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Copyright © 2023 Kamila Ferreira

Capa:
Senara Sousa
(@senaradesigner)

Leitura crítica:
Heloisa Fachini
(@readbyhelo)

Preparação/revisão de texto e Diagramação:


Carla Santos
(@carlafs_site)

Ilustração:
Camilly Lourenço
(@misolace_)

Obra revisada segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

Essa é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes, pessoas ou


fatos terá sido mera coincidência.

Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por


qualquer meio sem permissão da autora.

Todos os direitos reservados.


A violação dos direitos autorais é crime no Código Penal.
Capa
Folha de Rosto
Ficha Catalográfica
Dedicatória
Uma carta da autora
Aviso
Playlist
Ilustração
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Epílogo
Agradecimentos
Biografia
Notas
Para todas as almas barulhentas, aquelas que se sacodem dentro de si
porque sentem que existe algo melhor esperando para elas.
Continuem fazendo barulho, o mundo precisa de pessoas que sejam
inteiras.
Com amor,
Kamila.
Caro leitor,
Escrever essa carta é algo perto de surreal para mim.
É curioso como consigo escrever mais de três mil palavras em pouco
tempo, mas travo quando vou escrever algo tão íntimo assim. Porque, para
mim, isso é a coisa mais íntima que já fiz em toda a minha vida.
Wicked Vicious não foi uma ideia que fermentou por muito tempo na
minha cabeça. Eu tinha outro livro na frente e ele me tinha toda a atenção,
mas, como um furacão, Julieta González entrou em minha vida e destruiu
tudo em seu caminho, deixando apenas ela e suas exigências mesquinhas
que, sinceramente, eu não tinha outra opção a não ser aceitar.
Era só um capítulo sobre três amigas... Meses depois... e olha só onde
estamos agora.
Escrever um livro não é fácil. Se abrir para o mundo de uma forma tão
íntima faz parte das coisas mais difíceis que já fiz na vida e o motivo disso é
bem fácil de se resumir: eu não quero ser julgada. Não quero que vejam os
meus erros.
A verdade é que, se tratando de Wicked Vicious, parte de mim nunca
tinha colocado muita fé. Uma história de uma ladra com quatro
namorados... Quem quer ler isso?
Acontece que eu estava errada e, mais uma vez, Julieta González estava
certa. Toda vez que eu não conseguia prestar atenção na aula porque
escutava a sua voz em minha cabeça. Toda vez que tentava escrever
alguma coisa e ela tomava o lugar e, antes que eu me desse conta, estava
contando sobre a sua vida. Toda vez que eu conseguia imaginá-la com o
seu batom vermelho em minha cabeça, me dando ordens... todas essas
vezes, Julieta González estava certa.
“Por que um harém?", eu me questionava.
“Porque eu sou inteira demais para pertencer apenas a uma pessoa”,
ela me respondia.
Foram seis meses dormindo depois das três da manhã, foram lágrimas
de raiva, de frustração, de amor e de pânico para me provarem que sim,
Julieta González é inteira demais para pertencer apenas a um personagem.
Na verdade, Julieta não pertence a ninguém além dela mesma.
Espero que vocês possam aproveitar a sua história com tanto amor
quanto eu.
Esse livro pode causar desconforto em alguns leitores.
Wicked Vicious é um Dark Romance, ou seja, ele é focado no lado
sombrio do ser humano e nenhum dos personagens é politicamente
correto.
Contém gatilhos psicológicos, cenas de tortura descritivas, uso de
drogas lícitas e ilícitas, menção à ansiedade, pedofilia, estupro, crises de
pânico e suicídio.
Essa é uma obra de ficção destinada a maiores de 18 anos.
A autora não apoia e nem tolera nenhum comportamento desse tipo.
Se não se sentir confortável, não leia.
O prólogo desse livro é inspirado no prólogo do livro “Sick Fux”, da Tillie
Cole.
Para ouvir a playlist do livro, basta apontar a câmera para o código abaixo:

Ou acessá-la pelo link abaixo do Spotify:


Clique aqui!
Eu os vi pela primeira vez aos sete anos de idade.
Naquele dia, eu nunca poderia imaginar que aqueles garotos seriam o
centro do meu mundo e dos meus problemas como também qual seria a
extensão deles. Naquele dia, tudo o que significavam para mim é que eram
quatro estranhos bonitos.
Ambos eram gêmeos idênticos e os outros dois eram muito diferentes.
Todos vestiam preto e pareciam ser mais velhos do que eu e meu amigo
Charlie, que era baixo, quase da minha altura. Aqueles garotos eram mais
altos do que nós.
— Quem são eles? — perguntei ao Charlie. Eu gostava quando ele
brincava comigo, mas não gostava de brincar com os carrinhos dele, eram
chatos e quebravam fácil, mas Charlie nunca brincou com as minhas
bonecas, então eu sempre ficava presa às brincadeiras entediantes.
— Acho que são filhos dos novos amigos dos nossos pais — respondeu.
— Eles têm a nossa idade.
Meus olhos dobraram de tamanho quando olhei para eles e, então,
para Charlie de novo.
— Tem? — Como poderiam ter? Charlie e eu éramos tão pequenos que
meu pai nos chamava de pequenos enxeridos. — Vamos falar com eles.
Charlie balançou a cabeça, ele não gostou do que eu queria. Era chato,
nunca gostava quando eu queria fazer alguma coisa e ele não tinha
vontade.
— Aquele cara tá matando uma borboleta. — Ele apontou para um dos
garotos e estreitei os olhos. Apontar para as pessoas não era educado. Será
que a mãe de Charlie nunca havia ensinado isso a ele? — Eu não vou.
— Você está com medo deles? — perguntei.
Charlie balançou a cabeça com força.
— É claro que não. Eu não tenho medo de nada.
Mas acontece que Charlie tinha medo de muitas coisas, entre elas: do
escuro, dos insetos, de desobedecer aos pais, de responder aos
professores... E até de levantar a mão quando queria fazer uma pergunta.
Quando contei isso para mi madre1, ela riu e continuou fazendo a
trança no meu cabelo. Madre disse que, às vezes, as pessoas demoravam
mais para crescer do que outras e eu respondi que brincar com Charlie era
entediante.
Ela disse que um dia eu poderia achar graça em brincar com Charlie, só
que daqui a muito tempo.
Duvido.
— Então vem comigo — disse.
Charlie balançou a cabeça mais forte e os seus cachos ruivos caíram em
frente ao rosto.
— Eu não quero, minha mãe me disse para nunca falar com estranhos.
Minha mãe sempre me dizia algo diferente. Quando estávamos em
casa e seus amigos com tatuagens no rosto e barbas grandes iam até lá,
mamãe sempre me ensinou a cumprimentá-los. Eles se pareciam com os
vilões dos filmes que eu assistia, mas mamãe disse que, apesar de não
serem pessoas boas, eles nunca fariam coisas ruins comigo.
Logo depois, ela disse que não confiava em nenhum bandido que
frequentava a nossa casa e que iria me ensinar a usar uma arma antes que
eu começasse a usar saltos. Seja lá o que isso significava, mamãe
geralmente costumava ter razão.
— Eles sempre vão ser estranhos se não formos lá dar um “Olá”. —
Tentei o convencer, mas Charlie não pareceu interessado. Talvez ele fosse
mais inteligente que eu, talvez simplesmente soubesse que tinha algo ruim
naqueles quatro garotos antes que eu percebesse. — Então, eu vou
sozinha.
Marchei até eles como uma garota em uma missão.
Meu vestidinho vermelho balançava entre as minhas coxas, meus
sapatos estavam quase soltando dos meus pés, eu estava agarrada ao meu
ursinho preferido e a única coisa daquele visual de boneca que não me
incomodava eram as minhas meias. Sempre gostei de meias.
— Olá, eu sou Julieta — me apresentei.
Os quatro garotos olharam para mim, até mesmo o que pisoteava a
borboleta. E fiquei impressionada. Nunca tinha visto tanto preto em
crianças antes, elas sempre estavam cheias de cores.
Nenhum deles falou, apenas ficaram me olhando esquisito.
— Eu nunca vi vocês por aqui, mas também não venho muito. Só duas
vezes por ano para viver com mi padre2. De onde vocês vieram?
Um dos garotos piscou para mim lentamente. Ele tinha grandes olhos
azuis e cabelo tão escuro quanto a sua roupa.
— Você fala engraçado.
— É porque eu não sou daqui.
— E de onde você é?
— México. Fica muito longe, em outra América.
Um dos gêmeos bufou.
— O México não fica em outra América, só em outra parte do
continente.
Minhas bochechas esquentaram, ele estava tirando sarro de mim!
Tirando sarro igual os amigos dos meus irmãos quando eu tentava falar
com eles.
— Você já foi ao México? — perguntei.
— Não — respondeu o garoto, que me olhava estranho também.
— Então não fale do meu país. Se eu disse que é em outra América, é
porque é.
Ele deu dois passos para a frente, mas o loiro me deu um sorriso e o
segurou pela camisa.
— Eu sou Dylan, esses são Roman — apontou para o garoto de olhos
azuis —, Axel — e então para o que estava discutindo comigo — e Asher. —
O que estava pisoteando a pobre borboleta.
— Eu sou Julieta.
— Você já disse isso, Julieta — respondeu Asher.
— Mi madre disse que eu preciso fazer as pessoas se lembrarem do
meu nome.
Eu tirei os meus sapatos novos, ficando de meias pretas. A grama
cutucava os meus pés e fazia cosquinha, mas eu gostava.
— Por que vocês não vieram brincar com as outras crianças?
— Não gostamos das outras crianças — disse Roman, o de olhos azuis,
e, então, passou a mão pelo cabelo escuro. Era tão escuro, que era quase
do tom do seu casaco, mas, apesar de ter cabelo escuro, ele não se parecia
com os garotos iguais ou o de cabelos loiros.
— Então. como vocês fazem amigos?
— Nós não fazemos. Só viramos amigos, porque nossos pais são
insistentes — Dylan respondeu. — Mas até que seria legal fazer novos
amigos.
— Eu não vou brincar com aquelas crianças estúpidas, seu idiota! —
Axel exclamou, mas sua expressão não mostrava raiva.
— Ninguém espera que você brinque com outra pessoa.
Eu os observei em silêncio. Eles eram estranhos, mas novos. Eu nunca
os tinha visto antes, e poderiam até ser legais, até aquele que queria saber
mais sobre o México do que eu. Mi madre sempre disse que ter amigos era
bom, então eu dei um pulo no chão, sorrindo para mostrar a janelinha que
estava na minha boca.
— Eu posso ser sua amiga.
Ele franziu a testa.
— Por que eu ia querer isso?
— Ué, você tem amigos?
— Tenho.
Fechei minha expressão.
— Além desses?
— Não...
— Então eu vou ser sua amiga!
Eles não pareciam muito convencidos daquilo, menos o loiro, Dylan. Ele
tinha um sorriso que combinava com o meu.
— Legal, somos amigos agora. — Ele saiu de perto da árvore e
caminhou em minha direção. Dylan era um pouco mais alto que eu, e
parecia mais velho também, mas não me importava, porque agora éramos
amigos. — Quer andar de bicicleta com a gente?
Meus olhos brilharam ao ouvir aquilo.
— Vai me deixar andar de bicicleta com você? Charlie nunca me deixa
correr com ele...
Dylan tinha olhos azuis-esverdeados e cabelo loiro. Parecia com
aqueles desenhos de anjos que eu via na igreja.
— Quem é Charlie? — Roman me perguntou, e junto com os garotos
muito parecidos, eles chegaram mais perto de mim. Todos são tão altos...
Eu me virei, apontando para Charlie, parado de braços cruzados do
outro lado da rua.
— O meu amigo Charlie.
— Ele não pode ser seu amigo. — Asher estreitou os olhos escuros.
— Por que não?
— Porque nós já somos os seus amigos. — Balançou o dedo para ele e
os garotos. — Se vai ser nossa amiga, não pode ser amiga dele.
— Mas eu gosto do Charlie — resmunguei.
— Se você for amiga do Charlie, não vai precisar de nós.
Charlie nunca me deixava brincar direito com ele e agora esses novos
garotos iam correr comigo.
— Vão me deixar brincar com vocês do que eu quiser?
Dylan encolheu os ombros, animado comigo.
— É claro.
— Mesmo se for de boneca? — Ele concordou com a cabeça e os
outros não falaram nada, mas não discordaram. — Então vamos andar de
bicicleta.
Eu descobri muitas coisas naquele dia. Em primeiro lugar, aquela foi a
última vez que eu brinquei com Charlie antes de voltar para a casa naquele
verão. Em segundo, aquela borboleta que Asher havia matado com a sua
bota naquela tarde seria o catalisador de tragédias que voltariam para me
assombrar anos depois.
Roman, Dylan, Asher e Axel nunca foram a luz da minha vida. Eles não
eram a minha paz e, sim, o meu desequilíbrio, trazendo fogo e adrenalina
nas minhas veias desde que me lembro.
Também foram a origem do meu sucesso, do meu fracasso e do meu
amor. Eles eram juízes, júris e carrascos. Eram ladrões, assassinos e, entre
eles, até um pouco sociopatas. Assim como os catalisadores do meu caos,
mas me trazia paz saber que eu também era isso para eles, talvez muito,
muito pior.
Porque eles sobreviveram a muitas tragédias, mas nunca conseguiram
sobreviver a mim...
Éramos um bando de viciados na perversão.
— Você está tremendo, chica3? — A fumaça do cigarro se mistura com o
cheiro das minhas panquecas de mirtilo e o cheiro salgado da terra que
entra pela nossa janela, enquanto minha amiga bate com o polegar no
volante, se mexendo ao som do reggaeton que ela sabe que eu amo.
— Eu estaria tremendo se fosse você, mas como é uma cadela meio
fria, então não sei bem o que esperar agora. Você deveria tremer.
Megan, ou Maggie como a apelidamos, me observa por um curto
momento e depois volta a olhar para a frente, dando um trago em seu
cigarro de novo. Eu sempre teimo em dizer que aquele palitinho carregado
de câncer vai tirá-la de mim antes mesmo de fazermos quarenta e ela dizia
que vai me arrastar junto como uma fumante passiva.
— Por que eu estaria tremendo? Se eu pegar cadeia vou ficar longe de
você e de Charlotte. Só vejo vantagens, hermana4 — provoco, dando um
segundo olhar quando a vejo rolar aqueles lindos olhos azuis-acinzentados
para mim.
— Se você for para a cadeia, eu vou logo atrás. Daí vai precisar ver a
minha cara todos os dias enquanto Lottie paga um juiz para nos tirar de lá
— eu rio, porque se há alguém boa o suficiente para fazer isso, esse
alguém é Charlotte Sinclair. Na verdade, acho que ela consegue tudo,
inclusive invadir um sistema supersecreto de uma rede de supermercados
enquanto esperamos os portões se abrirem para Megan dirigir e
conseguirmos entrar e pegar o dinheiro.
— Vocês duas precisam relaxar, nós não vamos ser pegas, nunca
fomos... — Charlotte murmura no banco de trás, com os olhos grudados na
tela do notebook em seu colo e seus dedos digitando freneticamente. —
Vadias medrosas...
Se um dia formos pegas, eu não admitirei nada. Farei mais a linha da
Sandra Bullock, em “Oito mulheres e um segredo”, direi que foi apenas um
colapso ou coisas assim, mesmo sabendo que tudo foi premeditado e
planejado. Sabe, eu gosto de pensar que não sou uma pessoa má, ainda
que tenha extrema consciência de que não sou uma pessoa boa.
Nunca matei ninguém, usei drogas ou roubei coisas de velhinhas,
apenas furto dinheiro de certos lugares com as minhas amigas e tenho
contato com um traficante simpático e vendo suas drogas para outros
adolescentes na minha escola.
Tem um pequeno lugar para pessoas assim, e lá estou junto com
minhas amigas, é claro.
— Se preparem... — Charlotte avisa, e então eu gemo quando sinto o
motor do carro ser ligado por Megan. Os olhos dela estão voltados para a
frente, em seu rosto há um sorriso cheio de dentes brancos que até
poderia ser considerado bondoso, mas está cheio de sagacidade e com um
toque de maldade.
Megan é uma ruiva, amante de carros, viciada em adrenalina e que
sempre precisa fumar um cigarro antes de acelerar o motor.
Ela vive dizendo que é para dar sorte.
— É melhor não atravessar a parede com esse carro — aviso, olhando
para Megan novamente. — Eu não aguento outro tranco desses, hermana.
— Não confia em mim, chica?
— Alguns segundos... — sussurra Charlotte. — É melhor vocês duas não
estarem discutindo ou eu juro que vou trancá-las lá dentro.
Franzo a testa, me virando no banco para olhá-la.
— Você não teria coragem de ficar sem a sua latina preferida.
— Quer apostar? — Ela ergue o rosto e eu dou de cara com os olhos
azuis da loira. Charlotte parece uma boneca, como também tem sangue
azul de herdeira de uma das famílias mais ricas de Washington, D.C..
Para ser honesta, metade do meu sangue também é azul, só meio
diluído pelo fato de eu ser fruto de um caso do meu pai com uma
empregada estrangeira. Diferente de mim, Charlotte é toda rica e,
provavelmente, dorme em penas de ganso enquanto limpa a sua bunda
com notas de cem.
Eu imagino o que diriam da “Princesa de D.C.”, como é chamada nas
revistas, hackeando um sistema para assaltar um mercadinho.
— Agora! — Com o seu comando, Megan acelera, aumentando a
velocidade do carro rapidamente, do jeito que ela gosta.
Nunca entendo como ela consegue um carro diferente toda vez que
vamos para algum trabalho, mas nunca lhe pergunto sobre isso. Carros,
cigarros e dinheiro sujo é o que define Megan Mitchell.
Dona de selvagens e longos cabelos ruivos, Megan Mitchell chama a
atenção por onde passa. Mas, ao contrário da boneca Charlotte, ela nunca
teve papas na língua. Na verdade, ela é dona de uma boca imensa, que só
serve para falar merda e arrumar confusão. Selvagem, completamente
livre; e, de todas nós, a mais provável a morrer cedo.
Ela dirige como eu imagino que fode: intensa e com fome voraz por
velocidade. Inferno, se eu tivesse tido a sorte de gostar do sexo feminino,
já teria me ajoelhado perante minhas amigas há muito tempo. Essas
vadias...
Megan derrapa curva atrás de curva e Charlotte bufa no banco de trás,
apertando firme seu notebook no colo. Ela coloca o fone em seu ouvido
enquanto eu posiciono o meu quando vemos a fachada do lugar.
Meus joelhos sobem em antecipação e eu sinto meu coração acelerar,
meu sangue bombear pelo corpo devido à adrenalina enquanto minhas
unhas pintadas de preto batucam em minha calça legging que eu
geralmente uso para fazer yoga, ela é melhor para a movimentação.
— Vocês têm quinze minutos — Charlotte murmura, com gotas de suor
na testa quando Megan nos deixa no estacionamento vazio às duas da
madrugada. Ela está aflita, nervosa e morrendo de medo de que qualquer
pessoa nos pegue agora, mas é isso que ela ama. A vida de princesa é
chata.
— É só isso que precisamos — comento.
Megan estaciona o carro na porta dos fundos, não nos preocupamos
com câmeras de segurança quando saímos apenas com bonés e o cabelo
preso. Charlotte já cuidou delas. É a sua mágica. A mulher tirou a energia
de toda a rua, desativou os alarmes e vai mantê-los assim por quinze
minutos apenas com sua inteligência e a tela de um notebook.
Corremos até a porta e eu tomo a dianteira, arrombando-a em menos
de dez segundos. Uso a lanterna para nos ajudar na escuridão, mas ando
na frente com conhecimento. O mapa desse lugar está decorado em minha
cabeça há uma semana, martelando e fazendo um redemoinho em meu
cérebro.
— Onde está? — indago para Megan, movendo a lanterna para me
ajudar quando não vejo o maldito cofre.
— Tá aqui! — ela sussurra de volta, girando em volta de si mesma com
a lanterna. Ando para a frente, indo até a mesa de madeira. Abro todas as
gavetas que acho pela frente, procurando por algum tipo de chave, algo
que indique onde o cofre está. Com tudo escuro fica difícil de ver ao redor.
— Eu perguntei onde.
— Não sei, porra! Acha que eu sou um tipo de gênio da lâmpada? —
Ela se vira para mim e abre os braços, movendo-se com toda a arrogância
que uma garota das ruas tem.
— Dez minutos. — A voz de Charlotte chega aos nossos ouvidos pelo
fone conectado.
Puxo a respiração de forma ruidosa, puta. Plantas para decorar são
fáceis de achar, mas onde o verdadeiro dinheiro está... Isso leva tempo. Por
isso sempre ficamos de olho antes de virmos, não somos malditas novatas.
Saber que Megan não verificou me irrita tão profundamente, que eu juro
que posso bater com a cabeça dela na parede agora.
— Cheque as paredes, me ajuda a arredar os quadros. Está aqui em
algum lugar. — Ela coloca a lanterna na mesa, e juntas puxamos todos os
quadros para darmos uma olhada no que tem atrás. Apenas paredes
brancas e sem graça. Porra de paredes.
Olho ao redor da sala, nossas lanternas fazem o pobre trabalho de
iluminar o lugar.
Quando eu era criança e passava as férias na casa do meu pai, sempre
gostei de me esgueirar por aí, ouvindo os adultos falarem sobre seus
negócios.
E haviam grandes esconderijos na mansão dos Leclerc, foi lá onde
descobri o meu primeiro cofre. O meu eu de nove anos estava interessada
demais naquela coisa com tranca para ir brincar com as outras crianças,
além dos quatro malditos que ficavam na vizinhança. Mas eles eram outra
história. Mi padre gostava de esconder seus cofres em sua linha de visão,
escondido por móveis e quadros, às vezes escondido embaixo do piso, bem
no lugar onde sua cadeira ficava.
Saio dos meus pensamentos e olho para o enorme sofá quando a voz
de Charlotte sussurra para nós novamente:
— Sete minutos.
— É melhor eu não ser presa em um maldito mercado.
— Arrasta o sofá. Vem, me ajuda. — Megan vai de um lado e eu, do
outro. Puxamos o grande móvel e eu quase deixo escapar um suspiro de
alívio ao ver a forma inconfundível de um cofre ali, escondido.
Caio de joelhos enquanto Megan ilumina para mim, suas botas são tão
limpas que brilham. As únicas vezes que ela limpa são antes de trabalhar.
Giro a roleta lentamente, com toda a concentração que eu consigo ter
agora.
Na verdade, não existe muito segredo em arrombar alguma coisa: seja
rápida, prática e atenta. Cofres fazem um pequeno barulho quando acerta
uma parte da senha; e quando estão perto do número correto, a
engenhoca começa a soltar um ruído um pouco diferente.
— Quanto tempo vai demorar?
— Cale a boca, eu estou quase entrando.
— Entrando onde, sua vadia? No tempo que você está aí embaixo, eu já
poderia ter dado a volta em todo esse lugar e ainda comido um dos
pacotes de salgadinhos. Vou morrer de velhice se te esperar.
— Se eu ouvir a sua voz mais uma vez, vou chamar a polícia para te
prenderem, hermana imprestável.
A pequena porta abre com rapidez e quase acerta o meu rosto.
— Porra, é isso aí... — Megan mantém a lanterna enquanto eu coloco
todo o dinheiro em um saco preto, lutando para fechar tudo aquilo.
— Essa é a vida que eu mereço — resmungo, me levantando e saindo
dali. Megan é rápida em colocar o sofá de volta no lugar e nós saímos da
sala, correndo de volta ao corredor principal. Meus olhos brilham quando
eu vejo a ração de gatos em uma amostra ali, em um saco de um quilo.
Minha gata precisa de ração.
— O que você está fazendo, chica? — Megan sussurra, puta com o meu
desvio. Foda-se ela, a pequena Hela gosta de ração com um pouco de
sachê sabor frango.
— Hela ama isso aqui. — Agarro um pacote, equilibrando com a bolsa.
— Agora não é hora de pegar ração para a sua maldita gata, Julieta! —
Megan diz, exasperada. Prendo meu olhar ao dela e, mesmo sabendo que
a ruiva não consegue ver direito por causa da escuridão, ergo o meu dedo
do meio. — Volta logo aqui, garota, ou eu juro que vou te arrastar pelos
cabelos.
— Hela vai ter o que ela quiser, vadia. Não diga o que minha gata pode
ter ou não! — resmungo, já andando em direção a ela novamente.
— Vocês só têm dois minutos, pelo amor de Deus...
— Tá vendo o que você fez? Estressou ela — digo para Megan. Uma
risada escapa por meus lábios quando ela me empurra com o ombro de
brincadeira.
— Lottie se estressa até quando Hela deixa pelos nas roupas dela, não
coloque a culpa em mim por fazer o inevitável, chica.
Nós passamos pela porta dos fundos e, então, corremos até o carro. Ela
assume o lado do volante enquanto eu me sento ao seu lado, mal
colocando a minha bunda no banco para ela acelerar até a avenida.
— Não foi tão ruim, né?
Charlotte arranca o fone de seu ouvido, grunhindo por
descontentamento:
— Eu juro que vocês duas vão me fazer ter um ataque do coração um
dia desses.
— Garota, a primeira de nós a morrer por um ataque do coração com
toda a certeza vai ser você, mas não acho que vai ser porque Julieta e eu
fazemos um trabalho ruim — diz Megan.
— Do que diabos você está falando? Nós nunca fazemos um trabalho
ruim.
— E o que foi aquela porra de demora para arrombar o cofre? Eu teria
feito em dois minutos — a ruiva provoca.
— Disse aquela que nem ao menos sabia onde estava o cofre, não é?
Pelo amor de Deus, parece até uma principiante. Eu teria feito muito
melhor. Até Lottie faria melhor com os saltos dela! — rebato de volta,
soltando mais uma risada quando os olhos azuis ganham um brilho de
raiva.
— Você também não sabia onde o cofre estava.
— Meu trabalho era só abrir o cofre. Descobrir onde está é por sua
conta e você falhou. Vem cá, que contato é esse que nos recomendou esse
lugar nesse fim de mundo?
Ela encolhe os ombros de forma casual, cutucando o tecido de sua
calça para procurar o seu maço de cigarros de novo enquanto controla o
volante precisamente com apenas uma das mãos.
— Um velho amigo.
— Ela fodeu com ele — Charlotte diz do banco de trás. O tom de sua
voz parece leve, mas quando me viro para confirmar isso, consigo ver os
seus olhos azuis estreitos.
— Não transei com ele! — Megan resmunga ao meu lado. — Ele é um
velho amigo da época do fundamental.
— Na época em que você morava em um trailer velho e roubava
dinheiro da carteira do seu pai? Você com certeza fodeu com ele — afirmo.
— Não dormi com ele, só deixei ele me fazer um favor no banheiro da
escola. Só isso.
— Sua sorrateira... — Charlotte fala.
— Não importa mais, ele fede à bebida velha e perfume barato, e tudo
o que nós queremos é ouro, não é? — Ela pisca para mim. — Mas ele falou
que era fácil de entrar e sair, e que os donos eram sujos.
Estreito os olhos.
— Eles lavam dinheiro no mercado?
— Não faço a menor ideia, só sei que estão mais sujos do que os pneus
deste carro. Pena para eles, porque agora somos mais ricas.
— Eles não estão ligados a nenhuma atividade de gangue, não é? —
indago.
O negócio é o seguinte: roubar de quem também rouba não é
exatamente uma coisa ruim, mas tudo tem um limite e eu não sou louca.
Em Texas City existe muita sujeira, e de forma mais aberta do que
outras. A cidade é cercada por MCs, clubes de motoqueiros. Ladrões,
traficantes e assassinos... Tudo de mais pesado havia lá dentro, e para três
garotas enfrentarem praticamente sozinhas? Não, garota. Não é uma boa
ideia sequer passar perto de lá.
No geral, eles ficam à beira de estrada, em grandes lotes com algum
tipo de bar. Outros, como o The Fallen Devils MC, têm sua própria
Organização. O lugar onde vivem é um prédio. Uma área enorme, pelo que
me lembro. Casas para todos os membros, quartos para os que têm cargos
importantes no clube. E, sinceramente, ouvi muito sobre os The Fallen
Devils MC.
Roman Lennox Miller era, com toda certeza, o pioneiro para as minhas
fontes de informações. Uma das minhas paixões proibidas da adolescência,
melhor amigo de infância, ex-parceiro de furtos, ex-namorado da minha
irmã, inimigo declarado do meu pai e um grande conversador nas horas
vagas. Roman era muitas coisas quando eu tinha quatorze e ele, quinze,
mas um informante de curiosidades era uma grande parte.
Fora todo o negócio de amor e ódio por ele e os outros três que acabou
com todos os nossos pais na cadeia, é claro.
Hoje tudo o que aqueles garotos significavam para mim é claro, e
óbvio: a morte.
No tempo em que éramos mais do que inimigos, Roman deixava uma
coisa muito clara: eu nunca, jamais, deveria me envolver em negócios de
gangue. Ele sabia dos riscos melhor do que ninguém, já que alguns meses
depois eu ouvi meu pai gritar para todos os lados que havia deixado o filho
do presidente de um clube de motoqueiros dormir em seus lençóis e
namorar a sua filha mais preciosa. Ok, talvez não a parte do “preciosa”,
mas o sentido ainda era o mesmo.
O que papai diria se soubesse que fui a primeira a descobrir que sua
filha estava dormindo com Roman e que guardei aquela informação só
para mim, sabendo que ninguém mais sabia daquilo, como uma egoísta
apaixonada que era? Ele provavelmente me expulsaria.
De novo.
Essa é a diferença entre filhas bastardas e aquelas que foram feitas
dentro do casamento. Sempre vai ter uma preferida. E, no caso do meu
pai, eu nunca fui a menina de seus olhos.
— Garota, acha mesmo que eu sou maluca o suficiente para nos
envolver em merda de gangue? — Megan indaga, séria.
— Honestamente? Não mesmo — a loira responde.
Acredito nisso. Megan ainda tinha um pouco de juízo. E honra, eu acho.
Existe aquela coisa toda sobre honra entre os ladrões que tanto ouvi falar,
e nós três devemos ter um pouco disso aí. Não me lembro bem da idade
em que comecei a roubar notas de cem do bolso do meu pai, e depois do
seu cofre. Naquela época, a maior parte do dinheiro ia para Megan, já que,
de nós duas, ela era a mais ferrada. Agora a situação mudou.
Megan passou sua infância em um trailer sujo, com um pai alcoólatra e
que a fez digna de ser protagonista de uma história triste. Nós nos
conhecemos quando tínhamos treze, ela tinha começado a andar em
bairros ricos para furtar e me achou, uma garota com um vestido de mil
dólares. Ela tentou me roubar e eu lhe dei um soco, que fez seu nariz
sangrar. No fim, ela elogiou o meu soco enquanto eu a xingava em
espanhol.
Não viramos melhores amigas logo de início, mas ela tinha a vida livre
do jeito que eu queria enquanto eu tinha as maiores oportunidades que
Megan jamais iria conseguir.
Já Charlotte veio mais tarde, aos dezesseis. Simplesmente sabia que a
bonequinha loira sentada ao lado do pai, no jantar que o meu pai me
obrigou a ir, era melhor que tudo aquilo. Ângela havia sido instruída a
tentar puxar assunto com ela e Charlotte revirava os olhos para ele a cada
dois minutos.
Charlotte parecia rígida o jantar inteiro e percebi quando o seu pai
apertou o seu braço com força para obrigá-la a falar com minha irmã e,
apesar de tê-la amado quando ela fingiu tropeçar e jogar bebida na camisa
cara dele, ainda a segui até o banheiro depois dela ter saído da mesa.
Charlotte estava em pânico e, nesse momento, eu soube que, assim
como eu, nem todas as princesas tinham a vida que mereciam. Descobri
que seu pai não via problemas em usar sua força para disciplinar a filha e
que ela havia acabado de descobrir que não estava no testamento dele.
O pai controlador de Charlotte havia dito que só iria colocá-la na
velhice, porque assim poderia ter a certeza de que ela viveu a vida do jeito
que ele queria. Em outras palavras, ele tinha dado um jeito de controlá-la.
Foi Megan quem deu a ideia de fazê-la participar dos nossos pequenos
roubos. Dessa forma, ela poderia guardar um pouco de dinheiro consigo e
juntar até poder ter a sua liberdade.
Megan e eu achamos que Charlotte não tinha utilidade, porque se
fôssemos pegas roubando uma carteira, a princesa de sangue azul iria ser
expulsa da família. Foi quando a loira nos contou que não sabia roubar
carteiras, mas que sua aula preferida era sobre computadores e que isso
poderia nos ajudar. Megan duvidou, mas, quando aquela garotinha de
vestido caro conseguiu hackear uma casa vizinha e abrir o portão da
garagem sem nem chegar perto, as coisas mudaram.
Foi quando entramos no jogo e começamos a aprender a roubar lojas e
lugares maiores.
Megan sempre teve amor pela selvageria e perigo. Ela sempre soube
dirigir como ninguém e ainda ganha parte da vida assim, correndo em
corridas ilegais e usando todo o dinheiro para investir em mais carros.
A vida suja é boa, e, apesar de ser um tanto bruta, Megan sabe fazer
contatos. É assim que descobrimos bons lugares para roubar.
Gosto de pensar que somos uma família, porque nenhuma de nós tem
uma de sangue bom o suficiente. Algumas pessoas não gostam de misturar
negócios com família, mas acredito que é isso que nos faz ter sucesso. Nós
nos preocupamos umas com as outras e entendemos os nossos motivos.
Todas nós precisamos de dinheiro e queremos algo. Quero tirar minha
mãe da prisão, que a colocaram; Megan quer sair dessa cidade e ter uma
vida melhor; e Charlotte... Tudo o que ela quer é se livrar de seus títulos e
ter a sua liberdade.
Deveríamos ter dinheiro limpo, poderíamos trabalhar em alguma
lanchonete ou algo assim, mas a verdade é que tudo isso vicia. A
sensação... A adrenalina de quase ser pega e o prazer quando vemos
quanto dinheiro conseguimos...
Nada disso poderia ser trocado por um emprego normal.
— Gente? — Charlotte espia pela janela da frente. — Estão escutando
isso?
Sirenes. Há malditas sirenes soando para todos ouvirem. Minha pele se
arrepia quando olho para Megan.
— Acelere esse carro.
— Nós vamos morrer — Lottie sussurra, se sentando no banco
novamente. — O que nós fazemos?
— Rezamos — respondo.
Ela solta uma risada nervosa:
— Vou virar a vadia de alguém da prisão...
Megan acelera ainda mais e grudo o meu corpo no maldito banco,
ainda agarrada com a bolsa e o saco de ração. Droga, não posso ser presa,
quem vai cuidar da Hela?
O barulho fica mais alto, mesmo com Megan correndo como uma louca
pelas ruas vazias do Texas. E então fico ainda mais confusa quando o
barulho está mais perto, perto demais para que saiba que aquilo não
parece com um motor de carro normal.
— O que diabos é isso? — indago para Megan.
— São motos. Droga de motocicletas! — a ruiva diz antes de soltar uma
gargalhada animada, pisco os meus olhos para ela. — Estamos fodidas.
Me viro e olho pelo retrovisor. Vejo duas motos atrás de nós, mas
aposto toda a fortuna da família de Charlotte que eles devem ter ligado
para pedir reforços. Com um pequeno esforço, vejo um colete nas costas
do que está próximo ao meu lado.
Prendo a respiração, me abaixando no banco para pegar minha pistola
e a loira percebe o movimento.
— O que você está fazendo?
— Confia em mim.
— Confiar em você? Da última vez que eu confiei em você, nós fomos
presas na fronteira do Canadá.
— Não seja dramática, fomos apreendidas e saímos na mesma noite.
— Se esqueceu da mordida de cachorro que eu levei, sua maluca? Três
vacinas!
— Elas claramente não fizeram efeito, não é?
Me solto do cinto de segurança, virando devagar no banco.
Em momentos assim gostaria de ter acompanhado mais a mamãe à
missa, mesmo quando ela me dava uma cruz para carregar e me fez
comprar o quadro de Jesus loiro para colocar na sala. Devia ter rezado para
ele antes, assim saberia o que fazer agora.
— Megan, desacelera um pouco o carro — agradeço quando ela o faz,
não contestando o que digo. Abaixo uma parte do vidro, lutando para
manter os olhos abertos pelo vento que entra. O motorista não está com
capacete e parece ser grande demais. Maldito teimoso, se ele usasse um
capacete seria mais fácil.
Estendo a mão ágil, mirando na altura do pneu. Ou dos pés dele, o que
acertar primeiro. Atiro duas vezes até a moto desacelerar e tombar no
chão com tudo, e essa é a deixa para a ruiva voltar a acelerar até não
ouvirmos absolutamente nenhum som atrás de nós.
Posso até não ter aprendido a rezar, mas atiro como uma maldita
profissional. É o sangue quente do meu temperamento, como Charlotte
sempre diz.
— O que fazemos agora? — Megan indaga.
— Nós nos livramos desse carro e, então, vamos para casa, preciso
alimentar minha gata.
— E descobrirmos quem diabos são eles — Charlotte diz, digitando no
notebook com rapidez. — Vocês conseguiram ver alguma coisa? Placas,
nomes?
— Um deles usava um colete de couro.
Megan geme, frustrada.
— Gangues?
— Provavelmente.
— Como eles pegaram a gente? — a ruiva indaga. — Foi tudo perfeito,
entramos e saímos rápido. Sem digital, sem alarme, sem câmeras...
— Talvez os donos daqui fossem mais corajosos do que nós. Talvez esse
lugar lavasse dinheiro para outras pessoas, não sei... — comento.
Nós três ficamos em silêncio por alguns minutos, observando o ar seco
do Texas enquanto Megan dirige por caminhos que nunca passamos,
procurando sair das vistas de todos.
— Eu não quero ser estraga-prazeres, mas alguém precisa perguntar. E
se for de algum clube de gangue? — Charlotte indaga.
Megan e eu trocamos um olhar rápido antes de eu me virar para a loira.
— Então nós lidaremos com isso.
Não sabia na hora, mas acontece que aquela noite iria me levar para os
maiores problemas da minha vida e me prender a eles com uma força que
não podia controlar.
Bom, um brinde a isso, vadia!
Nunca tive uma boa reputação. Por muito tempo, me importei muito
com isso. Quer dizer, ser filha bastarda de um magnata com uma
empregada, que tentou me usar para arrancar dinheiro dele, simplesmente
não me colocou bem-vista na alta sociedade. De onde minha mãe tinha
vindo também não.
Quer dizer, as pessoas sempre falam sobre a beleza que temos e os
nossos corpos, mas colocar uma na posição de alta sociedade e fingir que
ela mereceu estar aqui mesmo sendo uma bastarda? Nah, isso é um
absurdo. Quando era criança, escutava sussurros sobre como a minha mãe
havia sido uma prostituta em se deitar na mesma cama em que a esposa
do meu pai se deitava também.
Quando minha mãe foi demitida e teve a opção de ser mandada de
volta para o México para me ter e criar, ela não tinha nada. Na verdade,
tinha uma casa bonita e comida na mesa que meu pai colocava, mas aquilo
não estava nem perto do que ela queria para ela e para mim.
Ela dizia ser o mínimo.
Com o tempo e minhas férias entre México e Texas, mamãe me ensinou
sobre homens e suas crueldades. Sobre como meu pai segurava seu
dinheiro para mim, mas esbanjava para a sua outra filha: Ângela.
Ângela tinha uma casa de boneca personalizada, que custou três mil
dólares no quintal. Eu tinha um urso branco e meio rasgado de vinte
dólares.
Destrocei a casinha dela quando fui expulsa e nunca senti tanta paz.
Sou uma mulher complicada, mas eu gosto de poucas coisas: minha
gata, minha casa de baixo padrão, minhas amigas e não menos importante,
mi madre.
— Achei que estaria morta uma hora dessas, garota louca. — A voz
soou rouca e velha, marcada pelo tempo e cigarro e o que diabos mais
entrasse dentro daquela garganta ranzinza da Sra. Isla McCurdy. — Sempre
disse a sua mãe que você iria acabar como um cadáver desovado em
algum lugar por aí... Achei que esse dia fosse hoje.
Essa é a sua versão de “você demorou a chegar em casa e eu fiquei
preocupada”. A Sra. McCurdy gosta de mostrar que não se importa
quando, na verdade, é o contrário.
— Sei que sentiu minha falta, Sra. McCurdy, não precisamos tapar isso
com ameaças e conversas inúteis que você supostamente teve com a
minha mãe.
Com seus quase sessenta anos, revira os olhos castanhos. Possui olhos
cansados e um rosto enrugado, semelhante a qualquer pessoa nessa idade.
Mas difere de todo mundo, por ser uma das mulheres mais duronas que eu
já vi na vida.
Ela tinha sangue nas mãos, lutou toda a sua vida contra pessoas
abusivas e já havia manchado sua pele com o líquido cor escarlate quando
quase pegou cadeia por ter matado um homem. Nunca conversamos
sobre, mas ela não é a pessoa mais aberta ao diálogo do mundo. Ela
também é mãe de Charlie e a babá que minha mãe colocou na minha cola
desde que ela foi presa em Nova York alguns anos atrás.
— Por que eu sentiria falta de uma garota mimada como você? Sua
gata me causa nos nervos, é melhor cuidar dela enquanto está fora,
porque, da próxima vez que eu ver o saco de pelos miando na minha
janela, vou apagar você.
Solto uma risada. A Sra. McCurdy ama tanto Hela quanto me ama, ela
jamais fará nada contra a minha bolinha de amor.
Pensando em Hela...
— Vá manter a minha mãe atualizada sobre os meus horários, preciso
alimentar a minha gata.
Ela me olha de sua janela — em frente à minha —, e revira os olhos
como se eu tivesse acabado de falar o maior absurdo do mundo. A Sra.
McCurdy gosta de agir como se o fato de trabalhar para a minha mãe e
cuidar de mim fossem a coisa mais improvável de acontecer no mundo,
apesar de sempre manter aqueles olhos que provavelmente vão precisar
de uma cirurgia de catarata um dia.
— Não estou de olho em você, sua ratazana desmiolada. — Ratazana
desmiolada? A velha está cada vez mais criativa em seus xingamentos de
amor.
— Boa noite, Sra. McCurdy. Se precisar de alguma coisa, como por
exemplo, uma bengala, não bata na minha porta — murmuro aos risinhos,
já abrindo a porta da frente com a minha chave.
Fecho a porta a tempo de ouvi-la gritar com a voz rouca alguma coisa
sobre agradecer por Charlie não ter entrado na minha calça ou eu estaria
grudada nele como um carrapato. Ah, ele deseja.
Escuto o ronronar de Hela e me abaixo quando ela vem deixar o seu
amor quando roça por meu tornozelo.
— Você não vai acreditar no que a mamãe achou para você, menina
bonita. — A gatinha se mantém alheia a mim e em minhas sacolas, então
eu lhe dou um beijo quando sinto o meu celular vibrar no bolso de trás.
O diabo trabalha duro, mas a Sra. McCurdy trabalha ainda mais.
— O trabalho está feito? — escuto a voz firme antes mesmo de
posicionar o celular de forma certa em meu ouvido.
— Hola, madre5 — a cumprimento. Mamãe solta um riso do outro lado
da linha.
— Hola, mi corazón6 — ela solta um riso pelo telefone e meu coração
palpita de saudade.
Mi madre está atualmente na penitenciária Rikers Island, em Nova York.
Ainda me lembro do dia em que ela me segurou forte antes de ser
arrancada de mim pelos policiais do Texas. Fazia tanto calor que eu estava
com um dos meus vestidos curtos do México e os garotos tinham olhado
tanto para as minhas pernas que eu senti os meus pelinhos se arrepiarem
de prazer, porque naquela época era sempre bom ter a atenção deles
antes.
Agora... Agora eu espero que todos sejam miseráveis até a morte pelo
que fizeram a mim e à minha mãe.
Espero que morram cheios de sangue na garganta por tudo o que me
fizeram, e verdade seja dita, Roman, Dylan, Asher e Axel fizeram muito
comigo.
Um dia, quando as minhas prioridades não incluírem tirar a minha mãe
da cadeia, talvez eu possa me concentrar em trazer a dor para eles tanto
quanto eles trouxeram para mim. Mais, muito mais...
Por enquanto, tudo o que eu tenho é caos para mim.
— O trabalho está feito — respondo a sua pergunta inicial.
— Você teve alguma complicação? — Seu tom é neutro, o que significa
que ela não sabe sobre o tiro. Às vezes, é difícil perceber que, apesar de
tudo, minha mãe não é uma deusa. Ela não está presente em todos os
lugares e não sabe de tudo.
Sempre gostei de acreditar mais na ideia de que ela sabia, isso tornava
a vida mais fácil. Acreditar que ela estava me olhando deixou tudo mais
fácil.
Mamãe, assim como eu, não é uma mulher descomplicada. Suas
complicações foram a razão de sua queda.
Margarita González é uma prisioneira, mas também uma criminosa.
Mamãe é uma das comandantes de uma rede de quartéis de droga no
México e, assim como sua mãe fez antes dela, Margarita sempre me
ensinou que, se quisermos alguma coisa, precisamos fazer todo o possível
para ir buscar.
Foi com esse pensamento que uma mulher poderosa saiu de seu país e
teve a ideia de se infiltrar na casa de um criminoso, apenas para conseguir
informações sobre outro. Ela tinha um plano traçado e um limite de tempo
muito bem estipulado. Não era o meu pai que ela queria, e sim as pessoas
próximas a ele.
Mamãe queria toda a informação possível sobre Patrick Monroe, mas
um mafioso é mais difícil de conquistar do que um homem que faz lavagem
de dinheiro. Anthony aceitou minha mãe como sua funcionária assim que
viu o sorriso bonito e os olhos simpáticos e inocentes.
O problema da minha mãe foi que, apesar de ser uma mulher muito
profissional, ela se apaixonou pelo homem casado, e pior ainda,
engravidou dele.
Dezoito anos depois, minha mãe está presa, Anthony livre e eu estou
aqui. Sozinha.
— Não, foi tudo perfeito. Exatamente como você me ensinou a fazer. —
A mentira sai dos meus lábios com facilidade. Mamãe dizia que, para uma
mentira ser perfeita, tudo o que eu tenho que fazer é acreditar no que eu
estou falando e então falar pouco para não correr o risco de falar alguma
merda que não possa ser controlada.
Não gosto de mentir para ela, mas odeio ainda mais decepcioná-la.
Não, nunca gostei, mas acontece que eu prefiro isso ao escutar o tom
duro na voz, porque sabe que eu fiz alguma besteira. Se eu falar que acabei
a noite atirando em alguém — apenas em sua moto —, vai parecer que sou
incompetente para o serviço.
Acontece que eu sou cheia de problemas com a mamãe.
A ligação termina não muito tempo depois, aparentemente não se
pode ter privacidade em uma penitenciária.
Ando pela minha pequena casa. É meio miserável, os móveis são um
pouco velhos e eu tenho certeza de que ia dividir a casa com ratos se Hela
não comesse todos.
O piso é de madeira velha, então estrala toda vez que corro ou piso
com muita força. As paredes têm uma tintura antiga, que era para ser
branca, mas agora está meio amarelada. Há alguns quadros na parede um
pouco tortos, nada que valha a pena ser mencionado. Minha casa é como
um monte de lixo perto da mansão onde meus doces irmãos moram, mas
não importa, porque eu vou tirar mi madre de trás das grades e, então, vou
sair o mais rápido possível de Texas.
Verifico a tigela de Hela. Pego um pote limpo e seco, abrindo o pacote
de ração e estendendo no balcão. Os pelos escuros de Hela dão destaque
ao móvel branco quando ela sobe para comer, então passo os olhos por
minha pequena casa alugada, parando no grande buquê de flores que está
em um dos meus jarros.
Grandes e bonitas rosas vermelhas, as minhas preferidas. Elas têm
muitos significados, a maioria delas é sobre paixão e amor, mas eu sei que
as recebi por tudo, menos amor.
Dentro das rosas havia um cartão, como sempre, pintados de ameaças
que sempre causavam pequenos cortes no meu coração toda vez que eu
recebia. Eu as recebia muito: às segundas, quartas e sextas. Sempre
haveria uma entrega na minha porta três vezes por semana.

“Você sabe quantas pessoas da população americana já tiveram a sua


casa invadida? É melhor conferir as janelas, não queremos que isso
aconteça com você, certo? Imagine o que essas pessoas fariam com
alguém como você, babochka7. É melhor dormir de olhos abertos.”

Adorável.
Receber mensagens assim deveria me assustar mais. Elas poderiam, se
eu não soubesse quem era o filho da puta que as mandava.
O único que me chamava de babochka, que significava, ironicamente,
doce borboleta: Asher filho da puta Volkov.
Meu ex-melhor amigo, uma das minhas primeiras paixões, um dos
meus lindos monstros que mais parecia um poço vazio de sentimentos.
Asher sempre teve algo faltando nele: desde criança era fácil de ver. Ele
nunca foi o mais sociável, não gostava de quase ninguém e não tinha muita
compaixão, mas ainda o amava, mesmo sabendo que ele era vazio. Mas
Asher também era algo muito importante para mim...
Asher era um dos responsáveis por colocar minha mãe atrás das
grades. Ele e todos os outros três: Roman, Dylan e Axel. Todos eles me
formaram e me traíram. Olharam em meu rosto e juraram que estaríamos
sempre juntos, até que um de nós teve que cair. E eles escolheram que eu
caísse. Não havia nada mais sujo e podre no meu coração do que os seus
nomes guardados, quietos e apodrecendo dentro de mim, esperando o
momento em que eu vou poder derrubar todos eles pelos que fizeram a
mim e minha mãe.
Assim como eu venho de uma linhagem de criminosos, eles também
vêm. Roman Miller é o príncipe de um clube de motoqueiros e seu pai,
James, é o líder que governa com mãos de ferro. Seu negócio principal é o
tráfico de armas, mas todos nessa cidade sabem o quão bem James lida
com as drogas.
Dylan Monroe é outra coisa além de um bom jogador de futebol. Seu
avô, Patrick, é o chefe de uma família que controla bem o crime
organizado. Família. Os tios de Dylan têm as mãos entranhadas em sangue
e Patrick tem um dedo em cada coisa suja que acontece nessa cidade,
afinal de contas, a família Monroe é polêmica desde a morte da mãe de
Dylan.
E os gêmeos Volkov... Eles sempre me deram arrepios. Mikhail Volkov é
russo e tem os símbolos da Bratva marcados em cada centímetro de sua
pele, incluindo em seus olhos de gelo. Ele pode ser somente um homem
perto de grandes organizações como o clube ou de uma família inteira,
como os Monroe, mas Mikhail Volkov é tão letal quanto qualquer um deles
e não desiste de suas coisas facilmente. É por isso que seus filhos são dessa
forma. É por isso que Asher é dessa forma.
Nos conhecemos quando eu tinha sete anos, mas antes disso eles já se
conheciam. Essa cidade é o lar de grandes tubarões e, por um curto
período, eles conviveram em paz. Tempo suficiente para que seus filhos se
conhecessem e formassem uma estranha e obsessiva amizade. Tempo o
suficiente para que aprendessem uns com os outros. Tempo suficiente para
que me deixassem entrar, e então me expulsassem.
Tempo suficiente para aprenderem a se tornar tubarões assim como
cada um dos seus pais.
Também não consigo evitar o ódio a mim por conhecê-los, por amá-los,
por roubar com eles, por permitir que roubassem o meu coração e me
tirassem da fantasia que uma vez compartilhei com aquelas quatro almas.
A fantasia de que seríamos perfeitamente sujos juntos. De que, de alguma
forma louca e sem nexo, nós ainda poderíamos permanecer juntos e
enfrentar a vida juntos.
O pior é que eu ainda guardo os seus bilhetes e cuido das flores,
porque essa é a pequena migalha de atenção deles que eu tenho em
quatro anos, porque, depois do que aconteceu, tudo o que eu recebo são
cartas de ameaças de Asher e flores vermelhas... Tudo isso vindo do meu
brinquedo quebrado.
Então leio o bilhete de novo e o guardo dentro da caixa, exatamente
igual eu fiz com o meu amor por eles.

A Texas Preparatory High School é quase o máximo que uma escola da


elite pode chegar. Grandes portões brancos que fazem alusões à entrada
do paraíso narradas na Bíblia.
Não poderia ser mais distante da verdade.
Esse lugar guarda alguns dos filhos mais ricos do Texas, onde seus
fundos fiduciários são quase tão grandes quanto os seus egos.
Essa é a diferença entre o bairro onde vivo e onde meu pai quer que eu
estude para manter as aparências. Onde já se viu, o que diriam da filha
dele estudando em uma escola pública na parte ruim da cidade?
Anthony Leclerc jamais permitia que eu fosse pega estudando na
sujeira do lado sul, mas isso não quer dizer que ele me queira por perto. A
verdade é que meu querido pai, minha madrasta e minha irmã ainda
acham que sou sujeira no sapato de cada um deles, mas não sou
completamente descartável. O que me resta além de aproveitar das
situações que a vida me oferece?
Pais com muito dinheiro e grandes empresas quase nunca têm tempo
para seus filhos e acabam criando seres quebrados. Qual a facilidade para
que um desses adolescentes quebrados tenha algum tipo de dependência
química?
Mais da metade das pessoas que estão aqui dentro tem algum tipo de
vício em drogas e remédios controlados, mesmo fazendo parte da elite do
Texas. Confie em mim, eu sei bem disso. E faço bom uso, é claro.
— Conseguiu? — A voz masculina de um dos meus clientes me indaga,
eu já o encaro um tanto enraivecida por ele estar me perguntando sobre
isso no meio da nossa sala de aula.
— Claro que sim — respondo com um sorriso forçado. Aponto para a
mesa de trás e procuro pelo professor. Merda, não dava para esperar sair
daqui?
Olho ao meu redor para a sala parcialmente vazia, então volto os olhos
para a mesa do professor de Literatura. Sempre tive uma queda por ele,
porque aquele homem era... indiscutivelmente bonito o suficiente para me
fazer molhar entre as pernas e trocar de calcinha no final de cada aula. Ele
está olhando para mim, os braços cruzados no peitoral musculoso e a
mandíbula cerrada enquanto me encara com aqueles olhos castanhos.
Brian Jones é o tipo de homem que não brinca com você, porque ele é
todo homem.
Não digo isso só porque seu nome é o mesmo que do Brian O’Conner,
um policial disfarçado daquela franquia de carros que sempre assisto com
Megan.
Brian não é só um garoto como os que estou acostumada. O tipo de
homem que vai te pegar no colo, agarrar o seu cabelo e te foder forte no
banco de trás do carro dele em um lote abandonado. Sei bem disso, já que
foi com ele que perdi a minha virgindade no ano passado.
Encaro os seus olhos escuros, então deixo o meu olhar vagar
descuidadamente pelo corpo. Esse homem não deveria ser um professor,
porque ele em definitivo não se parece com um. Digo isso considerando
que já o vi sem roupas.
Ele é grande, forte e expansivo. Seus músculos estão em todos os
lugares e ele também tem algumas cicatrizes em seu peito. Brian não quis
me dizer o que eram — manter o sexo dentro e a intimidade fora, ok.
Consigo lidar com isso. O cabelo é curto, como os cortes militares. E aquele
rosto... Apesar de quase sempre existir uma carranca lá, aquilo sim é um
rosto bonito. E quero dizer bonito.
Se fosse apostar, diria que Brian não deveria ser professor, mas sim um
modelo. Cada um faz o que quer com sua vida, mas se eu tivesse aquela
bunda já estaria ganhando dinheiro com ela há tempos em vez de vender
drogas e assaltar lugares.
Sento-me atrás de Johnny e coloco a minha mochila ao lado da dele em
cima da mesa. Completamente preta, igual a dele. Isso é muito sem graça,
não tem nenhum tiro e é fácil demais. Mas uma garota faz o que precisa
fazer.
Espero alguns minutos até as pessoas se juntarem na sala e Brian
começar a dar a sua aula. Johnny, ao meu lado, começa a sacudir sua perna
debaixo da mesa ao meu lado e lhe envio um olhar duro, mas sou
claramente ignorada.
Chuto sua perna com força.
Ele faz um som de engasgo, que é perdido pelas ordens de Brian em
pegar os nossos materiais escolares. E é ali que eu entro.
Puxo a mochila dele enquanto ele puxa a minha rapidamente, sem que
ninguém preste atenção o suficiente nisso e sem que as câmeras gravem
isso, já que eu sei que Charlotte as desligou.
Gosto de pensar que sou uma profissional competente. Tenho até um
cronograma! Só trafico em dias certos, mas costumo trocar o meu
cronograma toda semana, já que dependo da Princesinha de D.C. para
desligar as câmeras para mim, e geralmente não faço isso em salas de
aulas lotadas, mas eu gosto de inovação.
Faz bem para a rotina.
Ainda não aprendi como fazê-las, no entanto. Isso vai ser mudado o
mais rápido possível, mas enquanto ainda não sei como fazer o meu
império como minha mãe fez em seus dias de glória, preciso usar um
fornecedor e dar parte do dinheiro para ele, mas tudo bem... Negócios são
difíceis.
A mochila preta em meu ombro é leve e tem um bolo de dinheiro nela.
Cheguei antes de sair da sala com uma piscadinha para Brian. Ele não gosta
que eu nem mesmo chegue perto dele fora do nosso ponto de encontro,
vive dizendo que pode perder o emprego. É, ele pode mesmo, mas acho
que isso vem com o risco de transar com uma menor de idade. E a aluna
dele.
Posso ter dezoito anos agora, mas, quando esse homem tirou minha
virgindade, ainda tinha dezessete.
Sabe, se não achasse que todo esse lugar poderia parecer um grande
hospital, até poderia gostar mais daqui. Ah, e se não precisasse cruzar com
certos demônios do meu passado também.
Dylan e Roman, dois dos responsáveis por delatar a minha mãe, ainda
estudam aqui, aprendem aqui e prosperam aqui. Talvez tanto quanto eu, e
apesar desse lugar ser grande o suficiente para que quase não trombe com
um deles, ainda assim boatos são difíceis de segurar.
Dylan Monroe e Roman Miller são o meu mártir. Sei que Dylan é
capitão do time de futebol, o mais promissor de lá. Aqueles olhinhos azuis
e cabelo dourado o transformam em um clichê ambulante. Um tipo de
clichê que enfia o seu pau em muitos lugares, pelo que os boatos dizem.
Dylan é tudo isso que dizem, eu já o vi jogando nos treinos enquanto
esperava pelas líderes de torcida.
Também faço negócios com elas. Essas garotas pagam bem.
E Roman... Não escuto falar muito dele, as pessoas têm medo do
príncipe da gangue, apesar dele não dar muitos problemas por aqui. Se
Dylan é o príncipe do futebol, Roman é o príncipe das motocicletas. E ele
faz jus ao título sendo o filho único do líder do The Fallon Devils MC. O
nojento.
Blergh, sinto arrepios de nojo por todo o meu corpo. Credo.
Se estou evitando-os, então eles me evitam duas vezes mais, como se
eu fosse uma praga ou alguma coisa do tipo. Até poderia ser para matar os
dois, mas, por enquanto, me contento em andar até o meu armário e
pegar meus livros.
É quando um estrondo treme até o chão desse lugar.
Cambaleio, olhando atordoada para o início do corredor lotado quando
escuto gritos e barulhos de tiros na porta da frente.
Foda-se.
Agarro a mochila e começo a correr, empurrando as pessoas ao meu
redor para chegar até os fundos da escola, porque não tem chance no
inferno de ficar parada. Terrorismo? Algum tipo de massacre? Não faço
ideia, mas não vou ficar aqui para descobrir.
É quando escuto motores de motos e minha respiração trava na
garganta. Sinto que vou morrer. Vou perder a vida aos dezoito anos sem
poder ver a minha mãe fora da prisão.
Eu não posso morrer.
A massa de pessoas torna difícil andar, mas elas se dispersam e
empurram uns aos outros rapidamente, escondendo-se nos andares de
cima e em salas de aula. Minhas pernas doem quando corro até a sala do
diretor e a encontro vazia — sem nenhuma surpresa, o covarde deve ter
fugido. Os tiros continuam e subo na mesa, forçando a grade de ventilação
para soltar.
Os gritos chegam aos meus ouvidos, cada vez mais perto, me
cutucando, forçando-me a sair e ajudar aquelas pessoas que estão
machucadas, possivelmente mortas, por minha causa...
O dinheiro que roubamos era de um MC e agora eles vieram me
pegar...
Mas tenho uma mãe para tirar da cadeia e uma gata para alimentar,
então forço o meu corpo e me empurro para dentro do duto de ventilação
que todo mundo sabe que não tem mais uso desde a antiga reforma, então
fecho de novo o lugar por onde eu saí.
A poeira faz as minhas mãos e joelhos coçarem enquanto engatinho até
a primeira sala que fica próxima ao estacionamento.
E de um jeito muito estúpido, acabo de novo na sala de Literatura.
Brian não está mais aqui e os alunos estão escondidos embaixo de sua
mesa. Desço o mais silenciosamente possível e abro a janela rápido.
Os passos no lado de fora do corredor fazem os meus pelinhos, que
deveriam estar raspados, se levantarem como se eu tivesse alguma parte
em mim me avisando que o perigo está próximo.
Pela janela dá para ver algumas motos distantes, mas estão circulando
a área, meio longe demais do estacionamento. Talvez não me vejam, talvez
não estejam atrás de mim, mas talvez, quando eu pular e correr lá fora,
tenha um grande e feio motoqueiro me esperando para me torturar e
perguntar onde está o dinheiro. Ele provavelmente vai ser barrigudo, cheio
de pelos e feder a cerveja barata, daquele tipo que só tem em clube de
prostitutas.
Pena para ele, porque já me livrei do dinheiro todo e o enviei para uma
conta fantasma.
Os passos no corredor são pesados e a escola cai em silêncio antes de
haver alguns gritos ocasionais, e sei que eles estão à caça. A minha,
provavelmente. Prefiro morrer lutando a morrer parada, então não encaro
o chão quando pulo a janela.
Dois andares abaixo, eu caio de uma forma não tão bonita como nos
filmes. Arfo com a dor que sinto em meus joelhos, porém não perco tempo
antes de correr para o estacionamento. Posso lutar em um carro, mas não
consigo fazer isso sozinha.
Meus pés me levam diretamente a uma das Mercedes pretas dali, e
pego uma pedra grande para quebrar a janela, mas grito quando o meu
cabelo é puxado com força para trás e sou arrastada com tudo para as
mãos grandes do homem cheio de pelos.
A primeira coisa que eu noto é o maldito colete de couro que ele está
vestindo, mas não perco tempo fazendo apresentações. Dou uma pedrada
na cabeça dele com força, atingindo o olho direito e a boca. Ele grunhe e
afrouxa o aperto e aproveito para sair do seu alcance.
Enquanto o homem grande se recupera, o soco na garganta e me
preparo para chutar a sua cara feia, mas alguém me segura pelos cabelos.
De novo.
— Se apertar mais, eu vou ficar careca — resmungo, grunhindo quando
sou forçada a levantar o maxilar e expor o meu pescoço bonito. Quase
rosno e mostro os dentes como um maldito animal.
— Vai morrer se não me disser onde está! — o homem que me segura
diz, apertando-me mais firme. Quando sair daqui, se sair, quero atirar
nesse homem.
— Onde está o quê? — indago, mas o homem não tem chance de me
responder, porque ele literalmente cai aos meus pés.
Ofego, assustada e confusa. Acontece rápido, mas percebo uma figura
masculina que provavelmente é o responsável por apagar o homem e
ataco. Ele tenta me agarrar, mas o olho machucado o impede de enxergar
direito, então pego a arma da sua cintura e dou uma coronhada na sua
cabeça com força e o observo ficar tonto. Forço os meus braços e faço uma
segunda vez.
— Vamos logo. — Aquela fodida voz rouca que eu havia escutado tão
próxima a mim pela última vez aos quatorze anos, e que agora está mais
rouca devido aos hormônios no seu corpo para fazê-lo parecer homem em
vez de um garotinho.
Olhos azuis gélidos e um físico de um homem endurecido.
Roman, o meu ex-melhor amigo. O homem que ajudou a colocar a
minha mãe na prisão, o homem que teve a audácia de namorar a irmã que
eu odeio depois de tudo isso.
Roman, o meu mártir pessoal.
Um metro e noventa de músculos, ele sempre foi o maior dos garotos.
Olhos azuis gélidos que conseguiam ler a minha alma. Uma selvageria
típica do príncipe de um MC. Um poste de músculos, tatuagens e um
temperamento que sempre me tirava do sério.
Roman Miller.
Ele já está fazendo uma ligação direta na Mercedes que eu escolhi,
sendo rápido demais para um homem daquele tamanho.
— Se você acha que ficar parada e fazer biquinho vai me impedir de te
arrastar igual aquele filho da puta fez, está muito enganada. Entra na porra
do carro. — Mandão demais para o meu próprio bem, mas tudo o que
sinto quando olho para ele é nojo.
Um nojo tão profundo quando imagino ele sentado com os outros três,
decidindo que seria a minha mãe a levar a culpa pelos crimes dos nossos
pais, que seria minha doce mãe a ir para a cadeia no lugar do áspero pai
dele.
E então o imagino nos lençóis de Ângela, o imagino deixando-a
acariciar o corpo dele, deixando ela o beijar e gozando junto com ela
enquanto eu choro e grito por ser tirada da minha mãe em tão pouco
tempo.
Apesar de tudo, sei que a vida dele vale menos do que a minha; e se for
para lutar contra um bando de motoqueiros, prefiro fazer isso ao lado de
um deles.
Entro na porra do carro.
Não queria entrar na porra do carro, mas entrei. Também não queria
estar agarrada ao banco, mas estava. Não queria estar nem mesmo no
mesmo ambiente que Roman ou qualquer um dos outros, mas agora olhe
só para mim...
Roman dirige como um maníaco. Não como Megan — ninguém dirige
como ela —, mas ele manobra o carro como um profissional.
— Ponha o cinto — manda.
Viro o meu rosto para o encarar, brava. Sei que deveria ter colocado
assim que sentei a minha bunda aqui, mas não queria parecer medrosa.
Mesmo que esteja morrendo de medo, não vou pôr cinto coisa nenhuma.
— Cale a boca! — retruco. Idiota, o mesmo idiota mandão de sempre,
não imagino quais motivos ele teria para mudar.
Juro que posso vê-lo revirando os olhos para mim, mas não presto
atenção. Observo o meu redor, olho para o banco escuro, inferno, olho até
mesmo para o banco de trás, mas não me viro para ele.
Roman é tão grande que parece estar encolhido no carro, e, por mais
que seja estúpido, consigo imaginar ele em uma moto com muita
facilidade.
— Você e essa boquinha... — ele resmunga com a sombra de um
sorriso no rosto. Minhas bochechas esquentam, mas recupero a linha
quando percebo em qual situação estamos.
Roman acelera o carro para a pista que nos levará para fora dos portões
da escola, mas tem dois motoqueiros parados, com as motos em nossa
direção.
Me viro para Roman em busca de alguma reação, mas só encontro o
seu maxilar travado e sua boca fechada.
— São seus amigos? — indago.
— Acha que eu andaria com essas pessoas?
— Claro que sim — solto uma risada forçada porque sei que ele faria.
Sei que esse estúpido faria muito pior do que isso.
— Se abaixa. — Quando não estiver preocupada em sobreviver, vou
tentar dar um soco nele por achar que pode mandar em mim, mas, por
ora, me abaixo no banco.
Escuto tiros e olho para cima, mas tudo o que Roman faz é manejar o
volante como um profissional. Quando saímos dos portões, ainda dá para
ouvir o barulho de motores atrás de nós.
De novo não.
Não posso aguentar mais uma perseguição, não tão próxima da última.
Não dá, eu tenho uma regra de, no máximo, uma perseguição por semana.
Essa está quebrando com as minhas regras, droga!
— Me dá isso. — Gesticulo para a arma que ele mantém firme nas
mãos cheias de tatuagens.
— Não.
— Quer que a gente viva ou não?
Ele me olha por um momento rápido e estende a arma para mim. A
agarro e me coloco no banco da forma certa, repetindo a mesma ordem
que havia dado a Megan algumas horas antes.
— Desacelera.
Mas, diferente da minha amiga, esse idiota não consegue ouvir ordens.
É claro que não, seu papaizinho querido o criou para ser um futuro rei.
— Enlouqueceu? — ele praticamente rosna para mim.
— Anda logo! — Ele ainda não parece muito feliz, mas faz do mesmo
jeito. Abro o vidro da minha janela e miro, orando a Jesus de novo quando
vejo o motoqueiro tentar tirar algo de sua calça. Uma arma, com toda
certeza.
Atiro antes e ele vai ao chão. Dessa vez, não me preocupei em acertar
só o pneu. Se tivesse acertado um ombro dele ou o rosto, também não
ligaria. A moto tombou e ele rolou pela estrada, atrapalhando o trânsito
atrás de nós e causando um pequeno tráfego. O suficiente para dar o fora
daqui.
Olho para Roman e digo:
— Vai.
Ele não pensa duas vezes e acelera tanto o carro, que a minha cabeça
bate no banco quando volto a me sentar direito.
Roman tira o telefone do bolso, e faço o mesmo com o meu.
Estudar na Texas Preparatory High School — escola para ricos — me fez
ficar muito longe das minhas amigas. Charlotte era educada em casa, com
os melhores professores que o dinheiro de seu pai podia pagar; já Megan
era o contrário. Ela estudava e morava no lado sujo da cidade, dizia que ia
gastar o seu dinheiro quando fosse a hora. Tudo o que ela fazia com o
dinheiro das corridas e das vezes em que roubávamos algum lugar era
pagar um teto para dormir.
Mando uma mensagem para Megan, já que Charlotte está em D.C. com
o pai para “negócios”:
Julieta: Acabo de sair de um tiroteio, não vou ficar na
minha casa. Tem como me buscar e aceitar a mim e a
minha gata na sua?

— Oi, Tucker. — A voz rouca de Roman soa ao meu lado, e quase me


viro para olhar. Quase. Mas então começo a olhar pelo carro procurando
algum dinheiro. Uma Mercedes é cara demais, não é possível que quem a
tenha não guarde nada de valor nela. — É, estou vivo... Não sei, acho que
foram aqueles filhos da puta que roubaram da gente.
Oh, merda. Merda...
Nós não roubamos apenas de uma gangue qualquer, mas sim da
gangue de Roman? Ah, então... Bem, acho que isso não é tão ruim assim.
Talvez uma forma distorcida de vingança e uma doce poesia de ironia,
mas gosto da ideia de saber que roubei dinheiro dele em vez de outra
gangue perigosa. Melhor ele.
— Não sei do que eles estavam atrás, mas acho que tenho uma ideia.
— Me inclino casualmente para a frente e isso atrai o olhar quente de
Roman em minha pele. — Preciso desligar, nós conversamos quando eu
chegar.
Me pego imaginando o que acontece se eu perguntar para ele o que foi
roubado, e quando foi. Será que vai parecer muito suspeito? Ou eu devo
manter a minha boca bem fechada e ficar na minha até ir para casa e
descobrir tudo depois?
— Achei que ninguém na cidade mexia em coisa de gangue — tento ser
sutil, mas ele não parece muito impressionado.
Roman bufa e passa a mão livre no cabelo escuro.
— Eu também.
Parece que o motoqueiro não vai me dar nada de útil, então tento
novamente:
— O que foi roubado? — Se for dinheiro, então sei quem foi. Foi a
minha bunda linda que se enfiou no mercadinho e pegou o dinheiro dele.
Roman me lança um olhar duro. Suas sobrancelhas estão curvadas e o
maxilar travado, acho que o irritei. Ótimo.
— Para que você quer saber?
— Quero saber exatamente como devo agradecer a Deus por
amaldiçoar a sua vida antes de dormir — ele claramente acredita no que
digo, porque volta a olhar para a frente e até diminui a velocidade em que
dirige, mas só um pouco.
— Então quer dizer que eu sou a última coisa que você pensa antes de
dormir?
Fecho a expressão completamente. Um tempo atrás, esse homem era
uma parte do meu coração. Ele estava lá, seu toque, seus beijinhos nas
bochechas, suas ordens malditas que eu acatava como se fossem leis. Seu
imenso poder sobre mim que ele, aos quatorze anos, não soube usar
direito. Os seus olhos azuis que me guiaram e me levavam sempre ao
clube, onde ele colocava música e dançava comigo enquanto os garotos
estavam por perto e o clube fazia uma festa.
Ele foi o primeiro que me deu cerveja.
Era uma memória linda e divertida, mas ela está completamente
manchada pelos quatro anos seguintes. Um dia, eu tive tudo; e depois,
tudo não era nada. Porque ele não era nada.
Eu disse isso a ele. Disse que ele não era nada e que queria ir para casa
naquele momento.
— Não é seguro — ele argumenta.
— Você não tem nenhum direito de falar sobre o que é seguro para
mim. — Não mais.
Roman aperta a mandíbula, sua espinha se endireita e endurece. Ele
até pode tentar discutir comigo, mas o que vai falar? Sobre o quê? Não
tem nenhum argumento que ele possa usar que vença os meus, mas não
sei se ele se importa com isso. Não sei se ele quer me vencer em uma
briga, não sei se ele se importa o suficiente para tentar.
— As coisas não são como você acha, Julieta.
Quero gritar. Quero fazer com que o carro perca a direção e nos jogue
de um barranco, então assim eu poderei vê-lo morto, pelo menos assim eu
não terei que olhar para ele do jeito que estou agora, não terei que reviver
o momento em que o oficial me agarrou e me arrastou dos braços da
minha mãe.
Onde ele estava quando isso aconteceu?
Provavelmente com o pau enfiado dentro da minha irmã.
Provavelmente revirando os seus olhos de prazer enquanto eu quase
arrancava os meus por pânico.
— Me leva para casa, Roman — peço, quase tremendo com ódio e
rancor.
Já ouvi pessoas dizendo que raiva e rancor apodrecem a alma... Bom, a
minha deve estar podre há muitos anos.
— Não vai nem se dar o trabalho de me responder? — Ele parece
desacreditado. — A Julieta que eu conheço não iria me deixar escapar sem
nada.
— A Julieta que você conhecia era burra o suficiente para achar que
você a protegeria. A Julieta que você conhecia confiou em você e tudo o
que você fez foi arruiná-la — cuspo em sua direção, com meus olhos
voltados para ele firmemente. — Não vou cometer o mesmo erro que ela.
Agarro a arma de novo e, dessa vez, a aponto para ele. Mas não me
parece o suficiente, então a levo em direção à sua calça, apontando
diretamente em cima do seu pau. Ele engole em seco, seus olhos se
arregalaram de medo.
Ótimo, eu devia ter explodido o pau dele quando ouvi minha irmã se
gabando de ter perdido a virgindade com ele anos atrás. Com alguém que
deveria ser meu, com um traidor, mentiroso e escória. Devia apertar o
gatilho e me tirar dessa miséria.
— Você não teria coragem... — Um barulho rouco sai do seu nariz,
quase como uma risada. Ranjo os dentes e puxo a trava da arma, erguendo
uma sobrancelha enquanto faço mais pressão na arma para apertar sua
calça, é o suficiente para ele parar de rir e travar novamente o maxilar,
tenso.
Será que ele tem alguma noção do quanto eu o odeio? Será que sabe
quantas vezes sonhei em matá-lo? Todos eles? Que planejei exatamente
como faria e que fraquezas deles usaria?
Não estou brincando, filho da puta.
— Minha casa. Agora.
E então ele dirige.
Não me preocupo em dar o endereço, ele já sabe. É claro que sabe,
porque Asher me enviava as suas malditas cartas há anos, e, de um jeito
estranho, eles sempre tiveram uma igualdade entre eles no grupo. Se um
tinha, então todos tinham. Era assim com a maioria das coisas.
Foi assim com o meu primeiro beijo também, e todos os deles, já que
fui eu quem deu.
Tive o meu primeiro beijo com Dylan em um jogo de verdade ou
desafio. Os outros começaram a brigar, éramos novos demais, e, de alguma
forma eu acabei beijando-os naquela noite também, cada um deles tentou
roubar um pedaço das minhas primeiras experiências, mas eu era tão
gananciosa quanto eles. Todos os seus primeiros beijos me pertenciam
também.
Durante a tensa carona, em algum momento relaxo com a arma e a
travo de novo enquanto pego o meu celular, claro, não a solto, mas fica
óbvio para mim que ele não vai mais falar nenhuma merda.
Megan basicamente me respondeu que ouviu falar sobre o tiroteio pela
TV e que já estava na porta da minha casa.
Charlotte havia me ligado algumas vezes, mas imagino que ela já sabe
de mim através da ruiva, então não me preocupo muito.
Brian tinha me ligado duas vezes, então lhe envio uma mensagem
dizendo que estou bem.
A ligação dele vem nem dois minutos depois.
— Onde você está? — ele indaga. Sua voz grossa soa nervosa.
— Estou segura. E você? — Não foi bem isso que ele tinha perguntado,
mas não me importa.
— Estou bem, os policiais já estão aqui, já está tudo mais calmo — ele
resmunga, parece que ele havia corrido uma maratona pelo celular. —
Quero te ver.
Encosto a minha cabeça no encosto do carro, e de repente um cansaço
me atinge. Eu também quero. Nós dois não somos exatamente românticos
um com o outro, mas Brian é minha fonte de conforto, talvez até de fuga.
Estar deitada com ele depois que transávamos era bom e eu quero isso,
mas não posso. Não hoje, não com tanta coisa para resolver.
— Quero muito, mas não posso te ver hoje — digo.
A cabeça de Roman se volta para mim por um momento antes dele se
voltar para a estrada, as casas mais velhas e acabadas do lado podre da
cidade já começam a aparecer.
— Quando então?
— Não sei. Te aviso assim que puder, querido. Te ligo depois. — E ele
entende o sinal para desligar. Sem despedidas, sem nada meloso demais.
Somos assim.
— Não sabia que tinha um namorado... — Roman diz casualmente, a
velocidade do carro já está começando a diminuir quando vejo a minha
pequena casa a uma curta distância. Bom, estou com saudades de Hela.
Posso ver o carro de Megan parado à porta, mas ela não está nele... Já
deve ter entrado.
A Sra. McCurdy também está na janela, juro que a vejo erguer as mãos
para o céu quando lhe dou um aceno da janela do carro.
— Não se preocupe com coisas que não são da sua conta, Miller. —
Agarro a minha mochila e enfio a arma lá dentro, saindo do carro com um
bufo.
Megan está passando pela porta antes de eu chegar no meio da
calçada. Seus longos cabelos ruivos, soltos e selvagens, voam por todo o
rosto dela. As roupas delas são pretas e meio velhas, os coturnos sujos
enquanto segura o cigarro entre os dedos longos.
Ela lança um olhar desconfiado para a Mercedes, então volta para mim
em uma indagação silenciosa. Eu lhe dou um polegar para cima.
Nenhum ferimento nessa vadia de sorte.
Mais ou menos.

A cama de Megan não é grande, mas é melhor do que o sofá, com toda
certeza. Eu não iria dormir lá e ela não é receptiva o bastante para ir no
sofá no meu lugar, então decidimos dormir na cama juntas. Com Hela, é
claro.
Minha bolinha de pelos preta está visivelmente incomodada com a
troca de acomodações, mas ela se acostuma. Não vamos ficar muito
tempo, daqui a pouco vamos voltar para casa e tudo vai voltar ao normal.
— E se as câmeras ficaram ligadas? — Megan indaga ao meu lado,
enquanto descanso minhas pernas ao lado das dela na cama.
— Agora você está me ofendendo — Charlotte resmunga ao nosso
lado.
Nós três estamos pressionadas na pequena cama de Megan.
Seu cabelo ainda tem o gel que seu pai lhe pediu para usar e tirar as
fotos que ele tanto queria. Charlotte não está brava por isso, ela sabe que
sua família vive de aparências. Como essa última viagem, Charlotte nunca
passa tanto tempo no Texas. Ela sempre sai por uma semana ou menos,
mas quando volta... vai sempre direto para a casa de Megan.
— Qual outra explicação teria para eles irem atrás da nossa hermana?
Charlotte solta um suspiro.
— Não sei, mas não foi pelas câmeras. Eu nunca falho.
E não falha mesmo, nunca, nem mesmo uma vez. Charlotte é boa em
tudo o que faz, não porque tem algum talento ou dom especial para isso,
mas sim porque ela não se contenta até atingir a perfeição com tudo o que
se propõe a fazer. Se ela diz que pode hackear um lugar, então ela pode.
Passo a mão pela minha cabeça, os meus olhos doem muito, mas não
digo nada. Vou tomar um remédio e apagar depois, mas agora... Ainda
precisamos pensar direito.
— O que o cara disse antes de apagar?
— Me perguntou onde estava.
Megan se vira para mim.
— Onde estava o quê? O dinheiro? Ou é um quem?
Aí está a pergunta de um milhão de dólares.
— Não sei, mas tem uma coisa que não faz sentido...
Charlotte solta uma risada.
— Tem muitas coisas que não fazem sentido nessa história.
— Eu sei, mas é que... Não sei, o cara não pareceu realmente
interessado em me levar. — Alguma coisa ainda não bate. — Se eu
estivesse atrás de uma ladra que me roubou uns... O quê? Quinze mil? Não
iria perguntar a ela sobre isso no meio de toda confusão. Não é assim que
funciona por aqui.
— Bater primeiro, perguntar depois — Megan concorda comigo. —
Então no que está pensando, hermana? Acha que não estavam atrás de
você?
Não tenho a resposta para essa pergunta.

Quanto tempo demora para uma escola de elite juntar os cacos e voltar
à ativa?
Dois dias. Em 48 horas, a escola já havia enviado um comunicado nas
redes sociais dizendo que eles já voltaram à ativa e que todos os alunos
serão chamados para uma comitiva no ginásio. O diretor vai falar algumas
palavras sobre o acontecimento, provavelmente alguma baboseira sobre
aumentar a segurança, mesmo que todos saibam que é ridículo querer
comparar forças com um MC.
Não teve vítimas, aparentemente aquilo não era um massacre, e sim o
que eu já havia imaginado. Aquilo era uma caçada, e os tiros eram para
distração e tirar todos da frente. Brutais, fazendo exatamente o que se
espera de uma gangue de motoqueiros.
As malditas perguntas ainda rondam a minha cabeça quando me dirijo
ao ginásio. Realmente não queria vir, mas fiquei curiosa. Além disso, acho
que, se estivessem realmente atrás de mim, já teriam corrido onde eu
moro à essa altura, e contando que a Sra. McCurdy não disse nada para mi
madre quando ela me ligou, acho que tudo está bem.
Avaliando a situação, acho que está ótima para mim. Não estão
tentando me matar — acho —, eu consegui sobreviver a um ataque e não
perdi o dinheiro do meu negócio com o garoto viciado de uns dias atrás.
Tudo está bem e só quero voltar para casa... Hum, depois de sair daqui.
— Estava me perguntando se você ia vir. — E é claro que a minha sorte
não pode funcionar a meu favor, lógico que não. Porque um dos demônios
encarnados, Roman, está parado na parede ao lado da porta do refeitório,
me impedindo de entrar com aquele sorriso estúpido.
O rosto é bonito, mas por dentro tudo está feio.
Ele está com aquela jaqueta estúpida com o símbolo do MC dele atrás:
um demônio pegando fogo. Já vi o símbolo vezes o suficiente para saber
reconhecer a metros de distância e aprender a distinguir entre todos os
outros.
Tem lá a sua poesia.
— Sai da minha frente — mando, mas tudo o que Roman faz é abrir
mais o seu sorriso de tubarão. Me sinto como uma presa sendo
encurralada, como uma ovelha ameaçada por um lobo. Não gosto.
— Estava pensando esses dias sobre uma coisa, boneca — ele se
desencosta da parede e dá um passo em minha direção. Dou um passo
para trás.
— Não me interesso sobre o que passa na sua cabeça, idiota.
— Sabe, ontem eu estava pensando sobre o nosso tempo no carro e
tudo mais... E aí me lembrei da nossa conversa e fiquei curioso sobre uma
coisa. — Ele vai se aproximando de mim, sua altura estrondosa comparada
a minha me fez levantar a cabeça para continuar encarando-o nos olhos. —
Qual o seu interesse no que roubaram de nós?
Balanço a cabeça, sem acreditar na audácia desse filho da puta. Poderia
ser mais descarado? Cerro os meus olhos e me preparo para dar um chute
no pau desse nojento, mas um barulho atrai nossa atenção para a porta.
Cabelos dourados e bagunçados de um jeito tão perfeito, que parece
que ele passa horas arrumando para deixar daquele jeito. O cheiro ainda é
do xampu com aroma amadeirado que eu gostava quando tinha quatorze
anos. A estatura é alta e larga, o corpo de um jogador, alguns centímetros
mais baixo que Roman, mas os olhos ainda são azuis para dar mais
veracidade ao personagem clichê de romances adolescentes. Até mesmo a
jaqueta vermelha e preta, característica do time da nossa escola.
Nem preciso olhar o número para saber qual posição ele ocupa, não
tenho necessidade...
Capitão.
Dylan Moore, um dos meus demônios particulares, é o príncipe da
escola e um dia será o príncipe do mundo quando decidir seguir os
negócios da sua família.
O mais carismático e simpático dos meninos, sempre que pode tem um
sorriso no rosto e faz amizade até mesmo com uma porta. Lembro-me de
ficar enciumada quando o via conversando com outras meninas, porque,
Deus me ajude, ele sempre foi do tipo que era rodeado por elas. Eu odiava
e ele sabia, porque sempre vinha atrás de mim e dizia no meu ouvido que
eu era a única garota que ele aceitava em sua vida.
Que ironia do caralho!
Devia ter aprendido melhor do que confiar em garotos de quatorze
anos.
— Seu filho da puta! — Dylan diz enquanto olha para Roman. Faço um
esforço para deixar a minha expressão vazia, mas, por dentro, tudo o que
eu quero é subir as minhas sobrancelhas até a linha do cabelo.
Dylan sempre teve a boca suja, mas não tinha o costume de usá-la com
os garotos ou comigo.
É, as pessoas realmente mudam.
— Que porra você quer, Moore? — Roman vira o rosto para ele, e
aproveito para dar mais alguns passos para trás. Se estar perto de Roman
sozinho já é ruim, acrescentar Dylan à mistura é um pesadelo.
— Saber quando você perdeu a cabeça e começou a quebrar as suas
promessas, idiota! — Os olhos azulados de Dylan se voltam para mim, se
movendo por todo o meu rosto com rapidez antes dele engolir em seco. —
O que você está fazendo com ela?
Agora eu sou “ela”.
— O que faço não é da sua conta, Moore.
Dylan vem mais perto, a diferença entre ele e Roman é imensa.
Enquanto Roman parece ter saído de um filme de ação dos anos 2000,
Dylan parece ter saído de um clichê romântico do tipo que costuma ser
feito nos dias de hoje. Ele seria o babaca por quem a protagonista iria se
apaixonar e tentar mudar, mas no final ela só iria sair com o coração
quebrado.
— O que você faz com ela é sim — ele até fez careta quando disse “ela”.
Ok, hora de sair. Para nunca mais voltar, espero.
Reviro os meus olhos, mesmo que queira gritar com os dois como uma
louca, mordo o lábio com tanta força que tenho medo dele sangrar.
Ignore o que não te acrescenta, mi corazón... Mamãe costumava dizer.
Ando entre os dois, indo em direção à porta da cantina para entrar lá
de uma vez por todas, mas uma mão me segura. A mão de Roman, é claro.
Dylan fala de mim como se tivesse nojo, duvido que ele se atreva a me
tocar.
— Não respondeu a minha pergunta.
O olho, então, em um rápido movimento, dobro um dos dedos que
estão em mim para trás com força e ele grunhe. Não é o suficiente para
quebrar, para machucar. Sua outra mão sobe para agarrar a minha, mas eu
já o havia soltado.
— Nunca mais encoste em mim de novo, e nem fale comigo. Inferno,
nem mesmo olhe para mim. Não quero ter nada a ver com você, com
nenhum de vocês, nunca mais.
Observo um breve momento quando ele se cala e fica parado, sua mão
cai ao lado do corpo em derrota. Não espero muito para me virar e entrar,
deixando ele, eles, para trás.
Porque isso é tudo o que eles são, o meu doloroso passado. E eu tenho
coisas mais importantes para fazer do que me ocupar com a merda deles
como se voltássemos aos quatorze de novo. Preciso tirar a minha mãe da
cadeia, então achar documentos falsos para que possamos fugir daqui.
Aqueles garotos não são nada para mim a não ser dor, porque tudo o
que eu faço é consequência do que eles fizeram comigo.
Não valem o meu tempo.
Não valem nada.
Charlie aparentou estar preocupado quando conversou comigo pelo
telefone mais cedo. Ele não sabe que roubamos o maldito mercadinho. Na
verdade, Charlie não sabe muitas coisas da minha vida. Nada de mais sai
da minha boca relacionado ao meu trabalho. Não que eu não confie em
Charlie, eu confio, mas ele me parece “do lado certo da lei” demais para
me ouvir falar sobre o último lugar em que assaltei.
E isso é estranho, considerando que ele é filho de uma das mulheres
mais duronas que eu já vi.
E falando em assalto, já estou pronta para outra. Preciso continuar
ganhando dinheiro, então já está na hora de achar um novo lugar para
assaltar.
Talvez tenhamos que sair de perto, já que tem muita coisa acontecendo
por aqui, mas nada que não possa funcionar.
É com esse pensamento que dirijo o meu carro até em casa. Hela está
dormindo no banco ao lado, confortável demais, embolada em uma pilha
de roupas minhas, para se importar em não estarmos mais em casa, mas
estou feliz o suficiente para estarmos voltando para lá.
Amo Megan, mas sua casa não chega nem perto da paz da minha.
Já está escuro e silencioso quando estaciono o carro na frente de casa.
A rua está meio vazia, com exceção de alguns carros parados por ali. As
pessoas geralmente não andam por essas ruas à noite, e nem devem, pode
ser perigoso. Nada está estranho, tudo parece estar em seu devido lugar...
até eu olhar para a janela da Sra. McCurdy.
Está apagada.
Toda a sua casa está escura, o que imediatamente liga o meu modo
suspeito. Isla nunca está com a casa toda apagada, o seu trabalho é
literalmente ficar na janela e me olhar chegar, então por que diabos está
apagado agora?
Olho ao redor com os olhos cerrados. Não há nada demais, tudo parece
em seu devido lugar.
Mas ainda assim...
Não, alguma coisa não parece certa. Me abaixo no carro, tirando uma
arma debaixo do meu banco. Olho direito para ver se está carregada, dou
um beijinho de amor em Hela e saio do carro, enfiando a arma no cós da
minha calça e tampando com a blusa.
Minhas botas fazem barulho contra o piso da rua enquanto caminho
até a casa dos meus vizinhos. Uma brisa de vento gelado arrepia os pelos
do meu braço e estremeço pelo frio. Minha jaqueta está servindo de cama
para Hela nesse exato momento, então não me importo muito.
Bato uma vez na porta, mas só recebo silêncio. Então bato a segunda.
Nada.
Que porra é essa?
Caminho para a lateral da casa, de frente para a minha. Minha mão vai
para a arma no cós da calça quando ouço uma batida na parede ao meu
lado, então outra.
Foda-se, que porra é essa?
— Sra. McCurdy?! — sussurro. — Velha, se você estiver tentando me
assustar e me deixar preocupada, juro que te mato dormindo.
Eu totalmente iria.
Volto a andar, caminhando até o lado da frente de novo. Decido que
vou subir esses degraus e então vou invadir a porra da casa dela. Vou
quebrar a porta igual vi Derek Morgan fazer naquela série criminal. Vou
colocar tudo abaixo e dar dois tapas na cara daquela velha descarada.
Ando até a porta da minha casa decidida, e então, em um momento
rápido, sou puxada completamente para trás com força o suficiente para
que eu não consiga me mexer muito. Minha boca é tampada por uma mão
enorme e masculina, o que me impede de pedir ajuda.
Ótimo, perfeito pra caralho.
A sensação de desespero faz minha pele se arrepiar ainda mais e,
graças a ela, tento tirar a minha arma do cós, mas quem quer que esteja
me segurando está impossibilitando isso.
Não quero morrer, droga.
— Quieta — ele sussurra rispidamente, me puxando para baixo,
escondida entre os arbustos. Sinto o cheiro do xampu, o mesmo que eu
sempre insisti para ele comprar anos atrás. Dylan. Dylan está me
segurando e me impedindo de entrar em casa, a questão é o motivo.
Por quê?
Tento falar, mas a mão está firme em minha boca. E nem quando tento
mordê-lo consigo alguma reação dele. Nada além de uma sobrancelha
sendo erguida e um olhar estúpido, como se estivesse se perguntando se
isso é tudo o que tenho. Quero raspá-la.
Nojentinho de merda.
— Tem alguém na sua casa, está me escutando? — ele volta a falar,
depois levanta a cabeça para olhar ao redor. — Não podemos ficar aqui,
Roman está no carro da esquina. Precisamos ir para lá, me entendeu?
E agora ele acha que eu tenho problemas de audição?
Ergo uma sobrancelha, imitando o seu gesto de antes e olhando para
baixo em direção a mão enorme e provavelmente suja na minha boca. Eca,
qual foi a última vez que ele tinha lavado?
Espera, gente na minha casa? Quem diabos está na minha casa e por
quê? E como Dylan sabe disso? E por que ele está aqui? E Roman?
O que está acontecendo?
Pisco, confusa. Meus olhos frenéticos analisam a rua deserta, e, mesmo
da posição que estou, não consigo ver nada suspeito. A fúria cresce dentro
de mim tão rápido que chega a me assustar, talvez não exista ninguém na
minha casa, e sim mais uma armadilha de Dylan e Roman para me arrastar
mais uma vez em suas fantasias ridículas.
Mas então... eu vejo. Aperto os meus olhos para tentar enxergar
melhor na escuridão, mas vejo bem a cortina da janela da minha sala se
mexer pelo lado de dentro. Quase me encolho dentro de seus braços.
Dylan tira a mão da minha boca lentamente, mas a mantém perto,
provavelmente para voltar a me calar se eu começar a pirar.
— Minha gata está no banco da frente do meu carro — comunico.
Dylan balança a cabeça e me olha, provavelmente não entende onde
eu estou querendo chegar. Se estivesse em um lugar mais tranquilo, eu
teria revirado os meus olhos para ele e sua lerdeza. Tão devagar.
— E daí?
— Não saio daqui sem ela, então se quiser que eu entre em um carro
com você e o outro idiota, é melhor pegá-la para mim.
— Quer que eu ande até o seu carro para pegar uma gata? — ele
indaga. — E se eu levar um tiro?
— Antes você do que eu — retruco.
Dylan me encara e eu o imito. Minha mandíbula está cerrada. Ele
balança a cabeça, olhando para o meu carro a poucos metros de distância
e então para a minha casa.
— Vai para o carro enquanto eu vou atrás do maldito gato — ordena
ele. Poderia ter rido se estivesse em um humor mais doce. Maldito gato?
— Minha garota vale mais do que você e Roman juntos.
Dylan resmunga, se agachando antes de me lançar um olhar demorado
e indicar para o fim da rua, do lado oposto de onde o meu carro e minha
gatinha estão. Acho que ele está me mandando ir logo, mas eu lhe dou o
dedo antes de me agachar entre a cerca de madeira e ir calmamente até lá,
quase tão discreta quanto posso.
Escuto os passos pesados do loiro e reviro os olhos, é claro que o
jogador de futebol não sabe ser discreto.
Não foi difícil achar o carro. Era preto e parecia ser caro pra caralho,
mas foi o motorista que chamou atenção. Roman poderia chamar atenção
de qualquer um.
Os olhos azuis estão me encarando, uma arma firmemente agarrada
em seus dedos enquanto uma mão está no volante, pronta para acelerar a
qualquer momento.
— Entra no carro — ele manda.
Ergo o dedo do meio para esse filho da puta.
— Como você sabe que tem alguém na minha casa?
Roman tira a mão do volante e passa a mão no cabelo, claramente
irritado comigo, o que é ridículo, já que sou eu quem deveria estar irritada.
Me viro para trás, olhando Dylan correr em nossa direção com Hela
tentando morder os dedos dele com força. Minha garota.
Pensando bem, eu até posso dar a arma a ele, mas espero que ele
realmente leve um tiro e... morra em agonia.
Não se pode ter tudo, né?
Roman larga a arma em seu colo e estende um braço para fora do
carro, me agarrando com força e me puxando em direção a ele. Resmungo
pela dor, mas entro no banco de trás quando Dylan dá a volta para entrar
no banco do passageiro.
— Me dá Hela. — Estendo a mão quando o carro acelera, Roman
trabalha rápido para nos tirar dali.
— Você deu o nome da deusa dos mortos para a sua gata? — A
cabeleira loira se vira para trás para me encarar, e ele devolve a minha
gatinha como se se livrar dela fosse a melhor coisa que ele fez hoje.
— O nome é apropriado. E ela não é deusa dos mortos, e sim do reino
dos mortos.
— Mesma coisa! — ele resmunga.
Puxo a respiração ruidosamente, quase como um búfalo, mas então me
lembro de mi madre dizer que as mulheres deveriam usar sua feminilidade
para manipular os homens, então me contenho.
Me pergunto o que ela diria de mim agora...
Quase posso imaginar os seus olhos verdes me avaliando de cima a
baixo com aquele ar de decepção. Ela iria balançar a cabeça em negação e
o vasto e brilhante cabelo escuro iria cair de balançar sensualmente em
suas costas. Mamãe é muitas coisas, incluindo uma sedutora experiente.
Não era à toa que ela conseguiu colocar tantos homens em sua cama e que
lhe presentearam com tanto.
Não é à toa que mi madre, mesmo depois de presa, ainda controla
alguns pontos de tráfico de drogas no México.
— Como vocês sabem que tinha alguém na minha casa? — repito a
pergunta, e, dessa vez, eu tiro a minha arma do cós e aponto-a
diretamente para a cabeça loira de Dylan.
Ele olha para trás, seus olhos azuis para a arma e então sobem para
encontrar os meus olhos verdes. Ele ergue uma sobrancelha para mim,
mas não parece muito surpreso com a minha última atitude. Na verdade,
parece bem relaxado. Relaxado demais, para quem tem uma arma
apontada na cabeça.
— Como você sabia que ela ia fazer isso? — Em vez de tremer com o
perigo, o que Dylan faz é se virar para Roman para perguntar isso.
— Ela apontou uma arma para o meu pau uns dias atrás — Roman lhe
responde.
Quando éramos crianças, eu nunca entendi direito o quão profunda era
a relação deles. Éramos todos amigos, é claro, mas Roman e Dylan sempre
pareceram ter a sua própria língua. Eles sempre se entendiam mais rápido
quando brigavam, não tinham problema em se desculpar um com o outro
como tinham em pedir desculpas para um dos gêmeos.
Dylan faz um som surpreso, quase parecido com uma risada. Meus
olhos estremecem tanto que juro que vou ter um ataque de raiva e atirar
em um deles. Talvez nos dois.
— E você deixou de me contar essa parte? — resmunga o loiro.
Destravo a arma, mantendo firmemente apontada para Dylan. É o mais
estratégico, considerando que Roman precisaria ser muito ágil para
controlar o carro e tirar a arma da minha mão ao mesmo tempo.
— Responda a minha pergunta!
Os olhos azuis do loiro se voltam para mim pelo retrovisor. Eles
parecem brilhar mesmo na escuridão do carro, sendo iluminados apenas
pelas luzes do lado de fora. Dylan sempre teve o dom de falar com os
olhos, ele sempre foi expressivo demais para o próprio bem. Eu amava isso,
gostava de saber o que ele estava pensando sem precisar perguntar, sem
ter que bater a cabeça para adivinhar como fazia com os outros.
Transformava a nossa relação em algo especial.
— Roman estava te seguindo — Dylan diz, mas ele não se vira para me
encarar. Na verdade, me olha pelo espelho retrovisor ainda. O azul não se
desvia em nenhum momento.
Roman faz um som de descontentamento, como se não concordasse
com a declaração de Dylan.
— Nós estávamos te seguindo — o loiro se corrige.
— Por quê?
— Porque outras pessoas estão seguindo você — Roman diz, nem se
importando em me dar um olhar enquanto dirige como um maníaco pelas
ruas do Texas. Presto atenção na rua, olhando onde iremos parar. Parece
que ele está dirigindo de volta para o lado caro da cidade.
Estamos voltando para o bairro dos podres de ricos.
— Do que diabos você está falando? — indago. Minha mão livre desce
para fazer carinho em Hela em busca de algum apoio. Minha outra mão
fica meio trêmula por conta da velocidade do carro, mas ainda a mantenho
estendida, mesmo parecendo meio inútil já que nenhum deles está
preocupado comigo carregando uma arma.
— Fugir com você depois que eu te salvei dos motoqueiros outro dia foi
uma coisa estúpida. Eles te seguiram. — Fico ainda mais confusa com toda
essa história. — E agora estão na sua casa.
Tenho mais perguntas do que respostas para isso agora. Dylan
resmunga no banco da frente enquanto travo a arma e abaixo, com minha
mente correndo a mil por minuto.
Se eles me seguiram depois que eu saí com Roman, isso significa que
não sabiam de mim antes, certo? Então... talvez não estivessem atrás de
mim.
Mas agora estão.
Por quê?
— Por que eles invadiram a escola? — faço a pergunta. — Do que
estavam atrás?
— Não importa — Roman responde com aquele jeito mais grosseiro
dele.
Estreito os meus olhos, analisando os fatos que tenho em minhas mãos
até chegar na resposta que eu preciso. Roman se mexe no banco de um
jeito meio suspeito, e Dylan olha para a janela de um jeito meio entediado,
como se tivesse mais o que fazer do que estar ali.
— É você, não é? Tem que ser, se elas começaram a me seguir depois
de eu ter fugido com você.
O silêncio no carro é a minha resposta. Roman puxa a respiração
ruidosamente, enquanto Dylan, por outro lado, parece se divertir no banco
do passageiro.
— Você sempre foi uma coisinha inteligente — comenta o loiro. —
Estou curioso para ver como vai ser quando estiver cercada de
motoqueiros.
Roman e eu o ignoramos.
— Há quanto tempo você está me seguindo? Na verdade, como
descobriu que eu estava sendo seguida?
Mas Roman não tem nem tempo de responder, porque ele freia
bruscamente quando um carro entra na frente do nosso do nada. Agarro
Hela e busco apoio no banco da frente, colocando a minha mão nele para
me impedir de cair. Olho ao redor, atordoada. Hela mia no meu colo,
claramente brava por eu ter a apertado tanto, então me abaixo e planto
um beijinho em sua cabeça para acalmá-la.
— Que porra é essa? — Dylan resmunga, bravo como há muito tempo
eu não vejo. Roman tira o cinto e sai do carro rapidamente, irritado demais
para considerar o contrário.
E então, quando olho para cima e encaro o vermelho sangue da Ferrari,
que praticamente brilha no escuro, chamando atenção para ela de uma
forma tão grandiosa, fico chocada de não ter prestado atenção antes.
Minhas mãos suam quando vejo as duas portas da frente se abrirem, e
delas saírem dois homens.
Não demora muito para eu reconhecer.
Cabelos pretos iguais, mesmos olhos castanhos, mesma altura, com a
diferença sutil de porte físico. Um deles era mais forte. O mais forte usa
uma blusa social preta meio aberta, seu pescoço coberto de correntes e
sua pele cheia de tatuagens e cicatrizes. Um coturno desgastado, um
cigarro nos lábios e o cabelo bagunçado. O mais magro usa um terno bem
passado com um lenço do bolso. Seu cabelo perfeitamente arrumado no
gel e uma expressão vazia, mas os olhos...
Os olhos estão carregados de gelo.
Minha respiração engata e prende na garganta, e eu olho ao redor
procurando uma saída dele. De todos eles.
Não está certo, não todos eles juntos depois de se separarem. Não
comigo presa no banco de trás e não sem as minhas garotas como apoio.
Não assim.
Minha atenção vai para a frente ao mesmo tempo em que Dylan sai do
carro depois de me mandar um olhar longo e tirar a chave da ignição
apenas para colocar no bolso da sua calça. Ele caminha até a frente do
carro e fica ao lado de Roman, os dois formando uma frente única.
Olho quando aqueles garotos ficam no mesmo ambiente novamente.
Não sei se eles ficaram todos separados entre si como ficaram comigo, mas
parece que o clima não é agradável do lado de fora.
De um lado estão Roman e Dylan. A selvageria combinada entre si
como apenas aqueles dois conseguem fazer, talvez a conversa que tiveram
mais cedo tenha ajudado.
Do outro lado, os gêmeos Volkov.
Axel e Asher, tão bonitos quanto eu me lembro. Mais, agora que suas
feições estão endurecidas e são homens em vez de meninos. Agora que os
corpos já haviam se desenvolvido, que seus olhos tinham mais experiências
do que quando tínhamos quatorze.
A frieza de Asher combinada com a ira de Axel são tão letais quanto
Roman e Dylan. Talvez mais.
Eles sempre foram assim. Enquanto os olhos vazios de Asher eram tão
frios a ponto de me gelar, os quentes de Axel eram o que me incendiaram.
Sempre tão cheio de sentimentos, de raiva. Tão opostos, mas ao mesmo
tempo se entendiam como se conversassem em suas mentes.
E agora estavam na minha frente, e eu estava sendo protegida apenas
por um carro.
Todos os meus demônios presentes no mesmo lugar.
O meu pesadelo virando realidade.
Como eu quero voltar para o início do dia para mudar isso.
Será que dá tempo de fazer uma ligação direta e sair daqui?
Eu estava procurando por ela. No ataque, quero dizer... É claro que
estava procurando-a. Sempre estive procurando-a. Em uma sala cheia de
pessoas, eu sempre ia procurar pela latina esquentada do cabelo longo e
dos olhos verdes.
Em The Fallon Devils MC, sempre brinquei que nós não morremos pela
vida fora da lei, e sim morremos nas mãos dos nossos pecados, dos nossos
vícios. Viciados em bebidas, drogas, sexo e adrenalina.
O meu vício é pior do que todos eles, porque o meu vício tem um
sotaque fraco, tem um temperamento tão ruim ao ponto de apontar uma
arma para o meu pau, tem um cabelo tão longo que eu conseguiria enrolar
o punho três vezes até puxar pela raiz, tem olhos verdes que sempre se
reviram de ódio e tem os lábios grossos que eu gosto de imaginar em volta
do meu pau desde que sei o motivo por ele ficar duro.
Por ela. Sempre por ela.
Julieta González Leclerc, a irritadinha que costumava ser minha melhor
amiga.
Ela meio que me odeia agora, mas isso não me impede de a procurar
em qualquer lugar que eu sinta a sua presença. Como no ataque da escola,
que aconteceu há dias.
Estavam atrás de mim, eu sabia, mas não pude evitar de segui-la
quando vi as pernas grossas saltarem pela janela do segundo andar
enquanto eu estava preso no primeiro. Quebrei uma janela com a cadeira
para ir atrás dela.
Antes eu do que Dylan.
Ele estava atrás dela também, filho de uma puta.
Se alguém fosse quebrar o acordo que fizemos há quatro anos, esse
alguém tinha que ser eu. Não era o mais justo, mas quem é que liga para
essa merda de justiça? Eu com certeza não.
E mesmo com a arma apontada para o meu pau, tudo aquilo valeu a
pena. Iria ser só uma vez, só uma última vez antes de esquecer tudo de
novo e voltarmos para a nossa rotina de merda onde todos nós fazemos
um trabalho para nos ignorar.
Até assisti as pernas dela se mexerem naquela calça apertada antes de
olhar uma velha senhora me dando o dedo do meio de uma janela.
Ia ficar tudo bem.
Mas tinha que falar com ela de novo. A voz dela tinha mudado, não era
mais a aguda e fina que tinha aos quatorze, estava mais rouca, mais
profunda e feminina, menos criança e mais mulher. Me deixou duro pra
caralho.
E então Dylan apareceu para acabar com a minha festa, mas o filho da
puta é tão sedento pelas migalhas que ela deixa para ele como eu sou
pelas que ela deixa para mim. Seguimos ela, é claro. E aí demos de cara
com três motoqueiros escondendo suas motos antes de invadir a sua casa.
Até aí, tudo parecia muito bom para mim.
Eu podia ser bem filho da puta e bancar o herói para ela. O príncipe em
meu cavalo branco, bem do tipo dos filmes que eu assistia com ela quando
mais novos. Salvar a sua vida como eu já tinha feito antes e a arrastar até o
complexo em segurança comigo, Dylan não ia se opor a isso, quer dizer, ele
nem consegue olhar nos olhos dela sem tremer as pernas, então acho que
o imbecil não ia ligar de eu levá-la comigo.
Mas os gêmeos Volkov não funcionavam como Dylan.
Eles nunca gostaram de dividir as coisas entre eles, e tampouco comigo
e Dylan. Precisámos brigar e trocar socos até ficar decidido dividir tudo por
igual.
Então, quando o maldito carro vermelho me obrigou a parar, eu já
imaginava o que esperar quando saí do carro.
Eles vão querer saber o que está acontecendo, então vão querer levar
Julieta eles mesmos.
Só por cima do meu cadáver.
— Quando eu ouvi boatos de que vocês estavam andando com ela,
achei que fosse mentira... — Asher começa a falar com sua voz mansa,
quase como se estivesse entediado e quisesse estar em qualquer outro
lugar, menos aqui. Quero dar um soco nele. — Mas depois que o meu
irmão viu vocês dois juntos, tive que ver pelos meus próprios olhos.
— E você gostou do que viu? — indago, sorrindo como um filho da puta
presunçoso no final disso. Axel parece soltar um som parecido com um
rosnado, eu acho. Quer dizer, isso ou ele está com algum tipo de dor.
Asher revira os olhos e anda para a frente, em nossa direção. Dylan
bufa quando se junta ainda mais ao meu lado.
— Onde ela está? — Asher resmunga quando chega mais perto de nós
dois, passeando os olhos pelas janelas do carro atrás de mim. Não olho
para trás.
— Longe o suficiente de você e perto pra caralho de mim — respondo,
um sorriso todo sujo toma conta do meu rosto enquanto o do Asher se
fecha.
Isso, filho da puta. Fique irritado comigo.
Irritado o suficiente para me dar um motivo para te dar um soco bem
dado.
— O que vocês estão fazendo aqui? — Dylan pergunta, o mais civilizado
de todos nós.
Axel, o gêmeo com o cabelo bagunçado, vem em nossa direção como
um touro de rodeio. Bufando como um, como se eu tivesse balançado um
pano vermelho em frente a ele quando ele olha para trás de nós e põe os
seus olhos em Julieta no carro.
— Vocês, seus merdinhas que não sabem manter a palavra! — Axel
resmunga, sendo parado por seu irmão quando ele bate em seu ombro.
— Como se o seu irmão soubesse manter a palavra dele. — Aponto
para Asher. Ele levanta o rosto e aperta o maxilar como se estivéssemos em
uma série de realeza e ele precisasse provar alguma coisa. — É, a gente
sabe que você entrega coisas para ela.
— E alguma vez eu tentei esconder? — Asher puxa um sorriso do seu
rosto coberto pela máscara da frieza que ele sempre usa. Não é um sorriso
bonito, parece um sorriso de um tubarão cheio de dentes quando está
prestes a atacar. — Mas não fui eu que a coloquei em um carro, foi?
— Culpado — digo. — O que vai fazer, Volkov? Vai sujar o seu terninho
de três mil dólares para me bater?
A única coisa que ele faz é me olhar de cima para baixo, parando nas
botas sujas de terra com desgosto.
— Acha que eu usaria algo valendo três mil dólares? — Em sua voz
escorre desgosto, como só em um imbecil mimado poderia. — Por acaso,
acha que minha família tem problemas financeiros como a sua?
Quase vejo vermelho quando eu ando para a frente para arrancar
aquele terno do corpo dele, mas Dylan entra na minha frente e tampa a
minha visão de Asher Volkov.
— Vamos ficar aqui brigando como crianças ou resolver isso para tirá-la
daqui? — Dylan resmunga. A pele de um bom garoto cai aos pedaços
quando ele olha para o carro antes de voltar para a frente de novo.
— Por que vocês vieram atrás dela depois de tudo aquilo? — Axel
indaga.
— Estávamos protegendo-a — Dylan responde, mas Axel solta uma
risada.
— Protegendo-a? De quem?
— De algumas pessoas muito perigosas — Dylan continua dizendo, mas
ele falha no trabalho em convencer os gêmeos do mal de que nós
tínhamos motivo para voltar a falar com ela.
Quando tínhamos quatorze, todos os nossos pais estavam envolvidos
em um sistema de corrupção interligado. Não era surpresa, afinal de
contas, o fruto não cai longe da árvore. Todos corriam o risco de ser presos
para sempre, mas a única a ser presa de fato foi a mãe de Julieta. Tudo
mudou desde lá.
Ela acha que nós fomos os únicos a apontar provas para prender a mãe
dela, mas sinceramente? Ainda tenho as minhas dúvidas sobre como todos
os nossos pais foram investigados. De onde saiu a faísca que apontou o
meu pai como um dos maiores traficantes de armas do Texas? De onde saiu
a pista da família entrelaçada até os dentes com o crime organizado de
Dylan? Como sequer descobriram que o papai Volkov tem relações com a
máfia russa e que o pai Julieta é envolvido com lavagem de dinheiro?
Os maiores do Texas, cinco famílias com dinheiro sujo que prosperava.
Cuidadosos até com os faxineiros que limpavam a sua merda e agora quer
dizer que alguém de repente tinha provas o suficiente contra todos eles?
Isso fede o cheiro da família González. A mãe de Julieta nunca foi santa,
e sabia também onde estava se envolvendo quando abriu as pernas para
Anthony Leclerc anos atrás. Ninguém nessa porra de cidade é santo. Se
está aqui, você fez alguma coisa ou vai fazer.
É assim que a vida funciona, em um dia você está no topo e no outro
está preso por seus crimes lá em Nova York.
E ela também não era dona de um quartel de drogas no México? Eu
não sei, tenho estado meio longe dos boatos relacionados à família Julieta
pelos últimos anos. Só ela já era um veneno suficiente para me fazer
perder a porra da cabeça. Das duas.
— Mais perigosos que nós? — A sobrancelha de Asher se ergue.
— Sim, seu merdinha. Agora vai sair da nossa frente ou prefere que eu
te atropele?
— Você e as suas velhas ameaças — Axel resmunga, se aproximando
ainda mais do irmão, eles vêm para a frente. São tão cuidadosos que os
pés nem fazem barulho no piso sujo do asfalto.
— E você sempre sendo um covarde e se escondendo nas costas do
irmão.
Axel quer me bater, é fácil de ver. Ele tem os punhos cerrados ao lado
do corpo, a mandíbula cerrada e está com toda a postura de “filho da puta
assustador”. O maldito quer me dar um soco, talvez até queira me matar
como já fez com um homem antes. Nunca se sabe com esses malditos
russos.
E ele provavelmente vai fazer isso, virá até mim e tentará arrancar a
minha cabeça do meu corpo com todos aqueles músculos e cicatrizes dele.
Até o vejo dar um passo para a frente, e Asher não faz o menor movimento
de o segurar, mas um barulho nos para.
O barulho de um motor de carro.
O carro que eu estava dirigindo, sendo mais específico.
Me viro para trás, a ponto de arregalar os olhos quando não acredito
na porra que vejo. O carro está ligado, mas não é possível que Dylan tenha
saído e deixado a chave lá dentro, pronta para ela pegar e fugir de nós
dois.
Mas o vejo batendo as mãos nos bolsos e erguendo a chave em seu
dedo, confirmando que elas ainda estão com ele. Aquele carro não devia
estar ligado, mas, quando todos nós olhamos, lá estava ele. E Julieta no
banco da frente, no motorista.
Consigo ver um sorriso perigoso nos lábios vermelhos, que eu tenho
uma relação de amor e ódio, quando ela nos manda um beijinho antes de
acelerar o carro um pouco, fazendo com que Dylan e eu fôssemos para
trás.
— Sabe, isso foi muito divertido de assistir, mas eu tenho outro lugar
para estar agora. Então, vocês sabem, certo? Un beso8 para todos. — Ela
usa uma das mãos para acenar para a gente antes de ameaçar acelerar o
carro de novo. Dylan e eu nos olhamos, então não saímos do lugar. Ela nos
observa, parecendo estar entediada quando revira os olhos. — O que estão
fazendo, filhos da puta? Eu vou atropelar vocês!
— Não, você não vai — Dylan diz, mas eu não tenho tanta certeza na
declaração dele.
— Sai do carro logo, babochka — Asher diz assim que chega ao nosso
lado, todos parados em frente ao carro. — Nós sabemos que você não vai
fazer isso, então para de nos fazer perder tempo.
E eu só posso chamar esse idiota de burro do caralho, porque a
declaração dele não parece nós ajudar em nada. Na verdade, o sorriso
falso some do rosto de Julieta e tudo o que tem é a máscara de ódio que
ela carregou para mim outro dia.
Dylan dá passos para o lado, pronto para sair de perto do carro prestes
a nos matar.
— Ela vai fazer, cara. Apontou uma arma para o pau do Roman ainda
essa semana — Dylan diz, erguendo as mãos para cima em sinal de
rendição.
Asher nem olha para ele, o filho da puta corajoso. Na verdade, um
pequeno sorriso nasce nos lábios dele quando ela puxa o ar e sorri
docemente para nós, uma mão em sua gata que estava em seu colo e outra
no volante.
— Ela não faria isso comigo, certo, babochka? — ele ri. — A nossa
relação é especial demais para isso, não é? Ainda tem as cartas que eu te
mandei?
— Você tem mandado cartas para ela, seu maldito? — resmungo.
Sabíamos que era alguma coisa, mas não fodidas cartas? O que somos, um
filme de romance agora? Asher me ignora.
— Vocês não podem dizer que eu não tentei. — Corro para fora do
caminho quando ela acelera o carro com tudo, quase atropelando Asher se
ele não fosse rápido o suficiente para sair da frente do carro.
É rápido demais para que eu consiga raciocinar direito, mas o carro
para tão rápido quanto acelerou. Quando levanto a minha cabeça para
olhar o que diabos está acontecendo, tenho a minha resposta quando vejo
Axel Volkov dentro do carro, no banco do passageiro.
Se nossa linda garota estava nervosa antes, parecia que iria dar um
ataque agora. O quão bonito seria o seu caos?

