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Capa:
Senara Sousa
(@senaradesigner)
Leitura crítica:
Heloisa Fachini
(@readbyhelo)
Ilustração:
Camilly Lourenço
(@misolace_)
Adorável.
Receber mensagens assim deveria me assustar mais. Elas poderiam, se
eu não soubesse quem era o filho da puta que as mandava.
O único que me chamava de babochka, que significava, ironicamente,
doce borboleta: Asher filho da puta Volkov.
Meu ex-melhor amigo, uma das minhas primeiras paixões, um dos
meus lindos monstros que mais parecia um poço vazio de sentimentos.
Asher sempre teve algo faltando nele: desde criança era fácil de ver. Ele
nunca foi o mais sociável, não gostava de quase ninguém e não tinha muita
compaixão, mas ainda o amava, mesmo sabendo que ele era vazio. Mas
Asher também era algo muito importante para mim...
Asher era um dos responsáveis por colocar minha mãe atrás das
grades. Ele e todos os outros três: Roman, Dylan e Axel. Todos eles me
formaram e me traíram. Olharam em meu rosto e juraram que estaríamos
sempre juntos, até que um de nós teve que cair. E eles escolheram que eu
caísse. Não havia nada mais sujo e podre no meu coração do que os seus
nomes guardados, quietos e apodrecendo dentro de mim, esperando o
momento em que eu vou poder derrubar todos eles pelos que fizeram a
mim e minha mãe.
Assim como eu venho de uma linhagem de criminosos, eles também
vêm. Roman Miller é o príncipe de um clube de motoqueiros e seu pai,
James, é o líder que governa com mãos de ferro. Seu negócio principal é o
tráfico de armas, mas todos nessa cidade sabem o quão bem James lida
com as drogas.
Dylan Monroe é outra coisa além de um bom jogador de futebol. Seu
avô, Patrick, é o chefe de uma família que controla bem o crime
organizado. Família. Os tios de Dylan têm as mãos entranhadas em sangue
e Patrick tem um dedo em cada coisa suja que acontece nessa cidade,
afinal de contas, a família Monroe é polêmica desde a morte da mãe de
Dylan.
E os gêmeos Volkov... Eles sempre me deram arrepios. Mikhail Volkov é
russo e tem os símbolos da Bratva marcados em cada centímetro de sua
pele, incluindo em seus olhos de gelo. Ele pode ser somente um homem
perto de grandes organizações como o clube ou de uma família inteira,
como os Monroe, mas Mikhail Volkov é tão letal quanto qualquer um deles
e não desiste de suas coisas facilmente. É por isso que seus filhos são dessa
forma. É por isso que Asher é dessa forma.
Nos conhecemos quando eu tinha sete anos, mas antes disso eles já se
conheciam. Essa cidade é o lar de grandes tubarões e, por um curto
período, eles conviveram em paz. Tempo suficiente para que seus filhos se
conhecessem e formassem uma estranha e obsessiva amizade. Tempo o
suficiente para que aprendessem uns com os outros. Tempo suficiente para
que me deixassem entrar, e então me expulsassem.
Tempo suficiente para aprenderem a se tornar tubarões assim como
cada um dos seus pais.
Também não consigo evitar o ódio a mim por conhecê-los, por amá-los,
por roubar com eles, por permitir que roubassem o meu coração e me
tirassem da fantasia que uma vez compartilhei com aquelas quatro almas.
A fantasia de que seríamos perfeitamente sujos juntos. De que, de alguma
forma louca e sem nexo, nós ainda poderíamos permanecer juntos e
enfrentar a vida juntos.
O pior é que eu ainda guardo os seus bilhetes e cuido das flores,
porque essa é a pequena migalha de atenção deles que eu tenho em
quatro anos, porque, depois do que aconteceu, tudo o que eu recebo são
cartas de ameaças de Asher e flores vermelhas... Tudo isso vindo do meu
brinquedo quebrado.
Então leio o bilhete de novo e o guardo dentro da caixa, exatamente
igual eu fiz com o meu amor por eles.
A cama de Megan não é grande, mas é melhor do que o sofá, com toda
certeza. Eu não iria dormir lá e ela não é receptiva o bastante para ir no
sofá no meu lugar, então decidimos dormir na cama juntas. Com Hela, é
claro.
Minha bolinha de pelos preta está visivelmente incomodada com a
troca de acomodações, mas ela se acostuma. Não vamos ficar muito
tempo, daqui a pouco vamos voltar para casa e tudo vai voltar ao normal.
— E se as câmeras ficaram ligadas? — Megan indaga ao meu lado,
enquanto descanso minhas pernas ao lado das dela na cama.
— Agora você está me ofendendo — Charlotte resmunga ao nosso
lado.
Nós três estamos pressionadas na pequena cama de Megan.
Seu cabelo ainda tem o gel que seu pai lhe pediu para usar e tirar as
fotos que ele tanto queria. Charlotte não está brava por isso, ela sabe que
sua família vive de aparências. Como essa última viagem, Charlotte nunca
passa tanto tempo no Texas. Ela sempre sai por uma semana ou menos,
mas quando volta... vai sempre direto para a casa de Megan.
— Qual outra explicação teria para eles irem atrás da nossa hermana?
Charlotte solta um suspiro.
— Não sei, mas não foi pelas câmeras. Eu nunca falho.
E não falha mesmo, nunca, nem mesmo uma vez. Charlotte é boa em
tudo o que faz, não porque tem algum talento ou dom especial para isso,
mas sim porque ela não se contenta até atingir a perfeição com tudo o que
se propõe a fazer. Se ela diz que pode hackear um lugar, então ela pode.
Passo a mão pela minha cabeça, os meus olhos doem muito, mas não
digo nada. Vou tomar um remédio e apagar depois, mas agora... Ainda
precisamos pensar direito.
— O que o cara disse antes de apagar?
— Me perguntou onde estava.
Megan se vira para mim.
— Onde estava o quê? O dinheiro? Ou é um quem?
Aí está a pergunta de um milhão de dólares.
— Não sei, mas tem uma coisa que não faz sentido...
Charlotte solta uma risada.
— Tem muitas coisas que não fazem sentido nessa história.
— Eu sei, mas é que... Não sei, o cara não pareceu realmente
interessado em me levar. — Alguma coisa ainda não bate. — Se eu
estivesse atrás de uma ladra que me roubou uns... O quê? Quinze mil? Não
iria perguntar a ela sobre isso no meio de toda confusão. Não é assim que
funciona por aqui.
— Bater primeiro, perguntar depois — Megan concorda comigo. —
Então no que está pensando, hermana? Acha que não estavam atrás de
você?
Não tenho a resposta para essa pergunta.
Quanto tempo demora para uma escola de elite juntar os cacos e voltar
à ativa?
Dois dias. Em 48 horas, a escola já havia enviado um comunicado nas
redes sociais dizendo que eles já voltaram à ativa e que todos os alunos
serão chamados para uma comitiva no ginásio. O diretor vai falar algumas
palavras sobre o acontecimento, provavelmente alguma baboseira sobre
aumentar a segurança, mesmo que todos saibam que é ridículo querer
comparar forças com um MC.
Não teve vítimas, aparentemente aquilo não era um massacre, e sim o
que eu já havia imaginado. Aquilo era uma caçada, e os tiros eram para
distração e tirar todos da frente. Brutais, fazendo exatamente o que se
espera de uma gangue de motoqueiros.
As malditas perguntas ainda rondam a minha cabeça quando me dirijo
ao ginásio. Realmente não queria vir, mas fiquei curiosa. Além disso, acho
que, se estivessem realmente atrás de mim, já teriam corrido onde eu
moro à essa altura, e contando que a Sra. McCurdy não disse nada para mi
madre quando ela me ligou, acho que tudo está bem.
Avaliando a situação, acho que está ótima para mim. Não estão
tentando me matar — acho —, eu consegui sobreviver a um ataque e não
perdi o dinheiro do meu negócio com o garoto viciado de uns dias atrás.
Tudo está bem e só quero voltar para casa... Hum, depois de sair daqui.
— Estava me perguntando se você ia vir. — E é claro que a minha sorte
não pode funcionar a meu favor, lógico que não. Porque um dos demônios
encarnados, Roman, está parado na parede ao lado da porta do refeitório,
me impedindo de entrar com aquele sorriso estúpido.
O rosto é bonito, mas por dentro tudo está feio.
Ele está com aquela jaqueta estúpida com o símbolo do MC dele atrás:
um demônio pegando fogo. Já vi o símbolo vezes o suficiente para saber
reconhecer a metros de distância e aprender a distinguir entre todos os
outros.
Tem lá a sua poesia.
— Sai da minha frente — mando, mas tudo o que Roman faz é abrir
mais o seu sorriso de tubarão. Me sinto como uma presa sendo
encurralada, como uma ovelha ameaçada por um lobo. Não gosto.
— Estava pensando esses dias sobre uma coisa, boneca — ele se
desencosta da parede e dá um passo em minha direção. Dou um passo
para trás.
— Não me interesso sobre o que passa na sua cabeça, idiota.
— Sabe, ontem eu estava pensando sobre o nosso tempo no carro e
tudo mais... E aí me lembrei da nossa conversa e fiquei curioso sobre uma
coisa. — Ele vai se aproximando de mim, sua altura estrondosa comparada
a minha me fez levantar a cabeça para continuar encarando-o nos olhos. —
Qual o seu interesse no que roubaram de nós?
Balanço a cabeça, sem acreditar na audácia desse filho da puta. Poderia
ser mais descarado? Cerro os meus olhos e me preparo para dar um chute
no pau desse nojento, mas um barulho atrai nossa atenção para a porta.
Cabelos dourados e bagunçados de um jeito tão perfeito, que parece
que ele passa horas arrumando para deixar daquele jeito. O cheiro ainda é
do xampu com aroma amadeirado que eu gostava quando tinha quatorze
anos. A estatura é alta e larga, o corpo de um jogador, alguns centímetros
mais baixo que Roman, mas os olhos ainda são azuis para dar mais
veracidade ao personagem clichê de romances adolescentes. Até mesmo a
jaqueta vermelha e preta, característica do time da nossa escola.
Nem preciso olhar o número para saber qual posição ele ocupa, não
tenho necessidade...
Capitão.
Dylan Moore, um dos meus demônios particulares, é o príncipe da
escola e um dia será o príncipe do mundo quando decidir seguir os
negócios da sua família.
O mais carismático e simpático dos meninos, sempre que pode tem um
sorriso no rosto e faz amizade até mesmo com uma porta. Lembro-me de
ficar enciumada quando o via conversando com outras meninas, porque,
Deus me ajude, ele sempre foi do tipo que era rodeado por elas. Eu odiava
e ele sabia, porque sempre vinha atrás de mim e dizia no meu ouvido que
eu era a única garota que ele aceitava em sua vida.
Que ironia do caralho!
Devia ter aprendido melhor do que confiar em garotos de quatorze
anos.
— Seu filho da puta! — Dylan diz enquanto olha para Roman. Faço um
esforço para deixar a minha expressão vazia, mas, por dentro, tudo o que
eu quero é subir as minhas sobrancelhas até a linha do cabelo.
Dylan sempre teve a boca suja, mas não tinha o costume de usá-la com
os garotos ou comigo.
É, as pessoas realmente mudam.
— Que porra você quer, Moore? — Roman vira o rosto para ele, e
aproveito para dar mais alguns passos para trás. Se estar perto de Roman
sozinho já é ruim, acrescentar Dylan à mistura é um pesadelo.
— Saber quando você perdeu a cabeça e começou a quebrar as suas
promessas, idiota! — Os olhos azulados de Dylan se voltam para mim, se
movendo por todo o meu rosto com rapidez antes dele engolir em seco. —
O que você está fazendo com ela?
Agora eu sou “ela”.
— O que faço não é da sua conta, Moore.
Dylan vem mais perto, a diferença entre ele e Roman é imensa.
Enquanto Roman parece ter saído de um filme de ação dos anos 2000,
Dylan parece ter saído de um clichê romântico do tipo que costuma ser
feito nos dias de hoje. Ele seria o babaca por quem a protagonista iria se
apaixonar e tentar mudar, mas no final ela só iria sair com o coração
quebrado.
— O que você faz com ela é sim — ele até fez careta quando disse “ela”.
Ok, hora de sair. Para nunca mais voltar, espero.
Reviro os meus olhos, mesmo que queira gritar com os dois como uma
louca, mordo o lábio com tanta força que tenho medo dele sangrar.
Ignore o que não te acrescenta, mi corazón... Mamãe costumava dizer.
Ando entre os dois, indo em direção à porta da cantina para entrar lá
de uma vez por todas, mas uma mão me segura. A mão de Roman, é claro.
Dylan fala de mim como se tivesse nojo, duvido que ele se atreva a me
tocar.
— Não respondeu a minha pergunta.
O olho, então, em um rápido movimento, dobro um dos dedos que
estão em mim para trás com força e ele grunhe. Não é o suficiente para
quebrar, para machucar. Sua outra mão sobe para agarrar a minha, mas eu
já o havia soltado.
— Nunca mais encoste em mim de novo, e nem fale comigo. Inferno,
nem mesmo olhe para mim. Não quero ter nada a ver com você, com
nenhum de vocês, nunca mais.
Observo um breve momento quando ele se cala e fica parado, sua mão
cai ao lado do corpo em derrota. Não espero muito para me virar e entrar,
deixando ele, eles, para trás.
Porque isso é tudo o que eles são, o meu doloroso passado. E eu tenho
coisas mais importantes para fazer do que me ocupar com a merda deles
como se voltássemos aos quatorze de novo. Preciso tirar a minha mãe da
cadeia, então achar documentos falsos para que possamos fugir daqui.
Aqueles garotos não são nada para mim a não ser dor, porque tudo o
que eu faço é consequência do que eles fizeram comigo.
Não valem o meu tempo.
Não valem nada.
Charlie aparentou estar preocupado quando conversou comigo pelo
telefone mais cedo. Ele não sabe que roubamos o maldito mercadinho. Na
verdade, Charlie não sabe muitas coisas da minha vida. Nada de mais sai
da minha boca relacionado ao meu trabalho. Não que eu não confie em
Charlie, eu confio, mas ele me parece “do lado certo da lei” demais para
me ouvir falar sobre o último lugar em que assaltei.
E isso é estranho, considerando que ele é filho de uma das mulheres
mais duronas que eu já vi.
E falando em assalto, já estou pronta para outra. Preciso continuar
ganhando dinheiro, então já está na hora de achar um novo lugar para
assaltar.
Talvez tenhamos que sair de perto, já que tem muita coisa acontecendo
por aqui, mas nada que não possa funcionar.
É com esse pensamento que dirijo o meu carro até em casa. Hela está
dormindo no banco ao lado, confortável demais, embolada em uma pilha
de roupas minhas, para se importar em não estarmos mais em casa, mas
estou feliz o suficiente para estarmos voltando para lá.
Amo Megan, mas sua casa não chega nem perto da paz da minha.
Já está escuro e silencioso quando estaciono o carro na frente de casa.
A rua está meio vazia, com exceção de alguns carros parados por ali. As
pessoas geralmente não andam por essas ruas à noite, e nem devem, pode
ser perigoso. Nada está estranho, tudo parece estar em seu devido lugar...
até eu olhar para a janela da Sra. McCurdy.
Está apagada.
Toda a sua casa está escura, o que imediatamente liga o meu modo
suspeito. Isla nunca está com a casa toda apagada, o seu trabalho é
literalmente ficar na janela e me olhar chegar, então por que diabos está
apagado agora?
Olho ao redor com os olhos cerrados. Não há nada demais, tudo parece
em seu devido lugar.
Mas ainda assim...
Não, alguma coisa não parece certa. Me abaixo no carro, tirando uma
arma debaixo do meu banco. Olho direito para ver se está carregada, dou
um beijinho de amor em Hela e saio do carro, enfiando a arma no cós da
minha calça e tampando com a blusa.
Minhas botas fazem barulho contra o piso da rua enquanto caminho
até a casa dos meus vizinhos. Uma brisa de vento gelado arrepia os pelos
do meu braço e estremeço pelo frio. Minha jaqueta está servindo de cama
para Hela nesse exato momento, então não me importo muito.
Bato uma vez na porta, mas só recebo silêncio. Então bato a segunda.
Nada.
Que porra é essa?
Caminho para a lateral da casa, de frente para a minha. Minha mão vai
para a arma no cós da calça quando ouço uma batida na parede ao meu
lado, então outra.
Foda-se, que porra é essa?
— Sra. McCurdy?! — sussurro. — Velha, se você estiver tentando me
assustar e me deixar preocupada, juro que te mato dormindo.
Eu totalmente iria.
Volto a andar, caminhando até o lado da frente de novo. Decido que
vou subir esses degraus e então vou invadir a porra da casa dela. Vou
quebrar a porta igual vi Derek Morgan fazer naquela série criminal. Vou
colocar tudo abaixo e dar dois tapas na cara daquela velha descarada.
Ando até a porta da minha casa decidida, e então, em um momento
rápido, sou puxada completamente para trás com força o suficiente para
que eu não consiga me mexer muito. Minha boca é tampada por uma mão
enorme e masculina, o que me impede de pedir ajuda.
Ótimo, perfeito pra caralho.
A sensação de desespero faz minha pele se arrepiar ainda mais e,
graças a ela, tento tirar a minha arma do cós, mas quem quer que esteja
me segurando está impossibilitando isso.
Não quero morrer, droga.
— Quieta — ele sussurra rispidamente, me puxando para baixo,
escondida entre os arbustos. Sinto o cheiro do xampu, o mesmo que eu
sempre insisti para ele comprar anos atrás. Dylan. Dylan está me
segurando e me impedindo de entrar em casa, a questão é o motivo.
Por quê?
Tento falar, mas a mão está firme em minha boca. E nem quando tento
mordê-lo consigo alguma reação dele. Nada além de uma sobrancelha
sendo erguida e um olhar estúpido, como se estivesse se perguntando se
isso é tudo o que tenho. Quero raspá-la.
Nojentinho de merda.
— Tem alguém na sua casa, está me escutando? — ele volta a falar,
depois levanta a cabeça para olhar ao redor. — Não podemos ficar aqui,
Roman está no carro da esquina. Precisamos ir para lá, me entendeu?
E agora ele acha que eu tenho problemas de audição?
Ergo uma sobrancelha, imitando o seu gesto de antes e olhando para
baixo em direção a mão enorme e provavelmente suja na minha boca. Eca,
qual foi a última vez que ele tinha lavado?
Espera, gente na minha casa? Quem diabos está na minha casa e por
quê? E como Dylan sabe disso? E por que ele está aqui? E Roman?
O que está acontecendo?
Pisco, confusa. Meus olhos frenéticos analisam a rua deserta, e, mesmo
da posição que estou, não consigo ver nada suspeito. A fúria cresce dentro
de mim tão rápido que chega a me assustar, talvez não exista ninguém na
minha casa, e sim mais uma armadilha de Dylan e Roman para me arrastar
mais uma vez em suas fantasias ridículas.
Mas então... eu vejo. Aperto os meus olhos para tentar enxergar
melhor na escuridão, mas vejo bem a cortina da janela da minha sala se
mexer pelo lado de dentro. Quase me encolho dentro de seus braços.
Dylan tira a mão da minha boca lentamente, mas a mantém perto,
provavelmente para voltar a me calar se eu começar a pirar.
— Minha gata está no banco da frente do meu carro — comunico.
Dylan balança a cabeça e me olha, provavelmente não entende onde
eu estou querendo chegar. Se estivesse em um lugar mais tranquilo, eu
teria revirado os meus olhos para ele e sua lerdeza. Tão devagar.
— E daí?
— Não saio daqui sem ela, então se quiser que eu entre em um carro
com você e o outro idiota, é melhor pegá-la para mim.
— Quer que eu ande até o seu carro para pegar uma gata? — ele
indaga. — E se eu levar um tiro?
— Antes você do que eu — retruco.
Dylan me encara e eu o imito. Minha mandíbula está cerrada. Ele
balança a cabeça, olhando para o meu carro a poucos metros de distância
e então para a minha casa.
— Vai para o carro enquanto eu vou atrás do maldito gato — ordena
ele. Poderia ter rido se estivesse em um humor mais doce. Maldito gato?
— Minha garota vale mais do que você e Roman juntos.
Dylan resmunga, se agachando antes de me lançar um olhar demorado
e indicar para o fim da rua, do lado oposto de onde o meu carro e minha
gatinha estão. Acho que ele está me mandando ir logo, mas eu lhe dou o
dedo antes de me agachar entre a cerca de madeira e ir calmamente até lá,
quase tão discreta quanto posso.
Escuto os passos pesados do loiro e reviro os olhos, é claro que o
jogador de futebol não sabe ser discreto.
Não foi difícil achar o carro. Era preto e parecia ser caro pra caralho,
mas foi o motorista que chamou atenção. Roman poderia chamar atenção
de qualquer um.
Os olhos azuis estão me encarando, uma arma firmemente agarrada
em seus dedos enquanto uma mão está no volante, pronta para acelerar a
qualquer momento.
— Entra no carro — ele manda.
Ergo o dedo do meio para esse filho da puta.
— Como você sabe que tem alguém na minha casa?
Roman tira a mão do volante e passa a mão no cabelo, claramente
irritado comigo, o que é ridículo, já que sou eu quem deveria estar irritada.
Me viro para trás, olhando Dylan correr em nossa direção com Hela
tentando morder os dedos dele com força. Minha garota.
Pensando bem, eu até posso dar a arma a ele, mas espero que ele
realmente leve um tiro e... morra em agonia.
Não se pode ter tudo, né?
Roman larga a arma em seu colo e estende um braço para fora do
carro, me agarrando com força e me puxando em direção a ele. Resmungo
pela dor, mas entro no banco de trás quando Dylan dá a volta para entrar
no banco do passageiro.
— Me dá Hela. — Estendo a mão quando o carro acelera, Roman
trabalha rápido para nos tirar dali.
— Você deu o nome da deusa dos mortos para a sua gata? — A
cabeleira loira se vira para trás para me encarar, e ele devolve a minha
gatinha como se se livrar dela fosse a melhor coisa que ele fez hoje.
— O nome é apropriado. E ela não é deusa dos mortos, e sim do reino
dos mortos.
— Mesma coisa! — ele resmunga.
Puxo a respiração ruidosamente, quase como um búfalo, mas então me
lembro de mi madre dizer que as mulheres deveriam usar sua feminilidade
para manipular os homens, então me contenho.
Me pergunto o que ela diria de mim agora...
Quase posso imaginar os seus olhos verdes me avaliando de cima a
baixo com aquele ar de decepção. Ela iria balançar a cabeça em negação e
o vasto e brilhante cabelo escuro iria cair de balançar sensualmente em
suas costas. Mamãe é muitas coisas, incluindo uma sedutora experiente.
Não era à toa que ela conseguiu colocar tantos homens em sua cama e que
lhe presentearam com tanto.
Não é à toa que mi madre, mesmo depois de presa, ainda controla
alguns pontos de tráfico de drogas no México.
— Como vocês sabem que tinha alguém na minha casa? — repito a
pergunta, e, dessa vez, eu tiro a minha arma do cós e aponto-a
diretamente para a cabeça loira de Dylan.
Ele olha para trás, seus olhos azuis para a arma e então sobem para
encontrar os meus olhos verdes. Ele ergue uma sobrancelha para mim,
mas não parece muito surpreso com a minha última atitude. Na verdade,
parece bem relaxado. Relaxado demais, para quem tem uma arma
apontada na cabeça.
— Como você sabia que ela ia fazer isso? — Em vez de tremer com o
perigo, o que Dylan faz é se virar para Roman para perguntar isso.
— Ela apontou uma arma para o meu pau uns dias atrás — Roman lhe
responde.
Quando éramos crianças, eu nunca entendi direito o quão profunda era
a relação deles. Éramos todos amigos, é claro, mas Roman e Dylan sempre
pareceram ter a sua própria língua. Eles sempre se entendiam mais rápido
quando brigavam, não tinham problema em se desculpar um com o outro
como tinham em pedir desculpas para um dos gêmeos.
Dylan faz um som surpreso, quase parecido com uma risada. Meus
olhos estremecem tanto que juro que vou ter um ataque de raiva e atirar
em um deles. Talvez nos dois.
— E você deixou de me contar essa parte? — resmunga o loiro.
Destravo a arma, mantendo firmemente apontada para Dylan. É o mais
estratégico, considerando que Roman precisaria ser muito ágil para
controlar o carro e tirar a arma da minha mão ao mesmo tempo.
— Responda a minha pergunta!
Os olhos azuis do loiro se voltam para mim pelo retrovisor. Eles
parecem brilhar mesmo na escuridão do carro, sendo iluminados apenas
pelas luzes do lado de fora. Dylan sempre teve o dom de falar com os
olhos, ele sempre foi expressivo demais para o próprio bem. Eu amava isso,
gostava de saber o que ele estava pensando sem precisar perguntar, sem
ter que bater a cabeça para adivinhar como fazia com os outros.
Transformava a nossa relação em algo especial.
— Roman estava te seguindo — Dylan diz, mas ele não se vira para me
encarar. Na verdade, me olha pelo espelho retrovisor ainda. O azul não se
desvia em nenhum momento.
Roman faz um som de descontentamento, como se não concordasse
com a declaração de Dylan.
— Nós estávamos te seguindo — o loiro se corrige.
— Por quê?
— Porque outras pessoas estão seguindo você — Roman diz, nem se
importando em me dar um olhar enquanto dirige como um maníaco pelas
ruas do Texas. Presto atenção na rua, olhando onde iremos parar. Parece
que ele está dirigindo de volta para o lado caro da cidade.
Estamos voltando para o bairro dos podres de ricos.
— Do que diabos você está falando? — indago. Minha mão livre desce
para fazer carinho em Hela em busca de algum apoio. Minha outra mão
fica meio trêmula por conta da velocidade do carro, mas ainda a mantenho
estendida, mesmo parecendo meio inútil já que nenhum deles está
preocupado comigo carregando uma arma.
— Fugir com você depois que eu te salvei dos motoqueiros outro dia foi
uma coisa estúpida. Eles te seguiram. — Fico ainda mais confusa com toda
essa história. — E agora estão na sua casa.
Tenho mais perguntas do que respostas para isso agora. Dylan
resmunga no banco da frente enquanto travo a arma e abaixo, com minha
mente correndo a mil por minuto.
Se eles me seguiram depois que eu saí com Roman, isso significa que
não sabiam de mim antes, certo? Então... talvez não estivessem atrás de
mim.
Mas agora estão.
Por quê?
— Por que eles invadiram a escola? — faço a pergunta. — Do que
estavam atrás?
— Não importa — Roman responde com aquele jeito mais grosseiro
dele.
Estreito os meus olhos, analisando os fatos que tenho em minhas mãos
até chegar na resposta que eu preciso. Roman se mexe no banco de um
jeito meio suspeito, e Dylan olha para a janela de um jeito meio entediado,
como se tivesse mais o que fazer do que estar ali.
— É você, não é? Tem que ser, se elas começaram a me seguir depois
de eu ter fugido com você.
O silêncio no carro é a minha resposta. Roman puxa a respiração
ruidosamente, enquanto Dylan, por outro lado, parece se divertir no banco
do passageiro.
— Você sempre foi uma coisinha inteligente — comenta o loiro. —
Estou curioso para ver como vai ser quando estiver cercada de
motoqueiros.
Roman e eu o ignoramos.
— Há quanto tempo você está me seguindo? Na verdade, como
descobriu que eu estava sendo seguida?
Mas Roman não tem nem tempo de responder, porque ele freia
bruscamente quando um carro entra na frente do nosso do nada. Agarro
Hela e busco apoio no banco da frente, colocando a minha mão nele para
me impedir de cair. Olho ao redor, atordoada. Hela mia no meu colo,
claramente brava por eu ter a apertado tanto, então me abaixo e planto
um beijinho em sua cabeça para acalmá-la.
— Que porra é essa? — Dylan resmunga, bravo como há muito tempo
eu não vejo. Roman tira o cinto e sai do carro rapidamente, irritado demais
para considerar o contrário.
E então, quando olho para cima e encaro o vermelho sangue da Ferrari,
que praticamente brilha no escuro, chamando atenção para ela de uma
forma tão grandiosa, fico chocada de não ter prestado atenção antes.
Minhas mãos suam quando vejo as duas portas da frente se abrirem, e
delas saírem dois homens.
Não demora muito para eu reconhecer.
Cabelos pretos iguais, mesmos olhos castanhos, mesma altura, com a
diferença sutil de porte físico. Um deles era mais forte. O mais forte usa
uma blusa social preta meio aberta, seu pescoço coberto de correntes e
sua pele cheia de tatuagens e cicatrizes. Um coturno desgastado, um
cigarro nos lábios e o cabelo bagunçado. O mais magro usa um terno bem
passado com um lenço do bolso. Seu cabelo perfeitamente arrumado no
gel e uma expressão vazia, mas os olhos...
Os olhos estão carregados de gelo.
Minha respiração engata e prende na garganta, e eu olho ao redor
procurando uma saída dele. De todos eles.
Não está certo, não todos eles juntos depois de se separarem. Não
comigo presa no banco de trás e não sem as minhas garotas como apoio.
Não assim.
Minha atenção vai para a frente ao mesmo tempo em que Dylan sai do
carro depois de me mandar um olhar longo e tirar a chave da ignição
apenas para colocar no bolso da sua calça. Ele caminha até a frente do
carro e fica ao lado de Roman, os dois formando uma frente única.
Olho quando aqueles garotos ficam no mesmo ambiente novamente.
Não sei se eles ficaram todos separados entre si como ficaram comigo, mas
parece que o clima não é agradável do lado de fora.
De um lado estão Roman e Dylan. A selvageria combinada entre si
como apenas aqueles dois conseguem fazer, talvez a conversa que tiveram
mais cedo tenha ajudado.
Do outro lado, os gêmeos Volkov.
Axel e Asher, tão bonitos quanto eu me lembro. Mais, agora que suas
feições estão endurecidas e são homens em vez de meninos. Agora que os
corpos já haviam se desenvolvido, que seus olhos tinham mais experiências
do que quando tínhamos quatorze.
A frieza de Asher combinada com a ira de Axel são tão letais quanto
Roman e Dylan. Talvez mais.
Eles sempre foram assim. Enquanto os olhos vazios de Asher eram tão
frios a ponto de me gelar, os quentes de Axel eram o que me incendiaram.
Sempre tão cheio de sentimentos, de raiva. Tão opostos, mas ao mesmo
tempo se entendiam como se conversassem em suas mentes.
E agora estavam na minha frente, e eu estava sendo protegida apenas
por um carro.
Todos os meus demônios presentes no mesmo lugar.
O meu pesadelo virando realidade.
Como eu quero voltar para o início do dia para mudar isso.
