns passos estranhos e provocando gargalhadas
nos três.
De mãos dadas, Malika e Alec começaram a pular, dando
gritinhos. Enlacei a cintura de Vida, trazendo-a para os meus braços. Ela
escorregou as mãos por meus ombros, com um sorriso travesso nos
lábios.
— Amo vocês — sussurrou, olhando dentro dos meus olhos.
E eu a beijei.
— AAAAAh!
— AAAA...
Gritos efusivos e palminhas — que eu sabia que eram do Alec —
nos fizeram gargalhar, interrompendo o beijo assim que teve início.
Olhamos para os dois, seus sorrisos aceleraram meus batimentos, e nos
entreolhamos mais uma vez, compartilhando um sorriso e um diminuto
selinho.
Continuei a dormir na casa do Arion.
Na cama do Arion.
Com o Arion.
E eu estava gostando muito disso.
Amava quando ele chegava de madrugada do trabalho e deitava,
me envolvendo numa conchinha, cheirando a banho tomado e a pele
friazinha do banho gelado. Era muito raro que tomasse banho quente.
Amava o sexo de manhãzinha, de ladinho, lento e profundo.
— Não para... — sussurrei, mordendo o lábio. Arion apertava o
meu seio, gemendo baixinho no meu ouvido e me comendo gostoso.
— Não... Arion... Não para...
— Gostosa — gemeu, acelerando o ritmo das investidas. Meu
corpo estremeceu, entregando-se ao orgasmo. — Vidaaaah... —
Mordiscou o meu ombro, liberando o seu gozo na minha boceta. —
Bom dia, Vida Minha. — A voz grave e sonolenta soprou em meu
ouvido.
— Bom dia, lindo. — Dei uma reboladinha no pau que ainda
pulsava dentro de mim.
— Malvada. — Ofegou.
Fomos para o banho, e quando saímos, o Arion pegou o Alec,
que já estava a todo vapor correndo pela casa. Enquanto ele fazia o
mamá do Leleco, eu adiantava o café.
— Leleco, você quer mamão ou melão? — Mostrei os dois e ele
apontou para o melão.
— Melão. — Pisquei para ele.
— Boa escolha, Leleco. — Arion estendeu a palma para ele. —
High five. — Alec bateu na palma do pai.
— Papai! — Malika gritou o pai.

Malika fez xixi na cama na terça-feira, e novamente na quarta e


quinta.
— Cadê o papai? — perguntou quando eu fui atendê-la em vez
do pai.
Ela tinha pedido para o Arion não me contar do xixi na cama,
mas ele viajaria no dia seguinte, precisávamos colocar um fim àquele
segredo entre
nós.
Diferente da primeira vez, que a Malika não parava de falar do
festival na semana que o pai viajaria, animada porque ele tocaria para
várias pessoas, dessa vez ela estava tensa e apreensiva.
— Ele tá com dor de barriga — contei uma pequena mentira. —
Você precisa de ajuda?
— Não — respondeu, desviando os olhos.
— Tá bom, então — comentei, me virando para dobrar os seus
lençóis.
— Eu dobro, Vida — disse, me impedindo.
— Você tem que se arrumar para a escola — olhei para ela —, vai
logo para o banho. Se não for, vai se atrasar.
— Não quero que você mexa aí — falou, fazendo um biquinho e
desviando os olhos para o chão.
— Não posso mais tocar nas suas coisas? — Fiz a desentendida.
— Por quê? Você está de mal de mim? — perguntei, forçando uma voz
tristinha.
— Não — resmungou, me olhando de rabo de olho.
— E o que foi? Me conta, Mali — pedi, estendendo a mão para
ela. — A gente não é amiga mais?
— Fizxixinacama — disse em um murmúrio apressado.
— Aaaaah — soltei baixinho. — É isso? — Enruguei o nariz. —
Não me diga que você está com vergonha de mim.
— Eu sou grande pra fazer xixi na cama — sussurrou, apertando
as mãozinhas em frente ao corpo.
— Mali, vou te contar um segredo. — Eu me curvei para ficar na
altura dela e segurei em suas mãos. — Também fiz xixi na cama depois de
grande — segredei em tom de cochicho.
— Fez? — Os olhos miraram os meus com expectativa.
— Fiz — aquiesci, e nem estava inventando —, e eu era mais
grande — escolhi usar a mesma palavra que ela, no lugar de mais velha
— do que você.
— Quantos anos você tinha?
— Treze — disse, sentando-me na beirada da cama, na altura do
travesseiro. Malika contou até treze nos dedinhos. — Tinha acontecido
uma coisa — ela se voltou para mim ao me ouvir — que me deixou
muito, muito, muito assustada — os olhos se arregalaram um pouco —
e aí os meus divertidamente ficaram tão bagunçados que fiz xixi na cama
várias vezes.
— E como parou?
— Demorou um pouquinho. Mas eu conversei muitão com a
minha psicóloga — ela já tinha me visto indo para as sessões on-line e eu
contei que fazia acompanhamento há muito tempo — sobre o porquê
eu tava assustada, e aí um dia eu não fiz mais xixi na cama.
— Vida — os olhos divagaram e logo retornaram aos meus —, a
gente pode ficar lá no seu hotel quando o papai tiver viajando? Não um
pouquinho só, ficar de dormir lá todos os dias, até o papai voltar.
— Posso conversar com seu pai e pedir para você e o Leleco
ficarem comigo no hotel.
— Eu vou pedir também.
— Tá bom. — Afastei alguns fios de cabelo que escaparam da
trança e caíam em seu rosto. — Agora, vai tomar banho, eu cuido dos
lençóis.
— Tá. — Aquiesceu. — Pede hoje, viu?
— Vou pedir daqui a pouquinho.
— Ela não vai achar a gente lá — segredou-me, dando um
sorrisinho e saindo apressada para o banheiro.

A despedida no heliponto não foi nem de longe tão fácil como


há um mês. Malika se agarrou ao pescoço do pai, chorando de soluçar,
Alec começou a chorar porque viu a irmã chorando, e quando Arion
entrou no helicóptero, os dois ficaram fungando e esticando os braços
para a aeronave, chamando pelo pai. Malika no colo do Apollo e o Alec
no meu colo.
Nenhuma das nossas tentativas de distraí-los deu certo. Apollo
me ajudou a levar as minhas coisas — já que eu estava quase morando na
casa do Arion — e as mochilas das crianças para o quarto, e não me
abandonou sozinha com os dois chorando. Me encantava o quanto ele e
o Zac eram super presentes na vida das crianças.
— HORRÍDICULA! — Pietro me gritou em frente à varanda do
bangalô.
Malika se levantou, estávamos sentados na varanda, brincando, e
ficou na ponta dos pés para olhar quem era. Alec foi logo atrás.
— É o tio Pietro e o tio Lui.
— Só vou deixar entrar por causa do Louie — falei, me
debruçando no guarda-corpo. — Espera aí, vou jogar o cartão. Tô com
preguiça de descer.
Era minha última semana em Arraial do Porto, por isso meu
irmão — que não fazia nem um mês que tinha ido embora — e Louie
voltaram por um final de semana, para passarmos um tempo juntos.
— Eu já vou, posso abrir a porta — sugeriu Apollo.
— Não vai embora não, titio! — pediu Malika, indo abraçá-lo.
— Fica só mais um pouquinho, por favorzinho.
Apollo deu um sorriso bobo, cedendo aos apelos de Malika.
Joguei o cartão da porta e em instantes Pietro e Louie subiram.
Eu os encontrei no topo da escada e me joguei nos braços do meu
amigo, enquanto meu irmão seguiu para a varanda, e pelos gritinhos de
Malika e Alec, ele suspendeu os dois pelas pernas, de ponta-cabeça. Eles
amavam, mas eu me desesperava, com medo do Pietro derrubar os dois
de cabeça no chão.
— Apollo tá aí — sussurrei para o Louie quando o abracei.
— Eu já desisti. — Ele riu e me deu um beijo na bochecha.
— Tô vendo. — Apontei para o sorriso que ele não conseguia
esconder. — Vem. — Segurei em sua mão e o levei para a varanda.
Louie foi recebido por gritos eufóricos de “titio” da Malika,
despertando o ciúme do Pietro e servindo muita diversão para mim e o
Apollo.
— Titio Lui, você vai dormir aqui no hotel também? —
perguntou Malika.
— Você e o Leleco vão dormir aqui? — Louie fez uma expressão
teatral de surpresa.
— Aaa... dada. — Alec olhou por cima do ombro ao ouvir o
nome dele.
— Sim! — Malika respondeu ao Louie, animada. — Hoje e
amanhã — indicou dois dedos —, segunda o meu papai chega de Miami,
aí a gente volta pra casa.
— Seu papai tá em Miami?
— Ele foi tocar música num festival bem, bem, bem grandãozão,
pra um montão — gesticulou com os dedinhos, abrindo-os e fechando-
os — de gente.
— Que irado! — exclamou Louie, sorrindo para Malika.
— Monstuoso! — Ela fechou a mão em punho, com o bracinho
para o alto, e puxou ele para trás, fazendo uma caretinha.
Eu quase morri de fofura.
Apollo não se aguentou, não teve jeito de impedir que um
sorriso abrisse caminho em seus lábios.
Não, agora eu ia morrer mesmo de fofura.
Alec pegou a almofada de cima da poltrona, pôs no chão e subiu
nela. Meu irmão estava com as mãos próximas a ele, mas sem tocá-lo,
para segurá-lo se desequilibrasse. Alec sorriu, flexionando as perninhas
como o pai ensinou, e abriu os bracinhos, brincando de surf.
— Olha, titio! — disse Malika entre risos, apontando para o
irmão. — O Leleco tá surfando na almofadinha.