Quando eu era criança, me lembro de me aventurar por todos os


lugares sem medo nenhum. Não precisava de medo, isso era para os fracos
e eu não era uma garota fraca. Nunca fui. Gosto de pensar que o medo
nunca combinou comigo. Minha mãe me criou ao lado de traficantes,
assassinos e ladrões no México. Vi cartéis de drogas desde criança, vi
homens ruins baterem na porta de mi madre para pagá-la e fui pega no
colo por esses homens.
Nos Estados Unidos, eu era uma filha bastarda que passava as férias
todo ano e me aventurava por ali com quatro protetores. No México, eu
era a princesa de uma mulher que estava pouco a pouco construindo um
império de dinheiro em cima da dor dos outros.
O medo mais forte que senti foi quando perdi minha mãe. Como eu ia
sobreviver sem ela? Ia voltar para o México? Não poderia voltar, não tinha
ninguém de sangue lá. Não ia ser adotada por criminosos, a maioria deles
estava ocupada lutando pelas carcaças da minha mãe e decidindo quem
iria ocupar o seu lugar.
Mas eu consegui sobreviver, e, de certo modo, prosperar. Não com
honestidade, mas eu não fui criada para uma linda fantasia de cerca
branca. Não fui criada para ser alguém honesta, pura e uma boa cidadã. Fui
criada para roubar, para ser mais esperta que os outros. Para achar suas
fraquezas e para atingi-los bem na jugular para conseguir o que eu quero.
Aprendi a roubar carros, a fazer ligações diretas, aprendi a roubar
lugares, a abrir cofres, a entrar e sair de lugares como uma sombra,
aprendi a lutar da minha maneira, aprendi a atirar com uma arma e a
cortar alguém com uma faca. Aprendi o que eu pude e fiz o que foi
necessário para sobreviver.
Não é certo, mas é a lei da sobrevivência. E eu iria acabar com todos se
isso significasse a minha sobrevivência sem pensar duas vezes.
A segunda vez que senti medo — verdadeiro medo — foi no ataque da
escola. Não quero morrer antes de poder abraçar a minha mãe de novo e
cumprir o meu plano. Não posso morrer antes disso, não tenho esse
direito.
A terceira vez foi quando Axel Volkov se sentou ao meu lado no carro e
puxou o freio de mão com tudo, então eu tive que parar o carro e me virar
para olhar para os seus olhos escuros que tanto me assombravam.
Sempre achei que o tom mais lindo de castanho estava guardado nos
olhos dos gêmeos Volkov.
Axel nunca tentou me procurar depois que todos nós fomos embora.
Ele realmente cumpriu o que havia prometido. Nunca tive notícias dele até
hoje.
Diferente de Roman e Dylan, os gêmeos russos não estudam na mesma
escola que o resto de nós. Não sei mais onde estudam, mas é mentira dizer
que eu nunca procurei saber. Um dia, quando eu estava muito empenhada
e cheia de ódio pelas cartas que Asher me enviava, eu quis me vingar mais
do que nunca. Pensei em explodir o carro deles em algum momento e tudo
mais.
Axel tem grande estatura, como todos eles. Mas não tem a mesma
beleza limpa que o resto. Não, enquanto olho para Axel, tudo o que vejo é
o seu rosto endurecido e cheio de hematomas e roxos. Tem um círculo roxo
ao redor do olho castanho.
O nariz dele é um pouco torto, percebo. Sua boca está meio
arrebentada também, mas parece estar se curando. Como se fosse um
machucado velho enquanto o seu olho grita uma briga nova.
Usa uma blusa social preta larga, com os primeiros botões abertos
expondo os seus músculos e tatuagens. Axel tem uma corrente prata de
cruz no pescoço, caindo em seu peito. O cabelo bagunçado, os fios escuros
caindo e beijando a sua testa, desgrenhados como se ele não tivesse se
dado ao trabalho de arrumá-los antes de vir.
Axel cheira a bebida e cigarro, mas não parece bêbado. Não gosto do
cheiro, mas, de certa forma, ele me lembra dos criminosos que convivi na
infância. É meio nostálgico.
Axel não me olha como se estivesse tentando me provocar, como
Roman geralmente faz. Mas também não desvia o olhar como se não
conseguisse manter os olhos em mim por mais de dois segundos como
Dylan fez antes.
Ele só olha.
A intensidade de Axel sempre fez parte dele, sempre fez parte dos
gêmeos. Ele pisca, os cílios longos sacodem enquanto continua a me olhar.
O olhar castanho misturado com whisky, a mandíbula forte, os arranhões e
as cicatrizes transformam Axel em algo bonito. Não como um príncipe,
como o resto dos garotos. Sua beleza é mais dura, mais crua.
Mas eu sei melhor, sei o quanto perigo escorre por aqueles olhos.
Axel me olha, mas, ao mesmo tempo, é como se não olhasse para mim.
Não tem amor, não tem carinho, não tem ódio. Não tem nada além da sua
raiva habitual.
— Vai tentar correr de nós, Julieta? — A voz rouca soa de um jeito que
não deveria pela idade dele. Me lembro de vê-lo experimentar o charuto
de seu pai escondido às vezes. Talvez aquele seja um hábito que não
morreu com o tempo.
— Vou correr para longe de vocês enquanto eu viver — digo.
Axel passa os olhos por mim rapidamente. Dos meus cabelos longos,
aos meus ombros de fora pela blusa fina, até as minhas pernas apertadas
no jeans preto.
— Na próxima vez que tentar, faça melhor.
— Chega dessa merda! — A voz de Roman chama a nossa atenção,
então, do lado de fora ele vem até nós, batendo a mão do meu lado da
janela enquanto se vira para os que estão do lado de fora. — Não podemos
conversar aqui, vamos para um lugar seguro então nós resolvemos toda
essa porra.
— Ainda quero saber o porquê estão com ela — Axel diz ao meu lado.
Posso ver os olhos de Asher do lado de fora, ele limpa o seu terno com um
movimento calmo, seus olhos nunca me deixam quando ele o faz. O
charme ainda está presente em cada centímetro de seu rosto quando sorri
para mim. Não gosto daquele sorriso.
— Você é surdo, porra?! — Dylan indaga.
— Vamos para um lugar seguro e nós explicamos tudo — Roman
repete, então dá a volta no carro e abre a porta do passageiro antes de me
lançar um olhar firme. Acho que ele está me mandando não fazer besteira.
— E onde é esse lugar seguro? — Axel volta a perguntar, saindo do
carro depois de me dar uma piscadela.
E então, depois de Dylan ser rápido em ocupar o lugar de Axel, Roman
diz as palavras que roubam o meu fôlego de novo:
— Que lugar é mais seguro no Texas do que com os Devils? Vamos para
a sede do clube.
Consigo ouvir a música enquanto ainda viramos a esquina da rua. A
sede dos The Fallon Devils MC não fica em bairro algum, na verdade é
longe o suficiente do centro para manter todos fora dos seus negócios e
perto o suficiente das longas estradas cobertas por grama seca do sol e
terra avermelhada. Prontos para caírem na estrada a qualquer momento.
A viagem no carro com Dylan e Roman é silenciosa de um jeito que me
deixa apreensiva. O vermelho sangue da Ferrari atrás de nós é um
lembrete de que agora não somos apenas nós três, e sim nós cinco de
novo.
O clube é um bar cheio de motos estacionadas ao seu redor. Tem tantas
motos que meus olhos quase não conseguem acompanhar. A maioria são
Harleys de qualquer maneira. Eu vejo à frente algumas pessoas do lado de
fora. Homens com um colete preto e um copo de cerveja na mão.
Vejo uma garota de cabelo rosa se inclinar no banco da moto de um
homem e ligeiramente cheirar algo de lá.
E oficialmente estou de volta ao The Fallon Devils MC, as terras do
diabo.
— Deveríamos ter trazido ela de dia — Dylan diz, com sua voz cansada,
quando ele repousa a cabeça no banco.
— Acha que ela não aguenta mais isso aqui? — Roman responde,
manobrando o carro sem cuidado nenhum. Os carros chamam atenção,
óbvio. Os homens abrem espaço como se o carro fosse de alguma
celebridade importante. Roman estaciona ao lado de uma porta, em um
lugar mais vazio.
— Eu não sei... — diz Dylan, em seguida ele se vira para trás. — Você
aguenta?
— Ficaria surpreso com o que eu aguento — digo, lembrando daqueles
momentos de loucura que divido com minhas amigas.
Roman se vira para trás, seus olhos azuis percorrem o meu corpo
descaradamente antes dele olhar em meu rosto com um sorriso de merda.
— Isso é um convite para me mostrar?
— Tente encostar em mim e eu te mato enquanto dorme — ameaço.
Dylan suspira, abrindo a porta do carro.
— Essa vai ser a noite mais longa da minha vida.
Me preparo para sair do carro, a minha porta é aberta por Dylan, mas
ele ainda não me olha. Não, ele mantém os olhos em frente, observando
as pessoas beberem e se beijarem na porta da sede.
Saio do carro, a minha bota faz barulho contra a terra e o meu cabelo
longo balança pelo vento sutil. Aperto Hela contra mim, mas ela já quer
sair dos meus braços e começa a me arranhar.
— Vamos entrar ou ficar parados aqui? — A voz rouca de Axel nos
desperta. Ele está ao lado do irmão e eles caminham em nossa direção. —
Para onde vamos?
— Vamos usar a sala de reunião do meu pai — Roman responde.
— Achei que a sala de reunião era o meio do clube — Axel diz.
Anos atrás, quando eu passava as tardes nesse clube, sempre víamos os
membros se reunirem perto da grande mesa de sinuca que ficava perto do
centro do clube. Todos grandes e barbudos, homens que não têm cuidado
ou preocupação com sua aparência, gostam de estar desgastados porque
isso os torna ameaçadores.
Nós quatro tentávamos escutar as conversas, mas alguma Old Lady9
sempre nos tirava de lá e nos levava aqui para fora, onde brincávamos
correndo na terra ou, mais tarde, costumávamos brincar de outra forma.
— O clube cresceu, não é mais seguro conversar lá fora — Roman diz,
endireitando a postura e erguendo a mão para cumprimentar alguns caras
que gritam o seu nome. — Vamos lá.
Aqui Roman Miller é um príncipe e o seu legado é cerveja, cigarro,
velocidade e mulheres. Todos o conhecem, todos querem falar com ele. É
como ver uma celebridade andar. O filho do Prez, o futuro dono do clube.
Alguém a se notar.
Tento andar mais à frente quando estamos prestes a passar pela porta,
mas as mãos geladas de Asher seguram a minha cintura, me mantendo
atrás de Roman e ao seu lado.
— Quieta — manda ele.
Não tenho chance de falar, porque, assim que passamos pela porta,
Dylan vem do meu outro lado e eu sinto a presença de Axel atrás de mim.
Estou cercada, completamente cercada pelos quatro garotos.
Quase nem consigo olhar ao redor, porque todos estão tão perto que
quase tudo o que enxergo são eles. O clube tem uma música alta e sensual
tocando, vejo uma mulher seminua dançando em cima da mesa do bar
com um os sapatos de stripper.
Ouço alguns gemidos, então acho que devem ter pessoas transando
aqui. Não consigo ver direito, mas ouço os risos e o ambiente parece
abafado demais para não ser isso.
A sede era enorme, mas o bar em si não ocupava muito espaço quando
eu era criança. Acho que está maior. O ambiente está quente e cheira a
cigarro, suor e sexo. Tudo o que consigo ver são luzes meio vermelhas,
jaquetas de couro e pouca pele. Juro que vi os peitos de uma mulher
enquanto passamos.
Andamos reto e por onde passamos, eu ouço os cumprimentos a
Roman. Vai ficando mais vazio à medida que caminhamos e a música fica
mais abafada, mas eu ainda tenho vislumbres de um casal fazendo sexo
explícito na porta de um banheiro.
Bem-vindos a vida nas estradas.
Roman abre uma porta com uma placa enorme em cima da porta
escrita “Prez”, e depois de segurar a porta para mim, em um ato de
cavalheirismo, passo e entro.
A luz é acesa por um dos meninos e, de repente, estamos todos de
volta ao escritório que tanto entramos na infância.
Dylan parece tocado, porque ele é o primeiro a sair de perto e ir até a
mesa do Prez, olhando algumas fotos que há ali.
Sento-me em uma cadeira e solto Hela, observando-a se sacudir e ir
explorar o escritório.
Roman dá a volta à mesa e se senta na cadeira do seu pai, parecendo
confortável demais na cadeira que um dia será sua. Quer dizer, talvez não a
cadeira...
Dylan vai para um sofá pequeno que tem ali e se joga nele, esticando
suas pernas. Axel se senta na cadeira ao meu lado, colocando as mãos
atrás da cabeça e os pés na mesa, olhando para todos nós enquanto
espera alguém começar. Asher olha tudo com visível desgosto antes de ir
até a parede e se encostar ali, com o seu terno caro contra a madeira velha
de um clube de motoqueiros.
— Comece a falar, filho da puta — Axel manda para Roman, com a raiva
visível em sua voz desde que eu me lembro.
— Não, comece você a falar. Como sabia onde nós estávamos? —
retruca Roman.
— Por que ela está com você? — Axel rebate a pergunta.
— Eu tô bem aqui, e a minha pergunta é mais urgente. Vocês disseram
no carro que eu estava sendo seguida por outras pessoas, mas não me
contaram como descobriram isso. Como vocês sabiam? — Aponto para
Roman e Dylan.
Dylan tem o seu cabelo loiro caindo sobre a testa quando solta um
suspiro cansado e cruza os braços.
— Roman estava te seguindo — diz, calmamente. — Conversei com ele
e acabamos vendo os motoqueiros invadindo a sua casa enquanto
estávamos lá.
Eu pisco. Ele pisca de volta com os grandes olhos azuis em mim antes
de desviar para outro ponto da sala. Encosto a minha coluna na cadeira sob
o olhar atento de Asher. Ele está lá, parado ridiculamente bem e com as
mãos enfiadas nos bolsos enquanto me olha com seus olhos gélidos âmbar.
Então a memória das cartas ameaçadoras que tenho guardadas em
uma caixa voltam com força e eu quase me encolho. Decido olhar para
Roman, porque demonstrar fraqueza na frente do inimigo é contra as
regras e Asher tem uma grande mania de me deixar vulnerável.
— Por que você estava me seguindo? — indago a ele.
— Achei que você tinha roubado do MC — ele diz, brutalmente
honesto. Não se preocupa em mentir quando me encara. — Precisava
saber se tinha roubado de nós.
— Por que diabos você achou que eu tinha roubado da sua gangue? —
exclamo, surpresa por ele ter desconfiado. Faço a minha maior expressão
de revolta. — Eu nunca faria algo assim!
Eu faria completamente.
Iria roubar dele e esfregar bem na sua cara que o roubei. Iria esfregar
aquele dinheiro todo no rosto bonito dele e gargalhar enquanto beberia
uma cerveja. Inferno, eu poderia até gravar um vídeo e mandar para ele
apenas para que ele soubesse o que fiz.
— Não se faça de inocente conosco, González. Isso não vai funcionar —
Axel diz ao meu lado, com seus olhos fixos em mim. — Nós conhecemos
você bem demais para acreditar em qualquer coisa falsa que sai da sua
boca.
O olho de relance, observando-o e toda a sua pose de garoto ruim. Isso
é um desastre.
— Não sou inocente, mas não roubei o seu clube — respondo, voltando
o meu olhar para Roman.
Não estou mentindo. Tecnicamente não sei de qual clube roubei, então
como é o ditado mesmo? O que os olhos não veem...
Ele me observa com uma sobrancelha erguida e um olhar analítico
antes de balançar a cabeça.
— Vimos os caras do Wild MC e nós esperamos para ver você aparecer.
— E por que eles estavam atrás dela, para começar? — Asher pergunta,
seu rosto analítico se volta para Dylan e Roman em uma indagação.
— Eu a salvei no ataque que eles armaram na escola. Agora, por que
vocês estavam atrás da gente?
— Poderíamos estar só passando quando vimos o seu carro, o que te
faz pensar que estávamos atrás de vocês? — Asher soa provocativo em
cada palavra que sai dos seus lábios.
— Não vem com essa para nós, seu filho da puta! — Dylan resmunga
do sofá, com seu rosto endurecido e virado para o gêmeo de terno.
— Estávamos seguindo vocês porque vocês estavam seguindo-a — Axel
finaliza o que pode se tornar o início de uma discussão.
Eu? Por que a minha presença seria motivo o suficiente para os gêmeos
Volkov saírem de seu castelo, descerem até as ruas sujas dos bairros do
lado sul e virem atrás de nós?
Houve um silêncio pesado e uma troca de olhares entre os quatro
meninos que claramente estou de fora, um assunto que não me pertencia,
mas que eu estava envolvida de qualquer forma. Porque se tratava de mim.
— O quê? — digo.
Roman balança a cabeça, mais para eles do que para mim de qualquer
forma.
— Você vai ficar aqui daqui para a frente.
— Perdeu a noção? — indago, raivosa. A ideia de ficar no clube é
ridícula.
— Ele tá certo, você não pode ficar lá fora com membros do MC atrás
de você — o loiro diz, apoiando de Roman.
— Posso e vou — falo. — Não vou ficar aqui, não é motivo pra tanto.
Roman bate a mão na mesa com tanta força, que faz com que algumas
canetas pulem no lugar.
— Eles invadiram a sua casa. O que acha que iam fazer com você
quando passasse pela porta?
— Me perguntar sobre você educadamente? — ironizo, mas a
preocupação fervilha na minha garganta.
Eles invadiram a minha casa.
Invadiram a porra da minha casa.
Ela não é lá grande coisa, mas é minha casa. Com minhas roupas,
minhas fotos com mi madre, meus cremes de cabelo, meu sofá meio
quebrado, meu tapete de yoga, minhas latinhas colecionáveis e meus livros
de medicina para, quando eu for inteligente o suficiente para ler, saber o
que está escrito.
Então... O que faria agora?
Posso voltar para lá? Não, está fora de cogitação voltar para onde
sabem que eu vou estar. É estupidez.
— Iam acabar com você e te levar para a sede deles, então iam te usar
da forma como bem entendessem, mesmo depois de você falar o que sabe
sobre mim. — Engulo em seco.
Não posso voltar.
— Você vai ficar aqui — Dylan manda, mas ainda não parece
preocupado em me olhar quando encosta a cabeça na parede atrás e fecha
os olhos.
— Não vou ficar aqui. — Eu não vou voltar para casa, mas também não
vou ficar aqui.
— E você vai para onde, hein? — A voz de Roman soa irônica. — Vai
ficar debaixo de uma ponte? Você tá sozinha, Julieta.
— É, vocês se certificaram disso, não é? — rebato, observando quando
ele fecha a boca e trava o maxilar. — Não vou ficar aqui, não dá.
Axel bufa ao meu lado como um touro, suas grandes pernas se movem
quando ele me observa e dita:
— Você não tem opções. Ou se esconde aqui, ou vai lidar com eles
sozinha.
O fato de saber que Axel não está errado é algo que me irrita e me
estressa na mesma proporção.
Mas ele também não está totalmente certo, pois não estou sozinha.
Minhas garotas.
Minha ruiva irritada e minha loira que, definitivamente, tem muita
classe para andar conosco. As melhores formas de me salvar são com as
minhas amigas.
— Tenho para onde ir. Minhas amigas vão me ajudar.
— A ruiva que te escondeu na casa dela ou a loira que foi junto depois?
— Roman me indaga, ele até balança a cabeça para mim decepcionado. —
Eu sei quem elas são, eu. Acha mesmo que esses caras não sabem?
Charlotte tem mais dinheiro, mas é a que mais tem a perder. Se um de
seus pais descobrir o que ela gosta de fazer em seu horário livre, ela perde
tudo. E Megan? Megan poderia perder tudo também, e iria ser muito mais
fácil do que com Charlotte, porque ela está aqui, mora em alguma casa
perto de mim e não tem milhões em herança para protegê-la de um grupo
de motoqueiros.
— Apenas pare de ser teimosa e acabe logo com isso — Roman ralha
fixando seus olhos azuis-escuros nos meus verdes.
Não quero ficar aqui, não quero dividir casa com eles. Não quero estar
aqui na sede do MC, mas o motivo ainda não é pelos homens com cerveja
e pelas drogas. Como pode ser, quando isso é tudo o que estou
acostumada?
Esse lugar é pesado demais, carregado com lembranças boas que se
transformaram em amarguras.
Mas de todas as minhas opções, essa aqui é a melhor. Se essa história
da gangue for tão séria quanto dizem, deixe que venham para eles e não
para as minhas amigas.
— Onde vou ficar? — indago a contragosto.
Axel faz um som de contentamento, pelo canto do olho observo Dylan
soltar a respiração aliviado. Mas Asher, meu brinquedo quebrado, apenas
me observa atentamente. O escuro dos seus olhos não me deixa nunca,
seu rosto é uma máscara onde eu não consigo enxergar nada.
Asher não é como Dylan, não consigo ler os olhos dele. Não consigo
tirar nada dele a não ser que ele me diga.
— No meu quarto — Roman diz encostando na cadeira do pai, como se
ele tivesse acabado de vencer uma batalha.
Estreito os olhos, se ele acha que ganhou assim, tem outra coisa vindo
para ele.
— Não vou ficar no seu quarto.
— Eu concordo — Dylan diz, se movendo contra Roman pela primeira
vez desde que eu o vi de novo.
— Não tem outro lugar para ela dormir aqui — ralha Roman.
— Então ela vem comigo e com meu irmão — Axel sugere, suas mãos
se fecham em punho em cima de suas coxas. — Mas você não vai dormir
no mesmo quarto que ela, ublyudok10.
— Agora você está sendo maldoso... — Roman deixa a sua cabeça
pender para o lado e um sorriso sujo surge de seus lábios. — Que porra
isso significa?
— Acabei de te chamar de filho da puta — Axel diz de volta.
— Não temos tempo para brigar agora. — Dylan levanta-se do sofá e se
aproxima da gente. — Precisamos resolver isso logo para irmos embora,
mas concordo com Axel: “Ela não vai dormir no seu quarto”.
— Está com medo de eu atacar ela? — O cabelo preto cai em sua testa
quando ele balança a cabeça.
— Ela vai dormir no seu quarto. — A voz de Asher soa, mantendo todos
os nossos olhares nele. Durante a infância, sempre pensei que as vozes dos
gêmeos eram idênticas também, apesar de sempre saber diferenciá-los
pela entonação. Asher falava em um tom calmo, frio, quase preguiçoso.
Mas Axel era o contrário, ele sempre falava com emoção. Quase sempre
gritando, quase como se tivesse algo urgente para fazer.
Agora, a voz deles está diferente e não apenas pela entonação. A voz de
Axel está rouca, a de Asher não.
Ele volta a falar:
— Mas você não vai dormir no mesmo quarto que ela.
— E quem disse que eu ia? — Roman diz, cruzando os braços e
estufando o peito. Perde toda a sua postura quando ficamos todos calados
o encarando, porque era mais do que óbvio que ele ia sim querer se enfiar
no quarto comigo. — Ela não pode dormir sozinha aqui.
— Não vou dormir com você e nem na cama onde você fode as suas
prostitutas — declaro.
— Isso não é uma frase muito feminista de se dizer — Roman me
provoca. — O que foi, está com ciúmes das minhas garotas?
Suas garotas? Eu quero vomitar.
— Você nem deve saber o significado de feminismo.
— É claro que eu sei, por isso eu estou falando com você sobre isso.
Particularmente, eu me considero muito feminista — ele continua.
— Terminem de resolver isso e me tirem dessa miséria... — ouço a
lamentação de Dylan no canto, então imediatamente eu fico mais brava.
— Se não quiser ficar aqui é só ir embora.
Ele franze a testa descontente quando diz:
— Não até resolvermos isso e você ficar segura.
— Ah, meu Deus! Vai chupar um pau e sair daqui.
Os olhos de Dylan se estreitam, mas um sorriso em sua boca nasce
beirando a diversão. Imediatamente sei que não vou gostar do que vai sair
da sua boca.
— Colocar Deus e pau na mesma frase é um pecado, querida. — Ele
passa a mão no cabelo loiro. — Pecar fica bem em você.
Nós nos olhamos por um tempo. Os olhos de Dylan são diferentes dos
de Roman. Enquanto Roman tem olhos azuis-escuros, quase parecidos com
a cor do mar profundo, Dylan tem os olhos em um azul mais claro. São
como o céu em um dia de verão, como o mar do Caribe. Claros e
cristalinos, quase como se eu pudesse enxergar através dele.
— Então você vai dormir no quarto de Roman e ele dorme em outro
lugar, certo? Problema resolvido — Axel retoma o assunto dos quartos.
— Não, eu não quero correr o risco de pegar nenhuma doença ou
dormir em um colchão sujo de porra.
Roman revira os olhos para mim, como se eu tivesse dito o maior
absurdo do mundo.
— Não tem nada disso no meu colchão. Juro de mindinho se você
quiser.
— A palavra de um pecador não vale nada — Asher fala.
— Acha mesmo que eu iria transar no lugar onde durmo sendo que
tenho outros lugares para fazer isso? Vocês estavam lá fora, lugar para
foder é o que não falta aqui. — Ele olha ao redor para os meninos, mas
nenhum deles parece dar tanta importância ao fato de eu estar
incomodada em dormir no quarto onde Roman fode as suas vadias. — Não
tem outro lugar mais limpo aqui, até a mesa do meu pai é mais suja do que
o meu quarto. Não levo ninguém para lá, tudo o que tem no meu colchão é
o meu cheiro. Eu juro.
Não sei se é melhor ou pior.
Dormir sentindo o cheiro do perfume dele não é muito reconfortante.
— Tudo bem — aceito, totalmente a contragosto.
Isso é um inferno em todos os sentidos da palavra.
— Ótimo, nós voltamos amanhã cedo quando esse lugar não estiver
cheio de dependentes químicos e prostitutas — Asher fala.
— E por que vocês iriam voltar? — Roman olha para ele.
— Porque você pode ter terminado os assuntos com ela, mas nós não
terminamos o nosso com você. — Seus olhos quase sem vida nunca
deixam os meus quando ele fala com o príncipe dos motoqueiros. — Ainda
temos muitos assuntos para tratar, então é melhor se acostumar conosco,
babochka. Nós não vamos mais embora.
E por alguma razão eu sei que ele está falando a verdade.
Com eles é correr ou morrer, a partir de agora.
Isso me instiga mais do que me assusta.
O quarto de Roman não mudou muito desde a última vez em que estive
aqui. Mesma cama enorme, mesmos quadros estúpidos de bandas que ele
costumava ouvir aos quatorze e mesma decoração sem graça. Roman não
é do tipo que precisa de muitas coisas para poder viver de bem com a vida.
Quando ele abre a porta para mim e me deixa passar primeiro, não sei
o que esperar desse lugar. Talvez, que ele engula o meu corpo por inteiro.
Talvez, que não sinta nada quando colocar os meus pés aqui, mas sinto.
Sinto familiaridade, porque tudo nesse lugar grita Roman Lennox Miller.
Simples e masculino, totalmente a sua cara. Ele nunca precisou de muitas
coisas para se acomodar de qualquer forma e sempre invejei isso nele.
Enquanto eu carregava malas, ele tinha uma mochila e poderia viver a vida
com isso e com sua moto.
Roman me observa enquanto eu examino todo o seu espaço, seus
olhos de falcão nunca me deixam. Ao contrário do que esperava, esse lugar
não tem cheiro de sexo e nem de perfume feminino. Tem um cheiro fraco
de bebida, perfume amadeirado e um toque de fumaça. Em outras
palavras, o cheiro dele.
Coloco Hela no chão, sentindo cansaço pelo dia que rivaliza com um dia
no inferno, mas a diferença é que, em minhas fantasias, eu governo o
inferno, e aqui... Aqui eu só estou sendo jogada contra a maré sem
nenhum bote salva-vidas.
— Sempre soube que, depois disso tudo, você iria acabar na minha
cama — o idiota provoca, com seus olhos azuis-escuros brilhando, quando
eu levanto o meu dedo do meio para ele.
— Ainda tenho a minha arma, cuidado — ameaço.
— Claro, como eu poderia me esquecer dela? — ele solta uma risada,
encolhendo os ombros, mas ele é tão grande que não faz muita diferença.
— O banheiro está ali, pode tomar banho se quiser.
— Não tenho roupas ou uma toalha. Ou uma escova de dentes.
— Pode usar as minhas — ele diz, e, ao ver o olhar horrorizado que eu
lanço para ele, apenas morde os lábios enquanto pisca para mim,
completamente divertido. — Já disse que as minhas coisas são as mais
limpas que você vai ter por aqui...
— Discutível.
— Se você quiser, eu posso ir lá fora e ver com uma das garotas se elas
têm roupas para você...
— Não! — o corto. — Vou ficar com as suas coisas, só me diz onde
estão que eu me viro.
O idiota me dá um sorriso vencedor. Roman gesticula para a cômoda
que há no canto do quarto. Uma grande TV fica em cima dela. É marrom
escuro, quase da cor da tintura da porta.
— Na primeira gaveta tem umas camisas que você pode usar, as toalhas
estão no armário da pia do banheiro — informa ele, então ele me observa
por um segundo antes de continuar. — Não tenho uma escova extra, não
recebo ninguém no meu quarto. Vou arranjar uma para você amanhã de
manhã.
O que mais eu podia dizer?
— Obrigada — agradeço mas apenas porque minha mãe me deu
educação.
Ele fica parado, me encarando enquanto eu o olho de volta. O que
diabos ele está esperando para dar o fora daqui e me deixar em paz?
— Vou tomar banho no banheiro do meu pai, então volto aqui para ver
se você conseguiu dormir.
Ignorando completamente a declaração sobre ele voltar aqui, reviro os
olhos com o absurdo dele achar que eu conseguiria dormir com esse
barulho infernal.
— Não vou conseguir dormir com esse barulho, mas vou tentar. E você
não vai entrar aqui.
Ele bufa, desacreditado com a minha declaração, franzindo a testa.
— Deixe a porta trancada até que eu volte — ele manda. Então se vira e
sai depois de me lançar um longo olhar.
Ele manda, Fico ali parada e sem jeito enquanto me preocupo em olhar
ao redor, então vou rapidamente até a porta e a tranco com a chave que
está ali.
Não gosto de obedecê-lo, mas não vou brincar com a minha segurança
nesse lugar de modo nenhum.
Hela é rápida em achar a cama e se deitar em cima dela, me olhando
com os grandes olhos felinos que eu tanto amo. Ando ao redor, olhando
descaradamente dentro de gavetas à procura de algo. Não sei o que estou
procurando aqui, talvez não esteja procurando nada senão um motivo para
machucar ainda mais o meu coração, que não está lá essas coisas.
Mas não acho nada a não ser as coisas dele: roupas, meias e cuecas.
Roman não é capaz de guardar muitas coisas, é sempre prático. Desisto
logo em seguida, indo para a porta depois de pegar uma camisa preta
totalmente a contragosto, e deixo a porta meio aberta apenas para o caso
de Hela querer entrar no banheiro caso se sinta sozinha.
Ela não vem.
Quando saio de lá algum tempo depois, mais cansada e relaxada do
que quando entrei, cheirando a sabonete neutro e xampu masculino, Hela
ainda está parada no mesmo lugar.
Minha querida preguiçosa.
E mesmo sabendo que o meu cabelo vai ficar horrível por dormir com
ele molhado, me deito na cama, fazendo questão de jogar todos os outros
travesseiros longe e me deitar bem no meio dela.
Tem cheiro do mesmo xampu do meu cabelo e nada mais.
Sem perfume feminino, sem suor, nada que possa deixar claro que
outra pessoa se deita aqui além de Roman.
Não que eu me importe com quem mais se deita nessa cama.
Meus olhos se fecham antes que eu consiga ter controle e o cansaço
toma conta de todo o meu corpo. Paro de lutar contra os meus
pensamentos e tento dormir, porque sinto minha cabeça começar a latejar
e a parte de trás dos meus olhos começar a doer.
Mas mi madre não parece muito disposta a me deixar dormir.
Quando o meu celular toca e vejo no visor “Prisão Rikers”,
imediatamente sei que não vou poder dormir por um bom tempo.
Pelo menos, sei que a Sra. McCurdy está bem, já que ela está fazendo
fofocas para a minha querida e ocupada mãe.
— Oi — digo assim que atendo a ligação.
— Cómo estás? Donde estas?11 — Sua voz soa abafada e afoita, quase
como se ela fosse ficar sem ar se não dissesse essas palavras. Sei que ela
está nervosa, minha mãe sempre foi do tipo superprotetora do seu jeito
próprio.
Sei que ela está se mordendo por dentro por não estar aqui, eu sei.
— Estou bem, nem cheguei a entrar em casa. Estou segura.
— Onde você está, Julieta González?
— Estou segura, mamãe. Te prometo.
Ela não se dá por vencida, a minha leoa. Quando ela ainda estava solta,
costumávamos brincar que ela era minha leoa pessoal, porque ela sempre
estava disposta a atacar qualquer um que me machucasse ou que
ameaçasse fazê-lo. Sempre com suas armas e contatos para fazer quem
fosse desaparecer.
— Quero saber o que aconteceu do início — ela manda.
— Quanto tempo nós temos?
— Não muito mais que isso.
— Então o melhor que temos é falar do plano para a frente. Quando eu
te tirar daí, nós falaremos sobre o que aconteceu.
Ela solta uma risada.
— Meu pobre bebê.
Mamãe sabe que sou obstinada, e sabe que tudo o que faço desde que
ela foi presa é achar um jeito de tirá-la de lá. Sei que ela não acredita
muito que sua filha de dezoito anos seja capaz de planejar uma fuga da
Penitenciária Rikers.
Às vezes, nem eu acredito que conseguiria.
Mi madre foi sentenciada há dez anos por lavagem de dinheiro e
julgada pelas leis de Nova York, já que, aparentemente, o crime ocorreu lá.
Ela cumpriu quatro dos dez anos, acha que vale a pena só esperar mais
alguns anos e então sair de lá, mas discordo completamente. Em primeiro
lugar, sim, minha mãe é uma criminosa. Ela roubava e vendia drogas,
expandiu seu negócio até fazer os outros venderem drogas para ela.
Também lidava com corrupção e fazia lavagem de dinheiro.
Mas nunca fez isso nos Estados Unidos.
Sim, ela cometeu um crime — muitos deles —, mas não aquele do qual
está sendo acusada. Quer dizer, que porra é essa?
A mulher não pode ser julgada por uma merda que não fez. Mesmo
quando fez, e muito.
E a Rikers? Essa aí é outra merda.
A penitenciária do terror, ouvi dizer. Aquela merda de lugar não é feita
para humanos, e sim para monstros. Minha mãe já foi até esfaqueada lá
uma vez quando entrou em uma briga com outra detenta. Não tem nem os
cuidados básicos que são necessários para um humano, e não sou uma
ativista e nem nada, não sou hipócrita, eu não dou a mínima para os outros
detentos. Não ligo se merecem por estarem ali e tampouco para quem
morre lá dentro, mas minha mãe... isso é outra história.
Minha mãe ama mascarar a verdade para mim, mentindo e dizendo
que está tudo bem, que consegue dormir à noite e que não é tão ruim
assim, que ela consegue aguentar. Que os últimos quatro anos não foram
tão difíceis e que os próximos seis vão ser moleza para ela.
Moleza a minha bunda.
Margarita González é dura na queda, mas eu quase sempre consigo ler
entre as mentiras dela.
— Não pode voltar para casa — ela sussurra para mim, com medo de
algum guarda escutar o que ela diz.
— Eu sei — admito — Mas tenho um plano.
Eu não tenho um plano.
Definitivamente não tenho nada, não sei como vou sair dessa porra de
situação. Inferno, nem sei como vou tirar a minha mãe da Rikers, tudo o
que eu sei é que vamos precisar de dinheiro e de uma outra identidade, e
eu não roubo mercados à toa.
É divertido, mas não é a troco de nada.
Mas também não posso ficar marcada para a justiça americana — essa
filha da puta —, preciso de uma boa foto na hora de fazer o passaporte
falso e não me adianta de nada se o meu rosto estiver estampado em
todos os jornais.
Quando teve o ataque na escola, eu sabia que, se viessem atrás de
mim, não achariam dinheiro algum, porque a minha parte já está fora de
vista em uma conta fantasma no exterior, esperando apenas o momento
em que eu tiver os materiais suficientes para fugir com Hela e minha mãe.
Então Margarita González vai saber a filha foda pra caralho que ela
colocou no mundo.
Mas, por ora, tudo o que tenho é dinheiro. Não muito, não o suficiente
para uma vida do jeito que teremos que levar, mas é o caminho para uma.
Como eu vou fazer isso, não faço ideia.
— Vou gostar do seu plano?
Uma risada abafada escapa dos meus lábios.
— De jeito nenhum.
Com alguns minutos de conversa (os poucos que nos restam), eu
descubro que a Sra. McCurdy está bem e com Charlie. Me contou que
minha vizinha se escondeu assim que ouviu o barulho dos motores e ficou
lá até escutar de volta, quando eles foram embora.
Isso aconteceu há poucos minutos.
Quando a porta faz barulho e o som das batidas chega aos meus
ouvidos, imediatamente desligo o telefone, murmurando um “eu te amo”
para ela com o coração apertado. Me levanto da cama com minha arma
em mãos e vou até a porta, apontando para lá enquanto a destranco.
Não vai me pegar, filho da puta.
Mas acontece que, quando a cabeleira escura e toda a altura de Roman
aparecem, permito que meu corpo relaxe um pouco.
Relaxar na presença de Roman Miller... é mesmo o fim dos tempos.
Ele olha para mim confuso, seus olhos azuis me encontram facilmente
quando ele entra carregando uma multidão de cobertores. Ele olha para a
arma antes de revirar os olhos e fechar a porta atrás de si.
— Achei que já tivéssemos superado isso — ele fala, passando a mão
no cabelo escuro que parece molhado.
Está vestindo de forma diferente: está com uma calça moletom e uma
camiseta preta, completamente oposta do uniforme de filho do Prez que
ele usava antes.
Constato também que cheira diferente. Não tem mais o cheiro de
cigarro e, vergonhosamente, admito que Roman cheira a sabonete e
xampu. Os mesmos que o meu.
— Nós não vamos superar isso. — Abaixo a arma e a coloco onde
sempre esteve: ao meu lado. — O que está fazendo aqui?
— A minha cama — diz enquanto se move e começa a abrir os
cobertores no chão, bem embaixo da sua cama, que agora passará a ser a
minha.
— Que porra é essa? — pergunto a ele.
— Não vou te deixar dormir sozinha aqui, então a melhor opção que
tem é me ter aqui no chão. — Ele franze a testa pelos travesseiros caídos
no chão e pega dois, jogando em sua cama de cobertores. — Também fiz
eles desligarem a música, você vai conseguir dormir agora...
Pisco enquanto o observo, todo grande, enquanto faz a sua cama no
chão para não me incomodar com a sua presença indesejada ao meu lado.
Me irrito.
— Você vai dormir aí no chão?
— Vou.
— E fez a festa toda acabar porque eu não estava conseguindo dormir?
— Não foi só por você, eu também não consigo dormir com barulho
alto.
Ele está brincando com a porra da minha cara? Roman cresceu aqui,
essas paredes e barulhos são tudo o que ele conhece. Ele consegue dormir
até se o teto estiver desabando em cima dele.
— Você costumava ter um sono pesado quando éramos mais novos.
— As coisas mudaram.
— Mudaram, é?
— Aham. — Ele balança a cabeça, todo insolente.
— Se você subir, eu atiro em você — ameaço.
— Claro que vai... — Claramente não está me levando a sério nesse
momento. — Tem mais uma coisa.
— O que foi? — pergunto, emputecida.
— Eu ainda durmo sem camisa. — Observo quando esse filho da puta
faz um show para tirar sua camisa branca, expondo todos os músculos que
trabalhou duro para ter e as tatuagens que têm em seu peitoral. De alguma
forma, isso tudo é muito Roman.
Os desenhos em seu peito, os músculos flexionados, o cabelo preto
molhado e bagunçado e os olhos azuis desejosos.
A mistura perfeita do pecado.
Sou uma pecadora, eu sei, talvez uma das piores, mas não vou me
permitir pecar com esse demônio de olhos azuis que transou com a minha
irmã e rasgou o meu coração enquanto o comia com ela.
Deito minha cabeça no travesseiro com o cheiro dele e fecho os olhos
com força.
Não os abro até ele se deitar e apagar as luzes.

Acordo com fome.


Isso é estranho, porque não sou do tipo que tem fome de manhã, mas
acontece que, especialmente hoje, o meu corpo decidiu pregar pegadinhas
em mim e me fazer de boba.
Com fome em um lugar que não me pertence mais, com pessoas que
não são minhas amigas e dividindo o mesmo teto que os imbecis que
ajudaram a minha mãe a ser presa.
Até tento enrolar na cama depois de dar uma espiada em Roman para
ver se ele está acordado, mas não está. Está virado de barriga para cima
expondo o seu peitoral, que eu me recuso a olhar mais do que dois
segundos, os cabelos bagunçados e os lábios meio abertos.
Enfim, ele é inútil agora.
Eu poderia acordá-lo e exigir que busque alguma coisa para comer, mas
isso seria dar o atestado de que estou com medo de sair pela porta.
Nem morta eu farei uma coisa dessas.
Então visto a minha calça de menina grande quando meu estômago
ronca, me levanto na ponta dos pés e vou até o banheiro. Depois de
colocar as minhas roupas de ontem, incluindo as minhas botas, e de tentar
escovar os dentes com a pasta de dentes nos meus dedos e tentar domar o
meu cabelo da melhor forma que posso, coloco a minha arma no cós da
calça e saio do quarto de cabeça erguida.
Tudo por onde os meus olhos passam é vazio, não há pessoas aqui.
Silêncio total, então imagino que não seja muito do feitio de um MC
acordar cedo depois de uma festa.
Olho tudo com cuidado, o lugar claramente passou por uma limpeza,
mas não adiantou muita coisa. Apesar de não ter latinhas no chão, ele
ainda está sujo por conta da bebida derramada. As cadeiras estão
desorganizadas e há vidros de cerveja em todos os móveis que eu vejo.
Encolho os ombros, nem um pouco surpresa, essa é a vida no clube.
Bebida, mulheres e drogas.
Me certifico de não tocar em nada quando ando até a cozinha e abro a
geladeira, suspirando de alívio quando pego itens suficientes para um café
da manhã digno.
Não tão digno da minha presença, mas dá para o gasto.
Só depois de mexer os ovos quebrados na frigideira que ouço o barulho
de passos estalando em direção à cozinha. Me viro para trás, observando
quando a garota de cabelos rosa de ontem entra e me observa com os
olhos inchados, vermelhos e confusos.
— O clube não aceita visitantes depois das festas. — Sua voz quase não
escapa pela boca, o seu cabelo é curto em um emaranhado rosa e ela usa
só uma blusa masculina no corpo, quase como eu antes de me trocar para
vir aqui.
— Não sou uma visitante.
Ela estreita os olhos.
— As prostitutas também devem sair.
Desligo o fogo assim que percebo que os meus ovos estão no ponto
que eu quero e então me viro para encarar a desconhecida que acaba de
me chamar de prostituta com uma sobrancelha arqueada.
— Eu pareço ser a porra de uma prostituta para você?
É melhor algo que sair da boca dela me agradar, porque estou de mau
humor e não consegui comer porra nenhuma ainda.
Ela não parece nem um pouco constrangida com a minha pergunta, na
verdade me olha de cima a baixo antes de retornar os olhos escuros em
meu rosto novamente.
— Você se veste como uma.
Quase me engasgo. Perdão? Isso é pelas minhas botas? Elas são
maravilhosas, eu não ligo se são parecidas com as de uma stripper, as amo
pra caralho. Posso furar os olhos de alguém com os saltos dela, são
incríveis, porra.
— Você não está vestindo nada e não me vê apontando para isso. —
Gesticulo para ela com o meu indicador. — Olha, não estou em um bom
dia, então, se continuar me irritando, eu atiro na sua cabeça, me
entendeu?
A garota drogada de cabelo rosa abre a boca em choque.
— Estamos em um clube de motoqueiros, você não pode me ameaçar!
A vagabunda acha que estou brincando. Bufo como um maldito touro
antes de tirar a minha arma do cós da calça e apontar para ela. Já faz um
tempo que eu não atiro em ninguém e em nada, sinto saudades de fazer
um estrago. Atirar em uma garota que me chamou de prostituta antes do
café não me parece ser tão ruim assim.
Ela grita como uma louca quando aponto a arma diretamente para a
sua testa e treme como uma vara quando a destravo.
Talvez eu deva dar um nome para ela. A arma, quer dizer.
— Qual é o seu nome, querida? — indago, olhando para a fumacinha
saindo da minha comida no canto do olho.
Estou chateada.
— Vou chamar o Prez — ela sussurra, trêmula. — Sou da família. Ele vai
te matar.
Prez? O pai de Roman? Sinto um sorriso nascer dos meus lábios quando
penso no grande James Miller, o dono de todo esse lugar. Faz muitos anos
que não o vejo. Como será que está? Será que ainda é grande o suficiente
para que eu tenha que levantar a cabeça para olhar em seus olhos? Espero
que sim.
— Será que ele vai me matar mesmo? — pergunto genuína.
James sempre me tratou como uma filha, melhor do que o meu próprio
pai que estava ocupado demais cuidando dos seus gêmeos malditos para
desviar um segundo olhar para mim. Ao mesmo tempo, ele fez parte do
esquema que me tirou da minha mãe e não procurou saber de mim nos
últimos quatro anos. Se fosse tão especial assim, ouviria falar dele.
O que ele iria fazer comigo?
Iria me abraçar e me dar dois tapinhas na cabeça antes de me empurrar
para os garotos como quando eu era menor ou iria me arrastar para dentro
por ter apontado uma arma para... não sei quem diabos essa garota é.
Espera, quem diabos essa garota é?
— Quem é você?
— Vou chamar Roman. Ele é o filho do presidente e vai te esfolar viva
por apontar uma arma para a minha cabeça. — E agora ela tem a minha
atenção. Roman me esfolaria viva, é?
— Ele vai?
— V-vai... — ela gagueja quando chego mais perto.
— Por quê? — Pisco para ela. — Por que ele vai me esfolar viva? Por
enfiar uma bala na sua cabeça?
— S-sim...
— Você é especial para ele, querida? — Ela estufa o peito e assente
firme.
Eu estreito os meus olhos, fingindo pensar nas minhas opções. Especial
a minha bunda. Passamos ao lado dela ontem e essa garota estava
cheirando em uma moto e Roman nem mesmo deu uma segunda olhada,
mas ao mesmo tempo... E se foi atrás dela que ele foi quando me deixou no
quarto? E se seu banho demorou menos do que o pretendido e lhe deu
tempo para falar com a coisinha de cabelos rosa? — Então acho que
devemos enviar uma lembrança sua para ele, não acha?
A coitada volta a tremer e prepara a sua boca para gritar, mas a voz
tempestuosa de Roman nos tira de nosso momento brilhante e divertido.
— Você tem que estar brincando comigo, porra! — Ele caminha em
nossa direção e não tem medo de entrar na minha frente para tentar tirar
a arma da minha mão. — Você não pode apontar uma arma para todo
mundo.
— Não aponto para todo mundo, eu aponto para quem me irrita. —
Atiro de volta para ele, mas a força de seus olhos azuis me faz perder parte
da força, então eu abaixo a minha arma depois de saber que não vou ter
mais diversão aqui.
— Por que você saiu do quarto, porra? — ele praticamente rosna para
mim, seu rosto está em uma máscara de revolta, um reflexo do meu.
— Não preciso da sua maldita permissão para sair do quarto.
— Precisa sim — ele dita. — O que ia acontecer se alguém errado te
pegasse aqui?
— Sou o seu segredinho sujo?
Ele revira os olhos.
— Se você fosse uma garota que fodo e tento esconder ia ser bem mais
fácil.
Estremeço de nojo, ignorando a sua declaração. Seus olhos provocantes
se fixam nos meus.
— O que aconteceria se alguém importante te achasse, Julieta?
— Roman? — A voz da garota de cabelos rosa desperta a nossa atenção
um do outro, então eu viro a cabeça para olhá-la. A pobre garota está a uns
centímetros de distância, parecendo ter um infarto com a presença de
Roman aqui.
— Alguém achou — ironizo. Os seus olhos nunca deixam os meus
quando ele balança a cabeça para mim.
— Ninguém importante — ele rebate. — Volte para o quarto, Candy.
Não quero ver você aqui.
— Mas...
— Agora.
Vejo quando a pobre garota volta para dentro do corredor como um
cachorrinho chutado, acatando as suas ordens com pressa.
Credo!
— Vim comer — admito depois de um momento de silêncio.
Ele ergue uma sobrancelha escura para mim.
— E precisava apontar a arma no rosto da garota para isso?
— Ela me chamou de prostituta — retruco, observando os olhos dele se
estreitarem por um momento antes da chama desaparecer. — E eu estava
com fome.
— Não pode mais fazer isso. As pessoas vão ser rudes com você, não
está mais em casa, Julieta. Isso aqui não é a porra de uma brincadeira com
as suas amigas, isso é um clube de motoqueiros. Precisa ser dura se quiser
ficar aqui, e não dá pra você apontar uma arma no rosto de todos que te
ofenderem. Se apontar essa porra de arma para a pessoa errada...
— O quê? Você manda em todos aqui. Se disser que devo ficar segura,
eles vão me deixar segura. Me lembro de quando éramos crianças, até
sendo um bastardo mimado a sua palavra ainda era lei.
Ele solta uma risada parecendo misturada demais com amargura para
mim.
— O tempo não passou só para você... Cuidado com o seu gênio ou eu
posso não ser capaz de te proteger aqui.
— Posso me proteger sozinha.
Ele balança a cabeça.
— Não, aqui dentro você não pode. Isso não é mais sobre você e suas
amigas, é o mundo real. Junte-se ao jogo ou você fica para trás. Vou
chamar os meninos, devia saber que eu não vou conseguir lidar com você
sozinho. Nunca consegui mesmo...
Ele vai até a geladeira e pega uma garrafa de iogurte de morango, então
vai até os armários onde tira biscoitos e pega um prato, virando os meus
ovos frios lá. Ele carrega tudo e, com um olhar de advertência, o sigo de
volta até o quarto.
Quieta e pensativa, quase como a coitada de cabelos rosa. Candy.
Mas, diferente do que Roman falou, isso ainda é sobre mim e minhas
amigas. Isso é o mundo real, sempre foi. Sempre foi pela independência de
Megan, pela liberdade de Charlotte, por todos os meus objetivos
trabalhosos. Sempre com muito em jogo. Sempre jogamos tudo ou nada
entre nós três. Roman está errado, nós três sabemos lidar com o mundo
real como ninguém.
Rastejamos nele, cuspimos nele e muitas vezes nós dobramos a ele.
Roman vai ligar para os garotos, talvez seja a hora de ligar para as minhas
garotas.
Não tenho vergonha em admitir, não com elas...
Preciso das minhas garotas, e rápido.
Gosto de socar coisas até que elas sangrem, gosto de machucar as
minhas juntas quando faço isso, gosto de sentir a minha carne em contato
com alguma coisa quando estou com raiva. E estou com raiva na maior
parte do tempo.
Não gosto de matar coisas, isso é uma coisa do meu irmão gêmeo. Eu
machuco, faço sangrar e desejar pela morte, não mato.
Gosto de provocar as pessoas. Gosto de aprender onde dói para poder
apertar e fazê-las sangrar. Gosto de dizer a coisa certa na hora certa só para
ver elas se contorcerem de desconforto, gosto de saber que eu sou a causa
do desconforto.
Não é uma maravilha bater em alguém, mas é satisfatório vê-los cuspir
sangue que você colocou lá. Eu sei que tenho alguns problemas, mas todo
Volkov é assim.
Meu irmão gêmeo, por exemplo, é um tipo de monstro. Diferente de
mim, que tenho prazer em pequenas dores, Asher tem prazer em grandes
tragédias. Em ver a vida sair do corpo e tudo isso com o rosto ilegível, mas
eu sei que ele gosta. Sei porque seus olhos sempre mostram o
contentamento, não dá para mentir para o seu gêmeo.
Mas tem uma coisa que Asher gosta mais do que causar a desgraça
para as pessoas.
A porra de Julieta Leclerc. Ou González. Qualquer que seja a porra de
nome que ela atende agora.
Julieta...
Ela ainda usa o mesmo perfume, eu descobri isso ontem. Não sei o
nome e nem me importo, mas o cheiro... Aquele cheiro de mulher que
sabe foder com a sua vida. Aquela mulher de cabelo grande e olhos verdes
que fala em espanhol sempre que pode.
Suas respostas na ponta da língua devem deixá-lo de pau duro. Sei bem
disso porque elas me deixam assim.
Uma ereção é tudo que Julieta tem o poder de dar para mim depois de
tanto tempo, mas Asher não pensa como eu.
Não, ele herdou a teimosia e a essência faltando do nosso pai. O
bastardo.
Asher tem alguma coisa faltando na porra da cabeça dele. Nosso pai diz
que ele é o gêmeo que deu certo, mas eu discordo. Um poço vazio não é
nada se comparado com algo cheio, e o vazio de Asher não é considerado
nada para mim.
Mas ele não está tão vazio agora, não enquanto me olha impassível e
toma um gole do whisky do nosso pai, todo largado na cadeira. Confortável
e satisfeito demais, para me deixar feliz.
Filho da puta.
— Você está gostando disso, não é? — pergunto ao idiota do meu
irmão, mas ele apenas levanta o olhar em minha direção antes de voltar a
olhar para o copo.
— Tem que ser mais específico, se quiser uma resposta minha...
— Julieta. — Os olhos dele se levantam para mim de novo.
Ele pende a cabeça para o lado, me avaliando com os seus olhos que
são gêmeos dos meus.
— Não tanto quanto você.
— Não estou gostando dessa maldita situação, mas você... deve estar
pulando por dentro depois de vê-la de novo.
Ele pisca para mim. Eu pisco de volta.
— E você, irmão? O que vai fazer para comemorar a volta dela para a
sua vida? Ir para aquele lixo e bater em um homem ou vai distinguir os
seus comportamentos e se enfiar dentro da boceta suja de uma prostituta.
— De nós dois, você é quem tem um fraco por prostitutas e nós dois
sabemos disso, certo? — provoco, observando com prazer quando ele tira
os olhos de mim e volta para o copo. — Só gosta quando elas cobram
muito.
— E você tem um fraco por tudo que se move — ele rebate.
— Sou eclético. — Encolho os ombros.
Asher volta a me olhar com os seus olhos que são reflexos dos meus.
Não somos idênticos, dá para diferenciar facilmente um do outro. Quer
dizer... Temos o mesmo rosto, mas eu sou mais forte e tenho cicatrizes.
Asher é o cara do terno e da limpeza. Ele não gosta de marcas no corpo
dele, sejam cicatrizes ou marcas de tinta. Asher é... Não sei o que diabos o
meu irmão é.
Um dia fomos mais do que isso, ele e eu...
Éramos parceiros, tão próximos quanto podíamos. Mas então algo
aconteceu... Bem, uma mulher aconteceu.
Julieta González e sua ira aconteceu.
Seu furacão nos tirou do eixo, e até mesmo o meu irmão vazio pôde
sentir a força que ela carregava naquela época. Foi demais para nós dois.
— Você ama se sentir superior a mim em relação a ela, não é? — ele
indaga. — Gosta de mostrar que está mais adiantado do que eu, que
superou tudo o que ela representa.
— E superei.
— É, e é por isso que enfia o seu pau em tudo que se move e pisca os
olhos para você...
— É melhor do que só conseguir enfiar o meu pau quando eu pago caro
por isso uma vez a cada mês — bufo. — Se eu bem me lembro, ela sempre
foi ciumenta. O que vai acontecer quando os seus planos de cartas não
funcionarem quando ela descobrir que você anda fodendo por aí?
Asher aperta os olhos, ainda me olhando. Quase me contorço sobre a
porra do seu olhar. Nunca sei o que se passa na cabeça do meu irmão, mas
ele sempre parece saber o que se passa na minha. Gosto de fingir que ele
sempre está errado se tratando de mim e meus pensamentos.
— Cuidado, irmão. Sua obsessão está aparecendo...
— Não tenho obsessão nenhuma, diferente de você — Aponto,
esperando-o negar para mim qualquer envolvimento com Julieta como
tem feito nos últimos anos.
Ele não faz.
Asher fica quieto quando toma mais um gole do copo.
— Estou curioso, o que vai fazer quando ela te irritar como fazia antes?
Expiro.
— Nada.
— Nada?
— Nada...
Asher faz um barulho e abre um sorriso de escárnio para mim,
zombando da minha resposta. Ele vira o resto da bebida na garganta
quando se levanta e ajeita o paletó do terno.
— Diga as suas mentiras até que elas sejam verdadeiras, mas, enquanto
você foge do seu pecado, vou me deliciar com as lágrimas dela e com todo
o fogo que ela vai soltar em mim.
— Ela vai te comer vivo — resmungo quando o vejo se mover em
direção às escadas, pronto para subir para o quarto.
— E quem disse que não é isso que eu quero?
E com isso, Asher sobe as escadas e me deixa sozinho na sala com uma
garrafa de bebida ao lado.
Obcecado; de todos nós, ele sempre foi o mais obcecado por ela.
Nunca entendi direito o porquê, mas ele sempre pareceu mais vidrado.
Quando eu e os outros idiotas tomamos a decisão de deixá-la ir, Asher foi o
primeiro a ir contra. Ele bateu o pé e ameaçou todos. Asher, em suas
próprias palavras, envia cartas para Julieta quando todos nós juramos
permanecer igualmente longe.
Meu terrível irmão, o mais ligado a ela.
Não sou estúpido, todos nós estávamos ligados a ela, mas isso é
passado. Tem que ser passado. Se alguém tem o poder de nos destruir,
esse alguém é Julieta González. Não é justo que ela detenha esse poder, eu
já vi o que pode acontecer antes e não gostei.
Não terminou bem para a minha mãe, não vai terminar bem para
Julieta.
Me levanto tempo depois do meu irmão e, mesmo querendo beber a
garrafa e ficar onde estava, me forço a subir para o meu quarto, para longe
do filho da puta do meu pai e de suas armadilhas para me agarrar em sua
teia de mentiras.
Quando me deito em minha cama, desejo estar deitado na de outra
pessoa. Desejo estar com uma garota qualquer e uma garrafa de álcool do
meu lado. Quando fecho os olhos, sei que não vou dormir por muito
tempo. Sei que tranquei a porta com todas as fechaduras, sei que fechei as
janelas e, ainda assim, sei que nada disso vai ser o suficiente para que
minha cabeça fodida me deixe dormir por uma noite inteira.
Não durmo uma noite inteira há muitos anos.
E quando tomo uma das pílulas para dormir, escuto os sapatos caros do
meu pai do outro lado do corredor.
Mikhail Volkov está em casa.
O maldito lobo mau e vilão das minhas histórias.
Dizem que o fruto não cai longe da árvore, certo?

Algumas fodem, se enchem de sexo até não conseguirem andar. Outras


bebem, usam drogas e se perdem. Eu luto.
Não preciso necessariamente de uma luta para ficar satisfeito, mas,
desde que eu esteja dando socos em alguma coisa, o meu dia já fica
melhor.
Então, quando acordo no dia seguinte e vou direto até o saco de boxe,
que fica na área da academia, não é surpresa nenhuma.
Soco com força por quarenta minutos, até o meu pulso tremer e os
meus músculos latejarem, até eles incharem e dobrarem de tamanho, até
o suor escorrer pelo meu rosto e pingar no chão.
É quando o meu telefone toca, mas ignoro, imerso demais no que estou
fazendo para prestar atenção em outra coisa.
Ume vez, quando mais novo, tentei extravasar com sexo. Transar era
algo bom, mas não demorou até isso não ser o suficiente para mim.
Conheci uma mulher mais velha e mais experiente do que eu era naquela
idade. Seus olhos brilharam quando me observaram e eu só entendi o
motivo quando ela veio conversar comigo e, entre os copos de bebida, ela
me contou que era uma mulher adepta ao masoquismo e que gostava de
restrições durante o sexo.
Não transamos naquela noite por conta da bebida, e nem na noite
seguinte. Demorou duas semanas até que eu conseguisse chegar perto da
calcinha dela, mas, durante todo o tempo em que não tocamos um no
outro, ela me ensinou. Me disse o que gostava e me disse como fazer e,
com isso, aprendi o que eu gostava.
Ela me ensinou como amarrá-la, como bater e onde fazer. Me ensinou
sobre suas preferências, sobre quando continuar e quando parar mesmo
quando ela me implorasse. Aprendi um mundo que nunca havia conhecido
antes e, mesmo quando ela foi embora, fiquei.
Com ela entendi que sou um homem um tanto sádico e que minhas
parceiras precisavam ser masoquistas.
Não dá para dizer uma coisa dessas para qualquer uma, então voltei à
luta. Lutei até cansar, me machuquei até ir para o hospital e aprendi a
parar de prestar atenção em qualquer merda que desvie a minha atenção
do meu oponente.
Eu devia ter feito isso.
Mas então ouvi o barulho do portão da garagem seguido pelo ronco
dos pneus do carro de Asher.
Paro os meus movimentos e olho ao redor, desconfiado. Ando até o
meu celular e limpo o suor com a barra da minha camisa, desbloqueando a
tela para saber que porra está acontecendo.
Desconhecido: Precisamos de um plano e ela já está me
dando problemas demais. Quero vocês aqui. Sejam
discretos e entrem pelos fundos, vou dar um jeito de
esvaziar para vocês.

Roman. O filho da puta do Roman Miller.


Quero vocês aqui. Com quem esse merda está pensando que está
falando? Por acaso eu pareço uma das vadias dele?
Franzo a minha testa quando releio a mensagem. Desde quando Roman
não quer que os outros membros do clube nos vejam? E que porra é essa
de entrar pelos fundos?
Discretos... Certo.
Quando saio, trinta minutos depois e de banho tomado, pego um dos
carros esportivos de Asher só para deixar esse filho da puta irritado, mas
acontece que eu já estou irritado. Ele saiu sem nem avisar, indo direto para
o que quer. Típico de Asher.
Quando chego, estaciono o carro em uma rua próxima e caminho a pé
até a porta dos fundos, perto do lixo. Não acho o carro do meu irmão em
lugar nenhum. Abro a porta e entro, o lugar está vazio, diferente de ontem
à noite. Há algumas motos na entrada, mas nada cheio como ontem.
Roman fez um bom trabalho em esvaziar esse lugar, eu me pergunto o
motivo.
Aqui eles não eram uma família feliz, bonita e toda a coisinha patética?
Por que ele precisa nos esconder dos seus aliados? A conta não fecha.
Escondo um sorriso quando fecho a porta e começo a andar pelos
corredores, calado. Olho ao meu redor, mas não tenho sinal deles.
— Aqui — Dylan diz para mim quando passo por uma das portas, então
entro na sala e me deparo com o escritório do pai de Roman. De novo.
Roman está sentado na porra da cadeira como ontem, Dylan está em
sua frente, as mãos em frente ao corpo e a feição fechada como se
estivesse preparado para uma luta. Asher, meu gêmeo está de pé, sendo o
imbecil que é e se recusando a se sentar em qualquer lugar daqui.
A razão do problema, Julieta, não está à vista.
— Por que estou aqui? — resmungo, me jogando em uma cadeira.
— Porque você está tão envolvido quanto nós, agora cale a boca —
Dylan me responde, o seu temperamento digno da escória Monroe está
aparecendo e dando lugar à pose de garoto bom e suas mentiras.
A família de Dylan, os traficantes Monroe. Chamá-los de traficantes é
um insulto declarado, já que as cobras traiçoeiras são muito mais do que
isso. São figuras do crime organizado, gente suja que não paga para matar,
porque faz tudo isso rindo. Ganham rios de dinheiro e se escondem por
trás dos seus papéis como bens da sociedade.
Mentirosos.
Dylan Monroe é um mentiroso, esconde o seu temperamento ruim na
maior parte das vezes e se deixa aparentar pela figura do jogador de
futebol, mas eu e todas essas pessoas nesta sala, sabemos melhor. Dylan
Monroe é um câncer e não dá para se livrar dele.
— Achei que a situação dela e dos caras da gangue estavam resolvidas
— volto a falar.
Dylan bufa.
— E quem não achou?
— Onde ela está? — Asher pergunta, com os seus olhos fixos nos meus
por um tempo antes de eu estreitar e quebrar o contato visual.
Lidaremos com nossos problemas mais tarde, depois que eu tentar dar
um soco nele.
— Tomando banho no meu banheiro — responde o motoqueiro.
Os olhos de Asher brilham por um minuto, então ele olha para a porta
antes de estreitá-los naquela direção. O filho da puta vai lá, sei que vai.
Ele provavelmente iria sair sem que nós víssemos e abrir a porta do
quarto, apenas para incomodar ela com a sua presença e vê-la enrolada
em uma toalha.
Obcecado.
— Por que você voltou a falar com ela quando juramos não fazer mais?
— pergunto a Roman, apenas para ver a atenção do meu não tão querido
irmão voltar para o motoqueiro com interesse. Me viro para Dylan. — E
você? As líderes de torcida não foram uma boa foda? Precisava ir atrás
dela?
— Eu estava salvando a vida dela!
— Você estava sendo um bastardo egoísta e é por sua causa que
estamos aqui hoje — respondo Roman.
Ele levanta as mãos e me olha como se o problema estivesse resolvido.
— Então, vocês todos deveriam me agradecer.
— Você jurou. Jurou com todos nós que não iríamos mais atrás dela,
porra! — rosno, batendo as mãos na mesa.
A postura de Roman se expande como a minha, suas próprias mãos vão
para mesa e seus ombros sobem e eu sei que, se o irritar o suficiente, ele
vai pular em cima de mim para me bater.
— E eu quebrei a porra da promessa, exatamente igual a você.
— Nós quebramos porque vocês quebraram.
— Asher quebrou primeiro — Dylan diz. — Então, se formos analisar,
vocês estavam errados primeiro.
— Eu não estava errado porra nenhuma, salvei a vida dela — Roman diz
mais uma vez.
— E na escola? Quando encontrei você na porra de um beco com ela?
Aquilo foi salvá-la também? — Dylan pergunta.
— Como se você não tivesse aproveitado tanto quanto eu — diz o
motoqueiro. — E que porra você enviava nas cartas para ela?
Asher olha para todos nós com visível desinteresse, talvez até com um
pouco de nojo.
— Isso é entre mim e ela.
— O caralho que é. — Dylan apela e se levanta da cadeira. — Isso é
ridículo, nós fizemos uma promessa que nenhum de vocês levou a sério a
não ser eu; e agora, ela está correndo risco de vida por causa de alguém
que não cumpriu a sua parte.
— Eu sou a pessoa que levou essa promessa a sério mais do que todo
mundo nessa sala — declaro os fatos. — Nem sequer olhei na direção dela
uma vez em quatro anos antes da noite anterior, eu não a procurei em
porra de escola, não salvei sua vida, não a encurralei em becos e nem
enviei cartas para ela. Se alguém precisa levar o crédito por ter sua palavra,
esse alguém sou eu.
Eles ficam em silêncio por um curto tempo até a risada do meu irmão
ser ouvida.
— Axel Volkov, o homem de palavra. Aquele que cumpre as suas
promessas, mas, ainda assim, aqui está você, em um escritório sujo e cheio
de merda com a escória que você não gosta, apenas para escutar um
pouquinho sobre ela... Me diga, querido irmão, o que te torna menos
miserável do que qualquer um nesta sala?
Quatro anos atrás, quando a mãe da Julieta foi presa de uma forma
inexplicável e ficou claro que a corda rompeu pelo lado mais fraco, era
óbvio para nós que ficarmos juntos seria a receita para o desastre. Então,
nós demos um jeito. Ou tentamos.
A verdade sobre Julieta González? Estamos ligados para sempre através
dos nossos ossos por promessas mais fortes do que simples palavras. E eu
temo que eu vá cumprir a minha promessa a ela até o dia da minha morte.
Porque mesmo negando, mesmo discordando e me distanciando, Julieta
sempre será a porra do maior desastre da minha vida.
Quero fazer um desastre. Quero algo grande, uma coisa tão grande que
as pessoas parem para olhar e apontar, podem ter até lágrimas, seria bem
legal tê-las rolando por aí. Não as minhas, é claro.
Quando entro no maldito escritório — de novo —, decido que quero
ser a origem de um desastre.
Não precisa machucar inocentes, só as pessoas dessa sala e eu quero
que elas se machuquem de uma forma catastrófica. Sabe, como a queda
de um avião. Isso seria um desastre. Quero trazer desastres para todos
eles, e, enquanto eu vejo cada um dos olhares pesados que eles têm sobre
mim, decido então que o desastre que vou armar pode ser tão grande que
virará até notícia.
— Por que essas caras de enterro? — indago assim que coloco os meus
pés com minhas botas em cima do sofá e cruzo as pernas. Roman
conseguiu um xampu meio decente e uma escova de dentes, então eu
tomei um longo banho antes de vir para cá. Deveria só ter ido embora, ele
não me proibiu de ir. A porta está aberta. Não aberta no sentido literal,
mas ainda assim...
Posso ir embora se quiser.
A questão é que, apesar de querer dar o fora daqui, também gosto
muito da minha cabeça no pescoço. Então decidi que, apesar de ter sido
estúpida no café, vou ouvir o que eles têm para falar e reportar tudo às
minhas amigas, então vou ter dois planos para sair daqui, vou poder usar
esses imbecis e ainda vou ter teto e proteção.
Parece bom para mim.
— Precisamos tirar ela daqui assim que for seguro — Roman declara,
ignorando completamente a minha saudação enquanto fala com os outros
três garotos na sala. Sem educação.
O de cabelos loiros, Dylan, o olha atentamente enquanto faz o possível
para não olhar para mim. Será que a minha presença na sala o incomoda
tanto? Escondo um sorriso malicioso, torcendo para que esse seja o caso
apenas para que ele fique atormentado com a minha presença.
Ao contrário de Dylan, Asher me olha descaradamente, seus olhos
nunca me deixaram desde que entrei na sala. A frieza castanha sobre mim
de forma escancarada presta atenção em cada movimento meu, como se
contabilizasse cada coisa que faço.
Talvez, ele consiga ver até mesmo a minha pele se arrepiando sob seu
olhar e por isso ele continua a fazer, talvez goste de me ver desconfortável
sob os seus olhos. Ou talvez não tenha intenção de me causar desconforto
e precise me olhar por algum motivo egoísta e estúpido que
definitivamente seria muito Asher.
— Achei que o lugar mais seguro fosse aqui — o outro gêmeo ironiza
Roman pela fala de ontem. Axel parece meio miserável, seu corpo rígido e
seus olhos passam por todos nós antes de ir para o garoto que está
sentado na cadeira do chefe, Roman.
Ah, Roman... Esse que se senta como um rei de novo, mas dessa vez
parece mais disposto a dividir a sua coroa; e a imagem de prepotência que
ele geralmente carrega está meio fora de vista por agora. Agora ele só
parece preocupado. Hum, isso é interessante.
O que estaria preocupando a mente do príncipe motoqueiro em sua
própria casa?
— É, mas ela precisa de algo mais seguro — responde ele.
— Ontem, isso não pareceu ser um problema... — diz Dylan.
— Hoje é — bufa Roman. Ele joga as costas na cadeira e olha para cima.
— Por que a sua própria casa não é segura, Miller? — A voz monótona
de Asher chama a minha atenção para ele, mas, enquanto ele fala com
Roman, seus olhos ainda não me deixam.
Sempre foi assim com ele, com todos eles na verdade, mas com Asher...
Ele não conseguia nem me perder de vista, nos tempos em que eu voltava
para o México pareciam ser um inferno, porque ele me ligava todos os
dias, às vezes mais que o necessário. Sempre preocupado. Hum, talvez não
seja essa a palavra que descreva Asher e seus olhos sobre mim...
Qual era mesmo a palavra?
Obcecado.
— Nós temos os nossos próprios problemas para lidar aqui, porra. Não
dá para ela ficar por muito tempo, não vai ser seguro. — Ele passa a mão
pelo cabelo que não se preocupou em cuidar hoje de manhã. Roman
parece aceitar bem o visual desleixado e não se importa com a sua
aparência, não tanto quanto Dylan e Asher de qualquer forma. — Não vou
conseguir esconder ela por muito tempo.
Esconder.
Eu estreito os meus olhos e imediatamente faço anotações na minha
cabeça. Para que ele precisaria me esconder, sendo que esse lugar é
literalmente o seu lugar? Por que ele não confia nesse lugar? Não... Em
quem ele não confia nesse lugar?
Seu pai? Será que a garota trêmula realmente tinha razão e o velho
Miller quer a minha cabeça?
Se eu estiver na mira de James Miller... É, isso complica um pouco mais
as minhas coisas.
Com Roman, eu consigo passar, agora com o seu pai assustador e
malvado? Não, isso aí não vai ser tão fácil.
— Vamos levar ela para uma propriedade Monroe então — Dylan diz,
mas não se preocupa em me olhar ainda.
Estreito os olhos para esse filho da puta, mas ele não me vê. Óbvio.
— Cheia dos traficantes, Monroe? Com o desgraçado do seu avô? —
indaga Axel. — Nem fodendo que ela vai ficar segura lá.
— E onde é melhor? Na fortaleza Volkov com o Mikhail e suas lâminas
russas? — Dylan rebate.
— Pelo menos lá ela terá Asher e eu, e com a sua família ela só vai ter
você, o que, vamos combinar, não é grande coisa.
— Cuidado, Volkov — adverte o loiro.
Olho para os dois como se estivesse assistindo a uma partida de
pingue-pongue. Volkov e Monroe sempre foram grandes sobrenomes e
significam muita coisa no mundo em que vivemos, principalmente nessa
cidade.
Naturalmente rivais por lidarem com a mesma coisa: crime organizado.
Em outras palavras, a máfia. Não sei como funciona direito, não me
aprofundei muito quando era criança e os garotos eram proibidos de falar
dos seus negócios em casa por seus pais e avó, no caso de Dylan.
Sobre os Monroe e os Volkov, o que sei é que, obviamente, Mikhail está
à frente da família e tem laços estreitos com a Bratva, a máfia russa. Sei
que Mikhail veio para a América durante a Guerra Fria, e apenas isso.
Como um simples e pobre garoto russo veio para a América como uma
criança nos anos 70 e hoje é um mafioso com ligações na Bratva... Isso eu
não sei explicar.
Mikhail parece ser um lobo solitário, ele não governa da forma
convencional, não tem uma grande equipe de conselheiros por trás, não
tem esposa desde a morte da mãe dos meninos. Não tem todo aquele
apelo que se vê nos filmes de uma família que nasceu no crime, mas ele
ainda consegue colocar medo e as pessoas sabem que ele não é alguém
para se mexer, tampouco os filhos dele.
A família Monroe é diferente. Só sei dos negócios dela porque, além de
ter Dylan ao meu lado quando pequena, também sabia que o meu pai fazia
negócios com o avô de Dylan, Patrick Monroe.
Tive o prazer de estar com Patrick em uma ou outra ocasião, o homem
parecia ser um vovô amoroso e sério, nada mais. Definitivamente não
parecia a cabeça da dinastia Monroe, que, diferente dos Volkov, tinham o
apelo de família da máfia, porque eles estavam implantados nela até os
ossos. Sei que começaram vendendo álcool na época da lei seca e desde
então... os seus negócios se expandiram.
Dizem que eles são de algum lugar da Europa, mas quem vai saber.
Em termos de poder em massa, os Monroe estavam em uma força
estrondosa. Mas depois de anos, papai Volkov realmente se tornou uma
força a ser considerada.
Enquanto crescia, me cansei de ver os embates entre os gêmeos e
Dylan. Eu os via discutindo, brigando e se provocando durante toda a
minha infância. Uma rixa que veio de suas famílias, com toda certeza.
Roman sempre dizia que era injusto e se alistava ao lado de Dylan como
seu fiel escudeiro contra os gêmeos.
Essa rixa pareceu dar lugar a uma trégua quando eles se juntaram. Não
sei se realmente juntaram os negócios, mas, por um período, todos
pareceram estar em paz. Iam a jantares e comemorações uns dos outros,
participavam de reuniões secretas onde nenhum de nós poderia participar
enquanto suas esposas troféus exibiam suas habilidades na cozinha e
tentavam nos entreter. Eram tempos de calmaria.
Os russos não atacavam, enquanto os Monroe mantinham o pacto de
paz. Os motoqueiros também não causavam tantos problemas assim e a
criminalidade caiu de uma forma estrondosa. Até meu pai ganhou tanto
dinheiro que eu vi, mas maletas carregadas de dinheiro vivo. Foram bons
anos, mas dizem que tudo que é bom dura pouco.
E então eles ficaram agitados, as reuniões tomavam mais tempo e
começou a ter uma gritaria do outro lado da porta. Sei porque tentava
escutar o que tinha do outro lado. Os tempos de paz estremeceram.
E aí, a minha mãe foi presa e a paz desabou como se fosse um muro de
pedras.
— Meu pai acha melhor ela sair daqui a uma ou duas semanas... —
Roman diz, seus olhos se reviram enquanto observa Dylan e Axel quase
voarem no pescoço um do outro.
Olho para o motoqueiro, as ideias começam a se formar em minha
cabeça.
— Então quer dizer que o papai Miller sabe que estou aqui? — indago.
O rosto de Roman se volta em desgosto quando ele olha para mim.
— Número um, não volte a chamar o meu pai de papai nunca mais. —
Ele levanta um dedo. — E número dois, quem você acha que esvaziou o
clube? Meu pai programou uma corrida até a cidade do lado ou alguma
merda assim.
— Até um bordel mais perto, isso sim — Asher resmunga, seus olhos
finalmente me deixam quando ele olha para Roman. — Se é perigoso ela
ficar aqui, vou tirá-la agora.
— Agora vai ser ainda mais perigoso, nós precisamos deixar a busca
esfriar para mudar ela de lugar.
— E enquanto ela vive escondida aqui ou o quê? — Axel diz.
Roman parece muito satisfeito consigo mesmo quando balança a
cabeça. Me remexo no sofá, pronta para acabar com a sua graça.
— Não vou ficar escondida nesse inferno por duas semanas, Miller —
praticamente bufo para ele, emputecida. — Não sou a porra do seu
segredinho sujo para ficar trancafiada aqui quando o motivo para eu estar
aqui é você.
— Você não pode andar por aí, não é seguro.
— Alguns anos atrás esse lugar era o mais seguro do mundo, e agora é
essa merda? — resmungo. — Está com medo de que alguém conte o meu
paradeiro para os seus inimigos, Miller? Tem algum lobo entre as suas
ovelhas?
Ficamos calados enquanto observamos ele olhar ao redor, claramente
procurando uma saída da minha pergunta. Todos nós ficamos quietos
enquanto esperamos ele se virar para nós de novo.
— Ela te fez uma pergunta... — Asher diz para Roman.
Ele demora um tempo para abrir a boca de novo, ocupado demais
enquanto deve pensar se vale ou não a pena contar sobre isso para nós.
— Tem alguém que está vazando informações do clube para gangues ao
redor há um tempo. Nós não sabemos quem é, mas temos suspeitos. Não
dá para ela ficar andando de um canto para o outro aqui, mas também não
dá para sair.
— Acham que eles vão me matar se eu... Não sei, aparecer para dar um
“olá” na rua?
— Não, eles não vão te matar — Axel me responde. — Possivelmente.
O motoqueiro me responde:
— Vão te usar para chegar até a mim. Podem te machucar.
— Certo, eu já sabia de toda essa baboseira. Mas eles não vão me
atacar em um lugar cheio no meio do dia, certo?
— Dificilmente — responde Axel. — Por quê? O que você tem em
mente?
Como posso dizer que vou dar no pé para encontrar as minhas amigas,
para podermos armar um plano e prejudicar todos eles, então me tornar
livre? Seria insensível dizer assim...
E também...
— Odeio dizer isso, mas preciso ir para a escola. Tenho negócios a
tratar, pessoas para conversar e notas para manter.
— Fique aqui e mantenha o seu pescoço ligado à cabeça — responde
Dylan, falando direto comigo quando vira o rosto levemente para me
observar.
E então o observo de volta. Observo os olhos azuis tão claros quanto o
céu, o cabelo loiro bem cortado e cuidadosamente penteado. Observo a
sobrancelha loira desenhada, os cílios longos, o maxilar bem formado; e
até o seu pescoço longo, onde a linha da camisa da escola começa.
Ele faltou para estar aqui. Bom para ele, o capitão.
Dylan é o estereótipo perfeito. Loiro, de olhos azuis, capitão do time de
futebol com uma líder de torcida diferente no colo a cada semana.
Imbecil.
Eu costumava notar, já que era impossível não notar Dylan e sua corja
em qualquer lugar em que eles estivessem. E estive nas rodas das líderes
de torcida também, já fui uma delas, e se não perder mais aulas, ainda
serei. Já ouvi histórias sobre suas habilidades estratosféricas na cama e
toda essa merda. As garotas falavam, se vangloriavam por ele estar em
suas camas, mesmo que fosse por uma noite ou duas. Eu ouvia tudo isso
nos vestiários enquanto tomava banho e escutava os murmúrios.
E ele nem parece querer estar comigo no mesmo ambiente.
Ótimo, não era como se eu quisesse ele aqui mesmo.
— Eu não vou parar de ir à escola porque a porra de Roman Miller veio
atrás de mim. Tenho coisas para fazer lá.
— Mande outra pessoa fazer — Roman diz.
— Não, só eu posso fazer as minhas coisas.
— É um risco desnecessário — Asher me fala.
Eu sei, sei que é estupidez, uma idiotice sem tamanho; sei que faço
coisas idiotas às vezes e que isso pode terminar em uma merda muito ruim
para mim, quase como foi hoje de manhã. Não devia ter apontado uma
arma para uma estranha que não fez nada demais, mas ela me irritou,
então...
Acho que está tudo bem, apesar da minha falta de senso de
preservação.
Mas ficar presa aqui dentro significa viver em um quarto por seja lá
quantas semanas até que eles queiram me tirar de lá, trancada e sem nada
para fazer, sem ganhar dinheiro e correndo o risco de escutarem a minha
conversa com minha mãe, minhas amigas ou meus contatos. Então é correr
o risco de ser vista e ser arrastada por algum motoqueiro, além de não
dormir à noite direito por não saber quem é o maldito fofoqueiro daqui de
dentro e não saber se ele me viu ou não.
Não, são muitos riscos para mim.
Lá fora, eu consigo continuar no meu negócio, já que tenho um objetivo
bem traçado com um cronograma bem fofinho. Quer dizer, uma parte dele.
Então eu poderia usar uma desculpa para me encontrar com minhas
amigas e seria mais fácil passar informações por lá do que pelo clube. E
continuaria ganhando o meu dinheiro.
Mencionei a porra do meu lindo dinheiro?
Devo ter mencionado, com certeza. Aquele que preciso para tirar a
minha mãe da cadeia.
— É um risco que vou correr — declaro, alto e claro para todos eles
ouvirem. — E é um risco que vai valer a pena.
— Como nós quatro nos sacrificarmos por você, caso a situação aperte,
pode valer a pena? — indaga Axel, seco.
Encolho os ombros.
— Eu disse que vai valer a pena para mim, não pra vocês. Além disso,
vocês estão me devendo.
— Como, caralhos, qualquer um de nós pode estar devendo pra você?
— Para começar, eu só estou nessa merda por causa de vocês, e depois,
vocês me tiraram da minha mãe! — respondo Axel, me colocando em pé e
cruzando os braços embaixo dos seios.
— A polícia te tirou da sua mãe, nós não fizemos nada — o loiro me
responde.
Rio, amarga e irônica.
— Sim, claro que não fizeram... Minha mãe foi presa enquanto os pais
sujos de vocês continuam soltos!
— Sua mãe é tão suja quanto os nossos pais — Roman me diz.
— Mi madre não fez nada de errado!
— Nesse país — Axel ironiza.
Reviro os meus olhos, observando o sujo Axel com olhos atentos e um
sorriso amargo. Desde os hematomas até as juntas das mãos machucadas,
as cicatrizes até a postura expansiva e intimidadora deixam claro que Axel é
alguém que conhece a dor de perto.
Acontece que eu também conheço.
— É irônico falarmos sobre crimes, não é? — Pisco para ele. — Todos
nós aqui, e vocês acusando a minha mãe como se ela fosse o demônio
andando sobre a Terra e merecesse ser presa mais do que seus sujos
papais... Aqueles que matam pessoas, traficam mulheres e violam
garotinhos, não é, Volkov?
Os olhos de Axel tremem quando menciono seu pai na conversa. É um
boato que circula há muito tempo para quem tem ouvidos apurados, uma
fofoca sobre Mikhail e um garoto de treze anos há anos. Ninguém sabe se
é verdade ou não, mas o que sabemos é que o garoto apareceu morto com
um tiro na cabeça tempos depois.
— Julieta... — Roman me adverte, mas não dou ouvidos a ele. Quero
me virar em sua direção e cuspir todo o veneno que tenho, mas eu sei que
isso sim será uma idiotice sem tamanho, já que é ele quem me dá um teto
agora.
— Minha mãe era a mais inocente entre todos naquelas salas e todos
sabemos disso, mesmo assim vocês deixaram que prendessem ela, não é?
Porque era melhor ela do que os demônios que colocaram vocês no
mundo.
— Puta que pariu... — ouço Dylan sussurrar no canto.
— Já chega, babochka. — Asher para ao meu lado e me toca firme no
braço. Ele nunca esteve tão próximo a mim quanto antes, não desde que
voltou. E eu sinto tudo, o cheiro do perfume dele, a pele livre do odor do
cigarro, seu hálito mentolado.
— Por quê? Eu aguentei isso por quatro anos, os dedos apontados na
minha direção, as mentiras sobre minha família e vocês não podem
aguentar dois minutos? — Luto para tirar o meu braço do alcance dele,
mas suas mãos são fortes. Sinto sua pele gelada contra a minha quente,
suas grandes mãos me segurando, me mantendo perto mesmo quando eu
quero fugir.
— Isso não é um assunto para agora — diz Asher, ainda perto de mim o
suficiente para que eu precise erguer o rosto para olhá-lo nos olhos.
Ele possui a feição de um aristocrata. Tem gente que nasce para a
glória, e é fácil de ver. Asher é uma dessas pessoas, e o seu nariz... é tão
diferente do de Axel, mas ainda parecido. De qualquer forma, o rosto de
um aristocrata.
O observo de perto. Os lábios meio grossos, assim como as
sobrancelhas, a linha na testa enquanto me olha, o cabelo cuidadosamente
penteado e o olhar em cima de mim junto com o seu aperto.
Quase como se não pudesse me deixar ir.
Mas eu saio. Saio porque estar nos braços de Asher Volkov não é mais o
meu lugar.
Me forço para trás e forço o meu braço até que ele me solte. Então me
afasto deles e olho ao redor.
— Sei que é perigoso, mas não posso ficar presa aqui. Vou à escola de
um jeito ou de outro, e se vocês estão tão empenhados em me proteger
agora, mesmo quando não tem um motivo válido e não fizeram antes,
precisam saber que eu não vou deixar de resolver os meus negócios por
uma merda do Roman. — Aponto para ele com o indicador. — Além disso,
não vou ficar escondida entre vocês para sempre. Não sei o que tá
acontecendo, mas não é meu problema. Não mexi com coisa de gangue,
não tenho culpa nisso, a responsabilidade não é minha. Então, consertem
essa merda.
Roman estreita os olhos quando se levanta da cadeira também.
— Você mexeu com coisa de gangue no dia em que veio até mim com o
seu vestidinho vermelho e sotaque forte, Julieta. Não se engane.
— E que esse dia seja amaldiçoado para sempre.
— Você tem tanta culpa quanto qualquer um de nós, é tão suja e
pecadora quanto qualquer um de nós. Negar não nos leva a lugar nenhum
— ele volta a dizer.
Ranjo meu maxilar, não conseguindo desviar os meus olhos dos dele.
Não dá, Roman Miller... Todos esses garotos eram como o Lobo Mau da
história da Chapeuzinho Vermelho. Cruéis, tóxicos e, juntos, eram piores
ainda. Pela forma como trocavam olhares antes de todos olharem para
mim, eu sabia... Porra, não tinha como não saber.
Eles não ficariam separados mais uma vez.
Uma ruptura foi o suficiente, a nostalgia de sentar nessas cadeiras, de
brigar entre si, de se provocar... Isso não iria embora.
Engulo em seco e endireito os meus ombros.
— Volto para a escola logo, arranje um jeito de me colocar lá em
segurança.
Me viro e saio do escritório, voltando para o quarto de Roman com algo
pesado em meu coração. Preciso fazer algumas ligações, e a primeira de
todas é fazer uma chamada com uma certa loira e uma ruiva que fazem
parte da minha vida.
Elas sempre me ajudam a armar um caos e com todos eles juntos eu
não posso mais ficar sozinha.
Ela era a razão da maioria dos meus problemas. González era a razão
para a maioria das minhas diversidades, e quer saber o pior? Eu até estou
feliz por ela estar perto agora para causar os malditos problemas.
Me apaixonei por ela aos nove anos. E por me apaixonar quero dizer
que percebi que gostava mais da presença de Julieta do que gostava da
companhia de quase todo mundo. Naquela época, ela só perdia para a
minha tia e minha avó. Ninguém podia vencer deles. Hoje, sei o suficiente
sobre eles serem um bando de pés na minha bunda para considerá-los a
minha companhia preferida no mundo todo.
— Agora que ela saiu, vamos aos negócios — diz o gêmeo Volkov do
mal. Na minha opinião, todos os Volkov são enviados do diabo de tão
insuportáveis que são, mas esse gêmeo em específico sempre teve alguma
coisa sinistra nele.
Asher sempre foi meio errado. Éramos todos errados, mas ele era de
um jeito... frio ao ponto de me deixar intrigado.
Axel é só um pé no saco, que troca socos e vai voar direto para a
garganta, mas Asher... é simplesmente outra coisa.
— Achei que tivéssemos resolvido os negócios antes de ela aparecer —
Axel comenta, seco.
— Poderíamos ter resolvido, se eu não tivesse resolvido isso aqui hoje
de manhã. — Então ele retira alguns papéis que estão dobrados em seu
paletó e os joga sobre a mesa. Axel é rápido em pegar antes que qualquer
um de nós e abre o primeiro papel. Sua expressão se torna uma máscara
de choque quando olha mais uma vez antes de jogar na mesa novamente.
Roman pega antes que eu.
— Quando achou essa porra? — um irmão pergunta ao outro.
— De manhã na caixa de correio.
— As pessoas ainda usam correio? E não me avisou por quê?
— Estou avisando agora.
Roman franze a testa enquanto lê, então pisca algumas vezes até passar
os papéis para mim. Eu os pego, observando com olhos cerrados a ficha
policial de Mikhail Volkov. Não é bem a ficha real, porque os crimes aqui
não são nem um por cento do que Mikhail cometeu. Nah, não tem quase
nada de interessante aqui.
Desacato. Básico, todos fazem.
Invasão. É, acontece.
Tráfico de drogas. E quem não gosta de dinheiro fácil hoje em dia?
Não tem nada aqui sobre tráfico de mulheres, sobre lavagem de
dinheiro, sobre envolvimento com o crime organizado russo ou sobre os
seus outros crimes hediondos.
Que decepcionante.
Mas é meio preocupante também.
— Será que é ela? — uma risada escapa dos meus lábios enquanto faço
a pergunta que está na mente de todos à mesa de uma vez. Os gêmeos se
entreolham e Roman encosta a cabeça na cadeira.
— Ela passou a noite toda na minha cama, não tem como ter saído —
responde ele.
Não perco o tom zombeteiro em sua voz quando ele fala uma frase de
duplo sentido. Solto uma risada.
— Aposto que ela te mataria antes de deixar você chegar com o seu
pau perto dela.
Ele meneia com a cabeça.
— Ela iria me dar um tiro.
— Se não foi ela, então foi quem? — Axel pergunta, nos trazendo de
novo ao problema em questão.
Certo, não é a garota das pernas grossas e do cabelo longo e sim uma
ficha policial do Volkov.
— Aconteceu o mesmo com o meu pai dias atrás — informa Roman,
passando os olhos pela mesa grande quando ele olha para uma das
gavetas. — Achamos que só tinha a ver com alguém o traindo aqui dentro
do clube.
— Tinha alguma menção ao tráfico de armas? — Asher indaga.
— Não, só crimes leves. Achei que fosse para nos ameaçar.
— Quanto tempo tem isso?
— Menos de uma semana...
Axel solta um som parecido com um rosnado de seu peito, então se
estica na cadeira e olha para o teto antes de fechar os olhos.
— Está acontecendo de novo, porra... — resmunga. — Parece que
temos quatorze anos de novo.
Quando tínhamos essa idade e não pensávamos em nada mais do que
enfiar nossas línguas na garganta de alguém, especificamente a nossa
amiga muito próxima, começamos a receber cartas contando os pecados
dos nossos pais. Não eram cartas detalhadas ou alguma merda assim, eram
fichas policiais com fotos dos nossos pais mais novos quando eles eram
burros demais para tomar um quadrante.
A coisa começou a apertar e deu no que deu.
— Me conta mais sobre o cara que tá traindo o clube — peço.
— Ou garota.
— Ou garota — concordo com Axel pela primeira vez na noite.
Roman nos olha cauteloso por alguns minutos e, quando estou prestes
a perder a minha paciência com ele, o filho da puta começa a falar:
— Já tem semanas que meu pai começou a perceber que tinham umas
informações vazando. Nossos carregamentos começaram a ser
interceptados, nossos pontos de venda vazados. Sempre que aparecemos
tinha um filho da puta do Wild no lugar. — Ele balança a cabeça, frustrado.
— Mudávamos os lugares de reuniões e então mudamos de novo, algumas
vezes funciona, outras não; os filhos da puta descobriram onde estávamos
indo para negociar e arrumam brigas com nossos motoqueiros.
— Seu pai já distribuiu informações trocadas entre os grupos? — Essa
era uma velha tática Monroe para pegar um filho da puta traidor. Quem
me ensinou foi a minha tia Emma, irmã do meu falecido pai, que Deus o
tenha. Ou o Diabo, nunca se sabe.
A tática de distribuir informações trocadas é separar seus soldados em
determinados grupos e falar uma informação falsa em cada grupo, a que
vazar será imediatamente a suspeita.
Dessa forma, nós eliminamos pessoas e conseguimos colocar os
soldados que não são culpados de volta ao trabalho seguro, sem ter que
perder tempo em atirar neles nem nada.
— É claro que já, mas quem quer que seja sempre tem um jeito de se
esconder.
— Como a porra de uma cobra — Axel resmunga.
— Isso significa que quem quer que seja é velho na casa...
— Ou que antes de entrar aqui viveu o suficiente para aprender a
ludibriar James Miller, o que não é fácil... — opino, complementando a
frase do Asher. — Não deve ser alguém muito novo.
— Conhece o passado de todos os seus motoqueiros?
Roman olha para Axel com as sobrancelhas levantadas antes de
responder:
— É claro que não, porra.
Axel abre um sorriso cheio de dentes para ele.
— Então é melhor dar um jeito de conhecer.
— Elimine novos membros e prospectos que passam mais tempo na
rua do que aqui dentro. Prospectos não têm acesso às reuniões, é
improvável ser um deles a menos que um tenha um trabalho perto da sala.
Preste atenção nos motoqueiros mais velhos, aqueles que já tem mais
tempo de casa. Eles são os mais prováveis, porque conhecem o clube como
a palma da mão — Asher diz, sua estúpida voz de gelo soa na sala quando
ele auxilia Roman.
— Os membros mais velhos ajudaram a me criar — Roman retruca,
teimoso.
— E te traíram também — Asher rebate.
Roman meneia a cabeça, com seu maxilar travado e olhos cerrados
quando nos olha.
— Meu irmão tem razão, é mais fácil alguém que conhece os seus
movimentos te trair do que um filho da puta novo que treme nas pernas só
de olhar para você e para o seu pai.
Ele ainda olha os gêmeos em silêncio, então volta os seus olhos para
mim.
— Concorda com eles?
Quase bufo, porém me espreguiço e olho para o meu ex-amigo.
— É... tem lá a sua relevância o que eles falaram.
Então ele assente e se encosta na cadeira de novo.
— Isso não resolve o nosso principal problema.
— Estamos com muitos problemas ultimamente — resmungo enquanto
a minha memória vai para a morena de lábios grossos e de temperamento
agressivo que saiu da sala como um furacão momentos atrás.
— E o que vamos fazer com ela, hein? — Axel volta a perguntar.
— Tentamos evitar que ela cause problemas enquanto resolvemos essa
porra de novo — Roman responde.
Deixo escapar uma risada enquanto balanço a cabeça e olho para o
meu colo. Julieta González não pode ser controlada, não pode ser prevista.
Porque ela é como um daqueles tipos de fenômenos que nunca voltam a
acontecer... Isso, ela é a porra de um fenômeno.
Julieta é tão imprevisível que eu aposto que daria um tiro em si mesma
no dia em que deixasse um de nós adivinhar um de seus próximos atos. Ela
sempre foi assim, a diferença é que eu participava das suas loucuras na
infância. Era legal, divertido fugir com ela enquanto eu ignorava os meus
problemas em casa.
Ignorava a minha família mortal e tentava fazer amigos e amigas,
mesmo quando ela fincava as unhas nas minhas mãos e fazia machucados
quando sentia ciúmes de alguma garota. Eu nem gostava delas, só era
divertido vê-la tentando controlar sua raiva aos quatorze. E, em seguida,
ela me trocava por um dos garotos, ou por aquele ex-amigo dela, Charlie.
Ou será que é amigo? Não sei, estive muito tempo desatualizado. Se
for... é curioso como ele seria o único que ainda estava perto.
Ficar com Julieta era bom, eu não precisava mentir para ela. Ela podia
pegar as minhas besteiras com um simples olhar cerrado, era difícil
enganá-la. De qualquer forma, me aperfeiçoei na arte de mentir com o
passar dos anos, mas não sei se ela sabe as falsidades que escapavam da
minha boca ou não, porque, como disse antes, Julieta é imprevisível.
Tão imprevisível que, quando nos tocamos que passamos tempo
demais conversando, Roman vai até o quarto para procurá-la e vem nos
avisar com os punhos tremendo que tanto ela quanto a sua gata maldita
haviam sumido.
Ótimo pra caralho.

O negócio é o seguinte, eu não sirvo para ficar presa. E tampouco para


ficar ouvindo aqueles malditos dizendo coisas da minha vida como se
tivessem algum poder sobre ela.
Então imediatamente crio um plano assim que saio da sala, contato as
minhas amigas e mando mensagem para Charlie para que ele venha me
buscar aqui.
Charlie é um bom amigo e meu vizinho. Filho da Sra. McCurdy, o que
lhe dá uma vantagem enorme. Mesmo quando me distanciei dele quando
éramos crianças, ele era bom em criar uma amizade já maiores. Quando
minha mãe foi presa, Charlie se sentava na minha janela todos os dias e
tentava conversar comigo.
Assustador pra caralho, mas funcionou de algum jeito.
Escapo pela porta dos fundos depois de assaltar o guarda-roupa de
Roman e tirar um moletom enorme com um capuz, perfeito para me
tampar. Enfio Hela embaixo da blusa e ando até o carro calmamente,
olhando ao redor para ver se encontro qualquer pista sobre algum
motoqueiro que eu terei o prazer de mandar para o inferno.
Não vejo nada.
Sento-me no banco da frente e tiro Hela debaixo da minha blusa, um
pouco suada pelo calor. Ela sai ronronando e se esfrega no moletom,
enchendo-o de pelos.
— Obrigada por vir, Charlie — agradeço assim que ele nos tira de perto
do clube, Charlie dirige calmamente para não fazer barulho com os pneus e
chamar atenção de quem não deve.
— É claro que eu ia vir, você precisava de mim — ele me responde
enquanto eu o fito de soslaio.
Charlie é um garoto bonito. Ele tem cabelo ruivo formado em pequenas
ondas, que caem em cima de seus olhos, olhos meio acastanhados. Ele não
é muito alto, deve passar uns cinco centímetros de mim, e, como um
amigo, ele até que manda bem. Sempre tenta falar comigo, mata aula para
vir atrás de mim e, diferente da sua mãe, Charlie não conta da minha vida
por aí.
Sei que a Sra. McCurdy não vai ficar sabendo por onde eu ando, então
tudo está ótimo.
— O que você estava fazendo lá? — ele me indaga e eu mordo os lábios
para evitar lhe dar uma resposta. — Julieta!
— Fazendo chá e assando biscoitos é que não era — resmungo.
Charlie balança a cabeça, ocupado demais no volante para me dar
atenção com os olhos, mas sei que, se ele pudesse, já teria me julgado com
o olhar há muito tempo.
— Vai voltar para lá?
Mordo os lábios.
— Não sei...
— Aquele cara é a razão por tudo o que aconteceu, Julieta. Todos eles
são. Todos eles são responsáveis por cada merda na sua vida e agora você
está me dizendo que não sabe se vai voltar para lá? Enlouqueceu?
Fico em silêncio enquanto acaricio Hela, e ela dorme tranquila em meu
colo, nem sabendo dessa conversa desnecessária que acaba com a minha
paz.
— Se for o melhor para mim vou voltar — admito. — E obrigada de
novo por me levar. Como está a sua mãe depois do que aconteceu?
Minha tentativa de mudar de assunto é um sucesso quando ele sorri
para mim e diz mais sobre sua mãe. Durante o caminho, descubro que a
Sra. McCurdy foi dormir me amaldiçoando por, segundo ela, me envolver
em lixo de novo.
Não posso nem a julgar por isso.
Quando chegamos a um dos imóveis vazios do meu pai, Charlie
estaciona em frente e, então, se vira para me lançar um olhar cuidadoso.
— Vai demorar aqui?
— Não muito, não quer entrar? — pergunto.
Charlie desce a mão para perto das minhas pernas e começa a acariciar
Hela quando volta a falar:
— Não, te espero no carro.
— Não precisa — digo imediatamente.
— Julieta...
— Não, Charlie. Você já fez demais por mim, sério, não precisa me
esperar. Dou um jeito de ir embora em segurança, relaxa. Vai ficar tudo
bem.
Ele me olha, duvidoso. Tem até uma linha na sua testa e tudo mais.
— Tem certeza?
— Absoluta. Você já pode se meter em problemas demais por minha
causa.
Charlie me puxa para um abraço que eu aceito da melhor forma que
posso, com cuidado para não machucar Hela quando passo um dos meus
braços no pescoço dele. Ele me aperta pela cintura uma última vez antes
de me soltar.
— Fique segura e me ligue caso precisar de alguma coisa.
— Tá, não se preocupa. — O Charlie de agora ainda tem coisas em
comum com sua versão criança, e o principal é que ele ainda é um pouco
medroso.
Saio do carro e encaro a casa. É uma boa casa, grande pra caralho. Tem
uns dois andares e está fechada, porque Anthony não tem utilidade para
ela. Mesmo com uma filha vivendo em um bairro de merda, o filho da puta
não tem utilidade em uma casa de dois andares no bairro nobre.
Nojento asqueroso.
Bato na porta três vezes antes de ela ser destrancada e o rosto raivoso
de Megan aparecer, junto com a feição preocupada de Charlotte. O rosto
de Megan está tão vermelho quanto o seu cabelo, que está selvagem e
meio despenteado. Eles estão meio ondulados, formando um frizz que fica
lindo nela. Charlotte está polida. O seu cabelo perfeitamente penteado em
um rabo de cavalo, que deve estar cheio de grampos.
Nem quero pensar na situação do meu cabelo com aquele xampu
vagabundo que Roman comprou para mim.
Maldito, qual era a dificuldade de comprar uma coisa boa?
As mãos de Megan me puxam para dentro com agilidade enquanto
Charlotte se preocupa em fechar a porta e trancá-la de forma apropriada.
Sou saudada com o cheiro de cigarro, que sempre está grudado em Megan.
O couro da sua jaqueta gruda em meu moletom quando ela passa os
braços em minha volta e me aperta contra ela.
— Fiquei preocupada, chica — ela diz, mantendo-me apertada em seu
abraço.
— Sentiu minha falta, hermana? — Deixo Hela saltar dos meus braços,
então passo um deles pela cintura magra de Megan.
— Pra caralho.
Charlotte pula no meu abraço assim que Megan se desfaz, o cheiro de
perfume caro e o gelado de suas joias entram em contato comigo quando a
abraço, a Princesinha de D.C..
— Nunca mais nos deixe preocupada desse jeito — manda Charlotte,
me apertando mais uma vez antes de me soltar para pegar a minha mão e
me arrastar pela casa, indo em direção à cozinha. — Vem, vamos comer
enquanto conversamos...
Megan segue atrás de nós duas com as mãos nos bolsos do jeans.
— Eles estão te tratando bem?
— Estão sendo os mesmos bastardos de sempre.
— E o que fazemos agora? — a loira pergunta quando se senta na
bancada da mesa da cozinha, que está cheia de comida, desde muffins até
huevos rancheros12. Sei que ela comprou tudo, porque Charlotte não tem
nenhuma aptidão para a cozinha.
— Quem são os caras que estão atrás de você, afinal? — Megan indaga.
Coloco o meu cabelo atrás da orelha quando me sento em cima da
bancada e pego um muffin.
— São os Wild — respondo, observando quando a ruiva balança a
cabeça em concordância. — Eles estavam atrás do Roman, então me viram
com ele e agora estão atrás de mim.
— Mas por que eles iriam atrás de você? Não é como se eles fossem
atrás de qualquer pessoa que Roman conversasse, certo? — Charlotte me
indaga, observando a mesa de café antes de pegar um waffle e parti-lo na
metade para começar a comer. Lanço um olhar duro para ela. — O que foi?
Estou de dieta.
Charlotte e suas dietas são algo recorrente. Desde que a conheço, não
tem nem um mês que não a escuto falar sobre a sua alimentação restrita.
Nesse ponto específico de sua vida, não sei se isso vem de exigências de
sua família ou exigências dela consigo mesma.
— Acho que me marcaram porque entrei em um carro com ele, não sei.
— Encolho os ombros.
— Ainda assim... isso não justifica te marcarem tanto. Será que sabem
que a gente roubou deles? — Megan indaga, com sua fala sendo
dificultada pelo grande biscoito que tem em sua boca.
— Tentar descobrir isso agora não adianta de nada, eu preciso
descobrir um jeito de tudo isso não prejudicar os meus negócios.
— Você está falando da escola?
— Eu tô falando dos assaltos — respondo Charlotte. — Vocês sabem, o
meu trabalho? O que mais me dá dinheiro que eu preciso para ajudar mi
madre.
— Ah, isso... Sim, eu acho que não vai rolar, ficamos nós três em um
carro tarde da noite com você sendo caçada, vadia.
— Eu concordo — diz a ruiva. — É perigoso demais, fora que a gente
nem sabe em quem você atirou da última vez. E se for alguém do clube dos
demônios? Será que tem algum motoqueiro parado lá por causa da moto?
Charlotte bufou.
— Como se um clube de motoqueiros não tivesse dinheiro sobrando
para arrumar uma moto. Aquele lugar deve chover dinheiro.
— Preciso que chova dinheiro em mim, isso sim — resmungo, pegando
mais um muffin e dando uma mordida. — Que merda, maldita hora que fui
entrar em um carro com Roman Miller.
— Pelo menos, ele é gostoso — Megan diz descaradamente, então olha
para nós e encolhe os ombros quando encontra os meus olhos. — Não
posso mentir, chica. Gosto de tudo, mas entendo o apelo por aquele
motoqueiro.
— O motoqueiro do inferno, isso sim.
— É, quase isso — ela solta uma risada. — E agora você vive na cama
dele e veste as coisas dele, como está sendo para você.
— Esse é o mais próximo que posso chegar do inferno, e o pior é que
nem sou eu que estou causando-o. Queria causar um inferno, sabe? Uma
coisa bem ruim, algo que faça todos tremerem.
— Atira nele — Megan sugere, então volta a mastigar. — Você leva a
sua arma para todo lugar mesmo.
— É, e aí, além de estar sendo caçada pela gangue dos selvagens, ela
vai ser caçada pelos Devils, além da polícia — Charlotte se intromete. —
Linda, você tem que bater onde dói.
— Nas bolas — a ruiva diz.
Charlotte e eu nos entreolhamos antes de balançar a cabeça para
Megan e suas palhaçadas.
— Se quer tanto assim fazer um desastre, faça. Você os conhece melhor
do que todos mesmo.
— Conhecia. Passado. Não conheço mais... Além disso, não dá para
fazer algo desse tamanho agora se não tenho formas de me virar sem eles.
Preciso deles, não posso só armar um incêndio se estiver no meio dele.
Megan balança a cabeça e me encara.
— Então você precisa achar um jeito de juntar a sua vingança em algo
que dê vantagem para você.
— Estaremos aqui quando precisar da gente — Charlotte disse.
Solto uma risada.
— Preciso de um xampu decente e roupas.
— Aquele motoqueiro maldito não comprou para você? — a ruiva
indaga.
— Não um que prestasse para o meu cabelo, acho que ele estava
tentando economizar dinheiro.
— O príncipe de uma gangue tentando economizar dinheiro, certo —
ela ironiza. — Aposto que eles têm tanto dinheiro do tráfico e do negócio
de armas que limpam a bunda com notas de cem.
— Não, isso aí é mais a coisa dos russos e dos Monroe — Charlotte diz.
Estreito meus olhos enquanto penso em várias possibilidades. Aposto
que eles têm tanto dinheiro do tráfico e do negócio de armas que limpam a
bunda com notas de cem.
— Quanto dinheiro vocês acham que um clube de motoqueiros tem?
As garotas me olham confusas antes de Charlotte me responder:
— O que está pensando?
— Em algo grande e desastroso. — Sorrio.
— Tem o risco de eu virar a vadia de alguém da prisão?
— Se der errado, você não fica viva até lá.
Megan encolhe os ombros, despreocupada.
— Parece divertido, eu tô dentro. O que vamos fazer?
Tenho um sorriso malicioso quando respondo às minhas amigas:
— Nós vamos roubar os The Fallon Devils MC.
Como se rouba uma gangue? Eu devia ter experiência com isso, já que
roubei uma vez. Mas acontece que o incidente do mercado foi apenas
aquilo: um incidente. Não é como se eu entrasse lá dentro da sede e
roubasse todo o dinheiro, né? Não, um mercado de nada não conta.
Isso aqui é algo completamente diferente. É insanidade pura, é pedir
para ter uma bala na cabeça, é implorar para ser caçada, é ter o risco mais
alto de todos. Se eu for descoberta... Adeus. Serei caçada e morta, sem
dúvida. Mas e se não for? Se conseguir roubar tudo aquilo e sair do país
imediatamente... sumir para o desconhecido, quem eles atacarão?
Meu pai ou meus irmãos?
Eles já irão tarde de todo jeito.
Eu poderei até mandar rosas vermelhas para o enterro, só para ser fofa.
O risco é alto, mas a recompensa é mais ainda.
Se de alguma forma eu conseguir o dinheiro dos Devils, consigo, talvez,
comprar a vida que preciso para viver com a minha mãe. Pegarei todo o
dinheiro sujo de um dos líderes da cidade e usar como eu bem entender,
então dar adeus a essa cidade de merda com minha gata e minhas amigas
de uma vez por todas.
Megan irá viajar comigo, eu acho. Não sei o que ela quer para a vida,
mas sei que onde tiver cigarro, bebida e adrenalina, ela aproveitará na
primeira fila com um sorriso.
E Charlotte? Não faço ideia, ela nem precisa do dinheiro de qualquer
forma. Mas vai pegar a sua parte, e eu sei que ela partirá para D.C., ou ir
viver com seus parentes no exterior.
Eu posso acabar morta e jogada em uma vala, ou estar junto com a
minha mãe vivendo uma boa vida no Equador. Ou em outro lugar que não
extradite. Também não posso estar muito perto da Rússia, apenas para
garantir que Mikhail não tenha suas garras sobre mim também.
Só para garantir.
Enquanto armo um plano com minhas amigas que envolve discrição,
reuniões secretas, as habilidades de hacker da Charlotte, carros de fuga,
passaportes falsos e um plano para tirar a minha mãe da Rikers. O último
item é o mais difícil, então vou deixá-lo para depois.
Por enquanto, tudo o que eu tenho depende do meu próximo passo.
Não posso ir para casa para pegar as drogas e preciso continuar a ganhar
dinheiro, então, considerando que assaltos tarde da noite estão fora de
mão, decido ir para o lado sul de novo apenas para ver uma pessoa.
Preciso ver o meu traficante.
Quer dizer, não meu, já que eu não uso, só forneço. Certo, essa palavra
é melhor. Eu preciso ver o meu fornecedor.
Não demora muito para que nós três precisemos nos despedir. Elas me
abraçam apertado com a promessa de que nos veremos mais rápido e que
liguemos uma para a outra através do celular descartável que Charlotte nos
arrumou.
Deixo Hela com Megan. Sinto meu coração ser rasgado e dilacerado
quando saio pela porta sem ela nos meus braços, mas eu não posso
colocar ela em perigo no lugar aonde estou indo. E sei que as garotas vão
cuidar dela muito bem, então, com minha arma no cós da cintura tampada
pelo moletom do Roman, de capuz e olhando para baixo, ando até a rua e
desço com os meus olhos voltados até os meus sapatos. Estou há uns cinco
minutos de caminhada da casa quando eu peço um táxi que me leve até o
lado sul, onde preciso ir.
A casa de Ryle fica próxima a um mercadinho, então para não dar na
cara onde eu quero ir, peço para que o motorista me deixe lá. Pago com
algumas notas que Charlotte me deu e saio do carro antes mesmo dele
estacionar direito. Corro para dentro do mercado com meu olhar baixo,
olho ao redor enquanto observo os poucos conhecidos ali, mas eles nem
mesmo me poupam um segundo olhar.
Não interessa se tem uma garota estranha e provavelmente drogada
andando ali dentro, a maioria das pessoas no sul cuidam dos seus próprios
negócios.
Isso faz do sul... o sul.
Ando pelo mercado até sair pelos fundos, então dou a volta nas lixeiras
cheias antes de subir a escada para o apartamento de Ryle. Bato três vezes,
espero um tempo para bater outras três. É um código, assim ele sabe que
sou uma cliente e não outro dos seus vizinhos.
Espero até ele abrir, e, quando vejo o seu cabelo curto e pele
bronzeada, entro no apartamento.
Acho toda essa história uma porcaria, quer dizer, eu poderia fabricar
minhas próprias drogas se soubesse como fazer isso. Mas seria mais
arriscado fabricar do que apenas traficar elas por aí. Se fosse pega
fabricando drogas, a coisa seria mais pesada para mim, além disso, ter um
laboratório custa dinheiro e dinheiro é algo que não tenho o luxo de gastar
hoje em dia.
Mas quem sabe um dia.
Ryle levanta as sobrancelhas para mim em forma de cumprimento. Ele
sempre foi meio calado, não tem carisma nenhum de vendedor. Possui
tatuagens legais espalhadas pelo corpo e algumas no rosto que são
parecidas com as do Post Malone.
A casa de Ryle cheira a erva e umidificador de ar, e sei que sua avó
dorme em um dos quartos do pequeno apartamento, então ele sempre
tenta se livrar do cheiro para ela.
Muito fofo.
— Preciso de mais — digo logo de cara.
Ele franze a testa.
— Quanto?
Ryle não gosta de papo furado, ninguém vai ver ele te parando na rua e
perguntando como foi o seu dia e essas merdas. Ele sempre olha nos olhos
e fica calado até você dizer quanto precisa, sempre te deixa falar. Ele é um
cara meio introvertido, acho que a gente vai se dar muito bem.
Temos essa coisa que combina...
Isso e ele segue o meu emprego dos sonhos.
— O suficiente para umas semanas sem aparecer aqui. — Observo
imediatamente que Ryle não gosta da minha resposta. Então
imediatamente tento me explicar: — Estou metida em alguns problemas,
Ryle. Mas preciso trabalhar.
Ele assente.
— Quer o quê?
— Molly, maconha, coca. Quero o de sempre.
Assisto quando ele anda ao redor do apartamento e some no corredor
adentro. A decoração do apartamento do Ryle é o mais básico que eu já vi,
apesar do cara ter muita grana. Ele é um bom fornecedor porque os seus
produtos são bons. Sabe, na vida de um vendedor, um bom produto é a
alma do negócio.
Me preocupo com a qualidade das drogas que os meus clientes
ingerem, não sou uma completa sem coração.
— Quer heroína?! — o ouço gritar lá do corredor.
Mudo de um pé para o outro quando nego:
— Não. Nós dois sabemos que eu não gosto de injetáveis.
Puxo o meu celular para fora do bolso jeans para conseguir pegar o
dinheiro, mas, quando o faço, vejo as trinta e seis chamadas perdidas na
tela.
Uma parte bem pequena de mim queria que esse cenário fosse
diferente porque eu sei quem está me ligando. Não exatamente qual, mas
eu tenho um palpite de que isso tudo é obra dos quatros garotos: Dylan,
Roman, Axel e Asher.
Quanto tempo será que devem ter demorado para perceber que saí?
Será que sentiram o cheiro do meu perfume faltando como eles faziam
antes? Acho que eles poderiam, se eu tivesse o meu perfume aqui.
A tela brilha mais uma vez com um número desconhecido. Posso deixar
tocar mais uma vez e lidar com as consequências quando chegar de volta a
sede, mas... e se eu não tiver mais uma casa na sede? E se os outros
membros já estiverem voltando e isso significar que não posso mais entrar
lá até eles saírem de novo?
Suspiro quando atendo a ligação, curiosa para saber qual deles está me
ligando agora.
Será Axel e sua fúria infligida pelo telefone? Se for ele, eu conseguirei
sentir o seu ódio através da ligação? Será satisfatório saber que eu o
irritei?
Não tanto se for Roman, isso eu tenho certeza. Ele vai ter vontade de
me sufocar, já que saí da casa dele em primeiro lugar.
Asher pode ser mais fácil de conversar, ele me dará uma ordem e eu
poderei mandá-lo enfiar a sua ordem na bunda. Então ele dirá que fará isso
comigo quando me encontrar e...
Nada disso me prepara para quando eu reconheço a voz do outro lado
da linha.
— Onde você está? — Jovem e atlético, mas parece bem raivoso agora.
Tive poucas experiências com ele bravo. Geralmente ele era aquele que ria
das brigas e tentaria separar se começasse a ficar muito violento. Ele
colocava os seus braços em minha volta e me apertava quando eu ouvia
discussões na mansão do meu pai, e eu sempre parava de chorar quando
ele fazia isso.
Me abraçava tão forte, quase como se estivéssemos em um casulo
onde apenas nós dois podíamos entrar e fazer parte. Ele enxugava as
minhas lágrimas com sua camisa e não me soltava, às vezes passava boa
parte da madrugada comigo no colo, porque ele tinha um grande poder de
me acalmar. E eu sabia, sempre soube, que Dylan Monroe tinha um grande
poder sobre mim.
— Fazendo compras.
Mais ou menos.
Escuto o som de pneus do outro lado da linha.
— Juro por tudo que é sagrado, Julieta... Onde você está?
— No sul — bocejo, vencida. Estou cansada. — Mas já estou indo
embora.
— Você vai achar um lugar seguro e não vai sair daí — resmunga Dylan.
— Quero o nome da loja.
— Não é bem uma loja.
— Julieta... — ele praticamente rosna e eu mordo os lábios para
segurar um sorriso. Tirar o pior de Dylan sempre foi divertido antes, mas
eu gostava de fazer isso de outro jeito. Não gostava da raiva dele dirigida a
mim (na maioria das vezes), mas gostava de vê-lo deixar a máscara de bom
garoto para fazer besteiras comigo e com os outros.
Estou prestes a dizer mais uma vez que já estou voltando para o clube
quando Ryle vem em minha direção com todos os meus pacotinhos.
— Aqui, garota, cuidado com isso, todos estão querendo Molly hoje em
dia.
— Obrigada, Ryle — agradeço quando eu pego os pacotinhos, então
olho ao redor e volto a olhar para ele com um sorriso. — Será que tem
como me dar uma mochila? Não dá pra levar isso na mão o caminho todo.
Ryle me olha feio por um tempo, me mede de cima a baixo antes de ir
para o corredor de novo.
— Tá tudo bem com você, garota? Está parecendo uma sem-teto.
— É, estou mais ou menos assim.
— Não sai daí se estiver segura. — A voz de Dylan me desperta de
novo. Reviro os olhos, esqueci que ainda estava na linha com ele.
— Já estou voltando, relaxa. — E com isso o meu celular desliga pela
bateria fraca, então noto que ele não foi carregado desde antes de eu ir
para o clube. É um milagre que tenha durado até agora. Guardo ele no
meu bolso.
Ryle volta com uma mochila preta e me entrega, então, depois de
verificar todos os bolsos para garantir que não tem nada a mais do que eu
já estava levando, eu coloco todos os meus saquinhos lá dentro e fecho.
Coloco o dinheiro nas mãos dele. Obrigada, Lottie.
— Fique segura e longe de problemas — ele me aconselha, contando as
notas e nem sequer se preocupa em me dar uma segunda olhada.
— Valeu, Ryle.
Saio do apartamento com o meu coração mais leve e com uma mochila
nas costas. Faço todo o caminho por onde passei antes, andando do
mercado com a cabeça baixa e com o capuz.
Andar pelo sul sempre é perigoso de um jeito ou de outro. O crime aqui
é alto demais, e eu não tenho certeza de que família leva mais vantagem
sobre ele. É muito fácil arranjar uma arma por aqui, só tem que conhecer
as pessoas certas. E drogas? Tão fácil quanto comprar um suco de laranja
no mercado. A qualidade? Isso é um pouquinho mais trabalhoso, mas,
pesquisando bem, dá para achar um bom traficante.
Caminho pela rua por alguns minutos com a ideia de passar em alguma
loja e pelo menos comprar um vestido para mim, porque não dá para ficar
usando as roupas de ontem ou as roupas de Roman.
Ando com calma na direção da loja da Kate, lá sempre tem umas
roupas baratas.
Mas então eu escuto a merda que me colocou nisso para início de
conversa.
O motor de uma moto.
Olho ao redor quando mais barulhos se juntam, exatamente igual ao
barulho de um bando de motoqueiros e corro para um dos becos e me
escondo atrás de um balde de lixo.
Que humilhação...
— Credo! — Estremeço de nojo quando escuto os barulhinhos nojentos
de ratos por ali. Olho ao redor, mas não vejo nada. Nada de ratos, nada de
motos, mas eu definitivamente escuto os seus movimentos. — Vou dar
você de presente para a minha gata. Ela é um monstro.
Quanto tempo se espera para conseguir ir embora depois de quase ser
perseguida? Não sei, não tenho treinamento para isso.
Os prédios não são muito novos, esse aqui é bem feio. Olho para o
prédio da frente, tem dois andares e algumas janelas quebradas, mas, para
o lugar, até que é bem bonitinho.
Não sei quanto tempo fico ali, mas é o suficiente para os barulhos de
motos sumirem. Me levanto, passando a mão na minha calça com nojo
evidente e planejando mil formas de queimá-la quando puder.
— Ei, garota! — uma voz estridente me chama, eu olho ao redor
procurando a fonte. — Aqui em cima!
Quando olho, vejo uma mulher mais velha. Sua pele escura e brilhante
e o cabelo cacheado me cumprimentam quando eu olho para ela de lá de
cima.
— Você tá bem?
— Tô sim. — Abro um sorriso para a mulher, torcendo para que ela cale
a boca e que toda essa cena não chame atenção para mim.
— Acho que te conheço de algum lugar... Qual o seu nome, garota?
— Mackenzie. — Pisco para ela.
— Você é tão parecida com a filha de Anthony Leclerc, acredita? — ela
solta uma risada. Franzo a testa quando a observo. Não tem como ela estar
falando da minha querida irmãzinha, nós não temos semelhança nenhuma.
— Quem?
— Aquele cara que entregaram a ficha policial hoje. Você é daqui? —
Ficha policial? Que porra de ficha policial?
— Sim, só não fui para casa ainda. Que ficha é essa?
A mulher se vira para trás e ergue a mão, sacudindo um bolo de papéis.
— Essa aqui, entregaram pelo carteiro pelo bairro todo hoje de manhã.
Que porra é essa?
— Vou demorar para ir para casa, tem como me deixar ver?
A mulher balança a cabeça, então faz uma bolinha de papel com todos
eles antes de me jogar da janela. Pego a bolinha no ar e desembolo o
papel, observando uma foto do meu pai mais novo, quando ele foi
apreendido por dirigir embriagado.
Os cabelos que hoje estão prateados antes estavam todos pretos, o
rosto envelhecido deu lugar a um jovial. Apesar da situação, ele tem um
sorriso zombeteiro. O sorriso de quem sabe que o dinheiro compra tudo,
inclusive sua saída dali.
Olho para baixo, esperando ver todos os crimes que ele cometeu, mas
aqui só tem delitos mais leves. Nada de estelionato, ou talvez as mortes
que ele encomenda e esconde debaixo do seu paletó e sapatos caros.
Mas por que isso está aqui? Por que isso foi entregue pelo carteiro?
— É estranho, não é, garota? — ela continua a resmungar lá de cima,
repetindo palavras sobre como o meu pai é sujo e como toda essa cidade
(boa parte construída pelos imóveis dele) é mais suja ainda. Não discordo
de nada. — Mas você se parece muito com a filha dele.
— Ela não é loira?
— A outra. A garota bastarda, sabe de quem eu estou falando? — a
mulher continua a falar, e, de repente, toda a familiaridade que eu sinto
por ela escorre por todo o meu corpo, e tudo o que quero fazer é bater
nessa senhora. — Não, o cabelo dela é mais bonito que o seu.
E agora ela está notando o meu problema com o xampu, merda. Quase
rosno para ela como um maldito animal.
Acho que é o cabelo, a selvageria já deve estar fazendo efeito em mim.
— Tenho que ir alimentar a minha avó, então... tchau! — Aceno para
ela, decidida a meter o pé daqui e embolando os papéis e enfiando eles na
minha mochila.
— Cuidado, esse lugar não é para os fracos! — escuto os seus gritos
estridentes, mas não me viro. Em vez disso, continuo andando para a
frente, não me preocupo mais em olhar apenas para baixo. Ando
rapidamente pelo bairro, mantenho os meus olhos em frente e não vejo ou
escuto nada que me preocupe.
Estou perto dos motéis quando vejo um SUV preto passar ao meu lado.
Cerro os olhos quando reparo melhor no carro. Limpo, não tem nem
mesmo uma marca de chuva ou poeira, o carro está brilhando. As janelas
fechadas e escuras, não consigo ver quem está dentro.
Ou quem quer que seja está de passagem... Ou estou fodida.
Acelero o passo e suspiro de alívio quando noto que o carro
desapareceu. Bom, melhor ainda para mim.
Foi melhor ter deixado Hela em segurança do que trazê-la comigo, eu
não iria conseguir sossegar se ela estivesse no meu colo enquanto eu
passava por tudo aquilo. Fico mais tranquila assim que passo pela rede de
motéis, aliviada em saber que eu estou mais distante de onde estava antes.
Quero o meu carro de volta.
O brilho do sol refletindo no vidro preto do SUV faz os meus olhos
arderem, e, quando olho para o lado dou de cara com o maldito carro de
novo, a diferença é que agora quem quer que esteja dirigindo está fazendo
devagar. Muito devagar para o meu gosto.
Uma parte de mim quer acreditar que não pode ser para mim, já que
estou correndo perigo com motoqueiros e não com gente chique que anda
em SUV, mas quando o motorista começa a abaixar o vidro e vejo um terno
e um cara no banco do passageiro segurando algo preto na mão que,
definitivamente, está apontado para mim, perco a linha.
Foda-se essa merda.
Começo a correr e viro a rua, virando para a direita em direção a uma
avenida principal. Foda-se, estou cansada. Minhas pernas queimam com o
esforço, as minhas botas de stripper aguentam bem o impacto e eu devia
ganhar uma medalha por correr nelas. O capuz cai de novo e estou suando
com essa porra de moletom, mas não paro.
Escuto o barulho dos pneus atrás de mim, mas não viro para olhar. O
que eu ia fazer, dar “oizinho” e pedir para pararem de me perseguir?
Paro quando vejo o grande número de carros aqui, mas então corro em
direção a um salão de beleza e me enfio dentro dele. Não sei se a SUV
parou, mas sei que assustei todas as clientes quando passei correndo em
direção aos fundos.
Tem uma coisa em relação à maioria dos imóveis do sul, a maioria tem
porta dos fundos destrancada. As pessoas são viciadas e precisam manter
o seu vício. A droga entra e o dinheiro sai, é assim que o mundo funciona.
Suspiro de alívio quando saio pelos fundos e continuo correndo,
entrando em uma barbearia que tem ali do lado. Conheço o barbeiro
daqui, é Jack, um velho que a Sra. McCurdy sempre dá em cima.
— Ei, querida! — Jack me cumprimenta quando entro pela porta da
frente da sua barbearia. — A Isla sabe que você tá aqui?
Paro, olhando o monte de homens que estão ali, me encarando do
mesmo jeito. Tiro o meu moletom rapidamente assim que vejo um cara
vestido como se estivéssemos em uma mata e ele fosse o chefe, porque
ninguém usa essa porra de casaco xadrez mais.
— Dez dólares na sua camisa — proponho para ele enquanto faço um
coque no meu cabelo, olhando pelas portas de vidro se vejo o carro preto.
O homem não possui um fio de cabelo na cabeça, nada mesmo. Na
verdade, está até brilhando.
— Vinte.
Faço careta.
— Vinte dólares nessa coisa feia? Doze.
— Vinte e cinco.
Grunho, jogando o moletom no lixo.
— Tá, vinte então. Nem sei o que você está fazendo aqui, não tem nada
nessa sua cabeça careca, meu amigo.
O homem me olha feio quando tiro as malditas notas do bolso e
entrego a ele. Ele me passa a sua blusa feia e eu a visto, voltando a olhar
pelas portas de vidro de novo.
— Em que tipo de problemas você se meteu agora, Julieta? — Jack me
pergunta enquanto continua a cortar o cabelo do senhor de idade em sua
cadeira.
— Em um grande.
— Julieta como em Romeu e Julieta? — Reviro os olhos, caminhando
até a porta dos fundos.
— Desde quando você sabe o que é “Romeu e Julieta”? — outro cara
indaga.
— Não sou estúpido, cara. O Edward e a Bella falam sobre eles em “Lua
nova”.
— E desde quando você sabe o que é Lua Nova? — o cara volta a
perguntar.
— Minha filha me fez assistir com ela ontem, não é tão ruim assim.
Abro a porta dos fundos e olho ao redor, me preparando para sair. E
então lá está, a porra do carro de novo bem na minha frente.
Quando a porta do passageiro se abre e um homem salta de lá e vem
correndo na minha direção, me viro e corro de volta para dentro da
barbearia, causando um tumulto lá dentro quando o cara corre atrás de
mim.
Desculpa, Jack.
Saio para a rua e continuo a correr, mas sou segurada pelo homem
visivelmente maior do que eu. Feição fechada e sem cabelo nenhum, é isso
que consigo detectar quando ambos caímos no chão pelo impacto. Escuto
os gritos na rua, mas ninguém vem ajudar ou se intromete. Tento me
sacudir e sair do seu aperto, minha arma me cutuca no cós da minha calça.
Os pneus enormes da SUV vêm devagar em nossa direção.
— Não sei onde Roman Miller está, inferno! — grito com ele. — Diz
para o seu chefe que eu não quero morrer nas mãos de uma gangue de
merda! ¡Hijo de puta! Sua mãe devia ter te jogado no lixo quando viu que
você não ia mais ter cabelo!
— Vou avisar a ele que disse isso — o cara diz, me agarrando mais forte
quando tenta se levantar comigo no colo. O chuto forte com os saltos da
minha bota e ele grunhe, mas não me solta. — Mas quando eu contar para
ele o quão arisca você foi, aposto que o Sr. Monroe vai te ensinar uma lição
ele mesmo.
Monroe?
Senhor Monroe?
Como o avô assustador de Dylan, senhor Monroe?
Porra!
— Coloca logo ela aqui dentro, as pessoas estão olhando — o motorista
avisa. Porque é óbvio que um sequestro à luz do dia seria tentado por um
dos grandões do Texas.
Meu coração martela no peito quando me contorço para tentar ir longe
do seu aperto, o suor escorre por minha pele e minha respiração falha com
a ideia de ser colocada naquele carro.
O barulho de rodas caras devia ter chamado a minha atenção, mas não
chamou. Em vez disso, o que chama a minha atenção é o cara me livrando
do seu aperto quando ele foi jogado para longe de mim por uma figura
loira. Me sento, olhando atordoada o carro caro dos gêmeos perto de nós.
Dylan bate forte no homem. Seu rosto é uma máscara de fúria, o seu
cabelo loiro, que geralmente está em perfeito estado, agora está como
uma bagunça, ele tem sangue pingando na camisa quando o seu rosto é
machucado pelo punho do homem que tentou me sequestrar.
Axel e Asher estão tentando fazer com que o motorista saia do carro,
mas o que ele faz é acelerar o carro e ir com tudo para a frente, o que faz
com que os meninos precisem sair do caminho.
— Você vai matar ele — Roman grunhe e tenta tirar Dylan de lá de
cima, mas ele nem mesmo olha para o lado.
O meu coração martela no peito de puro terror quando observo todos
esses garotos que vieram dar um jeito de me levar de volta, mas, diferente
da situação de minutos antes, quero sair com eles. Quero que me
coloquem no carro e ir para onde quer que vão me levar.
O motorista acelera em direção a Dylan e seu parceiro caído, e, em um
último momento, Roman consegue arrastar o loiro furioso para longe dali.
O homem que me segurou sobe do carro e eles partem com rapidez para
longe.
Quando olho para cima, vejo os gêmeos parados enquanto me
encaram de cima a baixo, em uma máscara de fúria.
— Você vai entrar na porra desse carro e vai escutar o que a gente tem
para falar sem reclamar, entendeu? — Dylan me puxa do chão e me
mantém em sua frente, segurando firme em meu braço. — E não quero te
ouvir reclamando, ou juro que vou te fazer desejar ter ido com eles.
Meu coração erra a batida, porque ver Dylan em sua pior forma sempre
me deu um tipo estranho de satisfação. Porque vê-lo assim, manchado de
sangue do homem que tentou me levar, com a respiração acelerada pelo
esforço, com os olhos azuis vidrados em mim, as mãos sujas de sangue e as
juntas sangrando por ter me defendido. Isso...
Isso aqui me leva a uma enxurrada de emoções parecidas com a que eu
tinha por ele aos quatorze anos.
Porque Dylan não sabe nem o poder que tem quando está desse jeito,
quando se permite ser o seu pior e mostra para mim que ele é mais do que
os troféus na sua parede.
— Estava me perguntando quando o seu monstro ia surgir de novo...
Estava com saudades.
Sempre gostei de pensar que todos os meus problemas eram culpa
total e exclusiva deles. É vergonhoso e estúpido tentar me livrar de todas
as responsabilidades da minha vida, querer colocar todos os meus
problemas nas costas de quatro garotos que cometeram o erro de cruzar
comigo tempos atrás.
Todos os problemas na minha vida? Era tudo culpa deles. Todos os
meus erros e acertos? Culpa deles também. Todas as lágrimas que
escorreram dos meus olhos até deixá-los inchados ao ponto de me dar dor
de cabeça? Eles.
Mas sempre teve uma coisa que eu sabia que era minha, porque isso
veio de mim. Eu sempre soube que tinha isso, minha mãe me avisava para
usá-la com sabedoria. Mas, ainda assim, eu não posso evitar mostrar para
eles.
Porque o pior de mim é para eles.
Sentada no carro com o implacável Asher no volante, espremida entre
um Roman mortalmente silencioso e um Dylan com grandes problemas em
parar de mexer a sua perna, que continua roçando na minha coberta pelo
jeans fedorento quando ele o faz...
Quero colocar todos esses problemas nas costas de todos eles e
espernear como uma criança, quero deixar claro que isso não teria
acontecido se não fosse por eles e que eles são o inferno da minha vida.
Mas não posso fazer isso.
Porque eu fiz merda também.
Meus olhos observam a mochila preta que Ryle deixou para mim no
meu colo e a aperto com força, como se só isso já tivesse valido a pena
todo o esforço e a tentativa de sequestro.
Tentativa de sequestro.
Quase fui sequestrada.
Eu, Julieta González e mais um sobrenome que não é útil a menos que
seja para dinheiro, quase fui sequestrada.
Talvez eu deva ligar para a minha mãe e contar o quanto fui fodona e
fugi de dois sequestradores de carro enquanto estava com minhas botas de
stripper. Deu certo, só por um tempinho.
Ainda não deve nem ter se passado da metade do dia e só quero
dormir. Tudo o que eu quero é, vergonhosamente, pedir para eles me
deixarem no clube, de volta a cama de Roman para que eu possa tomar
banho com o xampu ruim e dormir.
Mas isso exigirá que eu abra a boca para falar com eles quando estão
furiosos comigo, então não vou fazer. Vou ficar quietinha aqui.
Não tenho toda a culpa. Se não fosse por Roman, eu ainda estaria
muito bem, ganhando dinheiro e continuaria sem ver nenhum deles. Talvez
até poderia ter assaltado mais mercados, quem é que sabe.
Mas Roman só me colocou nessa situação porque ele estava salvando a
minha vida...
Balanço a cabeça quando o meu estômago ronca e faz barulho o
suficiente para que Dylan vire a cabeça em minha direção e conecte seus
olhos nos meus por um momento antes de olhar para a frente de novo.
— Não demore — ele manda a Asher.
Vejo o castanho de Asher pelo espelho em um vislumbre, rápido
demais para acompanhar. Nem uma só palavra escapa por seus lábios.
Dylan está quieto e, apesar de todos presentes nesse carro também
estarem, ele tem essa energia emanando dele... Qualquer um que olhe
para Dylan verá que ele não é uma pessoa para se mexer agora.
E eu fiz isso.
Não tenho arrependimentos se tratando disso, não ligo para a sua
energia de não foda comigo, e nem estou preocupada se o preocupei,
porque essa casca de bom garoto que ele gosta de carregar acabou de cair
por terra. Pelo menos, por um momento, até que ele o pegue de volta.
Será que ele vai ficar bravo comigo? Isso não me preocupa, mas é uma
curiosidade. Será que Dylan Monroe vai ficar bravo por ter arrancado sua
máscara, mesmo que de forma inconsciente?
Será que ele gosta de violência no mesmo nível que Axel? Será que
gosta de sentir sua pele rasgando por rasgar a de outra pessoa? Será que
gosta de sentir o sangue sair da pele e pingar nele, dos olhares de
desespero, dos grunhidos, da impotência que ele deixa nos outros?
Será que Dylan finalmente deixou o demônio que ele tanto tenta
esconder aparecer de vez? Ou será que eu vou voltar a ver aquela versão
básica e clichê que ele gosta de fantasiar?
Quando olho para Dylan e seu rosto virado para a janela, acabo
percebendo que o caminho percorrido não nos levará para o MC. Ainda
estamos no lado rico da cidade, o lugar onde o dinheiro nasce em árvores e
todas as pessoas têm fundo fiduciário.
— Esse não é o caminho para o clube... — digo a Asher.
— Não vamos para o clube — ele diz para mim. — Estou cansado
daquela espelunca.
— Ótimo, pelo menos vamos poder conversar em paz agora — Axel diz,
virando a sua cabeça para trás. Não entendo a parte do poder conversar
em paz. Acho que eles já fazem isso no clube, mas não questiono.
— Aquele lugar é podre — diz o gêmeo de terno e sapatos caros.
— Vai querer me provocar agora, Volkov? — A fúria na voz de Roman é
tão perceptível que aposto que poderia cortá-la com uma faca se tivesse a
chance.
Asher parece querer abrir a boca, mas então mais um bocejo me
alcança e cerro os olhos e deixo minha cabeça cair no encosto do banco,
preguiçosa. Encontro os olhos de Asher pelo espelho quando ele para no
sinal e, então, ele decide parar de falar.
Passamos o resto da viagem em silêncio.
No final das contas, Asher nos leva para um dos hotéis de seu pai. Um
dos mais caros da cidade, que nunca tive o prazer de conhecer. É tão alto
que eu precisaria chegar perto da janela para conseguir ver o topo.
— Nem fodendo que a gente entra aqui desse jeito. — Aponto para os
meninos e eu na parte de trás quando Asher entra na fila de carros para ir
para o estacionamento.
Sei que sou bonita, particularmente me considero uma grande gostosa,
mas também sei quando não dá para mim e quando não posso ser salva.
Acontece que a minha versão pós-tentativa de sequestro não pode ser
salva. O meu cabelo com xampu ruim, vestida com a camisa de um homem
careca, suada e fedendo a lixo... Não, isso não funciona. Eles vão me
confundir com uma fugitiva.
E Dylan, todo sujo de sangue, também não entraria.
— Não se preocupe, babochka, eu vou entrar onde quiser — acho que
ele não quer dizer só de um hotel do pai.
Chega a nossa vez de exibir o check-in para poder estacionar o carro,
Asher abaixa o vidro e tira um documento, mostrando para o homem, que
imediatamente permite a nossa entrada depois de desejar uma boa
estadia a Asher e seus “hóspedes”.
Asher dirige até o subterrâneo, onde para o carro em uma das vagas
privilegiadas que era ao lado de um elevador. Franzo a testa, sem entender
o motivo de uma vaga tão boa estar vazia quando tudo ao redor está cheio.
Os meninos abrem a porta, e vejo Roman e Dylan parados dos lados
opostos do carro, as portas abertas enquanto me esperam sair.
Saio pelo lado de Dylan.
Ele fecha a porta, então todos nós seguimos os gêmeos em direção ao
elevador. Observo quando vejo Asher digitar uma senha no lugar onde há o
espaço de pedir o elevador, então as portas se abrem para um elevador
que já está à espera.
— O seu pai tem um elevador para pessoas selecionadas? — questiono
eles quando entro.
— Nosso pai tem um elevador só para nós dois — responde Axel, em
seguida aperta um botão e o elevador se fecha e começa a subir. — Como
se isso fosse resolver toda a merda dele.
Subimos até a cobertura, e o elevador nos deixa lá dentro. Literalmente
na sala de entrada. Um elevador na sala de entrada.
— Ricos de merda — sussurro entredentes quando os meus saltos
fazem barulho no piso quando continuamos a segui-los.
— É bom esse lugar ter um bar — resmunga Roman, se jogando no
sofá.
Acontece que esse hotel não se parece um hotel, e sim um
apartamento. Não tem nada aqui que me remete a um hotel, tudo está
mobiliado em uma decoração cara, com janelas que vão de uma parede a
outra e nos permite ver tudo de cima. Cristais pendurados, uma TV
enorme e sim, um bar cheio de álcool.
Isso não é um hotel.
Não esse... quarto, pelo menos.
— Tem um banheiro no final do corredor e um na minha suíte. Use o
que quiser — Asher me informa, parado ao meu lado. — Você precisa.
Faço careta.
— Não tenho roupas.
Como uma sem-teto.
— Vamos achar alguma coisa para você.
Nem questiono. Não me viro para ver como todos os outros estão
reagindo ao lugar, ou se Dylan e Roman já se conheciam antes de mim.
Ando com minha mochila carregada em mãos e minha arma contra a
minha pele.
O corredor é longo e tem algumas portas, o piso de madeira escura é
tão limpo que parece exibir o meu reflexo. As paredes são pintadas de
branco e exibem grandes quadros de obras famosas. Tem uma escada que
dá para um segundo andar, mas eu não presto atenção nela.
Asher não me falou a direção da sua suíte, abro todas as portas que
têm. Dou de cara com um escritório, o banheiro do corredor que ele tinha
falado antes e um quarto vazio até achar a suíte certa.
Assim que coloco os meus pés dentro do quarto, sei que isso pertence
a Asher.
É cinza, como ele.
O quarto é grande, muito maior que o de Roman. E desde as paredes
até a sua roupa de cama... Tudo cinza em diferentes tons. O que difere é a
grande TV na parede e as cortinas pretas que cobrem as janelas que vão de
uma parede a outra, assim como na sala. Até o tapete do seu chão tem
cinza.
É tudo tão... limpo.
Parece intocável... Imaculado.
Me faz sentir ainda mais suja do que estou. O cheiro é de limpeza, não
tem cheiro do perfume dele, não tem aquele cheiro forte e bom que deixa
claro que um homem vive aqui.
O lugar todo cheira a produto químico.
Ando até a porta dali e encontro o banheiro, e então mais cinza e preto,
só que dessa vez é tudo marmorizado, até o piso. O que diferencia um do
outro são os tons.
Quando tiro as minhas botas e as deixo debaixo da pia, o chão frio
envia um arrepio por todo o meu corpo. Coloco a mochila ali do lado e
deixo as roupas todas em um amontoado por ali.
Vejo sua banheira, então a ducha. Ando calmamente até o chuveiro e o
ligo, suspirando de alívio quando a água quente faz contato com o meu
corpo e fico ali embaixo, não sei quanto tempo fico só sentindo a água
escorrer por mim, mas permaneço até que as pontinhas dos meus dedos
enrugam.
Pego um xampu que está em uma prateleira e jogo no meu cabelo, olho
a marca e me contento ao saber que isso custa bem mais do que o xampu
vagabundo que o Roman tinha comprado para mim antes. E o
condicionador também.
Me acabo com o sabão caro, deixando a minha mente vagar pelo
tempo em que eu ainda morava com Anthony e usava as mesmas coisas
que minha meia-irmã, Ângela.
Anthony Leclerc nunca esteve muito presente na vida dela, e tampouco
na minha. Mas dinheiro... Ah, isso ele sempre teve. Os nossos brinquedos
geralmente não eram muito iguais, mas os produtos que ficavam na casa...
Nós duas, às vezes, tínhamos o mesmo cheiro. Eu odiava.
Odiava ter qualquer semelhança com aquela vadia mirim. Estava com
inveja na maior parte do tempo, mas ainda é um motivo válido.
Seu cabelo loiro polido, olhos castanhos e ela sempre foi mais educada
que eu, as pessoas sempre a preferiam. E porra, ela ainda tinha um gêmeo.
Não dá para competir com um irmão gêmeo, sei bem disso.
Aqueles filhos da puta.
Depois do que parecem horas, desligo o chuveiro, pensando na minha
burrice por não ter procurado uma toalha antes. Saio descalça do boxe, me
segurando para não cair no chão. Vou até o armário embaixo da pia e abro
todas as portas, acho um monte de toalhas brancas perfeitamente
dobradas. Pego uma e me enrolo, o meu cabelo pinga no piso até o
caminho de volta para o quarto.
Estou prestes a gritar por um deles quando vejo roupas dobradas em
cima da cama. Uma camisa social branca, uma cueca e uma calça social
que, com toda a certeza, são de Asher.
Enquanto estou pegando a camisa, um par de meias pretas cai em cima
da cama e o meu coração aperta. Meias. Meias como as que eu adorava
usar quando criança, mas, dessa vez, são só pretas, provavelmente de
Asher também.
Ele lembrou das meias.
Nunca teve um motivo específico, mas sempre adorei usar meias
quando era menor. Eram tão confortáveis e fofas que, se estivesse em casa,
estaria com elas ou com os meus pés descalços no chão.
Jogo a calça de volta na cama e visto o resto, então saio do quarto com
uma toalha enrolada na minha cabeça e uma fome tão grande que acho
que posso comer uma pizza inteira sozinha.
— Motoqueiros não andam de carros caros — escuto a voz de Axel, e,
como sempre, ele parece estar estressado. — Quer uma prova? É só olhar
para você!
Seguro uma risada quando escuto a reclamação de Roman.
— Escuta, Volkov... Se você acha que só porque estou na sua casa que
eu não arrebento você, está muito enganado.
— Chega de ameaças vazias, Roman, nós dois sabemos que você não
dá conta.
— Quer saber, estou cansado de ouvir a porra da sua voz. Desde ontem
tudo o que você sabe fazer é falar, falar e falar... Que inferno.
— Não, sou eu quem está cansado da sua voz — Axel rebate.
— E eu estou cansado da voz dos dois — Dylan se estressa.
Solto uma risada e continuo o meu caminho pelo corredor, como eu
havia feito antes. Dylan está sentado no sofá, segurando um pedaço de
hambúrguer e revira os olhos quando eu entro.
Axel e Roman estão em lados opostos do grande sofá preto, cada um
deles em uma ponta. Asher está sentado mais distante, em uma poltrona,
cujo paletó agora está jogado na mesinha de centro. Segura um copo de
vidro e seu olhar está fixo nele.
— Estou com fome — anuncio assim que todos param de falar. Vejo
quando o olhar dos quatro vem em minha direção, mordo os lábios e
mudo de um pé para o outro. Parece aquecido quando todos me olham
assim, juntos. — Onde você conseguiu o hambúrguer?
— Onde estão as calças que deixei na cama? — Asher me pergunta
assim que Dylan abre a boca para responder a minha pergunta.
Encolho os ombros, olhando ao redor à procura de algo para comer.
— Ela não tinha finalidade.
— Não tinha? — Asher ergue uma das suas sobrancelhas escuras e
deixa os seus olhos castanhos passarem por minhas pernas. Não sei o que
ele está olhando, já que a blusa é grande o suficiente para estar no meio
das minhas coxas. Não tem nada de mais ali. Homens.
— Não. De onde o hambúrguer saiu?
— Da cozinha — Dylan responde e gesticula com o dedo para o espaço
na sala que eu não tinha visto, cuja porta agora está aberta.
Caminho pela sala com a toalha na cabeça, com a camisa social, um par
de meias pretas e meu celular do crime nas mãos. Foda-se. Será que um
deles teria um carregador para o meu celular normal poder pegar vida de
novo?
Não quero levar nenhum deles para a cama mesmo, não tem motivo
para tentar impressionar ninguém.
A cozinha é escura igual ao resto da casa, mas não perco tempo
reparando. Vou direto nos hambúrgueres que estão servidos no enorme
prato. Não sei de onde surgiram, mas agarro dois e volto para a sala com
um pedaço enorme na boca. Então, sob o olhar atento deles, ando até uma
poltrona e me sento, mastigando o meu hambúrguer em paz.
Ninguém fala nada, os quatro mantêm os seus olhos em cima de mim
enquanto me observam comer em silêncio. Até Axel pega um cigarro e
começa a fumar, sem se preocupar com a fumaça.
— Então... Como vai ser agora? — pergunto depois de comer metade
do meu hambúrguer.
— Na verdade... — Roman começa a falar, mas é cortado pelo barulho
do meu telefone. Sua testa se franze quando olha para ele. — Nós te
ligamos e só deu na caixa postal.
Olho o número aparecer na tela, o hambúrguer ameaça voltar pela
minha garganta quando eu vejo o código de área de Nova York. Que porra.
— Esse é o meu celular do crime — admito, então atendo a ligação,
torcendo para que esteja tudo bem com a única pessoa que me liga de
Nova York. — Madre?
— Mi corazón — ela sussurra de volta, com sua voz mortalmente séria.
Me endireito.
— ¿Qué está sucediendo? ¿Está todo bien?13 — Me agito sobre a
poltrona, meu rosto se transforma em uma máscara.
— Casi me matan.14 — É o que basta para toda a minha comida cair no
chão e para todo o ar ser tirado dos meus pulmões.
— Julieta? — escuto Axel dizer, mas não presto atenção.
— ¿Qué? ¿Cuándo?15