Será que dá tempo de fazer uma ligação direta e sair daqui?
Eu estava procurando por ela. No ataque, quero dizer... É claro que
estava procurando-a. Sempre estive procurando-a. Em uma sala cheia de
pessoas, eu sempre ia procurar pela latina esquentada do cabelo longo e
dos olhos verdes.
Em The Fallon Devils MC, sempre brinquei que nós não morremos pela
vida fora da lei, e sim morremos nas mãos dos nossos pecados, dos nossos
vícios. Viciados em bebidas, drogas, sexo e adrenalina.
O meu vício é pior do que todos eles, porque o meu vício tem um
sotaque fraco, tem um temperamento tão ruim ao ponto de apontar uma
arma para o meu pau, tem um cabelo tão longo que eu conseguiria enrolar
o punho três vezes até puxar pela raiz, tem olhos verdes que sempre se
reviram de ódio e tem os lábios grossos que eu gosto de imaginar em volta
do meu pau desde que sei o motivo por ele ficar duro.
Por ela. Sempre por ela.
Julieta González Leclerc, a irritadinha que costumava ser minha melhor
amiga.
Ela meio que me odeia agora, mas isso não me impede de a procurar
em qualquer lugar que eu sinta a sua presença. Como no ataque da escola,
que aconteceu há dias.
Estavam atrás de mim, eu sabia, mas não pude evitar de segui-la
quando vi as pernas grossas saltarem pela janela do segundo andar
enquanto eu estava preso no primeiro. Quebrei uma janela com a cadeira
para ir atrás dela.
Antes eu do que Dylan.
Ele estava atrás dela também, filho de uma puta.
Se alguém fosse quebrar o acordo que fizemos há quatro anos, esse
alguém tinha que ser eu. Não era o mais justo, mas quem é que liga para
essa merda de justiça? Eu com certeza não.
E mesmo com a arma apontada para o meu pau, tudo aquilo valeu a
pena. Iria ser só uma vez, só uma última vez antes de esquecer tudo de
novo e voltarmos para a nossa rotina de merda onde todos nós fazemos
um trabalho para nos ignorar.
Até assisti as pernas dela se mexerem naquela calça apertada antes de
olhar uma velha senhora me dando o dedo do meio de uma janela.
Ia ficar tudo bem.
Mas tinha que falar com ela de novo. A voz dela tinha mudado, não era
mais a aguda e fina que tinha aos quatorze, estava mais rouca, mais
profunda e feminina, menos criança e mais mulher. Me deixou duro pra
caralho.
E então Dylan apareceu para acabar com a minha festa, mas o filho da
puta é tão sedento pelas migalhas que ela deixa para ele como eu sou
pelas que ela deixa para mim. Seguimos ela, é claro. E aí demos de cara
com três motoqueiros escondendo suas motos antes de invadir a sua casa.
Até aí, tudo parecia muito bom para mim.
Eu podia ser bem filho da puta e bancar o herói para ela. O príncipe em
meu cavalo branco, bem do tipo dos filmes que eu assistia com ela quando
mais novos. Salvar a sua vida como eu já tinha feito antes e a arrastar até o
complexo em segurança comigo, Dylan não ia se opor a isso, quer dizer, ele
nem consegue olhar nos olhos dela sem tremer as pernas, então acho que
o imbecil não ia ligar de eu levá-la comigo.
Mas os gêmeos Volkov não funcionavam como Dylan.
Eles nunca gostaram de dividir as coisas entre eles, e tampouco comigo
e Dylan. Precisámos brigar e trocar socos até ficar decidido dividir tudo por
igual.
Então, quando o maldito carro vermelho me obrigou a parar, eu já
imaginava o que esperar quando saí do carro.
Eles vão querer saber o que está acontecendo, então vão querer levar
Julieta eles mesmos.
Só por cima do meu cadáver.
— Quando eu ouvi boatos de que vocês estavam andando com ela,
achei que fosse mentira... — Asher começa a falar com sua voz mansa,
quase como se estivesse entediado e quisesse estar em qualquer outro
lugar, menos aqui. Quero dar um soco nele. — Mas depois que o meu
irmão viu vocês dois juntos, tive que ver pelos meus próprios olhos.
— E você gostou do que viu? — indago, sorrindo como um filho da puta
presunçoso no final disso. Axel parece soltar um som parecido com um
rosnado, eu acho. Quer dizer, isso ou ele está com algum tipo de dor.
Asher revira os olhos e anda para a frente, em nossa direção. Dylan
bufa quando se junta ainda mais ao meu lado.
— Onde ela está? — Asher resmunga quando chega mais perto de nós
dois, passeando os olhos pelas janelas do carro atrás de mim. Não olho
para trás.
— Longe o suficiente de você e perto pra caralho de mim — respondo,
um sorriso todo sujo toma conta do meu rosto enquanto o do Asher se
fecha.
Isso, filho da puta. Fique irritado comigo.
Irritado o suficiente para me dar um motivo para te dar um soco bem
dado.
— O que vocês estão fazendo aqui? — Dylan pergunta, o mais civilizado
de todos nós.
Axel, o gêmeo com o cabelo bagunçado, vem em nossa direção como
um touro de rodeio. Bufando como um, como se eu tivesse balançado um
pano vermelho em frente a ele quando ele olha para trás de nós e põe os
seus olhos em Julieta no carro.
— Vocês, seus merdinhas que não sabem manter a palavra! — Axel
resmunga, sendo parado por seu irmão quando ele bate em seu ombro.
— Como se o seu irmão soubesse manter a palavra dele. — Aponto
para Asher. Ele levanta o rosto e aperta o maxilar como se estivéssemos em
uma série de realeza e ele precisasse provar alguma coisa. — É, a gente
sabe que você entrega coisas para ela.
— E alguma vez eu tentei esconder? — Asher puxa um sorriso do seu
rosto coberto pela máscara da frieza que ele sempre usa. Não é um sorriso
bonito, parece um sorriso de um tubarão cheio de dentes quando está
prestes a atacar. — Mas não fui eu que a coloquei em um carro, foi?
— Culpado — digo. — O que vai fazer, Volkov? Vai sujar o seu terninho
de três mil dólares para me bater?
A única coisa que ele faz é me olhar de cima para baixo, parando nas
botas sujas de terra com desgosto.
— Acha que eu usaria algo valendo três mil dólares? — Em sua voz
escorre desgosto, como só em um imbecil mimado poderia. — Por acaso,
acha que minha família tem problemas financeiros como a sua?
Quase vejo vermelho quando eu ando para a frente para arrancar
aquele terno do corpo dele, mas Dylan entra na minha frente e tampa a
minha visão de Asher Volkov.
— Vamos ficar aqui brigando como crianças ou resolver isso para tirá-la
daqui? — Dylan resmunga. A pele de um bom garoto cai aos pedaços
quando ele olha para o carro antes de voltar para a frente de novo.
— Por que vocês vieram atrás dela depois de tudo aquilo? — Axel
indaga.
— Estávamos protegendo-a — Dylan responde, mas Axel solta uma
risada.
— Protegendo-a? De quem?
— De algumas pessoas muito perigosas — Dylan continua dizendo, mas
ele falha no trabalho em convencer os gêmeos do mal de que nós
tínhamos motivo para voltar a falar com ela.
Quando tínhamos quatorze, todos os nossos pais estavam envolvidos
em um sistema de corrupção interligado. Não era surpresa, afinal de
contas, o fruto não cai longe da árvore. Todos corriam o risco de ser presos
para sempre, mas a única a ser presa de fato foi a mãe de Julieta. Tudo
mudou desde lá.
Ela acha que nós fomos os únicos a apontar provas para prender a mãe
dela, mas sinceramente? Ainda tenho as minhas dúvidas sobre como todos
os nossos pais foram investigados. De onde saiu a faísca que apontou o
meu pai como um dos maiores traficantes de armas do Texas? De onde saiu
a pista da família entrelaçada até os dentes com o crime organizado de
Dylan? Como sequer descobriram que o papai Volkov tem relações com a
máfia russa e que o pai Julieta é envolvido com lavagem de dinheiro?
Os maiores do Texas, cinco famílias com dinheiro sujo que prosperava.
Cuidadosos até com os faxineiros que limpavam a sua merda e agora quer
dizer que alguém de repente tinha provas o suficiente contra todos eles?
Isso fede o cheiro da família González. A mãe de Julieta nunca foi santa,
e sabia também onde estava se envolvendo quando abriu as pernas para
Anthony Leclerc anos atrás. Ninguém nessa porra de cidade é santo. Se
está aqui, você fez alguma coisa ou vai fazer.
É assim que a vida funciona, em um dia você está no topo e no outro
está preso por seus crimes lá em Nova York.
E ela também não era dona de um quartel de drogas no México? Eu
não sei, tenho estado meio longe dos boatos relacionados à família Julieta
pelos últimos anos. Só ela já era um veneno suficiente para me fazer
perder a porra da cabeça. Das duas.
— Mais perigosos que nós? — A sobrancelha de Asher se ergue.
— Sim, seu merdinha. Agora vai sair da nossa frente ou prefere que eu
te atropele?
— Você e as suas velhas ameaças — Axel resmunga, se aproximando
ainda mais do irmão, eles vêm para a frente. São tão cuidadosos que os
pés nem fazem barulho no piso sujo do asfalto.
— E você sempre sendo um covarde e se escondendo nas costas do
irmão.
Axel quer me bater, é fácil de ver. Ele tem os punhos cerrados ao lado
do corpo, a mandíbula cerrada e está com toda a postura de “filho da puta
assustador”. O maldito quer me dar um soco, talvez até queira me matar
como já fez com um homem antes. Nunca se sabe com esses malditos
russos.
E ele provavelmente vai fazer isso, virá até mim e tentará arrancar a
minha cabeça do meu corpo com todos aqueles músculos e cicatrizes dele.
Até o vejo dar um passo para a frente, e Asher não faz o menor movimento
de o segurar, mas um barulho nos para.
O barulho de um motor de carro.
O carro que eu estava dirigindo, sendo mais específico.
Me viro para trás, a ponto de arregalar os olhos quando não acredito
na porra que vejo. O carro está ligado, mas não é possível que Dylan tenha
saído e deixado a chave lá dentro, pronta para ela pegar e fugir de nós
dois.
Mas o vejo batendo as mãos nos bolsos e erguendo a chave em seu
dedo, confirmando que elas ainda estão com ele. Aquele carro não devia
estar ligado, mas, quando todos nós olhamos, lá estava ele. E Julieta no
banco da frente, no motorista.
Consigo ver um sorriso perigoso nos lábios vermelhos, que eu tenho
uma relação de amor e ódio, quando ela nos manda um beijinho antes de
acelerar o carro um pouco, fazendo com que Dylan e eu fôssemos para
trás.
— Sabe, isso foi muito divertido de assistir, mas eu tenho outro lugar
para estar agora. Então, vocês sabem, certo? Un beso8 para todos. — Ela
usa uma das mãos para acenar para a gente antes de ameaçar acelerar o
carro de novo. Dylan e eu nos olhamos, então não saímos do lugar. Ela nos
observa, parecendo estar entediada quando revira os olhos. — O que estão
fazendo, filhos da puta? Eu vou atropelar vocês!
— Não, você não vai — Dylan diz, mas eu não tenho tanta certeza na
declaração dele.
— Sai do carro logo, babochka — Asher diz assim que chega ao nosso
lado, todos parados em frente ao carro. — Nós sabemos que você não vai
fazer isso, então para de nos fazer perder tempo.
E eu só posso chamar esse idiota de burro do caralho, porque a
declaração dele não parece nós ajudar em nada. Na verdade, o sorriso
falso some do rosto de Julieta e tudo o que tem é a máscara de ódio que
ela carregou para mim outro dia.
Dylan dá passos para o lado, pronto para sair de perto do carro prestes
a nos matar.
— Ela vai fazer, cara. Apontou uma arma para o pau do Roman ainda
essa semana — Dylan diz, erguendo as mãos para cima em sinal de
rendição.
Asher nem olha para ele, o filho da puta corajoso. Na verdade, um
pequeno sorriso nasce nos lábios dele quando ela puxa o ar e sorri
docemente para nós, uma mão em sua gata que estava em seu colo e outra
no volante.
— Ela não faria isso comigo, certo, babochka? — ele ri. — A nossa
relação é especial demais para isso, não é? Ainda tem as cartas que eu te
mandei?
— Você tem mandado cartas para ela, seu maldito? — resmungo.
Sabíamos que era alguma coisa, mas não fodidas cartas? O que somos, um
filme de romance agora? Asher me ignora.
— Vocês não podem dizer que eu não tentei. — Corro para fora do
caminho quando ela acelera o carro com tudo, quase atropelando Asher se
ele não fosse rápido o suficiente para sair da frente do carro.
É rápido demais para que eu consiga raciocinar direito, mas o carro
para tão rápido quanto acelerou. Quando levanto a minha cabeça para
olhar o que diabos está acontecendo, tenho a minha resposta quando vejo
Axel Volkov dentro do carro, no banco do passageiro.
Se nossa linda garota estava nervosa antes, parecia que iria dar um
ataque agora. O quão bonito seria o seu caos?
— Ahora16. Deve ter uns dez minutos que os guardas nos separaram.
Minha mãe, mi madre... Quase morta. Por quê? Por quem?
Faço essas perguntas a ela com minha voz trêmula, meus dedos
engordurados da comida que estava na minha mão antes agora estão na
poltrona quando eu me inclino para a frente e abaixo a minha cabeça para
não olhar para nenhum deles. Parece sujo falar com minha mãe perto
deles... É pura sujeira.
— Uma das detentas daqui. Ela disse que eu precisava pagar pelo que
fiz, disse que meus crimes tiraram o afilhado dela de casa. Disse que ajudei
a acabar com a vida de uma família... E disse...
— O que ela disse, mamãe?
— Que soy tan sucia como tu padre17 — ela toma fôlego para falar, sua
voz estremece tanto quanto a minha. — Ela disse que sabe dos crimes que
o seu pai cometeu, e disse que sabe que não é só aquilo que estava na
ficha. Não entendi de que ficha ela estava falando, mi corazón, não
entendi.
Ela sabia dos crimes do meu pai...
— Você está machucada?
— Nada que não tenha vivido antes — e a prepotência em sua voz me
quebra de um jeito tão grande... Porque sei que sua prepotência, que a
força em sua voz é apenas para mostrar para mim que ela é forte, que é
invencível.
— Madre... — quase choramingo quando sinto os dedos quentes de
Roman em meus ombros. — O que quer que eu faça?
— O que conseguir — ela me responde. — Não tenho muito tempo,
eles vão me colocar na solitária e não vou conseguir falar com você.
Puxo o ar e fecho meus olhos com força porque a frustração em mim é
tão grande que eu quase começo a tremer.
— Qual o nome dela?
A respiração da minha mãe trava e eu sei que ela tem exata noção do
que estou pedindo. Ela sabe, sabe o que quero com esse nome e sabe o
que colocará nas minhas mãos se me disser. A questão é: ela acredita que
eu iria tão longe? Acredita que eu iria a esse ponto para defendê-la?
Mamãe acredita que eu seria capaz?
— Sandra Fitzgerald.
— Sandra Fitzgerald... — repito o nome, testando o sabor amargo na
minha língua quando levanto a minha cabeça e respiro fundo. A primeira
coisa que vejo quando olho para a frente é o relógio caro que fica no pulso
de Asher, porque ele está ajoelhado perto das minhas pernas com sua mão
apoiada no braço da minha poltrona.
Então, bem ao seu lado e de pé, está o seu irmão, Axel, com os braços
cruzados que aumenta o seu tamanho. Roman está do outro lado, sua
testa franzida e seus olhos azuis percorrem ao meu redor e sinto o calor da
mão de Dylan no meu ombro.
Meus olhos brilham quando olho para eles, todos os quatro próximos a
mim com seus olhos postos nas minhas respirações falhas.
— O que aconteceu, babochka? — pergunta o herdeiro russo.
Não tenho o poder necessário para encomendar a morte de alguém.
Não tenho o poder para ligar para alguém e mandar que uma pessoa seja
morta. Não sou tão poderosa assim...
Mas eles são.
Será mais do que um favor, porque eles não fazem favores... Eles vão
me cobrar, vão me arrastar para o fundo do poço com eles e eu não terei
uma escolha a não ser segui-los. Isso será um acordo com o diabo.
Será como voltar a estar parcialmente do mesmo lado, esconder um
segredo tão grande que nunca escondemos antes ultrapassar todas as
linhas, todos os limites...
Até onde iriam os limites deles?
Ainda somos as crianças que roubavam por diversão e corriam pelo
quintal? Não mais. Somos os inimigos que não conseguem mais olhar para
o rosto um do outro? Também já passamos dessa fase...
Mas o que somos agora?
Decido entrar no jogo e parar de ser uma espectadora, parar de ser
vítima das consequências. Dobro a aposta.
— Preciso que me ajudem a matar alguém.
Ela me pede para matar alguém e lhe pergunto o nome, porque esse é
o meu papel. O meu papel é atormentá-la com a minha presença e com
flores sempre que puder; é chamá-la de babochka, porque ela se
desenvolve tão lindamente quanto uma. É saber o nome de quem a
machucou e então matá-lo. Enfim, o meu papel é fazer o que ela precisa.
O meu papel quase é ser dela.
Quase como um cachorrinho carente em busca da atenção do seu
dono, e que abana o rabo sempre que a recebe. E o que sou para Julieta se
não um pedaço de carência?
Carência não fica bem em mim, porque eu não a sinto. Não sinto falta
das pessoas, não quero abraçá-las, não quero nem chegar perto delas.
Mas com Julieta, quero tudo isso. Sinto tudo isso.
Meu irmão gosta de dizer que sou obcecado. Não nego, porque tudo,
desde o verde dos olhos até as meias que ela coloca nos pés, me interessa.
Desde a lágrima que escorre por sua bochecha até a risada que ela solta,
tudo isso me interessa, e tudo isso me pertence.
Quero vê-la fazer tudo isso porque quando ela sente, eu sinto também.
Como se estivéssemos conectados, Julieta González me traz o que
ninguém nunca trouxe com tamanha força.
Quando estou com ela, eu sinto.
Tentei substituir o que ela trazia para mim uma vez, comecei a fazer
apostas. A adrenalina de saber se eu ia perder ou não deveria ter me feito
melhor, mas não adiantou nada.
Gosto de vê-la rir e odeio quando ela está em uma agonia que não fui
eu quem colocou lá.
Então, se Julieta precisa que eu mate alguém, eu mato.
— Não vai me questionar isso? — Ela pisca quando me encara,
esperando, desejando... Desejando que eu fosse tão verdadeiro quanto fui?
Desejando que eu não volte atrás?
— Não — admito — Não me importa o que essa pessoa fez, me dê o
nome e ela morre.
Não me importo mesmo. Não tenho limites, nunca os tive.
— Sandra Fitzgerald — ela sussurra o nome e me encara nos olhos, vejo
o verde em seus olhos que parecem mais claros pelo vermelho que toma
conta. Gosto de vermelho nos olhos dela, imagino eles ficando vermelhos
por minha causa, em vez de dor e agonia, eles ficariam vermelhos de
prazer.
Faria bem com ela.
Mas agora, vermelhos de tristeza? Não, eu não gosto.
Sandra Fitzgerald.
— A mulher vai estar morta — prometo a ela.
— O que acabou de acontecer? — o motoqueiro sujo pergunta, seus
olhos se agitam ao redor dela em uma indagação. Não gosto disso, não
gostava nem quando éramos crianças e tampouco agora, mas Roman é
uma parte que eu não posso me livrar. Mas ela não olha para ele, não... Em
vez disso, os seus olhos estão em mim, centrados, quase de forma
desafiadora.
Deliciosa, é isso que Julieta é.
Mesmo com uma toalha na cabeça. Especialmente com a toalha na
cabeça, com a minha camisa e minhas meias, com o meu cheiro
impregnado nela porque tudo o que ela usou me pertence.
— Vai matá-la para mim?
Pisco em sua direção, os meus olhos nunca a deixam para que ela possa
saber a intensidade da minha palavra.
— Vou entregar a cabeça dela para você — prometo.
Ela me encara de cima, meus joelhos reclamam da minha posição, mas
vale a pena apenas para vê-la sorrir um pouquinho para mim. Esse sorriso
é meu, não do motoqueiro, do mentiroso ou do meu gêmeo. Meu. Fui eu
quem o colocou lá, ele pertence a mim e a minha coleção de memórias
dela.
— Senti saudades da sua devoção.
— Só você consegue me inspirar tamanha devoção, babochka. Isso é
tudo seu.
— Beleza, vamos com calma — Roman volta a se intrometer quando
me levanto do chão, franzindo a testa para a linha que isso deixou na
minha calça. — O que aconteceu?
Julieta olha para ele, quieta. Sua expressão de pesar some e surge uma
certa satisfação. Minha pequena provocadora adora o que faz comigo sem
precisar se esforçar. Com algumas palavras caio de joelhos por ela como se
esse fosse o meu trabalho durante toda a minha vida.
E, de certa forma, não foi?
— Quase mataram a minha mãe — ela revela a ele depois de avaliar
por um curto tempo. Sua cabeça se vira para olhar para Dylan que se move
atrás dela, isso faz com que o seu pescoço seja exposto para o meu irmão.
Minha calça fica mais apertada quando vejo o intocável pescoço, sem
nenhuma marca, nada. Me pergunto se ela o guardou para mim... —
Sandra...
Axel a interrompe.
— A mulher que vai morrer.
Ela lança um sorriso fácil para ele, então se volta para o maldito
motoqueiro.
— Ela armou para minha mãe depois de receber a ficha policial do meu
pai, ou pelo menos uma parte dela.
Um silêncio perdura na sala quando todos nós trocamos um longo
olhar. Dylan passa a mão pelo cabelo, enquanto murmura um palavrão.
— O que foi? — ela pergunta a nós depois de perceber o silêncio.
Ando de volta até minha poltrona enquanto observo Roman explicar
para ela o que aconteceu mais cedo. A essa altura, ela tira a toalha do
cabelo e o enorme e emaranhado cabelo escuro cai em seus ombros, ela
traz ele para cima do ombro e começa a desembaraçar com os dedos, mas
as pontas do cabelo molhado pingam na blusa e fazem com que ela fique
transparente e expõe um pouco mais da sua pele de uma forma tão
sensual que ranjo os dentes.
Axel pega uma almofada e coloca em seu colo, e depois de um olhar de
nojo para ele, me concentro nela de novo.
Julieta parece inconsciente do que faz, passa a mão pelos fios com
cuidado, das pontas até o topo. Isso faz com que os fios soltem mais água
que ela ignora.
Estreito os olhos em sua direção, mas ela continua olhando para Roman
parecendo toda gostosa enquanto espera uma resposta dele.
E ele dá o que ela quer.
— Alguém também imprimiu uma ficha do meu pai e colocou no
correio, mandaram entregar no clube um tempo atrás — diz ele.
— E por que não disse isso antes?
Ele estreita os olhos para ela.
— E que importância isso tinha para você? Falei sobre isso com os
idiotas hoje enquanto você estava tomando banho.
— Não dá nem para chamar aquilo de banho, o seu xampu é horrível —
a babochka volta a resmungar, olhando feio para Roman como se ele
tivesse cometido o pior dos crimes.
— O quê? O meu xampu é ótimo pra caralho — Roman rebate, e de
canto de olho vejo Axel revirando os olhos. Observo o meu irmão com
certa satisfação, porque, de nós dois, Axel sempre foi o mais
descontrolado.
Obviamente, ele não sabe controlar o seu maldito temperamento.
Temos mais coisas em comum além da aparência, por exemplo, nós dois
não fazemos coisas que não queremos. Está no sangue Volkov, impresso
em nosso DNA como uma dessas tatuagens ridículas que ele tem marcadas
no meio da pele. Conhecendo Axel tanto quanto eu conheço, sei que ele
não estaria aqui se não quisesse.
Axel estaria em um clube de luta, quebrando algumas pessoas e
fodendo as garotas que levantam a saia para os lutadores depois que
ganham as lutas.
Nojento.
— A questão é... — A voz de Dylan se sobressai a dos outros. — Nós
precisamos conversar. Para onde você foi?
— Te disse no telefone que estava fazendo negócios...
— Por que você saiu? — Roman pergunta a ela.
— Porque eu posso sair. Não sou uma prisioneira — ela rebate. — Você
sabe quem mandou a ficha do seu pai?
Roman nega e ela suspira cansada quando balança os pés. Olho para
eles, então para a comida que ela jogou no meu chão e estreito os olhos
para lá. Tem comida no meu chão.
No meu chão.
— Seja quem for, fez um grande show mandando as fichas do meu.
Entregou por todo o lado sul pelo correio hoje de manhã.
— Por que alguém teria o trabalho de fazer isso? — Axel indaga,
soltando a fumaça do seu cigarro.
— Alguém com tempo livre — diz o motoqueiro em uma piada sem
graça.
— Alguém com raiva — Monroe fala.
Eles ficam em silêncio, uma tensão passa pela sala quando eles se
preocupam em olhar para Dylan. Continuo observando a gordura no meu
chão e então as pernas nuas de Julieta.
— Nós precisamos trabalhar juntos, não dá mais para isso voltar a
acontecer. Se você tivesse falado com a gente nós iríamos com você.
— Não, vocês iriam me trancar no clube e eu ia ficar presa lá para
sempre. Eu não posso ficar presa. — Julieta larga o seu cabelo e aponta
para si mesma, dando ênfase no que diz. — Sei que o que fiz foi ruim, mas
não me arrependo de nada. Preciso trabalhar.
— Você vende drogas como uma profissional, duvido que algumas
semanas te deixem pobre — Axel resmunga.
— O que tenho não é o suficiente.
Me recordo de quando éramos crianças, um lugar que não me permito
ir muito. Julieta sempre gostava de mais, não importava o que era, se ela
gostasse, queria mais. E era isso para tudo. Parece que certas coisas nunca
mudam.
— Sempre tão gananciosa.
— Preciso do dinheiro para tirar minha mãe da Rikers — ela fala tão
claramente que voltamos a nos calar. Os olhos verdes quentes passam por
nós antes dela erguer uma sobrancelha, nos desafiando a contestá-la. —
Ela quase foi morta hoje porque tinham a ficha do meu pai, não posso
deixá-la lá.
Toda a minha paciência dissipa nesse exato momento, o que é uma
surpresa, porque eu tenho a paciência de um santo. Minhas articulações se
contraem. Racionalidade, paciência, a habilidade de olhar para outras
coisas a não ser o incômodo que eu sinto, tudo isso some quando ela
mostra o quanto está triste e incomodada.
Quero colocar todos eles em uma estaca.
— E considerando que os motivos da minha mãe estar lá estão
sentados ao meu redor, vocês não vão me dizer que porra eu posso fazer
ou não para conseguir o dinheiro para tirar ela de lá. — Então ela bate os
pés no chão como uma criança petulante, mas as palavras que saem da sua
boca são de uma adulta decidida, mesmo que seu plano seja um tanto
impossível para ela.
— Sandra Fitzgerald é uma mulher morta que está andando e eu vou
mandar entregar a cabeça dela para você em uma bandeja, agora nos
conte sobre como você pretende tirar sua mãe de lá... — O prazer em
meus olhos quando ela trava o maxilar e olha para baixo deve ser algo a se
enquadrar, porque eu percebo que ela não tem a menor ideia de como fará
o que precisa.
Minha borboleta não sabe como tirar sua mãe da cadeia, não tem os
meios para isso.
Mas eu tenho.
Então posso pegá-la e levá-la para longe deles, em um mundo onde ela
terá a mim e sua mãe, e talvez aquela gata.
Pensando nisso...
Onde está a gata?
— Nós precisamos trabalhar juntos a partir de agora — o motoqueiro
sujo diz o óbvio.
Julieta balança a cabeça, uma zombaria sai de seus lábios cheios:
— Juntos, claro.
— Agora não é mais brincadeira, você quase foi sequestrada hoje! —
Suas mãos se movem. — Sua mãe quase foi morta, eles estão enviando
merda dos nossos pais por aí e não sabemos quem é, e agora
aparentemente os Wild dirigem carros caros e andam de terno.
Os olhos verdes se desviam dele de novo e vão para Dylan.
— Não foram os motoqueiros que tentaram me sequestrar.
Uma linha se forma na testa de Roman.
— Como assim?
— O homem que estava me arrastando disse que o seu chefe ia me
ensinar uma lição, e depois disse que o nome dele era Sr. Monroe.
Os olhos de Dylan escurecem, e eu simplesmente sei que essa conversa
será infernal.
Tem alguma coisa errada com ela, eu tinha ouvido Axel reclamar pelos
corredores mais cedo enquanto via a minha mãe cozinhar com Asher
parado ao lado. Ele é um estranho do caralho, mas não consegui me livrar
do merdinha ainda. E nossos pais ainda são amigos, não dá para me livrar
dele, principalmente porque Julieta gosta dele e do outro.
E falando nela...
Ando pela casa do pai dela, mas esse lugar é mais do que só uma casa.
É a porra de uma mansão, é grande pra caralho. Quase tão grande quanto
a casa de Dylan e de sua família. Subo as escadas para o segundo andar e
cumprimento a madrasta de Julieta com um aceno, mas a mulher parece
ser feita de pedra e gelo.
Estremeço quando um corpo menor vem em contato com o meu, quase
vou para o lado se não fosse pela parede em que me seguro.
— Roman, oi... — Os olhos castanhos e cabelo loiro da irmã de Julieta
me cumprimentam quando eu me afasto. Ela tem um sorriso estranho na
boca e seus olhos me assustam um pouco, mas eu balanço minha cabeça
mesmo assim, querendo passar por ela e ir atrás de Julieta. — Não sabia
que estava aqui...
— Cheguei há pouco tempo.
Ela move os pés e eu imediatamente desvio o olhar quando vejo as suas
pernas finas descobertas pelo vestido curto.
— Posso te ajudar com alguma coisa? — Ela passa a mão no cabelo de
uma forma estranha e então se inclina para mim, mas eu me afasto.
— Não precisa, sei o caminho para o quarto da sua irmã — resmungo e
a contorno, continuando pelo corredor.
Ângela Leclerc é um vírus que devia ser exterminado dessa Terra, ela
magoa Julieta e é motivo de muitas de suas birras, ela nem deveria existir
se for para irritá-la desse jeito.
Continuo o caminho até chegar na única porta que tem adesivos por
toda ela. São todos em espanhol, mas ela já me contou que eles significam
“vai se foder” em muitas variações.
Dou dois toques na porta, mas tudo o que tem é silêncio.
— Vamos, boneca. Abre para mim.
Os sons de seus pés do outro lado da porta me fazem sorrir quando
escuto o trinco da porta girar. Olhos incrivelmente verdes e cabelo preto me
cumprimentam quando ela abre a porta e dá espaço para que eu possa
entrar, mas ainda não emite nenhum som.