Almoçamos no resort, porque Malika não queria colocar os pés


fora da área do hotel, depois Apollo foi embora e eu voltei com as
crianças para o quarto com o Louie e o Pietro.
À tarde, fomos para a piscina e voltamos para o quarto na hora da
soneca do Alec. Enquanto ele dormia, iniciamos um filme, mas logo a
Malika adormeceu também. Não era comum que dormisse à tarde, mas
as últimas semanas foram atípicas, devia estar exausta.
Não fisicamente, mas psicologicamente.
Deixamos os dois na cama e nos sentamos no sofá, em um canto
do quarto. Eu com as pernas cruzadas em cima; Louie de lado, com uma
perna dobrada e o braço apoiado no encosto; e o Pietro sentado em um
futton no chão.
— Vai pra onde? — Louie perguntou-me sobre o meu próximo
destino de viagem, e a verdade era que eu ainda não tinha pensado nisso.
— Não sei.
— Você não sabe pra onde, mas vai embora no próximo fim de
semana? — Pietro estreitou os olhos.
— Esse mês foi bem intenso, aconteceu muita coisa. — Louie
inclinou a sobrancelha, intrigado. — Briguei com o Arion, depois nós
fomos para a Ilha do Sussurro.
— Fiquei sabendo que a macetada foi braba. — Louie deu um
sorriso sacana.
— Caíque é muito fofoqueiro, meu Deus. — Nós três rimos. —
Aí a gente voltou da ilha na segunda, na terça teve uma situação super
estressante com a Malika e a Marcela, quarta ela amanheceu doente, essa
semana tava todo mundo ansioso com a viagem do Arion e foi isso. Não
tive tempo para dar uma olhada em passagem, nada.
— Vida, você não quer ir embora. — Louie abriu um sorriso
largo.
— Eu não tive tempo mesmo, Louie — tentei me justificar.
— Tá. Seu plano é chegar no aeroporto e pegar um avião para
qualquer lugar? — inquiriu o meu irmão.
— Tipo isso. — Dei de ombros.
— Você não tem que ir embora, Vida. — Louie segurou em
minha mão. — Você pode ficar, se quiser.
— É uma escolha, não existe nenhuma regra que te obrigue a ir,
foi você quem decidiu que fosse assim — argumentou o Pietro.
— Mas, gente...
— Mas nada, caralho! — Pietro cobriu a boca, olhando por cima
do ombro para ver se as crianças tinham se assustado.
— Vida, você vive entre cidades e países, ok. — Louie gesticulou.
— O que a gente tá querendo que perceba é que quanto tempo vai ficar
aqui ou em outro lugar, é você quem determina.
— Malika me disse a mesma coisa, com outras palavras, é claro.
— Até uma garotinha de seis anos já se ligou que seu lugar é
aqui, e você não, cabeçuda. — Pietro levantou-se e sentou-se ao meu
lado, me deixando entre os dois. — Eu gosto de ser tio — comentou,
me abraçando e beijando minha bochecha.
— Na cama ou no box? — perguntei, sentada no sofá, segurando
o celular.
Há alguns dias pedi um presente de despedida, uma track com um
orgasmo dele se masturbando, e ele me contou que gravaria o “vocal”
naquela madrugada.
— Para de me imaginar batendo uma, sua tarada. — A risada que
eu amava soou a muitos quilômetros de distância.
— Deixa de maldade, Arion — mordi o lábio —, me conta.
— Você vai descobrir quando ouvir a track, linda.
— Cretino — resmunguei.
— Gostosa.
— TRANSCENDENTE! — Letícia me abraçou pela cintura ao
final do set. Ela era tão pequena que eu me sentia abraçando a minha
filha. — Como diria a Mali — comentou entre sorrisos ao nos
separarmos —, VOCÊ É MONSTRUOSO, ARION!
— Meu coração ainda tá acelerado — falei em meio ao riso e às
lágrimas. — Foi muito insano ver tanta gente gritando o meu nome.
— Acalma o coração, porque tenho mais duas notícias para você.
— Ela pegou uma garrafa de água e me ofereceu. — Toma.
— CARALHO, LETÍCIA! — disse, abrindo a garrafa e matando
metade de uma vez.
— Primeiro, parabéns! A track que você lançou no Solaris acabou
de bater um bilhão de streams[72].
— Repete, não... — murmurei.
— UM BILHÃO DE STREAMS, ARION!
Caí de joelhos, debruçando-me sobre as minhas pernas.
Meus olhos eram dois oceanos de lágrimas.
Lágrimas que navegavam entre as batidas fugazes do meu coração.
Tremores de puro êxtase percorreram as minhas vértebras.
UM BILHÃO DE STREAMS.
UM BILHÃO DE STREAMS EM DOIS MESES, CARALHO!
Ergui os olhos. Letícia estava em pé, na minha frente, com os
olhos rasos d’água. Seu sorriso era como um farol em meio ao oceano.
Ela era o meu anjo da guarda na Terra.
— Manda a próxima, tô pronto.
— Pronto para o verão europeu?
— Tá de brincadeira, Letícia! — exclamei, me levantando.
— Não. — Ela balançou a cabeça em negativa. — Residência de
17 semanas no Hï Ibiza[73], de junho a outubro, às terças.
Esfreguei as mãos no rosto, enxugando minhas lágrimas.
— Se eu tiver sonhando, não me acorda — murmurei, deslizando
as duas mãos nos cabelos. — Hï Ibiza?
— Hï, Ibiza. — Ela acenou, fazendo uma brincadeira boba com o
nome do clube, mas que me tirou uma gargalhada sincera.
Vida e as crianças achavam que eu só chegaria em casa na segunda,
por volta do meio-dia, no entanto, tinha pedido para Letícia me enfiar
no primeiro voo que ela encontrasse e voltei ainda no domingo.
Ao cair da noite.
— Acho que vocês vão ter que se acostumar a ficar sem ver as
crianças toda semana — comentei depois de encontrar com Zac e
Apollo no heliponto, quando já estávamos para entrar no buggy.
— Que conversa é essa? — Zac me olhou atravessado.
— Desenrola, Arion — pediu Apollo.
— Vou ser DJ residente em Ibiza, caralho!
— CARALHO! — exclamou Apollo.
— PORRA, MANO! — Zac me puxou para um abraço. — Eu
sempre soube que você ia tocar nesse mundão aí fora. Tô feliz pra caralho
por você.
— Eu sei, mano — disse ao final do abraço, olhando nos olhos
dele. — Eu sei!
— Seu filho duma mãe! — Apollo deu um tapão no meu bíceps
e me prendeu em um abraço. — PARABÉNS, BROTHER! E não vou ficar
longe dos dois porra nenhuma, você que me aguente em Ibiza — disse
entre risos. — CARALHO, ARION!
— É bom que não pago babá — brinquei, rindo com ele. —
Vocês são os primeiros para quem contei, então, quietos.
— Você não contou nem para a Vida? — inquiriu o Apollo.
— Deixei pra contar pessoalmente.
— Vocês estão namorando, casando, amigando... qual é mesmo?
— perguntou Zac. — Ela estava lá todos os dias, dormindo e acordando.
Esfreguei a mão nos cabelos.
— Estamos juntos. — Movi as mãos no ar. — Mas ela vai
embora no sábado, então ainda não sei como ficaremos.
— Vocês não conversaram sobre isso? — Apollo sentou-se no
banco do motorista.
— Eu falei que queria fazer parte da vida dela, mas depois não
tocamos no assunto. — Dei de ombros, saltando para o banco de trás.
— Essas últimas semanas foram uma loucura lá em casa.
— Por falar em loucura — Zac virou-se para trás, sentando no
banco do carona —, Marcela — ele estalou os dedos — deu uma de
Mestre dos Magos.
— Marcela foi embora de novo? — Arregalei os olhos para o Zac.
— É isso mesmo?! — Afundei a cabeça no encosto do banco ao sinal de
aquiescência dos dois.

Achei que era trollagem do Pietro quando ligaram da recepção


perguntando se podiam liberar a entrada do Arion, e pedi para a moça
colocar ele na linha.
— Oi, linda — disse, risonho.
— É você mesmo? VOCÊ CHEGOU!
— Tô morrendo de saudade.
— Devolve o telefone pra moça e para de dar essa risada na frente
dela, seu cretino.
Ele deu uma gargalhada, e ouvi quando falou com a recepcionista.
— Sim, senhorita?
— Pode liberar, obrigada. — Encerrei a chamada e corri para a
porta.
Estávamos no piso inferior do bangalô, Malika e Alec estavam
sentados no chão, distraídos, desenhando, então eu deixaria que fossem
surpreendidos pelo pai.
Caminhei para fora do bangalô e olhei pelo corredor lateral, para
ver quando estivesse chegando. E quando o vi, não pude esperar mais.
Corri para Arion, ele para mim, e saltei em seus braços. Ele me segurou,
agarrando a minha bunda, e os lábios envolveram urgentemente os
meus, abrindo caminho para que a língua quente escorregasse de
encontro a minha, me deixando provar do gostinho mentolado em sua
boca.
— As crianças — murmurei, puxando os seus cabelos.
— Vamos vê-los — disse, me dando mais um beijo antes de me
descer do seu colo.
— Cadê suas coisas? — perguntei quando me deu a mão.
— Os caras foram deixar lá em casa. — Entreolhamo-nos. —
Como foram as coisas por aqui?
— Foram ótimas, eles já chegaram se sentindo em casa —
brinquei.
— Acho que é você que faz com que se sintam assim. — Deu-me
uma piscadinha.
— Eu me sinto assim com eles. — Sorri. — Vamos logo. —
Puxei ele para corrermos os poucos passos que nos separavam do
bangalô, e adentramos o espaço, rindo.
— PAPAI! — gritou Malika.
— Papa — chamou Alec.
E os dois deixaram lápis e papéis abandonados, correndo para os
braços do pai. Arion soltou minha mão e abaixou-se, pegando os dois
no colo e levando-os para a cama.
Ele também estava em casa.
Arion se jogou de costas na cama, arrancando muitas gargalhadas
dos dois. E minhas também.

Mais tarde, quando já estávamos na sua casa e as crianças


dormindo, falei que precisava conversar com ele e entreguei em suas
mãos uma carta que Marcela entregou nas minhas, endereçada à Malika.
— O qu... — Arion virou o envelope dos dois lados, conferindo
o destinatário e o remetente, e ergueu os olhos para mim. — Ela te
procurou?
— Sim, mas eu a procurei primeiro — revelei. Arion permaneceu
quieto, esperando que continuasse, e fiz isso: — Estive na pousada onde
a Marcela estava hospedada no mesmo dia que você esteve. Eu precisava
que ela soubesse que alguém a entendia. — Arion fez um movimento
quase imperceptível com a cabeça, me dizendo que podia prosseguir. —
Eu sugeri que a Marcela tentasse conversar com a Mali através de cartas.
Ela me procurou no sábado de manhã, as crianças não a viram. Pedi que
o Pietro ficasse com elas e fui rapidinho na recepção. Marcela me contou
que estava indo embora e pediu que eu entregasse a carta. O endereço na
carta é real, então se a Malika quiser responder, elas vão poder trocar
cartas. Ou não. Isso é a Mali quem dirá. Mas eu disse à Marcela que não
poderia entregar sem antes conversar com você, porque de forma alguma
quis ou quero passar por cima da sua autoridade como pai, Arion. Se
você permitir, Malika saberá que Marcela escreveu para ela, e aí é decisão
dela saber o que tem na carta ou não. E se não permitir, escreverei para
Marcela e devolverei a carta.
— Você sabe o que tem na carta?
— Não, eu não li. Mas eu tinha sugerido que ela se desculpasse e
também que dissesse que gostaria de ser amiga da Malika, porque assim
ela deixa claro que não tem intenção de retornar ao lugar de mãe.
— E se ela não escreveu nada disso? Se ela tiver contan... — Ele
engoliu em seco.
— Ela não faria isso. — Neguei com a cabeça. — Marcela te ama,
ela jamais afastaria a Malika de você.
Ele assentiu com a cabeça e me estendeu a carta.
— Pode entregar.