— Ahora16. Deve ter uns dez minutos que os guardas nos separaram.
Minha mãe, mi madre... Quase morta. Por quê? Por quem?
Faço essas perguntas a ela com minha voz trêmula, meus dedos
engordurados da comida que estava na minha mão antes agora estão na
poltrona quando eu me inclino para a frente e abaixo a minha cabeça para
não olhar para nenhum deles. Parece sujo falar com minha mãe perto
deles... É pura sujeira.
— Uma das detentas daqui. Ela disse que eu precisava pagar pelo que
fiz, disse que meus crimes tiraram o afilhado dela de casa. Disse que ajudei
a acabar com a vida de uma família... E disse...
— O que ela disse, mamãe?
— Que soy tan sucia como tu padre17 — ela toma fôlego para falar, sua
voz estremece tanto quanto a minha. — Ela disse que sabe dos crimes que
o seu pai cometeu, e disse que sabe que não é só aquilo que estava na
ficha. Não entendi de que ficha ela estava falando, mi corazón, não
entendi.
Ela sabia dos crimes do meu pai...
— Você está machucada?
— Nada que não tenha vivido antes — e a prepotência em sua voz me
quebra de um jeito tão grande... Porque sei que sua prepotência, que a
força em sua voz é apenas para mostrar para mim que ela é forte, que é
invencível.
— Madre... — quase choramingo quando sinto os dedos quentes de
Roman em meus ombros. — O que quer que eu faça?
— O que conseguir — ela me responde. — Não tenho muito tempo,
eles vão me colocar na solitária e não vou conseguir falar com você.
Puxo o ar e fecho meus olhos com força porque a frustração em mim é
tão grande que eu quase começo a tremer.
— Qual o nome dela?
A respiração da minha mãe trava e eu sei que ela tem exata noção do
que estou pedindo. Ela sabe, sabe o que quero com esse nome e sabe o
que colocará nas minhas mãos se me disser. A questão é: ela acredita que
eu iria tão longe? Acredita que eu iria a esse ponto para defendê-la?
Mamãe acredita que eu seria capaz?
— Sandra Fitzgerald.
— Sandra Fitzgerald... — repito o nome, testando o sabor amargo na
minha língua quando levanto a minha cabeça e respiro fundo. A primeira
coisa que vejo quando olho para a frente é o relógio caro que fica no pulso
de Asher, porque ele está ajoelhado perto das minhas pernas com sua mão
apoiada no braço da minha poltrona.
Então, bem ao seu lado e de pé, está o seu irmão, Axel, com os braços
cruzados que aumenta o seu tamanho. Roman está do outro lado, sua
testa franzida e seus olhos azuis percorrem ao meu redor e sinto o calor da
mão de Dylan no meu ombro.
Meus olhos brilham quando olho para eles, todos os quatro próximos a
mim com seus olhos postos nas minhas respirações falhas.
— O que aconteceu, babochka? — pergunta o herdeiro russo.
Não tenho o poder necessário para encomendar a morte de alguém.
Não tenho o poder para ligar para alguém e mandar que uma pessoa seja
morta. Não sou tão poderosa assim...
Mas eles são.
Será mais do que um favor, porque eles não fazem favores... Eles vão
me cobrar, vão me arrastar para o fundo do poço com eles e eu não terei
uma escolha a não ser segui-los. Isso será um acordo com o diabo.
Será como voltar a estar parcialmente do mesmo lado, esconder um
segredo tão grande que nunca escondemos antes ultrapassar todas as
linhas, todos os limites...
Até onde iriam os limites deles?
Ainda somos as crianças que roubavam por diversão e corriam pelo
quintal? Não mais. Somos os inimigos que não conseguem mais olhar para
o rosto um do outro? Também já passamos dessa fase...
Mas o que somos agora?
Decido entrar no jogo e parar de ser uma espectadora, parar de ser
vítima das consequências. Dobro a aposta.
— Preciso que me ajudem a matar alguém.
Ela me pede para matar alguém e lhe pergunto o nome, porque esse é
o meu papel. O meu papel é atormentá-la com a minha presença e com
flores sempre que puder; é chamá-la de babochka, porque ela se
desenvolve tão lindamente quanto uma. É saber o nome de quem a
machucou e então matá-lo. Enfim, o meu papel é fazer o que ela precisa.
O meu papel quase é ser dela.
Quase como um cachorrinho carente em busca da atenção do seu
dono, e que abana o rabo sempre que a recebe. E o que sou para Julieta se
não um pedaço de carência?
Carência não fica bem em mim, porque eu não a sinto. Não sinto falta
das pessoas, não quero abraçá-las, não quero nem chegar perto delas.
Mas com Julieta, quero tudo isso. Sinto tudo isso.
Meu irmão gosta de dizer que sou obcecado. Não nego, porque tudo,
desde o verde dos olhos até as meias que ela coloca nos pés, me interessa.
Desde a lágrima que escorre por sua bochecha até a risada que ela solta,
tudo isso me interessa, e tudo isso me pertence.
Quero vê-la fazer tudo isso porque quando ela sente, eu sinto também.
Como se estivéssemos conectados, Julieta González me traz o que
ninguém nunca trouxe com tamanha força.
Quando estou com ela, eu sinto.
Tentei substituir o que ela trazia para mim uma vez, comecei a fazer
apostas. A adrenalina de saber se eu ia perder ou não deveria ter me feito
melhor, mas não adiantou nada.
Gosto de vê-la rir e odeio quando ela está em uma agonia que não fui
eu quem colocou lá.
Então, se Julieta precisa que eu mate alguém, eu mato.
— Não vai me questionar isso? — Ela pisca quando me encara,
esperando, desejando... Desejando que eu fosse tão verdadeiro quanto fui?
Desejando que eu não volte atrás?
— Não — admito — Não me importa o que essa pessoa fez, me dê o
nome e ela morre.
Não me importo mesmo. Não tenho limites, nunca os tive.
— Sandra Fitzgerald — ela sussurra o nome e me encara nos olhos, vejo
o verde em seus olhos que parecem mais claros pelo vermelho que toma
conta. Gosto de vermelho nos olhos dela, imagino eles ficando vermelhos
por minha causa, em vez de dor e agonia, eles ficariam vermelhos de
prazer.
Faria bem com ela.
Mas agora, vermelhos de tristeza? Não, eu não gosto.
Sandra Fitzgerald.
— A mulher vai estar morta — prometo a ela.
— O que acabou de acontecer? — o motoqueiro sujo pergunta, seus
olhos se agitam ao redor dela em uma indagação. Não gosto disso, não
gostava nem quando éramos crianças e tampouco agora, mas Roman é
uma parte que eu não posso me livrar. Mas ela não olha para ele, não... Em
vez disso, os seus olhos estão em mim, centrados, quase de forma
desafiadora.
Deliciosa, é isso que Julieta é.
Mesmo com uma toalha na cabeça. Especialmente com a toalha na
cabeça, com a minha camisa e minhas meias, com o meu cheiro
impregnado nela porque tudo o que ela usou me pertence.
— Vai matá-la para mim?
Pisco em sua direção, os meus olhos nunca a deixam para que ela possa
saber a intensidade da minha palavra.
— Vou entregar a cabeça dela para você — prometo.
Ela me encara de cima, meus joelhos reclamam da minha posição, mas
vale a pena apenas para vê-la sorrir um pouquinho para mim. Esse sorriso
é meu, não do motoqueiro, do mentiroso ou do meu gêmeo. Meu. Fui eu
quem o colocou lá, ele pertence a mim e a minha coleção de memórias
dela.
— Senti saudades da sua devoção.
— Só você consegue me inspirar tamanha devoção, babochka. Isso é
tudo seu.
— Beleza, vamos com calma — Roman volta a se intrometer quando
me levanto do chão, franzindo a testa para a linha que isso deixou na
minha calça. — O que aconteceu?
Julieta olha para ele, quieta. Sua expressão de pesar some e surge uma
certa satisfação. Minha pequena provocadora adora o que faz comigo sem
precisar se esforçar. Com algumas palavras caio de joelhos por ela como se
esse fosse o meu trabalho durante toda a minha vida.
E, de certa forma, não foi?
— Quase mataram a minha mãe — ela revela a ele depois de avaliar
por um curto tempo. Sua cabeça se vira para olhar para Dylan que se move
atrás dela, isso faz com que o seu pescoço seja exposto para o meu irmão.
Minha calça fica mais apertada quando vejo o intocável pescoço, sem
nenhuma marca, nada. Me pergunto se ela o guardou para mim... —
Sandra...
Axel a interrompe.
— A mulher que vai morrer.
Ela lança um sorriso fácil para ele, então se volta para o maldito
motoqueiro.
— Ela armou para minha mãe depois de receber a ficha policial do meu
pai, ou pelo menos uma parte dela.
Um silêncio perdura na sala quando todos nós trocamos um longo
olhar. Dylan passa a mão pelo cabelo, enquanto murmura um palavrão.
— O que foi? — ela pergunta a nós depois de perceber o silêncio.
Ando de volta até minha poltrona enquanto observo Roman explicar
para ela o que aconteceu mais cedo. A essa altura, ela tira a toalha do
cabelo e o enorme e emaranhado cabelo escuro cai em seus ombros, ela
traz ele para cima do ombro e começa a desembaraçar com os dedos, mas
as pontas do cabelo molhado pingam na blusa e fazem com que ela fique
transparente e expõe um pouco mais da sua pele de uma forma tão
sensual que ranjo os dentes.
Axel pega uma almofada e coloca em seu colo, e depois de um olhar de
nojo para ele, me concentro nela de novo.
Julieta parece inconsciente do que faz, passa a mão pelos fios com
cuidado, das pontas até o topo. Isso faz com que os fios soltem mais água
que ela ignora.
Estreito os olhos em sua direção, mas ela continua olhando para Roman
parecendo toda gostosa enquanto espera uma resposta dele.
E ele dá o que ela quer.
— Alguém também imprimiu uma ficha do meu pai e colocou no
correio, mandaram entregar no clube um tempo atrás — diz ele.
— E por que não disse isso antes?
Ele estreita os olhos para ela.
— E que importância isso tinha para você? Falei sobre isso com os
idiotas hoje enquanto você estava tomando banho.
— Não dá nem para chamar aquilo de banho, o seu xampu é horrível —
a babochka volta a resmungar, olhando feio para Roman como se ele
tivesse cometido o pior dos crimes.
— O quê? O meu xampu é ótimo pra caralho — Roman rebate, e de
canto de olho vejo Axel revirando os olhos. Observo o meu irmão com
certa satisfação, porque, de nós dois, Axel sempre foi o mais
descontrolado.
Obviamente, ele não sabe controlar o seu maldito temperamento.
Temos mais coisas em comum além da aparência, por exemplo, nós dois
não fazemos coisas que não queremos. Está no sangue Volkov, impresso
em nosso DNA como uma dessas tatuagens ridículas que ele tem marcadas
no meio da pele. Conhecendo Axel tanto quanto eu conheço, sei que ele
não estaria aqui se não quisesse.
Axel estaria em um clube de luta, quebrando algumas pessoas e
fodendo as garotas que levantam a saia para os lutadores depois que
ganham as lutas.
Nojento.
— A questão é... — A voz de Dylan se sobressai a dos outros. — Nós
precisamos conversar. Para onde você foi?
— Te disse no telefone que estava fazendo negócios...
— Por que você saiu? — Roman pergunta a ela.
— Porque eu posso sair. Não sou uma prisioneira — ela rebate. — Você
sabe quem mandou a ficha do seu pai?
Roman nega e ela suspira cansada quando balança os pés. Olho para
eles, então para a comida que ela jogou no meu chão e estreito os olhos
para lá. Tem comida no meu chão.
No meu chão.
— Seja quem for, fez um grande show mandando as fichas do meu.
Entregou por todo o lado sul pelo correio hoje de manhã.
— Por que alguém teria o trabalho de fazer isso? — Axel indaga,
soltando a fumaça do seu cigarro.
— Alguém com tempo livre — diz o motoqueiro em uma piada sem
graça.
— Alguém com raiva — Monroe fala.
Eles ficam em silêncio, uma tensão passa pela sala quando eles se
preocupam em olhar para Dylan. Continuo observando a gordura no meu
chão e então as pernas nuas de Julieta.
— Nós precisamos trabalhar juntos, não dá mais para isso voltar a
acontecer. Se você tivesse falado com a gente nós iríamos com você.
— Não, vocês iriam me trancar no clube e eu ia ficar presa lá para
sempre. Eu não posso ficar presa. — Julieta larga o seu cabelo e aponta
para si mesma, dando ênfase no que diz. — Sei que o que fiz foi ruim, mas
não me arrependo de nada. Preciso trabalhar.
— Você vende drogas como uma profissional, duvido que algumas
semanas te deixem pobre — Axel resmunga.
— O que tenho não é o suficiente.
Me recordo de quando éramos crianças, um lugar que não me permito
ir muito. Julieta sempre gostava de mais, não importava o que era, se ela
gostasse, queria mais. E era isso para tudo. Parece que certas coisas nunca
mudam.
— Sempre tão gananciosa.
— Preciso do dinheiro para tirar minha mãe da Rikers — ela fala tão
claramente que voltamos a nos calar. Os olhos verdes quentes passam por
nós antes dela erguer uma sobrancelha, nos desafiando a contestá-la. —
Ela quase foi morta hoje porque tinham a ficha do meu pai, não posso
deixá-la lá.
Toda a minha paciência dissipa nesse exato momento, o que é uma
surpresa, porque eu tenho a paciência de um santo. Minhas articulações se
contraem. Racionalidade, paciência, a habilidade de olhar para outras
coisas a não ser o incômodo que eu sinto, tudo isso some quando ela
mostra o quanto está triste e incomodada.
Quero colocar todos eles em uma estaca.
— E considerando que os motivos da minha mãe estar lá estão
sentados ao meu redor, vocês não vão me dizer que porra eu posso fazer
ou não para conseguir o dinheiro para tirar ela de lá. — Então ela bate os
pés no chão como uma criança petulante, mas as palavras que saem da sua
boca são de uma adulta decidida, mesmo que seu plano seja um tanto
impossível para ela.
— Sandra Fitzgerald é uma mulher morta que está andando e eu vou
mandar entregar a cabeça dela para você em uma bandeja, agora nos
conte sobre como você pretende tirar sua mãe de lá... — O prazer em
meus olhos quando ela trava o maxilar e olha para baixo deve ser algo a se
enquadrar, porque eu percebo que ela não tem a menor ideia de como fará
o que precisa.
Minha borboleta não sabe como tirar sua mãe da cadeia, não tem os
meios para isso.
Mas eu tenho.
Então posso pegá-la e levá-la para longe deles, em um mundo onde ela
terá a mim e sua mãe, e talvez aquela gata.
Pensando nisso...
Onde está a gata?
— Nós precisamos trabalhar juntos a partir de agora — o motoqueiro
sujo diz o óbvio.
Julieta balança a cabeça, uma zombaria sai de seus lábios cheios:
— Juntos, claro.
— Agora não é mais brincadeira, você quase foi sequestrada hoje! —
Suas mãos se movem. — Sua mãe quase foi morta, eles estão enviando
merda dos nossos pais por aí e não sabemos quem é, e agora
aparentemente os Wild dirigem carros caros e andam de terno.
Os olhos verdes se desviam dele de novo e vão para Dylan.
— Não foram os motoqueiros que tentaram me sequestrar.
Uma linha se forma na testa de Roman.
— Como assim?
— O homem que estava me arrastando disse que o seu chefe ia me
ensinar uma lição, e depois disse que o nome dele era Sr. Monroe.
Os olhos de Dylan escurecem, e eu simplesmente sei que essa conversa
será infernal.

Ele me pergunta o nome.


Eu lhe digo que quero que ele mate alguém para mim, então ele me
questiona o maldito nome.
Simples assim, cru dessa forma. Verdadeiro dessa forma, simplesmente
o que Asher Volkov pode oferecer a mim, o que ele sempre ofereceu a
mim. A sua verdade, a parte assustadora dele, a pior parte que ele tem a
me oferecer, toda a sua escuridão que ele usa como um chaveirinho de
bolso, porque sabe dominar e usar sua parte escura e feia como ninguém.
Algo que Dylan precisa aprender para viver no mundo em que vivemos,
no mundo em que ele nasceu. No mundo em que seu avô é um mafioso e
que o seu império não é feito de boa política, sorrisos e rosas, e sim de
sangue, dor e lágrimas de inocentes. Saber que todos os troféus em sua
parede pelo futebol não vão significar nada no exato momento em que ele
sair do ensino médio.
A bola de futebol e a jaqueta vermelha vão ser substituídas por armas e
um paletó caro para que ele possa usar em eventos sociais para fingir ser
um bom homem e o troféu de sua família.
Mas Dylan não está preparado para deixar isso ir, para deixar esse lado
ir. Será o futebol ou as líderes de torcida que ele não quer ver partir? De
qualquer forma, ele não quer deixar ir, eu vejo em seus olhos azulados
arregalados para mim em descrença quando revelo que seu vovô tentou
me matar. Ou sequestrar. Quem é que sabe...
Ele queria que eu dissesse o quê? Queria que eu mentisse?
É para trabalharmos juntos agora, não é? Então que seja feito da
maldita forma certa.
— Tem certeza? — Quando concordo, quase é como se pudéssemos
ouvir uma parte do seu coração se quebrar bem aqui, nessa sala cara que
guarda os gêmeos russos.
E então eles me perguntam sobre tudo que esse dia miserável
envolveu. E eu conto do quanto as minhas pernas doeram; da fome que
senti e até limpo a sujeira que fiz no chão, apenas para Roman aparecer
com mais comida para mim de novo.
Conto sobre o meu dia ruim enquanto tento ignorar a palpitação no
meu coração de ver todos eles reunidos, com as armas abaixadas
enquanto estão preocupados comigo. Quase têm gosto de casa. É como se
tivéssemos voltado alguns anos atrás, onde estaríamos todos em alguma
sala abandonada, não importa onde, nunca importou, desde que os quatro
estivessem ao meu redor e que tudo o que saísse de suas bocas fossem
planos controversos e bobos sobre como criar alguma confusão.
Escuto sobre histórias e situações que eu não sabia, e, depois de quatro
anos, deixo que o rancor deixe o meu coração por alguns míseros minutos
e imagino como seria a minha vida se nada disso tivesse acontecido.
Me pergunto se quando eu tivesse crescido e tivesse maturidade o
suficiente para aprender o que é um relacionamento eu teria escolhido um
deles, porque era óbvio para mim naquela época que eles não poderiam
escolher por mim. Eles não iriam arredar o pé, não saberiam se sacrificar
para deixar o outro em seu lugar.
E talvez... Talvez eu nem queira que eles tivessem feito isso.
Talvez, em um mundo onde nós não estivéssemos quebrados demais,
talvez nós estivéssemos juntos. Nós cinco em nosso mundo de caos.
Poderia ter sido um bom mundo...
Mas eu não tenho nada disso agora, então, quando aceito a oferta
verdadeira sobre trabalharmos juntos, imponho os meus limites:
— Preciso das minhas amigas, não vou ficar em desvantagem. Elas vão
aparecer e, se precisarmos, nós vamos trabalhar juntas.
— E se elas precisarem aparecer no clube? — Roman indaga.
— Então elas vão aparecer.
Em uma outra vida, eu teria amor, minha mãe, minha gatinha, meus
amigos e quatro amores que poderiam até morrer por mim.
Mas nessa vida eu tenho um coração quebrado e machucado, e cabe a
mim cuidar para que ele não seja quebrado por mais ninguém.
Eu não posso viver em um mundo de amor quando estou ocupada
demais tentando sobreviver em um de sangue.
Três dias.
Foram três dias até que eu conseguisse falar com o meu avô.
Três dias malditos.
Patrick Monroe é um homem ocupado, mas não é por menos, até
porque a inteligência da família está praticamente toda dentro da sua
cabeça. E um pouco da crueldade também. Seus negócios o mantêm muito
ocupado e sei que a minha avó também é responsável pela outra metade
do seu tempo, então nem mesmo eu, o seu neto preferido, tem um espaço
na sua agenda cheia de merda.
E, porra... A agenda de Patrick Monroe é a mais cheia de merda que já
vi.
Meu avô é como um político, ele sorri para as câmeras, diz as coisas
que as pessoas querem ouvir, é dado como um homem bom da sociedade
e todos dizem que o império que ele está construindo vai prosperar por
anos graças aos seus bons modos e investimentos.
Bons modos e investimentos... Que porra essas pessoas acham que
acontece debaixo dos lençóis dessa cidade? Não existe tal coisa como bons
modos e investimentos aqui, todos são sujos, todos têm sangue nas mãos,
e se não tem... um dia eles vão ter.
É assim que a vida transcorre e tive que aprender a fazer as pazes com
isso anos atrás, porque sei que Patrick tem grandes planos e metas
preparados para mim desde que colocou os seus olhos azuis em mim nos
braços da minha mãe.
Se eu fosse um homem religioso, iria pedir para Deus guardá-la no céu.
Mas não sou, e sei bem que membros da família Monroe não vão estar
guardados no céu de jeito nenhum. Não, todos com sangue Monroe tem
algo pior os esperando depois da morte. Tal como o céu está além do
nosso alcance.
Minha mãe era a filha preferida de Patrick, a menina dos seus olhos
com todos aqueles cachos loiros e selvageria que estão implantados em
um Monroe desde o útero. Ela era a mais velha de cinco filhos, a
primogênita de um reino sujo, a princesa de um homem que não deveria
ter escrúpulos, mas sempre lidou muito bem com isso, pelo que eu ouvi
dizer...
Minha mãe era tão privilegiada que me teve fora do casamento, algo
proibido dentro da máfia. Não se pode ter um filho sem se casar, porque
um casamento é uma aliança e homem nenhum aceita o filho de um outro
homem no meio dos seus. O que minha mãe fez foi uma vergonha, foi tão
sujo que meus tios dizem que minha avó não saiu do quarto por semanas.
E meu avô ficou furioso. Ele era pai, sim, mas, acima de tudo, um
homem de negócios e minha mãe iria significar um grande negócio para
ele. A princesa irlandesa que poderia se casar com um dos outros príncipes
maiores e finalmente conseguir a aliança que Patrick tanto estava atrás.
Porque podemos ser grandes, mas não tanto quanto Famiglia, Camorra e
Bratva.
Elas são grandes, são tão grandes que sua rivalidade não é escondida.
Meu avô quer ser grande o suficiente para rivalizar com elas, eu sei,
mas, para isso, ele precisa se aliar a uma, porque sozinho isso não existe.
Minha mãe era a sua chance, e, quando ela arrumou um bastardo, vovô
imediatamente foi obrigado a parar seus planos.
Ele tem mais filhos, mas eles não eram ideais, segundo ele.
E eu concordo, são grandes filhos da puta selvagens e gananciosos que
mal podem esperar para o meu avô cair para que possam comer a sua
carne e brincar com os seus restos.
Ao contrário da crença comum, meu avô não me odeia. Na verdade, eu
acho que o mais próximo de amor que ele pode demonstrar por outra
pessoa que não é minha avó vem para mim.
Ele quer que eu seja grande.
Um líder, um governante, um criminoso sem escrúpulos.
Ele quer que eu seja ele.
Jogos de futebol são besteira, por mais que eu ame a liberdade que
tenho sempre que estou em campo correndo, sei que isso é inútil e não
conta como o meu futuro. Porque o meu futuro é cumprir o que diabos o
meu avô está planejando para mim e cumprir o trabalho como Monroe,
talvez precise fazer o que minha mãe não foi capaz.
Talvez ser mais do que ele, ser mais ambicioso e finalmente tirar a
minha família do Texas, crescer o suficiente para pegarmos Vegas ou Nova
York, ou mais para o norte ainda. Para criarmos algo tão grande que será
tão assustador quanto os donos de Vegas e Nova York.
Eu não quero parar de jogar futebol, não quero sair da escola e me
enfiar em um terno tão caro quanto os de Asher para ameaçar pessoas.
Inferno, estou bastante confortável na minha posição de líder de um time
de futebol e não de uma máfia. Eu nem mesmo gosto de passar tempo na
mansão dos Monroe, é assustadoramente cheia e ao mesmo tempo tão
vazia, mas aqui estou, sentado do outro lado da mesa do meu avô,
enquanto o vejo tragar um dos seus charutos.
Como a porra de um mafioso clichê.
Não quero estar aqui, deveria estar no treino para o jogo que vamos ter
na sexta, mas aqui estou desperdiçando alguns minutos da minha
liberdade dentro dessa casa e desse escritório que um dia pode ser meu.
Tudo isso por uma mulher.
As coisas que fazemos por amor...
E enquanto estou aqui, sob o olhar atento do meu avô e longe demais
de onde queria estar, sei que ela está reclamando no ouvido de Roman por
ficar presa dentro do quarto dele de novo e sei que está fazendo mais
exigências sobre quais coisas quer que ele compre.
E ele compra, porque é tão patético quanto eu.
— O bom filho à casa retorna... — A sua voz é tão rouca que sei que é
por conta do cigarro, então só consigo imaginar o pulmão deste velho
cinza. As rugas denunciam a idade dele, mas sua figura ainda é robusta. O
curto cabelo branco tem grandes entradas e uma pequena e bem-feita
barba branca enfeita o seu rosto, mas nada disso faz o meu avô parecer
ameaçador. São os olhos azuis, se olhar muito para eles poderá enxergar o
que se esconde por trás. — Ou seria neto?
Faço um esforço para não me mover na cadeira, porque Patrick sempre
teve poder demais sobre mim. Afinal, eu sou mais filho do que neto dele.
— Andei ocupado.
Uma risada sai da sua boca e a visão é estranha para mim, porque faz
tempo que vi algo perto de um sorriso aparecer na boca desse homem. Eu
realmente passei muito tempo fora, percebo.
— Ouvi sobre as suas... ocupações. — Seu nariz longo se ergue um
pouco. — Algumas têm cabelos loiros, outras são ruivas, mas o que me
chamou atenção foi a morena de olhos verdes. Ela me parece ser familiar
demais, será que pode refrescar a minha memória, Dylan?
— Não me surpreende que você mande os seus soldados me seguirem,
o que me surpreende é o motivo de tentar sequestrar Julieta. — Os seus
olhos não me deixam quando ele bebe um gole da bebida do seu copo. —
Ela não é útil para você.
— Todos são úteis se aprender a usá-los da forma certa.
— Ela não é — luto para que as palavras não saiam junto a um rosnado.
Desrespeito foi algo que Patrick nunca aceitou em sua casa.
— É aí que você se engana, meu neto. Julieta é muito útil para mim. Ela
pode ser uma peça importante ou um simples peão, eu ainda estou
tentando descobrir. O que ela interpreta no seu jogo, Dylan? Um peão,
bispo, cavalo, torre ou rainha?
O que ela era?
A garota de olhos verdes não devia ser nada mais do que algo a ser
ignorado, mas Julieta sempre teve talento para grandes gestos e entradas.
Se ela é alguma coisa, é alguém a se notar, mesmo quando eu luto para
ignorar a sua presença.
Peão, bispo, cavalo, torre ou rainha?
— O que ela significa no seu jogo, já que teve o trabalho de mandar
levarem ela?
— Só queria algumas informações dela, apenas isso. — Ele pisca para
mim tentando ser jovial, mas o seu rosto envelhecido não permite e eu não
acredito em uma mísera palavra que sai da sua boca. — Jamais machucaria
a sua querida Julieta, ela é a sua namorada da infância, não é? Não poderia
fazer isso com você...
Essa é a coisa sobre ser criado por Patrick, sempre dá para saber
quando ele está mentindo.
Mentiras, mentiras e mentiras. Tudo o que saiu da sua boca foi uma
enxurrada de mentiras, e seja por conhecê-lo bem o suficiente ou por
saber daquela história de rua sobre os Monroe não fazerem nada se não
fosse com segundas intenções, eu descobri. Não importa o motivo, eu sei.
— Me diga, Patrick... — Aperto as minhas mãos em punhos em cima
das pernas, observando com certo desgosto o olhar vidrado que ele tem.
— Eu pareço ser aquela criança boba para você?
— Não, meu neto, até um tolo consegue olhar para você e saber que
não é mais uma criança boba.
— Então por que você está me tratando como uma? — finalmente
rosno e deixo o meu temperamento sair e escorrer por meus poros
enquanto ele bebe a minha violência como um viciado.
Não gosto de ser violento, e ser temperamental já é a porra de um
problema que eu lido no campo, e gosto menos ainda de deixar as pessoas
verem a violência em mim. Sei que vou ter que ser violento, faz parte da
minha natureza, simplesmente não gosto de ser descontrolado quando sei
que em pouco tempo tudo o que restará de mim será a violência.
— Só queria conversar com a garota, Dylan. Não estou te tratando
como uma maldita criança.
— Você tentou sequestrar ela à luz do dia, no meio de uma rua
movimentada e o homem que a agarrou lutou comigo. Isso não era uma
conversa e eu exijo saber o que era.
O rosto do vovô se fecha ainda mais. Uma carranca dá lugar às feições
divertidas e zombarias de antes, agora tudo o que tem é
descontentamento.
Me sinto com sete anos de novo, quando eu fazia alguma merda e
brigava com meus primos e meu avô nos passava um sermão com essa
feição fechada.
— Você exige? — Sua mandíbula se fecha em um aperto, e assim eu sei
que estou fodido. — Não te vejo em casa há dias, tudo o que você faz é sair
por aí com nossos inimigos, foder líderes de torcida e jogar aquela merda
de futebol que não vai te levar a lugar nenhum e agora você quer me exigir
alguma coisa como se isso fosse assunto seu? Como se fosse da sua conta?
— Julieta é da minha conta — atiro de volta, me ajeitando na cadeira.
Patrick praticamente me mostra os dentes, mais animalesco do que a visão
polida que todos veem. Devia me assustar, mas tudo que faz é me
enfurecer ainda mais.
— Não mais. Essa garota não é mais do seu negócio há muito tempo,
cresça para que todos nós possamos superar isso de uma vez.
— Julieta sempre vai ser da minha conta e você e eu sabemos disso. —
Infelizmente, eu não consigo mais fugir dela, não depois da última vez, não
depois do que ela nos pediu e definitivamente não depois do que dei para
ela.
O meu caos.
— Devia ter cortado esse problema pela raiz desde que ela e a mãe
estrangeira apareceram aqui... — ele resmunga mais para si mesmo do que
para mim, então volta a me encarar com firmeza. — Era isso que eu ia
fazer, resolver o problema.
Ele ia acabar com ela.
Me levanto da cadeira, bato minhas mãos tão forte na mesa, que
algumas canetas pulam e rolam pela madeira escura. Me apoio nos braços
e me elevo sobre a figura do meu avô, mas sei que, apesar de toda a porra
da minha raiva, o meu avô tem uma vantagem que eu não tenho.
Experiência.
Ele poderia acabar comigo tão rápido com sua arma que eu nem veria
antes de ter uma bala em minha cabeça.
— Julieta não é seu problema para cuidar, ela é minha. Não quero mais
saber de você tentando colocar as mãos nela de novo.
O rosto de Patrick fica vermelho quando ele se levanta da cadeira, sua
altura um pouco menor que a minha, sua coluna não tão reta. Enquanto
ele tem a experiência, eu tenho o fôlego que ele não pode mais ter.
— Eu te amo, Dylan, e você é o meu filho preferido, mas não pense
nem por um segundo que eu não acabaria com ela ou com qualquer um
que seja uma ameaça para essa família.
— Ela não é uma ameaça.
— Será mesmo? — Ergue uma de suas sobrancelhas. — Nós não somos
o que somos porque sou misericordioso, Dylan. Somos isso e um dia
seremos mais porque fazemos o que é preciso para vencer o que diabos
precisamos vencer. Qualquer ameaça é cortada, qualquer uma. A mãe dela
foi presa contra nós anos atrás e agora aí está você, caído por ela quando a
garota voltou há cinco minutos pra sua vida. Essa é a coisa mais estúpida
que eu já te vi fazer.
Rosno para ele.
— Não estou caído por ela e sua presença na minha vida não significa
que vou deixar o meu papel como seu neto.
— É melhor não fazer, ou a garota estará fora. A família vem primeiro.
A família vem primeiro.
Uma frase com tantos significados. Em primeiro lugar, não poderíamos
mexer fundo ao ponto de irritar o meu avô, porque ele sabe onde eu ando
e com quem ando, apesar de não estar lá tem olhos em todos os lugares.
Em segundo, tem algo em Julieta que Patrick vê como ameaça, mas o que
faz uma adolescente assustar um homem como Patrick eu não sei... E em
terceiro, ele tem grandes planos para mim, o que eu já sabia, mas algo me
diz que é rápido. E seja o que for, ele está com medo da interferência de
Julieta.
Mas o que o deixa com medo, a sensação de que eu não estou mais
tanto sob o seu controle ou o medo de que um dia ela tome mais espaço
no meu coração e em meus pensamentos do que o seu maldito lema?
Julieta... Ela sempre foi um problema infernal e sempre trouxe o pior de
mim, e não sei se a odeio ou a amo por isso.
Não gosto de muitas coisas nesse clube. Na verdade, não gosto de
muitas coisas em muitos lugares, mas esse lugar tem o talento de me
deixar de cabelos em pé.
Não gosto da cama mesmo sabendo que ela é estranhamente perfeita,
mas ela não é a minha. E também... A cama tem o cheiro do Roman. Todo
o quarto onde estou sendo mantida tem o cheiro dele, e isso me
enlouquece. Não tem o meu perfume feminino e sensual, e sim o cheiro
masculino e marcante dele que sou obrigada a cheirar porque não posso
sair dessa merda.
Eu odeio.
E Hela... Estou longe dela há tanto tempo que parece que o meu
coração vai parar de bater em meu peito, como se eu fosse morrer daquele
negócio de coração partido.
Faz só alguns dias, mas sinto como se fossem bem mais.
E esse lugar só fica quieto por um tempo, geralmente, às vezes, quando
o clube esvazia quando saem para correr ou fazer alguma missão
importante de gangue que eu não faço ideia do que seja, e só então eu
posso sair do quarto.
As noites são barulhentas até as dez, quando geralmente Roman sai do
quarto e manda todos desligarem a música para que eu possa dormir. Não
que eles saibam disso, é claro.
Não é completamente solitário, já que Roman sempre vem para o
quarto quando tem um tempo livre. Isso quando um dos garotos sempre
aparece aqui também. Não sei qual o sentido deles poderem andar
livremente e eu não. Mas depois que Dylan disse que seu avô já sabe que
eles se reuniram, o sentido de esconderem que eles estão voltando a
conversar perdeu o sentido.
Ainda não vi o papai Miller, mas vejo muito Asher. Ele sempre está aqui,
olhando o quarto como se fosse a coisa mais suja e podre que ele colocou
os seus sapatos caros. Ele simplesmente fica parado encostado na parede e
me encara, me esperando falar, perguntar sobre... Eu não sei, qualquer
coisa.
Não costumo falar muito, exceto para lhe provocar e lhe mandar parar
de ser um maldito perseguidor.
Ele nem mesmo se encolhe quando eu o chamo de estranho.
Se tornou uma rotina incomum. Durmo de manhã, então como alguma
coisa que Roman traz para mim. À tarde, um dos garotos vem aqui ou,
quando posso, saio do quarto para poder vagar por esse lugar. À noite, eu
volto para o quarto e durmo de novo.
Deprimente.
Tão deprimente, que quero bater com a minha cabeça na parede só
para ter alguma ação na minha vida.
Segundo Roman, algum traidor está em seu clube. Acredito nele, mas
só porque o vejo balançar a cabeça e murmurar com raiva para si mesmo
quando pensa que não estou olhando. Roman está frustrado porque as
coisas não estão sob seu controle. Entendo o sentimento.
Preciso voltar para a escola e parece que as coisas se acalmaram, mas
todos eles não gostaram da ideia de me tirar daqui, mesmo quando Dylan
garantiu que seu avô não seria mais um incômodo.
Vovô Monroe... Aquele velho sempre me assustou.
E mesmo sabendo que talvez o traidor até já saiba que estou aqui, não
quero causar mais dores de cabeça para mim. Ser quase sequestrada faz
isso com você, te deixa mais pensativa e reflexiva com a sua vida... é um
saco, mas até que pensar nas coisas com menos impulsividade pode ser
bom.
Já pensei em mil formas de roubar o clube, e desisti de algumas porque
eram impossíveis, mas outras me parecem ser bem promissoras.
Imagino eu e minha mãe tomando alguma bebida cara e nadando no
mar do Caribe.
O paraíso.
Nós poderíamos ter uma dessas lojinhas locais, que ela gerenciaria. Eu
faria faculdade de medicina e seria uma excelente médica. Iria salvar vidas
durante todo o dia, então chegaria em casa à noite e tiraria o jaleco,
sentindo o cheiro do macarrão da minha mãe e tomaria um banho, depois
nós iríamos comer e eu faria um pouco de carinho em Hela, porque estaria
com saudades por não ter visto ela o dia inteiro. Eu ia ficar preocupada,
claro, mas teria a minha mãe e tudo ia ficar bem.
Um sonho que não sei quando vou realizar, mas sei que vou realizar.
Sonhos e esperança são duas coisas que gosto de ter, mas sei bem que
Asher discorda de mim. Não, Asher Volkov não é alguém que tem
esperanças e sonhos, isso não combina com ele. Posso ver isso brilhando
em seus olhos castanhos aqui, bem na minha frente.
Enquanto permaneço deitada na cama de Roman, que recentemente se
tornou minha enquanto ele geralmente faz a sua própria no chão aos meus
pés, Asher está parado na parede oposta, todo chique com o seu terno e
relógio que deve custar um rim.
Quero dizer que não gosto da sua presença aqui, mas será mentira,
porque estar sozinha nesse lugar é solitário e, de um jeito ou de outro,
esse garoto tira a minha solidão.
A verdade é que, de todos eles, Asher foi o único que nunca se
preocupou em ficar em silêncio diante de mim. Suas flores e cartas
ameaçadoras malditas sempre fizeram um bom trabalho em me entreter
durante os últimos anos, e, de uma forma distorcida e meio psicótica,
Asher nunca me deu o seu silêncio.
— Como está a sua mãe? — ele me indaga, me observando deitada
aqui com os olhos predatórios como os de um lobo encarando uma
ovelhinha.
— Ainda correndo perigo — resmungo.
Acontece que a mulher maldita ainda não está morta, e eu não vejo
Asher fazer nada a mais do que ficar nesse quarto às vezes. Sendo honesta,
sei que, quando ele está aqui, sua atenção nunca desvia de mim. É como...
Como se não me observar fosse um crime que ele não pudesse cometer.
A única certeza que eu tenho na vida é que agora, não importa onde eu
vá, sei que terei os olhos de Asher Volkov em mim.
— Assim como você — diz ele. — Mas diferente de você, isso vai mudar
logo.
Asher não é a favor da minha volta para a escola, na verdade ele foi o
primeiro que deixou claro que isso é uma ideia de merda e que me colocar
de volta seria como apontar uma arma para a minha cabeça, mas ninguém
realmente lhe deu ouvidos porque todos eles ainda não resolveram os
problemas entre eles.
Dá para ver até na forma que respiram perto um do outro, a
testosterona é tão sufocante que eu até quero me encolher às vezes. Eles
parecem que vão pular no pescoço um do outro em um momento, e no
outro são como a maior força que já vi.
— Precisamos pegar quem está enviando as fichas, então os
motoqueiros e acabamos por aí.
Ele solta uma risada, o som belo sai dos seus lábios, como se fosse
música, é tão estranho para mim que preciso me sentar na cama para
poder ver com os meus próprios olhos. Preciso garantir que estou vendo
Asher Volkov rir.
Uma onda de nostalgia me atinge como um trem, quase paralisando os
meus sentidos quando os meus pensamentos me levam a dias mais felizes,
onde ele me permitia fazer parte de todos os seus sorrisos, porque todos
os que eu o via dar eram sorrisos para mim.
— Você realmente acredita que depois disso nós vamos te deixar ir?
Que eu vou te deixar ir?
— Vocês já fizeram uma vez.
— Não, babochka, eu não te deixei ir nem por um momento.
Eu o observo, amarga.
— Então você quer dizer que, nos últimos quatro anos, esteve comigo
sempre? Vai mentir na minha cara e dizer que não me deixou ir?
Seus olhos escurecem e sua feição se fecha, o seu corpo grande vem
para a frente quando ele dá alguns passos na minha direção.
— Eu não estava presencialmente com você, mas não diga para mim
que não estava na sua cabeça, porque sei bem que eu estava. Que estou.
Sei que eu era a primeira coisa que pensava ao acordar e a última que
pensava quando ia dormir, sei que, apesar de não me ver, eu ainda fiz
parte de cada porra de dia que você teve.
Travo o meu maxilar, porque é verdade. Porque graças a suas ameaças
ridículas que, pateticamente, tenho guardadas na minha casa como
migalhas que ele me deu, por causa dessas cartas e das flores sei que não
teve um dia nos últimos anos que não pensei nele, que não o imaginei
escrevendo as cartas ou escolhendo as flores. Que não quis saber o cheiro
do seu perfume ou se ele ainda era capaz de sorrir um pouco como era
antes.
Maldito Asher Volkov e tudo o que ele representa.
E maldita seja eu por não conseguir conter os pensamentos errantes
relacionados a ele e todos aqueles garotos.
No caso deles, sou a responsável por dosar o meu próprio veneno.
— Tudo o que você fez foi me ameaçar, todos os meus pensamentos
eram medindo o quanto eu te odeio.
— E, ainda assim, eu estava dentro da sua cabeça, dividindo a cama
com você depois de um dia cheio. No café da manhã, quando você olhava
para as minhas flores enquanto eu estava pensando em você do outro lado
da cidade. Na escola, quando você olhava para Dylan e sua corja de
mulheres e pensava no que eu estava fazendo e no quanto sempre fui leal
a você.
— Você deixou de ser leal a mim no segundo que colocou a minha mãe
na cadeia.
— Não coloquei a sua mãe na porra da cadeia, Julieta. — Sua voz
estala, bem mais alta que a minha quando arregalo os olhos. — Nunca tive
nenhum interesse na sua mãe e na vida criminosa dela, pouco me importa
isso. Mas não fui eu quem a colocou na cadeia.
— Mentiroso... — o sussurro sai dos meus lábios secos como uma
distração, minha mente imediatamente se fecha para qualquer coisa que
saia da sua boca e esteja relacionado a ele e minha mãe.
— Eu tinha quatorze anos e você sempre foi o meu tudo, por que
diabos acha que iria querer te afastar de mim? — ele rosna e se aproxima
mais, enrugando o nariz quando chega perto da cama onde eu estou. —
Nem quando eu deveria te afastar o fiz, porque não existe um mundo onde
você esteja longe de mim.
Ergo o meu queixo.
— Um dia, eu vou estar longe de você e de todas as suas mentiras.
Ele abre mais um sorriso de lobo para mim.
— Esse dia nunca vai existir, porque eu vou perseguir você até mesmo
na morte, babochka.
Seu corpo está tão perto que eu sinto o seu cheiro masculino mais forte
do que nunca. Se eu fechar os olhos, posso me imaginar em alguma sala de
hotel cara com ele, depois de um dia longo enquanto ele bebe um gole de
bebida cara e me olha com os seus olhos castanhos e abre um sorriso de
lobo para mim, todo predador. Seria uma boa vida também, uma pena que
é uma mentira, assim como tudo o que sai da boca dele.
Seus olhos castanhos descem dos meus verdes até a minha boca e
minhas bochechas esquentam, o vejo umedecer o seu próprio lábio, talvez
preparando-o para mim. Eu não vou beijá-lo, mas talvez ele nem ligue.
Talvez Asher Volkov não tenha problema em ser o vilão da minha história,
me roubar um beijo e pegar todo o meu fôlego para si.
Ele nunca teve problemas com isso antes mesmo.
Abro a boca para rebater, mas o toque do meu telefone me tira a
concentração. Eu praticamente pulo em direção a ele e atendo o celular,
pouco me importando em olhar no identificador enquanto procuro uma
saída de Asher e seus olhos.
Que porra de arrependimento.
— Alô? — indago, colocando o telefone na orelha e me distanciando de
Asher, ofegante.
— Olá, filha.
Congelo no exato momento que reconheço a voz masculina do outro
lado da linha. Como poderia não reconhecer quando o dono é responsável
pela maioria dos meus problemas e que ele seria o motivo de eu chorar na
terapia?
Se eu fizesse terapia.
Anthony Leclerc.
— Pai.
Meu pai está me enlouquecendo. Não sou capaz de culpá-lo quando sei
que ele tem razão, mas porra... James Miller tem o poder de acabar com a
paciência de qualquer um em um simples movimento e isso sempre tem o
poder de me deixar puto.
E sei o porquê ele consegue fazer isso tão rápido comigo... É porque
nós somos iguais. Feitos da mesma matéria, com estupidez até os ossos.
Brigamos muito, mas trabalhamos melhor juntos de qualquer maneira. E se
tem uma coisa que fazemos bem juntos é dar ordens, principalmente se
tratando de uma reunião do clube como agora.
Me encosto na cadeira, minha coluna reclama pelo desconforto, mas
isso é só o resultado das minhas últimas desconfortáveis noites no chão,
aos pés da minha cama que agora não posso chamar mais de minha. Ela já
deve conhecer mais do corpo de Julieta do que o meu.
Toda noite antes de dormir, olho para ela e sou incapaz de evitar
observá-la toda pequena e sexy na minha cama e com a minha camisa.
Algumas noites ela me encara com todo o fogo que os seus olhos verdes
podem carregar. Eles me seguram e me mantêm refém com uma força que
ela nem parece saber que existe. Ela me encara, me examina, me queima e
me segura antes de me olhar apagar as luzes para então poder dormir. Será
que ela sabe o que os seus olhos fazem com a minha calça?
Porra de provocação.
E outras noites, ela só... só se deita lá e olha para o teto, ou passa o
dedo no celular estranho dela distraidamente, coberta da cabeça aos pés,
mas seu cabelo está sempre bonito depois que exigiu uma lista de compras
de produtos de higiene feminina. Não vou fácil entrar no clube carregando
uma sacola de cremes corporais e absorventes que ela me deu a instrução
exata para comprar, porque, aparentemente, os que ela usava desde os
doze tinham mudado.
Mas eu fiz isso como a porra de um campeão, e até ignorei os olhares
estreitos que o meu pai me mandou por ter saído e largado ela com um
dos russos por um tempinho.
E falando nele, James Miller não está muito feliz com a situação. Dá
para ver em seu rosto, mas ignoro, apesar de saber que os outros nessa
mesa não desenvolveram a mesma habilidade que eu.
— Os Wild estão recebendo alguma mercadoria que não estamos
sabendo? — Big T pergunta, sua grande barba branca balança quando ele
rudemente diz.
Big T recebeu o apelido por causa do seu tamanho, o cara é a porra de
um monstro de desenhos animados em tamanho real. Deve ter quase dois
metros e pesa uns cem quilos de músculos em todos os lugares. Ele é um
dos mais velhos do clube, entrou nos tempos do meu pai. Velho de casa e
cabeça-dura, mas um homem leal ao clube e a sua família.
Big T deve ter quase uns cinquenta anos e está perto de ser avô. Sua
filha, Maria, está quase colocando um garoto para fora. E só sei dessa
informação porque meu pai prometeu proteção a ela nesses tempos
difíceis e todo o resto.
— Não tem como eles passarem pelas estradas sem que nós víssemos...
— Mad Dog diz, passeando seus olhos escuros preguiçosamente pela mesa
como se a ideia de algo passar por ele sem que ele veja seja um absurdo.
E meio que é. Mad Dog é o vice do meu pai, quase tão velho de casa
quanto ele. Recebeu o apelido depois de entrar em uma briga muitos anos
atrás e destroçar um homem dos Wild com os dentes. Ele recebeu o nome
de meu pai e foi considerado um homem de alta patente. Diferente de Big
T, a vida de Mad Dog é para o clube. Sem família, como muitos aqui.
Apenas mulheres em cada festa e um bom cigarro, é assim que ele
gosta de levar a vida.
Quando não estamos em reunião, ele me chama de sobrinho e eu o
chamo de tio Derek. Tio Derek ganhou uma cicatriz da briga, que pega todo
o seu olho direito e sobe para a sobrancelha, separando a pele em duas e
tornando impossível que alguém esqueça o seu rosto.
Ele teve sorte de não ganhar o apelido de Scarface. É ridículo.
— Suas bolas não são o centro do mundo, Mad Dog — Cam diz
enquanto roça os dedos escuros no copo de cerveja com raiva. — Alguma
coisa passou e não vimos!
— Está sugerindo que eu não cuido bem dos meus negócios, Cam? —
Mad Dog rosna para ele, arqueando suas costas na cadeira e toda a
testosterona do seu corpo parece ter se juntado para atacar Cam do outro
lado da mesa.
Rolo os meus olhos, observando a porta e, em seguida, o relógio. Se eu
fosse um religioso, eu teria rezado para que pudesse sair logo daqui e ir
para o quarto, onde Julieta deve estar. Ela ainda estaria com as minhas
roupas? Estou tendo mais trabalho com ela aqui, é verdade, mas, merda...
Nada muda a excitação que corre por minhas veias cada vez que vejo ela
com as pernas de fora, vestida na minha camisa e toda deitada na minha
cama.
Olho para baixo, observando quando a minha calça começa a apertar.
Porra. Levanto os olhos, dando de cara com os cerrados do meu pai em
minha direção.
Porra.
Me remexo na cadeira e os olhos dele se estreitam ainda mais, puto
comigo. James está bravo comigo há uns dias, não conseguirei negar nem
se quiser.
O motivo dele tem nome e sobrenome e a porra de uma língua que
parece um chicote quando quer.
Meu pai não gostou da ideia de esconder ela aqui, mas o ignorei
completamente, porque já tinha me afastado dela por causa dele uma vez,
não ia fazer de novo.
Disse que, se ele não a permitisse aqui e me ajudasse com isso, eu iria
embora com ela. Foda-se, eu totalmente faria.
Nós discutimos, ele me chamou de moleque e disse que eu estava
fazendo a maior merda da minha vida em trazer ela de volta. Não neguei,
porque sei que posso estar fazendo exatamente isso. Então ele disse que
estou pensando com o meu pau. Outra verdade, mas não ela toda.
No final eu ganhei, mas o preço foi alto.
— Se for assim, vai ter que acusar Tucker também, já que ele trabalha
junto comigo nas ruas! — Mad Dog grita e bate a mão sobre a mesa, o que
faz com que os copos de bebidas estremeçam e alguns até derramem.
Será que ela vai enrolar o cabelo nos dedos com a minha camisa preta?
— Essa é a discussão mais inútil que já tivemos... — Big T resmunga,
com sua voz rouca por velhice, cigarro e pelo câncer que ele tem na
garganta. Se o homem parou de fumar por isso? É claro que não...
— Estou acusando, seu merdinha — Cam diz juntando suas
sobrancelhas. — Acho que vocês dois são estúpidos e incompetentes para
o trabalho, porque, obviamente, alguma coisa está faltando, mas o
presidente não faz nada.
Ergo os ombros, trocando um último olhar com o meu pai quando
voltamos a olhar para Cam. A mesa cai em silêncio, Big T olha para baixo e
pega o copo em sua frente e toma um longo gole. Os outros caras também
ficam quietos, assim como no início de toda essa merda.
Somos sete homens que se sentam à mesa. A maioria mais velhos, mas
também tem gente mais nova como eu e Tucker. Tucker tem vinte e nove
anos, mas nasceu no clube, se provou há muito tempo, então quando o
seu pai morreu há dois anos, ele assumiu o lugar. A mesa é o Conselho, é
onde discutimos as ideias e os problemas antes de passar o resto para
todos.
Uma grande reunião é o que chamamos de “missa”, porque é quando
todos são reunidos na igreja e a palavra é passada. É uma grande reunião
para passar informações e mostrar poder. Só membros do clube
participam. Prospectos raramente são convidados.
Os prospectos só seguem as nossas ordens como vadias até se
provarem para fazer parte oficialmente do clube.
— Você quer falar alguma coisa para mim, Cam? — A voz potente do
meu pai passa pela mesa, com seus olhos fixos no homem que o
questionou quando um sorriso de tubarão toma conta do seu rosto. — Tem
alguma sugestão sobre como eu deveria liderar o meu clube?
— Não, presidente — a boca de Cam se curva, infeliz em ter que falar
isso, mas, obviamente, o meu pai não se importa. É tudo sobre
demonstração de poder, coisa que o meu pai sabe muito bem lidar.
James Miller é um homem a se temer, e não o amigo da comunidade,
que muitas pessoas falam. Meu pai é grande, cheio de músculos e
cicatrizes, porque onde eu tenho charme, ele tem raiva. Sempre brigou por
aí, quando eu era criança e ficava com minha mãe, meu pai sempre voltava
sangrando das corridas.
Os Devils são o que são hoje por conta dele e de sua força, porque isso
é tudo o que James tem e mostra com orgulho. É presidente por direito,
lutou por seu lugar e machucou muitos para estar onde está agora. James
Miller não é alguém para se mexer, mas Cam vive se esquecendo quem é o
dono da cadeira que ele se senta.
— A escória Wild continua, de alguma forma, crescendo. Precisamos
descobrir como, e cortar essa porra. Eles estão atrás do meu filho, estão
atrás da gente. Eles roubaram da gente — meu pai rosna entredentes,
como um animal. — De alguma forma, eles sempre estão na nossa frente,
então ou esses filhos da puta são mágicos ou tem um covarde de merda
que está nos traindo.
A mesa continua em silêncio, o meu pai se levanta e apoia a mão na
mesa quando nos olha de cima com visível ira. Passo os meus olhos nos
homens, todos prestam atenção no que o seu presidente diz, nada
suspeito quando os encaro.
A frustração me enche.
Quem de vocês está nos traindo? Será algum deles?
— E quando eu descobrir quem é, eu juro que vou cortar as suas
malditas bolas e amarrar na roda da minha moto antes de sair para a
corrida — ele promete, um minuto de silêncio se segue antes que ele bata
na mesa. — A reunião está encerrada, vão cuidar dos seus negócios melhor
do que estão fazendo e deem o fora daqui.
O som de cadeiras sendo arrastadas segue quando todos se levantam e
dão o fora da sala, mas eu fico. Meu pai tira um cigarro da jaqueta e me
oferece, o qual aceito, mesmo sabendo que esse aqui não é o meu
preferido. Se puder escolher, sempre vou pegar o tabaco mexicano.
O primeiro cigarro que fumei na vida foi um cigarro mexicano, e é claro
que Julieta González foi a responsável por dar ele para mim. Aos quatorze
anos, isso me pareceu bom pra caralho, fumar escondido um cigarro que
ela tinha roubado de sua mãe enquanto bebíamos um whisky que eu tinha
roubado do meu pai e falamos merda sobre a vida e rimos como crianças
que não tem problemas nas costas.
Quando a porta é fechada, ele me passa o isqueiro.
— Fez esse show todo só para os assustar? — resmungo.
— A vida é toda sobre quem se assusta e quem governa pelo medo.
— Você parece a mamãe falando... — resmungo, observando quando o
rosto do meu pai se transforma em uma máscara de dor que ele só deixa
transparecer para mim.
— É... Ela vivia no mundo para governar pelo medo... — uma risada
seca e nostálgica sai dos seus lábios e os meus se espelham aos dele
quando trago o cigarro e permito que a lembrança da minha mãe venha à
minha mente.
Se fechar os olhos, eu ainda consigo imaginar ela exatamente igual,
com seus cabelos medianos, seu sorriso fácil, sua expressão brava, suas
piadas ruins e sua comida boa. Mamãe sempre foi a melhor do meu
mundo. A melhor coisa que eu tinha. Quando eu brigava com o meu pai,
ela me abraçava e me aconchegava; e quando brigava com Julieta, ela me
dava uns tapas na cabeça e me mandava fazer as coisas direito.
Meu pai e minha mãe eram a porra do casal mais bonito que já vi na
minha vida. Minha mãe era modelo quando mais nova em Los Angeles.
Nada grande o suficiente para viajar para fora, mas bom para ser
conhecida na Cidade dos Anjos. Ela conheceu o meu pai depois de ir com
uma amiga da época em um bar para relaxar e dançar alguma merda
country, o meu pai estava com o clube descansando para poder voltar à
corrida.
Minha mãe disse que só viu ele depois de ter bebido três cervejas e de
ter dançado com metade do bar, disse que ele era grande e bonito demais
para passar despercebido, mas que estava ocupado demais flertando com
a garçonete para prestar atenção nela.
Meu pai disse que a viu assim que ela passou pela porta com suas
pernas longas.
O cabelo castanho selvagem e olhos azuis cristalinos. E era alta em
botas de salto.
Meu pai tentou pagar uma cerveja para ela, minha mãe negou, porque,
segundo ela, Addie Carlson não precisava de ninguém para pagar as suas
merdas. Meu pai ficou surpreso por uma coisinha gostosa da Califórnia ter
uma boca tão suja. Ele realmente disse isso e ela jogou a bebida nele.
Os caras dos Devils riram e meu pai correu atrás do prejuízo, pediu
desculpas e disse que não queria ofender ela. Minha mãe o chamou de
merda sobre rodas e o resto foi história. Em uma noite se odiaram, depois
passaram alguns dias juntos quando o meu pai ainda estava na Cidade dos
Anjos, então, depois de alguns encontros, eles dormiram juntos. A próxima
coisa era que todo final de semana o meu pai dirigia do Texas para Los
Angeles apenas para passar algumas horas com ela.
O resto é história antiga.
Minha mãe dizia que meu pai se apaixonou primeiro, o que eu não
duvido. Meus pais eram os melhores que eu podia pedir, mas nada fica
perfeito por muito tempo. Essa porra não funciona assim.
Um dia, em uma tarde normal de exames de rotina que minha mãe
vivia fazendo de seis em seis meses, foi-se descoberto um nódulo em um
dos seios. A merda ficou séria. Nós morávamos em uma casa bem legal,
tinha cerca branca e tudo que se pede, mas ela ficava cinza a cada fio de
cabelo perdido da minha mãe. Ficou tudo bem por um tempo, ela usava
panos para substituir o cabelo que tanto amava e sorria para mim toda vez,
mas... um dia foi demais.
Minha mãe morreu quando eu tinha quinze anos, em uma cama fria de
hospital e cercada por pessoas que ela amava.
Nem eu e nem o meu pai pudemos ser os mesmos depois dali. Meu pai
decidiu fechar a casa, as memórias da minha mãe cantando e cozinhando
pela cozinha foram demais para suportar, então a nossa casa virou o clube.
Os homens de barba e colete seguiram as ordens do seu presidente de
luto, como se tivessem nascido para isso, e com o tempo o meu pai ficou
melhor, pareceu mais vivo, mas tem uma sombra nos seus olhos que eu sei
que não vai desaparecer.
São os gêmeos dos meus próprios olhos.
— Como está a garota? — ele muda o nosso assunto com maestria.
Deixo passar.
— Deve estar muito entediada...
Meu pai bufa.
— Se tem um momento em que Julieta González não está entediada é
quando ela está armando alguma confusão.
— Você sempre gostou disso quando éramos crianças.
— Isso porque ela te mantinha entre os dedos e você me deixava em
paz. Eu conseguia cuidar dos meus negócios assim, sabia? — um bufo sai
dos seus lábios rachados.
Solto uma risada.
— As coisas não mudaram tanto assim.
— É, ela ainda te tem na ponta dos dedos. — Ele me lança um olhar. —
Algumas coisas nunca mudam... sabe, a sua mãe sempre dizia que vocês
iam acabar se casando um dia.
— Eu me lembro. Ela me dava um tapa na nuca toda vez que eu dizia
que tinha discutido com a Julieta.
Meu pai balança a cabeça, mas rapidamente se recupera das memórias
de sua dor.
— Precisa resolver essa merda logo, ela não pode ficar escondida aqui
para sempre — diz ele.
— Para isso nós precisamos acabar com quem está me caçando
primeiro... — Aperto o cigarro entre os dedos. — E tem os Monroe
também.
Um grande barulho sai do seu peito, quando ele me encara em
descontentamento.
— Nunca gostei daqueles fodidos mafiosos.
— Quando eu tinha quatorze, vocês pareciam bem amigos — rebato.
O silêncio perdura na sala por um tempo, sua hesitação me dá forças
para cavar ainda mais.
— Eram negócios, Roman.
— Você me levava para passar tempo na casa deles com Dylan
enquanto ia para o escritório, pai.
— Eram malditos negócios.
Ele me observa e me desafia a contestá-lo. A dizer que ele é um
mentiroso e que me forçou a tomar uma decisão que odiei tomar, que
colocou o peso em meus ombros por nada.
— Seja o que for, não deu muito certo... — instigo. — Os Devils não
fazem mais contratos de fornecedores com os Monroe, não é?
— O homem tentou sequestrar uma garota no meio da rua, bem de
dia. É claro que isso não ia dar certo — ele age com descaso. — Eu sabia
desde o início.
— Então por que fez mesmo assim? Por que envolveu os Devils com
eles e os russos? Ou com o pai da Julieta?
— Para ser um líder, você precisa aprender a fazer sacrifícios, filho. Eu
não queria, mas eles iam se juntar com ou sem mim. É melhor que
fizessem comigo lá, ou eles iriam prosperar e me deixar como uma presa
para os leões.
— Mas deu certo enquanto vocês trabalharam juntos.
— Até que não deu mais. — Até que alguém caiu.
Até que a mãe da Julieta foi presa e todos eles correram de volta a suas
tocas como malditos ratos medrosos. Até eu ser o único com cabeça e ver
o quanto os nossos pais a machucaram, até ver o quanto isso ainda iria
acabar mal. Até acabar com isso eu mesmo.
Até eu me arrepender um pouco e fazer uma merda, como namorar
com a irmã odiosa dela por um tempo, apenas na esperança de ter um
vislumbre dela pelas paredes de pura riqueza que Anthony Leclerc
construiu em sua casa, mas acontece que Julieta é mais dura do que eu.
Ela é mais dura do que todos que conheço.
Minha garota bonita de olhos verdes.
— Seja o que for que você está planejando com essa garota, é melhor
fazer rápido antes que ela faça o que está planejando com você...
— O que você quer dizer?
— Se eu bem me lembro do sangue González é que elas sempre têm
uma carta na manga, garoto. Faça o que tem que fazer rápido antes que ela
o faça. Você se lembra das cartas?
As cartas, como eu poderia esquecê-las?
Ela costumava mandar para mim, o seu jeito fofo de me dizer o que
diabos estava passando na sua cabeça no momento. Começou quando
criança porque ela queria treinar o seu inglês apenas para poder superar a
sua irmã, então ela treinava escrevendo. Ela escrevia bobagens, besteiras
em um pedaço de papel que eu lia como se precisasse daquilo para
sobreviver. Como uma alcoólatra se sente ao beber uma garrafa de
Bourbon.
Julieta era o ar que eu precisava para respirar, e com o tempo, ela me
transformou na imagem que queria de mim. Tão má que fazia os meus
dedos doerem por apertá-los, mas ela gostava. Ela sempre gostou do
poder que tem. Aquela garota tinha um inferno dentro da cabeça e usava
isso para me levar ao céu.

Quatro anos atrás...

Tem alguma coisa errada com ela, eu tinha ouvido Axel reclamar pelos
corredores mais cedo enquanto via a minha mãe cozinhar com Asher
parado ao lado. Ele é um estranho do caralho, mas não consegui me livrar
do merdinha ainda. E nossos pais ainda são amigos, não dá para me livrar
dele, principalmente porque Julieta gosta dele e do outro.
E falando nela...
Ando pela casa do pai dela, mas esse lugar é mais do que só uma casa.
É a porra de uma mansão, é grande pra caralho. Quase tão grande quanto
a casa de Dylan e de sua família. Subo as escadas para o segundo andar e
cumprimento a madrasta de Julieta com um aceno, mas a mulher parece
ser feita de pedra e gelo.
Estremeço quando um corpo menor vem em contato com o meu, quase
vou para o lado se não fosse pela parede em que me seguro.
— Roman, oi... — Os olhos castanhos e cabelo loiro da irmã de Julieta
me cumprimentam quando eu me afasto. Ela tem um sorriso estranho na
boca e seus olhos me assustam um pouco, mas eu balanço minha cabeça
mesmo assim, querendo passar por ela e ir atrás de Julieta. — Não sabia
que estava aqui...
— Cheguei há pouco tempo.
Ela move os pés e eu imediatamente desvio o olhar quando vejo as suas
pernas finas descobertas pelo vestido curto.
— Posso te ajudar com alguma coisa? — Ela passa a mão no cabelo de
uma forma estranha e então se inclina para mim, mas eu me afasto.
— Não precisa, sei o caminho para o quarto da sua irmã — resmungo e
a contorno, continuando pelo corredor.
Ângela Leclerc é um vírus que devia ser exterminado dessa Terra, ela
magoa Julieta e é motivo de muitas de suas birras, ela nem deveria existir
se for para irritá-la desse jeito.
Continuo o caminho até chegar na única porta que tem adesivos por
toda ela. São todos em espanhol, mas ela já me contou que eles significam
“vai se foder” em muitas variações.
Dou dois toques na porta, mas tudo o que tem é silêncio.
— Vamos, boneca. Abre para mim.
Os sons de seus pés do outro lado da porta me fazem sorrir quando
escuto o trinco da porta girar. Olhos incrivelmente verdes e cabelo preto me
cumprimentam quando ela abre a porta e dá espaço para que eu possa
entrar, mas ainda não emite nenhum som.
Julieta se veste com um vestido vermelho e rodado, que deixa as suas
pernas muito bonitas. É bronzeada, o seu cabelo escuro parece uma massa
de ondas que desliza por sua cintura e seus olhos verdes estão mais
brilhantes, mas consigo ver o vermelho por trás de seus olhos.
Alguém a fez chorar.
Quem quer que seja estará morto. Eu posso fazer isso.
— Quem te deixou assim?
Ela bufa e se senta em sua grande cama de casal, cruzando os braços
por baixo dos seios, o que faz com que eles cresçam de tamanho, os meus
olhos vão para lá antes de ouvir ela zombar de mim.
— Vocês são todos iguais. — Revira os olhos. — Só trocam de roupa e
de cor de cabelo, mas todos iguais.
— O que Dylan fez agora?
Me encara com os olhos verdes, desconfiados.
— Como sabe que é Dylan?
— Porque Axel, Asher e eu temos a mesma cor de cabelo. — Aponto,
mas ela fica quieta. — Vamos, boneca, conte para mim o que esse idiota
fez.
— Ele estava com Cindy Clifford.
Quase bato com a cabeça na parede. Estúpido idiota, é isso que Dylan
é. Não tem onde tirar nem colocar, tudo o que tem na cabeça daquele loiro
é merda.
— Dylan só está te provocando, ele nunca vai beijar ela.
— E se beijar ela?
— Ele não vai.
— Ele poderia.
Me sento ao seu lado, com meus braços estendidos para ela em um
convite. Julieta aceita quando pula para o meu colo, suas pernas enroladas
em minha volta e seus braços firmes em mim. Eu aproveito, fechando os
olhos e sentindo o cheiro bom que ela tem. Provavelmente é o único
momento que eu vou ter antes de um dos idiotas aparecer.
— Ninguém vai se comparar com você, e ele não seria estúpido em
arriscar. Você acabaria com ele se fosse o caso. E eu prometo que vou
acabar com ele por ter provocado você.
Ela ergue o rosto do meu pescoço, seus olhos nivelados com os meus.
Eu não menti, não acho que existe alguém no mundo que possa comparar
com Julieta e com tudo o que ela é para mim. Beijar ela é... a porra do
Nirvana. Ou o mais próximo que chega a isso. Não tem nada ou ninguém
que possa acabar com isso. Nunca. Eu e ela somos fim de jogo, eu não
preciso escutar os meus tios do clube falando que é cedo demais para
colocar uma algema em mim.
Sei o que eu quero, e o que quero é ela. Ponto final.
— Jura?
— Juro.
Quatro anos atrás...

Meus passos são silenciosos quando ando pelo enorme corredor em


direção ao primeiro andar. Todas as luzes estão apagadas quando caminho
devagar pelo corredor dos quartos do meu pai e da minha irmã.
Desço as escadas e ilumino o caminho com a lanterna do celular,
torcendo para que essa droga não acorde meu pai ou, pior ainda, a
demônia de sua filha. Ângela é uma cria do diabo, vindo diretamente do
inferno para acabar com a minha vida e para me arrastar para o inferno
com ela.
Ela é a imagem esculpida do meu pai, mas não gosta que eu o chame
assim, então eu e ela geralmente acabamos brigando. Poderíamos brigar
menos se ela não fosse uma vadia mimada que existisse só para me
atormentar. Madre diz que tudo isso é porque eu sou mais bonita que ela, o
que eu concordo completamente. Sou tudo o que Ângela Leclerc luta todos
os dias para ser, mesmo que eu não seja a filha preferida de nosso pai.
Mas eu tenho quatro meninos só meus, então isso é muito melhor.
Ângela tem inveja disso também, vive rodeando-os com sorrisos falsos
e toques exagerados, e eu sei que são para me provocar. Os toques
exagerados, as jogadas de cabelo e sempre quer sentar-se perto de nós,
principalmente quando Roman está por perto.
Não gosto. Me dá uma torção no estômago vê-la perto dele, perto de
qualquer um deles. Os garotos sempre desconversam, Roman sempre corre
para o meu lado depois que ela chega e eles sempre dão um jeito de sair de
perto dela... sei que eles sabem que eu não gosto, mas será que sabem o
quanto isso me deixa homicida?
Quero matá-la, quero arrancar todos os seus cabelos e então jogá-la na
rua por tentar fazer da minha vida um inferno e ainda por ousar tentar tirá-
los de mim.
Ela não pode, eles não são dela para começar.
Não são amigos dela, não são as paixões dela, não são dela e ponto. O
fato dela achar que pode tirá-los de mim... É por isso que não posso fazer
barulho ao sair daqui agora, porque eu sei que, se ela me vir saindo de
casa à noite, a primeira coisa que vai fazer é inventar de vir atrás de mim e,
quando eu negar, ela vai gritar aos quatro ventos que eu estou fugindo de
casa para encontrar os meninos.
E estou mesmo.
Mamãe diz que devo agir com sabedoria, que tudo isso é besteira e que
tudo o que tenho que fazer é me guardar já que treze anos é cedo demais
para ir para a cadeia.
Será que quatorze é uma idade boa?
Hoje, quando der meia-noite e o dia virar para 12 de abril, eu faço
aniversário.
Os meninos estão me esperando na porta da frente, escondidos entre
os arbustos. Vamos comemorar os meus quatorze na cidade, ideia deles.
Vou até a cozinha, sei bem que a porta da frente é guardada a sete
chaves com o novo sistema de segurança, e não tenho a chave, não vou
conseguir abrir a não ser que eu arrombe a porta.
Ando até uma das janelas em frente a uma mesa da bancada, a lua
cheia ilumina a noite lá fora junto com os postes de luz, mas tem algo que
ilumina mais ainda para mim.
Axel.
Ele está parado em frente à janela, seus olhos em mim e com um
sorriso que devia me deixar com vergonha. Ele está com aquela jaqueta
nova e o seu cabelo bagunçado de um jeito que eu sei que ele levou um
bom tempo para deixar assim.
Consigo ver Dylan, Roman e Asher um pouco mais atrás, todos os seus
olhos postos em mim também.
Isso é meu. Ângela nunca terá nada disso para ela.
Pego a chave que entreguei para Roman fazer a cópia alguns dias atrás
e destranco a janela. Axel não espera, ele já começa a subir o vidro com
força, afoito. Um estalo soa da janela e soa para dentro dos corredores
estremecendo o meu corpo.
— Não seja apressado — resmungo para ele enquanto passo uma
perna pela janela.
— Eu não ia precisar ser apressado se você viesse logo. — Ele dá um
passo para trás quando passo a outra perna, mas sua paciência acaba por
ali. Axel coloca as mãos ao redor das minhas coxas e me puxa para ele em
um movimento só. Aperta-me mais uma vez antes de me soltar e ir fechar
as janelas, dessa vez com mais calma do que antes.
De todos os meninos, Axel é o mais forte. Ele e Asher já têm quatorze há
mais tempo do que eu, fizeram em novembro passado, e esse pareceu ser o
estopim para que começassem a crescer ainda mais. Ouvi Axel me dizer
que ele começou na academia no mês passado.
— Você está linda, babochka. — Asher imediatamente me puxa para
ele, ignorando os olhares feios de Axel nele por isso. Asher roda os braços
ao meu redor, enterra seu nariz no meu cabelo e o seu peito expande. —
Amo o seu perfume.
Sinto o calor em minhas bochechas e sei que estou corada de uma
forma que apenas eles conseguem deixar.
— Quando os dois idiotas pararem de querer ter ela só para vocês
mesmos, nós podemos sair? — Roman resmunga mais à frente, com o
rosto fechado e a jaqueta dos Devils orgulhosamente em seus ombros.
A jaqueta é um símbolo de orgulho para ele, porque o que Roman mais
admira é o seu pai e seu clube. As jaquetas de couro e o motor das motos é
tudo o que mais adora, e ele é feito para isso.
O couro fica bem nele, principalmente com a camisa branca por baixo.
Ele me disse que quer fazer uma tatuagem no braço, mas sei que é para
ficar mais parecido com James.
— Vem, vamos antes que seu pai nos escute. — Dylan pega a minha
mão para me desvencilhar de Asher e vou até ele sem esforço. Dylan está
bonito como sempre, seus fios loiros bem penteados com um sorriso
quando olha para mim.
Asher vem para o meu outro lado e pega a minha mão também, assim,
dessa forma, fico com as duas mãos ocupadas enquanto andamos pela
cidade em direção ao River Walk. É um ponto turístico daqui, tem uma
ponte e tudo, mas eu gosto porque me faz sentir fora daqui.
Um dia, daqui a alguns anos, eu vou estar fora desta cidade de nada. E
não vou estar no México, como fico todo ano com minha mãe quando o
meu pai desiste de me pegar para brincar. Vou estar em algum lugar lá
fora, andando de barco ou comendo comida típica, dançando e vou estar
feliz. Essa cidade e essas pessoas vão ficar para trás.
— Até a gente? — Dylan me pergunta depois de ouvir sobre o meu
desejo de aniversário. Os seus olhos azuis estão mais brilhantes quando ele
se encosta no muro de pedras.
Estamos todos sentados nas escadas, longe dos turistas e dos olhares
curiosos, cheios de garrafas de cerveja que Roman roubou do clube e com
comida que Asher pagou com o dinheiro do seu pai assustador.
— Você teria coragem de nos deixar? — Axel me pergunta, passeando
suas mãos pelas minhas coxas cobertas pela calça e esticadas sobre a dele
de forma preguiçosa.
— Só se vocês me deixarem primeiro.
Roman bufa ao lado dele, pende sua cabeça para o lado com seu olhar
preso ao meu.
— Que cruel... — Dylan sussurra.
— Isso nunca vai acontecer — responde ele.
— Minha madre diz que muitas coisas podem mudar quando temos
quatorze até ficarmos mais velhos. E se vocês mudarem de ideia ou
enjoarem de mim?
Nenhum deles gosta da minha resposta. Os vejo balançarem a cabeça e
lançarem olhares indignados na minha direção.
— Eu não sei por eles, mas eu sei que não vou mudar de ideia. Eu vou
estar na sua vida, quer você queira ou não — Roman me rebate, com suas
mãos em punho.
Asher lambe os lábios sujos de bebida.
— Eu nunca vou te deixar ir, babochka.
— Nenhum de nós vai te deixar ir, González. É melhor se acostumar com
a ideia, porque você vai estar presa a nós para o resto da vida — Axel
continua a fala do seu irmão.
Quando o relógio bate meia-noite, rezo para que aquele momento
nunca passe, para que a minha vida continue a mesma com eles, porque
não tenho uma vida melhor do que com eles, e eu sei que estarei a salvo
onde quer que eles estejam.
Sei bem que a lua está rindo de mim nessa noite.

Dias atuais...

Não existe lugar pior para se estar do que com eles, esses filhos da
puta.
É verdade, eu não tenho muita paciência e nem sou a melhor pessoa
para falar sobre os melhores lugares para se estar, porque sou uma pessoa
que geralmente faz muita merda, mas porra...
Não, tem um lugar pior para se estar, e esse lugar é do outro lado da
linha de Anthony Leclerc.
Odiado papai.
— Julieta.
— Anthony.
Asher se move calmamente até a cama, e, com um olhar para os
lençóis, ele se senta. Suas mãos vêm em minha direção em uma exigência
silenciosa, ele quer que eu dê o celular para ele. Não, eu não pretendo.
— Se fossem outros tempos, eu poderia perguntar como você está, mas
já sei que está bem pela palhaçada que está fazendo nas ruas.
— Você perguntando se estou bem? O que é isso, Anthony? Ação de
Graças ou você precisa de um favor meu? — Reviro os meus olhos com a
idiotice dele. — E de que palhaçada você está falando?
— Faz tanta merda que não sabe mais a qual eu me refiro?
— Exatamente isso.
Asher gesticula para eu colocar o celular no viva-voz. Nego com um
aceno, porque isso é uma conversa particular.
— Bom, filha, eu quero saber se os dias em que você está faltando às
aulas estão esvaziando o seu cérebro para armar confusões, como enviar
uma cópia malfeita da minha ficha policial pela cidade toda — ele indaga
do outro lado da linha. As minhas sobrancelhas sobem até a linha do
cabelo quando ele diz essas palavras. Tudo isso para nada.
— Ah, é isso? — solto uma risada. — Achei que fosse alguma coisa
importante.
— Quer dizer que uma ficha policial minha rodando pela cidade não é
importante?
— Quero dizer que não tenho absolutamente nada a ver com sua ficha
ou qualquer merda assim. Acha mesmo que tenho tanto tempo livre desse
jeito, Anthony? Se liga.
— Então quer dizer que não foi você?
— Não, mas estou surpresa por você ter demorado esse tempo todo
para vir atrás de mim.
As mãos fortes de Asher me apertam quando ele me dá um olhar,
claramente querendo ouvir a conversa.
— Viva-voz. Agora.
Coloco no viva-voz e posso imaginar a minha mãe parada no quarto,
balançando sua cabeça de um lado para o outro em descontentamento.
Uma ordem e aqui está você...
— Eu tentei te procurar, mas você não está em casa — ele toma um
fôlego do outro lado da linha. — Onde você está?
— Isso não interessa.
— Sou o seu pai, é claro que me interessa.
— Você só é meu pai em momentos específicos, hoje eu decidi que
você não é absolutamente nada.
Ele solta uma risada, sua voz amolece um pouco quando diz:
— Tão feroz. Me lembra um pouco a sua mãe.
Cerro os olhos.
— Não sabia que tinha convivido com minha mãe tempo suficiente
para saber como ela é antes de engravidá-la.
— Ah, eu convivi. Cinco meses, para ser exato.
— Você é nojento. Como conseguiu o meu número?
— Ah, esse é o momento da minha demora. Você é difícil de achar,
sorte que um barbeiro muito gentil com um pai preocupado ficou feliz em
pedir o seu número a uma senhora raivosa e então passou para mim.
— Deixe Jack em paz, ele não tem nada a ver com isso.
— Por que você acha que eu faria algo com o barbeiro? Não sou uma
pessoa ruim — ele soa ofendido, mas eu sei bem que isso é tudo falso.
Essa é simplesmente a sua forma de lidar comigo, agindo de forma
irônica e rebatendo absolutamente tudo o que falei com ele até agora. É
tão irritante...
Ele me trata como uma criança pentelha que quase não suporta, me
trata como algo a ser corrigido, como... Como se eu fosse um trabalho para
ele, mas isso claramente é algo errado, porque, se eu fosse um trabalho,
ele estaria muito mais preocupado comigo do que isso. Me ligar apenas
quando algo aconteceu com ele que ele não gostou e acha que sou eu
fazendo show.
Que Anthony Leclerc vá à merda e arraste a sua filha mais velha e
esposa troféu junto.
— Só o deixe em paz ou juro que acabo com você.
— Claro que vai... — Anthony toma fôlego. — Você está segura?
— Desde quando você se importa?
— Pode ser difícil de acreditar, mas eu me importo com você. Você é
minha filha.
— Mas você se importa mais com a outra.
Ele solta um grunhido.
— Ainda com essa besteira de que eu amo uma mais do que a outra?
Você não é mais criança, Julieta. Está na hora de crescer.
Asher cerra os olhos e olha fixamente para o celular na minha mão, o
seu toque me mantém aquecida quando ele me aperta, me sinalizando...
não sei o quê, mas fico grata de qualquer forma.
— Então Ângela está morando sozinha e se virando para sobreviver? É
bom saber disso...
— Ela não poderia fazer isso, todos nós sabemos que você é mais dura
do que ela.
Solto uma risada. Semanas sem falar com ele e esse é o melhor tipo de
elogio que eu vou receber, não é? Não sei por que esperei isso dele, não
deveria esperar nada disso, afinal, eu o quero morto. Quero todos eles
mortos e longe de mim, mas aquela parte de mim grita por uma validação.
Como uma criança quando vê um doce e quer para si.
Uma parte de mim sempre será a garotinha esperando e lutando pela
aprovação do seu pai.
Que vergonha.
A amargura começa a ferver em minha garganta e Asher percebe,
afinal, ele sempre percebe. Ele toma o celular da minha mão em um
impulso e o desliga.
— Ei! — grito com ele, lutando para tomar de volta.
— Não vou te devolver agora — ele me diz.
— Eu estava conversando.
— Uma conversa sem sentido, que não ia levar em lugar nenhum a não
ser na sua miséria. Eu não ia permitir isso nunca.
— Não é da sua conta permitir ou não. Eu decido.
Asher se levanta da cama, segurando a minha mão com força para me
impedir de ir até ele. Abaixa o rosto até ficar rente ao meu, a feição
fechada e endurecida como sempre.
— Não gosto de te ver miserável, babochka. E se eu puder fazer alguma
coisa para impedir, eu vou.
Seu rosto está tão próximo, que consigo sentir sua respiração quente
batendo no meu rosto juntamente com o hálito mentolado.
— Você já me deixou miserável muitas vezes.
— Só eu te deixo miserável. — Ele abaixa mais o rosto e eu fecho os
olhos, esperando, ansiando por ele.
Seus lábios vão para a minha testa com intensidade.
Eu nunca vou te deixar, Julieta.
Ele nunca ultrapassa os meus limites, nunca em todos os dias em que
eu fiquei presa aqui. Na verdade, ele age como um perfeito cavalheiro. Ou
o mais próximo que um príncipe de gangue pode chegar em níveis de
cavalheirismo.
Ele me traz comida e me deixa sair sempre que o clube esvazia, mas
nunca sem sua supervisão, sempre com o calor dos olhos azuis em minha
pele enquanto eu tenho alguns minutos fora desse quarto. Ele sempre está
comigo, ou sempre deixa alguém aqui comigo. Os dias em que não apareci
na escola? Pois é, nem ele apareceu também.
Todos os dias aqui me supervisionando, me mantendo cativa de sua
presença.
É sempre igual como um roteiro. Quando ele fica longe durante o dia,
como foi hoje, ele geralmente aparece com uma marmita fechada e um
suco que ele comprou para mim. Me dá comida e se enfia no banheiro,
depois sai de lá com uma calça moletom — Deus é testemunha do quanto
odeio aquela calça branca que marca até os músculos de suas coxas
quando ele anda —, e então ele faz a sua cama no chão.
Não tenta forçar muito assunto comigo se vê que não estou a fim de
conversar com ele, mas o escuto me provocar com citações sobre querer
tirar a própria roupa no meio da noite pelo calor e ignoro todas.
Mas essa noite ele faz diferente, vejo assim que o observo passar pela
porta com duas caixas de pizza e duas cervejas. Ergo uma sobrancelha para
ele enquanto espalho creme por minha pele.
— Vamos jantar juntos hoje — ele declara, fazendo o trabalho de
fechar a porta com suas costas quando ele se vira para me encarar, e isso é
uma coisa que faz todas as noites.
Roman gosta de me ver com suas camisas, e não é preciso muito para
saber disso. Todas as noites, sempre que ele vem para cá e me vê, consigo
sentir a satisfação dele em cada poro do seu corpo. Já ouvi reclamações
dos garotos sobre as roupas, mas nenhum deles está muito empenhado
em me comprar novas ou simplesmente ir para a minha casa e pegar as
minhas próprias.
Roman é o que menos está disposto a ir, então, como os outros veem
satisfação em me ver só com uma camisa grande, nenhum deles questiona.
Não questiono.
— Achei que você não comia no quarto — digo a ele. Dobro as pernas
quando me sento na cama.
Roman vem até mim batendo seus pés suavemente no piso quando ele
coloca uma das caixas em cima da cama e se senta, arrastando aquela
sacola junto com ele. Miller se senta na minha frente, não do outro lado da
cama e distante, mas na minha frente e perto o suficiente para que eu
possa sentir o seu calor.
Engulo em seco.
— Pensei em mudar hoje. — Me lança uma piscadela. — Nós
costumávamos fazer isso o tempo todo, lembra? Eu e Axel sempre
brigávamos pelo último pedaço e Asher simplesmente dava para você
enquanto estávamos discutindo.
Uma risada escapa pelos meus lábios e eu imediatamente os
comprimo, culpada pela pequena demonstração de familiaridade, mas
Roman toma aquilo como uma vitória, um sorriso enfeita os seus lábios.
— Vocês sempre tiveram um talento para o drama...
— Me lembro de você sendo muito dramática quando alguma coisa te
incomodava, o que era muita coisa. Tão ciumenta... — ele me provoca.
— Ciumenta? Eu?! — Eu era totalmente. Era uma cadela ciumenta e
raivosa que queria rasgar qualquer pessoa que se aproximasse deles
porque a minha mente pequena de quatorze anos acreditou que, se o
fizesse, eles não iriam ter tempo para olhar para mais ninguém e estariam
comigo. Que piada. — Eu me lembro de vocês sendo ciumentos, se lembra
de Charlie e da bagunça que vocês fizeram na vida dele?
Pobre Charlie...
Meu amigo aguentou muita coisa daqueles quatro idiotas, eu fico até
surpresa sobre como ele ainda consegue ser o meu amigo. Eu me odiaria,
sabendo bem que foi por minha causa que sua vida no ensino fundamental
e início do médio foram um inferno. Toda vez que Charlie tentava se
aproximar de mim mais do que os idiotas achavam necessário, eles
inventavam alguma coisa.
Roubavam a sua bicicleta, então ele tinha que andar para casa.
Roubavam a sua mochila, e aí ele tinha que conseguir livros até eu
descobrir e obrigá-los a devolver. Dylan impossibilitou Charlie de entrar no
time de futebol apenas porque queria. Foi um inferno e eu briguei tanto
com eles que meu rosto ficou vermelho de tanto gritar.
Nenhum deles rebateu e teve até um pedido de desculpas para o meu
pobre amigo, ainda assim... não sei como ele tem coragem de olhar na
minha cara e me ajudar hoje.
— Ele era um covarde — Roman resmunga.
— Vocês eram quatro em cima dele.
— Não, na verdade era só eu. Ou só o Axel. Dylan não podia arriscar a
sua vaga no time e Asher sempre preferiu métodos mais... cruéis. — Ele me
avalia, seus olhos azuis me encaram e fazem com que minhas pernas se
contorçam para tentar me livrar de sua atenção. Por Deus. — Mas era
muito engraçado. Nós gostaríamos de acabar com qualquer um que
mexesse com você. Eram anos de ouro.
Não sei como ver ele falando sobre como assustar um garoto de
quatorze anos pode me fazer agitar por dentro, mas isso faz. Os olhos dele
não desviam dos meus, Roman Miller e sua teimosia sempre fizeram parte
de mim. É encantador.
Balanço a cabeça, brava comigo mesma. Não posso achar isso
encantador, não com ele. Histórias fofas sobre o passado não podem
mudar as coisas, ele não pode me dobrar com algumas fatias de pizza e a
vontade de recriar momentos entre nós, mesmo que seja doce.
Pego a garrafa que ele me oferece e levo até os lábios, sentindo o gosto
azedo da cerveja quando engulo.
— Obrigada — agradeço quando o vejo abrir uma das caixas e
empurrar para o meu lado. Roman me lança um olhar e solta uma risada
enquanto balança a cabeça. — O quê?
— Obrigada — caçoa ele. — Isso não parece nada com você.
— Eu agradeço sim.
— Só quando é conveniente para você — responde ele. — Igual quando
éramos mais novos.
— Você passou quatro anos fora da minha vida, Roman. As coisas não
são como antes. — Pego um pedaço de pizza e o levo à boca.
Ele fica quieto, seus olhos vão para o lençol abaixo do seu corpo por um
momento.
— Não queria te deixar ir — diz.
— Então por que deixou?
Roman passa a mão no cabelo, nervoso, e então o azul dos seus olhos
me cumprimenta de novo quando ele levanta a cabeça.
— Era o melhor para você, confie em mim.
Solto uma risada seca.
— O melhor para mim? O melhor para mim era ser deixada sozinha
depois que a minha mãe foi presa? Depois que vocês a ajudaram a ser
presa?
— Nós tínhamos quatorze anos, Julieta. Acha mesmo que algum de nós
teve algum envolvimento com a prisão da sua mãe? — Toca a minha mão
livre com a sua. — Lembre-se de nós com quatorze anos, lembre-se de
como éramos com você, de como éramos devotos. Acha que qualquer um
de nós iria contra você?
— Você foi! — acuso. — Você foi embora, me deixou quando precisei e
depois se jogou nas pernas da minha irmã. Depois de tudo, você teve a
coragem de ir lá e me machucar mais ainda. Por quê?
— Confie em mim, eu não gostei de absolutamente nada do que
aconteceu depois que a sua mãe foi presa, mas precisei fazer.
Bebo mais um gole da bebida, dessa vez o gosto está tão amargo
quanto estou por dentro.
— É isso? É essa a desculpa que você tem para mim na primeira vez
que conversamos sobre isso? Você não gostou de nada disso, então
imediatamente está tudo bem? — As palavras saltam de meus lábios e me
sinto completamente indignada. — Sei que não dá para levar a sério a
promessa de um garoto de quatorze anos, mas nós todos éramos
diferentes. Não éramos tão bobos quanto achavam, nós éramos ligados...
ou eu achei que éramos...
— Éramos — me promete. — Nós somos.
— Então por que todos vocês se foram?
— Você ficaria melhor sem nós. Estávamos fazendo o melhor para você.
Olhe para a nossa vida depois que você saiu, acha que estamos bem?
— Você parece muito bem para mim — rebato.
— Estou lidando com as responsabilidades do meu pai, Julieta. Estou
segurando-o desde que minha mãe morreu, o clube está a um passo de
desabar completamente porque alguém aqui dentro está nos traindo, e eu
sei que esse alguém é de perto... — ele solta uma risada, me apertando no
processo com seus dedos. — Asher e Axel são cascas. Eles são tão fodidos
que, às vezes, me assusta. Asher não parece se importar com ninguém
além do irmão e você, é como se ele fosse um vaso. Axel é um fodido que
explode por qualquer coisa e Dylan só tem troféus na parede porque,
depois da escola, ele vai ter que ter uma arma nas mãos. Estávamos
condenados desde o início.
— Será que estávamos mesmo? — sussurro — Nós poderíamos ter
dado um jeito de sobreviver a isso, Miller.
— Aos quatorze? Nós iríamos nos comer vivos. Não tínhamos
maturidade para lidar com toda essa merda, mas nos afundaram ainda
mais, indo tão fundo além do resgate — diz, visivelmente exausto. — Nós
nos afogamos, mas você não.
— Eu não? Então o que é a minha vida, Miller? Minha mãe tá presa, eu
tô me escondendo e longe de casa, moro sozinha em um lugar de merda e,
literalmente, assalto lugares para sobreviver. Como isso não é se afogar?
— Pelo menos, você ainda consegue respirar longe de Mikhail Volkov,
ou de Patrick Monroe — ele rebate. — Você está livre deles, que não
interferiram na sua vida em quatro anos, mas naquele tempo... Quem iria
garantir que os fodidos não iam atrás de você?
— Eu tinha quatorze.
— E sua mãe aparentemente não tinha nada a ver com nossos pais,
mas ela foi presa mesmo assim. Eu não ia arriscar. Era melhor ficar longe e
garantir que você estivesse longe e bem do que perto e sofrendo.
Me calo enquanto penso no seu raciocínio. Não gosto, não concordo e
não sei se acredito. Meu julgamento continua nublado por uma nuvem de
rancor e raiva, e também... Aparentemente?
Minha mãe não tinha nada com o meu pai e o resto de sua corja de
criminosos. Na verdade, tudo o que parecia preocupar a minha mãe nos
Estados Unidos era me criar, nem mesmo me lembro direito dos tempos
que antecederam a sua prisão, mas sei de uma coisa: ela nunca tinha
passado tempo com o meu pai.
— Você não acredita na inocência dela?
Uma respiração ruidosa o deixa.
— Não sei, mas eu me lembro de ouvir conversas do meu pai. Ele
estava nervoso, alguém estava vazando as fichas policiais dele e com
provas, meu pai estava achando que ele iria ir preso.
— Como agora?
Ele balança a cabeça.
— É, mas com mais provas.
Ficamos em silêncio por um momento, presos em nossos pensamentos
e indagações.
— Posso te pedir desculpas por muita coisa, mas não vou te pedir
desculpas por te deixar. Você ficou melhor sem a gente, mais forte. Não
precisa da gente, Julieta.
Olho ao redor e franzo as sobrancelhas.
— Se eu não preciso de vocês, então o que é tudo isso?
— Isso é a consequência do quanto eu preciso de você — ele me
revela, mas eu não entendo o que quer dizer.
— Não entendo...
— Você não precisa entender sobre isso, mas saiba que eu não fiquei
bem sem você.
Ele coloca um pedaço de pizza na boca e encerra o assunto, mas em
minha mente as perguntas ainda rodam com total velocidade. O que ele
quis dizer com isso? Quem estava mandando as fichas e provas quatro
anos atrás e por que isso me parece ser exatamente o caminho que está
tomando agora? Por que Roman não disse absolutamente nada sobre ele e
Ângela?
E ainda...
Por que eu precisaria tomar cuidado com Mikhail Volkov quando não
tenho absolutamente nada relacionado com ele e seus negócios?
O conceito de liberdade é algo completamente abstrato para algumas
pessoas. Alguns não sabem o que lhe faz livres e sofrem pra caralho por
não saber. Eu costumava acreditar que o que me faz livre é distribuir socos
em um saco de boxe, mas acontece que agora não tenho tanta certeza
assim, porque nesse exato momento, enquanto bato com toda a minha
força, eu não me sinto relaxado e livre de problemas como geralmente
acontece.
Na verdade, é o oposto.
Minha mente não para de funcionar, eu não estou focado, não estou
prestando atenção no que estou fazendo. Não... Em vez disso, minha
mente ainda corre para pensar nela.
Penso no longo cabelo, que é tão escuro que parece refletir o céu à
noite; tão preto, que combina com cores obsidianas. E então... penso nos
seus olhos que são tão verdes e claros, que refletem o meu reflexo quando
olho muito tempo para eles. E então nos lábios cheios e na sua boquinha
esperta, que sempre parece ter um comentário para tudo.
Penso nela, em todos os momentos, nela.
É como uma espécie de castigo. Uma penitência por escolher ir embora
e virar as costas para ele. O Universo, ou Deus, ou seja lá quem está
olhando para cá, ou se tem alguém olhando... Seja quem for, está me
punindo da pior forma que alguém pode me punir. Não penso em outra
coisa que não seja ela.
Ela deitada na cama do Roman, esticada entre lençóis baratos e toda
coberta de roupas dele enquanto olha para mim com aqueles olhos verdes
tão expressivos. Julieta sempre parece querer dizer coisas com o brilho dos
seus olhos. Tudo e nada, porque com ela sempre parece ser isso.
Tudo ou nada. Ou ela me ama ou me odeia.
Devia odiá-la. Ou pelo menos ficar longe o suficiente para que ela me
odiasse, mas olha só onde isso me levou.
Fico ofegante, meu peito expande em um movimento desesperado,
meus pulmões imploram por ar, por tempo e por ela quando me apoio no
saco de boxe e largo as luvas no chão.
Maldita seja Julieta e seu feitiço que me fez refém dela e de seus
desejos e vontades. Sou refém do seu controle e do seu desejo, mesmo
que tente ficar longe e me manter calado, lá está ela dominando a minha
cabeça como uma bruxa, me controlando com um piscar de olhos.
Ela é como o sol, eu preciso dela, mas se pegar demais... me queimo.
Julieta González é um demônio por inteiro, uma feiticeira e, de alguma
forma, eu não consigo escapar dela e de seus feitiços, mesmo que queira.
Desisto dos socos assim que percebo que não está mais funcionando,
porque Julieta fez isso comigo. Ela pegou algo totalmente meu e
transformou tudo sobre ela, mesmo sem sequer saber disso.
— Cara... Hoje você parecia um monstro! — Oliver, um dos lutadores
do clube, me tira do transe, com sua voz grossa, chamando a minha
atenção para ele.
Diferente de mim, ele realmente pensa em seguir carreira. Oliver é
todo construído de músculos e tatuagens, sua pele escura e seu cabelo
raspado chamam muito a atenção das mulheres que costumam frequentar
o clube, isso e todo o show que ele faz lá em cima também.
Já lutamos juntos uma vez, eu quase quebrei o nariz dele, mesmo assim
o desgraçado vive falando que seu nariz é torto hoje por minha causa.
— Acha? — resmungo. Oliver me estende uma toalha branca e eu a
pego, passando em seguida por minha testa e limpando o suor.
— Tá de brincadeira? Parecia que ia rasgar isso. — Um sorriso aparece
nos lábios dele, seguido de uma risada. — Achei foda.
— Não fiz para você. — Oliver olha para mim e ergue as sobrancelhas,
uma covinha aparece em sua bochecha quando ele começa a rir, e sei que
o maldito vai tirar uma com a minha cara.
— Jura? — Ele leva uma das mãos ao peito. — Eu jurei que você estava
flexionando os músculos e socando forte para mim.
Socando forte. Balanço a cabeça para ele e soco os seus braços, e é
claro que ele faz um show como se eu tivesse realmente lhe machucado.
Oliver Santiago é sempre um talento para o drama.
— Nem nos seus sonhos.
Os olhos de Oliver brilham em interesse.
— Se não era para mim, então para quem era? — Passa um dos seus
braços por meus ombros. — Não me diz que você estava se exibindo para
as moças da faxina?
Rosno para ele, o empurrando, e mesmo que eu tenha feito forte,
Oliver olha isso como uma brincadeira. Porque é.
— Não estava me exibindo para ninguém, seu idiota.
— Então essa é a primeira vez... — ele para por um momento, seus
olhos escuros ganham mais uma pilha travessa. — Vem, vamos beber.
— São dez da manhã.
— E?
Então o sigo, porque foda-se essa merda. Ele tem razão. São dez horas
e eu nem comi direito, mas desde quando isso me impediu antes?
Caminho com Oliver até o bar. O clube é enorme, feito para que as
pessoas possam caber aqui para ver todos lutarem. É um galpão que o
dono, Johnny, trabalhou para fazer com que fosse um espaço foda pra
caralho.
Tem um ringue alto bem no meio dele, as pessoas ficam aqui embaixo e
apostam o seu dinheiro em quem ganha ou não. As garotas costumam
dançar de saia curta quando querem achar alguém para levá-las para casa,
ou usar alguma merda. Um grande bar toma conta do espaço do canto,
onde as pessoas bebem e se divertem enquanto assistem alguém apanhar
e alguém bater.
— Qual vai ser o seu veneno, meu amigo? — ele indaga. Seu rosto é
coberto por uma máscara de diversão quando avalia todas as bebidas
espalhadas em uma prateleira atrás do balcão. Ele se senta em um dos
bancos, mas eu não faço. Não tenho absolutamente nenhuma intenção de
ficar aqui para mais de uma bebida pequena, então tudo o que faço é
encostar os meus antebraços no balcão.
— Essa deveria ser a minha fala, Oliver. — A voz feminina chega aos
meus ouvidos quando a figura alta de Taylor aparece diante dos meus
olhos. Ela acabou de sair de uma das portas, com um pano alaranjado em
seus ombros que combina com a cor dos seus cabelos. — Está tentando
roubar o meu trabalho?
Olhos castanhos e cabelos laranjas são as características mais fortes de
Taylor. Não sei bem o que me fez foder com ela em um dos banheiros
daqui de dentro algumas semanas atrás. Ela tem uma boca boa e consegue
ficar quieta como ninguém.
O homem ao meu lado solta uma risada anasalada, balançando sua
cabeça suavemente de um lado para o outro quando Taylor pisca os seus
olhos para ele.
— Nunca faria isso com você, Laranjinha. — Faço uma careta com o
apelido ridículo, mas as bochechas de Taylor ficam rosadas com o tom de
flerte na voz de Oliver. O mesmo tom que eu já o ouvi usar, no mínimo, dez
vezes antes.
Deu certo em todas as outras vezes.
— Vocês e esses apelidos... — murmura ela, debruçando-se sobre o
balcão. O ato faz com que a sua blusa decotada se abaixe mais, então os
seus peitos quase saltam do pano quando ela sorri para Oliver. Eu nem
pisco, mas Oliver parece que vai gozar em sua calça quando ela deixa toda
a sua atenção para ele.
— O que tem de errado em meus apelidos? Por acaso eles te
incomodam? — Reviro os olhos tão forte que, por um curto momento, juro
que eles vão ficar virados para sempre.
Que porra é essa?
— Não, eu gosto deles. Mas quando são só para mim...
Alguém me salva.
Exalo ruidosamente e esse barulho faz com que Taylor desvie a atenção
de Oliver e coloque os seus olhos em mim. Oliver me encara também, mas,
diferente de Taylor, ele parece menos divertido. Desculpe, amigo, vai ter
que arrancar a roupa dela em outro momento.
— Quero whisky e gelo — peço antes mesmo dela abrir a boca para
falar alguma coisa comigo.
O seu sorriso diminui um pouco de tamanho, a hesitação toma a
felicidade quando ela me encara. Não devia ser assim, certo? Ela já pulou
no meu pau uma vez e não tem o porquê ela se sentir hesitante comigo, se
me conhecesse bem saberia que não tem nada em mim que faria alguma
coisa de ruim com ela, mas ela não conhece.
Falha minha.
Não que eu queira consertar.
— Olá, Axel. — Sua postura não volta rapidamente, ela ainda aparenta
seu medo estúpido, mas parece mais aberta a nós dois. — E o que você
quer, Oliver?
— O mesmo que o meu amigo irritadinho.
A garota se vira de costas e começa a fazer o seu trabalho depois de um
aceno, quieta e obediente. Isso deveria endurecer o meu pau. Sempre tive
um fraquinho por obediência, é verdade. Sempre gostei de mandar, seja na
cama ou fora dela. Não sei explicar e tampouco preciso, é simplesmente
quem eu sou. E ordens e obediência me excitam mais do que eu posso
falar livremente.
Aparentemente, estou com algum neurônio a menos. Porque o fato
dela não ter se virado e me mandado para o inferno depois que fui
desrespeitoso com ela é claramente um problema para mim.
Os cabelos laranjas poderiam ser maiores e mais escuros,
completamente escuros como a noite. Os olhos castanhos deveriam ser
verdes, ela deveria ser mais baixa, a altura de modelo não me atrai mais e
eu queria mais curvas. Muito mais curvas, principalmente se tratando das
pernas e da maldita bunda que não é igual a que eu queria.
Maldito inferno e maldita seja Julieta González e todo o seu feitiço.
— Qual é o seu problema, seu idiota? — Oliver resmunga para mim,
com seus olhos castanhos cerrados para mim em desagrado. A bochecha
de Oliver está inchada como consequência da última luta dele, mas isso
não parece ser um problema quando passa a mão no lugar com indignação
velada. — Custava pedir por favor? A garota está fazendo o trabalho dela.
— Demorar para pegar a minha bebida quando somos só você e eu
aqui não é fazer o trabalho dela.
— O quê? Está com ciúmes dela? — Franzo tanto a testa que ele solta
uma risada com minha reação, sabendo tanto quanto eu que isso
ultrapassa todos os limites do ridículo já inventados nesse mundo.
Observamos quando ela estende os copos para nós com hesitação,
então caminha para dentro da porta novamente. O seu jeito de andar é
endurecido, como se cada passo doesse. Seus quadris não se movem com
suavidade, não parece que ela está desfilando ou andando com confiança,
como se soubesse exatamente o lugar que quer ir. Seu cabelo não é longo
o suficiente para as pontas roçarem em sua cintura quando ela anda.
Pego o maldito copo e tomo um pequeno gole, o sabor ácido desce
queimando em toda a minha garganta, mas aceito a dor como uma
punição por meus pensamentos estúpidos.
Agora vou procurar ela até na forma de andar de outras.
— Não me faça rir, Oliver.
E então é ele quem solta uma grande risada. Os seus ombros sobem e
descem quando a sua garganta libera o som para todos ouvirem.
— Desculpa, cara, foi uma piada. — Bate uma de suas mãos em meu
braço. — Você deveria rir mais vezes, sabia? O mundo não precisa ser tão
sério.
Fácil falar, considerando que não é ele que está completamente fodido.
Não respondo, mas também não lhe poupo um olhar quando ele bate em
meus braços estendidos uma segunda vez.
— Vamos, você sabe que pode falar comigo, certo? — A pergunta é
retórica, percebo logo quando ele volta a falar novamente. — O que te
deixou todo estúpido desse jeito? Quer dizer, estúpido você já é, mas
parece que alguém chutou a sua bunda antes de sair de casa hoje.
Oliver não precisa ter as mesmas preocupações que eu. Lutar nesse
clube é a coisa mais maluca que ele faz, porque todo o resto é certo e
dentro da lei. Além de fazer faculdade de educação física, o cara trabalha
para ajudar a mãe e ganha dinheiro do clube para ajudar a pagar o plano
de saúde da irmã que tem câncer. É quase como um anjo, não tem nada de
sombrio nele.
Eu sei porque investiguei.
Isso quase me faz parecer o stalker do meu irmão, mas acho que a
loucura está no sangue no final das contas.
— Só preciso desestressar.
— E não era isso que estava fazendo hoje?
— Obviamente, não deu certo.
Oliver se apoia sobre um dos braços e dá mais um gole em sua bebida.
Os meus dedos traçam a borda do copo de vidro, procurando algo que eu
não sei explicar o que é.
— Talvez precise de alguém que te dê um soco de volta em vez de um
objeto inanimado.
Eu o encaro.
— Está se disponibilizando?
— Claro que não! — Arregala os olhos castanhos, divertido. — Já passei
dessa fase há muito tempo, sei bem que lutar com você nunca vai prestar
para mim. Estou dizendo que, talvez, você deva se inscrever na luta da
semana que vem.
Paraliso meus dedos e encaro a bebida, quieto. Essa sim é uma boa
ideia no fim das contas, tem tempo que não luto para valer, as noites sem
dormir acabam ocupando o meu tempo e os dias rondando aquele maldito
clube parecem fazer parte da minha rotina agora.
— Vou me inscrever depois — admito, mas Oliver não parece nada
satisfeito com a minha resposta curta.
— Está tenso, cara, e nem uma luta alegrou você... Talvez, o que precise
mesmo é de uma boceta. Você precisa transar!
E é esse cara que acabou de deixar a calcinha de Taylor molhada?
— Oliver...
Ele não me escuta, ou decide não prestar atenção.
— Não, meu amigo, tem tempo que eu não te vejo andar por aí com
um rabo de saia. Precisa se aliviar para poder voltar ao mundo normal.
É um maldito imbecil, mas não está errado. Não andei com ninguém
por semanas, sem mulheres saindo de perto de mim depois de foder
comigo...
— A quantidade de merda que sai da sua boca... — resmungo, mas o
idiota não parece nada amedrontado. Essa é uma das diferenças entre mim
e Asher.
Oliver se cagaria se visse Asher, não porque o meu gêmeo é mais forte
que ele, mas porque Asher simplesmente tem essa aura mortal em volta
dele, ele nem precisa falar, as pessoas simplesmente evitam o seu
caminho. Oliver não tem medo de mim porque é meu amigo, e Asher não
tem amigos.
— Então, olhe nos meus olhos e diga que estou errado.
— Isso não leva a lugar nenhum.
Ele praticamente pula da cadeira, batendo suas mãos ruidosamente no
balcão. Uma risada divertida acompanha o seu sorriso tão grande, que
parece que vai rasgar o rosto do filho da puta ao meio.
— Eu sabia, porra! Sabia! — Tomo mais um gole da bebida, sério,
mesmo que a forma como o idiota se move agora me divirta. — Me conta,
irmão, o que está impedindo o seu pau de trabalhar?
Nada. Absolutamente nada me impede de transar nesse momento.
— Vai encher outro, idiota.
— Me deixa te ajudar, amigo.
— A não ser que você tenha a solução para os meus problemas, o que
você não tem, não tem nada que pode fazer para me ajudar.
Ele se acalma, seu sorriso diminui e sua voz assume uma entonação
mais baixa, séria:
— Mesmo? Nem se eu chamar Taylor aqui e sugerir que você poderia
fazer ela muito feliz no banheiro?
Taylor era gostosa, foi isso que me chamou atenção nela em primeiro
lugar. Isso e o fato dela estar tão disposta a me deixar passar a mão dentro
da calça dela, era simplesmente... fácil. Não tinha objeção, Taylor sempre
pareceu saber o que queria para si e ela sabe muito bem com quem quer
transar. Não é à toa que estava dando em cima de Oliver.
Seria fácil ir para o banheiro com ela agora e fodê-la em cima da pia
como da última vez. Ela não iria se importar se o banheiro estivesse sujo
ou não e definitivamente não iria se importar se eu saísse de perto dela no
minuto seguinte em que conseguisse o que queria. Bom para ela.
Mas sei melhor do que ninguém que isso não vai acontecer.
— Taylor e eu não vamos transar mais — admito. — E eu não acho que
vou transar com mais alguém por um tempo.
Os olhos de Oliver brilham em reconhecimento, sei que ele teve um
relacionamento sério antes. Durou dois anos e eles se separaram quando a
garota decidiu sair do estado para estudar em uma faculdade renomada.
— Está amarrado, cara?
Essa é a questão, não é?
Nego, porque, mesmo quando a imagem dela vem em minha mente
com força, não posso admitir que estou amarrado a ela.
Porque a verdade é que eu não estou.