Julieta se veste com um vestido vermelho e rodado, que deixa as suas
pernas muito bonitas. É bronzeada, o seu cabelo escuro parece uma massa
de ondas que desliza por sua cintura e seus olhos verdes estão mais
brilhantes, mas consigo ver o vermelho por trás de seus olhos.
Alguém a fez chorar.
Quem quer que seja estará morto. Eu posso fazer isso.
— Quem te deixou assim?
Ela bufa e se senta em sua grande cama de casal, cruzando os braços
por baixo dos seios, o que faz com que eles cresçam de tamanho, os meus
olhos vão para lá antes de ouvir ela zombar de mim.
— Vocês são todos iguais. — Revira os olhos. — Só trocam de roupa e
de cor de cabelo, mas todos iguais.
— O que Dylan fez agora?
Me encara com os olhos verdes, desconfiados.
— Como sabe que é Dylan?
— Porque Axel, Asher e eu temos a mesma cor de cabelo. — Aponto,
mas ela fica quieta. — Vamos, boneca, conte para mim o que esse idiota
fez.
— Ele estava com Cindy Clifford.
Quase bato com a cabeça na parede. Estúpido idiota, é isso que Dylan
é. Não tem onde tirar nem colocar, tudo o que tem na cabeça daquele loiro
é merda.
— Dylan só está te provocando, ele nunca vai beijar ela.
— E se beijar ela?
— Ele não vai.
— Ele poderia.
Me sento ao seu lado, com meus braços estendidos para ela em um
convite. Julieta aceita quando pula para o meu colo, suas pernas enroladas
em minha volta e seus braços firmes em mim. Eu aproveito, fechando os
olhos e sentindo o cheiro bom que ela tem. Provavelmente é o único
momento que eu vou ter antes de um dos idiotas aparecer.
— Ninguém vai se comparar com você, e ele não seria estúpido em
arriscar. Você acabaria com ele se fosse o caso. E eu prometo que vou
acabar com ele por ter provocado você.
Ela ergue o rosto do meu pescoço, seus olhos nivelados com os meus.
Eu não menti, não acho que existe alguém no mundo que possa comparar
com Julieta e com tudo o que ela é para mim. Beijar ela é... a porra do
Nirvana. Ou o mais próximo que chega a isso. Não tem nada ou ninguém
que possa acabar com isso. Nunca. Eu e ela somos fim de jogo, eu não
preciso escutar os meus tios do clube falando que é cedo demais para
colocar uma algema em mim.
Sei o que eu quero, e o que quero é ela. Ponto final.
— Jura?
— Juro.
Quatro anos atrás...
Dias atuais...
Não existe lugar pior para se estar do que com eles, esses filhos da
puta.
É verdade, eu não tenho muita paciência e nem sou a melhor pessoa
para falar sobre os melhores lugares para se estar, porque sou uma pessoa
que geralmente faz muita merda, mas porra...
Não, tem um lugar pior para se estar, e esse lugar é do outro lado da
linha de Anthony Leclerc.
Odiado papai.
— Julieta.
— Anthony.
Asher se move calmamente até a cama, e, com um olhar para os
lençóis, ele se senta. Suas mãos vêm em minha direção em uma exigência
silenciosa, ele quer que eu dê o celular para ele. Não, eu não pretendo.
— Se fossem outros tempos, eu poderia perguntar como você está, mas
já sei que está bem pela palhaçada que está fazendo nas ruas.
— Você perguntando se estou bem? O que é isso, Anthony? Ação de
Graças ou você precisa de um favor meu? — Reviro os meus olhos com a
idiotice dele. — E de que palhaçada você está falando?
— Faz tanta merda que não sabe mais a qual eu me refiro?
— Exatamente isso.
Asher gesticula para eu colocar o celular no viva-voz. Nego com um
aceno, porque isso é uma conversa particular.
— Bom, filha, eu quero saber se os dias em que você está faltando às
aulas estão esvaziando o seu cérebro para armar confusões, como enviar
uma cópia malfeita da minha ficha policial pela cidade toda — ele indaga
do outro lado da linha. As minhas sobrancelhas sobem até a linha do
cabelo quando ele diz essas palavras. Tudo isso para nada.
— Ah, é isso? — solto uma risada. — Achei que fosse alguma coisa
importante.
— Quer dizer que uma ficha policial minha rodando pela cidade não é
importante?
— Quero dizer que não tenho absolutamente nada a ver com sua ficha
ou qualquer merda assim. Acha mesmo que tenho tanto tempo livre desse
jeito, Anthony? Se liga.
— Então quer dizer que não foi você?
— Não, mas estou surpresa por você ter demorado esse tempo todo
para vir atrás de mim.
As mãos fortes de Asher me apertam quando ele me dá um olhar,
claramente querendo ouvir a conversa.
— Viva-voz. Agora.
Coloco no viva-voz e posso imaginar a minha mãe parada no quarto,
balançando sua cabeça de um lado para o outro em descontentamento.
Uma ordem e aqui está você...
— Eu tentei te procurar, mas você não está em casa — ele toma um
fôlego do outro lado da linha. — Onde você está?
— Isso não interessa.
— Sou o seu pai, é claro que me interessa.
— Você só é meu pai em momentos específicos, hoje eu decidi que
você não é absolutamente nada.
Ele solta uma risada, sua voz amolece um pouco quando diz:
— Tão feroz. Me lembra um pouco a sua mãe.
Cerro os olhos.
— Não sabia que tinha convivido com minha mãe tempo suficiente
para saber como ela é antes de engravidá-la.
— Ah, eu convivi. Cinco meses, para ser exato.
— Você é nojento. Como conseguiu o meu número?
— Ah, esse é o momento da minha demora. Você é difícil de achar,
sorte que um barbeiro muito gentil com um pai preocupado ficou feliz em
pedir o seu número a uma senhora raivosa e então passou para mim.
— Deixe Jack em paz, ele não tem nada a ver com isso.
— Por que você acha que eu faria algo com o barbeiro? Não sou uma
pessoa ruim — ele soa ofendido, mas eu sei bem que isso é tudo falso.
Essa é simplesmente a sua forma de lidar comigo, agindo de forma
irônica e rebatendo absolutamente tudo o que falei com ele até agora. É
tão irritante...
Ele me trata como uma criança pentelha que quase não suporta, me
trata como algo a ser corrigido, como... Como se eu fosse um trabalho para
ele, mas isso claramente é algo errado, porque, se eu fosse um trabalho,
ele estaria muito mais preocupado comigo do que isso. Me ligar apenas
quando algo aconteceu com ele que ele não gostou e acha que sou eu
fazendo show.
Que Anthony Leclerc vá à merda e arraste a sua filha mais velha e
esposa troféu junto.
— Só o deixe em paz ou juro que acabo com você.
— Claro que vai... — Anthony toma fôlego. — Você está segura?
— Desde quando você se importa?
— Pode ser difícil de acreditar, mas eu me importo com você. Você é
minha filha.
— Mas você se importa mais com a outra.
Ele solta um grunhido.
— Ainda com essa besteira de que eu amo uma mais do que a outra?
Você não é mais criança, Julieta. Está na hora de crescer.
Asher cerra os olhos e olha fixamente para o celular na minha mão, o
seu toque me mantém aquecida quando ele me aperta, me sinalizando...
não sei o quê, mas fico grata de qualquer forma.
— Então Ângela está morando sozinha e se virando para sobreviver? É
bom saber disso...
— Ela não poderia fazer isso, todos nós sabemos que você é mais dura
do que ela.
Solto uma risada. Semanas sem falar com ele e esse é o melhor tipo de
elogio que eu vou receber, não é? Não sei por que esperei isso dele, não
deveria esperar nada disso, afinal, eu o quero morto. Quero todos eles
mortos e longe de mim, mas aquela parte de mim grita por uma validação.
Como uma criança quando vê um doce e quer para si.
Uma parte de mim sempre será a garotinha esperando e lutando pela
aprovação do seu pai.
Que vergonha.
A amargura começa a ferver em minha garganta e Asher percebe,
afinal, ele sempre percebe. Ele toma o celular da minha mão em um
impulso e o desliga.
— Ei! — grito com ele, lutando para tomar de volta.
— Não vou te devolver agora — ele me diz.
— Eu estava conversando.
— Uma conversa sem sentido, que não ia levar em lugar nenhum a não
ser na sua miséria. Eu não ia permitir isso nunca.
— Não é da sua conta permitir ou não. Eu decido.
Asher se levanta da cama, segurando a minha mão com força para me
impedir de ir até ele. Abaixa o rosto até ficar rente ao meu, a feição
fechada e endurecida como sempre.
— Não gosto de te ver miserável, babochka. E se eu puder fazer alguma
coisa para impedir, eu vou.
Seu rosto está tão próximo, que consigo sentir sua respiração quente
batendo no meu rosto juntamente com o hálito mentolado.
— Você já me deixou miserável muitas vezes.
— Só eu te deixo miserável. — Ele abaixa mais o rosto e eu fecho os
olhos, esperando, ansiando por ele.
Seus lábios vão para a minha testa com intensidade.
Eu nunca vou te deixar, Julieta.
Ele nunca ultrapassa os meus limites, nunca em todos os dias em que
eu fiquei presa aqui. Na verdade, ele age como um perfeito cavalheiro. Ou
o mais próximo que um príncipe de gangue pode chegar em níveis de
cavalheirismo.
Ele me traz comida e me deixa sair sempre que o clube esvazia, mas
nunca sem sua supervisão, sempre com o calor dos olhos azuis em minha
pele enquanto eu tenho alguns minutos fora desse quarto. Ele sempre está
comigo, ou sempre deixa alguém aqui comigo. Os dias em que não apareci
na escola? Pois é, nem ele apareceu também.
Todos os dias aqui me supervisionando, me mantendo cativa de sua
presença.
É sempre igual como um roteiro. Quando ele fica longe durante o dia,
como foi hoje, ele geralmente aparece com uma marmita fechada e um
suco que ele comprou para mim. Me dá comida e se enfia no banheiro,
depois sai de lá com uma calça moletom — Deus é testemunha do quanto
odeio aquela calça branca que marca até os músculos de suas coxas
quando ele anda —, e então ele faz a sua cama no chão.
Não tenta forçar muito assunto comigo se vê que não estou a fim de
conversar com ele, mas o escuto me provocar com citações sobre querer
tirar a própria roupa no meio da noite pelo calor e ignoro todas.
Mas essa noite ele faz diferente, vejo assim que o observo passar pela
porta com duas caixas de pizza e duas cervejas. Ergo uma sobrancelha para
ele enquanto espalho creme por minha pele.
— Vamos jantar juntos hoje — ele declara, fazendo o trabalho de
fechar a porta com suas costas quando ele se vira para me encarar, e isso é
uma coisa que faz todas as noites.
Roman gosta de me ver com suas camisas, e não é preciso muito para
saber disso. Todas as noites, sempre que ele vem para cá e me vê, consigo
sentir a satisfação dele em cada poro do seu corpo. Já ouvi reclamações
dos garotos sobre as roupas, mas nenhum deles está muito empenhado
em me comprar novas ou simplesmente ir para a minha casa e pegar as
minhas próprias.
Roman é o que menos está disposto a ir, então, como os outros veem
satisfação em me ver só com uma camisa grande, nenhum deles questiona.
Não questiono.
— Achei que você não comia no quarto — digo a ele. Dobro as pernas
quando me sento na cama.
Roman vem até mim batendo seus pés suavemente no piso quando ele
coloca uma das caixas em cima da cama e se senta, arrastando aquela
sacola junto com ele. Miller se senta na minha frente, não do outro lado da
cama e distante, mas na minha frente e perto o suficiente para que eu
possa sentir o seu calor.
Engulo em seco.
— Pensei em mudar hoje. — Me lança uma piscadela. — Nós
costumávamos fazer isso o tempo todo, lembra? Eu e Axel sempre
brigávamos pelo último pedaço e Asher simplesmente dava para você
enquanto estávamos discutindo.
Uma risada escapa pelos meus lábios e eu imediatamente os
comprimo, culpada pela pequena demonstração de familiaridade, mas
Roman toma aquilo como uma vitória, um sorriso enfeita os seus lábios.
— Vocês sempre tiveram um talento para o drama...
— Me lembro de você sendo muito dramática quando alguma coisa te
incomodava, o que era muita coisa. Tão ciumenta... — ele me provoca.
— Ciumenta? Eu?! — Eu era totalmente. Era uma cadela ciumenta e
raivosa que queria rasgar qualquer pessoa que se aproximasse deles
porque a minha mente pequena de quatorze anos acreditou que, se o
fizesse, eles não iriam ter tempo para olhar para mais ninguém e estariam
comigo. Que piada. — Eu me lembro de vocês sendo ciumentos, se lembra
de Charlie e da bagunça que vocês fizeram na vida dele?
Pobre Charlie...
Meu amigo aguentou muita coisa daqueles quatro idiotas, eu fico até
surpresa sobre como ele ainda consegue ser o meu amigo. Eu me odiaria,
sabendo bem que foi por minha causa que sua vida no ensino fundamental
e início do médio foram um inferno. Toda vez que Charlie tentava se
aproximar de mim mais do que os idiotas achavam necessário, eles
inventavam alguma coisa.
Roubavam a sua bicicleta, então ele tinha que andar para casa.
Roubavam a sua mochila, e aí ele tinha que conseguir livros até eu
descobrir e obrigá-los a devolver. Dylan impossibilitou Charlie de entrar no
time de futebol apenas porque queria. Foi um inferno e eu briguei tanto
com eles que meu rosto ficou vermelho de tanto gritar.
Nenhum deles rebateu e teve até um pedido de desculpas para o meu
pobre amigo, ainda assim... não sei como ele tem coragem de olhar na
minha cara e me ajudar hoje.
— Ele era um covarde — Roman resmunga.
— Vocês eram quatro em cima dele.
— Não, na verdade era só eu. Ou só o Axel. Dylan não podia arriscar a
sua vaga no time e Asher sempre preferiu métodos mais... cruéis. — Ele me
avalia, seus olhos azuis me encaram e fazem com que minhas pernas se
contorçam para tentar me livrar de sua atenção. Por Deus. — Mas era
muito engraçado. Nós gostaríamos de acabar com qualquer um que
mexesse com você. Eram anos de ouro.
Não sei como ver ele falando sobre como assustar um garoto de
quatorze anos pode me fazer agitar por dentro, mas isso faz. Os olhos dele
não desviam dos meus, Roman Miller e sua teimosia sempre fizeram parte
de mim. É encantador.
Balanço a cabeça, brava comigo mesma. Não posso achar isso
encantador, não com ele. Histórias fofas sobre o passado não podem
mudar as coisas, ele não pode me dobrar com algumas fatias de pizza e a
vontade de recriar momentos entre nós, mesmo que seja doce.
Pego a garrafa que ele me oferece e levo até os lábios, sentindo o gosto
azedo da cerveja quando engulo.
— Obrigada — agradeço quando o vejo abrir uma das caixas e
empurrar para o meu lado. Roman me lança um olhar e solta uma risada
enquanto balança a cabeça. — O quê?
— Obrigada — caçoa ele. — Isso não parece nada com você.
— Eu agradeço sim.
— Só quando é conveniente para você — responde ele. — Igual quando
éramos mais novos.
— Você passou quatro anos fora da minha vida, Roman. As coisas não
são como antes. — Pego um pedaço de pizza e o levo à boca.
Ele fica quieto, seus olhos vão para o lençol abaixo do seu corpo por um
momento.
— Não queria te deixar ir — diz.
— Então por que deixou?
Roman passa a mão no cabelo, nervoso, e então o azul dos seus olhos
me cumprimenta de novo quando ele levanta a cabeça.
— Era o melhor para você, confie em mim.
Solto uma risada seca.
— O melhor para mim? O melhor para mim era ser deixada sozinha
depois que a minha mãe foi presa? Depois que vocês a ajudaram a ser
presa?
— Nós tínhamos quatorze anos, Julieta. Acha mesmo que algum de nós
teve algum envolvimento com a prisão da sua mãe? — Toca a minha mão
livre com a sua. — Lembre-se de nós com quatorze anos, lembre-se de
como éramos com você, de como éramos devotos. Acha que qualquer um
de nós iria contra você?
— Você foi! — acuso. — Você foi embora, me deixou quando precisei e
depois se jogou nas pernas da minha irmã. Depois de tudo, você teve a
coragem de ir lá e me machucar mais ainda. Por quê?
— Confie em mim, eu não gostei de absolutamente nada do que
aconteceu depois que a sua mãe foi presa, mas precisei fazer.
Bebo mais um gole da bebida, dessa vez o gosto está tão amargo
quanto estou por dentro.
— É isso? É essa a desculpa que você tem para mim na primeira vez
que conversamos sobre isso? Você não gostou de nada disso, então
imediatamente está tudo bem? — As palavras saltam de meus lábios e me
sinto completamente indignada. — Sei que não dá para levar a sério a
promessa de um garoto de quatorze anos, mas nós todos éramos
diferentes. Não éramos tão bobos quanto achavam, nós éramos ligados...
ou eu achei que éramos...
— Éramos — me promete. — Nós somos.
— Então por que todos vocês se foram?
— Você ficaria melhor sem nós. Estávamos fazendo o melhor para você.
Olhe para a nossa vida depois que você saiu, acha que estamos bem?
— Você parece muito bem para mim — rebato.
— Estou lidando com as responsabilidades do meu pai, Julieta. Estou
segurando-o desde que minha mãe morreu, o clube está a um passo de
desabar completamente porque alguém aqui dentro está nos traindo, e eu
sei que esse alguém é de perto... — ele solta uma risada, me apertando no
processo com seus dedos. — Asher e Axel são cascas. Eles são tão fodidos
que, às vezes, me assusta. Asher não parece se importar com ninguém
além do irmão e você, é como se ele fosse um vaso. Axel é um fodido que
explode por qualquer coisa e Dylan só tem troféus na parede porque,
depois da escola, ele vai ter que ter uma arma nas mãos. Estávamos
condenados desde o início.
— Será que estávamos mesmo? — sussurro — Nós poderíamos ter
dado um jeito de sobreviver a isso, Miller.
— Aos quatorze? Nós iríamos nos comer vivos. Não tínhamos
maturidade para lidar com toda essa merda, mas nos afundaram ainda
mais, indo tão fundo além do resgate — diz, visivelmente exausto. — Nós
nos afogamos, mas você não.
— Eu não? Então o que é a minha vida, Miller? Minha mãe tá presa, eu
tô me escondendo e longe de casa, moro sozinha em um lugar de merda e,
literalmente, assalto lugares para sobreviver. Como isso não é se afogar?
— Pelo menos, você ainda consegue respirar longe de Mikhail Volkov,
ou de Patrick Monroe — ele rebate. — Você está livre deles, que não
interferiram na sua vida em quatro anos, mas naquele tempo... Quem iria
garantir que os fodidos não iam atrás de você?
— Eu tinha quatorze.
— E sua mãe aparentemente não tinha nada a ver com nossos pais,
mas ela foi presa mesmo assim. Eu não ia arriscar. Era melhor ficar longe e
garantir que você estivesse longe e bem do que perto e sofrendo.
Me calo enquanto penso no seu raciocínio. Não gosto, não concordo e
não sei se acredito. Meu julgamento continua nublado por uma nuvem de
rancor e raiva, e também... Aparentemente?
Minha mãe não tinha nada com o meu pai e o resto de sua corja de
criminosos. Na verdade, tudo o que parecia preocupar a minha mãe nos
Estados Unidos era me criar, nem mesmo me lembro direito dos tempos
que antecederam a sua prisão, mas sei de uma coisa: ela nunca tinha
passado tempo com o meu pai.
— Você não acredita na inocência dela?
Uma respiração ruidosa o deixa.
— Não sei, mas eu me lembro de ouvir conversas do meu pai. Ele
estava nervoso, alguém estava vazando as fichas policiais dele e com
provas, meu pai estava achando que ele iria ir preso.
— Como agora?
Ele balança a cabeça.
— É, mas com mais provas.
Ficamos em silêncio por um momento, presos em nossos pensamentos
e indagações.
— Posso te pedir desculpas por muita coisa, mas não vou te pedir
desculpas por te deixar. Você ficou melhor sem a gente, mais forte. Não
precisa da gente, Julieta.
Olho ao redor e franzo as sobrancelhas.
— Se eu não preciso de vocês, então o que é tudo isso?
— Isso é a consequência do quanto eu preciso de você — ele me
revela, mas eu não entendo o que quer dizer.
— Não entendo...
— Você não precisa entender sobre isso, mas saiba que eu não fiquei
bem sem você.
Ele coloca um pedaço de pizza na boca e encerra o assunto, mas em
minha mente as perguntas ainda rodam com total velocidade. O que ele
quis dizer com isso? Quem estava mandando as fichas e provas quatro
anos atrás e por que isso me parece ser exatamente o caminho que está
tomando agora? Por que Roman não disse absolutamente nada sobre ele e
Ângela?
E ainda...
Por que eu precisaria tomar cuidado com Mikhail Volkov quando não
tenho absolutamente nada relacionado com ele e seus negócios?
O conceito de liberdade é algo completamente abstrato para algumas
pessoas. Alguns não sabem o que lhe faz livres e sofrem pra caralho por
não saber. Eu costumava acreditar que o que me faz livre é distribuir socos
em um saco de boxe, mas acontece que agora não tenho tanta certeza
assim, porque nesse exato momento, enquanto bato com toda a minha
força, eu não me sinto relaxado e livre de problemas como geralmente
acontece.
Na verdade, é o oposto.
Minha mente não para de funcionar, eu não estou focado, não estou
prestando atenção no que estou fazendo. Não... Em vez disso, minha
mente ainda corre para pensar nela.
Penso no longo cabelo, que é tão escuro que parece refletir o céu à
noite; tão preto, que combina com cores obsidianas. E então... penso nos
seus olhos que são tão verdes e claros, que refletem o meu reflexo quando
olho muito tempo para eles. E então nos lábios cheios e na sua boquinha
esperta, que sempre parece ter um comentário para tudo.
Penso nela, em todos os momentos, nela.
É como uma espécie de castigo. Uma penitência por escolher ir embora
e virar as costas para ele. O Universo, ou Deus, ou seja lá quem está
olhando para cá, ou se tem alguém olhando... Seja quem for, está me
punindo da pior forma que alguém pode me punir. Não penso em outra
coisa que não seja ela.
Ela deitada na cama do Roman, esticada entre lençóis baratos e toda
coberta de roupas dele enquanto olha para mim com aqueles olhos verdes
tão expressivos. Julieta sempre parece querer dizer coisas com o brilho dos
seus olhos. Tudo e nada, porque com ela sempre parece ser isso.
Tudo ou nada. Ou ela me ama ou me odeia.
Devia odiá-la. Ou pelo menos ficar longe o suficiente para que ela me
odiasse, mas olha só onde isso me levou.
Fico ofegante, meu peito expande em um movimento desesperado,
meus pulmões imploram por ar, por tempo e por ela quando me apoio no
saco de boxe e largo as luvas no chão.
Maldita seja Julieta e seu feitiço que me fez refém dela e de seus
desejos e vontades. Sou refém do seu controle e do seu desejo, mesmo
que tente ficar longe e me manter calado, lá está ela dominando a minha
cabeça como uma bruxa, me controlando com um piscar de olhos.
Ela é como o sol, eu preciso dela, mas se pegar demais... me queimo.
Julieta González é um demônio por inteiro, uma feiticeira e, de alguma
forma, eu não consigo escapar dela e de seus feitiços, mesmo que queira.
Desisto dos socos assim que percebo que não está mais funcionando,
porque Julieta fez isso comigo. Ela pegou algo totalmente meu e
transformou tudo sobre ela, mesmo sem sequer saber disso.
— Cara... Hoje você parecia um monstro! — Oliver, um dos lutadores
do clube, me tira do transe, com sua voz grossa, chamando a minha
atenção para ele.
Diferente de mim, ele realmente pensa em seguir carreira. Oliver é
todo construído de músculos e tatuagens, sua pele escura e seu cabelo
raspado chamam muito a atenção das mulheres que costumam frequentar
o clube, isso e todo o show que ele faz lá em cima também.
Já lutamos juntos uma vez, eu quase quebrei o nariz dele, mesmo assim
o desgraçado vive falando que seu nariz é torto hoje por minha causa.
— Acha? — resmungo. Oliver me estende uma toalha branca e eu a
pego, passando em seguida por minha testa e limpando o suor.
— Tá de brincadeira? Parecia que ia rasgar isso. — Um sorriso aparece
nos lábios dele, seguido de uma risada. — Achei foda.
— Não fiz para você. — Oliver olha para mim e ergue as sobrancelhas,
uma covinha aparece em sua bochecha quando ele começa a rir, e sei que
o maldito vai tirar uma com a minha cara.
— Jura? — Ele leva uma das mãos ao peito. — Eu jurei que você estava
flexionando os músculos e socando forte para mim.
Socando forte. Balanço a cabeça para ele e soco os seus braços, e é
claro que ele faz um show como se eu tivesse realmente lhe machucado.
Oliver Santiago é sempre um talento para o drama.
— Nem nos seus sonhos.
Os olhos de Oliver brilham em interesse.
— Se não era para mim, então para quem era? — Passa um dos seus
braços por meus ombros. — Não me diz que você estava se exibindo para
as moças da faxina?
Rosno para ele, o empurrando, e mesmo que eu tenha feito forte,
Oliver olha isso como uma brincadeira. Porque é.
— Não estava me exibindo para ninguém, seu idiota.
— Então essa é a primeira vez... — ele para por um momento, seus
olhos escuros ganham mais uma pilha travessa. — Vem, vamos beber.
— São dez da manhã.
— E?
Então o sigo, porque foda-se essa merda. Ele tem razão. São dez horas
e eu nem comi direito, mas desde quando isso me impediu antes?
Caminho com Oliver até o bar. O clube é enorme, feito para que as
pessoas possam caber aqui para ver todos lutarem. É um galpão que o
dono, Johnny, trabalhou para fazer com que fosse um espaço foda pra
caralho.
Tem um ringue alto bem no meio dele, as pessoas ficam aqui embaixo e
apostam o seu dinheiro em quem ganha ou não. As garotas costumam
dançar de saia curta quando querem achar alguém para levá-las para casa,
ou usar alguma merda. Um grande bar toma conta do espaço do canto,
onde as pessoas bebem e se divertem enquanto assistem alguém apanhar
e alguém bater.
— Qual vai ser o seu veneno, meu amigo? — ele indaga. Seu rosto é
coberto por uma máscara de diversão quando avalia todas as bebidas
espalhadas em uma prateleira atrás do balcão. Ele se senta em um dos
bancos, mas eu não faço. Não tenho absolutamente nenhuma intenção de
ficar aqui para mais de uma bebida pequena, então tudo o que faço é
encostar os meus antebraços no balcão.
— Essa deveria ser a minha fala, Oliver. — A voz feminina chega aos
meus ouvidos quando a figura alta de Taylor aparece diante dos meus
olhos. Ela acabou de sair de uma das portas, com um pano alaranjado em
seus ombros que combina com a cor dos seus cabelos. — Está tentando
roubar o meu trabalho?
Olhos castanhos e cabelos laranjas são as características mais fortes de
Taylor. Não sei bem o que me fez foder com ela em um dos banheiros
daqui de dentro algumas semanas atrás. Ela tem uma boca boa e consegue
ficar quieta como ninguém.
O homem ao meu lado solta uma risada anasalada, balançando sua
cabeça suavemente de um lado para o outro quando Taylor pisca os seus
olhos para ele.
— Nunca faria isso com você, Laranjinha. — Faço uma careta com o
apelido ridículo, mas as bochechas de Taylor ficam rosadas com o tom de
flerte na voz de Oliver. O mesmo tom que eu já o ouvi usar, no mínimo, dez
vezes antes.
Deu certo em todas as outras vezes.
— Vocês e esses apelidos... — murmura ela, debruçando-se sobre o
balcão. O ato faz com que a sua blusa decotada se abaixe mais, então os
seus peitos quase saltam do pano quando ela sorri para Oliver. Eu nem
pisco, mas Oliver parece que vai gozar em sua calça quando ela deixa toda
a sua atenção para ele.
— O que tem de errado em meus apelidos? Por acaso eles te
incomodam? — Reviro os olhos tão forte que, por um curto momento, juro
que eles vão ficar virados para sempre.
Que porra é essa?
— Não, eu gosto deles. Mas quando são só para mim...
Alguém me salva.
Exalo ruidosamente e esse barulho faz com que Taylor desvie a atenção
de Oliver e coloque os seus olhos em mim. Oliver me encara também, mas,
diferente de Taylor, ele parece menos divertido. Desculpe, amigo, vai ter
que arrancar a roupa dela em outro momento.
— Quero whisky e gelo — peço antes mesmo dela abrir a boca para
falar alguma coisa comigo.
O seu sorriso diminui um pouco de tamanho, a hesitação toma a
felicidade quando ela me encara. Não devia ser assim, certo? Ela já pulou
no meu pau uma vez e não tem o porquê ela se sentir hesitante comigo, se
me conhecesse bem saberia que não tem nada em mim que faria alguma
coisa de ruim com ela, mas ela não conhece.
Falha minha.
Não que eu queira consertar.
— Olá, Axel. — Sua postura não volta rapidamente, ela ainda aparenta
seu medo estúpido, mas parece mais aberta a nós dois. — E o que você
quer, Oliver?
— O mesmo que o meu amigo irritadinho.
A garota se vira de costas e começa a fazer o seu trabalho depois de um
aceno, quieta e obediente. Isso deveria endurecer o meu pau. Sempre tive
um fraquinho por obediência, é verdade. Sempre gostei de mandar, seja na
cama ou fora dela. Não sei explicar e tampouco preciso, é simplesmente
quem eu sou. E ordens e obediência me excitam mais do que eu posso
falar livremente.
Aparentemente, estou com algum neurônio a menos. Porque o fato
dela não ter se virado e me mandado para o inferno depois que fui
desrespeitoso com ela é claramente um problema para mim.
Os cabelos laranjas poderiam ser maiores e mais escuros,
completamente escuros como a noite. Os olhos castanhos deveriam ser
verdes, ela deveria ser mais baixa, a altura de modelo não me atrai mais e
eu queria mais curvas. Muito mais curvas, principalmente se tratando das
pernas e da maldita bunda que não é igual a que eu queria.
Maldito inferno e maldita seja Julieta González e todo o seu feitiço.
— Qual é o seu problema, seu idiota? — Oliver resmunga para mim,
com seus olhos castanhos cerrados para mim em desagrado. A bochecha
de Oliver está inchada como consequência da última luta dele, mas isso
não parece ser um problema quando passa a mão no lugar com indignação
velada. — Custava pedir por favor? A garota está fazendo o trabalho dela.