No dia seguinte, escolhi um momento que Arion estava dando


banho no Alec para falar com a Malika sobre a carta. Eu peguei as
correspondências na caixa dos correios, enfiei a carta da Marcela no meio
e entrei em casa segurando todas, para que não ficasse desconfiada.
— Mali, chegou uma carta para você.
— Pra mim? — Ela me olhou com o cenho franzido.
— Malika Valentinne é você? — perguntei, movendo os olhos do
envelope para ela.
— É meu nome.
— Então é pra você. — Aproximei-me do sofá, onde estava
deitada com um livrinho nas mãos, e estendi a carta para ela.
Malika segurou o envelope, leu o nome dela e virou o verso.
— MAR — a observei mexendo os lábios, fazendo a leitura por
sílabas. Ela ainda estava aprendendo a ler — CE-LA. — Parou, os olhos
viraram para cima, voltaram para o envelope e depois para mim. —
Marcela? — Aquiesci. — Não quero ler. — Me devolveu o envelope.
— Posso ler para você — sugeri.
Ela pensou um pouco, os olhinhos girando de um lado para o
outro.
— Você lê e me diz o que é — disse, retomando a leitura do
livrinho.
— Mas você não quer ler comigo?
— NÃO. — Nem abaixou o livro.
— Posso ler mesmo?
— Sim, Vida — respondeu, já irritada.
— Ok.
Sentei-me na ponta do sofá, próximo aos pés dela, e abri o
envelope. Eu só não estava contando que fosse me debulhar em lágrimas
enquanto lia. Malika me ouviu fungar e abaixou o livro, estreitando os
olhos para mim.
— Você tá chorando? — Ergueu as costas do sofá e veio para
perto de mim, deixando o livrinho de lado. — Não chora. Ela é má, viu?!
Eu disse, te fez chorar.
— Não, Mali. — Afaguei o seu rostinho. — Não tô chorando
porque ela foi má.
— E por que você tá chorando? — Arqueou a sobrancelha.
— Posso ler a cartinha para você?
— Pode, vai. — Revirou os olhos.
— Vou começar. — Olhei para ela.
— Anda logo — disse, me fazendo rir.
— Malika, quero te pedir perdão por ter magoado o seu
coraçãozinho, do seu irmão e também do seu papai. Eu não queria deixar
vocês tristes, mas deixei, né? Sei que está chateada e muito brava comigo,
e você tem todos os motivos para estar. Se um dia puder me perdoar, vou
ficar muito feliz, quero muito poder ser sua amiga. Ah, tem uma coisa
que eu queria conversar com você. Soube que não quer uma mamãe,
mas quero te dizer que você pode ter uma mamãe muito, muito especial.
Uma mamãe que vai te amar, cuidar, dar carinho e sempre te fazer sorrir,
igual à vovó faz com o papai. Isso ia ser muito irado, né?
Malika ergueu os olhos para mim e esfregou as mãozinhas no
meu rosto, limpando minhas lágrimas.
— Você é chorona, né?! — resmungou baixinho.
— Eu não tive uma mamãe assim, e também não soube ser essa
mamãe para você, mas uma concha do mar soprou no meu ouvido que
você já encontrou essa mamãe e ela tá aí, bem do seu ladinho. Ela trouxe
um montão de alegria para você, o Leleco e o papai, não foi? Seu papai é
muito especial, Mali, e ele te ama muito. Nunca duvide do quanto seu
papai te ama, porque ele te ama muitão. Eu vou pra longe, mas se você
quiser, eu ia amar te escrever cartinhas, tá? Então vou esperar sua
resposta. Beijinho no seu coração, dá um beijo no pé de chulé do Leleco.
Posso ser sua amiga? — Abaixei a carta para o meu colo. — Fim.
Apesar dos olhos estarem lacrimejando, ela não deixou cair uma
lágrima.
— Você pode responder que eu não desculpo ela e não quero ser
amiga dela, e diz que se ela quiser pode me escrever. Mas coloca que eu
não quero ver ela, que não é para ela vir aqui, é pra ficar bem longe, viu?!
— Me deu uma olhada lateral. — Aí eu assino, porque é muita pra
escrever, e eu ainda tô aprendendo, né?!
— Vou escrever e te dou pra você ler e ver se tá tudo certo antes
de assinar, tá?
— Tá bom. — Olhou pra mim, balançando a cabeça em
concordância. — Ela tava falando de você, né?
— Por que você acha que ela tava falando de mim?
— Porque você — Malika passou o braço nos olhos, afastando as
lágrimas — faz tudo o que ela disse. — Encaixei meu braço por trás dela,
abraçando-a, e me inclinei, deixando um beijo em seus cabelos. — Você
e meu pai vão ter um bebê?
— Eu não posso ter um bebê, Mali — confidenciei, olhando em
seus olhos.
— Nunca, nunquinha?
— Nunca, nunquinha.
— Por quê? — Apertou os olhinhos.
— Porque eu não tenho útero. Você sabe o que é útero?
— Não. — Negou com a cabeça.
— É o lugarzinho onde o bebê cresce, é como se fosse a primeira
casinha dele.
— Eu tenho isso?
— Se você é uma garota com vulva, o esperado é que você tenha,
mas às vezes acontece de não ter.
— Como você descobriu que não tinha?
— Eu tive que fazer um montão de exames para descobrir.
— Ah, sim. — Anuiu. — Mas você pode ser mamãe, né?
— Posso, ele só não vai crescer na minha barriga.
— Você pode ser a minha mamãe e do Leleco, porque a gente
não tem uma mamãe e você não pode ter um bebê, aí dá certinho, né?
— Você quer que eu seja sua mamãe? — Sorri.
— Se você quiser, eu deixo. — Malika deu a empinadinha de nariz
fofa e eu me rendi a uma risada.

Ouvi o finalzinho da conversa entre Malika e Vida.


Não estava escutando atrás da porta, mas ouvi.
Família Valentinne só vinha com artilharia pesada.
Arion foi levar as crianças na casa da mãe, enquanto fiquei me
arrumando para irmos jantar. Ele disse que tinha uns assuntos para
resolver com ela.
Demorou um pouco para ele voltar, mas não o bastante para que
eu ficasse desconfiada. Entramos no buggy, e aí já achei meio estranho,
porque pensei que jantaríamos na vila. Quando passamos reto pela quarta
praia, a última com lugares para jantarmos, olhei para ele e o cretino me
deu um sorriso safado.
— O que você aprontou? — perguntei, umedecendo os lábios.
— Falta pouco para você descobrir, linda. — A mão que
repousava em minha coxa deu uma leve apalpada.
Fomos para a nossa praia. Depois de um eu te amo pós-chupada,
confissões de uma vida e reconciliação após a primeira briga, a praia já era
nossa e ponto. Arion estacionou o buggy mais distante da beira-mar e
me vendou antes de sairmos.
— Eu tô ficando nervosa, Arion — falei quando pegou em
minha mão, me ajudando a sair do carro.
— Está com medo que eu te peça em casamento? — perguntou
entre risos.
— Você não vai fazer isso, né? — Ofeguei, com o coração
tresloucado.
— Não, linda. — Ele segurou o meu rosto entre as mãos. —
Ainda não. — Roçou os lábios nos meus, mordiscando-os de leve. —
Você vai curtir. — Beijou-me lento e profundamente, escorregando uma
mão por minha nuca, afanando um mar de suspiros. Ele deu um leve
chupão em meu lábio e soltou. — Eu espero — acrescentou, rindo.
— Cretino!
— Se segura em mim, linda — pediu, me oferecendo seu braço
para apoio. Eu me enlacei nele, pousando minha mão sobre o bíceps. —
Também tô nervoso — confessou, deslizando o braço por minha
cintura.
Caminhamos descalços na areia, e após cinquenta e dois passos —
sim, eu contei! Arion ficou rindo e quase caímos, porque tentei dar uns
tapas nele —, enfim, chegamos ao nosso destino.
— Acho bom que você não tenha esquecido que íamos jantar,
porque eu tô com fome — comentei enquanto ele desamarrava a venda.
Ele riu em resposta e removeu o lenço que tapava meus olhos.
— MEU DEUS!
Um sorriso expandiu-se em meus lábios ao ver o piquenique
montado à beira-mar, sobre uma esteira com lanternas, almofadas, flores
e comida — o que era muito importante —, e tinha até uma mantinha.
— Ei, Pirata. — Virei-me ao ouvi-lo. Arion se ajoelhou e me
estendeu um anel. Sem caixinha, só o anel. — Quer namorar comigo?
Meus lábios se escancararam num sorriso maior ainda. Eu aceitei
o anel e me joguei nos braços dele quando ainda se levantava. Quase
íamos caindo de novo, entre sorrisos e gargalhadas.
— Sim! — Eu me pendurei em seu pescoço e murmurei em seus
lábios. — Sim, sim... — o mordi —, mil vezes sim.
— Não — rosnou em minha boca —, infinitas vezes sim.
— SIM! Infinitas vezes sim! — Deslizei o braço com o anel entre
nós, entregando para ele e estendendo minha mão para que colocasse. —
É essa?
— Tanto faz, linda. Só o que me importa é que você é minha.
— Espera aí, você não é casado, né? Meu Deus, e se eu tiver
pegando um homem casado esse tempo todo? — provoquei.
— Mas é besta. — Ele me prendeu pela cintura. — Só vou casar
uma vez, e será com você.
— Isso se eu aceitar. — Empinei o nariz, dando uma jogadinha de
ombro.
— Pois então — a mão enredou-se aos meus cabelos —, você
que me peça em casamento. — Ele lambeu os meus lábios, provocando-
me. — Você pode fazer isso no final do verão em Ibiza.
— Ibiza? — murmurei, arquejante, tentando reunir meus
pensamentos. — O que... AI, MEU DEUS! — Segurei em seus ombros.
— Você vai tocar em Ibiza?!
— Residência no Hï Ibiza, de junho a outubro.
— AI, CARAMBA! — Dei um pulo, atracando-me ao seu
pescoço. As mãos de Arion foram para as minhas pernas e me puxaram
para os seus quadris. — Ibiza é supertranquilo durante o dia, as crianças
vão amar. — Minhas mãos margearam seu rosto. — VAI SER INCRÍVEL
DEMAIS! — Eu me derramava em sorrisos, olhando em seus olhos. —
MEU NAMORADO É MONSTRUOSO! — gritei, arremessando minha
cabeça para trás, meu olhar navegando entre as estrelas, ao som da risada
dele.
Eu estava namorando.
Eu namorava Arion Valentinne.
Meu namorado.
NAMORADO.
AAAAAAAAAAAAAAH!
NOTA: Há um link neste capítulo para uma track do Arion, não ouça sem headphone e muito
menos em público. Depois não diga que não avisei!
31 de março, meu último dia de férias.
Meu último dia em Arraial do Porto.
Arion não havia me perguntado para onde eu iria, e até a terça-
feira, à noite, quando me levou para jantar à beira-mar, eu não saberia
dizer. Eu soube para onde ir no instante em que se ajoelhou e me pediu
em namoro.
Namoro, não casamento.
Ao me pedir em namoro, ele reafirmou o que me disse na Ilha do
Sussurro: “eu só quero ter um lugar na sua vida”.
Independentemente de onde esteja, independentemente de como
faremos isso, independentemente de você ficar ou ir embora ­— palavras
que não precisaram ser ditas, mas que estavam presentes nas suas ações.
“Eu só quero ter um lugar na sua vida.”
Eu também queria ter um lugar na dele.
Era o que eu mais queria!
Batidas na porta ganharam minha atenção.
Pensei que Arion tivesse perdido as chaves no caminho de casa,
ele havia saído com o Alec para buscar a Malika na escola.
— Eiiii... daaaa — Alec chamou, e ouvi suas batidinhas na porta.
— Vida! — gritou Malika também.
— Tô indo — falei, me apressando.
Abri a porta e meu olhar recaiu naquele projetinho de gente de
cabelos loirinhos, inclinando a cabeça para mim e esticando os bracinhos,
me oferecendo um buquê de flores.
— Iiiii daaaa — disse Alec, com um sorrisinho no canto da boca.
MEU DEUSINHO.
ARION, SEU CRETINO!
COMO QUE FAZ ISSO COMIGO?
Lágrimas doces floresceram em um piscar de olhos. Eu me agachei
sob a soleira da porta, recebendo o buquê dos braços do Alec e
envolvendo-o em um abraço. O bracinho atracou em meu pescoço, a
mãozinha se fechou sobre os meus cabelos e um beijo babado estalou na
minha bochecha. Virei para ele, encostando-me em sua testa. Ele trouxe
a outra mãozinha para o meu rosto e me fez carinho.
— Te amo. — Dei um beijinho de esquimó nele.
Suspendi o olhar e lá estavam os dois. Arion e Malika escondidos
nas laterais da porta, somente com um pedacinho das cabeças para fora,
nos espiando. Eu sabia que em suas bocas havia um sorriso escancarado,
embora não pudesse vê-las. Seus olhos brilhavam como raios de sol
refletidos nas águas do oceano.
— Eu disse que ela ia chorar — Malika sussurrou, olhando para o
pai, e deu uma risadinha.