A mansão Volkov sempre teve um toque de terror, além disso ela quase
sempre estava vazia. Apenas para contribuir para as histórias assustadoras.
A casa parece fazer jus à da família Adams.
Estaciono o carro na porta. Esse lugar miserável deixou de ser algo que
me assustava há muito tempo, agora não passa de paredes cinzas e pisos
silenciosos que servem de abrigo para mim nas poucas horas que tenho de
sono e paz. Mas, hoje, assim que entro, eu sei que tem algo errado.
Está completamente silencioso, como sempre. Mas... não parece certo.
Ando com passos pesados até o andar de cima, os meus sapatos estão
no chão e eu faço questão de anunciar para quem quer que seja que essa
pessoa não está sozinha, anuncio que outro monstro está passando por
essas paredes, mas acontece que meus esforços são em vão, percebo logo
quando chego na fonte do barulho.
Porque Asher Volkov, meu irmão, não tem medo de nada.
Me encosto do batente da porta enquanto observo o meu irmão,
confuso. Asher se curva na mesa do nosso pai, seus dedos fazem barulho
quando ele arrasta itens por dentro de uma das gavetas da mesa e puxa de
lá um bolo de papéis, observando com olhos avaliadores.
— Você está adiantado — diz ele. Seus olhos não desviam dos papéis
em sua mão em nenhum momento.
— Desde quando sabe os meus horários?
— Eu sei o que preciso saber. — O canto de sua boca se ergue,
claramente sendo o maníaco que é.
— Que porra você está fazendo no escritório do Mikhail? — Juro que,
se ele não abrir a boca e começar a falar, vou pessoalmente quebrar o
maxilar desse filho da puta.
Ele fica em silêncio e, pela primeira vez desde que cheguei na sala, olha
em minha direção. O castanho de seus olhos é gélido, avaliadores. Asher
fica em silêncio, porque ama isso como ninguém. É como se o filho da puta
estivesse fazendo um teste, me testando para saber quem vai desviar o
olhar primeiro. Me testando para saber se eu, o seu irmão, valho o seu
tempo.
Decido que passo no teste quando ele desiste de me encarar e volta a
olhar para os papéis antes de abrir a boca de novo.
— Mikhail está fazendo alguma merda e eu quero saber o que é.
— Mikhail está sempre fazendo alguma coisa — resmungo, mas Asher
não parece satisfeito.
— Exatamente, e, ainda assim, eu nunca invadi esse escritório. Ele está
falando pelos cantos pelo telefone e quase não para no escritório da
empresa. — Asher não perde tempo comigo, e nem com os papéis em suas
mãos, pelo visto. Logo depois de perceber que o que quer não está ali, ele
desiste e os junta.
— Me parece o mesmo Mikhail de sempre para mim. — Cruzo os
braços, mas meu irmão nem mesmo se abala com minha informação. —
Como sabe que ele não está ficando nos escritórios da empresa?
— Paguei um dos guardas da garagem para falar os horários em que ele
entra e sai para mim. — É claro que pagou... — Não vou ficar para trás nos
planos do nosso pai. Se ele tem alguma carta na manga, eu quero saber
exatamente qual é para poder exterminá-la. Vai me ajudar ou não?
Com um bufo, eu me junto ao meu irmão, abrindo gavetas e pegando
papéis, mas nós dois sabemos que isso é estúpido, porque, se Mikhail tem
algo realmente incriminatório, ele não vai esconder aqui onde Asher e eu
podemos pegar facilmente.
Então, eu digo isso ao meu irmão.
— Não estamos só atrás de algo incriminatório, quero pistas de todas
as propriedades que ele tem. As legais e as ilegais. Quero saber os nomes
dos investidores e o que eles fazem nos escritórios.
— Por que você quer saber disso tudo agora? — eu o questiono.
— Porque acho que toda essa merda que está acontecendo é
coincidência demais... — ele resmunga, seus olhos não se desviam dos
papéis em sua frente, faço o mesmo. Tudo o que consigo colocar os olhos
são documentos inúteis de funcionários da nossa própria casa. Meus dedos
se agarram em outro bolo de folhas. — Algo está acontecendo e quero
estar preparado para o que vai ser. Você não quer?
Mais que tudo.
Quando termino com um bolo de folhas, os coloco em suas pastas
novamente, mas Asher me alerta.
— Se certifique de que todos eles estão na ordem em que achou.
Reviro os olhos para ele.
— Mikhail não vai saber as ordens das folhas de papel.
— Ele vai. — Ele toma um tempo. — Eu iria.
Não me certifiquei de porra nenhuma, porque nem mesmo me lembrei
de qual era a ordem certa no fim das contas. Vou para outras folhas, um
nome em específico me chama a atenção assim que tiro os papéis da
pasta.

Krasota.

A beleza?
Que porra é essa?
Em todos os documentos que olhei, tudo o que tinha eram nomes de
funcionários e registros de algumas de suas propriedades. Sempre nomes
comerciais, sempre algo para chamar o público. Nomes em inglês e de fácil
entendimento, lugares que já ouvi falar. Então que porra seria Krasota?
Não tem muito aqui, apenas um documento de propriedade. Olho para
o meu irmão, Asher está ocupado demais tirando fotos de tudo o que vê
para prestar atenção em mim. Decido fazer o mesmo e pego o meu celular,
apontando a câmera para a folha.
— Ash, achou alguma coisa sobre “Krasota”? — indago. Vira a cabeça
para mim em um instante, os olhos cerrados pelo uso do apelido que eu
usava quando éramos crianças. Não usava o maldito apelido há um tempo
e eu não faço ideia do motivo que me instigou a usá-lo agora.
— Não, o que você achou?
— Só um documento que diz que a propriedade “Krasota” está em
nome de Mikhail Volkov.
Asher vem até o meu lado para checar o papel. Seu rosto não me
mostra nada, mas juro que consigo sentir a animação em sua voz quando
ele volta a falar comigo:
— Vamos revirar cada canto desse lugar até achar o que é essa merda
de “Krasota”.
E concordo com o meu irmão, a nostalgia invade os meus pensamentos
quando eu me lembro das confusões que nos metemos quando crianças e
como saímos daquelas situações. Sempre dávamos um jeito, não
importava a situação de merda que nos enfiávamos.
Mas, então, o barulho inconfundível das rodas acelerando contra o
asfalto bem debaixo dessa janela deixa claro que, dessa vez, será mais
difícil, porque Mikhail acaba de chegar em casa.
Não pensamos muito, eu enfio os papéis na pasta e fecho a gaveta com
um baque. Asher é ágil em guardar todos os seus papéis, seus movimentos
nem mesmo vacilam quando ele age sob pressão. Nós vamos até a porta,
onde Asher a fecha com cuidado. Ele tranca a porta e, então, eu franzo a
testa enquanto me pergunto onde caralho o meu irmão conseguiu a chave
para o escritório do nosso pai.
— Vem — ele manda. Bufo para o idiota, mas sigo atrás dele. Nós
descemos as escadas silenciosamente e vamos para o bar. Asher se senta
em uma poltrona e eu imediatamente caminho até atrás do balcão,
colocando minhas mãos em uma garrafa de tequila e um copo de gelo,
fazendo o possível para agir de forma natural. — Pelo menos vire a porra
da bebida.
— Quer vir aqui e fazer melhor? — rosno para ele, mas Asher apenas
ergue a sobrancelha quando me vê virando a porra da bebida no copo.
Maldito de merda. — Eu não sigo ordens suas.
— Claramente.
Abro a minha boca para retrucar, mas o som dos sapatos estalando no
chão fazem com que eu me cale. O ar muda consideravelmente. Asher,
sempre tão frio, apenas vira o seu rosto na direção do barulho, impassível.
Não posso evitar de endireitar a minha postura enquanto contorço meus
dedos sobre o balcão.
Mikhail Volkov entra na sala.
Asher e eu temos a quem puxar, porque Mikhail é um dos homens mais
altos que já vi na vida. Seu corpo todo grande está coberto por um terno
caro, assim como o de Asher. Eles geralmente competem nisso também.
Mas, diferente de Asher, Mikhail carrega cicatrizes em suas mãos e
tatuagens aparecem na gola do seu paletó. Olhos azuis escuros deixam
claro que herdamos os nossos castanhos da nossa mãe. Carrega a feição
fechada, não há um sorriso nos lábios dele.
Nunca teve.
Mikhail grita mafioso de filmes antigos para qualquer um que olhar
para ele, e suas tatuagens com palavras em russo ajudam a provar isso.
Tudo nele é brusco, menos o terno de três peças. Até as linhas de cicatrizes
em suas mãos que cortam a tinta preta das tatuagens de estrelas que
cobrem a sua pele.
Dizem os boatos que ele tem estrelas tatuadas no corpo todo. Quando
ele e James Miller trabalhavam juntos, as histórias dos bêbados no clube
diziam que Mikhail tinha uma grande estrela tatuada no coração, mas que
ela estava partida por uma grande cicatriz. Mikhail começou em um clube
de lutas muitos anos atrás, no tempo em que era só um moleque, mas ele
já colocava medo em quem o via.
Quem é que sabe.
— Não deveriam estar fora de casa agora? — Mikhail é o primeiro a
falar, em uma máscara vazia de emoções.
— Decidimos mudar de ideia hoje — respondo, e então levo o copo de
tequila até os meus lábios e tomo um gole da bebida que desce
queimando como fogo por minha garganta.
— Decidiram, é? — Seus olhos azulados passam de mim para Asher,
mas meu irmão não fala nada. — Meus dois garotos trabalhando juntos,
que prazer.
Estreito os olhos.
— Que bom que te deixamos feliz, Mikhail.
— Só me pergunto o que gerou essa mudança de hábitos — ele divaga,
mas, ao mesmo tempo, é como se não divagasse. É como uma ameaça
direta. Mikhail sabe de alguma coisa, porque, sendo filho dele, eu sei bem
que esse homem nunca divaga. Porque senão não é ele.
Olho para Asher, e, para a minha surpresa, o meu irmão já tem os olhos
em mim. Nós nos encaramos por um curto período, e assim eu sei que ele
chegou à mesma conclusão que eu.
— Não achei que os nossos horários eram tão importantes para você,
Mikhail. Tudo o que você faz é cuidar dos negócios — Asher divaga, mas,
da mesma forma que nosso pai, ele também tem o hábito de não divagar.
É uma mensagem direta. Meu irmão está dizendo que sabe que tem
alguma coisa que mudou para termos o interesse de nosso pai em nós
dois, e, conhecendo ele, Asher quer saber exatamente o que é para poder
usar isso ao seu favor e, honestamente, eu também quero.
— É claro que os seus horários são importantes, vocês são Volkov
afinal. — Ele envia um longo olhar para Asher, e então se vira para mim,
me medindo de cima a baixo antes de virar de costas e subir diretamente
até o seu escritório.
Escritório esse que acabamos de invadir.
Ando até Asher imediatamente, com o copo na mão quando me jogo
na poltrona ao lado dele.
— Essa merda não foi de toda ruim — resmungo ao meu irmão, nossas
posturas destoam completamente. Asher se senta como um político, como
se todas as câmeras estivessem nele e ele fosse a pessoa mais importante
da sala. Os meus pés estão jogados perto da mesa e eu tenho certeza de
que, se essa poltrona fosse maior, eu estaria deitado nela.
Diferentes, ele e eu.
— Não, com toda a certeza não foi... — A presunção escorre em sua
voz. Uma linha se forma em minha testa quando o encaro, mas tudo o que
Asher faz é estender o telefone para mim.
Uma foto de um papel está na tela, mas só entendo quando leio. É uma
lista de nomes. Uma lista de nomes das prisioneiras femininas da Rikers e
eu só sei disso porque estava pesquisando essa lista eu mesmo para saber
exatamente com quem a mãe de Julieta está presa.
Por que Mikhail iria ter uma lista dessa em seu escritório?
Meus olhos grudam em Asher, as ideias começam a correr pela minha
mente quando eu vejo o meu irmão me encarar de volta.
— Precisamos contar aos outros.
Asher não parece gostar da ideia.
— A gangue suja vai fazer uma festa essa semana. Diremos até lá.
— E enquanto isso? — indago. — Lidaremos do nosso jeito?
— Exatamente. E então... diremos para ela na festa.
Abro um sorriso sujo. Não sei o que vai acontecer na festa dos Devils,
mas eu sei que, com Julieta González lá, vai ser bom.
Eles vão dar uma festa enorme, maior do que todas as outras. Os
malditos vão dar uma maldita festa aqui e Roman só me avisa hoje e ainda
disse que vou ter que ficar aqui dentro. Que porra é essa? Uma brincadeira
onde todos se divertem e eu morro de tédio?
Eu poderia até escutar o idiota, considerando que, na última vez que eu
não fiz, acabei em uma perseguição e quase fui sequestrada por um
homem tão careca que sua cabeça literalmente brilhava, então eu poderia
até ficar quietinha no quarto a noite toda, como faço em todas as outras.
Mas dessa vez é diferente... Em primeiro lugar, Roman e eu não
estamos em uma relação muito agradável depois daquela conversa. A pizza
era legal, mas o sabor amargo que ficou na minha boca depois de todas
aquelas memórias não era.
Roman Miller até podia ser um cara bom, mas ainda era o cara que se
enfiou nas pernas da minha irmã enquanto eu chorava pela minha mãe,
então decido que o quero morto. Ok, talvez não morto, mas quero fazer
um grande estrago em sua vida.
O plano de roubar tudo e deixá-lo sem nada me parece uma boa ideia,
e depois que esse idiota apenas disse que teria uma festa que ele não iria
encerrar mais cedo e nem estar no quarto comigo enquanto acontecia, eu
decidi sair eu mesma para ver toda essa palhaçada.
Por que ele não vai acabar com essa estupidez para que eu possa
dormir? E por que ele não vai ficar aqui comigo enquanto essa festa
acontece? O que tem de tão diferente nela que não houve nas outras?
Eu quero saber, quero saber tanto que quase me contorço na cama
quando ele aparece para me contar.
— Não sabia que o clube recebe atrações — digo, apenas com o intuito
de procurar informações. Não que eu vá realmente virar para ele e
perguntar o motivo dele não ficar aqui no quarto.
— Desde quando você se interessa sobre o clube? — ele indaga
enquanto seus olhos azuis emanam fogo por minha pele.
— Estou entediada, você não pode me culpar.
Dá uma risada sarcástica.
— Se eu bem me lembro, eu te dei uns filmes para você assistir.
— É, filmes de luta dos anos 90 em DVD. — Enrugo o meu nariz de
desgosto. — Ninguém vê essa merda e ninguém usa mais DVD. Coloca logo
na sua conta e me deixa assistir a TV.
— Você não tem gosto nenhum, boneca. — Ele pisca para mim. — Vai
ter que se contentar com os DVDs enquanto eu me divirto, tá bom?
Não precisa mais do que isso para me deixar puta e ver vermelho.
Meus pensamentos correm soltos e corroem a minha mente tão rápido
quanto um veneno. Como assim, eu fico aqui vendo filmes idiotas
enquanto ele se diverte. Se diverte?!
Se diverte?
O que diabos isso significava? Que ele iria apenas se sentar lá, beber e
beijar alguma garota? Que iria transar com ela? Que iria apertar o maxilar
dela como fazia quando me beijava? Que iria chamá-la de boneca e morder
os lábios dela? Inferno, a garota teria cabelo escuro como o meu, claro
como o da minha irmã ou rosa como o da garota que me chamou de
prostituta dias atrás?
Oh, eu darei um motivo para Roman se divertir e vou fazê-lo de forma
magistral.
Mando mensagem para as garotas quando ele sai do quarto com a
promessa de ir atrás do pai para o ajudar em alguma merda relacionada
hoje à noite. Não me preocupo, eu descobrirei exatamente o que é mais
tarde de qualquer forma.
Julieta: Vadias, temos a nossa chance. O clube vai dar
uma festa hoje e Roman me disse que ele vai participar
a noite toda.

Maggie: Eu achei que você tinha morrido. Que merda é


essa de desaparecer assim?

Julieta: Estou de volta agora e isso é tudo o que


importa.

Lottie: Achei que eles dessem festas todos os dias...

Julieta: Essa vai ser diferente e precisamos dela, é


melhor vocês estarem livres essa noite.

Maggie: Olha o jeito que fala comigo, hermana. Ainda


estou preocupada e brava com você.

Julieta: Fique brava comigo enquanto estivermos


nadando em dinheiro. Assim vai ser bom para você?

Maggie: Vai, comece a falar...

Julieta: Ligação agora!

Meu celular começa a vibrar em minhas mãos e o atendo no primeiro


toque. Começo a falar com um sorriso sujo:
— Em primeiro lugar, como Hela está?
— Mimada e sentindo a sua falta — Charlotte diz, com sua voz abafada
do outro lado da linha. — Precisei fugir do meu pai para atender você, é
melhor que seja bom.
— O mesmo aqui — Megan diz. — Tirando a parte do pai, porque eu
não tenho um pai. Mas você entendeu, não é, hermana?
— Claro, Maggie. Entendi. — Reviro os olhos para ela, mesmo que a
ruiva não possa ver. — O clube vai estar cheio hoje. Roman não vai estar
dentro do quarto, então é importante. Podemos usar isso a nosso favor.
— O que está sugerindo? — Charlotte indaga, sempre a mais política de
nós.
— Venham aqui hoje e deem um jeito de entrar no escritório e
descobrir alguma coisa sobre as contas do papai Miller — respondo a elas,
sentando-me na cama com animação.
— Acha que o cofre vai estar no escritório?
— Não, ele não é estúpido. Mas alguma coisa vai estar lá. Papéis,
arquivos, esse tipo de merda.
— Onde fica o computador dele? — Charlotte indaga após um segundo
de silêncio.
Eu paro para pensar em um momento, puxando da minha memória.
— No escritório.
Charlotte ri, o som sinuoso e bonito soa em nossos ouvidos quando ela
volta a falar conosco:
— Gata, eu vou hackear esse homem. Só preciso estar com o
computador dele em mãos e de um tempo, então vamos descobrir tudo o
que queremos sobre James Miller.
— Não só sobre papai Miller, nós vamos descobrir tudo sobre os Devils.
Sobre Roman, inferno, nós vamos saber cada merda de arquivo que está
naquele computador.
— Graças a Deus, com você presa aí eu estava com saudades de causar
um estrago. Não é a mesma coisa sem você, sabe? Lottie não quer ir
comigo, ela não sabe abrir cofres como você... — Megan divaga.
— Sei que você está com saudades. Mas agora eu preciso que me
escute — digo a ela. — Esse lugar vai ficar lotado como sempre, mas
Roman conhece a cara de vocês. Precisam se disfarçar. Usar perucas,
alguma merda bem criativa.
Charlotte bufa, claramente descontente em esconder o seu cabelo que
vale um milhão de dólares.
— Vou ficar uma gata com cabelo escuro — Megan murmura.
— Onde fica o escritório do pai do seu motoqueiro?
— Nos fundos, antes dos quartos. Precisa virar o primeiro corredor e,
então, ir para a direita. É uma porta com uma marca vermelha perto da
maçaneta — instruo a elas, pois o caminho já está decorado em minha
mente pelos dias que eu passo aqui. — E ele não é o meu motoqueiro.
— O lugar fica desprotegido? — Charlotte me ignora completamente e
volta a fazer perguntas táticas.
— Só estive aqui durante uma festa e no meio da noite as pessoas já
ficavam bêbadas demais. Talvez, vocês só precisem passar por alguns
casais transando encostados nas paredes.
— Vivendo a vida do jeito bom — Megan diz. — Merda, estou com
inveja.
— Maggie e eu damos um jeito nisso, mas e o seu motoqueiro?
— O que tem ele?
— Como ele age nas festas?
Encolho os ombros.
— Não sei, geralmente ele volta cedo e fica no quarto comigo. Nunca vi
ele em uma festa do clube.
— Ele volta bêbado ou sóbrio? — A loira volta a perguntar.
— Por que isso importa?
— Vamos, vadia, me responde. É importante.
Solto um suspiro, não sei o motivo de Charlotte estar fazendo essas
perguntas, mas sei que ela não faz as coisas sem um objetivo. Eu cedo.
— Sóbrio, ele nunca volta bêbado.
— Então ele vai ser um problema — ela diz. — O seu garoto sempre
volta sóbrio e eu não acho que isso vai mudar agora. Além disso, ele te
disse que vai ficar lá a noite toda. Considerando que ele é filho do chefe e
isso nunca aconteceu antes, estou imaginando que tenha algo importante
hoje que segura a atenção dele o suficiente para que fique lá, e eu duvido
que Roman iria perder a consciência ficando bêbado em uma situação
importante.
— Merda, gata... Sabe o tipo sanguíneo dele também? — Megan
provoca, mas eu acho que ela está meio impressionada também. Sua
respiração está meio acelerada e a minha ruiva está falando estranho. —
Como você sabe isso?
— Não sei, mas estou deduzindo. Ficar bêbado na primeira vez desde
que a nossa garota está lá e na primeira noite que ele diz que vai sair a
noite toda parece algo que Roman faria, Julieta?
O mesmo Roman que chega mais cedo para me trazer comida e sai do
quarto todas as noites e manda desligar a luz e a música para que eu
consiga dormir? Não parece com ele nem um pouco.
Digo isso a elas.
— Certo, então é bem óbvio que ele vai ficar de olho nas coisas e não
vai dar para passar para o escritório do pai dele com ele lá. O que fazemos?
— indaga a loira.
— Arrumamos uma distração para ele — sugere Megan. — Algo
grande o suficiente para deixá-lo ocupado e garantir que não vai nos
incomodar enquanto invadimos o escritório.
— Tá bom, mas o quê?
— Uma gata de cabelo preto e uma bunda maravilhosa. — A
empolgação na voz de Megan já deixa claro o quanto eu vou me
arrepender disso. — Você.
— Essa é uma ideia horrível! Essa merda nunca vai dar certo, Megan...
— Na verdade, tem grande chance de dar certo sim — Charlotte
interfere. — Se você aparecer e criar uma distração grande o suficiente
para deixá-lo em cima de você, nós conseguimos entrar e sair sem
problemas nenhum. Mas você vai precisar se certificar de que ele está
prestando atenção em você, não dá para Maggie e eu termos uma
surpresa enquanto estamos dentro do escritório.
— E como diabos eu faria isso? Fazendo uma dança no colo dele?
Beijando uns motoqueiros? — ironizo, mas, aparentemente, as garotas não
receberam o memorando, já que, enquanto falo, Megan cria um plano
todo e só dela.
— Exatamente. Não sei, amiga. Seja gostosa por aí, dê um jeito na sua
parte da missão enquanto eu cuido de nos colocar dentro do escritório e
Charlotte cuida do computador.
— Não sei...
— Qual é, onde está a minha vadia corajosa? Não me diga que
amoleceu? — Megan me provoca. — Não se preocupe, se der errado o que
você perde além de uma noite chata presa no quarto?
Fico em silêncio enquanto avalio as minhas opções. Se eu ficar presa
aqui, tenho chance de estar segura contra qualquer merda lá fora e ainda
não vou me envolver em problemas com Roman ou o pai dele. Não tem
chance de alguém errado descobrir que eu estou aqui e nem de eu ser
expulsa.
Se eu for, além de ajudar as garotas a conseguir o que eu quero, vou
poder dar tanta dor de cabeça em Roman que faz os meus olhos brilharem
só com a possibilidade.
Por que estou hesitando mesmo? Quase ser sequestrada te deixa mais
cuidadosa, a velha eu nunca iria hesitar em algo assim.
Posso me dar bem hoje, só tenho que fazer direito.
— Não tenho roupa para uma festa. E não vou sair andando por aí com
a camisa do Roman.
Megan se anima, um grito da ruiva é ouvido pelo telefone e Charlotte
logo reclama.
— Separamos uma para você, mas não sei como vamos colocar ela aí
dentro. Tem alguém de confiança que pode entregar para você?
E então abro um sorriso, porque sei exatamente a quem procurar para
isso. Eu sei a pessoa que vai me ajudar sem me questionar, mesmo que
isso venha como dívida para mim no futuro.
— Tenho sim.
— Ótimo. É melhor ficar gostosa, porque nessa noite vamos beber
sangue de motoqueiros!
Um sorriso preguiçoso se desenha em meus lábios, a fantasia onde eu
estou fora desse lugar com minha mãe e minhas garotas se torna realidade
a cada segundo.
Essa noite, vamos beber sangue de motoqueiros.

Já passa das nove da noite quando escuto três batidas na minha porta,
uma seguida da outra. Me levanto da cama com pressa, dando de cara com
o olhar gélido do homem quando eu abro a porta. Isso nunca fica velho.
A frieza combina com Asher Volkov, mas a presunção combina ainda
mais.
Me lembro de quando eu mandei uma mensagem para ele, logo após
terminar de falar com as meninas. Asher nem mesmo pestaneja.
Julieta: Eu sei que eu não devia fazer isso e que você
não deveria ir contra os meninos e o seu irmão...

Julieta: Mas preciso de ajuda.

Asher: O que precisa que faça, babochka?

Ele pisca preguiçosamente para mim quando entra e me entrega a


bolsa preta que está em suas mãos. A bolsa destoa tanto dele em seu
terno azul-marinho que é quase engraçado de se ver, parece... falso. Não
ele, mas a bolsa.
Vem de Megan, então não duvido que seja.
— Você e suas gracinhas, babochka... — Asher caminha para mais perto
de mim, o seu cheiro masculino chega até os meus sentidos. Asher sempre
teve algo dele, não cigarro, não bebida. Algo puro que eu nunca consegui
dos outros, mas rapidamente volto o meu olhar para a bolsa, porque
pensar em Asher Volkov e em seu cheiro definitivamente não é o que
preciso agora. — Estou ansioso para saber o que vai aprontar essa noite.
— Roman falou alguma coisa sobre você aqui?
— Não, porque ele sabe melhor do que ninguém que é inútil me afastar
de você.
Seu olhar não desvia do meu nem quando caminho com a bolsa até o
banheiro e fecho a porta.
A verdade é que não custou muito pedir um favor a Asher Volkov. Não
que eu tenha achado em algum momento que seria difícil pedir algo a
Asher, mas a sua intensidade ainda faz coisas em mim. Não foi preciso
explicar para ele o porquê das roupas, ele não pediu explicação.
Abro a bolsa, observando com um olhar crítico as roupas que as garotas
separaram para mim. No momento em que separo as roupas, observo que
isso aqui grita “Megan Smith”.
Visto o couro da cabeça aos pés. A saia do vestido preto é tão curta que
eu acho que, se eu me sentar, minha calcinha aparece. Tem até uma
jaqueta de couro em meus ombros, provavelmente fazendo alusão a
própria jaqueta dos Devils. Megan me vestiu como uma garota de gangue,
mas, quando eu olho no espelho, decido que estou gostosa o suficiente.
E as botas também são legais, então que seja.
Passo o batom vermelho que está jogado na bolsinha de maquiagens,
porque de jeito nenhum eu vou sair daqui com cara de morta, e então
tento fazer alguma mágica com o resto que mandaram para mim no pouco
tempo que eu tenho.
Megan e Charlotte deram a bolsa para Asher antes de entrarem aqui,
na verdade, elas nem pisaram aqui ainda. É melhor fazer isso quando
estiverem todos já embriagados para que eles não possam dar muita
atenção a elas. E Roman... Ele é trabalho meu.
A intensidade dos olhos de Asher me esquenta quando saio do
banheiro, como sempre fazem. Ele está encostado na parede, seus ombros
largos contidos e suas mãos presas dentro do bolso de sua calça. Ele é
gélido, mas ainda queimo com seus olhos.
Eles percorrem o meu corpo da cabeça aos pés, fazendo o movimento
duas vezes antes que eu consiga vê-lo lambendo o seu lábio inferior com
gosto.
— Você está parecendo uma garota da gangue — observa ele.
— Isso te incomoda?
Asher leva um momento antes de voltar a abrir a boca:
— Nada em você me incomoda.
Estremeço.
— Perfeito, agora vamos.
Quando saímos, tenho dificuldade em passar para a área principal pela
quantidade de pessoas aqui. A luz está baixa, azulada. Quase parece um
pub de verdade. Tem garotas dançando nos balcões como da primeira vez,
e vejo também pessoas se beijando no bar.
Meus pés me levam até lá.
Jaquetas de couro e homens grandes, esse lugar está cercado deles,
percebo isso assim que chego no bar. Tem uma garota de cabelos crespos
oferecendo drinks para todos, eu pego dois shots de vodca e tomo um de
uma vez, minha garganta inteira arde como se estivesse pegando fogo, mas
não dou atenção.
Asher está do meu lado em um instante. Nenhuma pergunta sai por
seus lábios, mas me avalia com os seus olhos analíticos.
Olho para o outro lado, à procura de Roman, mas encontro Dylan
sentado em uma mesa. Uma garota está literalmente rebolando no colo
dele enquanto ele bebe uma cerveja na garrafa, nenhuma de suas mãos
está nela.
Claro, sempre Dylan. Sempre o garoto que não consegue fixar o olhar
em uma garota só. Aquele que sempre me deixou mais insegura por causa
de suas amizades femininas próximas demais, o garoto que ia com as
outras apenas para me provocar. Aquele que me deixava com ciúmes
quando ele sentia ciúmes.
Como esperar algo diferente dele, do garoto que não me deve nada?
Ainda assim, fervo. Meu sangue parece água quente quando estreito os
olhos naquela direção. Minha visão escurece e juro que meu olho começa
a tremer quando percebo que Roman está sentado na mesma mesa, não
recebendo uma dança de colo como o loiro, mas prestando muita atenção
nos peitos da garota que está gesticulando loucamente aos pés da mesa.
Nenhum deles percebe que estou aqui, nenhum deles percebe a minha
vontade de matar ambos, mesmo que a razão não esteja comigo.
Foda-se.
— Independente de qualquer merda que esteja passando por sua
cabeça agora, babochka, sugiro que guarde elas de volta, porque aqui não
é lugar para fazer cena. Nós não sabemos quem são essas pessoas — Asher
se abaixa para sussurrar em meu ouvido.
Uma risada amarga sai dos meus lábios e então viro mais um shot.
— Quero mais dois. — Faço um sinal para a garçonete. A garota bonita
me serve sem me questionar. — Ponha na conta dele.
Asher me observa, descontente.
— Relaxa, eu não vou ficar bêbada. — Nem mesmo posso ficar bêbada
hoje. Não que ele precisa saber. — Preciso de mais do que quatro shots
para me deixar bêbada, Volkov. Não se preocupe.
— Então o que você quer com isso?
— É uma festa, certo? Só quero me divertir. — Bebo mais um, e então a
minha visão gira um pouco quando bato o copo no balcão.
— Julieta... — Asher adverte.
— Não seja um estraga-prazeres, Ash. Você é o único que consigo
suportar agora, por favor, não tire isso de mim. — Ele se cala.
Se Sodoma e Gomorra ainda estivessem em pé, esse lugar seria a
personificação deles. A música alta abafa todos, a luz azulada e meio
escurecida deixa tudo sexy e a bebida faz com que as limitações sejam
deixadas aqui, eu gosto. Eu preciso disso.
O som de gritos me chama a atenção, tomo o meu último shot antes de
seguir até o barulho com Asher bem atrás de mim. Tem uma garota com a
blusa de fora, seu corpo arrepiado com um dos motoqueiros em cima dela
enquanto lambe uma bebida do corpo dela. Posso ver a garota arfar
quando ele suga um pouco de sal do vale entre seus seios e a agarra para
um beijo.
Bodyshot.
Isso criaria uma cena...
Meus pés começam a se mover antes que eu consiga raciocinar direito,
e acompanho com os olhos quando o casal sai da mesa. A garota que está
fazendo topless é agarrada pelo motoqueiro, com sua boca na dele antes
mesmo do cara que está em cima da mesa controlando essa brincadeira
dizer que acabou.
Pelo menos eles vão se divertir essa noite.
— Beleza, quem vem agora?! — o cara grita. O seu cabelo cacheado cai
em sua testa, sua pele escura brilha de suor quando ele anda em cima do
balcão e grita para quem consegue ouvir. — Vamos, babies, nós não
mordemos. Quem aí quer deixar um de nós beber um drink direto de
vocês? Nós não vamos mostrar os nossos dentes... Só se vocês pedirem...
As pessoas riem e gritam, os homens gritam coisas explícitas uns para
os outros. Me preparo para furar a multidão e ir diretamente para aquela
porra de balcão, mas Asher imediatamente me para.
— Nem pense nisso.
— Tarde demais. — Pisco.
— Isso não é a porra de uma brincadeira, babochka. Você não vai lá e
não vai deixar um estranho lamber o seu corpo.
Quero retrucá-lo, mas, quando me viro para reclamar, sua feição me
para imediatamente. Asher parece furioso.
Não é uma coisa fofa de parecer meio bravo. Não, ele está
completamente furioso. Tem um risco em sua testa e tudo mais. Engulo em
seco e, então chega a minha vez de lamber o meu lábio, porque Asher
Volkov bravo parece completamente delicioso para mim, principalmente
quando algo assim em seu rosto é algo raro.
Será a bebida ou só eu mesma?
Nah, estou completamente sóbria.
— Então venha você me lamber.
Saio antes que ele possa falar mais alguma coisa, mas o sorriso
provocativo em meu rosto merece ser visto por ele. O cara ainda grita de
cima do balcão, incitando as mulheres a subirem lá e mostrarem os seus
corpos para os motoqueiros.
Desculpe, queridas. Preciso disso mais do que vocês.
Uma mulher loira está prestes a subir no balcão, mas me adianto e
consigo subir antes que ela. Um monte de gritos masculinos e femininos
chega aos meus ouvidos quando eu me coloco em pé, então tenho plena
ciência de que a minha calcinha está aparecendo para essas pessoas ali
embaixo, mas ei, daqui de cima eu consigo ver Roman e Dylan. E ah... Eles
definitivamente sabem que estou aqui agora.
Roman está de pé, a garota que ele estava de olho já não está mais
perto. O cabelo loiro de Dylan é difícil de ver com essas luzes, mas a
jaqueta de sempre é característica em meio ao couro. Não tem mais
ninguém dançando no colo dele, mas o estrago já está feito.
Espero que ele morra gritando.
— Qual é o seu nome, gata? — o cara me pergunta, com uma de suas
mãos em minha cintura para me ajudar a ter equilíbrio com os meus saltos
aqui em cima.
— Julieta. — Sorrio, simpática, procurando Asher ali embaixo.
— Senhoras e senhores, deem boas-vindas para a nossa garota, Julieta!
— Me sento no balcão quando ele manda, então, quando o cara estranho
pula lá de cima, me deito lá.
É... Acho que todos aqui já devem ter visto a minha calcinha nesse
tempo.
Enquanto o escuto gritar para que um dos caras venha aqui para jogar
bebida em mim, tiro o meu telefone da cintura e mando uma mensagem
no grupo:
Julieta: Estou criando uma distração agora.

— Posso levantar a sua blusa, coisinha bonita? — outro cara pergunta.


Seu cabelo é cortado em um estilo militar, mas ele está atrás do balcão e
não usa uma jaqueta dos Devils.
Depois da minha altura, minha blusa é levantada até o limite dos meus
seios, dessa forma toda a minha barriga aparece, mas os meus seios não. É
melhor que não apareçam, não estou usando sutiã agora.
— Quem aí vai tomar um gole direto da nossa garota Julieta?! — o
mesmo cara volta a gritar, gesticulando na minha direção.
O sal é derramado em minha pele, bem no limite do meu decote. Uma
fatia de limão é colocada entre os meus lábios e o gosto azedo
imediatamente invade os meus sentidos, mas não faço careta. Essa vai ser
uma noite do caralho.
Um grande motoqueiro se põe em minha frente e minha testa se
franze. Onde diabos está Asher e por que ele não está tirando esse cara
daqui à força por ele ter ocupado o seu lugar?
— Olá, linda — diz o motoqueiro que quer me lamber. — Espero que
não se importe em me deixar lamber você.
Er... questionável.
O avalio rapidamente, o cara já deve ter passado dos trinta, no mínimo.
Não que seja feio, na verdade é até bonito. Só não é quem eu quero que
seja. O cara deve ter sido a fantasia de papai perfeita para mim em outra
época, mas agora tudo o que eu quero é outra pessoa.
Bem, não se pode ganhar toda vez.
O motoqueiro dá um passo à frente e me contorço, me preparando
para sentir o gelado do álcool em minha pele, mas algo o trava. Algo não,
alguém. Grande o suficiente para tampar a minha visão do motoqueiro
inteiro, largo o suficiente para fazer as minhas pernas se contraírem. As
tatuagens pintam em sua pele e seus músculos, mas daqui ainda consigo
ver algumas cicatrizes. Vestido de preto da cabeça aos pés e com aqueles
olhos escuros que te mostram que está com problemas.
Axel.
Não sei o que acontece, mas o motoqueiro desiste de mim quando Axel
entra em sua frente. É óbvio, eu também desistiria. Basta olhar para ele.
Volkov vem até mim, sua mandíbula está contraída com força quando
ele chega diante de mim, ali, entregue a ele.
— Acho que agora podemos começar. — O garçom derruba um pouco
da bebida em meu umbigo e eu arqueio as minhas costas. O gelado, que
escorre por todo o meu estômago, arrepia a minha pele em seu caminho e,
então, desce até a minha saia, infiltrando-se em minha calcinha também.
Deus!
— Não tire os olhos de mim.
Axel me encara nos olhos quando se abaixa até o meu umbigo, o meu
piercing não o incomoda quando ele me lambe até o decote. Sua língua
quente em contraste com a bebida fria me envolve, envia arrepios por
todo o meu corpo e faz as minhas pernas se contraírem, mas as duas mãos
dele estão lá, fazendo com que fiquem fechadas, longe de olhares errantes
e me mantendo aquecida. Suas palmas grandes e fortes estão em contato
com minhas pernas...
Os olhos castanhos fixam nos meus quando ele lambe o sal do meu
decote, e então, sem desgrudar sua língua de mim, Axel continua até
minha boca, deixando um rastro quente por onde passa. Quando ele chega
até a minha boca e a minha altura, captura o limão com uma puxada de
lábios e o suga sem fazer nenhuma careta, tirando ele de sua boca logo em
seguida.
Axel não se afasta de mim, e eu menos ainda. Me apoio nos cotovelos,
procurando por ele. Querendo ele. Querendo mais do que ele me fez
sentir, mais das sensações gostosas. Quero a sua boca na minha, mas ele
afasta o seu rosto do meu. Suas mãos, porém, sobem até a minha cintura,
onde ele aperta com força e desce o meu cropped até o lugar novamente.
— Chega. — A sua voz é abafada pelos gritos, mas eu ainda o escuto. —
Eu não te dei mais que isso, irmão.
Asher está sério quando para ao nosso lado, mas é basicamente o seu
rosto de sempre, então não ligo muito. Axel entra na minha frente,
tampando a visão dos outros de ver a minha calcinha quando Asher me
ajuda a descer. Não que vá mudar alguma coisa, considerando que todos
aqui já devem ter visto a minha renda vermelha em algum momento dessa
noite.
Asher entrelaça os seus dedos nos meus e me leva de volta para onde
estávamos, o primeiro bar. A grande presença de Axel não pode ser
ignorada nas minhas costas, e então, entre os gêmeos, nós andamos entre
a multidão.
Roman e Dylan parecem prestes a vir em nossa direção, bem... Roman
parece. Dylan está ocupado demais passando a mão em seu cabelo para
que eu possa perceber o que esse idiota quer. Olho ao redor enquanto
procuro por qualquer pista das garotas, mas não encontro ninguém que
pareça com elas.
Espero que tudo esteja dando certo.
— O que está fazendo, babochka? — Os olhos castanhos se estreitam
em mim.
— Me divertindo. — Sorrio para ele, mas Asher Volkov não parece
muito convencido. O garoto se inclina até a minha altura, sua respiração
envia calor em mim quando ele se abaixa ao ponto de estar próximo ao
meu ouvido.
— O que você está procurando com isso, Julieta?
— Isso realmente importa para você? — Inclino o rosto em sua direção,
captando os movimentos de Roman e Dylan em nossa direção. — Vai
mudar alguma coisa saber o que eu quero no fim disso? Dime18.

— Nyet.19
Oh, meu...
Uma das mãos dele sobe até o meu pescoço, traçando linhas por minha
pele até me segurar firme pelo maxilar, mantendo o meu rosto erguido
para ele.
— Porque eu nunca me importo quando o assunto é você. — Ele se
abaixa, seu rosto a uma curta distância do meu, emanando o seu calor para
mim. — Você pode me usar, me maltratar, fazer o que quiser comigo e eu
ainda não vou me importar, babochka. Então, quer me usar para causar
ciúmes? Tudo bem, vou pegar o que você me der. Contanto que seja meu.
Movo a cabeça, roçando meu nariz no dele.
— E se o que eu quiser te dar não for o que você quer?
— Então vou pegar o que eu quero. — Seus dedos me apertam tanto
que acho que vou ficar com marcas amanhã, mas eu não ligo. Na verdade,
até gosto.
— Julieta! — Escuto o som da voz de Roman.
— E então, babochka, vai dar o que quero? — Semicerro os olhos,
minha visão turva pela luxúria que Asher Volkov causa em meu corpo. —
Vamos, Julieta. Dê a sua boca para mim.
E dou, porque ela é dele.
Meus olhos se fecham quando me inclino, e Asher me pega com tudo o
que ele tem. Sua outra mão serpenteia em minha cintura, me apertando
fortemente, mantendo o seu corpo colado no meu. Subo as minhas mãos
até o seu cabelo, bagunçando e puxando tudo o que eu encontro.
Porque quero deixá-lo tão bagunçado quanto ele me deixa.
Sua mão se move em meu maxilar para a minha garganta, o aperto é
firme, mas é o suficiente para molhar a minha calcinha. Asher me beija de
forma possessiva, como se tudo aquilo fosse dele. Tão diferente de como
fazíamos aos quatorze, mas tão semelhante ao mesmo tempo.
Como se o fato dele ter ficado longe não fizesse diferença. Como se
nada disso fizesse diferença, só eu e ele.
Como se ele fosse meu tanto quanto eu sou dele.
E quando eu retribuo o seu beijo com tudo que tenho, tenho dúvidas se
ele está realmente errado. Porque beijar Asher Volkov é como estar no
céu, e eu não sei se posso deixar essa sensação ir embora.
Estou presa em seu feitiço e a verdade é que não quero sair.
É assim que ele se sente comigo?
Fios eletrizantes não são o suficiente para me conter. Eles correm pelo
meu corpo, provocando-me de dentro para fora. Rindo e zombando de
mim por ceder a ele, por ter acabado com minha palavra, mas então minha
mente nubla quando sinto o seu aperto firme e forte em minha pele e em
meu corpo.
Seu toque é como mágica.
Porque Asher Volkov não apenas beija, ele possui. Te rouba inteira e te
faz ver o porquê você pertence a ele e o motivo de não querer sair.
Asher arrebata tudo no seu caminho, porque ele simplesmente sabe
que é dele. E foda-se se eu vou negar algo a ele agora, com sua boca
grudada na minha em um bar cheio de motoqueiros tarde da noite.
Enquanto me beija, me permito esquecer até mesmo do motivo de
estar aqui. Como isso começou mesmo? Não consigo me lembrar...
— Vocês querem dar um show aqui mesmo ou isso tudo não é
planejado? — Eu não teria escutado, prestado atenção na voz se não
tivesse reconhecido Axel, próximo demais de nós dois para o meu próprio
bem. — Não sabia que você gostava de dar um show, irmãozinho.
Asher e eu nos afastamos, mas apenas o suficiente para conseguirmos
respirar. Sua mão se mantém em minha garganta em uma exigência,
mantendo-me refém dele, e o pior é que não faço absolutamente nenhum
esforço para sair.
O que aconteceu com você, Julieta González?
— Me ouça com atenção, babochka... O que aconteceu essa noite
nunca mais vai voltar a se repetir. — O quê? Ele não quer mais me beijar?
Não entendo o que ele diz e luto para sair do seu aperto, mas ele só se
torna mais forte, tentadoramente mortal para mim. — Você nunca mais vai
mostrar a sua calcinha para os outros, me entendeu? Eles não merecem
ver isso, você não é deles para que vejam.
Ah, isso faz muito mais sentido.
— Eu também não sou sua.
Asher não gosta da minha resposta.
— Você está aqui comigo, só respira porque eu tenho a misericórdia de
te deixar respirar. Está trêmula nos meus braços e mole porque eu te tirei o
ar e, então, decidi dar de volta. Eu sou devoto a você, babochka, mas não
pense nem por um segundo que vou aceitar você agir como se não fosse
minha.
Perigoso, é isso que ele é.
— E o que você vai fazer se eu agir como se não fosse sua, Volkov? —
Pisco para ele, um sorriso perigoso toma conta do meu rosto, sua
respiração quente deixa arrepios em minha pele, mas não me preocupo
em me afastar. Quero ele e quero tudo o que ele tem para mim. — Vai
continuar sendo o meu brinquedo quebrado se eu irritar você.
Aperta sua mão em torno da minha garganta e minhas coxas contraem
uma na outra, friccionando-se.
— Que porra é essa?! — A voz raivosa de Roman chega até nós e,
depois de um olhar prolongado de Axel, eu me desvinculo de Asher. Sua
mão desce até a minha cintura quando me viro para a frente, como se não
suportasse ficar sem sentir a minha pele contra a dele. — Você devia estar
presa no quarto!
— Essa é a porra da sua preocupação? — Dylan se junta a ele, seu
cabelo geralmente perfeito agora está todo desgrenhado. Me pergunto se
foi ele quem bagunçou ou se a garota que rebolou em seu colo havia feito
o trabalho. — Ela acabou de ser lambida por dois Volkov. Que porra você
está fazendo?
— Me divertindo. — Encolho os ombros, tentando parecer inocente,
mas obviamente falho. — Não sabia que a diversão era proibida. Você
parecia estar se divertindo bastante, eu queria experimentar.
As suas sobrancelhas se erguem até a linha do cabelo, sua testa forma
uma linha que me parece muito engraçada, mas não me permito rir.
— O que você viu? — Dylan volta a me perguntar e, quando me
preparo para mandá-lo se foder e ir à merda, Roman toma a frente
novamente e age como o líder que seu pai o criou para ser.
— Você tem que voltar para o quarto agora. Tem amigos de negócios
do meu pai aqui, criminosos de outras gangues. Se eles souberem que uma
González está aqui...
— Tarde demais, ela fez um grande trabalho se apresentando antes de
deixar metade do bar ver a calcinha dela — Axel diz ao meu lado, seco.
Não consigo enxergar bem a cor dos olhos de Roman agora, mas a sua
revolta fica escrita por todo o seu rosto.
— Que porra você pensou? — Ele se aproxima de mim, abaixando-se
até estar na minha altura. — Que porra está passando pela sua cabeça
agora, boneca? Não entendo por que você se arriscaria a vir em um bar
cheio de pessoas que querem te matar só para causar uma cena e
desperdiçar todo o nosso esforço em te deixar escondida.
Me encolho, um tanto culpada por suas palavras.
Me preparo para responder, mas Roman tira a sua atenção de mim por
tempo. A chegada brusca de alguém por perto acaba chamando a nossa
atenção.
— Desculpe! — Cabelos rosa e postura bamba, é claro... A garota que
me chamou de prostituta dias atrás. Ela tropeça em Roman, visivelmente
alterada. O motoqueiro a segura pela cintura, firme para deixá-la em pé.
Semicerro os olhos naquela direção.
Roman suspira.
— Por que não se senta um pouco, Candy? — Candy. O nome se parece
demais com Cindy, outra garota que me deixava puta quando era menor
porque andava demais com Dylan.
Parece que Roman e Dylan gostam de garotas com a inicial “C”.
E eu quero matar os dois. Que se foda tudo isso.
— Sim, Candy, vá se sentar. — A garota se assusta visivelmente quando
olha para mim, para a minha total satisfação. Ela se encolhe um pouco,
seus ombros se curvam para dentro e, após um olhar para Roman, sai de
perto de nós. — Eu quero dançar.
Os olhos de Roman se estreitam.
— O quê?
— Disse que quero dançar. — Olho ao redor. Vejo um bolo de pessoas
dançando no meio do lugar, não parece bem uma pista de dança, mas vai
servir. — Se puder controlar o som, eu quero que coloque reggaeton para
tocar. Você sabe que amo rebolar escutando reggaeton.
Contorno eles, saindo pelo lado que está mais fácil para mim. Axel me
deixa ir sem muito esforço, nem tenta me tocar quando passo por ele
como Dylan faz, mas não consegue. Bom, se eu sentisse a mão de Dylan
em mim agora, juro que a cortaria fora.
Puxo o celular de volta, destravando enquanto desvio das pessoas.
Maggie: Por que motoqueiros são tão grandes? Que
porra é essa? Foda-se, entramos.

Julieta: Como estão aí?

Charlotte: Acabamos de entrar no escritório, Maggie


arrombou a porta. Vou entrar no computador agora,
seja o que for que esteja fazendo, não pare! E avise se
vir alguém suspeito vindo para cá.

Julieta: Pode deixar.

Balanço os meus quadris no ritmo sensual da música assim que chego a


um lugar que estou satisfeita. Tenho vista do corredor e estou de frente
para os garotos.
As grandes figuras de Roman e Dylan estão lado a lado, ambos com os
braços cruzados e as feições fechadas em descontentamento. Ops... mas
pelo menos estão prestando atenção em mim, bem como eu queria.
Os gêmeos...
Ah, Axel e Asher são diferentes. Eles estão vindo na minha direção, em
uma expressão vazia. Axel pode não falar, mas ele é tão bom em esconder
o que sente quanto o seu irmão.
Fecho os olhos, me recusando a vê-los, mas sinto bem a presença
deles. É diferente das outras pessoas que estão aqui dançando ao meu
redor, eu simplesmente sinto que eles estão aqui, ao meu redor. Um deles
na minha frente, o outro atrás de mim.
Abro um sorriso e pendo a minha cabeça para trás, expondo o meu
pescoço. Querendo que ele pegue para si. Hum, talvez eu tenha tesão em
ser apertada lá.
As íris castanhas de Axel são a primeira coisa que vejo quando abro os
olhos. Pisco, surpresa por ser ele na minha frente e por ter deixado Asher
atrás de mim. Não esperava por isso, com toda a certeza. Também não
esperava por Asher deixar o irmão tão à vontade perto de mim, eles não
agiam assim antes. O que será que mudou?
Uma mão serpenteia a minha cintura por trás e me aperta um pouco.
Me inclino na direção de seu toque, esfregando nele, procurando por ele.
Axel fixa os seus olhos nos meus, nublados por luxúria e curiosidade. Bem,
somos dois.
— O que está fazendo? — o questiono.
— Caindo no seu feitiço de bruxa.
Franzo a testa.
— Achei que estava confortável demais fingindo que eu não existia para
vir dançar comigo e lamber bebida do meu corpo.
Ele meneia a cabeça.
— E eu achei que você estava confortável demais fingindo que me
odeia para me deixar dançar com você e lamber bebida do seu corpo.
Touché!
— Tempos difíceis pedem medidas desesperadas, não é? — indago a
ele. Uma de suas mãos chega até a minha cintura, mas do lado contrário
do seu irmão. Seu aperto em mim é mais forte do que o de Asher, mais do
que achei possível.
— O que você está fazendo, bruxa?
— Dançando com você e seu irmão.
— Você sabe bem o que quero dizer... — ele resmunga, sua cabeça se
abaixa até a altura da minha orelha, onde ele fala rente. — Subir em uma
mesa de bar é a sua cara, mas me deixar te tocar assim não é, não à toa. O
que você está fazendo?
— Sempre achei que a paranoia Volkov se limitava a Asher, não é,
querido? — Viro o meu rosto para o outro irmão, lançando uma piscadela
para Asher quando o faço. — Ser paranoico não combina com você, Volkov.
Axel não gosta do que digo.
— Não sou paranoico, mas conheço você bem o suficiente para saber
até onde está disposta a ir.
— Será que conhece mesmo? — Minhas mãos passam por seus
músculos. Ao contrário de Asher, Axel veste uma camisa simples e de
manga curta, então consigo sentir toda a textura de sua pele quando passo
os meus dedos por ela. Seus músculos se contraem com os meus
movimentos como se eu tivesse poderes mágicos. — Não, eu não acho que
conhece.
— Sua maldita bruxa.
— E, ainda assim, você está aqui... — Puxo-o para mais perto, minhas
mãos sobem até a sua nuca, arranhando o caminho por toda ela. — Se sou
uma bruxa, então você é um mentiroso.
— Eu não minto.
— Se não mentisse, se fosse tão indiferente a mim como costuma agir
sempre, então não estaria aqui. Não teria entrado na frente de dois
homens, incluindo o próprio irmão, só para poder ficar perto de mim. Não
estaria dançando comigo enquanto esfrego a minha bunda nele e provoco
você. — Enfio as minhas unhas em seu cabelo e puxo os seus fios escuros
entre os meus dedos, forte. Axel grunhe e vem para mais perto de mim,
colando o seu corpo forte no meu. — Mas você está, e isso, Axel Volkov, faz
de você um maldito mentiroso.
Não espero quando os lábios dele batem nos meus com necessidade,
não me preparo para isso. Achei que ele fosse ficar com raiva, virar as
costas para mim e ir embora, mas Axel me dá a sua ira.
E eu a aceito com tudo de mim.
Nossos lábios se entrelaçam, ele me puxa para si, mas Asher não está
interessado em me deixar ir. Parece uma briga entre eles enquanto eu
aproveito o que me dão, aceito estar no meio deles desse jeito.
Aperta a base do meu maxilar, bem no ponto onde Asher me apertou
antes. Me pergunto se isso é algo que está no gene, mas não tenho tempo
para pensar e raciocinar direito, Axel morde os meus lábios e desce os
beijos por meu pescoço.
Viro o rosto em busca de ar, com os olhos semicerrados por luxúria,
meu peito subindo e descendo com rapidez. Volta os lábios para o lugar
onde me lamberam antes, fincando seus dentes em minha pele com força.
Grunho, incapaz de não sentir a dor, mas me acalmo imediatamente assim
que sinto os seus beijos no lugar.
É assim que funcionamos, certo? Ele pode me morder, mas se beijar no
lugar certo, talvez eu possa o perdoar.
Asher vem para o meu lado e toma os meus lábios para si em um gesto
possessivo, não sei se está com raiva de mim, do irmão ou de si mesmo.
— Vamos sair daqui — ele diz, e não dá tempo para nenhum de nós
falar alguma coisa. Seus dedos se entrelaçam com os meus e sou puxada
por ele. Sigo sua liderança cegamente.
Como um cachorro que busca o carinho de seu dono...
Ou como uma borboleta que pousa nos dedos do homem que vai
esmagá-la.

Tudo nesse lugar me irrita. Desde as paredes feias pela tinta


envelhecida até os estofados gastos que ficam nos bancos. Odeio lugares
cheios, não vejo o motivo para ter tantas pessoas misturadas, o cheiro é
sempre desagradável e eu não gosto.
Mas sempre consigo sentir o cheiro dela a uma milha de distância.
Minha doce borboleta. Minha doce e suja borboleta.
Meus dedos agarram os dela fortemente, possessivos com o que é
meu. Com o que me pertence, a mim, e, infelizmente, ao meu irmão
também. Gostaria de perguntar o que ocasionou a mudança de opinião
dele, porque, da última vez que me lembro, tudo o que Axel falava era
sobre ficar longe de Julieta.
Mas eu o vi nas sombras, observando, absorvendo com essa roupa
ridiculamente curta que só serve para deixar o meu pau duro. Vi quando
ele virou o copo de bebida antes de avançar entre os motoqueiros para
tomar o lugar deles. Não me intrometi, porque antes o meu irmão do que
um estranho. E Julieta pareceu gostar também.
Mas a coisa da calcinha? Não, isso eu não posso suportar. Meu sangue
ferveu de ciúmes, meus olhos escureceram quando vi a renda vermelha e
percebi que todos que estavam perto viram também. Isso eu não aceito
dividir.
Entro no banheiro que geralmente não é usado, porque ele fica do lado
do escritório de James. As pessoas não querem mexer com ele, então não
costumam vir aqui. Melhor para mim.
— O que estamos fazendo aqui? — A voz doce pergunta, mas não me
preocupo com ela. Agora não. Quando acendo a luz, vejo suas bochechas
brilhando coradas.
Seus seios sobem e descem rapidamente, acompanhando o ritmo de
sua respiração. Ela está lutando por ar, mas a minha borboleta suja gosta
disso. Ela gosta de perigo, não é?
Acho que terei que dar a ela.
— O que acha que estamos fazendo aqui, Julieta? — Ela engole em
seco, suas costas batem na parede branca quando eu avanço sobre ela.
Axel tranca a porta atrás dele, com seus olhos escurecidos tanto quanto os
meus. — Por que acha que eu te arrastei para cá?
— Você não vai me foder, Volkov. — Sua voz soa orgulhosa, mas é tudo
falso. — Nenhum de vocês.
— Ah, é? — Apoio minhas mãos ao lado da cabeça dela, meu corpo a
prende no lugar do jeito que eu quero prender ela comigo, assim ela nunca
terá escapatória. — Você não quer que eu te foda?
Ela engole em seco.
— Não...
Uma risada sai dos meus lábios. Desço uma das mãos até a sua cintura,
sua pele quente entra em contato com a minha mais uma vez.
— Não quer que eu enfie a minha mão pela sua calcinha até você gozar
bem gostoso nos meus dedos?
— N-não.
— Se eu enfiar a minha mão agora na sua boceta, vou encontrar ela
melada para mim?
Os olhos verdes reviram com a possibilidade e o meu pau aperta em
minha calça. Porra de mulher do caralho! Julieta pende a sua cabeça o
máximo que consegue pela parede, seu pescoço fica mais exposto para
mim. Eu a ataco lá, meus dentes mordem com força o seu pescoço. Julieta
solta um grito de susto e dor, suas pequenas mãos batem em meus ombros
para me empurrar para longe dela, mas eu não aceito. Não me afasto.
Nunca vou me afastar e, quanto mais cedo ela perceber isso, melhor.
Em vez disso, eu sinto o sabor de sua pele em meus lábios e a mordo
como se fosse arrancar sangue e provar o sabor. Eu poderia,
provavelmente iria gostar de descobrir o sabor disso dela também.
— Está me machucando! — ela diz, mas suas pernas se esfregam uma
na outra, juntando-as para dar um alívio a sua boceta.
Mordo o outro lado do seu pescoço, aliviando-a com beijos logo depois.
Ela gosta, suas unhas longas agarram os meus fios de cabelo e os
puxam com tanta força que eu sinto uma queimação em minha cabeça.
Julieta González ama a dor, tanto como recebê-la quanto causá-la.
Tomo os lábios dela novamente. Ela me morde com força, seu beijo de
ódio não faz o que é preciso para abaixar o meu pau, na verdade, só sinto a
minha calça apertar ainda mais.
— Você está toda marcada. — A voz do meu irmão nos tira do devaneio
quando acabamos de nos beijar. Axel está ao lado, com os braços cruzados,
mas ele não esconde a vontade de estar aqui. Julieta engole em seco
quando ele dá um passo para perto de nós. — Sabe o que isso significa?
— Significa que o seu irmão é um maldito psicopata!
O rosto dele é zombeteiro.
— Significa que você é nossa.
— De vocês? — ela solta uma risada desdenhosa. — Eu não sou nada
de vocês, e só porque Asher mordeu o meu pescoço como um maníaco e
deixou marcas em mim não significa que tenha alguma parte de mim que
pertença a vocês.
— Não fale assim, não quando eu senti suas pernas se esfregarem tão
desesperadamente quanto as de uma puta sedenta por pau — digo a ela.
O rosto de Julieta fica mais vermelho, sua boca se abre de forma cômica,
quase como se não acreditasse no que eu havia acabado de dizer.
— Não sou uma prostituta de merda!
— Não, babochka, mas você é uma puta pelo meu pau, não é?
Os olhos verdes se voltam para Axel, atordoados. Meu irmão não
parece preocupado em ajudá-la a resolver seus próprios problemas, pelo
contrário, Axel parece muito satisfeito com o quer que tenha acabado de
perceber nela.
— Você gosta de ser xingada, certo? — Axel indaga. — Gosta que Asher
diga sobre o quanto a sua boceta vai estar encharcada quando ele colocar
os dedos dentro da sua calcinha? Gosta que ele prove e diga o quanto você
é suja? Tão suja quanto uma vagabunda.
Seus quadris largos se remexem no ar, buscando alívio. Os olhos de Axel
brilham.
— Uma menina tão boa... — ele elogia. Julieta estremece em meus
braços, derretida sobre o que Axel fala com ela.
— Levante a saia do vestido para mim — ordeno a ela.
Os olhos verdes se abrem e me encaram, ela parece quase com
vergonha, mas tem um nublado de excitação neles quando morde os lábios
e maltrata a carne que é para ser minha. Julieta hesita, mas então suas
mãos descem até a maldita saia curta de seu vestido apertado e ela sobe
em um movimento só.
Rosno ao ver aquela maldita calcinha vermelha e minúscula. As pernas
grossas e delineadas, que são feitas para se enroscar em mim, estão juntas,
pressionando sua boceta que está coberta pelo pano de renda vermelho.
Desço meus dedos até o cós de sua calcinha, sinto o pano rendado na
ponta deles e desço devagar, passando-os no seu clitóris por cima do
tecido.
Ela ofega e vem para a frente, em minha direção.
Sua boceta é quente e molhada, mesmo por cima da calcinha. Bato um
dos pés em suas pernas, forçando-a a abrir mais para mim. Julieta faz
quando passo os meus dedos por sua calcinha e chego bem onde quero.
Levanto a cabeça para olhar para Axel.
— Encharcada pra caralho — informo.
— Seu filho da puta... — ela sussurra entre gemidos. Ofega quando eu
esfrego a sua boceta com cuidado, testando e descobrindo onde ela é mais
sensível.
— Estou tão bravo com você... — digo a ela. — Eu te faço um favor,
venho quando me chama como um maldito cachorro. Fico ao seu lado
quando ninguém fica e como você me agradece?
— O-o quê? — Sua cabeça claramente não está entre nós, ela
estremece mais quando passo o meu dedo na borda da sua entrada,
ameaçando-a.
— Você sobe na porra de uma mesa e mostra a sua calcinha para todos
os homens e mulheres na porra desse bar. Você deixa um estranho lamber
o seu corpo. O corpo que é meu.
— Quem me lambeu foi o seu irmão — diz ela. — E ele... não é um
estranho. E o meu corpo não é seu.
Enfio dois dedos em sua boceta tão forte, que ela revira os olhos e
deixa um gemido escapar.
— Sente isso? — Meto os meus dedos com força dentro dela, seu corpo
me aperta cada vez que saio e tento voltar a entrar. — Isso sou eu
reivindicando o que é meu. A sua boceta é minha, a sua boca é minha,
você é minha, cada porra de fio de cabelo em sua cabeça me pertence.
— Asher...
— Você devia me agradecer, porque vou te fazer gozar tão gostoso,
Julieta... E então vou deixar o meu irmão ter um gosto de você, porque é
esse tipo de irmão que eu sou.
Axel vem para trás de Julieta, aproveitando-se do espaço que ela
deixou quando veio até mim. Uma de suas mãos prende-a pela cintura,
mas a outra sobe até o pescoço, sem apertá-la.
— Você gosta de brincar de provocar, não é? — Axel murmura no
ouvido dela. — Diz que não é uma puta, mas gosta de nos provocar como
uma. Desde o momento em que decidiu pisar naquele bar essa noite, você
estava decidida a nos provocar, não é?
— É — admite ela com as pernas trêmulas.
— Você diz que não me pertence, mas a sua boceta me aperta tanto
para me impedir de sair. É uma mentirosa — solto uma risada quando ela
aperta a minha mão com suas pernas, tentando me impedir de tirar os
dedos. — Você vem, parecendo toda inocente, mas essa sua cabeça é a
porra de um lugar sujo. Gosta de ser xingada de puta, mas também gosta
de ser chamada de boa menina. E gosta de ficar sem ar também, não é?
Ela estremece ainda mais, sons de agonia saltam de sua garganta. Os
olhos de Axel descem até a minha mão, e então ele desce a sua própria até
a boceta dela também, acariciando o seu clitóris com força o suficiente
para machucar.
Julieta parece perder o chão.
— Tão molhada e sensível para o pau do meu irmão, ou será que é para
o meu? — Julieta diz coisas desconexas enquanto fecha e revira os olhos.
Minhas mãos vão até os seus seios e aperto a carne macia com força
enquanto desejo rasgar a porra desse vestido preto que é uma provocação.
— Putinha suja, você quer nós dois, não é? Já pensou nisso?
Julieta desce as mãos até o pulso de Axel, arranhando-o, mas o meu
irmão não gosta.
— Deixe-os quietos ou eu paro de tocar a sua boceta. — Ela
choraminga. — Agora, Julieta.
Suas mãos vêm para mim, agarrando nos lados do meu paletó.
— Tão obediente.
— Por favor...
— Por favor, o quê? — indago, observando com satisfação quando ela
arqueia as costas e geme assim que acho aquele ponto dentro dela, que a
faz perder a cabeça. Sua boceta está a ponto de pingar no chão.
— Quero gozar.
— Boa menina — elogio. — Abra os olhos, eu quero vê-los.
Ela o faz. Sua maquiagem está borrada embaixo dos olhos, seus lábios
inchados e maltratados por seus dentes e pelos meus. A pele antes pálida
do seu pescoço agora está vermelha pelas minhas mordidas e eu sei que
amanhã elas estarão roxas. Ali, para todos verem que ela pertence a
alguém.
Bonita pra caralho.
Caio de joelhos por ela na porra de um banheiro sujo.
— Puta que pariu... — escuto o seu sussurro, mas não presto atenção.
Axel tira a mão da boceta dela, e não espero mais para colocar uma de
suas pernas em meu ombro e enfiar minha língua em sua boceta.
Tem gosto de céu.
A chupo com força enquanto enfio os meus dedos e volto a meter em
sua boceta gostosa, pronto para fazê-la gozar. Porque esse orgasmo não vai
ser dela, vai ser meu.
— Meu Deus...
— Isso mesmo, babochka, eu sou o seu deus — grunho contra a sua
boceta quando ela me prende pelo cabelo. — Você vai gozar gemendo o
meu nome e depois vai me agradecer, porque fui eu quem te fez gozar. O
seu deus.
— Ash...
A como com gosto. Lambendo, empurrando e chupando a sua boceta.
A minha boceta.
— Você está encharcando o rosto do meu irmão inteiro — Axel diz. —
Rebola para nós, como você iria fazer se fosse o pau dele no lugar dos
dedos.
Julieta rebola os quadris na minha cara, manchando todo o meu rosto
com o seu gosto gostoso. O melhor que já provei.
— Era o que você queria, não é? Queria os dedos dele em você e quer
o pau, o meu e o dele. Os quer juntos ou separados? Já imaginou isso, eu
sei que sim. — Observo quando o meu irmão aperta os seios dela por
dentro da blusa, apoiando todo o seu peso. — O meu pau em sua boceta,
o dele em sua bunda enquanto te comemos com força e arrancamos todo
esse ódio e rancor de você.
— Eu não aguento mais — ela geme, toda mole nos braços do meu
irmão.
Nem eu, babochka. Nem eu. Se antes o meu pau estava duro, agora
está ao ponto de explodir. Dói. Imagino o que aconteceria se tivéssemos
mais tempo, mais espaço... Eu a levaria para uma cama, Julieta iria dançar
no meu pau ao som das músicas em espanhol que ela ama escutar. O
cheiro gostoso do seu cabelo ia ficar em mim, porque ela ia fazer questão
de se esfregar inteira no meu corpo antes de sentar-se no meu pau. Ela ia
me olhar com essa cara de puta que está agora, com a maquiagem borrada
e escorrendo, ia pedir manhosa para que metesse fundo nela, ia gemer
alto enquanto eu enfiava o meu pau fundo dentro dela. Depois ia engolir a
minha porra com gosto dela com força, porque Julieta não trabalha pela
metade em nada que ela se propõe a fazer. E aí iria me abraçar depois do
beijo sujo e melado, ia deitar-se no meu peito com seu calor e ia ficar
comigo, porque eu não a deixaria ir para a porra de lugar nenhum.
Ela me aperta tanto que é difícil sair com os dedos dessa vez, e então
eu simplesmente sei que está perto. Meto os meus dedos mais rápido,
pronto para dar esse prazer a ela. Pronto para dar o que diabos ela quer
nesse momento, em todos os momentos, porque Julieta me tem nas mãos
e nem sabe direito disso.
— Ela vai gozar — comunico a Axel.
— Vai sim, vai gozar bem gostoso na sua boca e depois, quando não
estivermos em um banheiro de merda, ela vai me chupar bem gostoso, não
é?
Julieta não responde. Eu vejo os dedos do meu irmão ao redor no
pescoço de Julieta ficarem mais esbranquiçados e os quadris dela rolarem
como loucos em meus lábios. Está cheia de tesão, as bochechas rosadas, os
cílios longos batem contra a pele avermelhada. Os lábios gostosos que eu
nunca me cansarei de provar estão entreabertos enquanto ela geme e
chama pelo meu nome livremente, porque Julieta González não nasceu
para ficar presa ou ser contida.
Enfio um terceiro dedo com dificuldade, apaixonado pelo melado que
escorre por eles, com a força que me seguram, com o pulsar de dentro,
insatisfeitos com os meus dedos, procurando por meu pau. Apaixonado
com cada parte dela.
— Deus... Ash!
— Uma cadela tão boa. — Tão boa que, apesar de dizer me odiar, ainda
geme bem gostoso para mim. Ainda vai gozar bem gostoso para mim e um
dia, bem próximo, ainda vai me mamar e se entregar para mim bem
gostoso.
Quando Axel libera o seu pescoço, não muito tempo depois, Julieta
libera um grito alto enquanto fecha os olhos e rebola em minha cara,
sedenta e desesperada. Eu tomo tudo o que ela tem para me oferecer
como um homem igualmente desesperado. Seu gosto, seu líquido, sua
boceta. Tudo isso...
Axel sustenta o peso dela quando eu subo de volta. Os olhos verdes
estão semicerrados, a cabeça pende no peito do meu irmão, o cabelo
bagunçado e o gosto em meus lábios inchados. Olho para ela, hipnotizado
enquanto a observo toda entregue a nós dois. Toda nossa, sem se
preocupar com absolutamente nada que não seja a sua boceta e o que eu
dei a ela. Tão vagabunda que gemeu e rebolou em minha boca sem se
preocupar com o que tem do outro lado da porta ou quem está escutando.
Julieta morde os lábios para tentar evitar que mais sons saiam, mas eu
agarro o seu rosto com os meus dedos melados dela e marco toda a sua
bochecha com eles.
— Quem te deu isso?
— Você.
— E a quem você agradece?
— Você — ela ofega.
— Eu estou esperando meu agradecimento.
Seus olhos vão para baixo, ela tenta se desvincular de nós, mas nem eu
e nem Axel permitimos.
— Vamos, me agradeça por ter te feito gozar como uma puta em meus
dedos e língua em uma festa cheia de pessoas do outro lado da porta. Me
agradeça por ter te feito gemer como uma vagabunda e por ter te dado o
privilégio de chamar o meu nome mesmo depois do que você fez hoje. Me
agradeça porque eu sou o seu maldito deus, babochka. Me agradeça.
— Obrigada, Asher.
— Pelo quê?
— Obrigada por ter me feito gozar como... uma puta e uma vagabunda.
Meus olhos brilham em luxúria diante do que eu ouço e a puxo para
um beijo afoito. Ela entrelaça sua língua à minha, sentindo o seu próprio
gosto.
— Uma menina tão boa... — Axel volta a elogiar. Julieta vira o rosto à
procura dos lábios dele, então os dois entram em seu próprio mundo por
um tempo, aproveitando os lábios um do outro com fome. Ela beija o meu
irmão com a mesma fome que me beijou, seus lábios agora manchados
com o seu próprio gosto que ela faz questão de passar para Axel.
Isso é sujo.
É degradante para ela.
Provavelmente parece errado.
Mas foda-se, eu nunca tive escrúpulos mesmo.
O arrependimento é algo engraçado, não é? Geralmente, sempre que
fazemos algo ruim, nós sabemos que vamos nos arrepender no final. No
fundo dos nossos corações, sabemos que, de algum jeito, isso vai voltar
para nos assombrar e nos deixar com vontade de morrer no final das
contas. Ou no fim da noite. A questão é, eu não senti arrependimento por
algo que claramente deveria sentir.
Beijei Axel e Asher essa noite. Deixei com que eles aceitassem a minha
garganta e tirassem a minha respiração pelo tempo que quisessem, deixei
que passassem a mão em minha boceta, deixei que Asher se ajoelhasse
para mim e me comesse como se eu fosse o seu doce preferido, deixei que
me fizessem gozar. Deixei e agradeci por isso. Agradeci como se isso fosse
algo a se fazer, como se fosse uma obrigação, clamei pelo nome de Asher
como se ele fosse o meu deus enquanto os seus lábios me chupavam e
seus dedos se enfiaram dentro de mim de uma forma tão gostosa que eu
acreditei que ele fosse algo divino.
Mas Asher Volkov nunca poderia ser algo divino, não quando ele
parecia ser enviado direto do inferno para me fazer questionar minhas
decisões.
Eu não me arrependo, mas me envergonho do que fiz. Nem mesmo
quando saí do banheiro com as pernas cambaleantes e dei de cara com
Roman e Dylan. Os rostos deles estavam completamente fechados, suas
expressões eram difíceis de ler, mas era óbvio para mim que eles não
tinham gostado de nada daquilo.
Bom, eu também não tinha gostado do que tinha visto mais cedo, mas
nem por isso tinha reclamado. O final da minha noite acabou comigo
sendo levada ao quarto por todos eles, já que, aparentemente, a minha
hora de estar do lado de fora da cama já tinha passado e eu tinha feito
estrago demais para uma só noite.
Dylan bateu a porta do quarto e disse para Roman que iria embora,
Asher se encostou na porta ao lado do irmão enquanto Roman fazia a sua
cama no chão e eu tive o trabalho de tirar toda aquela roupa e me enfiar
novamente nas roupas do motoqueiro. O macio da camisa me abraçou
quando voltei e me joguei na cama, fechando os meus olhos com força,
recusando-me a vê-los ali no quarto, acampando ao meu redor.
Ninguém tinha dito nada pelo resto da noite.

Quando abro os olhos hoje de manhã, Roman está sentado em uma


poltrona no canto do quarto. Ele está lendo algo em um papel em sua mão,
tenso, há uma linha em sua testa que o deixou sério, mais do que sempre.
Eu me enrolo nas cobertas, minhas pernas entrelaçando com os cobertores
chamam atenção para mim. Aqueles lindos olhos azuis se fixam nos meus,
atentos, raivosos e nebulosos. Roman carrega o mundo em seus olhos. Eles
são sempre tão expressivos que me pegam de surpresa.
O seu maxilar está travado, isso faz com que ele fique ainda mais
desenhado do que geralmente fica. O quanto eu tinha irritado ele na noite
passada, hein?
— Oi... — Sorrio um pouco enquanto esfrego os olhos, mas Roman não
diz nada, genioso. — Então... Qual é a programação para hoje, hein?
Uma veia aparece no meio da sua testa e me aquieto. Merda.
— Já que você gosta tanto de aparecer, acho que não tem nada mal em
te fazer aparecer de verdade, não é? — A pergunta é retórica, mas eu
tenho vontade de responder.
— O que você quer dizer?
— O que eu quero dizer, boneca... — O apelido não parece ter o
mesmo objetivo que antes, agora ele me parece quase um xingamento.
Mordo o meu lábio, incerta sobre o que esperar. — É que, graças a sua
gracinha de ontem, agora todo o bar sabe que tem uma Julieta González
rondando por aqui.
— Mas eu não disse o meu sobrenome.
— Um dos motoqueiros disse que achou parecida com uma garota que
ele conheceu antes, mas quando você subiu na mesa e gritou a porra do
seu nome... — Não desvio os olhos de Roman em nenhum momento, nem
quando ele olha para baixo e balança a cabeça. — Os amigos do meu pai
estavam falando de você antes mesmo de entrar na porra daquele
banheiro.
— Roman... — começo a dizer. — Eu não tive a intenção...
— E do que isso adianta agora, Julieta? Não teve a intenção, mas fez
mesmo assim, e agora todo o segredo sobre você estar aqui para isso não
cair no ouvido errado já era. Que porra você estava pensando ontem à
noite?
Em te deixar ocupado o suficiente para que minhas amigas pudessem
descobrir todos os segredos do seu pai.
— Eu só queria me divertir um pouco.
Uma risada seca deixa os seus lábios carnudos, Roman parece
decepcionado com alguma coisa, mas eu não entendo o motivo. É óbvio
que sou um problema, sempre foi óbvio. Fiquei quieta no quarto durante o
tempo todo em que estive aqui, me mantive quieta e calada depois do
meu quase sequestro e cumpri suas ordens, mas Roman não voltava cedo
toda noite porque simplesmente estava com sono. Ele sempre voltou cedo
para ser minha babá, para ficar de olho em mim, para me deixar presa
sobre sua coleira.
— Graças a isso, todos já sabem que está aqui, não adianta mais
esconder.
— Então... isso significa que eu posso andar no clube?
— Isso significa que, a partir de agora, eu vou ter que redobrar os meus
cuidados com você, porque tem alguém aqui dentro que está fodendo com
o clube, Julieta, e você é a vítima perfeita. — “Vítima”... Eu não gosto do
papel de vítima, ele não combina comigo. Se for para escolher algum
papel, quero ser a caçadora, não a presa. — Você vai voltar para a escola,
nós dois vamos. As pessoas já sabem mesmo, não tem sentido perder o
resto do último ano por isso.
Escola...
Não era isso que eu queria há um tempinho?
A ideia de ficar presa aqui nunca foi atraente para mim. Nunca quis
isso, desde o início eu não gostei da ideia. Foi por conta disso que quase fui
sequestrada, então, no fim, parece que consegui o que queria de qualquer
jeito. No entanto, Roman não pareceu feliz com isso.
— Parabéns, boneca... Tem tudo o que você quer. — Quero me
encolher diante da intensidade dos seus olhos, mas forço o meu corpo a
uma postura corajosa, porque Roman Miller não tem mais o poder de me
fazer encolher por ele, mesmo que eu esteja morta de vergonha por
dentro. — Considerando que você saiu daqui com uma roupa que eu
nunca vi antes e saiu junto com o Volkov, te sugiro que peça a ele para
buscar o resto das suas coisas, porque nós vamos voltar amanhã.
Ele volta o seu olhar o papel que estava lendo antes, e, com esse gesto,
encerra a nossa curta e brutal conversa. O observo de canto de olho, mas o
motoqueiro não volta a atenção para mim em momento nenhum. Acho
que nossa conversa acabou mesmo.
Procuro o meu celular, quieta. Se Roman quiser ficar quieto em seu
canto, não o impedirei de qualquer forma. É direito dele e eu não vou
negá-lo a isso. Não fico chateada por ter mostrado a todos quem eu era, no
final de contas, consegui o que queria. E o que de pior pode acontecer com
as pessoas sabendo que estou rondando o clube ou morando aqui? Não é
como se já não tivesse gente atrás de mim mesmo.
Maggie: Vadia, eu nunca imaginei que você gemesse
tão alto!

Lottie: Maggie!

Maggie: O quê? Não é como se você não tivesse


escutado também.

Lottie: É, mas eu só escutei porque estávamos na sala


ao lado. Não fui eu quem grudou o ouvido na parede e
tentou ouvir mais coisas, fui?

Maggie: Você só não fez isso porque estava ocupada


demais tentando entrar no computador daquele cara
gostoso.

Lottie: Gostoso? Ele tem idade para ser o seu pai.

Maggie: Vamos agradecer ao cara lá de cima por ele


não ser.

Lottie: Você é ridícula.

Maggie: Não fica brava comigo, Lottie. O beijo foi para


distrair eles e você sabe que o cara é gostoso. Material
de foda total.

Lottie: González, onde você está?

Maggie: Provavelmente saltando no pau dos gêmeos,


como se a vida dela dependesse disso.

Lottie: Pelo amor de Deus.

Lottie: Nós conseguimos, vadia. Eu tô dentro. Quando


tiver um tempo livre, fala com a gente. Você mandou
bem ontem, entramos e saímos sem problema nenhum.

Maggie: Tirando a parte que tivemos que nos beijar pra


poder disfarçar o motivo de estarmos no corredor, mas
fora isso foi tranquilo.

Lottie: Claro, tranquilo...


“Que porra é essa?!”, penso depois de ler as mensagens das minhas
amigas.

Voltar para a escola tem um gosto agridoce, principalmente quando


desço do carro que Roman arranjou para virmos. Geralmente ele viria de
moto, mas eu deixei claro que não iria para lugar nenhum com ele em uma
moto. Não com a carga preciosa que eu carrego.
Minhas drogas.
Não as minhas, mas ainda assim...
Roman não falou muito durante o tempo que passamos juntos,
preferindo ficar mais calado, mas todas as noites continuam iguais. Ele vem
para o quarto na mesma hora, cedo o suficiente para deixar claro que nem
ele e nem eu vamos para lugar nenhum. Roman já não fica mais muito
tempo longe do quarto, nem quando outro dos garotos entram lá. Ontem,
depois que ele anunciou que iríamos voltar, o motoqueiro só saiu na parte
da tarde. Assim que anoiteceu ele estava lá dentro de novo, me
esquentando com o seu olhar pesado.
Roman estaciona o carro perto da entrada, voltando o rosto para o meu
quando eu decido abrir a porta do carro.
— Não faça nenhuma gracinha! — ele ordena.
— Eu não faço gracinhas.
Seu peito se enche de ar.
— Não tô para brincadeira, boneca. Não quero causar confusão aqui,
entendeu?
— Entendi, Roman. Eu não sou criança.
— Você age como uma às vezes — o motoqueiro irritadinho diz, mas
ainda não havia destravado a porta. — Vou ficar atrás de você, mas não
temos muitas aulas juntos, então precisa tomar cuidado, não posso estar
perto de você o tempo todo.
— E Dylan?
Roman hesita.
— Ele vai estar lá também, mas não garanto.
Porque Dylan tem muitas preocupações de jogador número 1 para
cumprir, claro. Entendo, eu vi isso durante anos. No ponto em chamar
atenção, Dylan é o que mais gosta. Ele se deleita com os olhares sobre ele,
com o seu nome sendo gritado e aplaudido, gosta dos olhares de desejo,
das pessoas se virando para abrir caminho para ele, das garotas perdendo
a cabeça por ele. E se isso dá trabalho, o que dirão da estrela do time junto
com uma garota que não devia estar aqui e um motoqueiro príncipe de
gangue?
— Certo — digo a ele, preparando-me para abrir a porta mais uma vez.
— Vamos, Roman, juro que não vou te dar trabalho. Só vou assistir as
minhas aulas, falar com Charlie e fazer os meus negócios, entende?
As pontas do seu cabelo preto caem sobre sua testa, bagunçados.
Lindos demais para não se olhar, resisto à vontade de passar os meus
dedos por lá.
— Cuidado.
— Eu sempre tenho cuidado.
— Isso poderia ser a piada do ano.
De dentro da janela eu já consigo ver a movimentação do lado de fora
do carro. As pessoas já passam e olham, surpresas pelo garoto problema
estar de volta ao solo da Texas Preparatory High School. Uma garota de
cabelo cacheado para e aponta o carro, porque é óbvio que dá para vê-lo
do lado de fora, só pela janela, e eu não posso culpá-la. Roman é a
personificação de bad boy, quem não olharia e desejaria?
— Vamos acabar com essa merda — ele resmunga, abrindo a porta do
carro e saindo por lá. Me preparo, cedendo ao desejo de olhar o meu
cabelo uma última vez. Durante esse tempo, o garoto problema cria modos
de um cavalheiro, porque dá a volta no carro e abre a porta para mim,
estendendo uma mão para me ajudar a sair do carro. — Vem.
Eu fui.
Seguro em sua mão aquecida e permito que ele me ajude a sair do
carro, mesmo que não precise de ajuda com algo tão simples. O sigo até a
entrada, ignorando os olhares lascivos lançados para nós dois durante o
caminho. Ergo o meu queixo enquanto não desvio os olhos do caminho até
a entrada.
— Será que eles acham que você tem alguma coisa a ver com aquele
ataque que teve? — Aquele ataque que, por acaso, fez com que o nosso
destino se cruzasse de novo.
— Quem é que sabe o que esses idiotas pensam. Eu não me importo, e
você?
Por favor, eu vendo drogas dentro dessas paredes e provavelmente
ajudei metade do time de torcida a se viciar em coca só porque eu
precisava de dinheiro. Será que tinha alguma parte dele que acredita que
eu ligo para o que qualquer um, que não seja mi madre e minhas amigas
pense?
Fico em silêncio e aproveito a companhia dele até a sala onde eu devo
estar agora. Não pergunto como ele sabe em qual sala eu estudo, não
pergunto nada disso, porque eu estou com medo da resposta. Se for Asher
que arrumou um jeito de dar os meus horários para ele ou se ele já os
tinha decorados, quem é que sabe?
Roman vai embora depois de um longo olhar em minha direção. Sento-
me em minha carteira, olho ao redor da sala clara demais para o meu
gosto. As pessoas aqui sempre parecem diferentes de mim por alguns
motivos.
O primeiro é óbvio, o sangue delas é azul enquanto o meu é o mais
comum: vermelho.
Elas respiram dinheiro, não o delas, não... O dos pais delas. São
herdeiros milionários, são o tipo de pessoa que não precisam se preocupar
com empregos, faculdade ou com coisas simples como pagar a conta do
hospital. Elas têm dinheiro, tem tanto dinheiro que chega a ser ridículo.
Não importa se o dinheiro é limpo ou não, nunca importa desde que seja
dinheiro.
E eu gosto de dinheiro, gosto muito.
A cabeça dessas pessoas funciona de forma diferente, programada em
outra estação.
Para elas, eu sou o mais próximo de sujeira que posso chegar. Tenho
um crédito por alimentá-las com seus vícios e fazer parte do time de
torcida, mas fora isso? Eu não sou nada a não ser uma bastarda. Tenho o
sobrenome, mas não tenho os créditos que deveriam vir junto com ele.
Pior que eu, somente bolsistas.
Como Charlie.
O meu amigo de cabelos ruivos vem até mim com um sorriso no rosto
bonito. Charlie está mais para homem do que para garoto agora. Seus
músculos estão crescendo mais do que antes, mais aparentes sob a camisa
social branca. Os cachos ruivos estão arrumados sobre a sua cabeça, até as
sardas fofas que ele carrega em suas bochechas agora dão o ar de
masculinidade se juntar com o maxilar que começa a aparecer mais do que
a antiga gordura de garoto.
— Bom saber que já saiu da torre de motoqueiros. — Sua voz está mais
grossa também, percebo assim que ele puxa a cadeira ao meu lado para se
sentar. — Como você tem estado?
— Bem, só estou confusa sobre quanto tempo eu fiquei fora —
respondo a ele, observando-o sob olhos atentos. Charlie pende a cabeça
para o lado, sua expressão fica confusa quando me encara. — Quer dizer,
quero saber há quanto tempo você começou a ficar cheio de músculos.
Um sorriso nasce de seus lábios e comprime os seus olhos e estende
uma mão para mim. Entrelaço os nossos dedos, sua pele gelada me causa
um arrepio considerando que eu estava segurando a mão quente de
Roman pouco tempo atrás.
— Minha mãe está tentando falar com você há dias.
A Sra. McCurdy, como eu posso ter me esquecido dela e de suas
fofocas? Estava muito ocupada com todo o resto para me lembrar da
ríspida senhora, que é leal demais a minha mãe para o seu próprio bem?
Um sorriso culpado se abre dos meus lábios, aperto os dedos de
Charlie ainda mais forte.
— Desculpe, amigo. Estive ocupada esses tempos.
— Ocupada com o motoqueiro e todos aqueles idiotas? — Uma
sobrancelha ruiva se ergue. — Sério, Julieta, quando você vai sair de perto
deles? Depois de tudo isso, você ainda está com eles, depois do que
fizeram com a sua mãe.
— Charlie! — chamo a sua atenção, mas meu amigo parece raivoso
demais para prestar muita atenção em mim, então dou mais um aperto em
sua mão. — Sei lidar com os garotos, deixa que deles cuido eu.
Charlie franze a testa e tenho a certeza de que ele não muito do que eu
disse, ele tenta retirar a sua mão do meu aperto, mas não permito que isso
aconteça.
— Por favor, eu sei o que estou fazendo com eles. Só preciso de um
tempinho e tudo isso acaba, eu juro.
— Você não é invencível, Julieta. E eles são muitos... — Charlie não
parece me dar muito crédito, mas sei que esse é só o seu lado de amigo
preocupado, então lhe dou mais um sorriso.
— E nós também, ou por acaso você está se esquecendo de que, se
juntarmos com Maggie e Lottie, somos quatro?
— Se juntarmos a sua raiva e a de Megan, então seremos seis. — Ele
revira os olhos, mas um sorriso ainda dança em seus lábios. — Eu só quero
que você fique bem, Julieta. Você é preciosa demais.
Um sentimento de nostalgia toma o meu coração. Charlie sempre
esteve lá, mesmo quando expulsaram ele. Mesmo quando eu não lutei o
suficiente para ele, quando não lutei por nada. É bom ter um amigo como
ele, alguém que te conhece por toda vida e que estará lá por você
independente de qualquer situação.
— Eu te amo — admito a ele. O brilho de seus olhos fica maior, seu
corpo se inclina em direção ao meu um pouco.
— Eu te amo, Julieta.
Durante um tempo, nós conversamos baixinho sobre o que está
acontecendo na vida dele, tranquilos. A sala se enche e não demora muito
até a figura alta e forte entrar, fechando a porta atrás de si com um baque.
— Abram os livros e vamos começar. — Sua voz não havia mudado em
nada, ainda é toda máscula. Nem sua postura, ele ainda anda como o
homem mais ameaçador na sala, como se catalogasse cada passo, como se
isso de fato fosse parte dele.
Mordo os meus lábios enquanto o observo escrever no quadro. Ele é
todo musculoso, nada muito absurdo, mas o suficiente para deixar claro
que é alguém que cuida do próprio corpo. As mangas da camisa branca
estão dobradas até o cotovelo e mostram o seu braço quando ele ergue a
mão. Eu consigo ver o contorno de suas veias do meio da sala.
Mordo os lábios com as lembranças que chegam em minha mente.
Desde os tapas que eu levei até as vezes em que lambi os seus dedos
depois deles terem entrado dentro de mim sujos com o meu gosto.
Brian.
Seu cabelo está maior do que o corte militar que ele sempre costuma
fazer, mas quando ele vira de frente para a sala, decido que isso só o deixa
mais gostoso.
Não devo sentir tesão por esse homem no início de sua aula, nem
mesmo me lembrar do que ele fazia comigo com tanto afinco. Eu estava
bem antes daquela cena no banheiro que aqueles garotos fizeram. Me
masturbar no chuveiro de Roman era fácil e simples, mas gozar nos dedos
e boca de Asher é tudo o que eu preciso e quero.
Mas não posso tê-lo. Ou ao seu irmão.
Vejo o reconhecimento nos olhos castanhos assim que ele olha para
mim, porque os seus olhos não se desviam mais. Eles ficam em mim
enquanto passa a língua levemente pelos lábios, acho que Brian nem
mesmo percebe o que faz.
— Sra. Leclerc, que prazer em tê-la entre nós de novo. — Os seus olhos
piscam, devagar. Apesar de gostar do tom de castanho ali, não é igual ao
tom que há nos olhos de Asher. E nem nos de Axel, porque até o tom de
castanhos entre os gêmeos é diferente.
— O prazer é meu, professor Jones.
Grudo nela como se fosse um carrapato. Não literalmente, mas não tiro
os olhos dela quando tenho a oportunidade. Não quando consigo perceber
como é e como age perto dessas pessoas. Consigo perceber como os seus
lábios grossos abrem um sorriso para cada um que fala com ela, mas sei
bem do que esses sorrisos falsos são feitos.
Veneno. Julieta é venenosa até os ossos, e não esconde isso quando
acha jeitos disfarçados de passar pequenos pacotes de droga para essas
pessoas, e quando ela vê o bolo de notas que recebe depois... Ah, os seus
olhos brilham tanto que ela parece fora de órbita.
Me pergunto se foi assim que ela ficou depois de gozar com os idiotas?
Eu não deveria pensar nessa merda, não deveria ser da minha conta. Mas
acontece que é. É tão da minha conta que eu me lembro de ver vermelho
desde que a vi subindo na mesa naquela noite cheia de merda. Não a vi
sair do quarto, não sei nem que horas isso aconteceu, porque Asher Volkov
foi quem a acompanhou e ele só trabalha nos próprios termos. Se não
quiser me falar alguma coisa, ele não vai.
Quando me levantei da mesa e fui atrás dela, tive esperança de que ela
fosse virar e entrar para o quarto de novo. Eu tinha absolutamente toda
aquela merda planejada. Julieta ia ir para o quarto, eu iria terminar de
conversar com os novos parceiros do meu pai. Ele gosta quando participo
dessas merdas, diz que é bom para mim assistir as negociações serem
feitas. E eu sei, com mulheres e bebidas. Depois de assistir aquela merda e
ter que aguentar os homens com suas barrigas cheias de ego eu iria até o
quarto, ela já estaria dormindo naquela hora. Seu corpo bonito estaria
coberto pelas minhas roupas, como sempre. Eu ia sentir o cheiro dela
assim que entrasse, porque absolutamente nada se iguala àquele gostoso
cheiro de mulher que sempre a acompanha. Então eu ia fazer aquela
merda de cama ruim no chão e ia dormir lá como um estúpido feliz,
porque saberia que ela estava por perto e segura.
Ia ser perfeito pra caralho.
Porém, o que recebi foi dor de cabeça, revolta, ciúme e inveja pelos
malditos russos que me fizeram ouvir os gemidos dela por trás de uma
porta enquanto eu não podia fazer nada.
Ótimo pra caralho.
Isso é ridículo, mas quando os três saíram do banheiro parecendo
felizes demais para o meu gosto, de repente ficou menos ridículo. Ela
estava com as bochechas coradas e lutava para respirar como se tivesse
acabado de sair de uma maratona. O seu cabelo estava naquele estilo pós-
foda que eu conheço bem, não dela, mas isso não importa. A garota
maluca quase não conseguia andar direito e, se não fosse pelas mãos sujas
dos russos, ela provavelmente teria caído no chão.
Asher e Axel pareciam viver em pé de guerra, mas naquela noite eles
tiveram paz como eu nunca vi antes. Eu queria dar um soco na cara de
cada um deles.
Senti tanta inveja que deixaria um santo horrorizado. Inveja que foram
eles que a fizeram gozar, que foram eles que a assistiram gozar; inveja
porque todos os gemidos que eu consegui ouvir por trás daquela porta e
daquela música alta não me pertencem, e sim a eles. Inveja, inveja e
inveja... E o pior é que, se não fossem pelos gêmeos ou Dylan, se Julieta
tivesse gemido por qualquer outra pessoa, eu não teria ficado apenas com
inveja. Não, teria ficado homicida.
É estúpido a forma como nós nos tratamos, mas, ainda assim, não deixa
de ser real. Irritantemente real.
— Você sabe que precisa parar de me seguir como um maldito stalker,
não é? — A garota me olha de canto de olho, empina o seu nariz pequeno
quando ergue mais o maxilar. — Isso é estranho pra caralho.
Pego um pedaço da minha batata que está estendida na minha frente.
— Você não parece achar estranho quando se trata do Asher.
Ela me olha completamente, com seus olhos verdes levemente
arregalados e a boca entreaberta. Sorrio, provocando-a com um gesto na
cabeça.
— O quê? Achou que eu não ia falar sobre aquilo?
— Aquilo o quê?
— Não precisa fingir que nada aconteceu, boneca. Eu te ouvi muito
bem. — Julieta está envergonhada, porque ela não consegue me encarar
no rosto por muito tempo. Está olhando para baixo antes de me encarar de
vez, o que acho fofo pra caralho. Ela não quer demonstrar fraqueza,
porque o que eu disse a desestabilizou, então tenta se recompor desse
jeito.
— Você não devia me julgar por isso, Roman. Na verdade, você e o
Dylan deviam ser os últimos a me julgarem sobre coisas assim.
Eu franzo a testa para ela, confuso.
— Não estou te julgando, Julieta. Só estou puto, mas isso não é
problema seu, apesar da culpa ser toda sua.
Ela bufa.
— Eu não fiz nada a mais do que você já não fez, principalmente
naquela noite.
Do que diabos essa maluca está falando? Não me lembro de ter
aproveitado nem um segundo daquela noite. Meu pai e os caras estavam
em cima de mim, e, como se não bastasse, a garota de Tucker estava com
problemas com outra garota que eu não sei o nome, e no fim eu ainda me
ofereci para ajudar ela a achar o imbecil do namorado antes de toda
aquela baderna de Julieta.
Que noite de merda.
— Não faço a menor ideia do que você está falando, boneca. Vai ter
que ser mais específica comigo.
Ela balança a cabeça, me dispensando com um gesto de mão.
— Deixa, já passou... Mas eu não devia estar aqui sentada com você,
isso vai acabar com a minha reputação e com os meus negócios.
Não foi segredo para mim que Julieta era rápida em seu trabalho, e
nem ela tentou me esconder. Acontece que, na segunda aula, eu escutei os
caras sentados do meu lado fazendo o seguinte comentário: Tem uma
gostosa de cabelo grande e olhos verdes vendendo Molly lá para o pessoal
de Física. E eu simplesmente soube que era a minha gostosa de cabelo
grande e olhos verdes colocando as mãozinhas para trabalhar e fazer
dinheiro. Se as pessoas desse lugar falavam tanto assim, não imagino como
isso ainda não tinha caído nos ouvidos de um professor ou da própria
direção.
Mas não fico surpreso, porque se alguém pode dar um jeito nisso, é
Julieta.
— Por que eu acabaria com a sua reputação?
— Porque você tem toda a pose de machão que ninguém fode e as
pessoas vão ficar com medo de chegar perto de mim agora. Você é
assustador.
Encaro-o, surpreso.
— Eu não sou assustador.
— Roman, o seu pai é dono de uma das maiores gangues do Texas.
Você é assustador demais. Não para mim, óbvio. Mas ainda assim... devia
ficar um pouquinho mais longe.
Reviro os olhos para as suas besteiras.
— Se for assim, então deveria ir ficar com Dylan.
Julieta olha para onde Dylan está. O idiota está sentado como um
maldito rei, cercado por líderes de torcida e por outros jogadores na maior
mesa do refeitório, mas ele está no centro de tudo isso. Sua mão está
confortável no quadril de uma líder de torcida, que está sentada no colo
dele, sorrindo e jogando o cabelo para todos que querem vê-la.
A beleza de olhos verdes volta a olhar para mim.
— Prefiro morrer.
— Por que está com raiva dele? — pergunto, mas Julieta segura o
celular e se levanta da cadeira.
— Preciso encontrar umas clientes perto da piscina, já volto, não
precisa me seguir como um cachorro perdido.
Assisto a garota sair do refeitório antes que tenha a chance de abrir a
boca. Mordo mais uma batata enquanto meus olhos demoram no lugar
onde ela foi quando encontro os olhos azuis de Monroe. O idiota tira a
garota de cima dele com rapidez e anda até a minha mesa, sentando-se no
lugar que Julieta desocupou.
— Por que você a deixou sair?
— Julieta é uma pessoa, Dylan. Eu não sei se você sabe, mas não posso
simplesmente obrigar ela a fazer as coisas. Principalmente se tratando
dela, não é assim que funciona.
— Para onde ela foi?
— Você saberia se não fosse um idiota e estivesse tentando irritá-la.
Ele abaixa a cabeça e cala a boca, mas não dura muito.
— Ela não pode ficar desprotegida aqui.
Encolho os ombros.
— Você está livre para ir atrás dela se quiser.
— Roman...
— Ela vai ficar bem, tem ficado bem o dia inteiro. Não que você esteja
por perto para ver.
Ele se encosta na cadeira e cruza os braços.
— Eu vou falar com ela depois.
— Cuidado, ela parece particularmente puta com você. E eu não sei o
motivo.
Dylan me encara, confuso quando ele franze a testa.
— Mas eu não fiz nada.
— Ela não parece concordar.
Dylan se incomodou tanto quanto eu com a demonstração de Julieta na
última festa, mas temos formas diferentes de demonstrar. Eu sou racional,
ele é um idiota.
De qualquer modo, o problema é todo dele.
Eu nunca tinha visto um cadáver antes. Quer dizer, se considerar
aquelas reportagens da TV e os filmes de ação com cadáveres, então sim,
eu tinha. Mas nunca da forma que vi hoje. Não com um vídeo no meu
telefone, não com cada parte do seu corpo sendo mostrada a mim,
principalmente sabendo que ele está endereçado a mim.
Asher havia acabado de matar por mim.
Ele não realizou o ato, mas não acho que faça tanta diferença. O dedo
do gatilho não era dele, mas a ordem foi. Asher pagou uma criminosa para
matar a mulher que machucou minha mãe. Eu não sei como, não sei
quando ele chegou a essa mulher, nem como diabos uma faca tinha ido
parar na cela dela, não sei como Asher conseguiu com que Sandra sofresse
a cada corte, mas ele conseguiu. E não apenas isso, alguém da perícia
gravou o corpo da mulher e mandou para Asher, e ele, claro, mandou para
mim, seguido de uma mensagem:
Asher: Só por você.

Asher Volkov me deu o maior presente que eu já ganhei. Ele havia


acabado de matar por mim e eu duvido que ele sentisse remorso por isso.
E a verdade é que, bem no fundo, o fato dele ir tão longe por mim me
causa arrepios. Não do tipo de arrepio que te deixa com medo, o tipo bom
que faz as minhas pernas tremerem e minha respiração falhar porque eu
sei, simplesmente sei, que não existe uma linha nesse mundo que Asher
Volkov não cruzaria por mim. Se isso é uma doença em sua cabeça ou se é
só ele, não tenho ideia. E acho que não me importo, porque saber que tem
alguém que matou por mim é maior que isso.
Isso faz de mim uma pessoa perigosa e burra, porque eu não deveria
estar me sentindo assim por alguém que já me deixou antes. Mas... será
que deixou mesmo?
Ele tinha razão, estava certo, durante esses quatro anos não teve um
dia em que eu não pensei nele. Queria matá-lo, amá-lo, beijá-lo e então
lhe dar um soco. Queria tudo isso e muito mais, mas principalmente...
queria fazê-lo pagar por tudo o que me causou, mas isso é uma batalha
perdida. Não tem nada que eu possa tirar de Asher que ele ame tanto, ele
não é o tipo de pessoa que ama. Não tem um hobby, não tem nada pelo
que lutar, não tem um propósito a não ser... eu.
Não que eu saiba, pelo menos.
E estou simpatizando com ele. Se “simpatizar” significa deixar ele me
fazer gozar como eu nunca tinha gozado antes, então... É, estou mesmo.
E isso tem que acabar antes que cresça ao ponto de me deixar tão
louca quanto ele. Não posso gostar dele, não mais do que eu já faço. Nós
somos história antiga, temos cicatrizes demais para que algo como o que
aconteceu no banheiro na outra noite seja banal. Não é, nem por um
segundo. Se eu bem conheço Asher, isso significa que em sua cabeça sou
completamente dele e de mais ninguém.
— Garota, você está cheia de problemas... — O cheiro de cigarro nunca
me agradou, mas isso não é algo que Megan está disposta a largar em
nossas missões. A vadia ainda tem aquela mania de fumar antes de fazer
alguma merda, mesmo que fugir da escola comigo e ficar sentada no carro
esperando seja considerada merda.
Solto um bufo enquanto permaneço com o olhar na latinha de
refrigerante em minha mão.
— Não precisa me falar nada, eu sei bem.
— Não, quer dizer, eu sou cheia de merda, mas você... — Ela toma o
seu tempo, tragando o seu palitinho de câncer antes de voltar a falar
comigo: — Você deixa Lottie e eu no chinelo.
— Ah, é? — Viro-me para ela. — Então me explique aquela merda de
beijo que nenhuma de vocês se importou em me contar.
A ruiva revira os olhos para mim, voltando o rosto para a sua janela.
— Não deveríamos estar indo para a casa do malvadão das identidades
a essa hora?
— Pare de desviar de assunto.
— Não estou me desviando de nada, González. Só quero saber o
motivo de eu estar tostando a minha bunda nesse banco quente enquanto
esperamos aqui.
Assim que recebi o vídeo e me dei conta de que sou doente o suficiente
para ver um vídeo de um cadáver que morreu porque eu a quis morta, e
percebi que não me assustava com o fato de Asher ter feito isso, mas na
verdade me excitava, decidi que já era hora de andar mais para a frente
com o meu plano de mestre para sair daqui.
Ou talvez eu seja tão covarde quanto Megan em evitar os assuntos e só
queira uma fuga temporária da minha própria mente, colocando os meus
pensamentos em outra coisa.
O que quer que me faça dormir à noite, não é?
Mas uma coisa não anula a outra, e o fato de uma das garotas mais
corajosas que eu conheço estar fugindo de um assunto também me
estressa o suficiente para que eu possa acusá-la com propriedade.
— Covarde.
Megan se vira para mim com a testa franzida e o rosto tomado por uma
careta, como se eu tivesse acabado de acusar ela de machucar um
cachorrinho.
— É melhor parar com isso — o aviso é claro para mim, mas não a
escuto.
— Vamos, eu só quero saber o motivo das minhas únicas amigas terem
se beijado — digo a ela. — Achei que não fosse nada demais...
— E não é!
Bato a minha cabeça no banco, já cansada dessa conversa.
— Tá bem, se você está dizendo.
Nós ficamos em silêncio por um tempo, cada uma envolvida em nossos
próprios dilemas. Enquanto eu espero o retorno da ligação importante que
fiz mais cedo, Megan se preocupa sozinha, com algo que eu não posso
ajudar, porque ela não deixa. Se ela quer guardar para si, o direito é dela.
— Não foi nada demais — a ruiva volta a falar, com o cigarro de volta
em seus lábios. — Nós esperamos vocês saírem do banheiro, porque
escutamos os passos do lado de fora da porta. Estávamos escondidas, meio
perto, sabe? E depois que ficou quieto, saímos da sala. Um motoqueiro
estava indo em direção ao corredor, que ele estava tão vazio que a gente
não ia passar despercebida. E depois...
Ela se aquieta, perdida em seus próprios pensamentos, o que para mim
é completamente assustador, porque Megan é o tipo de garota que joga
tudo para fora sem filtro algum.
— Depois?
— Em um segundo, eu estava enxergando o cara vindo para perto da
gente; e no próximo, tudo o que senti foi a boca de Lottie — dá uma risada.
— Eu não quis ser invasiva, até porque nós sabemos como ela é... Mas o
beijo foi tão... E depois, nós nos beijamos por tanto tempo que nem sei
quando aquele cara foi embora.
Fico quieta, com meu rosto virado para a frente e o meu cabelo
tampando as minhas expressões para que ela não possa ver os meus olhos
arregalados. Puta merda. PUTA MERDA...
— E depois ela me deu uns selinhos... — A ruiva se vira em minha
direção. — E eu gostei pra caralho. Quis mais. E porra, nem sabia que ela
era bi. Você sabia?
Nego, mas Megan já está envolvida em seus pensamentos novamente.
— Eu não quero fazer isso com ela, Lottie e eu somos um monte de
problemas. Nem sei se tem alguma coisa para fazer com ela, às vezes foi só
um beijo bobo.
— Um beijo bobo que te deixou esse tempo todo pensando?
— Quem é que sabe... — me responde. — E mesmo assim, mesmo se
fosse alguma coisa, sabemos bem que a vida dela é muito diferente da
minha. Não daria certo, o melhor a fazer é olharmos essa merda dos
documentos e fugirmos daqui.
Meu coração se parte um pouco pela falta de vida em sua voz. Megan
sempre foi tudo ao extremo. Ama demais, sente raiva demais, saudades
demais e sua boca é tão suja que ela pode rivalizar com os caras da gangue
do Roman. Vê-la dessa forma, tão para baixo, é cruel para mim. Mas o que
eu posso fazer para ajudar?
Esse problema não me envolve diretamente, e duvido que Megan vai
querer a minha ajuda para isso. Charlotte muito menos, ela foi criada para
aprender a se virar sozinha tanto quanto eu.
Talvez esse seja o motivo de termos nos atraído uma para as outras
desde o princípio. Nossas vidas são muito diferentes, mas temos uma linha
invisível que nos mantém ligadas. De certa forma, nós crescemos sozinhas
e só sabemos resolver os nossos problemas assim.
Franzo a testa, pensando em algum momento em que vi as garotas se
olhando de forma diferente, mas não consigo me lembrar. Se for, então é
porque eles nunca existiram ou porque eu estava ocupada demais em
minha própria espiral de ódio para prestar atenção mais do que necessária
em minhas amigas.
Megan nunca se rotulou. Se ela gostasse, iria atrás. Mulheres ou
homens, isso nunca importou de verdade para ela. Já vi essa ruiva sair com
mulheres e homens na mesma noite, às vezes até com irmãs ou irmãos, ela
simplesmente não liga. Diz que não vai se colocar em uma caixinha só para
as pessoas aprenderem a catalogar ela.
Megan simplesmente... é. Sem dever nada para ninguém, apenas para
si própria.
Charlotte sempre foi o contrário. Ela só sai com homens. Homens ricos
que seu pai acha para ela, e mesmo assim... Não me lembro de ver
Charlotte falando de meninos mais do que o necessário com a gente.
O som do meu telefone nos liberta de nossos pensamentos venenosos
e, quando vejo o DDD, sorrio.
O som da voz rouca e desgastada do meu tio Esteban causa uma onda
de nostalgia em mim. Esteban não é meu tio biológico, mas é um dos
parceiros da minha mãe que me viu crescer e me pegou em seu colo
quando eu ainda não conseguia andar. Ele nunca veio visitar ela na cadeia,
acho que criminosos passam longe de lugares perto de policiais, mas sei
que eles se falam às vezes. Esteban não é um bom tio, de qualquer forma.
Só recebo ligações e dinheiro dele no meu aniversário, mas eu entendo.
Não sou sua filha, ou a sua afilhada.
Peço informações a ele e, por mais que eu tente fazer disso um favor,
meu tio nega a fazer disso uma dívida. Segundo ele, nós somos família e
isso era um favor para um membro da família. De seu jeito frio e solitário,
eu acho...
Tio Esteban me passa o nome e o endereço de seu contato mais
próximo com uma risada rouca de quem sabe que estou prestes a armar
alguma confusão. Depois de nossa curta conversa, desligo o celular com
um aperto no peito de quem sabe que essa será a última vez que escuto
sua voz. Pedir um favor é uma coisa, pedir dois a um homem de cartel é
um acordo com o diabo.
— Vadia, isso é um bom sinal? — a ruiva me indaga.
Solto uma risada ao ver o endereço chegar através de uma mensagem
de um número restrito no meu telefone.
— É ótimo pra caralho. Comece a dirigir, chica.
Megan acelera o carro enquanto volto a ligar o som, murmurando a
letra da música enquanto deixo o vento bagunçar o meu cabelo. Ela e eu
costumávamos fazer isso assim que aprendeu a dirigir. Ela pegava o carro e
só... íamos. Fugimos de todo o caos de nossas casas por um dia inteiro em
algum carro surrado.
Senti saudades dela, e mesmo sabendo que até o final dessa viagem
longa pra caralho vou querer arrancar o cabelo ruivo de sua cabeça, ainda
a amo. Ela é uma parte de mim, não tem como não amar.
Ignoro as mensagens dos meninos, eles demoraram demais para
perceber que eu saí. É meio ridículo, mas faço um grupo e digo a todos que
estou bem, então volto a jogar o telefone de lado.
Segundo tio Esteban, seu contato fica nos arredores da cidade, mas
com as paradas que Megan e eu fazemos para comer e ver as lojinhas à
beira de estrada, o caminho que geralmente leva duas horas se transforma
em uma tarde e o dia está virando noite quando chegamos em uma
enorme mansão. O lugar fica em um lote enorme, longe de outras casas e
solitário o suficiente para que, se algo acontecer aqui, não seja ouvido.
Troco um olhar com Megan quando ela estaciona.
— Está com sua arma? — ela me indaga, tirando a própria debaixo do
seu banco.
— E quando não estou? — Compartilho a minha localização com
Charlotte, que, nesse momento, deve estar presa nas obrigações de seus
pais, então desço do carro.
Caminho em um chão de terra macia em direção à porta da frente, mas
juntando o fato desse lugar ser enorme, estar todo silencioso e do sol já
estar se pondo, agarro a minha arma mais forte. Não gosto de terror, não
assisto filmes de terror, nunca. Eu não faço essa merda, isso não é para
mim.
— Devemos tocar a campainha? — Megan sussurra para mim, em uma
postura defensiva.
Nós chegamos até a porta da frente, e bem quando vou procurar a
campainha para tocar, meus olhos se estreitam quando eu vejo uma fresta
na porta. Está aberta. A porta está aberta.
Empurro a porta devagar com os pés e ela vai para trás sem fazer
nenhum barulho. Megan e eu trocamos olhares, suas sobrancelhas se
erguem para mim em uma indagação. Vamos entrar?
Respondo já indo em frente, meu celular está servindo de lanterna para
nós duas quando assumi a liderança. Não dá para ver muito enquanto
andamos, mas tudo o que consigo ver é que esse lugar é caro. O piso não
faz barulho também, não é madeira. Vejo vasos caros e grandes quadros na
parede, mas, quando vou para a sala de TV, vejo algo que eu não estava
esperando.
Um corpo.
Homem, de mais ou menos trinta anos. Cabelo escuro e pele pálida,
com um terno e um charuto perto da boca. O homem que eu vim aqui
encontrar, morto.
— Puta que pariu... — Escuto a voz de Megan, mas meus olhos não
desviam da cena.
Tem um corpo jogado na poltrona com papéis ao seu redor. Quase
como se ele estivesse em uma pausa do trabalho quando foi morto. Sua
cabeça está para a frente, caída para baixo. Não vejo uma marca de tiro,
então acho que foi na testa, e provavelmente quem quer que tenha feito
deve ter atirado nele pelas costas. O sangue está fresco demais para ser
algo que tenha acontecido há muito tempo.
Os vasos ainda estão aqui, os quadros ainda na parede. O celular do
cara ainda está na mesinha e a TV ainda está em plena exibição na sala.
Não parece um assalto, então quem quer que tenha feito deve ter outro
objetivo.
Quem quer que tenha feito...
E se quem quer que tenha feito ainda estiver aqui?!
Foda-se.
— Vamos embora — sussurro para Megan.
— Jura, vadia? Se não tivesse falado...
— Menos fala e mais ação. — Caminhamos exatamente pelo mesmo
caminho que viemos e apenas os sons de nossas respirações são ouvidos.
Meus pensamentos correm com aquela sensação de que algo está
definitivamente errado no topo da minha coluna. — Não toca em nada.
A partir do momento em que passamos pela porta já começamos a
correr em direção ao carro. Foda-se essa merda, estou cansada de ver
cadáveres. Só dois são o meu limite.
— Filho da puta! — Megan esbraveja, completamente revoltada. A
ruiva não faz nenhum movimento em abrir a porta do carro, porém olha ao
redor nervosa. — Comece a rezar, chica. Peça para que um dos seus
garotos seja psicopata o suficiente para nos seguir o dia inteiro até aqui,
porque vamos morrer.
— De que merda você tá falando?
— Os pneus do carro estão murchos. Alguém furou os pneus.
Mas que droga! Eu não posso ter um dia de folga?
Eu corro até Megan, agarrando a sua mão com força enquanto
corremos para fora da propriedade. Minhas pernas reclamam comigo pelo
esforço e minha respiração fica ofegante, mas nós não paramos de correr.
Não é rápido o suficiente quando percebemos alguns faróis atrás de nós,
mas não estou disposta a morrer agora.
Megan também não olha para trás, tudo o que percebemos é a luz
distante quando mais um carro se junta a festa de nos aterrorizar, a
diferença é que, apesar de parecer distante, ainda parece acelerado
demais e de frente para nós duas. Rápido e ágil demais para ser um carro
comum, e quando vejo a cor vermelha, quase caio no chão e agradeço aos
céus.
O barulho do motor atrás de nós duas fica mais alto, Megan e eu
agarramos ainda mais as mãos uma da outra. Não demora muito até o
carro vermelho ficar perto o suficiente para que eu possa ver o seu
modelo, e mesmo ofegante e com o cabelo ao redor do meu rosto, quase
relaxo, porque sei que quem está por trás desse volante vai nos ajudar.
O carro vermelho nos ultrapassa, e em um movimento rápido, ele para
a poucos metros da nossa frente, impossibilitando algum carro de passar
em nossa frente nessa estrada vazia. Um vidro escuro se abaixa e tudo o
que eu vejo é a expressão fechada de Axel.
— Entra logo! — ele manda. Megan me puxa em direção ao carro,
entrando no banco de trás com agilidade. Eu dou a volta, sentando-me ao
lado de Axel. Assim que fecho a porta, ele acelera e sai cantando pneu. —
Que porra você estava fazendo?
— Fugindo de um assassino! — grito para ele, minhas mãos tremem
quando eu as coloco no rosto. — Estava me seguindo desde quando?
— Desde que você foi para a escola hoje de manhã. Foda-se Roman por
achar que você ia seguir o que ele fala. O que acabou de acontecer?
— Quase fomos mortas, foi isso que acabou de acontecer! — Megan
responde do banco de trás, sua voz está mais alta do que já ouvi na vida. —
Que porra!
Axel não me olha, mas a dureza de sua voz diz tudo:
— Você é um imã de problemas, Julieta.
— Acha que eu não sei?! — rio histericamente. — Eu só queria fazer
uns documentos falsos, mas quando chegamos lá... o cara estava morto! E
depois alguém furou os pneus do nosso carro e fomos perseguidas até
você aparecer! Talvez ainda estejamos sendo seguidos... Como isso é
possível?
— Não sei, mas nós vamos descobrir essa merda. Sem mais gracinhas
dessa vez.
— O que você quer dizer com sem mais gracinhas?
O cabelo escuro cai em sua testa, e então ele tira uma das mãos do
volante para arrumar.
— Vou te levar até o apartamento do meu irmão e vamos chamar
aqueles outros idiotas, isso não é só merda de gangue. Eles não agem
assim. Alguém está te caçando e vamos descobrir quem é e acabar com
essa merda.
Algumas pessoas têm um talento raro para causar problemas, e,
infelizmente, Julieta González é uma delas. Ela não só causa problemas,
não, essa garota vai além. Julieta é a personificação do problema, sempre
foi, e eu soube disso desde o primeiro momento em que bati os meus
olhos nela.
Quando escutei a ideia ridícula de Roman que provavelmente foi
movida a sua pura inveja, soube que ia acontecer alguma merda e que
Julieta estaria envolvida, só não imaginei que isso ia acontecer logo no
primeiro dia!
A melhor ideia que eu tive foi seguir essa maluca hoje. Tive que brigar
com Asher para isso, porque o idiota do meu irmão viveria apenas por ela
se deixassem, mas no fim ganhei. Não porque ele queria desistir, mas
porque o idiota precisa de tempo lidando com um corpo e o pagamento de
uma detenta, então fiquei encarregado de seguir Julieta. Uma tarefa tão
simples não parecia ser tão difícil, mas a garota é escorregadia.
Mais cedo, enquanto eu estava escondido perto do estacionamento da
escola e esperando ela aparecer para voltar ao clube, a vi pular dentro do
carro de uma garota ruiva no volante. A garota dirigia como se fosse o seu
último sopro de vida e ela é boa pra caralho. Fez tantas manobras e
ultrapassou tanta gente, que quase me fez perdê-la de vista. Deu trabalho
de acompanhar, mas ela parou demais o carro. Vi Julieta comer com a ruiva
estranha, parar em cada loja de conveniência que via pela frente. Vi elas
até rirem carregando um ursinho de pelúcia estranho antes de entrar no
carro de novo.
Até aí, tudo certo...
Mas a maldita ruiva inventou de brincar no volante e acelerou aquele
carro como não tinha feito antes, então, depois de passar o dia dentro do
carro do meu irmão e seguir aquelas garotas, eu as perdi.
Quando as perdi, acelerei o carro como um louco. Ainda estava um
pouco longe quando reconheci os cabelos longos da garota que tanto
prende a minha atenção. Não tive alternativa a não ser acelerar o carro
atrás dela. A merda tinha que estar séria. E depois da nossa curta conversa
no carro, porra, eu fiquei ainda mais puto.
Ela podia ter morrido hoje, e tudo isso por qual motivo? Só para ficar
longe de nós, de mim? Ela arriscaria a própria vida só para ir embora?
Me ajeito no banco, desconfortável de repente. A amiga estranha dela
está jogada no banco de trás, deitada sobre o carro do meu irmão. Ela nem
mesmo se preocupou em colocar o cinto de segurança antes de apagar. Ao
meu lado, Julieta encosta a sua cabeça no vidro, dentro de seus
pensamentos, para que eu possa tentar tirá-la agora.
E eu sou muito covarde para tentar chamar a atenção dela para mim.
E dizer o quê? Julieta e eu somos antigos demais para ter uma conversa
tão simples, mas eu não sei o que ela está esperando de mim depois do
banheiro. Não sei o que eu estou esperando de mim e nem dela. Foi
gostoso sentir que seja um pouco dela enquanto o meu irmão liderava
toda a festa, aquilo foi bom, mais do que bom, mas não é a minha
realidade.
Não posso me dar ao luxo de voltar para ela, não agora. Minha vida
nunca foi perfeita, mas aprendi a viver sem ela e sem essa dependência
que ela me colocou. Do meu jeito, é claro. Como posso aceitar voltar para
ela e seus jogos quando sei bem o quanto ela me quer fora? Não sou Asher,
não posso me forçar direto para ela e torcer para que me aceite. Não
funciona desse jeito.
Julieta não é minha e eu não posso ser dela. Eu quero, quero o calor do
seu corpo e a maciez da sua pele, quero sua mente venenosa e sua boca
esperta, mas não farei nada se ela não me quiser de volta, o que sei bem
que isso não está nem perto de acontecer.
Mas ainda gosto de conviver com algumas de suas migalhas, e se ela
quiser me dar mais do que aconteceu naquele banheiro, jamais negaria.
— Está bravo comigo? — Sua voz é doce, calma e muito feminina.
Combina com a sua aparência, ela não se veste como algo frágil, mas é boa
em usar os atributos femininos ao seu favor. Nunca olharia para ela e
apontaria o inferno em sua cabeça se a visse pela primeira vez.
Solto minha respiração.
— Como eu posso estar bravo se já sabia que você ia fazer uma coisa
dessas?
Seu rosto de boneca se volta em minha direção, mas não lhe dou
atenção, preocupado demais em não errar o caminho para o apartamento
onde Asher divide o seu tempo. Roman está certo em chamá-la de boneca,
mas o apelido não faz jus a toda beleza dela.
— Eu não matei aquele cara! — diz ela, sentando-se melhor no banco.
Acho que isso significa que agora ela vai começar a falar o que não falou na
última hora e meia de viagem. — Eu só queria conversar com ele. Nós
iríamos pegar uns documentos, mas quando chegamos... já era tarde.
— Não tão tarde, aparentemente — resmungo. — O assassino ainda
estava na casa. Por que não pediu isso ao Asher ou um dos outros imbecis?
Ou a mim?
Ri, incrédula.
— Jura, Axel? Acha mesmo que, se eu tivesse chegado a qualquer um
de vocês e pedisse um passaporte falso, vocês me dariam? Você me daria?
Fico quieto porque nós dois sabemos dessa resposta. De jeito nenhum
eu daria a ela a porra de um passaporte falso, e Asher provavelmente
preferia atirar em sua própria cabeça antes de dar a Julieta uma arma para
fugir dele. Roman e Dylan também não fariam isso, não seriam tão
estúpidos assim.
— Foi o que eu pensei — ela me responde, petulante. Me viro para ela
durante um sinal vermelho, mas Julieta não presta atenção em mim e sim
no trânsito. Um de seus lábios grossos está preso entre os seus dentes,
maltratando a carne que eu quero beijar. — Não quis causar problemas
dessa vez, Axel. Lo juro20.
Não sei se acredito nela, mas de nada vai me adiantar essa merda
agora.
— Você sempre causa problemas, está na porra do seu sangue.
Ela fica quieta o resto da viagem e eu também, sua amiga maluca não
dá nenhum sinal de que está viva e eu não me preocupo com ela. Mando
uma mensagem no grupo quando paro em um sinal e continuo dirigindo
para o caminho que quero tomar. O caminho que vai fazer essa garota ficar
quieta e segura, o melhor caminho para mim.
— Esse não é o caminho para o clube... — murmura ela, com seus
lindos olhos verdes em mim. — Para onde está nos levando?
— Relaxa, Julieta. Estamos indo para o apartamento do meu irmão. Vai
ficar tudo bem.
Quando ela me encara, não sei se acredita nisso.