— Demorar para pegar a minha bebida quando somos só você e eu
aqui não é fazer o trabalho dela.
— O quê? Está com ciúmes dela? — Franzo tanto a testa que ele solta
uma risada com minha reação, sabendo tanto quanto eu que isso
ultrapassa todos os limites do ridículo já inventados nesse mundo.
Observamos quando ela estende os copos para nós com hesitação,
então caminha para dentro da porta novamente. O seu jeito de andar é
endurecido, como se cada passo doesse. Seus quadris não se movem com
suavidade, não parece que ela está desfilando ou andando com confiança,
como se soubesse exatamente o lugar que quer ir. Seu cabelo não é longo
o suficiente para as pontas roçarem em sua cintura quando ela anda.
Pego o maldito copo e tomo um pequeno gole, o sabor ácido desce
queimando em toda a minha garganta, mas aceito a dor como uma
punição por meus pensamentos estúpidos.
Agora vou procurar ela até na forma de andar de outras.
— Não me faça rir, Oliver.
E então é ele quem solta uma grande risada. Os seus ombros sobem e
descem quando a sua garganta libera o som para todos ouvirem.
— Desculpa, cara, foi uma piada. — Bate uma de suas mãos em meu
braço. — Você deveria rir mais vezes, sabia? O mundo não precisa ser tão
sério.
Fácil falar, considerando que não é ele que está completamente fodido.
Não respondo, mas também não lhe poupo um olhar quando ele bate em
meus braços estendidos uma segunda vez.
— Vamos, você sabe que pode falar comigo, certo? — A pergunta é
retórica, percebo logo quando ele volta a falar novamente. — O que te
deixou todo estúpido desse jeito? Quer dizer, estúpido você já é, mas
parece que alguém chutou a sua bunda antes de sair de casa hoje.
Oliver não precisa ter as mesmas preocupações que eu. Lutar nesse
clube é a coisa mais maluca que ele faz, porque todo o resto é certo e
dentro da lei. Além de fazer faculdade de educação física, o cara trabalha
para ajudar a mãe e ganha dinheiro do clube para ajudar a pagar o plano
de saúde da irmã que tem câncer. É quase como um anjo, não tem nada de
sombrio nele.
Eu sei porque investiguei.
Isso quase me faz parecer o stalker do meu irmão, mas acho que a
loucura está no sangue no final das contas.
— Só preciso desestressar.
— E não era isso que estava fazendo hoje?
— Obviamente, não deu certo.
Oliver se apoia sobre um dos braços e dá mais um gole em sua bebida.
Os meus dedos traçam a borda do copo de vidro, procurando algo que eu
não sei explicar o que é.
— Talvez precise de alguém que te dê um soco de volta em vez de um
objeto inanimado.
Eu o encaro.
— Está se disponibilizando?
— Claro que não! — Arregala os olhos castanhos, divertido. — Já passei
dessa fase há muito tempo, sei bem que lutar com você nunca vai prestar
para mim. Estou dizendo que, talvez, você deva se inscrever na luta da
semana que vem.
Paraliso meus dedos e encaro a bebida, quieto. Essa sim é uma boa
ideia no fim das contas, tem tempo que não luto para valer, as noites sem
dormir acabam ocupando o meu tempo e os dias rondando aquele maldito
clube parecem fazer parte da minha rotina agora.
— Vou me inscrever depois — admito, mas Oliver não parece nada
satisfeito com a minha resposta curta.
— Está tenso, cara, e nem uma luta alegrou você... Talvez, o que precise
mesmo é de uma boceta. Você precisa transar!
E é esse cara que acabou de deixar a calcinha de Taylor molhada?
— Oliver...
Ele não me escuta, ou decide não prestar atenção.
— Não, meu amigo, tem tempo que eu não te vejo andar por aí com
um rabo de saia. Precisa se aliviar para poder voltar ao mundo normal.
É um maldito imbecil, mas não está errado. Não andei com ninguém
por semanas, sem mulheres saindo de perto de mim depois de foder
comigo...
— A quantidade de merda que sai da sua boca... — resmungo, mas o
idiota não parece nada amedrontado. Essa é uma das diferenças entre mim
e Asher.
Oliver se cagaria se visse Asher, não porque o meu gêmeo é mais forte
que ele, mas porque Asher simplesmente tem essa aura mortal em volta
dele, ele nem precisa falar, as pessoas simplesmente evitam o seu
caminho. Oliver não tem medo de mim porque é meu amigo, e Asher não
tem amigos.
— Então, olhe nos meus olhos e diga que estou errado.
— Isso não leva a lugar nenhum.
Ele praticamente pula da cadeira, batendo suas mãos ruidosamente no
balcão. Uma risada divertida acompanha o seu sorriso tão grande, que
parece que vai rasgar o rosto do filho da puta ao meio.
— Eu sabia, porra! Sabia! — Tomo mais um gole da bebida, sério,
mesmo que a forma como o idiota se move agora me divirta. — Me conta,
irmão, o que está impedindo o seu pau de trabalhar?
Nada. Absolutamente nada me impede de transar nesse momento.
— Vai encher outro, idiota.
— Me deixa te ajudar, amigo.
— A não ser que você tenha a solução para os meus problemas, o que
você não tem, não tem nada que pode fazer para me ajudar.
Ele se acalma, seu sorriso diminui e sua voz assume uma entonação
mais baixa, séria:
— Mesmo? Nem se eu chamar Taylor aqui e sugerir que você poderia
fazer ela muito feliz no banheiro?
Taylor era gostosa, foi isso que me chamou atenção nela em primeiro
lugar. Isso e o fato dela estar tão disposta a me deixar passar a mão dentro
da calça dela, era simplesmente... fácil. Não tinha objeção, Taylor sempre
pareceu saber o que queria para si e ela sabe muito bem com quem quer
transar. Não é à toa que estava dando em cima de Oliver.
Seria fácil ir para o banheiro com ela agora e fodê-la em cima da pia
como da última vez. Ela não iria se importar se o banheiro estivesse sujo
ou não e definitivamente não iria se importar se eu saísse de perto dela no
minuto seguinte em que conseguisse o que queria. Bom para ela.
Mas sei melhor do que ninguém que isso não vai acontecer.
— Taylor e eu não vamos transar mais — admito. — E eu não acho que
vou transar com mais alguém por um tempo.
Os olhos de Oliver brilham em reconhecimento, sei que ele teve um
relacionamento sério antes. Durou dois anos e eles se separaram quando a
garota decidiu sair do estado para estudar em uma faculdade renomada.
— Está amarrado, cara?
Essa é a questão, não é?
Nego, porque, mesmo quando a imagem dela vem em minha mente
com força, não posso admitir que estou amarrado a ela.
Porque a verdade é que eu não estou.
A mansão Volkov sempre teve um toque de terror, além disso ela quase
sempre estava vazia. Apenas para contribuir para as histórias assustadoras.
A casa parece fazer jus à da família Adams.
Estaciono o carro na porta. Esse lugar miserável deixou de ser algo que
me assustava há muito tempo, agora não passa de paredes cinzas e pisos
silenciosos que servem de abrigo para mim nas poucas horas que tenho de
sono e paz. Mas, hoje, assim que entro, eu sei que tem algo errado.
Está completamente silencioso, como sempre. Mas... não parece certo.
Ando com passos pesados até o andar de cima, os meus sapatos estão
no chão e eu faço questão de anunciar para quem quer que seja que essa
pessoa não está sozinha, anuncio que outro monstro está passando por
essas paredes, mas acontece que meus esforços são em vão, percebo logo
quando chego na fonte do barulho.
Porque Asher Volkov, meu irmão, não tem medo de nada.
Me encosto do batente da porta enquanto observo o meu irmão,
confuso. Asher se curva na mesa do nosso pai, seus dedos fazem barulho
quando ele arrasta itens por dentro de uma das gavetas da mesa e puxa de
lá um bolo de papéis, observando com olhos avaliadores.
— Você está adiantado — diz ele. Seus olhos não desviam dos papéis
em sua mão em nenhum momento.
— Desde quando sabe os meus horários?
— Eu sei o que preciso saber. — O canto de sua boca se ergue,
claramente sendo o maníaco que é.
— Que porra você está fazendo no escritório do Mikhail? — Juro que,
se ele não abrir a boca e começar a falar, vou pessoalmente quebrar o
maxilar desse filho da puta.
Ele fica em silêncio e, pela primeira vez desde que cheguei na sala, olha
em minha direção. O castanho de seus olhos é gélido, avaliadores. Asher
fica em silêncio, porque ama isso como ninguém. É como se o filho da puta
estivesse fazendo um teste, me testando para saber quem vai desviar o
olhar primeiro. Me testando para saber se eu, o seu irmão, valho o seu
tempo.
Decido que passo no teste quando ele desiste de me encarar e volta a
olhar para os papéis antes de abrir a boca de novo.
— Mikhail está fazendo alguma merda e eu quero saber o que é.
— Mikhail está sempre fazendo alguma coisa — resmungo, mas Asher
não parece satisfeito.
— Exatamente, e, ainda assim, eu nunca invadi esse escritório. Ele está
falando pelos cantos pelo telefone e quase não para no escritório da
empresa. — Asher não perde tempo comigo, e nem com os papéis em suas
mãos, pelo visto. Logo depois de perceber que o que quer não está ali, ele
desiste e os junta.
— Me parece o mesmo Mikhail de sempre para mim. — Cruzo os
braços, mas meu irmão nem mesmo se abala com minha informação. —
Como sabe que ele não está ficando nos escritórios da empresa?
— Paguei um dos guardas da garagem para falar os horários em que ele
entra e sai para mim. — É claro que pagou... — Não vou ficar para trás nos
planos do nosso pai. Se ele tem alguma carta na manga, eu quero saber
exatamente qual é para poder exterminá-la. Vai me ajudar ou não?
Com um bufo, eu me junto ao meu irmão, abrindo gavetas e pegando
papéis, mas nós dois sabemos que isso é estúpido, porque, se Mikhail tem
algo realmente incriminatório, ele não vai esconder aqui onde Asher e eu
podemos pegar facilmente.
Então, eu digo isso ao meu irmão.
— Não estamos só atrás de algo incriminatório, quero pistas de todas
as propriedades que ele tem. As legais e as ilegais. Quero saber os nomes
dos investidores e o que eles fazem nos escritórios.
— Por que você quer saber disso tudo agora? — eu o questiono.
— Porque acho que toda essa merda que está acontecendo é
coincidência demais... — ele resmunga, seus olhos não se desviam dos
papéis em sua frente, faço o mesmo. Tudo o que consigo colocar os olhos
são documentos inúteis de funcionários da nossa própria casa. Meus dedos
se agarram em outro bolo de folhas. — Algo está acontecendo e quero
estar preparado para o que vai ser. Você não quer?
Mais que tudo.
Quando termino com um bolo de folhas, os coloco em suas pastas
novamente, mas Asher me alerta.
— Se certifique de que todos eles estão na ordem em que achou.
Reviro os olhos para ele.
— Mikhail não vai saber as ordens das folhas de papel.
— Ele vai. — Ele toma um tempo. — Eu iria.
Não me certifiquei de porra nenhuma, porque nem mesmo me lembrei
de qual era a ordem certa no fim das contas. Vou para outras folhas, um
nome em específico me chama a atenção assim que tiro os papéis da
pasta.
Krasota.
A beleza?
Que porra é essa?
Em todos os documentos que olhei, tudo o que tinha eram nomes de
funcionários e registros de algumas de suas propriedades. Sempre nomes
comerciais, sempre algo para chamar o público. Nomes em inglês e de fácil
entendimento, lugares que já ouvi falar. Então que porra seria Krasota?
Não tem muito aqui, apenas um documento de propriedade. Olho para
o meu irmão, Asher está ocupado demais tirando fotos de tudo o que vê
para prestar atenção em mim. Decido fazer o mesmo e pego o meu celular,
apontando a câmera para a folha.
— Ash, achou alguma coisa sobre “Krasota”? — indago. Vira a cabeça
para mim em um instante, os olhos cerrados pelo uso do apelido que eu
usava quando éramos crianças. Não usava o maldito apelido há um tempo
e eu não faço ideia do motivo que me instigou a usá-lo agora.
— Não, o que você achou?
— Só um documento que diz que a propriedade “Krasota” está em
nome de Mikhail Volkov.
Asher vem até o meu lado para checar o papel. Seu rosto não me
mostra nada, mas juro que consigo sentir a animação em sua voz quando
ele volta a falar comigo:
— Vamos revirar cada canto desse lugar até achar o que é essa merda
de “Krasota”.
E concordo com o meu irmão, a nostalgia invade os meus pensamentos
quando eu me lembro das confusões que nos metemos quando crianças e
como saímos daquelas situações. Sempre dávamos um jeito, não
importava a situação de merda que nos enfiávamos.
Mas, então, o barulho inconfundível das rodas acelerando contra o
asfalto bem debaixo dessa janela deixa claro que, dessa vez, será mais
difícil, porque Mikhail acaba de chegar em casa.
Não pensamos muito, eu enfio os papéis na pasta e fecho a gaveta com
um baque. Asher é ágil em guardar todos os seus papéis, seus movimentos
nem mesmo vacilam quando ele age sob pressão. Nós vamos até a porta,
onde Asher a fecha com cuidado. Ele tranca a porta e, então, eu franzo a
testa enquanto me pergunto onde caralho o meu irmão conseguiu a chave
para o escritório do nosso pai.
— Vem — ele manda. Bufo para o idiota, mas sigo atrás dele. Nós
descemos as escadas silenciosamente e vamos para o bar. Asher se senta
em uma poltrona e eu imediatamente caminho até atrás do balcão,
colocando minhas mãos em uma garrafa de tequila e um copo de gelo,
fazendo o possível para agir de forma natural. — Pelo menos vire a porra
da bebida.
— Quer vir aqui e fazer melhor? — rosno para ele, mas Asher apenas
ergue a sobrancelha quando me vê virando a porra da bebida no copo.
Maldito de merda. — Eu não sigo ordens suas.
— Claramente.
Abro a minha boca para retrucar, mas o som dos sapatos estalando no
chão fazem com que eu me cale. O ar muda consideravelmente. Asher,
sempre tão frio, apenas vira o seu rosto na direção do barulho, impassível.
Não posso evitar de endireitar a minha postura enquanto contorço meus
dedos sobre o balcão.
Mikhail Volkov entra na sala.
Asher e eu temos a quem puxar, porque Mikhail é um dos homens mais
altos que já vi na vida. Seu corpo todo grande está coberto por um terno
caro, assim como o de Asher. Eles geralmente competem nisso também.
Mas, diferente de Asher, Mikhail carrega cicatrizes em suas mãos e
tatuagens aparecem na gola do seu paletó. Olhos azuis escuros deixam
claro que herdamos os nossos castanhos da nossa mãe. Carrega a feição
fechada, não há um sorriso nos lábios dele.
Nunca teve.
Mikhail grita mafioso de filmes antigos para qualquer um que olhar
para ele, e suas tatuagens com palavras em russo ajudam a provar isso.
Tudo nele é brusco, menos o terno de três peças. Até as linhas de cicatrizes
em suas mãos que cortam a tinta preta das tatuagens de estrelas que
cobrem a sua pele.
Dizem os boatos que ele tem estrelas tatuadas no corpo todo. Quando
ele e James Miller trabalhavam juntos, as histórias dos bêbados no clube
diziam que Mikhail tinha uma grande estrela tatuada no coração, mas que
ela estava partida por uma grande cicatriz. Mikhail começou em um clube
de lutas muitos anos atrás, no tempo em que era só um moleque, mas ele
já colocava medo em quem o via.
Quem é que sabe.
— Não deveriam estar fora de casa agora? — Mikhail é o primeiro a
falar, em uma máscara vazia de emoções.
— Decidimos mudar de ideia hoje — respondo, e então levo o copo de
tequila até os meus lábios e tomo um gole da bebida que desce
queimando como fogo por minha garganta.
— Decidiram, é? — Seus olhos azulados passam de mim para Asher,
mas meu irmão não fala nada. — Meus dois garotos trabalhando juntos,
que prazer.
Estreito os olhos.
— Que bom que te deixamos feliz, Mikhail.
— Só me pergunto o que gerou essa mudança de hábitos — ele divaga,
mas, ao mesmo tempo, é como se não divagasse. É como uma ameaça
direta. Mikhail sabe de alguma coisa, porque, sendo filho dele, eu sei bem
que esse homem nunca divaga. Porque senão não é ele.
Olho para Asher, e, para a minha surpresa, o meu irmão já tem os olhos
em mim. Nós nos encaramos por um curto período, e assim eu sei que ele
chegou à mesma conclusão que eu.
— Não achei que os nossos horários eram tão importantes para você,
Mikhail. Tudo o que você faz é cuidar dos negócios — Asher divaga, mas,
da mesma forma que nosso pai, ele também tem o hábito de não divagar.
É uma mensagem direta. Meu irmão está dizendo que sabe que tem
alguma coisa que mudou para termos o interesse de nosso pai em nós
dois, e, conhecendo ele, Asher quer saber exatamente o que é para poder
usar isso ao seu favor e, honestamente, eu também quero.
— É claro que os seus horários são importantes, vocês são Volkov
afinal. — Ele envia um longo olhar para Asher, e então se vira para mim,
me medindo de cima a baixo antes de virar de costas e subir diretamente
até o seu escritório.
Escritório esse que acabamos de invadir.
Ando até Asher imediatamente, com o copo na mão quando me jogo
na poltrona ao lado dele.
— Essa merda não foi de toda ruim — resmungo ao meu irmão, nossas
posturas destoam completamente. Asher se senta como um político, como
se todas as câmeras estivessem nele e ele fosse a pessoa mais importante
da sala. Os meus pés estão jogados perto da mesa e eu tenho certeza de
que, se essa poltrona fosse maior, eu estaria deitado nela.
Diferentes, ele e eu.
— Não, com toda a certeza não foi... — A presunção escorre em sua
voz. Uma linha se forma em minha testa quando o encaro, mas tudo o que
Asher faz é estender o telefone para mim.
Uma foto de um papel está na tela, mas só entendo quando leio. É uma
lista de nomes. Uma lista de nomes das prisioneiras femininas da Rikers e
eu só sei disso porque estava pesquisando essa lista eu mesmo para saber
exatamente com quem a mãe de Julieta está presa.
Por que Mikhail iria ter uma lista dessa em seu escritório?
Meus olhos grudam em Asher, as ideias começam a correr pela minha
mente quando eu vejo o meu irmão me encarar de volta.
— Precisamos contar aos outros.
Asher não parece gostar da ideia.
— A gangue suja vai fazer uma festa essa semana. Diremos até lá.
— E enquanto isso? — indago. — Lidaremos do nosso jeito?
— Exatamente. E então... diremos para ela na festa.
Abro um sorriso sujo. Não sei o que vai acontecer na festa dos Devils,
mas eu sei que, com Julieta González lá, vai ser bom.
Eles vão dar uma festa enorme, maior do que todas as outras. Os
malditos vão dar uma maldita festa aqui e Roman só me avisa hoje e ainda
disse que vou ter que ficar aqui dentro. Que porra é essa? Uma brincadeira
onde todos se divertem e eu morro de tédio?
Eu poderia até escutar o idiota, considerando que, na última vez que eu
não fiz, acabei em uma perseguição e quase fui sequestrada por um
homem tão careca que sua cabeça literalmente brilhava, então eu poderia
até ficar quietinha no quarto a noite toda, como faço em todas as outras.
Mas dessa vez é diferente... Em primeiro lugar, Roman e eu não
estamos em uma relação muito agradável depois daquela conversa. A pizza
era legal, mas o sabor amargo que ficou na minha boca depois de todas
aquelas memórias não era.
Roman Miller até podia ser um cara bom, mas ainda era o cara que se
enfiou nas pernas da minha irmã enquanto eu chorava pela minha mãe,
então decido que o quero morto. Ok, talvez não morto, mas quero fazer
um grande estrago em sua vida.
O plano de roubar tudo e deixá-lo sem nada me parece uma boa ideia,
e depois que esse idiota apenas disse que teria uma festa que ele não iria
encerrar mais cedo e nem estar no quarto comigo enquanto acontecia, eu
decidi sair eu mesma para ver toda essa palhaçada.
Por que ele não vai acabar com essa estupidez para que eu possa
dormir? E por que ele não vai ficar aqui comigo enquanto essa festa
acontece? O que tem de tão diferente nela que não houve nas outras?
Eu quero saber, quero saber tanto que quase me contorço na cama
quando ele aparece para me contar.
— Não sabia que o clube recebe atrações — digo, apenas com o intuito
de procurar informações. Não que eu vá realmente virar para ele e
perguntar o motivo dele não ficar aqui no quarto.
— Desde quando você se interessa sobre o clube? — ele indaga
enquanto seus olhos azuis emanam fogo por minha pele.
— Estou entediada, você não pode me culpar.
Dá uma risada sarcástica.
— Se eu bem me lembro, eu te dei uns filmes para você assistir.
— É, filmes de luta dos anos 90 em DVD. — Enrugo o meu nariz de
desgosto. — Ninguém vê essa merda e ninguém usa mais DVD. Coloca logo
na sua conta e me deixa assistir a TV.
— Você não tem gosto nenhum, boneca. — Ele pisca para mim. — Vai
ter que se contentar com os DVDs enquanto eu me divirto, tá bom?
Não precisa mais do que isso para me deixar puta e ver vermelho.
Meus pensamentos correm soltos e corroem a minha mente tão rápido
quanto um veneno. Como assim, eu fico aqui vendo filmes idiotas
enquanto ele se diverte. Se diverte?!
Se diverte?
O que diabos isso significava? Que ele iria apenas se sentar lá, beber e
beijar alguma garota? Que iria transar com ela? Que iria apertar o maxilar
dela como fazia quando me beijava? Que iria chamá-la de boneca e morder
os lábios dela? Inferno, a garota teria cabelo escuro como o meu, claro
como o da minha irmã ou rosa como o da garota que me chamou de
prostituta dias atrás?
Oh, eu darei um motivo para Roman se divertir e vou fazê-lo de forma
magistral.
Mando mensagem para as garotas quando ele sai do quarto com a
promessa de ir atrás do pai para o ajudar em alguma merda relacionada
hoje à noite. Não me preocupo, eu descobrirei exatamente o que é mais
tarde de qualquer forma.
Julieta: Vadias, temos a nossa chance. O clube vai dar
uma festa hoje e Roman me disse que ele vai participar
a noite toda.
Já passa das nove da noite quando escuto três batidas na minha porta,
uma seguida da outra. Me levanto da cama com pressa, dando de cara com
o olhar gélido do homem quando eu abro a porta. Isso nunca fica velho.
A frieza combina com Asher Volkov, mas a presunção combina ainda
mais.
Me lembro de quando eu mandei uma mensagem para ele, logo após
terminar de falar com as meninas. Asher nem mesmo pestaneja.
Julieta: Eu sei que eu não devia fazer isso e que você
não deveria ir contra os meninos e o seu irmão...
— Nyet.19
Oh, meu...
Uma das mãos dele sobe até o meu pescoço, traçando linhas por minha
pele até me segurar firme pelo maxilar, mantendo o meu rosto erguido
para ele.
— Porque eu nunca me importo quando o assunto é você. — Ele se
abaixa, seu rosto a uma curta distância do meu, emanando o seu calor para
mim. — Você pode me usar, me maltratar, fazer o que quiser comigo e eu
ainda não vou me importar, babochka. Então, quer me usar para causar
ciúmes? Tudo bem, vou pegar o que você me der. Contanto que seja meu.
Movo a cabeça, roçando meu nariz no dele.
— E se o que eu quiser te dar não for o que você quer?
— Então vou pegar o que eu quero. — Seus dedos me apertam tanto
que acho que vou ficar com marcas amanhã, mas eu não ligo. Na verdade,
até gosto.
— Julieta! — Escuto o som da voz de Roman.
— E então, babochka, vai dar o que quero? — Semicerro os olhos,
minha visão turva pela luxúria que Asher Volkov causa em meu corpo. —
Vamos, Julieta. Dê a sua boca para mim.
E dou, porque ela é dele.
Meus olhos se fecham quando me inclino, e Asher me pega com tudo o
que ele tem. Sua outra mão serpenteia em minha cintura, me apertando
fortemente, mantendo o seu corpo colado no meu. Subo as minhas mãos
até o seu cabelo, bagunçando e puxando tudo o que eu encontro.
Porque quero deixá-lo tão bagunçado quanto ele me deixa.
Sua mão se move em meu maxilar para a minha garganta, o aperto é
firme, mas é o suficiente para molhar a minha calcinha. Asher me beija de
forma possessiva, como se tudo aquilo fosse dele. Tão diferente de como
fazíamos aos quatorze, mas tão semelhante ao mesmo tempo.
Como se o fato dele ter ficado longe não fizesse diferença. Como se
nada disso fizesse diferença, só eu e ele.
Como se ele fosse meu tanto quanto eu sou dele.
E quando eu retribuo o seu beijo com tudo que tenho, tenho dúvidas se
ele está realmente errado. Porque beijar Asher Volkov é como estar no
céu, e eu não sei se posso deixar essa sensação ir embora.
Estou presa em seu feitiço e a verdade é que não quero sair.
É assim que ele se sente comigo?
Fios eletrizantes não são o suficiente para me conter. Eles correm pelo
meu corpo, provocando-me de dentro para fora. Rindo e zombando de
mim por ceder a ele, por ter acabado com minha palavra, mas então minha
mente nubla quando sinto o seu aperto firme e forte em minha pele e em
meu corpo.
Seu toque é como mágica.
Porque Asher Volkov não apenas beija, ele possui. Te rouba inteira e te
faz ver o porquê você pertence a ele e o motivo de não querer sair.
Asher arrebata tudo no seu caminho, porque ele simplesmente sabe
que é dele. E foda-se se eu vou negar algo a ele agora, com sua boca
grudada na minha em um bar cheio de motoqueiros tarde da noite.
Enquanto me beija, me permito esquecer até mesmo do motivo de
estar aqui. Como isso começou mesmo? Não consigo me lembrar...
— Vocês querem dar um show aqui mesmo ou isso tudo não é
planejado? — Eu não teria escutado, prestado atenção na voz se não
tivesse reconhecido Axel, próximo demais de nós dois para o meu próprio
bem. — Não sabia que você gostava de dar um show, irmãozinho.
Asher e eu nos afastamos, mas apenas o suficiente para conseguirmos
respirar. Sua mão se mantém em minha garganta em uma exigência,
mantendo-me refém dele, e o pior é que não faço absolutamente nenhum
esforço para sair.
O que aconteceu com você, Julieta González?
— Me ouça com atenção, babochka... O que aconteceu essa noite
nunca mais vai voltar a se repetir. — O quê? Ele não quer mais me beijar?
Não entendo o que ele diz e luto para sair do seu aperto, mas ele só se
torna mais forte, tentadoramente mortal para mim. — Você nunca mais vai
mostrar a sua calcinha para os outros, me entendeu? Eles não merecem
ver isso, você não é deles para que vejam.
Ah, isso faz muito mais sentido.
— Eu também não sou sua.
Asher não gosta da minha resposta.
— Você está aqui comigo, só respira porque eu tenho a misericórdia de
te deixar respirar. Está trêmula nos meus braços e mole porque eu te tirei o
ar e, então, decidi dar de volta. Eu sou devoto a você, babochka, mas não
pense nem por um segundo que vou aceitar você agir como se não fosse
minha.
Perigoso, é isso que ele é.
— E o que você vai fazer se eu agir como se não fosse sua, Volkov? —
Pisco para ele, um sorriso perigoso toma conta do meu rosto, sua
respiração quente deixa arrepios em minha pele, mas não me preocupo
em me afastar. Quero ele e quero tudo o que ele tem para mim. — Vai
continuar sendo o meu brinquedo quebrado se eu irritar você.
Aperta sua mão em torno da minha garganta e minhas coxas contraem
uma na outra, friccionando-se.
— Que porra é essa?! — A voz raivosa de Roman chega até nós e,
depois de um olhar prolongado de Axel, eu me desvinculo de Asher. Sua
mão desce até a minha cintura quando me viro para a frente, como se não
suportasse ficar sem sentir a minha pele contra a dele. — Você devia estar
presa no quarto!
— Essa é a porra da sua preocupação? — Dylan se junta a ele, seu
cabelo geralmente perfeito agora está todo desgrenhado. Me pergunto se
foi ele quem bagunçou ou se a garota que rebolou em seu colo havia feito
o trabalho. — Ela acabou de ser lambida por dois Volkov. Que porra você
está fazendo?
— Me divertindo. — Encolho os ombros, tentando parecer inocente,
mas obviamente falho. — Não sabia que a diversão era proibida. Você
parecia estar se divertindo bastante, eu queria experimentar.
As suas sobrancelhas se erguem até a linha do cabelo, sua testa forma
uma linha que me parece muito engraçada, mas não me permito rir.
— O que você viu? — Dylan volta a me perguntar e, quando me
preparo para mandá-lo se foder e ir à merda, Roman toma a frente
novamente e age como o líder que seu pai o criou para ser.
— Você tem que voltar para o quarto agora. Tem amigos de negócios
do meu pai aqui, criminosos de outras gangues. Se eles souberem que uma
González está aqui...
— Tarde demais, ela fez um grande trabalho se apresentando antes de
deixar metade do bar ver a calcinha dela — Axel diz ao meu lado, seco.
Não consigo enxergar bem a cor dos olhos de Roman agora, mas a sua
revolta fica escrita por todo o seu rosto.
— Que porra você pensou? — Ele se aproxima de mim, abaixando-se
até estar na minha altura. — Que porra está passando pela sua cabeça
agora, boneca? Não entendo por que você se arriscaria a vir em um bar
cheio de pessoas que querem te matar só para causar uma cena e
desperdiçar todo o nosso esforço em te deixar escondida.
Me encolho, um tanto culpada por suas palavras.
Me preparo para responder, mas Roman tira a sua atenção de mim por
tempo. A chegada brusca de alguém por perto acaba chamando a nossa
atenção.
— Desculpe! — Cabelos rosa e postura bamba, é claro... A garota que
me chamou de prostituta dias atrás. Ela tropeça em Roman, visivelmente
alterada. O motoqueiro a segura pela cintura, firme para deixá-la em pé.
Semicerro os olhos naquela direção.
Roman suspira.
— Por que não se senta um pouco, Candy? — Candy. O nome se parece
demais com Cindy, outra garota que me deixava puta quando era menor
porque andava demais com Dylan.
Parece que Roman e Dylan gostam de garotas com a inicial “C”.
E eu quero matar os dois. Que se foda tudo isso.