Arion e Malika saíram do mar após surfarem uma onda juntos.


Ele apoiou a prancha em pé e deu um beijo na testa da filha. Enquanto
Malika corria pela areia, retornando para onde eu e Alec estávamos,
Arion nos olhava à distância, sorrindo. Ele deslizou as mãos nos cabelos,
jogando as pequenas ondas que caíam sobre os olhos para trás, e eu dei
adeus à outra batida do meu coração.
— Leleco, o papai tá chamando para você ir surfar com ele —
disse Malika, sentando-se na areia.
Seria a primeira vez do Alec surfando pra valer, e não estava me
aguentando com ele usando um short john[74] de lycra, na cor azul, todo
surfistinha com aqueles cabelinhos bagunçados. Ele se levantou da areia e
olhou para frente, buscando o pai.
— Papain... — Ah, sim, o “papa” tinha evoluído.
— Ali o papai! — Apontei ao mesmo tempo que Arion deu
alguns passos à frente.
— Vem, Leleco — gritou, chamando com a mão.
— Papain, papain... — Correu pela areia, indo em direção ao pai.
Arion agachou quando ele se aproximava, deu um beijinho e
conversou com ele antes de pegá-lo no colo e levantar-se, se
encaminhando para o mar. Um suspiro rolou por meus lábios e mais um
infinito deles quando Alec se pendurou nas costas do pai e eles remaram
para o outside.
Assim como havia feito com Malika no nosso primeiro dia na
praia, e minutos atrás, Arion dropou a onda e trouxe Alec para o seu
abraço, e mais uma vez o descompasso dominou os meus batimentos, e
as lágrimas se acumularam em meus olhos.
Lágrimas doces.
Eu podia me acostumar com elas.

— Seu presente — estendeu o celular com os fones, estávamos


deitados no sofá-cama do estúdio —, mas não é de despedida, é o meu
primeiro presente como seu namorado.
— O tanto que eu estava ansiosa para ouvir essa track. —
Coloquei os fones de ouvido.
— Foi estranho pra cacete ficar me ouvindo gemer um milhão de
vezes para mixar isso — comentou entre risos.
— Vai ser minha track dedicada às siriricas a vida toda.
Arion deu uma gargalhada.
Perdi a capacidade de falar logo nos primeiros cinco segundos da
track.
PUTA MERDA.
QUE GOSTOSO.
Ouvi o barulho do chuveiro de fundo.
Cada suspiro que o desgraçado dava, minha boceta contraía.
O DROP, CARALHO!
A excitação percorria meu corpo, disseminando pequenos
tremores.
Minha boceta pingava.
MEU DEUS.
MORRI.
Arion havia se deitado de lado e apertava os meus mamilos sob a
camiseta, bem tranquilamente, me assistindo ser consumida por um fogo
dos infernos.
A RISADA FOI JOGO SUJO!
MAS EU AMAVA.
Na manhã de sábado, eu e as crianças levamos Vida ao heliponto.
As suas malas foram em outro buggy, dirigido por um funcionário do
resort.
Não era um adeus.
Mas doeu como se fosse.
Alec não queria sair do colo de Vida.
Malika não queria soltá-la.
Os dois estavam agarrados à minha garota.
Eles ainda não entendiam que ela era feito onda do mar.
As ondas não eram como a areia e as conchas, que você podia
levá-las para casa e guardá-las em uma garrafinha em sua estante.
Você não podia capturar uma onda, porque ela deixaria de ser
onda.
Mas você podia surfar na onda.
E eu amava surfar.
Tive que tirar o Alec na marra do colo de Vida, o táxi aéreo não
podia esperar para sempre. Ele ficou esperneando no meu colo, tentando
descer e se esticando para ela, chamando por “Iiiidaaa”.
Nenhum de nós tinha percebido até então que ele vinha
ensaiando falar o nome dela há dias, nós que não tínhamos conectado as
sílabas.
Malika me abraçava pela cintura, se debulhando em lágrimas,
enquanto Vida se afastava. As lágrimas incessantes corriam pelas maçãs
do seu rosto, se espalhando por lábios e mandíbula.
Eu disse que amava surfar.
Você já viu alguém surfar em mar sem onda?
Não, né?
Um mar agridoce desaguava em meus olhos.
Corri para os braços do meu pai ao descer no heliponto do grupo
Arpini, em Salvador.
— Minha monstrinha. — Ele me apertou e beijou os meus
cabelos.
Chorei abraçada ao meu pai, como fiz tantas vezes.
Eu tinha chorado a cada segundo da porcaria do voo, minha cara
estava inchada, os olhos ardiam e a garganta doía.
Quando o choro compulsivo se abrandou, meu pai murmurou
um “vamos” e me levou para o carro. Àquela altura, algum funcionário
havia guardado minhas malas no porta-malas.
E nós fomos para o apartamento que eles mantinham na cidade,
onde meu irmão morava desde que começou a faculdade.
Chorei mais um bocado no colo da minha mãe. Ela me levou para
o banheiro, como se eu ainda fosse uma garotinha de seis anos, e eu
chorei mais, porque lembrei da primeira vez que a Malika me chamou
para ajudá-la a lavar os cabelos. O Arion estava em casa, mas ela pediu
que eu a ajudasse, e ela ficou cantando enquanto me deixava massagear
os seus cabelos.
Eu me deitei após o banho e dormi pelas próximas horas. Arion
não sabia para onde eu ia, então sabia que não ficaria preocupado se
demorasse a ligar. Eu podia estar em um voo para o Japão.
Foi só quando acordei que liguei para ele e para as crianças. Falei
rapidinho com eles, porque senão eu ia desabar em lágrimas de novo.
Meus pais estavam na sala quando saí do quarto, eu me enfiei no
sofá no meio deles, e os dois ficaram me fazendo carinho.
— Por que dói tanto? — murmurei.
— Para você ter um gostinho do que passamos quando ficou
tanto tempo sem voltar para casa — disse minha mãe.
Movi os olhos para ela, com um sorriso se curvando em meus
lábios.
— Vingativa a senhora, hein?!
— Senhora é a sua mãe!
Apontei para ela, e rimos os três.
— Vocês acham que estou metendo os pés pelas mãos?
— É a sua escolha? — Meu pai apanhou minha mão, e aquiesci
sem pestanejar. Era o que eu queria. — Pronto.
Pronto.
Simples e direto como só meu pai sabia ser.
08 de abril, sábado de Páscoa.
Início da baixa temporada. As noites de DJ no Saideira chegaram
ao fim, assim com as baladas no Solaris e as noites de luau na praia. Mas
se tinha alguém reclamando de um pouco de sossego na ilha, esse
alguém não era eu.
Estava focado em produzir as minhas músicas, queria tá com pelo
menos umas três tracks novas até o final de maio, para a gente lançá-las
durante a residência em Ibiza. Os streams do meu último lançamento
continuavam em alta, tinha muita gente conhecendo meu trabalho, e as
tracks antigas tiveram um aumento bom de streams.
Eu tinha até recusado duas propostas para tocar naquele sábado,
precisava de uma pausa depois da pauleira que foi o verão, e também
porque as crianças estavam sentindo muito a ausência de Vida, embora
nos falássemos todos os dias. Não fazia ideia de onde estava, sempre que
eu perguntava, ela desconversava, e minhas tentativas de descobrir algo
pelo Instagram foi inútil.
Ela estava postando no feed, stories e reels, porém o feed e reels
permaneciam trazendo conteúdos relacionados ao que vinha postando
nas férias, e no stories ela vinha mostrando bastidores do Açucena, o
ateliê de joias. Não sabia se estava lá, ou se eram fotos e vídeos enviados
pela equipe, porque ela não aparecia neles.
— Papain... — murmurou Alec, sonolento. — Iiidaaa... — Abriu
e fechou a mãozinha, pedindo pela Vida.
Eu tinha terminado de contar uma historinha para ele e para a
Malika. Ela tinha dormido no meio da história, mas ele resistiu até o fim.
— O papai também tá com saudade da Vida, mozinho. —
Inclinei-me sobre o cercadinho da cama dele e beijei seus cabelos.
— Iiidaa... — As pálpebras pesadas de sono fecharam-se.
Permaneci sentado no chão do quarto das crianças, relembrando
quando a Malika adoeceu e a Vida deu a ideia do telefone. As crianças
amaram tanto aquilo, que de vez em quando a Mali pedia para fazer
outro e os dois ficavam horas conversando e rindo.
Foi naquela noite que ela disse que me amava... nos amava.
Olhei para o relógio em meu pulso ao ouvir a campainha. Faltava
pouco para vinte e uma horas, mas eu tinha passado a tarde com as
crianças na pista de skate, com Zac e Apollo. Não deveria ser nenhum
deles.
Achei que pudesse ser engano e deixei tocar.
Se insistissem, eu iria ver.
Ouvi meu celular vibrar em cima da cômoda e me levantei.
Um sorriso esticou-se em minha boca quando vi que era Vida.
— Oi, linda.
— Onde você está?
— Em casa, as crianças dormiram agorinha.
— E você quer que eu durma na rua? — Seu riso fez eco no meu
coração.
— Ahm? — Lembrei da campainha e saí apressado em direção à
porta de casa. — Você está aqui? — perguntei entre risos, destrancando a
porta.
— De mala e cuia, e sem teto. — Eu dei uma risada, já na
varanda, descendo para o portão. — É sério, não fiz reserva no hotel. —
Alcancei o portão e meti a chave na fechadura, enfiando o celular no
bolso enquanto o abria. Ela abaixou o celular. — É a primeira vez na vida
que viajo sem ter uma...
Atravessei o portão e a puxei para os meus braços, calando sua
boca com um beijo. Seus lábios se curvaram em um sorriso, pressionados
aos meus, e a língua mergulhou em minha boca.
O beijo perfeito.
— É porque você está voltando para casa, linda — falei, ao deixar
os seus lábios e viajar até os seus olhos.
— Deve ser — murmurou, sorrindo.
— Bem-vinda de volta.