Não vai ficar tudo bem.


Axel está me levando para o matadouro, lógico. Esses garotos vão falar
tanto que eu vou perder a cabeça e, então, vão começar a fazer perguntas
que eu não quero responder. E eles não vão se preocupar em ser
silenciosos ou dizer meias palavras, porque o lugar de Asher é seguro para
eles.
Quando ele entra na garagem depois de se identificar, mordo os lábios
e olho para a minha amiga no banco de trás. Ela me encara com seu olhar
atento.
— Vamos precisar atirar em alguém, vadia? — ela me indaga.
Axel franze a testa abre a sua porta, dando a volta no carro até parar ao
meu lado. Ele abre a minha porta e fica parado enquanto me espera sair.
— Provavelmente não.
Megan me observa sair do carro com olhos afiados.
— Provavelmente?!
Os braços de Axel estão cruzados quando nós pegamos o elevador
destinado só para os gêmeos Volkov, mas Megan toca em tudo que vê. Ela
se olha no elevador e trocamos um olhar prolongado que me diz
exatamente o que passou na cabeça dela.
Rico de mierda21.
— Que porra?... — ela deixa escapar quando entramos no apartamento
que toma literalmente o andar. Seus olhos dobram de tamanho quando ela
observa tudo o que sua visão consegue alcançar.
Consigo escutar as vozes altas, reclamando e brigando.
— Eu estou cansado dessa merda! Vou resolver isso sozinho — diz
Roman.
Uma voz o segue com uma risada sarcástica.
— Você nem dá conta de si mesmo direito, como quer resolver o
problema? — indaga Dylan. Franzo a testa, confusa sobre eles não estarem
se defendendo como antes.
— Eu vou matar vocês dois se não pararem de me incomodar —
ameaça Asher.
Reviro os olhos e sigo atrás de Axel. Nós entramos na sala
ridiculamente grande de Asher. Os três estão aqui e todos parecem bem
bravos, ótimo.
— Ah, o nosso problema acabou de chegar — Dylan ironiza
completamente. Abro um sorriso para ele enquanto ergo o dedo do meio
em uma mensagem silenciosa. — Você deve ter prazer em nos estressar.
— E alguma vez sequer eu tentei esconder isso?
Axel solta um longo suspiro e anda em direção ao bar, provavelmente
para se embebedar. Megan me encara, seu rosto já não tem mais aquela
feição de admiração por todo esse lugar, agora ela parece entediada, como
se ver lugares assim fizesse parte do seu dia a dia. Uma máscara para a
batalha, tenho certeza.
Dylan passa a mão em seu cabelo loiro sujo, bagunçando-o com os
dedos.
— Você tem alguma noção de quantas vezes poderia ter morrido desde
que está dormindo no quarto do Roman?
— Nenhuma delas foi intencional, isso eu posso te garantir. — Pisco
para ele, então pego a mão de Megan e a puxo para o sofá. Asher me
encara, mas não fala nada sobre uma estranha se sentar em seu sofá. —
Que dia de merda...
— E quem é ela?
— Ela tem nome — Megan responde a Dylan.
— Eu sei. Literalmente acabei de perguntar — diz o loiro.
— O nome dela é Megan Smith, uma das amiguinhas da nossa garota
suicida — responde o motoqueiro. De todos eles, Roman parece o mais
relaxado agora. Tirando Axel, já que ele está bebendo uma garrafa de
álcool enquanto Roman fala.
— Parece que não é só uma amiguinha — Dylan avalia Megan
rapidamente. Seus olhos azuis voltam para mim em seguida. — O que
aconteceu dessa vez?
Exalo.
— Eu estava indo encontrar um amigo e... ele estava morto quando eu
cheguei.
— Um amigo? — Roman indaga, sarcástico. — Você não tem amigos.
Abro a minha boca, surpresa. Que maldito.
— É claro que eu tenho amigos, olha uma delas sentada bem aqui do
meu lado. — Gesticulo para a ruiva. Megan me encara, piscando para mim
como se não acreditasse que estávamos tendo essa conversa. Pois é,
hermana, nem eu...
— E depois? — Roman volta a perguntar.
— Depois? Eu e Maggie nos sentamos lá e resolvemos fazer um chá
enquanto esperávamos o assassino dele aparecer para dar um “oi” —
resmungo. — O que você acha que eu fiz, motoqueiro?
Ele balança a cabeça para mim, seu rosto transparece um pouco de
diversão quando me escutou reclamar com ele.
— Então vocês foram embora? — Dylan pergunta.
— Exatamente assim.
— E então acharam o Axel?
Mordo os lábios, hesitante. Megan não fala nada ao meu lado, o que é
uma surpresa, porque ela nunca consegue manter a boca calada, mas
agora me deixa lidar com isso. Não que eu queira.
Não quero falar, e nem sei exatamente o motivo. Eles não fazem nada
para me prejudicar, mas...
— Você não vai ganhar nada se ficar escondendo as coisas de nós —
Roman diz, o único nessa sala que tem espírito de líder. Todo o resto está
sujo por mentiras e egoísmo.
— Só vai ganhar mais tentativas de assassinato — Axel ergue a garrafa
quando diz isso, em uma saudação que ninguém se preocupa em
responder.
— Podemos trabalhar juntos, boneca. Podemos achar quem fez isso
com você — o motoqueiro volta a falar meio rouco quando se inclina em
minha direção, desencostando suas costas da poltrona em que está
sentado para se aproximar mais de mim.
— E quem fez aquilo com a minha mãe? — indago. Roman se cala, uma
linha surge em sua testa. — Vocês dizem que não têm nada a ver com a
prisão da minha mãe, certo? Então não vão ter problemas em me ajudar a
achar quem armou para ela.
A sala se silencia. Parece que acabei de dizer que alguém morreu, mas
só cobrei um favor. Todos me encaram, mas, quando passo os meus olhos
por eles, vejo o rápido olhar que Axel e Asher trocam. Não sei o que é, mas
é alguma coisa.
— Tá, tudo bem — Dylan é o primeiro a ceder, seus ombros descem em
derrota. — Mas se formos contar quantos inimigos ela tem no México, isso
pode levar anos.
— Vai levar menos do que imaginamos — Asher diz, seu timbre polido
e baixo saúda a minha pele. Minhas bochechas ficam quentes quando eu
lembro das coisas sujas que ele disse para mim no banheiro. Suas íris
castanhas vêm para a minha amiga antes de se voltarem para mim. — Tire-
a daqui se não quiser que ela ouça o que vamos conversar agora.
A ruiva me encara, com suas sobrancelhas vermelhas erguidas com
uma feição engraçada. Nós sorrimos quando trocamos olhares. Até parece
que ela vai sair daqui.
— Eu vou ficar — Megan responde.
Os olhos de Asher se estreitam.
— Se eu sonhar que você vai machucar a Julieta, arranco a sua cabeça
do pescoço antes que você perceba o que aconteceu.
— Se você machucar a minha amiga de novo, eu vou passar com o meu
carro em cima de você tantas vezes que não vão nem conseguir reconhecer
o seu corpo.
Eles têm um tempo de silêncio enquanto o fogo brilha por seus olhos,
Megan parece absolutamente furiosa. Asher não se preocupa em esconder
o seu desgosto pela garota de roupas sujas, mas, depois de fazer o seu
ponto, ele se vira em minha direção como se eu fosse a única luz nesta
sala. Seu olhar fica mais suave instantaneamente.
— Do que você está falando? — Roman indaga a Asher.
— Axel e eu estávamos olhando o escritório de Mikhail. Tem alguma
coisa suspeita lá.
— O seu pai é um fodido Bratva. A única coisa que vai ter lá é coisa
suspeita — Dylan diz.
— E quando o seu avô tentou sequestrar a Julieta? — Axel entra
novamente na conversa. — Essa merda não entra na minha cabeça...
— Ele só estava preocupado comigo — responde o loiro.
— Preocupado com o quê? Com você caindo no meio das pernas dela?
— Axel caminha até o meio da sala, sentando-se ao lado do irmão. —
Patrick Monroe te criou com mãos de aço, por que acha que ele estaria tão
preocupado com você junto com a González? Não seja estúpido, Dylan.
— Porque ela é uma González. É por isso que ele não me queria perto
dela. — Seu olhar se encontra com o meu. — Eu devia ter cortado esse
problema pela raiz desde que ela e a mãe estrangeira apareceram aqui. Foi
isso que ele me disse.
— Isso só quer dizer que ele não gosta da minha mãe.
— Não... Meu avô é o tipo de homem que tentou te sequestrar à luz do
dia, se ele realmente pudesse matar a sua mãe, faria — quase vou em sua
direção, procurando acalmar os seus pensamentos, mas me contenho. Ele
não é meu para acalmar. — Ele disse que a sua mãe foi presa com
informações contra eles, isso significa que ela não teria mexido só com a
minha família, mas com uma gangue de motoqueiros e com um afiliado da
Bratva... Por que ela não está morta, se é assim tão perigosa?
— Porque talvez ela não seja tão perigosa assim — digo a eles.
— Mikhail não é do tipo que perdoa traição, ele é um criminoso da
maneira antiga. Teria a cabeça da sua mãe na primeira noite que ela pisou
naquele lugar se estivesse tão preocupado com ela — Axel fala.
— O mesmo com o meu avô. Ele não chegou aonde está por ser
misericordioso. Patrick ia ficar furioso em saber que a casa onde ele me
deixava ficar quando criança não era segura.
— Meu pai não mataria a sua mãe — o motoqueiro fala. — Eu sei que
os pais de vocês são bem filhos da puta, mas o meu não iria tão longe.
— Será mesmo? — questiona Asher. — Confia totalmente no seu pai?
Sabe de todos os negócios dele? Em toda a sua vida ele nunca fez algo tão
ruim e podre que forçou você a se questionar se ainda queria ser filho
dele?
A sala cai em silêncio novamente, mas dessa vez eu não consigo
entender. Tudo o que Asher falou parece normal para mim, mas percebo o
peso a mais que tem entre eles.
— Ele não mataria a sua mãe. — Ele desvia o olhar de Asher e me
encara, seus olhos azuis me prendem nos dele quando fala com convicção.
Sei que ele não acredita que seu pai poderia matar a minha mãe, mas
eu não tenho a mesma opinião.
— A questão é que se os nossos pais acreditassem que a mãe de
babochka era uma ameaça aos seus negócios como a justiça a fez parecer
quando a prendeu com uma sentença de oito anos e a levou para Nova
York, porque, segundo eles, a maioria das fraudes foi feita lá, era para a sua
mãe, Margarita, estar morta a essa altura — o gêmeo de terno toma um
tempo, seus dedos batem no tecido da almofada enquanto ele pensa. — A
não ser que soubessem que ela não representa um risco real, porque
nunca representou desde o início.
— Então não teria a preocupação com ela, como se ela fosse uma
distração. E depois que ela foi presa... — Dylan fala.
— Então o verdadeiro autor teve tempo para poder pensar nos seus
crimes e fazer direito da próxima vez — o gélido Asher fala.
— Como as fichas... — Axel murmura, concordando com o irmão. —
Elas não fizeram diferença nenhuma agora, ninguém foi preso por uma
ficha de merda.
— Elas não são feitas para prender os nossos pais, são feitas para quem
quer que tenha feito zombar deles... Ele está recriando o que aconteceu
quando a mãe de Julieta foi presa quatro anos atrás de novo e isso é um
aviso.
— Como você pode saber disso? — indago a Asher.
O canto de sua boca se ergue minimamente quando ele me encara com
o castanho forte e intenso que ele guarda.
— Fácil, porque eu faria a mesma coisa.
O grande corpo de Dylan se levanta de onde está sentado, então o
jogador começa a dar alguns passos sem sentido pelo chão.
— Certo, então, supondo que a mãe da Julieta não fez isso...
— Ela não fez!
— Então quem poderia ter feito? Teria que ser alguém perto o
suficiente dos nossos pais e com interesses muito egoístas para tentar
mandar todos eles para a prisão. Essa pessoa teria que estar perto o
suficiente para não levantar suspeitas e teria que continuar não se
levantando durante esse tempo. Que tipo de pessoa faria isso sem que nós
não percebêssemos?
Asher nem pensa para responder:
— Um de nossos pais.
Eu o encaro, com os meus olhos arregalados. Não consigo acreditar que
esse cara está acreditando no que eu falo depois de todo esse tempo e não
apenas isso, mas levantando-se ao meu favor no meio de todos os outros e
mostrando que eu tenho razão. Acusando o seu próprio pai, coisa que eu
nem tinha pensado.
Uma risada sai dos lábios de Roman.
— Espera aí... Por que um de nossos pais faria isso?
— Pelo mesmo motivo que eles estão nas posições que estão hoje:
poder. — Asher também se levanta, com uma de suas mãos escondida
dentro do bolso de sua calça quando ele continua a falar e começa a andar
pela sala. — Se juntarmos que nenhum deles moveu um músculo para
matar uma traidora, e não só isso, eles também se afastaram, quase como
se soubesse que um deles estava tentando derrubar o outro. E então,
quatro anos depois e todos eles nos querem longe de uma adolescente de
dezoito anos sozinha no mundo e sem nenhum poder para nos derrubar...
Eu quero saber o motivo.
— Ash... Então como vamos fazer para descobrir qual deles jogou a
culpa em cima da minha mãe?
— Eu tenho a resposta dessa porra! — diz o outro gêmeo. — Vamos
precisar trabalhar juntos para variar.
Asher não o corrige.
— Cada um de nós vai fazer o possível para descobrir informações dos
nossos pais. Invadiremos escritórios, hackearemos computadores,
colocaremos rastreadores nas merdas dos carros, eu não me importo. Um
deles é um rato e fez isso com você e sua mãe. Vamos descobrir qual.
Dylan balança a cabeça, concordando.
— Meu avô tentou sequestrá-la, não duvido que a teria matado. Ou ele
tem raiva da sua mãe, ou acha que sabe de alguma coisa sobre ele. Como o
fato dele ter tentado derrubar outro criminoso daqui.
— Mas eu não sei de nada disso.
— Ele não sabe sobre isso — me responde o loiro. — Vou dar um jeito
de entrar no escritório dele, mas precisamos fazer isso do jeito certo. Tem
alguém tentando te matar e está sempre um passo à nossa frente, eu
estou cansado dessa merda. E não podemos esquecer também do seu pai.
Meu pai. Anthony Leclerc.
Quatro grandes criminosos em um só estado. Quatro leões alfas no
mesmo bando, isso não pode dar certo. E talvez nunca tenha dado. Essa
cidade é cheia de armas, drogas, dinheiro de propina, mas isso porque tem
quatro grandes fornecedores para ela. E se um deles tivesse se cansado de
dividir os holofotes e quisesse pegar tudo para si? E se o líder da gangue de
motoqueiros tivesse se cansado de ser um distribuidor de armas e decidisse
que queria mais? E se o mafioso irlandês de família grande decidisse que
ele queria ser tão grande quanto a máfia de Nova York? E se o russo aliado
à Bratva quisesse todo o estado só para ele apenas porque ele sente que
pode? Ou, e se o criminoso usasse a mulher que ele descartou a vida inteira
para cumprir por seus crimes e sair impune?
Isso faz muito mais sentido do que uma mexicana que só vinha passar
algumas férias com a sua filha e, de repente, decidiu que preferia os
negócios incertos nos Estados Unidos do que os seus prontos no México.
Megan aperta a minha mão.
— Eu não acho que o meu pai seria tão baixo ao ponto de fazer isso...
— Roman diz, recusando-se a trair o seu pai. Como faço com a minha
mãe...
Axel bufa.
— O seu pai? Aquele cara que praticamente ameaçou a vida da Julieta,
se a gente não saísse de perto dela? Aquele cara que te deixou cagando
nas calças ao ponto de brigar com a gente para sair de perto?
— O quê?!
Nenhum deles me encara, todos estão preocupados demais em discutir
entre si, mas eu sei bem o que ouvi. Eles foram ameaçados para me deixar
sozinha?
— Minha mãe estava em uma situação complicada naquela época, meu
pai não estava com a cabeça boa — Roman não me encara quando diz isso,
com seus olhos voltados para Axel.
— Tá, que seja. Mas ainda tem alguém de dentro do seu clube que está
traindo o seu pai, não é? — diz Axel. — Você precisa descobrir isso
também. Pode não ser o seu pai, mas pode ter alguma coisa a ver com esse
cara e, além disso, você deve a ela depois de toda essa merda.
Roman fica em silêncio. Me remexo no sofá, conseguindo com sucesso
atrair a atenção dele para mim.
— Tudo bem, eu vou procurar no escritório do meu pai. Deve ter
alguma coisa lá sobre o tempo em que a sua mãe foi presa.
Relaxo e minha respiração escapa por um suspiro, os meus ombros
descem como os de Dylan.
— Obrigada.
O motoqueiro balança a cabeça, procurando os meus olhos. Sua testa
se franze, mas ele a relaxa quando me devolve um sorriso fraco.
Já é alguma coisa.
Já é absolutamente tudo.
O banheiro de Asher ainda continua da mesma forma, cheio de
mármore e com cheiro de produto de limpeza. Passo um bom tempo
debaixo do seu chuveiro caro, penso no que acabou de acontecer e então
penso no que vai acontecer no futuro. O que vai ser desse futuro?
Gosto mais do que devo de vê-los se unindo para me ajudar, gosto de
vê-los acreditando em mim e em mi madre. A questão é: será que isso é
realmente real? Quanto tempo tudo isso vai durar até que um deles desista
e volte por seus velhos caminhos?
Nem sei se quero saber.
Desligo o chuveiro e me enrolo a toalha grande e macia. Caminho com
meus pés contra o piso gelado até o quarto de Asher Volkov. Quando a
conversa na sala terminou eu decidi que precisava de um banho e que
dormir em sua cama seria o que eu faria essa noite. Não ouvi ninguém
reclamar. Nem mesmo reclamaram de Megan quando ela bateu as portas
do armário da cozinha para comer as coisas que Asher compra e deixa
guardado. O quarto dele deveria estar vazio...
Mas não está.
Asher Volkov sempre foi um homem grande, não tão forte como o seu
irmão, mas ainda tão alto quanto. Ele está encostado na porta, de forma
despretensiosa, com as mãos dentro dos bolsos de sua calça e os seus
olhos fixos em mim. Sempre fixos em mim.
— É educado avisar as pessoas que você vai entrar no quarto enquanto
elas estão de toalha — falo. Aperto a toalha em volta do meu corpo,
mantendo-a firme em volta da minha pele.
Asher pisca os seus olhos preguiçosamente, mas o brilho predatório
não passa despercebido para mim.
— E desde quando você liga se eu sou educado com você ou não? —
Pende a cabeça para o lado, provocando-me em seu questionamento.
— Seria bom ter um aviso.
Seus olhos se estreitam.
— O que foi, babochka? Tem medo do que eu possa fazer com você se
te pegar desprevenida? Não gosta das coisas que fiz com você quando te
peguei assim?
Meu coração pula na garganta, sinto a maciez da toalha quando aperto
os meus dedos ainda mais lá. Minhas bochechas se tornam avermelhadas
quando eu me lembro do que ele falou... do que eu falei, do que senti.
Asher me chupou, se ajoelhou para mim em um banheiro sujo de clube de
motoqueiros e me fez gozar para ele.
Aposto que ele nunca fez isso para mais ninguém.
Isso faz a minha boceta se contrair, porque o fato dele me dar algo que
é só meu me excita além da conta.
Caminho até ele como uma boa menina, do jeito que ele tinha me
chamado naquele banheiro. Sua boa menina.
Um sorriso nasce em seus lábios quando ele percebe que não precisou
mover um músculo para que eu fosse até ele como uma garota
necessitada. Ele não está errado, eu sou uma garota necessitada e quero o
que ele vai me dar.
— Gosto das coisas que você faz comigo — admito a ele.
Asher se desencosta da porta e dá um passo na minha direção. Fico nas
pontas dos pés e ele se abaixa um pouco, meu nariz roça no dele. Fecho os
meus olhos, sua respiração quente bate diretamente na minha pele.
Seguro Asher pelos ombros para conseguir me equilibrar, isso faz com que
eu fique ainda mais próxima dele. Seu peito pressiona no meu, mas ele
ainda não me toca.
— E o que mais?
Finco as minhas unhas em seu terno, doida para tirá-lo de lá.
— Eu quero você, Asher. Quero que você me foda.
Asher solta um barulho que se parece com um grunhido e sua boca
gruda na minha com fome. Seus lábios me possuem do jeito que ele fez
naquela noite do clube, com força, como se soubesse que tudo isso é dele.
Ele me provoca, mordendo os meus lábios suavemente enquanto passa um
braço por minha cintura e me ergue, me deixando em seu colo enquanto
sua boca está na minha.
Meu Deus...
Quase não sinto quando ele me joga na cama, mas sinto bem quando
ele desfaz o laço da toalha e me encara de cima. Suas íris ficam ainda mais
escuras, como um presságio do que me aguarda.
— Ash... — meu sussurro quase não é escutado por mim, eu me
pergunto se falei mesmo isso ou se foi alguma ilusão por conseguir vê-lo
me admirar desse jeito. Desliza uma de suas mãos na lateral do meu corpo.
Me acaricia em cima das minhas costelas, desliza lentamente até a base
dos meus seios e desce pela minha barriga. Passa seus dedos por cima do
meu piercing com leveza, e quando descem para a minha boceta, ele não
precisa de me pedir para abrir as pernas para ele. Elas já estão abertas.
— Você é tão perfeita que é quase um pecado tocar. — Mordo os meus
lábios ao som de sua voz rouca. — Como algo que não pode ser manchado
e sujo, algo tão precioso que deveria só ser visto, mas você ama ser tocada
por mim.
Amo.
Seu indicador acha o meu clitóris com rapidez, me acariciando do jeito
que ele fez no clube. O prazer de tê-lo me tocando lá é quase irreal, eu me
contorço em sua direção, meus quadris se erguem um pouco da cama para
que ele enfie os seus dedos em mim. Uma risada sai dos seus lábios
enquanto os seus olhos me bebem como se eu fosse tudo o que ele tem.
— Você é uma vagabunda, babochka. Não é? — “Sou”, penso. — Me
diga o que você quer que eu faça.
Não preciso nem pensar.
— Eu quero o seu pau na minha boca.
Ele usa a sua mão livre para descer o zíper de sua calça. Encaro os seus
movimentos como se ele estivesse abrindo um pote de ouro, absorvendo
quando ele abre um botão da calça e expõe a sua cueca preta. Asher para
por um segundo, o seu dedo em minha boceta paralisa.
Um suspiro assustado deixa a minha garganta quando ele me puxa pelo
cabelo até seu pau, tirando-o da calça e expondo para mim o que eu
quero.
Porra.
Não digo para ele como ele parece glorioso pra caralho assim, com o
seu cabelo bagunçado pelas minhas mãos, com seu pau para fora e com o
seu terno no lugar. Minha boceta aperta em antecipação, minha língua
acaricia o meu lábio.
Eu o quero, quero tanto que quase dói. Já aceitei isso desde o clube, e
vê-lo agir hoje só colocou o prego final no que eu já tinha decidido.
— Vai se engasgar no meu pau, babochka? — Aperta meu cabelo ainda
mais. — Engasgar-se nele até não conseguir respirar?
A ponta acaricia a minha mandíbula, então passa pelo contorno dos
meus lábios em uma provocação. Abro a minha boca para senti-lo em mim,
mas Asher puxa a minha cabeça para trás com um olhar de advertência.
— Você ainda não pediu, babochka. Estava cobrando educação de mim,
mas não consegue nem pedir “por favor” em algo que você quer? —
Balança sua cabeça de um lado para o outro, com um sorriso divertido. —
Peça e eu lhe darei.
Idiota do caralho.
— Se você não me der o seu pau, Asher, eu vou sair por aquela porta e
achar alguém que queira.
Abocanho o seu pau em seguida, chupando-o com tudo de mim. Asher
preenche toda a minha boca, lágrimas saem por meus olhos quando ele
estoca em mim. Não é com força, mas o suficiente para parecer que eu vou
morrer engasgada e cheia dele.
Quero mais.
Asher segura a minha cabeça com força, sons baixos saem dos seus
lábios quando eu satisfaço o seu desejo do jeito exato que ele me chamou.
Vagabunda. A sua vagabunda. Deixo que ele estoque em minha garganta,
não preciso de tempo para respirar, não preciso de mais nada, porque já
tenho tudo o que quero. Nesse momento, eu não sou nada além da sua
babochka, a mulher que está dando prazer a ele. A mulher que está o
engolindo.
Ele mete em minha boca, alucinado. Sua cabeça vai para trás com um
gemido e minha boceta se contrai. Ele empurra em mim com força o
suficiente, mas luto para não me engasgar. Não tenho muita experiência
em sexo, só transei com um homem em toda a minha vida, mas Brian
sempre foi um bom professor.
Tiro o pau dele da boca, apertando-o com minhas mãos. Seus olhos
vêm para mim, sua testa franzida em impaciência.
— Enfia na garganta — ele manda. Abro um sorriso para ele, o
encarando meio deitada na cama. Minha boca toda molhada por minha
baba, pelo melado que escorre na cabeça do seu pau e que escorre por
minha bochecha e maxilar. — Você não queria o meu pau?
Volto a engolir o seu comprimento, fazendo um grande esforço para
conseguir colocar tudo na garganta. Meus dedos me acariciam e eu rebolo
neles, desesperada por prazer. Asher solta uma risada e arranca a minha
mão com força, forçando a minha cabeça a sair dele.
O encaro, confusa.
— Você só vai gozar com o meu pau dentro dessa sua boceta.
— Então enfia em mim.
E ele vem. Asher tira o seu paletó com rapidez e joga a peça para o lado
como se ela não valesse absolutamente nada. Eu me ajoelho na cama,
ajudando-o a desfazer os botões da sua camisa, mas acabo perdendo a
paciência e puxo tudo com força. Alguns botões voam ao nosso redor
quando eu rasgo tudo, observando o peito de Asher com novos olhos.
Ele é forte, seus músculos são aparentes, mas não é só isso que me
chama a atenção. No meio de seu peito forte, eu vejo um desenho de um
punhal com asas de borboleta ao redor. Uma babochka ao redor de uma
lâmina.
No desenho em seu peito não há perigo para a borboleta, ela não está
ameaçada pela lâmina, na verdade elas parecem fazer partes uma da
outra. É como se a lâmina fosse parte do corpo da linda borboleta. Como
se a lâmina fosse o corpo e ela cuidasse para deixar tudo lindo com suas
asas.
Nunca soube que ele tinha vontade de ter uma tatuagem, isso nunca
passou pela boca dele. Ele dizia que nada era tão importante para marcar
em sua pele para sempre, mas isso obviamente acabou sendo um engano,
porque ele me marcou. Sou eu, a sua babochka.
Eu o beijo com força, puxando-o para cima de mim em sua cama.
Asher desce os seus beijos pelo meu pescoço, repondo as marcas de
mordida que tinha deixado antes. Me aperta quando desce suas mãos para
os meus peitos. Solto um gemido quando sua boca abocanha um deles,
sugando o meu mamilo com tesão. Aperta a minha cintura com
possessividade com a outra mão.
— Vou te comer gostoso... — ele avisa quando troca um seio por outro.
— Vou te marcar tanto que você nunca vai esquecer. Não vai esquecer da
sensação de ter o meu pau dentro de você.
Não quero esquecer.
Roço os meus quadris nele, exalando quando Asher beija a minha
barriga, descendo ainda mais.
— Ash, eu quero que você me coma. — Arrepios cobrem a minha pele
quando encontro o seu olhar.
— Quero sentir o seu gosto. — Franzo a testa, me negando, ansiosa
demais para qualquer outra coisa.
— Não quero a sua língua, eu quero o seu pau me comendo. — Ele não
parece convencido, então eu faço carinho em sua cabeça, arrastando as
minhas unhas por seu couro cabeludo. — Por favor, amor, quero o seu pau
em mim.
Eu ganhei.
Minha boceta aperta quando ele passa o seu pau por minha boceta,
provocando o meu clitóris com a cabeça do seu pau. Rebolo os quadris,
querendo-o dentro de mim, mas tudo o que Asher faz é me masturbar com
o seu pau. Minha pele fica quente quando ele se encaixa na minha
entrada.
— Você tá melada pra caralho — ele simula uma estocada, mas, em vez
de sentir o seu pau dentro de mim, eu o sinto acariciar o meu clitóris de
novo. Choramingo, brava. — Olha para você... tão desesperada pelo meu
caralho.
Eu assisto, intoxicada pela visão desse homem em cima de mim, por ver
o seu pau brincar com a minha boceta como se pertencesse a ele. Quero
tudo o que ele tem para me dar, mas Asher continua a falar sujo:
— Você é uma puta. Gosta tanto de fugir de mim, mas olha isso... —
Sinto a cabeça do seu pau entrando em mim enquanto aperto minhas
unhas nos lençóis embaixo de mim. — Devia ter continuado a fugir de
mim, babochka, porque agora que eu te tenho, nunca vou te deixar ir.
Então o seu pau está dentro da minha boceta.
Viro o meu rosto para o colchão, abafando o grito que solto. Asher é
enorme, ele me preenche em todos os lugares, parece até que vai me
quebrar de tanto que dói. Decido que a dor vale a pena assim que vejo os
seus olhos nublados por desejo, o cabelo caindo em frente ao seu rosto, a
boca aberta depois de soltar um gemido, todo o controle que ele
orgulhosamente mostra caindo por terra agora que está enterrado em
minha boceta. Um gemido desliza pela minha garganta quando eu me
contraio, acostumando-me com o seu tamanho dentro de mim.
E então ele começa a me comer como disse que faria.
Apertado e fundo. Está ardendo tanto que traz lágrimas para os meus
olhos.
— A sua boceta é o meu paraíso, babochka — o gemido em sua
garganta é rouco, como se o prazer fosse tanto que ele não consegue falar
normalmente.
E eu me perco nele. Me perco em seu pau batendo fundo em mim, me
perco em suas mãos apertando os meus seios com força, me perco em
seus lábios em meu pescoço e em meu maxilar. Arranho-o como ele faz
comigo, dessa forma somos os dois com linhas avermelhadas na pele.
Rebolo os meus quadris para encontrar o seu pau e isso só parece
alucinar ele ainda mais. Meus olhos se fecham, com pálpebras trêmulas,
quando sinto bater no ponto que me faz ver estrelas. Os gemidos em
minha garganta são pouco contidos, Asher não se preocupa em esconder o
prazer que sente em estar enterrado até o talo em minha boceta.
Ele me empurra para o meio da cama, subindo completamente em
mim. Seu corpo pressiona o meu na cama, e eu gemo, aliviada quando sua
boca volta a grudar na minha. Ele desacelera, mas desce uma de suas mãos
até o meu clitóris. Afunda o seu pau em um impulso só, atinge o fundo em
mim com um grunhido e depois volta para fora, fazendo tudo de novo em
seguida. Seus olhos se fixam nos meus, me absorvendo tanto quanto eu
faço com ele. Talvez seja o calor dos seus olhos que me faz gozar, mas eu
não sei direito. Arranho as suas costas com tanta força que sinto filetes de
sangue quente na ponta dos meus dedos.
O aperto tanto quando gozo bem gostoso em seu pau que ele grunhe
forte perto do meu ouvido, socando em mim com mais força em busca do
seu próprio prazer. Eu aceito, presa na névoa gostosa do orgasmo. Ele mete
em mim com mais força quando goza, seu esporro quente dentro da minha
boceta já escorre pelos lençóis escuros dele, formando uma mancha. Ele
me enche com seu pau e agora com o seu gozo. Seus lábios vêm para os
meus em um beijo preguiçoso, e então, cansado, Asher se joga ao lado
logo após tirar o seu pau de mim.
Depois me puxa para o seu peito em um último momento de força, e
eu vou, deitando a minha cabeça em sua pele, escutando as batidas
desenfreadas do seu coração e sendo aquecida por suas mãos deslizando
pela minha pele.
Adormeço em sua cama, em cima dele, suja com a sua porra e com a
certeza que agora tudo tinha mudado.
Patrick tem uma reunião supersecreta e urgente que pediu a presença
dele para longe da mansão. Não tenho a porra da ideia de onde é ou do
que se trata, mas quando liguei para a minha avó despretensiosamente na
noite anterior e ela me contou que ele não estaria aqui hoje, resolvi
aproveitar o presente que tinha recebido.
Os malditos Volkov estão certos. Não gosto de admitir, mas eles têm
alguns neurônios funcionando em suas cabeças. Asher desconfia de
Mikhail, e, se eu conheço alguém fácil de prever cometendo um crime por
ganância, esse alguém é Patrick Monroe.
O sol tinha acabado de se pôr quando saio do apartamento e estaciono
nas proximidades de casa, esperando até o grande carro de vovô passar
para poder entrar. Leva quarenta minutos até três carros saírem em linha
reta. Todos os três pretos e blindados, é claro. Vovô obviamente estava no
terceiro carro. Eu sei porque já tinha escutado ele falar para mim que
sempre atacam o primeiro e vão direto para o segundo, achando que o
alvo está escondido no meio.
Espero mais trinta minutos dentro do meu carro, só para garantir que,
se Patrick decidir voltar, eu vou ter uma vantagem de meia hora.
A sensação de voltar para casa me deixa com um gosto estranho na
boca. Olhar para essas paredes e quadros caros nelas tem familiaridade,
mas eu não consigo sentir que esse lugar é minha casa. Eu passo mais
tempo fora do que dentro daqui de qualquer forma.
Esse lugar do caralho nunca está vazio, sempre tem alguém aqui
dentro, seja para limpar a mesa ou para combinar tiros com o meu avô,
sempre tem alguém aqui. Mas tem uma diferença entre ter funcionários e
ter pessoas que podem me matar, ou o meu avô.
Quando entro na mansão pela porta da frente, eu uso as minhas chaves
para entrar. Os guardas do lado de fora balançam a cabeça para mim em
saudação. Meus passos são pesados, posso ver os funcionários se reunindo
na cozinha. Uso a vantagem de ainda ser cedo e minha avó ainda não estar
acordada, então subo as escadas e paro na porta do escritório do meu avô.
Trancada.
É óbvio que está, mas eu aprendi há muito tempo a arrombar portas.
Aprendi com Julieta enquanto ela aprendia a arrombar os cofres do seu
pai. A garota sempre teve mãos leves.
Abro um sorriso assim que escuto o trinco da porta, satisfeito comigo
mesmo. Entro rapidamente, olhando ao redor para garantir que não tem
ninguém aqui em cima. Mas eu sei que isso é mais do que improvável. Os
empregados só sobem depois que a minha avó está acordada, ordens do
meu avô para não atrapalhar o sono leve de sua mulher. Minha avó é uma
pessoa que sempre amou dormir até tarde, e escutar os barulhos dos
empregados no início da manhã sempre foi proibido.
Vou direto para o computador, ligando-o. Está fechado com senha,
óbvio, mas eu não preciso ter trabalho para entrar, porque, apesar de ser
um criminoso, o meu avô é um homem de família. A senha é o seu
aniversário de casamento ao contrário.
— O que você está escondendo, vovô?
Clico em todos os arquivos que vejo, tem fotos de imóveis, e então vejo
algumas fotos de armas e drogas embaladas. Claro que sim. Seus arquivos
estão divididos em nomes de cidades e percebo rapidamente o padrão.
Para certos tipos de drogas, ele usa certos tipos de cidades. Los Angeles
para maconha. Cocaína é para Miami. Tem fotos, arquivos e documentos,
isso é basicamente um prêmio para qualquer policial.
Um prémio para mim.
Vou nos arquivos de backup e ergo minhas sobrancelhas quando leio o
nome russo “Krasota”. Que porra é essa?
Clico no link, e quando abro, tudo o que tem é a foto de uma mansão. É
enorme, branca e parece ser uma versão mais cara e cheia de vidro da casa
branca. Olho a data da foto no arquivo, e ela já é antiga. Por que meu avô
não apagou? Tiro uma foto com o meu telefone e passo para a próxima
pasta.
No arquivo nomeado “Colômbia”, acho tudo sobre Margarita González.
O que é estúpido pra caralho, porque Patrick sabe muito bem que ela é
mexicana. Datas de nascimento, registro médico, fotos dela tiradas pela
polícia em locais duvidosos, tem uma foto em que Julieta está no colo dela
enquanto essa mulher fala com outro cara que se parece demais com um
traficante de filme para não desconfiar.
Então tem informações sobre Julieta. Fotos dela que eu nunca vi antes,
e que eu não acho que ela tenha visto. Uma dela com o cabelo curto,
vestida de jeans e camiseta enquanto está do lado daquela amiga ruiva
dela. Elas parecem mais novas, estão rindo. Outra de Julieta saindo da
escola com o nosso professor.
Que porra!
Tiro foto de tudo e procuro mais coisas, mas não vejo nada. Nada além
do fato do meu avô ter mantido os olhos em Julieta por quatro anos, mas
por quê? O motivo não aparece aqui.
Abro mais páginas, mas só tenho provas dos seus próprios negócios
sujos. Mais nada.
Então vejo uma pasta chamada “Nova York”. Meus olhos semicerram
quando a abro. Não tem motivo de Patrick ter mantido uma pasta de Nova
York, a Costa Leste não pode ser controlada por nós. Ela já tem donos, a
Cosa Nostra a domina com mãos de ferro e o seu líder se chama Lorenzo
Rossi, um assustador homem ítalo-americano que já deixou claro para
todos que, depois que a Cosa Nostra caiu anos atrás, ela estava mais forte
do que nunca nas suas mãos.
Tem fotos de Lorenzo, o assustador e discreto homem que tem o
mundo debaixo da sola do seu sapato. Ele e sua família. Uma mulher de
cabelos escuros que é sua esposa, seu irmão e Underboss, uma
adolescente linda pra caralho de olhos tão gélidos que arrepiam a minha
pele apenas pela foto e um garoto menor, que está agarrado a menina e a
encara como se ela fosse a luz da sua vida.
Patrick não seria estúpido o suficiente para tentar matar uma das
maiores organizações já criadas, seria?
Quero acreditar que não, porque até mesmo eu sei que não temos a
menor chance. Nós, Monroe, não temos tanto poder quando a porra da
Cosa Nostra inteira. Não é assim que funciona.
Tiro fotos também, então procuro mais coisas que possam relacionar os
Rossi com Patrick, mas não encontro nada. Depois de olhar o computador
inteiro, desde o seu histórico até arquivos que acho que podem estar
escondidos, o desligo e começo a abrir as gavetas do seu escritório. Tem
alguns papéis de recibos, pacotes de charutos e pastas meticulosamente
organizadas. Tiro foto de tudo o que eu vejo, mas nada parece me chamar
a atenção como os arquivos no computador fizeram.
Percebo que perdi bons trinta minutos aqui, então volto tudo para o
lugar com cuidado. Fecho as pastas e coloco-as do jeito que encontrei. Até
alinho a sua enorme cadeira do jeito que estava, ou eu acho que estava.
A porta não range quando a abro, mas agradeço a quem está lá em
cima assim que saio sem mais problemas. Não tenho a chave para trancar
de volta, mas o fato do seu escritório estar aberto desde que ele saiu pode
não passar de um engano. As pessoas se enganam muito hoje em dia.
Minhas palmas suam quando as passo pelo pano da minha calça jeans,
então dou alguns passos para a frente, pronto para descer as escadas.
— Dylan? — A voz rouca da minha avó me chama a atenção. O ar trava
em minha garganta quando prendo a minha respiração. Seu olhar azul é
gêmeo do meu, mas, diferente de mim, vovó tem a feição cansada,
sonolenta. Um enorme sorriso enfeita os seus lábios bonitos. — Meu
menino!
Ela não parece brava ou preocupada com o fato de eu ter acabado de
sair do escritório do seu marido. Relaxo quando percebo que ela
provavelmente não viu. Minha avó não tem o costume de se intrometer
nos assuntos do meu avô, e eu sou o seu neto. Me ver andando nesses
corredores não é nada demais para ela. Ótimo.
— Bom dia, vovó. — Seus braços finos estão ao meu redor antes que eu
possa ir até ela.
— Que horas você voltou para casa? — A voz de vovó é rouca, assim
como todo Monroe que já passou dos quarenta. Vovó solta fumaça como
uma chaminé, me surpreende ela ainda conseguir ter fôlego com esses
pulmões que já devem ter virado cinzas.
— Acabei de chegar. — Sinto um beliscão em minha costela. — Ai, vó!
— O que eu disse sobre me preocupar? — Seu rosto não tem muitas
rugas, isso não denuncia a sua idade. Sendo sincero, Vovó parece uma
versão de Meryl Streep com o cabelo um pouco maior.
— Não vou fazer de novo, sinto muito.
— Você sempre fala isso com essa cara de cachorro abandonado para
mim. — Ela revira os olhos azuis quando se afasta de mim. — E depois
sempre faz a mesma coisa.
— Dessa vez é diferente, eu prometo — minto. Já menti tantas vezes
para tantas pessoas que eu me importo que essa não parece nada nova.
Vovó não parece acreditar em mim.
— Claro que promete. Vem, você me deve um café da manhã.
Sua mão se entrelaça na minha e, quando percebo, estou seguindo a
minha avó até o andar de baixo, onde nós nos sentamos à enorme mesa da
sala de jantar.
A mesa já está posta quando eu me sento ao lado da mulher mais
velha. Vovó se senta na cadeira que geralmente é ocupada pelo meu avô, a
cadeira que fica na ponta da mesa.
— Não sei por qual motivo estúpido o seu avô comprou uma mesa tão
grande, não existe uma festa que ele dê que não termine em algum tiro
antes da comida. — Seu nariz arrebitado enruga quando ela pega um copo
e coloca leite nele. — Então, eu posso saber o motivo do meu neto estar
dormindo fora de casa ou isso é proibido?
— É proibido. — Lanço-lhe uma piscadela. Vovó esconde o seu sorriso
por trás do copo quando bebe.
— E é seguro?
Meneio a cabeça, enquanto pego uma torrada.
— E desde quando algo é seguro para um Monroe?
Vovó não gosta disso.
— Cuidado, garoto. Você é o meu maior orgulho, não foda tudo.
Eu sorrio para ela.
Não se preocupe, vovó. Não vou foder tudo.

Asher é um filho da puta, e é um sujo do caralho. Eu sei disso, todos


sabem disso, mas o filho da puta parece mostrar mais o seu lado filho da
puta hoje. Ou é isso ou sou eu que quero matá-lo mais do que nos outros
dias. De qualquer forma, hoje estou completamente puto.
E Asher está feliz, o que, além de me deixar estranho, me deixa ainda
mais puto.
Nós tínhamos uma missão. Descobrir que porra é Krasota. Nós até
dividimos uma equipe ontem antes de Julieta ir para o quarto do meu
irmão. Dylan ia ver o escritório do seu avô, Asher e eu vamos atrás do
imóvel de Mikhail. Ou tentar achá-lo, pelo menos.
Enquanto procuramos, Asher achou algumas propriedades com o nome
incomum pra caralho, mas nada que ligue a Mikhail. Decidimos procurar
por cada uma até achar aquela que Mikhail controla.
— Não tem nada falando dele aqui. — A voz do meu irmão está mais
nítida, como se não doesse para ele conviver entre as pessoas. É como se
ele tivesse acordado com um novo humor. Quero acabar com a cara dele.
Ontem, depois que a Julieta foi para o quarto e sua amiga estranha
comeu pra caralho na cozinha e desapareceu dentro do apartamento, eu,
Roman, o imbecil Monroe e meu irmão ficamos na sala para discutir sobre
hoje. Até aí, tudo bem...
Mas aí Asher decidiu sair da sala quando eu estava ocupado batendo
boca com Dylan para prestar atenção no meu irmão... Até eu escutar os
gemidos baixos que saíram por todo o corredor.
Nós três calamos a boca na hora.
E eu não sei se estou puto porque ela transou com o meu irmão ou se
foi porque não me chamou para participar.
Mas o fato de Asher estar mais feliz do que eu porque ontem ele esteve
dentro da boceta dela, isso aí sim me irrita. A presunção está
transbordando dele desde que se sentou no banco do passageiro desde
cedo.
O celular está em sua mão desde que comecei a dirigir uma hora e
meia atrás. Já passamos por dois lugares e nenhum deles tem nada a ver
com Mikhail.
— Quantos mais temos? — indago a ele.
Asher não tira o rosto da tela quando me responde:
— Três.
— Duvido que algum deles seja de Mikhail. — Passo a mão pelo meu
cabelo quando paro no sinal. — Isso seria fácil demais.
Asher não me responde, mas seu aceno já me diz o que preciso saber.
Estreito os olhos para o retrovisor quando avisto um carro vermelho atrás
de nós, quase colado em nosso carro.
— Acho que estamos sendo seguidos.
Asher levanta a cabeça e me encara, com um olhar gélido quando olha
para trás.
— Por que acha isso?
Gesticulo para trás.
— O carro vermelho atrás da gente. Vi eles há quinze minutos, antes de
pegar a rodovia.
Meu irmão estreita os olhos, imediatamente abre o porta-luvas,
provavelmente atrás da arma que sempre fica lá.
— Você já sabe o que fazer.
Bufo.
— É claro que sei.
Dirijo em uma velocidade normal por dez minutos, troco de pistas três
vezes. Consigo ver o carro vermelho nos acompanhando pelo retrovisor,
então desacelerar quando entro em uma longa estrada mais vazia,
observando quando alguns segundos depois o carro aparece atrás da
gente.
Quando estão sendo perseguidas, as pessoas têm a ideia errada que o
certo a fazer é acelerar, mas isso é idiotice. Pelo menos a princípio. O certo
é dirigir bem devagar, assim tem como ter a certeza de que está sendo
seguido, porque a pessoa vai ter que desacelerar para te acompanhar.
Quando tenho certeza, acelero o carro com tudo. É uma estrada longa
e tem carros e pessoas ao meu redor, porra, ainda não deve ser nem meio-
dia. O carro aumenta a velocidade para me acompanhar.
— Ublyudki — Asher diz entredentes.
Aperto o volante quando entramos em uma rua vazia. Piso no
acelerador, com o carro de trás colado em nós. A adrenalina bombeia meu
corpo e meus sentidos quando o carro vai rápido demais para conseguir
controlar com exatidão que eu deveria.
Podemos bater a qualquer momento, porra.
Minha respiração engata quando vejo a curva fechada que está me
aguardando daqui a pouco, eu não vou poder fazê-la na velocidade que eu
estou, isso é pedir para capotar.
Pedir para capotar...
— O que pensa que está fazendo? — escuto a voz do meu irmão
quando o carro começa a ir mais rápido ainda.
— Vou me livrar daquele filho da puta. — E vou gostar disso pra
caralho.
Asher prende os dedos no banco quando eu jogo todo o carro para a
direita na curva, meus pneus derrapam e causam um barulho enorme, mas
não tão alto quanto o som de lataria sendo jogada no asfalto. O carro sai
da estrada, girando para dentro do matagal amarelo e seco do Texas. Freio
com tudo, entrando no matagal logo depois.
Asher sai do carro assim que eu o paro, o seu terno ridículo destoa de
todo esse lugar. Sigo atrás do meu irmão, que está andando em volta do
carro vermelho, observando com olhos treinados o que tem dentro.
— Uhu — eu chamo. — É melhor aparecer, estou ficando impaciente.
A sombra de uma pessoa é o suficiente para me chamar a atenção. A
lataria está completamente amassada e destruída, o carro de cabeça para
baixo, mas eu consigo forçar a porta do motorista a se abrir. Puxo o homem
por trás do volante em um solavanco só, soltando-o no chão.
Pele pálida, cabelo cortado, tatuagens nos dedos e um terno preto. O
cara tosse, pedaços de vidro fizeram cortes em seu rosto e devem
machucar a sua visão.
— Por que estava nos seguindo? — indago a ele, mas o imbecil não me
responde. Suas mãos vêm em frente ao seu rosto, provavelmente lutando
com os cacos de vidro e com o sol.
Chuto a sua perna com força, ouvindo o grunhido que ele solta.
— Estava seguindo ordens, filhos da puta — ele cospe sangue no chão
ao lado do seu próprio corpo.
— Isso nós sabemos. — Reviro os olhos. — Quem te mandou?
O imbecil não responde. Meu irmão e eu trocamos um curto olhar
antes dele apontar a arma para o homem no chão, que arregala os olhos
quando vê o cano do que vai matá-lo.
— Um nome.
O homem caído começa a balançar a cabeça, negando.
— Me mate.
Os cantos na boca de Ash sobem um pouco.
— Eu vou te matar, mas você decide se quer fazer isso rápido ou não.
Me abaixo em direção a ele, tateando os bolsos da sua calça e do seu
paletó. Fico satisfeito assim que puxo um celular do seu bolso. Agarro a sua
mão podre para desbloquear o aparelho.
O homem tenta me parar, mas Ash pressiona o cano em sua testa para
mandá-lo de volta ao chão. Vou direto na galeria de fotos, estreito meus
olhos com a quantidade de peitos que tem ali. Desço um pouco a galeria e
solto uma risada, mostrando a foto para Asher em seguida.
— Que fofo, é seu filho? — Olho para a criança na tela, o menino não
deve passar dos dez anos. Cabelo castanho e um dente da frente faltando
expõe a idade. — Acha que precisamos perguntar a ele, irmão? Acho que o
pai não vai falar...
O homem perde a cor no rosto.
— Por favor, meu filho não tem nada a ver com isso.
— Ele é seu filho e você estava atrás de nós, ele tem tudo a ver com
isso... — começo a falar. — Diga por que estava atrás de nós.
— Fui mandado para observar vocês.
Asher estreita os olhos.
— Por quem?
A situação do homem no chão não é favorável para ele, mas o maldito
ainda não fala. Gesticulo para a tela do celular.
— Porra, você acha que estamos brincando com você? Meu irmão vai
atirar na sua cabeça e então vamos atrás da porra da sua esposa, do seu
filho, do seu irmão... dos seus negócios. Vou destruir qualquer pessoa que
tenha alguma merda relacionada a você se não me contar quem é o
covarde que quer saber dos meus segredos agora.
— Se eu contar, vocês não podem ir atrás do meu filho.
Nós nunca iríamos atrás do filho dele. Que tipo de criminoso esse cara
é? Não marcamos crianças, isso ultrapassa todos os limites, além de ser
completamente ridículo. As crianças devem ser protegidas, não o
contrário.
Ash dá um aceno de cabeça para finalizar o acordo.
— Feito.
— Eu fui mandado por Mikhail Volkov. — É claro, porra. Claro que esse
filho da puta veio a mando do meu pai.
A feição de Asher é uma pedra quando ele trava o maxilar, mas eu sei
melhor do que isso. Ash, meu irmãozinho, está absolutamente furioso.
— Qual é o seu nome?
— Liam! — diz o homem no chão. — Eu só estava recebendo ordens,
cara. Não era nada demais, só precisei seguir vocês e reportar o que
faziam!
— A sua sorte foi ter me pegado em um bom dia, Liam. — E então meu
irmão aperta o gatilho.
O barulho era para ser ensurdecedor, mas tinha um silenciador na
ponta da arma. O cheiro de pólvora chega até as minhas narinas quando
olho para o homem que está imóvel no chão, com um buraco sangrando
em sua cabeça. Seus olhos estão vazios, sem vida, enquanto encaram o céu
acima dele.
— Precisamos ir rápido, essa merda em volta nos esconde, mas não
acho que vá funcionar por muito tempo. — Ash guarda a arma no quadril,
arrumando o seu paletó com dois tapinhas. Nunca o achei tão parecido
com o Mikhail antes. — Me ajude a pegar o corpo, vamos nos livrar dessa
merda.
Tiro a senha do celular e o enfio no bolso, me preparando para ajudar o
meu irmão a colocar um corpo no nosso porta-malas.
Sinto o cheiro forte de café assim que passo pelo corredor. Meu
estômago ronca quando ando pelo piso do apartamento de Asher. Sigo o
cheiro até a cozinha e minha respiração trava quando dou de cara com
Roman em toda a sua glória pela manhã. Suas tatuagens estão aparecendo
e o cabelo todo escuro está bagunçado como se ele tivesse acabado de
acordar. Suas feições estão concentradas no fogão, onde ele mexe em
alguma coisa na frigideira.
— Bom dia — o cumprimento.
Os olhos azuis vêm direto para o meu rosto, descem pelo meu corpo e
então voltam para o meu rosto novamente. Preciso me conter para não
mexer as minhas pernas e deixar transparecer que o seu olhar me deixa
quente. Roman abre um pequeno sorriso para mim e, em seguida, volta a
olhar para a frigideira.
— Bom dia. — Sua voz é rouca, como se ele tivesse acordado há pouco
tempo. — Dormiu bem?
— Como um bebê. — Não me lembro da última vez que eu dormi
tanto. Literalmente apaguei em cima de Asher, nem mesmo me lembro de
ter levantado para tomar banho e me limpar.
Acordei essa manhã porque Asher me cutucou, dizendo que precisava
sair com Axel. Nem sequer me lembro direito do que ele disse, tamanho o
meu sono. Depois que o seu corpo quente saiu da cama, eu me enrolei em
seu travesseiro e voltei a dormir.
— Onde está o Dylan? — O lugar está silencioso demais e, no mínimo,
era para ele estar sentado na sala enquanto assiste a TV.
— Provavelmente invadindo o escritório do avô dele enquanto
conversamos. — Roman abre o armário e pega dois pratos, mais
familiarizado com o lugar do que eu. Me sento em um banco à beira da
ilha, com minhas mãos em cima de minhas pernas enquanto eu o observo
colocar os ovos nos pratos.
Nunca tive a chance de ver Roman fazendo o café da manhã, ele
sempre me entregou pronto. É bom vê-lo fazer isso, como se estivéssemos
em uma rotina familiar bizarra.
— Acha que ele vai conseguir achar alguma coisa suspeita? —
pergunto.
O motoqueiro vai até a geladeira e abre-a como se fosse sua. É claro
que a geladeira está quase transbordando de comida mesmo que Asher
fique aqui sozinho e que eu nunca o tenha visto pegar em uma faca para
cortar algo antes, claro que sim.
Espero que ele tenha um projeto secreto de doar comida para os
necessitados, porque não tem chance nenhuma de Asher comer tudo
aquilo sozinho.
— Patrick é um mafioso, boneca. Tudo o que vai ter lá são coisas
suspeitas. — Ele me lança uma piscadela enquanto pega uma bandeja de
morangos de lá de dentro.
Me levanto da cadeira, indo até a pia para ajudá-lo a lavar as frutas. O
calor de seu corpo corre para o meu quando estamos lado a lado,
enquanto ele abre a bandeja, eu procuro uma faca e um prato para
começar a cortar.
— Vamos achar quem fez isso com a sua mãe — diz com as mãos
cheias de morangos. — Eu te disse que nunca foi um de nós. Jamais te
trairíamos, boneca.
O encaro de soslaio.
— Vocês disseram algumas coisas ontem que não saíram da minha
cabeça ainda.
Ele me passa alguns morangos e eu começo a cortá-los.
— Falamos muita merda ontem, não devia ocupar a sua cabeça com
isso.
Quando olho para ele, Roman não me dá atenção. Seu rosto está
voltado para a frente como se a coisa mais interessante que ele estivesse
vendo agora fosse os moranguinhos que ele lava. Volto a olhar para a faca,
mas não deixo que a sua clara má vontade de lidar com esse assunto me
assuste.
— Axel disse que o seu pai me ameaçou para você sair de perto de
mim. — Endureço a minha coluna quando percebo que ele faz o mesmo.
— Quando isso aconteceu?
Roman não me responde a princípio, seu maxilar está travado como se
fosse doloroso para ele sequer tocar no assunto. O cabelo preto está
maior, quase dá para ele colocar atrás da orelha agora, não sei nem
quando foi a última vez que vi ele com o cabelo cortado.
— Nós tivemos uma briga há alguns anos — me diz. — Não foi nada
demais.
— Tem certeza? Axel fez parecer importante...
— Volkov estava tentando me pressionar. — Vira o seu rosto em minha
direção. — Não precisa ligar para o que ele diz, não foi nada demais. Meu
pai e eu temos nossas brigas às vezes. Quer que eu faça panquecas?
Tenho que morder a língua para não começar a pressioná-lo. Tem algo
sobre isso que não parece certo para mim, algo não se encaixa. Não sei
como, mas algo não se encaixa bem para mim. Quero grudar nele e exigir
que me conte a verdade. O que James falou para o filho? Por que me
ameaçar? Axel disse que ele deixou Roman com medo, e, em seguida,
disse algo sobre uma briga para sair de perto de mim.
Tem que ser quatro anos atrás. É a única explicação plausível que eu
consigo pensar. Quero perguntar a ele, mas Roman só vai se fechar como
fez ontem à noite.
— Vou querer as panquecas.
E então nós fazemos panquecas.
Ele faz a massa enquanto eu vou cortando as frutas que quero colocar
por cima, olho a geladeira de Asher de cima a baixo, lendo rótulos de
alimentos que eu só tinha visto quando morava com meu pai. Sempre
achei que nenhuma pessoa que vive sozinha tem a geladeira tão cheia de
coisas tão desnecessárias, mas estava errada. Tem até mostarda aqui, e
não consigo imaginar uma cena onde Asher coma isso.
— Lembra daquela vez que você me ensinou a fazer bolo de chocolate
com pimenta? — Roman me indaga depois de servir todas as panquecas
em um prato e pulo para poder jogar mel, morangos e mirtilo por cima. Ele
solta uma risada, se é pelo meu entusiasmo ou pela lembrança desastrosa,
eu não sei.
— Você deixou tudo horrível — o acuso. — O bolo tinha gosto de
merda, não dava para engolir.
— Ei! Não tinha gosto de merda, só tinha mais pimenta do que
chocolate — se defende.
— Era nojento, Roman. Você trocou a receita toda, até o cheiro era
ruim. Sua mãe ficou furiosa.
— É... — Seus olhos perdem o foco por um momento, indo até o
passado onde Addie estava viva. Existem histórias sobre o karma, sobre o
universo te dar de volta o que você deu para o mundo, mas não sei se
acredito nessa merda, porque Addie era boa. Verdadeiramente boa, uma
rainha sem esforços. A mulher brilhava para qualquer um que olhasse para
ela. — Ela nos fez arrumar a cozinha inteira e disse que ia me ensinar a
cozinhar depois disso.
O encaro quando nos sentamos um de frente para o outro, com a mesa
cheia de ovos, frutas, biscoitos do armário de Asher e sucos de sua
geladeira. Como se fôssemos comer tudo isso.
— E ensinou?
Um sorriso de canto nasce em seus lábios.
— Como acha que cozinhei todo o seu café da manhã nas últimas
semanas?
— Ela ia estar orgulhosa de você — quando digo isso, nós dois sabemos
que não estou falando só sobre a sua comida ser boa.
Seu sorriso se torna quase inexistente.
— Será mesmo?
E quando Roman diz isso, não sei se a pergunta veio para mim ou para
si próprio, mas decidi respondê-la:
— Tá brincando comigo? Você é tudo o que Addie disse que queria em
um filho. É um bom líder, Roman, o único dos meninos que sabe dividir
alguma coisa. É bom com o seu pai e com o clube também, mesmo tendo
alguém lá dentro que não é leal a você. E você também salvou a minha
vida dos motoqueiros, me colocou na sua casa porque eu fiz merda
assaltando um mercadinho. Você é bom.
Minha pele fica vermelha com a intensidade do seu olhar. Não consigo
o encarar, finjo estar preocupada demais olhando para a comida
distribuída em busca do que comer, mesmo que ambos saibam que eu vou
comer as panquecas e o ovo, só porque ele teve o trabalho de fazer e não
quero ser sem educação. Apesar de já estar quase no meio do dia e eu
estar morrendo de vontade de almoçar.
— Achei que me odiasse...
— E odeio. — Mentira. — Mas isso não faz de mim alguém cego.
— Odeia, claro — começo a me arrepender do que eu disse. — Dentro
desse seu coraçãozinho cheio de rancor e ódio deve ter um santuário
dedicado a mim.
É isso. O mais absoluto arrependimento. Me preparo para mandá-lo
para o inferno, mas paro de falar quando o som da porta batendo chama a
nossa atenção. Mordo um pedaço da panqueca de Roman, fecho os meus
olhos quando escuto os passos pesados. Tenho a certeza de que são os
gêmeos pelo tamanho barulho, nem Dylan faz tanto barulho assim.
Arqueio minhas sobrancelhas quando percebo que ambos estão
quietos demais, não escuto Axel reclamar ou ameaçar o irmão, não escuto
absolutamente nada até que eles entrem na cozinha juntos.
Sangue. Há sangue em todo o lugar.
A camisa social branca de Asher está vermelha e grudada em seu peito,
se forçar a vista dá para ver o contorno do desenho em seu peito. Sua calça
azul tem manchas vermelhas também, assim como o seu sapato. O cabelo
que geralmente é perfeitamente alinhado agora parece uma bagunça
escura. Axel está todo de preto, mas a mancha avermelhada também não
mente. Suas mãos também estão assim. E o cheiro...
O cheiro faz com que o meu estômago embrulhe por conta do cheiro
de ferrugem vivo dentro da cozinha. Troco um olhar com Roman, que se
levanta da mesa em um solavanco.
— Que porra é essa? — Faço a pergunta de um milhão de dólares.
— Nós matamos alguém — Axel responde. — Bom, na verdade foi
Asher. Asher matou alguém.
Asher o encara, nada impressionado.
— E você o fez capotar o carro, então ameaçou o filho dele, depois me
ajudou a colocar no porta-malas e dirigiu com um cadáver lá dentro até a
limpeza.
O outro gêmeo franze a testa.
— É, mas quem atirou foi você. Eu só fiz todo o resto.
Que porra?!

Roman é mais agitado, e nem mesmo foi ele quem matou alguém.
Enquanto os garotos foram tomar banho para tirar o cheiro de sangue e
trocar de roupa logo depois que Asher me entregou uma pílula do dia
seguinte com um olhar fixo no meu e saiu antes de ver se eu a tomei ou
não — o que claramente eu fiz —, Roman assumiu a tarefa de trazer Dylan
para cá. Ele mandou mensagens e ligou assim que o loiro respondeu de
volta.
Megan sai do quarto de visitas uns minutos antes de Dylan entrar no
apartamento. Ela está com os olhos pequenos, o rosto bonito todo inchado
pelo sono. O grande cabelo ruivo se tornou uma bagunça de fios
desalinhados e embaraçados em cima de sua cabeça. Ela está com a roupa
de ontem, bocejando e se espreguiçando lentamente.
— Eu não estou surpresa, é bem óbvio que o primeiro a matar alguém
ia ser um dos Volkov de sangue gelado. — A voz bem-humorada não deixa
dúvidas de quem chegou. Roman vem logo atrás dele, já que foi o
motoqueiro que abriu a porta.
Megan se senta ao meu lado no sofá e coloca suas pernas em cima das
minhas.
— Por que os seus homens estão tão agitados, chica?
— Eles acabaram de matar alguém. Acabou de acordar, não é, cadela?
Quer panquecas?
Megan solta um bocejo, e deixa a cabeça cair no encosto do sofá, seus
olhos azuis-acinzentados se fecham por um momento.
— Tem café?
— Sim, mas não tem creme.
Seus ombros se encolhem.
— Eu vou tomar preto como a minha alma.
Engulo uma risada, porque só Megan Smith iria ouvir que pessoas
dentro dessa casa acabaram de matar alguém e ia querer saber do seu café
da manhã. Minha garota é dura na queda, nunca duvidei dela.
— Onde estão os assassinos? — Dylan anda como se fosse dono de
todo esse lugar, e fala alto o suficiente para que eles o escutem dos
quartos no corredor. Sua jaqueta característica não está com ele hoje,
percebo assim que ele se senta em uma poltrona em minha frente e
estende os pés em cima da mesa de centro feita de vidro. — Bom dia,
garota barulhenta. Imagino que tenha dormido bem, mesmo que pelas
costas de quem não dormiu.
— Como é?
Dylan me encara, nada impressionado.
— Você faz barulho demais, Julieta. Acho que você nos queria na festa,
não é? Se não quisesse, teria se preocupado em fazer menos barulho.
Travo minha respiração trava e estreito meus olhos em sua direção.
Dylan Monroe e seu gênio insuportável de merda. Megan abre os olhos em
um movimento só, passando de mim para Dylan como se soubesse que
algo de errado está acontecendo.
— Não gostou do barulho? — Estico meus lábios em um sorriso cínico.
— Ah, eu gostei muito. Mas só queria ser avisado com antecedência da
próxima vez, assim eu posso trazer a minha própria garota para que todos
possamos nos divertir juntos — ele copia o meu sorriso, e porra... Eu quase
vejo vermelho. Provavelmente teria visto se não sentisse Megan
entrelaçando os nossos dedos e apertando a minha mão com força.
Esse é o problema quando se conhece alguém há muito tempo: Essa
pessoa sabe o seu calcanhar de Aquiles. Ele sabe, sempre soube que sou
incrivelmente ciumenta e que nunca lidei bem com a menção de outra
pessoa com eles. Sou uma cadela egoísta, nunca neguei nada disso.
— Qual é a porra do seu problema? — pergunto a ele. — Você tem
agido como um merda desde o dia da festa.
— Meu problema? — Aponta seu indicador para si mesmo. — Qual é o
seu problema?
Abro a minha boca, surpresa. Meu problema? Posso fazer uma lista
para isso, mas essa não é a questão aqui.
— Não se preocupe com ele, babochka. Monroe só está assim porque é
um covarde ciumento que não sabe fazer nada por si mesmo.
Asher aparece novamente na sala e não parece nada com o homem
que eu vi mais cedo. O sangue se foi e o cheiro também. Em vez disso,
parece ser o mesmo de sempre. Cabelo perfeitamente arrumado, terno de
três peças no corpo e o perfume forte e gostoso que ele exala. Axel parece
o oposto.
Ele está com uma camisa larga e de calça, o cabelo molhado e
bagunçado e os pés descalços contra o piso. Asher provavelmente
infartaria antes de ficar sem sapatos aqui.
Axel não parece feliz quando chega até nós, seu humor alegre de mais
cedo deu lugar a um mais fechado. Está com o celular na mão quando
passa pelo irmão e se posiciona no meio da sala.
— Temos um problema — anuncia.
— Ponha na porra da lista — Roman murmura, com suas bochechas
cheias de panquecas. Os farelos escorrem por seu maxilar, para o total
desagrado de Asher. Roman não perdeu o apetite depois dos encontros na
cozinha, ao contrário de mim. Não pelo fato deles terem matado alguém,
mas sim pelo cheiro nojento. Não consegui mais comer.
— Esse não dá para esperar. — Minha coluna endurece quando eu
sinto a atmosfera da sala mudar. Ele e Asher trocam olhares antes dele
voltar a falar: — Mikhail me mandou uma mensagem.
— O que diz na mensagem?
Axel pigarreia antes de começar a falar:
— Perdi um negócio importante hoje e ele está na conta de vocês.
Continue mexendo no que não os interessa que eu farei com que interesse
a vocês, proklyatyy mal'chik22.
— Encantador — comento.
— Quem é esse e por que ele soa como alguém que tem um pau
enfiado na bunda? — Megan sussurra para mim, mas é ouvida por todos
na sala.
— Esse é o papai Volkov e ele provavelmente tem um pau enfiado na
bunda.
— Que porra isso quer dizer? — Dylan faz a pergunta.
— A mensagem é autoexplicativa, seu idiota. O que acha que quer
dizer? — praticamente rosno para ele.
Dylan me fita com seus olhos azuis. Ele não está feliz, na verdade
parece puto da vida. Um sorriso quase nasce em meus lábios por saber
que eu o deixei assim, mas Dylan abre a boca para me rebater:
— Ele vai vir atrás de você — Asher corta Dylan e volta a falar comigo.
— Precisamos matá-lo.
— Espera, se segure um pouco. Apesar de parecer um, você não é a
porra de um serial killer — diz Roman. — Nós não sabemos se ele vai vir
atrás da Julieta ou não, e nem sabemos se ele está falando sério.
— Meu irmão tem razão, Mikhail não blefa, nunca. — Axel fala. —
Mikhail está envolvido nisso de algum jeito. Asher e eu estávamos atrás de
um negócio secreto dele quando fomos seguidos.
— Me diga que descobriu quem estava seguindo vocês — pergunto.
Saber quem está atrás deles facilitaria tanto a nossa vida.
O sorriso que Axel abre para mim é completamente sujo, e eu decido
que amo assim que vejo.
— Joguei ele para fora da estrada. O filho da puta se cagou de medo.
— Não precisa deixar a melhor parte para o final, termine de falar —
Dylan implica com ele e Axel não lhe dá atenção.
— O cara veio a mando de Mikhail. Então Asher o matou e nós fomos
nos livrar do corpo. Precisei dirigir até a equipe de limpeza, nós estávamos
sujos, isso meio que tirou a chance de descobrirmos sobre a Krasota.
— O quê? — Dylan indaga, com seu rosto completamente voltado para
Axel. — O que você falou?
Axel faz careta para ele.
— Ficou surdo, Monroe?
— Qual o último nome que falou?
— Eu disse Krasota.
Dylan se levanta da poltrona em um salto.
— Vi esse nome nos documentos de Patrick. Era um arquivo no backup,
mas só tinha a foto de um prédio.
— Precisamos desse prédio! — Dylan tira o celular do bolso e estende
para os gêmeos, mostrando a eles uma foto. — Mikhail é dono de um lugar
chamado Krasota. Não sabemos o que é ou onde é, mas nunca ouvimos
falar disso antes. Olhamos endereços no Google e estávamos indo atrás,
mas não tem nada que fale que Mikhail é o dono ou não lá.
— Krasota... — testo o nome russo na língua. — O que acham que
pode ser?
— Significa literalmente A beleza — Asher traduz para nós. —
Conhecendo Mikhail, pode até ser um prostíbulo.
— Ou pode ser algo mais importante que isso. Não teria motivo para o
meu avô ter uma foto do prédio se não fosse.
Roman bufa do outro lado da sala, não se preocupando em esconder o
seu desagrado quando todos os nossos olhos vão para ele.
— Vamos achar essa merda, invadir e descobrir que porra o seu pai
está fazendo.
— Acha que nós já não tentamos fazer isso, motoqueiro? — Axel
pergunta a ele. — Não é fácil assim.
Me levanto do sofá e caminho com meus pés descalços até Dylan e os
gêmeos. A altura de Dylan e seu rosto fechado para mim não me intimidam
quando espio por cima de seus ombros, olhando a foto de um edifício em
seu celular.
— Ainda não acharam o prédio, não é?
Axel nega.
— Nem perto.
— Vi todos os sites e não tem nenhuma foto com esse prédio. Ele não é
de conhecimento público. Mikhail está o escondendo. — A voz de Asher
não mudou, como se o que ele fez hoje não tivesse o afetado em nada. Ele
já fez antes? É por isso que não está abalado? — Vamos precisar de alguém
que consiga achar isso para nós.
— Alguém como um detetive? — Franzo a testa. — Não acho que isso
daria certo.
Asher estende a mão para mim e eu a pego sem hesitação,
entrelaçando os meus dedos em sua mão quente. Ele se senta em uma
poltrona e me coloca orgulhosamente em seu colo, sua mão firme em
minha coxa, no limite da sua blusa larga. Inclino as minhas costas para ele,
ignorando os olhares fixos dos meninos.
Megan me dá uma joinha e balança a cabeça, como se estivesse me
parabenizando. Quase consigo imaginá-la dizendo: “Isso mesmo, vadia,
suba no colo desse homem”.
— Mikhail deve estar escondendo os seus rastros pela internet. Se ele é
dono de um prédio, tem que ter alguma coisa que o ligue a ele. Precisamos
de um hacker. Alguém bom para conseguir entrar no computador dele e
descobrir essa merda.
Quando olho para Megan encontro os seus olhos em mim. Nós duas
sabemos o que se passa na cabeça da outra, não precisa de muito. Ergo a
sobrancelha para ela em uma indagação silenciosa. Ela me responde
encolhendo os ombros. Se tivéssemos acabado de falar, imagino que a
conversa seja algo assim:
“Será que chamamos Charlotte?”
“Está na sua conta, hermana.”
— Conheço alguém que pode hackear Mikhail para nós. — A sala
silencia com o que eu acabo de falar. — Mas ela é cara.
Asher não pestaneja.
— Fale que queremos isso rápido e pergunte o preço.
Acho que acabo de achar o cliente mais caro para Charlotte.

Foram dois dias até a minha amiga conseguir uma pista sólida sobre a
Krasota. Duas noites presa no apartamento até termos uma pista, e não
era só uma pista, era a pista. Um endereço.
Depois da reunião em que Charlotte cobrou um valor alto para hackear
Mikhail para Asher, ela disse que precisava saber do que Mikhail gostava.
Charlotte então criou um e-mail com o nome do meu pai e mandou para
Mikhail com o intuito de começar uma conversa. Pelo que ela disse,
Mikhail era esperto, mas clicou no e-mail e no link de uma foto que não se
passava da própria ficha policial divulgada dele.
Não foi nada demais, mas quando ele clicou no arquivo que Charlotte
plantou, ela teve acesso ao seu computador. Não conseguiu fazer nada
além de observar enquanto ele usava, como se fosse uma espectadora de
seus crimes na internet. E depois de uma ligação horrorizada, quando me
contou que viu ele trocar e-mail com o que parecia ser um traficante de
peles, ela disse que acompanhou uma conversa dele onde mandava
alguém cuidar de um lugar secreto.
Queremos acreditar que seja a Krasota, mas só dá para saber quando
chegarmos lá.
A pessoa que respondeu Mikhail no e-mail confirmou o endereço e ele
é longe o suficiente para que tenhamos que sair sem nos preocupar com o
horário.
Todos os cinco estamos no carro que Megan arrumou para nós, porque
é desse jeito que se sai em missões. O carro é preto, modelo comum para
passar despercebido em meio aos outros carros, nada parecido com o
chamativo modelo de Asher. Me encolho no meio de Roman e Dylan,
ambos calados e apreensivos. Axel está no volante e Asher está ao seu
lado, quieto e mortal.
Quero que seja a porra da Krasota, quero saber o que ela é e se isso
tem alguma coisa relacionada com a minha mãe.
O endereço é fora da cidade, nós levamos tempo para chegar. A estrada
à noite se torna deserta em certo ponto, não há ninguém nas ruas a não
ser nós. Há terra em todo o nosso redor, só somos iluminados pelo farol do
carro. Engulo em seco, começando a ficar tensa. Eu não gosto de nada
disso. Cruzo os braços embaixo dos seios enquanto meu joelho começa a
saltar de nervoso.
— Relaxe. — Roman coloca sua palma contra o meu joelho, forçando-o
a ficar no lugar. — Tudo vai dar certo.
— Será mesmo?
— Tem que dar, eu preciso viver até amanhã. — Ele pisca os olhos para
mim. — Tem uma entrega especial amanhã no clube e eu preciso ajudar o
meu pai. Não se preocupe, boneca. Tudo vai dar certo.
Não acredito nisso nem por um segundo.
A mansão parece ser uma ilusão no deserto, alimentando as vistas com
algo tão belo. Uma mansão, não um prédio. É o lugar mais bonito que já vi
antes. Mais bonito que a Mansão Monroe, que a mansão do meu pai, que
a mansão Volkov... Esse lugar é inexplicável. E o pior... aparentemente
vazio.
Nós colocamos máscaras antes de descermos do carro. Vestidos de
preto da cabeça aos pés, andamos até a porta da frente como se fôssemos
os donos, mas a verdade é que não tem ninguém aqui para dizer o
contrário. Todas as luzes estão apagadas e não há casas por perto. A última
vez que eu tinha visto uma mansão tinha sido uma hora atrás.
Tiro a minha arma da cintura e a destravo. Caminhamos até os fundos,
quietos. Consigo abrir a fechadura com rapidez, o que só me deixa mais
receosa. Que tipo de mansão não teria um alarme contra invasores?
Principalmente em um lugar desses?
Entendo assim que entramos nessa porra de lugar. Há lanternas
apontadas para todos os cantos, e tudo o que eu vejo é branco. Só branco
e cheiro de produto de limpeza.
Balanço a cabeça, desacreditada. Tão perto para nada.
Mais tarde, vejo que estava certa. Esse lugar está completamente vazio.
Não tem móveis, não tem trancas nas portas, não tem pessoas. Não tem
nada. Uma mansão no meio do nada.
Nada.
Exatamente o que temos.
Absolutamente nada.
Vermelho é a primeira coisa que vejo essa manhã. Vermelho por
minhas pernas e uma mancha vermelha pelo lençol branco de Roman.
Minhas mãos apertam o cobertor e meus olhos se fecham com força. Foda-
se, eu sou uma garota grande. Qual é o problema que manchei o lençol de
Roman com a minha menstruação? É só sangue, eu posso lavar.
Preparo-me para levantar da cama e me sento no colchão. Meus olhos
demoram para acostumar-se com a claridade do quarto por causa da noite
de ontem. Depois do fracasso da noite anterior, voltamos todos para casa.
Na verdade, Roman trouxe-me de volta ao clube, já que ele tem uma
entrega importantíssima para ajudar o pai hoje e se recusou a me deixar
sozinha com os gêmeos no apartamento de Asher. Estávamos tão
frustrados que ninguém disse absolutamente nada.
Roman estava nervoso ontem, passava a mão por seu cabelo toda hora.
Estava gostoso de olhar, mesmo assim... Quando chegamos no clube para
dormir ele me disse que iria deixar Dylan comigo caso tivesse que sair e eu
não estivesse acordada. Também disse que ia deixar o meu café da manhã
pronto e que Dylan ia trazer para mim se eu pedisse. Jesus Cristo, se não
estivesse tão cansada eu poderia totalmente encharcar a minha calcinha
ontem à noite só com Roman agindo todo casual assim comigo.
Ela já está encharcada hoje de qualquer forma.
Olho ao redor do quarto e procuro minha mochila com os meus
absorventes. Está no canto do quarto, dentro do armário de Roman.
Merda. Ainda não me levantei da cama, mas sei que, quando fizer, vou
deixar um longo rastro vermelho atrás de mim e eu não tenho como
limpar.
A alta figura de Dylan passa pela porta. Ele parece o mesmo de sempre
com sua camisa vermelha e calça jeans, mas a jaqueta característica do
time da escola não está em seus ombros. É estranho vê-lo sem ela. Dylan
fica tanto com essa jaqueta que é parte da sua identidade, como a sua
segunda pele. Sem ela... é estranho.
Os olhos azuis estão inchados, percebo. Talvez os meus próprios olhos
estejam tão inchados quanto e isso tudo é consequência da noite de
merda de ontem. Dylan entra com uma bandeja na mão exatamente igual
à que Roman traz todos os dias.
Meus ombros se curvam para a frente e eu me encolho. Meu cabelo cai
como uma cortina escura que me separa de Dylan.
— Roman falou que vai voltar depois do almoço, não precisa chorar
como uma criança. — Dylan coloca a bandeja em cima da mesa e então se
vira para mim, me observando com uma feição confusa. — Sei que eu
também não sou o preferido do seu harém, mas hoje eu sou a sua babá.
Agora, vem comer.
Ele gesticula para a bandeja e pega uma fruta, levando-a aos lábios. O
observo enquanto aperto firmemente o lençol. Espero que ele saia do
quarto ou alguma coisa assim, mas tudo o que Dylan faz é me encarar.
— Qual é, Julieta? — Observo quando ele se senta no sofá que Roman
tem no quarto e estica suas pernas. — Vai mesmo fazer pirraça por causa
da nossa briguinha de nada de ontem? Isso é imaturidade até para você.
Puxo a respiração e bufo como um touro enquanto o encaro. As cólicas
me incomodam o suficiente para que uma careta tome conta do meu
rosto. Me contorço um pouco, resmungando baixinho entre minhas
respirações.
— O que foi? — Sua voz é preocupada quando ele se levanta e vem até
a beira da cama, contorcendo suas mãos para me tocar. Seus olhos azuis
estão preocupados e atentos. Em outras palavras, perfeitos. — O que está
errado?
— Estou com cólicas e acabei de sujar todo o lençol de Roman de
sangue. — Dylan balança a cabeça, seus olhos não se desviam dos meus
nem por um segundo.
— Vai para o banheiro que eu cuido do resto.
Balanço a cabeça, negando.
— Vou sujar tudo no caminho até lá.
Dylan faz careta para mim, teimoso.
— Eu disse que cuido do resto.
Quando ele se afasta da cama e me dá espaço para sair, vejo que não
tenho opções a não ser me levantar. Isso não é nada de novo entre nós.
Esses garotos sempre enfiaram os narizes onde ninguém chamou e, no
meu caso, sempre tinham que saber de todos os meus negócios. Me
manchar de sangue perto deles em algum acidente quando era mais nova
já tinha acontecido antes.
Quando me levanto e arrumo a blusa de Roman em minhas pernas, a
mancha vermelha em mim não é novidade para Dylan de qualquer forma.
Ando rapidamente até o banheiro, com medo de ter sujado o chão de
Roman, mas, quando olho para baixo, não vejo nada.
Paro no batente da porta e observo quando Dylan tira os lençóis sem
problemas ou murmúrios. Isso sempre foi algo que eu gostei. Enquanto os
garotos da minha turma falavam besteiras sobre mulheres, eles nunca
tiveram problemas em me aceitar de todas as formas. Seja com um vestido
bonito ou enrolada no sofá porque eu estava sentindo cólica, mesmo antes
de eles me enxergarem com outros olhos quando entramos na
adolescência.
Jogo a roupa em um bolo no chão e enfio-me no chuveiro assim que o
sangue começa a escorrer pelas minhas coxas.
A água está quente quando eu enfio a minha cabeça toda embaixo do
chuveiro, acaricio o meu corpo para ajudar a me relaxar. Procuro o xampu
que sempre está na janela. Roman tinha comprado um barato de mercado,
não é muito caro como o de Asher, mas o cheiro é bom. Quando pego o
frasco, não acredito no que os meus olhos veem.
Roman trocou o xampu de novo, mas dessa vez é de uma marca
profissional. Também tem uma máscara de hidratação que parece fazer
parte de um kit, todos lacrados, apenas esperando para que eu os use. O
sorriso que toma conta do meu rosto apenas cresce quando eu pego o
sabonete líquido e vejo que agora ele tem a fragrância de morangos.
Roman.
Jogo tudo isso sobre o meu corpo e me limpo, assustando-me quando a
porta do banheiro se abre em uma fresta. A cabeleira loira de Dylan é a
única coisa que eu vejo, considerando que o seu rosto está todo voltado
para os seus pés e ele não me encara de jeito nenhum.
— Eu bati, mas você não escutou — ele justifica antes mesmo que eu
faça a pergunta, e eu não sei se é por me ter vulnerável ou só por não
querer mais me irritar. — Onde está a sua mochila?
— Dentro do armário dele. — Esfrego os meus braços, sorrindo quando
vejo os movimentos de Dylan.
— E você tem tudo o que precisa lá dentro?
— Uhum — murmuro, e então Dylan fecha a porta e desaparece.
Continuo o meu banho até a porta se abrir de novo.
Monroe entra no banheiro novamente um tempo depois, ele repete o
ato anterior, não me encara. Caminha até o armário e coloca a mochila lá
em cima e então encara a própria imagem no espelho.
Consigo ver o seu peito subir e descer daqui de trás do boxe, suas mãos
estão na bancada, apertando firme o mármore.
— Dylan?
— O que foi? — Seu timbre é diferente, mais pesado do que antes.
Dylan soa como se tivesse acabado de fazer muito esforço, como se só
estar aqui no mesmo cômodo que eu testasse os seus limites. Eu gosto de
tê-lo assim.
— Pode pegar a toalha para mim? — Não peço “por favor”, porque eu
sei que não precisa. Enquanto vejo ele através do vapor da água quente, o
seu cabelo claro cobre os seus olhos e seu rosto todo está voltado para o
espelho para que ele não olhe para mim... Eu quero que ele olhe para mim.
Quero que ele me encare e que me absorva, que sinta tesão por mim. Eu
quero um monte de coisas.
Ele abre o armário embaixo da pia, tirando uma das toalhas felpudas de
Roman. Dylan paralisa, com seu corpo todo voltado para mim apesar dos
seus olhos estarem na toalha que ele carrega nas mãos. Minha respiração
trava na garganta quando seus olhos azuis me encontram.
Luxúria é tudo o que eu vejo refletido em seus olhos. Eles me
absorvem, observando os meus movimentos. Dylan acompanha quando eu
passo as mãos em meus seios, tirando o sabão junto com a água. Quero
gemer e chamá-lo para dentro comigo. Quero que ele entre aqui dentro e
me foda, e então que me abrace e me encha de beijos.
A necessidade do afeto de Dylan me faz desligar o chuveiro e ir em sua
direção com cuidado. O Monroe abre a toalha felpuda e me espera até
chegar perto dele, eu o sinto me envolver com a toalha, suas mãos
envolvem a minha cintura, apertando-me por cima do pano uma última
vez antes de se afastar.
— Vou te esperar lá no quarto. — Sinto a maciez de seus lábios em
minha testa. Seu corpo se afasta de mim lentamente, seus olhos só me
deixam quando a porta se fecha com suavidade.
Puta merda.
Quando saio do banheiro, estou vestida com um par de calça grande e
um moletom enorme e preto que pertence a Roman. A essa altura, eu não
sei se tenho mais roupas minhas ou as roupas dele.
Dylan está deitado na cama, esticado com as mãos por trás da cabeça,
o lençol antigo já se foi e um de cor preta toma o seu lugar.
— Para onde foi o lençol antigo?
— Coloquei no porta-malas do meu carro — diz ele. — Não achei
máquinas de lavar aqui, onde será que os motoqueiros lavam as roupas?
Encolho os ombros com a sua pergunta e pairo sobre a cama, indecisa
sobre o que fazer agora. A bandeja de antes está esticada no meio,
impondo um limite silencioso entre nós dois. Não entendo o motivo do
limite e nem entendo o porquê da luta interna que ele pareceu ter lá
dentro do banheiro.
Isso não parece nada com o Dylan que eu vejo durante a escola ou com
o Dylan que vi na noite da festa. Aquele Dylan atrai mulheres para si, ele
deixa líderes de torcida se sentarem em seu colo e deixa mulheres
rebolarem em cima dele no meio de uma festa, então por que, quando eu
claramente estava o provocando, Dylan simplesmente decide virar as
costas e ir embora? Por que impor um limite entre nós aqui?
Coloco um dos pratos de panquecas em cima do meu colo, mordendo e
sentindo o gosto de mirtilo e morango. Roman.
Mastigo a panqueca em silêncio, enquanto o encaro. Dylan devolve o
meu olhar, mas não se preocupa em comer nada. Ele parece preso em seus
pensamentos.
— Já pensou em como seria? — a pergunta sai dos seus lábios, mas não
a entendo.
— Como seria o quê?
— Se tudo não tivesse acontecido. Se sua mãe não tivesse sido presa e
nós não tivéssemos nos afastado de você.
Pensei nisso todos os dias durante quatro anos.
— Às vezes. — Encolho os ombros, escolhendo as minhas palavras com
cuidado. — E você?
— O tempo todo. — O som de sua risada chega aos meus ouvidos,
embelezando o quarto. — Toda noite antes de dormir tem uma voz na
minha cabeça que sussurra para mim: E se as coisas fossem diferentes?
— O que acha que iria acontecer? — indago. — Como acha que
estaríamos hoje?
Dylan fica em silêncio. Os fios claros de seu cabelo são bagunçados por
seus dedos, uma mania de passar a mão pelo cabelo enquanto pensa.
— Eu estaria planejando fugir com você.
— O quê? — Espero a risada de novo, mas Dylan parece estar falando
sério. — Está brincando?
— Você e eu sabemos que eu não brincaria com isso. Se meu avô me
escuta falando... — Ele nega. — Patrick estaria me pressionando para os
negócios como faz agora, talvez até pior.
— Por que acha que ele faria pior se estivéssemos juntos?
— Porque ele quer que eu cumpra o que a minha mãe não fez, e você
seria o empecilho para isso. — Dylan pega um morango no meu prato. —
Ele iria querer que eu me livrasse de você e eu iria querer fugir dele. Você
me apoiaria.
— É claro que eu faria... Mas Roman nunca iria embora.
— É, não... Ele não faria. Roman nasceu para esse clube. É a identidade
dele.
— Assim como você nasceu para o futebol. — O cutuco com o
indicador.
— Futebol? Não, eu não nasci para isso.
— Pare de tentar ser humilde, Monroe. Eu te conheço, você não
consegue ser assim — continuo o provocando. — E você é o capitão do
time, a estrela. Aquele lugar só anda por você.
— Não é por isso, sei que sou o melhor daquela equipe — diz ele, nada
humilde. — Mas eu não nasci para ser um jogador, nasci em uma família de
criminosos. É isso que preciso fazer.
Quando diz isso, Dylan não parece satisfeito. Seu olhar vai para a
parede em frente à cama, sem foco, enquanto se perde em seus
pensamentos.
— Isso não é verdade. Todos nós nascemos em uma família de
criminosos, Dylan. Isso não significa que precisemos seguir os passos deles.
— Não mesmo? — Seu rosto se volta em minha direção. — Olhe para
nós, literalmente somos versões mais jovens de nossos pais. Você vende
drogas e assalta lugares como a sua mãe fazia quando começou. Roman é
literalmente o seu pai mais novo. Axel vive machucado e luta como diziam
que Mikhail lutava. Asher é todo quebrado e é literalmente a imagem
esculpida do pai agora... O imbecil matou um cara. E eu...
— E você? — o pressiono.
— E eu estou a caminho do mesmo lugar que a minha mãe. — Ele
balança a cabeça. — Era mais fácil quando éramos mais novos, não é? A
nossa única preocupação era com nós mesmos.
— Teríamos sido bons juntos — admito a ele. — Nós sempre fomos
bons juntos. Vocês sempre cuidaram de mim e eu sempre cuidei de vocês.
Teríamos dado um jeito com a sua família...
A sensação nostálgica que me envolve é quase demais para aguentar.
— Eu já te imaginei torcendo para mim — ele solta uma risada. — Os
imbecis iam ficar com tanto ciúmes.
— Axel ia considerar entrar no time só para te irritar. — Soltamos mais
algumas risadas juntos, tornando o momento leve.
Não tem mais aquela sensação pesada no meu peito quando o encaro.
Dylan é bom demais em fazer as pessoas se afastarem dele e em fingir.
Dylan Monroe é perigoso demais para se ter por perto, um tanto
venenoso, mas eu também não sou?
Em outra vida, eu estaria beijando-o neste exato momento.
Nessa vida, estou encarando e colocando no meu coração que eu não
posso ter esse garoto. Eu o quero, quero que seja meu, mas Dylan não é
como Asher. Volkov sabe o que quer e veio atrás de mim, me jurou a sua
alma e se ajoelhou aos meus pés. Não acho que Dylan fará o mesmo.
O som do toque do seu celular nos tira de nosso momento íntimo com
agressividade. Dylan atende ao telefone depois de olhar o identificador.
— Se está me ligando para perguntar se eu já dei o café da manhã para
ela, a resposta é sim — quando ele fala isso, já sei que está conversando
com Roman. — O quê?!
Dylan se levanta da cama tão rápido, que quase derruba a bandeja de
comida.
— Você tá bem? — Faz uma pausa. — Puta que pariu... — pausa de
novo. — Eu vou manter ela segura, me avisa qualquer coisa.
Dylan desliga o telefone e se vira para mim. Uma linha divide a sua
testa e denuncia a sua raiva.
— O que aconteceu? Roman está bem?
— A mercadoria foi roubada e tinha explosivos em todo lugar. Roman
falou que o lugar todo explodiu. — Me levanto da cama, com a respiração
presa na garganta quando vou até ele. — Ele tá bem, só explodiu depois
que todos saíram do galpão, mas alguns estão machucados. Vou ficar de
olho em você.
— Ele se machucou?
Dylan coloca as mãos em meus ombros, me obrigando a ficar parada.
Cenários onde Roman está esticado no chão com a pele queimada
começam a correr por minha mente venenosa e eles me deixam com puro
pavor.
— Não, ele me falou que não estava perto quando aconteceu — me
garante. — Vamos só ficar aqui em segurança.
— Não é melhor irmos embora? — o questiono, angustiada. Levo
minhas mãos para a cintura de Dylan, sentindo sua pele por cima da
camisa. — E se formos para o apartamento de Asher e ficarmos lá?
Dylan nega.
— Aqui é mais seguro, tem praticamente um exército de motoqueiros.
Ninguém é burro o suficiente para ferrar com os Devils. Nós vamos ficar
bem.
O som que segue a fala de Dylan machuca os meus ouvidos e faz com
que eles fiquem zunindo. É tão alto e assustador que eu coloco as mãos
nos ouvidos, mas Dylan me empurra para o chão, com seu corpo todo em
cima do meu para me proteger.
Abro os olhos, assustada. Os gritos do lado de fora da porta dão início a
mais barulhos assim e eu os reconheço a quilômetros de distância.
Tiros de armas.
Alguém está atirando contra o clube.
Meu pai sabe que algo está errado antes mesmo de chegarmos aqui.
Está nervoso desde que saímos do clube mais cedo, passa a mão no cabelo
toda hora e fuma mais cigarros do que o normal. Tio Derek é o primeiro a
perceber que algo não está certo com o nosso líder.
James o dispensa com um aceno, recusando-se a receber ajuda ou a
falar o que o está incomodando. Acho que, quando se tem muito tempo de
clube, dá para sentir quando algo está dando errado.
Nossos negócios não são os melhores desde aquele ataque à escola e
as tentativas de me assassinar. Ninguém quer fazer negócio com um clube
em crise, não importa o quão bom o produto seja.
Vamos receber o carregamento de armas que vieram da Rússia. É a
Bratva, mas não tem nada a ver com Mikhail. O cara é um contato antigo
do meu pai, James já tinha feito isso antes. Estamos com alguns carros e
vans para levar a mercadoria e, pelo que eu sei, a merda será pesada.
Coisas para serem usadas em guerras, armas de longo alcance e merdas
assim.
O negócio é bom o suficiente para não perdermos. O dinheiro que
vamos fazer quando vendermos...
James só leva os antigos e confiáveis com ele: eu, Tucker, Big T, tio
Derek, Cam, Vince e Flame.
Eu e Tucker, por sermos os mais novos, fomos nas motos mais à frente.
Observamos o caminho e garantimos que está tudo bem até chegar no
galpão. James e tio Derek vem em um carro atrás de nós, Cam, Vince e
Flame logo atrás deles, dirigindo uma van.
Quando chegamos lá, os mais velhos entram primeiro. Observo perto
da minha moto quando os outros entram. O lugar e o contato são seguros,
não há motivos para tirarmos armas e chamarmos a atenção levando os
outros conosco. Não há motivo para ter medo por hoje.
Escuto os xingamentos do lado de fora e quando tio Derek sai primeiro
com o rosto fechado blasfemando, eu sei que há alguma coisa errada.
O lugar está vazio. Não tem nenhuma mercadoria, só sujeira daquele
galpão de merda e poeira no piso.
Meu pai é o último a sair lá de dentro, em uma máscara de fúria. O
cabelo longo está ao redor do rosto cheio de barba e, quando meu pai
chega perto o suficiente do nosso círculo, vejo uma veia saltada de sua
testa.
Ele não tem nem mesmo tempo para falar, porque todo o galpão
explode em chamas. Meu corpo é jogado para trás com o impacto. Caio no
chão, a terra entra em meus olhos quando os meus ouvidos começam a
zunir.
Minha visão desfoca, tornando-se turva. Não consigo olhar direito para
as minhas mãos, mas consigo me levantar.
— Filho? — ouço a voz do meu pai e vou em direção a ele. Seu corpo
está esticado no chão de terra, suas costas voltadas para cima antes que
ele se levante com a minha ajuda. — Que porra acabou de acontecer?
— Essa porra foi armada! — Cam grita, lutando para se levantar
também. — Filhos da puta, eles nos querem mortos.
O galpão está envolto a chamas e uma fumaça escura sai dele,
formando uma nuvem completamente sombria no céu acima de nós.
Quando vejo que meu pai está bem, a primeira coisa que faço é ligar
para Dylan e pedir que ele deixe Julieta segura. Consigo ver Tucker
limpando a fuligem do seu rosto, com um olhar sombrio quando nos
encaramos.
O traidor está aqui.
Não existe outra explicação para o que acaba de acontecer. Tirando
nós, ninguém sabia que uma entrega importante iria acontecer hoje. Se
meu pai tivesse ficado mais alguns segundos dentro do balcão, ele estaria
morto agora.
— Vamos voltar para o clube — digo a eles.
Cam me encara com fogo nos olhos, puto.
— Vamos à sede dos Wild e matar todos eles!
— Nós sete contra uma sede inteira?! Você bateu a cabeça muito forte
na queda, seu maldito?! — Tio Derek grita mais distante de nós. — Vamos
escutar o garoto e ir embora daqui de uma vez.
— Precisamos descobrir o que explodiu antes — Vince propõe.
— Quer ficar aqui e perguntar para o galpão pegando fogo se ele viu
alguém plantar uma bomba lá dentro? — Derek ironiza.
— Derek — o aviso do meu pai é o suficiente para fazer tio Derek calar
a boca.
O celular vibra em minhas mãos, chamando a minha atenção. Enrugo a
testa confuso quando vejo o contato de Axel no identificador de chamadas.
Que porra aconteceu agora?
— O que foi? — pergunto assim que atendo a ligação.
— Onde você está? — A voz do Volkov é alta e raivosa e, quando me
dou conta disso, começo a me preocupar ainda mais.
— Em um galpão perto de Prevenci, por quê?
— Julieta acabou de me ligar e me avisar que estão atirando na porra
do clube inteiro! Asher disse que vai tentar tirar ela de lá, mas, pelo
barulho no telefone, tinha tiro para todo lado. Eu vou te encontrar para
lidarmos com essa merda.
Não. Não... não agora e não assim. Aperto o celular ao redor dos meus
dedos, com o punho todo fechado. Quero que meu punho continue assim
para sempre, não quero que eles morram com tiros e sim com os meus
punhos. Quero sentir a carne rasgando, quero sentir a dor que vou causar
em todos eles e quero que todos morram na mais pura agonia.
Vou matar todos eles.
— Consegue chegar rápido o suficiente aqui? — pergunto assim que
passo o endereço para Axel.
Uma risada sombria sai dele.
— Não teria te ligado se não pudesse.
— Roman? — A voz do meu pai chama a minha atenção de volta para
ele. O olhar firme já deixa claro que ele sabe que algo pior aconteceu. — O
que foi?
James está parado ao lado de tio Derek, ambos estão lado a lado como
uma frente unida. Cam está mais para o lado, balançando a cabeça
enquanto ele olha para os seus sapatos sujos. Vince está ao lado de Tucker,
ambos perto de um dos carros. Flame está acendendo um cigarro
enquanto observa as chamas que saem do galpão.
Observo todos mudarem quando informo o que me foi passado:
— O clube está sendo atacado com tiros agora.
O rosto do meu pai se fecha completamente.
— Peguem as motos, subam nos carros. Vamos resolver isso.
— São os Wild? — Vince indaga. Ele anda ao lado de Tucker para mais
próximo de mim.
— Eu não sei. — Não lhes dou atenção, preocupado demais com o que
diabos está acontecendo no clube.
Todos estão bem? Os tiros pegaram em alguém? Isso tem que ser uma
ação conjunta: nos tirar do clube, tentar nos matar em uma explosão ao
mesmo tempo em que atacam o clube com tiros, quando os líderes e
membros importantes já estão fora de lá.
O som do pneu de Axel vem em um estrondo para nós. Seu carro caro e
chamativo derrapa em uma curva fechada e para próximo a mim com uma
habilidade impressionante. Seu cabelo castanho balança pelo vento
enquanto sua expressão está fechada de quem está puto.
— Entra — ele manda.
Entro no lado do passageiro, olhando os outros membros entrarem no
carro e na van. Minha moto permanece estacionada no mesmo lugar, suja
de terra e fuligem. Jogo as chaves dela para Vince e lhe digo para dirigi-la
para mim.
Axel acelera logo em seguida.
Meu corpo fica grudado no estofado caro enquanto ele dirige como se
fosse a última coisa que ele vai fazer hoje. Os barulhos dos motores das
motos estão atrás de nós, mas eu não consigo escutar o carro e a van.
Devem ter ficado para trás porque não conseguem acompanhar o carro de
Axel.
— Está com uma arma? — ele indaga.
— Porra, eu estou sempre com a minha arma.
Um canto de seus lábios sobe.
— Bom, nós vamos precisar.

O barulho é ensurdecedor e o cheiro fixa tanto nas minhas narinas que


eu chego a achar que não vou mais sentir o cheiro de outra coisa.
Dylan me mantém abaixada, mesmo que não tenham mais balas
dentro do quarto. A janela está estilhaçada no chão. Pedaços de vidro por
todo lado e perto de nós. O barulho dos passos sobre o piso também é
forte, o barulho dos palavrões e dos motores de motos do lado de fora são
a mesma coisa. Os motoqueiros aqui dentro não deixam barato, dá para
escutar os xingamentos do outro lado da porta junto ao som de disparos.
É uma guerra e Dylan e eu estamos no meio.
Escuto mais motores e então mais tiros. Grudo as minhas mãos em
Dylan, apertando-o com força. Dylan me mantém pressionada contra a sua
pele, protegendo-me com o seu corpo do que diabos está lá fora.
Nenhum de nós se preocupa em sair e ajudar, nós não somos assim.
Dylan me mantém bem e segura, mas com o tempo o barulho fica mais
baixo, então os barulhos de motores aparecem de novo. E em meio aos
barulhos eu reconheço as vozes que fazem ameaças por todo o lugar.
Forte, potente e assustador. Os gritos vêm em seguida ao barulho de
tiros e mais tiros. Reconheço os sons que se seguem como uma luta.
Homens reclamando e fazendo graça em seguida.
— Roman está aqui — sussurro para Dylan.
E então uma segunda voz se faz mais ouvida, tão potente e masculina
quanto a primeira.
— Axel também.
Dylan se levanta lentamente, me puxando junto a si. Ele tira uma arma
de trás de sua calça e gesticula para que eu fique atrás dele quando abre a
porta que dá direto para o corredor. Corro atrás de minha arma e, quando
estou com ela em mãos, caminho atrás dele, com meus dedos grudados
em sua camisa.
Consigo ver sangue por todo o lugar, agora o cheiro se mistura com
ferrugem e faz o meu estômago embrulhar e me implorar para sair daqui.
Quando eu sigo atrás de Dylan, paraliso ao ver o corpo de um motoqueiro
caído ao chão com um tiro no meio da testa. Seus olhos escuros estão
abertos e olham para o teto, o emblema de asas em seu colete está
manchado de sangue.
A pele quente dele choca com a minha quando os nossos dedos se
entrelaçam e me apertam, recusando-se a me deixar ir.
Observo alguns motoqueiros apertando e contendo os seus
sangramentos com as mãos. Papai Miller também está aqui, com sua arma
em punho quando atira da janela para o nada, considerando que os
motoqueiros que estavam aqui antes já foram embora.
— Olhe só o que encontramos! — A voz de Roman é alta e chamativa.
Ele está afoito, provavelmente cheio de adrenalina também. O seu colete
está sujo de sangue e tem um filete escorrendo de seu braço. Axel vem
atrás dele, arrastando pelos pés um homem vestido de colete vermelho
que é estranho para mim. Esse não é um Devil.
— Você não encontrou nada, filho da puta. Eu acabei com ele por você
— Axel diz. Se Roman estava um pouco sujo de sangue, esse garoto estava
coberto dele. Sua camisa gruda no corpo pelo tom vermelho, manchas
vermelhas enfeitam o rosto bonito e as suas mãos estão lotadas de sangue.
Roman me observa de onde está, olhando para Dylan para confirmar
que eu estou bem. Monroe abaixa o seu braço, mas não guarda a arma em
sua mão.
— Eu derrubei ele da moto para você — Roman rebate Axel.
— E eu fiz todo o resto. — Observo-os, curiosa. Depois desses anos, eu
nunca imaginei Roman e Axel como uma dupla provável, considerando que
Roman sempre parecia preferir Dylan e Axel ficava com o seu próprio
sangue. Parece que estava enganada. — Interroguem esse filho da puta.
Todo o clube está bagunçado, percebo assim que observo ao meu redor
com mais atenção. As janelas estão todas quebradas, os sofás foram
movidos para tentarem se proteger dos tiros. Tem marcas de balas por
todo o balcão de bebidas e as inúmeras garrafas atrás do bar não estão
quase todas quebradas, formando uma confusão de álcool no piso. Mas
não é só isso que tem. Vejo uma figura pequena se esconder embaixo do
balcão, encolhida.
— Oi, querida. — Aproximo-me dela, com minhas mãos levantadas
quando vejo a garotinha de pele escura e cabelo cacheado com os joelhos
no peito. Os olhos castanhos me observam com medo, o seu rosto bonito
está todo molhado por lágrimas. — Está machucada?
Crianças não são proibidas no clube durante o dia, eu mesma já fui uma
delas. Mas porra... Onde está o pai dessa garota?
Roman se aproxima de mim e fica ao meu lado, observando quando a
pobre menina se encolhe quando ele aparece sujo de sangue.
— Ela está com medo de você.
— Mas ela me conhece. — Roman não para de olhar para a garotinha,
o vinco em sua testa mostra a confusão de sentimentos dentro de si. — O
nome dela é Stacey, é filha do Tobey.
A garotinha se encolhe ainda mais com o nome de seu pai. Ela começa
a choramingar e esconde o rosto entre os joelhos.
— Roman. — Toco o seu braço, empurrando-o suavemente para longe.
— Você está sujo de sangue, tem uma arma na mão e ela está assustada.
As íris azuis não deixam a garotinha quando eu tento chegar mais perto
dela, dobro os joelhos quando agacho perto do vidro de álcool quebrado.
Se esse cheiro está ruim para mim, deve ser insuportável para ela.
— O meu nome é Julieta. — Aponto um dedo para mim. Levanta um
pouco seu rosto apenas para me encarar. Sorrio para ela. — Ele sente
muito por te assustar, tá bom?
A garotinha balança a cabeça para mim, desconfiada.
— Por que não sai daí e deixa ele te ajudar a achar o seu pai?
A garota nega, os cachos de seu cabelo balançam ao redor do seu rosto.
— Assustador — ela sussurra para mim e aponta para ele.
Lanço um olhar firme para Roman. O motoqueiro guarda a arma na
parte de trás de sua calça enquanto sorri sem graça.
— Eu prometo que ele não vai te assustar mais. Roman só quer te
ajudar, você conhece ele, não conhece?
Balança a cabeça novamente.
— Viu? Ele vai te ajudar a chegar no seu pai.
— Promete?
Um bolo se agarra em minha garganta quando olho para os seus
olhinhos esperançosos. A garotinha não parece passar dos dez anos e está
apavorada. Só quer o seu pai para se sentir segura, e porra... Como eu
quero dar isso a ela...
— Prometo. — Não posso prometer nada assim. Mas eu o faço.
Stacey se levanta e pega em minha mão, me deixando guiá-la para
longe do vidro. Se eu não achasse que iria ser demais para ela, teria a
levantado.
Roman se abaixa até ficar na altura da garotinha no mesmo instante.
Ele estende uma mão para ela, que a pega com um pouco de hesitação.
Miller leva a garota para o canto da sala, longe do corpo que Axel trouxe
até aqui.
Me junto aos meninos para juntar os destroços. Os motoqueiros
cercam a sede inteira, em total peso. Vejo quando alguns com a camisa
suja simplesmente ignoram os machucados para voltar a trabalhar no
clube. James se enfiou dentro do corredor com mais alguns caras, o meu
palpite é que foram discutir tudo isso no escritório.
Não escuto o som do motor, preocupada demais em juntar os pedaços
de vidro ao redor de Dylan. Também não escuto o som dos sapatos
estalando contra o piso, existem muitos outros para me preocupar. Mas
quando Asher Volkov aparece em minha frente vestido com o seu terno
característico e uma expressão furiosa no rosto, eu sei que não existe como
não reparar nele.
— Faça as malas, você não vai ficar mais aqui — Manda ele. — Vou te
levar para o meu apartamento. Lá vai ser a sua casa a partir de agora.
O tom em sua voz deixa claro que não tenho escolha.