— Sim, Candy, vá se sentar. — A garota se assusta visivelmente quando
olha para mim, para a minha total satisfação. Ela se encolhe um pouco,
seus ombros se curvam para dentro e, após um olhar para Roman, sai de
perto de nós. — Eu quero dançar.
Os olhos de Roman se estreitam.
— O quê?
— Disse que quero dançar. — Olho ao redor. Vejo um bolo de pessoas
dançando no meio do lugar, não parece bem uma pista de dança, mas vai
servir. — Se puder controlar o som, eu quero que coloque reggaeton para
tocar. Você sabe que amo rebolar escutando reggaeton.
Contorno eles, saindo pelo lado que está mais fácil para mim. Axel me
deixa ir sem muito esforço, nem tenta me tocar quando passo por ele
como Dylan faz, mas não consegue. Bom, se eu sentisse a mão de Dylan
em mim agora, juro que a cortaria fora.
Puxo o celular de volta, destravando enquanto desvio das pessoas.
Maggie: Por que motoqueiros são tão grandes? Que
porra é essa? Foda-se, entramos.
Lottie: Maggie!
Roman é mais agitado, e nem mesmo foi ele quem matou alguém.
Enquanto os garotos foram tomar banho para tirar o cheiro de sangue e
trocar de roupa logo depois que Asher me entregou uma pílula do dia
seguinte com um olhar fixo no meu e saiu antes de ver se eu a tomei ou
não — o que claramente eu fiz —, Roman assumiu a tarefa de trazer Dylan
para cá. Ele mandou mensagens e ligou assim que o loiro respondeu de
volta.
Megan sai do quarto de visitas uns minutos antes de Dylan entrar no
apartamento. Ela está com os olhos pequenos, o rosto bonito todo inchado
pelo sono. O grande cabelo ruivo se tornou uma bagunça de fios
desalinhados e embaraçados em cima de sua cabeça. Ela está com a roupa
de ontem, bocejando e se espreguiçando lentamente.
— Eu não estou surpresa, é bem óbvio que o primeiro a matar alguém
ia ser um dos Volkov de sangue gelado. — A voz bem-humorada não deixa
dúvidas de quem chegou. Roman vem logo atrás dele, já que foi o
motoqueiro que abriu a porta.
Megan se senta ao meu lado no sofá e coloca suas pernas em cima das
minhas.
— Por que os seus homens estão tão agitados, chica?
— Eles acabaram de matar alguém. Acabou de acordar, não é, cadela?
Quer panquecas?
Megan solta um bocejo, e deixa a cabeça cair no encosto do sofá, seus
olhos azuis-acinzentados se fecham por um momento.
— Tem café?
— Sim, mas não tem creme.
Seus ombros se encolhem.
— Eu vou tomar preto como a minha alma.
Engulo uma risada, porque só Megan Smith iria ouvir que pessoas
dentro dessa casa acabaram de matar alguém e ia querer saber do seu café
da manhã. Minha garota é dura na queda, nunca duvidei dela.
— Onde estão os assassinos? — Dylan anda como se fosse dono de
todo esse lugar, e fala alto o suficiente para que eles o escutem dos
quartos no corredor. Sua jaqueta característica não está com ele hoje,
percebo assim que ele se senta em uma poltrona em minha frente e
estende os pés em cima da mesa de centro feita de vidro. — Bom dia,
garota barulhenta. Imagino que tenha dormido bem, mesmo que pelas
costas de quem não dormiu.
— Como é?
Dylan me encara, nada impressionado.
— Você faz barulho demais, Julieta. Acho que você nos queria na festa,
não é? Se não quisesse, teria se preocupado em fazer menos barulho.
Travo minha respiração trava e estreito meus olhos em sua direção.
Dylan Monroe e seu gênio insuportável de merda. Megan abre os olhos em
um movimento só, passando de mim para Dylan como se soubesse que
algo de errado está acontecendo.
— Não gostou do barulho? — Estico meus lábios em um sorriso cínico.
— Ah, eu gostei muito. Mas só queria ser avisado com antecedência da
próxima vez, assim eu posso trazer a minha própria garota para que todos
possamos nos divertir juntos — ele copia o meu sorriso, e porra... Eu quase
vejo vermelho. Provavelmente teria visto se não sentisse Megan
entrelaçando os nossos dedos e apertando a minha mão com força.
Esse é o problema quando se conhece alguém há muito tempo: Essa
pessoa sabe o seu calcanhar de Aquiles. Ele sabe, sempre soube que sou
incrivelmente ciumenta e que nunca lidei bem com a menção de outra
pessoa com eles. Sou uma cadela egoísta, nunca neguei nada disso.
— Qual é a porra do seu problema? — pergunto a ele. — Você tem
agido como um merda desde o dia da festa.
— Meu problema? — Aponta seu indicador para si mesmo. — Qual é o
seu problema?
Abro a minha boca, surpresa. Meu problema? Posso fazer uma lista
para isso, mas essa não é a questão aqui.
— Não se preocupe com ele, babochka. Monroe só está assim porque é
um covarde ciumento que não sabe fazer nada por si mesmo.
Asher aparece novamente na sala e não parece nada com o homem
que eu vi mais cedo. O sangue se foi e o cheiro também. Em vez disso,
parece ser o mesmo de sempre. Cabelo perfeitamente arrumado, terno de
três peças no corpo e o perfume forte e gostoso que ele exala. Axel parece
o oposto.
Ele está com uma camisa larga e de calça, o cabelo molhado e
bagunçado e os pés descalços contra o piso. Asher provavelmente
infartaria antes de ficar sem sapatos aqui.
Axel não parece feliz quando chega até nós, seu humor alegre de mais
cedo deu lugar a um mais fechado. Está com o celular na mão quando
passa pelo irmão e se posiciona no meio da sala.
— Temos um problema — anuncia.
— Ponha na porra da lista — Roman murmura, com suas bochechas
cheias de panquecas. Os farelos escorrem por seu maxilar, para o total
desagrado de Asher. Roman não perdeu o apetite depois dos encontros na
cozinha, ao contrário de mim. Não pelo fato deles terem matado alguém,
mas sim pelo cheiro nojento. Não consegui mais comer.
— Esse não dá para esperar. — Minha coluna endurece quando eu
sinto a atmosfera da sala mudar. Ele e Asher trocam olhares antes dele
voltar a falar: — Mikhail me mandou uma mensagem.
— O que diz na mensagem?
Axel pigarreia antes de começar a falar:
— Perdi um negócio importante hoje e ele está na conta de vocês.
Continue mexendo no que não os interessa que eu farei com que interesse
a vocês, proklyatyy mal'chik22.
— Encantador — comento.
— Quem é esse e por que ele soa como alguém que tem um pau
enfiado na bunda? — Megan sussurra para mim, mas é ouvida por todos
na sala.
— Esse é o papai Volkov e ele provavelmente tem um pau enfiado na
bunda.
— Que porra isso quer dizer? — Dylan faz a pergunta.
— A mensagem é autoexplicativa, seu idiota. O que acha que quer
dizer? — praticamente rosno para ele.
Dylan me fita com seus olhos azuis. Ele não está feliz, na verdade
parece puto da vida. Um sorriso quase nasce em meus lábios por saber
que eu o deixei assim, mas Dylan abre a boca para me rebater:
— Ele vai vir atrás de você — Asher corta Dylan e volta a falar comigo.
— Precisamos matá-lo.
— Espera, se segure um pouco. Apesar de parecer um, você não é a
porra de um serial killer — diz Roman. — Nós não sabemos se ele vai vir
atrás da Julieta ou não, e nem sabemos se ele está falando sério.
— Meu irmão tem razão, Mikhail não blefa, nunca. — Axel fala. —
Mikhail está envolvido nisso de algum jeito. Asher e eu estávamos atrás de
um negócio secreto dele quando fomos seguidos.
— Me diga que descobriu quem estava seguindo vocês — pergunto.
Saber quem está atrás deles facilitaria tanto a nossa vida.
O sorriso que Axel abre para mim é completamente sujo, e eu decido
que amo assim que vejo.
— Joguei ele para fora da estrada. O filho da puta se cagou de medo.
— Não precisa deixar a melhor parte para o final, termine de falar —
Dylan implica com ele e Axel não lhe dá atenção.
— O cara veio a mando de Mikhail. Então Asher o matou e nós fomos
nos livrar do corpo. Precisei dirigir até a equipe de limpeza, nós estávamos
sujos, isso meio que tirou a chance de descobrirmos sobre a Krasota.
— O quê? — Dylan indaga, com seu rosto completamente voltado para
Axel. — O que você falou?
Axel faz careta para ele.
— Ficou surdo, Monroe?
— Qual o último nome que falou?
— Eu disse Krasota.
Dylan se levanta da poltrona em um salto.
— Vi esse nome nos documentos de Patrick. Era um arquivo no backup,
mas só tinha a foto de um prédio.
— Precisamos desse prédio! — Dylan tira o celular do bolso e estende
para os gêmeos, mostrando a eles uma foto. — Mikhail é dono de um lugar
chamado Krasota. Não sabemos o que é ou onde é, mas nunca ouvimos
falar disso antes. Olhamos endereços no Google e estávamos indo atrás,
mas não tem nada que fale que Mikhail é o dono ou não lá.
— Krasota... — testo o nome russo na língua. — O que acham que
pode ser?
— Significa literalmente A beleza — Asher traduz para nós. —
Conhecendo Mikhail, pode até ser um prostíbulo.
— Ou pode ser algo mais importante que isso. Não teria motivo para o
meu avô ter uma foto do prédio se não fosse.
Roman bufa do outro lado da sala, não se preocupando em esconder o
seu desagrado quando todos os nossos olhos vão para ele.
— Vamos achar essa merda, invadir e descobrir que porra o seu pai
está fazendo.
— Acha que nós já não tentamos fazer isso, motoqueiro? — Axel
pergunta a ele. — Não é fácil assim.
Me levanto do sofá e caminho com meus pés descalços até Dylan e os
gêmeos. A altura de Dylan e seu rosto fechado para mim não me intimidam
quando espio por cima de seus ombros, olhando a foto de um edifício em
seu celular.
— Ainda não acharam o prédio, não é?
Axel nega.
— Nem perto.
— Vi todos os sites e não tem nenhuma foto com esse prédio. Ele não é
de conhecimento público. Mikhail está o escondendo. — A voz de Asher
não mudou, como se o que ele fez hoje não tivesse o afetado em nada. Ele
já fez antes? É por isso que não está abalado? — Vamos precisar de alguém
que consiga achar isso para nós.
— Alguém como um detetive? — Franzo a testa. — Não acho que isso
daria certo.
Asher estende a mão para mim e eu a pego sem hesitação,
entrelaçando os meus dedos em sua mão quente. Ele se senta em uma
poltrona e me coloca orgulhosamente em seu colo, sua mão firme em
minha coxa, no limite da sua blusa larga. Inclino as minhas costas para ele,
ignorando os olhares fixos dos meninos.
Megan me dá uma joinha e balança a cabeça, como se estivesse me
parabenizando. Quase consigo imaginá-la dizendo: “Isso mesmo, vadia,
suba no colo desse homem”.
— Mikhail deve estar escondendo os seus rastros pela internet. Se ele é
dono de um prédio, tem que ter alguma coisa que o ligue a ele. Precisamos
de um hacker. Alguém bom para conseguir entrar no computador dele e
descobrir essa merda.
Quando olho para Megan encontro os seus olhos em mim. Nós duas
sabemos o que se passa na cabeça da outra, não precisa de muito. Ergo a
sobrancelha para ela em uma indagação silenciosa. Ela me responde
encolhendo os ombros. Se tivéssemos acabado de falar, imagino que a
conversa seja algo assim:
“Será que chamamos Charlotte?”
“Está na sua conta, hermana.”
— Conheço alguém que pode hackear Mikhail para nós. — A sala
silencia com o que eu acabo de falar. — Mas ela é cara.
Asher não pestaneja.
— Fale que queremos isso rápido e pergunte o preço.
Acho que acabo de achar o cliente mais caro para Charlotte.
Foram dois dias até a minha amiga conseguir uma pista sólida sobre a
Krasota. Duas noites presa no apartamento até termos uma pista, e não
era só uma pista, era a pista. Um endereço.
Depois da reunião em que Charlotte cobrou um valor alto para hackear
Mikhail para Asher, ela disse que precisava saber do que Mikhail gostava.
Charlotte então criou um e-mail com o nome do meu pai e mandou para
Mikhail com o intuito de começar uma conversa. Pelo que ela disse,
Mikhail era esperto, mas clicou no e-mail e no link de uma foto que não se
passava da própria ficha policial divulgada dele.
Não foi nada demais, mas quando ele clicou no arquivo que Charlotte
plantou, ela teve acesso ao seu computador. Não conseguiu fazer nada
além de observar enquanto ele usava, como se fosse uma espectadora de
seus crimes na internet. E depois de uma ligação horrorizada, quando me
contou que viu ele trocar e-mail com o que parecia ser um traficante de
peles, ela disse que acompanhou uma conversa dele onde mandava
alguém cuidar de um lugar secreto.
Queremos acreditar que seja a Krasota, mas só dá para saber quando
chegarmos lá.
A pessoa que respondeu Mikhail no e-mail confirmou o endereço e ele
é longe o suficiente para que tenhamos que sair sem nos preocupar com o
horário.
Todos os cinco estamos no carro que Megan arrumou para nós, porque
é desse jeito que se sai em missões. O carro é preto, modelo comum para
passar despercebido em meio aos outros carros, nada parecido com o
chamativo modelo de Asher. Me encolho no meio de Roman e Dylan,
ambos calados e apreensivos. Axel está no volante e Asher está ao seu
lado, quieto e mortal.
Quero que seja a porra da Krasota, quero saber o que ela é e se isso
tem alguma coisa relacionada com a minha mãe.
O endereço é fora da cidade, nós levamos tempo para chegar. A estrada
à noite se torna deserta em certo ponto, não há ninguém nas ruas a não
ser nós. Há terra em todo o nosso redor, só somos iluminados pelo farol do
carro. Engulo em seco, começando a ficar tensa. Eu não gosto de nada
disso. Cruzo os braços embaixo dos seios enquanto meu joelho começa a
saltar de nervoso.
— Relaxe. — Roman coloca sua palma contra o meu joelho, forçando-o
a ficar no lugar. — Tudo vai dar certo.
— Será mesmo?
— Tem que dar, eu preciso viver até amanhã. — Ele pisca os olhos para
mim. — Tem uma entrega especial amanhã no clube e eu preciso ajudar o
meu pai. Não se preocupe, boneca. Tudo vai dar certo.
Não acredito nisso nem por um segundo.
A mansão parece ser uma ilusão no deserto, alimentando as vistas com
algo tão belo. Uma mansão, não um prédio. É o lugar mais bonito que já vi
antes. Mais bonito que a Mansão Monroe, que a mansão do meu pai, que
a mansão Volkov... Esse lugar é inexplicável. E o pior... aparentemente
vazio.
Nós colocamos máscaras antes de descermos do carro. Vestidos de
preto da cabeça aos pés, andamos até a porta da frente como se fôssemos
os donos, mas a verdade é que não tem ninguém aqui para dizer o
contrário. Todas as luzes estão apagadas e não há casas por perto. A última
vez que eu tinha visto uma mansão tinha sido uma hora atrás.
Tiro a minha arma da cintura e a destravo. Caminhamos até os fundos,
quietos. Consigo abrir a fechadura com rapidez, o que só me deixa mais
receosa. Que tipo de mansão não teria um alarme contra invasores?
Principalmente em um lugar desses?
Entendo assim que entramos nessa porra de lugar. Há lanternas
apontadas para todos os cantos, e tudo o que eu vejo é branco. Só branco
e cheiro de produto de limpeza.
Balanço a cabeça, desacreditada. Tão perto para nada.
Mais tarde, vejo que estava certa. Esse lugar está completamente vazio.
Não tem móveis, não tem trancas nas portas, não tem pessoas. Não tem
nada. Uma mansão no meio do nada.
Nada.
Exatamente o que temos.
Absolutamente nada.
Vermelho é a primeira coisa que vejo essa manhã. Vermelho por
minhas pernas e uma mancha vermelha pelo lençol branco de Roman.
Minhas mãos apertam o cobertor e meus olhos se fecham com força. Foda-
se, eu sou uma garota grande. Qual é o problema que manchei o lençol de
Roman com a minha menstruação? É só sangue, eu posso lavar.
Preparo-me para levantar da cama e me sento no colchão. Meus olhos
demoram para acostumar-se com a claridade do quarto por causa da noite
de ontem. Depois do fracasso da noite anterior, voltamos todos para casa.
Na verdade, Roman trouxe-me de volta ao clube, já que ele tem uma
entrega importantíssima para ajudar o pai hoje e se recusou a me deixar
sozinha com os gêmeos no apartamento de Asher. Estávamos tão
frustrados que ninguém disse absolutamente nada.
Roman estava nervoso ontem, passava a mão por seu cabelo toda hora.
Estava gostoso de olhar, mesmo assim... Quando chegamos no clube para
dormir ele me disse que iria deixar Dylan comigo caso tivesse que sair e eu
não estivesse acordada. Também disse que ia deixar o meu café da manhã
pronto e que Dylan ia trazer para mim se eu pedisse. Jesus Cristo, se não
estivesse tão cansada eu poderia totalmente encharcar a minha calcinha
ontem à noite só com Roman agindo todo casual assim comigo.
Ela já está encharcada hoje de qualquer forma.
Olho ao redor do quarto e procuro minha mochila com os meus
absorventes. Está no canto do quarto, dentro do armário de Roman.
Merda. Ainda não me levantei da cama, mas sei que, quando fizer, vou
deixar um longo rastro vermelho atrás de mim e eu não tenho como
limpar.
A alta figura de Dylan passa pela porta. Ele parece o mesmo de sempre
com sua camisa vermelha e calça jeans, mas a jaqueta característica do
time da escola não está em seus ombros. É estranho vê-lo sem ela. Dylan
fica tanto com essa jaqueta que é parte da sua identidade, como a sua
segunda pele. Sem ela... é estranho.
Os olhos azuis estão inchados, percebo. Talvez os meus próprios olhos
estejam tão inchados quanto e isso tudo é consequência da noite de
merda de ontem. Dylan entra com uma bandeja na mão exatamente igual
à que Roman traz todos os dias.
Meus ombros se curvam para a frente e eu me encolho. Meu cabelo cai
como uma cortina escura que me separa de Dylan.
— Roman falou que vai voltar depois do almoço, não precisa chorar
como uma criança. — Dylan coloca a bandeja em cima da mesa e então se
vira para mim, me observando com uma feição confusa. — Sei que eu
também não sou o preferido do seu harém, mas hoje eu sou a sua babá.
Agora, vem comer.
Ele gesticula para a bandeja e pega uma fruta, levando-a aos lábios. O
observo enquanto aperto firmemente o lençol. Espero que ele saia do
quarto ou alguma coisa assim, mas tudo o que Dylan faz é me encarar.
— Qual é, Julieta? — Observo quando ele se senta no sofá que Roman
tem no quarto e estica suas pernas. — Vai mesmo fazer pirraça por causa
da nossa briguinha de nada de ontem? Isso é imaturidade até para você.
Puxo a respiração e bufo como um touro enquanto o encaro. As cólicas
me incomodam o suficiente para que uma careta tome conta do meu
rosto. Me contorço um pouco, resmungando baixinho entre minhas
respirações.
— O que foi? — Sua voz é preocupada quando ele se levanta e vem até
a beira da cama, contorcendo suas mãos para me tocar. Seus olhos azuis
estão preocupados e atentos. Em outras palavras, perfeitos. — O que está
errado?
— Estou com cólicas e acabei de sujar todo o lençol de Roman de
sangue. — Dylan balança a cabeça, seus olhos não se desviam dos meus
nem por um segundo.
— Vai para o banheiro que eu cuido do resto.
Balanço a cabeça, negando.
— Vou sujar tudo no caminho até lá.
Dylan faz careta para mim, teimoso.
— Eu disse que cuido do resto.
Quando ele se afasta da cama e me dá espaço para sair, vejo que não
tenho opções a não ser me levantar. Isso não é nada de novo entre nós.
Esses garotos sempre enfiaram os narizes onde ninguém chamou e, no
meu caso, sempre tinham que saber de todos os meus negócios. Me
manchar de sangue perto deles em algum acidente quando era mais nova
já tinha acontecido antes.
Quando me levanto e arrumo a blusa de Roman em minhas pernas, a
mancha vermelha em mim não é novidade para Dylan de qualquer forma.
Ando rapidamente até o banheiro, com medo de ter sujado o chão de
Roman, mas, quando olho para baixo, não vejo nada.
Paro no batente da porta e observo quando Dylan tira os lençóis sem
problemas ou murmúrios. Isso sempre foi algo que eu gostei. Enquanto os
garotos da minha turma falavam besteiras sobre mulheres, eles nunca
tiveram problemas em me aceitar de todas as formas. Seja com um vestido
bonito ou enrolada no sofá porque eu estava sentindo cólica, mesmo antes
de eles me enxergarem com outros olhos quando entramos na
adolescência.
Jogo a roupa em um bolo no chão e enfio-me no chuveiro assim que o
sangue começa a escorrer pelas minhas coxas.
A água está quente quando eu enfio a minha cabeça toda embaixo do
chuveiro, acaricio o meu corpo para ajudar a me relaxar. Procuro o xampu
que sempre está na janela. Roman tinha comprado um barato de mercado,
não é muito caro como o de Asher, mas o cheiro é bom. Quando pego o
frasco, não acredito no que os meus olhos veem.
Roman trocou o xampu de novo, mas dessa vez é de uma marca
profissional. Também tem uma máscara de hidratação que parece fazer
parte de um kit, todos lacrados, apenas esperando para que eu os use. O
sorriso que toma conta do meu rosto apenas cresce quando eu pego o
sabonete líquido e vejo que agora ele tem a fragrância de morangos.
Roman.
Jogo tudo isso sobre o meu corpo e me limpo, assustando-me quando a
porta do banheiro se abre em uma fresta. A cabeleira loira de Dylan é a
única coisa que eu vejo, considerando que o seu rosto está todo voltado
para os seus pés e ele não me encara de jeito nenhum.
— Eu bati, mas você não escutou — ele justifica antes mesmo que eu
faça a pergunta, e eu não sei se é por me ter vulnerável ou só por não
querer mais me irritar. — Onde está a sua mochila?
— Dentro do armário dele. — Esfrego os meus braços, sorrindo quando
vejo os movimentos de Dylan.
— E você tem tudo o que precisa lá dentro?
— Uhum — murmuro, e então Dylan fecha a porta e desaparece.
Continuo o meu banho até a porta se abrir de novo.
Monroe entra no banheiro novamente um tempo depois, ele repete o
ato anterior, não me encara. Caminha até o armário e coloca a mochila lá
em cima e então encara a própria imagem no espelho.
Consigo ver o seu peito subir e descer daqui de trás do boxe, suas mãos
estão na bancada, apertando firme o mármore.
— Dylan?
— O que foi? — Seu timbre é diferente, mais pesado do que antes.
Dylan soa como se tivesse acabado de fazer muito esforço, como se só
estar aqui no mesmo cômodo que eu testasse os seus limites. Eu gosto de
tê-lo assim.
— Pode pegar a toalha para mim? — Não peço “por favor”, porque eu
sei que não precisa. Enquanto vejo ele através do vapor da água quente, o
seu cabelo claro cobre os seus olhos e seu rosto todo está voltado para o
espelho para que ele não olhe para mim... Eu quero que ele olhe para mim.
Quero que ele me encare e que me absorva, que sinta tesão por mim. Eu
quero um monte de coisas.
Ele abre o armário embaixo da pia, tirando uma das toalhas felpudas de
Roman. Dylan paralisa, com seu corpo todo voltado para mim apesar dos
seus olhos estarem na toalha que ele carrega nas mãos. Minha respiração
trava na garganta quando seus olhos azuis me encontram.
Luxúria é tudo o que eu vejo refletido em seus olhos. Eles me
absorvem, observando os meus movimentos. Dylan acompanha quando eu
passo as mãos em meus seios, tirando o sabão junto com a água. Quero
gemer e chamá-lo para dentro comigo. Quero que ele entre aqui dentro e
me foda, e então que me abrace e me encha de beijos.
A necessidade do afeto de Dylan me faz desligar o chuveiro e ir em sua
direção com cuidado. O Monroe abre a toalha felpuda e me espera até
chegar perto dele, eu o sinto me envolver com a toalha, suas mãos
envolvem a minha cintura, apertando-me por cima do pano uma última
vez antes de se afastar.
— Vou te esperar lá no quarto. — Sinto a maciez de seus lábios em
minha testa. Seu corpo se afasta de mim lentamente, seus olhos só me
deixam quando a porta se fecha com suavidade.
Puta merda.
Quando saio do banheiro, estou vestida com um par de calça grande e
um moletom enorme e preto que pertence a Roman. A essa altura, eu não
sei se tenho mais roupas minhas ou as roupas dele.
Dylan está deitado na cama, esticado com as mãos por trás da cabeça,
o lençol antigo já se foi e um de cor preta toma o seu lugar.
— Para onde foi o lençol antigo?
— Coloquei no porta-malas do meu carro — diz ele. — Não achei
máquinas de lavar aqui, onde será que os motoqueiros lavam as roupas?
Encolho os ombros com a sua pergunta e pairo sobre a cama, indecisa
sobre o que fazer agora. A bandeja de antes está esticada no meio,
impondo um limite silencioso entre nós dois. Não entendo o motivo do
limite e nem entendo o porquê da luta interna que ele pareceu ter lá
dentro do banheiro.
Isso não parece nada com o Dylan que eu vejo durante a escola ou com
o Dylan que vi na noite da festa. Aquele Dylan atrai mulheres para si, ele
deixa líderes de torcida se sentarem em seu colo e deixa mulheres
rebolarem em cima dele no meio de uma festa, então por que, quando eu
claramente estava o provocando, Dylan simplesmente decide virar as
costas e ir embora? Por que impor um limite entre nós aqui?
Coloco um dos pratos de panquecas em cima do meu colo, mordendo e
sentindo o gosto de mirtilo e morango. Roman.
Mastigo a panqueca em silêncio, enquanto o encaro. Dylan devolve o
meu olhar, mas não se preocupa em comer nada. Ele parece preso em seus
pensamentos.
— Já pensou em como seria? — a pergunta sai dos seus lábios, mas não
a entendo.
— Como seria o quê?
— Se tudo não tivesse acontecido. Se sua mãe não tivesse sido presa e
nós não tivéssemos nos afastado de você.
Pensei nisso todos os dias durante quatro anos.
— Às vezes. — Encolho os ombros, escolhendo as minhas palavras com
cuidado. — E você?
— O tempo todo. — O som de sua risada chega aos meus ouvidos,
embelezando o quarto. — Toda noite antes de dormir tem uma voz na
minha cabeça que sussurra para mim: E se as coisas fossem diferentes?
— O que acha que iria acontecer? — indago. — Como acha que
estaríamos hoje?
Dylan fica em silêncio. Os fios claros de seu cabelo são bagunçados por
seus dedos, uma mania de passar a mão pelo cabelo enquanto pensa.
— Eu estaria planejando fugir com você.
— O quê? — Espero a risada de novo, mas Dylan parece estar falando
sério. — Está brincando?
— Você e eu sabemos que eu não brincaria com isso. Se meu avô me
escuta falando... — Ele nega. — Patrick estaria me pressionando para os
negócios como faz agora, talvez até pior.
— Por que acha que ele faria pior se estivéssemos juntos?
— Porque ele quer que eu cumpra o que a minha mãe não fez, e você
seria o empecilho para isso. — Dylan pega um morango no meu prato. —
Ele iria querer que eu me livrasse de você e eu iria querer fugir dele. Você
me apoiaria.
— É claro que eu faria... Mas Roman nunca iria embora.
— É, não... Ele não faria. Roman nasceu para esse clube. É a identidade
dele.
— Assim como você nasceu para o futebol. — O cutuco com o
indicador.
— Futebol? Não, eu não nasci para isso.
— Pare de tentar ser humilde, Monroe. Eu te conheço, você não
consegue ser assim — continuo o provocando. — E você é o capitão do
time, a estrela. Aquele lugar só anda por você.
— Não é por isso, sei que sou o melhor daquela equipe — diz ele, nada
humilde. — Mas eu não nasci para ser um jogador, nasci em uma família de
criminosos. É isso que preciso fazer.
Quando diz isso, Dylan não parece satisfeito. Seu olhar vai para a
parede em frente à cama, sem foco, enquanto se perde em seus
pensamentos.
— Isso não é verdade. Todos nós nascemos em uma família de
criminosos, Dylan. Isso não significa que precisemos seguir os passos deles.
— Não mesmo? — Seu rosto se volta em minha direção. — Olhe para
nós, literalmente somos versões mais jovens de nossos pais. Você vende
drogas e assalta lugares como a sua mãe fazia quando começou. Roman é
literalmente o seu pai mais novo. Axel vive machucado e luta como diziam
que Mikhail lutava. Asher é todo quebrado e é literalmente a imagem
esculpida do pai agora... O imbecil matou um cara. E eu...
— E você? — o pressiono.
— E eu estou a caminho do mesmo lugar que a minha mãe. — Ele
balança a cabeça. — Era mais fácil quando éramos mais novos, não é? A
nossa única preocupação era com nós mesmos.
— Teríamos sido bons juntos — admito a ele. — Nós sempre fomos
bons juntos. Vocês sempre cuidaram de mim e eu sempre cuidei de vocês.
Teríamos dado um jeito com a sua família...
A sensação nostálgica que me envolve é quase demais para aguentar.
— Eu já te imaginei torcendo para mim — ele solta uma risada. — Os
imbecis iam ficar com tanto ciúmes.
— Axel ia considerar entrar no time só para te irritar. — Soltamos mais
algumas risadas juntos, tornando o momento leve.
Não tem mais aquela sensação pesada no meu peito quando o encaro.
Dylan é bom demais em fazer as pessoas se afastarem dele e em fingir.
Dylan Monroe é perigoso demais para se ter por perto, um tanto
venenoso, mas eu também não sou?
Em outra vida, eu estaria beijando-o neste exato momento.
Nessa vida, estou encarando e colocando no meu coração que eu não
posso ter esse garoto. Eu o quero, quero que seja meu, mas Dylan não é
como Asher. Volkov sabe o que quer e veio atrás de mim, me jurou a sua
alma e se ajoelhou aos meus pés. Não acho que Dylan fará o mesmo.
O som do toque do seu celular nos tira de nosso momento íntimo com
agressividade. Dylan atende ao telefone depois de olhar o identificador.
— Se está me ligando para perguntar se eu já dei o café da manhã para
ela, a resposta é sim — quando ele fala isso, já sei que está conversando
com Roman. — O quê?!
Dylan se levanta da cama tão rápido, que quase derruba a bandeja de
comida.