— Cretina! — Arion me derrubou na cama, prendendo-me sob


o seu corpo, e deu uma mordida no lábio. — Não acredito que
escondeu de mim que ia ficar por todo esse tempo.
— Todo esse tempo? — Dei uma gargalhada. — Uma semana,
Arion!
— Foram oito longos dias, tá? — As mãos seguraram meus
punhos e os moveram para cima da minha cabeça. — Fiquei louco de
saudade.
— Eu sei. — Olhei em seus olhos. — Nunca chorei tanto na
minha vida.
— Você não tinha certeza?
— Não, eu tinha, mas queria fazer tudo com calma. Fiquei três
meses longe das demandas profissionais, precisava organizar e definir
algumas coisas no Açucena, e também realinhar a minha estratégia e
planejamento como travel influencer. — Arion pairava acima de mim,
olhando-me atentamente. — Como tinha te contado, eu não pegava
muitos contratos porque não queria ficar me mudando o tempo inteiro,
e ficando com vocês minha agenda muda completamente. Nessa semana
que fiquei fora, eu já fechei dois contratos para as duas últimas semanas
desse mês, aí em maio tenho aquele contrato em Budapeste que
comentei contigo, e tô negociando outros dois para junho, um já no
finalzinho, pegando julho. Mas aí de junho para outubro minha agenda
de viagens fica de quarta a segunda, já incluindo a ida e a volta — um
sorriso avultou-se em seus lábios —, porque na terça é sua residência, e
aí eu tô em casa para ficar com as crianças.
Arion soltou os meus pulsos e segurou o meu rosto, abaixando-
se sobre mim. As nossas respirações dançaram entre nossas bocas. Os
olhos escuros mergulharam tão profundamente nos meus que eu me
perdi neles.
— Eu te amo, Vida — sussurrou, e os lábios macios uniram-se
aos meus.

— Eu amo isso — sussurrei, inclinando minha cabeça no tórax de


Arion.
— Eu também. — Ele me deu um beijo, me abraçando um
pouco mais apertado, e pousou os lábios nos meus ombros.
A poucos passos de nós, Malika e Alec dormiam em suas camas.
Ela toda embrulhadinha no lençol, parecendo um rocambole fofinho, e
ele todo esparramado, igual o Patrick do Bob Esponja. Através da
cortina, a claridade de um novo amanhecer se revelava.
Alec se espreguiçou alguns minutinhos depois, se esticando
inteirinho. Ele parecia estar maior desde o último sábado. Será que era
possível? O Ursinho fofo, de cabelos loirinhos e com as pontinhas
onduladas para tudo o que era lado, se sentou, esfregando as mãozinhas
nos olhos, e uma risadinha flutuou dos lábios curvados em um sorriso de
canto a canto, ao nos ver na porta do quarto.
— Iiidaaaa... papain... — Rolou de bunda para fora da cama e se
levantou, os pezinhos quase tropeçando. — Iiidaaaa! — gritou, correndo
para mim. — Iiidaaaa!
Meus risos se derramaram. O coração pareceu triplicar em meu
peito, eu sentia o músculo pulsando contra as costelas. Abaixei-me,
colocando o dedo no lábio, pedindo silêncio, para não acordarmos a
Malika, e o trouxe para o meu colo.
— Leleco. — Afundei o rosto no pescoço dele, dando um cheiro
gostoso.
— Iiidaaa... — Os sorrisos do Alec me desmanchavam. — Iiidaaa
— disse, segurando meu rosto nas mãozinhas pequenas e me dando um
monte de beijos. — Iiidaaa, papain... — Olhou para o pai e estendeu
uma mão.
— É, Ursinho. — Arion envolveu meus ombros, abraçando o
Alec junto. — A Vida voltou pra gente, mozinho.
— Eu tava com muita saudade, Leleco.
— Iiidaaa. — Ele encostou o rostinho no meu, fechando os
olhinhos.
Saímos do quarto e deixamos a Malika dormir mais. Dei o banho
do Alec, o mamá dele e ficamos os três deitados no sofá-cama do
estúdio. Já estávamos há mais de uma hora lá quando a Malika entrou,
chamando pelo pai, e congelou no lugar, com os olhos arregalados, ao
me ver.
— Vida? — murmurou quase inaudível.
— Eu! — Dei um gritinho, me levantando do sofá, um pouco
preocupada com a reação dela.
— VIDA! — gritou e correu para os meus braços.
Eu a segurei, mas caímos as duas no sofá-cama. Ela chorava,
abraçada a mim, o rostinho espremido no meu tórax, e eu chorava junto,
e sorria também, apertando a minha garotinha.
— Eu te amo — murmurei, deslizando as mãos por seu rosto
quando o abraço se rompeu.
— Você vai querer? — Franzi o cenho, confusa com a pergunta.
— Ser a mamãe? — Meu coração cresceu mais umas três vezes o
tamanho. — Minha e do Leleco.
— Se você quiser — falei, sem conseguir esconder o sorriso —,
eu deixo você me chamar de mamãe.
Arion deu uma gargalhada, denunciando que pegou a referência.
Esse cretino ouviu a nossa conversa, né?
Malika fez um biquinho, tentando esconder o sorriso no canto
dos lábios, apertando os olhinhos verdes.
Leleco sentou-se acima da minha cabeça, com os dedinhos
alisando os meus cabelos, e se inclinou para frente, dando um beijo na
minha testa.
— Mamain.
Ouvi o riso do Arion, o sorriso da Malika, e para não restar
dúvidas, o Alec deitou a cabeça no meu rosto e repetiu o que havia dito.
— Mamain.
Não há como descrever o que senti, foi como se cada batimento,
cada célula, cada vértebra, partícula e molécula do meu corpo estivessem
explodindo em um infinito de cores e sons, e cada risada, cada lágrima,
cada coisinha mínima, cada momento ao lado deles se tornasse um
infinito.
Um infinito para nós.
6 meses depois...

— Oi, Leleco! — Soltei um beijinho para a tela do celular. Ele me


mandou um beijinho em resposta.
— Me dá aqui, Leleco. — Malika estava tentando tirar o celular
da mão do irmão. — Espera.
— Não! — Ele brigou pelo celular, metendo a mão na cara da
irmã.
Meu Deus, que caos!
— Nenhum dos dois. — Arion pegou o celular, gerando
resmungos dos dois. — Você está com cara de cansada, tenta tirar um
cochilo quando der um pulo no hotel.
— Papai — Malika choramingou.
— Não vou conseguir ir. Eu tô falando com vocês do banheiro,
tá uma correria. Era para a gente ter tido um intervalo de três horas
durante a tarde, mas foi impossível, e ainda tem um jantar às vinte e uma
horas. Vou ter que ir assim mesmo. — Ajeitei uma mecha de cabelo. —
Só vou dar uma retocada na maquiagem e é o que temos pra hoje.
— Você está linda, só me preocupo que não esteja descansando.
— Papai... — chamou Alec. — Me dá...
— Espera um pouquinho, linda. — Arion voltou-se para as
crianças. — Eu seguro o celular, tá bom?
— Vida, você tá bonita.
Ela ainda não conseguia me chamar de mãe, mas eu não esperava
que fosse tão rápido, por mais que soubesse que nós duas esperávamos
muito por aquele momento.
— Você também tá, Mali.
— Mamãe... — Leleco soltou um beijo.
— Beijo. — Soprei um beijo.
— Seu voo não era nessa madrugada? — perguntou Arion.
— É. — Fiz uma careta. — Tô... — me interrompi, porque eu ia
dizer um palavrão e as crianças iam ouvir. — Vou chegar aí só o bagaço
depois de 30 horas de voo.
— Eu cuido de você, linda.
— Eu preciso ir, estão me esperando. — Enviei mais beijos.
— Tchau, Vida! — disse Malika.
— Mamãe! — Alec mandou mais beijos.
— Tchau, linda. — Arion deu uma piscadela. — Te amo. — Ele
tocou a ponta dos dedos na boca e me enviou um beijo.
— Amo vocês. — Soprei outro beijo.