De alguma forma perturbada, Axel parece melhor depois de voltar do


clube. Seus olhos possuem um brilho perigoso, um sorriso de tubarão
enfeita os seus lábios e todos os seus músculos estão contraídos quando
ele passa pela porta e caminha diretamente para o corredor com duas
grandes malas se arrastando atrás de si.
Encosto minhas costas no sofá de Ash, o dono do lugar não pode ser
visto. Dylan está no quarto do corredor para tirar o cheiro ruim do corpo e
trocar de roupa. Parece que havia um velório quando ele entrou mais
cedo. Estava agindo como se ele mesmo tivesse tido um encontro com a
morte.
— Você está bem? — pergunto em um impulso estúpido enquanto
observo quando ele para de andar e se vira para conseguir olhar para mim.
— Nunca estive tão bem.
— Mas você está cheio de sangue. — Aponto para o seu corpo.
Axel tomba a cabeça, seus olhos de predador me observam e eu sei
que ele nunca pareceu tão perigoso quanto agora. Me endireito no sofá
para procurar uma forma de não me sentir tão inferior a ele.
— Exatamente. — Uma risada curta sai dos seus lábios, como se ele
tivesse acabado de dizer o óbvio para mim. — Quer sair comigo hoje?
Ele ainda vai sair depois disso tudo? Dylan se enfiou no banheiro há
tempos, Asher também não parece no melhor humor. Roman... Eu nem
quero pensar sobre Roman e em como ele deve estar se sentindo agora.
Mas Axel... ele não está triste ou abalado com o que aconteceu.
— Para onde você vai?
— Lutar.
Isso faz completo sentido. Axel costuma ficar cheio de hematomas e eu
sei que eles não são dados por Mikhail. Me pergunto há quanto tempo ele
está sem lutar e tento puxar da memória qual a última vez que eu o vi com
hematomas ou com o rosto machucado. Até mesmo agora ele não tem
nem um machucado no rosto. O sangue que está lá parece ter sido
motivado por outra coisa.
— E o que eu faria lá com você? — Ele encolhe os ombros casualmente
enquanto suas mãos não saem das malas.
— Você pode vir comigo e beber um pouco, ou pode ficar trancada aqui
a noite toda. Quem decide é você. — Vejo o contorno de seus músculos
quando ele dá as costas para mim e um passo à frente no corredor. — Ah,
eu acho que deveria te dizer que acabei de invadir a sua casa e peguei as
suas roupas. Tem uma velha que pediu para te dizer que se você não
atender o telefone ela vai, em suas próprias palavras, garantir que você
conheça o diabo. Se precisar de mim, estarei bebendo e socando a cara de
um filho da puta.
Provocador maldito.
— Eu vou com você! — resmungo para ele, pondo-me em pé assim que
a última palavra sai dos seus lábios. Ando até ele com passos decididos,
mesmo que toda a minha dignidade tenha ficado no sofá. A calça longa se
embola em meus pés quando passo por ele e tomo as malas que são
claramente minhas de suas mãos.
Axel olha para baixo e direto para mim. Uma de suas mãos sobe até o
meu pescoço, traçando a minha jugular e enviando arrepios pela minha
espinha. Minha respiração paralisa e trava na garganta enquanto aguardo o
seu próximo movimento. O que ele fará agora? Vai travar os seus dedos
longos e decidir quando eu devo respirar como no banheiro?
Se ele fizer isso agora, vou pedir para que ele pare?
Abaixa um pouco a cabeça até que seus lábios cheguem perto da
minha orelha, então Axel respira fundo e deixa os seus olhos se fecharem,
absorvendo-me. Quando encaro as íris castanhas, tremo.
— É claro que vai. — Seus lábios vêm em minha direção, mas não
alcançam os meus. Um beijo casto é dado na minha testa, um presente de
despedida para ele até que eu o vejo ir em frente, entrando em uma das
portas do longo corredor, sem dúvidas para tomar banho.
Aperto as alças das malas e as puxo até o quarto de Asher, que agora
vai ser o meu também.
Coloco as duas malas em cima do seu lençol imaculado. Asher
provavelmente terá um infarto, mas não me importo agora. Deslizo o zíper
de uma delas e a primeira coisa que vejo quando abro são fotos. Quando
Axel disse que pegou as minhas roupas, ele deixou de fora o fato dele
mesmo ter olhado todo o meu apartamento.
Meu cabelo está mais curto, bagunçado entre o rosto. Eu estou em
cima de um carro sujo, minha roupa também está suja, mas o sorriso em
meu rosto não deixa dúvidas de que estou feliz. Uma ruiva está ao meu
lado, com sua roupa mais suja que a minha. Tem graxa por todo o seu rosto
e uma garrafa de cerveja entre os dedos. Tem uma loira, seu vestido rosa
está limpo e ela é quem tira a foto, segurando a câmera em forma de selfie
com um sorriso emoldurando o rosto bonito.
Me lembro desse dia como se fosse ontem. Megan estava dando uma
de mecânica e jurou para nós que iria colocar um turbo no seu carro novo.
Quis ajudar, óbvio. Ontem tinha confusão, Megan e eu estaríamos juntas.
Charlotte ficou enojada com a ideia de se sujar com a graxa, mas ainda nos
deu apoio de longe.
Decido deixar a mala de lado e pegar alguma roupa para vestir, mas
quando as coloco espalhadas pela cama, paraliso com o que vejo. Pacotes
fechados e envolvidos em um laço vermelho de cartas. Não cartas,
ameaças de Asher. Tudo o que eu tinha guardado e que ele tinha me
mandado durante esses anos.
O quanto Axel olhou o meu apartamento?
Uma hora e meia depois, eu estou em um curto e apertado vestido
preto que deixa a minha bunda bonita pra caralho. O tal lugar de luta de
Axel fica em um galpão longe o suficiente de tudo, mas tem dezenas de
carros estacionados ao redor do lugar. Tem uma fila enorme para entrar
pela porta.
Axel estaciona o carro e abre a porta para sair. Ele está vestido com
uma camisa preta, jeans comuns e uma jaqueta de couro enorme, não tem
uma mochila no carro e nada que indique que ele vai trocar de roupa
quando sair daqui. Quando pergunto a ele onde está a outra roupa que vai
usar, Axel passa a mão no cabelo e diz que não precisa.
— A fila está enorme, nós devíamos ter vindo mais cedo — digo a ele
assim que saio do carro. Observo o meu batom vermelho antes de colocar
os pés para fora e garanto que tudo está certo antes de ir até o seu lado.
Axel trava o carro e leva uma das suas mãos até a minha cintura,
quicando-me com ele até os fundos do lugar.
— Você realmente acha que eu vou pegar alguma porra de fila? — Nem
por um segundo.
Caminho atrás dele, os saltos altos das minhas botas fazem barulho
contra o piso seco do chão à medida que caminho. Axel me leva até os
fundos do lugar, tem uma porta menor com uma placa escrita “apenas
para funcionários”. Dois homens enormes guardam a porta, vestidos de
preto da cabeça aos pés.
Eles a abrem assim que veem o garoto ao meu lado.
Quando passo pela porta, sinto como se tivesse acabado de entrar em
outro mundo.
Tem um curto corredor até chegarmos em uma área enorme, cheia de
sacos de boxe pendurados no teto. Parecem todos novos. Também vejo
algumas máquinas de academia perto do canto da parede, mas não vejo
ninguém usando-as.
Homens sem camisa andam por esse lugar, alguns cheios de
machucados, cuspindo sangue no chão e com cortes por todo o rosto.
Outros, pulando no chão como se estivessem ansiosos e se preparando.
Batem as luvas umas nas outras e conversam baixinho com os outros aqui.
Seus corpos parecem ter acabado de sair de um catálogo de academia,
todos cheios de músculos e com o corpo feito para combate.
Eles me encaram quando apareço na frente, minha pele se esquenta
com os seus olhares, mas eles rapidamente vêm para cima de mim onde
Axel está.
— Vem cá. — Axel aperta a cintura, guiando-me para uma porta à
direita.
A primeira coisa que vejo são armários vermelhos de uma parede a
outra. dois bancos no meio do lugar. É quente e tem vapor, quando olho,
percebo que tem uma linha de chuveiros atrás dos armários.
Axel não se preocupa em fechar a porta quando começa a deslizar a
jaqueta do seu corpo.
— A minha garota está aqui, nós não vamos demorar. — Ele joga a
jaqueta para mim. — Não ousem sair daí.
— O que foi, Volkov? Está com medo da sua garota ver o meu pau e se
apaixonar? — Uma voz alegre soa de dentro do banheiro, não o reconheço,
mas Axel sim. Revira os olhos antes de tirar uma chave do bolso da calça e
abrir um armário em sua frente. — Está me ignorando, seu fodido?
— Se eu soubesse que era você, teria vindo outra hora — reclama ele.
O homem do outro lado dos armários ri, não parecendo nada
preocupado.
— Então quer dizer que a sua garota está aqui? — o homem volta a
perguntar. — Eu sabia, porra. Sabia que o seu pau estava amarrado desde
quando você não quis foder a Laranjinha de novo no outro dia?
Axel estreita os olhos como fendas e ele passa para mim, observando-
me atentamente.
Tento passar uma expressão tranquila para ele, mas porra... Que
história era aquela? E o que outro dia significa? Quando isso aconteceu?
Foi antes ou depois de ter me feito gozar no banheiro? Eu juro por tudo
que se Axel encostou em mim depois de ter encostado em qualquer outra
mulher...
— Sim, ela está. E ela também é ciumenta, então cuidado.
O homem solta uma risada.
— Certo, entendi. Desculpe, garota do Axel.
— O meu nome é Julieta. — Quero me sentar no banco, mas aposto
que deve ter fluidos humanos desconhecidos por todo o lugar, então fico
quieta enquanto observo Axel tirar a sua roupa, ficando apenas com a
cueca preta e apertada.
O observo descaradamente, desde os músculos em sua barriga definida
até o “V” que leva até o caminho da cueca. Axel sorri descaradamente para
mim e me lança uma piscadela, virando-se de frente para o armário para
pegar uma bermuda.
O hematoma roxo que está perto das suas costelas me chama a
atenção e antes que eu possa me conter, levo os meus dedos até lá,
acariciando-o. Axel endurece a sua espinha uma vez antes de relaxar
completamente, sua cabeça ainda voltada para a frente.
— Não dói mais — diz ele, mas não sei se acredito nisso. Traço os
pontos roxos com as pontas dos meus dedos.
— E ainda assim você vai atrás de mais dor — sussurro. — Não entendo
o motivo de fazer isso.
— Pelo mesmo motivo de você gostar quando eu tiro a sua respiração e
machuco você. Você gosta de sentir a dor, o pânico quando percebe que o
controle do seu corpo não está mais com você. Eu gosto de machucar e
gosto ainda mais dos meus hematomas no dia seguinte.
Encosto a minha testa entre suas omoplatas, passando minhas mãos
por seu peito e entrelaçando em sua barriga.
— Somos masoquistas, você e eu.
Axel puxa as minhas mãos para cima, agarrando-as com seus dedos e
dando um beijo casto em minha pele.
— É por isso que nós somos feitos da mesma matéria. — Aperta as
minhas mãos com as suas. — É por isso que eu luto e é por isso que você
luta contra nós, apenas para acabar em um de nossos colos no dia
seguinte. Você gosta de lutar porque gosta da consequência. Gosta da
briga, da discussão, de se sentir acuada por nós, gosta quando ficamos
bravos com você e por você. Você simplesmente gosta do desastre,
querida.
Feitos da mesma matéria.
Dou um beijo na pele quente de Axel e me afasto, observando quando
ele pega a sua bermuda de boxe e a coloca. Axel dobra sua camisa e calça,
enfiando-os em seu armário. Estendo a jaqueta para ele, mas ele fecha o
armário e balança a cabeça para mim.
— Vista.
Faço uma careta.
— É claro que não, o meu vestido é lindo.
— Eu sei, e é exatamente por isso que você precisa vestir.
Reviro tanto os meus olhos que quase sinto medo por eles não
voltarem como antes.
— Pelo amor de Deus, Axel. Isso é ridículo, eu não vou vestir a merda
da jaqueta só porque você está com ciúmes.
— Nós não estamos no clube, Julieta. As pessoas não vão mexer com
você porque sabem que o chefe não deixa, aqui eu sou tão fodido quanto
qualquer um. Vem gente lutar aqui que eu nem conheço e eles vão vir para
cima de você como animais assim que te virem.
— Posso lidar com uns idiotas dando em cima de mim.
Axel não parece convencido.
— Não são só idiotas dando em cima de você, são criminosos. Vou te
colocar perto do bar e com Oliver, mas não tem garantia de que eles não
cheguem perto de você e aceitem um não. Eu não tenho poder aqui,
Julieta. Sou tão lutador quanto todos os outros, não sou filho do chefe. Se
alguém quiser nos foder aqui hoje, confie em mim, ele vai.
Mordo os lábios, incerta.
— Vou ter que usar isso a noite toda?
— Só enquanto eu estiver lutando. Depois eu chego e você pode tirar
se quiser.
Visto a jaqueta, ainda contrariada com o assunto.
— Por que não chamamos o Asher se você sabia que era perigoso?
Axel coloca as mãos em meus ombros, ajeitando a sua jaqueta em meu
corpo. Ela é enorme e me cobre até a metade das coxas.
— Ash e eu podemos ter nascido no mesmo dia e dividirmos o sangue,
mas existem coisas que não dividimos. — Dá mais um beijo na minha testa.
— E não precisa se preocupar, Oliver vai ficar de olho em você. Ele não é o
melhor lutador, mas dá para o gasto.
— Que isso, filho da puta? — Viro-me para trás, dando de cara com um
homem de toalha e braços cruzados atrás de nós. Nem mesmo escutei
quando o chuveiro foi desligado, acho que Axel seminu foi distração
suficiente para mim. — Olá, querida. Sou Oliver.
O homem tem um sorriso muito bonito, mas o seu lábio está inchado e
machucado. O estado do seu olho direito também não é dos melhores.
Axel olha para mim e ergue as sobrancelhas como quem diz: viu?
— Julieta, mas você já sabe o meu nome. — Abro um sorriso para
Oliver, forçando os meus olhos para não olhar o seu peito descoberto e
molhado. O homem levanta a mão, esperando um cumprimento meu.
Axel dá um tapa forte na mão de Oliver, que por sua vez encara o
moreno ultrajado.
— Não toca nela, porra! — resmunga Axel.
— Você é um ingrato, sabia? Eu estava quietinho ouvindo a história
sobre vocês dois serem... Como foi que você falou?... Ah, feitos da mesma
matéria. Porra, filho da puta, se meu olho não estivesse fodido eu teria
chorado.
Axel bufa como um touro. Suas mãos descem até a minha cintura onde
ele me aperta e me mantém firme e perto de si.
Ele perde todo o humor quando pergunta:
— Vai cuidar dela?
— Eu te prometo que vou mantê-la segura. Vou pegar a minha roupa e
me vestir lá atrás.
Observo Axel, virando-me para ficar de frente para ele. Suas mãos
escorregam até o topo da minha bunda, mas não me apertam. Traço o
contorno firme do seu maxilar com meus dedos, desenhando-o.
— Quando você vai para lá?
— Agora. — Baixa seu rosto até o meu, roçando nossos narizes um no
outro. — Vou quebrar o filho da puta e depois volto para você.
— Achei que não queria ficar perto de mim — confesso. — Antes do
banheiro, achei que me odiasse.
— Eu nunca te odiei, não consigo fazer isso. Mas não gosto de voltar
atrás e você não me queria. Eu só segui o que você disse. — Axel cola os
seus lábios nos meus, entrelaçando as nossas línguas em um beijo calmo.
— Não sou Asher, não vou invadir a sua vida se não me der permissão. Não
vou me forçar direto para você.
— Mas você foi embora e não me deu escolha quanto a isso — quando
digo isso, não procuro atacá-lo de forma alguma. Só estou contando um
fato. Ele foi embora.
— Quando eu fiz isso, achei que fosse o melhor para você.
— E agora?
— Agora eu sei que estava errado pra caralho.
Axel me beija uma última vez antes de afastar os seus lábios de mim.
Não consigo desviar os meus olhos dele, nem quando Oliver sai vestido,
nem quando eles conversam e batem as mãos, nem quando Axel recebe
uma ligação dizendo que está na hora e nem quando ele me entrega o seu
celular e passa o braço por meus ombros, guiando-me para fora e expondo
a todos que ele não está aqui sozinho essa noite.
Caminhamos por mais um corredor cercado de homens e mulheres
seminuas até chegarmos a uma grande arena. Tem tantas pessoas que
parece que o lugar vai explodir, mas todas elas abrem espaço para
passarmos. Para o Axel passar.
Tem um homem de pé no meio do ringue, com um microfone em sua
mão e ele aumenta as apostas, chamando pelo nome de Axel como se ele
fosse uma celebridade.
Sua boca vem até minha orelha novamente, abafando qualquer grito
que eu possa escutar.
— Quando levantarem a minha mão para me nomearem campeão, vou
colocar a minha mão sobre o coração, então eu quero que saiba que é só
por você.
Só por mim.
Ele é como um pesadelo: destrói todos ao seu redor, mas, de alguma
forma, não podemos deixar de olhar para ele. Axel anda pelo ringue com
confiança e ignora todos os olhares e gritos. Os homens soltam
exclamações altas, notas de dinheiro em suas mãos. As mulheres gritam
elogios, dizem que ele é gostoso e que vão sair com ele depois da luta.
Fazem isso como se não tivessem me visto chegar com ele. Axel não
escuta, ou se escuta, não demonstra.
O seu oponente é tão grande quanto ele, se não maior. O corpo dele é
cheio de tatuagens, eles têm isso em comum. Diferente de Axel, o cara que
vai lutar com ele tem o corte de cabelo no estilo militar e parece provocar
o Volkov quando ambos começam.
Axel não bate primeiro. Ele se contém em se defender e desviar de
golpes, observando o outro cara. Está estudando-o. Faz isso alguns
minutos, então permite que ele lhe dê um soco apenas para segurar o seu
braço e lançar um soco que pega o maxilar dele. O braço é dobrado para
trás em um ângulo perigoso, mas o outro homem consegue se soltar.
— Acabe com ele, Volkov! — Uma mulher grita perto de mim. Ela está
em pé, nos ombros de outro homem.
— É uma loucura, não é? — Oliver me pergunta. Seu rosto não se
desvia da frente, observando Axel com tanto interesse quanto eu. Tomo
um gole da cerveja que havia pedido e volto a olhar para Axel.
Eles estão no canto do ringue agora e distribuem socos com força. As
pessoas começam a gritar quando o homem dá um soco no estômago de
Axel. Me remexo no banco, nervosa quando a situação parece virar
completamente contra ele. Agora é ele quem está no canto do ringue e se
defende de socos.
— Merda...
— Relaxa, ele sempre faz isso antes de ganhar. — A garçonete que
estava me servindo antes volta a aparecer. O seu cabelo ruivo preso dá um
destaque que ninguém consegue tirar dela. — Parece até que ele gosta da
dor, quem é que entende a cabeça dele...
— E o que você sabe da cabeça do Axel, Taylor? — Oliver se vira assim
que escuta a voz dela, dessa vez sua atenção sai de Axel completamente. E
agora, pela reação dele, a minha também.
Viro o meu rosto lentamente, olhando Taylor. A garota de cabelos
ruivos encontra o meu olhar antes de se concentrar em Oliver de novo,
sorrindo sem jeito para ele.
— Bom, não é difícil imaginar onde esteja. — Ela encolhe os ombros,
despreocupada. — Querem mais uma cerveja?
Viro o resto da minha em um gole, com meus olhos verdes grudados
nos castanhos. Ela ergue as sobrancelhas quando eu estendo a garrafa
vazia para ela.
Encolho os ombros.
— Eu bebo rápido. Quero mais uma.
Oliver bate a mão no balcão.
— Me dê mais uma também.
Taylor se vira e entra dentro de uma porta depois de um aceno para
nós dois. Quando me viro para poder assistir Axel, percebo que a garota
está certa. Axel agora está montado em cima de seu oponente,
distribuindo socos em cima dele.
Não entendo essa luta, não consigo reconhecer qualquer regra que já
tenha visto antes. O juiz não interfere quando o sangue começa a escorrer
pelo chão do ringue, as pessoas gritam ainda mais alto e uma mulher sobe
em uma mesa, erguendo a blusa para que os seus seios fiquem de fora.
A garçonete reaparece e desliza as duas garrafas sobre o balcão,
abrindo-as e entregando para nós dois. Agradeço, mas a garota não presta
muita atenção em mim.
— Sabe que beber não é bom para você — Oliver revira os olhos com o
que ela diz.
— Estranho ouvir isso de quem me serve as bebidas.
— Estou falando sério, Oliver. Não me faça ficar preocupada com você.
Os olhos castanhos de Oliver ficam mais suaves e sua mão livre desliza
pelo balcão para pegar a mão dela.
— Não se preocupe comigo, Laranjinha. Tenho tudo sob controle.
Laranjinha.
Me viro para a frente e finco meus dentes no meu lábio inferior. Apesar
de ter os meus olhos em Axel, ainda me forço para conseguir escutar a
conversa deles.
— Você sabe que eu sempre vou me preocupar com você e Axel, não
consigo controlar.
Ele solta uma risada sem graça e me lança um olhar rapidamente.
— Não se preocupe, Axel e eu estamos bem-cuidados. Ele vai até pagar
a nossa conta hoje, não é, Julieta?
Ergo a garrafa para eles em um brinde.
— Ele não seria louco o suficiente para não pagar para mim.
— Com toda certeza não. Agora você é minha melhor amiga, está
entendendo? Vamos beber essa merda toda, eu vou te falar da minha vida,
você me fala da sua e vamos irritar Axel pra caralho. É assim que as coisas
funcionam — Uma risada escapa de mim quando ele brinda comigo,
erguendo a garrafa então na direção de Axel, que agora está de pé no meio
do ringue e tem o seu braço erguido como vencedor.
Vira sua cabeça um pouco até ele nos localizar. Axel limpa o sangue que
escorre de sua boca e coloca a mão sobre seu peito, no lado de seu
coração. Um sorriso nasce em meus lábios quando ele ergue a mão e beija
os dedos, levando-a no coração novamente.
Só por mim.
— Não acredito que esse puto tá apaixonado mesmo — Oliver sussurra
ao meu lado, nós dois assistimos quando Axel desce do ringue e
desaparece entre a multidão. — Parece até um universo alternativo. Sabia
que, no tempo todo que eu conheço esse cara, ele nunca ficou com uma
só? Tampouco chamou alguma delas de minha garota?
Atenta a Oliver, levo a garrafa à minha boca.
— Nem uma vez?
Ele nega.
— Nunquinha. Parecia até aqueles viciados em comer a boceta de toda
mulher que se move.
Meus olhos vão para Taylor instantaneamente, mas a garota não me
encara. Ela limpa o balcão com uma flanela, quieta. Cabelo ruivo e olhos
castanhos, alta e magra. Mais do que eu em todos os sentidos. Me
pergunto se ele gostou da sensação dela ao redor dele, se gostou dos
lábios dela em volta de seu pau mesmo que eles não tivessem o mesmo
batom vermelho que o meu.
Ciúme é algo realmente doentio, não é?
A garota nem consegue me encarar nos olhos, ela está preocupada
demais limpando o balcão. Não escutei ela falar algo sobre o Axel ser
gostoso nem uma vez na noite, mas saber que ela o teve de uma forma
que eu não tive e que, mesmo depois que eu o tiver, isso não mudará o
fato de que ele foi dela primeiro.
Dela e de mais quantas?
Consigo sentir quando ele chega mesmo sem estar olhando para onde
ele está. O ambiente muda e fica mais pesado. Oliver olha para algo atrás
de mim e toma um longo gole de sua cerveja. Se Taylor estava quieta
antes, agora parece perder a habilidade de falar de vez.
As vozes ao meu redor diminuem até não ter mais nada. Nenhum deles
é corajoso o bastante para parabenizá-lo ou para iniciar uma conversa. Os
gritos e promessas de antes caem por terra agora. Quando me viro para o
encarar, seu braço firme passa por minha cintura, trazendo-me para ele.
Axel cheira a suor e sangue e eu deveria odiar, mas decido que gosto
assim que meus olhos se encontram com os dele.
Seu rosto tem partes começando a inchar. O canto de sua boca está
sangrando, embaixo do seu olho está começando a ficar vermelho e tem
uma marca de soco em seu maxilar. Isso tudo sem contar o resto do seu
corpo. Na parte que não tem desenhos em suas costelas, vejo vermelho
para todo o lado. Traço tudo aquilo com agonia.
— Ficou bem? — Abaixa a cabeça em direção a minha enquanto o
timbre da voz não passa de um sussurro agora.
— Ninguém chegou perto de mim, se é o que está perguntando.
O seu olhar segue para trás de mim em um curto momento antes de se
voltar para o meu e eu simplesmente sei que ele estava olhando para
Taylor.
— Não é só isso que estou perguntando — o sussurro sai do seu peito.
— Quer ir embora?
Por Deus, quero.
Minhas mãos correm por seu peito coberto por uma fina camada de
suor. Traço os seus desenhos com calma.
— Você não quer ficar mais?
— Não se você não quiser.
— Quero ir embora.
E então nós vamos embora.
Axel me guia de volta para os vestiários e me pede para esperar lá
dentro com ele. Há alguns caras lá dentro, mas todos saem assim que ele
entra. Axel diz que ele não é diferente dos outros aqui, mas eu acho que é
sim. Ele toma banho enquanto eu estou esperando do outro lado dos
armários. Sai vestindo a mesma roupa que entrou, então nós saímos pela
porta dos fundos e entramos no carro dele.
Tiro a jaqueta assim que me sento no banco.
— Por que está calada?
— Não posso ficar calada?
— Não é isso, mas você quase nunca fica quieta. E se fica, tem alguma
coisa errada. — Continuo calada. Axel liga o carro e começa a dirigir. Fico
quieta enquanto acaricio o tecido do meu vestido por um tempo e não
demora muito para ele perder a paciência. — Me fala o que está te
incomodando.
— É besteira.
— Não é besteira se te deixou assim.
— É só... — Paro de falar e tomo fôlego enquanto busco coragem para
perguntar o que eu quero. — Quantas foram?
Não consigo ver o seu semblante, seu rosto está todo para a frente,
mas sinto a palma quente contra o meu joelho.
— Quantas, o quê?
— Quantas mulheres você fodeu, Axel?
Axel vira a cabeça para me encarar completamente dessa vez, sua
atenção se desvia do trânsito por tempo o suficiente para que o carro atrás
de nós comece a buzinar.
— Porra... — o xingamento sai dos seus lábios ao mesmo tempo em
que ele se volta para a frente. — Por que você está perguntando isso
agora?
— Você sabe exatamente o motivo de eu estar perguntando isso agora
— respondo a sua pergunta e cruzo os braços embaixo dos seios, puta. —
Não acredito...
— O que eu tive no passado não importa, porra.
Olho-o, contrariada.
— Se isso ainda afetar o presente, então é claro que importa.
Um grunhido escapa dos lábios dele.
— Ela não afeta o presente, você é quem está no meu presente.
— Onde você a teve? — quando faço a pergunta maluca, Axel acelera
mais o carro. — Foi nos vestiários? No chuveiro? Foi no balcão onde eu
tomei a minha bebida? Foi por isso que ela disse que sempre vai se
preocupar com você?
— Pelo amor de Deus! — o resmungo sai dos seus lábios. — Taylor não
é importante e o que aconteceu com ela não foi importante.
— É claro que é importante!
— E por que, caralho? — Axel aumenta a voz. Grudo as minhas unhas
no estofado do carro à medida que ele começa a cortar os outros carros.
Se esse imbecil acha que pode me assustar acelerando, então ele
claramente não me conhece.
Querido, eu entrei em um carro com Megan Smith. Ninguém consegue
superá-la.
— Porque se você pode pular de garota em garota, o que isso significa
para mim?! — grito. — Se é tão fácil para você foder tantas garotas e ir
embora como se não fosse nada, o que me torna diferente, porra?
Uma risada estrangulada sai dos seus lábios, mas Axel não parece achar
nada disso engraçado.
— Não existe nada em você que possa se comparar com as outras
mulheres que eu tive antes.
— Para — mando. — Não estou atrás de elogios, já os conheço bem e
sei que não existe nenhuma mulher como eu, não preciso ouvir isso.
— Então o que você precisa ouvir, hein? — Grudo no banco quando
Axel vira em uma rua estreita e deserta. Ele estaciona o carro de qualquer
jeito na frente de uma casa e desliga. — Precisa saber o quão fodido eu
estava sem você? Precisa que eu te conte como eu odiei cada segundo dos
últimos quatro anos porque você não estava aqui? Quer que eu conte
como quis matar o meu irmão, porque tínhamos brigado sobre a sua
segurança e essa merda nunca se resolveu?
— Não coloque as suas escolhas nas minhas costas, Axel. Elas são suas
responsabilidades, não mudam nada para mim.
— Não? Então saber que eu entrei em cada boceta sonhando que fosse
a sua, não muda? Saber que entrei em cada uma delas tentando esquecer
você, porque sabia que não podia te ter de volta... — Axel passa a mão no
cabelo e se vira no banco, lutando com o seu corpo grande e o espaço
pequeno para ficar completamente no lugar. — Nenhuma delas conta para
mim, não só porque você é a única que esteve na minha cabeça, mas
porque eu te procurava nelas em cada. Maldita. Vez.
— O verdadeiro problema, Axel, é que eu posso ter sido a única na sua
cabeça, mas isso não muda o fato que elas te tiveram antes que eu. —
Olho para o pano do meu vestido e empurro a sua mão quando ele tenta
me tocar. — Agora, toda vez que eu entrar naquele galpão, vou saber que
ela te teve antes que eu e de uma forma que eu não tive.
Sou uma pessoa hipócrita por falar isso. Como posso não ser, sabendo
que tive o seu irmão antes dele? Mas... parece diferente em meu peito.
Nós cinco somos diferentes, as regras normais nunca foram para nós.
— Você acha que alguém me teve antes que você? — Seus dedos vêm
até o meu maxilar, forçando-me a encará-lo nos olhos. — Acha que, porque
eu passei algum tempo com elas, uma delas me teve? Nenhuma delas me
teve, querida, eles só tiveram um curto tempo meu. Não eram nada em
comparação ao que você sempre teve de mim.
Seu rosto se aproxima, nossos narizes roçam e seus lábios me
provocam, perto demais para que eu não imagine beijá-lo aqui e agora.
— Eu nem sequer me lembro direito delas, sabe por quê? — Nego,
mesmo sabendo que não preciso. — Porque eu pensei em você em todo
segundo. Achei defeitos nelas só porque nenhuma delas era você. Beijei
todas com raiva só para te tirar da minha cabeça e ficava mais irritado
quando não funcionava. Senti tanto ódio quando fui embora, que comecei
a brigar por aí apenas para descontar a minha frustração. Todo o maldito
tempo foi você.
— Eu não sinto como se tivesse sido — minhas palavras não passam de
sussurros.
— Prometo que vou te compensar por isso, mas você precisa entender
que não existe outra pessoa para mim. Não existe um universo onde você
não está ocupando toda a minha cabeça. — Seus dedos me apertam mais
e isso me causa um pouco de dor, mas eu gosto. — É só você, caralho. Acha
que qualquer uma delas me teve tão honesto assim?
Sinto os dedos de Axel traçarem a linha do meu vestido, provocando-
me.
— Acha que alguma delas já me teve como agora? — Suas mãos
entram no meu vestido. — Ninguém me teve com você. Eu nem sequer
lembro do corpo delas, porque tudo o que queria era ver o seu. Você fodeu
completamente a minha cabeça e me arruinou para qualquer uma. E o pior
é que nem ligo.
Gruda seus lábios nos meus com força e fome, e eu o aceito com tudo o
que tenho. O gosto metálico do seu sangue não me para, e ele também
não se incomoda quando eu mordo o lugar com suavidade. Aperta a minha
coxa com tanta força que ofego, traçando os dedos no limite da minha
calcinha. Ofego quando eles entram e ainda mais quando ele percebe o
absorvente e decide que não liga.
Axel me beija com mais força quando me sente encharcada, escapam
gemidos pequenos dos seus lábios quando dois de seus dedos entram
dentro de mim.
— Axel... — Pendo minha cabeça. Um gemido baixinho sai da minha
garganta quando o seu polegar acaricia o meu clitóris. Eu vou gozar. Vou
gozar sem ele nem mesmo me tocar.
— Sua boceta é tão quente. — Mete seus dedos fundo em mim. Agarro
a sua mão com força, fincando minhas unhas em sua pele quando ergo o
quadril e rebolo em seus dedos. — Isso, querida. Rebole na minha mão
como se fosse o meu pau.
E eu rebolo.
O carro parece ficar quente a cada segundo, o vestido que era
simplesmente apertado agora parece sufocante. Suas mãos parecem estar
em todos os lugares do meu corpo e as suas palavras sujas só me deixam
mais excitada.
Axel me dá um forte tapa na coxa e um grito assustado escapa dos
meus lábios. A marca de sua palma já está vermelha contra a minha pele
pálida, a visão poderia me fazer revirar os olhos. Coisa que eu devo ter
feito quando sua mão desce a parte de cima do meu vestido e ele começa
a chupar os meus seios.
Seus dentes mordem o meu mamilo antes de chupá-lo com força,
mamando em mim como ele tivesse nascido para fazer isso.
Caralho, eu o quero tanto para mim.
— Um dia, muito em breve, eu vou te amarrar na cama. — Quase não
registro o que ele diz, tamanho o meu prazer. Sua mão diminui a
velocidade, mas aumenta a força, isso faz com que meu corpo suba um
pouco toda vez que ele enfia na minha boceta de novo. — Vou te
amordaçar, você provavelmente vai gostar disso. Então vou comer a sua
boceta e deixar bem claro que eu só quero você. Te quero de qualquer
forma, seja como uma puta na minha cama ou como uma rainha na minha
vida.
Gozo tão forte que a minha visão escurece. Um gemido é abafado pela
mão de Axel, que tampa a minha boca com os dedos e encosta sua testa na
minha quando gozo. Os olhos escuros não se desviam dos meus nem por
um segundo e seus dedos não param de entrar e sair de dentro de mim,
prolongando o meu prazer.
Quando ele tira os dedos da minha boceta e os ergue em frente ao meu
rosto, os vejo brilhando em vermelho. Axel abre um sorriso
completamente sujo antes de levar os dedos até seus lábios, lambendo-os
com gosto até não sobrar nada.
Separo meus lábios, surpresa com ele e com sua audácia. Axel pega o
meu maxilar com força e me puxa para si com agilidade, enquanto invade
os meus sentidos com sua boca. O gosto metálico toma os meus lábios
mais uma vez. Eu o beijo mais forte, saber que ele acabou de lamber o
meu sangue me deixa tão excitada que eu preciso pressionar as minhas
pernas uma na outra.
Axel estava certo, nós somos feitos da mesma matéria. E somos sujos
demais um pelo outro.

Asher: Descobrimos o que é Krasota. É uma rede de


tráfico humano em que Mikhail está envolvido, e não só
ele.

Recebo essa mensagem de Asher enquanto estou na aula de Literatura.


A mensagem não deveria me chamar atenção. Nunca é bom mexer no
celular durante a aula, se o professor tiver birra de alguém, essa pessoa é
mandada para a direção. Quase nunca me arrisco, mas a aula é de Brian e
sei bem que ele nunca me mandaria para lá.
Fico em êxtase assim que leio a mensagem, mas ele diminui um pouco
quando os olhos castanhos do meu professor fixam em mim por um tempo
a mais do que o necessário.
Conheço esse olhar bem o suficiente para saber que ele quer alguma
coisa e que provavelmente sou eu.
Quando ele libera a turma, pede para que eu fique por mais uns
minutos. Charlie sai com um olhar pesado para mim e para Brian logo após
dizer que vai me esperar em nossa mesa de sempre no refeitório.
Meu professor me encara do outro lado da mesa, com sua feição em
uma máscara. Eu nunca soube bem decifrar o que se passa na cabeça dele,
Brian sempre foi uma incógnita para mim.
— Você faltou por muitos dias, Senhorita Leclerc. — Faço uma careta
ao ouvir o sobrenome do meu pai. Não gosto de usá-lo e não gosto que o
usem e Brian sabe bem disso.
— Estava resolvendo alguns problemas familiares, professor.
Cruza suas mãos em cima da mesa e então nós nos encaramos assim.
Ele está de cima da sua mesa e eu sentada na minha carteira do outro lado
da sala.
— Temos alguns negócios a tratar, senhorita Leclerc. — Pela primeira
vez, desde que comecei a transar com o meu professor, não gostei da
proposta dele. Eu tinha dezessete anos quando ele começou a transar
comigo, ainda era ilegal para ele e isso nunca me impediu.
Quando comecei a transar com Brian, nunca tive dúvidas do que eu
queria. E eu o queria. Não foi como se ele tivesse me seduzido ou coisa
assim, fui eu. Eu fui atrás dele, me coloquei disponível para ele em cada
frase que falava. Eu o queria, então fui atrás e não parei até conseguir. E
agora... Agora eu não o quero mais.
— Não concordo com isso, professor. — Encolho os ombros. — Posso
ir?
Ele nega. Brian se levanta de sua mesa, suas mãos permanecem
escondidas atrás do seu corpo. Caminha até mim, com seu corpo em uma
distância respeitosa da mesa.
— Alguém tem fotos de nós dois, Julieta. Estou sendo ameaçado. —
Sua voz não passa de um sussurro.
— O quê? — Arregalo os meus olhos. — Desde quando isso está
acontecendo?
Brian olha ao redor, incomodado com o fato de estarmos na sala de
aula.
— Precisamos conversar — enfatiza. Balanço a cabeça, concordando
com ele. — Será que pode me encontrar no nosso lugar?
— Para conversar.
Ele balança a cabeça.
— Apenas isso.
— Tudo bem então...
Brian assente com a cabeça e se afasta, dando as costas para mim.
— Tem alguma coisa acontecendo, Julieta... — diz ele. — E eu não sei
como parar.
Meu coração martela em meu peito quando estou indo para o
refeitório. Os alunos não prestam atenção em mim, eu não sou necessária
para eles.
O cabelo ruivo de Charlie o destaca em meio ao refeitório. Consigo
encontrá-lo em uma das mesas perto da janela. A bandeja está esticada
em cima da mesa, mas ele não come nada. Seus olhos se estreitam quando
eu puxo a cadeira e me sento em sua frente.
— Está tudo bem? — ele indaga.
Não entendo... Como Brian poderia estar sendo ameaçado? Se alguém
tiver fotos nossas, ele não só perde o emprego como também vai parar na
cadeia. Mesmo que eu tenha tido idade para consentir aos dezessete,
ainda assim não é permitido por lei que um professor fique com um aluno.
Brian estará acabado.
De nós dois, eu sou a pessoa mais suja. Não tem motivo para um
professor de Literatura acabar sendo ameaçado. Isso está na minha conta...
— Não sei... — Olho ao meu redor enquanto procuro Dylan. Roman
não está vindo à escola desde o ataque ao clube no outro dia, ocupado
demais ajudando o seu pai para vir para cá.
— Por favor, me diz que você não vai se meter em alguma coisa fora da
lei de novo — Charlie me pede.
— Você e eu sabemos que eu não posso fazer essa promessa, mas vou
tentar.

Não consigo ser o tipo de pessoa que anda na lei, não adianta nem
tentar. Que tipo de pessoa se encontra com o professor que já transou com
ela em um lugar deserto à noite?
Cruzo as mãos embaixo dos seios e me apoio em um dos carros
alugados de Megan. Encolho-me no moletom quente e não consigo evitar
de estremecer com o frio que sinto.
— Eu não gosto disso... — A voz abafada de Dylan pelo telefone me
acalma um pouco, então faço um esforço para relaxar.
— Você não gosta da parte em que está escondido no seu carro agora
ou do perigo que nós podemos estar correndo por estarmos em campo
aberto agora?
— A parte de você foder o nosso professor de Literatura, o que você
acha?! — ele ralha, bravo do outro lado da linha. — Não acredito que você
estava dormindo com ele.
— Não fale como se eu tivesse dançado no colo dele na sua frente ou
algo assim. Já tem tempo que eu sequer vi Brian.
— Em primeiro lugar, quem foi que falou em dança de colo? E em
segundo... Brian? Você o chama pelo nome?!
— O que foi, Dylan, achou que eu gemia o chamando de professor o
tempo todo? — Reviro os olhos. A luz do farol do grande SUV ilumina a
noite. Observo o grande carro de Brian quando ele estaciona ao lado do
meu. Dylan está escondido entre a vegetação à nossa frente. — Quieto...
— Foda-se essa merda. Não desligue o celular. — Essa é a última coisa
que escuto quando digo tchau e tiro o telefone da orelha, sorrindo para
Brian quando ele sai do carro.
Meu professor não está mais vestido com as roupas que usa na escola.
Agora está com uma camisa social branca e uma calça jeans. Quando ele se
aproxima de mim, decido seguir o plano de descobrir logo o que ele quer e
dar o fora daqui com Dylan.
Quando combinei de me encontrar aqui com ele, já sabia que não ia
poder vir sozinha. Me cansei de quase situações de morte, isso já não tem
mais graça como antes. Mas eu também sabia que não tinha a menor
condição de chamar qualquer um que não fosse Dylan. Asher, Axel e
Roman são ciumentos demais para o próprio bem. Eles não iam nem me
deixar chegar perto de Brian e Asher ainda iria ameaçar acabar com a vida
dele até deixá-lo miserável.
Não tem motivos para Dylan sentir ciúmes de mim, ele foi a minha
aposta mais segura.
— Estava colocando o papo em dia? — Brian caminha até o meu lado,
seus olhos são iluminados pelos postes da rua.
— Pode se dizer que sim... — Balanço a cabeça. — Então, quem está te
ameaçando?
— Eu não tenho certeza ainda. Ontem uma foto foi enviada para mim.
Somos você e eu juntos no meu carro. Não sei a data, mas tinha uma nota
escrita atrás. Você contou a alguém sobre nós?
Tirando as minhas amigas e Dylan? Nunca.
— É claro que não! Eu jamais faria isso, não ia arriscar, o nosso sexo era
bom.
Brian balança a cabeça e coloca as mãos dentro dos bolsos de sua
calça.
— Não sei o que eu faço agora... A foto está no meu carro, quer ver?
Observo-o, desconfiada.
— Claro. — Respiro. — Vou tirar uma foto e colocar no meu telefone.
Brian balança a cabeça e gesticula para segui-lo. Passo à frente e fico ao
seu lado quando ele abre a porta do banco de trás. Quando encaro os
bancos, não vejo nada.
Olho para ele, confusa.
— Onde é que estão?
Brian não me deixa falar, seu corpo vem para cima do meu em um
movimento só. O pânico preenche o meu corpo enquanto o sangue
bombeia em minhas veias quando eu tento empurrá-lo de cima de mim.
Brian tenta me empurrar para o banco de trás, os meus chutes parecem
não ter efeito sobre ele. Me segura com uma habilidade que eu nunca vi
antes.
Um flash loiro acaba com tudo isso, o alívio envolve as minhas veias
quando Dylan aparece por trás de Brian e o acerta com uma coronhada na
parte de trás da cabeça. O corpo pesa em cima de mim e se torna um peso
que me dificulta de respirar.
— Dylan — chamo por ele.
Monroe arranca o meu professor de cima de mim e estende suas mãos,
puxando-me para os seus braços em seguida. Afaga a parte de trás da
minha cabeça, tranquilizando-me. Eu sinto o cheiro do seu perfume e
enterro o rosto em seu pescoço, apertando a barra de sua camiseta.
— Está tudo bem agora, eu estou aqui. Você está segura agora.
Uma cobra pode trocar a sua pele, mas ainda permanece como uma
maldita cobra. O veneno continuará correndo por suas veias e o maldito
animal ainda vai continuar rastejando no chão abaixo dos meus pés.
O meu professor de Literatura é uma das malditas cobras que preciso
lidar. Uma cobra não peçonhenta que colocou as suas mãos podres na pele
de Julieta. Ela também não é nenhuma santa, mas a graça é essa. Agora,
que professor coloca a mão em uma de suas alunas? Isso é literalmente um
pedido para ir à prisão no Texas. Não existe explicação plausível para esse
homem ter caído de desejos por Julieta.
Sim, ela é a garota mais gostosa daquele lugar, mas também é um
mandado de prisão.
O observo à minha frente, preso em uma cadeira e amordaçado. A
cabeça está erguida porque o filho da puta está acordado. Os seus olhos
não estão alarmados e ele não parece estar com medo, mesmo com todos
nós aqui embaixo.
Nunca soube que o clube tinha um porão, mas isso sempre foi
proposital. Debaixo do piso, bem embaixo de onde as pessoas dormem,
tem uma sala de tortura. Não é exatamente uma sala de tortura como as
de Patrick, não tem espelhos, o piso não é feito para tirar sangue. Não tem
correntes na parede para que possamos erguer um corpo e nem uma mesa
com todo o tipo de arma, mas as paredes desse lugar são à prova de sons e
tem uma cadeira no meio, então acho que isso já configura como perigoso.
— Vamos começar com a pergunta mais óbvia? — Asher não
transparece nada quando pergunta isso. Volkov cruza a sala sem ventilação
com tranquilidade enquanto observa o meu professor de cima a baixo,
desde os sapatos um tanto caros até as mãos presas atrás das costas. —
Por que você estava tão interessado em pegar Julieta?
Nem uma mísera palavra sai da boca do homem preso na cadeira, mas
seus olhos se estreitam para Asher e seu rosto se transforma em uma
máscara de arrogância. Os olhos castanhos medem Asher de cima a baixo,
desacreditados. É como se ele não conseguisse acreditar que Asher Volkov
representasse alguma ameaça para ele.
Ou qualquer um de nós.
— Acho que devo começar a arrancar as unhas dele até esse imbecil
abrir a boca. — A voz de Axel corre pelas paredes e eu procuro alguma
reação de Brian a ele, já que Axel está em um lugar que a cobra não
consegue ver. A satisfação brilha em meu rosto assim que percebo enrijece
sua coluna e vira um pouco a cabeça, sem dúvidas sentindo o perigo.
— Você arranca de uma mão e eu de outra. — Ao meu lado, Roman
sorri quando diz isso. Axel lhe lança uma piscadela com uma nova
irmandade que eu não tinha percebido e então seus olhos se concentram
na garota ao meu lado. — Espero que Dylan não tenha batido forte o
suficiente para te deixar tonto ainda.
— Não, ele ainda está bem. Não é, Brian? — indago, dando alguns
passos para a frente até estar parado ao lado de Asher. — Descobri
recentemente que você gosta de se encontrar em lugares escuros com as
suas alunas... não me interesso sobre nenhuma delas, mas essa aqui
atrás... eu realmente me importo com ela. Vai nos contar o motivo de
tentar levá-la?
Um sorriso nasce no canto da boca dele, então, louco para tirá-lo de lá,
eu o acerto em cheio com o meu punho. O impacto esquenta a minha pele
e a faz latejar, mas tudo isso compensa pela satisfação de vê-lo cuspir
sangue no chão cimentado do porão do clube.
— Bata mais, ele não parece convencido ainda. — Asher dá dois passos
para o lado enquanto observa com desprezo os pingos de sangue em seus
sapatos.
— Com prazer. — Preparo o meu punho e dou mais dois socos no rosto
do homem. Continua a latejar ainda mais e agora começa a queimar. A
cabeça de Brian cai para a frente e ele solta grunhidos baixos, que saem
escorrendo por seus lábios. — Vai me responder agora?
Nada. Nem uma palavra.
Finjo decepção e me afasto, gesticulando para Axel.
— Tente no meu lugar.
O outro Volkov toma o lugar antes mesmo que eu chegue perto de
Julieta. Roman caminha até eles, os três formam um semicírculo ao redor
de Brian. O som podre do sangue escapando por seus lábios não tira a
minha atenção da garota. Julieta está encostada na parede, ela não liga
que a parede tenha um cheiro ruim, na verdade, nem parece notar.
Está de braços cruzados e um olhar contemplativo quando para de
digitar avidamente no celular e olha para os meninos dando socos em
nosso professor.
— Você não parece surpresa — quando digo isso a ela, não é uma
acusação. Não quero mais nenhuma guerra contra ela e só Deus sabe, mas
Julieta é toda sobre guerras e batalhas. Se eu começar uma aqui, ela não
vai ser quem vai parar e se eu a empurrar muito, ela fará mil vezes pior
comigo.
— Depois desses últimos dias acho que nada mais me surpreende. — O
verde em seus olhos parece opaco. Não sei se é pela iluminação ou pelo
humor da garota não ser um dos melhores. Ela toma fôlego e deixa uma
curta risada escapar. — É claro que todo homem que colocou a mão em
mim é um criminoso... Qual seria a graça se fosse o contrário?
Os movimentos de Axel ficam ainda mais fortes, e não sei se o motivo
disso foi por ele ter escutado ela dizer isso ou se é de raiva pelo professor
não demonstrar a dor do jeito que ele quer.
— Por que você começou a transar com um professor? É algum fetiche?
— provoco.
Sei que estou incitando uma guerra assim que os seus olhos se
estreitam em minha direção.
— Você não tem direito de perguntar isso, capitão. Não com a
quantidade de líderes de torcida que eu vi sentadas no seu colo nos
últimos anos. — Abro a boca para retrucar, mas ela não está mais olhando
para mim. O celular em suas mãos ocupa toda a sua atenção e ela volta a
digitar com rapidez a testa franzida em preocupação. — Mas que merda?
— O que foi? — Aproximo-me ainda mais dela. O cheiro do seu xampu
de morangos chega até os meus sentidos e me controlo para não abaixar a
minha cabeça e enfiar meu nariz lá exclusivamente para sentir mais do seu
cheiro gostoso.
— Charlie disse que consegue achar coisas sobre o Brian para mim —
ela sussurra.
A porra do Charlie?
Aquele garotinho franzino e idiota que ficava rondando-a quando
éramos crianças? Que porra esse idiota pode saber que nós não sabemos?
E, na verdade...
— Como o Charlie sabe sobre isso? — Gesticulo para nós e então
aponto para Brian, que agora sorri para uma ameaça de Roman.
— Ele perguntou se eu estava bem e eu disse que estava ocupada
resolvendo um problema. Ele viu quando o professor me pediu para ficar
depois do horário para falar com ele. — Continua com a testa franzida
quando ela encara o celular. — E então ele juntou as coisas e me
perguntou se tinha alguma coisa a ver com Brian.
— E você disse que sim?
Ela balança a cabeça e, dessa vez, observa quando Roman sobe as
escadas do porão.
— Ele me disse que vai juntar tudo o que consegue sobre ele.
— E como a porra do Charlie vai conseguir fazer isso?
— Provavelmente vai usar os contatos da Sra. McCurdy. — Ah, sim.
Aquela mulher esquisita que soltava muitos palavrões perto de crianças e
parecia muito amiga da mãe de Julieta, eu definitivamente me lembro
dela. — Para onde Roman foi?
— Ele foi pegar o alicate — Axel nos responde enquanto tira a jaqueta
do corpo. Axel se abaixa até seu rosto estar na altura do professor. — Nós
ainda vamos nos divertir muito, não é, Brian?
— Vá para o inferno! — O homem cospe sangue no rosto do Volkov.
Espero mais um soco, mas tudo o que Axel faz é abrir um sorriso doentio
pra caralho.
Quando olho para Julieta, ela não parece nem um pouco surpresa.
— Não, eu vou te levar para lá. — Axel usa sua mão para limpar o
sangue, mas não parece enojado quando o faz. — Cuidado com isso, a
minha garota e eu temos essa coisa por sangue e ela é ciumenta.
Julieta dá o primeiro sorriso desde que descemos aqui para baixo.
— Brian Jones, trinta e cinco anos. Professor de Literatura formado na
Columbia. Deu aulas em Nova York até vir para o Texas há quatro anos —
Asher cita as informações encontradas do na internet. — Parece uma vida
chata e muito miserável. O que está escondendo de nós, Brian?
— Esqueceu de falar que eu fodi a sua garota por meses — o filho da
puta abre a boca para provocar Asher, mas Axel o cala com mais um soco.
Brian demora a se recuperar dessa vez, sua cabeça fica abaixada por
mais tempo do que antes. Roman desce as escadas com uma caixa em
mãos, localizando Julieta e eu rapidamente com o olhar. Trocamos um
aceno quando ele anda até os gêmeos.
— Certo, vamos continuar — Asher diz quando Brian volta a olhar para
cima. — Além de transar com uma menor de idade, que por acaso é a sua
aluna, o que mais você fez? Você passou um tempo em Nova York, não é?
Como foi o seu tempo lá?
Brian não fala absolutamente nada. Roman abre a caixa e revela uma
imensidão de ferramentas e facas. O sorriso nasce em meus lábios antes
que eu consiga os conter, agora sim isso parece com uma sala de tortura.
— Esclarecedor — ele diz rapidamente, mas os meninos não se dão por
satisfeitos. Axel, violento como sempre, coloca um alicate encaixado na
unha do seu dedo indicador.
— Eu vou te fazer uma pergunta e, se não me responder, vou arrancar a
sua unha — promete o Volkov. — E vou fazer isso até arrancar todas as
unhas da sua mão, então Roman vai fazer a mesma coisa com a outra. Se
ainda não tivermos as respostas, vamos começar a quebrar os seus dedos.
Acene com a cabeça se você me entendeu.
— Se ele não tiver entendido, nós arrancamos do mesmo jeito —
Roman diz.
Brian dá um aceno com a cabeça e engole em seco. Sua postura
endurece ainda mais quando ele olha para os dois perto de si. Asher cruza
os braços, saboreando o momento com sadismo.
— Vamos começar com a mais fácil... — Axel aperta o alicate entre os
dedos, preparando-se. — Por que você quis sequestrar a minha garota?
Brian não responde de imediato, mas isso já é o suficiente para Axel.
Ele puxa o alicate em um movimento só, arrancando a unha dele sem
hesitação.
O grito que escuto é o suficiente para que coloque o meu braço ao
redor do ombro de Julieta, oferecendo a ela um apoio para estar aqui. Mas
Julieta não parece precisar do meu apoio. Ela quase não nota o meu braço
ao seu redor, vidrada no que vê. Não se encolhe de nojo, não faz careta,
não demonstra medo de um dos meninos ou remorso. Ela só assiste como
se não pudesse desviar o olhar disso e do que está em sua frente.
O sangue espirra e pinga no chão, os grunhidos de Brian parecem ser
música para mim.
— Seu filho da puta! — ele xinga.
— Eu ainda não ouvi a resposta, você ouviu, Axel? — indaga Roman.
Assisto quando Axel nega.
— Será que devo arrancar a outra agora?
— Eu recebi uma ordem! — grita Brian, sua voz é alta e raivosa e expõe
todo o seu ódio.
— Isso só prova que você não é um idiota que mata adolescentes
aleatoriamente. — Reviro os meus olhos.
— Quem deu a ordem? — Asher indaga, controlando essa situação com
punhos de ferro.
É óbvio para mim que quem está à frente das perguntas é o Volkov de
gelo. Roman e Axel não se importam de ser os músculos e eu também não
me importo de sustentar Julieta caso ela precise de mim. Se Asher não
fosse feito de gelo, o maldito iria brilhar agora. Ele nasceu para isso,
percebo.
Julieta agarra a gola da minha camisa e chamam a minha atenção para
ela. Quando abaixo o meu olhar até ela, o seu celular está apontado em
minha direção, mostrando-me uma mensagem da porra do Charlie.
Charlie: Pedi um favor a um amigo da minha mãe que
está aqui em casa. Brian Jones é um ex-policial. Ele disse
que a ficha dele foi limpa do sistema, mas que tem
cópias. Tem uma ficha aqui, posso ir até você para
entregar?

— O que eu faço? — Meu peito enche de orgulho assim que ela me


pergunta. A mim, não a um dos idiotas.
— Deixe-o vir até aqui. — Até dou um beijo na testa dela para ganhar
mais uns pontos. Julieta gosta de Charlie, não posso ficar tratando o idiota
como merda igual a antes. Não sem ela se irritar ainda mais comigo.
— Então você era um policial? — Os olhares de todos vem até mim,
mas o que me chama a atenção são os de Brian. Seus olhos brilhavam em
realização e então receio.
Te peguei.
— Um policial? — Axel volta a olhar para Brian. — Esqueceu de deixar
isso de fora, professor?
— Você não me perguntou sobre isso. — E então um sorriso aparece
em seus lábios e ele mostra todo o sangue que está em sua boca.
— O que eu me pergunto é: Como um policial vira um professor e
absolutamente ninguém sabia sobre sua antiga carreira? — Roman encaixa
o alicate em sua outra unha. — Vamos voltar ao jogo, Brian. Mas dessa vez
eu vou dobrar a aposta. Faça com que nós cinco acreditemos na porra que
você falar e não se machuca. Se sequer um de nós duvidar do que você
falou, além de tirar a sua unha, vou quebrar o seu dedo.
— Parece uma boa aposta para mim — Axel concorda. — Vou levar a
frente pelos outros e dizer que nós aceitamos.
— Quem te mandou?
— Um mafioso.
Nós nos entreolhamos. Não duvido que um mafioso tenha mandado
ele, a questão é, qual deles?
— O nome — Asher enfatiza.
— Quebre meu dedo. — Julieta aperta a minha mão quando Roman dá
de ombros e puxa a unha com lentidão, agonizando Brian em cada
momento. Os gritos voltam a seguir, mas demoram mais dessa vez. Ele
morde os lábios para se conter, mas quando Roman entrega o alicate para
Axel, segura o seu indicador e força o seu osso pelo lado errado até um
barulho ser escutado por todos nós, Brian deixa de se conter.
— Pode gritar, nenhum de nós vai espalhar por aí que você é um frouxo
— Axel o provoca.
— Já que não vai nos dizer quem mandou você, então nos fale sobre o
seu tempo de policial. Onde trabalhava? — indago. Lágrimas escorrem
pelos olhos de Brian e mancham as suas bochechas. Seus olhos vão para
Julieta quando ele volta a me responder:
— Nova York — resmunga ele.
— Um policial de Nova York... — Asher murmura, com seus olhos ainda
fixos em Brian. — Por que saiu?
— Armaram para mim em uma operação e eu fui condenado.
— Nova York e seus policiais corruptos... — Balanço a minha cabeça.
— A mãe de Julieta foi condenada e presa em Nova York — Asher volta
a falar, juntando as peças antes de todos nós. — Qual a sua relação com
isso?
O maxilar de Brian trava e nada sai da sua boca. Axel encaixa o alicate
novamente, mas, dessa vez, Asher o para.
— Eles vão arrancar a sua unha e quebrar o seu dedo, mas eu não vou
desistir dessa pergunta. Arrancarão cada maldita parte do seu corpo e só
vão parar até você responder — ameaça Asher.
— Não, eu não tive nada a ver com a prisão da mãe dela e a colocação
na Rikers.
— Quem foi que disse que minha mãe foi para a Rikers? — Julieta
pergunta para ele, a primeira vez que a garota o dirige a palavra desde que
ele tentou a colocar no carro.
— Li nos jornais.
Roman balança a cabeça.
— Não, eu não acredito nisso. Foi o seu mafioso quem disse?
Brian abaixa a cabeça, frustrado. O suor escorre por sua testa quando
ele se levanta novamente, mantendo-se calado.
— Vou levar isso como um sim — diz Roman.
— Como você virou professor? — Julieta pergunta a ele. — E por que
nós não conseguimos achar nada nisso no sistema?
— Suponho que devo agradecer ao meu mafioso por isso.
Os meninos voltam a fazer perguntas, e algumas delas não são
respondidas. Axel perde a paciência em um ponto e quebra dois dedos de
uma vez e mesmo assim o homem não responde. O treinamento militar
teve efeito, percebo.
Depois do que pareceram horas, Julieta me mostra o seu telefone de
novo. Charlie estava nos portões. A acompanho até a parte de cima do
clube ainda destruído e encontro com Charlie do lado de fora, encostado
em seu carro com uma pasta bege em mãos.
Ele me encara com desprezo evidente e eu devolvo o olhar. Seus olhos
ficam suaves quando ele olha para Julieta. Travo o meu maxilar, não
gostando de nada disso.
— Eu nem sei como te agradecer — a latina diz, dando um abraço em
Charlie para o meu total desagrado. Nós não cheiramos bem, fedemos a
sangue, suor e lágrimas que não são nossas, mas se Charlie se incomoda
com isso, não demonstra.
— Vai me agradecer dando um jeito de entregar ele de volta à polícia e
nunca mais chegando perto dele — diz o ruivo.
Puxo Julieta para mim quando ela sai dos braços dele. Ela me lança um
sorriso pequeno e então volta os seus olhos para ele.
— Vou fazer o possível para isso. — Não vai. Ela sabe que não existe a
menor hipótese de Brian Jones sair daqui com vida. Charlie entrega a pasta
para ela e enfia as mãos nos bolsos. — Vá para casa, Charlie, é perigoso por
aqui.
— Eu deveria dizer a mesma coisa para você.
— Tudo bem... — Ela me encara de soslaio e então volta o seu olhar
para o clube. — Eu não estou mais sozinha.
Aperto os meus braços contra ela, puxando-a para mais perto de mim.
— O cara era corrupto, Julieta — diz Charlie. O ruivo abre a porta do
carro, mas para e olha de volta para a garota em meus braços. — Ele
trabalhou na operação para prender a sua mãe. O amigo da minha mãe
disse que ele perdeu o emprego com um grupo de policiais depois desse
caso. Tome cuidado. E faça qualquer coisa para se livrar dele.
— Eu vou — promete ela. Observamos quando o garoto balança a
cabeça para ela e entra no carro, acelerando logo depois. Que tipo de
pessoa dirige até o outro lado da cidade à noite só para entregar umas
folhas para uma amiga e depois vai embora? — Dylan, olha isso...
Tem uma foto dele com um colete policial e armado, é impossível negar
que esse filho da puta era da polícia. Dentro da ficha tem registros de
quando ele começou a prestar serviços até o dia que foi demitido quatro
anos atrás, bem no tempo em que a mãe de Julieta foi presa.
Caminhamos de volta para o porão e o fogo brilha em meus olhos.
— Conseguiram tirar alguma coisa dele? — questiono.
Axel bufa, sua camisa está toda manchada de sangue. Brian tem cortes
nos braços e uma faca enfiada no estômago. Seus dedos estão todos tortos
e ele parece perto de perder a consciência.
— Nada. O filho da puta não fala mais — Axel bufa.
— Deveríamos matá-lo de uma vez — Roman diz, levantando-se do
chão.
Troco um olhar com Julieta quando Asher não se opõe.
Um mafioso. Existem dois mafiosos na cidade, o pai de Roman não se
enquadra nisso. Já temos o que precisamos e vamos conseguir o resto de
um jeito ou de outro. Também não podemos deixá-lo preso aqui para
sempre, o clube tornou-se mais movimentado desde que estão todos
ocupados reparando os danos e planejando uma vingança. Além disso,
ainda tem alguém ali dentro que não é confiável.
Tiro minha arma da cintura e ando até Brian com passos decididos. A
aponto para o meio de sua testa e seguro firme o meu olhar no seu. Ele
sabe o que vai acontecer, consigo sentir isso.
— Últimas palavras?
— Vou ver cada um de vocês no inferno.
E então puxo o gatilho.
Quando saio do quarto de Asher, não esperava encontrar Dylan no sofá.
O receio toma conta de todo o meu coração quando o encaro, porque a
realidade é que não sei o que esperar dele depois de hoje à noite. Quando
os olhos azuis se encontram com os meus, caminho em sua direção como
se um imã estivesse me puxando em direção a ele.
O sofá é grande o suficiente para que seu corpo esteja esticado e longe
do meu, mas eu ainda consigo sentir o seu calor. Ou talvez seja o calor do
seu olhar em mim da mesma forma que ele está fazendo desde que saímos
do clube.
A luz da TV e a luz da lua do lado de fora da janela são as únicas que
nos iluminam aqui. 10 coisas que eu odeio em você passa na tela da TV e a
voz de Heath Ledger é a trilha sonora para o nosso silêncio. Observo
quando ele desce a arquibancada cantando Can't take my eyes off you e
abro um sorriso bobo ao perceber que Kat Stratford já está caidinha de
amores por Patrick Verona.
— O que foi? — Dylan me questiona. Quando viro o meu rosto para
encará-lo, percebo rapidamente que, enquanto os meus olhos estavam na
tela, os dele estavam em mim.
— Eu só estava pensando sobre boas garotas e suas paixões por garotos
maus.
Um sorriso provocativo nasce dos lábios dele e esse maldito sorriso me
incita a saber sobre o que está em sua cabeça. Quero saber, depois dessa
noite eu quero saber exatamente que tipo de escuridão se passa lá dentro.
Não só a sua parte sombria, eu quero tudo.
Acho que isso faz de mim uma vadia gananciosa...
— Isso não é algo que você pode falar com propriedade — Dylan
murmura e então se ajeita melhor no sofá, abaixando-se até que os seus
olhos estejam da altura dos meus. O sorriso que cresce ainda mais já me
diz que ele vai me provocar. — Você nunca foi uma boa garota.
Em um impulso eu lhe dou um fraco tapa no peito e isso desencoraja
uma série de risadas masculinas e gostosas em seu peito. Os olhos azuis se
fecham quando eu falo:
— Eu era sim uma boa garota antes de conhecer vocês.
Dylan não me leva a sério em momento nenhum. Observo quando ele
usa a ponta dos dedos para limpar as lágrimas do canto dos olhos.
— Você nunca foi uma boa garota, Julieta. — Ele balança a cabeça para
formar o seu ponto. O cabelo loiro, que já precisa ser cortado, cai em
frente aos seus olhos, molhado pelo banho que ele tomou há pouco
tempo. Detenho a minha mão para me impedir de passar a mão ali e
afastar o loiro do azul que eu amo ver. — Nós sempre fomos péssimas
influências um para o outro.
— Não... Você não era tão má influência assim — discordo.
— Você acha? — Vejo os azuis sumirem antes de aparecerem
novamente, preguiçosos.
— Com certeza. — Mexo-me no sofá até estar um pouco mais perto
dele. Não é tão perto quanto eu quero, não me parece o suficiente, mas
me contento com o que tenho. — Você sempre foi o mais brilhante de
todos nós.
Franze a testa quando balança a cabeça. Seus olhos continuam me
puxando como imãs, instigando-me a estar mais perto dele e, mesmo não
podendo, quero atender a esse pedido.
— Eu acabei de matar alguém, Julieta. — Meu nome sai de seus lábios
como uma prece. — Não acho que eu seja o mais brilhante de todos nós.
— É sim. — Não aceito a derrota. Dylan precisa perder toda essa
pressão que ele carrega consigo. Perder todo esse peso que está em seus
ombros e faz questão de arrastar atrás de si. — Todos nós faríamos o que
você fez hoje, Dylan... não coloque algo em sua conta que não pertence a
você.
— É, mas não foi um de vocês que fez isso. Fui eu. — O sorriso
brilhante em seu rosto agora diminui e torna-se tão melancólico quanto
um dia chuvoso. — Patrick me criou igual a ele, eu fui feito para isso. Está
tudo bem.
— Não está tudo bem se isso não é algo que você quer.
Dylan passa os dedos entre o seu cabelo.
— Isso é tudo o que eu tenho.
Me apoio sobre os cotovelos aproximando-me mais dele. Preciso do
seu toque tanto quanto preciso fazê-lo entender que está errado. Preciso
que ele consiga se olhar da forma que eu o vejo sem as mágoas de quando
éramos estúpidos e imaturos.
Mas... Ainda não somos?
Nós ainda não passamos de cinco ignorantes? Sim, somos isso. Somos
cinco pessoas ignorantes e imaturas que não sabem quando parar e que,
às vezes, ultrapassam todos os limites. Estamos todos quebrados e
cansados de carregar fardos e responsabilidades que não deviam ser
nossos. Todos nós.
— Você tem muito mais do que isso. — Minha mão beira perto da sua.
— Você não é como eu, Dylan. Ou como os meninos. Nós já nos
afundamos demais para voltar atrás agora. Estamos presos demais na teia
que nossos pais fizeram para nós, mas você? Você tem a chance de ser
maior que todos nós, tem a chance de estar livre.
Ele balança a cabeça e comprime os lábios. Se ele negou tudo o que eu
disse ou se simplesmente não quer acreditar em mim, não sei.
— Já é tarde demais para mim. Já estou tão afundado quanto os outros,
e isso não é desde que eu matei aquele filho da puta. É mais profundo do
que isso.
Franzo a testa, confusa.
— Então isso é desde quando? — quando pergunto, procuro possíveis
argumentos para conseguir fazer com que esse cabeça-dura mude de ideia.
— Desde a primeira vez que eu vi você. — Minha respiração trava na
garganta e meu coração martela em meu peito enquanto o encaro. Procuro
verdade em seus olhos azuis e isso é tudo o que encontro. — Desde a
primeira vez que amei você. Já estou te amando tempo suficiente para
saber que não há cura para isso... não tenho como te tirar daqui de dentro.
Quando ele gesticula para o seu coração, meu peito treme. Comprimo
os meus lábios e me forço a guardar as lágrimas que querem escapar dos
meus olhos. Quando olho para ele, não enxergo raiva ou alguma
animosidade contra mim e Deus... Isso é o que nos faz diferentes. Se
estivesse em seu lugar, eu o odiaria tanto. Tentaria arrancar os seus
vestígios da minha pele e da minha alma à força, mas Dylan? O que ele faz
é se contentar com o que tem.
— Sinto muito. — Abro um sorriso trêmulo para ele. Sinto a sua pele
contra a minha quando ele agarra a minha mão e me dá um aperto,
afirmando sua presença para mim.
— Eu não. — Aproxima seu corpo do meu no sofá. Dylan imita a minha
posição e eu consigo sentir o calor de sua respiração em minha pele. — Eu
não tive nenhuma chance desde o início. Já estava condenado a você e não
só por nascer na família onde nasci. Acho que sempre aceitei que nós cinco
éramos uma força da natureza.
— Cinco?
— Me condenei a eles tanto quanto me condenei a você. —
Novamente, não vejo raiva quando ele diz isso. Aceitação e um pouco de
diversão em seus olhos, mas não raiva... — Não acho que estaríamos aqui
hoje se não fosse por você. É a sua presença que nos liga um ao outro
desde que brincávamos no playground.
— Mas nós já crescemos muito desde o playground... — digo a ele.
— E nada daquilo mudou. Acho que nunca vai mudar.
Dylan Monroe, o capitão do time.
Dylan Monroe, o primeiro dos garotos que sorriu para mim.
Qual a diferença entre eles? Fui egoísta o suficiente para considerar a
presença deles em minha vida como em uma daquelas grandes tragédias,
mas não pensei em como a minha presença na vida deles também foi uma
tragédia.
Atingi todos com a minha toxicidade tanto quanto deixei que
atingissem a mim. Mostrei para todos eles o meu lado feio e infiltrei a
minha presença tão forte que, quando nos separamos, nenhum deles
soube lidar completamente.
— Não posso ser mais egoísta com você. — Minha voz é baixa, contida.
Dylan não entende o que eu falo, pende sua cabeça para o lado à procura
de uma explicação. — Preciso te deixar ir embora. Depois que isso acabar
ou agora, não importa mais. Você é livre para ir, prometo que não vou
tentar te puxar de volta ou jogar palavras de ódio em cima de você.
Ele nega.
— Não quero que me deixe ir.
— Eu preciso. — Minha voz fica presa na garganta e falha. A visão clara
de Dylan embaça pelas lágrimas em meus olhos. — Você já é livre há
muitos anos, já vive a sua própria vida. Não precisa de escapamento para
lidar com a raiva. Você é bom, Dylan. Provavelmente vai conseguir uma
bolsa e daqui a alguns anos eu vou ver você jogando futebol na minha
televisão.
Acaricia as minhas bochechas e limpa as lágrimas que começam a
descer. Dói tanto que sinto o meu coração se partir no meio, mas não é
justo. Quando o encaro, tudo que vejo é o menino de sete anos que corria
atrás de mim e que me deixava jogar futebol com ele. Vejo o adolescente
que gostava de me esperar na minha janela para fugir com ele e seus três
amigos. Vejo o homem que está se formando e tudo que tem para ele...
Longe de mim.
— Você provavelmente não vai ter uma esposa por muitos anos, gosta
de festejar demais para isso. Mas talvez... daqui a uns dez anos eu veja
notícias sobre o seu casamento. E então, quando estiver longe daqui, vou
ligar a TV e ver notícias sobre os seus futuros filhos e esposa entrando no
campo e te abraçando depois de você ganhar algum campeonato
importante.
Mordo o meu lábio, incapaz de continuar a falar. Dylan se levanta e se
senta no sofá, e sem que eu perceba sou puxada para o seu colo em um
movimento só. Entrelaço as minhas pernas ao redor de sua cintura e
enterro o meu nariz em seu pescoço, inspirando logo em seguida. Sinto o
cheiro que só ele tem junto ao cheiro de xampu e sabonete fresco.
— Você não tem ideia do quão errada está... — Consigo escutar o seu
sussurro abafado pela minha pele. Um de seus braços aperta a minha
cintura enquanto o outro gruda em minha nuca, mantendo-me presa e ele.
— Você está sendo boba pra caralho agora e eu vou te explicar o porquê.
— Não preciso de explicação nenhuma. — Balanço a minha cabeça e
me enterro ainda mais em seu abraço. — Está tudo bem. Tá doendo, mas
está tudo bem.
— Julieta...
Interrompo-o:
— Sabe por que está tudo bem? — E coloco as minhas mãos em seu
maxilar e prendo o seu olhar no meu. Não sei se é a minha visão falha, mas
consigo ver pontos vermelhos em seus olhos. — Porque, mesmo que eu
odeie cada dia miserável da minha vida sabendo que eu errei, pelo menos
vou saber que estou gravada na sua pele tanto quanto você está na minha.
Daqui a dez anos eu vou saber que, não importa quem vier, você sempre
vai se lembrar de mim. Seja como aquela garotinha de vestido vermelho e
meias que quis brincar com quatro garotos que ela não conhecia, como
aquela adolescente apaixonada e ciumenta que brigava com você todos os
dias ou como agora, comigo sentada no seu colo e te deixando ir para
outra pessoa. Isso, querido, ninguém vai poder tirar de nós.
Dylan perde a paciência comigo. Sua boca gruda na minha, não com
possessividade, não com desejo, mas céus... sinto amor e adoração em
cada toque seu. Enquanto entrelaçamos nossas línguas, sinto todo o
sentimento como uma enxurrada em mim. Suas mãos me apertam de
onde estão, mantendo-me sua refém. Não arranho o seu maxilar, mas
mantenho as minhas mãos firmes para sentir a sua pele contra a minha.
— Talvez você ainda consiga me ver em seus sonhos — digo assim que
desgrudo os meus lábios dele. Mantenho minha testa pressionada na dele
e tudo o que eu sinto é dor, porque eu sei o quanto fui burra e quanto
tempo perdi com ele. — Só espero que eles sejam sonhos selvagens, ou
vou ficar com raiva de você.
— Não existe outra pessoa — ele me confidencia. — Sua garota boba,
nunca existiu alguém além de você.
— Pode parar, Dylan. Tudo está bem agora. — Dou um sorriso choroso.
— Não vou mais ter crises silenciosas de ciúmes toda vez que você transar
com alguém ou chegar perto de outra mulher.
Aquela discussão com Axel... não posso mais voltar a fazer isso e Dylan
não merece nada assim.
Enquanto eu sou uma bagunça chorona e envergonhada, Dylan parece
estar cheio de raiva e arrependimento.
— Não, Julieta. Quando eu digo que não existe ninguém, estou falando
sério.
Franzo a testa, confusa.
— O quê?
Suas sobrancelhas se contorcem e eu sinto seus dedos traçando pontos
em minhas bochechas molhadas.
— Nunca teve ninguém. Nenhuma mulher me tocou de forma íntima.
Pareço uma tonta que não conhece outras palavras no vocabulário, mas
não posso deixar de balbuciar:
— O quê?
Dylan solta uma risada com a minha expressão incrédula e balança a
sua cabeça, envergonhado. Abaixa seu olhar, mas eu não permito e
mantenho o seu rosto visível para mim. Quero o seu olhar assim como
quero tudo dele.
— Você foi a minha primeira em tudo. — Ele pisca preguiçosamente. —
Esperava que pudesse ser disso também.
Seu primeiro abraço em uma garota. Seu primeiro beijo. Seu primeiro
amor.
— Além disso... eu também fui o seu primeiro beijo. — A
vulnerabilidade em sua expressão me desarma completamente. Isso não é
algo que eu espero de Dylan e vê-lo se despir para mim... — Não vou
mentir, eu esperava que pudesse ser a sua primeira vez também.
Abro um sorriso culpado.
— Você chegou tarde para isso.
— Eu sei. Posso não ser o seu primeiro, mas vou ser o seu favorito. —
Dylan toma os meus lábios em um beijo terno.
— Mas eu vi as líderes de torcida — digo assim que me afasto dele. —
Como também vi aquela dança no seu colo.
— Nunca dormi com nenhuma líder de torcida, elas só diziam que sim e
eu nunca neguei. — Recomeça o carinho em meu rosto. Sinto quando seus
dedos fazem carinho em minhas lágrimas até os seus beijos salpicados em
minhas bochechas rosadas. Dylan não tenta secar as minhas lágrimas, na
verdade ele me faz sentir prazer e orgulho por elas. Cada um de seus
beijinhos em minhas bochechas me fazem brilhar por ter me mostrado
vulnerável para ele. — E que dança é essa?
Estreito os olhos.
— No dia daquela festa no clube. Sei que tinha uma garota dançando
no seu colo, acredite em mim, eu prestei muita atenção.
Dylan balança a cabeça e seus olhos brilham em reconhecimento.
— Aquilo não foi obra minha, eu juro. Ela estava no colo do pai de
Roman e ele a mandou para o meu.
E você aproveitou bastante, tenho vontade de dizer, mas me contenho.
Mordo o meu lábio para evitar abrir a boca, mas Dylan não deixa.
— O que foi?
— Nada.
— Por que não quer falar comigo?
Abro um sorriso sem graça para ele.
— Porque agora que eu já te deixei ir, não tenho o direito de reclamar
mais. — Balanço a cabeça quando ele revira os olhos para mim. — Acho
que eu nunca tive o direito. Não tenho posse de ninguém, mesmo achando
que tenho. Eu sou uma nova pessoa agora e esses velhos hábitos não são
saudáveis.
— Velhos hábitos? — ele repete o que eu digo, estreitando os olhos em
minha direção. — Não sou caralho nenhum de velhos hábitos, Julieta. E
também já disse que não quero que você me deixe ir.
— E eu já disse que isso não é saudável, Dylan.
— Foda-se o saudável. — Suas mãos me apertam ainda mais, mas não
para sexo. Dylan só quer me sentir mais perto dele. — Nós não precisamos
de saudável. Nunca fomos saudáveis um para o outro.
— Eu tenho certeza de que isso é uma coisa muito ruim, Dylan.
— Segundo quem? — ele rebate. — Porque você me leva ao inferno,
mas também me faz alcançar os céus. Eu mato por você e morro por você.
Me transformo em minha pior versão se isso significar que você estará
segura. Isso é tóxico?
Balanço a cabeça, confirmando para ele. Não consigo negar nada do
que ele falou, porque me sinto do mesmo jeito. Entre Dylan, Axel, Roman e
Asher? Eu provavelmente mataria por todos eles a esse ponto.
— Acho que somos todos tão tóxicos que talvez nós consertemos um
ao outro — ele sussurra e eu não nego.
Dylan continua com o carinho em meu rosto, seus olhos azuis que tanto
amo estão mais leves e agora tem um sorriso bobo quando olha para mim.
Sou amaldiçoada pelos erros dos meus pais e pago por eles, mas,
quando o fito assim, não consigo negar o quão sortuda eu me sinto por tê-
lo. Por ter todos eles, mesmo que uns diferentes que outros.
— Por que você me deixou acreditar que tinha dormido com outras
garotas? — pergunto.
— Porque é isso que eu faço. Minto. — Ele encolhe os ombros. — Para
os meus avós, para você... para mim.
— Como você mentiu para você?
— Sei que não tem um mundo onde eu consiga viver do futebol. É por
isso que me esforço tanto, por isso eu gosto tanto de aproveitar a vida que
ele me dá. Daqui a alguns meses, quando terminarmos a escola... o que vai
me esperar é o meu avô. Minha liberdade vai acabar.
— E então você joga...
— Enquanto eu ainda posso jogar. — Ele me mostra um sorriso triste.
— Depois daqui sei que vou ser obrigado a atuar mais na família.
Engulo o caroço que se instala em minha garganta ao ver a expressão
infeliz em seu rosto.
— E eu sei que é cruel com você e comigo, mas eu espero tanto que
seja ele quem colocou a sua mãe na cadeia só para que eu possa ter uma
desculpa para não obedecer às suas ordens.
— Você já pensou em matá-lo? — pergunto com cuidado.
Dylan toma um tempo para responder:
— Não. Eu o odeio pelo que ele quer me forçar a fazer, mas ainda
somos família.
— Dylan... — começo. — Você diz que não quer viver como as regras da
sua família, mas como o que estamos fazendo é diferente?
— É diferente porque eu estou fazendo por você. Matei um homem
pela primeira vez hoje e só consigo pensar em como eu fiquei puto quando
ele tentou te colocar dentro do carro. — Ele balança a cabeça, bravo. — As
coisas são confusas, mas elas são o que são. Sempre foi assim com a gente.
— Até quando não sabíamos o que fazer... nós dávamos um jeito.
As pontas de seus dedos me enviam choques por onde passam.
— Nós não somos bons, Julieta. Não somos pessoas completamente
boas, somos tóxicos pra caralho. Mas servimos um para o outro. Nós cinco.
Sempre fomos nós até o fim do mundo e no final... que se foda o mundo.
Aceito isso, agora é a sua vez.
Adormeço com os carinhos enquanto ouço a voz de Kat Stratford
citando as coisas que ela odeia em Patrick Verona.

No dia seguinte, acordo nos braços de Dylan e, quando abro os olhos e


olho ao meu redor, posso ver Asher sentado na poltrona com o notebook
em seu colo, concentrado. Axel também está por perto, sem camisa e seu
olhar na TV que dormiu ligada. E então eu sinto o cheiro das panquecas de
mirtilo e vejo quando Roman aparece com um prato cheio delas e coloca
na mesinha de centro, ignorando o olhar gelado de Asher quando o faz.
Quando Roman me vê de olhos abertos, ele não perde tempo em
mandar Asher para o inferno, e é claro que o xingamento é devolvido com
gosto.
Escondo meu sorriso no peito de Dylan. Essas pessoas... são as pessoas
da minha vida.
Não sei como vamos terminar, mas porra... O caminho até aqui tem
sido épico. Talvez tenha um jeito para nós no fim das contas.
O maldito clube sempre foi uma porcaria, mas enquanto passa por
reforma que eles mesmos estão fazendo... esse lugar é uma imundície e faz
com que todos os pelos do meu corpo se arrepiem de nojo e ainda
reafirma o fato de que só estou aqui porque preciso.
Evito o desgosto quando olho para os buracos na parede velha e me
concentro em meu irmão. Axel anda bem ao lado do motoqueiro, os dois
estão sujos de tinta e poeira por terem arredado móveis o dia inteiro.
Julieta está um pouco atrás deles, cercada por Dylan. Eles não estão tão
sujos, mas pintam a parede reconstruída do bar com sorrisos bobos e
trocam sussurros cúmplices.
Que as crianças se divirtam então, porque vim aqui para trabalho.
Todos acharam uma excelente ideia vir até o clube se cercar por
motoqueiros estranhos e suas esposas para ajudar na reconstrução desse
lugar, eu achei uma ótima ideia porque isso vai facilitar o acesso a James
Miller para mim.
Sou um homem prático e, quando tenho uma dúvida, vou até o inferno
para descobrir o que quero.
E eu quero tudo sobre a Krasota e sobre Mikhail, Anthony e Patrick e o
que aconteceu nos quatro anos de tão grave para que eles se separassem.
James Miller é o único que pode me dar essas informações sem a
batalha de ego que os outros teriam.
A realidade é que James Miller é um homem básico. Ele tem um clube
que é sua esposa desde a morte da última. Lida com três coisas: drogas,
corridas pelo estado e o seu forte... Armas. James não tentou expandir o
negócio desde quatro anos atrás porque o homem provavelmente decidiu
que o melhor a se fazer é ficar entre os três, mas provavelmente não é
nenhuma certeza para mim.
Quero ouvir isso da boca dele.
— Tio Derek, onde eu coloco isso? — A voz irritante de Roman faz com
que meus olhos se voltem para ele. O motoqueiro está segurando uma
caixa carregada de madeira. O porquê da madeira eu não entendo, mas
presto atenção quando um motoqueiro com uma grande cicatriz para ao
lado de Roman.
— Coloca lá fora, garoto — diz o homem. — E já disse para não me
chamar de tio Derek com estranhos perto da gente.
Reconheço facilmente o homem. Amigo de James, me lembro dos dias
em que andávamos atrás de Julieta dentro do clube.
Roman solta uma risada e passa do meu lado, desaparecendo pela
porta da frente.
— O que está fazendo parado assim, Volkov? — Escuto a voz do
motoqueiro irritante, mas não me viro para olhar. Estou de olho no
corredor por onde vi James desaparecer da última vez, vigiando,
esperando até que ele apareça de novo para que eu possa dar um jeito de
ter as informações que eu quero.
— Vigiando — informo a ele. — Agora vá pintar uma parede e me deixe
em paz.
O som que sai da garganta de Roman não me agrada, mas até aí não
existe nenhuma novidade.
— Está vigiando alguém do meu clube? — ele questiona.
— Você diz como se fosse dono de alguma merda daqui. — Respiro. —
O seu pai ainda está vivo, motoqueiro. Ele é o chefe.
Roman resmunga.
— O que você tanto olha no corredor?
Santa paciência.
— O seu pai — abaixo o meu tom de voz quando conto. Observo ao
meu redor e encaro os motoqueiros que não saíram de perto desde que
Roman parou ao meu lado.
Tem um homem mais velho e grosseiro que está passando pano no
balcão desde antes de Roman ir lá para fora. O avalio e então encaro o
balcão.
Não é tão grande, o que tanto ele limpa ali?
— Quem é? — pergunto a Roman.
— Cam. — Seus olhos se fixam em babochka, que agora troca risadas
com o meu irmão também. Axel a ameaça com seu próprio pincel de tinta
e assistimos quando ela foge dele e se esconde atrás de Dylan. Ela está
feliz, então tudo está bem para mim. — Por quê? Acha que ele é suspeito?
Bufo.
— Ele com certeza está muito interessado no que você tem a dizer.
Os olhos de Roman o avaliam em silêncio. Olho para o homem também
e juntos observamos quando ele para de passar a flanela no balcão e ergue
os olhos para nós dois. Cam dá um aceno curto em nossa direção, então
olha para baixo de novo.
— Acha que ele pode ser o traidor? — indaga.
— Acho que qualquer um pode ser o traidor, mas não é lugar e nem
hora. — Quando vejo o James sair de seu escritório pela porta, decido que
agora é o meu momento. — Vá arrumar algo para fazer, Miller. Eu tenho
assuntos a tratar.
Ele não me escuta. Ouço os passos pesados de Roman atrás de mim,
porque é claro que ele é um filho da puta sem discrição nenhuma.
James e Roman não são a cópia fiel um do outro. Eles têm o mesmo
porte físico, mas as semelhanças físicas acabam por aí. Roman tem o
cabelo tão escuro quanto a noite e olhos azuis. James tem cabelos e olhos
castanhos. Além disso, o seu cabelo é longo o suficiente para que ele faça
um coque e o prenda sempre que quiser, Roman sempre está com o cabelo
curto.
Roman se parece mais com sua mãe do que com o pai, e me pergunto
se isso é a bênção ou a maldição de James.
— James Miller — quando digo o seu nome é em forma de
cumprimento. O homem me olha com a testa franzida e eu vejo quando a
expressão parecida com desdém toma conta do seu rosto por um período
até desaparecer.
Reconheço que posso causar isso nas pessoas, mas não fiz
absolutamente nada para James.
— Asher. — O fato dele ter deixado o meu sobrenome de fora também
não passa despercebido. — Filho. Precisam de alguma coisa?
— Precisamos conversar.
— É uma pergunta ou uma exigência? — James estreita os olhos para
mim, mais líder do que qualquer outra coisa. Considerando que não tenho
rivalidade alguma com esse homem, vou colocar tudo isso na conta de
Mikhail. Talvez James ache que sou parecido demais com ele.
— Pai — Roman diz a ele e, então, coloca uma mão em seu ombro. —
Vamos ao escritório, por favor?
Também não deixo de perceber que isso não foi uma exigência e, como
Roman gosta tanto de falar que esse clube é dele, isso deixa bem claro que
quem o governa é seu pai.
Mas o pai de Roman cede à sua vontade, muito diferente do que o meu
faria.
Acho que questionar James Miller e sua devoção por seu filho é inútil.
Ele nos aceitou aqui porque ama o filho, aceitou Julieta e protegeu. Ele
abriu o seu porão para nós e, então, ajudou Roman a se livrar de um corpo
por seu amor a ele.
Como será isso?
James abre a porta do escritório e entra na frente, dando a volta em
sua mesa e se senta na cadeira que vi Roman tomar posse outro dia. O
motoqueiro vai logo depois, óbvio, mas, ao contrário do que eu esperava,
ele toma a cadeira ao lado da que é livre para mim.
— Do que se trata isso? — indaga o Miller mais velho.
— Antes de tudo, quero deixar claro que não tenho a intenção de te
ofender, James. — Apesar de não o chamar de senhor, deixar claro que vim
em paz é a escolha mais inteligente. Além de estarmos em menor número,
Julieta está lá fora também e eu não posso arriscar a sua segurança. — Mas
tenho muitas perguntas e acredito que apenas você pode me dar as
respostas.
Os olhos castanhos fixam em mim antes de irem para o filho.
— Isso será um favor no futuro, Asher?
Favores... O mundo é feito deles, não é? Um favor é algo que eu jamais
poderei negar a James, mas até lá eu poderei dar um jeito de dobrar isso à
minha vontade.
— Não faria sentido se não fosse — concordo com ele.
— Então faça as suas perguntas.
Me sento na cadeira suja com o mais puro desagrado dentro de mim,
mesmo que não demonstre nada para James. Não sei que tipo de
prostituta ele traz para cá e nem quem se sentou aqui antes que eu, mas,
para o bem maior, me sento na porra da cadeira.
— Você sabe o que é Krasota? — Os olhos de Roman se fixam no pai,
atentos.
James balança a cabeça assentindo e, então, pega uma garrafa de
Bourbon e alguns copos de dentro da mesa.
— Se essa é a conversa que você quer levar, então vamos precisar de
álcool. — Espero paciente até ele terminar de servir a todos nós e dar um
gole em seu próprio copo. — É uma seita. Não sei muita coisa porque não
estou nela, mas sei que os filhos da puta fazem de tudo lá dentro. Tudo
mesmo.
— Sabe onde fica a sede?
— Soube por um contato que mudaram esses dias, mas posso achar.
Isso será outro favor.
— Faça disso um favor para mim — Roman se intromete na conversa.
— Esse assunto é tão importante para ele quanto para mim, que sejamos
dois então.
James e o filho se encaram em uma batalha silenciosa que dura pouco
tempo até o pai balançar a cabeça.
— Que assim seja então — diz James. — Sei que eles lidam com peles
também e sei que não se importam com a idade.
Peles é um código para tráfico de pessoas. E se não importa a idade,
isso significa que crianças estão envolvidas. Não me surpreende que
Mikhail esteja envolvido, já sabíamos que eles traficavam pessoas graças à
amiga loira de Julieta e à movimentação estranha das conversas de
Mikhail.
— E quem é o dono?
James toma mais um gole.
— O seu pai.
Nada que eu não soubesse.
— O que sabe da organização dela e por que você não faz parte?
O olhar de James escurece quando ele me encara. Sinto Roman se
mexer ao meu lado, incomodado. Provavelmente não deveria ter feito essa
pergunta dessa forma, mas James é um cara grande, ele sabe se virar. Deve
ser tão intolerante comigo pela sua antipatia por meu pai.
— Eles têm uma rede de tráfico humano. Tiram mulheres de seu país
para servirem de prostitutas para eles. Crianças... — Seus olhos se fecham
com indignação. — Sou um criminoso, Volkov, mas acredito que até
ladrões devem ter honra, e isso é algo que o seu pai não tem.
— Diz isso porque ele é dono dessa rede? — indago.
James bufa.
— Por tudo. Por ser um filho da puta presunçoso, ganancioso pra
caralho, sujo ao ponto de matar a própria esposa e por criar o que está se
tornando uma das redes mais perigosas de crime do Texas...
— Comece me explicando o que sabe sobre ele e a minha mãe.
Faz tanto tempo que não penso nela, que acredito que esqueci como é
seu rosto em minha mente. Quando fico mais velho, menos consigo
lembrar da sua presença. Axel com toda certeza deve ter mais lembranças
dela do que eu. Abigail era uma mulher introspectiva, quase nunca
conversava com ninguém, nem com os seus próprios filhos.
Me lembro dela tocando canções no piano quando éramos crianças,
mas essas lembranças se nublam à medida que Axel e eu crescemos.
Não dá para dizer que fomos criados por ela, porque, para alguém criar,
essa pessoa precisa estar presente. E só me lembro dela enfiada no quarto
cada vez mais.
Pouco antes de toda confusão começar, Axel achou que ela estava
começando a ligar mais para nós. Ela saía mais do quarto e de casa, nunca
nos levava. Foi assim por um tempo até que... nada.
Era normal passarmos dois a três dias sem vê-la. Demorei uma semana
para notar a sua ausência e, quando perguntei a Mikhail, ele disse que ela
se suicidou. Que acordou e, quando foi até o quarto vê-la, a encontrou
morta com cápsulas de remédio ao redor do corpo.
Não acreditei nem por um segundo, mas não fiz nada. É crueldade não
se importar com quem não se importou com você?
— Não sei de muita coisa, nós não somos ratos — o pai de Roman bufa
e balança a cabeça. É quase como se o fato dele poder ser considerado um
traidor o irritasse o suficiente. — Mas temos ouvidos, sabe... pelo que ouvi,
ele tinha uma prostituta na época. Uma mulher mais velha, mas ninguém
sabe quem é. Mikhail sempre foi discreto.
Forço a minha memória, mas nada adianta. Mikhail quase nunca ficava
em casa e isso não mudou. E o fato de eu não me importar o suficiente
com sua presença também é algo que ainda não se alterou.
— O que aconteceu? — pergunto.
— Nós tínhamos jantares e reuniões. Sempre tivemos, até mesmo
antes de fechar as nossas parcerias, foi assim que vocês se conheceram
desde o princípio. — Ele toma fôlego. — Sua mãe aparecia e conversava
com a minha esposa, mas com o tempo ela deixou de vir. E Mikhail parecia
tão arrogante quando isso aconteceu... me parece óbvio que ele teve algo
a ver com a sua morte.
— Então... O seu caso de acusação se baseia completamente em sua
opinião sobre um maldito mafioso? — Estreito os olhos. — Isso não prova
nada além dele ser uma pessoa miserável. E eu já sabia de tudo isso.
— Pai, tem que ter algo a mais do que isso.
Os olhos de James vão de mim para o filho, ponderando. Encaro Roman
e deixo claro a minha opinião para ele.
— Pai.
— Chegou a ver o corpo da sua mãe? — ele me indaga.
— Você e eu sabemos que o caixão estava fechado. Mikhail disse para
nós que deixar que vissem o corpo morto de sua esposa era uma fraqueza
aos olhos Bratva. Disse que o brilhante caixão preto já era o necessário e
nenhum de nós rebatemos porque ele nunca nos deu a opção de dizer
algo.
— O corpo de Abigail estava cheio de veias pelo rosto. Seu corpo estava
duro e ao redor de sua garganta estava com marcas de dedos e
completamente roxo. E os seus olhos... — Ele engole em seco. — Nunca
vou esquecer os olhos dela. Mikhail disse a nós que Abigail tinha se
suicidado enquanto dormia, mas, a não ser que ela tenha se amarrado em
uma corda com um formato de dedos, não é possível que essa mulher
tenha se suicidado.
A informação não muda nada para mim, e enquanto pai e filho me
encaram enquanto esperam reações, não lhes dou nada. Ela está morta,
fim da história.
— Como você sabe disso?
— Mikhail pode estar na cidade desde que você e seu irmão eram
crianças, mas, ainda assim, estou aqui desde que nasci. E então o meu pai
estava e o pai dele antes disso. Algumas pessoas ainda têm lealdade,
Asher.
— Isso não responde a minha pergunta.
— A mulher que vestiu a sua mãe e a limpou antes de a colocarem no
caixão é ex-namorada de um dos Devils. — Quando olho para Roman,
observo o olhar surpreso para o seu pai. — Ela gravou um vídeo do corpo e
mandou para ele.
— E então ele mandou para você...
James balança a cabeça.
— Como eu disse... algumas pessoas ainda são leais.
Encaro o líder desse clube e o avalio, completamente ciente de que ele
faz o mesmo comigo. James é um criminoso, mas, se alguém pode falar
alguma coisa sobre um “criminoso com honra”, ele é esse alguém.
— Como tudo isso começou? — Roman indaga. — Mikhail é um filho da
puta, já sabemos disso. Como se envolveu com ele e os outros? O clube já
existia antes deles, não é?
— Antes deles, eu governava essa cidade. Era a velha guarda, sabe? —
Encosta suas costas na cadeira. — Couro para todo o lado, eram os tempos
de ouro. Eu era novo e me sentia invencível. O primeiro a chegar foi Patrick
Monroe e sua família mafiosa do caralho.
— O que aconteceu depois que eles chegaram?
— Patrick estava procurando território desocupado e achou uma
cidade que era controlada por um clube de motoqueiros, mas ele viu mais
do que isso... Patrick queria o estado inteiro. Ele era um homem de
negócios inteiro e eu era um idiota que tinha acabado de crescer pelos no
peito. Ele estava em minha frente pela experiência e malícia que eu não
tinha.
— Quantos anos você tinha? — Roman pergunta ao pai.
— Devia ter acabado de completar vinte — responde James. — Eu não
tinha experiência, mas era prepotente pra caralho. Bati na porta de Patrick
com o seu tio Derek atrás de mim e exigi que saíssem da cidade, disse a
eles que onde eles passavam pertencia aos Devils. Sabem o que ele fez?
— Nos diga.
— Ele nos convidou para jantar — James solta uma risada. — O filho da
puta nos convidou para jantar com sua família. Foi assim que soube que
ele era perigoso. Um tipo de perigo que eu não tinha visto nas corridas de
rua.
— Viu isso jantando com ele? — Roman indaga.
— Eu era prepotente. Entrei na casa dele sem saber se poderia sair.
Tinham homens armados até os dentes e eles me olharam como se eu
valesse o mesmo que a sujeira do seu sapato. — Os olhos de James ficam
desfocados, quase como se ele estivesse revivendo aqueles dias. — Achei
que ele fosse nos levar para o escritório, mas o filho da puta colocou dois
pratos na mesa. Sentei-me ao lado dele e de seus filhos e estava em frente
à filha mais velha dele. A garota era o inferno em forma de mulher, ela me
encarou o jantar inteiro e não sentiu medo nenhum quando viu o meu
colete. O pai dela deve ter criado aqueles garotos com fogo em casa.
A primogênita Monroe. Mãe de Dylan.
— O que aconteceu durante o jantar?
— Comemos — ele me responde. — Derek e eu achamos aquilo
estranho pra caralho, mas nós continuamos comendo. Eles conversaram
como se não tivessem dois estranhos à mesa, foi bom, mas a garota falava
demais. Patrick nos mandou subir até o seu escritório logo depois do
jantar. No escritório, ele entrou com cinco guardas e cada um deles
apontou uma arma para nossas cabeças assim que nos sentamos nas
cadeiras.
— Patrick apontou uma arma também? — Roman indaga.
— Não, o filho da puta estava acendendo um charuto. — James balança
a cabeça. — Ele disse que na próxima vez que tentássemos ameaçá-lo em
sua própria casa, nossos miolos iam ficar estourados no chão. Depois ele
serviu uma dose de bebida para Derek e eu e disse que podíamos nos
ajudar. A ideia de Patrick era dividir o estado em dois. Não a cidade, mas a
porra do estado.
— Você aceitou, não foi?
— Sem pensar duas vezes. O cara era bom demais para ser verdade e
tinha mais coisa na cabeça do que eu. Não era por menos, ele tem uma
década a mais, no mínimo eu aprenderia com ele. E foi o que fiz. Patrick
cuidava do seu lado e eu cuidava do meu. Aprendi a empreender com as
armas, graças a ele. Aprendi a jogar o meu jogo observando o seu. Patrick
tomou controle das corridas de cavalos e começou a entrar em contato
com máfias de fora. Elas eram grandes demais para nós dois, mas ele fez
dar certo. O filho da puta ia para jantares caros e já sabia quem ele teria
que extorquir.
— Por quanto tempo foi assim? — Roman indaga o pai.
— Até Anthony Leclerc chegar — James bufa e não esconde o seu
desgosto com o pai de Julieta. — Ele parecia só um mimadinho de sangue
azul. Construiu uma mansão só para ele e a esposa e os enfiou lá dentro.
Então Anthony começou a comprar imóveis e a mexer com obras e porra...
eram prédios de milhões de dólares. Não tinha como aquilo ser dinheiro
limpo, ele não era de uma família rica o suficiente para isso.
— Ele estava lavando dinheiro nos prédios — deduzo.
— Gastava milhões, mas quando acabava e ele os vendia... o lucro que
recebia era duas vezes mais. Anthony colocou mais dinheiro no bolso em
um mês do que eu em meio ano naquela época.
— E o que Patrick achou disso?
— Ficou louco pra caralho — James ri e bebe mais um gole,
aproveitando de suas memórias. — Ele me ligou furioso. Tenho certeza de
que estava mais puto por não ter tido essa ideia primeiro. Nós fomos
conversar, mas Anthony não era maleável. Quando Patrick disse que a
cidade era dele e minha, Anthony basicamente mandou que nós fôssemos
para o caralho e disse que o negócio dele não interferia no nosso. Ele
lidava com imóveis, nós com armas e drogas.
— E então ficou por isso mesmo? — indago.
— E o que íamos dizer? O cara estava certo, o dele não interferia no
nosso. Anthony não estava nem mesmo preocupado em vender para gente
de rua como nós, ele mexia com grandes empresários e ainda assim... o
seu negócio ainda era meio legítimo. Dinheiro falso em uma obra e
algumas notas fiscais falsas, mas o prédio estava lá para ser comprado. E
ele era comprado. Eles ainda funcionam hoje, são os mais bonitos dessa
porra de cidade. Patrick não tinha o que dizer, só tínhamos que melhorar o
nosso jogo.
— Foi quando você começou o contato com o seu informante? —
Roman pergunta ao pai. Estreito os olhos e me pergunto que porra de
informante é esse.
— Descobri onde comprar e para onde vender — admite o homem. —
Aprendi quem pagava mais e quem precisava mais de armamento ilegal.
Enchi os bolsos e coloquei dinheiro nos bolsos dos meus irmãos. Derek e
eu estávamos no céu. Patrick estava fazendo alianças com os filhos, pelo
que eu ouvi. E Anthony já tinha enchido o estado com as suas construções.
Foram tempos de paz, todos nós estávamos equilibrados e prosperávamos
sem interferir nos negócios um do outro.
— Quando isso mudou?
— Quando o seu pai chegou — ele me revela com a voz cheia de
desgosto. — Mikhail era a porra do terror. Ele não se importou com o fato
do estado já ter três donos... podia escolher qualquer cidade do estado,
mas resolveu vir para cá. E ele era diferente. Era parte Bratva.
Ainda é.
— Mikhail já tinha negócios assim que chegou. Ele colocou mais drogas
nas ruas e fez algo que não conseguimos: mexeu com os sindicatos. Sabem
o que isso significa?
— Ele tinha o estado. — Sei bem o que significa ter os sindicatos no
bolso. Com eles sob o seu comando, você tem tudo. É assim com a Cosa
Nostra em Nova York.
— Ele tinha a porra toda — James concorda. — Se ele decidisse fazer
uma inspeção com os caminhoneiros e atravessassem nem que seja trinta
minutos dos materiais de Anthony, ele já perdia milhares de dólares.
Mikhail começou a colocar políticos no bolso sob a ameaça dos russos. Ele
colocou mais drogas pelas ruas e fez com que elas tivessem ainda mais fácil
acesso. E porra, preciso falar das armas russas?
— Vocês não gostaram disso...
— Porra, não! — ele esbraveja. Uma veia em sua testa aparece. — O
que acha que íamos dizer sobre um filho da puta que acaba de chegar e
quer tirar tudo de nós? Inferno, ficamos furiosos. E Patrick...
— O que vocês fizeram então? — indago.
— Nós não éramos de grandes máfias, mas Patrick era um associado.
Ele contou o que aconteceu ao Capo Dei Capi de Nova York, eles tinham
contato, afinal as drogas que Patrick distribuía vinham dele. — James passa
a mão no cabelo. — Ele ficou furioso e disse que avisaria a Bratva. Não é
preciso muito para irritar esses caras e incitá-los a fazer uma guerra. Posso
até não ser um mafioso, mas sei que a Cosa Nostra e a Bratva não se
misturam.
— Eles começaram uma guerra? — Roman apoia os cotovelos na mesa
e se inclina para falar com o pai.
— Não — James nega. — Eram tudo sobre ameaças. O Capo Dei Capi
estava falando mais sério. Acho que era porque ele tinha mais negociações
com Patrick. Mas nós descobrimos que a Bratva tinha largado mão de
Mikhail.
— Como isso aconteceu?
— Naquela época, Mikhail não era um membro. Só um associado. Não
sei se ele já é um membro ou ainda cheira a bunda deles quando é
chamado, mas naqueles dias... eles largaram Mikhail assim que
perceberam que não valia a pena gastar recursos com ele em uma guerra
contra Nova York. Ele perdeu os sindicatos e a maior parte da influência,
ainda tinha contatos, mas nada que o tornava maior que um de nós e sem
a Bratva não tinha como ele entrar em uma guerra.
— E então tudo ficou bem? Simples assim? — Roman resmunga. —
Vocês aceitaram tudo o que ele fez com vocês?
— Não tínhamos motivo para fazer uma guerra a não ser o nosso ego,
filho — diz ele. — E todos tínhamos muito a perder. Eu já tinha você e a sua
mãe. Patrick era cheio de filhos, Anthony já tinha as meninas e Mikhail já
andava com Asher e Axel em seu colo pelas festas...
— Quando decidiram se juntar?
— Quando percebemos que fazíamos mais dinheiro juntos do que
sozinhos. Sozinhos não podíamos controlar os sindicatos, mas juntos?
Porra, eles tremeram as pernas — ele me responde. — No início, eu não
queria. Gosto de manter lealdade a minha família e ao clube, mas eles iam
fazer sem mim e então me esmagar, então decidi pegar o controle. Nós
éramos reis.
James solta uma risada e passa a mão livre sobre o longo cabelo.
Apesar de falar para nós, é como se não estivesse aqui, nesta sala. James
está em outro tempo.
— Reis caem. — Trago a atenção dele em mim. — Vocês caíram e quero
saber como.
— Quanto mais se tem, mais se quer. — James abaixa o olhar. — As
coisas deram errado em algum ponto. Começamos a discutir e a discordar,
Mikhail e Patrick se confrontavam em cada reunião. E então começaram as
merdas das fichas... sabíamos que a polícia ia bater em nossa porta.
Fito Roman de soslaio e avalio a sua reação ao que seu pai acaba de
falar. O garoto encara o pai completamente vidrado. Eu avisei.
— Mas nenhum de vocês foi preso...
— Não... — Dá mais um gole de bebida. — Mas alguém foi.
— Margarita González — friso o nome. — A mãe de Julieta.
James balança a cabeça e evita olhar nos olhos do filho. As íris
castanhas continuam a me encarar.
— Sim, ela foi presa e levada até Nova York. Vocês já sabem do resto da
história.
— De quem foi a ideia? — Roman pergunta. — Qual de vocês resolveu
culpar a mãe da minha namorada?
— Nossa namorada.
— A hora da história acabou. — James bate com a mão na mesa. A
força de sua palma faz com que as canetas pulem e eu não consigo evitar a
sensação de déjà vu ao me lembrar da situação semelhante com o seu
filho. — Já podem ir.
— Pai! — Roman se recusa. — Por que vocês acusaram a mãe dela de
algo que não fez? Por que não pegaram alguém de fora?
— Já chega, Roman!
— E por que você me ameaçou e me mandou dar um jeito de me
afastar dela, porra? — Roman se levanta da cadeira e apoia as suas mãos
na mesa, impondo a sua raiva. — Você disse que ela corria perigo se eu
ficasse perto, se qualquer um de nós chegasse perto dela, por que me
obrigou a deixá-la sozinha?
James também se levanta da cadeira enquanto eu encosto na minha.
Observo os dois discutindo e reviro os olhos enquanto não estão vendo.
Isso tinha tudo para ser mais produtivo.
— Eu fiz o que precisei fazer para te deixar seguro e faria de novo!
Chega dessa merda, eu disse que acabou.
Uma risada descontrolada sai do peito de Roman quando ele encara o
pai.
— Isso nunca vai acabar. Não vai acabar até a porra do dia em que você
me disser a verdade. Fale com Asher e diga onde fica a porra da Krasota,
não aguento mais ficar perto de você.
Roman dá as costas para a sala e sai batendo a porta atrás dele em um
estrondo que, provavelmente, deve ter chamado a atenção de todos para o
escritório. Quando encaro o motoqueiro, já sei que não tem como
voltarmos a conversar. Ele não vai me falar mais nada.
Pego um pedaço de papel na mesa e uma caneta, empurrando-os até
ele.
— O endereço.
Motoqueiros são rápidos quando se trata de trabalhos manuais. O
clube está uma bagunça, mas já é muito melhor do que antes. As janelas
estão sendo substituídas e tudo está indo bem, mas o quarto de Roman
por outro lado...
As paredes não foram consertadas e nem a janela. O vidro ainda está
todo espalhado pelo chão e esse lugar está exatamente igual a última vez
em que estive aqui.
Começo tirando toda a roupa da cama. É a mesma desde que Dylan a
trocou naquele dia em que eu sujei os lençóis. Os cacos de vidro estão por
toda parte, então eu só os jogo no piso. Abro o armário de Roman à
procura de alguns sacos que já tinha visto antes, mas, quando os puxo,
uma pilha de roupas cai ao chão e revela uma pequena caixa de madeira.
Pego a caixa em minhas mãos, curiosa. Quando a abro, a primeira coisa
que vejo é um caderno preto e meio desgastado. Tem poeira em sua capa,
então isso me leva a acreditar que Roman não encosta nele há muito
tempo. Abro a primeira página e, antes que me dê conta, começo a ler as
palavras escritas ali:

R.M. – 13 anos e 11 meses.

Minha mãe diz que preciso escrever as coisas para não esquecer e eu
acho uma besteira. Mamãe ficou muito animada em me dar esse caderno e
eu continuo achando que é besteira. Não preciso escrever o que sinto, e se
um dos meninos descobrir? Ou pior, e se o meu pai descobrir? Ele ia contar
para o clube e rir de mim para sempre. Não preciso disso, é ridículo.
Mamãe diz que escrever ajuda com os sentimentos e que funcionou para
ela muitas vezes, falou que eu posso escrever quando sentir qualquer coisa.
Eu senti muita coisa quando vi a Julieta rindo com aquele idiota que
tenta ser amigo dela. Não faz sentido, não me sinto irritado quando ela ri
com Dylan ou com os Volkov, então por que me sinto assim quando é sobre
qualquer outra pessoa?
Escrevi isso e não me ajudou em nada. Estava bravo e agora estou mais
ainda. Estava certo e mamãe errada. Foda-se esse caderno.

A outra anotação também é curta e vem alguns meses depois da


primeira.

R.M. – 14 anos e quase 2 meses.

Eu bati em alguém hoje e não me arrependi. Uns caras da minha turma


estavam falando coisas ruins sobre a Julieta e ainda falaram que ela ia ser
o presente dos Volkov no aniversário deles. Em primeiro lugar, foda-se toda
essa merda, Julieta não é ninguém a ser dado. Em segundo lugar, não
tenho a menor ideia do motivo que eles tiveram para decidir que no
aniversário dos gêmeos – 11 de novembro – era um bom dia para
infernizar a minha vida. Nem no meu aniversário eles fizeram essa merda.
Bati nos dois e ainda ganhei. Eu devia ganhar um prêmio do caralho por
isso, mas tenho uma suspensão?!
Não gostei nada dessa merda. Pelo menos, a Julieta beijou os
machucados na minha mão depois. Minha mãe continua olhando estranho
para nós dois e eu acho que sei o que ela está nos vigiando. Vou beijar
Julieta na festa dela de 14 anos, no ano que vem. Assim vamos ter a
mesma idade e ela vai ficar feliz. Antes disso, só preciso arrumar um jeito
de fugir da irmã maluca dela.

R.M. – 15 anos e um dia.

Foda-se você, mãe. Foda-se você onde quer que você esteja. Espero que
esteja no meu ombro lendo toda essa merda, porque a culpa disso é toda
sua. Você não tinha o direito de morrer, tem um filho para criar, porra.
Como pôde me deixar? É fácil assim sair?
James enlouqueceu depois que você foi. Nós não entramos mais em
casa e agora eu preciso arrastar ele bêbado para o quarto no clube. Tio
Derek precisa tomar conta de tudo só porque você não está aqui.
Sabia que ele me ameaçou? Me ameaçou!
Papai prendeu a minha cabeça contra a parede e gritou na minha cara,
ele me mandou deixar a Julieta. Tem uma marca na minha sobrancelha
agora e você nem tá aqui para limpar. Você não está aqui para limpar essa
bagunça, mamãe. E que porra eu vou fazer agora?
Tudo o que papai faz é beber dentro do escritório. Eu quero sair, mas
para onde vou? Não posso deixá-lo assim, mesmo que esteja me sentindo
uma merda. Ajudei uns caras hoje e o tio Derek disse que vou ser um
grande líder, mas eu não sei se quero essa merda. Você sempre disse que
vou ser um Prez melhor que o meu pai, mas se ninguém está aqui para me
ver, então de que adianta?
Sinto saudades, mamãe. Sinto saudades do meu pai, mesmo odiando
ele agora. Você provavelmente falaria que não posso julgar ele em seu
momento de dor, mas eu estou com dor também. Eu era o seu filho, fui eu
quem saiu de você e foi você quem me criou. Se tem alguém com dor, esse
alguém sou eu.
Estou com saudades dela também. Ela não tá aqui e eu nem posso ficar
bravo por isso. Ela perdeu a mãe também, sabia? Me lembro do dia em
que a mãe dela foi considerada suspeita. A maquiagem preta escorreu pelo
rosto dela e ela se agarrou no meu abraço. Eu a vejo dizendo que está bem
quando ela passava pelos corredores da escola, mas não acho que ela
esteja. Eu não estou bem, como ela pode estar?
Quero vê-la, mas ela está faltando muito às aulas. Eu também não
tenho mais contato com nenhum dos meninos. Brigamos pra caralho.
Dylan me enviou flores e eu devolvi aquela merda com um cartão
mandando-o enfiar as flores na bunda.
Não preciso da porra de flores.
Preciso de você. Volte aqui agora e me ajude a consertar essa bagunça.
Você estava errada, mamãe. Escrever não ajuda em nada, eu só estou
com mais vontade de chorar e com mais raiva. Foda-se. Não era para ser
assim, nada disso era para ser assim. Volta, mãe.
Eu menti, não estou com raiva de você. Me desculpa, prometo que, se
você voltar, eu não vou brigar. Prometo que vou ser um filho melhor. Não
vou mais falar palavrão e também não vou mais gritar de madrugada. Vou
sorrir mais naqueles jantares de domingo e te prometo que vou passear no
parque com você do jeito que queria.
Volte, mamãe, eu preciso de você.

— O que está fazendo?


Me assusto com o som da voz desconfiada de Roman. Encontro os
olhos azuis assim que fecho o caderno, mas já é tarde demais. Ele está
parado a alguns passos de mim e tem os braços cruzados em frente ao
peito. Seus olhos vão do meu rosto até o caderno em minhas mãos
repetidamente. Me encolho, envergonhada por ter sido pega
bisbilhotando.
— Eu... Isso caiu. — Levanto o diário, mas Roman tem a melhor
expressão de besteira em seu rosto.
— E então você abriu e leu? — Ele ergue sua sobrancelha, um tanto
incrédulo comigo.
Coloco o diário no colchão, derrotada.
— Desculpa, não sabia o que era até começar a ler. E aí quando
comecei... não quis parar.
— Não tinha muita coisa para ler de qualquer forma. — Roman
caminha até a cama e se senta, trazendo o diário em suas mãos. — Tem
muito tempo que eu não mexia nesse caderninho.
— Você só escreveu três vezes.
— Falar sobre sentimentos nunca foi o meu forte. — Levanta sua
cabeça e eu encontro o seu olhar novamente. — Não sei por que a minha
mãe tinha me dado isso. Escrever nunca me ajudou em nada.
— Você está chateado comigo?
— Por que eu estaria chateado com você? — Franze a testa e me
encara, confuso. Seus ombros estão curvados e ele parece meio derrotado.
Se não estiver bravo comigo, então com quem está? Será que ainda está
chateado pela situação do clube?
— O que está acontecendo? — indago. — Parece que alguém pisoteou
você.
Um bufo escapa de seus lábios.
— É isso que acontece quando eu descubro que estava errado... Asher
está certo, sua mãe não fez nada.
Encaro-o completamente pasma.
— Como você sabe disso? Vocês descobriram alguma coisa?
— Meu pai acabou de falar que eles armaram para ela. Não usou essas
palavras exatas, mas é isso. Fim de jogo. — O motoqueiro agarra a minha
mão, puxando-me para sentar ao seu lado. — Eles estavam certos e eu
errei. Você estava certa e eu errado. Sua mãe é inocente.
Abro um sorriso incrédulo.
— Eu sabia, eu sempre soube. — Aperto a sua mão com força, a euforia
toma conta do meu corpo. — Qual deles começou isso?
— James não falou, mas não importa. O resultado ainda foi o mesmo e
todos eles tiveram participação em afundar a sua mãe. E então o meu pai
fez toda aquela merda comigo e eu fiz com eles e coloquei o prego final no
caixão quando tomei uma decisão ruim atrás da outra. Fim de jogo.
As palavras que eu acabo de ler dançam por minha mente e me
lembram de que ele também é tão frágil quanto eu. Seguro o seu maxilar
com as minhas mãos e trago o seu rosto para perto de mim, ainda assim os
seus lindos olhos evitam os meus.
— Está na hora de me contar o que aconteceu de verdade, Roman.
Ele não hesita. Roman parece mais machucado do que eu agora e só
quero fazer isso parar.
— Sua mãe foi presa, a minha estava prestes a morrer. O clube estava
louco e o meu pai... — Aconchega suas bochechas em minhas mãos e
busca pelo conforto que estou disposta a dar a ele. — Eu ia atrás de você
na casa do seu pai. Sabia que você o odiava e sabia que ele nunca ligou
para você. Ia te obrigar a fazer as malas e vir morar no clube comigo.
Minha respiração engata com a informação, surpresa. As memórias
durante tudo aquilo são nebulosas. Eu era uma garota de quatorze anos
com medo, isso era tudo o que sabia.
— Meu pai estava louco naquela época. Fui até o escritório dele para
dizer que iria te buscar, mas ele não gostou. Estava bêbado e eu o enfrentei
pela primeira vez, por você. Disse que não podia te deixar lá e ele disse que
você não era problema meu e que eu devia ficar longe de você. — Estreita
seus olhos e quando ele me encara é como se não estivesse olhando para
mim. Como se estivesse de volta naquele escritório há alguns anos depois.
— Fiquei tão furioso. Eu já tinha perdido a minha mãe, você tinha acabado
de perder a sua. Era óbvio para mim que tínhamos que estar juntos e eu
disse isso, mas ele começou a gritar...
Aperto mais forte a sua pele e sinto-o pondo as mãos grandes em
minha cintura, trazendo-me ainda mais para perto dele.
— O que aconteceu depois?
— Ele veio para cima de mim. — Roman fecha os seus olhos e encosta a
sua testa na minha. — Não me bateu, mas me prensou contra a parede e
tinha um quadro nela. Fiquei com o rosto na ponta dele e rasgou um pouco
a minha sobrancelha. James disse que se um de nós ficasse perto de você,
qualquer um, você morreria. Disse que estávamos proibidos, que alguém
iria matar você. Disse que a sua mãe tinha muitos inimigos e que eles iriam
garantir o sofrimento dela para sempre, mas que nós não podíamos
interferir. James tinha dito que todos nós estaríamos colocando você em
perigo se ficássemos perto.
— E você acreditou nele... — constato o fato.
Roman não se encolhe, forte em sua posição. Até quando sofre, ele
sofre como se não pudesse deixar os outros verem o seu tipo de fraqueza.
— Eu não estava bem naquela época. Briguei com os meninos e deixei
claro o que meu pai tinha falado. Axel concordou assim que eu disse que
você corria perigo, mas Asher não quis escutar. Eles brigaram como eu
nunca tinha visto antes. Acho que nem Axel viu o irmão tão puto. — Isso
explica muita coisa. — Asher saiu falando que, se algo acontecesse com
você, ele iria enterrar uma bala na minha cabeça.
— E Dylan?
— Ele disse que faria o que fosse melhor para a sua segurança e que
iria me seguir no que eu dissesse. — Roman sorri, os seus olhos se
demoram entre os meus lábios quando eu os mordo. — Mas eu não podia
te deixar ir tão fácil. Você era como uma droga e eu era viciado em você e
naquele momento... precisei de alguma coisa sua, nem que fosse um
vislumbre. Sinto muito, mas não podia te deixar ir. Você era especial
demais para escapar entre os meus dedos.
O rosto dele está perto demais de mim, me deixando tentada a provar
de seus lábios. Roman morde o lábio inferior e aperta as mãos em minha
cintura.
Seu rosto se aproxima mais do meu e eu fecho os olhos quando nossos
narizes roçam e nossas respirações se misturam em um ar quente que me
deixa tentada a empurrá-lo nessa cama e a montar em seu pau.
— Te amei por tanto tempo que não pude te deixar ir — ele sussurra,
seus lábios encostam nos meus quando sua cabeça se move lentamente,
seu nariz faz carinho em minhas bochechas pelo caminho. — Eu te amo
por tanto tempo que, mesmo quando te odiei, o meu coração ainda bateu
inteiro por você.
Grudo os meus lábios nos dele e o puxo para um beijo. Nossos lábios se
entrelaçam e suas mãos me trazem para o seu colo. Arranho a sua nuca e
Roman morde o meu lábio inferior em resposta, mas em vez de sentir a
paixão e o tesão que eu senti quando beijei com os meninos, tudo o que
consigo sentir é amargura e uma imensa onda de ciúmes que põe fogo no
colo da minha barriga e me incendeia por inteira.
Será que ele beijava a minha irmã com a mesma paixão?
Ele preferia agarrar o cabelo loiro de Ângela em vez do meu preto
básico? Roman achava melhor o seu quadril mais estreito do que o meu um
pouco mais curvilíneo? Preferia que ela passasse as suas unhas cheias de
brilho em sua nuca em vez de mim?
Quando ele transou com ela, será que gozou dentro? Foi sem
camisinha? Fez ele ver estrelas? Porra, valeu a pena?
— O que foi? — Roman me pergunta. Afasta o seu rosto do meu e,
quando abro os meus olhos, a primeira coisa que eu vejo é a ruga em sua
testa.
Tiro as minhas mãos dele e me desvinculo de seu colo, caindo de volta
no colchão com um baque.
— Não posso. Não consigo. — Balanço a cabeça. — Não quando eu sei
que você colocou as mãos nela.
— Boneca...
Ainda consigo sentir a sensação dos lábios dele nos meus. Minhas mãos
vão para os meus lábios e eu passo os dedos com força lá, louca para tirar
cada vestígio dele da minha pele.
— O fato de eu nem precisar dizer o nome para você saber de quem eu
estou falando já é resposta o suficiente. — Roman parece absolutamente
miserável agora. — Você fodeu com a minha irmã. Transou com ela
enquanto eu chorava pela minha mãe, porra. Como pôde fazer isso
comigo?!
— Não foi bem assim — ele tenta se defender. — Eu precisei ficar perto
de você e não estava em uma fase boa. Bebemos um dia em uma festa e as
coisas ficaram deturpadas.
— Você consentiu?
— Como assim? — Ele pisca para mim. — É claro que sim.
— Então não tem porra nenhuma deturpada. — Levanto-me da cama,
emputecida. Roman se levanta também, mas não tenta mais se aproximar
de mim. — Você se enfiou na boceta de Ângela enquanto eu estava
sozinha e chorando pela minha mãe. Tirou dela o que devia ter tirado de
mim e então deu a ela algo que era para ser meu. Porra, parece que você
me traiu e eu nem mesmo tenho algo a cobrar de você. Você quebrou o
meu coração, Roman. Eu não tenho nada para dar agora.
Roman balança a cabeça, frustrado.
— Eu não te traí, boneca. As coisas não são como você imagina.
Como eu imagino? Imagino os dois em um colchão mais caro do que a
minha cama inteira. Imagino os dois cercados de vinho e rindo porque
eram menores de idade e não poderiam beber. Imagino ela vestida com
um longo vestido rosa e com o cabelo em ondas do jeito que ele gosta,
então imagino-a roubando um beijo dele. Imagino-o em cima dela,
imagino sua boca no meio das pernas dela enquanto eu estava longe dali,
sozinha e sem ele enquanto acreditava em uma promessa boba de criança.
Roman pode não ter me traído de forma convencional, mas o buraco
que deixa em mim com toda certeza não se sente assim.
— Isso não faz mais diferença, Roman. Você fez e eu precisei lidar com
as suas merdas e com tudo o que ela jogava para mim. — Estou tão furiosa.
— Suas razões não fazem diferença, você sabia o quanto eu a odeio. Sabia
o quão sozinha eu estava, porque foi um dos responsáveis por me deixar
assim e então foi lá e ainda fez questão de me derrubar com alguém que
sempre me infernizou a vida toda... E a sensação... Eu posso esquecer as
palavras, Roman. Posso esquecer certas coisas que você fez, mas nunca
vou me esquecer de como você me fez sentir naquele momento. E parte
de mim ainda te odeia por isso.
— Eu nem mesmo me lembro direito daquela noite, boneca. Quando
acordei na manhã seguinte, eu me vesti e fui embora antes dela acordar e
nunca aconteceu de novo, eu juro. Essa porra de namoro nem foi de
verdade para mim, eu só queria saber de você e achar um jeito de me
aproximar. Fui burro, mas não deixei acontecer de novo e terminei assim
que Anthony descobriu sobre mim e sua irmã e te expulsou da casa.
Passa as mãos por seu cabelo preto e sua feição é de pura agonia, mas
não consigo me forçar a sentir diferente. Pareço um bebê chorão e me
sinto imatura, mas a sensação ruim não consegue passar. Quando olho
para ele não consigo mais ver o garoto que me salvou ou o garoto que
passou a infância comigo. Não vejo o garoto que me abraçou durante a
noite e nem aquele que me defendeu. Tudo está borrado pela imagem
dela.
Daquela garota que nunca me acolheu ou me aceitou, daquela que
sempre odiei e ele sabia... todos eles sabiam que ela iria para cima dele na
primeira oportunidade. E ele aproveitou bem isso.
Uma parte de mim sempre vai odiá-lo por isso.
A lua brilha e ilumina essa noite como se fosse a atração principal deste
céu escuro e frio, mas nós pretendemos roubar esse brilho dela.
A sede da Krasota agora é um prédio enorme e longe o suficiente de
tudo para que seja perigoso demais estar aqui. É cercado por alta
vegetação na natureza e, se não fosse por James, nós provavelmente
nunca iríamos achar.
Nós nos dividimos em dois carros para chegar até aqui. Estamos
armados e temos só um objetivo: entrar naquela porra de lugar e descobrir
tudo o que pudermos, queremos saber quem são os membros desse lugar
e provas de que isso está ligado a Mikhail até os dentes. Asher quer matá-
lo e acabar com tudo isso, mas disse que precisa fazer algumas coisas
antes. Não o questiono, porque Asher Volkov nunca toma uma decisão
sem pensar em todas as possibilidades antes. Temos uma grande missão e
para isso vamos precisar de toda a ajuda que pudermos conseguir.
Estou em um carro com Dylan, Megan, Charlotte e Charlie. As garotas e
eu somos uma equipe boa pra caralho e vamos invadir esse lugar como
fizemos com tantos outros. Charlotte tem um computador em seu colo no
banco de trás e digita com velocidade para apagar as imagens das câmeras
de segurança desse lugar e conseguir passar pelos alarmes. Megan assobia
uma música que toca no rádio, aparentemente tranquila.
— Está com a sua arma, hermana?
— Vadia, é claro que estou — resmungo para ela. — E se eu precisar
fazer igual da última vez? Vou atirar na bunda de um mafioso e vamos sair
dessa porra.
— Será que vai ter algum cofre lá que podemos tentar abrir? — Megan
pergunta. Encolho os ombros e meneio a cabeça.
— Vocês falam demais! — resmunga Charlotte, com sua atenção toda
na tela em sua frente enquanto Dylan para o carro perto da entrada do
terreno.
— Estou tendo um déjà vu — murmura a ruiva. — Eles não estavam na
minha fantasia, mas eu posso dar um jeito nisso. Conseguiu, querida?
Charlotte levanta a cabeça assim que o farol do carro de Axel estaciona
perto de nós.
— Claro que sim.
Dylan abre a porta e sai. Charlie faz o mesmo e murmura uma
despedida para Charlotte. Quando vou abrir a minha porta, a voz da
Princesa de D.C. imediatamente me para:
— Por favor, tomem cuidado. — Ela olha de mim para Megan. Os
olhares da ruiva e da loira ficam presos por tempo demais para não ser
algo, mas Charlotte corta o contato visual. O que os olhos não veem o
coração não sente, certo?
— Tome cuidado também — peço a ela.
O vento frio empurra o meu cabelo preso todo para trás, mas não deixo
isso me abalar. Megan imediatamente se junta ao meu lado, assim como
Charlie. Nós formamos um círculo quando os meninos saem do outro
carro. Roman, Axel, Asher e Mad Dog chegam até perto de nós. Todos
vestimos roupas escuras e nem os membros do clube usam as jaquetas
hoje. James ordenou a Roman que trouxesse o seu braço direito para cá.
Ele mesmo queria vir, mas os três entraram em um consenso que era
melhor o líder ficar no clube para não causar desconfiança. E quanto a Mad
Dog, quanto mais melhor.
Todos estão com as armas perto de si e com um objetivo.
— Já sabem o que fazer. — Roman toma a frente com seu peito
estufado e um olhar confiante passando pelo grupo. Nossos olhares se
encontram, mas não dura muito tempo. — Vamos entrar e sair
rapidamente, não vamos fazer alarde e nem quebrar nada. Queremos
informações e, se eles descobrirem que alguém entrou, vão trocar de
endereço de novo.
Asher quer destruir a Krasota inteira. Quer acabar com todos os seus
membros e sucumbir às chamas. A força em sua voz é tão forte que
nenhum de nós contesta, nem mesmo Roman. Asher quer informações
sobre membros e as atividades e quer saber quais são os criminosos que
fazem parte dela.
— Eu, os gêmeos e tio Derek vamos entrar pela frente — avisa o
motoqueiro.
— Já não falei para não me chamar de tio na frente de estranhos,
garoto? — O outro motoqueiro reclama e Roman revira os olhos para ele.
— Julieta, Dylan, Megan e Charlie vão pelos fundos — ele volta a dizer.
— Não tem câmeras ativas, mas todo cuidado é pouco. Ainda acho melhor
que eu vá pelos fundos com Julieta e Dylan...
— Não precisa disso tudo, à frente vai ser muito mais perigoso —
Charlie imediatamente discorda. — Além disso, Julieta e Megan são
lutadoras incríveis. A gente dá conta.
Mad Dog concorda.
— Ele está certo, garoto.
Roman não escuta a opinião deles, mas se vira para o loiro.
— Dylan?
O campeão do futebol balança a cabeça e descarta a possibilidade.
— Vai com os Volkov, nós vamos ficar bem.
A última coisa que vejo antes de começar a caminhar pelos fundos é a
forma bonita que a cor azul brilha nos olhos de Roman com o brilho da lua.
O lugar é enorme e parece antigo pelas fotos. Não existe um muro por
perto, porque todo o prédio já é envolto por árvores e matagal. Talvez
tenhamos que pular um quando chegarmos mais perto, mas, por
enquanto, tudo o que precisamos fazer é lidar com folhas cutucando
nossas peles.
O prédio fica nos fundos, então precisamos entrar no meio da
vegetação. As plantas secas e as árvores atrapalham a visão aberta, mas
Dylan lidera o caminho com desenvoltura e experiência.
Arrepios percorrem a minha pele com o vento frio da noite. Uma
fumacinha sai dos meus lábios quando respiro e quanto mais ando para
dentro da mata, mais ofegante fico. Com Dylan sendo o primeiro e Charlie
o último, Megan e eu ficamos no meio deles.
Os meninos vão pelo outro lado, fazendo o caminho completamente
contrário ao nosso. Preciso olhar com cuidado antes de andar para não
pisar em falso, mas Dylan mantém sua mão grudada na minha para me
impedir de cair e eu faço a mesma coisa com Megan. Só não sei se ela faz
isso com Charlie.
Andamos por dez minutos até um forte estrondo chamar a nossa
atenção. Dylan se coloca em minha frente com os braços estendidos,
imediatamente pronto para me proteger.
— Que porra foi essa? — Megan Indaga.
— Se parece com uma explosão — resmungo. — Vamos olhar?
— E se for fogo? — ela volta a perguntar. — Pode espalhar pela
vegetação e vamos estar fodidos.
— É melhor um de nós ir olhar... — Charlie sugere. — Os outros podem
ficar aqui e esperar.
Sinto os lábios de Dylan em minha testa e um aperto em meus dedos.
— Agarre a sua arma e grite por qualquer coisa. Eu só vou procurar um
lugar alto para conseguir ver, não vou longe.
— Não vai... — peço a ele.
— Sua amiga tem razão, pode ser algum tipo de fogo. Eu já volto.
Observo Dylan desaparecer entre a vegetação e sinto algo ruim se
instalar em meu corpo. Agarro a minha arma e a seguro em minhas mãos.
— Não estou gostando disso... — digo aos meus amigos.
— Vamos tentar falar com os seus outros namorados — Megan diz.
Tiro o celular o bolso e ligo para o celular de Roman, mas ele chama até
ir para a caixa postal. O suor começa a brotar em minha testa quando ligo
uma segunda vez e a chamada vai para a caixa postal. Coloco no contato de
Asher em seguida e, quando ele não me atende, eu sei que tem alguma
coisa muito errada.
— Às vezes, você pode estar sem sinal — Sugere Megan. — Ache algum
lugar para subir ou algo assim, nós vamos te proteger.
Posso ver claramente que estou com sinal no celular, mas ainda
acredito em Megan. Me viro e olho para o chão à procura de alguma pedra
para conseguir subir. A frustração me preenche quando não consigo achar,
mas solto a respiração assim que Axel me atende na primeira chamada.
— Ele foi levado, porra! — O seu grito é tão alto que eu preciso afastar
o celular de perto de mim. — Eu sabia, caralho. Ele não era de confiança!
— Axel! — grito com ele e tento trazer o seu foco para mim. Gesticulo
para os meus amigos e caminho um pouco mais à frente, andando para
onde a vegetação não é tão alta. — Quem foi levado?
Sinto o ar ser sugado dos meus pulmões quando ele diz:
— Roman! Mad Dog e ele desapareceram. Esse filho da puta deve ser o
traidor que ele tanto fala! Asher falou para ele que devia ser alguém perto,
mas o imbecil não escutou.
Eu o escuto falar, mas não consigo raciocinar direito o que as suas
palavras dizem. Minhas mãos tremem e meu ouvido começa a zumbir. Me
arrependo instantaneamente do tempo que o meu corpo leva para receber
a notícia, porque quando olho para trás para avisar a Megan e a Charles,
encontro a minha amiga com o seu corpo estirado no chão perto de uma
árvore. A sua testa está toda manchada de sangue e ela parece
desacordada, mole na vegetação.
O som da trava da arma me leva diretamente à fonte dela. E o que vejo
é Charlie.
Charlie tem uma arma apontada diretamente para mim e um sorriso
suave.
— Abaixa o telefone e joga a sua arma para mim, está na hora de
termos uma conversa.
Coloco o celular ao lado dos meus pés em silêncio, mas não desligo a
ligação.
Ranjo os dentes quando estendo a arma para Charlie, mas ele balança a
cabeça e gesticula para a arma em minhas mãos.
— Tire as balas. E não faça nenhuma gracinha — ameaça.
Faço o que ele manda e então entrego a minha Glock 19 para ele.
Charlie pega a minha arma e o pente de bala. Ele joga a arma vazia para
trás, mas coloca as balas dentro do bolso de sua calça escura.
Meus olhos vão para Megan. Minha amiga está desacordada e o sangue
que escorre em sua testa está começando a me deixar realmente
preocupada. Será que ele bateu com força o suficiente para causar algum
machucado real nela?
— Por que você tá fazendo isso? — Forço-me a não demonstrar medo
diante dele. Me recuso deixá-lo me ver chorar por algo que ele mesmo
está causando a mim.
Charlie está diferente e visivelmente alterado. Isso ou o meu ódio por
ele agora está me cegando. Os cachos ruivos estão em uma nuvem ruiva e
arrepiada pelo vento. Os olhos estão fixos em mim, mas Charlie não está
me demonstrando nada nesse momento.
Acho que vou morrer aqui.
— Não é óbvio? — Pende sua cabeça. — Estava ficando impaciente. Já
esperei por muito tempo, sabe, Julieta? Não... Você não sabe. Não abriu os
olhos o suficiente para me enxergar nem quando aqueles malditos
enfiaram a minha cabeça nos armários.
— Você está bravo pelo que aconteceu quando éramos mais novos?! —
grito com ele na esperança da minha voz chegar até o telefone. Quero que
os meninos escutem isso, quero que saibam que precisam vir agora. — Eu
já te pedi desculpas por isso, Charlie. Já disse que sinto muito sempre que
eles iam incomodar você. Pedi desculpas por cada vez.
Uma risada escapa dos lábios dele. Charlie para de apontar a arma para
mim e leva ela até a sua testa, usando a ponta para arrumar o cabelo que
atrapalha a sua visão. Sinto minhas mãos suando quando ele gesticula com
aquela coisa sem cuidado algum.
— Você é bem egoísta, sabia disso? — Seus olhos ficam vidrados
quando ele me encara. — Mas eu sempre amei isso em você. Estávamos
muito bem, sabia? Minha mãe fodia aqueles homens e eles vinham para
mim depois que ela dormia, mas pelo menos eu ia brincar com você
depois. Às vezes, até dormia na sua casa... ah, a sua casa... Era tão bom
dormir lá porque eu podia acordar sem ninguém em cima de mim.
Minha respiração fica presa na garganta quando assimilo tudo o que ele
está me dizendo:
— Eu não sabia disso. — Luto para enxergá-lo quando o meu cabelo
tampa a minha visão. — Te juro que não sabia.
— É claro que você não sabia! — ele grita e dá uns passos em minha
direção. Ando para trás e ergo as minhas mãos para tentar apaziguá-lo,
porém Charlie não parece prestar atenção. — Eu os odiei por me tirarem
de você, sabia? Um dia e, de repente, eu não tinha mais contato com você.
Não podia mais te ver e não podia mais dormir na sua casa. Tudo o que
tinha eram aqueles homens colocando as mãos em mim e me mandando
fazer coisas que eu não queria fazer.
Não sei o que dizer para fazê-lo se acalmar, nem mesmo sei se existe
algo a dizer para ele. Observo quando ele começa a andar de um lado para
o outro e a gesticular aquela arma com rapidez. Me encolho porque sei
que a arma está carregada e do jeito que ele está, pode disparar em
qualquer um de nós.
— E como se não bastasse, eles também fizeram da escola um inferno.
Quando você vinha passar um tempo com o seu pai, tudo o que eu queria
era ver você. Sempre foi tão bonita... Você sempre foi tão confiante
também e eu queria estar com você. Sabia que pulei a sua janela quando
você saiu da casa? Você não estava lá, mas eu consegui pegar aquelas
calcinhas de renda preta. Levei todas elas. Antes de você ir para o clube, eu
tinha que ser muito mais cuidadoso, mas você nunca percebeu que estive
por lá.
Charlie para de andar e se vira para mim, com seu corpo a alguns
passos de distância e sua atenção totalmente focada em mim. Quando o
encaro, tudo o que eu vejo é caos. Decido que nunca estive tão perto da
morte antes.
— Você é egoísta, Julieta. Não consegue enxergar o que não te
interessa e tudo bem, eu acho que isso te deixa adorável. — Ele abre um
sorriso estranho para mim. — É por isso que eu decidi que quero você
comigo para sempre. É assim que devia ter sido desde o início, mas eles
apareceram e estragaram tudo...
Li uma vez que, quando entramos na fantasia doentia deles, mais
podemos arranjar tempo para descobrir uma forma de sair dela. Nunca
soube se era verdade ou não, mas decidi testar isso agora.
— O que nós vamos fazer depois de sair daqui?
Seus olhos brilham com a minha rápida aceitação e engulo em seco,
aliviada. Quero pular em cima dele e arrancar a arma de suas mãos, quero
pegar Megan e correr para os meninos. Quero descobrir onde está Roman
e quero queimar o mundo logo depois de fazer isso, mas abro um sorriso
gentil para Charlie e torço para estar convincente o bastante.
Acredite em mim.
— Vamos para longe daqui. Só nós dois... — ele sussurra para mim, sua
mão com a arma se abaixa um pouco. Agora em vez da arma estar
apontada para o meu rosto, está para o meu coração.
— Mas e a sua mãe?
A expressão de Charlie se fecha completamente. Seus olhos começam a
piscar com mais força e ele volta a andar, incapaz de se manter parado.
— Ela fica. Ela precisa ficar — ele diz. — Ela me deixou sofrer e deve
pagar por isso.
— Você já falou para ela sobre isso? — indago, tentando ganhar tempo.
— E o que há para falar? Uma mãe deve saber que seu filho está sendo
machucado — ele rosna para mim. — Vou te comprar um vestido de
bolinhas vermelho e meias pretas, iguais as que você estava usando
naquele dia em que te perdi.
Forço a minha memória, mas não consigo me lembrar do que diabos
Charlie está falando.
— Eu disse a você que não queria ir, mas você foi mesmo assim. —
Balança a cabeça. — Disse que não queria ficar perto deles e que ele era
estranho, mas você ainda foi.
O dia em que conheci eles.
— Por que não voltamos para o carro? — Dou um passo para estar
perto dele e respiro aliviada quando ele deixa, olhando-me desconfiado. —
Podemos ir embora para sempre.
— Juntos?
Eu lhe dou um aceno e ergo minha mão para que eu consiga acariciar a
sua.
— Vamos ficar juntos para sempre agora. Você não vai me machucar,
não é? Não pode fazer isso, você me ama...
Existem stalkers que machucam as suas vítimas apesar de dizerem
amá-las. Charlie esteve do meu lado quatro anos da minha vida e teve
todas as oportunidades para isso, mas aqui, agora, com uma arma
apontada para mim, sei que o meu risco é total.
— Eu não machucaria você! Nunca faria isso. — Aceno para ele, mas
então gesticulo para a arma em sua mão. — Isso? Não, eu só queria
garantir que você não fugisse de mim.
— Não vou fugir de você, não faria isso. — Procuro coragem para tocá-
lo. — Mas essa arma está me assustando, Charlie. Pode guardar isso?
Espero conseguir tirar a arma de suas mãos, mas grandes estalos no
chão fazem com que a atenção de Charlie seja desviada de mim para olhar
ao nosso redor. Espero que ele me pegue como refém, contudo Charlie me
arrasta com ele e vai para o chão e ergue o corpo desacordado da minha
amiga. O cano da arma está encostado em sua cabeça e eu prendo um
soluço quando ele me lança um olhar completamente desequilibrado.
Enxergo a cor clara do cabelo de Dylan quando ele sai do matagal com
os meninos não muito atrás.
Asher, Axel e Dylan. Não tem nada sobre o Roman.
Onde está o meu motoqueiro?
Asher move sua mão até a arma no cós de sua calça, mas Charlie é mais
rápido. Um tiro para o alto é o suficiente para os olhos de todos os
meninos grudarem em mim e para que eles parem de agir.
— Sempre soube que você era a porra de um rato! — Axel cospe as
palavras para Charlie, completamente furioso.
— Joguem as armas no chão ou eu atiro nelas! — ameaça Charlie.
Nenhum dos meninos faz o que ele manda até Charlie voltar a
pressionar a arma na cabeça molenga de Megan. As palmas das minhas
mãos doem quando continuo fincando as minhas unhas nelas para ter o
controle.
Tudo acaba de desmoronar.
— Você não vai sair vivo disso. — A ameaça é clara na voz de Asher. —
Somos três e você só um.
— Vamos acabar com você — Axel volta a ameaçar.
— Três? Eu me pergunto onde está o quarto... tenho uma bala para
cada um de vocês. — Isso não é uma ameaça, é uma promessa.
De alguma forma sombria e distorcida, Charlie se importa comigo. Ele
pode não estar totalmente capaz para me machucar, mas eles? Ele vai
matá-los e me fazer assistir os corpos sangrarem enquanto me arrasta para
concluir o seu plano de merda.
— Charlie... — chamo a atenção dele para mim, mas os seus olhos não
se fixam em mim por muito tempo. — Vamos embora. Me leva para o
carro, eles não precisam morrer.
— Como ousa defendê-los depois de tudo o que eles fizeram comigo?
— Agora a sua atenção está voltada para mim e a arma se estende em
direção a eles, impossibilitando-os de virem até mim. — Depois de tudo o
que eu te contei, como pode olhar para eles e não desejar que morram?
Dylan tenta vir em minha direção, mas o rosto de Charlie se volta em
direção a ele em aviso.
— Eles não precisam morrer. — As palavras são cuspidas da minha boca
antes que consiga pensar direito e, assim que as digo, percebo que Charlie
não está feliz.
— Eu os quero mortos, mas você não? — Seu braço estendido treme e
consigo ver os seus dedos ficando pálidos com a força que ele segura a
arma contra eles. — Por que você precisa ficar do lado deles sempre? Por
que não pode ouvir a minha história e ficar ao meu lado?!
— Porque eu os amo! — Com o meu grito de pânico, a sua fantasia está
acabada.
Observo com os olhos turvos quando o reconhecimento brilha em seus
olhos. Charlie eleva as sobrancelhas quando todo o seu rosto acompanha
uma expressão entristecida.
A fantasia acaba.
— Você os ama... — ele diz, saboreando as palavras em seus próprios
lábios. — Mas não me ama...
Engulo em seco assim que percebo quando o fogo volta para os seus
olhos com força total.
— Então do que adianta tudo isso? Se você não puder me amar, então
não quero que os ame.
Charlie se prepara para virar a arma em minha direção. Ele quer
apontá-la para mim, mas diferente da última vez agora não vai ser só para
me assustar. Ele me quer morta e ele os quer mortos e o pior é que agora
tem todas as chances de fazê-lo.
Me afasto o suficiente para tomar impulso e me jogo em cima dele.
Seus braços soltam Megan e nós dois vamos ao chão pelo impacto. Charlie
luta comigo para conseguir ficar por cima, sua força faz com que nós
rolemos ainda mais para dentro da mata.
A terra e a poeira dificultam a minha visão e as lágrimas escapam dos
meus olhos pelo esforço, mas não me permito desistir. Escuto as
exclamações dos meninos atrás de nós assim que Charlie bate com a minha
cabeça no chão.
Sei que eles já devem estar praticamente em cima de nós, mas Charlie
é quem tem a arma e não quero arriscar que ele os machuque.
Ele fica em cima de mim e tenta segurar a arma com firmeza, mas
aproveito a oportunidade. Uso os meus dois polegares e agarro a sua
cabeça, forçando os meus dedos para dentro dos seus olhos sem
hesitação. Um grito estilhaçado escapa de seus lábios e a arma cai dos seus
dedos.
Uso o peso do meu corpo para montar em cima do seu. Charlie tenta
me tirar de cima dele, mas suas mãos perdem a força e não se tornam
nada comparadas à minha própria força.
Não aceitei morrer ainda. Achei que já tinha feito as pazes com a
morte, mas não fiz. Ainda preciso achar Roman, ainda preciso tirar a minha
mãe da cadeia, ainda preciso descobrir quem colocou ela lá, ainda preciso
construir a minha vida. E eu vou ser uma sobrevivente.
Escuto os passos pesados dos garotos atrás de mim, suas armas
apontadas para Charlie, mas é inútil. Charlie não consegue ver agora.
O som dos seus gritos envia arrepios por minha espinha e por toda a
minha pele, mas forço os meus dedos ainda mais e furo os seus globos
oculares. Agarro os lados de sua cabeça e bato com força no chão assim
como ele fez comigo. E então faço de novo... E de novo.
Bato a sua cabeça tantas vezes que meus braços falham e eu preciso
ser segurada por Dylan e sustentada para não cair. Quando tiro os meus
dedos de dentro de seus olhos, eles estão cheios de sangue.
— Ele está morto. — A voz de Dylan chega bem perto do meu ouvido e
seus braços tentam me erguer, mas não aceito. Sinto algo quente e
molhado escorrendo da minha cabeça e isso me deixa zonza. — Você está
machucada. Vem, me deixa cuidar disso.
Estremeço quando Dylan tenta me levantar, não quero sair de cima de
Charlie e não quero deixá-lo ir. Agarro a arma que caiu de suas mãos e
aponto para a sua testa, dando três tiros em seguida.
— Acabou. — Asher não se ajoelha ou tenta me levantar, mas sua mão
está estendida para mim em um convite para que eu suba. Observo Axel
checar Megan e então dar um aceno para nós.
Agarro a mão de Asher e sujo a sua pele de sangue. O líquido escuro
escorre por minha nuca junto ao suor e gruda alguns fios do meu cabelo. O
vento ainda está forte, mas eu não sinto mais o frio. A adrenalina bombeia
o meu coração e corre por todo o meu sistema sanguíneo e, quando olho o
corpo de Charlie caído aos meus pés, não consigo sentir remorso.
Deveria sentir luto por Charlie. Não entendo a sua cabeça e parte dele
sempre esteve comigo, mas essa noite eu me permito ser um animal
diferente. Charlie tentou matar a mim, a Megan e a um dos meus meninos.
De alguma forma, ele nos trouxe até aqui para nos transformar em um
sacrifício para ele e sua doença suja.
O sangue de sua cabeça escorre perto dos meus pés e eu vejo os
buracos que deixei em seu rosto. A cor carmesim molha os meus dedos e o
meu rosto, porém não me forço a limpar. Eu sobrevivi e vou me orgulhar
disso.
— Vamos, babochka... — Asher não me embala em seus braços,
entretanto eu sinto os seus dedos me apertarem ainda mais, que ficam
sujos de sangue também. — Vamos achar o seu motoqueiro.
A última coisa que olho antes de me virar é a cor carmesim e o cheiro
enferrujado do sangue de Charlie.
Roman sumiu. Eu matei Charlie. Megan está desacordada.
— Vamos ligar para James agora! — Asher manda. Sua voz de gelo sobe
uma nota enquanto se agarra ao banco do passageiro.
— Megan precisa de um hospital! — A voz de Charlotte se sobressai a
dele. Ao contrário de Asher, Charlotte não se preocupa em colocar a sua
máscara de sempre. Ela está completamente desesperada acariciando a
massa de cabelos cor de fogo que brilham em Megan enquanto eu seguro
as suas pernas e me certifico de não derrubar o seu corpo graças a
velocidade do carro.
— Não temos tempo para parar na porra de um hospital, precisamos
achar Roman agora — Asher frisa e então coloca o celular em sua orelha.
— James não está atendendo a porra do celular.
Roman sumiu...
— Vamos dirigir até o clube — Dylan sugere no banco do motorista.
Seguimos o carro da frente com velocidade pelas ruas desertas. Axel está
no carro da frente com o corpo de Charlie no porta-malas.
Eu matei Charlie.
— Não sem ela receber os primeiros socorros primeiro! — Charlotte
visivelmente perde a paciência. Suas mãos se agarram no maxilar de
Megan e assisto o momento em que ela abaixa a sua testa até se encostar
na testa sangrenta da ruiva. — Sinto muito, querida. Eu devia ter estado
lá...
Incapaz de observar um momento íntimo, desvio os olhos para as
minhas mãos em cima das pernas de Megan. Seu sapato está todo sujo de
terra, assim como o meu e tenho total certeza de que sujamos todo esse
carro quando entramos aqui.
Asher não diz uma palavra, porém o vinco em sua testa deixa claro que
não está nada satisfeito quando digita no telefone sem parar.
— James não está atendendo a porra do telefone. — Sua cabeça bate
no encosto do banco e ele respira fundo.
— Derek era a porra do traidor e nós o entregamos Roman de bandeja
— Dylan lamenta do banco do motorista.
— Não tinha como descobrirmos — Asher argumenta, surpreendendo-
me que ele sirva de apoio para Dylan agora.
— Nós nem tentamos procurar, caralho! — O loiro perde a paciência,
batendo a mão no volante em seguida. Encolho-me com o barulho, incapaz
de me sentir entorpecida pelo que aconteceu.
— Dylan! — Asher ralha com o loiro. O Monroe me encara rapidamente
pelo espelho e então volta os seus olhos para a estrada escurecida. — Ou
você se recompõe ou me deixa dirigir. Agora não é hora de se descontrolar.
Quando olho para a janela, decido que não quero estar aqui. Não quero
lidar com tudo isso, mas não tenho outra escolha senão fazê-lo. Céus, eu
quero minha mãe.
— Conhecem algum médico particular que atenda em casa e não faça
perguntas? — Minha voz parece rouca como se eu não a usasse há muito
tempo. Meus dedos avermelhados e cheios de sangue seco se agarram nas
pernas de Megan e eu forço-me a olhar para a frente, mesmo quando
Asher vira a cabeça para me encarar.
— Sim, babochka, conheço alguém. — É claro que conhece, ele é de
uma família mafiosa. — Qual é a sua ideia?
— Não sei, não pensei nisso... — resmungo. Observo o corpo
desacordado da minha amiga e luto para evitar as lágrimas. Agora não é o
momento para chorar. Asher e Dylan já mataram antes e eles passaram por
isso como se não fosse nada, se eles conseguiram... — Não podemos levá-
la em um hospital, vai deixar registros e eles vão fazer perguntas para nós...
— Vou ligar para o médico da minha família — Asher diz.
— Acha uma boa ideia? E se ele ligar para o seu pai?
— Tem uma ideia melhor? — Asher rebate Dylan. — Quer ligar para o
seu avô e pedir um favor?
— Porra, não! — Dylan ralha e então se concentra na estrada
novamente.
— Como isso aconteceu? — Forço a minha voz para permanecer
estável. Considero um sucesso quando Asher não atravessa o banco para
aliviar o meu esforço.
— Nós nos separamos para poder cobrir mais terreno. A ideia foi de
Roman, mas, pensando bem, aquele filho da puta pode ter sussurrado em
seu ouvido — Asher grunhe e digita sem parar em seu celular. — Axel e eu
estávamos entrando lá dentro quando escutamos um barulho alto pra
caralho.
— Nós escutamos também — Dylan complementa. — Saí para ver o
que era...
— Axel e eu fomos atrás, mas não achamos Roman de jeito nenhum.
Liguei para o celular dele, mas nem mesmo chamou. Foi quando Axel falou
com a babochka e nós vimos você.
Escuto o som das fungadas que Charlotte dá ao meu lado. Seu cabelo
loiro cai em uma cascata ao redor do rosto de Megan e me impossibilita de
ver a feição da minha amiga.
Fecho os olhos com força para conter as minhas lágrimas. Tento não
pensar em Roman, tento não pensar em Megan no meu colo e tento não
pensar no corpo morto de Charlie e em como eu vou avisar a sua mãe.
Céus... A sua mãe! A Sra. McCurdy, a única que ficou de olho em mim. A
única mulher que conversava comigo todos os dias e que só tinha o seu
filho a vida toda. Ele está morto agora e se foi pelas minhas mãos.
— Precisamos ir para o clube — resmungo e, dessa vez, a minha voz
falha. Asher se vira em minha direção e me deixa ver a preocupação que
borbulha em seus olhos. — Podemos nos dividir entre o seu apartamento e
o clube.
— Nós não vamos mais nos separar. — Quando Dylan diz isso, eu sinto
o desespero que tenta esconder em sua voz. — Nunca mais. Diga para o
médico que é para nos encontrar no clube, James vai dar um jeito nisso e
vai colocar os motoqueiros dessa porra de lugar atrás do filho dele.
Asher franze a testa e seu rosto se transforma em uma máscara
sombria assim que volta a digitar avidamente na tela do seu celular. O
pressentimento ruim grita na base do meu estômago assim que ele engole
em seco e seus olhos se encontram com os meus.
— Não podemos ir para o clube agora — dita ele.
Dylan bufa.
— E por que não, porra?
— Porque James Miller está sendo preso nesse momento e não existe a
menor possibilidade de aparecermos lá agora. — Ele levanta o celular e
balança a cabeça. Consigo enxergar o quão frustrado ele está agora. — Axel
acabou de me avisar.
— Esse filho da puta não está dirigindo? — Dylan resmunga. Seus
dedos ficam ainda mais pálidos pela força que ele segura o volante.
O som do choro de Charlotte aumenta e bato a minha cabeça no banco.
Não me preocupo em esconder de mais ninguém toda a minha miséria
enquanto me derramo em lágrimas no banco de trás de um carro de fuga.