— Você tá bem? — Faz uma pausa. — Puta que pariu... — pausa de
novo. — Eu vou manter ela segura, me avisa qualquer coisa.
Dylan desliga o telefone e se vira para mim. Uma linha divide a sua
testa e denuncia a sua raiva.
— O que aconteceu? Roman está bem?
— A mercadoria foi roubada e tinha explosivos em todo lugar. Roman
falou que o lugar todo explodiu. — Me levanto da cama, com a respiração
presa na garganta quando vou até ele. — Ele tá bem, só explodiu depois
que todos saíram do galpão, mas alguns estão machucados. Vou ficar de
olho em você.
— Ele se machucou?
Dylan coloca as mãos em meus ombros, me obrigando a ficar parada.
Cenários onde Roman está esticado no chão com a pele queimada
começam a correr por minha mente venenosa e eles me deixam com puro
pavor.
— Não, ele me falou que não estava perto quando aconteceu — me
garante. — Vamos só ficar aqui em segurança.
— Não é melhor irmos embora? — o questiono, angustiada. Levo
minhas mãos para a cintura de Dylan, sentindo sua pele por cima da
camisa. — E se formos para o apartamento de Asher e ficarmos lá?
Dylan nega.
— Aqui é mais seguro, tem praticamente um exército de motoqueiros.
Ninguém é burro o suficiente para ferrar com os Devils. Nós vamos ficar
bem.
O som que segue a fala de Dylan machuca os meus ouvidos e faz com
que eles fiquem zunindo. É tão alto e assustador que eu coloco as mãos
nos ouvidos, mas Dylan me empurra para o chão, com seu corpo todo em
cima do meu para me proteger.
Abro os olhos, assustada. Os gritos do lado de fora da porta dão início a
mais barulhos assim e eu os reconheço a quilômetros de distância.
Tiros de armas.
Alguém está atirando contra o clube.
Meu pai sabe que algo está errado antes mesmo de chegarmos aqui.
Está nervoso desde que saímos do clube mais cedo, passa a mão no cabelo
toda hora e fuma mais cigarros do que o normal. Tio Derek é o primeiro a
perceber que algo não está certo com o nosso líder.
James o dispensa com um aceno, recusando-se a receber ajuda ou a
falar o que o está incomodando. Acho que, quando se tem muito tempo de
clube, dá para sentir quando algo está dando errado.
Nossos negócios não são os melhores desde aquele ataque à escola e
as tentativas de me assassinar. Ninguém quer fazer negócio com um clube
em crise, não importa o quão bom o produto seja.
Vamos receber o carregamento de armas que vieram da Rússia. É a
Bratva, mas não tem nada a ver com Mikhail. O cara é um contato antigo
do meu pai, James já tinha feito isso antes. Estamos com alguns carros e
vans para levar a mercadoria e, pelo que eu sei, a merda será pesada.
Coisas para serem usadas em guerras, armas de longo alcance e merdas
assim.
O negócio é bom o suficiente para não perdermos. O dinheiro que
vamos fazer quando vendermos...
James só leva os antigos e confiáveis com ele: eu, Tucker, Big T, tio
Derek, Cam, Vince e Flame.
Eu e Tucker, por sermos os mais novos, fomos nas motos mais à frente.
Observamos o caminho e garantimos que está tudo bem até chegar no
galpão. James e tio Derek vem em um carro atrás de nós, Cam, Vince e
Flame logo atrás deles, dirigindo uma van.
Quando chegamos lá, os mais velhos entram primeiro. Observo perto
da minha moto quando os outros entram. O lugar e o contato são seguros,
não há motivos para tirarmos armas e chamarmos a atenção levando os
outros conosco. Não há motivo para ter medo por hoje.
Escuto os xingamentos do lado de fora e quando tio Derek sai primeiro
com o rosto fechado blasfemando, eu sei que há alguma coisa errada.
O lugar está vazio. Não tem nenhuma mercadoria, só sujeira daquele
galpão de merda e poeira no piso.
Meu pai é o último a sair lá de dentro, em uma máscara de fúria. O
cabelo longo está ao redor do rosto cheio de barba e, quando meu pai
chega perto o suficiente do nosso círculo, vejo uma veia saltada de sua
testa.
Ele não tem nem mesmo tempo para falar, porque todo o galpão
explode em chamas. Meu corpo é jogado para trás com o impacto. Caio no
chão, a terra entra em meus olhos quando os meus ouvidos começam a
zunir.
Minha visão desfoca, tornando-se turva. Não consigo olhar direito para
as minhas mãos, mas consigo me levantar.
— Filho? — ouço a voz do meu pai e vou em direção a ele. Seu corpo
está esticado no chão de terra, suas costas voltadas para cima antes que
ele se levante com a minha ajuda. — Que porra acabou de acontecer?
— Essa porra foi armada! — Cam grita, lutando para se levantar
também. — Filhos da puta, eles nos querem mortos.
O galpão está envolto a chamas e uma fumaça escura sai dele,
formando uma nuvem completamente sombria no céu acima de nós.
Quando vejo que meu pai está bem, a primeira coisa que faço é ligar
para Dylan e pedir que ele deixe Julieta segura. Consigo ver Tucker
limpando a fuligem do seu rosto, com um olhar sombrio quando nos
encaramos.
O traidor está aqui.
Não existe outra explicação para o que acaba de acontecer. Tirando
nós, ninguém sabia que uma entrega importante iria acontecer hoje. Se
meu pai tivesse ficado mais alguns segundos dentro do balcão, ele estaria
morto agora.
— Vamos voltar para o clube — digo a eles.
Cam me encara com fogo nos olhos, puto.
— Vamos à sede dos Wild e matar todos eles!
— Nós sete contra uma sede inteira?! Você bateu a cabeça muito forte
na queda, seu maldito?! — Tio Derek grita mais distante de nós. — Vamos
escutar o garoto e ir embora daqui de uma vez.
— Precisamos descobrir o que explodiu antes — Vince propõe.
— Quer ficar aqui e perguntar para o galpão pegando fogo se ele viu
alguém plantar uma bomba lá dentro? — Derek ironiza.
— Derek — o aviso do meu pai é o suficiente para fazer tio Derek calar
a boca.
O celular vibra em minhas mãos, chamando a minha atenção. Enrugo a
testa confuso quando vejo o contato de Axel no identificador de chamadas.
Que porra aconteceu agora?
— O que foi? — pergunto assim que atendo a ligação.
— Onde você está? — A voz do Volkov é alta e raivosa e, quando me
dou conta disso, começo a me preocupar ainda mais.
— Em um galpão perto de Prevenci, por quê?
— Julieta acabou de me ligar e me avisar que estão atirando na porra
do clube inteiro! Asher disse que vai tentar tirar ela de lá, mas, pelo
barulho no telefone, tinha tiro para todo lado. Eu vou te encontrar para
lidarmos com essa merda.
Não. Não... não agora e não assim. Aperto o celular ao redor dos meus
dedos, com o punho todo fechado. Quero que meu punho continue assim
para sempre, não quero que eles morram com tiros e sim com os meus
punhos. Quero sentir a carne rasgando, quero sentir a dor que vou causar
em todos eles e quero que todos morram na mais pura agonia.
Vou matar todos eles.
— Consegue chegar rápido o suficiente aqui? — pergunto assim que
passo o endereço para Axel.
Uma risada sombria sai dele.
— Não teria te ligado se não pudesse.
— Roman? — A voz do meu pai chama a minha atenção de volta para
ele. O olhar firme já deixa claro que ele sabe que algo pior aconteceu. — O
que foi?
James está parado ao lado de tio Derek, ambos estão lado a lado como
uma frente unida. Cam está mais para o lado, balançando a cabeça
enquanto ele olha para os seus sapatos sujos. Vince está ao lado de Tucker,
ambos perto de um dos carros. Flame está acendendo um cigarro
enquanto observa as chamas que saem do galpão.
Observo todos mudarem quando informo o que me foi passado:
— O clube está sendo atacado com tiros agora.
O rosto do meu pai se fecha completamente.
— Peguem as motos, subam nos carros. Vamos resolver isso.
— São os Wild? — Vince indaga. Ele anda ao lado de Tucker para mais
próximo de mim.
— Eu não sei. — Não lhes dou atenção, preocupado demais com o que
diabos está acontecendo no clube.
Todos estão bem? Os tiros pegaram em alguém? Isso tem que ser uma
ação conjunta: nos tirar do clube, tentar nos matar em uma explosão ao
mesmo tempo em que atacam o clube com tiros, quando os líderes e
membros importantes já estão fora de lá.
O som do pneu de Axel vem em um estrondo para nós. Seu carro caro e
chamativo derrapa em uma curva fechada e para próximo a mim com uma
habilidade impressionante. Seu cabelo castanho balança pelo vento
enquanto sua expressão está fechada de quem está puto.
— Entra — ele manda.
Entro no lado do passageiro, olhando os outros membros entrarem no
carro e na van. Minha moto permanece estacionada no mesmo lugar, suja
de terra e fuligem. Jogo as chaves dela para Vince e lhe digo para dirigi-la
para mim.
Axel acelera logo em seguida.
Meu corpo fica grudado no estofado caro enquanto ele dirige como se
fosse a última coisa que ele vai fazer hoje. Os barulhos dos motores das
motos estão atrás de nós, mas eu não consigo escutar o carro e a van.
Devem ter ficado para trás porque não conseguem acompanhar o carro de
Axel.
— Está com uma arma? — ele indaga.
— Porra, eu estou sempre com a minha arma.
Um canto de seus lábios sobe.
— Bom, nós vamos precisar.
Não consigo ser o tipo de pessoa que anda na lei, não adianta nem
tentar. Que tipo de pessoa se encontra com o professor que já transou com
ela em um lugar deserto à noite?
Cruzo as mãos embaixo dos seios e me apoio em um dos carros
alugados de Megan. Encolho-me no moletom quente e não consigo evitar
de estremecer com o frio que sinto.
— Eu não gosto disso... — A voz abafada de Dylan pelo telefone me
acalma um pouco, então faço um esforço para relaxar.
— Você não gosta da parte em que está escondido no seu carro agora
ou do perigo que nós podemos estar correndo por estarmos em campo
aberto agora?
— A parte de você foder o nosso professor de Literatura, o que você
acha?! — ele ralha, bravo do outro lado da linha. — Não acredito que você
estava dormindo com ele.
— Não fale como se eu tivesse dançado no colo dele na sua frente ou
algo assim. Já tem tempo que eu sequer vi Brian.
— Em primeiro lugar, quem foi que falou em dança de colo? E em
segundo... Brian? Você o chama pelo nome?!
— O que foi, Dylan, achou que eu gemia o chamando de professor o
tempo todo? — Reviro os olhos. A luz do farol do grande SUV ilumina a
noite. Observo o grande carro de Brian quando ele estaciona ao lado do
meu. Dylan está escondido entre a vegetação à nossa frente. — Quieto...
— Foda-se essa merda. Não desligue o celular. — Essa é a última coisa
que escuto quando digo tchau e tiro o telefone da orelha, sorrindo para
Brian quando ele sai do carro.
Meu professor não está mais vestido com as roupas que usa na escola.
Agora está com uma camisa social branca e uma calça jeans. Quando ele se
aproxima de mim, decido seguir o plano de descobrir logo o que ele quer e
dar o fora daqui com Dylan.
Quando combinei de me encontrar aqui com ele, já sabia que não ia
poder vir sozinha. Me cansei de quase situações de morte, isso já não tem
mais graça como antes. Mas eu também sabia que não tinha a menor
condição de chamar qualquer um que não fosse Dylan. Asher, Axel e
Roman são ciumentos demais para o próprio bem. Eles não iam nem me
deixar chegar perto de Brian e Asher ainda iria ameaçar acabar com a vida
dele até deixá-lo miserável.
Não tem motivos para Dylan sentir ciúmes de mim, ele foi a minha
aposta mais segura.
— Estava colocando o papo em dia? — Brian caminha até o meu lado,
seus olhos são iluminados pelos postes da rua.
— Pode se dizer que sim... — Balanço a cabeça. — Então, quem está te
ameaçando?
— Eu não tenho certeza ainda. Ontem uma foto foi enviada para mim.
Somos você e eu juntos no meu carro. Não sei a data, mas tinha uma nota
escrita atrás. Você contou a alguém sobre nós?
Tirando as minhas amigas e Dylan? Nunca.
— É claro que não! Eu jamais faria isso, não ia arriscar, o nosso sexo era
bom.
Brian balança a cabeça e coloca as mãos dentro dos bolsos de sua
calça.
— Não sei o que eu faço agora... A foto está no meu carro, quer ver?
Observo-o, desconfiada.
— Claro. — Respiro. — Vou tirar uma foto e colocar no meu telefone.
Brian balança a cabeça e gesticula para segui-lo. Passo à frente e fico ao
seu lado quando ele abre a porta do banco de trás. Quando encaro os
bancos, não vejo nada.
Olho para ele, confusa.
— Onde é que estão?
Brian não me deixa falar, seu corpo vem para cima do meu em um
movimento só. O pânico preenche o meu corpo enquanto o sangue
bombeia em minhas veias quando eu tento empurrá-lo de cima de mim.
Brian tenta me empurrar para o banco de trás, os meus chutes parecem
não ter efeito sobre ele. Me segura com uma habilidade que eu nunca vi
antes.
Um flash loiro acaba com tudo isso, o alívio envolve as minhas veias
quando Dylan aparece por trás de Brian e o acerta com uma coronhada na
parte de trás da cabeça. O corpo pesa em cima de mim e se torna um peso
que me dificulta de respirar.
— Dylan — chamo por ele.
Monroe arranca o meu professor de cima de mim e estende suas mãos,
puxando-me para os seus braços em seguida. Afaga a parte de trás da
minha cabeça, tranquilizando-me. Eu sinto o cheiro do seu perfume e
enterro o rosto em seu pescoço, apertando a barra de sua camiseta.
— Está tudo bem agora, eu estou aqui. Você está segura agora.
Uma cobra pode trocar a sua pele, mas ainda permanece como uma
maldita cobra. O veneno continuará correndo por suas veias e o maldito
animal ainda vai continuar rastejando no chão abaixo dos meus pés.
O meu professor de Literatura é uma das malditas cobras que preciso
lidar. Uma cobra não peçonhenta que colocou as suas mãos podres na pele
de Julieta. Ela também não é nenhuma santa, mas a graça é essa. Agora,
que professor coloca a mão em uma de suas alunas? Isso é literalmente um
pedido para ir à prisão no Texas. Não existe explicação plausível para esse
homem ter caído de desejos por Julieta.
Sim, ela é a garota mais gostosa daquele lugar, mas também é um
mandado de prisão.
O observo à minha frente, preso em uma cadeira e amordaçado. A
cabeça está erguida porque o filho da puta está acordado. Os seus olhos
não estão alarmados e ele não parece estar com medo, mesmo com todos
nós aqui embaixo.
Nunca soube que o clube tinha um porão, mas isso sempre foi
proposital. Debaixo do piso, bem embaixo de onde as pessoas dormem,
tem uma sala de tortura. Não é exatamente uma sala de tortura como as
de Patrick, não tem espelhos, o piso não é feito para tirar sangue. Não tem
correntes na parede para que possamos erguer um corpo e nem uma mesa
com todo o tipo de arma, mas as paredes desse lugar são à prova de sons e
tem uma cadeira no meio, então acho que isso já configura como perigoso.
— Vamos começar com a pergunta mais óbvia? — Asher não
transparece nada quando pergunta isso. Volkov cruza a sala sem ventilação
com tranquilidade enquanto observa o meu professor de cima a baixo,
desde os sapatos um tanto caros até as mãos presas atrás das costas. —
Por que você estava tão interessado em pegar Julieta?
Nem uma mísera palavra sai da boca do homem preso na cadeira, mas
seus olhos se estreitam para Asher e seu rosto se transforma em uma
máscara de arrogância. Os olhos castanhos medem Asher de cima a baixo,
desacreditados. É como se ele não conseguisse acreditar que Asher Volkov
representasse alguma ameaça para ele.
Ou qualquer um de nós.
— Acho que devo começar a arrancar as unhas dele até esse imbecil
abrir a boca. — A voz de Axel corre pelas paredes e eu procuro alguma
reação de Brian a ele, já que Axel está em um lugar que a cobra não
consegue ver. A satisfação brilha em meu rosto assim que percebo enrijece
sua coluna e vira um pouco a cabeça, sem dúvidas sentindo o perigo.
— Você arranca de uma mão e eu de outra. — Ao meu lado, Roman
sorri quando diz isso. Axel lhe lança uma piscadela com uma nova
irmandade que eu não tinha percebido e então seus olhos se concentram
na garota ao meu lado. — Espero que Dylan não tenha batido forte o
suficiente para te deixar tonto ainda.
— Não, ele ainda está bem. Não é, Brian? — indago, dando alguns
passos para a frente até estar parado ao lado de Asher. — Descobri
recentemente que você gosta de se encontrar em lugares escuros com as
suas alunas... não me interesso sobre nenhuma delas, mas essa aqui
atrás... eu realmente me importo com ela. Vai nos contar o motivo de
tentar levá-la?
Um sorriso nasce no canto da boca dele, então, louco para tirá-lo de lá,
eu o acerto em cheio com o meu punho. O impacto esquenta a minha pele
e a faz latejar, mas tudo isso compensa pela satisfação de vê-lo cuspir
sangue no chão cimentado do porão do clube.
— Bata mais, ele não parece convencido ainda. — Asher dá dois passos
para o lado enquanto observa com desprezo os pingos de sangue em seus
sapatos.
— Com prazer. — Preparo o meu punho e dou mais dois socos no rosto
do homem. Continua a latejar ainda mais e agora começa a queimar. A
cabeça de Brian cai para a frente e ele solta grunhidos baixos, que saem
escorrendo por seus lábios. — Vai me responder agora?
Nada. Nem uma palavra.
Finjo decepção e me afasto, gesticulando para Axel.
— Tente no meu lugar.
O outro Volkov toma o lugar antes mesmo que eu chegue perto de
Julieta. Roman caminha até eles, os três formam um semicírculo ao redor
de Brian. O som podre do sangue escapando por seus lábios não tira a
minha atenção da garota. Julieta está encostada na parede, ela não liga
que a parede tenha um cheiro ruim, na verdade, nem parece notar.
Está de braços cruzados e um olhar contemplativo quando para de
digitar avidamente no celular e olha para os meninos dando socos em
nosso professor.
— Você não parece surpresa — quando digo isso a ela, não é uma
acusação. Não quero mais nenhuma guerra contra ela e só Deus sabe, mas
Julieta é toda sobre guerras e batalhas. Se eu começar uma aqui, ela não
vai ser quem vai parar e se eu a empurrar muito, ela fará mil vezes pior
comigo.
— Depois desses últimos dias acho que nada mais me surpreende. — O
verde em seus olhos parece opaco. Não sei se é pela iluminação ou pelo
humor da garota não ser um dos melhores. Ela toma fôlego e deixa uma
curta risada escapar. — É claro que todo homem que colocou a mão em
mim é um criminoso... Qual seria a graça se fosse o contrário?
Os movimentos de Axel ficam ainda mais fortes, e não sei se o motivo
disso foi por ele ter escutado ela dizer isso ou se é de raiva pelo professor
não demonstrar a dor do jeito que ele quer.
— Por que você começou a transar com um professor? É algum fetiche?
— provoco.
Sei que estou incitando uma guerra assim que os seus olhos se
estreitam em minha direção.
— Você não tem direito de perguntar isso, capitão. Não com a
quantidade de líderes de torcida que eu vi sentadas no seu colo nos
últimos anos. — Abro a boca para retrucar, mas ela não está mais olhando
para mim. O celular em suas mãos ocupa toda a sua atenção e ela volta a
digitar com rapidez a testa franzida em preocupação. — Mas que merda?
— O que foi? — Aproximo-me ainda mais dela. O cheiro do seu xampu
de morangos chega até os meus sentidos e me controlo para não abaixar a
minha cabeça e enfiar meu nariz lá exclusivamente para sentir mais do seu
cheiro gostoso.
— Charlie disse que consegue achar coisas sobre o Brian para mim —
ela sussurra.
A porra do Charlie?
Aquele garotinho franzino e idiota que ficava rondando-a quando
éramos crianças? Que porra esse idiota pode saber que nós não sabemos?
E, na verdade...
— Como o Charlie sabe sobre isso? — Gesticulo para nós e então
aponto para Brian, que agora sorri para uma ameaça de Roman.
— Ele perguntou se eu estava bem e eu disse que estava ocupada
resolvendo um problema. Ele viu quando o professor me pediu para ficar
depois do horário para falar com ele. — Continua com a testa franzida
quando ela encara o celular. — E então ele juntou as coisas e me
perguntou se tinha alguma coisa a ver com Brian.
— E você disse que sim?
Ela balança a cabeça e, dessa vez, observa quando Roman sobe as
escadas do porão.
— Ele me disse que vai juntar tudo o que consegue sobre ele.
— E como a porra do Charlie vai conseguir fazer isso?
— Provavelmente vai usar os contatos da Sra. McCurdy. — Ah, sim.
Aquela mulher esquisita que soltava muitos palavrões perto de crianças e
parecia muito amiga da mãe de Julieta, eu definitivamente me lembro
dela. — Para onde Roman foi?
— Ele foi pegar o alicate — Axel nos responde enquanto tira a jaqueta
do corpo. Axel se abaixa até seu rosto estar na altura do professor. — Nós
ainda vamos nos divertir muito, não é, Brian?
— Vá para o inferno! — O homem cospe sangue no rosto do Volkov.
Espero mais um soco, mas tudo o que Axel faz é abrir um sorriso doentio
pra caralho.
Quando olho para Julieta, ela não parece nem um pouco surpresa.
— Não, eu vou te levar para lá. — Axel usa sua mão para limpar o
sangue, mas não parece enojado quando o faz. — Cuidado com isso, a
minha garota e eu temos essa coisa por sangue e ela é ciumenta.
Julieta dá o primeiro sorriso desde que descemos aqui para baixo.
— Brian Jones, trinta e cinco anos. Professor de Literatura formado na
Columbia. Deu aulas em Nova York até vir para o Texas há quatro anos —
Asher cita as informações encontradas do na internet. — Parece uma vida
chata e muito miserável. O que está escondendo de nós, Brian?
— Esqueceu de falar que eu fodi a sua garota por meses — o filho da
puta abre a boca para provocar Asher, mas Axel o cala com mais um soco.
Brian demora a se recuperar dessa vez, sua cabeça fica abaixada por
mais tempo do que antes. Roman desce as escadas com uma caixa em
mãos, localizando Julieta e eu rapidamente com o olhar. Trocamos um
aceno quando ele anda até os gêmeos.
— Certo, vamos continuar — Asher diz quando Brian volta a olhar para
cima. — Além de transar com uma menor de idade, que por acaso é a sua
aluna, o que mais você fez? Você passou um tempo em Nova York, não é?
Como foi o seu tempo lá?
Brian não fala absolutamente nada. Roman abre a caixa e revela uma
imensidão de ferramentas e facas. O sorriso nasce em meus lábios antes
que eu consiga os conter, agora sim isso parece com uma sala de tortura.
— Esclarecedor — ele diz rapidamente, mas os meninos não se dão por
satisfeitos. Axel, violento como sempre, coloca um alicate encaixado na
unha do seu dedo indicador.
— Eu vou te fazer uma pergunta e, se não me responder, vou arrancar a
sua unha — promete o Volkov. — E vou fazer isso até arrancar todas as
unhas da sua mão, então Roman vai fazer a mesma coisa com a outra. Se
ainda não tivermos as respostas, vamos começar a quebrar os seus dedos.
Acene com a cabeça se você me entendeu.
— Se ele não tiver entendido, nós arrancamos do mesmo jeito —
Roman diz.
Brian dá um aceno com a cabeça e engole em seco. Sua postura
endurece ainda mais quando ele olha para os dois perto de si. Asher cruza
os braços, saboreando o momento com sadismo.
— Vamos começar com a mais fácil... — Axel aperta o alicate entre os
dedos, preparando-se. — Por que você quis sequestrar a minha garota?
Brian não responde de imediato, mas isso já é o suficiente para Axel.
Ele puxa o alicate em um movimento só, arrancando a unha dele sem
hesitação.
O grito que escuto é o suficiente para que coloque o meu braço ao
redor do ombro de Julieta, oferecendo a ela um apoio para estar aqui. Mas
Julieta não parece precisar do meu apoio. Ela quase não nota o meu braço
ao seu redor, vidrada no que vê. Não se encolhe de nojo, não faz careta,
não demonstra medo de um dos meninos ou remorso. Ela só assiste como
se não pudesse desviar o olhar disso e do que está em sua frente.
O sangue espirra e pinga no chão, os grunhidos de Brian parecem ser
música para mim.
— Seu filho da puta! — ele xinga.
— Eu ainda não ouvi a resposta, você ouviu, Axel? — indaga Roman.
Assisto quando Axel nega.
— Será que devo arrancar a outra agora?
— Eu recebi uma ordem! — grita Brian, sua voz é alta e raivosa e expõe
todo o seu ódio.
— Isso só prova que você não é um idiota que mata adolescentes
aleatoriamente. — Reviro os meus olhos.
— Quem deu a ordem? — Asher indaga, controlando essa situação com
punhos de ferro.
É óbvio para mim que quem está à frente das perguntas é o Volkov de
gelo. Roman e Axel não se importam de ser os músculos e eu também não
me importo de sustentar Julieta caso ela precise de mim. Se Asher não
fosse feito de gelo, o maldito iria brilhar agora. Ele nasceu para isso,
percebo.
Julieta agarra a gola da minha camisa e chamam a minha atenção para
ela. Quando abaixo o meu olhar até ela, o seu celular está apontado em
minha direção, mostrando-me uma mensagem da porra do Charlie.
Charlie: Pedi um favor a um amigo da minha mãe que
está aqui em casa. Brian Jones é um ex-policial. Ele disse
que a ficha dele foi limpa do sistema, mas que tem
cópias. Tem uma ficha aqui, posso ir até você para
entregar?
Minha mãe diz que preciso escrever as coisas para não esquecer e eu
acho uma besteira. Mamãe ficou muito animada em me dar esse caderno e
eu continuo achando que é besteira. Não preciso escrever o que sinto, e se
um dos meninos descobrir? Ou pior, e se o meu pai descobrir? Ele ia contar
para o clube e rir de mim para sempre. Não preciso disso, é ridículo.
Mamãe diz que escrever ajuda com os sentimentos e que funcionou para
ela muitas vezes, falou que eu posso escrever quando sentir qualquer coisa.
Eu senti muita coisa quando vi a Julieta rindo com aquele idiota que
tenta ser amigo dela. Não faz sentido, não me sinto irritado quando ela ri
com Dylan ou com os Volkov, então por que me sinto assim quando é sobre
qualquer outra pessoa?
Escrevi isso e não me ajudou em nada. Estava bravo e agora estou mais
ainda. Estava certo e mamãe errada. Foda-se esse caderno.
Foda-se você, mãe. Foda-se você onde quer que você esteja. Espero que
esteja no meu ombro lendo toda essa merda, porque a culpa disso é toda
sua. Você não tinha o direito de morrer, tem um filho para criar, porra.
Como pôde me deixar? É fácil assim sair?
James enlouqueceu depois que você foi. Nós não entramos mais em
casa e agora eu preciso arrastar ele bêbado para o quarto no clube. Tio
Derek precisa tomar conta de tudo só porque você não está aqui.
Sabia que ele me ameaçou? Me ameaçou!
Papai prendeu a minha cabeça contra a parede e gritou na minha cara,
ele me mandou deixar a Julieta. Tem uma marca na minha sobrancelha
agora e você nem tá aqui para limpar. Você não está aqui para limpar essa
bagunça, mamãe. E que porra eu vou fazer agora?
Tudo o que papai faz é beber dentro do escritório. Eu quero sair, mas
para onde vou? Não posso deixá-lo assim, mesmo que esteja me sentindo
uma merda. Ajudei uns caras hoje e o tio Derek disse que vou ser um
grande líder, mas eu não sei se quero essa merda. Você sempre disse que
vou ser um Prez melhor que o meu pai, mas se ninguém está aqui para me
ver, então de que adianta?
Sinto saudades, mamãe. Sinto saudades do meu pai, mesmo odiando
ele agora. Você provavelmente falaria que não posso julgar ele em seu
momento de dor, mas eu estou com dor também. Eu era o seu filho, fui eu
quem saiu de você e foi você quem me criou. Se tem alguém com dor, esse
alguém sou eu.
Estou com saudades dela também. Ela não tá aqui e eu nem posso ficar
bravo por isso. Ela perdeu a mãe também, sabia? Me lembro do dia em
que a mãe dela foi considerada suspeita. A maquiagem preta escorreu pelo
rosto dela e ela se agarrou no meu abraço. Eu a vejo dizendo que está bem
quando ela passava pelos corredores da escola, mas não acho que ela
esteja. Eu não estou bem, como ela pode estar?
Quero vê-la, mas ela está faltando muito às aulas. Eu também não
tenho mais contato com nenhum dos meninos. Brigamos pra caralho.
Dylan me enviou flores e eu devolvi aquela merda com um cartão
mandando-o enfiar as flores na bunda.
Não preciso da porra de flores.
Preciso de você. Volte aqui agora e me ajude a consertar essa bagunça.
Você estava errada, mamãe. Escrever não ajuda em nada, eu só estou
com mais vontade de chorar e com mais raiva. Foda-se. Não era para ser
assim, nada disso era para ser assim. Volta, mãe.
Eu menti, não estou com raiva de você. Me desculpa, prometo que, se
você voltar, eu não vou brigar. Prometo que vou ser um filho melhor. Não
vou mais falar palavrão e também não vou mais gritar de madrugada. Vou
sorrir mais naqueles jantares de domingo e te prometo que vou passear no
parque com você do jeito que queria.
Volte, mamãe, eu preciso de você.
Quando o brilho do sol nasce, ele sempre é algo bonito de se ver e, nas
enormes janelas do apartamento de Asher, elas sempre deixam tudo tão
bonito. Hoje eu não me preocupo em olhar a escuridão dando lugar ao
brilho da manhã quando estou sentada no chão.
Meus olhos estão inchados e eles doem, mas não consegui dormir nem
um minuto desde que chegamos aqui. A notícia de que James Miller, o
infame motoqueiro de um dos maiores MCs do estado, foi preso já estava
sendo noticiado assim que chegamos. Assisti a repórter falando que os
policiais chegaram com o mandado dentro do clube e percebi que isso
aconteceu enquanto voltávamos para casa.
A imprensa já estava nas portas do clube assim que a polícia entrou e o
rosto amassado e o cabelo bagunçado de James Miller foi filmado por
dezenas de repórteres.