Um mês depois
Alec e Arion seguiam para o portão de embarque, os dois
olharam ao mesmo tempo por cima do ombro. Alec deu um tchauzinho
e Arion uma piscadinha.
Estávamos no aeroporto de São Paulo, eu e Malika ficaríamos por
duas noites na cidade, e os dois estavam voltando para Arraial do Porto
após quatro meses em Ibiza.
Malika achava que nossa parada em São Paulo era para fazer
algumas compras, o que ela amava. Ficamos um dia no hotel,
descansando e nos ajustando ao fuso horário, e no dia seguinte saímos
para almoçar. A levei para um dia de beleza, ficamos horas no sofá,
fizemos unha, cabelo e maquiagem.
— A gente se maquiou para ficar no hotel? — Estreitou os olhos
para mim.
— Não. — Dei uma piscadinha para ela.
— Mas a gente voltou para o hotel.
— Vamos nos trocar e sair.
— Pra onde? — Arqueou a sobrancelha.
— Você vai descobrir daqui a pouco.
Não reclama, aprendi com seu pai.
— Você tá estranha, Vida.
— A gente saía o tempo todo em Ibiza.
— Mas eu sempre sabia pra onde a gente ia. — Enrugou o nariz.
— Você já vai descobrir, garota. — Ri e destravei a porta do
quarto. — Eu separei um vestido, se você quiser usar ele... — falei como
quem não queria nada.
Malika sempre decidia o que iria vestir.
Apertou os olhinhos, me encarando.
— Estranha — balançou o dedo, apontando para mim —, muito
estranha.
— Deixa de ser desconfiada — brinquei.
Ela amou o vestido que eu havia reservado, e eu fiquei toda
felizinha, porque comprei pensando nesse dia. Minha garotinha estava
toda princesinha, com um vestido de tule lilás — ela amava lilás, azul e
verde —, cheio de babadinhos e um tênis branco. Os apliques
coloridinhos que ela pediu para colocar no salão e a maquiagem delicada,
com um pouquinho de glitter, completavam o look.
— UAU! — Fiz uma interjeição teatral, abrindo a boca e os
olhos.
— Eu sei, tô linda. — Fez um giro, segurando na saia do vestido.
Eu amava muito essa garota!
— Você é sempre linda! — Dei um sorriso. Aprendi com o
melhor. — Deixa eu tirar uma foto para enviar para o seu pai. — Peguei
o celular e ela fez várias poses. — Perfeita!
— Deixa que eu escolho.
— Tá. Mas não apague nenhuma — entreguei o celular para ela
—, ainda quero ver. — Caminhei até a mesinha de cabeceira e peguei um
protetor de ouvido com design de um headphone e várias pulseirinhas da
amizade que eu tinha pedido que o ateliê fizesse para nós duas. — Só
falta isso. — Mostrei os itens para a Malika.
Ela arregalou os olhos.
— A gente vai no show da Taylor? — Aquiesci, sorrindo. —
AAAAAAAAAAAAAAAAAAAH!!! — Deu um grito estridente e
vários pulinhos sem sair do lugar, e eu caí na risada. Quando a euforia
deu uma diminuída, pôs meu celular em cima da cama e correu para me
dar um abraço. — Eu te amo, Vida.
— Também te amo — respondi, com os braços para cima,
segurando as coisas.
— Você também vai querer pulseirinhas? — perguntou,
rompendo o abraço e puxando meu braço para ver as pulseiras.
— Sim, quero — falei, rindo. — Tem pulseira para encher seus
braços e ainda vai sobrar.
— Coloca logo pra gente ir.
Eu sabia que levar a Malika a um show da Taylor Swift seria
emocionante desde que a ideia me ocorreu, porque era uma paixão que
nós duas compartilhávamos e que nos aproximou muito.
Enquanto estávamos a caminho do show, me lembrei da primeira
vez que toquei Love Story para ela. Malika não conseguiu me pedir para
tocar quando comentei que sabia, então ela disse que não acreditava, me
desafiando a tocar.
— Por que você tá chorando? — ela me perguntou quando
descíamos do carro.
— Porque eu tô feliz. — Inclinei-me, encostando minha testa na
dela. — Estou muito feliz de estar aqui hoje com você.
— Também tô feliz, Vida, mas não vou chorar não, viu?!
Ri, e ela falou que eu chorava demais.
Acomodamo-nos nos nossos lugares. Eu segurava o protetor
numa mão, para quando ela quisesse colocar. Malika amava as músicas, ia
curtir muito o show, mas ela era uma criança, ficar em meio a tanto
barulho por horas seria incômodo. Malika mexia nas pulseirinhas em seu
braço, ansiosa, esperando a abertura do show.
Agora corta para a Taylor entrando no palco e aquela mesma
garotinha que não ia chorar, soluçando, tamanha era a emoção. Ela me
abraçou pela cintura e ergueu os olhos para mim, com o rosto lavado de
lágrimas.
— É a Taylor, mamãe. — Encostou a cabeça em mim e voltou os
olhinhos para o palco, enquanto minha mão tremia, o que eu só percebi
porque o protetor de ouvido estava sacudindo. — Olha, mamãe!
Nem sei como consegui erguer a mão livre e abraçar a sua
cintura.
— Tô vendo, amô — murmurei, me afogando em lágrimas.
Lágrimas doces.
As mais doces que eu poderia imaginar.
Quando Malika começou a cantar as músicas, eu não sabia se
cantava junto ou chorava. Eu ria, eu chorava, eu olhava para a garotinha
ao meu lado, com os olhos molhados de lágrimas e um sorriso imenso
nos lábios, cantando aos gritos. A melodia da sua voz, do choro
emocionado, dos seus sorrisos transbordantes e do “mamãe” que soou
dos seus lábios pulsava em cada batida do meu coração.
— Papai, foi tão, tão, tão legal. A mamãe chorou um montãozão
— contou a Malika, rindo.
Olhei para Vida, sentada no banco do carona.
Com o rosto voltado para mim, ela sorria, com lágrimas nos
olhos.
Ela era mesmo muito chorona.
Mas eu também era, porque os meus também estavam
lacrimejando.
— Só fui eu quem chorou, né? — Vida a provocou.
— Eu chorei também, papai, mas foi só um pouquinho, bem
pouquinho.
— Na próxima vez, eu vou filmar — disse Vida entre risos.
— A gente vai de novo? — Pelo retrovisor, vi Malika unir as
mãos em súplica, e dei uma risada. — Por favor, mamãe, vamo! Vamos,
mamãe!
— Eu, mamãe — pediu Alec, na cadeirinha ao lado da de Malika.
— Você quer ir também, Leleco? — Vida inclinou-se entre os
bancos para falar com ele.
— Qué! — Bateu palminhas.
— Mamãe, vamo, vamo! — Malika agitou as mãos.
— Não vai ser agora — pontuou Vida —, mas a mamãe promete
que a gente vai de novo. E o Leleco vai também, né?
— Néee! — Alec imitou Vida, ele estava na fase de imitar todo
som que ouvia, tínhamos que ter cuidado redobrado com o que
deixávamos escapar na frente dele.
— O papai também vai? — Vida endireitou-se na poltrona,
movendo os olhos para mim.
— Claro que eu vou!
— Oba!!! — gritou Malika.
— Obaaa! — Alec comemorou também.
Naquela noite, uma festa de boas-vindas nos aguardava no
terraço do restaurante da mãe do Zac. A minha mãe e o Eugene — que
agora moravam juntos —, e os pais da Vida, organizaram juntos. Eles
viviam confabulando pelas nossas costas, principalmente no que dizia
respeito à agenda social dos nossos filhos enquanto estivéssemos no
Brasil.
Se bobeasse, era capaz de terem esquecido de reservar um dia ou
outro para as crianças ficarem com a gente. Os pais da Vida ficariam boa
parte do verão em Arraial, para passar um tempo com as crianças. Eles já
tinham nos visitado algumas vezes, antes de irmos para Ibiza, e também
quando estávamos lá, e eram super babões com a Malika e o Alec.
Nós voltaríamos a morar na Europa no próximo ano, porque eu
estaria em turnê a partir de junho, mas ainda não tínhamos decidido
onde, estávamos aguardando para ver se iria rolar de eu retornar para o
meu segundo ano de residência em Ibiza. Se tudo desse certo, ficaríamos
lá, e minha agenda de show seria em paralelo.
— Agora que a gente já é praticamente da família — disse
Caíque, apoiando o braço no meu ombro —, abra seu coração e me diz
que caralho passou na sua cabeça quando decidiu colocar...
— Caíque! — Ouvi Vida soar logo atrás de nós.
— Para colocar — saquei qual seria a pergunta e já comecei a rir
— sete piercings no pau?! Sete, man!
Dei uma gargalhada.
— Você não tem jeito, né? — Vida deu um tapa no bíceps dele.
— Sabe há quanto tempo estou segurando as milhares de
perguntas que brotaram na minha cabeça por sua culpa? — Apontou
para Vida. — Foi você quem me contou que ele tem sete piercings no
pau, porra!
— Eu tenho até medo de saber o que vocês e Duna conversam
toda semana — comentei, rindo.
— Relatórios semanais de tudo, cara — Caíque falou em tom de
confidência, alisando o cavanhaque. — TUDO.
— Tudo, tudo não, é um apanhado geral das coisas mais
impactantes.
— Inclusive, como caralho você faz aquela porra de colocar ela
no ombro pra chup... — Irrompi numa risada, sentindo minhas
bochechas esquentarem, e Vida ficou vermelha igual um camarão.
— Caíque, eu te mato!
— Continua, porque ela é fissurada. — Deu um tapinha no meu
ombro e demoveu o braço. — Eu tentei com uma gata — meneou a
cabeça —, mas não deu muito certo não — confessou, rindo.
— Cara — falei aos risos.
— Bem feito — disse Vida, envolvendo meu bíceps. Eu amava
quando ela fazia isso. Inclinei-me para ela e beijei seu pescoço.
— Ei, puto. — Louie chegou, dando um soquinho no abdômen
do Caíque.
— Até que fim, né? — Caíque deu um soco no bíceps do amigo.
— Tava se aprontando para casar, caralho?
— Ei, man. — Louie trocou um cumprimento de punhos
comigo.
— Fala, man.
Ele abriu os braços para envolver Vida em um abraço. Eu já tive
um pouco de ciúmes do Louie, mas depois entendi que eles se amavam
como se fossem irmãos.
— Você está linda. — Beijou o rosto de Vida.
— Você está um gato. — Ela afagou o rosto dele, deu um beijo
na bochecha e retornou ao meu bíceps. — Já viu o Apollo?
— Você não desiste — comentei, olhando a minha garota dar
um sorriso travesso para o Louie.
— Se pelo menos alguém me contasse o que aconteceu, mas
vocês ficam de segredinhos. — Torceu a boca, dando uma empinada no
nariz.
Eu amava demais essa curiosa.
Segurei em seu rosto, puxando-o para mim, e beijei sua boca.
— Não venha me comprando com beijos, seu cretino — disse,
dando uma mordida em meu lábio.
— Ei, papai e mamãe. — Zac chegou com o Alec montado nos
ombros.
— Leleco, high five. — Louie estendeu a mão para ele.
— Fi. — Bateu na mão do Louie.
— Bate aqui também, Leleco — Caíque o cumprimentou
também.
— Qui! — disse, acertando a mão do Caíque.
— Ele tá com fome e eu não sei o que posso dar ou não para ele
comer — disse Zac. — Esse é o problema de vocês morarem tão longe.
O titio fica perdido, né, Leleco?
— É, titio — respondeu meu pequeno.
— Vamos fazer um intensivão com os titios, Leleco. — Olhei
para Vida. — Umas semanas com babá cairiam bem, né, linda? —
brinquei com o meu amigo. — Vem para o pai. — Estendi os braços,
descendo o Alec dos ombros do Zac. Eu o coloquei no chão e segurei
em sua mão. — Leleco tá com fominha ou com um montão de fome?
— perguntei, olhando para ele.
— ÃO! — Abriu a boca como se fosse devorar algo ao dizer o
“ão”.

— Vai vir todo mundo por agora? — perguntou Zac.


— Duna e Antonella só podem vir na segunda semana de
dezembro — respondi ao Zac —, mas a Tici veio com o Louie e a Kimi,
daqui a pouco ela tá por aqui.
— Ah, sim. — Assentiu com a cabeça. — Vocês já decidiram até
quando vão ficar?
— Até abril, a gente quer tirar o mês de maio de férias, para
adaptarmos as crianças com calma. Ano passado a gente já chegou em
junho, aí tinha a residência do Arion, as minhas viagens, e foi bem
cansativo.
— Vocês vão voltar para Ibiza mesmo? — inquiriu Louie.
— Em aberto por enquanto, mas — cruzei os dedos — estamos
torcendo para que sim.
— Titio! — Malika chegou abraçando a cintura do Apollo.
— Ei, Mali! — Louie a cumprimentou.
— Titio Lui! — Ela caminhou até o Louie e ele se abaixou para
abraçá-la.
— Como você está linda!
— Obrigada, titio. Você também está um gato. — Louie riu e
olhou pra mim. — Tá aprendendo com sua mãe, é?
Malika elevou os ombros, sorrindo travessa.
— Quando você cresceu tanto assim? — perguntou Caíque, se
inclinando para dar um beijo nos cabelos dela.
— Eu já vou fazer sete anos, titio.
— Isso tudo? — Caíque arregalou os olhos.
— Sim. — Aquiesceu e se virou para o Zac. — Titio Zac —
pegou a mão dele —, vem dançar comigo.
— Vamos, Pandinha — disse Zac, seguindo com a Malika para
onde Pietro e Kimi dançavam.
— E o casamento, vai sair quando? — perguntou Caíque.
— Tá igual meu pai? — Dei risada.
— Você tinha um caderno onde planejava seu casamento.
— Eu tinha dez anos, Caíque! — me defendi, mas sim, eu queria
um casamento com todos os frufrus.
— Você era obcecada por aquele caderno. — Louie riu. —
Lembra de quando o Caíque pegou e escondeu?
— Caíque era uma peste. — Dei um tapa nele. — Como que eu
namorei contigo, hein?
— Mistérios que ninguém explica — zombou Louie.