Quando o brilho do sol nasce, ele sempre é algo bonito de se ver e, nas
enormes janelas do apartamento de Asher, elas sempre deixam tudo tão
bonito. Hoje eu não me preocupo em olhar a escuridão dando lugar ao
brilho da manhã quando estou sentada no chão.
Meus olhos estão inchados e eles doem, mas não consegui dormir nem
um minuto desde que chegamos aqui. A notícia de que James Miller, o
infame motoqueiro de um dos maiores MCs do estado, foi preso já estava
sendo noticiado assim que chegamos. Assisti a repórter falando que os
policiais chegaram com o mandado dentro do clube e percebi que isso
aconteceu enquanto voltávamos para casa.
A imprensa já estava nas portas do clube assim que a polícia entrou e o
rosto amassado e o cabelo bagunçado de James Miller foi filmado por
dezenas de repórteres.
A queda de um dos reis dessa cidade é imperdível para eles.
Assisti tudo isso queimar aos pés de Megan, que agora ainda está
sendo mantida de observação pelo médico de Asher.
Um homem de pele escura e um par de óculos em seu rosto cansado.
Ele já estava na porta quando chegamos. Uma maleta preta e sem jaleco
para o acompanhar, mas assim que Asher abriu a porta e Dylan entrou
carregando o corpo desacordado de Megan, ele nos instruiu a colocá-la no
sofá.
O doutor prestou os primeiros socorros e limpou as feridas de seu
rosto. Ele disse que não era o caso de pontos, mas assisti enquanto ele
furava o braço da minha amiga e lhe conectava em uma bolsa de soro.
Megan acordou confusa e desorientada meia hora depois, então fez tudo o
que o doutor pediu quando seguiu uma lanterna com os olhos. O médico
disse que pode ser só uma contusão, mas que ela deve ser mantida em
observação.
Megan voltou a dormir nos braços de Charlotte pouco tempo depois.
Não tive coragem de entrar na cozinha ainda, então foi Dylan que teve
que entrar e trazer pacotes de comida para todos nós. Ele jogou na mesa
de jantar e disse que precisávamos comer, mas ninguém foi lá para pegar
nada. Nem mesmo ele colocou algo em seu estômago.
— Derek parece estar trabalhando com os Wild, então para onde eles o
levariam? — A voz de Axel é nítida e raivosa. Ele está assim desde que
chegou aqui depois de todos nós. Não faço a menor ideia de como ele fez,
mas Axel disse que se livrou do corpo de Charlie e do carro. Agora, quando
eu for contar a Sra. McCurdy que matei o filho dela, não vou nem poder
mostrar o seu corpo para um enterro.
— Porra, alguém me diz que sabemos onde os Wild ficam — Dylan
rosna e bate as mãos na mesa. Eles estão no bar, porém nenhum deles está
bebendo agora. A televisão está ligada no noticiário desde que chegamos
aqui e a voz da apresentadora está começando a me irritar.
Observo quando ela fala do tempo para hoje e dá boas-vindas aos
telespectadores que acabam de ligar a televisão para acompanhar o jornal
da manhã como se o dia estivesse normal. Como se não tivessem acabado
de prender o presidente dos Devils. Como se Roman não tivesse
desaparecido desde o início da noite. Como se a porra do mundo estivesse
normal.
Não está normal porque ele não está aqui! Roman não está aqui para
fazer café da manhã comigo ou para me trazer panquecas de mirtilo e uma
xícara de café. Roman não está aqui para brigar com Asher e para se
colocar ao lado de Dylan ao primeiro sinal que ele precisa. Não quero
comer a comida que não é dele, e céus... Eu quero tanto pedir desculpas e
lhe dizer que estava errada. Tão errada.
O mundo não está normal e foda-se essa mulher por ousar agir como
se estivesse.
Estreito os meus olhos quando a imagem dela é cortada por outra ao
vivo. Os repórteres correm à beira do imenso gramado verde e bem-
cuidado. Vejo viaturas policiais em toda parte e a porta da frente está
aberta. Conheço a mansão que eles mostram. Vejo a janela da cozinha pela
qual escapei muitas vezes e então vejo quando o homem sai algemado da
mansão.
— Gente... — Minha voz não escapa dos meus lábios em uma
entonação alta, mas todos eles se viram para me encarar, completamente
atentos a mim desde que chegamos aqui.
Axel segue os meus olhos e exclama um palavrão que atrai toda a
atenção de Dylan. Percebo que Asher não olha para a TV como eles, em
vez disso os seus olhos não se desviam do meu corpo. Não me encolho sob
o seu olhar gélido, mas devolvo a minha atenção para a televisão.
Anthony Leclerc está sendo preso ao vivo.
É estranho ver esse homem depois de tanto tempo. Mais estranho
ainda é vê-lo pela tela da TV. O seu cabelo escuro como o meu está
totalmente desalinhado e o rosto está inchado de sono. Ele veste um
pijama simples e, pelas câmeras, eu consigo ver sua feição absolutamente
furiosa. Inspiro assim que a câmera foca na porta da mansão onde eu
consigo ver os cabelos loiros e despenteados da esposa dele.
Com uma altura de modelo e coberta por um robe rosa claro de seda,
minha madrasta parece uma esposa troféu de qualquer forma. Boa, nunca
fala alto em público. O tipo de mulher que você pode trair e humilhar
colocando o fruto dessa traição sob o teto dela que, ainda assim, não
ouviria uma palavra sair da boca da rainha da vizinhança. O tipo de mulher
que seria uma perfeita primeira-dama. Aquela que sabe ficar de boca
fechada por fora, mas que, por dentro, lança olhares maldosos para as
crianças e que sussurra venenos nos ouvidos dos filhos biológicos para
culpar uma criança que não escolheu nascer.
Minha madrasta é a perfeita esposa de um político.
Tudo o que minha mãe jamais poderia ser.
— Isso não é obra dos Wild. — Asher aponta para a tela. — A imprensa
nas duas prisões... Quem planejou isso está zombando deles. Os pegando
em seu estado mais vulnerável e fazendo um show para todos verem.
— Quem será o próximo então? — indaga Dylan.
— James disse que eles armaram para a mãe de Julieta, mas não disse
quem deu a ideia... — começa Asher. — Dois de quatro. Faltam Patrick e
Mikhail.
Dylan balança a cabeça.
— Meu avô não seria preso. Ele não sobreviveu a tudo isso só para ser
preso.
— Mikhail também não, mas ainda assim... — Axel responde. — Não
pode estar ligado, certo?
— Como assim? — Dylan questiona.
Axel passa a mão no cabelo e lança um olhar para a minha figura
encolhida no chão em seguida.
— Tudo! — Gesticula suas mãos para nós. — O professor que estava
seguindo a Julieta e só apareceu aqui depois que a mãe dela foi presa. O
cara que era policial e que foi afastado depois da operação que prendeu a
mãe dela. E então, por acaso, Charlie sabia tudo sobre ele? Não, porra... As
coisas não são simples assim. Como a mãe de Charlie iria ter contato com
aquelas pessoas e por que caralhos Charlie dirigiu até o clube para
entregar o professor e dizer que a Julieta precisava matar o homem?
— Acha que eles estavam ligados? — indaga Dylan.
Abaixo o volume da televisão apenas para prestar mais atenção na
conversa deles.
— Tenho certeza. O tempo inteiro nós ficamos pensando que a mãe de
Julieta fez isso, mas então descobrimos que era um dos nossos pais. E
aquela porra de professor que transa com ela. Não outras alunas, mas só
ela. — Axel aponta para mim com o dedo indicador quando diz isso. — E
Ash sabia desde o início. A ideia de procurar no escritório do nosso pai veio
dele.
Asher levanta-se da cadeira e anda pelo balcão de bebidas. Sua feição
está completamente concentrada e ele não parece estar a noite toda sem
dormir como eu sei que está.
— Está dizendo que acha que Mikhail fez tudo isso? — indaga o Volkov.
— Você vê outra opção? — Axel pisca para o irmão. — Mikhail sempre
quis o estado só para ele. Tentou expulsar todos e quando não conseguiu...
se juntou.
— Mas não deu certo... alguns anos depois que ele se juntou, as coisas
começaram a dar errado e nossa mãe morreu sem direito a um enterro. —
Asher estala os dedos enquanto raciocina. — As pastas foram enviadas e
então os policiais chegaram até Margarita, mesmo ela não tendo uma
ligação plausível com nada disso.
— Os policiais foram comprados — Dylan passa os dedos pelo balcão
quando diz. — É fácil fazer isso e se tratando de Nova York... Quanto mais
dinheiro tiver, melhor.
— E então eles tiveram sua ruptura quando a mãe de Julieta foi enviada
para Nova York. James obriga Roman a nos afastar porque ele sabe que
tem alguma coisa errada... E se James não estivesse tão preocupado com
Julieta, mas com o próprio filho?
— E por que James estaria preocupado com Roman? — Monroe volta a
perguntar.
— Porque Roman é vulnerável. Porque todos nós éramos vulneráveis —
a feição de Axel se fecha completamente quando ele começa a falar e
acompanha o raciocínio do irmão. — Éramos crianças, pelo amor de Deus.
Roman não aceitaria se ele falasse que a ameaça era contra eles.
— Não... James precisaria de algo forte o suficiente para afastar todos
nós uns dos outros de uma vez só. — Pisco lentamente quando os olhos
escuros de Asher brilham em minha direção. — Um pai está
completamente destroçado pela morte da esposa e pela quase perda do
seu negócio, e então ele sabe que, cedo ou tarde, o seu filho tem chance
de ser ameaçado ou pior, principalmente em seu momento mais
vulnerável... O que ele faz?
— Protege o filho e se guarda até estar forte o suficiente para lutar de
volta — esclarece Axel. — James conseguiu não só proteger ao seu filho,
mas a Julieta e Dylan em uma tacada só. Esperto pra caralho.
— E agora todos eles estão estremecidos e alguma coisa claramente
deu errado. Todos se afastam uns dos outros e decidem fazer seus
negócios sozinhos a partir de agora e sem afetar o resto como antes. Qual
deles foi o mais invisível e não atrapalhou o trabalho dos outros com o
seu? — Asher indaga.
— Anthony — Dylan conclui rapidamente. — Ele constrói imóveis com
dinheiro sujo, vende e ganha o dinheiro de verdade. Isso não afeta nenhum
deles.
— Patrick é um mafioso, mas ele procura alianças. Vende drogas e faz
negócios para fora. James vende armas contrabandeadas e drogas, mas ele
nunca teve interesse em expandir para todo o estado. James Miller é
cômodo. — Seus sapatos estalam no chão quando ele começa a andar e eu
tenho vontade de desviar os meus olhos dele para chegar às meninas, mas
não consigo. É como se um imã estivesse me prendendo a ele e a toda essa
cena.
Asher volta a falar:
— O traidor seria alguém que adora se exibir. Antes de alguma coisa
grande acontecer, algo sempre acontece que dá dicas antes. Quatro anos
atrás as fichas foram distribuídas, a mesma coisa aconteceu agora.
Tentaram matar a mãe de Julieta dentro da prisão. Quando dois dos quatro
caíram, câmeras dos jornais já estavam a postos para filmá-los em seu pior
momento. É um jogo de ego.
Observo com avidez quando eles se comunicam em uma língua que
não parece ser a mesma que a minha. A desenvoltura que eles têm e a
forma que até mesmo a troca de olhares entre os três têm significado.
— Não guarde palavras agora, Volkov — resmunga Dylan enquanto
bate suas mãos na bancada e seus olhos brilham em expectativa.
— É Mikhail — ele diz coberto de segurança. — Desde o início tem sido
Mikhail. Além de sinais óbvios, como o fato dele ser o proprietário de
Krasota e eu ter achado sinais da Rikers em seu escritório, Mikhail é um
homem ganancioso. Chegou como se o estado fosse dele e se enfureceu
quando foi dito e provado que não era. Mas Mikhail também é um homem
paciente. Ele cresceu pouco a pouco, lutou na rua e matou pela Bratva
desde novo até ter o seu lugar.
— Isso explica o homem que estava nos seguindo... — diz Axel. — Ele
queria saber onde estávamos para nos controlar.
— Brian era um policial, foi demitido e, então, a sua ficha foi apagada
de tudo. De repente, ele aparece como professor de Literatura na escola
que estudamos? — Uma careta toma conta da feição bonita de Dylan
quando conclui. — Porra, isso tem cara de sujeira em toda parte.
— Ele entrou quatro anos atrás... Babochka, em que ano Brian
começou a te dar aulas? — Asher indaga.
Os olhares dos três queimam minhas bochechas. Mexo os dedos dos
pés em minhas meias pretas e os encaro da forma mais orgulhosa que eu
posso agora.
— Há três anos, desde que comecei o ensino médio.
— Alguns meses depois de tudo o que aconteceu — Axel diz. —
Literalmente no próximo ano letivo.
— E quando Charlie começou a andar atrás de você? — Asher estreita
os olhos.
Ergo a minha cabeça e murmuro:
— Assim que vocês se afastaram de mim.
— Preciso de mais que isso, babochka. Foi na mesma semana que
paramos de aparecer? Um mês depois?
Fecho os meus olhos, que doem quando faço isso. Tento puxar da
memória o momento em que Charlie apareceu de volta. O momento em
que eu vi os seus cachos ruivos de novo.
— Na verdade... foi na primeira tarde que vocês não apareceram na
casa de Anthony. — Arregalo meus olhos e me remexo no chão assim que a
constatação cai em meu corpo. — Não percebi antes, mas reclamei com
ele que vocês não tinham aparecido e ele fez carinho no meu cabelo
enquanto eu dormia.
— Puta merda... — o sussurro de Charlotte é facilmente ouvido. Não
me preocupo em encará-la, mas fito os rostos desses três. Todos eles
dividem feições sombrias como se fossem feitos da mesma matéria. Como
se o que incomodasse um, incomodasse todos.
Deve ser por isso que eu sou tão apaixonada por eles desde nova.
Sempre fomos cinco partes de uma só alma. Cinco corações diferentes
batendo no mesmo ritmo e combinando as paixões enquanto faziam isso.
Cinco fragmentos da mesma matéria e é só por isso que ficamos juntos
desde o início, atraídos uns pelos outros como imãs porque caos atrai caos.
E agora uma parte de nós está perdida.
— Charlie estava envolvido com Mikhail. Não sei como, mas, porra, ele
estava — afirma Asher com uma força tão grande que nem sequer consigo
o questionar. — Mikhail sempre quis tudo. Drogas, armas, sindicatos... E
quando não pôde ter...
— Ele arranjou uma forma de tê-los. Dividir e conquistar. — Os fios
loiros de Dylan se movem quando ele balança a sua cabeça e morde os
lábios assim que me encara. — Então ele esteve de olho em Julieta através
do professor esse tempo inteiro. E de olho nela, ele ficava de olho em
todos nós. Brian me via pela escola da mesma forma que via Roman e
vocês são filhos dele, porra. É claro que ele ia manter os olhos em vocês.
Não dá para se infiltrar na mansão da minha família, Patrick nunca
permitiria. Mas... E se Derek também estivesse trabalhando para Mikhail?
— E por que ele faria isso? — indaga Axel, confuso.
— Pelo mesmo motivo que Mikhail teve para fazer tudo isso... Poder —
afirma Asher. — Sempre o segundo em comando, agora terceiro. Ele deve
ter se ressentido e começado a passar informações. Mikhail deve ter visto
o elo fraco, ele é um mestre nisso.
— Como você pode saber disso? — Dylan volta a indagar.
— Eu já disse a vocês... é o que eu faria.
Existe uma parte de mim que não pode deixar de reparar que Asher
parece uma versão mais nova do pai. Vestindo um terno de três peças e
com aquele olhar arrogante, Asher é como uma cópia do mafioso russo.
— Ele estava tentando me matar. — Todos os três se voltam para mim
quando digo isso. — Quando fugi da escola com Megan e Axel estava me
seguindo. Falei no celular com meu tio e, quando cheguei onde precisava,
o homem que eu deveria encontrar estava morto, alguém furou os pneus
do carro e me seguiram com Megan enquanto corríamos.
Os olhos de Asher se estreitam na figura adormecida da minha amiga.
Olho para o mesmo lugar e a vejo completamente agarrada em uma
almofada e na mão de Charlotte. A loira, por sua vez, encara a amiga
preocupada antes de lançar um olhar cansado para nós. Charlotte se
recusou a dormir porque, além de ficar com Megan, ela disse que queria
fazer parte de tudo que pudesse para pegarmos o responsável por essa
merda e acabarmos com isso de uma vez.
— Supondo que não existe chance de sua amiga ter dado com a língua
nos dentes, vou considerar que o seu celular esteja com alguma escuta —
afirma Asher. — Queime-o.
— Isso é a cara de Mikhail. — Axel balança a cabeça.
— Mas não tem como ele ter pegado o meu celular...
— Nós não sabemos. Se Asher estiver certo e o traidor do clube estiver
ligado a Mikhail, existe uma infinidade de momentos que alguém possa ter
pegado o seu celular lá dentro — diz Axel. — Mikhail sempre foi um
maníaco por controle, ele poderia ter colocado uma escuta em cada canto
da mansão. Talvez no nosso carro também.
— Porra, então temos um problema enorme agora. — Dylan franze a
testa e parece puto quando bate com a mão pelo balcão. — Porque nós
estamos debaixo do teto dele, literalmente. É a porra do prédio dele!
Um silêncio contemplativo passa por toda a sala e me arrepio. Agarro
as minhas pernas e olho ao meu redor como se Mikhail fosse pular das
paredes com uma arma apontada para mim a qualquer momento.
O som de uma batida na porta é como um presságio e eu assisto o
momento em todos se comunicam com os olhares trocados entre si.
Dylan tira a arma do cós da calça e caminha até a minha frente,
protegendo-me. Axel e Asher caminham pela porta e Axel se esconde no
batente, tirando a arma e apontando-a para a porta em seguida.
— O que foi? — Asher indaga assim que abre a porta. Uma mulher de
cabelos e olhos escuros está esperando do outro lado com um sorriso e um
envelope vermelho em mãos.
— O Sr. Volkov pediu para entregar isso para o senhor. — Ela entrega o
envelope para Asher e dá as costas para a porta.
Dylan guarda a arma e estende a mão para mim, puxando-me para os
seus braços em seguida. Grudo em seu corpo e me deixo ser guiada até o
bar. Axel e Asher vêm ao nosso redor e rasgam o envelope, expondo quatro
fotos em cima da bancada. Vejo Roman preso em uma cadeira com sangue
espalhado por todo o seu corpo e rosto machucado. Ele nem sequer
consegue manter os olhos abertos.
A bile sobe pela minha garganta e as lágrimas voltam a cair, mas Dylan
me puxa para o seu peito. Não o deixo esconder o meu rosto, em vez disso
eu encaro todas as fotos com o maxilar cerrado de ódio. Sinto os braços de
Dylan tremerem ao meu redor e ele tem um olhar sério quando encara
Asher.
— Sejam bons para mim e eu serei para ele — Ash cita a nota que veio
pregada em uma das fotos. Seu olhar é de puro ressentimento quando
encara Dylan. — Faça as malas e ligue para o seu avô. Está na hora de pedir
um favor a um mafioso Monroe.
E é assim que vamos acabar na mansão da família Monroe com dois
herdeiros Volkov, uma ladra que Patrick odeia, seu neto, uma ruiva das
ruas, a Princesa de D.C. e uma gata no início da manhã.

O quarto não tem mais o cheiro do perfume de Roman. Não sei


exatamente o motivo de eu esperar que o cheiro dele continuasse por aqui
mesmo depois dos dias que ele não dormia nesse cômodo e depois de
toda a obra no clube, mas me sinto decepcionada quando eu abro o seu
armário e não sinto mais o seu cheiro gostoso que me fazia dormir e
acordar nas últimas semanas.
Enquanto passo as mãos nas roupas dele e tiro a caixinha que mexi, a
aperto contra o peito. Onde você está, seu motoqueiro teimoso?
Minha cabeça dói pelas horas que estou acordada, mas só tomei uma
xícara de café e entrei no banco de trás do carro ao lado de Charlotte
quando Asher disse que a polícia ainda não tinha um mandado para o
clube e que podíamos achar algo nele.
Nós só entramos depois que Dylan disse que viemos para ajudar, então
Cam ordenou para que entrássemos. Os garotos e Charlotte foram direto
para o escritório de James com a esperança de achar alguma coisa.
Charlotte disse que iria invadir o seu computador novamente e que ia
procurar com mais afinco.
Os meninos não entenderam sobre a parte do novamente, mas
estávamos todos aqui.
Em vez de ir para o escritório de James, andei direto até o quarto de
Roman e não os vi desde que chegaram.
— Como você está? — Sua voz feminina está rouca e os olhos inchados.
Charlotte está com um rabo no cabelo e as olheiras em seus olhos são
completamente aparentes para mim quando ela entra dentro do quarto e
caminha até perto da cama.
— Eu devia te fazer a mesma pergunta. — Tento lançar lhe um sorriso,
porém meus olhos inundam de lágrimas. — Merda, me perdoa.
— Ah, chica... — Seus braços me rodeiam assim que ela se senta ao
meu lado. Passo os meus braços ao redor da cintura de Charlotte e permito
que ela me conforte. — Não tem que me pedir desculpas de nada, você
passou por muito.
— Você também. — Afasto-me de seus braços, mas Charlotte ainda
agarra as minhas mãos e me prende nas dela. — E olha só para você... está
toda forte aqui e foi invadir o escritório de James. Teve forças para deixar
Megan e está aqui. Acho que você nunca ficou tanto tempo no Texas antes,
o que vai ser de você quando o seu pai ligar e te exigir em D.C.?
— Ele já ligou. — Um sorriso pequeno nasce de seus lábios finos. — Eu
o mandei para o inferno. Foda-se ele e a minha família. Vocês precisam de
mim. Megan precisa de mim e é por isso que estou aqui.
Aperto as suas mãos.
— Queria ser forte como você agora.
— Julieta, você está sem a sua mãe desde os quatorze anos. Quatorze
— ela frisa. — Seu pai te expulsou de casa não muito depois e você luta pra
caralho para segurar a barra e faz isso com excelência. Você é a garota que
desafia a morte todos os dias e ainda ri na cara dela sempre que escapa.
Luta todos os dias para libertar a sua mãe e deve ter pilhas de dinheiro só
aguardando você. Nunca vi ninguém sobreviver com tanta força. Não se
julgue por cair agora.
Não consigo mais enxergar Charlotte claramente porque fecho os olhos
e caio em seu abraço novamente. Minha amiga me sustenta em seus
braços e os fecha ao meu redor tão forte que quase não consigo respirar.
Minha pele se arrepia e minha respiração se fecha quando desabo em seu
colo.
— Sabe qual foi a última coisa que eu disse para ele? — Não sei se ela
consegue distinguir o que eu digo através dos soluços e das lágrimas, mas
espero que tente. — Eu disse que o odeio. Ele me disse que me ama com
sua alma e eu disse que o odeio, porra.
Engasgo com as lágrimas e permito que elas molhem a blusa de
Charlotte.
— Você não pode se culpar por isso, Julieta. Não sabia o que ia
acontecer.
— Ele está preso agora achando que eu o odeio! — Levanto a minha
cabeça e a fito. Ela tem o seu rosto vermelho e luta para limpar as minhas
lágrimas, mas elas continuam a escorrer livremente pela minha pele. — Ele
faz o meu coração bater, porra. Roman é a minha respiração mesmo
quando eu não queria respirar. Ele estava lá, mantendo os olhos em mim e
me protegendo. Ele me amou até quando eu o odiei, cuidou de mim até
quando eu o quis longe. Ele está marcado em minha alma. O meu coração
bate por ele, como eu posso sequer pensar que o odeio?
— Chica...
— Eu não o odeio, Lottie. Não posso, não consigo! — Agarro-a,
desesperada. — E agora ele está em algum lugar machucado e pensando
que eu o odeio. E eu não posso salvá-lo. Não posso nos salvar.
— Para com isso! — Charlotte agarra o meu maxilar com força e me
prende como refém de seu olhar. — Mesmo para um cego é claro que você
ama esses garotos, Julieta. E eles te amam de volta. Andariam pelo fogo
por você, droga, eles estão fazendo isso nesse exato momento. Um cético
conseguiria ver que o amor de vocês vem de outras vidas, hermana. Não
existe ninguém nesse mundo que ame tão intensamente quanto vocês, e
talvez seja por isso que você ame quatro. Talvez o universo decida que
você ame demais para prendê-la a uma pessoa só.
“Ou talvez eles tenham sido amores de outras vidas e vieram todos
juntos para te perseguir nessa aqui.”
Ela engole uma risada e me lança um sorriso entristecido.
— E você é claramente o ar que eles respiram. Vocês passaram por
tudo juntos, Julieta. De melhores amigos de infância até inimigos e então...
Os amores mais intensos que eu já vi. E quer saber de uma coisa? Esse tipo
de amor não morre. O que vocês têm não vai morrer e nunca morreu e
Roman sabe disso. Talvez seja por isso que ele sacrificou quatro anos de
vocês, talvez ele acreditasse que vocês iriam se reencontrar novamente.
Talvez ela só tenha tido fé em vocês. Não desperdice isso.
— E se eu não puder salvá-lo?
Charlotte me aperta com mais força.
— Você pode. Vocês todos podem salvá-lo e eu não digo isso por
acreditar em algum tipo de magia e sim porque não existe ninguém nessa
Terra tão obstinado quanto vocês cinco. Agora, me escute com atenção...
— Pisco os olhos e sinto os seus polegares por minhas bochechas. — Você
não é qualquer uma. Você é a porra de Julieta González, a garota que fez
uma amizade tão grande com a morte que ela não vai mais te pegar.
Megan está machucada, Charlie está morto e eu estou a dois minutos de
ser expulsa da minha família, mas vou ajudar. Não porque confio e gosto
de qualquer um deles, mas por você.
Sua feição endurece quando ela diz isso, seu rosto ganha aquela
máscara de ousadia que é usada nas noites quando ela vira a princesa que
sua família tanto quer que ela seja.
— Não ouse chorar agora, Julieta. Segure até abraçar o seu
motoqueiro. Precisamos de você, me entendeu? Eu te amo, hermana, e
odeio ser aquela a dizer isso, mas agora não é hora de chorar. Pode
desabar, mas precisa segurar a onda agora. — Suas mãos deixam o meu
corpo, quase como se ela deixasse claro em seus movimentos que agora eu
preciso me manter sozinha. — Quando a sua mãe foi presa e você foi
expulsa de casa, o que você fez?
— Arranjei dinheiro e comecei a roubar. — Levo minhas mãos até
minhas bochechas e enxugo minhas lágrimas. — E então armei um plano
para tirar a minha mãe da cadeia. Eu não fiquei sentada chorando.
Charlotte abre um sorriso e me mostra os dentes, orgulhosa.
— Não, você não ficou.
Aperto as suas mãos em agradecimento sorrindo para ela e com uma
nova força que renova todo o meu corpo. A porta do quarto de Roman se
abre e Tucker, um dos caras mais novos que Roman tinha me apresentado,
aparece.
— Desculpa interromper, Julieta. Mas tem uma pessoa na entrada
querendo falar com você e Asher pediu para que você viesse.
Troco um olhar com Charlotte e me levanto da cama. Enxugo as minhas
lágrimas enquanto caminho pelo corredor em direção à entrada do bar. A
primeira coisa que vejo são os garotos. Axel e Dylan têm os braços
cruzados e uma feição fechada e assustadora. Percebo Asher me
encarando preocupado assim que coloco os meus pés no bar.
Pisco para ele sem entender quem poderia estar aqui que acendesse
tamanha preocupação em Asher, mas, quando encaro o lugar que os
meninos estão olhando, absolutamente nada me prepara para a visão da
minha irmã parada no meio do bar.
Oh, foda-se.
Ângela é uma boneca em tamanho real.
Nós não podemos ser mais diferentes.
Ela tem cabelo curto, loiro e bem-cuidado. Ele bate embaixo de seu
maxilar em ondas feitas por um babyliss. Seus olhos são castanhos e ela
sempre faz um trabalho incrível em deixá-los mais profundos com
maquiagem. Ângela tem pernas longas e finas de uma modelo e seu corpo
não tem nenhuma gordura. Se ela quisesse, poderia desfilar em uma
passarela sem problema nenhum. Tem prazer em usar roupas em vários
tons de rosa bebê e saltos brancos. É como se ela tivesse prazer em ser a
boneca em forma humana.
Charlotte é uma princesa clássica, Ângela é uma Barbie. Até mesmo no
blush carregado na bochecha que dá para ela uma feição caricata da garota
que sempre infernizou os meus dias.
Nós somos completamente diferentes.
Ela não combina com o clube e sequer com nenhum de nós e é
destoante vê-la aqui.
— Que porra você está fazendo aqui? — Minha voz se mantém firme.
Charlotte para ao meu lado e cruza os braços, estreitando seus olhos para
a figura da minha irmã em um movimento perigoso.
— Papai foi preso — Ângela responde. Apesar de ser um ano mais
velha do que eu e poucos meses do que os meninos, sua voz ainda não
parece com a voz de uma mulher formada, e sim com a voz de uma criança
que tenta ser suave. Como se ela ainda fosse meio menina em meio a tudo
isso.
— E?
— O que você fez, sua vagabunda cavadora de ouro? — Ângela ralha.
Ela aponta seu dedo fino em direção ao meu rosto e mesmo não estando
perto de mim, Axel entra na minha frente como uma muralha.
— É melhor segurar a língua antes que eu decida cortá-la — a ameaça
escapa dos seus lábios junto com um grunhido. Não vejo o rosto de Axel,
mas percebo que os músculos de seu corpo estão completamente tensos.
Acaricio o seu ombro e fico na ponta dos pés para dar um beijo em sua
nuca. Estende a mão para trás e agarra a minha, sinto o aperto de seus
dedos em um convite para casa. Ele é parte da minha casa.
— Ou que um de nós decida por ela — Dylan resmunga e deixa a
ameaça muito mais clara quando ergue sua blusa e mostra a arma que está
em sua cintura.
Ela fica tensa quando percebe o perigo que se enfiou. Me pergunto se
já está arrependida de estar aqui.
— Não vim aqui para brigar. — Apesar de não me pedir desculpas,
Ângela ergue as mãos em rendição e quando ela faz eu percebo um
enorme envelope branco que segura em suas mãos. Olho para Asher e eu
sei que ele tem a mesma dúvida que eu.
— O que você quer aqui? — Volkov indaga. — Já adianto que não sei o
motivo da prisão do seu pai.
— Eu não vim até esse lugar para isso. — Ângela balança a cabeça e
observo quando um cacho perfeito cai em frente aos seus olhos — Bom,
mais ou menos...
— Não precisa fazer sala, nós temos muito o que fazer e não
suportamos você — o resmungo sai dos lábios de Dylan acompanhado de
uma carranca em seu lindo rosto.
— Você não gosta de mim, já entendi. Também não gosto de nenhum
de vocês. — E eu não perco o jeito que os seus olhos castanhos passam por
mim antes de retornar a Dylan. — Algumas semanas atrás o meu pai me
chamou em seu escritório.
Axel bufa. Suas pernas se movem até a cadeira de madeira da mesa e
ele a puxa e se senta lá. Seus braços se abrem em um convite silencioso
que eu aceito sem nenhuma hesitação. Sento-me em seu colo enquanto
seus braços circulam a minha cintura e me mantém perto dele.
Ângela estreita os olhos em nós.
— Ele começou com uma conversa estranha sobre o legado dele e
começou a falar de você. — Ergo as sobrancelhas quando o seu indicador
aponta em minha direção. — E então ele começou a falar... coisas de você.
Reviro os olhos, incapaz de me surpreender com os atos de Anthony.
— Ele sempre teve muito a falar de mim...
Axel me aperta quando Ângela balança a cabeça e dá um passo para
ficar mais próxima de nós.
— Dessa vez foi diferente. Ele estava te elogiando o tempo inteiro...
depois disse que, se algo acontecesse com ele, era para entregar isso a
você. — O envelope branco é deslizado pela mesa de madeira. Observo
aquele pedaço de papel com desconfiança, quase como se ele fosse pular
da mesa e arrancar os meus dedos.
Levanto a minha cabeça para encarar Ângela e puxo o envelope até
mim, mas mantenho-o fechado. Não teve um momento em nossa infância
que compartilhamos momentos bons e divertidos. Nunca gostei dela e o
tratamento era recíproco.
Uma relação como a nossa esteve fadada ao fracasso desde o primeiro
momento.
— Não vai abrir? — Arqueia as sobrancelhas loiras em confusão
quando me encara.
Percebo quando Dylan anda até parar atrás da cadeira de Axel e,
quando ergo os olhos para ele, noto as suas íris azuis no envelope em cima
da mesa.
— Não na sua frente.
— Mas na frente deles, sim? — Ângela não perde tempo em abrir a sua
boca e distribuir seu veneno. — Dando força àqueles que te abandonaram
como uma estúpida... Você nunca me surpreende, González.
Ela cospe o meu sobrenome como se sua pele se arrepiasse de proferir
as letras. Como se ela fosse superior a mim por ser uma Leclerc, enquanto
eu sou reduzida a uma simples González.
Mas Ângela não sabe, não é... Ela não faz a menor ideia do quanto sou
privilegiada por carregar o sobrenome da minha mãe. Por ser mais uma
González do que uma Leclerc. Ela nunca vai fazer ideia da força que tenho
por ter vindo de mi madre, enquanto o pai dela não é nada mais do que
um coitado.
Saber que Anthony foi preso tem um gosto de vingança em meus
lábios, e quanto a James também. Mi madre também foi presa, mas por
crimes que ela não cometeu. Imagino quais são as acusações que levaram
a essa grande operação que todos estão falando. Acredito que não importa
no final, já que todos vão acabar no mesmo lugar mesmo.
Ângela continua a me olhar superior. Sua maquiagem está perfeita e
seus dedos estão cheios de anéis de ouro que seu papai deve ter
comprado para ela, porque não sabe fazer nem mesmo a comida que
come. Saltos altos nos pés, mesmo que esteja vindo para um clube de
motoqueiros e ninguém anda aqui dentro com menos do que botas.
— Você já abriu isso, não foi? — Estreito os meus olhos para ela. Ângela
é mais velha que eu, mas, nesse momento, me sinto muito mais madura
que ela. Vivi muito mais que essa garota presa dentro da mansão do papai.
— Não me entregaria se não tivesse aberto e visto por si mesma.
Balança a cabeça de um lado para o outro, negando veemente.
Um bufo sai dos meus lábios.
— Quer saber a minha teoria? — Ela abre a boca, mas eu já a corto.
Vou falar o que eu penso quer ela queira ou não. — Acho que você abriu
isso e viu tudo com medo de ser algo que prejudique você. Acho que
queria descobrir e usar isso sozinha como bem entender, mas não sabe
como, então veio até aqui com a esperança de eu saber, porque você é
inútil.
Arregala os olhos castanhos e me preparo para começar a escutar as
suas reclamações de novo, porque, no fim das contas, é só isso que Ângela
sabe fazer. É para isso que sua existência foi reduzida: reclamar, porque ela
não tem força o suficiente para revidar.
Não mais.
Abro a porra do envelope e puxo um papel antes mesmo que ela
comece a falar. Estreito os meus olhos quando leio o primeiro nome e, em
seguida, um número de celular na mesma linha. Uma lista de contatos.
Anthony me passou uma lista de contatos e a tarefa é minha para
descobrir o motivo disso.
— Não sabe para que esses números servem... — murmuro. Axel e eu
trocamos um olhar significativo antes que eu estenda o envelope para
Asher. Espero que ele reconheça algum nome da lista enquanto falo com
Ângela. — E então veio para mim... Anthony não te ensinou a arte dos
negócios antes de ser preso?
O vermelho esquenta as bochechas dela antes de se preparar para me
atacar de novo. Isso é patético. Não existe outra forma de definir isso, não
da filha de um homem como Anthony. Ele nunca teve tempo para os filhos,
isso é verdade, mas o homem que me segura no colo nunca teve tanto
tempo com o pai e isso fez dele quem é hoje.
Um homem.
Alguém forte e decidido, alguém que sobreviveria a qualquer situação
porque é assim que ele aprendeu a viver. Alguém que foi construído da
dor, que foi forjado de ferro, fogo e sangue. Alguém que faria de tudo para
sobreviver, porque foi feito para isso.
Alguém como as pessoas ao meu lado e atrás de mim. Alguém como
Axel, Asher, Dylan, Charlotte, Megan e Roman.
— Meu pai não me deixava muito perto dos negócios, ele dizia que ia
me ensinar quando chegasse a hora — ela justifica.
Dylan solta uma risada e seu cabelo loiro balança quando ele olha para
os gêmeos. Um sorriso de escárnio está enfeitando o seu rosto bonito.
— Seu pai é um imbecil e você é uma maior por ter aceitado — fala o
Monroe. — Sua irmã tem mais força para controlar o que restou da
empresa do seu pai do que você, primogênita.
— Achei que fossem os documentos dos imóveis dele — admite a loira.
— Não ia me surpreender se ele passasse tudo para você. Nos minutos em
que não estava bêbado, ele só falava do quanto você estava forte e do
quanto se parecia com ele... também dizia que eu sou parecida demais
com a minha mãe.
— E por que você está me dizendo isso?
Ela encolhe os ombros.
— Por que não dizer agora? Anthony já está preso e a empresa ainda
está no meu nome, não é tarde demais para começar de novo.
Observo com atenção a sua expressão à procura de algo que indique a
sua mentira. Quando estreito os meus olhos em Ângela, percebo todo o
seu desagrado. Parece completamente frustrada, e eu a entendo. Ela
nunca gostou de mim desde o início e não quer estar aqui, aposto que por
ela eu nem teria esses papéis, mas está com medo.
Acho que preferiu entregar para mim com medo das coisas piorarem e
no final ela e sua mãe acabarem sem nada. Não acho nem por um segundo
que Ângela iria me entregar isso pelo amor de seu coração.
Ela é podre, não existe amor ali dentro.
— E você concorda plenamente com isso? — indago.
Ângela balança a cabeça, contrariada. Nenhuma palavra sai de seus
lábios, mas consigo perceber o descontentamento em seus olhos.
— Não, eu quero escutá-la dizendo. — Fixo os meus olhos nos dela.
Verde no castanho quando ela estreita os olhos para mim e trava a
mandíbula. — Quero escutá-la admitindo que precisa de mim porque o seu
pai quis assim.
— Quer saber o que eu vou admitir, González? — Ângela tenta vir em
minha direção novamente, porém desiste assim que percebe os meus
meninos ao meu redor. — Vou admitir que a sua presença me enoja desde
que éramos crianças e que o maior alívio da minha vida foi quando papai
te expulsou.
— O que você vai fazer sobre isso, Ângela? — indago. — Sim, eu te
enojo. Sim, você odiou cada segundo da minha presença na sua casa. O
que vai fazer sobre isso? Vir aqui e reclamar como uma criança mimada
que ninguém escuta como tem feito todos os anos da sua vida miserável?
Ela ri e revira os olhos para mim como tem feito desde a nossa infância,
e então percebo que nada disso mudou.
Ângela continua a mesma criança mimada de sempre. Ela vai continuar
chorando e gritando até alguém vir consertar o problema para ela. Vai
continuar agindo com imaturidade para ganhar as coisas porque isso é o
que foi ensinado a ela.
Anos atrás, quando eu era só uma criança que queria um pouquinho de
amor naquela mansão enorme e irreal, as suas atitudes mimadas me
machucavam. Não cresci assim, mi madre me ensinou a ir atrás das coisas
que eu queria. Se quisesse um brinquedo específico que ela não estava
disposta a me dar, precisava provar para a minha mãe que merecia o
brinquedo. E considerando os traficantes e drogas que vi diariamente,
posso não ter tido a melhor criação do mundo, mas foi a que recebi.
Ângela teve tudo assim que saiu do útero de sua mãe. Ela nunca teve
que conquistar nada, tudo sempre caminhou perfeitamente para ela.
Talvez não tenha conquistado nem a coisa que queria há anos: Roman. Ele
disse que precisava ficar perto de mim e por isso foi até ela. E então,
quando ela não tinha mais utilidade, foi embora.
Nós nunca seremos iguais.
Quem sabe, em outra vida, Ângela e eu poderíamos ser irmãs de
verdade e ter amor e lealdade uma pela outra, mas, nessa aqui, eu já
tenho Charlotte e Megan. Não preciso de Ângela para me sentir em família,
eu já tenho uma.
— Obrigada pelo envelope, Ângela — comunico a ela. — Você já sabe
onde fica a porta.
— Espera! — Sua voz sobe um pouco. — E você vai ajudar a mim e
minha mãe?
— Por que eu precisaria ajudar vocês?
— Porque o nosso pai foi preso e eles vão tentar tomar a empresa
assim que descobrirem o que está por trás dela!
Encaro-a sem piscar.
— O seu pai acabou de ser preso essa manhã. Você acha que a polícia
já não descobriu? — O sorriso que nasce em meus lábios combina com o
que Dylan deu minutos atrás. — A empresa já era. A sua casa, seus móveis,
a porra das suas roupas... acabou. Me surpreende não terem congelado os
bens dele a essa altura.
— Mas como nós vamos fazer para sobreviver? — Ângela volta o rosto
para os meus meninos quando pergunta isso, mas eu preciso respondê-la.
— Vai ter que dar um jeito de sobreviver. Não se preocupe, quando foi
comigo eu tinha quatorze. Você tem dezenove e tem sua mãe com você.
São duas. Vão dar um jeito... — Ver o karma agindo diante dos meus
olhos... Porra, não tem um momento melhor para isso. — Só vão ter que
tomar cuidado, porque a justiça deve querer pegar a casa depois das
fraudes de Anthony. Eu olharia um hotel rápido, claro, considerando que
vocês guardam dinheiro.
— Sou sua irmã e minha mãe ajudou a te criar, você precisa nos ajudar
— ele diz.
— Eu não devo nada a nenhum de vocês. — Fiz algo ruim, mas o gosto
disso é tão bom...
Observo quando ela olha ao redor, revoltada e perdida. Me lembro de
quando era eu naquele lugar. Achei que estava completamente sozinha
com uma casa na parte baixa da cidade e com dinheiro para as contas.
Anthony não me deu um carro para ir à escola, eu precisava pegar carona
com Megan todas as manhãs. Tinha dinheiro para comer, as ligações que a
Sra. McCurdy dava para mim quando era mais nova e duas irmãs que
foram leais a mim desde o princípio.
Fiz o meu jogo e mandei bem enquanto durou.
Enquanto Roman não salvou a minha vida e me deixou marcada.
Tenho toda certeza de que, se ele não tivesse aparecido, eu ainda
conseguiria conquistar o que eu quero, porque mi madre nunca criou
alguém feito para desistir.
— Se continuar aqui, o máximo que vai conseguir é uma bala dentro do
corpo. — Dylan a intimida. — Fora daqui, você não é bem-vinda.
— Eu já fui namorada de Roman. — Sua voz se afina quando o grito
deixa a sua garganta. Gesticula as mãos finas para o clube e para os
motoqueiros ao redor. — Quase já mandei nessa merda de lugar. Onde
está Roman?
Não, não mandou. Nunca mandou e nunca mandará. Roman fez muitas
coisas estúpidas movidas a intenções nobres e eu preciso fazer as pazes
com isso, porque é óbvio para mim que não sei mais viver sem sua
presença.
Quando vejo a garota se intimidar quando Tucker se levanta e anda
perto dela com a feição fechada, sei que Roman nunca poderia tê-la
amado. A inocente garota de família rica que caiu de amores pelo príncipe
da gangue. Eles dariam uma boa história em teoria, mas, na realidade,
Roman e eu completamos a nossa sujeira e maldade juntos. E percebo
agora que Ângela nunca poderia chegar aos pés disso e que eu não posso
continuar criticando as coisas que ele fez com quinze anos de idade.
Vou contar tudo isso para ele assim que o acharmos.
Enquanto isso, observo com gosto quando Ângela caminha para fora do
clube e para fora da minha vida, porque sei que não existe mais chance de
voltar a vê-la. Se depender de mim, sua casa pode desabar em fogo e ainda
assim não irei ajudá-la. Entendo por que eles têm um papel tão pequeno
em minha vida: Porque sua presença é irrelevante. Eu estava lutando com
um fantasma que nem mesmo tem importância.
— Babochka — Asher me chama logo após ela ir embora. Ele me
entrega um pequeno envelope branco completamente lacrado por um
selo. — Estava dentro do envelope.
Abro a carta e tiro o selo, puxo então uma folha completamente em
branco.
— Que droga é essa? — Dylan indaga, observando o papel em cima do
meu ombro.
— Me empresta o seu isqueiro? — peço a Axel, que me entrega sem
hesitação. Passo o isqueiro por trás da folha com um pouco de distância. À
medida que o calor entra em contato com o papel, as palavras aparecem
na carta que eu seguro.
— Essa é nova — Charlotte afirma. — Pelo menos, nós sabemos que a
Barbie não leu essa aqui.
Devolvo o isqueiro a Axel e me preparo assim que leio a primeira
palavra:

“Filha,
Não fui justo com você e essa é a verdade. Não carrego muitos
arrependimentos na minha vida e pretendo continuar assim. Não criei você,
passei a menor parte de todo o meu tempo vendo você crescer, contribuí
para te tirar tudo o que tinha e no final ainda te expulsei da única casa que
você podia dormir.
Você é fruto de uma relação egoísta, sua mãe queria engravidar para
me manter preso a ela e eu nunca te quis... não me surpreende que tenha
se tornado uma das pessoas mais egoístas que eu já acompanhei. Suponho
que parte disso é culpa minha.
A verdade é que entre você e Ângela, você é a mais forte. Acho que isso
tem a ver com o fato de você não ter sido criada por mim e sim por sua
mãe. Ou por ter que suportar muito em pouco tempo, isso faz coisas com
as pessoas.
Acabei de falar com você no celular e percebi que, quando algo der
errado, você é a que tem mais chances de sobreviver. A maior parte dos
sobreviventes é egoísta porque precisam pensar só em si mesmos para
sobreviver e isso, filha, é a sua própria definição. E, acredite em mim, muita
coisa vai dar errado.
As coisas começaram a voltar como uma porra de máquina do tempo e
eu sei que o meu está acabando. Vou cair e, em algum momento, serei
preso.
Eis as coisas que você precisa saber: Mikhail Volkov é um filho da puta
traiçoeiro, não confie nele em absoluto. Ele não tem lealdade a
absolutamente nada e sua única diferença com Patrick é que Monroe pelo
menos dá valor a própria família e a sua descendência.
Não tive provas, mas sei que Mikhail teve alguma coisa a ver com a
minha quase prisão. A ideia de apontar tudo o que a polícia tinha nas
costas da sua mãe partiu dele e Patrick foi o primeiro a concordar. Eles são
perigosos e, se eu cair, preciso que saiba que nunca pode deixá-los chegar
perto da empresa ou de sua irmã. Ela não tem atitude o suficiente para
lidar com Volkov ou Monroe.
Se algo sobrar da empresa e eu não for morto enquanto estiver preso e
aguardando julgamento, preciso que cuide dela para mim. Você foi criada
por sua mãe e viveu em minha casa, isso significa que você sabe
administrar negócios muito bem.
Se em algum ponto disso eu morrer, te mandei uma lista de outros
criminosos que podem te ajudar contra Volkov ou Monroe. Eles estão
ligados a outras máfias e só agem com um preço, mas são bons o suficiente
no trabalho. Confie em mim nisso, passei quatro anos me assegurando de
que eles eram bons o suficiente para que pudessem agir enquanto eu não
estivesse aqui.
A nossa família depende de você. É muita pressão, mas sei que você
aguenta. Escondi dinheiro em contas fantasmas ligadas a um nome falso.
Não posso falar aqui, mas se conseguir falar comigo, venha e conversamos.
Quero o melhor para a nossa família.
Anthony Leclerc.”

Nossa família, certo.


Entrego o papel para Asher. Volkov começa a ler sem qualquer
hesitação.
— Que imbecil! — Axel diz. Seus lábios macios me cumprimentam
quando ele me dá um beijo no ombro. — O que vai fazer?
— Vou ficar com a lista de contatos e todo o resto pode se foder. — Ele
gosta do que eu digo, já que um sorriso sujo toma conta dos seus lábios,
apesar de tudo.
— Eles que se fodam todos — concorda comigo. Da mesma forma que
os Leclerc fizeram comigo quando mais nova.
Estreito os olhos em direção a Dylan quando o seu silêncio começa a
me incomodar. O Monroe tem a testa franzida para o telefone e aperta o
aparelho em seus dedos com força.
— O que foi? — indago, mas a verdade é que tenho medo de saber da
resposta. Deus, não deixe que seja pior do que está agora...
— Patrick disse que precisa falar comigo assim que formos para casa.
— Só isso? Por qual motivo está tão nervoso, cara? — indaga Axel.
Prendo a respiração enquanto espero ele dizer:
— Porque algo me diz que meu avô vai cobrar o favor de estar
oferecendo moradia para vocês... E eu não acho que vai ser bom.
Ela toma conta do meu quarto como se fosse dela, o que não é um
equívoco de sua parte. De certa forma, é dela.
Patrick não disse nada quando apareci com os filhos de seus rivais
quando ele está sendo visivelmente ameaçado com a prisão de James e
Anthony. Seus olhos azulados absorveram tudo com uma fome
indescritível enquanto subi as escadas com os gêmeos Volkov, a loira e a
ruiva que se segurava na garota. Mas o pior foi quando ele viu Julieta logo
atrás de mim.
Cercamos ela como fizemos quando ela voltou a colocar os pés no
clube algum tempo atrás. Asher e Axel em cada um de seu lado, eu
imediatamente posto em sua frente para protegê-la dos olhares de Patrick.
E a gata, claro. Julieta foi irredutível em irmos pegar a gata da casa de
Megan, já que agora a sua amiga estava incapacitada de olhar o animal.
Agora tem uma bola de pelos escuros deitada no meio dos meus
lençóis.
— Não consigo achá-los assim — a loira reclama. Preciso dar os
créditos para Julieta, porque as suas amigas são fiéis pra caralho. Charlotte
abriu o seu computador para tentar pesquisar alguns dos nomes que
Anthony deu desde que chegou, mas sem sucesso até agora. — Onde será
que o seu pai achou esse monte de criminosos? Eles não estão no Google.
— Gente podre costuma andar junto — minha garota responde e
gesticula para nós. Julieta está visivelmente abalada e segura aquelas fotos
com as imagens de Roman com rigidez. Seus olhos estão para baixo desde
a noite anterior quando ele foi levado e eu não consigo acreditar que faz
poucas horas que ele não está mais perto de nós.
Porra, parecem anos.
— Nós não podemos hackear Mikhail de novo para descobrirmos onde
ele colocou Roman? — ela indaga. Seu rosto bonito está voltado para
Asher, os olhos verdes brilhando com uma inocência que eu não sabia que
ainda estava lá.
— Não sei se consigo hackear ele sem estar com o seu computador — a
loira responde Julieta. — Deus, eu nem sou tão boa assim nisso.
— Pare de ser humilde, querida. Não combina com você — a ruiva fala
com a loira. Os seus olhos brilham para a garota ou uma merda assim. Ela
está com o rosto todo inchado, mas estava acordada e alimentada pela
minha avó quando chegamos do clube algum tempo atrás. — Você é foda
pra caralho.
— Não sou tão boa se não consigo hackear Mikhail do jeito que eu
quero — a loira volta a bufar. — Ou se não consigo achar o motoqueiro.
Perco a visão dos olhos de Julieta quando ela os esconde de mim e
abaixa a cabeça.
Porra!
— Não podemos ficar aqui parados — Axel resmunga. Ele anda de um
lado para o outro, passando embaixo dos meus montes de troféus que
guardo desde que comecei a jogar futebol. Vovó queria exibi-los no
corredor principal da casa, mas Patrick disse que exibir troféus de futebol
são inúteis para ele. Se eu quisesse exibir alguma coisa poderia ser as
conquistas em nome dos Monroe que eu faria no futuro, essas foram as
suas palavras.
— O que você quer fazer, ir até o nosso pai e obrigá-lo a dizer onde
Roman está? — Asher encosta-se ao lado da janela e observa a lista de
nomes como se um grande segredo fosse ser revelado para ele que ainda
não vimos.
— É melhor do que ficar aqui — responde o lutador.
Exalo.
— Se confrontarmos ele, pode ser que Mikhail não fale nada e, além
disso, mude Roman de lugar — opino.
— É só matarmos ele então.
— Mikhail não deve ser a pessoa responsável por Roman agora, ele
precisa de um álibi. Se matarmos ele sem saber onde Roman está, quem
está com ele pode ter algum comando de matá-lo caso Mikhail não
responda — respondo Axel. Avalio Julieta como tenho feito desde que
Roman desapareceu. Ela tem as mãos dadas com a ruiva e volta e meia
analisa os ferimentos da amiga. — Escuta, eu quero Roman aqui tanto
quanto você, mas ir atrás de Mikhail sem uma garantia sobre a vida de
Roman é estupidez e pode colocar a vida dele ainda mais em risco.
— O maldito falou alguma coisa? — a ruiva pergunta. — Fez alguma
exigência ou alguma coisa parecida?
— Só mandou as fotos dele machucado com um bilhete dizendo que,
enquanto formos bons para Mikhail, ele seria bom para Roman — a garota
responde. As duas trocam um olhar demorado, que depois volta para
Charlotte digitando sem parar em seu notebook.
— E sobre... Charlie?
Reparo no momento em que olho Asher e Axel que seus olhares estão
voltados para a nossa garota. Patrick morreria por me escutar dizer que
dividiria uma garota, mas não estaria surpreso se essa garota fosse Julieta.
Verdade seja dita, não existe um futuro meu com ela onde a latina não
esteja arrastando outros três atrás dela. Três, não dois. Isso significa que
precisamos achar Roman para tudo ficar completo e o mundo poder voltar
ao normal.
— Não sabemos de nada ainda. — Ela encolhe os ombros. — Não
sabemos se ele está com Mikhail ou se tudo era só uma terrível
coincidência. Se o momento em que uma bomba estourou e ele apontou
uma arma para nós foi uma coincidência com o fato de Derek ter levado
Roman e agora ele estar preso com Mikhail... não sabemos. Eu não sei.
— Estava. — A atenção das duas se volta para Charlotte. A hacker para
de digitar avidamente e encara as garotas com braveza. — Você não sabe
se Charlie estava com Mikhail ou não. Ele está morto, hermana. E você e
Megan estão vivas, fim da história.
— Diga isso para a minha consciência — resmunga a morena. De
repente, sinto-me como se estivesse invadindo uma conversa íntima que
eu não deveria estar escutando. — A mãe dele cuidou de mim quando eu
estava sozinha e como eu agradeço? Matando o filho dela!
— Você matou o maldito depois que ele bateu na minha cabeça e nos
ameaçou com uma arma, mesmo depois que eu estava desacordada. Se
não fosse ele, iria ser você. — Dou mais créditos à ruiva assim que ela
prontamente coloca juízo na cabeça de Julieta. — A Sra. McCurdy cuidou
de você, porém o filho dela tentou te matar. Ela não tem culpa dos atos do
filho e você não tem culpa do que Charlie acabou te obrigando a fazer.
— Só quero que isso termine. — Sua cabeça permanece erguida, mas
ela morde os lábios carnudos durante a sua conversa com as garotas. —
Quero achar Roman, quero matar Mikhail e quero tirar a minha mãe da
cadeia.
Megan deixa escapar uma risada.
— Nada de viagens para longe daqui com uma mala cheia de dinheiro?
— Deus, não! — Charlotte bufa, o que ocasiona uma risada
compartilhada entre as três em uma piada interna que os garotos e eu não
fazemos parte. — Quando eu sair daqui, vou ter mais coisas para levar do
que só uma mala de dinheiro.
Meu coração bate mais forte quando ela nos encara.
— Como os planos mudaram desde que começamos... — a loira
resmunga. — Os poderosos caíram.
— Nem me fale sobre cair. — Megan dá um fraco tapa em seu braço e
revira os olhos para o sorriso provocativo de Julieta.
Me sinto feliz em saber que, enquanto estávamos fora, a vida que ela
levou não foi de todo ruim. Essas garotas são estranhas e perigosas, mas
elas ajudaram Julieta quando nós não estávamos lá.
Consigo imaginá-la ao lado delas, experienciando o melhor que o
mundo poderia oferecer. Sendo selvagem e livre como sempre foi. Sendo a
dona de seu próprio nariz muito antes do necessário.
Uma batida na porta faz com que os barulhos delas se aquietem e o
mau pressentimento borbulha em meu estômago. Todos os olhos da sala
estão postos em mim quando abro a porta e dou de cara com minha avó.
Um sorriso culpado enfeita os seus lábios e eu simplesmente sei que não
vou gostar do que vou ouvir.
— Seu avô disse que quer conversar com você no escritório.
Porra, eu estava certo.

Patrick Monroe se senta como um rei em sua poltrona acolchoada.


Meus passos não são hesitantes quando entro em seu escritório, eu
apenas sei que, se hesitar, isso se tornará uma arma para ele usar contra
mim. Homens decididos e corajosos não hesitam.
Puxo a cadeira em sua frente em silêncio e logo após me acomodar
nela, estico os meus braços ao meu redor para ocupar mais espaço. Patrick
apenas me encara com um sorriso pequeno nos lábios, que já é ameaçador
o bastante para mim.
Ficamos nos encarando em um jogo de silêncio. Os nossos olhares
presos um no outro em uma disputa sobre quem perde primeiro.
— Como estão os seus hóspedes? — Acredito que ele só falou em
primeiro porque já não está mais se aguentando.
— Bem, apesar das dificuldades. — Travo o maxilar. — Nós não vamos
ficar muito tempo aqui, só precisamos achar o Roman e dar um jeito em
Mikhail, depois vamos embora.
Os olhos do meu avô se tornam completamente gélidos.
— Nós?
Porra...
Quero bater com a minha cabeça na parede por ter deixado esse erro
escapar, porque sei melhor do que ninguém que Patrick Monroe não perde
nada.
— Foi uma forma de dizer — limpo a garganta. — Mas eu vou atrás dela
até que ela fique segura, você sabe disso, vovô... Já te disse muito tempo
atrás que Julieta é minha responsabilidade.
O sorriso de Patrick desaparece.
— Realmente acredita que vou te deixar ir a algum lugar, meu neto? —
Pende a cabeça para o lado na indagação e luto para não me remexer na
cadeira, incomodado com a intensidade de seu olhar em mim. — Acha que
vou te deixar sair da minha vista por causa daquela garota?
— Não vai ser por muito tempo. — A verdade é que eu nem sei se vai
ser por muito tempo ou não. Não faço a porra de ideia de que, se eu vir
como seria o mundo ao lado dela, não vou querer voltar para esse. Quem
sabe, parte de mim não gosta de sentir dor como Axel?
— Você não vai para lugar nenhum — a ordem é clara, mas a
intensidade me surpreende. — Já perdi a sua mãe, não vou deixar o
mesmo acontecer com você.
Bufo e balanço a minha cabeça.
— Não vou morrer, Patrick. Só vou cuidar dela até que tudo esteja bem.
— Acabei de dizer que você não vai para lugar, Dylan. — Bate a sua
mão na mesa à sua frente com força e causa um alto estalo. — Não estou
com medo de você morrer, mas não vou te deixar ficar com aquela garota
e estragar tudo como a sua mãe fez antes de você.
Meu rosto se fecha completamente em revolta.
— Você está com medo de eu engravidar ela? — Irônico, considerando
que eu nunca fodi ninguém ainda.
— Eu te conheço, eu te criei — ele frisa a frase e fixa seus olhos nos
meus. — Você tem o coração da sua mãe e eu não consigo arrancar aquela
garota de lá. Vou te tirar de perto dela antes que uma tragédia aconteça.
— Acha que me apaixonar é uma tragédia? Nossa, obrigado, vovô —
ironizo.
— Você é um Monroe e não cumprir as suas obrigações como um é sim
uma tragédia. — Sua voz toma uma fúria que eu não ouço há muito tempo.
— Sempre soube que aquela garota era perigosa demais para você. Sua
mãe foi estúpida o suficiente, mas não vou deixar isso acontecer com você.
— E o que pretende fazer, Patrick? — o questiono, transtornado. — Me
trancar em casa como a porra de uma criança?
Aquele maldito sorriso volta aos lábios dele e eu odeio. Odeio aquela
porra de sorriso que fica maior. Sinto como se ele tivesse alguma vantagem
sobre mim, uma carta em sua manga que não conheço. Tenho mais certeza
disso quando ele se acomoda na cadeira e tira a mão da mesa, traçando
círculos perto de seu pacote de charutos.
— Você vai se casar.
Forço-me a permanecer na cadeira, mas quero levantar e jogar a mesa
abaixo. Que porra? Casamento? O que Patrick Monroe está pensando?
— O quê?
Ele parece absolutamente presunçoso diante da minha confusão.
— Você, meu neto, vai se casar — ele repete. — Bom, vai terminar a
escola primeiro, é claro. Mas, depois desses meses que faltam para
terminar o último ano, você vai se casar.
Minha voz prende na garganta para soltar um grito de revolta, porém
gritar com Patrick nunca foi uma opção. Aperto a poltrona com os meus
dedos até as pontas ficarem completamente brancas. Patrick é traiçoeiro
tanto quanto é temperamental. Se eu o irritar mais do que já fiz, corro o
perigo de nem mesmo descobrir o que eu quero. Então começo pegando
informações.
— Com quem?
Seu rosto se transforma no de um predador.
— O nome é Arianna Cacciola. — Franzo a testa quando não reconheço
o nome. Isso é claramente algo arranjado, eu esperava que meu avô
estivesse de olho em alguma família criminosa para me entranhar e se
juntar a nossa.
— É alguém que eu conheço?
— A garota é filha de Lorenzo Rossi. — Tenho certeza de que quase
quebro a poltrona pela força que eu a aperto agora. Lorenzo Rossi, a porra
do dono da Cosa Nostra. — Quer ver a foto da garota? Ela é um maldito
colírio para os olhos...
O suor escorre pelas minhas costas quando avalio a situação. Meu avô
não espera a minha resposta para tirar uma foto de sua gaveta e colocar de
frente para mim na mesa em um movimento calculado. Pelo jeito, Patrick
já tinha todas as suas falas e seus gestos calculados antes de eu entrar
nessa sala.
Abaixo os meus olhos para a observar a foto. Patrick está errado, a
garota não é só um colírio para os olhos, ela é uma completa bomba.
Reconheço as feições da foto que eu vi quando invadi o escritório dele um
tempo atrás.
O cabelo loiro desenha o rosto bonito e ilumina os olhos bonitos. Não
consigo decidir se são azuis ou esverdeados. Apesar da aparência angelical,
o olhar que ela dá para a foto me causa absoluto arrepio. Reconheço o
brilho gélido em seus olhos como o mesmo brilho letal que existe nos
olhos de Asher. Apesar de ser completamente bonita, a garota não faz
nada comigo. Ela não tem o enorme cabelo preto ou os olhos
absurdamente verdes que eu amo encarar. Ela não tem aquela travessura
em seus olhos como Julieta carrega nos dela. Essa garota, Arianna, parece
alguém calculista.
Não me movo para encostar na foto, mas volto a encarar o meu avô.
— Por que alguém como Lorenzo Rossi iria querer casar a sua filha com
alguém como nós? — o insulto não passa despercebido aos olhos de
Patrick, bem da forma que eu queria. — Nós não somos nem um por cento
do que esse homem é. Ele tem a Costa Leste inteira. Nós nem mesmo
temos o estado.
Patrick tira os seus olhos de mim para pegar um cigarro do pacote. Ele
me faz esperar enquanto coloca o cigarro na boca e o acende com um
isqueiro. o cheiro característico toma conta da sala.
— Porque Arianna não é filha biológica dele. — E então Patrick joga
outra foto ao lado da imagem da garota. Parece ter sido tirada por algum
paparazzi ou fotógrafo particular, porque essa foto é de uma família
andando pelas ruas de Nova York.
Reconheço Lorenzo Rossi sem nem olhar duas vezes para o seu rosto. O
mais alto do grupo e veste um terno caro. O cabelo loiro escuro
orgulhosamente penteado para trás e um cigarro pendurado entre os
lábios. De braços dados com ele, uma mulher alta de longos cabelos
escuros e um olhar orgulhoso no rosto. Do outro lado dele, Arianna. A
adolescente de olhos gélidos tem os dedos entrelaçados com um garoto
menor, que parece ser a versão criança de Lorenzo. Existem homens
vestidos de preto da cabeça aos pés ao redor deles, seguranças, claro.
Olhando a foto, até parece que Arianna é filha de Lorenzo, porque o
olhar no rosto de ambos é tão semelhante que chega a chocar.
— Ela parece ser filha dele aqui — digo a verdade.
Patrick balança a cabeça, concordando comigo.
— Mas não é, e Lorenzo sabe que você é a melhor opção para ela.
Franzo a testa.
— Se a garota não é filha dele, mas ele age como se fosse, ainda assim
vai arranjar alguém muito melhor do que eu. — Isso e o fato de eu não a
querer em absoluto.
— Era para você ser filho desse homem. — Ele aponta para a foto. — Se
a sua mãe não tivesse fodido tudo... Lorenzo sabe que eu não seria um
problema para ele e iria proteger a sua filha. Você vai proteger a filha dele.
E, sobretudo, ele não a quer longe de Nova York.
— Como assim, ele não a quer longe?
— Você vai se mudar para Nova York e viver com eles, Dylan. — Patrick
revira os olhos, quase como se o fato de eu não estar acompanhando o seu
raciocínio fosse uma ofensa direta a ele. — Você sabe como um casamento
arranjado funciona no nosso mundo. As mulheres assumem o sobrenome
do marido e se mudam para onde eles moram, mas porra... Lorenzo não
está disposto a deixar a garota ir e ele sabe que as grandes famílias não
iriam aceitar a exigência do herdeiro deles ir para Nova York.
— Mas você aceitou...
Seu sorriso cresce.
— Porra, eu fiz — uma risada escapa dos lábios dele. — A garota pode
não ser biológica, mas ele a vê como filha. Pode ser o outro garoto que vai
assumir, mas você sabe... O mundo da máfia é difícil. Coisas acontecem.
Patrick está falando sobre matar a porra de uma criança.
— E mesmo se nada acontecer, os seus filhos ainda vão ser herdeiros
da Cosa Nostra. Ainda vão estar entranhados em Nova York e vão ser fortes
o suficiente para tomar o que é deles lá dentro.
Puxo a respiração ruidosamente, mas Patrick não liga.
— Está falando de matar uma criança...
Ele grunhe.
— Ou não. Quem é que sabe. Isso deve ser tarefa dos seus filhos,
porque Lorenzo em vida jamais permitiria alguém perigoso para “o seu
“filho". Filhos — ele se corrige. — Sei como é amar alguém que não é seu,
imagino que Lorenzo se sinta da mesma forma... não sei se eles têm algum
tipo de laço sanguíneo, mas não importa.
Minha cabeça gira e fecho os meus olhos quando finalmente percebo o
nível de merda em que estou enfiado. Patrick não vai deixar essa
oportunidade ir embora. Não é só um casamento ou uma aliança simples,
é a porra do negócio da vida dele. O tipo de negócio que era uma tarefa da
minha mãe, mas que está nas minhas costas agora.
— Não existe uma chance de eu não me casar, não é?
O som rouco de sua risada acompanha a fumaça que ele solta.
— Se você me fizer passar por mais uma vergonha em frente a família
mais poderosa da Costa Leste, eu mato você. — Parece ser uma ameaça,
mas o brilho nos olhos de Patrick me diz outra coisa. Isso parece uma de
suas promessas para mim. — Fui tolerante com a sua mãe porque ela
estava grávida e eu jamais iria me virar contra a minha família assim, mas
tenha em mente que a minha tolerância não se estende a você. Esse é o
seu dever, Dylan. Você vai se casar com aquela garota e vai ser a porra do
genro que Lorenzo Rossi espera que seja.
Seguro firme o seu olhar como uma forma de desafiá-lo, mas não
consigo. Patrick Monroe parece um maldito monstro agora.
— Vai cortar todos os contatos com a maldita González, porque a Cosa
Nostra não tolera traições. Vai ser um mafioso do caralho e esquecer o
futebol, então vai me dar um bisneto rápido e enquanto eu ainda estiver
de pé. Você vai me servir e servir os Monroe, porque essa é a sua única
tarefa na vida.
Única tarefa na vida...
Luto contra o desejo de mandá-lo à merda. Minha visão se afunila e o
meu batimento cardíaco aumenta quando não quero nada mais do que
estourar a cabeça de Patrick por ele me tratar como uma mercadoria. Ele
diz que minha única tarefa é servir essa família, mas não vejo assim. Não
quero ser um mafioso como ele e me casar com uma estranha, quero jogar
futebol, quero sair daqui e sobretudo... quero tudo isso ao lado de Julieta.
Entendo por que minha mãe era uma decepção para Patrick... Ela deve
ter tido o mesmo senso de liberdade que eu tenho agora.
Mas também entendo que agora não é o momento mais inteligente
para confrontar o único aliado forte o suficiente que temos. Ainda tenho
poucos meses até a formatura... ainda tenho tempo para achar uma forma
de fugir disso. Roman desaparecido e Mikhail são os maiores problemas,
não posso arranjar mais um com meu avô quando dependemos
completamente dele.
Então, ergo a minha cabeça do jeito que já o vi fazer centenas de vezes
e ergo os meus ombros enquanto o encaro firme nos olhos. Azul contra
azul.
— Tudo bem, Patrick. Será do jeito que você quiser.
Ele parece satisfeito.
— Bom, porque os Rossi estão vindo para o jantar de amanhã. Diga aos
seus amigos que todos estão convidados apenas porque esconder pessoas
na casa na presença de um homem daqueles é sinal de desrespeito, mas
ouça bem... — Ele se aproxima da mesa e apoia os seus braços na madeira.
— É melhor todos estarem em seus melhores trajes e comportamentos.
Mande a garota ficar de boca fechada, porque se algo der errado por conta
deles...
Quando saio do escritório tempos depois, sinto como se minha alma
tivesse ficado lá dentro, presa entre os dedos de Patrick Monroe.

Estou ao lado de Asher quando recebo a ligação.


Meu estômago se contorce inteiro quando o celular começa a tocar.
Hela está em meu colo, esparramada em minhas pernas e aceitando o meu
carinho como a gatinha manhosa que sempre foi, mas quando ouve o
telefone tocar, a minha gatinha mia para mim. Estão sei que há alguma
coisa errada ali.
O nome do contato não mente. A Sra. McCurdy está me ligando e o
meu coração se parte pela metade quando eu leio o nome na tela. Não
atendo de imediato. Observo o celular em minhas mãos e espero para ver
quando a ligação irá desligar, mas, em um impulso, atendo.
— Estava testando a minha paciência, garota? — A voz dela continua a
mesma. Um pouco rouca e feminina para deixar sua marca. — É bom uma
ligação para saber que está viva de vez em quando...
— Sra. McCurdy... — a cumprimento. Megan arregala os olhos ao lado
de Charlotte assim que escuta as palavras saírem da minha boca. — Como
você está?
Ela bufa do outro lado da linha, com toda a certeza não ouvindo a
minha voz incerta.
— Preocupada com Charlie. Eu não sei onde ele está e o meu garoto
não passa muito tempo sem me ligar. Você ou uma das suas amigas
esquisitas sabem onde ele está?
A única visão que eu me permito ter é a de Megan machucada e de seu
rosto inchado. Não desvio o olhar dela para encarar nenhum dos garotos,
nem mesmo quando Axel se abaixa ao meu lado.
— Nós precisamos conversar... — Ela se aquieta do outro lado da linha.
— Pode vir até a mansão da família Monroe?
— Monroe? — questiona. — Está andando com aquele loiro que
infernizava Charlie de novo?
— Por favor, Isla... Não posso conversar com você por telefone. —
Provavelmente, eu já deveria ter me livrado dessa merda de celular nesse
tempo. E do meu outro também. Mas se Roman conseguir escapar, sei que
ele me ligaria em primeiro lugar. Inferno, o meu celular deve estar tatuado
em alguma parte do seu corpo. Como posso me livrar disso sendo que
pode ser um seguro para ele?
Quando disse isso a Asher, ele me disse que, se Roman escapasse
sozinho do seu pai — o que ele classificou cuidadosamente como
impossível —, Roman provavelmente iria ligar para um membro do clube
ou um dos garotos caso não conseguisse falar comigo.
— Eles vão me deixar entrar se eu aparecer aí? — a senhora me
questiona.
— Vão sim.
Ouço o seu bufo no outro lado da linha.
— Ótimo, eu vou rezar para todos esses filhos da puta.
E é dessa forma que acabo sentada em um sofá de uma das inúmeras
salas da mansão da família de Dylan uma hora depois enquanto observo a
Sra. McCurdy reclamar de cada canto dessa sala. Ela reclama da cor das
paredes, diz que o sofá é muito duro para uma casa construída cheia de
grana, então diz que os vasos de flores que a avó de Dylan supostamente
deixou pela sala parecem urnas para guardar cinzas de mortos.
— Por favor, garota, não me diz que Charlie tem a autoestima tão baixa
que aceitou se enfiar nessa casa quando ele tem uma para ele — a mulher
fala, então Isla se senta em minha frente e coloca um cigarro entre os
lábios. — Porra, não me diz que tem alguma regra que proíba fumaça
aqui?
— Se tivesse alguma regra, você iria escutar? — indago.
Isla acende o cigarro e traga, então faz questão de levantar a cabeça e
soltar a fumaça.
— Claro que não. Esses Monroe podem se foder para mim. Onde
Charlie está, garota? Não adianta proteger ele, eu quero lhe dar um puxão
de orelha por toda raiva que ele está me fazendo passar.
Minhas mãos tremem quando eu entrelaço os meus dedos. Os olhos de
Sra. McCurdy imediatamente vão para os meus dedos e ela os estreita
nessa direção em seguida. Engulo em seco.
Os gêmeos queriam vir aqui comigo, e mesmo sabendo que eles iriam
se enfiar na sala ao lado para ouvir a conversa, não deixei que viessem.
Charlie me fez sofrer, mas ele mesmo sofreu por um monte nas mãos dos
meninos e em minhas próprias mãos. Não só apertei o gatilho, mas deixei
com que os garotos fizessem a vida dele miserável. Sou culpada.
— Sra. McCurdy... uma coisa aconteceu... — começo, mas travo logo
em seguida.
Ela parece saber que algo está errado.
— Só me diz o que aconteceu.
— Charlie está morto. — Minha respiração trava na garganta assim que
revelo. Avalio a mulher com olhos arregalados de culpa, porém já é uma
vitória minha eu não ter chorado assim que as palavras saíram dos meus
lábios.
A senhora não faz nada, não chora, não grita... nem se move. O cigarro
continua queimando entre os seus dedos e as cinzas caem no sofá e fazem
um buraco no estofado do móvel. Acho que ela está em choque.
Isla é uma mulher bonita. Ela já tem seus quase sessenta anos agora e,
como todos que estão muito enfiados na vida suja, Isla tem marcas em
toda pele por seus dias ativos. O cabelo não é como o do filho, ele não tem
o tom acobreado que Charlie ostentava, mas os olhos... O tom escuro é o
mesmo.
Acabei com os olhos de Charlie...
Observo quando a mulher leva o cigarro até os lábios e dá uma longa
tragada. A fumaça sai da boca fina lentamente.
— Como?
Engulo em seco.
— Um tiro na cabeça, foi rápido... Ele não sofreu. — Isso não está nem
perto da verdade, percebo. Mas o que adianta dizer a ela que, antes de
morrer, bati tanto a cabeça dele em uma pedra que ele perdeu a
consciência, ou que antes de morrer os seus dois olhos foram furados por
dedos? Essa mulher não tem nem um corpo para enterrá-lo, porra. Não
posso causar mais sofrimento a ela.
— Quando isso aconteceu? — Me atento a sua voz mais firme. Se está
surpresa, ela não demonstra para mim.
— Nós íamos invadir uma propriedade de Mikhail Volkov. Charlie disse
que iria junto... tudo aconteceu ontem à noite. — Tenho todo cuidado com
minha escolha de palavras, sendo egoísta o suficiente para evitar dizer a
ela quem puxou o gatilho ou o motivo por eu ter feito o que fiz.
No exato momento em que digo o nome de Mikhail, a feição de Sra.
McCurdy se transforma completamente. Antes, era como um quadro em
branco, agora... Eu vejo a mais pura fúria brilhando naqueles dolorosos
olhos castanhos.
— É óbvio que aquele maldito russo está envolvido nisso! — A
exclamação é mais para ela do que para mim, mas ela chama
completamente a minha atenção.
— Ontem à noite... Mikhail deu um jeito de levar Roman. — A Sra.
McCurdy me dá toda a sua atenção. Finco minhas unhas nas palmas das
minhas mãos com tanta força que preciso morder os lábios para evitar um
gemido de dor.
— Se ele sabia que vocês iriam até lá, é óbvio que queria alguma
garantia. E agora o meu Charlie... — Isla desvia olhar para os seus pés e
leva o cigarro até os lábios de novo. — Não devia ter deixado Charlie perto
dele.
— Charlie ficou perto de Mikhail? — a indago. — Não me lembro disso.
— O meu filho já comeu na mesma mesa que aquele russo, Julieta —
ela balbucia. Não entendo como essa mulher não está desabando em
lágrimas agora, mas percebo sua luta para não deixar que elas inundem os
seus olhos quando volta a me encarar. — Eu era a prostituta de Mikhail.
Dios mio23... Arqueio completamente as minhas sobrancelhas e franzo
minha testa em surpresa. A Sra. McCurdy balança a cabeça e seus fios
escorrem pelo coque elegante que ela usa.
— Não precisa ficar tão surpresa — diz ela. — Eu precisava de dinheiro
e ele tinha muito. Nunca fui a única, mas deixei ele me comer duas vezes
por semana durante mais de dez anos.
Minha boca fica seca e faço de tudo para não deixar que meus olhos
passem para a porta da sala ao lado, onde Asher e Axel estão agora. Por
isso, avalio a mulher à minha frente. A Sra. McCurdy tem linhas em seu
rosto que denunciam a sua idade, mas veste um elegante vestido preto e
tem o seu cabelo preso em um chique coque. Tento puxar memórias dela
quando eu era criança, mas quase não me lembro da sua figura... Ela
sempre ficava longe enquanto Charlie ficava sozinho.
— Eu não fazia ideia disso — sussurro. — Sei que agora não é hora para
isso, mas estou desesperada. Sabe de alguma coisa que pode ajudar a dizer
onde ele esconderia Roman?
Isla não precisa nem pensar para responder:
— Mikhail nunca falou de negócios comigo, eu não era a sua única
prostituta, mas ele não me trocava. Porém, ele sempre foi um homem de
hábitos e sempre gostou de se vangloriar das suas conquistas... se ele está
com Roman, precisa vigiá-lo. Ele mesmo vai lhe mostrar onde escondeu o
garoto... Ele está com o corpo do meu filho?
E então as minhas mãos voltam a tremer com a força de seu olhar.
Cogito desabar no chão e pedir desculpas a ela, mas duvido muito que
sejam aceitas. A Sra. McCurdy não é uma mulher normal, ela é dura. É o
tipo de mulher que não perdoa.
— Não sei onde está o corpo dele, Isla — confesso.
Franze a testa, revoltada.
— Você saiu de lá sem o corpo do meu filho?
Não exatamente...
Endireito a minha coluna e encaro a mulher que falou todos os dias
comigo pelos últimos anos para confessar o meu pecado:
— Eu matei o seu filho. — Espero que ela se levante do sofá e venha
para cima de mim, espero que tente colocar fogo em meu corpo, espero
que tente tirar o meu ar assim como a minha mãe teria feito, mas ela só
me encara.
Incapaz de parar de falar, eu continuo:
— Ele nos levou para uma armadilha e apagou Megan. Então apontou
uma arma para mim e disse que o meu lugar era ao lado dele. Tentei
conversar com ele, mas não deu certo. Charlie apontou uma arma para a
cabeça de Megan e ia atirar, então eu... atirei primeiro — minto e omito
partes da minha história, mas elas não fazem mais diferença agora.
Isla não demonstra reação quando pergunta:
— Onde está o corpo do meu filho?
Minha visão fica embaçada pelas lágrimas e me sinto envergonhada,
mesmo sendo eu a sobrevivente.
— Não sei... — conto a verdade.
Então Isla McCurdy se derrama em lágrimas em minha frente. Uma de
suas mãos vai até o rosto, mas eu vejo tudo que escorre por seu rosto
avermelhado. Sua garganta se fecha quando ela se engasga, e incapaz de
me sentir limpa, eu encolho os meus ombros.
Não sou culpada, mas também sei que parte de mim não é inocente.
Tirei a vida do filho dessa mulher antes que ele tirasse a minha, eu não
sou culpada disso. No entanto, quando ela chora copiosamente em minha
frente, percebo que causei tanta dor a ela e que não existe um futuro em
que ela possa me olhar nos olhos novamente.
— Patrick vai me obrigar a casar com uma garota.
Aquela maldita frase vem se repetindo de forma incessante em minha
cabeça. Para o total crédito de Dylan, ele parecia tão desesperado quanto
eu quando me disse isso. Podia ter esperado um momento melhor, mas
não existe nenhum momento bom para dizer que o homem que amo vai
ser obrigado a se casar com outra pessoa.
— Só aceitei para conseguir tempo, nós vamos dar um jeito depois que
sairmos dessa situação...
Sim, quero acreditar nisso também, mas depois de ouvir o nome da
garota e entender o quão poderosa a família dela é, não consigo entender
como vamos fazer isso. Porque Mikhail e Patrick são assustadores e, pelo
que Dylan me explicou, a família dessa garota é a versão maior e mais
monstruosa de nossas assombrações.
— Queria dizer algum elogio que consiga chegar perto de te descrever,
mas não acho nenhum agora... — E o que é pior do que me obrigar a fazer
maquiagem e vestir um vestido caro para conhecer a maldita noiva que eu
quero tanto matar? — Por favor, fale comigo...
Monroe parece muito agoniado. Dylan está em um bonito terno escuro
que o deixa bonito pra caralho pelo cabelo loiro e os olhos azuis. Toda a
sua altura e forma de jogador deixam claro o quão especial ele é, mas eu
não gosto.
— O que posso dizer, Dylan? — Sento-me na cama e aperto a toalha ao
meu redor. O elogio que ele me dá não deve passar de palavras bonitas,
porque eu só estou com parte da maquiagem feita e de toalha, encarando-
o como um mártir.
Axel passa atrás dele, resmungando sobre a gravata que está enrolada
em seu pescoço. Observo o lutador sair do quarto, deixando-me sozinha
com Dylan. Nenhum de nós sabe o que fazer agora, não é uma discussão
que podemos ter, porque não temos nenhuma voz aqui. E depois de ver
aquela mulher sair aos prantos daqui no dia anterior, realmente não estou
no meu melhor. Além disso, o relógio continua rodando e já vai fazer
quarenta e oito horas que Roman foi levado.
Ele está sendo alimentado? Está muito machucado? Ele ainda está
vivo? Asher me diz que ele deve estar sofrendo, mas vivo. Diz que Roman é
um trunfo, uma vantagem sobre nós e que Mikhail não arriscaria a sua
vantagem.
— Pode dizer que confia em mim. — Ele se senta ao meu lado e agarra
as minhas mãos, puxando-as para ele. O calor do seu corpo me traz um
pouco de conforto. — Nós vamos passar por isso. Vai ser só enquanto eles
estiverem aqui, depois tudo vai voltar ao normal.
— Não quero que você vá lá — admito.
— Bom, porque eu não quero ir. — Fecho os meus olhos e agarro as
suas mãos com mais força. Um resmungo choroso sai do peito de Dylan e
no momento seguinte ele me agarra para o seu colo, sem se preocupar se
eu mancharei o seu terno ou se o molharei pela toalha. — Agora que tenho
a minha garota de volta, não vou abrir mão. É, eu sou egoísta desse jeito.
— Sou sua garota, não a sua namorada — provoco, escondendo o meu
rosto em seu pescoço.
Dylan solta um resmungo.
— Você é muito mais do que a minha namorada. Vai ser a minha
esposa e vai carregar os meus filhos em sua barriga.
Quase engasgo com a possibilidade absurda, apertando a sua nuca e
brincando com os fios loiros de seu cabelo.
— Se fosse assim você não teria que ir lá embaixo beijar a garota
mafiosa.
Ele sobe as mãos até o meu maxilar e me força a encará-lo.
— Eu nunca vou beijar ela. O que você ver lá embaixo nunca vai ser real
e você sabe disso. Se você não precisasse do meu avô, já teria dado o fora
daqui. Isso é por você. — Gruda seus lábios nos meus em um beijo
desesperado. O provo como se fosse a última vez que farei isso, como se,
no momento em que ele saísse desse quarto, o perdesse para sempre. —
Cada vez que eu passar a mão nos meus lábios, saiba que estou pensando
em você.
— Vai ser só esse jantar, não é?
— Faremos isso até quando pudermos aguentar, depois seremos só nós
e aqueles outros idiotas. — Sinto o calor de seus lábios quando ele faz
carinho em minhas bochechas aquecidas por suas mãos. — Sou seu. Desde
que tínhamos oito, dos quatorze, hoje, amanhã, daqui a cinquenta anos.
Não se esqueça disso. Eu. Sou. Completamente. Seu.
— Dylan. — Uma batida na porta do quarto e voz suave da mulher
chama a nossa atenção. A avó de Dylan está parada na porta, com um
grande saco preto em suas mãos e um sorriso forçado para o neto. — Seu
avô quer que desça agora.
Posso sentir a fúria de Dylan quando ele abaixa o seu olhar. Não faz
nenhum movimento de me tirar de cima dele até me dar mais um beijo
demorado. Ele me deixa na cama e sai do quarto sem nem mesmo falar
com a sua avó. Sei que está ressentido com ela por tudo o que aconteceu,
ele não me disse nada, mas é fácil de adivinhar.
A avó de Dylan é um tipo de mulher sofisticada. Consigo imaginá-la em
grandes prêmios, principalmente vestida do jeito que está agora. Um longo
e bonito vestido dourado que lhe deixa elegante e extremamente bonita.
Aperto a toalha com meus dedos, sentindo-me pequena sob o seu olhar.
A mulher mais velha me avalia por alguns segundos. Seus passos
estalam pelo som dos saltos no piso no momento que ela caminha até a
cama e deixa o saco preto em cima, próximo a mim.
— Nunca quis o meu neto infeliz... — divaga, com seus olhos azuis
perdendo o foco. — Mas também não quero que a minha família fique
arruinada.
Certo, entendi. Eu sou a ruína.
— O que importa mais para você? — questiono. Seus olhos azuis se
fixam em mim. — Porque é bem óbvio o que é importante para Dylan.
Gesticulo para o quarto dele. As medalhas na parede e os troféus que
ele orgulhosamente exibe estão aqui também. Não tem nada que ligue ele
ao nome Monroe, nenhuma notícia de algum membro da família, nada. Só
Dylan e tudo o que ele quer. Ele e seu futebol.
— Criei minha filha como uma princesa... intervi em seu nome cada vez
que ela precisava de mim e fiz o mesmo com o meu neto, mas ele precisa
de uma mulher forte ao seu lado... — diz ela, avaliando-me novamente.
— E você acha que essa mulher é aquela estranha que vai entrar aqui
hoje? Aquela que ele não ama? — Meu temperamento explode quando
me levanto da cama apenas para ficar no mesmo nível que ela.
— Amor pode ser formado com o tempo, foi assim comigo e com
Patrick. Mas cumplicidade e lealdade até a morte? Isso não pode ser
formado tão facilmente. O meu neto precisa de alguém leal e forte ao seu
lado, alguém que possa completá-lo e que lhe inspire paixão cega... — A
mulher volta a divagar. — Se aquela estranha pode fazer tudo isso com o
meu neto? Provavelmente não quando o coração dele já está firmemente
ocupado.
— Então por que deixá-lo passar por tudo isso?
Um sorriso nasce nos lábios dela.
— Você pode passar por tudo isso? Ser uma Monroe exige muitas
coisas e a família Rossi está mil vezes mais preparada que nós. Aquela
garota deve estar mil vezes mais preparada que você e, se aquela garota
quiser meu neto, não precisa de muito para amarrá-lo ao lado dela. Dylan
vai aguentar qualquer coisa por você, mas você aguentaria com ele?
E com isso, aquela mulher vai embora do quarto, deixando o meu
coração acelerado.
Abro o maldito saco preto e encaro um longo e chique vestido
vermelho. Um vestido de guerra, algo bom o suficiente para me dar poder
e força essa noite.
O visto e, em seguida, completo com um batom vermelho, porque eu
sempre fiquei bem assim. Sempre fiquei bem com as cores do sangue.