A queda de um dos reis dessa cidade é imperdível para eles.
Assisti tudo isso queimar aos pés de Megan, que agora ainda está
sendo mantida de observação pelo médico de Asher.
Um homem de pele escura e um par de óculos em seu rosto cansado.
Ele já estava na porta quando chegamos. Uma maleta preta e sem jaleco
para o acompanhar, mas assim que Asher abriu a porta e Dylan entrou
carregando o corpo desacordado de Megan, ele nos instruiu a colocá-la no
sofá.
O doutor prestou os primeiros socorros e limpou as feridas de seu
rosto. Ele disse que não era o caso de pontos, mas assisti enquanto ele
furava o braço da minha amiga e lhe conectava em uma bolsa de soro.
Megan acordou confusa e desorientada meia hora depois, então fez tudo o
que o doutor pediu quando seguiu uma lanterna com os olhos. O médico
disse que pode ser só uma contusão, mas que ela deve ser mantida em
observação.
Megan voltou a dormir nos braços de Charlotte pouco tempo depois.
Não tive coragem de entrar na cozinha ainda, então foi Dylan que teve
que entrar e trazer pacotes de comida para todos nós. Ele jogou na mesa
de jantar e disse que precisávamos comer, mas ninguém foi lá para pegar
nada. Nem mesmo ele colocou algo em seu estômago.
— Derek parece estar trabalhando com os Wild, então para onde eles o
levariam? — A voz de Axel é nítida e raivosa. Ele está assim desde que
chegou aqui depois de todos nós. Não faço a menor ideia de como ele fez,
mas Axel disse que se livrou do corpo de Charlie e do carro. Agora, quando
eu for contar a Sra. McCurdy que matei o filho dela, não vou nem poder
mostrar o seu corpo para um enterro.
— Porra, alguém me diz que sabemos onde os Wild ficam — Dylan
rosna e bate as mãos na mesa. Eles estão no bar, porém nenhum deles está
bebendo agora. A televisão está ligada no noticiário desde que chegamos
aqui e a voz da apresentadora está começando a me irritar.
Observo quando ela fala do tempo para hoje e dá boas-vindas aos
telespectadores que acabam de ligar a televisão para acompanhar o jornal
da manhã como se o dia estivesse normal. Como se não tivessem acabado
de prender o presidente dos Devils. Como se Roman não tivesse
desaparecido desde o início da noite. Como se a porra do mundo estivesse
normal.
Não está normal porque ele não está aqui! Roman não está aqui para
fazer café da manhã comigo ou para me trazer panquecas de mirtilo e uma
xícara de café. Roman não está aqui para brigar com Asher e para se
colocar ao lado de Dylan ao primeiro sinal que ele precisa. Não quero
comer a comida que não é dele, e céus... Eu quero tanto pedir desculpas e
lhe dizer que estava errada. Tão errada.
O mundo não está normal e foda-se essa mulher por ousar agir como
se estivesse.
Estreito os meus olhos quando a imagem dela é cortada por outra ao
vivo. Os repórteres correm à beira do imenso gramado verde e bem-
cuidado. Vejo viaturas policiais em toda parte e a porta da frente está
aberta. Conheço a mansão que eles mostram. Vejo a janela da cozinha pela
qual escapei muitas vezes e então vejo quando o homem sai algemado da
mansão.
— Gente... — Minha voz não escapa dos meus lábios em uma
entonação alta, mas todos eles se viram para me encarar, completamente
atentos a mim desde que chegamos aqui.
Axel segue os meus olhos e exclama um palavrão que atrai toda a
atenção de Dylan. Percebo que Asher não olha para a TV como eles, em
vez disso os seus olhos não se desviam do meu corpo. Não me encolho sob
o seu olhar gélido, mas devolvo a minha atenção para a televisão.
Anthony Leclerc está sendo preso ao vivo.
É estranho ver esse homem depois de tanto tempo. Mais estranho
ainda é vê-lo pela tela da TV. O seu cabelo escuro como o meu está
totalmente desalinhado e o rosto está inchado de sono. Ele veste um
pijama simples e, pelas câmeras, eu consigo ver sua feição absolutamente
furiosa. Inspiro assim que a câmera foca na porta da mansão onde eu
consigo ver os cabelos loiros e despenteados da esposa dele.
Com uma altura de modelo e coberta por um robe rosa claro de seda,
minha madrasta parece uma esposa troféu de qualquer forma. Boa, nunca
fala alto em público. O tipo de mulher que você pode trair e humilhar
colocando o fruto dessa traição sob o teto dela que, ainda assim, não
ouviria uma palavra sair da boca da rainha da vizinhança. O tipo de mulher
que seria uma perfeita primeira-dama. Aquela que sabe ficar de boca
fechada por fora, mas que, por dentro, lança olhares maldosos para as
crianças e que sussurra venenos nos ouvidos dos filhos biológicos para
culpar uma criança que não escolheu nascer.
Minha madrasta é a perfeita esposa de um político.
Tudo o que minha mãe jamais poderia ser.
— Isso não é obra dos Wild. — Asher aponta para a tela. — A imprensa
nas duas prisões... Quem planejou isso está zombando deles. Os pegando
em seu estado mais vulnerável e fazendo um show para todos verem.
— Quem será o próximo então? — indaga Dylan.
— James disse que eles armaram para a mãe de Julieta, mas não disse
quem deu a ideia... — começa Asher. — Dois de quatro. Faltam Patrick e
Mikhail.
Dylan balança a cabeça.
— Meu avô não seria preso. Ele não sobreviveu a tudo isso só para ser
preso.
— Mikhail também não, mas ainda assim... — Axel responde. — Não
pode estar ligado, certo?
— Como assim? — Dylan questiona.
Axel passa a mão no cabelo e lança um olhar para a minha figura
encolhida no chão em seguida.
— Tudo! — Gesticula suas mãos para nós. — O professor que estava
seguindo a Julieta e só apareceu aqui depois que a mãe dela foi presa. O
cara que era policial e que foi afastado depois da operação que prendeu a
mãe dela. E então, por acaso, Charlie sabia tudo sobre ele? Não, porra... As
coisas não são simples assim. Como a mãe de Charlie iria ter contato com
aquelas pessoas e por que caralhos Charlie dirigiu até o clube para
entregar o professor e dizer que a Julieta precisava matar o homem?
— Acha que eles estavam ligados? — indaga Dylan.
Abaixo o volume da televisão apenas para prestar mais atenção na
conversa deles.
— Tenho certeza. O tempo inteiro nós ficamos pensando que a mãe de
Julieta fez isso, mas então descobrimos que era um dos nossos pais. E
aquela porra de professor que transa com ela. Não outras alunas, mas só
ela. — Axel aponta para mim com o dedo indicador quando diz isso. — E
Ash sabia desde o início. A ideia de procurar no escritório do nosso pai veio
dele.
Asher levanta-se da cadeira e anda pelo balcão de bebidas. Sua feição
está completamente concentrada e ele não parece estar a noite toda sem
dormir como eu sei que está.
— Está dizendo que acha que Mikhail fez tudo isso? — indaga o Volkov.
— Você vê outra opção? — Axel pisca para o irmão. — Mikhail sempre
quis o estado só para ele. Tentou expulsar todos e quando não conseguiu...
se juntou.
— Mas não deu certo... alguns anos depois que ele se juntou, as coisas
começaram a dar errado e nossa mãe morreu sem direito a um enterro. —
Asher estala os dedos enquanto raciocina. — As pastas foram enviadas e
então os policiais chegaram até Margarita, mesmo ela não tendo uma
ligação plausível com nada disso.
— Os policiais foram comprados — Dylan passa os dedos pelo balcão
quando diz. — É fácil fazer isso e se tratando de Nova York... Quanto mais
dinheiro tiver, melhor.
— E então eles tiveram sua ruptura quando a mãe de Julieta foi enviada
para Nova York. James obriga Roman a nos afastar porque ele sabe que
tem alguma coisa errada... E se James não estivesse tão preocupado com
Julieta, mas com o próprio filho?
— E por que James estaria preocupado com Roman? — Monroe volta a
perguntar.
— Porque Roman é vulnerável. Porque todos nós éramos vulneráveis —
a feição de Axel se fecha completamente quando ele começa a falar e
acompanha o raciocínio do irmão. — Éramos crianças, pelo amor de Deus.
Roman não aceitaria se ele falasse que a ameaça era contra eles.
— Não... James precisaria de algo forte o suficiente para afastar todos
nós uns dos outros de uma vez só. — Pisco lentamente quando os olhos
escuros de Asher brilham em minha direção. — Um pai está
completamente destroçado pela morte da esposa e pela quase perda do
seu negócio, e então ele sabe que, cedo ou tarde, o seu filho tem chance
de ser ameaçado ou pior, principalmente em seu momento mais
vulnerável... O que ele faz?
— Protege o filho e se guarda até estar forte o suficiente para lutar de
volta — esclarece Axel. — James conseguiu não só proteger ao seu filho,
mas a Julieta e Dylan em uma tacada só. Esperto pra caralho.
— E agora todos eles estão estremecidos e alguma coisa claramente
deu errado. Todos se afastam uns dos outros e decidem fazer seus
negócios sozinhos a partir de agora e sem afetar o resto como antes. Qual
deles foi o mais invisível e não atrapalhou o trabalho dos outros com o
seu? — Asher indaga.
— Anthony — Dylan conclui rapidamente. — Ele constrói imóveis com
dinheiro sujo, vende e ganha o dinheiro de verdade. Isso não afeta nenhum
deles.
— Patrick é um mafioso, mas ele procura alianças. Vende drogas e faz
negócios para fora. James vende armas contrabandeadas e drogas, mas ele
nunca teve interesse em expandir para todo o estado. James Miller é
cômodo. — Seus sapatos estalam no chão quando ele começa a andar e eu
tenho vontade de desviar os meus olhos dele para chegar às meninas, mas
não consigo. É como se um imã estivesse me prendendo a ele e a toda essa
cena.
Asher volta a falar:
— O traidor seria alguém que adora se exibir. Antes de alguma coisa
grande acontecer, algo sempre acontece que dá dicas antes. Quatro anos
atrás as fichas foram distribuídas, a mesma coisa aconteceu agora.
Tentaram matar a mãe de Julieta dentro da prisão. Quando dois dos quatro
caíram, câmeras dos jornais já estavam a postos para filmá-los em seu pior
momento. É um jogo de ego.
Observo com avidez quando eles se comunicam em uma língua que
não parece ser a mesma que a minha. A desenvoltura que eles têm e a
forma que até mesmo a troca de olhares entre os três têm significado.
— Não guarde palavras agora, Volkov — resmunga Dylan enquanto
bate suas mãos na bancada e seus olhos brilham em expectativa.
— É Mikhail — ele diz coberto de segurança. — Desde o início tem sido
Mikhail. Além de sinais óbvios, como o fato dele ser o proprietário de
Krasota e eu ter achado sinais da Rikers em seu escritório, Mikhail é um
homem ganancioso. Chegou como se o estado fosse dele e se enfureceu
quando foi dito e provado que não era. Mas Mikhail também é um homem
paciente. Ele cresceu pouco a pouco, lutou na rua e matou pela Bratva
desde novo até ter o seu lugar.
— Isso explica o homem que estava nos seguindo... — diz Axel. — Ele
queria saber onde estávamos para nos controlar.
— Brian era um policial, foi demitido e, então, a sua ficha foi apagada
de tudo. De repente, ele aparece como professor de Literatura na escola
que estudamos? — Uma careta toma conta da feição bonita de Dylan
quando conclui. — Porra, isso tem cara de sujeira em toda parte.
— Ele entrou quatro anos atrás... Babochka, em que ano Brian
começou a te dar aulas? — Asher indaga.
Os olhares dos três queimam minhas bochechas. Mexo os dedos dos
pés em minhas meias pretas e os encaro da forma mais orgulhosa que eu
posso agora.
— Há três anos, desde que comecei o ensino médio.
— Alguns meses depois de tudo o que aconteceu — Axel diz. —
Literalmente no próximo ano letivo.
— E quando Charlie começou a andar atrás de você? — Asher estreita
os olhos.
Ergo a minha cabeça e murmuro:
— Assim que vocês se afastaram de mim.
— Preciso de mais que isso, babochka. Foi na mesma semana que
paramos de aparecer? Um mês depois?
Fecho os meus olhos, que doem quando faço isso. Tento puxar da
memória o momento em que Charlie apareceu de volta. O momento em
que eu vi os seus cachos ruivos de novo.
— Na verdade... foi na primeira tarde que vocês não apareceram na
casa de Anthony. — Arregalo meus olhos e me remexo no chão assim que a
constatação cai em meu corpo. — Não percebi antes, mas reclamei com
ele que vocês não tinham aparecido e ele fez carinho no meu cabelo
enquanto eu dormia.
— Puta merda... — o sussurro de Charlotte é facilmente ouvido. Não
me preocupo em encará-la, mas fito os rostos desses três. Todos eles
dividem feições sombrias como se fossem feitos da mesma matéria. Como
se o que incomodasse um, incomodasse todos.
Deve ser por isso que eu sou tão apaixonada por eles desde nova.
Sempre fomos cinco partes de uma só alma. Cinco corações diferentes
batendo no mesmo ritmo e combinando as paixões enquanto faziam isso.
Cinco fragmentos da mesma matéria e é só por isso que ficamos juntos
desde o início, atraídos uns pelos outros como imãs porque caos atrai caos.
E agora uma parte de nós está perdida.
— Charlie estava envolvido com Mikhail. Não sei como, mas, porra, ele
estava — afirma Asher com uma força tão grande que nem sequer consigo
o questionar. — Mikhail sempre quis tudo. Drogas, armas, sindicatos... E
quando não pôde ter...
— Ele arranjou uma forma de tê-los. Dividir e conquistar. — Os fios
loiros de Dylan se movem quando ele balança a sua cabeça e morde os
lábios assim que me encara. — Então ele esteve de olho em Julieta através
do professor esse tempo inteiro. E de olho nela, ele ficava de olho em
todos nós. Brian me via pela escola da mesma forma que via Roman e
vocês são filhos dele, porra. É claro que ele ia manter os olhos em vocês.
Não dá para se infiltrar na mansão da minha família, Patrick nunca
permitiria. Mas... E se Derek também estivesse trabalhando para Mikhail?
— E por que ele faria isso? — indaga Axel, confuso.
— Pelo mesmo motivo que Mikhail teve para fazer tudo isso... Poder —
afirma Asher. — Sempre o segundo em comando, agora terceiro. Ele deve
ter se ressentido e começado a passar informações. Mikhail deve ter visto
o elo fraco, ele é um mestre nisso.
— Como você pode saber disso? — Dylan volta a indagar.
— Eu já disse a vocês... é o que eu faria.
Existe uma parte de mim que não pode deixar de reparar que Asher
parece uma versão mais nova do pai. Vestindo um terno de três peças e
com aquele olhar arrogante, Asher é como uma cópia do mafioso russo.
— Ele estava tentando me matar. — Todos os três se voltam para mim
quando digo isso. — Quando fugi da escola com Megan e Axel estava me
seguindo. Falei no celular com meu tio e, quando cheguei onde precisava,
o homem que eu deveria encontrar estava morto, alguém furou os pneus
do carro e me seguiram com Megan enquanto corríamos.
Os olhos de Asher se estreitam na figura adormecida da minha amiga.
Olho para o mesmo lugar e a vejo completamente agarrada em uma
almofada e na mão de Charlotte. A loira, por sua vez, encara a amiga
preocupada antes de lançar um olhar cansado para nós. Charlotte se
recusou a dormir porque, além de ficar com Megan, ela disse que queria
fazer parte de tudo que pudesse para pegarmos o responsável por essa
merda e acabarmos com isso de uma vez.
— Supondo que não existe chance de sua amiga ter dado com a língua
nos dentes, vou considerar que o seu celular esteja com alguma escuta —
afirma Asher. — Queime-o.
— Isso é a cara de Mikhail. — Axel balança a cabeça.
— Mas não tem como ele ter pegado o meu celular...
— Nós não sabemos. Se Asher estiver certo e o traidor do clube estiver
ligado a Mikhail, existe uma infinidade de momentos que alguém possa ter
pegado o seu celular lá dentro — diz Axel. — Mikhail sempre foi um
maníaco por controle, ele poderia ter colocado uma escuta em cada canto
da mansão. Talvez no nosso carro também.
— Porra, então temos um problema enorme agora. — Dylan franze a
testa e parece puto quando bate com a mão pelo balcão. — Porque nós
estamos debaixo do teto dele, literalmente. É a porra do prédio dele!
Um silêncio contemplativo passa por toda a sala e me arrepio. Agarro
as minhas pernas e olho ao meu redor como se Mikhail fosse pular das
paredes com uma arma apontada para mim a qualquer momento.
O som de uma batida na porta é como um presságio e eu assisto o
momento em todos se comunicam com os olhares trocados entre si.
Dylan tira a arma do cós da calça e caminha até a minha frente,
protegendo-me. Axel e Asher caminham pela porta e Axel se esconde no
batente, tirando a arma e apontando-a para a porta em seguida.
— O que foi? — Asher indaga assim que abre a porta. Uma mulher de
cabelos e olhos escuros está esperando do outro lado com um sorriso e um
envelope vermelho em mãos.
— O Sr. Volkov pediu para entregar isso para o senhor. — Ela entrega o
envelope para Asher e dá as costas para a porta.
Dylan guarda a arma e estende a mão para mim, puxando-me para os
seus braços em seguida. Grudo em seu corpo e me deixo ser guiada até o
bar. Axel e Asher vêm ao nosso redor e rasgam o envelope, expondo quatro
fotos em cima da bancada. Vejo Roman preso em uma cadeira com sangue
espalhado por todo o seu corpo e rosto machucado. Ele nem sequer
consegue manter os olhos abertos.
A bile sobe pela minha garganta e as lágrimas voltam a cair, mas Dylan
me puxa para o seu peito. Não o deixo esconder o meu rosto, em vez disso
eu encaro todas as fotos com o maxilar cerrado de ódio. Sinto os braços de
Dylan tremerem ao meu redor e ele tem um olhar sério quando encara
Asher.
— Sejam bons para mim e eu serei para ele — Ash cita a nota que veio
pregada em uma das fotos. Seu olhar é de puro ressentimento quando
encara Dylan. — Faça as malas e ligue para o seu avô. Está na hora de pedir
um favor a um mafioso Monroe.
E é assim que vamos acabar na mansão da família Monroe com dois
herdeiros Volkov, uma ladra que Patrick odeia, seu neto, uma ruiva das
ruas, a Princesa de D.C. e uma gata no início da manhã.
“Filha,
Não fui justo com você e essa é a verdade. Não carrego muitos
arrependimentos na minha vida e pretendo continuar assim. Não criei você,
passei a menor parte de todo o meu tempo vendo você crescer, contribuí
para te tirar tudo o que tinha e no final ainda te expulsei da única casa que
você podia dormir.
Você é fruto de uma relação egoísta, sua mãe queria engravidar para
me manter preso a ela e eu nunca te quis... não me surpreende que tenha
se tornado uma das pessoas mais egoístas que eu já acompanhei. Suponho
que parte disso é culpa minha.
A verdade é que entre você e Ângela, você é a mais forte. Acho que isso
tem a ver com o fato de você não ter sido criada por mim e sim por sua
mãe. Ou por ter que suportar muito em pouco tempo, isso faz coisas com
as pessoas.
Acabei de falar com você no celular e percebi que, quando algo der
errado, você é a que tem mais chances de sobreviver. A maior parte dos
sobreviventes é egoísta porque precisam pensar só em si mesmos para
sobreviver e isso, filha, é a sua própria definição. E, acredite em mim, muita
coisa vai dar errado.
As coisas começaram a voltar como uma porra de máquina do tempo e
eu sei que o meu está acabando. Vou cair e, em algum momento, serei
preso.
Eis as coisas que você precisa saber: Mikhail Volkov é um filho da puta
traiçoeiro, não confie nele em absoluto. Ele não tem lealdade a
absolutamente nada e sua única diferença com Patrick é que Monroe pelo
menos dá valor a própria família e a sua descendência.
Não tive provas, mas sei que Mikhail teve alguma coisa a ver com a
minha quase prisão. A ideia de apontar tudo o que a polícia tinha nas
costas da sua mãe partiu dele e Patrick foi o primeiro a concordar. Eles são
perigosos e, se eu cair, preciso que saiba que nunca pode deixá-los chegar
perto da empresa ou de sua irmã. Ela não tem atitude o suficiente para
lidar com Volkov ou Monroe.
Se algo sobrar da empresa e eu não for morto enquanto estiver preso e
aguardando julgamento, preciso que cuide dela para mim. Você foi criada
por sua mãe e viveu em minha casa, isso significa que você sabe
administrar negócios muito bem.
Se em algum ponto disso eu morrer, te mandei uma lista de outros
criminosos que podem te ajudar contra Volkov ou Monroe. Eles estão
ligados a outras máfias e só agem com um preço, mas são bons o suficiente
no trabalho. Confie em mim nisso, passei quatro anos me assegurando de
que eles eram bons o suficiente para que pudessem agir enquanto eu não
estivesse aqui.
A nossa família depende de você. É muita pressão, mas sei que você
aguenta. Escondi dinheiro em contas fantasmas ligadas a um nome falso.
Não posso falar aqui, mas se conseguir falar comigo, venha e conversamos.
Quero o melhor para a nossa família.
Anthony Leclerc.”
Salto do carro afoita assim que ele para. Não espero Axel estacionar
direito, meus pés tocam o chão sujo do asfalto e ele pinica a sola quando
corro em direção a casa.
Vejo mais homens vestidos de preto e armados dos pés à cabeça, mas
não ligo para eles. Podem me matar se quiserem, não ligo, só preciso dar
um abraço em Roman antes de deixar essa terra. Preciso sentir sua pele
contra a minha, preciso agradecer por tudo o que ele fez por mim, preciso
pedir desculpas pelo passado e preciso beijar os seus lábios até o meu
último suspiro.
Preciso marcar a sua pele com a minha e deixar claro que pertenço a
ele para sempre.
Escuto os passos apressados atrás de mim, mas não me viro para olhar
para nenhum deles. Entro no lugar e olho em volta, afoita. Não tem corpos
ao redor, mas reconheço as marcas de tiros nas paredes.
— Ele está aqui — um homem chama a minha atenção. Ele é alto e
musculoso, vejo as tatuagens em seus braços e a feição endurecida não me
causa desconforto.
Pelo pouco que vejo enquanto o sigo, percebo que a casa não é
luxuosa. Mikhail não fez questão de gastar dinheiro com ela, afinal, o que
tinha dentro não importava para ele. Mas significa o mundo para mim.
À medida que caminho até a sala, o cabelo escuro e bagunçado é a
primeira coisa que vejo. Uma nuvem escura e completamente bagunçada
de fios macios, mesmo que sejam cuidados por xampu barato. Vejo
hematomas e cortes por todo o seu rosto e o canto de sua boca parecem
completamente arrebentado.
— Merda... — Escuto o resmungo de Axel atrás de mim. — Ele está
horrível.
Não é uma mentira.
Roman está mais magro e perdeu uma parte dos músculos. Parece não
ter sido alimentado há dias e, o pior, está deitado e desacordado. Meus
joelhos batem no chão quando me jogo ao seu lado. Meus olhos se
enchem de lágrimas no momento que minhas mãos tocam o seu cabelo,
mas o motoqueiro não está acordado para me ver aqui.
— Por que ele não está sendo medicado? — Não consigo tirar os meus
olhos de Roman quando faço a pergunta.
— Nossa ordem era só para tirá-lo do porão, matar quem estivesse aqui
e limpar o lugar. Medicar ele não é por nossa conta — diz o homem que
me trouxe até Roman. — Ela quer falar com você.
Enxergo seus coturnos e engulo minhas lágrimas quando enxergo as
manchas de sangue fresco que são visíveis. Agarro o celular estendido com
os dedos trêmulos e sei exatamente quem esperar do outro lado da linha.
Arianna disse antes de arrancarmos as escutas que eu ainda falaria com ela
essa noite.
— Não é maravilhoso quando tudo dá certo no final? — cantarola. —
Pode olhar para o colete dele? Eu quero olhar nos seus olhos enquanto falo.
— Você não vai ver os meus olhos enquanto eu não puder ver os seus
— resmungo, então volto-me para Roman mais uma vez.
Asher já está fazendo suas ligações e percebo quando Dylan vai para os
fundos da casa, provavelmente indo ver onde Roman era mantido.
— Justo. Agora só falta mais um passo para o nosso negócio estar
fechado.
Deixo os meus dedos vagarem suavemente pelo rosto de Roman. Tento
ser leve e não o machucar, mas, além de sua respiração, Roman não
mostra nenhum sinal de que está vivo.
— Soltar a minha mãe?
Ela concorda, então solta uma risadinha melodiosa.
— Vou tirá-la da Rikers. — Acredito em Arianna Cacciola, porque
depois de tudo isso não existe como não fazer. — Sabe, até que você é bem
fodona.
Engulo uma risada.
— Você também é, Arianna.
Todos esses homens em minha frente só estão aqui por conta dela,
Arianna Cacciola é mais do que uma mulher foda.
— É... Sou sim. Meu serviço por hoje já está feito, Julieta. Agora leve os
seus cachorros daí, porque os meus homens vão incendiar a casa e sair.
— Mais incêndios?
Ela solta mais uma risada.
— O que eu posso dizer? Essa noite me deixou poética... — E por um
curto tempo, sinto que Arianna e eu poderíamos formar uma amizade.
Talvez em outra vida ela fizesse parte de nossa família maluca, quem sabe
ela pudesse ser mais do que um favor. — Vou te ligar para te dizer sobre a
sua mãe em breve.
De alguma forma, Arianna Cacciola parece ter tudo o que um dia eu
quis para mim. Ela tem uma família de sangue, tem um pai que a ama, um
irmão pequeno e tem poder. E não só isso... Arianna Cacciola é uma
mulher completamente diferente das que já conheci antes.
Agora eu devo a minha vida a ela e não duvido que vou ter que vender
minha alma para pagar.
Quando os meninos carregam Roman até o carro, não saio de seu lado.
Não me atrevi a entrar no porão como Dylan fez, mas escutei que o corpo
morto de Derek estava estendido pelo chão. Axel acelera o carro em
direção a um hospital com a cabeça de Roman em meu colo, e mesmo sem
olhar para trás, vejo as chamas consumindo a casa.
Não disse a nenhum deles, mas as chamas também consumiram as
minhas veias e meu coração naquela noite.
Roman está com desidratação e desnutrição, com o corpo todo
machucado por fora e por dentro, uma prova disso são as costelas
quebradas. Ele está cansado e havia lutado demais, agora precisa de
cuidado e medicação, como os médicos nos disseram... Seu peito sobe e
desce na cama do hospital e o médico explica que os seus sinais vitais
precisam ser controlados pela madrugada e verão como elevai responder
aos medicamentos.
Se o médico estranhou que todos nós fedíamos a fumaça e tínhamos
fuligem por todo o rosto, não disse nada. Se estranhou que trouxemos um
homem com sinais de tortura para o hospital, também não disse nada.
Esse é o hospital que o médico que atendeu Megan trabalha e no caminho
até aqui, Asher me explicou que os médicos sabem manter a boca fechada
quando o dinheiro é alto.
Durmo ao seu lado em uma poltrona durante a noite inteira.
Embolo o meu vestido em minhas pernas e uso o paletó de Dylan como
escudo para manter o frio fora. Abro meus olhos cada vez que um
enfermeiro entra durante a madrugada para checar os sinais de Roman e
aplicar a medicação. Os meninos estão espalhados pelo quarto, sentados
em poltronas caras que eles trouxeram especificamente porque Asher
mandou.
Minhas mãos estão agarradas aos dedos gelados de Roman quando
amanhece. Quero que tudo isso seja um filme para que possa acordar com
ele me olhando de volta, mas tudo o que observo é sua respiração
silenciosa e calma.
— Quando ele vai acordar? — questiono a enfermeira. A mulher tem
cabelo branco e um sorriso gentil, mesmo quando me olha de cima a baixo
e percebe os sinais óbvios de que minha noite não foi calma.
Os incêndios misteriosos devem estar por todos os jornais a essa hora.
— Não sabemos, querida. Depende dele agora. — Ela troca a bolsa de
soro e coloca a vazia em seu carrinho. — Você e seus amigos sabem que
tem um banheiro com chuveiro no quarto, certo?
Abro um sorriso sem graça para ela.
— Sim, nós sabemos, mas obrigada por avisar.
Não a culpo, nós parecemos monstros dos pesadelos de criancinhas.
Escuto o resmungo de Axel e o observo olhando feio para a pobre
enfermeira. Coço a garganta e atraio a sua atenção para mim. Volkov abre
um sorriso preguiçoso e pisca em minha direção. Ele parece tranquilo,
nada como o psicótico de ontem à noite. Não parece ligar de ter matado o
pai menos de oito horas atrás.
Acho que Axel e Asher dividem a frieza.
— Vou ligar para Charlotte — aviso. — Ela pode trazer roupas para nós.
Asher bufa, contrariado.
— Não vou confiar em sua amiga para trazer as minhas roupas.
Estreito os meus olhos em sua direção.
— Quer ir à casa de Patrick e buscá-las você mesmo?
O Volkov me olha com aquele seu olhar perigoso que eu adoro. Aquele
que faz as minhas pernas tremerem porque sei o que me espera por trás
de seus lindos olhos castanhos. Asher diz que é obcecado por mim, mas
não existe uma parte minha que não seja obcecada por ele em troca.
Megan e Charlotte vêm da mansão da família Monroe tempos depois
com as mãos cheias de mochilas e todos os meninos dizem que eu tenho
direito a ser a primeira a ir tomar banho, mas não quero sair de perto de
Roman. E se ele acordar enquanto eu estou tomando banho?
Fico enrolada na minha poltrona enquanto Asher se enfia lá primeiro,
louco para tirar os vestígios da noite passada de seu corpo. Axel entra
assim que ele sai e, por fim, Dylan. Ainda assim, não quero ir. Não quero
sair de perto do motoqueiro nem por um segundo e tenho toda certeza de
que não sairia se Megan não tivesse aberto a boca.
— Vadia, eu te amo, mas você está fedendo — diz. — Não vai querer
que o seu motoqueiro abra os olhos e a primeira coisa que ele veja seja
você suja e fedorenta, ou vai?
Vou para o banheiro depois de a mandar para o inferno.
Quis amaldiçoar Megan em todos os palavrões que conheço, mas não
podia negar que estava feliz por ela. Apesar de ela ainda ser a mesma
amiga maluca que me ajudou a assaltar um mercadinho e olhava para
Charlotte com corações saindo de seus olhos, agora Charlotte a olhava
assim de volta. As duas não se beijaram em minha frente, mas o sorriso
suave que mantinham nos lábios não mentia.