Estranhei quando Apollo, de livre e espontânea vontade, parou ao


meu lado e de Louie minutos após o Caíque sair, mas desanimei
rapidinho.
Apollo conseguiu elevar o nível da ignorada a algo surreal. Ele
parou ao meu lado, circundou minha cintura e puxou conversa comigo
como se estivéssemos apenas nós dois ali.
Nem olhou para o lado que Louie estava.
— Vocês precisam conversar — comentei aleatoriamente
mesmo, ambos sabiam do que se tratava. Quem não sabia era eu.
— Só estou retribuindo o tratamento que recebi.
— Eu não fui um pau no cu com você — Louie resmungou
entredentes. — Não te ignorei, eu...
— Nem poderia, você sumiu. — Olhei para Louie, aquilo não era
do feitio dele. — Você me bloqueou de tudo e sumiu, cara! Passamos a
noite juntos e você desapareceu no dia seguinte, isso é ser pau no cu pra
caralho.
— Eu... não foi sobre você, cara.
— Posso sair ou se eu sair vai cada um para um lado?
— Não tenho nada para falar com ele — resmungou Apollo.
— Viu? Você não me deixa explicar.
— Cara, a gente tinha dezoito anos, fiz vinte e seis no mês
passado! Vá se foder com a sua explicação!
— Eu tinha dezessete — murmurou Louie.
— Ainda por cima é mentiroso. — Apollo olhou para Louie
furioso.
— Um ano, isso nem conta como mentira — resmungou Louie.
— Quando você virar homem, a gente conversa.
Encarei Louie com os olhos arregalados, mas só o vi dar as costas
e sair. A mão de Apollo abandonou a minha cintura, e quando me virei
ele já estava indo atrás do Louie, puto da vida.
— Eu que tenho que virar homem?!
— Não se matem, por favor — murmurei.

— Mamãe — Malika me chamou —, o papai tá te esperando lá


embaixo. Ele disse para você ir logo.
— Tá bom, amô. Cadê o Leleco?
— Tá com a vovó Ray, dançando ó. — Apontou para minha mãe
dançando com o Alec.
— Se alguém perguntar, diz que a mamãe e o papai saíram um
pouquinho. — Pisquei para ela e me encaminhei para a escada.
Arion me esperava no último degrau. Ele entrelaçou as nossas
mãos e me levou para fora do restaurante sem me dizer nada.
— Você vai aprontar, eu te conheço — comentei quando
entramos no buggy.
— E é por isso que você me ama, linda. — Deu-me um beijo.
Quem adivinha para onde fomos?
A nossa prainha!
Nós caminhamos pela areia de mãos dadas e paramos à beira-mar.
Arion me abraçou por trás, envolvendo os meus braços e me
beijando no pescoço.
— Vida, você está pronta para o nosso infinito?
— Sim.
— Eu também. — Arion levou um braço às costas, e quando
voltou a me envolver, segurava duas alianças à minha frente. — Você já
pode me pedir em casamento, linda. — A risada sussurrada arrepiou os
pelinhos da minha nuca.
Meu coração dançava frevo no meu peito.
Eu peguei as alianças e me virei para ele.
— Casa comigo, Arion Valentinne?
— Você pode me dar um tempo para pensar? — provocou-me.
— Voc...
Ele enlaçou minha cintura e mergulhou em meus olhos.
— Sim, linda — sussurrou, e então os lábios se aconchegaram aos
meus. — Minha Vida.
Um ano depois...
Comecei a chorar antes de vê-la. Nas primeiras notas
instrumentais de Enchanted, meus olhos se tornaram oceanos.
De repente, todo mundo estava se virando para mim.
Zac, Apollo, Louie, Pietro, Duna e Letícia, os nossos padrinhos,
traziam sorrisos nos lábios.
Minha mãe era um sol brilhante nos dias que a chuva lhe fazia
companhia, a curva nos lábios era regada por lágrimas.
E os meus pequenos já não eram tão pequenos assim.
Malika logo completaria oito anos, e Alec três.
Eles também se viraram para mim.
Os lábios de Malika se esticaram num sorriso radiante e os olhos
traziam um brilho lacrimejante.
Já o Alec, o meu Ursinho, veio para junto de mim e segurou a
minha mão.
Olhei para ele e sorri, sentindo as primeiras lágrimas tocarem as
maçãs do meu rosto.
Então todos se voltaram para frente e eu soube que quando
erguesse os olhos, ela estaria lá.
A minha garota.
A minha Pirata, ladra de coração.
A minha Vida.
A garota que fazia o meu coração bater mais rápido.
Ainda compartilhando um olhar demorado com o Alec, afaguei a
sua mãozinha e murmurei que a mamãe estava chegando.
Ele olhou para frente e soltou-se de minha mão, e quando ergui
os olhos para o corredor entre as fileiras de cadeiras na areia da praia,
decorado com flores brancas, ouvi o meu pequeno gritar “mamãe” e
correr ao encontro dela.
Um coro de risos se espalhou entre os nossos amigos e familiares.
A minha risada soprou entre meus lábios e eu vi a dela dançar em
seus lábios, unindo-se às lágrimas que vestiam seus olhos.
As minhas caíam incessantemente.
Vida soltou o braço do pai e abaixou-se para abraçar o nosso
filho. Ele a beijou no rosto, e quando ela se levantou, deu uma mão ao
Alec e voltou a aceitar o braço do pai.
Seu pai e o nosso filho a conduziram pelo corredor enquanto me
desmanchava em lágrimas e risos, e meu coração parecia uma orquestra,
as batidas suaves e harmônicas pulsavam em meu peito.
Eu caminhei até ela e a recebi dos braços do seu pai.
— Nada me encanta mais do que viver a minha vida ao seu lado,
linda — disse a ela, após dar um beijo no dorso de sua mão.
— Eu te amo, Arion Valentinne. — Suspiros e risos transpuseram
seus lábios.
Sim, ele ia dançar.
No dance floor do Solaris, onde seus braços envolveram a minha
cintura pela primeira vez, os meus braços repousaram em seus ombros e
o mundo pareceu ficar em suspenso.
Ele escolheu a nossa música e eu tinha que concordar, não havia
uma mais perfeita para nós dois.
Arion deslizou as mãos por minha cintura, me puxando para mais
perto. Mordi o lábio, olhando em seus olhos, e cruzei as minhas mãos
em seu pescoço.
— Não sei dançar, linda — murmurou, relembrando o que me
disse há dois anos.

— Shut up and dance with me[75] — respondi com um trecho da


música que dançaríamos.
Ele sorriu, repuxando o canto de um lábio do jeitinho que eu
amava, e nos movemos ao som da nossa música. Não tínhamos passos
ensaiados e nem acrobacias, não me importava com nada disso, eu nem
pensei que dançaríamos, foi ele quem tocou no assunto, e eu amei que
quisesse estar comigo em seus braços, olhando em meus olhos, em mais
um pequeno momento que se tornaria parte do nosso infinito.
— Eu te amo, linda — murmurou, me deitando em seus braços e
me beijando os lábios docemente. A música de repente mudou para um
remix de Love Story. — Seu presente — sussurrou, me erguendo.
Nossos filhos e padrinhos uniram-se a nós no dance floor, todos
dançando, pulando, cantando... Todos comemorando ao nosso lado.
Malika me abraçou e Arion pegou o Alec no colo e abraçou a nós
duas, se balançando com nossa família em seus braços.
Uma noite qualquer durante
mais uma turnê na Europa