Patrick gosta de demonstrações de poder e deixa muito claro para


todos nós. Tudo isso é uma demonstração de poder, desde o maldito
momento em que colocamos os pés nessa casa.
Não precisávamos estar todos aqui, apenas a família Monroe já seria o
suficiente para que esse jantar fosse feito, mas Patrick ordenou que todos
viessem. E é obvio que esse idiota deixou subentendido que era para
estarmos com as nossas melhores roupas... será que ele percebeu que
estávamos fugindo e que não temos as porras das roupas?
Quer dizer, Asher tem. É claro que tem, só devem existir ternos naquela
mala que ele fez antes de sairmos do seu apartamento. Ele dormiu só de
calça na noite passada, todos enfiados na enorme cama de Dylan comigo
embalada entre eles e os abraçando com força.
Axel vestiu um terno de Asher, e mesmo estando visivelmente
desalinhado nele, ainda assim o deixou gostoso. Parece errado ver Axel e
Dylan com ternos, é como se aquele não fosse os seus lugares. Não me
senti bem observando eles na mesa. Dylan se senta em minha frente, seus
olhos não deixam os meus em nenhum momento desde que todos nós
descemos para esperar a família de mafiosos que está para chegar.
Megan disse que era bobagem e se vestiu com as roupas que Asher
tinha trazido para mim em minha mala, ou seja, ela parece absolutamente
fora do lugar. Ainda mais se contar com os machucados em seu rosto e seu
olhar entediado para todos que não fossem Charlotte sentada ao seu lado
e em seu vestido prata.
Ao meu lado, Asher encara Patrick avidamente. Não é algo assustador,
ele não está tentando assustar o Monroe, mas aparenta avaliar todos os
movimentos do homem mais velho.
Axel, do meu outro lado, toma um gole de bebida raivoso. Suas mãos
estão em minha coxa, onde ele aperta e me passa segurança. Eu preciso de
segurança, principalmente quando a porta se abre e Patrick manda todos
nós nos levantarmos para a família Rossi. Axel toma a minha mão assim
que eles entram na sala, e porra... O meu aperto se torna mortal assim que
coloco os olhos na garota, porque não existe outra coisa para olhar nessa
sala que não seja ela.
Seu cabelo loiro bate perto da cintura e parece ter sido modelado em
ondas sutis e perfeitamente colocadas. Uma franja também modelada
deixa o seu rosto perfeito ainda mais bonito. Nariz fino e boca carnuda
coberta por um batom bonito. Não sei descrever a cor dos seus olhos de
onde estou, mas a maquiagem em tons amarronzados que está em seus
olhos os deixa lindamente aparentes e sexys.
O vestido é longo e desenha todo o seu corpo, mas só quando ela passa
por mim do outro lado da sala que vejo o estrago que ele faz, porque todas
as suas costas estão à mostra, até o início de sua bunda, percebo.
Acessórios dourados e caros estão em toda parte dela, desde um anel em
seu dedo anelar até um colar que está deixando o seu colo mais bonito e
destacado no vestido preto. A garota parece uma modelo maldita.
Se eu sou a rainha do vermelho, essa garota usa preto com a mesma
força.
Levo o meu olhar até Dylan à procura de algum sinal de atração por
essa garota, porém os seus olhos azuis estão postos em mim. Ele não fala,
não sorri, mas percebo quando leva os dedos até seus lábios,
tranquilizando-me.
— Lorenzo! — Patrick diz na ponta da mesa. Ele dá a volta para abraçar
o enorme homem. — Tem muito tempo que não te vejo, homem.
Não sei como não consegui prestar atenção nele, esse homem não é
alguém que passa despercebido. Ele é alto, mais ou menos da altura de
Axel. Também é forte, percebo que seus músculos preenchem o terno. Seu
cabelo é um tom de loiro mais escuro que o de Dylan e mais escuro do que
o da garota, mas ele não deixa de ser bonito.
A mulher ao lado dele também é maravilhosa. Com longos cabelos
escuros e olhos da mesma cor, agarrada ao homem, ela exibe um anel
enorme em seu dedo anelar. Há um sorriso discreto em seus lábios
avermelhados quando observa o marido trocar um cumprimento com
Patrick.
— Alguns anos mudam as pessoas, Patrick — Lorenzo tem uma voz
séria e potente. Ele não sorri como Patrick faz, ele leva os seus olhos até a
esposa e então a filha, garantindo que ambas estão atrás deles.
Homens de preto começam a tomar cada ponto estratégico da sala.
Minha coluna endurece e fico tensa, mas sinto os dedos de Asher roçando
nos meus e forço-me a relaxar. Não estamos em perigo agora, se
estivéssemos Patrick já teria dado um jeito.
— Onde está o garotinho? — questiona o Monroe.
— Ficou em casa com o meu irmão. Alessio é ciumento com Arianna,
ele não iria ficar feliz aqui — responde o homem. A tensão na sala muda à
medida que ele fala, e, inferno, até mesmo eu quero prestar respeito a
esse homem. Dylan disse que ele é o chefão da Costa Leste, e sei que essa
família é a mais poderosa que já dividiu a sala comigo. — Essa é minha
esposa, Elena. E essa é Arianna.
Arianna. Até o seu nome é bonito.
— É um prazer receber vocês em nossa casa — Patrick diz, todo
orgulhoso. Não sei como a mãe de Dylan era, nunca a conheci, mas não
consigo imaginar outra pessoa nos braços daquele homem sério que não
fosse essa mulher.
Ela o olha com amor nos olhos e, quando o rosto dele se vira para ela,
seu olhar fica mais suave. Eles se amam, isso é inegável.
— Esse é o meu filho, Dylan. — Patrick se move até Dylan e coloca a
mão em suas costas. — E minha esposa.
Lorenzo balança a cabeça e anda até a outra ponta da mesa.
— Quando você disse que seria um jantar em família, não imaginei que
sua família era tão cheia... — Seus olhos desconfiados passam por todos
nós, então param em Megan e em seus machucados até voltarem para
Patrick.
— Os amigos do meu filho precisavam de ajuda, então eu ofereci a
minha casa a eles. Tudo para proteger quem amamos, certo? — Maldito
mentiroso.
Lorenzo não parece convencido quando responde:
— Claro.
E então ele puxa a cadeira para a sua esposa se sentar ao seu lado,
então puxa a cadeira para Arianna e só após isso senta-se na ponta da
mesa. Patrick se senta logo em seguida e nós fazemos o mesmo. Tento não
a encarar, mas isso é uma tarefa perdida.
A garota não olha para Dylan, mesmo estando ao seu lado. Contudo,
percebo que seus olhos passam por todos nós na mesa de forma calculista.
Primeiro Patrick, ela encara o homem mais velho por tanto tempo que
pode rivalizar com Asher, e então vai para a avó de Dylan. Em seguida, a
garota passa para Megan. A ruiva está bebendo o álcool de sua taça como
se fosse água, mas Arianna não fala nada. Fica tudo interessante quando
ela encara Charlotte.
Minha amiga tem seus olhos azuis postos nela e é como ver uma
batalha silenciosa de rainhas. Elas se encaram como se estivessem lutando
por um território, como se sua rivalidade fosse grande, mesmo elas não
tendo se conhecido. Por Charlotte, sei que ela se ressente da garota por
mim. E pela garota... acho que ela só não gosta de ser desafiada,
considerando que não deu atenção para ninguém antes.
Fico tensa quando ela olha para Axel, espero ver as reações de tesão
pelo meu homem que geralmente vejo, mas ela não demonstra nada e
nem mesmo passa muito tempo olhando para ele.
E então os seus olhos encontram os meus.
Nós nos encaramos e eu sei nesse exato momento que sua rivalidade é
apenas porque eu estou a desafiando. A garota só me encara, não
demonstra que gosta do que está fazendo e nem que não gosta. Ela me
avalia tanto quanto eu faço.
Minha pele arrepia com a intensidade do seu olhar, porque percebo
nesse momento que ela encara assim como o seu pai encara Patrick. Com
força, como se ela tivesse algum direito sobre isso, sobre mim. Ou talvez
esteja curiosa, talvez ninguém a desafie onde ela mora.
O som do bufo de Dylan chama a minha atenção e desvio o olhar para
ele, observando quando se serve da garrafa de vinho que a empregada
deixa no centro da mesa. Seus olhos encontram os meus assim que ele
bebe da taça como Megan faz. Arqueio minhas sobrancelhas, provocando-
o silenciosamente. Dylan me lança um curto sorriso e passa os dedos nos
lábios mais uma vez.
Escondo o meu sorriso com a minha taça, porém, quando engulo, o
álcool trava em minha garganta. Encontro os olhos dela novamente.
Diferente da última vez, onde Arianna não me demonstrava nada, eu
percebo quando ela olha de mim para Dylan... e então para mim
novamente. Engulo o vinho a tempo de ver os seus olhos se estreitaram
em curiosidade.
Merda.
Forço a minha cabeça para baixo quando os empregados começam a
servir a entrada do jantar. Observo a pequena comida no prato e espero
até os outros começarem a comer para poder fazer igual. Asher me encara
de soslaio, sentindo a minha dificuldade. Tem talher certo para comer
bruschetta?
Asher me cutuca com os dedos e come a comida primeiro, instruindo-
me silenciosamente sobre o que eu preciso fazer. O início do jantar é
tranquilo, ninguém fala muito, mas observamos Patrick puxar conversa
com Lorenzo como se ele estivesse em uma entrevista de podcast. Lorenzo
responde, paciente e muito sério. Dylan se mantém calado e Arianna não
está diferente dele, o que me tranquiliza.
Quando o prato principal é servido, começo a ficar nervosa. Arianna
sorri de forma completamente encantadora e vira sua cabeça para Dylan.
— Ouvi dizer que você é um campeão do futebol. — A comida pesa em
meu estômago quando o seu sorriso é completamente dirigido a ele.
Uma mão quente aperta a minha coxa por baixo da mesa. O calor e a
familiaridade fazem com que eu me tranquilize um pouco e abro um
sorriso agradecido para Axel.
— Sou — responde Dylan, completamente seco. O barulho que vem de
Lorenzo chama a atenção de todos nós, gelando-me. Dylan levanta sua
cabeça, olhando para Lorenzo e, em seguida, para o avô. Os seus olhos
vêm em minha direção em seguida, suavizando quando envio um pequeno
sorriso para ele. — Você gosta de futebol?
Arianna ergue a sobrancelha.
— Vivo em Nova York, é claro que gosto. Gosto principalmente de
dança.
Dylan se volta para ela, surpreso.
— Você dança?
— Balé.
— Arianna pratica balé desde criança. Ela compete em Nova York,
temos muitos troféus na parede — a mulher, Elena, diz. — Nos deixa muito
orgulhosos.
Lorenzo balança a cabeça para concordar com sua esposa, em um
sorriso suave quando se trata daquela garota. Ótimo, além de ser
belíssima, a garota também é uma bailarina que deve conseguir se colocar
em posições muito elásticas.
Olho para o meu prato, sentindo-me azeda. O ciúme não tem um gosto
bom, não importa o quão boa essa comida chique seja. E ainda tem Roman
e minha grande preocupação com ele. Como posso estar aqui em um
vestido bonito enquanto não sei onde Roman está?
Engulo o resto da comida enquanto o jantar progride de forma lenta e
torturante. Observo de camarote quando Arianna solta uma risada doce e
sinuosa, colocando uma das mãos sobre Dylan. Ele permite o gesto e usa a
sua mão livre para fazer carinho na pele dela. Penso em beber mais uma
taça de vinho, mas os olhares calculistas da avó de Dylan encontram-me do
outro lado da mesa, em um aviso silencioso.
Desisto da ideia do vinho.
Fervo em silêncio e aguento até a sobremesa, a cena de antes do jantar
não deixa de se repetir em minha cabeça e me lembro de que isso não é
uma escolha dele.
— Vai me mostrar os seus troféus depois? — ela indaga.
— Eles estão no meu quarto, mas vou te mostrar se quiser — responde
Dylan.
Quando os empregados retiram as sobremesas e ligam uma música
baixinha de merda para que Patrick puxe sua esposa para dançar, assisto
quando Lorenzo faz o mesmo e decido que tenho o suficiente antes que eu
tenha que assistir Dylan puxando a maldita garota entre os seus braços
para dançar. Empurro a minha cadeira silenciosamente, saindo da sala de
jantar e subindo as escadas em direção ao banheiro. Não posso ir ao
quarto dele, porque, se ele realmente levá-la para ver os malditos troféus,
não posso estar lá.
As vozes e a música ficam mais baixas à medida que eu caminho pelo
enorme corredor. Suspiro em alívio e forço os meus ombros para relaxar.
Talvez eu possa entrar no quarto que as meninas dividiram e me esconder
lá por um tempo que não irrite Patrick.
Entro no banheiro e fecho a porta atrás de mim. Não sei o motivo, mas
enfio minhas mãos na pia e abro a torneira para deixá-las me molharem.
Pouco tempo atrás, minhas mãos estavam sujas com o sangue de Charlie.
Esfrego os meus dedos e evito me olhar no espelho, porque, se fizer, vou
quebrar. Porra, sei que vou quebrar!
Não posso quebrar, aguentei até aqui sem desistir, não posso fazer
nada agora que tudo parece perdido. Já estive perdida antes e lidei com
isso, então será isso que eu vou fazer. Eu. Vou. Lidar. Com. Isso.
O som da forte batida na porta me assusta e fecho a torneira
rapidamente. Abro uma fresta da porta, temendo que o maldito Patrick
tenha vindo pessoalmente me arrastar de volta para o meu inferno, mas
não consigo conter a minha surpresa ao ver o cabelo loiro e olhos azuis
revoltados de Dylan.
— Abre essa porra — manda ele, completamente sério e meio furioso.
Faço o que ele manda e lhe dou espaço para entrar. Sua grande figura
ocupa todo o espaço da porta que ele bate atrás de si. — Que porra você
pensou?
Dou uns passos para trás, confusa com ele.
— Do que está falando?
Seu rosto está todo fechado e suas sobrancelhas estão curvadas. O
maxilar definido está cerrado, o que o deixa completamente gostoso, mas
me deixa mais confusa. Por qual motivo ele está bravo?
— Achou que eu fosse dançar com ela? — pergunta ele. Sua respiração
está ofegante como se ele tivesse acabado de sair de um jogo, mas na
verdade ele só subiu as escadas atrás de mim. — Me responde, porra.
— É claro que achei, é para isso que você estava lá — digo o óbvio, mas
isso só parece deixá-lo mais irritado. Uma de suas mãos sobe até o cabelo,
prestes a bagunçar o que foi cuidadosamente arrumado com gel, mas ele
desiste no último minuto e fecha os dedos em punho, colocando a mão em
cima da pia e se apoiando nela.
— E foi por isso que saiu?
Ele estreita os olhos.
— Claro que sim, Dylan. Queria facilitar as coisas para nós dois. —
Cruzo os braços em meus seios.
— Eu não queria que você saísse — diz.
— Queria que eu assistisse enquanto você tira aquela mulher perfeita
para dançar na minha frente? — Uma risada incrédula sai dos meus lábios.
— Por que você quer me torturar ainda mais?
Um grunhido sai dos lábios dele.
— Nunca quis te torturar, porra — diz ele. — Mas o único motivo que
eu estava lá era para aguentar por você... então você saiu e me deixou
sozinho.
Arregalo os olhos quando percebo o quão chateado ele está.
— Não quis que você ficasse se preocupando comigo o tempo todo, por
isso fui embora.
— Quando você foi embora, levou a minha única razão para estar lá
junto — ele bufa. Agarra o mármore com os dedos enquanto estreita os
olhos para mim. — Ficou com ciúmes?
Cerro o meu maxilar, incomodada com a maldita pergunta. Não devo
estar incomodada com essa pergunta, porque é claro que eu fiquei me
mordendo de ciúmes durante todo o jantar, mas porra... me incomoda.
— Não.
A expressão irritada de Monroe se desfaz e eu observo quando um
sorriso provocativo nasce em seus lábios.
— Você ficou — afirma ele.
Estreito os olhos, sentindo a necessidade de negar. Talvez eu só seja
teimosa quando se trata dele, talvez não queira que ele saiba que fiquei
chateada a noite toda, ou talvez só esteja cansada que Dylan sempre me
tenha com ciúmes por ele.
— Essas são as suas palavras, não as minhas.
Uma risada incrédula sai dos seus lábios.
— Como você pode ficar com ciúmes depois de tudo o que nós
passamos? — indaga. — Depois de tudo o que eu passei por você?
Balanço a cabeça, desviando os meus olhos dele. A mão de Dylan, que
estava em cima do balcão, vem direto para o meu rosto e ele me obriga a
encará-lo, mantendo a minha cabeça inclinada em sua direção. Abaixa o
rosto até que eu sinta a sua respiração quente em contato com a minha
pele. Meus olhos se fecham, incapaz de o encarar, mas eu puxo a minha
respiração profundamente e fico instantaneamente irritada quando sinto o
cheiro feminino que vem dele.
Não é o meu cheiro, isso aqui cheira a perfume extremamente caro. O
tipo de perfume que eu jamais comprarei porque estou juntando dinheiro
para fugir com a minha mãe. O tipo de cheiro que deixa claro que quem o
usa tem muito dinheiro e um bom gosto, além de ser extremamente sexy e
feminino.
O cheiro de Arianna.
— Você cheira a ela. — Abro os meus olhos e o encaro, puta mesmo
quando não tenho nenhum direito de estar.
E Dylan sabe que eu não tenho o direito de ficar brava, mas ainda assim
aperta o meu maxilar com mais força.
— Cheiro a ela, é? — me provoca. Escuto o som irreconhecível do
trinco da porta e eu sei que ele acaba de trancá-la. — Então me cubra com
o seu.
Grudo os meus lábios nos dele, com fome. Sua boca se entrelaça com a
minha em um beijo cheio de sentimento. Sinto quando a sua mão deixa o
meu maxilar e vai para a minha nuca, puxando o meu cabelo com tanta
força que queima. Fecho os meus olhos com força mesmo quando ele
desgruda os lábios dos meus.
— Olha para mim, porra! — a ordem é raivosa, então eu obedeço.
Encaro os seus olhos azuis. — Precisa colocar nessa cabeça que nenhuma
mulher pode tomar o seu lugar, seja ela bonita ou não.
— Então você a acha bonita?
Dylan bufa, mas não parece surpreso por parecer que eu só escutei
essa parte da frase.
— Você é tão teimosa e ciumenta que me irrita — resmunga enquanto
me prensa contra o balcão de mármore.
— Como posso te irritar sendo que você sempre me provocou para me
ver com ciúmes? — retruco.
— O seu problema, González, é que você parece não enxergar a porra
que está bem na sua frente — ele bufa. Passa suas mãos da minha cintura
até minha bunda, impulsionando-me para cima. Tento entrelaçar as
minhas pernas ao redor da sua cintura, mas Dylan me senta no balcão.
— E o que está bem na minha frente, Monroe? Você se esfregando em
todas as garotas na sua frente desde que aprendeu a usar esse seu pau?
Suas mãos ainda passeiam pelo meu corpo como se não conseguisse se
manter longe de mim, Dylan me toca como se nunca tivesse sentido a
textura da minha pele antes.
— Eu, Julieta. Sou eu que estou bem na sua frente — ele fala. —
Durante aquela porra de jantar, quando não consegui tirar os olhos de você
e senti inveja dos garotos por estarem ao seu lado. Sabe o que senti
vontade de fazer?
Estremeço no momento que sinto os seus dedos nas minhas
panturrilhas, provocando-me enquanto eles chegam até as minhas coxas.
Abro mais as minhas pernas, arqueando minha coluna em expectativa
quando as pontas dos seus dedos me provocam do lado de fora da
calcinha.
— Se eu tivesse estado do seu lado essa noite esperaria até a entrada
ser servida, então colocaria a minha mão em sua coxa. Você já estaria
molhada só com isso, não é? Já te sinto molhada agora e nem toquei a sua
boceta direito. — Estremeço quando os seus dedos sobem e descem
lentamente, meus braços quase falham quando vejo o sorriso sujo que
toma conta do seu rosto. — Você iria encharcar a calcinha antes do prato
principal e eu nem iria ter enfiado a minha mão ainda.
Minha pele se arrepia quando seus dedos colocam minha calcinha de
lado, sentindo o molhado da minha boceta. Os olhos de Dylan ficam mais
escuros e o seu maxilar trava à medida que ele usa o seu indicador para
provocar o meu clitóris e explorar minha intimidade.
— Iria fazer isso aqui quando os empregados servissem o prato
principal e você tomasse um gole de vinho antes de começar a comer. —
Aperta a minha coxa por cima do vestido com força com a outra mão.
Reviro meus olhos quando enfia seu indicador dentro de mim, testando-
me. Quando abro os olhos, observo com fome assim que Dylan ofega,
como se o prazer que ele estivesse me dando tivesse vindo diretamente
para ele. — Eu iria começar a te foder com os meus dedos quando todos
estivessem ocupados demais com o prato principal para prestar atenção
em nós dois.
Estou encharcada. Não preciso dele para me dizer, eu sinto isso. Sinto o
meu melado escorrer pelas minhas dobras à medida que ele coloca outro
dedo dentro da minha boceta e geme como se o meu prazer fosse dele.
— Mas eu não ia poder te foder com muita força, porque a sua boceta
iria estar tão melada que ia dar para escutar... — Rebolo o quadril quando
ele começa a meter os seus dedos com um pouco mais de força. Dylan fica
quieto, encarando-me nos olhos enquanto escutamos quando os seus
dedos entram e saem da minha boceta e o barulho molhado que eles
deixam. — Iria precisar que eles começassem a conversar para poder
meter com força. Você iria precisar ficar quietinha, em um jantar tão
importante quanto esse que não poderia nos pegar...
— Eu não ia conseguir ficar quieta — assumo a minha culpa, entrando
naquela fantasia onde ele me fode embaixo da mesa. Minha boceta aperta
quando ele tira seus dedos de dentro de mim e esfrega o meu clitóris.
Dylan me beija, não parece que sua mão está em minha boceta agora.
Ele me beija com paixão e com tesão. Não parece que tenho muitos
problemas, agora eu sou somente uma adolescente excitada que quer
transar com o namorado no banheiro enquanto a noiva dele está no andar
de baixo.
— Você não sabe se manter quieta, amor. — Um fio de saliva liga a
minha boca a dele e eu sinto ainda mais tesão. — O que você faria?
Agarro os ombros de Dylan, usando-os para me equilibrar no balcão.
Minhas mãos vão para a sua camisa social, quero arrancá-la de seu corpo e
acabar com todos esses malditos botões, mas desço até o seu cinto e sua
calça. Um gemido escapa por meus lábios assim que coloco a mão na
enorme ereção que Dylan deixa contida dentro da calça.
— Eu iria tocar no seu pau por cima da calça. Ia te provocar enquanto
você me provoca, amor. Iria te deixar tão duro com os meus toques e,
quando sentisse o calor da minha boceta entre os dedos, o seu pau ia estar
tão duro a ponto de rasgar a calça... — Aperto o seu pau, ouvindo o
grunhido que ele solta. — E então eu não iria aguentar de tesão... me
levantaria da mesa e iria subir as escadas para me masturbar nesse
banheiro, mas como você ia se levantar?
Dylan solta uma risada safada enquanto seus dedos entram em minha
boceta novamente. Sinto quando ele me atinge gostoso. Fecho meus olhos
e me esqueço de seu pau, deliciando-me com o prazer que ele me dá
agora.
— Eu iria me levantar da mesa e te seguir, foda-se se todos olhassem
para o meu pau duro — um grunhido escapa de sua garganta. Meus braços
cedem e minha cabeça vai para trás, mas Dylan usa a sua mão livre para se
embrenhar em meu cabelo e apertar os meus fios, sustentando a minha
coluna quando ele faz isso. — Ia passar vergonha, mas pelo menos assim
você não iria ter que sair da mesa coberta de ciúmes quando sabe que sou
todo seu.
Movo os meus quadris quando sinto o orgasmo vir. Não sei se é pelo
fato de não podermos fazer muito barulho ou se é simplesmente por ser
Dylan, mas a sensação é avassaladora.
— Abre os olhos — ele manda, mas eu me recuso a obedecê-lo. Um
som sai de seus lábios e minha cabeça dói quando ele aperta ainda mais o
meu cabelo. — Abre. A. Porra. Dos. Olhos.
Quando os abro, a minha visão de Dylan está embaçada pelas lágrimas,
mas ainda reconheço o maxilar definido, os olhos azuis e o cabelo
perfeitamente arrumado.
— Você pediu por isso, foi você quem saiu da mesa e resolveu vir aqui.
Linda, isso foi um pedido para que eu te seguisse. — Ele se abaixa até que
nossas respirações saiam juntas. Sua testa está quase grudada na minha
quando ele atinge o ponto em mim que me faz delirar. — Porra, você
pediu.
— Pedi — aceno, ofegante. Grudo a minha mão em sua nuca e a
arranho com força. — Porque você é meu, não dela.
Acelera seus movimentos, causando-me euforia.
— O meu corpo é seu, só você o tocou. E o meu coração também é seu,
ele pertence a você — ele me confidencia. — Sou seu.
Gozo com um longo gemido que é engolido pelos lábios de Dylan. Ele
me beija enquanto me derramo em cima de seus dedos, mas não parece
ser o suficiente para ele. Minhas pernas amolecem e perco a força em seus
braços.
Dylan tem um sorriso orgulhoso.
— Sabe o que faria assim que tivesse te pegado no banheiro, safada? —
ele indaga. Não tenho forças para responder com a sensação gostosa ainda
dominando o meu corpo, mas ele não espera uma resposta minha. — Eu ia
te comer tanto e engolir o seu gozo até enfiar pela sua cabeça que sou
todo seu.
Assisto com olhos entreabertos quando Dylan se coloca de joelhos
entre minhas pernas e me puxa com força ainda mais para a beira do
balcão. Apoio os meus cotovelos e olho para baixo, observando a sua
cabeça loira quando ele ergue todo o meu vestido e olha para a minha
calcinha molhada com olhos azulados cheios de desejo.
Não fico surpresa quando sinto o pano fino da minha calcinha ser
rasgado para fora da minha pele. Dylan não espera nem mais um segundo
para enfiar a cabeça no meio das minhas pernas com avidez. Fecho os
olhos e gemo, incapaz de prender o prazer que ele me proporciona.
Ele me lambe, esfomeado. Sustenta as minhas pernas com as mãos
quando perco a força e o aperto com minhas pernas, sufocando-o em mim.
Dylan grunhe, enquanto segura tão forte as minhas coxas, que elas ficam
vermelhas. Em uma inexplicável força, estico um dos meus braços e aperto
o seu cabelo loiro.
Não devia fazer isso, mas eu o quero bagunçado. Quero que ele vire
uma bagunça tão grande a ponto de todos saberem o que estávamos
fazendo aqui, mas então me pergunto... será que Lorenzo iria tolerar
tamanho insulto?
Então Dylan começa a me foder com sua língua e eu não estou
preocupada com mais nada. Roço a minha boceta em seu rosto e agarro o
seu cabelo, cedendo ao prazer que ele me dá. Monroe não se preocupa
com a bagunça que estou fazendo.
— Você gosta de rebolar na minha cara, safada? — Tremo quando os
nossos olhares se encontram. Dylan acaricia o meu clitóris com força, seus
olhos continuam nos meus quando sinto sua língua dentro de mim.
— Gosto... — admito.
— Então você vai gostar de rebolar no meu pau. — Dylan se levanta do
chão rapidamente. Suas mãos fortes me agarram até que eu esteja com os
pés no chão e em sua frente, mas não consigo me sustentar direito. A
risada que escapa de seus lábios faz com que a minha boceta se aperte.
Luto para escapar do vestido, mas não tenho tempo. Monroe me vira
de costas para si e de frente para o grande espelho. Me apoio em meus
cotovelos novamente, ignorando a dor quando eu o faço. Mordo os meus
lábios quando olho para a imagem que está diante de mim agora e
percebo Dylan fazendo o mesmo pela imagem. Meu cabelo está
completamente bagunçado, os meus lábios inchados já não têm nenhum
batom e a maquiagem escorre embaixo dos meus olhos.
— Olha só para você... — ele geme atrás de mim. Sinto suas mãos em
minhas pernas quando ele ergue o vestido até que a minha bunda fique
aparente para ele. Quase grito quando sinto um forte tapa em minha pele
cheia, gemendo em seguida ao senti-lo apertar a pele que ele bateu com
mais força. — Você parece como uma puta agora...
— Como você sabe disso? — indago, observando-o pelo espelho. Dylan
tem o cabelo loiro todo bagunçado e o rosto molhado com o meu gozo. O
terno está todo fora do lugar e vejo uma mancha molhada na parte do
pescoço da camisa. — Por acaso você sabe como uma puta se parece,
Monroe?
Quando Asher e Axel dizem que eu pareço uma vagabunda, ou uma
puta, não me importo. Na verdade, eu gosto, me excita. E quando essas
palavras saem da boca de Dylan, também fico excitada, mas, acima disso,
fico enciumada. Como ele poderia saber como uma puta se parece se diz
que nunca fodeu ninguém antes?
Parece que os anos me causando ciúmes funcionaram...
Monroe morde o seu lábio e segura o meu vestido com uma mão
enquanto abre a sua calça e tira o seu pau com a outra. Quando sinto a
cabeça de seu pau contra a minha boceta, rebolo.
— Agora eu sei. — Uma risada abafada escapa de seus lábios. Sinto os
movimentos em meu clitóris e balanço a minha bunda, doida para que ele
se enfie em mim, mas Dylan me masturba com a cabeça de seu pau. Meus
olhos se fecham e minha cabeça cai para a frente, apoiando-se no espelho.
— Já não disse para abrir os olhos, caralho?
Luto para abrir os olhos, e, quando o faço, sinto vontade de fechá-los
novamente.
— Precisa olhar para o espelho. Eu estou fodendo você, não estou?
Aceno, toda afobada, mas isso não parece ser o suficiente para Dylan
de qualquer forma.
— Quem acabou de gozar nos meus dedos? — ele questiona. Sua mão
livre aperta a polpa da minha bunda.
— Eu.
— E quem vai gozar bem gostoso no meu caralho?
Tremo.
— Eu vou.
Seu sorriso é completamente sujo quando ele abaixa o rosto para olhar
para a minha bunda.
— Você vai... — Balança a sua cabeça. Assisto pelo espelho quando ele
abre a gaveta embaixo da bancada e tira uma fileira de camisinhas. O loiro
pega um pacote e o rasga com os dentes, cobrindo o seu pau em seguida.
Arranho o mármore em expectativa e minha boceta se contrai com o vazio.
— Na próxima vez que eu entrar em você, vai ser sem nada.
Arfo quando sinto enfiando todo o seu pau em mim com força. Um
gemido mudo escapa de nós dois em pura sincronia com o dele. Fecho os
olhos quando Dylan começa a meter dentro da minha boceta, mas o tapa
estalado em minha bunda me força a abrir os olhos novamente.
Seu pau é grande, então sinto um pouco de dor cada vez que ele se
retira completamente até se enfiar até o talo novamente. Meus braços
tremem, mas a visão que tenho pelo espelho me faz apertar ainda mais o
seu caralho em minha boceta.
Dylan tem a cabeça levemente inclinada para trás e seus olhos azuis
então entreabertos. Enxergo a nuvem de tesão que carrega e então vejo a
sua boca também entreaberta, como se mantê-la fechada para segurar os
seus sons de prazer fosse o mais desprezível dos pecados. O cabelo loiro
bagunçado agora cai em sua testa, deixando-o ainda mais irresistível.
Rebolo a minha bunda como a puta que ele disse que eu era sem
nenhuma vergonha. Nossos olhares estão presos quando buscamos o
nosso prazer.
— Toque a sua boceta — ele manda, entredentes. Obedeço, levando
meus dedos até o meu clitóris. Minhas pernas quase falham, mas suas
mãos me apertam, mantendo-me em pé enquanto o seu pau entra e sai de
mim. Dylan acaricia a minha bunda e, para a minha total surpresa, enfia os
seus dedos lá dentro, roçando-os em minha outra parte. — Alguém já te
fodeu aqui?
— N-não...
— Nenhum dos meninos? — ofego alto quando seu dedo circula o meu
buraco. Balanço a cabeça, negando. — Nem mesmo aquele maldito
professor?
— Ninguém...
Um sorriso toma conta de seus lábios.
— E você me quer aqui? — Sinto quando a ponta de seu dedo me
provoca e me circula, ameaçando entrar. — Quer o meu pau nessa bunda?
Acaricio o meu clitóris mais rápido, doida para sentir mais prazer.
— Quero... — não penso direito quando digo isso, envolta em uma
névoa de prazer. Minha respiração oscila e meu controle de meus dedos
também, sinais de que eu estou prestes a gozar. — Foda-me como você
quiser. Sou sua puta, você sabe disso.
— Você é a minha puta tanto quanto eu pertenço a você. — A voz de
Dylan endurece e seus movimentos diminuem como se ele estivesse
querendo prolongar o nosso prazer. Monroe acaricia as minhas costas
calmamente e eu meio que me preparo para sentir mais um tapa, mas
recebo carinho.
Dylan não me toca mais como se estivesse bravo comigo, agora ele
acaricia as minhas costas e faz uma massagem na pele avermelhada da
minha bunda. Seus olhos não desviam dos meus no espelho e vejo quando
sua testa se franze, sei que ele está perto.
— Você é a primeira que me tem e a única. Na próxima vez que ficar
fazendo beicinho e sair da porra da mesa, eu vou levantar a saia do seu
vestido e te foder no meio da mesa de jantar. Está me entendendo? Vou
fazer você rebolar a sua bunda gostosa no meu caralho e te fazer gritar
para que todos saibam o quão bom ele é dentro da sua boceta. Vai gritar
tão alto que até os vizinhos vão ouvir. — E então ele começa a me foder
como se me odiasse.
Puta que pariu.
Gozo tão forte que minha visão escurece e minha cabeça pende para a
frente. Dylan me acompanha, socando tão forte em mim quando goza que
um rosnado escapa de seus lábios acompanhado do meu nome quando ele
enche a camisinha. Ele ergue a minha coluna com a mão livre e nós damos
passos cegos para trás até que ele encoste na parede em frente ao
espelho.
Uma de suas mãos me segura pelo pescoço, a outra está no meio do
meu estômago. Ofegamos enquanto nos olhamos pelo espelho, suados e
sem nenhum fôlego. Um sorriso amoroso aparece em seus lábios quando
ele beija o meu pescoço suado e minha nuca.
— Eu amo você — diz ele. — Amo pra caralho.
Solto uma risada boba.
— Eu te amo. — Coloco minhas mãos em cima das dele. — Amo pra
caralho.
Sinto como se nada pudesse nos derrubar, mesmo já estando no chão
agora. Dylan me limpa e então tenta ajeitar o seu cabelo, mas não parece
ser o suficiente. Tento ajeitar a minha maquiagem pelo espelho, mas
percebo que isso é uma tarefa perdida. Decido então ir para o quarto de
Megan e Charlotte e passar o resto da minha noite lá.
Monroe abre a porta do banheiro e sai da frente, passando os olhos ao
redor antes que ele me diga para segui-lo.
— Vocês não sabem mesmo ser discretos, não é? — É impossível não
reconhecer a voz feminina, principalmente quando sinto o cheiro do
perfume. A loira está encostada na parede ao lado do quarto de Dylan, sua
posição e o copo de vinho em sua mão deixam claro que ela está aqui
tempo suficiente.
Dylan entra em minha frente, pronto para me proteger, mas, em vez de
nos atacar, a loira arqueia as sobrancelhas e solta uma risada sincera.
— Tá bom, isso foi fofo, mas agora vamos agir como adultos — diz ela,
provocativa. A máscara de antes saiu de seu rosto, agora tudo o que tem ali
é travessura. Em vez de estar irritada, ela parece amar esse momento.
Talvez ame a forma que nos deixa desconfortáveis. — Chame os seus
outros namorados, nós vamos conversar. Agora.
Quando ela diz isso, é bem claro que é uma ordem.
Ela anda pelo quarto de Dylan em seus longos saltos com um olhar
conhecedor em seu rosto bonito.
Não parece surpresa com nada do que encontra aqui, o que me levanta
a suspeita de que, talvez, possa ter olhado tudo isso antes. Arianna
também não toca em nada, mas ela toma goles pequenos de sua taça de
tempos em tempos e, então, se vira para me encarar. Ela não está raivosa e
nem nada assim, na verdade, a travessura brilha em seus olhos estranhos.
Ainda não sei definir a cor deles.
A loira age como se soubesse algo que nós não sabemos, o que me
incomoda. Mas, para o seu total crédito, ela não me olha de forma suja
mesmo que eu esteja em um estado de pós-sexo e cheire... bem, cheire a
sexo.
— Queria pedir desculpas a você — Dylan começa a dizer, sem jeito,
sob os olhares travessos dela. O loiro ainda está em minha frente,
completamente desconfiado da garota em nossa frente. Ele mandou uma
mensagem para os meninos e Asher respondeu que vai subir assim que
achar o melhor momento com Patrick e Lorenzo lá embaixo.
A garota encosta o seu corpo bonito e trabalhado na parede próxima a
janela, e estreita os olhos para ele.
— Qual o motivo das desculpas sendo que você e eu sabemos que não
está arrependido? — Sua voz é profunda, mas ao mesmo tempo sensual.
Não entendo como diabos essa garota pode ter a nossa idade. — Mentiria
se dissesse que não estou ofendida, mas não se preocupe, não vou atirar
em você ou fazer Lorenzo arrastar o seu corpo até Nova York.
Arregalo meus olhos de medo. Essa garota pode fazer isso? Pela forma
que ela se movimenta e pela confiança com que fala, eu sei que sim.
— Ah, e antes de aumentar o seu ego, deixe-me deixar claro que não
estou ofendida porque gostei de você ou algo do tipo, entendeu? — Ela
ergue uma sobrancelha perfeitamente desenhada em nossa direção. —
Estou ligeiramente ofendida por você não ter respeitado a presença de
Lorenzo antes de ir foder a sua namorada em um banheiro. Quer dizer,
Lorenzo poderia arrancar todos os seus ossos em sua própria casa por isso,
mas você não liga... pensando bem, é fofo, posso respeitar isso.
Ela acena com a cabeça envolvendo seus lábios carnudos ao redor da
taça novamente para tomar mais um gole de seu vinho tinto. A garota é
sensual sem nenhum esforço e não acho que esteja tentando seduzir o
meu namorado aqui. Ela só é malditamente sexy por natureza.
— Quando você descobriu? — indago a ela e saio de trás de Dylan,
porque é óbvio que ele não sabe manter uma conversa com ela e que isso
aqui precisa ser lidado entre nós duas. Também é óbvio que ela não vai
tirar uma arma do vestido e atirar em mim... eu acho.
— Assim que passei pela porta — admite a garota. Um sorriso
misterioso nasce de seus lábios e ela termina de beber o vinho, deixando a
taça no apoio da janela. — Ele não tirou os olhos de você quando
entramos, e eu não sou o tipo de mulher que aceita ser a segunda mais
olhada na noite, até porque... é só olhar para mim.
Ela gesticula para si mesma e prendo a risada, porque a garota tem
completa razão. Ela jamais seria a segunda mulher a ser encarada em uma
sala.
— Então você descobriu que ele era meu e ficou em cima dele a noite
toda? — Ergo uma sobrancelha para ela, mas a garota não se intimida por
mim.
Passa uma de suas mãos por seus fios loiros e bonitos enquanto olha
em meus olhos e caminha para mais perto de mim. Até para andar essa
garota parece uma modelo.
— Eu precisava de uma diversão, você pode me julgar? — Pisca seus
olhos piscam preguiçosamente. — Queria saber qual dos dois quebravam
primeiro... talvez estivesse curiosa sobre qual dos outros brutamontes iria
tentar pular na minha garganta por irritar você.
Arianna caminha até estar alguns centímetros à minha frente. A garota
é um pouco mais alta que eu em seus saltos, não é muita coisa, mas
enquanto ela cheira a perfume caro e não tem nem um fio fora do lugar, eu
estou cheirando a sexo e pelo meu cabelo parece que acabo de sair de
uma guerra.
Quero perguntar a ela como descobriu sobre Axel e Asher, mas não sei
se isso é uma boa ideia. Quando olho para Dylan, encontro seu rosto
pálido. Ele está com medo, claro que está. Volto o meu olhar para a loira e
ela me encara com diversão.
— Tem alguma pergunta para me fazer, carino24? — O idioma estranho
soa bem em seus lábios e imediatamente sei que ela falou algo em italiano.
Tenho medo de perguntar o que ela disse e descobrir que foi algum tipo de
xingamento.
Bufo, dando-me por vencida.
— Como você descobriu sobre os meus namorados?
— Eu seria burra se não tivesse feito a minha pesquisa antes de colocar
os meus pés aqui... — Arianna para de falar e leva os seus olhos para algo
acima dos meus ombros e, pelo barulho, sei que são os garotos.
— Escuta só, garota, se ameaçar a minha amiga com o seu pai
traficante eu acabo com você. — A voz alta e inconfundível de Megan
chama a nossa atenção. Os olhos de Arianna se estreitam em fendas e seu
rosto perde a feição provocativa, assumindo uma série que combina
perfeitamente com a expressão de Lorenzo.
— Megan! — Charlotte chama a sua atenção. A loira agarra a mão de
Megan, puxando-a para si com os olhos arregalados. — O que nós
tínhamos conversado?
Megan bufa.
— Sobre não ameaçar ninguém que pode me matar só estalando os
dedos, eu não sei... estava com os meus dedos em outro lugar, Charlotte,
lembra?
Os olhos de Charlotte se arregalam consideravelmente de surpresa e
suas bochechas assumem o tom avermelhado. Dio Mio...
— Ignore-a, por favor... Ela levou uma pancada nesses últimos dias e
seu raciocínio não é o mesmo desde então. — Volto o meu olhar para
Arianna. A loira encara quando os garotos entram no quarto com o rosto
ainda sério. — Ela sente muito, somos muito protetores umas com as
outras.
— E põe protetora nisso — concorda a ruiva.
— Megan! — Charlotte chama a sua atenção.
A loira italiana volta o seu olhar para mim novamente. Minha pele
arrepia quando ela me olha e não consigo entender o motivo. Talvez esteja
com medo dela fazer alguma coisa contra Megan ou talvez seja toda a
vibração misteriosa que ela exala.
— Como estava dizendo antes de ser rudemente interrompida... —
Suas palavras soam pela sala. — Fiz uma pesquisa antes de vir e consegui
coisas muito interessantes sobre todos vocês... Você, por exemplo, é a filha
bastarda de Anthony Leclerc. Não dou a mínima para esse homem, ele é
irrelevante, mas sei que sua mãe é uma criminosa. Uma das boas...
Todos os olhos grudam-se nela à medida que a garota anda pela sala.
Ela não parece temerosa, com a cabeça erguida como se ela fosse superior
a todos nós. Ela passa perto das minhas amigas quando fala:
— Você, Charlotte Fitzgerald. Sei que o dinheiro da sua família é velho e
que você pertence a D.C. — Arianna pisca os olhos para a outra loira. —
Megan Smith, você não tem nada em seu nome além de passagens pela
polícia quando era mais nova. A única estúpida o suficiente para me
ameaçar sabendo que poderia estar sem sua cabeça quando cruzasse a
porta.
Prendo a respiração à medida que Megan faz uma careta para Arianna,
mas a loira já se virou e agora está em frente aos gêmeos. Axel e Asher
estão lado a lado, com as feições fechadas para a garota. Axel até deixa um
sorriso provocativo escapar, do tipo que se dá a uma presa. Ele está
tentando intimidá-la. Asher tem o seu pior olhar intimidador no rosto
quando a encara, mas Arianna aceita o desafio e lhe devolve um pior. Eles
se encaram por tanto tempo que é como ver uma luta de gigantes.
— Volkov. Conheço o sobrenome de vocês. Seu pai tem ligações com a
Bratva. — O nome russo rola de seus lábios com facilidade. — Dylan
Monroe, éramos para sermos família de outra forma, mas nunca
aconteceu. Não se preocupe, ragazzo25, você não faz o meu tipo.
Dá uma piscadela para ele e a garota volta até mim, como se eu fosse
todo o centro de seu show. Arianna volta até a minha frente, com um
sorriso provocativo nascendo em seus lábios cheios.
— Mas preciso confessar... ainda tinha mais alguém em minha pesquisa
e eu não estou o vendo agora. Onde está o Roman, o motoqueiro?
Roman, o motoqueiro... Acho que isso é uma boa forma de chamá-lo.
Meus olhos se fixam nos dela, mesmo quando a culpa me preenche em
cheio.
— Ele foi levado por Mikhail Volkov dois dias atrás.
A loira estreita os olhos quando me encara. Arianna morde os lábios e
mantém o seu olhar intimidador e estranhamente sexy em mim.
— Isso, Julieta González, parece ser um problema grande demais para
vocês, não é? — Eu não gosto nada quando o brilho calculista aparece em
seus olhos.
Essa garota é perigosa. Mais perigosa do que eu, sinto em meus ossos.
Ela tem mais recursos para ser assim, mas alguém criado no berço de uma
máfia tão grande como a Cosa Nostra não pode ser alguém leviano.
Arianna é uma garota mortal e isso está em cada gesto que faz. A forma
como andou pela sala como se fosse dela, a forma como sua coluna estava
erguida mesmo quando o seu noivo saiu do banheiro comigo... Como ela
esperou até o último momento até aparecer e como se familiarizou com o
quarto de Dylan mesmo sem nem ter entrado aqui antes... Que saibamos...
— Ah, você parece tão cansada, carino... — Ela pisca os olhos para
mim. — Isso está te tirando a vida, não é?
Não quero admitir para essa garota a minha fraqueza, mas ela parece
enxergar além de mim. Quando ela me encara, parece que sei exatamente
como ela planeja me matar.
— Nós vamos dar um jeito de achá-lo — digo.
— Ah, vão? — Eleva suas sobrancelhas em questionamento. — Como
tem sido até agora?
— Você vai chegar em algum ponto com isso? — A voz de Asher chama
a nossa atenção, mas a garota não desvia os olhos dos meus.
— Diga aos seus cachorros para calarem a boca, Julieta. Isso é uma
conversa entre nós duas. — A garota ordena novamente. E com um olhar
para Asher, o peço para ficar quieto.
Quero saber o que ela tem a dizer, quero ouvir sair da sua boca. Tenho
a curiosidade de saber o que se passa em sua cabeça, mesmo que eu não
entenda.
— Dois dias, você diz... O que tem até agora?
— Só fotos dele machucado.
Ela vira um pouco a cabeça.
— Como conseguiram as fotos?
— Mikhail mandou...
Estreita os olhos ainda mais.
— Quando?
Puxo a minha respiração quando percebo o quão ruim isso vai soar aos
seus ouvidos.
— Algumas horas depois de ele ter pegado Roman...
A loira não me mostra o que pensa, mas eu já consigo imaginar. A única
prova que temos é que ela foi mandada pelo sequestrador e quando ele
quis mandar. Isso é péssimo, mas é a verdade. Não conseguimos fazer
nenhum avanço contra Mikhail.
— Isso significa que vocês não têm nada e aquele russo tem tudo... —
Arianna levanta o maxilar quando diz isso. Ela se vira para olhar para os
meninos e então volta para mim novamente. — Você não é a pessoa mais
forte do mundo e os seus cachorrinhos raivosos também não, mas eu
tenho um acordo a propor para você, Julieta González.
Estreito os meus olhos para ela em pura desconfiança, mas porra... Que
tipo de acordo essa mulher completamente poderosa pode querer
comigo?
— Que tipo de acordo? — questiono, curiosa.
— Não, nós não vamos fazer acordo nenhum! — Axel diz,
completamente raivoso lá atrás. — Nós não sabemos quem ela é.
Arianna se vira para Axel. Ela não parece nada impressionada com o
garoto.
— O seu amigo conhece. — Ela aponta para Dylan. — Diga a eles,
jogador... Quem eu sou?
Os olhos azuis de Dylan se voltam para mim em uma indagação.
Monroe não parece estar gostando dessa história tanto quanto Axel, mas é
melhor em se conter do que o lutador.
— Você, Arianna Cacciola, é herdeira da Cosa Nostra — Dylan
murmura.
A loira revira os olhos.
— Isso todo mundo aqui sabia... — reclama para ele, então volta-se
para Axel novamente. — Isso quer dizer, garoto russo, que tenho mais
poder sozinha do que todos vocês juntos. E você devia me agradecer por
estar propondo um acordo para a sua namorada, porque eu poderia só sair
por essa porta e te deixar lidar com Lorenzo Rossi sozinho.
É arrogância quando tudo o que ela fala é verdade? A garota pode
aparentar ser uma espécie de Regina George da máfia, mas ela não está
errada em nada. Ela é mais poderosa que todos nós juntos e sim, se ela
quiser sair pela porta e dizer ao seu pai o que aconteceu no banheiro
enquanto ele estava jantando no andar de baixo, tem todo o direito. Foi
além de desrespeitoso e aposto que Lorenzo não se tornou chefe da Cosa
Nostra aceitando desrespeito.
Acho que ele poderia cortar a cabeça de Dylan só para fazê-lo de
exemplo.
— O que você está sugerindo?
Arianna se volta para mim, toda envolvida naquela aura perigosa que
está à sua volta.
— Um favor... Por um favor — diz ela. — Não parece justo para você?
Pisco para ela.
— O que você acha que eu posso oferecer a você agora em troca de
Roman? — Solto uma risada. — Sou literalmente uma sem-teto há meses e
você é... você!
— Carino, estou te oferecendo um acordo a longo prazo. — Não gosto
nada disso... — Eu te dou um favor agora e você vai me devolver um mais
tarde.
— Mais tarde quando?
— Mais tarde quando eu te chamar.
Isso quer dizer que talvez, daqui a anos, Arianna Cacciola simplesmente
me ligue e eu precisarei largar tudo para ajudá-la com o que diabos ela
precisa.
— A qualquer hora? — volto a indagar.
— E em qualquer lugar... — ela concorda.
— Não! — Axel volta a falar. — Como diabos ela vai saber que você não
vai pedir para ela matar alguém ou assumir a culpa por um crime seu?
Arianna nem sequer olha para Axel, é como se a presença dele fosse
irrelevante para ela.
— É um risco. Quer dizer... Eu iria trazer Homens Feitos de Nova York
para o Texas e iria colocar os melhores homens de Lorenzo para descobrir
onde o seu garoto está. Alguém que não tenha ligação nenhuma com a
nossa organização. Além disso, é claro, iria ajudar você, mesmo que tenha
cometido um ato que eu iria considerar a morte... E ainda posso. — Ela me
lança uma piscadela. — Tudo isso com o preço de um favor seu quando eu
precisar. Algo que nem mesmo sei o que irei pedir...
Um suspiro completamente falso escapa de seus lábios e seus ombros
caem.
— Acho que não está disposta a pagar o preço pelo seu garoto, afinal.
— Filha da puta. Uma completa filha da puta e manipuladora, e agora
Arianna nem mesmo tenta negar que está tentando me manipular e, pior,
está conseguindo.
— Faça um favor a nós então — Asher se manifesta. — Deixe a Julieta
de fora disso e nós vamos cumprir o favor por você.
Arianna fica pensativa.
— Não, eu quero o favor dela.
Axel bufa.
— Por quê?
Arianna o encara como se fosse óbvio.
— Porque é mais divertido assim — admite. — Deus, vocês são tão
dramáticos! Não é como se um de vocês estivesse correndo perigo neste
exato momento, não é? Ou talvez pode estar até morto. Seria uma pena
achar o corpo já em estado de decomposição...
— Fechado — digo.
E quando o sorriso completa o rosto de Arianna, sinto vontade de bater
com a minha cabeça na parede, mas forço-me a permanecer corajosa em
sua frente. Arianna é uma predadora e agora ela não se incomoda em
esconder isso. É como se estivéssemos no oceano e ela fosse o maior
tubarão que já existiu, enquanto todos nós somos só pequenos peixes à
disposição em seu cardápio. Me recuso a sangrar mais e permitir que ela
me engula. Não se pode mostrar fraqueza na frente de um predador.
— Que maravilha! — Ela não bate palmas, mas gesticula sua mão em
minha direção. — Não foi tão fácil assim, viu?
Ignoro o comentário.
— Quando vai começar a procurar por ele?
— Ah, não se preocupe, carino. Assim que sair daqui vou conversar
com Lorenzo e nós vamos colocar os melhores atrás do seu garoto — diz
ela e, em seguida, seu olhar paralisa em Dylan. — E não vai ter casamento
nenhum.
Quase solto um suspiro de alívio.
— Não é como se eu quisesse me casar com você, sem ofensa —
Monroe fala. — Mas como você vai convencer meu avô disso?
Arqueia uma sobrancelha perfeitamente desenhada.
— Eu não vou convencer Patrick Monroe de nada. Vou falar com o
Lorenzo e nós acabamos com toda essa história.
Dylan não contém o seu suspiro como eu.
— Obrigado.
Arianna pende a cabeça.
— Não fiz por você, jogador. Se você acha que eu vou me casar com um
homem que não andaria pelo fogo com os pés descalços por mim, está
completamente enganado sobre a garota que Lorenzo e Elena criaram. —
A garota deve ter toda a estima do mundo presa dentro do seu corpo,
porque não se rebaixa nunca. Gosto disso. — E já disse que você não faz o
meu tipo.
Ela termina com uma piscadela e se prepara para andar até a porta,
mas eu a paro quando uma ideia começa a se formar em minha mente.
— Você diz que seu pai controla Nova York, certo? — Consigo ver Axel
balançando a cabeça para mim de canto de olho. Ele já deve saber o que se
passa pela minha cabeça, mas eu já fui muito longe para desistir agora. —
Consegue tirar alguém da prisão?
— Ah, merda... — resmunga o lutador, já prevendo o que quero.
Arianna estreita os olhos.
— Serão dois favores — declara.
Nem sequer hesito.
— Consegue fazer isso rápido?
A loira ergue uma sobrancelha para mim e já tenho a minha resposta.
— Suponho que queira que eu tire a sua mãe da Rikers — Arianna solta
uma risada com a minha feição de espanto para ela. — Não pareça tão
surpresa, disse que fiz o dever de casa.
— Preciso da minha mãe o mais rápido possível e não me importo com
o preço que vou ter que pagar por isso depois.
A loira parece completamente satisfeita.
— É um prazer fazer negócios com você, Julieta González. — Arianna
caminha até a porta, e como se ela fosse algum tipo de divindade sobre a
Terra, todos abrem caminho para ela. — Vai receber uma mensagem com
as instruções assim que começarmos.
E quando ela sai pela porta, sinto que acabo de fazer um acordo com o
diabo.

Arianna Cacciola é algum tipo de demônio, talvez esteja ligada com


forças ocultas. Talvez ela seja a personificação dos demônios que mi madre
tanto tentava me avisar nas vezes que me levava à igreja para rezar aos
santos, porque sinto como se ela tivesse levado a minha alma assim que
saiu pela porta e desapareceu tempos depois com sua família perigosa.
— E se ela quiser que você assuma um crime no lugar dela? — Axel
indaga, ainda raivoso. Mesmo depois de ter tirado o terno do irmão e fazer
o seu caminho até a cama de Dylan, ele não parece feliz.
Estico as minhas pernas por baixo do edredom e acaricio o pelo de Hela
em meu colo. Estamos todos derrotados e muito cansados, mas, ainda
assim, estamos todos aqui.
Asher odeia estar aqui e dividir a cama com Axel e Dylan, sei disso
porque eu o ouvi resmungando hoje cedo, mas ainda assim ele se deita ao
meu lado, recusando ceder o lugar para outro dos meninos. Axel e Dylan
precisam brigar sobre quem vai dormir do outro lado, uma discussão boba
que Dylan ganhou na noite anterior, agora acho que vai ser diferente.
— Então esse vai ser o preço que vou ter que pagar — resmungo e me
ajeito no meu travesseiro. — Só espero que ela me dê alguns anos com
vocês antes de me arrastar de volta.
— Não acho que ela vai te forçar a assumir um crime — Dylan
resmunga.
Axel o observa ao meu lado, bravo.
— Ah, então quer dizer que você teve muito tempo para fazer amizade
com ele durante esse jantar infernal? — indaga o lutador. —E falando
nisso, obrigado por sair no meio do jantar e nós deixar para juntar os
cacos, filho da puta.
Dylan não parece arrependido.
— Para mim o jantar só começou de verdade depois que eu subi. — O
filho da puta me lança uma piscadela.
Eu tento, mas não consigo evitar o rubor que sobe pelas minhas
bochechas. Axel se senta ao meu lado e seu olhar está em mim. Acaricia as
minhas bochechas em um gesto carinhoso.
— Bom para você, idiota — ele rosna para Monroe. — Achei que
Lorenzo fosse tirar a arma e atirar em cada um de nós até a italiana subir
também.
— Falando nela, muito obrigado por avisar que ela estava no andar de
cima — Dylan bufa.
Um som escapa do peito de Axel.
— Se eu tivesse avisado, você veria? — Quando Dylan fica quieto, Axel
obtém a sua resposta. — Sabia que não veria.
— Acha que ela vai conseguir achar Roman? — Viro a minha cabeça
para questionar Asher.
O garoto está deitado ao meu lado, seu cabelo bagunçado pelo
travesseiro e parece muito desconfortável na cama. Quando Asher tirou
sua camisa na noite anterior antes de se deitar ao meu lado, achei que os
olhos de Axel fossem sair de seu rosto assim que ele olhou para a
tatuagem que Asher ostenta em seu peito.
— Lorenzo Rossi não é famoso por descumprir as suas promessas, e se
Arianna é filha dele... — diz Asher, com seus olhos fechados como se
estivesse tentando dormir e a fala preguiçosa. — Mas ela não o chamava
de pai.
— Ela não é filha biológica dele, mas Patrick disse que não importa —
diz o loiro. Dylan senta-se nos pés da cama. — Só que aquela garota tem
todos os recursos do mundo, qual motivo ela teria para ter um favor
nosso?
O fato de o favor ser meu e Dylan ter interpretado como se fosse de
todos nós não me passa despercebido.
— Vai ver que ela sabe de algo que não sabemos — diz Axel. — Quem é
que sabe o que se passa em Nova York... Só que é melhor aquela garota
manter a sua palavra.
Mas Arianna Cacciola realmente manteve a sua palavra, porque no final
da noite o avô de Dylan o chamou para dizer que o noivado estava
cancelado, mas que os Rossi ainda tinham a intenção de fazer negócios
com os Monroe. Dylan disse que seu avô estava tão vermelho que ele
achou que fosse explodir.
A garota era rápida e sua palavra já tinha começado a ser cumprida.
Dormi aquela noite com os gêmeos ao meu redor e minha gatinha aos
meus pés, um pouco mais leve. Podemos vencer essa guerra e só
precisamos de Arianna Cacciola ao nosso lado, só o que me resta é
saborear o resto de liberdade que eu tenho antes de saber o que ela vai
tirar de mim.
A cada dia que passa, sinto que o tempo esteja acabando. Uma forte
sensação se aloja em meu estômago de que algo está terrivelmente errado
e não parece nada perto de ir embora, na verdade, só piora. A cada
maldito dia fica pior.
E o que tenho para fazer na imensa mansão a não ser esperar? Esperar
até que Arianna arranje um jeito de se comunicar comigo e me diga onde
diabos o meu namorado está...
Esperar não é fácil, inferno... é mais fácil alguém me dar algum tiro ou
me atacar do que ficar presa em casa e esperar até que algo aconteça, mas
nada acontece. Em uma semana, absolutamente nada acontece. Ninguém
mais é preso. Patrick não tem uma multidão de policiais em sua porta e
Mikhail não surge de alguma passagem secreta para nos matar. Seu plano
de dominação global ainda não havia sido concluído, porque tudo o que
temos são policiais por toda a cidade e repórteres tentando entrevistar
cada um ligado a James ou a Anthony.
Até vejo minha querida madrasta na televisão de cara limpa pedindo
clemência pelo marido. Anthony pôde esperar em casa até o seu
julgamento por não ter machucado ninguém, mas teve que entregar o seu
passaporte à justiça e não podia sair da cidade até a data.
James Miller não tem o mesmo privilégio, por ser considerado um
homem perigoso. E por todos os seus amigos motoqueiros, fica claro que
ele tem muitas chances de escapar da prisão se for solto. Os motoqueiros
estão levantando dinheiro para pagar a sua fiança, mas não está fácil com
os policiais na cola deles. O clube não é aberto desde a prisão de James e
não duvido que, se ele abrir para mais uma das festas, os policiais vão
assustar a freguesia e eles vão perder os clientes que já têm.
Sinto uma sensação de revanche.
Isso, seu filho da puta, apodreça em uma cela para sempre.
Foram sete dias até Arianna dar algum sinal de vida. Se não fosse o fato
de Patrick parecer muito alegre esses dias, eu até poderia imaginar que ela
tinha voltado atrás com sua palavra. Quem deve estar aproveitando cada
segundo dessa maré de azar dos outros é Patrick Monroe. Além dele estar
em contato próximo a família Rossi, agora dois dos seus oponentes caíram.
Me pergunto se ele não se pergunta quando sua hora vai chegar.
Estou fazendo carinho em Hela e vendo Charlotte digitar em seu
notebook quando ela me liga. Nem sequer pergunto como ela tem o meu
número.
— Olá, Julieta González — ela cumprimenta assim que atendo a
ligação. Sua voz é um pouco sensual, mas quando ela diz o meu nome,
parece uma provocação. — Está em um lugar seguro para conversarmos
agora?
Enrijeço minha coluna e coloco a ligação no viva-voz. Os meninos
encerram uma discussão boba imediatamente.
— Sim, estou.
Ela não espera mais para falar:
— Roman Miller está em uma casa fora da cidade. Vou te enviar o
endereço por mensagem, mas acho melhor não ir lá só com os seus
cachorrinhos. A casa está cercada por soldados Bratva e Mikhail muda
Roman todo dia antes do amanhecer.
Troco olhares com os meninos e Asher chega mais perto de mim,
interessado em ouvir a conversa.
— Você sabia onde ele estava ontem?
— É claro que sabia, ele sempre vai visitar o lugar ele mesmo antes de
mandar o seu garoto para lá. Eu sabia onde Roman estava dois dias depois
que saí de sua casa.
Filha da puta! Mordo os lábios para conter um xingamento a ela,
principalmente porque, se eu tivesse bolas, Arianna Cacciola teria em suas
mãos com unhas afiadas neste exato momento.
— E não pensou em me contar?
Ela solta um som pelo nariz.
— É claro que não. Alessio, eu estou no telefone, feche a boca! —
Escuto o som de uma risada infantil e, em seguida, um suspiro carinhoso
de Arianna. Arqueio minhas sobrancelhas ao ouvir a garota falar
suavemente pela primeira vez em minha vida. — Desculpe, era o meu
irmãozinho. Como eu estava dizendo, o seu histórico não é bom e você me
parece uma pessoa impulsiva. Algo poderia dar errado e eu teria o
trabalho de achar o motoqueiro de novo. Não, obrigada.
— Então por que está me falando isso agora? O que mudou?
— O negócio é o seguinte, vai ter um baile que Mikhail está confirmado
amanhã. Krasota ou alguma merda assim, a lista de presença é completa
por criminosos independentes. E considerando que ele já foi checar o
próximo lugar, já sei onde o seu cachorrinho perdido vai estar.
— Você disse que vai estar cheio de guardas, não é? — Ela resmunga
para mim, confirmando. — Então nós não vamos conseguir tirá-lo de lá.
— Não sozinhos, mas os nossos soldados irão com vocês — diz a loira.
— Mas só para deixar claro, se um de vocês estiver enrolando e um dos
meus soldados perceber, todos eles saem. Não estou disposta a perder
ninguém só para vocês darem um showzinho.
E nem posso dizer que ela está errada, porque isso é exatamente o que
cada um de nós faria.
— Nós não vamos junto com os seus soldados — fala Asher. — Nós
vamos ao baile.
Observo-o, confusa.
— Mas o que nós iríamos fazer lá? — pergunto. — Podemos ir atrás do
Roman e fugir daqui.
Ele nega, inflexível.
— Eu quero Mikhail morto.
— Está me pedindo um favor? — A voz de Arianna chama a nossa
atenção.
— Não, estou declarando que vou matar Mikhail eu mesmo.
Axel bufa.
— E como pretende fazer isso, irmãozinho? — indaga. — Vai se infiltrar
no baile e atirar em Mikhail enquanto ele for ao banheiro?
— Não é má ideia.
— É má ideia — diz a garota ao celular. — Ele vai saber que tem alguma
coisa errada quando ver vocês lá e isso vai sobrar para os meus soldados.
— Não se matarmos ele antes disso — responde.
— Isso é impossível — Dylan opina. Nossos olhares se encontram
quando o loiro pega uma das minhas mãos. — Em primeiro lugar, nós não
vamos conseguir entrar no baile. E mesmo que consigamos, não vai dar
para matar Mikhail no meio de todos aqueles criminosos.
— Então vamos matar todos os outros criminosos também.
Ele não pode estar falando sério, certo? Isso é uma loucura sem
tamanho e eu não esperava ouvir isso saindo da boca de Asher. Talvez
saísse da de Axel.
— Ash... Isso é doideira — Digo. — Não tem como matarmos todo
mundo lá dentro.
Ele franze a testa para mim.
— Todas as vezes que tentamos saber exatamente do que se trata
aquele lugar, Mikhail estava um passo à nossa frente. Todas as vezes. Por
que não fazemos o mesmo com ele agora?
— Matando todos que estiverem lá dentro? — indaga Axel, sua
expressão mostra que ele ainda não deu todos os créditos ao irmão.
— Vamos acabar com ela. Queimar o prédio e destruir tudo — os olhos
dele brilham quando diz isso. — Os outros não precisam morrer, nós não
temos tempo para fazer distinção sobre os bons ou ruins, mas Mikhail
precisa.
Arianna resmunga pelo telefone.
— Ainda não ouvi um plano bom o suficiente.
— Nós entramos, matamos Mikhail, damos um jeito de evacuar o lugar
e vamos colocar fogo no prédio.
O lutador balança a cabeça para o irmão.
— Então vamos destruir paredes, não a verdadeira organização.
— Não ligo para a organização, mas quero que Mikhail morra
acreditando que tiramos dele tudo o que ele lutou para planejar —
responde.
— Quer mesmo se arriscar desse jeito? — indago a ele. — Não me
entenda mal, querido. Odeio o seu pai com tudo de mim e todos sabem os
motivos, mas você acha que vale a pena?
Asher vira a sua cabeça em minha direção. Seus olhos castanhos
normalmente não demonstram muito do que sentem, mas agora existe um
brilho diferente neles que me atrai.
— Ele matou a minha mãe, te tirou a sua, nos colocou em sofrimento
por quatro anos e então sequestrou Roman. — Não perco o fato de Asher
não ter dito nada sobre as prisões de James e Anthony, elas não significam
nada para ele. — Eu o quero morto e vou sozinho se não concordarem.
Axel revira os olhos e balança a cabeça de um lado para o outro.
— Você esconde um grande talento para o drama, não é, irmãozinho?
— fala. — Você pretende matar o nosso pai, é claro que eu vou com você.
— Vou também — acrescenta Dylan.
Asher os encara em silêncio. Um entendimento silencioso passa por
eles, uma nova irmandade ainda mais forte do que já vi antes.
— Eu também vou.
Todo o momento entre eles é cortado quando seus olhos se voltam
para mim em uníssono.
— De jeito nenhum — diz Axel. — Nós vamos e você fica.
Abro a boca para o retrucar, mas Arianna volta a falar e nossa atenção
se volta para o telefone em minhas mãos.
— Não dou a mínima se Julieta fica ou vai — ela praticamente ronrona
pelo celular. — Mas quero saber o plano e se vou querer participar disso ou
não.
Todos nós olhamos para Asher como se ele fosse o líder, e, de certa
forma, é. Sua postura e feição não enganam, então todos nós prestamos
atenção em Asher quando ele começa a explicar o seu plano maluco para
matar o próprio pai.

Eu o quero morto, fim da história.


Mikhail é o causador de todos os meus infernos e de todos os
pesadelos de Julieta. Sua existência miserável se resume a dor e todos nós
sabemos que esse homem não vai ser preso, então por que não posso
acabar com tudo isso e me livrar de sua vida antes de continuar vivendo a
minha?
Gosto de ciclos e rotinas, eles são seguros. Com rotinas sei exatamente
o que esperar do dia seguinte, mas tudo está mudando e vai mudar ainda
mais. Depois que pegarmos Roman e Arianna Cacciola tirar a mãe de
Julieta da cadeia, é óbvio que ela não vai ficar aqui, e se ela não ficar... eu
também não vou.
Vou atrás de Julieta onde quer que ela vá, não me importo de parecer
um maldito perseguidor fazendo isso. Minha existência se resume a ela e
enquanto algumas pessoas podem achar isso triste e completamente
problemático, não me preocupo em mudar. Fomos feitos um para o outro
desde os ossos, fim da história.
Um novo começo. Já estudei com professoras particulares e já concluí o
ensino médio, mas Julieta, Dylan e Roman podem terminar pela internet.
Pretendo encerrar todas as minhas pendências antes de ir, e isso inclui
terminar o que Mikhail começou anos atrás. Só querem um líder para o
estado, não ligo para quem for, não ligo se Patrick Monroe se deliciar das
carcaças de Anthony e James, mas vou garantir que Mikhail apodreça no
inferno e não tenha nenhuma chance de pegar o que tanto lutou para ter.
Esse vai ser o meu presente de despedida.
O plano é bom, não perfeito, mas bom.
Arianna Cacciola é uma peça muito importante nesse jogo e, além
disso, uma peça surpresa. Mikhail não sabe de sua presença e o tamanho
de sua importância.
Quando eu era uma criança, nas poucas vezes que eu via Mikhail, ele
sempre parecia subjugar minha mãe de alguma forma. Ela não era parte de
seu negócio, sua única função era ser um rosto bonito em suas festas de
negócios, nada mais.
Minha mãe não tinha nem o trabalho de criar os próprios filhos, ela
sempre era subestimada.
Me parece justo que os recursos para a sua destruição tenha vindo
pelas mãos de uma mulher e que todos os motivos de sua queda venham
de outra.
Arianna vai mandar os seus soldados cercarem a área e estarem
prontos para entrar. Nós estaremos longe dali, invadindo o baile de Krasota
ao mesmo tempo em que os soldados de Nova York invadirão o lugar atrás
de Roman. A ideia é entrarmos ao mesmo tempo para que Mikhail não
possa avisar ninguém e que esteja tão ocupado conosco que não seja
avisado de nada.
Um de nós dará um jeito de colocar sonífero em sua bebida e então,
quando ele beber, Dylan irá evacuar todo o lugar. Nós vamos colocar fogo
com ele dentro, seu corpo estará paralisado e ele vai morrer com a fumaça
tóxica em seus pulmões e sentirá a sua pele derreter em seus últimos
momentos.
Babochka não confia no nosso plano. Disse que é muito tarde para
planejarmos algo tão grande quanto isso em tão pouco tempo, disse que
não estávamos considerando quantos homens armados vão estar lá dentro
e que talvez Mikhail nos veja pelas câmeras antes de conseguirmos entrar,
e, mais do que isso, Julieta disse que tudo isso é levando em consideração
a palavra de Arianna.
Ela está certa, mas ainda gosto mais da ideia de tentar do que me
esconder no quarto de Monroe como um covarde e Axel concorda.
Mas o que nenhum de nós concordou foi que ela nos acompanhasse,
não que ela tenha se importado de qualquer forma.
Com aquele vestido vermelho que usou dias atrás no jantar com os
Rossi, Julieta prende o seu braço ao meu com força e caminha ao meu lado
até a entrada da mansão clássica. O gramado é curto e bem-cuidado, nós
precisamos contornar uma enorme fonte de água para conseguirmos
chegar perto da porta da frente.
O cheiro é de perfume caro e limpeza, percebo.
Homens vestidos de preto da cabeça aos pés com armas nas mãos e
olhares endurecidos por trás das máscaras. É claro que usam máscaras,
Krasota é uma sociedade secreta. Ninguém quer ter a sua imagem
associada a ela se algo for até a mídia, e é por isso que conseguimos entrar.
Arianna disse que tinha a lista de presença em suas mãos porque
Mikhail estava a enviando para todos os membros de sua equipe, e os
apelidos eram os mais variados. De nomes famosos da mitologia grega até
nomes de seriais killers famosos por todos os cantos do mundo. Essas
pessoas são muito criativas quando se trata de proteger a própria
identidade.
Minha pele esquenta por trás da máscara preta e dourada, mas não
arrisco encostar nela. Axel, ao meu lado, ajeita a sua máscara preta com
um resmungo.
Não existe uma fila para entrar aqui, mas isso é só porque viemos
atrasados. Todos precisam estar aqui e Mikhail precisa estar entretido para
que a nossa chegada atrasada chame sua atenção.
— Nomes? — indaga o homem vestido de preto olhando um tablet em
sua mão, que, com toda certeza, está cheio com a lista de convidados.
Axel começa dizendo o nome que Arianna o instruiu mais cedo, em
seguida Julieta faz o mesmo e sigo seu exemplo. Pelo canto do olho assisto
Axel lutar contra o sorriso quando Dylan diz o nome que foi ordenado a
ele: Charlie.
Julieta aperta o seu braço contra o meu, mas mantém seus olhos no
segurança de forma corajosa.
Quando ele libera a nossa entrada, a morena prende um suspiro de
alívio. A preocupação se instala em mim, mas preciso mascará-la assim que
passamos pela entrada e caminhamos pelo grande salão.
Meus olhos capturam Mikhail assim que entramos, porque, diferente
de todos aqui, ele não usa uma máscara. Vestido com seu terno escuro e
com o seu cabelo arrumado, ele não usa gravata. Alguns botões de sua
camisa social estão abertos e expõem orgulhosamente os símbolos da
Bratva em seu peito.
Mikhail está no topo da escada e é cercado por três outros homens. O
que me chama atenção é o loiro com terno preto e dourado, mas logo
volto a Mikhail.
Enquanto andamos pelo lugar, Dylan é o primeiro a se afastar de nós.
Seus passos decididos o levam até o bolo de pessoas e o perco de vista
rapidamente. E então, como se doesse o perder de vista, Julieta me aperta
ainda mais. Olho para baixo e vejo suas unhas pintadas de um vermelho
tão escuro que me lembra sangue.
— Vamos para o bar — resmunga Axel do outro lado de Julieta.
Caminhamos juntos até um dos bares que tem aqui. Observo lustres
luxuosos pendurados pelo teto e candelabros de puro ouro grudados nas
paredes. Quando todo esse lugar estiver envolto em chamas, eles serão
muito úteis.
— Não gosto desse lugar. — Apesar de confidenciar seu receio em voz
baixa, Julieta, assim como eu não o demonstra.
Minha babochka corajosa.
— Ninguém gosta, querida — meu irmão afirma.
Enquanto Axel pede uma bebida para si mesmo, avalio o lugar com
olhos atentos. Além de Mikhail, não conheço ninguém aqui. Não com suas
máscaras no rosto. Tudo o que vejo são ternos, máscaras e longos vestidos
brilhantes.
Está claro para mim que a maioria dessas mulheres são
acompanhantes, porque nenhuma delas parece estar no comando ou no
centro de alguma conversa. As que consigo ver estão penduradas nos
braços de outros homens assim como Julieta está pendurada no meu.
— Essa é a ideia mais estúpida que eu me propus a aceitar em toda a
minha vida... — o resmungo chega através do fone pequeno e
praticamente invisível que está em meu ouvido direito. Todos nós usamos
um, além de microfones escondidos em nossas roupas. Enquanto o de
Julieta está escondido em seu decote, o meu está na parte de dentro da
minha camisa.
— Nos avise quando pudermos ir — ouço Dylan dizer.
Arianna cantarola. Segundo ela mesma, ela está assistindo à operação
em busca de Roman em uma tela pela câmera que um de seus soldados
usa. Arianna deixou claro que não vai se envolver mais do que o
combinado e que, quanto mais recursos ela estava gastando com Julieta,
mais iria cobrar depois.
Já que estamos no inferno, como poderia ficar pior?
— Eles estão entrando agora, vão! — manda.
Axel vira o copo de bebida de uma vez e larga no balcão. Nossos passos
são decididos até perto da escada e tenho o prazer de ver quando os olhos
de Mikhail encontram os meus.
Ele não arregala os olhos em susto, não treme, não olha para os lados e
não parece surpreso por me ver aqui. Mikhail mantém os olhos em mim
antes de observar Julieta e então Axel. Estamos todos de máscaras, mas é
claro que ele reconheceu os próprios filhos.
Percebo quando ele sai de seu grupo de conversa sem dizer uma
palavra. O observo descer as escadas calmamente, ele não desvia quando
um casal se prepara para subir o andar de cima, nem sequer se preocupa
em encará-los. Mikhail é um predador e deixa claro para todos nesse lugar
que todos aqui pertencem a ele.
— Filhos... — cumprimenta e então seus olhos pousam na garota em
nosso meio. — Não esperava ver vocês aqui essa noite... E preciso
confessar que nem em noite nenhuma.
Ele nem se preocupa em cumprimentá-la.
— Soubemos que você ia dar uma festa e sabe como é... ficamos
curiosos sobre esse lugar — fala Axel.
— Aposto que ficaram — responde e, pela primeira vez desde que
chegou, os seus olhos se estreitam em Axel.
— Na verdade nós queremos saber mais desse lugar, ele parece... — As
palavras morrem na boca do meu irmão, provavelmente porque tudo o
que ele fala é sujo e elogios não fazem parte de seu vocabulário —
interessante.
— Com toda certeza ele é interessante, principalmente para a sua
garota. — Gesticula para Julieta. Observo quando Axel fica tenso com a
menção a Julieta.
— Não vejo como esse lugar pode ser interessante para ela — me
intrometo antes de Axel abrir a boca e estragar tudo. — Me explique.
Mikhail tem o rosto de um político, nunca dá para saber o que ele
esconde por trás daqueles olhos, mas agora permite que um sorriso
contido apareça em seus lábios.
— Com todo o prazer. — Um brilho nasce em seus olhos mortos. —
Imagino que já deve saber do que essa organização se trata, considerando
as vezes que eu tive que mudá-la para evitar que vocês estragassem tudo.
— Nós sabemos sobre o seu joguinho de tráfico humano — responde
Axel. Sua voz sobe para chamar atenção das pessoas, mas ninguém parece
dar atenção suficiente para essas palavras.
Mikhail solta uma risada, como se a tentativa de Axel de o expor fosse
divertida.
— Pode até mesmo gritar se quiser, Axel. O que acontece nessas
paredes permanece aqui e ninguém liga para o que é dito — assegura
antes de voltar para mim. — Krasota é um lugar para os seus desejos
ocultos serem liberados. Tudo o que quiser, aqui proporcionamos. E claro,
muitos negócios são feitos com prazer.
— Isso não é a porra de um clube de BDSM, Mikhail. Vocês descontam
os seus desejos ocultos em pessoas que não querem isso.
— Em nosso mundo o que as pessoas querem pouco importa, achei
que já tinha ensinado isso a vocês — ele responde Axel. — Aqui... nós
somos livres. Querem uma morena com o rosto de sua prostituta? Consigo
achar isso para vocês no andar de baixo facilmente.
Estreito os meus olhos para ele.
— O que tem no andar de baixo? — questiono.
— Mercadoria, eu não fui claro? — Pende sua cabeça lentamente
quando me encara.
O aperto de Julieta se torna doloroso, porque todos nós sabemos o que
tem verdadeiramente lá embaixo. Não são mercadorias, são pessoas.
— Me deixem ir até lá. — Preciso de esforço para não demonstrar
reação à voz de Dylan.
— Pode ser uma armadilha — Arianna diz. — Ele sabe que você está
faltando e vai te atrair até lá embaixo para ter outro trunfo.
Dylan bufa.
— E se não for nada disso? E se tiver gente presa lá no andar de baixo?
— Você vai fazer o quê se tiver? — indaga ela, aparentemente
impaciente com Dylan. — Deve estar cheio de guardas que vão atirar em
você assim que der as caras, não seja estúpido.
— Eu sei que compaixão não está no seu vocabulário, Cacciola, mas
podem ter crianças lá.
Arianna solta um grunhido.
— Não ouse, Monroe. Já me arrisquei demais e se Julieta morrer aí, não
vou poder cobrar favor nenhum. Siga a porra do plano.
— Asher? — Dylan espera por uma ordem e parece disposto a me
obedecer agora.
Toda essa ideia foi minha, acho que tudo está em minhas costas. Parte
de mim quer mandá-lo para baixo, mas a maldita Cacciola tem razão nisso.
Não sabemos o que tem lá embaixo e Dylan Monroe não vai conseguir
enfrentar os guardas de Mikhail sozinho.
— Ainda não disse o que isso tem relacionado a Julieta — retomo o
assunto principal.
— Quando cheguei a essa cidade, tinha planos para todos vocês... —
começa. — Eu ia enviar vocês dois para a Rússia, iam ser soldados Bratva e
crescer como cresci, mas os planos mudaram e ficaram sem importância.
Para o resto, eles mereciam algo especial e eu ia dar isso a eles...
Mesmo que queira, não ouso desviar o meu olhar do dele. Sinto-me na
obrigação de o encarar, de absorver tudo o que ele tem para falar.
— Iria vendê-los para os meus clientes mais especiais. São homens
Bratva, mas moram na Europa. Iria garantir que fossem bem-cuidados,
principalmente quando crianças, eles valiam muito... então perderam
parte do valor quando cresceram, mas ela? Talvez um pouco, mas eu
ganharia rios de dinheiro por esses olhos verdes.
Me contenho para não entrar na frente de Julieta e protegê-la de seu
olhar. Axel não se contém como eu. Seu corpo entra na frente de Julieta e
ela vai para trás, ficando entre nós dois.
Mikhail observa o ato friamente.
— Foi assim que Krasota nasceu, sabiam? Ela veio anos atrás enquanto
eu procurava clientes para vender minhas futuras mercadorias.
— Preciso de uma bebida — Axel murmura, secamente. — Vai me dar
uma ou me fazer ir atrás?
Mikhail não gosta de ser ofendido, seu olhar firma em Axel quando ele
chama um garçom.
Me viro para trás para observar o homem que caminha em nossa
direção. Julieta deixa o meu braço ir, quieta.
— O que vai fazer depois de tomar a cidade? — indaga Axel, tomando a
atenção de Mikhail para si. Puxo o pacotinho com a pílula em minha manga
discretamente. Observo a bandeja cheia de copos e viro em um até que
todo o conteúdo esteja dentro, em seguida pego o copo de lado e entrego
para o irmão.
Mikhail me observa de olhos cerrados por meu sinal de desrespeito.
— Vou usufruir de tudo que lutei para tomar, e então devolvo o
motoqueiro depois.
Lhe entrego o copo batizado e então pego um para Julieta. O garçom
vai embora com uma piscadela para mim após o meu próprio copo estar
em mãos.
— Vamos brindar a novos começos. — Axel ergue o seu copo e todos
nós brindamos em seguida. O gosto azedo do álcool inunda a minha
garganta, mas fica tudo doce após observar Mikhail dar um pequeno gole
de seu copo.
Encontro os olhos do meu irmão por baixo da máscara e o sorriso sujo
que nasce em seus lábios não me engana.
Mikhail Volkov morre hoje.
Mikhail me pede uma dança.
Uma fodida dança no meio de todo esse salão. Uma música de três
minutos que me obriga a aceitar o seu toque na minha pele durante todo
esse tempo. O homem acabou de admitir que pretendia me vender em seu
negócio sujo e agora me propõe uma dança.
Na verdade, não é uma proposta, é uma ordem. Mikhail ordena que eu
dance com ele.
Fixa suas mãos em minhas costas quando ele se inclina em minha
direção e consigo sentir o cheiro do álcool em seus lábios. Ele já está
praticamente no final do copo, acompanho Axel cada vez que o meu
lutador dá um gole, mas a droga demora vinte minutos para começar a agir
e ainda não havia passado isso tudo desde que ele começou a tomar a
bebida.
Aceito a dança, afinal... é só uma estúpida dança. Nada de ruim deve
acontecer ali, mas Mikhail Volkov sempre tem um jeito para manipular
coisas ruins.
Ele me guia até o centro do lugar. Além de algumas cadeiras e mesas
mais ao fundo e perto do bar, o lado de dentro desse lugar não se parece
com uma casa e sim com um imenso salão. Ao lado do centro do salão, em
cima de uma plataforma, homens de máscaras tocam música clássica.
Eu me arrepio pelos olhares em nós dois e, enquanto preciso lutar para
me manter centrada no objetivo, Mikhail se delicia com eles. Eu estava
confortável com olhares de motoqueiros que fumavam maconha e bebem
muito álcool em um bar sujo, Mikhail se sente confortável sendo o centro
de olhares de um grupo de criminosos de alta classe que gostam de roubar
o consentimento das pessoas.
— Não sou uma boa parceira de dança — digo. Olho ao redor e me
sinto aliviada ao ver Axel e Asher na beira do salão. — Não tive muitas
aulas de dança quando era criança.
— E a culpa disso é toda de Anthony. — Agarra firme em minha mão
enquanto desce a outra na base da minha coluna. — Seu pai nunca soube
dosar em sua criação. É por isso que você é assim.
Acompanho Mikhail em seus passos quando ele começa a dançar
comigo. Ele tem a altura dos meninos e preciso inclinar minha cabeça para
conseguir ver os seus olhos. Não quero olhar, mas, ao mesmo tempo...
quero saber se ele já está tremendo, se seus olhos já lutam para ficar
abertos. Quero sentir o mesmo que Asher quer, a satisfação de ver esse
homem apagar e saber que nunca mais vai acordar.
— Anthony não é uma boa figura paterna, mas isso não é uma coisa de
criminoso?
— Acredita que todos os criminosos são pais ruins? — indaga.
O mais assustador em Mikhail não é o fato dele ser um homem
visivelmente intimidante, e sim o fato de eu já saber o que ele pode fazer
sem precisar mover um músculo para isso. Ele não estava lá quando
Roman foi pego, não teve esforço nenhum sobre isso.
— Não tenho por que pensar o contrário. — Exceto por Arianna e
Lorenzo, mas não conheço praticamente nada sobre a relação deles para
falar alguma coisa com certeza. — Não concorda?
— Não — diz sem nenhuma hesitação. — Não posso dizer que sou um
pai exemplar, mas não me considero o pior dos piores.
Mordo os lábios para evitar retrucá-lo.
— James, por exemplo, deixou o filho ao lado do inimigo por muitos
anos.
Como ele pode estar aqui falando sobre James como ele não tivesse
levado o seu filho? Como pode citar o seu nome sem nenhum remorso?
— Acho que James não viu o perigo para o filho.
Mikhail balança sua cabeça suavemente à medida que dançamos pelo
centro do salão.
— Qualquer um que prestasse mais atenção saberia que Derek não era
confiável — afirma.
— Foi por isso que você o procurou? — Estreita os olhos por minha
audácia, mas o que tenho a perder agora? O que mais esse homem pode
tirar de mim?
Ele está a poucos minutos de sua morte e eu de minha vitória. Minha
mãe está perto de sair da cadeia e esse homem está prestes a queimar vivo
e tudo isso vai acontecer nessa noite.
— Não procurei Derek, sua garota estúpida. Ele me procurou anos
atrás. Derek não quis que o clube morresse junto com James, ele quis
mudanças.
Franzo a testa.
— Então por que ele não matou James e acabou com isso por conta
própria? — indago.
— Porque eu o convenci de não fazer. Ele era um informante perfeito.
Planejei destruir James Miller de dentro para fora e não estava pronto
antes — afirma.
— Mas Derek não está controlando o clube agora... — Os outros
homens que eram próximos a James estão fazendo e eu não os escutei
falando nada sobre Derek.
Arrepios percorrem a minha pele quando os seus olhos me encaram.
— Isso é porque ele está cuidando de algo mais importante no
momento.
“Roman”, penso.
Mikhail deve ter deixado Roman sob os cuidados de Derek, o homem
que o derrubou. Não consigo acreditar que esse homem fez com que o
braço direito de James e o tio preferido de Roman armasse contra eles.
Mas então... Talvez não seja armado, talvez Derek sempre tenha sido uma
pessoa ruim e se juntar a Mikhail tenha sido um plano que já estava escrito
no destino para acontecer. Derek e Mikhail podem ser pessoas que
nasceram para as coisas ruins, mas... não consigo deixar de me perguntar
se sempre foi assim com Charlie?
— E onde Charlie se encaixa nisso?
Mikhail parece irritantemente presunçoso agora.
— De qual Charlie está falando?
Contenho a minha língua para não xingar esse filho da puta.
O homem está me provocando. Mikhail parece gostar dessa brincadeira
de gato e rato onde ele só me dá as respostas que ele quer.
— Existe algum outro Charlie que temos em comum? — Quando a
música para, Mikhail ainda não me solta. — Cabelo ruivo, filho de uma
mulher que costumava ficar em sua cama.
Nesse momento não ligo de ainda não ter saído de seus braços, quero
saber tudo o que ele está disposto a me entregar, então, quando a música
recomeça, Mikhail volta a nos mover pelo salão em mais uma dança e eu
sigo os seus passos observando as pessoas se juntarem a nós pelo canto
dos olhos.
— Charlie McCurdy... Eu me lembro daquele garoto e de como quis
matá-lo.
Aperto as minhas mãos frouxas em cima do pano caro de seu terno
enquanto tento absorver a informação.
— Aquele garoto era um enxerido como a mãe — murmura e o tom de
sua voz fica raivoso. — Quando ele entrou no meu escritório anos atrás,
quase fiz.
— Mas você o deixou vivo... Por quê?
— Pelo mesmo motivo de manter Derek perto, porque informações são
importantes. — Me aperta mais forte na cintura. — Aquele garoto foi uma
das piores coisas que precisei lidar nesses quatros anos, tudo o que saía da
boca dele era sobre você, ele era obcecado, mas não do jeito dos meus
filhos.
— Então o que aconteceu? Você disse para ele que o queria vigiando e
ele simplesmente fez? — indago. Isso não faz o menor sentido, se Charlie
me queria tanto, por que se aliar a um homem que eu sempre expressei
odiar? — Eu disse para ele que odiava todos vocês.
— Precisa aprender algo sobre os homens, Julieta. Todos somos
egoístas e, se alguém der a eles algo que querem muito, nada mais
importa. Para Charlie, esse algo era você. Foi assim com Brian também...
paguei ele para ficar atrás de você. A ideia de te foder foi toda dele, mas
depois de ter você, eu iria dar a Brian um cargo de volta à polícia e você só
seria importante para Charlie.
Engulo em seco e desvio os meus olhos de Mikhail à procura dos
meninos novamente. Encontro os seus olhos rapidamente, porque, apesar
de todas essas pessoas em volta, Asher e Axel sempre vão me passar
segurança. Eles estão aqui e eu estou segura.
— Ia me dar a ele depois de tudo?
Mikhail balança a cabeça lentamente, piscando os olhos mais
lentamente. Observo atentamente e procuro sinais de que a droga está
fazendo efeito e que está na hora de dizer a Dylan para agir.
— Não, eu ia matá-lo — admite. — E depois ia te vender. Você poderia
parar nas mãos de um dos homens dessa sala, eles iam cuidar bem de
você. Ou talvez, eu cuidasse de você pessoalmente.
O aperto de Mikhail em minhas costas diminui e eu o vejo começar a
perder a força. Tento conter o seu peso, mas pouco a pouco ele se torna
muito para mim. Ainda lhe resta um pouco de consciência e ele não parece
ter notado que algo está errado com ele, mas eu sim.
— Como você iria cuidar de mim, Mikhail? — Tento distraí-lo. — Iria me
prender como mandou fazer com minha mãe?
— Não, iria te matar como fiz com minha esposa.
Sinto o seu peso sobre mim aumentar e a sua mão se soltar da minha.
Meu coração treme sob o peito e eu olho ao meu redor, notando os
olhares postos em nós dois, mas não tem ninguém que chegue perto o
suficiente para tentar falar com Mikhail.
— Agora. — A voz impiedosa de Asher vem com um alívio em meu
coração.
As luzes da casa apagam subitamente e consigo escutar os gritos ao
meu redor. Apenas as velas iluminam o lugar, mas não funciona para muita
coisa. Mais gritos vêm acompanhados de barulhos de tiros e, mesmo
sabendo que eles vêm de Dylan, meu sangue gela.
Mikhail cai em cima de mim e tento agarrá-lo à medida que as pessoas
lutam para passar pela porta. Enquanto os seguranças devem estar
tentando entrar, os criminosos lutam para sair.
Quero largar esse maldito no chão e deixar que ele seja pisoteado por
seus próprios convidados, mas esse não é o tipo de morte que Mikhail
merece.
Os disparos continuam e vejo até mesmo um dos homens jogar uma
cadeira em uma janela para conseguir sair. Nem sequer sabem o que está
acontecendo, mas o senso de autopreservação é maior do que tudo aqui.
A dor em meus braços se torna insuportável quando as pernas de
Mikhail começam a falhar, mas sou salva quando o peso é aliviado e levado
até os braços de Asher.
— Vamos até o bar. — Consigo escutar a voz de Axel em meio aos gritos
de pânico.
É assim que funcionamos, não é? Sempre vou conseguir ouvir a voz e
me deixar ser guiada por cada um deles no final das contas.
— Agora não é hora de tomar um drink, seu idiota! — Suspiro de alívio
quando escuto a voz ofegante de Dylan.
— Não vou só beber, vou fazer algo melhor. — Sua voz soa sombria e
Axel só parece uma sombra enorme e assustadora escondida sob o escuro,
mas entrelaço os meus dedos aos dele e deixo que me guie pelo escuro até
onde ele quiser.
Empurramos as pessoas por todo o caminho e eu vejo quando uma
mulher de máscara atira em um homem para conseguir passar pela porta.
Achei que armas não fossem permitidas nesses encontros, mas bom para
ela.
Quando chegamos até o bar, percebo a intenção de Axel com um
sorriso. Ele tira a sua arma e começa a atirar em algumas garrafas,
estourando o vidro e permitindo que o álcool se espalhe pelo piso.
— Me diga que achou a fiação? — Arianna indaga. — Vocês não podem
ficar sem me dar informações por muito tempo.
— Já estou tirando os fios — responde Dylan. — Como está Roman?
— Eles estão tirando ele das correntes — responde.
Minha respiração engata e eu troco olhares alarmados com Axel.
— Correntes? — Minha voz eleva. — Consegue ver como ele está?
— Sujo e machucado, isso é tudo o que eu sei.
Tenho vontade de pegar uma garrafa e engolir todo o álcool, mas não
faço. Já estou perto demais para me perder agora. Axel atira cegamente
pelas janelas e as quebra no processo. Tem vidro por todo lugar e o cheiro
de perfume caro é substituído pelo cheiro de álcool. Tento relaxar ao ver
tudo andando conforme o combinado, mas consigo ver grandes sombras
em meio à escuridão e sei que essas daqui não pertencem aos meus
garotos.
— Os guardas de Mikhail...
Axel solta uma risada completamente selvagem e a sinto em meus
ossos. Seu rosto está iluminado pelo fogo que está no candelabro, mas
consigo ver o desenho do sorriso em seu rosto bonito.
— Está com sua arma, querida? — indaga.
Minhas mãos passeiam pelo meu corpo até alcançar debaixo do
vestido, onde eu acho minha arma presa contra minha coxa e a agarro com
força.
— E em algum momento até agora eu já estive sem ela?
O brilho de seus olhos não pode ser apagado e ele se estende para
mim. Axel parece completamente psicótico nessa situação, mas não posso
deixar de amá-lo dessa forma.
— Então deixe que eles venham...
E então começamos a atirar contra eles.
Nos escondemos com as costas em paredes opostas para proteção
quando os tiros vêm em nossa direção, mas tudo o que eles acertam são as
garrafas de álcool que não foram derrubadas por Axel no bar.
Acalmo a minha respiração para ficar o mais silenciosa possível e
quando os tiros param de ser disparados em nossa direção, tudo fica
completamente quieto. Quieto ao ponto de ouvir o som dos cacos no chão
quando sapatos pisam em cima deles.
Enquanto sou iluminada pela luz das velas na parede, Axel é iluminado
pela luz que vem da janela quebrada. Sua arma está posta em suas mãos e
o olhar maníaco em seu rosto me diz que ele ama isso mais do que eu. A
parte de cima de seu terno já foi tirada e agora ele só tem a camisa social
em seu corpo, a luz da lua ilumina as suas tatuagens e o cabelo preto.
Se não estivéssemos em uma situação de vida ou morte, teria
arrancado as suas calças e deixado ele me ter em cima da mesa do bar.
O aceno em sua cabeça me diz sua ordem e eu obedeço como uma
devota. Axel vai primeiro e se vira, atirando em uma das sombras que
estava prestes a chegar perto de nós. Faço o mesmo e sigo o seu exemplo,
escondendo o meu corpo na parede.
Disparos são disparados por todos os lados, incluindo nos fundos desse
lugar onde Dylan está.
— Quantos guardas ainda tem aí? — Monroe pergunta.
— Quer que eu pare de atirar e vá perguntar para eles? — Axel diz,
irritado. — Não sei, filho da puta.
— Ele ainda está consciente? — Dylan pergunta para Asher.
— Está e eu quero que ele morra consciente, então acelerem isso.
Minhas balas acabam um pouco depois dos disparos pararem de vir em
nossa direção. Não tenho certeza se estão mortos ou se escondendo, mas
não existe mais nada que eu possa fazer com minha arma.
Meus olhos são atraídos para as chamas ao meu lado e não hesito
antes de desencaixar uma das velas e a segurar minha mão livre. O calor
está perto do meu rosto, mas não perco tempo admirando, em vez disso,
levo minha atenção a Axel.
— Vai me cobrir?
— Até o dia da minha morte — promete.
Me desencosto da parede e caminho cautelosamente até perto do bar
e das bebidas caídas no chão.
— Faça tudo queimar, querida...
Então eu faço.
Jogo à beira do mostruário de bebidas e assisto quando a chama
começa a crescer quando se encontra com a madeira, com o vidro e com o
álcool que Axel derrubou. As poucas garrafas que sobraram estouram e
deixam a chama ainda maior, no final, está por toda a madeira e chega ao
teto.
Corro até Axel assim que ela se contamina com o líquido no chão e
então pego mais duas velas que está lá, jogando uma em uma mesa de
madeira perto do bar e outra na cortina do centro do salão.
Estico a minha mão pelo escuro, cega quando quase caio por um dos
corpos ao chão, mas Axel me salva da queda quando entrelaçamos nossos
dedos e me puxa para ele novamente. Corremos para longe do incêndio e
vamos em direção a Asher, faço questão de derrubar cada maldita vela ao
chão e incendiar uma cortina quando passamos por ela.
— Se preparem, eu vou explodir esse lugar — Monroe diz. — E então
vamos deixá-lo queimar.
Asher está orgulhosamente de pé sobre o corpo paralisado de seu pai.
Seu rosto de aristocrata virado em direção ao homem, como se avaliasse a
sua obra. O cheiro do fogo não parece o incomodar e a fumaça também
não, tudo o que está à sua vista é seu pai e sua derrota.
Cortinas pegam fogo atrás dele e ele lentamente se alastra até os
instrumentos dos homens que tocavam antes, porém Asher não parece
agoniado. Nunca o vi tão em paz como antes.
Ergue os seus olhos para mim e entendo tudo o que me diz. Entendo
que acabou, que agora podemos viver em paz. Entendo que tudo que nós
passamos não foi em vão. Entendo que Asher sente muito por meu
sofrimento e espero que ele entenda que sinto muito pelo seu. Entendo
que ele vai matar o seu pai antes de cruzarmos a porta.
E o amo por tudo isso.
As luzes se acendem, mas tudo o que consigo ver é caos e torço para
ver a cabeleira loira de Dylan em meio à fumaça. Luto para não derrubar
nenhuma vela ou álcool para os corredores da mansão onde Dylan está,
mas não sei se obtenho sucesso.
A fumaça está começando a ficar preta e preciso lutar para não
começar a tossir. Axel me puxa em direção ao seu corpo e rodeio os meus
braços por seu peito, nós dois contemplamos quando Asher tira sua arma
do cós da calça e a aponta para os pés de Mikhail. O som dos disparos é
alto, mas, depois dessa noite, acho que nunca vou tremer com eles
novamente.
Mesmo se Mikhail conseguir passar pelo efeito do remédio antes do
fogo o consumir por inteiro, ele ainda não conseguirá andar.
Quando vejo o tom loiro do cabelo de Dylan, corro para os seus braços.
O jogador passa o braço em minha cintura e nos arrasta em direção à porta
da frente sem outra palavra. Minhas pernas doem com a velocidade que
corro. Começo a tossir assim que passamos pela porta, engasgando-me por
causa da minha garganta seca.
Os gêmeos correm atrás de nós quando passamos por aquela maldita
fonte. Tudo ao redor da mansão já parece vazio e eu suponho que não
existe irmandade entre os ladrões. Quer dizer... alguns ladrões.
Dylan me agarra por cima do vestido e um sorriso está desenhado em
seu rosto, porque sei que, enquanto estávamos distraindo Mikhail, ele fez
um maldito inferno na fiação principal desse lugar a fim de fazer tudo isso
entrar em curto.
Um grande estrondo vem da mansão, mas nenhum de nós se vira para
olhar para trás. Contudo, caminhamos pelo gramado vazio até o carro.
— Vocês estão vivos? — Ouço a voz de Arianna. — É melhor que
estejam, porque um motoqueiro machucado não me é útil em nada...
Todos nós fedemos à fumaça preta que sai da mansão, nós estamos
com manchas escuras por nossos corpos e tenho certeza de que Axel e eu
cheiramos como se tivéssemos virado um minibar em cima de nós, mas
porra... eu não mudaria nada.
Três dos meus homens ao meu lado enquanto caminhamos em busca
do último enquanto o responsável por tudo isso queima até a morte atrás
de nós.
Isso é o maldito nirvana.

Salto do carro afoita assim que ele para. Não espero Axel estacionar
direito, meus pés tocam o chão sujo do asfalto e ele pinica a sola quando
corro em direção a casa.
Vejo mais homens vestidos de preto e armados dos pés à cabeça, mas
não ligo para eles. Podem me matar se quiserem, não ligo, só preciso dar
um abraço em Roman antes de deixar essa terra. Preciso sentir sua pele
contra a minha, preciso agradecer por tudo o que ele fez por mim, preciso
pedir desculpas pelo passado e preciso beijar os seus lábios até o meu
último suspiro.
Preciso marcar a sua pele com a minha e deixar claro que pertenço a
ele para sempre.
Escuto os passos apressados atrás de mim, mas não me viro para olhar
para nenhum deles. Entro no lugar e olho em volta, afoita. Não tem corpos
ao redor, mas reconheço as marcas de tiros nas paredes.
— Ele está aqui — um homem chama a minha atenção. Ele é alto e
musculoso, vejo as tatuagens em seus braços e a feição endurecida não me
causa desconforto.
Pelo pouco que vejo enquanto o sigo, percebo que a casa não é
luxuosa. Mikhail não fez questão de gastar dinheiro com ela, afinal, o que
tinha dentro não importava para ele. Mas significa o mundo para mim.
À medida que caminho até a sala, o cabelo escuro e bagunçado é a
primeira coisa que vejo. Uma nuvem escura e completamente bagunçada
de fios macios, mesmo que sejam cuidados por xampu barato. Vejo
hematomas e cortes por todo o seu rosto e o canto de sua boca parecem
completamente arrebentado.
— Merda... — Escuto o resmungo de Axel atrás de mim. — Ele está
horrível.
Não é uma mentira.
Roman está mais magro e perdeu uma parte dos músculos. Parece não
ter sido alimentado há dias e, o pior, está deitado e desacordado. Meus
joelhos batem no chão quando me jogo ao seu lado. Meus olhos se
enchem de lágrimas no momento que minhas mãos tocam o seu cabelo,
mas o motoqueiro não está acordado para me ver aqui.
— Por que ele não está sendo medicado? — Não consigo tirar os meus
olhos de Roman quando faço a pergunta.
— Nossa ordem era só para tirá-lo do porão, matar quem estivesse aqui
e limpar o lugar. Medicar ele não é por nossa conta — diz o homem que
me trouxe até Roman. — Ela quer falar com você.
Enxergo seus coturnos e engulo minhas lágrimas quando enxergo as
manchas de sangue fresco que são visíveis. Agarro o celular estendido com
os dedos trêmulos e sei exatamente quem esperar do outro lado da linha.
Arianna disse antes de arrancarmos as escutas que eu ainda falaria com ela
essa noite.
— Não é maravilhoso quando tudo dá certo no final? — cantarola. —
Pode olhar para o colete dele? Eu quero olhar nos seus olhos enquanto falo.
— Você não vai ver os meus olhos enquanto eu não puder ver os seus
— resmungo, então volto-me para Roman mais uma vez.
Asher já está fazendo suas ligações e percebo quando Dylan vai para os
fundos da casa, provavelmente indo ver onde Roman era mantido.
— Justo. Agora só falta mais um passo para o nosso negócio estar
fechado.
Deixo os meus dedos vagarem suavemente pelo rosto de Roman. Tento
ser leve e não o machucar, mas, além de sua respiração, Roman não
mostra nenhum sinal de que está vivo.
— Soltar a minha mãe?
Ela concorda, então solta uma risadinha melodiosa.
— Vou tirá-la da Rikers. — Acredito em Arianna Cacciola, porque
depois de tudo isso não existe como não fazer. — Sabe, até que você é bem
fodona.
Engulo uma risada.
— Você também é, Arianna.
Todos esses homens em minha frente só estão aqui por conta dela,
Arianna Cacciola é mais do que uma mulher foda.
— É... Sou sim. Meu serviço por hoje já está feito, Julieta. Agora leve os
seus cachorros daí, porque os meus homens vão incendiar a casa e sair.
— Mais incêndios?
Ela solta mais uma risada.
— O que eu posso dizer? Essa noite me deixou poética... — E por um
curto tempo, sinto que Arianna e eu poderíamos formar uma amizade.
Talvez em outra vida ela fizesse parte de nossa família maluca, quem sabe
ela pudesse ser mais do que um favor. — Vou te ligar para te dizer sobre a
sua mãe em breve.
De alguma forma, Arianna Cacciola parece ter tudo o que um dia eu
quis para mim. Ela tem uma família de sangue, tem um pai que a ama, um
irmão pequeno e tem poder. E não só isso... Arianna Cacciola é uma
mulher completamente diferente das que já conheci antes.
Agora eu devo a minha vida a ela e não duvido que vou ter que vender
minha alma para pagar.
Quando os meninos carregam Roman até o carro, não saio de seu lado.
Não me atrevi a entrar no porão como Dylan fez, mas escutei que o corpo
morto de Derek estava estendido pelo chão. Axel acelera o carro em
direção a um hospital com a cabeça de Roman em meu colo, e mesmo sem
olhar para trás, vejo as chamas consumindo a casa.
Não disse a nenhum deles, mas as chamas também consumiram as
minhas veias e meu coração naquela noite.
Roman está com desidratação e desnutrição, com o corpo todo
machucado por fora e por dentro, uma prova disso são as costelas
quebradas. Ele está cansado e havia lutado demais, agora precisa de
cuidado e medicação, como os médicos nos disseram... Seu peito sobe e
desce na cama do hospital e o médico explica que os seus sinais vitais
precisam ser controlados pela madrugada e verão como elevai responder
aos medicamentos.
Se o médico estranhou que todos nós fedíamos a fumaça e tínhamos
fuligem por todo o rosto, não disse nada. Se estranhou que trouxemos um
homem com sinais de tortura para o hospital, também não disse nada.
Esse é o hospital que o médico que atendeu Megan trabalha e no caminho
até aqui, Asher me explicou que os médicos sabem manter a boca fechada
quando o dinheiro é alto.
Durmo ao seu lado em uma poltrona durante a noite inteira.
Embolo o meu vestido em minhas pernas e uso o paletó de Dylan como
escudo para manter o frio fora. Abro meus olhos cada vez que um
enfermeiro entra durante a madrugada para checar os sinais de Roman e
aplicar a medicação. Os meninos estão espalhados pelo quarto, sentados
em poltronas caras que eles trouxeram especificamente porque Asher
mandou.
Minhas mãos estão agarradas aos dedos gelados de Roman quando
amanhece. Quero que tudo isso seja um filme para que possa acordar com
ele me olhando de volta, mas tudo o que observo é sua respiração
silenciosa e calma.
— Quando ele vai acordar? — questiono a enfermeira. A mulher tem
cabelo branco e um sorriso gentil, mesmo quando me olha de cima a baixo
e percebe os sinais óbvios de que minha noite não foi calma.
Os incêndios misteriosos devem estar por todos os jornais a essa hora.
— Não sabemos, querida. Depende dele agora. — Ela troca a bolsa de
soro e coloca a vazia em seu carrinho. — Você e seus amigos sabem que
tem um banheiro com chuveiro no quarto, certo?
Abro um sorriso sem graça para ela.
— Sim, nós sabemos, mas obrigada por avisar.
Não a culpo, nós parecemos monstros dos pesadelos de criancinhas.
Escuto o resmungo de Axel e o observo olhando feio para a pobre
enfermeira. Coço a garganta e atraio a sua atenção para mim. Volkov abre
um sorriso preguiçoso e pisca em minha direção. Ele parece tranquilo,
nada como o psicótico de ontem à noite. Não parece ligar de ter matado o
pai menos de oito horas atrás.
Acho que Axel e Asher dividem a frieza.
— Vou ligar para Charlotte — aviso. — Ela pode trazer roupas para nós.
Asher bufa, contrariado.
— Não vou confiar em sua amiga para trazer as minhas roupas.
Estreito os meus olhos em sua direção.
— Quer ir à casa de Patrick e buscá-las você mesmo?
O Volkov me olha com aquele seu olhar perigoso que eu adoro. Aquele
que faz as minhas pernas tremerem porque sei o que me espera por trás
de seus lindos olhos castanhos. Asher diz que é obcecado por mim, mas
não existe uma parte minha que não seja obcecada por ele em troca.
Megan e Charlotte vêm da mansão da família Monroe tempos depois
com as mãos cheias de mochilas e todos os meninos dizem que eu tenho
direito a ser a primeira a ir tomar banho, mas não quero sair de perto de
Roman. E se ele acordar enquanto eu estou tomando banho?
Fico enrolada na minha poltrona enquanto Asher se enfia lá primeiro,
louco para tirar os vestígios da noite passada de seu corpo. Axel entra
assim que ele sai e, por fim, Dylan. Ainda assim, não quero ir. Não quero
sair de perto do motoqueiro nem por um segundo e tenho toda certeza de
que não sairia se Megan não tivesse aberto a boca.
— Vadia, eu te amo, mas você está fedendo — diz. — Não vai querer
que o seu motoqueiro abra os olhos e a primeira coisa que ele veja seja
você suja e fedorenta, ou vai?
Vou para o banheiro depois de a mandar para o inferno.
Quis amaldiçoar Megan em todos os palavrões que conheço, mas não
podia negar que estava feliz por ela. Apesar de ela ainda ser a mesma
amiga maluca que me ajudou a assaltar um mercadinho e olhava para
Charlotte com corações saindo de seus olhos, agora Charlotte a olhava
assim de volta. As duas não se beijaram em minha frente, mas o sorriso
suave que mantinham nos lábios não mentia.
Relaxo enquanto a água quente cai sobre minha pele. Um suspiro
cansado escapa de meus lábios e fecho os meus olhos quando enfio a
minha cabeça debaixo da água do chuveiro. Me pergunto se mi madre
estará orgulhosa de mim agora...
Quando saio do banheiro, Roman está de olhos abertos. Quero ainda
mais enterrar Megan Smith, porém praticamente pulo na poltrona para
conseguir chegar perto dele.
O quarto está visivelmente vazio e não sei onde a maioria dos meninos
foi, mas quase não percebo quando Dylan sai do lado de Roman e me dá
um beijo na testa, saindo do quarto logo em seguida para nos dar
privacidade.
Seus olhos nunca estiveram tão azuis antes e estão focados em mim. O
observo piscar lentamente, como se estivesse saboreando a sensação.
Miller passa os seus olhos pelo meu rosto, me avaliando como faço com
ele. Mordo os meus lábios, incerta.
Ele está com raiva de mim? Não quer me ver mais?
Como se sentisse minhas incertezas, um sorriso preguiçoso toma conta
dos lábios dele. Roman sorri para mim com sinceridade, como se nós não
tivéssemos discutido na última vez que o vi e como se estivesse
completamente aberto para me amar.
— Oi, boneca. — Sua voz soa rouca. Talvez seja pela falta de uso ou
talvez porque ele a usou demais, gritando. — Como você está? — Quando
ele diz isso, soa como se tivesse esperado muito tempo para que essas
palavras deixassem a sua garganta, mas, ao mesmo tempo, sinto como se
nada tivesse mudado.
Luto para conter minhas lágrimas e não permitir que elas escapem por
meus olhos e mostre a ele o quão fraca eu estou. Devo ser forte por ele,
devo ser eu a pessoa a consolá-lo e não o contrário.
— Com saudades de você. — Minha voz ainda soa trêmula.
Move sua cabeça suavemente pelo travesseiro e sinto como se meu
coração tivesse partido dentro do meu peito, porque ele parece tão frágil.
Não tem nada que o lembra daquele garoto que me salvou de uma gangue
de motoqueiros na escola, que procurou por mim para fazer isso, que
roubou um carro e dirigiu comigo para longe do perigo.
— Eu sei... não vou mais ficar longe de você. — Abre os braços e me
convida para o seu peito, e mesmo sabendo que não devo, caio em seu
abraço.
Ele grunhe, incomodado, mas não me deixa sair quando tento. Roman
não tem muita força para me abraçar, mas só a sensação de suas mãos ao
meu redor me parece como o paraíso.
— Como você está, boneca? — desabo com essa pergunta. Tudo o que
lutei com unhas e dentes para segurar dentro de mim escapa como um
tsunami por meus olhos e bochechas. As lágrimas derramam e um soluço
escapa pela minha garganta. Todo medo que tive, todas as noites que
chorei e todas as vezes que achei que nunca mais iria vê-lo escapa por
meus olhos.
E céus... todo o arrependimento que sinto vai junto. Quero aproveitar
esse homem para sempre e nunca mais vou discutir com ele. Não posso
mais julgá-lo, não quando eu sou a pessoa cheia de erros também.
— Me perdoa? — arfo em seu peito — Eu prometo... devia ter te
ouvido, nós éramos só crianças... Por favor, meu amor, me desculpe! Não
posso te perder...
Roman coloca suas mãos em meu rosto e acaricia minhas bochechas
molhadas. Ele não tem força para segurar minha cabeça, então seguro a
sua mão contra minha bochecha e me acomodo contra sua pele quente.
— Boneca... — ele me chama. — Eu te amo.
— Te amo. — Puxo o ar com força e limpo minhas lágrimas com o dedo
indicador a fim de conseguir vê-lo completamente. O sorriso em seu rosto
ainda está lá e ele me passa a sensação de casa. — Deus, eu te amo
demais.
Passeio o meu indicador pela linha de suas sobrancelhas, tocando-o
como uma joia preciosa. Porque é isso que Roman é, como também é
alguém quebrado. Roman é a minha perfeita duologia, minha joia
quebrada que sempre guardarei a sete chaves dentro do meu coração.
— Não está mais com raiva?
Nego e tento regular a minha respiração.
— Depois de tudo o que nós fizemos, eu não deveria estar com raiva.
Está tudo bem agora — asseguro.
Roman faz um som estranho, é como se ele estivesse lutando para falar.
Viro o meu rosto em busca de um copo de água para ele e pego um na
mesinha ao lado da cama e o vejo beber com avidez.
— Quanto tempo eu estive com... ele?
— Um pouco mais de uma semana — respondo. — Nós te pegamos
ontem e trouxemos você aqui.
— E Derek?
— Ele está morto. — Roman olha para o seu copo de água, quieto. — E
Mikhail também.
Isso atrai o seu olhar de volta ao meu.
— Como Mikhail está morto? E como vocês conseguiram me achar? —
Miller pergunta, com a testa franzida de preocupação.
— Nós temos muito para pôr em dia, meu amor, mas saiba que tudo
isso acabou. Nós conseguimos com a ajuda de uma garota chamada
Arianna Cacciola, ela era noiva de Dylan. — Abro um sorriso sem graça ao
ver os seus olhos arregalados e sobrancelhas arqueadas. — Mas ela
acabou nos ajudando em troca de favores. De qualquer forma, estamos
livres de Mikhail Volkov agora e minha mãe vai sair da cadeia.
Livres... Isso é algo que eu preciso me acostumar.
Quero soltar um grito de euforia e vitória, mas ainda existem questões
que me incomodam. O que eu faria agora que minha mãe iria ser solta?
Vivi cada segundo desde que tinha quatorze anos em busca de trazer
justiça para ela. Roubei por conta dela e matei por ela, mas... e agora? O
que eu faço agora?
— Roman... Tem mais uma coisa. — Agarro suas mãos com força. —
Seu pai foi preso, mas Arianna provavelmente pode conseguir tirá-lo de lá
com um favor. Se você quiser, eu posso ligar para ela agora.
Não sei como a relação de James e Roman está depois do que li em seu
caderno antigo. Não sei o que ele vai querer fazer e, apesar de desejar que
James apodreça na cadeia como ele fez com minha mãe, essa é uma
decisão que só pertence a Roman.
— Volte a me abraçar — ele pede.
Inclino-me sobre ele novamente e faço todo o possível para aliviar o
meu peso de cima dele. Enterro o meu rosto em seu pescoço e sinto a
textura de sua pele em mim. Ele ainda está um pouco gelado, mas isso é
algo que eu posso lutar para consertar com o tempo. Ele vai ficar bem, só
precisa de cuidado e carinho.
— Eu te amo — ele sussurra em meu ouvido. — Você me perdoa?
Perdoá-lo por ser um adolescente de quinze anos? Perdoá-lo por fazer
coisas estúpidas com razões nobres?
Como posso não o perdoar por isso?
— Sim, motoqueiro. Eu te perdoo.
Ergo minha cabeça e encaro os seus olhos azuis e rosto tranquilo.
— Então casa comigo.
Reviro os meus olhos e abaixo a minha boca até pressionar a sua com
suavidade.
— Não, eu só tenho dezoito anos.
Roman tenta me puxar para um beijo, mas nego isso a ele. Uma careta
toma conta de sua expressão e não evito soltar uma risada.
— Posso te esperar fazer dezenove.
— Ainda não vou me casar com você com dezenove.
Miller bufa.
— Tudo bem, eu não vou sair da sua vida. Posso esperar uma década se
for preciso.
Solto uma risada e me entrego a um beijo carregado de saudade e
amor, porque Roman não está errado... ele pode esperar uma década,
porque já esperou muito mais do que isso por mim.
Saboreio os seus lábios e tento conter as minhas lágrimas, mas elas
ainda saltam e pingam nas bochechas de Roman, mas ele não se importa.
Não importa.
Ouvimos quando a porta do quarto é aberta, mas Roman ainda não me
deixa ir longe dele e eu aceito, permaneço presa em seu toque e rezo para
quem estiver lá em cima para que ele nunca vá embora.
— Todo o meu coração está com você, Sra. Miller — sussurra contra os
meus lábios. — Espero que guarde ele com carinho.
Quero dizer que Roman tem todo o meu coração, mas a verdade é que
ele está dividido em quatro partes e distribuído entre quatro garotos
quebrados desde que éramos só crianças brincando no gramado em frente
à minha casa. Mas o meu peito não está vazio, porque, no lugar do meu
coração, sei que todos os quatro tiraram os seus e entregaram para mim.
— Quando ela for senhora alguma coisa, vai ser Sra. Volkov — Asher diz
enquanto anda pelo quarto, parecendo novo em folha com seu outro terno
e cabelo molhado. — Pode ter acabado de acordar do inferno, Miller, mas
não me importo de te levar até lá de novo.
Roman bufa e revira os seus olhos para Asher, mas o sorriso ainda está
presente em seus lábios.
— O pior castigo que eu posso ter é escutar a sua voz logo depois de
acordar, Volkov — Roman rebate, seco.
Dylan solta uma risada. O jogador se joga no sofá do quarto e morde
um sanduíche em suas mãos.
— Se vocês dois já estão discutindo, significa que o mundo voltou ao
normal — declara o capitão, vestindo a sua característica jaqueta
novamente. Me pergunto se foi Charlotte ou Megan que a separou para
ele, mas as garotas não estão à vista.
Axel caminha direto para mim e me entrega uma sacola preta. Seus
lábios vêm em minha testa para um beijo terno antes de eu observá-lo se
jogar na poltrona que passei a noite.
— Suas amigas disseram que iriam comprar comida em outro lugar,
mas todos nós sabemos que elas foram para dentro do banheiro — me
confidencia o lutador e, em seguida, ele abre um sorriso brincalhão para
Roman. — Como você está, idiota?
— Bem pra caralho. — Roman aperta as minhas mãos e me lança uma
piscadela.
— Babochka, preciso que me diga para onde iremos — Asher diz.
Franzo minha testa, confusa.
— Nós não vamos ficar aqui?
— Só se você quiser.
— Mas... não podemos sair. Tem o clube e Patrick — digo.
Nenhum dos meninos diz nada, mas sinto os seus olhares em mim. Me
viro para Roman, esperando que ele diga que vai ficar no clube e que vai
assumir o lugar de seu pai, mas o motoqueiro não diz nada.
O som do celular de Dylan vibrando chama a nossa atenção e me
atento a ele, temerosa.
— É Patrick... — Dylan encara a tela do celular por um tempo,
enquanto toca em sua mão.
Espero que ele atenda e que converse com Patrick, espero que siga
suas ordens como tem feito por todo esse tempo, que siga o seu avô com
devoção, mas a sentença é dada quando Dylan desliga o celular e ergue
seus olhos em direção aos meus. Sua expressão se torna decidida e o
orgulho enche o meu peito ao perceber que ele está se escolhendo em vez
de seguir cegamente o avô.
— Não vou mais viver pelos erros da minha mãe e do meu avô. Desisto
disso — ele diz e o aperto de Roman em minhas mãos confirma. — Tome o
seu tempo, linda, nós vamos onde você disser.
O que resta em mim além do desejo da minha mãe? Quais são os meus
desejos?
Talvez eu possa finalmente começar a ler aqueles livros de medicina
que tenho em casa, talvez eu possa entrar para uma faculdade como as
outras adolescentes geralmente fazem. Talvez possa tirar um ano de férias
e viajar pela Europa em um carro, quem é que sabe?
A única certeza que tenho é de que esses garotos vão estar presos
comigo, porque não existe outro lugar para estar.
— Vão atrás de mim?
Permaneço imóvel, mas a emoção e a excitação me preenchem por
inteiro.
Os vejo, cada um de seu próprio jeito e teimosia, mas todos parecem
ser feitos para mim e eu não os mudaria em nada, nunca.
— Nunca vamos te deixar ir.
E sei com tudo em mim que eles vão cumprir tudo que me prometeram
até o fim dos meus dias.
Alguns anos depois...

O som da minha risada é ouvido pela praia privada, mas ninguém está
aqui para escutá-la. Afundo meus pés na areia fofa enquanto desvio de um
beijo de Axel para observar o céu e ver a noite estrelada, que apenas a
Itália pode mostrar.
— Espera — Apesar de dizer isso a ele, não faço nenhum esforço para
sair dos seus braços quentes.
Um som parecido com um rosnado sai de seus lábios e abro um sorriso
para isso.
— Me dê a sua boca e então vou te deixar ir — promete.
Dylan entrelaça os nossos dedos e ergue minha mão para um beijo que
aquece a minha pele.
— Nem você acredita nisso, Volkov — diz o loiro.
Tiro o meu olhar do céu e me viro para encará-lo. Dylan sempre teve
um porte de homem, mas algumas características de adolescente já
fugiram de seu rosto muitos anos atrás. Seu cabelo loiro é perfeitamente
cortado, porque um jogador caro como ele precisa ser bem-cuidado.
Monroe está mais forte por conta dos treinos pesados, mas sei que ele não
trocaria a vida que leva pela por uma mais fácil.
Dylan ficou cinco anos sem falar com Patrick quando renegou sua
família.
Depois que saímos do hospital, meu homem fez suas malas e disse ao
seu avô que nunca mais iria obedecer a uma ordem dele, mesmo que
ficasse sem teto e foi o que aconteceu. Mas tudo bem, porque Asher
sempre teve dinheiro guardado e eu... Eu tive dinheiro acumulado de anos
de assaltos para poder sobreviver.
Quem diria que o dinheiro sujo de um mercadinho iria sustentar a mim
e aqueles garotos até a formatura?
— Está gostando da Itália, querida? — indaga Axel.
Levo meu olhar para ele e encontro os olhos castanhos em mim.
Axel tem a mesma alma selvagem de anos atrás, mas a diferença é que
agora ele redireciona isso para algo bom. Volkov decidiu abrir uma
academia de boxe depois que eu disse que não aceitaria mais que entrasse
em casa com o rosto machucado todos os dias sem ganhar um dinheiro
que fosse bom o suficiente para nos sustentar.
O único problema disso é ver as mulheres se amontoando na porta da
academia quando ele aparece e acham que meu homem daria atenção a
qualquer uma delas. Isso nunca vai acontecer e só basta que eu apareça
para que toda a sua atenção seja minha.
Não posso dizer que as culpo, porque sei que meu homem chama
atenção por onde passa. Axel tem o seu cabelo preso em um coque e seu
rosto está com uma barba bem-feita que ele já me disse que só mantém
porque gosta de quando eu me contorço quando ele a arrasta no meio de
minhas pernas.
O longo vestido vermelho se agarra em minhas pernas pelo vento que
bagunça meu longo cabelo escuro. A Itália é só... diferente. Já viajamos
muito por conta de Dylan, mas esse lugar... O cheiro de água salgada chega
aos meus sentidos com mais facilidade, a temperatura fria da areia faz com
que sinta cócegas na sola dos meus pés.
Sinto tudo isso com mais intensidade do que já senti em qualquer outro
lugar na minha vida.
Então me viro para Axel e confidencio:
— Amo esse lugar, gostaria de viver aqui para sempre.
Aperta o meu ombro com seu braço musculoso e fecho os meus olhos
quando sinto a pele de seus lábios em minha testa.
— Tudo o que precisa fazer é pedir.
Enquanto andamos de mãos dadas de volta para a casa de praia que
Asher alugou, consigo ver as sombras na varanda de longe. Ambas são
altas e musculosas, mas ainda consigo diferenciar uma da outra sem
hesitação.
Me solto dos braços dos meninos e ergo o meu vestido vermelho para
começar a correr em direção a eles. Um sorriso brinca em meu rosto
quando me jogo nos braços de Roman e fecho os meus olhos, absorvendo
o cheiro de mar com o seu cheiro de homem.
De todos eles, Roman foi o que mais demorou a conseguir achar um
rumo para a vida. Sem o clube, o que mais ele seria? Quando ele fez essa
pergunta a mim, decidi que não importava.
Roman poderia ser qualquer coisa, desde que fosse ao meu lado.
O meu motoqueiro pode mudar o quanto quiser, mas sei que parte
dele sempre será a mesma. Ele ainda viaja para o Texas e gasta os seus dias
administrando o clube de longe, seu pai foi solto alguns meses atrás, logo
depois de Roman decidir que queria que Asher contratasse os advogados
que ele conhecia.
E pensando em Asher...
Dou de cara com as íris castanhas assim que abro os meus olhos. Asher
está perto de nós, seus olhos me puxam para ele em uma ordem silenciosa
que aceito sem hesitar.
Não tem nenhum terno em seu corpo. Aprendi a apreciá-lo em todos
os momentos e percebemos juntos que não havia mais linhas que
poderíamos cruzar. Ou era isso que eu pensava...
— Babochka. — O meu apelido ainda tem o mesmo som em seus
lábios. Mesmo que Asher agora tenha sua feição endurecida de um
homem de negócios, ainda me sinto como a adolescente apaixonada que
um dia fui.
— Volkov. — Ergo uma sobrancelha para ele, mas Asher não está aqui
para brincadeira. Gruda os seus lábios nos meus em um beijo cheio de
desejo que me faz encharcar a calcinha do biquíni.
Acordo com os olhos desse homem em mim todos os dias desde que
tinha dezoito anos e estava presa em um pesadelo e perdida em meio às
luzes e sombras de meus sonhos ruins. Estava correndo pela minha vida e
trombei neles no caminho.
Mi madre não ficou decepcionada quando saiu da prisão e a primeira
coisa que viu foi a sua filha cercada por quatro garotos. Hoje, depois que
voltou para o México, ela me disse que sabia que estava criando uma
garota má, mas que estava orgulhosa de mim... Mesmo que tivesse
arrastado quatro demônios juntos.
— Vamos para o quarto. — Os olhos de Asher brilham.
— Quarto? Nós vamos para o mar. — Não importa quantos anos se
passem, Roman e Asher continuarão se provocando. Não importa que
agora estamos mais perto dos trinta do que dos vinte. — Não dá conta,
Volkov?
Quando Charlotte e Megan nos visitam, elas dizem que eles têm algum
tipo de amor encubado um pelo outro. Minhas garotas ainda estão bem e
vivendo o melhor desde que Charlotte decidiu largar sua família e viver
com a nossa ruiva.
Algumas coisas mudaram com os anos.
Vinte e seis é uma boa idade em mim, estou mais gostosa do que nunca
e acabo de me formar em medicina depois que decidi ir para a faculdade.
Arianna Cacciola já havia me cobrado um dos favores, mas, apesar de
toda luta para pagar metade de minha dívida, a outra metade ainda está
aguardando o seu chamado. Depois de toda luta e de saber quais tipos de
favores Arianna pede, decido que não posso envelhecer e esperar para
sempre. Sei que um dia vou receber a sua ligação mais uma vez, porque é
isso que acontece quando se vende a alma para o diabo, mas estou bem
em esperar até lá.
Me lembro do pânico que tomou meu estômago anos atrás quando
recebi sua ligação, mas isso é uma história para outra hora...
Às vezes, tenho vontade de chorar pensando no quanto as coisas
mudaram.
— Ela não vai entrar no mar desse jeito, irmãozinho — Axel ralha e traz
suas mãos para a base de minhas costas. — Já anoiteceu e é perigoso.
— Você está dizendo a mesma coisa que me disse de manhã. — Reviro
os meus olhos para ele. — Qual é a razão de termos alugado uma casa na
praia se não posso entrar no mar?
— Tirar fotos bonitas e guardar no álbum? — Dylan encolhe os ombros
e abre um sorriso provocativo para mim. — Vamos mostrar para ele
quando crescer.
— Ela — corrige Roman.
Dylan revira os seus olhos azuis.
— Você não sabe o sexo.
Roman bufa.
— E nem você.
Acontece que estou grávida de quatro meses.
Existem momentos que acho tudo isso maravilhoso. Sou mimada vinte
e quatro horas por dia e não consigo dar um passo sem que um deles
venha até mim. Dylan pausou a carreira de quarterback e todos eles
tiraram férias para vir aqui passar a gravidez da forma mais tranquila
possível. Inferno, Asher disse que só vai dizer para mi madre, Charlotte e
Megan onde estamos depois que o bebê nascer.
Não são gêmeos, para a minha total alegria. Eu morreria se fosse.
Choro toda vez que um comercial fofo passa na TV e sempre que vejo um
vídeo de gatinho, porque sei que Hela já está velha e não sei mais quanto
tempo ela vai durar.
O meu pacote de amor está dormindo em um banco de madeira da
varanda e tenho a certeza de que um dos meninos a colocou lá, porque
eles a amam tanto quanto eu. Hela está envelhecendo e, mesmo sabendo
que ainda tenho muitos anos com ela, choro como um bebê sempre que
vejo um filme onde algum animal morre.
É meio humilhante.
— Eu amo vocês — digo em meio a toda discussão.
Tenho que dar um passo para trás para os observar. Todos eles estão
vestidos de preto, mas, diferente da primeira vez que eu os vi, agora faz
todo o sentido vê-los assim. Sei de toda a escuridão que os cerca e aprendi
a gostar dela.
Coloco uma mão em minha barriga. Não é grande o suficiente para que
todos consigam ver, mas eles já notaram a diferença. Eles notaram antes
mesmo de eu conseguir notar.
— Amo vocês desde os sete anos... — E lá vem as malditas lágrimas de
novo.
Um misto de olhos azuis e castanhos. Não sei se esse bebê vai ter essas
cores ou se vai puxar o meu tom esverdeado, mas não posso esperar para
descobrir.
— Nós também te amamos, querida — diz Axel.
— Por favor, pare de chorar — Dylan pede, então passa a mão em seu
cabelo loiro e abre um sorriso para mim como fez naquele primeiro dia em
que coloquei os olhos nele pela primeira vez.
— Acho que você já chorou o suficiente para competir com o oceano —
Roman, o meu motoqueiro, diz.
Reviro os meus olhos para a sua provocação e deixo o meu olhar vagar
para o mar. A água está tranquila e eu vejo pequenas ondas se quebrando
e a areia úmida. Um brilho provocativo toma conta de minhas feições
quando volto a olhar para eles.
— Vocês vão atrás de mim? — Me preparo e ergo o meu vestido
vermelho novamente. — Ou vão me deixar ir?
Os olhos de Asher brilham e eu sei que ele reconhece o que eu digo. O
calor esquenta o meu coração quando ele diz:
— Corra e se esconda, babochka, mas saiba que nós nunca vamos te
deixar ir.
E como uma viciada em suas travessuras, começo a correr em direção
ao mar e tenho a certeza de que eles vêm atrás de mim.
Enquanto os meus pés se entranham na areia, sinto o meu celular
vibrar e, quando olho o número marcado na tela, sinto um arrepio tomar
conta de todo o meu corpo. Arianna Cacciola está me ligando e, assim
como na primeira vez, sei que o diabo voltou para buscar a outra metade
de minha alma.
Mas, assim como aconteceu anos atrás, sei que eles vão estar comigo
enquanto pago minha dívida.
Costumava acreditar que Roman, Dylan, Asher e Axel não eram a luz da
minha vida e nem da minha paz, mas estava errada. Eles são o meu ponto
de paz tanto quanto são o meu ponto de desequilíbrio.
Roman, Dylan, Asher e Axel foram a origem do meu sucesso, faziam
parte do meu fracasso e de todo o meu amor. Eles ainda eram os
catalisadores do meu caos e eu sempre seria o mesmo para eles.
Acreditava que os quatro nunca poderiam sobreviver a mim e estava
certa, mas eu também nunca poderia sobreviver a eles.
Parte de mim sempre seria aquela deslumbrada garotinha de sete anos
de vestido vermelho e meias quando os viu pela primeira vez e eles
sempre seriam aqueles garotos vestidos de preto que iriam fechar o seu
mundo para aceitar o meu.
E nós sempre seríamos um bando de viciados na perversão, a diferença
é que aprendemos a prosperar nisso.
Sempre fui o tipo de pessoa que ficava com a boca fechada e com os
pensamentos a mil. Aquele tipo de criança que guardava o que ia dizer na
maior parte do tempo, mas que libertava os pensamentos para voarem
livremente.
Nesse momento, sinto-me em uma situação complicada... Acho que é
por isso que demorei mais de dois meses para escrever os agradecimentos.
Não quero me despedir dos meus personagens.
Como posso fazer isso, quando eles ainda estão tão vivos em minha
mente? Não sou madura o suficiente para deixá-los ir e acho que vivi bem
o período de luto depois que acabei de escrever.
Eu os vi florescer. Vi Julieta sair daquela garotinha de vestido vermelho
até se transformar na mulher que se tornou. Vi todos os meninos
crescerem de uma forma fenomenal, e como posso ficar longe daquele
grupo de amigas malucas agora? Como posso viver para eles durante seis
meses e deixá-los ir agora?
Acho que isso nunca vai acontecer, e espero que nunca aconteça com
vocês também.
Em minha mente, eles ainda estão vivos. Juntos (é claro) e viajando
livremente pelo mundo, vivendo a sua merecida paz. Mesmo que algumas
leitoras tenham dificuldade em imaginar Julieta González em paz e livre de
problemas, ela está vivendo o melhor da sua vida (mesmo com os favores
que precisa resolver, mas isso é história para outra hora).
A primeira pessoa que quero agradecer é a minha mãe. Obrigada por
ter me apoiado em todos os momentos. Por pegar em minha mão e dizer
que eu não estava louca quando te contava alguma aventura que meus
personagens estavam vivendo. Por acalmar as minhas crises durante a
escrita desse livro, por me abraçar quando chorei e por ser essa pessoa
maravilhosa. Te amo.
Papai, quero muito te agradecer por tudo o que tem feito por mim até
agora. Por não me considerar louca por dizer que queria ser escritora, por
me escutar nos momentos que precisei, por não duvidar de mim e por não
hesitar em me ajudar a transformar o meu sonho em realidade. Te amo
muito.
Não seria possível chegar até aqui sem o agradecimento para uma
pessoa especial. Não existe exagero quando digo que esse livro não
existiria se eu não tivesse conversado com ela e não tivesse sido escutada
com tanto carinho e atenção. Eduarda Brits (@autorabrits), você merecia
uma página inteira de agradecimentos e eu sei que até esse livro ser
publicado, vou ter ainda mais motivos para te agradecer.
Cara, Brits. Você foi mais do que uma escritora tirando dúvidas pela
DM. Você me pegou pela mão e me explicou o que ninguém nunca tinha
feito. Me ajudou em meio a tantas crises sem ter noção do bem que me
fez. Não existem palavras suficientes no dicionário para que eu consiga
expressar com exatidão o quanto sou grata por você, por sua paciência,
seu carinho e seu amor. Posso ter cometido vários erros durante essa
jornada, mas conhecer você e o mundo delicioso de Fire nunca serão um
deles.
Às minhas leitoras do Wattpad, por serem minha fortaleza quando eu
não tinha certeza do que esse livro seria. Obrigada pelos surtos no grupo,
pelas mensagens carinhosas na DM, pelos comentários e surtos. Esse livro
não estaria aqui sem vocês. Vocês são gigantes e eu sempre vou sentir falta
daquele mundinho que criamos.
À Helo (@readbyhelo), a melhor leitora crítica do mundo. Obrigada por
todo o seu trabalho incrível. Pelos comentários cirúrgicos e pelos áudios
enormes que tanto amei escutar. Obrigada por fazer parte dessa trajetória.
À Carla Santos (@carlafs_site), pela paciência e pelo carinho que tratou
esse projeto. Muito obrigada por topar entrar nessa história louca e por
amar esses personagens tanto quanto eu. Você é incrível e eu não faço a
menor ideia do que teria feito sem você (e eu não estou exagerando).
À Julieta González, por entrar como um furacão em minha vida e exigir
que eu contasse a sua história.
“Somos feitas uma para a outra, Mila.” Consigo praticamente escutar a
sua voz cheia de presunção. É, somos sim...
Obrigada ao Asher, por me emprestar sua determinação; ao Dylan, por
me mostrar que as pessoas são mais do que parecem; ao Roman, por todo
carinho que ele me deu durante o tempo que esteve falando comigo; e ao
Axel, por seus sorrisos provocativos e a risada apaixonante que me deu
vontade de estar no lugar da Julieta.
E, é claro, obrigada a você, caro(a) leitor(a). Obrigada por me
acompanhar até aqui e por ter dado uma chance para essas cinco almas
quebradas. Se você já veio do Wattpad, é um prazer te ver de novo. Se
esse é o primeiro contato que você tem comigo, muito prazer.
Espero que me acompanhem em meus próximos livros.
Não se esqueça de deixar a sua avaliação, porque eu vou amar ler todas
elas. Se não se sentir à vontade, fique livre para as estrelinhas também.
Me acompanhe para saber de novos projetos no Instagram
(@kamilaautora) e no TikTok (@kamilaautora).
Kamila Ferreira é uma amante da literatura e dedica-se à escrita desde
os treze anos (a época em que começou a ler Crepúsculo e não parou
mais). Nascida e criada em Minas Gerais, ela é uma admiradora de sua
cultura e é apaixonada por culinária.
Ela já tem idade suficiente para ser presa, mas gosta de estar segura em
seus filmes de romance clássicos ao lado de seus dois cachorros. Não
consegue ler nada que não envolva romance (embora goste de assistir
documentários criminais), e seu coração sempre bate mais forte se
tratando de casais impossíveis.
Com piadas prontas em momentos inapropriados, Kamila vive em
mundos de fantasia na maior parte do tempo (na outra parte, ela está
batendo a cabeça para transformar a fantasia em realidade).
1)
Do espanhol: Minha mãe.

2)
Do espanhol: Meu pai.

3)
Do espanhol: Garota

4)
Do espanhol: Irmã

5)
Do espanhol: Oi, mãe.

6)
Do espanhol: Oi, meu coração.

7)
Do russo: Doce borboleta.

8)
Do espanhol: Um beijo.

9)
São as namoradas/esposas dos membros do clube.

10)
Do russo: Filho da puta.

11)
Do espanhol: Como está? Onde está?

12)
Ovos rancheiros (prato típico mexicano).

13)
Do espanhol: Que está acontecendo? Está tudo bem?

14)
Do espanhol: Quase me mataram.

15)
Do espanhol: Quê? Quando?

16)
Do espanhol: Agora

17)
Do espanhol: Que sou tão suja quanto seu pai.

18)
Do espanhol: Diz me.

19)
Do russo: Não.

20)
Do espanhol: Lhe juro.

21)
Do espanhol: Merda.

22)
Do russo: Menino maldito.

23)
Em espanhol: Meu Deus.

24)
Do italiano: Bonitinha.

25)
Do italiano: rapaz.

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