Relaxo enquanto a água quente cai sobre minha pele. Um suspiro
cansado escapa de meus lábios e fecho os meus olhos quando enfio a
minha cabeça debaixo da água do chuveiro. Me pergunto se mi madre
estará orgulhosa de mim agora...
Quando saio do banheiro, Roman está de olhos abertos. Quero ainda
mais enterrar Megan Smith, porém praticamente pulo na poltrona para
conseguir chegar perto dele.
O quarto está visivelmente vazio e não sei onde a maioria dos meninos
foi, mas quase não percebo quando Dylan sai do lado de Roman e me dá
um beijo na testa, saindo do quarto logo em seguida para nos dar
privacidade.
Seus olhos nunca estiveram tão azuis antes e estão focados em mim. O
observo piscar lentamente, como se estivesse saboreando a sensação.
Miller passa os seus olhos pelo meu rosto, me avaliando como faço com
ele. Mordo os meus lábios, incerta.
Ele está com raiva de mim? Não quer me ver mais?
Como se sentisse minhas incertezas, um sorriso preguiçoso toma conta
dos lábios dele. Roman sorri para mim com sinceridade, como se nós não
tivéssemos discutido na última vez que o vi e como se estivesse
completamente aberto para me amar.
— Oi, boneca. — Sua voz soa rouca. Talvez seja pela falta de uso ou
talvez porque ele a usou demais, gritando. — Como você está? — Quando
ele diz isso, soa como se tivesse esperado muito tempo para que essas
palavras deixassem a sua garganta, mas, ao mesmo tempo, sinto como se
nada tivesse mudado.
Luto para conter minhas lágrimas e não permitir que elas escapem por
meus olhos e mostre a ele o quão fraca eu estou. Devo ser forte por ele,
devo ser eu a pessoa a consolá-lo e não o contrário.
— Com saudades de você. — Minha voz ainda soa trêmula.
Move sua cabeça suavemente pelo travesseiro e sinto como se meu
coração tivesse partido dentro do meu peito, porque ele parece tão frágil.
Não tem nada que o lembra daquele garoto que me salvou de uma gangue
de motoqueiros na escola, que procurou por mim para fazer isso, que
roubou um carro e dirigiu comigo para longe do perigo.
— Eu sei... não vou mais ficar longe de você. — Abre os braços e me
convida para o seu peito, e mesmo sabendo que não devo, caio em seu
abraço.
Ele grunhe, incomodado, mas não me deixa sair quando tento. Roman
não tem muita força para me abraçar, mas só a sensação de suas mãos ao
meu redor me parece como o paraíso.
— Como você está, boneca? — desabo com essa pergunta. Tudo o que
lutei com unhas e dentes para segurar dentro de mim escapa como um
tsunami por meus olhos e bochechas. As lágrimas derramam e um soluço
escapa pela minha garganta. Todo medo que tive, todas as noites que
chorei e todas as vezes que achei que nunca mais iria vê-lo escapa por
meus olhos.
E céus... todo o arrependimento que sinto vai junto. Quero aproveitar
esse homem para sempre e nunca mais vou discutir com ele. Não posso
mais julgá-lo, não quando eu sou a pessoa cheia de erros também.
— Me perdoa? — arfo em seu peito — Eu prometo... devia ter te
ouvido, nós éramos só crianças... Por favor, meu amor, me desculpe! Não
posso te perder...
Roman coloca suas mãos em meu rosto e acaricia minhas bochechas
molhadas. Ele não tem força para segurar minha cabeça, então seguro a
sua mão contra minha bochecha e me acomodo contra sua pele quente.
— Boneca... — ele me chama. — Eu te amo.
— Te amo. — Puxo o ar com força e limpo minhas lágrimas com o dedo
indicador a fim de conseguir vê-lo completamente. O sorriso em seu rosto
ainda está lá e ele me passa a sensação de casa. — Deus, eu te amo
demais.
Passeio o meu indicador pela linha de suas sobrancelhas, tocando-o
como uma joia preciosa. Porque é isso que Roman é, como também é
alguém quebrado. Roman é a minha perfeita duologia, minha joia
quebrada que sempre guardarei a sete chaves dentro do meu coração.
— Não está mais com raiva?
Nego e tento regular a minha respiração.
— Depois de tudo o que nós fizemos, eu não deveria estar com raiva.
Está tudo bem agora — asseguro.
Roman faz um som estranho, é como se ele estivesse lutando para falar.
Viro o meu rosto em busca de um copo de água para ele e pego um na
mesinha ao lado da cama e o vejo beber com avidez.
— Quanto tempo eu estive com... ele?
— Um pouco mais de uma semana — respondo. — Nós te pegamos
ontem e trouxemos você aqui.
— E Derek?
— Ele está morto. — Roman olha para o seu copo de água, quieto. — E
Mikhail também.
Isso atrai o seu olhar de volta ao meu.
— Como Mikhail está morto? E como vocês conseguiram me achar? —
Miller pergunta, com a testa franzida de preocupação.
— Nós temos muito para pôr em dia, meu amor, mas saiba que tudo
isso acabou. Nós conseguimos com a ajuda de uma garota chamada
Arianna Cacciola, ela era noiva de Dylan. — Abro um sorriso sem graça ao
ver os seus olhos arregalados e sobrancelhas arqueadas. — Mas ela
acabou nos ajudando em troca de favores. De qualquer forma, estamos
livres de Mikhail Volkov agora e minha mãe vai sair da cadeia.
Livres... Isso é algo que eu preciso me acostumar.
Quero soltar um grito de euforia e vitória, mas ainda existem questões
que me incomodam. O que eu faria agora que minha mãe iria ser solta?
Vivi cada segundo desde que tinha quatorze anos em busca de trazer
justiça para ela. Roubei por conta dela e matei por ela, mas... e agora? O
que eu faço agora?
— Roman... Tem mais uma coisa. — Agarro suas mãos com força. —
Seu pai foi preso, mas Arianna provavelmente pode conseguir tirá-lo de lá
com um favor. Se você quiser, eu posso ligar para ela agora.
Não sei como a relação de James e Roman está depois do que li em seu
caderno antigo. Não sei o que ele vai querer fazer e, apesar de desejar que
James apodreça na cadeia como ele fez com minha mãe, essa é uma
decisão que só pertence a Roman.
— Volte a me abraçar — ele pede.
Inclino-me sobre ele novamente e faço todo o possível para aliviar o
meu peso de cima dele. Enterro o meu rosto em seu pescoço e sinto a
textura de sua pele em mim. Ele ainda está um pouco gelado, mas isso é
algo que eu posso lutar para consertar com o tempo. Ele vai ficar bem, só
precisa de cuidado e carinho.
— Eu te amo — ele sussurra em meu ouvido. — Você me perdoa?
Perdoá-lo por ser um adolescente de quinze anos? Perdoá-lo por fazer
coisas estúpidas com razões nobres?
Como posso não o perdoar por isso?
— Sim, motoqueiro. Eu te perdoo.
Ergo minha cabeça e encaro os seus olhos azuis e rosto tranquilo.
— Então casa comigo.
Reviro os meus olhos e abaixo a minha boca até pressionar a sua com
suavidade.
— Não, eu só tenho dezoito anos.
Roman tenta me puxar para um beijo, mas nego isso a ele. Uma careta
toma conta de sua expressão e não evito soltar uma risada.
— Posso te esperar fazer dezenove.
— Ainda não vou me casar com você com dezenove.
Miller bufa.
— Tudo bem, eu não vou sair da sua vida. Posso esperar uma década se
for preciso.
Solto uma risada e me entrego a um beijo carregado de saudade e
amor, porque Roman não está errado... ele pode esperar uma década,
porque já esperou muito mais do que isso por mim.
Saboreio os seus lábios e tento conter as minhas lágrimas, mas elas
ainda saltam e pingam nas bochechas de Roman, mas ele não se importa.
Não importa.
Ouvimos quando a porta do quarto é aberta, mas Roman ainda não me
deixa ir longe dele e eu aceito, permaneço presa em seu toque e rezo para
quem estiver lá em cima para que ele nunca vá embora.
— Todo o meu coração está com você, Sra. Miller — sussurra contra os
meus lábios. — Espero que guarde ele com carinho.
Quero dizer que Roman tem todo o meu coração, mas a verdade é que
ele está dividido em quatro partes e distribuído entre quatro garotos
quebrados desde que éramos só crianças brincando no gramado em frente
à minha casa. Mas o meu peito não está vazio, porque, no lugar do meu
coração, sei que todos os quatro tiraram os seus e entregaram para mim.
— Quando ela for senhora alguma coisa, vai ser Sra. Volkov — Asher diz
enquanto anda pelo quarto, parecendo novo em folha com seu outro terno
e cabelo molhado. — Pode ter acabado de acordar do inferno, Miller, mas
não me importo de te levar até lá de novo.
Roman bufa e revira os seus olhos para Asher, mas o sorriso ainda está
presente em seus lábios.
— O pior castigo que eu posso ter é escutar a sua voz logo depois de
acordar, Volkov — Roman rebate, seco.
Dylan solta uma risada. O jogador se joga no sofá do quarto e morde
um sanduíche em suas mãos.
— Se vocês dois já estão discutindo, significa que o mundo voltou ao
normal — declara o capitão, vestindo a sua característica jaqueta
novamente. Me pergunto se foi Charlotte ou Megan que a separou para
ele, mas as garotas não estão à vista.
Axel caminha direto para mim e me entrega uma sacola preta. Seus
lábios vêm em minha testa para um beijo terno antes de eu observá-lo se
jogar na poltrona que passei a noite.
— Suas amigas disseram que iriam comprar comida em outro lugar,
mas todos nós sabemos que elas foram para dentro do banheiro — me
confidencia o lutador e, em seguida, ele abre um sorriso brincalhão para
Roman. — Como você está, idiota?
— Bem pra caralho. — Roman aperta as minhas mãos e me lança uma
piscadela.
— Babochka, preciso que me diga para onde iremos — Asher diz.
Franzo minha testa, confusa.
— Nós não vamos ficar aqui?
— Só se você quiser.
— Mas... não podemos sair. Tem o clube e Patrick — digo.
Nenhum dos meninos diz nada, mas sinto os seus olhares em mim. Me
viro para Roman, esperando que ele diga que vai ficar no clube e que vai
assumir o lugar de seu pai, mas o motoqueiro não diz nada.
O som do celular de Dylan vibrando chama a nossa atenção e me
atento a ele, temerosa.
— É Patrick... — Dylan encara a tela do celular por um tempo,
enquanto toca em sua mão.
Espero que ele atenda e que converse com Patrick, espero que siga
suas ordens como tem feito por todo esse tempo, que siga o seu avô com
devoção, mas a sentença é dada quando Dylan desliga o celular e ergue
seus olhos em direção aos meus. Sua expressão se torna decidida e o
orgulho enche o meu peito ao perceber que ele está se escolhendo em vez
de seguir cegamente o avô.
— Não vou mais viver pelos erros da minha mãe e do meu avô. Desisto
disso — ele diz e o aperto de Roman em minhas mãos confirma. — Tome o
seu tempo, linda, nós vamos onde você disser.
O que resta em mim além do desejo da minha mãe? Quais são os meus
desejos?
Talvez eu possa finalmente começar a ler aqueles livros de medicina
que tenho em casa, talvez eu possa entrar para uma faculdade como as
outras adolescentes geralmente fazem. Talvez possa tirar um ano de férias
e viajar pela Europa em um carro, quem é que sabe?
A única certeza que tenho é de que esses garotos vão estar presos
comigo, porque não existe outro lugar para estar.
— Vão atrás de mim?
Permaneço imóvel, mas a emoção e a excitação me preenchem por
inteiro.
Os vejo, cada um de seu próprio jeito e teimosia, mas todos parecem
ser feitos para mim e eu não os mudaria em nada, nunca.
— Nunca vamos te deixar ir.
E sei com tudo em mim que eles vão cumprir tudo que me prometeram
até o fim dos meus dias.
Alguns anos depois...
O som da minha risada é ouvido pela praia privada, mas ninguém está
aqui para escutá-la. Afundo meus pés na areia fofa enquanto desvio de um
beijo de Axel para observar o céu e ver a noite estrelada, que apenas a
Itália pode mostrar.
— Espera — Apesar de dizer isso a ele, não faço nenhum esforço para
sair dos seus braços quentes.
Um som parecido com um rosnado sai de seus lábios e abro um sorriso
para isso.
— Me dê a sua boca e então vou te deixar ir — promete.
Dylan entrelaça os nossos dedos e ergue minha mão para um beijo que
aquece a minha pele.
— Nem você acredita nisso, Volkov — diz o loiro.
Tiro o meu olhar do céu e me viro para encará-lo. Dylan sempre teve
um porte de homem, mas algumas características de adolescente já
fugiram de seu rosto muitos anos atrás. Seu cabelo loiro é perfeitamente
cortado, porque um jogador caro como ele precisa ser bem-cuidado.
Monroe está mais forte por conta dos treinos pesados, mas sei que ele não
trocaria a vida que leva pela por uma mais fácil.
Dylan ficou cinco anos sem falar com Patrick quando renegou sua
família.
Depois que saímos do hospital, meu homem fez suas malas e disse ao
seu avô que nunca mais iria obedecer a uma ordem dele, mesmo que
ficasse sem teto e foi o que aconteceu. Mas tudo bem, porque Asher
sempre teve dinheiro guardado e eu... Eu tive dinheiro acumulado de anos
de assaltos para poder sobreviver.
Quem diria que o dinheiro sujo de um mercadinho iria sustentar a mim
e aqueles garotos até a formatura?
— Está gostando da Itália, querida? — indaga Axel.
Levo meu olhar para ele e encontro os olhos castanhos em mim.
Axel tem a mesma alma selvagem de anos atrás, mas a diferença é que
agora ele redireciona isso para algo bom. Volkov decidiu abrir uma
academia de boxe depois que eu disse que não aceitaria mais que entrasse
em casa com o rosto machucado todos os dias sem ganhar um dinheiro
que fosse bom o suficiente para nos sustentar.
O único problema disso é ver as mulheres se amontoando na porta da
academia quando ele aparece e acham que meu homem daria atenção a
qualquer uma delas. Isso nunca vai acontecer e só basta que eu apareça
para que toda a sua atenção seja minha.
Não posso dizer que as culpo, porque sei que meu homem chama
atenção por onde passa. Axel tem o seu cabelo preso em um coque e seu
rosto está com uma barba bem-feita que ele já me disse que só mantém
porque gosta de quando eu me contorço quando ele a arrasta no meio de
minhas pernas.
O longo vestido vermelho se agarra em minhas pernas pelo vento que
bagunça meu longo cabelo escuro. A Itália é só... diferente. Já viajamos
muito por conta de Dylan, mas esse lugar... O cheiro de água salgada chega
aos meus sentidos com mais facilidade, a temperatura fria da areia faz com
que sinta cócegas na sola dos meus pés.
Sinto tudo isso com mais intensidade do que já senti em qualquer outro
lugar na minha vida.
Então me viro para Axel e confidencio:
— Amo esse lugar, gostaria de viver aqui para sempre.
Aperta o meu ombro com seu braço musculoso e fecho os meus olhos
quando sinto a pele de seus lábios em minha testa.
— Tudo o que precisa fazer é pedir.
Enquanto andamos de mãos dadas de volta para a casa de praia que
Asher alugou, consigo ver as sombras na varanda de longe. Ambas são
altas e musculosas, mas ainda consigo diferenciar uma da outra sem
hesitação.
Me solto dos braços dos meninos e ergo o meu vestido vermelho para
começar a correr em direção a eles. Um sorriso brinca em meu rosto
quando me jogo nos braços de Roman e fecho os meus olhos, absorvendo
o cheiro de mar com o seu cheiro de homem.
De todos eles, Roman foi o que mais demorou a conseguir achar um
rumo para a vida. Sem o clube, o que mais ele seria? Quando ele fez essa
pergunta a mim, decidi que não importava.
Roman poderia ser qualquer coisa, desde que fosse ao meu lado.
O meu motoqueiro pode mudar o quanto quiser, mas sei que parte
dele sempre será a mesma. Ele ainda viaja para o Texas e gasta os seus dias
administrando o clube de longe, seu pai foi solto alguns meses atrás, logo
depois de Roman decidir que queria que Asher contratasse os advogados
que ele conhecia.
E pensando em Asher...
Dou de cara com as íris castanhas assim que abro os meus olhos. Asher
está perto de nós, seus olhos me puxam para ele em uma ordem silenciosa
que aceito sem hesitar.
Não tem nenhum terno em seu corpo. Aprendi a apreciá-lo em todos
os momentos e percebemos juntos que não havia mais linhas que
poderíamos cruzar. Ou era isso que eu pensava...
— Babochka. — O meu apelido ainda tem o mesmo som em seus
lábios. Mesmo que Asher agora tenha sua feição endurecida de um
homem de negócios, ainda me sinto como a adolescente apaixonada que
um dia fui.
— Volkov. — Ergo uma sobrancelha para ele, mas Asher não está aqui
para brincadeira. Gruda os seus lábios nos meus em um beijo cheio de
desejo que me faz encharcar a calcinha do biquíni.
Acordo com os olhos desse homem em mim todos os dias desde que
tinha dezoito anos e estava presa em um pesadelo e perdida em meio às
luzes e sombras de meus sonhos ruins. Estava correndo pela minha vida e
trombei neles no caminho.
Mi madre não ficou decepcionada quando saiu da prisão e a primeira
coisa que viu foi a sua filha cercada por quatro garotos. Hoje, depois que
voltou para o México, ela me disse que sabia que estava criando uma
garota má, mas que estava orgulhosa de mim... Mesmo que tivesse
arrastado quatro demônios juntos.
— Vamos para o quarto. — Os olhos de Asher brilham.
— Quarto? Nós vamos para o mar. — Não importa quantos anos se
passem, Roman e Asher continuarão se provocando. Não importa que
agora estamos mais perto dos trinta do que dos vinte. — Não dá conta,
Volkov?
Quando Charlotte e Megan nos visitam, elas dizem que eles têm algum
tipo de amor encubado um pelo outro. Minhas garotas ainda estão bem e
vivendo o melhor desde que Charlotte decidiu largar sua família e viver
com a nossa ruiva.
Algumas coisas mudaram com os anos.
Vinte e seis é uma boa idade em mim, estou mais gostosa do que nunca
e acabo de me formar em medicina depois que decidi ir para a faculdade.
Arianna Cacciola já havia me cobrado um dos favores, mas, apesar de
toda luta para pagar metade de minha dívida, a outra metade ainda está
aguardando o seu chamado. Depois de toda luta e de saber quais tipos de
favores Arianna pede, decido que não posso envelhecer e esperar para
sempre. Sei que um dia vou receber a sua ligação mais uma vez, porque é
isso que acontece quando se vende a alma para o diabo, mas estou bem
em esperar até lá.
Me lembro do pânico que tomou meu estômago anos atrás quando
recebi sua ligação, mas isso é uma história para outra hora...
Às vezes, tenho vontade de chorar pensando no quanto as coisas
mudaram.
— Ela não vai entrar no mar desse jeito, irmãozinho — Axel ralha e traz
suas mãos para a base de minhas costas. — Já anoiteceu e é perigoso.
— Você está dizendo a mesma coisa que me disse de manhã. — Reviro
os meus olhos para ele. — Qual é a razão de termos alugado uma casa na
praia se não posso entrar no mar?
— Tirar fotos bonitas e guardar no álbum? — Dylan encolhe os ombros
e abre um sorriso provocativo para mim. — Vamos mostrar para ele
quando crescer.
— Ela — corrige Roman.
Dylan revira os seus olhos azuis.
— Você não sabe o sexo.
Roman bufa.
— E nem você.
Acontece que estou grávida de quatro meses.
Existem momentos que acho tudo isso maravilhoso. Sou mimada vinte
e quatro horas por dia e não consigo dar um passo sem que um deles
venha até mim. Dylan pausou a carreira de quarterback e todos eles
tiraram férias para vir aqui passar a gravidez da forma mais tranquila
possível. Inferno, Asher disse que só vai dizer para mi madre, Charlotte e
Megan onde estamos depois que o bebê nascer.
Não são gêmeos, para a minha total alegria. Eu morreria se fosse.
Choro toda vez que um comercial fofo passa na TV e sempre que vejo um
vídeo de gatinho, porque sei que Hela já está velha e não sei mais quanto
tempo ela vai durar.
O meu pacote de amor está dormindo em um banco de madeira da
varanda e tenho a certeza de que um dos meninos a colocou lá, porque
eles a amam tanto quanto eu. Hela está envelhecendo e, mesmo sabendo
que ainda tenho muitos anos com ela, choro como um bebê sempre que
vejo um filme onde algum animal morre.
É meio humilhante.
— Eu amo vocês — digo em meio a toda discussão.
Tenho que dar um passo para trás para os observar. Todos eles estão
vestidos de preto, mas, diferente da primeira vez que eu os vi, agora faz
todo o sentido vê-los assim. Sei de toda a escuridão que os cerca e aprendi
a gostar dela.
Coloco uma mão em minha barriga. Não é grande o suficiente para que
todos consigam ver, mas eles já notaram a diferença. Eles notaram antes
mesmo de eu conseguir notar.
— Amo vocês desde os sete anos... — E lá vem as malditas lágrimas de
novo.
Um misto de olhos azuis e castanhos. Não sei se esse bebê vai ter essas
cores ou se vai puxar o meu tom esverdeado, mas não posso esperar para
descobrir.
— Nós também te amamos, querida — diz Axel.
— Por favor, pare de chorar — Dylan pede, então passa a mão em seu
cabelo loiro e abre um sorriso para mim como fez naquele primeiro dia em
que coloquei os olhos nele pela primeira vez.
— Acho que você já chorou o suficiente para competir com o oceano —
Roman, o meu motoqueiro, diz.
Reviro os meus olhos para a sua provocação e deixo o meu olhar vagar
para o mar. A água está tranquila e eu vejo pequenas ondas se quebrando
e a areia úmida. Um brilho provocativo toma conta de minhas feições
quando volto a olhar para eles.
— Vocês vão atrás de mim? — Me preparo e ergo o meu vestido
vermelho novamente. — Ou vão me deixar ir?
Os olhos de Asher brilham e eu sei que ele reconhece o que eu digo. O
calor esquenta o meu coração quando ele diz:
— Corra e se esconda, babochka, mas saiba que nós nunca vamos te
deixar ir.
E como uma viciada em suas travessuras, começo a correr em direção
ao mar e tenho a certeza de que eles vêm atrás de mim.
Enquanto os meus pés se entranham na areia, sinto o meu celular
vibrar e, quando olho o número marcado na tela, sinto um arrepio tomar
conta de todo o meu corpo. Arianna Cacciola está me ligando e, assim
como na primeira vez, sei que o diabo voltou para buscar a outra metade
de minha alma.
Mas, assim como aconteceu anos atrás, sei que eles vão estar comigo
enquanto pago minha dívida.
Costumava acreditar que Roman, Dylan, Asher e Axel não eram a luz da
minha vida e nem da minha paz, mas estava errada. Eles são o meu ponto
de paz tanto quanto são o meu ponto de desequilíbrio.
Roman, Dylan, Asher e Axel foram a origem do meu sucesso, faziam
parte do meu fracasso e de todo o meu amor. Eles ainda eram os
catalisadores do meu caos e eu sempre seria o mesmo para eles.
Acreditava que os quatro nunca poderiam sobreviver a mim e estava
certa, mas eu também nunca poderia sobreviver a eles.
Parte de mim sempre seria aquela deslumbrada garotinha de sete anos
de vestido vermelho e meias quando os viu pela primeira vez e eles
sempre seriam aqueles garotos vestidos de preto que iriam fechar o seu
mundo para aceitar o meu.
E nós sempre seríamos um bando de viciados na perversão, a diferença
é que aprendemos a prosperar nisso.
Sempre fui o tipo de pessoa que ficava com a boca fechada e com os
pensamentos a mil. Aquele tipo de criança que guardava o que ia dizer na
maior parte do tempo, mas que libertava os pensamentos para voarem
livremente.
Nesse momento, sinto-me em uma situação complicada... Acho que é
por isso que demorei mais de dois meses para escrever os agradecimentos.
Não quero me despedir dos meus personagens.
Como posso fazer isso, quando eles ainda estão tão vivos em minha
mente? Não sou madura o suficiente para deixá-los ir e acho que vivi bem
o período de luto depois que acabei de escrever.
Eu os vi florescer. Vi Julieta sair daquela garotinha de vestido vermelho
até se transformar na mulher que se tornou. Vi todos os meninos
crescerem de uma forma fenomenal, e como posso ficar longe daquele
grupo de amigas malucas agora? Como posso viver para eles durante seis
meses e deixá-los ir agora?
Acho que isso nunca vai acontecer, e espero que nunca aconteça com
vocês também.
Em minha mente, eles ainda estão vivos. Juntos (é claro) e viajando
livremente pelo mundo, vivendo a sua merecida paz. Mesmo que algumas
leitoras tenham dificuldade em imaginar Julieta González em paz e livre de
problemas, ela está vivendo o melhor da sua vida (mesmo com os favores
que precisa resolver, mas isso é história para outra hora).
A primeira pessoa que quero agradecer é a minha mãe. Obrigada por
ter me apoiado em todos os momentos. Por pegar em minha mão e dizer
que eu não estava louca quando te contava alguma aventura que meus
personagens estavam vivendo. Por acalmar as minhas crises durante a
escrita desse livro, por me abraçar quando chorei e por ser essa pessoa
maravilhosa. Te amo.
Papai, quero muito te agradecer por tudo o que tem feito por mim até
agora. Por não me considerar louca por dizer que queria ser escritora, por
me escutar nos momentos que precisei, por não duvidar de mim e por não
hesitar em me ajudar a transformar o meu sonho em realidade. Te amo
muito.
Não seria possível chegar até aqui sem o agradecimento para uma
pessoa especial. Não existe exagero quando digo que esse livro não
existiria se eu não tivesse conversado com ela e não tivesse sido escutada
com tanto carinho e atenção. Eduarda Brits (@autorabrits), você merecia
uma página inteira de agradecimentos e eu sei que até esse livro ser
publicado, vou ter ainda mais motivos para te agradecer.
Cara, Brits. Você foi mais do que uma escritora tirando dúvidas pela
DM. Você me pegou pela mão e me explicou o que ninguém nunca tinha
feito. Me ajudou em meio a tantas crises sem ter noção do bem que me
fez. Não existem palavras suficientes no dicionário para que eu consiga
expressar com exatidão o quanto sou grata por você, por sua paciência,
seu carinho e seu amor. Posso ter cometido vários erros durante essa
jornada, mas conhecer você e o mundo delicioso de Fire nunca serão um
deles.
Às minhas leitoras do Wattpad, por serem minha fortaleza quando eu
não tinha certeza do que esse livro seria. Obrigada pelos surtos no grupo,
pelas mensagens carinhosas na DM, pelos comentários e surtos. Esse livro
não estaria aqui sem vocês. Vocês são gigantes e eu sempre vou sentir falta
daquele mundinho que criamos.
À Helo (@readbyhelo), a melhor leitora crítica do mundo. Obrigada por
todo o seu trabalho incrível. Pelos comentários cirúrgicos e pelos áudios
enormes que tanto amei escutar. Obrigada por fazer parte dessa trajetória.
À Carla Santos (@carlafs_site), pela paciência e pelo carinho que tratou
esse projeto. Muito obrigada por topar entrar nessa história louca e por
amar esses personagens tanto quanto eu. Você é incrível e eu não faço a
menor ideia do que teria feito sem você (e eu não estou exagerando).
À Julieta González, por entrar como um furacão em minha vida e exigir
que eu contasse a sua história.
“Somos feitas uma para a outra, Mila.” Consigo praticamente escutar a
sua voz cheia de presunção. É, somos sim...
Obrigada ao Asher, por me emprestar sua determinação; ao Dylan, por
me mostrar que as pessoas são mais do que parecem; ao Roman, por todo
carinho que ele me deu durante o tempo que esteve falando comigo; e ao
Axel, por seus sorrisos provocativos e a risada apaixonante que me deu
vontade de estar no lugar da Julieta.
E, é claro, obrigada a você, caro(a) leitor(a). Obrigada por me
acompanhar até aqui e por ter dado uma chance para essas cinco almas
quebradas. Se você já veio do Wattpad, é um prazer te ver de novo. Se
esse é o primeiro contato que você tem comigo, muito prazer.
Espero que me acompanhem em meus próximos livros.
Não se esqueça de deixar a sua avaliação, porque eu vou amar ler todas
elas. Se não se sentir à vontade, fique livre para as estrelinhas também.
Me acompanhe para saber de novos projetos no Instagram
(@kamilaautora) e no TikTok (@kamilaautora).
Kamila Ferreira é uma amante da literatura e dedica-se à escrita desde
os treze anos (a época em que começou a ler Crepúsculo e não parou
mais). Nascida e criada em Minas Gerais, ela é uma admiradora de sua
cultura e é apaixonada por culinária.
Ela já tem idade suficiente para ser presa, mas gosta de estar segura em
seus filmes de romance clássicos ao lado de seus dois cachorros. Não
consegue ler nada que não envolva romance (embora goste de assistir
documentários criminais), e seu coração sempre bate mais forte se
tratando de casais impossíveis.
Com piadas prontas em momentos inapropriados, Kamila vive em
mundos de fantasia na maior parte do tempo (na outra parte, ela está
batendo a cabeça para transformar a fantasia em realidade).
1)
Do espanhol: Minha mãe.
↵
2)
Do espanhol: Meu pai.
↵
3)
Do espanhol: Garota
↵
4)
Do espanhol: Irmã
↵
5)
Do espanhol: Oi, mãe.
↵
6)
Do espanhol: Oi, meu coração.
↵
7)
Do russo: Doce borboleta.
↵
8)
Do espanhol: Um beijo.
↵
9)
São as namoradas/esposas dos membros do clube.
↵
10)
Do russo: Filho da puta.
↵
11)
Do espanhol: Como está? Onde está?
↵
12)
Ovos rancheiros (prato típico mexicano).
↵
13)
Do espanhol: Que está acontecendo? Está tudo bem?
↵
14)
Do espanhol: Quase me mataram.
↵
15)
Do espanhol: Quê? Quando?
↵
16)
Do espanhol: Agora
↵
17)
Do espanhol: Que sou tão suja quanto seu pai.
↵
18)
Do espanhol: Diz me.
↵
19)
Do russo: Não.
↵
20)
Do espanhol: Lhe juro.
↵
21)
Do espanhol: Merda.
↵
22)
Do russo: Menino maldito.
↵
23)
Em espanhol: Meu Deus.
↵
24)
Do italiano: Bonitinha.
↵
25)
Do italiano: rapaz.
↵