— O que seu stylist tem contra camisetas? — Ela deslizou a mão


por meu tórax nu, segurou o tecido da bata na altura do colarinho (era
uma peça aberta e sem botões, com uma espécie de franjas percorrendo
todo o eixo central), a empurrou por meus braços, despindo-me, e
derrubou-me na cama. — Como posso ficar brava com todo aquele
povo te olhando e te querendo — engatinhou por cima de mim —, se
sei o que eles pensam quando olham para você, droga?! — Agarrei sua
cintura e a derrubei sobre o colchão, rolando para cima dela. Meus lábios
traziam um sorriso imenso. — Numa escala de zero a dez, o quanto você
está cansado?
— Não importa. — Beijei seus lábios.
— Arion... — murmurou contra minha boca. — Você precisa...
— De você — a interrompi, afastando-me poucos centímetros
para olhá-la. — Não tem cansaço no mundo que me impeça de ficar
assim contigo. — Ela segurou a corrente em meu pescoço. — Estou
com tanta vontade de você, Vida.
— Então mata sua vontade — puxou-me. Os lábios deslizaram
sobre os meus —, e a minha também.
Encaixei meu joelho entre suas pernas e envolvi sua coxa,
empurrando o vestido para os quadris. Vida desabotoou minha calça,
abaixou o zíper, e o toque macio de sua mão apoderou-se do meu pau.
Minha língua invadiu sua boca e serpeou junto com a dela, nossos lábios
movendo-se com afinco. Os dedos estenderam-se ao redor dos
piercings, em meu comprimento, com o deslizar suave estimulando-me,
minha ereção agigantando-se em sua mão.
Troquei o braço com que me apoiava na cama e infiltrei minha
mão sob o vestido, em sua outra coxa, arrastando-o para cima e
resvalando minha mão entre suas pernas. Numa carícia sutil, circulei o
tecido úmido de sua calcinha com a ponta dos dedos. Murmúrios
furtivos soaram como uma melodia a partir dos seus lábios, em meio a
chupões e mordidas.
Meus dedos ataram-se aos dela, prendendo a mão livre ao lado de
sua cabeça. Vida içou o quadril, rebolando de encontro aos meus dedos.
Puxei a calcinha de lado, e com o indicador e o dedo médio formando
um V, massageei os lábios de sua boceta, dos grandes para os pequenos, e
também no entorno de sua uretra, lenta e suavemente. Deslizando até
quase penetrá-la e de volta, parando antes de tocar o clitóris.
Vida soltou meu pau e levou as mãos às minhas costas,
percorrendo-as com as unhas. Os dentes beliscaram meu lábio inferior e
o puxaram, numa mordida lasciva. Escorreguei os dedos com que a
tocava em sua boceta, penetrando-a, e curvei as pontas deles, para que
pudesse estimulá-la na região interna do clitóris, ao mesmo tempo em
que meu polegar o acariciava por fora. Trilhei seu busto, distribuindo
beijos, e continuei descendo por seu decote.
Repuxei o vestido com os dentes, o mamilo enrijecido encheu
minha boca de água, o suguei e chupei, enquanto meus dedos
prosseguiram a massageá-la na boceta. Era como se segurasse seu clitóris
entre meus dedos, pressionando-o muito delicadamente. Movi meus
lábios para o outro seio, lambendo onde conseguia, puxando o tecido de
lado para mamá-lo. Eu sentia sua excitação escorregando por minha
mão, os espasmos espargindo-se por seu corpo, as contrações incessantes
em sua boceta. Pouco a pouco, interrompi as carícias. Gemidos, arquejos
e o compasso cadenciado do seu coração embalavam seu orgasmo.
Demovi a mão do meio de suas pernas e espalmei ambas na cama,
ao lado de sua cabeça. Pairando acima dela, a olhei, extasiado. Pelos
minutos sequentes, não segundos, por longos minutos, ela esteve total
entregue ao prazer. E era bom para caralho saber que eu era o
responsável.
— Desgraçado gostoso... — Arfante, ela sorriu e abraçou-me
pela cintura. — Eu te amo. — Suas mãos percorreram minhas costas.
— Te amo, pirata. — Inclinei-me e movi meus lábios sobre os
dela, abrigando-os entre os meus, mordiscando-os.
O sorriso nos lábios dela era o suficiente para que me fizesse
refém pelo tempo que quisesse. Despi seu vestido e levantei-me. Tirei
minhas roupas, a calcinha dela e ajoelhei entre suas pernas, trazendo-as
para meus quadris, e cobri seu corpo com o meu, beijando-a na boca.
Resvalei minha ereção nos lábios de sua boceta, penetrando-a somente
com a glande e deslizando fora, repetidas vezes. Vida remexeu-se sob
meu corpo, se esfregando em meu pau, e mordeu meu lábio inferior.
Os olhos esverdeados miraram-me, provocativos. Esmaguei sua
boca, reivindicando-a num beijo voraz, ao que ela retribuiu com a
mesma intensidade. Afundei-me entre suas pernas. Primeiro dois
piercings penetraram em sua boceta, depois mais três. Movendo-me sem
aprofundar as investidas, apenas indo e vindo daquele ponto, os sentia
deslizando numa fricção morosa sob o calor do seu corpo. Arquejos e
suspiros impuseram-se ao beijo.
Desloquei minhas mãos para suas pernas, as segurei abertas para
cima e ajoelhei-me, acelerando o ritmo das estocadas. Arremeti mais
fundo, empurrando os últimos piercings para dentro dela. A sensação
dos meus piercings se movendo em sua boceta disparava um turbilhão de
estímulos por meu corpo. O encontro da minha pélvis com seu púbis
soava como tapas fortes e molhados.
Vida corria as mãos por meu tórax, ombros e nuca, riscando-me
com suas unhas, provocando um serpear de arrepios por minha coluna.
Os olhos não me deixavam. Os lábios inchados, marcados por meus
beijos e mordidas, estavam mais lindos do que nunca. Eu ficava
ensandecido de tesão com sua voz desaparecendo em meio aos gemidos,
como se não tivesse forças o suficiente para colocá-la para fora.
— Vem de quatro. — Soltei suas pernas e desloquei-me para trás,
dando-lhe uma piscadinha.
Ela umedeceu os lábios e deu uma manjada em meu pau antes de
virar-se de costas para mim.
— Vem com tudo — disse, olhando-me por cima do ombro.
Enrolei seu cabelo em meu punho e segurei rente à nuca,
forçando sua cabeça para trás. Antes de penetrá-la, encaixei meu pau
entre suas coxas e debrucei-me sobre suas costas, movendo-me rápido,
exigindo seus beijos. A bunda firme e redonda martelava em minha
pélvis. Soltei o seu cabelo e acertei um tapa em sua bunda. Ela gritou,
dando um gemido no final. Guiei meu pau à sua boceta, o enterrei até o
segundo piercing e parei. Espalmei ambas as mãos em seu quadril e a
tomei em investidas vigorosas. Na posição em que estávamos, os
piercings a estimulavam no ponto G e também nas terminações nervosas
sob o clitóris. Sua boceta apertava-me, provocando um latejar
desenfreado em minha ereção.
Por vezes, meu nome surgia no meio de arquejos. Os murmúrios
que deixavam os lábios de Vida soavam cada vez mais entrecortados, os
gemidos eram incoerentes e constantes. O sangue corria apressado por
minhas veias, o atrito dos piercings causava um frenesi sob minha pele.
Sentia minhas bolas túrgidas, a cabeça do meu pau parecia estar em
chamas, as contrações em sua boceta lançaram-me ao orgasmo. Um
gemido rouco atravessou minha garganta, finquei meus dedos em seus
quadris e a segurei com força, sentindo meu gozo derramando-se em sua
boceta.
Vida ainda tinha espasmos pelo corpo quando me retirei de
dentro dela. Eu a abracei e deitei-nos, de conchinha, apertando-a contra
mim. Resvalei meu nariz por sua nuca e ombro.
— Gostosa. — Dei-lhe um beijo na curva do pescoço. — Banho?
— De banheira.
— Sabe como isso vai terminar, né?
— Com você me comendo de novo. — Ela riu.
— Isso mesmo. — Sentei-me e a puxei para meus braços.
Esse livro não chegaria aí no seu Kindle hoje se eu não tivesse tido
o apoio e carinho de muitas leitoras, leitoras de longa data e leitoras que
estão chegando agora, que seguraram a minha mão antes mesmo do
lançamento e não soltaram. Meu agradecimento é para cada uma de
vocês, e também aos meus leitores homens (sim, eles existem!).
Obrigada por não me deixarem desistir.

Com amor, Sinéia Rangel


Insta: @sineiarangel
https://prevendasineiarangel.lojaintegrada.com.br/

Não haverá estoque de livros físicos, portanto não será possível


comprá-lo fora do período de pré-venda.
[1]
Parte de trás da prancha.
[2]
Azulados.
[3]
Ressuscitação Cardiopulmonar.
[4]
Técnica que melhora a capacidade de oxigenação do corpo, permitindo que se
aguente um maior tempo submerso.
[5]
Expressão havaiana, significa ter persistência para perseverar sem nunca desistir.
[6]
Ondas pequenas.
[7]
Body Surf (ou surf de peito).
[8]
Toca aqui. Ele usa a expressão em inglês intencionalmente.
[9]
A alma da música, aquela pegada que não deixa você ficar parado.
[10]
Transição imperceptível de um som para o outro, ocorre quando o DJ consegue
encaixar perfeitamente os beats (batida).
[11]
Foda para caralho.
[12]
Auxiliar do bartender.
[13]
História adaptada, autor desconhecido.
[14]
Malabarismo.
[15]
Surfista de ondas gigantes.
[16]
Cair da prancha e levar várias ondas na cabeça antes de recuperar o equilíbrio.
[17]
Equivalente a puxar saco, bajular.
[18]
Combinação de horrível e ridícula.
[19]
Sem ondas.
[20]
Música da Taylor Swift.
[21]
Show/apresentação de um DJ.
[22]
Ondas que quebram mais rápido e com mais força.
[23]
Sequência de ondas.
[24]
Momento que o surfista fica em pé na prancha.
[25]
Após a linha de arrebentação, mar adentro.
[26]
Maleta própria para guardar e transportar os equipamentos.
[27]
Trabalho.
[28]
Alma de Cigana, de 3030.
[29]
Copos onde são servidos tequila ou cachaça.
[30]
“Pra cima, pra baixo, no centro e dentro.”
[31]
Se você nos vir na balada. Nós estaremos muito bem. Se você nos vir na pista. Você
vai nos observar a noite inteira. Nós não estamos aqui pra machucar ninguém. Então me mostre,
me mostre, me mostre. Quero ver você mexer seu corpo. Então me mostre, me mostre, me
mostre.
[32]
Gabriela Gattai, personagem do livro Gattai.
[33]
De forma simplória, seria o equivalente a um agente.
[34]
Ondas pequenas, que não permitem surfar com qualidade.
[35]
Perdição, do L7NNON.
[36]
Picolé de Itu.
[37]
Trecho de uma track, como uma amostra/recorte.
[38]
Quando o DJ tem um víncWebulo semanal com um clube, por exemplo. Podendo
ou não ter um caráter de exclusividade.
[39]
Era um DJ sueco, um dos maiores produtores de Electronic Dance Music (EDM),
que morreu em 2018 (na cronologia da história, o festival é dois anos antes da morte dele).
[40]
A tradução é encantada. Ela faz uma referência à música da Taylor Swift, a mesma
que é citada na abertura do capítulo.
[41]
Ei, fiquei encantado em conhecer você.
[42]
Estrofe completa: E disse: Case-se comigo, Julieta, você nunca terá que ficar
sozinha. Eu amo você e isso é tudo o que realmente importa. Eu falei com seu pai, vá pegar um
vestido branco. É uma história de amor, meu bem, apenas diga sim.
[43]
Pebolim.
[44]
Roupa utilizada para esportes aquáticos, podendo ser em lycra (águas com
temperaturas amenas ou quentes) e neoprene (águas com baixas temperaturas) e de modelos
diversos. O material permite maior leveza e mobilidade na água, além de proteção no contato
com a prancha e parafina durante o surf.
[45]
Expressão baiana equivalente a “contar tudo”.
[46]
Abertura da pista, aquecimento.
[47]
Momento mais calmo da track.
[48]
Área aberta da lancha, um terceiro pavimento.
[49]
Vaca é quando você leva um tombo na prancha. Caldo é quando você leva um
tombo e é engolido pela onda.
[50]
Track de abertura.
[51]
O gosto dos seus lábios é minha ideia de luxo (Trecho de King Of My Heart, da
Taylor Swift).
[52]
Sambar é usado quando o DJ erra a passagem de um som para outro e há um
descompasso muito grande entre eles.
[53]
Tecido emborrachado utilizado em roupas para esportes aquáticos. É térmico,
impermeável e seca rápido.
[54]
É um tipo de pista de skate, estilo piscina, com o fundo mais raso e paredes
menores.
[55]
Movimento inicial no skate. Um pé fica no skate e o outro toca o chão, dando
impulso para você se movimentar.
[56]
Prancha de madeira do skate, o local onde se apoia os pés.
[57]
Três meia é como é conhecido o Ollie 360º, uma manobra onde o skate precisa
girar em dois eixos enquanto o skatista pula com o skate, na vertical e horizontal.
[58]
Tecido utilizado nas calças de sarja.
[59]
É uma espécie de molusco oriunda dos mangues, envolto em duas conchas.
[60]
Programa destinado a intercambistas entre 18 e 26 anos, para trabalhar como babá
nos Estados Unidos.
[61]
Bebida feita com Coca-Cola e sorvete de baunilha.
[62]
Esse exercício durante a flexão é para ajudar na remada.
[63]
Deslizamento simples.
[64]
É um exercício para o pescoço.
[65]
Gíria que significa achar algo muito engraçado e não aguentar.
[66]
Ei, ei, ei! Só pense que enquanto você esteve chateada e decepcionada por causa dos
mentirosos. E dos sujos, sujos trapaceiros do mundo. Você poderia estar se acabando nessa batida
incrível.
[67]
E para o cara bem ali com o cabelo lindo. Por que não vem pra cá, amor? Nós
poderíamos sacudir, sacudir, sacudir.

[68]
Escola de tambores afro-brasileiro de Salvador/Ba.
[69]
Muito rápido.
[70]
Autolesão não suicida (ALNS), não tem como objetivo levar à morte, mas aliviar a
dor psíquica. Em outros casos, o objetivo é “sentir” para preencher o vazio, ainda que
momentaneamente.
[71]
Infecções Sexualmente Transmissíveis.
[72]
Só para referência, esse dado está dentro das estáticas possíveis na atualidade, em
decorrência do impacto do TikTok. Em 2021, um DJ brasileiro de 19 anos, bateu 3 bilhões de
streams cerca de três meses após o lançamento da track.
[73]
É considerado o clube nº 1 do mundo.
[74]
Macacão de Neoprene com as pernas curtas.
[75]
Cale a boca e dance comigo.

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